Livro Lingua Latina
May 2, 2017 | Author: lordemanoell | Category: N/A
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Língua Latina
Autor Rodrigo Tadeu Gonçalves
1.ª edição
© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
G635 Gonçalves, Rodrigo Tadeu. Língua Latina. /Rodrigo Tadeu Gonçalves – Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2007.
184 p.
ISBN: 978-85-7638-771-8
1. Língua latina – Didática 2. Língua latina – Estudo e ensino 3. Língua Latina – Gramática 4. Língua latina – Literatura I. Título. CDD 470.07
Todos os direitos reservados IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR www.iesde.com.br
Sumário História do latim e as línguas neolatinas | 7 A hipótese do indo-europeu | 9 História do latim | 11 A passagem do latim para as línguas românicas modernas | 13 A latinização | 14
Fonologia e prosódia do latim | 21 A questão da duração das vogais | 22 O alfabeto latino | 23 O acento de intensidade | 25 As pronúncias do latim | 26
Estrutura da língua latina comparada com a do português | 31 A estrutura da língua portuguesa | 31 A estrutura do latim | 32 Comparação entre as duas línguas | 36
Sistema nominal latino | 43 As declinações nominais | 43 Os adjetivos de primeira classe | 47 Preposições | 49
Sistema nominal latino II | 55 Terceira declinação dos nomes | 55 Adjetivos de segunda classe | 59
Graus dos adjetivose formação de advérbios | 73 A formação do comparativo dos adjetivos | 73 A formação do superlativo dos adjetivos | 75 Comparativos e superlativos irregulares | 76 Advérbios regulares | 76
Estrutura da língua latina: os verbos | 81 Características morfológicas dos verbos em latim | 81 Primeira conjugação verbal | 85 Segunda conjugação verbal | 88
Aprofundamento da morfologia verbal latina | 95 Terceira conjugação | 95 Quarta conjugação | 97 Conjugação mista | 99 Verbos irregulares | 101
A voz passiva e os verbos depoentes | 115 Voz passiva | 115 Verbos depoentes | 121
Os pronomes em latim | 131 Pronomes pessoais | 131 Pronomes possessivos | 132 Pronomes interrogativos e indefinidos | 133 Pronomes demonstrativos | 134 Pronomes relativos | 136
Conjunções: coordenação e subordinação | 147 Conjunções | 147 Conjunções coordenativas | 147 Conjunções subordinativas | 149 A questão da subordinação sem conjunção: o acusativo com infinitivo | 153
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações | 161 Os numerais | 161 O calendário romano | 163 A quarta e a quinta declinações nominais | 167
Gabarito | 175 Referências | 183
Apresentação É muito difícil não reconhecer a importância da língua latina para todos os estudiosos e profissionais de áreas relacionadas com a língua portuguesa, dada a relação de descendência histórica direta entre elas. Assim, a inclusão do estudo, ainda que incipiente, do latim nos currículos de Letras é fundamental. Este livro tentará apresentar questões importantes da língua latina para alunos de graduação em letras. O ensino do latim pretendido aqui é, portanto, instrumental, voltado para uma compreensão da nossa própria língua. Em especial, pensamos, o contato com a língua da qual a nossa deriva diretamente deve aumentar a nossa capacidade de refletir sobre estruturas linguísticas e sobre a nossa própria concepção da nossa própria língua, tanto no sentido histórico quanto no sentido sistemático, nos termos da diacronia e da sincronia saussureanas. Dessa forma, não pretendemos, por razões de escopo do material e do papel que essa disciplina exerce numa licenciatura em letras – Português, oferecer um ensino extremamente complexo e aprofundado de todas as formas possíveis da gramática latina, nem pretendemos levar os aprendizes aos caminhos dos textos originais de forma milagrosa. Mas sim, por outro lado, em uma tentativa metodologicamente reflexiva e crítica, pretendemos abrir o caminho ao aluno interessado para que, a partir daqui e das referências apresentadas ao longo do livro, continuem seus estudos a fim de que se apoderem dos tesouros do conhecimento, do pensamento, da literatura, da religião e da filosofia ocidentais a que o domínio pleno da língua latina conduz. Isso não quer dizer, no entanto, que não tentaremos incentivar os alunos ao acesso desde o primeiro momento aos textos autênticos do vasto corpus da literatura latina: com glossários explicativos e adaptações mínimas, apresentaremos alguns excertos como base dos exercícios, para que, através de metodologia moderna no ensino da habilidade de leitura, possamos ajudar os alunos a se tornarem leitores capazes de compreender uma língua como o latim em sua base estrutural tão diversa da nossa. Por esse mesmo motivo, como o ensino da língua latina (que não tem mais falantes nativos vivos) só pode ser pensado de modo plausível visando a habilidade de leitura (e não as de escrita, produção e compreensão oral), será necessário trabalhar com exemplos nãoautênticos e que fugiriam aos moldes da literatura latina canônica. Faremos tudo, esperamos, de maneira dosada e sem distorcer o que deveria ter sido de fato a língua de Roma.
História do latim e as línguas neolatinas Rodrigo Tadeu Gonçalves* O latim é a língua que era falada na região central da Itália, chamada de Lácio, durante o primeiro milênio antes de Cristo e que, juntamente com o Império Romano, estendeu-se por grande parte da Europa, pelo norte da África e por diversas regiões da Ásia, até se transformar, através do curso natural das línguas, em dialetos incompreensíveis entre si, que acabaram dando origem a línguas como o nosso português, o francês, o catalão, o espanhol, o italiano, o romeno, o provençal, entre outras. O latim que aprendemos hoje corresponde à variante literária de um período muito importante para a história do ocidente: o período que, de maneira geral, compreende os séculos I a.C. e I d.C. Nesse período, grandes autores escreveram obras literárias que ajudaram a moldar as bases culturais, políticas, sociais, filosóficas e religiosas da Europa e, consequentemente, do mundo Ocidental. Dentre esses autores, podemos destacar o mantuano Públio Virgílio Maro1, que, dentre outras obras, escreveu a Eneida no final do século I a.C. Virgílio narra, em doze livros de cerca de 700 a 1 000 versos cada, as origens históricas e mitológicas da grandiosa Roma que, no seu tempo, era governada pelo imperador Augusto2, que, após longas décadas de guerras civis, havia sido declarado imperador em Roma, e criaria um período de paz e prosperidade para a capital de um império que, se já vinha se expandindo enormemente ao longo dos séculos precedentes, avançaria seus domínios para lugares tão distantes quanto as Ilhas Britânicas, a costa do Norte da África (incluindo o Egito), e vários territórios do atual Oriente Médio, até as bordas do Mar Negro. * Mestre em Letras e bacharel em Letras: português, inglês e latim pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). 1 Virgílio nasceu no ano 70 a. C. perto de Mântua, na Gália Cisalpina, e morreu no ano 19 a.C. 2 De nome Gaio Júlio César Otaviano, Augusto recebeu esse título quando se tornou o primeiro imperador de Roma. Nasceu em 63 a.C. e morreu no ano 14 da nossa Era. Sob seu império, cessam quase cem anos de guerras civis entre os romanos, em especial, a mais importante, travada entre seu tio, Júlio César, e Pompeu.
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Expansão do Império Romano para a morte de César. Expansão territorial desde Augusto até Nero e época de Trajano. Tentativa de penetração Romano-Germânica na época de Augusto.
Temática Cartografia.
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Mapa do Império Romano por volta da época de Augusto.
Na Eneida de Virgílio, o surgimento de Roma está ligado às raízes mitológicas européias, pois Enéias, o herói do poema, fugindo como um dos poucos sobreviventes da Guerra de Tróia3, recebe a missão de buscar uma nova terra para fundar uma cidade que viria a ser a capital do mundo. Os destinos e os deuses então guiam Enéias por terras distantes, até que ele chega na foz do rio Tibre, por volta do século VIII a.C., perto das famosas sete colinas que hoje ficam em Roma. Lá, seu filho Ascânio dá origem a uma linhagem de reis que misturam sua ascendência com as dos povos locais, que incluíam etruscos, faliscos, oscos, sabinos, entre outros, e que, com seus descendentes Rômulo e Remo, fundam a cidade de Roma. Acompanhemos as palavras que Enéias ouve de seu pai, Anquises, quando desce aos infernos para encontrar-se com ele e conhecer o futuro glorioso de Roma: Outros, é certo, hão de o bronze animado amolgar com a mão destra, ninguém o nega; do mármore duro arrancar vultos vivos. Nos tribunais falar bem, apontar com o seu rádio as distâncias na azul abóbada e os astros marcar quando a leste despontam. Mas tu, romano, aprimora-te na governança dos povos. Essas serão tuas artes; e mais: leis impor e costumes, poupar submissos e a espinha dobrar dos rebeldes e tercos.4
A partir dos relatos míticos da fundação de Roma, as conquistas desse povo belicoso e austero tornaram grande parte do mundo conhecido falante de latim, e, com a fusão de Império Romano e Igreja ao longo dos primeiros séculos da Era Cristã, a religião, a cultura, a literatura, a filosofia e a admi3
Os gregos sitiaram a cidadela de Tróia por cerca de dez anos e finalmente a destruíram porque o belo Páris, filho de Príamo, rei de Tróia, raptara a belíssima princesa Helena, esposa do chefe grego Menelau. Dentre os gregos destacavam-se, por exemplo, o engenhoso Odisseu, protagonista da Odisséia do poeta grego Homero, e o furioso Aquiles, tema do outro poema épico homérico, a Ilíada. Também durante a guerra de Tróia encontramos o ardil do cavalo de madeira cheio de soldados, o famoso “presente de grego”. 4 Tradução de Carlos Alberto Nunes para os versos 847 a 853 do Livro VI da Eneida. Em latim: Excudent alii spirantia mollius aera, / credo equidem, vivos ducent de marmore voltus, / orabunt causas melius, caelique meatus / describent radio, et surgentia sidera dicent: / tu regere imperio populos, Romane, memento; / hae tibi erunt artes; pacisque imponere morem, / parcere subiectis, et debellare superbos.
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nistração pública levaram a antiga língua da Itália, ao longo da Antigüidade e da Idade Média, para a grande parte da Europa. Assim, se falamos português hoje, é porque a região onde hoje fica Portugal fez parte desse processo de recepção da cultura dos conquistadores romanos e a língua latina lá falada foi aos poucos se diferenciando do latim falado pelas outras regiões, até que já não fosse a mesma língua. Somos, de certa forma, herdeiros lingüísticos da empreitada do mítico Enéias, e, por isso, é ainda muito importante aprendermos ao menos um pouco dessa língua que constitui um dos pilares fundamentais da cultura ocidental.
A hipótese do indo-europeu Ao longo principalmente do século XVIII, estudiosos europeus interessados em várias línguas e culturas começaram a perceber similaridades muito claras entre palavras de línguas que já se sabia que eram aparentadas, como o grego e o latim, e línguas de regiões muito afastadas da Europa Ocidental, como o sânscrito, língua sagrada da antiga civilização dos Vedas, da Índia. Perplexos, os pesquisadores começaram a estabelecer relações entre essas línguas e a maioria das línguas faladas na Europa, e foram mapeando semelhanças que constituíam evidência forte demais para levantar a hipótese de que todas essas línguas teriam derivado de algum ancestral comum. Em 1786, Sir William Jones, magistrado do Império Britânico que fora enviado para a Índia, pronunciou em um discurso na Sociedade Asiática aquilo que seria o pontapé inicial da ciência linguística que viria a se desenvolver ao longo do século XIX: a linguística histórico-comparativa. Eis o famoso trecho do discurso: O sânscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado que ambos. Mantém, todavia, com essas duas línguas tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais quanto nas formas gramaticais, que não é possível tratar-se do produto do acaso. É tão forte essa afinidade que qualquer filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de acreditar que os três provieram de uma fonte comum, a qual talvez já não exista. Razão idêntica, embora menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma origem que o sânscrito. (ROBINS, 1983, p. 107).
Essa nova ciência buscava compreender a sistematicidade das relações históricas entre as línguas que passaram a ser chamadas de indo-européias. Elas foram assim chamadas porque os pesquisadores acreditavam que não só o latim, o grego e o sânscrito, mas também a maioria das línguas européias e muitas asiáticas, como o inglês, o alemão, o russo, o persa, o hindi, o francês, e tantas outras, derivavam de uma mesma língua-mãe, o proto-indo-europeu. Essa protolíngua5 da Europa e de grande parte da Ásia teria sido falada há cerca de sete mil anos por um povo de origem ainda relativamente misteriosa, que, em virtude da necessidade de migrações em massa, levou sua língua e costumes (como seus hábitos agrícolas, o uso de cavalos e de instrumentos de guerra, e sua sociedade patriarcal) por diversas regiões em ondas migratórias que deixaram o grupo original fragmentado em grupos menores, sem contato uns com os outros. Assim, as regiões que, em períodos diferentes e em locais diferentes receberam grupos de nômades indo-europeus, desenvolveram seus dialetos de maneiras diferentes, gerando ramos diferentes de dialetos que foram se diferenciando e formando línguas diferentes. Dessa forma, temos o ramo indo-iraniano, do qual fazem parte línguas como
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Chamam-se protolínguas as línguas originárias de todo um ramo de uma família linguística ou da família inteira. Assim, a família das línguas indo-européias tem a sua protolíngua, o indo-europeu, enquanto que dentro dessa família várias outras são protolínguas, como o protogermânico, o proto-eslavo e assim por diante.
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o persa, o sânscrito e o bengalês; o ramo eslávico, do qual fazem parte línguas como o russo, o búlgaro, o servo-croata, o polonês; o ramo germânico, do qual fazem parte línguas como o alemão, o inglês, o islandês, o norueguês, o holandês; o ramo helênico, do qual fazem parte, entre outras, o grego antigo e o grego moderno; o ramo céltico, do qual fazem parte línguas como o gaulês, o gaélico escocês e irlandês, o galês, entre outras; o ramo anatólico, do qual fazem parte línguas de locais bastante distantes da Europa, como o tocário, falado numa região da Ásia Central, hoje pertencente à China, e, por fim, o ramo itálico, do qual fazem parte o latim, o osco e o umbro, por exemplo. Proto-Indo-Europeu Itálico
latim
Helênico
Céltico
Balto-Eslávico
Índico
grego clássico grego koiné
lituano
francês
(Novo Testamento)
búlgaro
grego moderno
espanhol
Armênico
Germânico
sânscrito
[Romance]
italiano
Albanês
gaélico escocês
russo
gaélico irlandês
polonês
galês
ucraniano
hindi bengalês bengalês
português romeno
Germânico Setentrional
Germânico Ocidental
nórdico antigo inglês frísio
holandês alemão
Germânico Oriental gótico
islandês dinamarquês sueco norueguês
Assim como nos outros ramos, línguas mais antigas deram origens a línguas mais novas com base em processos de dialetação semelhantes aos que levaram o proto-indo-europeu a vários lugares diferentes e que o transformaram em várias línguas diferentes. Do mesmo modo que do gótico antigo nós temos hoje o alemão e o inglês modernos, do latim antigo nós temos hoje um sub-ramo, chamado de ramo das línguas neolatinas ou românicas, composto por línguas como o português, o francês, o italiano, o espanhol, entre outras. Vejamos uma tabela com algumas palavras em várias línguas indo-européias:
Português
pai
mãe
irmão
lobo
Latim
pater
mater
frater
lupus
Grego
pater
meter
phrater
lykos
Sânscrito
pitar
matar
bhratar
vrkas
Espanhol
padre
madre
hermano
lobo
Francês
pere
mere
frere
loup
Inglês moderno
father
mother
brother
wolf
História do latim e as línguas neolatinas
Inglês antigo
fæder
modor
brothor
wulf
Alemão
Vater
Mutter
Bruder
Wolf
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História do latim Estudamos o latim por meio de seus registros escritos, que são dos mais variados, como inscrições em muros, monumentos fúnebres, documentos transcritos e copiados em várias épocas, citações de textos mais antigos em textos de autores mais recentes, dentre outras fontes. Assim, há documentos de vários períodos, e há, obviamente, escassez maior de registros escritos de estágios mais antigos da língua. A história do latim que faremos aqui é, portanto, bastante resumida e de caráter didático.
Latim arcaico Supõe-se que o latim tenha sido falado na região do Lácio por volta do século XI a.C., mas os primeiros registros da língua escrita encontrados datam do século VII ou VI a.C. Mais tarde, por volta do século III a.C., começam a ser produzidos textos literários em latim, em grande parte por meio de um processo de assimilação da cultura e literatura gregas do período. Roma, então já uma potência, conquistava territórios de vários fundos culturais diferentes, e em pouco tempo, por volta do século II a.C., o Mar Mediterrâneo já era praticamente dominado pelos romanos. O ambiente cultural efervescente produzido pelo contato de várias culturas produziu em Roma o início de uma literatura que, de certa forma, surgiu como adaptação para o público falante de latim de textos épicos e dramáticos da tradição grega. É desse período, por exemplo, a suposta primeira obra da literatura latina, uma tradução da Odisséia de Homero feita pelo escravo grego Lívio Andrônico para propósitos educacionais. Lívio, capaz de ler e escrever em grego, trazido para Roma como escravo, tornou-se responsável pela educação dos filhos de seu senhor e, pela escassez de material, traduz o poema homérico para poder ensinar as letras às crianças em Roma. Assim surge a literatura latina. Nesse período, ainda, outros autores produziram textos mais ou menos adaptados da tradição grega, como as comédias de Plauto e Terêncio, de gosto popular, que seguem a tradição da Comédia Nova6 grega e as tragédias (em grande parte perdidas) de Névio e Ênio, por exemplo. Seguindo o caminho aberto por Lívio, Névio e Ênio também escrevem os primeiros textos épicos em latim, dos quais, infelizmente, restaram apenas fragmentos.
Latim clássico Convencionou-se chamar de latim clássico o estilo literário da língua ao longo do primeiro século a.C. até o início do primeiro século da Era Cristã. São desse período a prosa elaborada do político, filósofo e orador Cícero, a poesia lírica e a épica nacional de Virgílio, com as suas Bucólicas e a sua Eneida, e a lírica amorosa de 6
A Comédia Nova grega surge no período da virada do século IV para o III antes de Cristo, e baseia-se em tramas familiares, convencionais, com personagens caricaturais, como o velho imbecil, seu filho sem responsabilidades e, em geral, apaixonado por uma moça que não pode se casar com ele, o escravo sagaz do velho que ajuda o filho em suas desventuras etc. O principal autor grego dessa tradição é Menandro.
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Catulo, Propércio, Tibulo, Horácio e Ovídio. Em geral, o latim que ensinamos hoje em dia é a língua literária desse período, tanto por causa da beleza do estilo cuidadosamente trabalhado desses autores, quanto pelo fato de que grande parte do corpus mais substancial dos textos clássicos é literário, o que nos deixou sem muito acesso aos outros registros lingüísticos do período.
Latim culto O latim culto era a variedade falada pela classe culta de Roma. Esse dialeto era a base do latim clássico, a variante literária. O latim culto deveria ser muito mais rígido quanto às normas gramaticais que estudamos hoje como sendo a gramática do latim, mas certamente muito menos estilizado que a língua literária, o chamado latim clássico. Documentos escritos nessa variedade linguística são menos comuns, mas é possível encontrar esse tipo de registro, por exemplo, em cartas de autores antigos, como as cartas de Cícero para seu irmão ou as cartas de Sêneca para sua mãe, nas quais a estilização e o trabalho estético consciente com a linguagem são menos intensos, ainda que presentes.
Latim vulgar A variedade do latim chamada de latim vulgar é a língua das massas, dos analfabetos, do povo em geral. Os registros dessa língua são mais difíceis de se encontrar, mas dão testemunhos muito interessantes da evolução do latim. As inscrições encontradas em muros, em banheiros públicos, e até mesmo em obras literárias que tentavam retratar a variedade linguística (como o romance chamado Satyricon, de Petrônio, autor do século I d.C., que apresenta longas passagens que tentam representar a língua do povo de Roma) nos mostram uma língua viva, muito frequentemente aberta às mudanças que ocorrem naturalmente nas línguas. Um texto extremamente interessante é o chamado Appendix Probi, anônimo, provavelmente datado do século III a.C., que se constitui simplesmente de uma lista na forma de “X non Y”, que funcionaria para que as pessoas dissessem ou escrevessem X ao invés da forma realmente usada, Y. Nessa lista temos, por exemplo, a seguinte linha: auris non oricla. Essa linha nos diz muita coisa sobre como as pessoas falavam, e sobre como a língua seguia seu curso de mudança natural. A forma auris, em latim culto, que significa “orelha”, na fala popular, possivelmente recebia o sufixo diminutivo –cula, resultando em auricula7 “orelhinha”. Daí para a forma oricla, que deveria ser evitada, temos a mudança do ditongo au para simplesmente o, e a queda da vogal u entre c e l. Ao estudarmos a passagem do latim para o português, vemos que é sistemática e regular essa mesma mudança de ditongos a vogais plenas, essas quedas de vogais e, além disso, vemos que frequentemente formas como –cla resultam em “-lha” e que vogais como i podem se “transformar” em e. Assim, “orelha” em português descende diretamente de auris ou de oricla? Parece claro que, ao menos nesse caso, a instrução do Appendix não funcionou! Mais de 20 séculos depois, sobrevive a forma “errada”! Curiosamente, como vimos acima, oricla já era uma forma diminutiva, então, etimologicamente, quando dizemos “orelha”, remetemo-nos historicamente ao jeito de dizer “orelhinha” em latim. 7
De onde vem, por exemplo, “auricular” em português? Essa é uma palavra que foi emprestada do latim muito tempo depois de a forma “orelha” já estar em uso pelos falantes de português. Esse tipo de empréstimo é considerado “erudito”, pois os falantes voltam ao latim para recuperar formas que, quando depois acolhidas pela língua, vivem lado a lado com as formas populares que já existiam. Os exemplos são muitos, como a forma popular “maduro” e a forma erudita “maturidade”, vindos do latim maturus, a forma popular “pai” e as formas eruditas como “patronímico”, ambos do latim pater, patris.
História do latim e as línguas neolatinas
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Latim tardio Após o período do latim clássico, o latim continuou sendo usado como língua do Império Romano, que cresceu cada vez mais e, posteriormente, o latim tornou-se a língua oficial da Igreja Católica ocidental. Assim, ao longo de muitos séculos, o latim foi usado como língua universal para relações internacionais, para administração do Império e da Igreja, e ao longo da Antiguidade e da Idade Média, tudo que fosse importante era escrito em latim. Aos poucos, as comunidades foram desenvolvendo seus dialetos de forma que se afastassem mais e mais do latim, dando origem a línguas diferentes, mas a língua escrita continuava a seguir, na medida do possível, os padrões do latim culto, de forma que temos muito material escrito em latim “culto” por falantes nativos de outras línguas ou de outras variedades do latim. Esses registros escritos são bastante abundantes. Como exemplo, temos desde a tradução latina dos textos bíblicos, a Vulgata, vertida por São Jerônimo para o latim nos fins do século IV, até os documentos portugueses de administração e legislação do século XI, passando pela filosofia medieval e renascentista. Encontramos até mesmo textos escritos como teses e monografias de universidades no século XX, como a monografia que Karl Marx escreveu em latim sobre a filosofia do grego Epicuro. É evidente que o latim, ao longo de tantos séculos de usos tão variados, foi sofrendo alterações substanciais, de forma que as variedades linguísticas resultantes foram se tornando incompreensíveis entre si, resultando, no curso dos séculos, em línguas diferentes, as chamadas línguas românicas.
A passagem do latim para as línguas românicas modernas Como vimos anteriormente, o latim é a língua da qual surgem as chamadas línguas românicas, grupo que inclui não só o nosso português, mas também línguas importantes como o francês, o espanhol, o italiano, e línguas menores e menos conhecidas como o galego – falado na região da Galícia –, na Espanha, o provençal – idioma quase extinto falado em algumas regiões de fronteira da Itália com a França –, o catalão – língua oficial de Andorra e falado na Catalunha na Espanha –, o romeno – língua oficial da Romênia –, entre outras. Como sabemos, além de o latim ter sido a língua de um dos maiores impérios que o mundo já viu durante tantos séculos, e além de ter sido a língua da administração religiosa, da produção científica e filosófica de grande parte da Europa por tanto tempo, as línguas diretamente derivadas do latim também encontraram seu caminho ao redor do mundo. O português, como sabemos, é falado não só no Brasil e em Portugal, mas também em Angola, Cabo Verde, Macau, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, entre outros países asiáticos e africanos pelos quais os portugueses passaram nos séculos XV e XVI, quando navegaram ao redor do mundo. Os espanhóis, de modo similar, levaram seu idioma a grande parte das Américas, o que explica o nome América Latina. O francês, também falado no Canadá, Suíça, Luxemburgo, Congo, Haiti, Senegal e em vários outros países, ajuda a dar uma idéia da importância das línguas românicas ou neolatinas ao redor do globo. Além disso, mas não somente por esse fato, grande parte do vocabulário do inglês (que, embora seja uma língua indo-européia, faz parte de outro ramo, o das línguas germânicas) é de origem latina, via empréstimos do francês, ocorridos durante o período em que a Inglaterra foi dominada pelos Normandos, por volta dos séculos XI e XII. Assim, a expansão de um vocabulário de origem latina ao longo das línguas mais importantes do mundo na atualidade faz com que grande parte do núcleo comum
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dessas línguas seja aparentado, facilitando a nós, falantes de uma língua latina, o reconhecimento de muitas palavras das outras línguas européias importantes.
A latinização Tendo sido exposta toda a importância das línguas neolatinas no contexto mundial, passemos ao estudo de como o latim veio a se transformar nessas outras línguas. Durante o período em que o Império Romano mantinha uma administração política centralizada, as conquistas de territórios, em geral, significavam a instalação de um governo local, que deveria utilizar-se do latim para fins gerenciais. Não só isso, mas também os povos dominados, por motivos diversos, acabavam falantes do latim, ou como língua materna ou como segunda língua. As línguas locais, mais ou menos aparentadas do latim, acabavam influenciando a língua latina usada na região e, com o passar do tempo, conforme os dialetos latinos das províncias iam se consolidando, eles iam tomando características individualizadas, e aos poucos esses dialetos se constituíam como línguas autônomas. A seguinte passagem explica esse processo chamado latinização: Latinização ou romanização é a assimilação cultural e lingüística dos povos incorporados ao universo da civilização latina. O fato de tantos povos de língua, raça e cultura diferentes terem adotado a língua e, pelo menos em parte, a civilização dos vencedores é um fenômeno único na história da humanidade. Essa aceitação, porém, não se deveu a imposições diretas. As conquistas romanas tinham caráter político e econômico; não houve por parte de Roma pretensão de impor aos conquistados sua língua ou sua religião; ao contrário, considerava o uso da língua latina como uma honra. Se os drúidas foram perseguidos na Gália, isso aconteceu porque a utilização de vítimas humanas nos sacrifícios feria o direito romano, ao qual se dava grande valor e importância. O Novo Testamento mostra que os romanos não eliminavam instituições políticas, religiosas ou jurídicas, obviamente desde que não conflitantes, dos povos incorporados: o povo judeu manteve a religião, o sinédrio, o sumo sacerdote, os levitas e os saduceus; a casa real de Herodes continuou a existir. Deviam pagar os impostos, enquanto as legiões cuidavam da segurança e ao governador romano era reservada a palavra final em questões jurídicas específicas, como no caso da condenação à morte. (BASSETO, 2005, p. 103).
Esse processo não é nada simples. Por exemplo, embora o latim tenha sido usado nas Ilhas Britânicas, uma das últimas províncias a serem conquistadas (o que se deu por volta do século I d.C.), ao longo do processo de descentralização do poder imperial, ao longo do período de queda do Império Romano (que atinge seu ápice quando o Império Romano Ocidental deixa de ter um centro político no século V, em virtude das invasões bárbaras), as províncias mais afastadas e aquelas onde havia menor centralização do poder e unidade cultural não mantiveram o latim como língua “oficial”. Isso explica porque territórios mais próximos de Roma, como as terras onde hoje temos França, Espanha, Portugal e Itália, mantiveram-se falando latim, enquanto que, uma vez que o domínio imperial enfraquecia-se, províncias como a Bretanha acabaram por continuar a falar as línguas locais, o que aconteceu em grande parte do resto da Europa e das outras regiões ao redor do Mar Mediterrâneo, da Ásia Menor, entre outros. Por isso os ingleses, os egípcios, os escandinavos e tantos outros hoje em dia não falam uma língua neolatina. Nos locais em que a língua latina foi falada por mais tempo, mesmo com o enfraquecimento e posterior queda do domínio do império, os dialetos foram se diferenciando cada vez mais dos dialetos das outras regiões falantes do latim. Aos poucos, falantes do latim da Ibéria já não conseguiam entender plenamente falantes da península itálica, por exemplo.
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Como vimos nas seções anteriores, havia uma diferença substancial entre o dialeto da classe urbana culta de Roma, base da língua literária que conhecemos como latim clássico, e o chamado latim vulgar, língua falada pelas classes mais baixas, em geral analfabetas. Esse latim vulgar, provavelmente muito diferente de região para região, por ser a língua viva que fervilhava nos mercados, que era falada pelos estrangeiros, pelos escravos de outros lugares, pelos trabalhadores, pelos soldados de baixa patente em tantos lugares diferentes, deve ter sofrido mudanças mais rapidamente que o dialeto urbano culto de Roma. Com o passar dos séculos, esse latim vivo das províncias foi o que serviu de base para as transformações posteriores que resultaram nas línguas neolatinas. Vejamos alguns exemplos de semelhanças nos vocabulários das línguas românicas ou neolatinas: a) nos nomes de algumas cores:
Português
Francês
Espanhol
Italiano
latim
branco
blanc
blanco
bianco
album
negro
noir
negro
néro
niger, nigra, nigrum
verde
vert
verde
vérde
viridis
b) nos nomes dos números de um a dez:
Português
1
2
3
4
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Latim
unus
duo
tres
quattuor
quinque sex
septem
octo
Espanhol
uno
dos
tres
cuatro
cinco
seis
siete
ocho nueve
diez
Catalão
un
dos
tres
quatre
cinc
sis
set
vuit
nou
deu
Galego
un
dous
tres
catro
cinco
seis
sete
oito
nove
dez
Português
um
dois
três
quatro
cinco
seis
sete
oito
nove
dez
Francês
un
deux
trois
quatre
cinq
six
sept
huit
neuf
dix
Italiano
uno
due
tre
quattro
cinque
sei
sette
otto
nove
dieci
Romeno
unu
doi
trei
patru
cinci
şase
şapte
opt
nouâ
zece
novem decem
Texto complementar O seguinte texto corresponde a um trecho da Eneida de Virgílio, na tradução do paraense Carlos Alberto Nunes. O trecho conta o início da história do Cavalo de Tróia, e consiste no início do Canto II do poema. Nele, o protagonista Enéias narra à sua amante, Dido, a rainha de Cartago, como foi esse episódio da Guerra de Tróia, na qual ele lutara, e da qual ele saíra como sobrevivente e com a missão de encontrar a terra prometida, a Nova Tróia, que viria a ser Roma.
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Língua Latina
Prontos à escuta calaram-se todos, dispostos a ouvi-lo. O pai Enéias, então, exordiou do seu leito elevado: Mandas, rainha, contar-te o sofrer indizível dos nossos, como os aquivos9 a grande potência dos teucros10 destruíram, reino infeliz, espantosa catástrofe que eu vi de perto, e de que fui grande parte. Quem fora capaz de conter-se sem chorar muito, mirmídone ou dólope ou cabo de Aquiles? A úmida noite do céu já descamba, e as estrelas, caindo devagarinho no poente, os mortais ao repouso convidam. Mas, se realmente desejas ouvir esses tristes eventos, breve relato do lance postremo11 da guerra de Tróia, bem que a lembrança de tantos horrores me deixe angustiado, principiarei. – Pela guerra alquebrados, dos Fados12 repulsos em tantos anos corridos, os cabos de guerra da Grécia com a ajuda da arte de Palas13 construíram na praia um cavalo alto como uma montanha, de bojo com tábuas de abeto. Voto de pronto regresso era a máquina, todos diziam. Nessa medonha caverna, tirados por sorte, os guerreiros de mais valor ingressaram, num ápice enchendo as entranhas daquele monstro, com armas e gente escolhida de guerra. Tênedo, ilha famosa se encontra defronte de Tróia, rica no tempo em que o império de Príamo ainda existia, ora uma enseada de pouco valor ou nenhum para as naves. Prestes mudaram-se os dânaos; na praia deserta se ocultam. Nós os supúnhamos longe, a caminho da rica Micenas. Com isso a Têucria respira mais leve no luto penoso. Abrem-se as portas; alegram-se os troas de ver mais de espaço o acampamento dos dórios, as praias desertas agora: O ponto era este dos dólopes; eis onde Aquiles se achava;
9 Os gregos. 10 Os troianos. 11 Último. 12 Os Fados são os destinos, os desígnios que fogem até mesmo à vontade dos deuses. 13 A deusa da sabedoria, Palas Atena.
História do latim e as línguas neolatinas
surtos na terra, os navios; o campo em que as hostes lutavam. Muitos pasmavam de ver o presente ominoso da deusa, a imensidão do cavalo. Timetes, primeiro de todos, aconselhou derrubarmos o muro e direto o postarmos na cidadela, ou por dolo isso fosse ou dos Fados previsto. Cápis, porém, e outros mais de melhor parecer insistiam para que ao mar atirássemos logo a armadilha dos dânaos, fogo deitássemos nela ou que ao menos o ventre do monstro fosse explorado ou sondadas as vísceras sem mais reservas. Assim, o vulgo inconstante oscilava entre vários alvitres. Nisso, Laocoonte ardoroso, seguido de enorme cortejo, da sobranceira almeidina desceu para a praia, e de longe mesmo gritou: – Cidadãos infelizes, que insânia vos cega? Imaginais porventura que os gregos já foram de volta, ou que seus dons sejam limpos? A Ulisses, então, a tal ponto desconheceis? Ou esconde esta máquina muitos guerreiros, ou fabricada ela foi para dano de nossas muralhas, e devassar nossas casas ou do alto cair na cidade. Qualquer insídia contém. Não confieis no cavalo, troianos! Seja o que for, temo os dânaos, até quando trazem presentes. Disse, e arrojou com pujança viril um venab’lo dos grandes contra os costados e o ventre abaulado do monstro da praia, no qual se encrava, a tremer; sacudida com o baque, a caverna solta um gemido, abaladas no fundo as entranhas do monstro. Oh! Se não fosse a vontade dos deuses e a nossa cegueira, com o ferro, então, deixaríamos frustra a malícia dos gregos, e em pé, ó Tróia, estarias, o paço luxuoso de Príamo. (Eneida II, 1-56)
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Língua Latina
Atividades 1.
Individualmente ou em grupo, analise as indicações do Appendix Probi abaixo e discuta em que medida ainda hoje cometemos os mesmos “erros” e por quê. a) umbilicus non imbilicus b) uiridis non uirdis. c) formica non furmica
História do latim e as línguas neolatinas
2.
Explique a chamada Hipótese do Indo-europeu.
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Língua Latina
Fonologia e prosódia do Este texto pretende capacitar os alunos a pronunciar o latim de acordo com o que se considera a maneira mais correta, segundo estudos baseados em várias evidências. Algumas delas são os erros cometidos por falantes de latim menos cultos em inscrições (por exemplo, quando um falante de português escreve “caza” ao invés de “casa”, sabemos que é porque o som do grafema1 “s”, quando em posição intervocálica, e o do “z” são iguais), os testemunhos de gramáticos antigos (quando tentavam descrever articulatoriamente o som de cada letra2) e o modo como certos grafemas são pronunciados em diversas línguas derivadas do . Portanto, é aceitável que haja consenso no modo como se pronuncia o latim hoje, e uma sistematização (inclusive se mais próxima do modo como os falantes do latim no período clássico falavam) do modo como se pronuncia uma língua que já não possui mais falantes é extremamente desejável e importante. Por exemplo, podemos superar barreiras internacionais quando pensamos em estudos que envolvam o latim e podemos nos comunicar com estudiosos do latim no mundo todo e sermos entendidos. Como outro exemplo da importância da tentativa de padronizar a pronúncia do , se a reconstituição da pronúncia do latim clássico é realmente acurada, poderemos nos treinar para pronunciar a literatura escrita em latim de maneira correta, o que nos permitirá admirar uma dimensão extremamente importante da literatura do período, que envolvia ritmo e duração de vogais. A pronúncia que usaremos, portanto, é a chamada pronúncia reconstituída ou restaurada do , que é resultante de evidências como as descritas acima. Há ainda pelo menos duas outras maneiras de pronunciar o latim que são importantes e comuns. Uma delas, mais ampla em nível internacional, é a chamada pronúncia eclesiástica. A pronúncia eclesiástica é mais comum entre estudiosos do latim ligados à religião e apresenta 1
Tentaremos não cometer confusões terminológicas sérias como atribuir um “som” a uma “letra”. Na verdade, as letras são símbolos gráficos (unidades chamadas “grafemas”) que representam “fonemas”, ou unidades mínimas de som de uma dada língua. Ainda que estejamos lidando com uma língua chamada de “morta”, porque não há mais falantes nativos vivos dela, com os avanços da linguística, é possível falar em “grafemas” e “fonemas” para o . Ainda que não estejamos empregando os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional (International Phonetic Alphabet – IPA), usaremos algumas notações caras aos estudos linguísticos, como os sinais “[ ]” para indicar pronúncia aproximada (nesse livro, sempre de modo impressionístico, dadas as características do , língua já sem falantes nativos). 2 Conforme se pode ver no texto complementar, ao final dessa aula.
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algumas diferenças com relação à pronúncia reconstituída, como veremos. Uma terceira maneira de pronunciar o latim é mais regional, e, no caso do Brasil e de Portugal, é chamada de pronúncia tradicional (ou portuguesa). Na verdade, as pronúncias tradicionais locais são pronúncias do latim influenciadas pela fonologia da língua local. Assim, além da pronúncia tradicional portuguesa, encontramos uma pronúncia tradicional do latim influenciada pelo inglês, outra pelo alemão e assim por diante. Os motivos que nos levam a adotar a pronúncia reconstituída nesse material são de diversas ordens: a. Como exposto anteriormente, os argumentos para a reconstituição da pronúncia do latim que chamamos de pronúncia restaurada ou reconstituída são baseadas em várias evidências, muitas delas baseadas em diversos dados, como os erros de ortografia dos falantes nativos do latim de épocas antigas, os testemunhos de gramáticos antigos sobre como eram pronunciadas as letras e a evolução da pronúncia das diversas línguas derivadas do , as línguas românicas. b. Se as evidências são de natureza variada, é plausível que a pronúncia reconstituída seja mais próxima do que se considera que fosse a pronúncia do latim pela classe culta no período clássico. Isso inclui o fato de que a construção poética na literatura latina se baseava fortemente no som das palavras e, assim, pronunciando o latim de forma mais próxima como se deveria pronunciar, apreciamos a literatura latina mais plenamente. c. Uma pronúncia adotada em vários lugares do mundo e sem vieses ideológicos (como o religioso ou o nacionalista) é mais apropriada para estudos também não enviesados.
A questão da duração das vogais São cinco as vogais em : a, e, i, o, u (o y também é considerado vogal, porém é usado basicamente em palavras estrangeiras, como as gregas). No entanto, cada vogal poderia ser pronunciada de forma longa ou breve. Comumente, representam-se as vogais longas com o sinal diacrítico mácron ( ¯ ) e as vogais breves com o sinal diacrítico braquia ( ˘ ) sobre as vogais. Assim, temos as vogais longas ā, ē, ī, ō e ū e as vogais breves ă, ĕ, ĭ, ŏ e ŭ. De acordo com os testemunhos da métrica clássica e dos gramáticos antigos, a duração de uma vogal dizia respeito ao tempo relativo de produção de cada vogal. Cada vogal longa corresponderia ao tempo de duração da pronúncia de duas breves. Dessa forma, um ā corresponderia à pronúncia seguida de dois ă ( ¯ = ˘˘ ). A pronúncia adequada de vogais breves e longas em latim era extremamente importante, uma vez que palavras de mesma grafia pronunciadas com diferença apenas na duração de uma vogal poderiam significar coisas totalmente diferentes. Por exemplo, hĭc significa “este”, enquanto que hīc significa “aqui”; ĕst é a forma de terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “ser” latino, enquanto que ēst é a forma de terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “comer” latino. Por isso, ainda que não pronunciemos todas as vogais longas e breves como os falantes de latim as pronunciavam, já que, em português, a duração de vogais não é fonologicamente distintiva como era em , nesse material tentaremos marcar como longa ou breve toda vogal que, para fins de reconhecimento e distinção de formas linguísticas, seja necessariamente breve ou longa.
Fonologia e prosódia do latim
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O alfabeto latino O alfabeto latino teve origem no alfabeto usado pelos gregos. Em períodos mais antigos, o latim era escrito apenas com letras maiúsculas, sem sinais de pontuação. Hoje, costuma-se usar pontuação e letras minúsculas, mesmo em início de sentenças. Maiúsculas são usadas apenas em nomes próprios. O alfabeto latino é praticamente igual ao alfabeto usado hoje por nós, falantes de português, exceto pelo fato de que a letra V/u exercia as funções do que hoje são as letras V/v e U/u e a letra I/i do que hoje são o I/i e o J/j. Vamos às letras individuais: A a: lê-se como o nosso “a” aberto, não nasal, como em “amor”, “casa”. B b: como o nosso “b” em “boca”. C c: na pronúncia reconstituída, o “c” sempre se lê como uma consoante oclusiva3 [k], e nunca como uma fricativa [s]. Assim, Cicero lê-se sempre “kíkero”, e não “síssero”. D d: como o nosso “d” em “dedo”. A regra que transforma o “d” antes de “i” em alguns dialetos do português em [dj] não se aplica em . E e: o “e” breve (ĕ) lê-se como o “e” aberto em português, como em “pé”. O “e” longo (ē) lê-se como o “e” fechado em português, como em “cabelo”. F f: como o nosso “f” em “flor”. G g: assim como o “c”, o “g” em latim era sempre oclusivo, como em “gato”. Assim, genus deveria ser lido como [guênus] em português, e não como [jênus]. H h: o “h” latino era sempre uma consoante fricativa aspirada e, portanto, era sempre pronunciado. Assim, o “h” em hodie deveria ser pronunciado como uma consoante, aspirado na garganta, e não como o “h” em “hoje”, que não é pronunciado. O “h” era pronunciado aspirado mesmo quando logo após consoantes oclusivas, como em philosophia (lido com um “p” seguido da soltura do ar entre os lábios antes da produção da vogal), e thalamus (com a soltura do ar antes da vogal depois da pronúncia do “t”), por exemplo. I i: essa letra em latim representava tanto o “i” vocálico quanto o “i” semivocálico (que aparece imediatamente antes ou depois de uma outra vogal, funcionando como uma ditongação da vogal – um exemplo em português é o “i” em “pai”, que não é pronunciado como uma vogal plena, e sim como uma semivogal, ou seja, algo intermediário entre a vogal “i” e a consoante “j”). Assim, o “i” latino se pronuncia como o “i” em “ilha” (vogal) ou como o “i” em “ioiô” (semivogal). Posteriormente, o “i” semivocálico latino transformou-se no “j” do português. Assim, de Iuppiter em latim temos “Júpiter” em português. Não havia em latim o som que representamos pela consoante J j em português, embora alguns dicionários e edições de textos latinos apresentem a semivogal latina grafada como J j e a vogal grafada como I i, por questões didáticas. K k: assim como o “k” em português, o “k” latino era usado em palavras emprestadas de outras línguas, em especial do grego. Assim, o “k” em kalendas se pronuncia como o “c’ em “calendário”. 3
Uma consoante oclusiva é uma consoante que, para ser produzida, requer que haja fechamento completo da passagem do ar pela boca e soltura posterior. São oclusivas, por exemplo, as consoantes [d, t, p, b, k], entre outras, enquanto as fricativas são consoantes que requerem passagem constante do ar pela boca, com alguma constrição (que nunca é completa) em algum local, como com a língua perto dos dentes superiores, o que produz os sons [s] e [z], ou com os dentes superiores no lábio inferior, que produz os sons [f ] e [v].
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Língua Latina
L l: como o “l” em “lua”. M m: antes de vogal e em posição intervocálica, como em “mel”. Em fim de palavra, ocorria nasalização da vogal anterior, assim como em “amaram”.4 N n: antes de vogal e em posição intervocálica, como em “nariz”. Em fim de palavra, diferentemente do “m”, o “n” era pronunciado como consoante plena, e não como nasalização da vogal. Por exemplo, o n sublinhado em nomen est é pronunciado da mesma forma que o “n” sublinhado em “benefício”. O o: assim como o “e”, o “o” breve (ŏ) era pronunciado como o “o” aberto em “ódio” e o “o” longo (ō) era pronunciado como o “o” fechado em “orelha”. P p: como o “p” em “pipoca”. Q q: o q em latim era sempre seguido da semivogal “u”, de forma que sempre era pronunciado como o [kw] de “aquário” [akwário], e nunca como o [k] de “quente” [kente]. R r: o r latino nunca era pronunciado como o r aspirado fricativo de “rua” [hua], e era sempre pronunciado como o “r” em “era” ou, ainda, como o “r” vibrante de alguns dialetos do sul do Brasil, que é como se fosse uma sequência rápida de vários “r” como o de “era”. S s: como o “s” em “silêncio”. O “s” latino nunca era pronunciado sonorizado como o “s” de “casa”, mesmo quando em final de palavra. Não ocorre em latim o processo de sonorização que ocorre em português. Em português, o “s” em final de palavra antes de outra palavra que comece com vogal ou com consoante sonora sofre sonorização, e assim a pronúncia de “casas”, por exemplo, tem [s] ou [z] pronunciados no final, a depender do que vem depois. Dessa forma, temos [kazas] em “casas quadradas” e [kazaz] em “casas azuis” ou “casas vermelhas”. T t: como o “t” em “tatu”. A regra que transforma o “t” antes de “i” em alguns dialetos do português em [tch] não se aplica em latim. V u: Essa letra em latim representava tanto o “u” vocálico quanto o “u” semivocálico (que aparece imediatamente antes ou depois de uma outra vogal, funcionando como uma ditongação da vogal – um exemplo em português é o “u” em “mau” [maw], que não é pronunciado como uma vogal plena, e sim como uma semivogal, ou seja, algo intermediário entre a vogal “u” e a consoante “v”; outro exemplo é o som do “w” em “kiwi”). Assim, o “u” latino se pronuncia como o “u” em “uva” (vogal) ou como o u em “auê” (semivogal). Posteriormente, o “u” semivocálico latino transformou-se no “v” do português. Assim, de uita em latim temos “vida” em português. Não havia, em , o som que representamos pela consoante V v em português, embora alguns dicionários e edições de textos latinos apresentem a semivogal latina grafada como V v e a vogal grafada como U u por questões didáticas. X x: sempre como o encontro [ks] em português, assim como no estrangeirismo “ecstasy”, e nunca como em “êxtase”. Y y: como o “ü” francês ou alemão, ou seja, trata-se de uma vogal como “i”, mas pronunciada com os lábios arredondados para produzir um “u”. Estrangeirismos como “Müller” exemplificam o som dessa vogal, de origem grega no alfabeto latino. 4
Há controvérsias entre os teóricos sobre se o “m” final representava apenas a nasalização da vogal anterior ou se era pronunciado como consoante oclusiva bilabial nasal, ou seja, com o fechamento completo dos lábios e a produção de um “m” como o de “minha”. Sigo aqui a teoria de que o “m” final nasaliza a vogal anterior em virtude de que, em métrica latina, uma sílaba final de uma palavra pode sofrer o processo chamado de “crase” quando termina em vogal + “m” e a palavra seguinte inicia-se por vogal, o que indica que o “m” possivelmente não era consonantal em final de palavra. Outra evidência a favor dessa posição é que palavras com “n” final não se encaixam nessa regra de crase na métrica.
Fonologia e prosódia do latim
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Z z: Assim como o “x”, o “z” era pronunciado como consoante dupla, e devia ser lido como [dz]. Os ditongos em latim são apenas os seguintes: ::: ae (também grafado æ) pronuncia-se como o ditongo “ai” no português “pai”, por exemplo. ::: oe (também grafado œ) pronuncia-se como o ditongo “oi” no português “foi”, por exemplo. ::: ei como o ditongo “ei” no português “andei”. ::: ui como o ditongo “ui” no português “fui”. ::: au como o ditongo “au” no português “mau”. ::: eu como o ditongo “eu” no português “cresceu”.
O acento de intensidade O , além de marcar todas as vogais como longas ou breves, mantinha em seu sistema prosódico a marca de intensidade das sílabas relativamente independente do sistema de duração. A marcação de intensidade de sílabas cria o fenômeno chamado acento. Trata-se de acento do ponto de vista da produção das sílabas mais fortes (tônicas) ou mais fracas (átonas), e não do ponto de vista da marcação gráfica de acentos (graves, agudos, circunflexo e til, por exemplo). Em, não havia palavras cujo acento principal caía na última sílaba (oxítonas), a não ser que a palavra consistisse de apenas uma sílaba. Todas as outras palavras tinham acento tônico principal ou na penúltima ou na antepenúltima sílaba, a depender dos seguintes fatores: a. se a penúltima sílaba for longa, recebe o acento principal (a palavra é paroxítona). a. se a penúltima sílaba for breve, o acento não recai sobre ela, e o acento principal cai sobre a antepenúltima sílaba (a palavra é proparoxítona). Reconheceremos uma sílaba longa das seguintes maneiras: a. a vogal principal é naturalmente longa (marcada com o sinal de mácron; ex.: habēre); b. a sílaba contém um ditongo (ex.: prōēlium); c. uma vogal é seguida por duas consoantes5 ou por consoante dupla “x” ou “z” por exemplo: āctus. Por isso, saber se uma vogal é longa ou breve é bastante importante, e marcaremos a vogal longa nesse livro sempre que ela for importante para o reconhecimento do padrão acentual da palavra. Bons dicionários de latim marcam as vogais longas e breves de todas as palavras.
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O grupo formado por consoante seguida de “r” ou “l”, as chamadas líquidas, não conta como consoante dupla para essa regra.
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Língua Latina
As pronúncias do latim Existem várias maneiras de pronunciar o . Como neste livro adotaremos a pronúncia reconstruída ou reconstituída, é importante saber que adeptos de outras formas acabam pronunciando ligeiramente diferente da que adotaremos aqui. Vejamos quais são as formas mais comuns de se pronunciar “o” .
Pronúncia reconstituída Como vimos nas seções anteriores, a pronúncia reconstituída é aquela que tenta resgatar o modo como os romanos cultos do período clássico pronunciavam a sua língua. As evidências para a reconstituição da pronúncia original do latim são, por exemplo, erros de ortografia de falantes menos cultos (escrever “caza” ao invés de “casa” indica, em português, que pronunciamos o “s” e o “z” nesses contextos da mesma forma – assim acontecia com exemplos em latim que servem para que se possa reconstituir a pronúncia do ), testemunhos de gramáticos antigos sobre a pronúncia das letras, regras do sistema poético latino, entre outros. Pelo fato de que se trata de uma pronúncia que tenta, com a maior quantidade de dados empíricos que for possível coletar, reproduzir a exata forma como os falantes nativos de latim pronunciavam seu idioma, adotaremos essa pronúncia em nosso curso.
Pronúncia eclesiástica O latim foi pronunciado por muito tempo com forte influência da língua-mãe da região onde era falado. Assim, o italiano influenciou fortemente a pronúncia do latim na Itália, sede da Igreja Católica. Os ritos tradicionais da Igreja acabaram sendo pronunciados com a pronúncia italiana do , o que fez com que houvesse grande influência da pronúncia italiana do latim ao redor do mundo, em especial no que concerne às relações entre latim e Igreja Católica. A essa pronúncia com forte influência da pronúncia do italiano chamamos de pronúncia eclesiástica do . Algumas características da pronúncia eclesiástica são: Os ditongos “ae” e “oe” são sempre pronunciados como um “e” aberto (como em pé). Assim, feminae, que na pronúncia reconstituída se pronuncia com um ditongo [ai] no final, na pronúncia eclesiástica se pronuncia [feminé], com acento principal em “fe”. A letra “c” não é pronunciada sempre como se fosse um “k”, como na pronúncia reconstituída, e sim como o “tch” de “tchê” antes de “e” e “i”. Assim, na pronúncia eclesiástica, Cícero pronuncia-se “tchítchero”, e não “kíkero”.
Fonologia e prosódia do latim
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As pronúncias locais As pronúncias influenciadas por outras línguas locais acabaram por gerar variações regionais no modo como o latim é pronunciado. Por exemplo, na chamada pronúncia tradicional portuguesa, pronunciam-se as palavras latinas quase como se estivesse usando o sistema de pronúncia do português. Algumas características são, por exemplo: ::: Os ditongos “ae” e “oe” são pronunciados [é], assim como na pronúncia eclesiástica. ::: Os grafemas “j” e “v” são pronunciados como consoantes, e não como semivogais. Assim, a forma Iupiter é pronunciada [Júpiter], como em português, e a forma uita se pronuncia [vita], como no português “vitalidade”. ::: O “t” antes de “i” e não precedido das consoantes “s”, “t” e “x” é pronunciado [ss]. Portanto, iustitia lê-se [justíssia]. Listamos aqui apenas algumas das características das pronúncias eclesiástica e tradicional portuguesa, apenas para que se saiba que pode haver variação no modo como se pronuncia o . No entanto, pelos motivos listados ao longo deste capítulo, sugere-se que o aprendiz de latim tente pronunciar as palavras do modo mais próximo ao que teria sido o modo como os romanos pronunciavam o latim em Roma por volta dos séculos I a.C. e I d.C., ou seja, usando a pronúncia chamada de restaurada ou reconstituída.
Texto complementar O seguinte texto trata das teorias dos autores antigos sobre as letras e seus sons. O trecho destacado em negrito serve como exemplo de testemunho de tentativas de descrição dos sons das letras pelos autores antigos. (WEEDWOOD, 2002, p. 43-46)
Gregos e romanos compartilhavam concepções semelhantes da natureza da littera (grego: grámma), a menor unidade da fala (vox; grego: phoné). Havia duas visões distintas, frequentemente expostas lado a lado. De acordo com uma, a littera era o símbolo escrito, a representação do som da fala (: elementum; grego: stoikheïon). Essa visão, a precursora da moderna dicotomia letra-som, foi menos importante na Antigüidade (e, de fato, até por volta de 1800) do que a segunda visão, mais complexa. Estóicos e romanos descreviam a littera como uma entidade com três propriedades: seu nome (nomen), sua forma ou aspecto escrito (figura) e seu som ou valor (potestas). Essa visão mais flexível, suscetível de extensão e refinamento num grau muito maior que a crua oposição entre letra e som, foi a base para uma série de abordagens multifacetadas e infinitamente variadas da littera por parte dos estudiosos antigos e, mais ainda, dos medievais.
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Língua Latina
Potestas era a propriedade da littera cujo domínio mais se aproximava do moderno campo da fonética. Platão, Aristóteles e os latinos classificam as litterae do seguinte modo: Vogais Litterae
Semivogais
Consoantes
Mudas
(A categoria das “semivogais” incluía o que modernamente chamamos de continuantes: Donato inclui F, L, M, N, R, S, X sob esta rubrica.) Só uns poucos estudiosos sentiram a necessidade de ir mais fundo na fonética articulatória. Entre eles estavam Dionísio de Halicarnasso (em atividade entre 30 e 8 a.C.), cuja notável descrição da articulação dos sons do grego ficou desconhecida do Ocidente latino até sua primeira edição em 1508 pelo grande impressor veneziano Aldo Manúcio, e o metricista Terenciano Mauro (século II), cujo relato em versos dos sons e metros latinos foi pouco lido antes do Renascimento. Na prática, as vinhetas de uma linha oferecidas por Marciano Capela (século V) em sua enciclopédia alegórica, O Casamento de Filologia e Mercúrio (III, 261), foram as únicas descrições articulatórias dos sons do latim disponíveis para a maioria dos estudiosos medievais. Caracterizações do tipo “o D surge do ataque da língua perto dos dentes superiores” ou “o L soa docemente com língua e palato” ou “Apio Cláudio detestava o Z porque imita os dentes de um cadáver” ainda eram citadas no século XVI. Somente depois de se familiarizarem com as descrições articulatórias muito mais detalhadas, que eram lugar-comum nas gramáticas medievais do hebraico e do árabe, é que os cristãos do Renascimento começaram a se interessar pela fonética articulatória. Em contrapartida, as propriedades do nomen e da figura despertavam um interesse mais ativo e criativo entre os estudiosos medievais. Coleções de alfabetos exóticos – grego, hebraico, “caldeu”, gótico, runas, ogamos, vários códigos e cifras – circulavam amplamente, bem como breves tratados sobre a invenção de várias escritas. Uma antiga forma de taquigrafia, as notas tironianas, era praticada em alguns centros monásticos nos séculos IX e X, enquanto em outros os escribas adicionavam subscrições em latim transliterado em caracteres gregos. Um notável pequeno tratado do século VII ou VIII, atribuído a certo Sergílio[...], descreve o movimento da pena ao formar cada letra e dá o nome de cada gesto em , grego e hebraico: “Quais são os nomes dos três gestos da letra A nas três línguas sagradas? Em hebraico, abst ebst ubst. Como são chamados em grego? Albs elbs ulbs. E em ? Duas linhas oblíquas e uma reta traçada entre elas”. Mas o que interessava aos autores medievais não era a littera como uma unidade de fala fisicamente visível ou audível, e sim, muito mais, sua possível importância na iluminação dos aspectos
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superiores da ordem do mundo. Um autor do século VII, Virgílio Gramático, explicava: “Tal como o homem consiste de corpo, alma e uma espécie de fogo celeste, assim a littera é constituída de corpo – isto é, sua forma, sua função e sua pronúncia (suas juntas e membros, por assim dizer) – e tem sua alma em seu sentido, e seu espírito em sua relação com as coisas superiores”. Outros autores aplicavam interpretações tipológicas e alegóricas a vários aspectos da littera, no mais das vezes à sua forma. Seu som era de menor importância: era a parte terrena da littera, seu “corpo”. Só lentamente, à medida que a Idade Média se encerrava, é que os pensadores ocidentais começaram a voltar seu interesse para a parte física da fala, tal como passaram a levar mais a sério as manifestações físicas do mundo natural. O ímpeto para tal iniciativa não veio de dentro da própria tradição ocidental, mas de fora dela: primeiro, durante o Renascimento, do mundo semita; mais tarde, por volta de 1800, da Índia.
Atividades 1.
Em duplas ou grupos de até quatro alunos, escolham algumas das palavras latinas abaixo e organizem-se de forma que cada aluno leia uma palavra por vez, enquanto outro aluno ouve a pronúncia da palavra e procura nas regras da pronúncia reconstituída informações para julgar se o colega está lendo corretamente a palavra, tanto do ponto de vista da pronúncia das letras individualmente quanto do ponto de vista de onde vai o acento principal da palavra. O aluno que estiver ouvindo deverá apontar os eventuais erros ou inconsistências e tentar corrigir o leitor. abīre accusāre addĕre aestas amicitia aqua bibĕre caput ciuis decem delēre
2.
dexter diuus eques facĕre ferox gens grauitas homo hora humanĭtas indignus
ingens iubēre iuuāre luna luxuria mediocris necessario nuntius obiicĕre paruus postridie
proponĕre puella quietus quis redīre rex saeuus sapientia saxum suauis surgĕre
tendĕre tollere utilitas uehemens uenīre uoluntas uoluptas
Selecione palavras de três ou mais sílabas no exercício anterior, escreva-as abaixo, marque a sílaba tônica da palavra com um acento agudo ( ´ ) e justifique, segundo as regras de acentuação aprendidas nesta aula.
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Língua Latina
Estrutura da língua latina comparada com a do português Neste texto, veremos as principais diferenças entre a estrutura morfossintática1 da língua portuguesa e do latim. Para um curso com a extensão deste, é possível que esta seja a questão mais relevante a ser aprendida apropriadamente sobre o latim, pois, ainda que a Língua portuguesa seja diretamente derivada do latim, a estrutura das duas línguas é bastante diferente no que concerne ao modo de estabelecer as conexões entre as palavras.
A estrutura da língua portuguesa Basicamente, o sentido de uma oração em Português depende da ordem em que colocamos as palavras umas diante das outras. Assim, as seguintes orações têm sentidos diferentes: a) O poeta vê a lua. b) A lua vê o poeta. Claramente, embora a segunda sentença seja gramatical2, ela significa algo bastante diferente da primeira. Isso se dá porque a ordem em que sujeito e objeto direto são ditos influencia na nossa percepção de quem faz o quê para quem, nas sentenças normais da língua. Explicando melhor, na primeira sentença, é o sujeito “o poeta” quem “vê” com seus olhos o objeto direto “a lua”, a coisa vista. Na segunda, 1
Morfossintática porque envolve tanto a forma interna das palavras quanto o modo como as palavras se combinam umas com as outras para produzir expressões bem-formadas da língua. 2 Sentenças gramaticais são aquelas que não violam regras gramaticais da língua, e que, portanto, poderiam ser ditas por qualquer falante dela.
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Língua Latina
a mesma expressão lingüística, “o poeta”, aparece depois do verbo transitivo direto, de modo que ele passa a ser o que é visto no evento de “ver” denotado pela sentença. Nesse segundo caso, por causa da ordem das palavras, quem age no evento de ver é a lua (mesmo que pareça implausível ou estranho imaginar que a lua veja alguma coisa – mas, afinal, o que seria da linguagem se ela não nos permitisse dizer todas as coisas que quiséssemos?), que, através dos seus “olhos”, “vê” o poeta. O que queremos mostrar é que o processo sintático na Língua portuguesa envolve a colocação das palavras em uma ordem linear mais rígida, e o que define quem é o sujeito e quem é o objeto em sentenças transitivas simples, como as duas acima, é qual expressão nominal aparece antes e qual expressão nominal aparece depois do verbo. Isso se dá de várias formas, e em vários níveis. Por exemplo, dizemos “o poeta”, e não “poeta o”; dizemos “vê a lua”, e não “a vê lua”, nem “vê lua a”. Tudo isso tem a ver com o fato de que em português as palavras são concatenadas às outras seguindo regras sintáticas rígidas de colocação. Vejamos quais são as funções sintáticas importantes em uma sentença mais complexa, e como elas se realizam em português: c) O cozinheiro dá um camelo para o escravo do senhor no fórum. Analisando a sentença com calma, temos o seguinte: ::: “o cozinheiro” é a expressão sujeito do verbo principal da sentença, pois concorda com ele e aparece antes dele. ::: “dá” é o verbo principal da sentença, e requer três argumentos3 para ter a idéia do evento completa: alguém que dá (o sujeito), algo que é dado (o objeto direto) e para quem se dá a coisa (o objeto indireto). ::: “um camelo” é o objeto direto do verbo, o algo que é dado. ::: “para o escravo” é o objeto indireto, o para quem se dá algo. ::: “do senhor” é uma expressão preposicionada que se junta a um nome (o escravo) de modo a formar uma adjunção, ou seja, uma expressão que pode (mas não precisa) se unir a outro nome para especificá-lo mais (um adjetivo poderia fazer a mesma coisa – por exemplo, poderíamos ter “o escravo esperto” ao invés de “o escravo do senhor”). ::: “no fórum” é uma expressão preposicionada que funciona como um circunstancializador do evento, que diz onde o evento ocorreu. Com essa sentença analisada, passamos à análise da estrutura do latim.
A estrutura do latim Diferentemente do Português, que estabelece a maioria das relações sintáticas através da ordem sequencial em que colocamos as palavras, o latim estabelece as relações das funções dos termos da 3
Argumentos são aqueles termos que são obrigatórios para que um verbo expresse seu sentido completo. Por exemplo, um verbo transitivo direto requer dois argumentos: o sujeito e o objeto. Caso um falte, o evento não é expresso propriamente. Exemplo: “o menino quebrou...”, “a menina viu...” são sentenças em que falta o argumento objeto. A terminologia remete à lógica tradicional.
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oração através do chamado sistema de casos. Assim, embora a ordem das palavras seja relativamente importante em latim, ainda mais importante é o caso em que uma palavra se encontra flexionada. Vejamos como isso se dá.
Os casos Todas as palavras pertencentes a categorias nominais4 em latim acontecem em uma oração necessariamente em um dos seis casos latinos5 , o que significa que elas apresentam flexões morfológicas correspondentes a esses casos. Cada caso corresponde basicamente a uma função sintático-semântica na maneira de construir expressões lingüísticas. Segue-se uma lista dos nomes dos casos latinos e de suas principais funções: ::: O nominativo é o caso da nomeação, é o caso fundamental de um nome.6 É o caso em que os substantivos se encontram quando são sujeitos dos verbos. Os substantivos são encontrados no dicionário na forma nominativa. Um nome como dominus (“senhor, dono, mestre”), tem marca de nominativo singular -us e plural -i (dominus, domini). Um exemplo seria dominus camelum uidet, “o senhor vê o camelo”. ::: O vocativo é o caso que se usa quando o nome está sendo usado para interpelar um interlocutor na segunda pessoa, como quando chamamos alguém (um exemplo é “ó, senhor, venha cá”, que terá a forma domine, hūc ueni). Exceto por alguns tipos de substantivos, como o tipo em que se enquadra dominus, todos os vocativos são iguais em sua forma aos nominativos. ::: O acusativo é o caso que corresponde basicamente aos objetos diretos latinos. No caso acusativo, “senhor” será dominum no singular e dominos no plural. É do acusativo plural que derivam os nomes em português que vieram direto do latim (“donos” de dominos).7 Outro uso importante do acusativo é o que dá idéia de movimento para dentro de ou para junto de algum outro ponto. Esse uso é, em geral, oposto ao do caso ablativo, como veremos abaixo. Um exemplo de acusativo em uma sentença seria dominum camelus uidet, “o camelo vê o senhor”. ::: O genitivo é o caso que corresponde basicamente à idéia de posse. Assim, domini significa, em latim, “do senhor”, e seu plural é dominorum. O genitivo, juntamente com os próximos dois casos, o dativo e o ablativo, são casos que foram sendo substituídos por formas preposicionadas nas línguas derivadas do latim. O nome do caso apresenta relação com a idéia de genus, gens, gentis, ou seja, de geração, pertencimento a alguma família, por exemplo. Um exemplo simples poderia ser camelus domini, “camelo do senhor”.
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Categorias nominais se definem em oposição a categorias verbais. Assim, nome (substantivo), adjetivo, pronome e particípio são classes de palavras que apresentam o traço nominal. O traço verbal é encontrado nos verbos e nos particípios (por participar tanto do grupo das categorias verbais quanto das nominais, o particípio recebe esse nome). As outras classes de palavras não se flexionam, ou seja, são invariáveis (dentre essas temos os advérbios, as conjunções, as preposições e os numerais). 5 A palavra “caso”, etimologicamente, vem de casus em latim, particípio do verbo cado, cadere, que significa “cair”. Assim, casus significa “aquele ou aquilo que caiu”, “caído”, “queda”. Daí temos a idéia de que “caso” significa o modo pelo qual o substantivo acontece, se dá, “cai” em uma estrutura lingüística. 6 Chamo de “nomes” todas as palavras pertencentes a categorias nominais, ou seja, que podem ser flexionadas em casos. 7 Entenderemos melhor isso se pensarmos que em italiano os nomes derivam das formas de nominativo, por isso temos plural ragazzi para “meninos”.
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Língua Latina
::: O dativo é o caso que melhor representa o objeto indireto, de modo que dominō significa “para o senhor” e dominis significa “para os senhores”. O nome do caso deriva do verbo do, dare, datus “dou, dar, dado”, ou seja, se trata do argumento “para quem se dá alguma coisa” no evento de dar. O dativo também expressa uma idéia básica de movimento em direção a um alvo, como quando dizemos algo “a alguém” ou entregamos algo “a alguém”. Um exemplo desse substantivo no dativo seria seruus camelum domini dat, “o escravo dá o camelo para o senhor”. ::: O ablativo é o caso que tem significados básicos de afastamento a partir de algum ponto ou de meio ou instrumento pelo qual se faz alguma coisa. O nome dominō significa, então, “através do senhor”, “pelo senhor”, “a partir do senhor” (essas formas de ablativo serão melhor entendidas no contexto das orações latinas), e seu plural é dominis8 O ablativo também significa posicionamento em algum ponto ou afastamento a partir do mesmo ponto. Nesse sentido, o ablativo é oposto ao acusativo. Um exemplo do ablativo com o uso instrumental ou de meio com dominus seria seruum thesaurum habet dominō, “o escravo possui um tesouro através do senhor/por causa do senhor”. Outro exemplo, mais compreensível, poderia ser dominus seruum necat gladio, “o senhor mata o escravo com o gládio”.
Funções sintáticas Para entendermos melhor o funcionamento básico da língua latina, voltemos à oração em português usada como exemplo: a) O cozinheiro dá um camelo para o escravo do senhor no fórum. Ao traduzirmos essa sentença com a mesma ordem de palavras para o latim, teremos: b) coquus dat camelum seruō domini in forō As primeiras observações que precisam ser feitas são: ::: Não há, em latim, artigos (o, a, os, as, um, uma, uns, umas). Os artigos, se necessários, são expressos através de pronomes. No exemplo acima, não há necessidade de artigos, e um nome como coquus poderia significar, a princípio, tanto “o cozinheiro” quanto “um cozinheiro”. O contexto resolverá essa questão. ::: A ordem das palavras e o tipo de vocabulário adotados nos exemplos serão bastante artificiais, com relação ao modo como o latim realmente era utilizado. Vejamos o vocabulário utilizado no exemplo, analisado morfologicamente: coquus: o substantivo aqui significa “O cozinheiro” e, dado o final -us, sabemos que se trata do sujeito do verbo da frase. dat: o verbo dare está flexionado na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, e significa “[ele/ela] dá [algo] [a alguém]”. camelum: o substantivo camelus aqui se encontra no acusativo (veja o final -um) e, portanto é o objeto direto do evento representado pela sentença. 8
No caso desse substantivo especificamente as formas de dativo e ablativo são iguais. Veremos adiante que isso não acontece com todos os substantivos.
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seruō: o substantivo seruus aqui está no dativo (final -ō9) e, portanto representa o objeto indireto, ou seja, para quem se dá o camelo. domini: o substantivo dominus aqui está no caso genitivo, e sabemos disso pela terminação -i. Assim, sabemos que domini significa “do senhor”, então procuraremos algum substantivo na sentença que possa representar algo que seja do senhor. in: trata-se da preposição “em”. Veremos adiante que as preposições em latim exigem que os substantivos selecionados por ela estejam em casos específicos. Nesse caso, o in se segue de um substantivo no caso ablativo, dando a idéia de que algo aconteceu “em” algum lugar. Nesse caso, o evento de dar um camelo para o escravo do senhor pelo cozinheiro aconteceu “no fórum”. forō: como vimos acima, pelo fato de que a preposição in significa, nesse contexto, “em”, no sentido de dentro de algum lugar, sem pressupor movimento para dentro de (que seria um outro uso da preposição in com outro caso), o caso que ela exige do seu substantivo é o ablativo, significando estaticidade dentro de algum lugar. Por isso, forō está no ablativo, por esse motivo sabemos que o evento se deu dentro do [no] fórum. Vejamos um quadro que resume as informações a respeito dos casos:
Caso
Exemplo no singular
Exemplo no plural
Nominativo Vocativo Acusativo
dominus domine dominum
domini domini dominos
Genitivo
domini
dominorum
Dativo
dominō
dominis
Ablativo
dominō
dominis
Funções básicas sujeito interpelação objeto direto / movimento em direção a ou para dentro de posse / adjunto adnominal objeto indireto
meio / instrumento / afastamento a partir de / estaticidade em
Tradução “o(s) senhor(es)” “ó senhor” “o(s) senhor(es)”
“do(s) senhor(es)” “para o(s) senhor(es)” “(a partir d)o(s) senhor(es)” / “pelo(s) senhores”
A ordem das palavras em latim Como vimos, as funções sintáticas em latim se dão basicamente através das marcas morfológicas de caso, e não da ocorrência sequencial das palavras, como em português. Para exemplificar, manteremos as funções sintáticas principais da sentença latina usada como exemplo acima, e mostraremos
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Se você percebeu que o final -ō também poderia significar a forma de ablativo, parabéns! Na verdade, embora essa ambigüidade seja legítima, o contexto aqui favorece a leitura de dativo para seruō, uma vez que o evento de dar requer um objeto indireto para quem se dá a coisa dada.
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Língua Latina
como a ordem de palavras é secundária em latim, com relação ao processo de marcação de caso. A sentença, na ordem em que está, mantidas as funções sintáticas principais10, é como se segue: c) coquus dat camelum seruō Assim, embora a ordem das palavras na sentença acima mantenha-se fiel à ordem de palavras de uma sentença com o mesmo sentido em português, isso é apenas um acidente. Isso porque qualquer uma das sentenças listadas abaixo poderia significar exatamente a mesma coisa que a sentença (c) em latim: d) coquus seruō camelum dat e) coquus camelum dat seruō f ) coquus camelum seruō dat g) camelum seruō dat coquus h) dat seruō camelum coquus i) camelum dat seruō coquus Qualquer uma das sentenças listadas acima, e qualquer outra possível ordenação das palavras, poderia significar exatamente a mesma coisa: “O cozinheiro dá um camelo para o escravo”. Como vimos, isso acontece porque não é a posição na frase que diz que coquus é sujeito do verbo dat, e sim a marcação morfológica de nominativo (nesse caso, -us). Da mesma forma, é a marcação de acusativo (-um) que diz que camelum é o objeto direto do verbo dat, e não sujeito ou qualquer outra coisa. O mesmo se dá finalmente com seruō, que, com a marca de dativo (-ō), é reconhecido como objeto indireto do verbo dat. Isso significa que o latim dependia fundamentalmente de informação morfológica para estabelecer as relações sintáticas, ou seja, o modo como as palavras se conectam para produzir sentido, e que, portanto, a ordem das palavras era relativamente secundária11 no modo de construção da oração latina.
Comparação entre as duas línguas Como vimos, então, as estruturas do latim e do português são bastante diferentes. Se a mesma palavra em português pode ser sujeito ou objeto direto do verbo, bastando que a posicionemos antes ou depois do verbo, em latim a mesma palavra sofrerá flexão de caso para poder exercer função de sujeito ou objeto (por exemplo, em uma oração declarativa simples com um verbo transitivo direto, dominus pode ser sujeito, mas não objeto direto, enquanto dominum pode ser objeto direto, e não sujeito). 10
A decisão de se trabalhar apenas com as funções sintáticas básicas aqui tem a ver com o fato de que certas funções acessórias como as expressões adjuntas e adverbiais (como “do senhor” e “no fórum”) dependem um pouco mais de ordem do que as funções básicas – sujeito, verbo, objeto direto e objeto indireto, na sentença do exemplo. Veremos como isso se dá. 11 Dizemos aqui secundário, pois, não é verdade, em absoluto, que qualquer ordem de palavras em latim era permitida para os falantes. Os falantes costumavam usar ordenações mais ou menos comuns de sujeito, verbo e complementos, por exemplo, ou de substantivo e o adjetivo que o modifica, e assim por diante. As ordens mais comuns constituíam a forma não-marcada da língua, e quaisquer alterações de ordem surtiriam efeitos de sentido que, embora sutis, seriam percebidos pelos falantes. Para termos uma idéia, a sentença (d) dentre as sentenças (d) a (i) do conjunto acima era a mais comum do ponto de vista da ordem, para um falante de latim. Ou seja, “sujeito – objeto indireto – objeto direto – verbo” era a ordem considerada não-marcada, neutra.
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Isso se dá em virtude de que a Língua portuguesa não manteve o sistema de casos que existia em latim. Assim, se analisarmos a mesma sentença usada acima para exemplificar a liberdade relativa de ordem em latim, e se efetuarmos as mesmas permutações da posição das palavras, obteremos sentenças que, ou significam coisas completamente diferentes, ou são agramaticais e não podem significar nada porque não são sentenças que seriam ditas por nenhum falante da Língua portuguesa. Vamos à mesma sequência de sentenças: 12
a) O cozinheiro ao escravo um camelo dá. b) O cozinheiro um camelo dá ao escravo. c) O cozinheiro um camelo ao escravo dá. d) Um camelo ao escravo dá o cozinheiro. e) Dá ao escravo um camelo o cozinheiro. f) Um camelo dá ao escravo o cozinheiro. Fica claro que esse conjunto de sentenças não possui o mesmo significado, como o conjunto das sentenças latinas possuía. Ainda que, nas sentenças de (a) a (c), o significado seja quase o mesmo, e ainda que consigamos entender pelo contexto o que acontece, no caso das três últimas fica claro que a relação de quem dá o que é invertida (ainda que implausível): o camelo é que dá um cozinheiro ao escravo. Ao eliminarmos a dificuldade relacionada com a questão do contexto estranho (camelos, cozinheiros e escravos na mesma sentença formam um cenário bem estranho), perceberemos claramente a diferença fundamental entre uma estrutura linguística baseada na ordem das palavras e uma baseada no sistema de casos. Imaginemos um verbo transitivo simples como “vê” (uidet), que significa que “x vê y” (sequência que não é igual a “y vê x”). Com esse verbo, criemos uma frase simples como: g) O cozinheiro vê o escravo. Em latim, a frase pode ser dita de inúmeras maneiras do ponto de vista da ordem, pois quem dirá com certeza quem é o sujeito de “vê” e quem é o objeto direto de “vê” são as flexões de nominativo e acusativo, respectivamente. Assim, as seguintes ordenações em latim significarão a mesma coisa que (g) acima (com pequenas alterações no ponto de vista de ênfase, estilo etc., que não são importantes neste ponto): h) coquus seruum uidet. (ordem mais comum em latim) i) coquus uidet seruum. j) seruum coquus uidet. l) seruum uidet coquus. m) uidet coquus seruum. n) uidet seruum coquus. Se fizermos o mesmo com a oração em português, obteremos significados diferentes e algumas sentenças que causarão sensação de estranheza: 12
Exceto em alguns resquícios, como no caso dos pronomes pessoais “eu, me, mim, meu, tu, te, ti, teu”, que significam a mesma coisa do ponto de vista semântico, mas que têm formas diferentes para funções sintáticas diferentes. O “eu” pode ser sujeito do predicado “ver o camelo”, mas não pode ser objeto direto que preenche a expressão “o camelo viu”. Na posição de objeto direto, o pronome pessoal “eu” transforma-se em “me”, ou seja, “O camelo me viu” é uma sentença em que o “eu” se encontra no caso acusativo, por assim dizer.
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Língua Latina
o) O escravo vê o cozinheiro. (sentido completamente diferente) p) O cozinheiro o escravo vê. (estranha) q) O escravo o cozinheiro vê. (estranha) r) Vê o cozinheiro o escravo. (estranha) s) Vê o escravo o cozinheiro. (estranha) Resumindo, se em português quem aparece antes do verbo costuma ser o seu sujeito e quem aparece depois costuma ser o seu objeto direto, em latim essa relação se dá antes pela marcação morfológica de caso em cada palavra, e não através da posição das palavras na frase. Por causa dessa diferença, será crucial identificar as formas em que as palavras de categorias nominais estão quando aparecem num texto latino, sob pena de simplesmente não entendermos o sentido das expressões. A partir desse momento, portanto, o sistema de casos será o que nos guiará pelo caminho da compreensão dos textos latinos.
Texto complementar O texto abaixo é retirado do livro Uma Estranha Língua?, de Alceu Dias Lima, um dos maiores classicistas vivos do Brasil. Trata-se de um trecho de um dos capítulos do livro, em que o autor discute, com um elevado grau de erudição, as questões de ensino da estrutura da sentença latina, nosso objeto de estudo nesta aula.
A frase latina segundo o esquema: nome sujeito versus nome objeto + verbo Considerações de ordem sintática (LIMA, 1995)
Sejam os enunciados a) O patrão chama o criado; b) O criado chama o patrão. Aqui aleatória e globalmente assumidos, sem nenhum esforço, em razão apenas do seu acabamento gramatical de unidades frasais quaisquer, conaturais ao falante nativo do português, tudo como convém a estas considerações com vistas à descrição do sistema, mas que, em situação real de discurso, são concebíveis no latim de Roma, quando mais não seja por parafrasearem ocorrências autênticas. [...]
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Submetido um e outro enunciado (a e b) às perguntas que a competência em língua natural materna, corroborada por uma correta escolarização elementar, deve autorizar, tais como: 1. Quais são as unidades morfossintáticas do enunciado a?; 2. Quais são as unidades morfossintáticas do enunciado b?; 3. Quais as unidades léxicas de a?; e 4. Quais as de b?, força é constatar que, no tocante à gramática, pelo menos a gramática do Ensino Médio, e ao vocabulário, eles são idênticos. Não há, pois, como explicar com esses conhecimentos, ainda que tenham sido objeto de ensino na escola, a diferença óbvia entre os dois enunciados no que concerne à sua referência, ou seja, à sua indicação de sentido. Nem será difícil concluir que a análise sintática tradicional – as coisas não parecem mudar muito no ensino linguístico moderno, ao qual ela está pressuposta – deixou sempre de valorizar e, por isso, de batizar esse componente básico, por mais que de natureza não-segmental que faz da colocação dos nomes antes e depois do verbo, fator indispensável da significação frásica em idiomas como o português. Ninguém duvida que a conotação não apenas constatativa da declaração algo malcriada e provocadora do menino à mesa: “Feijão eu não quero” retira sua força expressiva, conotadora mais de um estado emocional do que denotadora da emissão de um juízo, da alteração dessa colocação dos nomes no enunciado e, portanto, fornece mais um fundamento ao seu valor morfemático. A força desse morfema constituinte básico da frase vernácula dos falantes naturais do português (aqueles para quem ele é a língua de berço) responde por forte interferência13 desse idioma sobre o latino. Requer-se por isso particular cuidado para que mesmo um enunciado gramaticalmente latino, mas tão pouco romano em seu uso discursivo quanto philosophum non facit barba não seja entendido e apressadamente traduzido pelo incauto aprendiz falante nativo dessa língua moderna como “O filósofo não faz a barba”. O erro do principiante tem como causa outro maior, pois envolve o leitor moderno: não perceber o chiste do humanista cristão que forjou essa “versão latina” para o popular “O hábito não faz o monge”. Mesmo depois de ter-lhe sido, ao discípulo, metodicamente ensinado em aula que: 1. no latim, a colocação anterior e posterior ao verbo, pertinente no que concerne à ênfase, não o é pelo que toca à gramática, que opõe nominativo a acusativo, quer dizer, não faz parte do que, segundo R. Jakobson, “deve ser dito”14 na língua de Lucrécio; 2. tratando-se do latim, a competência verbal do romano antigo põe em jogo, com base na flexão, um sistema de pressuposições sintagmáticas portador de alto índice de autocorreção (sem escapar, talvez, a um certo grau de redundância), em que cada nome deve chegar à frase provido de uma desinência específica, conforme exigências contextuais ou sintáticas. Estas o fazem pressentir, antes mesmo da identificação, na linearidade frasal, dos outros termos da seleção determinada pela regência e pela concordância, na função de sujeito, objeto direto ou indireto, adjunto adnominal, adjunto adverbial, aposição, regime de preposição, predicativo, simples exclamativo, além de portador daquelas indicações comuns às línguas modernas, ainda que, com uso diverso, isto é, com 13
“Interferência”, s. f.: Em didática das línguas: dificuldades enfrentadas pelo aluno e erros que ele comete em línguas estrangeiras por causa da influência de sua língua materna ou de outra língua estrangeira anteriormente estudada” (Galisson; Coste, 1976, s.v.). 14 Nota do autor: Alceu Dias Lima aqui faz uso de uma famosa postura teórica de vários linguistas estruturalistas importantes da primeira metade do século XX, como Roman Jakobson e Franz Boas, que diziam que as línguas diferem no que nos obrigam a dizer, e não no que podem dizer. Assim, para ficarmos com um exemplo do latim em oposição ao português, se na primeira língua não temos artigos de nenhum tipo, ao traduzirmos daquela para esta deveremos preencher a lacuna do artigo com alguma coisa: ou um artigo definido, ou um indefinido, ou um quantificador assim por diante. Dessa forma, de dominus latino o português nos obriga a dizer “o senhor”, “um senhor” e assim por diante.
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Língua Latina
outra realização fonética, quais sejam o gênero e o número. Ou não é sequer de redundância, nem no sentido corrente, nem no da teoria da informação, que se há de falar aqui e sim de legítima força expressiva! Nem, por um lado, a eventualidade, aliás comprovada, de serem muitos os fatos da expressão situados fora das relações da fonologia, da morfossintaxe e da lexicologia, os quais explicam plenamente a existência e o bom desenvolvimento de domínios inteiros, como o da retórica, da estilística e da poética, nem, por outro, a grande incidência de variantes, quer contextuais, quer livres, no latim, como, de resto, em qualquer língua, nada justifica os exageros da chamada morfologia latina das gramáticas de inspiração donatiana, conforme visto.
Atividades 1.
Através do que se aprendeu sobre a marcação de casos nessa aula, flexione os substantivos abaixo para construir sentenças com os verbos disponíveis e traduza as sentenças construídas. Substantivos:
deus “deus”
mundus “mundo”
Verbos:
agnus “cordeiro”
dominus “senhor”
philosophus “filósofo”
habet “tem, possui”
amicus “amigo”
equus “cavalo”
populus “povo”
uidet “vê”
asinus “asno”
filius “filho”
porcus “porco”
amat “ama”
Augustus “Augusto”
fungus “cogumelo”
oculus “olho”
est “é”
Brutus “Bruto”
gladius “gládio, espada”
seruus “escravo”
ēst “come”
camelus “camelo”
Homerus “Homero”
ursus “urso”
dat “dá”
capillus “cabelo”
Marcus “Marco”
necat “mata”
coquus “cozinheiro”
medicus “médico”
laudat “louva”
crocodilus “crocodilo”
Minotaurus “Minotauro”
docet “ensina”
Exemplos: a) Augustus mundum docet: “Augusto ensina o mundo”. b) agnus asinum amat: “O cordeiro ama o asno”. c) porcum necat equus: “O cavalo mata o porco”. d) Minotaurus amicō ursum dat: “O Minotauro dá um urso para o amigo”. e) Brutus est fungus: “Bruto é um cogumelo15”. f ) Brutus ēst fungum: “Bruto come um cogumelo”.
15
Em latim, fungus também era uma maneira de chamar alguém de imbecil ou pouco inteligente (via a metáfora da cabeça grande, como a de um cogumelo).
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2.
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Tente explicar por que, dentre os exemplos da atividade 1, o exemplo (e) tem dois nominativos (Brutus e fungus), e não um nominativo e um acusativo. Para isso, compare a sentença com a sua tradução em português e com a sentença seguinte, a de letra (f ).
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3.
Língua Latina
Com base nos exemplos da atividade 1, explique a diferença na ordem de palavras nas sentenças latinas e portuguesas.
Sistema nominal latino Veremos, neste texto, como os substantivos são divididos em declinações e como os adjetivos são divididos em classes. Também conheceremos algumas preposições e seus sentidos básicos.
As declinações nominais Todos os substantivos latinos estão sujeitos à flexão de caso. Assim, todos eles apresentam, idealmente, 12 formas diferentes (singular e plural, nos casos nominativo, vocativo, acusativo, genitivo, dativo e ablativo). Os substantivos latinos também apresentam a categoria gramatical de gênero. Os gêneros possíveis em latim são o masculino, o feminino e o neutro. Em português, temos apenas o masculino e o feminino. É importante que tenhamos em mente que gênero é apenas uma categoria gramatical e que não reflete necessariamente as nossas intuições sobre o que deve ser masculino ou feminino no mundo real. As línguas diferem quanto à marcação de gênero, e isso é natural. Devemos aprender o gênero do substantivo juntamente com seu significado, pois, do ponto de vista gramatical, os substantivos sempre estabelecem concordância de gênero, número e caso com outras palavras nominais que os modificam.1 Os gramáticos estabeleceram uma tipologia para todos os substantivos latinos, de acordo com características comuns deles. A característica mais usada para separar os substantivos em classes de forma didática envolve o chamado tema. O tema é a parte do substantivo pronta para receber as desinências de caso, ou seja, constitui-se do radical do substantivo e, em alguns casos, uma vogal temática que segue-se imediatamente ao radical. Os substantivos latinos podem ter, então, seis tipos de tema: os com vogal temática a, o, i, u, e, e os sem vogal temática (que têm o radical terminado em consoante, portanto). Isso nos dá um total de seis classes possíveis para os substantivos. No entanto, os substantivos de tema consonântico e os de tema em “i” foram incluídos na mesma categoria, o que nos deixa com cinco conjuntos (ou paradigmas) de declinações nominais. A tabela a seguir apresenta as cinco declinações nominais e a terminação de genitivo de cada uma delas:2 1
Tirando o caso, o mesmo acontece em português, pois devemos flexionar, por exemplo, o adjetivo “preto” conforme as informações de gênero e número presentes no nome a ser qualificado: assim, temos “o gato preto”, “a gata preta”, “os gatos pretos” e não “o gato pretas”. 2 Chamaremos de terminação o final das palavras que apresentam algum tipo de flexão. No caso dos substantivos, temos originalmente o radical, a vogal temática e a desinência número-casual (uma forma subjacente que, quando combinada com o tema real da palavra, resulta em uma forma chamada de terminação).
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Língua Latina
Declinação
Vogal temática
Genitivo singular -ae -ī
Primeira Segunda
a o
Terceira
i / nenhuma (consonantal) -ĭs
Quarta Quinta
u e
Exemplo luna, lunae “lua” camelus, cameli “camelo” fur, furis “ladrão”
-ūs -eī
manus, manus “mão” res, rei “coisa, assunto”
Apresentamos os genitivos singulares como característicos de cada declinação nominal, pois é essa a forma que não se confunde de uma declinação para outra. Por exemplo, na tabela acima temos pelo menos dois nomes que no nominativo singular parecem fazer parte da mesma declinação. Camelus e manus parecem iguais, mas seus genitivos singulares são diferentes: cameli diz que se trata de um substantivo da segunda declinação, enquanto que manūs nos diz que o substantivo pertence à quarta declinação dos nomes. Nos dicionários, em geral, não é a declinação do nome que encontramos, e sim a seqüência “nominativo, genitivo” como aparece na tabela acima, ou como luna, ae; camelus, i; fur, is; manus, us; res, ei. Por isso, é importante aprender os substantivos juntamente com sua declinação, gênero e significado básico. A dica que damos é que o aluno faça listas de vocabulário nos seguintes moldes: luna, lunae, substantivo da primeira declinação, feminino de significado “lua” pode ser anotado luna 1f 3 “lua” (essa é a forma que adotaremos nos vocabulários daqui por diante).
Primeira declinação Esta é a declinação dos nomes de tema em a. Isso significa que o radical do substantivo se liga às desinências dos casos através de uma vogal intermediária a. Vejamos a tabela com um exemplo de nome dessa declinação:
Caso Nominativo Vocativo Acusativo Genitivo Dativo Ablativo
Singular lună lună lunăm lunae lunae lunā
Significado a / uma lua ó lua a / uma lua da lua para a / à lua pela / com a lua
Plural lunae lunae lunās lunārum lunīs lunīs
Significado as / umas luas ó luas as / umas luas das luas para as / às luas pelas / com as luas
É importante observar o seguinte com relação aos nomes da primeira declinação: ::: Há terminações que podem ser referentes a vários casos simultaneamente, como -ae, que pode ser genitivo e dativo singular e nominativo plural, -a (se não estiver marcado como longa ou breve) que pode ser nominativo, vocativo ou ablativo singular e -īs, que pode ser de dativo ou de ablativo plural. 3
Essa notação é lida como “substantivo luna, primeira declinação feminino, significado ‘lua’”.
Sistema nominal latino
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::: O tema do substantivo pode ser encontrado através da remoção do final -rum do genitivo plural: lunarum menos rum nos dá o tema luna-. ::: Os substantivos de primeira declinação são mais freqüentemente femininos, mas também há alguns masculinos. Alguns substantivos comuns da primeira declinação são: Femininos:
aquila 1f. “águia” aqua 1f. “água” columba 1f. “pomba” ara 1f. “altar” cena 1f. “ceia, jantar” insŭla 1f. “ilha” littera 1f. “letra” pecunia 1f. “dinheiro” sagitta 1f. “flecha” scaena 1f. “palco, cena” silua 1f. “bosque, selva”
Masculinos:
agricŏla 1m. “agricultor” nauta 1m. “marinheiro” poeta 1m. “poeta”
Nomes que se usam sempre no plural (nomes como esses ou não possuem formas no singular, ou possuem formas singulares com significados diferentes):
diuitiae, arum 1f. “riquezas” nuptiae, arum 1f. “núpcias” litterae, arum 1f. “carta”
Segunda declinação A segunda declinação é a dos nomes de tema em o. No entanto, exceto por algumas formas, as desinências de caso, ao encontrarem o tema em o, sofreram diversas mudanças historicamente, de modo que em muitas das desinências temos um u ao invés de um o. Isso se dá apenas na superfície; nas formas morfológicas subjacentes, a vogal temática o está lá. Os nomes de segunda declinação apresentam alguns subtipos que são melhor entendidos se vistos separadamente. Temos nomes de segunda declinação comuns, nomes de segunda declinação com apenas nominativo e vocativo singulares diferentes, em -er, e nomes de segunda declinação de gênero neutro com terminação em -um no nominativo e vocativo singular.4 A partir daqui, será evitada a tradução na tabela das formas latinas, pois ela dependerá mais do contexto e do caso do que de memorização pura e simples. As atividades ajudarão nesse sentido. Vejamos as tabelas dos nomes de segunda declinação: 4
Também há nomes neutros que declinam com nominativo singular em -us.
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Língua Latina
Caso
Singular: “senhor”
Singular: “menino”
Singular: “palavra”
Plural: “senhores”
Plural: “meninos”
Plural: “palavras”
Nominativo
domĭnŭs
puer
uerbŭm
domĭnī
puerī
uerbă
Vocativo
domĭnĕ
puer
uerbŭm
domĭnī
puerī
uerbă
Acusativo
domĭnŭm
puerŭm
uerbŭm
dominōs
puerōs
uerbă
Genitivo
domĭnī
puerī
uerbī
domĭnōrum
puerōrum
uerbōrum
Dativo
domĭnō
puerō
uerbō
domĭnīs
puerīs
uerbīs
Ablativo
domĭnō
puerō
uerbō
domĭnīs
puerīs
uerbīs
Sobre os substantivos da segunda declinação, podemos observar que: ::: Há substantivos dos três gêneros que se declinam exatamente como dominus. ::: Só há substantivos masculinos que se declinam como puer. ::: Só há substantivos neutros que se declinam como uerbum. ::: Observando a tabela, verificamos que, exceto por nominativos, vocativos e acusativos, os outros casos são iguais para os três subgrupos. ::: Somente em nomes da segunda declinação terminados em -us é que temos uma terminação específica para o vocativo. Em todos os outros substantivos, de todas as declinações, tanto no singular quanto no plural, o vocativo é sempre igual ao nominativo. ::: Os substantivos de segunda declinação terminados em -er só são diferentes dos terminados em -us no nominativo e vocativo singulares. ::: Os substantivos neutros, como vemos pelo subtipo representado por uerbum, sempre têm nominativos, vocativos e acusativos iguais, no singular e no plural. Os neutros de segunda declinação têm nominativo, vocativo e acusativo plural em -ă. Não confunda com os nomes da primeira declinação. O fato de os nominativos serem iguais aos acusativos nos nomes neutros causa grandes confusões, pois, como aprendemos, os nominativos em geral representam sujeitos, e os acusativos, objetos diretos. As ambiguidades surgem quando não temos mais a marca unívoca de sujeito e objeto, se a língua tem mais flexibilidade na ordem das palavras, como é o caso do latim. ::: Os dativos e ablativos são iguais, tanto no singular quanto no plural, o que representa uma diferença com relação aos substantivos de primeira declinação, em que os dativos singulares eram iguais aos genitivos singulares. Seguem substantivos comuns pertencentes à segunda declinação: Masculinos em -us:
popŭlus, i 2m. “povo” equus, i 2m. “cavalo” camelus, i 2m. “camelo” filius, i 2m. “filho” philosophus, i 2m. “filósofo”
Sistema nominal latino
Femininos em -us:
domus, i 2f. “casa” ficus, i 2f. “figueira” laurus, i 2f. “loureiro” humus, i 2f. “terra”
Neutros em -us:
pelăgus, i 2n. “mar” uulgus, i 2n. “povo”
Masculinos em -er:
ager, agri 2m. “campo” magister, magistri 2m. “mestre, professor” aper, apri 2m. “javali” liber, libri 2m. “livro” uir, uiri 2m. “homem, varão”
Neutros em -um:
bellum, i 2n. “guerra” castrum, i 2n. “fortificação, castelo” signum, i 2n. “sinal, estandarte” somnium, i 2n. “sonho”
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Os adjetivos de primeira classe Os adjetivos são as palavras que podem ser usadas diretamente para qualificar um substantivo. Os exemplos em português são muitos, como ao substantivo “casas”, que podemos acrescentar a especificação “amarelas”, produzindo “casas amarelas”. Como se vê, em português, o adjetivo costuma aparecer imediatamente em seguida ao substantivo e costuma concordar com ele em gênero e número (por isso “casas amarelas”, e não “casas amarelo” ou qualquer coisa assim). O mesmo se dá em latim, com a diferença que, como o sistema de casos permite a flexibilidade de ordem já mencionada, um substantivo pode receber qualificação de um adjetivo mesmo que ele não apareça em uma posição imediatamente posterior ou anterior. Basta que o substantivo e o adjetivo estabeleçam relação de concordância para que eles estejam em uma relação de modificação. No entanto, um adjetivo em latim deve concordar com o substantivo não somente em número e gênero, como em português, mas também em caso. Por isso, os adjetivos em latim são palavras que podem ter até 36 formas diferentes: seis casos, vezes dois números, vezes três gêneros é igual a 36. Os adjetivos que têm 36 formas diferentes são os chamados adjetivos de primeira classe, uma vez que eles seguem a primeira declinação dos nomes no gênero feminino, a segunda declinação em -us para as formas masculinas e a segunda declinação em -um para as formas neutras. Vejamos a tabela a seguir com o adjetivo de exemplo magnus, a, um “grande”:5 5
Essa é uma maneira comum de listar um adjetivo: perceba que há as formas dos três gêneros (magnus, a, um = magnus, magna, magnum), identificando que o adjetivo pertence à primeira classe, e a tradução. Os adjetivos que aparecerem listados dessa forma declinam-se como magnus, a, um acima.
48
Língua Latina
Feminino
Masculino
Neutro
Nominativo singular
magnŭs
magnă
magnŭm
Vocativo singular
magnĕ
magnă
magnŭm
Acusativo singular
magnŭm
magnăm
magnŭm
Genitivo singular
magnī
magnae
magnī
Dativo singular
magnō
magnae
magnō
Ablativo singular
magnō
magnā
magnō
Nominativo plural
magnī
magnae
magnă
Vocativo plural
magnī
magnae
magnă
Acusativo plural
magnōs
magnās
magnă
Genitivo plural
magnōrum
magnārum
magnōrum
Dativo plural
magnīs
magnīs
magnīs
Ablativo plural
magnīs
magnīs
magnīs
Esse é um adjetivo típico da chamada primeira classe dos adjetivos: ele segue a primeira e a segunda declinações nominais. Observe as terminações, e você verá que elas correspondem aos paradigmas apresentados anteriormente para os substantivos de primeira e segunda declinação. Qualquer substantivo, não importa a qual declinação pertença, poderá ser modificado por um adjetivo, bastando que suas informações de número, gênero e caso sejam iguais. Vejamos alguns exemplos: O substantivo cena, ae 1f. “ceia” é de gênero feminino. Se pegarmos ao acaso qualquer uma de suas formas, como o acusativo singular cenam, poderemos modificar essa forma com qualquer adjetivo que também esteja no acusativo singular, na forma feminina. Dessa forma, teremos magnam cenam “grande ceia” (na posição de objeto direto – lembre-se do acusativo). No entanto, não é sempre que as terminações do substantivo e do adjetivo são exatamente iguais. Isso se dá em virtude de que muitos substantivos pertencem a declinações que costumam ter a maioria dos seus membros de um gênero, mas que apresentam uma menor parte de substantivos de outro gênero. Vejamos o exemplo de nauta, ae 1m. “marineiro”, que é um substantivo da primeira declinação, mas que não é feminino. Um adjetivo que concorde com a forma de nominativo singular masculino nauta poderá ser, por exemplo, magnus, gerando a forma magnus nauta, “grande marinheiro”. Por isso, para identificar o substantivo com o qual um certo adjetivo concorda em uma sentença latina, devemos saber reconhecer a declinação e o gênero do substantivo, bem como o gênero, o número e o caso em que o adjetivo está. Segue uma pequena lista de adjetivos comuns da primeira classe:
Sistema nominal latino
altus, a, um “alto” beatus, a, um “feliz” bellus, a, um “bonito, belo” bonus, a, um “bom” clarus, a, um “famoso” diuinus, a, um “divino” falsus, a, um “falso” ignarus, a, um “ignorante”
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malus, a, um “mau” multus, a, um “muito” paruus, a, um “pequeno” plenus, a, um “cheio [de + genitivo.]” nullus, a, um “nenhum” secundus, a, um “favorável” stultus, a, um “imbecil, estúpido” tutus, a, um “salvo, protegido”
Preposições As preposições latinas sempre escolhem o caso em que o substantivo selecionado por ela deverá estar. Por isso, você deve aprender as preposições juntamente com o(s) caso(s) que ela seleciona. Algumas preposições, ainda, podem selecionar mais de um caso, com alteração no significado a depender do caso utilizado. Com essas primeiras preposições que veremos já será possível ter acesso a um fragmento interessante do latim para as atividades que proporemos e, ainda, com o diagrama básico dos usos de casos em preposições, grande parte dos problemas relacionados ao significado das preposições será sanada. Vejamos as preposições mais comuns e importantes para o início do aprendizado do latim: ::: in “em” / “para dentro de”: A preposição in tem dois sentidos básicos muito distintos, um ligado à noção de permanência e estaticidade, e outro ligado à noção de movimento para dentro de algum lugar ou corpo. O primeiro se expressa com o ablativo e o segundo com o acusativo: in + ablativo: estaticidade → in forō “no fórum”; in uiā, “no caminho”, in scaenā “no palco”. in + acusativo: movimento para dentro de → in forŭm “para dentro do fórum”; in uiăm “para dentro do caminho (vindo de fora dele)”; in scaenăm “para dentro do palco (vindo de fora dele)”. A preposição in com seus dois usos dependentes do caso acusativo e do caso ablativo é um dos melhores exemplos de como esses casos se relacionam, em geral, com movimento versus estaticidade ou com movimento para dentro versus movimento para fora. As próximas preposições ilustram isso. ::: ad + acusativo: “até” / “até junto a” → ad domum “para junto da casa (mas não entrando nela)”; “até a casa”. ::: a(b6) + ablativo: “para longe de” (contrário de ad + acusativo ) → ab agrō “para longe do campo (sem a pressuposição de que o que está se afastando do campo estava antes dentro do campo)”. ::: e(x) + ablativo: “para fora de” (contrário de in + acusativo) → ex agrō “para fora do campo (com a pressuposição de que o que está indo para fora estava dentro do campo)”.
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As preposições ab e ex podem perder o “b” e o “x”, respectivamente, antes de consoantes. Portanto, temos ab arā mas a forō e ex arā, mas ē foro.
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Língua Latina
Uma boa maneira de aprender essas preposições e a relação dos casos acusativo e ablativo com movimento e/ou estaticidade é observar bem o diagrama abaixo: Domus
ad + acusativo
a(b) + ablativo
e(x) + ablativo
in + acusativo
in + ablativo
Texto complementar O seguinte poema de Catulo é um dos textos mais famosos e comentados da literatura latina. Abaixo, segue uma versão bilíngue que poderá ser bastante apreciada via tradução. No entanto, estão marcadas no texto latino as palavras cujas formas já possam ser reconhecidas pelo que se apresentou até o momento quanto à morfologia do latim. O aluno poderá olhar para o texto latino com o auxílio de um dicionário e dessa aula e tentar encontrar sentido para as expressões em negrito. É possível, também, com o auxílio da tradução, tentar adivinhar outras formas. Há também questões literárias bastante importantes a serem comentadas sobre esse poema. Trata-se do Carmen VIII, poema no qual encontramos um interessante jogo de vozes. A mudança do ponto de vista do “eu” para o “nós” e, finalmente, para o “tu” faz com que o poeta se desdobre em dois e se veja de várias maneiras e ângulos. Tente identificar essas questões na leitura abaixo. Miser Catulle, desinas ineptire,
Meu pobre Catulo, põe um termo neste delirar
et quod uides perisse perditum ducas.
e considera perdido o que vês que se perdeu.
Fulsere quodam candidi tibi soles,
Em tempos passados sóis luminosos brilharam
cum uentitabas quo puella ducebat
quando tu, constantemente, corrias
Sistema nominal latino
amata nobis quantum amabitur nulla.
para onde te chamava a jovem por nós tão amada
Ibi illa multa tum iocosa fiebant,
quanto nenhuma outra será jamais amada.
quae tu uolebas nec puella nolebat.
Nestes encontros então aconteciam aqueles
Fulsere uere candidi tibi soles.
inumeráveis momentos de prazer: o que tu querias
Nunc iam illa non uolt; tu quoque, inpotens, noli,
a jovem também não o deixava de querer.
nec quae fugit sectare, nec miser uiue,
Sóis luminosos realmente brilharam para ti.
sed obstinata mente perfer, obdura.
Hoje, porém, ela já não quer mais.
Vale, puella. Iam Catullus obdurat,
Também tu, incapaz de te conteres, não queiras mais,
nec te requiret nec rogabit inuitam;
não persigas aquela que te foge, não vivas infeliz,
at tu dolebis, cum rogaberis nulla.
mas conserva inflexível teu espírito, resiste.
Scelesta, uae te; quae tibi manet uita!
Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste,
Quis nunc te adibit? Cui uideberis bella?
não mais irá te procurar, não mais te convidará
Quem nunc amabis? Cuius esse diceris?
a um encontro, se não o desejares.
Quem basiabis? Cui labella mordebis?
Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada.
At tu, Catulle, destinatus obdura.
Ai de ti, infeliz. Que vida te está reservada?
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Que homem irá ter contigo? Tradução: Lauro Mistura (Novak, Maria da Glória e Neri, Maria Luiza (orgs.) Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)
Atividades 1.
Identifique as formas das palavras abaixo, dizendo, para cada uma, qual é a declinação (primeira ou segunda), o número (singular ou plural), o gênero (masculino, feminino ou neutro) e o caso. Se a palavra puder estar em vários casos e números, indique todas as possibilidades. Use as informações dadas ao longo dessa aula para isso. Exemplos: a) arārum: (1f gen. pl.) b) columbās: (1f. acus. pl.) c) nautae: (1m. gen. sing. / dat. sing. / nom. pl.) d) pecuniā:
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Língua Latina
e) equŭm:
f ) popŭlŭs:
g) magistrīs:
h) signă:
i) cenă:
j) insula:
l) agricolārum:
m) filiōs:
n) bellŭm:
o) domī:
p) aprīs:
Sistema nominal latino
53
2.
Construa expressões com os substantivos flexionados acima, colocando-os juntamente com a forma apropriada dos adjetivos listados na seção de adjetivos acima. Traduza o resultado.
Exemplos:
arārum multārum: “dos muitos altares” (o adjetivo concorda em gênero, número e caso com o substantivo). paruās columbās: “pombas pequenas”.
nautae malī: “marinheiros malvados” (perceba-se que o adjetivo flexionado no nominativo plural aqui é malī, não malae, uma vez que o nome nauta, embora se pareça com um nome feminino, é masculino).
3.
Sublinhe, na lista de palavras após os dois pontos, aquelas que podem aparecer junto com a que aparece antes dos dois pontos. No caso de adjetivos e substantivos, verifique a concordância. No caso de preposições, verifique o caso do substantivo. Ex.:
in: domō, domŭm, domōs, domī, domīs, domŭs (solução: domō (ablativo singl.); domŭm (acus. sing.); domōs (acus. plural), domīs (ablativo plural), mas não domī (gen. sing ou nominativo plural) nem domŭs (nominativo ou vocativo singular).
multīs: arae, domŭm, nautārum, nuptiīs, camelīs, ficīs
pelagŭs: altŭm, clarŭs, diuinŭm, altă, malae
ex: scaenā, aquăm, castrō, domīs, domōs, domī, aquā, aquae
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Língua Latina
Sistema nominal latino II Aqui, serão estudados os substantivos da terceira declinação e os adjetivos de segunda classe, que são nomes de tema em i ou tema consonantal. O paradigma para todos eles é praticamente idêntico, com alterações principalmente nos nominativos singulares e nos genitivos plurais. Assim, serão vistos um modelo básico de declinação de todos os nomes de terceira declinação e adjetivos de segunda classe e depois as exceções mais importantes e subparadigmas ligeiramente diferentes. O objetivo é que todos os nomes de terceira declinação sejam aprendidos (incluindo na categoria de nomes, aqui, os adjetivos, uma vez que os adjetivos de segunda classe seguem os substantivos da terceira declinação), pois seguem basicamente o mesmo padrão de declinação.
Terceira declinação dos nomes Separaremos os substantivos de terceira declinação em dois grandes grupos: os de tema em i e os de tema consonântico. Um exemplo de substantivo de tema consonântico é rex, regis 3m. “rei”. Vejamos a sua declinação:1
Singular Nominativo
1
Plural
rex
regēs
Acusativo
regĕm
regēs
Genitivo
regĭs
regŭm
Dativo
regī
regĭbŭs
Ablativo
regĕ
regĭbŭs
Não mais listaremos os vocativos nas tabelas de declinação, pois, como sabemos, apenas nos nomes masculinos terminados em -us da segunda declinação no singular é que temos uma terminação exclusiva para o vocativo. Em todos os outros casos, o vocativo é exatamente igual ao nominativo.
56
Língua Latina
Os substantivos de tema consonantal pertencentes a essa declinação possuem, em geral, nominativo singular com uma sílaba a menos que o genitivo singular, o que se convencionou chamar, na literatura de ensino de latim, de substantivos imparissilábicos. Isso se dá em virtude de que o tema consonantal não recebe nenhuma vogal de ligação entre o final do tema e a desinência abstrata de nominativo singular -s (que não aparece na maioria dos casos, mas que aqui se torna clara: o tema reg- mais a desinência -s gera a forma pronunciada [reks], resultante desse encontro consonantal. A depender da consoante final do tema, outros tipos de transformação ocorrerão no nominativo singular dos substantivos de temas consonantais da terceira declinação. Por isso, preste atenção sempre ao genitivo singular, que, para todos os substantivos da terceira declinação, se realiza como -is. Atenção às seguintes características desses substantivos: ::: Todos têm acusativo singular em -em (exceto os de gênero neutro, que sempre têm nominativos iguais a acusativos, tanto no singular quanto no plural). ::: Os genitivos plurais são em -um, diferentemente do genitivo plural dos nomes da terceira de tema em i, como veremos. ::: Nominativos e acusativos plurais são iguais, em -es. ::: Dativos e ablativos plurais em -ibus passam a ser a característica de todos os substantivos da terceira, quarta e quinta declinações (diferentemente dos dativos e ablativos plurais da primeira e segunda declinação, em -is). Vejamos uma lista de nomes da terceira declinação, de acordo com a consoante final do tema. Preste atenção ao que acontece com os nominativos plurais, pois em geral as alterações dependem do tipo de consoante final do tema: Temas com final em l ou r: consul, consulis 3m. “cônsul”
[tema consul-]
uxor, uxoris 3f. “esposa”
[tema uxor-]
fur, furis 3m. “ladrão”
[tema fur-]
soror, sororis 3f. “irmã”
[tema soror-]
labor, laboris 3m. “trabalho”
[tema labor-]
Temas com final em d ou t: pes, pedis 3m. “pé”
[tema ped-]
dos, dotis 3f. “dote”
[tema dot-]
ciuitas, ciuitatis 3f. “cidade”
[tema ciuitat-]
salus, salutis 3f. “saúde, salvação”
[tema salut-]
miles, militis 3m. “soldado”
[tema milit-]
Temas com final c ou g: dux, ducis 3m. “comandante, condutor”
[tema duc-]
iudex, iudicis 3m. “juiz”
[tema iudic-]
lex, legis 3f. “lei”
[tema leg-]
Sistema nominal latino II
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Temas em -ōn ou -iōn: praedo, praedonis 3m. “pirata”
[tema praedon-]
legio, legionis 3f. “legião, exército”
[tema legion-]
religio, religionis 3f. “rito, obrigação, religião”
[tema religion-]
Agora vejamos os substantivos de terceira declinação de tema em i. Um exemplo de substantivo desse tipo é aedis, aedis 3f. “templo, casa”.2 Vejamos a sua declinação:
Singular Nominativo
Plural
aedĭs
aedēs
Acusativo
aedĕm
aedīs ou aedēs
Genitivo
aedĭs
aediŭm
Dativo
aedī
aedĭbŭs
aedĕ (ou aedī)
aedĭbŭs
Ablativo
Como podemos ver, o nominativo e o genitivo singular têm o mesmo número de sílabas. Por isso, esses substantivos são considerados parissilábicos, e se opõem aos imparissilábicos (cujo nominativo tem uma sílaba a menos que o genitivo singular), formando uma espécie de subparadigma específico, com suas características específicas. As diferenças principais a serem notadas com relação aos substantivos de tema consonantal e imparissilábicos são as seguintes: ::: O ablativo singular pode ser como o dos imparissilábicos ou como o dativo singular. As duas formas são comuns. ::: O nominativo e o acusativo plural podem ser diferentes. Uma forma especial de adjetivo plural em -īs (note a longa, que diferencia do nominativo singular) é encontrada assim como a forma já vista em -ēs dos imparissilábicos. ::: A diferença mais importante dos parissilábicos com relação aos imparissilábicos se encontra no genitivo plural, em -iŭm ao invés de em -ŭm. Isso se dá em virtude de a maioria dos parissilábicos terem radical temático em i. Vejamos alguns dos substantivos da terceira declinação de tema em i: auis, is 3f. “ave, agouro” hostis, is 3m. “inimigo” piscis, is 3m. “peixe” finis, is 3m. “fim (singular), território, fronteiras, bordas, limites (plural)” nox, noctis 3f. “noite” 3 2
Esse é um dos exemplos de substantivos que têm um significado específico somente para o plural e outro para os dois números. aedis, no singular e no plural, pode significar “templo”, mas apenas no plural significa “casa”. 3 Alguns nomes imparissilábicos declinam-se conforme aedis, is porque apresentam genitivo plural em -ium. Assim, eles serão apresentados nessa lista. Será fácil reconhecê-los; basta contar uma sílaba a menos no nominativo singular.
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Língua Latina
urbs, urbis 3f. “cidade, Roma” arx, arcis 3f. “fortaleza, cidadela, fortificação” ars, artis 3f. “arte” dens, dentis 3m. “dente” mons, montis 3m. “monte” pons, pontis 3m. “ponte” Há alguns nomes neutros da terceira declinação que apresentam diferenças especiais apenas no nominativo singular (e consequentemente no acusativo singular, visto que, como já vimos, todos os nomes neutros sempre apresentam nominativos e acusativos iguais), e listaremos alguns dos mais importantes aqui, seguidos de seu genitivo transcrito na íntegra, a partir do qual se poderá declinar o restante dos casos e números, bastando que se reconheça o tema (retirando o -is do genitivo singular) e que se apliquem as desinências normais de neutro. Declinamos completamente um parissilábico e um imparissilábico como exemplo:
Imparissilábico (consonantal) singular
Imparissilábico (consonantal) plural
Parissilábico (tema em i) singular
Parissilábico (tema em i) plural4
Nominativo
caput
capĭtă
mare
marĭă
Acusativo
caput
capĭtă
mare
marĭă
Genitivo
capĭtĭs
capĭtŭm
marĭs
marĭum
Dativo
capĭtī
capĭtĭbŭs
marī
marĭbŭs
Ablativo
capĭtĕ
capĭtĭbŭs
marī
marĭbŭs
Observamos que, fora o nominativo/acusativo singular, os nomes neutros da terceira seguem os subparadigmas consonantal e de tema em i, conforme vemos pelo caso distintivo básico, o genitivo plural, capitum versus marium. Outra questão relevante é que no ablativo singular os substantivos neutros de tema consonantal apresentam terminação ĕ enquanto os de tema em i apresentam terminação ī. Segue a lista com outros neutros, com genitivos inteiros para identificar o tema (quando houver um hífen no meio da palavra, salvo informação em contrário, ele servirá apenas como informação didática que separa a terminação e o tema). uulnus, uulner-is 3n. “ferida” corpus, corpŏr-is 3n. “corpo” opus, opĕr-is 3n. “obra, trabalho” onus, onĕr-is 3n. “peso, carga” pectus, pectŏr-is 3n. “peito” 4 É importante lembrar que a correspondência imparissilábico – consonantal / parissilábico – tema em i nem sempre vale. Haverá eventuais exceções, como os substantivos como nox listados acima.
Sistema nominal latino II
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scelus, scelĕr-is 3n. “crime” tempus, tempŏr-is 3n. “tempo” ius, iur-is 3n. “lei, direito” nomen, nomĭn-is 3n. “nome” animal, animal-is 3n. “animal” (embora não pareça, trata-se de um parissilábico, cujo nominativo teria sido animalĕ) exemplar, exemplar-is 3n. “exemplo” (mesmo caso de animal).
Adjetivos de segunda classe A maioria dos adjetivos de segunda classe se baseia na declinação dos substantivos de terceira declinação de tema em i, mas há também os que seguem a declinação de tema consonantal. A literatura sobre a língua latina classifica os adjetivos de segunda classe em uniformes, biformes e triformes. No entanto, essas formas diferentes só se manifestam no nominativo singular nos gêneros masculino, feminino e neutro (os uniformes apresentam uma só forma para os três gêneros, os biformes apresentam uma forma para o masculino e feminino, chamada de comum, e os triformes apresentam uma forma para cada gênero). Todos os outros casos e números apresentam terminações iguais para os três gêneros. As tabelas a seguir apresentarão adjetivos de segunda classe desses três tipos, além de um exemplo de adjetivo de segunda classe de tema consonantal. Veremos adiante o que todos eles têm em comum. ::: uniformes: exemplo: ingēns, ingentis “enorme”
Masculino singular Nominativo Acusativo Genitivo Dativo Ablativo
Feminino singular
Neutro singular
Masculino plural
Feminino plural
Neutro plural
ingens
ingens
ingens
ingentēs
ingentēs
ingentia
ingentĕm
ingentĕm
ingens
ingentēs(īs)
ingentēs(īs)
ingentia
ingentĭs
ingentĭs
ingentĭs
ingentĭum
ingentĭum
ingentĭum
ingentī
ingentī
ingentī
ingentĭbŭs
ingentĭbŭs
ingentĭbŭs
ingentī
ingentī
ingentī
ingentĭbŭs
ingentĭbŭs
ingentĭbŭs
::: biformes: exemplo: omnis, omn-e “todo, todos”
Masculino singular Nominativo Acusativo Genitivo Dativo Ablativo
Feminino singular
Neutro singular
Masculino plural
Feminino plural
Neutro plural
omnis
omnis
omne
omnēs
omnēs
omnia
omnem
omnem
omne
omnēs(īs)
omnēs(īs)
omnia
omnis
omnis
omnis
omnĭum
omnĭum
omnĭum
omnī
omnī
omnī
omnĭbŭs
omnĭbŭs
omnĭbŭs
omnī
omnī
omnī
omnĭbŭs
omnĭbŭs
omnĭbŭs
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Língua Latina
::: triformes: exemplo: acer, acris, acre “amargo, afiado”
Masculino singular Nominativo Acusativo Genitivo Dativo Ablativo
Feminino singular
Neutro singular
Masculino plural
Feminino plural
Neutro plural
acer
acris
acre
acrēs
acrēs
acria
acrem
acrem
acre
acrēs(īs)
acrēs(īs)
acria
acris
acris
acris
acrĭum
acrĭum
acrĭum
acrī
acrī
acrī
acrĭbŭs
acrĭbŭs
acrĭbŭs
acrī
acrī
acrī
acrĭbŭs
acrĭbŭs
acrĭbŭs
::: adjetivos de segunda classe de tema consonantal: exemplo: uetus, ueteris “velho”
Masculino singular Nominativo Acusativo Genitivo Dativo Ablativo
Feminino singular
Neutro singular
Masculino plural
Feminino plural
Neutro plural
uetus
uetus
uetus
ueterēs
ueterēs
uetera
ueterem
ueterem
uetus
ueterēs
ueterēs
uetera
ueteris
ueteris
ueteris
ueterum
ueterum
ueterum
ueterī
ueterī
ueterī
ueterĭbŭs
ueterĭbŭs
ueterĭbŭs
ueterĕ
ueterĕ
ueterĕ
ueterĭbŭs
ueterĭbŭs
ueterĭbŭs
É importante perceber que todos os tipos de adjetivos de segunda classe só se apresentam “uniformes, biformes ou triformes” com relação ao nominativo singular, conforme se pode perceber pelas tabelas anteriores. Tirando o nominativo singular, os adjetivos de segunda classe são, em geral, biformes: têm uma forma para o masculino e feminino (o chamado gênero “comum”) e uma forma para o gênero neutro. Os genitivos, dativos e ablativos, no entanto, são iguais para os três gêneros. É importante estudar as tabelas com calma muito mais para encontrar as similaridades entre as diferentes subclasses dos adjetivos do que para identificar exceções ou anomalias. Vejamos uma lista de exemplos de adjetivos da segunda classe. Primeiro, os “uniformes”: prudens, prudentis “prudente” sapiens, sapientis “sensato, sábio” audax, audacis “audaz” ferox, ferocis “feroz” feliz, felicis “feliz” Agora, exemplos dos biformes: ciuilis, ciuile “civil” grauis, graue “grave” nobilis, nobile “nobre” incredibilis, incredibile “incrível” humilis, humile “humilde” utilis, utile “útil” fortis, forte “forte”
Sistema nominal latino II
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Vejamos alguns dos triformes: celer, celeris, celere “rápido” celeber, celebris, celebre “célebre” Agora, vejamos alguns exemplos de adjetivos de segunda classe baseados nos substantivos de terceira declinação de tema consonantal: diues, diuitis “rico” pauper, pauperis “pobre” princeps, principis “primeiro” A seguinte tabela resume os nomes destas declinações:
Substantivos e adjetivos de segunda classe de tema em i Nom. sing. Acus. sing. Gen. sing. Dat. sing. Abl. sing. Nom. pl. Acus. pl. Gen. pl. Dat. pl. Abl. pl.
Masculino Feminino -s/variável -em -is -ī -ī/-e -ēs -ēs/īs -ium -ibus -ibus
Neutro -s/-e -s/-e
-ia -ia
Substantivos e adjetivos de segunda classe de tema consonantal Masculino Feminino -s/variável -em -is -ī -ī/-e -ēs -ēs/īs -um -ibus -ibus
Neutro -s -s
-a -a
As três primeiras declinações dos substantivos dão conta da grande maioria dos substantivos em latim, e só há duas classes de adjetivos. Assim, já é possível ter acesso ao reconhecimento da maioria das formas nominais latinas. É importante ter em mente que, embora as tabelas apresentadas pareçam assustar à primeira vista, há muito em comum entre os subparadigmas. A tabela acima, que resume a terceira declinação dos substantivos e a segunda classe dos adjetivos mostra isso claramente. Ainda, o que precisa ficar claro é que o ensino do latim deve ter ênfase muito mais na capacitação do aluno à leitura dos textos latinos do que à produção de textos latinos. Assim, mais que decorar formas específicas, é importante que o aluno seja capaz de reconhecer as formas quando elas ocorrem nos textos. Outra questão importante a ser enfatizada, agora que o sistema nominal latino está apresentado em uma extensão relativamente grande, é que as diferentes declinações dos substantivos podem ser modificadas por qualquer uma das duas classes dos adjetivos. Não é porque os adjetivos de segunda classe têm suas flexões baseadas nos substantivos de terceira declinação que eles só podem modificar os substantivos dessa declinação. Qualquer adjetivo pode modificar qualquer substantivo, pois o que é realmente necessário é que haja concordância de gênero, número e caso entre eles. É a partir desse momento que o processo de concordância substantivo–adjetivo pode ficar um pouco mais complexo, já que não poderemos mais confiar apenas na aparência externa das palavras para estabelecer a concordância. Os seguintes exemplos comentados ilustram isso:
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Língua Latina
magna cena “grande ceia”: magna: fem. sing. nom., cena: fem. sing. nom. clarus philosophus “filósofo famoso”: clarus: masc. sing. nom., philosophus: masc. sing. nom felix filius “filho feliz”: felix: masc./fem./neut. sing. nom., filius: masc. sing. nom. (aqui vemos um adjetivo que possui uma forma comum para os três gêneros, e que, portanto, pode concordar com o substantivo que está no masculino) felix filia “filha feliz”: felix: masc./fem./neut. sing. nom., filia: fem. sing. nom felicem filium (ambos masculino singular acusativo) felicem filiam (ambos feminino singular acusativo) felicis filii (ambos masculino singular genitivo) felicis filiae (ambos feminino singular genitivo) e assim por diante...
Texto complementar O texto abaixo é um excerto do livro I do longo poema de Ovídio chamado de Metamorfoses, no qual o poeta narra em pequenos episódios, nos moldes da poesia épica grega e latina de até então, histórias de formas mudadas em outras formas, desde a criação do mundo até os seus dias. O trecho abaixo narra a criação do mundo através do Caos primordial e das coisas que nele foram colocadas pelo Factor universal (factor é aquele que faz, em latim). As formas já identificáveis pelas declinações e formas de adjetivos ensinadas serão sublinhadas nos primeiros dez versos, para que você possa ler o texto nas duas línguas e verificar quanto do vocabulário latino já pode ser analisado morfologicamente. A tradução é do poeta lírico português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), famoso por sua própria produção literária e também um excelente tradutor de textos clássicos. Ante mare et terras et quod tegit omnia caelum
Antes do mar, da Terra, e céu que os cobre
unus erat toto naturae vultus in orbe,
Não tinha mais que um rosto a Natureza:
quem dixere chaos: rudis indigestaque moles
Este era o Caos, massa indigesta, rude,
nec quicquam nisi pondus iners congestaque eodem non bene iunctarum discordia semina rerum. nullus adhuc mundo praebebat lumina Titan,
E consistente só num peso inerte. Das coisas não bem juntas as discordes, Priscas sementes em montão jaziam; O Sol não dava claridade ao mundo,
nec nova crescendo reparabat cornua Phoebe,
Nem crescendo outra vez se reparavam
nec circumfuso pendebat in aere tellus
As pontas de marfim da nova Lua.
ponderibus librata suis, nec bracchia longo
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Sistema nominal latino II
margine terrarum porrexerat Amphitrite;
Não pendias, ó Terra, dentre os ares,
utque erat et tellus illic et pontus et aer,
Na gravidade tua equilibrada
sic erat instabilis tellus, innabilis unda,
Nem pelas grandes margens Anfitrite
lucis egens aer; nulli sua forma manebat,
Os espumosos braços dilatava.
obstabatque aliis aliud, quia corpore in uno
Ar, e pélago, e Terra estavam mistos:
frigida pugnabant calidis, umentia siccis,
As águas eram pois inavegáveis,
mollia cum duris, sine pondere, habentia pondus.
Os ares negros, movediça a Terra.
Hanc deus et melior litem natura diremit.
Forma nenhuma em nenhum corpo havia,
nam caelo terras et terris abscidit undas
E neles uma coisa a outra obstava,
et liquidum spisso secrevit ab aere caelum.
Que em cada qual dos embriões enormes
quae postquam evolvit caecoque exemit acervo,
Pugnavam frio, e quente, úmido, e seco,
dissociata locis concordi pace ligavit:
Mole, e duro, o que é leve, e o que é pesado.
ignea convexi vis et sine pondere caeli
Um Deus, outra mais alta Natureza
emicuit summaque locum sibi fecit in arce;
A contínua discórdia enfim põe termo:
proximus est aer illi levitate locoque;
A Terra extrai dos Céus, o mar da Terra,
densior his tellus elementaque grandia traxit
E ao ar fluido, e raro abstrai o espesso.
et pressa est gravitate sua; circumfluus umor
Depois que a mão divina arranca tudo
ultima possedit solidumque coercuit orbem.
Do enredado montão, e o desenvolve,
Sic ubi dispositam quisquis fuit ille deorum
Em lugares diversos, que lhe assina,
congeriem secuit sectamque in membra coegit,
Liga com mútua paz os corpos todos.
principio terram, ne non aequalis ab omni
Súbito ao cume do convexo espaço
parte foret, magni speciem glomeravit in orbis.
O fogo se remonta ardente, e leve;
tum freta diffundi rapidisque tumescere ventis
A ele no lugar, na ligeireza
iussit et ambitae circumdare litora terrae;
Próximo fica o ar; mais densa que ambos
addidit et fontes et stagna inmensa lacusque
A Terra puxa os elementos vastos,
fluminaque obliquis cinxit declivia ripis,
Da própria gravidade é comprimida.
quae, diversa locis, partim sorbentur ab ipsa,
O salitroso humor circunfluente
in mare perveniunt partim campoque recepta
A possui, a rodeia, a lambe, e aperta.
parte secant zonae, quinta est ardentior illis,
Assim depois que o Deus (qualquer que fosse)
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Língua Latina
sic onus inclusum numero distinxit eodem
O grão corpo dispôs, quis dividi-lo,
cura dei, totidemque plagae tellure premuntur.
E membros lhe ordenou. Para que a Terra
quarum quae media est, non est habitabilis aestu;
Não fosse desigual em parte alguma,
liberioris aquae pro ripis litora pulsant.
Por todas a compôs na forma de orbe.
iussit et extendi campos, subsidere valles,
Ao mar então mandou que se esparzisse,
fronde tegi silvas, lapidosos surgere montes,
Que ao sopro inchasse dos forçosos ventos,
utque duae dextra caelum totidemque sinistra
E orgulhoso abrangesse as louras praias;
nix tegit alta duas; totidem inter utramque locavit
À mole orbicular deu fontes, lagos,
temperiemque dedit mixta cum frigore flamma.
Rios cingindo com oblíquas margens,
Inminet his aer, qui, quanto est pondere terrae
Os quais, em parte absortos pelas terras
pondus aquae levius, tanto est onerosior igni.
Várias, que vão regando, ao mar em parte
illic et nebulas, illic consistere nubes
Chegam, e recebidos lá no espaço
iussit et humanas motura tonitrua mentes
De águas mais livres, e extensão mais ampla,
et cum fulminibus facientes fulgura ventos.
Em vez das margens assalteiam praias.
His quoque non passim mundi fabricator habendum
O universal Factor também dissera:
aera permisit; vix nunc obsistitur illis,
“Descei, ó vales, estendei-vos, campos,
cum sua quisque regat diverso flamina tractu,
Surgi, montanhas, enramai-vos, selvas!”
quin lanient mundum; tanta est discordia fratrum.
Como o Céu repartido à destra parte
Eurus ad Auroram Nabataeaque regna recessit
Tem duas zonas, à sinistra duas,
Persidaque et radiis iuga subdita matutinis;
E uma no centro mais fogosa que elas,
vesper et occiduo quae litora sole tepescunt,
Assim do Deus o próvido cuidado
proxima sunt Zephyro; Scythiam septemque triones
Pôs iguais divisões no térreo globo;
horrifer invasit Boreas; contraria tellus
Ele é composto de outras tantas plagas;
nubibus adsiduis pluviaque madescit ab Austro.
Aquela que das mais está no meio
haec super inposuit liquidum et gravitate carentem
Em calores inóspitos se abrasa;
aethera nec quicquam terrenae faecis habentem.
Alta neve enregela, e cobre duas;
cum, quae pressa diu fuerant caligine caeca,
Outras duas, porém, que entre elas ambas
sidera coeperunt toto effervescere caelo;
O Númen situou, são moderadas,
neu regio foret ulla suis animalibus orba,
Misto o frio, e calor. Fica iminente
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Sistema nominal latino II
A estas o ar, que assim como é mais leve
Tanto mais peso coube ao ar que ao fogo.
O peso d’água que da terra o peso,
Deus ordenou que as névoas, e que as nuvens
Vix ita limitibus dissaepserat omnia certis,
Que os ventos o habitassem, produtores
astra tenent caeleste solum formaeque deorum,
Dos penetrantes frios, que estremecem,
Errassem no inconstante, aéreo seio;
E os raios, os trovões, que o mundo aterram;
cesserunt nitidis habitandae piscibus undae,
Mas o supremo Autor não deu nos ares
terra feras cepit, volucres agitabilis aer.
Arbitrário poder aos duros ventos:
Sanctius his animal mentisque capacius altae
Bem que rebentem de encontrados climas,
deerat adhuc et quod dominari in cetera posset:
Resistir-se-lhe pode à fúria apenas,
natus homo est, sive hunc divino semine fecit
Vedar que em turbilhões lacere o mundo:
ille opifex rerum, mundi melioris origo,
Tanta é entre os irmãos a desavença!
sive recens tellus seductaque nuper ab alto
Euro foi sibilar ao céu da aurora,
aethere cognati retinebat semina caeli.
Aos reinos Nabateus, à Pérsia, aos cumes
quam satus Iapeto, mixtam pluvialibus undis,
Que o raio da manhã primeiro alcança.
finxit in effigiem moderantum cuncta deorum,
O Véspero, essas plagas, que se amornam
pronaque cum spectent animalia cetera terram,
Com Febo ocidental, estão vizinhas
os homini sublime dedit caelumque videre
Ao Zéfiro amoroso; o fero Bóreas
iussit et erectos ad sidera tollere vultus:
Da Cítia fera, e dos Triões se apossa;
sic, modo quae fuerat rudis et sine imagine, tellus
As regiões opostas umedece
induit ignotas hominum conversa figuras.
Austro chuvoso com assíduas nuvens.
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O Númen sobrepôs aos elementos O líqüido, e sem peso éter brilhante,
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Que das terrenas fezes nada envolve. Logo que tudo com limites certos Foi pela eterna destra sinalado, As estrelas, que opressas, que abafadas Houve em si longamente a massa escura, A arder por todo o céu principiaram; E porque não ficasse do universo
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Língua Latina
Alguma região desabitada, Astros, e deuses têm o etéreo assento, O mar aos peixes nítidos é dado,
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Aves ao ar, quadrúpedes à Terra. A estes animais faltava um ente Dotado de mais alta inteligência, Ente, que a todos legislar pudesse: Eis o homem nasce, e - ou tu, suprema Origem De melhor Natureza, e quanto há nela, Ou tu, pasmoso Artífice, o formaste Pura extração de divinal semente,
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Ou a Terra ainda nova, inda de fresco Separada dos céus, lhe tinha o germe. Com águas fluviais embrandecida, Dela o filho de Jápeto afeiçoa, Organiza porções, e as assemelha
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Aos entes imortais, que regem tudo. As outras criaturas debruçadas Olhando a Terra estão; porém ao homem O Factor conferiu sublime rosto, Erguido para o céu lhe deu que olhasse.
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A Terra, pois, tão rude, e informe dantes, Presentou finalmente assim mudada, As humanas, incógnitas figuras. Ovídio. Metamorfoses. Tradução de Bocage. São Paulo: Editora Hedra, 2007. (Versos 5 a 88, Livro I)
Sistema nominal latino II
Glossário Primeira declinação:
agricŏla 1m. “agricultor” aqua 1f. “água” aquila 1f. “águia” ara 1f. “altar” cena 1f. “ceia, jantar” columba 1f. “pomba” diuitiae, arum 1f. “riquezas” filia 1f. “filha” insŭla 1f. “ilha” littera 1f. “letra” litterae, arum 1f. “carta” luna 1f. “lua” nauta 1m. “marinheiro” nuptiae, arum 1f. “núpcias” pecunia 1f. “dinheiro” poeta 1m. “poeta” sagitta 1f. “flecha” scaena 1f. “palco, cena” silua 1f. “bosque, selva”
Segunda declinação:
ager, agri 2m. “campo” aper, apri 2m. “javali” bellum, i 2n. “guerra” camelus, i 2m. “camelo” castrum, i 2n. “fortificação, castelo” dominus, i 2m. “senhor” domus, i 2f. “casa” equus, i 2m. “cavalo”
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Língua Latina
ficus, i 2f. “figueira” filius, i 2m. “filho” humus, i. 2f. “terra” laurus, i 2f. “loureiro” liber, libri 2m. “livro” magister, magistri 2m. “mestre, professor” pelăgus, i 2n. “mar” philosophus, i 2m. “filósofo” popŭlus, i 2m. “povo” puer, i 2m. “menino” signum, i 2n. “sinal, estandarte” somnium, i 2n. “sonho” uerbum, i 2n. “palavra” uir, uiri 2m. “homem, varão” uulgus, i 2n. “povo”
Terceira declinação:
aedis, aedis 3f. “templo (sing.), casa (plural)” animal, animal-is 3n. “animal” ars, artis 3f. “arte” arx, arcis 3f. “fortaleza, cidadela, fortificação” auis, -is 3f. “ave, agouro” caput, capita 3n. “cabeça” ciuitas, ciuitatis 3f. “cidade” [tema ciuitat-] consul, consulis 3m. “cônsul” [tema consul-] corpus, corpŏr-is 3n. “corpo” dens, dentis 3m. “dente” dos, dotis 3f. “dote” [tema dot-] dux, ducis 3m. “comandante, condutor” [tema duc-] exemplar, exemplar-is 3n. finis, is 3m. “fim (singular), território, fronteiras, bordas, limites (plural)” fur, furis 3m. “ladrão” [tema fur-] hostis, is 3m. “inimigo” iudex, iudicis 3m. “juiz” [tema iudic-] ius, iur-is 3n. “lei, direito” labor, laboris 3m. “trabalho” [tema labor-] legio, legionis 3f. “legião, exército” [tema legion-] lex, legis 3f. “lei” [tema leg-] mare, maria 3n. “mar” miles, militis 3m. “soldado” [tema milit-] mons, montis 3m. “monte” nomen, nomĭn-is 3n. “nome”
Sistema nominal latino II
nox, noctis 3f. “noite” onus, onĕr-is 3n. “peso, carga” opus, opĕr-is 3n. “obra, trabalho” pectus, pectŏr-is 3n. “peito” pes, pedis 3m. “pé” [tema ped-] piscis, is 3m. “peixe” pons, pontis 3m. “ponte” praedo, praedonis 3m. “pirata” [tema praedon-] religio, religionis 3f. “rito, obrigação, religião” [tema religion-] rex, regis 3m. “rei” salus, salutis 3f. “saúde, salvação” [tema salut-] scelus, scelĕr-is 3n. “crime” soror, sororis 3f. “irmã” [tema soror-] tempus, tempŏr-is 3n. “tempo” urbs, urbis 3f. “cidade, Roma” uulnus, uulner-is 3n. “ferida” uxor, uxoris 3f. “esposa” [tema uxor-] Adjetivos de primeira classe:
altus, a, um “alto” beatus, a, um “feliz” bellus, a, um “bonito, belo” bonus, a, um “bom” clarus, a, um “famoso” diuinus, a, um “divino” falsus, a, um “falso” ignarus, a, um “ignorante” magnus, a, um “grande” malus, a, um “mau” multus, a, um “muito” nullus, a, um “nenhum” paruus, a, um “pequeno” plenus, a, um “cheio [de + genitivo.]” secundus, a, um “favorável” stultus, a, um “imbecil, estúpido” tutus, a, um “salvo, protegido”
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Língua Latina
Adjetivos de segunda classe:
acer, acris, acre “acre, amargo” audax, audacis “audaz” celeber, celebris, celebre “célebre” celer, celeris, celere “rápido” ciuilis, ciuile “civil” diues, diuitis “rico” felix, felicis “feliz” ferox, ferocis “feroz” fortis, forte “forte” grauis, graue “grave” humilis, humile “humilde” incredibilis, incredibile “incrível” ingens, ingens “enorme” nobilis, nobile “nobre” omnis, omne “todo, toda, todos” pauper, pauperis “pobre” princeps, principis “primeiro” prudens, prudentis “prudente” sapiens, sapientis “sensato, sábio” uetus, ueteris “velho” utilis, utile “útil”
Atividades 1.
Traduza as sentenças abaixo. a) diues rex in castro ingente cum multis seruibus habitat.
b) equi nobiles, feroces aquilae et multa animalia in silua sunt.
c) seruus ignarus ferocem aquilam forte sagittā uulnerat.
Vocabulário da atividade: cum: “com” + ablativo habitat: “vive, habita”
Sistema nominal latino II
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sunt: são, estão, existem, há. sagittā: “flecha” no ablativo singular; pode significar “com a flecha”, “por meio da flecha” uulnerat: “fere, machuca” 2.
Sublinhe as palavras após os dois pontos com as quais a primeira palavra pode estabelecer relação de concordância:
praedonis: multis, altō, felicis, ignari, ignarōs, beatōrum, prudentis
celere: nautā, aquis, equis, aprō, animali, opus, lex, montem
hostium: multōrum, clarārum, felicibus, ueterum, stultum.
incredibilibus: oneris, urbium, sceleribus, scaenis, diuitiis, arcis.
3.
Decline o adjetivo em todos os casos, no singular e no plural, para os seguintes adjetivos:
bonus Nom. sing.
uir
Acus. sing.
uirum
Gen. sing.
uiri
Dat. sing.
uiro
Abl. sing.
uiro
Nom. pl.
uiri
Acus. pl.
uiros
Gen. pl.
uirorum
Dat. pl.
uiris
Abl. pl.
uiris
audax
diues
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Língua Latina
Graus dos adjetivos e formação de advérbios Veremos como os adjetivos em latim também apresentam flexão de grau (comparativo e superlativo), bem como serão conhecidos os processos de formação dos advérbios em latim. Quanto aos graus do adjetivo, o latim admite duas maneiras de estabelecer essa relação: a analítica e a sintética. A forma analítica é aquela que expressa a comparação através do uso de mais de uma palavra e se dá, por exemplo, com os comparativos de igualdade, quando dizemos Petrus tam felix est quam Paulus “Pedro é tão feliz quanto Paulo”. A forma analítica também é encontrada em português, tanto no comparativo de igualdade quanto no de superioridade e inferioridade “x é mais/menos ... que y”. Em latim, embora este último também possa ser estabelecido com formas analíticas (magis/plus ... quam / minus ... quam), as formas preferenciais são as sintéticas, ou seja, aquelas que aplicam processos morfológicos aos adjetivos já existentes para que eles se flexionem em grau. Passemos aos dois tipos de flexão de grau dos adjetivos latinos.
A formação do comparativo dos adjetivos Qualquer adjetivo em latim pode receber as desinências de grau comparativo, que são basicamente -ius para os neutros no nominativo e acusativo singular ou -ior para as outras formas. A desinência de comparativo será acrescentada entre o tema do adjetivo e a desinência de caso. Assim, com um adjetivo como felix, por exemplo, teremos o seguinte padrão:
Masc. e fem. sing. Nominativo Acusativo
Neutro sing.
Masc. e fem. pl.
Neutro pl.
felicior
felicius
feliciores
feliciora
feliciorem
felicius
feliciores
feliciora
Genitivo
felicioris
feliciorum
Dativo
feliciori
felicioribus
Ablativo
feliciore
felicioribus
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Língua Latina
As terminações dos casos para os adjetivos no grau comparativo seguem as terminações dos adjetivos de segunda classe. Isso se dá com todos os adjetivos que se flexionarem para o grau comparativo, mesmo se eles pertencerem à primeira classe no grau neutro. Ou seja, um adjetivo como diuinus, a, um (divino) terá suas formas de comparativo como as da tabela acima, a saber: diuinior, diuiniorem, diuinioris etc. Desse modo, vemos que o processo de formação dos adjetivos no grau comparativo segue o seguinte processo: pega-se o adjetivo no grau neutro (de primeira ou de segunda classe), separa-se o tema (através da retirada do -i ou do -is do genitivo singular), acrescenta-se o infixo -ior- (ou -ius para o neutro nominativo e acusativo singular) e, finalmente, as desinências de caso e número do paradigma da segunda classe (-em, -is, -i, -e, -es etc.). O processo resume-se da seguinte forma: TEMA + IOR + DESINÊNCIA DE ADJETIVOS DE SEGUNDA CLASSE Quanto ao significado, uma forma como felicior pode ser usada de basicamente dois modos: isoladamente, significa “muito feliz”, “bastante feliz”, enquanto que, em composição com a forma quam (o nosso “que” da comparação), significa “mais feliz que”. Note que apenas o segundo uso é esperado quando se fala de uma forma “comparativa”. No entanto, o primeiro uso é bastante comum e é facilmente interpretável, uma vez que, além de faltar a forma quam, faltará o segundo elemento da comparação. Assim, as seguintes orações latinas exemplificam esses usos do comparativo: a) Petrus felicior est. “Pedro é muito feliz” b) Petrus felicior est quam Paulus. “Pedro é mais feliz que Paulo” É importante notar que, no segundo caso, temos a forma quam estabelecendo a relação entre dois termos x e y, Petrus e Paulus, e que ambos estão no mesmo caso, o nominativo. O caso poderia ser qualquer um, a depender da estrutura da sentença, mas o que se deve ter em mente é que, em uma estrutura de comparação, os dois termos sendo comparados têm que estar no mesmo caso. Um outro exemplo ilustra essa questão: c) uideo seruum diuiniorem quam regem. “Eu vejo um escravo mais divino que um rei” Aqui, percebemos que o caso acusativo é necessário apenas em virtude de que hominem, o núcleo da construção comparativa, é núcleo do objeto direto. Por isso ele leva o segundo termo da comparação e o adjetivo para o acusativo. Há um detalhe importante com relação ao uso do comparativo de relação: é possível trocar a construção “quam + segundo elemento no mesmo caso do primeiro” pela construção “segundo elemento no ablativo sem o quam”. Esse é o chamado uso comparativo do ablativo, e pode ser exemplificado pelas sentenças b e c acima, repetidas abaixo: d) Petrus feliciorem est Paulō. “Pedro é mais feliz que Paulo.” e) uideo seruum diuiniorem rege. “Eu vejo um escravo mais divino que o rei.”
Graus dos adjetivos e formação de advérbios
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A formação do superlativo dos adjetivos Assim como os comparativos, os superlativos latinos são formados através de um processo de infixação. O infixo básico de superlativo latino é o -issim- (ou -errim- para os adjetivos terminados em -er). No entanto, se os comparativos são formas adjetivas baseadas no paradigma dos adjetivos de segunda classe, os superlativos baseiam-se na primeira classe dos adjetivos. Segue a tabela com o mesmo adjetivo usado anteriormente:
Masc. sing.
Fem. sing.
Nominativo felicissimus felicissima
Neut. sing.
Masc. pl.
felicissimum felicissimi
Fem. pl.
Neut. pl.
felicissimae
felicissima
felicissimas
felicissima
Acusativo
felicissimum felicissimam felicissimum felicissimos
Genitivo
felicissimi
felicissimae
felicissimi
Dativo
felicissimo
felicissimae
felicissimo
felicissimis
Ablativo
felicissimo
felicissima
felicissimo
felicissimis
felicissimorum felicissimarum felicissimorum
Fica claro, aqui, que o processo de flexão de grau cria um novo adjetivo cada vez que é aplicado. Se felix é um adjetivo de segunda classe quando está no grau normal, ele se transforma em um adjetivo de primeira classe quando está no superlativo. Por outro lado, um adjetivo como diuinus, a, um é da primeira classe no grau normal e no superlativo, mas não no comparativo. Por isso é tão importante aprender a distinção entre primeira e segunda classes de adjetivos, uma vez que ela terá implicações importantes para processos morfológicos tão relevantes como o da flexão de grau. Podemos resumir a formação do superlativo da seguinte maneira: TEMA + ISSIM + DESINÊNCIA DE ADJETIVOS DE PRIMEIRA CLASSE Quanto ao sentido, uma forma como felicissimus pode significar basicamente duas coisas: “muitíssimo feliz/felicíssimo” ou “o mais feliz de todos os...”. Basicamente, os dois significados podem ser ilustrados pelas sentenças abaixo: a) Petrus felicissimus est. “Pedro está muitíssimo feliz/Pedro está felicíssimo.” b) Petrus felicissimus est omnium hominum. “Pedro é o mais feliz de todos os homens.” O primeiro sentido é bastante comum em português nas formas em -íssimo(a) que derivam claramente dessa mesma forma latina. No entanto, o segundo será estabelecido basicamente pela presença de um genitivo (no caso da sentença d, omnium hominum “de todos os homens”), que estabelece o conjunto das coisas com relação às quais aquele elemento modificado pelo adjetivo em relação a outra coisa ou alguém (o “alguma coisa” estabelece-se pelo sentido básico do adjetivo no superlativo). É importante perceber as diferenças importantes entre os comparativos e os superlativos em latim: ::: Os adjetivos na forma comparativa pertencem à declinação de segunda classe. ::: Os adjetivos na forma superlativa pertencem à declinação de primeira classe.
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Língua Latina
::: Os adjetivos comparativos constroem-se com a partícula quam para introduzir o segundo elemento da comparação. ::: Os adjetivos superlativos constroem-se com um genitivo que representa o conjunto de dentro do qual se seleciona a entidade denotada pelo substantivo modificado.
Comparativos e superlativos irregulares Assim como em português alguns comparativos e superlativos são irregulares e não seguem o padrão do modelo de construção analítico (os exemplos incluem formas como “melhor” ao invés de “mais bom”, “pior” ao invés de “mais ruim” ou “menos bom” e assim por diante), em latim há adjetivos que são irregulares no modo como se constroem e, portanto, eles devem ser aprendidos separadamente. Segue a tabela dos adjetivos com os comparativos e superlativos irregulares mais importantes em latim:
Adjetivo base bonus, a, um malus, a, um multus, a, um magnus, a, um paruus, a, um
Comparativo melior, melioris peior, peioris plus, pluris maior, maioris minor, minoris
Superlativo optimus, a, um pessimus, a, um plurimus, a, um maximus, a, um minimus, a, um
Tradução bom, melhor, o melhor/ótimo ruim, pior, o pior/péssimo muito, mais, o mais/a maior parte de grande, maior, o maior pequeno, menor, o menos
É curioso que a maioria das formas irregulares de adjetivos nos graus comparativo e superlativo tem formas que foram transmitidas quase que inalteradas para o português. Curiosamente, do sistema dos irregulares sobreviveram as formas sintéticas de comparativos e superlativos em português. As outras formas, como vimos, são expressas em português por perífrases (expressões com mais de uma palavra).
Advérbios regulares Advérbios são palavras que não sofrem nenhum tipo de flexão, são invariáveis, e modificam o sentido de verbos, adjetivos e de outros advérbios ou de sentenças inteiras. Os seguintes exemplos incluem advérbios em latim: a) hodie Petrus dormit bene. “Hoje, Pedro dorme bem.” b) Petrus ualde felix est. “Pedro é muito feliz.” Em a), hodie é um advérbio que modifica toda a sentença, enquanto bene modifica a idéia do evento expresso pelo verbo dormit. Em b), ualde modifica o adjetivo felix, resultando em “muito feliz”, ao invés de apenas “felix”.
Graus dos adjetivos e formação de advérbios
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Muitos advérbios, como non “não”, sic “assim”, não são derivados de alguma outra palavra com sentido parecido. Mas há advérbios que são resultantes de um processo de sufixação que ocorre produtivamente, o de acrescentar –e ou –(i)ter ao tema de um adjetivo para transformá-lo em um advérbio. O mesmo se dá em português quando acrescentamos o sufixo –mente a adjetivos e criamos advérbios a partir desse processo. Exemplos em português são “estúpido” > “estupidamente” e “feliz” > “felizmente”. As explicações sobre a formação dos advérbios regulares em latim foram colocadas neste ponto em virtude de dependerem da diferença entre adjetivos de primeira e de segunda classe. Assim, os advérbios formados de maneira regular continuam a marcar uma diferença clara entre as duas classes dos adjetivos, e tornam bastante didática a tentativa de deixar claro, através da exposição da importância dessas classes de adjetivos para a gramática latina como um todo, o modo como as duas classes têm influência sobre vários processos gramaticais (como acabamos de ver com a flexão de grau de adjetivos).
Advérbios em -e Os advérbios formados a partir do acréscimo do infixo -e ao tema do adjetivo são, em geral, derivados de adjetivos de primeira classe. Assim, vejamos uma pequena lista de advérbios em -e: beatus, a, um > beate
“feliz” > “felizmente”
miser, misera, miserum > misere diuinus, a, um > diuine
“miserável” > “miseravelmente”
“divino” > “divinamente”
Advérbios em -(i)ter Os advérbios formados a partir do acréscimo do infixo -(i)ter ao tema do adjetivo são, em geral, derivados de adjetivos da segunda classe. Vejamos alguns deles: felix, e > feliciter
“feliz” > “felizmente”
fortis, e > fortiter
“forte” > “fortemente”
celer, is, e > celeriter
“rápido” > “rapidamente”
Há, também, algumas exceções importantes a serem listadas: bonus, a, um > bene
“bom” > “bem”
paruus, a, um > paulum
“pequeno” > “um pouco, ligeiramente, pequenamente”
multus, a, um > multum
“muito (adj.)” > “muito (adv.)”
facilis, e > facile (e não faciliter)
“fácil” > “facilmente”
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Texto complementar O seguinte trecho do romance Satyricon, de Petrônio1, nos traz duas breves histórias contadas no famoso “Banquete de Trimalquião”, um dos episódios que restaram dessa obra. O romance retrata as classes baixas de Roma no período de Nero, e nesse trecho tem-se dois narradores contando histórias de terror que soam bastante contemporâneas para nós. A primeira, uma típica história de lobisomem e a segunda, uma típica história de bruxaria. O romance como um todo é bastante fragmentário mas, ainda assim, muito interessante e variado.
Assim que disse essas palavras, contou a seguinte história:
(Petrônio, 2004)
“Quando eu ainda era escravo, nós morávamos em Vicus Angustus, agora a casa pertence a Gavila. Aí, como os deuses assim o queriam, eu me tornei amante da esposa de Terêncio, o taberneiro. Vocês a conhecem, Melissa Tarentina, mulher pra ninguém botar defeito. Mas, por Hércules, eu não me aproximei dela por motivos materiais, ou por causa dos prazeres do sexo, mas porque ela era uma pessoa de muito bons costumes. Se eu pedi alguma coisa a ela, nunca me foi negado; se ela ganhou um centavo, eu recebi a metade; eu me entreguei de corpo e alma a ela e nunca fui enganado. O marido dela passou dessa para melhor em uma casa de campo. E, assim, eu fiz o possível e o impossível para chegar até ela, pois, como dizem, é nas horas difíceis que os amigos aparecem. LXII – Por coincidência, meu senhor tinha ido a Cápua para se livrar de uns móveis usados. Eu, aproveitando a oportunidade, convenci o homem que nos hospedou a vir comigo por uns cinco quilômetros. A propósito, ele era um soldado, forte como o Orco. Sós, caminhamos até quase o cantar do galo; a lua iluminava como se fosse meio-dia. Nós chegamos a um cemitério: meu homem começou a andar entre as lápides; eu permaneci sentado, cantando, e fiquei contando as lápides. Logo depois, quando olhei para meu companheiro, ele tinha se despido e colocado todas as suas roupas à beira do caminho. Meu coração quase saiu pela boca; eu estava imóvel, tal como um morto. Mas ele mijou em volta de suas roupas e, de repente, transformou-se em um lobo. Não pensem que eu estou brincando; nem toda a fortuna do mundo faria com que eu mentisse. Mas, como eu estava dizendo, depois que se transformou em lobo, começou a uivar e fugiu para a floresta. No começo, eu não sabia nem onde eu estava; em seguida, eu me aproximei para pegar as roupas dele: elas, no entanto, se transformaram em pedra. Quem, senão eu, morreu de medo? Contudo, eu empunhei minha espada e cortei os galhos [que faziam sombras assustadoras], até que pudesse chegar à casa de minha amiga. Entrei feito um fantasma, quase sem respiração, o suor escorria abundantemente pelas duas bochechas, os olhos mortos; com muita dificuldade eu me refiz um pouco depois. Minha Melissa estranhou que eu tivesse ido lá tão tarde e disse: “Se você tivesse chegado antes, pelo menos teria nos ajudado; um lobo entrou aqui na casa e todas as cabeças de gado ele sangrou, como se fosse um açougueiro. Mas ele não ficou zombando de nós não, mesmo que tenha fugido, pois nosso escravo atravessou o pescoço dele com uma lança”. Quando eu ouvi essa história, não 1
Gaius ou Titus Petronius Arbiter, autor de origem e biografia incertas, mas que deve ter vivido de 20 a 66 d.C., segundo a biografia que chegou a nós pelo historiador e biógrafo Tácito (56-117 d.c) nos seus Anais, foi aceito por Nero na corte, ocupou cargos públicos em Roma e nas províncias do Império, e foi condenado ao suicídio após ter sido acusado de envolvimento com uma conspiração para tirar o imperador do poder (conspiração que também foi responsável pelas mortes dos autores Sêneca e Lucano, contemporâneos de Petrônio e autores de extrema importância nesse período).
Graus dos adjetivos e formação de advérbios
pude ficar com os olhos mais arregalados do que fiquei, mas, à luz do dia, fugi para a casa de nosso Gaio, como um taberneiro que tinha sido roubado; e quando cheguei àquele lugar em que as roupas tinham-se transformado em pedra, não encontrei nada, a não ser sangue. Porém, quando eu cheguei à casa dele, meu soldado jazia em uma cama, como um boi, e um médico cuidava de seu pescoço. Eu compreendi que ele era um lobisomem e, depois disso, não consegui comer nem um pedaço de pão na casa dele, nem se ele me quisesse matar por causa disso. Cada um que faça sua avaliação sobre essa história; se eu estou mentindo, quero que os gênios protetores de todos vocês se voltem contra mim”. LXIII – Enquanto todos estavam paralisados pelo espanto, Trimalquião disse: “Eu dou crédito à sua palavra, se alguém duvida que haja verdade no que você contou, pois eu fiquei todo arrepiado, porque eu sei que Nicerote não fica contando lorotas por aí. Muito pelo contrário, ele é de confiança e não é tagarela. E agora eu também contarei uma história horripilante para vocês, tão inacreditável como um asno no telhado. Quando eu ainda tinha cabelos compridos, pois desde criança levei uma vida mansa, o queridinho do senhor de nossa casa morreu. Por Hércules, ele era uma pérola, [perfeito] em todos os sentidos. Então, quando sua pobre mãezinha chorava por ele e muitos de nós também compartilhavam de sua tristeza, subitamente, bruxas começaram a fazer um barulho estridente; a gente podia pensar que era um cachorro perseguindo uma lebre. Naquela época, nós tínhamos um homem da Capadócia, alto, muito corajoso e forte: conseguia carregar um touro bravo. Ele corajosamente avançou para fora, espada em punho, com a mão esquerda cuidadosamente protegida, e atravessou uma daquelas mulheres bem no meio, como se fosse neste lugar aqui – que o meu que eu estou mostrando esteja a salvo! Nós ouvimos um gemido, mas – é claro que eu não vou mentir – ver as bruxas nós não vimos. Porém, nosso corajoso imbecil, acuado, projetou-se sobre uma cama e seu corpo estava todo da cor de chumbo, como se tivesse sido ferido por chicotadas, evidentemente porque uma mão funesta tinha tocado nele. Nós, com a porta fechada, retomamos novamente nossas obrigações, mas, no momento em que a mãe quis abraçar o corpo de seu filho, ela o tocou e viu um feixe de palha. Não tinha coração, nem intestino, nem nada: é claro que as bruxas já tinham se apoderado do menino e posto em seu lugar um boneco de palha. Por favor, vocês precisam acreditar em mim, existem mulheres que sabem demais, existem feiticeiras que agem nas trevas e o que está em cima elas põem abaixo. De resto, aquele imbecil grandalhão, depois do acontecido, jamais recuperou sua cor. Muito pelo contrário, poucos dias depois, morreu debatendo-se”. LXIV – Nós ficamos assombrados e igualmente acreditamos e, beijando a mesa, pedimos às feiticeiras que ficassem em casa, até que nós voltássemos do jantar.
Atividades 1.
Traduza as seguintes orações: a) aquila ferocior est quam columba. b) animalia ignariores quam homines sunt.
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c) pueri fortiores quam puellae sunt.
d) nauigamus per mare ingentissimum.
e) equus nobilissimus est omnium animalium.
f ) feroces praedones male aggrediunt urbem claram.
g) uxor grauiter uirō bona uerba dicit.
2.
Preencha a tabela abaixo com as formas faltantes:
Adjetivo
Comparativo
Superlativo
Advérbio
diuinus
diuinior, is
diuinissimus, a, um
diuine
fortis
fortior, is
fortissimus, a, um
fortissime
nobilis diues tutus beatus
Estrutura da língua latina: os verbos Nesta aula, serão estudadas as categorias gramaticais relacionadas aos verbos em latim, ou seja, o número, a pessoa, a voz, o modo, o tempo e o aspecto. Veremos quais são essas categorias e como se realizam. Além disso, iniciaremos o estudo das conjugações verbais como paradigmas aos quais os verbos pertencem, dependendo da estrutura do seu radical.
Características morfológicas dos verbos em latim Os verbos em latim funcionam de maneira bastante parecida com os verbos em português. Há uma base temática (radical e, às vezes, vogal temática; como ama- do verbo “amar” em português) que carrega o significado básico do verbo, a que se seguem uma eventual vogal de ligação, infixos específicos de tempo, aspecto, modo e voz (como o infixo -va do imperfeito no português) e as desinências númeropessoais, que carregam a informação de pessoa (primeira, o locutor, segunda, o interlocutor, ou terceira, aquele de quem se fala) e de número (singular ou plural); exemplos de desinências número-pessoais em português seriam -s para a segunda do singular (“amas”) e -mos para a primeira do plural (“amamos”). Conheceremos as formas dos verbos latinos aos poucos, tentando dar conta da maior parte do sistema verbal que caiba nos limites realistas de tempo, espaço e profundidade que precisamos impor a esse material.
As conjugações Assim como os nomes latinos sofrem o mecanismo de flexão morfológica que chamamos de declinação, conjugação é o mecanismo de flexão morfológica dos verbos, responsável por nos dizer, de cada forma verbal, a qual número, pessoa, modo, voz, tempo e aspecto o verbo faz referência. Conheceremos essas categorias gramaticais aos poucos. Comecemos pela questão mais básica de como os verbos se classificam em paradigmas diferentes de acordo com a conjugação.
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Língua Latina
Os gramáticos latinos estabeleceram basicamente quatro paradigmas de conjugação verbal, com base nas diferenças entre os temas dos verbos em latim. Em português, as conjugações são três: em -a-, em -e- e em -i-, ou seja, a de verbos como “amar”, “comer” e “dormir”. Essas três conjugações estavam presentes em latim, mas havia ainda uma outra, a conjugação dos verbos com tema em consoante. A tradição também estabeleceu uma subconjugação derivada da conjugação consonantal, mas que tem muitas formas parecidas com as da conjugação de temas em -i-, que chamaremos aqui de conjugação mista. Vejamos uma listagem das conjugações com o verbo básico que usaremos de exemplo: ::: Primeira conjugação – temas em -a-: am-o, ama-s, amau-i, amat-um, amāre1 “amar” ::: Segunda conjugação – temas em -e-: habe-o, habe-s, habu-i, habit-um, habē-re “ter” ::: Terceira conjugação – temas consonantais: dic-o, dic-i-s2, dix-i, dict-um, dicĕ-re “dizer” ::: Quarta conjugação – temas em -i-: audi-o, audi-s, audiu-i, audit-um, audī-re “ouvir” ::: Conjugação mista – temas consonantais: capi-o, capi-s, cep-i, capt-um, capĕ-re “pegar, capturar” Dessas informações, facilmente encontráveis nos dicionários para qualquer verbo latino, o que deve ser aprendido antes de qualquer coisa é o modo de identificar a conjugação de um verbo. Os verbos em latim são enunciados pela primeira pessoa do singular do presente do indicativo, e não pelo infinitivo, como em português. No entanto, as primeiras pessoas singulares do presente do indicativo são construídas com uma desinência -o que às vezes mascara algumas características dos verbos e, para conhecermos com toda a certeza a conjugação a que o verbo pertence, precisaremos conhecer também o infinitivo do referido verbo. Com esses dois elementos, não restarão dúvidas quanto a que conjugação um verbo pertence. Vejamos a tabela abaixo, que contém apenas a primeira pessoa do singular do presente do indicativo e o infinitivo presente dos verbos das cinco conjugações.
Primeira conjugação
amo
amāre
amar
Segunda conjugação
habeo
habēre
ter
Terceira conjugação
dico
dicĕre
dizer
Quarta conjugação
audio
audīre
ouvir
Conjugação mista
capio
capĕre
capturar
As sílabas em negrito no infinitivo são as sílabas que recebem o acento principal. Como se pode perceber, o acento na penúltima é motivado pela vogal longa. Olhando com atenção, podemos perceber que a vogal longa aparece nas conjugações vocálicas, ou seja, na primeira, segunda e quarta. As vogais breves -ĕ- dos infinitivos da terceira conjugação e da conjugação mista são vogais de ligação entre o tema e a desinência -re, o que causa o deslocamento do acento principal para a antepenúltima. Assim, 1
Daremos aqui a entrada do verbo nas seguintes formas: primeira pessoa do singular do presente do indicativo, segunda pessoa do singular do presente do indicativo, primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo, supino/particípio perfeito e infinitivo presente. Com essas formas, como veremos adiante, seremos capazes de derivar todas as outras formas possíveis dos verbos latinos. Em geral, os dicionários apresentam os verbos com essas formas listadas, nessa ordem (eventualmente sem a segunda do singular). Os hífens servem apenas para fins didáticos, eles não são parte das palavras latinas. 2 O -i- aqui é uma vogal breve que serve apenas para ligar o tema consonantal à desinência que o segue.
Estrutura da Língua Latina: os verbos
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há uma separação clara entre conjugações vocálicas e consonantais, que percebemos no infinitivo. Isso também nos mostra claramente que, embora muitas formas da quarta conjugação e da conjugação mista pareçam iguais, isso acontece apenas por uma anomalia no sistema verbal, pois, na verdade, a conjugação mista é como uma parte da terceira conjugação, o que, mais uma vez, fica claro ao olharmos para o seu infinitivo. Outra questão, a princípio problemática, que se resolve no cruzamento do infinitivo com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo, é a aparente igualdade de construção dos verbos da primeira e da terceira conjugação, que têm primeira pessoa em -o, sem vogal temática (am-o e dic-o, contra habe-o e audi-o). Com o infinitivo, torna-se claro que amā-re e dicĕ-re fazem parte de conjugações diferentes. Portanto, o estudo cuidadoso da tabela anterior nos capacitará a aprender inequivocamente a conjugação de qualquer verbo em latim.
Os tempos O verbo latino flexiona-se em tempo (presente, passado e futuro) e em aspecto (eventos concluídos ou pontuais, ou seja, perfectivos, e não concluídos ou durativos, ou seja, imperfectivos). Há uma separação entre formas verbais de aspectos imperfectivos e perfectivos, que resulta em um sistema verbal com os seguintes tempos principais:
Tempos principais da voz ativa – infectum Presente (pretérito) Imperfeito Futuro do presente
amo, amat, amamus... amabam, amabas,... amabo, amabit...
amo, ama, amamos amava, amavas amarei, amará
Tempos principais da voz ativa – perfectum (pretérito) Perfeito (pretérito) Maisque-perfeito Futuro do pretérito
amaui, amauisti... amaueram, amaueras... amauero, amaueris...
amei, amaste amara, tinha amado terei amado, terás amado
Os três tempos do lado esquerdo da tabela são os chamados tempos do sistema verbal infectum em latim, pois são imperfectivos quanto ao aspecto e se formam com o radical verbal chamado radical do presente (ama-, habe-, dic(ĕ)-, audi- e cap(ĕ)-), que conseguimos ao subtrair o -re do infinitivo presente. Os tempos da metade direita da tabela são os chamados tempos do perfectum, pois são perfectivos quanto ao aspecto e são formados a partir do radical do perfeito (amau-, habu-, dix-, audiu- e cep-). O radical do perfeito é idiossincrático3, ou seja, cada verbo apresenta o seu radical de perfeito, a princípio, sem regras predeterminadas para sua formação. Por isso o dicionário apresenta também o radical de perfeito na entrada de cada verbo. Todos os verbos possuem dois radicais diferentes, um de infectum e um de perfectum, além de um terceiro, aquele que forma os particípios e alguns tempos verbais analíticos (formados por particípio + verbo auxiliar), que é chamado de radical de supino (que também pode ser conseguido na entrada lexical dos verbos nos dicionários). Agora, para podermos prosseguir é necessário falar das desinências número-pessoais. Além dos três radicais básicos dos verbos, para podermos construir qualquer forma de qualquer tempo, voz ou modo verbal, é preciso conhecer os possíveis conjuntos de desinências número-pessoais. A tabela abaixo sistematiza as desinências número-pessoais:
3
Individual e particular de cada verbo, imprevisível segundo regras gerais.
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Língua Latina
Número e pessoa
Tempos do indicativo e subjuntivo na voz ativa
Tempos do indicativo e subjuntivo na voz passiva
Perfeito do indicativo ativo
1.ª pessoa do singular
-o ou -m
-or ou -r
-i
2.ª pessoa do singular
-s
-ris
-isti
3.ª pessoa do singular
-t
-tur
-it
1.ª pessoa do plural
-mus
-mur
-imus
2.ª pessoa do plural
-tis
-mini
-istis
3.ª pessoa do plural
-nt
-ntur
-ērunt ou -ēre
A tabela acima resume praticamente todas as possibilidades de desinências número-pessoais dos verbos latinos. Há algumas formas de tempos passivos no perfectum que são construídas com o particípio perfeito ou futuro com um verbo “ser” flexionado como auxiliar. Veremos essas formas oportunamente. Tirando essas últimas, todos os tempos, vozes e modos latinos podem ser construídos, bastando que saibamos qual radical deve ser usado (presente/infectum, perfeito/perfectum ou supino/particípio), qual dos três conjuntos de desinências número-pessoais deve ser usado, e que infixo modo-temporal deve ser colocado entre o radical e a desinência número-pessoal. Quando as tabelas das conjugações forem apresentadas, preste atenção a esses três fatores da construção de cada tempo em cada modo e em cada voz, e você verá facilmente os mecanismos regulares de construção verbal atuando.
As vozes Diferentemente do português, que constrói a voz passiva sempre com formas analíticas (particípio mais verbo auxiliar), o latim, em vários tempos, constrói a voz passiva sinteticamente, ou seja: através de desinências número-pessoais específicas de voz passiva. Falaremos mais sobre a voz passiva adiante, mas, aproveitando a tabela de desinências número-pessoais acima, já é possível identificar, por exemplo, como seriam construídas as vozes passivas dos tempos principais:
Tempos principais da voz ativa – infectum amo, Presente amo, ativo amat, ama, (pretérito) Imperfeito ativo Futuro do presente ativo
amamus... amabam, amabas,...
amamos amava, amavas
amabo, amabit...
amarei, amará
Tempos principais da voz passiva – infectum sou amado, Presente amor, passivo amatur, é amado, (pretérito) Imperfeito ativo Futuro do presente passivo
amamur... amabar, amabaris...
somos amados era amado, eras amado
amabor, amabitur...
serei amado, será amado
Como se pode perceber pelas desinências em negrito, a voz passiva é formada basicamente pela mudança da desinência número-pessoal. Esse tipo de flexão de voz passiva se perdeu em português.
Estrutura da Língua Latina: os verbos
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Os modos Há em latim quatro modos: o indicativo, ligado à denotação de eventos tidos como factuais, “reais”; o subjuntivo, que carrega os significados básicos de irrealidade, hipótese, desejo; o imperativo, modo responsável pelas ordens; e o infinitivo, a forma verbal sem tempo nem pessoa. Não haverá espaço para tratarmos dos modos individualmente, mas na apresentação das conjugações, que iniciaremos abaixo, haverá a indicação das formas de todos os modos.
Primeira conjugação verbal Na apresentação das conjugações verbais, veremos os tempos principais no indicativo e no subjuntivo, além das formas de infinitivo e imperativo, todos na voz ativa. A voz passiva será vista posteriormente. Exemplo de primeira conjugação na voz ativa: amo, amas, amāre, amaui, amatum “amar”.
Presente do indicativo: “amo, amas...”
4
Perfeito do indicativo: “amei, amaste...”
Presente do subjuntivo: “ame, ames...”
Perfeito do subjuntivo4: “tenha amado”
1.ª pessoa do singular
amo
amāui
amem
amauĕrim
2.ª pessoa do singular
amas
amauisti
ames
amauĕris
3.ª pessoa do singular
amat
amāuit
amet
amauĕrit
1.ª pessoa do plural amāmus
amauĭmus
amēmus
amauerĭmus
2.ª pessoa do plural amātis
amauistis
amētis
amauerĭtis
3.ª pessoa do plural amant
amauērunt / amauēre ament
amauĕrint
O perfeito do subjuntivo é um tempo que não apresenta correlação direta com nenhum tempo específico do português, e que, em latim, é usado ou com um sentido de subjuntivo jussivo/desiderativo aoristo, ou seja, com um tempo indeterminado (algo como: amauerim = “que eu ame!”) ou como tempo relativo em estruturas de subordinação, como a maioria dos casos de subjuntivo (veremos como funciona a subordinação posteriormente).
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Língua Latina
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha amado, amara...”
Imperfeito do subjuntivo: “amasse, amaria...”
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse amado, teria amado...”
1.ª pessoa do singular amābam
amauĕram
amārem
amauissem
2.ª pessoa do singular amābas
amauĕras
amāres
amauisses
3.ª pessoa do singular amābat
amauĕrat
amāret
amauisset
Imperfeito do subjuntivo: “amasse, amaria...”
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse amado teria amado...”
Imperfeito do indicativo: “amava, amavas...”
Imperfeito do indicativo: “amava, amavas...” 1.ª pessoa do plural
amabāmus
amauerāmus
amarēmus
amauissēmus
2.ª pessoa do plural
amabātis
amauerātis
amarētis
amauissētis
3.ª pessoa do plural
amābant
amauĕrant
amārent
amauissent
Futuro do indicativo: “amarei, amarás...” 1.ª pessoa do singular amābo
2.ª pessoa do singular amābis
3.ª pessoa do singular amābit
5
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha amado, amara...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei amado, terás amado...” amauĕro
amauĕris
amauĕrit
Infinitivo presente: amāre “amar” Infinitivo perfeito: amauisse “ter amado” Infinitivo futuro: amaturus, a, um esse “estar por amar” Gerúndio5 (acusativo): amandum
Imperativo presente ama “ama tu” amāte “amai vós” Particípio perfeito: amatus, a, um “amado, aquele que foi amado” Particípio presente: amans, amantis “o que ama, amante”
O gerúndio nada mais é, em latim, que a forma flexionada do infinitivo nos outros casos (o infinitivo é a forma de “nominativo”, ou seja, é o sujeito de uma nominalização verbal), por isso a tradução vai depender fortemente do contexto.
Estrutura da Língua Latina: os verbos
1.ª pessoa do plural
2.ª pessoa do plural
3.ª pessoa do plural
amabĭmus
amabĭtis
amābunt
amauerĭmus
amauerĭtis
amauĕrint
Gerúndio (genitivo): amandi Gerúndio (dativo): amando “para amar” Gerúndio (ablativo): amando “por amar”
Segue uma lista de verbos comuns da primeira conjugação: ambulo “atravessar, andar” celo “esconder, esconder-se” clamo ”gritar” cogito “pensar, considerar” do, dāre, dedi, datus “dar” dono “doar” dubito “duvidar, hesitar” habito “habitar, morar” iuuo, iuuāre, iuui, iutus ”ajudar” laboro “trabalhar” loco “colocar, pôr” monstro “mostrar, demonstrar” muto “mudar” neco “matar” nego “negar, dizer (que) não” nuntio ”anunciar” opto “escolher, desejar, optar” oro “implorar, orar” paro “preparar” porto “carregar, transportar” pugno “lutar” sto, stare, steti, staturus “estar em pé” voco “chamar, convocar”
87
Particípio futuro: amaturus, a, um “o que está por amar” Gerundivo: amandus, a, um “para ser amado, a ser amado” Supino: amatum “para amar”
88
Língua Latina
Segunda conjugação verbal Exemplo de segunda conjugação na voz ativa: habeo, habes, habēre, habui, habitus “ter” Presente do indicativo: “tenho, tens...”
Perfeito do indicativo: “tive, tiveste...”
Presente do subjuntivo: “tenha, tenhas...”
Perfeito do subjuntivo: “tenha tido”
1.ª pessoa do singular habeo
habui
habeam
habuĕrim
2.ª pessoa do singular habes
habuisti
habeas
habuĕris
3.ª pessoa do singular habet
habuit
habeat
habuĕrit
1.ª pessoa do plural
habemus
habuĭmus
habeāmus
habuerĭmus
2.ª pessoa do plural
habetis
habuistis
habeātis
habuerĭtis
3.ª pessoa do plural
habent
habuērunt / habuēre
habeant
habuĕrint
Imperfeito do indicativo: “tinha, tinhas...”
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha tido, tivera...”
Imperfeito do subjuntivo: “tivesse, teria...”
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse tido, teria tido...”
1.ª pessoa do singular habēbam
habuĕram
habērem
habuissem
2.ª pessoa do singular habēbas
habuĕras
habēres
habuisses
3.ª pessoa do singular habēbat
habuĕrat
habēret
habuisset
Estrutura da Língua Latina: os verbos
1.ª pessoa do plural
habebāmus
habuerāmus
haberēmus
habuissēmus
2.ª pessoa do plural
habebātis
habuerātis
haberētis
habuissētis
3.ª pessoa do plural
habēbant
habuĕrant
habērent
habuissent
Futuro do indicativo: “terei, terás...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei tido, terás tido...”
1.ª pessoa do singular habēbo
2.ª pessoa do singular habēbis
3.ª pessoa do singular habēbit
1.ª pessoa do plural
2.ª pessoa do plural
3.ª pessoa do plural
habebĭmus
habebĭtis
habēbunt
Infinitivo presente: habēre “ter”
89
Imperativo presente:
habuĕro
habe “tem tu” Infinitivo perfeito: habēte “tenhai habuisse “ter tido” vós”
habuĕris
Infinitivo futuro: habiturus, a, um esse “estar por ter”
Particípio perfeito: habitus, a, um “tido, aquele que foi tido”
habuĕrit
Gerúndio (acusativo): habendum “ter”
Particípio presente: habens, amantis “o que tem”
habuerĭmus
Gerúndio Particípio futuro: (genitivo): habendi habiturus, a, um “o “de ter” que está por ter”
habuerĭtis
Gerúndio (dativo): habendo “para ter”
habuĕrint
Gerúndio (ablativo): habendo “por ter”
Segue uma lista de verbos comuns da segunda conjugação: appareo, apparere, apparui, apparitus “aparecer” careo, carere, carui, caritus “carecer, estar sem, faltar” debeo, debere, debui, debitus “dever” fleo, flere, flexi, fletus “chorar” maneo, manere, mansi, mansus “permanecer” moneo, monere, monui, monitus “aconselhar, avisar” moueo, mouere, moui, motus “mover”
Gerundivo: habendus, a, um “para ser amado, a ser amado” Supino: habitum “para ter”
90
Língua Latina
pareo, parere, parui, paritus “obedecer” placeo, placere, placui, placitus “aprazer a, ser agradável” a (+ dativo) respondeo, respondere, respondi, responsus “responder” sedeo, sedere, sedi, sessus “sentar-se” taceo, tacere, tacui, tacitus “calar-se” teneo, tenere, tenui, tentus “ter (em mãos), segurar, manter” terreo, terrere, terrui, territus “aterrorizar-se” timeo, timere, timui, –, “temer, ter medo de” uideo, uidere, uidi, uisus “ver”
Texto complementar Agora voltemos à Eneida, de Virgílio. No Canto IV, do qual tiramos o trecho a seguir, conhecemos a história trágica do amor entre Dido, rainha de Cartago, e Enéias, sobrevivente troiano que deverá fundar Roma. Dido e Enéias, ambos viúvos, vêem-se reféns de um amor motivado pelos deuses, e o amor de Dido. Ela, cada vez mais incapaz de controlar seus sentimentos, é retratada no trecho a seguir como enlouquecida de amor. Ó ciência vã dos agouros! Quê somam delubros e votos para os delírios do amor? Enquanto isso, a medula enlanguesce e no imo peito a ferida se alastra sem ser pressentida. Arde a Rainha infeliz, vaga insana por toda a cidade, sem rumo certo, tal como veadinha nos bosques de Creta que o caçador transfixou com uma flecha, sem que ele consciência então tivesse do fato. O volátil caniço ali fica; corre a coitada, vencendo florestas do Dicte e arvoredos, mas sempre ao lado encravada sentindo a fatal mensageira. Ora percorre as muralhas com o cabo de guerra troiano, mostra-lhe o burgo nascente, a famosa opulência dos tírios, ora começa a falar e interrompe no meio o discurso; novos banquetes lhe apresta no fim da jornada, à noitinha. No seu delírio, outra vez quer ouvir os desastres de Tróia; pende da boca outra vez do orador eloquente e bem posto.
Estrutura da Língua Latina: os verbos
91
Pouco depois, separados no ponto em que a lua nos priva do claro lume e ao repouso as cadentes estrelas convidam, geme por ver-se sozinha na sala; no leito se deita que ele ocupara; na ausência do amado ainda o vê, ainda o escuta, retém a Ascânio no colo, na imagem paterna se embebe, por esse modo pensando iludir a paixão absorvente. Inacabadas, as torres pararam; não mais se exercitam moços esbeltos nos jogos da guerra, na faina dos portos; interrompidas as obras, o céu das ameaças descansa; por acabar as ameias, merlões, toda a fábrica altiva. (Eneida IV, 65-90)
Atividades 1.
Identifique todas as informações possíveis dos verbos abaixo, conforme o exemplo: monstrabant: terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo do verbo monstro: “eles/elas mostravam”.
a) celaremus:
b) locat:
c) respondi:
d) uidebimus:
92
Língua Latina
e) seduit:
f ) mansissem:
g) flexeratis:
h) pugnant:
i) dedisti:
j) apparere:
2.
Traduza as seguintes orações para o português:
a) puer in ciuitate magna habitat.
b) mihi non placet laborare.
c) Petrus Paulō respondit cum uerba mala.
Estrutura da Língua Latina: os verbos
d) femina cenam ingentem parabit.
e) sapientes philosophos uir uetus non uidet.
93
94
Língua Latina
Aprofundamento da morfologia verbal latina Nesse texto, serão apresentados verbos da terceira conjugação, de tema consonantal e os da quarta conjugação, de tema em i e os da chamada conjugação mista, que, embora sejam basicamente verbos da terceira conjugação, apresentam-se parecidos com verbos da quarta conjugação em alguns tempos. Além desses, veremos a conjugação dos verbos irregulares mais importantes.
Terceira conjugação Os verbos da terceira conjugação possuem temas consonantais e, por isso, têm infinitivos presentes ativos em -ĕre. O ĕ serve de vogal que liga o radical de final consonantal ao -re, por isso, como vimos, não se trata de um ē como o da segunda conjugação, que constitui uma vogal temática, a marca da segunda conjugação. Vejamos a tabela com as formas da voz ativa dos verbos da terceira conjugação. dico, dicis, dicĕre, dixi, dictum “dizer”
Presente do indicativo: “digo, dizes...”
Perfeito do indicativo: “disse, disseste...”
Presente do subjuntivo: “diga, digas...”
Perfeito do subjuntivo: “tenha dito”
1.ª pessoa do singular
dico
dixi
dicam
dixĕrim
2.ª pessoa do singular
dicis
dixisti
dicas
dixĕris
3.ª pessoa do singular
dicit
dixit
dicat
dixĕrit
1.ª pessoa do plural
dicimus
dixĭmus
dicamus
dixerĭmus
2.ª pessoa do plural
dicitis
dixistis
dicatis
dixerĭtis
3.ª pessoa do plural
dicunt
dixērunt / dixēre
dicant
dixĕrint
96
Língua Latina
Imperfeito do indicativo: “dizia, dizias...”
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha dito, dissera...”
Imperfeito do subjuntivo: “dissesse, diria...”
Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse dito, teria dito...”
1.ª pessoa do singular
dicebam
dixĕram
dicerem
dixissem
2.ª pessoa do singular
dicebas
dixĕras
diceres
dixisses
3.ª pessoa do singular
dicebat
dixĕrat
diceret
dixisset
1.ª pessoa do plural
dicebāmus
dixerāmus
dicerēmus
dixissēmus
2.ª pessoa do plural
dicebātis
dixerātis
dicerētis
dixissētis
3.ª pessoa do plural
dicebant
dixĕrant
dicerent
dixissent
Futuro do indicativo: “direi, dirás...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei dito, terás dito...”
Infinitivo presente: dicĕre “dizer”
Imperativo presente:
1.ª pessoa do singular
dicam
dixĕro
Infinitivo perfeito: dixisse “ter dito”
dic “diz tu” dicite “dizei vós”
2.ª pessoa do singular
dices
dixĕris
Infinitivo futuro: dicturus, a, um esse “estar por dizer”
Particípio perfeito: dictus, a, um “dito, que foi dito”
3.ª pessoa do singular
dicet
dixĕrit
Gerúndio (acusativo): dicendum
Particípio presente: dicens, dicentis “que diz”
1.ª pessoa do plural
dicemus
dixerĭmus
Gerúndio (genitivo): dicendi
Particípio futuro: dicturus, a um “que está por dizer”
2.ª pessoa do plural
dicetis
dixerĭtis
Gerúndio (dativo): dicendo “para dizer”
Gerundivo: dicendus, a, um “para ser dito, a ser dito”
3.ª pessoa do plural
dicent
dixĕrint
Gerúndio (ablativo): dicendo “por dizer”
Supino: dictum “para dizer”
Aprofundamento da morfologia verbal latina
97
Segue uma lista de verbos comuns da terceira conjugação: ago, agere, egi, actus “agir” cano, canere, cecini, cantus “cantar” cado, cadere, cecidi, casus “cair” cresco, crescere, crevi, creturus “crescer” curro, currere, cucurri, cursus “correr” duco, ducere, duxi, ductus “conduzir” frango, fangere, fregi, fractus “quebrar” gero, gerere, gessi, gestus. “gerir, conduzir” lego, legere, lexi, lectus “selecionar, ler” mitto, mittere, misi, missus “enviar, mandar” pono, ponere, posui, positus “pôr” scribo, scribere, scripsi, scriptus “escrever”
Quarta conjugação Os verbos da quarta conjugação são os de tema em i, ou seja, são os que reconheceremos pelo infinitivo em -īre. Vejamos a tabela com a conjugação das formas ativas dos verbos dessa conjugação. audio, audis, audīre, audiui, auditum “ouvir”
Presente do indicativo: “ouço, ouves...”
Perfeito do indicativo: “ouvi, ouviste...”
Presente do subjuntivo: “ouça, ouças...”
Perfeito do subjuntivo: “tenha ouvido”
1.ª pessoa do singular
audio
audiui
audiam
audiuĕrim
2.ª pessoa do singular
audis
audiuisti
audias
audiuĕris
3.ª pessoa do singular
audit
audiuit
audiat
audiuĕrit
1.ª pessoa do plural
audīmus
audiuĭmus
audiāmus
audiuerĭmus
2.ª pessoa do plural
audītis
audiuistis
audiātis
audiuerĭtis
3.ª pessoa do plural
audiunt
audiuērunt / audiuēre
audiant
audiuĕrint
98
Língua Latina
Imperfeito do indicativo: “ouvia, ouvias...”
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha ouvido, ouvira...”
Imperfeito do subjuntivo: “ouvisse, ouviria...”
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse ouvido, teria ouvido...”
1.ª pessoa do singular
audiebam
audiuĕram
audirem
audiuissem
2.ª pessoa do singular
audiebas
audiuĕras
audires
audiuisses
3.ª pessoa do singular
audiebat
audiuĕrat
audiret
audiuisset
1.ª pessoa do plural
audiebāmus
audiuerāmus
audirēmus
audiuissēmus
2.ª pessoa do plural
audiebātis
audiuerātis
audirētis
audiuissētis
3.ª pessoa do plural
audiebant
audiuĕrant
audirent
audiuissent
Futuro do indicativo: “ouvirei, ouvirás...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei ouvido, terás ouvido...”
1.ª pessoa do singular
audiam
audiuĕro
2.ª pessoa do singular
audies
audiuĕris
3.ª pessoa do singular
audiet
1.ª pessoa do plural
audiēmus
2.ª pessoa do plural
audiētis
3.ª pessoa do plural
audient
audiuĕrit
audiuerĭmus
audiuerĭtis
audiuĕrint
Infinitivo presente: audīre “ouvir” Infinitivo perfeito:
audi “ouve tu”
audiuisse “ter ouvido”
audīte “ouvi vós”
Infinitivo futuro:
Particípio perfeito:
auditurus, a, um esse
auditus, a, um “que foi
“estar por ouvir”
ouvido”
Gerúndio (acusativo):
Particípio presente:
audiendum “ouvir/para
audiens, audientis “que
ouvir”
ouve, ouvinte”
Gerúndio (genitivo): audiendi “de ouvir” Gerúndio (dativo): audiendo “para ouvir” Gerúndio (ablativo): audiendo “por ouvir”
Segue uma lista de verbos comuns da quarta conjugação: aperio, aperire, aperui, apertus “abrir” dormio, dormire, dormiui, dormitus “dormir” scio, scire, sciui, scitus “saber, conhecer” sentio, sentire, sensi, sensus “sentir, perceber” venio, venire, veni, ventus “vir”.
Imperativo presente:
Particípio futuro: auditurus, a, um “que está por ouvir” Gerundivo: audiendus, a, um “para ser ouvido, a ser ouvido”
Supino: auditum “para ouvir”
Aprofundamento da morfologia verbal latina
99
Conjugação mista A conjugação mista é freqüentemente considerada uma conjugação separada, quando, na verdade, se trata de uma subdivisão da terceira conjugação. Os verbos da chamada conjugação mista, ou “terceira e quarta” (3/4), são verbos de tema consonantal que apresentam algumas formas parecidas com as da quarta conjugação, como o presente do indicativo ativo (capio, capis...). No entanto, o infinitivo em -ĕre nos dá a informação necessária para que estejamos certos de que se trata de um verbo da terceira conjugação. Ainda assim, olharemos para essa subconjugação separadamente. Um exemplo de verbo da conjugação mista é capio, capis, capĕre, cepi, captum “tomar, capturar”
Presente do indicativo: “tomo, tomas...”
Perfeito do indicativo: “tomei, tomaste...”
1.ª pessoa do singular
capio
cepi
capiam
cepĕrim
2.ª pessoa do singular
capis
cepisti
capias
cepĕris
3.ª pessoa do singular
capit
cepit
capiat
cepĕrit
1.ª pessoa do plural
capĭmus
cepĭmus
capiāmus
ceperĭmus
2.ª pessoa do plural
capĭtis
cepistis
capiātis
ceperĭtis
3.ª pessoa do plural
capiunt
cepērunt / cepēre
capiant
cepĕrint
Imperfeito do subjuntivo: “tomasse, tomaria...”
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse tomado, teria tomado...”
Imperfeito do indicativo: “tomava, tomavas...”
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha tomado, tomara...”
Presente do subjuntivo: “tome, tomes...”
Perfeito do subjuntivo: “tenha tomado”
1.ª pessoa do singular
capiebam
cepĕram
caperem
cepissem
2.ª pessoa do singular
capiebas
cepĕras
caperes
cepisses
3.ª pessoa do singular
capiebat
cepĕrat
caperet
cepisset
1.ª pessoa do plural
capiebāmus
ceperāmus
caperēmus
cepissēmus
2.ª pessoa do plural
capiebātis
ceperātis
caperētis
cepissētis
3.ª pessoa do plural
capiebant
cepĕrant
caperent
cepissent
100
Língua Latina
Futuro do indicativo: “tomarei, tomarás...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei tomado, terás tomado...”
Infinitivo presente: capĕre “tomar”
Imperativo presente:
1.ª pessoa do singular
capiam
cepĕro
Infinitivo perfeito: cepisse “ter tomado”
cape “toma tu” capĭte “tomai vós”
2.ª pessoa do singular
capies
cepĕris
Infinitivo futuro: capturus, a, um esse “estar por tomar”
Particípio perfeito: captus, a, um “que foi tomado”
3.ª pessoa do singular
capiet
cepĕrit
Gerúndio (acusativo): capiendum “tomar/ para tomar”
Particípio presente: capiens, capientis “que toma”
1.ª pessoa do plural
capiēmus
ceperĭmus
Gerúndio (genitivo): capiendi “de tomar”
Particípio futuro: capturus, a, um “que está por tomar”
2.ª pessoa do plural
capiētis
ceperĭtis
Gerúndio (dativo): capiendo “para tomar”
Gerundivo: capiendus, a, um “para ser tomado, a ser tomado”
3.ª pessoa do plural
capient
cepĕrint
Gerúndio (ablativo): capiendo “por tomar”
Supino: captum “para tomar”
Segue uma lista de verbos comuns da conjugação mista: accipio, accipere, accepi, acceptus “receber”. incipio, incipere, incepi, inceptus “começar”. recipio, recipere, recepi, receptus “receber, tomar de volta” facio, facere, feci, factus “fazer” interficio, interficere, interfeci, interfectus “matar” perficio, perficere, perfeci, perfectus “completar, terminar, perfazer” fugio, fugere, fugi, fugitus “fugir, escapar” iacio, iacere, ieci, iactus “lançar, arremessar”. conicio, conicere, conieci, coniectus “arremessar conjuntamente, conjecturar”. specio, specere, spexi, spectus “fitar, olhar para”. inspicio, inspicere, inspexi, inspectus “olhar para dentro, examinar”. suspicio, suspicere, suspexi, suspectus “estimar, suspeitar”.
Aprofundamento da morfologia verbal latina
101
Verbos irregulares É importante conhecermos alguns dos verbos irregulares do latim, já que são tão importantes e comuns. As conjugações desses verbos na voz ativa serão dadas abaixo, e veremos que compostos comuns são formados a partir deles.
O verbo sum O verbo sum em latim significa “ser, estar, existir, haver”. Vejamos a sua conjugação:
Presente do indicativo: “sou, és...”
Perfeito do indicativo: “fui, foste...”
Presente do subjuntivo: “seja, sejas...”
Perfeito do subjuntivo: “tenha sido”
1.ª pessoa do singular
sum
fui
sim
fuĕrim
2.ª pessoa do singular
es
fuisti
sis
fuĕris
3.ª pessoa do singular
est
fuit
sit
fuĕrit
1ª pessoa do plural
sumus
fuĭmus
simus
fuerĭmus
2.ª pessoa do plural
estis
fuistis
sitis
fuerĭtis
3.ª pessoa do plural
sunt
fuērunt / fuēre
sint
fuĕrint
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha sido, fora...”
Imperfeito do subjuntivo: “tomasse, tomaria...”
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse sido, teria sido...”
Imperfeito do indicativo: “era, eras... 1.ª pessoa do singular
eram
fuĕram
essem
fuissem
2.ª pessoa do singular
eras
fuĕras
esses
fuisses
3.ª pessoa do singular
erat
fuĕrat
esset
fuisset
1.ª pessoa do plural
erāmus
fuerāmus
essēmus
fuissēmus
2.ª pessoa do plural
erātis
fuerātis
essētis
fuissētis
3.ª pessoa do plural
erant
fuĕrant
essent
fuissent
102
Língua Latina
Futuro do indicativo: “serei, serás...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei sido, terás sido...”
Infinitivo presente: esse “ser”
1.ª pessoa do singular
ero
fuĕro
Infinitivo perfeito: fuisse “ter sido”
2.ª pessoa do singular
eris
fuĕris
Infinitivo futuro: futurus, a, um esse “estar por ser”
3.ª pessoa do singular
erit
fuĕrit
1.ª pessoa do plural
erimus
fuerĭmus
2.ª pessoa do plural
eritis
fuerĭtis
3.ª pessoa do plural
erunt
fuĕrint
Imperativo presente:
es “sê tu” este “sede vós”
Particípio futuro: futurus, a, um “que está por ser”
O verbo esse dá origem a vários outros verbos, com prefixos como in-, ad-, ab-, entre outros, que seguem a mesma conjugação. Os sentidos desses verbos costumam acompanhar basicamente os sentidos das preposições que são usadas como prefixos. Assim, de ad + sum temos adsum, “estar junto a, estar presente”. De ab + sum temos absum, “estar afastado de, estar ausente” (particípio presente absens, absentis). Um verbo derivado de sum extremamente importante é o verbo possum “poder”, que se compõe do radical pot- + sum. A conjugação de possum é praticamente idêntica à do sum. Dessa forma, temos, no presente do indicativo ativo, possum, potes, potest, possumus, possetis, possunt.
O verbo eo e seus derivados O verbo eo, ire, iui, itum é o equivalente ao nosso verbo “ir”. Há, assim como há com os verbos derivados do verbo sum, derivações prefixais ligadas ao movimento denotado pelo significado dos verbos derivados de eo, como veremos adiante. Primeiramente, vejamos a tabela da conjugação do verbo eo.
Presente do indicativo: “vou, vais...”
Perfeito do indicativo: “fui, foste...”
Presente do subjuntivo: “vá, vás...”
Perfeito do subjuntivo: “tenha ido”
1.ª pessoa do singular
eo
ii ou iui
eam
iuerim ou ierim
2.ª pessoa do singular
is
iisti ou iuisti
eas
iueris ou ieris
3.ª pessoa do singular
it
iit ou iuit
eat
iuerit ou ierit
Aprofundamento da morfologia verbal latina
1.ª pessoa do plural
imus
iimus ou iuimus
eāmus
iuerimus ou ierimus
2.ª pessoa do plural
itis
iistis ou iuistis
eātis
iueritis ou ieritis
3.ª pessoa do plural
eunt
ierunt/re ou iuerunt/re
eant
iuerint ou ierint
Imperfeito do indicativo: “ia, ias...”
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha ido, fora...”
Imperfeito do subjuntivo: “fosse, iria...”
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse ido, teria ido...”
1.ª pessoa do singular
ibam
iueram ou ieram
irem
iuissem ou issem
2.ª pessoa do singular
ibas
iueras ou ieras
ires
iuisses ou isses
3.ª pessoa do singular
ibat
iuerat ou ierat
iret
iuisset ou isset
1.ª pessoa do plural
ibāmus
iueramus ou ieramus
irēmus
iuissemus ou issemus
2.ª pessoa do plural
ibātis
iueratis ou ieratis
irētis
iuissetis ou issetis
3.ª pessoa do plural
ibant
iuerant ou ierant
irent
iuissent ou issent
Futuro do indicativo: “irei, irás...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei ido, terás ido...”
Infinitivo presente: ire “ir”
103
Imperativo presente:
1.ª pessoa do singular
ibo
iuĕro ou iĕro
Infinitivo perfeito: iuisse ou iisse “ter ido”
i “vai tu” ite “ide vós”
2.ª pessoa do singular
ibis
iuĕris ou iĕris
Infinitivo futuro: iturus, a, um esse “estar por ir”
Particípio perfeito: itus, a, um “que se foi”
3.ª pessoa do singular
ibit
iuĕrit ou iĕrit
Gerúndio (acusativo): eundum “ir/para ir”
Particípio presente: iens, euntis “que vai”
1.ª pessoa do plural
ibimus
iuĕrimus ou ierĭmus
Gerúndio (genitivo): eundi “de ir”
Particípio futuro: iturus, a, um “que está por ir”
2.ª pessoa do plural
ibitis
iuerĭtis ou ierĭtis
Gerúndio (dativo): eundo “para ir”
Gerundivo: eundus, a, um “para se ir”
3.ª pessoa do plural
ibunt
iuĕrint ou iĕrint
Gerúndio (ablativo): eundo “por ir”
Supino: itum “para ir”
104
Língua Latina
Os verbos derivados do verbo eo seguem a mesma conjugação dele e, em geral, possuem sentido ligado ao sentido da preposição que serve de base para a derivação. Exemplos são: adeo: ir até abeo: ir embora redeo: retornar, ir novamente exeo: sair ineo: entrar circumeo: circular
O verbo uolo e seus derivados O verbo uolo é um verbo irregular que significa “querer”. Os derivados mais importantes dele são o nolo (originalmente non uolo) “não querer” e o malo (originalmente, magis uolo) “preferir”. Esses três verbos são bastante irregulares em seu presente do indicativo ativo, mas, em geral, são regulares nas outras formas dos outros tempos. As informações básicas desses verbos são: uolo, uis, uelle, uolui, _____1: querer nolo, non uis, nolle, nolui, _____: não querer malo, mauis, malle, malui, _____: preferir Indicativo:
Presente do indicativo: “quero, queres...”
1
Presente do indicativo: “não quero, não queres...”
Presente do indicativo: “prefiro, preferes...”
1.ª pessoa do singular
uolo
nolo
malo
2.ª pessoa do singular
uis
non uis
mauis
3.ª pessoa do singular
uult
non uult
mauult
1.ª pessoa do plural
uolumus
nolumus
malumus
2.ª pessoa do plural
uultis
non uultis
mauultis
3.ª pessoa do plural
uolunt
nolunt
malunt
Os verbos derivados de uolo não apresentam particípio perfeito, nem gerúndio, nem gerundivo, nem voz passiva. As formas de imperativo só estão disponíveis para o nolo (noli “não queiras” e nolite “não queirais”). Os particípios também não são frequentes e, portanto, não aparecerão nas tabelas.
Aprofundamento da morfologia verbal latina
Imperfeito do indicativo: “queria, querias...”
Imperfeito do indicativo: “não queria...”
Imperfeito do indicativo: “preferia...”
1.ª pessoa do singular
uolebam
nolebam
malebam
2.ª pessoa do singular
uolebas
nolebas
malebas
3.ª pessoa do singular
uolebat
nolebat
malebat
1.ª pessoa do plural
uolebamus
nolebamus
malebamus
2.ª pessoa do plural
uolebatis
nolebatis
malebatis
3.ª pessoa do plural
uolebant
nolebant
malebant
Futuro do indicativo: “quererei, quererás...”
Futuro do indicativo: “não quererei...”
Futuro do indicativo: “preferirei...”
1.ª pessoa do singular
uolam
nolam
malam
2.ª pessoa do singular
uoles
noles
males
3.ª pessoa do singular
uolet
nolet
malet
1.ª pessoa do plural
uolemus
nolemus
malemus
2.ª pessoa do plural
uoletis
noletis
maletis
3.ª pessoa do plural
uolent
nolent
malent
Perfeito do indicativo: “quis, quiseste...”2
Mais-que-perfeito do indicativo: “quisera,...”
105
Futuro do perfeito: “terei querido,...”
1.ª pessoa do singular
uolui
uolueram
uoluero
2ª pessoa do. singular
uoluisti
uolueras
uolueris
3.ª pessoa do singular
uoluit
uoluerat
uoluerit
1.ª pessoa do plural
uoluimus
uolueramus
uoluerimus
2.ª pessoa do plural
uoluistis
uolueratis
uolueritis
3.ª pessoa do plural
uoluērunt/uoluēre
uoluerant
uoluerint
Subjuntivo:
Presente do subjuntivo: “queira,...”
2
Presente do subjuntivo: “não queira,...”
Presente do subjuntivo: “prefira,...”
1.ª pessoa do singular
uelim
nolim
malim
2.ª pessoa do singular
uelis
nolis
malis
3.ª pessoa do singular
uelit
nolit
malit
Os tempos do perfeito do indicativo são bastante regulares para uolo e seus derivados. Assim, daremos apenas as formas de uolo, bastando substituir o radical de perfeito de um verbo pelo de outro para termos as formas de nolo e malo.
106
Língua Latina
1.ª pessoa do plural
uelimus
nolimus
malimus
2.ª pessoa do plural
uelitis
nolitis
malitis
3.ª pessoa do plural
uelint
nolint
malint
Imperfeito do subjuntivo: “quisesse, quereria...”
Imperfeito do subjuntivo: “não quisesse...”
Imperfeito do subjuntivo: “preferia...”
1.ª pessoa do singular
uellem
nollem
mallem
2.ª pessoa do singular
uelles
nolles
malles
3.ª pessoa do singular
uellet
nollet
mallet
1.ª pessoa do plural
uellemus
nollemus
mallemus
2.ª pessoa do plural
uelletis
nolletis
malletis
3.ª pessoa do plural
uellent
nollent
mallent
Perfeito do subjuntivo: “quis, quiseste...”3
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “quisera,...”
1.ª pessoa do singular
uoluerim
uoluissem
2.ª pessoa do singular
uolueris
uoluisses
3.ª pessoa do singular
uoluerit
uoluisset
1.ª pessoa do plural
uoluerimus
uoluissemus
2.ª pessoa do plural
uolueritis
uoluissetis
3.ª pessoa do plural
uoluerint
uoluissent
O verbo fero O verbo fero tem o sentido básico de “levar, carregar, transportar”. Há diversos derivados de fero, como aufero (levar embora, roubar), affero (levar até), defero (delatar, entregar), transfero (transportar, transferir), entre outros. O verbo fero é um dos que apresentam maior irregularidade na constituição de seus radicais: o radical do presente baseia-se na forma fer-o, o do perfeito, na forma tul-i, e o de particípio/supino, na forma lat-us. Assim, a entrada de dicionário desse verbo é: fero, fers, ferre, tuli, latus “levar, carregar”.
3
Vide nota 2 sobre o perfeito do indicativo.
Aprofundamento da morfologia verbal latina
Presente do indicativo: “levo, levas...”
Perfeito do indicativo: “levei, levaste...”
Presente do subjuntivo: “leve, leves...”
Perfeito do subjuntivo: “tenha levado”
fero 1.ª pessoa do singular
tuli
feram
tulerim
fers 2.ª pessoa do singular
tulisti
feras
tuleris
fert 3.ª pessoa do singular
tulit
ferat
tulerit
1.ª pessoa ferimus do plural
tulimus
feramus
tulerimus
2.ª pessoa fertis do plural
tulitis
feratis
tuleritis
3.ª pessoa ferunt do plural
tulērunt/tulēre
ferant
tulerint
Imperfeito do indicativo: “levava...”
Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha levado, levara...”
Imperfeito do subjuntivo: “levasse, levaria...”
107
Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse levado, teria levado...”
ferebam 1.ª pessoa do singular
tuleram
ferrem
tulissem
ferebas 2.ª pessoa do singular
tuleras
ferres
tulisses
ferebat 3.ª pessoa do singular
tulerat
ferret
tulisset
1.ª pessoa ferebāmus do plural
tuleramus
ferremus
tulissemus
2.ª pessoa ferebātis do plural
tuleratis
ferretis
tulissetis
3.ª pessoa ferebant do plural
tulerant
ferrent
tulissent
108
Língua Latina
Futuro do indicativo: “levarei, levarás...”
Futuro perfeito do indicativo: “terei levado, terás levado...”
Infinitivo presente: ferre “levar”
Imperativo presente:
feram 1.ª pessoa do singular
tulĕro
Infinitivo perfeito: tulisse “ter levado”
fer “leva tu” ferte “levai vós”
2.ª pessoa do singular
feres
tulĕris
Infinitivo futuro: laturus, a, um esse “estar por levar”
Particípio perfeito: latus, a, um “que foi levado”
feret 3.ª pessoa do singular
tulĕrit
Gerúndio (acusativo): ferendum “levar/ para levar”
Particípio presente: ferens, ferentis “que leva, levando”
1.ª pessoa feremus do plural
tulerĭmus
Gerúndio (genitivo): ferendi “de levar”
Particípio futuro: laturus, a, um “que está por levar”
2.ª pessoa feretis do plural
tulerĭtis
Gerúndio (dativo): ferendo “para levar”
Gerundivo: ferendus, a, um “para ser levado”
3.ª pessoa ferent do plural
tulĕrint
Gerúndio (ablativo): ferendo “por levar”
Supino: latum “para levar”
Texto complementar No trecho de Eneida que veremos a seguir, teremos um embate entre Dido e Enéias, quando o dever de fundar a Nova Tróia e as ordens dos deuses impelem Enéias a se afastar da rainha de Cartago. O trecho inicia-se com Dido encontrando-se com Enéias após descobrir que ele planejava partir. Pérfido! Então esperavas de mim ocultar essa infâmia, e às escondidas deixares meus reinos sem nada dizer-me? Não te abalou nem a destra que outrora te dei, nem a morte que a Dido aguarda, inamável, tão próxima já do seu termo? Como se nada isso fora, teus barcos aprestas no inverno, quadra infeliz, pretendendo cortar os furiosos embates dos aquilões? Que crueldade! Se acaso moradas estranhas não procurasses, nem campos, e Tróia ainda em pé se encontrasse,
Aprofundamento da morfologia verbal latina
navegarias no rumo de Tróia e o mar bravo cortaras? Foges de mim? Por meu pranto e também pela mão que me deste – Mísera! pois perdi tudo, sem nada me ter reservado – por nosso enlace, o sagrado himeneu que de pouco nos une, se algo mereço de ti ou se alguma ventura me deves, doces lembranças, apiada-te ao menos de um lar ora esfeito. Muda de idéia, no caso de as preces contigo valerem. Por tua causa me odeia esta gente da Líbia, os tiranos númidas, todos os tírios; por ti a vergonha deixou-me, e aquela fama que aos astros meu nome impoluto levara. A quem entregas uma moribunda como eu, querido hóspede? Sim, esse é o único nome de quem me chamou de consorte. Que mais espero? Que o irmão Pigmalião me derrube estes muros, ou o próprio Jarbas Getúlio me arraste daqui como escrava? Se pelo menos deixasses na fuga um produto do nosso inesquecível amor, e nos paços brincasse comigo um outro Enéias-menino, contigo semelho nos traços, abandonada, em verdade, e sozinha não me julgaria. Disse. Obediente ao mandado de Jove tinha ele no solo fixos os olhos e a custo a emoção no imo peito guardava. Fala-lhe alfim por maneira sucinta: – Jamais negaria tantos favores, Senhora, e outros muitos de que me recordas; nem nunca a imagem de Elisa sairá do meu peito, por quanto tempo consciência tiver de mim mesmo e com vida eu mover-me. Quanto ao que ocorre, direi simplesmente: intenção nunca tive de retirar-me às ocultas – apaga essa idéia – nem menos planos forgei de casar ou de alianças contigo firmarmos. Se a meu arbítrio deixasse o Destino dispor do futuro como eu quisesse, o primeiro cuidado seria a cidade dos meus troianos reerguer, cultivar as relíquias tão caras a todos nós. Então, sim; o palácio de Príamo ainda de pé estaria, e estas mãos outra Pérgamo a todos construíra.
109
110
Língua Latina
Porém Apolo de Grínia ordenou-me há pouquinho buscarmos a Grande Itália, essa Itália que os vates da Lícia apontaram. Ali, o amor; ali, a pátria. Se a ti, da Fenícia, te agradam belos palácios e os muros construir na africana Cartago, por que motivo impedires que os teucros na Ausônia se instalem? É de justiça buscarmos também novos reinos por longe. Noites seguidas Anquises, meu pai, quando as úmidas sombras à terra baixam, ou quando se elevam fulgentes os astros, sim, sua pálida imagem nos sonhos me admoesta, me aterra, como também a lembrança de Ascânio, querida cabeça, que do seu reino na Hespéria eu defraudo, da terra anunciada. O mensageiro dos deuses da parte de Jove agorinha mesmo me trouxe um recado pelo ar – por aqueles o juro, Ascânio e Anquises –; eu próprio o enxerguei quando o burgo no resplendor; sua voz ainda soa-me nos ouvidos. Não venhas, pois, agravar minha mágoa – e a tua – com brigas. Não busco a Itália por gosto Durante a fala de Enéias manteve-se Dido alheada, virando a vista de cá para lá. Finalmente, mirando-o de alto a baixo, furiosa o despeito externou deste modo: Não tens por mãe uma deusa nem vens de linhagem dardânia, pérfido! A vida também a tiraste do Cáucaso adusto, rico em penhascos; mamaste nos peitos das tigres da Hircânia Para que dissimular por mais tempo? Que injúrias mais graves agüentarei? Reservou-me uma lágrima? Ao menos olhou-me? Chegou meu pranto a abalá-lo e de mim apiedado mostrou-se? Que afronta há mais dolorosa? Nem Juno, possante deidade, nem mesmo o filho do velho Saturno isto vê com bons olhos. Não há fé pura. Jogado na praia, carente de tudo, o recolhi – quanta insânia! – e no reino lhe dei parte ativa. Desbaratados os barcos, salvei-lhe da morte a maruja. Oh dor! As Fúrias me abrasam, me arrastam. Agora os augúrios
Aprofundamento da morfologia verbal latina
do próprio Apolo, da Lícia as sentenças e até mensageiros das divindades, esta ordem terrível lhe trazem nas auras! Como se os deuses cuidassem de nugas e o tempo esbanjassem do ócio divino! Pois parte! não peço que fiques, nem brigo. Vai! Segue os ventos da Itália; procura teus reinos nas ondas. Se os justos deuses nos ouvem, espero que um dia hás de a morte nas duras rochas sorver e que o nome de Dido mil vezes invocarás. Mesmo ausente, hei de os passos seguir-te com atros fachos, depois que minha alma dos membros a Morte separe. Sombra terrível, por tudo estarei. Pagar-me-ás, miserável, essa traição. Hei de ouvir teu clamor desde os manes profundos. Corta no meio o sermão sem resposta aguardar e, fugindo mesta, da luz se retira, deixando-o confuso entre o muito que se dispunha a dizer e o que o medo prudente o impedia. Desfalecida, até ao tálamo todo de mármore as servas a carregaram, no leito a depondo aprestado para isso. O pio Enéias, conquanto deseje acalmar-lhe o infortúnio, e algum consolo lhe dar com palavras de muito carinho, geme de dor ante os golpes violentos da sua desdita. Mas, não se esquece das ordens do nume; revista as trirremes, para que os teucros redobrem de esforços e as naus desencalhem na praia ao longo, sem falta. As carinas breadas flutuam. Do afã da fuga tocados, das matas carregam frondentes galhos, à guisa de remos. Pelos portões da cidade os vereis apressados correrem como formigas no ponto em que um monte de trigo saqueiam, quando do inverno mais perto e a seus paços escuros o levam: vai pelos campos o negro esquadrão carregando a pilhagem pelas picadas da relva; umas tantas, os grãos mais pesados levam nos ombros; incumbem-se algumas das hostes em marcha e as retardadas castigam. A trilha com a faina referve. A esse espetáculo, Dido, quais foram os teus pensamentos,
111
112
Língua Latina
quantos gemidos soltavas, ao veres do cimo das torres do teu palácio animarem-se as praias com o estranho alarido daquela turba, de envolta com o surdo marulho lá ao longe? Ímprobo Amor! Que de estragos não causas no peito dos homens? (Eneida, IV, 303-412)
Atividades 1.
Traduza as seguintes orações para o português. Explique as ambigüidades, se houver:
a) uolebamus dormire.
b) homines regis seruos audaces interficērunt.
c) poetae cum auxilio musarum canunt.
d) philosophi currere non possunt.
e) duces legiones ducent.
Aprofundamento da morfologia verbal latina
113
2.
Identifique todas as informações possíveis dos verbos abaixo e depois traduza a forma flexionada, conforme o exemplo:
dicetis: segunda pessoa do plural do futuro do indicativo ativo do verbo dico “dizer”. Tradução: “direis, vocês dirão”
a) cadent:
b) agere:
c) posuit:
d) scribuisse:
e) scis:
f ) uenissetis:
114
Língua Latina
g) faciunt:
h) perfecimus:
i) fugiebas:
A voz passiva e os verbos depoentes Aqui, conheceremos as maneiras de expressar a voz em latim. Como em português, o latim possui uma voz ativa e uma voz passiva verbais, e elas expressam significados de atividade e passividade da mesma forma que em português. Assim, um verbo transitivo direto na voz ativa costuma atribuir ao seu sujeito, em geral, o papel de “agente”, enquanto o objeto direto recebe o papel de “paciente”, como na sentença “O menino (agente) viu a menina (paciente)”. Quando alteramos a voz verbal, o sujeito passa a ser o paciente, ou seja, o que teria sido objeto direto no correspondente ativo, e o que tinha sido sujeito na versão ativa pode aparecer como agente da passiva, como em “A menina (sujeito paciente) foi vista pelo menino (agente da passiva)”. O mesmo se dá em latim, mas, ao contrário do português, que faz todas as formas da voz passiva com um verbo auxiliar “ser” mais uma forma de particípio passado, o latim possui flexões de voz passiva para vários tempos. Nós veremos as formas da passiva para todas as conjugações já vistas, nos tempos já estudados. Mais adiante, conheceremos os verbos chamados depoentes, que possuem apenas forma da voz passiva, mas significado sempre ativo. Trata-se de uma anomalia no sistema verbal latino.
Voz passiva Em geral, constroem-se as vozes passivas latinas da mesma forma que as vozes ativas, mas um novo conjunto de desinências número-pessoais será usado. Abaixo, segue novamente a tabela com as desinências número-pessoais possíveis em latim:
Número e pessoa
Tempos do indicativo e subjuntivo na voz passiva
Tempos do indicativo e subjuntivo na voz ativa
Perfeito do indicativo ativo
1.ª pessoa do singular
-or ou -r
-o ou -m
-i
2.ª pessoa do singular
-ris
-s
-isti
3.ª pessoa do singular
-tur
-t
-it
1.ª pessoa do plural
-mur
-mus
-imus
2.ª pessoa do plural
-mini
-tis
-istis
3.ª pessoa do plural
-ntur
-nt
-ērunt ou -ēre
116
Língua Latina
Como veremos abaixo com as formas do infectum (presente, imperfeito e futuro simples), a construção da voz passiva nesses tempos, no indicativo e no subjuntivo, baseia-se nas mesmas formas de construção da voz ativa, substituindo-se as desinências número-pessoais pelas de passiva. Algumas modificações no tema resultam dessa troca, mas, a rigor, as formas infixadas ficam inalteradas. Vejamos as tabelas.
Primeira conjugação
Segunda conjugação
Terceira conjugação
Quarta conjugação
Conjugação mista
Presente do indicativo passivo: sou amado, é tido, é dito, somos ouvidos, são capturados....
1.ª pessoa do singular
amor
habeor
dicor
audior
capior
2.ª pessoa do singular
amaris ou re
haberis ou re
dicĕris ou re
audiris ou re
capĕris ou re
3.ª pessoa do singular
amatur
habetur
dicitur
auditur
capitur
1.ª pessoa do plural
amamur
habemur
dicimur
audimur
capimur
2.ª pessoa do .plural
amamĭni
habemĭni
dicimĭni
audimĭni
capimĭni
3.ª pessoa do plural
amantur
habentur
dicuntur
audiuntur
capiuntur
Imperfeito do indicativo passivo: era amado, era dito...
1.ª pessoa do singular
amabar
habebar
dicebar
audiebar
capiebar
2.ª pessoa do singular
amabaris / re
habebaris / re
dicebaris / re
audiebaris / re
capiebaris / re
3.ª pessoa do singular
amabatur
habebatur
dicebatur
audiebatur
capiebatur
1.ª pessoa do plural
amabamur
habebamur
dicebamur
audiebamur
capiebamur
2.ª pessoa do plural
amabamini
habebamini
dicebamini
audiebamini
capiebamini
3.ª pessoa do plural
amabantur
habebantur
dicebantur
audiebantur
capiebantur
Futuro do indicativo passivo: será amado, será dito...
1.ª pessoa do singular
amabor
habebor
dicar
audiar
capiar
2.ª pessoa do singular
amabĕris / re
habebĕris / re
dicēris / re
audiēris / re
capiēris / re
3.ª pessoa do singular
amabitur
habebitur
dicētur
audiētur
capiētur
A voz passiva e os verbos depoentes
1.ª pessoa do plural
amabimur
habebimur
dicēmur
audiēmur
capiēmur
2.ª pessoa do plural
amabimini
habebimini
dicēmini
audiēmini
capiēmini
3.ª pessoa do plural
amabuntur
habebuntur
dicēntur
audiēntur
capiēntur
117
Presente do subjuntivo passivo: seja amado, seja dito...
1.ª pessoa do singular
amer
habear
dicar
audiar
capiar
2.ª pessoa do singular
amēris ou re
habeāris ou re
dicāris ou re
audiāris ou re
capiāris ou re
3.ª pessoa do singular
amētur
habeātur
dicātur
audiātur
capiātur
1.ª pessoa do plural
amēmur
habeamur
dicāmur
audiāmur
capiāmur
2.ª pessoa do plural
amēmĭni
habeāmĭni
dicāmĭni
audiāmĭni
capiāmĭni
3.ª pessoa do plural
amentur
habeantur
dicantur
audiantur
capiantur
Imperfeito do subjuntivo passivo: tenha sido amado, tenha sido dito...
1.ª pessoa do singular
amarer
haberer
dicerer
audirer
caperer
2.ª pessoa do singular
amareris / re
habereris / re
dicereris / re
audireris / re
capereris / re
3.ª pessoa do singular
amaretur
haberetur
diceretur
audiretur
caperetur
1.ª pessoa do plural
amaremur
haberemur
diceremur
audiremur
caperemur
2.ª pessoa do plural
amaremini
haberemini
diceremini
audiremini
caperemini
3.ª pessoa do plural
amarentur
haberentur
dicerentur
audirentur
caperentur
Com relação aos tempos do perfectum (baseados no tema de perfeito, ou seja, o perfeito, o mais-que-perfeito e o futuro perfeito), a construção da voz passiva é diferente, ainda que parecida, de certa forma, com a maneira que construímos a voz passiva em português. No entanto, é importante notar as diferenças, que são importantes: uma forma da voz passiva do perfeito do indicativo se constrói com particípio perfeito + verbo sum no presente, o que, na forma externa, é parecido com a forma como fazemos o presente passivo em português, ou seja, amatus sum se parece com “sou amado”, mas, em latim, essa forma passiva significa “fui amado”, enquanto, em português, essa é a forma de voz passiva do presente.
118
Língua Latina
Isso se dá porque as formas verbais de particípio + sum em latim são derivadas de uma construção que, etimologicamente, significa amatus sum = “estou (sum) [no estado atual] de ter sido amado (amatus)”, o que é perfeitamente possível, dada a forma naturalmente passiva e estativa de um particípio perfeito latino. Dessa forma, os outros tempos do sistema do perfectum são vistos como que em relação ao tempo fundamental, o perfeito. Por exemplo, o mais-que-perfeito significa “antes de um tempo passado de referência” e, por isso sua forma será amatus eram, ou seja, “eu estava no estado de ter sido amado tinha sido amado”; o futuro perfeito, portanto, também estabelece a mesma relação, e teremos amatus ero “estarei no estado de ter sido amado terei sido amado”. Passemos à tabela das formas de voz passiva do sistema do perfectum, ou dos tempos baseados no radical do perfeito. Perfeito do indicativo passivo: foi amado, foi tido, foi dito, foi ouvido, foi capturado
1.ª pessoa do singular
amatus, a, um1 sum
habitus, a, um sum
dictus, a, um sum
auditus, a, um sum
captus, a, um sum
2.ª pessoa do singular
amatus, a, um, es
habitus, a, um es
dictus a, um, es
auditus, a, um es
captus, a, um, es
3.ª pessoa do singular
amatus, a, um, est
habitus, a, um est
dictus, a, um, est
auditus, a, um est
captus, a, um, est
1.ª pessoa do plural
amati -ae, a sumus
habiti, -ae, a sumus
dicti -ae, a sumus
auditi, -ae, a sumus
capti -ae, a sumus
2ª pessoa do plural
amati -ae, a estis
habiti -ae, a estis
dicti -ae, a estis
auditi -ae, a estis
capti -ae, a estis
3.ª pessoa do plural
amati -ae, a sunt
habiti -ae, a sunt
dicti ae a sunt
auditi -ae, a sunt
capti -ae, a sunt
Mais-que-perfeito do indicativo passivo: fora amado, tinha sido dito...
1
1.ª pessoa do singular
amatus, a, um eram
habitus, a, um eram
dictus, a, um eram
auditus, a, um eram
captus, a, um eram
2.ª pessoa do .singular
amatus, a, um eras
habitus, a, um eras
dictus, a, um eras
auditus, a, um eras
captus, a, um eras
3.ª pessoa do singular
amatus, a, um erat
habitus, a, um erat
dictus, a, um erat
auditus, a, um erat
captus a, um, erat
1.ª pessoa do plural
amati -ae, a eramus
habiti -ae, a eramus
dicti -ae, a eramus
auditi -ae, a eramus
capti -ae, a eramus
2.ª pessoa do plural
amati -ae, a eratis
habiti -ae, a eratis
dicti -ae, a eratis
auditi -ae, a eratis
capti -ae, a eratis
3.ª pessoa do plural
amati -ae, a erant
habiti -ae, a erant
dicti -ae, a erant
auditi -ae, a erant
capti -ae, a erant
Como particípio, amatus deve concordar em número, gênero e caso com o sujeito da oração.
A voz passiva e os verbos depoentes
Futuro perfeito do indicativo passivo: terei sido amado, terá sido dito...
1.ª pessoa do .singular
amatus, a, um ero
habitus, a, um ero
dictus, a, um ero
auditus, a, um ero
captus, a, um erro
2.ª pessoa do singular
amatus, a, um eris
habitus, a, um eris
dictus, a, um eris
auditus, a, um eris
captus, a, um eris
3.ª pessoa do singular
amatus, a, um erit
habitus, a, um erit
dictus, a, um erit
auditus, a, um erit
captus, a, um erit
1.ª pessoa do plural
amati -ae, a erimus
habiti -ae, a erimus
dicti -ae, a erimus
auditi -ae, a erimus
capti -ae, a erimus
2.ª pessoa do plural
amati -ae, a eritis
habiti -ae, a eritis
dicti -ae, a eritis
auditi -ae, a eritis
capti -ae, a eritis
3.ª pessoa do plural
amati -ae, a erunt
habiti -ae, a erunt
dicti -ae, a erunt
auditi -ae, a erunt
capti -ae, a erunt
Perfeito do subjuntivo passivo: tenha sido amado, tenha sido dito...
1.ª pessoa do singular
amatus, a, um sim
habitus, a, um sim
dictus, a, um sim
auditus, a, um sim
captus, a, um sim
2.ª pessoa do singular
amatus, a, um sis
habitus, a, um sis
dictus, a, um sis
auditus, a, um sis
captus, a, um sis
3.ª pessoa do singular
amatus, a, um sit
habitus, a, um sit
dictus, a, um sit
auditus, a, um sit
captus, a, um sit
1.ª pessoa do plural
amati -ae, a simus
habiti -ae, a simus
dicti -ae, a simus
auditi -ae, a simus
capti -ae, a simus
2.ª pessoa do plural
amati -ae, a sitis
habiti -ae, a sitis
dicti -ae, a sitis
auditi -ae, a sitis
capti -ae, a sitis
3ª pessoa do plural
amati -ae, a sint
habiti -ae, a sint
dicti -ae, a sint
auditi -ae, a sint
capti -ae, a sint
Mais-que-perfeito do subjuntivo passivo: teria sido amado, tivesse sido dito...
1.ª pessoa do singular
amatus, a, um essem
habitus, a, um essem
dictus, a, um essem
auditus, a, um essem
captus, a, um essem
2.ª pessoa do singular
amatus, a, um esses
habitus, a, um esses
dictus, a, um esses
auditus, a, um esses
captus, a, um esses
3.ª pessoa do singular
amatus, a, um esset
habitus, a, um esset
dictus, a, um esset
auditus, a, um esset
captus, a, um esset
1.ª pessoa do plural
amati -ae, a essemus
habiti -ae, a essemus
dicti -ae, a essemus
auditi -ae, a essemus
capti -ae, a essemus
119
120
Língua Latina
2.ª pessoa do plural
amati -ae, a essetis
habiti -ae, a essetis
dicti -ae, a essetis
auditi -ae, a essetis
capti -ae, a essetis
3.ª pessoa do plural
amati -ae, a essent
habiti -ae, a essent
dicti -ae, a essent
auditi -ae, a essent
capti -ae, a essent
Passemos às formas nominais passivas dos verbos das cinco conjugações:
Primeira conjugação
Terceira conjugação
Quarta conjugação
Conjugação mista
Infinitivo presente passivo
amari
haberi
dici
audiri
capi
Infinitivo perfeito passivo
amatus, a, um esse2
habitus, a, um esse
dictus, a, um esse
auditus, a, um esse
captus, a, um esse
amatum iri3
habitumiri
dictumiri
auditumiri
captumiri
amare4
habere
dicere
audire
capere
amamini
habemini
dicimini
audimini
capimini
deletu
dictu
auditu
captu
Infinitivo futuro passivo Imperativo presente singular passivo Imperativo presente plural passivo
Supino passivo5 amatu
2
Segunda conjugação
Os infinitivos perfeitos são usados apenas em orações subordinadas de acusativo com infinitivo, ou seja, orações subordinadas substantivas objetivas diretas que, em latim, são construídas sem conjunção, e que, portanto, têm o verbo na subordinação sempre no infinitivo e seu sujeito sempre no acusativo. Um exemplo desse tipo de oração seria “Ele disse que o escravo tinha sido capturado”, que em latim se constrói da seguinte forma: dixit seruum captum esse [literalmente, “ele disse o servo ter sido capturado”]. Por isso, apesar de a forma participial poder se flexionar em número e gênero, indiscriminadamente de acordo com a concordância com o sujeito, o caso sempre será acusativo. 3 Assim como explicamos sobre o infinitivo perfeito, o infinitivo futuro também só é usado em orações subordinadas como tempo relativo. A sua construção, no entanto, é a mais estranha das construções dos infinitivos: trata-se de um supino (indeclinável, portanto) seguido de um infinitivo perfeito iri do verbo eo, ire, o que resulta, literalmente, em algo como “ir-se para ser ___-do”. Um exemplo, seguindo o mesmo princípio da nota acima, seria dixit seruum captum iri, que pode ser traduzida literalmente como “ele disse o servo ir-se para ser capturado”, o que resulta, em uma forma mais corrente, em “ele disse que o escravo seria capturado”. 4 Os imperativos passivos presentes (os imperativos futuros que existem em latim são deixados de fora das nossas aulas, por serem pouquíssimo usados) são correspondentes às formas de segunda pessoa do singular e plural do presente indicativo passivo dos mesmos verbos. Na verdade, os imperativos passivos são idênticos às segundas pessoas do singular do presente do indicativo, uma vez que o sentido de certas formas de presente das segundas pessoas pode ser o mesmo que o de imperativos: amare = “você é amado” “seja amado”, como na forma atenuante do imperativo em português “você faz isso, por favor” ao invés da mais incisiva “faça isso, por favor”. Atenção também ao fato de que o imperativo presente passivo singular é idêntico em forma aos infinitivos presentes dos mesmos verbos. 5 O supino passivo é pouco utilizado, e seu sentido pode ser parafraseado pela expressão “de se amar, ter, dizer etc.” As outras formas não foram dadas ou porque não há correspondente passivo ou porque elas já são passivas por natureza, ainda que tivessem sido vistas antes (o particípio perfeito e o gerundivo se enquadram nessa categoria).
A voz passiva e os verbos depoentes
121
Os verbos irregulares na voz passiva Antes de seguirmos adiante, é importante falarmos sobre as formas passivas de alguns verbos irregulares. O verbo sum, esse e seus derivados e os verbos uolo, nolo e malo não têm voz passiva. O verbo fero conjuga-se na voz passiva de maneira regular, bastando que sejam usados o radical fer- para os tempos do infectum e o radical lat- para os tempos do perfectum. O mesmo se dá com seus derivados. O verbo eo e seus derivados não apresentam voz passiva, ainda que haja algumas formas impessoais, como itur “vai-se”, “alguém vai” e iri “ir-se”.
Verbos depoentes Verbos depoentes6 são verbos que possuem apenas as formas da voz passiva. Seu significado, no entanto, é sempre ativo e não há sentido passivo possível para esses verbos. Esses verbos são anômalos, portanto. Os depoentes possuem temas que caem nas cinco conjugações já estudadas, e são conjugados segundo as tabelas vistas nesta aula. Vejamos uma listagem dos verbos depoentes mais importantes, separada pelas conjugações7: Primeira conjugação: minor, minari, minatus sum “ameaçar” (+ dat.) hortor, hortari, hortatus sum “encorajar, incitar, exortar” amplexor, amplexari, amplexatus sum “abraçar” conor, conari, conatus sum “tentar” imitor, imitari, imitatus sum “imitar, seguir” meditor, meditari, meditatus sum “considerar, pensar sobre, meditar” osculor, osculari, osculatus sum “beijar” recordor, recordari, recordatus sum “lembrar-se de“ suspicor, suspicari, suspicatus sum “suspeitar” opinor, opinari, opinatus sum “pensar, achar” precor, precari, precatus sum “implorar” Segunda conjugação: polliceor, polliceri, pollicitus sum “prometer, advertir” misereor, misereri, miseritus sum “sentir pena de, compadecer-se de” 6 7
Do verbo latino deponere, “pôr de lado, depor”. Os verbos depoentes são enunciados na sequência: primeira pessoa do singular do presente do indicativo, infinitivo, primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo.
122
Língua Latina
fateor, fateri, fassus sum “confessar, admitir” reor, reri, ratus sum “pensar, supor, acreditar” uereor, uereri, ueritus sum “respeitar, temer” Terceira conjugação: loquor, loqui, locutus sum “falar” irascor, irasci, iratus sum “ficar nervoso com, irar-se com” obliuiscor, obliuisci, oblitus sum “esquecer-se de” sequor, sequi, secutus sum “seguir” adipiscor, adipisci, adeptus sum “obter, conseguir, tomar, ganhar” nascor, nasci, natus sum “nascer” morior, mori, mortuus sum “morrer” ulciscor, ulcisci, ultus sum “vingar-se de” Quarta conjugação: mentior, mentiri, mentitus sum “mentir” molior, moliri, molitus sum “lutar, construir, trabalhar” orior, oriri, oritus sum “levantar, subir”8 sortior, sortiri, sortitus sum “escolher, eleger, sortear” Conjugação mista: adgredior “aproximar-se, chegar perto” egredior “sair” progredior “avançar” patior, pati, passus sum suportar, sofrer, passar por Há ainda alguns verbos que são chamados de semidepoentes, pois têm formas ativas para os tempos do infectum (radical do presente) e formas passivas para os tempos do perfectum (radical do perfeito). São exemplos de semidepoentes: audeo, audere, ausus sum “ousar” soleo, solere, solitus sum “costumar” (+ infinitivo) fio, fieri, factus sum “tornar-se, acontecer, vir a ser”
O agente da passiva O agente da passiva, em latim, quando expresso, deve aparecer no caso ablativo introduzido pela preposição a(b)9. Assim, voltando ao exemplo português do início da aula, a oração básica em latim seria: 8 9
Oriens, orientis é a forma de particípio presente que dá origem ao substantivo “oriente” em português. A forma ab é usada antes de vogais. a é usado antes de consoantes.
A voz passiva e os verbos depoentes
puer
uidet
puellam.
O menino
vê
a menina.
[nominativo/agente]
[presente-indicativo-ativo]
[acusativo/paciente]
123
Transformando-a para a voz passiva, devemos passar a expressão originalmente no caso acusativo/paciente para o caso nominativo/paciente da passiva, flexionar o verbo na forma adequada da voz passiva, e acrescentar ou não o agente da passiva, como se segue: puella
uidetur
a puerō.
A menina
é vista
pelo menino.
[nominativo/paciente]
[presente-indicativopassivo]
[ablativo/agente da passiva]
Apesar de o agente da passiva ser opcional, quando presente numa oração passiva, considera-se que as formas ativas e passivas apresentam a mesma oração dita de duas formas diferentes, porém equivalentes, ao menos com relação ao seu sentido básico.
Texto complementar Na última parte do Canto IV da Eneida, Dido, a Rainha de Cartago, depois de ver os navios do seu amado Enéias partirem, planeja a vingança mais grave que consegue, e tira a própria vida, criando uma inimizade que viria a durar séculos entre Roma e Cartago. Veremos então os últimos versos do livro IV, o fim da história de amor entre Enéias e Dido. Já a nova Aurora saltara do leito do cróceo Titono para a luz bela espargir pelo mundo e de cores orná-lo no alvorecer, quando Dido avistou desde a sua atalaia, em boa ordem a esquadra afastar-se, tendidas as velas, bem como as praias vazias e sem remadores os portos. Três, quatro vezes o peito formoso golpeando, e os cabelos louros em fúria a puxar, – Há de esse homem, gritou, escapar-me, Júpiter? Esse estrangeiro, e zombar de mim própria em meu reino? Não se armarão meus guerreiros e toda a cidade não corre no rastro dele? Dos seus estaleiros os barcos não tiram? Ide, voai, trazei fogo, dai velas, os remos empunhem! Mas, que profiro? Onde estou? que desvairo me cega a esse ponto?
124
Língua Latina
Dido infeliz, ora sentes o peso da tua desgraça. Mais valeria o saberes, no dia em que o cetro lhe deste. Essa, a palavra de quem carregara os penates nos ombros, quem nas espáduas o peso sentiu da velhice paterna? E não poder apanhá-lo, atirá-lo em pedaços nas ondas, passar à espada seus homens, e Ascãnio, seu filho mimado, ao próprio pai num banquete ofertar como prato excelente! Mas, nesse encontro a vitória estaria ao meu lado? Que importa? Quem vai morrer, de quem pode temer-se? Incendiara de pronto seu arraial, fogo às naus lhe pusera, e de um golpe extinguira o pai com o filho, essa raça maldita, e eu por último, ufana. Sol, que o universo iluminas e todas as coisas perlustras! Juno, ajudante consciente da minha indizível desgraça! Hécate, sempre invocada nas encruzilhadas, aos gritos! Fúrias, do mal vingadoras, e deuses de Elisa expirante! Minhas palavras ouvi, minhas preces, e contra os malvados os vosso numes volvei! Mas, se o Fado impassível resolve que chegue ao porto esse monstro, e é forçoso pisar no chão firme; se isso os decretos de Júpiter o determinam, que ao menos seja acossado por gente guerreira e, banido da Itália, vague sem rumo; privado dos braços queridos de Iulo, auxílio implore e contemple o extermínio dos seus companheiros, morte sem glória de todos. E, vindo a obter paz vergonhosa, do apetecido reinado não goze, da luz suspirada, mas prematuro pereça e insepulto na areia se esfaça! É o que vos peço; com o sangue vos lanço este apelo supremo. Tirios! Vosso ódio infinito em seu filho e nos seus descendentes extravasai! é o que esperam de vós minhas cinzas ardentes. Nenhuma aliança jamais aproxime os dois povos imigos. Há de nascer-me dos ossos quem possa vingar-me esta afronta com ferro e fogo, quem limpe o meu nome com sangue dardânio. Hoje, amanhã, no momento mais certo em que o acaso os ajunte
A voz passiva e os verbos depoentes
e força houver, briguem praias com praias e as ondas entre elas, armas de guerra por tudo, até os últimos netos com forças! Assim falando, volvia no peito projetos sem conta, para cortar o mais breve possível a trama da vida. Por fim, a Barce resolve chamar, de Siqueu a velha ama, visto que a sua ficara enterrada na pátria distante. Vai procurar minha irmã, querida ama, e lhe dize que ponha pressa em se purificar na água limpa do rio aqui perto. Traga também as ovelhas e as vítimas expiatórias. Não se demore. Enquanto isso, na fronte usa a fita sagrada. A Jove Estígio pretendo ofertar sacrifícios solenes, já começados, a fim de curar-me de atroz sofrimento, para, por último, a efígie do teucro lançar na fogueira. Assim falou. A Velhinha apressou-se com passos tardonhos. Dido, convulsa e obstinada no seu tenebroso projeto, virando os olhos sanguíneos, manchadas as lívidas faces, a palidez do trespasse futuro na cute mimosa, pelo interior do palácio irrompeu e postou-se, iracunda, no alto da pira, sacando da espada do chefe dardânio, prenda jamais destinada para uso de tanta fereza. Nessa postura, enxergando as ilíacas vestes e o leito, pós recolher-se algum tempo, banhados de lágrima os olhos, no toro excelso inclinada, estas últimas queixas profere: Ó doces prendas enquanto um dos deuses e o Fado quiseram, minha pobre alma acolhei e de cruel pesadelo livrai-me. Vivi bastante e perfiz o caminho previsto dos Fados. Cheia de glória, esta sombra ora baixa aos domínios subtérreos. Uma cidade grandiosa fundei, vi suas fortes muralhas; a meu esposo vinguei, castiguei um irmão inimigo. Muito feliz, ah! demasiadamente o seria se as naves desses guerreiros troianos aqui nunca houvessem chegado! Disse. E no leito tocando com os lábios: Morremos inulta? –
125
126
Língua Latina
torna a falar – Pois morramos; assim baixarei para as sombras. Veja o Dardânio de longe o espetáculo desta fogueira, e na alma negra o presságio carregue da minha desgraça. Disse. Mal tinha acabado, as donzelas caída a percebem por próprio impulso, no ferro. Tingidas de sangue espumante tinha ela as mãos. Do clamor das mulheres os átrios atroam. Percorre a Fama a cidade aterrada, o ulular feminino, lamentações e gemidos, o pranto incontido de todas. Fremem os tetos; no alto o éter ressoa com tanto alarido, como se a própria Cartago ou a cidade de Tiro mais velha viessem por terra aos embates de turmas furiosas de imigos, em chama envoltas as casas, os templos derruidos dos deuses. Despavorida, sem forças ouve Ana os clamores da turba; carpe-se, o rosto a arranhar, afeiando o gracioso semblante; corre, atropela as pessoas, por Dido a chamar, moribunda: Este era, irmã, o sacrifício aprestado? Quiseste lograr-me? Isto as fogueiras forjaram, a pira, os altares dos deuses? De quê primeiro queixar-me, se a irmã não me quis ao seu lado no próprio instante da morte, associadas no mesmo destino? Uma só dor para as duas, um ferro, o minuto supremo! Com minhas mãos levantei esta pira, chamei pelos deuses pátrios, e tudo porque te finasses de mim afastada? Com tua morte, querida, mataste-me, ao povo, o senado, tua cidade sidônia. Dai-me água, porque lavar possa suas feridas. Se um simples vestígio de alento ainda mostre, na minha boca o recolho. – Assim disse. E galgando a alta pira, no peito aperta a cabeça donosa da irmã moribunda. Entre gemidos, com o peplo afastava os cruores escuros. Com muito esforço, ao querer levantar a cabeça, de novo desfaleceu a Rainha. No peito a ferida estertora. Três vezes tenta sentar-se, apoiando-se nos cotovelos, três sobre o leito ela torna a cair. Com os olhos errantes,
A voz passiva e os verbos depoentes
busca no céu a luz bela do sol e, encontrando-a, suspira. Foi quando Juno potente, apiedada da longa agonia, da sua morte penosa, a Iris rápida enviou do alto Olimpo, para soltar aquela alma do nexo pesado dos membros, visto não ser decorrente este excídio do Fado ou de culpa muito pessoal; prematura e de súbito acesso tomada, ainda Prosérpina não lhe cortara da fronte o cabelo louro, nem sua cabeça votara às deidades do Inferno. Íris, então, orvalhadas as asas, no espaço desliza, sarapintadas as penas com o brilho do sol esplendente. Sobre a cabeça de Dido detém-se: – Cumprindo o mandado que recebi, te desligo do corpo e a Plutão vou levar-te. – Assim falando, cortou com a direita o cabelo cor de ouro. Foi-se o calor, e nas auras o espírito logo diluiu-se. (Eneida, IV, 582,703)
Atividades 1.
Traduza as orações abaixo para o português: a) uerba serui nuntiantur a poetā.
b) leges faciebantur ab antiquis hominibus.
c) litterae falsae scriptae erant.
d) a coquō cena parata est ingens.
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128
Língua Latina
e) bellum malum pugnabitur a populis amicis.
f ) dominus multum locutus est cum seruo stulto.
2.
Transforme as orações abaixo da voz ativa para a voz passiva e traduza o resultado. a) miles bonus pugnam ducit.
b) uir uxorem bellam uidebat.
c) rex audax multos homines necauit.
d) urbs diues praedones timebit.
e) uulnera saggitārum senserant aquilae diuinae.
3.
10
Com a apresentação de praticamente todo o sistema verbal e de todas as formas nominais mais importantes, podemos dar início às atividades de tradução de textos originais e não-adaptados. Veremos inicialmente um trecho dos primórdios da literatura latina. Trata-se de um trecho de um dos fragmentos encontrados do poema épico que conta as origens de Roma do autor arcaico Quintus Ennius (239-169 a.C.).10 Traduza o texto, com o auxílio do glossário abaixo e do que já foi aprendido nas aulas.
Ennius, ou Ênio, como é chamado em português, foi um dos autores mais importantes do período do início da literatura latina, entre os séculos III e II a.C. Escreveu muitas obras, das quais apenas fragmentos restaram. Do que restou, os fragmentos de seu poema épico Anais nos mostram que Ênio foi o primeiro autor da literatura latina a fazer uso do esquema métrico típico da poesia épica grega, o hexâmetro datílico, tipo de verso com o qual Homero escreveu a Ilíada e a Odisséia e Virgílio escreveu a Eneida.
A voz passiva e os verbos depoentes
proelia promulgantur: pellitur e medio sapientia, ui geritur res; spernitur orator bonus, horridus miles amatur; Ênio, Anais VIII, fr. 1 (247-249).
proelia: proelium 2n. “batalha, prélio” promulgantur: voz passiva de promulgo 1 “tornar público” pellitur: voz passiva de pello 3 “banir” e: preposição ex + ablativo “para fora de” medium 2n. “centro, meio” sapientia 1f. res 5f. “coisa, assunto” geritur: voz passiva de gero 3 ui: ablativo singular de uis 3f. “força, violência” spernitur: voz passiva de sperno 3 “desprezar” amatur: voz passiva de amo
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Língua Latina
Os pronomes em latim Neste texto serão estudados os pronomes mais importantes do latim, juntamente com as estruturas que são formadas através deles, uma vez que essa classe de palavras é extremamente importante no latim. Naturalmente, alguns pronomes ficarão de fora, mas a declinação da maior parte deles é bastante regular e segue um padrão facilmente reconhecível.
Pronomes pessoais Os pronomes pessoais em latim são os seguintes:
Singular
Plural
Singular
Primeira pessoa
Plural
Segunda pessoa
Singular/Plural Terceira pessoa
Nominativo
ego
nōs
tū
uōs
–
Acusativo
mē
nōs
tē
uōs
sē
Genitivo
meī
nostrum/nostrī
tuī
uestrum/uestrī
suī
mihi (mī)
nōbīs
tibi
uōbīs
sibi
mē
nōbīs
tē
uōbīs
sē
Dativo Ablativo
Sobre os pronomes pessoais, é importante aprender o seguinte: ::: Os pronomes de primeira e segunda pessoa frequentemente não são expressos da mesma forma que o são em português. Assim, é a morfologia verbal que nos diz se um verbo tem sujeito de primeira ou segunda pessoa. Quando o pronome pessoal aparece na posição de sujeito, ele
132
Língua Latina
tem a função de dar ênfase ou foco no sujeito. Ou seja, uma oração como seruum habeo já possui a informação da pessoa verbal na morfologia do próprio verbo e, portanto, significa “Eu tenho um escravo”. Quando acrescentamos o pronome ego no nominativo a essa oração, o significado se altera, e temos algo como “Eu mesmo tenho o escravo.” ou “Sou eu quem tem o escravo.” O mesmo acontece com as formas de segunda pessoa e também com as formas de plural. ::: Não há em latim um pronome equivalente ao pronome pessoal de terceira pessoa (como ele, ela). Essa função será preenchida pelos pronomes demonstrativos. As formas existentes de pronomes pessoais de terceira pessoa servem como pronomes reflexivos, sempre ligandose ao sujeito do verbo que induz ao uso do pronome. Um exemplo seria dominus se uidet “O senhor vê a si mesmo/se vê”, diferente de uma forma como dominus eum uidet “O senhor vê ele/o vê”, sendo que o “ele” aqui é necessariamente uma outra pessoa que não o senhor, e é representada pelo pronome eum, que veremos abaixo.
Pronomes possessivos Os pronomes possessivos são pronomes que declinam exatamente como qualquer adjetivo de primeira classe, ou seja, como multus, multa, multum. Vejamos as suas entradas de dicionário: Primeira pessoa do singular: meus, mea, meum. Segunda pessoa do singular: tuus, tua, tuum. Primeira pessoa do plural: noster, nostra, nostrum (tema nostr-). Segunda pessoa do plural: uester, uestra, uestrum (tema uestr-). Reflexivo de terceira pessoa, singular e plural: suus, sua, suum. É importante ter em mente as seguintes questões: ::: O pronome possessivo é como o possessivo na língua portuguesa “meu”, “teu”, “vosso” etc. e, da mesma forma que em português, pode ser usado como adjetivo (seruus meus “o meu escravo”) ou como substantivo (meus “o meu”). Quando usado sozinho (e, portanto, como substantivo), o pronome pode levar consigo a significação ligada ao número e gênero em que está, ou seja: mea = “a minha (mulher)”, tuus = “o teu (homem)”, uestra (neutro plural) = “as vossas coisas”. ::: O vocativo de meus no masculino singular é a forma irregular mi. ::: O pronome possessivo reflexivo de terceira pessoa, assim como o pronome pessoal reflexivo, só se refere anaforicamente ao sujeito da oração.1
1
Ou seja, o referente do pronome é buscado atrás no texto.
Os pronomes em latim
133
Pronomes interrogativos e indefinidos Os pronomes interrogativos (quem? que? qual?) também podem ser usados como pronomes indefinidos (alguém, algum), por isso os veremos como se fossem um só pronome. A possibilidade do uso do pronome interrogativo como adjetivo ou como substantivo (“Que homem fez isso?” = pronome adjetivo vs. “Quem fez isso?” = pronome substantivo) e a possibilidade de algumas alternâncias nas formas dos pronomes por causa desses dois usos diferentes pode trazer alguma confusão. Por isso, sugerimos que esse pronome seja estudado com calma e damos alguns exemplos abaixo dos seus usos.
Singular
Plural
Masculino
Feminino
Neutro
Masculino
Feminino
Neutro
Nominativo
quī/quis
quae/quis
quod/quid
quī
quae
quae
Acusativo
quem
quam
quod/quid
quōs
quās
quae
quōrum
quārum
quōrum
Genitivo
cuius
Dativo Ablativo
cui quō
quā
quibus quō
quibus
Todas as formas em preto na tabela podem ser pronomes interrogativos adjetivos ou substantivos. No entanto, nas células em que temos formas em negrito ou em tachado duplo, as em negrito são formas predominantemente adjetivas e as em tachado duplo, substantivas. Vejamos alguns exemplos de orações com pronomes interrogativos adjetivos e substantivos (as formas negrito e tachado duplo continuarão sendo usadas para identificar, respectivamente, as formas adjetivas e as substantivas). qui seruus stultior est quam Sōsia? “Que escravo é mais imbecil que Sósia?” quis est stultissimus seruōrum? “Quem é o mais estúpido dos escravos?” quae mulier regem amat? “Que mulher ama o rei?” quis regem amat? “Quem ama o rei?” (note-se que, como pronome interrogativo substantivo, quis pode ser nominativo singular tanto masculino quanto feminino. Se essa oração for entendida como uma paráfrase da anterior, quis será uma forma feminina, que poderemos traduzir como “que mulher”. Fora de contexto, há ambiguidade.) quem regina amat? “Quem a rainha ama?” (aqui, o quem é masculino singular e, portanto, pressupõe-se que esse “quem” seja equivalente a “que homem”) quem regem regina amat? “Que rei a rainha ama?” quam rex amat? “Quem o rei ama?” (“quem” = “que mulher”) quam reginam rex amat? “Que rainha o rei ama?” Uma forma possível desse pronome é a forma aliquis, aliqua, aliquid (substantivo) e aliqui, aliqua, aliquod (adjetivo), que significam “alguém, alguma coisa, algo, algum”, e que seguem exatamente a declinação do interrogativo/indefinido quis/qui, quis/qua, quod/quid, mas com o infixo ali-. É destas formas que historicamente deriva o nosso pronome indefinido “alguém, algum, algo”.
134
Língua Latina
Há ainda o pronome indefinido quidam, quaedam, quoddam “um, uma, um certo, uma certa” (usado quando um referente ainda não apareceu no texto, o mais próximo que o latim tinha do nosso artigo indefinido).
Singular
Plural
Masculino
Feminino
Neutro
Masculino
Feminino
Neutro
Nominativo
quidam
quaedam
quoddam / quiddam
quīdam
quaedam
quaedam
Acusativo
quendam
quandam
quoddam / quiddam
quōsdam
quāsdam
quaedam
quōrundam
quārundam
quōrundam
Genitivo
cuiusdam
Dativo Ablativo
cuidam quōdam
quādam
quibusdam quōdam
quibusdam
Como se pode notar, trata-se do pronome qui, quae, quod (interrogativo) com o sufixo -dam, que dá a idéia de indefinição. As flexões das declinações estão antes da forma sufixada, que não varia, gerando um tipo de pronome que recebe flexão no meio da palavra. Por isso, por exemplo, há mudança fonética do tipo quem quendam, motivada pelo ponto de articulação da consoante d, que empresta seus traços para o som imediatamente anterior.
Pronomes demonstrativos Há diversos pronomes demonstrativos em latim, dos quais os mais comuns são os que servem para fazer referência anafórica a antecedentes textuais, cumprindo tanto as funções do nosso pronome pessoal de terceira pessoa (que, como vimos, não existe em latim), quanto as funções dos nossos demonstrativos esse, essa, esse, essa, este, esta, aquele, aquela, aquilo, aquele etc. Veremos inicialmente o pronome is, ea, id, que funciona tanto como “este, esta, isto” (junto de mim) quanto como “aquele, aquela, aquilo” (junto dele), além de servir como pronome átono anafórico “o, as, os, as”:
Singular
Plural
Masculino
Feminino
Neutro
Masculino
Feminino
Neutro
Nominativo
is
ea
id
eī / iī
eae
ea
Acusativo
eum
eam
id
eōs
eās
ea
eōrum
eārum
eōrum
Genitivo
eius
Dativo Ablativo
eī eō
eā
eīs / iīs eō
eīs / iīs
Os pronomes em latim
135
Assim como os pronomes já vistos, os demonstrativos podem funcionar isolados (como substantivos) ou juntamente com um nome (como adjetivos).2 Quando isolados, significam “esse homem”, “essa mulher”, “essa coisa/isso”, ou seja, pressupõem a existência de um substantivo que viria junto, mas que se dá apenas via marcação de número e gênero. Passemos agora ao segundo demonstrativo, o pronome hic, haec, hoc, que possui a significação mais próxima do nosso “este, esta, isto (perto de mim)”.
Singular
Plural
Masculino
Feminino
Neutro
Masculino
Feminino
Neutro
Nominativo
hic
haec
hoc
hī
hae
haec
Acusativo
hunc
hanc
hoc
hōs
hās
haec
hōrum
hārum
hōrum
Genitivo
huius
Dativo
huic
Ablativo
hōc
hāc
hīs hōc
hīs
Esse pronome, assim como o is, ea, id, costuma funcionar como demonstrativo para coisas próximas do interlocutor e como anafórico de terceira pessoa. Ambos, em construções de sequência de vários antecedentes, referem-se ao que foi mencionado por último, ou seja, ao mais próximo do momento da fala (em oposição ao que foi mencionado primeiro, mais distante do momento da fala – em geral, ille, illa, illud “aquele, aquela, aquilo”, que veremos a seguir). Vejamos então o pronome que costuma se referir como demonstrativo a algo mais próximo do locutor, ou seja, o nosso “esse, essa, isso (perto de ti)”. Trata-se do pronome iste, ista, istud. Vejamos a sua declinação:
Singular Masculino
Feminino
Neutro
Masculino
Feminino
Neutro
Nominativo
iste
ista
istud
istī
istae
ista
Acusativo
istum
istam
istud
istōs
istās
ista
istōrum
istārum
istōrum
Genitivo
istīus
Dativo Ablativo
2
Plural
istī istō
istā
istīs istō
istīs
Essa questão, inclusive, apresenta uma das inadequações da gramática tradicional quando discute as definições das classes de palavras. Mais especificamente, quanto ao pronome, a gramática tradicional em geral costuma apresentar a definição “é a classe de palavras que substitui o nome”, que só é verdadeira em parte: quando funciona como um adjetivo, um pronome não substitui o nome, e sim funciona junto com ele, predica sobre ele, modifica-o.
136
Língua Latina
O pronome seguinte, naturalmente, será o que significa “aquele, aquela, aquilo (perto dele, dela)”. Trata-se do ille, illa, illud. Passemos à sua declinação:
Singular
Plural
Masculino
Feminino
Neutro
Masculino
Feminino
Neutro
Nominativo
ille
illa
illud
illī
illae
illa
Acusativo
istum
istam
illud
illōs
illās
illa
illōrum
illārum
illōrum
Genitivo
illīus
Dativo Ablativo
illī illō
illā
illīs illō
illīs
Este é o pronome que costuma ser usado apenas para coisas mais distantes do interlocutor, mais próximas de uma terceira pessoa do que do locutor ou do interlocutor. Este é, também, o pronome utilizado para se fazer referência ao referente mais afastado, quando há dois possíveis referentes. Vejamos alguns exemplos que envolvam vários demonstrativos: a) is eam amat.
Ele a ama. / Este (homem) ama esta (mulher).
b) is homo eam mulierem amat. c) ille seruus est.
Este homem ama esta mulher.
Aquele (homem) é um escravo.
d) ille homo seruus est.
Aquele homem é um escravo.
e) rex seruum habet. hic pauper, ille diues est.
O rei tem um escravo. Este é pobre, aquele é rico.
Na primeira e na terceira frase, o pronome demonstrativo é usado isoladamente, como substantivo, enquanto que na segunda e na quarta frases, ele modifica um substantivo e, portanto, funciona como adjetivo. Na última frase temos um exemplo do uso de pronomes demonstrativos correlativos em referências anafóricas aos referentes mais próximos (“este” = is, ea, id / hic, haec, hoc) versus os mais distantes (“aquele” = ille, illa, illud).
Pronomes relativos Os pronomes relativos em latim se parecem bastante com as formas do interrogativo qui/quis, quae/quis, quod/quid. Vejamos as formas:
Singular
Plural
Masculino
Feminino
Neutro
Masculino
Feminino
Neutro
Nominativo
quī
quae
quod
quī
quae
quae
Acusativo
quem
quam
quod
quōs
quās
quae
quōrum
quārum
quōrum
Genitivo
cuius
Dativo Ablativo
cui quō
quā
quibus / quīs quō
quibus / quīs
Os pronomes em latim
137
Os pronomes relativos em latim funcionam exatamente como em português, com uma única diferença ligada a uma questão de concordância. Como as formas nominais latinas apresentam casos, deveremos aprender como os pronomes relativos recebem as informações de gênero, número e caso. A função de um pronome relativo é possibilitar que uma expressão oracional seja transformada em um adjetivo de um substantivo de uma outra oração. Em termos mais simples, se na expressão “Lá está o escravo pobre” a expressão adjetival em negrito funciona como adjetivo predicando algo a respeito da forma nominal “escravo”, dizendo que se trata de um escravo pobre, e não de qualquer outro escravo. Esta mesma expressão em negrito poderia ser reescrita como “que não tem dinheiro”, gerando uma sentença com um sentido muito próximo: “Lá está o escravo que não tem dinheiro.” Assim, a expressão incompleta “não tem dinheiro” pode ser aproveitada como uma expressão adjetiva se a expressão “que” unir “não tem dinheiro” a “escravo”, ligando as duas ao substantivo modificado. Para começarmos a entender a maneira de construir as orações relativas em latim, passemos ao ponto mais importante: em português, há poucas variações possíveis para o “que” relativo: há formas como “cujo, cuja, o qual, a qual”, que cumprem papéis importantes, a depender da função que exercem dentro da estrutura relativa. Por exemplo, na oração já dada como exemplo, o “que” em “que não tem dinheiro” funciona como sujeito do verbo “tem” da oração subordinada introduzida pelo “que”. O processo é mais ou menos o seguinte: Lá está o escravo1. O escravo1 não tem dinheiro. Lá está o escravo1 [que1 não tem dinheiro]. (o número subscrito serve para mostrar que há correferencialidade entre os termos). Uma oração relativa na qual o “que” fosse objeto direto poderia ser: Lá está o escravo1. Eu vi o escravo1.
Lá está o escravo1 [que1 eu vi ___ 1].
Transformando essas sentenças em sentenças latinas, perceberemos que o “que”, antes não flexionado, precisará receber flexões de número, gênero e caso. Vejamos os exemplos: Versão “que” de sujeito: ibi est seruus1. seruus1 pecuniam non habet.
ibi est seruus1 [quī1 pecuniam non habet].
Versão “que” de objeto: ibi est seruus1. uidi seruum1. está o escravo q eu vi)
ibi est seruus1 [quem1 uidi]. (Lá está o escravo. Eu vi o escravo
Lá
Como podemos perceber, no primeiro caso, usamos o quī pois o antecedente do pronome (a expressão que ele retoma da oração principal, que, nos exemplos, aparece ligada a eles pelo índice numérico) é masculino e singular. O caso do pronome relativo, no entanto, não é dependente do seu antecedente, e sim da função que o pronome exerce dentro da oração relativa. Assim, no primeiro exemplo, temos quī no nominativo porque o pronome exerce a função de sujeito dentro da oração relativa e, no segundo, temos quem pois o pronome exerce a função de objeto direto dentro da oração relativa. O seguinte diagrama ajudará a entender melhor a atribuição de gênero, número e caso ao pronome relativo: ibi est seruus1
[quī1
gênero: masculino
número: singular
caso: nominativo
pecuniam non habet.]
138
Língua Latina
ibi est seruus1
[quem1
gênero: masculino
número: singular
uidi.]
caso: acusativo
E agora um exemplo completamente diferente, com um novo tipo de pronome relativo: ibi sunt feminae1 [quārum1
gênero: feminino
número: plural
pecuniam uolo.]
caso: genitivo
Nessa oração, temos um pronome relativo no genitivo, e a tradução poderia ser: “Lá estão as mulheres cujo dinheiro eu quero.” ou “Lá estão as mulheres das quais eu quero o dinheiro.” Haverá, portanto, muitas possibilidades de construção de orações relativas, mas todas seguirão as regras básicas de construção: (i) o pronome recebe informação de número e gênero do seu antecedente e (ii) o pronome recebe informação de caso vinda da função que ele exerce dentro da oração relativa. Vejamos mais alguns exemplos de orações relativas: rex dicit mala uerba [quae non audiui]. acusativo plural neutro)
O rei disse palavras más, [as quais eu não ouvi]. (quae:
milites pugnant in agro [quō ambulo]. (quō: ablativo singular masculino)
Os soldados lutam no campo [pelo qual eu caminho].
rex uidit reginam [cui multa uerba dixit]. dativo singular feminino)
O rei viu a rainha [a quem disse muitas palavras]. (cui:
Assim, para encerrar esta aula que apresentou tantos pronomes aparentemente diferentes, seria importante fazer notar que, apesar de algumas diferenças no significado, que precisam ser aprendidas, e apesar das novas construções permitidas pelos pronomes, há muito na declinação deles que é comum à maioria dos pronomes e, portanto, o estudo das tabelas simultaneamente, procurando e anotando semelhanças e diferenças principais, pode trazer muito mais clareza sobre suas formas e usos.
Texto complementar Veremos a seguir uma cena de uma comédia latina muito famosa, o Anfitrião de T. Maccius Plautus (Plauto), nascido por volta de 254 a.C. e falecido por volta de 184 a.C. Essa comédia se inscreve na tradição da Comédia Nova latina, que imitava originais gregos da comédia de autores do século IV e III a.C., como Menandro, e faz parte do período de formação da literatura latina. O enredo desta comédia envolve perso-
Os pronomes em latim
139
nagens mitológicos (Júpiter e Mercúrio) e personagens pertencentes ao ciclo tebano da mitologia grega: Anfitrião, casado com Alcmena, é general do rei Creonte de Tebas, e está liderando o exército contra os Teleboanos. Aproveitando-se desta ocasião, Júpiter, famoso por seus muitos casos extraconjugais, assume as feições do general e visita Alcmena, para com ela passar a noite mais longa de todas (Júpiter ordena que a deusa Noite permaneça até que ele ordene o contrário). Alcmena já estava grávida de Anfitrião, mas Júpiter a faz duas vezes grávida, e o filho que nasce dessa relação clandestina é nada menos que Hércules, o famoso herói grego. Para conseguir levar a cabo tal feito clandestino, Júpiter pede a Mercúrio, seu fiel ajudante neste tipo de empreitada, que se faça similar ao escravo da casa, o estúpido Sósia. Na cena que leremos abaixo, Sósia está retornando para casa para narrar a Alcmena a vitória do marido, e anunciar que em breve Anfitrião retornará. No entanto, Sósia encontra um símile de si que bloqueia sua entrada, enquanto, dentro da casa, um outro Anfitrião está com Alcmena. A cena é antológica, e Mercúrio conseguirá convencer Sósia de que ele deixou de ser ele mesmo. Essa peça foi tão lida, apreciada e imitada que até mesmo Camões tem um Auto dos Enfatriões e, no século XX, o dramaturgo brasileiro Guilherme Figueiredo escreveu uma peça ainda mais burlesca, chamada Um deus dormiu lá em casa. Entre as realizações mais interessantes desta peça, dado seu vigor e recepção posterior, estão as nominalizações do nome próprio Sósia, que passa a significar “o símile, o outro que é igual”, e do nome próprio Anfitrião, que passa a significar “aquele que recebe em sua casa”.
SÓSIA: Quem haverá mais audaz e mais confiante do que eu, que bem sei dos costumes da juventude e que ando sozinho noite fora? Que vou eu fazer se os triúnviros me meterem na cadeia? Amanhã tiram-me da cela e levam-me para as chicotadas sem mesmo deixarem que me defenda; nenhum socorro tenho a esperar de meu dono e não haverá ninguém que não ache que mereço o castigo. Oito homens fortes malhariam em mim como se eu fosse uma bigorna. E era com esta hospitalidade que eu seria recebido ao regressar. Mas a tudo isto me obrigou a impaciência de meu amo que me levou a sair do porto, sem eu querer, ainda de noite. Não é verdade que ele me poderia ter mandado de dia? Mas é duro servir um homem rico. O escravo do opulento é o mais infeliz de todos. De noite e de dia tem sempre alguma coisa que se faça, alguma coisa que se tem de realizar ou de dizer, só para que se não esteja quieto. Um amo rico e que não tem experiência nem de trabalho, nem de fadigas, julga que se pode fazer tudo o que lhe vem à cabeça; pensa que tudo está certo e não se importa com o trabalho que possa dar. E nem vai sequer refletir se é justo ou injusto aquilo que mandou. É por isso que quem serve tem de esperar muita injustiça; mas é uma carga que se tem de suportar e de aguentar, qualquer que seja o trabalho que dê. MERCÚRIO (à parte): O mais acertado era ser eu a queixar-me deste modo da servidão, sempre fui livre, exceto hoje. Mas a ele já o pai o fez escravo; nasceu servindo, e ainda se queixa. Mas realmente só sou escravo de nome. SÓSIA: O que eu pensava ao chegar era dar graças aos deuses, era mostrar-lhes alguma gratidão pelos favores que me fizeram. Por Pólux! Se eles tencionassem recompensar-me pelos meus méritos com certeza arranjariam alguém para me partir a cara à chegada: de fato, sempre fui ingrato, nunca dei importância ao bem que me fizeram. MERCÚRIO (à parte): Este faz o que não é costume: sabe o que merece.
140
Língua Latina
SÓSIA: Aconteceu aquilo que eu não esperava, nem esperou nenhum dos nossos patrícios: voltar são e salvo à nossa terra. O exército regressa vitorioso, depois de derrotado o inimigo, depois de terminada esta enorme guerra e de destruir os adversários, que tinham causado tantos desastres ao povo tebano. A cidade foi vencida e tomada de assalto pelo ímpeto, pelo valor dos nossos soldados sob o comando e a guia de meu amo, Anfitrião. Distribuiu aos seus concidadãos os despojos, as terras, e o cereal. E garantiu o seu trono a Creonte, rei de Tebas. Mesmo do porto mandou-me a casa, à sua frente, para anunciar tudo isso à mulher, a forma por que ele salvou o Estado com o seu comando, as suas ordens, a sua guia. E eu agora estou a pensar de que maneira lho hei de dizer quando chegar lá. Se eu disser mentiras, não procederei senão segundo o meu costume. Quando eles combatiam com toda a coragem, fugia eu o mais que podia e no entanto tenho de fingir que estive lá e contar-lhe o que ouvi. Mas o que eu desejo meditar a sós comigo é de que modo e com que palavras me convém mentir; o que eu vou fazer é falar assim. Primeiro, logo que lá chegamos, e mal se desembarcou, escolheu Anfitrião os chefes principais e nomeou-os seus delegados, dando-lhes ordem de comunicar aos teléboas as suas determinações: se eles quisessem, sem violência e sem guerra, entregar os raptores e o raptado, se restituíssem o que tinham levado, imediatamente ele faria regressar o exército, os argivos abandonariam o campo e ele lhes daria sossego e paz. Mas que se outra fosse a sua intenção, que se não dessem aquilo que ele pedia, ele então tomaria de assalto com toda a violência e todo o seu exército a sua cidade. Quando aqueles que Anfitrião tinha enviado disseram estas coisas por sua ordem aos teléboas, logo os outros, homens corajosos, confiados nas suas forças e no seu valor, e altivos, insultam os nossos delegados com toda a violência; respondem que podiam muito bem guardar-se pelas armas, a si e aos seus e que, portanto, tratassem de retirar o exército dos seus territórios, o mais depressa possível. Quando os delegados vieram comunicar isso, Anfitrião mandou sair imediatamente do acampamento todo o seu exército; por seu lado os teléboas formam as suas legiões fora da cidade, todas equipadas de armas esplêndidas. Depois que duma banda e doutra saiu uma grande quantidade de gente, ficaram dispostos os homens e ficaram dispostas as formações: nós dispusemos as tropas segundo a nossa maneira, o nosso costume, e por seu turno fazem o mesmo os Inimigos com as legiões que lhes pertencem. Depois ambos os comandantes se dirigem ao meio para além das linhas e falam um com o outro; concordam em que os vencidos nesta batalha entreguem a cidade, o campo, os altares, os lares, e a si próprios se entregam. Depois de feito isto, soam as trombetas de um e de outro lado e em resposta a terra ecoa; levanta-se um clamor de ambos os lados e de ambos os lados faz o general seus votos a Júpiter e exorta o seu exército. Então cada um mostra aquilo que pode o seu valor, e fere com o ferro; passam os dardos, reboa o céu com o clamor dos homens; forma-se uma nuvem com o seu fôlego, o seu bafo; caem prostrados pela violência das feridas e dos encontros. Finalmente, como era nossa vontade, o nosso exército sai vencedor; os inimigos caem em grande número, e os nossos se lançam ao ataque. Vencemos pela nossa coragem terrível. Todavia, ninguém se põe em fuga, ninguém recua do seu lugar, mas ali combate; prefere morrer a recuar um passo; cada um fica jazendo no lugar em que estivera e morre no seu posto. Logo que Anfitrião, meu amo, viu tudo isto, imediatamente mandou a cavalaria atacar pela direita. Os cavaleiros obedecem logo e com grande clamor, com violento ímpeto, voam pela direita e derrotam, destroem com toda a justiça as injustas tropas inimigas.
Os pronomes em latim
MERCÚRIO (à parte): Até agora ainda ele não disse mentira nenhuma: eu e meu pai estávamos lá, enquanto se combatia. SÓSIA: Os inimigos põem-se então em fuga, o que aumenta o ardor dos nossos; os teléboas que fugiam ficam com os corpos cobertos de dardos e o próprio Anfitrião matou com suas mãos el rei Ptérela. Combateu-se desde manhã até à noite, coisa que me lembro perfeitamente porque nesse dia não jantei. Por fim, a noite chegou e com sua intervenção decidiu o combate. No dia seguinte, vieram os chefes inimigos, da cidade para o acampamento para falar conosco; vinham chorando e, erguendo as mãos, pediam que lhes perdoássemos os seus erros. E todos eles se entregam, com os seus bens, com os seus deuses, com a cidade e com os filhos, ao arbítrio e à vontade do povo tebano. Depois foi entregue a meu amo, Anfitrião, por causa de sua coragem, uma taça de ouro por onde o rei Ptérela costumava beber. É isto o que eu vou dizer à senhora. E agora tenho de cumprir as ordens de meu amo e de entrar em casa. MERCÚRIO (à parte): Que é lá isso? Entrar em casa? Vou-lhe já ao encontro. Hoje não vou deixar que este homem entre em casa e como tenho o seu aspecto acho que vou brincar um bocado com ele. E, assim como lhe tomei a forma e as ocupações, também tenho que praticar os mesmos feitos e mostrar os mesmos costumes. Tenho de ser ruim, esperto, astuto e de afastá-lo da porta com a malícia, que é a sua arma especial. Mas que é isso? Está a olhar para o céu! Vou ver o que é que ele está a fazer. SÓSIA: O que eu sei, ao certo, por Pólux, se há alguma coisa que eu realmente saiba ao certo, ou creia saber, é que me parece que esta noite Vésper se embriagou e se deixou dormir. Efetivamente nem as estrelas da Ursa se mexem no céu, nem a lua se move do lugar onde nasceu. Nem Orionte, nem Vênus, nem as Plêiades vão para o poente. Todas as estrelas estão paradas e a noite não cede o lugar ao dia. MERCÚRIO (à parte): Vamos, noite, continua como começaste, faze a vontade a meu Pai; fazes otimamente uma coisa ótima a uma ótima pessoa. Vais ver como ganhas! SÓSIA: Eu acho que nunca vi noite maior do que esta, a não ser quando estive pendurado a apanhar chicotadas. No entanto, por Pólux! esta noite ainda me parece maior. Por Pólux! acho que o sol está dormindo por ter bebido em excesso e muito me admiraria se ele não tivesse ceado hoje um bocadinho a mais. MERCÚRIO (à parte): Ah é isso o que tu dizes, meu patife! Julgas que os deuses são iguais a ti? Por Pólux! hoje é que eu te vou dar o que mereces pelos teus ditos e malefícios, grande malandro! Anda cá, se queres ver o que te acontece. SÓSIA: Onde estão esses pândegos que ficam deitados sozinhos e de má vontade? Isto é que é noite para se passar com moças e lhes fazer ganhar dinheiro! MERCÚRIO (à parte): Então meu Pai está a proceder muito bem segundo a opinião deste homem, visto que está deitado com Alcmena, abraçando-a e amando-a, segundo sua vontade. SÓSIA: Pois lá vou, segundo as ordens de meu amo, a dar a notícia a Alcmena. (Percebendo Mercúrio.) Mas que homem é esse que eu vejo, assim de noite, diante da porta? Não me agrada nada. MERCÚRIO (à parte): Nunca vi ninguém com tanto medo.
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Língua Latina
SÓSIA (à parte): Quem será? Vem-me agora à idéia que ele é capaz de julgar que tem algum conserto a fazer-me no manto. MERCÚRIO (à parte): O homem está com medo; vou brincar com ele. SÓSIA (à parte): Estou perdido! Até tenho comichão nos dentes! Acho que ele me vai mesmo receber a soco! Naturalmente por bondade: como o amo me deu ordem de ficar acordado, ele me fará dormir com os punhos. Ai que estou mesmo morto! Por favor! Por Hércules! Que tamanho! Como é forte! MERCÚRIO (à parte): Agora vou falar alto para ele ouvir o que digo, o que o fará ter um medo ainda muito maior. (Alto.) Vamos, punhos! Já há muito tempo que vós não dais comida para a barriga; e já me parece que foi há muito tempo, quando foi ontem, que vós pusestes a dormir, e nus, aqueles quatro homens. SÓSIA (à parte): Do que eu estou com medo é de ter que mudar de nome e passar de Sósia a Quinto4. Ele gaba-se de ter feito adormecer quatro homens! Estou com muito receio de ir aumentar o número! MERCÚRIO (na atitude de quem se prepara para bater): Olá! Vamos embora! Toca a recebê-lo! SÓSIA (à parte): Já está a arregaçar-se, já está a preparar-se! MERCÚRIO (à parte): Quem apanhar, não agüenta! SÓSIA (à parte): Mas quem? MERCÚRIO: Quem vier, seja quem for, há de comer-me os socos! SÓSIA (à parte): O quê? Agora assim de noite? Não! Acabei de cear, o melhor é tu ires oferecer essa ceia a quem esteja com fome! MERCÚRIO (à parte): O peso deste punho não é nada mau. SÓSIA (à parte): Estou perdido! Está pesando os punhos! MERCÚRIO: E se eu lhe tocar um bocadinho, a ver se ele dorme? SÓSIA (à parte): Isso é que era favor! Há três noites seguidas que estou acordado. MERCÚRIO: Mas isto é uma coisa horrível! Esta mão não sabe senão bater à bruta; Será que tem sempre que ficar doutro feitio tudo aquilo em que tocas? SÓSIA (à parte): Então este homem não se vai pôr a trabalhar em mim? Quer fazer-me outra cara...! MERCÚRIO (à parte): Cara em que tu bateres a jeito, tem de ficar logo sem ossos! SÓSIA (à parte): Olha agora! Está pensando em tirar-me os ossos, como se eu fosse uma moréia! Oxalá estivesse bem longe quem assim desossa gente! Se ele me vê, estou perdido! MERCÚRIO (à parte): Sinto o cheiro dum desgraçado!
4 Quinto era efetivamente um nome próprio romano e designava primitivamente o quinto filho.
Os pronomes em latim
SÓSIA (à parte): Será que eu deitei algum fedor? MERCÚRIO: Acho que não deve estar longe. (Com ironia ameaçadora:) E já esteve longe... SÓSIA (à parte): Mas este homem adivinha! MERCÚRIO (à parte): Até as mãos já mexem! SÓSIA (à parte): Pois se as vais exercitar em mim, o melhor era amansá-las primeiro na parede. MERCÚRIO (à parte): Houve uma voz que voou até aos meus ouvidos. SÓSIA (à parte): Ai que pena que foi não lhe ter cortado as asas; tenho voz de pássaro! MERCÚRIO (à parte): Parece que este homem veio procurar carga para o burro. SÓSIA (à parte): Mas eu não tenho burro nenhum! MERCÚRIO (à parte): Pois vai levar uma carga de socos! SÓSIA (à parte): Estou cansado do navio que me trouxe aqui; ainda sinto o enjôo. Mal posso andar. Como é possível que ainda me queiram carregar. MERCÚRIO (à parte): Não sei quem anda a falar por aqui. SÓSIA (à parte): Estou Salvo. Ele não me vê. Julga que anda a falar o Não-sei-quem. Ora, eu chamome Sósia. MERCÚRIO (à parte): Parece que a voz me chegou agora da direita. SÓSIA (à parte): Se a voz lhe chegou da direita, lá me vai ele chegar a mim em vez de à voz. MERCÚRIO: Ora muito bem, aqui vem ele. SÓSIA (à parte): Estou cheio de medo, estou entorpecido de todo. Se alguém me perguntasse eu nem poderia dizer em que lugar estou da terra; e ai de mim, é tanto o medo que nem me posso mexer! Lá morrem juntos Sósia e os recados do amo! Mas o que tenho de fazer é de lhe replicar com coragem; talvez eu lhe pareça bastante forte para não me pôr as mãos. (Anfitrião, ato II, cena I)
143
144
Língua Latina
Atividades 1.
Com o poema de Catulo abaixo podemos estudar vários tipos de pronomes. Leia atentamente o texto e procure identificar a forma dos pronomes grifados (dando número, caso, gênero e tipo): Miser Catulle, desinas ineptire, et (1) quod uides perisse perditum ducas. Fulsere quodam candidi tibi soles, cum uentitabas quo puella ducebat amata nobis quantum amabitur nulla. Ibi illa multa tum iocosa fiebant, (2) quae tu uolebas nec puella nolebat. Fulsere uere candidi tibi soles. Nunc iam illa non uolt; tu quoque, inpotens, noli, nec (3) quae fugit sectare, nec miser uiue, sed obstinata mente perfer, obdura. Vale, puella. Iam Catullus obdurat, nec te requiret nec rogabit inuitam; at tu dolebis, cum rogaberis nulla. Scelesta, uae te; (4) quae tibi manet uita! (5) Quis nunc te adibit? (6) Cui uideberis bella? (7) Quem nunc amabis? (8) Cuius esse diceris? (9) Quem basiabis? (10) Cui labella mordebis? At tu, Catulle, destinatus obdura.
Meu pobre Catulo, põe um termo neste delirar e considera perdido (1) o que vês que se perdeu. Em tempos passados sóis luminosos brilharam quando tu, constantemente, corrias para onde te chamava a jovem por nós tão amada quanto nenhuma outra será jamais amada. Nestes encontros então aconteciam aqueles inumeráveis momentos de prazer: (2) o que tu querias a jovem também não o deixava de querer. Sóis luminosos realmente brilharam para ti. Hoje, porém, ela já não quer mais. Também tu, incapaz de te conteres, não queiras mais, não persigas (3) aquela que te foge, não vivas infeliz, mas conserva inflexível teu espírito, resiste. Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste, não mais irá te procurar, não mais te convidará a um encontro, se não o desejares. Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada. Ai de ti, infeliz. (4) Que vida te está reservada? (5) Que homem irá ter contigo? (6) A quem parecerás bela? Agora (7) a quem amarás? (8) A quem dirão que pertences? (9) A quem beijarás? (10) De quem morderás os lábios? Mas tu, Catulo, resiste.
Os pronomes em latim
2.
Preencha a tabela abaixo com as formas flexionadas corretas dos pronomes de acordo com o substantivo com o qual eles devem concordar, dado na primeira coluna. Cuidado com as possíveis ambigüidades.
is, ea, id
hic, haec, hoc
ille, illa, illud
feminam dominōrum miles seruīs uerba aedī 3.
145
Traduza as seguintes orações: a) regina se amat.
b) ille coquus tibi haec uerba dixit.
c) ille seruus suum regem non uidet.
d) eae aedes dabuntur militibus quī bene pugnant.
e) nōs necamus hostes quōs uidimus.
iste, ista, istud
qui, quae, quod
Conjunções: coordenação e subordinação Aqui veremos as principais conjunções, divididas em dois tipos básicos: as coordenativas e as subordinativas. As conjunções coordenativas serão vistas com exemplos de sentenças em latim, já as conjunções subordinativas serão analisadas conforme o tipo de estrutura de subordinação, que serão explicadas separadamente. Veremos ainda um tipo especial de subordinação feita sem o uso de conjunções, que estabelece o tipo de construção chamada “acusativo com infinitivo”.
Conjunções A classe de palavras das conjunções se constitui de palavras que jamais se flexionam e que têm como função ligar duas estruturas do mesmo tipo. Por exemplo, uma conjunção como “e” pode ligar um substantivo a outro, um verbo a outro, uma sentença a outra. A maior parte das conjunções que veremos liga sentenças (completas ou incompletas) entre si. Muitas das conjunções que estudaremos aqui podem ser aproximadas do seu equivalente em português, ou pelo uso ou pela etimologia.
Conjunções coordenativas As conjunções coordenativas são aquelas que ligam duas orações, mas mantêm relativa independência sintática entre elas. Quando dizemos “Pedro comeu.” e “Pedro dormiu.” temos duas sentenças isoladas, que podemos ligar por uma conjunção “e”, gerando uma sentença que ainda mantém a independência das duas orações: “Pedro comeu e dormiu.” Esse tipo de coordenação, portanto, estabelece algumas relações simples, como adição, contraste, disjunção, conclusão ou causa/explicação. O resultado pode ser separado em duas sentenças sintaticamente completas.
148
Língua Latina
Conjunções aditivas a) et, ac, -que, atque: “e” Essas conjunções são as conjunções coordenativas simples que significam “e”. Vejamos exemplos: seruum et dominum uideo.
Eu vejo o escravo e o senhor.
seruum dominumque uideo.
Eu vejo o escravo e o senhor.
O segundo exemplo nos mostra uma característica interessante da conjunção -que. Trata-se, na verdade, de uma espécie de sufixo que, acrescentado ao último elemento de uma lista, funciona como a conjunção “e” da língua portuguesa. Como partícula enclítica ligada ao elemento coordenado, o -que modifica o padrão acentual da palavra à qual se liga, pois passa a ser a última sílaba, atraindo o acento para a penúltima. Assim, por exemplo, o acento em dóminum, antes na antepenúltima, agora cai em dominúmque, uma vez que o encontro consonantal mq transforma a vogal anterior em vogal longa, o que favorece a atribuição do acento para uma penúltima sílaba quando longa. b) etiam, quoque, et: “também” A conjunção quoque aparece, via de regra, após a primeira palavra da sentença. A conjunção et com sentido de “também” pode ser distinguida daquela com sentido de “e” quando aparece na primeira posição de uma sentença, sem ligar dois ou mais elementos. Vejamos exemplos: domini diuites sunt. reges quoque. / et reges.
Senhores são ricos. Reis também.
c) nec, neque: “nem”, “e não” seruum non uideo nec dominum uoco.
Não vejo o escravo nem chamo o senhor.
d) et... et: “tanto... quanto” Esta sequência, como várias outras sequências de conjunções, constitui o que chamamos de conjunções correlativas, pois estabelece um tipo de significado sempre que as duas conjunções integrantes da sequência ocorrem no mesmo período. Nesse caso, temos ainda mais um uso da mesma conjunção et. Vejamos um exemplo: et seruum et dominum uideo.
Vejo tanto o escravo quanto o senhor.
e) cum... tum, non solum... sed etiam: “não só... mas também...” Trata-se de ainda outras correlativas aditivas. Vejamos um exemplo: non solum milites hostes pugnauerunt, sed etiam eos necauerunt. lutaram contra os inimigos, mas também os mataram.
Não somente os soldados
Conjunções adversativas a) at, sed, uerum: “mas”, “mas, pelo contrário,...” Essas são as conjunções adversativas mais básicas, correspondentes ao nosso “mas”. Vejamos um exemplo: serui pauperes sunt, sed habent diuites dominos. b) uero, autem, tamen: “porém, todavia”
Escravos são pobres, mas têm senhores ricos.
Conjunções: coordenação e subordinação
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A conjunção autem é mais um exemplo de conjunção pospositiva, como quoque, ou seja, ela aparece como segunda palavra de uma oração. Exemplo: milites boni sunt. ego autem eos timeo.
Militares são bons. Eu, porém, os temo.
Conjunções disjuntivas a) aut, uel, siue, -ue: “ou”; seu... seu: “ou... ou”, “quer... quer” Essas são as conjunções que significam “ou” em português. A nossa palavra “ou”, como percebemos, inclusive, descende diretamente da forma aut (assim como o nosso “e” é claramente derivado do et latino). Assim como a forma enclítica aditiva -que “e”, o -ue é uma partícula acrescentada ao final do último elemento da disjunção. Vejamos dois exemplos com o mesmo significado: argentum aut aurum uolo. Eu quero prata ou ouro. argentum aurumue uolo. Eu quero prata ou ouro.
Conjunções conclusivas a) ergo, igitur: “portanto, logo” A conjunção igitur também faz parte do conjunto das conjunções que aparecem na segunda posição da oração, como autem e quoque. Vejamos exemplos de uso dessas conjunções conclusivas: cogito ergo sum.
Penso, logo existo.
seruus dominum timet. ille igitur fugit.
O escravo teme o senhor. Portanto, ele foge.
Conjunções causais / explicativas a) nam, enim: “pois”, “porque” Dessas duas conjunções importantíssimas, enim também é pospositiva, e aparece sempre na segunda posição da sentença. Vejamos exemplos de conjunções coordenativas causais: ille rex filios non habet, nam regina non uult.
Aquele rei não tem filhos, pois a rainha não quer.
Conjunções subordinativas As conjunções subordinativas são aquelas que fazem com que uma expressão sentencial passe a ser parte de outra, de modo a termos uma oração que chamamos de “principal” e outra que chamamos de “subordinada”. A diferença principal entre as orações coordenadas por conjunções e as subordinadas é que, no caso destas últimas, se separarmos as duas orações, elas não farão sentido sintático completo sozinhas. No caso das coordenadas, é mais provável que elas possam fazer sentido sozinhas, como vimos anteriormente.
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Língua Latina
As conjunções subordinativas precisam ser aprendidas juntamente com o modo do verbo da oração subordinada. Muitas orações subordinadas levam os verbos sempre no subjuntivo, de maneira a nos fazer dizer, inclusive, que o subjuntivo é o caso da subordinação. Há, no entanto, alguns tipos de orações subordinadas que podem ter seus verbos no indicativo. Vejamos abaixo os tipos principais.
Conjunções condicionais a) si “se”, sin “mas se”, siue “seja que”, nisi “se não, a não ser que”, dum “contanto que” Orações condicionais relacionam duas expressões, de modo que se considere uma como condição para que o evento expresso pela outra se realize. Podem se construir basicamente de duas maneiras: com verbos no indicativo ou no subjuntivo. Vejamos as diferenças principais: Com verbos no indicativo, o significado do condicional envolve situações reais, que podem acontecer. si dominus seruum uidet, eum uerberat. Se o senhor vê o escravo, castiga-o. Com verbos no subjuntivo, os significados do condicional podem ser variados, e envolvem situações irreais ou desejadas. Vejamos exemplos: si canis felem mordeat, laetus sit. Se o cão morder o gato, ficará feliz. [E ele poderá fazê-lo a qualquer momento.] Os verbos no presente do subjuntivo dão idéia de possibilidade, e a tradução em português reflete essa possibilidade. si canis felem morderet, laetus esset. Se o cão mordesse [agora] o gato, ele estaria feliz. [Mas ele não está mordendo.] Os verbos aqui no imperfeito do subjuntivo dão idéia de irrealidade, uma vez que o evento não aconteceu, mas poderia acontecer e, se acontecesse, teria as consequências da oração condicional. si canis felem momordisset, laetus fuisset. Se o cão tivesse mordido o gato, teria ficado feliz. [Mas ele não mordeu, e fez qualquer outra coisa, ou não é mais possível mordê-lo.] Os verbos aqui no mais-que-perfeito do subjuntivo expressam a idéia de que o evento considerado na oração principal não pode mais se realizar, de forma que se trata de algo impossível, irreal, apenas desejado.
Conjunções causais As conjunções subordinativas causais como cum, quia, quod relacionam uma expressão a outra, estabelecendo entre elas a relação de causalidade, de modo que uma das duas orações é a causa ou motivo pelo qual se deu o evento expresso pela outra. a) cum: “como”, “uma vez que” Essa conjunção constrói-se basicamente com subjuntivo. Vejamos um exemplo: cum felem non uidisset, canis eum non momordit. não o mordeu.
Como / uma vez que não visse o gato, o cão
Conjunções: coordenação e subordinação
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b) quod, quia, quoniam: “quando”, “porque”, “uma vez que”, “já que” Essas conjunções causais constroem-se basicamente com indicativos. Exemplo: canis felem non momordit quia eum non uidit.
O cão não mordeu o gato porque não o viu.
Conjunções consecutivas As conjunções consecutivas também podem ser chamadas de resultativas, pois colocam duas orações em relação de que uma exprime um evento que foi determinante para o acontecimento do evento denotado pela outra. Constroem-se com o modo subjuntivo. a) ita, sic, tam... ut: “tanto/tão... que” tam fortis erat ut omnes eum timuissent.
Era tão forte que todos o temiam.
Conjunções finais As conjunções subordinativas finais são responsáveis por dar a idéia de que o evento denotado pela oração principal foi realizado para que o da subordinada pudesse vir a se realizar. a) ut: “para”, “para que”, ne: “para que não” A conjunção ut com sentido final constrói-se com o subjuntivo, e a forma ne é sua forma negativa. A depender do tempo da oração principal, o subjuntivo da oração subordinada também sofrerá mudanças. Vejamos alguns exemplos: canis felem petit ut eum mordeat. (presente do indicativo + presente do subjuntivo) O cão procura o gato para que o morda / para mordê-lo. canis felem petiuit ut eum morderet. (perfeito do indicativo + imperfeito do subjuntivo) procurou o gato para que o mordesse.
O cão
Um exemplo na negativa: felis non uenit ne morditus esset a cane. (subjuntivo imperfeito passivo) que não fosse mordido pelo cão.
O gato não veio para
Conjunções concessivas As conjunções concessivas mais importantes são quamquam e quamuis, que expressam a idéia de que um certo evento da subordinada ocorre mesmo que ou apesar de um outro evento ocorrer. a) quamquam: “embora” + indicativo Essa preposição concessiva ocorre no indicativo em latim. Em português, basicamente, as idéias concessivas são expressas pelo modo subjuntivo. Vejamos um exemplo: quamquam felis celer est, eum canis mordet.
Embora o gato seja rápido, o cão o morde.
b) quamuis: “embora” + subjuntivo quamuis felis celer sit, eum canis mordet.
Embora o gato seja rápido, o cão o morde.
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Língua Latina
Percebemos, contrastando o uso das duas conjunções concessivas mais importantes, que ambas acabam sendo traduzidas da mesma forma, em virtude de em português usarmos o subjuntivo com orações concessivas.
Conjunções comparativas As conjunções comparativas estabelecem relações simples de comparação entre duas orações. Uma delas, o quam, já conhecemos como conjunção que geralmente acompanha as construções de adjetivos comparativos. a) ac, atque, ut: “como”, “assim como” seruum malus est ut serui mali solent esse.
O escravo é mau como costumam ser maus os escravos.
b) ut si, uelut si, quasi: “como se” seruum uerberat ut si malus esset.
Ele castiga o escravo como se fosse mal.
Conjunções temporais As conjunções temporais estabelecem relações de simultaneidade, duração, anterioridade e posterioridade entre eventos. Algumas pedem o modo indicativo, outras o subjuntivo. a) cum, ubi: “quando” Essas duas conjunções constroem-se com o indicativo. Como vimos anteriomente, cum pode se construir com subjuntivo quando possui significado concessivo (e, de certa forma, também temporal), mas, no uso temporal mais simples, usa-se o indicativo. Vejamos um exemplo: cum/ubi felis peruenit, canis eum momordit.
Quando o gato chegou, o cão o mordeu.
b) dum, donec + indicativo: “enquanto” Diferentemente de ubi e cum, essas conjunções temporais dão a idéia de simultaneidade de eventos, e, com esse sentido, constroem-se com indicativo. Exemplo: dum dominus dormit, seruus laborat.
Enquanto o senhor dorme, o escravo trabalha.
c) dum, donec + subjuntivo: “até que” Com o subjuntivo, essas conjunções dão idéia de que o evento da oração principal se estende até que o evento da subordinada aconteça e, juntamente com isso, podemos ter a idéia de que se espera ou se tem intenção de que o evento que ainda não chegou venha a acontecer. Vejamos alguns exemplos: mane dum redeam.
Espere até que eu volte. [E eu tenho intenção de voltar.]
canis felem mordebit donec fugiat.
O cão morderá o gato até que ele fuja.
d) antequam, priusquam “antes (que)”, postquam “depois (que)” Essas conjunções temporais expressam relações de anterioridade e posterioridade entre os eventos da principal e da subordinada. O modo utilizado é basicamente o subjuntivo. Vejamos alguns exemplos: seruus fugit antequam dominus eum uiderem.
O escravo fugiu antes que o senhor o visse.
postquam felem inuenit, canis eum momordit.
Depois que encontrou o gato, o cão o mordeu.
Conjunções: coordenação e subordinação
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A questão da subordinação sem conjunção: o acusativo com infinitivo Uma maneira muito peculiar de se fazer subordinação em latim é a que chamamos de acusativo com infinitivo. Trata-se de uma construção em que a oração subordinada não é introduzida por nenhuma conjunção, e a expressão inteira subordinada ao verbo da oração principal funciona como um objeto direto dele, de forma que o substantivo sujeito da oração subordinada recebe caso acusativo, e o verbo da oração subordinada, sem conjunção para fazer com que ele se flexione, mantém-se no infinitivo. Vejamos um exemplo simples: nolo canem mordere felem.
Literalmente: Eu não quero o cão morder o gato.
No entanto, como esse tipo de expressão literal da tradução não é comum em português, e pode inclusive resultar em expressões agramaticais, procuramos dar uma tradução para essas sentenças que seja mais próxima do tipo de construção subordinativa que fazemos em português. Portanto, da expressão literal acima faremos: nolo canem mordere felem.
Eu não quero que o cão morda o gato.
Analisando mais detidamente a construção toda, podemos pensar em toda a oração subordinada como objeto direto do verbo da oração principal, da seguinte forma:
uolo
[canem
mordere
Sujeito da Verbo da oração subordinada no principal acusativo
Verbo da subordinada no infinitivo
felem] Objeto direto do verbo da subordinada
Vários tipos de verbos exigem esse tipo de construção. Basicamente, o verbo uolo e seus derivados, como vimos acima, é um dos mais comuns. Outros tipos comuns são os verbos de ordem, como iubeo “ordenar, mandar”, e os verbos de introdução de discurso indireto, como os verbos de dizer, de sentir, de pensar, de achar, como dico “dizer”, sentio “sentir”, puto “pensar, achar”, opinor “opinar, achar”. Vejamos alguns exemplos: dominus iubet [seruum adire ad agrum]. dominus dixit [seruos esse stultos]. seruus sentit [dominum malum esse]. milites putant [hostes fugisse].
O senhor ordena [que o escravo vá até o campo].
O senhor disse [que escravos são estúpidos]. O escravo sente [que o senhor é mau].
Os soldados acham [que os inimigos fugiram].
hostes opinantur [duces pugnaturos esse milites]. contra os soldados].
Os inimigos acham [que os chefes lutarão
Sobre os últimos dois exemplos, é importante notar que o penúltimo apresenta um infinitivo perfeito e o último, um infinitivo futuro. O que os infinitivos presentes, perfeitos e futuros fazem dentro de uma subordinada de acusativo com infinitivo não é carregar o tempo do acontecimento do evento denotado pelo infinitivo, mas, por outro lado, colocar esse evento em relação ao tempo denotado pelo
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Língua Latina
verbo da oração principal. Dessa forma, se o tempo da oração principal é presente, os tempos da subordinada serão relativos a ele da seguinte forma: infinitivo presente: simultâneo infinitivo perfeito: anterior infinitivo futuro: posterior Assim, uma mesma oração principal pode ter na subordinada infinitivos dos três tipos, resultando no seguinte: dominus dicit [seruum currere].
O senhor diz [que o escravo está correndo]. O senhor diz [que o escravo correu].
dominus dicit [seruum cucurrisse].
dominus dicit [seruum cursurum esse].
O senhor diz [que o escravo correrá].
Se trocarmos o tempo do verbo da oração principal, mantendo os infinitivos da subordinada exatamente como eles estão, perceberemos que o “tempo” do infinitivo nada mais é do que um estabelecedor de relação aspectual, ou seja, de simultaneidade, anterioridade e posterioridade. Vejamos primeiramente com o verbo da oração principal no passado: dominus dixit [seruum currere].
O senhor disse [que o escravo estava correndo].
dominus dixit [seruum cucurrisse].
O senhor disse [que o escravo tinha corrido].
dominus dixit [seruum cursurum esse].
O senhor disse [que o escravo correria].
E finalmente com o verbo da principal no futuro: dominus dicēt [seruum currere]. dominus dicēt [seruum cucurrisse].
O senhor dirá [que o escravo está/estará correndo]. O senhor dirá [que o escravo terá corrido].
dominus dicēt [seruum cursurum esse].
O senhor dirá [que o escravo estará por correr].
Texto complementar No trecho seguinte da peça Anfitrião, de Plauto, Mercúrio e Sósia finalmente começam a conversar e o deus tentará convencer o escravo de Anfitrião, por meio de violência, de que este perdeu a sua identidade. Sósia, demorando a se convencer, tentará convencer o deus de que é mesmo Sósia, e de que precisa anunciar a Alcmena, futura mãe de Hércules, as novas sobre a guerra. MERCÚRIO: Para onde vais tu, que assim levas Vulcano metido num chifre? SÓSIA: Que queres tu que andas aos socos a tirar ossos da cara das pessoas? MERCÚRIO: Tu és escravo ou homem livre? SÓSIA: Sou aquilo que me apetece. MERCÚRIO: Isso é mesmo assim?
Conjunções: coordenação e subordinação
SÓSIA: É mesmo assim. MERCÚRIO: Então, apanhas. SÓSIA: Não é verdade. MERCÚRIO: Ah, sim? então já vais ver que é verdade! SÓSIA: Mas para que é preciso isso? MERCÚRIO: Pode-se saber quando é que vais, a quem pertences, e por que vieste? SÓSIA: Venho aqui; sou escravo de meu amo, sabes mais alguma coisa? MERCÚRIO: Pois hoje hei de espremer-te essa língua danada! SÓSIA: Não podes, é uma língua discreta e de boa qualidade. MERCÚRIO: Continuas com as graças? Que tens tu que fazer nesta casa? SÓSIA: E tu? Que tens tu que fazer? MERCÚRIO: El-rei Creonte sempre lhe põe sentinelas de noite. SÓSIA: E faz muito bem; guardava a casa enquanto estávamos ausentes. Mas agora podes-te ir embora e dizer-lhe que já chegou a gente de Anfitrião. MERCÚRIO: Não sei que gente és tu. E se te não vais imediatamente embora, acho que tenho de receber gente de forma nada gentil. SÓSIA: Mas eu já disse que moro aqui e que sou escravo da casa. MERCÚRIO: Pois olha: se te não vais embora, vou dar-te hoje uma grande honra. SÓSIA: Como é isso? MERCÚRIO: É que se eu pego num pau, não irás por teu pé. Vão ter que te levar. SÓSIA: Mas se eu digo que pertenço à gente desta casa! MERCÚRIO: Olha, se não queres apanhar pancada, o melhor é ires-te já embora. SÓSIA: Mas tu não me queres deixar entrar em casa, quando eu venho assim de tão longe? MERCÚRIO: Será que esta é a tua casa? SÓSIA: Claro que é. MERCÚRIO: Então quem é teu amo? SÓSIA: É Anfitrião, que está comandando as legiões tebanas e que é marido de Alcmena. MERCÚRIO: O que é que tu dizes? E tu? Que nome tens? SÓSIA: Os tebanos chamam-me Sósia e meu pai chamava-se Davo. MERCÚRIO: Pois tu hoje vens ao encontro da desgraça, com essas tuas mentiras audaciosas e essas falsidades mal alinhavadas. SÓSIA: Com o que eu venho alinhavado não é com as mentiras. É com as túnicas. MERCÚRIO: Vês como estás a mentir. Tu não vens com as túnicas. Vens com os pés.
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Língua Latina
SÓSIA: Lá isso é verdade. MERCÚRIO: Então agora vais apanhar pancada por causa dessa mentira. SÓSIA: Mas eu não quero, por Pólux! MERCÚRIO: Pois, por Pólux, apanhas mesmo sem querer! E não é uma pura suposição, é a verdade mesmo. (Bate-lhe.) SÓSIA: Mas por favor! MERCÚRIO: Então tu tens a audácia de vires dizer que és Sósia, quando sou eu que sou Sósia? SÓSIA: Estou perdido! MERCÚRIO: E olha que é pouco, em comparação com o que vai vir! A quem pertences tu? SÓSIA: Agora sou teu; fizeste-me teu a soco. Socorro, patrícios tebanos! MERCÚRIO: Ainda gritas, assassino! Dize lá a que é que vieste? SÓSIA: Vim para haver alguém que tu abatestes a soco. MERCÚRIO: A quem pertences tu? SÓSIA: A Anfitrião, já disse. Sou Sósia. MERCÚRIO: Então vais apanhar mais, por estares a dizer bobagens. Eu é que sou Sósia, não és tu! SÓSIA (à parte): Queiram os deuses que tu o sejas! E que eu me transforme em quem te chega! MERCÚRIO: Ainda rosnas?! SÓSIA: Já me calo. MERCÚRIO: Quem é teu dono? SÓSIA: Quem tu quiseres. MERCÚRIO: E agora, como é que tu te chamas? SÓSIA: Eu não sou ninguém a não ser quem tu mandares. MERCÚRIO: Mas tu dizias que eras Sósia e que pertencias a Anfitrião. SÓSIA: Foi engano. O que eu queria dizer é que era um sócio de Anfitrião. MERCÚRIO: Eu bem sabia que não tínhamos nenhum escravo chamado Sósia a não ser eu. Tu não estavas em teu perfeito juízo. SÓSIA (à parte): Oxalá não o estivessem também as tuas mãos. MERCÚRIO: Eu sou o Sósia que tu há bocado dizias ser tu. SÓSIA: Por favor, deixa-me falar em paz e não me batas. MERCÚRIO: Então, se queres falar, vamos fazer umas tréguas. SÓSIA: Eu só falo depois de concluída a paz, porque tu tens mais força do que eu. MERCÚRIO: Então dize lá o que queres. Eu não te faço mal. SÓSIA: Posso confiar na tua lealdade?
Conjunções: coordenação e subordinação
MERCÚRIO: Podes. SÓSIA: E se me enganas? MERCÚRIO: Então oxalá Mercúrio fique irritado com Sósia! SÓSIA: Então toma cuidado. Olha que eu agora posso falar do que quiser. Eu sou Sósia, escravo de Anfitrião. MERCÚRIO: O quê, outra vez? SÓSIA: Eu fiz a paz, eu fiz um tratado, estou a dizer a verdade. MERCÚRIO: Olha que apanhas! SÓSIA: Podes fazer o que quiseres, visto que tens mais força. Mas seja o que for que tu faças, por Hércules, já não me calo. MERCÚRIO: Tu, enquanto estiveres vivo, não consegues que eu não seja Sósia. SÓSIA: E tu, por Pólux, também nunca me impedirás que eu pertença à minha casa. Não há nenhum outro escravo a não ser eu que se chame Sósia e que tenha ido para a guerra, juntamente com Anfitrião. MERCÚRIO: Este homem não está bom da cabeça. SÓSIA: O defeito que me atribuis a mim és tu quem o tens. Ora esta, então eu não sou Sósia, o escravo de Anfitrião? Não foi esta noite que chegou do porto Pérsico o navio que me trouxe? Não foi meu amo quem me enviou para aqui? Não estou eu diante de nossa casa? Não tenho eu uma lanterna na mão? Não sou eu quem está a falar? Não estou acordado? Não foi a mim que este homem deu socos? Por Hércules, foi o que ele fez, que ainda me doem os queixos. Mas para que estou eu a hesitar? Por que não entro já em nossa casa? MERCÚRIO: O quê? Em vossa casa? SÓSIA: Pois claro. MERCÚRIO: Tudo aquilo que disseste é mentira: sou eu que sou Sósia, escravo de Anfitrião. Foi esta noite que saiu do porto Pérsico O nosso navio; tomamos de assalto a cidade em que reinou el-rei Ptérela, vencemos em batalha as legiões dos teléboas e foi o próprio Anfitrião quem matou no combate el-rei Ptérela. SÓSIA: Eu não creio em mim quando O ouço dizer estas coisas! É que ele realmente sabe tudo o que se passou como se lá tivesse estado. Mas ouve lá, que foi dado pelos teléboas a Anfitrião? MERCÚRIO: Uma taça de ouro por onde costumava beber el-rei Ptérela. SÓSIA: Aí está! E onde está essa taça? MERCÚRIO: Num cofrezinho selado com o sinete de Anfitrião. SÓSIA: E dize lá, que sinete é esse? MERCÚRIO: O sol nascente com a sua quadriga. Julgas que me apanhas, assassino? SÓSIA (à parte): Venceu na discussão. O que eu tenho é que procurar outro nome. Não sei onde é que ele viu tudo isto. Mas agora é que eu o vou atrapalhar. Porque com certeza ele não vai poder
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Língua Latina
dizer o que eu fiz quando estava sozinho, metido na tenda, sem mais ninguém. (Alto.) Se tu és Sósia, dize lá o que é que fizeste na tenda, quando as legiões combatiam com toda a violência? Se disseres, dou-me por vencido. MERCÚRIO: Havia uma bilha de vinho e eu enchi uma garrafa. SÓSIA: Deu logo certo. MERCÚRIO: E eu bebi-o puro, tal como o deu a cepa. SÓSIA: Já não é nada de espantar se ele não estava escondido na garrafa. Aconteceu mesmo isso. Que eu bebi o vinho e o bebi puro. MERCÚRIO: Então, não é verdade que já te convenci que não és Sósia? SÓSIA: Então tu queres dizer que eu não sou eu? MERCÚRIO: Que hei de eu fazer? Terei por acaso de negar que eu sou eu? SÓSIA: Juro por Júpiter que sou eu e que estou a dizer a verdade! MERCÚRIO: E eu juro por Mercúrio que Júpiter não acredita em ti! Mais acredita ele em mim, sem eu jurar, do que em ti, jurando tu. SÓSIA: Então quem sou eu se não sou Sósia? Não farás favor de me dizer? MERCÚRIO: Quando eu não quiser ser Sósia, podes tu ser Sósia, mas enquanto eu o sou, olha que apanhas se não te vais sem pio. SÓSIA: Por Pólux! Realmente quando me ponho a olhar para ele, vejo que tem o meu aspecto; é muito semelhante a mim, pelo que tenho visto no espelho. Tem o mesmo chapéu, o mesmo vestuário: é exatamente como eu: as pernas, os pés, a estatura, o corte do cabelo, os olhos, o nariz, a boca, a cara, o queixo, a barba, o pescoço. Tudinho! Que hei de eu dizer?! Se ele tem as costas com cicatrizes, não há nada mais parecido comigo. Mas também quando me ponho a pensar, eu devo ser aquele que sempre fui. Eu conheço o meu amo, conheço a nossa casa, estou com juízo, tenho os sentidos a funcionar. Eu o que vou é não querer saber do que ele diz. Toca a bater à porta. MERCÚRIO: Para onde é que vais? SÓSIA: Para casa. MERCÚRIO: Mesmo que subisses agora ao carro de Júpiter e te pusesses a fugir, dificilmente escaparias a uma desgraça. SÓSIA: Então não me é permitido ir comunicar à senhora aquilo de que me encarregou meu amo? MERCÚRIO: Podes ir anunciar o que quiseres, mas à tua. Aqui à minha não tens licença. E olha que se tu me irritas vais sair daqui com o lombo em pedaços. SÓSIA: Então prefiro ir-me embora. Ó deuses imortais, não quereis ajudar-me? Onde é que eu morri? Quando é que eu me transformei? Onde é que eu perdi a minha cara? Será que eu me deixei aqui por esquecimento? Efetivamente este tem a fisionomia que eu possuía dantes. Fazem-me enquanto vivo o que nunca ninguém me fará depois de morto. Vou ao porto, vou contar a meu amo o que sucedeu por aqui. A não ser que ele também me desconheça, o que Júpiter queira. Vou já hoje rapar a cabeça para usar o boné da liberdade . (Sai.) (Anfitrião, ato II, cena I. Cont.)
Conjunções: coordenação e subordinação
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Atividades 1.
Com o seguinte poema de Horácio, que exemplifica belamente o tema da brevidade da vida (é por causa desta ode que conhecemos a expressão a expressão carpe diem), identifique as conjunções presentes e explique o uso de cada uma delas, com o auxílio da tradução, conforme o exemplo: Tu ne quaesieris (scire nefas) quem mihi, quem [tibi finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios temptaris numeros. Vt melius quicquid erit [pati! Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum, sapias, uina liques et spatio breui spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit [inuida aetas: carpe diem, quam minimum credula [postero.
Não buscarás, saber é proibido, ó Leucônoe, que fim reservarão a mim, a ti os Deuses; nem mesmo os babilônios números perscrutes... Seja lá o que for, melhor é suportar! Quer Júpiter nos dê ainda mil invernos, quer venha a conceder apenas este último, que agora estilha o mar Tirreno nos penhascos, tem siso, os vinhos vai bebendo, e a esperança, de muito longa, faz caber em curta vida. Foge invejoso o tempo, enquanto conversamos. Colhe o dia de hoje e não te fies nunca, um momento sequer, no dia de amanhã...
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2.
Língua Latina
Traduza as seguintes orações: a) et serui et domini humani sunt.
b) si rex filium non habet, id malum est.
c) dum coquus cenam parat, serui multa mala faciunt.
d) quamuis seruus bene loquatur, eius uerba dominus non audit.
e) dominus dixit coquum bonam cenam parauisse.
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações Nesta aula, aprenderemos como dizer os números, dias da semana, meses, e como representar a data em latim. Além disso, completaremos o sistema nominal com a quarta e a quinta declinações dos substantivos, ou seja, os substantivos de tema em “u” e em “e”, respectivamente.
Os numerais Há dois modos básicos em latim para fazer referência aos números: temos os numerais cardinais, como os nossos “um, dois, três...” e os ordinais, como os nossos “primeiro, segundo, terceiro...” Na tabela abaixo, veremos como esses números são expressos em latim, além de vermos como eles eram representados quando não escritos por extenso (conforme o sistema que eventualmente ainda usamos e chamamos de “numerais romanos”). Além disso, será importante diferenciar os numerais que são expressos como adjetivos indeclináveis dos que são adjetivos declináveis e que, portanto, flexionam-se juntamente com os substantivos modificados. A primeira coluna traz os numerais no formato arábico, a segunda na representação do sistema romano, a terceira traz os numerais cardinais em latim e a quarta traz os correspondentes ordinais em latim.
162
Língua Latina
N.º
Sistema romano
Numeral cardinal
Numeral ordinal (todos declinam-se como adjetivo de primeira classe)
1
I
nom. acus. genit. abl.
unus, unum unius, unī, unō,
una, unam, unius, unī, unā,
unum unum unius unī unō1
primus (prior)
2
II
nom. acus. genit. dat. abl.
duo, duo/duos duorum, duobus, duobus,
duae, duas, duarum, duabus, duabus, duobus2
duo duo duorum duobus
secundus (alter)
3
III
nom. acus. gen. dat. abl.
tres tres / tris trium tribus tribus
tria tria trium tribus tribus3
tertius
4
IV/IIII
quattuor
quartus
5
V
quinque
quintus
6
VI
sex
sextus
7
VII
septem
septimus
8
VIII
octo
octauus
9
IX/VIIII
nouem
nonus
10
X
decem
decimus
11
XI
undecim
undecimus
12
XII
duodecim
duodecimus
13
XIII
tredecim
tertius decimus
14
XIV
quattuordecim
quartus decimus
15
XV
quindecim
quintus decimus
16
XVI
sedecim
sextus decimus
1 2 3
O plural é declinado como os plurais regulares de adjetivos de primeira classe: uni, unae, una. Naturalmente, não há formas singulares dos numerais maiores que “um”. Trata-se de um adjetivo de segunda classe biforme, ou seja, com uma forma para masculino ou feminino e uma forma para neutros.
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações
17
XVII
septendecim
septimus decimus
18
XVIII
duodeuiginti
duodeuicensimus4
19
XIX
undeuiginti
undeuicensimus
20
XX
uiginti
uicensimus
30
XXX5
triginta
tricensimus
40
XL
quadraginta
quadragensimus
50
L
quinquaginta
quinquagensimus
60
LX
sexaginta
sexagensimus
70
LXX
septuaginta
septuagensimus
80
LXXX
octoginta
octogensimus
90
XC
nonaginta
nonagensimus
100
C
centum
centensimus
200
CC
ducenti, ae, a (adjetivo de primeira classe)
ducentensimus
300
CCC
trecenti, ae, a
trecentesimus
400
CD
quadringenti, ae, a
quadringentensimus
500
D
quingenti, ae, a
quingentesimus
1000
M
mille (adjetivo indeclinável), plural nom. e acus. milia, plural genitivo milium, plural dativo e ablativo milibus6
millensimus
163
O calendário romano Há algumas peculiaridades com relação à expressão da data, dos nomes dos dias da semana e dos meses em latim. Comecemos com os nomes dos dias da semana. ::: Os dias da semana são baseados nos nomes de divindades importantes para os romanos, como o Sol, a Lua, Marte (pai de Rômulo e Remo, fundadores de Roma), Mercúrio, o mensageiro dos deuses e deus do comércio, Jove ou Júpiter, o pai dos deuses, Vênus, sua filha, a deusa do amor, e Saturno (pai de Júpiter, expulso por este do céu, foi residir no Lácio, região onde viria a existir a cidade de Roma, protegida por aquele). 4 5
A terminação -ensimus, mais tarde, transforma-se na mais próxima do português -esimus. De vinte e um até vinte e nove, assim como para as dezenas seguintes, as sequências são: unus et uiginti ou uiginti et unus, duo et uiginti ou uiginti et duo e assim por diante, até o vinte e oito e vinte e nove, que seguem o padrão do dezoito e do dezenove: duodetriginta (28) e undetriginta (29). 6 A forma mille é usada como adjetivo, conforme mille dies, “mil dias”, enquanto que as formas plurais são adjetivos e se ligam a nomes no genitivo (partitivo), como duo millia hominum “dois mil (de) homens”.
164
Língua Latina
domingo: solis dies “dia do Sol” segunda-feira: lunae dies “dia da Lua” terça-feira: Martis dies “dia de Marte” quarta-feira: Mercurii dies “dia de Mercúrio” quinta-feira: Iouis dies “dia de Júpiter” sexta-feira: Veneris dies “dia de Vênus” sábado: Saturni dies “dia de Saturno” ::: Os nomes dos meses do ano originaram os nomes dos meses em português, e, conforme iniciava-se primitivamente o ano no dia primeiro de março, os meses com numerais nos nomes contam-se a partir dele: martius, “Março” aprilis, “Abril” maius, “Maio” junius, “Junho” quintilis, e posteriormente iulius (em homenagem ao imperador Júlio César), “Julho” sextilis, e posteriormente augustus (em homenagem ao imperador Augusto), “Agosto” september, “Setembro” october, “Outubro” nouember, “Novembro” december, “Dezembro” januarius, “Janeiro” februarius, “Fevereiro”
Os nomes dos meses poderiam ser usados como substantivos, mas eram frequentemente usados como adjetivos ligados ao substantivo mensis.
A data em latim era expressa não através de uma contagem cardinal de 1 a 31 como em português, mas através de um sistema de referência a três dias fundamentais para os romanos, ligados às fases da lua: as kalendae “calendas” (dia 1 de cada mês), as nonae “nonas” (dia 5 de cada mês7) e os idus “idos” (dia 13 de cada mês).8
Assim, com esse sistema de referência simples, já podemos entender os seguintes dias: kalendis Ianuariis9 “Nas calendas de janeiro”, ou seja, no dia primeiro de janeiro. nonis Iuniis, “Nas nonas de junho”, ou seja, no dia 5 de junho. 7 8 9
Em março, maio, julho e outubro, as nonas eram no dia 7. Em março, maio, julho e outubro, os idos eram no dia 15. No ablativo de tempo, ou seja, a expressão significa literalmente “nas calendas de janeiro”.
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações
165
idus Martiis, “Nos Idos de março”, ou seja, no dia 15 de março.10 Os dias restantes, no entanto, eram nomeados segundo a sua relação com esses três dias fundamentais de cada mês. Assim, para se referir ao que para nós é o dia três do mês, o romano precisaria dizer “o terceiro dia antes das nonas de janeiro”, segundo a fórmula: tertius dies ante nonas ianuarias11 ou ante diem tertius nonas ianuarias. Se se tratar de apenas um dia antes de uma das três datas de referência, usa-se o substantivo pridie, ou “véspera”, e assim teremos pridie Idus nouembris. Todos os dias posteriores aos Idos são nomeados de acordo com as calendas do próximo mês. Assim, o dia 16 de julho (que é o primeiro depois dos Idos de julho) será o decimus septimus ante kalendas Augustas. Já no período em que esse calendário estava vigente, havia a preocupação de se acrescentar um dia a cada quatro anos no calendário. O dia dobrado era sempre o sextum ante kalendas martias, ou seja, 24 de fevereiro. Daí a designação que ainda se usa para nomear o ano com 366 dias, ou bissexto, bis sextum (que tem dois “sextos” antes das calendas de março). A tabela abaixo apresenta a equivalência dos dias do nosso calendário com os dias do calendário romano. As abreviaturas são: a.d. = ante dies, Id. = idus, kal.= kalendae
Martius Maius Iulius October12
Ianuarius Augustus December13
Aprilis Iunius September Nouember
Februarius
1
kalendis
kalendis
kalendis
kalendis
2
a.d. vi non.
a.d. iv non.
a.d. iv non.
a.d. iv non.
3
a.d. v non.
a.d. iii non.
a.d. iii non.
a.d. iii non.
4
a.d. iv non.
pridie nonas
pridie nonas
pridie nonas
5
a.d. iii non.
nonis
nonis
nonis
6
pridie nonas
a.d. viii id.
a.d. viii id.
a.d. viii id.
7
nonis
a.d. vii id.
a.d. vii id.
a.d. vii id.
8
a.d. viii id.
a.d. vi id.
a.d. vi id.
a.d. vi id.
9
a.d. vii id.
a.d. v id.
a.d. v id.
a.d. v id.
10
a.d. vi id.
a.d. iv id.
a.d. iv id.
a.d. iv id.
11
a.d. v id.
a.d. iii id.
a.d. iii id.
a.d. iii id.
10 Dia famoso por ter ocorrido nele o assassinato de Júlio César no senado. 11 E agora nonas ianuarias está no acusativo porque a preposição ante “antes” exige que seu complemento esteja no acusativo. 12 Meses de 31 dias com nonas no dia 7 e idos no dia 15. 13 Meses de 31 dias com nonas no dia 5 e idos no dia 13.
166
Língua Latina
12
a.d. iv id.
pridie idus
pridie idus
pridie idus
13
a.d. iii id.
idibus
idibus
idibus
14
pridie idus
a.d. xix kal.
a.d. xviii kal.
a.d. xvi kal.
15
idibus
a.d. xviii kal.
a.d. xvii kal.
a.d. xv kal.
16
a.d. xvii kal.
a.d. xvii kal.
a.d. xvi kal.
a.d. xiv kal.
17
a.d. xvi kal.
a.d. xvi kal.
a.d. xv kal.
a.d. xiii kal.
18
a.d. xv kal.
a.d. xv kal.
a.d. xiv kal.
a.d. xii kal.
19
a.d. xiv kal.
a.d. xiv kal.
a.d. xiii kal.
a.d. xi kal.
20
a.d. xiii kal.
a.d. xiii kal.
a.d. xii kal.
a.d. x kal.
21
a.d. xii kal.
a.d. xii kal.
a.d. xi kal.
a.d. ix kal.
22
a.d. xi kal.
a.d. xi kal.
a.d. x kal.
a.d. viii kal.
23
a.d. x kal.
a.d. x kal.
a.d. ix kal.
a.d. vii kal.
24
a.d. ix kal.
a.d. ix kal.
a.d. viii kal.
a.d. vi kal.
25
a.d. viii kal.
a.d. viii kal.
a.d. vii kal.
a.d. v kal. ou a.d. bis vi kal.
26
a.d. vii kal.
a.d. vii kal.
a.d. vi kal.
a.d. iv ou v kal.
27
a.d. vi kal.
a.d. vi kal.
a.d. v kal.
a.d. iii ou iv kal.
28
a.d. v kal.
a.d. v kal.
a.d. iv kal.
pridie kalendas ou a.d. iii kal.
29
a.d. iv kal.
a.d. iv kal.
a.d. iii kal.
pridie kalendas
30
a.d. iii kal.
a.d. iii kal.
pridie kalendas
31
pridie kalendas
pridie kalendas
::: Os nomes dos anos em latim eram dados com relação ao ano que se supunha que tivesse sido o ano da fundação de Roma, 753 a.C. Para os romanos, o ano 1 era nomeado, portanto, ano I ab urbe condita, ou seja, “desde a Cidade tendo sido fundada” ou, menos literalmente, “desde a fundação da Cidade”. O termo urbe referia-se comumente à cidade de Roma, então, os anos seriam numerados como I auc = 753 a.C., II auc = 752 a.C. e assim por diante. Comumente, também se utilizavam os nomes dos dois cônsules (o consulado era o cargo mais alto na República romana, e durava um ano) eleitos e em exercício naquele ano. Assim, o ano de 57 a.C. teve como cônsules Lêntulo e Metello, ou Lentulus e Metellus. O nome do ano era dado, então, todo no ablativo, significando “sendo Lêntulo e Metello cônsules”, ou, menos literalmente, “no ano em que Lêntulo e Metello foram cônsules” e, em latim, a expressão usada era Lentulō et Metellō consulibus.
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações
167
A quarta e a quinta declinações nominais A maioria dos substantivos em latim pertence às declinações de tema em a, o e consoantes, ou seja, à primeira, segunda e terceira. Mas há alguns substantivos de temas em u e em e, os da quarta e quinta declinações. Para completar o panorama da morfologia nominal latina, veremos essas duas declinações, aproveitando que, para as explicações sobre datas, apareceram dois substantivos importantes pertencentes a essas declinações: idus da quarta e dies da quinta declinação. Vejamos inicialmente a quarta declinação.
A quarta declinação dos nomes A quarta declinação é a dos substantivos de tema em u. Ela pode apresentar alguma dificuldade, uma vez que suas formas terminadas em -us podem remeter a formas já conhecidas da segunda declinação. Ainda pior, há muitas formas diferentes em -us no próprio paradigma da quarta declinação. Passemos às formas. manus, us 4f.14: “mão, tropa”
Singular
Plural
Nominativo
manus
manūs
Acusativo
manum
manūs
Genitivo
manūs
manuum
Dativo
manuī
manibus
Ablativo
manū
manibus
É importante notar que muitas formas se parecem, mas que há diferenças entre longas e breves, como a terminação -us de nominativo singular versus a terminação -ūs de genitivo singular, nominativo e acusativo plural. Vejamos outros exemplos de substantivos de quarta declinação: exercitus, us 4f. “exército” cornu, us 4n. “chifre”15 Idus, us 4f. “Idos (dia 13 ou 15 de cada mês)” domus, us 4f. “casa”16
14 Ou seja, substantivo manus, genitivo singular em us, quarta declinação feminino. 15 Os nomes neutros da quarta têm nominativo e acusativo plural em-ua. 16 Como vimos antes, trata-se de um substantivo irregular, já que possui também formas de segunda declinação. Isso aponta, na verdade, para uma tendência que se desenvolveu mais tarde na passagem do latim para as línguas românicas, a de um enfraquecimento no paradigma de nomes de tema em u e consequente anexação de suas formas ao paradigma da segunda declinação, de tema em o.
168
Língua Latina
A quinta declinação dos nomes A quinta declinação é a dos substantivos de tema em e. São muito poucos os substantivos pertencentes a essa declinação, mas um dos mais importantes, dies, apareceu nesta aula. Conheçamos as formas: dies, i 5m.17 : “dia”
Singular
Plural
Nominativo
diēs
diēs
Acusativo
diem
diēs
Genitivo
diēī (diē)
diērum
Dativo
diēī (diē)
diēbus
diē
diēbus
Ablativo
Outros substantivos comuns de quinta declinação são: fides, i 5f. “fé” res, i 5f. “coisa, questão, assunto, propriedade” spes, i 5f. “esperança” species, i 5f “aparência, aspecto”
Texto complementar Públio Ovídio Naso (43 a.C. – 17 d.C.) foi autor de uma obra vastíssima, que abrangia desde poesia lírica elegíaca18 até textos escritos em hexâmetros datílicos19 que se propunham a narrar os incidentes mitológicos de transformações (As Metamorfoses), passando por um curioso poema sobre o ano romano, com suas origens e seus períodos. No trecho que leremos, na tradução do poeta romântico português António Feliciano de Castilho (1800-1875), veremos os primeiros versos do poema, que incluem a dedicatória ao sucessor de Augusto, Germânico, a explicação dos nomes dos meses e do número inicial de dez, acrescidos de dois meses pelo rei lendário de Roma Numa e, finalmente, o início propriamente dito do poema, quando se começa a falar do primeiro dia do ano, dedicado a Jano. Ovídio não conseguiu completar o poema, vindo a morrer quando já se completavam os seis primeiros meses do ano.
17 dies é masculino em geral, mas feminino quando significa algum dia especial ou a deusa dies. 18 Poesia de conteúdo erótico, amoroso ou de lamento, escrita em metros chamados de dísticos elegíacos: um hexâmetro datílico seguido de um pentâmetro datílico. 19 O hexâmetro datílico é um tipo de verso da literatura antiga que se constitui de seis pés (sequências de sílabas), cinco dátilos (ou seja, uma sílaba longa seguida de duas breves) e um pé final com uma sílaba longa seguida de uma longa ou breve. Na poesia antiga, todos os versos eram escritos dentro destes padrões métricos e prosódicos, e o verso hexâmetro datílico era o tipo de verso adotado desde os poemas homéricos na Grécia pré-clássica até os textos elevados da poesia épica de Roma.
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações
169
(OVÍDIO, 1949, p. 105-108)
Festas do lácio ano, origens suas, Quais astros vão, quais vêm, dirão meus versos. Acolhe-os tu, Germânico! sorri-lhes! A tímido baixel sê norte, ó César! Proteja teu favor a humilde of’renda. Na dos priscos anais sagrada mina Ver-me-ás andar notando os fundamentos Às modernas usuais solenidades, E a cada dia consignar seus foros. Fastos vossos domésticos mil vezes Virão de Roma aos fastos enlaçar-se: Já do pai, já do avô lerás os nomes. Como eles ambos nos anais do culto Mereceram à pátria o ser inscritos, Prêmio igual de virtude haveis de obtê-lo, Ó Germânico, ó Druso, irmãos na glória. Armas de César que as celebrem outros; Eu de César somente as aras canto, E os dias que há juntado aos sacros dias. Ao vate que dos teus imprende as glórias, Animo, audácia, teu favor influa. De teu semblante, plácido, ou severo, Baixará fogo ou gelo à mente incerta. Só no cuidar que por juiz vai ter-te, Já sob a destra a página estremece, Qual se houvera de a ler o deus de Claros.
170
Língua Latina
Pois quem há ‘í que não sentisse o encanto Dessa culta facúndia, quando estrénua Acudia no foro aos réus trementes? Quem não bebeu no teu tratar coas musas Caudais torrentes que brotavas d’estro? Ao vate humilde pois, grão vate, acode!; E, por que auspícios bons todo o ano aditem, Rege (se cabe a rogo audácia tanta) Rege tu próprio aos meus frisões as rédeas. De Roma o fundador, marcando os tempos, Em meses dez circunscreveu seu ano; Se, como de astros, entenderas de armas, Mal por ti, pobre Rómulo! esses louros Que em derredor ceifaste, onde estariam?! Daquele erro de Rómulo contudo Inda alguma razão se aventa, ó César: Do gerar ao nascer dez meses correm; Dez meses a viuvez conserva o luto; Supôs que espaço igual bastasse ao ano. De um povo inculto o inculto purpurado Não abrangia a mais. A Marte of’rece O mês primeiro, a Vênus o segundo; Porque em Vênus lhe prende a clara estirpe, E Marte foi seu pai; terceiro, aos, velhos; Aos mancebos o quarto há destinado. Aos outros seis do número fez nome. Vem Numa; vê que a Jano, e aos pátrios Falece um culto; para dar-lho, cria [mortos, Mais dois meses, que aos dez prepõe na ordem. Índole vária as leis hão dado aos dias; Têm diverso mister os sóis diversos. Cala o dia nefasto as três palavras;
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações
Causas versa no foro o fasto dia. Destas duas opostas naturezas Dias contudo vêm que participam: Nefastos de manhã, de tarde fastos. Mal que a entranha da rês ao deus foi dada, Pode livre soar pregão forense, E exercer o pretor seu nobre encargo. Dias há, outrossim, para comícios, Que apinhoam de povo o Campo Márcio; E dias, que ao mercado impreteríveis, De cada lua o nono disco aponta. As Calendas na Ausónia arroga-as Juno; Nos Idos cai a Júpiter cordeira Alva e nédia; sem nume as Nonas ficam. Nonas, idos, calendas, igualmente, (Notai bem, que no errar corrêreis perigo!) Têm dia negro após; tremendo agouro, Que a história com sucessos nos confirma, Pois sempre em dias tais contrário evento Deu Marte mal propício às nossas armas. Destas noções, que têm de vir freqüentes Co’os Fastos misturar-se, aqui me aprouve Tecer prelúdio breve aos longos cantos, Que, importunas depois mos não quebrassem. Lá vem Jano! lá chega! a ti, grão César, Traz novo ano feliz núncio risonho; Para mim, cantor seu, traz-se a si mesmo.
171
172
Língua Latina
Nas boas horas para nós descendas, Bifronte divinal, eterna origem Dos anos tacitífluos; deidade, Que, única entre elas, para trás descobres! Propício assiste aos chefes generosos, Cujo heróico valor mantém segura A fértil terra em paz, em paz os mares! Propício ao teu senado! alfim propício A todo o povo do imortal Quirino! Vem, vem! ao teu aceno os alvos templos De par em par festivos se descerrem. Que alegre aurora pelos céus desponta! Religiosa atenção, silêncio, ó turbas! Ruim palavra sussurrar não ouse! Convém ao dia bom palavras boas. Longe os pleitos cruéis, a rixa insana; E tu, censor mordaz, teu fel não vertas! Vedes as rescendentes labaredas? Sentis no fogo crepitar fumosas Fartas espigas de cilisso nardo? Da viva flama o rosicler esplêndido Da sacra estância nos dourados trémulos Borboleteia, e na profunda abóbada Estampa alto clarão! de toda a parte, De galas novas, como cabe à festa, Acode povo e povo ao Capitólio! Vê-los que vêm chegando, os novos feixes! Nova púrpura os segue! A cônsul novo Vai o curul marfim ser nobre assento! Gordos bezerros dos faliscos pastos
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações
Dão a intacta cerviz ao sacro ferro. Jove, que lá do Olimpo abrange o orbe, Romano todo o vê. Salve mil vezes, Ó mui risonho dia! e mais risonho Possas tu de ano em ano alvorecer-nos, Sempre do povo-rei credor aos cultos!
Atividades 1.
Preencha a tabela abaixo com as datas e anos corretos para o nosso calendário:
Dia Romano
Dia moderno
Ano romano
pridie nonas martias
V auc
a.d. IV kal. augustas
C auc
idibus februarius
DCCLIII auc
2.
Traduza as seguintes orações latinas para o português: a) nullam spem habet ille qui fidem perdit.
b) exercitūs manus imperatoris ducit.
c) multos dies manebant in agro hostium.
d) quattuor homines in urbem inierunt quartō diē.
3.
Traduza o trecho da Eneida, de Virgílio, com o auxílio do vocabulário abaixo. Nec mihi iam patriam antiquam spes ulla uidendi [est], nec dulcis natos exoptatumque parentem;
Ano moderno
173
174
Língua Latina
uidendi: gerúndio de uideo 2 “de ver” dulcis: acusativo plural do adjetivo dulcis, e: “doce” natos: acusativo plural de natus “filho” exoptatum: acusativo singular de exoptatus, a, um “muito desejado” parentem: acusativo singular de parens, parentis “pai”
Gabarito Histórias do latim e as línguas neolatinas 1.
Ainda hoje alguns falantes utilizam-se da forma “imbigo” ao invés da forma “umbigo”, o que constitui um “erro” desde a época dos falantes de latim. Sobre “uiridis”, os falantes já naquela época produziam “uirdis”, que veio a dar o nosso “verde” em português, indicando um ponto de passagem do latim para o português. A forma “furmica” ao invés de “formica” indica um “erro” tão comum para os falantes de latim quanto para os falantes de português, ou seja, a troca de um “o” por uma vogal mais alta, o “u”. Os exemplos devem despertar nos alunos a percepção de que o latim era uma língua viva, como o português, e que os processos de mudança e uso já na época do latim apontavam para mudanças que resultariam no que temos hoje em português. Respostas que sigam nessa direção estão apropriadas.
2.
A Hipótese do Indo-Europeu é basicamente a hipótese de que a grande maioria das línguas européias e algumas da Ásia derivam de uma língua ancestral comum, chamada indo-europeu. Os pesquisadores chegaram a ela comparando muitas línguas, como o latim, o grego e o sânscrito, a partir do final do século XVIII e especialmente durante o século XIX.
Fonologia e prosódia do latim 2.
Accusáre (penúltima sílaba acentuada porque é longa); fácere (antepenúltima sílaba acentuada, pois a penúltima é breve); hómo (penúltima sílaba acentuada, pois não há oxítonas em latim); réx (última sílaba acentuada porque é a última); e assim por diante.
176
Língua Latina
Estrutura da língua latina comparada com a do português 1.
Os exemplos constituem a solução dos exercícios. Quaisquer sentenças bem-formadas com os substantivos flexionados como sujeito, objeto direto e objeto indireto do verbo selecionado servem para esta atividade.
2.
A resposta não se encontra no texto, mas o aluno deverá fazer uma analogia entre o verbo est (é, está, existe) em latim e o verbo “é” em português. Os verbos apenas servem para ligar uma coisa à outra e, portanto são chamados de “verbo de ligação”. O verbo “ser” não estabelece uma relação de sujeito-objeto direto, e sim uma relação de predicativo do sujeito. Assim, os verbos est e “é” servem para igualar dois termos. Por isso, o segundo termo fica no nominativo. O aluno também poderá observar o sexto exemplo, em que há um verbo transitivo direto e, portanto há caso acusativo em fungum.
3.
O aluno deverá perceber que, por causa da marcação de caso, a ordem em latim é mais livre, pois quem marca as relações de sujeito, predicativo, objeto direto e indireto são os casos. Em português, é a ordem rígida das palavras que faz isso.
Sistema nominal latino 1.
Sugestões de solução nas primeiras palavras. Todas as palavras foram dadas anteriormente na aula e suas formas estão nas tabelas.
2.
Sugestão de resolução já proposta nos exemplos. Mais uma vez, todas as palavras foram dadas na aula.
3.
O “x” no ex faz com que apenas as escolhas que iniciam por vogal e que estejam no ablativo sejam corretas; assim, apenas aquā deverá ser marcada como correta aqui.
Sistema nominal latino II 1.
a) O rei rico mora na fortaleza enorme com muitos escravos. b) Há cavalos nobres, águias ferozes e muitos animais na selva. c) O escravo ignorante fere a águia forte com uma flecha.
2.
praedonis: multis, altō, felicis, ignari, ignarōs, beatōrum, prudentis celere: nautā, aquis, equis, aprō, animali, opus, lex, montem
Gabarito
hostium: multōrum, clarārum, felicibus, ueterum, stultum incredibilibus: oneris, urbium, sceleribus, scaenis, diuitiis, arcis 3.
Bonus: bonus, bonum, boni, bono, bono, boni, bonos, bonorum, bonis, bonis Audax: audax, audacem, audacis, audaci, audaci, audaces, audaces, audacium, audacibus, audacibus Diues: diues, diuitem, diuitis, diuiti, diuite, diuites, diuites, diuitum, diuitibus, diuitibus
Graus dos adjetivos e formação de advérbios 1.
a) A águia é mais feroz que a pomba. b) Os animais são mais ignorantes que os homens. c) Meninos são mais fortes que meninas. d) Navegamos por um mar enorme. e) O cavalo é o mais nobre dos animais. f) Piratas ferozes atacam de forma má a famosa cidade. g) A esposa diz palavras boas gravemente ao marido.
2.
nobilior, is
nobilissimus, a, um
nobiliter
diuitior, is
diuitissimus, a, um
diuiniter
tutior, is
tutissimus, a, um
tute
beatior, is
beatissimus, a, um
beate
Estrutura da língua latina: os verbos 1.
a) celaremus: 1pp imperf. subj. b) locat: 3ps pres. indic. c) respondi: 1ps perfeito indic. d) uidebimus: 1pp futuro indic. e) seduit: 3ps perfeito indic. f ) mansissem: 1ps mais-que-perf. subj. g) flexeratis: 2pp mais-que-perf. indic. h) pugnant: 3pp pres. indic.
177
178
Língua Latina
i) dedisti: 2ps perf. indic. j) apparere: infinitivo pres. 2.
a) puer in ciuitate magna habitat. (O menino habita na cidade grande.) b) mihi non placet laborare. (Não me apraz trabalhar / Não gosto de trabalhar) c) Petrus Paulō respondit cum uerba mala. (Pedro respondeu a Paulo com palavras más.) d) femina cenam ingentem parabit. (A mulher preparará um jantar enorme.) e) sapientes philosophos uir uetus non uidet. (O homem velho não vê os filósofos sábios.)
Aprofundamento da morfologia verbal latina 1.
a) uolebamus dormire. (Queríamos dormir) b) homines regis seruos audaces interficērunt. (Os homens do rei mataram os escravos audazes.) c) poetae cum auxilio musarum canunt. (Os poetas cantam com auxílio das musas.) d) philosophi currere non possunt. (Filósofos não podem correr.) e) duces legiones ducent. (ambígua: “Os generais conduzirão as legiões.” ou “As legiões conduzirão os generais.”)
2.
a) cadent: 3pp futuro do indicativo “eles cairão” b) agere: infinitivo presente “agir” c) posuit: 3ps perfeito indic. “ele pôs” d) scribuisse: infinitivo perfeito “ter escrito” e) scis: 2ps pres. indic. “você sabe” f ) uenissetis: 2pp mais-que-perfeito subjuntivo “que vocês tivessem vindo” g) faciunt: 3pp pres. indic. facio: “eles fazem” h) perfecimus: 1pp perf. indic.: “perfizemos, completamos” i) fugiebas: 2ps imperfeito indic. “você estava fugindo, fugia”
A voz passiva e os verbos depoentes 1.
a) uerba serui nuntiantur a poetā. (As palavras do escravo são anunciadas pelo poeta.) b) leges faciebantur ab antiquis hominibus. (Leis eram feitas pelos homens antigos.) c) litterae falsae scriptae erant. (Cartas falsas tinham sido escritas.)
Gabarito
179
d) a coquō cena parata est ingens. (Uma ceia enorme foi preparada pelo cozinheiro.) e) bellum malum pugnabitur a populis amicis. (Uma guerra má será lutada pelos povos amigos.) f ) dominus multum locutus est cum seruo stulto. (O senhor falou muito com o escravo estúpido.) 2.
a) miles bonus pugnam ducit. (solução: pugna ducitur a milite bono. bom soldado.)
A batalha é conduzida pelo
b) uir uxorem bellam uidebat. (solução: uxor bella uidebatur ab uirō. marido.)
A bela esposa era vista pelo
c) rex audax multos homines necauit. (solução: multi homines necati sunt a rege audace. homens foram mortos pelo rei audaz.) d) urbs diues praedones timebit. (solução: praedones timebuntur ab urbe diuite. temidos pela cidade rica.)
Muitos
Os piratas serão
e) uulnera saggitārum senserant aquilae diuinae. (solução: uulnera saggitārum sensa erant ab aquilis diuinis. Feridas de flechas tinham sido sentidas pelas águias divinas.) 3.
Solução aproximada: “As batalhas são tornadas públicas a sabedoria é expulsa do meio (‘do meio do campo de batalha’, entenda-se) o bom orador é desprezado, o soldado horrível é amado.”
Os pronomes em latim 1.
(1) quod – neutro singular acusativo pronome relativo. (2) quae – neutro plural acusativo pronome relativo. (3) quae – feminino singular nominativo pronome relativo. (4) quae – feminino singular nominativo pronome relativo. (5) quis – masculino singular nominativo pronome interrogativo. (6) cui – masculino/feminino singular dativo pronome interrogativo. (7) quem – masculino singular acusativo pronome interrogativo. (8) cuius – feminino singular genitivo pronome interrogativo. (9) quem – masculino singular acusativo pronome interrogativo. (10) cui – masculino/feminino singular dativo pronome interrogativo.
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Língua Latina
2.
is, ea, id feminam
ille, illa, illud
iste, ista, istud
qui, quae, quod
eam
hanc
illam
istam
quam
eōrum
hōrum
illōrum
istōrum
quōrum
miles
is
hic
ille
iste
qui
seruīs
eīs
hīs
illīs
istīs
quibus
uerba
ea
haec
illa
ista
quae
eī / eā (dat ou abl)
huic / hāc
illī / illā
istī / istā
cui / quā
dominōrum
aedī
3.
hic, haec, hoc
a) regina se amat. (A rainha se ama.) b) ille coquus tibi haec uerba dixit. (Aquele cozinheiro disse estas palavras para você.) c) ille seruus suum regem non uidet. (Aquele escravo não vê o seu rei.) d) eae aedes dabuntur militibus quī bene pugnant. (Aquela casa será dada para os soldados que lutam bem.) e) aedes, ium: templo (no singular) e casa (no plural) f) nōs necamus hostes quōs uidimus. (Nós mesmos matamos os inimigos que vimos.) nōs dá idéia de ênfase.
Conjunções: coordenação e subordinação 1.
seu... seu: “quer... quer” – trata-se de uma conjunção coordenativa disjuntiva. ne: “que não” – contrário de ut, dá idéia da negação da conjunção consecutiva/final “para, a fim de...” nec: “nem, e não” – conjunção aditiva negativa. ut: “como”: aqui, o ut é comparativo. et: “e” – conjunção coordenativa aditiva. dum: “enquanto” – conjunção subordinativa temporal.
2.
a) Tanto os escravos quanto os senhores são humanos. b) Se o rei não tem um filho, isto é ruim. c) Enquanto o cozinheiro prepara a ceia, os escravos fazem muitas coisas ruins. d) Embora o escravo fale bem, o senhor não escuta as palavras dele. e) O senhor disse que o cozinheiro tinha preparado uma boa ceia.
Gabarito
Os numerais, o calendário romano, a quarta e a quinta declinações 1.
Dia Romano
Dia moderno
Ano romano
Ano moderno
pridie Nonas Martias
6 de março
V auc
749 a. C.
a.d. IV Kal. Augustas
28 de julho
C auc
653 a. C.
Idibus Februarius
13 de fevereiro
DCCLIII auc
1 d.C.
2.
a) Não tem nenhuma esperança aquele que perde a fé. b) A mão do imperador conduz os exércitos. c) Permaneciam durante muitos dias no campo dos inimigos. d) Quatro homens entraram na cidade no quarto dia.
3.
“Nem há para mim esperança alguma de ver a pátria antiga nem os doces filhos e o pai muito amado/desejado”.
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Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. BASSETO, Bruno Fregni. Elementos de Filologia Românica: história externa das línguas. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. v. 1. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. Série Princípios. São Paulo: Ática, 1993. HORÁCIO; OVÍDIO. Sátiras & Os Fastos. São Paulo: Jackson Editores, 1949. Clássicos Jackson, v. 4. JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercices. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. _____. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. LIMA, Alceu Dias. Uma Estranha língua? Questões de linguagem e de método. São Paulo: Editora da UNESP, 1995. NOVAK, Maria da Glória e NERI, Maria Luiza (orgs.). Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins Fontes, 2003. OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de Bocage. São Paulo: Hedra, 2007. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. _____. Romana. Antologia da Cultura Latina (organização e trad. do latim). 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. PETRÔNIO. Satyricon. Edição Bilingue. Tradução e Posfácio de Sandra Braga Bianchet. Belo Horizonte: Crisálida, 2004. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de Agostinho da Silva. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. 1. ed. Belo Horizonte: Editoras Crisálida e Tessitura, 2005. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. ROBINS, R. H. Pequena História da Linguística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006.
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Língua latina
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