José Murilo de Carvalho-resenha_formação Das Almas
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José Murilo de Carvalho A formação das almas
Constituindo a trama das ideologias o eixo articulador do livro, José Murilo de Carvalho embarca na análise de elementos extradiscursivos das justificativas ideológicas republicanas e, “hermeneuta das formas”, passa a interpretar símbolos, imagens, alegorias e mitos da época, além de, por fim, avaliar de que maneira as concepções da República extravasaram o círculo restrito das elites e alcançaram a população. O título da obra dá a pista: formar almas, por meio de arsenal de heróis, hinos, mitos e bandeiras que transbordaram no país, ao final do século XIX, XIX, na luta pela conquista do imaginário popular republicano. Não obstante, o autor parece concluir que, assim como a “República não foi”, tampouco, foram bem sucedidos os construtores da nova forma de governo, ao tentarem construir um imaginário próprio. Prova essa assertiva o farto material iconográfico posto sob análise – análise – monumentos, monumentos, caricaturas de jornais, obras de arte – arte – que que reflete as incoerências incoerênci as da República brasileira e a do próprio ícone, Tiradentes. Ao longo do tempo, o mártir teve sua imagem, história de insurgente e atitude religiosa reclamadas por grupos de ideologias diferentes e até opostas, o que acentuou a ambigüidade do símbolo. O governo republicano tentou dele se apropriar; os governos militares recentes declararam-no patrono cívico da nação brasileira; o Estado Novo o exaltou; Walsht, positivista, pintou-o um militar de carreir a; e até as esquerdas, esquer das, que desde os jacobinos até os movimentos guerrilheiros da década de 1970 dele não abriram mão. Apresentada uma visão panorâmica do conteúdo do livro, pode-se fazer uma apresentação de sua estrutura física. físi ca. A 18ª reedição da obra em comento foi produzida em 168 pgs. Após a contracapa, encontram-se o índice, os agradecimentos, a introdução e os seis capítulos em que se divide o volume: 1 – Utopias Utopias republicanas; 2 – 2 – As As proclamações da República; 3 – 3 – Tiradentes: Tiradentes: um herói para a República; 4 – República Repúblicamulher: entre Maria e Marianne; 5 – 5 – Bandeira Bandeira e hino: o peso da tradição; e 6 – 6 – Os Os positivistas e a manipulação do imaginário. Em seguida, vêm: a conclusão; conclusão; as notas à introdução e a cada capítulo; as fontes (jornais e revistas; livros; e artigos, teses e folhetos); e o índice das ilustrações. Já na introdução, Murilo de Carvalho delineia os assuntos de que tratará nos capítulos que lhe seguem. O autor: 1 – 1 – discutirá discutirá as ideologias que disputavam a definição da natureza do novo regime – regime – o o jacobinismo, o liberalismo e o positivismo; 2 – 2 – abordará abordará o tema do mito da República e o estabelecimento estabeleci mento de um mito de origem; 3 – 3 – tratará tratará do mito do herói, também de longa tradição na história; 4 – desenvolverá desenvolverá o tema da aceitação popular da alegoria da República na fi gura da mulher, na França, e de sua rejeição, no Brasil, mediante a comparação por contraste, entre aspectos das duas sociedades e das duas repúblicas; 5 – 5 – discutirá discutirá os simbolismos da bandeira e do hino; e 6 – se se dedicará aos positivistas ortodoxos, os mais articulados manipuladores de símbolos do novo regime, superando, na organização e na perseverança, os jacobinos. O capítulo 1, “Utopias republicanas” (já publicado, anteriormente, em vers ão modificada sob o título “Entre a liberdade dos antigos antig os e a dos modernos: a República no
Brasil”, em Dados, Revista de Ciências Sociais), é dividido em alguns títulos, a saber: As duas liberdades; A herança imperial; A opção republicana; e A cidadania e a estadania. Neste capítulo, o autor discutirá como os modelos europeu e americano, principalmente francês e o dos Estados Unidos, foram interpretados e adaptados às circunstâncias locais pela elite política republicana. O capítulo 2, “As proclamações da República”, abre-se com uma epígrafe de Tobias Barreto: “A gente fica a pensar se a história não será em grande parte um romance de historiadores” e foi dividido em quatro títulos: As proclamações; Deodoro: a República militar; Benjamin Constant: a República sociocrática; Quintino Bocaiúva: a República liberal. Trata da tentativa dos vencedores de 15 de novembro de construir uma versão oficial dos fatos destinada à história, a luta pelo estabelecimento de um mito de origem. Estavam em jogo a definição dos papéis dos vários atores, os títulos de propriedade que cada um julgava ter sobre o novo regime e a própria natureza do regime. O autor ressalta que o advento da República não pode ser reduzido à questão militar e à insurreição das unidades militares aquarteladas em São Cristóvão. Consta, em nota de pé de página, que versão resumida deste capítulo já fora publicada na revista “Ciência hoje”, nº59 (novembro/1989). O capítulo 3, o último dos três publicados anteriormente (em versão resumida, no Jornal do Brasil, 2/12/1989 – a efeméride justifica), sem subtítulos, o autor debruça-se sobre a dificuldade encontrada para se construir um herói para o novo regime. Segundo o autor, herói que se preze deve, de alguma maneira, ter a cara do povo que representa; tem de responder a alguma necessidade ou aspiração do conjunto da nação, refletir algum tipo de caráter ou de atitude que corresponda a um modelo coletivamente valorizado. No caso brasileiro, foi grande o esforço de transformação dos principais participantes do 15 de novembro em heróis do novo regime. Deodoro era o candidato mais óbvio ao papel de herói republicano, mas seu republicanismo era incerto; Benjamin Constant apresentava um republicanismo inatacável, mas não era um líder; candidato mais sério que Benjamin era Floriano Peixoto, que adquiriu grande dimensão após os episódios das Revoltas da Armada e Federalista, tendo inspirado o ja cobinismo. Constava contra ele, entretanto, a divisão que criava entre os militares (Exército contra marinha) e entre os civis (jacobinos e liberais). Assim, o esforço de promoção desses candidatos a heróis resultou em quase nada. A “passeata militar” de 15 de novembro não fornecia substância suficiente para a gênese de mitos. Diante dessas dificuldades, quem aos poucos se re velou capaz de atender às exigências da mitificação foi Tiradentes, não obstante a intensa batalha historiográfica que, ainda hoje, se trava em torno da figura do Mártir da Inconfidência. Além disso, este teria enfrentado e vencido Frei Caneca como um concorrente de peso – herói de duas revoltas, uma pela independência, outra contra o absolutismo, além de também ter morrido como mártir. Na luta pela conquista de ‘corações e mentes’ (para citar o documentário político de Peter Davis, de 1971, a respeito do processo de transformação da opinião pública norte-americana em relação à Guerra do Vietnã), a candidatura de Tiradentes a herói da República teria se beneficiado de alguns fatores. O geográfico seria um deles: Tiradentes seria o herói de uma área que, a partir da metade do séc. XIX, já podia ser considerada o centro político do país – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, as três capitanias que ele, inicialmente, buscou tornar
independentes. Frei Caneca seria o herói de uma região – o Nordeste – em plena decadência econômica e política, além de a Confederação do Equador comportar certo aspecto separatista. Teria havido outro importante fator na preferência pelo herói das Minas Gerais: a coragem que demonstrou viria ao final do fervor religioso, ao contrário daquela de Caneca, que viria ao final do fervor cívico. Tir adentes assumira a postura de mártir, identificado com Cristo; Caneca, a de herói desa fiador, quase arrogante. A conjuração de Tiradentes não passou à ação real; Tiradentes não derramou sangue, nem foi violento contra outras pessoas: ele foi o “mártir ideal e imaculado na brancura de sua túnica de condenado”. De modo diverso, ocorreram os levantes de 1917 e o de 1924, em Pernambuco, protagonizados pelo Frei. Tudo isso falava alto à alma do homem do povo. O capítulo 4, “República-mulher: entre Maria e Marianne”, também sem subtítulos, explicita um dos elementos mais marcantes do imaginário republicano francês, a alegoria feminina. Da Primeira a Terceira República, a figura feminina, inspirada na Roma clássica, dominaria a simbologia cívica francesa, representando tanto a liberdade, quanto a revolução e a república. A popularização teria vindo com a figura de Marianne, nome popular de mulher. Como reação, o governo que precedeu a Terceira República teria passado a incentivar o culto da Virgem Maria. No Brasil, as dificuldades para o uso da alegoria feminina eram praticamente insolúveis. Ela não encontrava suporte em nenhuma das duas partes: o significado da República real estava muito distante daquele imaginado por seus executores; e o significante, o qual não comportava a mulher cívica, nem na realidade, nem em sua representação. Consequentemente, a República considerada falsa foi aproximada da imagem de mulher tida como corrompida, a prostituta. No capítulo 5, “Bandeira e hino: o peso da tradição”, trava-se a batalha acerca da simbologia republicana relativamente à bandeira e ao hino: de adoção e uso obrigatórios, esses dois símbolos tinham de ser estabelecidos por legislação, em data certa. Dividido em dois subtítulos, “A bandeira ‘marca cometa ’” e “O ‘ta-ra-ta-ta-tchin’: vitória do povo”, o autor afirma que, quanto à disputa referente à bandeira, a vitória coube à facção dos positivistas, mas ressalta que essa vitória se deveu ao fato de que o novo símbolo incorporou elementos da tradição imperial. No caso do hino, então, a vitória da tradição teria sido total. O capítulo 6, “Os positivistas e a manipulação do imaginário”, foi divido em três subtítulos: ‘O imaginário comtista’; ‘A tática bolchevista dos ortodoxos’ (seção que havia tido algumas idéias já publicadas, na Revista do Brasil); e ‘Manipuladores de símbolos’. Neste, o autor se dedica exclusivamente aos positivistas ortodoxos, pois teriam se envolvido em todas as batalhas simbólicas discutidas no livro: as do mito de origem; a do herói; a da alegoria feminina; e a da bandeira (no caso dos debates sobre o hino, eles teriam se omitido por acederem à solução encontrada. Afirma, peremptoriamente, que foi o grupo mais ativo e beligerante, para que a República se tornasse um regime não só aceito, mas também amado pela população: lutaram com dedicação apostólica; para outros, como fanáticos. Por fim, na conclusão, Carvalho afirma que a corrente vitoriosa não obteve êxito em criar um imaginário popular republicano, honrosas exceções feitas, paradoxalmente,
àqueles aspectos mantidos da tradição imperial ou dos valores religiosos. O esforço empregado não fora suficiente para envolver a população, alijada do proces so de implantação do novo regime. Por todo o exposto, verifica-se que José Murilo de Carvalho, empreendeu, com sucesso, tarefa inédita, ao interpretar símbolos incorporados pela nova forma de governo – a República -, no que tange ao sentimento demonstrado pelas diversas formas de expressão artística. No Brasil, os ícones oficiais adotados, inspirados naqueles franceses das revoluções de 1789,1830, 1848 e 1871, que , por sua vez, foram inspirados nos da Roma Clássica, não repercutiram no imaginário nacional como o fizeram em outras terras e tempos. O autor levanta os debates ideológico e historiográfico acerca do tema e destrincha suas implicações e suas remanescências, as quais perduram no modelo liberal-democrático vigente, em enclaves jacobinos e rasgos positivistas
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