Leituras em René Guenón

March 3, 2019 | Author: Elemar Dos Santos Júnior | Category: Matter, Thomas Aquinas, Aristotle, Spirit, Time
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Du[s, três ou ]in]o noçõ_s ^_ m[téri[, n[ t_ori[ ^o @quin[t_? (L_itur[s ^_ Guénon _ @quino) Um dos melhores livros de filosofia do século XX é «O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos», de René Guénon. Aí se esgrimem as teorias platónica e aristotélica da forma e da matéria, com uma clareza dialéctica que hoje os filósofos da moda, anglo-saxónicos ou outros, não possuem. Guénon separa rigorosamente a forma ou essência da substância ou matéria. Subverte a terminologia aristotélica porque, nesta, o termo substância designa, em primeira mão e em regra, forma mais matéria. Embora invocando Tomás de Aquino, Guénon, numa posição platónica, desvia-se do Aquinate. São Tomás sustentou que há cinco tipos de matéria: 1) A matéria-prima indeterminada, que é ser em potência, e não possui qualidade alguma. É uma matéria absolutamente abstracta, que ainda é nada. Só a forma actualizará esta matéria-prima (género) em matéria sensível e inteligível (espécie). Esta continuará em potência para a formação do indivíduo, da ousía (substância individual). 2) A matéria comum sensível que é a textura da espécie - o constituinte constituinte interno, a configuradora - (exemplo: (exemplo: a humidade e o grau de frio argamassa de algo, sem forma configuradora da água constituinte do conceito de água do mar; o calor do fogo, matéria constituinte do conceito de labareda). É a parte «informal» da essência ou espécie de algo. É uma matéria abstracta. 3) A matéria comum inteligível que é a textura das formas matemáticas como a superfície do círculo, o conteúdo volumétrico da esfera. É uma matéria abstracta . 4) A matéria individualizada, designada, ou matéria delimitada, isto é, o corpo físico que resulta da união entre o conceito (matéria comum inteligível: por exemplo, a ideia de homem) e a matéria física ( exemplo: Sócrates é este homem de carne e osso, com dimensões bem definidas, resultante da união da essência sensívelinteligível homem com o plano da matéria real). É o princípio da individuação. É a matéria concreta, palpável, visível. 5) A matéria inteligível individual, isto é, a forma individual de cada corpo, abstraindo da côr, som, cheiro, consistência,etc, que se encontra, a meu ver, no plano conceptual. Exemplo: «Esta forma do edifício do Mosteiro dos Jerónimos, antes de plasmar-se na matéria, forma diferente de todos os outros mosteiros, isto é, da espécie». Ora Guénon, tal como Platão, «suprime» a matéria não-delimitada ou matéria comum sensível-inteligível, uma vez que a considera pura forma intelectual. Mas se o próprio São Tomás designa como matéria segunda a matéria física, deve existir uma matéria terceira que nem o Aquinate nem Guénon nomeiam desse modo, embora a intuam: a espécie, a textura ou componente interna do conceito específico, comum, de um ente material (como por exemplo: árvore, homem, casa), conceito 1

que é a união da forma (matéria inteligível) e de uma matéria sensível comum (abstracta). A matéria comum sensível e a matéria comum inteligível, que não são a matéria prima indeterminada pois, ao contrário desta, já possuem uma forma, são definidas com nitidez na seguinte passagem da Suma Teológica: «Creyeron algunos que la especie del objecto natural es solamente la forma, y que la materia no es parte de la especie. Pero, según esto, no entraría la materia en la definición de los seres naturales.Hay que distinguir más bien dos clases de materia, a saber, la común y la determinada o individual . Es materia común, por ejemplo, la carne y los huesos; e individual, esta carne y estos huesos. Pues bien, el entendimiento abstrae de la materia sensible individual, no de la materia sensible común. Así abstrae la espécie de hombre de esta carne y de estos huesos que, como dice el Filósofo, no pertenencen a la esencia de la especie, sino son partes del individuo, no entrando, por lo mismo, en su noción esencial. No puede el entendimiento, en cambio, abstraer la especie de hombre de la carne y de los huesos.» «Sin embargo, el entendimiento puede abstraer las especies matemáticas no sólo de la materia sensible individual, sino también de la común ; aunque no de la materia inteligible común, sino solamente de lo individual. Se llama, en efecto, materia sensible a la materia corporal en cuanto sujeto de cualidades sensibles , como el calor, el frío, la dureza, la blandura, etc; y materia inteligible a la substancia en cuanto sujeto de la cantidad. Ahora bien, no cabe duda de que la cantidad le sobreviene a la substancia antes que las cualidades sensibles. Por eso las cantidades - como números, dimensiones y figuras, que son sus límites - pueden ser consideradas sin las cualidades sensibles, lo cual es abstraerlas de la materia sensible; mas no pueden concebirse sin referencia a la sustancia sujeto de la cantidad, lo cual sería abstraerlas de la materia inteligible común. Sin embargo, no es preciso la referencia a esta o aquella sustancia; lo que equivale a abstraerlas de la materia inteligible individual». (Santo Tomás de Aquino, Suma teológica, CUESTION 85, Artículo 1; o bold é de minha autoria) Está aqui explícita a súmula da teoria das qualidades primárias ou reais nos objectos(forma, tamanho, número) e das qualidades secundárias ou irreais nos objectos(côr, cheiro, sabor, dureza, frio/calor, etc) que Descartes e John Locke (re) formularam séculos mais tarde. A MATÉRIA DESIGNADA É A MATERIA SECUNDA ? Criticando a imprecisão do conceito de matéria dos físicos modernos, René Guénon escreveu: «Podemos perguntar agora, pondo de parte a pretensa "inércia da matéria", que no fundo, não passa, de um absurdo, se essa mesma "matéria" dotada de qualidades mais ou menos bem definidas que a tornariam susceptível de se manifestar aos nossos sentidos, é a mesma coisa que a materia secunda do nosso mundo tal como a entendem os escolásticos. Podemos já duvidar que uma tal assimilação seria inexacta 2

se repararmos que, para ter um papel relativamente ao nosso mundo análogo ao da materia prima ou da substância universal relativamente a qualquer manifestação, a materia secunda não deve, de modo nenhum, ser manifestada neste mundo, mas servir exclusivamente de "suporte" ou de "raíz" ao que se manifesta nele, por conseguinte, as qualidades sensíveis não lhe podem ser inerentes , mas procedem, pelo contrário, de "formas" recebidas em si, o que mais uma vez significa que tudo o que é qualidade deve ser posto em relação com a essência.» (René Guénon, O  Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos , Publicações Dom Quixote, pag 23; o bold é nosso). Isto parece-nos racional: a matéria secunda como, por exemplo, as essências fogo, água, madeira, pedra, existe no abstracto, como potência para a "materialização" deste fogo aceso que queima, desta água onde molho as mãos, desta pedra e desta madeira que toco. Mas Guenón nega qualidades sensiveis a essas essências ao passo que Tomás de Aquino teorizou a matéria comum sensível, isto é, essências ou espécies dotadas de côr, som, cheiro, dureza. Há aqui uma contradição terminológica: o sensível existe na essência supra-física ou apenas na matéria física? Guenón sustenta que São Tomás classificou a matéria física designada, (matéria signata) como materia secunda:

não deve, no entanto, ser desprovida de determinação, porque se assim fosse confundir-se-ia com a própria materia prima na sua completa indistinção...É necessário, pois, precisar qual a natureza desta determinação, e é o que faz Tomás de Aquino ao definir a materia segunda como materia signata quantitate » «A materia secunda

(René Guénon, ibid, pags 23-24).

Será deveras assim? A nosso ver, a matéria designada na quantidade (exemplo: este corpo de 1,80 metros de altura, mãos finas, rosto pálido e olhos azuis com X medidas...) é a matéria terceira, não a segunda. São Tomás escreveu: «Por isso há que ter em conta que a matéria é princípio de individuação, não tomada de qualquer maneira mas só como matéria designada (signata). Chamo matéria designada à matéria enquanto considerada sob certas dimensões. Esta matéria não entra na definição de homem , mas entraria na definição de Sócrates se Sócrates tivesse definição. Na definição de homem põe-se a matéria não  designada; assim, não pomos na definição de homem estes ossos e esta carne, mas sim ossos e carne em geral, que são a matéria não designada do homem....(São Tomás de Aquino, Sobre o ser e a essência ; o negrito é nosso) Aparentemente, há uma falha de numeração na hierarquia da matéria. E note-se a ambiguidade do termo matéria: ora é a substância não física, ideia (matéria comum, sensível ou inteligível) ora é a substância física, palpável e visível (matéria signata , designada, determinada ou delimitada). Para a terminologia de hoje, a linguagem de Aquino que, sem embargo, é um magnífico pensador, suscita a confusão entre os conceitos de matéria ( género ou materia prima e espécie ou materia secunda) e a matéria real existente (materia designada ou delimitada e, a nosso ver... materia 3

tertia ).

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

Do C[os [o Cosmos ou ^o Espírito [o Cosmos? (L_itur[s ^_ R_né Guénon) René Guénon distinguiu dois polos da existência: o polo essencial, superior, das formas puras, e o polo substancial, da matéria-prima indeterminada. Segundo Guénon, o mundo da Tradição (até ao final da Idade Média) situava-se no polo essencial ao passo que o mundo Moderno, iniciado com o Renascimento, e prosseguido com a Idade Moderna de Descartes, o Século das Luzes e os últimos dois séculos de industrialismo, materialismo e individualismo, centra-se no polo substancial. Guénon opõe como contrários a qualidade (essência) à quantidade (substância) numa antinomia que não é perfilhada por escolásticos de ascendência aristotélica como São Tomás de Aquino que incluía a substância dentro da essência. O próprio Aristóteles sustentava a posição de que a substância é um composto de essência (forma comum) e de matéria-prima, informe, o que não coincide com a posição de Guénon. Escreveu este: «É necessário fazer uma distinção nítida entre dois pontos de vista que estão ligados respectivamente aos dois polos da existência: se se diz que o mundo foi formado a partir do "caos", é porque se encara unicamente sob o ponto de vista substancial, e então é preciso considerar este começo como intemporal, porque, evidentemente, o tempo não existe no "caos", mas só no "cosmos". Se quisermos, pois, referir-nos à ordem de desenvolvimento da manifestação que, no domínio da existência corporal e pelas condições que a definem, se traduz por uma ordem de sucessão temporal, não é deste lado que devemos partir, mas pelo contrário, do lado do polo essencial, cuja manifestação, de acordo com as leis cíclicas, se afasta constantemente para descer até ao polo substancial. A "criação", enquanto "resolução" do caos, é, de certo modo, "instantânea", e é propriamente o Fiat Lux bíblico; mas o que está verdadeiramente na origem do "cosmos", é a própria Luz primordial, isto é, o "espírito puro" no qual estão as essências de todas as coisas; e, a partir daí, o mundo manifestado só pode efectivamente baixando cada vez mais até à "materialidade".» (René Guénon, O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos , Publicações Dom Quixote, pag 80).

O ponto de vista de Guenón é, obviamente, o de Sócrates e Platão, segundo os quais o Espírito é a causa do mundo , opondo-se às filosofias de Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Anaxágoras e outros que afirmam um ou vários princípios materiais (água, ar, fogo, terra, etc) como causa do universo. © (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz) 4

O núm_ro n[ ]on]_pção tr[^i]ion[l (L_itur[s ^_ R_né Guénon) René Guenón (1886-1951), filósofo da Tradição contra o espírito do Mundo Moderno, sustenta, na linha de São Tomás de Aquino, que é a quantidade que permite a materialização das essências ou formas espirituais. Tomás de Aquino distingue a matéria prima - potência pura, a substância indeterminada inexistente em acto - e a forma (por exemplo: o homem, em abstracto), por um lado, da matéria determinada ou designada (materia signata quantitate, que é o composto, na filosofia aristotélica. Por exemplo: este homem, com 1,80 metros de altura, nariz aquilino, ombros largos é matéria designada (informada) que resulta da união entre a forma (imaterial) e a matéria indeterminada (inexistente), por outro lado. É pelo número que a forma se plasma na matéria mas há dois conceitos de número: «Outra questão se levanta ainda : a quantidade apresenta-se-nos de modo diferente, nomeadamente a quantidade descontínua, que é propriamente o número (2), e a quantidade contínua, que é representada principalmente pelas grandezas de ordem espacial e temporal; qual é, de entre estes modos, o que constitui mais precisamente aquilo a que poderemos chamar a quantidade pura? Esta questão também tem a sua importância, tanto mais que Descartes, base de boa parte das concepções filosóficas e científicas especificamente modernas, quis definir a matéria pela extensão, e fazer desta definição o princípio de uma física quantitativa que, se ainda não era "materialismo", era, pelo menos, "mecanicismo"; é que poderíamos ser tentados a concluir que a extensão, porque é directamente inerente à matéria, representa o mundo fundamental da quantidade.»  Nota 2) « A noção pura do número é essencialmente a do número inteiro, e é evidente que a continuação dos números inteiros constitui uma série descontínua; todas as extensões que esta noção tem recebido e que deram lugar à consideração dos números fraccionários e dos números não mensuráveis, são verdadeiras alterações e, na realidade, representam unicamente os esforços que foram feitos para reduzir o mais possível os intervalos do descontínuo numérico, a fim de tornar menos imperfeita a sua aplicação à medida das grandezas contínuas.»

(René Guénon, O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, Publicações Dom Quixote, pag. 24-25, o bold é da minha autoria). Deve ter-se em conta o facto de na concepção pitagórica do mundo, o número não ser meramente aritmético mas também geométrico: o Um designa o ponto, o Dois a recta, o Três o plano e o Quatro o tetraedro. Há pois, um aspecto qualitativo-formal na noção tradicional de número.  Nota de rodapé: As reflexões de René Guenón nesta matéria estão muito acima das vulgaridades de um Fernando Savater, de um Neil Warburton, de um James Rachels, 5

de um Peter Singer que são, hoje, os filósofos da moda para a grande maioria dos  professores de filosofia nas escolas públicas dos países da Europa ocidental e central ou dos EUA.

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

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