Ler Como Escritor PDF

March 9, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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LER COMO UM ESCRITOR 1 

Frank Smith2 

 Na primeira vez em que explorei os detalhes de como se aprende a escrever, fui tentado a concluir que, assim como o vôo das mamangavas, isto é uma impossibilidade teórica. Examinei o conceito vulgar, excessivamente simples, segundo o qual escrever consiste basicamente em caligrafia e uma ou outra regra de ortografia e pontuação. Questionei o mito segundo o qual uma pessoa pode aprender a escrever através da educação e prática constantes. E deparei com um serio problema: escrever requer uma enorme bagagem de conhecimentos específicos que não podem ser adquiridos em  palestras, livros-texto, treinamento, treinamento, tentativa e erro, ou mesmo pelo próprio próprio exercício da escrita. Um professor pode lançar às crianças tarefas que resultem na produção de uma quantidade pequena, mas aceitável, de frases, mas é necessário muito mais do que isso  para que alguém se torne um competente e versátil escritor de cartas, relatórios, memorandos, atas, monografias, monografias, e talvez até alguns poemas ou obras de ficção esparsos, adequados às exigências e oportunidades de situações extra-classe. Onde é que as  pessoas que que escrevem aadquirem dquirem todo o co conhecimento nhecimento de qque ue precisam? A conclusão a que cheguei então era tão problemática quanto o problema que  precisava resolver: concluí que somente através da leitura é que os escritores aprendem todos os mistérios que conhecem. Infelizmente, não há apenas evidencia suficiente de que nem todas as pessoas que lêem necessariamente se tornem escritores, como também eu mesmocomo já havia argumentado que coisas leitoresque fluentes prestardoatenção questões ortografia e pontuação, devemnão ser precisam da preocupação escritor.a Para aprender a escrever, as crianças precisam ler de uma maneira muito especial. Este artigo acompanhará a seqüência de meu raciocínio. Em primeiro lugar, tentarei demonstrar que escrever exige um conhecimento muito mais específico do que normalmente se supõe, do qual muito pouco pode ser encontrado dentro dos limites da educação formal. Em seguida, explicarei por que este conhecimento só pode ser adquirido a partir de um modo especial de leitura. Tentarei, depois, ilustrar a maneira como esse tipo de leitura ocorre, e demonstrar que as crianças têm muita experiência na aprendizagem desse tipo. Finalmente, tecerei algumas considerações sobre como os  professores podem faci1itar esta aprendizagem. Ao 1ongo do texto, não deixarei de apontar possíveis falhas neste processo, que fariam com que até mesmo pessoas que lêem o suficiente não aprendessem a respeito de escrever. A complexidade da escrita

Mesmo os tipos mais comuns de texto envolvem um vasto número de convenções de complexidade tal que nunca poderiam ser organizados como procedimentos de educação formal. A abrangência de tais convenções é geralmente desconhecida, tanto  por professores quanto pelos aprendizes. A ortografia, por exemplo, requer a memori-

 

1

  Tradução para o português de Giselle Olívia Mantovani Dal Corno a partir do texto original em

Language Arts. Urbana: National Council of Teachers of English, 60 (5): 627  –  643,  643, may 1983. 2

 Frank Smith é professor na área de Educação na University of Victoria, British Columbia.

 

zação de toda e qualquer palavra que possamos algum dia vir a escrever 3. As “regras”  de ortografia podem ser numeradas às centenas, e ainda assim só terão uma  probabilidade de cinqüenta por cento de serem aplicáveis a uma palavra qualquer. São tantas as alternativas e exceções que devemos confirmar e memorizar a grafia correta de cada palavra que esperemos escrever com segurança no futuro, mesmo que ela seja “regular ”. ”. Quando é que qualquer pessoa verifica a grafia de todas as palavras que ordinariamente são escritas de forma correta, ou, menos provável ainda, memorize-as? Pontuação, uso de maiúsculas, e outras “regras” gramaticais são essencialmente redundantes e sem sentido para qualquer pessoa que não possa fazer sequer o que está sendo “explicado”.  As crianças recebem a instrução de começar uma frase com letra maiúscula e terminá-la com um ponto; mas se elas perguntarem o que é uma frase, mais cedo ou mais tarde alguém lhes diz que uma frase é algo que começa com letra, maiúscula e termina com um ponto. A afirmação de que a frase é um “pensamento completo" é tão inexata e inútil quanto a asserção de que uma palavra é “uma unidade de significado” ou de que um parágrafo está organizado em torno de um único assunto. Como é que alguém pode reconhecer uma unidade de significado, um pensamento completo ou um assunto isoladamente? Os lingüistas são incapazes de fazer qualquer uso construtivo de tais afirmações, que são definições, e não regras de aplicação. Não tem sentido para qualquer pessoa que não tenha uma compreensão implícita das convenções que determinam o que constitui ume palavra, frase ou parágrafo, convenções que diferem de uma língua para outra. Infelizmente, aqueles que têm essa compreensão implícita tendem a considerar as definições tão transparentemente óbvias e a tomá-las como base da aprendizagem, e não como a conseqüência de ter aprendido. Qualquer pessoa que sabe escrever, é claro, deve ter conhecimento destas convenções, mas este conhecimento não pode ser explicitado e ensinado por outros. Até mesmo regras, descrições e definições arbitrárias nos fogem quando se está lidando com questões mais sutis como estilo, os vários níveis de linguagem, que dependem do assunto a ser discutido e da audiência a que se destina, e os “esquemas”  apropriados ao meio especificamente utilizado. Cartas, telegramas, mensagens formais e informais, artigos de jornal, artigos de revista, contos e poemas não só devem ser escritos diferentemente como também a própria estruturação do gênero varia de acordo com seus propósitos específicos. Cartas a amigos íntimos e ao gerente do banco têm tanto em comum quanto uma reportagem da Geográfica Universal e da Veja. Estas convenções estão ainda por ser investigadas pelos lingüistas, que só recentemente começaram a analisar muitos aspectos críticos da linguagem que todos observam e esperam, na fala e na escrita competente, sem consciência de sua existência. Existem,  por exemplo, as complexas regr as as de “coesão”  que unem frases umas as outras e ao contexto extralingüístico (Halliday e Hassan,1976). Como é que estas regras poderiam ser reduzidas a prescrições, fórmulas ou exercícios de treinamento? Mesmo que  pudessem, e que aprendêsse aprendêssemos mos algumas centenas de grafias, algumas construções gramaticais úteis e algumas regras de pontuação pelo estudo, aplicado na escola, seriam apenas uma fração da perícia que ser um escritor competente médio exige. E quanto à aprendizagem por tentat iva e erro ou “testa gem de hipóteses”?  Eu  pensava que aprendemos aprendemos a escrever escre escrevendo vendo até que refleti sobre quão pouc poucoo alguém escreve na escola, mesmo os alunos mais aplicados, e quão pouco feedback lhes é dado. Erros podem ser corrigidos, mas com que freqüência modelos corretos são fornecidos, especialmente além do nível da palavra? Com que freqüência este feedback é 3

das “fórmulas”, a mais comum e  Os argumentos apresentados seçãosão comextraídos, relação àdeinadequação conhecida maneira de ensinar anesta escrever, forma condensada, do capitulo 10 de Smith (1982).

 

consultado, e aproveitado, especialmente por aqueles que mais precisam de correção?  Ninguém escreve o suficiente para aprender mais do que uma pequena porção daquilo que os escritores têm que saber. Escritores experientes, em sua maioria, podem produzir um texto perfeito desde o começo, ou pelo menos podem alterar ou reescrever de forma convencional, sem muito feedback, os textos que produzem às pressas. Além disso, se aprendemos a escrever testando hipóteses de escrita, de onde vêm as hipóteses? A  prática e o feedback podem ajudar a refinar habilidades de escrita, mas não podem, de modo algum, explicar a sua aquisição. Os aprendizes devem encontrar e assimilar uma multiplicidade de fatos e exemplos que variam desde grafias individuais à organização adequada de textos completos. Onde é que todos estes fatos e exemplos podem ser encontrados, quando não disponíveis em palestras, livros-texto e exercícios a que as crianças são expostas em sala de aula? A única resposta possível parece-me tão óbvia quanto espero que agora seja ao leitor - devem ser encontrados no que outras pessoas escreveram, em textos já existentes. Para se aprender a escrever para jornais, deve-se ler os jornais. Livros-texto sobre o assunto não serão suficientes. Para escrever artigos de revista, deve-se folhear uma revista antes de fazer um curso por correspondência que ensine a escrever para revistas. Para escrever poesia, ler poesia. Para aprender o estilo convencional de memorandos de sua escola, consulte os arquivos de sua escola. Isto tudo me pareceu extremamente evidente assim que deixei de lado a ilusão de que a instrução prescritiva podia e tinha que ser suficiente para transmitir pelo menos uma parte daquilosuas que próprias um escritor precisa saber. TodosTodos os exemplos de língua escrita em uso mostram convenções relevantes. demonstram sua própria gramática adequada, sua pontuação e recursos estilísticos variados. Todos são como que vitrines de exposição de palavras. Agora, então, sei onde se encontra o conhecimento de que os escritores necessitam: nos textos existentes. Está lá para ser lido. A questão agora é: como este conhecimento penetra a mente do 1eitor, de modo que ele se torne um escritor? A resposta não pode ser que todo este conhecimento específico seja adquirido através da análise formal deliberada, que alguém tome um determinado texto e faça anotações exaustivas, memorizando dados e exemplos. O que se aprende é por demais intricado e útil para isso, e não é pouca coisa. Não há tempo suficiente para tudo. Ao invés disso, o que deve acontecer é que a aprendizagem se realiza sem esforço deliberado, até mesmo sem consciência. Aprendemos a escrever sem saber que estamos aprendendo ou o que aprendemos. Tudo aponta para a necessidade de aprendermos a escrever a partir daquilo que nós lemos. E este é o truque a ser explicado. A aprendizagem como uma atividade cooperativa

A alternativa que tenho a propor é a de que o conhecimento de todas as convenções da escrita penetra nossa em mente assim como a maior parte do nosso conhecimento da linguagem falada, e até do mundo em geral, sem consciência do aprendizado que está ocorrendo. A aprendizagem é inconsciente, inconsciente, sem esforço, acidental, indireta e essencialmente cooperativa. É acidental porque aprendemos quando aprender não é nossa principal intenção; indireta porque aprendemos através do que outra pessoa faz; e cooperativa porque aprendemos pela ajuda de outros para que alcancemos nossos  próprios objetivos. Consideremos a quantidade e amplitude de linguagem falada que as crianças aprendem nos primeiros anos de por sua hora vida.em Miller calcula que as crianças acrescentam acrescen tam umaquatro médiaoudecinco uma palavra que (1977) estão acordadas a seu

 

vocabulário, totalizando milhares em um ano. Crianças pequenas aprendem gramática (a fim de falarem e de compreenderem), com uma complexidade que desafia a análise 1ingüística. Dominam uma quantidade de expressões idiomáticas e intricadas nuanças de coesão e níveis de linguagem que a maioria dos adultos sequer suspeita que eles  próprios observem, muito menos seus filhos. Elas aprendem sutilezas de entonação e gesticulação. Tudo isso é feito sem educação formal, com muito pouca evidência de tentativa e erro, sem diagnóstico deliberado ou intervenção int ervenção terapêutica. Existe uma seletividade peculiar. As crianças inicialmente aprendem a falar como seus pais, depois como seus coleguinhas e, mais tarde, talvez, como seus heróis  preferidos ou ídolos esportivos. Não aprendem a falar como todo mundo que ouvem falando, mesmo aqueles que ouvem mais. Aprendem a linguagem dos grupos a que  pertencem (ou a que esperam esperam pertencer) e resistem à linguagem linguagem dos grupos que rejeitam ou pelos quais são rejeitados. O que quero afirmar é que as crianças aprendem com os clubes a que pertencem. Esta aprendizagem, tão difundida, ultrapassa as estruturas e as linhas limítrofes da linguagem com maneirismos, modos de vestir, de se enfeitar, e padrões maiores de comportamento em geral. Acontece na ausência de motivação explicita ou intenção deliberada (assim como se sabe que alguém que acabou de assistir um filme ou ler um livro está agindo como um dos personagens). Engajamento é o termo que uso para caracterizar esta forma de aprendizagem (Smith, 1981, a). Não é uma aprendizagem que acontece como conseqüência de alguém ter feito alguma coisa, mas algo que ocorre concomitantemente atopessoa originalé -a uma que seja nossodeatoaprendizagem. também. O comportamento da ao outra nossavez própria tentativa Aprendemos quando a outra pessoa faz algo por nós, algo que gostaríamos de fazer, algo com que contamos. Os adultos não têm o tempo nem perícia para ensinar a língua falada às crianças. Em vez disso, agem como uma fonte de informação para as crianças, e como colaboradores involuntários. As crianças os ouvem conversando entre si, e assim mostram-lhes por que ou como a linguagem pode ser usada. Eles demonstram a linguagem em uso para finalidades que as crianças também esperariam alcançar. Geralmente, a explicação da linguagem está embutida na situação em que é usada alguém diz “ passe o sal”  e outra pessoa passa o sal. A televisão fornece uma enormidade de exemplos assim, especialmente nos anúncios comerciais. Às vezes a explicação precisa ser explicitada, através da elaboração que um adulto ou alguém do grupo fará para a criança, embora a intenção não seja mais pedagógica do que quando se diz “Olha lá um McDonalds”. E quando a criança quer dizer alguma coisa, um adulto ou amigo a ajuda a dizer. Ninguém dá a uma criança que está tentando se fazer entender uma nota baixa e um manual de instruções. Mas as crianças não precisam se envolver  pessoalmente para aprender a dizer o que elas gostariam de ser capazes de dizer. Elas aprendem quando os outros falam com o propósito que elas querem ou esperam poder  partilhar. Na verdade, os adultos e amigos admitem a criança no clube das pessoas que falam como eles. Não esperam que as crianças sejam experts avançados, nem prevêem seus fracassos. Não há exigências para sua admissão ao clube. Em tais circunstancias, as crianças aprendem e partir do que escutam porque "ouvem como um falante". Não consideram esta linguagem a partir da qual aprendem como algo remoto ou como um atributo dos outros, mas sim como algo que elas mesmas querem e esperam fazer. Elas se tornam “aprendizes espontâneos”, na expressão tão adequada de Miller (1977), engajando-se nos tentames dos adultos e amigos queserem nem suspeitam quetendem são seus substitutosuma na tentativa e erro de aprendizagem (e que, por experientes, a apresentar variedade de tentativas e muito

 

 poucos erros, uma forma muito eficiente de aprendizagem). A única fonte da complexa e sutil linguagem que as crianças aprendem para fazerem parte de seus grupos sociais deve ser a fala que ouvem em uso, a qual podem ouvir como um falante. Claramente, toda a criança que fala como sua família e amigos deve ser muito boa em ouvir e aprender dessa maneira. Deve ter começado a fazer isso desde antes do tempo em que  pudesse dizer dizer uma palavra po porr si mesma. Obviamente, as crianças não aprendem a respeito da linguagem falada a partir de tudo que ouvem ser dito. Às vezes elas não compreendem, às vezes não estão interessadas, duas circunstancias que todos os professores sabem serem essenciais para aprender (a menos que seja algo confuso ou cansativo). Também é óbvio que as crianças (assim como os adultos) podem prestar atenção e compreender o que é dito sem vir a falar como um falante específico. Nós frequentemente "ouvimos como ouvintes" quando prestamos atenção ao que está sendo dito, mas não temos o menor desejo ou expectativa de sair falando como o falante. Não nos vemos como participantes daquele clube; não somos aquele tipo de pessoa, e então o engajamento indireto não ocorre. A conseqüência de não ser um membro do clube e dramática, tanto para crianças quanto para adultos. Nós não aprendemos. Com efeito, o cérebro aprende a não aprender, fecha sua sensibilidade {Smith 1981, a). A exclusão de qualquer clube de aprendizes é uma condição difícil de reverter, quer tenhamos imposto a nós mesmos ou nos tenha sido imposto isso. Colaboração com autores

Já discutimos como os adultos e amigos mais competentes agem como colaboradores involuntários à medida que a criança aprende sobre a linguagem falada. As crianças aprendem indiretamente, considerando que elas possam “ouvir como um falante” em virtude de sua participação no clube específico a que pertencem os  profissionais que eles ouvem ouvem falar. O argumento que usarei agora é que todo aquele que se torna um escritor competente usa os autores exatamente do mesmo modo, mesmo as crianças que ainda são incapazes de ler uma palavra sequer. Elas devem ler como um escritor, a fim de aprender a escrever como um escritor. Não existe outra maneira de adquirir o conhecimento de um escritor em sua intricada complexidade. A maioria dos adultos letrados está acostumado com a experiência de pausar inesperadamente inesperadame nte durante a leitura de um jjornal, ornal, revista ou livro, a fim de voltar e olhar a grafia de uma palavra que chamou sua atenção. Dizemos a nós mesmos: “Ah, então é assim que se escreve esta palavra ”, especialmente se a palavra é conhecida, uma que só se tenha ouvido anteriormente, como um nome, no rádio ou na televisão. A palavra  pode ou não ser escrita como esperávamo esperávamoss que fosse, mas, de qualquer modo, parece nova. Quando começamos a ler, não esperávamos ter uma lição de ortografia, e nem ao menos estamos conscientes de estarmos prestando atenção à ortografia (ou qualquer outro aspecto técnico da escrita) à medida que lemos. Mas notamos aquela grafia desconhecida - do mesmo modo que notaríamos uma incorreta porque estamos escrevendo o texto à medida que o lemos. Estamos lendo como um escritor, ou no mínimo como um ortografista. Esta é uma palavra cuja grafia devemos conhecer, que esperamos conhecer, conhecer, porque somos o ti tipo po de pessoa que sabe esse tipo de grafia. Eis um segundo exemplo. Novamente, estamos casualmente lendo, e novamente encontramo-nos parando para reler uma passagem. Não por causa da ortografia, desta vez, nem porque não tenhamos compreendido o trecho. Na verdade, entendemos muito  bem. Voltamos porque algumadocoisa naquele especialmente bem de colocada,  porque respondemos respondemos ao toque artista. É alg algoo trecho que nósfoimesmos gostaríamos gostaríamos fazer e,

 

ao mesmo tempo, algo que acreditamos não estar fora de nosso alcance. Estivemos lendo como um escritor, como um membro do clube. Em nenhuma dessas duas ocasiões eu diria que aprendemos em conseqüência daquilo que lemos. Não deixamos de lado nossa leitura para estudar ortografia ou o recurso estilístico que observamos. Se aprendemos, aprendemos no primeiro encontro, indiretamente, concomitantemente. Se podemos escrever, devemos ter aprendido muito mais do que estamos conscientes nestas ocasiões. Na verdade, estou tentado a pensar que, a nova grafia ou o novo estilo atraem a nossa atenção de adultos por serem exceções, porque sabemos a grafia da maioria das palavras que lemos. Provavelmente estivemos acrescentando ao nosso repertorio ortográfico aproximadamente a mesma média de palavras faladas que a criança aprende, centenas, se não milhares, por ano.  Não estivemos mais conscientes de nossa aprendizagem nestas ocasiões do que nas em que aprendemos o significado de todas as palavras que sabemos. É somente depois do acontecido, às vezes, que nos damos conta de que aprendemos indiretamente, quando nos encontramos usando palavras, frases e particularidades estilísticas do autor “x” que lemos. Também não quero afirmar que mesmo os escritores perfeitos lêem como um escritor toda vez que lêem. Isto não acontece quando a atenção está sobrecarregada, quando temos dificuldade em compreender o que estamos lendo. (Como pode alguém ler como um escritor aquilo que não consegue entender?) Não há muitas oportunidades de se ler como um escritor quando estamos totalmente preocupados com o ato de ler, com acertar cada ou com interesse tentar memorizar fatos.Não Nãosaímos acontece também quando nãopalavra, temos qualquer em escrevertodos o queoslemos. por ai falando como uma lista telefônica depois de termos consultado alguns números. E não ocorre quando não esperamos de forma alguma escrever o tipo ti po de linguagem escrita que lemos. Esta ultima consideração ilustra novamente o meu argumento: a aprendizagem só ocorre quando nos percebemos como membros do clube. Nos  podemos, e frequentemente o fazemos, ler como um leitor, simplesmente, seja para que finalidade for. Mas para aprender a escrever precisamos ler como um escritor. Isto não interfere com a compreensão; pelo contrário, ajuda a promover a compreensão, porque se baseia na previsão. Para ler como um escritor, nós nos engajamos ao autor naquilo escrevendo. Antecipamos aquilo que ele irá dizer, de maneira que o autor está efetivamente escrevendo por nossa causa, não nos mostrando como algo é feito, mas fazendo conosco. Esta situação é idêntica àquela em que os adultos ajudam as crianças a dizerem que querem dizer ou o que gostariam e esperam ser capazes de dizer. O autor se torna um colaborador involuntário. Tudo o que o aprendiz gostaria de grafar, o autor grafa. Tudo o que o aprendiz gostaria de pontuar, o autor pontua. Cada nuança de expressão, cada recurso sintático relevante, cada estilo de frase, o autor e o aprendiz escrevem  juntos. Passo a passo, uma coisa por vez, mas um número incrível de coisas com o  passar do tempo, o aprendiz aprende, lendo como um escritor, a escrever como um escritor. Evidentemente, há também a necessidade de escrever, especialmente para os  principiantes. Pelo ato de escrever podemos nos perceber como escritores, como um membro do clube, e assim aprender a escrever pelo ato de ler. Também é necessário que um professor ou outro profissional seja um colaborador imediato para o escritor aprendiz, para dar apoio e coragem e também fornecer o conhecimento sobre aspectos técnicos que um texto não pode oferecer. Tais aspectos vão variare desde o uso de clipese de papel, que fichas de assunto, de lixo, até a natureza utilidade de esboços revisões, jamais estarão cestas aparentes em textos

 

 publicados e que, por isso, jamais o autor poderá demonstrar. Poder-se-ia acrescentar à listagem acima toda a carga emocional do ato de escrever e seus bloqueios, que as  pessoas que são membros inexperientes do clube raramente apreciam, e que não são alvo de consideração em sala de aula. O papel do professor

Os professores têm dois papéis extremamente importantes ao guiarem a criança no  processo de alfabetização: demonstrar os usos da escrita e ajudar a criança usar a escrita. Em outras palavras, os professores devem demonstrar as vantagens de ser um membro do clube dos escritores, e assegurar-lhes a entrada. Os professores não têm que ensinar as crianças a ler como escritores, embora tenham que, no inicio, ajudar os pequenos aprendizes a ler. E, é claro, os professores  precisam ajudar as crianças a escrever - não ensinar-lhes sobre escrever - de modo que elas possam perceber-se como membros do clube. Os professores devem também assegurar o acesso da criança a material de leitura relevante para o tipo de escritores que estão interessados em se tornar no momento; são os professores que devem recrutar os autores que serão os colaboradores involuntários. De modo particular, os professores devem ajudar as crianças a se perceberem como leitores e escritores antes mesmo que elas sejam capazes de ler e escrever por si sós.  Não é difícil de imaginar como as crianças podem ser ajudadas a ler antes que  possam ler não umadevem palavra sozinhas. precisa a se leitura elas. Os  professores deve m temer que umaAlguém criança para quemfazer se leia torne para dependente ou  preguiçosa. Crianças capazes de ler algo que querem ler não terão paciência de esperar que outra pessoa leia para elas, assim como não terão paciência de esperar que alguém diga por elas algo que podem dizer sozinhas. É muito instrutivo observar o que acontece quando se lê para crianças pequenas.  No início, alguém lê para elas (elas eescutam scutam como um ouvinte). ouvinte). Depois a outra pessoa lê com elas (elas escutam como um leitor). Finalmente, aquela coisa irritante acontece - a criança quer passar a página antes que o colaborador tenha chegado ao fim - a criança está lendo. É claro que um professor nem sempre terá tempo para ler com uma única criança, mas não é necessário que o professor desempenhe o papel de colaborador. Outras crianças podem fazer isso, ou as crianças podem ler em grupo, ou outros adultos  podem ser convidados. O que é importante é fazer da atividade da leitura algo natural, de preferência uma iniciada pela criança pelos seus próprios objetivos, quer seja divertir-se com uma história, aprender com uma reportagem no jornal, ou descobrir qual o cardápio para o almoço ou a programação da TV para o dia. Pode não ser tão simples de imaginar como as crianças podem ser auxiliadas a ver-se como autores antes que possam escrever uma palavra. Para o professor (ou outro colaborador), fazer o papel da secretária que cuida da caligrafia, ortografia, pontuação e assim por diante, não é suficiente. s uficiente. Há muitas outras decisões e convenções para as quais um neófito precisa de ajuda, como o exemplo abaixo ilustrará. O objetivo deve ser uma colaboração tão intima que a criança se sinta  pessoalmente responsável por cada palavra em uma historia (ou poema ou carta), mesmo que de inicio ela não tenha pensado em uma palavra sequer. Primeiramente, o  professor e a criança devem deixar claro que a criança vai escrever uma história, que a criança ser o autor. O dialogo abaixo se segue:  Professor : Você quer escrever uma história sobre o quê?

 

Criança:

Não sei. (O problema com que a criança se depara é o mesmo que o do aluno universitário que deve escrever uma dissertação: não é que não haja nada sobre o que escrever, mas que o número de alternativas é enorme).  Professor : Você quer escrever sobre um astronauta, um jacaré, uma bruxa malvada, um astro do futebol ou sobre você mesmo? Criança: Um astronauta.  Professor : (escreve o título): Como é que começa a história? Criança: Não sei. O professor oferece umas alternativas, a criança decide, o professor escreve.  Professor : O que acontece então? Criança: Não sei. E assim por diante... Sempre o professor oferece algumas alternativas e a criança decide. Isto é especialmente importante no final. Existe um mito de que as crianças (e muitos estudantes universitários) só conseguem produzir textos muito curtos.Mas com o incentivo adequado eles podem continuar a escrever, até que, a princípio, todo o conteúdo de suas mentes se desenrede. O problema da criança (e o do estudante universitário) é provavelmente a falta de uma convenção apropriada para finalizar. Se você não sabe como terminar, pode muito bem parar agora mesmo. Então o professor deve oferecer uma escolha entre várias saídas. E quando tudo isto é feito, a criança se sente responsável por toda a história, como na verdade foi. Foi um trabalho em colaboração, e a história não teria sido escrita como oque foiperguntar sem as duas partes envolvidas. Não se fazomais sentido quem fez o que do quem carregou qual parte professor e aperguntar criança carregassem juntos uma mesa que nenhum dos dois conseguiria carregar sozinho. Para se tornar um escritor, a criança deve ler como um escritor. Para ler como um escritor, a criança precisa se ver como um escritor. A criança lerá historias, poemas e cartas de maneira diferente quando vir estes textos como algo que ela mesma pode  produzir; ela escreverá indiretamente com o autor. Mas para ver-se como um escritor, a criança precisa da colaboração de um profissional interessado.  Não é possível fazer uma criança ver-se como um escritor se ela mesma não estiver interessada. É por isso que e primeira responsabilidade do professor é mostrar à criança que escrever e interessante, possível, e que vale a pena. Professores que não são membros do clube não não podem admitir criança criançass a ele. Como é que os profes professores sores podem aprender a ver-se como escritores? Eles devem aprender a ler, eles mesmos, como escritores, e para isto eles precisam, como as crianças, colaborar com as pessoas que também estão engajadas na aventura de escrever. Para a maioria dos professores isto  pode ser fácil - eles podem escrever junto com seus alunos, numa colaboração tão íntima que ninguém pode dizer a quem pertencem os sucessos e os fracassos. O que importa não é quão bem os professores ou alunos possam escrever ao escreverem  juntos, mas a maneira como lerão quando se considerarem escritores. Os professores que escreverem poesia junto com seus alunos se perceberão lendo poesia de forma diferente; estarão lendo como membros do clube dos d os poetas. E como membros do clube, eles aprenderão. Superando as limitações da escola

Infelizmente, nem sempre e escola é um bom lugar para a criança se ver como um membro do clube dos escritores. As taxas de inscrição podem estar fora do alcance de muitas delas. A maneira como a escola está organizada nãoemfavorece a colaboração;  prevalece a instrução em vez da demonstração, e a avaliação vez do propósito. Uma

 

abordagem “ programada”  pode reduzir a alfabetização a um ritual trivial para muitas crianças (Smith, 1981, b) e deixar pouco tempo para engajamento em linguagem escrita significativa. Os professores nunca poderão ser colaboradores de crianças que os consideram capatazes e antagonistas. Exercícios de treinamento, repetições e aprendizagem mecânica de atividades de alfabetização programadas programadas são tão t ão difundidos que alguns professores tendem a esquecer esquecer  pare que se aprende a escrever. Posso Posso oferecer uma lista curta e incompleta que engloba mais leitura e escrita de que é possível em qualquer dia de aula. A escrita serve para histórias para ler, livros para serem publicados, poemas para serem recitados, canções para serem cantadas, jornais para circularem, cartas para serem enviadas, piadas para serem contadas, bilhetes para serem passados, cartões para serem mandados, instruções para serem seguidas, projetos para serem esboçados, receitas para serem cozinhadas, programas para serem organizados, excursões para serem planejadas planejadas,, catálogos para serem comparados, guias de turismo para serem consultados, memos  para serem divulgados, anúncios para serem afixados, cartazes para serem expostos, dividas para serem cobradas, plágios para serem escondidos e diários para serem ocultados. Escrever é para idéias, ação, reflexão e experiência. Não é para expor a ignorância de alguém, destruir sua sensibilidade ou avaliar sua capacidade. capacidade. Então como os professores podem ajudar as crianças a ver as vantagens e  possibilidades do clube dos escritores, escritores, apesar de todas as limitações da escola? Como já argumentei anteriormente (Smith, 1981, b), os professores devem envolver as crianças em aventuras linguagem que possível, e protegê-las dospasso efeitosé destrutivos dede atividades semsignificativa sentido quesempre não possam ser evitadas. O primeiro que os próprios professores distingam a escrita significativa de rituais sem sentido, e o segundo é discutir a diferença com as crianças. De um modo especial, os professores deveriam tentar proteger a si mesmos e as crianças dos efeitos da avaliação. Onde a avaliação e atribuição de notas forem inevitáveis, como normalmente o são, deve-se deixar claro para as crianças que acontecem por razões administrativas, burocráticas ou políticas, e que nada têm a ver com escrever no “mundo real”. A atribuição de notas nunca ensinou nada a um escritor (exceto que ele não era um membro do clube). Os escritores aprendem aprendendo sobre escrever, não tendo números colocados em seus esforços ou habilidades. As crianças (e os estudantes universitários) que escrevem só pela nota têm uma noção muito grotesca do que sejam as vantagens do clube dos escritores.  Não é uma questão de “correção”, que, de qualquer modo, não faz de ninguém um escritor melhor. A correção meramente realça o que o aprendiz quase que certamente sabe que não pode fazer. A correção só vale a pena se o aprendiz a buscar, e para buscar correção para o que se faz é preciso considerar-se um profissional, ser um membro do clube. Não estou dizendo que não deveria haver padrões, mas que os padrões devem vir daquilo que o aprendiz almeja alcançar. Ênfase na eliminação de erros resulta na eliminação da escrita. É difícil para muitos professores não considerar a avaliação como uma necessidade. Provavelmente, o ar que respiram em seus ambientes de trabalho esteja impregnado dela. Talvez ninguém lhes tenha contado sobre seu efeito devastador sobre a sensibilidade, ou sobre sua inevitável relação com a atividade sem sentido. O ato de escrever que é realizado com um propósito não requer nem permite outra avaliação que não seja a adequação aquele propósito, que só pode ser avaliada pelo aprendiz em comparação com o mesmo propósito é atingindo por membros mais experientes do clube. Mas é sempre assim que as de crianças não é necessário se lhes di diga ga que encontrem a melhor maneira fazer oaprendem; que elas querem fazer; elasque procuram. As

 

crianças nunca querem falar uma versão inadequada da linguagem dos grupos a que sê filiam, assim como não querem se vestir de maneira diferente da convencional. Se são membros de um clube, querem viver de acordo com seus padrões. Uma criança cr iança que não quer aprender está claramente demonstrando sua exclusão do grupo, seja voluntária ou imposta. A escola deveria ser o lugar onde a criança é iniciada no clube dos escritores o quanto antes, com direitos e privilégios completos, mesmo como aprendiz. Ela lerá como um escritor, e assumirá seu papel no clube, se não lhe for negada a entrada no  portão. Referências Bibliográficas

HALLIDAY, Michael A. K. e HASSAN, Ruqaya. Cohesion in English. London: Longman, 1976. MILLER, George A. Spontaneous Apprentices. New York: Seabury, 1977. SMITH, Frank. “Demonstrations, Engagement and Sensitivity: A Revised Approach to Language Learning." Learning." Language Arts 58 (1981): 103-122. (a)  _________ . “Demonstrations, Engagement and Sensitivity: The choise between people and programs.” Language Arts 58 (1981): 634-642. (b)  _________. Writing and the Writer. Ne New w York: Holt, Rinehart & Winston, 1982.

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