Judaísmo Cristianismo e Helenismo André Leonardo Chevitarese Gabriele Cornelli Z

March 5, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Judaísmo, Cristianismo e Helenismo. Ensaios Acerca das Interações Culturais no Mediterrâneo Antigo.

André L. Chevitarese e Gabriele Cornelli Apresentação de Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013)

 

Judaísmo, Cristianismo e Helenismo. Ensaios Acerca das Interações Culturais no Mediterrâneo Antigo. Edição Revista 2021 Kliné Editora ® Rua Maria Amália, 591, Tijuca, Rio de Janeiro - RJ - Brasil [email protected] contato@klineeditora. com | www.klineeditora.com Coordenação Editorial

Felinto Pessôa de Faria Neto Leonardo Gonçalves Martins Raphael Botelho de Moura Conselho Editorial

Daniel Brasil Justi (UNIFESSPA) Marta Mega (UFRJ) Mônica Selvatici (UEL) Osvaldo Ribeiro (UNIDA)  Diagramação e Capa Capa

Raphael Botelho de Moura C452 Chevitarese, André Leonardo; Cornelli Gabriele Judaísmo, cristianismo e helenismo: ensaios acerca das interações culturais no Mediterrâneo Antigo. / André Leonardo Chevitarese e Gabriele Cornelli. - Rio de Janeiro: Kliné, 2021. Edição revista. Formato: epub Modo de acesso: world wide web ISBN 978-85-7419-714-2 1. Cristianismo. 2. Judaísmo. 3. Helenismo. 4. Religião. 5. Interações Culturais. 6. Historiografia. I. Título. CDU 232 CDD 200.901

 

Sobre os autores  André Leonardo Leona rdo Chevitarese é Professor Titular do Instituto de História da

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua no Programa de PósGraduação em História Comparada do Instituto de História e no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional. Gabriele Cornelli é Professor Associado do Instituto de Ciências Humanas

da Universidade de Brasília. É Diretor da Cátedra UNESCO Archai sobre as origens plurais do pensamento ocidental e atua no Programa de PósGraduação em Metafísica da mesma instituição. É Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

 

Índice Sobre os autores Apresentação Abreviaturas Utilizadas I - Reflexões em torno de Daniel 9:1-19 II - Jesus era Judeu? Ou a Galiléia Esquecida III - Práticas Mágicas no Novo Testamento Testamento e para Além Dele IV - Convergências Apocalípticas nas Esquinas da Magia: o Sincretismo Religiosoo Helenístico dos Papiros Mágicos Religios Mágicos Gregos V - Amuletos, Salomão e Cultura Helenística VI - O Anel Anel de Salomão: Magia e Apocalíptica no Testamento de Salomão VII - O  Uso de um Esquema Imagético Politeísta entre os Primeiros Cristãos VIII - Sexu Sexualidade alidade e Violência no Reino dos Céus: o Caso do  Evangelho Secreto de de Marcos e as tradições cristãs primitivas Bibliografia Catálogo Sumário Sumário das Imagens Utilizadas.

 

Apresentação Nas universidades dos Estados Unidos e de países europeus, há muitas décadas atrás, as disciplinas voltadas para estudos da religião apresentavam um forte preconceito pró cristão. Numa disciplina como Religiões Comparadas, por exemplo, o cristianismo costumava ser tomado como paradigma indiscutível ao ser confrontado com outros credos. Elementos vistos por historiadores cristãos como “positivos” em religiões pré-cristãs como, por exemplo, a do antigo Egito freqüentemente seriam encarados não a partir da lógica intrínseca do pensamento religiosos em questão mas, sim, como algo que  prefigurava ou antecipava aspectos do cristianismo − ou mais em geral do pensamento judaico-cristão − ainda por vir, numa perspectiva no mínimo fortemente anacrônica além de preconceituosa. Entretanto, uma disposição tão reducionista foi pouco a pouco abandonada por diversas razões. Uma delas percebe-se no contato crescente dos estudos religiosos, incluindo a História das Religiões, com disciplinas como a Antropologia, a Arqueologia, a Sociologia ou a Filosofia. Mais recentemente, fator poderoso em tal sentido foi o multiculturalismo pós-moderno vinculado, entre outras coisas, às consequências da descolonização para as relações entre povos no âmbito mundial. Tal Tal multiculturalismo, diante de qualquer manifestação de um bias cristão, levaria a que se perguntasse: por que um setor de alguma cultura não-ocidental, como a sua religião, deveria ser julgado de fora, a partir dos parâmetros religiosos da cultura ocidental? Por estes e outros caminhos, cada vez mais viu-se como algo muito natural − mesmo de parte de pastores protestantes ou sacerdotes católicos − que também o trabalho crítico com os livros sagrados judaico-cristãos fosse feito de modo idêntico e com as mesmas exigências aplicáveis a quaisquer textos antigos. Assim, um padre ou pastor que seja ao mesmo tempo especialista em crítica veterotestamentária ou neotestamentária não manterá o mesmo discurso acerca dos textos para ele sagrados ao falar, por um lado, do púlpito de sua igreja ou, por outro, em reuniões científicas de sua área. O Brasil, entretanto, tem uma tradição ainda pobre na área de estudos

 

universitários e científicos das religiões. Até mesmo no que concerne a tradução de trabalhos estrangeiros, é limitado aquilo de que se pode dispor em português em matéria de trabalhos atualizados. Neste país, o fato de estudos judaico-cristãos − numa perspectiva histórica informada por disciplinas “auxiliares” tradicionais como a Filologia, mas igualmente pela Antropologia e pelos estudos iconográficos de objetos descobertos arqueologicamente − tratarem os escritos que os cristãos consideram sagrados e divinamente inspirados com critérios aplicáveis do mesmo modo a quaisquer textos ainda pode chocar, sobretudo em épocas como a atual, marcada pelo avanço de posições religiosas fundamentalistas tanto entre protestantes quanto entre católicos. É salutar, portanto, que se desenvolvam entre nós os estudos religiosos de tipo acadêmico, apoiados em pesquisas sérias, até que os seus achados e debates se tornem, pelo menos nos ambientes acadêmicos, algo corriqueiro como já é nos Estados Unidos ou na Europa. Vejo a partir de tal perspectiva esta coleção de ensaios que André Leonardo Chevitarese e Gabriele Cornelli ora dão a público. Alguns destes artigos seus são voluntariamente  polêmicos ou provocativos, é o que me parece. Defendem posições que podem − e devem − alimentar controvérsias e, mesmo, discussões acadêmicas acaloradas (debates acalorados emocionalmente derivados de preferências ou interpretações religiosas específicas são, pelo contrário, irrelevantes e improdutivos ao se tratar de textos oriundos de processos pesquisa, como estes). Os autores escolheram uma perspectiva teórico-metodológica de contornos claramente definidos e por eles expostos, que é a dos estudos culturais contemporâneos numa de suas vertentes − ilustrada, por exemplo, pelo antropólogo Marshall Sahlins em sua fase pós-evolucionista, na qual, em função de estudos na França, sofreu forte influência (nem sempre suficientemente percebida ou sublinhada) de uma pensadora búlgara que fez carreira em Paris, Julia Kristeva. Bem antes de Sahlins, esta semiotista mostrara que as práticas significativas verbais e não-verbais tanto podem reproduzir quanto transformar os códigos a partir dos quais se elaboram; e, quando os mudam, fazem-no um pouco à maneira da famosa boutade de

 

Lampedusa em seu Gattopardo, ou seja, no sentido de que é preciso que tudo mude para que tudo fique como está. Espero que estes ensaios cumpram um papel de peso na ampliação e renovação, entre nós, dos estudos religiosos universitários. Ciro Flamarion Cardoso Professor Titular de História Antiga e Medieval Universidade Federal Fluminense

 

Abreviaturas Utilizadas Ag, Ageu. AJ. Antiguidades Judaicas (Josefo). Ap. Apocalipse de João, João , o Visionário. At. Atos dos Apóstolos. Can. Livro dos Cânticos. CC. Contra Celso (Orígenes). CJA. Cneu Júlio Agrícola (Tácito). Dn. Daniel. Dt. Deuteronômio. Ecl. Eclesiástico. Ex. Êxodo. GJ. A Guerra dos Judeus contra os Romanos (Josefo). Gl. Epístola aos Gálatas. Jo. Evangelho de João. Jr. Jeremias. Lc. Evangelho de Lucas. Mc. Evangelho de Marcos. Mt. Evangelho de Mateus. Nm. Números. PMD. Papiros Mágicos Demóticos (Betz). PMG. Papiros Mágicos Gregos (Betz). Sb. Sabedoria. TA. Tradição Apostólica (Hipólito).

 

TLevi. Testamento Testamento de Levi. TSol. Testamento Testamento de Salomão. 1En. Primeiro Livro de Enoque. 2Cr.. Segundo Livro de Crônicas. 2Cr 1Mc. Primeiro Livro de Macabeus. 2Mc. Segundo Livro de Macabeus. 1Rs. Primeiro Reis. 1Sm. Primeiro Samuel

 

Introdução I. O público, em geral, e os estudiosos, em particular, que estejam interessados em ler trabalhos, em língua portuguesa, que abordem as várias oportunidades que judeus, cristãos e politeístas, inseridos no Mediterrâneo antigo, tiveram de se encontrar, veem-se completamente frustrados com a quase ausência de livros que abordam estes encontros. Podem ser apontadas duas obras, lançadas em português três décadas atrás, que enfocam o tema em questão, cada uma delas, porém, por um viés distinto: Cristianismo Primitivo e Paideia Grega, de Werner Jeager, originalmente publicado em inglês, em 1961, com uma tradução para o português de Portugal, em 1991. Este livro não apresenta índice, já que se trata de um conjunto de preleções feitas pelo autor no momento da sua saída da Universidade de Harvard. Jeager (1991: 13) deixa claro, logo no início, que o seu objeto é uma análise histórica do cristianismo e a sua relação com a cultura grega, demonstrando que o primeiro elemento da relação está completamente envolvido no segundo. Implica dizer, muito embora Jeager (1991: 17-18) reconheça o cristianismo como um movimento judaico, ele observa que a sua rápida disseminação, desde a sua primeira geração, era devido a dois aspectos centrais: os judeus achavam-se helenizados no tempo de Paulo, não só na diáspora judaica mas, num grau considerável, também na Palestina; e foi precisamente para esta fração helenizada do povo judeu que os missionários cristãos primeiro se dirigiram. Para Jeager, neste sentido, não é possível compreender o cristianismo fora do contexto helenístico1. Para reforçar ainda mais esta sua hipótese, ele (Jeager 1991: 17-26) dá vários exemplos, ao longo do seu discurso: (i) o cristianismo usou, desde o seu início, a língua grega; (ii) o nome da nova seita, christianoí , teve origem na cidade grega de Antioquia; (iii) o grego era falado em todas as sinagogas do Mediterrâneo (e do Egeu), o que implicou: o contato dos cristãos com um séquito de prosélitos politeístas presentes nas sinagogas; que toda a atividade de Paulo baseou-se neste fato; que as discussões com os judeus, a quem Paulo se dirigia nas suas viagens e a quem tentava levar o evangelho eram conduzidas em grego; (iv) tanto

 

Paulo quanto os judeus citavam, via de regra, o Antigo Testamento da versão grega dos Setenta; (v) a presença marcante, nos autores cristãos, não só das formas literárias gregas da Epístola, segundo o modelo dos filósofos gregos, como, também, de inúmeros exemplos, contidos em seus trabalhos, extraídos de autores gregos. A análise feita por Jeager, ao longo do livro, compreende basicamente os quatro primeiros séculos da nossa era, buscando sempre reforçar a profunda dependência que a cultura helenística irá impor ao cristianismo. Os Limites da Helenização. Interação Cultural das Civilizações Grega, Céltica, Judaica e Persa, de Arnaldo Momigliano, escrita originalmente em

inglês, em 1975, e traduzida para o português do Brasil em 1991. Esta obra está organizada a partir de duas premissas: (i) Antes das conquistas de Alexandre Magno, as várias civilizações desenvolviam-se em linhas paralelas, o que Momigliano (1991: 16) chamou de tempo axial (achsenzeit ). ). Este argumento é derivado do livro de Karl Jasper de 1949, sem tradução para a língua portuguesa, denominado Vom Ursprund und Ziel der Geschichte. Momigliano (1991: 15), acompanhando de perto as ideias de Jasper, observa que a China de Confúcio e de Lao-Tsé, a Índia de Buda, o Irã de Zoroastro, a Palestina dos profetas e a Grécia dos filósofos, trágicos e historiadores apresentavam características comuns, como por exemplo: (i) dominavam a escrita; (ii) apresentavam uma complexa organização política que conjugava governo central e autoridades locais; (iii) um cuidadoso planejamento das cidades; (iv) uma avançada tecnologia do metal; (v) a prática da diplomacia internacional; (vi) uma profunda tensão entre as forças políticas e os movimentos intelectuais; e (vii) buscavam difundir uma maior pureza, maior justiça, maior perfeição e uma explicação mais universal das coisas. Convém observar, porém, que apesar de apresentarem elementos comuns, tais civilizações estavam inseridas no tempo axial, o que implica dizer: elas eram independentes umas das outras e se ignoravam. (ii) O período helenístico apresentava uma novidade sem precedente na História (Momigliano, 1991: 16): ele proporcionou a circulação internacional às ideias, embora reduzisse fortemente o seu impacto

 

revolucionário. Conforme observa ainda Momigliano (1991: 16), comparada ao tempo axial, a época helenística é dócil e conservadora. O marco para este encontro das civilizações foram os resultados trazidos pelas conquistas de Alexandre Magno, quando os gregos (e macedônios) descobriram os romanos, os celtas, os judeus, os persas. Assim, nas palavras de Momigliano (1991: 10), a era helenística assistiu a um acontecimento intelectual de primeira categoria: a confrontação dos gregos (e macedônios) com quatro outras civilizações, três das quais antes lhes tinham sido praticamente desconhecidas e uma que fora conhecida sob condições muito diferentes. Não deve ser perdido de vista, porém, que da mesma forma que Jeager, Momigliano (1991: 13) também afirma que a civilização helenística permaneceu grega na língua, nos costumes e (sobretudo) na consciência de si mesma. II. Com relação aos dois trabalhos apresentados acima, é importante considerar o seguinte: (i) os seus autores estão entre os mais destacados pesquisadores do mundo antigo do século passado; (ii) os dois livros, apesar de já terem sido publicados nas décadas de 1960 e 1970 respectivamente, ainda trazem questões extremamente oportunas; e (iii) estas duas obras são consideradas clássicas no campo historiográfico, na medida em que muitas das atuais pesquisas ainda são tocadas pelas ideias trazidas pelos seus autores. Apesar disto, porém, estes dois livros apresentam problemas que não estão contidos neles mesmos, mas que lhes são exteriores. Estas questões passam pela formação acadêmica de seus respectivos autores, aliás, diga-se de passagem, que ainda predomina fortemente nos dias atuais. Os problemas podem ser assim agrupados: (i) Ambos os autores fazem parte de uma geração de pesquisadores que praticamente ignorava os resultados obtidos pelas pesquisas arqueológicas, em especial àquelas desenvolvidas na região do Mediterrâneo. A bem da verdade, para sermos honestos, Momigliano (1991: 72) até que utilizou alguns dados advindos da Arqueologia, mas estas informações só entraram no seu discurso para confirmar – nunca para contestar ou refutar – uma

 

dada posição assumida pelos autores antigos (gregos, romanos, latinos,  judeus e cristãos). (ii) Da mesma forma, os dados antropológicos também ficaram submetidos a um segundo plano, interferindo praticamente muito pouco nas duas respectivas obras. Não deve ser perdido de vista, porém, que o tema desenvolvido por ambos os pesquisadores – encontros entre diferentes culturas – é muito mais antropológico do que histórico ou filosófico 2. (iii) Verifica-se também um baixíssimo aproveitamento dos textos denominados canônicos, deuterocanônicos e apócrifos produzidos por  judeus e cristãos, nas obras de Jeager e Momigliano. O primeiro pesquisador, mais interessado nas interações entre cristianismo e helenismo, priorizou basicamente, na sua narrativa, a literatura patrística, enquanto que o segundo autor, ao discutir os contatos entre gregos e judeus, limitou-se às referências básicas (poderíamos dizer, os lugares comuns) de textos  judaicos. Ambos os autores deixaram de fora, talvez por causa das dificuldades e/ou dos receios sentidos pelos cientistas sociais em lidar com a Torá ou a Bíblia cristã. Todos os pesquisadores da antiguidade esmiúçam os inúmeros textos literários e epigráficos antigos produzidos por gregos e romanos que chegaram até os dias atuais, os tratam como documentos que ajudam a reconstruir a História de um dado período, mas ainda são poucos aqueles pesquisadores3 – pelo menos aqui no Brasil – que olham os textos sagrados judaicos e cristãos como documentos literários 4. (iv) O inevitável impacto que o tempo produz em qualquer obra, inclusive nas de Jeager e Momigliano. Novos trabalhos têm sido publicados5  no exterior, na forma de livros, e no Brasil, através de Dissertações e de Teses dos Programas de Pós-Graduações. Eles têm ampliando consideravelmente o horizonte das pesquisas nas áreas relacionadas aos encontros culturais promovidos, a partir das conquistas alexandrinas, nas últimas décadas do século IV a.C. em diante. III. Marshall Sahlins publicou, em 1985, uma obra denominada  Islands of History. Este trabalho, lançado posteriormente no Brasil, em 1990, recebeu o título  Ilhas de História. O seu tema central diz respeito ao

 

encontro entre ingleses e havaianos, ocorrido no final do século XVIII. Esse livro proporcionou uma série de questões extremamente pertinentes aos temas desenvolvidos pelos autores deste livro. São elas: (i) Cultura é historicamente reproduzida e alterada na ação (Sahlins, 1990: 7). Esta definição adquire aqui um peso muito importante, na medida em que os oito capítulos abordam os vários encontros ocorridos entre as culturas monoteísta e politeístas. No momento em que as culturas grega e  judaica se encontraram, de forma mais duradoura, a partir das conquistas de Alexandre Magno6, na Judeia e na Galileia, por exemplo, pode-se admitir que os agentes envolvidos diretamente nesses encontros nunca mais foram os mesmos. Esta afirmação baseia-se na premissa feita por Sahlins (1991: 7), segundo a qual a cultura se reproduz e se altera na História. Implica dizer, ela está sempre em constante movimento, sendo síntese de estabilidade e de mudança. É de se esperar, portanto, que esse movimento produza uma “transformação estrutural”, pois a alteração de alguns sentidos muda a relação de posição entre as categorias culturais, havendo assim uma “mudança sistêmica”. (ii) Sahlins (1991: 8) observa uma proposição comumente feita entre os teóricos do sistema mundial: “[...] dado que as sociedades tradicionais que os antropólogos habitualmente habitualmente estudam são submetidas a mudanças radicais, impostas externamente pela expansão capitalista ocidental, não é possível manter a premissa de que o funcionamento dessas sociedades está baseado em uma lógica cultural autônoma”.

À luz desta proposição, o autor (Sahlins, 1990: 8) estabelece quatro críticas básicas. Na medida em que cada uma delas é extremamente relevante para este livro7, elas serão inseridas nos contextos históricos aqui trabalhados. 1ª. Há uma certa confusão, entre os teóricos do sistema mundial, entre sistema aberto e a total ausência de sistema (Sahlins, 1990: 8). Esta crítica nos é extremamente cara, na medida em que as três culturas por nós discutidas8 – judaica, cristã e grega – interagiram-se culturalmente. No momento em que elas interagiam, elas caracterizavam-se por sistemas

 

abertos, estabelecendo negociações, admitindo trocas até um certo limite. Isto implica dizer que, ao longo deste livro, não há espaços para noções de influências de uma cultura sobre a outra9. Portanto, priorizar-se-á a idéia de negociação, de interação cultural. 2ª. A própria teoria do sistema mundial faz concessões à preservação das culturas satélites enquanto meios de reprodução de capital na ordem dominante europeia (Sahlins, 1990: 8). Esta crítica feita aos teóricos mundiais é bastante pertinente com os períodos helenístico (séculos III-I a.C.) e romano (II a.C. – IV d.C.). Tanto as monarquias helenísticas (selêucida e ptolomaica), quanto os governos republicano e principado romanos admitiram concessões às diversas culturas submetidas aos seus domínios políticos e militares. Basta lembrar que os monarcas selêucidas10  e ptolomaicos, bem como o Senado e os “príncipes” romanos não interferiram nas formas como as riquezas eram produzidas no interior dos seus respectivos territórios, bem como não intervieram nas múltiplas formas de manifestações religiosas existentes entre as diferentes culturas inseridas nas fronteiras dos seus impérios. A riqueza dos impérios selêucida, ptolomaico e romano estava atrelada à reprodução e até mesmo à transformação criativa da ordem cultural desses povos (ponto de vista dos chamados povos dominados); 3ª. O sistema é, no tempo, a síntese da reprodução e da variação (Sahlins, 1990: 9). Sob o ponto de vista temporal e espacial, os ensaios deste livro inseremse basicamente em dois grandes impérios antigos: o selêucida e o romano. Muitas vezes, porém, ao se discutir os grandes impérios antigos do Mediterrâneo e do Egeu, incluindo os dois citados, constata-se uma idéia implícita nessas discussões: eles aparecem como estruturas políticoadministrativas estáticas, não sujeitos às variações externas ou internas ao longo do tempo e do espaço. Buscamos enfatizar nestes Ensaios, a partir desta questão levantada por Sahlins, uma visão exatamente oposta àquela comumente aceita: os impérios selêucida e romano, em contato com as diferentes culturas inseridas nos seus domínios territoriais, reproduziam-se de maneira distinta nas suas inúmeras partes, já que os processos de

 

interações culturais ocorridos no interior dos seus domínios devem ser entendidos como uma via de mão dupla. Implica dizer, a dinâmica reprodutiva dos impérios selêucida e romano era também responsável pelas variações que eles conheceram ao longo do tempo e do espaço. 4ª. A transformação de uma (dada) cultura também é um modo de sua reprodução (Sahlins, 1990: 174). Esta última questão colocada por Sahlins também irá aparecer ao longo das várias discussões travadas nas páginas que se seguem. Trabalharemos com a noção de judaísmos e cristianismos. Esta opção deve-se basicamente às inúmeras oportunidades de contato envolvendo as comunidades judaicas (e/ou cristãs) e politeístas disseminadas na bacia mediterrânea, por exemplo, proporcionando, em níveis locais, especificidades no ver, no sentir, no praticar essas experiências religiosas no interior dessas mesmas comunidades. Na medida em que reconhecemos esses encontros (deve-se incluir também neste raciocínio a própria cidade de Jerusalém), admitimos também uma transformação local nas experiências vividas pelas comunidades judaicas, cristãs e politeístas, proporcionando reproduções locais diferentes (por menor que possam parecer essas mudanças). Foram essas possibilidades de transformação, bem como, a própria capacidade diária de reprodução de judeus e cristãos em áreas majoritariamente ocupadas por outras comunidades culturais, que lhes permitiram a sobrevivência e a continuidade das suas práticas religiosas, incluindo aí a possibilidade de aproximação ou afastamento dos indivíduos às suas crenças. Foram estas transformações locais que possibilitaram o desenvolvimento de diferentes culturas judaicas, cristãs e politeístas – sob o ponto de vista sincrônico e diacrônico – com historicidades diferentes (Sahlins, 1990: 11). Estas quatro questões são consideradas chaves para compreender a própria dinâmica deste livro. Elas nos levam, porém, para duas definições, propostas por Sahlins, de cultura que se complementam e que estarão presentes nas páginas que se seguem: 1ª. a cultura é justamente a organização da situação atual em termos do passado (Sahlins, 1990: 192).

 

Ao nos referirmos, ao longo dos capítulos, às culturas judaica, cristã e politeísta, estamos admitindo o uso de um conceito que estabelece a todo momento, em termos individuais ou coletivos, um diálogo constante entre o presente e o passado. Este passado não deve ser visto como um elemento estático, mas em constante mudança, conforme observou Sahlins (1990: 10), parafraseando Marc Bloch, “[...] os nomes antigos, que estão na boca de todos, adquirem novas conotações, muito distantes de seus sentidos originais”. 2ª. a cultura funciona com uma síntese de estabilidade e mudança, de passado e presente, de diacronia e sincronia (Sahlins, 1990: 180). Esta outra definição pode ser explicada através das próprias palavras de Sahlins (1990: 181), ao verificar o contato entre ingleses e havaianos (do nosso lado, porém, entre judeus e politeístas, cristãos e politeístas, judeus e cristãos): “No final, quanto mais as coisas permaneciam iguais, mais elas mudavam, uma vez que tal reprodução de categorias não é igual. Toda reprodução da cultura é uma alteração [...]”. IV. A relevância destes Ensaios para o leitor brasileiro assume uma conotação toda especial quando se presta atenção à profunda convergência de formas e conteúdos entre esta história dos encontros culturais no mundo helenístico e a definição de conceitos como interação cultural, sincretismo, imbricação, tão caros à historiografia brasileira. A questão mais premente, do ponto de vista historiográfico, é exatamente aquela de conseguir compreender o “produto final” das diversas interações entre culturas diferentes para originarem este estágio cultural específico. Tanto para a “grande praça” do helenismo antigo como para o Brasil colonial, um termo muito usado é “sincretismo”. Uma indicação de percurso se faz aqui necessária: estes Ensaios não devem ser lidos a partir de uma visão culturalista do sincretismo, na linha clássica de Artur Ramos de Araújo Pereira (1945; cf. tb., neste sentido, a avaliação de Sanchis, 1994: 4-11). O sincretismo pode ser pensado como uma estratégia de contraposição dos valores da cultura dominante sobre a cultura dominada, no sentido, por exemplo, de grande parte do que

 

compreendermos em nossos dias com o termo “globalização”. Estas páginas a seguir, de fato, querem ser lidas a partir de uma compreensão mais processual e plural dos processos sincréticos, como acontecem de maneira especial no interior do imaginário cultural-religioso: isto é, como uma forma de reinterpretação dos elementos culturais adquiridos no processo de troca. Desta forma, categorias que surgem, a partir dos estudos antropológicos e históricos brasileiros, podem vir a desenhar mais precisamente os caminhos teóricos para a compreensão dos “produtos finais” analisados nos Ensaios a seguir. O conceito de interpenetração das civilizações de Bastide, por exemplo, pensado como um processo aberto de relações aculturadoras parece esclarecer melhor o risco de se utilizar uma concepção das interações culturais, quanto compreendida no sentido de uma síntese estática de culturas diferentes. Assim o mesmo Bastide (1973: 187, nota 46): “Nas modernas concepções de aculturação e transculturação (...) tende-se cada vez mais a considerar que o elemento tomado de empréstimo é ‘digerido’, por assim dizer, pela cultura assimiladora, que se adapta ao novo complexo cultural ou paideuma. (...) A antiga concepção de aculturação esquece que existem elementos não-digeridos (e que, às vezes, fazem explodir a antiga cultura) e que, para empregar a linguagem dos sociólogos brasileiros, não existe um centro de gravitação: toda cultura é ‘polinuclear”.

Exemplos deste sincretismo aberto, no interior dos estudos históricos brasileiros, não faltam. Estudos como os de Vainfas (1999) e de Mello e Souza (1987) podem ser pensadosdo como “espelhos” contemporâneos para a compreensão helenismo antigo. Ametodológicos Santidade de Jaguaripe, por exemplo, sabá indígena do Recôncavo Baiano, estudada pelo Vainfas, é um espelho de um processo de aculturação aberto, onde o ritual extático indígena tanto exerce uma sedução irresistível sobre o colonizador como se modifica, aproximando símbolos e formas ao encontro da estrutura do mundo cultural do mesmo colonizador. Um outro autor, muito lido e apreciado entre os historiadores brasileiros, Carlo Ginzburg, pode ser considerado mais um interlocutor destes Ensaios. Tanto pela abordagem metodológica que procede a partir da microanálise de

 

casos bem delimitados (mas cujo estudo revela problemas de ordem bem mais geral), como pela célebre categoria da circularidade cultural, que o mesmo autor (Ginzburg, 1987: 13) define como “[...] um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo [...]”.

Desta forma, a teoria da circularidade permite superar a relação passiva e unidirecional entre centro/periferia ou erudito/popular: um esquematismo maniqueísta que acaba por focalizar metodologicamente mais as proibições e os limites, os critérios de exclusão sobre os quais a cultura foi construída, do que os excluídos em si e seus referenciais culturais alternativos. Mais uma contribuição metodológica para a compreensão das interações culturais que originam novas culturas. A partir destas convergências teórico-metodológicas, os Ensaios a seguir convidam o leitor a superar uma concepção clássica da cultura, e desta forma da cultura no mundo antigo, pensada como algo unívoco e monolítico. “O” judaísmo, “o” cristianismo, “o” politeísmo grego nunca existiram, enquanto formas culturais autônomas e independentes, fora das simplificações manualísticas ou das identificações ideológicas posteriores. A esta visão, impõe-se a necessidade de substituir uma teoria mais flexível, que possa explicar interações que se deem em níveis culturais diferentes. Uma ocupação militar ou uma dominação do espaço econômicofinanceiro não esgotam a possibilidade de uma autonomia relativa de outros espaços culturais. É o caso, por exemplo, do mundo do imaginário religioso, com toda a carga de seus mitos e rituais. Nestes casos pode-se revelar um fenômeno complexo, o de uma aculturação de retorno, na qual a cultura dos dominados entra numa troca aberta, circularmente (na linha do Ginzburg acima) ou dialogicamente (na linha bakhtiniana), com a da cultura dominadora, em certos níveis e a partir de definidos espaços de autonomia. Uma complexa interação multidirecional e polinuclear à qual demos o nome de sincretismo aberto. É com esta bagagem metodológica e hermenêutica que os autores dos Ensaios a seguir se propuseram uma releitura de alguns testemunhos desta “grande praça” que foi o mundo helenístico. A história da cultura ocidental

 

procura nos tempos atuais rever suas formas e conteúdos num diálogo difícil, mas rico, com culturas e sabedorias “outras”, de várias formas distantes: desde o mundo oriental, por exemplo, até visões originárias indígenas de diferentes origens. Por outro lado, uma complementar revisão profunda de sua tradição, uma “faxina” em suas origens (e o que é mais uma tradição senão o lugar onde nos sentimos “em casa”?) pode fazê-la redescobrir riquezas esquecidas, numa interação de culturas e de visões do mundo mais amplas do que aquelas a que os modernos manuais nos acostumaram. Esta, talvez, a afirmação do desejo mais profundo, do compromisso ético destes Ensaios: convidar a reencontrar o “outro”, aparentemente tão distante, no âmago da própria história cultural. André L. Chevitarese e Gabriele Cornelli 1 Jeager (1991: 17, nota 6) demonstra que o termo “helenismo” sofreu um processo de interpretações variadas na antiguidade. De imediato, com Teofrasto, no século IV a.C., esta palavra adquire o sentido do uso gramaticalmente correto da língua grega, o grego livre de barbarismos e solecismos. Posteriormente, porém, helenismo vai caracterizar a adoção das maneiras gregas, do modo de vida grego, em especial fora da Hélade, onde a cultura grega tornara-se moda. Levine (1998: 16-17), mais recentemente, buscou estabelecer uma definição mais clara, pelo menos no entender dos autores destes Ensaios, de dois termos que aparecem imbricados na análise de Jeager: ele define helenismo como o meio cultural, largamente grego, dos períodos helenístico, romano e uma extensão mais limitada do bizantino, enquanto que, por helenização, Levine chama o processo de adoção e adaptação desta cultura em um nível local. Implica dizer que a helenização não deve ser vista como um processo homogêneo, como parece sugerir a definição de Jeager, mas repleto de especificidades locais, resultado do encontro da cultura grega com as múltiplas e variadas culturais locais dispostas no Mediterrâneo, no Egeu e para além desses dois mares. 2 Esta constatação não quer sugerir que historiadores, filósofos filósofos ou teólogos não possam discuti-lo. 3 Referimo-nos especificamente aos historiadores, filósofos e antropólogos da antiguidade. 4 Aliás, tão literários quanto a Ilíada e a Odisseia de Homero, a Eneida de Virgílio, a História de Heródoto, As Histórias de Políbio, as poesias cômicas e trágicas dos poetas gregos e latinos. 5 Uma rápida olhada na bibliografia apresentada no fim deste livro colocará o leitor a par destas publicações. 6 Para uma discussão envolvendo as várias possibilidades de contato, antes do final século IV a.C., ver: Chevitarese, 2004: 69-82. 69-82. 7 Convém observar, como salientou Momigliano (1991: 9-26), que o período helenístico se caracterizou pelo encontro de inúmeras culturas disseminadas na bacia mediterrânea e para além dela, sob a égide do helenismo. 8 Particularmente as duas primeiras culturas compostas basicamente, mas não exclusivamente, por pequenas comunidades espalhadas em contextos helenísticos. 9 Deve-se entender aqui, por inserção e contato das comunidades judaicas com os de fora (pode-se

 

generalizar também para cristãos e os de fora das suas comunidades), não um processo de assimilação de hábitos, costumes e valores externos às respectivas comunidades – o que implicaria em uma forma de descaracterização das mesmas –, mas, o que Rutgers (2000:67,91-95) chamou de interação entre judeus e não-judeus (ou entre cristãos e não-cristãos). Trata-se de um processo onde a apropriação, por um lado, era equiparada pela afirmação da identidade judaica (ou cristã), por outro. 10 Para uma posição mais nuançada do papel de Antíoco IV Epífanes em relação aos judeus, ver: Scurlock, 2000:125-161 2000:125-161..

 

I Reflexões em torno de Daniel 9:1-19 Não é uma tarefa fácil, para um helenista familiarizado com os períodos arcaico e clássico gregos,doanalisar materialEsta literário produzido nas regiões sob a influência impérioum selêucida. empreitada torna-se ainda mais complicada quando se considera que esse material não foi produzido por um autor grego, nem originalmente escrito em grego. Em se tratando de Daniel, as dificuldades só tendem a aumentar, já que o seu livro apresenta uma série de “armadilhas” históricas, capazes de confundir até mesmo o especialista no assunto 1. Não é sem propósito, neste sentido, que o título do referido trabalho traga a idéia de reflexão, já que ele busca compartilhar com o leitor algumas observações acerca da passagem Dn 9:119. I. Como ponto de partida, há um aspecto que perpassa a referida obra: as imprecisões históricas. Elas parecem sugerir um desconhecimento do autor, principalmente na primeira parte do livro, do próprio contexto histórico onde a ação se desenrola. Quanto mais distante temporalmente a narrativa se situa do período de Antíoco IV Epífanes, onde o autor do texto demonstra possuir não apenas um bom conhecimento, mas, também, um enorme interesse, maiores são as possibilidades de acontecerem estas imprecisões. Assim, por exemplo, para o período babilônico, elas ocorrem 2

logo das primeirasparticipou linhas da diretamente narrativa . Odo autor observa (Dn 1:1) que onoreiinício Nabucodonosor cerco de Jerusalém. Esta afirmação apresenta os seguintes problemas: de imediato, Nabucodonosor, naquele momento, não era rei, já que o seu pai, Nabopalasar, ainda estava vivo; segundo problema: ele não participou do cerco de Jerusalém. Imediatamente após a batalha de Karkemís, em 605 a.C.3, ele retornou a Babilônia, já que o seu pai estava muito enfermo, tornando-se rei em 604 a.C.. Com relação ao período persa, em que pese o fato de existirem pouquíssimas informações sobre esta época ao longo da 4 narrativa, autor afirmade(Dn 5:30-31) que Dario, medo, Babilônia ocom a morte Baltazar . Ocorre, porém,o que nãoconquistou há nenhuma

 

registro histórico que comprove a existência deste Dario. Ao contrário, os documentos assinalam Ciro, o persa, como conquistador da Babilônia. Situando-se ainda no ponto de partida, a leitura do livro de Daniel, apesar de apresentar uma unidade obtida graças à ação direta de um “compilador” ou de um “editor” (Momigliano, 1984: 264, 282), foi dividida em duas partes, de acordo com a aproximação ou o afastamento da narrativa em torno de Antíoco IV Epífanes5: os capítulos 1 a 6 – que tratam das histórias de Daniel e seus três companheiros – constituem a primeira parte;  já os capítulos 7 a 12 – relacionados com as visões apocalípticas –  compõem a última parte da narrativa. Henze (2001: 6) levanta dois outros pontos que ajudam a reforçar esta proposta de divisão do livro: (i) constatase, na primeira parte da obra (capítulos 1-6), o autor referindo-se a Daniel na terceira pessoa do singular, enquanto, na segunda parte da obra (capítulos 7-12), há uma mudança da terceira para a primeira pessoa do singular, passando o próprio Daniel a descrever as visões; e (ii) a primeira parte do livro está totalmente desprovida de elementos apocalípticos, o que contrasta marcadamente com a segunda, já que ela está pesadamente dependente desses elementos. Esta divisão não deve ser tomada de forma absoluta, já que, como será visto posteriormente, é possível identificar referências ao referido rei selêucida no cântico de Azarias na fornalha. Ela permite datar com maior segurança, no entanto, as duas partes de Dn, apesar da objeção feita por Henze (2001: 7, nota 5), cujos argumentos parecem repousar em bases não convincentes: a primeira delas pode ser datada a partir da referência no texto (Dn 2:43) ao casamento entre Antíoco II e Berenice, filha de Ptolomeu II, consumado no ano 250 a.C.. Como observou Momigliano (1984: 260, 283-284), este acontecimento é conclusivo e não poderia ser compreendido para um texto escrito não muito depois desta data. Neste caso, os capítulos 1 a 6 poderiam ser situados entre os anos 250-230 a.C.6. A segunda parte de Dn não traz em si grandes problemas de datação, já que o autor parece desconhecer por completo a morte de Antíoco IV ocorrida em torno de novembro de ٦ a.C. (Momigliano, 1984: 259, 284). Neste caso, os capítulos 7 a 12 podem ser datados entre 167-164 a.C.

 

II. O contexto histórico, em que se insere Dn, é bastante instável, com as posições políticas dos reis e das facções envolvidas variando consideravelmente de lugares. As duas datas propostas mais acima, 250 a.C. e 167-164 a.C., apontam a existência de pelo menos dois autores situados temporalmente entre o intervalo de duas gerações. Ambos sentem as fortes pressões externas sobre Jerusalém, já que a todo o momento são mencionados, direta ou indiretamente, em suas narrativas, soberanos estrangeiros intervindo na vida dos habitantes da cidade santa. Um pequeno e rápido esboço do contexto histórico da Judéia será importante, neste sentido, para situar o referido livro. Esta região foi palco de violentas tensões entre facções judaicas rivais. Estes enfrentamentos podem ser vistos como resultados de ações externas que se ramificaram internamente. Estas ações externas se inserem no campo da política internacional, já que Coele-Síria foi objeto de intensa disputa militar entre os impérios selêucida e ptolomaico ao longo do terceiro século. Estas disputas estão materializadas nas várias guerras sírias (Hengel, 1980: 21-41). Esta intensa movimentação internacional ajuda a explicar as tensões internas, em que as famílias judaicas dominantes e poderosas (Tobíades, Oníades, Simônides e Hasmoneus) se organizam em facções pró-selêucidas e pró-ptolomaicas (2Mac 3:1-40; Hayes e Mandell, 1998: 48-49; Bickerman, 1997: 119-122). Elas buscam, em termos palpáveis, o controle político e econômico. No campo político, elas brigam pela liderança e autoridade sobre a comunidade; no campo econômico, elas lutam pelo controle das finanças e da coleta de impostos, com forte ênfase nos ganhos econômicos e nos privilégios. III. A passagem conhecida em algumas bíblias brasileiras como a oração de Daniel parece destoar significativamente do restante da obra do referido profeta, principalmente no que se refere às responsabilidades pelas proibições das práticas religiosas, seguidas de perseguições e mortes em Jerusalém a todos aqueles que ousassem desrespeitá-las. A elaboração de duas tabelas permitirá visualizar as posições antagônicas. Ao observar a Tabela 1, fica evidente, pelos atributos que o autor destina

 

a Antíoco IV Epífanes, uma quase associação do soberano selêucida com o anticristo.

Tabela 1. Atributos relacionados com Antíoco IV Epífanes em Dn. Atributos

Dn

Injusto

3:32

O mais malvado

3:32

Aquele que que profere insulto insultoss contra o Altíssimo Altíssimo 7:25, 8:9, 8:9, 8:25, 11:36 11:36 Tramador de coisas inauditas

8:24

Arruinador dos poderosos e do povo santo

8,24

Aquele que age com perfídia

8:25, 11:23

Miserável Sorrateiro

11:21 11:21, 11:24

Tem o coração voltado para o mal

11:27

Mentiroso

11:27

Profanador

11:31

Coloca-se acima dos deuses

11:36-37

Não tem consideração

11:37

Ele é apresentado como um rei injusto, malvado, arrogante, miserável, pérfido, sorrateiro, que se arvora deus, ou melhor, que se coloca acima do próprio Deus de Israel, o verdadeiro Senhor! Todos estes qualificativos extremamente negativos que o autor de Dn atribui a Antíoco IV, devem-se, sem sombra de dúvida, às reformas que serão introduzidas em Jerusalém pelos judeus helenizados, por um lado, e pelo próprio soberano selêucida, por outro. O interessante, ao longo da narrativa, no entanto, é que o primeiro grupo aparece apenas de forma esporádica, sem um maior detalhamento por parte do autor (Dn 9:27; 11:30; 11:32; 11:39). O mesmo não pode ser dito com relação a Antíoco IV Epífanes. Ele é identificado

 

como a origem do mal que se abate sobre Israel, ele é o inimigo que precisa ser derrotado através de uma guerra santa, uma guerra que já estava prevista desde o início dos tempos, da mesma forma que o seu vencedor, o Senhor Deus de Israel (Dn 8:24). Não há dúvida, o rei selêucida é a fonte do mal que se abate sobre Jerusalém, ou melhor, é o próprio mal “encarnado”, já que por decisão sua as tropas profanaram o Templo, o santuário que abriga o Santo dos Santos, abolindo o sacrifício perpétuo e, em seu lugar, introduziu-se a abominação da desolação. Da mesma forma que a Tabela 1 oferece uma quantidade de atributos negativos a Antíoco IV Epífanes, a Tabela 2 apresenta uma longa lista de predicados nada favoráveis aos judeus. Tabela 2. Atributos associados aos Judeus na Oração de Daniel. Atributos

Dn

Pecadores

9:5, 9:8, 9:1516

Iníquos

9:5

Ímpios

9:5

Aqueles que se rebelam com Deus

9,5, 9,9

Aqueles que se afastam dos mandamentos e normas de Deus

9:5

Não ouvem os profetas Infiéis

9:6 9:7

Transgressores da Lei

9:11

Estão sob o efeito da maldição e da imprecação inscritas na Lei

9:11

Aqueles que não têm atendido à voz de Deus

9:10-11, 9:14

Maus

9:15

Eles são apresentados como pecadores, iníquos, ímpios, infiéis,

 

transgressores, aqueles que se rebelam contra o Deus dos seus pais, os que não querem ouvir a voz do Senhor e os que não prestam mais atenção às palavras dos profetas. Diferentemente da Tabela 1, contudo, o que se observa aqui é uma crítica interna muito dura, em que o autor procura olhar para dentro da sua casa, para o interior do seu povo e pede perdão a Deus pelo fato dos judeus, inclusive ele próprio, serem pecadores. Não deve ser perdido de vista, e este é um aspecto interessante, o fato do contexto histórico vivido pela Judéia praticamente inexistir ao longo da oração. O atual momento deve-se exclusivamente a um problema de ordem interna. Se Jerusalém está desolada, se o Santuário está devastado, se o sacrifício perpétuo está interrompido, se os judeus são motivo de escárnio pelos seus vizinhos, tudo isto se deve, no entender do autor, ao afastamento do próprio povo judaico de Deus. O contexto histórico, neste momento, é peça descartável. Trata-se aqui de uma questão de ordem teológica, não histórica! Esta oração, se não for contemporânea ao início da resistência, provavelmente antecede por muito pouco à revolta macabeia, na medida em que o autor ainda lamenta o Santuário devastado e a cidade desolada, sobre a qual o nome do Senhor é invocado. Tal oração deveria ser bem conhecida de todos os judeus opositores das reformas “helenizantes” ocorridas na cidade santa, já que ela critica o afastamento do próprio povo das leis de Deus, como pode ser lido: “[...] todo Israel transgrediu a tua lei e desviou-se para não escutar a tua voz” (Dn 9:11). Será interessante para as discussões que se seguirão, recapitular, mesmo que rapidamente, os principais pontos destas reformas. Elas estão centradas em torno de Joshua ou Jasão, como ele queria ser chamado, irmão de Onías III, ambos sumo-sacerdotes (Joshua, como sumosacerdote, ver: 2Mac 4:7-10; com relação ao cargo ocupado por Onías III, ver: 2Mac 3:1, 15:12). Jasão estabeleceu um conjunto de obras e ações, de caráter marcadamente helenizante, em Jerusalém: o ginásio, que parece ter substituído o papel catalisador do Templo (1Mac 1:13; 2Mac 4:12-15); o ephebeîon, utilizado para educar os jovens nos princípios helênicos; o alistamento de homens de Jerusalém como cidadãos de uma  pólis, de tipo

 

helenístico, possivelmente “Jerusalém de Antioquia” (2Mac 4:9) 7. Caberia a Jasão e aos seus apoiadores diretos a autoridade para determinar quais seriam os habitantes de Jerusalém que obteriam direitos e privilégios como cidadãos da nova  pólis. Como pode ser observado, porém, os dois principais textos para entender, mesmo que parcialmente as reformas helenizantes em Jerusalém são o 1Mc e 2Mc e não Dn. Os três textos apresentam pontos de contato, embora eles sejam poucos, no que diz respeito à participação dos judeus nas reformas helenizantes propostas. Estes pontos se resumem há dois aspectos: (i) a aliança feita entre Antíoco IV e uma parcela considerável dos judeus de Jerusalém (Dn 9:27,11:30,32; 1Mac 1:11-12,15,43,52), particularmente os habitantes citadinos; não apenas habitantes citadinos, como, também, da população rural, conforme demonstrou convincentemente Scurlock (2000: 153-159); e (ii) o fato de os judeus terem sido reduzidos a bem poucos entre todos os povos (Dn 3:37). Provavelmente esta afirmação não está relacionada com um decréscimo da população judaica provocado pela baixa taxa de natalidade, mas ao fato de as ações de Antíoco (1Mac 1:21-24,37,4647,50,56,60-61) terem provocado morte e fuga de muitos judeus que se lhes opunham, tornando Jerusalém estranha a sua progênie (1Mac 1:38,53). Convém apontar algumas questões acerca dos dois aspectos citados: 1º. Muito embora os autores dos livros de Daniel e de Primeiro Macabeus levem os seus leitores a deduzir que os responsáveis pela aliança com Antíoco IV Epífanes fossem somente os cidadãos citadinos de Jerusalém, Scurlock (2000: 153-159) levantou uma interessante (e convincente) hipótese de que a população rural também apoiou este acordo. O seu argumento baseia-se nas ações do rei selêucida de retornar a adoração de Yawhew à sua forma original, antes da reforma de Ezequias (Dt 12:2; 2Rs 18:4; 2Cr 31:1), nos lugares altos; 2º. Segundo outros autores (Scurlock, 2000: 128-129; Chevitarese, 2004: 80), as iniciativas que culminaram nas reformas helenizantes foram propostas pela própria comunidade judaica. Não há nenhuma referência nos textos antigos, alguns deles escritos por autores extremamente duros em suas críticas a Jasão, que venha a sugerir ou indicar uma oposição às ações

 

deste sumo-sacerdote. Nenhum dos autores acusa Jasão de violar ou alterar o culto praticado no Templo de Jerusalém ou de ter proibido as práticas normais do judaísmo. Por fim, mesmo diante de textos violentamente contrários a Antíoco IV Epífanes, não se observa nenhuma ação contrária a Jasão ou ao soberano selêucida, quando este último visitou Jerusalém. Ao contrário, o rei foi magnificamente acolhido pela cidade, nela foi introduzido à luz de tochas e ao som de aclamações (2Mac 4:22). Constata-se, portanto, que a comunidade judaica, principalmente aquela localizada em Jerusalém, já estava plenamente mergulhada no processo de helenização, e a cidade santa era uma das mais helenizadas no Mediterrâneo oriental. Havia pouquíssimas áreas e povos, ao longo do terceiro e segundo séculos, imunes ao processo de helenização. Este, porém, não era o caso das populações citadinas da Judéia. Como bem observaram Hayes e Mandell (1998: 21), Alexandre não introduziu a cultura grega na Palestina, ele a encontrou lá (para um maior aprofundamento da questão, ver: Chevitarese, 2004). Por outro lado, o fato de um autor bíblico escrever em hebraico ou aramaico não é garantia de que ele esteja mais imune ao helenismo do que aquele que optou por escrever em grego. Como é sabido de todos, os autores dos livros de Macabeus escreveram em grego. Muito mais do que sugerir uma adesão ao helenismo por ambos os autores, tal fato deixa transparecer dois fortes indícios: (i) um intenso processo de interação cultural – sob o ponto de vista das ideias e dos conceitos presentes no helenismo – envolvendo muitos judeus situados não apenas na Palestina, como, também em toda a bacia mediterrânea8; e (ii) a própria incapacidade de muitos judeus de lerem os textos sagrados em hebraico, por já não conhecerem mais esta língua9. Dn10  não sugere, de imediato, que os seus leitores não soubessem o grego ou estivessem imunes ao helenismo. Como foi bem observado por Momigliano ( ٩٨ : 258-60, 284-85), o autor do capítulo dois de Daniel, que opta por escrevê-lo em aramaico, já que esta língua estava bastante difundida no território propriamente judaico (Levine, 1998: 80-83), lança mão da teoria da sucessão dos impérios que é genuinamente uma idéia grega. Para que a narrativa sobre o sonho de Nabucodonosor, relativo à

 

estátua compósita, pudesse ser plenamente entendida, o leitor deveria ter o mínimo de conhecimento desta idéia e dos conceitos gregos nela envolvidos. Retornando, agora, à oração de Daniel (9:1-19), ela pode ser entendida no interior do contexto de críticas às ideias helenizantes que estavam perpassando toda a sociedade judaica, particularmente, mas não exclusivamente, a de Jerusalém. Esta oração, como já foi observado, inserese no início das lutas ou provavelmente no período que antecede a revolta macabéia. Ela pode ser pensada como uma tomada de consciência de uma parcela significativamente grande daqueles judeus que haviam admitido inicialmente as reformas helenizantes propostas pelo sumo-sacerdote Jasão, consideradas por eles, no momento em que elas foram propostas, como boas e inevitáveis. Eles agora estavam juntos, com os demais judeus que tinham se oposto, desde o início, aos planos de Jasão – este parece ter sido o caso do autor desta oração que está sendo agora analisada –, lutando contra a profanação do Templo, as proibições dos holocaustos, dos sacrifícios, das festas, das práticas religiosas, do shabat , da devastação de Jerusalém. Esta oração busca aglutinar forças contra o inimigo comum, qual seja: Antíoco IV Epífanes, no particular, ou o império selêucida, no geral. IV. Em termos conclusivos, o emprego repetidamente da primeira pessoa do plural ao longo da oração, associando o nós aos pecadores, iníquos, ímpios, infiéis, transgressores da Lei, chama para uma proposta de reconciliação entre as partes da sociedade judaica. Elas precisam estar coesas, unidas em torno do objetivo comum, qual seja: libertar Israel da opressão religiosa. Neste caso, o autor da oração estaria enfatizando uma visão histórica mais particularista do que universalista (Levine, 1998: 100; as porções apocalípticas de Daniel estando repletas de sentimentos gentios, ver: Grant, 1997: 214). A questão, portanto, não estava em criticar abertamente as influências helenizantes da sociedade judaica (como foi salientado, este processo era inevitável), já que este procedimento não aglutinaria o todo, mas, ao contrário, o dividiria. Daí o fato que a presente oração, muito embora transpire todo um contexto histórico tenso, busque

 

chamar Israel sob o argumento religioso e não histórico. 1 Parece existir um consenso na historiografia moderna de que este Daniel e suas histórias nunca existiram, ver: Bickerman, 1997: 24; Grant, 1997: 212-213; Collins, 1995: 413. 2 Para as demais passagens referentes à Babilônia, ver: Dn 4:25-30 (a zoantropia de Nabucodonosor), 5:2 (Baltasar como rei da Babilônia). 3 Quando as datas forem antes de Cristo, elas serão especificadas pela sigla “a.C.”. Para aquelas datas inseridas temporalmente como sendo depois de Cristo, não será utilizada a sigla “d.C.”. 4 Para uma outra passagem repleta de imprecisões históricas, ver: Dn 11:2. Nela, o autor observa que, após Ciro, existiram outros quatro reis persas, sendo que o último, possivelmente Xerxes, buscou invadir a Grécia. Alexandre Magno viria depois dele! 5 Bickerman (1997: 63) parece ser o único autor que afirma não haver nada nas histórias de Daniel que se refira ao rei selêucida e à sua perseguição à religião judaica. 6 Bickerman (1997: 60), lançando mão de outros argumentos, situa os capítulos 3, 4, 5 no final do século III a.C. 7 Sobre a dificuldade em se saber da sobrevivência ou não dessa  pólis  depois das reformas, ver: Scurlock, 2000: 136-137, especialmente nota 47. 8 Para o grego como língua regular entre os vários grupos judaicos, ver: Levine, 1998: 76-80; para um aprofundamento da questão, ver: Hengel, 1980: 110-126; para a falta de evidência do impacto da língua grega em Jerusalém, ver: Bickerman, 1997: 79. 9 O hebraico estava restrito aos círculos mais altos da sociedade, ver: Levine, 1998: 74-76. 10 Escrito em hebraico (Dn 1:1-2,4a, 8:1-12,13), aramaico (Dn 2:4b-7,28) e grego (partes “deuterocanônicas”, “deuterocanônicas ”, Dn 3:24-90,12-13 3:24-90,12-13). ).

 

II Jesus era Judeu? Ou a Galiléia Esquecida. A Galiléia é uma região de enorme importância para a história do cristianismo e dotambém, judaísmo. Ali das nasceu, e iniciou a sua missão Jesus, o nazareno. Ali depois duasviveu destruições de Jerusalém (entre 66 e 70 e entre 132 e 135 – revolta de Bar Kokba), os judeus fugitivos e muitos rabinos fundaram academias e escolas, onde foram redigidas obras fundamentais do judaísmo formativo: primeiramente a  Mixná  e depois o Talmude de d e Jerusalém . Exatamente por causa da importância estratégica desta região, para as duas tradições religiosas, é necessário esboçar algumas questões historiográficas1. Os estudiosos adotam quase unanimemente um paradigma, que um se tornou por isso dominante, que distingue, na Galiléia, de um lado mundo judeu e do outro um mundo cristão, e antes, um mundo helenístico e um mundo judeu. O que parece esconder-se por trás dessa posição é o preconceito e a ignorância a respeito de quanto problemática deve ter sido uma suposta “judaização“ da Galiléia antes do ano 70. Pode-se dizer a mesma coisa a respeito da convicção segundo a qual as primeiras comunidades cristãs entendiam-se como cristãs versus  judias. Simplesmente não existe nenhuma evidência histórica disso até o século IV. IV. Pensar ainda a Galiléia como um campo batalha entre judaísmo helenismo esconde uma complexidade muitodemaior subjacente. Quem foie helenizado? Todo mundo ou só uma parte da população, umas classes, umas regiões? Pode-se, por exemplo, considerar as aldeias  da Galiléia helenizadas ou judaizadas? É possível reconhecer neste esquema fechado ecos das ideias culturalistas americanas sobre os fenômenos de aculturação, assimilação e sincretismo entre diversas culturas. Um tipo de aproximação antropológica que já Roger Bastide chamava de círculo encantado do culturalismo2. Na realidade fenômenos de encontros culturasa nunca acontecem  ponto zeroos   das civilizações. É precisoentre considerar situação   em que num esse

 

encontro acontece3. A Galiléia – como qualquer outro lugar cultural – não pode ser considerada simplesmente como um campo neutro, asséptico, onde se dá a interação entre helenismo e judaísmo (e entre judaísmo formativo e cristianismo depois). Isso equivale a se perguntar: como se dá a interpenetração de civilizações diferentes num mesmo território? Qual a relação entre Grande e Pequena Tradição Tradição, isto é entre a cultura dominante, global - diríamos hoje -, e as culturas periféricas, dominadas ou alternativas? O Galileu Jesus era judeu. Até pesquisa mais recente sobre o Jesus Histórico, a assim chamada Third Quest , terceira busca pelo Jesus histórico, não parece ter nenhuma dúvida sobre isso4. Mas a questão do judaísmo na Galiléia é mais complexa do que poderia parecer. Como pensar em uma religião monolítica, isto é, em um único  judaísmo, quando inserimos na análise as categorias dialéticas da crítica histórica? Podemos talvez imaginar, por exemplo, que opressores e oprimidos partilhem da mesma expressão religiosa de fato? Ou devemos imaginar “tradições outras”, menores, orais, de resistência, dos camponeses galileus, provavelmente enraizadas nas antigas tradições israelitas? Resistência contra quem: somente contra o helenismo ou também contra o  judaísmo oficial? E Jesus, como se insere neste contexto? Quais as dinâmicas de resistência religiosa que ele viveu e pregou? Parece, então, que as problemáticas acima evidenciadas encontram eco e confirmação num comentário do historiador do cristianismo primitivo Eduardo Hoornaert (1994), que – ao mesmo tempo – não perde a ocasião de uma boa puxada de orelhas a “certos” exegetas: “Os assim chamados estudos bíblicos não prestam muita atenção às religiões semitas em si. O que lhes interessa são as tradições religiosas do judaísmo. Paradoxalmente os próprios estudos bíblicos constituem, desta forma, um problema para a interpretação da história do cristianismo (...). As religiões do Oriente Médio não são estudadas em si nem por si, mas quase exclusivamente numa perspectiva bíblica. Existe por trás disso uma hierarquização de origem ideológica: a religião bíblica (ou revelada) no centro, as demais religiões semitas (os paganismos) na periferia. É importante que aqui, no nosso mundo colonizado, percebamos a redundância dessa postura preconceituosa para nosso modo de nos relacionar com nossos paganismos”.

 

As palavras do Hoornaert resumem bem o ponto hermenêutico e o objetivo deste ensaio: resgatar um ponto de vista sobre a história da Galiléia no tempo de Jesus para melhor entendermos a tradição religiosa que constituiu o caldo de cultura da figura histórica de Jesus nos evangelhos sinóticos. A suspeita inicial é que a definição do Galileu Jesus como judeu é imprecisa e contribui para o esquecimento da complexa formação sociocultural da Galiléia. Ainda, à guisa de introdução, precisamos gastar duas palavras sobre documentação. Quais as fontes à nossa disposição para essa pesquisa sobre a Galiléia? Primeiramente Flávio Josefo. Josefo é, porém, uma fonte bastante problemática, enquanto envolvido pessoalmente na Galiléia, durante a grande revolta de 66-67, como general do governo revolucionário de Jerusalém. A sua posição política e os interesses ideológicos que emergem claramente nos seus textos o tornam uma testemunha nem sempre confiável, apesar de indispensável. Depois os Evangelhos Sinóticos, Marcos e a fonte Q de maneira especial, considerando-se, porém, que a intenção única dos textos não é a de fornecer um relato histórico5. O texto evangélico é literatura religiosa de uma comunidade, que lê o movimento de Jesus à luz das questões que a mesma comunidade estava vivendo no tempo dela. Os últimos estudos exegéticos apontaram, porém, uma proximidade muito grande dos relatos da fonte Q de maneira especial com a Galiléia (Vaage, (Vaage, 1994). De grande importância são também os escritos da literatura rabínica primitiva, da qual grande parte foi produzida exatamente na Galiléia. O problema que se põe, e no qual muitos caíram, veja-se, por exemplo, a interpretação do que é sinagoga, é que estes escritos na sua maioria se referem aos anos sucessivos aos acontecimentos relativos ao século I. A Arqueologia torna-se também uma fonte essencial, especialmente após as recentes escavações na Baixa Galiléia 6. Deixamos com Josefo (GJ 3:41-42), profundo conhecedor da região, por causa de suas campanhas militares, a apresentação do lugar: “Há duas Galiléias, uma chama-se a alta e a outra a baixa; ambas são limitadas pela

 

Fenícia e pela Síria. Do lado do ocidente estão a cidade de Tolemaida, todo o seu território e o monte Carmelo, que outrora pertencia aos galileus e agora é dos tírios, perto do qual está a cidade de Gamala, chamada a cidade dos cavaleiros, porque o rei Herodes para lá mandava os dispensados. Do lado do Sul tem, na fronteira, a Samaria e Citópolis, até o rio Jordão. Do lado do oriente os seus limites são Hipom, Gadaris e Galaunita, que são também os do reino de Agripa. E do lado do Norte confinam com Tiro e seus territórios”.

Mais umas informações de Flávio Josefo sobre o povo galileu (GJ 3:4143): “Embora estas duas províncias estejam rodeadas de tantas e diversas nações, todavia elas sempre lhes resistiram em todas as suas guerras, porque, além de ser muito populosas, seus habitantes são muito valentes e instruídos, desde a infância, na arte da guerra. As terras são tão férteis e tão bem plantadas, com todas espécies de árvores, que sua abundância convida a cultivá-las mesmo aqueles que têm pouca inclinação para a lavoura e não há terras inutilizadas. Não somente há uma grande quantidade de aldeias e vilas, mas também um grande número de cidades, tão populosas que a menor delas tem mais de quinze mil habitantes”.

A atitude de resistência da população da Galiléia 7 contra as ocupações e as dominações estrangeiras, destacada por Flávio Josefo, tem muito a ver com a topografia e a grande produtividade da terra acima mencionadas. Fora as cidades – das quais falaremos mais adiante –, o povo vivia em pequenas aldeias construídas em montes e vales. Para a economia deste ensaio não será o caso de aprofundar a complexa história da Galiléia desde o fim da frágil monarquia israelita do Norte, em 722 a.C., quando a região havia sido tomada pelo rei assírio Tiglat-Pileser, entre 733 e 732 a.C.8. O que nos interessa é que, desde 733 a.C. até 104 a.C., a Galiléia ficou politicamente separada de Judá. Durante os impérios assírio, persa e babilônio, a Galiléia e a Samaria permaneceram separadas como entidades administrativas autônomas de Judá, dentro da grande satrapia Sob-o-rio. Mas enquanto os persas entregaram novamente o poder às velhas famílias reinantes que voltavam do exílio em Judá, o mesmo não aconteceu na Galiléia, que continuou sendo governada por oficiais imperiais desde Megiddo. Assim, enquanto os impérios helenísticos reconheceram os israelitas como ethnos, como povo, nação, e, pelo menos inicialmente, não empreenderam uma política de helenização  agressiva da região, pelo

 

contrário, na Galiléia, começaram logo a fundar muitas cidades helenísticas como Ptolemaida, Citópolis e as cidades da assim-chamada Decápolis no sul-oeste da região. Mas, como para os impérios precedentes, também os helenísticos não interferiam muito na organização de base e na cultura própria das aldeias, que se mantinha segundo ritmos e padrões antigos e tradicionais, como em grande parte das pequenas sociedades agrárias antigas A Galiléia e Jerusalém então, depois da monarquia davídica, continuaram separadas9. Surge, frente a esta separação, a pergunta sobre como foram cultivadas as tradições israelitas na Galiléia? Em que forma? Onde? Quais as relações com o judaísmo de Jerusalém? Para isso será necessário ver mais de perto o que aconteceu nos cem anos em que a Galiléia foi governada - depois de oito séculos - por Jerusalém. Os estudiosos que admitem a persistência de tradições judaicas na Galiléia durante os séculos de autonomia de Judá veem, na “reconquista asmoneia”, a reunião das duas regiões sob uma única matriz cúltica e cultural (Gottwald, 1998: 419). Outros autores, porém, pensando a “Galiléia das gentes” como totalmente “pagã”, consideram os cem anos de dominação de Judá sobre a Galiléia como um período de “conversão forçada” ao judaísmo, como também Flávio Josefo queria mostrar em sua visão um tanto nacionalista da história da Palestina deste período. Frente a este impasse, parece mais correta a posição de Horsley (1994: 40), que sustenta a tese segundo a qual o conceito de “conversão” da Galiléia, usado por alguns estudiosos, não seria adequado. A Galiléia, de fato, foi conquistada  militarmente pelos vários impérios, e foi disputada entre eles até os asmoneus. O conceito de “conversão” depende de fato de uma hipótese de pesquisa que assume a religião como algo separado das várias implicações políticas e econômicas. E este pressuposto é metodologicamente inaceitável. A questão que se coloca é, de fato, e sob todos os pontos de vista: como se deu a relação entre a “pequena tradição” galileia e a “grande tradição” do Templo e da Torá de Jerusalém?

 

Com relação ao templo, parece, por exemplo, que os galileus realizavam romarias periódicas até o Templo, em Jerusalém. Isso é aceito normalmente como uma prova da lealdade da Galiléia ao judaísmo (Freyne, 1996: 137) 10. A bem ver, porém, estas romarias revelam um caráter bastante ambíguo, como destaca também Horsley (1994: 145)11. Ao mesmo tempo, testemunhos literários como os de 1En e do TLevi relatam, em tom apocalíptico, visões recebidas na região da Galiléia. Ambas as visões constituem também uma crítica (de idolatria) ao sacerdócio de Jerusalém. Juntando estes elementos nasce facilmente a suspeita de que certos ambientes galileus nutriam uma forte aversão (em bom estilo israelita do Norte) contra o templo de Jerusalém. Casos como o do profeta apocalíptico Jesus Ben Hanina, camponês do interior que veio a Jerusalém, profetizando a sua ruína e a destruição do templo, são sinais de uma certa desafeição das bases camponesas em relação ao templo de Jerusalém. E não podemos deixar de lembrar as profecias de Jesus de Nazaré sobre a destruição do templo (Mc 13:1-23, 14:58; Mt 26:61; Jo 2:19). A questão de uma pretensa devoção dos galileus para com o templo permanece, portanto, uma hipótese ainda muito obscura, e, de toda forma, bastante aberta. Pelo que diz respeito à Torá, não está claro se a célebre afirmação de Josefo de que a Galiléia ficou “sob a lei dos judeus” signifique que essa passou politicamente para a dominação dos asmoneus, ou se implique também uma conformação dos costumes tradicionais galileus aos dos  judeus. Provavelmente as duas coisas juntas. Nada, portanto, leva a pensar que a cultura tradicional das aldeias da Galiléia sucumbiu “à grande tradição”. Sua força de resistência foi provada por séculos de dominação estrangeira. Um fato, porém, chama atenção: à diferença, por exemplo, de Judá (e também da Torá alternativa  dos samaritanos, acima citada), a Galiléia foi sempre administrada por estrangeiros, mais interessados na cobrança de impostos dos trabalhadores das terras que nos seus costumes e religiões. Não houve então uma aristocracia sacerdotal local na Galiléia que cultivasse uma tradição oficial

 

em contraste com a tradição popular, e que lhe permitisse controlar também ideologicamente as massas camponesas. O controle do imaginário da tradição popular é a forma mais forte de dominação, em todos os tempos e lugares. Esta, pouco manipulada pelos interesses dominantes, devia ter por isso um espaço muito amplo e raízes muito fortes entre o povo. Neste – como também em outros aspectos acima evidenciados –  concordamos com Freyne (1996: 231) quando afirma que a Galiléia do século I é o símbolo da periferia. Assim, enquanto periferia, a Galiléia deve ter se comportado com relação ao “centro” cultural e religioso do século I. Partindo do pressuposto da fácil conversibilidade dos valores religiosos e culturais nas sociedades tradicionais, das imbricações culturais de símbolos e expressões de diversas formas, e a compenetração  entre vida religiosa e vida social devia ser uma característica fundamental do panorama religioso Galileu12. E isso, no século I, após quase mil anos de ocupação estrangeira, pode significar somente uma coisa: resistência. Especialmente dois fatores acentuam a força de resistência cultural  do povo galileu: esta situação de perene colonização como constante ameaça, direta ou indireta, à sobrevivência física e ideológica do povo, e uma forma particular de resistência que marca o campesinato em geral, que Horsley (1987: 128) descreve desta forma: “Quando um povo colonizado é impedido de participar das decisões que definem a sua própria vida, ele pode se voltar com um ânimo redobrado para as suas tradições culturais13. Os ritos e as tradições religiosas passam a ter, então, uma importância especial, pois são os únicos aspectos de sua vida que permanecem sob o seu controle. Vendo nisso uma maneira de preservar um mínimo de dignidade, os povos colonizados tendem a se prender ainda mais às normas, tradições e rituais de sua religião, como um símbolo da liberdade e da independência que possuíam no passado. Isso faz com que sejam ainda mais sensíveis a qualquer violação destes símbolos”.

Mas esta sensibilidade de resistência não encontrava necessariamente na revolta em arma sua expressão mais adequada e autêntica. Assim James Scott (Apud Crossan, 1994: 163-164): “As rebeliões camponesas são raras e acontecem apenas em grandes intervalos de tempo.

 

A grande maioria é esmagada sem a menor cerimônia. Por isso creio ser mais importante estudar o que poderíamos chamar de formas de resistência cotidiana dos camponeses – a luta prosaica, mas constante, entre os camponeses e aqueles que procuram extrair-lhes trabalho, impostos, aluguel e juros.(...) Estas formas de luta de classe exigem pouco planejamento e organização. (...) Elas evitam qualquer confrontação direta ou simbólica com a autoridade”.

É esta luta cotidiana, resistência prosaica de corpos e símbolos, da qual o povo camponês lança mão para sobreviver à constante opressão de sua vida e de suas instituições tradicionais, que parece ser a condição de vida do povo galileu. Considerando todos estes elementos, a “lei dos judeus” de Jerusalém deve ter encontrado muitos obstáculos para ser implantada nos vales da Galiléia. Pois uma outra lei, profundamente “vivida” pelos camponeses, estava “escrita nos corações” dos galileus. Podemos afirmar então, com um certo grau de probabilidade histórica, que os galileus, longe de considerar os asmoneus como libertadores dos impérios helenísticos e jurar a eles fidelidade, resistiram à “lei dos judeus”, seja enquanto “tradição de Jerusalém” (templo, sacerdócio e Torá) que os seus ancestrais israelitas rejeitaram, seja como “grande tradição”, lei e cultura dos mais fortes, opondo a ela as antigas tradições populares das aldeias, capazes de grandes resistência. Uma resistência cotidiana, silenciosa, que não precisava, em geral, de grandes atos de ruptura, mas que minava a partir de baixo o sistema ideológico dominante. Quanto aos galileus, eles não estão sozinhos nesta resistência: a mesma atitude é encontrada nos povos da Peréia e da Idumeia, e em outros grupos ligados à experiência do banditismo social, como também na comunidade de Qumran. Esta última, apesar de cultivar – à diferença dos galileus – a Torá da Judéia, baseava a sua vida sobre algo ligado fortemente às tradições israelitas do Norte: a aliança mosaica (Crossan, 1994: 157). Mas no I século uma outra ameaça já preocupava as aldeias galileus – os romanos. Os romanos desde o começo de sua conquista da Palestina, fiéis a sua estratégia de governar as nações indiretamente, por meio de uma elite

 

dirigente local, confirmaram a dinastia asmoneia no poder. Isso significou concretamente, para os galileus, uma dupla tributação: pois além de terem de pagar os tributos para Hircano e seus descendentes, agora eram obrigados a entregar para Roma um quarto da colheita a cada dois anos. A situação era muito grave e uma erupção de banditismo social é sinal disso. A repressão dos romanos, que Tácito chamou de “salteadores do mundo, que revolvem o próprio mar”, foi extremamente brutal 14. Esta situação acabou enfraquecendo a dinastia asmoneia, já dizimada por anos de guerra civil. Os romanos apontaram assim Antipater, um ambicioso aristocrata idumeu, como “governador de toda Judá”, isto é da Palestina toda. Este último designou o seu filho, Herodes, como governador militar da Galiléia. Começa assim uma resistência do povo da Galiléia contra o governador estrangeiro (idumeu). Três anos difíceis, até Herodes, no ano de 37 a.C., ser proclamado “rei de Judá” pelos romanos, interessados em consolidar o controle da Síria e da Palestina, contra as recorrentes ameaças dos partas no norte. Herodes reprimiu duramente toda oposição. Aparentemente, Herodes, talvez para alcançar uma certa legitimidade, manteve as instituições judaicas, o sumo sacerdócio, o templo e a Torá intactas. Até se casou com a filha de Hircano II, Marianna, para dar a impressão de uma certa continuidade com a dinastia asmonéia. Mas de fato ele usou destas instituições para consolidar o seu poder e seus projetos pessoais. A reconstrução do templo, num estilo helenista-romano, era a edificação de um monumento de propaganda político-institucional, mais que um serviço à comunidade judaica. Herodes foi muito mais um imperador helenista do que um rei judeu. Prova disso é que, ao mesmo tempo, edificou um templo de mármore branco dedicado a César Augusto, bem perto da Galiléia, na região de Dã. Na Alta Galiléia fundou muitas fortalezas e, no interior de seu programa de reforma administrativa, tornou Séforis a principal capital de governo (e imposição fiscal) da região. E para o campesinato galileu a situação ficou ainda pior. A imposição, por parte dos romanos, de Herodes como rei-cliente, arrendatário, acrescentou às primeiras duas (de Roma e da aristocracia sacerdotal de

 

Jerusalém) uma terceira camada de tributação. E devia ser bem pesada, vistas as obras propagandísticas que Herodes realizou. Estima-se em duzentos talentos (dourados) por ano somente a remessa que Herodes devia enviar, enquanto rei-arrendatário, para os romanos (Crossan, 1994: 257)15. Com um sistema tão pesado de tributação (tripla!) o campesinato da Galiléia entrava numa espiral de endividamento de onde saía muitas vezes sem-terra. O dinheiro coletado, de fato, não era investido pela aristocracia para melhorar a produção, mas para adquirir sempre mais terra e para formar capital para realizar empréstimos. Se a espiral do endividamento pode parecer algo estranho, considere-se que o empréstimo sempre foi algo proibido pelas leis israelitas e judaicas, por causa da proibição bíblica (Ex 22:25, 23:20) de cobrar juros. “Feita a lei, feito o engano” – já dizia um antigo provérbio mediterrâneo – e o problema foi circundado, por meio da seguinte escamoteação: “se o devedor pagava o empréstimo dentro do prazo, o credor não perdia nada e ganhava um amigo agradecido. Se o pagamento era feito depois do prazo, o que talvez era o que se esperava na maioria dos casos, a multa cobrada equivalia a 20% do valor do empréstimo” (Crossan, 1994: 257-258). Uma segunda dificuldade era a lei bíblica do  jubileu  (Dt 15), onde todas as dívidas deviam ser canceladas no sétimo ano. Isso implicava claramente uma dificuldade a cada dia maior de encontrar empréstimo à medida que o sétimo ano se aproximava. A solução, atribuída ao grande rabino Hillel, foi o prosbul, um documento que permitia ao tribunal cobrar dívidas não pagas, mesmo durante o sétimo ano. Pois a lei bíblica referia-se aos indivíduos, e não aos tribunais! Assim, como resultado de tudo isso, uma quantidade sempre maior de camponeses era empurrada para baixo da linha de subsistência, e até para a marginalidade. O fato talvez mais grave é que o empobrecimento progressivo do povo quebrava as estruturas de ajuda de tipo clânico que asseguravam a sobrevivência dos mais pobres nas aldeias da Galiléia. Nem é preciso recordar aqui o ideal tribalista do Israel pré-monárquico para entender como estas estruturas funcionavam. Trata-se de um fenômeno tipicamente rural,

 

de comunidades de subsistência, anteriores ao modelo do mercado, e que até hoje sobrevivem (em sentido estreito) n os cantos mais remotos do mundo globalizado. Ontem como hoje a ruptura dos mecanismos sociais de assistência mútua desencadeia a espiral da miséria. Testemunha disso é, por exemplo, a massa de doentes que procuram Jesus nos evangelhos sinóticos, dando a impressão de uma sociedade à beira do colapso. Os relatos dos Evangelhos, especialmente as parábolas, estão cheios de personagens endividadas (Mt 18:23-26) e de sem-terra  que viram lavradores assalariados e até diaristas (Mt 20:1-6); além disto, também, é mencionado um patrão que mora longe (na cidade?) e deixa tudo para o caseiro (Mt 21:33), o desespero dos pobres que acabam assaltando (Mt 21:34-39) ou explorando os outros (Mt 18:2730, 24:48-50), a insegurança das estradas por causa dos assaltos (Lc 10:30), funcionários corruptos (Lc 16:1-7), luxo que é uma verdadeira ofensa para os pobres (Lc 16:19-21), gritando vingança na frente de Deus. Nas capitais regionais como Séforis ou Tiberíades, os impostos eram avaliados e as dívidas registradas. E não nos surpreende que foram estas cidades os principais alvos das incursões dos bandidos e das revoltas dos desesperados. Houve uma na grande revolta que estourou logo após a morte do rei Herodes. Ela foi tão grave que Varo, o legado romano da Síria, precisou de mais de três legiões para reprimi-la. A repressão por sua vez foi tão dura que levou a duas mil crucificações. Por quê? Se pudéssemos ver essas cruzes, provavelmente enxergaríamos em algumas delas a inscrição “Rex Ivdeorvm” – como na de Jesus. Pois os movimentos como os de Judas, filho de Ezequias16, Simão da Peréia e Atronges tinham em comum um sonho de fundo: o do messias. Eram movimentos milenaristas messiânicos, que – depois da morte do rei estrangeiro Herodes – acreditavam tivesse chegado à hora de um messias, um novo Davi talvez, ou um outro homem de deus voltar a governar sobre Israel. Esse sonho era percebido claramente como uma ameaça direta pelos dominadores romanos.

 

Uma figura extraordinária, que devia ter ficado impressa na memória do povo da aldeia de Nazaré, é a de Judas, filho de Ezequias, uma espécie de Robin Hood galileu, um bandido que assaltou o palácio real de Séforis (onde estavam guardados, além das riquezas, os documentos de empréstimo). Foi até proclamado rei e partiu para atacar as propriedades dos aristocráticos. Ele obteve com facilidade o apoio popular, por causa de suas pretensões de independência. A expectativa messiânica popular devia estar ainda bastante enraizada no povo simples das aldeias da Galiléia. Talvez mais um sinal de como as tradições israelitas permaneciam nos alicerces da estrutura ideológica do povo. Outros dois “messias”, dos quais temos notícias, foram Simão, um servo de Herodes, que “assumiu o diadema” – segundo nos diz Josefo – na Peréia, e Atronges, um simples pastor judeu. Comenta a respeito desse último o aristocrático Flávio Josefo (GJ 2:57-58,60-62): “um mero pastor tinha a temeridade de aspirar ao trono”. Mas se as origens de Atronges deixavam Josefo atônito, o imaginário popular judeu podia reconhecer facilmente em Davi o modelo do rei-pastor, base ideológica do messianismo popular, em particular da Judéia (Crossan, 1994: 238). Na mesma guerra (entre 66 e 70), dois líderes importantes foram pretendentes messiânicos: Menaé (filho de Judas, o galileu) e Simão Bargiora (filho de Gioras), que acabou se tornando o principal comandante político-militar da resistência de Jerusalém quando a cidade sagrada foi sitiada pelos romanos. Até a revolta que estourou em 132 recebeu o nome do seu líder, um tal de Simão bar Cosiba, que ganhou o apelido messiânico de Bar Kokba, concedido a ele pelo Rabbi Akiba, um dos principais rabinos da época. Endividamento, espiral de miséria, banditismo social e outras formas de revolta: esse é o cenário da Palestina no tempo de Jesus. Não entraremos no mérito do banditismo social na Antigüidade. Para um estudo mais aprofundado sobre o banditismo social e os seus significados sociais remetemos aos estudos de Crossan (1994) e de HorsleyHanson (1995), e especialmente à abordagem intercultural das formas arcaicas de movimentos sociais de Hobsbawn (1978).

 

Nem discutiremos aqui a questão histórico-conceitual da demarcação entre messias e bandidos. As anotações acima feitas a respeito da conversibilidade dos valores nas sociedades tradicionais seriam um indício por onde começar esta avaliação. Remetemos para isso novamente à literatura acima citada. Sobre esta questão cabe somente uma observação, no sentido de nos distanciarmos das conclusões de Freyne, o qual, se por um lado “admite que houve exploração social e econômica dos camponeses na Galiléia, como em todos os lugares do império romano do século I”, critica por outro lado a leitura que Horsley faz de um campesinato galileu reduzido à miséria, “cuja única saída podia ser o banditismo”. Freyne (1996: 144) aponta para a existência na Galiléia de certos fatores que teriam, por assim dizer, amortecido  os piores excessos da opressão no cenário Galileu. O autor reconhece a existência de estabilidade. muitos pequenos proprietários de é,terras na Galiléia como um fator de Essa mesma visão não porém, partilhada por outros estudiosos. À luz do que vimos antes sobre a estratégia camponesa da  passividade – nas palavras de Hobsbawn –, seria difícil de fato explicar o fenômeno quantitativamente relevante de camponeses zelotas galileus envolvidos na Grande Revolta de 66, enquanto fator de instabilidade violenta, sem imaginar uma situação social realmente explosiva. Neste caso a antropologia do campesinato é uma chave decisiva para a interpretação dos “fatos” histórico-arqueológicos. A economia deste ensaio impõe que voltemos, agora, de paraseu as aldeias da Galiléia, na tentativa de situar-nos melhor dentro contexto socioideológico. Deixamos a Galiléia “infestada”– como dizia Josefo (GJ 2:68) – de revoluções camponesas, logo após a morte do rei Herodes. Roma respondeu com extrema firmeza contra qualquer um que quisesse reafirmar sua independência. “Não perdoaram a ninguém. Atacaram a todos em seu caminho e passaram tudo a ferro e fogo. Quanto a Emaús, que os habitantes tinham abandonado, foi, por ordem de Varo, incendiada, como vingança pela morte dos romanos que lá foram sacrificados17”.

Quanto àqueles que haviam sitiado a cidade de Jerusalém, observa ainda

 

Josefo (GJ 2:75), a sorte decretada para eles foi ainda pior: crucifixão! “[Varo] mandou crucificar alguns, mais ou menos uns dois mil daqueles que eram tidos como culpados e prender os que tinham culpa leve”.

No lugar de Herodes os romanos colocaram no poder os seus filhos. A Galiléia a Herodes que De governou entre os anos 4(junto e 34,com isto aé,Peréia) durantecoube a vida de JesusAntipas, de Nazaré. novo então, depois de cem anos de dependência de Jerusalém, a Galiléia ganhava a  jurisdição autônoma. Antipas, depois da destruição de Séforis e de outras cidades pelos romanos, iniciou um programa de reconstrução da cidade para que se tornasse “cidade imperial”, o “ornamento de toda a Galiléia”, dando a ela o nome “imperial” de  Autocrátoris. Mas em seguida realizou uma obra ainda maior: a construção de uma nova capital, surgindo do nada, uma verdadeira catedral no deserto: Tiberíades. Se alguns estudiosos, até recentemente, indicaram Antipas como um “judeu piedoso” (Theissen, 1991: 29), a construção de Tiberíades – segundo as indicações de Josefo –, pareceria sugerir o contrário. Ele construiu o seu palácio em cima de um cemitério, coisa absolutamente proibida pela tradição judaica, e decorou o palácio com representações de animais, que a mesma Torá veta18. Pareceria, então, que Antipas não fosse tão sensível às tradições judaicas. Menos ainda deveria estar interessado em cultivá-las na Galiléia, podemos muito bem deduzir. E também é difícil imaginar que estivesse em facilitar os contatos entre osnogalileus templodos de Jerusalém:interessado a concorrência da aristocracia sacerdotal âmbitoedao coleta impostos seria uma boa razão para descartar essa hipótese. Podemos então afirmar que se mais a Galiléia havia sido leal para com Jerusalém nos cem anos anteriores (mas já duvidamos amplamente disso), durante o reinado de Antipas as coisas mudaram (ou tiveram  de mudar). Pois o mesmo Antipas não tinha nenhum interesse em tal fidelidade. Começava a delinear-se um conflito de interesses decisivo entre partidário de Herodes Antipas e a aristocracia sacerdotal. Uma prova disso é que, quando Flávio Josefo, durante a Grande Revolta, ele em 66, foi enviado pela aristocracia sacerdotal a controlar a Galiléia, controlou a região

 

exclusivamente com a sua guarda pessoal e com exércitos de bandidos mercenários. Os galileus não pareciam estar com ele. Com a dominação herodiana e romana havia mudado o rosto da Galiléia. Antes disso, cidades Ptolemaida, Citópolis ou Tiro exerciam uma influência muito fracacomo sobre a Galiléia. Eram cidades-fortalezas, concentradas nas fronteiras, sobretudo com função de defesa do território das invasões de fora. Agora, duas grandes cidades helenístico-romanas desenvolveram-se bem no meio da região a menos de vinte milhas uma da outra: Séforis e Tiberíades. Estas, mais que cidades da Galiléia, eram cidades na Galiléia, como sugere Horsley (1995: 100)19. Eram sedes das várias instituições que exerciam um controle político e administrativo (inclusive fiscal) sobre a região da Galiléia. As cidades helenísticas e romanas eram de fato parasitas das aldeias em sua volta. Novamente não podemos reduzir esta complexidade da relação entre as aldeias e as cidades a um conflito entre um ethos  rural judeu e um ethos helenístico-romano. As influências culturais durante tantos anos de dominações diferentes haviam-se misturado, as matrizes culturais estavam intimamente imbricadas. A situação era provavelmente diferente de Judá. Jerusalém, o templo e o sumo sacerdócio ainda deviam exercer uma certa influência sobre o campesinato judeu;ao séculos tradição e de governo diretoMas deviam uma certa legitimidade culto de e aos sacerdotes da cidade. não dar se pode dizer o mesmo a respeito da elite ao poder nas cidades da Galiléia. O que os camponeses da Galiléia conheciam da cidade era o cobrador de impostos. E era o suficiente para desencorajar contatos mais frequentes. Difícil também imaginar uma troca mercantil intensa entre as duas realidades: a economia aldeã era principalmente de subsistência, e o excedente era simplesmente levado embora pelos cobradores. Quando não eram os mesmos homens a serem levados embora para trabalhar num regime de semiescravidão nas 20

obras de construção da cidade . relação inexistente, ou hostil, das aldeias Temos sinais evidentes desta

 

para com as cidades seja nos sinóticos, especialmente na fonte Q21, seja na literatura rabínica originária (Horsley, 1995:180). Os saques de Séforis, por Judas, filho de Ezequias, à morte de Herodes, e de Tiberíades em 66, dirigidos de maneira especial contra os palácios herodianos, seriam mais 22

umaChegou prova desse à horaconflito então de. entrar finalmente numa aldeia da Galiléia, para ver como todas as dinâmicas “grandes”, analisadas até agora, incidiam de fato no dia-a-dia dos camponeses galileus ao tempo de Jesus. E – para assim dizermos – sermos apresentados a um galileu especial: Jesus, o nazareno. Na verdade, fora os resultados das recentes escavações arqueológicas, quase não há fontes sobre a vida nas aldeias da Galiléia. “Existem duzentas e quatro cidades e aldeias na Galiléia”, nos diz Flávio Josefo (Vida 235), uma fonte bastanteasegura, sob este ponto de vista. Uma multidão de aldeias, que contribui dar à região o aspecto de uma sociedade agrária tradicional. Trabalho da terra e pesca são as duas atividades principais. Uma pequena cidade como Nazaré podia ter talvez quinhentos habitantes. Outras cidades chegavam a ter até quinze mil habitantes: cidades de todo respeito para a Antiguidade 23. A vida dentro da aldeia estava longe de ser idílica. As casas eram pequenas, uma ao lado da outra, e as condições higiênicas péssimas. Com frequência as aldeias eram assaltadas por ladrões ou por exércitos invasores. Neste último caso, os exércitos obrigavam aldeãos as a dispor de mantimentos e carregá-los porinvasores longos trajetos, issoos quando mesmas pessoas não eram carregadas juntas como escravas (Freyne, 1996: 136; Batey,, 1984: 251). Batey Os galileus viviam de uma economia de subsistência, baseada fundamentalmente sobre duas colunas: terra e família (clã). A família carregava muitas funções concomitantemente: a da produção a partir da terra, a da reprodução para garantir a produção e a distribuição dos frutos da terra. O mesmo consumo era realizado muitas vezes dentro do mesmo clã, com uma de. mercado pouco desenvolvida, ligada mais à antiga prática do economia intercâmbio

 

Uma questão bastante discutida é a relação dessa economia rural das aldeias da Galiléia com o mercado mais amplo da Palestina. As famílias eram unidades produtivas-reprodutivas auto suficientes, mas pelos vales da Galiléia passavam rotas comerciais bastante importantes e antigas. Mas, a bem ver, as que transitavam porgrandes essas rotas eram imperiais basicamente produtos de mercadorias luxo, destinados às elites das cidades de Séforis e de Tiberíades ou além-fronteiras. E uma economia aldeã nãomonetarizada e não especializada – como aparece na literatura rabínica originária – não devia ter muitos contatos com este tipo de comércio. Segundo as recentes escavações arqueológicas no altiplano do Golã, talvez o único produto que podia entrar no grande comércio era o azeite, cultivado em alguns latifúndios  da região. Enquanto vinho  e trigo  eram trocados como bens de consumo essenciais (Horsley, 1995: 207). O aceno Existiam ao latifúndio nos introduz numa outra questão bastante atualmente. latifúndios  na Galiléia? A questão poderia, nodebatida entanto, ser colocada também da seguinte forma: de que viviam aristocracia e burocratas? De que forma era subtraído o excedente da produção dos camponeses para a manutenção da estrutura aristocrático-burocrática 24? Enquanto na Grécia e na Roma clássicas (séculos VI-III a.C.) as terras eram cultivadas por escravos ou por camponeses ligados à terra (aos latifundia) numa situação de semiescravidão, não temos notícias da existência de escravos na Galiléia. Existe de fato uma outra forma de transferir os excedentes das mãos dos camponeses os aristocráticos: as várias formas de tributação e de corveia , ou seja, para de trabalho forçado. Em troca de boa parte do fruto de seu duro trabalho, os camponeses recebiam proteção militar das incursões de bandidos e exércitos inimigos e, normalmente, a certeza da bênção dos deuses sobre a produção da terra (cf. a instituição do dízimo). A imagem que emerge dos escritos de Josefo, como também da mesma literatura evangélica, é a de um campesinato semi-independente, sujeito a uma forte tributação (até tripla), como vimos acima. Mas exatamente esta pressão fiscal dificultando muito pesada desencadeando espiral endividamento, assim acabou a permanência do povo naaprópria terradoe

 

obrigando-o a trabalhar para fazendeiros  ausentes, que muitas vezes nem moravam no campo, mas sim na cidade (Mt 21:33). Como no resto do Mediterrâneo oriental, a forma básica de clã é a assim chamada família patriarcal. O  pater familias tinha poder sobre tudo e era o chefe todos ossocial aspectos da vida, desdedas o econômico o religioso. Esta mesmaemestrutura patriarcal é uma tradições daaté sociedade israelita talvez mais fortes, e que – com muita probabilidade – assegurou a transmissão da “tradição dos pais” até o tempo de Jesus. Também na Galiléia. Aliás, sobretudo na Galiléia, talvez como forma de resistência cultural e de garantia da solidariedade social contra a frenética sucessão de dominadores estrangeiros na região. A Galiléia estava sujeita a diferentes governos imperiais, mas nunca foi administrada diretamente  por eles – como já vimos. Por isso as aldeias galiléias puderam se desenvolver entidades semiautônomas. A sinagoga  era o centrocomo da vida social daadministrativas aldeia. Normalmente se considera a sinagoga como um edifício para o culto, como uma espécie de igreja. Na verdade não existem evidências disso até o século III (Kee, 1990). A sinagoga  era então a assembleia da comunidade, onde eram tratados todos os temas relevantes para a vida da comunidade aldeã. É claro que uma das dimensões centrais para a vida da comunidade era a religiosa, mas nunca separada das questões políticas e econômicas, como talvez estejamos acostumados a pensar hoje. A assembleia reunia-se duas vezes por semana: nas segundas e quintas-feiras. Só em o sábado virou o dia da sinagoga, da reunião. Era o momento do seguida “mercado”, da discussão “política”, da celebração cúltica, de casamentos e vários ritos de iniciação. Tudo acontecia segundo os antigos costumes dos pais, transmitidos por séculos, e que sempre garantem a estabilidade de uma comunidade rural. Um sistema de organização social tradicional e, ao mesmo tempo, quase “democrático”25. Existiam até agências de mútua assistência, como no caso dos  parnassim e dos gabbaim, que tentavam garantir a permanência na terra dos endividados e a distribuição de bens para os necessitados comunidade. Tudo isso pode talvez lembrar o modelo do tribalismoda israelita pré-

 

monárquico26. Uma estrutura social deste tipo era com certeza muito forte no âmbito cultural-ideológico (incluindo assim também a religião), mas ao mesmo tempo extremamente frágil no âmbito econômico. Normalmente caracterizadaporporcausa umadabaixa social, em situação de crisea econômica alta mobilidade tributação ou de expedições militares, mobilidade aumentava sensivelmente, para baixo, obviamente. Para aquelas que Lenski (1966: 281) chama de classes sujas e degradadas e de classes dispensáveis. A espiral da miséria cria um terreno fértil para a explosão do banditismo social. O que é então a Galiléia? Onde estão as raízes de sua diversidade? Uma hipótese comumente usada para explicar o mundo da Galiléia é a do regionalismo  (Horsley, 1995: 239)27. Essa hipótese distingue a alta Galiléia, onde os a cultura era bastante conservadora, da baixa Galiléia, onde grandes regional centros urbanos helenístico-romanos criariam uma atmosfera cosmopolita. O limite dessa aproximação é o de não considerar adequadamente tanto o desenvolvimento histórico particular da região (os oito séculos de autonomia de Jerusalém e todo o resto), como as diferenças entre campo e cidade. Já tratamos amplamente de tudo isso. Vamos resumir as informações que coletamos até agora para tentar explicar a especificidade cultural da Galiléia. Primeiro: a Galiléia é o que os historiadores chamam de  zona de fronteira . AsNão diferentes culturas as quais um a Galiléia emosmótico contato são muitas. é possível deixarcom de imaginar processoentra quase

de trocas culturais. Segundo: uma grande mistura de populações e etnias é a consequência lógica da primeira observação e dos acontecimentos históricos acima relatados. Galiléia: o circo dos povos. Se – como vimos – durante o regime asmoneu alguns judeus foram morar na Galiléia, não há dúvida de que a maioria da população é não-judia. E uma boa parte devia ser também nãoisraelita. Terceiro: a força da tradição e dos “de costumes Essa impérios resistência foi favorecida pelas formas de dominação longe”locais. dos vários sobre

 

o território (sem uma aristocracia local diretamente envolvida, feita exceção talvez para os cem anos de dominação de Jerusalém, como vimos). Esta forma de dominação deixou bastante autonomia às comunidades (nos assuntos locais, obviamente) e isso consolidou as tradições socioculturais das aldeiasoriginários, da Galiléia. onde Temososuma confirmação indireta dissoignorantes nos escritos rabínicos galileus são considerados  a respeito das oferendas a serem entregues para o sacerdote, usam medidas diferentes da Judéia, costumes matrimonias (e relações de gênero?) e tradições diferentes para a observância do sábado e das festas, como a Páscoa. A cultura das aldeias era predominantemente oral, e as formas principais de reprodução cultural aconteciam nas várias festas e celebrações da vida da aldeia, como casamentos e funerais, quando se fazia memória, em volta da fogueira, dosque tempos passados. Umuma destaque provavelmente a Páscoa, era originalmente festa deespecial família:tinha um tipo de memória que devia ser extremamente significativa para os galileus israelitas. De especial importância, neste sentido, é a reconstrução, por Morton Smith, de uma festa vinícola em Sidone, na qual se celebrava o dom do vinho aos sidonitas por Dionísio, o deus do vinho, segundo Aquiles Tácio, um autor pagão do II século. A associação desta divindade com a cidade de Citópolis é também documentada em fontes literárias e arqueológicas (Freyne, 162).uma Quedivindade tipo de divindade é essa não sabemos Smith a 1996: considera autóctona da Palestina, queexatamente. recebeu o nome helenístico de Dionísio. Freyne (1996: 162) chega até a afirmar que alguns judeus identificavam o deus com Javé (que Javé? Javé de quem?), ou com sua interpretação grega. Mas com certeza o judaísmo oficial e formativo devia considerar tais cultos simplesmente como idolatria e prostituição. A festa do deus do vinho nos permite entrar numa questão mais específica dentro da análise da diversidade religiosa  da Galiléia, e de maneira relevante para o conjunto dos ensaios aqui reunidos. Como imaginarespecial as diversas dinâmicas político-geográficas e socioideológicas,

 

examinadas até agora, interagindo entre elas no campo do sagrado? É correto resolver a questão apelando para um fácil sincretismo religioso, como pareceria evidente no caso do deus do vinho? Não seria talvez uma solução um pouco barata? A resposta, muito possivelmente, é positiva. o risco é de reduzir ahavia questão a “quanto dedos judaísmo”, de tradições Pois israelitas ou de helenismo na religiosidade camponeses galileus. Como se a mesma fosse uma composição química para um remédio de manipulação. Metodologicamente, de fato, caberia antes uma outra questão: a religião do povo, neste caso dos camponeses galileus, é simplesmente o resultado da interação das religiões dominantes? A religiosidade popular  é simplesmente o campo de batalha simbólica entre as religiões dos dominadores? vinho pode O caso acimacelebram do deus do ajudar. ajudar. Podemos nos perguntar: os camponeses a vindima pornos obedecerem à obrigação de uma divindade (Dionísio, Javé, ou outra que seja) ou celebram a divindade pelo divino dom da uva? Será preciso, pelo menos, manter a dúvida sobre o que é o  primum, sobre o que verdadeiramente conta na relação imaginária d  dos os camponeses com a fertilidade da terra e outras forças que fazem  a vida deles28. Exatamente esta reorganização , esta nova compreensão das tradições religiosas oficiais, a partir daquelas que chamamos de  prioridades socio29

exist ências diferentes, é o traço mais interessante da religiosidade popular . Uma  pequena tradição  que deve ter desempenhado um papel muito importante para determinar a diversidade religiosa do campesinato na Galiléia de Jesus30. Mas aqui as pegadas somem. As nossas histórias não estão muito acostumadas a lidar com estas questões: isto é, com as tradições dos que sempre estiveram do lado mais fraco. Caminhamos como que tateando. Mas é exatamente aqui que, com toda probabilidade, encontramos Jesus de Nazaré. Em suas biografias e em sua mensagem é possível reconhecer

esta pergunta inicial:que “Jesus era judeu?” assume, a esta altura,diversidade. os traços deA uma diversidade desenhamos até aqui no chão da

 

Galiléia. Os evangelhos sinóticos estão repletos de referências a dívidas, fome, doenças, e, ao mesmo tempo, de partilha de comida, curas e resistência. É a partir destas prioridades socio-existências que se define a religião do galileu Jesus: judaica sim,desta mas até certoisto ponto e em toda suaum diversidade. E, buscando concluir forma, é, abrindo mais vasto campo de pesquisa: um sinal inequívoco desta diversidade é a ênfase nas práticas mágicas que encontramos ao longo da biografia de Jesus. Uma forma religiosa de resistência, muito comum para o modelo sociocultural em que se reconhecem as aldeias da Galiléia, é a da magia. A magia é talvez a forma de resistência mais radical e profunda no âmbito religioso, e ao mesmo tempo a mais pacífica e cotidiana possível. Ela é muito difícil de ser controlada pelas instituições religiosas oficiais. E ao mesmo tempo, em situação normal,usanãomuitas se põevezes abertamente em contraste religião oficial. Aliás, das mesmas tradições,com dasa mesmas fórmulas, mas ao mesmo tempo dispensando os canais oficiais, as mediações deputadas, para chegar a deus. Esta última observação vale, sobretudo, para a magia popular, ligada à prática dos magos e curandeiros populares31. Enfim, a tentativa destas páginas foi a de deslocar o olhar das expressões oficiais da religião numa pretensa “Galiléia judaica” para a vida cultural e religiosa do campesinato Galileu, ao encontro de sua diversidade. Uma diversidade construída paulatinamente ao longo de suaelas, história de diversas dominações e de várias formas de resistência. Entre a mais famosa e relevante para a história sucessiva, aquela representada pelo movimento de um galileu do século I: Jesus de Nazaré. 1 Cf. para um aprofundamento deste assunto Horsley, 1995. Do mesmo autor, em tradução para o português, Horsley, 2000. 2 A expressão de Roger Bastide está contida no item  Acculturation da Encyclopaedia Univesalis cyclopedie/acculturation), ), acessado em 04/08/2020. (https://www.universalis.fr/en https://www.universalis.fr/encyclopedie/acculturation 3 O termo situação está ligado à sociologia de Balandier (1971: 24). 4 Cf. para isso autores como Vermès, Sanders, Crossan e Meier, entre aqueles disponíveis em tradução para o português. Com relação à nova busca do Jesus histórico: uma linha de pesquisa pós bultmaniana, especialmente ligada aos centros de pesquisa norte-americanos, mas que mobiliza estudiosos no mundo inteiro, cf. Hollenbach, 1989; e o mais recente Meier, 1999.

 

5 Freyne (1996) dedica toda a primeira parte da obra ao estudo literário dos quatro evangelhos em relação à Galiléia. 6 Para um estudo arqueológico detalhado sobre a Galileia, ver: Reed (2002); cf. tb. as considerações de Horsley (1994) acerca das escavações de Meyer e Strange. Vale também cf.: Crossan, 1998: 209235; Horsley, 2000: 11-22. 7 Vermes (1990: 84) chega a falar até de um específico temperamento Galileu. 8 Remeto para isso, entre outros, aos estudos de Horsley (1995; 2000). 9 Houve, é verdade, pelo menos dois momentos significativos em que Jerusalém tentou, sem conseguir, retomar o controle sobre esta região. O primeiro foi após a revolta de Josias, que morreu em 609 a.C., no interior de seu programa expansionista deuteronomista. Foi, porém, um período muito limitado, vinte anos no máximo, que não parece muito significativo para pensar em uma sucessiva ligação com Jerusalém. O segundo foi durante a dominação persa, na volta do exílio babilônico: a reforma de Esdras e Neemias. Mas a influência da “política da exclusividade”- como poderíamos chamá-la - da qual é um exemplo a proibição de contrair matrimônios com “estrangeiros”, dificilmente deve ter conseguido alcançar os israelitas do Norte. 10 “A peregrinação a Jerusalém deve ter tido uma função social bem definida para os camponeses  judeus galileus (o itálico é meu) levando-os temporariamente para fora dos confins estreitos da vida de aldeia e outorgando-lhes o sentido de pertencer a algo maior”. O postulado da existência de muitos camponeses judeus-israelitas na Galiléia, que mantiveram a fidelidade ao Templo de Jerusalém, é um dos pontos fundamentais do pensamento do autor, que toma o livro de Tobias como paradigmático neste sentido (Freyne, 1996: 149,163,172 149,163,172;; 1980: 62,139,275) 62,139,275).. 11 Os galileus que enfrentavam a viagem de três dias eram no máximo umas centenas, e não existe de fato uma grande evidência da importância que essas peregrinações tinham na vida social e religiosa da região. Existem, porém, notícias de como os romanos viam estas peregrinações: como ameaças para a ordem pública, principalmente na festa de Páscoa, quando se celebrava a memória de uma grande libertação de um império estrangeiro. Por isso era reforçada a guarda armada na cidade. Ambígua era também a relação destes romeiros com a aristocracia sacerdotal do templo, que apesar de ter uma certa legitimação popular, era aliada ao mesmo tempo dos romanos. Os tumultos populares do ano 66 (um pouco antes da revolta), por exemplo, resultaram em saques populares das casas dos membros da aristocracia sacerdotal (Josefo. GJ 2:422-441). 12 Cf., neste sentido, Prandi (1983: 90): “nas religiões tradicionais, vida religiosa e vida social se compenetram profundamente e, sobretudo, encontram na mesma tradição que se desenvolveu dentro dos limites do grupo as fontes comuns da própria identidade cultural”. 13 No caso dos galileus esta volta não foi controlada por nenhuma aristocracia sacerdotal local, como no caso da Samaria ou da mesma Judá depois do exílio babilônico. Isso confere à situação da Galiléia características peculiares no cenário da Palestina. 14 Tácito. CJA 30:3 (apud Wengst, 1991: 78). Cf. tb. a interessante discussão sobre a ambiguidade legal existente entre a força e o direito no Império Romano. A punição dos bandidos era a mais dura, pois o Estado arcaico tinha muita dificuldade em definir adequadamente o seu mandado de autoridade. Brent Shaw (apud Crossan, 1994: 206) cita Agostinho ( A Cidade de Deus 4:4):  Tira a  justiça e o que são os estados se não quadrilhas de assaltantes em grande escala? E o que são quadrilhas de assaltantes se não reinos em miniatura? 15 Júlio César fixou a taxa direta para Roma em um quarto da produção do campo a cada dois anos, com a exceção do ano sabático. Mas, para compensar essa demonstração de sensibilidade para com os costumes israelitas, era cobrada uma taxa adicional pro capite (individual) de um denário por ano. O dízimo devido aos sacerdotes do templo de Jerusalém devia incidir em mais de 20% da produção.

16 Ele não deve ser confundido com um outro Judas, o galileu, fundador da “Quarta filosofia”. 17 Conferir a seguir: “Apenas Varo (o Legado de Síria) soube do perigo que corria a legião sitiada

 

em Jerusalém, tomou as outras duas que lhe restavam, na Síria, com quatro companhias de cavalaria e foi a Tolemaida, onde conferenciou com as tropas auxiliares do rei e dos príncipes para se ir unir a elas. Os habitantes de Berita aumentaram suas tropas com mil e quinhentos homens, quando ele passou pela sua cidade (...). Depois que Varo reuniu todos os soldados perto de Tolemaida, mandou uma parte deles para a Galiléia, que estava próxima, comandados por Caio, um de seus amigos, que derrotou os inimigos, tomou a cidade de Séforis, incendiou-a e fez todos os habitantes escravos”. 18 As imagens de animais no palácio de Herodes Antipas constituíam-se num verdadeiro escândalo para os judeus. Tanto que o mesmo Flávio Josefo - durante a Guerra Judaica - havia sido encarregado de destruí-las. Mas quando chegou a Tiberíades Tiberíades,, já haviam sido destruídas por rebeldes. Cf. Theissen (1989: 235, nota 6 ). Crossan (1998: 234) comenta a esse respeito que Tiberíades parece uma cidade realmente estranha: fundada em permanente impureza (sobre um cemitério) e povoada a força por excamponeses (galileus) e ex-escravos. 19 Séforis não é nunca mencionada nos evangelhos, enquanto Tiberíades é citada explicitamente somente uma vez, em Jo 6:23; indiretamente em Jo 6:1, 21:1. 20 De especial interesse é a discussão de Crossan (1998: 223) sobre a produção e distribuição da indústria da cerâmica das aldeias da Galiléia. 21 Jesus contrapõe a figura profética popular de João Batista aos herodianos que viviam na cidade: Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Então que fostes ver? Um homem vestido de trajes elegantes? Mas os que vestem trajes suntuosos e vivem no luxo acham-se nos palácios dos reis (Lc 7:25). Mas é especialmente no evangelho de Marcos, onde nenhuma vez é mencionada a

entrada de Jesus em uma das grandes cidades, que a distinção entre o mundo rural e o mundo urbano da Galiléia aparece mais evidente. 22 Conferir também os saques aos quais o mesmo Flávio Josefo presenciou, e que o levaram a comentar: eu vi a fúria dos galileus contra Tiberíades: eles detestam da mesma maneira os moradores de Tiberíades como os habitantes de Séforis  (Vida  384). Há alguns anos, Séforis foi transformada em um sítio arqueológico. Relatos das pesquisas ali desenvolvidas e dos achados encontram-se em MYERS et alii (1992). 23 Mas o tamanho médio de uma aldeia da Galiléia era entre 30 e 50 dunams: 7,5-12,5 acres (Meyers, 1979: 100). 24 “Tanto para Lenski quanto para Wolf só se pode definir o campesinato em termos de um poder externo - representado pela cidade, pelo estado ou pelo império - que se apossa de seus excedentes agrícolas” (Crossan, 1994: 162). 25 Conferir a observação de Freyne (1996: 135): “a índole essencialmente comunitária da vida na aldeia parece atestada na forma das construções sinagogais que conhecemos do período pré-setenta, das quais a de Gamla é o exemplo por excelência. Suas fileiras de cadeiras em todos os lados implicam uma forma extrema de democracia”. 26 Um capítulo a parte mereceria a discussão sobre o papel que escribas  e fariseus  tiveram nas sinagogas. Não existe notícia alguma sequer da presença deles nas sinagogas das aldeias da Galiléia. Para acompanhar essa discussão cf. Horsley (1995: 233). 27 O pioneiro da teoria regionalista na Galiléia é o já citado Meyers (1979). 28 Será oferecido aqui um exemplo um tanto quanto irreverente e heterodoxo. A Dona Maria, lá do morro, que na sexta-feira vai ao terreiro, no sábado na igreja pentecostal e no domingo para a missa, é simplesmente o campo de batalha das diferentes religiões, uma espécie de lugar sincrético inconsciente, ou pode-se pelo menos imaginar que ela saiba, dentro do seu imaginário, o que ela está fazendo; e que no pequeno altar da sua sala, onde São Judas está ao lado de Iemanjá, ambos bem vigiados pela Bíblia Sagrada do Almeida, coisa que deixaria horrorizado qualquer escriba moderno, ela ache um sentido e uma ordem próprios. 29 Brandão (1980: 220) fala deste processo como de  popularização do sagrado, que define como

 

reconquista simbólica,(...) reelaboração reconquista reelaboração de um saber imposto como um saber conquistado, sistêmico sob uma outra lógica, capaz de refletir simbolicamente a posição e a experiência dos subalternos.

30 Neste sentido me distancio da visão liberal de estudiosos como Theissen (1989: 66), que postulam uma reformulação da tradição judaica a partir do encontro com as filosofias helenistas como fator que distingue o movimento de Jesus. Parece-me uma análise ligada a um olhar institucional, quase clerical, do religioso, a partir das definições oficiais das diversas agências que disputam este campo. 31 Para uma ampla discussão sobre a relevância das práticas mágicas para a compreensão da figura de Jesus, conferir Cornelli (2001).

 

III Práticas Mágicas no Novo Testamento e para Além Dele. Dele. Constata-se, quando se leciona uma disciplina introdutória de História antiga grega na universidade, uma expectativa dos alunos em terem um curso calcado (se possível) nos seguintes tópicos: mitologia, formas de governo, sofística, filosofia, historiografia e teatro. Esta expectativa é plenamente aceitável, levando-se em conta o nível de conhecimento sobre antiguidade grega da imensa maioria dos alunos que chegam à universidade, isto é: eles estão baseados em uma lógica dual, comportando dois tipos de pensamentos opostos: o mitológico, de um lado, e o racional, do outro. Esta oposição teria o seu ápice no período clássico, em particular, no quinto século, quando toda a longa tradição mitológica grega teria sido colocada em xeque com o advento dos historiadores, sofistas e filósofos. No interior deste quadro, a partir dos pontos que deveriam nortear o curso introdutório de História antiga grega, seria plenamente aceitável a observação de Tucídides (1.22:1) (para o seu público) de que a ausência do maravilhoso da sua narrativa não implicaria em uma perda de qualidade do seu texto1. Esta forma de olhar para a antiguidade grega, inserindo-a no quadro de uma cultura altamente racional, faz parte de uma longa tradição que procura excluir, ou até mesmo extirpar como algo menor e sem importância, tudo aquilo que não possa ser explicado a partir desta perspectiva. Como uma forma de demonstrar esta questão, basta folhear rapidamente as páginas dos livros didáticos, relacionadas com este recorte espaço-temporal. Através delas poderão ser constatados os gregos tornando-se sinônimos de Sócrates, os camponeses atenienses tornando-se leitores dos diálogos platônicos e o espaço urbano sendo o lugar por excelência, para não dizer o único, de moradia da população. Todas estas tentativas que transformam os gregos em Sócrates, os atenienses em leitores da filosofia platônica e a  pólis  em espaço urbano, constituem (de forma consciente ou não) a inserção da

 

antiga Grécia na esfera do mito! Dodds (1988: 7), há meio século atrás, chamava atenção para um episódio que havia ocorrido com ele no Museu Britânico: quando ele visitava as esculturas do Pártenon foi interrompido por um jovem que lhe disse gregas não lhe tocavam umcolocação bocadinho(que [...] porque“[...] tudoqueeraestas tão coisas terrivelmente racional”. Diantenem desta ainda me parece tão atual), Dodds começou a se interrogar sobre se os gregos teriam sido tão cegos perante a importância de fatores não-racionais na experiência e no comportamento humano como é normalmente assumido. Esta interrogação o levou a produzir um livro considerado, até hoje, de extrema importância para o estudo da magia no mundo antigo grego. As suas análises (Dodds, 1988: 210-211), por exemplo, sobre o katádesmos, um tipo de ligadura mágica ou encantamento que se fazia por meio de ou umatar nó rapidamente (Bailly, 1950:um1031) ou mais o ato de amarrar oponente (emespecificamente, um contexto agonístico), fossem eles comerciantes, amantes, litigantes ou atletas (Faraone, 1991: 11, 21, nota 3) sugeriam a disseminação das práticas mágicas pelo mundo antigo grego2. Este quadro, que aponta a existência de práticas mágicas na antiguidade grega, apesar de ter sido significativamente ampliado, ainda está distante do grande público, das salas de aula e de muitos especialistas. Como uma forma de torná-lo mais próximo, objetivar-se-á uma análise das palavras  pharmakós e báskanos no contexto do Novo Testamento, bem como do uso

de amuletos nas primeiras comunidades cristãs. I. Quando se analisa o emprego da palavra grega  pharmakós  no Novo Testamento, constata-se não só o seu reduzido número de aplicações, como também o seu sentido altamente pejorativo. Esta palavra é aplicada apenas cinco vezes (Esler, 1994: 137): uma Gl e as outras quatro no Ap. Estas passagens podem ser divididas em dois blocos: no primeiro, constata-se João, o Visionário (Ap 21:8, 22:15) empregando as palavras  pharmakoís e  pharmakoí para qualificar indivíduos (no seu sentido geral) como mágicos. No segundo bloco, João, o Visionário (Ap 9:21, 18:23) eclaro Paulo (Gl 5:20) aplicam as palavras  pharmákon   e  pharmakéia   deixando a existência

 

da magia. O mágico aparece, nestas passagens, como portador de uma natureza má, já que as suas ações são tidas como maléficas. Ele se insere no interior de um amplo grupo de malfeitores, quais sejam: o dos covardes, infiéis, corruptos, homicidas, fornicadores, idólatras e embusteiros. Em três passagens do Ap, o Visionário parece ebuscar associá-lo mais especificamente comJoão, os homicidas, fornicadores idólatras. Não deixa de ser interessante notar que os cachorros compartilharão da mesma herança que o mágico e os seus pares, isto é, todos irão arder com o fogo e o enxofre em um lago. Considerando os dois sentidos básicos que o substantivo masculino  pharmakós  adquire, um leitor do Novo Testamento poderia concluir – de forma precipitada – que a magia estava bem distante do universo cristão, onde cada membro da igreja de Cristo viveria afastado, evitando participar de atos maléficos. Esta conclusão deve sercristãos mantidae com muita cautela, no tais entanto, já que o Mediterrâneo colocava não-cristãos muito próximos entre si, tão próximos que as fronteiras entre estes dois grupos eram amplamente violadas, proporcionando entre eles ótimas oportunidades de interações culturais. É o que se pode deduzir, por exemplo, da palavra báskanos  e das fórmulas mágicas e dos amuletos no ambiente cristão. Analisar-se-á separadamente cada um deles. II. A palavra báskanos, da mesma forma que pharmakós, tem uma aplicação muitíssimo reduzida no Novo Testamento3. Ela pode ser associada às passagens e às representações imagéticas relacionadas com a crença no olho mau4. Esta crença era (e ainda é) amplamente difundida no Mediterrâneo (Maloney, 1976; Faraone, 1991: 11; Kotansky, 1991: 119; Eitrem, 1991: 178; Dundes, 1992; Esler, 1994: 19), em particular junto às camadas populares. Considere, por exemplo, a seguinte colocação de Paulo (Gl 3:1): “Ó Gálatas insensatos! Quem vos “amarrou” / “enfeitiçou”, ante cujos olhos foi claramente exposto Jesus Cristo cravado na cruz?”.

Quando se analisa esta mesma passagem nas Bíblias traduzidas para o português, torna-se evidente o quanto este contexto mágico é raramente

 

compreendido e, por conseguinte, mal traduzido (Esler, 1994: 20). Considere, por exemplo, a mesma passagem da epístola aos Gálatas na Bíblia de Jerusalém, que consideramos de boa qualidade: “Ó Gálatas insensatos, quem vos fascinou, a vós cujos olhos foi desenhada a imagem de Jesus Cristo crucificado?”.

Embora o verbo “fascinar” esteja diretamente conectado com o universo mágico (Justi, 2011), ele parece ter perdido este primeiro sentido, sendo aplicado com mais frequência no campo amoroso (o que não deixa de ser também neste caso mágico). Da mesma forma o substantivo feminino “fascinação”: o seu uso, no dia a dia, torna-se quase sinônimo de atração irresistível, de paixão devoradora, remetendo-o novamente ao campo amoroso ao invés de mágico. Por mais que uma pessoa não considere as implicações mágicas do verbo “fascinar” no momento em que o emprega, este verbo indiscutivelmente tem as suas raízes no universo mágico, no contexto do mau-olhado, do encantamento, do subjugar com os olhos, do dominar por encantamento, do prender com feitiços. Como observou Justi (2011; cf. tb.: Esler, 1994: 20), a palavra báskanos5  está diretamente conectada com o ato de atar de afetar alguém com o olho mau (ver, também: Bailly, 1950: 352; Bernand, 1991: 98). Deve ser ainda observado que a referida citação não apenas estabelece uma flagrante oposição entre o olho mau (que busca causar estragos na vida e nos bens do outro) e a mensagem proclamada por Paulo (que trouxe para os olhos dos gálatas a imagem de Jesus Cristo crucificado, símbolo da vitória sobre todos os agentes causadores da derrota e da morte), como, também, sugere que este apóstolo e os próprios gálatas acreditavam na existência e na eficácia desta prática mágica6. III. Tornam-se ainda motivos de surpresa e de espanto, para o grande público, as fórmulas mágicas e os amuletos com uma forte carga cultural  judaico-cristã, a qual se insere no intenso contexto da helenização. Os PMG (Betz, 1996) trazem referências às tradições judaicas (PMG, IV: 30073086), aos nomes de Abraão, Isaac, Jacó (PMG, XIII: 815-820), Salomão (PMG, IV: 850) e ao emergente cristianismo, fazendo de Jesus o deus dos

 

Hebreus (PMG, III: 420, IV: .1233, 3020) 7. Os amuletos, com e/ou sem as legendas em grego, marcadamente apontam para a presença de Salomão 8 (figura 1), Jesus (figuras 2, 3d), Maria com o seu Filho no colo (figura 3b) e do Salmo 91 (figura 3a) como elementos de proteção usados pelo indivíduo contra as ameaças mágicas.

Figura 1

Figura 2

Figura 3

As presenças de fórmulas mágicas e de amuletos no contexto judaicocristão não devem, portanto, causar espanto. O que poderia ser surpreendente, causando mesmoé, uma perplexidade os pesquisadores contemporâneos, como enorme já assinalado, a total entre ausência

 

destes dois elementos em uma dada cultura inserida no Mediterrâneo antigo, marcadamente influenciado pela cultura helenística (para uma discussão detalhada da relação entre magia helenística e Evangelhos Sinópticos, ver: Hull, 1974). IV. Cavaleiros vitoriosos aparecem nos amuletos judaicos e cristãos que trazem no anverso a figura de guerreiros montados em cavalos. Verifica-se, em muitos casos, a presença de inscrições exaltando estes cavaleiros. Este material pode ser classificado em dois grupos básicos: 1º. Verifica-se em uma série de amuletos judaicos (Bonner, 1950: 208210, prancha XIV, nº. 294-297 – ver acima figura 1) a presença de um cavaleiro, cuja inscrição define-o como SOLOMON  (Salomão),  (Salomão), submetendo o inimigo caído no solo, enquanto no reverso há uma outra inscrição SPHRAGIS THEOU   (selo (selo de Deus). Esta última expressão é muito rara no contexto bíblico (Jr 22:24; Ag 2:23; Ecl 49:11), com apenas duas ocorrências no Novo testamento, ambas no Apocalipse (7:2, 9:4). A expressão SPHRAGIS THEOU   utilizada por João, como observou corretamente Bonner (1950: 210), portanto, era de uso corrente no cotidiano  judaico. Tanto nos amuletos quanto quan to em João o seu significado é o de eleito, de ungido do Senhor9; e 2º. Entre os vários tipos de amuletos cristãos, há uma longa série que apresenta um cavaleiro aureolado, sobre o cavalo, segurando uma lança, submetendo o inimigo caído no solo10. A inscrição em torno do cavaleiro parece se caracterizar como um tipo padrão amplamente conhecido entre as comunidades cristãs, já que ele apresenta poucas variações no anverso. Estas alterações devem-se mais à omissão de palavras ou troca de letras do que propriamente ao desenvolvimento de um tipo novo de inscrição. Podese ler, sem dificuldades, a expressão  EIS THEOS O NIKON TA KAKA (um Deus que vence o mal). A inscrição situada acima do cavaleiro aureolado permite associá-lo como sendo Jesus Cristo. Este esquema, utilizado pelos cristãos, foi possivelmente apropriado dos amuletos judaicos que traziam a figura de Salomão11, como cavaleiro, sem auréola, inserido na mesma situação (Bonner, 1950: 210)12.

 

Convém observar que, nos dois grupos de amuletos apresentados, o inimigo submetido pelo cavaleiro é uma figura feminina (ver acima figuras 1, 2, 3d; para outros exemplos ver: Bonner, 1950: pranchas XIV-XVII). Este esquema imagético não deve ser visto (ou lido) pelo pesquisador de forma inocente. Aotem contrário, eledefazideologia parte dedaum longo processo atual historiografia chamado submissão (Lessa, que 2001:a 68-75). Esta ideologia procura enquadrar assimetricamente a mulher perante o homem, onde a primeira, por ser considerada inferior e eterna menor, está submetida à autoridade e ao controle do segundo. Observou-se, em um outro trabalho (Chevitarese e Argôlo, 2002), que a maneira como foi lida a vasta documentação literária (e imagética) de Atenas, produzida nos períodos arcaico e clássico, proporcionou as bases de tal assimetria, desde a própria Antiguidade grega até os nossos dias. Decorreu daípelo a construção de uma figura efeminina pela passividade, silêncio, recato, obediência reclusão caracterizada no oíkos, ou seja, afastada o máximo possível do convívio social intenso que movimentava a  pólis em seu cotidiano. Nesse sentido, de acordo com tais textos – os quais, não pode ser esquecido, são mediados por discursos elaborados por homens e cujo público alvo é também masculino – a demarcação dos espaços das mulheres era, em grande medida, condicionada pelo critério biológico (a mulher era naturalmente inferior ao homem) e visava garantir a sua integridade moral. Em contrapartida, exemplos de mulheres que não se enquadravam modelo, que aparecem figuras –, ameaçadoras supremacia dosneste homens – Medéia, Fedra e como Clitemnestra não tiveramà finais felizes. Pode-se acrescentar ainda que as atuais indagações sobre o estatuto e o papel da mulher na antiga Grécia (isto é, Atenas arcaica e clássica) são originárias do século XVIII, muito embora uma parcela significativa dos pesquisadores não se dê conta disto, e estavam inseridas no conjunto de questões correntes que ocupavam a intelectualidade da época. Entre elas sobressaíram principalmente os debates sobre a liberdade, os indivíduos e a formação da sociedade civil. Aoasmanipularem esses elementos tão novos característicos da modernidade, teorias contratualistas de Locke (séculoe

 

XVII) e Rousseau (século XVIII) procuraram compreender a dinâmica desta sociedade liberal e as bases em que ela se fundamentava. Para tanto, fora necessário situar os indivíduos, homens e mulheres, em lugares sociais precisos: assim o homem ganhou o espaço público e a mulher o doméstico. Se sociedade política, cujas relações entredas os mulheres, homens seesta davam através de essa um pacto social, pressupunha a exclusão última era legitimada pelo exemplo clássico de Atenas, uma democracia que, no entanto, reservava o direito à participação política exclusivamente aos homens. Observam-se, assim, como os filósofos iluministas buscaram na História uma solução para um problema bastante contemporâneo: a definição do papel da mulher na sociedade burguesa do século XVIII em diante (Katz, 1995)13. Retornando à análise sobre o uso de palavras mágicas no Novo Testamento, particularmente, mas não exclusivamente, no Ap, pode-se estabelecer preliminarmente que: (i) a crença na magia estava amplamente difundida nas primeiras comunidades cristãs, com forte incidência nos meios populares; (ii) o cavaleiro armado submetendo o inimigo caracterizava-se como um símbolo natural de vitória na cultura helenística (incluindo aí as culturas judaica e cristã); e (iii) a figura do cavaleiro montado sobre o cavalo – tanto no contexto literário quanto no âmbito da cultura material cristã – estava relacionada à idéia apocalíptica presente nas camadas populares dos antigos cristãos, funcionando como um importante símbolo apotropaico contra as forças maléficas que circundavam o mundo. 1 Para o embate ocorrido na antiga Grécia entre o pensamento mítico e o racional, ver, por exemplo: Vernant, 1992: 172-188; Vegetti, 1994: 249-253; Dodds, 1988: 194-222. 2 Para um maior aprofundamento desta questão, ver: Candido (1996). 3 Ela aparece quatro vezes no Antigo Testamento (Dt 28:54,56; Ecl 14:6,8) e apenas uma única vez no Novo Testamento (Gl 3:1). A melhor discussão sobre este objeto está em português, ver: Justi, 2011; cf. tb.: Delling, 1972: 594-595. 4 Sobre o emprego da expressão ophtalmós ponerós, onde a idéia de inveja fica bastante evidenciada, ver: Mt 6:23, 20:15; Mc 7:22; para as representações imagéticas, ver: Bonner, 1950, pranchas XIV (números 298-299) e XV (números 300-301). 5 Verificam-se também em contextos literários anteriores e/ou contemporâneos ao da referida carta paulina o uso extremamente negativo da palavra báskanos. Ver, por exemplo: Aristófanes. Os Cavaleiros  104-105,  Pluto 571; Demóstenes 18:108,11 18:108,119,132,139,242 9,132,139,242,317, ,317, 21:209, 25:79-83; Josefo.

 

AJ 1:260, 6:58-59, 11:114, 14:265; GJ 1:192,208-209; Pausânias 2.33:3, 6.20:17; outros exemplos da literatura antiga grega envolvendo a palavra báskanos podem ser levantados em Bernand, 1991: 98102; para uma bibliografia específica que discute a baskanía, ver: Justi, 2011; Bernand, 1991: 442, nota 41. 6 Talvez seja significativo aqui recordar o episódio narrado por At (19:13-20), onde os habitantes de Éfeso (judeus e gregos), praticantes da magia, convertidos por Paulo, trouxeram os seus livros repletos deespíritos fórmulasmaus mágicas para serem queimados em lugar público. estava ao fato de os temerem e respeitarem a autoridade de JesusEsta e deação Paulo, queassociada pregava em seu nome. 7 Para um comentário, mesmo que sucinto, das passagens de Jesus nos papiros mágicos gregos, ver: Smith, 1998: 83-84; não deve ser perdido de vista, muito embora o seu nome não tenha sido citado, que Moisés era amplamente reconhecido na cultura helenística como um mágico poderoso, ver: Gager, 1972. 8 Para uma discussão envolvendo Salomão e Magia na antiguidade, ver capítulos V e VI deste livro. 9 Há uma ocorrência da expressão “selo de Salomão” nos PMG (IV (IV.. 3041). Betz (1996: 96, nota 394) observa que se trata do nome de um famoso amuleto na Antiguidade. 10 Com variações significativas no reverso, ver: Bonner, 1950: 211ss, pranchas XIV-XVI. 11 Duas observações observações podem ser feitas em torno do rei Salomão: de imediato, o fato de ele ser o mais rico e esplêndido dos reis judeus, senhor de uma extraordinária sabedoria pode ter produzido toda uma mitologia em sobre torno todos do seuosnome na época helenística, já que(Bonner, se acreditava exercia um controle absoluto espíritos imundos e demônios 1950:que 209,elever também: Josefo. AJ 8:45-48 e a obra pseudoepígrafe TSol); a segunda observação aponta uma equivalência entre o nome de Salomão e o de Jesus, já que o primeiro era uma figura ou um símbolo de Cristo (Bonner, 1950: 210). 12 Há uma segunda série importante de amuletos cristãos representada pela associação Maria/menino Jesus. Muito embora, neste caso, verifique-se também uma possibilidade de uso de modelos iconográficos oriundos de outras culturas mediterrâneas. Bonner (1950: 221) acredita que esta série possa ter sido inspirada nas representações de Ísis/Hórus (com relação à estas representações, ver: Andrews, 1994: 22, nº. 18a-c). Enquanto no primeiro caso a transferência iconográfica do santo cavaleiro ocorre no âmbito das culturas monoteístas (judaica ⇔ cristã), agora, o que se verifica, é a comunidade cristã se apropriando de modelos advindos do mundo politeísta, em particular, da cultura egípcia. O que não deve ser perdido de vista, no entanto, é o fato que, desde muito cedo, as primeiras comunidades cristãs identificaram na relação Maria/menino Jesus umestabelecido forte elemento proteção1950, para superar as forças malignas presentes no mundo (ver no catálogo pordeBonner, prancha XVII, nº. 329-331). Para um estudo analisando a relação Maria/Menino Jesus, com enfoque na sua não dependência do modelo Ísis/Hórus, ver: Chevitarese, 2006: 43-59. 13 Para uma discussão mais detalhada das questões relacionadas às mulheres na Antiguidade grega, ver, por exemplo: Pomeroy, 1975; 1997; Mossé, 1983; Booth, 1993, especialmente a parte 2; Humphreys, 1993; Hawley e Levick, 1995; Lessa, 2001; Andrade, 2001.

 

IV Convergências Apocalípticas nas Esquinas da Magia: o Sincretismo Religioso Helenístico dos  Papiros  Papir os Mágicos Gregos Gregos O desafio dos estudos da religião no mundo helenístico grego e judaico é o da elaboração de uma convergência significativa. Aproximação, encontro e desencontro, a dinâmica religiosa do mundo helenístico revela uma dinamicidade viva, uma troca contínua de formas e conteúdo. Daí que nenhuma forma, nenhum gênero, nenhuma expressão religiosa podem ser considerados como algo isolado e estruturado em si mesmo. A dependência de um gênero do outro, especialmente no que diz respeito à literatura, obriga o estudioso a tecer convergências inéditas frente à classificação estanque de tanta manualística. A intenção deste ensaio é, portanto, a de tecer uma destas possíveis convergências, aproximando aos estudos de apocalíptica judaico-cristã uma literatura religiosa de imensa (e até agora em boa parte subestimada) relevância para a compreensão do mundo religioso mediterrâneo helenístico: a dos Papiros Mágicos Gregos.

A História dos Papiros Mágicos Gregos. Gregos de língua, mas egípcios de origem, os PMG constituem uma das fontes mais interessantes para a compreensão do antigo mundo cultural mediterrâneo, não somente no seu lado religioso, como veremos. Mais concretamente os textos, datados entre o II século a.C. e o V século d.C., são uma série de fórmulas, rituais e mágicas, e constituem um testemunho extremamente precioso do cotidiano da religião mágica helenística1. Mesmo que tardios, eles se referem a tradições bem mais antigas, a maioria delas transmitidas oralmente, como é uso neste tipo de literatura. A Antiguidade conhece a existência de um grande número de livros mágicos. Testemunha disso são as frequentes queimas de livros: é o caso,

 

por exemplo, da fogueira de livros mágicos em Éfeso, relatada pelos At (19:19), como também da campanha de queima destes livros mágicos operada por Augusto no ano 13 a.C., referida por Suetônio (Augusto 31:1). Não raramente os livros serviam muito bem como combustível para queimar ao nosso.os mesmos magos, até um tempo e um espaço bem mais próximos Literatura perseguida e “secreta”, portanto underground   e um tanto alternativa, os livros mágicos nunca se destacaram na cena dos estudos de história das religiões. A visão moderna das religiões antigas, especialmente da área do Mediterrâneo, sofreu por causa disso vários tipos de deformações, concentrando-se, mesmo que não intencionalmente, exclusivamente na literatura religiosa das elites, “oficial”. A mais recente e inestimável compilação de papiros egípcios, verdadeiro de magia, foi realizada Betz da (1996). constituem até hoje a manual fonte mais importante para opor estudo magiaEles e da religião helenística em geral (Segal,1981: 349). Se acreditarmos em Betz (1996: XLII), a descoberta dos PMG tem a mesma importância para a história das religiões greco-romanas que as descobertas de Qumran para o judaísmo e de Nag Hammadi para o gnosticismo. A maior parte da coleção de Papiros conhecida pelo nome de PMG foi achada pelo Jean d´Anastasi (1780?-1857), um diplomata sueco, mas de origem armênia, residente em Alexandria. Grandepertencentes parte dos papiros sido achada na cidade de Tebas, provavelmente à tumbateria de algum mago. Acolhidos pelos estudiosos do século passado como “fromage mystique”, os PMG começaram a ser – por assim dizer – “levados a sério” somente na metade desse século. Foi especialmente o grande estudioso da religião grega, Albrecht Dietrich que, oferecendo em 1905 um seminário em Heidelberg com o título “Trechos Escolhidos dos Papiros Egípcios”, inaugurou um novo 2

interesse por eles . começaram uma complexa obra de edição dos PMG, Seus discípulos

 

duas vezes interrompida por causa das Guerras Mundiais. Foi somente com Karl Preisendanz, e depois com Albert Heinrichs, que o trabalho de edição foi levado a termo, em sua forma definitiva, em dois volumes, nos anos de 1973-1974. A partir primeira grande estudioso da literatura religiosaa antiga, Hansdesta Dieter Betz,edição, sob a osugestão de Morton Smith, retoma classificação de Preisendanz, acrescenta, aos oitenta um daquela edição, mais quarenta e nove novos papiros, incluindo nesta lista os PMD. O projeto começa em 1978 e conclui-se com a publicação em 1986. Outros papiros estão sendo classificados desde então. Brashear (1995), por exemplo, num recente artigo, lista mais 28 PMG. O material sobre o qual vamos falar – portanto – continua em curso (work-in-progress ), crescendo dia após dia.

O Conteúdo dos Papiros. Os PMG não são literariamente um corpo único, um livro com começo, meio e fim. A classificação deles justapõe textos cuja redação é diversificada e heterogênea, parecendo mais um manual, ou melhor, um caderno de anotações de um mago. Assim não deve surpreender a vasta gama de conteúdos que se encontra dos mesmos. Divinação, encantamentos para conseguir ligar a si uma mulher ou um homem, simpatias para ligar e desligar, curas e exorcismos, hinos, fórmulas mágicas, breves narrativas mitológicas e rituais de todo tipo dão uma conotação muito complexa ao tópico do conteúdo dos PMG. Uma olhada rápida no índice dos papiros da edição de Betz pode dar uma idéia desta complexidade: PMG I Rito para obter um demônio assistente Fórmula de Pnouthis (para obter um demônio assistente) Oração de libertação Fórmula para ser invisível Fórmula para a memória Fórmula para ser invisível Invocação apolínea

 

PMG II Fórmula mágica para a revelação Fórmula mágica (alternativa) para a revelação PMG III Ritual do gato para vários propósitos Para um oráculo Fórmula mágica para a revelação Simpatia para a leitura do pensamento Horóscopo ... PMG IV ... Iniciação Amuleto contra os demônios Oração para arrancar uma planta Simpatia para ter amigos ....

Dar conta do sentido desta ampla gama de temas será um dos desafios mais importantes deste ensaio. Assim tal pluralismo de temas e de formas torna os PMG como uma suma, obviamente não sistemática, da religião helenística. De fato, sé é verdade que os PMG são originários do Egito, o horizonte dos temas e das referências literárias e culturais aqui contidas aponta para muito além deste espaço. Vamos olhar de perto alguns deles, com uma especial atenção aos que contêm referências a temas da literatura apocalíptica judaica e cristã. Em primeiro lugar: vamos dar uma olhada na forma deles. A seguir apresentarei algumas reproduções de PMG, de diferentes formas e tamanhos. Muitos Papiros contêm desenhos e caracteres mágicos. Algumas vezes os desenhos devem ser “copiados” na areia e no pó, outras vezes as mesmas fórmulas \mágicas são transcritas com a intenção de formar uma figura. As palavras mágicas formam uma série de sons incompreensíveis, chamados de voces magicae, tipo abracadabra etc.

 

É o caso do PMG XXXIII: 1-253, um amuleto contra a febre, cuja transcrição resultaria na seguinte forma: ABLANATHANABLANAMACHAMARACHARAMARACH BLANATHANABLANAMACHAMARACHARAMARA LANATHANABLANAMACHAMARACHARAMAR ANATHANABLANAMACHAMARACHARAMA NATHANABLANAMACHAMARACHARAM ATHANABLANAMACHAMARACHARA THANABLANAMACHAMARACHAR ANABLANAMACHAMARACHA NABLANAMACHAMARACH ABLANAMACHAMARAC BLANAMACHAMARA LANAMACHAMAR AMACHAMARA NAMACHAM AMACHAM MACHA ACH A A mesma forma de representação de palavras mágicas encontramos num papiro (PMG CXX: 1-13) conservado na Biblioteca Medicea de Firenze e composto depara uma palavra só:oustaphulotomos . O staphulotomos  é um instrumento cortar a úvula a uva. Este papiro joga com as duas palavras, representando em forma de cacho de uva a palavra mágica. Staphulotomos taphulotomos aphulotomos phulotomos hulotomos ulotomos lotomos

 

otomos tomos omos mos os s Com toda probabilidade, este papiro devia servir nos casos de inflamação da garganta. A poesia concretista  brasileira faz amplo uso desta forma de representação gráfica das palavras. Um poema de Haroldo de Campos pode servir muito bem como espelho contemporâneo desta prática antiga 4: Nosferatu: Nós/Torquato Nós/Torquato putresco putresco putresco torquato: teus últimos dias de paupéria me vermicegos enrolam a substância da treva vampiros cefalâmpados (disse) mas agora put resco put (horresco referens) resco sco sc o Encontramos no poema, que é basicamente uma série de voces magicae, com referências claras no título e no uso do latim às tradições mágicas antigas, a mesma forma de representação gráfica como cacho de uva. Astrologia, demonologia, uso de ervas mágicas: os PMG lançam mão de

 

todas as práticas mágicas conhecidas no mundo antigo para cumprir seus objetivos. Mas é nos tópicos da cura e das simpatias de amor que os PMG parecem se concentrar especialmente. Vários papiros pretendem fornecer fórmulas mágicas ou rituais (simpatias) para a cura de diversas doenças, como febre, XIV: dor de1003-14 cabeça, apresenta tumores, varizes etc.e um amuleto para a cura da O PMD um ritual gota: “Amuleto para o pé de um homem com gota: você deve escrever estes nomes numa faixa de prata, colocá-la numa pele de veado e amarrá-la nos dois pés do homem, dizendo: THEMBARATHEM OUREMBRENOUTIPE/ AIXTHOU SEMMARATHEMMOU NAIOOU, faz que N.N., filho de N.N., se recupere de todo sofrimento que sente em seus joelhos e em seus dois pés. Faça isso quando a Lua estiver na constelação de Leão”.

A cura é aqui possível através da fabricação de um amuleto, que está porém ligada astrologicamente  à constelação de Leão. Uma ligação poderosa. Vários papiros são simpatias para ligar a si um homem ou uma mulher como no caso do Grande Papiro de Paris. Nele destaca-se um aspecto importante das tradições contidas nos PMG, o das narrações míticas (historiolae) recitadas com uma finalidade mágica. O mito de Ísis e Osíris era recontado para obter o amor entre um homem e uma mulher. É o caso da narração do momento em que Osíris deu a Ísis o seu sangue num cálice para que ela se apaixonasse por ele. Após a narração do mito, recitava-se uma fórmula especial, que acompanhava um ritual (PMD XV: XV: 1ss.): “Misturando vários ingredientes num cálice de vinho: Eis aqui o sangue de N.N. neste cálice. Este cálice de vinho possa fazer, hoje, que ela sinta a mesma paixão por ele na terra, tal qual foi a de Ísis por Osíris, que andou atrás dele por todo lugar5”.

Um aspecto relevante no interior do tópico dos conteúdos dos PMG é o da ligação de muitos papiros com práticas religiosas que se convencionou chamar de xamânicas6. O primeiro papiro da coleção (PMG I: 1-42) é um rito para obter um  Fórmula de demônio 7 (PMG assistente. Logo em segundo papiro,  Pnouthis I: 42-195) tem seguida, a mesmaofinalidade. A idéia ade um daimon

 

assistente, já presente em Sócrates, por exemplo, parece indicar, com toda probabilidade, um background antropológico religioso de tipo xamânico, no sentido da incorporação de poderes-seres divinos no ser humano. A mesma ideia parece contida na Simpatia de Salomão que produz o transe (PMG IV:de850-929). “Simpatia Salomão que produz o transe. Funciona tanto em rapazes como em adultos: eu te suplico, pelos santos deuses e os deuses celestes, de não partilhar o procedimento de Salomão com ninguém e de não usá-lo para algo questionável, mesmo que uma questão de necessidade te force a isso, sob a pena do furor preserve-o (...)”.

A presença aqui de Salomão, figura de destaque da tradição judaica, nos introduz naquela que poderia ser talvez a questão central para a compreensão da relevância principal dos PMG para o estudo da religião helenística e antiga em geral: o que Salomão está fazendo aqui, num papiro mágico egípcio?

O Sincretismo dos Papiros e as Tradições Apocalípticas Judaicas. A presença de Salomão não é nada incomum para os PMG. O caráter sincrético deles impõe-se à atenção do estudioso: neles estão evidentes tradições egípcias e gregas, semíticas e cristãs. Várias divindades egípcias são aqui citadas, entre elas Apophis, Chnoubis, Ísis e Osíris, Horus etc. O PMG X (36-50), que tem como título Simpatia de Apolo, é formado por desenhos e palavras mágicas que contém uma série de nomes divinos, inclusive judaicos. “Simpatia de Apolo para sujeição: pegue uma lâmina de uma canga para mulas, grave nela os seguintes nomes e coloque nela uma língua de sapo. Fórmula mágica: enquanto põe a canga com a língua de sapo na sua sandália direta, diz: como estes nomes sagrados estão sendo pisados (esmagados), assim que ele, N.N., o que está criando problemas, seja pisado (esmagado)”. AEEIOYO EEIOYOA EIOYOAE IOYOAEE

MICHAEL RAPHAEL GABRIEL SOURIEL

 

AYOAEEI ZAZIEL YOAEEIO BADAKIEL OAEEIOY SYLIEI Nota-se que aqui, mesmo sendo uma simpatia de Apolo, aparecem os nomes de anjos da tradição judaica: Michael, Rafael e Gabriel. Os três anjos andam juntos há muito tempo: é muito fácil encontrá-los até hoje nas simpatias mais comuns. É o caso das simpatias que a aparecem, por exemplo, na seção de anúncios dos jornais: “Simpatia dos três Anjos Protetores

Se você está em dificuldade, seja ela financeira, doença ou qualquer coisa, faça isso, durante 3 dias seguidos: pegue um prato, acenda 3 velas, e coloque um prato com água e açúcar, açúcar, coloque num local mais alto que sua cabeça. Ofereça aos três anjos protetores (Gabriel, Rafael e Miguel) e faça o pedido, e em 3 dias você alcançará a graça. Publique no terceiro dia e observe o que acontece no quarto dia. Obrigado aos três anjos protetores”8.

Ao mesmo tempo, várias citações da Ilíada de Homero estão presentes nos PMG (IV:468, 470, 474, 824, 830-834, especialmente 831-832): elas foram usadas em contexto de fórmulas mágicas, seus sentidos no texto independem de sua função literária, assumindo a função de palavras mágicas. Mas, talvez, um dos aspectos mais fascinantes deste sincretismo dos PMG é o lugar significativo que neles assume a tradição judaica, como no caso de Salomão. Deuses e deusas gregos e egípcios encontram-se juntos com o deus  judeu, invocado principalmente como IAO, ADONAI ou SABAOTH. Segundo Mills (1990: 139), é especialmente no tópico dos exorcismos que se notam nos PMG as influências mais marcantes das tradições judaicocristãs. As conexões nos Papiros são explícitas. É o caso de Moisés, invocado como exorcista exo rcista (PMG V: V: 96-172): “Eu sou Moisés, teu profeta (...) E eu chamo para você o deus terrível e invisível com um espírito vazio (...) Liberta N.N. do espírito que o atormenta”.

O mesmo num outro papiro (PMG CXIV: 17-21) no interior de umaSalomão fórmulaédecitado exorcismo.

 

O deus dos judeus, portanto, era especialmente apreciado por expulsar os demônios. Diversos testemunhos disso se encontram em inscrições de vasos aramaicos, como também em vários trechos da literatura judaica (Mills, 1990: 29). O PMG 83evangélicos (1-20) cita,dadepois arcanjo Miguel e do deus Sabaoth, alguns trechos oraçãodoconhecida como Pai Nosso. “Contra as febres com tremores: GOBA...S...NOUSEA...EIEGE...OSARK...AUSE febre com tremores, Suplico-te, MICHAEL, arcanjo da terra, pela febre diurna ou noturna; Suplico-te, SABAOTH todo-poderoso, que essa não toque mais a alma daquele que carrega isto, que não toque o seu corpo inteiro (...) “Aquele que habita no refúgio do Altíssimo, passará a noite na sombra do deus dos céus.  Dirá a deus: ´Ele é meu refúgio refúgio e minha ajuda, ajuda, nele confio`” “ Pai nosso, que estais nos céus, seja feita a sua vontade, o nosso pão de cada dia.”

Santo, Santo é o deus SABAOTH, o céu está pleno de sua justiça, santo é senhor da glória.  ANIAADA...IA, MIGAEL, dos senhores, senhores, Abraão, Isaac e Jacó ELOEI ELOE Salomão, SABAOTH OEL [...]”.

Orações sálmicas, trechos de orações cristãs, arcanjos, figuras míticas como Abraão e Moisés. Apesar de essas não serem necessariamente fórmulas mágicas usadas pelos judeus e cristãos, estão indicando que, num mesmo caldo de cultura mágico, tradições várias dialogam tranquilamente entre si. Uma indicação preciosa de como funciona  a religião mágica no mundo helenístico. Testemunha privilegiada disso é também o já citado Grande Papiro  Mágico, conservado em Paris. O PMG IV (404-405) é da primeira metade do IV século, mas – como a maioria dos outros – reflete tradições bem anteriores. É um encantamento bastante elaborado. As voces magicae aqui prescritas citam explicitamente nomes da divindade (ou de divindades) da

 

tradição de Israel: “Adonai ia poura bia bibiothe athoth

Sabaoth eaiapha amarachthi satama Zauththeie serpho ialada iale Sbesi iaththamaradthaachilththee”. iaththamaradthaachilththee”.

O ritual é bastante complexo, envolvendo a produção de vários entulhos com azeite e incisões de fórmulas mágicas e figuras misteriosas. O objetivo é a cura de um doente através da expulsão do demônio que o possui. O ritual prevê súplicas a várias divindades egípcias. Mas, no ponto alto do exorcismo, as invocações são dirigidas a divindades das tradições judaicas (PMG IV:3007-3086): IV:3007-3086): “(Eu) te suplico em nome do deus dos hebreus, Jesus, (orkizo se kata tou theou ton ebraion  Iesou) IABAE IAE Abraoth AIA Thot ELE ELO AEO EOU IIIBAECH ABARMAS IABARAOU ABELBEL LONA ABRA MAROIA BRAKION você que aparece no fogo, que está no meio das roças, na neve e na neblina. (...) (Eu) te suplico em nome daquele que apareceu em Israel numa coluna de luz [Moisés] e numa nuvem em pleno dia, que libertou seu povo do Faraó [...] (...) (Eu) te suplico, quem quer que seja, espírito demoníaco, fala. Suplico-te em nome do sigilo que Salomão pôs na língua de Jeremias [...].

Não podemos deixar de citar também o PMG XXIIb (1-26) que chegou até nós com o título de Oração de Jacó, uma oração que poderia estar tranquilamente na boca do Jacó bíblico, que inicia com a invocação ao Criador,  Pai dos patriarcas  e termina com a dupla exclamação   Amém!  Amém. Para aprofundar de maneira mais específica o sentido histórico desta presença da tradição judaica nos PMG, de modo especial, em suas expressões populares, remeto para artigo de Morton Smith (1996: 242-256). Como entender este sincretismo do PMG? Como compreender esta convergência de temas apocalípticos, demonológicos e mágicos em geral?

Democracia Divina. Smith (1996: 210ss), sempre muito sagaz, autor inclusive das traduções de vários PMG, fala, neste sentido, de uma democracia divina, para

 

designar a fundamental uniformidade com a qual as diversas divindades e as diferentes formas de culto são tratadas aqui. Esta afirmação, que pode parecer superficial e um tanto sensacionalista, revela na verdade uma profunda compreensão da religião mágica popular. O sincretismo como  de de elementos outras expressões mágicas é muito mais do dos que PMG, uma sopa provenientes depopulares, tradições diferentes. Obviamente a helenização das culturas mediterrâneas é um fator fundamental para entender esta forma de autêntico ecumenismo, onde vários deuses, aparentemente tão distantes, se encontram na mesma casa. Mas estamos na frente de algo bem maior do que uma simples mistura, de um simples caldeirão (melting pot ), ), para usar uma expressão cara aos antropólogos norte-americanos. O que emerge dos PMG é uma diferente postura religiosa, talvez uma “nova religião”, se quedistanciar chamaremos de  popular   e mágica . Sem querer necessariamente das grandes religiões helenísticas, aliás, metabolizando seus gestos e palavras, a religião dos PMG adota as mesmas atitudes e crenças, que assumem, porém, nela características próprias. Assim os deuses gregos, aqui bem pouco olímpicos, aparecem mais como indivíduos caprichosos, demoníacos, até perigosos, exatamente como nas tradições populares do folclore grego antigo. A mesma tradição judaica aparece aqui numa forma muito peculiar. A partir da atenta análise de Morton Smith, o material judaico dos PMG não parece (i) tão de presentes tradições narabínicas (não existem,(ii)por bênçãos,provir: o que são liturgia da sinagoga); da exemplo, literatura  judaica pseudoepígrafa pseudo epígrafa ou mesmo da veterotestamentária (as tradições aqui são muito diferentes das originais para admitir uma recepção direta); e (iii) nem diretamente de outras tradições heréticas – por assim dizer – como a cristã, a gnóstica ou a samaritana. Isto é, não existe uma tradição específica que pareça reorganizar os materiais para seus fins doutrinários. Os rituais mais antigos, os mitos mais sagrados são aqui utilizados para curar a febre, para problemas de digestão como para conquistar uma bela inversão dos mitos e moça. Acontece algo que poderíamos chamar de uma dos rituais das religiões tradicionais para que se tornem úteis para a

 

resolução de problemas cotidianos9. Não importa, portanto, quem será o deus que resolverá minha dor de costas, contanto que ela me deixe. Claro, nas artes mágicas cada um tem suas especialidades: Iao, o deus dos judeus, é bom para os exorcismos, enquanto resisteo àsculto poções de amor Ísis.segundo Mas a pessoa divindade,ninguém e, portanto, divino, passade em plano. da O importante é solucionar o problema concreto. Tentando explorar um pouco a metáfora do Morton Smith, como numa democracia: decisivo aqui não é quem tem o poder, mas como vai usá-lo para gerir os problemas da vida de todos, da “coisa pública”. Esta atitude democrática dos PMG pode parecer um pouco simplória, e  – ao olhar de certos historiadores - até vulgar. Não excluiríamos, inclusive, uma certa dose de humorismo nessas inversões dos mitos e rituais consagrados. Dos estudos de Bakhtin para frente sabemos muito bem quanto o humor é importante para a cultura popular. Mas para compreendermos toda a valência histórica e antropológica dos PMG, devemos nos referir à antropologia da religião mágica popular e suas características. Numa obra sobre a magia mesopotâmica, van Binsbergen e Wiggermann’s (1998: 34), refletindo sobre a necessidade de uma nova perspectica teorética para compreender o objeto, afirmaram: “A magia reação –flexível de territórios não dominados a um processo de dominação políticaé euma econômica um desafio a uma ideologia teísta hegemônica através da referência a uma outra fonte, não-antropomórfica, não-pessoal, de conhecimento e poder”.

A magia torna-se, portanto, um instrumento de reação simbólica à ideologia religiosa dominante: os mitos e os deuses das religiões consagradas não servem mais para justificar o poder do rei ou do sacerdote oficial, mas para tornar a vida do povo mais digna de ser vivida. A mesma compreensão do papel subversivo – seja permitida a palavra –  da magia é expresso por Aune (1980: 1515): “[...] a magia é definida como uma forma de desvio religioso em que se procura atingir os objetivos de um grupo ou indivíduo através de meios alternativos, fora daqueles sancionados

 

pela instituição dominante”.

Assim a magia, da mesma forma que as inversões  escatológicas ou festivo-litúrgicas10, podem ser consideradas como reações das classes subalternas, do povo, enquanto sua situação de opressão o leva a produzir um tipo de religião, um jeito de ser religioso que venha ao encontro de suas necessidade materiais e simbólicas de uma vida melhor e menos “serva”, segundo a expressão de Brandão (1980). E nesta tensão subversiva apocalíptica e magia são partes da religião como expressão popular. É o povo que se serve das divindades e não se deixa usar também por elas. Para continuar explorando a metáfora da democracia, não seria este um  jeito diferente – às vezes o único realmente possível para ele, para o povo –  de fazer política? E de construir democracia, cidadania e justiça? “Mas isso funciona?” – alguém poderia se perguntar. “Se tiver fé!” – responderiam os autores dos Papiros. Isso nos remete para a necessidade de uma compreensão dos PMG mais especificamente enquanto fenômeno religioso , e não somente enquanto fenômeno de inversão social, que chamamos de democracia religiosa.

Apocalíptica, Magia e Religião no Mundo Helenístico. Para compreendermos a complexa amálgama do material que vem a compor os PMG será preciso dar um passo de fôlego bem mais amplo, que nos leve à aapocalíptica, rever nossamas postura teórico-metodológica com relação somente às expressões religiosas do mundo antigo não em geral. Não devemos imaginar, como fazem a maioria dos historiadores da religião antiga, que os PMG, como boa parte das expressões desta religião que chamamos de mágica e popular, sejam uma degeneração e uma corrupção da religião verdadeira: grega, ou judaica ou egípcia oficiais. A linha divisória que se procura de várias formas entre magia e religião é de fato inexistente. Na introdução sua coleção (1996:XLI) afirma, de fato: “As crenças de e práticas religiosasBetz da maioria das pessoas eram idênticas a alguma forma

 

de magia, e as distinções claras que fazemos hoje entre a forma de religião aprovada e não aprovada – chamando a primeira ‘religião’ e a segunda de ‘magia’ e ‘culto’ – não existe na antiguidade, exceto entre alguns intelectuais”. i ntelectuais”.

O que vale para o mundo antigo pode ser válido até hoje. A maioria do subalternas uma clássica expressão povo, especialmente das classes gramsciana, não faz distinção entre religião e, magia. O que vale é o exercício: o poder de lidar com forças sobrenaturais. Mas os intelectuais, ontem como hoje, nem sempre vão pelo mesmo caminho. E não estamos falando dos sacerdotes das várias igrejas “reconhecidas”, cujo interesse em afirmar que eles são a verdadeira religião, enquanto os outros não passam de “feitiçaria” e engano, é até compreensível, por dentro de uma estratégia agressiva de monopólio religioso do sagrado. O problema é que para os mesmos historiadores e antropólogos da

religião a questão da distinção entre magia religião envolve uma série dee problemas relativos às hermenêuticas e eaos pressupostos religiosos filosóficos dos vários autores que entraram nesta discussão. Um grande estudioso, como Dodds (1965: 72-73), por exemplo, considera a utilização de fórmulas místicas de origem religiosa, como o “pai nosso” citado pelo mago dos PMG para os próprios fins, como uma utilização desonesta e vergonhosa, chegando inclusive a falar de uma infecção do misticismo pela magia. Os manuais clássicos para o estudo das expressões religiosas e culturais do mundo antigo uma visãoincompreensão parcial e extremamente seletivacom da antiguidade: existecontêm uma profunda dos estudiosos relação ao sincretismo da religião antiga e helenística, do qual os PMG são um dos representantes mais importantes. Este é o ponto, nos parece. O que para alguns é degradação  e infecção  da religião, a magia helenística dos PMG é na verdade simplesmente uma forma de religião diferente, com traços populares extremamente marcados, e origens comprovadamente bem mais antigas. Citando Barb Kingsley, 1995: 316): “Muito do (Apud que estamos acostumados a ver classificado como “sincretismo” tardio é a

 

religião popular antiga e original, profundamente arraigada, que vem à tona quando a cal de escritores e artistas “clássicos” começou a descascar”.

O sincretismo, a religião mágica dos PMG, seria portanto uma forma de expressão religiosa mais originária, tanto do ponto de vista histórico como do ponto de vista antropológico. Conclusão. Os PMG são, portanto, uma literatura transcultural, de convergência entre mundos místicos diferentes. Eles poderiam tranquilamente ter sido elaborados tanto em Roma como em Atenas, em Jerusalém ou em Alexandria. Esta é a vantagem de uma forma muito especial de globalização que passa sob o nome de helenização. Alguém já definiu o helenismo como uma “grande praça”, onde várias culturas, interesses econômicos e políticos para criar algotradições, extremamente original e – ao mesmo tempocontribuíram – profundamente sincrético. Esta é a impressão que se tem olhando para o complexo mundo da religião mágica helenística, que vai do charlatão da esquina ao médico naturista, do grande culto oficial de Asclépio aos pequenos santuários regionais das deusas do parto, das grandes sínteses religiosas das bíblias oficiais aos papiros mágicos. A presença de temas apocalípticos nos PMG aponta para uma dinâmica sincrética extremamenteparticipa viva na literatura desta do mundo helenístico. literatura judaico-cristã amplamente fase globalizante ,  pósAcultural do misticismo helenístico. Obras como o Testamento de Salomão  ou a  Espada de Moisés, entre outras, são exemplos, até mais evidentes do que os PMG, desta convergência sincrética de temas e estruturas da religião mágica popular e da apocalíptica judaica. Assim a luta escatológica entre A Morte e a Árvore da Vida, luta de poderes cósmicos, luta no éscaton, é parte da mesma luta cotidiana entre a vida a morte em que o povo estácorrespondência inserido. Lutar entre uma aqui é lutar outra, vencere uma é vencer a outra, numa   e láa que as

 

culturas originárias entendem muito bem. Uma cosmovisão religiosa que a história das religiões e a exegese racionalista moderna e ocidental têm muitas dificuldades de compreender. Dividem-se assim, muitas vezes, as várias expressões religiosas em compartimentos estanques, partindo de uma compreensão do tempo e do espaço tipicamente moderna: o futuro não é o presente, o céu não é a terra. Assim o que vale para o éscaton não acontece no cotidiano. A utopia escatológica não poder ter lugar  no presente. A apocalíptica não é magia, a magia não é a sabedoria (Cornelli, 1999). A religião sincrética popular dos PMG,  praça mística helenística, para onde convergem tradições plurais, pode significar uma apocalíptica em termos, situando-se numa situação de não-lugar e não-tempo que parece remeter à mesma irrequieta utopia apocalíptica. Acompanhamos, neste sentido, a brilhante definição de sincretismo  de Canevacci 25):é “O(1996: sincretismo

local. Território marcado pelas travessias entre correntes opostas e freqüentemente mescladas, com diversas temperaturas, salinidades, cores e sabores. Um território extraterritorial”.

Território extraterritorial, convergência de diferenças, o sincretismo dos PMG parece constituir-se quase numa apocalíptica ao revés, em que a inversão e a fuga da terra resolvem-se nas esquinas dos trabalhos e das simpatias da magia popular. Significando uma ruptura da ordem da legitimidade do sagrado, uma zona franca das lealdades ideológicas e teológicas, onde[...] tudonas converge criação, aqui e já, de um novo céu e uma nova terra, esquinaspara dos atrabalhos. 1 Tais Tais papiros chegaram até nós pelo costume egípcio de se enterrar o mago falecido com seus livros de magia, para que pudesse exercer sua profissão também no além-túmulo (Luck, 1997: xxiv). Além dos papiros tais fórmulas podiam ser gravadas em cacos ( óstraka) de potes quebrados. Os óstraca mágicos são de uso mais popular e imediato, à diferença dos papiros, bem mais caros (Luck, 1997: 25). 2 Nota-se que o clima intelectual da época não permitia que, no título do Seminário, aparecesse o termo mágico. 3 É importante destacar que a correta maneira de pronunciar tais fórmulas era decisiva. E tal maneira era um segredo transmitido normalmente de forma oral. A transmissão oral mantém, portanto, uma significativa da tradição da magia no helenismo. Dodds, 34. 4parte Haroldo de Campos. A Educação dos Cinco Sentidos.Cf.São Paulo:1951: Brasiliense, 1985, p. 84. 5 A semelhança deste ritual mágico, nos materiais e nos símbolos utilizados, com o ritual cristão da

 

eucaristia é realmente impressionante. Mas essa é uma outra história.

6 Cf. para uma discussão mais aprofundada a obra clássica sobre o xamanismo de Mircea Eliade (1951). 7 Pnouthis, ou Pnythios é um nome egípcio que significa “ele de deus”. 8 Jornal de Piracicaba 21.04.2000, página 4. 9 Pedimos emprestado o termo inversão dos estudos sobre as expressões apocalípticas das religiões antigas e modernas, Cancik, popular 1998. nas festas do Brasil colonial, Brito (1996: 159) oferece um 10 Sobre a inversãover: da religião exemplo particularmente significativo: “Pondo a festa de cabeça para baixo, o povo fazia da reunião e do encontro o momento de protesto e de caricatura das instituições modernas que tentavam adestrálo”.

 

V Amuletos, Salomão e Cultura Helenística I. A documentação básica é composta por quatro amuletos judaicos 1 (ver figuras 1, 4, 5, 6) que formam uma série marcada, no anverso, pela presença de um cavaleiro galopando para a direita com o claro objetivo de traspassar com a sua lança uma figura feminina prostrada que levanta as suas mãos, em um gesto de súplica ou de defesa.

Figura 1

Figura 4

 

Figura 5

Figura 6

A cabeça do cavaleiro é pobremente representada e seus cabelos estão presos por uma fita. Ele veste uma clâmide atada no seu ombro direito – a parte final aparece solta atrás dele –, uma túnica em forma de saiote, calçados para montaria (ver figuras 1, 5, 6) e, aparentemente, protetores para as pernas (ver figuras 1, 6). Ao redor do peitoral e da anca do cavalo duas buscam segurar a sela (ver figurasa1,reforçar 5, 6). Oa animalcorreias tem asparalelas suas duasque patas dianteiras levantadas, ajudando ameaça que pesa sobre a figura feminina caída ao chão. Lê-se, na parte superior, a legenda SOLOMON   (Salomão). O reverso do amuleto traz a inscrição SPHRAGIS THEOU   (o selo de Deus). No anverso de dois amuletos (ver figuras 5, 6), há uma cobra circundando toda a borda. Este objeto é feito de hematita. II. É bem atestada a ocorrência da palavra sphragís  no Antigo Testamento (Fitzer, 1971: 943-944). Como foi observado em outro texto (ver, neste livro, capítulo 2.1 item 4), porém, o seu uso torna-se pouco

 

frequente quando a referida palavra adquire um sentido metafórico. Neste caso, como observou Fitzer (1971: 946), em alguns contextos do Antigo Testamento, sphragís  passa por uma leitura renovada: ela deixa o seu contexto tipicamente cotidiano – como, por exemplo, o de estar associada à circuncisão (Fitzer, 1971: 947) – para ser inserida em novas relações. Assim, por exemplo: (i) no Ecl (17:22), a esmola de um homem é para ele como um sphragís, isto é, uma garantia, algo que possui validade legal; (ii) no Can (8:6), na fala da amada que pede para ser gravada no coração e no braço do amado, sphragída adquire aqui o sentido de um bem valioso; (iii) em Jr (22:24), onde a ameaça do desastre é proferida por ele como sendo palavras do próprio Iahweh, aposphrágisma refere-se a anel; e (iv) em Ag (2:23) e no Ecl (49:11) as palavras sphragída  e sphragís, associadas com Zorobabel, passam a significar eleito ou ungido do Senhor. Este mesmo sentido metafórico de sphragís faz-se também presente na literatura helenística, em particular, nas obras de Fílon e de Josefo (Fitzer, 1971: 946-947). Analisar-se-á separadamente cada um dos dois autores. Fílon desenvolve mais extensamente o uso de sphragís, apesar de também estar familiarizado com o seu sentido cotidiano 2. Ele continuamente desenvolve novos aspectos de comparação. Assim, em  De Opificio Mundi  (6), Fílon propõe comparações entre pequeno e grande, revelado e oculto, ao observar que pela impressão de um pequeno selo pode-se reproduzir cópias de coisas grandes ou delgadas, como pequenas cartas, onde são reveladas as belezas inefáveis da criação do mundo escrita nas Leis. Em  De Specialibus Legibus  (1:47) Fílon observa que da mesma forma que um selo faz inúmeras cópias sem se alterar, assim também é o poder de Deus: ele dá forma ao que não tem forma e modela o que não tem contorno definido sem perder parte alguma da sua essência eterna. Josefo está mais interessado em utilizar a palavra sphragís em histórias do Antigo Testamento. Vê-se assim a referida palavra sendo aplicada nas passagens referentes ao anel (sphragídi) do Faraó (AJ 2:90), à cova dos leões que havia sido selada (sphragída) para que nada de mal acontecesse a Daniel (AJ 10:259) e a Ester que recebe o anel (sphragídi) e a autoridade de Artaxerxes (AJ 11:271). Há, no entanto, uma interessante história narrada

 

por Josefo (AJ 8:45-49), que apesar de extensa e conhecia dos pesquisadores (locus classicus), convém ser recuperada na sua inteireza, já que ela traz alguns elementos extremamente oportunos para o objeto em questão, ao mesmo tempo em que sugere que o autor tinha conhecimento de 3

uma considerável literatura mágica acerca de Salomão . Trata-se do episódio envolvendo um judeu que lhe era conterrâneo, de nome Eleazar que “[...] na presença de Vespasiano, de seus filhos, dos tribunos e de um número de outros soldados, libertou homens possuídos pelos demônios. As suas curas eram da seguinte maneira: ele colocava no nariz do possuído um anel que tinha sobre o seu selo (sphragídi) uma das raízes prescritas por Salomão, e então, quando o homem cheirava-a, expelia o demônio através da narina. Estando livre do demônio, o homem o esconjurava para que nunca mais voltasse, falando o nome de Salomão e recitando as encantações que ele havia composto. Então desejando convencer os espectadores e provar-lhes que ele tinha este poder, Eleazar colocava uma taça ou uma bacia para os pés cheia de água um pouco adiante e ordenava ao demônio, que havia saído do homem, entorná-la, como forma de fazer saber aos espectadores que ele tinha deixado o homem. E quando isto era feito, a compreensão e a sabedoria de Salomão eram reveladas [...]”.

Esta passagem – ela seria ambientada, conforme observou Duling (1975: 241-242), a partir das especulações feitas por Preisendanz, na Judeia, antes da conquista de Jerusalém em 70 – deixa transparecer alguns elementos chaves presentes nos textos bíblicos (1Rs 5:9-14, 10:1-13; Josefo. AJ 8:44,174), em particular, o conhecimento de Salomão sobre plantas, desde o cedro que cresce no Líbano até o hissopo que sobe pelas paredes. Este elemento, quando acrescido da imensa sabedoria que Deus havia lhe dado, da sua capacidade de pronunciar provérbios e cânticos, do contato mantido entre ele e a rainha de Sabá4 e do poder que exercia sobre os espíritos (Sb 7:20)5, proporcionaram a elaboração de uma imagem de Salomão, possivelmente a partir do período helenístico, diretamente vinculada com o universo mágico, onde o rei era dotado de poderes especiais capazes de submeter todos os males. É exatamente esta vinculação que aparece na citação acima, em que fica claro que na época de Josefo não apenas o nome de Salomão estava associado com a magia, como também havia uma crença bastante difundida, não apenas entre os judeus, do anel desse soberano, que era capaz de submeter todos os tipos de demônios 6. A

 

partir deste contexto, a colocação feita por Josefo (AJ 8:45) de que Deus concedeu-lhe conhecimento da arte usada contra demônios para proveito e cura das pessoas, torna-se compreensível e plenamente aceitável, pelo menos sob o ponto de vista da comunidade judaica (sobre a crença que Salomão exercia um controle absoluto sobre todos os espíritos imundos e demônios, ver: Bonner, 1950: 209). Não deve ser perdido de vista, conforme observou Schiavo (2000: 151-152), que também Davi, pai de Salomão, é descrito no Antigo Testamento (1Sm 16:14-23) e na literatura  judaica helenística (Fílon.  Liber Antiquitatum Biblicarum 60:1-3) como um exorcista7. Constata-se, portanto, que o uso da palavra sphragís – nos seus sentidos cotidiano e metafórico – estava bastante disseminada entre as comunidades  judaicas da diáspora (e talvez mesmo na própria Palestina). Esta constatação pode ser feita nos diversos contextos dos textos do Antigo Testamento – particularmente na Septuaginta –, como também nos dois principais autores judeus do período helenístico – Fílon e Josefo. O fato de Jo utilizar a expressão SPHRAGIS THEOU no Ap, como observou corretamente Bonner (1950: 210), só faz reforçar este pressuposto, qual seja: sphragís  era de uso corrente no cotidiano judaico nos períodos helenístico e romano8. III. Constata-se, nos textos bíblicos (1Rs 5:6,10:26; 2Cr 1:15), um interesse de Salomão por cavalos e carros de combate. Ambos os bens eram importados (1Rs 10:28-29; 2Cr 1:16-17). Ele possuía quatro mil estábulos 9, mil e quatrocentos carros de combates e doze mil cavaleiros. Josefo (AJ 8:41), referindo-se ao gosto do filho de Davi por equinos, concorda com o número de cavaleiros, porém fala em quarenta mil estábulos, ao invés de quatro mil, e observa (AJ 8:183) que o rei possuía uma grande quantidade de cavalos. Apesar de elogiar a beleza dos animais, Josefo (AJ 8:184-186) se detém na descrição dos cavaleiros: eles seriam jovens, de uma altura conspícua, mais altos do que os outros homens, de cabelos compridos e vestiam-se com túnicas púrpuras. Dos dados apresentados, há pelo menos três aspectos centrais que

 

precisam ser destacados: 1º. tanto os textos bíblicos, quanto Josefo enfatizam os números (os quais, sem sombra de dúvida, são exagerados). Este aspecto, como demonstrou Finley (1986: 28-29), é uma característica dos autores antigos, devendo ser visto, neste sentido, com muita cautela. Os dados numéricos não expressam, nos textos antigos, o sentido de exatidão que passaram a conhecer em tempos recentes. Em outras palavras, eles sugerem uma conjectura e / ou um dado que foge do padrão aceitável. Assim, os milhares de cavalos, de carros de guerra e de cavaleiros associados com Salomão ajudavam a reforçar a imagem construída gradativamente, ao longo do tempo, da riqueza, do luxo e do esplendor que cercavam o rei Salomão; 2º. cavalos, carros de combate e cavaleiros eram atributos de autoridade e de poder. Os grandes impérios antigos, fossem eles do Mediterrâneo, do Egeu e do Próximo ou Médio Oriente, detinham expressivo número de cavalos e nos seus exércitos a cavalaria gozava papel imprescindível na tática de guerra. As narrativas dos textos bíblicos, bem como o de Josefo, ao enfatizarem números excessivamente altos de equinos, de carros de combate e de cavaleiros, buscam chamar a atenção do leitor para o poder exercido por Salomão. Trata-se de um poder que podia ser rivalizado com os grandes impérios – não apenas com os da sua época, mas também, com aqueles da época em que essas narrativas estavam sendo elaboradas; e 3º. o elogio à juventude e à beleza dos cavaleiros deve ser entendido como reforço de dois elementos que aparecem entrelaçados, muito embora não explicitados na passagem, quais sejam: riqueza e poder. Eles funcionariam como elementos básicos de valorização do status políticoeconômico e social dos cavaleiros, servindo para distingui-los dos demais membros da sociedade. Pode ser acrescentado, aos três aspectos apresentados, o fascínio que a figura do cavaleiro exercia no imaginário das culturas mediterrâneas 10. De fato, pode ser assumida como correta a observação feita há praticamente meio século atrás por Bonner (1950: 210): o cavaleiro armado, submetendo o inimigo caído, caracterizava um símbolo natural de vitória. Cavaleiro, cavalo e inimigo caído ao solo constituem um esquema iconográfico por

 

demais conhecido nas culturas helênicas e/ou que estavam em contato com essas. Podem ser estabelecidos alguns exemplos, advindos de relevos funerários e principalmente de moedas, perpassando tempos e espaços distintos, cujo propósito é demonstrar a observação feita por Bonner. (i) entre os inúmeros relevos áticos do período clássico (séculos V e IV a.C.), podem ser apontados aqueles em que aparecem cavaleiros submetendo pessoas caídas no chão, num claro sinal de exercício de submissão (Clairmont, 1983, I: 1209,1362, II: 2130, 2131, 2209 (ver abaixo figura 7), 2209a, 2213, 2214a, 2215) onde o cavaleiro é representado submetendo pessoas caídas ao chão (para outros exemplos ver: Spence, 1993: 112-114, Appendix 2, nº. 23, 25 (ver abaixo figura 8), 26, 30);

Figura 7

Figura 8

 

(ii). Verifica-se no reverso de duas didracmas de prata de Gela, datadas de 425-420 a.C., a figura do cavaleiro, montado sobre o cavalo, voltado para a direita, com uma lança na mão direita, derrubando um hóplita (Jenkins, 1970: 257-258, pl. 463-464; Kray, 1976: 225, pl. 48, nº. 827); (iii) Vê-se no anverso de uma moeda de prata de Taras, sul da Itália, do século IV a.C., um cavaleiro, montado sobre o cavalo, com uma lança em sua mão direita (ver abaixo figura 9);

Figura 9

(iv) Há no reverso de um denário de prata romano, datado do ano de 57 a.C., a representação de uma estátua equestre sobre uma arcada de cinco arcos. Como na cena anterior, não há a presença de ninguém caído ao solo, muito embora esteja presente o modelo padrão de representação iconográfico de um cavaleiro, montado sobre o cavalo, cujas patas dianteiras estão levantadas (ver abaixo figura 10);

 

Figura 10

(v) Encontra-se no reverso de um sestércio de bronze romano, datado entre 103-111, a figura do imperador Trajano, montado sobre o cavalo, cujas patas dianteiras estão levantadas, submetendo com uma lança um inimigo nu, ajoelhado (ver abaixo figura 11);

Figura 11

(vi) Vê-se no reverso de uma moeda de bronze de Silandus, na Lídia, datada entre os anos de 180 e 192, a figura do imperador Cômodo, montado sobre o cavalo, cujas patas dianteiras estão levantadas, submetendo com um inimigo caído ao chão (Sear, 1997: 186, nº. 2002); (vii) Há no reverso de uma moeda de bronze de Lesbos, em Mitilene, datada entre os anos de 209 e 212, o imperador Caracala, sobre o cavalo, buscando traspassar com a sua lança um inimigo caído ao chão (ver abaixo

 

figura 12; Sear, 1997: 257, nº. 2722; Howgego, 1995: 71, 86, 169, figura 164);

Figura 12

(viii) Em uma moeda de bronze de Silandus, na Lídia, datada entre 222 e 235, há no reverso a figura do imperador Alexandre Severo, montado sobre o cavalo, cujas patas dianteiras estão levantadas, submetendo com uma lança um inimigo caído ao chão (Sear, 1997: 317, nº. 3326); (ix) Em uma moeda de bronze de Lesbos, Mitilene, datada entre 222 e 235, há no reverso a figura do imperador Alexandre Severo, montado sobre o cavalo, cujas patas dianteiras estão levantadas, submetendo com uma lança um soldado caído ao chão junto ao escudo (Sear, 1997: 328, nº. 3430); (x) Em uma moeda de bronze de Nicomédia, datada entre 249 e 251, há no reverso o Trajano Décio galopando para a direita. O seu cavalo tem as duas patas dianteiras levantadas, enquanto o imperador segura com a sua mão direita uma lança voltada para o inimigo (um homem nu), caído ao solo, cujo braço esquerdo está levantado (Sear, 1997: 400, nº. 4170). (xi) Em uma moeda de bronze de Magnésia, próxima de de Sipylum, datada entre 253 e 268, há no reverso o imperador Galeano galopando para a direita. O seu cavalo tem as patas dianteiras levantadas, enquanto o imperador segura com a sua mão direita uma lança. Há dois cativos sentados no solo (Sear, 1997: 444, nº. 4577). (xii) Em uma moeda de bronze de Roma, datada entre 346 e 350,

 

verifica-se no reverso o imperador galopando para a direita. Ele tem um escudo no braço esquerdo, enquanto segura com a sua mão direita uma lança voltada para um inimigo caído ao chão. A sua lança e o seu escudo estão destruídos (Carson e Kent, 1960: part II, plate II: 59, 108, nº. 589); (xiii) Em uma moeda de bronze de Roma, datada de 350-351, verifica-se no reverso o imperador galopando para a direita, com escudo no braço esquerdo, enquanto segura com a sua mão direita uma lança voltada para o inimigo. Este está de joelhos, em frente ao cavalo do imperador, com sua lança e seu escudo destruídos (Carson e Kent, 1960: part II, plate III: 45,108, nº. 3); (xiv) Em uma moeda de bronze de Roma, datada de 350-351, verifica-se no reverso o imperador galopando para a direita, com escudo no braço esquerdo, enquanto segura com a sua mão direita uma lança voltada para o inimigo. Este está de joelhos, em frente ao cavalo do imperador, com sua lança e seu escudo destruídos (Carson e Kent, 1960: part II, plate IV: 68,110, nº. 1083). Todos estes exemplos apresentam pontos de identidade com os quatro amuletos associados a Salomão. Tanto nos relevos e moedas, quanto nos amuletos, verifica-se o modelo iconográfico padrão do cavaleiro, montado sobre o cavalo, segurando uma lança. As patas dianteiras do animal, apesar de estarem na maioria das vezes levantadas, como forma de aumentar a dramaticidade da cena e reforçar a autoridade do cavaleiro, podem, em alguns casos, não serem assim representadas. A presença da lança, neste tipo de repertório imagético, parece ser indispensável, já que ela ajuda a fortalecer, sob o ponto de vista visual, juntamente com as patas dianteiras levantadas do cavalo, o ponto de contato entre o ataque do cavaleiro e o inimigo caído ao solo. Em alguns casos, a figura submetida pode não estar presente, porém, a presença da lança sugere a supremacia do cavaleiro. A representação do inimigo, caído ou ajoelhado, buscando se proteger do ataque do cavaleiro e do cavalo, proporciona, sob o ponto de vista do observador da cena, mais força e dramaticidade na temática da submissão. Não há dúvida, neste tipo de representação, o lado em que autoridade e poder estão situados. Este último aspecto, como observou Howgego (1995:

 

86), refletiria a esperança de proteção que o cavaleiro – entendido aqui como um homem poderoso – proporcionava aos simples e indefesos, às cidades e ao território contra as forças inimigas. IV. Considerando-se a inserção das inúmeras comunidades judaicas num IV. nu m contexto cultural mais amplo, por um lado, e as várias possibilidades de contato que essas comunidades experimentaram com não-judeus, por outro, não deve ter sido uma tarefa difícil o estabelecimento de uma conexão, particularmente para os judeus, entre as representações de cavaleiros, montados sobre cavalos, submetendo o inimigo caído (caracterizado como um símbolo natural de vitória) e Salomão (o mais famoso monarca judaico, devido à sua riqueza, à sua sabedoria, à sua opulência, ao seu poder e à sua relação com magia). Pode-se admitir que, enquanto no modelo básico de representação do cavaleiro submetendo o inimigo, nas culturas politeístas antigas, a ênfase do significado recaía basicamente no contexto militar e no reforço do status político-econômico gozado pelo rico e poderoso na sociedade (ambos reforçando simbolicamente a vitória11), no caso das comunidades judaicas, além destes dois elementos, pode ainda ser acrescentado mais um item na leitura: o inimigo seria também identificado com todo aquele que se opõe ao plano de Yahweh, das forças ocultas presentes no mundo, que perturbam, ferem e causam males aos indivíduos. Por Salomão preencher todos estes três campos para as comunidades judaicas helenizadas – o comandante militar por excelência, ser rico e poderoso e estar associado com o universo mágico –, ele rapidamente foi associado com este esquema iconográfico politeísta do cavaleiro submetendo o inimigo. Há, no entanto, uma pequena variação, na representação do inimigo. Enquanto nas imagens vinculadas ao universo politeísta a pessoa caída apresenta todos os atributos para ser lido como sendo do sexo masculino, nos quatro amuletos judaicos, o inimigo está associado com uma figura feminina12  (ver para outros exemplos ver: Bonner, 1950, plates XIV XVII). Um aspecto, repleto de variantes, deve ser considerado no momento de se pensar esta alteração do esquema iconográfico. Como observou

 

Archer (1989: 277), dois desenvolvimentos pós exílicos foram gradualmente excluindo as mulheres de quase todas as expressões públicas de piedade13: a concentração sobre a pureza ritual e a flagrante diferenciação na função social homem/mulher, em que esta última era cada vez mais inserida no espaço da casa. Estes dois pressupostos estavam firmemente estabelecidos durante o período helenístico, a tal ponto que os rabinos declararam as mulheres isentas de quase todos os preceitos positivos cujo cumprimento dependesse de um tempo específico do dia ou do ano. Na medida em que elas estavam excluídas de todos os meios oficiais de expressão religiosa, o único campo que lhes restava era a magia (Archer, 1989: 284). Talvez este campo de ação ajude a explicar, sob a perspectiva do medo masculino, o porquê de as mulheres estarem sujeitas a todos os preceitos negativos e as faltas, os quais resultavam, quando cometidos, na completa aplicação do código penal sobre elas (Archer, 1989: 278). Estes elementos inserem-se em um longo processo, denominado pela atual historiografia de ideologia da submissão (Lessa, 2001: 68-75). Esta ideologia procura enquadrar assimetricamente a mulher perante o homem, sendo ela considerada inferior e eterna menor, estando submetida à autoridade e ao controle do segundo. Pode-se admitir, muito embora esta admissão deva ser vista com cautela, que a mudança no esquema iconográfico – transformando o inimigo em inimiga caída ao chão – possa estar condicionada aos eventos relacionados ao casal mítico fundador da descendência humana na cultura judaica (Adão e Eva), ao medo (real) que assaltava as mentes dos homens com a possibilidade de as mulheres se tornarem uma ameaça a sua supremacia 14. Busca-se, na mudança do esquema iconográfico, enquadrar a figura feminina no modelo de passividade, de silêncio, de recato, de obediência e de reclusão na casa. Caso, contrário, a lança a esperava. V. Retornando ao ponto de partida, qual seja, entender a relação entre as mensagens contidas no anverso e reverso dos quatro amuletos e as suas implicações no contexto religioso das comunidades judaicas, pode-se estabelecer preliminarmente que: (i) a crença na magia estava amplamente

 

difundida nas comunidades judaicas, possivelmente com maior incidência nos meios populares, em particular, entre as mulheres; (ii) o cavaleiro armado, montado sobre o cavalo, submetendo o inimigo, era um símbolo natural de vitória na cultura helenística (incluindo aí a própria cultura  judaica); (iii) a figura de Salomão, caracterizado como um cavaleiro armado, montado sobre o cavalo, submetendo o inimigo, estava relacionada à crença amplamente difundida de que ele era capaz de submeter todos os tipos de demônios, responsáveis por inúmeros males (inclusive o olho mau) causados aos seres humanos; (iv) estes quatro amuletos, baseados no modelo Salomão=Cavaleiro/com a inscrição SPHRAGIS THEOU   no reverso, parecem ter conhecido um grande sucesso na comunidade judaica, além de constituírem-se em um excelente exemplo do processo de interação cultural entre judeus e não-judeus; e (v) os respectivos amuletos judaicos funcionavam como um importante símbolo apotropaico contra as forças maléficas – ação real e efetiva dos demônios – no cotidiano das pessoas. 1 Sobre a presença de outros tipos de amuletos conectados às comunidades judaicas, ver: Rutgers, 1992: 108-109, incluindo a imagem nº. 5; 2000: 88-89). 2 Todos exemplos foram retirados de Fitzer, 1971. 3 Sobre a extensa literatura associando à sabedoria de Salomão como incluindo o conhecimento mágico, ver: Duling, 1975:237-238, 1983:945-951; ver também: Hengel, 1974:88, vol. II, nota 175; Meier, 1997:222-223, 1997:222-223, vol. II, livro II, 1998:218-21 1998:218-219, 9, vol. II, livro III. 4 A rainha de Sabá como feiticeira, ver: TSol 19:3; Thackeray e Marcus (661, nota e), tradutores (da Loeb) para a língua inglesa da obra AJ, escrevem que, na tradição rabínica, Sabá (Sheba) era considerada uma terra de feiticeiras [...]. A referida nota ainda observa que, no Haggadah, o Egito é a terra magia e dapossível feitiçaria por excelência. 5 Paradauma outra leitura, ver: Meier, 1998: 274-275, nota 48, vol. II, livro III. 6 A lembrança aqui do TSol, cuja proveniência é difícil de se estabelecer (Duling, 1983: 943-944; sendo possivelmente originária na Palestina, ver: Hengel, 1974: 88, nota 175, vol. II), datado entre os séculos I e III (Duling, 1983: 940-943 parece aceitar agora uma datação mais baixa do que no seu trabalho anterior (cf. Duling, 1975: 242); Meier, 1997: 223, vol. II, livro II, Meier, 1998: 219, vol. II, livro III; Feldman, 1993: 216) é quase que automática; para um maior detalhamento da relação envolvendo a autoridade de Salomão sobre os demônios, ver: TSol 1:5-7; Charlesworth (1995: 8083); Lohse (1971: 459-465); Schiavo (2000: 160-161); para exemplos tardios, vindos do Iraque e do Irã, datados por volta de 600, mencionando ainda o poder de Salomão sobre os espíritos maus, ver: Fisher (1968: 83-86); para as críticas às análises de Fisher, ver: Duling, 1975: 245-247; para uma extensa bibliografia que discute o anel de Salomão, ver: Duling, 1975: 245, nota 40. 7 Ver também, Duling, 1975: 240. 8Salomão” Convémnos observar, como reforço à posição assumida por(1995: Bonner, da expressão PMG (Betz, 1996, IV. 3041). Charlesworth 83)a ocorrência data este papiro do século“selo IV. de 9 Sobre os dados arqueológicos relacionados com os estábulos construídos por Salomão em

 

Megiddo, ver: Finegan, 1959: 180-181. 10 Pelo menos naquelas que se relacionavam com as culturas grega e romana, incluindo aí, especificamente, a cultura judaica. 11 Silva (2000: 142-144), analisando duas iconografias de Constâncio II, situadas em dois suportes materiais diferentes, chega à mesma conclusão. A primeira aparece em uma moeda do século IV d.C., cunhada em Milão, onde o basileu, montado no cavalo, com as duas patas dianteiras levantadas, aparece esmagando uma serpente. Este tipo de representação reforçaria o aspecto do monarca como triunfador sobre as forças da desordem e da destruição. A outra iconografia, localizada em uma baixela de prata, datada de 354, Constâncio II aparece montado no cavalo, patas dianteiras levantadas, pisoteando um escudo. A cena, neste caso, procura reforçar uma das variantes iconográficas do triunfo imperial. Em ambos os casos – moeda e baixela –, porém, o imperador aparece como debellator hostium. 12 Esta relação Salomão/lança/mulher pode remeter os leitores, por uma associação não intencionada, a Nm (25:6-15). De fato, essa passagem descreve uma ação que guarda alguma semelhança ao esquema iconográfico envolvendo Salomão. Ela apresenta o conjunto Finéias/lança/Cozbi. Convém observar, no entanto, três importantes diferenças nessas duas narrativas: o referido rei aparece montado sobre o cavalo, enquanto o mencionado sacerdote está à pé; o filho de Davi, nas imagens dos amuletos, perfura com a lança apenas a mulher caída ao solo, enquanto que Finéias mata a madianita e Zambri, o seu companheiro, filho de Salu, príncipe de uma casa patriarcal de Simeão; e não deve ser perdido de vista que em todas as imagens o nome que aparece escrito é o de Salomão e não o de Finéias. Explicitadas estas diferenças, podem ser apontados, a partir da interessante leitura feita por Zlotnick (2002: 52), alguns elementos presentes na narrativa de Nm (25:6-15) que colaboram (em muito) para ampliar as possibilidades de análise do esquema iconográfico Salomão/lança/mulher. De imediato, a arma utilizada por Finéias para matar Cozbi (e Zimbri) assemelha-se ao órgão sexual masculino; a seguir, ao usar o ventre da madianita como alvo do seu ataque, o referido sacerdote viola-a, isto é, penetra-a de uma forma calculada não somente com o objetivo de matá-la, mas também para desonrá-la; e, por fim, a morte de Cozbi aparece, no livro do Pentateuco, como um ato de sacrifício. 13 Para uma posição mais nuançada do papel da mulher no judaísmo antigo, considerando não apenas as diferenças apresentadas nos textos judaicos antigos, mas também entre essa literatura e o material epigráfico, buscando, através deste procedimento, demonstrar a existência de um enorme espectro de opiniões, ver: Van der Horst (1998: 73-92). 14 Zlotnick (2002: 29-30) identificou na ideologia (masculina) judaica – onde as mulheres judias começam as suas vidas como virgens bem-guardadas, tornam-se mercadorias conjugais vendáveis e, eventualmente, esposas castas e mães de mais judeus – esse medo, já que a mulher judia comum, pode desejar “sair” e encontrar homens gentios elegíveis, (ou) pode guardar um desejo por provar o sexo fora do casamento, e pode sonhar um casamento com um monarca gentio.

 

VI O Anel de Salomão: Magia e Apocalíptica no Testamento de Salomão Sa lomão “Uma das três grandes relíquias beijadas pelos romeiros cristãos em Jerusalém no século IV era o anel pelo qual Salomão teria controlado os demônios e os forçado a construir seu templo” (Conybeare, 1909: 324).

Salomão é uma das maiores figuras históricas e literárias da tradição  judaica. No testemunho acima, porém, a imagem proverbial do rei sábio, construtor do templo, é substituída pela figura de Salomão como poderoso exorcista. A relíquia de um misterioso anel mágico seria o testemunho material de uma antiga narração sobre como o grande rei teria construído seu templo subjugando os demônios. Por quanto esta narração possa parecer à primeira vista bizarra, ela de fato existe até em forma literária: o TSol. Obra, em forma haggádica, narra a construção do templo de Jerusalém pelo rei Salomão. O texto grego do Testamento foi reconstruído por McCown (1922), no começo do século XX, a partir de quatorze manuscritos, sendo o mais importante deles conservado no mosteiro do Monte Athos1. O grego do TSol é o idioma comum falado em época helenística, bastante próximo, por exemplo, sintaticamente e estilisticamente, ao grego do Novo Testamento, mas a história nele narrada, a construção do templo de Salomão, se desenvolve durante o reino do rei Salomão, no século significativa, X a.C. A história da datação do manuscrito é extremamente e revela a resistência dos críticos não tanto ao texto em si, e sim mais propriamente com relação ao conteúdo do mesmo Os primeiros descobridores do TSolo dataram o texto no século XII. Mas Conybeare (1898), no prefácio à tradução inglesa do TSol, nota como este é citado como um dos escritos originais de Salomão no  Diálogo de Timóteo e Áquila, um texto grego cristão do século III. Isso levaria a situar temporalmente o texto pelo menos para meados do século II. Na sua introdução e edição crítica ao TSol, McCown (1922: 85, 108) reconhece nos textos elementos de conteúdo que indicariam sua origem em

 

meados século I: seria portanto originalmente uma coleção de midraxes  e breves haggadás judaicos sobre Salomão: sua origem seria portanto palestina, provavelmente da Galiléia. Em seguida escritores cristãos interviram no texto. Um outro grande estudioso desta literatura, Preisendanz (1956: 162), sugeriu também a probabilidade de o texto ser datado entre os séculos I e II. Um dado que surgiu recentemente para complicar ainda mais datação do TSol foi à descoberta em Nag Hammadi, em 1945, de cinquenta e um manuscritos. Quatro deles mencionam Salomão e, um deles (“Sobre a origem do mundo”) cita um certo “Livro de Salomão”. Seria este misterioso livro o TSol ou um outro tratado do século I d.C., egípcio, chamado “ A chave da hidromancia” hidroman cia” ou “Hidroman “Hidromancia cia de Salomão”? A discussão está aberta2. Nada sabemos do autor do TSol. Sobre a sua proveniência geográfica, há várias hipóteses alevantadas pelos com estudiosos: Babilônia, Éfeso, Egito. A última hipótese, do Egito, talvez uma variante etíope, parece a mais provável: no Egito-Etiópia encontramos uma significativa difusão dos mesmos temas desenvolvidos no TSol  (magia, demonologia, lendas sobre a rainha de Sabá e Salomão); e no Egito as duas já mencionadas citações do TSol mais importantes: o Diálogo de Tim Timóteo e Áquila e o Sobre a Origem do  Mundo de Nag Hammadi. Uma última possibilidade, na verdade pouco explorada, é a da Palestina. As tradições sobre magia e sobre Salomão eram conservadas, por exemplo, na Samaria, e bem documentadas no judaísmo palestino em geral. A helenização da Palestina explicaria o idioma grego koiné , da mesma forma como para o Novo Testamento. A história narrada no TSol é a da construção do Templo de Jerusalém. Com construção recém-iniciada, o rapaz favorito de Salomão, filho do mestre de obras do templo, adoece. Salomão, preocupado com isso, pois amava muito o menino, o interroga da seguinte forma: “Eu não te amo mais do que todos os outros trabalhadores do templo? Não dei para você o dobro do salário e das provisões? Porque então está emagrecendo sempre mais a cada dia?”. O rapaz responde: “Depois do dia de trabalho no templo, à calar da noite, quando estou descansando, um demônio vem e acaba com metade de meu salário e minhas provisões. E além disso ele agarra minha mão direita e

 

chupa o meu dedão. Você pode ver como – quando minha alma é turbada meu corpo desfalece”. Salomão, em desespero, ora para Deus, e seu pedido de ajuda é atendido. O arcanjo Miguel entrega para Salomão um anel mágico, pelo qual o rei tem o poder de chamar os demônios, interrogá-los e escravizá-los (lançando o anel contra o peito deles) para que trabalhem no templo. Assim Salomão descobre que o demônio que chupa a alma de seu rapaz favorito é Ornias. Todo demônio tem um nome, está alocado numa constelação e tem um anjo que o subjuga. Salomão começa a chamar os demônios pelo nome, entrevistá-los sobre sua alocação astrológica e sobre seu anjo da guarda (stricto sensu) e a destiná-los para um emprego específico na construção do templo. Ornias está alocado em Aquário, seu anjo da guarda é Ouriel e é destinado ao trabalho forçado na pedreira. Mas antes interrogado sobre quemdoseja chefe dos demônios e enviado a trazê-lo paraé Salomão. Com a força anel,o Salomão prende Beelzebul, o príncipe dos demônios. Salomão ordena que se sente ao lado dele, e que traga a ele todos os espíritos maus. Beelzebul, o príncipe, não trabalha no templo, mas senta ao lado de Salomão. Salomão deseja ver logo um demônio feminino. Beelzebul traz Onoskelis, com corpo de uma mulher extremamente formosa. Sua alocação astrológica é na lua cheia. Ela não tem um anjo da guarda, sendo diretamente controlada por deus e agora por Salomão. Este acorrenta a moça e a destina para o trabalho de tecer a matéria prima para a fabricação de cordas para a construção. Beelzebul traz também Asmodeu, da Ursa Maior, cujo anjo da guarda é Rafael. Salomão descobre que Beelzebul não tem anjo da guarda, sendo guardado  diretamente pelo Deus Todo Poderoso. Assim Beelzebul: “ele é chamado também pelos hebreus de Patike3, aquele que vem das alturas. Os gregos o chamam de Emanuel. Eu estou sempre aterrorizado por causa dele e se alguém pronuncia contra mim a fórmula mágica ‘the Elo-i’, o grande nome dele, eu desapareço.” Terminada a entrevista e dadas às referências solicitadas, o mesmo Beelzebul é empregado no corte do mármore para a construção do templo. Mas ao verem seu rei trabalhando, todos os demônios “começaram a gritar

 

com uma voz muito alta” (TSol 6:9), naquela que aparece como uma espécie de reivindicação sindical contra o real trabalho. Lix Tetrax, cujo anjo da guarda é Azael, é encarregado do trabalho de carregar as pedras até o planalto do templo. Salomão, continuando em seu ofício de entrevistas de demônios, aprisiona com o anel os sete corpos celestes, conhece seus anjos da guarda e os emprega nas fundações do templo. Estes a seguir são os sete corpos celestes e seus anjos (Tabela 1): Tabela 1 – Os Corpos Celestes e os Anjos da Guarda no TSol

Corpos Decepção Conflito Celestes

Destino

Angústia Erro

Po d e r

Anjos Lamequiel Baruquiel Marmaroth Baltioul Ouriel Asteraoth

O Pior ?

Outros demônios são empregados: um demônio chamado  Homicídio, que é enviado para trabalhar com Beelzebul, um outro – chamado Cetro  – é mandado procurar uma pedra de esmeralda para o templo. Tal pedra é carregada pelos demônios dia e noite, servindo de luz para os trabalhadores do templo. Duas entrevistas revelam-se particularmente interessantes: (i) com o demônio em forma de leão, que comanda uma legião de demônios. Seu anjo da guarda é Emanuel, “aquele que os jogará na água desde um penhasco” –  diz o texto (TSol 11). A legião trabalhará no transporte de madeira e o demônio em forma de leão na alimentação do forno; e (ii) com Enepsigos, um demônio feminino com duas cabeças, alocadas astrologicamente perto da Lua, cujo anjo da guarda é Ratanael. Ela pode tomar a forma também de Cronos, o deus grego do tempo. Depois de ser acorrentada com uma tripla corrente ela começa a profetizar a destruição do reino de Salomão, de Jerusalém e do templo pelos Persas, Medos e Caldeus. Assim Enepsigos: “assim nós [demônios] reinaremos por toda a terra até que o Filho de Deus seja pregado a uma cruz. Pois ainda não surgiu um rei como ele, um que destruirá todos nós, cuja mãe não terá relações sexuais com nenhum homem (...) as letras de cujo nome somarão 644: isto é Emanuel” (TSol 15)4. Salomão interroga ainda os trinta e seis corpos celestes que são os decanos

 

(as divisões) do Zodíaco. Ele conhece os nomes, seus anjos da guarda, seus poderes maléficos e manda que busquem água e permaneçam no templo. No decorrer da narração, após várias outras entrevistas e de pedidos de ajuda de outros reis, aos quais Salomão envia seu rapaz favorito com o anel mágico, o rei apaixona-se perdidamente por uma mulher sulamita. Para tê-la em seu harém acaba cedendo à ordem dos sacerdotes gebuseus de adorar seus deuses Raphan e Moloch. Salomão inicialmente se recusa a adorar deuses estrangeiros. Mas a bela moça insiste, dizendo: “irei para cama com você somente se sacrificares cinco locustas aos deuses Raphan e Moloch!” (TSol 26). Na frente de tal sedução, Salomão cede, confessando: “Como a amava, e ela estava em plena flor, e eu estava fora de mim, eu sacrifiquei...”. Assim o espírito de deus afasta-se de Salomão e a moça chaga a convencêlo até aalvo construir templos ídolos. O espírito de Salomão fica assim escuro e vira do ridículo dosaos ídolos e demônios. As últimas linhas do TSol vêm confirmar, segundo um script  consolidado,  consolidado, a intenção parenética do mesmo: “Por esta razão escrevi este testamento, para que os que escutam possam orar sobre isso e prestar bem atenção (...) para que possam alcançar a graça eterna. Amém.” Uma das figuras mais prestigiadas pela literatura judaica é exatamente a de Salomão, filho de Davi, rei de Israel, e grande mestre dos demônios, isto é, exorcista. Essa sua habilidade é motivo de orgulho por parte, por exemplo, de Josefo (AJ 8:45-47), que assim escreve: “Como Salomão compôs encantamentos para esconjurar as doenças, deixou também fórmulas de exorcismos para a subjugação e a expulsão de demônios, de modo que não voltem mais. Até hoje essa terapêutica é muito usada entre nós. Foi assim que vi certo Eleazar, de minha etnia, o qual, na presença de Vespasiano, de seus filhos, dos tribunos e do resto do exército, livrou pessoas possessas dos demônios. O modo da cura foi o seguinte: ele aproximava do nariz do endemoninhado um anel cujo engaste continha uma das raízes indicadas por Salomão; depois, mandando-o respirar, extraía o espírito demoníaco por suas narinas. O homem caía logo e Eleazar adjurava o demônio a não voltar mais para ele, pronunciando o nome de Salomão e as encantações compostas por ele”5.

O anel é assim algo reconhecido e imediatamente reconduzível à figura de Salomão, pelo menos já no primeiro século d.C., na literatura de círculos sacerdotais como a de Josefo. Esse anel apresenta uma característica

 

interessante, da qual não temos nenhuma notícia no TSol: o seu poder mágico tem, como âncora material, uma raiz especial que Salomão havia indicado. Esta raiz especial é a baares, cujo odor fazia com que o demônio literalmente saísse pelas narinas (Vermes, 1996: 17). Parte importante do exorcismo é também a citação do nome de Salomão e dos encantamentos por ele compostos, isto é: fórmulas mágicas, como as que encontramos no TSol. De Salomão era tradicionalmente reconhecida sua extraordinária sabedoria. Mas uma sabedoria especial, prática, diríamos, de acordo com 1Rs (4:29-34): “(...) pronunciou três mil provérbios, e seus cânticos são em número de dez mil e cinco. Falou das árvores: tanto do cedro do Líbano como do hissope, que brota nos muros; falou dos quadrúpedes, das aves, dos répteis e dos peixes”.

A sabedoria, portanto, das Em ervas e das plantas,sua o fama conhecimento dose poderes escondidos  na natureza. época helenística se expandiu se desenvolveu até a forma que vimos acima em Josefo. Eram-lhe atribuídos especiais poderes de exorcismo e suas práticas mágicas são atestadas tanto em textos rabínicos como nos midraxes de Cantares e Eclesiastes (Smith, 1978: 186). Portanto já no tempo de Josefo, se acreditava especialmente no poder extraordinário do anel de Salomão, um amuleto muito especial6. Nele estava gravado o nome secreto de Javé. Isso não deve surpreender: amuletos em que era gravado o nome de Javé eram muito difundidos no hebraísmo helenístico (Smith, 1978: 79)7. Deste amuleto, em forma de anel, falam muitas fontes: desde os PMG (3007-3086), segundo os quais seria o amuleto que Salomão havia posto sobre a língua de Jeremias para que ele falasse, até as inscrições do VI e IX séc. em vasos aramaicos, para que o anel de Salomão protegesse a propriedade de seus donos (Mills, 1990:55)8. Obviamente esta figura de Salomão, comum nos primeiros séculos de nossa era, resulta bastante inédita para quem está acostumado ao retrato canônico de rei sábio. As tradições com o tempo se misturam, resultando num retrato extremamente vivo das sucessivas reedições e reinterpretações de uma mesma personagem. Salomão é exorcista e personagem da apocalíptica, rei de

 

Israel e filho de Davi. Tudo isso ao mesmo tempo. Se isso pode parecer à primeira vista estranho, é só pensar na paralela cumulação de títulos  de um ilustre conterrâneo dele: Jesus de Nazaré. Trabalho escravo de demônios e trabalhos  mágico para escravizar demônios parecem os eixos narrativos do TSol. Trabalhos, sim, bem no sentido de obras poderosas, de feitiçarias, normalmente acompanhadas por fórmulas mágicas, como vimos. Como entender esta dupla temática do trabalho no TSol? Será preciso tentar imaginar – por trás do texto – uma realidade social de trabalho escravo? Ou talvez uma certa aversão satírica ao templo de Salomão (construído pelos demônios, no final das contas)? Ou seria melhor pensar que a obra do templo e o seu drama sejam simplesmente um pretexto para louvar a grande sabedoria/poder (mágicos) de Salomão? Isto equivale a dizer: qual dosnadois trabalhos é oou mais importantemágicos para a compreensão do TSol: o trabalho obra do templo os trabalhos sugeridos aos leitores? Como para todas as boas perguntas as respostas são complexas, esta também o é, e aponta para um metodologia hermenêutica e pragmática. Existe motivo concreto para pensar que os autores do TSol queriam escrever o texto com uma intenção polêmica contra o templo de Jerusalém. O final do texto, satiricamente contrário a Salomão, traidor pela influência estrangeira, podia revelar uma oposição ideológica a Salomão e a tudo o que ele representa: especialmente o templo, portanto. O mesmo templo de Jerusalém como fruto suspeito da obra dos demônios. O fato de ter escravos, porém, especialmente no mundo antigo, mais do que falar destes últimos, fala do grande poder do patrão, que consegue manter ao próprio serviço tantas pessoas. Assim a escravatura dos demônios, mais do que dizer respeito a eles, diria respeito ao poder de Salomão, que graças ao seu anel, consegue manter subjugados tamanhos poderes. A partir desse ponto de vista, portanto, seria mais importante o fato que Salomão tem poder sobre os demônios (um trabalho  poderoso, uma reza braba) do que o fato que o templo foi construído por eles. Mas apontaria para um outro caminho, que resolva a questão do trabalho, superando a oposição (obviamente formal) entre as duas formas.

 

É a do anel  de fato a questão central que junta as duas concepções de trabalho. O anel, o amuleto, é antropologicamente o poder supremo, a força cósmica, ao alcance da mão, delivery, para viagem. É uma participação aqui na terra do grande poder cósmico de deus sobre todas as forças do mal. E tem mais: o poder de exorcismo do anel é oferecido, através da indicação de práticas e fórmulas mágicas, a todo mundo. É socializado. O poder pelo qual Salomão exorciza os demônios para a construção do templo9  é portanto disponível – com o anel e as fórmulas mágicas – para a cura de tendinite (...), sarna, etc. Um trecho do TSol (6:10-11) é especialmente revelador dessa passagem contínua, desse fluxo de poderes entre o cósmico e o cotidiano, fluxo que se constitui como o elemento fundamental da religião mágica: “Eu, Salomão, continuei entrevistando Beelzebul, dizendo: “se você deseja ser libertado, me informe sobre as coisas celestiais!”. Beelzebul responde: “Escuta, Rei, se você queimar óleo de mirra, incenso e bulbos do mar, junto com nardo e açafrão, e acender sete lâmpadas durante um terremoto, fortalecerá a sua casa. E, estando ritualmente puro, ao amanhecer, logo antes do Sol aparecer, você verá os dragões celestiais e o caminho que eles percorrem, puxando o carro do Sol”.

Enquanto Salomão pergunta pela revelação apocalíptica das coisas celestiais, a resposta de Beelzebul é antes a indicação de um ritual apotropaico, para defender a casa. E logo em seguida este ritual é ligado a uma visão celestial do carro do Sol. O cósmico e o cotidiano, a apocalíptica e a magia. Aqui as distinções tradicionais estanques de gêneros literários e estruturas da experiência religiosa não funcionam. A apocalíptica é magia, a magia é apocalíptica. Como entender esse processo de socialização  dos poderes mágicos e de conexão dos poderes apocalípticos com o cotidiano que aparece por trás disso tudo? Se aos olhos bem atentos da maioria dos exegetas isso pareceu uma vulgarização indevida dos poderes de um grande homem como Salomão, é bom lembrar que a religião do povo tem caminhos muito diferentes e muito mais criativos do que a sistematização de escribas e fariseus de todos os tempos. Como já foi observado, pés mágicos (Cornelli, 1999: 119).a religião do povo tem asas apocalípticas e

 

Necessidades sócio-históricas fazem com que o povo se aproprie, gramscianamente, da ideologia das classes dominantes (templo ou não templo, esse não é um problema do povo – poderíamos dizer), para resolver, dar sentido, dar beleza às necessidades e aos desejos de um duro cotidiano, ontem como hoje, quando, numa situação – por exemplo – de trabalho precário, uma tendinite pode significar a rua. Nessa situação, portanto, bem venha o anel de Salomão e suas fórmulas mágicas! Assim como se faz e refaz em todos os outros setores de reprodução (ideológica) de modos subalternos de vida, também na expressão religiosa lança-se mão do sagrado para a solução do cotidiano. A religião dos amuletos e das fórmulas mágicas aponta para uma socialização da religião intentada pelas classes subalternas, cuja característica seria, segundo a expressão do antropólogo Brandão (1980: 137), a seguinte: “Entre os subalternos a religião é considerada como um somatório de recursos para servir a uma vida de provações e, não tanto, para ser servida, como um compromisso a mais de subordinação (...) com uma ordem dominante de relação dentro e fora da religião”.

Pode-se entender, entender, da referida passagem, a idéia de uma democratização do sagrado com o claro objetivo de amenizar “o trabalho que é ser pobre” e não para ter mais trabalho ainda. Trabalho mágico para não ter muito trabalho, ou um pouco menos. Aqui sim, poderíamos, talvez, até compreender como tradição popular a narração da obra do templo, construído pelos demônios escravos. Como sonho, como piada ou até como protesto contra uma obra, um trabalho religioso (o templo e sua aristocracia) que não alivia em nada a vida do povo, aliás continua cobrando (mas o termo mais apropriado aqui seria chupando) muito trabalho e impostos e... só o diabo sabe o que mais! 1 Para o manuscrito: Dionysius Monastery, Mount Athos, nº. 132, folios 367 (recto) – 374 (verso). 2 Conferir, neste sentido, Doresse (1966: 170). Para enriquecer a discussão sobre a datação do TSol, ocorreu na Universidade de Sheffield, em maio de 1999, um seminário ministrado pelo Prof. Dr. Loveday Alexander e seu orientando de doutorado, James Harding. Os resultados do seminário foram divulgados para uma lista de interessados no assunto, via correio eletrônico. 3 Provavelmente o termo  Patike é uma corrupção do termo ho pater, o  pai. Jesus é chamado de “deus dos hebreus” também nos PMG 3009. 4enfraqueceram: Cf. TSol 12:3, CCfoi-lhes 1:60: tirada “[ao nascimento Jesus] os demônios perderam sua força e sua22:20; feitiçaria e seu poder de superado”. 5 Para uma outra perspectiva sobre o mesmo texto de Josefo, ver, neste livro, cap. III.

 

6 Existem lendas relativas ao uso de amuletos ligados à memória de Salomão até a tarda Idade Média, em fontes cristãs e até islâmicas. Cf. Mills (1990: 143). Outro famoso fabricante de amuletos da antiguidade foi Apolônio de Tiana. Ele teria instalado amuletos apotropáicos em várias cidades do Mediterrâneo (Luck, 1997: xxviii). Para um estudo comparativo aprofundado da magia de Apolônio de Tiana e de Jesus de Nazaré, ver: Cornelli (2001). 7 A questão dos amuletos   mereceria um capítulo especial. Um relato interessantíssimo sobre os seus usos na De gravidez parto,esta desde os tempos “do antigo Israel até a Idade Média, ver: Frymer-Kensky (1995). acordoe com historiadora, o amuleto é uma prece visível, representa os desejos e aspirações de cada um, e pode invocar a ajuda de Deus para realizá-los. Usar um amuleto é uma forma de orar  (Frymer-Kensky, 1995: 100).  Amuletos para a gravidez têm o objetivo de prevenir abortos.

Estes não precisam trazer palavras e podem ser de certas pedras coloridas, cuja reputação é de terem propriedades especiais. Um deste pode ter sido o eben tekumah, mencionado no Talmude. Uma pedra oca, a pedra da águia, tem uma longa história como amuleto para a gravidez. Contém uma outra pedra dentro de si, e simboliza o feto dentro da mãe pelo menos desde a Mesopotâmia. Também pode haver figuras nos amuletos. Amuletos para o parto podem ser pedras simples, como o jaspe, que se acreditava ser extremamente eficaz. No Egito, as mulheres usavam um anão de argila em honra do deus Bes. Na Europa cristã, as pessoas compravam cinturões que se dizia terem sido usados por Maria ou por santa Margarida, e os colocavam na barriga da mulher grávida. Na Europa judia, usavam-se as cordas que amarravam os rolos da Torá; também se cercava com uma corda os túmulos de rabinos ilustres; cordas que depois eram postas nas mulheres grávidas. Os amuletos podem também trazer uma grande variedade de textos. Podiam ter inscritos – por exemplo – nomes de anjos. O mesmo TSol sugere o nome Afarof para o anjo Gabriel. O Sefer Ha-Razim, o livro dos mistérios da magia judaica (séculos IVV), dá uma lista dos anjos encontrados numa merkabá aos céus. Menciona os anjos que se encontram em cada estágio. No oitavo estágio, lemos: “Se você quer afastar um espírito maléfico para que ele não mate seu filho, antes da gravidez escreva o nome destes anjos em uma lâmina de ouro e a coloque num tubo de prata, para que ela o use. Na época do parto, pegue quatro lâminas, escreva o nome dos anjos nelas e disponha-as nos quatro cantos da casa, e nenhum espírito entrará” . Os amuletos cristãos se referem normalmente a eventos narrados nos evangelhos, entre eles o nascimento de Jesus e o de João Batista. Da mesma forma que as orações judaicas mostram o poder de Deus no nascimento pela evocação das matriarcas estéreis, às quais Deus deu filhos, os amuletos cristãos antigos veem a concepção da Virgem Maria e da estéril Isabel como paradigmas da ação de Deus no nascimento. Muito usada é também a ressurreição de Lázaro. O ato de Jesus, ao trazer Lázaro de volta à vida, tirando-o da caverna, é tomado como análogo à ação de Deus ao trazer a criança à vida, tirando-a do corpo de sua mãe. Um antigo livro de encantamentos cristãos siríacos diz: “Para uma mulher em trabalho de parto:  Escreva  Escr eva sobr sobree uma folha, e dê a ela: “Lázaro, sai para fora!” (Jo 11:43)

ou isto: “Maria gerou Cristo, que silenciou toda natureza”. Encantamentos medievais contendo estes dois motivos eram amarrados sob o pé direito da mãe, na coxa ou no abdômen. Da mesma forma, no TSol (13:6),  o demônio Obyzouth, responsável pelo trabalho de parto, e cujo anjo da guarda é Rafael, é exorcizado da seguinte forma: “Quando as mulheres dão à luz, escreva o meu nome num pedaço de papiro e irei embora delas para o outro mundo”. Cf. tb. Delatte e 8Derchain Segundo(1964). a autora, os vasos eram enterrados de cabeça para baixo. 9 E para salvar a vida de seu rapaz favorito. Não podemos esquecer dessa intenção narrativamente

 

primordial, pedófila em todos os sentidos.

 

VII O Uso de um Esquema Imagético Politeísta entre os Primeiros Cristãos I. A documentação básica é composta por uma longa série de amuletos cristãos (Bonner, 1950: 211-220, pranchas XIV-XVII, nº. 298-325 – ver figuras 2, 3d, 13-16) que formam um conjunto marcado, no anverso, pela presença de um cavaleiro galopando para a direita com o claro objetivo de traspassar com a sua lança uma figura (humana ou animal) localizada no solo.

Figura 2

Figura 3d

Figura 13

 

Figura 14

Figura 15

Figura 16

Há uma auréola em torno da cabeça do cavaleiro. O cavalo tem as duas patas dianteiras levantadas, o que ajuda a reforçar, sob o ponto de vista

 

iconográfico, a ameaça que pesa sobre a figura situada no chão. Lê-se, na parte superior, a legenda EIS THEOS O NIKON TA KAKA (um Deus que vence o mal). Esta inscrição grega, situada na parte superior da cena, contorna todo o cavaleiro, permitindo associá-lo com Jesus Cristo. O reverso do amuleto apresenta grandes variações temáticas, podendo conter concomitantemente inscrições e imagens. Esta longa série de amuletos (composta por medalhas e pendentes) é feita de bronze. II. Bonner (1950: 211) observou que estes amuletos cristãos seriam derivados do modelo judaico denominado de “Salomão” (ver capítulo 3, item 1). Muito embora ele não explique a sua base argumentativa, percebese que a sua análise segue uma lógica temporal, pautada na diacronia: politeísmo ⇒ judaísmo ⇒ cristianismo. É possível supor, tomando por base essa análise, a presença de pelo menos dois argumentos: 1º. o fato de o movimento cristão ser pensado originalmente como um dos múltiplos movimentos judaicos. As formas de nomeá-lo – O Caminho (At 9:2, 18:25-26, 19:9,23, 22:4, 24:14,22) e A Porta de Jesus (Eusébio. HE 2.23:8, 2.23:12) –, em que pese à necessidade de um aprofundamento sobre os seus sentidos aos grupos ali abrigados, são lembranças bem significativas para o início de um movimento que desembocou no cristianismo; 2º. a dependência das comunidades cristãs do esquema iconográfico  judaico. Na medida em que esses grupos olhavam os próprios judeus lançando mão deste tipo de iconografia, sem que vissem, em tal atitude, qualquer desvio teológico, eles também se sentiram animados em fazer o mesmo. Esta hipótese, se é que ela chegou a ser elaborada por Bonner – convém lembrar que os argumentos apresentados encontram-se no terreno da suposição –, muito embora possa ser plenamente admissível, não exclui a possibilidade das próprias comunidades cristãs terem se apropriado diretamente desse esquema politeísta bastante disseminado pelas diferentes culturas situadas na bacia mediterrânea e em outras regiões inseridas no helenismo. Deve-se considerar, como forma de sustentação dessa hipótese, o fato de as primeiras representações cristãs do cavaleiro serem datadas a 1 partir do final século terceiro , o que implicaria, para este momento

 

histórico, a separação e o estabelecimento de duas religiões distintas:  judaísmo e cristianismo. Deve-se reforçar um aspecto já observado (ver, neste livro, capítulo 3): este esquema do cavaleiro, sobre o cavalo, submetendo um ser caído ao solo com a sua lança, está associado com a vitória. No caso do cristianismo, contudo, parece existir uma diferença, por mais sutil que ela seja, quando comparado ao esquema desenvolvido no judaísmo. Neste último caso, Salomão era o cavaleiro por excelência. Os usuários dos amuletos denominados Salomão não associaram, nem confundiram o filho de Davi com a divindade judaica. Como foi salientado (ver, neste livro, capítulo 3), a figura desse rei sábio estava associada, ao longo do helenismo, com a de um mágico poderoso, com a de um exorcista capaz de submeter, através do seu anel, o próprio príncipe dos demônios. Esta complexa elaboração seria o resultado não apenas de uma tradição oral, mas, também, de uma produção literária, a qual Josefo conhecia bem. O elemento apotropaico, que reveste o objeto com o poder mágico, dotando-o da capacidade de desviar, afastar e devolver o mal a quem o enviou, é atribuído a Salomão. Como contrapartida, no caso dos amuletos cristãos, o cavaleiro está associado ao próprio Deus, isto é, a Jesus Cristo. É a Ele que o usuário do objeto deposita as suas esperanças contra as forças maléficas que circundam o mundo e assolam os seres humanos2. Pode-se admitir, a título de hipótese, que este deslocamento Salomão = judaísmo ⇒  Jesus = cristianismo esteja associado ao impacto que as imagens de cavaleiros elaboradas pelo Ap causaram nas comunidades cristãs. III. O Ap conheceu (Kyrtatas, 1989: 154), a partir da primeira metade do século III, três posições diferenciadas quanto a sua recepção: (i) leitura e interpretação literal do seu conteúdo; (ii) aceitação como escritura, mas alegorização de seu conteúdo; e (iii) rechaço por completo. A terceira opção conheceu uma forte aceitação entre os membros da elite da Igreja no oriente, principalmente a partir da intervenção de Dioniso, discípulo de Orígenes (Kyrtatas, 1989: 154-155,159; Griggs, 2000: 5), enquanto que a atitude da Igreja ocidental adotava a segunda posição, sendo Agostinho o seu principal expoente (Kyrtatas, 1989: 156,159). Griggs

 

(2000: 54-55) identificou, porém, uma certa impopularidade do gênero apocalíptico também na Igreja ocidental. Ao mesmo tempo, como observou Kyrtatas (1989: 159), verifica-se, a partir do século III em diante, uma hostilidade cada vez mais crescente dessa mesma elite ao milenarismo. Esta oposição estava associada ao fato de a Igreja se fazer presente neste mundo e do seu próprio desejo de permanecer nele por muito tempo. Esta atitude pode explicar as posições assumidas acima com relação à literatura apocalíptica. Em contraposição, esta mesma elite tinha dificuldades de controlar toda a cristandade. Griggs (2000: 87) oferece um interessante exemplo, a partir de Eusébio (HE 7.24:1-25:27), envolvendo a comunidade de Arsinoé, situada no Fayum, no Egito, durante a década de sessenta do século III. Constatam-se aí dois tipos de debates: 1º. aquele envolvendo Dioniso e o bispo Nepos, caracterizado como uma verdadeira discussão exegética, já que ela esteve centrada em textos escritos (Eusébio, HE 7.24:2-7) acerca do Ap. A proposta apresentada pelo referido bispo, porém refutada por Dioniso, ele próprio inserido entre os “Alegoristas” (Eusébio, HE 7.25:6), estava baseada em um tipo de milenarismo devotado à comodidade corpórea (Eusébio, HE 7.24:1), com Cristo estabelecendo o seu reino na Terra (Eusébio, HE 7.24:4, com reflexos em 7.25:3); 2º. a outra discussão foi caracterizada por um longo embate oral entre Dionísio e os membros mais influentes (presbíteros e professores) dos irmãos da comunidade de Arsinoé (Eusébio, HE 7.24:6ss) – ele teria durado três dias (Eusébio, HE 7.24:7). O seu objetivo era convencer estes últimos dos equívocos provocados pela interpretação quiliástica. Este debate, conforme observou Frankfurter (1996: 165), muito mais do que estar estritamente amarrado no próprio texto do Ap, estava baseado em imagens e fragmentos do referido livro que, depois de ter sido lido na comunidade, foi memorizado, improvisado e reformulado na profecia popular. Não deixa de ser significativo notar aqui a importância singular do Ap na composição de dois outros textos egípcio-cristãos datados do próprio século III: o Apocalipse de Paulo e o Apocalipse de Elias (Frankfurter, 1996: 164-165). Tais composições sugerem disseminação de ideias apocalípticas no seio das

 

comunidades cristãs do Egito. Um expressivo número de cristãos, oriundos principalmente, mas não exclusivamente, das camadas populares das muitas regiões do império romano (Frankfurter, 1996: 131), não apenas admitia, como, também, compartilhava de inúmeras crenças milenaristas, como aquela de Nepos3. Pode-se associar esta persistência nos meios populares à crença de que Satanás e as suas hostes fazem-se presentes neste mundo, interferindo maleficamente no dia a dia das pessoas, independentemente dos seus estatutos sociais. Este pressuposto está presente ao longo do Ap. Percebese, então, que o ponto de contato entre a literatura apocalíptica, em particular, o referido texto, e a difusão dos amuletos cristãos seria a idéia milenarista. Esta concepção seria expressa pela figura do cavaleiro (ver Tabela 1). Tabela 1. Ponto de Contato entre o Ap e os Amuletos Cristãos

Ap

Amuletos Cristãos

Cavaleiros Cavaleiros (6:2, 6:4, 6:5, 6:8, 9:16-19, 19:11-16) (ver no catálogo figuras 2, 3D, 13, 14, 15, 16) Submetem o Inimigo

Submetem o Inimigo

Obtêm a Vitória

Obtêm a Vitória

Pode-se constatar, de imediato, a partir da Tabela 1, uma equivalência entre as duas colunas. O que se espera dos cavaleiros, no texto do Ap Neste e nos amuletos cristãos, é a submissão dos inimigos e a obtenção da vitória. sentido, não deixa de ser significativo, quando da abertura do primeiro selo, no exato momento em que surge um cavaleiro montado em um cavalo branco, a colocação de João, o Visionário “[...] saiu vencedor e para vencer”. A partir desta perspectiva, constata-se uma certa identidade na forma de ler o esquema iconográfico do cavaleiro, tanto por politeístas, quanto por judeus e cristãos: o cavaleiro armado, sobre o cavalo, submetendo o inimigo caído, caracterizava um símbolo natural de vitória na cultura helenística. A respeito dos dados relativos às descrições dos cavaleiros fornecidos

 

pelo Apocalipse de João, o Visionário, é possível organizá-los, como forma de se extrair mais informações que permitam aprofundar as equivalências identificadas acima (ver Tabela 2). Tabela 2. Apresentação dos Cavaleiros no Ap. Passagem Cavaleiro Cavalo Arma Objetivo 6:2

___

Branco

Arco

Vitória

6:4

___

Vermelho

Espada

Guerra

6:5-6,6

___

Preto

Balança

Fome

6:8

Morte

19:11-16

Fiel e Verdadeiro

Esverdeado Espada Fome, Peste, Inversão da Ordem Branco

Espada

Vitória

Os cavaleiros, montados em seus cavalos, são apresentados como guerreiros prontos para disseminar a guerra, a fome, a carestia, a peste e a inversão da ordem (bem entendido: são as feras que (caçam e) matam os homens e não o contrário). Essa disseminação do caos, da dor, da morte e da desordem tem por objetivo final a imposição do plano de Deus, traçado desde o início dos tempos, que é a vitória sobre as forças malignas capitaneadas por Satanás e suas hostes. Dois aspectos são significativos aqui. Começar-se-á por aquele que não está explicitado na Tabela 2, muito embora ele a perpasse por completo. Na narrativa que se segue, após o sinal da sexta trombeta, o autor estabelece uma associação entre o cavalo e a morte. Trata-se de uma relação bastante conhecida – pelo menos do público de língua grega desde o período clássico (séculos V e IV a.C.) – que era a utilização do cavalo, no campo de batalha, para matar os soldados (Spence, 1993: 113). Podem ser mencionados dois exemplos aqui: Heródoto (5:111) fala do cavalo do comandante persa Artíbios que foi treinado para matar soldados com os dentes e as patas; Xenofonte (Ciropédica 2.3:9) observa, como instinto natural, o cavalo usar as suas patas na luta. Este dado também foi lembrado no Ap (9:17-19), onde é dito que a cabeça dos cavalos era similar a dos leões, da sua boca saíam fogo, fumaça e enxofre e as suas caudas pareciam serpentes: elas têm cabeças com as quais causam danos. Um terço dos homens foi morto por estes animais. Muito embora João, o

 

Visionário, não mencione a mordida e as patas dos cavalos como armas, a sua narrativa remete o leitor para o campo de batalha, com o cavalo ocupando um papel que vai muito além de uma simples montaria. O segundo aspecto, este presente na Tabela 2, diz respeito ao nome dos cavaleiros. Em duas ocasiões este item é fornecido pelo autor: um deles chama-se Morte, enquanto que o outro é conhecido por Fiel e Verdadeiro. No primeiro caso, o nome do cavaleiro está associado à guerra, isto é, ao papel avassalador que a cavalaria desempenhava no combate, sendo responsável pela imposição de estragos consideráveis, particularmente a morte de muitos combatentes, além de auxílio estratégico à infantaria ligeira que pilhava e destruía casas e plantações situadas no espaço rural das cidades. No segundo caso, o cavaleiro denominado Fiel e Verdadeiro, não há nenhuma dificuldade para estabelecer a sua identificação. A pista é dada pela presença de uma inscrição, junto ao seu manto: “Rei dos reis e Senhor dos senhores”. Trata-se de uma legenda diretamente vinculada à soberania e à autoridade absolutas. O seu conteúdo, sendo eminentemente político, ajuda a definir o lugar que ele ocupa na esfera social: trata-se do senhor dos exércitos, aquele que é chamado Verbo de Deus. O seu aspecto majestoso é reforçado por atributos que ajudam a compor toda a cena: os seus olhos são chamas como fogo, sobre a cabeça há muitos diademas, da sua boca sai uma espada afiada. Quem ousará enfrentá-lo? Quem poderá derrotá-lo? IV. O Ap (19:17-21) chama atenção para o fato de a Besta reunir as suas hostes, como forma de se opor ao Cavaleiro e ao seu exército. A sua narrativa não oferece qualquer detalhe, deixando claro que a batalha foi rapidamente vencida pelo Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, o Senhor dos exércitos, que capturou a Besta. As suas hostes foram completamente aniquiladas e as suas carnes – fossem elas de reis, capitães, poderosos, cavaleiros, cavalos e todos os homens (livres e escravos, pequenos e grandes) – serviram de banquete para todas as aves. Esta passagem seria central para uma nova proposta de leitura do esquema iconográfico do cavaleiro. A vitória do Cavaleiro Fiel e Verdadeiro contra a Besta, entendida como uma batalha escatológica, teria sido lida pela comunidade cristã como garantia de que todos inimigos de

 

Deus seriam derrotados, fossem eles: as forças espirituais que se opõem ao plano de Deus, os inimigos terrenos que criam obstáculos à Igreja de Cristo, as doenças, as pestes, as epidemias, as perseguições e a fome. Esta leitura é respaldada por um elemento muito específico contido nos amuletos cristãos, o que o diferenciaria dos demais modelos desenvolvidos nas culturas politeísta e judaica: o cavaleiro cristão não é apresentado como um homem rico e poderoso – situação encontrada no politeísmo – ou um soberano (divinizado ou não) – modelo aplicado ao politeísmo e ao judaísmo –, mas como o próprio Deus dos cristãos – Jesus Cristo. V. Esta leitura não apenas projeta um foco de luz na conclusão deste ensaio, como, também, ajuda a entender o porquê de este esquema iconográfico ter adquirido tanto sucesso na longuíssima história da Igreja, ao menos no Ocidente. Esta popularidade pode ser visualizada através de dois rápidos exemplos: (i) a batalha travada por São Jorge contra o dragão (ver abaixo imagem figura 17).

Figura 17

 

O modelo iconográfico utilizado para retratar esta luta – ele próprio amplamente disseminado em várias partes do mundo, inclusive aqui no Brasil – aproxima-se tanto daquele que vem sendo trabalhado ao longo deste ensaio que se torna desnecessário um aprofundamento para mostrar os seus pontos de convergência; e (ii) as atuais comunidades evangélicas e pentecostais brasileiras conhecem de cor a música Jeová é o teu Cavaleiro de Kléber Lucas, um dos maiores nomes da música gospel brasileira. Interessa aqui, para efeito de análise, o seu refrão. Ele é assim constituído: “Jeová é o teu cavaleiro, que cavalga para vencer, todos os teus inimigos cairão diante de ti”.

A única possível dificuldade que este refrão oferece seria o emprego do termo Jeová. Como forma de suprir esta possível dúvida, far-se-á aqui uma rápida digressão, a fim de situar o leitor em torno desta palavra 4. Trata-se de um termo associado ao tetragrama YHWH. É esta última designação que aparece nos textos hebraicos. A partir do período aquemênida, por escrúpulos religiosos, desenvolveu-se o costume de não pronunciar o nome de Yahweh. Na liturgia e na vida cotidiana, expressões como Adonai (Meu Senhor; na Septuaginta kúrios) ou O Nome foram utilizadas para substitui-la (van der Toorn, 1995: 1711)5. Porém, apenas no século XIII é atestado o termo JEHOWAH (Alfrink, 1948: 43)6. Conforme observou Moore (1908: 154), há mais de um século, mesmo reconhecendo que a primeira referência à palavra Jehowah seja atribuída a Raymundus Ma uros et Judaeos, de 1278, tal Martini, na sua obra Pugio Fidei Adversus Mauros constatação não deve ser entendida como sinônimo de origem da sua existência. Ela parece indicar, mais do que um início, o uso corrente deste termo no tempo do referido autor7. Assim, por exemplo, pode-se deduzir da sua aplicação na obra  De Arcana Catholicae Veritatis, de 1518, do frei dominicano Petrus Galatinus – que defende o seu uso, ao invés de Jeová –  ou nos dois sermões, feitos por Lutero, nos dias 18 e 25 de novembro de 1526, os quais foram publicados no ano seguinte – o que sugere a familiaridade dos seus ouvintes e leitores com a palavra. Ë digno de observação, neste último caso, que o referido reformista, ao traduzir o

Antigo Testamento, siga de perto o uso dado pela Igreja Católica, e tenha

 

utilizado a palavra  Herr, isto é, Senhor, para a tradução do tetragrama  judaico (para os exemplos citados, ver: Moore, 1908: 150-152). Pode-se admitir, dos dados apresentados, que a palavra Jehowah (Jeová) é uma construção artificial (Alfrink, 1948: 43) ou uma distorção tardia (Klawek, 1990: 11) ou ainda uma palavra híbrida (Moore, 1908: 145) ao nome do Deus dos judeus, o qual era impronunciável. Superando, assim, a única dificuldade posta pelo refrão da música do Kléber Lucas, verifica-se que Jeová significa, em algumas correntes cristãs, Deus, no seu sentido genérico, ou Jesus Cristo, no seu sentido restrito. Não deve ser perdido de vista, porém, que o estribilho da canção faz parte de uma longa tradição (seja ela conhecida ou não daqueles que o cantam) que teve, como ponto de partida, o esquema iconográfico do cavaleiro desenvolvido nas culturas politeístas. 1 Partindo da análise feita por Lafaye, Silva (2000: 137) observa que o uso do nimbo na iconografia só se generaliza a partir do século IV. O referido pesquisador (Silva, 2000: 137-138) chama atenção para o fato de o imperador Constâncio II fazer do nimbo uma insígnia obrigatória da basileia, cujo uso se manterá durante séculos na arte bizantina. 2 Esta vinculação entre a figura do cavaleiro no amuleto cristão e Jesus Cristo remete, em certa medida, à idéia de “duplo” aplicada recentemente por Silva (2000: 145), quando observou que “[...] a realeza (de Constâncio II) se perpetua em “duplos” espaço-temporais espaço-temporais que auxiliam na criação de que o príncipe é onipresente e capaz, portanto, de solucionar todos os problemas”. Nesta perspectiva, pode-se também assumir que o portador do amuleto cristão tinha sempre consigo o seu próprio Deus que o revestiria com uma couraça invisível, impedindo que as forças malignas, presentes no mundo, o atingissem. Para uma discussão teórica do problema, ver: Vernant (1990: 305-316); Ginzburg (2001: 85-103). 3 Ver, por exemplo, a riquíssima discussão, repleta de exemplos, proposta por Frankfurter (1996: 132-142) para as comunidades cristãs situadas na Ásia Menor. Esta é a oportunidade para agradecer ao professor Dr. José Adriano Filho pela indicação e empréstimo do referido trabalho. 4 Gostaria de agradecer ao padre Rene Maninti, amigo do Gabriele Cornelli, que atendendo ao seu pedido, enviou-me do Instituto Teológico Scalabriniano, o xerox dos trabalhos de Klawek, Moore e Alfrink. 5 Alfrink (1948: 61-62) observa que nas sinagogas, após a destruição do Templo de Jerusalém, em 70, deixou-se de pronunciar o tetragrama, sendo substituído pela palavra Adonai. Este mesmo autor observa, porém, que uma visão diferente foi apresentada por Baudissin: ela sugere que a Septuaginta, ao traduzir o tetragrama por kúrios, teria favorecido a substituição de YHWH por Adonai; para uma discussão mais aprofundada sobre os nomes hebraicos Yahweh e Elohim, ver os artigos de Klawek, 1990a: 5-9, 1990b: 11-12. 6 Para uma análise detalhada em torno do nome Jeová, ver: Moore, 1908: 145-163. 7 Alfrink (1948: 44) sugere que os próprios judeus teriam propagado a pronúncia Jehowah. Esta posição não veio acompanhada de referências documentais e a sua tentativa de ver nos papiros

 

mágicos gregos o emprego desta palavra, quiçá o seu esforço em analisar tò ephtà grámmaton ónoma ou tó mega ónoma taís ephtà phónai ou ainda tàs ephtà phonás, não é convincente.

 

VIII Sexualidade e Violência no Reino dos Céus: o Caso do Evangelho Secr Secreto eto de Marcos Marcos e as tradições cristãs primitivas1. I. Jesus é preso, depois de ter sido abandonado pelos seus discípulos. Ele está sozinho, todos fugiram. É talvez o momento mais alto da economia narrativa da paixão marcana. Mas, neste ponto, Mc (14:51-52), numa atitude inexplicável do ponto de vista dramático, insere um pequeno ícone, uma espécie de clip: Um jovem o seguia e a sua roupa era só um lençol enrolado no corpo. E foram agarrá-lo. Ele, porém, deixando o lençol, fugiu nu.

O que este jovem nu está fazendo aqui, no meio da narrativa da paixão de Jesus? As respostas tradicionais dos exegetas não parecem nada convincentes. Um mínimo de sensibilidade narrativa para perceber o estranhamento do ícone acima ao conjunto da narração. Segundo Myers (1992: 438): Alguns comentadores argumentam que este é um episódio solto, em que a assinatura do autor no seu trabalho pode ser detectada; outros o atribuem a um pormenor perspicaz de testemunhas oculares na tradição.

O jovem poderia ser, portanto, o próprio Marcos. O mesmo Myers (1992: 438) reconhece no fundo, porém, que estas sugestões casuais agridem a integridade literária do Evangelho. A inserção destes dois versículos num momento tão delicado e dramático da trama narrativa deve ter uma explicação mais forte. Mas qual? A resposta que o referido pesquisador oferece parece insuficiente, demasiadamente metafórica e, por que não dizer, barroca: o jovem que foge seria o símbolo da comunidade como um todo que igualmente fugiu. Ele foge nu, dado indicativo de vergonha, deixando atrás de si um lençol que se torna a “veste sepulcral” para Jesus. Tomando como referência este pesquisador, tem-se a impressão que os autores não querem aprofundar a referida passagem de Marcos. A imagem

 

do evangelista é simples, como é verdade o estilo do seu texto. Um jovem seminu (só um lençol cobria o seu corpo) acompanha Jesus: ele é o último que restou ao seu lado, depois da fuga de todos os outros discípulos. No entanto, quando os soldados tentam agarrá-lo, ele foge nu. Deve-se ter sempre em mente a pergunta inicial: quem é este jovem nu que acompanha Jesus? O que ele está fazendo aqui no meio dos relatos da paixão de nosso senhor? Analisando atentamente o texto, é possível notar umas repetições e uns paralelismos significativos. Do jovem, sabe-se que ele acompanha Jesus. Nada mais, além disto, a não ser que ele veste um lençol sobre o corpo nu. Este mesmo jovem, ameaçado, deixa o lençol para poder fugir. Nota-se um primeiro paralelismo por contraste: acompanhar com / deixar sem. Sem o quê? O termo lençol aparece duas vezes. É aquilo que cobre antes, e desvela depois: a nudez do jovem. O ritmo semântico do texto é binário: com / sem, cobre / revela, acompanha / foge. Duas vezes aparece também o termo nu. A nudez do jovem parece algo decisivo para se entender o texto. O verbo que Marcos utiliza para relacionar o jovem com Jesus não é comum. Ele não usa akolouthéo  (seguir), verbo comumente aplicado aos que seguem, aos seguidores de Jesus. Isso teria colocando este jovem no mesmo nível dos demais discípulos de Jesus. Marcos opta pelo verbo sunakolouthéo, o qual constituiria uma variante composta do mesmo verbo com a partícula sun, que pode ser traduzida por junto, com. Neste sentido, a palavra seria então seguir sim, mas seguir junto, seguir de perto, acompanhar. O verbo sugere uma companhia toda especial. A confirmação disso: em todo o Novo Testamento o verbo é utilizado somente três vezes: (a) Em Mc 5:37,40, ele se refere aos três discípulos (Pedro, Tiago e João) que Jesus escolheu entre os outros para que o acompanhassem e vissem à “ressurreição” da filha de Jairo; (b) Em Lc 23:49, ele se aplica às mulheres que haviam acompanhado Jesus desde a Galiléia e que agora estavam presenciando a sua morte2. A idéia do verbo é então de uma companhia especial, íntima diríamos. O jovem não é um

seguidor qualquer. Ele é alguém íntimo de Jesus. Assim parece apresentá lo

 

Mc. Antes de responder às questões abertas, o estudo deste verbo coloca mais uma pergunta: qual o sentido desta companhia especial? II. Para tentar responder a todo um conjunto de questões que a referida passagem evangélica (Mc 14:51-52) coloca, há que adentrar no árduo e áspero campo da crítica da redação. No Encontro Anual da Sociedade de Literatura Bíblica (SBL) em 1960, Morton Smith, historiador da Antiguidade e biblista da Columbia University, apresentou uma descoberta sensacional: uma carta fragmentada de Clemente de Alexandria3  que ele encontrou (em 1958) no mosteiro de Mar Saba4. Conforme o próprio Smith (1973: 12-13) disse, tratava-se de um texto em letras minúsculas, escrito no anverso do livro de Isaac Voss de 1646. Posteriormente, os especialistas dataram a grafia grega do manuscrito como sendo do século XVIII (Smith, 1973: 18, 22). A carta trazia um cabeçalho puramente convencional (Smith, 1973: 26): “Das cartas do santíssimo Clemente, o autor de Stromateis. Para Teodoro”. Apesar de o destinatário ser completamente desconhecido (Smith, 1973: 13, 26), Clemente o parabenizava pelo seu sucesso nas suas disputas teológicas com um grupo de cristãos chamado de carpocracianos. As antigas referências sobre Carpocrácio informavam que o ápice das suas atividades estava situado entre os anos de 125 e 130 (Smith, 1973: 40), com o seu ensino baseado no seguinte pressuposto: somente cometendo todas as ações possíveis é que a alma pode satisfazer as exigências dos senhores deste mundo, obtendo assim a permissão deles de ascender ao paraíso, a sua verdadeira casa. Em suma, para Carpocrácio, o pecado era um meio de salvação, ao invés de perdição (Smith, 1973: 14). Clemente deixa claro que ele não somente usava o evangelho secreto escrito por Marcos, como também parece sugerir que o próprio Carpocrácio teria composto um comentário sobre o texto. Implica dizer, o evangelho secreto de Marcos existia bem antes de Carpocrácio, podendo ser datado por volta do ano 100 (Smith, 1973: 40) ou talvez mesmo mais antigo que o Marcos canônico (Smith, 1973: 61).

Na carta, Clemente fala a Teodoro que quando Pedro morreu como

 

mártir, Marcos foi para Alexandria (Smith, 1973: 15) “levando tanto suas anotações, quanto às de Pedro, de quem ele transferiu para o seu livro as coisas agradáveis de tudo quanto resulta em direção ao conhecimento (gnosis)”. De fato, havia uma longa tradição que colocava Marcos como fundador da comunidade cristã de Alexandria5. Clemente, inserindo-se no interior dessa tradição, diz que as anotações particulares de Marcos, as quais seriam o resultado da sua longa convivência com Pedro e que constituiriam um conhecimento secreto (um evangelho mais espiritualizado), “eram para o uso daqueles que estavam sendo aperfeiçoados” (Smith, 1973: 15). Clemente informa a Teodoro que Carpocrácio, sob a influência dos demônios, conseguiu subjugar um certo presbítero da igreja de Alexandria, e que esse lhe deu uma cópia do evangelho secreto. Carpocrácio o interpretou de acordo com a sua doutrina blasfêmica e carnal, poluindo-o, misturando-o com palavras sagradas vergonhosamente mentirosas. O evangelho secreto de Marcos que os carpocracianos utilizavam era, portanto, resultado desta mistura. Uma cópia (apógraphon) que eles teriam falsificado do autêntico evangelho secreto de Marcos6. Não deve ser perdido de vista, porém, dois importantes dados trazidos à tona até o momento: a circulação de um evangelho secreto de Marcos na comunidade cristã de Alexandria no século; e a datação antiga desse evangelho, na medida em que ele já estava em circulação no tempo de Carpocrácio. Não será possível, para a economia deste artigo, acompanhar de perto a interessante história da recepção da descoberta de Morton Smith no interior dos ambientes acadêmico e religioso. O leitor interessado poderá fazê-lo através do trabalho de Eyer (1995). Cabe ressaltar aqui, porém, dois momentos fundamentais desta recepção: 1º. Marcado por reações violentamente críticas de autores como Fitzmeyer, Achtemeier, Achtemeier, Conzelmann e Brown7. 2º. Em tempos mais recentes, a partir de Koester (1990), a crítica parece recuperar a pesquisa de Smith sobre o evangelho secreto de Marcos. É o

caso de autores como Schenke e Crossan (Eyer, 1995: 106). Esta

 

recuperação não significa nenhum grande consenso acadêmico. Exegetas como Meier (1993: 144), com a força de seu imprimatur, continuam afirmando que os evangelhos secretos de Marcos, Egerton, de Tomé e de Pedro são infundados e que eles deveriam ser simplesmente jogados de volta para o mar8. Em toda esta querela exegética parece destacar-se a posição atenta e ponderada de um grande estudioso como Betz (cf. Eyer, 1995: 126). Ele afirma que: Segundo a minha opinião, o livro de Smith e os textos por ele descobertos devem ser estudados com atenção e seriedade. Criticar Smith não é suficiente. O estranhamento causado por um texto, tal como o evangelho secreto de Marcos, é resultado umadas tendência historiográfica quesingular, insiste em ler o movimento cristão, ade partir suas origens, como sendo ao invés de plural. Uma mudança de perspectiva, com maior ênfase na pluralidade, seria suficiente para explicar a existência de um escrito como aquele mencionado por Clemente. Não haveria por vê-lo como estranho. A História do cristianismo está repleta de apócrifos (cópias) de evangelhos. A literatura dos primeiros cristãos é extremamente viva e dinâmica, englobando um vasto espectro sócio-político e econômico, cobrindo uma enorme área da bacia mediterrânica, com miríades de culturas. Como definir que vem a ser cristianismo? Comoé estabelecer critériossingularmente universais que opossam ser aplicados para definir quem cristão? III. Considerando o estado fragmentado da carta, há duas diferenças conhecidas por Clemente entre os evangelhos secreto e canônico de Marcos: a ressurreição de um jovem (inserida depois de Mc 10:43) e o encontro de Jesus com a família do jovem (inserida depois de Mc 10:46). É o primeiro texto, citado por Clemente, que interessa aqui. Lê-se na referida carta: E eles foram à Betânia, e uma certa mulher, cujo irmão tinha morrido, estava lá. Davi, Aproximando-se, prostrou diante de Jesus e lhe disse: “Filho de tenha piedadeela de se mim”. Mas os discípulos a repreenderam.

 

E Jesus, irritado, foi com ela ao jardim onde estava o túmulo, e imediatamente ouviu-se um grito de dentro da tumba. Jesus se aproximou e rolou a pedra da entrada do túmulo. Entrou e foi onde o jovem estava, estendeu-lhe a mão e levantou-o, tomando-o pela mão. Mas o jovem, assim que o viu, amou-o e começou a implorar que ficasse com ele. E saindo da tumba, eles foram para a casa do jovem, pois ele era rico. Depois de seis dias, Jesus lhe disse o que fazer e naquela noite o jovem foi até ele, vestindo um lençol de linho sobre [seu corpo] nu. E permaneceu aquela noite com ele, pois Jesus lhe ensinou o mistério do reino de Deus. E depois, levantando-se, ele voltou para o outro lado do Jordão9. Observa-se aqui um paralelo imediato entre esta narrativa e aquela relacionada à ressurreição de Lázaro (Jo 11)10. Esta analogia deixa claro que aausente, históriados de sinóticos Lázaro era conhecida, embora completamente (Smith, 1973:muito 46; para o fatoestivesse de o evangelho Marcos conhecê-la, mas abreviá-la, ver: Smith, 1973: 61-62, 68) 11. IV.. Pode-se perguntar: por que a história da ressurreição contida na ccarta IV arta de Clemente não aparece no evangelho de Marcos? Está na hora de olhar com mais cuidado para o conteúdo do fragmento citado. Ao milagre da ressurreição do jovem, o texto parece acrescentar algo que teria todas as características de um ritual de iniciação do mistério do Reino de Deus (Smith, 1973: 78-96). Acompanhando de perto a sugestão de Richardson, Smithna(1973: 62-71) passou como a ler Mc dos dados contidos carta de Clemente, uma10:13-45, perícope acrescido batismal. Considerando a posição cética de Jesus em relação à salvação do rico 12; e a preocupação externada pelo círculo dos gnósticos prósperos de Clemente em relação à perda do Reino de Deus para os bem-nascidos, Smith (1973: 66), em carta enviada a Nock, observa que mesmo o jovem rico que havia rejeitado Jesus, embora morto e enterrado no mundo, poderia ainda ser salvo pelo milagre da ressurreição e poderia receber a verdade, o batismo gnóstico. Para tanto, ele viria com a roupa batismal própria, isto é: um lençol sobre o corporelevante nu. Há branco um outro elemento na análise de Smith (1973: 81) sobre a

 

narrativa da ressurreição presente na carta de Clemente. Ele diz respeito ao traço que distingue Jesus dos demais profetas que o antecederam: ele tem “o mistério do Reino de Deus”. Trata-se de um rito batismal que Jesus administrava para alguns dos seus discípulos. Este rito era noturno, esconso e requeria seis dias de preparação, tal como pensava o evangelho secreto de Marcos. Este parece também ser o entendimento do evangelho de Marcos, senão como explicar Mc 14:51-52? O que um jovem, vestido somente com um lençol de linho, destacado por Jesus naquela noite do grupo de discípulos, estaria fazendo ali? Smith (1973: 81, 94) é categórico em sua resposta: ele estava ali para ser batizado, para ser admitido no Reino de Deus. V. Somente com a descoberta do Marcos Secreto é que qu e Smith (1973: 81) 8 1) pôde oferecer uma resposta para a enigmática passagem do evangelho de Mc (14:51-52). Muito embora a sua explicação seja muito bem construída, ela não deve ser assumida como a única possível, nem tão excludente ao ponto de não admitir outras. Considerando que Smith (1973: 61-62, 68) deixa aberta a possibilidade de a fonte do evangelho secreto de Marcos ser conhecida de Jo e de Mc, busca-se aqui analisar uma questão de ordem ético-moral presente entre os antigos grupos cristãos como critério para a omissão da narrativa da ressurreição do jovem rico em Mc e Jo. A nudez era comumente praticada no ritual do batismo nas primeiras comunidades cristãs. Hipólito (TA 21:11) constata que tanto o catecúmeno quanto o presbítero deviam entrar na água nus. A nudez, apesar do quanto a imaginamos hoje, não deveria ser, do ponto de vista moral, um problema grave ou central para o paleocristianismo. A causa da omissão da referida passagem no evangelho de Marcos poderia ser a possível interpretação erótica que algumas comunidades cristãs ou não-cristãs deram à cerimônia nudista do batismo (Crossan, 1994: 366). Pode-se mesmo suspeitar que ela estivesse no cerne da crítica de Clemente aos carpocracianos. Esta leitura parece mesmo estar bastante disseminada na história do cristianismo. Os seus traços podem ser

identificados não apenas em Jo (11:3,5,36), quando ele enfatiza o amor que

 

havia entre Jesus e Lázaro, como na própria reação dos exegetas à apresentação do texto de Clemente por Morton Smith, quando foi possível identificar o tamanho do incômodo que ainda provocava tal interpretação (Eyer, 1995: 115). É no seu interior que também pode ser inserida (e lida) a passagem de Mc (14:51-52). VI. Crossan (1984: 367), um dos mais interessantes leitores de cristianismo antigo, tem a esse respeito uma interessante intuição que será aqui retomada. Ele aponta, na tradição marcana, para uma estratégia de censura extremamente hábil. Ao invés de se apagar por completo a história da ressurreição do jovem rico contida no evangelho secreto de Marcos, optou-se por quebrá-la ou desmembrá-la. O texto de Mc (14:51-52) seria um dos fragmentos do pote cerâmico que se partiu ao cair no chão. A sua memória era, porém, tão forte que ela simplesmente não poderia desaparecer: no lugar de bater de frente com aquela longa e forte interpretação, a estratégia proposta pelo evangelho de Marcos desnortearia o leitor, criando propositalmente uma descontinuidade narrativa, praticamente inviabilizando a montagem do quebra-cabeça da tradição do evangelho secreto de Marcos. A referida interpretação foi desarmada, como uma bomba, mas, ela permaneceu ali na narrativa marcana (Mc 14:51-52) 13. Buscar-se-á detalhar um pouco mais a referida colocação de Crossan. De imediato, ao confrontar a passagem de Mc (14:51-52) com o passo da ressurreição do jovem rico do evangelho secreto de Marcos, pode-se compreender, da primeira narrativa, que os termos lençol / nudez estão associados aos sinais do batismo ritual, enquanto que os campos semânticos cobrir / revelar, ficar / fugir estão relacionados a uma espiritualidade batismal. A seguir, constata-se que a passagem de Mc (14:51-52) se insere no exato momento da prisão de Jesus, que está sendo levado pela multidão. Todos os seus discípulos fugiram, só restando um jovem nu para acompanhá-lo. Mas, pode-se retornar uma vez mais à seguinte pergunta: o que, afinal, esse jovem envolto no lençol estava fazendo ali? Conforme foi observado, Smith (1973: 72-138) diz que ele estava participando do ritual de batismo ministrado secretamente por Jesus. Mas, como era constituído

esse ritual ministrado por Jesus? O próprio Smith (1973: 113) informa:

 

[O batismo] era [...] administrado à noite [pelo senhor] aos discípulos escolhidos individualmente [por ele]. O costume, para o discípulo, era usar uma roupa de linho sobre o corpo nu. Esta roupa era provavelmente removida para que o batismo fosse ministrado, por imersão [do corpo] na água, que agora estava reduzida a uma purificação preparatória. Depois disto, por cerimônias desconhecidas14, o discípulo era possuído pelo espírito de Jesus e assim unido a Jesus.

O problema que se coloca para Clemente não é tanto o fato de Jesus batizar secretamente, mas o sentido que o verbo “acompanhar”, aplicado ao  jovem nu, poderia adquirir (se é que já não havia adquirido) entre alguns grupos cristãos, particularmente os carpocracianos. Retornando à crença básica desse grupo cristão de que o pecado era um meio de salvação, e não de perdição (Smith, 1973: 14), ganharia uma nova e “moralmente” perigosa leitura, qual seja: ele estaria sendo lido por aquele grupo cristão no sentido 15

de “ter relação, de acasalar, de constituir um casal” Aristóteles. Geração dos Animais 764; ver, especialmente: Rocci, 1943:  (cf. 1748). A imagem de Mc (14:51-52), como um fragmento de vaso (que seria a passagem da ressurreição do jovem rico contida no Marcos Secreto), é adequada. No entanto, a outra imagem criada por Crossan também é apropriada. Ela associa à referida passagem (Mc 14:51-52) a uma bomba que foi desarmada, mas que ali permaneceu como memória do seu real perigo. Há grupos ligados às religiões de mistérios que seriam, numa 16

perspectiva históricaa conservadora, coinquilinos Eles incorporaram relação homoerótica como do partepaleocristianismo de um ritual de. iniciação. Seja por proximidade sociocultural ou não, algumas comunidades cristãs parecem ter entendido assim a iniciação à vida cristã (o ritual do batismo) e o seguir Jesus (talvez pudesse ser esse o entendimento dos carpocracianos). Foi assim que elas simbolizaram a sua relação com o senhor. No entanto, outras comunidades cristãs censuraram tal interpretação (possivelmente eram esses os casos de Clemente e de Teodoro). As suas correções teológicas acabaram por prevalecer na História do cristianismo. Mas, por motivos hoje estão quase que completamente por alguns poucosque indícios, a chamada ortodoxia cristã nãoperdidos, pode (ousalvo não

 

quis?) suprimir totalmente a memória de um ritual homoerótico de iniciação aos mistérios do Reino dos Céus. O interessante de se pensar Mc (14:51-52) como uma imagem de uma perigosa bomba que foi desarmada, é que ela permite a elaboração de um quadro que dá conta de explicar o porquê de a referida passagem ser tão fragmentada e, ao mesmo tempo, enigmática. Esta imagem também pode servir como uma pequena lição de História para as atuais atitudes machistas e homofóbicas dentro e fora das igrejas cristãs. Uma pequena contribuição da história para superar uma visão monolítica das origens do cristianismo, irredutível a um modelo único, ontem como hoje. 1 Este ensaio tem como referência o artigo de Gabriele Cornelli denominado: Un amor (mal) censurado. Para una Exégesis no Homofóbica de Marcos 14:51-52 , in:  in:  RIBLA 37 (2000) 74-81. O presente ensaio pretende retomar o tema e desenvolvê-lo através de novos insigths, algumas revisões críticas, e uma ainda maior sustentação dos argumentos apresentad apresentados os no artigo citado. 2 Em toda a Septuaginta, o verbo só é utilizado duas vezes (2Mac 2:4-6): o profeta Jeremias, acompanhado pelos seus companheiros, companheiros, ordena que o acompanhem com a tenda e a arca até o monte Sinai. Uma vez mais, trata-se de uma companhia muito especial. 3 Para a publicação final do documento, seguida de uma ampla introdução e análise crítica, ver: Smith (1973c). 4 Ele estava situado a cerca de doze milhas a sudoeste de Jerusalém. 5 Apesar de causar uma certa estranheza o fato de Clemente de Alexandria e Orígenes não se referirem a esta tradição, ela é atestada por Eusébio (HE 2.16:24), por Jerônimo (“De Vir. Illust.”, viii), pelas Constituições Apostólicas (VII, xlvi), por Epifânio (“Hær;.”, li, 6), entre outros. 6 Das falsificações mencionadas por Clemente no material enviado por Teodoro, a sua carta, por causa do seu estado fragmentário, só identifica uma: a introdução da expressão “homem nu com homem nu”, que não seria originária do Marcos secreto que ele conhecia. Talvez o problema central possa ser muito mais do que simples interpolações de palavras, mas da interpretação que Carpocrácio e os carpocracianos poderiam fazer do evangelho secreto de Marcos. 7 Raymond Brown chegou a descrever a obra de Morton Smith como “uma atitude de desprezo para com a Cristiandade”. 8 Tal afirmação se aplicaria também aos demais materiais evangélicos situados fora do cânon neotestamentário. 9 Evangelho Secreto de Marcos (Smith, 1973: 16-17). 10 Para uma discussão aprofundada entre as duas histórias, ver: Smith (1973: 45-62). 11 Muito embora Smith (1973: 61) não seja categórico, ele parece estar convencido que ambas as histórias (contidas no Marcos Secreto e em Jo) viessem de uma fonte comum; para uma visão ligeiramente diferente, ver: Koester (1990: 296), em especial a seguinte colocação: “na sua forma, o Marcos secreto representa um estágio de desenvolvimento da história que corresponde à fonte usada por João”. Neste caso, o Marcos Secreto poderia ser fonte de Jo 11; com relação à história da ressurreição contida no Marcos Secreto ser mais velha do que aquela contida em Jo 11, ver: Smith, 1973: 52, 56; sobre a anterioridade do Marcos Secreto sobre o Mc, ver: Smith (1973: 61-62), Crossan

(1985: 89-121) e Koester (1990: 273-330).

 

12 Ver Ver os seus diálogos com o jovem abastado (Mc 10:17-22) e com seus discípulos (Mc 10:18-27). 13 Crossan (1994: 367) tem algumas hipóteses sobre os motivos que levaram esta tradição a não ser completamente apagada. O mais forte é que não havia outra tradição de um batismo realizado por Jesus e que pudesse ser utilizada como texto litúrgico para a cerimônia do batismo na comunidade. Importante notar também que os seis dias nos quais Jesus ensina os mistérios do reino de Deus correspondem à prática da tradição copta egípcia de batizar no sexto dia da semana. 14 Como Smith (1973:113, nota 12) informa, a partir dos textos do hekalot, de Qumran, dos papiros mágicos e da liturgia bizantina, estas cerimônias teriam sido principalmente a recitação de hinos e preces repetitivas, hipnóticas. 15 Os ritos do batismo e da comunhão constituiriam os dois principais traços de descontinuidade de Jesus em relação ao judaísmo. 16 Os grupos citados podem fazer referência, de maneira mais genérica, ao complexo e fluido mundo dos cultos dionisíacos. dionisíacos. Uma prova para todas, a este respeito, da difusão destas práticas em âmbito já romano, poderia ser o trecho do  Ab Urbe Condita de Tito Lívio (XXXIX:8-18) sobre o caso  dos Baccanálias, que eclodiu em Roma em 186 a.C. A homossexualidade masculina presente nos cultos, considerada desviante em âmbito romano, já incomodava Tito Lívio.

 

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Catálogo Sumário das Imagens Utilizadas. Figura 1 Medalha de hematita. Inventário: Michigan, Museum of Archaeology, University of Michigan. Inventário: 26092. Proveniência: Egito. Bibliografia: Bonner, 1950: 302, nº. 294. Descrição: (lado A) Um homem, voltado para a direita, em traje militar, sobre o cavalo, segura, com a mão direita, uma lança que está apontada para uma figura feminina que está caída no chão. O cavaleiro veste uma clâmide presa no ombro direito, uma túnica curta franzida e botas de montar. Há, na parte superior da lança, uma espécie de alça que o cavaleiro utiliza para segurá-la. O cavalo está galopando e as suas patas dianteiras estão levantadas, sugerindo que ele vai saltar (ou esmagar?) a mulher. Esta última está nua e tem a sua mão esquerda levantada em direção ao cavaleiro, em atitude de clemência. Há uma estrela em frente à face do cavaleiro. Há uma inscrição ao redor do cavaleiro: SOLOMON. (lado B) Há uma inscrição: SPHRAGIS THEOU.

Figura 2 Placa de bronze oval com um orifício na parte superior. Collection Newell. Inventário: 49. Proveniência: Síria ou Egito. Bibliografia: Bonner, 1950: 302-303, nº. nº . 298 (lado A), plate XIV. XIV. Descrição: cavaleiro aureolado, voltado para a direita, montando sobre o cavalo, transfixa com uma lança uma mulher caída no chão. Há um leão abaixo da mulher voltado para a direita. Há uma inscrição: EIS THEOS O NIKON TA TA KAKA.

Figura 3 Bracelete de

bronze com quatro medalhões. Michigan, Museum of

 

Archaeology, University of Michigan. Inventário: 2698. Proveniência: Síria. Archaeology, Bibliografia: Bonner, 1950: 306, nº. 321 A-D. Descrição: (parte A) O começo de um verso de proteção O KATOIKON EM BOETHIA. Esta inscrição faz parte do primeiro versículo do Salmo 91. (parte B) Virgem sentada, voltada à direita, com a criança (o menino Jesus) nos seus joelhos, voltada também para a direita. À direita um homem, com o corpo inclinado para frente, denotando um sentido de reverência. Todas Todas as três figuras estão aureoladas. (parte C) Duas pessoas aureoladas inclinadas para frente (denotando um sentido de reverência). Entre elas uma estreita estrutura. No seu interior, há uma figura não identificável hermeticamente enrolada em um manto (seria o túmulo de Jesus? seria o de Lázaro?). (parte D) Cavaleiro aureolado, voltado para a direita, montando sobre o cavalo, transfixa com uma lança uma figura feminina caída no chão.

Figura 4 Medalha de hematita. Bibliografia: Bonner, 1950: 302, nº. 295. Descrição: (lado A) Um homem, voltado para a direita, em traje militar, sobre o cavalo, segura, com a mão direita, uma lança que está apontada para uma figura feminina que está caída no chão. O cavaleiro veste uma clâmide presa no ombro direito, uma túnica curta franzida e botas de montar. O cavalo está galopando e as suas patas dianteiras estão levantadas, sugerindo que ele vai saltar (ou esmagar?) a mulher. Esta última está nua e tem a sua mão esquerda levantada em direção ao cavaleiro, em atitude de clemência. Há uma estrela em frente à face do cavaleiro. Há uma inscrição ao redor do cavaleiro: SOLOMON. (lado B) Há uma inscrição: SPHRAGIS THEOU.

 

Figura 5 Medalha de hematita. Bibliografia: Bonner, 1950: 302, nº. 296. Descrição: Lado A. Um homem, voltado para a direita, em traje militar, sobre o cavalo, segura, com a mão direita, uma lança que está apontada para uma figura feminina que está caída no chão. O cavaleiro veste uma clâmide presa no ombro direito, uma túnica curta franzida e botas de montar. O cavalo está galopando e as suas patas dianteiras estão levantadas, sugerindo que ele vai saltar (ou esmagar?) a mulher. Esta última está nua e tem a sua mão esquerda levantada em direção ao cavaleiro, em atitude de clemência. Há uma toda estrela em do frente à faceHádouma cavaleiro. cobradocontorna envolve a cena cavaleiro. inscriçãoUma ao redor cavaleiro:e SOLO. Lado B. Há uma inscrição: SPHRAGIS THEOU.

Figura 6 Medalha de hematita. Bibliografia: Bonner, 1950: 302, nº. 297. Descrição: Lado A. Um homem, voltado para a direita, em traje militar, sobre o cavalo, segura, com a mão direita, uma lança que está apontada para uma figura feminina que está caída no chão. O cavaleiro veste uma clâmide presa no ombro direito, uma túnica curta franzida e botas de montar. O cavalo está galopando e as suas patas dianteiras estão levantadas, sugerindo que ele vai saltar (ou esmagar?) a mulher. Esta última está nua e tem a sua mão esquerda levantada em direção ao cavaleiro, em atitude de clemência. Há uma estrela em frente à face do cavaleiro. Parte de uma cobra contorna e envolve toda a cena do cavaleiro. Há uma inscrição ao redor do cavaleiro:

SOLO[MON]. Lado B. Há uma inscrição: [SPH]RA[GI]STH[E]OU. Após a última

 

letra, aparece uma estrela. Abaixo, sinais grandes e pequenos.

Figura 7 Estela Funerária (de Dexileos). Atenas, Museu do Cerâmico. Inventário: P1130. Data: 394-393 a.C. Bibliografia: Spence, 1993: 263, nº. 12, fig. 11. Descrição: Jovem imberbe, montado sobre o cavalo, voltado para a direita, veste uma clâmide presa no ombro direito e uma túnica curta franzida. Um hoplita, apoiado no joelho esquerdo e na perna direita completamente esticada, protege-se, no solo, com o braço direito, do ataque do cavaleiro e do cavalo. A julgar pela forma como foi trabalhado o braço direito do cavaleiro, ele estava segurando uma lança (agora perdida) contra o seu oponente.

Figura 8 Estela. Atenas, Museu Nacional. Inventário: 2744. Data: 394-393 a.C. Bibliografia: Spence, 1993: 264-265, nº. 25, fig. 13. Descrição: Jovem imberbe, montado sobre o cavalo, voltado para a esquerda, capacete em forma de  pílos, espada na bainha, veste uma clâmide e uma túnica curta franzida. Na frente do cavalo está um hoplita caído ao solo. Junto a esse soldado, há um outro hoplita impedindo-o de levantar (?). A  julgar pela forma como foi trabalhado o braço direito do cavaleiro, ele estava segurando uma lança (agora perdida) pronta a ser investida contra o soldado caído ao solo.

Figura 9 Moeda de prata de T Taras. aras. Data: século IV a.C.

Bibliografia:

Bibliografia: Carradice, 1995: 52, fig. 31b.

 

Descrição: (lado A) Cavaleiro nu, sobre o cavalo, voltado para a direita, segura com a mão direita uma longa lança.

Figura 10 Denário de prata. Brown University, University, Coleção Harkness. Data: 57 a.C. Bibliografia: Catálogo de Exposição, s/data, 55, nº. 28. Descrição: (lado b) Estátua eqüestre voltada para a direita sobre uma arcada de cinco arcos. Embaixo do cavalo, uma flor. Há uma inscrição: AQUA MAR PHILIPPVS

Figura 11

Sestércio de bronze. Museu Paulista, Universidade de São Paulo. Data: 103-111 d.C. Bibliografia: Catálogo de Exposição, s/data, 67, nº. 40. Descrição: (lado b) Trajano, em traje militar, galopando à direita, atacando com uma lança um inimigo nu ajoelhado entre as patas dianteiras do cavalo. Há uma inscrição: SPQR OPTIMO PRINCIPI SC.

Figura 12 Moeda de bronze de Mitilene. Inglaterra, British Museum. Data: 209212. Bibliografia: Howgego, 1995: 86, plate 164. Descrição: (lado b) Caracala, em traje militar, galopando à direita, atacando com uma lança um inimigo caído ao solo.

Figura 13

 

Medalha de bronze. Bibliografia: Bonner, 1950: 304, nº. 306 (lado A), plate XV. XV. Descrição: cavaleiro aureolado, voltado para a direita, montando sobre o cavalo, transfixa com uma lança uma mulher caída no chão. Constatam-se uma estrela de seis pontas sob o cavalo e uma corda com três laços embaixo da mulher Há uma inscrição: EIS THEOS [O NIKON] TA TA KAKA.

Figura 14 Medalha de bronze. Bibliografia: Bonner, 1950: 304, nº. 311 (lado A), plate XV. Descrição: cavaleiro aureolado, voltado para a direita, montando sobre o cavalo, transfixa com uma lança uma mulher, cujas mãos estão amarradas, caída no chão. Há uma inscrição: EIS THEOS O NIKON TA TA KAKA.

Figura 15 Medalha de bronze.

Bibliografia: Bonner, 1950: 305, nº. 315 (lado A), plate XV. XV. Descrição: A superfície está dividida em dois registros. Na parte superior, à esquerda, uma figura humana com a cabeça de burro inclina-se para frente, com a mão direita levantada, em direção a um leão localizado na sua frente. Entre eles está um pilar com uma pequena barra cruzando-o bem ao meio. A figura humana com cabeça de burro usa uma clâmide e leva sobre o seu ombro esquerdo um estranho cetro(?) com uma projeção horizontal

próximo ao topo. A atitude da figura humana com cabeça de burro está mais próxima de uma  proskúnesis do que propriamente uma atitude hostil.

 

Talvez o deus ou o demônio cabeça de burro esteja desempenhando o ato de obediência ao leão solar(?). Na parte inferior, cavaleiro aureolado, voltado para a direita, montando sobre o cavalo, transfixa com uma lança uma mulher caída no chão. Há algumas letras de difícil identificação.

Figura 16 Medalha de bronze. Bibliografia: Bonner, 1950: 306, nº. 318 (lado A), plate XVI. Descrição: (lado A) cavaleiro aureolado, voltado para a direita, montando sobre o cavalo, transfixa com uma lança uma mulher caída no chão. Há um leão abaixo da mulher voltado para a direita. Há uma inscrição: EIS THEOS O NIKON TA TA KAKA.

Figura 17 São Jorge, sobre o cavalo, submetendo o dragão com a lança.

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