Língua Latina

April 14, 2017 | Author: Alessandra Moraes | Category: N/A
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Latina

Latina

LÍNGUA

LÍNGUA

LÍNGUA

Latina Rodrigo Tadeu Gonçalves

Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-1146-9

LÍNGUA

Latina Rodrigo Tadeu Gonçalves

2010 2ª edição

Rodrigo Tadeu Gonçalves

Doutor e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Letras-Português, Inglês e Latim pela UFPR.

Sumário História do latim e as línguas neolatinas | 11 A hipótese do indo-europeu | 12 Fases e variedades da língua latina | 15 A passagem do latim para as línguas românicas modernas | 18 A latinização | 19

Fonologia e prosódia do latim | 27 A questão da duração das vogais | 28 O alfabeto latino | 29 O acento de intensidade | 32 As pronúncias do latim | 33

Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa | 41 A estrutura da língua portuguesa | 41 A estrutura da língua latina | 43 Comparação entre as duas línguas | 48

Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições | 59 As declinações nominais | 59 Primeira declinação | 61 Segunda declinação | 62 Adjetivos de primeira classe | 64 Preposições | 66

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe | 75 Terceira declinação | 75 Adjetivos de segunda classe | 80

Graus dos adjetivos e formação de advérbios | 95 A formação do comparativo dos adjetivos | 95 A formação do superlativo dos adjetivos | 97 Comparativos e superlativos irregulares | 99 Advérbios regulares | 99

A estrutura do verbo latino | 109 Características morfológicas dos verbos em latim | 109 Primeira conjugação verbal | 114

Aprofundamento da morfologia verbal latina | 127 Terceira conjugação verbal | 127 Quarta conjugação verbal | 129 Conjugação mista | 131 Verbos irregulares | 134

A voz passiva e os verbos depoentes | 153 Voz passiva | 153 Verbos depoentes | 160

Os pronomes em latim | 173 Pronomes pessoais | 173 Pronomes possessivos | 174 Pronomes interrogativos e indefinidos | 175 Pronomes demonstrativos | 176 Pronomes relativos | 179

Conjunções: coordenação e subordinação | 195 Conjunções | 195

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações | 217 Os numerais | 217 O calendário romano | 219 A quarta e quinta declinações nominais | 223

Anotações | 233

Apresentação É muito difícil não reconhecer a importância da língua latina para todos os estudiosos e profissionais de áreas relacionadas com a língua portuguesa, dada a relação de descendência histórica direta entre elas. Assim, ainda que incipiente, a inclusão do estudo do latim nos currículos dos cursos de Letras é fundamental. Este livro se propõe a apresentar questões importantes da língua latina para alunos de graduação em letras. Portanto, o ensino do latim pretendido aqui é instrumental, voltado para uma compreensão da nossa língua. Em especial, pensamos, o contato com a língua da qual a nossa deriva diretamente deve aumentar a capacidade de refletirmos sobre estruturas linguísticas e sobre a concepção que temos da nossa própria língua, tanto no sentido histórico quanto no sentido sistemático, nos termos da diacronia e da sincronia saussureanas. Dessa forma, não pretendemos, por razões de escopo do material e do papel que essa disciplina exerce em uma licenciatura em letras-Português, oferecer um ensino extremamente complexo e aprofundado de todas as formas possíveis da gramática latina, nem pretendemos levar os aprendizes aos caminhos dos textos originais de forma milagrosa. Mas sim, por outro lado, em uma tentativa metodologicamente reflexiva e crítica, pretendemos abrir o caminho ao aluno interessado, para que, a partir daqui e das referências apresentadas, continue seus estudos a fim de se apoderar dos tesouros do conhecimento, do pensamento, da literatura, da religião e da filosofia ocidentais aos quais o domínio pleno da língua latina conduz. Isso não quer dizer, no entanto, que não tentaremos incentivar os alunos ao acesso, desde o primeiro momento, aos textos autênticos do vasto corpus da literatura latina, pois com glossários explicativos e adaptações mínimas, apresentaremos alguns excertos como base dos exercícios, para que, por meio de metodologia moderna no ensino da habilidade de leitura, possamos ajudar os alunos a se tornarem leitores capazes de compreender uma língua como o latim em sua base estrutural tão diversa da nossa. Por esse mesmo motivo, como o ensino da língua latina (que não tem mais falantes nativos vivos) só pode ser pensado de modo plausível visando a habilidade de leitura (e não as de escrita, produção e compreensão oral), será necessário trabalhar com exemplos não autênticos e que fogem aos moldes da literatura latina canônica. Faremos tudo, esperamos, de maneira dosada e sem distorcer o que deveria ter sido de fato a língua de Roma.

História do latim e as línguas neolatinas O latim era a língua falada na região central da Itália, chamada de Lácio, durante o primeiro milênio antes de Cristo e que, juntamente com o Império Romano, estendeu-se por grande parte da Europa, pelo norte da África e por diversas regiões da Ásia, até se transformar, através do curso natural das línguas, em dialetos incompreensíveis entre si, que acabaram dando origem a línguas como o nosso português, o francês, o catalão, o espanhol, o italiano, o romeno, o provençal, entre outras. O latim que aprendemos hoje corresponde à variante literária do período que, de maneira geral, compreende os séculos I a.C e I d. C. Esse período é muito importante para a história do Ocidente, pois foi nele que grandes autores escreveram obras literárias que ajudaram a moldar as bases culturais, políticas, sociais, filosóficas e religiosas da Europa e, consequentemente, do mundo ocidental. Dentre esses autores, podemos destacar o mantuano Públio Virgílio Maro1, que, entre outras obras, escreveu a Eneida no final do século I a.C. Nessa obra, Virgílio narra, em doze livros de cerca de 700 a 1 000 versos cada, as origens históricas e mitológicas da grandiosa Roma governada, no seu tempo, pelo imperador Augusto2, que, após longas décadas de guerras civis, havia sido declarado imperador em Roma, e criaria um período de paz e prosperidade para a capital de um império que, se já vinha se expandindo enormemente ao longo dos séculos precedentes, avançaria seus domínios para lugares tão distantes quanto as Ilhas Britânicas, a costa do norte da África (incluindo o Egito), e vários territórios do atual Oriente Médio, até as bordas do Mar Negro. Na Eneida de Virgílio, o surgimento de Roma está ligado às raízes mitológicas europeias, pois Enéias, o herói do poema, fugindo como um dos poucos sobreviventes da Guerra de Troia3, recebe a missão de buscar uma nova terra para fundar uma cidade que viria a ser a capital do mundo. 1 2

Virgílio nasceu no ano 70 a. C., perto de Mântua, na Gália Cisalpina, e morreu no ano 19 a.C.

De nome Gaio Júlio César Otaviano, Augusto recebeu esse título quando se tornou o primeiro imperador de Roma. Nasceu em 63 a.C. e morreu no ano 14 da nossa era. Sob seu império, cessam quase cem anos de guerras civis entre os romanos, em especial, a mais importante, travada entre seu tio, Júlio César, e Pompeu. 3 Os gregos sitiaram a cidadela de Troia por cerca de dez anos e finalmente a destruíram porque o belo Páris, filho de Príamo, rei de Troia, raptara a belíssima princesa Helena, esposa do chefe grego Menelau. Dentre os gregos, destacavam-se o engenhoso Odisseu, protagonista da Odisseia do poeta grego Homero, e o furioso Aquiles, tema do outro poema épico homérico, a Ilíada. Também durante a Guerra de Troia, encontramos o ardil do cavalo de madeira cheio de soldados, o famoso “presente de grego”.

História do latim e as línguas neolatinas

Os destinos e os deuses então guiam Enéias por terras distantes, até que ele chega na foz do Rio Tibre, por volta do século VIII a.C., perto das famosas sete colinas que hoje ficam em Roma. Lá, seu filho Ascânio dá origem a uma linhagem de reis que misturam sua ascendência com as dos povos locais, que incluíam etruscos, faliscos, oscos, sabinos, entre outros, e que, com seus descendentes Rômulo e Remo, fundam a cidade de Roma. Acompanhemos as palavras que Enéias ouve de seu pai, Anquises, quando desce aos infernos para encontrar-se com ele e conhecer o futuro glorioso de Roma: Outros, é certo, hão de o bronze animado amolgar com a mão destra, ninguém o nega; do mármore duro arrancar vultos vivos. Nos tribunais falar bem, apontar com o seu rádio as distâncias na azul abóbada e os astros marcar quando a leste despontam. Mas tu, romano, aprimora-te na governança dos povos. Essas serão tuas artes; e mais: leis impor e costumes, poupar submissos e a espinha dobrar dos rebeldes e tercos.4

A partir dos relatos míticos da fundação de Roma, as conquistas dos romanos – um povo belicoso e austero – fizeram grande parte do mundo conhecido tornar-se falante de latim. Com a fusão do Império Romano com a Igreja, nos primeiros séculos da era cristã, a religião, a cultura, a literatura, a filosofia e a administração pública levaram a língua de Roma, ao longo da Antiguidade e da Idade Média, para grande parte da Europa. Assim, se falamos português hoje, é porque a região onde hoje fica Portugal fez parte desse processo de recepção da cultura dos conquistadores romanos, e a língua latina lá falada foi aos poucos se diferenciando do latim falado pelas outras regiões, até que já não fosse a mesma língua. Somos, de certa forma, herdeiros linguísticos da empreitada do mítico Enéias e, por isso, é muito importante aprendermos ao menos um pouco dessa língua que constitui um dos pilares fundamentais da cultura ocidental.

A hipótese do indo-europeu Ao longo principalmente do século XVIII, estudiosos europeus interessados em várias línguas e culturas começaram a perceber similaridades muito claras entre palavras de línguas que já se sabia serem aparentadas, como o grego e o latim, e línguas de regiões muito afastadas da Europa Ocidental, como o sânscrito, língua sagrada da antiga civilização dos vedas, da Índia. Perplexos, os pes4

Tradução de Carlos Alberto Nunes para os versos 847 a 853 do Livro VI da Eneida. Em latim: Excudent alii spirantia mollius aera, / credo equidem, vivos ducent de marmore voltus, / orabunt causas melius, caelique meatus / describent radio, et surgentia sidera dicent: / tu regere imperio populos, Romane, memento; / hae tibi erunt artes; pacisque imponere morem, / parcere subiectis, et debellare superbos.

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História do latim e as línguas neolatinas

quisadores começaram a perceber relações entre essas línguas e a maioria das línguas faladas na Europa, e foram mapeando semelhanças que levaram à hipótese de que todas essas línguas teriam derivado de algum ancestral comum. Em 1786, sir William Jones, magistrado do Império Britânico que fora enviado para a Índia, pronunciou em um discurso na Sociedade Asiática aquilo que seria o pontapé inicial da ciência linguística que viria a se desenvolver ao longo do século XIX: a linguística histórico-comparativa. Eis o famoso trecho do discurso: O sânscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado que ambos. Mantém, todavia, com essas duas línguas tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais quanto nas formas gramaticais, que não é possível tratar-se do produto do acaso. É tão forte essa afinidade que qualquer filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de acreditar que os três provieram de uma fonte comum, a qual talvez já não exista. Razão idêntica, embora menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma origem que o sânscrito. (ROBINS, 1983, p. 107)

Essa nova ciência buscava compreender a sistematicidade das relações históricas entre as línguas, que passaram a ser chamadas de indo-europeias. Elas foram assim chamadas porque os pesquisadores acreditavam que não só o latim, o grego e o sânscrito, mas também a maioria das línguas europeias e muitas asiáticas, como o inglês, o alemão, o russo, o persa, o hindi, o francês, e tantas outras, derivavam de uma mesma língua-mãe, o protoindo-europeu. Essa protolíngua5 da Europa e de grande parte da Ásia teria sido falada há cerca de sete mil anos por um povo de origem ainda relativamente misteriosa, que, em virtude da necessidade de migrações em massa, levou sua língua e costumes (como seus hábitos agrícolas, o uso de cavalos e de instrumentos de guerra, e sua sociedade patriarcal) por diversas regiões em ondas migratórias que deixaram o grupo original fragmentado em grupos menores, sem contato uns com os outros. Assim, as regiões que, em períodos e locais diferentes, receberam grupos de nômades indo-europeus, desenvolveram seus dialetos de maneiras diferentes, gerando ramos dialetais que foram se diferenciando e formando línguas distintas. Dessa forma, temos o ramo indo-iraniano, do qual fazem parte línguas como o persa, o sânscrito e o bengalês; o ramo eslávico, do qual fazem parte línguas como o russo, o búlgaro, o servo-croata, o polonês; o ramo germânico, do qual fazem parte línguas como o alemão, o inglês, o islandês, o norueguês, o holandês; o ramo helênico, do qual fazem parte, entre outras, o grego antigo e o grego moderno; o ramo céltico, do qual fazem parte línguas como o gaulês, o gaélico escocês e irlandês, o galês, entre outras; o ramo anatólico, do qual fazem parte línguas de locais bastante distantes da Europa, como o tocário, falado numa região da Ásia Central, hoje pertencente à China, e, por fim, o ramo itálico, do qual fazem parte o latim, o osco e o umbro, por exemplo. 5

Chamam-se protolínguas as línguas originárias de todo um ramo de uma família linguística ou da família inteira. Assim, a família das línguas indo-europeias tem a sua protolíngua, o indo-europeu, enquanto que dentro dessa família várias outras são protolínguas, como o protogermânico, o protoeslavo e assim por diante.

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História do latim e as línguas neolatinas

Protoindo-Europeu Itálico

Helênico

latim

Céltico

Balto-Eslávico

Índico

grego clássico

[Romance]

lituano

(Novo Testamento)

italiano

gaélico escocês gaélico irlandês

grego moderno

espanhol

Armênico

Germânico

sânscrito

grego koiné

francês

Albanês

galês

português

hindi

búlgaro bengalês

russo polonês ucraniano

Germânico Setentrional

Germânico Ocidental

romeno

Germânico Oriental

nórdico antigo inglês frísio

holandês alemão

gótico

islandês dinamarquês sueco norueguês

Assim como nos outros ramos, línguas mais antigas deram origens a línguas mais novas com base em processos de dialetação semelhantes aos que levaram o protoindo-europeu a vários lugares diferentes e que o transformaram em várias línguas diferentes. Do mesmo modo que do gótico antigo nós temos hoje o alemão e o inglês modernos, do latim antigo nós temos hoje um sub-ramo, chamado de ramo das línguas neolatinas ou românicas, composto por línguas como o português, o francês, o italiano, o espanhol, entre outras. Vejamos um quadro com algumas palavras em várias línguas indo-europeias: pai

mãe

irmão

lobo

Latim

pater

mater

frater

lupus

Grego

pater

meter

phrater

lykos

Sânscrito

pitar

matar

bhratar

vrkas

Espanhol

padre

madre

hermano

lobo

Francês

père

mère

frère

loup

Inglês moderno

father

mother

brother

wolf

Inglês antigo

faeder

modor

brothor

wulf

Alemão

Vater

Mutter

Bruder

Wolf

Português

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História do latim e as línguas neolatinas

Fases e variedades da língua latina Estudamos o latim por meio de seus registros escritos, que são dos mais variados, como inscrições em muros, monumentos fúnebres, documentos transcritos e copiados em várias épocas, citações de textos mais antigos em textos de autores mais recentes, entre outras fontes. Assim, há documentos de vários períodos, e há, obviamente, escassez maior de registros escritos de estágios mais antigos da língua. A história do latim que faremos aqui é, portanto, bastante resumida e de caráter didático.

Latim arcaico Supõe-se que o latim tenha sido falado na região do Lácio por volta do século XI a.C., mas os primeiros registros da língua escrita encontrados datam do século VII ou VI a.C. Mais tarde, por volta do século III a.C., começam a ser produzidos textos literários em latim, em grande parte por meio de um processo de assimilação da cultura e literatura gregas do período. Roma, já uma potência, conquistava territórios de vários fundos culturais diferentes e, em pouco tempo, por volta do século II a.C., o Mar Mediterrâneo já era praticamente dominado pelos romanos. O ambiente cultural efervescente, constituído pelo contato de várias culturas, produziu em Roma o início de uma literatura que, de certa forma, surgiu como adaptação, para o público falante de latim, de textos épicos e dramáticos da tradição grega. É desse período, por exemplo, a suposta primeira obra da literatura latina, uma tradução da Odisseia de Homero feita pelo escravo grego Lívio Andrônico para propósitos educacionais. Lívio, capaz de ler e escrever em grego, trazido para Roma como escravo, tornou-se responsável pela educação dos filhos de seu senhor e, pela escassez de material, traduz o poema homérico para poder ensinar as letras às crianças em Roma. Assim surge a literatura latina. Nesse período, ainda, outros autores produziram textos mais ou menos adaptados da tradição grega, como as comédias de Plauto e Terêncio, de gosto popular, que seguem a tradição da Comédia Nova6 grega e as tragédias (em grande parte perdidas) de Névio e Ênio, por exemplo. Névio e Ênio, seguindo o caminho aberto por Lívio, também escrevem os primeiros textos épicos em latim, dos quais, infelizmente, restaram apenas fragmentos. 6 A Comédia Nova grega surge no período da virada do século IV para o III a.C., e baseia-se em tramas familiares, convencionais, com personagens caricaturais, como o velho imbecil, seu filho sem responsabilidades e, em geral, apaixonado por uma moça que não pode se casar com ele, o escravo sagaz do velho que ajuda o filho em suas desventuras etc. O principal autor grego dessa tradição é Menandro.

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História do latim e as línguas neolatinas

Latim clássico Convencionou-se chamar de latim clássico o estilo literário da língua ao longo do primeiro século a.C. até o início do primeiro século da era cristã. São desse período a prosa elaborada do político, filósofo e orador Cícero, a poesia lírica e a épica nacional de Virgílio, com As Bucólicas e a sua Eneida, e a lírica amorosa de Catulo, Propércio, Tibulo, Horácio e Ovídio. Em geral, o latim que ensinamos hoje em dia é a língua literária desse período, tanto por causa da beleza do estilo cuidadosamente trabalhado desses autores quanto pelo fato de que grande parte do corpus mais substancial dos textos clássicos é literário, o que nos deixou sem muito acesso aos outros registros linguísticos do período.

Latim culto O latim culto era a variedade falada pela classe culta de Roma. Esse dialeto era a base do latim clássico, a variante literária. O latim culto deveria ser muito mais rígido quanto às normas gramaticais que estudamos hoje como sendo a gramática do latim, mas certamente muito menos estilizado que a língua literária, o chamado latim clássico. Documentos escritos nessa variedade linguística são menos comuns, mas é possível encontrar esse tipo de registro, por exemplo, em cartas de autores antigos, como as de Cícero para seu irmão ou as de Sêneca para sua mãe, nas quais a estilização e o trabalho estético consciente com a linguagem são menos intensos, ainda que presentes.

Latim vulgar A variedade do latim chamada de latim vulgar é a língua das massas, dos analfabetos, do povo em geral. Os registros dessa língua são mais difíceis de se encontrar, mas dão testemunhos muito interessantes da evolução do latim. As inscrições encontradas em muros, em banheiros públicos, e até mesmo em obras literárias que tentavam retratar a variedade linguística (como o romance chamado Satyricon, de Petrônio, autor do século I d.C., que apresenta longas passagens que tentam representar a língua do povo de Roma) nos mostram uma língua viva, muito frequentemente aberta às mudanças que ocorrem naturalmente nas línguas. Um texto extremamente interessante é o chamado Appendix Probi, anônimo, provavelmente datado do século III a.C., que se constitui simplesmente de uma 16

História do latim e as línguas neolatinas

lista na forma de “X non Y”, que funcionaria para que as pessoas dissessem ou escrevessem X ao invés da forma realmente usada, Y. Nessa lista, temos, por exemplo, a seguinte linha: auris non oricla. Essa linha nos diz muita coisa sobre como as pessoas falavam e sobre como a língua seguia seu curso de mudança natural. A forma auris, em latim culto, que significa “orelha”, na fala popular, possivelmente recebia o sufixo diminutivo -cula, resultando em auricula7 – “orelhinha”. Daí para a forma oricla, que deveria ser evitada, temos a mudança do ditongo au para simplesmente o, e a queda da vogal u entre c e l. Ao estudarmos a passagem do latim para o português, vemos que é sistemática e regular essa mesma mudança de ditongos a vogais plenas, essas quedas de vogais, e, além disso, vemos que frequentemente formas como -cla resultam em “-lha” e que vogais como i podem se “transformar” em e. Assim, “orelha” em português descende diretamente de auris ou de oricla? Parece claro que, ao menos nesse caso, a instrução do Appendix não funcionou, pois, mais de 20 séculos depois, sobrevive a forma “errada”! Curiosamente, como vimos, oricla já era uma forma diminutiva, então, etimologicamente, quando dizemos “orelha”, remetemo-nos historicamente ao jeito de dizer “orelhinha” em latim.

Latim tardio Após o período do latim clássico, o latim continuou sendo usado como língua do Império Romano, que cresceu cada vez mais e, posteriormente, o latim tornou-se a língua oficial da Igreja Católica ocidental. Assim, ao longo de muitos séculos, o latim foi usado como língua universal para relações internacionais, para administração do Império e da Igreja e, ao longo da Antiguidade e da Idade Média, tudo que fosse importante era escrito em latim. Aos poucos, as comunidades foram desenvolvendo seus dialetos de forma que se afastassem mais e mais do latim, dando origem a línguas diferentes. Mas a língua escrita continuava a seguir, na medida do possível, os padrões do latim culto, de forma que temos muito material escrito em latim “culto” por falantes nativos de outras línguas ou de outras variedades do latim. Como exemplo, temos desde a tradução latina dos textos bíblicos, a Vulgata, vertida por São Jerônimo para o latim nos fins do século IV, até os documentos portugueses de administração e legislação do século XI, passando pela filosofia medieval e renascentista. Encontramos, escritas em latim, até mesmo teses e monografias 7 De onde vem, por exemplo, “auricular” em português? Essa é uma palavra que foi emprestada do latim muito tempo depois de a forma “orelha” já estar em uso pelos falantes de português. Esse tipo de empréstimo é considerado “erudito”, pois os falantes voltam ao latim para recuperar formas que, quando depois acolhidas pela língua, vivem lado a lado com as formas populares que já existiam. Os exemplos são muitos, como a forma popular “maduro” e a forma erudita “maturidade”, vindos do latim maturus, a forma popular “pai” e as formas eruditas como “patronímico”, ambos do latim pater, patris.

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História do latim e as línguas neolatinas

de universidades no século XX, como a monografia de Karl Marx sobre a filosofia do grego Epicuro. É evidente que o latim, ao longo de tantos séculos de usos tão variados, foi sofrendo alterações substanciais, de forma que as variedades linguísticas resultantes foram se tornando incompreensíveis entre si, resultando, no curso dos séculos, em línguas diferentes, as chamadas línguas românicas.

A passagem do latim para as línguas românicas modernas Como vimos anteriormente, o latim é a língua da qual surgem as chamadas línguas românicas, grupo que inclui não só o nosso português, mas também línguas importantes como o francês, o espanhol, o italiano, e línguas menores e menos conhecidas como o galego (falado na região da Galícia), na Espanha, o provençal (idioma quase extinto falado em algumas regiões de fronteira da Itália com a França), o catalão (língua oficial de Andorra e falado na Catalunha na Espanha), o romeno (língua oficial da Romênia), entre outras. Como sabemos, além do latim, que foi a língua de um dos maiores impérios que o mundo já viu durante tantos séculos e da administração religiosa, da produção científica e filosófica de grande parte da Europa por tanto tempo, as línguas diretamente derivadas dele também encontraram seu caminho ao redor do mundo. O português, como sabemos, é falado não só no Brasil e em Portugal, mas também em Angola, Cabo Verde, Macau, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, entre outros países asiáticos e africanos pelos quais os portugueses passaram nos séculos XV e XVI, quando navegaram ao redor do mundo. Os espanhóis, de modo similar, levaram seu idioma a grande parte das Américas, o que explica o nome América Latina. O francês, também falado no Canadá, Suíça, Luxemburgo, Congo, Haiti, Senegal e em vários outros países, ajuda a dar uma ideia da importância das línguas românicas ou neolatinas ao redor do globo. Além disso, mas não somente por esse fato, grande parte do vocabulário do inglês (que, embora seja uma língua indo-europeia, faz parte de outro ramo, o das línguas germânicas) é de origem latina, via empréstimos do francês, ocorridos durante o período em que a Inglaterra foi dominada pelos Normandos, por volta dos séculos XI e XII. Assim, a expansão de um vocabulário de origem 18

História do latim e as línguas neolatinas

latina ao longo das línguas mais importantes do mundo na atualidade faz com que grande parte do núcleo comum dessas línguas seja aparentado, facilitando a nós, falantes de uma língua latina, o reconhecimento de muitas palavras das outras línguas europeias importantes.

A latinização Tendo sido exposta a importância das línguas neolatinas no contexto mundial, passemos ao estudo de como o latim veio a se transformar nessas outras línguas. Durante o período em que o Império Romano mantinha uma administração política centralizada, as conquistas de territórios significavam a instalação de um governo local, que deveria utilizar-se do latim para fins gerenciais. Não só isso, mas também os povos dominados, por motivos diversos, acabavam falantes do latim, ou como língua materna ou como segunda língua. As línguas locais, mais ou menos aparentadas do latim, acabavam influenciando a língua latina usada na região e, com o passar do tempo, conforme os dialetos latinos das províncias iam se consolidando, eles iam tomando características individualizadas, e aos poucos esses dialetos se constituíam como línguas autônomas. A seguinte passagem explica esse processo chamado latinização: Latinização ou romanização é a assimilação cultural e linguística dos povos incorporados ao universo da civilização latina. O fato de tantos povos de língua, raça e cultura diferentes terem adotado a língua e, pelo menos em parte, a civilização dos vencedores é um fenômeno único na história da humanidade. Essa aceitação, porém, não se deveu a imposições diretas. As conquistas romanas tinham caráter político e econômico; não houve por parte de Roma pretensão de impor aos conquistados sua língua ou sua religião; ao contrário, considerava o uso da língua latina como uma honra. Se os drúidas foram perseguidos na Gália, isso aconteceu porque a utilização de vítimas humanas nos sacrifícios feria o direito romano, ao qual se dava grande valor e importância. O Novo Testamento mostra que os romanos não eliminavam instituições políticas, religiosas ou jurídicas, obviamente desde que não conflitantes, dos povos incorporados: o povo judeu manteve a religião, o sinédrio, o sumo sacerdote, os levitas e os saduceus; a casa real de Herodes continuou a existir. Deviam pagar os impostos, enquanto as legiões cuidavam da segurança e ao governador romano era reservada a palavra final em questões jurídicas específicas, como no caso da condenação à morte. (BASSETO, 2005, p. 103)

Esse processo não é nada simples. Por exemplo, embora o latim tenha sido usado nas Ilhas Britânicas, uma das últimas províncias a serem conquistadas (o que se deu por volta do século I d.C.) ao longo do período de queda do Império Romano8, as províncias mais afastadas e aquelas onde havia menor centralização do poder e unidade cultural não mantiveram o latim como língua “oficial”. Isso explica porque territórios mais próximos de Roma, como as terras onde hoje 8

A queda do Império Romano atinge seu ápice quando o Império Romano Ocidental deixa de ter um centro político no século V, em virtude das invasões bárbaras.

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História do latim e as línguas neolatinas

temos França, Espanha, Portugal e Itália, mantiveram-se falando latim, enquanto províncias como a Bretanha acabaram por continuar a falar as línguas locais, e isso aconteceu em grande parte do resto da Europa e das outras regiões ao redor do Mar Mediterrâneo, da Ásia Menor, entre outros. Por isso, os ingleses, os egípcios, os escandinavos e tantos outros hoje em dia não falam uma língua neolatina. Nos locais em que a língua latina foi falada por mais tempo, mesmo com o enfraquecimento e posterior queda do domínio do império, os dialetos foram se diferenciando cada vez mais dos dialetos das outras regiões falantes do latim. Aos poucos, falantes do latim da Ibéria já não conseguiam entender plenamente falantes da península Itálica, por exemplo. Como vimos anteriormente, havia uma diferença substancial entre o dialeto da classe urbana culta de Roma, base da língua literária que conhecemos como latim clássico, e o chamado latim vulgar, língua falada pelas classes mais baixas, em geral analfabetas. Esse latim vulgar, provavelmente muito diferente de região para região, por ser a língua viva que fervilhava nos mercados, que era falada pelos estrangeiros, pelos escravos de outros lugares, pelos trabalhadores, pelos soldados de baixa patente em tantos lugares diferentes, deve ter sofrido mudanças mais rapidamente que o dialeto urbano culto de Roma. Com o passar dos séculos, esse latim vivo das províncias foi o que serviu de base para as transformações posteriores que resultaram nas línguas neolatinas. Vejamos alguns exemplos de semelhanças nos vocabulários das línguas românicas ou neolatinas: Nomes de algumas cores Português

Francês

Espanhol

Italiano

Latim

branco

blanc

blanco

bianco

album

negro

noir

negro

nero

niger, nigra, nigrum

verde

vert

verde

verde

viridis

Nomes dos números de um a dez 1 Latim

2

3

unus duo

tres

quattuor quinque sex

septem octo novem decem

dos

tres

cuatro

cinco

seis

siete

ocho nueve

diez

dos

tres

quatre

cinc

sis

set

vuit

deu

Espanhol uno Catalão 20

un

4

5

6

7

8

9

nou

10

História do latim e as línguas neolatinas

Galego

un

Português um

dous tres

catro

cinco

seis

sete

oito

nove

dez

dois

quatro

cinco

seis

sete

oito

nove

dez

três

Francês

un

deux trois quatre

cinq

six

sept

huit

neuf

dix

Italiano

uno

due

tre

quattro

cinque

sei

sette

otto

nove

dieci

Romeno

unu

doi

trei

patru

cinci

şase

şapte

opt

noua

zece

Texto complementar O seguinte texto corresponde a um trecho da Eneida de Virgílio, na tradução do paraense Carlos Alberto Nunes. O trecho conta o início da história do Cavalo de Troia, e consiste no início do Canto II do poema. Nele, o protagonista Enéias narra à sua amante, Dido, a rainha de Cartago, como foi esse episódio da Guerra de Troia, na qual ele lutou e da qual ele saiu como sobrevivente e com a missão de encontrar a terra prometida, a Nova Troia, que viria a ser Roma. Prontos à escuta calaram-se todos, dispostos a ouvi-lo. O pai Enéias, então, exordiou do seu leito elevado: Mandas, rainha, contar-te o sofrer indizível dos nossos, como os aquivos1 a grande potência dos teucros2 destruíram, reino infeliz, espantosa catástrofe que eu vi de perto, e de que fui grande parte. Quem fora capaz de conter-se sem chorar muito, mirmídone ou dólope ou cabo de Aquiles? A úmida noite do céu já descamba, e as estrelas, caindo devagarinho no poente, os mortais ao repouso convidam. Mas, se realmente desejas ouvir esses tristes eventos, breve relato do lance postremo3 da Guerra de Troia, bem que a lembrança de tantos horrores me deixe angustiado, principiarei. – Pela guerra alquebrados, dos Fados4 repulsos em tantos anos corridos, os cabos de guerra da Grécia com a ajuda da arte de Palas5 construíram na praia um cavalo alto como uma montanha, de bojo com tábuas de abeto. 1 2 3 4 5

Gregos. Troianos. Último. Os Fados são os destinos, os desígnios que fogem até mesmo à vontade dos deuses. A deusa da sabedoria, Palas Atena.

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História do latim e as línguas neolatinas

Voto de pronto regresso era a máquina, todos diziam. Nessa medonha caverna, tirados por sorte, os guerreiros de mais valor ingressaram, num ápice enchendo as entranhas daquele monstro, com armas e gente escolhida de guerra. Tênedo, ilha famosa se encontra defronte de Troia, rica no tempo em que o império de Príamo ainda existia, ora uma enseada de pouco valor ou nenhum para as naves. Prestes mudaram-se os dânaos; na praia deserta se ocultam. Nós os supúnhamos longe, a caminho da rica Micenas. Com isso a Têucria respira mais leve no luto penoso. Abrem-se as portas; alegram-se os troas de ver mais de espaço o acampamento dos dórios, as praias desertas agora: O ponto era este dos dólopes; eis onde Aquiles se achava; surtos na terra, os navios; o campo em que as hostes lutavam. Muitos pasmavam de ver o presente ominoso da deusa, a imensidão do cavalo. Timetes, primeiro de todos, aconselhou derrubarmos o muro e direto o postarmos na cidadela, ou por dolo isso fosse ou dos Fados previsto. Cápis, porém, e outros mais de melhor parecer insistiam para que ao mar atirássemos logo a armadilha dos dânaos, fogo deitássemos nela ou que ao menos o ventre do monstro fosse explorado ou sondadas as vísceras sem mais reservas. Assim, o vulgo inconstante oscilava entre vários alvitres. Nisso, Laocoonte ardoroso, seguido de enorme cortejo, da sobranceira almeidina desceu para a praia, e de longe mesmo gritou: – Cidadãos infelizes, que insânia vos cega? Imaginais porventura que os gregos já foram de volta, ou que seus dons sejam limpos? A Ulisses, então, a tal ponto desconheceis? Ou esconde esta máquina muitos guerreiros, ou fabricada ela foi para dano de nossas muralhas, e devassar nossas casas ou do alto cair na cidade. Qualquer insídia contém. Não confieis no cavalo, troianos! Seja o que for, temo os dânaos, até quando trazem presentes. Disse, e arrojou com pujança viril um venábulo dos grandes contra os costados e o ventre abaulado do monstro da praia, no qual se encrava, a tremer; sacudida com o baque, a caverna solta um gemido, abaladas no fundo as entranhas do monstro. Oh! Se não fosse a vontade dos deuses e a nossa cegueira, 22

História do latim e as línguas neolatinas

com o ferro, então, deixaríamos frustra a malícia dos gregos, e em pé, ó Troia, estarias, o paço luxuoso de Príamo. (Eneida, II, 1-56)

Dicas de estudo Sugerimos dois filmes e uma série que tratam da cultura romana e que nos ajudam a visualizar a vida cotidiana dos povos antigos, além de nos dar informações importantes sobre os costumes das pessoas daquela época:  Gladiador, dirigido por Ridley Scott.  A Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson.  Roma, de John Milius, William Macdonald e Bruno Heller.

Atividades 1. Analise as indicações do Appendix Probi abaixo e discuta em que medida ainda hoje cometemos os mesmos “erros” e por quê. a) umbilicus non imbilicus. b) uiridis non uirdis. c) formica non furmica.

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História do latim e as línguas neolatinas

2. Explique a chamada hipótese do indo-europeu.

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. BASSETO, Bruno Fregni. Elementos de Filologia Românica: história externa das línguas. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2005. v. 1. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. 24

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PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. ROBINS, R. H. Pequena História da Linguística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993. VIRGÍLIO. Eneida. Tradução de: NUNES, Carlos Alberto. Brasília: Ed. UnB; São Paulo: A Montanha, 1983.

Gabarito 1. a) Ainda hoje, alguns falantes utilizam-se da forma “imbigo” ao invés da forma “umbigo”, o que constitui um “erro” desde a época dos falantes de latim. b) Sobre “uiridis”, os falantes já naquela época produziam “uirdis”, que veio a dar o nosso “verde” em português, indicando um ponto de passagem do latim para o português. c) A forma “furmica” ao invés de “formica” indica um “erro” tão comum para os falantes de latim quanto para os falantes de português, ou seja, a troca de um “o” por uma vogal mais alta, o “u”. 2. A hipótese do indo-europeu é basicamente a hipótese de que a grande maioria das línguas europeias e algumas da Ásia derivam de uma língua ancestral comum, chamada indo-europeu. Os pesquisadores chegaram a ela comparando muitas línguas, como o latim, o grego e o sânscrito, a partir do final do século XVIII e especialmente durante o século XIX.

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Fonologia e prosódia do latim Este capítulo pretende capacitar os alunos a pronunciar o latim de acordo com o que se considera a maneira mais correta, segundo estudos baseados em várias evidências. Algumas delas são os erros cometidos por falantes de latim menos cultos em inscrições (por exemplo, quando um falante de português escreve “caza” ao invés de “casa”, sabemos que é porque o som do grafema1 “s”, quando em posição intervocálica, e o do “z” são iguais), os testemunhos de gramáticos antigos (quando tentavam descrever articulatoriamente o som de cada letra2) e o modo como certos grafemas são pronunciados em diversas línguas derivadas do latim. Portanto, é aceitável que haja consenso no modo como se pronuncia o latim hoje e uma sistematização (inclusive se mais próxima do modo como os falantes do latim no período clássico falavam) do modo como se pronuncia uma língua que já não possui mais falantes, é extremamente desejável e importante. Por exemplo, podemos superar barreiras internacionais quando pensamos em estudos que envolvam o latim e podemos nos comunicar com estudiosos do latim no mundo todo e sermos entendidos. Como outro exemplo da importância da tentativa de padronizar a pronúncia do latim, se a reconstituição da pronúncia do latim clássico é realmente acurada, poderemos nos treinar para pronunciar a literatura escrita em latim de maneira correta, o que nos permitirá admirar uma dimensão extremamente importante da literatura do período, que envolvia ritmo e duração de vogais. A pronúncia que usaremos, portanto, é a chamada pronúncia reconstituída ou restaurada do latim, que é resultante de evidências como as descritas acima. Há ainda pelo menos duas outras maneiras de pronunciar o latim que são importantes e comuns. Uma delas, mais ampla em nível internacional, é a chamada pronúncia eclesiástica. A pronúncia eclesiástica é mais comum entre estudiosos do latim ligados à religião e apresenta 1 Tentaremos não cometer confusões terminológicas sérias como atribuir um “som” a uma “letra”. Na verdade, as letras são símbolos gráficos (unidades chamadas “grafemas”) que representam “fonemas”, ou unidades mínimas de som de uma dada língua. Ainda que estejamos lidando com uma língua chamada de “morta”, porque não há mais falantes nativos vivos dela, com os avanços da linguística é possível falar em “grafemas” e “fonemas” para o latim. Ainda que não estejamos empregando os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional (International Phonetic Alphabet – IPA), usaremos algumas notações caras aos estudos linguísticos, como os sinais “[ ]” para indicar pronúncia aproximada (neste livro, sempre de modo impressionístico, dadas as características do latim, língua já sem falantes nativos). 2 Conforme se pode ver no texto complementar, ao final deste capítulo.

Fonologia e prosódia do latim

algumas diferenças com relação à pronúncia reconstituída, como veremos. Uma outra maneira de pronunciar o latim é mais regional, e, no caso do Brasil e de Portugal, é chamada de pronúncia tradicional (ou portuguesa). Na verdade, as pronúncias tradicionais locais são pronúncias do latim influenciadas pela fonologia da língua local. Assim, além da pronúncia tradicional portuguesa, encontramos uma pronúncia tradicional do latim influenciada pelo inglês, outra pelo alemão e assim por diante. Os motivos que nos levam a adotar a pronúncia reconstituída nesse material são de diversas ordens:  Como exposto anteriormente, os argumentos para a reconstituição da pronúncia do latim que chamamos de pronúncia restaurada ou reconstituída são baseados em várias evidências, muitas delas baseadas em diversos dados, como os erros de ortografia dos falantes nativos do latim de épocas antigas, os testemunhos de gramáticos antigos sobre como eram pronunciadas as letras e a evolução da pronúncia das diversas línguas derivadas do latim, as línguas românicas.  Se as evidências são de natureza variada, é plausível que a pronúncia reconstituída seja mais próxima do que se considera que fosse a pronúncia do latim pela classe culta no período clássico. Isso inclui o fato de que a construção poética na literatura latina se baseava fortemente no som das palavras e, assim, pronunciando o latim de forma mais próxima como se deveria pronunciar, apreciamos a literatura latina mais plenamente.  Uma pronúncia adotada em vários lugares do mundo e sem vieses ideológicos (como o religioso ou o nacionalista) é mais apropriada para estudos também não enviesados.

A questão da duração das vogais São cinco as vogais em latim: a, e, i, o, u (o y também é considerado vogal, porém é usado basicamente em palavras estrangeiras, como as gregas). No entanto, cada vogal poderia ser pronunciada de forma longa ou breve. Comumente, representam-se as vogais longas com o sinal diacrítico mácron ( ¯ ) e as vogais breves com o sinal diacrítico braquia ( ˘ ) sobre as vogais. Assim, temos as vogais longas ā, ē, ī, ō e ū, e as vogais breves ă, ĕ, ĭ, ŏ e ŭ. 28

Fonologia e prosódia do latim

De acordo com os testemunhos da métrica clássica e dos gramáticos antigos, a duração de uma vogal dizia respeito ao tempo relativo de produção de cada vogal. Cada vogal longa corresponderia ao tempo de duração da pronúncia de duas breves. Dessa forma, um ā corresponderia à pronúncia seguida de dois ă ( ¯ = ˘˘ ). A pronúncia adequada de vogais breves e longas em latim era extremamente importante, uma vez que palavras de mesma grafia pronunciadas com diferença apenas na duração de uma vogal poderiam significar coisas totalmente diferentes. Por exemplo, hĭc significa “este”, enquanto que hīc significa “aqui”; ĕst é a forma de terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “ser” latino, enquanto que ēst é a forma de terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “comer” latino. Por isso, ainda que não pronunciemos todas as vogais longas e breves como os falantes de latim as pronunciavam, já que, em português, a duração de vogais não é fonologicamente distintiva como era em latim , nesse material tentaremos marcar como longa ou breve toda vogal que, para fins de reconhecimento e distinção de formas linguísticas, seja necessariamente breve ou longa.

O alfabeto latino O alfabeto latino teve origem no alfabeto usado pelos gregos. Em períodos mais antigos, o latim era escrito apenas com letras maiúsculas, sem sinais de pontuação. Hoje, costuma-se usar pontuação e letras minúsculas, mesmo em início de sentenças. Maiúsculas são usadas apenas em nomes próprios. O alfabeto latino é praticamente igual ao alfabeto usado hoje por nós, falantes de português, exceto pelo fato de que a letra U/u exercia as funções do que hoje são as letras V/v e U/u e a letra I/i do que hoje são o I/i e o J/j. Vejamos as letras individualmente: A a – lê-se como o nosso “a” aberto, não nasal, como em “amor”, “casa”. B b – como o nosso “b” em “boca”. C c – na pronúncia reconstituída, o “c” sempre se lê como uma consoante oclusiva3 [k], e nunca como uma fricativa [s]. Assim, Cicero lê-se sempre “kíkero”, e não “síssero”. 3 Uma consoante oclusiva é uma consoante que, para ser produzida, requer que haja fechamento completo da passagem do ar pela boca e soltura posterior. São oclusivas, por exemplo, as consoantes [d, t, p, b, k], entre outras, enquanto as fricativas são consoantes que requerem passagem constante do ar pela boca, com alguma constrição (que nunca é completa) em algum local, como com a língua perto dos dentes superiores, o que produz os sons [s] e [z], ou com os dentes superiores no lábio inferior, que produz os sons [f ] e [v].

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D d – como o nosso “d” em “dedo”. A regra que transforma o “d” antes de “i” em alguns dialetos do português em [dj] não se aplica em latim. E e – o “e” breve (ĕ) lê-se como o “e” aberto em português, como em “pé”. O “e” longo (ē) lê-se como o “e” fechado em português, como em “cabelo”. F f – como o nosso “f” em “flor”. G g – assim como o “c”, o “g” em latim era sempre oclusivo, como em “gato”. Assim, genus deveria ser lido como [guênus] em português, e não como [jênus]. H h – o “h” latino era sempre uma consoante fricativa aspirada e, portanto, era sempre pronunciado. Assim, o “h” em hodie deveria ser pronunciado como uma consoante, aspirado na garganta, e não como o “h” em “hoje”, que não é pronunciado. O “h” era pronunciado aspirado mesmo quando logo após consoantes oclusivas, como em philosophia (lido com um “p” seguido da soltura do ar entre os lábios antes da produção da vogal), e thalamus (com a soltura do ar antes da vogal depois da pronúncia do “t”), por exemplo. I i – essa letra em latim representava tanto o “i” vocálico quanto o “i” semivocálico (que aparece imediatamente antes ou depois de uma outra vogal, funcionando como uma ditongação da vogal – um exemplo em português é o “i” em “pai”, que não é pronunciado como uma vogal plena, e sim como uma semivogal, ou seja, algo intermediário entre a vogal “i” e a consoante “j”). Assim, o “i” latino se pronuncia como o “i” em “ilha” (vogal) ou como o “i” em “ioiô” (semivogal). Posteriormente, o “i” semivocálico latino transformou-se no “j” do português. Assim, de Iuppiter em latim temos “Júpiter” em português. Não havia em latim o som que representamos pela consoante J/j em português, embora alguns dicionários e edições de textos latinos apresentem a semivogal latina grafada como J/j e a vogal grafada como I/i, por questões didáticas. K k – assim como o “k” em português, o “k” latino era usado em palavras emprestadas de outras línguas, em especial do grego. Assim, o “k” em kalendas se pronuncia como o “c” em “calendário”. L l – como o “l” em “lua”. M m – antes de vogal e em posição intervocálica, como em “mel”. Em fim de palavra, ocorria nasalização da vogal anterior, assim como em “amaram”.4 4 Há controvérsias entre os teóricos sobre se o “m” final representava apenas a nasalização da vogal anterior ou se era pronunciado como consoante oclusiva bilabial nasal, ou seja, com o fechamento completo dos lábios e a produção de um “m” como o de “minha”. Sigo aqui a teoria de que o “m” final nasaliza a vogal anterior em virtude de que, em métrica latina, uma sílaba final de uma palavra pode sofrer o processo chamado de “crase” quando termina em vogal + “m” e a palavra seguinte inicia-se por vogal, o que indica que o “m” possivelmente não era consonantal em final de palavra. Outra evidência a favor dessa posição é que palavras com “n” final não se encaixam nessa regra de crase na métrica.

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Fonologia e prosódia do latim

N n – antes de vogal e em posição intervocálica, como em “nariz”. Em fim de palavra, diferentemente do “m”, o “n” era pronunciado como consoante plena, e não como nasalização da vogal. Por exemplo, o “n” sublinhado em nomen est é pronunciado da mesma forma que o “n” sublinhado em “benefício”. O o – assim como o “e”, o “o” breve (ŏ) era pronunciado como o “o” aberto em “ódio” e o “o” longo (ō) era pronunciado como o “o” fechado em “orelha”. P p – como o “p” em “pipoca”. Q q – o “q” em latim era sempre seguido da semivogal “u”, de forma que sempre era pronunciado como o [kw] de “aquário” [akwário], e nunca como o [k] de “quente” [kente]. R r – o “r” latino nunca era pronunciado como o “r” aspirado fricativo de “rua” [hua], e era sempre pronunciado como o “r” em “era” ou, ainda, como o “r” vibrante de alguns dialetos do Sul do Brasil, que é como se fosse uma sequência rápida de vários “r” como o de “era”. S s – como o “s” em “silêncio”. O “s” latino nunca era pronunciado sonorizado como o “s” de “casa”, mesmo quando em final de palavra. Não ocorre em latim o processo de sonorização que ocorre em português. Em português, o “s” em final de palavra antes de outra palavra que comece com vogal ou com consoante sonora sofre sonorização, e assim a pronúncia de “casas”, por exemplo, tem [s] ou [z] pronunciados no final, a depender do que vem depois. Dessa forma, temos [kazas] em “casas quadradas” e [kazaz] em “casas azuis” ou “casas vermelhas”. T t – como o “t” em “tatu”. A regra que transforma o “t” antes de “i” em alguns dialetos do português em [tch] não se aplica em latim. U u – essa letra em latim representava tanto o “u” vocálico quanto o “u” semivocálico (que aparece imediatamente antes ou depois de uma outra vogal, funcionando como uma ditongação da vogal – um exemplo em português é o “u” em “mau” [maw], que não é pronunciado como uma vogal plena, e sim como uma semivogal, ou seja, algo intermediário entre a vogal “u” e a consoante “v”; outro exemplo é o som do “w” em “kiwi”). Assim, o “u” latino se pronuncia como o “u” em “uva” (vogal) ou como o u em “auê” (semivogal). Posteriormente, o “u” semivocálico latino transformou-se no “v” do português. Assim, de uita em latim temos “vida” em português. Não havia, em latim , o som que representamos pela consoante V/v em português, embora alguns dicionários e edições de textos latinos apresentem a semivogal latina grafada como V/v e a vogal grafada como U/u por questões didáticas. X x – sempre como o encontro [ks] em português, assim como no estrangeirismo “ecstasy”, e nunca como em “êxtase”. 31

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Y y – como o “ü” francês ou alemão, ou seja, trata-se de uma vogal como “i”, mas pronunciada com os lábios arredondados para produzir um “u”. Estrangeirismos como “Müller” exemplificam o som dessa vogal, de origem grega no alfabeto latino. Z z – Assim como o “x”, o “z” era pronunciado como consoante dupla, e devia ser lido como [dz]. Os ditongos em latim são apenas os seguintes:  ae (também grafado æ) como o ditongo “ai” no português “pai”.  oe (também grafado œ) como o ditongo “oi” no português “foi”.  ei como o ditongo “ei” no português “andei”.  ui como o ditongo “ui” no português “fui”.  au como o ditongo “au” no português “mau”.  eu como o ditongo “eu” no português “cresceu”.

O acento de intensidade O latim, além de marcar todas as vogais como longas ou breves, mantinha em seu sistema prosódico a marca de intensidade das sílabas relativamente independente do sistema de duração. A marcação de intensidade de sílabas cria o fenômeno chamado acento. Trata-se de acento do ponto de vista da produção das sílabas mais fortes (tônicas) ou mais fracas (átonas), e não do ponto de vista da marcação gráfica de acentos (graves, agudos e circunflexo, por exemplo). Em latim, não havia palavras cujo acento principal caía na última sílaba (oxítonas), a não ser que a palavra consistisse de apenas uma sílaba. Todas as outras palavras tinham acento tônico principal ou na penúltima ou na antepenúltima sílaba, a depender dos seguintes fatores:  se a penúltima sílaba for longa, recebe o acento principal (a palavra é paroxítona).  se a penúltima sílaba for breve, o acento não recai sobre ela, e o acento principal cai sobre a antepenúltima sílaba (a palavra é proparoxítona). 32

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Reconheceremos uma sílaba longa das seguintes maneiras:  a vogal principal é naturalmente longa (marcada com o sinal de mácron; ex.: habēre);  a sílaba contém um ditongo (ex.: prōēlium);  uma vogal é seguida por duas consoantes5 ou por consoante dupla “x” ou “z” (ex.: āctus). Por isso, saber se uma vogal é longa ou breve é bastante importante, e marcaremos a vogal longa neste livro sempre que ela for importante para o reconhecimento do padrão acentual da palavra. Bons dicionários de latim marcam as vogais longas e breves de todas as palavras.

As pronúncias do latim Existem várias maneiras de pronunciar o latim. Como neste livro adotaremos a pronúncia reconstruída ou reconstituída, é importante saber que adeptos de outras formas acabam pronunciando ligeiramente diferente da que adotaremos aqui. Vejamos quais são as formas mais comuns de se pronunciar “o latim”.

Pronúncia reconstituída Como vimos nas seções anteriores, a pronúncia reconstituída é aquela que tenta resgatar o modo como os romanos cultos do período clássico pronunciavam a sua língua. As evidências para a reconstituição da pronúncia original do latim são, por exemplo, erros de ortografia de falantes menos cultos (escrever “caza” ao invés de “casa” indica, em português, que pronunciamos o “s” e o “z” nesses contextos da mesma forma – assim acontecia com exemplos em latim que servem para que se possa reconstituir a pronúncia do latim), testemunhos de gramáticos antigos sobre a pronúncia das letras, regras do sistema poético latino, entre outros. Trata-se da pronúncia que tenta, com a maior quantidade de dados empíricos que for possível coletar, reproduzir a exata forma como os falantes nativos de latim pronunciavam seu idioma.

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O grupo formado por consoante seguida de “r” ou “l”, as chamadas líquidas, não conta como consoante dupla para essa regra.

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Pronúncia eclesiástica O latim foi pronunciado por muito tempo com forte influência da língua-mãe da região onde era falado. Assim, o italiano influenciou fortemente a pronúncia do latim na Itália, sede da Igreja Católica. Os ritos tradicionais da Igreja acabaram adotando a pronúncia italiana do latim, o que fez com que houvesse grande influência dessa pronúncia ao redor do mundo, em especial no que concerne às relações entre latim e Igreja Católica. A essa pronúncia com forte influência do italiano chamamos eclesiástica do latim. Algumas características da pronúncia eclesiástica são:  Os ditongos “ae” e “oe” são sempre pronunciados como um “e” aberto (como em pé). Assim, feminae, que na pronúncia reconstituída se pronuncia com um ditongo [ai] no final, na pronúncia eclesiástica se pronuncia [feminé], com acento principal em “fe”.  A letra “c” não é pronunciada sempre como se fosse um “k”, como na pronúncia reconstituída, e sim como o “tch” de “tchê” antes de “e” e “i”. Assim, na pronúncia eclesiástica, Cicero pronuncia-se “tchítchero”, e não “kíkero”.

As pronúncias locais As pronúncias influenciadas por outras línguas locais acabaram por gerar variações regionais no modo como o latim é pronunciado. Por exemplo, na chamada pronúncia tradicional portuguesa, pronunciam-se as palavras latinas quase como se estivesse usando o sistema de pronúncia do português. Algumas características são, por exemplo:  Os ditongos “ae” e “oe” são pronunciados [é], assim como na pronúncia eclesiástica.  Os grafemas “j” e “v” são pronunciados como consoantes, e não como semivogais. Assim, a forma Iupiter é pronunciada [Júpiter], como em português, e a forma uita se pronuncia [vita], como no português “vitalidade”.  O “t” antes de “i” e não precedido das consoantes “s”, “t” e “x” é pronunciado [ss]. Portanto, iustitia lê-se [justíssia]. Listamos aqui apenas algumas das características das pronúncias eclesiástica 34

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e tradicional portuguesa, para que se saiba que pode haver variação no modo como se pronuncia o latim. No entanto, pelos motivos listados ao longo deste capítulo, sugere-se que o aprendiz de latim tente pronunciar as palavras do modo mais próximo ao que teria sido o modo como os romanos pronunciavam o latim em Roma por volta dos séculos I a.C. e I d.C., ou seja, usando a pronúncia chamada de restaurada ou reconstituída.

Texto complementar O seguinte texto trata das teorias dos autores antigos sobre as letras e seus sons. O trecho destacado em negrito serve como exemplo de testemunho de tentativas de descrição dos sons das letras pelos autores antigos. (WEEDWOOD, 2002, p. 43-46)

Gregos e romanos compartilhavam concepções semelhantes da natureza da littera (grego: grámma), a menor unidade da fala (vox; grego: phoné). Havia duas visões distintas, frequentemente expostas lado a lado. De acordo com uma, a littera era o símbolo escrito, a representação do som da fala (latim: elementum; grego: stoikheïon). Essa visão, a precursora da moderna dicotomia letra-som, foi menos importante na Antiguidade (e, de fato, até por volta de 1800) do que a segunda visão, mais complexa. Estoicos e romanos descreviam a littera como uma entidade com três propriedades: seu nome (nomen), sua forma ou aspecto escrito (figura) e seu som ou valor (potestas). Essa visão mais flexível, suscetível de extensão e refinamento num grau muito maior que a crua oposição entre letra e som, foi a base para uma série de abordagens multifacetadas e infinitamente variadas da littera por parte dos estudiosos antigos e, mais ainda, dos medievais. Potestas era a propriedade da littera cujo domínio mais se aproximava do moderno campo da fonética. Platão, Aristóteles e os latinos classificam as litterae do seguinte modo: Vogais Litterae

Semivogais Consoantes Mudas 35

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(A categoria das “semivogais” incluía o que modernamente chamamos de continuantes: Donato inclui F, L, M, N, R, S, X sob essa rubrica.) Só uns poucos estudiosos sentiram a necessidade de ir mais fundo na fonética articulatória. Entre eles estavam Dionísio de Halicarnasso (em atividade entre 30 e 8 a.C.), cuja notável descrição da articulação dos sons do grego ficou desconhecida do Ocidente latino até sua primeira edição em 1508 pelo grande impressor veneziano Aldo Manúcio, e o metricista Terenciano Mauro (século II), cujo relato em versos dos sons e metros latinos foi pouco lido antes do Renascimento. Na prática, as vinhetas de uma linha oferecidas por Marciano Capela (século V) em sua enciclopédia alegórica, O Casamento de Filologia e Mercúrio (III, 261), foram as únicas descrições articulatórias dos sons do latim disponíveis para a maioria dos estudiosos medievais. Caracterizações do tipo “o D surge do ataque da língua perto dos dentes superiores” ou “o L soa docemente com língua e palato” ou “Apio Cláudio detestava o Z porque imita os dentes de um cadáver” ainda eram citadas no século XVI. Somente depois de se familiarizarem com as descrições articulatórias muito mais detalhadas, que eram lugar-comum nas gramáticas medievais do hebraico e do árabe, é que os cristãos do Renascimento começaram a se interessar pela fonética articulatória. Em contrapartida, as propriedades do nomen e da figura despertavam um interesse mais ativo e criativo entre os estudiosos medievais. Coleções de alfabetos exóticos – grego, hebraico, “caldeu”, gótico, runas, ogamos, vários códigos e cifras – circulavam amplamente, bem como breves tratados sobre a invenção de várias escritas. Uma antiga forma de taquigrafia, as notas tironianas, era praticada em alguns centros monásticos nos séculos IX e X, enquanto em outros os escribas adicionavam subscrições em latim transliterado em caracteres gregos. Um notável pequeno tratado do século VII ou VIII, atribuído a certo Sergílio[...], descreve o movimento da pena ao formar cada letra e dá o nome de cada gesto em latim, grego e hebraico: “Quais são os nomes dos três gestos da letra A nas três línguas sagradas? Em hebraico, abst ebst ubst. Como são chamados em grego? Albs elbs ulbs. E em latim? Duas linhas oblíquas e uma reta traçada entre elas”. Mas o que interessava aos autores medievais não era a littera como uma unidade de fala fisicamente visível ou audível e, sim, muito mais, sua possível importância na iluminação dos aspectos superiores da ordem do mundo. Um autor do século VII, Virgílio Gramático, explicava: “Tal como o homem 36

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consiste de corpo, alma e uma espécie de fogo celeste, assim a littera é constituída de corpo – isto é, sua forma, sua função e sua pronúncia (suas juntas e membros, por assim dizer) – e tem sua alma em seu sentido, e seu espírito em sua relação com as coisas superiores”. Outros autores aplicavam interpretações tipológicas e alegóricas a vários aspectos da littera, no mais das vezes à sua forma. Seu som era de menor importância: era a parte terrena da littera, seu “corpo”. Só lentamente, à medida que a Idade Média se encerrava, é que os pensadores ocidentais começaram a voltar seu interesse para a parte física da fala, tal como passaram a levar mais a sério as manifestações físicas do mundo natural. O ímpeto para tal iniciativa não veio de dentro da própria tradição ocidental, mas de fora dela: primeiro, durante o Renascimento, do mundo semita; mais tarde, por volta de 1800, da Índia.

Dica de estudo Lendo o Passado: do cuneiforme ao alfabeto. A história da escrita antiga, de J. T. Hooker et. al., Editora Melhoramentos e Edusp.

Atividades 1. Selecione palavras de três ou mais sílabas na lista a seguir, escreva-as abaixo, marque a sílaba tônica da palavra com um acento agudo ( ´ ) e justifique, segundo as regras de acentuação aprendidas nesta aula. abīre accusāre addĕre aestas amicitia aqua bibĕre caput ciuis decem delēre

dexter diuus eques facĕre ferox gens grauitas homo hora humanĭtas indignus

ingens iubēre iuuāre luna luxuria mediocris necessario nuntius obiicĕre paruus postridie

proponĕre puella quietus quis redīre rex saeuus sapientia saxum suauis surgĕre

tendĕre tollere utilitas uehemens uenīre uoluntas uoluptas

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Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993. WEEDWOOD, Barbara. História Concisa da Linguística. São Paulo: Parábola, 2002.

Gabarito 1. Accusáre (penúltima sílaba acentuada porque é longa); fácere (antepenúltima sílaba acentuada, pois a penúltima é breve); hómo (penúltima sílaba acentuada, pois não há oxítonas em latim); réx (última sílaba acentuada porque é a última); e assim por diante. 38

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Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa Neste capítulo, veremos as principais diferenças entre a estrutura morfossintática1 da língua portuguesa e do latim. Para um curso com a extensão deste, é possível que essa seja a questão mais relevante a ser aprendida apropriadamente sobre o latim, pois, ainda que a língua portuguesa seja diretamente derivada do latim, a estrutura das duas línguas é bastante diferente no que concerne ao modo de estabelecer as conexões entre as palavras.

A estrutura da língua portuguesa Basicamente, o sentido de uma oração em português depende da ordem em que colocamos as palavras uma diante das outras. Assim, as seguintes orações têm sentidos diferentes: a) O poeta vê a lua. b) A lua vê o poeta. Claramente a segunda sentença significa algo bastante diferente da primeira. Isso se dá porque, nas sentenças normais da língua, a ordem em que sujeito e objeto direto são ditos influencia na nossa percepção de quem faz o quê para quem. Explicando melhor, na primeira sentença, é o sujeito “o poeta” quem “vê” com seus olhos o objeto direto “a lua”, a coisa vista. Na segunda, a mesma expressão linguística, “o poeta”, aparece depois do verbo transitivo direto, de modo que ele passa a ser o que é visto no evento de “ver” denotado pela sentença. Nesse segundo caso, por causa da ordem das palavras, quem age no evento de ver é a lua (mesmo que pareça implausível ou estranho imaginar que a lua veja alguma coisa – mas, afinal, o que seria da linguagem se ela não nos permitisse dizer todas as coisas que quiséssemos?), que, através dos seus “olhos”, “vê” o poeta. 1 Morfossintática porque envolve tanto a forma interna das palavras quanto o modo como as palavras se combinam umas com as outras para produzir expressões bem formadas da língua.

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O que queremos mostrar é que o processo sintático na língua portuguesa envolve a colocação das palavras em uma ordem linear mais rígida, e o que define quem é o sujeito e quem é o objeto em sentenças transitivas simples, como as duas anteriores, é qual expressão nominal aparece antes e qual expressão nominal aparece depois do verbo. Isso se dá de várias formas e em vários níveis. Por exemplo, dizemos “o poeta”, e não “poeta o”; dizemos “vê a lua”, e não “a vê lua”, nem “vê lua a”. Tudo isso tem a ver com o fato de que em português as palavras são concatenadas às outras seguindo regras sintáticas rígidas de colocação. Vejamos quais são as funções sintáticas importantes em uma sentença mais complexa, e como elas se realizam em português: c) O cozinheiro dá um camelo para o escravo do senhor no fórum. Analisando a sentença, temos o seguinte:  “o cozinheiro” é a expressão sujeito do verbo principal da sentença, pois concorda com ele e aparece antes dele.  “dá” é o verbo principal da sentença, e requer três argumentos2 para ter a ideia do evento completa: alguém que dá (o sujeito), algo que é dado (o objeto direto) e para quem se dá a coisa (o objeto indireto).  “um camelo” é o objeto direto do verbo, o algo que é dado.  “para o escravo” é o objeto indireto, o para quem se dá algo.  “do senhor” é uma expressão preposicionada que se junta a um nome (o escravo) de modo a formar uma adjunção, ou seja, uma expressão que pode (mas não precisa) se unir a outro nome para especificá-lo mais (um adjetivo poderia fazer a mesma coisa – por exemplo, poderíamos ter “o escravo esperto” ao invés de “o escravo do senhor”).  “no fórum” é uma expressão preposicionada que funciona como um circunstancializador do evento, que diz onde o evento ocorreu. Com essa sentença analisada, passamos à análise da estrutura do latim. 2 Argumentos são aqueles termos que são obrigatórios para que um verbo expresse seu sentido completo. Por exemplo, um verbo transitivo direto requer dois argumentos: o sujeito e o objeto. Caso um falte, o evento não é expresso propriamente. Exemplo: “o menino quebrou...”, “a menina viu...” são sentenças em que falta o argumento objeto. A terminologia remete à lógica tradicional.

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A estrutura da língua latina Diferentemente do português, que estabelece a maioria das relações sintáticas através da ordem sequencial em que colocamos as palavras, o latim estabelece as relações das funções dos termos da oração através do chamado sistema de casos. Assim, embora a ordem das palavras seja relativamente importante em latim, ainda mais importante é o caso em que uma palavra se encontra flexionada.

Os casos Todas as palavras pertencentes a categorias nominais3 em latim acontecem em uma oração necessariamente em um dos seis casos latinos4, o que significa que elas apresentam flexões morfológicas correspondentes a esses casos. Cada caso corresponde basicamente a uma função sintático-semântica na maneira de construir expressões linguísticas. Segue-se uma lista dos nomes dos casos latinos e de suas principais funções:  O nominativo é o caso da nomeação, é o caso fundamental de um nome5. É o caso em que os substantivos se encontram quando são sujeitos dos verbos. Os substantivos são encontrados no dicionário na forma nominativa. Um nome como dominus (“senhor, dono, mestre”) tem marca de nominativo singular -us e plural -i (dominus, domini). Um exemplo seria dominus camelum uidet, “o senhor vê o camelo”.  O vocativo é o caso que se usa quando o nome está sendo usado para interpelar um interlocutor na segunda pessoa, como quando chamamos alguém (um exemplo é “ó, senhor, venha cá”, que terá a forma domine, hūc ueni). Exceto por alguns tipos de substantivos, como o tipo em que se enquadra dominus, todos os vocativos são iguais em sua forma aos nominativos. 3

Categorias nominais se definem em oposição a categorias verbais. Assim, nome (substantivo), adjetivo, pronome e particípio são classes de palavras que apresentam o traço nominal. O traço verbal é encontrado nos verbos e nos particípios (por participar tanto do grupo das categorias verbais quanto das nominais, o particípio recebe esse nome). As outras classes de palavras não se flexionam, ou seja, são invariáveis (entre essas, temos os advérbios, as conjunções, as preposições e os numerais). 4 A palavra “caso”, etimologicamente, vem de casus em latim, particípio do verbo cado, cadere, que significa “cair”. Assim, casus significa “aquele ou aquilo que caiu”, “caído”, “queda”. Daí temos a ideia de que “caso” significa o modo pelo qual o substantivo acontece, se dá, “cai” em uma estrutura linguística. 5 Chamo de “nomes” todas as palavras pertencentes a categorias nominais, ou seja, que podem ser flexionadas em casos.

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 O acusativo é o caso que corresponde basicamente aos objetos diretos latinos. No caso acusativo, “senhor” será dominum no singular e dominos no plural. É do acusativo plural que derivam os nomes em português que vieram direto do latim (“donos” de dominos)6. Outro uso importante do acusativo é o que dá ideia de movimento para dentro de ou para junto de algum outro ponto. Esse uso é, em geral, oposto ao do caso ablativo. Um exemplo de acusativo em uma sentença seria dominum camelus uidet, “o camelo vê o senhor”.  O genitivo é o caso que corresponde basicamente à ideia de posse. Assim, domini significa, em latim, “do senhor”, e seu plural é dominorum. O genitivo, juntamente com os próximos dois casos, o dativo e o ablativo, são casos que foram sendo substituídos por formas preposicionadas nas línguas derivadas do latim. O nome do caso apresenta relação com a ideia de genus, gens, gentis, ou seja, de geração, pertencimento a alguma família, por exemplo. Um exemplo simples poderia ser camelus domini, “camelo do senhor”.  O dativo é o caso que melhor representa o objeto indireto, de modo que dominō significa “para o senhor” e dominis significa “para os senhores”. O nome do caso deriva do verbo do, dare, datus “dou, dar, dado”, ou seja, se trata do argumento “para quem se dá alguma coisa” no evento de dar. O dativo também expressa uma ideia básica de movimento em direção a um alvo, como quando dizemos algo “a alguém” ou entregamos algo “a alguém”. Um exemplo desse substantivo no dativo seria seruus camelum domini dat, “o escravo dá o camelo para o senhor”.  O ablativo é o caso que tem significados básicos de afastamento a partir de algum ponto ou de meio ou instrumento pelo qual se faz alguma coisa. O nome dominō significa, então, “através do senhor”, “pelo senhor”, “a partir do senhor” (essas formas de ablativo serão melhor entendidas no contexto das orações latinas), e seu plural é dominis7. O ablativo também significa posicionamento em algum ponto ou afastamento a partir do mesmo ponto. Nesse sentido, o ablativo é oposto ao acusativo. Um exemplo do ablativo com o uso instrumental ou de meio com dominus seria seruum thesaurum habet dominō, “o escravo possui um tesouro através do senhor/por causa do senhor”. Outro exemplo, mais compreensível, poderia ser dominus seruum necat gladio, “o senhor mata o escravo com o gládio”. 6 Entenderemos melhor isso se pensarmos que em italiano os nomes derivam das formas de nominativo, por isso temos plural ragazzi para “meninos”. 7 No caso desse substantivo especificamente as formas de dativo e ablativo são iguais. Veremos adiante que isso não acontece com todos os substantivos.

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Funções sintáticas Para entendermos melhor o funcionamento básico da língua latina, voltemos à oração em português usada como exemplo: a) O cozinheiro dá um camelo para o escravo do senhor no fórum. Ao traduzirmos essa sentença com a mesma ordem de palavras para o latim, teremos: b) coquus dat camelum seruō domini in forō As primeiras observações que precisam ser feitas são:  Não há, em latim, artigos (o, a, os, as, um, uma, uns, umas). Os artigos, se necessários, são expressos através de pronomes. No exemplo acima, não há necessidade de artigos, e um nome como coquus poderia significar, a princípio, tanto “o cozinheiro” quanto “um cozinheiro”. O contexto resolverá essa questão.  A ordem das palavras e o tipo de vocabulário adotados nos exemplos serão bastante artificiais, com relação ao modo como o latim realmente era utilizado. Vejamos o vocabulário utilizado no exemplo, analisando-o morfologicamente:  coquus: o substantivo aqui significa “O cozinheiro” e, dado o final -us, sabemos que se trata do sujeito do verbo da frase.  dat: o verbo dare está flexionado na terceira pessoa do singular do presente do indicativo e significa “[ele/ela] dá [algo] [a alguém]”.  camelum: o substantivo camelus aqui se encontra no acusativo (veja o final -um) e, portanto, é o objeto direto do evento representado pela sentença.  seruō: o substantivo seruus aqui está no dativo (final -ō8) e, portanto, representa o objeto indireto, ou seja, para quem se dá o camelo.  domini: o substantivo dominus aqui está no caso genitivo, e sabemos disso pela terminação -i. Assim, sabemos que domini significa “do senhor”, então procuraremos algum substantivo na sentença que possa representar algo que seja do senhor. 8

O final (-o) também poderia significar a forma de ablativo. Embora essa ambiguidade seja legítima, o contexto aqui favorece a leitura de dativo para seruō, uma vez que o evento de dar requer um objeto indireto para quem se dá a coisa dada.

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 in: trata-se da preposição “em”. Veremos adiante que as preposições em latim exigem que os substantivos selecionados por ela estejam em casos específicos. Nesse caso, o in se segue de um substantivo no caso ablativo, dando a ideia de que algo aconteceu “em” algum lugar. Nesse caso, o evento de dar um camelo para o escravo do senhor pelo cozinheiro aconteceu “no fórum”.  forō: como vimos acima, pelo fato de que a preposição in significa, nesse contexto, “em”, no sentido de dentro de algum lugar, sem pressupor movimento para dentro de (que seria um outro uso da preposição in com outro caso), o caso que ela exige do seu substantivo é o ablativo, significando estaticidade dentro de algum lugar. Por isso, forō está no ablativo, por esse motivo sabemos que o evento se deu dentro do [no] fórum. Vejamos um quadro que resume as informações a respeito dos casos:

Caso

Exemplo no singular

Exemplo no plural

Funções básicas

Tradução

Nominativo

dominus

domini

sujeito

“o(s) senhor(es)”

Vocativo

domine

domini

interpelação

“ó senhor”

Acusativo

dominum

dominos

objeto direto / “o(s) senhor(es)” movimento em direção a ou para dentro de

Genitivo

domini

dominorum

posse / adjunto adno- “do(s) senhor(es)” minal

Dativo

dominō

dominis

objeto indireto

“para o(s) senhor(es)”

Ablativo

dominō

dominis

meio / instrumento / afastamento a partir de / estaticidade em

“(a partir d)o(s) senhor(es)” / “pelo(s) senhores”

A ordem das palavras em latim Como vimos, as funções sintáticas em latim se dão basicamente por meio das marcas morfológicas de caso, e não da ocorrência sequencial das palavras, como em português. Para exemplificar, manteremos as funções sintáticas principais da sentença latina usada como exemplo anteriormente, e mostraremos como a ordem das palavras é secundária em latim, com relação ao processo de marcação de caso. 46

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A sentença, na ordem em que está, mantidas as funções sintáticas principais9, é como se segue: c) coquus dat camelum seruō Assim, embora a ordem das palavras na sentença acima mantenha-se fiel à ordem de palavras de uma sentença com o mesmo sentido em português, isso é apenas um acidente. Isso porque qualquer uma das sentenças listadas abaixo poderia significar exatamente a mesma coisa que a sentença (c) em latim: d) coquus seruō camelum dat e) coquus camelum dat seruō f ) coquus camelum seruō dat g) camelum seruō dat coquus h) dat seruō camelum coquus i) camelum dat seruō coquus Qualquer uma das sentenças listadas acima, e qualquer outra possível ordenação das palavras, poderia significar exatamente a mesma coisa: “O cozinheiro dá um camelo para o escravo”. Como vimos, isso acontece porque não é a posição na frase que diz que coquus é sujeito do verbo dat, e sim a marcação morfológica de nominativo (nesse caso, -us). Da mesma forma, é a marcação de acusativo (-um) que diz que camelum é o objeto direto do verbo dat, e não sujeito ou qualquer outra coisa. O mesmo se dá finalmente com seruō, que, com a marca de dativo (-ō), é reconhecido como objeto indireto do verbo dat. Isso significa que o latim dependia fundamentalmente de informação morfológica para estabelecer as relações sintáticas, ou seja, o modo como as palavras se conectam para produzir sentido e a ordem das palavras era relativamente secundária10 no modo de construção da oração latina.

9 A decisão de se trabalhar apenas com as funções sintáticas básicas aqui tem a ver com o fato de que certas funções acessórias, como as expressões adjuntas e adverbiais (como “do senhor” e “no fórum”), dependem um pouco mais de ordem do que as funções básicas – sujeito, verbo, objeto direto e objeto indireto. 10 Dizemos aqui secundário, pois não é verdade, em absoluto, que qualquer ordem de palavras em latim era permitida para os falantes. Os falantes costumavam usar ordenações mais ou menos comuns de sujeito, verbo e complementos, por exemplo, ou de substantivo e o adjetivo que o modifica e assim por diante. As ordens mais comuns constituíam a forma não marcada da língua, e quaisquer alterações de ordem surtiriam efeitos de sentido que, embora sutis, seriam percebidos pelos falantes. Para termos uma ideia, a sentença (d) entre as sentenças (d) a (i) do conjunto anterior era a mais comum do ponto de vista da ordem para um falante de latim. Ou seja, “sujeito – objeto indireto – objeto direto – verbo” era a ordem considerada não marcada, neutra.

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Comparação entre as duas línguas Como vimos, as estruturas do latim e do português são bastante diferentes. Se a mesma palavra em português pode ser sujeito ou objeto direto do verbo, bastando que a posicionemos antes ou depois do verbo, em latim a mesma palavra sofrerá flexão de caso para poder exercer função de sujeito ou objeto (por exemplo, em uma oração declarativa simples com um verbo transitivo direto, dominus pode ser sujeito, mas não objeto direto, enquanto dominum pode ser objeto direto, e não sujeito). Isso se dá em virtude de que a língua portuguesa não manteve o sistema de casos que existia em latim11. Assim, se analisarmos a mesma sentença usada anteriormente para exemplificar a liberdade relativa de ordem em latim e se efetuarmos as mesmas permutações da posição das palavras, obteremos sentenças que, ou significam coisas completamente diferentes, ou são agramaticais e não podem significar nada porque não são sentenças que seriam ditas por nenhum falante da língua portuguesa. Vamos à mesma sequência de sentenças: a) O cozinheiro ao escravo um camelo dá. b) O cozinheiro um camelo dá ao escravo. c) O cozinheiro um camelo ao escravo dá. d) Um camelo ao escravo dá o cozinheiro. e) Dá ao escravo um camelo o cozinheiro. f ) Um camelo dá ao escravo o cozinheiro. Fica claro que esse conjunto de sentenças não possui o mesmo significado, como o conjunto das sentenças latinas possuía. Ainda que, nas sentenças de (a) a (c), o significado seja quase o mesmo, e ainda que consigamos entender pelo contexto o que acontece, no caso das três últimas fica claro que a relação de quem dá o que é invertida (ainda que implausível): o camelo é que dá um cozinheiro ao escravo. Ao eliminarmos a dificuldade relacionada com a questão do contexto estranho (camelos, cozinheiros e escravos na mesma sentença formam um cenário bem estranho), perceberemos claramente a diferença fundamental entre uma 11 Exceto em alguns resquícios, como no caso dos pronomes pessoais “eu, me, mim, meu, tu, te, ti, teu”, que significam a mesma coisa do ponto de vista semântico, mas que têm formas diferentes para funções sintáticas diferentes. O “eu” pode ser sujeito do predicado “ver o camelo”, mas não pode ser objeto direto que preenche a expressão “o camelo viu”. Na posição de objeto direto, o pronome pessoal “eu” transforma-se em “me”, ou seja, “O camelo me viu” é uma sentença em que o “eu” se encontra no caso acusativo, por assim dizer.

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estrutura linguística baseada na ordem das palavras e uma baseada no sistema de casos. Imaginemos um verbo transitivo simples como “vê” (uidet), que significa que “x vê y” (sequência que não é igual a “y vê x”). Com esse verbo, criemos uma frase simples como: g) O cozinheiro vê o escravo. Em latim, a frase pode ser dita de inúmeras maneiras do ponto de vista da ordem, pois quem dirá com certeza quem é o sujeito de “vê” e quem é o objeto direto de “vê” são as flexões de nominativo e acusativo, respectivamente. Assim, as seguintes ordenações em latim significarão a mesma coisa que (g) acima (com pequenas alterações no ponto de vista de ênfase, estilo etc., que não são importantes nesse ponto): h) coquus seruum uidet. (ordem mais comum em latim) i) coquus uidet seruum. j) seruum coquus uidet. k) seruum uidet coquus. l) uidet coquus seruum. m) uidet seruum coquus. Se fizermos o mesmo com a oração em português, obteremos significados diferentes e algumas sentenças que causarão sensação de estranheza: n) O escravo vê o cozinheiro. (sentido completamente diferente) o) O cozinheiro o escravo vê. (estranha) p) O escravo o cozinheiro vê. (estranha) q) Vê o cozinheiro o escravo. (estranha) r) Vê o escravo o cozinheiro. (estranha) Resumindo, se em português quem aparece antes do verbo costuma ser o seu sujeito e quem aparece depois costuma ser o seu objeto direto, em latim essa relação se dá antes pela marcação morfológica de caso em cada palavra, e não através da posição das palavras na frase. Por causa dessa diferença, será crucial identificar as formas em que as palavras de categorias nominais estão quando aparecem em um texto latino, sob pena de simplesmente não entendermos o sentido das expressões. 49

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Texto complementar O texto a seguir foi retirado do livro Uma Estranha Língua?, de Alceu Dias Lima, um dos maiores classicistas vivos do Brasil. Trata-se de um trecho de um dos capítulos do livro, no qual o autor discute, com um elevado grau de erudição, as questões de ensino da estrutura da sentença latina, nosso objeto de estudo nesta aula.

A frase latina segundo o esquema: nome sujeito versus nome objeto + verbo. Considerações de ordem sintática (LIMA, 1995, s.p.)

Sejam os enunciados: a) O patrão chama o criado; b) O criado chama o patrão. Aqui aleatória e globalmente assumidos, sem nenhum esforço, em razão apenas do seu acabamento gramatical de unidades frasais quaisquer, conaturais ao falante nativo do português, tudo como convém a essas considerações com vistas à descrição do sistema, mas que, em situação real de discurso, são concebíveis no latim de Roma, quando mais não seja por parafrasearem ocorrências autênticas. [...] Submetido um e outro enunciado (a e b) às perguntas que a competência em língua natural materna, corroborada por uma correta escolarização elementar, deve autorizar, tais como: 1. Quais são as unidades morfossintáticas do enunciado a?; 2. Quais são as unidades morfossintáticas do enunciado b?; 3. Quais as unidades léxicas de a?; 4. Quais as de b?, força é constatar que, no tocante à gramática, pelo menos a gramática do Ensino Médio, e ao vocabulário, eles são idênticos. Não há, pois, como explicar com esses conhecimentos, ainda que tenham sido objeto de ensino na escola, a diferença óbvia entre os dois enunciados no que concerne à sua referência, ou seja, à sua indicação de sentido. Nem será difícil concluir que a análise sintática tradicional – as coisas não parecem mudar muito no ensino linguístico moderno, ao qual ela está pressuposta – deixou sempre de valorizar e, por isso, de 50

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batizar esse componente básico, por mais que de natureza não segmental que faz da colocação dos nomes antes e depois do verbo, fator indispensável da significação frásica em idiomas como o português. Ninguém duvida que a conotação não apenas constatativa da declaração algo malcriada e provocadora do menino à mesa: “Feijão eu não quero” retira sua força expressiva, conotadora mais de um estado emocional do que denotadora da emissão de um juízo, da alteração dessa colocação dos nomes no enunciado e, portanto, fornece mais um fundamento ao seu valor morfemático. A força desse morfema constituinte básico da frase vernácula dos falantes naturais do português (aqueles para quem ele é a língua de berço) responde por forte interferência desse idioma sobre o latino. Requer-se por isso particular cuidado para que mesmo um enunciado gramaticalmente latino, mas tão pouco romano em seu uso discursivo quanto philosophum non facit barba não seja entendido e apressadamente traduzido pelo incauto aprendiz falante nativo dessa língua moderna como “O filósofo não faz a barba”. O erro do principiante tem como causa outro maior, pois envolve o leitor moderno: não perceber o chiste do humanista cristão que forjou essa “versão latina” para o popular “O hábito não faz o monge”. Mesmo depois de ter-lhe sido, ao discípulo, metodicamente ensinado em aula que: 1. no latim, a colocação anterior e posterior ao verbo, pertinente no que concerne à ênfase, não o é pelo que toca à gramática, que opõe nominativo a acusativo, quer dizer, não faz parte do que, segundo R. Jakobson, “deve ser dito” na língua de Lucrécio; 2. tratando-se do latim, a competência verbal do romano antigo põe em jogo, com base na flexão, um sistema de pressuposições sintagmáticas portador de alto índice de autocorreção (sem escapar, talvez, a um certo grau de redundância), em que cada nome deve chegar à frase provido de uma desinência específica, conforme exigências contextuais ou sintáticas. Estas o fazem pressentir, antes mesmo da identificação, na linearidade frasal, dos outros termos da seleção determinada pela regência e pela concordância, na função de sujeito, objeto direto ou indireto, adjunto adnominal, adjunto adverbial, aposição, regime de preposição, predicativo, simples exclamativo, além de portador daquelas indicações comuns às línguas modernas, ainda que, com uso diverso, isto é, com outra realização fonética, quais sejam o gênero e o número. Ou não é sequer de redundância, nem no sentido corrente, nem no da teoria da informação, que se há de falar aqui, e sim de 51

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legítima força expressiva! Nem, por um lado, a eventualidade, aliás comprovada, de serem muitos os fatos da expressão situados fora das relações da fonologia, da morfossintaxe e da lexicologia, os quais explicam plenamente a existência e o bom desenvolvimento de domínios inteiros, como o da retórica, da estilística e da poética, nem, por outro, a grande incidência de variantes, quer contextuais, quer livres, no latim, como, de resto, em qualquer língua, nada justifica os exageros da chamada morfologia latina das gramáticas de inspiração donatiana, conforme visto.

Dicas de estudo Esse é o momento de se iniciar consultas a dicionários e gramáticas. Para isso sugerimos:  Gradus Primus, de Paulo Rónai, Editora Cultrix.  Dicionário do Latim Essencial, de Antonio Martinez de Rezende e Sandra Braga Bianchet, Editora Crisálida.

Atividades 1. Através do que se aprendeu sobre a marcação de casos nessa aula, flexione os substantivos abaixo para construir sentenças com os verbos disponíveis e traduza as sentenças construídas.

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Substantivos:

deus “deus”

mundus “mundo”

Verbos:

agnus “cordeiro”

dominus “senhor”

philosophus “filósofo”

habet “tem, possui”

amicus “amigo”

equus “cavalo”

populus “povo”

uidet “vê”

asinus “asno”

filius “filho”

porcus “porco”

amat “ama”

Augustus “Augusto”

fungus “cogumelo”

oculus “olho”

est “é”

Brutus “Bruto”

gladius “gládio, espada”

seruus “escravo”

ēst “come”

camelus “camelo”

Homerus “Homero”

ursus “urso”

dat “dá”

capillus “cabelo”

Marcus “Marco”

necat “mata”

coquus “cozinheiro”

medicus “médico”

laudat “louva”

crocodilus “crocodilo”

Minotaurus “Minotauro”

docet “ensina”

Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa



Exemplos: a) Augustus mundum docet: “Augusto ensina o mundo”. b) agnus asinum amat: “O cordeiro ama o asno”. c) porcum necat equus: “O cavalo mata o porco”. d) Minotaurus amicō ursum dat: “O Minotauro dá um urso para o amigo”. e) Brutus est fungus: “Bruto é um cogumelo12”. f) Brutus ēst fungum: “Bruto come um cogumelo”.

12 Em latim, fungus também era uma maneira de chamar alguém de imbecil ou pouco inteligente (via a metáfora da cabeça grande, como a de um cogumelo).

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Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa

2. Explique por que, entre os exemplos da atividade 1, o exemplo (e) tem dois nominativos (Brutus e fungus), e não um nominativo e um acusativo. Para isso, compare a sentença com a sua tradução em português e com a sentença seguinte, a letra (f ).

3. Com base nos exemplos da atividade 1, explique a diferença na ordem de palavras nas sentenças latinas e portuguesas.

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Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. LIMA, Alceu Dias. Uma Estranha Língua? Questões de linguagem e de método. São Paulo: UNESP, 1995. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. Os exemplos constituem a solução dos exercícios. Quaisquer sentenças bem formadas com os substantivos flexionados como sujeito, objeto direto e objeto indireto do verbo selecionado servem para essa atividade.

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Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa

2. A resposta não se encontra no texto, mas o aluno deverá fazer uma analogia entre o verbo “est” (é, está, existe) em latim e o verbo “é” em português. Os verbos servem apenas para ligar uma coisa à outra e, portanto, são chamados de “verbo de ligação”. O verbo “ser” não estabelece uma relação de sujeito-objeto direto, e sim uma relação de predicativo do sujeito. Assim, os verbos “est” e “é” servem para igualar dois termos. Por isso, o segundo termo fica no nominativo. O aluno também poderá observar o sexto exemplo, em que há um verbo transitivo direto e, portanto, há caso acusativo em fungum. 3. Por causa da marcação de caso, a ordem em latim é mais livre, pois quem marca as relações de sujeito, predicativo, objeto direto e indireto são os casos. Em português, é a ordem rígida das palavras que faz isso.

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Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições Veremos, neste capítulo, como os substantivos são divididos em declinações e como os adjetivos são divididos em classes. Também conheceremos algumas preposições e seus sentidos básicos.

As declinações nominais Todos os substantivos latinos estão sujeitos à flexão de caso. Assim, todos eles apresentam, idealmente, 12 formas diferentes (singular e plural, nos casos nominativo, vocativo, acusativo, genitivo, dativo e ablativo). Os substantivos latinos também apresentam a categoria gramatical de gênero. Os gêneros possíveis em latim são o masculino, o feminino e o neutro (em português, temos apenas o masculino e o feminino). É importante que tenhamos em mente que gênero é apenas uma categoria gramatical e que não reflete necessariamente as nossas intuições sobre o que deve ser masculino ou feminino no mundo real. As línguas diferem quanto à marcação de gênero, e isso é natural. Devemos aprender o gênero do substantivo juntamente com seu significado, pois, do ponto de vista gramatical, os substantivos sempre estabelecem concordância de gênero, número e caso com outras palavras nominais que os modificam.1 Os gramáticos estabeleceram uma tipologia para todos os substantivos latinos, de acordo com características comuns deles. A característica mais usada para separar os substantivos em classes de forma didática envolve o chamado tema. O tema é a parte do substantivo pronta para receber as desinências de caso, ou seja, constitui-se do radical do substantivo e, em alguns casos, uma vogal temática que segue-se imediatamente ao radical. Os substantivos latinos podem ter, então, seis tipos de tema: os com vogal 1

Tirando o caso, o mesmo acontece em português, pois devemos flexionar, por exemplo, o adjetivo “preto” conforme as informações de gênero e número presentes no nome a ser qualificado: assim, temos “o gato preto”, “a gata preta”, “os gatos pretos”, e não “o gato pretas”.

Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

temática a, o, i, u, e, e os sem vogal temática (que têm o radical terminado em consoante, portanto). Isso nos dá um total de seis classes possíveis para os substantivos. No entanto, os substantivos de tema consonântico e os de tema em “i” foram incluídos na mesma categoria, o que nos deixa com cinco conjuntos (ou paradigmas) de declinações nominais. O quadro a seguir apresenta as cinco declinações nominais e a terminação2 de genitivo de cada uma delas: Quadro 1 Declinação

Vogal temática

Genitivo singular

Exemplo

Primeira

a

-ae

luna, lunae “lua”

Segunda

o



camelus, cameli “camelo”

Terceira

i / nenhuma (consonantal)

-ĭs

fur, furis “ladrão”

Quarta

u

-ūs

manus, manus “mão”

Quinta

e

-eī

res, rei “coisa, assunto”

Apresentamos os genitivos singulares como característicos de cada declinação nominal, pois é essa a forma que não se confunde de uma declinação para outra. Por exemplo, no quadro 1 temos pelo menos dois nomes que no nominativo singular parecem fazer parte da mesma declinação. Camelus e manus parecem iguais, mas seus genitivos singulares são diferentes: cameli diz que se trata de um substantivo da segunda declinação, enquanto que manūs nos diz que o substantivo pertence à quarta declinação dos nomes. Nos dicionários, em geral, não é a declinação do nome que encontramos, e sim a sequência “nominativo, genitivo” como aparece no quadro 1, ou como luna, ae; camelus, i; fur, is; manus, us; res, ei. Por isso, é importante aprender os substantivos juntamente com sua declinação, gênero e significado básico. A dica que damos é que o aluno faça listas de vocabulário nos seguintes moldes: luna, lunae, substantivo da primeira declinação, feminino de significado “lua” pode ser anotado luna 1f. 3 “lua” (essa é a forma que adotaremos nos vocabulários daqui por diante).

2

Chamaremos de terminação o final das palavras que apresentam algum tipo de flexão. No caso dos substantivos, temos originalmente o radical, a vogal temática e a desinência número-causal (uma forma subjacente que, quando combinada com o tema real da palavra, resulta em uma forma chamada de terminação). 3 Essa notação é lida como “substantivo luna, primeira declinação feminino, significado ‘lua’”.

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Primeira declinação Essa é a declinação dos nomes de tema em a. Isso significa que o radical do substantivo se liga às desinências dos casos através de uma vogal intermediária a. Vejamos o quadro com um exemplo de nome dessa declinação: Caso

Singular

Significado

Plural

Significado

Nominativo

lună

a / uma lua

lunae

as / umas luas

Vocativo

lună

ó lua

lunae

ó luas

Acusativo

lunăm

a / uma lua

lunās

as / umas luas

Genitivo

lunae

da lua

lunārum

das luas

Dativo

lunae

para a / à lua

lunīs

para as / às luas

Ablativo

lunā

pela / com a lua

lunīs

pelas / com as luas

É importante observar o seguinte com relação aos nomes da primeira declinação:  Há terminações que podem ser referentes a vários casos simultaneamente, como -ae, que pode ser genitivo e dativo singular e nominativo plural, -a (se não estiver marcado como longa ou breve) que pode ser nominativo, vocativo ou ablativo singular e -īs, que pode ser dativo ou ablativo plural.  O tema do substantivo pode ser encontrado através da remoção do final -rum do genitivo plural: lunarum menos rum nos dá o tema luna-.  Os substantivos de primeira declinação são mais frequentemente femininos, mas também há alguns masculinos. Alguns substantivos comuns da primeira declinação são:

Femininos

aquila 1f. “águia” aqua 1f. “água” columba 1f. “pomba” ara 1f. “altar” cena 1f. “ceia, jantar” insŭla 1f. “ilha” littera 1f. “letra” pecunia 1f. “dinheiro” sagitta 1f. “flecha” scaena 1f. “palco, cena” silva 1f. “bosque, selva” 61

Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

agricŏla 1m. “agricultor” nauta 1m. “marinheiro” poeta 1m. “poeta”

Masculinos

Nomes usados sempre no plural4

diuitiae, arum 1f. “riquezas” nuptiae, arum 1f. “núpcias” litterae, arum 1f. “carta”

Segunda declinação A segunda declinação é a dos nomes de tema em o. No entanto, exceto por algumas formas, as desinências de caso, ao encontrarem o tema em o, sofreram diversas mudanças historicamente, de modo que em muitas das desinências temos um u ao invés de um o. Isso se dá apenas na superfície; nas formas morfológicas subjacentes, a vogal temática o está lá. Os nomes de segunda declinação apresentam alguns subtipos que são melhor entendidos se vistos separadamente. Temos nomes de segunda declinação comuns, nomes de segunda declinação com apenas nominativo e vocativo singulares diferentes, em -er, e nomes de segunda declinação de gênero neutro com terminação em -um no nominativo e vocativo singular5. A partir daqui, será evitada a tradução das formas latinas nas tabelas, pois ela dependerá mais do contexto e do caso do que de memorização pura e simples. As atividades ajudarão nesse sentido. Vejamos o quadro dos nomes de segunda declinação: Caso

Singular: “senhor”

Nominativo domĭnŭs

Plural: Plural: “meninos” “palavras”

puer

uerbŭm

domĭnī

puerī

uerbă

Vocativo

domĭnĕ

puer

uerbŭm

domĭnī

puerī

uerbă

Acusativo

domĭnŭm

puerŭm

uerbŭm

dominōs

puerōs

uerbă

Genitivo

domĭnī

puerī

uerbī

domĭnōrum

puerōrum

uerbōrum

Dativo

domĭnō

puerō

uerbō

domĭnīs

puerīs

uerbīs

Ablativo

domĭnō

puerō

uerbō

domĭnīs

puerīs

uerbīs

4 5

62

Plural: Singular: Singular: “menino” “palavra” “senhores”

Nomes como esses ou não possuem formas no singular, ou possuem formas singulares com significados diferentes. Também há nomes neutros que declinam com nominativo singular em -us.

Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Sobre os substantivos da segunda declinação, podemos observar que:  Há substantivos dos três gêneros que se declinam exatamente como dominus.  Só há substantivos masculinos que se declinam como puer.  Só há substantivos neutros que se declinam como uerbum.  Observando a tabela, verificamos que, exceto por nominativos, vocativos e acusativos, os outros casos são iguais para os três subgrupos.  Somente em nomes da segunda declinação terminados em -us é que temos uma terminação específica para o vocativo. Em todos os outros substantivos, de todas as declinações, tanto no singular quanto no plural, o vocativo é sempre igual ao nominativo.  Os substantivos de segunda declinação terminados em -er só são diferentes dos terminados em -us no nominativo e vocativo singulares.  Os substantivos neutros, como vemos pelo subtipo representado por uerbum, sempre têm nominativos, vocativos e acusativos iguais, no singular e no plural. Os neutros de segunda declinação têm nominativo, vocativo e acusativo plural em -ă. Não confunda com os nomes da primeira declinação. O fato de os nominativos serem iguais aos acusativos nos nomes neutros causa grandes confusões, pois, como aprendemos, os nominativos em geral representam sujeitos, e os acusativos, objetos diretos. As ambiguidades surgem quando não temos mais a marca unívoca de sujeito e objeto, se a língua tem mais flexibilidade na ordem das palavras, como é o caso do latim.  Os dativos e ablativos são iguais, tanto no singular quanto no plural, o que representa uma diferença com relação aos substantivos de primeira declinação, em que os dativos singulares eram iguais aos genitivos singulares. Seguem substantivos comuns pertencentes à segunda declinação:

Masculinos em -us

popŭlus, i 2m. “povo” equus, i 2m. “cavalo” camelus, i 2m. “camelo” filius, i 2m. “filho” philosophus, i 2m. “filósofo”

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Femininos em -us

domus, i 2f. “casa” ficus, i 2f. “figueira” laurus, i 2f. “loureiro” humus, i 2f. “terra”

Neutros em -us

pelăgus, i 2n. “mar” vulgus, i 2n. “povo”

Masculinos em -er

Neutros em -um

ager, agri 2m. “campo” magister, magistri 2m. “mestre, professor” aper, apri 2m. “javali” liber, libri 2m. “livro” uir, uiri 2m. “homem, varão” bellum, i 2n. “guerra” castrum, i 2n. “fortificação, castelo” signum, i 2n. “sinal, estandarte” somnium, i 2n. “sonho”

Adjetivos de primeira classe Os adjetivos são as palavras que podem ser usadas diretamente para qualificar um substantivo. Os exemplos em português são muitos, como o substantivo “casas”, ao qual podemos acrescentar a especificação “amarelas”, produzindo “casas amarelas”. Como se vê, em português, o adjetivo costuma aparecer imediatamente em seguida ao substantivo e costuma concordar com ele em gênero e número (por isso “casas amarelas”, e não “casas amarelo” ou qualquer coisa assim). O mesmo se dá em latim, com a diferença que, como o sistema de casos permite a flexibilidade de ordem já mencionada, um substantivo pode receber qualificação de um adjetivo mesmo que ele não apareça em uma posição imediatamente posterior ou anterior. Basta que o substantivo e o adjetivo estabeleçam relação de concordância para que eles estejam em uma relação de modificação. No entanto, um adjetivo em latim deve concordar com o substantivo não somente em número e gênero, como em português, mas também em caso. Por isso, os adjetivos em latim são palavras que podem ter até 36 formas diferentes: seis casos, vezes dois números, vezes três gêneros é igual a 36.

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Os adjetivos que têm 36 formas diferentes são os chamados adjetivos de primeira classe, uma vez que eles seguem a primeira declinação dos nomes no gênero feminino, a segunda declinação em -us para as formas masculinas e a segunda declinação em -um para as formas neutras. Vejamos o quadro a seguir com o adjetivo de exemplo magnus, a, um “grande”6: Masculino

Feminino

Neutro

Nominativo singular

magnŭs

magnă

magnŭm

Vocativo singular

magnĕ

magnă

magnŭm

Acusativo singular

magnŭm

magnăm

magnŭm

Genitivo singular

magnī

magnae

magnī

Dativo singular

magnō

magnae

magnō

Ablativo singular

magnō

magnā

magnō

Nominativo plural

magnī

magnae

magnă

Vocativo plural

magnī

magnae

magnă

Acusativo plural

magnōs

magnās

magnă

Genitivo plural

magnōrum

magnārum

magnōrum

Dativo plural

magnīs

magnīs

magnīs

Ablativo plural

magnīs

magnīs

magnīs

Esse é um adjetivo típico da chamada primeira classe dos adjetivos: ele segue a primeira e a segunda declinações nominais. Observe as terminações e você verá que elas correspondem aos paradigmas apresentados anteriormente para os substantivos de primeira e segunda declinação. Qualquer substantivo, não importa a qual declinação pertença, poderá ser modificado por um adjetivo, bastando que suas informações de número, gênero e caso sejam iguais. Vejamos alguns exemplos a seguir. O substantivo cena, ae 1f. “ceia” é de gênero feminino. Se pegarmos ao acaso qualquer uma de suas formas, como o acusativo singular cenam, poderemos 6 Essa é uma maneira comum de listar um adjetivo: perceba que há as formas dos três gêneros (magnus, a, um = magnus, magna, magnum), identificando que o adjetivo pertence à primeira classe, e a tradução. Os adjetivos que aparecerem listados dessa forma declinam-se como magnus, a, um acima.

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

modificar essa forma com qualquer adjetivo que também esteja no acusativo singular, na forma feminina. Dessa forma, teremos magnam cenam “grande ceia” (na posição de objeto direto – lembre-se do acusativo). No entanto, não é sempre que as terminações do substantivo e do adjetivo são exatamente iguais. Isso se dá em virtude de que muitos substantivos pertencem a declinações que costumam ter a maioria dos seus membros de um gênero, mas que apresentam uma menor parte de substantivos de outro gênero. Vejamos o exemplo de nauta, ae 1m. “marinheiro”, que é um substantivo da primeira declinação, mas que não é feminino. Um adjetivo que concorde com a forma de nominativo singular masculino nauta poderá ser, por exemplo, magnus, gerando a forma magnus nauta, “grande marinheiro”. Por isso, para identificar o substantivo com o qual um certo adjetivo concorda em uma sentença latina, devemos saber reconhecer a declinação e o gênero do substantivo, bem como o gênero, o número e o caso em que o adjetivo está. Segue uma pequena lista de adjetivos comuns da primeira classe: altus, a, um “alto” beatus, a, um “feliz” bellus, a, um “bonito, belo” bonus, a, um “bom” clarus, a, um “famoso” diuinus, a, um “divino” falsus, a, um “falso” ignarus, a, um “ignorante”

malus, a, um “mau” multus, a, um “muito” paruus, a, um “pequeno” plenus, a, um “cheio [de + genitivo.]” nullus, a, um “nenhum” secundus, a, um “favorável” stultus, a, um “imbecil, estúpido” tutus, a, um “salvo, protegido”

Preposições As preposições latinas sempre escolhem o caso em que o substantivo selecionado por ela deverá estar. Por isso, você deve aprender as preposições juntamente com o(s) caso(s) que ela seleciona. Algumas preposições, ainda, podem selecionar mais de um caso, com alteração no significado a depender do caso utilizado. Com essas primeiras preposições que veremos já será possível ter acesso a um fragmento interessante do latim para as atividades que proporemos

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

e, ainda, com o diagrama básico dos usos de casos em preposições, grande parte dos problemas relacionados ao significado das preposições será sanada. Vejamos as preposições mais comuns e importantes para o início do aprendizado do latim:  in “em” / “para dentro de”: A preposição in tem dois sentidos básicos muito distintos, um ligado à noção de permanência e estaticidade, e outro ligado à noção de movimento para dentro de algum lugar ou corpo. O primeiro se expressa com o ablativo e o segundo com o acusativo: in + ablativo: estaticidade → in forō “no fórum”; in uiā “no caminho”; in scaenā “no palco”. in + acusativo: movimento para dentro de → in forŭm “para dentro do fórum”; in uiăm “para dentro do caminho (vindo de fora dele)”; in scaenăm “para dentro do palco (vindo de fora dele)”. A preposição in com seus dois usos dependentes do caso acusativo e do caso ablativo é um dos melhores exemplos de como esses casos se relacionam, em geral, com movimento versus estaticidade ou com movimento para dentro versus movimento para fora. As próximas preposições ilustram isso.  ad + acusativo: “até” / “até junto a” → ad domum “para junto da casa (mas não entrando nela)”; “até a casa”.  a(b7) + ablativo: “para longe de” (contrário de ad + acusativo ) → ab agrō “para longe do campo (sem a pressuposição de que o que está se afastando do campo estava antes dentro do campo)”.  e(x) + ablativo: “para fora de” (contrário de in + acusativo) → ex agrō “para fora do campo (com a pressuposição de que o que está indo para fora estava dentro do campo)”. Uma boa maneira de aprender essas preposições e a relação dos casos acusativo e ablativo com movimento e/ou estaticidade é observar bem o diagrama a seguir: 7

As preposições ab e ex podem perder o “b” e o “x”, respectivamente, antes de consoantes. Portanto, temos ab arā, mas a forō, e ex arā, mas ē foro.

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Domus

ad + acusativo

a(b) + ablativo

e(x) + ablativo

in + acusativo

in + ablativo

Texto complementar O seguinte poema de Catulo é um dos textos mais famosos e comentados da literatura latina. Abaixo, segue uma versão bilíngue que poderá ser bastante apreciada via tradução. No entanto, estão marcadas no texto latino as palavras cujas formas já possam ser reconhecidas pelo que se apresentou até o momento quanto à morfologia do latim. O aluno poderá olhar para o texto latino com o auxílio de um dicionário e do material desta aula, e tentar encontrar sentido para as expressões em negrito. É possível, também, com o auxílio da tradução, tentar adivinhar outras formas. Há também questões literárias bastante importantes a serem comentadas sobre esse poema. Trata-se do Carmen VIII, poema no qual encontramos um interessante jogo de vozes. A mudança do ponto de vista do “eu” para o “nós” e, finalmente, para o “tu” faz com que o poeta se desdobre em dois e se veja de várias maneiras e ângulos. Tente identificar essas questões na leitura a seguir.

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Miser Catulle, desinas ineptire,

Meu pobre Catulo, põe um termo neste delirar

et quod uides perisse perditum ducas.

e considera perdido o que vês que se perdeu.

fulsere quodam candidi tibi soles,

Em tempos passados sóis luminosos brilharam

cum uentitabas quo puella ducebat

quando tu, constantemente, corrias

amata nobis quantum amabitur nulla.

para onde te chamava a jovem por nós tão amada

ibi illa multa tum iocosa fiebant,

quanto nenhuma outra será jamais amada.

quae tu uolebas nec puella nolebat.

Nestes encontros então aconteciam aqueles

fulsere uere candidi tibi soles.

inumeráveis momentos de prazer: o que tu querias

nunc iam illa non uolt; tu quoque, inpotens, noli,

a jovem também não o deixava de querer.

nec quae fugit sectare, nec miser uiue,

Sóis luminosos realmente brilharam para ti.

sed obstinata mente perfer, obdura.

Hoje, porém, ela já não quer mais.

vale, puella. Iam Catullus obdurat,

Também tu, incapaz de te conteres, não queiras mais,

nec te requiret nec rogabit inuitam;

não persigas aquela que te foge, não vivas infeliz,

at tu dolebis, cum rogaberis nulla.

mas conserva inflexível teu espírito, resiste.

scelesta, uae te; quae tibi manet uita!

Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste,

quis nunc te adibit? cui uideberis bella?

não mais irá te procurar, não mais te convidará

quem nunc amabis? cuius esse diceris?

a um encontro, se não o desejares.

quem basiabis? cui labella mordebis?

Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada.

at tu, Catulle, destinatus obdura.

Ai de ti, infeliz. Que vida te está reservada? Que homem irá ter contigo? A quem parecerás bela? Agora a quem amarás? A quem dirão que pertences? A quem beijarás? De quem morderás os lábios? Mas tu, Catulo, resiste. (In: NOVAK; NERI, 2003. Tradução de: MISTURA, Lauro.)

Dica de estudo Consulte as cinco primeiras lições do método Gradus Primus, de Paulo Rónai, Editora Cultrix.

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Atividades 1. Determine as formas das palavras abaixo, identificando, em cada uma, qual é a declinação (primeira ou segunda), o número (singular ou plural), o gênero (masculino, feminino ou neutro) e o caso. Se a palavra puder estar em vários casos e números, indique todas as possibilidades. Use as informações dadas ao longo dessa aula para isso. Exemplos: a) arārum: (1f. gen. pl.) b) columbās: (1f. acus. pl.) c) nautae: (1m. gen. sing. / dat. sing. / nom. pl.) d) pecuniā:

e) equŭm:

f) popŭlŭs:

g) magistrīs:

h) signă:

i) cenă:

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

j) insula:

k) agricolārum:

l) filiōs:

m) bellŭm:

n) domī:

o) aprīs:

2. Complete o quadro a seguir com o adjetivo bonus, a, um “bom”. Feminino

Masculino

Neutro

Nominativo singular Vocativo singular Acusativo singular Genitivo singular Dativo singular Ablativo singular Nominativo plural Vocativo plural Acusativo plural

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Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

Genitivo plural Dativo plural Ablativo plural

3. Explique qual a diferença das seguintes combinações de preposições:

in + acusativo



in + ablativo

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. NOVAK, Maria da Glória; NERI, Maria Luiza (Orgs.). Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins Fontes, 2003. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). 72

Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições

______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. Sugestões de solução nas primeiras palavras. Todas as palavras foram apresentadas na aula e suas formas nas tabelas. 2. Feminino

Masculino

Neutro

Nominativo singular

bonus

bona

bonum

Vocativo singular

bone

bona

bonum

Acusativo singular

bonun

bonam

bonum

Genitivo singular

bonī

bonae

bonī

Dativo singular

bonō

bonae

bonō

Ablativo singular

bonō

bonā

bonō

Nominativo plural

bonī

bonae

bona

Vocativo plural

boni

bonae

bonī

Acusativo plural

bonōs

bonās

bona

Genitivo plural

bonōrum

bonārum

bonōrum

Dativo plural

bonīs

bonīs

bonīs

Ablativo plural

bonīs

bonīs

bonīs

3. A preposição in tem dois sentidos básicos muito distintos: um ligado à noção de permanência e estaticidade (no caso ablativo) e outro ligado à noção de movimento para dentro de algum lugar ou corpo (no caso acusativo). 73

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe Neste capítulo serão estudados os substantivos da terceira declinação e os adjetivos de segunda classe, que são nomes de tema em i ou tema consonantal. O paradigma para todos eles é praticamente idêntico, com alterações principalmente nos nominativos singulares e nos genitivos plurais. Assim, serão vistos um modelo básico de declinação de todos os nomes de terceira declinação e adjetivos de segunda classe, e depois as exceções mais importantes e subparadigmas ligeiramente diferentes. O objetivo é que todos os nomes de terceira declinação sejam aprendidos (incluindo na categoria de nomes, aqui, os adjetivos, uma vez que os adjetivos de segunda classe seguem os substantivos da terceira declinação), pois seguem basicamente o mesmo padrão de declinação.

Terceira declinação Separaremos os substantivos de terceira declinação em dois grandes grupos: os de tema em i e os de tema consonântico. Um exemplo de substantivo de tema consonântico é rex, regis 3m. “rei”. Vejamos a sua declinação1: Singular rex

regēs

Acusativo

regĕm

regēs

Genitivo

regĭs

regŭm

Dativo

regī

regĭbŭs

Ablativo

regĕ

regĭbŭs

Nominativo

1

Plural

Não mais listaremos os vocativos nas tabelas de declinação, pois, como sabemos, apenas nos nomes masculinos terminados em -us da segunda declinação no singular é que temos uma terminação exclusiva para o vocativo. Em todos os outros casos, o vocativo é exatamente igual ao nominativo.

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

Os substantivos de tema consonantal pertencentes a essa declinação possuem, em geral, nominativo singular com uma sílaba a menos que o genitivo singular, o que se convencionou chamar, na literatura de ensino de latim, de substantivos imparissilábicos. Isso se dá em virtude de que o tema consonantal não recebe nenhuma vogal de ligação entre o final do tema e a desinência abstrata de nominativo singular -s (que não aparece na maioria dos casos, mas que aqui se torna clara: o tema reg- mais a desinência -s gera a forma pronunciada [reks], resultante desse encontro consonantal. A depender da consoante final do tema, outros tipos de transformação ocorrerão no nominativo singular dos substantivos de temas consonantais da terceira declinação. Por isso, preste atenção sempre ao genitivo singular, que, para todos os substantivos da terceira declinação, se realiza como -is. Atenção às seguintes características desses substantivos:  Todos têm acusativo singular em -em (exceto os de gênero neutro, que sempre têm nominativos iguais a acusativos, tanto no singular quanto no plural).  Os genitivos plurais são em -um, diferentemente do genitivo plural dos nomes da terceira de tema em i, como veremos.  Nominativos e acusativos plurais são iguais, em -es.  Dativos e ablativos plurais em -ibus passam a ser a característica de todos os substantivos da terceira, quarta e quinta declinações (diferentemente dos dativos e ablativos plurais da primeira e segunda declinação, em -is). Vejamos uma lista de nomes da terceira declinação, de acordo com a consoante final do tema. Preste atenção ao que acontece com os nominativos plurais, pois em geral as alterações dependem do tipo de consoante final do tema: Temas com final em l ou r:

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consul, consulis 3m. “cônsul”

[tema consul-]

uxor, uxoris 3f. “esposa”

[tema uxor-]

fur, furis 3m. “ladrão”

[tema fur-]

soror, sororis 3f. “irmã”

[tema soror-]

labor, laboris 3m. “trabalho”

[tema labor-]

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

Temas com final em d ou t: pes, pedis 3m. “pé”

[tema ped-]

dos, dotis 3f. “dote”

[tema dot-]

ciuitas, ciuitatis 3f. “cidade”

[tema ciuitat-]

salus, salutis 3f. “saúde, salvação”

[tema salut-]

miles, militis 3m. “soldado”

[tema milit-]

Temas com final c ou g: dux, ducis 3m. “comandante, condutor”

[tema duc-]

iudex, iudicis 3m. “juiz”

[tema iudic-]

lex, legis 3f. “lei”

[tema leg-]

Temas em -ōn ou -iōn: praedo, praedonis 3m. “pirata”

[tema praedon-]

legio, legionis 3f. “legião, exército”

[tema legion-]

religio, religionis 3f. “rito, obrigação, religião”

[tema religion-]

Agora vejamos os substantivos de terceira declinação de tema em i. Um exemplo de substantivo desse tipo é aedis, aedis 3f. “templo, casa”2. Vejamos a sua declinação: Singular

Plural

aedĭs

aedēs

Acusativo

aedĕm

aedīs ou aedēs

Genitivo

aedĭs

aediŭm

Dativo

aedī

aedĭbŭs

aedĕ (ou aedī)

aedĭbŭs

Nominativo

Ablativo

Como podemos ver, o nominativo e o genitivo singular têm o mesmo número de sílabas. Por isso, esses substantivos são considerados parissilábicos, e se opõem aos imparissilábicos (cujo nominativo tem uma sílaba a menos que 2

Esse é um dos exemplos de substantivos que têm um significado específico somente para o plural e outro para os dois números. aedis, no singular e no plural, pode significar “templo”, mas apenas no plural significa “casa”.

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

o genitivo singular), formando uma espécie de subparadigma específico, com suas características específicas. As diferenças principais a serem notadas com relação aos substantivos de tema consonantal e imparissilábicos são as seguintes:  O ablativo singular pode ser como o dos imparissilábicos ou como o dativo singular. As duas formas são comuns.  O nominativo e o acusativo plural podem ser diferentes. Uma forma especial de adjetivo plural em -īs (note a longa, que diferencia do nominativo singular) é encontrada, assim como a forma já vista em -ēs dos imparissilábicos.  A diferença mais importante dos parissilábicos com relação aos imparissilábicos se encontra no genitivo plural, em -iŭm ao invés de em -ŭm. Isso se dá em virtude de a maioria dos parissilábicos terem radical temático em i. Vejamos alguns dos substantivos da terceira declinação de tema em i: auis, is 3f. “ave, agouro” hostis, is 3m. “inimigo” piscis, is 3m. “peixe” finis, is 3m. “fim (singular), território, fronteiras, bordas, limites (plural)” nox, noctis 3f. “noite”3 urbs, urbis 3f. “cidade, Roma” arx, arcis 3f. “fortaleza, cidadela, fortificação” ars, artis 3f. “arte” dens, dentis 3m. “dente” mons, montis 3m. “monte” pons, pontis 3m. “ponte” Há alguns nomes neutros da terceira declinação que apresentam diferenças especiais apenas no nominativo singular (e consequentemente no acusativo singular, visto que, como já vimos, todos os nomes neutros sempre apresentam 3 Alguns nomes imparissilábicos declinam-se conforme aedis, is porque apresentam genitivo plural em -ium. Assim, eles serão apresentados nessa lista. Será fácil reconhecê-los; basta contar uma sílaba a menos no nominativo singular.

78

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

nominativos e acusativos iguais), e listaremos alguns dos mais importantes aqui, seguidos de seu genitivo transcrito na íntegra, a partir do qual se poderá declinar o restante dos casos e números, bastando que se reconheça o tema (retirando o -is do genitivo singular) e que se apliquem as desinências normais de neutro. Declinamos completamente um parissilábico e um imparissilábico como exemplo: Imparissilábico Imparissilábico (consonantal) (consonantal) singular plural

Parissilábico (tema em i) singular

Parissilábico (tema em i) plural4

Nominativo

caput

capĭtă

mare

marĭă

Acusativo

caput

capĭtă

mare

marĭă

Genitivo

capĭtĭs

capĭtŭm

marĭs

marĭum

Dativo

capĭtī

capĭtĭbŭs

marī

marĭbŭs

Ablativo

capĭtĕ

capĭtĭbŭs

marī

marĭbŭs

Observamos que, fora o nominativo/acusativo singular, os nomes neutros da terceira seguem os subparadigmas consonantal e de tema em i, conforme vemos pelo caso distintivo básico, o genitivo plural, capitum versus marium. Outra questão relevante é que no ablativo singular os substantivos neutros de tema consonantal apresentam terminação ĕ enquanto os de tema em i apresentam terminação ī. Segue a lista com outros neutros, com genitivos inteiros para identificar o tema (quando houver um hífen no meio da palavra, salvo informação em contrário, ele servirá apenas como informação didática que separa a terminação e o tema). uulnus, uulner-is 3n. “ferida” corpus, corpŏr-is 3n. “corpo” opus, opĕr-is 3n. “obra, trabalho” onus, onĕr-is 3n. “peso, carga” pectus, pectŏr-is 3n. “peito” scelus, scelĕr-is 3n. “crime” 4

É importante lembrar que a correspondência imparissilábico-consonantal/parissilábico-tema em i nem sempre vale. Haverá eventuais exceções, como o substantivo nox listado anteriormente.

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

tempus, tempŏr-is 3n. “tempo” ius, iur-is 3n. “lei, direito” nomen, nomĭn-is 3n. “nome” animal, animal-is 3n. “animal” (embora não pareça, trata-se de um parissilábico, cujo nominativo teria sido animalĕ) exemplar, exemplar-is 3n. “exemplo” (mesmo caso de animal)

Adjetivos de segunda classe A maioria dos adjetivos de segunda classe baseia-se na declinação dos substantivos de terceira declinação de tema em i, mas há também os que seguem a declinação de tema consonantal. A literatura sobre a língua latina classifica os adjetivos de segunda classe em uniformes, biformes e triformes. No entanto, essas formas diferentes só se manifestam no nominativo singular nos gêneros masculino, feminino e neutro (os uniformes apresentam uma só forma para os três gêneros, os biformes apresentam uma forma para o masculino e feminino, chamada de comum, e os triformes apresentam uma forma para cada gênero). Todos os outros casos e números apresentam terminações iguais para os três gêneros. As tabelas a seguir apresentarão adjetivos de segunda classe desses três tipos, além de um exemplo de adjetivo de segunda classe de tema consonantal. Veremos adiante o que todos eles têm em comum.  Uniformes – exemplo: ingēns, ingentis “enorme”. Masculino singular

Feminino singular

Neutro Masculino Feminino singular plural plural

ingens

ingens

ingentēs

ingentēs

ingentia

ingentĕm

ingentĕm

ingens

ingentēs(īs)

ingentēs(īs)

ingentia

Genitivo

ingentĭs

ingentĭs

ingentĭs

ingentĭum

ingentĭum

ingentĭum

Dativo

ingentī

ingentī

ingentī

ingentĭbŭs

ingentĭbŭs

ingentĭbŭs

Ablativo

ingentī

ingentī

ingentī

ingentĭbŭs

ingentĭbŭs

ingentĭbŭs

Nominativo ingens Acusativo

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Neutro plural

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

 Biformes – exemplo: omnis, omn-e “todo, todos”. Masculino Feminino singular singular Nominativo omnis

Neutro singular

Masculino plural

Feminino plural

Neutro plural

omnis

omne

omnēs

omnēs

omnia

omnem

omnem

omne

omnēs(īs)

omnēs(īs)

omnia

Genitivo

omnis

omnis

omnis

omnĭum

omnĭum

omnĭum

Dativo

omnī

omnī

omnī

omnĭbŭs

omnĭbŭs

omnĭbŭs

Ablativo

omnī

omnī

omnī

omnĭbŭs

omnĭbŭs

omnĭbŭs

Acusativo

 Triformes – exemplo: acer, acris, acre “amargo, afiado”. Masculino singular

Feminino singular

Neutro Masculino Feminisingular plural no plural

Neutro plural

acer

acris

acre

acrēs

acrēs

acria

acrem

acrem

acre

acrēs(īs)

acrēs(īs)

acria

Genitivo

acris

acris

acris

acrĭum

acrĭum

acrĭum

Dativo

acrī

acrī

acrī

acrĭbŭs

acrĭbŭs

acrĭbŭs

Ablativo

acrī

acrī

acrī

acrĭbŭs

acrĭbŭs

acrĭbŭs

Nominativo Acusativo

 Adjetivos de segunda classe de tema consonantal – exemplo: uetus, ueteris “velho”. Masculino singular

Feminino singular

Neutro singular

Masculino Feminino Neutro plural plural plural

uetus

uetus

uetus

ueterēs

ueterēs

uetera

ueterem

ueterem

uetus

ueterēs

ueterēs

uetera

Genitivo

ueteris

ueteris

ueteris

ueterum

ueterum

ueterum

Dativo

ueterī

ueterī

ueterī

ueterĭbŭs

ueterĭbŭs

ueterĭbŭs

Ablativo

ueterĕ

ueterĕ

ueterĕ

ueterĭbŭs

ueterĭbŭs

ueterĭbŭs

Nominativo Acusativo

É importante perceber que todos os tipos de adjetivos de segunda classe só se apresentam “uniformes, biformes ou triformes” com relação ao nominativo singular, conforme se pode perceber pelos quadros anteriores. Tirando o nominativo singular, os adjetivos de segunda classe são, em geral, biformes: têm uma forma para o masculino e feminino e uma forma para o gênero neutro. Os genitivos, dativos e ablativos, no entanto, são iguais para os três gêneros. É im-

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

portante estudar as tabelas com calma, muito mais para encontrar as similaridades entre as diferentes subclasses dos adjetivos do que para identificar exceções ou anomalias. Vejamos uma lista de exemplos de adjetivos da segunda classe. Primeiro, os “uniformes”: prudens, prudentis “prudente” sapiens, sapientis “sensato, sábio” audax, audacis “audaz” ferox, ferocis “feroz” feliz, felicis “feliz” Agora, exemplos dos biformes: ciuilis, ciuile “civil” grauis, graue “grave” nobilis, nobile “nobre” incredibilis, incredibile “incrível” humilis, humile “humilde” utilis, utile “útil” fortis, forte “forte” Vejamos alguns dos triformes: celer, celeris, celere “rápido” celeber, celebris, celebre “célebre” Agora, vejamos alguns exemplos de adjetivos de segunda classe baseados nos substantivos de terceira declinação de tema consonantal: diues, diuitis “rico” pauper, pauperis “pobre” princeps, principis “primeiro”

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

O seguinte quadro resume os nomes dessas declinações: Substantivos e adjetivos de segunda classe de tema em i Masculino

Feminino

Neutro

Substantivos e adjetivos de segunda classe de tema consonantal Masculino

Feminino

Neutro

Nom. sing.

-s/variável

-s/-e

-s/variável

-s

Acus. sing.

-em

-s/-e

-em

-s

Gen. sing.

-is

-is

Dat. sing.





-ī/-e

Abl. sing.

-ī/-e

Nom. pl.

-ēs

-ia

-ēs

-a

Acus. pl.

-ēs/īs

-ia

-ēs/īs

-a

Gen. pl.

-ium

-um

Dat. pl.

-ibus

-ibus

Abl. pl.

-ibus

-ibus

As três primeiras declinações dos substantivos dão conta da grande maioria dos substantivos em latim, e só há duas classes de adjetivos. Assim, já é possível ter acesso ao reconhecimento da maioria das formas nominais latinas. É importante ter em mente que, embora os quadros apresentados pareçam assustar à primeira vista, há muito em comum entre os subparadigmas. O quadro acima, que resume a terceira declinação dos substantivos e a segunda classe dos adjetivos mostra isso claramente. Ainda, o que precisa ficar claro é que o ensino do latim deve ter ênfase muito mais na capacitação do aluno à leitura dos textos latinos do que à produção destes. Assim, mais que decorar formas específicas, é importante que o aluno seja capaz de reconhecer as formas quando elas ocorrem nos textos. Outra questão importante a ser enfatizada, agora que o sistema nominal latino está apresentado em uma extensão relativamente grande, é que as diferentes declinações dos substantivos podem ser modificadas por qualquer uma das duas classes dos adjetivos. Não é porque os adjetivos de segunda classe têm suas flexões baseadas nos substantivos de terceira declinação que eles só podem modificar os substantivos dessa declinação. Qualquer adjetivo pode modificar qualquer substantivo, pois o que é realmente necessário é que haja concordância de gênero, número e caso entre eles. É a partir desse momento

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

que o processo de concordância substantivo-adjetivo pode ficar um pouco mais complexo, já que não poderemos mais confiar apenas na aparência externa das palavras para estabelecer a concordância. Os seguintes exemplos comentados ilustram isso: magna cena “grande ceia” – magna: fem. sing. nom., cena: fem. sing. nom. clarus philosophus “filósofo famoso” – clarus: masc. sing. nom., philosophus: masc. sing. nom. felix filius “filho feliz” – felix: masc./fem./neut. sing. nom., filius: masc. sing. nom. (aqui vemos um adjetivo que possui uma forma comum para os três gêneros, e que, portanto, pode concordar com o substantivo que está no masculino). felix filia “filha feliz” – felix: masc./fem./neut. sing. nom., filia: fem. sing. nom. felicem filium (ambos masculino singular acusativo). felicem filiam (ambos feminino singular acusativo). felicis filii (ambos masculino singular genitivo). felicis filiae (ambos feminino singular genitivo).

Texto complementar O texto a seguir é um excerto do livro I do longo poema de Ovídio chamado Metamorfoses, no qual o poeta narra em pequenos episódios, nos moldes da poesia épica grega e latina de até então, histórias de formas mudadas em outras formas, desde a criação do mundo até os seus dias. O trecho a seguir narra a criação do mundo através do Caos primordial e das coisas que nele foram colocadas pelo Factor universal (factor é aquele que faz, em latim). As formas já identificáveis pelas declinações e formas de adjetivos ensinadas serão sublinhadas nos primeiros dez versos, para que você possa ler o texto nas duas línguas e verificar quanto do vocabulário latino já pode ser analisado morfologicamente. A tradução é do poeta lírico português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), famoso por sua própria produção literária e também um excelente tradutor de textos clássicos.

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

Ante mare et terras et quod tegit omnia caelum unus erat toto naturae vultus in orbe, quem dixere chaos: rudis indigestaque moles nec quicquam nisi pondus iners congesta que eodem non bene iunctarum discordia semina rerum. nullus adhuc mundo praebebat lumina Titan, nec nova crescendo reparabat cornua Phoebe, nec circumfuso pendebat in aere tellus ponderibus librata suis, nec bracchia longo margine terrarum porrexerat Amphitrite; utque erat et tellus illic et pontus et aer, sic erat instabilis tellus, innabilis unda, lucis egens aer; nulli sua forma manebat, obstabatque aliis aliud, quia corpore in uno frigida pugnabant calidis, umentia siccis, mollia cum duris, sine pondere, habentia pondus. Hanc deus et melior litem natura diremit. nam caelo terras et terris abscidit undas et liquidum spisso secrevit ab aere caelum. quae postquam evolvit caecoque exemit acervo, dissociata locis concordi pace ligavit: ignea convexi vis et sine pondere caeli emicuit summaque locum sibi fecit in arce; proximus est aer illi levitate locoque; densior his tellus elementaque grandia traxit et pressa est gravitate sua; circumfluus umor ultima possedit solidumque coercuit orbem. Sic ubi dispositam quisquis fuit ille deorum congeriem secuit sectamque in membra coegit, principio terram, ne non aequalis ab omni parte foret, magni speciem glomeravit in orbis. tum freta diffundi rapidisque tumescere ventis iussit et ambitae circumdare litora terrae; addidit et fontes et stagna inmensa lacusque fluminaque obliquis cinxit declivia ripis, quae, diversa locis, partim sorbentur ab ipsa, in mare perveniunt partim campoque recepta liberioris aquae pro ripis litora pulsant. iussit et extendi campos, subsidere valles, fronde tegi silvas, lapidosos surgere montes, utque duae dextra caelum totidemque sinistra parte secant zonae, quinta est ardentior illis, sic onus inclusum numero distinxit eodem cura dei, totidemque plagae tellure premuntur.

Antes do mar, da Terra e céu que os cobre Não tinha mais que um rosto a Natureza: Este era o Caos, massa indigesta, rude, E consistente só num peso inerte. Das coisas não bem juntas as discordes, Priscas sementes em montão jaziam; O Sol não dava claridade ao mundo, Nem crescendo outra vez se reparavam As pontas de marfim da nova Lua. Não pendias, ó Terra, dentre os ares, Na gravidade tua equilibrada Nem pelas grandes margens Anfitrite Os espumosos braços dilatava. Ar, e pélago, e Terra estavam mistos: As águas eram pois inavegáveis, Os ares negros, movediça a Terra. Forma nenhuma em nenhum corpo havia, E neles uma coisa a outra obstava, Que em cada qual dos embriões enormes Pugnavam frio, e quente, úmido, e seco, Mole, e duro, o que é leve, e o que é pesado. Um Deus, outra mais alta Natureza À contínua discórdia enfim põe termo: A Terra extrai dos Céus, o mar da Terra, E ao ar fluido, e raro abstrai o espesso. Depois que a mão divina arranca tudo Do enredado montão, e o desenvolve, Em lugares diversos, que lhe assina, Liga com mútua paz os corpos todos. Súbito ao cume do convexo espaço O fogo se remonta ardente, e leve; A ele no lugar, na ligeireza Próximo fica o ar; mais densa que ambos A Terra puxa os elementos vastos, Da própria gravidade é comprimida. O salitroso humor circunfluente A possui, a rodeia, a lambe, e aperta. Assim depois que o Deus (qualquer que fosse) O grão corpo dispôs, quis dividi-lo, E membros lhe ordenou. Para que a Terra Não fosse desigual em parte alguma, Por todas a compôs na forma de orbe. Ao mar então mandou que se esparzisse, Que ao sopro inchasse dos forçosos ventos, 85

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

quarum quae media est, non est habitabilis aestu; nix tegit alta duas; totidem inter utramque locavit temperiemque dedit mixta cum frigore flamma. Inminet his aer, qui, quanto est pondere terrae pondus aquae levius, tanto est onerosior igni. illic et nebulas, illic consistere nubes iussit et humanas motura tonitrua mentes et cum fulminibus facientes fulgura ventos. His quoque non passim mundi fabricator habendum aera permisit; vix nunc obsistitur illis, cum sua quisque regat diverso flamina tractu, quin lanient mundum; tanta est discordia fratrum. Eurus ad Auroram Nabataeaque regna recessit Persidaque et radiis iuga subdita matutinis; vesper et occiduo quae litora sole tepescunt, proxima sunt Zephyro; Scythiam septemque triones horrifer invasit Boreas; contraria tellus nubibus adsiduis pluviaque madescit ab Austro. haec super inposuit liquidum et gravitate carentem aethera nec quicquam terrenae faecis habentem. Vix ita limitibus dissaepserat omnia certis, cum, quae pressa diu fuerant caligine caeca, sidera coeperunt toto effervescere caelo; neu regio foret ulla suis animalibus orba, astra tenent caeleste solum formaeque deorum, cesserunt nitidis habitandae piscibus undae, terra feras cepit, volucres agitabilis aer. Sanctius his animal mentisque capacius altae deerat adhuc et quod dominari in cetera posset: natus homo est, sive hunc divino semine fecit ille opifex rerum, mundi melioris origo, sive recens tellus seductaque nuper ab alto aethere cognati retinebat semina caeli. quam satus Iapeto, mixtam pluvialibus undis, finxit in effigiem moderantum cuncta deorum, pronaque cum spectent animalia cetera terram, os homini sublime dedit caelumque videre iussit et erectos ad sidera tollere vultus: sic, modo quae fuerat rudis et sine imagine, tellus induit ignotas hominum conversa figuras.

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E orgulhoso abrangesse as louras praias; À mole orbicular deu fontes, lagos, Rios cingindo com oblíquas margens, Os quais, em parte absortos pelas terras Várias, que vão regando, ao mar em parte Chegam, e recebidos lá no espaço De águas mais livres, e extensão mais ampla, Em vez das margens assalteiam praias. O universal Factor também dissera: “Descei, ó vales, estendei-vos, campos, Surgi, montanhas, enramai-vos, selvas!” Como o Céu repartido à destra parte Tem duas zonas, à sinistra duas, E uma no centro mais fogosa que elas, Assim do Deus o próvido cuidado Pôs iguais divisões no térreo globo; Ele é composto de outras tantas plagas; Aquela que das mais está no meio Em calores inóspitos se abrasa; Alta neve enregela, e cobre duas; Outras duas, porém, que entre elas ambas O Númen situou, são moderadas, Misto o frio, e calor. Fica iminente A estas o ar, que assim como é mais leve O peso d’água que da terra o peso, Tanto mais peso coube ao ar que ao fogo. Deus ordenou que as névoas, e que as nuvens Errassem no inconstante, aéreo seio; Que os ventos o habitassem, produtores Dos penetrantes frios, que estremecem, E os raios, os trovões, que o mundo aterram; Mas o supremo Autor não deu nos ares Arbitrário poder aos duros ventos: Bem que rebentem de encontrados climas, Resistir-se-lhe pode à fúria apenas, Vedar que em turbilhões lacere o mundo: Tanta é entre os irmãos a desavença! Euro foi sibilar ao céu da aurora, Aos reinos Nabateus, à Pérsia, aos cumes Que o raio da manhã primeiro alcança. O Véspero, essas plagas, que se amornam

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

Com Febo ocidental, estão vizinhas Ao Zéfiro amoroso; o fero Bóreas Da Cítia fera, e dos Triões se apossa; As regiões opostas umedece Austro chuvoso com assíduas nuvens. O Númen sobrepôs aos elementos O líquido, e sem peso éter brilhante, Que das terrenas fezes nada envolve. Logo que tudo com limites certos Foi pela eterna destra sinalado, As estrelas, que opressas, que abafadas Houve em si longamente a massa escura, A arder por todo o céu principiaram; E porque não ficasse do universo Alguma região desabitada, Astros, e deuses têm o etéreo assento, O mar aos peixes nítidos é dado, Aves ao ar, quadrúpedes à Terra. A estes animais faltava um ente Dotado de mais alta inteligência, Ente, que a todos legislar pudesse: Eis o homem nasce, e – ou tu, suprema Origem De melhor Natureza, e quanto há nela, Ou tu, pasmoso Artífice, o formaste Pura extração de divinal semente, Ou a Terra ainda nova, inda de fresco Separada dos céus, lhe tinha o germe. Com águas fluviais embrandecida, Dela o filho de Jápeto afeiçoa, Organiza porções, e as assemelha Aos entes imortais, que regem tudo. As outras criaturas debruçadas Olhando a Terra estão; porém ao homem O Factor conferiu sublime rosto, Erguido para o céu lhe deu que olhasse. A Terra, pois, tão rude, e informe dantes, Presentou finalmente assim mudada, As humanas, incógnitas figuras. (OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de: Bocage. São Paulo: Hedra, 2007. Versos 5 a 88, Livro I)

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Glossário Primeira declinação:

agricŏla 1m. “agricultor” aqua 1f. “água” aquila 1f. “águia” ara 1f. “altar” cena 1f. “ceia, jantar” columba 1f. “pomba” diuitiae, arum 1f. “riquezas” filia 1f. “filha” insŭla 1f. “ilha” littera 1f. “letra” litterae, arum 1f. “carta” luna 1f. “lua” nauta 1m. “marinheiro” nuptiae, arum 1f. “núpcias” pecunia 1f. “dinheiro” poeta 1m. “poeta” sagitta 1f. “flecha” scaena 1f. “palco, cena” silua 1f. “bosque, selva”

Segunda declinação:

ager, agri 2m. “campo” aper, apri 2m. “javali” bellum, i 2n. “guerra” camelus, i 2m. “camelo” castrum, i 2n. “fortificação, castelo” dominus, i 2m. “senhor” domus, i 2f. “casa” equus, i 2m. “cavalo” ficus, i 2f. “figueira” filius, i 2m. “filho” humus, i 2f. “terra” laurus, i 2f. “loureiro” liber, libri 2m. “livro” magister, magistri 2m. “mestre, professor” pelăgus, i 2n. “mar” philosophus, i 2m. “filósofo” popŭlus, i 2m. “povo” puer, i 2m. “menino” signum, i 2n. “sinal, estandarte” somnium, i 2n. “sonho” uerbum, i 2n. “palavra” uir, uiri 2m. “homem, varão” uulgus, i 2n. “povo”

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

Terceira declinação:

aedis, aedis 3f. “templo (sing.), casa (plural)” animal, animal-is 3n. “animal” ars, artis 3f. “arte” arx, arcis 3f. “fortaleza, cidadela, fortificação” auis, -is 3f. “ave, agouro” caput, capita 3n. “cabeça” ciuitas, ciuitatis 3f. “cidade” [tema ciuitat-] consul, consulis 3m. “cônsul” [tema consul-] corpus, corpŏr-is 3n. “corpo” dens, dentis 3m. “dente” dos, dotis 3f. “dote” [tema dot-] dux, ducis 3m. “comandante, condutor” [tema duc-] exemplar, exemplar-is 3n. “exemplar, que serve de exemplo” finis, is 3m. “fim (singular), território, fronteiras, bordas, limites (plural)” fur, furis 3m. “ladrão” [tema fur-] hostis, is 3m. “inimigo” iudex, iudicis 3m. “juiz” [tema iudic-] ius, iur-is 3n. “lei, direito” labor, laboris 3m. “trabalho” [tema labor-] legio, legionis 3f. “legião, exército” [tema legion-] lex, legis 3f. “lei” [tema leg-] mare, maria 3n. “mar” miles, militis 3m. “soldado” [tema milit-] mons, montis 3m. “monte” nomen, nomĭn-is 3n. “nome” nox, noctis 3f. “noite” onus, onĕr-is 3n. “peso, carga” opus, opĕr-is 3n. “obra, trabalho” pectus, pectŏr-is 3n. “peito” pes, pedis 3m. “pé” [tema ped-] piscis, is 3m. “peixe” pons, pontis 3m. “ponte” praedo, praedonis 3m. “pirata” [tema praedon-] religio, religionis 3f. “rito, obrigação, religião” [tema religion-] rex, regis 3m. “rei” salus, salutis 3f. “saúde, salvação” [tema salut-] scelus, scelĕr-is 3n. “crime” soror, sororis 3f. “irmã” [tema soror-] tempus, tempŏr-is 3n. “tempo” urbs, urbis 3f. “cidade, Roma” uulnus, uulner-is 3n. “ferida” uxor, uxoris 3f. “esposa” [tema uxor-]

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

Adjetivos de primeira classe:

altus, a, um “alto” beatus, a, um “feliz” bellus, a, um “bonito, belo” bonus, a, um “bom” clarus, a, um “famoso” diuinus, a, um “divino” falsus, a, um “falso” ignarus, a, um “ignorante” magnus, a, um “grande” malus, a, um “mau” multus, a, um “muito” nullus, a, um “nenhum” paruus, a, um “pequeno” plenus, a, um “cheio [de + genitivo.]” secundus, a, um “favorável” stultus, a, um “imbecil, estúpido” tutus, a, um “salvo, protegido”

Adjetivos de segunda classe:

acer, acris, acre “acre, amargo” audax, audacis “audaz” celeber, celebris, celebre “célebre” celer, celeris, celere “rápido” ciuilis, ciuile “civil” diues, diuitis “rico” felix, felicis “feliz” ferox, ferocis “feroz” fortis, forte “forte” grauis, graue “grave” humilis, humile “humilde” incredibilis, incredibile “incrível” ingens, ingens “enorme” nobilis, nobile “nobre” omnis, omne “todo, toda, todos” pauper, pauperis “pobre” princeps, principis “primeiro” prudens, prudentis “prudente” sapiens, sapientis “sensato, sábio” uetus, ueteris “velho” utilis, utile “útil”

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

Dica de estudo Ler os textos e as explicações contidas no método Gradus Primus, de Paulo Rónai, Editora Cultrix.

Atividades 1. Traduza as sentenças. a) diues rex in castro ingente cum multis seruibus habitat.

b) equi nobiles, feroces aquilae et multa animalia in silua sunt.

c) seruus ignarus ferocem aquilam forte sagittā uulnerat.

Vocabulário da atividade: cum: “com” + ablativo habitat: “vive, habita” sunt: são, estão, existem, há sagittā: “flecha” no ablativo singular; pode significar “com a flecha”, “por meio da flecha” uulnerat: “fere, machuca”

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Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

2. Sublinhe as palavras após os dois pontos com as quais a primeira palavra pode estabelecer relação de concordância.

praedonis: multis, altō, felicis, ignari, ignarōs, beatōrum, prudentis.



celere: nautā, aquis, equis, aprō, animali, opus, lex, montem.



hostium: multōrum, clarārum, felicibus, ueterum, stultum.



incredibilibus: oneris, urbium, sceleribus, scaenis, diuitiis, arcis.

3. Decline os seguintes adjetivos em todos os casos, no singular e no plural. bonus Nom. sing.

uir

Acus. sing.

uirum

Gen. sing.

uiri

Dat. sing.

uiro

Abl. sing.

uiro

Nom. pl.

uiri

Acus. pl.

uiros

Gen. pl.

uirorum

Dat. pl.

uiris

Abl. pl.

uiris

audax

diues

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. SIDWELL, Keith C. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. 92

Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe

OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de: Bocage. São Paulo: Hedra, 2007. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. a) O rei rico mora na fortaleza enorme com muitos escravos. b) Há cavalos nobres, águias ferozes e muitos animais na selva. c) O escravo ignorante fere a águia forte com uma flecha. 2. praedonis: multis, altō, felicis, ignari, ignarōs, beatōrum, prudentis.

celere: nautā, aquis, equis, aprō, animali, opus, lex, montem.



hostium: multōrum, clarārum, felicibus, ueterum, stultum.



incredibilibus: oneris, urbium, sceleribus, scaenis, diuitiis, arcis.

3. Bonus: bonus, bonum, boni, bono, bono, boni, bonos, bonorum, bonis, bonis.

Audax: audax, audacem, audacis, audaci, audaci, audaces, audaces, audacium, audacibus, audacibus.



Diues: diues, diuitem, diuitis, diuiti, diuite, diuites, diuites, diuitum, diuitibus, diuitibus. 93

Graus dos adjetivos e formação de advérbios Neste capítulo veremos como os adjetivos em latim também apresentam flexão de grau (comparativo e superlativo), bem como serão conhecidos os processos de formação dos advérbios em latim. Quanto aos graus do adjetivo, o latim admite duas maneiras de estabelecer essa relação: a analítica e a sintética. A forma analítica é aquela que expressa a comparação através do uso de mais de uma palavra e se dá, por exemplo, com os comparativos de igualdade, quando dizemos Petrus tam felix est quam Paulus “Pedro é tão feliz quanto Paulo”. A forma analítica também é encontrada em português, tanto no comparativo de igualdade quanto no de superioridade e inferioridade (“x é mais/menos ... que y”). Em latim, embora esse último também possa ser estabelecido com formas analíticas (magis/plus ... quam / minus ... quam), as formas preferenciais são as sintéticas, ou seja, aquelas que aplicam processos morfológicos aos adjetivos já existentes para que eles se flexionem em grau. Passemos aos dois tipos de flexão de grau dos adjetivos latinos.

A formação do comparativo dos adjetivos Qualquer adjetivo em latim pode receber as desinências de grau comparativo, que são basicamente -ius para os neutros no nominativo e acusativo singular ou -ior para as outras formas. A desinência de comparativo será acrescentada entre o tema do adjetivo e a desinência de caso. Assim, com um adjetivo como felix, por exemplo, teremos o seguinte padrão: Masc. e fem. sing. Nominativo felicior Acusativo

feliciorem

Neutro sing.

Masc. e fem. pl.

Neutro pl.

felicius

feliciores

feliciora

felicius

feliciores

feliciora

Genitivo

felicioris

feliciorum

Dativo

feliciori

felicioribus

Ablativo

feliciore

felicioribus

Graus dos adjetivos e formação de advérbios

As terminações dos casos para os adjetivos no grau comparativo seguem as terminações dos adjetivos de segunda classe. Isso acontecerá com todos os adjetivos que se flexionarem para o grau comparativo, mesmo se eles pertencerem à primeira classe no grau neutro. Ou seja, um adjetivo como diuinus, a, um (divino) terá suas formas de comparativo como as do quadro anterior, a saber: diuinior, diuiniorem, diuinioris etc. Desse modo, vemos que o processo de formação dos adjetivos no grau comparativo segue o seguinte processo: pega-se o adjetivo no grau neutro (de primeira ou de segunda classe), separa-se o tema (fazendo a retirada do -i ou do -is do genitivo singular), acrescenta-se o infixo -ior- (ou -ius para o neutro nominativo e acusativo singular) e, finalmente, as desinências de caso e número do paradigma da segunda classe (-em, -is, -i, -e, -es etc.). O processo resume-se da seguinte forma: TEMA + IOR + DESINÊNCIA DE ADJETIVOS DE SEGUNDA CLASSE Quanto ao significado, uma forma como felicior pode ser usada de dois modos, basicamente: isoladamente, significa “muito feliz”, “bastante feliz”, enquanto que, em composição com a forma quam (o nosso “que” da comparação), significa “mais feliz que”. Note que apenas o segundo uso é esperado quando se fala de uma forma “comparativa”. No entanto, o primeiro uso é bastante comum e é facilmente interpretável, uma vez que, além de faltar a forma quam, faltará o segundo elemento da comparação. Assim, as seguintes orações latinas exemplificam esses usos do comparativo: a) Petrus felicior est. “Pedro é muito feliz”. b) Petrus felicior est quam Paulus. “Pedro é mais feliz que Paulo”. É importante notar que, no segundo caso, temos a forma quam estabelecendo a relação entre dois termos x e y, Petrus e Paulus, e que ambos estão no mesmo caso, o nominativo. O caso poderia ser qualquer um, a depender da estrutura da sentença, mas o que se deve ter em mente é que, em uma estrutura de comparação, os dois termos que são comparados têm que estar no mesmo caso. Um outro exemplo ilustra essa questão: c) uideo seruum diuiniorem quam regem. “Eu vejo um escravo mais divino que um rei”.

96

Graus dos adjetivos e formação de advérbios

Aqui, percebemos que o caso acusativo é necessário apenas em virtude de que hominem, o núcleo da construção comparativa, é núcleo do objeto direto. Por isso ele leva o segundo termo da comparação e o adjetivo para o acusativo. Há um detalhe importante com relação ao uso do comparativo de relação: é possível trocar a construção “quam + segundo elemento no mesmo caso do primeiro” pela construção “segundo elemento no ablativo sem o quam”. Esse é o chamado uso comparativo do ablativo, e pode ser exemplificado pelas sentenças b e c, repetidas a seguir: d) Petrus feliciorem est Paulō. “Pedro é mais feliz que Paulo”. e) uideo seruum diuiniorem rege. “Eu vejo um escravo mais divino que o rei”.

A formação do superlativo dos adjetivos Assim como os comparativos, os superlativos latinos são formados através de um processo de infixação. O infixo básico de superlativo latino é o -issim- (ou -errimpara os adjetivos terminados em -er). No entanto, se os comparativos são formas adjetivas baseadas no paradigma dos adjetivos de segunda classe, os superlativos baseiam-se na primeira classe dos adjetivos. Segue o quadro com o mesmo adjetivo usado anteriormente: Masc. sing. Nominativo felicissimus

Fem. sing.

Neut. sing.

Masc. pl.

Fem. pl.

Neut. pl.

felicissima

felicissimum

felicissimi

felicissimae

felicissima

felicissimum

felicissimam

felicissimum

felicissimos

felicissimas

felicissima

Genitivo

felicissimi

felicissimae

felicissimi

felicissimorum felicissimarum felicissimorum

Dativo

felicissimo

felicissimae

felicissimo

felicissimis

Ablativo

felicissimo

felicissima

felicissimo

felicissimis

Acusativo

Fica claro, aqui, que o processo de flexão de grau cria um novo adjetivo cada vez que é aplicado. Se felix é um adjetivo de segunda classe quando está no grau normal, ele se transforma em um adjetivo de primeira classe quando está no superlativo. Por outro lado, um adjetivo como diuinus, a, um é da primeira classe no grau normal e no superlativo, mas não no comparativo. Por isso é tão importante aprender a distinção entre primeira e segunda classes de adjetivos,

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Graus dos adjetivos e formação de advérbios

uma vez que ela terá implicações importantes para processos morfológicos tão relevantes como o da flexão de grau. Podemos resumir a formação do superlativo da seguinte maneira: TEMA + ISSIM + DESINÊNCIA DE ADJETIVOS DE PRIMEIRA CLASSE Quanto ao sentido, uma forma como felicissimus pode significar, basicamente, duas coisas: “muitíssimo feliz/felicíssimo” ou “o mais feliz de todos os...”. Basicamente, os dois significados podem ser ilustrados pelas sentenças abaixo: a) Petrus felicissimus est. “Pedro está muitíssimo feliz/Pedro está felicíssimo”. b) Petrus felicissimus est omnium hominum. “Pedro é o mais feliz de todos os homens”. O primeiro sentido é bastante comum em português nas formas em -íssimo(a) que derivam claramente dessa mesma forma latina. No entanto, o segundo será estabelecido basicamente pela presença de um genitivo (no caso da sentença b, omnium hominum, “de todos os homens”), que estabelece o conjunto das coisas com relação às quais aquele elemento é modificado pelo adjetivo em relação a outra coisa ou alguém (o “alguma coisa” estabelece-se pelo sentido básico do adjetivo no superlativo). É importante perceber as diferenças importantes entre os comparativos e os superlativos em latim:  Os adjetivos na forma comparativa pertencem à declinação de segunda classe.  Os adjetivos na forma superlativa pertencem à declinação de primeira classe.  Os adjetivos comparativos constroem-se com a partícula quam para introduzir o segundo elemento da comparação.  Os adjetivos superlativos constroem-se com um genitivo que representa o conjunto de dentro do qual se seleciona a entidade denotada pelo substantivo modificado.

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Graus dos adjetivos e formação de advérbios

Comparativos e superlativos irregulares Assim como em português, alguns comparativos e superlativos são irregulares e não seguem o padrão do modelo de construção analítico (os exemplos incluem formas como “melhor” ao invés de “mais bom”, “pior” ao invés de “mais ruim” ou “menos bom” e assim por diante); em latim há adjetivos que são irregulares no modo como se constroem e, portanto, eles devem ser aprendidos separadamente. Segue o quadro dos adjetivos com os comparativos e superlativos irregulares mais importantes em latim: Adjetivo base

Comparativo

Superlativo

Tradução

bonus, a, um

melior, melioris

optimus, a, um

bom, melhor, o melhor/ótimo

malus, a, um

peior, peioris

pessimus, a, um

ruim, pior, o pior/péssimo

multus, a, um

plus, pluris

plurimus, a, um

muito, mais, o mais/a maior parte de

magnus, a, um

maior, maioris

maximus, a, um

grande, maior, o maior

paruus, a, um

minor, minoris

minimus, a, um

pequeno, menor, o menos

É curioso que a maioria das formas irregulares de adjetivos nos graus comparativo e superlativo tem formas que foram transmitidas quase que inalteradas para o português. Do sistema dos irregulares sobreviveram as formas sintéticas de comparativos e superlativos em português. As outras formas, como vimos, são expressas em português por perífrases (expressões com mais de uma palavra).

Advérbios regulares Advérbios são palavras que não sofrem nenhum tipo de flexão, são invariáveis e modificam o sentido de verbos, adjetivos e de outros advérbios ou de sentenças inteiras. Os seguintes exemplos incluem advérbios em latim: a) hodie Petrus dormit bene. “Hoje, Pedro dorme bem”. b) Petrus ualde felix est. “Pedro é muito feliz”. Em a, hodie é um advérbio que modifica toda a sentença, enquanto bene modifica a ideia do evento expresso pelo verbo dormit. Em b, ualde modifica o adjetivo felix, resultando em “muito feliz”, ao invés de apenas “felix”.

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Graus dos adjetivos e formação de advérbios

Muitos advérbios, como non “não”, sic “assim”, não são derivados de alguma outra palavra com sentido parecido. Mas há advérbios que são resultantes de um processo de sufixação: acrescentar -e ou -(i)ter ao tema de um adjetivo para transformá-lo em um advérbio. O mesmo se dá em português quando acrescentamos o sufixo -mente a adjetivos e criamos advérbios a partir desse processo. Exemplos em português são “estúpido” > “estupidamente” e “feliz” > “felizmente”. As explicações sobre a formação dos advérbios regulares em latim foram colocadas nesse ponto em virtude de dependerem da diferença entre adjetivos de primeira e de segunda classe. Assim, os advérbios formados de maneira regular continuam a marcar uma diferença clara entre as duas classes dos adjetivos, e tornam bastante didática a tentativa de deixar claro, através da exposição da importância dessas classes de adjetivos para a gramática latina como um todo, o modo como as duas classes têm influência sobre vários processos gramaticais (como acabamos de ver com a flexão de grau de adjetivos).

Advérbios em -e Os advérbios formados a partir do acréscimo do infixo -e ao tema do adjetivo são, em geral, derivados de adjetivos de primeira classe. Assim, vejamos uma pequena lista de advérbios em -e: “feliz” > “felizmente”

beatus, a, um > beate

miser, misera, miserum > misere diuinus, a, um > diuine

“miserável” > “miseravelmente”

“divino” > “divinamente”

Advérbios em -(i)ter Os advérbios formados a partir do acréscimo do infixo -(i)ter ao tema do adjetivo são, em geral, derivados de adjetivos da segunda classe. Vejamos alguns deles: felix, e > feliciter

“feliz” > “felizmente”

fortis, e > fortiter

“forte” > “fortemente”

celer, is, e > celeriter

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“rápido” > “rapidamente”

Graus dos adjetivos e formação de advérbios

Há, também, algumas exceções importantes a serem listadas: bonus, a, um > bene

“bom” > “bem”

paruus, a, um > paulum multus, a, um > multum

“pequeno” > “um pouco, ligeiramente, pequenamente” “muito (adj.)” > “muito (adv.)”

facilis, e > facile (e não faciliter)

“fácil” > “facilmente”

Texto complementar O seguinte trecho do romance Satyricon, de Petrônio1, nos traz duas breves histórias contadas no famoso “Banquete de Trimalquião”, um dos episódios que restaram dessa obra. O romance retrata as classes baixas de Roma no período de Nero, e nesse trecho tem-se dois narradores contando histórias de terror que soam bastante contemporâneas para nós. A primeira, uma típica história de lobisomem; a segunda, uma típica história de bruxaria. O romance como um todo é bastante fragmentário, mas, ainda assim, muito interessante e variado. (Petrônio, 2004)

Assim que disse essas palavras, contou a seguinte história: “Quando eu ainda era escravo, nós morávamos em Vicus Angustus, agora a casa pertence a Gavila. Aí, como os deuses assim o queriam, eu me tornei amante da esposa de Terêncio, o taberneiro. Vocês a conhecem, Melissa Tarentina, mulher pra ninguém botar defeito. Mas, por Hércules, eu não me aproximei dela por motivos materiais, ou por causa dos prazeres do sexo, mas porque ela era uma pessoa de muito bons costumes. Se eu pedi alguma coisa a ela, nunca me foi negado; se ela ganhou um centavo, eu recebi a metade; eu me entreguei de corpo e alma a ela e nunca fui enganado. O marido dela passou dessa para melhor em uma casa de campo. E, assim, eu fiz o possível e o impossível para chegar até ela, pois, como dizem, é nas horas difíceis que os amigos aparecem.

1

Gaius ou Titus Petronius Arbiter, autor de origem e biografia incertas, mas que deve ter vivido de 20 a 66 d.C., segundo a biografia que chegou a nós pelo historiador e biógrafo Tácito (56-117 d.C) nos seus Anais, foi aceito por Nero na corte, ocupou cargos públicos em Roma e nas províncias do Império, e foi condenado ao suicídio após ter sido acusado de envolvimento com uma conspiração para tirar o imperador do poder (conspiração que também foi responsável pelas mortes dos autores Sêneca e Lucano, contemporâneos de Petrônio e autores de extrema importância nesse período).

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Graus dos adjetivos e formação de advérbios

LXII – Por coincidência, meu senhor tinha ido a Cápua para se livrar de uns móveis usados. Eu, aproveitando a oportunidade, convenci o homem que nos hospedou a vir comigo por uns cinco quilômetros. A propósito, ele era um soldado, forte como o Orco. Sós, caminhamos até quase o cantar do galo; a lua iluminava como se fosse meio-dia. Nós chegamos a um cemitério: meu homem começou a andar entre as lápides; eu permaneci sentado, cantando, e fiquei contando as lápides. Logo depois, quando olhei para meu companheiro, ele tinha se despido e colocado todas as suas roupas à beira do caminho. Meu coração quase saiu pela boca; eu estava imóvel, tal como um morto. Mas ele mijou em volta de suas roupas e, de repente, transformou-se em um lobo. Não pensem que eu estou brincando; nem toda a fortuna do mundo faria com que eu mentisse. Mas, como eu estava dizendo, depois que se transformou em lobo, começou a uivar e fugiu para a floresta. No começo, eu não sabia nem onde eu estava; em seguida, eu me aproximei para pegar as roupas dele: elas, no entanto, se transformaram em pedra. Quem, senão eu, morreu de medo? Contudo, eu empunhei minha espada e cortei os galhos [que faziam sombras assustadoras], até que pudesse chegar à casa de minha amiga. Entrei feito um fantasma, quase sem respiração, o suor escorria abundantemente pelas duas bochechas, os olhos mortos; com muita dificuldade eu me refiz um pouco depois. Minha Melissa estranhou que eu tivesse ido lá tão tarde e disse: “Se você tivesse chegado antes, pelo menos teria nos ajudado; um lobo entrou aqui na casa e todas as cabeças de gado ele sangrou, como se fosse um açougueiro. Mas ele não ficou zombando de nós não, mesmo que tenha fugido, pois nosso escravo atravessou o pescoço dele com uma lança”. Quando eu ouvi essa história, não pude ficar com os olhos mais arregalados do que fiquei, mas, à luz do dia, fugi para a casa de nosso Gaio, como um taberneiro que tinha sido roubado; e quando cheguei àquele lugar em que as roupas tinham-se transformado em pedra, não encontrei nada, a não ser sangue. Porém, quando eu cheguei à casa dele, meu soldado jazia em uma cama, como um boi, e um médico cuidava de seu pescoço. Eu compreendi que ele era um lobisomem e, depois disso, não consegui comer nem um pedaço de pão na casa dele, nem se ele me quisesse matar por causa disso. Cada um que faça sua avaliação sobre essa história; se eu estou mentindo, quero que os gênios protetores de todos vocês se voltem contra mim”. LXIII – Enquanto todos estavam paralisados pelo espanto, Trimalquião disse: “Eu dou crédito à sua palavra, se alguém duvida que haja verdade no 102

Graus dos adjetivos e formação de advérbios

que você contou, pois eu fiquei todo arrepiado, porque eu sei que Nicerote não fica contando lorotas por aí. Muito pelo contrário, ele é de confiança e não é tagarela. E agora eu também contarei uma história horripilante para vocês, tão inacreditável como um asno no telhado. Quando eu ainda tinha cabelos compridos, pois desde criança levei uma vida mansa, o queridinho do senhor de nossa casa morreu. Por Hércules, ele era uma pérola, [perfeito] em todos os sentidos. Então, quando sua pobre mãezinha chorava por ele e muitos de nós também compartilhavam de sua tristeza, subitamente, bruxas começaram a fazer um barulho estridente; a gente podia pensar que era um cachorro perseguindo uma lebre. Naquela época, nós tínhamos um homem da Capadócia, alto, muito corajoso e forte: conseguia carregar um touro bravo. Ele corajosamente avançou para fora, espada em punho, com a mão esquerda cuidadosamente protegida, e atravessou uma daquelas mulheres bem no meio, como se fosse neste lugar aqui – que o meu que eu estou mostrando esteja a salvo! Nós ouvimos um gemido, mas – é claro que eu não vou mentir – ver as bruxas nós não vimos. Porém, nosso corajoso imbecil, acuado, projetou-se sobre uma cama e seu corpo estava todo da cor de chumbo, como se tivesse sido ferido por chicotadas, evidentemente porque uma mão funesta tinha tocado nele. Nós, com a porta fechada, retomamos novamente nossas obrigações, mas, no momento em que a mãe quis abraçar o corpo de seu filho, ela o tocou e viu um feixe de palha. Não tinha coração, nem intestino, nem nada: é claro que as bruxas já tinham se apoderado do menino e posto em seu lugar um boneco de palha. Por favor, vocês precisam acreditar em mim, existem mulheres que sabem demais, existem feiticeiras que agem nas trevas e o que está em cima elas põem abaixo. De resto, aquele imbecil grandalhão, depois do acontecido, jamais recuperou sua cor. Muito pelo contrário, poucos dias depois, morreu debatendo-se”. LXIV – Nós ficamos assombrados e igualmente acreditamos e, beijando a mesa, pedimos às feiticeiras que ficassem em casa, até que nós voltássemos do jantar.

Dica de estudo Não Perca o Seu Latim, de Paulo Rónai, Editora Nova Fronteira. Neste livro encontram-se muitas frases latinas traduzidas e comentadas que ajudarão nesse itinerário de aprendizagem da língua latina. 103

Graus dos adjetivos e formação de advérbios

Atividades 1. Traduza as seguintes orações: a) aquila ferocior est quam columba.

b) animalia ignariores quam homines sunt.

c) pueri fortiores quam puellae sunt.

d) nauigamus per mare ingentissimum.

e) equus nobilissimus est omnium animalium.

f) feroces praedones male aggrediunt urbem claram.

g) uxor grauiter uirō bona uerba dicit.

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Graus dos adjetivos e formação de advérbios

2. Complete o quadro com os adjetivos a seguir nos graus comparativo e superlativo e forme o advérbio. Adjetivo

Comparativo

Superlativo

Advérbio

diuinus

diuinior, is

diuinissimus, a, um

diuine

fortis

fortior, is

fortissimus, a, um

fortissime

nobilis diues tutus beatus

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______ . Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______ . Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PETRÔNIO. Satyricon. Edição Bilingue. Tradução e Posfácio de: BIANCHET, Sandra Braga. Belo Horizonte: Crisálida, 2004. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. 105

Graus dos adjetivos e formação de advérbios

REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. a) A águia é mais feroz que a pomba. b) Os animais são mais ignorantes que os homens. c) Meninos são mais fortes que meninas. d) Navegamos por um mar enorme. e) O cavalo é o mais nobre dos animais. f) Piratas ferozes atacam de forma má a famosa cidade. g) A esposa diz palavras boas gravemente ao marido. 2. nobilior, is

nobilissimus, a, um

nobiliter

diuitior, is

diuitissimus, a, um

diuiniter

tutior, is

tutissimus, a, um

tute

beatissimus, a, um

beate



beatior, is

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Graus dos adjetivos e formação de advérbios

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A estrutura do verbo latino Nesta aula serão estudadas as categorias gramaticais relacionadas aos verbos em latim, ou seja, o número, a pessoa, a voz, o modo, o tempo e o aspecto. Veremos quais são essas categorias e como se realizam. Além disso, iniciaremos o estudo das conjugações verbais como paradigmas aos quais os verbos pertencem, dependendo da estrutura do seu radical.

Características morfológicas dos verbos em latim Os verbos em latim funcionam de maneira bastante parecida com os verbos em português. Há uma base temática (radical e, às vezes, vogal temática, como ama- do verbo “amar” em português) que carrega o significado básico do verbo, a que se seguem uma eventual vogal de ligação, infixos específicos de tempo, aspecto, modo e voz (como o infixo -va do imperfeito no português) e as desinências número-pessoais, que carregam a informação de pessoa (primeira, o locutor, segunda, o interlocutor, ou terceira, aquele de quem se fala) e de número (singular ou plural); exemplos de desinências número-pessoais em português seriam -s para a segunda do singular (“amas”) e -mos para a primeira do plural (“amamos”). Conheceremos as formas dos verbos latinos aos poucos, tentando dar conta da maior parte do sistema verbal que caiba nos limites realistas de tempo, espaço e profundidade que precisamos impor a este material.

As conjugações Assim como os nomes latinos sofrem o mecanismo de flexão morfológica que chamamos de declinação, conjugação é o mecanismo de flexão morfológica dos verbos, responsável por nos dizer, de cada forma verbal, a qual número, pessoa, modo, voz, tempo e aspecto o verbo faz referência. Conheceremos essas categorias gramaticais aos poucos. Comecemos pela

A estrutura do verbo latino

questão mais básica de como os verbos se classificam em paradigmas diferentes de acordo com a conjugação. Os gramáticos latinos estabeleceram basicamente quatro paradigmas de conjugação verbal, com base nas diferenças entre os temas dos verbos em latim. Em português, as conjugações são três: em -a-, em -e- e em -i-, ou seja, a de verbos como “amar”, “comer” e “dormir”. Essas três conjugações estavam presentes em latim, mas havia ainda uma outra, a conjugação dos verbos com tema em consoante. A tradição também estabeleceu uma subconjugação derivada da conjugação consonantal, mas que tem muitas formas parecidas com as da conjugação de temas em -i-, que chamaremos aqui de conjugação mista. Vejamos uma listagem das conjugações com o verbo básico que usaremos de exemplo:  Primeira conjugação – temas em -a-: am-o, ama-s, amau-i, amat-um, amāre1 “amar”.  Segunda conjugação – temas em -e-: habe-o, habe-s, habu-i, habit-um, habē-re “ter”.  Terceira conjugação – temas consonantais: dic-o, dic-i-s2, dix-i, dict-um, dicĕ-re “dizer”.  Quarta conjugação – temas em -i-: audi-o, audi-s, audiu-i, audit-um, audīre “ouvir”.  Conjugação mista – temas consonantais: capi-o, capi-s, cep-i, capt-um, capĕre “pegar, capturar”. Dessas informações, facilmente encontráveis nos dicionários para qualquer verbo latino, o que deve ser aprendido antes de qualquer coisa é o modo de identificar a conjugação de um verbo. Os verbos em latim são enunciados pela primeira pessoa do singular do presente do indicativo, e não pelo infinitivo, 1

Daremos aqui a entrada do verbo nas seguintes formas: primeira pessoa do singular do presente do indicativo, segunda pessoa do singular do presente do indicativo, primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo, supino/particípio perfeito e infinitivo presente. Com essas formas, como veremos adiante, seremos capazes de derivar todas as outras formas possíveis dos verbos latinos. Em geral, os dicionários apresentam os verbos com essas formas listadas, nessa ordem (eventualmente sem a segunda do singular). Os hífens servem apenas para fins didáticos, eles não são parte das palavras latinas. 2 O -i- aqui é uma vogal breve que serve apenas para ligar o tema consonantal à desinência que o segue.

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A estrutura do verbo latino

como em português. No entanto, as primeiras pessoas singulares do presente do indicativo são construídas com uma desinência -o que às vezes mascara algumas características dos verbos e, para conhecermos com toda a certeza a conjugação a que o verbo pertence, precisaremos conhecer também o infinitivo do referido verbo. Com esses dois elementos, não restarão dúvidas quanto a que conjugação um verbo pertence. Vejamos o quadro a seguir, que contém apenas a primeira pessoa do singular do presente do indicativo e o infinitivo presente dos verbos das cinco conjugações. Primeira conjugação

amo

amāre

amar

Segunda conjugação

habeo

habēre

ter

Terceira conjugação

dico

dicĕre

dizer

Quarta conjugação

audio

audīre

ouvir

Conjugação mista

capio

capĕre

capturar

As sílabas em negrito no infinitivo são as sílabas que recebem o acento principal. Como se pode perceber, o acento na penúltima é motivado pela vogal longa. Olhando com atenção, podemos perceber que a vogal longa aparece nas conjugações vocálicas, ou seja, na primeira, segunda e quarta. As vogais breves -ĕ- dos infinitivos da terceira conjugação e da conjugação mista são vogais de ligação entre o tema e a desinência -re, o que causa o deslocamento do acento principal para a antepenúltima. Assim, há uma separação clara entre conjugações vocálicas e consonantais, que percebemos no infinitivo. Isso também nos mostra claramente que, embora muitas formas da quarta conjugação e da conjugação mista pareçam iguais, isso acontece apenas por uma anomalia no sistema verbal, pois, na verdade, a conjugação mista é como uma parte da terceira conjugação, o que, mais uma vez, fica claro ao olharmos para o seu infinitivo. Outra questão, a princípio problemática, que se resolve no cruzamento do infinitivo com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo, é a aparente igualdade de construção dos verbos da primeira e da terceira conjugação, que têm primeira pessoa em -o, sem vogal temática (am-o e dic-o, contra habe-o e audi-o). Com o infinitivo, torna-se claro que amā-re e dicĕ-re fazem parte de conjugações diferentes. Portanto, o estudo cuidadoso do quadro anterior nos capacitará a aprender inequivocamente a conjugação de qualquer verbo em latim.

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A estrutura do verbo latino

Os tempos O verbo latino flexiona-se em tempo (presente, passado e futuro) e em aspecto (eventos concluídos ou pontuais, ou seja, perfectivos, e não concluídos ou durativos, ou seja, imperfectivos). Há uma separação entre formas verbais de aspectos imperfectivos e perfectivos, que resulta em um sistema verbal com os seguintes tempos principais: Tempos principais da voz ativa – infectum

Tempos principais da voz ativa – perfectum

Presente

amo, amat, amamus...

amo, ama, amamos

(pretérito) Perfeito

amaui, amauisti...

amei, amaste

(pretérito) Imperfeito

amabam, amabas,...

amava, amavas

(pretérito) Mais-que-perfeito

amaueram, amaueras...

amara, tinha amado

Futuro do presente

amabo, amabit...

amarei, amará

Futuro do pretérito

amauero, amaueris...

terei amado, terás amado

Os três tempos do lado esquerdo do quadro são os chamados tempos do sistema verbal infectum em latim, pois são imperfectivos quanto ao aspecto e se formam com o radical verbal chamado radical do presente (ama-, habe-, dic(ĕ)-, audi- e cap(ĕ)-), que conseguimos ao subtrair o -re do infinitivo presente. Os tempos da metade direita do quadro são os chamados tempos do perfectum, pois são perfectivos quanto ao aspecto e são formados a partir do radical do perfeito (amau-, habu-, dix-, audiu- e cep-). O radical do perfeito é idiossincrático3, ou seja, cada verbo apresenta o seu radical de perfeito, a princípio, sem regras predeterminadas para sua formação. Por isso o dicionário apresenta também o radical de perfeito na entrada de cada verbo. Todos os verbos possuem dois radicais diferentes, um de infectum e um de perfectum, além de um terceiro, aquele que forma os particípios e alguns tempos verbais analíticos (formados por particípio + verbo auxiliar), que é chamado de radical de supino (que também pode ser conseguido na entrada lexical dos verbos nos dicionários). Agora, para podermos prosseguir é necessário falar das desinências número-pessoais. Além dos três radicais básicos dos verbos, para podermos construir qualquer forma de qualquer tempo, voz ou modo verbal, é preciso conhecer os possíveis conjuntos de desinências número-pessoais. O quadro a seguir sistematiza as desinências número-pessoais: 3

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Individual e particular de cada verbo, imprevisível segundo regras gerais.

A estrutura do verbo latino

Número e pessoa

Tempos do indicativo e Tempos do indicativo subjuntivo na voz ativa e subjuntivo na voz passiva

Perfeito do indicativo ativo

1.ª pessoa do singular

-o ou -m

-or ou -r

-i

2.ª pessoa do singular

-s

-ris

-isti

3.ª pessoa do singular

-t

-tur

-it

1.ª pessoa do plural

-mus

-mur

-imus

2.ª pessoa do plural

-tis

-mini

-istis

3.ª pessoa do plural

-nt

-ntur

-ērunt ou -ēre

Esse quadro resume praticamente todas as possibilidades de desinências número-pessoais dos verbos latinos. Há algumas formas de tempos passivos no perfectum que são construídas com o particípio perfeito ou futuro com um verbo “ser” flexionado como auxiliar. Veremos essas formas oportunamente. Tirando essas últimas, todos os tempos, vozes e modos latinos podem ser construídos, bastando que saibamos qual radical deve ser usado (presente/infectum, perfeito/perfectum ou supino/particípio), qual dos três conjuntos de desinências número-pessoais deve ser usado, e que infixo modo-temporal deve ser colocado entre o radical e a desinência número-pessoal. Quando os quadros das conjugações forem apresentados, preste atenção a esses três fatores da construção de cada tempo em cada modo e em cada voz, e você verá facilmente os mecanismos regulares de construção verbal atuando.

As vozes Diferentemente do português, que constrói a voz passiva sempre com formas analíticas (particípio mais verbo auxiliar), o latim, em vários tempos, constrói a voz passiva sinteticamente, ou seja: através de desinências número-pessoais específicas de voz passiva. Falaremos mais sobre a voz passiva adiante, mas, aproveitando o quadro de desinências número-pessoais apresentado anteriormente,

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A estrutura do verbo latino

já é possível identificar, por exemplo, como seriam construídas as vozes passivas dos tempos principais: Tempos principais da voz ativa – infectum

Tempos principais da voz passiva – infectum

Presente ativo

amo, amat, amamus...

amo, ama, amamos

Presente passivo

amor, amatur, amamur...

sou amado, é amado, somos amados

(pretérito) Imperfeito ativo

amabam, amabas,...

amava, amavas

(pretérito) Imperfeito ativo

amabar, amabaris...

era amado, eras amado

Futuro do presente ativo

amabo, amabit...

amarei, amará

Futuro do presente passivo

amabor, amabitur...

serei amado, será amado

Como se pode perceber pelas desinências em negrito, a voz passiva é formada basicamente pela mudança da desinência número-pessoal. Esse tipo de flexão de voz passiva se perdeu em português.

Os modos Há em latim quatro modos: o indicativo, ligado à denotação de eventos tidos como factuais, “reais”; o subjuntivo, que carrega os significados básicos de irrealidade, hipótese, desejo; o imperativo, modo responsável pelas ordens; e o infinitivo, a forma verbal sem tempo nem pessoa. Não haverá espaço para tratarmos dos modos individualmente, mas na apresentação das conjugações, que iniciaremos a seguir, haverá a indicação das formas de todos os modos.

Primeira conjugação verbal Na apresentação das conjugações verbais, veremos os tempos principais no indicativo e no subjuntivo, além das formas de infinitivo e imperativo, todos na voz ativa.

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A estrutura do verbo latino

Exemplo de primeira conjugação na voz ativa: amo, amas, amāre, amaui, amatum “amar”. Perfeito do indicativo: “amei, amaste...”

Presente do Perfeito do subjuntivo: subjuntivo4: “ame, ames...” “tenha amado”

1.ª pessoa do amo singular

amāui

amem

amauĕrim

2.ª pessoa do amas singular

amauisti

ames

amauĕris

3.ª pessoa do amat singular

amāuit

amet

amauĕrit

1.ª pessoa do amāmus plural

amauĭmus

amēmus

amauerĭmus

2.ª pessoa do amātis plural

amauistis

amētis

amauerĭtis

3.ª pessoa do amant plural

amauērunt / amauēre

ament

amauĕrint

Presente do indicativo: “amo, amas...”

Imperfeito Mais-que-perfeito do indicativo: do indicativo: “amava, “tinha amado, amavas...” amara...”

Imperfeito do subjuntivo: “amasse, amaria...”

Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse amado, teria amado...”

1.ª pessoa do amābam singular

amauĕram

amārem

amauissem

2.ª pessoa do amābas singular

amauĕras

amāres

amauisses

3.ª pessoa do amābat singular

amauĕrat

amāret

amauisset

4

O perfeito do subjuntivo é um tempo que não apresenta correlação direta com nenhum tempo específico do português, e que, em latim, é usado ou com um sentido de subjuntivo jussivo/desiderativo aoristo, ou seja, com um tempo indeterminado (algo como: amauerim = “que eu ame!”) ou como tempo relativo em estruturas de subordinação, como a maioria dos casos de subjuntivo.

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A estrutura do verbo latino

Imperfeito do Mais-que-perfeito Imperfeito do indicativo: do indicativo: subjuntivo: “amasse, ama“amava, ama“tinha amado, ria...” vas...” amara...”

Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse amado, teria amado...”

1.ª pessoa do amabāmus plural

amauerāmus

amarēmus

amauissēmus

2.ª pessoa do amabātis plural

amauerātis

amarētis

amauissētis

3.ª pessoa do amābant plural

amauĕrant

amārent

amauissent

Futuro perfeito do indicativo: “terei amado, terás amado...”

Infinitivo presente: amāre “amar”

amauĕro

Infinitivo perfei- ama “ama tu” to: amauisse “ter amāte “amai vós” amado”

2.ª pessoa do amābis singular

amauĕris

Infinitivo futuro: amaturus, a, um esse “estar por amar”

Particípio perfeito: amatus, a, um “amado, aquele que foi amado”

3.ª pessoa do amābit singular

amauĕrit

Gerúndio5 (acusativo): amandum

Particípio presente: amans, amantis “o que ama, amante”

amauerĭmus

Gerúndio (genitivo): amandi

Particípio futuro: amaturus, a, um “o que está por amar”

2.ª pessoa do amabĭtis plural

amauerĭtis

Gerúndio (dativo): amando “para amar”

Gerundivo: amandus, a, um “para ser amado, a ser amado”

3.ª pessoa do amābunt plural

amauĕrint

Gerúndio (ablativo): amando “por amar”

Futuro do indicativo: “amarei, amarás...” 1.ª pessoa do amābo singular

1.ª pessoa do amabĭmus plural

Imperativo presente

Supino: amatum “para amar”

5 O gerúndio nada mais é, em latim, que a forma flexionada do infinitivo nos outros casos (o infinitivo é a forma de “nominativo”, ou seja, é o sujeito de uma nominalização verbal), por isso a tradução vai depender fortemente do contexto.

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A estrutura do verbo latino

Segue uma lista de verbos comuns da primeira conjugação: ambulo “atravessar, andar” celo “esconder, esconder-se” clamo ”gritar” cogito “pensar, considerar” do, dāre, dedi, datus “dar” dono “doar” dubito “duvidar, hesitar” habito “habitar, morar” iuuo, iuuāre, iuui, iutus ”ajudar” laboro “trabalhar” loco “colocar, pôr” monstro “mostrar, demonstrar” muto “mudar” neco “matar” nego “negar, dizer (que) não” nuntio ”anunciar” opto “escolher, desejar, optar” oro “implorar, orar” paro “preparar” porto “carregar, transportar” pugno “lutar” sto, stare, steti, staturus “estar em pé” voco “chamar, convocar”

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A estrutura do verbo latino

Segunda conjugação verbal Exemplo de segunda conjugação na voz ativa: habeo, habes, habēre, habui, habitus “ter” Presente do indicativo: “tenho, tens...”

Presente do subjuntivo: “tenha, tenhas...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha tido”

1.ª pessoa do habeo singular

habui

habeam

habuĕrim

2.ª pessoa do habes singular

habuisti

habeas

habuĕris

3.ª pessoa do habet singular

habuit

habeat

habuĕrit

1.ª pessoa do habemus plural

habuĭmus

habeāmus

habuerĭmus

2.ª pessoa do habetis plural

habuistis

habeātis

habuerĭtis

3.ª pessoa do habent plural

habuērunt habuēre

habeant

habuĕrint

Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha tido, tivera...”

Imperfeito do subjuntivo: “tivesse, teria...”

Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse tido, teria tido...”

1.ª pessoa do habēbam singular

habuĕram

habērem

habuissem

2.ª pessoa do habēbas singular

habuĕras

habēres

habuisses

Imperfeito do indicativo: “tinha, tinhas...”

118

Perfeito do indicativo: “tive, tiveste...”

/

A estrutura do verbo latino

3.ª pessoa do habēbat singular

habuĕrat

habēret

habuisset

Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha tido, tivera...”

Imperfeito do subjuntivo: “tivesse, teria...”

Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse tido, teria tido...”

1.ª pessoa do habebāmus plural

habuerāmus

haberēmus

habuissēmus

2.ª pessoa do habebātis plural

habuerātis

haberētis

habuissētis

3.ª pessoa do habēbant plural

habuĕrant

habērent

habuissent

Imperfeito do indicativo: “tinha, tinhas...”

Futuro do indicativo: “terei, terás...”

Futuro perfeito do indicativo: “terei tido, terás tido...”

Infinitivo presente: habēre “ter”

Imperativo presente

habuĕro

Infinitivo perfeito: habuisse “ter tido”

habe “tem tu” habēte “tenhai vós”

habuĕris

Infinitivo futuro: habiturus, a, um esse “estar por ter”

Particípio perfeito: habitus, a, um “tido, aquele que foi tido”

habuĕrit

Gerúndio (acusativo): habendum “ter”

Particípio presente: habens, habentis “o que tem”

1.ª pessoa do habebĭmus plural

habuerĭmus

Gerúndio (genitivo): habendi “de ter”

Particípio futuro: habiturus, a, um “o que está por ter”

2.ª pessoa do habebĭtis plural

habuerĭtis

Gerúndio (dativo): habendo “para ter”

Gerundivo: habendus, a, um “para ser tido, a ser tido”

3.ª pessoa do habēbunt plural

habuĕrint

Gerúndio (ablativo): habendo “por ter”

1.ª pessoa do habēbo singular 2.ª pessoa do habēbis singular

3.ª pessoa do habēbit singular

Supino: habitum “para ter”

119

A estrutura do verbo latino

Segue uma lista de verbos comuns da segunda conjugação: appareo, apparere, apparui, apparitus “aparecer” careo, carere, carui, caritus “carecer, estar sem, faltar” debeo, debere, debui, debitus “dever” fleo, flere, flexi, fletus “chorar” maneo, manere, mansi, mansus “permanecer” moneo, monere, monui, monitus “aconselhar, avisar” moueo, mouere, moui, motus “mover” pareo, parere, parui, paritus “obedecer” placeo, placere, placui, placitus “aprazer a, ser agradável” a (+ dativo) respondeo, respondere, respondi, responsus “responder” sedeo, sedere, sedi, sessus “sentar-se” taceo, tacere, tacui, tacitus “calar-se” teneo, tenere, tenui, tentus “ter (em mãos), segurar, manter” terreo, terrere, terrui, territus “aterrorizar-se” timeo, timere, timui, –, “temer, ter medo de” uideo, uidere, uidi, uisus “ver”

Texto complementar No Canto IV da Eneida de Virgílio, do qual tiramos o trecho a seguir, conhecemos a história trágica do amor entre Dido, rainha de Cartago, e Enéias, sobrevivente troiano que deverá fundar Roma. Dido e Enéias, ambos viúvos, veem-se reféns de um amor motivado pelos deuses, e o amor de Dido. Ela,

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A estrutura do verbo latino

cada vez mais incapaz de controlar seus sentimentos, é retratada no trecho a seguir como enlouquecida de amor. Ó ciência vã dos agouros! Quê somam delubros e votos para os delírios do amor? Enquanto isso, a medula enlanguesce e no imo peito a ferida se alastra sem ser pressentida. Arde a Rainha infeliz, vaga insana por toda a cidade, sem rumo certo, tal como veadinha nos bosques de Creta que o caçador transfixou com uma flecha, sem que ele consciência então tivesse do fato. O volátil caniço ali fica; corre a coitada, vencendo florestas do Dicte e arvoredos, mas sempre ao lado encravada sentindo a fatal mensageira. Ora percorre as muralhas com o cabo de guerra troiano, mostra-lhe o burgo nascente, a famosa opulência dos tírios, ora começa a falar e interrompe no meio o discurso; novos banquetes lhe apresta no fim da jornada, à noitinha. No seu delírio, outra vez quer ouvir os desastres de Troia; pende da boca outra vez do orador eloquente e bem posto. Pouco depois, separados no ponto em que a lua nos priva do claro lume e ao repouso as cadentes estrelas convidam, geme por ver-se sozinha na sala; no leito se deita que ele ocupara; na ausência do amado ainda o vê, ainda o escuta, retém a Ascânio no colo, na imagem paterna se embebe, por esse modo pensando iludir a paixão absorvente. Inacabadas, as torres pararam; não mais se exercitam moços esbeltos nos jogos da guerra, na faina dos portos; interrompidas as obras, o céu das ameaças descansa; por acabar as ameias, merlões, toda a fábrica altiva. (Eneida, IV, 65-90)

Dica de estudo Consulte em diferentes gramáticas as explicações que os autores dão para o sistema verbal latino.

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A estrutura do verbo latino

Atividades 1. Descreva todas as informações possíveis dos verbos a seguir, conforme o exemplo: monstrabant: terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo do verbo monstro: “eles/elas mostravam”. a) celaremus:

b) locat:

c) respondi:

d) uidebimus:

e) seduit:

f) mansissem:

g) flexeratis:

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A estrutura do verbo latino

h) pugnant:

i) dedisti:

j) apparere:

2. Traduza as seguintes orações para o português. a) puer in ciuitate magna habitat.

b) mihi non placet laborare.

c) Petrus Paulō respondit cum uerba mala.

d) femina cenam ingentem parabit.

e) sapientes philosophos uir uetus non uidet.

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A estrutura do verbo latino

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993. VIRGÍLIO. Eneida. Tradução de: NUNES, Carlos Alberto. Brasília: Ed. UnB; São Paulo: A Montanha, 1983.

Gabarito 1. a) celaremus: 1pp imperf. subj. b) locat: 3ps pres. indic. 124

A estrutura do verbo latino

c) respondi: 1ps perfeito indic. d) uidebimus: 1pp futuro indic. e) seduit: 3ps perfeito indic. f) mansissem: 1ps mais-que-perf. subj. g) flexeratis: 2pp mais-que-perf. indic. h) pugnant: 3pp pres. indic. i) dedisti: 2ps perf. indic. j) apparere: infinitivo pres. 2. a) puer in ciuitate magna habitat (O menino mora na cidade grande). b) mihi non placet laborare (Não me apraz trabalhar / Não gosto de trabalhar). c) Petrus Paulō respondit cum uerba mala (Pedro respondeu a Paulo com palavras más). d) femina cenam ingentem parabit (A mulher preparará um jantar enorme). e) sapientes philosophos uir uetus non uidet (O homem velho não vê os filósofos sábios).

125

Aprofundamento da morfologia verbal latina Neste capítulo serão apresentados verbos da terceira conjugação, de tema consonantal, da quarta conjugação, de tema em i, e os da chamada conjugação mista, que, embora sejam basicamente verbos da terceira conjugação, se apresentam parecidos com verbos da quarta conjugação em alguns tempos. Além disso, veremos a conjugação dos verbos irregulares mais importantes.

Terceira conjugação verbal Os verbos da terceira conjugação possuem temas consonantais e, por isso, têm infinitivos presentes ativos em -ĕre. O ĕ serve de vogal que liga o radical de final consonantal ao -re, por isso não se trata de um ē como o da segunda conjugação, que constitui uma vogal temática, a marca da segunda conjugação. Vejamos o quadro com as formas da voz ativa dos verbos da terceira conjugação. dico, dicis, dicĕre, dixi, dictum “dizer” Presente do indicativo: “digo, dizes...”

Perfeito do indicativo: “disse, disseste...”

Presente do subjuntivo: “diga, digas...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha dito”

1.ª pessoa do singular

dico

dixi

dicam

dixĕrim

2.ª pessoa do singular

dicis

dixisti

dicas

dixĕris

3.ª pessoa do singular

dicit

dixit

dicat

dixĕrit

1.ª pessoa do plural

dicimus

dixĭmus

dicamus

dixerĭmus

2.ª pessoa do plural

dicitis

dixistis

dicatis

dixerĭtis

3.ª pessoa do plural

dicunt

dixērunt / dixēre

dicant

dixĕrint

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Imperfeito do indicativo: “dizia, dizias...”

Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha dito, dissera...”

Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse dito, teria dito...”

1.ª pessoa do singular

dicebam

dixĕram

dicerem

dixissem

2.ª pessoa do singular

dicebas

dixĕras

diceres

dixisses

3.ª pessoa do singular

dicebat

dixĕrat

diceret

dixisset

1.ª pessoa do plural

dicebāmus

dixerāmus

dicerēmus

dixissēmus

2.ª pessoa do plural

dicebātis

dixerātis

dicerētis

dixissētis

3.ª pessoa do plural

dicebant

dixĕrant

dicerent

dixissent

Futuro do indicativo: “direi, dirás...”

Futuro perfeito do indicativo: “terei dito, terás dito...”

Infinitivo presente: dicĕre “dizer”

dicam

dixĕro

Infinitivo perfeito: dixisse “ter dito”

dic “diz tu” dicite “dizei vós”

dices

dixĕris

Infinitivo futuro: dicturus, a, um esse “estar por dizer”

Particípio perfeito: dictus, a, um “dito, que foi dito”

dicet

dixĕrit

Gerúndio (acusativo): dicendum

Particípio presente: dicens, dicentis “que diz”

dicemus

dixerĭmus

Gerúndio (genitivo): dicendi

Particípio futuro: dicturus, a, um “que está por dizer”

dicetis

dixerĭtis

Gerúndio (dativo): dicendo “para dizer”

Gerundivo: dicendus, a, um “para ser dito, a ser dito”

dicent

dixĕrint

Gerúndio (ablativo): dicendo “por dizer”

Supino: dictum “para dizer”

1.ª pessoa do singular 2.ª pessoa do singular

3.ª pessoa do singular

1.ª pessoa do plural

2.ª pessoa do plural 3.ª pessoa do plural

128

Imperfeito do subjuntivo: “dissesse, diria...”

Imperativo presente

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Segue uma lista de verbos comuns da terceira conjugação: ago, agere, egi, actus “agir” cano, canere, cecini, cantus “cantar” cado, cadere, cecidi, casus “cair” cresco, crescere, crevi, creturus “crescer” curro, currere, cucurri, cursus “correr” duco, ducere, duxi, ductus “conduzir” frango, fangere, fregi, fractus “quebrar” gero, gerere, gessi, gestus “gerir, conduzir” lego, legere, lexi, lectus “selecionar, ler” mitto, mittere, misi, missus “enviar, mandar” pono, ponere, posui, positus “pôr” scribo, scribere, scripsi, scriptus “escrever”

Quarta conjugação verbal Os verbos da quarta conjugação são os de tema em i, ou seja, são os que reconheceremos pelo infinitivo em -īre. Vejamos o quadro com a conjugação das formas ativas dos verbos dessa conjugação. audio, audis, audīre, audiui, auditum “ouvir” Presente do indicativo: “ouço, ouves...”

Perfeito do indicativo: “ouvi, ouviste...”

Presente do subjuntivo: “ouça, ouças...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha ouvido”

1.ª pessoa do singular

audio

audiui

audiam

audiuĕrim

2.ª pessoa do singular

audis

audiuisti

audias

audiuĕris

3.ª pessoa do singular

audit

audiuit

audiat

audiuĕrit

129

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Presente do indicativo: “ouço, ouves...”

Perfeito do indicativo: “ouvi, ouviste...”

Presente do subjuntivo: “ouça, ouças...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha ouvido”

1.ª pessoa do plural

audīmus

audiuĭmus

audiāmus

audiuerĭmus

2.ª pessoa do plural

audītis

audiuistis

audiātis

audiuerĭtis

3.ª pessoa do plural

audiunt

audiuērunt / audiuēre

audiant

audiuĕrint

Imperfeito do indicativo: “ouvia, ouvias...”

Mais-queperfeito do indicativo: “tinha ouvido, ouvira...”

Imperfeito do subjuntivo: “ouvisse, ouviria...”

Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse ouvido, teria ouvido...”

1.ª pessoa do singular

audiebam

audiuĕram

audirem

audiuissem

2.ª pessoa do singular

audiebas

audiuĕras

audires

audiuisses

3.ª pessoa do singular

audiebat

audiuĕrat

audiret

audiuisset

1.ª pessoa do plural

audiebāmus

audiuerāmus

audirēmus

audiuissēmus

2.ª pessoa do plural

audiebātis

audiuerātis

audirētis

audiuissētis

3.ª pessoa do plural

audiebant

audiuĕrant

audirent

audiuissent

Futuro do indicativo: “ouvirei, ouvirás...” 1.ª pessoa do singular 2.ª pessoa do singular

3.ª pessoa do singular

130

audiam

audies

audiet

Futuro perfeito do indicativo: “terei ouvido, terás ouvido...”

Infinitivo presente: audīre “ouvir”

Imperativo presente

audiuĕro

Infinitivo perfeito: audiuisse “ter ouvido”

audi “ouve tu” audīte “ouvi vós”

audiuĕris

Infinitivo futuro: auditurus, a, um esse “estar por ouvir”

Particípio perfeito: auditus, a, um “que foi ouvido”

audiuĕrit

Gerúndio (acusativo): audiendum “ouvir/para ouvir”

Particípio presente: audiens, audientis “que ouve, ouvinte”

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Futuro do indicativo: “ouvirei, ouvirás...” 1.ª pessoa do plural

audiēmus

Futuro perfeito do indicativo: “terei ouvido, terás ouvido...”

Infinitivo presente: audīre “ouvir”

Imperativo presente

audiuerĭmus

Gerúndio (genitivo): audiendi “de ouvir”

Particípio futuro: auditurus, a, um “que está por ouvir” Gerundivo: audiendus, a, um “para ser ouvido, a ser ouvido” Supino: auditum “para ouvir”

2.ª pessoa do plural

audiētis

audiuerĭtis

Gerúndio (dativo): audiendo “para ouvir”

3.ª pessoa do plural

audient

audiuĕrint

Gerúndio (ablativo): audiendo “por ouvir”

Segue uma lista de verbos comuns da quarta conjugação: aperio, aperire, aperui, apertus “abrir” dormio, dormire, dormiui, dormitus “dormir” scio, scire, sciui, scitus “saber, conhecer” sentio, sentire, sensi, sensus “sentir, perceber” venio, venire, veni, ventus “vir”

Conjugação mista A conjugação mista é frequentemente considerada uma conjugação separada, quando, na verdade, se trata de uma subdivisão da terceira conjugação. Os verbos da chamada conjugação mista, ou “terceira e quarta” (3/4), são verbos de tema consonantal que apresentam algumas formas parecidas com as da quarta conjugação, como o presente do indicativo ativo (capio, capis...). No entanto, o infinitivo em -ĕre nos dá a informação necessária para que estejamos certos de que se trata de um verbo da terceira conjugação. Ainda assim, olharemos para essa subconjugação separadamente. Um exemplo de verbo da conjugação mista é capio, capis, capĕre, cepi, captum “tomar, capturar”

131

Aprofundamento da morfologia verbal latina

132

Presente do indicativo: “tomo, tomas...”

Perfeito do indicativo: “tomei, tomaste...”

Presente do subjuntivo: “tome, tomes...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha tomado”

1.ª pessoa do singular

capio

cepi

capiam

cepĕrim

2.ª pessoa do singular

capis

cepisti

capias

cepĕris

3.ª pessoa do singular

capit

cepit

capiat

cepĕrit

1.ª pessoa do plural

capĭmus

cepĭmus

capiāmus

ceperĭmus

2.ª pessoa do plural

capĭtis

cepistis

capiātis

ceperĭtis

3.ª pessoa do plural

capiunt

cepērunt / cepēre

capiant

cepĕrint

Imperfeito do indicativo: “tomava, tomavas...”

Mais-queperfeito do indicativo: “tinha tomado, tomara...”

1.ª pessoa do singular

capiebam

cepĕram

caperem

cepissem

2.ª pessoa do singular

capiebas

cepĕras

caperes

cepisses

3.ª pessoa do singular

capiebat

cepĕrat

caperet

cepisset

1.ª pessoa do plural

capiebāmus

ceperāmus

caperēmus

cepissēmus

2.ª pessoa do plural

capiebātis

ceperātis

caperētis

cepissētis

3.ª pessoa do plural

capiebant

cepĕrant

caperent

cepissent

Imperfeito do subjuntivo: “tomasse, tomaria...”

Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse tomado, teria tomado...”

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Futuro do indicativo: “tomarei, tomarás...”

Futuro perfeito do indicativo: “terei tomado, terás tomado...”

Infinitivo presente: capĕre “tomar”

Imperativo presente

1.ª pessoa do singular

capiam

cepĕro

Infinitivo perfeito: cepisse “ter tomado”

cape “toma tu” capĭte “tomai vós”

2.ª pessoa do singular

capies

cepĕris

Infinitivo futuro: capturus, a, um esse “estar por tomar”

Particípio perfeito: captus, a, um “que foi tomado”

3.ª pessoa do singular

capiet

cepĕrit

Gerúndio (acusativo): capiendum “tomar/para tomar”

Particípio presente: capiens, capientis “que toma”

1.ª pessoa do plural

capiēmus

ceperĭmus

Gerúndio (genitivo): capiendi “de tomar”

Particípio futuro: capturus, a, um “que está por tomar”

2.ª pessoa do plural

capiētis

ceperĭtis

Gerúndio (dativo): capiendo “para tomar”

Gerundivo: capiendus, a, um “para ser tomado, a ser tomado”

3.ª pessoa do plural

capient

cepĕrint

Gerúndio (ablativo): capiendo “por tomar”

Supino: captum “para tomar”

Segue uma lista de verbos comuns da conjugação mista: accipio, accipere, accepi, acceptus “receber” incipio, incipere, incepi, inceptus “começar” recipio, recipere, recepi, receptus “receber, tomar de volta” facio, facere, feci, factus “fazer” interficio, interficere, interfeci, interfectus “matar” perficio, perficere, perfeci, perfectus “completar, terminar, perfazer”

133

Aprofundamento da morfologia verbal latina

fugio, fugere, fugi, fugitus “fugir, escapar” iacio, iacere, ieci, iactus “lançar, arremessar” conicio, conicere, conieci, coniectus “arremessar conjuntamente, conjecturar” specio, specere, spexi, spectus “fitar, olhar para” inspicio, inspicere, inspexi, inspectus “olhar para dentro, examinar” suspicio, suspicere, suspexi, suspectus “estimar, suspeitar”

Verbos irregulares É importante conhecermos alguns dos verbos irregulares do latim, já que são tão importantes e comuns. As conjugações desses verbos na voz ativa serão dadas a seguir, e veremos que compostos comuns são formados a partir deles.

O verbo sum O verbo sum em latim significa “ser, estar, existir, haver”. Vejamos a sua conjugação: Presente do indicativo: “sou, és...”

134

Perfeito do indicativo: “fui, foste...”

Presente do subjuntivo: “seja, sejas...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha sido”

1.ª pessoa do singular

sum

fui

sim

fuĕrim

2.ª pessoa do singular

es

fuisti

sis

fuĕris

3.ª pessoa do singular

est

fuit

sit

fuĕrit

1ª pessoa do plural

sumus

fuĭmus

simus

fuerĭmus

2.ª pessoa do plural

estis

fuistis

sitis

fuerĭtis

3.ª pessoa do plural

sunt

fuērunt / fuēre

sint

fuĕrint

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Imperfeito do indicativo: “era, eras...”

Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha sido, fora...”

Imperfeito do subjuntivo: “tomasse, tomaria...”

Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse sido, teria sido...”

1.ª pessoa do singular

eram

fuĕram

essem

fuissem

2.ª pessoa do singular

eras

fuĕras

esses

fuisses

3.ª pessoa do singular

erat

fuĕrat

esset

fuisset

1.ª pessoa do plural

erāmus

fuerāmus

essēmus

fuissēmus

2.ª pessoa do plural

erātis

fuerātis

essētis

fuissētis

3.ª pessoa do plural

erant

fuĕrant

essent

fuissent

Futuro do indicativo: “serei, serás...”

Futuro perfeito do indicativo: “terei sido, terás sido...”

ero

Infinitivo presente: esse “ser”

Imperativo presente:

fuĕro

Infinitivo perfeito: fuisse “ter sido”

es “sê tu” este “sede vós”

eris

fuĕris

Infinitivo futuro: futurus, a, um esse “estar por ser”

erit

fuĕrit

erimus

fuerĭmus

2.ª pessoa do plural

eritis

fuerĭtis

3.ª pessoa do plural

erunt

fuĕrint

1.ª pessoa do singular 2.ª pessoa do singular 3.ª pessoa do singular 1.ª pessoa do plural

Particípio futuro: futurus, a, um “que está por ser”

O verbo esse dá origem a vários outros verbos, com prefixos como in-, ad-, ab-, entre outros, que seguem a mesma conjugação. Os sentidos desses verbos costumam acompanhar basicamente os sentidos das preposições que são usadas como

135

Aprofundamento da morfologia verbal latina

prefixos. Assim, de ad + sum temos adsum, “estar junto a, estar presente”. De ab + sum temos absum, “estar afastado de, estar ausente” (particípio presente absens, absentis). Um verbo derivado de sum extremamente importante é o verbo possum “poder”, que se compõe do radical pot- + sum. A conjugação de possum é praticamente idêntica à do sum. Dessa forma, temos, no presente do indicativo ativo, possum, potes, potest, possumus, possetis, possunt.

O verbo eo e seus derivados O verbo eo, ire, iui, itum é o equivalente ao nosso verbo “ir”. Há, assim como há com os verbos derivados do verbo sum, derivações prefixais ligadas ao movimento denotado pelo significado dos verbos derivados de eo, como veremos adiante. Primeiramente, vejamos o quadro da conjugação do verbo eo. Presente do indicativo: “vou, vais...”

136

Perfeito do indicativo: “fui, foste...”

Presente do subjuntivo: “vá, vás...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha ido”

1.ª pessoa do singular

eo

ii ou iui

eam

iuerim ou ierim

2.ª pessoa do singular

is

iisti ou iuisti

eas

iueris ou ieris

3.ª pessoa do singular

it

iit ou iuit

eat

iuerit ou ierit

1.ª pessoa do plural

imus

iimus ou iuimus

eāmus

iuerimus ou ierimus

2.ª pessoa do plural

itis

iistis ou iuistis

eātis

iueritis ou ieritis

3.ª pessoa do plural

eunt

ierunt/re ou iuerunt/re

eant

iuerint ou ierint

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Imperfeito do indicativo: “ia, ias...”

Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha ido, fora...”

Imperfeito do subjuntivo: “fosse, iria...”

Mais-que-perfeito do subjuntivo: “tivesse ido, teria ido...”

1.ª pessoa do singular

ibam

iueram ou ieram

irem

iuissem ou issem

2.ª pessoa do singular

ibas

iueras ou ieras

ires

iuisses ou isses

3.ª pessoa do singular

ibat

iuerat ou ierat

iret

iuisset ou isset

1.ª pessoa do plural

ibāmus

iueramus ou ieramus

irēmus

iuissemus ou issemus

2.ª pessoa do plural

ibātis

iueratis ou ieratis

irētis

iuissetis ou issetis

3.ª pessoa do plural

ibant

iuerant ou ierant

irent

iuissent ou issent

Futuro do indicativo: “irei, irás...” 1.ª pessoa do singular 2.ª pessoa do singular 3.ª pessoa do singular 1.ª pessoa do plural 2.ª pessoa do plural 3.ª pessoa do plural

Futuro perfeito do indicativo: “terei ido, terás ido...”

Infinitivo presente: ire “ir”

Imperativo presente

ibo

iuĕro ou iĕro

Infinitivo perfeito: iuisse ou iisse “ter ido”

i “vai tu” ite “ide vós”

ibis

iuĕris ou iĕris

Infinitivo futuro: iturus, a, um esse “estar por ir”

Particípio perfeito: itus, a, um “que se foi”

ibit

iuĕrit ou iĕrit

Gerúndio (acusativo): eundum “ir/para ir”

Particípio presente: iens, euntis “que vai”

ibimus

iuĕrimus ou ierĭmus

Gerúndio (genitivo): eundi “de ir”

Particípio futuro: iturus, a, um “que está por ir”

ibitis

iuerĭtis ou ierĭtis

Gerúndio (dativo): eundo “para ir”

Gerundivo: eundus, a, um “para se ir”

ibunt

iuĕrint ou iĕrint

Gerúndio (ablativo): eundo “por ir”

Supino: itum “para ir”

137

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Os verbos derivados do verbo eo seguem a mesma conjugação dele e, em geral, possuem sentido ligado ao sentido da preposição que serve de base para a derivação. Exemplos são: adeo: ir até abeo: ir embora redeo: retornar, ir novamente exeo: sair ineo: entrar circumeo: circular

O verbo uolo e seus derivados O verbo uolo é um verbo irregular que significa “querer”. Os derivados mais importantes dele são o nolo (originalmente non uolo) “não querer” e o malo (originalmente, magis uolo) “preferir”. Esses três verbos são bastante irregulares em seu presente do indicativo ativo, mas, em geral, são regulares nas outras formas dos outros tempos. As informações básicas desses verbos são: uolo, uis, uelle, uolui, _____1: querer nolo, non uis, nolle, nolui, _____: não querer malo, mauis, malle, malui, _____: preferir Indicativo: Presente do indicativo: “quero, queres...”

Presente do indicativo: “não quero, não queres...”

Presente do indicativo: “prefiro, preferes...”

1.ª pessoa do singular

uolo

nolo

malo

2.ª pessoa do singular

uis

non uis

mauis

3.ª pessoa do singular

uult

non uult

mauult

1 Os verbos derivados de uolo não apresentam particípio perfeito, nem gerúndio, nem gerundivo, nem voz passiva. As formas de imperativo só estão disponíveis para o nolo (noli “não queiras” e nolite “não queirais”). Os particípios também não são frequentes e, portanto, não aparecerão nos quadros.

138

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Presente do indicativo: “quero, queres...”

Presente do indicativo: “não quero, não queres...”

Presente do indicativo: “prefiro, preferes...”

1.ª pessoa do plural

uolumus

nolumus

malumus

2.ª pessoa do plural

uultis

non uultis

mauultis

3.ª pessoa do plural

uolunt

nolunt

malunt

Imperfeito do indicativo: “queria, querias...”

Imperfeito do indicativo: “não queria...”

Imperfeito do indicativo: “preferia...”

1.ª pessoa do singular

uolebam

nolebam

malebam

2.ª pessoa do singular

uolebas

nolebas

malebas

3.ª pessoa do singular

uolebat

nolebat

malebat

1.ª pessoa do plural

uolebamus

nolebamus

malebamus

2.ª pessoa do plural

uolebatis

nolebatis

malebatis

3.ª pessoa do plural

uolebant

nolebant

malebant

Futuro do indicativo: “não quererei...”

Futuro do indicativo: “preferirei...”

Futuro do indicativo: “quererei, quererás...” 1.ª pessoa do singular

uolam

nolam

malam

2.ª pessoa do singular

uoles

noles

males

3.ª pessoa do singular

uolet

nolet

malet

1.ª pessoa do plural

uolemus

nolemus

malemus

2.ª pessoa do plural

uoletis

noletis

maletis

3.ª pessoa do plural

uolent

nolent

malent

139

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Perfeito do indicativo: “quis, quiseste...”2

Mais-que-perfeito do indicativo: “quisera,...”

Futuro do perfeito: “terei querido,...”

1.ª pessoa do singular

uolui

uolueram

uoluero

2ª pessoa do singular

uoluisti

uolueras

uolueris

3.ª pessoa do singular

uoluit

uoluerat

uoluerit

1.ª pessoa do plural

uoluimus

uolueramus

uoluerimus

2.ª pessoa do plural

uoluistis

uolueratis

uolueritis

3.ª pessoa do plural

uoluērunt/uoluēre

uoluerant

uoluerint

Subjuntivo: Presente do subjuntivo: “queira,...”

Presente do subjuntivo: “não queira,...”

Presente do subjuntivo: “prefira,...”

1.ª pessoa do singular

uelim

nolim

malim

2.ª pessoa do singular

uelis

nolis

malis

3.ª pessoa do singular

uelit

nolit

malit

1.ª pessoa do plural

uelimus

nolimus

malimus

2.ª pessoa do plural

uelitis

nolitis

malitis

3.ª pessoa do plural

uelint

nolint

malint

2 Os tempos do perfeito do indicativo são bastante regulares para uolo e seus derivados. Assim, daremos apenas as formas de uolo, bastando substituir o radical de perfeito de um verbo pelo de outro para termos as formas de nolo e malo.

140

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Imperfeito do subjuntivo: “quisesse, quereria...”

Imperfeito do subjuntivo: “não quisesse...”

Imperfeito do subjuntivo: “preferia...”

1.ª pessoa do singular

uellem

nollem

mallem

2.ª pessoa do singular

uelles

nolles

malles

3.ª pessoa do singular

uellet

nollet

mallet

1.ª pessoa do plural

uellemus

nollemus

mallemus

2.ª pessoa do plural

uelletis

nolletis

malletis

3.ª pessoa do plural

uellent

nollent

mallent

Perfeito do subjuntivo: “quis, quiseste...”3

Mais-que-perfeito do subjuntivo: “quisera,...”

1.ª pessoa do singular

uoluerim

uoluissem

2.ª pessoa do singular

uolueris

uoluisses

3.ª pessoa do singular

uoluerit

uoluisset

1.ª pessoa do plural

uoluerimus

uoluissemus

2.ª pessoa do plural

uolueritis

uoluissetis

3.ª pessoa do plural

uoluerint

uoluissent

O verbo fero O verbo fero tem o sentido básico de “levar, carregar, transportar”. Há diversos derivados de fero, como aufero (levar embora, roubar), affero (levar até), defero (delatar, entregar), transfero (transportar, transferir), entre outros. O verbo fero é um dos que apresentam maior irregularidade na constituição de 3

Vide nota 2 sobre o perfeito do indicativo.

141

Aprofundamento da morfologia verbal latina

seus radicais: o radical do presente baseia-se na forma fer-o, o do perfeito na forma tul-i, e o de particípio/supino na forma lat-us. Assim, a entrada de dicionário desse verbo é: fero, fers, ferre, tuli, latus “levar, carregar”. Presente do indicativo: “levo, levas...”

Perfeito do indicativo: “levei, levaste...”

Presente do subjuntivo: “leve, leves...”

Perfeito do subjuntivo: “tenha levado”

1.ª pessoa do singular

fero

tuli

feram

tulerim

2.ª pessoa do singular

fers

tulisti

feras

tuleris

3.ª pessoa do singular

fert

tulit

ferat

tulerit

1.ª pessoa do plural

ferimus

tulimus

feramus

tulerimus

2.ª pessoa do plural

fertis

tulitis

feratis

tuleritis

3.ª pessoa do plural

ferunt

tulērunt/tulēre

ferant

tulerint

Imperfeito do indicativo: “levava...”

Mais-que-perfeito do indicativo: “tinha levado, levara...”

Imperfeito do subjuntivo: “levasse, levaria...”

Mais-queperfeito do subjuntivo: “tivesse levado, teria levado...”

1.ª pessoa do singular

ferebam

tuleram

ferrem

tulissem

2.ª pessoa do singular

ferebas

tuleras

ferres

tulisses

3.ª pessoa do singular

ferebat

tulerat

ferret

tulisset

1.ª pessoa do plural

ferebāmus

tuleramus

ferremus

tulissemus

2.ª pessoa do plural

ferebātis

tuleratis

ferretis

tulissetis

3.ª pessoa do plural

ferebant

tulerant

ferrent

tulissent

142

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Futuro do indicativo: “levarei, levarás...” 1.ª pessoa do singular 2.ª pessoa do singular 3.ª pessoa do singular

1.ª pessoa do plural 2.ª pessoa do plural 3.ª pessoa do plural

Futuro perfeito do indicativo: “terei levado, terás levado...”

Infinitivo presente: ferre “levar”

Imperativo presente

feram

tulĕro

Infinitivo perfeito: tulisse “ter levado”

fer “leva tu” ferte “levai vós”

feres

tulĕris

Infinitivo futuro: laturus, a, um esse “estar por levar”

Particípio perfeito: latus, a, um “que foi levado”

feret

tulĕrit

Gerúndio (acusativo): ferendum “levar/para levar”

Particípio presente: ferens, ferentis “que leva, levando”

feremus

tulerĭmus

Gerúndio (genitivo): ferendi “de levar”

Particípio futuro: laturus, a, um “que está por levar”

feretis

tulerĭtis

Gerúndio (dativo): ferendo “para levar”

Gerundivo: ferendus, a, um “para ser levado”

ferent

tulĕrint

Gerúndio (ablativo): ferendo “por levar”

Supino: latum “para levar”

Texto complementar No trecho de Eneida que veremos a seguir, teremos um embate entre Dido e Enéias, quando o dever de fundar a Nova Troia e as ordens dos deuses impelem Enéias a se afastar da rainha de Cartago. O trecho inicia-se com Dido encontrando-se com Enéias após descobrir que ele planejava partir. Pérfido! Então esperavas de mim ocultar essa infâmia, e às escondidas deixares meus reinos sem nada dizer-me? Não te abalou nem a destra que outrora te dei, nem a morte que a Dido aguarda, inamável, tão próxima já do seu termo? Como se nada isso fora, teus barcos aprestas no inverno, quadra infeliz, pretendendo cortar os furiosos embates

143

Aprofundamento da morfologia verbal latina

dos aquilões? Que crueldade! Se acaso moradas estranhas não procurasses, nem campos, e Troia ainda em pé se encontrasse, navegarias no rumo de Troia e o mar bravo cortaras? Foges de mim? Por meu pranto e também pela mão que me deste – Mísera! pois perdi tudo, sem nada me ter reservado – por nosso enlace, o sagrado himeneu que de pouco nos une, se algo mereço de ti ou se alguma ventura me deves, doces lembranças, apiada-te ao menos de um lar ora esfeito. Muda de ideia, no caso de as preces contigo valerem. Por tua causa me odeia esta gente da Líbia, os tiranos númidas, todos os tírios; por ti a vergonha deixou-me, e aquela fama que aos astros meu nome impoluto levara. A quem entregas uma moribunda como eu, querido hóspede? Sim, esse é o único nome de quem me chamou de consorte. Que mais espero? Que o irmão Pigmalião me derrube estes muros, ou o próprio Jarbas Getúlio me arraste daqui como escrava? Se pelo menos deixasses na fuga um produto do nosso inesquecível amor, e nos paços brincasse comigo um outro Enéias-menino, contigo semelho nos traços, abandonada, em verdade, e sozinha não me julgaria. Disse. Obediente ao mandado de Jove tinha ele no solo fixos os olhos e a custo a emoção no imo peito guardava. Fala-lhe alfim por maneira sucinta: – Jamais negaria tantos favores, Senhora, e outros muitos de que me recordas; nem nunca a imagem de Elisa sairá do meu peito, por quanto tempo consciência tiver de mim mesmo e com vida eu mover-me. Quanto ao que ocorre, direi simplesmente: intenção nunca tive de retirar-me às ocultas – apaga essa ideia – nem menos planos forgei de casar ou de alianças contigo firmarmos. Se a meu arbítrio deixasse o Destino dispor do futuro como eu quisesse, o primeiro cuidado seria a cidade dos meus troianos reerguer, cultivar as relíquias tão caras 144

Aprofundamento da morfologia verbal latina

a todos nós. Então, sim; o palácio de Príamo ainda de pé estaria, e estas mãos outra Pérgamo a todos construíra. Porém Apolo de Grínia ordenou-me há pouquinho buscarmos a Grande Itália, essa Itália que os vates da Lícia apontaram. Ali, o amor; ali, a pátria. Se a ti, da Fenícia, te agradam belos palácios e os muros construir na africana Cartago, por que motivo impedires que os teucros na Ausônia se instalem? É de justiça buscarmos também novos reinos por longe. Noites seguidas Anquises, meu pai, quando as úmidas sombras à terra baixam, ou quando se elevam fulgentes os astros, sim, sua pálida imagem nos sonhos me admoesta, me aterra, como também a lembrança de Ascânio, querida cabeça, que do seu reino na Hespéria eu defraudo, da terra anunciada. O mensageiro dos deuses da parte de Jove agorinha mesmo me trouxe um recado pelo ar – por aqueles o juro, Ascânio e Anquises –; eu próprio o enxerguei quando o burgo no resplendor; sua voz ainda soa-me nos ouvidos. Não venhas, pois, agravar minha mágoa – e a tua – com brigas. Não busco a Itália por gosto Durante a fala de Enéias manteve-se Dido alheada, virando a vista de cá para lá. Finalmente, mirando-o de alto a baixo, furiosa o despeito externou deste modo: Não tens por mãe uma deusa nem vens de linhagem dardânia, pérfido! A vida também a tiraste do Cáucaso adusto, rico em penhascos; mamaste nos peitos das tigres da Hircânia Para que dissimular por mais tempo? Que injúrias mais graves aguentarei? Reservou-me uma lágrima? Ao menos olhou-me? Chegou meu pranto a abalá-lo e de mim apiedado mostrou-se? Que afronta há mais dolorosa? Nem Juno, possante deidade, nem mesmo o filho do velho Saturno isto vê com bons olhos. Não há fé pura. Jogado na praia, carente de tudo, o recolhi – quanta insânia! – e no reino lhe dei parte ativa. 145

Aprofundamento da morfologia verbal latina

Desbaratados os barcos, salvei-lhe da morte a maruja. Oh dor! As Fúrias me abrasam, me arrastam. Agora os augúrios do próprio Apolo, da Lícia as sentenças e até mensageiros das divindades, esta ordem terrível lhe trazem nas auras! Como se os deuses cuidassem de nugas e o tempo esbanjassem do ócio divino! Pois parte! não peço que fiques, nem brigo. Vai! Segue os ventos da Itália; procura teus reinos nas ondas. Se os justos deuses nos ouvem, espero que um dia hás de a morte nas duras rochas sorver e que o nome de Dido mil vezes invocarás. Mesmo ausente, hei de os passos seguir-te com atros fachos, depois que minha alma dos membros a Morte separe. Sombra terrível, por tudo estarei. Pagar-me-ás, miserável, essa traição. Hei de ouvir teu clamor desde os manes profundos. Corta no meio o sermão sem resposta aguardar e, fugindo mesta, da luz se retira, deixando-o confuso entre o muito que se dispunha a dizer e o que o medo prudente o impedia. Desfalecida, até ao tálamo todo de mármore as servas a carregaram, no leito a depondo aprestado para isso. O pio Enéias, conquanto deseje acalmar-lhe o infortúnio, e algum consolo lhe dar com palavras de muito carinho, geme de dor ante os golpes violentos da sua desdita. Mas, não se esquece das ordens do nume; revista as trirremes, para que os teucros redobrem de esforços e as naus desencalhem na praia ao longo, sem falta. As carinas breadas flutuam. Do afã da fuga tocados, das matas carregam frondentes galhos, à guisa de remos. Pelos portões da cidade os vereis apressados correrem como formigas no ponto em que um monte de trigo saqueiam, quando do inverno mais perto e a seus paços escuros o levam: vai pelos campos o negro esquadrão carregando a pilhagem pelas picadas da relva; umas tantas, os grãos mais pesados levam nos ombros; incumbem-se algumas das hostes em marcha 146

Aprofundamento da morfologia verbal latina

e as retardadas castigam. A trilha com a faina referve. A esse espetáculo, Dido, quais foram os teus pensamentos, quantos gemidos soltavas, ao veres do cimo das torres do teu palácio animarem-se as praias com o estranho alarido daquela turba, de envolta com o surdo marulho lá ao longe? Ímprobo Amor! Que de estragos não causas no peito dos homens? (Eneida, IV, 303-412)

Dica de estudo Consulte gramáticas de latim, na parte que trata dos verbos, e tente fazer exercícios de morfologia e tradução.

Atividades 1. Traduza as seguintes orações para o português. Explique as ambiguidades, se houver. a) uolebamus dormire.

b) homines regis seruos audaces interficērunt.

c) poetae cum auxilio musarum canunt.

147

Aprofundamento da morfologia verbal latina

d) philosophi currere non possunt.

e) duces legiones ducent.

2. Identifique todas as informações possíveis dos verbos a seguir e depois traduza a forma flexionada, conforme o exemplo:

dicetis: segunda pessoa do plural do futuro do indicativo ativo do verbo dico “dizer”. Tradução: “direis, vocês dirão” a) cadent:

b) agere:

c) posuit:

d) scribuisse:

148

Aprofundamento da morfologia verbal latina

e) scis:

f) uenissetis:

g) faciunt:

h) perfecimus:

i) fugiebas:

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. 149

Aprofundamento da morfologia verbal latina

______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. a) uolebamus dormire (Queríamos dormir). b) homines regis seruos audaces interficērunt (Os homens do rei mataram os escravos audazes). c) poetae cum auxilio musarum canunt (Os poetas cantam com auxílio das musas). d) philosophi currere non possunt (Filósofos não podem correr). e) duces legiones ducent (ambígua: “Os generais conduzirão as legiões” ou “As legiões conduzirão os generais”). 2. a) cadent: 3pp futuro do indicativo “eles cairão” b) agere: infinitivo presente “agir” 150

Aprofundamento da morfologia verbal latina

c) posuit: 3ps perfeito indic. “ele pôs” d) scribuisse: infinitivo perfeito “ter escrito” e) scis: 2ps pres. indic. “você sabe” f) uenissetis: 2pp mais-que-perfeito subjuntivo “que vocês tivessem vindo” g) faciunt: 3pp pres. indic. facio: “eles fazem” h) perfecimus: 1pp perf. indic. “perfizemos, completamos” i) ugiebas: 2ps imperfeito indic. “você estava fugindo, fugia”

151

A voz passiva e os verbos depoentes Neste capítulo conheceremos as maneiras de expressar a voz em latim. A língua latina possui uma voz ativa e uma voz passiva verbais, e elas expressam significados de atividade e passividade da mesma forma que em português. Assim, um verbo transitivo direto na voz ativa costuma atribuir ao seu sujeito, em geral, o papel de “agente”, enquanto o objeto direto recebe o papel de “paciente”, como na sentença “O menino (agente) viu a menina (paciente)”. Quando alteramos a voz verbal, o sujeito passa a ser o paciente, ou seja, o que teria sido objeto direto no correspondente ativo e o que tinha sido sujeito na versão ativa pode aparecer como agente da passiva, como em “A menina (sujeito paciente) foi vista pelo menino (agente da passiva)”. O mesmo se dá em latim, mas, ao contrário do português, que faz todas as formas da voz passiva com um verbo auxiliar “ser” mais uma forma de particípio passado, o latim possui flexões de voz passiva para vários tempos. Em seguida, conheceremos os verbos chamados depoentes, que possuem apenas forma da voz passiva, mas significado sempre ativo. Trata-se de uma anomalia no sistema verbal latino.

Voz passiva Em geral, constroem-se as vozes passivas latinas da mesma forma que as vozes ativas, mas um novo conjunto de desinências número-pessoais será usado. A seguir temos, novamente, o quadro com as desinências número-pessoais possíveis em latim. Tempos do indicativo e subjuntivo na voz passiva

Tempos do indicativo e subjuntivo na voz ativa

1.ª pessoa do singular

-or ou -r

-o ou -m

-i

2.ª pessoa do singular

-ris

-s

-isti

3.ª pessoa do singular

-tur

-t

-it

Número e pessoa

Perfeito do indicativo ativo

A voz passiva e os verbos depoentes

Tempos do indicativo e subjuntivo na voz passiva

Tempos do indicativo e subjuntivo na voz ativa

1.ª pessoa do plural

-mur

-mus

-imus

2.ª pessoa do plural

-mini

-tis

-istis

3.ª pessoa do plural

-ntur

-nt

-ērunt ou -ēre

Número e pessoa

Perfeito do indicativo ativo

Como veremos a seguir com as formas do infectum (presente, imperfeito e futuro simples), a construção da voz passiva nesses tempos, no indicativo e no subjuntivo, baseia-se nas mesmas formas de construção da voz ativa, substituindo-se as desinências número-pessoais pelas de passiva. Algumas modificações no tema resultam dessa troca, mas, a rigor, as formas infixadas ficam inalteradas. Vejamos os quadros. Primeira conjugação

Segunda conjugação

Terceira conjugação

Quarta conjugação

Conjugação mista

Presente do indicativo passivo: sou amado, é tido, é dito, somos ouvidos, são capturados...

1.ª pessoa do singular

amor

habeor

dicor

audior

capior

2.ª pessoa do singular

amaris / re

haberis / re

dicĕris / re

audiris / re

capĕris / re

3.ª pessoa do singular

amatur

habetur

dicitur

auditur

capitur

1.ª pessoa do plural

amamur

habemur

dicimur

audimur

capimur

2.ª pessoa do plural

amamĭni

habemĭni

dicimĭni

audimĭni

capimĭni

3.ª pessoa do plural

amantur

habentur

dicuntur

audiuntur

capiuntur

Imperfeito do indicativo passivo: era amado, era dito...

1.ª pessoa do singular

amabar

habebar

dicebar

audiebar

capiebar

2.ª pessoa do singular

amabaris / re

habebaris / re

dicebaris / re

audiebaris / re

capiebaris / re

3.ª pessoa do singular

amabatur

habebatur

dicebatur

audiebatur

capiebatur

154

A voz passiva e os verbos depoentes

Primeira conjugação

Segunda conjugação

Terceira conjugação

Quarta conjugação

Conjugação mista

Imperfeito do indicativo passivo: era amado, era dito...

1.ª pessoa do plural

amabamur

habebamur

dicebamur

audiebamur

capiebamur

2.ª pessoa do plural

amabamini

habebamini

dicebamini

audiebamini

capiebamini

3.ª pessoa do plural

amabantur

habebantur

dicebantur

audiebantur

capiebantur

Futuro do indicativo passivo: será amado, será dito...

1.ª pessoa do singular

amabor

habebor

dicar

audiar

capiar

2.ª pessoa do singular

amabĕris / re

habebĕris / re

dicēris / re

audiēris / re

capiēris / re

3.ª pessoa do singular

amabitur

habebitur

dicētur

audiētur

capiētur

1.ª pessoa do plural

amabimur

habebimur

dicēmur

audiēmur

capiēmur

2.ª pessoa do plural

amabimini

habebimini

dicēmini

audiēmini

capiēmini

3.ª pessoa do plural

amabuntur

habebuntur

dicēntur

audiēntur

capiēntur

Presente do subjuntivo passivo: seja amado, seja dito...

1.ª pessoa do singular

amer

habear

dicar

audiar

capiar

2.ª pessoa do singular

amēris / re

habeāris / re

dicāris / re

audiāris / re

capiāris / re

3.ª pessoa do singular

amētur

habeātur

dicātur

audiātur

capiātur

1.ª pessoa do plural

amēmur

habeamur

dicāmur

audiāmur

capiāmur

2.ª pessoa do plural

amēmĭni

habeāmĭni

dicāmĭni

audiāmĭni

capiāmĭni

3.ª pessoa do plural

amentur

habeantur

dicantur

audiantur

capiantur

155

A voz passiva e os verbos depoentes

Primeira conjugação

Segunda conjugação

Terceira conjugação

Quarta conjugação

Conjugação mista

Imperfeito do subjuntivo passivo: tenha sido amado, tenha sido dito...

1.ª pessoa do singular

amarer

haberer

dicerer

audirer

caperer

2.ª pessoa do singular

amareris / re

habereris / re

dicereris / re

audireris / re

capereris / re

3.ª pessoa do singular

amaretur

haberetur

diceretur

audiretur

caperetur

1.ª pessoa do plural

amaremur

haberemur

diceremur

audiremur

caperemur

2.ª pessoa do plural

amaremini

haberemini

diceremini

audiremini

caperemini

3.ª pessoa do plural

amarentur

haberentur

dicerentur

audirentur

caperentur

Com relação aos tempos do perfectum (baseados no tema de perfeito, ou seja, o perfeito, o mais-que-perfeito e o futuro perfeito), a construção da voz passiva é diferente, ainda que parecida, de certa forma, com a maneira que construímos a voz passiva em português. No entanto, é importante notar as diferenças, que são importantes: uma forma da voz passiva do perfeito do indicativo se constrói com particípio perfeito + verbo sum no presente, o que, na forma externa, é parecido com a forma como fazemos o presente passivo em português, ou seja, amatus sum se parece com “sou amado”, mas, em latim, essa forma passiva significa “fui amado”, enquanto que, em português, essa é a forma de voz passiva do presente. Isso se dá porque as formas verbais de particípio + sum em latim são derivadas de uma construção que, etimologicamente, significa amatus sum = “estou (sum) [no estado atual] de ter sido amado (amatus)”, o que é perfeitamente possível, dada a forma naturalmente passiva e estativa de um particípio perfeito latino. Dessa forma, os outros tempos do sistema do perfectum são vistos como que em relação ao tempo fundamental, o perfeito. Por exemplo, o mais-que-perfeito significa “antes de um tempo passado de referência” e, por isso, sua forma será amatus eram, ou seja, “eu estava no estado de ter sido amado → tinha sido amado”; o futuro perfeito, portanto, também estabelece a mesma relação, e teremos amatus ero “estarei no estado de ter sido amado → terei sido amado”. Passemos ao quadro das formas de voz passiva do sistema do perfectum ou dos tempos baseados no radical do perfeito. 156

A voz passiva e os verbos depoentes

Primeira conjugação

Segunda conjugação

Terceira conjugação

Quarta conjugação

Conjugação mista

Perfeito do indicativo passivo: foi amado, foi tido, foi dito, foi ouvido, foi capturado

1.ª pessoa do singular

amatus, a, um1 sum

habitus, a, um sum

dictus, a, um sum

auditus, a, um sum

captus, a, um sum

2.ª pessoa do singular

amatus, a, um, es

habitus, a, um es

dictus, a, um, es

auditus, a, um es

captus, a, um, es

3.ª pessoa do singular

amatus, a, um, est

habitus, a, um est

dictus, a, um, est

auditus, a, um est

captus, a, um, est

1.ª pessoa do plural

amati, ae, a sumus

habiti, ae, a sumus

dicti, ae, a sumus

auditi, ae, a sumus

capti, ae, a sumus

2ª pessoa do plural

amati, ae, a estis

habiti, ae, a estis

dicti, ae, a estis

auditi, ae, a estis

capti, ae, a estis

3.ª pessoa do plural

amati, ae, a sunt

habiti, ae, a sunt

dicti, ae, a sunt

auditi, ae, a sunt

capti, ae, a sunt

Mais-que-perfeito do indicativo passivo: fora amado, tinha sido dito...

1.ª pessoa do singular

amatus, a, um eram

habitus, a, um eram

dictus, a, um eram

auditus, a, um eram

captus, a, um eram

2.ª pessoa do singular

amatus, a, um eras

habitus, a, um eras

dictus, a, um eras

auditus, a, um eras

captus, a, um eras

3.ª pessoa do singular

amatus, a, um erat

habitus, a, um erat

dictus, a, um erat

auditus, a, um erat

captus a, um, erat

1.ª pessoa do plural

amati, ae, a eramus

habiti, ae, a eramus

dicti, ae, a eramus

auditi, ae, a eramus

capti, ae, a eramus

2.ª pessoa do plural

amati, ae, a eratis

habiti, ae, a eratis

dicti, ae, a eratis

auditi, ae, a eratis

capti, ae, a eratis

3.ª pessoa do plural

amati, ae, a erant

habiti, ae, a erant

dicti, ae, a erant

auditi, ae, a erant

capti, ae, a erant

Futuro perfeito do indicativo passivo: terei sido amado, terá sido dito...

1

1.ª pessoa do singular

amatus, a, um ero

habitus, a, um ero

dictus, a, um ero

auditus, a, um ero

captus, a, um erro

2.ª pessoa do singular

amatus, a, um eris

habitus, a, um eris

dictus, a, um eris

auditus, a, um eris

captus, a, um eris

3.ª pessoa do singular

amatus, a, um erit

habitus, a, um erit

dictus, a, um erit

auditus, a, um erit

captus, a, um erit

1.ª pessoa do plural

amati, ae, a erimus

habiti, ae, a erimus

dicti, ae, a erimus

auditi, ae, a erimus

capti, ae, a erimus

2.ª pessoa do plural

amati, ae, a eritis

habiti, ae, a eritis

dicti, ae, a eritis

auditi, ae, a eritis

capti, ae, a eritis

3.ª pessoa do plural

amati, ae, a erunt

habiti, ae, a erunt

dicti, ae, a erunt

auditi, ae, a erunt

capti, ae, a erunt

Como particípio, amatus deve concordar em número, gênero e caso com o sujeito da oração.

157

A voz passiva e os verbos depoentes

Primeira conjugação

Segunda conjugação

Terceira conjugação

Quarta conjugação

Conjugação mista

Perfeito do subjuntivo passivo: tenha sido amado, tenha sido dito...

1.ª pessoa do singular

amatus, a, um sim

habitus, a, um sim

dictus, a, um sim

auditus, a, um sim

captus, a, um sim

2.ª pessoa do singular

amatus, a, um sis

habitus, a, um sis

dictus, a, um sis

auditus, a, um sis

captus, a, um sis

3.ª pessoa do singular

amatus, a, um sit

habitus, a, um sit

dictus, a, um sit

auditus, a, um sit

captus, a, um sit

1.ª pessoa do plural

amati, ae, a simus

habiti, ae, a simus

dicti, ae, a simus

auditi, ae, a simus

capti, ae, a simus

2.ª pessoa do plural

amati, ae, a sitis

habiti, ae, a sitis

dicti, ae, a sitis

auditi, ae, a sitis

capti, ae, a sitis

3ª pessoa do plural

amati, ae, a sint

habiti, ae, a sint

dicti, ae, a sint

auditi, ae, a sint

capti, ae, a sint

Mais-que-perfeito do subjuntivo passivo: teria sido amado, tivesse sido dito...

1.ª pessoa do singular

amatus, a, um essem

habitus, a, um essem

dictus, a, um essem

auditus, a, um essem

captus, a, um essem

2.ª pessoa do singular

amatus, a, um esses

habitus, a, um esses

dictus, a, um esses

auditus, a, um esses

captus, a, um esses

3.ª pessoa do singular

amatus, a, um esset

habitus, a, um esset

dictus, a, um esset

auditus, a, um esset

captus, a, um esset

1.ª pessoa do plural

amati, ae, a essemus

habiti, ae, a essemus

dicti, ae, a essemus

auditi, ae, a essemus

capti, ae, a essemus

2.ª pessoa do plural

amati, ae, a essetis

habiti, ae, a essetis

dicti, ae, a essetis

auditi, ae, a essetis

capti, ae, a essetis

3.ª pessoa do plural

amati, ae, a essent

habiti, ae, a essent

dicti, ae, a essent

auditi, ae, a essent

capti, ae, a essent

Passemos às formas nominais passivas dos verbos das cinco conjugações:

158

A voz passiva e os verbos depoentes

Primeira conjugação

Segunda conjugação

Terceira conjugação

Quarta conjugação

Conjugação mista

Infinitivo presente passivo

amari

haberi

dici

audiri

capi

Infinitivo perfeito passivo

amatus, a, um esse2

habitus, a, um esse

dictus, a, um esse

auditus, a, um esse

captus, a, um esse

Infinitivo futuro passivo

amatum iri3

habitumiri

dictumiri

auditumiri

captum iri

Imperativo presente singular passivo

amare4

habere

dicere

audire

capere

Imperativo presente plural passivo

amamini

habemini

dicimini

audimini

capimini

amatu

deletu

dictu

auditu

captu

Supino passivo5

Os verbos irregulares na voz passiva Antes de seguirmos adiante, é importante falarmos sobre as formas passivas de alguns verbos irregulares. O verbo sum, esse e seus derivados, e os verbos uolo, nolo e malo, não têm voz passiva. O verbo fero conjuga-se na voz passiva de maneira regular, bastando que sejam usados o radical fer- para os tempos do infectum e o radical lat- para os tempos do perfectum. O mesmo se dá com seus derivados. 2

Os infinitivos perfeitos são usados apenas em orações subordinadas de acusativo com infinitivo, ou seja, orações subordinadas substantivas objetivas diretas que, em latim, são construídas sem conjunção, e que, portanto, têm o verbo na subordinação sempre no infinitivo e seu sujeito sempre no acusativo. Um exemplo desse tipo de oração seria “Ele disse que o escravo tinha sido capturado”, que em latim se constrói da seguinte forma: dixit seruum captum esse [literalmente, “ele disse o servo ter sido capturado”]. Por isso, apesar de a forma participial poder se flexionar em número e gênero, indiscriminadamente de acordo com a concordância com o sujeito, o caso sempre será acusativo. 3 Assim como explicamos sobre o infinitivo perfeito, o infinitivo futuro também só é usado em orações subordinadas como tempo relativo. A sua construção, no entanto, é a mais estranha das construções dos infinitivos: trata-se de um supino (indeclinável, portanto) seguido de um infinitivo perfeito iri do verbo eo, ire, o que resulta, literalmente, em algo como “ir-se para ser ___-do”. Um exemplo, seguindo o mesmo princípio da nota 2, seria dixit seruum captum iri, que pode ser traduzida literalmente como “ele disse o servo ir-se para ser capturado”, o que resulta, em uma forma mais corrente, em “ele disse que o escravo seria capturado”. 4 Os imperativos passivos presentes (os imperativos futuros que existem em latim são deixados de fora das nossas aulas, por serem pouquíssimo usados) são correspondentes às formas de segunda pessoa do singular e plural do presente indicativo passivo dos mesmos verbos. Na verdade, os imperativos passivos são idênticos às segundas pessoas do singular do presente do indicativo, uma vez que o sentido de certas formas de presente das segundas pessoas pode ser o mesmo que o de imperativos: amare = “você é amado” “seja amado”, como na forma atenuante do imperativo em português “você faz isso, por favor” ao invés da mais incisiva “faça isso, por favor”. Atenção também ao fato de que o imperativo presente passivo singular é idêntico em forma aos infinitivos presentes dos mesmos verbos. 5 O supino passivo é pouco utilizado e seu sentido pode ser parafraseado pela expressão “de se amar, ter, dizer etc.”. As outras formas não foram dadas ou porque não há correspondente passivo ou porque elas já são passivas por natureza, ainda que tivessem sido vistas antes (o particípio perfeito e o gerundivo se enquadram nessa categoria).

159

A voz passiva e os verbos depoentes

O verbo eo e seus derivados não apresentam voz passiva, ainda que haja algumas formas impessoais, como itur “vai-se”, “alguém vai” e iri “ir-se”.

Verbos depoentes Verbos depoentes6 são verbos que possuem apenas as formas da voz passiva. Seu significado, no entanto, é sempre ativo e não há sentido passivo possível para esses verbos. Esses verbos são anômalos, portanto. Os depoentes possuem temas que caem nas cinco conjugações, e são conjugados segundo os quadros vistos neste capítulo. Vejamos uma listagem dos verbos depoentes mais importantes, separada pelas conjugações7: Primeira conjugação: minor, minari, minatus sum “ameaçar” (+ dat.) hortor, hortari, hortatus sum “encorajar, incitar, exortar” amplexor, amplexari, amplexatus sum “abraçar” conor, conari, conatus sum “tentar” imitor, imitari, imitatus sum “imitar, seguir” meditor, meditari, meditatus sum “considerar, pensar sobre, meditar” osculor, osculari, osculatus sum “beijar” recordor, recordari, recordatus sum “lembrar-se de“ suspicor, suspicari, suspicatus sum “suspeitar” opinor, opinari, opinatus sum “pensar, achar” precor, precari, precatus sum “implorar”

6 7

Do verbo latino deponere, “pôr de lado, depor”.

Os verbos depoentes são enunciados na sequência: primeira pessoa do singular do presente do indicativo, infinitivo, primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo.

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Segunda conjugação: polliceor, polliceri, pollicitus sum “prometer, advertir” misereor, misereri, miseritus sum “sentir pena de, compadecer-se de” fateor, fateri, fassus sum “confessar, admitir” reor, reri, ratus sum “pensar, supor, acreditar” uereor, uereri, ueritus sum “respeitar, temer” Terceira conjugação: loquor, loqui, locutus sum “falar” irascor, irasci, iratus sum “ficar nervoso com, irar-se com” obliuiscor, obliuisci, oblitus sum “esquecer-se de” sequor, sequi, secutus sum “seguir” adipiscor, adipisci, adeptus sum “obter, conseguir, tomar, ganhar” nascor, nasci, natus sum “nascer” morior, mori, mortuus sum “morrer” ulciscor, ulcisci, ultus sum “vingar-se de” Quarta conjugação: mentior, mentiri, mentitus sum “mentir” molior, moliri, molitus sum “lutar, construir, trabalhar” orior, oriri, oritus sum “levantar, subir”8 sortior, sortiri, sortitus sum “escolher, eleger, sortear” Conjugação mista: adgredior “aproximar-se, chegar perto” egredior “sair” progredior “avançar” patior, pati, passus sum “suportar, sofrer, passar por” 8

Oriens, orientis é a forma de particípio presente que dá origem ao substantivo “oriente” em português.

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A voz passiva e os verbos depoentes

Há ainda alguns verbos que são chamados de semidepoentes, pois têm formas ativas para os tempos do infectum (radical do presente) e formas passivas para os tempos do perfectum (radical do perfeito). São exemplos de semidepoentes: audeo, audere, ausus sum “ousar” soleo, solere, solitus sum “costumar” (+ infinitivo) fio, fieri, factus sum “tornar-se, acontecer, vir a ser”

O agente da passiva O agente da passiva, em latim, quando expresso, deve aparecer no caso ablativo introduzido pela preposição a(b)9. Assim, voltando ao exemplo em português do início da aula, a oração básica em latim seria: puer

uidet

puellam.

O menino



a menina.

[nominativo/agente]

[presente-indicativo-ativo]

[acusativo/paciente]

Transformando-a para a voz passiva, devemos passar a expressão originalmente no caso acusativo/paciente para o caso nominativo/paciente da passiva, flexionar o verbo na forma adequada da voz passiva, e acrescentar ou não o agente da passiva, como se segue: puella

uidetur

a puerō.

A menina

é vista

pelo menino.

[nominativo/paciente]

[presente-indicativo-passivo]

[ablativo/agente da passiva]

Apesar de o agente da passiva ser opcional, quando presente numa oração passiva considera-se que as formas ativas e passivas apresentam a mesma oração dita de duas formas diferentes, porém equivalentes, ao menos com relação ao seu sentido básico. 9

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A forma ab é usada antes de vogais. a é usado antes de consoantes.

A voz passiva e os verbos depoentes

Texto complementar Na última parte do Canto IV da Eneida, Dido, a Rainha de Cartago, depois de ver os navios do seu amado Enéias partirem, planeja a vingança mais grave que consegue, e tira a própria vida, criando uma inimizade que viria a durar séculos entre Roma e Cartago. Veremos então os últimos versos do livro IV, o fim da história de amor entre Enéias e Dido. Já a nova Aurora saltara do leito do cróceo Titono para a luz bela espargir pelo mundo e de cores orná-lo no alvorecer, quando Dido avistou desde a sua atalaia, em boa ordem a esquadra afastar-se, tendidas as velas, bem como as praias vazias e sem remadores os portos. Três, quatro vezes o peito formoso golpeando, e os cabelos louros em fúria a puxar, – Há de esse homem, gritou, escapar-me, Júpiter? Esse estrangeiro, e zombar de mim própria em meu reino? Não se armarão meus guerreiros e toda a cidade não corre no rastro dele? Dos seus estaleiros os barcos não tiram? Ide, voai, trazei fogo, dai velas, os remos empunhem! Mas, que profiro? Onde estou? que desvairo me cega a esse ponto? Dido infeliz, ora sentes o peso da tua desgraça. Mais valeria o saberes, no dia em que o cetro lhe deste. Essa, a palavra de quem carregara os penates nos ombros, quem nas espáduas o peso sentiu da velhice paterna? E não poder apanhá-lo, atirá-lo em pedaços nas ondas, passar à espada seus homens, e Ascãnio, seu filho mimado, ao próprio pai num banquete ofertar como prato excelente! Mas, nesse encontro a vitória estaria ao meu lado? Que importa? Quem vai morrer, de quem pode temer-se? Incendiara de pronto seu arraial, fogo às naus lhe pusera, e de um golpe extinguira

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o pai com o filho, essa raça maldita, e eu por último, ufana. Sol, que o universo iluminas e todas as coisas perlustras! Juno, ajudante consciente da minha indizível desgraça! Hécate, sempre invocada nas encruzilhadas, aos gritos! Fúrias, do mal vingadoras, e deuses de Elisa expirante! Minhas palavras ouvi, minhas preces, e contra os malvados os vosso numes volvei! Mas, se o Fado impassível resolve que chegue ao porto esse monstro, e é forçoso pisar no chão firme; se isso os decretos de Júpiter o determinam, que ao menos seja acossado por gente guerreira e, banido da Itália, vague sem rumo; privado dos braços queridos de Iulo, auxílio implore e contemple o extermínio dos seus companheiros, morte sem glória de todos. E, vindo a obter paz vergonhosa, do apetecido reinado não goze, da luz suspirada, mas prematuro pereça e insepulto na areia se esfaça! É o que vos peço; com o sangue vos lanço este apelo supremo. Tirios! Vosso ódio infinito em seu filho e nos seus descendentes extravasai! é o que esperam de vós minhas cinzas ardentes. Nenhuma aliança jamais aproxime os dois povos imigos. Há de nascer-me dos ossos quem possa vingar-me esta afronta com ferro e fogo, quem limpe o meu nome com sangue dardânio. Hoje, amanhã, no momento mais certo em que o acaso os ajunte e força houver, briguem praias com praias e as ondas entre elas, armas de guerra por tudo, até os últimos netos com forças! Assim falando, volvia no peito projetos sem conta, para cortar o mais breve possível a trama da vida. Por fim, a Barce resolve chamar, de Siqueu a velha ama, visto que a sua ficara enterrada na pátria distante. Vai procurar minha irmã, querida ama, e lhe dize que ponha pressa em se purificar na água limpa do rio aqui perto. Traga também as ovelhas e as vítimas expiatórias. Não se demore. Enquanto isso, na fronte usa a fita sagrada. 164

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A Jove Estígio pretendo ofertar sacrifícios solenes, já começados, a fim de curar-me de atroz sofrimento, para, por último, a efígie do teucro lançar na fogueira. Assim falou. A Velhinha apressou-se com passos tardonhos. Dido, convulsa e obstinada no seu tenebroso projeto, virando os olhos sanguíneos, manchadas as lívidas faces, a palidez do trespasse futuro na cute mimosa, pelo interior do palácio irrompeu e postou-se, iracunda, no alto da pira, sacando da espada do chefe dardânio, prenda jamais destinada para uso de tanta fereza. Nessa postura, enxergando as ilíacas vestes e o leito, pós recolher-se algum tempo, banhados de lágrima os olhos, no toro excelso inclinada, estas últimas queixas profere: Ó doces prendas enquanto um dos deuses e o Fado quiseram, minha pobre alma acolhei e de cruel pesadelo livrai-me. Vivi bastante e perfiz o caminho previsto dos Fados. Cheia de glória, esta sombra ora baixa aos domínios subtérreos. Uma cidade grandiosa fundei, vi suas fortes muralhas; a meu esposo vinguei, castiguei um irmão inimigo. Muito feliz, ah! demasiadamente o seria se as naves desses guerreiros troianos aqui nunca houvessem chegado! Disse. E no leito tocando com os lábios: Morremos inulta? – torna a falar – Pois morramos; assim baixarei para as sombras. Veja o Dardânio de longe o espetáculo desta fogueira, e na alma negra o presságio carregue da minha desgraça. Disse. Mal tinha acabado, as donzelas caída a percebem por próprio impulso, no ferro. Tingidas de sangue espumante tinha ela as mãos. Do clamor das mulheres os átrios atroam. Percorre a Fama a cidade aterrada, o ulular feminino, lamentações e gemidos, o pranto incontido de todas. Fremem os tetos; no alto o éter ressoa com tanto alarido, como se a própria Cartago ou a cidade de Tiro mais velha 165

A voz passiva e os verbos depoentes

viessem por terra aos embates de turmas furiosas de imigos, em chama envoltas as casas, os templos derruidos dos deuses. Despavorida, sem forças ouve Ana os clamores da turba; carpe-se, o rosto a arranhar, afeiando o gracioso semblante; corre, atropela as pessoas, por Dido a chamar, moribunda: Este era, irmã, o sacrifício aprestado? Quiseste lograr-me? Isto as fogueiras forjaram, a pira, os altares dos deuses? De quê primeiro queixar-me, se a irmã não me quis ao seu lado no próprio instante da morte, associadas no mesmo destino? Uma só dor para as duas, um ferro, o minuto supremo! Com minhas mãos levantei esta pira, chamei pelos deuses pátrios, e tudo porque te finasses de mim afastada? Com tua morte, querida, mataste-me, ao povo, o senado, tua cidade sidônia. Dai-me água, porque lavar possa suas feridas. Se um simples vestígio de alento ainda mostre, na minha boca o recolho. – Assim disse. E galgando a alta pira, no peito aperta a cabeça donosa da irmã moribunda. Entre gemidos, com o peplo afastava os cruores escuros. Com muito esforço, ao querer levantar a cabeça, de novo desfaleceu a Rainha. No peito a ferida estertora. Três vezes tenta sentar-se, apoiando-se nos cotovelos, três sobre o leito ela torna a cair. Com os olhos errantes, busca no céu a luz bela do sol e, encontrando-a, suspira. Foi quando Juno potente, apiedada da longa agonia, da sua morte penosa, a Iris rápida enviou do alto Olimpo, para soltar aquela alma do nexo pesado dos membros, visto não ser decorrente este excídio do Fado ou de culpa muito pessoal; prematura e de súbito acesso tomada, ainda Prosérpina não lhe cortara da fronte o cabelo louro, nem sua cabeça votara às deidades do Inferno. Íris, então, orvalhadas as asas, no espaço desliza, sarapintadas as penas com o brilho do sol esplendente.

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A voz passiva e os verbos depoentes

Sobre a cabeça de Dido detém-se: – Cumprindo o mandado que recebi, te desligo do corpo e a Plutão vou levar-te. – Assim falando, cortou com a direita o cabelo cor de ouro. Foi-se o calor, e nas auras o espírito logo diluiu-se. (Eneida, IV, 582-703)

Dica de estudo Consulte dicionários e gramáticas de latim e veja o que outros autores têm a dizer a respeito do assunto tratado neste capítulo.

Atividades 1. Traduza as orações abaixo para o português. a) uerba serui nuntiantur a poetā.

b) leges faciebantur ab antiquis hominibus.

c) litterae falsae scriptae erant.

d) a coquō cena parata est ingens.

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A voz passiva e os verbos depoentes

e) bellum malum pugnabitur a populis amicis.

f) dominus multum locutus est cum seruo stulto.

2. Transforme as orações abaixo da voz ativa para a voz passiva e traduza o resultado. a) miles bonus pugnam ducit.

b) uir uxorem bellam uidebat.

c) rex audax multos homines necauit.

d) urbs diues praedones timebit.

e) uulnera saggitārum senserant aquilae diuinae.

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A voz passiva e os verbos depoentes

3. Com a apresentação de praticamente todo o sistema verbal e de todas as formas nominais mais importantes, podemos dar início às atividades de tradução de textos originais e não adaptados. Veremos inicialmente um trecho dos primórdios da literatura latina. Trata-se de um trecho de um dos fragmentos encontrados do poema épico que conta as origens de Roma, do autor arcaico Quintus Ennius (239-169 a.C.)10. Traduza o texto, com o auxílio do glossário. proelia promulgantur: pellitur e medio sapientia, ui geritur res; spernitur orator bonus, horridus miles amatur; (Ênio, Anais, VIII, fr. 1, 247-249)

Glossário: proelia: proelium 2n. “batalha, prélio” promulgantur: voz passiva de promulgo 1 “tornar público” pellitur: voz passiva de pello 3 “banir” e: preposição ex + ablativo “para fora de” medium 2n. “centro, meio” sapientia 1f. “sapiência, sabedoria” res 5f. “coisa, assunto” geritur: voz passiva de gero 3 “gerir, conduzir” ui: ablativo singular de uis 3f. “força, violência” spernitur: voz passiva de sperno 3 “desprezar” amatur: voz passiva de amo “amar” 10 Ennius, ou Ênio, como é chamado em português, foi um dos autores mais importantes do período do início da literatura latina, entre os séculos III e II a.C. Escreveu muitas obras, das quais apenas fragmentos restaram. Do que restou, os fragmentos de seu poema épico Anais nos mostram que Ênio foi o primeiro autor da literatura latina a fazer uso do esquema métrico típico da poesia épica grega, o hexâmetro datílico, tipo de verso com o qual Homero escreveu a Ilíada e a Odisseia e Virgílio escreveu a Eneida.

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A voz passiva e os verbos depoentes

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. a) uerba serui nuntiantur a poetā (As palavras do escravo são anunciadas pelo poeta). b) leges faciebantur ab antiquis hominibus (Leis eram feitas pelos homens antigos). 170

A voz passiva e os verbos depoentes

c) litterae falsae scriptae erant (Cartas falsas tinham sido escritas). d) a coquō cena parata est ingens (Uma ceia enorme foi preparada pelo cozinheiro). e) bellum malum pugnabitur a populis amicis (Uma guerra má será lutada pelos povos amigos). f) dominus multum locutus est cum seruo stulto (O senhor falou muito com o escravo estúpido). 2. a) miles bonus pugnam ducit (solução: pugna ducitur a milite bono lha é conduzida pelo bom soldado).

A bata-

b) uir uxorem bellam uidebat (solução: uxor bella uidebatur ab uirō esposa era vista pelo marido).

A bela

c) rex audax multos homines necauit (solução: multi homines necati sunt a rege audace Muitos homens foram mortos pelo rei audaz). d) urbs diues praedones timebit (solução: praedones timebuntur ab urbe diuite Os piratas serão temidos pela cidade rica). e) uulnera saggitārum senserant aquilae diuinae (solução: uulnera saggitārum Feridas de flechas tinham sido sentidas sensa erant ab aquilis diuinis pelas águias divinas). 3. Solução aproximada: “As batalhas são tornadas públicas a sabedoria é expulsa do meio [do campo de batalha], as coisas são conduzidas pela força; o bom orador é desprezado, o soldado horrível é amado.”

171

Os pronomes em latim Neste capítulo serão estudados os pronomes mais importantes do latim, juntamente com as estruturas que são formadas através deles, uma vez que essa classe de palavras tem extrema importância nessa língua. Naturalmente, alguns pronomes ficarão de fora, mas a declinação da maior parte deles é bastante regular e segue um padrão facilmente reconhecível.

Pronomes pessoais Os pronomes pessoais em latim são os seguintes: Singular

Plural

Singular

Primeira pessoa

Singular/ Plural

Plural

Segunda pessoa

Terceira pessoa

Nominativo

ego

nōs



uōs



Acusativo



nōs



uōs



Genitivo

meī

nostrum/nostrī

tuī

uestrum/uestrī

suī

mihi (mī)

nōbīs

tibi

uōbīs

sibi



nōbīs



uōbīs



Dativo Ablativo

Sobre os pronomes pessoais, é importante aprender o seguinte:  Os pronomes de primeira e segunda pessoa frequentemente não são expressos da mesma forma que o são em português. Assim, é a morfologia verbal que nos diz se um verbo tem sujeito de primeira ou segunda pessoa. Quando o pronome pessoal aparece na posição de sujeito, ele tem a função de dar ênfase ou foco no sujeito. Ou seja, uma oração como seruum habeo já possui a informação da pessoa verbal na morfologia do próprio verbo e, portanto, significa “Eu tenho um escravo”. Quando acrescentamos o pronome ego no nominativo a essa oração, o significado se altera, e temos algo como “Eu mesmo tenho o escravo” ou “Sou eu quem tem o escravo”. O mesmo acontece com as formas de segunda pessoa e também com as formas de plural.

Os pronomes em latim

 Não há em latim um pronome equivalente ao pronome pessoal de terceira pessoa (como ele, ela). Essa função será preenchida pelos pronomes demonstrativos. As formas existentes de pronomes pessoais de terceira pessoa servem como pronomes reflexivos, sempre ligando-se ao sujeito do verbo que induz ao uso do pronome. Um exemplo seria dominus se uidet “O senhor vê a si mesmo/se vê”, diferente de uma forma como dominus eum uidet “O senhor vê ele/o vê”, sendo que o “ele” aqui é necessariamente uma outra pessoa que não o senhor, e é representada pelo pronome eum, que veremos a seguir.

Pronomes possessivos Os pronomes possessivos são pronomes que declinam exatamente como qualquer adjetivo de primeira classe, ou seja, como multus, multa, multum. Vejamos as suas entradas de dicionário: Primeira pessoa do singular: meus, mea, meum. Segunda pessoa do singular: tuus, tua, tuum. Primeira pessoa do plural: noster, nostra, nostrum (tema nostr-). Segunda pessoa do plural: uester, uestra, uestrum (tema uestr-). Reflexivo de terceira pessoa, singular e plural: suus, sua, suum. É importante ter em mente as seguintes questões:  O pronome possessivo é como o possessivo na língua portuguesa “meu”, “teu”, “vosso” etc. e, da mesma forma que em português, pode ser usado como adjetivo (seruus meus “o meu escravo”) ou como substantivo (meus “o meu”). Quando usado sozinho (e, portanto, como substantivo), o pronome pode levar consigo a significação ligada ao número e gênero em que está, ou seja: mea = “a minha (mulher)”, tuus = “o teu (homem)”, uestra (neutro plural) = “as vossas coisas”.  O vocativo de meus no masculino singular é a forma irregular mi.  O pronome possessivo reflexivo de terceira pessoa, assim como o pronome pessoal reflexivo, só se refere anaforicamente ao sujeito da oração.1 1

174

Ou seja, o referente do pronome é buscado atrás no texto.

Os pronomes em latim

Pronomes interrogativos e indefinidos Os pronomes interrogativos (quem? que? qual?) também podem ser usados como pronomes indefinidos (alguém, algum), por isso os veremos como se fossem um só pronome. A possibilidade do uso do pronome interrogativo como adjetivo ou como substantivo (“Que homem fez isso?” = pronome adjetivo vs. “Quem fez isso?” = pronome substantivo) e a possibilidade de algumas alternâncias nas formas dos pronomes por causa desses dois usos diferentes pode trazer alguma confusão. Por isso, sugerimos que esse pronome seja estudado com calma e damos alguns exemplos dos seus usos. Singular

Nominativo Acusativo

Masculino

Feminino

Neutro

Masculino

Feminino

Neutro

quī/quis

quae/quis

quod/quid

quī

quae

quae

quem

quam

quod/quid

quōs

quās

quae

quōrum

quārum

quōrum

Genitivo

cuius

Dativo

cui

Ablativo

Plural

quō

quā

quibus quō

quibus

Todas as formas no quadro podem ser pronomes interrogativos adjetivos ou substantivos. No entanto, nas células em que temos formas em negrito ou em tachado duplo, as em negrito são formas predominantemente adjetivas e as em tachado duplo, substantivas. Vejamos alguns exemplos de orações com pronomes interrogativos adjetivos e substantivos (as formas negrito e tachado duplo continuarão sendo usadas para identificar, respectivamente, as formas adjetivas e as substantivas). qui seruus stultior est quam Sōsia? “Que escravo é mais imbecil que Sósia?” quis est stultissimus seruōrum? “Quem é o mais estúpido dos escravos?” quae mulier regem amat? “Que mulher ama o rei?” quis regem amat? “Quem ama o rei?” (note-se que, como pronome interrogativo substantivo, quis pode ser nominativo singular tanto masculino quanto feminino. Se essa oração for entendida como uma paráfrase da anterior, quis será uma forma feminina, que poderemos traduzir como “que mulher”. Fora de contexto, há ambiguidade.) 175

Os pronomes em latim

quem regina amat? “Quem a rainha ama?” (aqui, o quem é masculino singular e, portanto, pressupõe-se que esse “quem” seja equivalente a “que homem”) quem regem regina amat? “Que rei a rainha ama?” quam rex amat? “Quem o rei ama?” (“quem” = “que mulher”) quam reginam rex amat? “Que rainha o rei ama?” Uma forma possível desse pronome é a forma aliquis, aliqua, aliquid (substantivo) e aliqui, aliqua, aliquod (adjetivo), que significam “alguém, alguma coisa, algo, algum”, e que seguem exatamente a declinação do interrogativo/indefinido quis/qui, quis/qua, quod/quid, mas com o infixo ali-. É dessas formas que historicamente deriva o nosso pronome indefinido “alguém, algum, algo”. Há ainda o pronome indefinido quidam, quaedam, quoddam “um, uma, um certo, uma certa” (usado quando um referente ainda não apareceu no texto, o mais próximo que o latim tinha do nosso artigo indefinido). Singular

Nominativo Acusativo

Masculino

Feminino

Neutro

Masculino

Feminino

Neutro

quidam

quaedam

quoddam / quiddam

quīdam

quaedam

quaedam

quendam

quandam

quoddam / quiddam

quōsdam

quāsdam

quaedam

quōrundam

quārundam

quōrundam

cuiusdam

Genitivo

cuidam

Dativo Ablativo

Plural

quōdam

quādam

quibusdam quōdam

quibusdam

Como se pode notar, trata-se do pronome qui, quae, quod (interrogativo) com o sufixo -dam, que dá a ideia de indefinição. As flexões das declinações estão antes da forma sufixada, que não varia, gerando um tipo de pronome que recebe flexão no meio da palavra. Por isso, por exemplo, há mudança fonética do tipo quem quendam, motivada pelo ponto de articulação da consoante d, que empresta seus traços para o som imediatamente anterior.

Pronomes demonstrativos Há diversos pronomes demonstrativos em latim, dos quais os mais comuns são os que servem para fazer referência anafórica a antecedentes textuais, cum176

Os pronomes em latim

prindo tanto as funções do nosso pronome pessoal de terceira pessoa (que, como vimos, não existe em latim) quanto as funções dos nossos demonstrativos esse, essa, este, esta, aquele, aquela, aquilo, aquele etc. Veremos inicialmente o pronome is, ea, id, que funciona tanto como “este, esta, isto” (junto de mim) quanto como “aquele, aquela, aquilo” (junto dele), além de servir como pronome átono anafórico “o, a, os, as”: Singular

Nominativo Acusativo

Masculino

Feminino

Neutro

Masculino

Feminino

Neutro

is

ea

id

eī / iī

eae

ea

eum

eam

id

eōs

eās

ea

eōrum

eārum

eōrum

Genitivo

eius

Dativo



Ablativo

Plural





eīs / iīs



eīs / iīs

Assim como os pronomes já vistos, os demonstrativos podem funcionar isolados (como substantivos) ou juntamente com um nome (como adjetivos).2 Quando isolados, significam “esse homem”, “essa mulher”, “essa coisa/isso”, ou seja, pressupõem a existência de um substantivo que viria junto, mas que se dá apenas via marcação de número e gênero. Passemos agora ao segundo demonstrativo, o pronome hic, haec, hoc, que possui a significação mais próxima do nosso “este, esta, isto (perto de mim)”.

Singular

Nominativo Acusativo

Masculino

Feminino

Neutro

Masculino

Feminino

Neutro

hic

haec

hoc



hae

haec

hunc

hanc

hoc

hōs

hās

haec

hōrum

hārum

hōrum

Genitivo

huius

Dativo

huic

Ablativo

Plural

hōc

hāc

hīs

hōc

hīs

2

Essa questão, inclusive, apresenta uma das inadequações da gramática tradicional quando discute as definições das classes de palavras. Mais especificamente, quanto ao pronome, a gramática tradicional em geral costuma apresentar a definição “é a classe de palavras que substitui o nome”, que só é verdadeira em parte: quando funciona como um adjetivo, um pronome não substitui o nome, e sim funciona junto com ele, predica sobre ele, modifica-o.

177

Os pronomes em latim

Esse pronome, assim como o is, ea, id, costuma funcionar como demonstrativo para coisas próximas do interlocutor e como anafórico de terceira pessoa. Ambos, em construções de sequência de vários antecedentes, referem-se ao que foi mencionado por último, ou seja, ao mais próximo do momento da fala (em oposição ao que foi mencionado primeiro, mais distante do momento da fala – em geral, ille, illa, illud “aquele, aquela, aquilo”, que veremos a seguir). Vejamos então o pronome que costuma se referir como demonstrativo a algo mais próximo do locutor, ou seja, o nosso “esse, essa, isso (perto de ti)”. Trata-se do pronome iste, ista, istud. Vejamos a sua declinação: Singular

Nominativo Acusativo

Masculino

Feminino

Neutro

Masculino

Feminino

Neutro

iste

ista

istud

istī

istae

ista

istum

istam

istud

istōs

istās

ista

istōrum

istārum

istōrum

Genitivo

istīus

Dativo

istī

Ablativo

Plural

istō

istā

istīs istō

istīs

O pronome seguinte, naturalmente, será o que significa “aquele, aquela, aquilo (perto dele, dela)”. Trata-se do ille, illa, illud. Passemos à sua declinação: Singular

Nominativo Acusativo

Masculino

Feminino

Neutro

Masculino

Feminino

Neutro

ille

illa

illud

illī

illae

illa

illum

illam

illud

illōs

illās

illa

illōrum

illārum

illōrum

Genitivo

illīus

Dativo

illī

Ablativo

Plural

illō

illā

illīs

illō

illīs

Esse é o pronome que costuma ser usado apenas para coisas mais distantes do interlocutor, mais próximas de uma terceira pessoa do que do locutor ou do interlocutor. Esse é, também, o pronome utilizado para se fazer referência ao referente mais afastado, quando há dois possíveis referentes. Vejamos alguns exemplos que envolvam vários demonstrativos: a) is eam amat. 178

Ele a ama. / Este (homem) ama esta (mulher).

Os pronomes em latim

b) is homo eam mulierem amat. c) ille seruus est.

Este homem ama esta mulher.

Aquele (homem) é um escravo.

d) ille homo seruus est.

Aquele homem é um escravo.

e) rex seruum habet. hic pauper, ille diues est. aquele é rico.

O rei tem um escravo. Este é pobre,

Na primeira e na terceira frase, o pronome demonstrativo é usado isoladamente, como substantivo, enquanto que na segunda e na quarta frases, ele modifica um substantivo e, portanto, funciona como adjetivo. Na última frase temos um exemplo do uso de pronomes demonstrativos correlativos em referências anafóricas aos referentes mais próximos (“este” = is, ea, id / hic, haec, hoc) versus os mais distantes (“aquele” = ille, illa, illud).

Pronomes relativos Os pronomes relativos em latim se parecem bastante com as formas do interrogativo qui/quis, quae/quis, quod/quid. Vejamos as formas: Singular

Nominativo Acusativo

Masculino

Feminino

Neutro

Masculino

Feminino

Neutro

quī

quae

quod

quī

quae

quae

quem

quam

quod

quōs

quās

quae

quōrum

quārum

quōrum

Genitivo

cuius

Dativo

cui

Ablativo

Plural

quō

quā

quibus / quīs

quō

quibus / quīs

Os pronomes relativos em latim funcionam exatamente como em português, com uma única diferença ligada a uma questão de concordância. Como as formas nominais latinas apresentam casos, deveremos aprender como os pronomes relativos recebem as informações de gênero, número e caso. A função de um pronome relativo é possibilitar que uma expressão oracional seja transformada em um adjetivo de um substantivo de uma outra oração. Em termos mais simples, se na expressão “Lá está o escravo pobre” a expressão adjetival em negrito funciona como adjetivo predicando algo a respeito da forma nominal “escravo”, dizendo que se trata de um escravo pobre, e não de qualquer outro 179

Os pronomes em latim

escravo, essa mesma expressão em negrito poderia ser reescrita como “que não tem dinheiro”, gerando uma sentença com um sentido muito próximo: “Lá está o escravo que não tem dinheiro.” Assim, a expressão incompleta “não tem dinheiro” pode ser aproveitada como uma expressão adjetiva se a expressão “que” unir “não tem dinheiro” a “escravo”, ligando as duas ao substantivo modificado. Para começarmos a entender a maneira de construir as orações relativas em latim, passemos ao ponto mais importante: em português, há poucas variações possíveis para o “que” relativo: há formas como “cujo, cuja, o qual, a qual”, que cumprem papéis importantes, a depender da função que exercem dentro da estrutura relativa. Por exemplo, na oração já dada como exemplo, o “que” em “que não tem dinheiro” funciona como sujeito do verbo “tem” da oração subordinada introduzida pelo “que”. O processo é mais ou menos o seguinte: Lá está o escravo1. O escravo1 não tem dinheiro. Lá está o escravo1 [que1 não tem dinheiro] (o número subscrito serve para mostrar que há correferencialidade entre os termos). Uma oração relativa na qual o “que” fosse objeto direto poderia ser: Lá está o escravo1. Eu vi o escravo1.

Lá está o escravo1 [que1 eu vi ___ 1].

Transformando essas sentenças em sentenças latinas, perceberemos que o “que”, antes não flexionado, precisará receber flexões de número, gênero e caso. Vejamos os exemplos: Versão “que” de sujeito: ibi est seruus1. seruus1 pecuniam non habet. non habet].

ibi est seruus1 [quī1 pecuniam

Versão “que” de objeto: ibi est seruus1. uidi seruum1. ibi est seruus1 [quem1 uidi]. (Lá está o escravo. Eu vi o escravo Lá está o escravo que eu vi). Como podemos perceber, no primeiro caso, usamos o quī pois o antecedente do pronome (a expressão que ele retoma da oração principal, que, nos exemplos, aparece ligada a eles pelo índice numérico) é masculino e singular. O caso do pronome relativo, no entanto, não é dependente do seu antecedente, e sim da função que o pronome exerce dentro da oração relativa. Assim, no primeiro exemplo temos quī no nominativo porque o pronome exerce a função de sujeito dentro da oração relativa e, no segundo, temos quem, pois o pronome exerce a função de objeto direto dentro da oração relativa. O seguinte diagrama ajudará a entender melhor a atribuição de gênero, número e caso ao pronome relativo: 180

Os pronomes em latim

ibi est seruus1

[quī1



gênero: masculino



número: singular

pecuniam non habet.]



caso: nominativo

ibi est seruus1

[quem1



gênero: masculino



número: singular

uidi.]



caso: acusativo

E agora um exemplo completamente diferente, com um novo tipo de pronome relativo: ibi sunt feminae1

[quārum1



gênero: feminino



número: plural

pecuniam uolo.]



caso: genitivo

Nessa oração, temos um pronome relativo no genitivo, e a tradução poderia ser: “Lá estão as mulheres cujo dinheiro eu quero” ou “Lá estão as mulheres das quais eu quero o dinheiro”. Haverá, portanto, muitas possibilidades de construção de orações relativas, mas todas seguirão as regras básicas de construção: (i) o pronome recebe informação de número e gênero do seu antecedente e (ii) o pronome recebe informação de caso vinda da função que ele exerce dentro da oração relativa. Vejamos mais alguns exemplos de orações relativas: rex dicit mala uerba [quae non audiui]. O rei disse palavras más, [as quais eu não ouvi] (quae: acusativo plural neutro). 181

Os pronomes em latim

milites pugnant in agro [quō ambulo]. Os soldados lutam no campo [pelo qual eu caminho] (quō: ablativo singular masculino). rex uidit reginam [cui multa uerba dixit]. O rei viu a rainha [a quem disse muitas palavras] (cui: dativo singular feminino). Assim, para encerrar este capítulo que apresentou tantos pronomes aparentemente diferentes, seria importante fazer notar que, apesar de algumas diferenças no significado, que precisam ser aprendidas, e apesar das novas construções permitidas pelos pronomes, há muito na declinação deles que é comum à maioria dos pronomes e, portanto, o estudo dos quadros simultaneamente, procurando e anotando semelhanças e diferenças principais, pode trazer muito mais clareza sobre suas formas e usos.

Texto complementar Veremos a seguir uma cena de uma comédia latina muito famosa, o Anfitrião, de T. Maccius Plautus (Plauto), nascido por volta de 254 a.C. e falecido por volta de 184 a.C. Essa comédia se inscreve na tradição da Comédia Nova latina, que imitava originais gregos da comédia de autores do século IV e III a.C., como Menandro, e faz parte do período de formação da literatura latina. O enredo envolve personagens mitológicos (Júpiter e Mercúrio) e personagens pertencentes ao ciclo tebano da mitologia grega: Anfitrião, casado com Alcmena, é general do rei Creonte de Tebas e está liderando o exército contra os Teleboanos. Aproveitando-se dessa ocasião, Júpiter, famoso por seus muitos casos extraconjugais, assume as feições do general e visita Alcmena, para com ela passar a noite mais longa de todas (Júpiter ordena que a deusa Noite permaneça até que ele ordene o contrário). Alcmena já estava grávida de Anfitrião, mas Júpiter a faz duas vezes grávida, e o filho que nasce dessa relação clandestina é nada menos que Hércules, o famoso herói grego. Para conseguir levar a cabo tal feito clandestino, Júpiter pede a Mercúrio, seu fiel ajudante nesse tipo de empreitada, que se faça similar ao escravo da casa, o estúpido Sósia. Na cena que leremos abaixo, Sósia está retornando para casa para narrar a Alcmena a vitória do marido, e anunciar que em breve Anfitrião retornará. No entanto, Sósia encontra um símile de si que bloqueia sua entrada, enquanto, dentro da casa, um outro Anfitrião está com Alcmena. A cena é antológica, e Mercúrio conseguirá convencer Sósia de que ele deixou de ser ele mesmo.

182

Os pronomes em latim

Essa peça foi tão lida, apreciada e imitada que até mesmo Camões tem um Auto dos Enfatriões e, no século XX, o dramaturgo brasileiro Guilherme Figueiredo escreveu uma peça ainda mais burlesca, chamada Um deus dormiu lá em casa. Entre as realizações mais interessantes dessa peça, dado seu vigor e recepção posterior, estão as nominalizações do nome próprio Sósia, que passa a significar “o símile, o outro que é igual”, e do nome próprio Anfitrião, que passa a significar “aquele que recebe em sua casa”. SÓSIA: Quem haverá mais audaz e mais confiante do que eu, que bem sei dos costumes da juventude e que ando sozinho noite fora? Que vou eu fazer se os triúnviros me meterem na cadeia? Amanhã tiram-me da cela e levam-me para as chicotadas sem mesmo deixarem que me defenda; nenhum socorro tenho a esperar de meu dono e não haverá ninguém que não ache que mereço o castigo. Oito homens fortes malhariam em mim como se eu fosse uma bigorna. E era com essa hospitalidade que eu seria recebido ao regressar. Mas a tudo isto me obrigou a impaciência de meu amo que me levou a sair do porto, sem eu querer, ainda de noite. Não é verdade que ele me poderia ter mandado de dia? Mas é duro servir um homem rico. O escravo do opulento é o mais infeliz de todos. De noite e de dia tem sempre alguma coisa que se faça, alguma coisa que se tem de realizar ou de dizer, só para que se não esteja quieto. Um amo rico e que não tem experiência nem de trabalho, nem de fadigas, julga que se pode fazer tudo o que lhe vem à cabeça; pensa que tudo está certo e não se importa com o trabalho que possa dar. E nem vai sequer refletir se é justo ou injusto aquilo que mandou. É por isso que quem serve tem de esperar muita injustiça; mas é uma carga que se tem de suportar e de aguentar, qualquer que seja o trabalho que dê. MERCÚRIO (à parte): O mais acertado era ser eu a queixar-me deste modo da servidão, sempre fui livre, exceto hoje. Mas a ele já o pai o fez escravo; nasceu servindo, e ainda se queixa. Mas realmente só sou escravo de nome. SÓSIA: O que eu pensava ao chegar era dar graças aos deuses, era mostrar-lhes alguma gratidão pelos favores que me fizeram. Por Pólux! Se eles tencionassem recompensar-me pelos meus méritos com certeza arranjariam alguém para me partir a cara à chegada: de fato, sempre fui ingrato, nunca dei importância ao bem que me fizeram. MERCÚRIO (à parte): Este faz o que não é costume: sabe o que merece. SÓSIA: Aconteceu aquilo que eu não esperava, nem esperou nenhum dos nossos patrícios: voltar são e salvo à nossa terra. O exército regressa vitorioso,

183

Os pronomes em latim

depois de derrotado o inimigo, depois de terminada esta enorme guerra e de destruir os adversários, que tinham causado tantos desastres ao povo tebano. A cidade foi vencida e tomada de assalto pelo ímpeto, pelo valor dos nossos soldados sob o comando e a guia de meu amo, Anfitrião. Distribuiu aos seus concidadãos os despojos, as terras, e o cereal. E garantiu o seu trono a Creonte, rei de Tebas. Mesmo do porto mandou-me a casa, à sua frente, para anunciar tudo isso à mulher, a forma por que ele salvou o Estado com o seu comando, as suas ordens, a sua guia. E eu agora estou a pensar de que maneira lho hei de dizer quando chegar lá. Se eu disser mentiras, não procederei senão segundo o meu costume. Quando eles combatiam com toda a coragem, fugia eu o mais que podia e, no entanto, tenho de fingir que estive lá e contar-lhe o que ouvi. Mas o que eu desejo meditar a sós comigo é de que modo e com que palavras me convém mentir; o que eu vou fazer é falar assim. Primeiro, logo que lá chegamos, e mal se desembarcou, escolheu Anfitrião os chefes principais e nomeou-os seus delegados, dando-lhes ordem de comunicar aos teléboas as suas determinações: se eles quisessem, sem violência e sem guerra, entregar os raptores e o raptado, se restituíssem o que tinham levado, imediatamente ele faria regressar o exército, os argivos abandonariam o campo e ele lhes daria sossego e paz. Mas que se outra fosse a sua intenção, que se não dessem aquilo que ele pedia, ele então tomaria de assalto com toda a violência e todo o seu exército a sua cidade. Quando aqueles que Anfitrião tinha enviado disseram estas coisas por sua ordem aos teléboas, logo os outros, homens corajosos, confiados nas suas forças e no seu valor, e altivos, insultam os nossos delegados com toda a violência; respondem que podiam muito bem guardar-se pelas armas, a si e aos seus e que, portanto, tratassem de retirar o exército dos seus territórios, o mais depressa possível. Quando os delegados vieram comunicar isso, Anfitrião mandou sair imediatamente do acampamento todo o seu exército; por seu lado os teléboas formam as suas legiões fora da cidade, todas equipadas de armas esplêndidas. Depois que duma banda e doutra saiu uma grande quantidade de gente, ficaram dispostos os homens e ficaram dispostas as formações: nós dispusemos as tropas segundo a nossa maneira, o nosso costume, e por seu turno fazem o mesmo os Inimigos com as legiões que lhes pertencem. Depois ambos os comandantes se dirigem ao meio para além das linhas e falam um com o outro; concordam em que os vencidos nessa batalha entreguem a cidade, o campo, os altares, os lares, e a si próprios se entregam. 184

Os pronomes em latim

Depois de feito isso, soam as trombetas de um e de outro lado e em resposta a terra ecoa; levanta-se um clamor de ambos os lados e de ambos os lados faz o general seus votos a Júpiter e exorta o seu exército. Então cada um mostra aquilo que pode o seu valor, e fere com o ferro; passam os dardos, reboa o céu com o clamor dos homens; forma-se uma nuvem com o seu fôlego, o seu bafo; caem prostrados pela violência das feridas e dos encontros. Finalmente, como era nossa vontade, o nosso exército sai vencedor; os inimigos caem em grande número, e os nossos se lançam ao ataque. Vencemos pela nossa coragem terrível. Todavia, ninguém se põe em fuga, ninguém recua do seu lugar, mas ali combate; prefere morrer a recuar um passo; cada um fica jazendo no lugar em que estivera e morre no seu posto. Logo que Anfitrião, meu amo, viu tudo isso, imediatamente mandou a cavalaria atacar pela direita. Os cavaleiros obedecem logo e com grande clamor, com violento ímpeto, voam pela direita e derrotam, destroem com toda a justiça as injustas tropas inimigas. MERCÚRIO (à parte): Até agora ainda ele não disse mentira nenhuma: eu e meu pai estávamos lá, enquanto se combatia. SÓSIA: Os inimigos põem-se então em fuga, o que aumenta o ardor dos nossos; os teléboas que fugiam ficam com os corpos cobertos de dardos e o próprio Anfitrião matou com suas mãos el rei Ptérela. Combateu-se desde manhã até à noite, coisa que me lembro perfeitamente porque nesse dia não jantei. Por fim, a noite chegou e com sua intervenção decidiu o combate. No dia seguinte, vieram os chefes inimigos, da cidade para o acampamento para falar conosco; vinham chorando e, erguendo as mãos, pediam que lhes perdoássemos os seus erros. E todos eles se entregam, com os seus bens, com os seus deuses, com a cidade e com os filhos, ao arbítrio e à vontade do povo tebano. Depois foi entregue a meu amo, Anfitrião, por causa de sua coragem, uma taça de ouro por onde o rei Ptérela costumava beber. É isto o que eu vou dizer à senhora. E agora tenho de cumprir as ordens de meu amo e de entrar em casa. MERCÚRIO (à parte): Que é lá isso? Entrar em casa? Vou-lhe já ao encontro. Hoje não vou deixar que este homem entre em casa e como tenho o seu aspecto acho que vou brincar um bocado com ele. E, assim como lhe tomei a forma e as ocupações, também tenho que praticar os mesmos feitos e mostrar os mesmos costumes. Tenho de ser ruim, esperto, astuto e de afastá-lo da porta com a malícia, que é a sua arma especial. Mas que é isso? Está a olhar para o céu! Vou ver o que é que ele está a fazer. SÓSIA: O que eu sei, ao certo, por Pólux, se há alguma coisa que eu realmente 185

Os pronomes em latim

saiba ao certo, ou creia saber, é que me parece que esta noite Vésper se embriagou e se deixou dormir. Efetivamente nem as estrelas da Ursa se mexem no céu, nem a lua se move do lugar onde nasceu. Nem Orionte, nem Vênus, nem as Plêiades vão para o poente. Todas as estrelas estão paradas e a noite não cede o lugar ao dia. MERCÚRIO (à parte): Vamos, noite, continua como começaste, faze a vontade a meu Pai; fazes otimamente uma coisa ótima a uma ótima pessoa. Vais ver como ganhas! SÓSIA: Eu acho que nunca vi noite maior do que esta, a não ser quando estive pendurado a apanhar chicotadas. No entanto, por Pólux! esta noite ainda me parece maior. Por Pólux! acho que o sol está dormindo por ter bebido em excesso e muito me admiraria se ele não tivesse ceado hoje um bocadinho a mais. MERCÚRIO (à parte): Ah é isso o que tu dizes, meu patife! Julgas que os deuses são iguais a ti? Por Pólux! hoje é que eu te vou dar o que mereces pelos teus ditos e malefícios, grande malandro! Anda cá, se queres ver o que te acontece. SÓSIA: Onde estão esses pândegos que ficam deitados sozinhos e de má vontade? Isto é que é noite para se passar com moças e lhes fazer ganhar dinheiro! MERCÚRIO (à parte): Então meu Pai está a proceder muito bem segundo a opinião deste homem, visto que está deitado com Alcmena, abraçando-a e amando-a, segundo sua vontade. SÓSIA: Pois lá vou, segundo as ordens de meu amo, a dar a notícia a Alcmena. (Percebendo Mercúrio.) Mas que homem é esse que eu vejo, assim de noite, diante da porta? Não me agrada nada. MERCÚRIO (à parte): Nunca vi ninguém com tanto me­do. SÓSIA (à parte): Quem será? Vem-me agora à ideia que ele é capaz de julgar que tem algum conserto a fazer-me no manto. MERCÚRIO (à parte): O homem está com medo; vou brincar com ele. SÓSIA (à parte): Estou perdido! Até tenho comichão nos dentes! Acho que ele me vai mesmo receber a soco! Naturalmente por bondade: como o amo me deu ordem de ficar acordado, ele me fará dormir com os punhos. Ai que estou mesmo morto! Por favor! Por Hércules! Que tamanho! Como é forte! MERCÚRIO (à parte): Agora vou falar alto para ele ouvir o que digo, o que o fará ter um medo ainda muito maior. (Alto.) Vamos, punhos! Já há muito tempo que vós não dais comida para a barriga; e já me parece que foi há muito tempo, quando foi ontem, que vós pusestes a dormir, e nus, aqueles quatro homens. 186

Os pronomes em latim

SÓSIA (à parte): Do que eu estou com medo é de ter que mudar de nome e passar de Sósia a Quinto1. Ele gaba-se de ter feito adormecer quatro homens! Estou com muito receio de ir aumentar o número! MERCÚRIO (na atitude de quem se prepara para bater): Olá! Vamos embora! Toca a recebê-lo! SÓSIA (à parte): Já está a arregaçar-se, já está a preparar-se! MERCÚRIO (à parte): Quem apanhar, não aguenta! SÓSIA (à parte): Mas quem? MERCÚRIO: Quem vier, seja quem for, há de comer-me os socos! SÓSIA (à parte): O quê? Agora assim de noite? Não! Acabei de cear, o melhor é tu ires oferecer essa ceia a quem esteja com fome! MERCÚRIO (à parte): O peso deste punho não é nada mau. SÓSIA (à parte): Estou perdido! Está pesando os punhos! MERCÚRIO: E se eu lhe tocar um bocadinho, a ver se ele dorme? SÓSIA (à parte): Isso é que era favor! Há três noites seguidas que estou acordado. MERCÚRIO: Mas isto é uma coisa horrível! Esta mão não sabe senão bater à bruta; será que tem sempre que ficar doutro feitio tudo aquilo em que tocas? SÓSIA (à parte): Então este homem não se vai pôr a trabalhar em mim? Quer fazer-me outra cara...! MERCÚRIO (à parte): Cara em que tu bateres a jeito, tem de ficar logo sem ossos! SÓSIA (à parte): Olha agora! Está pensando em tirar-me os ossos, como se eu fosse uma moreia! Oxalá estivesse bem longe quem assim desossa gente! Se ele me vê, estou perdido! MERCÚRIO (à parte): Sinto o cheiro dum desgraçado! SÓSIA (à parte): Será que eu deitei algum fedor? MERCÚRIO: Acho que não deve estar longe. (Com ironia ameaçadora:) E já esteve longe... SÓSIA (à parte): Mas este homem adivinha! MERCÚRIO (à parte): Até as mãos já mexem! SÓSIA (à parte): Pois se as vais exercitar em mim, o melhor era amansá-las primeiro na parede. MERCÚRIO (à parte): Houve uma voz que voou até aos meus ouvidos. 1

Quinto era efetivamente um nome próprio romano e designava primitivamente o quinto filho.

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Os pronomes em latim

SÓSIA (à parte): Ai que pena que foi não lhe ter cortado as asas; tenho voz de pássaro! MERCÚRIO (à parte): Parece que este homem veio procurar carga para o burro. SÓSIA (à parte): Mas eu não tenho burro nenhum! MERCÚRIO (à parte): Pois vai levar uma carga de socos! SÓSIA (à parte): Estou cansado do navio que me trouxe aqui; ainda sinto o enjoo. Mal posso andar. Como é possível que ainda me queiram carregar. MERCÚRIO (à parte): Não sei quem anda a falar por aqui. SÓSIA (à parte): Estou Salvo. Ele não me vê. Julga que anda a falar o Não-sei-quem. Ora, eu chamo-me Sósia. MERCÚRIO (à parte): Parece que a voz me chegou agora da direita. SÓSIA (à parte): Se a voz lhe chegou da direita, lá me vai ele chegar a mim em vez de à voz. MERCÚRIO: Ora muito bem, aqui vem ele. SÓSIA (à parte): Estou cheio de medo, estou entorpecido de todo. Se alguém me perguntasse eu nem poderia dizer em que lugar estou da terra; e ai de mim, é tanto o medo que nem me posso mexer! Lá morrem juntos Sósia e os recados do amo! Mas o que tenho de fazer é de lhe replicar com coragem; talvez eu lhe pareça bastante forte para não me pôr as mãos. (Anfitrião, ato II, cena I)

Dica de estudo Consulte algumas gramáticas e estude o funcionamento dos pronomes na nossa língua. Depois compare com os pronomes latinos.

Atividades 1. Com o poema de Catulo a seguir podemos estudar vários tipos de pronomes. Leia atentamente o texto e procure identificar a forma dos pronomes grifados (dando número, caso, gênero e tipo):

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Os pronomes em latim

Miser Catulle, desinas ineptire, et (1) quod uides perisse perditum ducas. Fulsere quodam candidi tibi soles, cum uentitabas quo puella ducebat amata nobis quantum amabitur nulla. Ibi illa multa tum iocosa fiebant, (2) quae tu uolebas nec puella nolebat. Fulsere uere candidi tibi soles. Nunc iam illa non uolt; tu quoque, inpotens, noli, nec (3) quae fugit sectare, nec miser uiue, sed obstinata mente perfer, obdura. Vale, puella. Iam Catullus obdurat, nec te requiret nec rogabit inuitam; at tu dolebis, cum rogaberis nulla. Scelesta, uae te; (4) quae tibi manet uita! (5) Quis nunc te adibit? (6) Cui uideberis bella? (7) Quem nunc amabis? (8) Cuius esse diceris? (9) Quem basiabis? (10) Cui labella mordebis? At tu, Catulle, destinatus obdura.

Meu pobre Catulo, põe um termo neste delirar e considera perdido (1) o que vês que se perdeu. Em tempos passados sóis luminosos brilharam quando tu, constantemente, corrias para onde te chamava a jovem por nós tão amada quanto nenhuma outra será jamais amada. Nestes encontros então aconteciam aqueles inumeráveis momentos de prazer: (2) o que tu querias a jovem também não o deixava de querer. Sóis luminosos realmente brilharam para ti. Hoje, porém, ela já não quer mais. Também tu, incapaz de te conteres, não queiras mais, não persigas (3) aquela que te foge, não vivas infeliz, mas conserva inflexível teu espírito, resiste. Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste, não mais irá te procurar, não mais te convidará a um encontro, se não o desejares. Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada. Ai de ti, infeliz. (4) Que vida te está reservada? (5) Que homem irá ter contigo? (6) A quem parecerás bela? Agora (7) a quem amarás? (8) A quem dirão que pertences? (9) A quem beijarás? (10) De quem morderás os lábios? Mas tu, Catulo, resiste.

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Os pronomes em latim

2. Preencha o quadro abaixo com as formas flexionadas corretas dos pronomes de acordo com o substantivo com o qual eles devem concordar, dado na primeira coluna. Cuidado com as possíveis ambiguidades. is, ea, id

hic, haec, hoc

ille, illa, illud

feminam dominōrum miles seruīs uerba aedī

3. Traduza as seguintes orações: a) regina se amat.

b) ille coquus tibi haec uerba dixit.

c) ille seruus suum regem non uidet.

d) eae aedes dabuntur militibus quī bene pugnant.

e) nōs necamus hostes quōs uidimus.

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iste, ista, istud

qui, quae, quod

Os pronomes em latim

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. (1) quod – neutro singular acusativo pronome relativo. (2) quae – neutro plural acusativo pronome relativo. (3) quae – feminino singular nominativo pronome relativo. (4) quae – feminino singular nominativo pronome relativo.

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Os pronomes em latim

(5) quis – masculino singular nominativo pronome interrogativo. (6) cui – masculino/feminino singular dativo pronome interrogativo. (7) quem – masculino singular acusativo pronome interrogativo. (8) cuius – feminino singular genitivo pronome interrogativo. (9) quem – masculino singular acusativo pronome interrogativo. (10) cui – masculino/feminino singular dativo pronome interrogativo. 2. is, ea, id

hic, haec, hoc

ille, illa, illud

iste, ista, istud

qui, quae, quod

eam

hanc

illam

istam

quam

eōrum

hōrum

illōrum

istōrum

quōrum

miles

is

hic

ille

iste

qui

seruīs

eīs

hīs

illīs

istīs

quibus

uerba

ea

haec

illa

ista

quae

eī / eā (dat ou abl)

huic / hāc

illī / illā

istī / istā

cui / quā

feminam dominōrum

aedī

3. a) regina se amat (A rainha se ama). b) ille coquus tibi haec uerba dixit (Aquele cozinheiro disse estas palavras para você). c) ille seruus suum regem non uidet (Aquele escravo não vê o seu rei). d) eae aedes dabuntur militibus quī bene pugnant (Aquela casa será dada para os soldados que lutam bem).

aedes, ium: templo (no singular) e casa (no plural).

e) nōs necamus hostes quōs uidimus (Nós mesmos matamos os inimigos que vimos). – nōs dá ideia de ênfase.

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Os pronomes em latim

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Conjunções: coordenação e subordinação Neste capítulo veremos as principais conjunções, divididas em dois tipos básicos: as coordenativas e as subordinativas. As conjunções coordenativas serão vistas com exemplos de sentenças em latim; já as conjunções subordinativas serão analisadas conforme o tipo de estrutura de subordinação, que serão explicadas separadamente. Por fim, veremos um tipo especial de subordinação feita sem o uso de conjunções, que estabelece o tipo de construção chamada acusativo com infinitivo.

Conjunções A classe de palavras das conjunções se constitui de palavras que jamais se flexionam e que têm como função ligar duas estruturas do mesmo tipo. Por exemplo, uma conjunção como “e” pode ligar um substantivo a outro, um verbo a outro, uma sentença a outra. A maior parte das conjunções que veremos liga sentenças (completas ou incompletas) entre si. Muitas das conjunções que estudaremos aqui podem ser aproximadas do seu equivalente em português, ou pelo uso ou pela etimologia.

Conjunções coordenativas As conjunções coordenativas são aquelas que ligam duas orações, mas mantêm relativa independência sintática entre elas. Quando dizemos “Pedro comeu” e “Pedro dormiu” temos duas sentenças isoladas, que podemos ligar por uma conjunção “e”, gerando uma sentença que ainda mantém a independência das duas orações: “Pedro comeu e dormiu”. Esse tipo de coordenação, portanto, estabelece algumas relações simples, como adição, contraste, disjunção, conclusão ou causa/explicação. O resultado pode ser separado em duas sentenças sintaticamente completas.

Conjunções: coordenação e subordinação

Conjunções aditivas a) et, ac, -que, atque: “e” Essas conjunções são as conjunções coordenativas simples que significam “e”. Vejamos exemplos: seruum et dominum uideo.

Eu vejo o escravo e o senhor.

seruum dominumque uideo.

Eu vejo o escravo e o senhor.

O segundo exemplo nos mostra uma característica interessante da conjunção -que. Trata-se, na verdade, de uma espécie de sufixo que, acrescentado ao último elemento de uma lista, funciona como a conjunção “e” da língua portuguesa. Como partícula enclítica ligada ao elemento coordenado, o -que modifica o padrão acentual da palavra à qual se liga, pois passa a ser a última sílaba, atraindo o acento para a penúltima. Assim, por exemplo, o acento em dóminum, antes na antepenúltima, agora cai em dominúmque, uma vez que o encontro consonantal mq transforma a vogal anterior em vogal longa, o que favorece a atribuição do acento para uma penúltima sílaba quando longa. b) etiam, quoque, et: “também” A conjunção quoque aparece, via de regra, após a primeira palavra da sentença. A conjunção et com sentido de “também” pode ser distinguida daquela com sentido de “e” quando aparece na primeira posição de uma sentença, sem ligar dois ou mais elementos. Vejamos exemplos: domini diuites sunt. reges quoque. / et reges. também.

Senhores são ricos. Reis

c) nec, neque: “nem”, “e não” seruum non uideo nec dominum uoco. senhor.

Não vejo o escravo nem chamo o

d) et... et: “tanto... quanto” Essa sequência, como várias outras sequências de conjunções, constitui o que chamamos de conjunções correlativas, pois estabelece um tipo de significado sempre que as duas conjunções integrantes da sequência ocorrem no mesmo período. Nesse caso, temos ainda mais um uso da mesma conjunção et. Vejamos um exemplo: 196

Conjunções: coordenação e subordinação

Vejo tanto o escravo quanto o senhor.

et seruum et dominum uideo.

e) cum... tum, non solum... sed etiam: “não só... mas também...” Trata-se de ainda outras correlativas aditivas. Vejamos um exemplo: non solum milites hostes pugnauerunt, sed etiam eos necauerunt. Não somente os soldados lutaram contra os inimigos, mas também os mataram.

Conjunções adversativas a) at, sed, uerum: “mas”, “mas, pelo contrário,...” Essas são as conjunções adversativas mais básicas, correspondentes ao nosso “mas”. Vejamos um exemplo: serui pauperes sunt, sed habent diuites dominos. têm senhores ricos.

Escravos são pobres, mas

b) uero, autem, tamen: “porém, todavia” A conjunção autem é mais um exemplo de conjunção pospositiva, como quoque, ou seja, ela aparece como segunda palavra de uma oração. Exemplo: milites boni sunt. ego autem eos timeo. temo.

Militares são bons. Eu, porém, os

Conjunções disjuntivas a) aut, uel, siue, -ue: “ou”; seu... seu: “ou... ou”, “quer... quer” Essas são as conjunções que significam “ou” em português. A nossa palavra “ou”, como percebemos, inclusive, descende diretamente da forma aut (assim como o nosso “e” é claramente derivado do et latino). Assim como a forma enclítica aditiva -que “e”, o -ue é uma partícula acrescentada ao final do último elemento da disjunção. Vejamos dois exemplos com o mesmo significado: argentum aut aurum uolo. argentum aurumue uolo.

Eu quero prata ou ouro. Eu quero prata ou ouro.

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Conjunções: coordenação e subordinação

Conjunções conclusivas a) ergo, igitur: “portanto, logo” A conjunção igitur também faz parte do conjunto das conjunções que aparecem na segunda posição da oração, como autem e quoque. Vejamos exemplos de uso dessas conjunções conclusivas: cogito ergo sum.

Penso, logo existo.

seruus dominum timet. ille igitur fugit. ele foge.

O escravo teme o senhor. Portanto,

Conjunções causais/explicativas a) nam, enim: “pois”, “porque” Dessas duas conjunções importantíssimas, enim também é pospositiva, e aparece sempre na segunda posição da sentença. Vejamos exemplos de conjunções coordenativas causais: ille rex filios non habet, nam regina non uult. a rainha não quer.

Aquele rei não tem filhos, pois

Conjunções subordinativas As conjunções subordinativas são aquelas que fazem com que uma expressão sentencial passe a ser parte de outra, de modo a termos uma oração que chamamos de “principal” e outra que chamamos de “subordinada”. A diferença principal entre as orações coordenadas por conjunções e as subordinadas é que, no caso destas últimas, se separarmos as duas orações elas não farão sentido sintático completo sozinhas. No caso das coordenadas, é mais provável que elas possam fazer sentido sozinhas, como vimos anteriormente. As conjunções subordinativas precisam ser aprendidas juntamente com o modo do verbo da oração subordinada. Muitas orações subordinadas levam os verbos sempre no subjuntivo, de maneira a nos fazer dizer, inclusive, que o subjuntivo é o caso da subordinação. Há, no entanto, alguns tipos de orações subordinadas que podem ter seus verbos no indicativo. Vejamos a seguir os tipos principais.

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Conjunções: coordenação e subordinação

Conjunções condicionais a) si “se”, sin “mas se”, siue “seja que”, nisi “se não, a não ser que”, dum “contanto que” Orações condicionais relacionam duas expressões, de modo que se considere uma como condição para que o evento expresso pela outra se realize. Podem se construir basicamente de duas maneiras: com verbos no indicativo ou no subjuntivo. Vejamos as diferenças principais: Com verbos no indicativo, o significado do condicional envolve situações reais, que podem acontecer. si dominus seruum uidet, eum uerberat. castiga-o.

Se o senhor vê o escravo,

Com verbos no subjuntivo, os significados do condicional podem ser variados, e envolvem situações irreais ou desejadas. Vejamos exemplos: si canis felem mordeat, laetus sit. Se o cão morder o gato, ficará feliz. [E ele poderá fazê-lo a qualquer momento.] Os verbos no presente do subjuntivo dão ideia de possibilidade, e a tradução em português reflete essa possibilidade. si canis felem morderet, laetus esset. Se o cão mordesse [agora] o gato, ele estaria feliz. [Mas ele não está mordendo.] Os verbos aqui no imperfeito do subjuntivo dão ideia de irrealidade, uma vez que o evento não aconteceu, mas poderia acontecer e, se acontecesse, teria as consequências da oração condicional. si canis felem momordisset, laetus fuisset. Se o cão tivesse mordido o gato, teria ficado feliz. [Mas ele não mordeu, e fez qualquer outra coisa, ou não é mais possível mordê-lo.] Os verbos aqui no mais-que-perfeito do subjuntivo expressam a ideia de que o evento considerado na oração principal não pode mais se realizar, de forma que se trata de algo impossível, irreal, apenas desejado.

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Conjunções: coordenação e subordinação

Conjunções causais As conjunções subordinativas causais como cum, quia, quod relacionam uma expressão a outra, estabelecendo entre elas a relação de causalidade, de modo que uma das duas orações é a causa ou motivo pelo qual se deu o evento expresso pela outra. a) cum: “como”, “uma vez que” Essa conjunção constrói-se basicamente com subjuntivo. Vejamos um exemplo: cum felem non uidisset, canis eum non momordit. visse o gato, o cão não o mordeu.

Como / uma vez que não

b) quod, quia, quoniam: “quando”, “porque”, “uma vez que”, “já que” Essas conjunções causais constroem-se basicamente com indicativos. Exemplo: canis felem non momordit quia eum non uidit. porque não o viu.

O cão não mordeu o gato

Conjunções consecutivas As conjunções consecutivas também podem ser chamadas de resultativas, pois colocam duas orações em uma relação tal que uma exprime um evento que foi determinante para o acontecimento do evento denotado pela outra. Constroem-se com o modo subjuntivo. a) ita, sic, tam... ut: “tanto/tão... que” tam fortis erat ut omnes eum timuissent. temiam.

Era tão forte que todos o

Conjunções finais As conjunções subordinativas finais são responsáveis por dar a ideia de que o evento denotado pela oração principal foi realizado para que o da subordinada pudesse vir a se realizar. a) ut: “para”, “para que”; ne: “para que não”

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Conjunções: coordenação e subordinação

A conjunção ut com sentido final constrói-se com o subjuntivo, e a forma ne é sua forma negativa. A depender do tempo da oração principal, o subjuntivo da oração subordinada também sofrerá mudanças. Vejamos alguns exemplos: canis felem petit ut eum mordeat. (presente do indicativo + presente do subjuntivo) O cão procura o gato para que o morda / para mordê-lo. canis felem petiuit ut eum morderet. (perfeito do indicativo + imperfeito do subjuntivo) O cão procurou o gato para que o mordesse. Um exemplo na negativa: felis non uenit ne morditus esset a cane. (subjuntivo imperfeito passivo) gato não veio para que não fosse mordido pelo cão.

O

Conjunções concessivas As conjunções concessivas mais importantes são quamquam e quamuis, que expressam a ideia de que um certo evento da subordinada ocorre mesmo que ou apesar de um outro evento ocorrer. a) quamquam: “embora” + indicativo Essa preposição concessiva ocorre no indicativo em latim. Em português, basicamente, as ideias concessivas são expressas pelo modo subjuntivo. Vejamos um exemplo: quamquam felis celer est, eum canis mordet. cão o morde.

Embora o gato seja rápido, o

b) quamuis: “embora” + subjuntivo quamuis felis celer sit, eum canis mordet. o morde.

Embora o gato seja rápido, o cão

Percebemos, contrastando o uso das duas conjunções concessivas mais importantes, que ambas acabam sendo traduzidas da mesma forma, em virtude de em português usarmos o subjuntivo com orações concessivas.

Conjunções comparativas As conjunções comparativas estabelecem relações simples de comparação entre duas orações. Uma delas, o quam, já conhecemos como conjunção que geralmente acompanha as construções de adjetivos comparativos. 201

Conjunções: coordenação e subordinação

a) ac, atque, ut: “como”, “assim como” seruum malus est ut serui mali solent esse. ser maus os escravos.

O escravo é mau como costumam

b) ut si, uelut si, quasi: “como se” seruum uerberat ut si malus esset.

Ele castiga o escravo como se fosse mal.

Conjunções temporais As conjunções temporais estabelecem relações de simultaneidade, duração, anterioridade e posterioridade entre eventos. Algumas pedem o modo indicativo, outras o subjuntivo. a) cum, ubi: “quando” Essas duas conjunções constroem-se com o indicativo. Como vimos anteriormente, cum pode se construir com subjuntivo quando possui significado concessivo (e, de certa forma, também temporal), mas, no uso temporal mais simples, usa-se o indicativo. Vejamos um exemplo: cum/ubi felis peruenit, canis eum momordit. o mordeu.

Quando o gato chegou, o cão

b) dum, donec + indicativo: “enquanto” Diferentemente de ubi e cum, essas conjunções temporais dão a ideia de simultaneidade de eventos, e, com esse sentido, constroem-se com indicativo. Exemplo: dum dominus dormit, seruus laborat. vo trabalha.

Enquanto o senhor dorme, o escra-

c) dum, donec + subjuntivo: “até que” Com o subjuntivo, essas conjunções dão ideia de que o evento da oração principal se estende até que o evento da subordinada aconteça e, juntamente com isso, podemos ter a ideia de que se espera ou se tem intenção de que o evento que ainda não chegou venha a acontecer. Vejamos alguns exemplos: mane dum redeam.

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Espere até que eu volte. [E eu tenho intenção de voltar.]

Conjunções: coordenação e subordinação

canis felem mordebit donec fugiat.

O cão morderá o gato até que ele fuja.

d) antequam, priusquam “antes (que)”; postquam “depois (que)” Essas conjunções temporais expressam relações de anterioridade e posterioridade entre os eventos da principal e da subordinada. O modo utilizado é basicamente o subjuntivo. Vejamos alguns exemplos: seruus fugit antequam dominus eum uiderem. senhor o visse. postquam felem inuenit, canis eum momordit. gato, o cão o mordeu.

O escravo fugiu antes que o Depois que encontrou o

A questão da subordinação sem conjunção: o acusativo com infinitivo Uma maneira muito peculiar de se fazer subordinação em latim é a que chamamos de acusativo com infinitivo. Trata-se de uma construção em que a oração subordinada não é introduzida por nenhuma conjunção, e a expressão inteira subordinada ao verbo da oração principal funciona como um objeto direto dele, de forma que o substantivo sujeito da oração subordinada recebe caso acusativo e o verbo da oração subordinada, sem conjunção para fazer com que ele se flexione, mantém-se no infinitivo. Vejamos um exemplo simples: nolo canem mordere felem.

Literalmente: Eu não quero o cão morder o gato.

No entanto, como esse tipo de expressão literal da tradução não é comum em português, e pode inclusive resultar em expressões agramaticais, procuramos dar uma tradução para essas sentenças que seja mais próxima do tipo de construção subordinativa que fazemos em português. Portanto, da expressão literal acima faremos: nolo canem mordere felem.

Eu não quero que o cão morda o gato.

Analisando mais detidamente a construção toda, podemos pensar em toda a oração subordinada como objeto direto do verbo da oração principal, da seguinte forma:

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Conjunções: coordenação e subordinação

uolo Verbo da oração principal

[canem Sujeito da subordinada no acusativo

mordere Verbo da subordinada no infinitivo

felem] Objeto direto do verbo da subordinada

Vários tipos de verbos exigem esse tipo de construção. Basicamente, o verbo uolo e seus derivados, como vimos, são dos mais comuns. Outros tipos comuns são os verbos de ordem, como iubeo “ordenar, mandar”, e os verbos de introdução de discurso indireto, como os verbos de dizer, de sentir, de pensar, de achar, como dico “dizer”, sentio “sentir”, puto “pensar, achar”, opinor “opinar, achar”. Vejamos alguns exemplos: dominus iubet [seruum adire ad agrum]. até o campo]. dominus dixit [seruos esse stultos]. estúpidos]. seruus sentit [dominum malum esse]. milites putant [hostes fugisse]. fugiram].

O senhor ordena [que o escravo vá O senhor disse [que escravos são

O escravo sente [que o senhor é mau]. Os soldados acham [que os inimigos

hostes opinantur [duces pugnaturos esse milites]. os chefes lutarão contra os soldados].

Os inimigos acham [que

Sobre os últimos dois exemplos, é importante notar que o penúltimo apresenta um infinitivo perfeito e o último, um infinitivo futuro. O que os infinitivos presentes, perfeitos e futuros fazem dentro de uma subordinada de acusativo com infinitivo não é carregar o tempo do acontecimento do evento denotado pelo infinitivo, mas, por outro lado, colocar esse evento em relação ao tempo denotado pelo verbo da oração principal. Dessa forma, se o tempo da oração principal é presente, os tempos da subordinada serão relativos a ele da seguinte forma: infinitivo presente – simultâneo infinitivo perfeito – anterior infinitivo futuro – posterior Assim, uma mesma oração principal pode ter na subordinada infinitivos dos três tipos, resultando no seguinte: 204

Conjunções: coordenação e subordinação

O senhor diz [que o escravo está

dominus dicit [seruum currere]. correndo].

O senhor diz [que o escravo correu].

dominus dicit [seruum cucurrisse].

dominus dicit [seruum cursurum esse]. correrá].

O senhor diz [que o escravo

Se trocarmos o tempo do verbo da oração principal, mantendo os infinitivos da subordinada exatamente como eles estão, perceberemos que o “tempo” do infinitivo nada mais é do que um estabelecedor de relação aspectual, ou seja, de simultaneidade, anterioridade e posterioridade. Vejamos primeiramente com o verbo da oração principal no passado: O senhor disse [que o escravo estava

dominus dixit [seruum currere]. correndo].

O senhor disse [que o escravo tinha

dominus dixit [seruum cucurrisse]. corrido].

dominus dixit [seruum cursurum esse]. correria].

O senhor disse [que o escravo

E finalmente com o verbo da principal no futuro: dominus dicēt [seruum currere]. correndo].

O senhor dirá [que o escravo está/estará

dominus dicēt [seruum cucurrisse]. corrido]. dominus dicēt [seruum cursurum esse]. por correr].

O senhor dirá [que o escravo terá O senhor dirá [que o escravo estará

Texto complementar No trecho seguinte da peça Anfitrião, de Plauto, Mercúrio e Sósia finalmente começam a conversar e o deus tentará convencer o escravo de Anfitrião, por meio de violência, de que este perdeu a sua identidade. Sósia, demorando a se convencer, tentará convencer o deus de que é mesmo Sósia, e de que precisa anunciar a Alcmena, futura mãe de Hércules, as novas sobre a guerra.

205

Conjunções: coordenação e subordinação

MERCÚRIO: Para onde vais tu, que assim levas Vulcano metido num chifre? SÓSIA: Que queres tu que andas aos socos a tirar ossos da cara das pessoas? MERCÚRIO: Tu és escravo ou homem livre? SÓSIA: Sou aquilo que me apetece. MERCÚRIO: Isso é mesmo assim? SÓSIA: É mesmo assim. MERCÚRIO: Então, apanhas. SÓSIA: Não é verdade. MERCÚRIO: Ah, sim? então já vais ver que é verdade! SÓSIA: Mas para que é preciso isso? MERCÚRIO: Pode-se saber quando é que vais, a quem pertences, e por que vieste? SÓSIA: Venho aqui; sou escravo de meu amo, sabes mais alguma coisa? MERCÚRIO: Pois hoje hei de espremer-te essa língua danada! SÓSIA: Não podes, é uma língua discreta e de boa qualidade. MERCÚRIO: Continuas com as graças? Que tens tu que fazer nesta casa? SÓSIA: E tu? Que tens tu que fazer? MERCÚRIO: El-rei Creonte sempre lhe põe sentinelas de noite. SÓSIA: E faz muito bem; guardava a casa enquanto estávamos ausentes. Mas agora podes-te ir embora e dizer-lhe que já chegou a gente de Anfitrião. MERCÚRIO: Não sei que gente és tu. E se te não vais imediatamente embora, acho que tenho de receber gente de forma nada gentil. SÓSIA: Mas eu já disse que moro aqui e que sou escravo da casa. MERCÚRIO: Pois olha: se te não vais embora, vou dar-te hoje uma grande honra. SÓSIA: Como é isso? MERCÚRIO: É que se eu pego num pau, não irás por teu pé. Vão ter que te levar. SÓSIA: Mas se eu digo que pertenço à gente desta casa! MERCÚRIO: Olha, se não queres apanhar pancada, o melhor é ires-te já embora. SÓSIA: Mas tu não me queres deixar entrar em casa, quando eu venho assim de tão longe? MERCÚRIO: Será que esta é a tua casa? 206

Conjunções: coordenação e subordinação

SÓSIA: Claro que é. MERCÚRIO: Então quem é teu amo? SÓSIA: É Anfitrião, que está comandando as legiões tebanas e que é marido de Alcmena. MERCÚRIO: O que é que tu dizes? E tu? Que nome tens? SÓSIA: Os tebanos chamam-me Sósia e meu pai chamava-se Davo. MERCÚRIO: Pois tu hoje vens ao encontro da desgraça, com essas tuas mentiras audaciosas e essas falsidades mal alinhavadas. SÓSIA: Com o que eu venho alinhavado não é com as mentiras. É com as túnicas. MERCÚRIO: Vês como estás a mentir. Tu não vens com as túnicas. Vens com os pés. SÓSIA: Lá isso é verdade. MERCÚRIO: Então agora vais apanhar pancada por causa dessa mentira. SÓSIA: Mas eu não quero, por Pólux! MERCÚRIO: Pois, por Pólux, apanhas mesmo sem querer! E não é uma pura suposição, é a verdade mesmo. (Bate-lhe.) SÓSIA: Mas por favor! MERCÚRIO: Então tu tens a audácia de vires dizer que és Sósia, quando sou eu que sou Sósia? SÓSIA: Estou perdido! MERCÚRIO: E olha que é pouco, em comparação com o que vai vir! A quem pertences tu? SÓSIA: Agora sou teu; fizeste-me teu a soco. Socorro, patrícios tebanos! MERCÚRIO: Ainda gritas, assassino! Dize lá a que é que vieste? SÓSIA: Vim para haver alguém que tu abatestes a soco. MERCÚRIO: A quem pertences tu? SÓSIA: A Anfitrião, já disse. Sou Sósia. MERCÚRIO: Então vais apanhar mais, por estares a dizer bobagens. Eu é que sou Sósia, não és tu! SÓSIA (à parte): Queiram os deuses que tu o sejas! E que eu me transforme em quem te chega! MERCÚRIO: Ainda rosnas?!

207

Conjunções: coordenação e subordinação

SÓSIA: Já me calo. MERCÚRIO: Quem é teu dono? SÓSIA: Quem tu quiseres. MERCÚRIO: E agora, como é que tu te chamas? SÓSIA: Eu não sou ninguém a não ser quem tu mandares. MERCÚRIO: Mas tu dizias que eras Sósia e que pertencias a Anfitrião. SÓSIA: Foi engano. O que eu queria dizer é que era um sócio de Anfitrião. MERCÚRIO: Eu bem sabia que não tínhamos nenhum escravo chamado Sósia a não ser eu. Tu não estavas em teu perfeito juízo. SÓSIA (à parte): Oxalá não o estivessem também as tuas mãos. MERCÚRIO: Eu sou o Sósia que tu há bocado dizias ser tu. SÓSIA: Por favor, deixa-me falar em paz e não me batas. MERCÚRIO: Então, se queres falar, vamos fazer umas tréguas. SÓSIA: Eu só falo depois de concluída a paz, porque tu tens mais força do que eu. MERCÚRIO: Então dize lá o que queres. Eu não te faço mal. SÓSIA: Posso confiar na tua lealdade? MERCÚRIO: Podes. SÓSIA: E se me enganas? MERCÚRIO: Então oxalá Mercúrio fique irritado com Sósia! SÓSIA: Então toma cuidado. Olha que eu agora posso falar do que quiser. Eu sou Sósia, escravo de Anfitrião. MERCÚRIO: O quê, outra vez? SÓSIA: Eu fiz a paz, eu fiz um tratado, estou a dizer a verdade. MERCÚRIO: Olha que apanhas! SÓSIA: Podes fazer o que quiseres, visto que tens mais força. Mas seja o que for que tu faças, por Hércules, já não me calo. MERCÚRIO: Tu, enquanto estiveres vivo, não consegues que eu não seja Sósia. SÓSIA: E tu, por Pólux, também nunca me impedirás que eu pertença à minha casa. Não há nenhum outro escravo a não ser eu que se chame Sósia e que tenha ido para a guerra, juntamente com Anfitrião. MERCÚRIO: Este homem não está bom da cabeça. 208

Conjunções: coordenação e subordinação

SÓSIA: O defeito que me atribuis a mim és tu quem o tens. Ora esta, então eu não sou Sósia, o escravo de Anfitrião? Não foi esta noite que chegou do porto Pérsico o navio que me trouxe? Não foi meu amo quem me enviou para aqui? Não estou eu diante de nossa casa? Não tenho eu uma lanterna na mão? Não sou eu quem está a falar? Não estou acordado? Não foi a mim que este homem deu socos? Por Hércules, foi o que ele fez, que ainda me doem os queixos. Mas para que estou eu a hesitar? Por que não entro já em nossa casa? MERCÚRIO: O quê? Em vossa casa? SÓSIA: Pois claro. MERCÚRIO: Tudo aquilo que disseste é mentira: sou eu que sou Sósia, escravo de Anfitrião. Foi esta noite que saiu do porto Pérsico o nosso navio; tomamos de assalto a cidade em que reinou el-rei Ptérela, vencemos em batalha as legiões dos teléboas e foi o próprio Anfitrião quem matou no combate el-rei Ptérela. SÓSIA: Eu não creio em mim quando o ouço dizer estas coisas! É que ele realmente sabe tudo o que se passou como se lá tivesse estado. Mas ouve lá, que foi dado pelos teléboas a Anfitrião? MERCÚRIO: Uma taça de ouro por onde costumava beber el-rei Ptérela. SÓSIA: Aí está! E onde está essa taça? MERCÚRIO: Num cofrezinho selado com o sinete de Anfitrião. SÓSIA: E dize lá, que sinete é esse? MERCÚRIO: O sol nascente com a sua quadriga. Julgas que me apanhas, assassino? SÓSIA (à parte): Venceu na discussão. O que eu tenho é que procurar outro nome. Não sei onde é que ele viu tudo isto. Mas agora é que eu o vou atrapalhar. Porque com certeza ele não vai poder dizer o que eu fiz quando estava sozinho, metido na tenda, sem mais ninguém. (Alto.) Se tu és Sósia, dize lá o que é que fizeste na tenda, quando as legiões combatiam com toda a violência? Se disseres, dou-me por vencido. MERCÚRIO: Havia uma bilha de vinho e eu enchi uma garrafa. SÓSIA: Deu logo certo. MERCÚRIO: E eu bebi-o puro, tal como o deu a cepa. SÓSIA: Já não é nada de espantar se ele não estava escondido na garrafa. Aconteceu mesmo isso. Que eu bebi o vinho e o bebi puro. MERCÚRIO: Então, não é verdade que já te convenci que não és Sósia? 209

Conjunções: coordenação e subordinação

SÓSIA: Então tu queres dizer que eu não sou eu? MERCÚRIO: Que hei de eu fazer? Terei por acaso de negar que eu sou eu? SÓSIA: Juro por Júpiter que sou eu e que estou a dizer a verdade! MERCÚRIO: E eu juro por Mercúrio que Júpiter não acredita em ti! Mais acredita ele em mim, sem eu jurar, do que em ti, jurando tu. SÓSIA: Então quem sou eu se não sou Sósia? Não farás favor de me dizer? MERCÚRIO: Quando eu não quiser ser Sósia, podes tu ser Sósia, mas enquanto eu o sou, olha que apanhas se não te vais sem pio. SÓSIA: Por Pólux! Realmente quando me ponho a olhar para ele, vejo que tem o meu aspecto; é muito semelhante a mim, pelo que tenho visto no espelho. Tem o mesmo chapéu, o mesmo vestuário: é exatamente como eu: as pernas, os pés, a estatura, o corte do cabelo, os olhos, o nariz, a boca, a cara, o queixo, a barba, o pescoço. Tudinho! Que hei de eu dizer?! Se ele tem as costas com cicatrizes, não há nada mais parecido comigo. Mas também quando me ponho a pensar, eu devo ser aquele que sempre fui. Eu conheço o meu amo, conheço a nossa casa, estou com juízo, tenho os sentidos a funcionar. Eu o que vou é não querer saber do que ele diz. Toca a bater à porta. MERCÚRIO: Para onde é que vais? SÓSIA: Para casa. MERCÚRIO: Mesmo que subisses agora ao carro de Júpiter e te pusesses a fugir, dificilmente escaparias a uma desgraça. SÓSIA: Então não me é permitido ir comunicar à senhora aquilo de que me encarregou meu amo? MERCÚRIO: Podes ir anunciar o que quiseres, mas à tua. Aqui à minha não tens licença. E olha que se tu me irritas vais sair daqui com o lombo em pedaços. SÓSIA: Então prefiro ir-me embora. Ó deuses imortais, não quereis ajudar-me? Onde é que eu morri? Quando é que eu me transformei? Onde é que eu perdi a minha cara? Será que eu me deixei aqui por esquecimento? Efetivamente este tem a fisionomia que eu possuía dantes. Fazem-me enquanto vivo o que nunca ninguém me fará depois de morto. Vou ao porto, vou contar a meu amo o que sucedeu por aqui. A não ser que ele também me desconheça, o que Júpiter queira. Vou já hoje rapar a cabeça para usar o boné da liberdade . (Sai.) (Anfitrião, ato II, cena I, cont.) 210

Conjunções: coordenação e subordinação

Dica de estudo Consulte gramáticas de língua portuguesa e relembre como se comportam as conjunções da nossa língua.

Atividades 1. Com o seguinte poema de Horácio, que exemplifica belamente o tema da brevidade da vida (é por causa desta ode que conhecemos a expressão carpe diem), identifique as conjunções presentes e explique o uso de cada uma delas, com o auxílio da tradução, conforme o exemplo: Tu ne quaesieris (scire nefas) quem mihi, quem tibi finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios temptaris numeros. Vt melius quicquid erit pati! Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum, sapias, uina liques et spatio breui spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit inuida aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.

Não buscarás, saber é proibido, ó Leucônoe, que fim reservarão a mim, a ti os Deuses; nem mesmo os babilônios números perscrutes... Seja lá o que for, melhor é suportar! Quer Júpiter nos dê ainda mil invernos, quer venha a conceder apenas este último, que agora estilha o mar Tirreno nos penhascos, tem siso, os vinhos vai bebendo, e a esperança, de muito longa, faz caber em curta vida. Foge invejoso o tempo, enquanto conversamos. Colhe o dia de hoje e não te fies nunca, um momento sequer, no dia de amanhã...

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Conjunções: coordenação e subordinação

2. Traduza as seguintes orações: a) et serui et domini humani sunt.

b) si rex filium non habet, id malum est.

c) dum coquus cenam parat, serui multa mala faciunt.

d) quamuis seruus bene loquatur, eius uerba dominus non audit.

e) dominus dixit coquum bonam cenam parauisse.

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Conjunções: coordenação e subordinação

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

Gabarito 1. seu... seu: “quer... quer” – trata-se de uma conjunção coordenativa disjuntiva.

ne: “que não” – contrário de ut, dá ideia de negação da conjunção consecutiva/ final “para, a fim de...”



nec: “nem, e não” – conjunção aditiva negativa.



ut: “como” – aqui, o ut é comparativo. 213

Conjunções: coordenação e subordinação



et: “e” – conjunção coordenativa aditiva.



dum: “enquanto” – conjunção subordinativa temporal.

2. a) Tanto os escravos quanto os senhores são humanos. b) Se o rei não tem um filho, isto é ruim. c) Enquanto o cozinheiro prepara a ceia, os escravos fazem muitas coisas ruins. d) Embora o escravo fale bem, o senhor não escuta as palavras dele. e) O senhor disse que o cozinheiro tinha preparado uma boa ceia.

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Conjunções: coordenação e subordinação

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Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações Neste capítulo, aprenderemos como dizer os números, dias da semana, meses, e como representar a data em latim. Além disso, completaremos o sistema nominal com a quarta e quinta declinações dos substantivos, ou seja, os substantivos de tema em “u” e em “e”, respectivamente.

Os numerais Há dois modos básicos em latim para fazer referência aos números: temos os numerais cardinais, como os nossos “um, dois, três...”, e os ordinais, como os nossos “primeiro, segundo, terceiro...”. No quadro a seguir, veremos como esses números são expressos em latim, além de vermos como eles eram representados quando não escritos por extenso (conforme o sistema que eventualmente ainda usamos e chamamos de “numerais romanos”). Além disso, será importante diferenciar os numerais que são expressos como adjetivos indeclináveis dos que são adjetivos declináveis e que, portanto, flexionam-se juntamente com os substantivos modificados. A primeira coluna traz os numerais no formato arábico, a segunda na representação do sistema romano, a terceira traz os numerais cardinais em latim e a quarta traz os correspondentes ordinais em latim.

N.º 1

1

Sistema romano I

Numeral ordinal (todos declinam-se como adjetivo de primeira classe)

Numeral cardinal nom. acus. genit. dat. abl.

unus unum unius unī unō

una unam unius unī unā

unum unum unius unī unō1

O plural é declinado como os plurais regulares de adjetivos de primeira classe: uni, unae, una.

primus (prior)

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

N.º

Sistema romano

Numeral ordinal (todos declinam-se como adjetivo de primeira classe)

Numeral cardinal

2

II

nom. acus. genit. dat. abl.

3

III

nom. acus. gen. dat. abl.

4

IV/IIII

quattuor

quartus

5

V

quinque

quintus

6

VI

sex

sextus

7

VII

septem

septimus

8

VIII

octo

octauus

9

IX/VIIII

nouem

nonus

10

X

decem

decimus

11

XI

undecim

undecimus

12

XII

duodecim

duodecimus

13

XIII

tredecim

tertius decimus

14

XIV

quattuordecim

quartus decimus

15

XV

quindecim

quintus decimus

16

XVI

sedecim

sextus decimus

17

XVII

septendecim

septimus decimus

18

XVIII

duodeuiginti

duodeuicensimus4

19

XIX

undeuiginti

undeuicensimus

20

XX

uiginti

uicensimus

2 3 4

218

duo duo/duos duorum duobus duobus

duae duas duarum duabus duabus tres tres / tris trium tribus tribus

duo duo duorum duobus duobus2 tria tria trium tribus tribus3

secundus (alter)

tertius

Naturalmente, não há formas singulares dos numerais maiores que “um”. Trata-se de um adjetivo de segunda classe biforme, ou seja, com uma forma para masculino ou feminino e uma forma para neutros. A terminação -ensimus, mais tarde, transforma-se na mais próxima do português -esimus.

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

N.º

Sistema romano

Numeral cardinal

Numeral ordinal (todos declinam-se como adjetivo de primeira classe)

30

XXX5

triginta

tricensimus

40

XL

quadraginta

quadragensimus

50

L

quinquaginta

quinquagensimus

60

LX

sexaginta

sexagensimus

70

LXX

septuaginta

septuagensimus

80

LXXX

octoginta

octogensimus

90

XC

nonaginta

nonagensimus

100

C

centum

centensimus

200

CC

ducenti, ae, a (adjetivo de primeira classe)

ducentensimus

300

CCC

trecenti, ae, a

trecentesimus

400

CD

quadringenti, ae, a

quadringentensimus

500

D

quingenti, ae, a

quingentesimus

1000

M

mille (adjetivo indeclinável), plural nom. e acus. milia, plural genitivo milium, plural dativo e ablativo milibus6

millensimus

O calendário romano Há algumas peculiaridades com relação à expressão da data, dos nomes dos dias da semana e dos meses em latim. Comecemos com os nomes dos dias da semana.  Os dias da semana são baseados nos nomes de divindades importantes para os romanos, como o Sol, a Lua, Marte (pai de Rômulo e Remo, fundadores de Roma), Mercúrio, o mensageiro dos deuses e deus do comércio, Jove ou Júpiter, o pai dos deuses, Vênus, sua filha, a deusa do amor, e Saturno (pai de Júpiter, expulso por este do céu, foi residir no Lácio, região onde viria a existir a cidade de Roma, protegida por aquele). domingo: solis dies “dia do Sol” segunda-feira: lunae dies “dia da Lua” terça-feira: Martis dies “dia de Marte” 5

De vinte e um até vinte e nove, assim como para as dezenas seguintes, as sequências são: unus et uiginti ou uiginti et unus, duo et uiginti ou uiginti et duo e assim por diante, até o vinte e oito e vinte e nove, que seguem o padrão do dezoito e do dezenove: duodetriginta (28) e undetriginta (29). 6 A forma mille é usada como adjetivo, conforme mille dies “mil dias”, enquanto que as formas plurais são adjetivos e se ligam a nomes no genitivo (partitivo), como duo millia hominum “dois mil (de) homens”.

219

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

quarta-feira: Mercurii dies “dia de Mercúrio” quinta-feira: Iouis dies “dia de Júpiter” sexta-feira: Veneris dies “dia de Vênus” sábado: Saturni dies “dia de Saturno”  Os nomes dos meses do ano originaram os nomes dos meses em português e, conforme iniciava-se primitivamente o ano no dia primeiro de março, os meses com numerais nos nomes contam-se a partir dele: martius, “março” aprilis, “abril” maius, “maio” junius, “junho” quintilis, e posteriormente iulius (em homenagem ao imperador Júlio César), “julho” sextilis, e posteriormente augustus (em homenagem ao imperador Augusto), “agosto” september, “setembro” october, “outubro” nouember, “novembro” december, “dezembro” januarius, “janeiro” februarius, “fevereiro”

7 8

220



Os nomes dos meses poderiam ser usados como substantivos, mas eram frequentemente usados como adjetivos ligados ao substantivo mensis.



A data em latim era expressa não através de uma contagem cardinal de 1 a 31 como em português, mas através de um sistema de referência a três dias fundamentais para os romanos, ligados às fases da lua: as kalendae “calendas” (dia 1 de cada mês), as nonae “nonas” (dia 5 de cada mês7) e os idus “idos” (dia 13 de cada mês).8

Em março, maio, julho e outubro, as nonas eram no dia 7. Em março, maio, julho e outubro, os idos eram no dia 15.

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Assim, com esse sistema de referência simples, já podemos entender os seguintes dias: kalendis Ianuariis9 “Nas calendas de janeiro”, ou seja, no dia primeiro de janeiro. nonis Iuniis, “Nas nonas de junho”, ou seja, no dia 5 de junho. idus Martiis, “Nos idos de março”, ou seja, no dia 15 de março.10 Os dias restantes, no entanto, eram nomeados segundo a sua relação com esses três dias fundamentais de cada mês. Assim, para se referir ao que para nós é o dia três do mês, o romano precisaria dizer “o terceiro dia antes das nonas de janeiro”, segundo a fórmula: tertius dies ante nonas ianuarias11 ou ante diem tertius nonas ianuarias. Se se tratar de apenas um dia antes de uma das três datas de referência, usa-se o substantivo pridie, ou “véspera”, e assim teremos pridie idus nouembris. Todos os dias posteriores aos Idos são nomeados de acordo com as calendas do próximo mês. Assim, o dia 16 de julho (que é o primeiro depois dos Idos de julho) será o decimus septimus ante kalendas Augustas. Já no período em que esse calendário estava vigente, havia a preocupação de se acrescentar um dia a cada quatro anos no calendário. O dia dobrado era sempre o sextum ante kalendas martias, ou seja, 24 de fevereiro. Daí a designação que ainda se usa para nomear o ano com 366 dias, ou bissexto, bis sextum (que tem dois “sextos” antes das calendas de março). O quadro a seguir apresenta a equivalência dos dias do nosso calendário com os dias do calendário romano. As abreviaturas são: a.d. = ante dies, Id. = idus, kal.= kalendae, non. = nonae. Martius Maius Iulius October12

Ianuarius Augustus December13

Aprilis Iunius September Nouember

Februarius

1

kalendis

kalendis

kalendis

kalendis

2

a.d. vi non.

a.d. iv non.

a.d. iv non.

a.d. iv non.

3

a.d. v non.

a.d. iii non.

a.d. iii non.

a.d. iii non.

4

a.d. iv non.

pridie nonas

pridie nonas

pridie nonas

5

a.d. iii non.

nonis

nonis

nonis

9

No ablativo de tempo, ou seja, a expressão significa literalmente “nas calendas de janeiro”. 10 Dia famoso por ter ocorrido nele o assassinato de Júlio César no senado. 11 E agora nonas ianuarias está no acusativo porque a preposição ante “antes” exige que seu complemento esteja no acusativo. 12 Meses de 31 dias com nonas no dia 7 e idos no dia 15. 13 Meses de 31 dias com nonas no dia 5 e idos no dia 13.

221

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Martius Maius Iulius October

Ianuarius Augustus December

Aprilis Iunius September Nouember

Februarius

6

pridie nonas

a.d. viii id.

a.d. VIII id.

a.d. viii id.

7

nonis

a.d. vii id.

a.d. VII id.

a.d. vii id.

8

a.d. viii id.

a.d. vi id.

a.d. VI id.

a.d. vi id.

9

a.d. vii id.

a.d. v id.

a.d. V id.

a.d. v id.

10

a.d. vi id.

a.d. iv id.

a.d. IV id.

a.d. iv id.

11

a.d. v id.

a.d. iii id.

a.d. iii id.

a.d. iii id.

12

a.d. iv id.

pridie idus

pridie idus

pridie idus

13

a.d. iii id.

idibus

idibus

idibus

14

pridie idus

a.d. XIX kal.

a.d. XVIII kal.

a.d. XVI kal.

15

idibus

a.d. XVIII kal.

a.d. XVII kal.

a.d. XV kal.

16

a.d. XVII kal.

a.d. XVII kal.

a.d. XVI kal.

a.d. XIV kal.

17

a.d. XVI kal.

a.d. XVI kal.

a.d. XV kal.

a.d. XIII kal.

18

a.d. XV kal.

a.d. XV kal.

a.d. XIV kal.

a.d. XII kal.

19

a.d. XIV kal.

a.d. XIV kal.

a.d. XIII kal.

a.d. XI kal.

20

a.d. XIII kal.

a.d. XIII kal.

a.d. XII kal.

a.d. X kal.

21

a.d. XII kal.

a.d. XII kal.

a.d. XI kal.

a.d. IX kal.

22

a.d. XI kal.

a.d. XI kal.

a.d. X kal.

a.d. VIII kal.

23

a.d. X kal.

a.d. X kal.

a.d. IX kal.

a.d. VII kal.

24

a.d. IX kal.

a.d. IX kal.

a.d. VIII kal.

a.d. VI kal.

25

a.d. VIII kal.

a.d. VIII kal.

a.d. VII kal.

a.d. V kal. ou a.d. bIs VI kal.

26

a.d. VII kal.

a.d. VII kal.

a.d. VI kal.

a.d. IV ou V kal.

27

a.d. VI kal.

a.d. VI kal.

a.d. V kal.

a.d. III ou IV kal.

28

a.d. V kal.

a.d. V kal.

a.d. IV kal.

pridie kalendas ou a.d. III kal.

29

a.d. IV kal.

a.d. IV kal.

a.d. III kal.

pridie kalendas

30

a.d. III kal.

a.d. III kal.

pridie kalendas

31

pridie kalendas

pridie kalendas

 Os nomes dos anos em latim eram dados com relação ao ano que se supunha que tivesse sido o ano da fundação de Roma (753 a.C.). Para os romanos, o ano 1 era nomeado, portanto, ano I ab urbe condita, ou seja, “desde a Cidade tendo sido fundada” ou, menos literalmente, “desde a fundação da Cidade”. O termo 222

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

urbe referia-se comumente à cidade de Roma, então, os anos seriam numerados como I auc = 753 a.C., II auc = 752 a.C. e assim por diante. Comumente, também se utilizavam os nomes dos dois cônsules (o consulado era o cargo mais alto na República romana e durava um ano) eleitos e em exercício naquele ano. Assim, o ano de 57 a.C. teve como cônsules Lêntulo e Metello, ou Lentulus e Metellus. O nome do ano era dado, então, todo no ablativo, significando “sendo Lêntulo e Metello cônsules”, ou, menos literalmente, “no ano em que Lêntulo e Metello foram cônsules” e, em latim, a expressão usada era Lentulō et Metellō consulibus.

A quarta e quinta declinações nominais A maioria dos substantivos em latim pertence às declinações de tema em a, o e consoantes, ou seja, à primeira, segunda e terceira declinações. Mas há alguns substantivos de temas em u e em e, os da quarta e quinta declinações. Para completar o panorama da morfologia nominal latina, veremos essas duas declinações, aproveitando que, para as explicações sobre datas, apareceram dois substantivos importantes pertencentes a essas declinações: idus da quarta e dies da quinta declinação. Vejamos inicialmente a quarta declinação.

A quarta declinação dos nomes A quarta declinação é a dos substantivos de tema em u. Ela pode apresentar alguma dificuldade, uma vez que suas formas terminadas em -us podem remeter a formas já conhecidas da segunda declinação. Ainda pior, há muitas formas diferentes em -us no próprio paradigma da quarta declinação. Passemos às formas. manus, us 4f.14 “mão, tropa” Singular

14

Plural

Nominativo

manus

manūs

Acusativo

manum

manūs

Genitivo

manūs

manuum

Dativo

manuī

manibus

Ablativo

manū

manibus

Ou seja, substantivo manus, genitivo singular em us, quarta declinação feminino.

223

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

É importante notar que muitas formas se parecem, mas que há diferenças entre longas e breves, como a terminação -us de nominativo singular versus a terminação -ūs de genitivo singular, nominativo e acusativo plural. Vejamos outros exemplos de substantivos de quarta declinação: exercitus, us 4f. “exército” cornu, us 4n. “chifre”15 idus, us 4f. “Idos (dia 13 ou 15 de cada mês)” domus, us 4f. “casa”16

A quinta declinação dos nomes A quinta declinação é a dos substantivos de tema em e. São poucos os substantivos pertencentes a essa declinação, mas um dos mais importantes, dies, apareceu neste capítulo. Conheçamos as formas: dies, i 5m.17 “dia” Singular

Plural

Nominativo

diēs

diēs

Acusativo

diem

diēs

Genitivo

diēī (diē)

diērum

Dativo

diēī (diē)

diēbus

diē

diēbus

Ablativo

Outros substantivos comuns de quinta declinação são: fides, i 5f. “fé” res, i 5f. “coisa, questão, assunto, propriedade” spes, i 5f. “esperança” species, i 5f “aparência, aspecto” 15 16

Os nomes neutros da quarta têm nominativo e acusativo plural em -ua.

Como vimos antes, trata-se de um substantivo irregular, já que possui também formas de segunda declinação. Isso aponta, na verdade, para uma tendência que se desenvolveu mais tarde na passagem do latim para as línguas românicas, a de um enfraquecimento no paradigma de nomes de tema em u e consequente anexação de suas formas ao paradigma da segunda declinação, de tema em o. 17 dies é masculino em geral, mas feminino quando significa algum dia especial ou a deusa Dies.

224

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Texto complementar Públio Ovídio Naso (43 a.C. - 17 d.C.) foi autor de uma obra vastíssima, que abrangia desde poesia lírica elegíaca18 até textos escritos em hexâmetros datílicos19 que se propunham a narrar os incidentes mitológicos de transformações (As Metamorfoses), passando por um curioso poema sobre o ano romano, com suas origens e seus períodos. No trecho que leremos, na tradução do poeta romântico português António Feliciano de Castilho (1800-1875), veremos os primeiros versos do poema, que incluem a dedicatória ao sucessor de Augusto, Germânico, a explicação dos nomes dos meses e do número inicial de dez, acrescidos de dois meses pelo rei lendário de Roma Numa e, finalmente, o início propriamente dito do poema, quando se começa a falar do primeiro dia do ano, dedicado a Jano. Ovídio não conseguiu completar o poema, vindo a morrer quando já se completavam os seis primeiros meses do ano. (OVÍDIO, 1949, p. 105-108)

Festas do lácio ano, origens suas, Quais astros vão, quais vêm, dirão meus versos. Acolhe-os tu, Germânico! sorri-lhes! A tímido baixel sê norte, ó César! Proteja teu favor a humilde of’renda. Na dos priscos anais sagrada mina Ver-me-ás andar notando os fundamentos Às modernas usuais solenidades, E a cada dia consignar seus foros. Fastos vossos domésticos mil vezes Virão de Roma aos fastos enlaçar-se: Já do pai, já do avô lerás os nomes. Como eles ambos nos anais do culto 18 Poesia de conteúdo erótico, amoroso ou de lamento, escrita em metros chamados de dísticos elegíacos: um hexâmetro datílico seguido de um pentâmetro datílico. 19 O hexâmetro datílico é um tipo de verso da literatura antiga que se constitui de seis pés (sequências de sílabas), cinco dátilos (ou seja, uma sílaba longa seguida de duas breves) e um pé final com uma sílaba longa seguida de uma longa ou breve. Na poesia antiga, todos os versos eram escritos dentro desses padrões métricos e prosódicos, e o verso hexâmetro datílico era o tipo de verso adotado desde os poemas homéricos na Grécia pré-clássica até os textos elevados da poesia épica de Roma.

225

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Mereceram à pátria o ser inscritos, Prêmio igual de virtude haveis de obtê-lo, Ó Germânico, ó Druso, irmãos na glória. Armas de César que as celebrem outros; Eu de César somente as aras canto, E os dias que há juntado aos sacros dias. Ao vate que dos teus imprende as glórias, Animo, audácia, teu favor influa. De teu semblante, plácido, ou severo, Baixará fogo ou gelo à mente incerta. Só no cuidar que por juiz vai ter-te, Já sob a destra a página estremece, Qual se houvera de a ler o deus de Claros. Pois quem há ‘í que não sentisse o encanto Dessa culta facúndia, quando estrénua Acudia no foro aos réus trementes? Quem não bebeu no teu tratar coas musas Caudais torrentes que brotavas d’estro? Ao vate humilde pois, grão vate, acode!; E, por que auspícios bons todo o ano aditem, Rege (se cabe a rogo audácia tanta) Rege tu próprio aos meus frisões as rédeas. De Roma o fundador, marcando os tempos, Em meses dez circunscreveu seu ano; Se, como de astros, entenderas de armas, Mal por ti, pobre Rômulo! esses louros Que em derredor ceifaste, onde estariam?! Daquele erro de Rômulo contudo Inda alguma razão se aventa, ó César: 226

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Do gerar ao nascer dez meses correm; Dez meses a viuvez conserva o luto; Supôs que espaço igual bastasse ao ano. De um povo inculto o inculto purpurado Não abrangia a mais. A Marte of’rece O mês primeiro, a Vênus o segundo; Porque em Vênus lhe prende a clara estirpe, E Marte foi seu pai; terceiro, aos velhos; Aos mancebos o quarto há destinado. Aos outros seis do número fez nome. Vem Numa; vê que a Jano, e aos pátrios Falece um culto; para dar-lho, cria [mortos, Mais dois meses, que aos dez prepõe na ordem. Índole vária as leis hão dado aos dias; Têm diverso mister os sóis diversos. Cala o dia nefasto as três palavras; Causas versa no foro o fasto dia. Destas duas opostas naturezas Dias contudo vêm que participam: Nefastos de manhã, de tarde fastos. Mal que a entranha da rês ao deus foi dada, Pode livre soar pregão forense, E exercer o pretor seu nobre encargo. Dias há, outrossim, para comícios, Que apinhoam de povo o Campo Márcio; E dias, que ao mercado impreteríveis, De cada lua o nono disco aponta. As Calendas na Ausónia arroga-as Juno; Nos Idos cai a Júpiter cordeira Alva e nédia; sem nume as Nonas ficam.

227

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Nonas, idos, calendas, igualmente, (Notai bem, que no errar corrêreis perigo!) Têm dia negro após; tremendo agouro, Que a história com sucessos nos confirma, Pois sempre em dias tais contrário evento Deu Marte mal propício às nossas armas. Destas noções, que têm de vir frequentes Co’os Fastos misturar-se, aqui me aprouve Tecer prelúdio breve aos longos cantos, Que, importunas depois mos não quebrassem. Lá vem Jano! lá chega! a ti, grão César, Traz novo ano feliz núncio risonho; Para mim, cantor seu, traz-se a si mesmo. Nas boas horas para nós descendas, Bifronte divinal, eterna origem Dos anos tacitífluos; deidade, Que, única entre elas, para trás descobres! Propício assiste aos chefes generosos, Cujo heroico valor mantém segura A fértil terra em paz, em paz os mares! Propício ao teu senado! alfim propício A todo o povo do imortal Quirino! Vem, vem! ao teu aceno os alvos templos De par em par festivos se descerrem. Que alegre aurora pelos céus desponta! Religiosa atenção, silêncio, ó turbas! Ruim palavra sussurrar não ouse! Convém ao dia bom palavras boas. Longe os pleitos cruéis, a rixa insana; E tu, censor mordaz, teu fel não vertas! Vedes as rescendentes labaredas? 228

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Sentis no fogo crepitar fumosas Fartas espigas de cilisso nardo? Da viva flama o rosicler esplêndido Da sacra estância nos dourados trêmulos Borboleteia, e na profunda abóbada Estampa alto clarão! de toda a parte, De galas novas, como cabe à festa, Acode povo e povo ao Capitólio! Vê-los que vêm chegando, os novos feixes! Nova púrpura os segue! A cônsul novo Vai o curul marfim ser nobre assento! Gordos bezerros dos faliscos pastos Dão a intacta cerviz ao sacro ferro. Jove, que lá do Olimpo abrange o orbe, Romano todo o vê. Salve mil vezes, Ó mui risonho dia! e mais risonho Possas tu de ano em ano alvorecer-nos, Sempre do povo-rei credor aos cultos!

Dica de estudo Faça comparações do latim com línguas neolatinas, principalmente com o português.

Atividades 1. Preencha o quadro a seguir com as datas e anos corretos para o nosso calendário. Dia romano

Dia moderno

Ano romano

pridie nonas martias

V auc

a.d. IV kal. augustas

C auc

idibus februarius

DCCLIII auc

Ano moderno

229

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

2. Traduza as seguintes orações latinas para o português: a) nullam spem habet ille qui fidem perdit.

b) exercitūs manus imperatoris ducit.

c) multos dies manebant in agro hostium.

d) quattuor homines in urbem inierunt quartō diē.

3. Traduza o trecho da Eneida, de Virgílio, com o auxílio do vocabulário a seguir. Nec mihi iam patriam antiquam spes ulla uidendi [est], nec dulcis natos exoptatumque parentem;

uidendi: gerúndio de uideo 2 “de ver” dulcis: acusativo plural do adjetivo dulcis, e: “doce” natos: acusativo plural de natus “filho” exoptatum: acusativo singular de exoptatus, a, um “muito desejado” parentem: acusativo singular de parens, parentis “pai”

230

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). HORÁCIO; OVÍDIO. Sátiras & Os Fastos. São Paulo: Jackson Editores, 1949. (Clássicos Jackson, 4). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993.

231

Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações

Gabarito 1. Dia romano

Dia moderno

Ano romano

Ano moderno

pridie nonas martias

6 de março

V auc

749 a.C.

a.d. IV kal. augustas

28 de julho

C auc

653 a.C.

idibus februarius

13 de fevereiro

DCCLIII auc

1 d.C.

2. a) Não tem nenhuma esperança aquele que perde a fé. b) A mão do imperador conduz os exércitos. c) Permaneciam durante muitos dias no campo dos inimigos. d) Quatro homens entraram na cidade no quarto dia. 3. “Nem há para mim esperança alguma de ver a pátria antiga

232

nem os doces filhos e o pai muito amado/desejado”.

Anotações

Anotações

234

Anotações

235

Latina

Latina

LÍNGUA

LÍNGUA

LÍNGUA

Latina Rodrigo Tadeu Gonçalves

Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-1146-9

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