April 30, 2017 | Author: Fabio Amorim | Category: N/A
Felipe Felipe Miranda (empiricus) - 100 ensaio...
F E L I P E
M I R A N D A
Por dentro da mente que gera dinheiro para o maior número de pessoas no Brasil.
Para Maria Carolina Lopes de Oliveira
© Empiricus, 2017 Todos os direitos reservados Renato Torelli | Organização e Edição Gabriela Andrade | Coordenação do Projeto Amanda Gregório, Daniela Piccoli, | Revisão Eduardo Lima e Juliano Melchior Marina Fiorese | Diagramação Giovanni Branchini | Capa
Empiricus Research Rua Joaquim Floriano, 913 Itaim Bibi, São Paulo, SP Tel.: (11) 3900-2850
[email protected] www.empiricus.com.br
Sumário Prefácio.......................................................................................................... 12
Parte 1 “Você precisa ter um método, uma consistência e agir para atendê-la”
1 | Cuidado: somos incapazes e desavisados................................... 17 2 | Match point................................................................................ 20 3 | Você também tem fama de eficiente?......................................... 23 4 | Aí são outros 500....................................................................... 25 5 | Um novo risco para seus investimentos..................................... 28 6 | Para ter sucesso, você precisa sobreviver.................................. 31 7 | Lembrai-vos da mulher de Ló.................................................... 34 8 | Touché....................................................................................... 37 9 | O preconceito que você precisa quebrar imediatamente ao investir......................................................... 41 10 | O mínimo que você precisa saber para investir em ações........ 44 11 | Iludidos pelo acaso................................................................... 49 12 | Crepúsculo dos ídolos.............................................................. 53 13 | Mama se mama sa mama coosa............................................... 57 14 | É uma questão de princípios.................................................... 61 15 | O que você levaria para a Lua?................................................ 65 16 | De onde viemos e para onde, talvez, vamos............................. 70 17 | A disciplina apolínea para uma criatividade dionisíaca............ 75 18 | Como era verde o meu vale...................................................... 80 19 | Só pensa na Fama.................................................................... 84 20 | Felipe no país das maravilhas.................................................. 88
Parte 2 “As ideias e as crenças é que escolhem as pessoas”
21 | Esotérico.................................................................................. 95 22 | Um sonho de investimento....................................................... 98 23 | O mercado é um grande cinema com uma porta estreita......... 101 24 | Põe na conta do papa................................................................ 104 25 | Investimentos rápidos e mortais............................................... 107 26 | O que Markowitz não entendeu sobre diversificação............... 111 27 | Deixem os demônios falarem................................................... 114 28 | Je suis Charlie Munger............................................................. 117 29 | Amor fati.................................................................................. 120 30 | Um pequeno deslize e toda a sua felicidade financeira pode ir a zero........................................................... 123 31 | Nunca serão; jamais serão........................................................ 126 32 | George Soros tem um recado para você................................... 130 33 | Dor nas costas, no bolso e na Bolsa......................................... 134 34 | O ajuste fiscal, neste aspecto específico, não precisa vir de você............................................................ 138 35 | O que eu lhe proponho de Natal............................................... 143 36 | Com quantas ações se faz uma carteira?.................................. 148 37 | O show da virada..................................................................... 152 38 | O paradoxo do maior retorno com menor risco........................ 156 39 | Kakistocracia, projeto de desconstrução, cisnes negros (sempre eles), agulhas e bolhas – uau, que sexta-feira!............................................................. 161 40 | O que Warren Buffett não entendeu sobre diversificação......... 165
Parte 3 “Se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais”
41 | Orgulho e preconceito.............................................................. 171 42 | Alfabetização a fundo.............................................................. 174 43 | Je suis Charlie, feito para você................................................. 178 44 | A origem de Empiricus............................................................ 181 45 | Sobre os ombros de gigantes.................................................... 184 46 | Paranoid................................................................................... 187 47 | Amanhã será um lindo dia para seus investimentos................. 190 48 | Por que fundamos a Empiricus?............................................... 194 49 | De aniversário, eu quero que você ganhe dinheiro................... 197 50 | Um dia de realização e agradecimento..................................... 200 51 | O caso do pequeno Hans.......................................................... 204 52 | Sobre os ombros de gigantes, mas com os pés no chão............ 209 53 | A fidelidade do dinheiro........................................................... 213 54 | Ode ao Zé Comprinha.............................................................. 217 55 | Capitão fantástico.................................................................... 220 56 | Até o último homem................................................................ 225 57 | Orgulho e preconceito II.......................................................... 229 58 | Em busca do heroísmo genuíno............................................... 233 59 | Tio Ray coloca os pingos nos is............................................... 237 60 | Esta informação não está disponível, ainda bem...................... 241
Parte 4 “Ele acabou em 2014, mas hoje tem a chance de renascer”
61 | O que ninguém, além de Pedro Cerize, entendeu sobre a Bolsa brasileira neste momento................................... 247 62 | Você ainda faz?........................................................................ 249 63 | O fim de uma vida financeira seca........................................... 252 64 | Você precisa se manter vivo se pretende recomeçar................. 255 65 | Para o seu bem, não leia os jornais hoje................................... 258 66 | A terceira margem do rio dos investimentos............................ 260 67 | Aposte centavos para ganhar dólares; nunca o contrário.......... 262 68 | Prenda-me se for capaz............................................................ 264 69 | Mais uma dose, é claro que eu tô a fim.................................... 267 70 | No direction home................................................................... 270 71 | Até onde vai este rali?.............................................................. 274 72 | Delfim Netto está errado.......................................................... 277 73 | Proclamação da República do Novo Brasil............................. 280 74 | É preciso coragem para ter medo............................................. 283 75 | Um mundo Novo Anormal?..................................................... 286 76 | O mercado exagerou?.............................................................. 290 77 | Se você ama sua vida, você ama a volatilidade........................................................... 293 78 | Um homem pré-histórico na época da pós-verdade................................................................. 296 79 | Paciente agora, impaciente forevis........................................... 299 80 | Cuidados necessários em meio a um bull market...................................................................... 302
Parte 5 “O que fazemos a partir de agora?”
81 | Você compraria por 57 aquilo que rejeitou a 45?..................... 307 82 | Um investimento levado a sério............................................... 310 83 | De qual flexibilização monetária vocês estão falando?........... 313 84 | Algumas palavras antes de sair de férias.................................. 315 85 | Eu não sei................................................................................. 318 86 | Bora tomar uma Original?........................................................ 321 87 | Algumas palavras sobre Rumo................................................ 326 88 | Você não precisa estar certo; você tem que ganhar dinheiro......................................................... 330 89 | Minha deliberação de fim de ano: não ter deliberação de fim de ano............................................ 333 90 | Algumas palavras sobre um bull market................................. 338 91 | A impressão que fica para seu 2017........................................ 343 92 | Não custa lembrar…................................................................ 346 93 | Devagar com o andor porque o Robert é de Barro................... 349 94 | Admirável juro novo................................................................ 353 95 | Eu escrevo mesmo é para os loucos......................................... 357 96 | Eu devo voltar, a um dígito...................................................... 361 97 | E se estivermos errados?......................................................... 364 98 | E se…...................................................................................... 369 99 | Meus heróis morreram de overdose......................................... 373 100 | O que fazemos agora?............................................................ 376 Posfácio.......................................................................................................... 382
Prefácio I wonder if we Are not part of someone’s prediction of what The world could be at its very best, if we, In this frigid landscape free of shopping Opportunities, are where the world is headed? Or maybe we are part of the record of what Has already happened, and are a sign of the depths Mark Strand, Dark Harbor, XXXI
Sobre aquilo que não pertence ao tempo Antes, nada pertencia ao tempo. Não havia vida, eu acho. Hoje, pertence ao tempo a maioria das coisas que importam. O tempo mata e o tempo faz nascer. O tempo investe. O tempo perde. O tempo ganha. Noutro dia, talvez há mais de um ano, lembro e não me lembro, deparei-me com conceitos díspares, e que assim podem ser contados como um e dois. O primeiro deles aplica-se àquilo que chamamos de temporal, fugit inreparabile tempus. Refiro-me ao fugaz, ao passageiro. Começa e então acaba. Talvez não tenha meio, pois logo transforma o meio em fim. O segundo é o secular, que dura há muitos cem anos, é muito antigo. Não se dissipa, nem está sujeito a qualquer circunstância. Tudo é indiviso para ele. Onde quer que se inicie, lá retornará mais uma vez. 12
Esta é parte da minha rotina. Dia útil, entre 9h30 e 10h, recebo em minha caixa de entrada um e-mail, escrito por alguém que se senta à minha frente no escritório. Um amigo e sócio. Demorei para me acostumar com isso. A pessoa senta à sua frente, estudou com você, fundou uma empresa com você e, na hora de endereçar-lhe a palavra, envia um e-mail. O e-mail chega com o assunto “Empiricus - Daily PRO”. Exclusivo para assinantes pagos. Favor não encaminhar. Salvo exceções de calendário, Felipe Miranda é o autor do texto inicial deste e-mail diário. Conte cem repetições e você terá cem ensaios. Então pude compreender por que nossa comunicação se dá dessa forma aparentemente impessoal a cada manhã. O Felipe que eu conheço há mais de dez anos não é diferente do estrategista que você conhece. É o mesmo Felipe. Ele não escreve para mim ou para você; escreve o que pensa, o que lhe vem à cabeça. Nada é diviso para ele. Sobre o que versa, então, este uno Daily PRO? Eu sabia, desde sempre. Soube no início. Só tinha receio de expor. Afinal, fazemos análises de investimentos. Supostamente, atemo-nos à economia e às finanças. Não haveria nada além das cifras no objeto social da Empiricus. Mas quando você sabe e não fala, acontece que outro fala no seu lugar. Neste caso, o outro é o leitor. No momento em que se completam estes cem ensaios, o Daily PRO é lido por 150 mil pessoas, acrescidas do ignorado favor de não encaminhar. Eu mesmo, movido pelo desejo de compartilhar o que instiga, ignorei vez ou outra, admito. Dentre 150 mil pessoas ou mais, as probabilidades se somam. Uma delas, mesmo que aleatoriamente, acabará escrevendo o que escreveu o leitor Luis Gustavo: 13 13
Suas analogias são sempre pertinentes e me deixam instigado a pensar “De que forma ele vai me fazer refletir hoje?”, seja pelo conteúdo em si ou pelo banho de filosofia por trás. Te vejo como um socrático moderno. Não estimulando a resposta e sim o questionar. A resposta é um ponto final que poderia ter sido tão melhor trabalhada se fossem reticências... Parabéns pelo excelente trabalho e obrigado por alimentar meu lado filosófico carente de discussão. Ou, nem tão aleatório, aquilo que disse o leitor Diego: Escrevo para dizer o quão amarradão eu fico quando leio sua introdução no Daily Pro. A cada dia, um tópico sorrateiro e despretensioso (que na real imagino ter um Q de pretensão maior do que supomos), que vai dosando de pouco a pouco princípios sólidos de investimentos. E o que falou Francisco, de forma quase determinística: Além da qualidade das análises que têm me trazido bons negócios, é uma delícia ler os teus relatórios diariamente. Parece que você está sentado à minha frente e estamos conversando sobre os assuntos que você comenta. Realmente vocês me trouxeram de volta o prazer de operar na Bolsa. Sucesso! Parece mesmo que o Felipe está aqui, sentado à sua frente. Você encara o rosto dele, dá bom dia, abre o livro, vai lendo o Prefácio e de repente surgem cinco Felipes: - Felipe 1: Você precisa ter um método, uma consciência e agir para atendê-la (sobre método e estratégias financeiras). - Felipe 2: As ideias e as crenças é que escolhem as pessoas (sobre ideias de grandes pensadores – como Buffett, Taleb, Kahneman – aplicadas a investimentos). - Felipe 3: Se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais (textos íntimos sobre a história da Empiricus e dele mesmo). - Felipe 4: Ele acabou em 2014, mas hoje tem a chance de renascer (sobre Brasil e mundo, e como extrair insights perenes de conjunturas erráticas). - Felipe 5: O que fazemos a partir de agora? (investimentos recomendados e evitados). 14
Parece óbvio, a esta altura, que os diferentes Felipes se misturam num só. São todos idealistas, românticos. E ultrarrealistas, céticos. De vez em quando engraçados. De vez em quando chatos. Todas as cousas que há neste mundo, e neste mundo financeiro. Assim, a solução do Daily PRO é a única para o problema de escrever uma mesma pessoa, todo santo dia, e nunca enjoar. Por conseguinte, nunca ser enjoado. E olha que eu, financista que sou, enjoo das finanças. Diziam os escritores Bioy e Borges nos seus Seis Problemas para D. Isidro Parodi: “Li os artiguinhos do Molinari. O rapaz é habilidoso com a pena, mas tanta literatura e tanto retrato acabam enjoando. Por que não me conta as coisas do seu jeito, sem nenhuma arte? Eu gosto que me falem claramente.” Houve um tempo em que os economistas gostavam de falar claramente. A Economia nasceu como uma extensão social da Filosofia e da Retórica. Adam Smith, da mão invisível, era nitidamente um filósofo. Além da Riqueza das Nações, ele escreveu outro livro brilhante: A Teoria dos Sentimentos Morais. Essa tradição, infelizmente, foi rompida. E agora briga para ser retomada. Teimo em querer que a Empiricus compre essa briga, liderada por economistas com sentimentos morais. André Lara Resende, Pérsio Arida, Eduardo Giannetti e Gustavo Franco são exemplos próximos e inspiradores. Não penso menos dos e-mails do Felipe. À Economia, diríamos simplesmente: torna-te quem tu és. Onde quer que se inicie, lá retornará mais uma vez.
Rodolfo Amstalden março de 2017 15
Parte 1 “Você precisa ter um método, uma consistência e agir para atendê-la”
1|
Cuidado: somos incapazes e desavisados 03/01/17
Comecei em Bolsa seguindo a dica esperta de um corretor de Bolsa: PLIM4, a famigerada Globo Nabo. Muito apegado aos nomes e às tradições, encontrei o único destino possível: nabo. Alguns diriam que foi a pior forma possível de começar. Eu diria que foi a melhor. Estava prestes a completar 14 anos e aquilo foi meu MBA precoce e acelerado. Não haveria formas melhores de aprender sobre a dinâmica da Bolsa do que aquela. Aos 15 anos, tinha espinhas, calos nas mãos e um diploma informal de pós-graduação. Primeira lição: você não pergunta à vendedora da loja de roupa se aquela camiseta lhe caiu bem. A raposa no galinheiro tem seus próprios incentivos. Perguntar ao corretor de renda variável se você deve negociar ações desafia um dos preceitos básicos da teoria econômica de que as pessoas agem motivadas pelo autointeresse. Segunda lição: o mundo não está nem aí para suas decisões de investimento. Você pode gostar de uma ação, mas ela não tem sentimento algum por você. Não é porque você comprou uma ação ruim que ela vai começar a subir. Da mesma forma, o planeta Terra não tem absolutamente nenhum comprometimento com seu preço médio nem com sua necessidade de resgatar o dinheiro para comprar um apartamento no mês de outubro. Esqueça seu preço de entrada e foque no que pode ser daqui para frente. Se há alternativas melhores para recuperar o dinheiro, assuma o prejuízo e parta para outra. E esteja em Bolsa somente com o capital que você não vai precisar num prazo predeterminado – o timing das ações pertence a elas mesmas, e não às suas necessidades pessoais. 17
Terceira e mais importante: por mais inteligente e preparado que seja, você não dispõe de habilidades especiais. Reconheça suas próprias limitações e desencane de procurar a dica esperta do momento, aquela pronta para disparar no exato momento subsequente à sua decisão de compra. Um pouco de humildade epistemológica não faz mal a ninguém. O último aprendizado é, simultaneamente, o mais relevante e o mais difícil. Ele desafia a tendência humana de superestimar a própria capacidade. No clássico estudo Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Reconizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments, Justin Kruger e David Dunning, da Cornell University, mostram como as pessoas nutrem avaliações superestimadas sobre suas próprias competências sociais e intelectuais. A inteligência e a autocrítica vêm do mesmo lugar – talvez sejam a mesma coisa. É quase tautológico: se uma pessoa é incompetente em produzir julgamentos apropriados sobre a realidade, ela também tende a sê-lo sobre si mesma. Os resultados do estudo encontram paralelo nas Finanças Comportamentais e seu viés cognitivo batizado de overconfidence, a tendência humana de nutrir confiança excessiva sobre si, suas convicções e projeções. Se perguntarmos a uma grande amostra de pessoas se acreditam possuírem habilidades de direção acima da média, muito mais da metade responderá que, certamente, está no quarto quartil da distribuição de motoristas, o que, obviamente, é uma impossibilidade lógica. Analogamente, quando perguntados, médicos acreditam poder diagnosticar uma pneumonia com 90% de segurança, quando, na verdade, pesquisas sugerem uma efetividade de 50%. Breve anedota pessoal, 100% verídica: se você perguntar para sócios e funcionários da Empiricus sobre sua contribuição individual para o resultado da companhia, suspeito que a soma total ultrapasse os 300%. Se você pretende ter um bom ano em seus investimentos ou, mais do que isso, décadas de bons investimentos, reconheça a própria limitação. Diversificação, seguros contra as próprias convicções, ciência de que 18
você vai errar, e portanto não pode estar numa estratégia que lhe tira do jogo caso não dê certo, e perseguição por boas assimetrias são os remédios contra o excesso de confiança. Tudo e só isso. Eu, você e a torcida do Corinthians somos piores do que nós mesmos pensamos. É triste, mas é a vida.
Enquanto digerimos a dura realidade, podemos nos divertir com mercados um pouco mais animados nesta terça-feira. Com o retorno das Bolsas de NY e Londres aos negócios, encontramos um pouco mais de liquidez nas praças financeiras, após certo tédio na véspera. Crescimento maior do que o esperado da atividade industrial na China, medido pelo Caixin, traz otimismo para as Bolsas. Indicador apontou 51,9 pontos, em sua sexta alta seguida, contra expectativa de 50,9 pontos. Em paralelo, alta do petróleo também valoriza ações do setor. Commodity atinge maior marca em 18 meses com cortes na produção do Kuwait e de Oman reforçando otimismo. Internamente, Rodrigo Maia projetando aprovação da reforma da Previdência e consultoria Arko soltando estudo que sugere também o mesmo caminho alimentam clima favorável. Agenda doméstica não traz indicadores relevantes. Ponderando as notícias positivas, atentado na Turquia traz vigorosa desvalorização da lira e alguma tensão sobre moedas emergentes, mas nada muito contundente. Nos EUA, temos referências de produção industrial e investimentos em construção. Na Europa, saem inflação ao consumidor alemão e dados da indústria no Reino Unido. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,9%, enquanto dólar oscila em torno da estabilidade atento ao desempenho de outras moedas emergentes. Juros futuros sobem com ajuste após queda vigorosa na véspera. Encerro esta introdução com um convite do Rodolfo para todos aqueles que querem melhorar seus investimentos em 2017 e muito além, através de seu Programa de Riqueza Permanente.
19
2|
Match point 10/08/16
Por ser de lá, do sertão, lá do cerrado, da caatinga do roçado, eu quase não saio, eu quase não tenho amigos. Tenho uma alma meio caipira que me faz duvidar de certas habilidades especiais. Eu quase nada não sei, mas desconfio de muita coisa, nos ensinara a sabedoria de Riobaldo. Na cidade da minha mãe, o único superpoder existente era o de uma bananeira mal-assombrada que atacava pedra nas pessoas que por ela passavam à meia-noite. Eu tinha um medo danado de caminhar por lá. Um dia passou, porque eu descobri que era meu primo Regis quem ia na minha frente, se escondia atrás das folhas e ficava me atirando projéteis. Vi que assombração mesmo não existia. Fiquei aliviado. Mas veio com uma contrapartida ruim: se não há metafísica do mal, também não há do bem. Meus super-heróis morreram de overdose de ceticismo. A verdade é que nós, analistas e gestores financeiros, podemos fazer muito menos por você do que se supõe. Não há superpoderes por aí nem habilidades especiais. Sabe, eu acho que deveríamos aproveitar o clima de Olimpíadas e fazer constar na prova do CFP (Certified Financial Planner) a exigência de uma redação sobre o filme Match point, do Woody Allen. Há momentos no jogo de tênis em que a bolinha bate na rede, ameaça cair de um lado e morre no outro, definindo o vencedor. O sujeito arremessa a aliança em direção ao rio, ela bate na parte superior do apoio da ponte e volta para o chão. Um mendigo acha a tal da aliança, que viria a salvar o protagonista depois. Suponha, apenas hipoteticamente, um gestor renomado e, sim, muito competente e brilhante, com uma posição megapessimista em Brasil às vésperas da eleição de 2014. O que teria lhe acontecido se Aécio tivesse ganhado? Foi por pouco, não é mesmo? O histórico de contas não narra o que poderia ter sido; apenas o que foi, de fato. O destino esteve ali, decidindo em seu favor mais uma vez. 20
Estamos todos nós submetidos às intempéries do acaso. E somos iludidos por ele, confundindo resultados aleatórios com outros gerados pela efetiva competência. Competência explica parte do resultado. Mas uma outra, muito importante, é determinada simplesmente pela deusa Fortuna. Num ambiente assim, buscar assimetrias convidativas (perco pouco se estiver errado; ganho muito se certo) é o máximo que nos cabe. Nada mais. O resto é charlatanismo. Alfa, Markowitz, Sharpe, VaR, redes neurais, Black and Scholes, DCF, Opcões reais... pode jogar tudo fora. Vamos errar várias vezes. Acertar umas outras. Vida segue. Se os perfis das apostas oferecerem uma assimetria favorável, os resultados serão positivos no longo prazo. Já basta. Este é meu dia a dia: procurar por assimetrias. Foi exatamente isso que fiz, por exemplo, quando recomendei put (opção de venda) de dólar com strike a R$ 2,80, no último relatório do Palavra do Estrategista. Obviamente, fui chamado de louco – confesso gostar disso. A compra de pó, sempre com pouco dinheiro e a ciência de que aquilo é pra perder, oferece essas assimetrias legais. Fui informado pelas duas maiores corretoras do Brasil que nunca houve uma demanda tão grande de pessoa física por opções fora do dinheiro. Achei divertido. Primeiro porque denota acesso do investidor comum a estratégias previamente restritas aos institucionais. Mas ainda mais legal é que o negócio está voando. E deve ir mais.
Dólar volta a apresentar fraqueza pelo mundo hoje, com interpretação de que Fed deverá demorar mais para subir os juros diante crescimento desigual da economia mundial. Por aqui, segundo matéria do respeitado Vicente Nunes, governo já vê dólar a R$ 3,00 no curto prazo. Onde vai parar essa querida put? Mercados de ações operam sem tendência definida nesta manhã. Em Wall Street, parece faltar catalisadores para empurrar bolsas em direção a novos recordes. Na Europa, índices de ações caem após França divulgar queda inesperada da produção industrial. Petróleo tem segunda baixa com alta nos estoques atribuída à API e produção recorde na Arábia Saudita em julho.
21
Por aqui, mercado se divide entre espera política e inflação acima do esperado. Votação do parecer do impeachment com 59 votos a favor e 21 contra mostra força de Temer e consolida já esperado prognóstico em favor do afastamento definitivo, mostrando que denúncias mais recentes da Odebrecht não abalaram apoio ao presidente em exercício. Na Câmara, houve pequena derrota na votação da renegociação da dívida com estados, retirando proibição de reajuste ao funcionalismo, mas era uma questão lateral. Dentre os indicadores econômicos estritos, IPCA é destaque do dia. Inflação oficial marcou 0,52% em julho, acima do 0,45% esperado. IGP-M permaneceu estável na prévia mensal, enquanto IPC-Fipe subiu 0,24%. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,1%, mais influenciado por cena política. Juros futuros avançam com IPCA acima do esperado. Dólar cai 0,7%, acompanhando exterior.
22
3|
Você também tem fama de eficiente? 12/08/16
Eugene Fama conversa com Richard Thaler. Não é propriamente um ambiente do consenso. O primeiro é talvez a maior representação da hipótese de mercados eficientes. Para ele, toda a informação disponível está devidamente incorporada ao preço dos ativos. Assim, todos os retornos, ajustados por custos e riscos, convergem para o retorno de mercado. A nós, reles mortais, não restaria muita coisa além de comprar fundos de índice. O segundo é um dos expoentes da economia comportamental, tradicionalmente associada a críticas aos mercados eficientes e apontadora de distorções dos preços dos ativos frente ao apreçamento considerado alinhado à perfeita racionalidade dos agentes econômicos e à informação completa. Thaler apresenta uma série de exemplos supostamente capazes de ferir a eficiência dos mercados. No mais curioso, fala do fundo Cuba. Sem nenhum ativo, relação ou mínima simpatia pelo país homônimo, suas ações em Bolsa dispararam (coisa de 100%) quando da retirada de sanções à ilha pelo presidente americano Barack Obama. Thaler pergunta a Fama: Isso fere os mercados eficientes, não? Fama: Ora, isso é uma anedota. Não é um padrão. Thaler: Sim, mas você sabe que eu tenho uma relação interminável delas. Fama: Claro. Não passa disso. Uma relação interminável de anedotas. Quem está certo? Eu tenho minha opinião: os dois. Essa é uma coisa que não fecha direito na minha cabeça, mas é a mais pura verdade: eles discordam frontalmente, mas ambos estão certos. Resumo minha visão assim: é evidente que os mercados não são 23
100% eficientes. Essa é apenas uma hipótese do modelo clássico. Como tal, apresenta uma versão simplificadora da realidade. Nem mesmo Eugene Fama discordaria disso. As questões mesmo são: o quão ineficientes são os mercados? Qual teoria, igualmente geral e com poder preditivo superior, pode ser formulada? Não temos resposta. Quem sabe um dia... Para quem quiser acompanhar toda a conversa (verdadeira aula de finanças), aqui está o link em inglês, desculpe: (http://bit.ly/2aFt0IS).
Mercados começam a sexta-feira também sem saber ao certo quem está certo. Seriam os ursos (pessimistas) ou os touros (otimistas)? Após recordes históricos para Wall Street na véspera, futuros apontam para relativa estabilidade, à espera de novos drivers. Agenda é importante, com vendas ao varejo, sentimento do consumidor medido pela universidade de Michigan e inflação ao produtor norte-americano. Depois da força dos resultados de Macy’s ontem, JC Penney atrai atenções hoje. Metais caem após dados abaixo do esperado na China anunciados nessa noite, tanto produção industrial (alta de +6,0%, contra estimativa de +6,2%) quanto vendas ao varejo (+10,2% frente a +10,5% aguardados). Petróleo realiza lucros na esteira da disparada da véspera. Por aqui, Ibovespa Futuro também oscila perto do zero a zero, monitorando exterior e interpretando resultados de Petrobras. Dólar sobe contra o real, em desempenho alinhado ao mercado internacional e reagindo a mais uma intervenção do BC no câmbio, com 15 mil contratos de swap. Michel Temer deu entrevista ao Valor sugerindo que o patamar do câmbio já incomoda. Perdeu uma ótima oportunidade de dar a resposta protocolar de que o regime de câmbio é flutuante e o BC atua apenas para suavizar a volatilidade. Num momento em que a autoridade monetária intensifica suas intervenções, certamente não ajuda e pode suscitar ventilações de ingerência. Juros futuros, por sua vez, iniciam sessão em leve alta, empurrados pelo câmbio e pelo IBC-Br ligeiramente acima das projeções (+0,23%, contra +0,18%). Nada muito assustador, porém. Está tudo sob controle. Sabe-se lá até quando. Diante dessa oportunidade única de investimentos em ativos de risco brasileiros, numa janela que não se abria há mais de sete anos (pelo menos), encerraremos hoje, nas próximas horas, as adesões para o Supercombo da Multiplicação do Capital. O momento é agora.
24
4|
Aí são outros 500 06/09/16
Ainda em janeiro, entre uma taça e outra, ouvi de um amigo gestor: “É impossível a Bolsa – como metonímia do Ibovespa, claro – chegar aos 60 mil pontos neste ano.” Quando ouço palavras como “impossível”, “certeza”, “topo”, “fundo”, “nunca”, “sempre”, sinto-me como uma mula velha e teimosa, que instantaneamente coloca suas orelhas para a frente e vê seus olhos abrirem e brilharem em sinal de alerta: Bolsa serve mesmo é pra queimar a nossa língua. Tudo bem. Você pode argumentar que ainda não chegamos lá – nos faltam outros 500 pontos. Eu não vou brigar por isso. Mas que estamos pertinho, ah, isso estamos... Há uma heurística útil para atuar em Bolsa: questione a si mesmo se a maior probabilidade para as ações é de dobrar ou cair pela metade. Pode ser um dos passos do seu checklist antes de decidir comprar ou não. Os movimentos nos mercados de capitais são sempre maiores do que nossa mente controladora e linear consegue antecipar. Eu, pessoalmente, se tivesse de responder à questão acima com uma arma na cabeça (o Sérgio Oba adora essa expressão), diria que a Bolsa está mais para dobrar do que para cair pela metade nos próximos anos. Ontem li, porém, que um dos grandes gestores brasileiros está ligeiramente vendido em Bolsa. Seu argumento é, principalmente, de que há um dinheiro destinado à Bolsa brasileira maior do que ativos disponíveis, “o que faz com que o preço nunca corrija para um valor correto.” Eu admiro o sujeito fortemente. Considero o cara brilhante e, julgamentos pessoais à parte, seu track record fala por si só. E, sim, ele tem mais dinheiro do que eu, o que sempre torna as coisas um pouco mais difíceis pro meu lado. Mas deixe-me resgatar brevemente as lições mais fundamentais da teoria de política monetária – além de velhas e teimosas, as mulas também são chatas. 25
Numa economia, há uma certa quantidade Q de ativos. E existe também uma quantidade M de moeda. Troca-se, claro, moeda por ativos (como em qualquer outra economia usa-se o dinheiro para comprar bens, sejam eles físicos ou financeiros). Em termos agregados, a razão pela qual se troca a moeda por ativos é o nível geral de preços, que chamaremos de P. Resumindo, M/Q = P. Se, de repente, dobra-se a quantidade de moeda para 2M, então, mantida constante a quantidade de ativos, deverá haver necessariamente uma multiplicação por 2 no nível geral de preços. Veja: esse é o novo equilíbrio. Para você antever uma volta do nível geral de preços para o patamar original, deve prever uma multiplicação da oferta de ativos dessa economia, uma redução na oferta de moeda ou uma combinação dessas coisas. Da teoria à prática: falar que a Bolsa vai cair porque há um excesso relativo de moeda (liquidez internacional) para o nível de ativos existente é um argumento falacioso. O nível de preços é mais alto justamente por conta do tamanho da liquidez existente – e esse é o novo equilíbrio, contanto que você conte com uma redução da liquidez internacional ou com um aumento dos IPOs à frente. Mas, então, sua questão é com o prognóstico de redução de liquidez e/ou com a dificuldade de absorção dos novos IPOs, e não com o nível de preços em si. O argumento não tem consistência interna. Isso, obviamente, nada tem a ver com a Bolsa subir ou cair. Aí, de novo, são outros 500. Mas que o argumento é falacioso, ah, isso é...
Veja: política monetária não é uma questão teórica. Hoje mesmo ela está no centro das atenções e guia os negócios por todo o mundo. Bolsas, em geral, apresentam valorização nesta manhã, empurradas justamente pela perspectiva de que a ampliação da liquidez internacional poderá continuar valorizando o preço dos ativos. Bolsas de Wall Street voltam do feriado sob expectativa de avanço, ainda refletindo Employment Report de sexta-feira, que afastou possibilidade de imediato aperto monetário. Na Europa, cresce expectativa de que BCE possa ampliar programa de compra de títulos,
26
ou estender seu prazo de vigência, na reunião de quinta-feira. Ainda por lá, PIB da Zona do Euro cresceu 0,3%, em linha com projeções. Voltando à política monetária internacional, Turquia reduziu depósitos compulsórios, em mais um esforço em prol da liquidez, dessa vez nos mercados emergentes. Por aqui, investidores se debruçam sobre a ata do Copom, considerada um pouco mais dura do que os comentários que acompanharam a decisão sobre a manutenção da Selic (nada, porém, que altere a convicção certeira na Oportunidade da Década na Renda Fixa). Completam a agenda de hoje leitura final do PMI Markit e ISM, ambos nos EUA. No âmbito local, temos safra agrícola e dados da Anfavea. Acompanhando otimismo externo e bom humor com emergentes, Ibovespa Futuro aponta leve alta de 0,1% e dólar cai 0,5% contra o real. Juros futuros monitoram comportamento do câmbio e abrem em ligeira baixa. Se você acha que a liquidez internacional continuará guiando o preço dos ativos e, em especial, está atrás de ativos abaixo do radar, com um pouco mais de risco, mas com potencial de multiplicação do capital, então eu convido à leitura do Empiricus Insider, feito pelo preciso e detalhista Carlos Herrera.
27
5|
Um novo risco para seus investimentos 14/10/16
Imagine que você tenha dois fundos à disposição. Ambos têm o mesmo perfil de retornos ao longo do tempo. O primeiro, porém, goza de menor volatilidade quando comparado ao segundo. Qual você escolhe? Ah, essa é fácil. Segundo o instrumental clássico de gestão, o primeiro fundo seria mais eficiente do que o segundo. Isso porque volatilidade é tomada como proxy de risco. Ou seja, para um mesmo retorno e menor risco, esse fundo deve ser preferido. Por desenhar essa tal “fronteira eficiente das carteiras”, ou seja, aquela que minimiza o risco (tomado como volatilidade) do portfólio para cada nível de retorno esperado, Harry Markowitz ganhou prêmio Nobel de Economia. Mas já falamos do sujeito nesta semana. Vamos olhar sob outra ótica. Sem querer tornar a discussão excessivamente técnica, a Teoria das Decisões Financeiras (tradução mais corriqueira, embora possivelmente imprecisa, para Financial Economics) introduziu os conceitos de Mean Preserving Spread (preservação em torno da média) e Dominância Estocástica, em suas versões de primeira e segunda ordem, para resolver esse tipo de problema. Grosso modo, a ideia aqui é: se você tem uma maior medida de dispersão para uma mesma média de retorno, então você tem maior risco. Assim, esse fundo seria dominado estocasticamente pelo outro. Em bom português, voltamos a escolher o primeiro fundo. Isso é o que diz também o senso comum. Se as cotas de um fundo pulam demais, ele deve ser preterido a outro. Gostamos de retorno; não gostamos de volatilidade, certo? Vai, Felipe, ser gauche na vida. Para desafiar a tradição, eu discordo frontalmente dessa decisão. Se eu fosse escolher, treinado disciplinadamente no talebianismo, pegaria o segundo fundo. 28
Explico. Volatilidade não é uma medida adequada de risco. Ao contrário, há várias situações em que o mais volátil pode representar, inclusive, algo mais seguro. Ao suprimir a volatilidade, o sujeito reduz o risco associado a variações em torno da média. Basicamente, ele está controlando adequadamente os riscos conhecidos. Em contrapartida, ao fazê-lo ele empurra os riscos para a cauda da distribuição, estando provavelmente mais exposto a eventos raros. Breve comentário àqueles mais familiarizados com a linguagem de Nassim Taleb (o leitor não técnico não deve se preocupar com isto): é como se você minimizasse seu risco num cenário mediocristão, às custas de um aumento do risco no extremistão. O grande problema é que, normalmente, podemos lidar melhor com os riscos conhecidos do que com os desconhecidos. São esses últimos que nos matam na maior parte das vezes, pois estamos despreparados para lidar com eles. De uma forma mais intuitiva, um fundo que convive com maior volatilidade frequentemente está mais acostumado a lidar com choques. As chances de que ele consiga enfrentar, no futuro, ao menos um choque tão grande quanto o anterior parecem maiores do que aquele outro sem exposição à volatilidade. Há algo mais profundo do que parece aqui. Se um fundo com mesmo retorno e maior volatilidade é superior a outro, então basicamente toda a teoria de finanças precisa ser refeita. Mas não é só uma curiosidade acadêmica. Simplesmente toda a indústria de alocação de recursos e de fundos de investimento, desenvolvida no arcabouço média e variância e alheia às nuances da curtose (grosso modo, os impactos dos eventos raros), precisa ser refundada. Esqueça VaR, índice de Sharpe, fronteira eficiente e qualquer outra coisa parecida. Risco não é volatilidade, caracterizada pelo desvio-padrão dos retornos. Não há uma medida estatística capaz de representá-lo. O quanto você pode perder não guarda relação com o quanto você perdeu no passado. 29
Por fim, não se esqueça: se você quiser apresentar retornos maiores no longo prazo, terá de se expor à maior volatilidade e a perdas temporárias. Assista ao filme A Grande Aposta. Veja como e por quanto tempo sofreram os gestores que apostaram contra o mercado imobiliário norte-americano antes do estouro da crise de 2007/08. A recompensa vem a longo prazo – mas é provável que você terá de sangrar no meio do caminho. Mas talvez esse não seja assunto para uma sexta-feira. Não tenho vocação para vampiro. Prefiro o vinho ao sangue para hoje. Baco está motivado com mais um dia de otimismo nos mercados em âmbito global.
Inflação mais forte na China alimenta confiança em estabilização da economia, após dados recentes da balança comercial, abaixo das expectativas, suscitarem preocupação com ritmo de crescimento. Preços ao produtor abandonaram longa deflação e subiram 0,1%. Inflação ao consumidor veio em 1,9%, acima das projeções de 1,7%. Percepção de aquecimento da economia chinesa impulsiona commodities nesta manhã. Agenda é cheia lá fora. Destaque para discurso de Janet Yellen à tarde, muito aguardado por possíveis sinalizações sobre o futuro da política monetária norte-americana. Vendas ao varejo, sentimento do consumidor e estoques das empresas completam referências macro nos EUA. Temporada de resultados corporativos ganha corpo com balanços de JP Morgan, Citi e Wells Fargo. Por aqui, não há indicadores relevantes previstos. Atenção especial para redução dos preços da gasolina e do diesel, com impacto favorável sobre juros futuros, num cenário rigorosamente alinhado àquele traçado na Oportunidade da Década na Renda Fixa. Acompanhando bom humor externo e interpretação de que juros podem cair com mais intensidade a partir do reajuste para baixo na gasolina, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,80%. Dólar oscila em torno da estabilidade contra o real e juros futuros cedem. Mais um dia positivo, portanto. Mas não nos iludamos: essa calmaria não vai durar para sempre. Jim Rickards apresenta hoje no Currency Wars uma forma muito interessante de se apostar no potencial aumento da volatilidade à frente.
30
6|
Para ter sucesso, você precisa sobreviver 27/10/16
Outra vez a mesma história, volta sempre a acontecer. Vai passar de hora em hora, depois que ligarem a TV. Eu acho que sei todas as músicas do Lulu Santos de cor. Lá em casa era assim: tinha só três CDs, que se alternavam repetidamente no rádio ao longo do final de semana. Na verdade, havia mais de três fisicamente, mas a sensação auditiva era de que os demais não existiam, pois continuavam dentro do armário sob a televisão da sala. Eram a trilha sonora do filme O Guarda-Costas, com a Whitney Houston, aquele preto com uma risca vermelha de greatest hits do Queen, todo vestido com jaqueta de couro, e um coloridão do Lulu. Sim, era praticamente um festival brega. Mas não há como negar, existe uma certa sabedoria popular em Aquilo, a faixa cuja letra abre este texto. Não tem vacilo nem engano que estrague. Toda vez a mesma história. Basta uma penny stock, um mico qualquer, aquela ação popular nos fóruns disparar algumas dezenas, às vezes centenas, de percentuais para sermos imediatamente cobrados: “como assim vocês não recomendaram Telebras? Está subindo mais de 100% hoje. Vocês são profissionais ou não?” Foi assim agora, claro. Nada diferente do usual. E fora o mesmo com Mundial e sua bolha do alicate, Bombril, Manguinhos, por aí vai. Daí o tempo passa e a poupança Bamerindus – já há bastante tempo – não continua mais numa boa. A tal ação, desprovida de fundamento e estimulada por uma especulação qualquer, entrega todos os ganhos à frente e a mesma pessoa que havia criticado passa a se sentir aliviada. Mas meu ponto nem é esse. Pretendo mostrar que, mesmo que tais ganhos não fossem apagados por uma súbita e posterior queda daquela ação, faria sentido não participar do tal movimento de valorização. 31
A ciência evolui a partir de um negócio chamado teste de hipótese – qualquer pessoa que tenha feito um curso introdutório de Estatística sabe o que é. Dentro desse negócio, existe o Erro Tipo I e o Erro Tipo II. O segundo consiste em tomar como falsa uma hipótese verdadeira. O primeiro é tomar verdadeira uma hipótese falsa. Assim como em qualquer outro fenômeno social, na construção de patrimônio é muito menos grave incorrer no Erro Tipo II do que no Erro Tipo I. É melhor você não comprar uma ação e ela subir (isso é o Erro Tipo II, no caso), do que comprar uma ação e ela cair (Erro Tipo I). Deixar de ganhar e perder são coisas bem diferentes. Se você tiver R$ 500 mil e minhas recomendações lhe fizerem passar a ter R$ 1 milhão, não será, em módulo, o mesmo efeito, prático e psicológico, de que caminhar para zero. Perdas de 100% não equivalem a ganhos de 100%. A rigor, estudos em finanças comportamentais sugerem que a perda tem um impacto 2,5x mais forte do que o mesmo ganho. Perder R$ 1 lhe causa uma dor 2,5x mais intensa do que o benefício de ganhar 1 real. Em todas as decisões de compra de determinado ativo, o investidor precisa se perguntar não somente o quanto vai ganhar/ganhou, mas também a que nível de risco estará/esteve exposto? A decisão de compra se dá antes do movimento; e a aferição de resultado ocorre depois – não é uma comparação justa. Para ser bem-sucedido, você precisa primeiro sobreviver, resumiria Warren Buffett. O ceticismo não é somente uma postura intelectual mais poderosa. Ele também é mais poderoso, pragmaticamente. Prefira tomar como falsas determinadas hipóteses de supervalorização que existem por aí.
Com esse pano de fundo, encerraremos hoje as adesões ao Clube de Construção de Riqueza. Restam poucas vagas para aquele que é um projeto sério e sólido de evolução de patrimônio, sem pirotecnias ou promessas excessivas. Mercados começam a quinta-feira meio no zero a zero. Dia morno. Clima marginalmente negativo acaba predominando, com aumento da probabilidade de subida do juro nos EUA
32
em dezembro (de 67,6% para 72,5%) e atenção redobrada sobre balanços corporativos, aqui (Vale, Natura e Klabin dentre os destaques) e lá fora (Alphabet principalmente). Clima é de certa expectativa pelos indicadores e resultados trimestrais a serem anunciados. Dia tem pedidos de auxílio-desemprego e de bens duráveis nos EUA, além de Pending Home Sales e atividade medida pelo Fed de Kansas. PIB do Reino Unido veio acima do esperado, com bom comportamento do setor de serviços, amenizando preocupações com efeitos do Brexit. Por aqui, PNAD apurou taxa de desemprego de 11,8%, em linha com a anterior e marginalmente aquém das estimativas. Dados fiscais estão em pauta, com resultado do governo central e arrecadação federal. Governo obteve vitória sobre desaposentação, que poderia ter impactos importantes à frente, e abrandamento da crise entre Renan Calheiros e o ministro da Justiça. Ibovespa Futuro abre em ligeira queda de 0,12%. Dólar sobe 0,15% contra o real, na esteira do comportamento de outras moedas emergentes. Juros futuros alternam altas e baixas.
33
7|
Lembrai-vos da mulher de Ló 31/10/16
Último pregão do mês não é apenas dia de maldade. Normalmente, rolam atrocidades mesmo. Aquela puxetinha típica dos fundos de small caps para salvar a cota mensal – é curioso como cada gestor com que você conversa aponta a prática supostamente adotada pelo vizinho; ele mesmo não faz, claro. Aquela disputa pela formação da PTAX que servirá de referência para liquidação de contratos futuros, numa briga acirrada pelo último dia para adesão da janela de repatriação. Outubro foi um mês positivo para ativos de risco brasileiros, com Ibovespa subindo 10% até agora, liderado por empresas de commodities. Investidores se perguntam se seria a hora de realizar lucros. Estão todos ansiosos por colocar no bolso os ganhos acumulados em curto intervalo de tempo. “Estou ganhando 20% com esta recomendação. Devo vender?” Está no evangelho de Lucas, capítulo 17, versículo 32: “Lembraivos da mulher de Ló.” O alerta foi dado por Jesus para caracterizar a possibilidade de julgamento súbito de Deus. A frase faz referência à história de Sodoma e Gomorra, duas cidades destruídas pelo seu caráter excessivamente pecaminoso e pela ausência de homens justos. Abraão pede a Deus clemência pelas duas cidades. O Todo-Poderoso responde que, se houver dez homens justos em Sodoma, ela será poupada. Então, dois anjos visitam a casa de Abraão e se hospedam na casa de Ló, sobrinho de Abraão. Em sinal de sua libertinagem, o povo sodomita se aglomera à frente da residência para ter relações sexuais com os dois novos hóspedes. Ló sai em defesa dos anjos, que ferem com cegueira os homens de fora e retiram a família dali, dando a ordem de seguirem em direção das montanhas sem olharem para trás. A mulher de Ló desacata a sugestão e vira-se para trás, sendo, então, punida com sua transformação numa estátua de sal. Não olhe para trás em seus investimentos. Não permita que uma 34
decisão tomada no passado influencie sua avaliação hoje. O preço pago antes é um custo irrecuperável. Não importa se você está lucrando ou tendo prejuízo com uma determinada ação (ou qualquer outro ativo). A única coisa relevante é se aquele respectivo investimento lhe oferecerá bons retornos à frente. Se for o caso, você deve mantê-lo. Se não for, você pode vendê-lo e investir num outro, com prognóstico mais favorável. Isso vale tanto para casos vencedores como perdedores. Teddy Odean estudou o comportamento de 163 mil contas de pessoas físicas. Ele mostra categoricamente como o apego ao passado faz com que adotemos decisões ruins no presente. O pesquisador identificou um comportamento típico: as pessoas realizam lucros muito rápido, perdendo boa parte da subida; em contrapartida, carregam por mais tempo do que deveriam posições perdedoras. Temos uma tendência de resistir à realização de um prejuízo. Se aquela ação não é a melhor que você pode ter, não fique preso àquilo. Incorpore seu prejuízo e parta para a próxima. Dinheiro não tem carimbo. Ganhar 20% com uma nova ação é rigorosamente a mesma coisa do que recuperar 20% na ação antiga. Há uma série de estudos apontando o viés de confirmação, aquela inclinação a, uma vez formada uma opinião sobre determinada coisa, procurarmos informações capazes de reforçar a interpretação inicial e ignorarmos evidências contrárias à tese original. Isso impede que mudemos de opinião e força o carrego de posições perdedoras. Cada mês, semana ou dia é um novo momento. Como se a pedra devesse ser zerada a cada novo amanhecer. Este é meu melhor portfólio para ter hoje? Essa é a pergunta. Ganhos ou prejuízos passados estão… no passado.
Falemos do hoje, que é o que interessa. Segunda-feira começa sob certo clima de expectativa. Reuniões de bancos centrais ao longo da semana ditam a disposição a risco, com destaque para o Fed na quarta. Bolsas internacionais não assumem tendência definida. Europa em leve queda, acompanhando petróleo, PIB da Zona do Euro em linha com expectativas e vendas ao varejo
35
na Alemanha abaixo do esperado. Futuros de Wall Street avançam, empurrados por alguma preocupação com esfera política e resultados corporativos. Na sexta-feira, aversão a risco subiu com abertura de investigação do FBI sobre e-mails de Hillary Clinton. Temor foi um pouco dissipado no final de semana e permite volta do clima um pouco mais confortável. Agenda norte-americana traz rendas e gastos, além do PCE, tradicional indicador de inflação. Atividade na região de Chicago e em Dallas. Por aqui, relatório Focus trouxe ligeira deterioração das estimativas para PIB e projeção de uma Selic menor em 2017 (mediana saiu de 11% para 10,75%). Às 10h30, saem dados fiscais consolidados. Ibovespa Futuro inicia negociações em leve alta de 0,2%, embora com instabilidade. Dólar cai 0,3% contra o real e juros futuros não mostram tendência definida. Nesta semana, a Empiricus completa sete anos de vida. Ainda é pouco para nossas pretensões, mas, dado o nível de mortalidade das empresas no Brasil, poderíamos dizer que se trata de uma vitória estatística. Para ficar no contexto bíblico, o número sete normalmente aparece associado à perfeição e à totalidade. Talvez não seja para tanto. Seja como for, é um motivo de satisfação. Um obrigado a todos os nossos leitores.
36
8|
Touché
09/11/16
Eu quase posso ouvir meu pai sussurrar em meus ouvidos. Se ele estivesse vivo, estaria falando assim: “pare com suas teorias. Temos contas de mais a pagar e dinheiro de menos. Não bastam os problemas materiais, você quer inventar outros novos?” Lembro de Raul Seixas: “dois problemas se misturam: a verdade do universo e a prestação que vai vencer. Entro com a garrafa de bebida enrustida, porque minha mulher não pode ver.” Papai era um ser eminentemente prático. Ele não entendia aquelas pilhas de livros espalhadas pelo quarto. Não o culpo. Ao contrário, tenho orgulho disso. Aquela retidão estoica e a obsessão pela prestação que vai vencer – de que interessa a verdade do universo? Não bebo filosofia – forjam caráter. A ética do trabalho. A falta do entendimento alheio às suas particularidades é introjetada como necessidade de provar-se diante dos outros, como se a resistência do terceiro servisse de combustível para que você o superasse. Os olhares estranhos entravam na fila de inimigos, contra os quais eu haveria de me erguer. A disciplina tangível mantinha-me apegado à ideia essencial: os livros servem se tiverem apelo prático, ou seja, se puderem ser transportados para o mundo real. Felizmente também, livrei-me da maldição do herdeiro, aquele ser conformado com as conquistas do pai, apático com as benesses oferecidas pelo patrimônio familiar e desconhecido das dificuldades da rua, ou ávido por superar a referência paterna, quase insuperável. O pai fora um self-made man. Ele está condenado à condição de sombra. “Para que servem as teorias? Esse monte de filosofia prolixa que você despeja, privando-nos de rapidez para acessar logo o que realmente interessa? Passe logo às recomendações.” 37
Eu também preferiria correr com as coisas. Sobraria mais tempo para jogar videogame com meu filho, viajar hoje mesmo para BH pra ver o Neymar contra o Messi, bater uma boa pelada com os trutas ou tomar um bom Pinot Noir da Borgonha com minha esposa. Às vezes, nem eu mesmo me aguento. Não é sempre: só quando eu respiro. Mas as teorias importam. É o compromisso epistemológico que rende resultados a longo prazo. Se você não acredita nas minhas filosofias, apegue-se à história. Ela está sendo escrita na sua frente. E se você não se posicionou em algum “Trade Trump”, tome como um ensinamento para a próxima oportunidade. Não é por um conhecimento diletante, uma tentativa idiota de provar erudição. É para você ter um método, que servirá não para o Brexit ou para o Trump, mas para sempre. No último Palavra do Estrategista , recomendamos explicitamente um “Trade Trump”. Cheque em sua área de assinante. Está lá, com data, antes de todas as propostas que hoje permeiam jornais, sites supostamente especializados e research de bancos e corretoras: “uma carteira Trump.” Agora não adianta. O mercado já vai abrir derretendo e você não terá tempo de montar. Na Carteira Empiricus, ontem mesmo propusemos a compra de puts (opções de venda) de Petrobras, para nos protegermos da eventual vitória de Donald Trump. Nós sabíamos do resultado da eleição? Não. Nós acreditávamos que Hillary perderia? Não. E ainda assim apostaram no Trump? Sim. O curso das coisas é uma demonstração material da proposta, supostamente teórica, de entendermos a noção de conflation. X não é f(x). Não interessa o resultado futuro de algum evento. Importa a matriz de payoff. Não tínhamos ideia de quem ganharia as eleições, mas fazia sentido manter apostas em Trump porque a matriz de retornos potenciais era bastante assimétrica em favor desse cenário. Por isso a aposta. E por isso colheremos os frutos hoje. 38
Amanheci com minha caixa de e-mails abastecida com mensagens elogiosas à proposta de posicionamento em Trump, algo que nenhuma outra instituição do mercado havia feito. Agradeço a boa vontade, mas a verdade, porém, é que os elogios não são justos. Eu tenho mérito zero nisso. Arrisco a dizer que minha contribuição a respeito poderia ter sido muito melhor, pois haveria certamente maneiras de instrumentalização mais lucrativa. O valor está no método, não na minha proposta individual. Eu, como analista, tenho zero a lhe oferecer, a não ser sangue e suor. A estratégia em prol da obsessão pela antifragilidade e pela convexidade (quanto eu perco x quanto eu ganho) é o que interessa. Ela tem 100% do mérito. E ela vai te proteger do banho de sangue hoje. Se não for o caso, espero que acredite da próxima vez. Ativos de risco derretem nesta manhã. Risco Trump. Hillary era a candidata de Wall Street, temerosa quanto à incerteza imposta pela campanha de Trump. O establishment tremia a cada discurso do republicano. Hoje só há isso. Não se iluda. Dia vai ser tenso. A coisa mais importante a fazer enquanto os outros estão em pânico é: não entre você em pânico também. Mas não vejo um problema grave. O case de longo prazo está intacto e, em poucas semanas, Trump não será mais uma questão relevante. Ele será engolido pelo establishment e pelas instituições norte-americanas. Historicamente, os republicanos sempre foram mais alinhados com práticas pró-mercado, reformistas etc. Seu primeiro discurso já foi justamente nesse sentido, muito mais conciliador. Aos poucos o mercado vai perceber: o marketing das promessas de campanha de Donald Trump era, por incrível que pareça… marketing. Mais do que óbvio, é tautológico. Estamos protegidos com seguros hoje. Eles vão subir, venderemos e usaremos esse dinheiro para comprar as barganhas que serão criadas. Se você estava à espera de uma oportunidade de compra, a janela vai se abrir nos próximos dias. Esteja preparado. 39
Ibovespa Futuro cai 3% e dólar sobe 2% , pressionados por dia de maior aversão a risco. Juros futuros disparam, sobretudo na ponta longa. Redução da gasolina (-3,1%) e do diesel (-10,4%) poderia ter efeito sobre evolução da taxa Selic no curto prazo, mas acaba ofuscada por incertezas no cenário externo. Trump reduz as chances de aceleração do ritmo de afrouxamento monetário, mesmo com IPCA ficando ligeiramente abaixo das projeções (+0,26% contra +0,29% ). Agenda nos EUA traz estoques de petróleo e estoques no atacado. Zona do Euro oferece projeções trimestrais para principais indicadores. Por aqui, há discussão da PEC do Teto de Gastos na CCJ do Senado. Àqueles interessados em saber mais sobre seguros, recomendo fortemente a leitura do Gamma Trader. As opções são a forma mais prática de fazê-lo. Veja sem preconceitos. As opções foram feitas pra proteger, não para fazê-lo correr mais riscos.
40
9|
O preconceito que você precisa quebrar imediatamente ao investir
25/11/16
Tirando coisas como monitor de acampamento, professor de inglês e matemática nas férias, e lavador de carros dos pais aos finais de semana, meu primeiro trabalho foi como estagiário da mesa de sales de derivativos no Deutsche Bank. À época, não tinha a restrição de apenas seis horas de trabalho por dia aos estudantes. A jornada era aquela clássica de oito horas: das 8h às 8h (20h), padrão revolução industrial. Tinha direito a almoço, claro. Na mesa, em frente ao computador, igualmente claro. Onde já se viu abandonar o terminal Bloomberg com o mercado aberto? Não tenho críticas. As coisas eram assim. E a gente fazia. Saia cansado pra caramba, frustrado por não ter encontrado carbono branco no 25o andar (tinha que subir de escada), mas feliz. Sensação de dever cumprido. Respeito, verdadeiramente, a tchurma que abraça árvore e aplaude o pôr do sol. Eu, no entanto, a partir dos exemplos paternos, fora criado na ética do trabalho. Talvez por isso tenha me identificado tanto com a coluna da Tati Bernardi de hoje na Folha. Então, democraticamente, decidi que nesta sexta-feira falarei somente com quem tiver lido o texto. Para os demais, zíper na boca. Acabo de descobrir que, formalmente, pertenço à geração Millenium, da turma do glitter, das ombreiras e das calças coladas. A alma, porém, é de um Opalão Gran Luxo 1974, o maior carro já visto na história deste país. Talvez os comentários iniciais estimulem uma visão distorcida e equivocada. Dou de ombros. Definitivamente, não é essa a razão da minha insônia. Desde que fizemos críticas ferozes ao governo de Dilma Rousseff, as pessoas nos associam – e a mim em particular, a cara por trás do Fim do Brasil – a bolsominions, trumpetes e/ou conspiradores do novo golpe militar. Você conhece a profundidade do debate: se você não gosta da Dilma e do Lula, então é fascista, preconceituoso, machista, explorador etc. 41
A verdade, porém, é que, para questões morais e sociais, sou mais progressista do que todos os críticos. Pertenço à classe dos liberais, em sua concepção mais profunda, com inclinações, embora também com restrições, libertárias. Pra mim, tudo pode. Só com mulher de bigode que nem o capeta pode. Ativo ou passivo, pra mim não importa. Não estou saindo do armário. Tenho preferências heterossexuais – ao menos por enquanto. Como insisto em dizer, o futuro não sabemos. Confesso, porém: o mercado financeiro tem, sim, preconceitos com o passivo. Deixe-me explicar melhor. Esclareço a ambiguidade. A educação financeira é péssima no Brasil. A escola não te ensina. Teus pais não te ensinam. Teus amigos muito menos. A faculdade também não. Isso, inclusive, motivou a fundação da Empiricus. Sinceramente, e modéstia à parte, hoje não consigo enxergar quem mais faça pelo investidor pessoa física no Brasil do que a Empiricus. Mas não escrevo isso como propaganda. Quero falar outra coisa. Nós, como brasileiros, cuidamos mal de nossos investimentos. Muito mal. Mas há de se reconhecer alguns esforços para melhorar a situação. Começamos a criar uma cultura de maior atenção naquilo em que aplicamos. Financeiramente, essas são nossas posições ativas, nosso conjunto de bens e direitos. Mesmo que ainda porcamente, os bancos começam a se dedicar a uma melhora do gerenciamento dos ativos do cliente. As corretoras – e aqui havemos de reconhecer principalmente o mérito da XP nisso – caminham, mesmo sob conflitos de interesse e erros no processo, na mesma direção correta. E, claro, a Empiricus se insere nessa dinâmica, perfeitamente. Mas ninguém – e precisamos necessariamente fazer a devida mea culpa – oferece o devido aconselhamento para o gerenciamento dos passivos, do conjunto de obrigações financeiras do sujeito, sob uma perspectiva intertemporal. 42
Abrindo meu coração, recebo centenas, talvez chegue à casa do milhar, de e-mails por dia de pessoas que querem investir em ações, ou em outros ativos de risco quaisquer, sendo que precisarão do dinheiro em pouco tempo. O exemplo abaixo é um clássico: “Vou quitar meu apartamento daqui a cinco meses. Vi que você gosta bastante das ações de Itaú e Rumo. Posso tomar um empréstimo, investir nas ações e quitar o apartamento com lucro lá na frente?” Há um conjunto de atrocidades implícitas aí. Primeiro: nunca se alavanque para investir em ações ou em qualquer outra coisa de risco. Segundo: não pode haver prazo para se resgatar um ativo de risco. Se já é difícil acertar se e qual ação vai subir, determinar em qual período de tempo esse movimento vai se dar é simplesmente impossível. Por favor, acredite nisso. Reconheça as limitações do arcabouço analítico em financeiras – e a ignorância do analista, bem como a sua própria. Terceiro: jamais invista em ações com um dinheiro do qual você pode precisar. Pense em ficar sócio das empresas. Quando vender? Comece considerando a hipótese de morrer com elas. Se não topar, suas chances são bem mais baixas.
Sexta-feira tinha tudo para ser boa para os ativos brasileiros. Bolsas voltam a subir lá fora. Há certa animação com Black Friday, commodities metálicas estendem valorização recente. “Calero Gate” atrapaiou tudo. Citação a Temer supostamente pressionando ex-ministro Calero, em conversa que teria sido gravada, dispara aversão a risco com ativos brasileiros e impõe tensão de curto prazo. Ibovespa Futuro abre em baixa de 1,2%. Dólar sobe 1,46% contra o real e juros futuros sobem destacadamente. Agenda econômica doméstica traz dados de arrecadação federal, IPC-Fipe e superávit do governo central, ajudado por dinheiro da repatriação. Lá fora, dia ainda é de liquidez reduzida, com fechamento mais cedo em NY por conta do Thanksgiving. Dentre os indicadores, apenas dados de serviços nos EUA e PIB do Reino Unido.
43
10 |
O mínimo que você precisa
saber para investir em ações
13/12/16
Eu tenho a mesma ideia há 40 anos. E estou errado há 40 anos. É assim que o norte-americano Bill Bonner, sócio da Agora Inc, bilionário e ganhador do prêmio de Empresário do Ano, abre todas as suas palestras. Eu ainda não cheguei aos 40. Portanto, tenho o privilégio de estar errado por menos tempo. Em contrapartida, carrego, dentre outras, a desvantagem de não parecer o Clint Eastwood. À semelhança de Bill, disponho de uma única ideia. É obviamente pouco e eu não me orgulho disso, mas confesso gostar dela. Um é maior do que zero, melhor do que nada. Se eu tivesse de resumir a coisa em poucas linhas, seria com a afirmação de que há muito mais incerteza na economia e nas finanças do que supõem as teorias e os analistas mais tradicionais. Daí decorrem desdobramentos bastante importantes. Por mais que nos esforcemos, jamais eliminaremos a opacidade do ambiente. Nunca poderemos descobrir a priori qual dos cenários haverá de se materializar à frente. Assim, só nos resta perseguir assimetrias convidativas em nossos investimentos. A única vantagem que acredito ter em relação aos outros analistas é que eles não sabem que não sabem. Prossigo. Se nunca poderemos descobrir qual será o resultado final dos processos hoje em curso e de suas mais variadas possibilidades no futuro, tudo o que podemos fazer é adotar a estratégia que implicará o menor prejuízo caso se concretize o cenário ruim, e o maior lucro caso se configure o cenário positivo, contempladas as probabilidades associadas. Quanto podemos perder frente aos ganhos potenciais. Talvez por isso goste tanto das ações. Por definição, você pode perder, no máximo, 100% de seu capital investido, mas pode, do outro 44
lado, ganhar muito mais do que isso. Então, se você monta uma carteira diversificada em ações, o que deve lhe acontecer com o passar do tempo? Algumas vão perder 100%. Outras subirão 100%, 200%, quem sabe 1.000%. Suas perdas serão mais do que compensadas pelos ganhos, justamente porque há essa característica maravilhosa associada às ações de uma assimetria convidativa. Posições compradas em opções também lhe oferecem exatamente a mesma dinâmica. Talvez por isso nosso produto de Estratégias com Opções, agora rebatizado Gamma Trader, seja tão popular, porque, em essência, as opções são a representação emblemática da proposta talebiana de controlar as perdas potenciais e se expor a ganhos ilimitados. Fala-se muita bobagem por aí sobre opções. O ideal seria, ao menos, conhecer sobre a coisa. Note, porém, que, na estrutura, ações e opções não são tão distantes, pois oferecem matriz de payoff semelhante: perdas limitadas, ganhos ilimitados. Não à toa, Robert Merton, prêmio Nobel de Economia, possui um modelo de apreçamento das ações como opções, em que seu preço de exercício é o patrimônio líquido da respectiva companhia. Mas isso é bobagem, apenas uma nota técnica. Retomo o ponto principal. Já apresentei a ideia central aqui exposta, em defesa de uma carteira diversificada de ações e/ou opções como uma forma de se apropriar dessa assimetria convidativa, um bilhão de vezes. Hoje quero apresentar a coisa sob outro ângulo. No fundo, tudo recai sobre a mesma ideia: apropriar-se da antifragilidade associada às ações. Variações do mesmo tema sem sair do tom. Se antes o corolário apontava para necessidade de uma carteira diversificada, em que você tentava aumentar suas chances de capturar uma grande multiplicação através do incremento do tamanho da sua carteira, agora a recomendação pragmática desemboca nas compras graduais e sucessivas de ações, por um longo prazo. O bonito da coisa é que não há análise, suposições de que conseguimos entender a realidade melhor do que os outros ou que dispomos do dom da clarividência. A questão é meramente aritmética. E a matemática é teimosa em revelar-nos somente a verdade, sem espaço para tergiversar. 45
Tomo o caso das ações da Petrobras como exemplo. Faço isso por ser um caso, supostamente, de um investimento ruim nos últimos anos. Com a política de preços de combustíveis desastrosa, a obrigatoriedade de exploração dos campos do Pré-Sal e a Operação Lava Jato relevando sérios problemas de governança corporativa (para dizer o mínimo), seria natural esperarmos uma forte destruição de valor. Com efeito, a empresa foi quase destruída mesmo. Tomemos os últimos três anos, desde o início da Lava Jato. Em 2014, as ações tiveram um ano bastante ruim, caindo 37,6%. Em 2015, mais uma forte queda: -33,1%. Já em 2016, a recuperação de 132%. Imagine, porém, que você comprou R$ 10 mil em ações da Petrobras ao preço de fechamento 31 de dezembro de 2013. Terminou o ano de 2014 com R$ 6.243 mil, quando comprou mais R$ 10 mil, iniciando 2015, portanto, com R$ 16.243 mil. Com a queda das ações, encerrou aquele ano com R$ 10.861 mil. Então, ao fechamento de 2015, comprou mais R$ 10 mil, entrando em 2016 com R$ 20.861 mil (já tendo destruído, portanto, quase R$ 10 mil, dos R$ 30 mil aportados). Então, surfou a valorização de 2016, tendo agora R$ 48,5 mil. Mesmo com a empresa tendo passado por dois anos periclitantes, foram mais de 60% de ganhos! Bem acima do CDI e um excelente desempenho para qualquer métrica que você possa imaginar. Talvez você pense se tratar de um caso particular e escolhido apenas para provar o ponto. Não é. Pensemos genericamente. Vamos a um exemplo hipotético em que uma empresa quase quebra no primeiro ano, caindo 99% (veja que perdas superiores a isso, supondo que a companhia não vá morrer no meio do caminho, são bastante difíceis – é importante, portanto, a hipótese de que a empresa vai sobreviver). No ano seguinte, ela sobe 200%. Se você colocou R$ 10 mil no primeiro ano, sobrou-lhe quase nada. Mas se voltou a comprar no ano 2, você teve seus R$ 10 mil dessa segunda aquisição transformados em R$ 30 mil. Ganho final, mesmo com a empresa quase quebrando, de 50% . 46
O que está por trás disso é simplesmente a lógica, a aritmética e a antifragilidade das ações. Para se aproveitar delas em sua totalidade, no entanto, você precisa ter algum fôlego financeiro (para poder fazer aportes periódicos), escolher empresas que não vão morrer no meio do caminho (você precisa sempre poder participar da próxima rodada do jogo) e, principalmente, ter foco no longo prazo. Se você encurta demais o horizonte temporal de seus investimentos, simplesmente não pode se beneficiar dessas características da renda variável, e é simplesmente fundamental para retornos consistentes. Uma sequência de cinco anos ruins pode ser atropelada por um único ano excepcional. Isso só será possível, contudo, se você estiver exposto àquilo por seis anos. Não há como pensar no curto prazo. Isso vai simplesmente destruir os benefícios que as operações de risco podem lhe oferecer. Fuja de quem não tiver essa consciência. Como talvez você já tenha percebido, estou numa campanha nesta semana em prol da conscientização da importância do horizonte temporal de longo prazo, pelo bem dos investidores pessoas físicas, tipicamente ávidos por resultados de curto período. Ansiedade e consistência de retornos, infelizmente, não combinam – eu também adoraria que combinassem, confesso. Hoje, em particular, gostaria que não somente os investidores tivessem essa consciência, mas principalmente os senadores. Está prevista votação em segundo turno no Senado da PEC do Teto de Gastos. Expectativa ampla por aprovação, mas, no país das surpresinhas de última hora, só comemoro com a bola dentro da rede. Quem grita gol antes toma xingamento no estádio – na arquibancada, rende até tapa na orelha. Além do resultado em si, placar da votação é importante, pois pode indicar perda ou não de apoio ao governo depois da delação da Odebrecht ser vazada. Uma base ampla e unida é importante para sinalizar espaço para aprovação da reforma da Previdência e de outras que vierem a surgir. 47
Terça-feira amanhece com pequena derrota para o governo, após CCJ adiar leitura do parecer pela admissibilidade da reforma da Previdência, com ameaças do chamado Centrão. Adentrando a agenda econômica propriamente dita, vendas ao varejo caíram 0,8% em outubro, rigorosamente em linha com projeções. Um resultado ruim, é claro. Lá fora, há certo otimismo após dados positivos na China, com vendas ao varejo (+10,8%) e produção industrial (+6,2%), acima das projeções de consenso. Nos EUA, saem otimismo de pequenas empresas e preços das importações, em agenda relativamente fraca. Na Europa, atenção para inflação ao consumidor na Alemanha e no Reino Unido. Após tombo da véspera, Ibovespa Futuro tenta recuperação, abrindo em alta de 0,30%, na esteira do clima favorável no exterior. Dólar sobe 0,4% contra o real, também de olho na performance lá fora. Juros futuros recuam com confiança crescente e alívio com preocupações mais imediatas sobre crise política, enquanto aguardam aprovação da PEC.
48
11 |
Iludidos pelo acaso 26/12/16
Leopoldo está excitado e confiante. Com a alta de 45% de seu hedge fund em 2016, ele é um semideus na Faria Lima e no Leblon. Todos o olham com uma mistura de inveja e admiração. Ele devolve com arrogância e agressividade, enquanto finge atenção e interesse por aqueles que o abordam para parabenizá-lo pelo excelente ano. Ele será eleito o gestor de 2016. E sabe disso. Saiu de um grande banco para a carreira solo, capta como se não houvesse amanhã e não vê limites para seu crescimento. Seu maior fetiche é em si mesmo. Ele está na varanda de seu apartamento com vista para o Clube Pinheiros. Fuma um charuto e fecha a janela para evitar conectar-se com a sala. Tenta blindagem auditiva do som que vem de dentro do apartamento. Sua esposa colocara o CD da Simone no talo, parecendo testar o poder das caixas de som. Leopoldo entra numa viagem egoica. Ele admira-se como gestor. Sente prazer em cada movimentação positiva de sua cota. É a sua cachaça. Ninguém deu mais retorno do que ele no Brasil neste ano entre os fundos multimercados, o que lhe é motivo de orgulho. Ele está convencido de sua capacidade. Afinal, lidera o ranking de gestores. “Ninguém – absolutamente ninguém – acertou mais do que eu neste ano.” Ele reconstruiu em sua memória a caminhada de 2016 e está convicto de que pode antecipar os movimentos de mercado. A cota não mente, não é mesmo? O viés de retrospectiva reconstrói o passado conforme a nossa conveniência e cria uma linda falácia da narrativa, para fazê-la caber em nosso modelo mental. Cada efeito encontra sua causa previamente pensada. Nada de serendipidade (perdoem o anglicismo; “serendipity” seria pior) nem obra da aleatoriedade. A verdade, porém, é um pouco diferente. Seu ano foi resumido assim – tomo aqui apenas os grandes acontecimentos: tendo visto a elevação do juro básico norte-americano em dezembro de 2015 e certo de 49
que Dilma Rousseff acabaria em definitivo com o Brasil, ele shorteou (vendeu) Bolsa brasileira e comprou dólares em janeiro. Teve um mês simplesmente excepcional. No começo de fevereiro, estava convicto de que não haveria impeachment e que a dívida pública brasileira explodiria. “Então, é melhor ter ações do que títulos, pois as empresas tendem a sobreviver; num default clássico, é melhor ter ativos reais do que dívida – pode soar contraintuitivo para alguns, mas não é.” Assim, comprou Bolsa brasileira, como proteção ao default. Bancos, estatais e, alimentado pela política de estabilização do crescimento na China, algumas mineradoras/siderúrgicas. De maneira surpreendente, o impeachment ocorreu e Leopoldo, claro, continuou com suas ações. Até o final de abril, quando imaginou que Temer não assumiria em definitivo. Aproveitou a alta recente para shortear Bolsa – com a queda de 10% em maio e certeza de que, com Dilma continuando, o calote da dívida pública brasileira era iminente, voltou a comprar Bolsa. Manteve suas posições até novembro, quando, imaginando que Hillary Clinton venceria as eleições norte-americanas, migrou sua exposição total em Bolsa para o S&P 500 – afinal, ela era a candidata de Wall Street e a manutenção de juros baixos lá fora por muito tempo estimularia migração continuada para as ações. A posição em Bolsa norte-americana era gigante no fundo. Quando Trump ganhou, Leo ficou desesperado. Suspeitou que entregaria os ganhos do ano. Achou que as ações nos EUA já abririam com forte queda no dia subsequente à sua eleição e, portanto, não valeria a pena mais vender bolsa norte-americana – “na pior das hipóteses, estou em dólares. Como Trump vai representar uma forte aversão a risco, vou me beneficiar disso, mesmo que perca com a queda do S&P.” Deu no que deu – recordes para as bolsas norte-americanas no pós-Trump e uma explosão da cota do hedge fund mais acertador do Brasil. Nesse meio tempo, lá pelo começo do segundo semestre, Leopoldo se preocupou com o ritmo do crescimento da economia britânica e resolveu montar uma posição vendida na libra contra o dólar. Ele estava convencido de que a Grã-Bretanha continuaria na União Europeia, mas, mesmo assim, o desempenho relativo nos EUA, bem como sua política 50
monetária mais apertada, valorizariam o dólar contra a libra. Leo zerou sua posição no dia imediatamente subsequente ao Brexit, com ganhos de 15%. Ele tem por hábito operar fortemente alavancado nos mercados de moedas e isso trouxe a maior valorização diária da cota no ano. Ainda no mercado de moedas, estava desconfiado sobre a recuperação dos preços do petróleo e via uma espécie de teto estrutural para o barril em torno de US$ 50/55, por conta do shale norte-americano. Assim, vendo desdobramentos imediatos sobre a conta-corrente mexicana, shorteou o peso contra o dólar – isso aconteceu cerca de um mês antes da eleição de Trump, sem que Leopoldo sequer se lembrasse da eleição presidencial nos EUA. Bom, acho que já deu pra entender o espírito. O sujeito errou toda a interpretação do ano. Foi o maior ganhador de dinheiro. Sei que vários gestores/investidores vão se identificar com a narrativa. Posso ouvir ao fundo Carly Simon (embora eu prefira, por larga vantagem, a versão do Marilyn Manson): “You’re so vain; You probably think this song is about you; You’re so vain; I’ll bet you think this song is about you; Don’t you? Don’t you?” É, no entanto, só um exemplo meramente hipotético para provar alguns pontos. Primeiro: o acaso seleciona os vencedores, com frequência e intensidade muito maiores do que nós supomos. A história narra apenas o que foi, negligenciando aquilo que poderia ter sido. Feliz ou infelizmente, só descobrimos o que realmente foi a posteriori. As coisas poderiam ter acontecido de maneira bastante diferente. Portanto, cuidado ao selecionar gestores apenas com base no histórico, principalmente se for curto. Prefira Luis Stuhlberger abaixo do CDI em 2016 do que o gênio do momento. Segundo: entendimento e convexidade são duas coisas bastante diferentes. Você não precisa de um futurólogo para descrever-lhe os acontecimentos do amanhã. Estar certo e ganhar dinheiro não necessariamente são a mesma coisa. Prefira a segunda ação à primeira. Apurar lucro estando errado é ainda mais divertido. Se eu lhe dissesse 51
que Trump ganharia a eleição nos EUA, provavelmente você perderia dinheiro com essa informação comprando seguros clássicos como Treasuries e ouro. Terceiro: nós não estamos no negócio do “porquê”. As causas, narradas a posteriori, servem apenas para a construção de modelos mentais, na melhor das hipóteses, incompletos. As justificativas para a tomada de decisão transcendem o escopo estritamente racional e entram no campo do conhecimento tácito. Falácias da narrativa são ótimas para contar um história, ruins para representar a verdade e péssimas para antever performances futuras de portfólio. Em resumo, cuidado para não ser iludido pelo acaso.
Está difícil para contar uma história empolgante nesta segunda-feira. Mercados abrem morosos, procurando uma direção. Com bolsas dos EUA e da Europa fechadas ainda por conta do Natal, falta um norte claro. Falta também liquidez. Variações são bastante modestas. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,30%. Dólar e juros futuros estão perto do zero a zero. Entre os indicadores do dia, relatório Focus trouxe nova queda das projeções para inflação em 2016 (mediana de 6,49% para 6,40%) e 2017 (de 4,90% para 4,85%), e para o PIB de 2016 (de -3,48% para -3,49%) e de 2017 (de 0,58% para 0,50). Esperam-se contas do governo central para esta segunda-feira. Lá fora, sem indicadores relevantes. Há um ligeiro otimismo vindo da China, a partir do anúncio do governo de que irá investir 260 bilhões de dólares em estradas e vias fluviais em 2017, alimentando papéis do setor de construção.
52
12 |
Crepúsculo dos ídolos 04/01/17
Rasga teus ídolos. Torna-te quem tu és. É uma boa proposta para 2017. Quem és tu, investidor? Otimista? Pessimista? Moderado? Agressivo? Eu entendo a necessidade de classificar as pessoas em caixas. Os rótulos facilitam a compreensão. Respeito os esforços da regulação em prol do suitability, de oferecer aos clientes produtos e serviços alinhados às suas próprias necessidades, anseios e tolerância ao risco. Nós mesmos, na Empiricus, estamos empenhando recursos, pessoas e tecnologia no sentido de cada vez mais segmentar as assinaturas, direcionando os leitores àquilo que mais se alinha a seu perfil – chega a ser impensável o que a tecnologia pode fazer nesse sentido. Se todos caminham nessa direção, ok, vamos nós seguir. Eu, pessoalmente, confesso que não gosto muito dessa necessidade de caracterização, de colocar uma pessoa dentro de uma gaveta como se ela fosse univocamente orientada por uma motivação: “sou agressivo”. Essa tendência de nos apropriarmos de uma espécie de mecânica newtoniana em que não há ambivalências facilita o entendimento, mas retira a complexidade das pessoas. Ao reduzirmos o investidor a uma relação de características associadas a um perfil, perdemos todas as suas idiossincrasias, aquelas questões que lhe seriam mais particulares e, justamente por isso, as mais essenciais. Jogamos o bebê fora junto com a água do banho. Lembro da ironia de Guimarães Rosa ao tratar dessa dicotomia maniqueísta: “Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? Este mundo é muito misturado.” 53
Num filme de ação hollywoodiano cai bem, mas a realidade é um pouco mais complexa. Será que não podemos estar pessimistas quando as coisas estão péssimas, e otimistas quando estão ótimas? Será que não podemos ser agressivos quando há oportunidade de sê-lo e excessivamente conservadores quando os riscos se impõem? Por que precisamos ser Dionísio ou Apollo, abrindo mão da ambivalência que é – ou, ao menos, deveria ser – justamente o equilíbrio instável desejável, a caminhada dialética apoiada no antagonista da tese contra a antítese? De novo apelando a Guimarães Rosa… “Viver é um descuido prosseguido. Mas quem é que sabe como? Viver... o senhor já sabe: viver é etcétera...” Mick Jagger está há 50 anos fazendo loucuras como artista e em sua vida pessoal, e durante o mesmo tempo foi o maior coxinha ao cuidar das finanças da banda, com um rigor e uma formalidade de dar inveja a qualquer MBA de Harvard. Para tornar-me quem eu sou, com a pluralidade que isso representa, preciso do eye of the tiger de querer bater o CDI pela maior vantagem possível, acreditando que, sim, estamos num bull market e precisamos ser arrojados neste momento, combinado, simultaneamente, com a paranoia de que tudo pode dar errado e havemos de carregar seguros-catástrofe. Se você parar para pensar, minha obsessão pela convexidade, o que tenho de mais íntimo é justamente essa tentativa de combinar as coisas: a possibilidade de retornos explosivos (sim, você precisa ter ativos de muito risco em sua carteira) mantida, em paralelo, com posições que lhe tragam benefícios no caso de o mundo acabar. Veja que essa é uma abordagem completamente diferente de se caracterizar a priori como agressivo ou moderado – você pode, e deve, ser as duas coisas. 54
Deixe-me colocar de outra forma: você vê um fundo multimercado subindo 10% num determinado mês. O que você pensa? 1) O gestor é um gênio por dar esse retorno; 2) O gestor é um louco, porque, se subiu 10% agora, pode cair 10% num outro mês. Sendo assim, ele vai quebrar em pouco tempo, pois seus clientes não tolerarão esse drawdown e vão sacar no pior momento, justamente quando ele mais precisa. Desnecessário dizer que 99% das pessoas pensam conforme 1). A história narra apenas o que foi e nós fingimos ignorar o que poderia ter sido. Não as culpo. Talvez o sujeito seja mesmo um gênio. Se ele comprou opções de juro fora do dinheiro ou sobre ações norte-americanas, subiu 10% e, de fato, não poderia ter caído 10%, pelo perfil convexo da compra das calls (perdas limitadas e ganhos ilimitados). Ele se preocupou com a matriz de payoff, controlou o downside e apostou em coisas improváveis, mas que estavam pagando muito bem. Sendo assim, perfeito. Tiro o meu chapéu. Caso encerrado. Conseguiu unir alto upside, com risco controlado. Nada a comentar. Já, porém, se a explicação for de que “acertamos todos os racionais de investimento e o mercado veio se alinhar perfeitamente às nossas convicções”, então ele está apenas iludido pelo acaso e vai quebrar antes do que todos supõem. Quando ele acerta, ele é um gênio, capta horrores e se sente capaz de prever o futuro. O problema é que o futuro continuará imprevisível. O problema é que ele vai errar também, pois surpresas no meio do caminho são parte inerente do processo. No mundo real, a incerteza jamais desaparecerá do ambiente e os tais cisnes negros estarão sempre à espreita – não se esqueça: os maiores gênios das finanças, com direito a dois prêmios Nobel, à maior sofisticação disponível, ao melhor hardware possível, tocavam o LTCM, um fundo altamente rentável e admirado até 1999; quebraram com a crise russa. Quando os gênios fracassam, eles… fracassam, igualzinho aos mortais. Gênio mesmo é aquele que percebeu que não há genialidade alguma. 55
Com sua própria lógica e racionalidade, mercado estende bom humor da véspera nesta quarta-feira. Commodities se valorizam, com petróleo se recuperando após tombo de ontem quando aumento de produção da Líbia trouxe preocupação para oferta. Expectativa por dados favoráveis de estoques nos EUA hoje ajudam a apreciar o óleo. Valorização do petróleo nas últimas semanas traz prognóstico de reajuste dos combustíveis por aqui. Voltando do feriado, bolsa do Japão disparou, empurrada por exportadoras, na esteira da desvalorização do iene, e por indicadores positivos das economias norte-americana e chinesa. Por aqui, IPC-Fipe apontou inflação ligeiramente acima das projeções, com pressão de alimentos, mas não chega a influenciar cotações de juros futuros. Predominam expectativas por IPCA de dezembro e reunião do Copom na próxima quarta-feira. Agenda doméstica hoje é completada por dados da Fenabrave e fluxo cambial. Lá fora, destaque para ata do Fed no fim da tarde, além de condições empresariais e vendas de carros nos EUA. Na Zona do Euro, sai índice de preços ao consumidor. Contendo um pouco o otimismo, China realizou na madrugada a maior desvalorização do iuan em oito anos e meio, e agora estaria estudando planos de contingência para defender sua moeda e conter saída de capitais. Ibovespa Futuro registra alta de 0,15%, enquanto dólar 0,5% contra o real e juros futuros cedem, na esteira da apreciação cambial e do clima positivo nos mercados. Se quer um plano para você e suas finanças, há de se acertar consigo mesmo. Nós podemos apenas ajudar um pouco - se você precisa de uma mão para construir um Projeto de Riqueza Permanente, Rodolfo lhe estende o braço hoje.
56
13 |
Mama se mama sa mama coosa 05/01/17
Michael Mauboussin, hoje head global de estratégias financeiras do Credit Suisse, tem um estudo icônico sobre os determinantes do desempenho dos melhores fundos de investimento. À época, Mauboussin era diretor de estratégia de investimentos da Legg Mason, onde desenvolvera junto com Bill Miller, de maneira pioneira, uma adaptação dos conceitos clássicos do value investing para aplicação em empresas de tecnologia – sua ideia era de que a abordagem original de Graham/Buffett poderia ser aplicada a qualquer indústria, setor ou mesmo título de renda fixa; nesses setores “novos” e aparentemente mais difíceis de prever, apenas teríamos de aumentar a margem de segurança (ser mais conservadores nas estimativas) e deixar um pouco de lado o foco nos índices de Preço sobre Lucro, concentrando-nos nos lucros e no retorno sobre o capital. Ganharam fortuna com Dell, AOL, Microsoft, dentre outros. Com a intenção de verificar se sua percepção positiva sobre a estratégia de investimento em valor encontrava ressonância na prática, Mauboussin analisou os fundos de melhores desempenho entre 1992 e 2002, no que chamou de Investing: Profession or Business? Thoughts on Beating the Market. Em linhas gerais, encontrou quatro elementos em comum: - Tendência ao menor giro da carteira: os fundos de melhor performance tinham uma taxa de giro média de cerca de 30%, contra uma relação de 110% para a média da indústria; - Maior concentração: os melhores desempenhos estiveram associados a um menor número de ações na carteira – na média, 37% dos recursos nas dez principais empresas; - Viés fundamentalista: a maioria absoluta dos melhores fundos adotou uma abordagem de valor intrínseco para selecionar ações; e 57
- Afastamento dos grandes centros financeiros: curiosamente, só uma pequena fração dos melhores fundos estava localizada nos centros financeiros dos EUA – a maior parte dos grandes lucros veio de cidades como Chicago, Salt Lake City, Memphis, Omaha e Baltimore, o que levou Mauboussin a sugerir que o distanciamento do ritmo frenético de Wall Street reduz a hiperatividade que permeia uma série de carteiras de investimento. As lições são valiosas e podem lhe servir de guia para uma estratégia de investimento consistente. Nada com deliberação de “ano novo”. Vale para a vida inteira: gire pouco, trate ações como empresas, faça menos, tenha foco. A única ressalva que eu teria em relação ao estudo – e, humildemente, ela me parece importante – é de que há certo viés de seleção. Há um problema de associar concentração a melhor performance. Olhando para trás e focando somente nos melhores fundos, parece um tanto claro que, naturalmente, eles serão concentrados. Se você concentra muito e acerta, vai ser o melhor fundo do ano mesmo. Em 2016, alguém que tivesse comprado 100% do fundo em Magazine Luiza – ou, ainda mais, tivesse se alavancado em cima disso – teria sido o melhor desempenho. O ponto nevrálgico é justamente com qual nível de risco o tal retorno foi apurado. Provavelmente, se analisássemos os piores fundos, eles também seriam de estratégias muito concentradas. A diferença deles para os anteriores é apenas de que o cenário não convergiu para a expectativa do setor. Só sabemos a posteriori se a concentração foi bem ou malsucedida – e é evidente que, quando dá certo, a concentração é melhor. O problema é que essa ponderação “quando dá certo” só se revela ex post. Eu, pessoalmente, tendo a correr do melhor fundo do ano. Enquanto todos o aplaudem e o sujeito faz sucesso na capa da Exame (aliás, não há maldição maior!), eu o tomo como sinal inequívoco de necessidade de resgate. 58
Primeiro porque essa é a lição seminal de finanças: compre a cota baixa, venda a cota alta. Você tem que sacar justamente quando está subindo. E não o contrário. Deveria ser óbvio, mas peça a seu private banker ou seu gerente no banco para sacar de um fundo que está indo bem. Ele vai responder: “nossa, mas o fundo está indo tão bem. Não prefere sacar do outro que está indo mal?” Pode ser com outras palavras, mas necessariamente vai por aí. Variações do mesmo tema sem sair do tom. O mercado se finge de esperto mas é o antro de pessoas iludidas pelo acaso. Se você é tão rico, por que não é tão inteligente? Segundo: há uma série de estudos apontando regressão à média nas cotas de fundos. O sujeito foi muito bem apenas porque a aleatoriedade o selecionou favoravelmente, colocando-o numa posição acima de suas competências individuais materiais. Aquele que mais concentrou e mais se alavancou foi o melhor fundo do ano passado. Outros duzentos fundos concentrados e alavancados morreram. Você apenas não está vendo. O viés de seleção é brutal. Na belíssima metáfora da Dynamo, não estamos aqui disputando uma regata, algo de curto prazo em que você compete com os outros. Deixemnos fazer as barbaridades deles. Isso é, no máximo, uma maratona, em que seu oponente é você mesmo. Queremos dar retornos por décadas, com o risco controlado. As conclusões do estudo são válidas, mas boa dose de diversificação não faz mal a ninguém. Ela pode afastá-lo do pódio do ano ou mesmo por alguns anos – por vários anos seguidos, o acaso pode decidir a favor de um sujeito (veja que temos sete bilhões de pessoas no mundo; se colocássemos todas elas à frente do computador por um longo período, alguém produziria um novo Grande Sertão: Veredas). Rodolfo resume tudo isso brilhantemente em seu Programa de Riqueza Permanente, para o qual encerraremos as inscrições hoje.
Infelizmente, a agenda desta quinta-feira insiste na concentração. Mais uma má notícia envolvendo a produção industrial brasileira - ela também está precisando diversificar. A alta foi de apenas 0,2% em novembro, contra estimativa de 1,3%. O desempenho alimenta supo-
59
sições de espaço para aceleração dos cortes na taxa Selic e empurra juros futuros para baixo. Ibovespa Futuro abre em ligeira alta de 0,1%, influenciado pelas estimativas mais agressivas para Selic e pela ata do Fed divulgada na tarde de ontem, com tom mais brando, identificando incerteza significativa sobre os efeitos do governo Trump – sinalização foi vista como opção pelo gradualismo, enfraquecendo dólar na margem contra moedas emergentes. Por aqui, câmbio abre próximo à estabilidade, ponderando forte apreciação recente, ata do Federal Reserve e expectativa de novas captações externas - Fibria, Raízen e Braskem estariam prestes a fazer operações no exterior, além da própria emissão soberana. Agenda internacional traz estoques de petróleo, pedidos de auxílio-desemprego, criação de vagas de trabalho no setor privado, PMI Markit e ISM nos EUA. Na Zona do Euro, temos referência de inflação ao produtor, enquanto na China PMI Serviços anotou 53,4 pontos, frente a 53,1 do levantamento anterior.
60
14 |
É uma questão de princípios 19/01/17
“É possível que tudo que fiz naqueles dias tivesse sido motivado por alguma necessidade íntima de impressionar Bowerman, de agradá-lo. Além do meu pai, não havia outro homem cuja aprovação eu buscasse e, além do meu pai, não havia outro homem que me demonstrasse aprovação com tão pouca frequência. A frugalidade fazia parte da personalidade do treinador. Ele pesava e guardava palavras de elogio como se fossem diamantes brutos.” O parágrafo é de Phil Knight, fundador da Nike, em sua autobiografia, incrivelmente bem escrita. Acho estimulante. Eu me identifico com as palavras. Com frequência, penso que tudo isso, até hoje, é uma tentativa de adquirir a aprovação de meu pai. Se era difícil até 2011, depois ficou literalmente impossível. Na ausência dele, um trader inveterado de ações (e, por vezes, irresponsavelmente alavancado), transferi a figura paterna para o Sr. Mercado. É por desafiá-lo e, pretensamente, superá-lo que acordo cedo, visto-me com farda preta e venho trabalhar, dia após dia, com obstinação. Viciado na rotina e por ela amortecido, eu não sei o que me tornei. Nos formulários pessoais, hesito de maneira não deliberada no preenchimento do campo “profissão”. Dizem que me tornei um empresário. Eu me vejo ainda como um equity guy, um analista de ações. Pragmaticamente, sou apenas um membro do Bope, focado em comprar pedaços de empresas que farão render o inimigo chamado CDI. Platonicamente, porém, gostaria de ser outra coisa. Talvez de forma pretensiosa, meu anseio mais íntimo é ser um epistemólogo das finanças. O método sempre me importou mais do que o resultado. Interessa o processo. Se ganhei dinheiro ao final do dia, ótimo. Melhor assim. Mas sempre me pego sob a pergunta do daimon próprio: ganhando ou perdendo, eu me mantive fiel à minha filosofia de vida? 61
Peço gentilmente atenção aos termos. Eu falo de uma filosofia de vida. E não de uma filosofia de investimentos. O ambiente das finanças é apenas a replicação, tácita ou formal – eu sinceramente não sei a origem da coisa –, das forças da natureza, onde a seleção natural e as forças do acaso, a exemplo da mutação genética, exercem papel fundamental. Como viver num mundo que não entendemos? Esse é o mote da coisa. Não é somente como lucrar num mundo que não entendemos; é como viver mesmo. Nunca consegui compactuar com frases como: “no profissional, ele é um escroto; mas, no pessoal, ele é bacana.” Pra mim, é sempre a mesma coisa. Se tratou mal a faxineira ou a secretária, no meu time não joga. Não há boa performance que lhe garanta uma vaga como titular. O profissional ou o pessoal; o investidor ou o empresário; o analista ou o gestor. Não há diferença. Importa-me a filosofia de vida do sujeito. É tudo uma questão de princípios, suas questões mais íntimas e viscerais. Chegamos aonde eu queria, mais precisamente aos Principles, de Ray Dalio. É disso que gostaria de falar. Há lições valiosas para a vida e, mais pragmaticamente, para o seu bolso, que, imagino, seja a razão de você estar lendo até aqui. Segundo o brilhante gestor da Bridgewater (e, pra mim, ele é realmente um dos mais brilhantes; tem performance e pensa com a própria cabeça, algo raríssimo), a qualidade de nossas vidas depende da qualidade das escolhas que tomamos. Está disponível aqui. Eu tenho para mim como um must read, empresarial e financeiro. Para ele, há cinco grandes diretrizes para se tomar decisão – o foco é obviamente o ambiente das finanças, mas vale pra fora também: 1 - É uma lei fundamental da natureza que, para evoluir, o sujeito precisa ir além de seus limites, o que é obviamente doloroso. Você precisa se submeter a alguma dor para ganhar força – vale para levantamento de peso, vale para montar posições de investimento que serão perdedoras por um tempo (você desafia o consenso e, portanto, convive com uma posição aparentemente louca – e perdedora – por certo período), para se 62
tornarem muito mais lucrativas lá na frente. Tolere a dor, reflita e progrida. Não permita que o sofrimento psicológico de uma perda momentânea imponha uma decisão irracional. 2 - As pessoas tendem a confundir o que elas gostariam que fosse a realidade com o que, de fato, é a realidade. Encare duras verdades de frente. As pessoas que compreendem o que é real cumprem o primeiro passo para otimizar a forma com que podem atingir a melhor decisão. Trata-se de uma versão um pouco diferente, mas essencialmente idêntica, ao viés de confirmação, típico das Finanças Comportamentais. Pergunte a si mesmo: essa minha ideia é realmente verdadeira? Ou eu apenas gostaria que ela fosse real? Sonhos platônicos podem se tornar pesadelos materiais com certa facilidade. Teste suas convicções e ouça opiniões contrárias às suas. 3 - Aqueles que se preocupam em parecer bons normalmente escondem o que não sabem e suas fraquezas. Assim, nunca conseguem aprender como lidar apropriadamente com suas dificuldades, que ficam submersas sob o tapete, até o momento em que surge uma situação em que a falta de habilidade sobe à superfície por uma imposição prática. Não se preocupe em parecer bom atrás de aprovação. Preocupe-se em atingir seu objetivo. As pessoas realmente interessadas em tomar as decisões certas raramente têm a confiança de que dispõem das melhores respostas. Logo, elas se preocupam em identificar suas fragilidades, melhorar e aprender mais sobre aquilo. 4 - Há uma tendência ao imediatismo e a pular diretamente para conclusões, focando apenas os efeitos primários de uma decisão, aqueles que podemos ver de cara e logo na superfície. As consequências imediatas de um regime são trágicas: mau humor, fome, cansaço. Os efeitos secundários, porém, são muito mais benéficos. É só um exemplo. A lógica vale pra tudo. Considere os desdobramentos de segunda e terceira ordem de cada decisão que você toma hoje. Comprar um seguro, por exemplo, impõe uma perda imediata; pode salvá-lo lá na frente. 5 - As pessoas que colocam a culpa de resultados ruins em outros ou em fatores exógenos comportam-se de uma forma que distorce a 63
realidade e impede o progresso individual. Faça a si e aos outros em sua volta responsáveis pelas decisões individuais. No fundo, é uma versão revisada do skin in the game (ter sua pele em jogo). “Em resumo, eu acredito que você provavelmente poderá atingir o que deseja se puder suspender o seu ego e adotar uma postura de não tergiversar com desculpas bestas para chegar a seus objetivos, com mente aberta, determinação e coragem, especialmente se contar com a ajuda de pessoas que são fortes em áreas em que você é fraco.” É um bom discurso do Ray (a ambiguidade faria mais sentido falada do que escrita).
Como ninguém bebe discurso, vamos com uma boa notícia mais pragmática: IPCA-15 de janeiro marcou alta de 0,31%, abaixo da menor projeção disponível (mediana apontava 0,38%) e o menor resultado para o mês desde 1997. E dá-lhe juros para baixo! Mais cedo, prévia do IGP-M já havia surpreendido favoravelmente com alta de 0,76%, contra 0,90% esperado. Nível de emprego na Fiesp completa agenda doméstica. Entrevista coletiva de Ilan Goldfajn também chama a atenção, principalmente agora com IPCA-15 bem baixo e decisão de elevar leilão de swaps para 15 mil contratos. Pra mim, Selic não para na casa dos EUA. O juro é mais embaixo. Notícia da inflação anima também mercado de ações. Ibovespa Futuro registra alta de 0,30%, desafiando clima de cautela no exterior, após discurso de Janet Yellen ontem à noite. Há cautela com discurso de Donald Trump amanhã, sobretudo depois de indicadores fortes nos EUA na véspera – juro poderia subir mais do que o previamente esperado. Petróleo retoma alta e devolve queda de quase 3% da quarta-feira, com API apontando queda dos estoques. Minério de ferro caiu no porto de Dailan. Agenda norte-americana traz pedidos de auxílio-desemprego, atividade na região da Filadélfia e construção de casas iniciadas. Por ora, cena externa perto do zero a zero. O cenário é dominado por notícias domésticas. Inflação de janeiro veio para desafiar os apressadinhos que não enxergam mais muito prêmio nos juros. O jogo só começou.
64
15 |
O que você levaria para a Lua? 23/01/17
Sempre preferi conhecer outras línguas a falar outras línguas – se é que você me entende. Elas queriam brincar de “se eu fosse pra Lua, eu levaria…”. Eu propunha Salada Mista. Ah, não me julgue. Sabe como é: eu era o primo mais novo (bem mais novo) e, portanto, tinha poucas chances de trocar fluidos linguísticos (no mau sentido mesmo) com as menininhas. Na hora da guerra, meu caro, nego usa todos os subterfúgios. Como diriam os Racionais MC’s, “de vergonha eu não morri, eu tô firmão, eis-me aqui.” Como você deve imaginar, a voz do caçula não encontra muita ressonância. Teria de esperar mais um pouco na tentativa de exploração do universo feminino. Íamos de “se eu fosse pra Lua” mesmo. Frustrado e reduzido à minha insignificância, cedia ao jogo – precisava pertencer ao grupo de alguma forma e, então, esforçava-me ao máximo para propor algo bem criativo. Na minha cabeça, se eu demonstrasse criatividade suficiente naquilo, talvez pudesse ganhar a brincadeira e, mais importante, proeminência diante dos demais. Quem sabe assim, da próxima vez, íamos de pera, uva, maçã e salada mista. Pensava assim: se eu for pra Lua, precisarei dispor de alguma coisa capaz de me trazer um grande benefício para poder sobreviver a condições extremas. As condições podem ficar bem adversas por lá e é melhor eu contar com algo poderoso contra as situações mais inóspitas. Ao mesmo tempo, não pode pesar muito na mala. O negócio não pode ser um fardo muito grande de carregar. Eu estava atrás de um bom seguro. Sempre estive. E ainda estou. Da Lua ao Planeta Terra, eu me pergunto: qual é o melhor ativo financeiro para servir-lhe de seguro? Vivo insistindo na necessidade de proteger os portfólios com ativos capazes de nos blindar de eventuais catástrofes. Discípulo de Nassim 65
Taleb, temo a chegada súbita de alguma surpresa muito negativa com poder de nos afetar dramaticamente. Sem proteção, portanto, não rola. Sempre entendi que, se acharmos os seguros apropriados, poderemos aumentar dramaticamente nossa posição em ativos de risco, garantindo mais potencial de valorização, sem, no entanto, abrir mão de segurança – um bom seguro será aquele que roubará pouco percentual de nossa carteira (para não nos representar um grande fardo a carregar) e, ao mesmo tempo, vai nos proteger de uma catástrofe. Note, portanto, que o seguro adequado precisa ter uma resposta não linear. Ele custa pouco e representa uma porção pequena de nosso portfólio. Ao mesmo tempo, traz um enorme benefício no caso de uma tragédia. A rigor, para ser justo, esse não é o meu entendimento apenas. Trata-se do pilar da construção de modelos voltados a tail hedging (proteção a eventos de cauda, considerados raros e com impacto brutal). Quanto menos daquele ativo se precise carregar para adequada proteção, melhor será o seguro. Isso porque, caso ele não lhe seja útil, menos sofrerá o seu portfólio. Pelo que tenho notado, as pessoas, talvez por osmose diante de minha insistência, entendem a necessidade de manter bons seguros em carteira. Falta-lhes, no entanto, uma abordagem pragmática. Qual seria o seguro ideal? Como montar? Em artigo publicado na Barron’s, de título What’s the best safe haven for investors?, Mark Spitznagel, fundador da Empirica junto a Nassim Taleb, buscou responder precisamente à questão. Ele observou o comportamento de três seguros clássicos diante de grandes problemas sistêmicos. Mais precisamente, observou como se comportam ouro, franco suíço e Treasuries de 10 anos diante de quedas do índice de ações norte-americano S&P 500, tomado como proxy de indicação de adversidade sistêmica, entre 1974 e 2016. Dentre esses, o ouro se mostrou o melhor seguro disponível. Nos anos em que o S&P 500 caiu mais de 15%, o metal precioso subiu, na média, cerca de 30%, no intervalo considerado. Note, porém, 66
que curioso: se quisermos que o ouro renda 30% no caso de uma queda de 20% do mercado acionário, precisaríamos de uma alocação no metal equivalente a dois terços da posição em ações. Em outras palavras, precisaremos de uma grande posição em ouro para termos uma verdadeira proteção a um choque negativo, mesmo sendo esse o melhor seguro disponível. Veja que isso necessariamente vai se traduzir em um grande peso desfavorável ao portfólio, posto que, nos anos bons de Bolsa (e dos ativos de risco em geral), você terá uma elevada fatia de sua carteira posicionada num ativo (no caso, ouro) que rende pouco ou, até mesmo, tem retornos negativos em momentos de bonança. Agora deixe-me introduzir uma quarta possibilidade nessa brincadeira, chamada de “equity tail hedging” por Mark Spitznagel. Ela é construída a partir da compra de opções de venda sobre futuros de S&P 500 bem fora do dinheiro, com vencimento em quatro meses, com constante delta-hedge. As puts são mantidas até sua expiração ou vendidas caso explodam até um nível ridiculamente alto. Veja a não linearidade e o caráter realmente explosivo da coisa: nos anos em que o S&P 500 caiu mais de 15%, as puts ofereceram, na média, retornos superiores a 1.500%! Essa é a tal convexidade de que tanto falo. Com ela, você pode alocar apenas um pequeno percentual de sua carteira em puts e ainda assim ter seu portfólio realmente protegido de uma catástrofe. Aí está a beleza da coisa. Quando não há uma grande crise, suas puts vão a zero. Você perde um pouco de dinheiro aqui. Note, porém, que isso não lhe será um grande problema. Elas representam uma pequena fatia do seu portfólio e o restante dele terá desempenhado muito bem. Já se houver uma grande crise, a expressiva multiplicação de valor das puts trará proteção para o portfólio todo, mesmo ocupando apenas um tequinho de sua carteira.
67
A imagem abaixo resume os resultados obtidos por Spitznagel:
Aqueles que criticam as opções não têm a mínima compreensão do que seria um bom gerenciamento de riscos de sua carteira. Esses instrumentos oferecem uma não linearidade de retornos capaz de alterar por completo – e favoravelmente – sua matriz de retornos potenciais. Você não precisa abrir mão de um grande potencial de valorização de sua carteira, ou seja, pode ter bastantes ativos de risco, caso mantenha, em paralelo, uma pequena fatia de seguros que lhe trarão uma resposta mais do que proporcional a uma eventual crise. Caso a abordagem de equity tail hedging não lhe tenha ficado clara por pouco treinamento com opções, fica a sugestão de fazer nosso Curso de Opções – mudar a abordagem de investimentos na direção de ter muitos ativos de risco protegidos com opções de venda fora do dinheiro é uma real alteração de paradigma. Tenho certeza de que se trata de uma mudança para melhor. 68
Não poderia haver momento melhor para migrar para esse tipo de abordagem. Queremos surfar a expectativa de consolidação de um bull market estrutural no Brasil. Para isso, podemos aumentar nossa exposição a ativos de risco. Não precisamos, não devemos, nem podemos fazê -lo abrindo mão de proteção. A ponte entre as duas coisas é justamente o tail hedging. Transformar a pinguela em ponte para o futuro pode se tornar uma realidade. O problema é que apenas pode.
Mercados de ações iniciam a segunda-feira mostrando instabilidade. No exterior, cautela predomina, mas sem grandes variações. Sem muitos detalhes no discurso de Donald Trump na sexta, há certa pressão por realização de lucros, com predominância da percepção de que declaração pendeu mais ao protecionismo. Bolsas da Europa em leve queda, assim como futuros de Wall Street. Agenda internacional não traz indicadores de peso. Por aqui, destaque para relatório Focus, com redução das projeções para Selic e IPCA, IPC-S levemente abaixo do esperado ao anotar inflação de 0,63% e balança comercial semanal. Mercado aguarda sinalizações sobre substituição do ministro Teori Zavascki no STF. Banco Central manteve leilão de 15 mil contratos de swap. Ibovespa Futuro se apega mais a questões domésticas e à perspectiva de redução dos cortes na Selic e aponta leve alta de 0,2% – mais cedo, tinha ligeira queda. Juros futuros recuam, interpretando relatório Focus e nova apreciação cambial.
69
16 |
De onde viemos e para onde, talvez, vamos 27/01/17
“Os cães ladram, Sancho. É sinal de que estamos avançando.” Um pouco de romantismo na véspera do final de semana. Penso em Dom Quixote ao fazer gestão financeira. Perdidos num ambiente de incerteza, precisamos sempre avançar. Vejo o processo de gestão e o instrumental analítico a ele associado sempre como algo dinâmico, uma caminhada dialética em que testamos teses contra antíteses, buscando atingir uma síntese superior à pregressa. Temos sempre de manter um compromisso com o aperfeiçoamento. Se você para de crescer, você morre. Apenas não pare. Continue avançando. Como podemos avançar a partir do ponto atual? Essa é a pergunta que me faço de maneira recorrente. Se você não se alimenta de novas ideias, rapidamente as proposições atuais se tornam obsoletas. Num ambiente altamente competitivo, ou você evolui ou fica para trás. O tempo não para. Chamam-me de ladrão, de bicha, maconheiro. Penso nos meus clientes ganhando dinheiro. Mantenho neste espaço – ou, ao menos, procuro manter – um diálogo absolutamente transparente. Não quero vir aqui e dividir apenas minhas convicções, como se meus métodos ou minhas proposições fossem infalíveis. A recomendação mais convicta ainda reserva um bocado de dúvidas. Eu gosto de dividi-las com os leitores, por mais que alguns deles sintam em mim uma insegurança de que eles desconfiam fortemente. Eu vejo a falta de certeza como sinal de sanidade. Hoje quero dividir o que estou pensando intimamente, qual pode ser meu – da Empiricus como um todo – próximo passo metodológico em gestão de ativos. Para mostrar exatamente o ponto, preciso antes de um pequeno apanhado teórico sobre administração de portfólio. Eu sei. Hoje é sextafeira e eu deveria escrever algo mais leve. Você quer ler sobre um bom 70
happy hour ou um filme para ver na maratona pré-Oscar. Eu quero falar de covariâncias e momentos de distribuição. Desculpa. Tentarei ao máximo tornar a coisa menos teórica. A gestão canônica de portfólio, ainda o arcabouço mais difundido entre gestores e analistas, apoia-se na concepção das Finanças Modernas, mais precisamente no instrumental analítico de Harry Markowitz. O negócio rendeu prêmio Nobel e tudo – e depois que você ganha um Nobel, tem passe livre para falar as besteiras que quiser; elas serão repetidas a esmo. Vide Paul Krugman. A ideia geral desse negócio é de que, a partir de ativos selecionados apropriadamente, com correlações negativas entre si (caminham em direções opostas), o investidor poderia atingir portfólios eficientes. Para um dado nível de risco, o máximo retorno esperado. Ou, analogamente, para um dado retorno esperado, o menor nível de risco. A chamada Fronteira Eficiente seria obtida a partir dos chamados ganhos de diversificação, traduzidos em linguagem de bar no clássico “não colocar todos os ovos na mesma cesta.” Essa é a ideia mais difundida nas escolas de finanças sobre gestão de portfólio e adotada pelos gestores de recursos mais ortodoxos. Há uma classe de gestores que, em sua maioria, resiste um pouco à metodologia de Markowitz, justamente os gestores de fundos de ações. Isso acontece porque a maior parte deles é direta e profundamente influenciada pelas ideias de Warren Buffett e Benjamin Graham, devidamente sintetizadas naquilo que convencionou-se chamar de value investing ou investimento em valor. Para Buffett, diferentemente do proposto pela ideia da Fronteira Eficiente, a diversificação leva ao aumento de risco da carteira – e não à sua redução. Cada vez que você aumenta o número de ativos em seu portfólio, você corre o risco de sair de seu círculo de competências. Você adiciona complexidade a um ativo sobre o qual talvez não conheça tanto. Segundo o value investing canônico, não há nada menos arriscado do que manter uma boa carteira de ações, em empresas sobre as quais você conhece muito, compradas a preços 71
descontados em relação a seu valor intrínseco, calculado a partir de uma boa margem de segurança. Eu tenho críticas às duas abordagens. Desprezo por completo as proposições de Markowitz. As tais covariâncias, justamente as responsáveis pelos ganhos de diversificação, são instáveis ao longo do tempo. Assim, quando você tenta comprar ativos que andam em direções contrárias, pode se surpreender fortemente, com prejuízos materiais. Além disso, sem querer ficar excessivamente técnico, o modelo se concentra num arcabouço de média-variância, ignorando outros momentos da distribuição (notadamente, curtose e assimetria) que seriam igualmente, ou até mais, relevantes. Isso exclui qualquer possibilidade de apropriação pragmática da construção teórica de Markowitz. Já na proposta do value investing, vejo valor. No entanto, num ambiente altamente competitivo, cheio de gente dedicada e inteligente, resisto a acreditar que algum analista possa saber mais do que o mercado sobre determinada empresa. Acho o mercado informacionalmente bastante eficiente. E por mais brilhante que você seja, há muita gente bem inteligente por aí também, estudando aquela companhia com a mesma diligência. Ademais, essa crença de que “podemos compreender a realidade operacional de uma firma” me parece superestimação da competência humana. O mundo continuará ininteligível e, quando você acha que entendeu, acontece uma surpresa totalmente fora do radar, mesmo para empresas que você considerava altamente previsíveis e sob seu controle – vide MP 579, que destruiu o setor elétrico em Bolsa, tipicamente associado a um porto seguro clássico. A resposta pragmática à falha nas duas abordagens é o que ficou conhecido como Barbell Strategy, estratégia em dois polos, em que o investidor concentra a maior parte do seu portfólio (digamos 80%-95%, a depender do gosto do freguês) em ativos superseguros (o máximo seguro que conseguir, como Treasuries, Tesouro Direto pós-fixado etc) e separa uma pequena parte para montar uma carteira diversificada com ativos de altíssimo risco, com a contrapartida de perspectiva de elevado retorno, necessariamente com maior ganho do que perda potencial. 72
É isso que Nassim Taleb propõe. E é também isso que eu procuro fazer por aqui. A Carteira Empiricus, portfólio montado por mim, vem sendo tocada justamente sob esse pano de fundo teórico. Ao menos até aqui, e é sempre importante fazer essa ponderação, os resultados são poderosos. Desde sua concepção em março de 2014, a valorização acumulada é de 71,18%, representando 170% do CDI. Neste mês, o ganho é de 3,60%, contra 0,84% do benchmark – embora eu peça fortemente para que isso não seja tomado como proxy para o futuro; o desempenho do mês é absolutamente extraordinário e não deve se repetir à frente. Estamos aqui. Mas será que não podemos avançar? O que está na minha cabeça agora? Estou começando, com a ajuda do Bruce Barbosa, a ventilar a ideia de montarmos um portfólio inteiramente focado em tail hedging, muito estimulado pelas ideias de Mark Spitznagel. Ele aplicou isso durante bastante tempo no fundo Empirica, em que foi sócio de Taleb – Spitznagel considera essa estratégia superior à Barbell Strategy porque, segundo ele, os retornos do mercado acionário não são, na prática, explicados por reais cisnes negros, que são imprevisíveis por definição, mas por eventos previsíveis considerados de probabilidade remota. Sua proposta pragmática é de que, em vez de colocarmos muito dinheiro em pouco risco e pouco dinheiro em muito risco, aloquemos uma boa fatia do portfólio em ativos de alto risco, e os protejamos com compra de seguros-catástrofe, cuja probabilidade de acionamento parece muito baixa, mas que, na sua eventual materialização, oferecerão um payoff formidável. No momento, começamos a testar a ideia do tail hedging no Brasil. As dificuldades são enormes. Não há nada parecido hoje e seria algo absolutamente vanguardista por essas bandas. Além disso, o mercado de opções é muito pobre aqui, com liquidez apenas em poucos ativos e concentrada em prazos muito curtos. Se der certo, porém, será transformacional. Uma evolução e tanto. A caravana não para. 73
O que parou nesta sexta-feira foi o rali recente dos ativos de risco. Após tamanha disparada, seria mesmo natural. Há pressão por realização de lucros e alguma cautela após temperatura mais alta na diplomacia entre EUA e México – peso mexicano volta a cair fortemente em meio a temor sobre guerra comercial e polêmica sobre construção do muro. Bolsas caem lá fora, mas com variações comedidas. Por aqui, destaque para redução do diesel e da gasolina pela Petrobras – juros futuros reagem à notícia em queda, embora impacto sobre IPCA deva ser pequeno. Agenda doméstica reserva dados de arrecadação e INCC, com alta de 0,29%, em linha com projeções. Nos EUA, temos sentimento do consumidor e encomendas de bens duráveis. Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,30%, enquanto dólar alterna pequenas altas e baixas contra o real.
74
17 |
A disciplina apolínea para
uma criatividade dionisíaca
30/01/17
Um amigo gestor de ações me manda e-mails geralmente com o título “para você que tem pensamento não linear”. Quando não está no título, a ideia aparece no corpo do texto. Fico feliz porque, com efeito, não há mesmo nada linear no mercado. Os movimentos são sempre erráticos, em saltos, não graduais e maiores do que supomos a priori. Almoçamos há alguns dias. Ele é daquelas pessoas calorosas que você ama ou odeia. Eu estou entre os que o amam. Ele estava acompanhado de um colega de trabalho, que segue com assiduidade e diligência as coisas escritas neste espaço – vai entender… tem gosto pra tudo. Essa pessoa a quem eu acabara de ser apresentado me perguntou qual era meu maior desafio do momento e como eu fazia para escrever todos os dias. Eu disse que talvez meu maior desafio fosse justamente escrever todos os dias, o que nos rendeu algumas risadas – suspeito que um pouco forçadas. Depois corrigi: “acho que a maior dificuldade hoje é conviver com a necessidade de descentralizar as decisões, ao mesmo tempo em que se mantém uma unidade de pensamento. Há uma equipe de 40 pessoas e eu preciso respeitar as opiniões e decisões de cada um, sem que isso fira o guarda-chuva Empiricus. É um problema clássico das empresas. Você precisa institucionalizar uma cultura. Usar o conhecimento e as vantagens de cada um, sem abrir mão da sua essência e do que lhe é mais caro. É um jogo coletivo, em que os jogadores precisam obedecer ao esquema tático, enquanto preservam a possibilidade de uma jogada individual. Uma ambivalência complicada.” Meu interlocutor imediato balançava a cabeça para cima e para baixo, como se concordasse com aquilo. Não respondeu nada. Inclinou-se para o lado direito, onde estava sua mochila. Abriu o zíper e tirou dali de dentro um livro chamado Extreme Ownership: How US Navy Seals 75
Lead and Win, do Jocko Willink, comandante dos navy seals durante a famosa batalha de Ramadi na Guerra do Iraque. Abriu o livro numa página inteira sublinhada, parecia amassada de tanto que o leitor foi e voltou naquela leitura, indicando a ressonância sobre si daquelas palavras. Ele claramente estava empolgado com a conversa. Os escritos traziam exatamente as ambivalências necessárias a um líder. Era um pouco militar demais para mim, um sujeito pacifista – ao menos na teoria, porque na prática ainda sou mais briguento do que gostaria. Ainda não dobraram o meu espírito. E enquanto o sangue correr fervendo pelas veias, será difícil perder a capacidade de me indignar. Isso aqui, obviamente, não é um papo sobre liderança. Queremos formar investidores, não fazer um programa de coaching para líderes. Ocorre, porém, que essa percepção da ambivalência – Jocko Willink chama de dicotomia, mas eu prefiro ambivalência pois, ao menos para mim, a palavra transmite melhor a ideia de que há duas forças atuando simultaneamente, enquanto dicotomia me parece supor uma clivagem entre as coisas – pode ajudar o investidor. Não acredito na ideia de pregar na testa do sujeito rótulos como agressivo/moderado, perfil de renda fixa/variável, curto prazista/longo prazista. A complexidade emocional e intelectual não pode caber num único adjetivo. Somos multiorientados, por sentimentos de ganância e medo atuando de maneira concomitante. Você não pode ser um ou outro apenas. O bom investidor deve ser agressivo o suficiente para não perder oportunidades interessantes em ativos de risco, mas suficientemente medroso para jamais se expor a uma estratégia excessivamente arriscada. Rápido o bastante para aproveitar janelas de lucro deixadas abertas por um fluxo vendedor repentino, mas não excessivamente veloz a ponto de não fazer a devida diligência. Muito firme em suas convicções, porém devidamente flexível para evitar a teimosia. Otimista para poder projetar-se no futuro sem que fique incólume, enquanto se mantém paranoico com a possibilidade de tudo dar errado. 76
E a chave para combinar essas ambivalências ou dicotomias – e aqui eu pego emprestada a ideia do próprio Jocko Willink – é a disciplina. Olha, se alguém pode falar de disciplina é o sujeito que trocou tiro em Ramadi. Ali, não tem conversinha. É, literalmente, tiro, porrada e bomba. Não é apenas a sua pele que está em jogo. Mas de toda a sua equipe. “A disciplina é a base de todas as boas qualidades. E você deve aplicá-la em cada uma de suas tarefas, todos os dias. Tornando-se mais forte, mais rápido, mais flexível, mais saudável. Não só sobre suas tarefas. Mas também sobre suas emoções, para que você possa tomar boas decisões, racionalmente. Falo sobre disciplinar-se para controlar o seu ego, para que seu ego não passe a controlar você. É a disciplina que permitirá que você faça coisas que não quer fazer, mas sabe que são importantes e necessárias para seu desenvolvimento ou do seu time. É sobre enfrentar cada um de seus medos, com disciplina para que você possa superá-las. Não é adotar o caminho mais fácil. Disciplina é fazer o que é certo. A disciplina fará você não fraquejar naquele momento em que as coisas parecem difíceis atrás de uma pequena gratificação de curto prazo. Ela é seu escudo contra seus maiores inimigos. Ela vai fazê-lo continuar no caminho certo.” Eu falo de disciplina num momento em que o Ibovespa está em 66 mil pontos. Há um ano, ninguém – absolutamente ninguém – falaria que o índice estaria hoje em 66 mil pontos. Agora, todos me pressionam por duas coisas: 1 - Vamos realizar os lucros. Já ganhamos bastante e há muitos riscos no caminho. Você não está vendo Trump? Você não se preocupa com a Odebrecht? 2 - Vale está subindo e nós não participamos disso. Sabe o que faremos agora? Nada. Disciplinadamente, nada. Brindaremos o benefício da inação. Temos uma tese estrutural de que entramos 77
agora num bull market. Com PEC do Teto de Gastos, reforma da Previdência – sim, ela virá –, um bocado de reformas microeconômicas e Selic a 8,5%, é um novo mundo. O mundo feito em sete é algo metafórico. A materialização de um bull market, em sua plenitude, também não se dá em sete meses. Ressalva óbvia: isso não quer dizer, evidentemente, que o caminho não será tortuoso, tampouco que você deva fazer uma aposta all-in nisso. Safe sex or no sex at all. Sobre Vale, também faremos nada. Pode subir mais? Claro que pode, mas eu não vou submeter o patrimônio dos meus clientes a um risco que considero elevado, sendo que posso comprar outras coisas com muito mais visibilidade. As decisões de investimento devem ser julgadas ex-ante e não depois do ocorrido. Nunca recomendei aos clientes comprar simplesmente porque os outros estão comprando. Também nunca adotei a estratégia para mim mesmo. Não será agora que mudarei minha posição. Temos uma filosofia de investimento e nos manteremos apegados a ela, com disciplina. Amanhã falo um pouco mais sobre Vale, especificamente. A rigor, Vale será só um exemplo para falarmos de método, erro tipo II e decisões sob incerteza.
Mercados iniciam a semana sob elevação do grau de aversão a risco. Medidas de Donald Trump restritivas a imigrantes geram reação global, de governantes e líderes empresariais, além de movimentos populares. Tensão geopolítica se traduz em queda das bolsas internacionais e um pouco mais de incerteza sobre o Trumpnomics. Cautela é amplificada diante da proximidade de reuniões de bancos centrais nesta semana. Amanhã, há reunião do BoJ; na quarta, Fed; na quinta, BoE. Já na sexta-feira há o importante relatório do emprego nos EUA. Hoje, especificamente, agenda norte-americana reserva o indicador de inflação PCE, renda e gastos dos consumidores, vendas de casas pendentes e atividade em Dallas. Por aqui, relatório Focus trouxe revisão para baixo na Selic para 2018, agora, na mediana, em 9%. IGP-M de janeiro marcou inflação de 0,64%, um pouco abaixo da projeção de 0,70%. Ainda pela manhã, conheceremos resultados fiscais do governo central. Na esfera política, destaque para chegada de Eike Batista ao Brasil e sua possível delação, além da homologação das delações da Odebrecht pela ministra Carmen Lúcia. A melhor
78
coisa é a limpeza total e a mensagem de que o Judiciário funciona. Sempre preferi um fim terrível (se for o caso) do que um terror sem fim. Ibovespa Futuro segue cautela externa e abre em baixa de 0,80%. Dólar apresenta ligeira alta contra o real e juros futuros sobem, refletindo maior aversão a risco. Lançamos hoje um novo produto da Marília, focado em renda fixa. Fique tanquilo, pois o seu acesso já está liberado. Esperamos que faça bom proveito do conteúdo.
79
18 |
Como era verde o meu vale 31/01/17
Eu não era o craque do time. Numa esquadra em que jogam o André e o Gordo no gol, você nunca é o craque do time. Apesar de não ser um primor técnico – aliás, longe disso –, eu gozava de um papel importante. Tinha boa compreensão do que era o futebol de salão e o que se esperava de mim dentro da quadra. Visão tática e muita raça eram meus diferenciais – aqui é Curíntia, mano! Nunca vou esquecer daquela final da Copa Dan Up. Nosso time era pior, bem pior tecnicamente. Mas tínhamos mais força física e igualamos na disposição (e – segredo nosso – nas cotoveladas). Passávamos um sufoco danado e eu me recordo de um calor infernal – eu puxava o ar, mas não sentia o oxigênio entrando. A fumaça saía de nossos ombros. O Gordo fechou o gol aquele dia. Estava 1x1 até perto do fim. Eu dominei a bola na ala direita, próximo ao escanteio. Tentei cruzar para o Victinho no meio da área e peguei totalmente errado na bola. O goleiro, subitamente surpreendido, havia dado dois passos à frente para tentar interceptar o passe que viria da ponta para o meio. Como eu pretendera chutar de chapa, mas, erradamente, peguei quase com o bico, a bola rumou diretamente para o gol, entrando no improvável espaço mínimo deixado entre o goleiro e a trave. Saímos campeões. Fui visto como o herói do dia, mesmo o Gordo claramente tendo nos salvado umas vinte e cinco vezes, em um milagre atrás do outro. Todos vieram comemorar comigo. Não reclamei. No meu íntimo, porém, eu sabia: eu errei aquele cruzamento, ridiculamente. A bola acabou entrando pela mera força do acaso. Seria mesmo eu o herói do Imponderável Futebol Clube? Bom, talvez ainda a mensagem não tenha ficado clara. Sujeito entra às 8h15 no fórum da ADVFN. Tópico: Mundial será a próxima porrada da Bolsa. Com efeito, ele olha as cotações do dia anterior e vê uma alta de 20%. “Ops, talvez haja uma tendência de 80
alta aqui.” Diligente e curioso, ele investiga cada postagem daquele tópico. A história parece crível. O volume está aumentando, há bons traders comprando e uma narrativa convincente de que há um grande turnaround em curso. Ele espera o leilão de abertura e compra uma boa quantia daquilo, atrás da oportunidade imperdível. Após sua aquisição, os papéis sobem mais 40%. Em seguida, mais 30%. E outros 40%. “Uau, está bom para mim. Em apenas três dias, mais do que dobrei. Sou um trader preciso e oportunista. Vou realizar meus lucros após esse grande acerto.” Dois dias depois, estoura a tal bolha do alicate. As ações entregam toda a alta e muito mais. Se tivesse ficado por mais 48 horas com a ação, o sujeito teria perdido 50% de seu capital. Mas saiu com lucro superior a 100%. O que você pensa sobre esse especulador? Gênio? Louco? De fato, ele saiu com mais grana. Mas a que risco esteve submetido? A história só conta o que foi. Infelizmente, o materialismo hegeliano esconde o que poderia ter sido e não foi apenas por um fio de cabelo. Dez milímetros para direita naquele acidente e o maratonista jamais poderia correr uma prova olímpica… Cinco centímetros para a esquerda e Romário teria errado aquele pênalti em 94, consagrando Baggio em vez do Baixinho como o craque do tetra… 48 horas de atraso e o investidor, hoje milionário com casa na Baleia, teria perdido metade do seu patrimônio! O investidor não pode ser medido pela qualidade de suas decisões a posteriori. O julgamento deve ser feito a partir das decisões tomadas sob incerteza, no momento inicial, condicionadas às informações disponíveis ex-ante. Não é porque subiu ou caiu que aquilo foi certo. O resultado da performance precisa sempre ser acompanhado da investigação sobre a qual risco esteve submetido. Você ganhou Y (vamos evitar o X por razões óbvias). Mas quanto poderia ter perdido? Neste momento, sou bastante pressionado por não ter recomendado as ações de Vale. Teríamos errado fortemente por não ter 81
participado desse rali. Da forma como eu entendo investimentos, sinceramente, não acho que tenhamos errado desta vez. Já erramos milhões de casos. Erraremos muitos outros ainda. E de novo. E de novo. Mas com Vale… humildemente, acho que não. Primeiramente porque tratar-se-ia de um erro do tipo II, de tomar como falso algo que é verdadeiro. Esse é justamente o tipo de erro admitido em ciências sociais. O erro de comprar uma ação e ela cair é completamente diferente de outro de não comprar uma ação e ela subir. Jamais me perdoaria pelo primeiro. Posso lidar tranquilamente com o segundo. Sempre haverá milhares de oportunidades perdidas, diariamente. Julgar depois por tê-las deixado escapar sem que fosse impossível antever a priori é uma grande bobagem. Neste momento, há umas mil boas startups surgindo. Só não sabemos quais. Claro que daqui a cinco anos ficará óbvio. Tão óbvio quanto aquelas cem mil que surgiram e faliram. Portanto, pode subir o que for. Não é isso que qualifica um erro ou um acerto. Um investimento adequado é aquele comprado por um preço notadamente inferior a seu valor intrínseco, comprado com a devida margem de segurança, sob a devida visibilidade. Para Vale especificamente, não tínhamos qualquer visibilidade. A China era, é e continuará sendo uma grande caixa preta, com desequilíbrios estruturais importantes. Se vai explodir agora ou não, eu sinceramente não sei. Desconfio que ninguém saiba. Fato é que não posso submeter meus clientes a esse nível de risco. Até confesso que não sou investidor do tipo fundamentalista islâmico. Sob determinadas circunstâncias, aceito uma boa especulação, no sentido de uma aposta racional e assimétrica. Se é para jogar 1 podendo ganhar 3, ok, aqui vamos nós. E essa é uma diferença importante entre aposta e investimento. Nada contra a primeira, verdadeiramente. Mas ela precisa oferecer mais ganhos do que perdas potenciais. Mesmo você sabendo que pode perder, vale o risco, pois o benefício eventual mais do que compensa os prejuízos. Aos preços atuais, porém, não parece ser o caso de Vale. 82
No passado, quando foi assimétrico, a R$ 9, recomendamos compra. Foi a R$ 14. Sugerimos realizar o bom lucro. Está ótimo. Vamos para próxima. Mercados iniciam a terça-feira em compasso de espera. Há alguma cautela ainda com a postura de Donald Trump restringindo imigrantes. Em contrapartida, forte penalização da segunda-feira atrai compradores. Investidores também aguardam reunião do Fed amanhã, enquanto ponderam manutenção da política monetária no Japão na madrugada. O resultado implica bolsas perto da estabilidade ao redor do globo. Petróleo recua, enquanto ouro e yield dos Treasuries sobem. Agenda internacional traz atividade na região de Chicago, custo do emprego nos EUA e confiança do consumidor norte-americano. Na Zona do Euro, PIB apontou crescimento de 0,5% no quarto trimestre de 2016. Por aqui, Banco Central anunciou rolagem parcial de contratos de swap. Atenção também para PNAD contínua de dezembro e dados consolidados do setor público, depois de um resultado melhor do que o esperado para o governo central anunciado na véspera. Ibovespa Futuro abre em ligeira alta de 0,1%, enquanto dólar recua 0,06% sobre o real. Juros futuros têm tendência predominante de queda, mas marginal. Dia de ontem foi claro sinal de que há riscos substanciais de elevação da volatilidade, após níveis atipicamente baixos atingidos pelo VIX. Recomendo fortemente um carinho especial às estratégias com opções - caso não tenha familiaridade com a coisa, sugiro adesão a nosso Curso de Opções.
83
19 |
Só pensa na Fama 10/02/17
Um pouco mais difícil de pegar no tranco hoje. Não é que eu bebo muito, a garrafa é que é pequena. Sabe como é… sexta-feira é dia de rock, bebê. Vamos de Supla hoje. “You should care about yourself” (você deveria se preocupar com você mesmo) abre a letra da música cujo título é o mesmo deste texto – por acaso e amigos em comum, estivemos juntos uma vez numa festa nos Jardins; lembro-me pouco (com vodca não se brinca), mas tenho a recordação de ter sido divertido e estupidamente engraçado. É oportuno para a ocasião. Rodolfo joga em minha mesa edição do Journal of Applied Corporate Finance. Após esforço hercúleo, consigo resgatar do meio do campo minado, também conhecido como “minha estação de trabalho”, os papéis – eu e o Rodolfo somos bem diferentes na organização (também nisso ele é muito melhor). Começo a ler. É uma conversa entre o prêmio Nobel de Economia Eugene Fama e o value investor Joel Stern. Fama é um dos expoentes da teoria de mercados eficientes, a hipótese de que as informações relevantes estão incorporadas no preço dos ativos e, por conseguinte, todos os retornos convergem para a média do mercado quando ajustados por risco. Eu gosto muito dele. Ligando os pontos e pulando para as conclusões: sou um analista que acredita pouco na capacidade dos analistas! Para mim, os mercados são, de fato, informacionalmente, bastante eficientes, de modo que resta pouco espaço para pessoas supostamente dotadas de habilidades especiais, ou seja, alguém capaz de identificar exatamente quais ativos comprar e em qual momento comprar. Não estou com isso dizendo que não haja alguma utilidade para o analista. Só penso que, em geral, superestima-se a capacidade dele e dos gestores de investimento. Eu adoraria que assim não fosse. Pena. 84
No meu entendimento, sua potência está mais na via negativa, ou seja, nos ensinamentos do que não fazer, em insistir na necessidade de paciência e diligência e em prover seus clientes de um método. Tudo e só isso. Pode parecer pouco e, talvez, frustrante, mas é o máximo que podemos fazer. Falando do meu caso em particular, acho que posso ajudar não porque sou melhor analista, mais inteligente, mais dedicado ou mais careca do que os demais. Desses, somente a última parte é verdadeira. É simplesmente porque, depois de ter lido algumas coisas poucas por aí, pude me deparar com uma abordagem que me parece a mais adequada para garantir construção saudável de patrimônio, sem a assunção de riscos indevidos, e ela se liga à antifragilidade de Taleb (perseguição de assimetrias convidativas – pouco a perder, muito a ganhar) e ao tail hedging (combinação de compra de ativos arriscados com aquisição de muitos seguros-catástrofe) de seu sócio Mark Spitznagel. Há pouca gente fazendo isso no Brasil, o que nos dá uma vantagem competitiva interessante. Sistemática e formalmente, ouvi apenas o gestor da Gauss seguindo coisa parecida. Penso que, talvez de forma não deliberada, Luis Stuhlberger também carrega intimamente preocupações semelhantes (embora eu não o conheça pessoalmente – estivemos juntos uma única vez e foi absolutamente constrangedor, por minha culpa e do meu sócio à época –, é o que posso interpretar das coisas que leio). Resumindo, eu acho que é o método que pode te ajudar, não a minha figura. Explicadas as coisas, volto a Eugene Fama. Ele é perguntado sobre Behavioral Finance, cujo maior expoente hoje talvez seja Richard Thaler, com quem Fama manteve uma conversa muito interessante no Chicago Booth Review (o Behavioral Finance é um campo de estudo da Economia que se dedica a empiricamente identificar comportamentos que, supostamente, refutem a hipótese de mercados eficientes, mostrando como as coisas na prática não são tão perfeitas como sugerido pela teoria ortodoxa). 85
Fama oferece uma resposta espetacular: “repare uma coisa…Eu sou a pessoa mais importante do Behavioral Finance. Eu faço essa afirmação porque, sozinho, esse campo de estudo não existe. Ele não se preocupa consigo mesmo. Ele quer simplesmente destruir a hipótese de mercados eficientes. Sem os mercados eficientes, as pessoas ligadas ao Behavioral Finance simplesmente não têm o que falar.” Há uma lição valiosa daqui para o investidor. Eu já a tinha absorvido lendo o livro do Jeff Bezos. Quando a Amazon ainda não era A AMAZON, o eBay avançava vigorosamente. Todos os subordinados a Bezos só falavam no crescimento do concorrente. Havia uma obstinação por aquilo – no fundo, todos dentro da Amazon eram absolutamente apaixonados e invejosos do eBay. Bezos aguentou aquilo por dias, semanas, meses. Certo dia, explodiu: estamos proibidos de falar no eBay. Enquanto vocês se preocuparem com o concorrente e não com nosso próprio cliente, continuaremos fazendo este lixo de trabalho que temos feito, sem conteúdo e sem ajudar ninguém. Os funcionários realmente mudaram. Deu no que deu. Sempre que falo no Jeff Bezos não resisto a contar também que ele obriga todos os seus colaboradores a lerem o Black Swan e quase impediu a realização de sua biografia com medo de o escritor incorrer na falácia da narrativa – eu não precisava ter a grana do Bezos, mas juro que queria poder fazer meus funcionários lerem o Black Swan… A mensagem é: o investidor não deve se preocupar se seu vizinho ou seu cunhado está ganhando mais dinheiro do que ele mesmo (bom, talvez nem seja verdade). Não importa tanto a performance do Ibovespa naquele mês. Se você ficou para trás frente ao índice não é tão relevante. Você precisa ter um método, uma consistência e agir para atendê-la. Como diria a turma da Dynamo (se há uma unanimidade em ações no Brasil, é a turma da Dynamo), investimentos não são uma regata, algo rápido e que você compete com o outro. É você com você mesmo. E é isso que interessa. 86
Mercados iniciam a sexta-feira em clima positivo. Balança comercial acima do esperado na China espraia otimismo pelas bolsas. Importações cresceram 16,7%, contra expectativa de 10%, enquanto exportações aumentaram 7,9%, frente a projeções de 3%. Em paralelo, promessa de Donald Trump de um fenomenal (seja lá o que isso queira dizer) corte de impostos ajuda no clima favorável. Internamente, aumento da temperatura política impede ganhos ainda mais pronunciados. Nomeação de Moreira Franco como ministro gera ruído, bem como expectativa para nomeação para ministério da Justiça. Na agenda internacional, dia reserva preços de importação nos EUA e confiança do consumidor norte-americano. Por aqui, IPC-Fipe reforçou bom comportamento da inflação e Valor Econômico, na coluna de Claudia Safatle, sugere possibilidade de redução da meta de inflação em 2019. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,2%, dólar caiu 0,4% contra o real e juros futuros cedem.
87
20 |
Felipe no país das maravilhas 17/02/17
“Por que esse monte de historinha, imagens, metáforas? Vá logo direto ao ponto.” O que constitui real evidência e torna as coisas claras em um texto é geralmente uma imagem efetiva e focada, não uma teoria; uma experiência pessoal e inimitável, não um argumento; uma metáfora evocativa, não uma demonstração lógica da verdade. A frase é do sinólogo Roger Ames e eu a tomo emprestada. Touché. O Livro Vermelho de Carl Jung é justamente isso: a busca por imagens capazes de representar suas questões psíquicas mais íntimas. Indo mais para trás, também os mitos, que poderiam ser resumidos em uma lição de moral de duas linhas, cumprem o mesmo papel. Hoje é sexta-feira, dia de sermos mais lúdicos. Alice no País das Maravilhas pode ser vista como uma narrativa infantil. É também um livro de filosofia, sério e profundo. Talvez alguns não tenham percebido mas o Matrix, com o Neo todo bonitão, é, na verdade, uma versão diferentex do Alice no País das Maravilhas, com uma construção distinta, mas uma porção de referências quase explícitas ao original. Claramente, eu falo do primeiro filme da trilogia, porque os outros dois são duas porcarias. Ah, bom mesmo é o Manchester à beira-mar… As lições de Alice e, particularmente, do Gato de Cheshire são valiosas para a vida, muito além do universo infantil. Muitas delas servem inclusive para as suas finanças, e eu falo seriamente: “No decorrer da viagem, Alice encontra muitos caminhos que seguiam em várias direções. Em dado momento, ela perguntou a um gato sentado numa árvore: - Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? 88
- Isso depende muito de para onde queres ir – respondeu o gato. - Eu não sei. O gato, então, respondeu sabiamente: - Sendo assim, qualquer caminho serve.” Se a diversificação é a arma daqueles que não sabem o que estão fazendo, é com ela mesmo que vamos nos munir, pois normalmente nós não sabemos mesmo. “Quando tiver dúvida, fique em silêncio.” Se você não tem convicção se deve ou não comprar aquela ação, se não há visibilidade e margem de segurança suficientes, apenas não compre. O erro tipo II é preferível ao erro tipo I. Você não precisa participar de todos os melhores negócios do mundo. A rigor, você precisa participar apenas de um. “Vamos, não adianta nada chorar assim!” — disse Alice a si mesma, num tom áspero. “Eu a aconselho a parar já” — em geral dava conselhos muito bons a si mesma (embora raramente os seguisse), repreendendo-se de vez em quando tão severamente que ficava com lágrimas nos olhos... Se você perdeu dinheiro com um investimento, não culpe ninguém, não se lamente. Seu choro não vai multiplicar sua conta bancária. Apenas assuma o prejuízo, sem preço mérdio, sem a visão de que aquela situação é definitiva, sem bode particular daquele ativo ou segmento. Parta para outra. Como diria o velho Ramiro, bolsa tem todo dia. “Dizem que o tempo resolve tudo. A questão é: Quanto tempo?” Uma ideia boa na hora errada é uma ideia ruim. O discurso de que: “ah, eu comprei isso para longo prazo” muitas vezes pode servir apenas para disfarçar um erro de timing. Você compra, cai e você prontamente diz que não se preocupa com aquilo pois não é um especulador porco capitalista. Os mercados podem se manter irracionais por mais tempo do que você pode se manter ilíquido. 89
“Meu Deus, meu Deus! Como tudo é esquisito hoje! E ontem tudo era exatamente como de costume. Será que fui eu que mudei à noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei hoje de manhã? Estou quase achando que posso me lembrar de me sentir um pouco diferente. Mas se eu não sou a mesma, a próxima pergunta é: ‘Quem é que eu sou?’. Ah, essa é a grande charada!” Descubra o que você quer para suas finanças. Monte um plano e passe a persegui-lo obstinadamente. Encontre a filosofia que mais endereça seus vieses particulares; apegue-se a ela sem tergiversar. Talvez você tenha vocação para renda fixa, talvez para ações. Não há melhor nem pior. É apenas uma característica. Eu sou um sujeito de ações e você precisa estar ciente desse viés quando lê as coisas que eu escrevo, por mais imparcial que eu tente ser. “Alice: Sim, está louco. Louco de pedra. Mas deixa eu te contar um segredo: as melhores pessoas são assim.” Se você quer ter sucesso nos investimentos, valorize ideias originais, pensamentos não lineares, crença em cenários de cauda, aqueles muito longe da média e tidos como esdrúxulos pelo consenso de mercado. Se você pensar como a média, jamais poderá ter retornos superiores à média. A lógica insiste em ser rigorosa. “Quem é você? — perguntou a Lagarta. Eu... mal sei, Sir, neste exato momento... pelo menos sei quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por várias mudanças desde então. — respondeu Alice. Que quer dizer com isso? — esbravejou a Lagarta. Explique-se. Receio não poder me explicar. Por que não sou eu mesma, entende? — disse Alice. Não entendo. — respondeu a Lagarta. Receio não poder ser mais clara. Pois eu mesma não consigo entender, para começar; e ser de tantos tamanhos diferentes num dia é muito perturbador. — completou Alice.” 90
As coisas são dinâmicas, muito rápidas e sempre mais dramáticas do que se supõe a priori em Bolsa. Os movimentos são sempre muito maiores do que imaginamos a priori, numa intensidade perturbadora. Empresas são complexas e não podem caber em planilhas de Excel – muitas vezes, uma tese de investimentos não pode sequer caber dentro de um raciocínio formal. A análise opera também em níveis subconscientes e, se tentamos explicar o que estamos pensando, reduzimos a complexidade do racional. Intuição é vista com maus olhos pelos deuses da ciência, mas talvez seja apenas um monte de conhecimento que acumulamos ao longo do tempo e não conseguimos estruturar em palavras. Leia o Blink, do Malcolm Gladwell. “Concordo inteiramente com você – disse a Duquesa. – E a moral disso é: ‘Seja o que você pareceria ser’. Ou se você preferir isso dito de uma maneira mais simples: ‘Nunca se imagine como não sendo outra coisa do que aquilo que poderia parecer aos outros que aquilo que você foi ou poderia ter sido não fosse outra coisa do que o que você poderia ter sido parecia a eles ser outra coisa’. Acho que eu poderia entender isso melhor – disse Alice de maneira muito educada – se estivesse tudo escrito. Mas, desse jeito, eu não consigo entender o que você quer dizer.” É lindo dizer que as ações são um pedaço das empresas. Contabilmente, são mesmo. Na prática, porém, pra você, são apenas sinais piscando em verde e vermelho no seu home broker. Ações e empresas certamente guardam uma relação. Mas ações não são empresas, num exemplo categórico de conflation, para usar o termo de Nassim Taleb. O problema é que a função que liga as duas coisas é desconhecida. E o pior: reflete um processo endógeno. Os fundamentos influenciam os preços na exata mesma proporção que os preços influenciam os fundamentos. Pode parecer uma piração – talvez seja mesmo –, mas foi devidamente sintetizada pela reflexividade de George Soros. E, por fim… “A única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível.” 91
Eu acredito que possa lhe ser possível investir tão bem ou até melhor do que um investidor profissional. E é por isso que criamos a Empiricus. Você pode começar agora mesmo. Na quarta-feira pela manhã, veio uma jornalista aqui perguntar o que eu estava recomendando aos clientes. Eu disse que minha proposta era fomentar o tail hedging para as pessoas físicas no Brasil. Ela riu na minha cara (sem brincadeira). Está aí disponível para quem quiser na Carteira Empiricus. Sim, é possível, para todos. E, também sim, está dando muito dinheiro. Esta é a fotografia do momento: as pessoas físicas à frente dos profissionais…. alguém já pensava que isso seria possível?
Mercado inicia sexta-feira mais para ludita do que para lúdico. Clima de apreensão predomina, com realização de lucros e temor de que economia global talvez não consiga tolerar tão facilmente juros maiores. Stanley Fischer, do Fed, afirmou ontem estarmos próximos das metas de emprego e inflação, sugerindo três altas da Fed Funds Rate em 2017. Mineradoras e seguradoras estão entre os destaques de queda na Europa, pausando otimismo dos últimos dias. Por aqui, CMN confirmou aumento do limite, para R$ 1,5 M, para financiamento de imóveis novos pelo SFH, o que pode ajudar ações de incorporadoras. Prévia do IGP-M marcou inflação de 0,02%, no piso das estimativas. IPC-Fipe também reforçou ambiente favorável para os preços. Ainda hoje saem transações correntes e resultado da conta de capital. Agenda norte-americana traz apenas Leading Indicators. Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,7%, enquanto dólar e juros futuros não mostram tendência definida, ponderando cautela externa, dados de inflação e prognóstico de fluxo. P.S.: àqueles que acompanham nosso trabalho mais de perto, recomendo atenção à manhã da próxima segunda-feira, quando lanço meu projeto mais importante na Empiricus. Deixo aqui a minha palavra: está ficando realmente especial. Podem me cobrar.
92
93
Parte 2 “As ideias e as crenças é que escolhem as pessoas”
21 |
Esotérico
15/08/16
“Querido pai, tu me perguntaste recentemente por que afirmo ter medo de ti. Eu não soube, como de costume, o que te responder, em parte justamente pelo medo que tenho de ti, em parte porque existem tantos detalhes na justificativa desse medo, que eu não poderia reuni-los no ato de falar de modo mais ou menos coerente. E, se procuro responder-te aqui por escrito, não deixará de ser de modo incompleto, porque também no ato de escrever o medo e suas consequências me atrapalham diante de ti e porque a grandeza do tema ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento.” Dia dos Pais é um tanto estranho para mim. Convivo com uma sinestesia de difícil enfrentamento. Parte de mim está triste, pois sente saudades do Ramiro. A outra, feliz, celebrando a existência do João Pedro. E é muito curioso porque não se trata de um momento feliz, seguido de outro triste; ou na ordem inversa. São as duas coisas convivendo simultaneamente. Uma ambivalência estranha, cuja compreensão é impossível para uma alma treinada no maniqueísmo judaico-cristão. Meu filho é a maior alegria da minha vida, mas confesso completo despreparo para superar certas perdas. Há uma certa perplexidade no ar. Meu pai morreu poucos meses antes de eu ter um filho não planejado, como se a vida me retirasse algo importante, para logo em seguida compensar com um grande presente. Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais, diria Gilberto Gil, em Esotérico. O primeiro parágrafo de hoje não é de minha autoria, obviamente. É a abertura de Carta ao Pai, do Kafka. Eu a repliquei também no livro que escrevi com o Rodolfo – sairá remasterizado em breve. Nele, questionamos algumas coisas sobre o value investing. Corrijo: sobre algumas coisas escritas a respeito do value investing. 95
A ideia central é de que há uma porção de investidores e gestores seguindo o que foi escrito por Warren Buffett, achando estar replicando a prática do sábio de Omaha. Resumo: não estão. Os livros escritos sobre o sujeito são um guia ruim ou, na melhor das hipóteses, incompleto sobre suas decisões de investimento. Quando escrevi isso, quase ninguém gostou. Claro, quase ninguém entendeu. Sabe como é: você não pode questionar nada relacionado ao Buffett. Ele é o father figure (figura paterna) desse pessoal e eles se sentem desamparados se você lhes tirar da pretensa sensação de controle – calcular um valor intrínseco a partir de um planilha de Excel passa muito mais conforto do que o reconhecimento de que a realidade pertence ao mundo do incognoscível. Todos morrem de medo desse pai. Sinto lhes dizer, mas a questão é um tanto trivial. Qualquer livro sobre uma pessoa escrito por um terceiro recai no problema da não tradução. Eu nunca vou conseguir, por mais que me esforce, relatar exatamente o que você está pensando e/ou fazendo. Simplificando enormemente a coisa, é o problema clássico do telefone sem fio. “Ah, mas o próprio Buffett já escreveu vários livros. Podemos beber direto da fonte.” Ok, melhora, mas não resolve. Parte importante dos processos mentais e decisórios decorre de conhecimento tácito, daqueles procedimentos e checagens automáticas, intuitivas e não formalizáveis que jamais poderão ir para o papel. E como resumiu Michael Polanyi, o papa nessa história de conhecimento tácito, essa parte é justamente a mais importante, a mais íntima daquela pessoa, o que a diferencia de todas as outras. Se você quer replicar Buffett sem o conhecimento tácito dele, estará o fazendo perdendo a melhor parte. Quando falamos isso da primeira vez, o tribunal da Santa Inquisição tentou nos queimar em praça pública. Agora, permita-me apresentar o que o próprio Buffett disse recentemente, aqui mesmo no Brasil, falando a sócios da AmBev: “Em todas as ações e empresas que investi, tomei a decisão em menos de 2 minutos. Gosto de olhar no olho de quem toca e ver se ele é fanático, se ele se preocupa com seus clientes e se ele se sente mal quando algum (cliente) é mal atendido.” 96
Ao ouvir isso, quase fui lá dar um beijo nele. Fingindo alguma distinção, me segurei. Voltei para o planeta Terra, para escrever sobre os mercados nesta segunda-feira. Eles, como eu, seguem motivados.
Talvez você ainda não tenha percebido, mas cresce o otimismo com a economia brasileira. Segundo Valor, governo já pretende elevar projeção de crescimento do PIB para 2017. Credit Suisse revisou para cima seus modelos hoje. E editorial do Estadão destaca a “animadora prévia do PIB.” Não é um jeito ruim de começar as semanas. Tudo alinhado à tese do Contragolpe. Do exterior, também chegam ventos favoráveis. Preço do petróleo estende ganhos recentes, empurrado por sinalizações de que Rússia e Arábia Saudita conversam para estabilizar produção. Em paralelo, vendas ao varejo nos EUA abaixo das projeções, anunciadas na sexta-feira, trouxeram expectativa de que ata do Fed nesta semana pode não ser tão dura chances de subida do juro básico por lá têm caído desde sexta. Destaque negativo fica com o Japão, cujo PIB em alta de 0,2% apontou crescimento aquém das projeções (+0,7%). Bolsa local caiu em reação. Na China índices de ações subiram com vigor, com andamento do projeto de conectar as bolsas de Hong Kong e Shenzhen. Agenda do dia traz Empire State Index e confiança das construtoras nos EUA. Por aqui, balança comercial e relatório Focus. Na mediana das projeções, documentou mostrou elevação da expectativa para inflação oficial (de 7,20% para 7,31%) e para o PIB (de -3,23% para -3,20%) em 2016. Para 2017, não houve alterações substanciais. Mercados internacionais têm predominância de otimismo. Índice MSCI de países emergentes tem sua oitava alta consecutiva, para o maior nível em mais de um ano. Bolsas europeias marcam maior pontuação em dois meses. Moedas emergentes se valorizam notadamente. Real acompanha movimento e abre em alta contra o dólar. Juros futuros oscilam perto da estabilidade. E Ibovespa Futuro avança 0,40%. Dia tem vencimento de opções sobre ações na Bovespa, o que pode aumentar a volatilidade. Esse é um mercado de interesse crescente junto às pessoas físicas. Justamente por isso, temos nos dedicado a ele com a devida atenção, por meio das melhores Estratégias com Opções.
97
22 |
Um sonho de investimento 23/08/16
Após anos de experiência empírica acumulada, identifiquei uma correlação negativa entre a performance da Bolsa e minha atividade onírica. Quanto maior a queda das ações, mais surreais e intensos são os meus sonhos. Há uma espécie de acordo tácito na nossa relação: eu durmo mal para que você possa dormir melhor. Nessa madrugada, estávamos eu, meu filho João Pedro e Nassim Taleb tomando café da manhã na copa lá de casa. Conversávamos em francês, que é uma língua que eu não falo – ainda estou tentando aprender o português; foco total. Nassim falava pouco, ouvia muito. Sentava-se na cabeceira, como se ocupasse o lugar antes reservado para o meu pai. Com efeito, suspeito que, dada a ausência paterna, ele tenha ocupado, ao menos em alguma instância, platonicamente um lugar de father figure nos últimos anos. Taleb não é apenas uma referência intelectual e financeira, mas também ética, moral e filosófica. JP, repetindo coisas que ele costuma falar também enquanto eu estou acordado, insistia em trabalhar na Empiricus, caso não consiga ser o novo Marlone. Pedia um bom conselho profissional, ao que indiquei: “foque na convexidade”. Ele sorriu. O despertador tocou. Não se assuste com o palavrão. Eu também não domino outra língua além do português. Se você se lembra das aulas de matemática do ensino fundamental, provavelmente se recorda daquela curva exponencial. Ela é convexa. Sua antagonista é a curva logarítmica, côncava. Essa distinção tem implicações importantes para sua performance – calma, não estou falando do recinto Côncavo e Convexo, ali na Avenida do Estado; ainda são 9h... Ao me referir ao foco na convexidade, argumento em favor da montagem de portfólios com a seguinte característica: à medida que se 98
caminha na direção da concretização do cenário positivo, seus lucros aumentam mais do que proporcionalmente; já se ocorre o inverso, ou seja, anda-se rumo ao caso negativo, os prejuízos aumentam menos do que proporcionalmente. Há algo importante a se notar: não importa se vai dar o cenário positivo ou negativo. Nosso foco não está em adivinhar isso. Estamos interessados na matriz de payoff. Ou seja, em como seu portfólio reage a cada um dos cenários. Explico o argumento com um exemplo. Como talvez você tenha notado, estou otimista com os ativos brasileiros. Isso não é de agora. A rigor, data de setembro do ano passado e a tese, com efeito, tem se verificado bastante bem. Mas a verdade mesmo é que não importa muito a minha opinião. Ninguém quer saber se estou certo ou errado. Nem eu mesmo! Embora eu siga otimista, acrescentei na última atualização da Carteira Empiricus uma pequena posição em puts bem fora do dinheiro de CSN (uma forma de se apostar na baixa dos papéis). Gastei pouco para isso, o que implicou abrir mão de um pouco de potencial de valorização. Em contrapartida, pude proteger fortemente o portfólio. Esse é o foco na melhora de perfil da matriz de payoff. Cedemos um pouco de upside em prol de muito mais segurança. A compra de seguros-catástrofe é um instrumento bastante útil para promover a convexidade. Normalmente, você vai errar com isso. Por definição, catástrofes não acontecem toda hora. Ou seja, na maior parte das vezes em que você comprar esses seguros, eles não serão acionados. Mas não importa. Bastará uma tragédia para você se lembrar dela para sempre. Embalado pelo livro do Phil Knight (obrigado por mais esta dica, mestre Alcalay), não posso resistir àquela maravilhosa propaganda da Nike, com Michael Jordan: “Eu errei mais de 9.000 arremessos na minha carreira. Perdi quase 300 jogos. Em 26 vezes, confiaram em mim pra fazer a cesta da vitória, e eu errei. Eu falhei uma vez, de novo, e outra vez na minha vida. E é por isso que eu obtive sucesso.” 99
Mercados corrigem a trajetória errática de ontem com altas na manhã desta terça-feira. Um pouco mais de otimismo em torno do discurso de Janet Yellen em Jackson Hole ao final da semana se soma a indicadores favoráveis da indústria na Zona do Euro para comprimir a aversão a risco. O PMI da região teve sua maior alta em sete meses, acima das expectativas. Dólar tem sua primeira baixa em três dias, com preocupações dissipadas em torno do futuro do juro básico norte-americano. Últimos dias foram tomados por desconfiança de que o Fed poderia antecipar aperto monetário. Já nesta manhã, há uma arrefecimento das tensões. Por aqui, Ilan Goldfajn fala na CAE, com potenciais sinalizações para futuro da Selic. Política atrai atenção com possibilidade de votação da LDO, desvinculação das despesas da União e securitização da dívida dos Estados, enquanto jornais noticiam intenção do Planalto de barrar reajuste dos servidores. Na pauta estritamente econômica, IPC-S apontou inflação de 0,39%, ligeiramente abaixo das projeções. Ainda temos internamente dados relativos ao balanço de pagamentos. Lá fora, saem referências da indústria e vendas de casas novas nos EUA. Recuperando-se do tombo da véspera, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,8%. Dólar cai 0,5% contra o real e juros futuros cedem. Encerro esta introdução com dois convites. Na quinta-feira, realizaremos nosso primeiro Live Event, em que eu conversarei com o Caio Mesquita sobre temas de investimento até o final do ano.
100
23 |
O mercado é um grande cinema com uma porta estreita
29/08/16
Os textos de hoje e amanhã estão relacionados. Eles devem ser lidos na sequência. Ambos fazem referência ao conteúdo do mais novo livro de Nassim Taleb, cujos manuscritos estão disponíveis em seu site fooledbyrandomness.com. O de hoje se liga ao capítulo The most intolerant wins: the dominance of stubborn minority. O próximo estará relacionado a On things that do not average or the mean field problem. No fundo, refletem a mesma ideia, exposta sob outra ótica. Essa é a minha leitura do momento. Compartilho aqui por entender serem as lições talebianas mais valiosas de todo universo financeiro. Mais do que isso, oferecem paralelo importante com a atual situação do mercado brasileiro. Começo por um breve relato histórico. O entendimento do todo por vezes se torna mais fácil a partir do particular. Na batalha de Canas, Annibal, ao ser questionado por Gisgo, um de seus homens, sobre a ampla superioridade numérica dos romanos (seus adversários), rebateu: “há uma coisa ainda mais assustadora nisso, e você ainda não percebeu. Em todos aqueles grandiosos números diante de nós, não há um homem sequer chamado Gisgo.” Apenas um, mas um leão. O inteiro crescimento da sociedade, seja econômico ou moral, vem das motivações de uma pequena parcela da população. Um seleto grupo mais disposto é suficiente para desproporcionalmente causar um grande movimento. A minoria intolerante e/ou arrogante acaba impondo suas vontades aos demais. Basta uma filha vegetariana numa família de quatro pessoas para que, em pouco tempo, a carne seja abolida por completo naquele lar. E, então, nas festas de criança em que ela é convidada, a quantidade de produtos de sua preferência vai se ampliando. Em pouco tempo, toda a vizinhança tem seus hábitos alimentares mudados. 101
A regra da minoria, em todas as vezes em que há uma clara assimetria (outro exemplo: os ortodoxos só comem produtos kosher; mas os demais podem comer kosher e não kosher), oferece implicações fundamentais para o mercado financeiro. Todos seus participantes deveriam entender: os preços de um ativo podem cair 10% (ou mais) por conta de um único vendedor impetuoso. Os movimentos dos mercados não são necessariamente guiados pela mudança da percepção de consenso. Basta um grande vendedor ou comprador, com motivações pessoais, para guiar dramaticamente os preços. Os mercados de ações representavam ao todo mais de 30 trilhões de dólares. No entanto, bastou uma única ordem em 2008, de 50 bilhões de dólares, para causar uma derruba da ordem de 10%, gerando perdas de literalmente trilhões. Nas palavras de Nassim Taleb, o mercado é como um grande cinema, com uma porta pequena. Basta uma pessoa gritar fogo para termos o caos instalado. Relato essa questão num momento importante para os mercados, em que há uma pausa no rali das bolsas emergentes. A lição que gostaria de transmitir é: a variação nos preços passa pouca informação. É apenas uma minoria mais impetuosa impondo suas vontades. Não importante tanto a visão de consenso, mas, sim, o fluxo marginal. É ele quem vai guiar os preços – e o cenário parece ainda apontar para fluxo marginal positivo, em que pese a óbvia e natural volatilidade de curto prazo, sobretudo após rali tão destacado nos últimos meses.
Preocupação com futuro do juro básico nos EUA tem trazido instabilidade aos mercados desde sexta-feira. Stanley Fisher, do Fed, sugeriu espaço para até duas altas da taxa em 2016, o que assustou investidores. Probabilidade de aumento da Fed Funds Rate em setembro subiu para 40%, de acordo com cotações de contratos futuros. Bolsas e moedas emergentes, no geral, perdem valor nesta segunda-feira, ainda sob refle-
102
xos do prognóstico de aperto monetário nos EUA. As perdas, no entanto, são moderadas. Há também uma certa cautela com semana de indicadores muito relevantes. Na sexta, temos dados do mercado de trabalho norte-americano, sempre referência fundamental para política monetária. China também publica dados importantes relativos à indústria. Por aqui, semana é ainda mais cheio, com Copom, PIB e dados fiscais. Hoje, em particular, relatório Focus pintou um quadro um pouco pior para inflação e melhor para o PIB. Mediana das projeções do boletim para inflação oficial saiu de 7,31% para 7,34% em 2016, e de 5,12% para 5,14% em 2017. Estimativas para o PIB, na mediana, passaram de -3,20% para -3,17%, e de +1,20% para +1,23%, respectivamente. Foco local, porém, está obviamente na cena política, com ida de Dilma Rousseff até o Senado nas sessões finais do processo definitivo de impeachment. Esse é o trigger inicial para, acompanhado de reformas estruturantes em prol do ajuste fiscal, atrair a minoria impetuosa ao Brasil. Acompanhando comportamento mais geral dos mercados emergentes, real perde 0,3% contra o dólar e juros futuros avançam. Ibovespa Futuro é exceção ao movimento e abre em ligeira alta de 0,2%. Minha interpretação é de que o movimento recente dos juros futuros abre uma janela formidável de compra. A Marília, que capitaneia nosso time de renda fixa, acaba de encontrar a Oportunidade da Década neste segmento. Não há por que deixar passar.
103
24 |
Põe na conta do papa 19/09/16
Quando chega a segunda-feira para eu poder descansar? Às vezes, essa é minha sensação nos finais de semana. Desafiado por questões pessoais (eu sei, você não tem nada a ver com isso, mas a vida não é justa), hoje resolvi devolver provocando o papa. Existe sorte nos investimentos? Falo da sorte aqui no sentido da aleatoriedade, do comportamento randômico e do acaso definindo vencedores e perdedores; não como uma intervenção deliberada da Providência no sentido de privilegiar seus campeões. O discurso politicamente correto, principalmente vindo de um analista de investimentos, apontaria uma resposta negativa ao questionamento. “Quem determina o sucesso ou o fracasso do processo de construção de patrimônio é a disciplina, o trabalho e a competência individual.” A retórica é bonita, mas infelizmente incompleta. Os elementos supracitados certamente são importantes. Contudo, passam longe de explicar 100% da coisa. Imagine dois fundos, num intervalo de dez anos. O fundo A passa os quatro primeiros anos com retornos positivos superiores a 15% ao ano. Cai 10% no sexto ano. Volta a subir no sétimo. Cai mais 10% no oitavo. Sobe 25% no nono. E cai mais 10% no décimo. Agora, vamos imaginar os mesmos retornos. Só vamos bagunçar a ordem. O fundo cai 10%, depois cai 10%. Recua 10% novamente. E, então, só faz subir. Veja: é o mesmo fundo. Teve os mesmos retornos. Só bagunçamos a ordem. Olhando ao final do processo, seria difícil alguém dizer que há diferença de qualidade de gestão. A aleatoriedade definiu quando os retornos ruins vieram. Nassim Taleb resolveu filosoficamente o problema da decisão sobre incerteza. Dado que você nunca sabe o que vai acontecer, você 104
opta por uma estratégia antifrágil. Do ponto de vista epistemológico, não há nada superior a isso. Como é impossível saber se vai dar cara (cenário positivo) ou coroa (negativo), você opta pelo resultado que lhe oferece a melhor matriz de retornos potenciais, procurando uma assimetria favorável entre perdas e ganhos potenciais. Vou preferir a estratégia X a Y porque se vier o cenário ruim ela me traz perdas menores e, se vier o bom, ganhos maiores. Minha mãe estava ontem na dúvida se pintava o cabelo ou não. Decidiu que não, porque há uma festa no sábado à noite e ela não quer correr o risco de cometer um grande erro. Ela tem pouco a ganhar pintando o cabelo de uma nova cor – cabeleireiro inventor é um perigo. Mas muito a perder. Eu tive orgulho de ter uma mãe treinada em Taleb, embora ela não tenha a menor noção disso. Se você vai replicando a estratégia antifrágil várias vezes, ganha algumas e perde outras. Mas como os ganhos, por definição, são maiores do que as perdas, você sai vencedor no longo prazo. Touché, um brinde a Taleb. Filosoficamente, Taleb está perfeito. Mas, na prática, a coisa pode não funcionar assim. Se a aleatoriedade lhe permanecer desfavorável por muito tempo no começo, você pode ser simplesmente expulso do jogo. O fundo que perdeu 10%, depois 10% e mais 10%, provavelmente quebrou no terceiro ano. Ficou alijado da possibilidade de provar-se um bom fundo e de oferecer bom retorno a seus clientes. Ele destruiu o dinheiro do cliente. Para esse fundo, o longo prazo não existiu. Há situações em que nem Nassim Taleb resolve tudo. Pois é, meu amigo. Tem hora que nem o papa resolve. Ele também merece um descanso. Em várias ocasiões, seguiremos suscetíveis às intempéries da Fortuna.
Começamos com sorte a semana. Ah, continue assim, viu? Não tenho nenhum problema com ela. Mercados avançam no exterior, empurrados sobretudo por bom comportamento de commodities. Petróleo avança destacadamente, após confrontos na Líbia afetarem exportações e Venezuela sugerir proximidade de acordo para controlar produção. Mineradoras também
105
sobem com vigor na Europa, com visão mais construtiva montada pelo banco Credit Suisse - Glencore é destaque de valorização, após tomar upgrade do banco. Índices de ações europeus apresentam sua maior alta em duas semanas, com mais tranquilidade sobre reuniões de política monetária nesta semana - temos Fed e Banco do Japão nos próximos dias e isso vinha sendo importante elemento de cautela. Por aqui, IBC-Br de julho mostrou queda inesperada na atividade - recuou de 0,09%, contra expectativa de alta de 0,2%. Relatório Focus trouxe ligeira redução na mediana das projeções para inflação oficial neste ano (de 7,36% para 7,34%) e incremento daquela para o PIB de 2016 ( de -3,18% para -3,15%). Para 2017, houve incremento na mediana das estimativas para crescimento da economia de 1,30% para 1,36%. Dia promete ter um pouco mais de volatilidade na Bolsa, com vencimento de opções sobre ações. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,81%, acompanhando exterior e recuperando parte do tombo da sexta-feira. Dólar apresenta pequenas variações contra o real, a exemplo dos juros futuros. Há um certo consenso de que recente volatilidade dos mercados criou oportunidades muito interessantes, sobretudo no universo de renda fixa. Os fundos multimercados tradicionalmente capturam muito bem esses movimentos. Mas não todos eles. Se você quer saber exatamente quais e em qual aplicar agora, a Luciana conta aqui.
106
25 |
Investimentos rápidos e mortais 20/09/16
Eu nunca escrevi sobre isto. Só as pessoas mais próximas sabem. Hoje abordo a questão não como uma narrativa pessoal apenas. Faço isso por acreditar na capacidade do conhecimento indutivo, em que podemos extrapolar casos particulares para uma abordagem geral. Eu convivo com uma dura culpa sobre a morte do meu pai. Talvez culpa não seja propriamente a palavra. Possivelmente, o substantivo adequado seja frustração. A rigor, são duas. A primeira delas vem de ele ter falecido antes de a Empiricus ter saído da garagem onde começou. Até o início da minha fase adulta, morávamos num apartamento grande em Alto de Pinheiros (SP). Aquelas coisas tradicionais: vista para a capa arbórea, dois minutos do Vila Lobos. Meu pai quebrou – quando eu digo quebrou você pode entender QUEBROU e enfrentou depois um quadro de depressão profunda – e tivemos de vender o apartamento, passando a morar em outro muito menor. Aquilo nunca me incomodou, mas castigava a alma, a autoestima e os bolsos do meu pai. Um dia eu prometi para ele que voltaríamos ao apartamento antigo, que seria minha retribuição a tudo que ele fizera por mim. Ele merecia descansar e eu assumiria o lugar dele no rio, como no conto da Terceira Margem, do Guimarães Rosa, que leio e choro toda vez. Hoje, minha mãe mora lá, no apartamento grande do Alto de Pinheiros. Infelizmente, não deu tempo de meu pai ver. A segunda frustração é não ter podido dizer que ele estava certo. O Ramiro foi meu primeiro grande professor em Bolsa. Ele passou 20 anos no Safra. Saiu e montou uma corretora de valores mobiliários com outros dois amigos. Não deu certo – como são as coisas: anos depois da criticada saída dele, a corretora veio a se envolver nos rolos do Mensalão e do Petrolão – e ele passou a operar ações de casa. Eu via aquilo, ainda com 14 anos, e tentava copiar. Eu aprendi muito com ele, mas sempre senti falta de um pouco mais de rigor e formalismo nas suas análises. Ele não tinha muito modelo, planilha, mas ganhava dinheiro normalmente. 107
Então, um dia eu perguntei: “pai, como você escolhe as ações?” E ele, que nunca foi um sujeito erudito, nem era muito bom com as palavras, devolveu: “Eu tenho o meu jeito.” Aquilo me incomodou sobremaneira, porque eu entendi a falta de capacidade de formalizar o conhecimento como um sinal de falta de tecnicidade. Dali em diante, nossa relação se desgastou um pouco e eu fui procurar na formação acadêmica o formalismo e o rigor que eu supunha faltarem a meu pai. Comecei pelo clássico Investidor Inteligente do Benjamin Graham, que é ótimo, mas chato para caramba. Depois, o Buffett – comecei pelo livro das cartas da Berkshire e depois fui para o Warren Buffett Way, embora eu recomende o caminho inverso. E segui por Philip Fisher, Peter Lynch, Bruce Greenwald, Damodaran, passando sem preconceitos por Jesse Livermore e John Murphy (bom, depois que o Jakurski recomendou os dois livros na Casa do Saber, eu posso assumir em público). Resumidamente, eu perdi um pouco do enorme respeito intelectual que tinha pelo meu pai por achá-lo excessivamente intuitivo. Somente hoje posso entender o quanto eu fui idiota. Essa visão negativa sobre a intuição, que, na verdade, a maioria das pessoas carrega até hoje no mercado financeiro, treinado para respeitar a ditadura da racionalidade, é babaca e superficial. Na semana passada, eu conversava com um dos mais brilhantes gestores de ações do Brasil e perguntei o quanto do processo era arte e o quanto era ciência. Em outras palavras, se a intuição tinha um peso nas decisões de investimento. E ele teve uma resposta incrível: “O que é a intuição? Ela tem uma correlação negativa a princípio, mas intuição é, na verdade, um monte de conhecimento acumulado que fica escondido.” Se você resiste à ideia ou se ainda não conseguiu capturar o ponto, recomendo fortemente a leitura do livro Blink, do Malcolm Gladwell, em que ele mostra a capacidade de, sob determinadas circunstâncias, tomarmos decisões ultrassofisticadas em poucos segundos. Nosso cérebro tem uma série de processos no nível inconsciente que nos empurra à decisão correta, mesmo que parte importante das razões não possa ser identificada e não opere no nível consciente. Você pensou aquilo mas nem sabe que pensou, sabe? 108
Um especialista em arte consegue apontar uma fraude numa escultura, mesmo depois de um longo escrutínio inconclusivo de outros, ao olhar por alguns segundos para a obra. Um bombeiro consegue decidir se entra ou não numa casa em chamas a partir de sua percepção sensorial. Antes de conscientemente percebermos um jogo injusto, nossas mãos começam a suar e o ritmo cardíaco se acelera – ou seja, no nível inconsciente, já percebemos. Estamos sujeitos a uma maior percepção do que supomos. Parte importante do conhecimento é tácito e não pertence ao formalismo, ao rigor e à capacidade de transposição para palavras, planilhas e equações. O tal sistema 1 do Daniel Kahneman apresenta seus próprios processos e eles não são necessariamente ruins para determinadas situações. E se você ainda não está convencido, recorro a Warren Buffett, o maior de todos. Recentemente ele veio ao Brasil e perguntaram sobre suas decisões, ao que ele respondeu: “A maior parte das escolhas de investimento foi feita depois de uma conversa olho no olho com o controlador da companhia. Normalmente, dura dois minutos.” Por isso, ninguém deve tentar copiar o jeito do outro de investir. Warren Buffett é Warren Buffett não pelo processo formal e rigoroso que ele propõe nos livros, mas por aquele outro tipo de conhecimento tácito que só ele tem e, por mais que se esforce, não vai conseguir nos contar com precisão. Luis Stuhlberger pode ter uma equipe maravilhosa, ter acesso ao melhor network do Brasil, estudar feito louco. Pode até contar com a ajuda da ótima varinha do Harry Potter se precisar – às vezes, parece mágica mesmo. Mas, no final do dia, o que diferencia o sujeito é aquele montão de conhecimento acumulado que fica escondido lá atrás. Isso faz dele único. É curioso como às vezes uma tentativa pseudocientífica pode inclusive nos conduzir a resultados ruins. Stephen Jen, que é um dos economistas mais feras de hoje, recentemente falou algo como: “eu sempre me debrucei diligentemente sobre as palavras do Fed, em suas comunicações oficiais e oficiosas. Quanto mais estudava, mais confuso ficava.” 109
O tema é oportuno, de fato. Mercados em compasso de espera nesta terça-feira. Agenda de hoje é fraca, de tal sorte que todos aguardam reuniões do Federal Reserve e do Banco do Japão, ambas amanhã. Expectativa predominante é de que Fed não altere sua taxa básica de juro, podendo sinalizar, em discurso ligeiramente hawkish (duro), eventual elevação em dezembro. Sobre o Banco do Japão, há uma série de dúvidas, que passam pela possibilidade de manutenção estrita da política monetária, por potencial nova redução do juro e por eventual mudança na inclinação da curva de juro, com maior foco na compra de títulos de curto prazo. Nesses momentos em que ninguém sabe direito o que fazer, minha sensação (seria intuição a palavra certa?) é de que o melhor a se fazer é não fazer nada mesmo. A hipótese de preservação das políticas monetárias supracitadas parece a mais provável. Se confirmado, isso seria bom para mercados emergentes, que sofreram com preocupações a respeito. Não há nada mais importante para o preço dos ativos neste momento do que sinalizações contundentes de preservação do ambiente favorável ao fluxo de recursos a mercados emergentes. Clima favorável predomina nesta manhã. Porém, sem muito trigger, volumes são reduzidos e variações mais modestas. Bolsas sobem na Europa e futuros de Wall Street também apontam valorização. Petróleo é exceção em dia de maior disposição a risco - recua reagindo ao aumento de produção na Nigéria. Agenda internacional traz dados de construção civil nos EUA, inflação ao produtor na Alemanha e relatório da OCDE sobre perspectivas econômicas. Por aqui, IPC-Fipe apontou alta de apenas 0,01%, contra projeções de 0,09%. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,6%, enquanto dólar cai 0,2% contra o real. Juros futuros abrem em ligeira queda, acompanhando bom humor global. Se confirmada a visão a respeito do Fed e do Banco do Japão, podemos ter o catalisador necessário de curto prazo para voltarmos a ter redução dos prêmios na curva de juros brasileira. A interpretação só faz reforçar aquilo que temos chamado de Oportunidade da Década na Renda Fixa. É uma chance rara, às vésperas do início da queda da Selic, e você não deve deixar passar.
110
26 |
O que Markowitz não entendeu sobre diversificação 11/10/16
Harry Markowitz ganhou prêmio Nobel de Economia (a rigor, não há prêmio Nobel de Economia, mas deixemos isso pra lá) em 1990 pela Teoria Moderna do Portfólio, Fronteira Eficiente, Alocação Ótima de Capital ou como você preferir chamar. A ideia central era de que, a partir dos chamados ganhos de diversificação, o investidor poderia otimizar sua carteira. Ao selecionar adequadamente ativos a partir de suas covariâncias, ou seja, nem todo mundo se mexendo na mesma direção, o sujeito conseguiria maximizar seu retorno potencial, para um dado nível de risco – ou, analogamente, minimizar o risco de seu portfólio, para um dado patamar de retorno esperado. As conclusões poderiam ser traduzidas no lugar-comum de “não colocar todos os ovos na mesma cesta.” O princípio da diversificação produz efeitos benéficos para sua carteira. No contexto específico das ações, Markowitz está certo sobre os benefícios da diversificação. Mas pelos motivos errados. Uma carteira diversificada em renda variável deve ser preferida a uma concentrada não por conta da capacidade de uma combinação adequada de covariâncias entre ativos permitir reduzir o risco do portfólio, para um dado nível de retorno (as covariâncias são, na realidade, bastante instáveis; sendo um tanto mais técnico, em distribuições que seguem leis de potência, como as séries financeiras, elas nem sequer podem ser definidas, mas não se preocupe com isso). Os benefícios associados à diversificação se dão por conta de uma característica muito interessante das ações: a assimetria favorável entre perdas e ganhos potenciais. Explico melhor. Por conta da responsabilidade limitada do acionista, a perda máxima de uma ação é de 100% do capital investido. 111
Em contrapartida, o ganho máximo não está limitado a 100%. Você pode ganhar 200%, 500%, 1000% com ações. Claro que esses retornos são raros, improváveis e difíceis de conseguir. Mas é justamente esse o ponto. No momento em que você diversifica seus investimentos, aumentando o número de ações, basicamente amplia as chances de ter um grande retorno positivo e, simultaneamente, de também se deparar com um grande prejuízo. Entretanto, um grande prejuízo estará limitado a 100%. E um grande retorno positivo pode ser um múltiplo disso. Ou seja, por conta desse componente assimétrico, a perseguição por uma grande explosão de uma ação qualquer empurra no sentido da diversificação. Aumentando o número de ações da carteira você incrementa a possibilidade de se expor a um evento extremo, pro bem ou pro mal – entretanto, o bem é muito maior do que o mal em termos absolutos. Um único acerto de 300% (pode ser até 1.000%) fará uma tremenda diferença para seu portfólio. Evidentemente, a chance de ter um retorno raro desse aumenta conforme cresce o número de ações da sua carteira. Por conta da convexidade associada às ações (conforme o cenário melhora, seus ganhos aumentam mais do que proporcionalmente quando comparados à variação das perdas quando o panorama piora), uma carteira diversificada é filosoficamente superior a uma concentrada. Com isso em mente, estamos vasculhando novas oportunidades altamente interessantes para compor as carteiras Microcaps e Empiricus Insider. A diversificação rende frutos formidáveis a longo prazo. Há coisas com grande potencial no radar.
Da filosofia ao pragmatismo, mercados iniciam a terça-feira realizando parte os lucros recentes. Futuros de Wall Street apontam para o campo negativo, depois de ganhos salutares na véspera. Há algum incremento marginal nas preocupações com o futuro do juro básico por lá, após Charles Evans, do Fed de Chicago, afirmar que a política monetária pode mudar rapidamente. Em paralelo, predomina certa cautela diante do início da temporada de resultados trimes-
112
trais, com Alcoa inaugurando a safra hoje. Dólar sobe lá fora para seu maior patamar em 11 semanas, com declarações de Evans e recuo de commodities. Petróleo devolve parte da notável valorização da véspera, à espera de maior concretude nas sinalizações de controle da produção pela Opep. Por aqui, destaque total para aprovação, com folga, da PEC do Teto de Gastos em 1o turno na Câmara, com 366 votos a favor. O primeiro passo material em direção ao ajuste fiscal e com possíveis desdobramentos imediatos para a política monetária brasileira - Copom havia condicionado afrouxamento monetário à evolução do quadro fiscal e a aprovação da PEC é certamente um passo nessa direção, fortalecendo a hipótese de um recuo da ordem de 50 pontos da Selic já na próxima semana. Essa pode ser sua última janela para aproveitar A Oportunidade da Década na Renda Fixa. Os assinantes da série estão convidados para monitoria hoje às 16h - o link e a senha de acesso estão no relatório de hoje. Completam a agenda local prévias de IPC-Fipe (-0,07%) e IGP-M (-0,01%). Fazendo uma pausa no rali recente, Ibovespa Futuro abre em queda de 0,35%, dólar sobe 0,31% sobre o real e juros futuros avançam ligeiramente.
113
27 |
Deixem os demônios falarem 17/10/16
Você entende a sua vida? Quem é você? De onde veio? Para onde vai, coisa e tal? Imagino que, a exemplo dos demais sete bilhões de terráqueos, você tenha respondido de forma negativa às perguntas. Ainda assim, se está lendo estas linhas, posso presumir que continua vivo, sem ter se matado. Fez a acertada opção por dar consecução à própria vida, mesmo sem entendê-la. Como pode perceber, eu optei pelo mesmo caminho. Veja: esse é um tema da maior relevância. Em O mito de Sísifo, Albert Camus trata o suicídio como a única grande questão filosófica. Da minha parte, não tenho a menor vocação para a coisa. Pretendo ficar um bom tempo por aí. Então, assim como eu, se você fosse um ativo listado em Bolsa, estaria, portanto, comprado em si mesmo, a despeito da sua falta de entendimento, carregando uma alta posição em água e carbono. Caramba, fomos logo escolher o setor de combustíveis fósseis? Somos vividos – assim mesmo, na voz passiva – por poderes que fingimos entender, resumiria o poeta Winston Auden. A psique cria a realidade todos os dias, alertaria Carl Jung para nossa vocação à fantasia em sua obra mais pessoal e profunda, o Livro Vermelho. A realidade é – e continuará sendo – impenetrável, incognoscível, impermeável. As questões mais essenciais estarão para sempre blindadas das tentativas de compreensão impostas pelos três deuses da atualidade, o dinheiro, a ciência e a tecnologia. Arrisco a dizer que a realidade, per se, sequer exista. Há apenas interpretações da coisa. Permitam-me o devaneio inicial. Segunda-feira, a primeira do horário de verão. Começo assim para confrontar uma frase clássica de Warren Buffett, o maior investidor de todos os tempos, a de que você 114
nunca deve investir naquilo que não entende. Não é fácil fazê-lo. Sou imediatamente colocado como herege, capaz de furar fila no tribunal da Santa Inquisição do politicamente correto da “nata do value investing”. Dou de ombros, mas esclareço: sou grande fã do sujeito. Apenas considero que o Buffett prático é muito mais complexo do que ele mesmo supõe em seus escritos sobre si – a parte mais essencial e particular de um camarada é justamente aquela associada ao seu conhecimento tácito. Num ambiente em que há convexidade (uma assimetria muito convidativa entre perdas e ganhos potenciais), exatamente como aquele das ações (você pode perder 100% no máximo, mas seus ganhos podem ser muito maiores do que isso, de 200%, 400%, 1.000%), a estratégia mais acertada é pulverizar seus investimentos pelo maior número possível de ativos, de modo a capturar uma grande multiplicação. Isso lhe permitirá compensar vários pequenos erros. Assim, é evidente que você não entenderá alguns de seus investimentos, pois será impossível compreender um número muito grande de ativos. Mas isso não importa. A realidade será sempre ininteligível. Seria inócuo tentar entendê-la. Sua preocupação deve ser com a matriz de payoff. Você compra um portfólio diversificado de ativos com perfil assimétrico convidativo e, na média, vai sair vitorioso a longo prazo. Isso é completamente diferente de adquirir o ativo A esperando que ele convergirá para seu valor intrínseco B. De novo, voltamos à Jung e à sua fenomenologia: permita que os próprios fenômenos falem por si, sem direcioná-los a priori. Deixe os demônios falarem. É uma abordagem mais democrática, a favor da liberdade de expressão. O argumento foi sintetizado brilhantemente – e com abordagem totalmente diferente – por Nassim Taleb no clássico Understanding is a poor substitute for convexity, que certamente merece leitura. Epistemologicamente, Taleb é superior a Buffett. Nenhum demérito. Taleb é filósofo. Buffett é um investidor. Na prática, o sábio de Omaha continua imbatível. 115
Meus esforços na Carteira Empiricus têm sido em prol de uma tentativa de juntar os sujeitos, num método próprio. Felizmente, tem funcionado. Portfólio sugerido oferece mais de 170% do CDI desde sua criação. Se foi sorte, competência ou uma combinação das duas coisas, realmente não sei, mas torço (e trabalho para isso) para continuar assim. Carteira continua posicionada para capturar redução adicional dos prêmios de risco associados a ativos brasileiros. Sem riscos excessivos, porém. Tenho cada vez mais procurado comprar seguros para o portfólio. O rali foi expressivo em curto intervalo de tempo e há, sim, riscos no horizonte.
Nesta segunda-feira em particular, alguns deles se manifestam e retiram apetite por risco. Há certa preocupação com a política monetária nos EUA, após discurso de Janet Yellen na sexta-feira ser considerado um pouco mais duro. Para hoje está prevista fala de Stanley Fischer, responsável anteriormente por assustar os mercados ao sugerir uma postura mais contracionista pelo Fed. Petróleo recua com realização de lucros e dúvidas sobre postura da Opep, também afetando disposição a risco. Setor de educação está entre maiores quedas lá fora, após Pearson, cujas ações cedem quase 10%, reportar vendas menores. Completam a agenda norte-americana produção industrial e NY Empire State. Temporada de balanços corporativos também em voga, com resultados do Bank of America saindo antes da abertura dos mercados. Na Europa. Mario Draghi discursa sob expectativa de eventual sinalização de redução dos estímulos monetários. Por aqui, relatório Focus mostrou redução da mediana das projeções para taxa Selic ao final do ano, de 13,75% para 13,50%. IGP-10 (0,12%) apontou inflação ligeiramente acima das projeções, mas sem preocupar muito. Balança comercial semanal será revelada ainda hoje. Acompanhando clima de cautela no exterior, Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,28%. Dólar e juros futuros não mostram tendência definida. Encerro minha contribuição de hoje convidando a todos para conhecerem o OBA System , um método desenvolvido pelo Sergio Oba, com resultados comprovados em Bolsa. Já há uma recomendação prontinha para hoje.
116
28 |
Je suis Charlie Munger 07/11/16
As pessoas calculam demais e pensam de menos. A frase é de Charlie Munger e aparece no Outstanding Investor Digest, de 2002. Ele se autodefine como “o soldado que ajuda o capitão na Berkshire Hathaway”. No caso, o capitão é Warren Buffett, possivelmente o maior investidor de todos os tempos. A verdade, porém, é que a autoavaliação está permeada por excesso de humildade. Munger não é apenas sócio e ajudante de Warren Buffett. Ele é responsável por uma modificação estrutural nos investimentos da Berkshire Hathaway. Se Warren Buffett simboliza a representação pragmática e objetiva em investimentos, Charlie Munger oferece uma pluralidade intelectual maior, com um vasto interesse por filosofia, matemática e psicologia. Com certa frequência, atribui-se a Munger grande importância na perpetuação do sucesso inicial de Buffett. Se os primeiros investimentos do sábio de Omaha estiveram sob influência quase integral de Benjamin Graham, uma segunda fase encontra maior associação às ideias de Philip Fisher. O foco inicial estava centrado em capturar barganhas, companhias muito descontadas sob seu valor patrimonial, seu ativo líquido ou os lucros reportados. O quantitativo importava sobremaneira. Aos poucos, conforme a análise de balanços foi se tornando mais difundida e o acesso à informação menos precário, as vantagens competitivas da exploração de distorções quantitativas passaram a ser menos óbvias. Então, qualitativo começou a importar mais. Com o passar do tempo, embora Buffett mantenha-se fiel ao instrumental de Graham, adiciona à sua caixa de ferramentas analíticas os ensinamentos de Philip Fisher. Certamente, Charlie Munger contribui de maneira definitiva para que Buffett se aproximasse mais das ideias daquele que passaria a ser considerado o representante maior do growth investing. 117
Essa contribuição de Munger foi fundamental para que a Berkshire Hathaway aceitasse pagar um pouco mais caro por qualidade – sem isso, seria impossível, por exemplo, que Buffett topasse pagar três vezes o valor contábil da See’s Candy, um investimento que viria a se tornar muito rentável mais pra frente. Mas não é só isso. A gama de modelos mentais proposta por Munger e, em especial, a obsessão pela psicologia da má decisão trouxeram uma sofisticação enorme para as estratégias da Berkshire, permitindo que os erros dos outros fossem usados para incorporar lucros para si. A exploração de conceitos da psicologia permitia mantê-los incólumes quando outros estavam em pânico. O aproveitamento dessas distorções viria a se transformar em lucros vultosos para o conglomerado. Conforme resume a Dynamo em carta de 2003, “Munger não cansa de sublinhar em seus pronunciamentos mais didáticos a importância fundamental da psicologia dos maus julgamentos, porque é a partir dela que se pode chegar na excepcional situação, para um investidor, em que estão todos errados e ele está certo.” Não haveria momento mais oportuno para falar da psicologia da má decisão. O que você vai fazer quando os mercados entrarem em pânico? Nada. Simples assim. Você não poderá entrar em pânico junto. Ao final, os fundamentos econômicos estritos prevalecem.
Depois de uma sequência de nove quedas seguidas para o S&P 500 e a maior rodada de alta consecutiva para o VIX (índice de volatilidade), o bom humor volta aos mercados nesta segunda-feira. Ativos de risco disparam no mundo todo após FBI absolver Hillary Clinton da investigação sobre acusação de crime no famigerado envio de e-mails. Pesquisas divulgadas no final de semana, por Washington Post e Wall Street Journal, apontou aumento da liderança da candidata democrata. Sob percepção de menor “risco Trump”, mercados voam nesta segunda-feira. Commodities também se valorizam, com destaque especial para petróleo, após secretário da Opep afirmar que a Rússia está dentro do acordo para conter produção e estabilizar preços. Ter-
118
remoto perto de Cushing, centro de armazenamento, levanta temores de restrição de oferta. Ibovespa Futuro abre em alta de 2%, enquanto dólar cai 1% contra o real. Juros futures cedem, em dia de maior disposição a risco. Agenda internacional traz crédito ao consumidor norte-americano e tendência do emprego nos EUA. Por aqui, dados da Anfavea, balança comercial e relatório Focus, com queda das estimativas para a inflação em 2017 – pela primeira vez desde outubro de 2015, mediana das projeções para variação do IPCA no próximo ano veio abaixo de 5%. Diante da fraqueza recente, fomos atrás de barganhas e ações excessivamente penalizadas, prontas para uma recuperação. Sergio Oba às encontrou no Empiricus Serious Trader.
119
29 |
Amor fati
18/11/16
A percepção usual das pessoas é que elas podem escolher suas ideias e suas crenças. Talvez, porém, seja diferente. As ideias e as crenças é que escolhem as pessoas. No mito de Er, descrito por Platão, as almas optam pelos corpos de acordo com suas preferências. E as almas (ou o daimon, como diria James Hilman) têm seus próprios ancestrais. Com abordagem completamente diferente, é curioso como a abordagem fisicalista chega à conclusão semelhante. Se, afinal, é tudo bioquímica e nosso cérebro em nada difere do restante da natureza, a nossa identidade goza de livre-arbítrio muito menor do que supõe a visão popular. Se as regras da natureza não dependem das minhas ideias e as minhas ideias estão submetidas às mesmas regras do restante da natureza, então decorre que, por imposição da lógica, minhas ideias não dependem das minhas ideias. É um paradoxo, mas, sob as premissas apresentadas (e dificilmente refutadas), não há escapatória. Nesse arcabouço particular, até mesmo o livre-arbítrio estaria submetido à imposição do destino das interações bioquímicas. Num encontro anedótico, Santo Agostinho cumprimenta São Tomás de Aquino em plena união e conformidade. Sob as restrições das leis da natureza, resta-nos aceitar nosso destino, em sua integralidade, mesmo em seus aspectos mais cruéis, dolorosos ou sádicos. Mais do que apenas aceitar, devemos amar o que vem pela frente, naquilo que os estoicos e Friedrich Nietzche chamam de “amor fati”, expressão latina usada justamente para descrever o amor ao fado ou ao destino. Traduzo para o universo das finanças, apelando para o maior de todos. Warren Buffett diz assim: somente os vendedores líquidos de 120
ações devem se preocupar com queda em seus papéis; os demais devem motivar-se pela oportunidade de comprar títulos cujo valor intrínseco não mudou por um preço mais barato. A discussão atual entre os alocadores de recursos está centrada na necessidade ou não de se reduzir risco nos portfólios. Parte não desprezível dos alocadores e gestores estaria optando por diminuir risco diante do “efeito Trump”, esperando a tempestade passar para voltar a montar posições mais agressivas. Eu discordo fortemente dessa abordagem. Entendo que, se você não se protegeu antes e não comprou seguros, fazê-lo agora catalisa simplesmente um processo de corrida atrás do rabo. O estrutural não mudou. Se você quiser corrigir a rota no meio do caminho (e atrasado), incorre num risco gigantesco de perder a recuperação, sem nunca mais voltar aos níveis iniciais. Enganase quem pensa que poderá se posicionar a tempo caso o mercado retome o otimismo. Ajustes não se dão de forma lenta e gradual. Ao contrário, poucos dias fazem a diferença. Os movimentos se dão em saltos e são sempre maiores do que nossa cabeça linear tende a contemplar. Se possível, inclusive, pode-se aproveitar o saldão no Tesouro Direto e algumas barganhas criadas na Bolsa, sempre com horizonte de médio e longo prazo – para horizontes temporais menos dilatados, minha bola de cristal não se apresenta devidamente lustrada. A parte boa de movimentos sistêmicos tão violentos é que há coisas óbvias que ficam bem atraentes. Esse é um dos momentos em que você não precisa incrementar muito risco para alcançar retornos interessantes. Comprar NTN-B curta e na parte intermediária da curva, por exemplo, oferece uma assimetria muito convidativa entre perdas e ganhos potenciais. O juro real no Brasil, mesmo num novo equilíbrio global de taxas marginalmente maiores, precisa vir pra baixo. Bem pra baixo. E há uma razão objetiva para isso: o País simplesmente não aguentaria conviver por muito tempo com este tamanho de juro real. Sem crescimento, sem receita tributária 121
e com este tamanho de dívida, precisamos de juros menores. Resumidamente, ou você acredita que o Brasil vai quebrar ou você pensa que os juros vão cair. E na Bolsa, o que comprar? Itaú, oras. E depois que comprar Itaú, daí vou pra quê? Daí você pode pensar em Itaúsa. É claro que se trata de uma hipérbole, mas o exagero indica a direção. A simplicidade é a maior das sofisticações. Faça movimentos na margem, sem incorrer em riscos excessivos. Estenda o horizonte temporal de seus investimentos. E lembre-se: na crise, surgem as maiores oportunidades. Talvez elas sejam a mesma coisa.
Clima generalizado de aversão a risco continua nesta sexta-feira, embora em intensidade inferior à observada nos dias de maior tensão com Trump. Taxas de juro globais sobem ainda com incerteza sobre futuro da política econômica norte-americana e sinalizações dadas na véspera por Janet Yellen, de que Fed Funds Rate deve ser elevada num futuro próximo e de que temor com expansão fiscal enseja risco inflacionário, exigindo resposta do Banco Central. O movimento é mais ameno, no entanto, com yield do Treasury de 10 anos subindo 2 pontos-base. Dia reserva agenda relativamente tranquila. Por aqui, temos apenas prévias de IPC-Fipe e IGP-M. Há aumento da temperatura política com prisão de ex-governadores do RJ e crescente tensão social no estado. Lá fora, atenção especial para discursos de dois dirigentes do Fed, William Dudley e James Bullard. Temos ainda indicadores antecedentes e atividade na região de Kansas. Ibovespa Futuro acompanha cautela no exterior e abre em baixa de 0,5%. Dólar apresenta valorização de 0,4% contra o real, acompanhando direção de outras moedas emergentes e recuo dos metais - a magnitude da variação é amenizada por nova atuação do Banco Central. Juros futuros sobem, em linha com aversão a risco e tendência global de maiores yields. Encerro com uma espécie de presente aos leitores do Empiricus Renda Fixa. Diante da grande quantidade de dúvidas sobre renda fixa e da volatilidade recente do Tesouro Direto, na próxima terça-feira a Marília vai dar um curso com tudo que você precisa saber para operar nesse nicho. Esperamos que aproveite.
122
30 |
Um pequeno deslize e toda a sua felicidade financeira pode ir a zero
23/11/16
Seu celular apitou às 23h47 de uma sexta-feira. Ele já havia se deitado com a esposa, mas, naquele momento específico, fora ao banheiro. Precisava eliminar ao menos parte dos litros da cerveja que ingerira nas horas anteriores. Ela despertara com o barulho típico da mensagem do Whatsapp. Não haveria de ser nada… Apitou novamente. E mais uma vez. O barulho que vinha do banheiro indicava continuidade, pelo marido, do esvaziamento de sua bexiga – não foram poucas geladas para dentro. Ela levantara para silenciar o insuportável iPhone. Também estava um pouco bêbada e não pretendia ler. Foi, no entanto, inevitável. Ainda não havia desenvolvido visão seletiva. Deparou-se com três mensagens: • “ Zeca, sei que não deveria mandar esta mensagem agora. Envolve riscos demais. Mas preciso dizer-lhe que a noite de ontem foi inesquecível. Há anos esperava por este momento.” • “Vai ser muito difícil esperar até a próxima vez.” • “Estou no Genésio. Você conhece bem. O chopp está cremoso como sempre. Se puder, passe aqui para repetirmos a dose.” José Carlos e Maria Eduarda foram casados por 12 anos. Tinham duas filhas pequenas. Eram felizes e apaixonados. Nada de errado. Conversavam sobre tudo, eram cúmplices em assuntos pessoais e profissionais e transavam regularmente – para um relacionamento de 14 anos (somando dois de namoro aos 12 de casamento), posso dizer que a intensidade era surpreendente. 123
Naquela quinta-feira, em particular, Zeca não pudera resistir às investidas de Luana, a morena de pele bronzeada, olhos azuis e corpo torneado. Havia sido fiel, inabalavelmente fiel, por 14 anos. Um ligeiro deslize e… poft! Seu casamento acabou. Com ele, foi-se embora sua felicidade. A poligamia não é antifrágil. Há muito a perder… É obviamente uma historinha inventada. Não me surpreenderia, porém, se alguns dos leitores se identificassem com ela. Mas não é por isso que a conto. É para lhe mostrar algo importante para sua gestão de investimentos: a vida não é aditiva. As decisões realmente relevantes para você são multiplicativas. Um exemplo torna as coisas mais claras. Pensa rápido: quanto é 17865 x 6459 x 87986 x 0? Até eu que sou mais burro posso responder essa rapidão. Tudo que você multiplicar por zero…. Rory Sutherland tem um exemplo melhor: “Eu preferiria que minha filha começasse a fumar do que passasse a andar de bicicleta em Londres. Se ela fumar, há uma alta probabilidade de que isso acabe num mau resultado. Ela pode morrer prematuramente. Talvez aos 58 em vez dos 86 anos. Mas o ciclismo urbano pode fazê-la morrer aos 22. O primeiro resultado é um desastre. O segundo é uma catástrofe. (…) No jogo da vida, evitar a eliminação nas primeiras rodadas é uma boa abordagem.” No fundo, não é muito diferente da ideia de Nassim Taleb, para quem racionalidade mesmo é evitar o risco de ruína. Eu lia o Rory Sutherland há tempos. Depois fui descobrir que ele era amigão do Taleb. Perdeu um pouco a graça. Preferia ver as coisas como uma sincronicidade jungiana. Provavelmente já conversaram a respeito. Não é uma coincidência falarem a mesma coisa, mas o ponto segue válido. O problema disso tudo é que a Economia – em particular, as Finanças Modernas – trata a vida como um mecanismo aditivo. A tal “Função Utilidade Intertemporal”, palavrão usado pelos economistas e financistas para descrever uma espécie de nível de felicidade ao longo do tempo, é medida a partir da soma das utilidades em cada período de tempo. 124
E o pior: essa Utilidade é maximizada, em vez de apenas saciada. Maximizar a vida amorosa de José Carlos sacrificou seu casamento para sempre. Você não precisa maximizar seus retornos. Você precisa estar saciado perante suas necessidades. E, acima de tudo, sobreviver. Tentar a otimização perfeita dos seus retornos, levando ao retorno máximo possível, vai levá-lo à ruína antes da hora. Mantenha-se vivo ao longo do processo. Esqueça excesso de concentração, exposições de curto prazo, aplicações de dinheiro que você não pode perder em ativos de risco, fuja do fundo mais rentável do ano (ele provavelmente correu mais risco do que você – e o próprio gestor – supõem). Tenha uns bons seguros (safe sex or no sex at all) e não se esqueça de que 6,5% de juro real num título soberano é coisa para caramba.
Mercados iniciam a terça-feira dando continuidade ao movimento positivo dos últimos dias. Intensidade, porém, é reduzida. Possivelmente, investidores aguardam novos triggers depois da recuperação recente. Commodities voltam a subir no exterior, novamente empurradas por perspectiva de demanda nos EUA e na China. Petróleo tem ligeira valorização, com expectativa de acordo da Opep para controlar produção, enquanto aguardam-se dados de estoques nos EUA. Por aqui, atenção especial para comportamento da inflação em novembro, com IPCA-15 levemente abaixo do esperado (mais sobre isso abaixo, na nota da Marília). Pode servir para referendar hipótese de aceleração do ritmo de queda da taxa Selic. Relatório da dívida pública completa a agenda de indicadores econômicos domésticos. Cena política também repercute destacadamente, após acordo para ajuda de R$ 5 bi aos estados da multa de repatriação, em troca de apoio à reforma da Previdência e medidas em prol do controle de gastos estruturais. Nos EUA, temos PMI industrial, sentimento do consumidor, vendas de casas novas e pedidos de auxílio-desemprego. Ibovespa Futuro abre em ligeira alta de 0,15%. Dólar sobe 0,25% contra o real, com BC totalmente fora do mercado de câmbio, sem realizar rolagem ou leilão de swap.
125
31 |
Nunca serão; jamais serão 01/12/16
Batman é meu super-herói favorito. Com ele, não tem conversinha: é tiro, porrada e bomba. Bruce Wayne tem um lado sombrio evidente. Como nenhum outro personagem da Marvel ou da DC, ele revela de maneira explícita suas ambivalências e contradições. Forças dionisíacas e apolíneas convivendo de forma simultânea, conflituosa e, surpreendentemente, complementar. Nada mais insuportável do que a perfeição pasteurizada de Clark Kent, o discurso politicamente correto, o cabelo penteado pro lado e os óculos fundo de garrafa. Gostava muito das versões do Tim Burton, mas, na minha humilde opinião, Chris Nolan arrebentou. Lembro-me especialmente do Alfred, interpretado pelo Michael Caine – uau, que homem! Há uma cena em particular do mordomo tentando resistir às tentações de lembrar seu patrão de sua capacidade de antevisão. “Sr Wayne, eu detesto ser o sujeito do ‘não falei?’, mas neste caso não consigo evitar…” Tudo é sempre óbvio. Depois que acontece, claro. O Brexit era óbvio. Trump também. O Fim do Brasil, A Virada de Mão, As Oportunidades de uma Vida, o Rali do Impeachment. Tudo irritantemente óbvio. Quando a XP começou, todo mundo falava mal. Destruíam os caras diariamente nos jornais, nas conversas de bastidores e em tudo mais que se pudesse imaginar. “São incompetentes”, “um bando de loucos”, “vão quebrar logo”, “isso vai se encher de processo trabalhista de agente autônomo”. Ninguém poderia admitir a competência em pessoas jovens, à época outsiders do mercado financeiro. “Claro que nós, da velha guarda, somos melhores do que esses aventureiros do sul.” Rigorosamente todos metiam o pau. Critique primeiro, conheça depois. Batiam tanto que deram de cara no muro. Hoje, os loucos do sul estão aí, comprando a Rico (segundo a Exame), com seus fundos voando e crescendo todo dia. Os incompetentes aventureiros são hoje referência como instituição financeira independente de bancos. Claro que, 126
nesta quinta-feira, dia 1o de dezembro de 2016, todo mundo já sabia, desde sempre, que o Benchimol era um gênio, que chegaria onde está e compraria a segunda maior corretora independente do Brasil. O saco é o corrimão do sucesso, insistia comigo o velho Ramiro. Sigamos… O termo “black swan” (cisne negro), difundido por Nassim Taleb, foi banalizado. Apareceu até em filme do George Clooney. Qualquer coisa de alto impacto virou cisne negro. Quando conversamos ao vivo, o próprio Taleb pode me dizer o quanto se incomoda com isso. A definição é bastante clara: um evento percebido como raro, de alto impacto e imprevisível ex-ante, mas que, depois de concretizado, torna-se perfeitamente previsível em retrospectiva. Após o acontecido, cria-se uma linda falácia da narrativa, para fazer o anteriormente absurdo soar óbvio a posteriori. As pessoas de verdade, aquelas que efetivamente fazem algo material para mudar o mundo (discurso em rede social não vale, ok?), sabem do problema. Quando Jeff Bezos, da Amazon, recebeu um convite para ser biografado, perguntou imediatamente ao interlocutor: “mas como você vai fazer para evitar cair na falácia da narrativa ao contar a minha vida?” É ou não é brilhante? Fiquei todo orgulhoso quando soube que Bezos sugere a leitura do Black Swan, do Taleb, a todos os seus funcionários. Eu sou um fã do sujeito – ok para a ambiguidade: “sujeito” pode ser o Taleb ou o Bezos; no caos, é o Bezos mesmo. Eu faço o mesmo aqui dentro. Confesso: sem sucesso. Bom, eu os entendo. Não sou o Jeff Bezos. A falácia da narrativa é uma das maiores tendências humanas. Daniel Kahneman resumiu precisamente a questão a partir do “viés de retrospectiva” (hindsight bias). Depois de ocorrido determinado evento, mesmo que por mera interação de forças aleatórias, nossa mente imediatamente constrói um modelo para justificar, a partir de uma sequência cartesiana de causa e efeito, toda sua construção. Então, com a devida vênia: se você não se tornou multimilionário com o óbvio Fim do Brasil, com as evidentes Oportunidades de 127
Uma Vida ou com a previsível Virada de Mão, aproveitando-se das distorções de preços dos ativos à época, necessariamente está enquadrado em uma das três possibilidades: i) você não gosta de dinheiro; ii) você é absolutamente acomodado e preguiçoso, de modo que o esforço para ficar rico não compensava; iii) você é desonesto intelectualmente e chama de óbvio aquilo que você mesmo foi incapaz de perceber ex-ante. Nunca serão, jamais serão. Copom atualizou a Selic na véspera. Cortou juro básico em 25 pontos, para 13,75% ao ano, em linha com as projeções. Sem surpresas daí, interesse maior recaiu sobre comunicado que acompanha decisão sobre a taxa. Em geral, comentários foram vistos como a preparação para o terreno para eventual aceleração do ritmo de afrouxamento monetário. A partir da retirada do termo “moderada” em referência à flexibilização monetária, leu-se que os próximos passos podem ser mais substanciais. Colegiado reconheceu processo de desinflação mais difuso e fraqueza intensa da atividade econômica, sugerindo possibilidade de aceleração do ritmo. Ponderação veio do cenário externo, com sugestão de que eleição de Trump e novos passos do Fed possam, eventualmente, representar fim do interregno benigno. Agora, claro, todos sabiam que a comunicação seria essa. Como são óbvios os engenheiros de obra feita. Era evidente que Petrobras sairia de R$ 4 pra R$ 16, mas ninguém comprou. Então, um tanto cansado de prever o passado, eu lhe pergunto: qual o trade óbvio hoje? Pra mim, é o pré e os indexados. Por isso insisto para que conheça o Empiricus Renda Fixa – acho que estão todos subestimando o quanto há de dinheiro na mesa aqui. E no seu caso, qual é o seu trade óbvio? Eu queria mesmo saber.
128
Quinta-feira começa sob instabilidade. Há uma tensão adicional imposta pelo cenário político, com preocupação de eventuais desdobramentos da disputa entre Legislativo e Judiciário. STF julga se aceita ou não denúncia contra Renan Calheiros. Desconfiança é de que, em se tornando réu, Renan Calheiros possa também se transformar em homem-bomba, travando eventuais avanços na pauta em prol do ajuste fiscal. Zelotes chegando ao Itaú também não traz bom agouro às negociações na Bolsa. Ainda muito cedo para qualquer comentário, mas é nova fonte de incertezas. Lá fora, petróleo desacelera alta após disparada na véspera ser catalisada por acordo da Opep pelo controle de produção. Futuros de Wall Street apontam para baixo, com realização de lucros e penalização sobre ações de tecnologia. Ações de emergentes tentam se manter em alta, após indicadores industriais na China trazerem surpresa positiva. Agenda doméstica traz IPC-S ligeiramente abaixo das projeções (0,17% contra 0,21%), balança comercial e dados da Fenabrave. Nos EUA, saem pedidos de auxíliodesemprego, PMI Markit e desempenho do setor de serviços. Ibovespa Futuro abre em queda de 0,6%. Dólar sobe ligeiramente contra o real e juros futuros avançam, com ênfase maior na ponta longa, refletindo maior aversão a risco.
129
32 |
George Soros tem um recado para você 14/12/16
“As pessoas estão enganadas quanta à minha infalibidade porque – não me incomodo de frisar isso –, no mínimo, cometo tantos erros quanto qualquer pessoa. Mas onde acho que me saio melhor é no reconhecimento dos meus erros, e esse é o segredo do meu sucesso. A compreensão crucial à qual cheguei é o reconhecimento da falibilidade inerente ao pensamento humano.” As palavras são de George Soros, já chamado de “maior investidor de todos os tempos”, “maior gestor do mundo” e coisas parecidas. Com efeito, pra mim, ele é o maior de todos. Sofisticado, intelectualizado, alheio à ditadura da racionalidade, intuitivo e, para quase fazer chorar de emoção este pobre redator, treinado no ambiente da London School of Economics pela influência de Popper e Hayek. Touché. Quando eu insisto, como fiz ontem, que a incerteza nos mercados financeiros é muito superior ao contemplado pela visão de consenso, remeto imediatamente a Taleb – claro , sempre ele – e a Soros. Curiosamente, em 1979, Soros renomeou seu fundo, passando a chamá-lo de Quantum Fund, em homenagem ao princípio de incerteza de Heisenberg, que basicamente trata da impossibilidade de se prever o comportamento de partículas subatômicas. A ideia estava perfeitamente alinhada à visão de Soros de que os mercados estavam sempre em estado de incerteza e fluxo, e que era possível ganhar dinheiro ao eliminar o óbvio e apostar no inesperado. Qualquer semelhança com o que você lê com certa frequência nestas humildes linhas diárias não é mera coincidência. Abuso do argumento de autoridade de Soros para transmitir o recado: a incerteza nunca vai desaparecer do percurso e, num ambiente desse nível de opacidade, você vai errar. Eu vou errar. George Soros vai errar. Se você não erra, você não maximiza suas potencialidades. Todo 130
processo de avanço está associado a dinâmicas de tentativa e erro. Então, se você não está errando é porque não está errando o suficiente. O grande ponto não é evitar equívocos, pois eles são inerentes ao processo. A questão nevrálgica é como lidar com o erro. O primeiro passo, como enuncia Soros, é reconhecê-lo o quanto antes possível e ajustar a rota no momento imediatamente subsequente. “Fail fast, fail small” (falhe rápido, falhe pequeno), resumiria Taleb. A outra medida importante é montar portfólios que resistam às perdas. Se, necessariamente, haverá rodadas do jogo em que você sairá perdedor, precisa estar preparado para resistir à dor e participar da próxima rodada. Não é não errar. É sofrer pouco com o erro. E daí emerge um corolário fundamental: simplesmente não dá para focar seus investimentos no curto prazo. Isso deveria ser proibido! Ora, se você vai tropeçar no meio do caminho, precisa de prazo para acertar mais do que errar, ou, mesmo que tenha mais frequência nos erros, tudo bem também, desde que haja um grande acerto no meio do caminho, capaz de apagar os prejuízos. Imagine que você participe de um jogo em que tem 80% de chance de ganhar. Se for repetindo as rodadas por muitos períodos, é quase inexorável que terminará a trajetória vencedor. Já se o foco estiver no curto prazo e houver apenas uma rodada, de cada cinco pessoas, uma sairá perdedora, mesmo de um jogo altamente favorável – esse sujeito, que teria enormes chances de recuperar sua grana e muito mais caso voltasse a participar de novas disputas semelhantes, terá voltado para casa com prejuízo. Transportando a metáfora para o ambiente financeiro, investir sem permitir-se um longo horizonte temporal é dificultar a ação das probabilidades e da convexidade (conforme tentei provar ontem, investimentos antifrágeis se beneficiam da passagem do tempo). Trata-se de um boicote a si mesmo. A paciência não é somente uma virtude desejável no mercado financeiro. Ela é condição sine qua non. É com essa filosofia que eu toco a Carteira Empiricus. É com essa filosofia que eu gostaria que você tocasse sua grana. 131
O momento é particularmente revelador da assertiva supostamente teórica. Gosto disso, quando a prática referenda aparentes abstrações. Na teoria, o socialismo funciona. Interessa sempre a prática, os homens e mulheres de verdade, aqueles que apertam botões, que querem retornos consistentes. Filho de papai fazendo comentário politicamente em textão no Facebook, sem sua pele estar em jogo, não conta. Há muita incerteza no curto prazo, sobretudo imposta pelo cenário político. Eu tenho defendido que, por mais que tenhamos volatilidade e dificuldades no meio do caminho, sairemos do percurso com um país melhor. E é a este fundamento que devemos nos apegar. Sabemos desde Drummond que há pedras no meio do caminho, duplamente. A escolha em prol das reformas, evidentemente com direito a choro e esperneio do senador Lindberg, já foi feita. E ela é inexorável. Mais importante, isso vai se dar com ou sem Michel Temer. Recomendo fortemente nesta quarta-feira a leitura da entrevista do cientista político Marcus Melo na Folha de S.Paulo de hoje – simplesmente brilhante e alinhada à tese de que o cenário menos provável é o de não aprovação de reformas, independentemente da continuidade do atual presidente. Mercado tem tremido as pernas a cada delação vazada, mas, em que pese a volatilidade de curto prazo, o Brasil caminha na direção correta. Também nesse sentido vale ler a entrevista de Sergio Rial, do Santander, no Valor. Em termos materiais, temos hoje uma inflação caminhando rapidamente para a meta, o que permitirá ao Banco Central acelerar o processo de corte de juro, e a aprovação definitiva da PEC do Teto de Gastos, talvez a medida mais importante no Brasil desde a lei de responsabilidade fiscal. As bases essenciais para a reconstrução do País estão sendo colocadas. Estão aí para quem quiser ver, nitidamente. De forma igualmente óbvia, demoraram seis anos para destruir o Brasil; revivê-lo exigirá um pouco mais do que cinco meses. O mais importante é que isso vai se dar com ou sem Michel Temer. Pessoalmente, até preferiria que fosse sem, pois sua substituição retiraria essa faca de Dâmocles com que convivemos a cada sexta-feira, em 132
que borramos as calças com medo de uma nova capa de revista comprovando propina e não somente caixa 2. Precisamos virar definitivamente a página do lulopetismo e, se isso exigir trocar o presidente que fora vice na administração anterior, tanto melhor. Não tenho vocação para um terror sem fim. Não nos esqueçamos: aprovamos ontem a PEC do Teto de Gastos. Materialmente, é isso. E havemos de celebrar.
Mercado inicia as negociações desta quarta-feira em compasso de espera. Além da incerteza gerada pela instabilidade política, há expectativa em torno da reunião do Fed, hoje à tarde. Ampla expectativa por elevação de 25 pontos no juro básico norte-americano, de modo que atenção recai sobre comentários que sinalizem postura a ser adotada em 2017 - mais precisamente, se serão dois ou três aumentos. Vencimento de opções sobre Ibovespa Futuro adiciona um pouco de volatilidade às negociações. Agenda doméstica fica completa com fluxo cambial semanal e pesquisa do IBGE. CCJ da Câmara deve ter leitura para admissibilidade da reforma da Previdência e há sessão para votar destaques da LDO de 2017. Investidores aguardam ainda anúncio do pacote de medidas em prol do aumento da produtividade dos fatores e facilitação do crédito, previsto para amanhã. Nos EUA, além do Fed, temos produção industrial, inflação ao produtor, estoques das empresas e vendas ao varejo. Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,40%, acompanhando cautela no exterior. Dólar recua ligeiramente sobre o real, enquanto juros futuros cedem.
133
33 |
Dor nas costas, no bolso e na Bolsa 19/12/16
Quando eu sinto uma dor diferente nas costas, um incômodo próximo à região lombar, percebo que preciso ajustar meu portfólio. Se a frase fosse realmente minha, provavelmente seria descredenciada de imediato. Aliás, não só a frase em si, mas o pouco que sobrou de minha reputação também. “Como pode alguém se basear num critério assim para decidir onde investir? Cadê o instrumental analítico, a racionalidade, os métodos quantitativos?” Treinado em uma matriz cartesiana, o mundo ocidental precisa apoiarse na tradição da lógica, em uma relação bem estabelecida e demonstrável entre causa e efeito. Se não pode ser formalizado, então não presta. Acontece, porém, que a frase inicial deste texto é de George Soros. Sob a defesa do argumento de autoridade, fica complicado atacar. Não há como negar que o heterodoxo método deu dinheiro. Se a realidade não cabe em nosso entendimento ou, mais especificamente, se Soros não consegue explicitar racional e formalmente seus processos mentais, a culpa, definitivamente, não é da realidade. Aquela dor nas costas tem um sentido. Não se trata de comunicação transcendental, aviso do sobrenatural ou qualquer coisa que o valha. O processo se relaciona ao conhecimento tácito de George Soros. “Quando tenho uma interpretação das condições para os mercados e percebo, de alguma forma, que ela não está perfeitamente refletida no meu portfólio, fico bastante tenso e preocupado. Mudo até minha postura. E é isso que me gera a dor nas costas. Então, eu ajusto minha carteira e sinto-me aliviado.” Os processos mentais são muito mais sofisticados do que podem supor a formalidade, as planilhas de Excel e as relações explícitas de causa-efeito. Não é porque você não consegue explicar um raciocínio que ele não exista e, de forma ainda mais profunda, seja apropriado. 134
Isso é aquilo que Michael Polanyi chama de conhecimento tácito, sentimentos pessoas e comprometimentos, intuições que se desenvolveram ao longo do tempo a partir da experiência. Uma pessoa pode reproduzir ritmos altamente sofisticados sem ter noções formais de matemática, um bombeiro experiente consegue abandonar um edifício segundos antes de ele desabar por conta do fogo, embora não possa explicar exatamente como chegou à conclusão. Intuição é uma espécie de conhecimento que vai sendo acumulado ao longo do tempo, e fica escondido lá atrás. Você nem sequer tem a percepção real de que consegue resolver o problema, até que é colocado diante da questão e encontra a solução. No livro de Hermann Hesse, Sidarta diz o seguinte ao encontrar o Iluminado, tentando explicar por que não poderia segui-lo a partir dali: “há uma única coisa que não se acha nessa doutrina, por mais clara e venerada que ela seja. Não nos é dado saber o segredo daquela experiência que teve o próprio Augusto, só ele. É por isso que devo seguir com minha própria peregrinação.” Você pode copiar rigorosamente cada passo daquela receita da sua avó. Não vai ficar a mesma coisa. Há um jeito único de mexer o feijão, a hora certa de preencher com um pouco mais de água, a boca exata do fogão que atinge uma tal temperatura única. O conhecimento tácito é a parte mais importante do percurso, pois é justamente o mais pessoal, impossível de se transmitir, irreplicável. A real diferenciação da pessoa em relação a todos os demais. Warren Buffett é e sempre será o único Warren Buffett, por mais livros e cartas que se escrevam a respeito. Se George Soros não tivesse presenciado vivamente o espírito de sobrevivência do pai e as mazelas da invasão nazista na Hungria, possivelmente não chegaria aonde chegou, tanto do ponto de vista de filantropo, com seus incentivos em prol de sociedades abertas, quanto de investidor – Soros é a representação maior do desapego a se estar certo; ele quer sobreviver a cada dia. Se está certo, vá na jugular, aposte grande. Se está errado, mude. Sobreviva. 135
Há uma citação de Stanley Druckenmiller capaz de resumir o argumento, e que, por razões óbvias, eu gosto em particular: “a lição mais importante que Soros me ensinou foi que não importa se você está certo ou errado. Importa quanto dinheiro você ganha quando está certo. E quanto perde quanto está errado.” Se você pensou em Nassim Taleb e antifragilidade, bingo. Estamos alinhados. O que me dá dor nas costas neste momento? Acho que o mercado subestima a possibilidade de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE. Venho comentando sobre isso e hoje notícias voltam a sugerir esse caminho. De acordo com O Antagonista, caso a votação fosse hoje, a maioria dos votos apontaria para a cassação. Mercado insiste que “sob as atuais condições, Temer continua”. Problema é que não existe “sob as atuais condições”. Ainda faltam 75 delações da Odebrecht, possivelmente Eduardo Cunha e o TSE no meio do caminho, com as ruas podendo se inflamar com desemprego aumentando e as denúncias se avolumando. Mais uma vez, confunde-se ausência de evidência com evidência de ausência. Há muito mais coisa por vir. Tudo que vemos não é tudo que existe. E não podemos, apenas a partir das informações disponíveis, pular para as conclusões. A realidade insiste em ser dinâmica – e insiste em não permitir que se mude o passado. Temer foi vice de Dilma Rousseff, todo seu entorno está envolvido em denúncias de corrupção. Em resumo, parece-me haver uma probabilidade não desprezível de nova troca de governo antes de 2018. E o que eu penso a respeito? Haverá muita volatilidade no meio do caminho, mas será bom. Precisamos encerrar de vez este capítulo, livrar-nos da ameaça tácita de que, a cada semana, pode surgir uma nova capa de revista. Temer não importa. As reformas importam. E isso é uma escolha de Estado e sociedade, não de um presidente apenas. Suprimir a volatilidade escondendo a poeira sob o tapete apenas fomenta uma explosão mais forte à frente – não podemos conviver com doses homeopáticas de sofrimento. De vazamento em 136
vazamento, vamos sofrendo a conta gotas. O mal se faz de uma vez. A reconstrução de um País encontra certas dificuldades se tocada por alguém que, de forma inapartável, conviveu e participou do governo que ajudou a destruí-lo.
Ponderando cenário político e novidades da agenda econômica, Ibovespa Futuro abre perto da estabilidade. Juros futuros também não mostram grandes oscilações, enquanto interpretam dados ligeiramente acima do esperado mostrados por prévias de IGP-M e IPC-Fipe. Relatório Focus apontou inflação dentro do intervalo da meta em 2016 (mais sobre isso abaixo). Dólar recua contra o real, acompanhando movimento no exterior.
137
34 |
O ajuste fiscal, neste aspecto específico, não precisa vir de você
22/12/16
Vamos pausar o modo George Soros. Ligamos a versão Warren Buffett. Hoje me aproprio de uma ideia bastante simples, mas poderosa. Soros é sofisticado e, por vezes, ininteligível. Buffett é simples (na conotação positiva da palavra) e didático. Talvez você desconfie das citações de métodos e ideias de bilionários, supondo que não lhe servem. Seriam grandes demais para caber em seus bolsos. Na verdade, é o contrário. Há boas vantagens de ser um investidor pequeno. Conforme o próprio Buffett resumiu no início de 2002: “alguns anos atrás, uma boa ideia de 10 milhões de dólares faria maravilhas por nós. Hoje, a combinação de dez ideias como essa e o triplo do valor de cada uma aumentaria o patrimônio líquido da minha empresa Berkshire em apenas um terço de 1%. Precisamos de elefantes para obter ganhos significativos hoje – e eles não são fáceis de encontrar.” É difícil ter uma boa ideia de investimento. É ainda mais complicado conseguir uma boa ideia de um investimento grande. Ter várias boas ideias para alguns investimentos grandes é coisa de super-herói. Ser pequeno tem suas vantagens. Certa vez, estive com um dos maiores gestores brasileiros para tentar comprar-lhe sua posição em uma small cap do setor de infraestrutura e bens de capital. Foi altamente constrangedor. Ficamos dois meses tentando marcar o papo. Voltamos para casa em dois minutos. Algo assim: Então, você tem uma posição relevante nesta ação. É pequeno para você. Mas é grande pra companhia. Nós gostaríamos de comprar-lhe seu lote. Um silêncio ensurdecedor de vinte segundos e… Meu caro, eu agradeço fortemente sua oferta. Isso representa menos de 0,1% do meu fundo. Não tem qualquer 138
impacto pra mim. Pra dizer a verdade, não lembro nem por que comprei. Agora fica. Não vale o tempo do meu analista estudar. Fim. Podíamos voltar pra casa com o rabinho entre as pernas. Ser grande demais alija o investidor de possibilidades, por vezes, muito interessantes. Mas nem é disso que quero falar, embora, em si, seja uma defesa em prol das vantagens por vezes despercebidas da pessoa física. Volto à questão da necessidade de desprezar abordagens curto prazistas em seus investimentos. Já tentei convencê-lo usando o argumento de que ciclos empresariais (lembre que por trás daquela coisa esquisita chamada “ação”, piscando em vermelho e verde em seu home broker, pulando para cima e pra baixo feito uma cabrita, existe um negócio chamado empresa) não obedecem aos ciclos do day trade. Se você quer ver um racional sobre uma companhia se materializar, logicamente, você precisa esperar seu ciclo (e não o da ação) se materializar também. Também já recorri ao caráter essencialmente randômico das oscilações de curto prazo, em que ruído prevalece sobre sinal, com a caminhada das ações obedecendo a algo bastante próximo a um passeio aleatório. De andares de bêbados já bastam os nossos, na física. Por fim, também já tentei provar o ponto recorrente à convexidade típica das ações – precisamos de tempo para que alguns papéis se multipliquem por n vezes, enquanto outros vão a zero e, no saldo final, tenhamos retornos positivos. Multiplicar por 5x é muito melhor do que perder 100%. Pode parecer complexo, mas, na verdade, é bastante trivial: o que é antifrágil gosta do tempo (mais tempo, mais vol). Hoje apresento um novo jeito, o mais simples de todos. É tão simples que as pessoas se esquecem, esclarece Warren Buffett. Sintetizando seu racional na ideia de que “consideramos que a inatividade seja um comportamento inteligente”, o sábio de Omaha pede atenção para duas coisas, que chegam a ser óbvias, para o baixo giro com ações: 139
1. A pouca movimentação reduz seus custos de transação. Quanto mais você gira, mais corretagem você paga. A corretora agradece, seu bolso reclama. Pode parecer pouco se feito uma ou duas vezes, mas fará diferença a longo prazo. Em mercados cada vez mais eficientes por conta da maior disponibilidade de informações e aumento do número de participantes, qualquer custo adicional pode representar a diferença entre um retorno acima ou abaixo da média de mercado; 2. O maior giro implica pagamento de mais impostos. Obviamente, você está interessado em retornos líquidos e, se for minimamente parecido comigo, odeia alimentar o leão. Apresenta a segunda ideia por meio de um exemplo. Acho que é o jeito mais fácil. Suponha que você seja um buy and holder clássico, aquele sujeito que compra e não vende nem apanhando. Você compra uma ação e ela se multiplica por três no primeiro ano. Pagou 1, fechou a 3. No segundo ano, ela novamente triplica. Vai a 9, portanto. Então, você se satisfaz com o desempenho e resolve vender. Apura-se um imposto de 15% sobre o ganho de capital. Logo, 0,15 x 8 = 1,2 de imposto. Em termos líquidos, você fica com 7,8 (9 - 1,2). E aí tem o seu vizinho, um sujeito muito mais esperto, que sempre tem uma ideia melhor do que a sua, com altas conexões no mercado financeiro, mais especificamente nas mesas de operação, aquela turma sempre pronta para lhe passar a diquinha exxxperrrta. Ele compra a mesma ação que você no primeiro ano. Logo, pagou 1, foi a 3. Então ele vende, porque há uma nova dica muito boa passada pelo Breno, da mesa. Colhe o imposto e paga 0,30. Sobra-lhe 2,70, certo? A nova ação comprada, a exemplo da primeira, também multiplica-se por 3 no segundo ano. Assim, antes dos impostos do segundo ano, o vizinho esperto tem 8,10 (2,70 x 3). Então, ele vende e paga seu imposto, no valor de 0,81 (0,15x (8,10-2,70)). Sobram 7,29. 140
7,8 (caso A) > 7,29 (caso B). Vitória do bem contra o mal. Chupa, vizinho. Chupa, Breno. A gente torce pelo ajuste fiscal, mas não precisa pagar mais imposto por opção própria.
Nessas de focar no longo prazo, é interessante observar como o governo Temer tem, sem alarde, aprovado medidas positivas para o crescimento potencial brasileiro. Tivemos a nova governança das estatais, a não obrigatoriedade da Petrobras no Pré-Sal, a PEC do teto, avanços na agenda micro do mercado de crédito e agora a minirreforma trabalhista. Para o curto prazo, temos a liberação para saque do FGTS, no valor de R$ 1 mil/trabalhador, injetando até R$ 30 bi na economia, possivelmente para pagamento de dívidas – ajuda no processo de desalavancagem das famílias num momento em que a renda está realmente bem comprometida com pagamento de juros. Para o longo prazo, flexibilizam-se leis trabalhistas totalmente ultrapassadas, permitindo a prevalência do negociado sobre o legislado para determinadas questões. O bom senso prevalecendo sobre o discurso varguista fácil. Entre as outras questões importantes da agenda, Relatório Trimestral de Inflação pintou um quadro favorável para redução de juros, mostrando claramente um grande espaço para diminuição da Selic, embora não tenha se comprometido com alterações mais substanciais das projeções para inflação (mais sobre isso abaixo, na nota da Marília, que tem ótimas recomendações para você no Empiricus Renda Fixa – o juro vai cair e não é pouco; talvez esta seja uma das últimas janelas para capturar isso). Sobre a questão política, há uma sinalização importante no convite de Rodrigo Maia para almoçar com Henrique Meirelles. Alivia-se a crise entre Câmara e Fazenda e mostra-se algum comprometimento com o ajuste fiscal estrutural – sem acreditar em conto de fadas, porém; o interesse de Maia em sua reeleição (ou apenas eleição, sei lá, dado o imbróglio envolvendo mandatos tampão) será sempre maior do que o bem geral da nação. A gente conhece o estadismo e o altruísmo deste pessoal… Nos EUA, há uma agenda pesada, marcada por PIB trimestral, encomendas de bens duráveis, pedidos de auxílio-desemprego, gastos e renda pessoal e a referência de inflação PCE. Dia é de cautela no exterior após os recordes recentes para Wall Street e alguma preocupação com setor bancário europeu, sob visão de que o banco italiano Monte Dei Paschi
141
poderá não conseguir levantar capital. Acompanhando clima lá fora, Ibovespa Futuro abre em queda de 0,35%. Dólar sobe 0,42% contra o real e juros futuros buscam direção, oscilando perto do zero a zero. Há uma sensação crescente de que o ano acabou, o que não é necessariamente verdade. A última semana do calendário costuma oferecer atrocidades por aí. Há liquidez menor e estão todos querendo uma foto mais bonita da cota de final de ano. Eu não estou interessado em uma semana. Quero ganhos consistentes de longo prazo. Aqui você encontra nossa visão sobre a Bolsa e ela contraria fortemente o consenso de mercado. Bom, não é a primeira vez. Ainda bem.
142
35 |
O que eu lhe proponho de Natal 23/12/16
Mamãe reza todos os dias. Diz que é assim desde criança. Papai rezava uma única vez por ano, no Natal. Sempre uma Ave Maria, seguida de um Pai Nosso, logo antes da ceia. Ou melhor, quase sempre. Quando exagerava no whisky (ano sim, ano sim), misturava uma oração na outra e o Pai Nosso virava cheio de graça. Natal é tempo de estar com a família. Eu fico bem triste. Eu sei… você vai dizer que não deveria, que o momento é de felicidade, luz, nascimento. Entendo. E juro que preferia aderir a tudo isso. Se tem um interessado nessa parada, sou eu mesmo. Não é do tipo de coisa que se escolhe, porém. Para citar mais uma vez o poeta Wystan Auden, “somos vividos por poderes que fingimos entender” – assim mesmo, na voz passiva. “As coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão” – para repetir um outro poeta, no caso, o Drummond. A lembrança de como as coisas eram é intensa demais. Perde só para a saudade mesmo. Curioso pois chega a dar dor física. Casa cheia de gente. Família grande e estruturada. Mamãe feliz, fingindo de brava com papai mais pra lá do que pra cá. Tios e tias igualmente contentes e um pouco menos bêbados (só um pouco). As crianças – eu inclusive – jogando videogame, campeonato de futebol, no quarto. Eu era o mais novo e sempre perdia. Mas não ligava. Ao contrário, eu gostava. Ficava feliz em ver meus primos e amigos excitados. Não importava o resultado. Só queria saber da família unida, com uma organização aparentemente desorganizada. Todos rindo e gritando, incapazes de ouvir uns aos outros. Surpreendentemente, contudo, as pessoas se entendiam. O álcool eleva os decibéis, tampa os ouvidos e lubrifica as percepções sensoriais. 143
As coisas mudaram muito. E os últimos anos foram particularmente doloridos nesta época do calendário. De 2011 a 2015, fizemos a ceia apenas em três: mamãe, eu e João Pedro. Papai já não está mais aí, os tios foram pra longe e eu não gosto de ganhar do JP no video game. Sinto tristeza e solidão. Mesmo sem querer, lembro como era antes e como ficou pior nesses anos passados. Dói mais ainda porque eu me percebo um fracassado em não poder dar um Natal mais legal pros dois. João ainda não entende direito, mas sei que mamãe se machuca também. Na minha frente, ela não chora, é mulher estoica. Pelos cantos, porém, já encontrei soluços e caixas de lenço. Neste ano, prometi pra mim mesmo algo novo. Amanhã, Papai Noel, que é diretor de marketing aqui na Empiricus e meu amigo de infância, vai lá em casa entregar um monte de presente pro João. Mamãe também vai ganhar. E agora tem a Lina, minha esposa, que eu espero ter se comportado bem neste ano. Se Papai Noel não levar presente pra ela, é um mau sinal para a testa do redator… À tarde, jogaremos futebol no parque. Eu, João e Lorenzo, seu fiel escudeiro e meu afilhado, filho da Solange, que nos ajuda lá em casa. E à noite vamos pra casa da família da Lina, levando a minha mãe. A casa é grandona e tem um monte de gente. Tem criança, tem vida e a construção de um núcleo emergente. Nunca vai ser como antes. Mas algo novo aconteceu. E eu finalmente tenho a chance de entregar para o João um Natal um pouco mais divertido. Da destruição, surge algo novo, que necessariamente rompe com o anterior e forma algo superior. É aquilo que Joseph Schumpeter chama de destruição criativa. Nessas destruições, há sangue, suor e lágrimas. Felizmente, com algum afastamento, percebemos que o natal de 2016 é muito melhor do que fora em 2015, e traz a perspectiva de avanço ainda maior para 2017. Precisamos matar o Brasil do lulopetismo para construir algo novo. Com o ânimo do novo horizonte, pensei até em pedir presente para o Papai Noel. Mas a verdade é que eu não mereço. Contribuí negativamente para a balança comercial brasileira, importando muito vinho francês. 144
Escrevi textos politicamente incorretos, sendo xingado pela esquerda e pela direita extremistas – o que eu tomo como elogio. E estimulei pecados impronunciáveis em meus clientes, como a usura e a ganância. “Mamma is gonna worry, I’ve been a bad, bad boy”, diria Ozzy Osbourne, que seria um belíssimo Papai Noel. Acho que não tenho salvação. Eu tenho sido um mau garoto. Ah, eu queria mesmo era pedir um mercado de capitais realmente desenvolvido. Podíamos ter muito mais empresas listadas na Bolsa. Isso reduziria o custo de capital, ajudaria na saída da crise ao diminuir dramaticamente a alavancagem das companhias, permitiria compartilhamento de riscos, acessaria novos mercados, melhoraria a qualidade da gestão ao contar com visões independentes do mercado de capitais e por aí vai. Não há real incentivo para isso. Os esforços da Bolsa são incipientes. A CVM, mesmo querendo ajudar, talvez mais atrapalhe – fica um excesso de regulação, burocratização e custos, travando um mercado, em vez de desenvolvê-lo. O sujeito hoje é processado pelo regulador e não consegue nem entender a razão – fica uma caminhada absolutamente kafkiana, em que ele vai se enforcando numa corda que sequer existia originalmente. A Índia tem 5 mil empresas listadas! Não estou falando dos EUA ou do Japão. É a Índia! Com essa concentração bancária, essa complexidade tributária e a falta de educação financeira, não saímos das poucas centenas. Faltam empresas na Bolsa. E faltam pessoas. A participação da pessoa física em ações é ínfima no Brasil, contrariando a lógica global de associar investimento em renda variável à poupança de longo prazo. Eu queria muito poder ver mais pessoas físicas comprando ações, sem essa visão superficial de que se constitui em algo de muito risco. Arriscado é não cuidar do seu dinheiro e perder oportunidades que poderiam mudá-lo de patamar. Nada mais inseguro em termos financeiros do que ser pobre para sempre. 145
Eu gostaria de pedir essa maior participação da pessoa física ao Papai Noel. Como não vai dar, pois ele está de mal, resolvi fazer eu mesmo. A Empiricus tem como missão ajudar a melhorar os investimentos das pessoas físicas. Essa é a nossa vocação. Não sabia que era impossível, foi lá e fez. Feliz Natal. O 25 de dezembro marca uma chance de abrir-se para o novo, para o nascimento de um país diferente do anterior, para uma vida financeira em que você toma as rédeas para si. Que a sua celebração seja iluminada. Eu amo cada leitor desta newsletter. E adoraria passar este momento com cada um. Infelizmente, do ponto de vista físico, é impossível. Por isso, tenho uma única coisa para lhe oferecer neste momento: a companhia das minhas palavras e da minha dedicação 24x7 pra tentar ajudá-lo nesta caminhada patrimonial. Não são dicas pontuais ou recomendações específicas; é uma filosofia, um jeito de cuidar do seu dinheiro, para sempre. Obrigado, de coração, por me dar a honra desta parceria. Clichês à parte, sem você, nada disso seria real. Uma ideia só é viável se aceita pela comunidade. Devo tudo que tenho a essa confiança. Família é assim. Natal é tempo de estar junto. Que venham muitos outros pela frente, sem solidão, sem tristeza. Eu quero mesmo é ser uma má companhia; seu bolso agradece.
No clima de Natal, mercados iniciam a sexta-feira… em clima de natal. Oscilações pouco significativas, em dia de agenda fraca. Feriado no Japão retira um pouco da liquidez global. Permanece ligeira desconfiança em torno do sistema financeiro italiano, com dificuldades para Monte Dei Paschi levantar capital. Preocupações mais pronunciadas, porém, são dissipadas após governo local se comprometer com injeção de 20 bilhões de euros. Commodities, em especial metálicas, recuam, o que pode ser prenúncio ruim para setor de M&M – minério de ferro caiu 2% hoje.
146
Agenda doméstica reserva nota de política monetária, IPC-S (alta de 0,24%, em linha com projeções), INCC (+0,36%, contra expectativa de 0,30%) e sondagem do consumidor, com confiança caindo de forma significativa, de 79,1 pontos no mês passado para 73,3 pontos agora. Destaque também para entrevista de Ilan Goldfajn ao Valor, esclarecendo que não errou em sua última de decisão de cortar Selic em apenas 25 pontos. Não sei se cabe ao presidente do BC julgar a si mesmo. Sequer sei se há certo ou errado em política monetária. Embora os livros na estante nada digam de importante, decisão da autoridade monetária costuma ser (era Tombini à parte, claro) questão de preferência do banqueiro central, do quanto ele pondera desvios da inflação e do produto. O maniqueísmo do certo e errado cabe bonito no discurso nós contra eles, mas é de uma pobreza miserável. Na Europa, temos índice GfK de confiança e PIB do terceiro trimestre de França e Reino Unido. Nos EUA, há sentimento do consumidor pela Universidade de Michigan e vendas de casas novas. Ibovespa Futuro abre em ligeira alta de 0,30%, acompanhando tom predominantemente positivo no exterior, embora com variações bastante modestas. Dólar cai 0,29% contra o real, na esteira do comportamento de outras moedas emergentes. Juros futuros recuam marginalmente, em dia de certa calmaria.
147
36 |
Com quantas ações se faz uma carteira? 27/12/16
A diversificação é a arma daqueles que não sabem o que estão fazendo. Sim, é verdade. O problema é justamente esse: normalmente, nós não sabemos. Essa é uma conversa fictícia que alimento na minha cabeça. A primeira frase foi efetivamente proferida por Warren Buffett. A segunda é o que eu, pretensiosamente, imagino seria a resposta dada por Nassim Taleb à afirmação inicial. Como viver num mundo que não entendemos, não é mesmo? Há um debate curioso sobre a diversificação – e, no meu entendimento, desfocado. Dentro da teoria tradicional de finanças, o tema rendeu prêmio Nobel a Harry Markowitz. A ideia aqui poderia ser resumida no clichê de não se colocar todos os ovos na mesma cesta. Segundo Markowtiz, a partir da seleção de ativos negativamente correlacionados, ou seja, que não se movem na mesma direção (Ex.: Bolsa sobe, dólar cai), o investidor poderia reduzir o risco de seu portfólio, para o mesmo retorno esperado. Analogamente, pode-se desenvolver o mesmo racional maximizando o retorno potencial da carteira, para um dado nível de risco. Em resumo, a diversificação traria eficiência ao portfólio do sujeito. Em visão diametralmente oposta, aparece Warren Buffett e sua defesa do investimento focado. Buffett é possivelmente o maior investidor em ações de todos os tempos. Se ele fala, é melhor dar ouvidos. De acordo com o mega investidor, a maior diversificação implica incremento dos riscos de seu portfólio, e não redução, conforme pressupõe o arcabouço de Markowitz. Na sua concepção, ao diversificar em vários ativos, o investidor acaba saindo do seu círculo de competências e se expõe a ativos/empresas sobre os quais dispõe de baixa capacidade de entendimento. Você acaba comprando algo que não compreende direito e, então, está sujeito a riscos que você desconhece. 148
Seria preferível manter-se concentrado em poucos ativos, em setores que você domina e sobre os quais pode ter maior convicção e maior margem de segurança. Segundo o value investing clássico, se você tem uma única ação de uma empresa altamente previsível, que você conhece com profundidade, comprado bem abaixo de seu valor intrínseco, com a devida margem de segurança, isso pode representar menos risco do que uma exposição diversificada, em coisas que não entendemos direito. De que lado estou nessa conversa? É triste dizer, mas a verdade é que de nenhum dos dois. Entendo que ambos estejam errados. Eu preferiria concordar com Warren Buffett e com um prêmio Nobel a concordar comigo mesmo. Seria muito mais racional. Infelizmente, porém, um research independente, se pretende se manter assim, precisa pensar com a própria cabeça. Markowitz está certo sobre a necessidade da diversificação, mas sua construção está errada do princípio ao fim. Risco em sua modelagem é medido por volatilidade – e já comentamos umas duzentas vezes os problemas disso. O peru que você jantou no último sábado tinha uma saúde sem nenhuma volatilidade até dia 23 de dezembro. As tais “correlações negativas” são instáveis ao longo do tempo e você nunca pode supor que o passado irá se repetir no futuro. A ideia de colocar um monte de ativos de risco médio e chegar a um portfólio agregado de risco baixo acaba sendo um mapa errado. E é sempre melhor não ter mapa do que ter um mapa errado. Buffett, por sua vez, pressupõe que podemos entender o mundo ou, ao menos, aquela empresa em que vamos investir. O problema é que, se nós podemos, todos os outros investidores também podem. Eu adoraria acreditar dispor de um superpoder para diferenciar-me do restante da comunidade financeira. Infelizmente, porém, devo admitir que sou cético quanto a isso. Sempre haverá um ex-diretor da Aneel para entender melhor do que você daquela empresa de energia (obviamente, é só um exemplo; você pode transpor o raciocínio para todos os diversos setores). 149
Da minha parte, ainda estou tentando de onde vim, para onde vou, quem somos nós. Jamais poderemos eliminar a incerteza do processo. Pense num exemplo hipotético. Vou falar de uma empresa de que eu gosto para o momento, bancando o advogado do diabo contra mim mesmo. Ou você é honesto intelectualmente, ou não presta – selecionar casos particulares para provar seu ponto geral não vale. Vamos tomar o caso de BRF. Empresa alcançando pico de alavancagem agora, com redução importante em 2017, acertando operação doméstica após uma série de erros sucessivos, IPO da Halal agregando cerca de R$ 4/R$ 5 por ação, milho contribuindo fortemente para margens no próximo ano, e preço do frango em patamares atraentes. Estando defasada em 2016, valuation convidativo e geração de valor no exterior. Ok, tudo certo. Você estuda e está convencido: é pra comprar BRF. Eu concordo com você. Então, subitamente somos surpreendidos por uma gripe aviária em 2017. O que acontece? As ações desabam e, se você estiver muito concentrado, já era. Você está fora. Pode incorrer numa perda patrimonial para a qual você não está preparado. “Ah, mas gripe aviária não estava nos nossos planos, é um evento raro”. Sim, um evento raro que acontece a cada sete anos. E quem disse que as coisas que não estão nos nossos planos não podem acontecer? Se uma estratégia envolve risco de ruína, você simplesmente não participa dela, independentemente de seus benefícios potenciais. É por essa razão que a concentração é ruim, pois ela envolve riscos exagerados, de estarmos expostos a eventos não planejados que podem simplesmente acabar conosco. Se você está muito focado, uma surpresa negativa pode simplesmente eliminá-lo do jogo. A diversificação é o caminho em Bolsa por evitar exposição excessiva a um evento raro negativo e por permitir que estejamos expostos para capturar o perfil convexo das ações – espaço para subir 150
é maior do que o espaço para cair, pois o máximo que você pode perder é 100% do seu capital (responsabilidade limitada do investidor), enquanto o ganho máximo é infinito. Mas isso é assunto para um próximo texto.
Mercados iniciam a terça-feira ainda sem uma direção muito contundente, com predominância das variações positivas para ativos brasileiros – ainda que sejam modestas. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4%, atento à valorização do petróleo (sétimo dia de alta com perspectiva de corte na produção da Opep) e dos metais (lucro das indústrias chinesas subiu 14,5% em novembro). Dólar cai 0,1% contra o real, e juros futuros cedem marginalmente, Trégua política também permite algum alívio, após termos sofrido no começo do mês. Nesta terça, PF faz operação em gráficas contratadas pela chapa Dilma-Temer, mas não assusta mercado. Alguma pressão tácita por uma fotografia bonita das cotas dos fundos no final de ano traz certa força compradora, sem muito ânimo, porém. Agenda doméstica traz dados fiscais consolidados, embora referências do governo central ontem já tenham passado uma cor do resultado. Indicadores prévios indicam um Natal fraco, com exceção a Guararapes, que teria tido recorde de vendas - mais sobre isso abaixo, na nota do Bruce. Nos EUA, temos confiança do consumidor e atividade medida pelo Fed de Richmond. Inflação ao consumidor no Japão veio em -0,4%, em linha com projeções. Bolsas no Reino Unido ainda fechadas retiram um pouco da liquidez do mercado.
151
37 |
O show da virada 29/12/16
Penso no que seria uma boa mensagem de final de ano. Mentalmente, recorro a citações repetidas ad nauseam às vésperas do réveillon, percorro cada linha daquele poema atribuído ao Drummond sobre fatiar o tempo (o maior clássico do Whatsapp brasileiro às vésperas do 31 de dezembro), cedo até ao clichê de considerar clichês as viradas de ano. Poderia o pobre redator encontrar algo original para dizer no último dia útil de 2016? Andarilho das veredas deste Grande Sertão, eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. Abro o Valor Econômico (por que ainda leio o Valor? Bom, tenho a primeira deliberação de final de ano…) e vejo: “Economia fraca desestimula aplicação em ações”. É um deleite. Esse consenso pasteurizado concentrado nas opiniões da mídia especializada, aquela mesmo que dizia que não haveria impeachment, que o Brexit era um devaneio impossível, que Hillary ganharia de lavada, é a melhor notícia que poderíamos ter para 2017. A imprensa reproduz a opinião da convergência. Pondera todos os lados e os condensa em torno da visão mediana. Veja: não é a minha opinião. É a tarefa do jornalista especializado, segundo sua própria definição e vocação. Para o repórter, essa reprodução é uma conquista, seu objetivo de vida. Daí surge a impossibilidade lógica de você se fiar na opinião da imprensa tradicional para tomar suas decisões de investimento. Se a imprensa reproduz o consenso, e o consenso está refletido no preço dos ativos financeiros, não pode haver uma grande oportunidade de lucros ao seguir as opiniões estampadas na imprensa! O megainvestidor Raul Seixas já dizia: não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz. Curioso pois a manchete em questão não resiste ao teste empírico mais superficial. Se vamos tentar atribuir correlações para 2017 (no caso, economia fraca e desestímulo à aplicação em ações), devemos 152
imaginar que haja efetivamente uma relação causal entre as variáveis, minimamente estável ao longo do tempo. Aí não precisamos ir muito longe. Não há necessidade de recorrer ao Milton Neves e recuperar a escalação de 1956. Vamos pensar neste 2016 mesmo. A economia foi fraca e o ano foi….excelente para as ações! O teste de correlação derruba a tese em sua primeira observação. Duas considerações importantes ainda sobre este ponto especificamente. A primeira: o ano de 2016 não é exceção – houve vários outros ao longo do tempo em que o PIB caiu e a Bolsa subiu fortemente. Liquidez global e inflexões políticas/econômicas, com um plano de voo à frente, sempre foram muito mais importantes do que a atividade daquele ano em si. E a segunda, que é até desnecessária: recupere as notícias da imprensa dita especializada ao final de 2015. Nenhuma – absolutamente nenhuma delas – sugeriu a você que comprasse Bolsa brasileira com intensidade. Repetir o mesmo procedimento à espera de um resultado diferente é uma das definições de loucura. O pessimismo do consenso com a Bolsa, refletido amplamente nas reportagens de perspectivas para os investimento em 2017 (para ser justo com o Valor, esta mesma matéria, com outras palavras e fontes, está espalhada aos montes pelos jornais, revistas e portais da internet, sem exceção; cito esta especificamente porque o título foi um presente para o argumento aqui desenvolvido), é o que garante excelentes oportunidades de compra de ações no momento. Seremos gananciosos quando todos os outros estiverem com medo. E seremos cautelosos quando todos os outros forem gananciosos. Essa é a proposta de Warren Buffett, o maior investidor em ações de todos os tempos. Ou, nas palavras de seu sócio Charlie Munger e de sua psicologia da má decisão, devemos nos aproveitar dos erros alheios, das decisões de outros investidores motivadas por elementos emocionais, para manter-nos firmes na racionalidade e comprar coisas por menos do que elas valem. 153
Ofuscado pelas manchetes subsequentes sobre a Lava Jato e pelas mazelas da maior recessão da história (qual desempregado vai elogiar o ajuste estrutural de longo prazo se está preocupado com a prestação que vai vencer? Eu, sinceramente, não o culpo), Michel Temer tem suas conquistas bastante subdimensionadas. Em sete meses, tivemos PEC do Teto de Gastos, encaminhamento da reforma da Previdência, sinalização de mudança nas relações trabalhistas, nova lei de governança das estatais, fim da obrigatoriedade da exploração do Pré-Sal pela Petrobras, avanço no arcabouço regulatório para concessões e privatizações, recuperação da racionalidade para bancos públicos, ancoragem das expectativas de inflação, inflação corrente dentro do intervalo da meta, resgate da credibilidade da política econômica, queda do juro do cartão, liberação de recursos do FGTS. Evidentemente, desemprego, PIB e lucros corporativos reagem com certa defasagem. É preciso tempo – e persistência – para vermos o impacto das mudanças supracitadas nessas três variáveis. Igualmente evidente, se você for esperar a Selic estar a 8,5%, o PIB crescer 3,5%, o desemprego voltar para 10% e os lucros corporativos avançarem 25%, claro que vai poder comprar ações com muito mais visibilidade e tranquilidade. O pequeno problema é que você vai pagar duas vezes mais caro. Os movimentos são sempre maiores do que podem sugerir nossas mentes lineares e gradualistas. As grandes valorizações em Bolsa vieram justamente nos momentos de inflexão. As ações sempre antecipam os movimentos – lembre-se: a tragédia Dilma Rousseff só foi efetivamente percebida pelo consenso entre o final de 2014 e 2015; a Bolsa, porém, não subia desde 2009. Minha mensagem de final de ano é bastante simples: desconfio que estejamos num bull market (aqui empregado como um mercado em tendência de alta vigorosa e de longo prazo), com tudo aquilo que isso representa. Pense nos ciclos de 1992 a 1997; ou de 2002 a 2008. E, claro, aproveite seu 2017. A virada apenas começou. Aprecie com moderação. 154
No último pregão do ano, mercados brasileiros abrem calmos, mas estendem ganhos dos últimos dias. Mais clássico do que lentilha e romã nesta semana, só a puxetinha para deixar a cota dos fundos mais bonita para a foto de final de ano. Rendimento dos Treasuries e de títulos europeus recua, permitindo incremento da exposição a mercados emergentes. Vendas de casas pendentes nos EUA ontem vieram bem abaixo do esperado e trouxeram alguma preocupação para atividade. Minério de ferro interrompe rali dos dias anteriores, mas se mantém acima de 80 dólares por tonelada. Petróleo aguarda dados de estoques nos EUA. Internamente, IGP-M apontou inflação de 0,54% em dezembro, acima do 0,45% esperado. PNAD trouxe desemprego de 11,9%, em ligeira alta, embora em linha com o esperado. Ministro do Planejamento detalha hoje reforma administrativa e dados do Caged completam agenda local. Lá fora, além de estoques de petróleo, temos pedidos de auxílio-desemprego nos EUA. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,2%, enquanto dólar comercial perde 0,7% contra o real. Juros futuros acompanham apreciação cambial e queda dos yields no exterior e recuam.
155
38 |
O paradoxo do maior retorno com menor risco 16/01/17
Se você quer ter maior retorno em seus investimentos, terá de incorrer em um pouco mais de risco, certo? Essa é a cartilha clássica do mundo financeiro. É quase uma tradução da lógica penitente: no pain, no gain. Estudioso diligente da teoria financeira ou mesmo leigo no assunto, você provavelmente já se deparou com a afirmação de que maiores rendimentos necessariamente vêm acompanhados de menor segurança. Afinal, não há almoço grátis, não é mesmo? Eu tenho uma notícia para você: isso é uma bobagem. O fato estilizado esconde a possibilidade de você construir um portfólio capaz de unir maior potencial e mais segurança, naquilo que Mark Spitznagel chamou de Paradoxo dos retornos maiores com menor risco. Está disponível neste vídeo (http://bit.ly/2mAlfw6) em inglês. Spitznagel é especialista em tail hedging (construção de estruturas financeiras capazes de proteger você de eventos de cauda), amigo do Taleb e, para conquistar a confiança dos filisteus do mercado financeiro, sim, ele é bilionário. A ideia geral é de que, para a observação de um investimento isoladamente (um único ativo), a relação de maior risco e maior retorno, de fato, está preservada. Contudo, o dueto não é necessariamente preservado quando se pensa no portfólio como um todo, pois você pode montar estruturas capazes de lhe trazer os benefícios de um grande upside (potencial de valorização), combinando-as a proteções, compradas relativamente baratas, que blindarão seu portfólio de um grande prejuízo – no caso de uma grande catástrofe, essas proteções, anteriormente negligenciadas por todos, vão se multiplicar por um grande fator, trazendo ganhos para seu portfólio a ponto de neutralizar, ou ao menos amenizar materialmente, as perdas com as demais posições de risco. 156
Rápido esclarecimento ao leitor técnico mais afoito (o leitor não técnico pode pular este parágrafo sem nenhuma perda de conteúdo): essa não é uma proposta de diversificação alinhada aos preceitos de Markowitz, em que se busca um portfólio ótimo a partir da maximização de retorno para um dado perfil de risco, num instrumental de média/ variância. Trata-se de uma tentativa de capturar a assimetria associada a essas proteções a eventos extremos – como esses eventos são considerados de baixíssima probabilidade, ninguém quer apostar neles; logo, assegurar-se contra sua ocorrência acaba sendo muito barato. Tradicionalmente, esses seguros são representados pelas opções de venda, direitos comprados em Bolsa de se vender um determinado ativo, por um certo preço numa data específica. O paradoxo do maior retorno com menor risco só é possível porque comprar essas opções é visto como uma desvantagem. Ninguém as quer adquirir pois elas só serão lucrativas no caso de materialização de um evento de baixa probabilidade – e ninguém quer apostar no evento de baixa probabilidade. É como apostar no grande azarão. Ocorre, porém, que carregar essas proteções é uma grande vantagem, embora não seja assim percebido, pois elas lhe garantem transitar bem caso um cenário muito ruim se verifique na frente. Por serem percebidas como um desvantagem (pois elas têm um custo), esses seguroscatástrofe acabam sendo muito barato perto do benefício que podem gerar. E é essa assimetria que escapa aos grandes alocadores convencionais, pois não está de acordo com modelos ortodoxos. A partir dessa mudança de abordagem, você pode manter posições extremamente arriscadas, com a contrapartida óbvia de que lhes oferecem gigantesco potencial de valorização. No entanto, ninguém quer se expor a muitos riscos. Então, você compra proteções baratas a eventos extremos negativos, blindando-se de surpresas desagradáveis. Essa é a proposta de tail hedging. Assim Spitznagel constrói seu paradoxo: você pode aumentar dramaticamente seus ativos de muito risco na carteira atrás de um pouco mais de retorno, protegendo essa aposta com um pequeno percentual do dinheiro alocado em proteções. 157
Essa é a forma de se expor a um enorme potencial de valorização, sem se expor simultaneamente a um grande risco, desfazendo assim o lugar-comum de que há uma relação univocamente orientada entre rendimentos e risco do portfólio. Deixe-me dar um exemplo pragmático para elucidar a questão. Vamos supor que você esteja otimista com Petrobras. Entende que as ações estejam baratas e gostaria de surfar dois temas típicos para o momento: i) melhora de governança das estatais brasileiras; e ii) recuperação dos preços do petróleo no exterior. Sua ideia é de que as duas coisas juntas, associadas à obstinação do novo management por melhora operacional e desalavancagem, podem levar as ações a se multiplicarem por dois – antes de achar isso um exagero, lembre-se que nos últimos 365 dias os papéis acumulam valorização de 175% (as variações são sempre maiores do que sugeriria o arcabouço gaussiano). Ao mesmo tempo, porém, você não é ingênuo. Sabe dos riscos associados à empresa. Até onde pode ir a recuperação do petróleo diante da tecnologia do shale norte-americano? A nova política de preços é mesmo pra valer? Por mais que venda ativos, a alavancagem não continuará a ser preocupante? Há uma infinidade de riscos no horizonte – além, claro, daqueles que sequer conseguimos aventar. Você quer se expor ao potencial de valorização de 100% das ações de Petrobras. Por outro lado, não quer incorrer num grande risco, pois sabe que, se as coisas desandarem, esse negócio pode cair, sei lá, 30%, 40%, até mesmo 50% (pense na entrada de um governo de esquerda, por exemplo, com novo controle do preço dos combustíveis). Será que não há uma forma de conseguirmos montar uma posição para capturar essa possível supervalorização, sem nos expor a um grande downside? Sim, há. Basta comprar as ações e, simultaneamente, comprar opções de venda sobre os papéis. Assim, você garante seu potencial de valorização e blinda-se de uma grande queda, pois terá o direito de vender suas ações a um determinado preço previamente estabelecido. Maior retorno potencial E (não “ou”) menor risco. 158
No momento, por exemplo, você poderia comprar o direito de vender as ações de Petrobras em dezembro a cerca de 9% abaixo dos preços atuais, pagando por isso cerca de 8% do preço das ações em Bolsa. Ou seja, seu downside máximo estaria limitado a 17%, enquanto, se você estiver correto em suas contas, por construção, poderia multiplicar seu capital por 2. Veja que é quase impossível você incorrer no downside máximo. Ao longo do tempo, se a ação de Petrobras viesse muito abaixo do preço de exercício da put, o prêmio da opção de venda estaria necessariamente acima de seu valor intrínseco. Logo, você poderia vender essa opção e apurar um grande lucro nesta operação específica, compensando as perdas com a variação da ação em si. Evidentemente, isso é só um exemplo. A prática vale para qualquer portfólio. Importa a proposta epistemológica. E que pode ser particularmente interessante para o momento, especialmente àqueles que gostariam de surfar o eventual rali de commodities, sem incorrer num grande risco. Caso a explicação não lhe tenha ficado clara por falta de hábito com opções, recomendo fortemente aderir ao Curso de Opções montado pelo Bruce. Muito se fala de derivativos sem saber, apontando riscos excessivos disso para o investidor. Isso é uma grande bobagem, pois as opções são, na verdade, instrumentos de proteção, o mecanismo que lhe permite unir grande potencial de valorização com controle preciso dos riscos. O que estou lhe propondo aqui é uma mudança completa de paradigma, algo para desafiar o status quo. Acredito que podemos fazer isso para o investidor de varejo, sem precisar incorrer em grandes tecnicalidades ou privá-los de boas técnicas de investimento somente porque não são profissionais. Está na nossa vocação o compromisso de democratização das aplicações também, levando ao leigo as melhores formas de aplicar seu dinheiro. Só precisamos de dedicação, comprometimento e diligência. Haters gonna hate. Paciência. Nós reconhecemos a inteligência de nossos leitores, sempre. 159
Mercados iniciam a semana buscando uma direção, sem a referência das bolsas norte-americanas, fechadas por feriado de Martin Luther King. Cautela prevalece na cena externa, com notícia do Sunday Times de que Thereza May vai indicar amanhã planos para que o Reino Unido deixe o mercado comum da UE para retomar controle sobre fronteiras e leis internas - libra lidera perdas lá fora. Ouro sobe como ativo clássico de proteção. Índice Shenzhen chegou a desabar 6% na mínima. Commodities no geral recuam, com minério de ferro sendo exceção, após especulação e cortes de capacidade na China – cotação marca maior nível desde agosto de 2014. Agenda doméstica traz relatório Focus (com revisão para baixo nas estimativas para Selic; mais sobre isso abaixo, na nota da Marília), IPC-S (0,62%, em linha com projeções) e balança comercial. Vencimento de opções sobre ações adiciona volatilidade à bolsa. Não há indicadores relevantes nos EUA por conta do feriado. Ibovespa Futuro abre em leve queda de 0,2%, juros futuros alternam altas e baixas, próximos à estabilidade, e dólar sobe ligeiramente contra o real, acompanhando desempenho no exterior. Se a volatilidade vier a aumentar nesta semana com discussões sobre Brexit e posse oficial de Trump, haverá boas oportunidades de se montar posições em Bolsa. Por isso, hoje fica o convite para se tornar um Serious Trader. Sergio Oba está com as mãos calibradas.
160
39 |
Kakistocracia, projeto de desconstrução, cisnes negros (sempre eles), agulhas e bolhas – uau, que sexta-feira! 20/01/17
Quando conversamos no meio do ano passado com Daniel Kahneman, ele nos antecipou o lançamento de um filme sobre sua vida e de seu parceiro Amos Tversky. O longa-metragem seria baseado no livro Undoing Project, do Michael Lewis. O Rodolfo já tinha lido todos os livros do Michael Lewis, inclusive aqueles que o cara ainda não escreveu. Obviamente, lera também a obra do próprio Kahneman, que se mostrou surpreso e animado ao descobrir – “vi o Thinking Fast and Low na lista dos livros mais vendidos do Wall Street Journal, o que, dados os comentários a respeito na imprensa, não necessariamente o coloca como um dos livros mais lidos; vocês estão entre as 10 pessoas que realmente leram”, brincou o prêmio Nobel. Isso tornou a conversa bastante agradável. Dava para perceber como o interlocutor orgulhava-se daquilo. Ele nos explicava como a elaboração do livro seguiu um processo absolutamente não deliberado, ocorrendo natural e espontaneamente. Michael Lewis havia escrito o megassucesso Moneyball, que revolucionara a indústria do beisebol norte-americana. À época, aquilo virou uma febre nos EUA. Então, Lewis leu uma resenha de Richard Thaler e Cass Sunstein sobre o livro, pontuando que a questão do Moneyball não era exatamente sobre o beisebol, mas, sim, um elemento muito mais abrangente, associado aos vieses cognitivos dos profissionais do esporte em suas tentativas de capturar talentos, apenas algo típico da natureza humana. O ponto já havia sido devidamente documentado pelos estudos de Daniel Kahneman e Amos Tversky, no que viria depois a ser os pilares das Finanças Comportamentais. Michael Lewis, então, se sentiu perplexo de não ter capturado a coisa de imediato e se sentiu estimulado a contar toda a história. 161
Precisava reparar aquilo. Tornou-se amigo de Daniel Kahneman, apresentado pelo psicólogo Dachel Keltner, e foi gradualmente entendendo a criação deste amplo campo de julgamentos e processos de decisão. A magnífica história de Kahneman e Tversky seria contada no livro Undoing Project, que posteriormente viraria filme. Caio interrompeu a narrativa para perguntar quem interpretaria Kahneman no cinema: “Olha, vendo assim, parece haver uma semelhança com o Brad Pitt. Não era ele também o cara do Moneyball?” Pensei comigo: “até que foi boa, mas o saco é mesmo o corrimão do sucesso.” Pensei, mas não falei. Fiquei quietinho. Aquela timidez insuperável diante de pessoas que não conheço direito. Já é tradicionalmente assim. Se tiver de falar inglês então, nossa, daí é mais fácil me ver mentindo sobre uma colossal rouquidão do que participando firmemente da conversa. Eu me lembrei disso tudo agora a partir de dois catalisadores. Primeiro: vejo ações de incorporadoras, suas segundas derivadas (Portobello, Duratex, Unicasa) e de outras empresas arriscadas disparando. Aparecem uma porção de explicações, a posteriori, claro, para o movimento: juros caindo, economia melhorando, gringo voltando. Segundo: leio George Soros criticando a eleição de Trump, os riscos para o mercado agora e as menores chances para as sociedades abertas. Por partes. Vão encontrar os argumentos racionais que quiserem para justificar as altas agora. Pra mim, pouco importa. Agora querem me convencer do que era caro e arriscado ontem (sim, exatamente ontem!) tornou-se barato e atrativo hoje. A falácia de narrativa permite qualquer historinha. A questão, pra mim, é que valuation, pragmaticamente, se mostra um driver muito menor do que nossa racionalidade de financista gostaria de admitir. Os mercados seguem ciclos de boom and bust (aqui começa a entrar o Soros), sendo suscetíveis a movimentos clássicos de manada. Alguém resolve comprar, há um grande short squeeze e depois percebe-se o quanto estava barato. É exatamente a teoria da reflexividade de Soros. 162
Não são apenas os fundamentos econômicos que formam os preços dos ativos. Trata-se de um processo dialético em que a volta também é válida. Os preços dos ativos formam os fundamentos. Isso sempre me pareceu um grande devaneio. A cada dia, porém, olhando os movimentos, os ciclos, as explicações pseudocientíficas a posteriori e a superficialidade de analistas/imprensa para associar a alta de 130% de Springs Global à queda de juro (numa boa: isso faz algum sentido pra você? O BC corta 75 na Selic em vez de 50 e a ação dobra por isso? Se quiser ler algo realmente relevante sobre Springs, veja aqui), vejo que faz mais sentido. De uma forma mais elegante, usando a terminologia aparentemente mais técnica (mas que no fundo diz a mesma coisa, apenas com mais categoria) poderia argumentar que os prêmios de risco foram subitamente achatados. Não há alpha; há apenas beta. Todos correm para comprar o mais arriscado. O que mais vai subir não é a ação boa; ao contrário, a disparada maior será daquela empresa que ia quebrar (ou seja, podre) e agora não vai mais. Disposição/aversão a risco está, no fundo, associada a elementos psicológicos do ser humano, e não a contas matemáticas – note que, em sociologia, disposições são estruturas cognitivas dos indivíduos (Bingo! é uma questão psíquica). A evidência empírica talvez mais irrefutável do argumento seja o fato de que os comportamentos de manada, além de amplamente observados na natureza, aparecem na tendência humana além do escopo estrito do mercado financeiro. Há três anos, todos queriam comprar imóveis. Agora, micou. A dieta da moda é o antiglúten (eu penso que o problema maior veio daquela história de multiplicar os pães; quem teve essa ideia espalhou o glúten por tudo que é lado). Paleta mexicana é o melhor negócio do mundo… Por aí vai. A manada está agora ainda muito concentrada na renda fixa. O crowded trade (muita concentração numa posição específica) clássico é hoje a LTN 2019. Isso ainda vai dar dinheiro. Mas o próximo movimento da manada me parece ser em direção à Bolsa. Apesar do movimento recente, ainda há uma subalocação clássica aqui. Pra mim, 163
e se trata de uma opinião muito pessoal que possivelmente você não lerá de outros financistas por aí, pois todos são fãs incondicionais do value investing tradicional, essa informação vai lhe dar muito mais dinheiro do que se passar horas e horas debruçado sobre uma planilha fazendo conta. Talvez você possa se antecipar à manada tornando-se um Empiricus Insider. Começamos a sexta-feira consternados pelo falecimento trágico do ministro Teori Zavascki. Prestamos nossas condolências e deixamos os sentimentos. Mais um cisne negro em nosso caminho, sempre eles – é bom começar a pensar nisso. Pragmaticamente, porém, precisamos trabalhar e analisar eventuais desdobramentos. E, nesse campo, sensação é de que as coisas envolvendo a Lava Jato se atrasam. Michel Temer ganha tempo e pode ficar muito em cima de 2018 para novas eleições. Sob essa perspectiva, o risco político seria amenizado.
Clima no exterior tende ao positivo, com discurso mais brando de Janet Yellen ontem (mais sobre isso abaixo, na nota da Marília) e expectativa por posse de Donald Trump. Mercado especula sobre medidas materiais em prol de redução de impostos, reforma tributária e gastos com infraestrutura. Além de posse de Trump, investidores avaliam crescimento um pouco acima do esperado da economia chinesa no quarto trimestre de 2016, de 6,8% contra 6,7% esperados. Na Europa, temos inflação ao produtor na Alemanha e vendas ao varejo nos EUA. Por aqui, temos dados do Caged sobre mercado de trabalho e novo leilão de swap cambial com colocação de 15 mil contratos. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,3%, ponderando exterior e forte queda do minério de ferro na China (a maior em um mês com recuo dos preços do aço) – se é ou não o estouro de uma bolha, não sabemos, mas fico de orelha em pé. Juros futuros recuam e dólar abre em ligeira queda contra o real.
164
40 |
O que Warren Buffett não entendeu sobre diversificação
01/02/17
Warren Buffett é absurdamente inteligente. Há uma única coisa que ele tem mais do que inteligência: dinheiro. Então, o sujeito que se dispõe a contra-argumentar com ele sobre finanças está em clara desvantagem. Mais do que isso, seu interlocutor provavelmente vai perder a discussão. Bom, fazer o quê? Cá estou eu. Há muitas coisas das quais você pode fugir ao longo de sua vida, menos de você mesmo. Esse é um dos maiores problemas das pessoas de verdade. Sempre penso na Clarice Lispector: “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Não estou aqui para dizer que o método de Buffett não funciona. Seria obviamente estúpido. Aliás, sempre achei curioso aquela pessoa que duvida do método alheio. Não lhe basta a arrogância da convicção na assertividade de seu próprio método. Ele tem também a certeza de que o método do outro não funciona. Foco a discussão na questão da concentração frente à diversificação? Onde há mais risco? Centrar-se nas questões em que dispõe de maior habilidade (no que Buffett chama de círculo de competências) ou ampliar a oferta de possibilidades? Embora o ponto aqui esteja na questão financeira estrita, vale para a vida como um todo. O especialista contra o generalista. Romário contra Wilson Mano (a habilidade específica em converter oportunidades em tentos para seu time frente à disposição em jogar em várias posições). Ok, ok… Romário contra Wilson Mano talvez tenha sido um pouco exagerado – de novo, difícil fugir do coração alvinegro. O senso comum aponta vantagens para a diversificação a partir do fato estilizado de “não colocar os ovos na mesma cesta”. Warren Buffett rebate o clichê, dizendo que a diversificação em investimentos vai, na verdade, implicar a adição a seu portfólio de um ativo sobre o qual você 165
conhece pouco. Assim, o maior risco estaria justamente na diversificação. Seria muito mais seguro, de acordo com a abordagem do value investing tradicional, concentrar-se em poucas ações, sobre as quais você sabe muito e pode estimar, com a devida margem de segurança, seu valor intrínseco com boa dose de confiança, no que aparece comumente definido como “estratégia do investimento focado”, na terminologia do clássico Warren Buffett Way. Meu ponto é de que a abordagem de Buffett representa uma arrogância epistemológica superior a outra, baseada numa carteira diversificada de ativos com perfil de retornos convexos (mais possibilidade de ganhos do que de perdas), pois ela supõe justamente sua capacidade de conhecer melhor do que a média do mercado sobre determinado ativo. É fato que, com a adição de uma ação marginal à sua carteira, você tipicamente adiciona graus de desconhecimento ao portfólio. Mas a questão não é necessariamente ruim, se você puder se apropriar de maneira positiva disso. Se você lida com ativos de risco, deve amar a incerteza, amar a volatilidade. Caso esteja posicionado em estratégias chamadas long gamma, você se beneficia diretamente disso. Para um fundo de private equity ou venture capital focado em start ups, por exemplo, a possibilidade de ganhos aumenta conforme cresce o número de suas investidas – justamente porque não conhecemos o futuro e precisamos que apenas uma delas saia do zero e vire um mini Google. Por conta da responsabilidade limitada (o acionista nunca responde com mais do que seu capital investido, limitando sua perda a 100% do aplicado), ações gozam justamente das características supracitadas. A adição de uma ação marginal à carteira embute, sem concepções a priori, um novo ativo com esperança matemática positiva – os retornos à direita (que podem ser de 100%, 200%, 1000%…) são superiores àqueles à esquerda (limitados a 100%). Qual é exatamente essa esperança matemática é e sempre será impossível determinar. Alguns tentarão fazê-lo a partir da observação histórica dos retornos. Isso é um erro pois em distribuições leptocúrticas, exatamente como aquelas do mercado financeiro (desculpem o 166
palavrão; em português: em perfis de retorno que oferecem observações muito distantes da média com certa frequência, o chamado evento raro, em contraposição à chamada distribuição Normal, aquela em forma de sino), a média (esperança matemática) amostral não corresponderá à média real, pois os eventos raros, por definição, não estarão devidamente representados na amostra. Eles ainda não tiveram tempo o suficiente para se materializarem, pois são raros. Em distribuições assimétricas à direita (por definição, como as ações, que são convexas por conta da responsabilidade limitada), a média amostral tende a subestimar a média da população (a real), justamente porque os eventos raros (retornos de 200%, 300%, 1000%) ainda não conseguiram se concretizar por mera falta de tempo. Em resumo, a adição do desconhecido, tida como uma incorporação de mais risco à carteira, é na verdade uma forma de ganhar exposição à possibilidade de retornos convexos, com incremento da sua chance de capturar uma supervalorização. Se esse ativo marginal tiver correlação negativa com os demais já detidos em carteira, então o risco do portfólio pode cair ainda mais, em vez de subir. Mas daí é assunto prum outro texto.
Mercados internacionais se recuperam na manhã de quarta-feira, após três dias de queda. Investidores interpretam preocupação com Donald Trump dos últimos pregões como excessiva, principalmente após bons resultados corporativos. Dados da produção industrial chinesa pavimentam a via para um dia mais calmo - ao marcar 51,3 pontos em janeiro, PMI voltou a mostrar expansão. Dia é marcado por expectativa em torno da reunião do Fed e se haverá confirmação do prognóstico de três incrementos do juro básico norte-americano ao longo do ano. Agenda norte-americana ainda tem PMI, criação de postos de trabalho no setor privado, ISM industrial e estoques de petróleo. Por aqui, destaque para produção industrial de dezembro (+2,3%, contra expectativa de +2,4%), IPC-S (+0,69% frente a 0,65% esperado) e definição potencial de novo relator dos processos da Lava Jato no STF. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,8%, enquanto dólar comercial e juros futuros recuam.
167
PS.: Após um janeiro simplesmente excepcional com fortes ganhos, fiz a primeira tentativa formal de aplicação das técnicas de tail hedging na Carteira Empiricus. Agora podemos nos expor à perspectiva de continuidade do reapreçamento dos ativos brasileiros, enquanto estamos blindados de uma eventual catástrofe. Aproveitamos os ganhos recentes para buscar proteção, sem perder upside. Venha o que vier. PPS.: Fiquei positivamente impressionado por uma apresentação do Fábio Okumura, da Gauss, ontem – fui descobrir apenas agora que trabalhei com ele no Deutsche Bank, na época em que eu era copeiro, mas me chamavam de estagiário. Único gestor brasileiro que ouvi deliberada e sistematicamente preocupado com proteção a eventos raros e que reconhece a própria incapacidade de prever o futuro – dessa vez, nem o Stuhlberger esteve nesse nível epistemológico, o que poderia ser considerado um evento raro. Já pedi pra Luciana Seabra, especialista em fundos de investimento, para fazer uma análise especial do fundo. De minha parte, fica registrada a minha admiração pela profundidade intelectual do sujeito. PPPS.: acabo de receber um e-mail de Pablo Fernandez, da University of Navarra, sei lá como. Ele publicou o artigo Are Finance and Financial Economics the same thing? The answer is no. Só li o Abstract, mas me interessou bastante. Para quem se interessa por questões acadêmicas e metodológicas, deixo a sugestão.
168
169
Parte 3 “Se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais”
41 |
Orgulho e preconceito 09/08/16
As coisas nem sempre foram assim. Olhando para trás, consigo, sem nenhum exagero, contar dezenas de vezes em que me olhei no espelho e disse: “não vai dar”. Conto isso sem nenhum constrangimento ou sensacionalismo. Abordo o tema apenas para mostrar certas dificuldades no meio do caminho. Prefira sempre os rostos marcados pelas cicatrizes e as mãos calejadas pelo trabalho duro aos rostos imaculados dos recém-chegados. Vários percalços ao longo do tempo fizeram com que eu pensasse em desistir. Não por apatia ou falta de paixão, mas pela real convicção de que seria impossível dar certo. Sócios problemáticos, bear market, corretoras quebradas, resistência alheia preconcebida a um negócio novo. As condições sistemáticas nunca ajudaram. E as particulares ainda menos. Meu pai acabara de falecer e nós (a família) estávamos literalmente quebrados – um trader de ações, como era o Ramiro, passa por altos e baixos, fica rico e pobre várias vezes ao longo da vida. Aquele momento era um dos baixos. E, se você perde seu maior herói tão cedo, sendo filho único de uma mãe dona de casa, acaba perdendo as referências éticas, financeiras e profissionais mais imediatas. Se a isso se soma a chegada de um filho não planejado, meu caro, você pode estar certo de que ao menos alguns momentos de dúvida – para não dizer desespero – estarão à sua espera. Eu me lembro de chegar em casa, depois de ter trabalhado por todo o dia por muito tempo, colocar meu filho sobre os meus joelhos e vê-lo olhar para mim, como se adivinhasse o 171
que eu pensava. Ele ainda não falava e eu, para quebrar aquele silêncio enlouquecedor, ligava o som ao fundo. Era como se o próprio João Pedro embalasse aquela obra-prima do Black and Blue, de 1976: “Daddy, what’s wrong? Daddy, you’re a fool to cry. You are a fool to cry. And it makes me wonder why.” As coisas mudaram. A sorte caminhou a nosso lado e pudemos virar, nós mesmos, a representação prática de nossas próprias convicções teóricas. A Empiricus é um cisne negro. Toda aquela preocupação e a certeza de que não daria certo são hoje transformadas em orgulho. Eu só poderia ter chegado até aqui com o empurrão da deusa Fortuna e com a serenidade do Rodolfo – foi ele quem, mesmo sem saber, conseguiu me segurar emocionalmente e transformar meu desespero numa obstinação surreal para seguir em frente. Há algo aqui dentro que transcende a via pura da racionalidade, como um lobo inquieto faminto e incapaz de manter-se calmo por muito tempo. Foi o Rodolfo quem o despertou profissionalmente quando nem ele mais acreditava. Este é um texto diferente, eu sei. Não começa ligado aos mercados, como de costume. Há razão de ser: fazemos hoje o maior lançamento da história da Empiricus. Este é o recado mais importante que nós já mandamos a nossos leitores. Um momento único, com uma oportunidade única. Depois de tudo que passamos, aqui está o nosso Contragolpe. Ele foi feito para você, com toda a dedicação e recursos que poderíamos imprimir. Mande feedbacks. Somente a partir desse diálogo de mão dupla poderemos ser melhores e maiores no futuro.
Mercados retomam a tendência positiva na abertura desta terça-feira. Após realização de lucros em Wall Street na véspera, bolsas voltam a subir no exterior. Resultados corporativos acima do esperado, alta dos preços do petróleo e comportamento benigno da inflação na China pavimentam a via em favor do otimismo nos mercados. Inflação ao consumidor chinês marcou 1,8%, em linha com projeções e abaixo da meta de 3% ao ano, sugerindo espaço para nova flexibilização monetária. Em paralelo, preços ao produtor apontaram deflação mais branda, o que foi interpretado como estabilização daquela economia.
172
Opep, por sua vez, confirmou intenções de uma conversa informal para eventual ajuste na produção. Após volatilidade mais cedo, petróleo recupera forças e passa a se valorizar, esvaindo preocupações com o bear market recente. Aqui dentro, cena política chama atenção. Está prevista votação do parecer do impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado. Na pauta da Câmara, há projeto de renegociação da dívida dos estados, sob ameaças às contrapartidas, em que pese esforço do Planalto de defender o contrário. Na esfera estritamente econômica, vendas ao varejo brasileiro surpreenderam ao apontar crescimento de 0,1%, contra prognóstico, na média, de recuo de 0,2%. Há atenção especial também à reunião trimestral de diretores do BC com economistas em São Paulo, onde poderão ser atualizadas as diretrizes para política monetária. Lá fora, agenda contempla produtividade da mão de obra norte-americana e estoques do atacado dos EUA. Na Europa, sai balança comercial de Alemanha e Reino Unido, onde também está prevista produção industrial. Acompanhando otimismo externo e monitorando desdobramentos do espectro político, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4%. Dólar cai 0,1% contra o real, enquanto juros futuros apontam para baixo.
173
42 |
Alfabetização a fundo 28/07/16
Tive minha primeira discussão (construtiva, ok?; com algum esforço, ainda consigo ou, ao menos, tento ser civilizado) com a Luciana antes de ela formalizar sua vinda em definitivo para a Empiricus. Ela ainda estava no Valor. Soube que ficaram bravos à vera por lá com a saída dela. Não os culpo. Eu também ficaria, porque ela é ótima. Conversávamos sobre a capacidade dos gestores de fundos de investimento gerarem “alpha” de forma consistente. Ou seja, se esse pessoal guardaria alguma habilidade especial em superar os retornos de mercado de maneira sistemática. Não chegamos a um consenso. Ainda bem. Não há mesmo unanimidade nem dentro do debate acadêmico. A turma defensora da hipótese de mercados eficientes argumenta que todos os retornos convergem para a média do mercado. Warren Buffett, George Soros, Luis Stuhlberger, Rogerio Xavier, Andre Jakurski seriam simplesmente a exceção estatística de uma distribuição normal de retornos no entorno da média. Se você colocar 8 bilhões de macacos à frente de um computador por muito tempo, talvez algum deles escreva Os Lusíadas, por mera interação aleatória do bater dos dedos com o sistema QWERT. Outros estudos, entretanto, apontam a capacidade de alguns gestores se destacarem em relação à média dos mercados e, em particular, ao rendimento médio aferido pela pessoa física em várias janelas temporais diferentes. Minha sensação pessoal é de que é muito difícil bater o mercado de forma consistente, porque essa entidade sobre a qual se fala é, de fato, informacionalmente bastante eficiente. Poderiam ser os mercados eficientes e, ainda assim, os gestores oferecerem vantagens em relação às pessoas físicas? Curiosamente, acredito que sim. É o que apontam os estudos devidamente documentados 174
por Daniel Kahneman no clássico Duas formas de pensar: rápido e devagar. Mais acostumados com o jogo, os profissionais estariam menos propensos a cair em armadilhas impostas por nossos vieses cognitivos. Segundo Kahneman, nosso cérebro funciona com dois sistemas diferentes. O primeiro é rápido, intuitivo, dionisíaco, espontâneo. E o segundo é o matemático, racional, calculista, ponderado. Os profissionais estariam menos sensíveis às sugestões impostas pelo sistema 1, sabendo controlar mais facilmente suas emoções por conta de anos de treino. Isso lhes conferiria vantagem importante sobre os demais, o que acabaria se traduzindo em lucros para seu portfólio superiores à média. Eu não sei se essa é a resposta definitiva para a coisa. Não espero lhe convencer do argumento. Sinceramente, esse é um dos temas apaixonantes, sobre os quais a literatura se debruça sem conseguir endereçar com precisão. Aprendi cedo que importam mesmo as perguntas. As respostas jamais saberemos. À parte da questão do alfa, cuja certeza não nos pertence, temos o lance do beta (sensibilidade às condições de mercado). E é aqui que eu quero chegar. Não sei se os gestores podem gerar alfa de maneira sistemática (em qualquer cenário), mas posso lhes garantir: eles conseguem ganhar com o beta alto. Pegue os melhores fundos de ações entre 2003 e 2007. Quem são esses caras? Em sua maioria, os mesmos que lideram os rankings de rentabilidade agora; também os mesmos que sofreram muito entre 2008 e 2015. Em outras palavras, no bull market, ganha quem é mais agressivo. Toda maluquice será premiada. No caso contrário, os defensivos lideram. Simples assim. Para tristeza da Faria Lima e do Leblon (ao menos da maior parte), não há stock picking. Há apenas e tão somente derivações positivas ou negativas dos ciclos de mercado, com o urso ou o touro selecionando aleatoriamente o pagamento de performance dos fundos a cada semestre. A deusa Fortuna também tem sua política de campeões nacionais. Vale rigorosamente o mesmo raciocínio para os fundos macro, que só ganham com a valorização do “kit Brasil”. São estruturalmente aplicados 175
e sofrem de preconceito: só ganham com queda das taxas prefixadas. Aqui a coisa fica bonita, pois estamos diante de um desses ciclos de notável apreciação dos ativos de risco brasileiro. Um ciclo que será longo e profundo. Teremos a ressurreição dos fundos small caps e a glória de ex-BCs que hoje tocam fundos macro em gestoras independentes. Não importa tanto se a geração de valor dos fundos é sistemática ou se é derivada apenas de uma apropriação randômica dos ciclos de mercado. A hora dessa turma é agora. E você pode ganhar muito dinheiro com isso. Muito mais do que ganharia investindo por conta própria. Por isso, posso lhe dizer: fizemos a maior aquisição de valor que poderíamos. A Luciana Seabra veio para cá escrever sobre fundos de investimentos, para selecionar as melhores opções nessa indústria. Se você tem um real investido em algum fundo, este documento é uma leitura realmente obrigatória. Se você ainda não tem, esta é a hora de rever seu posicionamento. O material preparado pela Luciana é o mais sério estudo já feito no Brasil sobre a indústria de fundos. Eu posso lhe garantir isso. Acredito que algo dessa qualidade só pode ser produzido se transcende o escopo estrito da técnica. Isso tem a ver com vocação, o chamamento da sua alma para aquilo que lhe é mais íntimo. Como muito bem sintetizou James Hillman, você não pode trair a sua alma, pois ela haverá de se vingar de você. Luciana tem uma vocação: fazer você ganhar dinheiro com fundos de investimento. Essa é uma escolha que antecede a vontade deliberada. Como no mito de Er, de Platão, sua alma escolhe o corpo em que mais poderá realizar suas motivações viscerais. Somos vividos – assim mesmo, na voz passiva – por poderes que fingimos entender. Quando sou submetido à estúpida pergunta sobre “a fórmula que fez a Empiricus dar certo”, respondo com a reunião de sorte com o brilhantismo de algumas pessoas. Por definição, não podemos fazer muito sobre a primeira parte. Ficamos felizes por reforçar a segunda. Se isso enseja desconforto alheio, não nos pertence. Se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais. 176
Falando em gente brilhante, lembro de uma conversa inspiradora que tive com o Alexandre Hohagen (ex-Google e ex-Face), que, por sua vez, falava do Mark Zuckerberg: “Felipe, você não imagina o quanto o cara é genial e preparado. Ele tem uma habilidade de enxergar 20, 30, 50 anos à frente, quando a gente nem sequer consegue vislumbrar 2017.” Para referendar a correlação entre brilhantismo e resultado corporativo, Facebook soltou lucros acima do esperado, com um desempenho brutal da publicidade mobile. Após bons números também da Apple ontem, a performance do Face trouxe certo otimismo para bolsas norte-americanas mais cedo. Agora, porém, oscilam e ameaçam vir ao negativo, com resultados de Ford e ConocoPhillips aquém das projeções. Comentários considerados mais brandos pelo Fed ontem continuam a fazer preço também, com dólar perdendo valor sobre as principais moedas. Commodities, em especial as metálicas, se valorizaram na esteira do enfraquecimento da moeda norte-americana. Petróleo é exceção e já se aproxima do bear market, com queda de 18% desde o pico, para seu menor valor em três meses depois de dados ruins de estoques nos EUA anunciados na véspera. Na Europa, bolsas também enfrentam tendência predominante de queda, com pressão por realização de lucros e desconfiança sobre sistema bancário, às vésperas da divulgação dos testes de estresse. Se fosse antes do Brexit, eu diria que, da forma como acontecem, esses testes são feitos para inglês ver. Agora, digo que não são sérios mesmo. Ninguém vai dizer que um banco precisa urgentemente de capital, pois não me parece haver interessados numa corrida bancária. Internamente, o mercado aguarda dados de arrecadação federal e superávit primário do governo central - em meio à crise fiscal, não há nada mais importante na agenda doméstica do que referências dessa natureza. Completando a agenda, IGP-M veio bastante bem comportado, com ligeira alta de 0,18%, contra expectativas de 0,27%. Segundo jornais, Henrique Meirelles negocia diretamente com o presidente Michel Temer a transferência da secretária do Orçamento do ministério do Planejamento para a Fazenda. Mais controle sobre o orçamento é ótimo - quanto mais poder Meirelles tiver sobre o caixa, mais o mercado vai gostar. Acompanhando clima predominante de aversão a risco no exterior, Ibovespa Futuro abre em ligeira queda de 0,3%. Dólar sobe 0,2% contra o real e juros futuros apresentam ligeira alta.
177
43 |
Je suis Charlie, feito para você 18/08/16
Soube que um grande banco está bravo com a gente. A inquietação decorre deste estudo aqui, sobre as absurdas taxas de administração cobradas pelas grandes instituições. Pelo que eu pude apurar, o dito cujo reconhece não haver nenhum dado ou afirmação errada ali, mas questiona um tom supostamente agressivo demais. Dou de ombros. Pra mim, agressivo mesmo é cobrar taxa de administração de 4% num fundo DI. E não importa se o fundo está captando ou não. Se é pequeno ou grande. É dinheiro de cliente, caramba. E, como diria o velho Ramiro, dinheiro não tem carimbo de pouco ou muito, novo ou velho. As pessoas me perguntam se eu não tenho medo de retaliação. E eu penso: de qual tipo? Vamos perder nosso relacionamento com o governo, nossos acessos privilegiados nos grandes bancos, nossos contatos nas grandes corporações? Seria curioso perder o que não temos, nem pretendemos ter. É uma briga de Davi e Golias, admito. Mas, do lado de cá, jogam a verdade e o rigoroso respeito a todas as determinações regulatórias. É mesmo um timaço. Ah, eu adoro o Malcolm Gladwell e sua arte de enfrentar gigantes. Felizmente, parece haver um pouco mais de inteligência nas instituições financeiras do que no governo anterior. Eles sabem: informação, quanto mais se tenta conter, mais se propaga. Exemplo clássico da antifragilidade talebiana. Uma boa info é como a hidra de Lerna: você corta sua cabeça e nascem outras duas. Ninguém entende direito a Empiricus. E eu acho muito curioso como as pessoas se relacionam com a questão da liberdade de expressão. Todos são Charlie, contanto que preservem-se a moral e os bons 178
costumes e, claro, o criticado não seja você mesmo. Lembra-me um pouco do ajuste fiscal, que todo mundo defende, mas ninguém abre mão da sua pensão ou do seu subsídio. O melhor texto sobre liberdade de expressão, por incrível que pareça, é do Rafinha Bastos. Gostando dele ou não, procure ler o seu Je Suis Charlie. Dê uma chance ao sujeito. Se você tenta inibir uma ideia, mesmo que ela seja ruim, você acaba impedindo o surgimento das boas também. Elas vêm do mesmo lugar. A criatividade depende necessariamente da tentativa e erro, especialmente se você está na fronteira, tentando quebrar paradigmas muito bem estabelecidos. Uma vez, no comecinho da Empiricus, eu disse a um gerente de RI que escreveria sobre a ação da respectiva empresa. Ele rebateu pedindo para eu aguardar a autorização de sua diretora. Eu, instintivamente, até de maneira mal educada – reconheço – comecei a rir. Detalhe: eu falaria bem daquela companhia. Hoje, os tempos são outros. Eles querem que a gente fale deles. Eu não sou rancoroso. Falamos só e tudo que achamos correto. Esse é o trabalho inexorável de um research independente. Simples assim. Qualquer suposição diferente flerta com o surrealismo, como nos filmes do Almodóvar. Ele ainda tem certo brilho em Julieta, mas eu ainda quero saber mesmo é do Ata-me. Por mais que me esforce, não há outro assunto ainda além da ata do Fed, divulgada ontem. Depois de diretores do Banco Central dos EUA lançarem alguma preocupação com o futuro do juro nos EUA com declarações mais duras no começo da semana, a minuta do Federal Reserve veio mais branda. As suposições de que o juro poderia subir em setembro foram amenizadas, sob percepção de uma inflação ainda muito bem comportada. Mais tarde, dois dirigentes do Fed voltam a falar. E como não há outro jogo na cidade além daquele praticado pelos Bancos Centrais, todos param para ouvir. Ata da última reunião do BCE também atrai atenções, num dia de agenda relativamente fraca. 179
Não há indicadores relevantes previstos por aqui. Nos EUA, saem pedidos de auxílio-desemprego, atividade na região da Filadelfia e indicadores antecedentes. Mercados alternam leves perdas e ganhos lá fora, ponderando prognóstico de liquidez elevada diante das sinalizações do Fed e pressão por realização de lucros depois do rali recente. Por aqui, além de repercutir os elementos supracitados, mercados se debruçam sobre mais empecilhos à questão fiscal, como a continuidade das pressões de governos do Norte e Nordeste na negociação da dívida dos estados, suposições de que aprovação da PEC do Teto de Gastos exigirá novas concessões e postergação da votação da DRU no Senado por falta de quórum. Submetido às mais variadas forças, Ibovespa Futuro abre em leve baixa de 0,3%. A realização de lucros acaba prevalecendo depois da maior pontuação em dois anos. Dólar sobe 0,4% contra o real, empurrado por mais um leilão de 15 mil contratos de swap reverso. Juros futuros sobem em meio aos questionamentos sobre política fiscal. PS.: conforme sinalizei na semana passada, hoje estreamos um projeto totalmente novo, focado em Nova Economia, empreendedorismo e investimentos em start ups. O impacto disso é muito mais plural do que normalmente se imagina. Vale a pena conhecer um pouco mais sobre o tema.
180
44 |
A origem de Empiricus 24/08/16
Sabe de onde vem o nome Empiricus? Já ouvi interpretações curiosas da etimologia. O Cláudio, meu psicanalista (ele fica bravo se eu chamar de psicólogo), achava que vinha de Empire e veio me criticar pela postura supostamente egoica e megalomaníaca. Sonho Grande tem limite... A mais esdrúxula veio de um desses blogs sujos, que recebiam dinheiro do governo para atacar os considerados adversários ideológicos, ao sugerir uma confissão de que, por não estar associado ao método científico canônico, o empirismo corresponderia a charlatanismo. Se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais. A verdade oferece menos metafísica. O nome é apenas uma homenagem ao filósofo pressocrático Sextus Empiricus, um dos pais da escola cética, que viria a influenciar diretamente pensadores como Michel de Montaigne e David Hume. Seu trabalho mais clássico é o Contra os professores (Against professors), por vezes também chamado de Contra os matemáticos, em que, basicamente, se apresenta uma visão cética quanto ao formalismo e à teorização excessiva do método científico, sem a devida atenção conferida ao mundo real e às evidências empíricas. É uma crítica direta à tentativa de simplificar excessivamente a realidade para fazê-la caber numa interpretação e/ou num método definido ad hoc, numa associação clássica à fábula da Cama de Procusto. Qualquer semelhança com a realidade do universo financeiro não é mera coincidência. A Empiricus foi fundada para combater os ternos vazios que transitam pela Faria Lima e pelo Leblon, apegados em suas planilhas de Excel, cuja pretensão maior é resumir um mundo numa tabela dinâmica. Uma afronta direta aos modelos financeiros que, ao simplificar a realidade, perdem o que lhe é essencial. O bebê vai embora junto com a água do banho. 181
Analisar não é projetar o futuro. É reduzir em partes, elucubrar, aventar hipóteses, ponderar os diversos cenários possíveis. Infelizmente, isso não é feito no mercado financeiro. As recomendações derivam de um platônico modelo de fluxo de caixa descontado, construído sob hipóteses sem aderência à realidade. Já fomos contra o governo e contra os bancos. Mas sempre fomos Contra o Financismo. Este é meu mais novo livro, escrito em coautoria com o Rodolfo, em que queremos trazer o leigo para o centro da discussão, e não afastá-lo como fazem hoje os modelos tradicionais. O livro resume nossas ideias mais íntimas de investimento, traduz a essência filosófica da fundação da Empiricus e se propõe a apresentar um método para aplicação em ações, numa proposta de unir Warren Buffett a Nassim Taleb. Talvez seja uma postura vista como pretensiosa. Pode até ser. Mantemos a alma jovem e disruptiva, mesmo com os poucos cabelos que me restam já se tornando brancos. Como diria Billy Corgan em Tonight, Tonight, “you can never ever leave without leaving a piece of youth.” Resumindo de maneira um tanto grosseira o argumento, queremos controlar o downside e fazer com que as surpresas (os cisnes negros) estejam no campo positivo. É só e tudo que podemos fazer.
As ideias têm insistido em me atrair mais do que a realidade. Essa última anda meio morosa. Mercados perto da estabilidade hoje, sem direção definida. Em linhas gerais, próximos às máximas históricas, bolsas globais aguardam com certa ansiedade o discurso de Janet Yellen amanhã. Sem novos triggers, permanecem perto da estabilidade. Na Europa, ações de mineradoras são destaque de queda, enquanto bancos se valorizam. Petróleo aponta queda, com dados da API sugerindo alta nos estoques. Cobre e níquel acompanham. Agenda internacional reserva PIB na Alemanha, e vendas de casas usadas e estoques de petróleo nos EUA. Por aqui, destaque para IPCA-15, basicamente em linha com projeções em alta de 0,45%.
182
Sondagem do consumidor da FGV apontou nova alta, para 79,3 pontos, completando as referências estritamente econômicas. Cenário político segue atraindo atenções, com aprovação da LDO para 2017, ainda sem votar destaques. Ponderando expectativa por Janet Yellen, queda de commodities e realização de lucros, Ibovespa Futuro abre em leve baixa de 0,2%. Dólar sobe 0,2% contra o real. Juros futuros avançam, com ligeira predominância da maior aversão a risco. Carteira Empiricus tem conseguido transitar bastante bem mesmo nos dias de maior volatilidade. Portfólio oferece 182% do CDI em agosto e 180% no ano. Estamos preparando mudanças importantes para setembro. Vem coisa quente por aí.
183
45 |
Sobre os ombros de gigantes 05/09/16
Ainda criança, aprendi a respeitar e, de certo modo também, admirar os grandes investidores brasileiros. Ouvindo histórias dessa gente em frequência diária, pude compreender logo cedo uma lição de humildade, absorvida por uma espécie de osmose: no escopo de investimento, esses caras são melhores do que a gente. Ponto final. Não importa muito se isso se dá por métodos formais melhores, por uma espécie de conhecimento tácito particular indecifrável pelos mortais ou pela simples possibilidade de melhor se conectar ao fluxo de informações e de negócios por conta de sua posição. Ok, ok. Eu reconheço: nesse mundo em que vivemos, não há heróis definitivos. O acertador de hoje pode ser o grande perdedor de amanhã. Com raras exceções, os rankings de melhor fundo mudam com frequência equivalente ao ritmo em que os semáforos entre a Clodomiro Amazonas e a Joaquim Floriano, observados aqui da minha janela, alternam-se entre o vermelho e o verde. Não falo do comportamento médio. Refiro-me a uma pequena parcela realmente competente. Havemos de admitir: há uma velha guarda verdadeiramente insuperável. Com menos de 10 anos, ouvia meu pai narrando com rigoroso nível de detalhes suas conversas e negociações tensas e duras com sujeitos por quem ele nutria uma mistura sinestésica de respeito, admiração e, simultaneamente, medo. Sim, eu podia notar em sua voz trepidante o medo de ser engolido pela capacidade alheia. Havia um sujeito em especial que aparecia com mais frequência nas conversas que eu ouvia com particular interesse: era o Tom. Quando o telefone daquela mesa do Safra tocava e o interlocutor vinha do Garantia, a tensão se elevava instantaneamente – e aquilo era certeza de uma boa história para ser contada para o filho à noite. 184
Se ela corresponde à verdade ou não, provavelmente nunca saberei. Mas aquelas parábolas contadas em frequência quase diária me trouxeram um ensinamento importante: aprenda com os grandes. Ouça o que eles têm a dizer e, se possível, sim, copie o que eles estão fazendo. Não há nada de errado nisso e você não vai precisar pagar por direitos de propriedade intelectual. Por que eu falo disso neste momento? Por duas razões essenciais. A primeira delas porque, à medida que a Empiricus cresce, chegam novos leitores/investidores querendo descobrir uma nova ação mágica, aquela que só ele (e os fóruns de ações) sabe do potencial, pronta para ser comprada ou para ser reestruturada e multiplicar por 10x. Se você quer uma heurística simples para decidir se compra ou não uma determinada ação, olhe seu float. Analise quem detém a ação além de você. Se nenhum outro bom investidor comprou aquele negócio, as chances de você estar errado são grandes. Pense que há dezenas, talvez centenas, de pessoas mais preparadas, com mais informações e ávidas por ganhar dinheiro perseguindo uma oportunidade em Bolsa. Se nenhuma delas partilha de visão favorável daquele ativo, melhor acender o sinal amarelo. A segunda se refere a uma questão conjuntural. Em conversas com esse pessoal, tenho notado um crescente interesse pelas ações brasileiras neste momento, sobretudo após o comportamento do Relatório de Emprego norte-americano, divulgado na sexta-feira. Ao mostrar criação de postos de trabalho abaixo do esperado, pavimentou a via por juros menores por mais tempo nos EUA, alimentando prognóstico de fluxo de recursos para mercados emergentes.
Com efeito, bom humor continua nesta manhã. Bolsas europeias e futuros dos EUA voltam a subir, ainda empurrados pela perspectiva de liquidez elevada após o Employment Report de sexta e também favorecidos por dados acima do esperado da economia chinesa, revelados pelo indicador Caixin. Petróleo sobe com sinais de que Arábia Saudita pode se engajar no controle da oferta. Liquidez, porém, é menor por conta do feriado nos EUA, em
185
comemoração ao Dia do Trabalho. Por aqui, mercados acompanham operação da Polícia Federal sobre os fundos de pensão e novo relatório Focus. O documento manteve, na mediana, projeções para inflação oficial de 2016 em 7,34%, e piorou prognóstico para PIB neste ano, de -3,16% para -3,20%. Para 2017, mediana das estimativas para IPCA saiu de 5,14% para 5,12%, e para PIB passou de 1,23% para 1,30%. Acompanhando cenário externo, Ibovespa abre com ligeira alta, perto do zero a zero. Dólar segue o mesmo comportamento e beira a estabilidade. Dinâmica semelhante é vista no mercado de juros futuros.
186
46 |
Paranoid
10/10/16
Aquelas seis pessoas que nos acompanham com maior assiduidade talvez esperem alguma manifestação imediata sobre o aprendizado extraído do curso de 40 horas com Nassim Taleb que fizemos na semana passada em Nova York. Sinto em frustrá-los, mas, sinceramente, seria impossível fazê-lo dignamente num texto de poucas páginas. Obviamente, também, não poderia guardar o conhecimento adquirido só pra mim, sem dividi-lo com os leitores. Então, faremos assim: eu e o Rodolfo realizaremos um evento ao vivo para os assinantes do Palavra do Estrategista, compartilhando ensinamentos valiosos do curso – obviamente, os participantes do Clube e do Reserva também estão convidados. Acontecerá no dia 18 de outubro, às 10h. De forma evidente, será impossível transmitir tudo o que absorvemos, mas nos comprometemos em passar adiante o essencial. O conhecimento em finanças, principalmente aquele com rigor epistemológico, precisa se universalizar. Aos mais ansiosos, antecipo uma parte: se você quer uma construção de patrimônio realmente sólida ao longo do tempo, você precisa de alguma dose de paranoia. Há de se acreditar que, cedo ou tarde, as coisas podem dar errado, porque, verdadeiramente, elas podem. Então, você vai iniciar a construção de seus investimentos a partir dessa premissa. É uma abordagem completamente nova, em que você começa olhando a partir da cauda da distribuição – e não pelo dia médio. Você não constrói uma casa pensando na condição climática mais usual; sua edificação precisa resistir à maior das tempestades possíveis. Seu barco não deve ser feito apenas para transitar pela condição mais usual dos mares, mas pela maior das tormentas. Vale o mesmo para as suas finanças. Como diria o sereno Ozzy Osbourne em Paranoid, “durante o dia todo eu penso em coisas, mas nada parece me satisfazer. Acho que vou 187
perder minha cabeça se eu não encontrar alguma coisa que me acalme. Você pode me ajudar a ocupar o meu cérebro?” Não acho isso bonito. Mas é assim. Infelizmente, a saúde financeira em longo prazo pode depender de alguma dose de transtorno psíquico. Certa vez, ouvi de um amigo que a grande motivação do maior gestor brasileiro era o medo. Foi isso, associado à sua genialidade, que teria lhe permitido atravessar tão bem as crises brasileiras. O padrão invasivo de desconfiança e as suspeitas generalizadas sobre as condições sistêmicas podem lhe tirar um pouco o sono no dia a dia, mas serão um poderoso calmante quando os demais estiverem em pânico. A apresentação tem um corolário pragmático: tenha sempre, sempre e sempre alguns seguros em seu portfólio, mesmo no momento em que estiver otimista. Você pode, sim, ter ativos de risco em sua carteira, mas deve reservar ao menos 5% para coisas que lhe protegerão de uma catástrofe.
Voltando ao planeta Terra, encontramos mercados em alta nesta manhã. Lá fora, há certo otimismo em torno do início da temporada de resultados corporativos (Alcoa abre a safra amanhã) e da disputa presidencial. O vídeo com comentários desrespeitosos de Donald Trump, combinado a seu desempenho no debate ontem, alimenta a expectativa de vitória de Hillary Clinton, a favorita dos mercados. Liquidez é um pouco reduzida com mercado de Treasuries fechado por feriado de Columbus Day. Por aqui, atenções redobradas com possibilidade de votação da PEC do Teto de Gastos, passo fundamental no ajuste fiscal brasileiro. Na agenda econômica estrita, IPC-S anotou inflação ligeiramente acima do esperado e relatório Focus, com notável redução nas estimativas para inflação oficial deste ano - mediana das projeções saiu de 7,23% para 7,04%, em reação ao comportamento recente mais favorável do IPCA. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4%, enquanto dólar se mantém próximo à estabilidade sobre o real. Tenho sido bastante questionado sobre eventual esgotamento da tendência de alta da Bolsa brasileira. A resposta tem sido na direção oposta, de que ainda vejo bastante espaço para
188
valorização num horizonte de 18 meses, com mercado subestimando melhora dos lucros à frente e o quanto podemos ter de fluxo quando materializarem-se as reformas (sim, elas serão materializadas). Para aproveitar as oportunidades geradas, abrimos hoje uma condição especial de assinatura do Empiricus Super Trader . Vale conferir, pois essa é uma das melhores relações custo-benefício que dispomos.
189
47 |
Amanhã será um lindo dia para seus investimentos
28/10/16
Quando você se pega às 7h04 da manhã lendo uma matéria do Guilherme Arantes na Ilustrada, surge automaticamente a percepção de que algo está errado. Quando foi mesmo que eu perdi a sanidade? Não deveria haver limite à cafonice? Confesso que confundo o sujeito com o Ivan Lins e aquele outro cujo nome sequer consigo lembrar – não, não é o Emílio Santiago. O Google me diz que ele compôs Amanhã, Planeta Água e Olhos Vermelhos, que eu pensava ser do Capital Inicial – o Dinho Ouro Preto era mais legal antes de virar caretão; eu gostava era do Loro Jones, que, não sei por qual razão, me lembrava um pouco do Slash. Com todo respeito ao Guilherme Arantes e aos seus fãs, eu não estava lendo a reportagem pela sua música. Acho que daria até azar. Fui fisgado pela manchete – os jornalistas são mesmo bons nisso, não é mesmo? Falava assim: “Guilherme Arantes diz que carreira é muito mais fracasso do que sucesso.” Se a referência fosse a uma carreira de cocaína, a frase soaria mais intuitiva. Não é o caso. Ela gera certo desconforto, mas oferece uma sabedoria interessante. Os artistas estão sempre um passo à frente, enquanto nós, os frios idiotas dos números, insistimos em desdenhar de sua intuição. Há quantos artistas tão bem sucedidos quanto o Guilherme Arantes, contando famosos e desconhecidos? O cara certamente está bastante à direita na distribuição da população de músicos. Mesmo daqui a 30 anos, dificilmente alguém poderá questionar que Guilherme Arantes foi um estouro. Ainda assim, ele está lá, na cara da Folha dizendo: “carreira é muito mais fracasso do que sucesso.” E sabe por que funciona dessa forma? Porque o sucesso artístico é convexo. Ele oferece aquela maravilhosa característica da antifragilidade. Escrever uma música boa 190
não é simplesmente o oposto algébrico de compor uma canção ruim. Você pode escrever 1000 músicas podres. Mas se tiver uma única maravilhosa que se torne sucesso, terá ficado rico! Vários erros podem ser apagados por um único grande acerto. O compositor passa anos e anos fazendo porcaria até que, subitamente, boom! Ele emplaca um grande hit, aparece no Faustão, posta selfie ao lado de uma modelo famosa e pronto! Talvez você ainda não tenha percebido, mas essa é a abordagem talebiana de investimentos. Ela se apoia na identificação de retornos assimétricos, na comparação entre o que você pode perder e o que pode ganhar, sem a determinação, a priori, do que será sucesso ou fracasso – afinal, isso só será revelado depois. Se pudéssemos escolher, é evidente que só comporíamos sucessos. Uma carteira de 20 ações voltada à aposentadoria dará certo não necessariamente porque você escolheu acertadamente os vencedores das próximas décadas. A abordagem funciona porque as ações carregam uma assimetria muito convidativa de retornos potenciais. Por conta da lei de responsabilidade limitada, o máximo que você pode perder ao investir em renda variável é 100% do capital. Em contrapartida, sua ação pode saltar bem mais do que isso. Por que não 200%, 300%, quem sabe 1.000%? E o que deve acontecer depois de 30 anos com essas 20 empresas, mesmo que selecionadas aleatoriamente? Metade vai ficar meio no zero a zero. Umas 5 vão quebrar. E outras terão se multiplicado por n vezes. Eu não sei o valor de “n”, mas basta que ele seja maior do que 2 para a estratégia ser-lhe favorável – e o natural é ser bem superior a isso. Ou seja, seu resultado final foi positivo, porque as multiplicações mais do que compensaram as falências. Esse tipo de racional fundamenta boa parte das decisões do Rodolfo Amstalden ao montar sua carteira de investimentos para longo prazo em seu Programa de Riqueza Permanente. Eu posso lhe garantir: não há ninguém no Brasil lhe oferecendo esse tipo de oportunidade com tamanha profundidade epistemológica além do Rodolfo. 191
Note que quanto maior for a sua diversificação, maiores as chances de sucesso, pois ao ampliar o tamanho da amostra, você incrementa sua probabilidade de capturar uma grande multiplicação. Sempre que houver convexidade (ganhos potenciais maiores do que as perdas possíveis), a mera aplicação da álgebra o empurra na direção da menor concentração. Racional semelhante vale para investimentos em opções. Aqui, há dois caminhos possíveis muito rentáveis. O primeiro é a forma mais clássica de você usar os derivativos como instrumento de hedge para sua carteira. Exemplo: você compra uma carteira com alta exposição a ações e limita seu risco comprando puts (opções de venda; ativos que vão lhe proteger de uma baixa). O segundo é por meio de uma estratégia de tentativa e erro, de tinkering, de exploração das assimetrias entre as perdas e ganhos potenciais. Se você vai, ao longo do tempo, apostando um pouquinho (esta é uma palavra importante e uso o diminutivo para salientar o ponto) de dinheiro em várias posições compradas em opções fora do dinheiro, vai perder várias vezes. No entanto, por conta do perfil antifrágil das opções (gostam de volatilidade, de tempo, da incerteza, do incognoscível, do choque etc), um único acerto vai compensar-lhe as perdas. Bruce Barbosa explora muito bem o tema nas estratégias com Opções do Gamma Trader.
Hoje é sexta-feira. Dia de maldade, principalmente no câmbio, com aproximação de definição da PTAX que servirá de liquidação de contratos futuros mensais. Componente pode adicionar volatilidade às negociações. Comportamento do dólar contra o real ganha destaque, com Ilan Goldfajn garantindo ao Valor Econômico que respeitará a tendência do câmbio, com menor intervenção. Últimos dias para repatriação de recursos trazem possibilidade de pressão adicional para baixo. Mercados internacionais sem tendência definida, com leve predominância de quedas. MSCI Global, índice mundial de ações, tem quarta alta seguida, atento à queda do petróleo e resultados corporativos ruins, como aqueles de Amazon e AB InBev. Em contrapartida, Alphabet trouxe bons números e inibe maior preocupação.
192
Agenda econômica é importante lá fora, com PIB dos EUA e sentimento do consumidor norte-americano. Na Europa, temos PIB da França e inflação ao consumidor na Alemanha. Por aqui, IGP-M apurou variação levemente abaixo do esperado (0,16% contra 0,20%). Tensão política, na margem, é dissipada, com ministro Teori Zavascki suspendendo operação Métis, abrandando tensões entre Renan Calheiros e ministro da Justiça. Safra de balanços pega fogo, com Usiminas, BRF, Hering, Pão de Açúcar e muito mais. Devolvendo parte dos lucros recentes, Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,4%. Dólar e juros futuros estão perto da estabilidade.
193
48 |
Por que fundamos a Empiricus? 01/11/16
Há sete anos, decidimos fundar a Empiricus por uma razão: achávamos que realmente poderíamos ajudar as pessoas a investir melhor. Sem discurso politicamente correto ou outras hipocrisias baratas. Não era um empreendimento filantrópico. Queríamos, sim, ganhar dinheiro – e, contra tudo e contra todos, achávamos que conseguiríamos. Mas a essência era mesmo de fazer o cliente ganhar dinheiro. Se você não tem um propósito empresarial, não adianta. Não vai. Você pode ter o melhor marketing, o melhor canal de distribuição… se seu produto não for útil, não dura. Já era. Game over. Pra mim, nascido e criado em escola jesuíta, é bastante natural acreditar em coisas como vocação, atendimento a um chamado e preenchimento de seus anseios mais viscerais. Mas você pode nunca ter ouvido falar em Santo Inácio de Loyola e manter as mesmas convicções. O mito de Er, narrado por Platão no livro A República, fala como a nossa alma é que escolhe nosso corpo. Ela já vem com suas próprias vontades e inclinações, seus próprios ancestrais. Enquanto você não atendê-las, você estará infeliz. Sua alma – ou seu daimon, para usar a linguagem do James Hilman – há de se vingar de você. Eu e o Rodolfo sempre tivemos um viés acadêmico bem forte. Fomos treinados em escola neoclássica e, portanto, a hipótese de mercados eficientes tentava nos dominar por osmose. Veja: se os mercados são 100% eficientes, não há retornos anormais. Todo mundo converge para o mesmo retorno, ponderado por risco e custo da estratégia. Esse é o chamado “retorno normal”. Então, qual papel resta para o analista financeiro? Era um dilema com o qual tínhamos de lidar… Ninguém acredita de verdade – nem o próprio Eugene Fama, dono do negócio – que os mercados sejam perfeitamente eficientes. 194
Isso é uma construção teórica, um modelo e, como tal, representa uma simplificação da realidade. A grande questão é definir o quão ineficientes eles são. Se as distorções não são apenas meras anedotas, que não poderiam ser formalizadas a ponto de caracterizar um caso geral. Haveria alguma outra teoria, igualmente geral e abrangente, para ser colocada no lugar? A verdade é que, embora haja inúmeras demonstrações da ineficiência de mercado, nada ainda pode substituir, como uma teoria completa, a hipótese original. Então, num mundo de perfeita eficiência de mercado, haveria espaço ainda para a boa análise de ações? Ou, em termos mais particulares, para a existência da Empiricus? Entrando no escopo moral, o que fazemos aqui encontra respaldo ético dentro do arcabouço analítico das Finanças Modernas? Minha tese é de que, mesmo sob a mais perfeita eficiência dos mercados (e a grande sacada é você atacar uma teoria por dentro dela mesma, em vez de simplesmente mudar as hipóteses), faria sentido ao investidor assinar a Empiricus. Sob mercados eficientes, o retorno de todo mundo converge para o mesmo patamar, ajustado por risco e pelos custos associados. Entre esses tais custos, está obviamente o dispêndio de se obter a informação. Quanto maior a minha equipe, mais gabaritada, mais bem relacionada, maior será o meu custo. Obviamente, este maior custo exigirá um maior retorno bruto das nossas estratégias para que, em termos líquidos (retiradas as despesas), o rendimento delas convirja para o retorno médio de mercado. Entretanto, como a Empiricus tem muitos clientes, podemos ratear esses grandes custos com análise e obtenção de informações, que seriam impagáveis por um único investidor, por 150 mil pessoas. Assim, o retorno bruto da estratégia recomendada será anormal e, como o custo individual é baixo (pois está sendo pago por muita gente), o rendimento líquido será superior ao retorno médio de mercado também. 195
Então, está aí. Cqd. Como queríamos demonstrar. De retorno anormal em retorno anormal, o investidor enche o papo. Acaba de sair do forno a Carteira Empiricus de novembro. Nada mais dentro do tema. Portfólio voou em outubro, ampliando a valorização no ano para níveis surpreendentes, superiores à indústria de fundos multimercados. Seguimos otimistas com ativos de risco brasileiros e fizemos mudanças importantes para o mês.
Clima favorável se estende ao primeiro dia de novembro. Mercados animados com dados da produção industrial na China, que impulsiona commodities. PMI chinês teve seu maior patamar em mais de dois anos, superando todas as projeções ao marcar 51,2 pontos. PMI Caixin também veio melhor do que as estimativas. Há certa cautela em torno da política monetária mundial. Banco do Japão não trouxe novas medidas. E amanhã, com mercados brasileiros fechados, há reunião do Fed. Não se espera alteração do juro básico, mas nutre-se grande expectativa pelas sinalizações sobre dezembro. Agenda internacional reserva ISM, PMI e gastos com construção nos EUA. Por aqui, IPC-S trouxe inflação de 0,34%, levemente acima do esperado. Produção industrial brasileira cresceu 0,5%, contra projeções de 0,6%. Temos ainda dados da balança comercial e início da discussão da PEC 241 no Senado. Ibovespa
Futuro
acompanha
comportamento
no
exterior
e
abre
em
alta de 0,4%. Dólar cai 0,28% contra o real e juros futuros estão perto da estabilidade.
196
49 |
De aniversário, eu quero que você ganhe dinheiro
04/11/16
Quando Citro visitou Sócrates na véspera de sua execução, apresentou um plano de fuga muito bem feito. Já estava tudo combinado. O acerto com os guardas, a rota até o exílio. Sem risco. Bastaria o aceite do filósofo e ele continuaria vivo. Não aconteceu. Fugir não era uma possibilidade. Em sua autodefesa, Sócrates rebateu ao juri: “um homem que tenha algum valor não deve calcular as chances de permanecer vivo ou morrer; ele deve considerar se, ao fazer algo, está agindo segundo o caráter de um homem bom ou mau.” O senso de justiça está acima do amor pela vida. O registro está na Apologia, de Platão. A Empiricus completa hoje sete anos. Não foram sete anos de vacas magras. Nem de vacas gordas. Choramos e sorrimos. O importante é que emoções eu vivi, lembraria o especial de Natal da Globo. Hoje, as coisas, mesmo que sejam momentâneas e transitórias, estão um pouco mais harmônicas. Podemos ter uma equipe grande (talvez a maior de todo o mercado), conversamos com gente relevante a hora que quisermos e as empresas nos recebem sem cara feia. Tudo isso ajuda bastante na análise e facilita o oferecimento de recomendações mais lucrativas. Falar com gente boa, muitos deles inclusive melhores do que a gente, facilita bastante as coisas. Nem sempre foi assim. E certamente há uma gratidão inabalável por aqueles que se dispuseram a ajudar desde o começo. O que surgiu de suposto amigo nos últimos tempos foi uma grandeza. Ao longo de todo o tempo, porém, preservamos algo essencial: fomos fiéis a nós mesmos. Demos as sugestões de investimento que achávamos boas e certas, sem conflito de interesse. Erramos e acertamos conforme apenas nossos princípios pessoais e a diligência própria. Sem receber um real por um produto financeiro emitido, nenhum fee 197
de colocação, nenhum fomento a uma determinada operação para gerar corretagem. Nada, zero. Cometemos, sim, uma série de erros. Fomos agressivos demais em alguns momentos, exagerando no tom – embora, no caso clássico (a famosa multa que a Apimec nos aplicou por conta das críticas ao Marfrig), estivéssemos rigorosamente certos do ponto de vista técnico, conforme provou-se mais tarde pela republicação dos balanços do frigorífico e pelas multas a seus executivos. Também recomendamos estratégias ruins de investimento. Quando se lida com ativos de risco, é evidente que você vai errar. Só perde pênalti quem bate. Acerte mais do que erre, em intensidade e/ou frequência. “Errei mais de 9.000 cestas e perdi quase 300 jogos. Em 26 diferentes finais de partidas fui encarregado de jogar a bola que venceria o jogo…e falhei. Eu tenho uma história repleta de falhas e fracassos em minha vida. E é exatamente por isso que sou um sucesso.” Isso foi dito por um jogador de basquete menor, chamado Michael Jordan, naquela famigerada propaganda da Nike. Felizmente, os acertos superam os erros. Com efeito, arrisco a dizer que, nos últimos 36 meses, ninguém – absolutamente ninguém – acertou mais do que a Empiricus. Falo isso sem nenhuma arrogância. As coisas são o que são. E o histórico está aí para comprovar. Sei que amanhã tudo pode mudar. Podemos passar a errar tudo daqui pra frente. Basta um leve abaixar da guarda para sermos acertados por um cruzado de direta capaz de nos levar à lona. O futuro não nos pertence. Mas aquilo que está no passado jamais poderá nos ser furtado. O que mais me orgulha nesses sete anos, porém, é a obediência rigorosa ao nosso caráter, às nossas características éticas e morais mais essenciais. Estoicos, diligentes e disciplinadamente trabalhadores conforme nossos princípios de investimento. Não nos deixamos abalar pelos fracassos, tampouco nos locupletamos com as conquistas. Não me iludo, tudo permanecerá do jeito que tem sido, resumiria o estrategista Gilberto Gil. Sabemos que não há 198
heróis neste mercado. A gratidão dos clientes assemelha-se àquela dos filhos. Conforme descreveu Kafka em Carta ao Pai, você conhece a gratidão dos filhos, não é mesmo? Você é amado eternamente, até o seu próximo erro. Continuaremos a perseguição implacável pelo atendimento à nossa vocação: fazer você ganhar dinheiro. Hoje a responsabilidade é muito maior. E ela só será atendida por meio de muito trabalho, 24x7, obsessivamente. Fica o compromisso. Se você estiver bem, nós estaremos bem. Isso não acontece nos bancos. Isso não acontece nas corretoras. Obrigado pela confiança.
Uma pena não termos outros motivos de comemoração nesta sexta-feira. Tensão continua nos mercados internacionais pela manhã, com temores envolvendo eleição norte-americana. Com o pleito bastante acirrado, chovem hoje tentativas de se estimar o “efeito Trump”. Agora, pior tarde do que nunca, tentam sugerir que os impactos podem ser catastróficos. À preocupação com eventual vitória do candidato republicano, somam-se a cautela com o importante Relatório de Emprego dos EUA, ceticismo com a evolução dos preços do petróleo e desconfiança com a continuidade da política de estímulos pelos Bancos Centrais, após a autoridade monetária inglesa adotar discurso mais duro. Agenda norte-americana traz três discursos de dirigentes do Fed. Na Zona do Euro, temos dados de serviços e inflação ao produtor. Por aqui, IPC-Fipe e PMI de serviços também. Futuros de Wall Street apontam para sua nona queda seguida, a pior sequência em oito anos. VIX, o índice de volatilidade, pode engatar sua nona alta consecutiva, o que representaria algo inédito em seus 27 anos de vida. Acompanhando incerteza externa, Ibovespa Futuro abre em leve baixa de 0,1%, enquanto dólar sobe ligeiramente contra o real. Juros futuros também sobem, mas com variações modestas.
199
50 |
Um dia de realização e agradecimento 28/11/16
Na selva em que vivemos, não importa seu histórico, o tanto de dinheiro que você ganhou, quantos clientes você tem. Há uma única coisa relevante: você ainda pode bater o mercado? Ou você é uma espécie de Eric Clapton, gravando o disco I Still Do (Eu Ainda Faço) aos 70 anos, ou está fora do jogo. Lulu Santos, vivendo de remixes e remasterizações dos clássicos dos anos 80, não teria a menor chance como investidor. Num ambiente assim, é impossível dormir tranquilo. Você precisa estar a todo momento perturbado por uma espécie de paranoia, por um companheiro inseparável chamado medo, que vai lhe fungar o cangote 24x7, como se lembrasse a cada minuto que você pode entregar tudo amanhã. O mito de que “durmo tranquilo pois fiz um bom trabalho hoje” não se aplica aos analistas/investidores financeiros. É claro que isso também importa. Ao final do dia, não há como tergiversar. Ninguém está olhando. É somente você com você mesmo. Assim, como em outras profissões, sua satisfação pessoal passa necessariamente pela resposta à pergunta: “eu fui diligente o bastante?” Certamente, é condição necessária, mas não suficiente. O passado não se muda. Superada a avaliação do passado, restará a dúvida: você poderá ganhar do mercado ou, ao menos, sobreviver na selva amanhã? Vivo isso constantemente. E devo lhe confessar: durmo mal. Hoje, porém, me permitirei um descanso. A usual sensação de dever cumprido transcende a normalidade. Hoje é um dia de realização e, principalmente, agradecimento. Nesta segunda-feira, encontro uma demonstração material de que atendemos ao chamamento. A Empiricus abraça sua vocação e realiza uma vontade antiga minha, verdadeiramente. 200
Explico. Permita-me contar como chegamos até aqui. Vai ser rápido e valerá a pena. No começo do ano de 2011, por alguma razão que desconheço, a Beatriz Nantes, hoje sócia da Empiricus, me pediu ajuda com um tema para o trabalho de conclusão da faculdade de jornalismo. Ela cursava Cásper Líbero, além de economia na FEA-USP, e queria algo no jornalismo econômico. Pensei um pouco e devolvi: “Bia, acho que você podia escrever uma espécie de livro, chamado Conversas com gestores. Eu sempre quis fazer isso, mas confesso falta de competência, interlocução e de tempo. O José Márcio Rego fez algo parecido com isso, no livro Conversas com economistas brasileiros, e há um clássico no exterior batizado Market Wizards. A partir da experiência dos maiores gênios das finanças, podemos aprender lições a serem usadas pela pessoa física normal, para que ela possa investir melhor. Métodos consagrados – e às vezes guardados como verdadeiros segredos – podem ajudar o cidadão comum a ganhar mais dinheiro.” A Bia gostou e topou fazer. Ela é brilhante. Uma das pessoas mais estudiosas, dedicadas e inteligentes que eu conheço. Fez o melhor que pôde e o trabalho ficou excelente. Eu fui parar na banca avaliadora, a convite da autora, onde conheci a Vanessa Adachi – talvez tenha sido o momento de maior proximidade entre Empiricus e Valor Econômico. Entretanto, o resultado final não ficou conforme esperávamos. Não foi culpa da Bia. Jamais seria, dados os atributos dela. Mas, assim como para mim, a ela também faltava a interlocução necessária. Seria mesmo difícil para um grande gestor abrir seus métodos e suas ideias mais íntimas para um trabalho de conclusão de curso de graduação. Então, aquilo acabou virando Conversas com financistas. Abriu-se o escopo para poder terminar o trabalho. Na pressão do prazo, perdeuse o purismo em prol do pragmatismo derivado da necessidade de se obter um diploma. 201
Provavelmente eles não vão se lembrar, mas o Guilherme Affonso Ferreira e o Guilherme Benchimol, que talvez estejam lendo estas linhas, participaram das conversas. Enquanto escrevo, a Bia cochicha nos meus ouvidos pedindo para que eu os agradeça formalmente pela generosidade. O trabalho foi aprovado, com nota boa e tudo mais. A Bia saiu elogiada e voltou feliz pra casa. Realmente, o TCC estava ótimo. Mas não conseguimos fazer o tal Conversas com gestores como pensado originalmente. Sou brasileiro e não desisto nunca. Aquilo continuou em mim. Sozinho, porém, jamais conseguiria fazer o projeto. Honestamente, não tenho a aptidão necessária. Esperaria o tempo que fosse até encontrar a pessoa certa para que pudesse voltar a sugerir o livro. Então, quase seis anos depois, cá estamos nós. No dia em que a Luciana Seabra pisou na Empiricus, eu apresentei-lhe a ideia. Ela era feita praquilo. Eu tenho um milhão de defeitos. Talvez um bilhão – ainda estou contando. Mas acredito ter uma sensibilidade para perceber pessoas realmente excepcionais: ali estava uma. Ela juntaria sua competência intelectual inestimável com sua rede de contatos de gestores, eu ajudaria com alguns amigos de cá e bingo! Eu falei da importância do livro, que jamais mostraria a ideia para alguém que não fosse capaz de executá-la com perfeição – ou algo muito perto disso. Sabe por que eu guardei por tanto tempo dentro de mim esta ideia? Por que insisti dessa forma para fazer este livro? Por uma razão: porque eu aprendi com esses caras. E aprendo a cada dia. A cada conversa que mantenho com alguns deles. E estou certo de que aprenderia adicionalmente se eles escrevessem mais, falassem mais, se expressassem mais. Eu copiei esses caras. E ganhei dinheiro com isso. Usei as técnicas e os racionais de investimento deles para mim mesmo. Sempre estive convencido de que, se deu certo para mim, daria certo para qualquer um. Estas mensagens precisavam chegar ao investidor pessoa física. A missão da Empiricus é fazer com que todos possam investir como um profissional. Esse é o nosso propósito e o livro Conversas com gestores de ações marca um passo importante nisso. A obra permite que você se aproxime dos maiores ganhadores de dinheiro em Bolsa no Brasil – e faça o mesmo para si. 202
Sinceramente, duvidei que a Luciana pudesse fazer algo tão bom em tão pouco tempo. Quebrei a cara. Ela me surpreendeu. O projeto, que reputo como o livro do ano sobre finanças no Brasil, superou todas as minhas expectativas. Esta carta explica exatamente como você pode adquirir o livro. O prefácio é ruim, mas o resto é bom. Eu garanto. Encerro este preâmbulo com um agradecimento verdadeiro à Luciana, que colocou em pé essa ambição antiga, com uma execução impecável. Vindo dela, não haveria como ser diferente. E também aos gestores, que mostraram uma generosidade além do razoável. É muito gratificante poder contar com a confiança dessas pessoas. Essa é uma sinalização a que todos deveriam prestar atenção. Este livro, feito para a pessoa física investir melhor, não poderia sair por nenhum outro lugar. Obrigado de coração. Vocês não podem imaginar o quanto eu aprendi com vocês, o quanto eu os admiro.
Feitas as declarações de amor do dia, podemos endurecer o coração. Bolsas, no geral, em baixa na manhã desta segunda-feira. Petróleo em baixa com ceticismo em torno da reunião da Opep e pressão por realização de lucros após recordes para Wall Street na sexta-feira impõem pressão vendedora. Clima ruim no exterior é amenizado internamente com dissipação, ainda que parcial, da crise política. Ex-ministro Calero aliviou as tensões com eventual gravação do presidente Michel Temer, dizendo que a conversa foi apenas protocolar. Aliada à saída do ministro Geddel, declaração afasta preocupações mais contundentes sobre desdobramentos potenciais da turbulência. Ibovespa Futuro cai apenas 0,1% enquanto escrevo. Juros futuros caem ajustando-se à disparada da sexta, quando haviam sido empurrados pelo Calero-gate. Relatório Focus mostrando expectativas de inflação ancoradas ajuda no comportamento. Dólar recua contra o real, sob menor tensão política e atento à nova valorização dos metais no exterior. Na agenda, além do relatório Focus, temos resultado fiscal consolidado. Nos EUA, sai atividade na região de Dallas, sem muitas referências de peso. Na Europa, atenção para discurso de Mario Draghi.
203
51 |
O caso do pequeno Hans 05/12/16
Freud dizia haver três ações impossíveis: governar, educar e analisar. Essa última no sentido da psicanálise, embora pudesse, na minha humilde visão, servir também para a análise de valores mobiliários. Lembro-me do caso do Pequeno Hans. Conto a história aqui de forma extremamente resumida e caricata, em um parágrafo. Peço desculpas aos psicanalistas por qualquer imprecisão. Vale o recado geral. Essa aqui é só a minha interpretação do negócio. Como muito bem aprendeu George Soros, quanto maior seu poder de abstração, mais se desenvolvem suas habilidades práticas. Hans era uma criança sensível e inteligente. Desde cedo, dormia na mesma cama da mãe. O contato de pele com a progenitora, no ápice da relação edípica, desenvolveu precocemente a sexualidade do garoto. Hans, sem ainda muito bem entender a coisa, coçava sua genitália e aquilo fazia-o sentir alguma excitação. Sua mãe não gostava da prática e, numa tentativa de repreender a atitude, ameaçava o menino com a bravata de que, se ele continuasse com aquilo, seria levado a um médico para amputar-lhe o órgão. Era o gatilho para o temor de castração. Hans passou a sentir-se inseguro. Começou a ter medo do próprio pai, um médico dedicado e amoroso – transferiu à figura paterna a imagem do cirurgião que poderia arrancar-lhe o pênis. Então, a esse sentimento negativo, somou-se à culpa por sentir-se inseguro diante do próprio pai – como poderia ser ingrato àquela figura amorosa e tão cuidadosa consigo? As fobias do menino foram se multiplicando: medo de ficar sozinho, de sair de casa, de cavalos brancos – a cor do animal, aquela opulência toda e referência clássica de meio de transporte à época, remetia aos jalecos dos cirurgiões… Freud não tratava de crianças, mas atendeu ao pai de Hans. As fobias haviam se desenvolvido pela falta de diálogo, pela incapacidade 204
de conversar com a criança e explicar assuntos complexos como sexualidade, ereção e a naturalidade do complexo de Édipo. Mesmo temas difíceis precisam ser discutidos com profundidade, sem eufemismos ou tecnicidades exageradas. Há de se acreditar que é possível, sem subestimar a inteligência e capacidade do ouvinte. A Empiricus está, de alguma forma, na tarefa de educar. No ramo de economia e finanças, claro. Nosso mote interno é ser independente para torná-lo financeiramente livre. A missão da empresa é ensinar as pessoas a organizar suas finanças, investir melhor e ganhar dinheiro. Só e tudo isso. Queremos fazer na prática, colocando as mãos na massa. Não há necessariamente separação entre pescar e ensinar a pegar o peixe. Simulação não vale. A sua pele precisa estar em jogo. Nascemos com essa vocação, quando simplesmente não havia nada, nem ninguém integralmente dedicado a prover recomendações financeiras práticas e adequadas para a pessoa física. Não se tratava de criar uma empresa apenas, mas também de testar um novo mercado. Passaram sete anos e continuamos sozinhos. Absolutamente sozinhos. Quem sabe nós mesmos não resolvemos acabar com essa solidão? Os bancos podem lhe dizer que são feitos para você, ou que são bons para todos. A verdade, porém, é que foram feitos para eles mesmos. E gene egoísta de Richard Dawkins. Os produtos oferecidos aos clientes são caros e ruins. O que seria mais natural: o gerente lhe oferecer um produto bom para você ou bom para o banco? Quem lhe paga o salário ao final do mês? Evidentemente, quanto mais caro for o serviço, maior a taxa apurada pelo banco, maior seu lucro e maior o bônus do bancário. Bingo! Não é culpa do gerente, claro. Eu gosto do meu, inclusive. Nada pessoal. Toda a estrutura foi montada para extrair o máximo que puder do cliente. Querem arrancar sua pele, pois é ela quem alimenta os predadores. Então, surgem as corretoras como alternativas. Ótimo! Sim, eu sou a favor das independentes. Caso ainda não tenha, você deveria abrir uma conta em alguma delas agora mesmo. XP, Rico, Easyinvest e Guide são algumas boas alternativas para você. Não hesite. Elas podem lhe 205
dar acesso a uma rede muito mais ampla de produtos, a partir de uma plataforma aberta – felizmente também, elas não estão obcecadas por bater a meta de PICs ao final do mês. Entretanto, a coisa para por aí. Você deve abrir uma conta na corretora e, desde o primeiro momento, ignorar por completo todas as sugestões de investimento que ela vier a lhe oferecer. Porque aqui, também, não há nenhum alinhamento entre os lucros do cliente e aqueles da corretora. Está na etimologia do negócio: uma corretora ganha dinheiro a partir de… corretagem! Os incentivos do sistema são montados para que ela lhe ofereça as recomendações de investimentos que ofereçam a maior corretagem, ou alguma outra taxa qualquer, de administração de seus fundos, de performance ou de rebate de outras instituições. A César o que é de César: as corretoras independentes são ótimas plataformas para lhe dar acesso a investimento; suas recomendações de onde investir são ruins. Elogios às coisas positivas; críticas às negativas. Tão simples quanto isso. Ah, temos ainda um terceiro agente dessa simbiose maravilhosa: a imprensa supostamente especializada, aquela que vai lhe informar boas alternativas de investimento, claro. Essa mesma imprensa que faz reportagens sobre as empresas das quais ela recebe dinheiro em publicidade, hoje a principal fonte de receitas em meio à trajetória de queda do faturamento com assinaturas dos jornais? Essa mesma imprensa que precisa ser imparcial, não adotar lado e condensar as visões dentro de um consenso, pasteurizando a informação? Se você reproduz o consenso dentro uma matéria, você perde por completo qualquer edge (diferencial positivo) sobre o mercado, pois as cotações de tela hoje reproduzem justamente essa opinião mediana. Em resumo, a imprensa também não vai ajudar… Ninguém está focado em lhe passar as melhores recomendações, apenas elas. O sistema está inteiramente conflitado, montado para extrair o quanto puder da pessoa física para alimentar os bolsos das instituições financeiras. Para usar uma frase que eu adorava na adolescência, do meu 206
primo Regis: “é nóis contra a rapa.” Regis era muito briguento, mas de uma honestidade irrepreensível. Uma vez, brigamos contra cinco. Apanhamos feito boi-ladrão. Entregamos nossos supercílios, ficamos com a honra. O espírito jamais alguém conseguiu quebrar. Entre erros e acertos, textos prolixos e marketing agressivo, no final do dia, temos um único objetivo: fazer você ganhar dinheiro. Já erramos muito, continuamos errando e erraremos ainda mais no futuro. Mas manteremos a alma inabalável, ligada umbilicalmente à nossa vocação: educar a pessoa física financeiramente. Não sabia que era impossível, foi lá e fez. Este texto é uma pequena homenagem a meu pai Ramiro, que faria aniversário hoje. Noutro dia, almocei com o Marcelo Elaiuy, a quem terei para sempre uma gratidão profunda. O Marcelo era o melhor amigo do meu pai, o único que o ajudou em todos os momentos da sua vida. Ele me disse que, se estivesse vivo, papai se orgulharia do que estamos fazendo. Vindo do Marcelo, que eu amo de paixão e é um dos poucos corintianos mais doentes do que eu, não tenho como duvidar. Da minha parte, porém, acho que o Ramiro se orgulharia mesmo é do meu pequeno Hans, que em português é João. Hoje, ele está com fobia de solidão e o pai Felipe fica triste, porque não sabe o que fazer. Se o Ramiro estivesse por aí, Felipe poderia contar com uns bons conselhos. Como eu gostaria de poder seguir as recomendações de alguém em quem confio, cujo interesse fosse apenas de me guiar adequadamente por um caminho que eu desconheço…
Ao economista, é difícil guiar-se também pelos meandros da política. O tema segue no epicentro das discussões nesta segunda-feira. Mercado doméstico abre com algum alívio após manifestações de domingo pouparem o presidente Michel Temer, focando apoio o Lava Jato e gritos de fora, Renan. Planalto, porém, sabe que a situação é extremamente frágil e não há como cantar vitória. Houve apenas alívio; não existe espaço para comemoração.
207
Temer encontra-se na difícil situação de apoiar as ruas contra o Congresso ou apoiar o Congresso contra as ruas. É um perde-perde. Há uma preocupação latente de perda da força política necessária para aprovar as reformas. Nessa seara, governo tenta gerar algum fato novo. Estuda medidas microeconômicas e discute hoje com centrais sindicais a reforma da Previdência, um dos maiores drivers em torno do ajuste fiscal brasileiro. A sensação predominante é de que, mesmo saindo fragilizado, governo ainda dispõe dos votos para aprovar a reforma. Pelo menos, por enquanto, é claro. Não há como desconsiderar a hipótese de que a delação da Odebrecht venha a mudar tudo, sendo um risco importante para vários ministros e até para o próprio Temer. Por ora, no entanto, há um alívio, ainda que momentâneo. Manhã é de ganhos para os ativos brasileiros: bolsa, câmbio e juros, indiscriminadamente. Além da dissipação das preocupações com Temer poupado das manifestações, mercados reagem ao clima positivo no exterior. Commodities voltam a subir e bolsas sobem. Referendo na Itália com vitória do “não” e consequente renúncia do primeiro-ministro Matteo Renzi geraram turbulência inicial, com euro apresentando maior queda em 20 meses. Choque foi absorvido rapidamente, sob expectativa de que decisão possa levar o BCE a ampliar prazo de seu afrouxamento quantitativo em mais seis meses - anúncio poderia acontecer na quinta-feira. Agenda doméstica é relativamente fraca, com destaque para relatório Focus, que trouxe revisão para baixo nas estimativas de PIB e Selic em 2017, e inflação em 2016. Nos EUA, saem PMI Markit e ISM Services. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,7%, enquanto dólar cai 0,5% contra o real - Banco Central voltou a ofertar swaps para rolagem. Juros futuros recuam, devolvendo prêmios dos últimos dias, enquanto esperam ata do Copom amanhã.
208
52 |
Sobre os ombros de gigantes, mas com os pés no chão
07/12/16
Você nunca vai convencer alguém de que ele está errado. Somente a realidade pode fazê-lo. É uma constatação triste para quem está, de alguma forma, no ramo da educação financeira, cuja vocação (ou, ao menos, a crença nela) busca melhorar a maneira das pessoas lidarem com os investimentos. Triste e verdadeira. Tudo bem. Esqueçamos as palavras, pois elas, como diria Shakespeare, não pagam dívidas. Apeguemo-nos à dureza da realidade e à frieza dos fatos, buscando algum afastamento. O excesso de proximidade estimula a emoção. O mercado, diariamente, testa sua convicção. A cada oscilação, o investidor, ao menos aquele presenteado com o dom da autocrítica, se pergunta qual o limite entre a teimosia e a mão fraca. A chegada da nova informação é suficiente para que eu mude de ideia? A impiedosa marcação a mercado retira a nitidez da observação. Afetados pelo viés da aversão a perda, devidamente documentada pelas Finanças Comportamentais, não podemos esquivar-nos de decisões tomadas sob a invasão da razão pela emoção. Os monitores estão conectados ao terminal Bloomberg. Leio “medo”, “ansiedade”, “crise institucional”, “incerteza”. A televisão de 50 polegadas sobre a minha cabeça apresenta cotações vermelhas – exceção para os juros futuros, que apontam um verde intenso de dois dígitos. Respiro profundamente e peço apenas serenidade. Não é fácil blindar-se do pânico e analisar serenamente quando estão todos desesperados. Respiro fundo e peço “grace under fire” (na tradução literal, seria “graça sob o fogo”, mas, sinceramente, não é a mesma coisa). A situação é obviamente difícil e incerta, mas nós, os homens (e mulheres) práticos(as), aqueles(as) com prestações a vencer e família para sustentar, havemos de decidir o que fazer. Há um inimigo forte chamado CDI, 209
que rola contra você numa velocidade supersônica. Qual botão apertar? Quero separar ruído de sinal, aquilo que é apenas fluxo vendedor de curto prazo do que se mostra verdadeira mudança de fundamento. Busco entender as “manias” tão propagadas por George Soros e diferenciá-las do que é exatamente a realidade, o estritamente material. Ao final, é ele quem ditará o preço dos ativos no futuro. Lembro-me do mito de Anteu, o filho de Poseidon e Gaia, guerreiro forte e aparentemente invencível, que destruía cada um dos seus oponentes para colecionar-lhes os ossos, a serem usados depois para a construção de templo em homenagem a seu pai. Quando ninguém mais poderia vencê-lo, Hércules, em um de seus 12 trabalhos, percebeu a fraqueza de Anteu: ele ficaria extremamente fraco se perdesse o contato com o chão. Hércules, então, o enfrenta mantendo-o suspenso no ar até a morte. Sem os pés na terra, Anteu está desamparado. É uma lição de humildade. Não se trata apenas do ambiente financeiro. No nosso caso, não importa o quão forte você seja, quanto dinheiro já ganhou, o número de vezes em que esteve certo no passado. Mantenha os pés no chão. Os lucros anteriores podem facilmente se desmanchar no ar; e os prejuízos serão apagados por decisões acertadas à frente. Mas não é apenas isso. O contato físico com a terra representa, pra mim, também a necessidade de se apegar ao fundamento, ao estrutural, afastando o barulho da imprensa, as idas e vindas de curto prazo, a chiadeira das redes sociais e, principalmente, o discurso pasteurizado daqueles cujas peles não estão em jogo. Eu vejo algo estrutural no Brasil, que me parece evidenciado mais uma vez nesta quarta-feira (já explico melhor a questão conjuntural). O País não tem vocação para explodir. Flertamos com o abismo, sim, nos últimos dias; o fizemos com a Nova Matriz Econômica também, conforme muito bem lembro o mito Luis Stuhlberger nas páginas amarelas da Veja. Mas todas as vezes em que o fizemos, quando parecia não haver mais volta, encontramos uma última curva e podemos virar na outra direção. A crise tornou-se oportunidade. Tenho um conhecido bilionário que opera muito Vix, índice da 210
volatilidade, que diz assim: “Felipe, as pessoas me acham sofisticado, mas eu só faço uma coisa. Compro este negócio perto de 10; e vendo perto de 20.” A heurística sempre me pareceu simples demais. O bilionário da conversa é ele, não eu. Está explicado. Transponho o raciocínio para outro jargão do mercado: o Brasil é o país onde você compra NTN-B quando o juro real bate 6-8%; e vende quando vai a 3-4%. Parecemos viver a ditadura da complacência. Numa espécie de vício malevolente, estamos condicionados a viver na mediocridade. Ai, que preguiça, resumiria nosso herói sem nenhum caráter. Não vejo motivos para nos orgulhar. Mas há algo momentaneamente interessante: o juro real está acima de 6%. É hora de ir às compras. Às atuais cotações, entre tupi or not tupi, better to be (desculpem, mas essa eu realmente não consigo traduzir).
Quarta-feira começa positiva para os mercados, sob perspectiva de resolução da grave crise institucional. O enfrentamento direto entre poderes Legislativo e Judiciário levounos, sim, a namorar com o abismo. Com a alma poligâmica macunaímica, não temos vocação para casamento. Segundo jornais, encaminha-se uma solução para o abismo institucional que nos acometeu nos últimos dias. De acordo com a imprensa, tendência é que plenário do STF retire Renan Calheiros da linha sucessória da presidência da República, mas o mantenha com presidente do Senado, garantindo assim votação da PEC do Teto de Gastos, que é o maior anseio do mercado. Passo fundamental no ajuste fiscal brasileiro, a PEC se juntaria à reforma da Previdência para garantir uma saída para a grave recessão brasileira ao dar um horizonte para os agentes econômicos diferente da explosão da dívida pública. Em paralelo à alternativa, estariam a renúncia de Jorge Viana (colocando Romero Jucá em seu lugar) e pedido do PSDB de requerimento ao Senado e, com maioria, inclusão da PEC do teto na pauta de terça-feira. O que fica de estrutural? Há um real compromisso com a votação da PEC, de qualquer jeito. Em se confirmando o prognóstico, mais uma vez, o Brasil não estourou e a Venezuela ficou um pouco mais longe. Mercado doméstico também se beneficia hoje de movimento positivo no exterior, com commodities em alta e expectativa por reunião do BCE amanhã (resultado
211
do referendo na Itália pode obrigar mais afrouxamento quantitativo). Agenda local traz IGP-DI (+0,05%) e fluxo cambial semanal. Nos EUA, temos estoques de petróleo, relatório Jolts e dados de crédito. Ibovespa Futuro abre em alta de 1%, enquanto dólar cai 0,8% contra o real. Juros futuros recuam destacadamente, com alívio, mesmo que passageiro, da temperatura política. PS.: deixarei pelos próximos dois dias esta newsletter nas excelentes mãos da Marília Fontes. Tiro extensas férias na quinta e na sexta para viajar à cidade de minha mãe no interiorrrr de Minas Gerais. Vou recarregar as energias, colocando os pés no chão e a mãos no mato. Você pode ficar com a companhia da Marília (muito melhor) e do Carlos Herrera, que oferece ótimas oportunidades no Empiricus Insider .
212
53 |
A fidelidade do dinheiro 15/12/16
Alguns brigam com o CDI. Eu brigo comigo mesmo. Ao final do dia, só há um balanço que interessa, das suas próprias obrigações contra suas ações, seu conjunto de bens e direitos. Na hora em que se coloca a cabeça no travesseiro, a pergunta relevante é: eu fui fiel a mim mesmo? Na arte da guerra introspectiva, só há um caminho, que é obedecer à sua alma. Independentemente da imposição moral alheia, quais são os seus imperativos categóricos individuais mais íntimos? Sua alma tem seus próprios ancestrais e ela haverá de se vingar de você caso sua obediência seja a outros deuses. Posso me perdoar por não ter surfado o rali de Vale, de outras empresas de commodities ou de coisas igualmente arriscadas e sobre as quais não tinha qualquer visibilidade. O erro do tipo II deve ser sempre tolerável pelo investidor – não capturar uma alta é preferível a incorrer num risco excessivo; sem a devida margem de segurança, melhor não comprar. Obviamente, a posteriori, tudo parecerá óbvio e Vale será uma evidente compra. Seu vizinho sempre sabe de tudo, depois que aconteceu, claro. Mas ainda não me desculpei por não ter comprado seguros às vésperas do Brexit, por exemplo. Ali me afastei da minha própria filosofia e isso é imperdoável. Perdas momentâneas e a não antevisão de movimentos de mercado fazem parte do jogo. Afastar-se de suas próprias convicções não deveria fazer. Quando digo que não brigo contra o CDI, talvez precise esclarecer melhor. Não quer dizer que despreze o benchmark. Sei da minha obrigação, fiduciária e moral, de superá-lo no longo prazo e de maneira consistente. Não me furto à responsabilidade. Mas entendo que o caminho mais curto e apropriado para fazê-lo é justamente obedecendo, com disciplina espartana, à filosofia de investimento aqui já exposta por várias vezes. 213
Se haverá sempre muito mais incerteza nos mercados do que nosso desejo de controle gostaria, temos de admitir nossa ignorância e reconhecer, humildemente, a incapacidade de saber, diante de um evento binário (impeachment ou não, Brexit, Trump, Fed), qual dos cenários vai se materializar. Então, buscamos seguros contra o pior cenário e tentamos capturar o upside caso se configure a hipótese positiva. Devemos sempre nos proteger de nós mesmos. Há uma tendência a fazer a realidade caber numa planilha de Excel ou num modelo esquemático dentro de nosso cérebro. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle, e a complexidade do mundo não vai diminuir somente porque não podemos contemplá-la. Como viver num mundo em que não entendemos. Esse é o mote. A Cama de Procusto não pode escapar do mundo mitológico e adentrar suas decisões financeiras, em que cortamos as pernas da realidade só para fazê-la caber em nossa compreensão individual. Assinaremos um atestado de insanidade no exato momento em que tivermos certeza de alguma coisa. Precisamos duvidar das coisas, inclusive de nós mesmos. Paramos somente quando passamos a ser céticos com nosso próprio ceticismo – este é o limite, muito bem definido pelo paradoxo de Karl Popper. Essa é a receita para os retornos consistentes de longo prazo. Superar o CDI consistentemente será consequência natural da aplicação dessa abordagem. O gol é um detalhe, resumiria o investidor Carlos Alberto Parreira. O método é particularmente importante para atravessarmos mares revoltos. E eu fico contente em poder ter sugerido aos assinantes da Carteira Empiricus a compra de seguros justamente na véspera do Fed, que voltou a assustar os mercados ontem com a sugestão de três aumentos do juro básico dos EUA em 2017. O timing, conforme ficou claro a posteriori, foi preciso. Fico satisfeito não somente porque pudemos proteger ganhos diante de um evento importante. Mas porque, mais uma vez – e não foi a primeira neste ano, encontramos uma aplicação prática para o que, em tese, se apresenta inicialmente 214
como uma hipótese teórica. Os livros na estante nada dizem de importante, resumiria Raulzito. Importa a prática, tão somente ela. Não é pelos ganhos de curto prazo, nem pela possibilidade de falar “eu já sabia que o Fed seria hawk” – mesmo porque eu não sabia; o jogo não é de prever a realidade, é de ficar obcecado pela matriz de payoff adequada diante do evento. E pela fidelidade a si mesmo. A partir de um determinado ponto, não é mais pela grana. Será que o driver de Warren Buffett, George Soros, Jorge Paulo Lemman, Luis Stuhlberger ainda é o dinheiro? Humildemente, e reconhecendo o risco de estar errado ao formar uma opinião sobre um terceiro, imagino que não – com efeito, não faria muito sentido. Ou é pelo medo de perder o que conquistou (incluindo aí reputação) ou pela capacidade de poder encostar a cabeça no travesseiro e dizer silenciosamente a si mesmo: eu ainda posso. I Still Do é a dica cultural desta quinta-feira: Eric Clapton ainda pode fazer um disco formidável.
Mercados iniciam a quinta-feira sob pressão, afetados por preocupação com política monetária dos EUA, manifestada ao final da tarde de ontem. A elevação do juro básico norte-americano em 25 pontos já era amplamente esperada, mas sugestão de que haverá três subidas em 2017 - e não apenas duas, conforme consenso admitia antes - gerou desconforto. Temor é de que maior atratividade dos títulos nos EUA possa afastar fluxo de recursos de mercados emergentes. Com efeito, yield do Treasury de 10 anos volta a subir hoje e já supera a marca de 2,60%. Ibovespa Futuro abre em queda de 0,1%, juros futuros sobem e dólar avança 0,50%, pressionados por maior aversão a risco. Agenda doméstica trouxe IGP-10, em alta de 0,2% contra expectativa de 0,17%, e IBC-Br, com recuo de 0,48%, frente a projeções de -0,60%. Dia marca também apresentação de pacote em prol de estímulo à economia e reação à aprovação da PEC da reforma da Previdência pela CCJ da Câmara. Nos EUA, saem inflação ao consumidor, pedidos de auxílio-desemprego, NY Empire State Index e dados da atividade manufatureira pelo Markit. Na Europa, temos definição do juro na Inglaterra e vendas ao varejo no Reino Unido, além de produção industrial da Zona do Euro.
215
Para firmar nosso compromisso com o longo prazo e obedecer disciplinadamente nossa própria filosofia, decidimos que, a partir de 2017, colheremos assinaturas da Carteira Empiricus apenas em caráter vitalício – não haverá mais planos anuais para este produto. Esta é a última vez em que oferecemos a Carteira Empiricus em horizonte de 12 meses apenas. Nossa alma agradece.
216
54 |
Ode ao Zé Comprinha 28/12/16
“Só conheço um grafista rico, aquele que escreveu o livro.” Papai adorava repetir essa frase. Eu, que adorava repetir o papai, adotei-a para mim também até o início da fase adulta. Jovem arrogante, treinado no fundamentalismo religioso do value investing, incorporei a visão preconceituosa sobre a análise técnica (ou gráfica, aquela que identifica padrões no plano cartesiano para tentar predizer comportamento futuro do preço dos ativos). De fato, o grafismo sempre foi visto como uma espécie de vodoo science pelos acadêmicos e pela legião de fãs da chamada Escola de Valor, os tais “fundamentalistas”. Até que veio o Andrew Lo, um dos papas do MIT e, portanto, uma referência incriticável do rigor metodológico-científico, para mostrar que, sim, surpreendentemente, padrões gráficos poderiam oferecer capacidade preditiva para os ativos financeiros. O paper Foundations of Technical Analysis: Computational Algorithms, Statistical Inference, and Empirical Implementation, publicado em 2000 no The Journal of Finance virou um clássico e inspirou uma série de outros estudos no tema. Se veio do Andrew Lo/MIT e saiu no Journal of Finance, deixa de ser ciência vudu. No Brasil mesmo, Pedro Valls escreveu artigos a respeito, assim como Pedro Saffi, com seu Análise Técnica: Sorte ou realidade?. Se você ainda mantém o preconceito, corre sérios riscos de ser enquadrado em crime de homofobia. Resumidamente e em bom português, a comunidade científica passou a admitir a possibilidade de que a leitura dos gráficos poderia fazer você ganhar dinheiro. Os supostamente doutos engravatados teriam de se render aos dados. E se restava alguma dúvida ainda sobre a coisa, veio o Andre Jakurski e recomendou o livro do John Murphy, que é um clássico sobre gráficos, em público. Então, pronto: tínhamos o argumento de autoridade de que precisávamos. 217
Tive de abandonar a tal frase de que gostava tanto. Havia grafistas ricos, para além do escritor de livro e de meras exceções que representavam apenas o resíduo estatístico de uma distribuição. Fui me dar conta de que há gente que enriqueceu usando gráfico. E também há gente que enriqueceu comprando ações por meio da análise dos fundamentos. Exemplos mais óbvios: Warren Buffett, Charlie Munger, Philip Fisher, Peter Lynch e tantos outros. Mas não há muita gente que ficou rica vendendo ações. Faça rapidinho o exercício de enumerar grandes bilionários cujas fortunas foram feitas em cima do short selling (posições vendidas em ações). Eu mesmo fiz. Tirando raras exceções como Jim Chanos, Muddy Water e outros poucos, não consigo pensar numa comunidade relevante. As grandes fortunas em Bolsa foram feitas pelos Zé Comprinhas. O João Vendinha ganha um dinheiro aqui, outro ali, mas não faz fortuna. Por que será? Alguns vão dizer que há especificidades técnicas no short, o que é verdade. Principalmente no Brasil, o custo do aluguel é alto, assim como as taxas operacionais e as restrições à alavancagem. Isso dificulta a coisa, mas não é um grande impeditivo. Sempre haveria alguém para superar as adversidades técnicas e aprender os atalhos. Além disso, trata-se de um fenômeno mundial e não apenas local. Suspeito que a razão esteja ligada à típica antifragilidade/convexidade das ações. Quando você aposta na venda de um papel listado em Bolsa, seu ganho está limitado, pois a ação não virá abaixo de zero. Em contrapartida, sua perda pode ser infinita caso a ação vá para o infinito. Acontece exatamente o contrário quando você está na ponta comprada. Não tem tampa pra você. Então, um grande comprador de ações, ao longo de várias aquisições durante muitos anos, precisará de apenas um grande acerto para multiplicar seu capital investido por 2x, 3x, quem sabe 10x. Basta apenas um tiro certeiro, mesmo que na sorte. Já o short seller (o Zé Vendinha) precisa acertar várias vezes para ter ganho dessa magnitude. Do chão, a ação não passa. 218
No fundo, estar exposto à renda variável é uma aposta no capitalismo, no desenvolvimento das empresas, no progresso tecnológico e no avanço da ciência. Pode ser que rompamos com a lógica no futuro, mas até hoje todos aqueles que desafiaram esse quatrilho saíram perdedores. O sentimento burguês é essencialmente otimista. A vida, a natureza e as forças darwinistas são long gamma (gostam da volatilidade; sem vol, não teria mutação, não teria evolução e o ser humaninho ainda estaria comendo banana em cima da árvore). As ações não são diferentes, pois um grande choque as leva para zero (perda de 100%) ou para uma multiplicação por 10x (ganho muito maior do que 100%). É melhor estar do lado certo da mesa, Zé.
Mercados iniciam quarta-feira de maneira morosa, sem muitas notícias e com baixa liquidez, em clima de final de ano. Curioso, porém, que predomina tom otimista, o que é sinal favorável. Sem notícia, vamos caminhando. Nosso metabolismo basal parece para cima. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,35%, na esteira da valorização dos futuros de Wall Street e das commodities no exterior, com destaque para mineradoras nas bolsas europeias à luz de bons dados da economia chinesa. Petróleo anota sua quarta alta seguida com otimismo em torno de corte da oferta. Dólar alterna altas e baixas contra o real, enquanto juros futuros cedem ligeiramente. Atenção especial para possibilidade de veto do presidente Temer a socorro aos estados sem as contrapartidas em prol do ajuste fiscal. Se confirmado, é boa notícia, pois mostra firmeza no ajuste estrutural das contas públicas, também no âmbito estadual - a rigor, a aprovação do pacote sem contrapartidas é que era absurda. Agenda econômica é fraca, contando apenas com fluxo cambial mensal por aqui e vendas de casas pendentes nos EUA. Imprensa tenta passar a falsa impressão de que ano já acabou, mas só termina mesmo quando juiz apita. Acontecem atrocidades enquanto neguinho quer aparecer mais bonito no final do ano, com a cota do seu fundo marcada lá em cima. Poucos dias fazem a diferença.
219
55 |
Capitão fantástico 26/01/17
“Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos.” A cada dia, surge um novo crítico da Empiricus. A gente se assusta no começo, se acostuma depois. Pensando bem, seria espantoso se assim não fosse. Por mês, 200 mil novas pessoas passam a receber nosso conteúdo (André, Beto, parabéns e obrigado por isso – vocês são incríveis). Na média, portanto, são quase sete mil novos leitores por dia. Bom, estatisticamente… um crítico em meio a sete mil pessoas… ok, podemos lidar com isso. Eu, pessoalmente, gostaria de ter mais detratores. Na era da pósverdade, se você tem um negócio digital e não o criticam, há boas chances de ser um sinal de irrelevância. Embora pareça contraintuitivo num primeiro momento, os haters são, em verdade, medida de sucesso. Eu achava a frase original; foi descobrir há poucos dias que o Roni, dono da Reserva, já havia falado a mesma coisa antes de mim. Desconfio que o último homem original foi o Aristóteles… Com o passar do tempo e o pequeno crescimento da empresa, os haters vão aumentando. Soube que hoje a prática é vista como profissão. Carteira assinada e tudo. Pode ser um pseudojornalista patrocinado por um aspirante a concorrente, um blog que já me colocou como responsável pela quebra da Galleas, onde eu nunca trabalhei, uma pessoa que tentou fazer negócio conosco e obteve uma negativa. Como você pode ver, todos superisentos. Ah, claro, pode ser também uma ex-namorada. Eles se parecem em esperneio e histeria. O ímpeto da crítica sempre será mais fervoroso do que aquele do comentário positivo – alguém já pensou por que não existe o site Elogie Aqui? 220
Igualmente óbvio, todos os críticos, sem exceção, têm uma equipe maior e mais técnica do que a Empiricus, mais track record, mais relevância, mais ajuda à pessoa física. O que há de dream teams por aí é uma grandeza. Na cabeça de cada um, evidentemente. Também lhes é uma característica em comum: quanto menos nos conhecem, mais mal falam, mais convictos e mais superficiais. Quanto mais de longe se observa, maior o ódio. Dou de ombros. Eu não respondo. Se meus inimigos me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais. Interessa-me a minha verdade. É pela sua perseguição obstinada que vivo isso intensamente, sob o mais duro e impiedoso crítico do meu trabalho (e também de minhas atitudes fora dele), que sou eu mesmo. Admiro profundamente Buffett, Fisher, Soros, Taleb, Kahneman, Stuhlberger e tantos outros. Agora estou momentaneamente encantado pelo Mark Spitznagel e pelo Phil Knight. Gênios, todos eles, com uma capacidade intelectual e prática que eu jamais poderei alcançar, nem em sonho. Mas quero mesmo é ser Viggo Mortensen em Capitão Fantástico, Dean Moriarty em On the Road, o pai do narrador da Terceira Margem do Rio, o conto mágico de Guimarães Rosa representado com um breve trecho no parágrafo inicial deste texto. Aqui dentro, tenho dois compromissos inabaláveis: com minha filosofia de investimentos e com o patrimônio de meus clientes – financeiro, ético e moral. Tudo e só isso. Na verdade, poderiam ser vistos como um só compromisso, pois o primeiro é apenas meio para atingir o segundo, o verdadeiro fim (no sentido de objetivo) da Empiricus. E qual é a minha verdade? No que eu acredito mais intimamente, aquilo que me é mais particular e peculiar como financista? Após um feriado pensando, pude vomitar, trazendo-as lá de dentro, dez diretrizes sintéticas, que poderiam ser coladas na geladeira lá de casa (se a Lina deixasse; e ela não deixa – manda quem pode, obedece quem tem juízo): 221
1 - O futuro é e continuará sendo impermeável. Ninguém poderá prevê-lo. Nem a cartomante, nem o economista – muitas vezes, eles se parecem. A realidade é não ergódica (desculpe o palavrão). Esqueça toda a econometria e, com ela, claro, os econometristas. São charlatões. Querem lhe passar uma falsa sensação de controle, como se a complexidade da realidade pudesse caber numa planilha de Excel, posteriormente exportada para o Eviews. Você vai se sentir mais seguro com as projeções (erradas) passadas pelo seu economista e, sob essa pretensa segurança, assumirá riscos demais, pois pensa que sabe o que ocorrerá à frente. É como se alguém lhe falasse que os cintos estão afivelados, quando na verdade estão soltos. 2 - Desista de entender os movimentos dos ativos financeiros. O mundo é ininteligível. Lembre-se que as perguntas mais essenciais são feitas há milhares de anos e continuam sem resposta. Você não está no negócio do “por que”, mas no negócio do que. Não precisar estar certo. Basta ganhar dinheiro. Não é um jogo de quem ganha a discussão. 3 -Valuation é um driver muito menos relevante do que supõe o arcabouço ortodoxo clássico da teoria das finanças – o que não significa que valuation não seja relevante; é, mas apenas como uma peça de informação, entre muitas outras. Os fundamentos influenciam os preços na exata mesma proporção que os preços influenciam os fundamentos, num processo reflexivo – leia Soros. Ele é melhor investidor do que filósofo, mas ainda é um bom filósofo. 4 - Os processos relevantes são não lineares e imprevisíveis, sempre. Entenda a profundidade da não-linearidade e use isso a seu favor. Um portfólio com muitos ativos de risco, protegido com as técnicas de tail hedging (compra de seguros baratos contra catástrofes), é preferível a outro com uma combinação de ativos de médio risco, justamente pelas 222
respostas não-lineares. Já tratamos disso aqui no paradoxo do maior retorno com menor risco. Google it. 5 - Como corolário da assertiva anterior, aposte centavos para ganhar dólares, nunca dólares para ganhar centavos. 6 - A diversificação é a arma dos que não sabem o que estão fazendo. O problema é que normalmente não sabemos mesmo. Ah, vale o mesmo para todos os gestores e analistas – talvez eles apenas não tenham se dado conta disso. A humildade não é o forte na Faria Lima nem no Leblon. 7 - Eu não era tão burro no dia em que as ações de Rumo saíram de R$ 6 para R$ 5. Da mesma forma, não sou mais inteligente agora que saíram de R$ 5 para R$ 7,50. 8 - Estude, estude e estude tudo que puder sobre empresas e renda fixa. Leia balanços, fale com o management, escute atuais acionistas, escute velhos acionistas, faça muitas contas, todas que conseguir. Lembre-se que ainda não terá estudado o suficiente. 9 - Procure boas assimetrias. Em vez de tentar adivinhar qual dos cenários vai se materializar à frente, tente comparar o quanto você perde frente ao quanto você ganha em cada um deles. Pode parecer pouco, mas é o máximo que você pode fazer. Não se sinta atraído por tentativas inócuas de controle. Num ambiente de incertezas, você vai errar muito. Apenas continue no jogo. Nunca adote uma estratégia que implique risco de ruína. Você precisa continuar vivo. Com boas assimetrias, no longo prazo, mesmo perdendo várias batalhas no meio do caminho, você sairá vencedor. 10 - Acima de tudo, porém, jamais se esqueça de que todas essas coisas também podem ser uma grande bobagem. Desconfie de si mesmo e de suas próprias convicções. Eu acredito piamente que, por várias vezes, serei um grande idiota. Simplesmente porque, na maior parte delas, eu realmente sou. 223
Começamos a quinta-feira devendo um ajuste ao feriado. Com a bolsa por aqui fechada ontem, mercados lá fora voaram. Destaque para a superação da marca de 20 mil pontos para o Dow Jones, em dia de recorde triplo para Wall Street. Poderíamos buscar as mais variadas explicações para a coisa. Do otimismo com o Trumpnomics, seus cortes prometidos de impostos e gastos em infra, a bons resultados corporativos. Ou resumiríamos: é um bull market. Otimismo da véspera é estendido para hoje, sob os mesmos motivos. Bolsas voltam a subir, assim como minério de ferro. Agenda é importante nos EUA com pedidos de auxílio desemprego, atividade na região de Chicago, indicadores de serviços, vendas de casas novas e indicadores antecedentes. Na Europa, temos PIB do Reino Unido e sentimento do consumidor na Alemanha. Por aqui, saem nota de crédito do BC e resultado da Previdência Social. Destaque também para operação da Polícia Federal com prisão decretada para Eike Batista, com suspeita de envolvimento em esquema de propina. Ibovespa Futuro abre em alta de 1,1%, enquanto dólar e juros futuros estão perto da estabilidade. No contexto do bull market, pode ser a hora de encarteirar algumas microcaps . São elas que historicamente lideram ciclos de supervalorização em Bolsa. Os convites estão abertos, mas só pelas próximas horas .
224
56 |
Até o último homem 06/02/17
O que você quer da sua vida, investidor? Qual é a sua verdade? Este é um texto sobre propósito, sobre aquelas coisas mais íntimas mantidas por cada um de nós. A fé inabalável em certos princípios, a sua filosofia de vida – não aquela que lhe é imposta pelos outros. Há um único investidor que jamais poderá ser derrubado: aquele que obedece à sua vocação. Se ele atende a seu real chamamento e cumpre o seu propósito, resistirá a todos os percalços, pois ali existe verdade. The harder they come, the harder they fall. Vocação só há uma. No mito de Er, contido na República de Platão, sua alma é que escolhe o corpo a ser ocupado. Nós estamos aqui, apenas sendo vividos por poderes que fingimos entender. Não há escolhas além do que sua alma já escolheu. Ela tem os seus próprios ancestrais. Se você valoriza o mundo das ideias e dos ideais, você há de apreciar Platão. O investidor, claro, pode sempre contar com ajuda externa. Mas precisa encontrar o que lhe é mais caro, intimamente. Eu, por exemplo, não estou na condição de um analista de ações. Eu sou – apenas sou. E é por isso que você verá sempre nas carteiras da Empiricus um viés mais propenso às ações – enquanto na Carteira Empiricus, agora, mantenho 22,5% de alocação em equities, casas tradicionais de alocação propõem menos de 10% – algo que lhes já é alto para padrões históricos recentes. Não quero dizer com isso que ações sejam melhores do que renda fixa. Não cabe a mim o julgamento. Afirmo apenas que há um viés pessoal nisso. E precisa haver, pois o analista/gestor tem de conceder maior peso ao nicho em que se sente mais confortável, que domina 225
mais. Algo na linha do círculo de competências defendido por Warren Buffett. A decisão, obviamente, também guarda relação com minha convicção de que devemos sempre tentar capturar não-linearidades (muito risco e muita proteção é melhor do que pouco risco). Eu fui educado em escola jesuíta e sei exatamente o que isto representa. Vocação e propósitos são coisas sérias. Aquela voz que você ouve todos os dias ao pé do ouvido quando coloca a orelha no travesseiro não vai parar de incomodá-lo enquanto você não alimentar a fera. Minha relação íntima com as ações tem origem edípica. Lembrome de Kafka e da relação que ele mantinha com seu pai, sintetizada no primeiro parágrafo do clássico Carta ao Pai: “Tu me perguntaste recentemente por que afirmo ter medo de ti. Eu não soube, como de costume, o que te responder, em parte justamente pelo medo que tenho de ti, em parte porque existem tantos detalhes na justificativa desse medo, que eu não poderia reuni-los no ato de falar de modo mais ou menos coerente. E se procuro responder-te aqui por escrito, não deixará de ser de modo incompleto, porque também no ato de escrever o medo e suas consequências me atrapalham diante de ti e porque a grandeza do tema ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento.” Tenho convicção de que dediquei-me obstinadamente ao estudo das ações como uma forma de me aproximar do Ramiro e de parar de ter medo dele, como se aquilo pudesse render-me sua aprovação. Hoje, por razões bastante objetivas, tenho outras referências. A pessoa que mais admiro na vida é uma mulher de 70 anos, mãe de dois 226
de meus melhores amigos – ambos de infância (se seus melhores amigos não são de infância, há algo de errado com você). Trata-se de uma das pessoas mais formidáveis que conheço, em todos os sentidos. Intelectual, emocional, moral e ética. Ela tem câncer no pâncreas – bom, sabe a dimensão da coisa, né? Sempre que penso nisso me vem um nó na garganta. Ela está inabalável, com a mesma disposição e atitude para a vida que sempre teve. Eu a amo profundamente e a tenho, admiradamente, como uma espécie de gênio indomável. Esta segunda-feira é um dia especial para mim porque é, entre outras coisas, um dia que atendo a um pedido, feito por essa pessoa. Ela sempre acompanhou de perto meu desenvolvimento acadêmico, minhas frustrações e a responsabilidade a isso associadas. Certa vez, na sala de seu apartamento na Rua Cristiano Viana, tarde da noite, ela me disse: “meu filho, você sabe que tem uma obrigação, né? Você precisa reunir tudo isso e deixar para os outros. Se você conseguiu alguma coisa depois de muita ajuda e, claro, muito empenho pessoal, tem de deixar como seu legado. A gente é uns merrrda – ela é um tanto desbocada e capricha no sotaque do interior de São Paulo –, mas as poucas coisas que sabe fazer bem precisam ser transmitidas. Não é mérito, nem trabalho. É dever.” Haverá de tudo que considero importante: Buffett, Fisher, Soros, Kahneman, value investing, antifragilidade, o que aprendi no curso que fiz diretamente com Nassim Taleb em Nova York e uma surpresa ao final. Não há absolutamente nada parecido com isso em nenhum outro lugar. Por uma simples razão: é feito com todas as questões que me são mais íntimas e caras para fazer a pessoa ganhar dinheiro, com o meu propósito e a minha verdade, coisas que são inquebráveis. Como não poderia ser diferente, I did it my way. Tenho como vocação contribuir com a educação e a situação financeira de todos os meus leitores, até o último homem (e mulher, evidentemente – é que o nome do filme leva “homem” e queria copiar). 227
Ofereço a possibilidade de nos conhecer mais de perto. Conheça primeiro, saiba toda a verdade, julgue depois. Claro que todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. Já eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida. É Álvaro de Campos, claro, heterônimo de Fernando Pessoa, mas serve bem. Se eles querem meu sangue, verão o meu sangue, só no fim. E se eles querem meu corpo, só se eu estiver morto, só assim. Se você tem uma filosofia, você precisa vivê-la. Meu animal de estimação é a hidra de Lerna. Podem tentar cortar-lhe a cabeça. Outras duas surgirão, mais forte. O convite de hoje é para que você também viva isso.
Mercados iniciam a semana em clima de ligeiro otimismo. Ibovespa Futuro sobe 0,4%, atento ao comportamento das bolsas internacionais e a mais uma queda nas expectativas de inflação, contida no boletim Focus. Ações de bancos e petrolíferas são destaque no exterior. As primeiras sobem com expectativa de que a desregulação a ser promovida por Donald Trump ajude nos lucros do setor financeiro. As outras se valorizam empurradas pela instabilidade política entre Irã e EUA. Encomendas na indústria da Alemanha muito acima do esperado alimentam perspectiva de vigor da economia global e ajudam no otimismo. Agenda internacional tem também conference board e discurso de dirigente do Fed da Filadélfia. Mario Draghi fala com a imprensa no início da tarde. Por aqui, destaque para dados da Anfavea, balança comercial, novas regras para Minha Casa, Minha Vida e Focus, que trouxe revisão para baixo nas estimativas para inflação oficial de 2017, de 4,70% para 4,64%. Aviso aos navegantes: Carteira Empiricus já sobe quase 1% em fevereiro. Estamos lotados de seguros e, mesmo assim, voando, subindo 4,5% no ano. Já adianto aos assinantes: compraremos ainda mais seguros em breve. Fiquem ligados. Aqui é trabalho!
228
57 |
Orgulho e preconceito II 07/02/17
Eu me arrependo de algumas coisas na vida. Três delas em especial: de ter parado de tocar guitarra, de não ter tido uma última conversa com meu pai e, sugado por uma rotina avassaladora de trabalho, de cada minuto que não passo ao lado de minha esposa e de meu filho. Não deveria ser assim. Se eu venho aqui e falo que gosto do Nietzsche, deveria seguir seus ensinamentos. Mais especificamente, trato do amor fati, o amor ao fado ou ao destino, sem arrependimentos. A capacidade de aceitação integral da vida e do destino humano mesmo em seus aspectos mais cruéis e dolorosos. Como disse Pondé ontem na Folha, “a reverência diante do terror da contingência, tão presente nos antigos, falta entre nós.” (Eu já admirava o Pondé antes, daí ele vem e cita o Taleb elogiosamente, eu fico com vontade de dar um beijo nele…) Felizmente, há também algumas coisas e dias na vida de que me orgulho. Estamos, neste exato momento, diante de uma delas. Quando fundamos a Empiricus, havia vários objetivos disseminados entre os sócios. Eu mesmo tinha alguns. Mas, pessoalmente, o maior deles era levar ao investidor pessoa física – aquele com algum dinheiro mas não necessariamente conhecimento técnico de mercado – as melhores estratégias possíveis de investimento, tão boas ou até mesmo melhores do que aquelas praticadas pelos profissionais. Isso desafiava a visão de consenso à época. Havia – e, sendo sincero, infelizmente ainda há em alguns mais preconceituosos – a visão de que a pessoa física podia e até devia jogar uma espécie de série B. “Ah, pra você que é dentista (ou qualquer outra profissão), está bom.” Deixa eu te contar uma coisa: não, não está bom. Uma boa ação a ser comprada serve para o vaqueiro do Mato Grosso (sim, temos alguns deles como clientes, orgulhosamente) e serve para o Warren Buffett. Certo ou errado, carimbo se coloca em boi, não em dinheiro. 229
Eu jamais admiti ler um livro da série “Matemática para economistas”. Eu quero aprender matemática. E ponto. Curso de álgebra linear se faz no IME-USP – não em outro lugar. Hoje é um dos dias em que eu posso me orgulhar do que estamos fazendo aqui. Trazemos a nossos leitores o melhor possível. Arriscaria dizer que trazemos o impossível. A partir desta terça-feira, os assinantes do Palavra do Estrategista terão acesso a uma série de seis relatórios do gestor Pedro Cerize, pra mim O Cara de ações no Brasil, com suas ideias de investimento. Talvez você ache a afirmação um tanto exagerada. E eu, a exemplo de Kafka, até me inclino a certos exageros. Pois então deixe-me recorrer ao argumento de autoridade, para talvez convencer você. Por vários anos, Luis Stulhberger teve Pedro Cerize como O Cara de equities no Brasil, inclusive falando publicamente que se tratava de um gênio. Pedro é um gênio, de fato, embora ele mesmo pareça não gostar dessa classificação. Sinceramente, eu não me importo. Minhas opiniões são insuperavelmente minhas e dou pouca relevância ao que pensam por aí. Eu tenho admiração e respeito por ele há anos. Tenho também gratidão – e essa é uma das coisas que papai me ensinou a ter. Cerize foi um dos primeiros gestores renomados do Brasil a aceitar conversar com a Empiricus quando éramos muito pequenos – só depois do Fim do Brasil que apareceu um monte de amigo; veja, eu também os trato bem, sem nenhum problema, mas nutro um carinho especial por quem nos prestigia desde o começo. Talvez isso tenha acontecido porque ele é uma das poucas pessoas no mercado financeiro brasileiro que não é um filisteu. Ele se preocupa com ideias, originalidade, e com o fato de ajudar o investidor. O conteúdo em si sempre será mais relevante do que a forma. Mas há uma razão especial para que esta parceria se materialize neste momento em particular. Explico. Meu primeiro contato com Pedro Cerize aconteceu por meio de uma carta aos cotistas de sua gestora Skopos, de junho de 2004. 230
Não consigo achar as palavras certas para transmitir-lhe o que eu senti lendo aquele documento. Recorro a Phil Knight, fundador da Nike, descrevendo o trabalho de Bowerman atrás do tênis de corrida ideal. O sentimento é o mesmo: “Hoje, quando me lembro daquela época, posso vê-lo trabalhando em sua oficina, com a Sra. Bowerman o ajudando com todo carinho, e isso me deixa arrepiado. Ele era Edison em Menlo Park, Da Vinci em Florença, Tesla em Wardenclyffe. Inspirado pelo divino. Eu me pergunto se ele sabia, se tinha alguma noção de que era o Dédalo dos tênis, que estava fazendo história, recriando toda uma indústria, transformando a maneira como os atletas correriam, parariam e saltariam durante várias gerações. Pergunto-me se ele podia compreender, naquele momento, tudo o que realizara. Tudo o que viria a seguir. Eu sei que não podia.” Aquela carta aos cotistas da Skopos é um documento histórico. Era premonitória. Afirmava que a Bolsa brasileira em dólares poderia se multiplicar por 13x dali em diante, iniciando um superciclo de valorização. De fato, aconteceu, rigorosamente conforme foi previsto. E quem seguiu aquilo simplesmente fez fortuna em Bolsa. Imagine poder reviver isso agora… Claro que, a posteriori, não parece tão incrível – tudo fica óbvio depois de acontecer. Ninguém pode ser capaz de admitir a competência e o acerto alheios. Mas, no exato momento em que foi publicada, foi vista com bastante ceticismo (usando um eufemismo aqui, claro). “Imagina, que absurdo…fazer 13x….” Neste exato momento, Pedro acaba de enviar carta semelhante. E eu recomendo fortemente que você leia, aqui. Podemos estar diante de um novo superciclo de valorização da bolsa e é melhor agir. Não acontece toda hora. É uma promessa? Claro que não. É uma possibilidade. É de possibilidades e hipóteses que deve tratar um bom analista. Isso que fazemos aqui.
231
Recuperando-se do tombo da véspera, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,9%, empurrado pela recuperação do preço do minério de ferro lá fora e por bons resultados do Itaú. Bolsas internacionais também mostram um pouco mais de tranquilidade, após assustarem-se ontem com tensão política causada por Trump e por avanço da extrema direita na França. Euro volta a cair hoje e dólar é destaque de alta no exterior. Yuan recua com reservas na China vindo abaixo de 3 trilhões de dólares, aumentando pressão sobre a moeda do país e suscitando temores quanto a novas medidas de controle de capital. Dólar também sobe contra o real, acompanhando desempenho no exterior. Investidores se mostram céticos sobre capacidade de câmbio furar o piso informal de R$ 3,10 no curtíssimo prazo. Juros futuros acompanham desempenho do dólar e apontam ligeira alta, ajustando-se a uma sequência de quedas. Agenda internacional é razoavelmente fraca, contendo apenas produção industrial na Alemanha, Balança Comercial nos EUA e crédito ao consumidor norte-americano, além de estoques da API. Internamente, IGP-DI apontou inflação ligeiramente abaixo do esperado, de 0,43%, contra 0,48%. Há interesse em fala de Ilan em evento sobre spread bancário. Na esfera política, atenção para nomeação de Alexandre de Moraes ao STF.
232
58 |
Em busca do heroísmo genuíno 09/02/17
O título acima é uma pequena demonstração de apoio a André Lara Resende. No momento, ele tem sido bastante criticado por levantar a hipótese, apoiado em literatura estrangeira da fronteira do conhecimento, de que, contrariando o fato estilizado canônico, juros baixos poderiam, sob determinadas circunstâncias particulares, serem causa de uma inflação mais baixa. Obviamente, a ideia desafia a intuição típica de que juros menores trariam, ceteris paribus, inflação maior. Nem estou aqui para afirmar categoricamente que o argumento ventilado por André Lara Resende está certo. Isso importa menos. Posiciono-me contrariamente aos ataques sucessivos que ele vem recebendo por simplesmente fomentar o debate. Não é uma questão se está certo ou errado. Dou de ombros para isso. Cabe ao verdadeiro pesquisador/pensador aventar hipóteses, questionar o senso comum, promover um conflito dialético de ideias atrás de uma síntese melhor. Sem o antagonismo, jamais poderemos avançar por superação positiva no embate de ideias. A liberdade de expressão deve ser preservada também – e principalmente – nos momentos em que ideias diferentes da sua são colocadas à mesa. É muito fácil dizer-se democrático quando o pensamento alheio converge para o seu. O narcisismo das pequenas diferenças. Há uma certa arrogância dos economistas de achar que temas como este devem ser discutidos apenas na academia, como se ideias complexas pudessem ser debatidas apenas entre si, pelos pares, pelos doutos supostamente mais capacitados do que os demais e pelos portadores de um conhecimento superior. A teoria deve emanar da prática, e não o contrário. Por isso, é fundamental o diálogo livre, aberto e recorrente entre sociedade e academia. 233
Se tirarem do real pensador a capacidade de provocar o status quo, mataremos a capacidade de avançar. Seria o fim da possibilidade de destruição criativa, empobrecendo o mundo das ideias e adotando uma prática ensimesmada de replicar o que já foi dito previamente. “Em busca do heroísmo genuíno” é um dos textos mais brilhantes que eu já li. É um ensaio filosófico profundo, algo raro de se alcançar por um economista. Ele aparece no livro Devagar e Simples, de André Lara Resende. Quem escreve a quarta capa desse livro é Eduardo Giannetti. Eu o encontrei por acaso na semana passada. É a segunda vez que nos esbarramos naquele mesmo restaurante. Com a cordialidade costumeira, ele perguntou: “E aí, animado?” Respondi: “Acho que está indo, né? Eu estou e você?” Ele: “Parece que agora há um túnel pelo menos. Antes, nem isso tinha para vermos a luz no seu fim.” Eu: “(risos) Pois é. A pinguela virou túnel. Bom almoço.” Ele: “Igualmente.” Em meados do ano passado, Giannetti fez um evento conosco em que ele já estava relativamente otimista. Seus comentários foram recebidos com algum ceticismo pela mediadora e pelo outro economista que com ele debatia. Na plateia, também todos pareciam duvidar daquilo. Acho curiosa a postura do mercado financeiro em relação ao Eduardo Giannetti, uma mistura ambivalente de admiração intelectual (alguns dos maiores gestores brasileiros têm o belo Valor do Amanhã como um de seus livros favoritos) com tom jocoso por sua brevíssima passagem pelo Banco Garantia. Com efeito, o mercado jamais vai entender o Giannetti. Por uma razão muito simples: ele é muito melhor do que o mercado. E Narciso acha feio o que não é espelho. Jamais poderemos aceitar alguém melhor, ética e intelectualmente, do que nós mesmos. Os ternos vazios da Faria Lima e do Leblon querem ressonar e repetir as próprias ideias – por isso, insurgem-se dessa forma beligerante contra o André Lara Resende neste momento. Todos se vestem igual, fazem as mesmas dietas, compram os mesmos relógios, almoçam nos mesmos restaurantes, praticam a mesma mahamudra e leem os mesmos 234
livros (os poucos que leem). Precisamos pertencer ao grupo. É melhor errar com todo mundo do que acertar sozinho. O que nos falta entender é que nossa maior função – o que separa bons e maus financistas – é a capacidade de bater o mercado. Por imposição da lógica, é impossível bater o mercado replicando as ideias do mercado! Daí precisaríamos valorizar a originalidade, em vez de tacitamente puni-la. Não à toa, os maiores gênios globais cada vez mais estão fora geograficamente do eixo financeiro central, usam roupas esquisitas, escutam trash metal (veja A Grande Aposta), não leem jornais e não usam sapato. Como entender Eduardo Giannetti? Aquele que tem como utopia alçar o Brasil às mesmas condições socioeconômicas de países desenvolvidos, sem que percamos a essência desta felicidade sem paralelos no mundo, a vitalidade iorubá filtrada pela ternura portuguesa. A ideia aparece sintetizada no brilhante Trópicos Utópicos, mas não é nova. Se você recorrer ao Roda Viva com o Caetano Veloso (está disponível no Youtube), encontrará lá Giannetti fazendo rigorosamente esta pergunta ao gênio: como combinar as forças apolíneas do processo civilizatório com o vigor dionisíaco da alma brasileira? Nós, que elegemos como deuses a ciência, a tecnologia e o dinheiro, do alto de nossa arrogância pós-iluminista, jamais poderemos admitir que um sujeito assim é melhor do que nós. Eu amo gente com ideias próprias, sem vergonha de expô-las ao mundo, para que sejam debatidas e escrutinadas abertamente, sem preconceitos. Para nossa tristeza, há poucos heróis restantes na Faria Lima.
Mercados brasileiros iniciam o dia perto da estabilidade, de olho no comportamento do exterior, também sem tendência definida, na falta de drivers novos. Petróleo e minério de ferro subindo ajudam a fazer predominar ligeiramente clima positivo. Ibovespa Futuro registra leve alta de 0,25% neste momento, dólar sobe 0,1% contra o real na esteira de seu desempenho frente às demais moedas emergentes e juros futuros oscilam
235
perto do zero a zero, ponderando prévia do IGP-M abaixo do esperado (0,10% contra expectativa de 0,30%) e ajuste muito rápido para baixo visto nos últimos dias. Agenda internacional é relativamente fraca, contando com pedidos de auxílio-desemprego e estoques no atacado nos EUA. Na Alemanha, temos produção industrial. PS.: Estamos em campanha de lançamento do Double X, um sistema proprietário feito para capturar oportunidades preciosas em ações de empresas de alta qualidade. Convido para conhecer o produto nessa condição especial de lançamento.
236
59 |
Tio Ray coloca os pingos nos is 13/02/17
“Love doesn’t come in a minute, sometimes it doesn’t come at all. I only know that when I’m in it. It isn’t silly, no, it isn’t silly, love isn’t silly at all.” Só hoje me dei conta que Paul McCartney não havia aparecido por aqui. Corrijo prontamente o absurdo tentando livrar-me do sentimento de culpa – após 13 anos de Colégio São Luís, é difícil superá-lo. Gosto muito do Ray Dalio, gestor da Bridgewater. Paixão antiga, construída por anos de observação à distância de um track record impressionante e de respeito às próprias convicções, sintetizadas no emblemático Principles, que eu inclusive já recomendei aqui. Mais recentemente, porém, o respeito aumentou de maneira significativa, por conta do texto The Fake and Distorted News Epidemic and Bridgewater’s Recent Experience With The Wall Street Journal. As palavras encontraram grande ressonância dentro de mim, com implicações práticas importantes para o investidor. E por isso trato do assunto aqui. Não sou do tipo de analista crente na perspectiva de que a soma de informação e conta gera boas estratégias de investimento. Essas duas coisas estão disponíveis a todos e, portanto, não podem gerar inteligência. A boa estratégia de investimento vem necessariamente de uma boa ideia. E ideia é algo disruptivo (para usar a palavra da moda), que irrompe com o status quo e nos empurra a uma condição nova. Ideias, porém, não surgem do nada. Elas precisam de embasamento. Tradicionalmente, a ordem natural das coisas é: informação, conta e ideia! Embora informação não seja hoje em dia um diferencial (desconsidero os insides, porque isso está contra as regras do jogo), ela está na base daquilo que virá a diferenciá-lo dos demais, que é a ideia. Por isso, é gigantesca a importância da mídia para o investidor, pois ela é a fonte maior de informação. 237
O artigo de Ray Dalio é uma resposta a reportagem publicada no Wall Street Journal sobre a Bridgewater e promove uma reflexão profunda sobre o papel da imprensa neste momento. Veja: não é uma questão do Wall Street Journal ou da Bridgewater especificamente. Certamente, a firma de investimentos em questão poderá sobreviver a esta matéria difamatória. Mesmo se assim não fosse, a sociedade poderia continuar sem grandes problemas com a destruição da Bridgewater. No entanto, dificilmente a sociedade, aberta e democrática, continuaria bem sem uma imprensa competente e responsável. Aí está o ponto nevrálgico. Antes de avançar, esclareço: isso não é um ataque generalizado ao jornalismo, muito menos às pessoas que nele trabalham. Há certamente jornalistas muito competentes, responsáveis e éticos no campo da economia no Brasil, entre os quais destacaria: Vera Brandimarte, Cristiano Romero, Cláudia Safatle, Ângela Bittencourt, Ribamar Oliveira, Toni Sciaretta, Monica Scaramuzzo, Marcos Coronato, Júlia Leite, Giulia Camillo, Karla Spotorno, entre outros. Esses são excepcionais. Como talvez você tenha percebido, há uma grande concentração de nomes do Valor Econômico – por isso, nutro ainda respeito e admiração pelo jornal. A proposta aqui é apenas de uma reflexão sobre a atuação da mídia na era da pós-verdade. Volto à questão central. O texto de Ray Dalio é brilhante, merecendo leitura integral. Destaco três pontos principais. Quando o repórter contou ao gestor de sua intenção sobre a matéria, Dalio prontamente percebeu que, mesmo antes da conversa e da pesquisa mais profunda, a reportagem já havia sido decidida na cabeça do jornalista. Dolosamente ou não (pouco importa), o repórter formara em sua cabeça uma imagem (no caso, negativa) da gestora. Novas informações, inclusive eventualmente capazes de refutar a opinião concebida a priori, pouco importariam. Dalio então se viu numa encruzilhada: colaborar com a matéria ou simplesmente ignorá-la. A primeira hipótese representaria uma chance de reverter a imagem negativa do jornalista, mas trazia o risco de, ao 238
participar com declarações próprias, legitimar uma matéria distorcida – além disso, Dalio, tentando ser transparente, daria mais dados sobre a Bridgewater e faria com que a matéria parecesse ainda mais profunda, quando na verdade era apenas um ataque difamatório. A alternativa implicaria compactuar, de imediato, com uma matéria necessariamente ruim sobre a Bridgewater. Com efeito, não há nada pior para o entrevistado quando ele percebe que o jornalista quer uma declaração “em on” para poder produzir boas aspas e passar a impressão ao público de que “olha, eu fiz meu trabalho, permitindo a ele passar a sua versão da história”. O jornalista bonzinho e ético contra a figura maquiavélica. No caso, o gestor optou por colaborar com o repórter, o que acabou sendo um desastre. Mais dados, mais declarações distorcidas e o desenho de uma figura ditatorial, draconiana e insensível, tudo sintetizado em Ray Dalio. Ele seria o grande responsável por uma pressão sobrehumana, por condições ruins de trabalho e por práticas impiedosas de exigência intelectual. Aqui há algo fundamental ao investidor. A leitura dos jornais deve ser feita de forma crítica, amparada num viés cético e no questionamento íntimo das reais intenções e motivações do jornalista. E não falo apenas de uma decisão deliberada de “ferrar aquela tal empresa”. Os vieses se dão em níveis subconscientes em muitos momentos. Jornalistas são seres humanos, como quaisquer outros. Por mais que se esforcem, ainda estarão, como todos nós, sujeitos às imposições do sistema 1 de Daniel Kahneman. O segundo ponto que gostaria de destacar do texto se refere à conclusão pelo jornalista de que a Bridgewater é uma empresa ruim para se trabalhar. Foram entrevistadas 10 pessoas, de um total de 1.500 funcionários e – boom! – pulamos para conclusões. Não há menor noção de significância estatística aqui. Há uma necessidade de se pensar as coisas probabilística e estatisticamente. O investidor erra, necessariamente, mas só precisa se preocupar com isso se é um erro grande e frequente. Ninguém acerta sempre. 239
O quanto aquilo representa de seu portfólio como um todo e de sua construção de patrimônio a longo prazo? Por fim, e aqui eu quase chorei lendo, a Bridgewater não é para todo mundo. Ray Dalio resume: “minha empresa é para ‘intelectual navy seals’”. É isso que eu queria pra mim. É isso que eu quero para a Empiricus. É isso que eu quero para você. Não há saída: se você quer retornos acima da média do mercado, terá de ler mais do que o mercado, dedicar-se mais, disciplinar-se mais, estudar mais. A alma católica penitente não nega: você precisará de alguns sacrifícios.
Mercados iniciam a semana estendendo otimismo recente. Minério de ferro continua rali, atingindo maior patamar em 30 meses com sinais de demanda forte na volta do feriado na China, o que espraia clima positivo sobre ações de commodities. Reunião entre Trump e Abe, com sugestões de cortes de impostos nos EUA, também foi bem vista. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,7%, dólar sobe ligeiramente contra o real após longa sequência de queda e juros futuros cedem, após relatório Focus mostrar expectativa de inflação abaixo do centro da meta (mais sobre isso abaixo). Agenda econômica é fraca nesta segunda-feira, sem referências de peso no exterior. Por aqui, além do Focus, somente balança comercial.
240
60 |
Esta informação não está disponível, ainda bem
15/02/17
Rola uma conversa curiosa no mercado. Segundo a mais profunda filosofia, aquela das mesas de bar (saudades do Samaro, muito mais legal do que o Tatu Bola), o perfil dos investidores guarda relação imediata com sua árvore genealógica. Não é necessariamente uma questão de genética. Se o sujeito é primogênito, então ele carrega mais arrojo e agressividade em suas estratégias financeiras. Já se é o caçula, tende a ser mais medroso e conservador. Não sei se é verdade. O mais provável é que seja apenas lenda. Nada contra: lendas são bem mais divertidas do que a comprovação científica, tradicionalmente enfadonha e apenas um disfarce sofisticado para se corroborarem vieses e interpretações preconcebidas pelo pseudocientista. Marretam-se os dados e o método até que eles confessem o que queremos. Então, publicamos, sob o mais inabalável formalismo da ciência, as conclusões que já tínhamos antes. Cqd. Confesso gostar dos perfis psicológicos. Li com interesse, por exemplo, pesquisa recente apontando como herdeiros tendem, na média, a apurar retornos abaixo dos chamados “self made”, da turma que veio do nada. De novo, jamais saberemos se é verdade, mas há alguma intuição para isso. A síndrome de querer superar o pai rico, por construção, sempre difícil, combinada a uma certa “vida mansa”, sem as intempéries da pobreza e a perseverança que delas emergem. Ou, sei lá, talvez eu apenas torça para ser verdade, por razões pessoais – se for pra valer e considerada a herança lá em casa (de dívidas), conto com uns centímetros de vantagem. Brincadeiras à parte, acho mesmo que as questões psíquicas influenciam diretamente nossa postura diante dos investimentos. Conto uma experiência pessoal. Eu sempre tive uma obsessão pela questão do desconhecido. Desde criança, morria de medo da morte, que eu 241
batizei, ajudado pela capacidade do Cláudio de sintetizar as coisas em imagens, de “a grande sombra”. Não era um medo de morrer. Era da questão da morte – talvez por isso considero o Woody Allen o maior de todos (“eu preciso trabalhar muito e fazer tantos filmes para distrair-me do medo da morte”). A morte é o desconhecido, o escuro, a perda total de controle. E – suspeito – o receio dela despertou, também ainda na infância, uma insônia poderosa. Não há dúvidas de que a maior invenção humana, comprovada cientificamente e publicada na Nature, é a melatonina em cápsulas! Dormir é, metaforicamente, entregar-se ao desconhecido e ao descontrole da atividade onírica. Meu pathos (note que, etimologicamente, a palavra vem de paixão, e é também uma referência imediata à patologia – o que seria a paixão se não uma grande doença?) é a obsessão pelo desconhecido. Isso se traduz direta e profundamente em minhas estratégias de investimento e, possivelmente, seja o que mais distingue a Empiricus dos demais analistas de mercado (com exceções, claro). Normalmente, os financistas pegam as informações disponíveis, montam suas planilhas em cima daquilo e concluem pelo valor justo de determinado ativo. Se aquele valor justo está muito acima dos preços atuais em Bolsa (é fundamental que você entenda a diferença entre preço e valor justo), o sujeito compra. Se está abaixo, ele vende. Nada diferente do descrito pelo acrônimo WYSIATI, formulado por Daniel Kahneman. “What You See Is All That Is”. Ou: o que você vê é tudo que existe. Atribuímos peso total às informações disponíveis, negligenciamos as indisponíveis e… pluct, plact, zoom! Pulamos direto para as conclusões. Eu estou preocupado com as informações indisponíveis. Com o que ainda não é, mas pode ser. É essa capacidade de imaginar o que ainda não está aí que vai diferenciar o bom do mau investidor. Planilhar o conhecido todos sabem fazer. É matemática ginasial e – espero – isso todos conseguem fazer (alguns com certa dificuldade, né Andrezão?). 242
Para transitar no desconhecido, é preciso certa humildade. Por definição, nós não o conhecemos. Não se trata de enxergar com nitidez sob luzes apagadas. É de conviver com aquilo, cientes de que, no escuro, podemos esbarrar em vários obstáculos e destruir nosso dedo mindinho do pé na quina da cama. Há de se abandonar o desejo de controle e apenas caminhar por aquilo, com a devida serenidade e proteção. As coisas são mesmo curiosas. Os filhos únicos são primogênitos e caçulas ao mesmo tempo. Sendo assim, convivem beligerante e internamente com as forças ambivalentes do arrojo e da bunda molice de maneira simultânea? Se for, isso explica minha paixão patológica (perdoem a redundância) pelo tail hedging de Mark Spitznagel, uma reunião aparentemente conflitante de muito risco de um lado com uma porção de seguros-catástrofe (boa dose de proteção) de outro. Tenho procurado fazer a tradução do método para a vida real na Carteira Empiricus. Tenho dado bastante sorte, e o portfólio sobe 6,5% somente em 2017, muito acima do CDI e da indústria de fundos multimercado. Para esta semana, acabo de propor mudanças para alinhar ainda mais a carteira à abordagem de tail hedging (vamos atrás de mais seguros; obediência à filosofia!). Peço licença para uma recomendação de leitura. Isto deveria estar na reforma educacional do governo Temer… Obrigatoriamente (nada menos do que isso), deve-se ler a carta de 20 anos do fundo Verde (aqui está o link: http://bit.ly/2lZIFbj). Aula de história, política, economia e investimentos. Atenção especial para as expressões: retornos assimétricos (logo no primeiro parágrafo), black swan, hedge/seguro barato… Única ponderação deste humilde redator: dá pra perceber como as cartas de antes, escritas pela alma e de forma mais livre, eram mais legais. Elas fazem falta ao mercado de capitais brasileiro, tão carente de competência intelectual e de escrita (veja que Warren Buffett já relacionou a habilidade de redação como uma das maiores habilidades a se ter por um gestor). A dúvida levantada na última quinta-feira aqui neste espaço se o tail hedging do Verde era deliberado ou não está endereçada – para ser 243
sincero, ela já havia sido resolvida na segunda-feira, quando um colega me procurou na academia para esclarecer; aproveito o espaço para agradecer a gentileza. With a little help of my friends, sempre. Obrigado mais uma vez.
Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4%, acompanhando o tom predominantemente positivo das bolsas internacionais. Bancos estão entre as maiores valorizações. Discurso de Janet Yellen ontem foi recebido num primeiro momento com preocupação por tom um pouco mais duro e sinalização (suave) de necessidade de ajustar balanço inflado do Fed. Ações japonesas marcaram maior nível em 14 meses, com Fed reforçando tendência de iene fraco. Agenda é bastante pesada nos EUA hoje, com novo discurso de Yellen (desta vez na Câmara, com tendência à repetição das palavras da véspera), inflação ao consumidor, produção industrial, vendas ao varejo, atividade manufatureira na região de NY, estoques empresariais, estoques de petróleo e confiança das construtoras. Por aqui, decisão do ministro do STF Celso de Mello de manter nomeação de Moreira Franco é vista como vitória do governo Temer. Agenda econômica trouxe mais um dado positivo de inflação, com IGP-10 apurando alta de 0,14%, contra expectativa de 0,24%. Temos ainda fluxo cambial semanal, vencimento de contratos futuros de Ibovespa (o que pode agregar volatilidade aos negócios), pesquisa mensal de serviços e pesquisa CNT sobre aprovação do governo. BC manteve ritmo de rolagem de swaps. Dólar comercial registra leve queda contra o real e juros futuros não mostram tendência definida.
244
245
Parte 4 “Ele acabou em 2014, mas hoje tem a chance de renascer”
61 |
O que ninguém, além de Pedro Cerize, entendeu sobre a Bolsa brasileira neste momento
11/08/16
Estou um pouco mais técnico hoje. Desculpem. Todos nós temos nossos dias chatos. Dormi muito mal, atacado por uma dor de garganta impiedosa. Eu sei. Vocês não têm nada a ver com isso, mas alguém tem que pagar a conta. A vida não é mesmo muito justa. Conto com o Nimesulida para a retomada do bom humor. Antes de prosseguir, um esclarecimento que deveria ser desnecessário: os meus heróis são os meus heróis. E admiração não tem nada a ver com marcação a mercado. Bolsa brasileira está cara? Ah, certamente parece que sim. Os mais precipitados talvez pudessem dizer que nunca esteve tão cara. A 14,5x lucros, estamos em valuation recorde e bem acima da media de 11x. Uau, bora shortear? Calma. As margens de lucro estão na mínima histórica, em 30% da média. Sendo mais rigoroso, poderia argumentar estarem a 20% da média. Mas vou dar esses dez pontos percentuais de lambuja. Aqui entra a necessidade de um mínimo de coerência. Ao criticar a relação Preço sobre Lucros muito acima da média histórica, está, tacitamente, implícita a crença num processo de mean reversion (reversão à média). Então, seguindo a lógica dedutiva clássica (não é essa a essência do método científico?), se você acredita em reversão à média em termos de múltiplos, deve também fazê-lo no que tange aos lucros (se vale para o P/L, tem que valer também para o L). 247
O que aconteceria com a avaliação das ações brasileiras se a margem de lucro das companhias retornasse à média histórica? Essa métrica de P/L (preço das ações/lucro das empresas) da Bolsa brasileira cairia para menos de 4x. Touché! Precisamos simplesmente mais do que triplicar o preço das ações para voltar à verdadeira média, com tudo ajustado. Então, quem sabe assim voltamos finalmente para nosso famigerado trend de longo prazo em dólar. Hoje ele está distante, lá em cimão. Talvez isso tenha lhe soado uma conversa entre pares. Chata e estéril. Vou tentar traduzir: a Bolsa brasileira está muito mais barata do que parece pelas indicações mais triviais, que comparam os valores das empresas aos lucros correntes. Isso porque os lucros estão em mínimas históricas, castigados por anos e anos de Nova Matriz Econômica.
Mercados em compasso de espera por novos drivers, mas com predominância positiva. Bolsas da Europa se valorizam para o maior nível em sete semanas, em meio a resultados corporativos acima das expectativas, com destaque para Zurich Insurance Group e KBC Group. Wall Street também aponta para cima, embora com alguma cautela diante da queda do petróleo. Ibovespa Futuro pega carona no exterior e abre em ligeira alta de 0,1%. Preocupações de ontem com suposta derrota na Câmara envolvendo dívida dos estados se abrandam um pouco hoje - há um excelente editorial do Estadão sobre isso. Dólar, por sua vez, interrompe sequência de baixas, com BC voltando a atuar de maneira mais pesada. Diante da queda vertiginosa dos últimos dias, Banco Central ampliou oferta de swap cambial para 15 mil contratos, frente aos 10 mil anteriores. Juros futuros sobem ligeiramente, acompanhando dólar. Dia é de agenda fraca. Nada muito relevante por aqui. Nos Estados Unidos, temos pedidos de auxílio-desemprego e preços das importações. China solta produção industrial à noite.
248
62 |
Você ainda faz? 22/08/16
Quando Eric Clapton terminou seu mais recente álbum, ele sabia ter chegado a algo especial. O nome do disco surgiu espontaneamente: I Still Do (Eu Ainda Faço). Uau, que pancada! O sujeito tem 71 anos, é talvez o maior guitarrista vivo, chamado de deus da guitarra. Ele não precisava provar mais nada a ninguém, mas estava ali, foto tirada de frente na capa, mostrando que ainda faz. Para os gênios obstinados, não importa o passado, o que já foi feito até aqui. Interessa sua capacidade de fazer hoje, agora. O próximo riff é sempre o mais importante. Segundas-feiras são tipicamente problemáticas. Esta, em particular, é um pouco mais dura. Escrevo essas linhas sob influência de uma ressaca guerra. Tente me compreender, por favor. Domingo com festa do amiguinho da escola do filho é duro. E, sabe como é: deu duro, tome um Dreher. Se você é um financista, talvez entenda o que eu vou falar. Se você é um financista e as pessoas à sua volta sabem disso, então, com certeza, você vai entender. O crescimento da Empiricus tem suas mazelas... Você chega no buffet e já percebe as aves de rapina ampliando suas asas e enchendo os pulmões, ávidas por atacar a presa indefesa. Eu já sou tipicamente ruim para conversar com pessoas que conheço pouco. Tenho uma timidez infantil de difícil superação. Não tenho muito assunto e me constranjo em manter diálogos longos com gente desconhecida. É realmente angustiante para mim aqueles poucos segundos de silêncio ensurdecedor. Mas a situação aqui é pior, muito pior. Eu quero brincar com o João Pedro no brinquedão (esse não é apenas o superlativo de brinquedo; é aquele monumento montado nos buffets, cheios de obstáculos, em que as crianças gostam de subir e descer apostando corrida). Os outros pais querem falar de investimento. Ou, melhor, desejam uma consultoria financeira de graça. Tento me esquivar na piscina de bolinhas. Em vão. Apelo para os mini hot dogs, exigindo capricho na 249
batata palha – ora, com a boca cheia, eu não serei obrigado a responder, não é mesmo? De nada adianta. Não há saída além do vinho. Mais uma dose, é claro que eu tô afim. Eles insistem. Há uma roda de oito. Cinco são nossos clientes. Eu me assusto e acabo cedendo. Querem saber de tudo. Dólar, ações da Bombril (“ora, por que vocês não recomendaram?”), títulos da coroa norueguesa – onde foi parar aquele tempo em que falávamos de mulheres (ok, elas podem/devem falar dos homens também, sem sexismo, tá? E, claro, os homens que gostam também podem falar dos homens – por aí vai; você entendeu), política e futebol? Depois de passarmos por todos os ativos financeiros do mundo, ouvi: “você fez O Fim do Brasil, a Virada de Mão e, agora, o Contragolpe. O que você quer daqui pra frente?” Pensei por alguns instantes e, encontrando no meu íntimo mais profundo a resposta sincera, devolvi: “eu quero bater o CDI no próximo mês.” Se você deseja realmente ser um grande investidor/gestor/analista, interessa o seu próximo resultado financeiro. E veja: não é necessariamente pela grana. Repare nos grandes investidores. Os sujeitos são bilionários. Os caras estão garantidos por gerações e gerações. A partir de um determinado ponto, não é pelo dinheiro. É pela necessidade de provar a si mesmo – e a mais ninguém – que você ainda faz, ainda pode. Não há outra recompensa. O prêmio da virtude é a própria virtude. Qual é o meu barato do momento? Provar que o Brasil ainda faz. Após exatos dois anos do Fim do Brasil, dois anos do 7x1, podemos chamar o ouro olímpico sobre a Alemanha de um belo Contragolpe? Somos a Bolsa e a moeda de melhor performance no ano. As coisas certamente estão melhores. O Brasil ainda pode. Posso sentir a vitalidade iorubá pulsando novamente. Reitero o prognóstico favorável aos ativos locais, mesmo depois da disparada recente. Isso não significa, obviamente, que não haverá volatilidade e realizações de lucro no meio do caminho. Todos estão de ressaca hoje após os ganhos da semana passada. 250
Mercados iniciam a semana no vermelho. Sofrem com realização de lucros e temor em torno da política monetária norte-americana. Stanley Fischer, vice-presidente do BC dos EUA, sugeriu possibilidade de juros maiores por lá, ao dizer que a economia está perto de sua meta. O discurso ganha notoriedade às vésperas da participação de Janet Yellen em Jackson Hole, referência global de política monetária. Acompanhando movimento no exterior, Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,5%, enquanto dólar sobe 0,3% contra o real. Juros futuros alternam perdas e ganhos, de olho na atualização do relatório Focus e no comportamento do câmbio. Mercados interpretam também ofensiva do governo em prol do ajuste fiscal, o que envolve entrevista de Henrique Meirelles à Veja e road show sobre a PEC do Teto de Gastos. Noticiário político sugere suspensão das negociações para delação da OAS, após vazamento de assuntos na fase pré-acordo, ferindo cláusula de confidencialidade. Agenda internacional é fraca hoje, concentrada em referências da atividade de Chicago. Todos estão ansiosos mesmo por Jackson Hole. Minha sensação é de que os juros seguirão baixos por muito tempo lá fora. E isso deve seguir alimentando fluxo intenso para mercados emergentes, conforme tem sido nas últimas semanas. Embora haja ótimas oportunidades na Bolsa, os ganhos mais óbvios e intensos estão hoje na renda fixa. É por isso que preparamos um material muito especial a respeito. Atendendo a pedidos, hoje estamos focados em títulos isentos.
251
63 |
O fim de uma vida financeira seca 25/08/16
“Arrancou as botinas de vaqueta, tirou as meias, libertou-se do colarinho, da gravata e do paletó, enrolou tudo, fez um travesseiro, estirou-se no cimento, puxou para os olhos o chapéu de baeta. E adormeceu, com o estômago embrulhado.” Se eu tivesse de escolher um escritor brasileiro favorito, seria Guimarães Rosa. Ele escreve sobre as coisas que mais me interessam, da forma que mais me interessam. Fala com a simplicidade de um jagunço enquanto aborda os temas mais essenciais e universais da vida. Filosofia com profundidade e simplicidade, ao menos tempo – e, você sabe, a simplicidade é a maior das sofisticações. Sou completamente apaixonado por esse homem. Intelectualmente apaixonado, melhor esclarecer. Mas devo admitir: Graciliano Ramos é mais preciso com as palavras. Em seus textos, parece haver só um vocábulo capaz de descrever cirurgicamente cada situação – e ele será escolhido devidamente. É dele o parágrafo inicial, retirado de Vidas Secas. Para descrever o alívio e a superação da angústia, ele narra cuidadosamente o afrouxar da gravata pela sua personagem central. A angústia é a sensação caracterizada justamente pelo sufocamento, pelo peito apertado, pela ansiedade. Nada mais sufocante do que uma gravata apertada, filosófica, imagética e pragmaticamente. Buscando alguma forma minimamente precisa para caracterizar o início do julgamento final do impeachment da presidente Dilma, voltei à cena do afrouxamento da gravata. Enfim, um alívio. O fim da angústia que nos acompanhava há anos. Algo novo vem a partir de agora, certamente muito superior ao observado previamente. Seria um caminho sem ambiguidades e tropeços? Obviamente, não. A realidade é um equilíbrio instável entre vitórias e derrotas. A perfeição pertence apenas aos exercícios de otimização de microeconomia. Dionísio e Apolo, mania e depressão, yin e yang. 252
As ambivalências são a essência da natureza humana. Pensando com um pouco de afastamento e uma perspectiva histórica mais ampla, o que representa o fim do lulopetismo? Trata-se, então, de condição suficiente para atração do fluxo de recursos estrangeiros, que, inclusive, vinha negativo nas últimas semanas? Também não. Mas é uma condição necessária. Sem isso, nada feito. A partir de hoje, podemos pensar mais focadamente na PEC do Teto de Gastos e na reforma da Previdência. E quem sabe Lula não é posto para fora da disputa em 2018 por uma ofensiva da Lava Jato... isso seria um belo trigger para os mercados. O ajuste fiscal não é um projeto deste governo; é um projeto de Estado. Precisamos ter vários governos comprometidos com isso. Os ativos financeiros adorariam ter a certeza de que não há risco de retorno da Nova Matriz Econômica em 2018. A volta de Dom Sebastião, el-rei, é esperada até hoje em Portugal. Finalmente, poderemos gozar um pouco do famigerado efeito-certeza, apropriadamente estudado por Daniel Kahneman e Amos Tversky em sua Teoria Prospectiva. Numa explicação grosseira e rápida, quando a probabilidade de ocorrência de um evento passa de 95% para 100%, há uma reavaliação desproporcional pelos agentes econômicos. Em outras palavras e focando em nossa variável de interesse, quando a chance de algo positivo acontecer passa de 95% para 100%, os preços dos ativos sobem muito mais do que se a caminhada fosse de 90% para 95%.
O efeito-certeza faz o Brasil respirar aliviado. Lá fora, porém, a angústia continua. Os engravatados de Wall Street estão ansiosos à espera do discurso de Janet Yellen em Jackson Hole. Desde 2010, quando de sinalizações em prol da segunda rodada do afrouxamento quantitativo, não se aguardava com tanta expectativa o encontro. Ninguém quer tomar posições antes de possíveis indicações de que o juro pode subir antes nos EUA. Futuros de Wall Street recuam sob clima de cautela. Na Europa, queda inesperada no sentimento dos empresários alemães impõem aversão a risco adicional, levando os índices de ações à primeira queda em quatro dias. Suposições de que o governo chinês pode adotar medidas para conter a atividade especulativa também entram no radar. Por aqui, além do julgamento final do impeachment da presidente Dilma, mercado di-
253
gere aprovação célere da DRU, dados do Caged (expectativa de fechamento de 90 mil postos de trabalho), sondagem do consumidor da FGV e nota de crédito do BC. Agenda norte-americana reserva encomendas de bens duráveis, pedidos de auxílio-desemprego, dados do setor de serviços e atividade na região do Kansas. Em compasso de espera, mercados locais iniciam o dia próximos à estabilidade. Dólar e juros futuros estão perto do zero a zero. Ibovespa Futuro cai ligeiramente, -0,2%.
254
64 |
Você precisa se manter vivo se pretende recomeçar
31/08/16
Há um elemento importante no desenvolvimento financeiro de qualquer pessoa: path dependence. Ou seja, o processo depende da trajetória. Suas escolhas no mundo dos investimentos não são comutativas. Aqui, a ordem dos tratores altera o viaduto. Ganhar um milhão e depois perder um milhão é bem diferente de perder um milhão e depois ganhar. O primeiro caminho, basicamente, faz-lhe voltar ao mesmo lugar, com direito a alguns momentos de felicidade no meio do percurso, para posterior depressão. O segundo produz dívidas, momentos de desespero, inimizades e, por vezes, a incapacidade de seguir no jogo. Aprendi isso da maneira mais dura. Para um menino teimoso e excessivamente jovem para suas responsabilidades, “the hard way is the only way”. A escola da vida pode ser excessivamente impiedosa, mas oferece uma vantagem: suas lições são inesquecíveis. Quando você vê até a qualidade do guardanapo da sua casa caindo, pode ter certeza: você não vai esquecer. A construção de patrimônio sofre de histerese. Se você passa por um choque muito grande, preserva a deformação causada pelo estímulo inicial. Meu pai costumava dizer que Bolsa tem todo dia. Ou seja, sempre há uma suposta sensação de que o amanhã surge como uma nova chance. Platonicamente, é verdade. Mas, na prática, você precisa estar vivo para poder jogar a próxima rodada. Se você não dispõe de mais recursos para apostar, você está simplesmente fora do jogo. Por isso, insisto tanto na necessidade de, mesmo nos momentos de otimismo ou até de euforia, acumular alguns bons seguros em seu portfólio. Eles podem lhe salvar nos períodos mais duros, quando as coisas não caminham conforme o esperado. Acima de todas as exigências, há uma inexorável: você precisa se manter vivo, física e financeiramente. 255
Vale para o âmbito individual e também para o escopo macro. A economia de um país também sofre de histerese. Ao menos em alguma instância. A partir das 11h de hoje, temos a chance de recomeçar o País. Ele acabou em 2014, mas hoje tem a chance de renascer. A votação final do impeachment da presidente Dilma é condição necessária para isso. Não quero dizer com isso que tudo está resolvido. Na verdade, ao contrário: temos a possibilidade de começar a resolver as coisas. Mas, para quem flertava com o abismo há um ano, é um bom início. As cicatrizes da Nova Matriz Econômica, porém, continuam. (Re) nascer e morrer também não são comutativos. Partimos de uma indústria destruída (parte dela não volta pois simplesmente faliu), de mais inércia inflacionária e, principalmente, de uma herança maldita em termos de dívida pública. Há um longo caminho a percorrer, mas precisamos começar de algum lugar. Esta quarta-feira é, sim, um dia histórico. E devemos olhar para isso com o devido afastamento. Temos a possibilidade de voltar a namorar a enorme liquidez internacional, empoçada em taxas de juros negativas nos países desenvolvidos. Ao impeachment, devem se seguir sinalizações contundentes em prol do ajuste fiscal. Nesse sentido, há ao menos uma boa notícia hoje. Segundo o jornal Valor, governo encaminhará proposta da reforma da Previdência ainda em setembro. Depois de derrotas e ambiguidades nas últimas semanas, o governo Temer realmente precisa de um compromisso material com o ajuste fiscal. PEC do Teto dos Gastos e reforma da Previdência são o que realmente interessa. Também no Valor, há notícia de que o presidente Michel Temer pretende trocar o ministro do Planejamento. Não troque, não. Acabe com isso de uma vez. O planejamento é a antítese da livre-iniciativa, da tentativa e erro, do serendipity. Encerre isso e deixe que os mercados elejam naturalmente os vencedores. Planejar a priori as políticas vencedoras flerta com o dirigismo arcaico e ineficiente. 256
Agenda econômica está recheada hoje – uau, mas que dia! Começamos com queda do PIB um pouco maior do que se estimativa no segundo trimestre: -0,6%, contra expectativas de -0,5%. Temos ainda Orçamento detalhado de 2017, dados consolidados do setor público e Copom à noite - consenso aposta na preservação da Selic e aguarda eventuais sinalizações para o futuro. Tenho acompanhado as decisões e comunicações do Copom com particular interesse, principalmente depois que a Marília identificou A Oportunidade da Década para ganhar dinheiro na Renda Fixa. Vale conferir. Lá fora, ADP Employment apontou criação de 177 mil novos postos de trabalho nos EUA, em linha com as projeções. Dado ganha importância às vésperas do Relatório de Emprego, na sexta, um dos maiores balizadores da política monetária norte-americana. Estoques de petróleo, ISM de Chicago e vendas de casas pendentes completam a agenda nos EUA. Na Zona do Euro, inflação ao consumidor veio em 0,2%, enquanto taxa de desempregou marcou 10,1%. Já no Japão, produção industrial ficou estável, contrariando estimativas de alta de 0,8%. Mercados brasileiros aguardam definição do impeachment com ligeiro otimismo. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,3% e juros futuros cedem. Dólar cai 0,2% contra o real. Volatilidade pode ser um pouco maior no câmbio por definição da PTAX ao final do mês. Banco Central confirmou dois leilões de linha, num total de 3,3 bilhões de dólares para rolagem. Não há leilão de swap cambial reverso previsto.
257
65 |
Para o seu bem, não leia os jornais hoje 01/09/16
Vício é mesmo uma coisa marvada. Logo pela manhã, por mais que me esforce, não resisto a uma boa dose de raulseixismo: “não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz.” Se você quer ter uma interpretação minimamente adequada sobre a decisão do Copom na noite da última quarta-feira, por favor, não leia os jornais da imprensa supostamente especializada hoje. Veja: não é uma questão de estar contra essa gente. É por estar a favor do investidor, que pode se deparar com uma matéria errada e tomar decisões que lhe rendam prejuízos financeiros importantes. Não podemos permitir isso. Se você vê uma fraude e não grita sobre ela, você também é uma fraude, diria Taleb. O Valor Econômico diz assim: “Banco Central sinaliza que juro não cai tão cedo”. E a Folha, com a mesma precisão cirúrgica e uma linguagem igualmente criativa, atesta: “Banco Central indica que juros não devem cair tão cedo.” Aos fatos. O BC, amplamente conforme o esperado, decidiu manter a Selic em 14,25% ao ano. Ok, sem novidades. Mas a autoridade monetária retirou a sentença que sugeria não haver espaço para cortes no juro básico. Ou seja, antes não havia espaço para redução da Selic. Agora, passa a haver – evidentemente, condicionado a certos fatores, devidamente explicitados por Ilan: contenção de efeitos secundários do choque de alimentos, maior convergência das expectativas para a meta de inflação em 2017 e sinalizações um pouco mais tangíveis de consolidação fiscal. E se as palavras acima não o convenceram da postura mais inclinada ao corte de juros, deixe o mercado falar por si: parte intermediária da curva de juros cai mais de 15 pontos-base nesta manhã, mostrando clara interpretação de que os comentários do Banco Central sinalizam juros menores à frente. 258
Ponto para a Marília, que acaba de identificar a Oportunidade da Década na renda fixa. Touché: o texto do BC atende precisamente suas convicções e reforça na veia o racional. Rolam conversas por aí de que os acertos da Empiricus decorrem da sorte. Pode ser que seja isso mesmo. Se ela está há sete anos conosco, que continue por mais sete. Voltando a Raul, quem sou eu para querer ir de encontro ao azar. Reconheço o quanto a aleatoriedade tem nos ajudado. Eu não sou besta de tirar onda de herói, sou vacinado eu sou cowboy.
Otimismo da manhã de quinta-feira não se limita ao mercado de juros futuros. Indicadores oficiais da atividade industrial na China vieram acima do esperado, mais precisamente em 50,4 pontos, empurrado ações, metais e moedas emergentes em nível global. PMI do Reino Unido também mostrou comportamento favorável, afastando preocupações com efeitos do Brexit. Completando agenda internacional, temos ainda hoje nos EUA PMI Markit, ISM, pedidos de auxílio-desemprego e gastos com construção. Por aqui, IPC-S apontou inflação de 0,32%, levemente abaixo do esperado. Ainda aguardamos dados da CNI, Fenabrave e balança comercial. Ibovespa Futuro abre em ligeira alta de 0,2%. Dólar cai 0,1% contra o real. Basicamente, acompanham movimento favorável no exterior e sinalizações do Copom. Esperada queda da Selic também atende muito bem os racionais da Carteira Empiricus para setembro. Em agosto, tivemos mais um mês acima do CDI, o 13o dos últimos 14. Voa passarinho!
259
66 |
A terceira margem do rio dos investimentos
02/09/16
Todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Paro e penso: talvez eu seja o último romântico. Sou de outros tempos. Um velho careca de 30 e poucos anos. Para mim, na Bolsa não existem Fibria, BRF, Engie... Eu olho as cotações na Bloomberg e leio Papel Simão, Sadia e, como poderia esquecer delas, Globo Nabo. Quanto dinheiro eu perdi com aquelas PLIM4... Talvez, porém, seja só maluquice mesmo. Se é loucura, então, melhor não ter razão. Mas, na minha época, a gente gostava de crescimento econômico, ciclo de commodities (ah, eu também lembro das Caemi, dessa vez com alegria), aumento dos lucros corporativos. Esse tipo de coisa, sabe? Era para isso que a gente torcia. Hoje, não. Somos do contra, adeptos do quanto pior melhor. Típica coisa de golpista. Há um único jogo na cidade: a liquidez alimentada pela ração dos Bancos Centrais em nível global. Só isso interessa. Meus inimigos estão no poder. Juros muito baixos por muito tempo, com liquidez abundante, me dão um certo arrepio. A esta altura, alguém já deve ter feito besteira por aí e, cedo ou tarde, vai aparecer uma baleia boiando nos litorais deste Oceano Atlântico. Mas, no tempo da alta frequência em que longo prazo são seis meses, quem se importa? Sinto como se o tempo parasse hoje às 9h30 para todos acompanharem o relatório de emprego nos EUA. Não há nada mais importante. O documento baliza o futuro da política monetária norte-americana. O grande temor é de que números muito fortes possam despertar os falcões do sono profundo e emplacar uma alta da taxa básica de juro em setembro e, potencialmente, outra em dezembro. Saravá, São Jorge, ele vai nos ajudar! Vamos torcer para um dado ruim, para que haja menor 260
geração de postos de trabalho e mais gente desempregada – arre, onde é que há gente neste mundo? Esse sincretismo com os deuses banqueiros centrais é um perigo. A maior preocupação dos mercados emergentes, Brasil incluído, obviamente, é de que uma subida mais vigorosa dos juros nos EUA possa interromper o fluxo favorável dos últimos meses. Resumindo, temos que fazer uma fezinha em favor da frustração das expectativas na criação de postos de trabalho nos EUA. E, claro, o Employment Report também não pode ser ruim a ponto de levantarmos a hipótese de que voltamos a flertar com um ambiente recessivo, sobretudo após os dados muito fracos do ISM ontem. É difícil agradar esta gente.
Enquanto aguardam as importantes referências do mercado de trabalho norte-americano, mercados globais esboçam ligeira alta. Nada significativo, porém. Há um certo comedimento à espera do payroll. Somente depois poderemos destravar as coisas, para um lado ou para o outro. Há outros indicadores capazes de servir-nos de terapia ocupacional enquanto isso. Produção industrial brasileira veio levemente acima das projeções, em alta de 0,1%, contra prognóstico de estagnação. IPC-Fipe também veio um pouco acima do esperado. Juros futuros reagem aos indicadores com pequena alta. Para esgotar as referências domésticas, terceira prévia da carteira teórica do Ibovespa voltou a apontar Cesp fora do índice. No exterior, balança comercial e encomendas à indústria completam a agenda norte-americana. Ibovespa Futuro abre em leve alta de 0,2% e dólar sobe 0,1% contra o real.
261
67 |
Aposte centavos para ganhar dólares; nunca o contrário
08/09/16
Nós que aqui estamos por vós esperamos. Pois é. De repente, não mais que de repente, cá estamos nós nos 60 mil pontos, desafiando o ceticismo consensual. As coisas acontecem, não é mesmo? CSN saiu de R$ 3 para R$ 9. Petrobras saiu de R$ 4 para R$ 14. E o pior: era cara a R$ 4, ficou barata a R$ 14. Se a evolução do preço dos ativos financeiros seguisse uma distribuição normal (aquela em forma de sino, tal como se distribuem peso e altura da população), a quantos desvios-padrão estaríamos da média? Qual seria a probabilidade de isso acontecer? Ninguém imaginaria, não é mesmo? Então lhe pergunto: devemos ser céticos sobre nosso ceticismo? Deve um regime democrático dar espaço para vozes não democráticas? É adequado dar ao terrorismo o mesmo tratamento institucional? Em outras palavras, isto é o Paradoxo da Tolerância, de Karl Popper: “tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.” Mais aplicado ao nosso ambiente, quem regula o órgão regulador? E, por fim, quem garante o Fundo Garantidor de Crédito? Até que ponto o FGC estaria realmente preparado para cobrir uma crise sistêmica? Eu sinceramente não sei. Mas, com a Bolsa voltando aos 60 mil pontos, posso voltar a falar de ações sem tanto constrangimento. Não sou mais um pregador no deserto, tampouco me pareço com um alienígena. Aos 80 mil pontos, com o William Bonner anunciando novo 262
recorde, aí, então, será mais fácil. Todos vão querer saber da renda variável; aí, porém, será a hora de sair. Compre barato e venda caro; essa é a lição elementar de finanças que a pessoa física, na prática, insiste em desafiar, infelizmente. Gosto de bolsa porque você aposta centavos para ganhar dólares, em vez de apostar dólares para ganhar centavos, supostamente garantidos pelo FGC.
Ibovespa volta do feriado testando sua capacidade de se manter acima dos 60 mil pontos. Primeiros negócios apontam pequenas variações, com mercado digerindo decisão do BCE de manter taxa de juro e programa de estímulos inalterados. Houve certa frustração por parte daqueles que esperavam nova flexibilização, mas Mario Draghi fala às 9h30 e pode mudar um pouco ao sugerir medidas à frente. Euro sobe com certa força contra o dólar, que perde contra as principais moedas em reação ao BCE. Dinâmica é a mesma vista na comparação com o real. Mercados emergentes voltam a apontar alta – seu índice de ações sobe pelo quinto dia seguido. Desempenho acima do esperado das importações na China e alta do preço do petróleo ajudam a empurrar moedas e ações emergentes. As importações chinesas cresceram 1,5% em agosto, frente à expectativa de recuo de 5%. Ainda na Ásia, PIB japonês revisado apontou incremento de 0,7%, superando estimativas de alta de 0,2%. Nos EUA, agenda reserva pedidos de auxílio-desemprego e crédito ao consumidor. Por aqui, IPC-S (+0,34%) e IGP-DI (+0,43%) vieram um pouco acima das projeções, mas não assustam mercado de juros.
263
68 |
Prenda-me se for capaz 15/09/16
Pirotecnia, exageros e retórica histriônica à parte, há algo importante na denúncia do Ministério Público ao ex-presidente Lula sob a ótica pragmática dos investimentos: seus desdobramentos podem eliminar de maneira definitiva as possibilidades de sua eleição em 2018. Entendo que isso é, sim, catalisador relevante para os ativos de risco brasileiro, sobretudo a médio e longo prazo. Primeiro por uma razão pouco nobre: a verdade é que o mercado financeiro morre de medo do Lula. O sujeito abre a boca e todos saem vendendo com medo da volta da esquerda populista ao poder. E segundo, correlacionado ao primeiro, por conta do temor de resgate de uma política fiscal perdulária. O ajuste fiscal brasileiro não pode ser feito em apenas dois anos e meio. Assim, deixa de ser apenas um projeto de Governo, para, necessariamente, virar um projeto de Estado. Se há o risco de abandono da austeridade fiscal a partir de 2018, ninguém vai comprar Brasil com intensidade agora. Por isso, é importante Lula fora da disputa. Por conta da solidariedade alheia (e eu os agradeço por isso, verdadeiramente), hoje converso com muita gente. É uma das vantagens de a Empiricus ter crescido um pouco. Talvez seja a maior delas. Viramos uma espécie de hub de informações, compiladas junto às melhores cabeças do mercado, que, claro, são devidamente escrutinadas no momento posterior pela nossa própria equipe. Conversar com as pessoas certas é uma das coisas mais importantes para um analista de investimento. Se você não o faz, acaba falando com você mesmo. E aí a chance de discordância é bem menor. Eu até resisto a concordar comigo, mas não é fácil. As conversas consigo servem normalmente para reforçar crenças preliminares. Assim, sem a possibilidade de ser confrontado por um antagonista, perdemos a capacidade de avançar a partir de um processo dialético. 264
Sem ser exposto a novas ideias, novos processos e diferentes tipos de conhecimento, ficamos bastante limitados. O que eu tenho ouvido por aí? Há hoje um otimismo quase consensual entre os grandes investidores sobre ativos brasileiros. Não importa muito se estão em Bolsa ou em prefixados (a maioria vê uma assimetria maior e mais favorável nos juros), mas o recado é claro: risk on. Ou seja, vale a pena adicionar um pouco mais de risco às carteiras em busca de maior retorno. Escutei isso inclusive de pessoas que vinham há anos pessimistas com Brasil, certas de que quebraríamos (literalmente) caso o governo Dilma chegasse até 2018. Isso obviamente não quer dizer ausência de riscos, tampouco caminhada linear para cima. Haverá volatilidade, muitos sustos no meio do caminho. O mercado testa sua convicção a cada dia e o MTM (markto-market) não tem uma vírgula de consideração sobre sua ansiedade. Entre as ameaças maiores, China (muita dívida e uma transição capciosa de investimento para consumo), Fed, eleições nos EUA (35% de chance de Trump já é bastante preocupante) e fiscal por aqui. Além disso, o curto prazo pode ser especialmente desafiador, com a percepção de que a farra dos Bancos Centrais não pode continuar ad infinitum. A volatilidade vinha muito baixa e os ativos de risco brasileiros haviam subido rapidamente, o que abre espaço para uma natural correção. Nada, porém, capaz de alterar a rota mais estrutural para cima. Muita coisa boa já aconteceu nos últimos seis meses. Há um ambiente favorável a emergentes por conta da liquidez internacional e as coisas mais importantes da agenda política (PEC do Teto dos Gastos e reforma da Previdência) devem passar. Ou seja, ainda que o cenário tenha piorado na margem desde sexta-feira, havemos de comprar juro (parte intermediária da curva parece a favorita) e Bolsa (bancos são quase unanimidade). 265
A calmaria parece voltar aos poucos aos mercados. Bolsas internacionais têm um dia positivo. Europa vinha de cinco quedas e Wall Street também acumula perdas intensas nos últimos pregões. Sem novidades no front monetário, surge espaço para alguma caça a barganhas. Otimismo, porém, é contido por agenda carregada nos EUA, capaz de mudar tudo ao longo do dia. Temos inflação ao produtor, vendas ao varejo, produção industrial, NY Empire State, atividade na Filadelfia, pedidos de auxílio-desemprego e estoques de empresas. Uau, é muita coisa. E todos querem saber o ritmo da economia norte-americana às vésperas da temida reunião do Fed na semana que vem. Na Europa, também há referências notáveis, como inflação ao consumidor e balança comercial, além da reunião do Banco da Inglaterra. Por aqui, IPG-10 veio ligeiramente abaixo do esperado (0,36% contra 0,40% estimado). Há nova fase da Operação Acrônimo e dados de emprego da Fiesp no radar. Acompanhando clima mais favorável lá fora, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,5%. Dólar cai contra o real depois do rali recente e juros futuros cedem com alguma força.
266
69 |
Mais uma dose, é claro que eu tô a fim 21/09/16
Não há heróis no mercado financeiro. Com o brilhantismo que lhe é costumeiro, José Carlos Magalhães – eu não vou chamar de Zeca aqui para não transmitir a falsa ideia de proximidade – resumiu bem: vamos de toalha felpuda a pano de chão numa velocidade brutal. O gênio de hoje é o vilão amanhã – há raríssimas exceções daqueles capazes de transitar bem em todas as situações de mercados. Mesmos esses caras passam por situações difíceis no meio do caminho, impostas pela impiedosa marcação a mercado. Como paciência passa longe de ser uma virtude presente, os pequenos momentos de performance ruim dos melhores sujeitos são alvos de imediata cobrança e questionamento. Eu já errei muito no passado. E sei que vou errar, errar e... errar de novo. Tudo que tentamos fazer é acertar mais do que errar ou, até mesmo, aceitar errar mais do que acertar, contanto que a intensidade de um grande acerto compense por vários pequenos erros. Se for assim, sairemos vencedores no longo prazo. Para isso, é necessário aprender com a experiência pregressa malsucedida e tentar acertar na frente. A derrota tem a grande vantagem de deixar lições valiosas. E ela é importante para te deixar com medo de errar mais uma vez. O medo é um elemento importante para a construção sólida de patrimônio. O sucesso é gostoso demais em si mesmo e, portanto, não precisa oferecer nada além do próprio gozo. Meu trabalho é tentar guiá-lo por um ambiente instável, onde a incerteza nunca desaparecerá. Uma floresta sujeita às intervenções do imponderável, densa e de visibilidade baixa. Ontem, recebi um e-mail curioso do Rodrigo, que dizia assim: “Gosto da forma como usa as figuras de linguagem. Admiro seu eruditismo com ressalvas: do ponto de vista da linguagem, acho genial. Mas, às vezes, leio e penso em conceitos filosóficos. Pérolas aos porcos é um. O Gato de Cheshire é outro.” 267
Não concordo com pérolas aos porcos, mas confesso ter, imageticamente, o Gato de Cheshire como referência a ser perseguida. Quem sabe um dia chego lá... No livro Alice no País das Maravilhas, o Gato se apresenta como um companheiro para os momentos em que ela precisa de uma resposta sobre o que fazer – obviamente, insiro isso num contexto financeiro. O animal é uma das poucas – talvez a única – personagens da história capaz de manter um diálogo leve com a protagonista e explicar as razões essenciais de cada coisa. E, anedoticamente, é ele quem conta a Alice serem todos loucos naquela terra, de tal sorte que, se ela também está ali, provavelmente deveria ser ela mesma um tanto maluca – sim, eu me identifico com isso. A Empiricus tem um propósito claro, que é servir de companheira para uma travessia dura e difícil. Se eu recorro a metáforas, um pouco de filosofia e causos pessoais para isso, é por algumas razões. A primeira delas é mais pragmática: eu não sei fazer de outro jeito. A segunda é pela interpretação de que se aprende mais a partir de uma boa história do que por meio de gráficos, tabelas e equações – eu poderia vir aqui e cuspir tabelas dinâmicas, mas será que a mensagem chegaria ao interlocutor? Como afirmou Steve Jobs naquele já clichê discurso em Stanford, o ser humano gosta de aprender com histórias. E terceiro porque as imagens construídas na nossa mente são eternizadas. A linguagem do psiquismo é imagética, como muito bem definiu James Hilman quando comentava o Livro Vermelho de Carl Jung. Lembrando Winston Auden, “nós somos vividos por poderes que fingimos entender”. A voz passiva é fundamental aqui. Nós estamos sendo vividos. Hoje, em particular, somos vividos pela maior disposição a risco. Ela foi disparada pela decisão do Banco do Japão em não alterar diretamente sua taxa básica de juro e transferir o foco para o controle da curva de juro como um todo. A autoridade monetária deixou explícita sua intenção de manter a taxa de juro de 10 anos próxima a zero, que é basicamente o patamar atual. Além disso, o BoJ flertou com a possibilidade 268
de mais relaxamento monetário caso seja necessário à frente. A medida foi particularmente importante, num momento em que o mercado questionava a capacidade dos Bancos Centrais dos países desenvolvidos em continuar estimulando as economias. Ao que tudo indica, vamos para mais uma dose da ração diária dos BCs.
A notícia do Banco do Japão é relevante per se, mas vai além disso. Hoje também há reunião do Federal Reserve. A expectativa central é de manutenção do juro básico, mas teme-se alguma eventual sinalização mais dura para o encontro de dezembro. Com o Banco do Japão sendo favorável a novos estímulos, é difícil imaginar que o Fed desafie tão frontalmente os demais Bancos Centrais e assuma isoladamente uma postura em favor do aperto monetário. Sob esse pano de fundo, bolsas europeias sobem destacadamente, em linha com o comportamento dos futuros de Wall Street. Obviamente, todas as atenções se voltam para o Fed, à tarde. Há dados de hipotecas e estoques de petróleo completam a agenda norte-americana. Por aqui, somente fluxo cambial. Cena política em primeiro plano, com o ex-presidente Lula se tornando réu por corrupção no âmbito da Lava Jato. Seguindo desempenho externo, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,5% e dólar cai 0,4% sobre o real. Juros futuros registram queda destacada. A confirmar-se a política monetária mais branda também pelo Fed, é provável excelente comportamento de curto prazo dos ativos de risco. Evidentemente, o inverso é válido. Sergio Oba tem excelentes recomendações para você aproveitar no Empiricus Serious Trader.
269
70 |
No direction home 13/10/16
“Once upon a time” (houve um tempo em que), eu já tive alguma importância na Empiricus. Hoje não é mais assim. Sou quase irrelevante aqui dentro. Sinto-me como uma pedra que rola, um completo estranho, sem nenhuma direção para casa. “Como se sente?” Acho isso bom. A despersonalização e a institucionalização da cultura nem sempre são fáceis de conseguir num ambiente empresarial. Conforme as coisas evoluíram (e certamente há muito, mas muito mesmo, a evoluir à frente), processos rigorosos foram estabelecidos, pessoas muito competentes se juntaram ao time (hoje somos talvez a maior equipe de análise de investimentos do Brasil, incluindo aquelas dos bancos) e novas tecnologias foram incorporadas, facilitando o trabalho. Embora positivo, o processo não está livre de certo custo emocional. Por mais que cresçam, os filhos serão eternas crianças para os pais. E os pais, embriagados pela autoproclamação e pelo desejo de controle, preservarão a tendência de superestimar a importância na vida dos filhos. Ainda que racionalmente saiba da minha insignificância, depois de duas semanas fora do escritório, volto com certa ansiedade em saber se tudo ficou bem na minha ausência. Superar o desejo egoico e narcísico, mesmo sendo esse apenas um grande delírio obsessivo, exigiria mais do que duas horas semanais de análise freudiana. Para certo alento, me deparo de imediato com matérias no Brasil 247 e na Carta Capital criticando a Empiricus por seu apoio público à PEC do Teto de Gastos. Fomos parar até no Congresso, com a criativa (minha educação requer o eufemismo) economista Laura Carvalho, a convite da senadora Gleisi Hoffmann, apontando os “interesses do capital sendo defendidos na PEC 241 por meio de consultoria financeira.” Ah, que alívio! É a certeza de que estamos no caminho certo. Já virou um clássico: se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais. Agradeço a publicidade. 270
A essas pessoas, escapa o óbvio. Primeiramente, que a informação é antifrágil. É como a Hidra de Lerna – você tenta cortar-lhe a cabeça e nascem outras duas. Tentar coibir a informação apenas risca um fósforo e a faz pegar fogo, espalhando-a por aí na velocidade da luz. Alguém aqui conhecia o Charlie Hebdo antes do absurdo atentado a seus jornalistas? Além disso, outra coisa deveria ser evidente. A Empiricus se envolve nesse tipo de situação não pela questão política. Com efeito, ela pouco nos interessa diretamente. Fazemos ações como essa em defesa do investidor. Ele é nossa razão de existir. Somos verdadeiramente empenhados em ajudar esse sujeito – e, humildemente, arrisco dizer que não há precedentes na história brasileira de outra empresa ou entidade que o faça na mesma intensidade e abrangência. E, olha, nem é nosso mérito. Trata-se de um instinto de sobrevivência. É o investidor pessoa física que paga nosso almoço. Medidas em prol dessa figura são, em última instância, em prol de nós mesmos. Então, é por isso que vamos defendê-lo de maneira ferrenha, até nosso último suspiro, sem tergiversar. O caso da PEC do Teto é emblemático pois representa o primeiro passo material para nos afastar do abismo fiscal em que nos metemos a partir da também criativa (o eufemismo de novo) Nova Matriz Econômica. E se você leu o jornal Valor Econômico hoje (eu ainda tenho esse péssimo hábito), viu lá o sucesso do teto de gastos na experiência internacional. Mas há mais na PEC 241 do que julga vã filosofia. Muitos supostos especialistas dizem que a PEC é legal, mas importante mesmo será a Previdência. “Ah, aí sim vai ser difícil, pois se trata de um tema muito mais impopular. E a PEC sozinha não resolve nada.” Minha tese é diferente. Aprovar a PEC do Teto de Gastos é, quase automaticamente, aprovar também a reforma da Previdência. Aqui está o grande salto. A razão é muito simples: aritmética. Isso está escapando às pessoas – e é fundamental porque, quando o mercado financeiro como um 271
todo perceber isso, os preços dos ativos serão outros, rendendo ganhos gigantescos para quem se posicionou antes. Este movimento já tem beneficiado fortemente a Carteira Empiricus, por exemplo, com resultados muito acima de seu benchmark e de outras referências da indústria. Os ganhos da carteira de ações nela contida, por exemplo, ultrapassam +46% em 2016. Explico o argumento. Imagine o orçamento público. Vamos dividi -lo em gastos com previdência e gastos ex-previdência. Se há um teto para os gastos conforme estabelecido pela PEC 241, precisamos também fazer a Previdência crescer em ritmo parecido com os demais gastos, que, conforme a PEC, precisarão crescer até o limite da inflação do ano anterior. Caso contrário, se a Previdência não for reformada e seus gastos continuarem subindo muito acima da inflação, ela logo responderá por um percentual quase integral do orçamento público. Em alguns anos, não haverá mais recursos para saúde, educação, segurança – nem praquela ponte no interior do Pará sobre a qual os deputados estão sendo pressionados (isso é só um exemplo imagético para provar o ponto de que ninguém quer que Previdência roube todo o orçamento para si). Em resumo, a PEC por si já é muito importante. Mas ela é ainda mais relevante porque traz, implicitamente, a necessidade de aprovar-se a reforma da Previdência. Essa talvez tenha sido uma das sacadas mais geniais da equipe econômica. Não estou dizendo que o processo será fácil, linear e sem volatilidade. Afirmo apenas (e isso já é muito) que ficará simplesmente impossível não termos uma reforma da Previdência quando tivermos a PEC aprovada em definitivo. Caso contrário, o País será transformado numa grande Previdência. Não haverá nada mais.
Esse será um driver relevante para os mercados nos próximos meses. Hoje, porém, cenário internacional impõe algumas mazelas e faz predominar clima de aversão a risco. Na véspera, ata do Fed não trouxe grandes novidades e voltou a sugerir possibilidade de iminente subida do juro básico por lá.
272
Grande questão hoje vem da China, mais especificamente de suas contas externas. Importações caíram 1,9% em setembro, contra expectativa de alta de 1%. Exportações também cederam (-10%, frente a prognóstico de recuo de -3,2%). Dados são particularmente ruins para commodities e ações de mineradoras são destaque de queda na Europa. Agenda é relativamente fraca hoje. Nos EUA, temos estoques de petróleo e pedidos de auxílio-desemprego. China solta dados de inflação à noite. Por aqui, fluxo cambial mensal e discussão sobre projeto de repatriação. Acompanhando clima adverso no exterior, Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,7% e dólar sobe ligeiramente contra o real. Juros futuros estão perto da estabilidade. Essa volatilidade é importante pois gera oportunidades a serem capturadas. Já há ótimas relacionadas no Empiricus Super Trader. Essa é realmente uma super oferta, que encerraremos hoje. É questão de necessidade acessar essas oportunidades ainda nesta quinta-feira.
273
71 |
Até onde vai este rali? 24/10/16
Há uma grande dúvida corrente sobre a capacidade dos ativos brasileiros continuarem subindo depois do notável rali em 2016. Os céticos lembram, apropriadamente, que, negociando a 14x lucros, o Ibovespa estaria em sua máxima histórica de valuation. Ademais, salientam que a recuperação até agora se deu, exclusivamente, no âmbito da confiança. Os indicadores propriamente ditos ainda mostram um cenário de terra arrasada e, ainda mais, têm frustrado as expectativas de inflexão iminente. As empresas também vêm desenhando uma recuperação dos lucros lenta e mais tardia, enquanto os balanços seguem alavancados. Tudo verdade. A esses, porém, talvez tenha escapado a leitura da teoria da reflexividade de George Soros. Ou mesmo de Clarice Lispector – eu apostaria pesado de que essa última, realmente, lhes escapou. A ideia de Soros é, basicamente, de que não pode haver uma separação formal entre expectativa e realidade. Os agentes econômicos formam uma determinada concepção de futuro, que, por sua vez, influencia diretamente a realidade. Por sua vez, essa “nova realidade” afeta a expectativa no período subsequente, que volta a influenciar a realidade. E por aí vai. Cria-se um círculo vicioso de influência recíproca, em que o processo dialético transforma a expectativa num fundamento material em si. A dicotomia entre percepção e materialidade havia sido explicitada de forma mais poética por Clarice Lispector, em outro contexto, claro, mas que serve para dar-nos uma imagem (são elas, junto a histórias e pessoas, que acabam ficando em nosso psiquismo, e não uma planilha de Excel): “é curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.” 274
Em resumo, o processo é endógeno. A expectativa por um futuro melhor permite aos empresários voltarem a investir e aos consumidores retomarem algumas compras. O prognóstico de um horizonte ensolarado permite desanuviar a economia agora mesmo. No momento em que a Moody’s melhora a nota de crédito da Petrobras, investidores passam a exigir menor prêmio de risco para comprar ativos da estatal e ela pode negociar ativos sob menor pressão, permitindo reduzir ainda mais a alavancagem. E em ambientes complexos, há uma interdependência enorme entre os mais variados agentes. Temos aqui um evento sistêmico e não apenas idiossincrático envolvendo Petrobras. Um último esclarecimento sobre o valuation recorde. Há uma contrapartida imediata nas margens de lucros, que nunca estiveram tão depreciadas, em seu piso histórico. Se houver convergência de rentabilidade para a média, esse múltiplo Preço sobre Lucro será rapidamente dividido por três. Em adição, a liquidez mundial também é recorde – se você amplia a oferta de moeda e mantém constante a oferta de produtos (ativos financeiros, no caso), é natural ver o preço dos produtos subindo – isso não é bolha, é apenas um novo equilíbrio entre oferta de bens e de moeda. Aula 1 de política monetária. Esperamos ainda um longo ciclo de apreciação de ativos brasileiros, o que não significa, obviamente, ausência de riscos e volatilidade. Seguimos comprados, mas com uma boa dose de seguros.
Otimismo se estende à segunda-feira. Mercados globais começam em alta, empurrados por bons resultados da indústria na Zona do Euro e balanços corporativos. PMI da Zona do Euro anotou 53,7 pontos em setembro, contra 52,6 pontos do mês anterior. Da China também vieram boas notícias, com especulações de que governo possa ampliar gastos com infraestrutura e fazer reformar fiscais. Por aqui, destaque para redução das estimativas de inflação contidas no relatório Focus. IPC-S e balança comercial semanal completam agenda econômica doméstica. Governo se mobiliza em torno da votação em segundo turno da PEC do Teto de Gastos. E há certa expectativa pela ata da última reunião do Copom, a ser anunciada amanhã.
275
Lá fora, segunda-feira ainda reserva dados de manufatura nos EUA, além da continuidade da safra de balanços. Em linha com comportamento no exterior, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,64%, enquanto dólar cai 0,4%. Expectativa é de que últimos dias da possibilidade de regularização de recursos no exterior possa trazer fluxo adicional, potencialmente empurrando câmbio ainda mais pra baixo. Se apreciação cambial vier a se intensificar, pode ser, ao lado do recuo das expectativas de inflação, outro fator em prol da aceleração do corte na taxa Selic. Cada vez mais, os fundos DI estão sob ameaça. Recomendo a leitura hoje de nossa nota de falecimento.
276
72 |
Delfim Netto está errado 26/10/16
Eu falaria de outra coisa hoje. O calor das circunstâncias, porém, por vezes nos empurra involuntariamente para direções diferentes daquelas inicialmente projetadas. Somos vividos por poderes que fingimos entender. Eu tenho um ritual religioso de leitura de jornais pelas manhãs. Tenho de fazê-lo e redigir esta newsletter até às 9h30, para poder enviá-la aos leitores por volta das 10h. Às quartas, começo sempre pelas colunas de Antonio Delfim Netto na Folha. Leio com particular interesse, curiosidade e admiração intelectual. Delfim oferece conhecimento, erudição e uma bela escrita, além de ser um dos poucos a reconhecer os reais limites da ciência jovem. Logo depois, me debruço sobre os artigos do Schwartsman, sempre com sua análise rigorosa e sua linguagem ácida. Volto a Delfim. Dada a envergadura intelectual do sujeito, é sempre difícil discordar dele. Ainda pior, porém, é discordar de si mesmo. Em todas as vezes em que traí minha alma, ela se vingou, impiedosamente. Tranquilizo-me ainda mais pois, neste caso em particular, tenho um aliado de peso: Karl Popper. Sob o empurrão do argumento de autoridade, posso afirmar categórica e respeitosamente: Delfim Netto está errado. Em sua coluna de hoje na Folha de S.Paulo, o articulista afirma: “Esse fato mostra a importância da tolerância e do respeito aos não razoáveis.” Essa frase mostra um desrespeito ao Paradoxo da Tolerância de Karl Popper, devidamente descrito em The Open Society and Its Enemies: “tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.” 277
O argumento pode ser visto de outra forma a partir daquilo que Nassim Taleb batizou de Minority Rule and Renormalization (a regra da minoria e a renormalização), formalizado no artigo The Most Intolerant Wins: The Dominance of the Stubborn Minority (O mais intolerante vence: a dominância da minoria pretensiosa). Se você for a uma festa com a presença de alguns judeus, mesmo que sejam poucos, toda a comida poderá ser kosher. Os não judeus podem comer comida kosher, mas os judeus não podem ingerir comida não kosher. Não é um tratamento isonômico. A estrada é de mão única. Basta uma pessoa vegetariana para que, rapidamente, os hábitos alimentares de toda a família sejam alterados. Um único fumante num restaurante prejudica a respiração de todos os presentes. Muitas das decisões estabelecidas numa sociedade não vieram do desejo da maioria, mas, sim, da vontade de uma minoria estridente, barulhenta e inabalável. No mercado financeiro, também é assim. A marcação a mercado dos ativos não necessariamente reflete a percepção da média dos agentes econômicos sobre seu valor intrínseco. Basta um vendedor marginal mais agressivo para empurrar as cotações para baixo momentaneamente. Um único grande comprador atrevido serve, de forma análoga, de catapulta para os preços. A democracia não pode admitir conversas com ditadores. E essa é a atitude mais democrática possível, embora pareça paradoxal. No nosso regime, felizmente, as votações relevantes continuam sob a égide das determinações constitucionais. Quarta-feira reserva repercussão da aprovação em segundo turno da PEC do Teto de Gastos na Câmara. Placar foi de 359 votos a favor, o que mostra ainda amplo apoio à medida, mas inferior à votação prévia, gerando um ligeiro desconforto. Preocupa um pouco mais potencial crise institucional entre presidente do Senado e ministro da Justiça, com capacidade para eventualmente atrasar votações importantes no âmbito do ajuste fiscal. 278
Cenário traz certa aversão a risco para os mercados nesta quarta-feira, reforçada por ambiente externo ruim. Resultados e projeções da Apple foram vistos como abaixo do esperado, pesando sobre Wall Street. Em paralelo, pesquisa da Bloomberg mostrando Trump à frente de Hillary na Flórida estimula corrida em direção à segurança. Falei sobre meu “trade Trump favorito” no Palavra do Estrategista de hoje. Commodities recuam, com realização de lucros depois de rali recente e em meio a preocupações com habilidade de articulação para controle da oferta de petróleo. Na agenda doméstica, temos operações de crédito divulgadas pelo BC, sondagem do consumidor, INCC e IPC-Fipe, além de uma série de resultados corporativos. Nos EUA, saem estoques de petróleo, PMI serviços e vendas de casas novas. Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,6%. Dólar sobe 0,4% contra o real, acompanhando exterior, muito embora perspectiva de ingresso de recursos por repatriação impeça movimento mais pronunciado. Tomaríamos qualquer realização mais expressiva na Bolsa brasileira como oportunidade de compra. Carlos Herrera tem alguns segredos a lhe contar no Empiricus Insider.
279
73 |
Proclamação da República do Novo Brasil 03/11/16
Papai falava assim: “se você quiser entender o Brasil, não pode pensar no apartamento no Alto de Pinheiros. Precisa olhar pra isto aqui ó…” Ao som de Paisagem da Janela, do Clube da Esquina (repara como mineiro gosta de banda mineira), ele erguia o braço direito até a altura do ombro e, enquanto equilibrava o copo de whisky pressionando os dedos médio, anelar e mindinho na direção do polegar, apontava o indicador para a multidão da praça central, que podíamos observar serenamente da sala da falecida tia Marlene, em Senhora do Porto, no interior de Minas Gerais. A igreja, o coreto, o bar do tio Dacinho e a praça, lotada de gente. Em sua maioria, eram negros e mulatos, que divertiam-se ao som de música nordestina. Muitos sem camisa, bermudas jeans surradas e pés descalços, transmitindo desorganização, pobreza e, simultaneamente, felicidade. De certo modo, aquilo posteriormente me remeteria à utopia brasileira descrita por Eduardo Giannetti no Trópicos Utópicos: como conciliar o avanço civilizatório com a preservação da espontaneidade iorubá? Teríamos nós algo a ensinar para o mundo? Na época, eu não entendia muito bem o que meu pai queria dizer com aquilo, mas hoje penso em Senhora do Porto, com a mesma obsessão com que Sal Paradise pensava sobre Dean Moriarty em On the Road: “penso em Dean Moriarty. Penso em Dean Moriarty.” Aquele lugar onde eu religiosamente passava ferias compõe, como nenhum outro, minha formação ética e moral. Lá, afastado das obrigações rotineiras, eu podia dedicar-me ao essencial, ao encontro do verdadeiro Felipe, o menino que irresponsável e amedrontadamente pulava da ponte no rio, jogava bola na única quadra da cidade com os primos mais velhos e bebia cachaça no mesmo copo dos pedreiros que, durante a tarde, haviam trabalhado na casa da minha tia Eunice. 280
Talvez por isso eu seja um sujeito tão caipira. Se você me vir nos eventos do mercado financeiro, seja naqueles organizados pelos private bankings dos bancos de investimento ou mesmo pela Empiricus, fugindo das pessoas, saiba que não é por arrogância ou por achar que os outros não têm coisas relevantes a me dizer. Ao contrário. É por uma timidez insuperável que fica escondida embaixo da capa do personagem “estrategista”. E por uma introspecção implacável que me constrange para conversas com pessoas com quem nutro pouca intimidade. Mas por que estou falando disso? Meu primo Gláucio trabalha na prefeitura de Senhora do Porto – acho que é secretário de Cultura. Hoje, diz ele, é impossível você comprar uma caixa de lápis de cor 12 cores sem a devida licitação (ou seja lá qual for o termo técnico apropriado para isso; você entendeu a ideia), mesmo que a escola municipal esteja precisando urgentemente. Isso, claro, era impensável anos atrás. Menospreza-se o legado institucional da Operação Lava Jato, assim como tem sido subdimensionado o quanto o avanço da internet e de outros mecanismos tecnológicos impõem uma transparência intransponível. Menospreza-se o legado institucional do governo Temer. Nem tanto por mérito ou ética pessoal, mas por imposição. O sapo não pula por boniteza, mas por precisão. Na crise, é imperativo avançar. Jamais faríamos um ajuste fiscal profundo se não tivéssemos quebrado. A vitória traz relaxamento. A derrota força mais treino. Reitero argumentação anterior: a aprovação da PEC do Teto de Gastos é, simultaneamente, a aprovação da reforma da Previdência, por uma imposição algébrica. Com os gastos públicos totais se deparando com um limite (aquele do ritmo da inflação), ou a Previdência passa a crescer na mesma velocidade do que os demais gastos ou em pouco tempo abocanhará quase a totalidade do orçamento. Isso é evidentemente uma impossibilidade. E além da questão quantitativa associada à PEC, surge uma discussão qualitativa. Finalmente, trade offs serão colocados claramente à população. Teremos de escolher entre um gasto ou outro. Isso trará 281
uma eficiência muito maior para o gasto público brasileiro. Você gosta de Lei Rouanet? Claro, né? Cultura é importante. Mas você gosta de Lei Rouanet mesmo se ela significar menos hospitais e escolas para crianças carentes? Pela primeira vez na história brasileira, a questão fiscal passa a ser discutida com profundidade. E, sendo assim, retiramos pressão importante sobre a taxa Selic, que poderá cair, de forma estrutural e sustentável, para suas mínimas históricas. Tudo isso acontecendo num cenário mundial de juros zerados ou negativos e alta liquidez. Tudo isso num momento em que a América Latina se destoa do resto do globo, caminhando para uma política mais centrada e liberal. A latrina pode virar subitamente um polo atrativo do capital estrangeiro. Posso lhes antecipar: no próximo dia 15 de novembro, será proclamada a República do Novo Brasil. E ela nos traz otimismo.
No meio do caminho, porém, havia uma pedra. Havia mais de uma, pra ser sincero. A maior delas, por enquanto, atende pelo nome de Donald Trump. Pesquisas sugerindo um embate duríssimo contra Hillary Clinton mantém a aversão a risco em alta lá fora. Índice de ADRs brasileiro caiu 1,7% na véspera, com temor por eleição norte-americana, queda do petróleo em meio a alta dos estoques e sinalização do Fed de que juro básico deve mesmo subir nos EUA em dezembro. O comportamento força um ajuste na Bovespa nesta manhã. Mercados esboçam uma virada no momento em que escrevo, alterando sinais para o positivo lá fora, embora ações do Facebook sigam em forte queda após resultados e impeçam recuperação mais destacada. O sentimento negativo, porém, começa a ser dissipado, com investidores indo atrás de barganhas depois do derretimento dos últimos dias e uma longa sequência de quedas. Agenda internacional traz hoje reunião do Banco da Inglaterra, taxa de desemprego na Zona do Euro, PMI de serviços no Reino Unido e preços ao consumidor na OCDE. Nos EUA, temos pedidos de auxílio-desemprego, dados de serviços e encomendas à indústria.
282
74 |
É preciso coragem para ter medo 08/11/16
É preciso coragem para ter medo. Michel de Montaigne tem razão. Eleição presidencial norte-americana ocupa as manchetes. Todos querem saber: quem será o novo presidente dos EUA? Para o mercado, Hillary representa a continuidade das políticas atuais, garantia de previsibilidade e respeitos aos anseios de Wall Street. Trump é o contrário disso: o anti-establishment, a incerteza e coisas um tanto mais problemáticas. Chegam e-mails aos montes: “Quem ganha, Felipe?” Eu não sei. A rigor, ninguém sabe. Respondo isso e sou interpretado como defensor de uma postura niilista, como se não houvesse o que fazer. Não é verdade. O momento é uma representação pragmática de minha proposta. X não é f(x). Calma, não se assuste. Quero dizer o seguinte: não importa qual dos cenários vai se materializar. Nós nunca saberemos o futuro. Ele permanecerá opaco, incognoscível. Interessa a matriz de payoff (retornos potenciais). Como viver num mundo que não entendemos? Esse é o mote, pois o mundo continuará ininteligível. Nassim Taleb resolveu o problema da decisão sob incerteza. Sem saber a priori qual das possibilidades vai se concretizar à frente, você adota a estratégia que, ponderada pela probabilidade associada, lhe oferece o maior retorno possível e o menor downside. Assim, no longo prazo, você acumulará perdas e ganhos, mas sairá vencedor, pois há uma assimetria que lhe é favorável entre prejuízos e lucros. O importante aqui é sempre que uma perda não lhe traga a ruína, permitindo se manter vivo para uma próxima rodada. Isso vai garantir que, no longo prazo, saia com ganhos superiores às perdas. Qual o problema agora? Não está nada óbvio. A considerar cotações do mercado de opções, a probabilidade de vitória de Hillary é de 71%. 283
A candidata democrata tem mais chances de vitória e o upside associado a esse quadro, principalmente depois do grande rali de ontem, é limitado. Em contrapartida, Trump goza de menores chances, mas seu downside pode ser brutal – pra ser bastante sincero, não nutro grande medo disso; uma eventual pressão vendedora me pareceria muito concentrada no curtíssimo prazo, semelhante ao Brexit (mas nem é este o ponto aqui). Como atravessar o dia? Sigo comprado em ativos de risco, em especial porque veria o “efeito Trump” como centrado no curtíssimo prazo. Tenho, sim, medo de Trump. Mas confesso também ter de Hillary de sua representação deste establishment e da complacência de sempre. Ao mesmo tempo, porém, comprado em seguros. Você vai queimar algum dinheirinho (coisa pouca, aquela grana que você topa perder) para comprar dólar, ouro ou opções de venda. Assim, se protege de uma eventual catástrofe. Ou seja, você abre mão de um pequeno potencial de valorização (no percentual associado ao tanto de compra de seguros) em prol de muito mais segurança. Aqui volto a Montaigne (digressão rápida: note que escrevo meus textos copiando sua fórmula original de ensaios): é preciso coragem para ter medo. Você tem que ser peitudo pra abrir mão de algum potencial de valorização e comprar seguros que, provavelmente, não serão acionados. Ao mesmo tempo, toda essa coragem vem justamente de um medo maior de perder muito. Antes de prosseguir com as questões do dia estritamente, gostaria de pedir atenção para matéria publicada no Valor Econômico hoje, apontando problemas de investidores pessoas físicas com recomendações de agentes autônomos (http://bit.ly/2m3opqR). Duas coisas importantes aqui. Primeiro: cuidado com recomendações permeadas por conflito de interesses. Os bancos querem taxas de serviços e produtos caros empurrados no cliente. As corretoras ganham com corretagem. Segundo: o investidor em questão perdeu dinheiro porque foi antitalebiano, apostando contra a volatilidade. Sempre long gamma (nunca short). Aposte centavos para ganhar dólares, nunca faça 284
o contrário. Sempre comprado em opções, em volatilidade, em incerteza. Nunca vendido. Para conhecer mais a respeito, hoje oferecemos um conteúdo fantástico sobre Opções, batizado de Gamma Trader.
Retomo. Terça-feira começa com cautela depois do rali da véspera. Investidores evitam se posicionar na espera pelo resultado da eleição norte-americana, enquanto ponderam produção industrial abaixo do esperado na Alemanha e no Reino Unido. Paralelamente, superávit comercial na China um pouco aquém das projeções também impõe alguma ligeira aversão a risco. Ibovespa Futuro abre em ligeira queda de 0,2%, enquanto dólar sobe 0,15% contra o real. Juros futuros sobem com menor disposição a risco. Agenda internacional traz relatório da Opep com perspectivas para o petróleo, além de relatório de emprego Jolts e otimismo de pequenas empresas nos EUA. Por aqui, IGP-DI e IPC-S mostraram inflação um pouco abaixo das estimativas, o que alimenta, bem na margem, suposições de corte maior na Selic.
285
75 |
Um mundo Novo Anormal? 14/11/16
“Você não sente, não vê. Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo”: estamos naqueles tempos em que separam-se os meninos dos homens. Ah, sim, e as meninas das mulheres – na ditadura do politicamente correto, é sempre bom deixar explicitado. Nas últimas 72 horas, deixei de ser economista para assumir a função de psicólogo. Usualmente, minha caixa de e-mails é dominada por dúvidas técnicas sobre ações, renda fixa e alocação de ativos em geral. Nos últimos dias, o rigor analítico foi abandonado e as correspondências eletrônicas estiveram permeadas por excesso de emoção. Dadas as oscilações bruscas dos ativos, posso compreender o desequilíbrio. Confesso, porém, maior facilidade em receitar a leitura de um balanço trimestral, comparativamente a prescrever Lexotan. Filhos do bull market mais recente descobriram: por mais incrível que possa parecer, o diabo da renda variável é que ela… varia. Até aí, tudo bem. A coisa fica feia mesmo quando as pessoas percebem que a renda fixa – a não ser em aplicações pós-fixadas – também varia, e sua volatilidade pode não ser brincadeira. O sujeito pega o extrato e vê uma queda de 3% de sua NTN-B longa em apenas um dia. Ele se assusta. Sem julgamentos aqui. Eu entendo que assim o seja. Breve digressão: curioso que, se seu imóvel fosse listado em Bolsa, ele também estaria variando bastante. Mas como isso não é observável, ninguém se preocupa. O que os olhos não veem o coração não sente. A marcação a mercado é impiedosa – falta aos olhares menos treinados, no entanto, perceber que ela é uma vantagem, não uma mazela. Os riscos desconhecidos e não observáveis são certamente os mais perigosos. Retomo. Estamos diante de uma aula de Finanças Comportamentais, na prática. Se Warren Buffett, o maior investidor de todos os tempos, encontrasse Sigmund Freud, possivelmente diria assim: “você vai comprar 286
(ou vender) um determinado ativo financeiro se – e se somente se – seu preço estiver abaixo (ou acima) de seu valor intrínseco, considerada uma apropriada margem de segurança.” Se o fundamento material não mudou, não há o que fazer. Seu stop não pode ser predeterminado. Ele deve derivar apenas da comparação recorrente e instantânea do preço, aquela variável que você observa como materialização de uma interação momentânea entre oferta e demanda, com seu valor intrínseco. Somente vendedores líquidos de ações se preocupam com queda dos preços. Os compradores líquidos devem estar felizes com a oportunidade, resumiria o sábio de Omaha. Sou capaz de compreender a ansiedade das pessoas físicas diante do pânico nos mercados. Entretanto, desespero só vai levá-lo a prejuízos financeiros. Sair no meio do tiroteio apenas aumenta seu nível de risco. Repito o mantra: há várias situações em que o melhor a fazer é não fazer nada. Quando os outros estiverem em pânico, você não pode entrar em pânico. É isso que separa os meninos dos homens. A calma estoica de poder atravessar a tempestade. “Grace under fire”, aquela capacidade única de manter-se sereno diante do fogo cruzado. Se os fundamentos não mudaram, havemos de nos manter incólumes, apegados à filosofia de investimentos e aos racionais. A pergunta, portanto, surge quase como corolário: os fundamentos mudaram ou não com Trump? A resposta esclarece, ponto a ponto, o que está acontecendo. Grosso modo, há uma preocupação com a política fiscal de Donald Trump. A ideia é que a combinação entre gastos fiscais maiores, sobretudo com infraestrutura, e redução de tributos levará a uma escalada na dívida pública norte-americana, com potenciais desdobramentos sobre a inflação e, por conseguinte, sobre as taxas de juro por lá. Isso aumentaria a atratividade dos títulos norte-americanos em detrimento aos demais, em particular aos emergentes, fortalecendo o dólar contra essas divisas. 287
Não à toa, há uma disparada da moeda norte-americana e um abrupto movimento no rendimento do Treasury de 10 anos nos EUA, o que se espraia por todo o globo como referência inicial de apreçamento dos ativos de risco. A dinâmica tem forçado uma rápida e intensa realocação de recursos, com venda pesada de bonds (títulos de renda fixa) em direção à bolsa nos EUA, com o índice Dow Jones renovando sua máxima histórica. Os setores mais beneficiados são de commodities (perspectiva de aumento da demanda por gastos com infraestrutura), saúde (mais gastos públicos e temor anterior com potenciais medidas de Hillary dissipados) e financeiro (desregulação e benefícios do juro mais alto). Em contrapartida, mercados emergentes têm sido alvo de forte pressão vendedora, sob preocupação com juro nos EUA e eventual deterioração das relações comerciais. Faz sentido tamanha preocupação? A esta altura, sem clareza sobre as medidas a serem adotadas por Donald Trump, seria prematuro fazer afirmações muito categóricas. Minha sensação, porém, é de o comportamento dos últimos dias, embora possa continuar no curtíssimo prazo, será revertido, sendo incapaz de alterar o case estrutural em favor de um reapreçamento positivo dos ativos de risco brasileiros. Primeiro ponto é que a combinação de commodities subindo e mercados emergentes derretendo me parece esquizofrênica. A valorização das matérias-primas representa importantes ganhos de termos de troca para essas economias e esteve associada historicamente a ciclos de valorização de seus respectivos mercados. Ademais, a suposição de que Trump representará elevação do crescimento de curto prazo e juros bem maiores à frente fere os pressupostos da Nova Normal, termo cunhado pela Pimco em 2009 para caracterizar o período pós-crise de 2008, de baixo crescimento, baixa inflação, baixos retornos e baixas taxas de juro. Posteriormente, mais especificamente em 2014, a Pimco viria a transformar a Nova Normal 288
em Novo Neutro (New Neutral), em referência à necessidade de juros ainda menores e convivência com crescimento também menor – a essência, porém, era a mesma. Meu ponto aqui é que a Nova Normal existe não por deliberação de um ou dois presidentes. Ela se assenta em condições estruturais, aquilo que Bill Gross, à época, chamou de DDR (delevering, deglobalization and reregulation, ou seja, desalavancagem, retrocessos na globalização e nova regulação). É um pouco também do que Stanley Fischer diz, em conexão com a baixa produtividade dos fatores, com questões demográficas e com a falta de reformas estruturais. Romper com a era da Nova Normal, portanto, exige um pouco mais do que um pacote de infraestrutura.
Mercados seguem tensos nesta segunda-feira. Em resposta ao desespero alheio, recomenda-se serenidade. O curtíssimo prazo pode – e deve – continuar difícil e altamente volátil. Os primeiros macacos a caírem do galho são aqueles de mãos mais fracas – e os primeiros a se machucarem lá embaixo. O momento é de resiliência para atravessar a turbulência. Vai passar e aqueles com paciência, disciplina e diligência serão recompensados, como sempre foram. Todas as vezes até agora em que tentamos prever o fim da Nova Normal estivemos errados. Semana começa basicamente estendendo o movimento da sexta-feira. Ibovespa Futuro cai 0,5%, dólar sobe quase 2%, mesmo com leilão de swap do Banco Central, e juros futuros voltam a disparar. O catalisador por trás dos movimentos é o mesmo: efeito Trump. Sem novidades. Mesmo com entrevista mais branda dada para CBS ontem pelo presidente americano, continua a sangria. Na agenda, produção industrial e vendas ao varejo na China vieram ligeiramente abaixo do esperado, mas não interrompem rali de commodities industriais. Produção industrial na Zona do Euro apontou queda de 0,8%. Por aqui, relatório Focus mostrou queda das projeções para inflação e PIB de 2016 e 2017. Para quem procura oportunidades criadas pela forte pressão vendedora, Sergio Oba aponta uma excelente hoje no Empiricus Serious Trader.
289
76 |
O mercado exagerou? 22/11/16
Desde cedo, acho que o maior inimigo do investidor é ele mesmo. Aprendi da forma mais dura. “The hard way is the only way”, diria o ditado em inglês (a maneira dura é a única maneira). Meu pai quebrou, entre outras coisas, pelo excesso de otimismo em suas próprias convicções. A confiança exagerada numa determinada tese de investimento leva a níveis de concentração superiores ao razoável. E se você estiver errado – não subestime sua capacidade de estar errado –, essa é a arquitetura da destruição. Também convivi de perto com um gestor profissional que – novamente entre outras coisas – abusara da própria competência. O analista mais inteligente e mais conhecedor de ações também está sujeito às mesmas mazelas do difícil ambiente de decisão sob incerteza. Não é um problema particular do meu pai ou daquele gestor, com quem, inclusive, pude aprender bastante. É uma fragilidade do ser humano. Entre os vieses cognitivos clássicos das Finanças Comportamentais, aqueles famigerados desvios da estrita racionalidade econômica, está o overconfidence (excesso de confiança). Você tem uma ideia sobre determinado ativo e passa a vasculhar notícias que reforcem suas convicções iniciais, enquanto despreza informações que refutem a tese primeira. Entra em cena o viés de confirmação. Os ciclos maníacos-depressivos do mercado são conhecidos. Ou estamos eufóricos diante da exuberância irracional, ou desesperados pelo pânico gerado por movimentos de manada. É curioso, porém, o esforço da narrativa em transformar tudo em irracionalidade. Sempre que há um novo choque, jornalistas e até mesmo supostos profissionais correm para apontar um “overshooting” das variáveis financeiras, sendo o câmbio o alvo principal. O termo, utilizado para caracterizar movimentos exagerados dos ativos, usualmente é empregado para denotar comportamentos permeados pela emoção, em detrimento à racionalidade. 290
Ontem, bastou Stanley Fisher, do Banco Central dos EUA, afirmar que um movimento de 40 pontos-base no rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano “é muito” para a palavra “overshooting” ser repetida por aí nas mesas de operação e salas de redação – onde normalmente predominam cafés e palavrões, havia “overshooting”. Com efeito, parece que os mercados se estabilizam após o choque Trump. O yield dos Treasuries recua, abrindo espaço para maior tranquilidade em torno dos ativos de risco, com desdobramentos imediatos sobre câmbio, juros (Tesouro Direto) e Bolsa no Brasil. Houve, sim, o tal overshooting. Meu ponto, porém, é que sempre há. E não há nada de irracional nisso. O comportamento exagerado dos ativos financeiros faz parte da dinâmica dos mercados e está perfeitamente alinhado à racionalidade. O argumento foi formalizado pelo economista Rudi Dornbusch em 1976. Já faz um tempo, mas infelizmente ainda não foi assimilado. Dornbusch divide a economia em dois mercados: de bens e de capitais. No primeiro, há uma certa rigidez. Em outras palavras, as variáveis reais (mercados de bens e serviços) demoram um certo tempo a reagir a um determinado choque. Veja que a hipótese faz sentido. Um empresário não monta uma nova fábrica ou demite metade de seus funcionários da noite para o dia. Já no mercado monetário, a reação a um novo choque (pense no caso Trump) é instantânea. A movimentação financeira se dá no mesmo instante em que o novo fenômeno se materializa. Então, no momento inicial, apenas o mercado de capitais reage às novas condições (novos fundamentos; no caso, o “efeito Trump”), enquanto o mercado de bens está parado. Portanto, o mercado de capitais precisa reagir por si e também pelo mercado de bens. É por isso que sua movimentação inicial é tão grande. Isso caracteriza o overshooting, um movimento das variáveis financeiras superior ao que seria justificado apenas pelas condições estritas apenas desse mercado. 291
Aos poucos, no segundo momento, conforme o mercado de bens vai também reagindo e retirando a pressão excedente sobre as variáveis financeiras, que retomam um equilíbrio mais razoável, eliminando o overshooting inicial. Fica a lição. Houve, sim, overshooting com o efeito Trump. E vai haver todas as vezes em que tivermos um choque nos fundamentos econômico, financeiros ou políticos. Faz parte da natureza dos mercados e isso não necessariamente se deve a um comportamento irracional. O corolário pragmático é óbvio: sair diante da reação primeira dos mercados pode implicar perdas irreparáveis. Ordens de stop ou entradas em pânico por conta de prejuízos momentâneos, tipicamente exagerados por conta da dinâmica do overshooting, podem fazer com que você nunca mais recupere. Ao final, a paciência e a disciplina serão recompensadas. A julgar pelo comportamento recente dos mercados, já começam a ser.
Clima positivo visto na véspera se estender para esta terça-feira. Bolsas norte-americanas flertam com novo recorde histórico, empurradas por valorização dos metais e do petróleo, sob otimismo com eventual acordo da Opep para controlar produção. Após comentários de Stanley Fisher ontem, rendimentos dos Treasuries recuam, aliviando preocupações mais imediatas com sudden stop (uso o termo no sentido técnico dado por Guilherme Calvo, para denotar interrupção súbita de fluxo de capitais a mercados emergentes). Por aqui, volta à cena possibilidade de aceleração do ritmo de cortes da taxa Selic. Embora ainda predominem apostas de 25 pontos-base, chance de 50 pontos volta a ser ventilada. Preocupação com fraqueza da atividade poderia influenciar evolução do afrouxamento monetário. Agenda doméstica traz PNAD continua e contas externas. BC faz rolagem de contratos de swap. Nos EUA, saem vendas de casas usadas e atividade do Fed de Richmond. Na Europa, temos confiança do consumidor da Zona do Euro. Acompanhando bom humor externo, Ibovespa Futuro abre em alta de 1%. Dólar cai 0,7% contra o real e juros futuros recuam.
292
77 |
Se você ama sua vida,
você ama a volatilidade
24/11/16
As pessoas assistiam à final da Copa do Brasil ontem à noite. Eu também via. Meio por cima, mas via. A paixão pelo futebol é insuperável. Mas já não é mais aquela coisa. Você fica mais velho, os cabelos caem e, com eles, a potência do sistema límbico. Com a televisão ligada, eu pensava em investimentos. Mais especificamente, até onde pode ir o yield dos Treasuries de 10 anos. Ao que me parece, esse tem sido o termômetro do mercado nas últimas semanas. Na véspera, esse danado passou a barreira de 2,4%, com sinais de crescimento vigoroso da economia dos EUA e certeza de aumento do juro básico norte-americano em dezembro. Fico preocupado. Pode ir muito além disso? Veja a importância da pergunta: se sim, então poderíamos restringir fortemente a liquidez global, com o fluxo de recursos saindo de mercados emergentes e sendo atraídos para os EUA. Diante do típico exagero de movimentos de curto prazo, não me surpreenderia se fôssemos acima dos 2,5%. Quem sabe 3%… Aliás, se você ainda se surpreende com o tamanho das oscilações dos ativos financeiros, tenho um recado: você precisa amadurecer. As coisas se mexem sempre – e sempre – muito mais do que nossa cabecinha linear pode supor. No entanto, conforme muito bem lembrou meu amigo Paulo Gala hoje no Valor (eu mesmo já falara isso aqui, neste mesmo espaço), estamos observando uma cruzada à ideia da Nova Normal. Teríamos estruturalmente caminhado para o fim da era de juros e crescimento baixo? Não me parece. Os juros são baixos no mundo todo, o Fed não pode ser autista, a recuperação da economia dos EUA ainda é frágil, o dólar não pode se valorizar muito e as pessoas/empresas estão bastante endividadas. A alta muito vigorosa dos juros norte-americanos pode ser a antessala da recessão. A Nova Normal não é uma opção de Ben Ber293
nanke ou Janet Yellen. Ela é resultado de forças estruturais. A ideia fixa me ocupava intensamente. Não conseguia prestar atenção no jogo. Vi um belo passe do Maicon. Provoquei meu amigo Andrezão no Whatsapp – são-paulino doente, ele, da arquibancada do salão de festas chamado estádio do Morumbi, perseguia implacavelmente o volante. Voltei às finanças. Sugeri à Luciana Seabra uma ideia para o lançamento de seu livro na semana que vem (preciso lhe confessar: está imperdível). Ela gostou, mas deu bronca: “vai faltar melatonina hoje. Já passou das 22h, você pode descansar.” Não é legal ser obsessivo. Dizem que eu deveria me divertir mais. Penso que têm razão. A gente reconhece os próprios defeitos. Difícil é colocar o plano em prática. Falta-me mais coragem do que disciplina. Lembro da Clarice Lispector: “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Diversão, etimologicamente, vem do latim diversus. Mudar de direção, contar com a pluralidade, a abertura para coisas novas. O contrário da ideia fixa. A vida é a volatilidade. A rigidez da rotina, disparada pelo incontornável desejo de controle, representa a não-vivência. “Life is long gamma” (a vida é a aposta na volatilidade, na minha tradução tosca), resumiria Nassim Taleb. A natureza entende isso. Nossos sistemas biológicos se beneficiam da volatilidade. Sem expor seus ossos a determinados estresses, eles se tornam quebradiços. Seus músculos crescem quando expostos a microlesões geradas por esforço. A melhora do sistema cardiovascular depende da oscilação metabólica. Por aí vai. Algumas indústrias se beneficiam dessa dinâmica muito bem também. O setor de restaurantes, por exemplo. A qualidade da comida nos estabelecimentos depende da morte de outros concorrentes. Alguns restaurantes morrem e permitem a sobrevivência de uma comida média melhor. Nada como a aplicação das leis darwinistas em prol da evolução do sistema. 294
O mercado financeiro ainda resiste à ideia. Morre de medo de Trump porque ele representa aumento da incerteza, da volatilidade e, portanto, supostamente, do risco. Criticar a volatilidade é, simultaneamente, criticar a vida. Há uma forma ótima de se evitar todos os riscos possíveis: fique na cama. Não se engane, porém. Isso não vai garantir-lhe a eternidade. Se a vida lhe oferece aumento das incertezas, aproveite. Comer arroz com feijão todos os dias, por mais delicioso que seja, enche o saco uma hora.
Talvez eu tenha escolhido um dia ruim para essa ode à volatilidade. Mercados abrem a quinta-feira estáveis como uma ideia fixa. Parecem obsessivos com a falta de novidades. A verdade é que o feriado de Ação de Graças nos EUA retira liquidez – a referência principal – das praças financeiras. Tudo meio no zero a zero. Juros futuros buscam uma direção, dólar quase não se mexe contra o real e Ibovespa Futuro sobe 0,2%. Commodities, no geral, se apreciam lá fora e impedem maior preocupação sobre mercados emergentes. Por aqui, agenda mostra primeira queda em sete meses da confiança do consumidor. Mais tarde, saem nota de crédito do Banco Central e dados do Caged, que eu carinhosamente batizei de Traged(ia). Cenário político no centro das atenções, com jornais apontando preocupação de parlamentares com provável assinatura de acordo de colaboração premiada da Odebrecht e definição de repasse de multa da nova repatriação a estados em troca de compromisso com controle de gastos. Lá fora, com mercados fechados nos EUA por conta do Thanksgiving, ganham destaque PIB na Alemanha e aumento da taxa básica de juro na Turquia, para 8%.
295
78 |
Um homem pré-histórico
na época da pós-verdade
30/11/16
Há algo maravilhoso sobre novembro: ele só tem 30 dias. Pareceu uma década, mas foi apenas um mês. Como vai ser dezembro? Não faço a menor ideia, mas espero que venha melhor. A incerteza é uma posição desconfortável. A certeza é uma posição absurda, resumiria Voltaire. Novembro foi um mês estranho. Além da enorme volatilidade nos mercados, marcou o triunfo da pós-verdade. Inclinado à vertente aristotélica, sempre achei que verdade era questão de certo ou errado. Talvez de ponto de vista. Nunca imaginei que fosse coisa de antes ou depois. Não estou inventando. Está no dicionário e tudo mais. Com efeito, a Oxford Dictionaries elegeu o termo para a língua inglesa, definindo a expressão como “um adjetivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais.” Estão todos preocupados com o pós-Trump. Eu estou receoso com o pós-truth. A verdade perde relevância no debate político. Na minha adaptação, perde também no debate sobre economia e finanças. E pode exigir mudança importante de comportamento. Veja só: militantes apaixonados por Donald Trump criam um site qualquer e o promovem financeiramente. Lá, acusam a família Clinton de abusar sexualmente de crianças inocentes. Obviamente, se trata de uma mentira descabida. Mas não importa. Nada menos do que 600 mil pessoas acessam aquela atrocidade. E o pior: a família Clinton não pode se defender, pois sua relevância empurraria muito mais tráfego on-line para o site anão construído com o objetivo explícito de destruir um inimigo, sem nenhum compromisso com a verdade. 296
Um concorrente paga um site qualquer, que faz uma matéria destruindo seu rival. E, claro, aquilo reverbera contra os Clinton, que não podem sequer se defender. O triunfo do terrorismo cibernético praticado por um lobo solitário. Golias está amarrado de combater Davi, que ataca com os golpes mais baixos possíveis, desprovidos de qualquer fundamento e respeito às regras do jogo. A dinâmica me remete ao paradoxo da tolerância de Karl Popper: “tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.” Há implicações importantes sobre filosofias de investimentos. Pense no value investing tradicional. Se a pós-verdade triunfa sobre a verdade, então como fica a tradicional convergência dos preços para o valor intrínseco de determinado ativo? Toda uma nova lógica pode estar surgindo. Entre a pós e a verdade, eu fico mesmo com os prés.
Copom atualiza taxa Selic nesta quarta-feira. Ampla expectativa por redução de 25 pontos -base, para 13,75% ao ano. Movimento estaria alinhado à comunicação recente do Banco Central. Eu ainda nutro alguma esperança de sinalização de aceleração do ritmo à frente. Seja como for, porém, minha convicção é de que os juros, ao final do processo, será menor do que o contemplado hoje pela curva. E isso é suficiente para você comprar prefixados e indexados à inflação. Há uma agenda importante além do Copom. PIB do terceiro trimestre veio ligeiramente melhor do que o esperado, ao mostrar contração de 0,8%, contra prognóstico de diminuição de 0,9%. O dado anterior também foi revisado: de -0,6% para -0,4%. Embora melhor do que as projeções, ainda é um resultado péssimo. Além da questão econômica estrita, mercados refletem ambiente político e aprovação, com folga, da PEC do Teto de Gastos em primeiro turno no Senado. Mesmo esperada, aprovação é importante para mostrar que o apoio ao ajuste fiscal resistiu ao Calero-gate. No exterior, agenda recheada também: livro Bege do Fed, criação de postos de trabalho no
297
setor privado dos EUA, atividade na região de Chicago e Pending Home Sales. Petróleo dispara com expectativa mais favorável por acordo em reunião da Opep, catalisado por sinalizações positivas vindas da Rússia. Commodities em alta são prenúncio agradável para mercados emergentes. Donald Trump pode nomear hoje Steven Mnuchin para secretaria do Tesouro norte-americano. É com um ex-Goldman Sachs que teremos uma política fiscal heterodoxa? Com esse mundo da pós-verdade, eu prefiro mesmo viver como um ser pré-histórico. Ibovespa Futuro abre em alta de 1,7%, empurrado por commodities, aprovação da PEC e recuperação do tombo da véspera. Dólar cai 0,25% contra o real e juros futuros recuam.
298
79 |
Paciente agora, impaciente forevis 13/01/17
Tenho um primo mais velho que, na adolescência, era visto como barra-pesada pela família. Fui descobrir depois que, na verdade, o sujeito era quase um monge. Mas, sabe como é… Lá em casa, naquela época, ouviu um Bob Marley e deu um pega num baseadinho, virou o Fernandinho Beira-Mar. Mamãe é do interiorrrr de Minas Gerais, papai curtia tomar uns goles, mas, no fundo, era bem careta, estilo militar. Então, você pode imaginar… Lembro do dia em que ele apareceu com o vinil do Catch a Fire, que climão. O primo tinha uma camiseta preta com uma caveira bem caveiruda, estilo anel do Casagrande, com jeitão sexta-feira 13. Na sua roupa, vinha escrito a piadinha infame: “Fumar mata aos poucos… E daí? Eu não tenho pressa.” Ele adorava usar aquilo. Sentia-se mais malandrão. Fumando Marlboro vermelho e com aquela vestimenta, era uma mistura de transgressão e esperteza de rua que me despertava admiração. Cabelo comprido e andar balançado, era uma espécie de Axl Rose da Heitor Penteado (guardadas as devidas, claro). O sujeito que poderia me apresentar o mundo, abrir-me para o desconhecido, das brigas de rua às tentativas de gratino, para usar o termo do Marcos Mion. Evidentemente, a frase da camiseta, além de anedótica, é uma grande bobagem. Mas ela revela uma sabedoria curiosa. Se o seu médico lhe disser, no auge de seus 35 anos, que aqueles dois maços fumados diariamente encurtarão sua vida em três anos, dificilmente aquilo encontrará ressonância em você. Com esse discurso, o máximo que o doutor vai conseguir de você é impulsionar sua ansiedade. Em vez de 40 cigarros/ dia, você, obedientemente, diminui o consumo, como um bom cidadão, para 60 cigarros/dia. A aparente brincadeira guarda relação direta com algo devidamente estudado pelas Finanças Comportamentais, chamado de desconto 299
hiperbólico. Temos preferências temporais aparentemente inconsistentes e certa miopia para descontar o tempo. Tipicamente, o viés cognitivo aparece resumido na expressão: “impaciente agora, paciente depois”. No mundo real – não nos livros de Microeconomia –, as pessoas tendem a exibir um desconto muito maior (por unidade de tempo) sobre o futuro imediato, comparativamente ao futuro distante. Tentando tornar mais clara a ideia, sob o risco de tornar a coisa um pouco grosseira, é como se você valorizasse muito sua condição amanhã, mas desprezasse um pouco como pode estar daqui a dois anos. Precisamos desafiar essa tendência e sacrificar um pouco o futuro imediato. Com o rali dos ativos de risco nos últimos dias, chovem e-mails perguntando se seria a hora de realizar os lucros das recomendações recentes. Sob os ganhos acumulados a partir da tese de reconstrução do País, o Zé Vendinha se vê surpreso com valorização atípica de curto prazo e quer apropriar-se dos lucros. “Realizo agora, espero cair e volto a comprar mais barato.” Não dá para ficar fazendo market timing. Simplesmente não sabemos. E, se perdermos um dia de forte alta tentando tradar, podemos ter boa parte dos lucros corroída. Poucos dias fazem a diferença. Se retirarmos os cinco melhores pregões do Ibovespa ao longo dos últimos 13 meses, a valorização acumulada cai de quase 47,5% para 16%. Você não pode se dar ao luxo de correr o risco de perder uma das aulas por uma crença pessoal de que pode prever movimentos de curto prazo. Precisamos valorizar a inação, conforme propõe o gênio Warren Buffett. Uma vez ouvi de um dos melhores gestores de ações do Brasil (eu não falo seu nome pois não sei se ele se sentiria confortável): “eu teria ganhado muito mais dinheiro na minha vida se tivesse feito menos. Eu já quis ganhar todo o dinheiro que tinha na mesa de uma só vez. E isso é claramente impossível.” Menos é mais. O que faremos com a disparada da Bolsa e o fechamento da curva de juros neste início de janeiro? Nada. Absolutamente nada. Temos a 300
tese estrutural de nascimento de um Novo Brasil – aliás, li por aí hoje alguém dizendo que “com reforma da Previdência, PEC do Teto e Selic a 9%, é outro país”; qualquer semelhança com o Novo Brasil não é mera coincidência. No que acreditamos? Num bull market longo e expressivo, com volatilidade e muitos sustos pelo caminho, claro. Deixa subir. Senta na mão. Vale para os momentos de pânico e também para os dias positivos. Inverter a ordem do desconto hiperbólico e poder ser paciente agora talvez permita que você consiga ser impaciente eternamente depois. Se, conforme acredito, estamos realmente num ciclo de multiplicação dos ativos brasileiros (veja: está acontecendo!), os pacientes poderão ser alçados a uma nova condição. Em plena sexta-feira, pedimos um pouco da serenidade taoísta. Como o Laozi afirma, “o caminho iluminado parece escuro/A estrada fácil parece difícil/A maior virtude parece vazia/Grandes talentos surgem depois”.
Mercados abrem sem tendência definida. Juros futuros estendem recuo da véspera, ainda contemplando revisões para baixo nas projeções para Selic após a decisão do Copom da noite de quarta-feira. Apreciação adicional do real, acompanhando perda de valor do dólar no exterior, contribui para o movimento, mesmo com IBC-Br um pouco melhor do que o esperado – proxy do PIB subiu 0,2%, contra prognóstico de estabilidade. Além do IBC-Br, agenda local traz pesquisa industrial da CNI. Nos EUA, saem inflação ao produtor, vendas ao varejo e sentimento do consumidor. Ibovespa Futuro registra ligeira queda de 0,2%, com investidores realizando lucros após rali da quinta-feira e atentos ao comportamento das commodities no exterior. Minério de ferro recua depois de quatro altas, diante de alguma decepção com balança comercial chinesa e importações aquém do esperado por lá. Para uma sexta-feira 13 depois da euforia de ontem, está bem razoável.
301
80 |
Cuidados necessários em meio a um bull market
20/02/17
Hoje é o dia mais relevante do ano pra mim em termos profissionais. Lanço nesta segunda-feira meu mais importante projeto na Empiricus, chamado Investidor Essencial. Se você aprecia nosso trabalho em alguma medida, sugiro que ao menos passe os olhos neste material. Situações extraordinárias exigem medidas extraordinárias. Por isso começo assim hoje, de forma diferente ao usual. O que tira o sono nesta segunda-feira? Aquilo que atina a alma do sujeito, o que seria? Já há bancos falando em Ibovespa a 100 mil pontos – isso é emblemático. Quando um sell side tradicional coloca uma projeção dessa para o índice, ela já está sendo debatida há certo tempo pelo smart money (pelos reais donos do dinheiro). Há um problema clássico nos researches de bancos. Bom, na verdade, há vários. O mais emblemático liga a pesquisa ao conflito de interesses das instituições financeiras. O sell side é centro de custos para os bancos. Não gera receita diretamente; apenas fomenta outros negócios lá dentro. Como falar mal da ação de uma empresa que acaba de deixar dezenas de milhões de dólares como fee de IPO? (Apenas um exemplo, entre vários possíveis). Mas essa é uma questão amplamente conhecida. E, embora importante, já virou clichê. Quero falar de outra coisa. Além de conflitado, o research de banco é normalmente atrasado. Para o analista daquela respectiva ação virar sua recomendação, ele precisa antes que o macroeconomista global mude sua visão sobre a economia mundial; depois, o macroeconomista brasileiro altera suas projeções para o País. Finalmente, depois de movido o transatlântico, o analista setorial pode mexer nas suas estimativas. Enquanto isso, claro, o mercado já se moveu e aquela ação superatrativa subiu 30%. 302
Lembro-me da personagem de Jeremy Irons no filme Margin Call: seja rápido, esperto ou trapaceie. Eu não trapaceio. E embora haja uma porção de gente inteligente nesta sala, estou certo de que há outros muito espertos lá fora também. Logo, só nos resta sermos rápidos. Uma boa recomendação atrasada é uma má recomendação. Rapidamente, o consenso migrará para a projeção de 100 mil pontos. Agora pense numa outra variável: a taxa Selic. Já há quem fale em juro básico de 6% em 2020 – e dos economistas todos de bancos, o Mário Mesquita é o meu favorito (per se, a frase não diz muita coisa, mas transmite a mensagem). O que esta combinação de Ibovespa a 100 mil pontos e Selic a 6% pode representar para o seu bolso? Há várias coisas que poderíamos falar a respeito, com multiplicidade de oportunidades. Gostaria, porém, de transmitir apenas uma mensagem hoje: estamos num bull market secular, exatamente conforme antecipávamos alguns meses atrás, com tudo aquilo que isso representa. Períodos como esse são caracterizados por euforia, excessos e multiplicações de valor impensáveis a priori – evidentemente, tudo será óbvio depois. Faz parte do jogo. Por mais incrível que possa parecer, se seguirmos o padrão histórico, quanto mais loucuras fizermos, mais ricos ficaremos. Não é um jogo de prudência ou value investing. Pode lhe ser contraintuitivo mas as coisas mais problemáticas serão as mais valorizadas. De nossa parte, recomendamos manutenção da racionalidade e prudência. Devemos, sim, estar expostos ao ciclo, sem, no entanto, abrir mão da necessária proteção. O primeiro cuidado imprescindível durante um bull market é não tentar fazer timing. “Subiu muito rápido. Vou realizar lucros, vender, esperar corrigir e comprar de novo.” Os movimentos são mesmo muito rápidos, concentrados em intervalos curtos e, se você quiser tradar o movimento, pode simplesmente perder boa parte da pernada. 303
O pico do minério de ferro era US$ 50/ton. Depois, seria impossível passar de US$ 60/ton. Ah, ok, US$ 80 nem pensar. Bom, cá estamos flertando com os US$ 100/ton. Você precisa estar posicionado. Se zerar suas posições esperando um momento mais oportuno para voltar a comprar, o negócio pode subir mais 30% em 20 dias na sua cabeça. Aí você nunca mais pega. O outro recado fundamental é de que, mesmo os bull markets mais vigorosos – aliás, principalmente eles –, passam por correções brutais, que parecem o fim do mundo quando se materializam. Quando você olha trajetórias de longo prazo num gráfico, percebe ajustes para baixo na evolução dos índices de ações que parecem irrelevantes dentro de uma caminhada estrutural. Naquele momento, porém, foi uma queda de 40% e muita gente quis se matar. Precisamos estar cientes de que isso vai acontecer. É natural e até mesmo necessário – uma tendência de alta precisa ser testada, submetida a desafios a serem superados para mostrar sua força. Como fazer, então, pragmaticamente, se não podemos tentar fazer timing do mercado e, ao mesmo tempo, sabemos da possibilidade de correções pontuais? A primeira atitude é a manutenção da serenidade mesmo no pior momento. “Grace under fire”. Cai e volta. A segunda pede uma pequena dose de paranoia. “Can you help me occupy my brain?”, perguntaria Ozzy Osbourne. Teremos sempre uma pequena parte de nossa carteira alocada em seguros-catástrofe. Se houver uma grande correção – suponha 30% de queda –, esses seguros vão se multiplicar por n vezes. Além de fazerem transitar bem pela tempestade, permitirão que você chegue ao outro lado do Rubicon com essa posição bem valorizada. Então, você poderá vender seus seguros agora caros e voltar a comprar ativos de risco mais baratos depois da correção. Tenha um pouco de dólar e ouro em seu portfólio. Se você seguiu as recomendações e se posicionou fortemente em Bolsa, agora acumula um bom lucro. Aproveite essa valorização pronunciada de 304
sua carteira e separe 1% para a compra de puts cerca de 30% fora do dinheiro, com prazo mais longo. Elas vão responder positiva e não linearmente a uma catástrofe. Opções de dólar, calls de Fibria, puts de Vale, Petro, Itaú (sim, eu ainda gosto do banco, mas pouco importa para este caso). Se você não entendeu muito bem isso, então meu projeto lá do começo já vira uma espécie de kit de sobrevivência, realmente obrigatório – e não apenas sugerido – para ter retornos alinhados aos de profissionais neste momento realmente especial dos mercados de capitais brasileiros.
Bolsas iniciam a segunda-feira dando continuidade ao clima positivo. Minério de ferro e aço sobem com fechamento de siderúrgicas na China e espraiam otimismo pelo setor em âmbito global. Petróleo também sobe com declínio das exportações da Arábia Saudita. Feriado nos EUA por Dia do Presidente retira um pouco da liquidez dos negócios. Na Europa, atenção para encontro de ministros das Finanças para debater situação da Grécia. Por aqui, relatório Focus mostrou novo recuo das projeções para inflação de 2017, de 4,47% para 4,43%. Agenda ainda reserva sondagem da indústria feita pela FGV, relatório da dívida pública, balança comercial e sabatina de Alexandre de Moraes na CCJ do Senado. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4%, dólar oscila perto da estabilidade contra o real e juros futuros cedem ligeiramente.
305
Parte 5
“O que fazemos a partir de agora?”
306
81 |
Você compraria por 57 45?
aquilo que rejeitou a
19/07/16
Em maio de 1999, meu pai veio de mudança para o meu quarto. Ele era um trader de ações e vinha de uma experiência malsucedida no cômodo ao lado. “Malsucedida” aqui não se refere ao resultado das operações, mas ao relacionamento com a patroa. Ele montara sua estação de trabalho no quarto do casal e isso, obviamente, não seria tolerado por muito tempo pela Dona Lúcia. “Pai, o que você veio fazer aqui?” “Uma única coisa, meu filho: comprar barato e vender caro.” Aprendi a lição imediatamente. Nem tanto por inteligência própria ou pela didática paterna – essas duas coisas não estavam muito presentes ali. Foi por osmose e um pouco de intuição. Com efeito, não há muito segredo. Essa é a lei básica das finanças. Ela seria repetida também no meu primeiro dia de aula na Faculdade como mantra pelo brilhante professor Marcos Eugênio da Silva, que viria a ser meu orientador alguns anos depois. Eu achava que tinha aprendido. E hoje vejo com perplexidade certas coisas. Aos 45 mil pontos, ninguém queria saber de Bolsa brasileira. O prefixado pagando 17% também não atraía muita gente. Agora, com o Ibovespa aos 57 mil pontos e a LTN a 13%, viramos a grande compra global. Vai entender. Pão ou pães é questão de opiniães. Agora, é muito curioso ver o pessoal correndo atrás do rabo. Hoje foi a vez do Morgan Stanley classificar o Brasil como top pick na América Latina. Eu me sinto péssimo com isso. Não há nada pior para um analista do que a materialização de seu prognóstico e a transformação de seu call contrarian em visão de 307
consenso. Fica uma sensação de que tenho pouco a acrescentar. E o pior: acho que é a mais pura verdade. Felizmente, a realidade ainda é mais saborosa do que a ficção. Não precisamos mais supor uma inflexão favorável no fluxo de recursos para mercados emergentes e para o Brasil em particular. Esse movimento já acontece e está só começando. É justamente por isso que queremos lhe dar a chance de acessar o Empiricus Insider. Ainda há joias escondidas entre as ações de segunda e terceira linha.
Nesta terça-feira, em particular, mercados fazem uma pausa no rali. Depois de recordes históricos sucessivos para as bolsas internacionais e nova altas consecutivas do Ibovespa, nada mais natural do que uma realização de lucros. Mineradoras estão entre as maiores quedas lá fora, após a Rio Tinto informar que a produção de minério de ferro subiu menos do que o esperado no segundo trimestre. Hoje foi a terceira queda seguida para o minério de ferro na China – o tombo foi de 4,1%. Comportamento das commodities enfraquece moedas emergentes, em particular aquelas de Nova Zelândia e Austrália, afetadas também por especulações de redução iminente das respectivas taxas de juro. Completam o quadro de desconfiança o índice de sentimento econômico ZEW na Alemanha, em seu menor nível desde 2012, pressionado pelas preocupações em torno do Brexit, e uma série de resultados corporativos relevantes a serem anunciados ao longo do dia. Goldman Sachs, J&J e Phillip Morris soltam balanço nesta terça-feira pela manhã; à noite, temos Microsoft. Por sua vez, Netflix soltou ontem à noite números aquém das projeções e suas ações desabam. Na agenda econômica internacional, temos hoje dados de início de construção de casas e permissões para mercado imobiliário nos EUA, além de referências sobre petróleo (API) à noite. Por aqui, inicia-se reunião do Copom, sem grande expectativa para mudança na Selic – há alguma ansiedade no entorno do comunicado que acompanha decisão sobre o juro básico, com potencial de sinalizar timing do aperto monetário vindouro. IPC-Fipe veio ligeiramente acima das projeções ao marcar alta de 0,85%, enquanto IGP-M veio abaixo do esperado em 0,32%. Reunião entre Temer e equipe econômica pode resultar em pacote em prol de
308
estímulos econômicos, pautado por securitização de dívida soberana e liberação de compra de terras por estrangeiros. Em dia de maior aversão a risco, Ibovespa Futuro abre em queda de 0,3%, enquanto dólar sobe 0,4% contra o real – BC voltou a anunciar leilão de swap reverso (10 mil contratos) mesmo com clima mais pesado. Juros futuros registram alta.
309
82 |
Um investimento levado a sério 19/08/16
Acho muito engraçadas as pessoas que se levam muito a sério. Aquela gente cujas opiniões inarredáveis refletem com precisão cirúrgica a realidade e, de maneira ainda mais impressionante, o que será do futuro. Economista é um bicho assim. Eu adoro falar mal da classe pois a ela pertenço. É uma delícia falar mal de si mesmo. Ninguém reclama de volta – ao menos, não em voz alta. E eu sempre fui muito verdadeiro em minhas críticas ao Felipe Miranda. Ontem uma pessoa supostamente esclarecida (ela ocupa um cargo razoavelmente importante numa das maiores corretoras do País) veio, com certa rispidez, me inquirir: “eu concordo com seu racional. E também estou muito otimista com o case. Mas 400% me parece um tanto exagerado. Acho meio loucura, sabe? Vai subir tudo isso, mesmo?” Evidentemente, ela se referia à famigerada “oportunidade dos 400%”, no âmbito da tese do Contragolpe. Eu, a exemplo de Kafka, até me inclino a certos exageros. Mas fato é que ninguém pode precisar exatamente quanto um ativo financeiro vai subir, tampouco quanto tempo demora para o preço convergir para seu valor intrínseco. Essa é só uma referência teórica. Nada além disso. Pode subir menos. Aliás, esse é o cenário mais provável mesmo. Mas também pode subir mais. Vai saber... os processos em Bolsa sempre são maiores e mais rápidos do que todas as cabeças, em suas ávidas tentativas de controle, podem supor. Lembrei de uma conversa antiga que presenciei certa vez entre um amigo e um dos maiores gênios do mercado de capitais brasileiro. Carioca, da velha guarda. Fala mansa, permeada por certo desprezo involuntário ao interlocutor, erradamente confundida, por vezes, com arrogância, numa mistura de gênio excêntrico com rebelde descolado. Preservo seu nome em prol da discrição. O sujeito odeia aparecer – na 310
semana passada, falamos ao telefone e o homem quase implorou pela “preservação da confidencialidade”. Eu respeitei, obviamente, mas a conversa antiga posso contar, sem nenhum prejuízo às partes. Diante de uma alta súbita da Bolsa, lhe perguntaram: “isso é um bear market rally (um suspiro de alta em meio a uma grande tendência de queda) ou um bull market (um mercado verdadeiramente altista)?” Ele brilhantemente respondeu: “Não sei. Só sei que vai subir”. Touche. Não dá muito bem para precisar as coisas, pois estamos sempre sob a ditadura do acaso e a égide das intempéries daquela gata chamada Fortuna. O randômico insiste em tentar nos confundir com determinístico. Aqueles que acreditam demais em suas opiniões e previsões são os primeiros a cair. Macho man dies first. Se você ainda não leu Unskilled and Unaware of It, de Kruger e Dunning, tire o final de semana para isso. O gene da inteligência é o mesmo da autocrítica. Os mais despreparados são justamente os que não se dão conta da baixa qualificação. Exageros não são a exceção no mercado financeiro. Eles são a regra, seja para cima ou para baixo. Sem eles, todos os preços estariam rigorosamente em seus valores intrínsecos e não haveria negociação até a chegada de novas informações. Na sua ausência, simplesmente não existiria espaço para lucros anormais. Ou seja, todos nós convergiríamos para a mesma taxa de retorno, ponderada por custos e riscos.
O exagero do comportamento do real motivou uma mudança de postura do Banco Central brasileiro. A autoridade monetária reduziu a oferta de swaps cambiais, de 15 mil para 10 mil contratos, após a moeda local descolar-se do exterior nos últimos dias, sendo destaque global de apreciação. Em reação à atuação mais branda do BC, dólar abre em queda contra o real, contrariando desempenho lá fora. Alguns analistas interpretam a diminuição da intervenção como uma sinalização de que o Banco Central trabalha com uma banda informal para o câmbio entre R$ 3,10 e R$ 3,20. Eu acho a interpretação exagerada. Juros futuros pegam carona na apreciação cambial e abrem em baixa, ajustando-se à esca-
311
lada da véspera. Variações, porém, são mais tímidas. Mercado de ações é exceção na dinâmica de valorização dos ativos brasileiros. Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,5%. O movimento acompanha certa cautela no exterior, onde predomina pressão por realização de lucros e desconfiança com rumo do juro básico norte-americano. As perdas globais são catalisadas por comentários do presidente do Fed de São Francisco, John Williams, que argumentou em favor de uma subida do juro básico mais cedo. Agenda internacional é relativamente fraca. Por aqui, destaque para prévia do IGP-M, com inflação de 0,09%, em linha com projeções. Foi marcada reunião de emergência entre ministros e o presidente Michel Temer para debater questão fiscal, certamente nossa principal fonte de preocupação. O cenário que vem se desenhando encaixa perfeitamente àquele desenhado pela Carteira Empiricus. Não à toa, portfólio está simplesmente voando, no mês, no ano, nos últimos 12 meses e em qualquer outra métrica temporal. É motivo de orgulho, motivação e compromisso para seguir entregando. O comprometimento vale para a vida toda.
312
83 |
De qual flexibilização monetária vocês estão falando? 16/09/16
Tem uma coisa me incomodando particularmente nas conversas sobre economia e nas matérias recentes sobre o Banco Central brasileiro. Há uma certa obsessão em torno do iminente “afrouxamento monetário” no Brasil. Basicamente, querem saber: quando a Selic começa a cair? E até quanto ela cai? Algo essencial parece escapar a algumas pessoas, entre as quais alguns financistas de relevo. Quando o Copom iniciará seu processo de flexibilização monetária? Deixe-me resgatar algumas coisas elementares de política econômica. As variáveis relevantes são sempre em termos reais. Não importa muito o juro nominal. Os canais de transmissão da política monetária respondem a variações do juro real (nominal menos inflação), e não nominal. Toda a política monetária foi construída a partir disso. Mas veja o seguinte: a inflação brasileira sai de 10,7% em 2015 para algo em torno de 7% neste ano. Então, se a Selic passar o ano inteiro parada, teremos um aumento do juro real da ordem de 3,7 pontos percentuais. Ou seja, quando o Copom decide deixar inalterada a taxa básica, ele não está mantendo iguais as condições monetárias. Dado o processo desinflacionário, existe um claro e intenso aperto monetário em curso, pois o juro real tem subido dramaticamente. Se o Banco Central vier a cortar a Selic em 0,50 ou 0,75 ponto percentual neste ano, ele ainda terá apertado as condições monetárias reais. Isso num contexto em que o hiato do produto beira os 6%, praticamente em recorde histórico. Olhando um pouco à frente, se a inflação oficial for 5% em 2017, o juro real simplesmente explode. Para apenas manter constante o juro real, o Copom terá de cortar a Selic intensa e rapidamente. O processo desinflacionário é brutal e tem sido menosprezado pelos 313
agentes econômicos. Se o juro real brasileiro de equilíbrio for 5% (não há razão para ser superior a isso), Selic será 9% em 2018. O recado é claro: você pode se entupir de prefixados agora. Caso queira ser um pouco mais conservador, fique com os títulos indexados à inflação. De uma forma ou de outra, tenha posições capazes de se beneficiar da queda da Selic. Ela será mais intensa do que o percebido hoje. Conversei com alguns dos melhores gestores brasileiros nesta semana. É exatamente isso que eles estão fazendo. Para acompanhar o que esses caras estão fazendo, eu sugiro Os melhores fundos de investimento.
Houve uma oportunidade recente interessante a partir do stress nos juros longos e ela deve ser aproveitada. Não à toa, mercado de juros segue se ajustando para baixo nesta sexta-feira, mesmo num dia de maior tensão lá fora. Mercados internacionais apontam para baixo nesta manhã, preocupados com o setor financeiro na Europa e com evolução da política monetária nos países desenvolvidos. O Departamento de Justiça dos EUA propôs ao Deutsche Bank pagar 14 bilhões para encerrar um processo de abuso na negociação de hipotecas, ainda da época da crise subprime. As ações do banco reagem negativamente à notícia. Em paralelo, há certa apreensão em torno das reuniões do Federal Reserve e do Bank of Japan na próxima semana. Investidores adotam cautela à espera de sinais mais contundentes sobre a capacidade dos BCs continuarem estimulando a economia. Ademais, hoje contempla o chamado Quadruple Witching nos EUA, associado ao vencimento conjunto de uma série de contratos de derivativos, o que sempre aumenta um pouco a volatilidade. Agenda internacional traz inflação ao consumidor norte-americano e sentimento do consumidor medido pela Universidade de Michigan. Saindo dos desenvolvidos aos emergentes, Rússia cortou taxa de juro para 10% ao ano. Já por aqui, IPC-S apontou inflação ligeiramente abaixo do esperado e IBGE anuncia pesquisa de serviços.
314
84 |
Algumas palavras antes de sair de férias
23/09/16
Estarei fora do escritório pelas próximas duas semanas. Passo alguns dias de férias e depois sigo para curso presencial ministrado por Nassim Taleb em Nova York sobre gerenciamento de riscos. Esta newsletter ficará, nesse ínterim, nas mãos (e nas palavras) suaves da Marília – ou seja, teremos um belo upgrade nestes 15 dias. Seria legal se eu pudesse, num raro momento de inspiração, encontrar algumas palavras de sabedoria antes de me ausentar. Queria marcar um golaço antes de ser substituído. Busquei no meu íntimo e achei: nada! Descobrindo-me um grande saco vazio, decidi recorrer ao brilhantismo alheio para marcar o que eu acho mais relevante neste momento, algo a ser aproveitado verdadeiramente pelo investidor. Ah, não me critique por isso. A Microsoft copiou a Apple, que copiou a Xerox, que deve ter copiado alguém. Poderíamos ir assim até o Aristóteles. Acho que ele é o único real merecedor de direitos autorais. Os outros são todos grandes operadores de fotocopiadoras. Há três grandes gênios na gestão de fundos multimercados brasileiros: Luis Stuhlberger, André Jakurski e Rogério Xavier – se você quiser saber mais sobre eles, aqui você encontra um material bastante rico. Vão tentar por aí incluir outros nomes na lista. Na minha relação (a que mais me interessa), porém, não entram. Há muita gente boa por aí, mas, no Olimpo mesmo, só moram esses três quando falamos de multimercados (em equities, podemos ser ainda mais politeistas). Stuhlberger afirma ter havido oito grandes trades em toda a história do fundo Verde, que explicam boa parte da evolução de sua cota. Jakurski acaba de dizer na PUC-RJ que: “quando eu vejo uma oportunidade, eu entro para matar.” 315
E o Rogério Xavier falou, pelos idos de 2014, algo mais ou menos assim (se as palavras não forem exatamente essas, peço desculpas a ele; mas certamente o argumento essencial está preservado): “eu vou cometer uma ousadia no que vou falar aqui. Mas, neste momento, é impossível você perder dinheiro comprando dólares.” (O câmbio estava R$ 2,00 à época – dobrou!). Por que estou falando disso agora? Porque o mercado não oferece muitas chances ao longo do caminho. Ele não é 100% eficiente na prática – o próprio Eugene Fama reconhece; isso é apenas um referencial teórico. Mas ele chega muito perto disso. Ao longo da sua vida, poucas reais oportunidades vão aparecer. E você precisa aproveitá-las e fazer posições razoavelmente grandes, sem, claro, submeter-se a riscos excessivos. O processo de construção de patrimônio não é linear e gradual. Ele caminha em grandes saltos, poucas porradas que vão alçá-lo a um novo patamar. No meu entendimento, há uma grande oportunidade hoje, com uma assimetria sem paralelos: ela está no mercado de juros – eu falo isso com certa dor no coração, porque sou originalmente um sujeito das ações, mas fato é que a assimetria em prefixados ou indexados à inflação (esses últimos mais indicados àqueles com menor tolerância a risco) se mostra mais convidativa agora. Então, proponho um trato: enquanto eu aproveito uma semana de férias, você aproveita a chance de ganhar dinheiro no Tesouro Direto. A Marília poderá ajudá-lo a escolher exatamente o que comprar, pois ela encontrou a Oportunidade da Década na Renda Fixa. Veja hoje mesmo: mercados fazem uma pausa no rali em nível global. Tendência de queda predomina nas praças financeiras, com uma realização de lucros (natural) após o rali recente. Há uma exceção no movimento de aumento dos prêmios de risco: justamente o mercado de juros brasileiros. DIs apontam para baixo nesta manhã, desafiando tendência global, o que implica, claro, valorização dos títulos prefixados e indexados. O processo já está acontecendo – e vai longe ainda. Selic, pra mim, é um dígito ao final de 2017. 316
Agenda é relativamente fraca hoje. Pela manhã, IPC-S apontou inflação de 0,18%, ligeiramente abaixo das projeções de 0,24%. À tarde, saem dados do Caged sobre mercado de trabalho. Nos EUA, temos PMI Markit e fala de dirigentes do Fed. Ibovespa Futuro acompanha clima no exterior e abre em ligeira queda de 0,2%. Dólar recua 0,29% com manutenção do volume de swaps cambiais (ontem surgiram comentários de eventual elevação dos contratos ofertados, não confirmados hoje).
317
85 |
Eu não sei
18/10/16
Sua opinião sobre as coisas não importa muito. Nada contra você especificamente. A minha também não importa. A rigor, a minha importa ainda menos. Eu valorizo as suas convicções, verdadeiramente. O relevante é como você está exposto às coisas do mundo, e não sua tentativa de compreendê-las. Se você for muito religioso, na hora de uma grande doença, provavelmente vai procurar um grande médico primeiro, em vez de um sacerdote. Rigorosamente, em termos práticos, será a mesma atitude de um ateu. No mundo dos investimentos, também é assim. Não deveria importar muito o que você pensa, mas, sim, seu resultado. Devemos mudar o foco de tentar entender a realidade, para como se comporta nosso portfólio de investimentos em cada um dos cenários possíveis. A salvação se dá pelas obras. O dia de hoje oferece oportunidade maravilhosa para elucidar o argumento a partir de exemplo material. Economistas, em sua típica vocação fragilista, se debruçam numa tentativa de adivinhar a decisão do Copom, cuja reunião se inicia nesta terça-feira. Não é um exercício muito diferente daquele praticado por grandes curandeiros, jogadores de búzios ou cartomantes. A imprensa, claro, ávida em vender jornais, entra na dança e reproduz milhares de notícias a respeito. Levantamento da Bloomberg mostra que 33 economistas esperam redução de 0,25 ponto percentual, enquanto outros 19 projetam corte de 0,5. Stephen Jen, um dos economistas mais brilhantes da atualidade, foi talvez o único que capturou o ponto. Ele entendeu que não dá pra entender, nem antever movimentos dos banqueiros centrais em reuniões 318
duvidosas. “Há anos, leio diligentemente todas as comunicações das autoridades monetárias. Quanto mais leio, mais me confundo.” A verdade é cruel: simplesmente não há como saber. Para o caso específico, há bons argumentos em prol de uma redução de 25 pontos-base e outros igualmente contundentes em favor de um corte de 50 pontos. Apontar a priori qual será a decisão do Copom amanhã é mero exercício de futurologia, tão charlatão quanto qualquer outro da espécie. Ozzy Osbourne tem mais espírito científico do que os pobres economistas (faço parte da classe, infelizmente): “Don’t look at me for answers, don’t ask me. I don’t know. (Não olhe para mim por respostas; não me pergunte. Eu não sei).” O salto epistemológico é reconhecer nossa ignorância. E pensar em formas de eventual posicionamento em renda fixa que se beneficie a despeito da decisão desta semana do Copom. Com o juro real de equilíbrio em torno de 4,5%, se a inflação efetivamente vier a convergir para a meta, seria razoável supor que o juro nominal (Selic) convirja para 9% em médio/longo prazo. Há ainda chance de ser menor do que isso, pois há endogeneidade no processo. Conforme o País vai melhorando, o próprio juro real de equilíbrio vai diminuindo. Ademais, diante de tamanho hiato do produto, podemos conviver por algum tempo com juros inferiores ao equilíbrio. Trocando em miúdos, a curva de juros brasileira subestima tremendamente o afrouxamento monetário vindouro, mesmo com os ganhos recentes. Esta talvez seja a última chance de você surfar a Oportunidade da Década na Renda Fixa. Além da reunião do Copom, dia reserva outros indicadores de peso. Vendas ao varejo caíram 0,6% em agosto, contra expectativa de recuo de 0,5%. Fiesp solta nível de empregos. Na esfera política, decisão de engavetar mudanças na lei de regularização de recursos no exterior pode empurrar dólar para baixo, ao trazer prognóstico de entrada iminente de dinheiro outrora no estrangeiro. Ministro Luiz Fux juntou-se a Gilmar Mendes ao se mostrar favorável à separação das contas de Dilma e Temer no processo que corre no TSE, afastando risco de cauda de eventual cassação do atual governo.
319
Lá fora, atenção especial à inflação ao consumidor norte-americano. Dia é de otimismo, com maior convicção de que condições monetárias permanecerão acomodatícias. Discurso de Stanley Fischer na véspera (mais sobre isso abaixo) foi lido como um pouco mais brando, estimulando tomada de risco nesta terça-feira. Commodities e ações em alta significativa por lá. Acompanhando otimismo no mercado internacional, Ibovespa Futuro abre em alta de 0,2%, enquanto dólar cede 0,6% sobre o real. Juros futuros recuam à espera do Copom, reagindo à valorização do câmbio e à frustração com as vendas ao varejo. Sérgio Oba acaba de soltar uma recomendação quente para capturar ganhos com ações associados à perspectiva de apreciação cambial no curto prazo. Recomendação fresquinha no Serious Trader.
320
86 |
Bora tomar uma Original? 25/10/16
Meu maior pesadelo é não conseguir desenvolver uma relação de verdadeira proximidade, afetiva e intelectual, com meu filho. Não falo de simplesmente passar tempo junto ou cumprir com as obrigações financeiras, como se a criação da prole obedecesse a um ritual formal de compromissos, um checklist a ser cumprido para aliviar-nos da potencial culpa por abandonar o herdeiro. Proximidade familiar e conexão de almas podem não ter relação alguma – ou, ainda pior, oferecer correlação negativa. Sonho em ter aquela conexão visceral, de poder me comunicar por olhares, de sentir se seu dia foi bom ou ruim apenas pelo tom de voz ou pelo número de músculos que emprega em seu sorriso inicial ao cumprimentar-me depois do trabalho. Talvez seja fruto da relação pregressa. Eu era apaixonado pelo meu pai, que sempre exerceu uma figura de herói ou deus que viera à Terra para cuidar de mim. Por outro lado, sempre foi um relacionamento pautado pela hierarquização, pela autoridade imposta por uma ameaça tácita qualquer que pudesse interromper um momento gostoso de diversão. A obediência, a disciplina e o rigor acima de tudo. Eu amava meu pai profundamente e não tenho reclamações dele (certamente, se consegui algo na vida, devo a ele), mas não quero isso pra mim. Desejo algo horizontal, a vontade de dividir suas aflições, suas dúvidas, suas dificuldades, assim como as coisas boas, as conquistas. E imagino que quanto mais tarde eu propuser essa proximidade, mais difícil será de obtê-la. Eu, infelizmente, passo com ele menos tempo do que gostaria. E, curiosamente, quanto mais tempo passo, mais acho que deveria passar. Como se o amor paterno se assemelhasse a uma espécie de droga, em que você precisa ir aumentando as doses. Eu não tenho uma relação próxima com a mãe dele, de modo que, naturalmente, estou ausente em alguns momentos e isso alimenta um certo sentimento de culpa, mesmo que desprovido de fundamento. 321
Na minha tentativa de desenvolver essa confiança recíproca, estabeleço sempre esforços em prol de assuntos considerados mais íntimos. Há um ritual muito bem estabelecido a ser seguido religiosamente: jogamos futebol, videogame, lemos um livro e vamos para o banho, quando iniciamos “uma conversa de vestiário”, bem mais respeitosa do que aquela de Donald Trump, mas, reconheço, no mesmo assunto. Ontem, foi assim: - Filho, o papai acha que você gosta da Isabel. - Pai, todo mundo gosta dela. Todos os meus amigos do São Luís são apaixonados por ela. A gente só fala dela, de futebol e de pega-pega. - Ah, é verdade. O papai esqueceu que, nesta idade, todo mundo gosta da mesma menina. E ela, gosta de você? - Pai, ela não gosta de ninguém. A metáfora foi imediata: o mercado financeiro é um grande jardim de infância. Todo mundo gosta das mesmas coisas! Ah, claro, nele também a superioridade da competência feminina é bastante óbvia. Nós somos apaixonados por elas profissionalmente, e elas seguem trabalhando, inabaláveis. Você olha os fundos de ações e estão todos lá, com as mesmas paixões: Itaú, Bradesco, Cielo, BB Seguridade, Equatorial, Renner, Raia Drogasil, EZTEC. E os multimercados parecem ter desenvolvido um regime de partido único em favor das NTN-Bs, com leves dissidências em torno dos prazos. Mas que coisa! Por onde andam as ideias originais? Ficam todos debruçados sobre as mesmas alternativas. Até, claro, que venha uma venda bem abaixo do esperado por Renner, ou que EZTEC solte vendas líquidas negativas. Essa superconcentração fomenta os famigerados crowded trade, em que estão todos comprados naquilo. Não há mais fluxo comprador 322
novo, de tal sorte que uma leve frustração pode produzir um grande movimento vendedor, com impactos expressivos sobre o preço do respectivo ativo – veja por exemplo o comportamento atípico de Localiza, cujas ações foram injustamente castigadas por margens levemente abaixo do esperado nos últimos resultados. As pessoas não pensam mais com as próprias cabeças. Foram domadas pelo último bear market e agora preferem errar com a maioria do que estar certas sozinhas – com raras exceções, obviamente. Ficam ancorados num determinado consenso, que serve como um grande polo magnético. Você pode ter milhares de críticas à Empiricus. Temos certamente nossos defeitos e muito, mas muito mesmo, a melhorar. Mas algo temos a oferecer: originalidade. Pensamos com a nossa cabeça. Eu não ouvi de ninguém o Fim do Brasil, o Calote, a Virada de Mão, a morte dos fundos DI ou o Contragolpe. Nós fomos capazes de prever todos os últimos movimentos relevantes do mercado brasileiro, antes de todo mundo, por uma única razão: não nos preocupamos com a opinião de consenso. Somos o que somos. E é assim que vai ser. Acertaremos ou erraremos por nossa conta. Sei que não continuaremos com o mesmo nível de acerto à frente – é humanamente impossível. Vamos errar, e muito, mas seguiremos recorrendo apenas a nós mesmos para traçar nossas recomendações. Seria leviano dizer tudo isso sem apresentação objetiva de ideias originais. Então, aqui vão três. - LTN 2023: é juro prefixado longo, que ninguém ainda tem coragem de comprar. Gosto porque inflação implícita ainda está muito alta e Brasil viverá longo ciclo de queda de juro e redução dos prêmios de risco. - RUMO3: é a reunião de agro (safra de 2017 vai ser impressionante, sobrando milho), infra (ninguém vive longo ciclo de crescimento sem focar no supply side, principal323
mente depois da desastrosa Nova Matriz Econômica, supostamente keynesiana) e juro em queda (ciclo será mais longo e profundo do que consenso supõe). Top down à parte, empresa tem conseguido notáveis melhoras operacionais, deve voltar em breve à discussão sobre renovação de concessões, é um ativo irreplicável e tem demanda sobrando. Valuation implica desconto de cerca de 30% dos pares internacionais, que não têm crescimento. - Secular bull market: é evidente que pode haver volatilidade e correção no curto prazo, mas entendo que entramos num longo bull market. Há dinheiro sobrando no mundo, todos estão com baixa alocação em Brasil, que volta a ser um país normal, devemos ter um ciclo de 10 anos de centro direita, a inflação está controlada, o crescimento vai voltar, as reformas passarão e não há problema de contas externas. Problema fiscal é duro, mas de solução conhecida, diferentemente dos problemas vividos por outros países.
Agora podemos ir a questões mais frívolas. Destaque do dia internamente é ata do Copom, com tom mais duro do que se previa. Juros de curto prazo sobem em reação ao documento, enquanto mais longos se movimentam na direção contrária. Mais sobre isso na nota da Marília, abaixo. Dólar não apresenta grandes variações sobre o real, ponderando prognóstico de entrada de recursos nos últimos dias para repatriação de recursos e decisão do Banco Central de não rolar contratos de swap com vencimento hoje. Diante do fluxo e da rápida apreciação cambial, parece um movimento adequado. Ibovespa Futuro alterna leves altas e baixas, em linha com comportamento das bolsas no exterior. Minério de ferro chegou a subir 6% lá fora hoje, o que pode ser indício de dia positivo para mineradoras. Em contrapartida, temporada de resultados traz números preocupantes, com dados ruins de Renner e EZTEC (prévia) – mais sobre isso também abaixo. Algum desconforto com trajetória da Selic no curto prazo por conta da ata do Copom também faz preço.
324
Agenda reserva transações correntes e votação em segundo turno da PEC do Teto de Gastos na Câmara. Na Europa, temos fala de Mario Draghi e índice de sentimento econômico na Alemanha, acima do esperado. Nos EUA, atenção para confiança do consumidor e dados de atividade do Fed de Richmond. Hoje gostaria de oferecer-lhes a oportunidade de entrar em contato com o material daquele que mudou a Empiricus: Mark Ford, o multimilionário norte-americano que pode lhe oferecer um caminho sólido e razoavelmente rápido para a construção de uma fortuna. Tenho convicção: aquilo que Mark fez por nós ele poderá fazer também por você.
325
87 |
Algumas palavras sobre Rumo 16/11/16
Normalmente, uso este espaço diário para tratar de assuntos macroeconômicos ou sistêmicos, adicionando pitadas pessoais e contornos metodológicos. Cabe aos outros analistas considerações idiossincráticas sobre as empresas. Hoje farei diferente. Embora não me furte ao hábito – também escreverei dos mercados como um todo ao final –, começo tratando das ações de Rumo (RUMO3). A empresa é uma recomendação enfática minha e, dada a queda abrupta nos últimos dias, julgo ser apropriado passar um feedback a respeito. Pelo que pude perceber, há uma quantidade razoável de leitores desejosos desse parecer. Em face à grande quantidade de e-mails recebidos pedindo esclarecimentos sobre o comportamento da ação e considerando que meus relatórios da série Palavra do Estrategista têm frequência quinzenal, resolvi antecipar algumas digressões a respeito. Quanto mais serenidade e paciência se pede, mais e-mails se recebe. Entendo e respeito a ansiedade. Sinto-me corresponsável pelas recomendações que possam ensejar lucros ou prejuízos aos clientes. Sofro e me alegro junto com cada sugestão. A regra é que eu fique sem dormir para que você possa dormir tranquilo. Esse é o trato. Aqueles que me conhecem – e também o vendedor de melatonina – sabem o quanto eu vivo isso intensamente. Neste caso, em particular, não só sinto emocionalmente. Eu perco junto também, pois, como tornei público recentemente, tenho ações de Rumo na física. Então, se vocês perdem quando a ação de Rumo cai, eu também. Skin in the game. Minha pele, ou mais precisamente meu bolso, está em jogo. Maior alinhamento de interesses impossível. Aos mais ansiosos, adianto: sigo muito confiante com as ações, não vendi nenhuma delas e, quando puder, pretendo comprar mais. Resumidamente, estou confortável com os papéis e gostaria de poder voltar a discutir 326
Rumo com você daqui a 18 meses. Aos preços atuais, as ações me parecem gozar, sob premissas razoavelmente conservadoras, de 100% de upside. Deixe-me explicar um pouco mais. É razoável começarmos pelas razões para a baixa mais acentuada dos papéis nos últimos dias. Sem um bom diagnóstico jamais poderemos traçar um prognóstico adequado. O movimento se deve, quase em sua totalidade, a elementos de cunho sistêmico. Ou seja, não há nada com Rumo especificamente – até ao contrário: seus resultados trimestrais trouxeram uma dinâmica interessante e foram elogiados pelos analistas com cobertura do papel. A forte decorrida das ações se deve, em linhas gerais, a: i) seu beta alto (grande sensibilidade às condições de mercado), ii) sua característica de estar associada a um bond proxy (as empresas de concessão são tipicamente associadas ao perfil dos títulos de renda fixa, pela previsibilidade de seus fluxos de caixa; com a disparada do juro longo, e Rumo é um duration grande, a ação apanha mais), iii) sua alta alavancagem (com juros de mercado subindo e dúvidas quanto à capacidade de continuação do afrouxamento monetário a partir da eleição de Donald Trump), e iv) a um acionamento de ordens de stop loss (o mercado é um grande teatro com uma porta pequena; se alguém grita fogo, o desespero toma conta do ambiente). Se são os elementos sistêmicos os responsáveis pela forte desvalorização das ações, então a resolução dos primeiros implicaria ao menos recuperação de parte da queda recente. Mera aplicação da lógica. Se as premissas estão certas, então a conclusão é inexorável. E meu ponto é justamente de que, ainda que possa haver volatilidade de curto prazo, o case estrutural em favor da queda das taxas de juro por aqui permanece inalterado. Podemos ter, sim, uma pequena redução da velocidade esperada no afrouxamento monetário, mas nada muda a direção e o destino final. A combinação de recessão brutal, com indicadores que vêm inclusive frustrando as expectativas, e queda da inflação empurra necessariamente a Selic para baixo – e para níveis inferiores àqueles contemplados nas estimativas de mercado e na curva de juros. 327
Ou seja, em que pese a volatilidade de curto prazo, o juro vai voltar a cair (sim, isso também é um call em favor do Tesouro Direto). E se a alta recente dos juros de mercado foi o principal vilão por trás da desvalorização de RUMO3, então hei de concluir que, ceteris paribus, as ações tendem a voltar a se valorizar destacadamente. Note que hoje o Tesouro Nacional já faz ação coordenada para conter o stress recente no mercado de juros. Isso, combinado à contenção do movimento de abertura de taxas no exterior conforme visto ontem, cria ambiente mais favorável. Sobre Rumo especificamente, gostei dos resultados no geral. A companhia postou sólida geração operacional de caixa, mostrou boa implementação dos contratos de take or pay e fez um volume bem alto de açúcar. A empresa tem conseguido cortar custos de forma interessante e flerta com nível de Ebitda bem razoável para o ano, mesmo num contexto de quebra impressionante do milho. Para 2017, a expectativa é de volumes realmente expressivos, por conta de uma safra formidável – se faltou milho neste ano, vai sobrar no próximo. O ponto negativo do resultado foi certamente a revisão para baixo no guidance. Isso, contudo, precisa ser relativizado, pois já era amplamente esperado pelo mercado diante dos volumes bem mais fracos, além de ter sido parcialmente compensado pela diminuição de R$ 100 M no capex projetado. Cumpre ainda dizer que a recente alta do dólar traz força para os clientes de Rumo, sugerindo retomada da atratividade das exportações e volumes crescentes. Rumo tem talvez o melhor management de ferrovia da América Latina, tem conseguido boa geração de caixa operacional, corte de custos e boa implementação dos contratos de take or pay. Agora surge a notícia de que a empresa pode vender participação em terminal no porto de Santos, o que ajudaria a reduzir a alavancagem e tocar seu plano de investimento. Companhia negocia com desconto de cerca de 30% sobre os pares internacionais em EV/Ebitda, sendo que goza de perspectivas de crescimento muito maiores. Play ideal para surfar perspectiva top down de queda das taxas de juro, desenvolvimento de infra e vantagens 328
competitivas do agronegócio brasileiro, qualidades reunidas num ativo irreplicável, num monopólio natural (e regulatório) e demanda garantida. Drivers mais imediatos são queda das taxas de juro de mercado e retomada das conversas para renovação da concessão da Malha Paulista. A regra é comprar na baixa e vender na alta. Não o contrário. Reitero a recomendação de compra para as ações e o potencial de valorização da ordem de 100% às cotações atuais, no cenário-base. Quem ainda mantiver dúvidas sobre o case pode acessar os relatórios da série Palavra do Estrategista dos dias 6 de julho e 28 de setembro. Esclarecimento prestado, partiu rotina.
Mercados brasileiros iniciam a quarta-feira apontando ganhos. Ibovespa Futuro sobe 1,3%, ajustando-se à valorização dos ADRs brasileiros na véspera, quando não houve negociações por aqui em razão do feriado. Sensação é de que venda pesada dos bonds lá fora foi longe e rápido demais. A maior tranquilidade com as taxas de mercado traz alívio, ao menos momentâneo, na aversão a risco. Exceção à apreciação dos ADRs está nos recibos de mineração e siderurgia, pressionados pela queda do minério de ferro, com realização de lucros depois da disparada anterior. Dólar cai 0,3% contra o real, sob menor aversão a risco e atuação pesada do BC, cuja intervenção representa hoje US$ 1,5 bi de venda no mercado futuro. Juros futuros caem, ajustando-se ao rali recente e à mudança de atuação do Tesouro (mais sobre isso abaixo na nota da Marília). Agenda doméstica é relativamente fraca, com divulgação apenas do IGP-10. Nos EUA, temos produção industrial, preços ao produtor e estoques de petróleo. PS.: Enquanto o mundo se apavora com a volatilidade da renda fixa e morre de medo de comprar NTN-B no momento, Warren Buffett está comprando aéreas, meu caro. Na hora em que se teme por fechamento das fronteiras, redução da globalização e até aumento da ameaça terrorista, o sábio de Omaha vem com este movimento totalmente inédito de sua parte. Trata-se de uma mensagem emblemática. Se você também está atrás de ótimas oportunidades geradas pelo recente sell off, eu lhe recomendo Ações ordinárias, lucros extraordinários.
329
88 |
Você não precisa estar certo;
você tem que ganhar dinheiro
29/11/16
Ali estava um pernilongo sem preconceitos. Ele me atacava no pé, no braço, no pescoço. Tinha a sensação de que, dados os decibéis alcançados pelo seu zunido em meu ouvido, o danado carregava um amplificador entre as asas. Depois de uma tentativa frustrada de 1h30 de convivência, resolvi levantar. Era questão de vida ou morte – pra ele e para o meu sono. Saí discretamente da cama, sem fazer barulho, num esforço cordial para não acordar meu filho de 5 anos e minha esposa, que também dormiam no quarto. Mantive a luz apagada, pelo mesmo motivo. Abri silenciosamente a gaveta do criado-mudo, onde guardo minha arma letal, aquela raquetinha à pilha comprada na rua 25 de março, feita para aniquilar esse tipo de marginal que nos atormenta à noite com suas picadas insuportáveis. Apertei o botão para ligar meu instrumento e sai esticando os braços, imitando os voleios de Roger Federer na grama de Wimbledon. Com a luz apagada, eu não podia ver o criminoso. Mas não precisava. Não havia necessidade de descobrir conscientemente onde ele estava, antever sua próxima jogada. Eu apenas precisava matá-lo, acertando-o com um golpe aleatório, disparado contra o ar. Alguns movimentos desengonçados até que… plact! No duelo entre o cego tenista e o monstro voador, vitória do bem contra o mal! Senti-me como o Van Damme acertando o Chong Lee no Último Dragão Branco, sem poder enxergá -lo. Enfim, o sono dos justos. Os mais sisudos me perguntam a razão dessas histórias, causos particulares sem aparente relação com investimentos. Lembro-me de Michel de Montaigne, que procurava sentido na vida com a mesma profundidade com que escrevia ensaios sobre a flatulência. Poucas horas depois de ler um texto sobre finanças, você não vai se 330
lembrar de equações ou da deflação de 0,03% medida pelo IGP-M de novembro. A sua mente – e a minha também – foi desenhada para capturar histórias, imagens e pessoas. Se você quer mesmo aprender sobre finanças, o caminho mais fácil certamente não é pela maximização de uma função Cobb-Douglas sob determinada restrição, com a obediência das condições de primeira e segunda ordem. Hoje começa a reunião de novembro do Copom. Esse é o tipo de encontro de que eu gosto. Ele permite marcar nitidamente a diferença da Empiricus para os demais analistas de mercado. Aqui, não quero defender ser melhor ou pior. Chamo a atenção para a distinção nas abordagens. Enquanto estão todos os economistas escrevendo relatórios com suas projeções para o resultado do colegiado do Banco Central, rebato: eu simplesmente não sei. Na praça, há estimativas para todos os gostos. Uns apostam na manutenção da Selic – diante das incertezas impostas por Donald Trump nos EUA e da alta do dólar sobre o real, o Banco Central brasileiro teria de interromper o ciclo de cortes. Outros, que refletem a posição majoritária, defendem novo corte de 25 pontos-base no juro básico, apoiando-se sobretudo na comunicação recente do Copom – com efeito, alinhada à continuidade do ritmo. E há ainda um terceiro grupo à espera de diminuição de 50 pontos na taxa, à luz de fraqueza muito intensa da economia. Eu acho que os três têm razão. Há bons argumentos para cada um dos lados. Se tivesse que apostar, com uma arma na cabeça, e é ótimo que eu não precise, diria que vem mais 25, acompanhados de comentários sugerindo aceleração do ritmo de cortes à frente. Mas a verdade é que não importa muito. Você não precisa estar certo. Você precisa ganhar dinheiro. Ligue a raquete e saia esticando o braço. Uma hora você pega o pernilongo, mesmo sem saber onde ele está. O universo financeiro não é ou, ao menos, não deveria ser uma disputa de egos por quem consegue fazer o melhor modelo. Quem marca ponto é quem faz o trade certo, não quem tem a planilha mais bonita. 331
Minha percepção é de que os cortes futuros da taxa básica de juro no Brasil serão muito mais profundos do que o sugerido hoje pela curva e essa distorção pode começar a ser percebida com mais intensidade pelo consenso já a partir desta reunião do Copom. Não é tão relevante se vem 25 ou 50. O importante para o investidor é como seus títulos irão se comportar a partir daí. Por isso eu acho que a hora de comprar títulos indexados à inflação e prefixados é justamente agora. Deixem essa história de conhecer o futuro para esses super-heróis, portadores do dom da vidência. Na Grécia antiga, a função era desempenhada pelo Oráculo de Delfos. Hoje, ele mudou de nome: atende pela alcunha de economista.
Na véspera da decisão do Copom, juros futuros iniciam negociações em queda, reagindo principalmente ao comportamento do IGP-M mensal, abaixo das projeções. Otimismo visto no mercado de DI não se estende à renda variável. Talvez por conta de um movimento de realização de lucros após a disparada de ontem, Ibovespa Futuro contraria clima positivo no exterior e abre em baixa de 0,56%. Alguns metais interrompem sequência de alta lá fora, assim como barril de petróleo, sob dúvidas com divisão da Opep - não há expectativa consensual de acordo do cartel em prol do controle da produção em sua reunião amanhã. Dólar está praticamente estável contra o real. Agenda doméstica é completada por PNAD contínua, com desemprego no trimestre terminado em outubro marcando 11,8%, em linha às projeções. Nos EUA, temos dados do PIB, acompanhados pelo PCE, importante referência de inflação, além de confiança do consumidor e preços de moradias. Na Europa, saem inflação ao consumidor na Alemanha, sentimento econômico na Zona do Euro e PIB da França.
332
89 |
Minha deliberação de fim de ano:
não ter deliberação de fim de ano
12/12/16
Em 31 de dezembro de 2015, decidi parar de beber no ano seguinte. Dez dias depois, estava completamente bêbado celebrando 31 primaveras. Não dava mesmo para cumprir. Sabe como é: sem tomar umas, ninguém segura esse rojão, na minha adaptação de Chico Buarque. No momento em que você recebe aquele poema atribuído ao Carlos Drummond de Andrade no seu Whatsapp sobre fatiar o tempo, começa a pensar em mudanças impreteríveis para os próximos 12 meses. Sempre achei as listas sobre o que fazer no ano novo ótimas para nos causar decepções. Nunca funcionaram. Se resistiam até o Carnaval, já era ótimo. Talvez haja uma razão para tanto: mudanças efetivas precisam de verdadeira reeducação e não de apenas apoio da virada do calendário. Ou você mexe na estrutura, nas bases da coisa, ou não conseguirá os resultados desejados. Se formos pensar na essência da coisa, não há por que mudar “no ano seguinte”. Todas as reais mudanças de paradigma exigem algo definitivo. Se você para de fumar por um ano, por que haverá de retomar o hábito em 2018? Se pratica esportes por 12 meses ininterruptos, vai abandonar depois? Troque a mentalidade; esqueça o calendário. A única vez em que realmente usei o réveillon para uma deliberação pragmática foi em 2012. Queria ficar magro e forte – ah, quem não quer? Passei por um processo profundo de reeducação alimentar. Faço esporte diariamente e tenho objetivos cada vez mais audaciosos. Passaram cinco anos e ainda estou longe do que gostaria. São inegáveis as mudanças, porém. Acho curiosas as pessoas que decidem emagrecer. Mudam a dieta hoje esperando caber num vestido na próxima quarta-feira. Fazem duas aulas de ginástica funcional no parque do Ibirapuera e cobram um abdómen six pack. É obvio que não funciona assim. 333
O camarada faz três semanas de musculação, sendo duas delas de adaptação, não vê resultado, xinga o personal trainer e desiste da coisa. Entendo a frustração: os esforços e a fome vêm a curto prazo. A barriga tanquinho demora. Esse descolamento de fluxos de caixa, com a saída vindo na frente e o benefício lá no futuro, arrebenta o cidadão – e estimula a proeminência abdominal. Todos querem ver as fibras saindo pelo deltoide lateral. Ninguém topa a disciplina e a paciência necessárias para conquistá-lo. O paralelo entre regime/prática de esporte e a construção de patrimônio é evidente. Eu adoraria ficar rico amanhã. Quem não? Economizar diariamente e fazer investimentos pensando em 10 anos, jamais… Dinheiro não nasce em árvore e, mesmo se o fizesse, demoraria algum tempo para a muda se transformar em fruto. A biografia mais extensa de Warren Buffett, o maior investidor de todos os tempos, se chama Bola de Neve. Não vem por acaso. Os investimentos devem se beneficiar da beleza dos juros compostos, cujos benefícios a longo prazo são formidáveis – mas pouco perceptíveis ex -ante. Se você comprime o horizonte temporal de seus investimentos, abre mão do efeito maravilhoso que a aritmética lhe oferece, de juros rendendo sobre juros. Infelizmente, o timing das empresas, ou seja, da economia real não é o mesmo do mercado financeiro. Então, quando você compra uma ação esperando uma melhora de resultado da respectiva companhia, você precisa esperar que o ciclo econômico projetado se concretize. Se não for assim, é você quem está jogando contra si mesmo, pois quer antecipar para hoje benefícios que só virão no futuro. George Soros teve um único ano ruim, em 1981, e viu investidores supostamente fiéis simplesmente pularem do barco. Descobriu na prática, da pior forma possível, que, se o dinheiro não entra pela porta, a fidelidade dos clientes foge pela janela. Soros passava pela sua chamada “crise de identidade” e, diante da aposta inadequada na queda dos yields dos bonds, sofreu imediatamente com questionamentos de que não seria mais o mesmo desde a saída de Jim Rogers, no ano anterior. 334
Obviamente, aqueles que abandonaram o Soros Fund naquele momento certamente devem ter se arrependido. As aves de rapina impacientes perderam uma das maiores multiplicações de cota da história. Luis Stuhlberger passa seis meses sem performar bem e nego já começa a questionar se ele “perdeu a mão”. Isso não tem o menor cabimento. Ou você tem um plano de longo prazo para suas finanças ou vai abandonar o barco na hora errada. Aqueles que deixaram o Soros Fund em 1981 fizeram mal a George Soros, é claro. Como se pode ver, ele, porém, conseguiu sobreviver a isso. Os desertores fizeram mais mal a si mesmos. O ato de cuidar de seu dinheiro não deve estar circunscrito a 2016 ou 2017. Precisa ser um ato perene, para além de uma deliberação de final de ano. Qual deve ser seu objetivo: comprar um apartamento, trocar de carro? Não. É um fim em si mesmo. Cuidar de seu patrimônio per se já lhe é justificativa suficiente. Lembro-me do ato da corrida. Não encontro palavras melhores para descrever a associação do que aquela de Phil Knight, fundador da Nike: “Quando você corre em uma pista oval ou em uma estrada vazia, não tem um destino verdadeiro. Não é apenas por não haver linha de chegada; é porque é você quem define a linha de chegada. Os prazeres ou ganhos que podem ser obtidos por meio do ato de correr, sejam quais forem, precisam ser encontrados dentro de si. Tudo depende de como você encara a corrida, de como a negocia consigo mesmo. Todo corredor sabe disso. Você corre, quilômetro após quilômetro, e nunca sabe exatamente por quê. Diz a si mesmo que está correndo em direção a um objetivo, que persegue algum ímpeto, mas, na verdade, você corre porque a alternativa, que é parar, o faz tremer de medo. Deixe que todos chamem a sua ideia de maluca. Apenas continue. Não pare. Nem pense em parar enquanto não chegar lá e não pense muito sobre onde fica este lá. O que quer que aconteça, não pare. Esse foi o conselho precioso, cauteloso e urgente que consegui dar a mim mesmo, do nada, e que, de alguma forma, fui capaz de seguir. 335
Meio século depois, acredito que é o melhor conselho – talvez o único – que qualquer um de nós deva dar.” Queria muito que investir, para você, fosse ato contínuo, para sempre. É com essa filosofia que eu toco a Carteira Empiricus. E eu gostaria que você entendesse. Não é por mim. É por você mesmo. Volto de dois dias de folga com uma enxurrada de perguntas sobre a delação da Odebrecht. As perguntas têm razão de ser. Cláudio Mello implicou um monte de gente, citando inclusive Michel Temer e um pagamento de R$ 10 milhões em espécie ao escritório de José Yunes, amigo pessoal do presidente. Não há novidades nos tais 10 milhões, que já haviam aparecido na delação de Sérgio Machado, mas a forma traz preocupação. Ninguém sabe o que virá pela frente. Há outras 76 delações somente da Odebrecht. Sinceramente, acho difícil que o governo de Michel Temer resista a tudo isso. Há muitos obstáculos a serem superados: Odebrecht, TSE e outras coisas que possam surgir no meio do caminho. E sabe o que eu acho disso tudo? Acho bom. É evidente que o mercado vai sofrer e haverá volatilidade no curto prazo, pois todos morrem de medo da incerteza – a rigor, já notamos isso hoje, com juros futuros e dólar subindo, enquanto Ibovespa Futuro recua 1,2%. Mas um fim terrível é preferível a um terror sem fim. Não há como conviver com a ameaça constante de que o inverno está chegando. A cada sexta-feira, é um medo de uma capa de revista. A cada delação (não se esqueça: faltam 76 só da Odebrecht!!!), o mundo treme. É simplesmente impossível haver recuperação efetiva da atividade com esse medo de que há algo novo e terrível a ser anunciado a qualquer momento. O processo de limpeza ética, moral e institucional não pode poupar ninguém. Se queremos um Novo Brasil, precisamos de uma faxina ampla e irrestrita. É a volatilidade ruim de curto prazo que nos permitirá pavimentar a via para um futuro efetivamente diferente. A ausência dela é que me traz medo, pois empurra a poeira (e a propina 336
ou o Caixa Dois) para baixo do tapete, faz crescer o risco escondido, aumentando a probabilidade de um evento de cauda, justamente para os quais estamos despreparados.
O remédio, porém, é amargo. E devemos apertar os cintos no curto prazo. Além da instabilidade política, mercados sofrem hoje com nova alta da taxa dos Treasuries de 10 anos, já em 2,50%. Movimento desta segunda-feira é, sobretudo, reação à disparada dos preços do petróleo, que avançam 4% após acordo para corte na produção por países não pertencentes à Opep. Commodity atinge maior patamar em 17 meses. Agenda doméstica traz relatório Focus, com nova revisão para baixo nas projeções de inflação e PIB. BC completa rolagem de swaps de janeiro com oferta de até 9.995 contratos. Lá fora, há poucas referências de peso hoje. À noite, saem dados da balança comercial e produção industrial na China.
337
90 |
Algumas palavras sobre um bull market 16/12/16
Pobre do analista/economista/gestor otimista. O sujeito já nasce condenado. Ao primeiro comentário positivo, os ouvintes levantam as sobrancelhas desconfiadamente e inclinam suas cabeças para trás, promovendo um afastamento físico inconsciente do interlocutor. Todos querem demonstrar maior diligência, profundidade e serenidade. Sempre haverá um gênio para antagonizar com a proposta favorável. Como são mais profundos os pessimistas, não é mesmo? Arre, estou farto de semideuses. Essa pseudointelectualidade das ponderações, das ressalvas, dos contra-argumentos. Querem elevar ao grau máximo o redator de antíteses. Na esfera platônica, funciona que é uma beleza. Eu mesmo sou capaz de listar uma lista infindável de críticas às minhas próprias suposições. Ao final do dia, porém, precisamos nos posicionar. Qual é a alternativa prática? Essa é a pergunta a ser endereçada. Eu entendo todas as suas ressalvas, mas então me responda: como vamos fazer para superar este inimigo poderoso chamado CDI, que roda contra nós a uma velocidade estonteante de 1% ao mês. Vamos comprar dólar a R$ 3,40? Veja que isso embute, necessariamente, a crença de que o câmbio vai a R$ 3,80 em 12 meses, para que comecemos a empatar! Ou vamos colocar as costas – recorro ao eufemismo para evitar a palavra mais direta que eu gostaria de usar; vocês ficariam bravos se eu a utilizasse? – na parede protegendo-nos na segurança do CDI, mesmo sabendo que, cedo ou tarde, o juro real atual, em que pese a provável volatilidade de curto prazo, haverá de cair de forma pronunciada? Sem querer soar grosseiro, tampouco desprezar a importância da dialética, mas “vai que…”, “você também tem que ver que…”, “precisamos tomar cuidado com….” não adiantam de nada se não vierem acompanhados de uma proposta pragmática do que fazer. As finanças 338
pertencem aos praticantes, e não aos teóricos incapazes de apertar os botões. Certo ou errado, só há uma medida de sucesso neste mercado: você é um ganhador de dinheiro? Até confesso que gostaria de haver outras, mas, infelizmente, confesso que não há. Sendo justo com os financistas, a desconfiança com os otimistas não é exclusividade desse universo. Toda a história do pensamento premia os pessimistas em detrimento aos primeiros. Você pode convidar o otimista para um jantar na sua casa ou para fazer-lhe companhia no Carnaval. Dificilmente, porém, haverá de confiar-lhe a construção de sua casa ou a gestão de seu patrimônio. Claro, somente os pessimistas gozam da profundidade, da diligência e da disciplina necessárias ao processo. Nietzsche, Schopenhauer, Montaigne, uma tríade de filósofos aclamados por sua visão desconfiada da condição humana e social. Então, veio o Roger Scrutton com seu best-seller As vantagens do pessimismo e, supostamente, encerrou a discussão de forma definitiva. Agora deixe-me voltar à argumentação para o escopo estrito dos investimentos. Mesmo com os dois últimos meses terríveis, a Bolsa brasileira acumula alta de simplesmente 35% em 2016. Bastam 45 dias de queda (de intensidade pequena perto da valorização recente) e todos se desesperam. O sujeito manda vender a 50 mil pontos; vê o índice ir a 64 mil. Então, o Ibovespa volta a 58 mil e ele vocifera: “não falei que ia cair?” Lembro-me de Eugene Fama caçoando de Alan Greenspan: “todos lhe atribuem o dom da clarividência por ter cunhado o termo exuberância irracional. De fato, é uma expressão garbosa, mas isso não elimina o fato de que, pragmaticamente, o mercado nunca voltou abaixo dos níveis em que Greenspan havia apontado originalmente a tal exuberância. Os índices continuam subindo vigorosamente e somente após um tempo razoável caem, ainda mantendo-se bem acima do patamar anterior.” Permita-me falhar-lhe algumas palavras sobre um bull market verdadeiro (mercados em tendências de alta). Esses percursos de grandes multiplicações históricas não são lineares. No meio do caminho, necessariamente haverá quedas importantes e a sensação de que abandonamos a tendência. 339
No bull market de 1992 a 1997, o Ibovespa em dólares teve, no meio do caminho, uma queda superior a 60%. No longo prazo, é só uma perninha, mas enquanto você atravessa a tormenta, parece desesperador. Se você pulou do barco fora de hora, assustado com a perda momentânea, sabe quanto perdeu? Isso obviamente dependeria do momento exato em que saiu, sendo impossível responder diretamente. Mas o ciclo inteiro ofereceu uma multiplicação de 11x – sim, mais de 1.000% em seis anos. Não é uma hipótese, nem uma hipérbole. Aconteceu, ponto final. “Ah, mas isso foi uma exceção.” Na verdade, não. Este é o padrão do bull market. O ciclo de 2002 a 2008 multiplicou o patrimônio do cidadão, em dólares, por 21x. Isso muda para sempre o patrimônio do investidor. Você captura um deste e muda de patamar. Simples assim, sem conversinha fiada. Claro que no meio do caminho houve momentos ruins, com um draw down (queda desde a máxima) de 35% e outro de 30%. Pude aprender com Robert Frey, um dos sócios do mitológico fundo Renaissance, que o mercado passa 2/3 do tempo em draw down, e metade disso em um draw down relevante, com baixa superior a 20% desde o pico. Ou seja, o mercado vai testar sua convicção, diariamente. Se você estiver em um bull market de verdade, porém, terá de decidir: saltar do barco e voltar a dormir tranquilo, ou expor-se à possibilidade de multiplicar por 10x em seis anos. Eu ainda prefiro o segundo caminho. A Carteira Empiricus está montada para capturar este esperado bull market. Ele já começou. A hora para se posicionar é justamente agora. Enquanto estão todos com medo, seja ganancioso. Os dois maiores obstáculos que se colocam à frente do touro neste momento envolvem muita fantasia (neste caso, eufemismo para arrepios de medo desprovido de fundamento) e pouca checagem empírica. O primeiro é o temor de que a alta do juro básico nos EUA e do yield dos Treasuries possa interromper o fluxo à Bolsa brasileira. Isso simplesmente não encontra respaldo em dados históricos. Ciclos de alta 340
dos juros nos EUA foram, tipicamente, associados à alta da Bolsa brasileira. Se você rodar a correlação entre o yield dos Treasuries de 10 anos e a Bolsa brasileira, verá algo bem próximo a zero. Ainda mais surpreendente, se refizer o exercício usando a note de 30 anos, encontrará um valor positivo – na média, as ações locais sobem com a alta dos yields dos Treasuries de 30 anos, possivelmente porque isso está associado ao crescimento econômico, dos lucros corporativos e das commodities, algo positivo para mercados emergentes. E o segundo elemento assustador é a hipótese de que não conseguiremos aprovar as reformas por conta da fragilidade do governo. Isso me parece falso porque é justamente um governo impopular que poderá avançar com medidas impopulares. Um governo admirado pela população não haverá de se arriscar. A pauta pelas reformas é uma escolha de Estado, e não de um presidente. A pauta em torno das delações, sobretudo da Odebrecht, esconde avanços importantes e estruturais como a PEC do teto, o encaminhamento da reforma da Previdência, melhora da governança das estatais, avanços microeconômicos (concessões e setor elétrico, notadamente), convergência de inflação para meta e queda da Selic. Até mesmo o minipacote de ontem merece elogios. Pode não ser paradigmático, tampouco trazer um superavanço do PIB em 2017, mas marca avanços importantes na esfera micro, ataca questões importantes de produtividade de longo prazo, ajuda no ajuste fiscal com regularização tributária e novo Refis. Com a profundidade de meu otimismo, pergunto: em qual patamar estarão os ativos financeiros em 2018 com Selic a 9%, PIB crescendo 3%, reforma da Previdência aprovada e as empresas bem enxutas e eficientes por conta dos ajustes dos últimos anos? Ao menos na sexta-feira, podemos dar uma folga na diligência pseudointelectualizada dos pessimistas. Mercados iniciam negociações de forma positiva. Reação ao Fed tem uma pausa lá fora, com yield dos Treasuries caindo. Bolsas majoritariamente subindo no exterior, espraiando clima favorável para cá.
341
Internamente, ponderamos pacote econômico anunciado ontem e nova citação do presidente Temer na delação da Odebrecht, sem grande impacto material no curto prazo – questão se refere a encontro de 2010 e portanto estaria alheia ao mandato atual. Agenda revela IPC-S (alta de 0,17%, em linha com projeções), pesquisa CNI-Ibope sobre popularidade de Michel Temer e sondagem industrial. Nos EUA, temos construção de casas iniciadas. Na Zona do Euro, saem inflação ao consumidor e balança comercial. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,4%, dólar cai 0,7% contra o real e juros futuros cedem.
342
91 |
A impressão que fica para seu 2017 20/12/16
Tudo que é novo gera desconfiança. Surge um novo tipo de cobrança no cartão de crédito e todos estão céticos quanto à sua efetividade. A adquirente está temerosa com a postura a ser adotada pelo regulador. Ela, porém, se engana, pois precisa daquele teste. Somente depois que o regulador vier e disser “ok, isto está de acordo com o marco”, a novidade deixará de ser uma excentricidade para virar uma prática recorrente. Novos mercados, produtos, tendências precisam ser testadas. Sem isso, num movimento amplificado pela era da pós-verdade típica do esperneio das redes sociais (ps.: soube que as olavetes organizadas estão me chamando de comunista por eu ter elogiado George Soros ontem; “frankly, my dear, I don’t give a damn”; preservo a péssima mania de escrever só e tudo que penso), fica a sensação tácita e informal de que a quebra estrutural burla de alguma forma a regulação. Se ainda não sofreu uma tese antagônica e sobreviveu, ou se não foi colocado explicitamente sob as diretrizes formais do regulador, então dificilmente será absorvido como novo consenso. Então, se você tem um negócio, um novo produto ou explora um novo mercado, torça para ataques na imprensa e olhos atentos do regulador. Isso oferecerá o teste necessário para que você se consolide. Quando o Uber ganhar um processo trabalhista, ponto final… c’est fini. Game over para os críticos. A ideia pode soar contraintuiva num primeiro momento, mas está devidamente apresentada pela dialética. Uma tese só vira síntese após o devido contraste com a antítese. Enquanto não encontra uma visão alternativa, ela é apenas uma tese, sem embasamento para comprovação científica, uma elucubração como qualquer outra. Ainda no campo da dialética, a ausência de hipótese alternativa crível à democracia liberal é ruim para a própria democracia liberal – e essa pode ter sido a falha de Francis Fukuyama e seu Fim da História. 343
Aonde eu quero chegar com isso? Se começamos em 2016 um bull market (termo aqui empregado para referir-se a uma vigorosa tendência de alta de longo prazo, em ciclos que podem representar multiplicações de 6x, 7x, 8x para os índices de ações em alguns anos) e não apenas um bear market rally (um pequeno rali de alta num mercado ainda baixista), precisamos que a tendência de alta seja testada. Havemos de encontrar antagonismo à tese. Então, temos uma pressão vendedora. O índice cai e forma um novo piso – sendo esse superior ao prévio, começamos a formar uma verdadeira tendência de alta. Daí, rumamos a um novo pico, também maior do que o anterior. E novamente aparece uma tese para confrontar o otimismo, voltando a um novo fundo. Topos e fundos ascendentes são a definição canônica de uma tendência de alta. Ou seja, você necessariamente precisa dos fundos. Caso contrário, você tem apenas metade da definição verificada. É lógica elementar. A cada vez que os ativos de risco voltam para cima, eles estão mais fortes e demonstram para quem quiser ver que podem resistir a choques no meio do caminho. E isso é bom, pois é inevitável que haja choques ao longo do processo. Evidentemente, quando estamos na pernada de baixa, as coisas parecem desesperadoras. A verdade, porém, é que esse tipo de comportamento está rigorosamente alinhado às características mais típicas de um bull market. Com efeito, mesmo com uma série de cruzados e diretos certeiros nos últimos meses (Trump, Calerogate, Odebrecht, Fed, resultados trimestrais ruins, PIB morto), o pugilista se mantém em pé. Ibovespa ainda sobe mais de 30% em 2016, em seu melhor ano desde 2009, em valorização semelhante à apresentada pelas NTN-Bs. O câmbio, a despeito de overshootings bem passageiros, ainda se comporta bastante bem. Sem querer pagar de grafista – eu realmente não tenho a menor vocação para isso –, quem olha comportamentos de longo prazo do Ibovespa em dólar nota que, travado o câmbio, poderíamos ainda cair para cerca de 54 mil pontos para preservarmos a tendência de longo prazo. 344
Essa mesma tendência que indica claramente estarmos numa região compradora quando se consideram horizontes temporais mais dilatados. O curto prazo tem sido especialmente difícil. E não há elementos capazes de sugerir mudança iminente. Não percamos de vista, porém: o ano tem sido espetacular para os ativos de risco brasileiros. Reais investidores de longo prazo devem se ater a isso, e não a oscilações de algumas semanas. Se estamos realmente num bull market – e eu acho que estamos –, os testes apenas reforçam a tese. The Mighty Mighty Bosstones, uma das clássicas one hit bands, resume o argumento de outra forma em The Impression That I Get: “I’m not a coward I’ve just never been tested. I’d like to think that if I was I would pass” – algo como: eu não sou um covarde; eu apenas não fui testado ainda. Gostaria de pensar que se fosse, eu passaria. Somente aqueles que foram efetivamente colocados à prova podem se considerar afastados da covardia. Cheerleaders espalhando pós-verdades em redes sociais precisam passar no teste.
Mercados começam terça-feira buscando direção, oscilações moderadas. Ponderam melhora do ambiente externo, depois de morte de embaixador russo e atentado na Turquia gerar desconforto ao final de ontem, e novidades de cunho doméstico. Destaque lá fora para queda do iene após BC japonês deixar inalterada política monetária, embora tenha flertado com revisão para cima nas projeções para a economia. Por aqui, chamam atenção medidas estruturais anunciadas pelo Banco Central sobre sistema financeiro, com avanços institucionais de longo prazo, embora sem grande efeito imediato, e possibilidade de atraso no julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, o que é boa notícia, dada nomeação em maio de dois nomes para o Tribunal pelo atual presidente. Agenda local reserva contas externas e arrecadação federal. Nos EUA, não há indicadores relevantes previstos. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,2%, dólar cai 0,15% contra o real, e juros futuros oscilam perto da estabilidade.
345
92 |
Não custa lembrar… 02/01/17
Um ano não se projeta, um ano se vive. Ok, ok, talvez eu seja o último romântico dos litorais deste oceano Atlântico. Em sendo o caso, é uma má notícia pra mim. Como diria a poeta Joni Mitchell, “todos os românticos encontrarão o mesmo destino algum dia… cínicos e amargos, irritando alguém em algum café escuro.” A frase inicial representa não o que é, mas o que deveria ser. Nós erramos, erramos e erramos as projeções. Inicia-se mais um ano e estão todos lá novamente fazendo previsões detalhadas para 2017, tentando refinar os seus modelos para estimativas mais acuradas agora. O que você imagina que acontecerá com as novas projeções? O mesmo sujeito que errou fragorosamente suas projeções ao final de 2015 volta a estampar a capa dos jornais com sua mesma bola de cristal, agora apenas um pouco mais lustrada. Onde está a lógica disso? Ele não entende que o problema não está com o seu objeto em particular e seu nível de limpeza. O problema está no uso de bolas de cristal, qualquer uma delas. Não adianta refinar os modelos de previsão do futuro. Não é essa a questão. Precisamos abandonar os modelos. Esse é o ponto nevrálgico, pois a realidade é não ergódica. Ela não pode caber em planilhas de Excel. Tecnicamente – e peço desculpas pelos palavrões –, as séries financeiras não preservam suas propriedades estatísticas ao longo do tempo. Usar, portanto, métodos que se apoiam em propriedades estatísticas históricas para projetar o futuro certamente trará erros. Seria apenas uma nota metodológica chata se a transferência para o campo do pragmatismo não lhe impusesse prejuízos financeiros significativos. As projeções lhe serão um mapa para o ano que se inicia. No caso, um mapa errado, o que, como sabemos, deve ser preterido a não ter mapa algum. 346
Deixemos a retórica para entrar no escopo da prática. Vamos ao caso mais simples possível. Abra o relatório Focus referente a 31 de dezembro de 2015. Está lá no site do Banco Central, aberto para quem quiser ver. Mediana das projeções para taxa Selic ao final de 2016: 15,25%. Mediana das projeções para taxa de câmbio ao final de 2016: R$ 4,25. Talvez você já tenha entendido o que quero dizer. O sujeito que se apoiou naquilo que, em tese, representa o estado da arte das projeções dos economistas para fazer seus investimentos em 2016 perdeu dinheiro! E perdeu muito. Não se trata apenas de um erro de dimensão e intensidade. Erraram a direção! Enquanto os doutos previam depreciação adicional da taxa de câmbio e subida da taxa Selic, tivemos justamente o contrário. Apreciação cambial vigorosa e cortes no juro básico. Aí fica realmente difícil defender. Mas isso não é o pior. Errar faz parte. Acontece nas melhores famílias. O que é mais surpreendente é: começa um novo ano e todos correm para colher as projeções dos mesmos economistas, como se nada tivesse acontecido. O mercado, que se orgulha tanto da eficiência e da meritocracia, não deveria punir a si mesmo e seus economistas? Vamos continuar premiando, dando atenção àqueles que, ano após ano, erram não somente suas contas, mas em toda sua abordagem? O futuro é e continuará sendo imprevisível. De onde eu venho, a incerteza jamais desaparecerá do processo. O amanhã permanecerá opaco, imprevisível, incognoscível. Aliás, para nossa felicidade. No dia em que soubermos exatamente como será o futuro, as coisas terão perdido a graça. Não se trata de resolver a incerteza eliminando-a do processo – isso seria brincar de Deus e, felizmente, ainda não nos cabe. Trata-se de viver e decidir num ambiente sob incerteza, em que se pondera quanto se ganha e quanto se perde em cada um dos cenários possíveis. Vamos atrás de assimetrias convidativas entre lucros e prejuízos potenciais. 347
Pode parecer pouco, mas é o melhor que posso lhe desejar neste 2017. O resto é charlatanismo, a aplicação do desejo de controle de tentar antever coisas que, por definição, são indecifráveis a priori. A análise psicanalítica, por exemplo, não projeta o comportamento do paciente. Ela conversa, transita pelo sujeito, aborda por diferentes lados. E melhora o camarada. É por aí que devemos ir.
Mercados iniciam o ano sem movimentos muito significativos, ainda sob baixa liquidez, com bolsas fechadas em Nova York e Londres. Destaque maior para contratos de juros futuros, que recuam com um pouco mais de força, empurrados por notícias favoráveis envolvendo inflação. Aneel definiu bandeira verde para janeiro, reajuste de salário mínimo de 6,47% ficou um pouco abaixo das projeções e João Doria e Geraldo Alckmin mantiveram tarifas de transporte para 2017. Em paralelo, relatório Focus (é, ainda tenho de ceder a isso) trouxe revisão para baixo na mediana das projeções para Selic ao final de 2017, de 10,50 para 10,25% - estamos caminhando para um dígito… Agenda local ainda tem IPC-S (0,33% contra expectativa de 0,34%) e balança comercial à tarde. Lá fora, não há indicadores relevantes previstos para o dia. No final de semana, China publicou dados da produção industrial, com 51,4 pontos em dezembro, frente a 51,7 pontos em novembro e 51,5 pontos esperados. Ao sinalizar expansão (>50), ainda foi visto como positivo. Ibovespa Futuro abre em queda de 0,60%, realizando lucros da semana passada, enquanto dólar sobe ligeiramente contra o real e juros futuros registram queda. Não custa lembrar: ao final de 2015, ninguém (ou quase ninguém) projetava alta das ações em 2016. Deu no que deu. Se você quer desafiar o consenso novamente, compre as Melhores Ações da Bolsa.
348
93 |
Devagar com o andor porque o Robert é de Barro 10/01/17
Você investe em ações? Se não, quanto a Bolsa precisaria lhe pagar de retorno adicional sobre a renda fixa para atraí-lo para o mercado acionário? Se sim, vale a mesma pergunta, trocando o verbo “atrair” por “aumentar sua exposição. Supostamente – e eu poderia elencar uma série de situações em que esse “supostamente” não é válido, mas deixemos isso pra lá por enquanto –, as ações são mais arriscadas do que a renda fixa. Assim, só fará sentido para você ir para a Bolsa se ela lhe pagar mais do que outras aplicações, teoricamente, menos arriscadas, certo? Esse tal retorno adicional da Bolsa sobre a renda fixa recebe o nome de Equity Risk Premium (ERP) ou Prêmio de Risco de Mercado. Ele é um puzzle na literatura acadêmica tradicional, uma espécie de problema não resolvido, pois, apesar de muito estudo a respeito, ainda não há um modelo capaz de explicar seu comportamento. Somos capazes de estimá-lo e identificar sua existência. Há três formas clássicas de fazê-lo. A primeira sugere observar empiricamente quanto a Bolsa paga sobre a renda fixa – tecnicamente, você roda uma regressão dos retornos do S&P contra aqueles dos Treasuries e percebe a superioridade dos primeiros; a média lhe fornece justamente o prêmio de risco de mercado típico. A segunda implica um survey com agentes financeiros, em que se pergunta para investidores, analistas, CFOs ou qualquer outro tipo de gente quanto eles exigiriam de retorno a mais das ações sobre a renda fixa. E a terceira contempla a estimativa dos fluxos de caixa futuros para as empresas/ações e os títulos de renda fixa – assim, assumindo projeções acuradas, teremos uma expectativa de quanto a Bolsa pagará sobre a renda fixa. 349
Aswath Damodaran, por exemplo, é um clássico estudioso do tema e mantém estimativas atualizadas para o ERP em seu site. Apenas como curiosidade, em linhas bastante gerais, historicamente, o prêmio de risco de mercado para países industrializados ronda 5%. O Brasil é uma grande jaboticaba e, na maior parte das vezes, oferece prêmio de risco de mercado negativo. Isso é uma péssima notícia para um equity guy, como este pobre redator – mas… é a vida. Na média, a Bolsa brasileira, mesmo sendo mais arriscada, paga menos do que a renda fixa! O problema da parada é que estamos falando apenas da média. E a média diz muito pouco. O ERP não é um parâmetro, algo fixo ao longo do tempo. Ao contrário, ele é uma variável. Em determinados momentos, é muito positivo e, em outros, pode até mesmo ser negativo, mesmo nos EUA. Aí a coisa aperta, pois ninguém ainda pode associar sua trajetória ao longo do tempo a determinadas variáveis explicativas com significância estatística. Em outras palavras, ninguém sabe como esse bicho se comporta. Ou, numa nova tentativa: não há um modelo estatístico para lhe dizer quando Bolsa é melhor ou renda fixa é melhor. Robert Barro foi quem, talvez, tenha chegado mais perto da modelagem do ERP. No artigo Rare Events and The Equity Premium, publicado no National Bureau of Economic Research, que na verdade é uma reciclagem de paper anterior do Rietz, de título The Equity Risk Premium: A Solution, para o qual não se deu a devida atenção, Barro relaciona o comportamento do prêmio de risco de mercado à ocorrência de eventos raros e encontra significância estatística nisso. Sem querer ficar muito técnico aqui (o leitor não técnico pode pular este parágrafo, sem qualquer perda de conteúdo prático), é uma contribuição importante, pois todo o instrumental anterior utilizava-se de uma abordagem de média-variância (dois primeiros momentos da distribuição), sem considerar momentos superiores como a curtose. Apesar de conseguir brilhantemente associar o ERP à existência de eventos raros, Barro falha em conseguir montar um modelo com 350
boa capacidade preditiva do prêmio de risco. Ou seja, sabemos que prêmios de risco têm importância para explicar o ERP, mas não conseguimos projetar seu comportamento à frente. O ponto que nem Robert Barro entendeu é que, se há eventos raros, perde-se imediatamente a capacidade preditiva, pois eles são intratáveis estatisticamente. Por definição, qualquer abordagem econométrica razoável necessita de uma amostra minimamente grande. E como ter uma amostra grande de eventos raros, se eles são raros? É uma impossibilidade lógica. Então, se assumimos que o quanto a Bolsa paga mais do que a renda fixa depende de eventos raros, precisamos assumir subsequentemente que jamais poderemos saber quando e como vai se comportar esse retorno adicional. Se você gostaria de transpor essa conversa para uma abordagem prática e pretende saber a minha opinião sobre a coisa no momento, vejo um prêmio de risco suficientemente alto na Bolsa brasileira agora para atrair novos investimentos. Fazendo uma conta bem de padeiro: Ibovespa negocia a 12x lucros agora, em linha com média recente. Em momentos de inflexão semelhante dos lucros corporativos, queda projetada para taxas de juro e melhora do ambiente político, índice foi negociar acima de 14,5x lucros. Assumindo a repetição desse comportamento, teríamos somente dessa convergência um potencial de valorização da ordem de 21%. Comparado ao pré de um ano em torno de 11,50% agora, é um retorno excedente bastante convidativo. Isso, entretanto, é só a minha opinião, sem qualquer significância estatística. Há algo mais relevante: a alocação de investidores institucionais em renda variável está próxima a patamares mínimos e, com a queda brutal da Selic, essa gente deve migrar para a Bolsa. Com efeito, segundo dados da Anbima, da alocação total em fundos locais, apenas 8,7% está em ações, o que representa o menor nível em 16 anos. Em outras palavras, tem muito dinheiro para chegar à Bovespa. Mas isso é assunto para um outro texto. 351
Mercados iniciam negociações ponderando desempenho bem acima do esperado das vendas ao varejo em novembro, com alta de 2% contra expectativa de 0,3%, e valorização das commodities no exterior, após inflação ao produtor na China vir bem superior às projeções (+5,5% contra prognóstico de +4,8%). Captação muito bem sucedida de Petrobras no exterior também é motivo de bom humor, ao sinalizar alguma superação da fase mais crítica da estatal e interesse por ativos brasileiros, com demanda sendo um múltiplo da real colocação. Além de vendas ao varejo, mercado local digere IGP-M em alta de 0,86% em prévia mensal e espera dados da safra agrícola. Encaminhamento de plano emergencial de recuperação fiscal do Rio de Janeiro é destaque da esfera política. Nos EUA, saem relatório Jolts de emprego e estoques no atacado. Mais à noite, Banco Mundial divulga relatório com perspectivas globais. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,9%. Juros futuros buscam definir tendência, com mais curtos subindo atentos às vendas ao varejo e longos caindo. Dólar próximo à estabilidade frente ao real. PS.: Dado o enorme interesse do investidor pelas operações com opções, oferecemos um curso especial preparado pelo Bruce sobre o tema. Muito se fala a respeito, mas poucos realmente entendem o propósito da coisa. E poucos também carregam a profundidade do Bruce, que foi trader de opções em Londres, no tema.
352
94 |
Admirável juro novo 11/01/17
Dias em que há decisão do Copom são um tanto repetitivos. Nas situações em que existem dúvidas sobre a atualização da Selic, exatamente como hoje, então, os dias são 100% repetitivos. A pergunta é sempre a mesma: “E aí, para quanto vai o juro hoje?” A resposta também não muda: “eu não sei.” Curioso como não é necessário tentar convencer assinantes e imprensa da incapacidade humana de prever o futuro. A tarefa mais dura é transmitir a abordagem mesmo internamente. Todos querem entender o mundo. Eu quero viver num mundo em que não entendo. Mais precisamente, é a única coisa que me resta. Breve confissão pessoal: quando você começa a estudar finanças, vê uma série de recomendações pela necessidade de se buscar uma cultura empresarial, perseguir um conhecimento institucionalizado, garantir uma sucessão. Parece tão simples quando se projeta nos outros. E é tão difícil sentir na própria pele. “Ah, mas então como você faz para passar pelas reuniões do Copom sem saber seu resultado?” Não montando posições que dependam estritamente delas. Você não precisa se colocar na posição de um tesoureiro de banco que, a cada reunião, joga uma moeda para cima e decide se aposta num corte de 50 ou 75 pontos do juro básico. No mercado financeiro, a moeda se chama Eviews e o cara e coroa responde por econometria. Alan Blinder, que esteve no Fed entre 1994 e 1996, trouxe lições valiosas sobre política monetária no clássico livro Bancos Centrais: Teoria e Prática. Ali, está clara a mensagem por vezes negligenciada: há muito de ciência em política monetária, mas a arte cumpre papel determinante também. E eu lamento lhe informar, caro economista, mas sua planilha de Excel, exportada para o software Eviews, não será capaz de capturar a arte. 353
Querem embutir nas decisões do Banco Central um critério absolutamente científico, com rigor cirurgicamente definido a partir de métodos quantitativos. Não é assim. Há boas razões para se cortar 50 pontos, e outras igualmente boas apontando 75. Ao optar por um ou outro, o Copom não terá errado. Ele apenas fará uma opção, respeitando a sua função de preferências. Ou seja, o quanto ele pondera desvios da inflação em relação à meta, e discrepâncias do produto em relação ao potencial. Há uma obsessão maniqueísta por querer colar adjetivos positivos ou negativos na autoridade monetária, quando ela apenas faz uma escolha num ambiente de elevada incerteza, em que trade offs são inevitáveis. “Ah, então você propõe uma postura niilista, de que não há o que fazer?” Obviamente, não. Não saber o que você vai encontrar na festa não significa que você não deva participar do encontro. O juro nominal de longo prazo no Brasil hoje aponta algo em torno de 8,5% ao ano. E é pra lá que devemos caminhar num horizonte de 18 meses – obviamente, com uma margem para cima ou para baixo em torno disso. Fato é: o juro será muito menor lá na frente, inclusive muito inferior ao contemplado hoje na curva. Penso no que seria esse ambiente de Selic a 8,5% por um tempo considerável e, espontaneamente, me vem à cabeça as aulas da brilhante Ana Maria Bianchi, que de forma curiosa fui descobrir depois ser irmã do também brilhante Guilherme Affonso Ferreira. Eu e Rodolfo gostaríamos de promover um debate da Deirdre McCloskey com o Persio Arida sobre retórica na Economia, mediado pela Bianchi – ainda não corremos atrás disso pragmaticamente por desconfiar que só haveria nós dois na plateia. Lá se vão 15 anos e, mesmo sem eu querer, tenho as imagens da lousa das lições de Metodologia da Economia – Thomas Kuhn e o surgimento de novos paradigmas. O mercado ainda subestima o que pode ser esse ambiente de juros substancialmente menores e de maneira sustentável. Isso implica 354
uma revolução para o apreçamento dos ativos. Para as ações, em particular teríamos efeitos brutais, entre os quais: - Redução expressiva da despesa financeira, com impacto substancial sobre as margens de lucro e, portanto, sobre o quanto valem as companhias; - Normalização dos spreads, posto que ao ponto anterior deve haver um achatamento dos prêmios exigidos para concessão de empréstimos, hoje muito elevados, com os mesmos desdobramentos supracitados; - Diminuição vigorosa das taxas de desconto utilizadas para os cálculos dos valores justos das empresas; lembrese: uma companhia vale a soma de seus fluxos de caixa de hoje até o infinito, trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada (se caem muito as taxas de juro, essa taxa de desconto acompanha, empurrando para cima o valuation das empresas); - Recuperação do crescimento econômico, com consumo e investimento sendo estimulados pelo juro mais baixo, implicando, claro, maior demanda pelos bens produzidos pelas empresas listadas na Bovespa e desengavetando projetos anteriormente inviáveis. Eu não estou aqui para prever a decisão do Copom hoje. Walter Mercado o faria melhor. Eu quero chamar sua atenção para esse novo paradigma que pode se formar. É isso que você tem de aproveitar.
Mercados iniciam quarta-feira buscando uma direção. Há certa cautela por entrevista coletiva de Donald Trump, que pode trazer mais volatilidade aos mercados após um início de ano sem muitas oscilações pronunciadas. Por aqui, além do Copom, agenda traz IPCA de dezembro, em alta de 0,30%, contra ex-
355
pectativa de 0,34%. Quebrando um pouco o indicador, porém, notícia não é tão boa, com serviços mais altos, núcleos e difusão um pouco piores. Fluxo cambial semanal completa lista de referências econômicas relevantes. Lá fora, estoques de petróleo nos EUA estão no foco, após sinais de incremento da produção global da commodity nos últimos dias. Ibovespa Futuro abre em alta de 0,70%, de olho em mais um dia de performance positiva das mineradoras no exterior. Dólar e juros futuros oscilam tentando uma tendência, com jogo incerto por enquanto.
356
95 |
Eu escrevo mesmo é para os loucos 12/01/17
“Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que veem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os veem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam.” Ou, em outras palavras… “Porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos “aaaaaaah!”” Eu adoraria ter escrito essas frases. Infelizmente, não é o caso. É Jack Kerouac, no clássico On The Road. Hoje é um dia bom para mim. E assim o é por uma única razão: hoje é um dia bom para os nossos clientes. Aqueles que seguiram os comentários sobre a taxa Selic hoje ganharão dinheiro. Posso falar isso com total desprendimento e sem arrogância pois o mérito do trabalho bem feito não é meu, mas integralmente da Marília, responsável por Renda Fixa aqui. Note que chegamos a isso sem necessariamente precisar cravar se viriam 50 ou 75 pontos no juro dessa vez, pois, admitamos, jamais saberíamos – uma diminuição menos substancial foi admitida como possibilidade pelo próprio Copom. 357
Em 30 de maio de 2016, há sete meses, escrevemos a seguinte loucura: “Você está preparado para lucrar com juros de um dígito? A taxa de juros vai despencar dos atuais 14,25% para menos de 10% já nos próximos 18 meses.” Está aí disponível na internet para quem quiser ver. O link é http://sl.empiricus.com.br/cr16-selic/. Hoje, virou expectativa de consenso. Agora perdeu a graça. E eu me nego a fazer parte de um clube que me aceita como membro. A verdade, porém, é que há sete meses isso soava como uma atrocidade, mais uma daquelas maluquices exageradas e sem fundamento, exatamente igual haviam sido O Fim do Brasil, A Virada de Mão, O Calote, As Oportunidades de Uma Vida, O Contragolpe, O Novo Brasil… por aí vai. Eu sinceramente não sei se continuaremos acertando assim à frente. Acho até que seja mais provável que não. E precisamos estar preparados para isso. Fato é, porém, que o passado não se muda. Ninguém o poderá tirar de nós. Claro que hoje o corte de 75 pontos na Selic e a consequente revisão geral das projeções para uma expectativa de taxa básica inferior a 10% neste ano “era óbvio” – ou, para repetir a intonação e a extensão vocal de meu amigo Bruce, “óóóóbvio”. Com toda certeza, a partir da noite da última quarta-feira, 9 entre 10 economistas previram antes a Selic de um dígito ao final de 2017. A memória pode criar uma versão diferente. Cada um reescreve a história da maneira que bem entende. A verdade, porém, é só uma: “Mercado espera corte de 0,50 ponto na taxa básica de juro nesta semana” – era título de matéria do ilibado Valor Econômico, a maior referência em jornalismo financeiro no Brasil, não é mesmo? Também está aí na internet para quem quiser ver (http://bit.ly/2lwafej). E os economistas… erraram de novo! Não deveria ser surpreendente, dado o histórico. O engraçado mesmo de tudo isso é que chegará a próxima reunião do Copom e farão rigorosamente a mesma matéria, consultando exata358
mente os mesmos economistas, aqueles que erram e errarão fragorosamente de novo. Para eles, não haverá problema. Aqueles sem compromisso algum com suas palavras, que proliferam seus pensamentos sem contrapartidas às suas opiniões, continuarão bem remunerados, barganhando bônus de final de ano, concedendo entrevistas de terno devidamente cortado e gravata Hermes, fazendo pose na capa do jornal, orgulhosos da sofisticação de seu modelo econométrico. Às favas com as tentativas de controle. Não podemos fazer a realidade caber numa planilha de Excel – aliás, ainda bem. Como seria chato se assim fosse. Vamos ouvir (ler) quem interessa: “Acreditamos que as chances de um corte agressivo de 75 bps em janeiro são bastante boas, e além da posição em juro real, montamos uma posição aplicada em pré para capturar tal movimento.” Isso é um trecho da carta mensal do fundo Verde, igualmente disponível na internet (http://bit.ly/2lmpAD0). Se você tiver de aconselhar-se com alguém, não ouça economistas desprovidos de liabilities pelas suas opiniões. Tampouco procure informações da imprensa, que apenas reproduz o consenso pasteurizado e supostamente imparcial – pois ele já está, por definição, refletido no preço dos ativos, pois os mercados são informacionalmente bastante eficientes. Isso não poderá lhe render insights valiosos para investimentos. Escute quem tem sua pele em jogo. Aqueles que ganham ou perdem dinheiro a partir de suas posições. Uma opinião sem exposição vale zero. Além de um pouco de malandragem (pois sou criança e não conheço a verdade), eu só peço a Deus (e a mim mesmo) para não reproduzir o consenso, para cada vez mais falar loucuras (acertadas) fora da caixa, para não repetir clichês e fatos estilizados que você pode encontrar por aí. No dia em que eu escrever “compre ações de empresas varejistas e construtoras, pois elas devem se beneficiar da queda do juro” ou qualquer coisa parecida, por favor, cancele suas assinaturas 359
da Empiricus. Isso você encontra por aí aos montes. E de graça. Continuaremos na estrada, trabalhando feito loucos, atrás de outras oportunidades interessantes. Acertar é difícil à beça, e nunca saberemos até quando a sorte estará do nosso lado.
Mercados abrem em festa nesta quinta-feira, empurrados pelo corte mais agressivo da Selic. Há elementos positivos no exterior também, conjugando um alinhamento dos astros para ativos brasileiros. Petróleo mantém alta após subir 2,8% ontem. Minério de ferro avança pela quarta sessão seguida. Ibovespa Futuro sobe 3%, juros futuros desabam e dólar também recua, com apetite por ativos brasileiros. O efeito do juro, conforme comentado ontem, é brutal para ativos de risco. Não se trata apenas de um corte de 75 pontos, mas de toda uma sinalização de que novas diminuições dessa magnitude estão a caminho. Bem-vindos ao tal novo paradigma de taxa de juro! Agenda doméstica traz pesquisa mensal de serviços e estimativas para resultado fiscal, embora Copom domina por completo as atenções. Nos EUA, saem preços de importação e pedidos de auxílio-desemprego. Há ainda ata do BCE e produção industrial da zona do euro.
360
96 |
Eu devo voltar, a um dígito 17/01/17
“Eu converso com meus inimigos e, às vezes, até os respeito, mas isso não quer dizer que eu confie neles.” Essa é a sabedoria dos Corleone. Confesso haver ressonância dentro de mim. Vejo fragilistas debruçados sobre a ata do Copom, vasculhando entrelinhas e pormenores atrás de sinalizações para os próximos passos da autoridade monetária. Os mesmos economistas que adotaram esse exato procedimento e erraram fragorosamente suas projeções para a última decisão do Banco Central sobre a Selic voltam a fazê-lo agora. Repetem a abordagem e esperam encontrar um resultado diferente – essa costuma ser uma das definições de loucura. Eu não os culpo. Os teóricos obedecem à cartilha que lhes foi ensinada. Devem respeitar as regras da teoria monetária e, portanto, presumem que cada palavra ali contida esconde um significado implícito, uma espécie de segunda intenção do Banco Central. Eu adoro segundas intenções, não gosto de cartilhas. Leem a comunicação do Banco Central ávidos por voltar rapidamente para seus arquivos de Excel – cada parágrafo permite o preenchimento de uma linha da planilha. Esquecem, porém, que as finanças e os investimentos pertencem aos praticantes, e não aos acadêmicos. Quem ganha mais dinheiro: o professor da USP ou o gestor do fundo multimercado? Quem entende melhor o jogo: o trader ou o pesquisador com artigo na revista da Capes? Não estou dizendo quem é melhor, mais ético ou mesmo mais inteligente. Este jogo específico é de quem ganha mais grana. Só e tudo isso. Essa é a partida que estamos jogando. Eu concordo que deveria haver outra medida de sucesso no mercado financeiro. Infelizmente, não há. Somos balizados pelo dinheiro que você ganha em suas estratégias de investimento. O bom economista/analista/ es361
trategista não é aquele que dispõe dos modelos econométricos mais sofisticados, mas o que pode apurar os maiores lucros. Justa ou injustamente, ao final do dia estará lá a sua performance mostrando se você foi caça ou predador naquela terça-feira. Você será lembrado pelas regras que quebra, e não pelas que segue, resumiria o brilhante general Douglas Macarthur, famoso, entre outras coisas, pela sua campanha de reconquista das Filipinas e cumprimento da promessa de regresso, formulada dois anos antes a partir da frase I shall return. Então, hoje lhe farei uma proposta que você não pode recusar: compre alguns prefixados, antes que seja tarde. Você não precisa se debruçar sobre a ata do Copom, pois ela não lhe transmitirá o recado que você necessita receber hoje. A sinalização do documento é um tanto clara: o novo ritmo de corte na Selic é mesmo de 75 pontos-base. Isso, no entanto, já estava evidente no comunicado que acompanhara a decisão do início do mês. O ponto nevrálgico é que a curva de juros hoje mostra uma grande concentração de quedas da Selic no primeiro semestre deste ano. A partir de então, considera-se uma interrupção do afrouxamento monetário, seguida por altas ao longo de 2018 – e aqui está a grande nuance. Minha visão é de que haverá novas diminuições significativas, ou no segundo semestre deste ano ou ao longo de 2018, com a Selic caminhando para algo em torno de 8,5% ao ano. Talvez você possa argumentar que a inclinação para cima da curva de juros ao longo de 2018 não se configura necessariamente como uma expectativa de elevações da Selic, mas, sim, como um prêmio de risco associado ao tempo. Pode ser. Pragmaticamente, porém, não importa. Vai dar o mesmo dinheiro. E é isso que interessa. A oportunidade de comprar prefixados hoje é melhor do que era antes da decisão do Copom de acelerar o ritmo de queda da Selic para 75 pontos, pois a chance de não materialização do cenário de juro de um dígito e, arrisco a dizer, na casa de 8% ao ano parece agora muito baixa. Veja: não é nada pessoal. São apenas negócios. 362
Banco Central domina as atenções na manhã desta terça-feira. Ata do Copom mais branda (mais comentários abaixo, na nota da Marília) empurra juros para baixo, com mercado esperando novas reduções da Selic da ordem de 0,75 ponto percentual. Já no mercado de câmbio, influência da autoridade monetária se dá a partir da decisão de rolagem de contratos de swap de fevereiro – real se aprecia mais de 1% contra o dólar, também monitorando desempenho das moedas na cena externa. Valorização dos ativos de risco internamente poderia ser maior, não fosse pela cautela no mercado internacional com Brexit e posse de Donald Trump na sexta. Thereza May fala nesta terça-feira sobre saída do Reino Unido da União Europeia, com expectativa por um discurso duro. Elevação da aversão ao risco impõe corrida em direção ao ouro, que se valoriza pelo sétimo dia consecutivo, para seu maior patamar em oito semanas. Há certa insegurança também com sinalizações a serem passadas por Donald Trump em depoimento na sexta-feira. Agenda doméstica traz, além da ata do Copom, IGP-10, com inflação de 0,88%, contra 0,94% esperado. Nos EUA, sai Empire State Index e, na Europa, temos inflação ao consumidor no Reino Unido e sentimento econômico na Alemanha. Ibovespa Futuro acompanha cautela externa, sobretudo com mineradoras na Europa, e abre em baixa de 0,53%.
363
97 |
E se estivermos errados? 18/01/17
As pessoas querem estar certas. Debruçam-se sobre as próprias convicções e, empurradas inconscientemente pelo viés de confirmação, buscam argumentos capazes de reforçar crenças previamente concebidas, enquanto negligenciam informações com potencial de refutar interpretações preliminares. Rapaz, você sabe: mudar de opinião tem um custo danado. O problema é que não mudar pode ter outro maior ainda. Eu me preocupo mesmo é em estar errado. Os melhores gestores e investidores não são aqueles que apresentaram o maior retorno num determinado ano – ou seja, quem esteve certo por um tempo. Os grandes sobreviventes souberam controlar bem seu drawdown (queda desde o pico). Pegue os fundos de ações com grande desempenho anual ao longo do último bull market estrutural (2002-2007). Boa parte deles simplesmente morreu ou subexiste agora. Aliás, vale também para o universo empresarial. Os confiantes demais, com a certeza em suas teses de que as coisas dariam certo, se alavancaram muito e hoje encabeçam a lista de pedidos de recuperação judicial. Tenho uma convicção pessoal de que o maior gestor de investimentos do Brasil só está onde está, sendo incomparável a qualquer outro (e é simplesmente ridículo ouvir do private banking que o sujeito está pressionado agora por um resultado de curto prazo não tão bom), porque ele tem medo. Parece haver ali uma paranoia constante e insuperável de que, subitamente, as coisas podem ir mal. Não sei se de maneira formal ou informal, talvez seja a maior representação do tail hedging no Brasil, sem que necessariamente ele se dê conta disso de maneira deliberada. Estar certo é fácil. O resultado final da performance esconde riscos aos quais estivemos submetidos, empurrando para baixo do tapete lições valiosas sobre gestão. Dou de ombros para o bom momento, aquele em que o cenário converge favoravelmente para suas posições, 364
mesmo que seja apenas por um alinhamento estelar das forças do acaso (como normalmente acontece com os gestores da moda; a maior mão invisível no mercado vem da deusa Fortuna e isso você não vai ler na Riqueza das Nações, do Adam Smith). O que vai fazer você ser diferente dos outros é seu comportamento na hora ruim – se você erra todo o cenário macro/sistêmico, e dá 105%, aí sim, meu caro, há o que comemorar. Num ambiente de elevada incerteza e submetido a grande aleatoriedade, os acertadores de hoje possivelmente estarão do outro lado amanhã. E é nesta hora que a onça bebe água: o que lhe acontecerá quando você estiver errado? Em frequência de nanossegundos, essa é a pergunta que mais ouço. Ela não vem dos outros. Escuto a indagação de uma voz interna, inquieta, que vem me perturbar quase ininterruptamente. No fim do dia, é só você com você mesmo. O travesseiro insiste em lembrar você de como a diferença entre o urso e o touro é mais tênue do que o “materialismo histórico” pode contemplar. A qualquer momento, em 140 caracteres pode vir Donald Trump e… poft! A tese aparentemente sólida do dólar forte, de um bull market estrutural ou seja lá o que for desmancha no ar. Alguma das 200 bolhas chinesas estoura e o minério de ferro, subitamente, desafia a visão de que este era o ano da virada. Uma pequena mudança regulatória nos faz lembrar que o bitcoin era apenas… o bitcoin. São apenas três exemplos para mostrar que, por mais diligentes e trabalhadores que sejamos, caminhamos diariamente no fio da navalha. Considere que você pode estar errado, porque, cedo ou tarde, você estará. Algo novo vai aparecer para refutar toda sua análise anterior. Por definição, o novo não poderá estar considerado na sua diligência pregressa. Tenho defendido há alguns meses a tese de que entramos num bull market secular, com um reapreçamento expressivo dos ativos de risco brasileiro, na renda fixa e nas ações. Com efeito, as coisas têm caminhado rigorosamente nessa direção. Isso tem um lado bom evidente. A materialização da perspectiva rende dinheiro àqueles que acreditaram e seguiram as recomendações. Ótimo. 365
Há, no entanto, um outro lado perverso. O bom analista é necessariamente um contrarian. Ele desafia as teses de consenso. Veja que isso está na essência da profissão. Se você está aqui para repetir a opinião da média, você terá retornos da média. Para isso, você não precisa de mim. Compre um fundo de índice. É uma recomendação séria. Em mercados cada vez mais eficientes, seu apelo cresce a cada dia. Quando uma tese contrarian vai se tornando consensual, o analista perde seu diferencial. Ele se torna apenas mais uma voz repetindo obviedades, clichês e considerações superficiais. Aquilo que era antes diferente virou carne de vaca. E se você é um profissional de investimento efetivamente preocupado em gerar ideias originais, se sente um saco vazio nestes momentos em que tem de conviver com a visão de consenso vindo se aproximar da sua. Não há o que fazer. A colisão é inevitável e você não pode fugir só para pagar de diferente. É apenas frustrante. Mas tem algo mais, que é a sensação de que a qualquer momento pode surgir algo para mudar tudo. Você está absolutamente certo até às 10h30. Então vaza uma delação da Odebrecht e tudo vai por água abaixo. Entende como as coisas são tênues? Resumidamente: e se estivermos errados sobre a tese do bull market? As posições em Bolsa e em prefixados, amplamente defendidas aqui, trarão perdas significativas? Veja que essa é a pergunta relevante. Não é se estamos certos. Esse não é um jogo de quem ganha discussão. E, sim, de quem ganha dinheiro. O que mais faz particularmente confiante na proposta de comprar pré e ações com mais vigor neste momento é que, mesmo se estivermos errados na tese de recuperação cíclica, não perderemos muito dinheiro. O que pode atrapalhar, do ponto de vista doméstico, a tese estrutural? Basicamente, enfrentarmos um double dip na economia e não aprovarmos a reforma da Previdência. No primeiro caso, a economia não cresce, os lucros corporativos também não e a Bolsa, portanto, cai, certo? Errado. O ajuste das contas 366
públicas brasileiras exige necessariamente crescimento econômico. Sem isso, não tem conversinha. A trajetória é explosiva. É default, explicitamente ou via inflação. Neste caso, meu caro, é melhor ter ações, em última instância, lastreadas em ativos reais (ações são empresas, ativos físicos), do que renda fixa, onde as perdas do calote são diretas e indissociáveis. Difícil também imaginar que um ambiente de double dip não venha acompanhado de brutal redução das taxas de juro como uma primeira tentativa de evitar a recessão prolongada. No segundo, sem Previdência, a PEC do Teto de Gastos é inócua. De novo, default. E, de novo, vale a mesma conclusão. Por incrível que pareça, neste cenário, as ações lhe serão menos arriscadas do que a renda fixa. Resta, portanto, o cenário externo. Trump não é uma ameaça vigorosa? E os desequilíbrios na China? Aqui, sim, há risco. E a China me parece o maior deles. Conforme afirmo no relatório de hoje do Palavra do Estrategista, Trump ain’t enough. É mais difícil do que parece mudar as coisas nos EUA – não é tão simples passar mudanças brutais na política fiscal diante de um Congresso dividido. O próprio Trump já aponta críticas ao dólar muito forte. E também: se vier aceleração do crescimento norte-americano, tanto melhor para países emergentes – sempre foi assim historicamente. Se não vier, é o cenário de complacência dos últimos anos, com juro baixo e dinheiro saindo pelo ladrão. Quanto à China, a real é que ninguém sabe nada desta caixa-preta. Os desequilíbrios existem. E é assim desde 2004. Quando e se vai estourar, não dá pra saber. Eu não compro commodities. Ao contrário, uso parte dos ganhos com ativos de risco nos últimos meses para fazer tail hedging em cima disso, separando uma pequena quantia para comprar puts fora do dinheiro sobre ações de commodities. Assim, estamos protegidos. Podemos surfar o rali, e blindamo-nos de eventual estouro da bomba chinesa – caso esse racional não lhe seja tão evidente por conta das dificuldades com tail hedging, eu insisto para fazer nosso Curso de Opcões; vai ajudar muito. 367
Mercados iniciam a quarta-feira em clima de cautela. Dólar sobe 0,5% contra o real, ajustando-se a perdas recentes, com expectativa por ampla agenda norte-americana e atento ao comportamento da divisa no exterior. Banco Central manteve ritmo de swaps da véspera. Alta dos yields dos Treasuries de 10 anos traz alguma apreensão sobre moedas emergentes. John Williams, do Fed de San Francisco, afirmou que EUA atingiram sua meta de máximo emprego. Agenda norte-americana é bem relevante, com inflação ao consumidor, produção industrial, livro Bege e fala de Janet Yellen. Por aqui, IPC-Fipe trouxe inflação de 0,69%, um pouco abaixo do esperado. Ibovespa Futuro sobe 0,15%, após demonstrar instabilidade nos primeiros negócios. Juros futuros também alternam pequenas altas e baixas. A tese estrutural do bull market tem rendido excelentes lucros na série Serious Trader. Sergio Oba acaba de abrir uma nova recomendação quente, ainda pouco coberta pelos demais analistas sell side. Hora de aproveitar é agora.
368
98 |
E se…
02/02/17
Como qualquer criança, eu sonhava em ser jogador de futebol. Sobrava vontade, faltava talento. Talvez eu tenha deixado para meu filho a tarefa – seria realização em dobro. João Pedro fala: “vou jogar no Barça, ao lado do Neymar, mas antes, para agradar o papai, começarei no Corinthians”. Meus olhos enchem de lágrimas só de pensar na possibilidade. Parece bobagem, eu sei, mas a questão da paternidade me é muito cara. Aqui, não dá pra mexer. Por favor, nem tente. Pendurei as chuteiras antes mesmo de gastá-las. O fracasso rapidamente subiu à cabeça. Eu era ruim, muito ruim para os padrões profissionais e logo tive de adotar outro sonho: passei a querer ser professor universitário. Sempre fui aluno obsessivamente dedicado (não vejo como mérito; era fruto da insegurança) e, desde muito cedo, dava aula pros amigos, sempre os piores alunos, sobre a prova do dia seguinte. Inglês, matemática, português, química, física, não importava. Não que eu soubesse muito. Eles que sabiam pouco. Diziam que os estudos ajudavam. Acho que isso me despertou para o interesse acadêmico e a livre-docência, além de uma natural curiosidade intelectual e uma preocupação íntima com a questão epistemológica. Sempre digo às pessoas que espírito científico é algo difícil de se conquistar – acho que se tem ou não se tem. Nada de melhor ou pior; apenas uma característica. Há pessoas brilhantes sem espírito científico, com uma abordagem mais pragmática e direta. Frustrado com a não realização do sonho original, dediquei-me visceralmente ao segundo. Estudava feito louco na faculdade. Estava decidido a estudar no exterior para um mestrado acadêmico. Tinha notas e indicações suficientes para isso. A realidade, porém, não liga muito para os nossos sonhos. Com o pai quebrado e a mãe dona de casa, o filho único precisava trabalhar. Então entrei no mercado financeiro, mas sem ainda abandonar o sonho de ser professor e o viés acadêmico – você não pode trair a sua alma, pois ela haverá de se vingar de você. 369
Precisava ganhar dinheiro. Trabalhava das 8h às 20h no Deutsche Bank e depois ia pra aula. Eu gostava daquilo. Pra mim, era motivo de orgulho parecer o Charles Chaplin em Tempos Modernos – família católica, mas ética calvinista. Depois fui pro mestrado, com a mesma dedicação aos estudos, visando a continuidade da carreira acadêmica. Formado e sob a generosidade do professor Paulo Gala, por quem sempre carregarei essa gratidão, subitamente apareceu a oportunidade de dar aulas no mestrado profissional da FGV: Macroeconomia. Depois, fui também ministrar algumas aulas em Finanças Internacionais, Valuation, Opções Reais e Teoria das Decisões Financeiras, que é uma tradução ruim para Financial Economics, mas… paciência. No começo, gostava. Em pouco tempo, odiava. Os alunos, mais interessados no diploma e em ascender profissionalmente do que propriamente em aprender alguma coisa, queriam respostas. Eu sempre achei que a função do professor era oferecer as melhores perguntas – era tudo que eu podia lhes dar e, na minha humilde visão, era muito, embora eles achassem pouco. Com o sonho se transformando em pesadelo, rapidamente abandonei aquilo. Estimulado pelo Rodolfo, que sempre esteve ali para me empurrar para frente, mesmo diante de obstáculos que pareciam intransponíveis (alguns realmente eram, mas sei lá como foram superados), percebi que poderíamos transmitir muito mais conhecimento, para muito mais gente e com uma contrapartida prática imediata. O resto é história… Por contrapartida prática, não falo de ganhar dinheiro. Nunca foi pelo dinheiro. Não é, nem será. O Cláudio, meu brilhante psicanalista, insinua que eu tenho vergonha de ganhar dinheiro. Diferentemente da maioria, minha introdução a Adam Smith não foi por meio da Riqueza das Nações. Comecei pela Teoria dos Sentimentos Morais. Um homem quer mesmo se destacar pela destreza ética e moral. Como, porém, isso é muito difícil, muitos sucumbem à tentação imediata do dinheiro. Pra mim, a questão sempre foi a honra 370
e responder a mim mesmo sobre a capacidade de fazer alguma coisa que pudesse ajudar as pessoas de alguma forma – se pudesse, de qualquer maneira, contribuir com a educação e a situação financeira das pessoas, eu estaria feliz. Admito: ainda nutro pretensões acadêmicas. Rodolfo também. Já escrevemos um artigo acadêmico sobre underpricing em IPOs. Vivemos lendo artigos técnicos e fazendo cursos por aí. Vez ou outra, flertamos com a possibilidade de escrever algo em complexidade ou com uma tentativa de provar a superioridade de portfólios voláteis sobre outros mais estáveis, atacando a ideia de Mean Preserving Spread. Sugados pela rotina diária e pela prestação que vai vencer, nunca vai pra frente. Sou apaixonado pelo George Soros por uma questão em particular – a direita não precisa se insurgir contra mim; não estou falando de suas posições políticas, que pouco me interessam. Claro que ele é um gestor brilhante, talvez o maior de todos os tempos dos hedge funds. Mas o que mais me encanta no sujeito é que, mesmo trilhardário, ele passou a vida inteira atrás de uma coisa: respeito intelectual. Se você ler com dedicação uma boa biografia do cara, percebe a real motivação de sua alma. Ele quer ser o Karl Popper, não o Rotschild. Abandonei a pretensão de ser professor. Mas não a obstinação – ou a pretensão, sei lá – por oferecer as melhores perguntas. Tomo emprestada a metodologia propagada por Milton Friedman: “what if….” E se caminharmos, de fato, conforme começa a se especular para uma meta de inflação de 3% ao ano? Como seria este novo mundo? Veja: é uma possibilidade real. Ilan está falando, em público, para quem quiser ouvir. A possibilidade de redução inicial da meta já começa a ser debatida pelas opiniões de consenso, mesmo as mais conservadoras e demoradas a reagir. Está no Valor hoje, inclusive com a possibilidade de a inflação deste ano já ficar abaixo do centro da meta atual. Note também que esse novo paradigma já aconteceu antes. Mário Mesquita chamou atenção para o assunto em coluna recente: “O comprometimento com o regime de metas de inflação e controle fiscal permitiu a Israel alcançar a estabilidade de preços”. Google it. 371
Sei que você quer respostas. Mas hoje eu peço licença para lhe entregar uma pergunta: “Como seria o mercado de capitais brasileiro com PEC do Teto de Gastos, reforma da Previdência, reforma trabalhista, avanços microeconômicos, Selic a 6/7% e inflação de 3%? Seria ou não seria um Novo Brasil?” Eu tenho um palpite – e é apenas um palpite. As NTN-Bs seriam muito menos atrativas do que os prefixados. E a dona de casa começaria a comprar ações, em vez de LCIs. Aproveite a temporada de ofertas. Ainda querem me pintar como o sujeito do “Fim do Brasil”. Eu sinceramente não ligo. Falam por aí coisas muito piores – ao menos sobre o Fim do Brasil, eles conheciam alguma coisa. Desde os 45 mil pontos do Ibovespa, estou, porém, falando no Novo Brasil. Já estamos a 65 mil. Quem sabe aos 90 mil alguém acredite. Ou talvez seja apenas um sonho. É mais provável.
Mercados iniciam a quinta-feira distinguindo sonho de realidade. Começam a levar as palavras de Donald Trump em termos um pouco mais literais. Futuros de Wall Street apontam para o vermelho, seguindo bolsas europeias, após resultados corporativos ruins por lá. Cautela com relatório de emprego norte-americano adiciona um pouco de aversão a risco. Agenda hoje tem nos EUA ISM de condições empresariais, pedidos de auxílio desemprego e produtividade da mão de obra. Ibovespa Futuro pega carona no humor externo e abre em leve queda de 0,3%, também influenciado por resultados abaixo do esperado do Bradesco. Dólar registra queda de 0,25% sobre o real, na esteira do comportamento nas praças internacionais. Moeda americana está em seu menor nível em 11 semanas lá fora. Com Fed sem sinalizar timing de elevações de juro, houve certo arrefecimento da demanda por dólar, diante da incerteza imposta por Trump. Juros futuros recuam, com dólar, Fed e sem muitas novidades na esfera política. Dobradinha Eunício no Senado e Maia na Câmara pavimenta via para reformas estruturantes. No fundo, é isso que interessa. O resto, por ora, é ruído.
372
99 |
Meus heróis morreram de overdose 08/02/17
Eu exagerei quando escrevi que o Brasil ia acabar. Exagerei de novo ao dizer que o dólar iria a R$ 4. Repeti o procedimento ao falar que urgia comprar Bolsa aos 45 mil pontos, quando absolutamente ninguém queria ouvir falar disso. Não foi diferente ao afirmar que as ações da PDG, à época cotadas a R$ 9, poderiam valer R$ 0. E acabo de cometer mais um grave exagero. Há poucas semanas, escrevi que chegava a hora de comprar incorporadoras em Bolsa – com pouco dinheiro, pois o risco é alto, mas o negócio é cíclico e muito sensível às condições sistêmicas, claramente melhores agora (e melhorando, o que talvez seja até mais importante). EZTEC, Cyrela e MRV não valem. Corrijo: valem, porque são boas. Mas não é disso que estou falando. Para pegar eventuais grandes porradas, precisamos descer um degrau, para o submundo das coisas mais arriscadas. Evidentemente, há de se fazer a ponderação: por incrível que pareça, coisas mais arriscadas são… mais arriscadas. O investidor deve estar ciente dos riscos – pouca grana, paciência e tolerância à volatilidade, além da ciência de que a possibilidade de perder dinheiro aqui existe e é material, com a contrapartida de um maior potencial de valorização. Com isso, não estou dizendo que espero uma melhora iminente dos resultados, da dinâmica de distratos, dos lançamentos e do ritmo de vendas. É eminentemente uma questão sistêmica, do impacto da queda dos juros, da regularização dos distratos e da disposição a se tomar risco, com desdobramentos sobre ações altamente depreciadas em relação aos patrimônios líquidos (mesmo que você embuta aí descontos ao valor oficial do patrimônio por conservadorismo contábil) e valores dos ativos líquidos. Ainda vou fundar o “seeking beta”, menos platônico e apoiado em evidência empírica (cheque o desempenho dos fundos de 373
small/mid caps no Brasil e verifique se eles são realmente geradores de alfa, ou apenas de beta). O setor é cíclico e, cedo ou tarde, volta. No momento em que se atravessa o Rubicon, parece impossível. Os que chegarem vivos à outra margem serão premiados. Helbor e Tecnisa merecem atenção especial. É pra ir com calma, muita calma. Pouco dinheiro (por favor, não mais do que 3% do seu capital), longo prazo. Também acho que varejistas podem abrir uma boa oportunidade de compra logo depois dos resultados trimestrais, que tendem a ser horrorosos. No entanto, a partir daí, aqueles que querem se antecipar ao próximo movimento podem encontrar aí uma janela aberta. Difícil haver recuperação da economia sem passar pelo consumo/varejo. Lá por abril/maio, mercado começa a fazer conta de 2018 e aí muita coisa vai parecer bem atrativa. Guararapes é meu nome favorito aqui. Mas nem é disso que quero falar. Estou prestes a cometer meu mais novo exagero. Direto ao ponto: acredito que um investidor sagaz, e disposto ao risco com a recompensa de maior retorno esperado, deve, gradativamente, migrar seus investimentos para manter algo como 30% de sua carteira em ações. Claro que vai parecer uma loucura num primeiro momento. O problema de apresentar argumentos contrários aos da mediocridade é que, por construção, ela sempre conta a maioria em seu exército. “Nossa, mas é muito. Você é apaixonado demais por ações.” Ok, ok. Não tenho muito como lutar contra a última frase entre aspas. Eu me rendo. Tenho contra-argumentos, porém. Não é bem por aí. Deixe-me lhe dar um exemplo. O mitológico fundo Verde, do indisputavelmente maior gênio brasileiro em finanças, foi concebido para ter 1/3 de seu patrimônio em Bolsa. Está registrado em livro, para quem quiser ler. “Seu ponto neutro teórico é investir um terço em ações e dois terços em renda. No exterior, fundos como o Verde investem mais em ações, porque os juros são baixos.” 374
Reconheço: hoje, momento em que ele escuta pessoas bastante competentes/inteligentes para montar suas posições em equities, tem menos. Mas, no passado, quando ouvia gente brilhante, como Pedro Cerize, tinha mais. Caso você ainda não tenha lido o relatório do Pedro, disponível na área de assinante da série Palavra do Estrategista, recomendo fortemente que o faça. Mande-nos feedback. Diga o que achou para irmos melhorando. Você é parte disso aqui, verdadeiramente. É quem mais interessa. Manda soltar e prender neste negócio… Se caminhamos para juros civilizados, mercado de capitais civilizado, trajetória da dívida pública acertada (ainda falta muito, mas estamos no caminho) e economia voltando a crescer, para onde vai migrar todo este dinheiro hoje inundado na renda fixa? O paraíso do CDI acabou. É melhor se preparar para o novo mundo. Jogado a seus pés, com mil rosas roubadas, eu lhe proponho: vamos logo, logo em direção aos 30% de Bolsa, oportunisticamente.
Mercados brasileiros iniciam a quarta-feira em clima de otimismo, mas sem exageros. Ibovespa Futuro sobe 0,33%, com novos sinais de inflação baixa e exterior emitindo ventos positivos. IPCA veio aquém das projeções, alimentando prognóstico de queda acelerada da taxa Selic. Juros futuros e dólar ficam perto da estabilidade. Lá fora, bolsas tendem ao azul, com mineradoras em destaque, após minério de ferro subir 3,5% com sinais de demanda maior na China na volta do feriado. Petróleo é exceção no movimento, sob aumento da oferta de xisto nos EUA, que pode ofuscar cortes de produção da Opep. Agenda internacional é relativamente fraca. Destaque para votação do Brexit no Parlamento britânico e estoques de petróleo. Internamente, além do IPC-S, temos prévias de IGP-M e IPC-S e fluxo cambial semanal. PS.: Lançamos hoje um novo produto, tentando atender uma demanda antiga de alguns clientes de unir análise quant com fundamentalista. Fique à vontade para conhecer e desfrutar do sistema Double-X.
375
100 |
O que fazemos agora? 16/02/17
Aqui estamos nós: dia 16 de fevereiro de 2017, Ibovespa beirando 68 mil pontos. Quem diria, não é mesmo? Bom, alguns diriam, mas deixa pra lá… O que fazemos a partir de agora? Essa é a pergunta de um bilhão de dólares. De forma simples e direta, estruturalmente, nada muda. A tese, defendida lá atrás, de que estamos num bull market estrutural permanece incólume. Caminhamos para juros nominais na casa de 8% (talvez menos), endereçamos a gestão macro e microeconômica, já passamos a PEC do Teto de Gastos e devemos aprovar a nova Previdência. Iniciamos uma recuperação do crescimento, que tende a se acelerar nos próximos trimestres. Cedo ou tarde, mercado começará a fazer conta dos lucros de 2018/19 e aí as coisas podem ser bem diferentes. Vejo economistas falando aos jornais sobre uma exuberância irracional dos mercados brasileiros, descolados dos fundamentos econômicos estritos. “O desemprego ainda está alto, a renda não sobe, o endividamento é enorme, o crédito secou e não vai voltar tão cedo.” Economistas – e eu me incluo entre eles – sabem muito pouco de economia. Mas quando se metem a falar de investimentos, nossa… daí é tragédia na certa. Se há um lugar em que você não pode procurar por indicações sobre aonde vão os ativos financeiros, esse é o site do IBGE. Quando os indicadores econômicos, de fato, estiverem voando, seu nível de risco para comprar Bolsa, realmente, estará mais baixo – e o Ibovespa marcará 100 mil pontos. Não consigo passar pelo termo “exuberância irracional” sem lembrar da réplica de Eugene Fama. Com a acidez e ironia típicas, comentou algo assim: se os mercados estavam exuberantemente irracionais naquele momento, eles nunca deixaram de estar, pois jamais voltaram 376
aos níveis em que estavam quando Greenspan cunhou o termo. Desde que o ex-maestro falou sobre a exuberância irracional, as bolsas continuaram subindo fortemente e depois, sim, caíram, mas se mantiveram acima dos níveis pregressos. É inegável, porém, que, aos preços atuais, não é mais tão óbvio, principalmente no curto prazo. Subiu muito rápido e de forma intensa (aliás, como sempre acontece; insisto: poucos dias fazem a diferença e não há nada linear/gradual em Bolsa). Comparado aos resultados recentes, os valuations (avaliações de preço) realmente não parecem tão atrativos. E há riscos importantes no horizonte… Os desequilíbrios estruturais na China vão continuar para sempre ou terão de ser reconciliados? Trump vai bombardear o Irã? Aliás, quem é, de fato, Donald Trump? O Fed será mesmo tão permissivo com sinais inequívocos de aquecimento da economia dos EUA? A temperatura política vai continuar baixa mesmo? Esquecemos das eleições presidenciais brasilis em 2018? Não me arrisco a dizer que uma realização agora seria saudável. Há sempre de se tomar cuidado com o que se deseja. A diferença entre o remédio e o veneno é a dose. E, abaixo da linha do Ecuador, correse sempre o risco de envenenar-se facilmente. “Too much of a good thing” – dizem que é do Shakespeare, né? (Ele já disse tanta coisa por meio da boca dos outros que eu sinceramente não sei). Qual é o prêmio para o primeiro lugar? Um final de semana na Filadélfia. E qual o prêmio para o segundo lugar? Dois finais de semana na Filadélfia. A piada típica nova-iorquina passa a mensagem. Na terça-feira, almocei com um grande gestor de ações. Eu tenho pouco amigos nos mercados financeiros, mas os pouco que tenho são bons. E generosos. Ele diz que tenho boas ideias. Só não percebe que eu copio as ideias dele e as repito – em outras palavras para disfarce – para ele mesmo. Se havia alguém naquela mesa com bons racionais, definitivamente, não era eu. Tenho uma convicção pessoal de que se interpreta errado a criatividade, como se ela fosse algo separado das outras partes do cérebro. Eu penso que a ideia surge apenas da memó377
ria e da capacidade de combinar coisas que já estão no seu cérebro, levando a um mix novo apenas aparentemente original. Memória e imaginação, pra mim, são interligadas umbilicalmente. A conversa era sobre a melhor combinação risco-retorno hoje da Bolsa. Itaú é legal, mas perto de R$ 42 já não é mais óbvio. Essas coisas muito boas, as chamadas quality stocks, parecem bem caras. E embora possa haver bastante upside em algumas coisas de incorporadoras, varejo e industrial, o risco aqui não é pequeno. Infraestrutura surge como uma opção interessante. Há casos particulares, com dinâmicas bem próprias, como Energisa – turnaround do Grupo Rede – ou Equatorial, que é a queridinha do buy side por conta do management de qualidade e da possibilidade de comprar ativos, tanto em distribuição quanto na rodada ampla de leilões de transmissão. Mas nem é tanto disso que falávamos. A questão era mais estrutural, sobre uma necessidade proeminente de resolver os gargalos de infra, com um mercado secundário existindo agora (muita gente precisando vender de um lado, e um pessoal com capacidade de angariar recursos do outro), regras bem definidas e a possibilidade de comprar TIR reais desalavancadas muito convidativas, para um cenário de juros desabando. Em outras palavras, o setor encontra uma possibilidade material de encontrar um verdadeiro novo paradigma, com empresas transformando para melhor seu portfólio de ativos, ainda sob um valuation razoável. Você pode pegar isso por meio de Alupar (pra mim, isso vai a R$ 25 rapidinho), Sanepar (outra queridinha), Ecorodovias (ou mesmo CCR passado o overhang da oferta, embora eu prefira ECOR), ou quem sabe até Copasa, que tem mais risco do que Sanepar, mas conta com o upside risk de privatização. Sobre Rumo, em particular, que todos sabem que eu gosto muito para longo prazo (e agora, como se eu não lembrasse do dia que bateu R$ 5, todo mundo escreve dizendo que sempre gostou também), sigo otimista. Mas aos mais afoitos e desesperados, pondero que os resultados a serem anunciados hoje à 378
noite devem ser fracos, por conta de volumes comprimidos – companhia tem sido bastante vocal sobre isso e já me parece estar no preço; de todo modo, dado o frenesi em torno das ações nas últimas semanas, é sempre bom deixar claro. Pessoalmente, acho também que, cedo ou tarde, mercado vai ter de migrar para cases menos óbvios e, assim, precisará adicionar algumas coisas mais exóticas ao portfólio – por isso vale aquela pequena exposição a incorporadoras e consumo. Pra mim, Guararapes, pra quem pode esperar, é óbvio. Mas óbvio também pertence ao viés do observador, que, claro, jamais vai admitir isso. Por último, mas não menos importante, comprar um pouco de dólar a R$ 3,00 não me parece má ideia para construção sólida de patrimônio a longo prazo, ainda que possa, sim, vir abaixo disso no curto prazo – não sou tarólogo pra dizer o que vai acontecer; procuro boas assimetrias para formação de riqueza em longos períodos. E, claro, podemos/ devemos usar os lucros estupendos que acumulamos nos últimos meses para comprar um bocado de seguros. Opções de venda sobre ações de commodities são as minhas favoritas. E, para curtíssimo prazo, puts sobre BRF, para quem encontrar liquidez, também soam razoáveis. Ainda que eu goste da empresa para longo prazo (e, de fato, eu gosto), se há membros da diretoria/conselho montando estruturas com derivativos para se proteger de eventuais resultados ruins, é melhor não ficar na frente deste caminhão. Na Carteira Empiricus, fiz exatamente isso, indo atrás dos seguros considerados ideias para o momento. Acabo de soltar um comunicado importante sobre a Carteira. Mercados iniciam a quinta-feira fazendo uma pausa no rali. Dólar pondera forças distintas e tenta se valorizar frente ao real. De um lado, é empurrado para cima por desempenho dos pares no exterior e por nova fase da Operação Lava Jato. Por outro, é pressionado por nova lei de regularização de recursos no exterior e prognóstico de fluxo. Juros futuros sobem depois de longa sequência de queda, com pressão por ajuste e clima predominante de aversão a risco, mesmo com IPC-S abaixo do esperado e IBC-BR (-0,26% contra -0,2% esperado) aquém das projeções.
379
Hoje ainda temos confiança do empresário, monitor do PIB da FGV e emprego da Fiesp. Nos EUA, saem pedidos de auxílio-desemprego, atividade na região da Filadélfia e construção de casas novas. Na Europa, atenção para ata do BCE. Ibovespa Futuro abre em queda de 0,4%, realizando lucros recentes e monitorando comportamento das bolsas lá fora.
380
381
Posfácio
Antes de investir, um teste vocacional 01/03/17
Toc toc toc - Oi... - O que você está fazendo aí? - Como assim? Eu tô no banheiro... - Há 25 minutos? - Ué, número 2 demora... eu já vou... - Já vem nada. Abre a porta! - Quê? - Abre a porta agora! - Eu não vou abrir a porta. - Abre a porta, por favor... Eu tô pedindo. Trek... - O que foi? - Me dá o celular. - Hã? - Me dá o celular, vai. - Não vou te dar o celular. - (Quase chorando) Por favor, quero ver com quem você tá conversando. - Você tá brincando… eu não quero te mostrar meu celular. - (chorando, de fato) Eu sabia… você tem uma amante. - Ah, não, para. 382
- (chorando muito) Quem é ela? Por que você tá fazendo isso comigo? Há quanto tempo você tá com ela? - Meu Deus, que coisa. Toma o celular. ... - Não acredito. Você está escrevendo o Daily. - Desculpa... - Desculpa? Estou há meia hora aguentando os SEUS amigos bêbados na sala... - Eu preciso escrever, oras... - Mas agora? - Ué, a ideia veio agora. Se tivesse vindo antes, escreveria antes. Se viesse depois, escreveria depois. - Você é maluco. Vem logo. - Já vou. Só falta um parágrafo... - Ai, conheço seus parágrafos, são enormes… Vem logo! - (gritando) Te amo! Aproveito o início do ano de 2017 para escrever hoje àqueles que estão começando. Seja o pontapé para a vida profissional, um novo negócio ou em suas decisões de investimento. Recorro mais uma vez a Phil Knight – desculpem a repetição do nome, foi uma paixão avassaladora: “Seria bom ajudá-los a evitar os desânimos típicos. Eu lhes diria para apertar o botão de pausa, pensar bastante sobre como e com quem pretendem passar o seu tempo nos próximos 40 anos. Eu diria a homens e mulheres de 20 e poucos anos para não se contentarem com um emprego, uma profissão, ou mesmo uma carreira. Busquem a sua vocação. Mesmo que não saibam qual é, saiam em seu encalço. Quando seguimos a nossa vocação, o cansaço é mais fácil de suportar, as decepções são como combustíveis, as vitórias são diferentes de tudo que já sentimos. 383
Eu gostaria de alertar os melhores deles, os iconoclastas, os inovadores, os rebeldes, de que terão sempre um alvo colado nas suas costas. Quanto mais conquistarem, maior será o alvo. Não é a opinião de um homem; é uma lei da natureza.” Eles acham que estamos fazendo uma empresa. Nós achamos que estamos fazendo uma transformação do mercado de capitais brasileiro em favor da pessoa física. Talvez lhe pareça arrogância, mas é isso que nos move. E nos manteremos fiéis, absolutamente fiéis, às nossas convicções mais íntimas e originais, sem nos afastar daquela mesma ideia que tivemos há sete anos: prover as pessoas físicas das melhores recomendações de investimento possíveis, sem nenhum tipo de conflito de interesse. Mas, sinceramente, não adianta eu vir aqui e vomitar uma série de sugestões para seu dinheiro. Você precisa encontrar o que lhe é mais adequado, intimamente. Isso é como miopia. Os meus óculos podem não servir pra você. Cada um precisa encontrar o seu grau a ser endereçado. De forma absolutamente transparente, a capacidade dos analistas ajudarem o investidor é menor do que eles supõem. Depende mais do último do que dos primeiros. Nessa caminhada, não há certo ou errado. Existem vários jeitos. Warren Buffett, por exemplo, é um defensor ferrenho da ideia de se comprar ativos (principalmente ações, mas vale rigorosamente o mesmo racional para a renda fixa) por preços inferiores a seus valores intrínsecos. Mas que diabo é mesmo “intrínseco”? Um adjetivo para classificar o íntimo, interno, inerente, algo que está no interior, inapartável, indissociável. Ou seja, os ativos teriam um valor só seu, dependentes exclusivamente das suas características individuais, dos chamados fundamentos – daí emerge a noção clássica de “análise fundamentalista”. Já George Soros propõe a teoria da reflexividade. De forma grosseira, seria a noção de que os fundamentos influenciam, sim, os preços, mas também há o sentido inverso, em que os preços influenciam os fundamentos. Passamos a viver num ambiente dialético, e não apenas no 384
arcabouço dicotômico causa-efeito. Aqui, portanto, os fundamentos são também resultado de algo que não pertence diretamente às características internas do ativo. Então, acrescenta-se à ideia de valor intrínseco a existência do valor extrínseco! Em certo sentido, portanto, admitir a validade da filosofia buffettiana é negar a teoria da reflexividade. Ao mesmo tempo, assumir Soros é contrapor-se a Buffett. Alguém em sã consciência diria que Warren Buffett não funciona? Analogamente, haveria algum incauto a afirmar que George Soros não entrega bons resultados? Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... Neste ano novo, eu tenho um pedido: não se foque tanto nas recomendações diretas de investimento. Elas são, sim, importantes. Acima delas, porém, está a necessidade de você ter uma filosofia de investimento. Não a minha. A sua. Encontre o que faz mais sentido para você e siga obstinadamente em seu encalço. E, por favor, em momento algum, esqueça a ideia do alvo que vai crescendo em suas costas conforme você avança. PS.: A quem ficou curioso sobre qual seria minha filosofia pessoal de investimento, esclareço que se trata de uma combinação daquilo que Nassim Taleb chama de Barbell Strategy (estratégia em dois polos: muito dinheiro em pouco risco e pouco dinheiro em muuuuito risco), com a proposta de tail hedging de Mark Spitznagel (muito risco, com muita proteção). Sua implementação integral só é possível a partir de um bom conhecimento em opções.
385
Texto: Liberation Serif e Colaborate Papel: Offset 90 g/m2 Impressão: EGB, Tiragem: 30.000
De Warren Buffett a Clarice Lispector, de Guimarães Rosa a Nassim Taleb, da Faria Lima ao interior de Minas Gerais, o Daily PRO ultrapassou os limites das finanças para se tornar a newsletter de investimentos mais lida do Brasil. Este livro reúne os 100 ensaios mais relevantes que a mente do Felipe já produziu. São ideias que provocam, estimulam, emocionam e, no final, oferecem ao leitor aquilo que ele mais busca para sua vida financeira: meios de ganhar dinheiro. Muito dinheiro.
ISBN 978-85-92581-11-4
9 788592 5 8 111 4