Libertação Animal, Libertação Humana Veganismo, Política e Conexões No Brasil (Kauan Willian Dos Santos (Editor) Etc.)

January 28, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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LIBERTAÇÃO ANIMAL, LIBERTAÇÃO HUMANA: VEGANISMO, POLÍTICA E CONEXÕES NO BRASIL © 2020 Ana Gabriela Mota; Kauan Willian Dos Santos (Orgs.) Todos os direitos reservados   1ª Edição – Editora GARCIA Brasil – JulhoAbril de 2020 ISBN 975-65-865 975-65-86566-60-4 66-60-4   Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)  _____________________  __________ ______________________ ______________________ ______________________ ________________  _____  699 Libertação animal, libe libertação rtação hu humana: mana: veg veganismo, anismo, política e   conexões no Brasil / [Org.] Ana Gabriela Mota; Kauan Willian dos Santos –1ª ed. – Juiz de Fora, MG: Editora   Garcia, 2020.    

ISBN 975-65-8656 975-65-86566-60-4 6-60-4 1. Política. 2. Veganismo. 3. Feminismo. 4. Relação de gênero. 5. Segregação racial. 6. MTS – Brasil. 7. Animais – Libertação. I. Mota, Ana Gabriela. Gabriela. II. Santos, Kauan William dos. dos. I. Título.  

CDD – B320.5  _____________________  __________ ______________________ ______________________ ______________________ ________________  _____  Indice para catálogo sistemático 1. MST: Brasil 2. Lutas de terras: conflitos sociais 3. Veganismo 4.  Política Editado por:   Editora Garcia www.editoragarcia.com.br Site: [email protected] E-mail:

  SUMÁRIO   Por uma libertação total: introduzindo a obra na Gabriela Mota, Kauan Willian dos Santos

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  PARTE I POLÍTICA E VEGANISMO CLASSISTA   Lutas da terra, libertação animal e humana: o caso do MST e a

possibilidade de uma humanos 21 vida mais justa para animais humanos e não  Kiune Bezerra Ribeiro   Anarquismo e antiespecismo: ação direta e ecologia social nos bastidores do resgate dos cães beagles em São Paulo em 2013 29  Kauan Willian dos Santos.   A necessidade do antiespecismo popular: um breve relato do grupo “Vegano Periférico” e sua visão sobre alimentação, hábitos e cultura popular 49 Grupo Vegano Periférico   A farsa da “Revolução Verde” de mercado: o desafio do veganismo político diante das ongs e ativistas liberais e neoliberais no movimento 61 animalista no Brasil[*]  na Gabriela Mota, Kauan Willian dos Santos

PARTE II FEMINISMO E RELAÇÕES DE GÊNERO  

‘Direitos animais andam de mãos dadas com direitos humanos’, defende o coletivo Feminivegan 75  Mariana Dandara – ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais).  

Feminismo e Veganismo: a relação do patriarcado capitalista e a urgência da conexão entre as lutas de gênero e por libertação animal e humana 81 na Gabriela Mota  

PARTE III QUESTÕES RACIAIS E DE SEGREGAÇÃO SOCIAL  

 

Dieta vegetariana estrita ao veganismo: resgate e manutenção da saúde integral da população preta e periférica 97  Márcia Cristina do Nascimento  

Posição do Movimento Afro Vegano Sobre a RE 494601 e o sacrifício de animais 109  Movimento Afro Vegano  

 

 

POR UMA LIBERTAÇÃO TOTAL: INTRODUZINDO A OBRA  Ana Gabriela Mota (Pesquisadoraa Independente, fundadora do coletivo feminista e abolicionista, (Pesquisador  FeminiVegan e Antar Antar – Poder Po Popular pular Antiespecis Antiespecista) ta)

   Kauan Willian Willian dos Santo Santoss (Doutorando em História Social pela USP, membro do Instituto de Teoria e História  Anarquista – ITHA, ITHA, militante da R Resistência esistência Popula Popularr Sindical-SP e Antar – Poder Popular  Antiespecista)

  Eu acho que há uma conexão entre eles, e eu não posso ir mais longe do que isso, a maneira como tratamos os animais e a forma como tratamos as pessoas que estão ao fundo da hierarquia – Angela Davis

  Na sua celebre obra “Libertação Animal”, publicada originalmente em 1975, Peter Singer (2010), ensaia o que seria o conceito de especismo – “o preconceito ou a atitude tendenciosa de alguém a favor dos interesses de membros da própria espécie, contra os de outra” (SINGER, 2010, p.11). O ativista, encabeçado por um debate da bioética do período, desconstrói o conceito de que para um ser possuir direitos é necessário que ele fale ou pense sobre eles. Na verdade, para ele, a ética avançou para sabermos – assim como acontece com alguma criança recém nascida ou mesmo com pessoas que não possuem todas as faculdades cognitivas – “que a capacidade de sofrer e de sentir prazer é um pré-requisito para um ser ter algum interesse” (SINGER, 2010, p.13). Fazendo também um debate histórico e sociológico da construção desse sistema de dominação que considera animais humanos superiores aos animais não humanos – passando pelo debate do direito grego, romano e também judaico cristão – o autor considera ideias que foram vencidas, mas não estagnadas, que diziam respeito à relação de respeito mútuo e da não dominação entre seres de espécie diferentes que, para ele, é a única saída para resolvermos uma crise que temos com o planeta que vivemos, um meio de salvar a nós mesmos e todos os seres que nos cercam. Singer, na sua obra, não fala apenas de alimentação, já que percebia que

 

alguns vegetarianos ainda ignoravam a indústria de testes em animais, mas que era necessário refletir e repensar sobre tudo que consumimos, além de apoiar politicamente – no caso dele com ênfase no Estado – ações que visariam uma transformação, por lei, de atitudes especistas, tanto na indústria, mas nas relações públicas e pessoais. Assim, desde 1944, quando foi cunhado o termo “vegano” pela “Vegan Society” - para se diferenciar de vegetarianos que apenas focavam em dietas ou mesmo ainda se alimentavam de derivados de animais - mas principalmente depois de 1960 com o avanço dos debates ambientalistas e ecológicos, o veganismo foi se tornando um movimento não apenas pelos direitos dos animais em si, como se pudessem ter uma vida melhor para nos servir, mas a sua libertação, ou seja, que não existissem para os interesses de seres humanos. A reflexão de Gary Francione e Anna Charlton (2015) em “Animal Rights: The Abolitionist Approach” afirmam que o princípio ético que foi construído o veganismo é que nenhum ser senciente (que sente) possa ser tratada como propriedade alheia por outrem, isso incluí animais humanos e não humanos. A consciência de movimentos negros, feministas, LGBTQI+, políticos e sindicais, de que todas as dominações específicas que lhes cabem também foram construídas a base do especismo foram importantes para o veganismo tomar nota que sua luta não era apenas pela libertação animal, mas também humana e global, incluindo todas as espécies e especificidades em todas elas, como as dominações de classe, gênero, raça, sexualidade, etc. Desde a publicação dessas obras, alguma coisa mudou. O veganismo não é só mais uma pauta de ambientalistas, ecologistas e teóricos pelo bemestar ou pelaque libertação animal. Ele se tornou com uma outras pauta de vertentes progressistas fazem conexão e intersecções dominações, como a de gênero e raça, como Regan e Francione prefiguraram. Tem e está crescendo sua representação política, como Singer almejava, tanto na esfera do Estado quanto em movimentos sociais, passando por ideologias e correntes socialistas até liberais. Isso se dá em conformidade com o aumento de vegetarianos e veganos em diversos países, como o Brasil, por exemplo. O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) fez uma pesquisa em 2011 e constatou que havia 9% da população se declarava vegetariana. Na época, essa porcentagem representava cerca de 17,5 milhões de brasileiros. Em 2018, uma nova pesquisa do IBOPE mostrou que cerca de

 

14% dos brasileiros se declaram vegetarianos, ou seja, são cerca de 29,2 milhões de vegetarianos. Mesmo que essas pessoas não sejam veganas e se considerem vegetarianas mesmo ainda consumindo derivados de animais, como ovos e leite (o certo seria então ovolactovegetarianos), é notável a crescente preocupação com a pauta referente aos animais (VITA-SE, 2018). Não obstante, esse aumento da percepção dos direitos dos animais não significou que apenas pautas progressistas viessem acompanhadas dos direitos de animais humanos, como na percepção abolicionista e antiespecista. É só você fazer uma busca na internet para evidenciar os inúmeros e crescentes resultados que ligam o veganismo às dietas representadas por “influencers” “influencers” em  em redes sociais, produtos superfaturados ou mesmo em restaurantes bristôs. Para muitos, veganismo seria apenas um estilo vida de forma muito elitista a partir de receitas com ingredientes não acessíveis representada por celebridades e sub-celebridades. Ativistas e ongs também não focam tanto o caráter de discussão da libertação ou pelos direitos dos animais, além do consumo, a partir de suas intersecções políticas e sociais. Existe, como podemos ver em partidos e organizações ecológicas, a ideia que é possível proteger animais e comê-los, ou mesmo não comê-los, mas confiar em grandes corporações para isso, o que prefigura a disputa da direita e do neoliberalismo no veganismo - crescente nos últimos tempos. Essa indústria e o mercado, representados por esses agentes, poe não contextualizar o veganismo, ignoram alguns fatos, por exemplo, que várias sociedades originárias africanas e indígenas, além de algumas do Oriente Médio e Oceania praticavam alimentações vegetarianas em suas culturas. Isso não é apenas uma informação. Ignorando uma ideia que é preciso resgatar culturas de sociedades originárias, é evidenciado o veganismo como uma prática europeia, industrial, “moderna”, reforçando os estereótipos para uma pessoa desprivilegiada economicamente que ela não pode ajudar com a libertação animal. Outro problema apontado por veganos desde sua fundação foi o caráter de exploração animal que aumentou exponencialmente com o capitalismo e sua produção em massa de alimentos incluindo carne, e a destruição de faunas, floras e da água para isso. Veganos, assim como outros ambientalistas e ecologistas progressistas, portanto, sempre alertaram que esse tipo de produção não é saudável para o planeta e que ela deve ser findada, o que tem relação com a forma de produção industrial. O veganismo

 

liberal e de mercado, ao contrário, fazem acreditar que é possível mudar apenas com um consumo consciente sem intervenções de ação direta e representativas ou mesmo sem a intersecção com movimentos e culturas populares e de classe, esvaziando o conceito e o caráter transformador que almejava o veganismo. De certo, como tentamos evidenciar no livro, o veganismo como termo político e social só pode nascer depois do nascimento da política contemporânea e seus eventos, como a Revolução Francesa, a Revolução Haitiana, a Independência dos Estados Unidos, o imperialismo, as lutas de libertação nacional e a formação dos Estados Nacionais, bem como as ideologias resistentes a esses. Mas não é algo que acompanhou  ou se deixou levar por esses processos sem intervenções. Autores, como citaremos mais tarde, vão pensar a relação da libertação animal, refletindo muito sobre essas culturas originárias, mas encaixando-a como necessária para o bem-estar do planeta, de outras pessoas e de forma ética com as discussões políticas, filosóficas e sociais desse momento. Portanto, o veganismo – ao levar a cabo também o antiespecismo, diferente de alimentações vegetarianas em sociedades originárias - nasce como uma crítica a preceitos dessa nova ordem estabelecida, tentando se encaixar em movimentos e debates que o impulsionariam e buscando levar a máxima do iluminismo radical, de libertação humana, para todos os seres sencientes na terra. Nesse movimento, pessoas interessadas pela libertação animal passaram desde europeus franceses internacionalistas do movimento operário como Eliseé Reclus na passagem do século XIX para o XX, brasileiros revolucionários como a ativista Maria Lacerda de Moura no início do século XX, decomo feministas norte americanas como a estadunidense Carol Adams e africanas a queniana Wangari Maathai na segundo metade do século passado, de espiritualistas como Vandara Shiva na década de 1970, de marxistas e ecossocialistas como a militante Angela Davis e muitos outros citados na presente obra. No Brasil, os movimentos contraculturais no período da Ditadura Militar como o Hippie e o Punk trouxeram debates ambientes influenciados pelo contexto da Nova Esquerda presente no Maio de 1968 na França e em várias partes do mundo. Militantes socialistas também trazem na bagagem tais discussões para reformularem novos movimentos e organizações. Além disso, as migrações e a volta da liberdade de expressão e mais flexibilidade

 

com religiões não cristãs, após o fim do período ditatorial, faz com que hinduístas, budistas e outros propagam alimentações vegetarianas em vários espaços. Isso fez com que, no país, o veganismo estivesse atrelado a movimentos progressistas ou a religiões não oficiais e minoritárias, sendo anexado a culturas de classe e movimentos sociais e políticos. Mas com o aumento do número de veganos e a disputa dessa ideologia pelo mercado fez com que se formassem diversos “veganos não políticos” ou mesmo pessoas que não enxergam o ato de lutar pela libertação animal com a humana, como muitos de extrema-direita dentro de movimentos animalistas. Essa obra tenta ser a resposta a esse processo de disputa do veganismo pelo mercado, tentando, ao mostrar posições históricas e atuais dos movimentos veganos abolicionistas interseccionais no Brasil, encaixá-lo novamente em sua tradição em busca de conexões que façam com que a libertação animal seja um fato em consonância com a libertação de animais humanos e o melhor para todos os seres que habitam essa terra. Tentamos evidenciar para os não veganos, especialmente progressistas, algumas conexões que revolucionários fazem com o conceito de antiespecismo em movimentos e ideologias clássicas que buscam mudança social, especificamente no caso brasileiro, mas com conexões e influências no mundo. Tentamos rebater ideias que afirmam que o veganismo seria um movimento romântico, pré-político ou que não entende os jogos de força da política contemporânea nem as culturas políticas atreladas a essa. Para os veganos não políticos ou não interseccionais, mostraremos que é totalmente necessária, para a libertação animal – mas também para a humana que é nossa preocupação enquanto progressistas - uma articulaçãoa com diferentes frentes e forças sociais,também uma porque, como evidenciaremos, dominação de gênero, raça e classe estão intimamente ligadas com o especismo e a exploração animal, especialmente no país. Como se trata de uma obra informativa, histórica, sociológica, mas sobretudo militante – embora não panfletária de alguma posição –  convidamos tanto pesquisadores do tema, mas também movimentos sociais e ativistas emergentes no país, com foco em nossa cidade, São Paulo, para abordarem temas variados. Há pessoas de diversas formações, correntes políticas (desde que progressistas), organizações e movimentos, o que faz essa obra de caráter transdisciplinar e que também vai desde análises mais

 

estruturais ou conjunturais, mas também de relatos ou manifestos de organizações e grupos. Não temos como objetivo cobrir todos os pontos interseccionais, isso seria impossível numa obra tão breve. Além disso, algumas intersecções, como o caso LGBTQI+ não são tratadas, além de pequenas citações e algumas informações. Trazemos, na presente obra, reflexões e apontamentos de agentes no país sobre algumas intersecções para avançarmos no debate da libertação animal e humana, não sendo categóricos e nem encerrando qualquer discussão, mas, ao contrário, tentando ampliar horizontes para conversas e posturas futuras. O livro está dividido em três partes; a primeira, “Política e Veganismo Classista”, percorre escritos que tentam fazer a conexão do veganismo e o antiespecismo com a resistência classista, ou melhor, o veganismo como instrumento da classe trabalhadora e subalterna favorecendo sua libertação contra os grupos abastados – os detentores dos meios de produção, o Estado e discursos elitistas – e a formação de políticas e posturas para tal. O primeiro capítulo, “Lutas da terra, libertação animal e humana: o caso do MST e a possibilidade de uma vida mais justa para animais humanos e não humanos”, da militante e pesquisadora Kiune Bezerra Ribeiro, abre um livro com uma questão central para nós organizadores da obra, a de terra no país. Para nós, a desigualdade na distribuição de terras no Brasil, tem íntima relação com a dominação animal (humana e não humana), sendo, portando, imprescindível começar qualquer debate sobre veganismo, antiespecismo e intersecções. Apontando alguns dados que construíram essa estrutura desigual, o capítulo nos leva a refletir os motivos que fazem necessário um vegano apoiar as lutas de terra,Após assimisso, como um militante envolvido com questão se ater a causae animal. o historiador Kauan Willian dosessa Santos em “Anarquismo antiespecismo: ação direta e ecologia social nos bastidores do resgate dos cães beagles cães  beagles em  em São Paulo em 2013”, traça paralelos entre uma ação direta contra determinado laboratório com a tradição do socialismo libertário (anarquismo) e sua preocupação ideológica com a libertação animal e humana. É muito importante destacarmos esse texto, pois até a bibliografia internacional sobre veganismo desconsidera que, antes mesmo do ecossocialismo, o anarquismo já havia refletido sobre a dominação entre espécies logo no início do século XX e que essa tradição política fornece muitos elementos para pensarmos um antiespecismo anticapitalista e

 

autogestionário. No terceiro capítulo dessa parte, “A necessidade do antiespecismo popular: um breve relato do grupo “Vegano Periférico” e sua visão sobre alimentação, hábitos e cultura popular”, o grupo mencionado nos traz seu relato de como ganharam consciência antiespecista e vegana mesmo morando em um lugar periférico e ganhando pouco dinheiro. O relato é importante para rebatermos a ideia que o veganismo é elitista e que apenas pessoas abastadas conseguem sê-lo. Ao contrário, o grupo mostra como há um processo de alienação pela alimentação e que ganhar essa consciência é importante para a elevação da classe trabalhadora refletindo sobre o processo industrial, sua saúde e sua relação com outros, animais humanos e não humanos. O último capítulo da sessão, escrito pela ativista e militante Ana Gabriela Mota e pelo historiador e militante Kauan Willian dos Santos em “A farsa da “Revolução Verde” de mercado: o desafio do veganismo político diante das ongs e ativistas liberais e neoliberais no movimento animalista no Brasil”, mostra elementos que nos fazem refletir sobre a cooptação do veganismo pelo mercado e por ativistas e ongs de espectro político neoliberal e liberal, mesmo inconscientes disso. A partir de um prisma histórico e sociológico, os autores ainda apontam estratégias que estão sendo seguidas para combater tal fato e para avançarmos o antiespecismo no país. A segunda sessão da obra, “Feminismo e relações de gênero”, adentra a relação do antiespecismo com o feminismo, assim como a dominação de gênero intimamente ligada com a dominação animal, fato apontado pela tradição do ecofeminismo no mundo. Primeiramente apresentamos uma entrevista dada pelo coletivo FeminiVegan à ativista e jornalista Mariana Dandara publicada no Anda de Notícias de Direitos que abordadee forma sintética, a (Agência necessidade da intersecção entreAnimais) feminismo, antiespecismo e luta de classes, assim como a democratização da informação sobre a libertação animal na periferia, ainda mais feita por esse coletivo e outros espaços e ativistas. Surpreendentemente, o coletivo FeminiVegan reúne mais de 69 mulheres de várias zonas de São Paulo, por isso a urgência em trazê-lo para o debate e da esquerda tratar esse assunto a sério.” Após isso, a militante Ana Gabriela Mota em “Feminismo e Veganismo: a relação do patriarcado capitalista e a urgência da interseccionalidade entre as lutas de gênero e por libertação animal e humana” pode trazer as especificidades da relação entre gênero e classe no especismo e exploração animal no país e os

 

motivos que fazem necessário interligar um feminismo classista com as lutas de terra e pela libertação animal. Na última parte, “Questões raciais e de segregação social”, são trazidos textos que apontam tanto a relação histórica em que foi empurrado o especismo e uma alimentação ruim para a população negra – ajudando na segregação social desse grupo – como a urgência de pensarmos um veganismo antirracista. No primeiro capítulo intitulado “Dieta vegetariana estrita ao veganismo: resgate e manutenção da saúde integral da população preta e periférica”, a autora e ativista Márcia Cristina do Nascimento faz uma conexão entre a história da alimentação negra - suas origens baseadas em vegetais até na alienação da alimentação – para pensar a urgência da população negra e periférica tratar esse assunto a sério, considerando uma dieta à base de vegetais um dos caminhos para a redenção de raça, além de ser uma porta para a libertação animal posteriormente. Após isso, em “Posição do Movimento Afro Vegano Sobre a RE 494601 e o sacrifício de animais”, nós apresentamos uma nota do Movimento Afro Vegano sobre a polêmica decisão do Recurso Extraordinário do STF (RE) 494601, sobre pleito do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, que considera legal o sacrifício de animais. Longe de criticarmos cegamente essa medida –  o que foi feito por muitos veganos pensando no antiespecismo – também refletimos sobre o caráter de proibição e de segregação racial através da repressão de religiões já massacradas como aconteceu em nossa história, caso a medida tivesse proibido tais sacríficos e, portanto, temos, assim como a nota mostra, concordância que uma repressão estatal não faz pare de um horizonte de militantes que tais almejam Pensamos então que textosa libertação nos façamtotal. elaborar questões atuais e emergentes que envolvem a necessidade da sociedade pensar o veganismo, mas não qualquer veganismo, um movimento de libertação que considera ampliar-se, se juntar com outras vozes, ideias e práticas e que façam ligações e pontos necessários para todo o planeta – pois não vivemos em mundos e realidades separadas como algumas empresas nos querem fazer crer. Vivemos num mundo em que é preciso nos libertar e, para isso, não é possível fazer nada sozinho, é preciso nos juntar aos que, mesmo diferentes, querem ser livres e querem ser iguais. E lembramos sempre que os que querem ser iguais não precisam falar, mas sentir que precisam, isso incluí

 

todos os seres sencientes.  

Referências   CAMALEÂO, “Angela Davis, Veganismo. ex Pantera. Negra, fala sobre direitos animais eDouglas. sociedade.” sociedade.”  Disponível em:   Portal Veganismo . Acesso em: 3 de abril de 2019. CHARLTON, Anna; FRANCIONE, Gary.  Animal Rights: The bolitionist Approach. Approach. 2015. SINGER, Peter. Libertação Peter. Libertação Animal. Animal. São Paulo: Martins Fontes, 2010.  

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PARTE I POLÍTICA E VEGANISMO CLASSISTA  

 

 

LUTAS DA TERRA, LIBERTAÇÃO ANIMAL E HUMANA: O CASO DO MST E A POSSIBILIDADE DE UMA VIDA MAIS JUSTA PARA ANIMAIS HUMANOS E NÃO HUMANOS    Kiune Bezerra Ribeiro (Alguém que acredita no “Bem Viver” – Com formação em Ciências Sociais pela UFPB.  Realizando uma Especialização em Educação do C Campo ampo pela UESC UESC.. Militante do  Movimento dos Trabalhador Trabalhadores es Rurais sem Terra e Teia dos Povos)

 

Pensar a terra é pensar a existência  

A palavra terra tem amplos significados. A depender de qual caminho seguir (filosófico, sociológico, geográfico, teológico, econômico e etc) esta busca te levará a um entendimento. Nestes escritos compreendemos a terra enquanto espaço material da possibilidade da existência do ser. Sendo assim, a luta pela terra se configura enquanto luta da própria existência. Portanto, negála, ou seja, negar o direito ao uso da terra é negar a existência. Quando falamos em terra, falamos, também, em território. Pensar em terra é pensar em alimento sem veneno, agroecológico. É pensar na força das mulheres enquanto guardiãs das sementes crioulas resgatadas pelos povos originários. Pensar em terra é lutar pela não colonização. É lutar pela preservação de um povo que guarda suas memórias na oralidade e repassa de geração em geração. Pensar na terra é pensar nas diferenças multiculturais de um povo que povoa esse Brasil. É a partir da terra que se constrói a identidade e a reprodução de um povo. É preciso resistir para existir! Para chegar nesse processo de negação, é preciso desenrolar os fios da trajetória histórica, política e econômica do nosso país, e perceber que o nosso processo cultural é fruto de uma ideologia classista e autoritária de dependência colonial e que as resistências a isso, como a formação do Movimento de Trabalhadores sem Terra, são mais que necessárias para um

 

mundo mais justo para todos, incluindo animais humanos e não humanos. Entendendo essa relação e tais especificidades, é que podemos traçar paralelos entre a libertação animal e a luta de classes e de terra no país, entendendo-as como necessárias e conjuntas.  

Algumas considerações sobre a formação sócio-cultural do Brasil   O Brasil, mesmo depois de se passado 500 anos, é marcado com essa mentalidade voltada para o outro, para o exterior, fazendo com que o outro seja em sua totalidade “melhor”. Quando os portugueses aqui se estabeleceram, com o objetivo de “dilatar a fé e o império”, viram nessa possibilidade de exploração uma forma de enriquecimento. O que interessava não era o Brasil em si, mas o que dele poderiam obter. Por isso toda essa preocupação em se manter a colônia dependente, para que continuasse como produtora de alimentos, matérias-primas e importadora de produtos manufaturados. Durante 400 anos de colonização o Brasil foi se constituindo como um reflexo dos interesses externos, fazendo com que nossa economia se estabelecesse como produção de monocultura, centralizado em um produto de maior rentabilidade em um momento histórico. Apesar da superação do mercantilismo no mundo, percebemos que aqui em nosso país ela ainda se constituiu como interesse das classes latifundiárias, e dos comerciantes de escravos, fazendo com que o poder existisse apenas nas mãos de poucos, gerando uma maior concentração de terra e, consequentemente, uma profunda desigualdade social.  

A concentração de terras   A Lei de Terras, por sua vez, aprovada em 1850 pelo imperador D. Pedro II, consolidou a concentração fundiária no país. A terra pela primeira vez passou a ser mercadoria, ter valor de uso e venda, mas não para todos, apenas para quem pudesse pagar. Segundo o Atlas do Agronegócio, publicado em 2017, pela sede da Fundação Heinrich Böll e da Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com Amigos da Terra Europa: “Se formassem um país, os latifúndios brasileiros seriam o 12º maior território do planeta, com

 

2,3 milhões de km², área maior que a Arábia Saudita.” Concentração de terra significa, também, número maior de mortes, causado por lutas e conflitos de terra. Segundo o relatório Terrenos da Desigualdade (OXFAN, 2008), entre 1964 e 2010, o número total de mortes ocorridas no campo foram de 2.262 homens e mulheres em todas as regiões do país, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Entender o contexto do campo é, sem dúvida, entender o papel da terra enquanto espaço de poder e gerador de conflitos políticos, econômicos e sociais. Nesse sentido, o campo se evidencia como um espaço de disputas nos mais diversos aspectos, gerando revoltas populares espalhadas em várias partes do país, que culminaram, posteriormente, no que viria a ser o maior e mais conhecido dos movimentos populares brasileiros –  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).  

A   práxis está na terra “Se o campo não planta a cidade não janta”

  O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra surge em 1984 como consequência da necessidade de se pensar e lutar pela própria “condição de existir” do ser humano e, entre as várias pautas (educação, saúde, produção, soberania alimentar, agroecologia, gênero, cultura, etc) fazer valer a função social da terra, por meios das ocupações organizadas pelo movimento. A terra é o princípio, não o fim em si. Ou seja, a luta pela terra é a garantia da possibilidade dos direitos básicos mínimos de existência. O território camponês é o espaço de vida do camponês. É o lugar ou os lugares onde uma enorme diversidade de culturas camponesas constrói sua existência. Esse território é predominantemente agropecuário, e contribui com a maior parte da produção de alimentos saudáveis consumidos principalmente pelas populações urbanas.  Para esses sujeitos, protagonistas da construção do movimento, a negação da terra é, também, como dito anteriormente, a negação da própria existência. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que é a autarquia federal de Administração Pública brasileira criado pelo decreto nº 1 110, de 9 de julho de 1970, existem 9.394 assentamentos em todo o país, ocupando área de 88.276.525,7811 hectares. Esses números que parecem abstratos, uma representam,

 

na prática, mais dignidade, acesso a políticas públicas, maior democratizaç democratização ão ao uso da terra e, consequentemente, diminuição das desigualdades com a possibilidade deste ser humano permanecer no campo. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar constitui constitui a base econômica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes; responde por 35% do produto interno bruto nacional e absorve 40% da população economicamente ativa do país. É o alimentado plantado no campo que chega ao seu prato, na sua casa. É a luta por um alimento de verdade, não industrializado e sem veneno. E isso é resultado de luta, resistência, suor e a esperança de um povo que sonha que é possível um mundo cada vez mais justo.

  Do arroz ao chocolate   “A cabeça pensa onde os pés pisam”

A partir das experiências in experiências in loco é loco é possível ter a clareza e a dimensão da  necessidade urgente de pensar pontes entre o movimento vegano com os movimentos de luta pela terra. Há várias experiências concretas que estão dando certo, apesar das inúmeras dificuldades que se apresentam, entre uma delas, a própria deturpação da imagem dos movimentos populares transmitidas pela imprensa nacional. Um desses casos, por exemplo, é o arroz agroecológico produzido por 363 famílias assentadas em uma área total de 3.433 hectares. As lavouras estão localizadas em Charqueadas, Capela de Santana, Eldorado do Sul, São Jerônimo, Canguçu, Manoel Viana, Tapes, Arambaré, Nova Santa Rita, Viamão, Capivari do Sul, Guaíba e Santa Margarida do Sul no Rio Grande do Sul, transformando-os no maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Outro exemplo é a produção do Chocolate Terra Vista (tree (tree to bar – do plantio ao produto que você degusta). degusta). O Assentamento Terra Vista está localizado no município de Arataca, costa do cacau, Bahia. Com 913 ha de terras, a área possui 313 hectares de Mata Atlântica preservada, totalizando 40% da área de preservação e está em torno da área de amortecimento do Parque Nacional Serra das Lontras. É referência em preservação ambiental, agroecologia e produção de mudas de espécies da Mata Atlântica, como Jacarandá, Ipê Amarelo, Paus-brasil, Jatobá e Cedro. É óbvio que ainda existe consumo de animais e produtos de suas origens

 

produzidos e consumidos pelos militantes do MST, o que resulta em muitos veganos não fazerem uma associação automática que esse movimento libertaria seres, além dos humanos. Mas não é preciso se alongar para dizer qual sociedade seria mais fácil ter uma libertação total, a desenhada pelos pecuaristas e pelo sistema estrutural de terras injusto do Brasil ou pela economia familiar de produtos orgânicos que quer democratizar a terra? A tarefa de um vegano, portanto, está em impulsionar a consciência da libertação animal nesse terreno fértil já que é minoritário a produção de origem animal entre o movimento e uma vez que em vários espaços e atividades são servidas refeições vegetarianas e produtos sem testes ou usados em animais.  

Da mesa à terra   “Aquilo que nos une é maior do que aquilo que nos separa”  

O desafio está posto: pensar além do alimento que está em sua mesa. É preciso enxergar a luta na sua totalidade. Isso significa, trocando em miúdos, que o movimento vegano precisa ter clareza de qual lado quer estar. É preciso que o movimento faça pontes com outros movimentos. É preciso que o movimento esteja alinhado, também, com as pautas agroecológicas na construção de um movimento vegano que se construa de baixo para cima. Um movimento popular. Veganismo não é sobre bens de serviços e produtos. Veganismo é sobre justiça social e ecológica. E só é possível pensar na superação da exploração animal quando se conecta na própria libertação da exploração humana. Esse é o grande desafio. Unir campo e cidade na luta pela alimentação de verdade. E não há como pensar em alimento de verdade, que nutre a alma e o corpo, sem ser com o povo que a planta. O veganismo precisa ir para além do prato. É preciso abraçar a mãe terra.

Referências   ALENTEJANO, Paulo; CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; FRIGOTTO, Gaudêncio.  Gaudêncio.  Dicionário da Educação do Campo. Campo. Rio de Janeiro/ São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/ Expressão Popular, 2012.

 

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