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January 13, 2019 | Author: Mônica Faria | Category: Geometry, Universe, Mathematics, Física e matemática, Time
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OM MO ODULADOR DE DE LE LE CO CORBUSIER: FO FORMA, PR PROPORÇÃO E MEDIDA DA DA AR ARQUITETURA

Ennio Po Possebon

O MODULOR DE LE CORBUSIER: FORMA, PROPORÇÃO E MEDIDA NA ARQUITETURA Ennio Possebon *

RESUMO

A BSTRACT

 Le Corbusier é um dos raros arquitetos, não só do século XX, mas de toda a História da Arquitetura, que propôs uma teoria de proporções e forneceu descrições de como foram aplicadas em seus projetos. Na sua obra transparece, além do olhar atento para a criação de uma arquitetura consoante com as transformações sociais, trazidas pelas tecnologias despontantes no século XX, um  pensamento lógico, racional e disciplinador que encontra sua  plena expressão, em termos de  proporções, no seu sistema denominado Modulor.

 LE CORBISIERS   MODULATOR: FORM,  PROPORTION AND  MEASURE IN   ARCHITECTURE

 Palavras-chave: arquitetura, comodulação.

 Le Corbusier is one of the few architects, not only in the 20th century, but in the whole history of Architecture, to propose a theory of proportions and to make descriptions on how they were applied to his projects. His work shows, besides the attentive look to the creation of an architecture architecture consonant with social changes brought by the 20th centurys centurys emerging technologies, tec hnologies, a logical, rational, and disci plinary thinking that finds its full  expression, in terms of   proportions, in his system named  Modulor.  Keywords: architecture, comodulation.

Ennio Possebon é graduado e mestre pela Faculdade de Arquit etura e Urbanismo da USP. USP. Trabalha com arquitetura, arquit etura, design desi gn gráfico e artes visuais. Leciona desenho arquitetônico no curso de Arquitetura e Urbanismo do UniFIAM-FAAM e desenho de observação e geometria no curso de Educação Artística dessa Instituição.

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Ennio Possebon

Estais no país dos números.  Deixai-vos permanecer nele, maravilhados diante de tanta luz intensamente espalhada. 

L

(Le Corbusier)

e Corbusier é um dos ra- sões. As dimensões medianas estão menos clássico que Palladio ou ros arquitetos, não só do relacionadas com o corpo humano; Alberti, ao retomar um tipo de conséculo XX, mas de toda as dimensões extremas aplicam-se, trole de projeto tão essencialmente a História da Arquitetu-  por um lado, aos detalhes diminu-  pertencente a Renascença. ra, que propôs uma teoria de propor- tos dos instrumentos de precisão e, A PORTA DOS MILAGRES ções e forneceu descrições de como  por outro lado, à escala dos grandes 2 DE LE CORBUSIER foram aplicadas em seus projetos.  projetos de planejamento. Mais ainda, pretendeu e propôs que sua teoria fosse utili A matemática zada por outros. Seus é o magistral edifídesenhos e projetos cio imaginado pelo são, por esta razão, homem para com  preender o Univerum fértil terreno para o estudo da Geometria   so. Nela encontrana sua conexão com a  se o absoluto e o inArquitetura.  finito, o apreensível 

O MÓDULO DE OURO Segundo John Summerson, [...] nos  primeiros anos da Segunda Guerra Mundial Le Corbusier criou o sistema que se cha Modulor . mou Modulor é uma palavra composta a partir   Na obra de Le Corbusier, de module, ou seja, unidade de medida, e   section d´or ou secção de transparece, além do olhar atento ouro: a divisão de uma reta de tal  para a criação de uma arquitetura modo que o segmento menor está consoante com as transformações  para o maior assim como o segmen- sociais, trazidas pelas tecnologias to maior está para o todo. O despontantes no século XX, um Modulor é um sistema de propor-   pensamento lógico, racional e cionamento do espaço arquitetônico disciplinador, ao buscar um traçado  baseado neste critério geométrico, e orientador do projeto, baseado na oferece toda uma gama de dimen-   proporção áurea. E, aí, ele não é

e o não-apreensível, e está rodeada de altos muros diante dos quais pode-se   passar e de novo  passar sem proveito nenhum. Neles às vezes abre-se uma   porta, entra-se e aí    se está no lugar  onde se encontram os deuses e as chaves dos grandes sistemas. Estas portas são as portas dos milagres, e, franqueada uma delas, já não é o homem quem atua,  porém o Universo que se manifesta e diante dele desenrolam-se os prodigiosos tecidos das combinações  sem limites. Estais no país dos números. Deixai-vos permanecer nele, maravilhados diante de tanta luz intensamente espalhada. 3

2 S UMMERSON, John. in  A linguagem clássica da Arquitetura, p.116. 3 LE CORBUSIER, in Modulor1, p. 69. (Trad. nossa.) R. Cult. : R. IMAE, São Paulo, a.5, n. 11, p. 68-76, jan./jun. 2004

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ORIGENS E INTENÇÕES DO MODULOR O Modulor1 tinha como subtítulo Ensaio sobre uma medida harmônica à escala humana e aplicável universalmente à Arquitetura e à Mecânica. Sem dúvida, uma grandiloqüente e pretensiosa aspiração ... Acompanhar o fio condutor do seu pensamento ao longo do texto, tão rico em idéias mas nem sempre claro e organizado, às vezes até perturbado por excesso de dados, relatos burocráticos, citações enfadonhas e até mesmo com algumas im precisões geométricas, de certa maneira desvenda parte do que foram seu grande esforço, seus ideais, seus sonhos, suas conquistas e seu legado: o que não é pouca coisa. Acom panhemos alguns fatos narrados nos livros Modulor 1 e 2. Pertencente a uma família de músicos, embora sem sê-lo, Le Corbusier sabia muito bem que a música, assim como a arquitetura, se desenvolvem no espaço e no tempo e dependem da medida. Em algumas considerações sobre a música ele observou como, historicamente, o continuum sonoro foi fragmentado, dividido, mas tornado passível de ser compreendido por meio de proporções estabelecidas entre suas subdivisões. Com isso teve sua transmissão possível, através do tempo e do espaço, por meio da escrita musical, que finalmente veio a ser codificada no Ocidente por J. S. Bach, em sua gama temperada. Este utensílio aperfeiçoado trouxe imenso impulso à

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composição e pôde exprimir o pen-   participando da matemática que samento musical de Mozart, rege o corpo humano, era possível Beethoven, Debussy, Stravinsky, sustentar, também na construção, a mesma harmonia. E como eles esSatie, Ravel ... até os dias atuais. E na busca de uma analogia, Le tavam circunscritos a cada cultura Corbusier se coloca a questão: um específica, sem ter de cruzar distânutensílio correlato, que tratasse de cias pelos mares, eram aptos e sufimedidas visuais, geométricas, não cientes para cumprir seus desígnios, seria desejável também no âmbito   já que também não havia por que da construção, não facilitaria tam- reclamar dessas medidas dentro de  bém sua escrita e traria um enor- seus âmbitos operacionais. me benefício à composição arquiteCom a Revolução Francesa, tônica? Entende que sim, e assim diz Le Corbusier, o pensamento conclui o seu raciocínio: laico entendeu que podia conquistar  Numa sociedade moderna me- o mundo. E além de colocar em canizada, cujas ferramentas se aper-   jogo razões profundamente humafeiçoam a cada dia para proporcio- nistas, apresentou ainda muitas pronar recursos de bem-estar, a apari- messas: ciência e cálculo empreenção de uma gama de medidas visu- deram caminhos sem limites. No ais é admissível, posto que o primei- rastro dessa revolução também foro efeito deste utensílio será unir, ram destronados pés e polegadas, enlaçar, harmonizar o trabalho dos   juntamente com seus complicados homens, precisamente desunido cálculos, e então substituídos por uma medida despersonalizada e absneste momento até mesmo destrata, o metro (a décima milionésitroçado pelo presença de dois sistemas dificilmente conciliáveis: o ma parte do quadrante do meridiano sistema dos anglo-saxões e o siste- terrestre),5 adotado imediatamente  por sociedades mais ávidas de noma métrico decimal. 4 vidades, porém ainda em grande Ele compreende também que  parte rejeitado em favor dos tradios partenons, os templos indianos e cionais pés e polegadas. Uma tenas catedrais de todos os tempos são se estabeleceu entre a nova mesempre foram constituídos segundo dida de cálculo mais simples e a traum código e se fundamentaram num dicional, mais complexa, porém sistema coerente que afirmava uma mais adequada à escala humana. unidade essencial. E perguntando-se sobre de que instrumentos dispuLe Corbusier entende que exisnham, encontra sempre a resposta te uma carência de medida ou sisnas medidas baseadas em propor- tema proporcionalizador que satisções humanas: codo, dedo, polega- faça, sendo válidos para qualquer da, pé, braço, palmo etc. .   parte do mundo estes quesitos: racionalidade, simplicidade na ordeCom esses instrumentos sutis nação do cálculo e adequação à es-

4 LE CORBUSIER, in Modulor 1, p. 17. (Trad. nossa.) 5 Na atualidade, definido como a distância correspondente a 1.553.164, 03 longitudes de onda da banda vermelha do cádmio no espectro a ar seco, a 15º de temperatura e a 760 mm de Hg de pressão.

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cala humana tanto para a Arquitetura quanto para a Mecânica. Desde o início do século XX ele vinha observando em obras de arquitetura aquilo que chamou de o ângulo reto dirigindo a composição. Tam  bém encontraram ressonância nele as palavras de Choisy com sua  História da Arquitetura (1902) , especialmente quando trata de traçados reguladores ao explicar a organização de composições arquitetônicas.

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 Nos anos de ocupação da França durante a Segunda Guerra Mundial, instituiu-se o AFNOR, um órgão cuja

 Na revista L´ Esprit Nouveau,  junto com outros, Le Corbusier produz artigos teóricos, base doutrinária para sua atividade projetual posterior.   A grande indústria deve

 função era auxiliar a reconstrução do país.

ocupar-se com a edificação e esta- sado algumas críticas à arquitetura  participar do empreendimento. Le belecer em série os elementos da renascentista, por ver nas suas cons- Corbusier foi um deles. casa. Deve ser criado o estado de truções, quando rigorosamente oriespírito da série: de construir casas entadas pela geometria, e por vezes O  AFNOR propõe normatizar os em série, de habitar casas em série, segundo complexas estruturas, a objetos da construção e seu método é de conceber casas em série. 6 E   pressuposição de um observador  simplista: simples aritmética aplicada aqui a normatização se torna ques- ideal que teria de se colocar no cen- aos usos e utensílios dos arquitetos, tão fundamental. tro da obra e perceber como um engenheiros e industriais. Parece-me todo, simultaneamente, todos os de- arbitrário e pobre. As árvores, por  Depois que publica o artigo talhes. Contra essa interpretação ele exemplo, com seu tronco, seus ramos, Os traçados reguladores na  L´  argumenta, então, que o observador  suas folhas e nervuras, me afirmam   Esprit Nouveau, em 1921, Le concreto sempre está de pé, tem o que as leis de crescimento e combinaCorbusier conhece os livros de foco de visão a mais ou menos 1,60 ção podem e devem ser mais ricas e Matila Ghyka, sobre a proporção áu- m de altura e está em movimento  sutis. Um laço geométrico tem de inrea, que lhe confirmam e demons-   pelo espaço, apreendendo, a cada tervir nestas coisas e sonho instalar  tram matematicamente assuntos que vez, e no decorrer do tempo, as suas nas obras que mais tarde cobrirão o  já o ocupavam. E também em suas várias perspectivas. Tem percepções  país, um enredado de proporções tra pinturas, experimenta a plasticidade diferenciadas a cada momento e, çado sobre o muro ou apoiado nele, sobreposta a uma rigorosa geometria. enfim, uma estatura que deve ser  feito com ferros laminados e soldados, que será a regra da obra, o modelo sempre considerada. Posteriormente, por volta dos que inicia a série ilimitada das combianos 1940, as idéias desenvolvidas  Nos anos de ocupação da Fran- nações e das proporções. O pedreiro,   por Wittkower a respeito do ça durante a Segunda Guerra Mun- o carpinteiro e o serralheiro irão aí  Renascimento, da proporção e dos dial, instituiu-se o AFNOR, um órgão escolher as medidas para seus trabatraçados reguladores de projetos cuja função era auxiliar a reconstru- lhos, os quais, diversos e diferenciatambém encontrarão ressonância em ção do país. Industriais, engenheiros dos, serão testemunhos da harmonia. Le Corbusier. Embora tenha expres- e arquitetos foram convocados a Tal é o meu sonho. 7  6 In Casas em série,  L´ Esprit Nouveau , 1921, citado em L E CORBUSIER, Modulor 1, p. 31. (Trad. nossa.) 7 LE CORBUSIER, in Modulor 1, p. 34. (Trad. nossa.) R. Cult. : R. IMAE, São Paulo, a.5, n. 11, p. 68-76, jan./jun. 2004

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TENTATIVA E ERRO NA o uruguaio Justino Serralta e o franINVENÇÃO DO MODULOR cês Maisonnier, e foi relatado no   Modulor 2. Esse traçado produz Em 1943, Le Corbusier propõe duas séries de valores baseados na a seu assistente Hanning uma tare-   proporção áurea, então chamadas fa: Tome um homem com o braço  série vermelha e  série azul , esta levantado com 2,20 m de altura, última correspondendo aos valores inscreva-o em dois quadrados referidos ao duplo quadrado.  superpostos de 1,10 m, coloque-o a cavalo sobre os dois quadrados e Essa rede de proporções um terceiro quadrado resultante lhe antropometricamente combinadas, recebeu depois a denominação dará uma solução. O lugar do ân gulo reto deve poder ajudá-lo a comodulor (sugerida a Le Corbusier locar o terceiro quadrado. Com este   por Robert Lancrey-Javal, doutor enredado, regido por um homem em Direito). O modulor, na sua priinstalado no seu interior, estou se- meira versão, tinha como base um   guro que chegará a uma série de homem com 1,75 m (a altura mémedidas que poderão colocar de dia de um francês), de onde resulacordo a estatura humana (o bra- tavam suas medidas principais. Tecço levantado) e a Matemática. 8 nicamente foi definido da seguinte maneira: O modulor é um aparato Essa indicação, um tanto enig- de medida fundamentado na estatumática quando meramente lida, en- ra humana e na matemática. Um tretanto, continha o germe do que homem com o braço levantado dá viria a ser claramente desenvolvido os pontos determinantes de ocupano traçado final do modulor. Era ção do espaço: o pé, o plexo solar, ainda uma primeira intuição. a cabeça e a ponta dos dedos com o braço levantado três intervaMas daí surgiu o primeiro tra- los que definem uma série de çado, em 25 de setembro de 1943,  secções áureas de Fibonacci; e ainque sofreria uma retificação realiza- da por outra parte, a matemática, da por Elisa Maillard, três meses que oferece a variação mais imedidepois, em 26 de dezembro de ata e significativa de um valor: o 1943. Ambos os traçados têm ain-  simples, o dobro e as duas secções da incoerências e incorreções geo- áureas. 9 Em síntese, a unidade, a

métricas, que, embora não interfi- duplicidade e a proporção áurea ram totalmente na praticidade e na o modulor. aplicabilidade da idéia, serão revisEssa régua de proporções comtos posteriormente, e mediante vá-  bina-se, assim, através do ponto das rias tentativas e aproximações, pro- duas séries de segmentos áureos, gredirão até resultar num traçado que ele chamou de vermelha e rigoroso e preciso em todos os sen- azul, com a estatura humana nos tidos. O traçado definitivo contou seus principais pontos de ocupação com a colaboração de dois jovens, do espaço. Num momento posterior,

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a altura padrão do homem será retificada para 6 pés ou 182,88 cm. (altura média de um inglês), valor esse que irá satisfazer mais, em virtude de os valores em polegadas corresponderem com mais proximidade à série Fibonacci que se forma na série azul: 3, 5, 8, 13, 21, 34 ... Le Corbusier quer contribuir  para o jogo das normatizações necessárias a uma produção em série, racional e eficiente, de elementos  pré-fabricados. Mas quer evitar tam bém o empobrecimento formal produzido por normatizações efetuadas  pelo mínimo esforço. Quer colocar no lugar do trivial, do monótono e sem graça o harmonioso, o diverso, o elegante. E remover o obstáculo que resulta da incompatibilidade das medidas centímetro e polegada. O modulor rege as longitudes, as superfícies e os volumes, mantendo sempre a escala humana, prestando-se a infinitas combinações e assegurando a unidade na diversidade: benefício inestimável, milagre dos números. 10

Quando elege a proporção áurea como princípio estruturador do seu enredado de proporções (modulor), Le Corbusier preocupa-se em acoplar nele a estatura humana (estabelecida no padrão médio de 1,82 m ou 6 pés) e pretende com isso criar um dispositivo proporcionador das medidas de sua arquitetura. E neste aspecto parece se colocar em perfeita sintonia com o conceito vitruviano de simetria, de comodulação. A proporção áurea é o módulo que engendra as

8 Idem, op. cit., p. 35. (Trad. nossa.) 9 LE CORBUSIER, in Modulor 1, p. 52. (Trad. nossa.) 10 Idem, op. cit., p. 88. (Trad. nossa.)

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 Durante as conversações no  processo burocrático de requerimento e concessão de  patentes irão despontar as várias perspectivas comerciais e direitos possíveis pela sua utilização, aos quais Le Corbusier depois renunciará. formas da arquitetura, nas partes e no todo, e leva em conta, todo o tempo, a escala humana. E aqui, como Zeizyng o fizera no século XIX,11 reafirma a insinuação de ser ela a legismetria12 do crescimento e do desenvolvimento dos seres orgânicos. O modulor, dito de uma outra maneira ainda, é a combinação de duas séries coordenadas de segmentos áureos que estabelecem um sistema proporcional e relacionado com a estatura humana evidentemente, com um padrão médio escolhido: uma grandeza referencial que determina as dimensões e proporções criadas dentro deste criterium definido pela proporção áurea.   Nota-se que existe, de certa maneira, uma obsessão em eliminar a incompatibilidade entre os sistemas métrico e de polegadas. Isso é resolvido, ou contornado, em parte,

mas na verdade não é o que tem mais importância. Parece-nos mais importante a tentativa de Le Corbusier de buscar coerência na disposição das proporções de suas obras, guiando-se por determinações sugeridas pelos processos construtivos da Geometria, combinados com todas as outras disposições e determinações necessárias ao dimensionamento da Arquitetura. E nesse sentido ele age, antes de tudo, como um geômetra. O modulor é patenteado por Le Corbusier. Durante as conversações no processo burocrático de requerimento e concessão de patentes irão despontar as várias perspectivas comerciais e direitos possíveis pela sua utilização, aos quais Le Corbusier depois renunciará. Como um produto a ser lançado no mercado foi, na época, pensado e com posto das seguintes peças: uma fita

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com 89 polegadas contendo as duas escalas, um quadro numérico com as medidas das duas séries e um manual de instruções. John Dale editou, então, um boletim mundial contendo notícias e discussões entre os usuários do modulor. Isso foi cogitado em 1947. Houve pers pectivas de que empresários americanos se interessassem pela sua fabricação e comercialização, mas o produto modulor nunca chegou ao mercado. A partir da edição do livro   Modulor 1 (1948) há uma intensa troca de correspondência entre Le Corbusier e inúmeros estudiosos e usuários interessados no modulor. Correções, retificações e ampliações da idéia são dirigidas a ele, e interagindo com essas respostas o   projeto se redefine, torna-se mais  preciso e se esclarece. Ele mesmo,  por iniciativa própria, estará sempre interessado em dialogar com matemáticos, engenheiros e outros profissionais, buscando e aceitando o aperfeiçoamento do projeto quando lhe é proposto por outros. O próprio nome modulor foi proposto por Lancrey-Javal. A princípio, Le Corbusier não o considerou adequado e o rejeitou. Toda troca de informações, idéias, sugestões e advertências, e as respectivas respostas e considerações, se encontram exaustivamente descritas no   Modulor 2 (1950), juntamente com as definições finais do sistema, além da descrição de inúmeros casos do sistema aplicado por ele mesmo ou por outros arquitetos.

11 Z EISING , Adolf. in   Neue Lehre von den Proportionen des menschlichen Korpers, aus einem bisher unerkannt gebliebenen, die ganze Natur und Kunst durchdringenden morphologischen Grundgesetz entwicklt. (Nova teoria das proporções do corpo humano desenvolvida de uma lei morfológica básica, até então desconhecida, que impregna a inteira Natureza e a Arte.) (Trad. nossa.) 12 Legismetria . Neologismo criado por F. Muller para a tradução do vocábulo Gezetzmassigkeit, do alemão. R. Cult. : R. IMAE, São Paulo, a.5, n. 11, p. 68-76, jan./jun. 2004

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Sobre o modulor, o rigoroso Ernst Neufert, a despeito de algumas críticas com relação às aproximações e arredondamentos de medidas esta belecidos nas séries vermelha e azul, comentou em seu livro   A industria-

O modulor de Le Corbusier constitui uma resposta preliminar. À luz da História aparece com a intenção fascinante de coordenar a tradição com o nosso mundo nãoeuclidiano. Em primeiro lugar porlização das construções: que toma como ponto de partida o homem e seu entorno, e não um [...] é importante que um ar- conjunto de universálias. Com isto quiteto de tanta popularidade como Le Corbusier acerta o passo das nor  Le Corbusier tenha dedicado sua mas absolutas com o das relativas. atenção ao problema das medidas na construção e que tenha colocado em primeiro plano necessidades arquitetônicas que haviam sido dei xadas de lado, como pouco acertadas, substituídas por normatizadores mecânicos e exclusivistas.  Não menos importante é o fato de que para desenvolver as construções se possa jogar com proporções baseadas na secção áurea.13

E Wittkower comenta em Sobre a arquitetura na idade do humanismo, em tom um tanto exa-

gerado e claramente apologético: [...] Todos sabemos que quan-

Porém, tenta uma nova consolidação neste nível. Os velhos sistemas de proporções eram o que poderíamos chamar de sistemas de mão única, por constituírem desenvolvimentos coerentes de conceitos  básicos, geométricos ou numéricos (mais aritméticos). Outro tanto ocorre com o modulor de Le Corbusier. Seus elementos são extremamente simples: quadrado, du plo quadrado e as secções áureas. Estes elementos se fundem num sistema de razões geométricas e numéricas: o princípio básico da simetria se combina com as duas séries divergentes de números irracionais derivados da secção áurea.

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nais de Le Corbusier segue dependendo dos conceitos que o pensamento pitagórico-platônico legou à humanidade do Ocidente. 14

  Num encontro com Albert Einstein, Le Corbusier relata que, após ouvir suas explicações e comentários, e depois de ter verificado matematicamente os esquemas do modulor, teria assim resumido seu parecer a respeito: Uma escala de proporções que torna o mau difícil e o bom fácil . 15 Essa boa

receptividade ele encontrou também entre numerosos matemáticos, engenheiros e arquitetos. O modulor realmente despertou, na época, um significativo interesse no ambiente  profissional e acadêmico.

Com o passar dos anos o interesse se esmaeceu e o próprio Le Corbusier acabou pondo de lado sua obsessão inicial e o uso persistente e sistemático do sistema. E, desafortunadamente, também deixou de ser estudado com a profundidade que merece o que representou esse im portante processo surgido dentro da obra de um dos mais representativos  A despeito do que esta opinião arquitetos do século XX.

do a geometria não-euclidiana pas sou a ser a base da visão moderna do universo no final do século XIX e  possa suscitar, se trata, sem dúvida, início do XX, produziu-se uma ruptu- da primeira síntese coerente desde O PRODUTO MODULOR ra básica com o passado, mais pro- a decomposição dos velhos siste funda até que aquela entre o univer- mas, síntese que reflete a natureza John Summerson também afir so hierarquizado e escolástico da da nossa própria civilização e é, ao ma:  Le Corbusier defendeu inten  Idade Média e o matemático e mesmo tempo, um testemunho de  samente o Modulor como um sisteeuclidiano de Leonardo, Copérnico e nossa tradição cultural. E, igual- ma que, se amplamente adotado,  Newton. Que repercussões teve e terá mente como as proporções da geo-  poderia solucionar muitos dos pro sobre a proporção nas artes e a subs- metria plana utilizadas na Idade blemas de padronização na indústituição das medidas absolutas do   Média e as proporções musicais e tria e, ainda, dar harmonia ao conespaço e do tempo por uma nova re- aritméticas do Renascimento, o sis-  junto do meio físico. Talvez isso pulação dinâmica espaço-tempo? tema dual de magnitudes irracio- desse ter acontecido. Porém desde 13 N EUFERT, Ernst. in  Industrializacion de las construciones, p. 35. (Trad. nossa.) 14 WITTKOWER, Rudolf. in Architectural principles in the age of humanism , p. 537-538. (Trad. nossa.) 15 L E CORBUSIER, in Modulor1, p. 55. (Trad. nossa.)

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a sua publicação, em 1950, o interesse por esse sistema vem diminuindo. Estou inclinado a pensar que, como em outras situações semelhantes, a importância real do  Modulor está em que ele é parte da aparelhagem mental de seu autor e lhe permite realizar projetos tão originais como a capela de  Ronchamp um edifício de forma tão livre que chega a ser quase uma escultura abstrata , seguro de seu completo domínio dos procedimentos racionais. 16

lação, que estão contidos no seu tra balho, é que podem ser de imenso valor.

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CRÍTICAS UNILATERAIS

Recentemente, Frings, num artigo sobre a ocorrência e o papel Ou seja, se o Modulor não que a proporção áurea desempenhou   pôde servir como produto final, na teoria da Arquitetura, escreve   pronto e acabado para ser usado duras e unilaterais críticas ao traba por outros é, no mínimo, um imen- lho de Le Corbusier, embora, em so manancial de pesquisa para uma exame de detalhes, também possam   profunda imersão no significado ser justificadas em parte. E como real e mais profícuo do que pode a contraponto ao que já foi exposto Geometria, quando bem compreen- até agora, cabe aqui também a sua dida, significar para o trabalho do apresentação: arquiteto. Mas mesmo arquitetos e teorizadores que tiveram o velho O Modulor, na proposta de Le mestre como a grande figura Corbusier, combina quadrado e inspiradora de uma arquitetura ra-   secção áurea, mas como resultado cional, liberta das formas do pas- não oferece nada além de um sistesado, criativa e inovadora, parecem ma modular. Da série azul de númeter deixado de lado esse aspecto de ros (secção áurea da altura total) e sua obra. da série vermelha (altura do umbi-

Summerson parece ter alguma razão quando afirma que a racionalidade conquistada por Le Corbusier, ao aprofundar-se na pesquisa da proporção áurea e sua expressão sistematizada, que é o Modulor, tem um valor relativo, isto é, vale como ferramental de projeto de seu autor, Mas a carência dos tempos   porém não pode como tal servir a sempre acaba por despertar mais ninguém.  potencialidades latentes. KlausPeter Gast, por exemplo, é uma Mas também essa afirmação  bem-vinda alteração dessa situação tem valor relativo. Pois ao esforço com seu livro  Le Corbusier. Parisde Le Corbusier para chegar até este Chandigarh, recentemente publica pretendido produto final, o Modu- do (2000). lor, subjaz todo um processo de   pensamento organizacional de Poderíamos discutir a estética  projeto que tem a proporção áurea de suas obras, questionar até que como célula-mãe e se desdobra em  ponto Le Corbusier conseguiu, por harmonias derivadas dela. E o que esse seu geometrizar, resultados sigtem valor maior, finalmente, é a nificativos e expressivos. Mas, indecompreensão que hoje temos desses   pendente disso, sua atuação como desdobramentos que ele pôde exe- arquiteto-geômetra, que é inegável, cutar, operando com este paradig- está longe de ser entendida e ma, e não aquilo que ele bem- divulgada tanto quanto o são tantos intencionadamente, mas talvez equi- outros aspectos exemplares e conhevocadamente, tenha sonhado em cidos de sua obra. E dentro do âmoferecer à cultura do século XX  bito desta pesquisa, nossa ênfase é como produto. O resgate e o   justamente no processo geometriaprofundamento no estudo desse zador por meio do qual eram gera processo de busca de uma comodu- dos seus projetos.

 go) resulta uma seqüência de medidas de 27 a 226 cm (e mais além) em degraus de 27 e 16 cm. Na função desempenhada pelo umbigo como origem da série vermelha, Le Corbusier alude à tradição do homo vitruvianus e às especulações relacionadas com as harmonias num cosmos antropocêntrico, bem mostrados numa figura emblemática no livro Modulor 2.

O Modulor tem, entretanto, algumas deficiências. Primeiro, em  bora Le Corbusier pretenda que seja usado para todas as dimensões, verticais e horizontais, ele prioriza a dimensão vertical. Além disso, é   baseado em aproximações aos números da série Fibonacci. E desde que as séries azul e vermelha podem ser combinadas ao sistema, ele se torna tão elástico que a secção áurea acaba sendo difícil de detectar.  Neufert critica, numa edição mais

16 S UMMERSON, John.in  A linguagem clássica da Arquitetura, p.117. R. Cult. : R. IMAE, São Paulo, a.5, n. 11, p. 68-76, jan./jun. 2004

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O MODULADOR DE LE CORBUSIER: FORMA, PROPORÇÃO E MEDIDA DA ARQUITETURA

Ennio Possebon

recente do Bauordnungslehre ,   primeiros experimentos onde Le O LEGADO DE LE CORBUSIER ambas as indefinidas práticas: de ar- Corbusier usa a secção áurea para redondar números, de tal modo que desenvolver seu catálogo de mediO modulor parece representar as adições passam a ser incorretas das, o qual não tinha devido aos um curioso ponto de virada na Hise mais ainda nas imprecisões ao arredondamentos e combinações tória da Arquitetura. Num sentido, transcrever medidas méfoi um corajoso, persistentricas para o sistema britâte e pretensioso esforço  Mas isso não invalida nico das polegadas. E fi  para criar uma regra unificadora para toda a Arnalmente, o Modulor não nem desqualifica o está de fato longe do próquitetura; e noutro, mos prio sistema de Neufert, o trou a falência e as limita processo geometrizador  Sistema Octamétrico ções de tal tentativa. Mas (Neufert, 1941). Por esta isso não invalida nem de seu criador, nem a razão o Modulor não deve desqualifica o processo ser considerado um sistegeometrizador do seu cririqueza formal e ma de proporções, mas ador, nem a riqueza formal  funcional de sua sim um catálogo de medie funcional de sua arquitedas irregulares [...] tura; ao contrário, confere arquitetura. a esse legado de «Corbu» Durante um longo um imenso valor. O esfor  período a secção áurea não foi mencionada na teoria da muito mais em comum com a ço despendido por Le Corbusier, até arquitetura. Ela primeiramente  secção áurea ou a série Fibonacci. onde ele pode ser compreendido aparece no século XIX, através de  De fato, Neufert e Le Corbusier pa- como intenção consciente, eviden  Zeising e Fechner, e então surge recem utilizar a secção áurea de ciou uma busca intensa por novamente com um certo fascínio modo a glamourizar sua própria determinantes e alvos que foram na terceira e quarta décadas do sé- criação artística subjetiva com te- também aqueles mesmos anteriorculo XX, quando Neufert e Le oria e razão. Em todo caso, a mente pertencentes à Arquitetura Corbusier vêm a conhecê-la.  secção áurea certamente desempe- clássica, conforme descritos por   Neufert alimenta grandes esperan- nha um papel nos escritos destes Vitrúvio e expressos na Renascença ças para uma renovação da arqui- teoristas da Arquitetura. Antes do  por seus arquitetos e teóricos. Ou tetura através da secção áurea, mas  século XIX, todavia, a secção áurea seja, a proporção, a simetria ou cologo cai em si. Não obstante ele a está simplesmente ausente da teoria modulação, a harmonia e a euritmia apresenta in extenso. Depois dos da arquitetura escrita até então .17 do edifício. A beleza, enfim. 17 FRINGS. Marcus, in The Golden Section in Architectural Theory,  Nexus Network Journal , vol. 4, no 1, 2002, http://www.nexusjournal.com/Frings.html Referências bibliográficas: G AST, Klaus-Peter.  Le Corbusier: Paris Chandigarh. Basel: Birkhauser, 2000. LE CORBUSIER. El Modulor. Buenos Ayres: Poseidon, l953. LE CORBUSIER. El Modulor 2. Buenos Ayres: Poseidon, 1962. LE CORBUSIER. The Marseille´s block. London: The Harvill Press, 1953. LE CORBUSIER. L´Architecture et l´esprit mathématique, in  Les grand courants de la pensée mathématique , presentée par F. de Lionnais. S. l.: Cahiers du Sud, 1958. LE CORBUSIER. L´ Unité d´ habitation de Marseille.  Le Point , nº 38. S.l.: Souillac (Lot) Mulhouse, nov. 1950. NEUFERT, Ernst.  Industrializacion de las construciones. Barcelon: Gustavo Gili, 1969. SUMMERSON, John.  A linguagem clássica da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ZEISING, Adolf.  Neue Lehre von den Proportionen de menschlichen Korpers, aus einem bisher unerkannt gebliebenen, die ganze  Natur und Kunst durchdringenden morphologischen Grundgesetz entwicklt. Leipzig: s.e., 1854.  W ITTKOWER, Rudolf.  Architectural principles in the age of humanism. London: Tiranti, 1952.

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R. Cult. : R. IMAE, São Paulo, a.5, n. 11, p. 68-76, jan./jun. 2004

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