Jardim Das Flores O Livro Do Vegetal

September 18, 2017 | Author: Carlos Eduardo Pereira | Category: Ayahuasca, Inca Empire, Death, Solomons, Homo Sapiens
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Introdução:

Minguarana A Chave do Jardim das Flores Ayahuasca, Vegetal, Oaska, Daime, Yagé, Hoasca, Waska... Diversos nomes para um só Sacramento de Comunhão. Chá das Recordações, Vinho das Almas, Fogo Liquido, Chicote da Alma, Chá Misterioso, Liana dos Mortos... Diversos termos para uma só entidade de Luz. Da união de dois vegetais, o arbusto Chacrona e o cipó Mariri, destila-se o Vegetal. Curiosamente, não só pelas mãos dos homens esses vegetais são unidos, mas também na natureza eles sempre são encontrados juntos, como se ensinando a primeira lição aos homens, uma misteriosa lição que fala sobre a Minguarana, a licença concedida pela Natureza Divina para se adentrar em seus Mistérios, Saberes e Encantos. Está união de vegetais que resulta no Chá Misterioso, bebida esta que vêm através das Eras estando sempre junta à humanidade, vindo unir-se a outra liana, feita de genes, carne e sonhos que é o ser humano. Essa liana humana carrega consigo lembranças atávicas de todas as suas existências em todos os tempos onde está sempre se reunindo ao Mestre Vegetal. Sabe-se que esse Fogo Liquido, mistura de Sol & Terra, Estrelas & Homens, foi bebido na Atlântida, levado de lá para onde quer que o povo atlante tenha migrado com sua cultura e Sabedoria Perene. Mas foi nos Andes e na Amazônia onde a sabedoria desta união se manifestou fortemente, entrando em consonância com o espírito planetário que converge para a América do Sul a Nova Consciência, uma espécie de ultimato e nova chance para ser humano. Na fronteira entre a Amazônia e os Andes um homem chamado José Gabriel da Costa encontrou o termo final da saga que foi sua vida nesta encarnação. Em vidas passadas, José Gabriel vinha sempre se reencontrando com o Chá Misterioso. Foi assim em tempos imemoriais, foi assim até onde a força da memória deste Avatar nos revelou: foi ele um Rei em um reinado antediluviano; um Conselheiro que atravessou oceanos com Salomão, este que cedeu o nome para batizar o Rio Solimões; um Xamã andino que nomeou o Império Inca e em nossos tempos moldou-se a si mesmo, nos diversos níveis de maestria, o homem que nasceu para refundar a União do Vegetal. A vida de Mestre Gabriel é a essência dos ensinamentos que ele transmitiu dentro da Luz do Vegetal: Purificação, Correção da Vida, Retidão, Resignação. Ele mesmo passou por tudo na vida, e com a mesma simplicidade que aceitou o que lhe veio e transmutou no caldeirão fervente da alquimia do coração, ele ofereceu à humanidade o copo cheio que deve ser sorvido sem medo e com imensa resignação e entrega, atos que

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exigem do homem comum uma coragem extrema, a coragem de querer voltar à comunhão com suas origens. Esse caminho de aprendizagem proporcionado pelo Vegetal serve para purgar-nos dos condicionamentos não-naturais, dos agregados inautênticos à nossa personalidade, de todas as camadas recessivas que são incorporadas por nós que inibem nossa evolução. O Vegetal porém incorpora em si toda a sabedoria do Universo e da Terra, trazida pelo cipó, planta mística que faz uma espécie de conexão do céu com a terra, portador da força, enquanto o arbusto é uma planta essencialmente sorvidora de luz, uma conexão terra com o céu, portadora da iluminação. Nesse movimento verde, imiscua-se o contato céu – terra, como diria um filosofo: “...O carvalho mesmo assegurava que só semelhante crescer significa: abrir-se à amplidão dos céus, mas também deitar raízes na obscuridade da terra; que tudo que é verdadeiro e autêntico somente chega à maturidade se o homem for simultaneamente ambas as coisas: disponível ao apelo do mais alto céu e abrigado pela proteção da terra que oculta e produz”. (Heidegger, M. in “O Caminho do Campo”)

Ao se beber o Vegetal então inicia-se uma simbiose entre o corpo do homem e o corpo da Terra. O Chá desvela os tramites para que o corpo se concentre em um êxtase misterioso nomeado Burracheira, referência de Mestre Gabriel a labuta de se retirar a essência da Seringueira, que escorre lenta e sistematicamente pelas feridas arranhadas no tronco da árvore-homem, aflorando sua seiva, a seiva do ser humano são seus sentimentos e recordações. Mas imagine o látex da seringueira escorrendo, impregnando a mão suada do seringueiro, o toque de um dedo no outro, um toque amaciado, emborrachado, como se a distância da carne aproximasse da alma... E vêm as Mirações. Visões do passado, momentos paralisados, estranhos palácios espirituais, o Astral Superior se abre, cidades incríveis são visitadas, Florestas de Jóias, Seres Guias... Vêm ao nosso encontro ancestrais, pessoas falecidas, os poderosos defuntos, e também animais, serpentes, milhares de seres vira-latas que nos aturdem, brincam conosco, afinam nossa consciência para as lições do Vegetal... enfim, na Miração nos vêm aquilo tudo de que é composto cada grama de espírito que nos sustém. Eventualmente vem a Limpeza, e tocamos a terra de um modo inusitado, como a própria chicotada na alma e nas entranhas. A limpeza é uma espécie de cobrança do Vegetal para com o individuo que o bebeu... cada um sabe de si para consigo mesmo, uma relação particular entre o homem e o Vegetal. Ocorre também a Peia, aí sim uma verdadeira surra do Vegetal naquele que deve de um modo ou de outro aprender pela dor para evoluir. Nisto, pode parecer que o vegetal tem muitas maneiras de ensinar, mas ele tem um só meio, os homens que são diversos em suas necessidades e tendências. O meio que o Vegetal usa para ensinar é sempre o mesmo, uma misteriosa forma de se misturar a Luz e a Sombra da Natureza com a nossa própria luz e sombra interior. -2-

Observando nosso interior, analisando a nós mesmos, descobrindo o quanto nos desconhecemos, o quanto de nós está imerso nas próprias sombras do esquecimento e do auto-engano e da ilusão natural da matéria. Ao comungar o Vegetal, a consciência viva no Chá decide o que nos ensinar e nós ficamos ―a esperar o que há vir‖, sabendo que daí virá mais uma lição do profundo Simples da Natureza, para nosso bem, nossa evolução, nosso retorno à essa Natureza da qual um dia nos distanciamos enquanto raça. Todo esse roteiro de aprendizagem foi desvencilhado por Mestre Gabriel através das Chamadas, onde reside a contrapartida humana, o espírito de Mestre, que nos orienta dentro do transe especial da Burracheira. Essas Chamadas são cânticos, poemas da expressão de um espírito imenso e simples que nos comunica os saberes para uma melhor interpelação através do efeito do Vegetal. É como se essas palavras tivessem o poder de nos levar a um mergulho no Oceano de Vegetal e de lá emergir para ilhas com faróis de observação do Universo, iluminando o jardim das flores encantadas. Um mar de Vegetal, um mar de florestas, um mar humano, um mar de reencarnações e vida de onde fluem as Chamadas, os ensinos, as Histórias... Memórias vivas reencarnando na união Vegetal – Humanos. Na Cosmogonia de Mestre Gabriel, desvelado por ele e que é continuada por cada discípulo ciente que comunga o Vegetal tem ainda muitos mistérios para serem compreendidos. Mitos formadores; ensinos incompreendidos; o acróstico ―UDV é OBDC‖; o portal/arco estelar onde se lê ―Estrela Divina Universal‖... Tudo isso ainda são mistérios que o Mestre deixou para irmos nos compenetrando, segredos da Natureza Divina, são pedidos de licença já pedidos pelo Mestre para que seus discípulos também evoluam e se tornem mestres de si mesmos.

Mas para que serve o Vegetal? Qual sua dádiva à humanidade? Qual a função desse Chá Misterioso junto a todos os seres humanos e ao Planeta? No nexo de todas as crenças religiosas instituídas que usam do Vegetal como Sacramento podemos ver o fio comum de uma Redenção para todos os homens. O Messianismo do Santo Daime, a introspecção animista da Barquinha, o afloramento xamânico das diversas denominações independentes, tudo e todos falam só do reencontro, da volta dos homens ao seio da Mãe Natureza, o respeito e a harmonia para com todo o Universo, apontam o dedo certeiro para uma expansão de consciência tão especial dentro do transe ayahuaski que denuncia nosso insuportável vazio espiritual que destrói o mundo e nós mesmo, mas ao mesmo tempo que fertiliza este espaço para florar o jardim de nossos sonhos mais cândidos de união universal em irmandade, zelo, amor e respeito tão intensos que às vezes sequer nos reconhecemos navegando nesse mar de Luz, Paz e Amor. Como muito bem o definiu um antropólogo em sua experiência com o DMT, o principio ativo do Vegetal:

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“A experiência que engolfa todo o nosso ser quando submergimos sob a superfície do êxtase da DMT parece a penetração através de uma membrana. A mente e o Eu se desdobram literalmente diante de nossos olhos. Há a sensação de sermos renovados, ainda que não modificados, como se fôssemos feitos de ouro e tivéssemos acabado de ser remoldados na fornalha do nascimento. A respiração é normal, o ritmo cardíaco é estável, a mente é clara e observadora. Mas e o mundo? E os dados sensórios que recebemos? Sob a influência da DMT o mundo se torna um labirinto árabe, um palácio, uma jóia marciana mais do que possível, vasta com motivos que enchem a mente de espanto complexo e sem palavras. A cor e a sensação de um segredo que destranca a realidade permeiam a experiência. Há uma sensação de outros tempos, de nossa infância, e de espanto, espanto, e mais espanto. É uma audiência com o núncio alienígena. No meio da experiência, aparentemente no fim da história humana, surgem portões de guarda que parecem certamente abrir-se ao turbilhão do vazio indizível entre as estrelas, é o Éon. O Éon, como Heráclito observou prescientemente, é uma criança brincando com bolas coloridas. Muitos seres diminutos estão presentes -. os vira-latas, os elfosmáquinas autotransformadores do hiperespaço. Serão eles as crianças destinadas a serem pais do homem? Temos a impressão de entrar numa ecologia de almas que está além dos portais daquilo que ingenuamente chamamos de morte. Não sei. Serão eles a corporificação sinestética de nós mesmos como o Outro, ou do Outro como nós? Será que os elfos estão perdidos para nós desde que se apagou a luz mágica da infância? Há algo tremendo em vias de ser contado, uma epifania além de nossos sonhos mais loucos. Aqui é o reino do que é mais estranho do que podemos supor. Aqui é o mistério, vivo, incólume, ainda tão novo para nós como quando nossos ancestrais viveram-no há quinze mil verões. As entidades da triptamina oferecem o dom de uma linguagem nova; eles cantam em vozes de pérola que chovem como pétalas coloridas e fluem pelo ar como metal quente para se tornarem brinquedos e presentes como os que os deuses dariam aos seus filhos. O senso de conexão emocional é aterrorizante e intenso. Os Mistérios revelados são reais, e se algum dia forem totalmente contados não deixarão pedra sobre pedra no pequeno mundo em que ficamos tão doentes. (McKenna, T. in “O Alimento dos Deuses”)

Entretanto, dos ensinamentos e do ambiente psíquico estabelecido e herdado de Mestre Gabriel, temos algo mais para a humanidade, temos um sério convite para nos redimirmos também, um convite para se aprender a morrer, ou melhor, aprender a viver e descobrir definitivamente o lugar da Morte na vida de cada um. Lá nos primórdios, Mestre Gabriel nos conta quando fala da Origem da Hoasca, tanto a Chacrona quanto o Mariri brotam de uma relação com a morte. Uma Rainha-Profetiza, um Marechal, dignitários de um Reino, mortos e almas de dois vegetais, que sob a luz de um sapiente da visão de um Rei da Ciência são unidos e sorvidos finalmente pelo primeiro Oasqueiro de nossa Era, que ao bebê-lo, beber o sumo daqueles mortos, consegue enfim a permissão para adentrar nos Encantos da Natureza Divina. Rumo à esse Astral Superior, que é habitado por toda a memória de tudo que já existiu, existe e existirá, que só pode ser habitado ou visitado pelos mortos, ou melhor, desencarnados da liana dos corpos materiais.

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E de certa forma é isso que o Vegetal faz, nos desencarna. Despe-nos de nossa roupa carnal e nos lança para uma viagem ao Astral. Sucintamente deslocado da carne, nos lançamos ao Astral e temos as mirações que o Vegetal quer que tenhamos; vagamos de uma forma que a linguagem não pode definir pelas sendas de conhecimentos registrados no Grande Arquivo Universal, que é chamado de Akasha e que o Rei Salomão abriu com Minguarana, a palavra perdida novamente nos entregue. O Vegetal é, pois esse Mestre incrivelmente sapiente, pois todo saber reside em seus caminhos, os quais a palavra mágica nos abre. A lição que o Vegetal nos concede a respeito da morte é uma misteriosa ciranda de Mirações, Peia e Entendimento, sempre acrescidos com muita Luz, mesmo que pouco a percebamos, isso é uma deficiência nossa; com muita Paz, mesmo que tudo fique como uma tempestade, ela também faz parte do Todo e tudo que é grande está em meio a tempestade, seu lugar natural; e muito Amor, porque por mais terrível ou espantosas que sejam as mirações, no fundo sempre sentimos a dádiva cálida do Vegetal nessa admiração a nos temperar, uma pequena amostra da experiência do morrer... e renascer... e morrer... Essa é a lição maior do Vegetal. Paralelamente ele vai nos admoestando sobre todos os fatores para a correção de nossas vidas. Como um amigo sincero, o Vegetal quer que paremos de errar e miremos certo no alvo e lá acertemos em cheio. E que alvo é esse? Ora, o próprio alvo da Vida, tão somente em viver a vida em toda sua profundidade, até que tenhamos que viver a vida de outra forma, procurando nos reencantar com tudo e que possamos ser completos, aqui fora no mundo e dentro dos Encantes da Natureza. As Maestrias do Vegetal A União do Vegetal sempre ressurge através dos tempos e ela está sempre presente entre os homens através de suas Maestrias. Os Mestres são o principal veículo que o espírito da hoasca usa para se fazer presença no mundo. De épocas imemoriais nada sabemos, não faz sequer diferença alguma saber ou não desses distantes mestres. Mestre Gabriel começa a nos contar sobre a União localizando-a em uma época antediluviana, o que nos remete a cerca de 10 mil anos atrás. Na gênese da União do Vegetal temos como percussores a Mestra Hoasca, uma sabia vidente de um reino nativo de uma terra cujo nome se perdeu. Hoasca servia ao Rei Inca. Ambos e o Marechal Tihuaco são os Mestres do Reencontro, aqueles seres que reviveram a origem ontológica e espiritual da União do Vegetal naquele final de Éon.

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Então um salto de cerca de 7 mil anos, o que nos leva à uns 3 mil anos atrás, encontramos os Mestres da Fundação: Rei Salomão e Caiano. Salomão funda em nosso Éon a União do Vegetal, dando a Caiano a Chave para se adentrar nos Encantos da Natureza, fazendo deste o primeiro oasqueiro, tendo a missão de sempre retornar à este plano de existência para não deixar a União desaparecer. Depois disso, a 2 mil anos atrás vêm Mestre Iagora, encarnado nos Andes para continuar, como Mestre do Retorno, a missão de Caiano. Mestre Iagora refunda a União entre os povos indígenas daquela época, e graças aos seus ensinamentos ele dá partida e nome ao grande Império Inca dos Andes nas terras de Biru. Nessa época também se dá a ascensão dos Mestres da Curiosidade, discípulos dissidentes do próprio Mestre Iagora. Os Mestres da Curiosidade então por dois milênios perpetuam sua tradição ayahuasqueira nos Andes e na Amazônia. Depois desse tempo retorna então finalmente a tradição dos mestres da União ao mundo, dessa vez já no Séc. XX de nossa era com o ―destacamento Gabriel‖. O mestre é sempre o Mestre e Mestre Gabriel depois de reencontrar e comungar a ayahuasca junto aos Mestres da Curiosidade que atuavam na floresta amazônica relembra sua eterna missão. Analisando suas vidas pregressas através dos êxtases da ayahuasca por um período de três anos, ele então refunda novamente a União do Vegetal em Rondônia. E durante dez anos Mestre Gabriel doutrina seus discípulos diretos para a continuação de sua missão. À esses dá o nome de Mestres da Recordação os quais começam efetivamente a atuar depois que Mestre Gabriel desencarnou em 1971 d.C. Os Mestres da Recordação atuam então no cenário onde se desenvolvem e se popularizam outras diversas tradições ayahuasqueiras antigas e recentes, xamânicas e sincréticas. Há os prolongamentos dos Mestres da Curiosidade através do Mestres Vegetalistas onde encontramos as religiões ayahuasqueiras da Amazônia brasileira assim como os xamãs diversos dos Andes. Temos então além dos mestres da UDV, a União do Vegetal de Mestre Joaquim José, os Vegetalistas urbanos acadêmicos, pesquisadores e literatos formadores de opinião como William Burroughs e Allen Ginsberg, Daniel Pinchbeck, tais que podem ser tidos como mestres de uma tradição contemporânea estrangeira que visam a expansão da consciência também. A tradição dos Mestres da Recordação da União do Vegetal se vê na encruzilhada da evolução, de buscar novamente uma maestria que contundentemente desvele o porquê da União no mundo junto à humanidade. Formada toda uma outra geração de mestre e discípulos resignados dentro do âmbito da União, fortalecendo-a como foi a vontade de Mestre Gabriel, têm que ouvir agora a voz dos tempos e definitivamente assumir o lugar de protagonistas na cena ayahuasqueira, precipitando assim o adventos dos Mestres do Reencanto.

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Esses têm a missão de dar às pessoas o ensinamento capaz de restaurar a integridade da existência humana, fazendo com que os homens retornem ao seio da Natureza. Uma tarefa espiritual e também sócio-filosófica é a missão desses Mestres do Reencanto, restaurar a ligação dos homens com a natureza via a mística do Vegetal. Nesse sentido a Maestria é algo essencial. O Mestre do Reencanto é todo aquele que consegue reascender em seu coração e em sua vida a chama encantada que um dia esteve disponível aos homens e ele perdeu por culpa de sua negligência e dos fatores históricos que ele mesmo colocou em marcha e perdeu o controle. E o Reencanto propõe também uma nova forma de presença maestra no mundo, que é o de as mulheres assumirem definitivamente seu lugar como Mestres da União, revivendo a divina assunção de Mestra Hoasca. O foco atual então do contato dos seres humanos com os Encantos da Natureza através da Minguarana é manter aberto constantemente esse portal para os encantos. É isso que o Vegetal vem sempre trabalhando nos seres que o comungam, o que poderíamos caracterizar como a busca de um estado de constante Burracheira, um estado de percepção iluminada da realidade onde se perceba e se expresse um novo modo de presença humana que modifique assim toda a realidade material também. O Vegetal traz aos seus discípulos então a linha direta entre eles e os Encantos da Natureza, através da Minguarana, a essência da própria União do Vegetal, que é em si a própria Abertura dos Encantos, para que a humanidade assim se reencante com a Natureza e com a Existência, que tenham mais beleza em suas vidas e transformem todo o mundo possível no Jardim das Flores.

Eduardo Moura Tronconi Uberlândia, Outono de 2009.

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Mitos & Lendas

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A História da Hoasca Conforme Contado na União do Vegetal

Existiu a milhares e milhares de anos, antes do dilúvio universal, um Rei de nome Inca. Este Rei tinha uma conselheira que se chamava Hoasca. Era uma mulher misteriosa que tinha o poder de adivinhar tudo que viria a acontecer, qualquer dificuldade que o Rei tinha, ia aconselhar-se com sua conselheira e ela orientavao no que era necessário, e assim o reinado prosperava. Tudo Hoasca dirigia. Mas um dia Hoasca morreu. O Rei ficou triste com o acontecimento, mas não teve outra coisa a fazer a não ser cavar uma sepultura e sepultar Hoasca. E assim fez... Ficou assim o Rei Inca zelando por aquela sepultura e vinham sempre em visita. Uma dia vêm o Rei em visita à sepultura de Hoasca e viu nascido no centro da sepultura um pé de árvore. O Rei olhou, examinou e viu que aquela árvore era diferente de todas as árvores e não tinha nome. Então diz o Rei: “-Essa árvore nasceu na sepultura de Hoasca, essa árvore é Hoasca”. Nome dado pelo Rei Inca. Nesses tempos nasce no mesmo reinado um menino de nome Tihuaco. Este menino, inteligente, cresceu e chegou a ser Marechal de confiança do Rei Inca. Marechal Tihuaco já conhecia a história da mulher misteriosa contada pelo Rei. Um dia vem o Rei em visita à sepultura da Hoasca acompanhado de seu Marechal Tihuaco. Chegando na sepultura diz o Rei: “-Tihuaco, quem sabe se nós tirássemos folhas dessa

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árvore... quem sabe nós não poderíamos conversar com o espírito de Hoasca para descobrirmos seus segredos e mistérios... Vamos experimentar!” Tirou então algumas folhar, preparou um chá e disse: “-Tihuaco, bebe esse chá e veja se pode falar com o espírito da Hoasca para descobrir seus segredos e mistérios”. Tihuaco bebeu e a Força de Hoasca veio crescendo e crescendo, veio circundando-o e crescendo, chegando ao ponto de Tihuaco não suportar e morrer dentro da Força. O Rei ficou desorientado pelo acontecimento, mas não teve nada a fazer a não ser cavar outra sepultura e sepultar Tihuaco. E assim o fez... Cavou uma sepultura e sepultou Tihuaco, e ficou assim o Rei zelando por aquelas duas sepulturas. Um dia veio o Rei em visita à sepultura da Hoasca e à sepultura de Tihuaco e viu nascido no centro da sepultura de Tihuaco um pé de cipó diferente de todos os cipós e não tinha nome. Então diz o Rei: “-Esse cipó nasceu na sepultura de Tihuaco, então esse cipó é Tihuaco”. Algum tempo depois o Rei Inca também veio a morrer. Contudo mesmo ao morrer tinha o pensamento preso em Hoasca, porque queria descobrir os segredos e mistérios dela. Passa-se o tempo... Muitos e muitos anos depois nasceu um menino que recebeu o nome de Salomão. Este menino era todo dotado de Ciência e de Sabedoria. Sendo sábio, até hoje combate a curiosidade. Salomão estudou de si e tornou-se o rei da Ciência. O Rei Salomão. E a história da mulher misteriosa circulava o mundo. Um dia, chegou aos ouvidos de Salomão a história da mulher misteriosa. E só ele mesmo, como Rei da Ciência, poderia descobrir os mistérios e segredos de Hoasca sendo ele o conhecedor de toda Ciência. Um dia vem então o Rei Salomão acompanhado de seu vassalo Caiano na procura da descoberta dos mistérios. Chegando naquele antigo reinado já transformado em tapera, Salomão encontrou a sepultura de Hoasca e a sepultura de Tihuaco. Chegando na sepultura de Hoasca, diz Salomão tocando na árvore: “-Desta árvore, que tiraram as folhas e fizeram um chá e deram a Tihuaco beber, Tihuaco bebeu e morreu dentro da Força, venho a denominar Chacrona, que quer dizer Chá Temeroso, para aqueles que não o respeitam...” Em seguida dirigiu-se à sepultura de Tiuaco e, encontrando ali um cipó, tocando-o confiou que nele existia o Marechal. Salomão então diz: “-Tihuaco é Mariri, Tihuaco é Marechal...” Declara então Salomão: “-Eu venho fazer a união do vegetal, do Mariri com a Chacrona...”

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“É O MARIRI COM A CHACRONA EM UNIÃO É QUEM NOS CONDUZ É O MARIRI COM A CHACRONA OS DOIS UNIDOS É QUEM NOS CONDUZ O MARIRI NOS DÁ A FORÇA E A CHACRONA NOS DÁ A LUZ É O MARIRI COM A CHACRONA EM UNIÃO É QUEM NOS CONDUZ É O MARIRI COM A CHACRONA OS DOIS UNIDOS É QUE NOS CONDUZ O MARIRI NOS DÁ A FORÇA E A CHACRONA NOS DÁ A LUZ O MARIRI ESBLANDE FORÇA E A CHACRONA ESPLANDECENDO EM LUZ AO MARIRI EU PEÇO FORÇA E À CHACRONA EU PEÇO LUZ. DO MARIRI RECEBEMOS FORÇA E DA CHACRONA RECEBEMOS LUZ É O MARIRI COM A CHACRONA EM UNIÃO É QUEM NOS CONDUZ É O MARIRI COM A CHACRONA OS DOIS UNIDOS É QUEM NOS CONDUZ O MARIRI É O REI DA FORÇA E A CHACRONA RAINHA DA LUZ O MARIRI TRANSMITE FORÇA E A CHACRONA CLAREANDO EM LUZ CAI, CAIA SERENO, SERENO DE LUZ CAIA, CAIA SERENO, SERENO É A LUZ CAIA, CAIA SERENO, SOBRE TODA LUZ CAIA, CAIA SERENO, MESTRE QUER TODOS NA LUZ A UNIÃO QUEM NOS CONDUZ LUZ, LUZ DIVINA LUZ”

Então Salomão tirou alguns pedaços do cipó e algumas folhas da árvore, uniu esses mistérios e preparou um chá e chamou seu vassalo Caiano e disse com palavras firmes: “-Caiano, beba esse Chá, receba a Comunhão do Vegetal e siga firme para receber todo o Poder de Hoasca, todo Poder do Vegetal, todos os segredos e mistérios da Hoasca... Toda vez que a Força vier crescendo e você ver que não suporta, lembre-se que Tihuaco é Mariri e que ele morreu dentro da Força, ele é o Rei da Força...” Caiano bebeu e a Força do Vegetal veio crescendo e crescendo, Caiano vendo que não ia suportar, lembrou-se da voz do Mestre Salomão e chamou: “TIHUACO É MARIRI TIHUACO É MARECHAL TIHUACO É O GRANDE REI NO SALÃO DO VEGETAL TIHUACO É MARIRI MARIRI É MARECHAL O MARECHAL É O GRANDE REI NO SALÃO DO VEGETAL”

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Caiano então diz ao Mestre Salomão: “-Mestre, eu vi tudo, entrei nos encantos da Natureza e vi tudo”. Salomão repreende Caiano: “-Caiano, como é que tu viu tudo? Se os encantos são de Natureza Divina? Vivem fechados e para se penetrar deve-se pedir licença à Natureza Divina, que na minha língua é Minguarana...” “...OH! MINGUARANA TU ABRIREI O TEU ENCANTOS E TRAREI... TRAREI OS TEUS ENCANTOS...”

Continua Salomão: “-Os encantos então estão abertos, temos que pedir porém, para a Natureza Divina nos levar...” “...Ô MINGUARANA TU CLAREI O TEU ENCANTE E CLAREI CLAREI OS TEUS ENCANTOS EU VIM ABRIR MEU ORATÓRIO AO DIVINO ESPÍRITO SANTO Ô MINGUARANA TU ABRE O TEU ENCANTE E CLAREI CLAREI OS TEUS ENCANTOS EU VOU ABRIR MEU ORATÓRIO AO DIVINO ESPÍRITO SANTO Ô MINGUARANA TU NOS LEVAREI AO TEU ENCANTE E TRAREI TRAREI O TEU ENCANTE EU ABRI MEU ORATÓRIO AO DIVINO ESPÍRITO SANTO LUZ, LUZ DIVINA LUZ...”

Então se revelou assim Caiano como o primeiro oasqueiro, e quando precisamos, chamamos: “...CAIANO MESTRE CAIANO É O PRIMEIRO OASQUEIRO EU CHAMO CAIANO CHAMO BURRACHEIRA EU CHAMO CAIANO CHAMO BURRACHEIRA CAIANO MESTRE CAIANO É OASQUEIRO SEM FIM EU CHAMO O REI OASQUEIRO CLAREIA OS SEUS CAIANINHOS EU CHAMO O REI OASQUEIRO CLAREIA OS SEUS CAIANINHOS CAIANO MESTRE CAIANO É QUEM É A LUZ DO CAMINHO É A ESTRADA DO VEGETAL OS DEGRAUS É SEUS CAIANINHOS CAIANO MESTRE CAIANO VEM PELA LUZ VERDADEIRA CLAREIA AOS SEUS CAIANINHOS TODOS PEDE BURRACHEIRA CLAREIA OS SEUS CAIANINHOS TODOS PEDE BURRACHEIRA...”

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Caiano continuou fazendo e distribuindo o Vegetal para as pessoas, mostrando o que esse Vegetal podia fazer-lhes, ensinando a caminhada de ser direito na vida. Equilibrando, firmando o pensamento de cada um... Chegou finalmente o dia em que Caiano teve que deixar também este plano de existência, ficando o Vegetal esquecido por muito tempo. Um dia no Astral, Caiano recebe Ordem Superior para restaurar o Vegetal na Terra e pergunta: “-Quando?”. A resposta: “-Ir agora!”. Com essa palavra dita, Caiano reencarnou com o nome I-agora, no meio dos nativos das montanhas dos Andes onde hoje é o Peru, ensinando essa mesma história contada acima e pedindo sempre por Força. O Mestre I-agora então é muitas vezes lembrado e chamado com essa expressão de seu nome, pedindo orientação que sempre vêm chegando. Por relembrar a história do Rei Inca junto aos nativos deste lugar, eles começaram a chamar Mestre I-agora de Rei Inca, vindo a emprestar o nome de sua antiga encarnação ao Império Inca do Andes. Veio também Mestre I-agora a desencarnar, degolado por um de seus próprios discípulos. E então seus discípulos todos se dispersaram pelos Andes e Alto-Amazônas, e vieram a ser conhecidos posteriormente esses homens como os Mestres da Curiosidade. Mas o Mestre é sempre o Mestre, e lá onde estava, sentiu a necessidade de recriar a União do Vegetal, voltando a encarnar. Nasceu no Brasil chamando-se José Gabriel da Costa, sendo este, o mesmo Rei Inca, sendo o mesmo Mestre Caiano, sendo o mesmo Mestre I-agora, esse é o Mestre Gabriel em uma só Força e em uma só Luz, mostrando, ensinando, equilibrando, colocando todos dentro de um caminho Firme. José Gabriel, sempre guiado por uma Força Superior serviu à esse Reino Astral de diversas formas, até que encaminhou-se para a Floresta Amazônica onde trabalhou como seringueiro e lá recebeu o Sacramento do Vegetal novamente. Relembrando suas encarnações passadas adentrou nas matas à procura dos Mestres da Curiosidade para com eles receber não sabedoria, mas decepção... Aos os encontrar constatou que eles mesmo não sabiam nada. O que lá viu e reaprendeu é um segredo particular, mas como Avatar nos traz também sua luz... A mulher misteriosa, Hoasca, que sempre estivera em seu pensamento desde os primórdios de sua existência neste mundo, foi reencontrada enfim, adentrando em seus segredos e mistérios através deste chá misteriosos enfim. A viagem ao coração perdido da floresta não havia sido em vão. Fora uma viagem iniciática de qualquer forma e dela voltando, Mestre Gabriel refunda a União do Vegetal para o benefício de toda a humanidade, para trazer aos homens a perene sabedoria da união entre os Homens e a Natureza, possibilitando sempre haver de agora em diante, disponível, Luz, Paz & Amor para que todos reencontrem seu caminho ao Divino.

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Lendas e Mitos da Ayahuasca

No Acre, ouvi várias lendas relatando a origem do cipó jagube e da folha chacrona. Selecionei três, sem que fosse possível, no entanto, localizar a fonte histórica de todas; tal conhecimento vem da transmissão oral dos antepassados do povo amazônico. (...) (...) Existia um rei que tinha vários nomes, e o mais conhecido era Ayu Ambrazil. Era um sábio que conhecia a astronomia, a medicina, a fauna e a flora, tinha contato direto com as plantas e os animais o amavam. Além disso, era músico, pintor e grande poeta, o seu trabalho era luz aos lugares escuros do planeta, pois era filho do sol. Tinha como companheira uma valorosa rainha guerreira, e os dois saiam para iluminar os espaços negros. Uma noite, a rainha foi ferida de morte pela escuridão e foi enterrada na floresta. O rei entristeceu-se e cantava dia e noite ao lado da sepultura da esposa. O povo chorava, pois o rei não mais comia nem bebia, só cantava. Os súditos não entendiam o que ele cantava, mas o rei Brazil cantava para o mundo, pois sabia que uma desgraça estava por chegar. Os dias se passaram e o rei foi ficando mais fraco, mas não parava de cantar, até que se agarrou a uma árvore, deu seu último suspiro e morreu. A árvore à qual ele se agarrou jorrou sangue na hora de sua morte, toda a mata se entristeceu. O povo tentou em vão desagarrar o corpo do rei Brazil da árvore, mas sem resultado. Tempos depois, quando retornaram ao local, encontraram no lugar do corpo do rei um cipó diferente dos que eles conheciam, e na sepultura da rainha, um arbusto de folhas brilhantes, também desconhecido. Então os súditos disseram: ―- O rei se transformou em cipó, a árvore em que ele se agarrou jorrou seu sangue, e a rainha se transformou neste arbusto‖. A partir desse dia, passaram a chamar a árvore que jorrou o sangue de ―sangue de Ambrazil‖. Curiosamente, encontrei história semelhante no livro ―Histórias Inéditas do Brasil‖, de Roselis von Sas. Ela conta que o escrivão Pero Vaz de Caminha descreve em sua carta à Portugal o seguinte ritual indígena: os selvagens entravam na floresta e retiravam algumas ervas. Depois retiravam a seiva vermelha de uma árvore e colocavam o líquido em um caldeirão. Dançavam em ritmo monótono em volta do caldeirão, invocando várias vezes o nome de Ambrazil. Segundo a autora, essa árvore de seiva vermelha é a mesma que os portugueses chamaram de Pau-Brasil; por não entenderem o ―Am‖ de Ambrazil, denominaram só de Brasil. ===

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Na mitologia dos índios Cachinawá do Rio Jordão, Estado do Acre, a origem do cipó tem um destaque especial, sua narrativa é rica em detalhes, onde os animais se transformam em gente e vice-versa. ―A Invenção do Cipó‖ foi publicada no livro ―Estórias de Hoje e Antigamente dos Índios do Acre‖, organizado pela Profa. Nieta, traduzida e adaptada do livro ―A Verdadeira Estória dos Cachinawá‖, de André M. D‘Ans. Infelizmente não foi possível saber o nome dos cachinawá que contaram a história. Yo buié Nawa Tarani, nosso antepassado, foi à mata um dia procurar genipapo para pintar o corpo de seu filho recém-nascido. Na beira do lago, ele encontrou um genipapeiro coberto de frutas. Subiu na árvore carregada e começou a sacudir para fazer cair as frutas. De repente, ele ouviu um barulho debaixo dele. Viu então uma anta a roer as frutas do chão. Divertindo-se, ele ficou quietinho em cima da árvore, só olhando. Ora, tudo começou a ficar estranho quando a anta, após ter roído algumas frutas, começou a jogar elas no meio do lago, gritando: - Toma aqui esses genipapos do meu roçado! Após alguns minutos, uma jovem saiu do fundo d‘água, carregando um tibungo cheio de caiçuma de banana. A anta estava escondida atrás do tronco de uma árvore.a jovem mulher se aproximou, tomou pé na terra e chamou: - Amigo, onde está você? Aonde se escondeu? Saindo do seu esconderijo, a anta disse: - To aqui! E então bebeu da bebida que a mulher ofereceu. Em seguida, a linda mulher se deu mà anta e eles se amaram. Do seu esconderijo, nosso antepassado não podia acreditar no que via. A mulher voltou para o fundo do lago e a anta para a mata. Yo Buié Tarani desceu da árvore, juntou ainda algumas frutas caídas e voltou para sua aldeia. Chegando em casa, deu as frutas para sua mulher, sem contar nada. Não quis comer a comida oferecida por ela. Em seguida, deitou em sua rede, onde ficou por muito tempo com os olhos abertos e perdidos. Ele não podia esquecer o que havia visto no lago. Como se estivesse enfeitiçado. Sua mulher ficou preocupada, mas ele disse estar um pouco doente. No dia seguinte bem cedo, Yo Buié juntou suas armas como se fosse caçar, e saiu na direção do lago. Passando debaixo do genipapeiro, ele juntou algumas frutas, roeu elas com os dentes e jogou no lago dizendo: - Toma aqui os genipapos do meu roçado! Depois correu e se escondeu atrás de uma árvore. E aconteceu que a linda mulher apareceu, como na véspera, com seu tibungo de caiçuma. Saiu fora d‘água, colocou o tibungo na terra e chamou: - Amigo, onde está você? Aonde se esconde? - Estou aqui, respondeu Yo Buié, e jogou-se sobre ela, tentando pegar à força. Mas ela

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se defendeu e eles rolaram pela terra até derrubarem a bebida. De repente, a mulher se transformou numa cobra e enrolou-se no corpo dele. Mas ele não se deixou pegar. Ela tentou ainda escapar de Yo Buié, transformando-se num cipó espinhoso. Mas ele não a soltava de jeito nenhum. Então ela se transformou em aranha, serpente, fogo, mas sem nenhum resultado. Yo Buié não largava dela. E na confusão dessas mudanças, a cabeça da mulher reapareceu e perguntou: - Quem é você? E o que deseja de mim? Mas ele não respondeu, pois estava segurando a presa com os dentes. A mulher então voltou a sua forma humana até os peitos, mas continuou sem ter a resposta de Yo Buié. Resolveu então tomar forma inteiramente humana, da cabeça aos pés. - Bem, disse. Agora diga-me o que quer de mim. Por que não me solta para conversarmos feito gente? Yo Buié explicou então que tinha visto ela e a anta fazendo amor e que a partir daí passou a querer ela para mulher. - Por que pegou-me pela força em vez de falar claro comigo? Olhe, você me fez derramar toda a caiçuma. Então ela pegou o que restava dentro do tibungo e fez ele beber, enquanto carinhosamente livrava-se dele. Depois eles repousaram um pouco e acariciando Yo, a mulher perguntou: - Quem é você? Tem mulher e filhos? - Não, mentiu ele. Não tenho família. - Então, por que você não fica comigo? Eu serei sua mulher e teremos muitos filhos. Levarei você comigo para minha casa. Ela colheu em seguida todos os tipos de ervas e fez delas um suco. Depois derramou nos olhos, orelhas e em todas as juntas do corpo de Yo. Então a mulher disse: - Segure nos meus cabelos! E os dois mergulharam no lago. Chegando lá no fundo, encontraram uma roça de bananeiras e uma casa onde a mulher vivia com seus parentes. Eram as cobras e serpentes, habitantes do lago. Porém, antes de entrar na aldeia, a mulher disse a Yo Buié: - Esconda-se aqui e espere-me, que eu vou prevenir meus parentes de sua chegada e explicar a eles que você é meu marido. Não tenho medo que voltarei logo. O homem ficou só, ouvindo os barulhos estranhos e assustadores que saíam das águas do lago. Eram as cobras gigantes agitando-se ao redor da mulher. Rapidamente ela apareceu, tomou Yo Buié pela mão e apresentou-o como seu marido na grande casa dos habitantes do lago. E deste dia em diante Yo Buié e a mulher-cobra passaram a viver juntos como marido e mulher. Algum tempo depois, as cobras e serpentes do lago resolveram tomar cipó. Yo Buié perguntou a sua mulher se ela também iria tomar cipó.

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- É claro, disse ela. - E eu, poderei também? - Não, por que você terá muito medo. Você verá cobras e serpentes e pensará que elas querem te devorar. Então você gritará como um louco. Não se meta com isso. São nossos costumes e não os seus. Mas Yo Buié insistiu tanto que terminaram por aceitar ele no círculo de cobras para tomar o cipó. Logo nas primeiras mirações, Yo Buié se pôs a gritar – Socorro, as cobras querem me engolir! Na mesma hora sua mulher se transformou em cobra, enrolou-se carinhosamente nele, aproximou a cabeça de sua orelha direita e cantou docemente. A sua sogra aproximou-se e fez o mesmo, cantando em sua orelha esquerda. Enfim, seu sogro se enrolou nos três e, balançando seu rosto na frente de Yo Buié, acompanhou também a canção. Um dia quando eles repousavam em suas redes, as frutas do genipapo roídas começaram a cair dentro do lago – a anta estava de volta. Como a jovem mulher não respondeu a seus apelos, a anta entrou n‘água, mergulhou e permaneceu debaixo d‘água muito tempo, como aliás faz até hoje. Assim mergulhada, a anta chegou bem perto da roça. A sogra de Yo Buié foi então a seu encontro explicar que sua filha não era mais livre. Pediu para a anta parar de procurar sua filha, e a anta não insistiu mais. A vida seguiu muito feliz debaixo das águas. Os esposos tiveram quatro filhos: dois meninos e duas meninas. Neste mesmo lago vivia Iskin, um pequeno peixe encouraçado. Um dia, Iskin foi nadando até um igarapé formado pelas águas do lago e encontrou na margem a antiga mulher de Yo Buié. Esta acreditava estar viúva e não parava de reclamar a falta de seu marido. Com tantos filhos para criar, ela sobrevivia com a ajuda de seus parentes e amigos da aldeia. Nesse dia ela tinha ido ao igarapé para tentar pegar algum peixe com as mãos, como fazem as mulheres. E enquanto pescava, chorava alto, contando detalhe por detalhe de sua desgraça. Nisso, ela quase pegou Iskin pela barbatana de couro que protege sua cabeça. Ah! gritou Iskin, jogando seu corpo para trás. E se ele conseguiu escapar da mulher, foi com o preço de deixar sua barbatana presa entre os dedos dela. Quando ela se afastou, Iskin voltou ao lago. Ele não estava nada satisfeito com o que tinha ouvido. Foi direto onde estava Yo Buié para jogar sua raiva sobre ele. - O que é que você está fazendo aqui no lago? gritou Iskin. Você nunca nos falou de sua outra família que está morrendo de fome na terra. Eu encontrei sua mulher. E foi ela quem arrancou minha barbatana! E talvez você nem saiba, mas ela e seus filhos da terra estão todos morrendo de fome, vivendo com a ajuda dos amigos. E você aqui, dando de comer às pessoas que não são nem da sua espécie. Yo Buié então abaixou a cabeça e compreendeu todo o mal que tinha feito à sua família da terra. Mas como farei para sair daqui? Suspirou ele. Se eu não posso nem mais viver ao ar livre?

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- Eu vou te ajudar, disse Iskin. Mas prometa para mim que não dirá nada a ninguém. - Prometo, disse Yobuié. Então Iskin colheu muitas ervas e jogou suco nas orelhas, olhos e em todas as juntas do corpo de Yobuié. Depois, levou ele até as margens do lago. Em seguida, Iskin abandonou o lago e foi viver no leito de um rio. Quando Yobuié chegou à sua aldeia, foi logo recebido com espanto de alegria por todos. – Eu pensava que você estava morto há muito tempo! Disse sua mulher. - Não, eu não estava morto. Foram as cobras que me raptaram e me prenderam entre elas. Hoje é que consegui fugir. Esconda-me porque tenho medo delas virem me buscar. Yobuié pendurou sua rede no ponto mais alto da casa e foi dormir meio assustado. Então as águas do lago começaram a se agitar e transbordaram em ondas que iam uma a uma inundando a aldeia. As cobras apareceram na superfície para chamar Yobuié. Como ele não aparecia, sua família do lago terminou por voltar para o fundo das águas que por fim baixaram ao nível normal. Era a família das cobras que desta vez estava triste e com dificuldades, sentindo a falta de Yobuié. Depois de algum tempo escondido lá em cima em sua rede, Yobuié resolveu ir caçar para ajudar a sua família da terra, que sentia fome. Pegou seu arco e flecha e se arrumou para sair. Sua mulher, com medo, fez todo o esforço para ele desistir da idéia. - Não tenha medo, dizia Yobuié. E ele partiu para caçar. A primeira caça que avistou foi um pássaro de crista vermelha. Atirou uma flecha, mas o pássaro voou. A flecha foi então cair na água a dois metros da margem do lago. E Yobuié resolveu ir buscar de qualquer maneira. Logo que pôs os pés n‘água, deu de cara com uma de suas filhas cobras – Você aqui? Mas sua filha não respondeu. E com muita raiva perguntou – por que você abandonou minha mãe, meus outros irmãos, meus avós e eu? E como seu pai, de cabeça baixa, não deu resposta, ela gritou: - Já que é assim, nós vamos comer você todinho, papai. E a filha cobra atacou o pé de Yobuié, mas como era muito pequena ainda, não conseguiu comer mais que o dedão. Seu pai ficou paralisado de dor. Ela então chamou seus irmãos para ajudar a comer seu pai. E ferozmente eles tentaram comer Yobuié, mas não conseguiram nem mesmo engolir metade de seu pé com suas gargantas pequeninas de filhotes. Chegou então sua mulher, que conseguiu, cheia de raiva, devorar Yobuié até a metade das pernas. Então deu lugar à sua sogra, cobra gigante, que num só bote devorou seu genro até a cintura.

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Quando o sogro chegou, antes de começar a comer seu genro, fez as devidas reprovações ao gesto de Yobuié. Este não conseguiu responder e, envergonhado, ficou de cabeça baixa. Foi então que chegaram seus parentes da terra, preocupados com sua demora. Como fazer para livrar Yobuié? Pensaram eles. Se atirarmos flechas nas cobras, acabaremos por matar ele também. - Ah, já sei, disse um deles. Vamos esmagar o rabo da cobra, ela acabará por abandonar Yobuié. E assim foi feito. A cobra ferida fugiu e os homens puderam ainda salvar Yobuié e levar ele para a aldeia. Mas daquele dia em diante, ele ficou paralítico dos ombros para baixo. Pouco tempo depois, sentindo-se enfraquecido e próximo da morte, Yobuié reuniu em redor seus parentes e amigos. - Enquanto eu estava debaixo das águas, as cobras me ensinaram a preparar e tomar esta bebida que é o cipó. Eu não quero morrer sem passar para vocês o meu segredo: - Corram à mata e juntem todos os cipós que encontrarem. E todos partiram, e quando voltaram, vinham carregados de muitas espécies de cipós. Yobuié examinou cada cipó, dizendo – Não é este! Até que por fim ele gritou – É esse aqui! Por sorte haviam encontrado um pedaço do verdadeiro cipó. Yobuié disse ainda: - Isto não é suficiente. Tragam-me agora as folhas de todas as árvores pequenas que vocês encontrarem na mata. E a busca recomeçou. O doente examinava com muita paciência todas as folhas que eram trazidas e suspirava: - Não, ainda não é esta! Até que um dia ele gritou: É esta aqui! E ele mostrou a folha do arbusto que chamamos Cauá (ou chacrona). Nosso antepassado amassou então os talos do cipó, meteu-os numa panela com água e juntou as folhas e pôs os dois para ferver. Após o cozimento, era coado e posto para esfriar. À noite,eles se reuniram todos, beberam a bebida e tiveram muitas mirações! Ao saírem daquele estado provocado pela bebida, Yobuié disse: - Eu tive a miração da minha morte bem próxima. E três dias depois Yobuié morreu. E foi depois desse dia que todos nós passamos a beber cipó em grupo. Pois é pelo poder do canto que mantemos distância de nós mesmos, de maneira que podemos ver na miração todas as coisas do presente, passado e futuro e do além, que não podemos ver com nossos olhos da carne. O cipó é fonte de todo saber que existe além de nós. (...) ===

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Os índios tukano do território Uaupés, no nordeste amazônica e na Colômbia, iniciam a cerimônia do yajé (cipó) contando a origem da humanidade: Tudo começou na primavera, ao meio-dia, quando os rais de sol, princípio masculino fertilizador, marcou os pontos sagrados e fertilizou a Terra. Por este raio desceram gotas de sêmen e surgiram os primeiros homens, que embarcaram numa grande anaconda (serpente) que lhes servia de canoa. A grande canoa-anaconda simboliza a dispersão da humanidade ao longo dos rios. No trajeto dessa longa viagem, a divindade que guiava a canoa ia criando os elementos culturais e estabelecendo seu código moral e social. De acordo com os índios Desana, num determinado ponto do rio, apareceu uma mulher chamada ―Ghapí Mahsó‖, a Mulher-Yajé, que foi fertilizada através do olho. Os homens estão dentro da casa tomando uma bebida fermentada de milho (chicha) e do lado de fora da casa a mulher estava parindo uma criatura, que era o cipó de yajé ‖... a criança tinha a forma de luz, era humana, porém era luz, era yajé. Ao ver a criança, os homens ficaram aturdidos porque... a mulher os afogou com visões‖. A mulher perguntou: - ―Quem é o pai desta criança?‖ E um homem arrancou o braço direito da criança e disse: - ―Sou eu.‖ E assim, cada homem arrancou uma parte, despedaçando a criança. Um dos homens, no entanto, não se atirou sobre o menino para despedaçá-lo, ―colheu o primeiro ramo do yajé‖. Os outros se apoderaram do ―seu yajé‖, de acordo com sua posição social. Assim cada tribo adquiriu suas tradições, ritos e cantos; todos descendiam de um grande cipó. O Menino-Yajé cresceu e se tornou um velho que zelava pelo segredo da ação alucinógena. Desse velho formaram o sêmen, pois foi o possuidor do yajé.O desejo de possuir o pênis levou à criação do sêmen. O velho era dono do yajé, quer dizer, o dono do ato sexual. Eles são os filhos e ele, o pai. Para os Tukano do Uaupés, o sentido de tomar o yajé é retornar ao útero, pois lá a pessoa ―vê‖ as divindades tribais, a criação do universo, o primeiro casal, a criação dos animais, a ordem social e a morte. Ao voltar ao estado de transe, a pessoa vê confirmada a verdade do seu universo religioso, porque viu com os próprios olhos as divindades e o mundo mítico; o dono sobrenatural dos animais e das águas, a origem da planta e da vida, os princípios do mal; os jaguares e as cobras, os representantes das doenças e dos espíritos da floresta que perseguem o caçador, os ancestrais dançando ao amanhecer da criação, a origem dos adornos e instrumentos musicais. As visões abrem novas portas, novas dimensões da realidade onde se estabelece uma conexão com o mundo mágico. ―O mundo dos pássaros-espíritos‖. === No sul da Venezuela habitam os índios Piaroa, que se denominam ―de‘rua‖ (donos da selva) e ―wathuhe‖, que significa ―povo que conhece‖. Os Piaroa sabem falar a linguagem dos animais, sabem como controlar suas mentes e também adotar formas físicas. Determinados animais como o tapir (anta), o veado e a serpente são reencarnações dos deuses: Wahari, Müeka e Ohuada, e são a memória viva da criação. Para os Piaroa, as forças criadoras e destruidoras do universo estão relacionadas com o invisível, com a consciência do invisível e com a consciência do universo. No mundo, as coisas surgiram quando Wahari penetrou no invisível, onde só ficavam os deuses. O principal poder do invisível está no interior das rochas e do ar; o acesso a esse lugar no invisível dá aos Piaroa a condição de consertar as imperfeições da criação de Wahari.

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O ritual do da‘da (yajé) remonta até as origens do mundo. Wahari deu à luz após ter ingerido o yajé que lhe foi servido pelo seu ancestral, a serpente. No começo dos tempos, o mundo era escuro e sem formas, só vivia a serpente gigante Ohuada‘e. Essa serpente gerou um filho, Müeka, e lhe deu a missão de tirar o mundo futuro do invisível. Contudo, Müeka arrancou seus próprios olhos das órbitas e só conseguiu formar uma imagem de si mesmo. Essa imagem foi Wahari, que curou a cegueira de Müeka, seu criador, e aí teve a revelação do mundo e da festa Warime, que reúne as crenças mágicas e religiosas dos índios Piaroa. Wahari era um deus, tinha o poder das visões, poder de criar as coisas, mas não conseguia governá-las, por isso a serpente gigante Ohuada‘e foi sábia em estabelecer que a vida só teria razão se as visões fossem breves, porque se Wahari ficasse em estado visionário permanente, a mente não teria retorno ao controle de si mesma para realizar as suas visões, e sendo assim, a vida não poderia existir; tudo seria apenas visão. Quando Wahari terminou sua criação, ele perdeu sua aparência humana, e sua alma habitou no tapir Ohuo, que é animal sagrado e também o mais perigoso espiritualmente. Comer sua carne é proibido porque contém todas as formas contagiosas. Wahari, depois de dar forma ao mundo, capacitou os animais de reproduzirem-se, já que antes só se reproduziam pedaços sem nexo. Esse poder de multiplicação era poderoso porque podiam se multiplicar dentro da pessoa que os comesse, causando-lhe doenças. Com receio de que os homens o esquecessem, Wahari criou as doenças que seriam transmitidas pelos animais, quando os homens comessem sua carne. Sendo assim, os Piaroa entendem que as doenças são contágios da forma animal. No entanto, isso não tem caráter totalmente negativo, porque serve para os homens lembrarem dos tempos primitivos e tomarem cuidado com as doenças. === O próximo mito (...) faz parte da cultura dos índios Kawdá, que habitam o Vale de Sibundoy, localizado no Alto Putumayo, zona montanhesa que forma parte da Cordilheira dos Andes, na Colômbia. O mito é relatado pelo xaman Chindoy: ―No começo do mundo, a Terra estava na escuridão, todos os seres já existiam, até o homem, mas este não tinha a inteligência, vivia em busca de alimentos. Um dia, caminhando para achar o que comer, tropeçaram com o cipó de yajé, partiram´no pela metade e deram para as mulheres experimentarem; foi então que elas tiveram a menstruação. Em seguida, eles o provaram e ficaram extasiados, vendo o pedaço de yajé que sobrara crescer e subir ao céu. Aos poucos, as sombras tomaram formas, e no fundo do céu viram o cipó yajé penetrar numa enorme flor, que ao ser fecundada, se transformou no Sol. Do Sol desceram homens tocando uma música diferente com suas flautas e tambores. Cada melodia se transformava numa cor diferente. Quando chegaram na Terra, se dispersaram e cada um depositou a luz e a cor em cada ser, e quando o mundo ficou iluminado, toda essa sinfonia de luzes e cores fez brotar o entendimento dos homens, criando, dessa forma, a inteligência e a linguagem‖. Os xamãs usam o yajé porque assim ―se vê o mundo verdadeiramente como é‖, e a inteligência se expande, fazendo tudo claro e harmônico no espírito. No Peru existe uma canção popular que conta a lenda da ayahuasca (...): no tempo da lua cheia, nos dias em que a luz ilumina a escuridão, os filhos da luz caem do céu, os magos e os xamãs viajam em concordância, seus cantos vão até as cidades. Na luz da ayahuasca, o tempo e a distância não têm limites: viaja espírito, espírito de luz, nas noites mágicas. Ayahuasca...Ayahuasca... No fundo de uma quebrada morava a alma, filha do sol. Elevava louvores, cantava tristezas, lançava seus rogos e nada faziam por ela. Dela falavam, mas ninguém a olhava. Um dia, a sua sabedoria a mandou subir na mais alta montanha, e aí o Sol, seu pai, lhe falou que a sua mãe era a Terra e a Terra era de Deus. Quem lhe deu a sabedoria para subir foi a ayahuasca.

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*O texto original apresenta muitos erros de português. Alguma coisa pôde ser arrumada, mas as partes mais confusas tiveram que ser mantidas fiéis ao original (Texto retiradodo livro “Santo Daime, Cultura Amazônica - História do Povo Juramidam” Manaus, Suframa, 1986 de Vera Fróes)

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O Rei Salomão no Brasil (Trechos extraídos de Arthur Franco em "A Idade das Luzes".)

Se parece estranho o conhecimento de terras a Ocidente antes de Colombo, é por pura desinformação histórica. O historiador brasileiro Cândido Costa escreveu em 1900: "Diodoro de Sicília (90-21 ac) , 45 anos antes da Era Cristã, escreveu grande número de livros sobre os diversos povos do mundo; em seus escritos , designa claramente a América com o nome de ilha, porque ignorava sua extensão e configuração. Essa expressão de ilha é muitas vezes empregada por escritores da antigüidade para designarem um território qualquer. Assim vimos que Sileno chama ilhas a Europa, Ásia e África. Na narração de Diodoro, não é possível o engano quando descreve a ilha de que falamos: "Está distante da Líbia (ou seja, da África) muitos dias de navegação , e situada no Ocidente. Seu solo é fértil, de grande beleza e regado de rios navegáveis". Esta circunstância de rios navegáveis não se pode aplicar senão a um continente, pois nenhuma ilha do oceano tem rios navegáveis. Diodoro continua dizendo: "Ali, vêem –se casas suntuosamente construídas"; sabemos que a América possui belos edifícios em ruínas e da mais alta antigüidade. "A região montanhosa é coberta de arvoredos espessos e de árvores frutíferas de toda espécie. A caça fornece aos habitantes grande número de vários animais; enfim, o ar é de tal modo temperado que os frutos da árvores e outros produtos ali brotam em abundância durante quase todo o ano." Esta pintura do país e do clima por Diodoro se refere de todo o ponto à América equatorial. Este historiador conta depois como os Fenícios descobriram aquela região: "Os Fenícios tinham-se feito à vela para explorarem o litoral situado além das colunas de Hércules; e, enquanto costeavam a margem da Líbia (África) foram lançados por ventos violentos mui longe do oceano. Batidos pela tempestade por muitos dias, abordaram enfim na ilha de que falamos. Tendo conhecido a riqueza do solo, comunicaram sua descoberta a todo o mundo. Portanto os Tyrrhenios (outra tradução chamam aos Fenícios de Tyrios) Nota: os Fenícios são oriundos da Síria , poderosos no mar, quiseram também mandar uma colônia ; porém foram impedidos pelos Cartagineses, que receavam que um demasiado número de seus concidadãos , atraídos pelas belezas desta ilha, desertasse da praia." ("Cândido Costa , As Duas Américas, 1900 (pp.108 – 109, citado em Arthur Franco, A Idade das Luzes, Wodan, 1997, p. 113"). Esta descrição coincide com os relatos do que ocorreu com a frota de Cabral 2500 anos depois, desviada pelas mesmas correntes até o continente do Brasil. Na descrição mais completa do texto do historiador romano vemos com exatidão a descrição do continente americano há 2000 anos atrás: "No mais profundo da Líbia, há uma ilha de considerável tamanho que, situada como está no oceano, se acha a vários dias de viagem a oeste da Líbia. Seu solo é fértil pois, ainda que montanhosa, conta com uma grande planície. Percorrem-na rios navegáveis que se utilizam para a irrigação , e possui muitas plantações de árvores de todos os tipos e jardins em abundância, atravessados por correntes de água doce e também há mansões de dispendiosa construção, e nos jardins construíram-se refeitórios entre as flores.

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Ali passam o tempo seus habitantes durante o verão, já que a terra proporciona uma abundância de tudo quanto contribui para a felicidade e o luxo. A parte montanhosa da ilha está coberta de densos matagais de grande extensão e de árvores frutíferas de todas as classes, e para convidar os homens a viverem entre as montanhas. Há grande número de acolhedores , vales e fontes. Em poucas palavras, esta ilha está bem provida de poços de água doce que não só se convertem num deleite para quem ali reside senão também para a saúde e vigor de seu corpo. Há igualmente excelente caça de animais ferozes e selvagens de todo o tipo e os habitantes, com toda essa caça para as suas festas, não carecem de nenhum luxo nem extravagância. Pois o mar que banha as costas da ilha contém uma multidão de peixes , e o caráter do oceano é tal que tem em toda sua extensão peixes em abundância, de todas as classes. Falando em geral, o clima desta ilha é tão benigno que produz grande quantidade de frutos nas árvores e todos os demais frutos da estação durante a maior parte do ano, de modo que parece que a ilha, dada sua condição excepcional , é um lugar para uma raça divina , não humana. Na antigüidade , esta ilha estava descoberta devido à sua distância do mundo habitado, mas foi descoberta mais tarde pela seguinte razão: "Os fenícios comerciavam desde muito tempo com toda Líbia, , e muito o fizeram também com a parte Ocidental da Europa. E como suas aventuras resultaram exatamente de acordo com suas esperanças , acumularam uma grande fortuna e planejaram viajar além da coluna de Hércules, para o mar que os homens chamam oceano. E, em primeiro lugar , à saída do estreito, junto às colunas , fundaram uma cidade nas costas da Europa, e como a terra formava uma península chamaram à cidade Gadeira (Cádiz). Nelas construíram muitas obras adequadas à natureza da região , entre as quais se destacava um rico templo de Hércules (Melkarth), e ofereceram magníficos sacrifícios que eram conduzidos segundo o ritual fenício..."(p.114). Quanto ao porte dos navios para semelhantes viagens nessa época , as trirremes fenícias em nada deviam às caravelas de vinte cinco séculos mais tarde. Seu comprimento podia atingir de sessenta a setenta metros , comportando até cento e oitenta remadores e uma tripulação de duzentos a trezentos soldados. Pouco se comenta do esplendor das naus gregas ou romanas , mas não se pode negar que Erik, o vermelho, e seu filho, Leif Erikson, seguiram estes antigos passos até mesmo no estilo de seus Knerrir (transatlânticos) e Knorr (navios menores que comportavam as colônias ), no século X d.C. , vencendo mares tão perigosos como os do Atlântico norte para at6ingir a Vinland, na América. Segundo Cândido Costa, em sua obra de 1900: "Num escrito de Aristóteles (De Mirab. Auscult. Cap. 84) diz-se que foi o receio de ver os colonos sacudirem o jugo da metrópole cartaginesa e prejudicarem o comércio da mãe pátria que levou o senado de Cartago a decretar pena de morte contra quem tentasse navegar para esta ilha. Aristóteles descreve também uma região fértil, abundantemente regada e coberta de floresta, que fora descoberta pelos cartagineses além do Atlântico (p. 115) A participação ampla dos fenícios no conhecimento das terras ocidentais explica a grande participação dos judeus nas grandes navegações. Desde o tempo de Salomão, as casas de Hiram e do grande soberano judeu se uniu de tal forma que a construção do Templo de Jerusalém foi feita por arquitetos e pedreiros fenícios, e as misteriosas viagens para descobrir ouro e madeiras para a construção do templo foram feitos conjuntamente. Este vasto conhecimento dos judeus sobre a ciência da navegação não passou desapercebido por alguns soberanos à época da diáspora, especialmente D. Manuel. Em 1412 foi fundada a escola de Sagres, primeira academia portuguesa da navegação. Portugal, nesta época, tonara-se o último reduto dos judeus na Europa. A proteção concedida pelos soberanos portugueses aos judeus visava declaradamente atrair os largos conhecimentos hebreus nas matemáticas, na geografia e na astronomia, para calcar os grandes desenvolvimentos levados a cabo nas pesquisas náuticas para lançar Portugal como potência mundial. O conhecimento das terras do Brasil por Salomão e por Hiram (rei da Fenícia) , conforme a explanação feita por Cândido Costa , é difícil de ser refutada. Inscrições Fenícias na Bahia e Paraíba. Entre 1000 aC a 700 aC, período da colonização fenícia no Ocidente, na direção de Cartago, Malta, Sardenha e Espanha. Vários documentos em pedra encontradas no Brasil e EUA, por exemplo, atestam a expansão Fenícia no Ocidente. No Brasil há registros como os feitos numa memória, do ano de 1753. Seu autor dá notícia de uma cidade abandonada no interior da Bahia, na qual constatou a existência de um palácio,

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inscrições, templo, colunas, aquedutos, ruas, arcos etc. As inscrições foram encontradas na cidade abandonada no interior da Bahia, de que trata o manuscrito existente na biblioteca pública do Rio de Janeiro. Em várias localizações da Américas encontram-se as mesmas inscrições. As inscrições no Estado da Paraíba, são constantes, de pedra lavrada, segundo Cândido Costa, foi submetida ao juízo do sábio orientalista francês Ernesto Renam, sendo por ele considerada de origem fenícia. Outros detalhes sobre a vinda dos semitas para o Ocidente no ano 2000 aC a 970 aC. Assume Hiram, o grande rei de Tiro (970 – 936) , aliado de Davi e Salomão. Em 965 aC, Salomão assume o trono de Israel. No seu reinado um fato extraordinário originou concretamente a ligação perene que teria o Ocidente com os mistérios Bíblicos; a construção do Templo de Jerusalém. Salomão começou oficialmente , na linhagem bíblica, a arte da construção como grande arquiteto do templo. Sua ligação com a casa de Hiram , da Fenícia, abriu os caminhos para a vinda dos mistérios, séculos mais tarde, através da Ordem dos Construtores e da Franco Maçonaria. Curiosamente , tudo indica ter ido da América do Sul que saíram os materiais exóticos, necessários à construção do templo. Como se não bastasse o acesso físico dos materiais – ouro, pedras, madeiras, além de animais exóticos. Os fenícios foram os próprios construtores do templo, contratado por Salomão. Quanto ao conhecimento do continente americano, os antigos já davam notícias há muito tempo da existência desse continente , para o qual ocorreriam se lhes fosse facilitada a navegação. Tal como ocorreu no início do século XX com as grandes migrações de italianos e alemães para a América, a população que tinha notícia da existência deste paraíso terrestre facilmente se via tentada a emigrar das desoladas e assoladas regiões em que viviam. "David, quando morreu , deixou a Salomão para a construção do templo 7000 talentos de prata e 3000 de ouro de Ophir. O velho rei não possuía nenhum navio que navegasse nos mares exteriores. Recebia, pois , o ouro de Ophir pelo tráfico com os fenícios, os quais , segundo a Bíblia, conheciam todos os mares. Salomão, para por em execução seus grandes projetos, recorreu a Hiram. Chegou a interessá-lo nas suas empresas e a contratar com ele aliança sólida. O receio de excitar a susceptibilidade dos povos do Mediterrâneo foi sem dúvida o motivo que decidiu Salomão a construir em Esion-Gaber, no Mar Vermelho, os navios que destinava às viagens de Ophir (pois as colunas de Hércules estavam fechadas aos gregos pelos Cartagineses e o comércio para o Atlântico era muito vigiado". (Cândido Costa , op., cit., p. 113). Cândido Costa Prossegue sua explanação lembrando que Hiram enviou a Salomão Marinheiros experimentados. Como se verá mais tarde, a frota de Ophir nunca voltaria ao Mar Vermelho. Passando pelo Cabo africano, ela se reunira no oceano Atlântico com a frota de Hiram , que saíra do Mediterrâneo. Entre os trabalhos que tentam retirar o véu sobre a verdadeira identidade das ricas localidades bíblicas de Ophir, Parvaim e Tarschisch destacamos este do senhor Cândido Costa , publicado em 1900. Ele baseou-se no estudo filológico das antigas línguas européias e asiáticas , bem como a língua quichua ou dos Antis, do Peru , a qual ainda se falava, pelo menos em 1900, na Bacia superior do Rio Amazonas. "Nos Paralípomenos, liv. 2, cap. 3, v.6, conta-se que Salomão adornou sua casa com belas pedras preciosas, e que o ouro era de Parvaim (...) Parvaim é pronuncia alterada de Paruim. A terminação im nos dá o plural em hebráico; vem acrescentado a Paru porque efetivamente existem, na bacia superior de Amazonas, no território Oriental do Peru, dois rios auríferos, um com o nome de Paru, outro com o de Apu-Paru, o rico Paru, e que unem suas águas para se confundirem no Ucuayli. Os dois rios Paru e Apu-Paru fazem , no plural Paru-im. Outro nome hebraico é o de um antigo império de nome Inin (crente ou de fé) , também no Peru. O rio Amazonas, desde a embocadura do Ucaially até a foz do Rio Negro, se chama ainda Solimões: não é nem mais nem menos que o nome viciado de Salomão, dado ao rio Amazonas pela frota do grande rei, que dela tomou posse, em hebraico Solima e em árabe Soliman. Os cronistas da conquista do rio das Amazonas contam que a oeste da província do Pará existia uma grande tribo como nome de Soliman, que era o do rio ; pois na América as correntes d‘água tiram seus nomes das tribos que as habitam. Daí também os portugueses fizeram solimão por hábito de lingüística.

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Essa colônia fenícia teve uma duração temporária assaz longa, pois as viagens trienais dos navios de Salomão e de Hiram se renovaram várias vezes. Provavelmente não foi abandonada à própria sorte senão no reinado de Josaphat, rei de Judá , no tempo em que os cartagineses todopoderosos não permitiam a nação alguma sair do mediterrâneo. Eis porque Josaphat quis mandar sair do Mar Vermelho para essas mesmas regiões uma frota equipada, conjuntamente com Ochozias, rei de Israel. Porém um temporal hediondo a destruiu completamente (p.116). "Passamos a Ophir, lugar tão celebrado por suas riquezas. Devemos lembrar aqui que filólogos acreditaram poder fazer que prevalecesse o nome de Abiria, por ter sido a Ophir da Bíblia. Todavia, levaremos em consideração os seguintes fatos : Primeiro, o nome da Abiria é a tradução latina do vocábulo grego sabeiria, tomado da geografia de Ptolomeu, livro 7, cap. 1. A licença do tradutor é tão grande quanto censurável. Em segundo lugar, sabeiria achava-se localizada na parte ocidental da Índia, Que chamavam Indo-Scitia. Porém é reconhecido que a Índia , mormente na parte Ocidental, nunca produziu ouro para o comércio; pelo contrário , os egípcios e os árabes ali o traziam , para o trocar por tecidos de lã e de algodão. Assim a hipótese de que sabeiria fosse o Ophir da Bíblia cai por si. Estevão Quatremere também não admite que Ophir tenha sido colocado no Golfo Arábico, na Arábia feliz, nem em parte alguma da Índia, Ceilão, Sumatra, Borneo ou ponto algum do extremo oriente, pela razão muito simples de que os navios de salomão e de Hiram gastavam 3 anos em cada viagem dessas. Porém Quatremere cai no próprio erro dos que combate, pois que coloca Ophir em Soplah , na costa oriental da África. Para fortalecer sua hipótese, Quatremere não hesita na escolha dos meios: assim é que, por não achar pavões na África, quer que os pássaros chamados Tulens na Bíblia sejam periquitos ou picotas". (Cândido Costa, op. Cit. p. 117) No cap I do livro I dos Reis , v.11, acha-se escrito Ophir em língua hebraica de dois modos Apir e Aypir, e no cap. 9 , v. 28 lê-se Aypira da Bíblia. Em resumo, nada se opõe que o Aypira da Bíblia tenha vindo do nome do rio Yapur: onde o Y significa água, ou seja, "água ou rio de Apir ou Ophir". Eis porque a região de Ophir é essa que atravessa o rio Yapurá. "A desaparição das frotas de Salomão e Hiram por 3 anos, a cada viagem que faziam, se acha agora explicada, pois elas estacionavam no rio que tinha o nome do Grande Rei. Se estas compridas estações, várias vezes repetidas, houvera sido feitas em qualquer ponto do antigo continente, a tradição ou a história não teriam deixado de no-la transmitir. As várias viagens trienais com exceção de uma só, não se referem a Ophir, pois todas se fizeram para Tarschisch. David recebia pelos fenícios o ouro de Ophir, e a frota construída no tempo de Salomão para o mesmo destino saiu do Mar Vermelho, onde nunca mais entrou. Fez sua junção no oceano Atlântico com a de Hiram, a qual saiu do Mediterrâneo; e ambas tomaram depois, da única viagem em que foram juntamente a Ophir, o nome da frota de Tarschisch (Alta Amazônia), segundo o texto hebraico, e o da frota da África, segundo o texto caldáico" (Cândido Costa p.120 a 124) (I Reis 9,10,11,22, Paralipomenos liv2, cap.9 v.21 v. 10,11. Segundo a Bíblia, "Salomão conhecia todas as sabedorias do Egito. Em 960 a.C., Salomão constrói o templo. Patrocinados por Salomão, os fenícios se tornaram os primeiros dominantes do mar, abrindo agências comerciais por toda parte: Creta, Malta, Sicília, Cartago, Cádiz, Marselha, Inglaterra e Países Nórdicos. Salomão tornou-se o homem mais rico do mundo. Tinha 700 mulheres e 300 concubinas. Em 930 a.C. ocorreu a cisão dos reinos Judá e Israel. Foi um período de constantes lutas internas entre Judá e as tribos do Norte. A situação chegou a tal ponto que Jeroboam, BenNebat, seu filho, tentou um Golpe de Estado. Em 928 a.C. morre Salomão e assume Rehoboam, seu filho, que, por falta de tato político, fracassa o acordo com as tribos de Israel. Jeroboan refugia-se no Egito (Delta do Nilo), onde Sesonki o recebe na corte dando como esposa uma de suas filhas. O ambiente torna-se propício para o retorna de Jeroboam, apoiado pelo Faraó que retorna e é aclamado Rei de Israel. A Rehoboam fica as tribos de Judá e Benjamim, com as quais Rehoboam funda o Reino de Judá, tomando por capital, Jerusalém.

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As Fronteiras de Hirã e Salomão no Rio Amazonas (993 A 960 a.C.) O tratado de Henrique Onfroy de Thoron sobre o suposto país Ophir, publicado em Manaus, em 1876, e reproduzido em As Duas Américas, de Cândido Costa, em 1900, é um trabalho completo que acabou com todas as lendas e conjeturas a respeito das misteriosas viagens da frota de Salomão. Thoron sabia latim, grego e hebraico, e conhecia a língua tupi, como também a língua "quíchua", que é ainda falada nas terras limítrofes entre o Brasil e o Peru. Da bíblia hebraica prova ele, palavra por palavra, que a narração dada no 1o. livro dos Reis, sobre a construção, a saída e viagem da frota dos judeus, junto à frota dos fenícios, refere-se unicamente ao rio Amazonas. (1)

Reprodução artística do Templo de Salomão. As viagens repetiram-se de três em três anos; as frotas gastaram um ano entre os preparativos e a viagem de ida e volta, e ficaram dois anos no Alto Amazonas, para organizar a procura do ouro e de pedras preciosas. Estabeleceram ali diversas feitorias e colônias, e ensinaram aos indígenas a mineração e lavagem de ouro pelo sistema dos egípcios, descrito por Diodoro, minuciosamente, no 3º livro, cap. 11 e 12. Ali, no Alto Amazonas, exploraram as regiões dos rios Apirá, Paruassu, Parumirim e Tarchicha. No livro dos Reis, da Bíblia, está bem narrado quantos quilos de ouro o rei Salomão recebeu dessas regiões amazônicas. O mister de nosso trabalho é principalmente a exata historiografia, e por isso devemos acrescentar aqui algumas explicações históricas que não se encontram no trabalho de Thoron. Quando o Brasil era colônia de Portugal, os seus destinos eram dirigidos em Lisboa. Quando chegaram aqui os antigos descobridores, dependeram também, para o desenvolvimento de suas empresas, da situação política dos países do Mediterrâneo. Os fenícios tiveram sempre muitos inimigos que invejavam as suas riquezas; mas, bons diplomatas, com ninguém brigaram, nunca fizeram guerras agressivas e, em toda parte, solicitaram alianças políticas e comerciais. Assim, esse povo pequeno, que nunca foi mais de meio milhão de almas, espalhado sobre centenas de colônias longínquas, pôde conservar, durante dois milênios, um grande domíno marítimo e colonial. O rei David, dos judeus, havia fundado um poderoso reino, que atingiu seu apogeu no longo governo de Salomão. Os fenícios mostraram-se muito amigos de seu grande vizinho, que lhes forneceu principalmente trabalhadores, que faltavam na Judéia. Ambos os países estiveram também em boas relações com o Egito, onde reinava a dinastia dos Tanitas. Essa "Tríplice Aliança" deu a seus componentes uma certa segurança contra os planos conquistadores dos Assírios, e favoreceu as empresas coloniais, no Atlântico. Mas, em 949 a.C., apoderou-se o chefe dos mercenários líbicos, Chechonk, do governo do Egito e destronou a dinastia dos Tanitas. Esse chefe não era amigo do rei Salomão, tendo este querido repor a dinastia caída. Chechonk vingou-se, incitando Jeroboão a fazer uma revolução contra Salomão, e tornou-se o instigador da divisão do reino judaico em dois Estados. Jeroboão ficou como rei das províncias do Norte e Roboão, filho de Salomão, ficou com Jerusalém e a província da Judéia. Depois, no quinto ano de governo de Roboão, apareceu Chechonk com grandes exércitos na Judéia, sitiou Jerusalém e obrigou Roboão a entregar-lhe quase todos os objetos de ouro do templo. Assim, levou Chechonk a maior parte do ouro que Salomão recebera da Amazônia, além de quatro grandes escudos que pesavam 5 quilos de ouro, cada um, para o Egito. O usurpador mandou colocar no templo de Amon, em Karnac, uma grande lápide, na qual são narrados todos os

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pormenores dessa guerra contra a Judéia e enumeradas as peças de ouro que o vendedor trouxe para colocá-las nos templos egípcios. Essa lápide ainda hoje existe. (2) Chechonk, que olhara de mau grado os negócios que haviam feito os fenícios com os judeus, ofereceu àqueles uma sociedade comercial, com o fim da procura de ouro. Assim, apareceram, de 940 a.C. em diante, egípcios no Brasil, chegados nos navios dos fenícios. Foram engenheiros, mestres de obra e trabalhadores de mineração que Chechonk mandou para abrirem minas de ouro no Brasil. (3) Os maiores compradores de ouro, na antiguidade, eram os egípcios. Nenhum povo desprezou o ouro, mas os egípcios precisavam sempre do duplo e do triplo de que necessitavam os outros. Crentes na ressurreição da carne no dia do juízo final, preparavam-se para poder ingressar na vida futura em boas condições. Tinham artistas que sabiam embalsamar e embelezar os corpos e os rostos dos mortos, de tal maneira que estes apareceriam perfeitos e belos ainda depois de 2 a 3 mil anos, como sabemos do túmulo da rainha Tinhanen. Mas os mortos não apenas queriam permanecer novos e belos; necessitavam também de ouro, prata e pedras preciosas para reaparecerem na vida futura com os meios financeiros que correspondiam às suas posições anteriores. Por esse motivo, não só os reis, altos sacerdotes, nobres e altos funcionários, como também todas as mulheres e os homens menos ricos, juntavam e acumulavam ouro durante sua vida, para ser depositado nos seus túmulos.

Gravura representando o comércio dos fenícios com os egípcios. Uma única restrição devemos fazer às conclusões de Onfroy Thoron. É certo que os judeus fundaram nas regiões do Alto Amazonas algumas colônias, onde negociavam, e ali se mantiveram durante muitos séculos, tendo deixado, indubitavelmente, rastros da civilização e da língua hebraica. Também o nome Solimões, para o curso médio do grande rio, tem a sua origem no nome do rei Salomão, cuja forma popular era sempre "Solimão". Mas isso não justifica que a antiga língua brasílica, o tupi, fosse muito influenciada pela língua hebraica. O tupi é muito mais antigo e pertence à grande família das línguas pelasgas, que foram faladas em todos os países do litoral mediterrâneo. Os povos da antiga Atlântida falaram essa língua, e a mesma "língua sumérica", dos antigos babilônios, pertenceu a essa língua gerla, dos cários, respectivamente, dos pelasgos. Os diversos ramos dessa língua diferenciaram-se entre si como, no tempo moderno, as línguas romanas. O laço comum dos povos pelasgos era a organização da ordem sacerdotal dos cários e o comércio marítimo dos fenícios. Os sacerdotes e os mercantes entendiam-se com todos, e por isso formou-se, já no segundo milênio a.C., uma "língua geral", que foi falada desde a Ásia Menor até a América Central, e deveria ser chamada "pelasgos-tupi". Essa língua, que os antigos brasileiros chamaram "nhenhen-catu" (o bom andamento), falaram os mercantes fenícios, bem como os sacerdotes (sumés e piagas) dos povos tupis. O hebraico é muito mais novo; quando Moisés apareceu com seu povo em Canaã não trazia ainda uma língua organizada. Os tijolos com os dez mandamentos, recebeu-os Moisés da Caldéia e foram escritos em língua babilônica. Depois, aprenderam os judeus a língua popular dos fenícios e, muito mais tarde, elaboraram os levitas, com os elementos da língua fenícia, uma língua hierática, que ficou chamada "hebraica". A língua tupi no Brasil não tem ligação com essa formação posterior. Notas:(1) É conhecida a grande amizade e forte aliança entre Salomão e Hirã. Além de servir-se Salomão da frota marítima dos fenícios, numa associação de interesses comerciais, recorreu a Hirã, quando da construção de seu templo, tendo o rei de Tiro designado um seu homônimo, o arquiteto Hirã, para comandar os trabalhos da construção do templo. (S. do Apres.) (2) Um documento assírio do ano 876 a.C. refere-se ao tributo que os habitantes de Tiro eram obrigados a pagar ao seu país para manterem por algum tempo aparente independência: "grande quantidade de ouro, prata, chumbo, bronze e marfim, 35 vasos de bronze, algumas vestimentas de cores vivas e um delfim" (N. do Apres.)

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(3) Reportamo-nos à carta de A. Frot mencionada por Braghine (N. 7): "para dar-lhe uma idéia, basta dizer que tenho em mãos a prova da origem dos egípcios; os antepassados desse povo saíram da América do Sul". Também Thoron é da opinião que egípcios e pelasgos eram procedentes da América, dizendo que a língua quíchua tem muita semelhança com o egípcio antigo, o grego e até com o hindustani. Lembramos também a hipótese de Wegener de que o Ceará e o Saara formaram outrora uma única região, considerando a semelhança das condições geográficas e físicas entre o Estado brasileiro e aquele deserto. (N. do Apres.).

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História & Ciência

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História da Ayahuasca Profª Drª Ana Cecília Marques 1 Hamer Nastasy Palhares 2

A Ayahuasca é conhecida em diferentes culturas pelos seguintes nomes: yajé, caapi, natema, pindé, kahi, mihi, dápa, bejuco de oro, vine of gold, vine of the spirits, vine of the soul e a transliteração para a língua portuguesa resultou em hoasca. Também é conhecida amplamente no Brasil como "chá do Santo Daime" ou "vegetal". Na linguagem Quechua, aya significa espírito ou ancestral, e huasca significa vinho ou chá (Luna & Amaringo, 1991; Grob et al., 1996). Este nome, tanto se aplica à bebida preparada por meio da mistura da Banisteriopsis caapi e da Psichotria viridis, quanto à primeira das plantas. Apesar das variações acerca das plantas usadas, farmacologicamente, boa parte delas são similares. Nesta revisão, o termo ayahuasca será usado para designar a bebida resultante da decocção destas duas plantas combinação. As diversas preparações geralmente contêm talos socados da Banisteriopsis caapi ou espécies correlatas mais as folhas da Psichotria viridis. As plantas adicionadas à Ayahuasca ajudam a maximizar as experiências de estimulação visual e as sensações de contato com forças e locais sobrenaturais e divinos. Os métodos de preparo variam conforme o grupo, como um chá quente ou amassando-se junto à água fria, deixando-se em descanso por aproximadamente 24 horas. É um processo longo que leva quase um dia para o preparo, o que torna a "tecnologia" de produção insuficiente para a produção de grandes quantidades (Karniol & Seibel, Parecer do Grupo de Trabalho, 1986). -História As origens do uso da Ayahuasca na bacia Amazônica remontam à Pré-história. Não é possível afirmar quando tal prática teve origem, no entanto, há evidências arqueológicas através de potes, desenhos que levam a crer que o uso de plantas alucinógenas ocorra desde 2.000 a.C. No século XVI, há relatos de que os espanhóis e portugueses, detentores das florestas do Novo Mundo, observaram a utilização de bebidas na cultura indígena e recriminaram-na: "quando bêbados, perdem o sentido, porque a bebida é muito poderosa, por meio dela comunicam-se com o demônio, porque eles ficam sem julgamento, e apresentam várias alucinações que eles atribuem a um deus que vive dentro destas plantas" (Guerra, 1971). O uso destas plantas foi condenado pela Santa Inquisição em 1616, o cerimonial persistiu de forma escondida dos dominadores Europeus. Os padres jesuítas descreveram o uso de "poções diabólicas" pelos nativos do Peru no século XVII. A história moderna da Ayahuasca começa em 1851 quando o botânico inglês R. Spruce noticia o uso de bebidas que intoxicam entre os índios Tukanoan, no Brasil. Estes convidaram-no a participar de uma cerimônia que incluía a infusão que eles chamavam "caapi". Spruce apenas tomou uma pequena quantidade daquela "nauseous beverage", mas não se deu conta dos profundos efeitos que ela teve sobre seus amigos. Os Tukanoans mostraram a Spruce a planta da qual caapi derivava, e ele coletou espécies da planta e das flores. Spruce chamou-a de Banisteria caapi, e estudo posteriores levaram-no a concluir que caapi, yage e ayahuasca eram nomes

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indígenas para a mesma poção feita daquela videira. A Banisteria caapi de Spruce foi reclassificada como Banisteriopsis caapi pelo taxonomista Morton em 1931. Em 1858, Spruce encontrou a mesma planta sendo usada na tribo Guahibo, na margem superior do rio Orinoco, na Colômbia e Venezuela, e, no mesmo ano, entre os Záparos dos Andes Peruanos, que denominavam-na Ayahuasca. Simson's, em 1886 foi quem primeiro observou a mistura das plantas na confecção da Ayahuasca. Apesar da coleta e identificação da Ayahuasca datar de 1851, os alcalóides já eram conhecidos desde a primeira metade do século XIX, o que se deve à facilidade de extração dos mesmos, bem como aos possíveis usos clínicos: logo, a Harmalina foi isolada da Peganum harmala em 1840. Sete anos depois, a Harmina foi identificada. A "telepatina" - harmina- foi identificada na "yajé" em 1905 (Zerda e Bayon). O começo do século vinte foi marcado por mais confusão do que esclarecimentos acerca da Ayahuasca, muitos identificaram-na, equivocadamente, do ponto de vista da botânica. Até que, em 1939, Chen & Chen descobriu que tanto a caapi, yagé e ayahuasca eram a mesma bebida. Foram estes mesmos pesquisadores que confirmaram que a harmina, telepatina e banisterina eram a mesma substância. Em 1957, Hochstein and Paradies encontraram, além de Harmina, também Harmalina e Tetrahidroharmina. Em 68, identificou-se a N,N dimetiltriptamina (DMT) como outro alcalóide deste chá. Este já havia sido sintetizado em 1931 porém só foi identificado como substância natural em 1955, na planta Piptadenia peregrina (Anadenanthera peregrina). Os princípios da ação farmacológica da Ayahuasca foram traçados na década de 60 e sugeriam a interação das beta-carbolinas presentes na Banisteriopsis e do DMT proveniente da P. viridis. O estudo de Rivier & Lindgren identificou os alcalóides presentes na decocção em 1972, isto é: Harmina, Harmalina, Tetrahidroharmina e Dimetiltriptamina. -Antropologia e uso da Ayahuasca Plantas com propriedades alucinógenas vem sendo utilizadas com finalidades místicas e religiosas em diferentes culturas primitivas (Andritzky, 1989; Callaway, 1996; Desmerchelier, 1996; Luna, 1984). Há relatos do uso das poções em toda a Amazônia, chegando à costa do Pacífico no Peru, Colômbia e Equador, bem como na costa do Panamá, sendo que foi reconhecida em pelo menos 72 tribos indígenas, com pelo menos 40 diferentes nomes. Entre as diversas tribos da bacia Amazônica, a Ayahuasca é percebida como uma poção mágica inebriante, de origem divina, que "facilita o desprendimento da alma de seu confinamento corpóreo", voltando ao mesmo conforme a vontade e carregada de conhecimentos sagrados. Entre os nativos é usada para propósitos de cura, religião e para fornecer visões que são importantes no planejamento de caçadas, prevenção contra espíritos malévolos, bem como contra ataques de feras da floresta. Antes da colonização européia, postula-se que as plantas inebriantes eram amplamente usadas com fins de bruxaria, rituais religiosos, cura e contato com forças sobrenaturais (Dobkin de Rios, 1972; Harner, 1973) Entre os Tukanoans, o yajé é responsável pela arquitetura da tribo, pois as imagens geométricas induzidas pelo efeito do chá desempenham um importante papel na estrutura da vida cultural desta tribo, sendo que as experiências relacionadas à Ayahuasca pertencem a uma realidade mais nobre que a ordinária (Spruce, 1908). Para os Cashinahua o uso da ayahuasca só deve ser feito em condições extremas pois é considerada uma experiência desagradável e amedrontadora. Os índios Jivaro do Equador, relatam que a experiência com Ayahuasca é a vida real, ao passo que a realidade cotidiana é apenas uma ilusão. As visões são guiadas e manipuladas pelos xamãs, o que resulta em visões grupais sintônicas, que são incluídas dentro dos rituais religiosos próprios destas culturas. O uso da Ayahuasca sobreviveu aos ataques das culturas dominadoras e pouco a pouco espalhou-se para os mestiços chegando enfim às pequenas cidades da região Amazônica. Nestas cidades o uso da bebida foi redimensionado, sendo que osxamãs da Amazônia Peruana referemse a si mesmos como vegetalistas. Estes "plant-doctors" ajudam as pessoas das áreas rurais e as populações pobres da áreas suburbanas que geralmente não têm outras opções em situações críticas na esfera da saúde física, mental e em "problemas sobrenaturais" (Luna, L. E., 1984).

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Tais vegetalistas apresentam a tendência a especializarem-se em algumas poucas plantas e usam estes "ensinamentos" em sua prática. Assim, há tabaqueiros que usam tabaco, "toeros" que usam várias espécies de Brugmansia species; "catahueros" que usam resinas da catahua (Hura crepitans), "perfumeros" que usam diversas espécies de plantas com aromas fortes e por fim os "ayahuasqueros" que se utilizam da ayahuasca em seus rituais. Os Xamãs usam a bebida em um contexto de cura. Eles tomam a Ayahuasca para melhor diagnosticar a natureza da doença do paciente. Vegetalistas podem receber o dom da cura por meio de espíritos da floresta e seu papel é o de, muitas vezes, intermediar a transmissão do conhecimento médico para o mundo dos humanos, possibilitando assim a cura. Os espíritos "plant teachers" são responsáveis por ensinarem aos xamãs algumas músicas sobrenaturais chamadas "icaros", tanto dentro das sessões de ayahuasca quanto durante os sonhos que se seguem. Os "plant teachers" dão estas canções mágicas aos xamãs ou vegetalistas então estes podem cantá-las ou sussurrá-las durante a sessão de cura. Segundo a explicação dos xamãs, quando uma pessoa se torna doente, seu "padrão energético torna-se distorcido". Sob a influência da Ayahusca, o xamã pode ver a distorção e corrigí-la através de massagens, sucção, plantas medicinais, hidroterapia e restauração da alma do doente. A similaridade entre estes métodos xamãs e as técnicas orientais podem ser notadas. De forma interessante, os xamãs escolhem plantas medicinais baseados em características visuais, como formas e cores. Por exemplo, uma planta que produz flores de formas semelhantes a uma orelha podem e devem ser usadas para tratamento de doenças relacionadas à orelha e audição. Parte do treinamento dos xamãs, logo, envolve a prática de reconhecer e aprender a respeito dos poderes das plantas e dos animais e suas "virtudes escondidas". É digno de nota o fato de que muitos xamãs não usam os ensinamentos da Ayahuasca com pessoas que estejam doentes mentalmente. Outra tentativa de uso curativo da Ayahuasca foi empreendido na província de San Martin, no Peru, na década de 80, por um grupo misto de médicos franceses e peruanos, na tentativa de facilitar o tratamento da dependência química à pasta de cocaína, sendo que não se conhece nenhum estudo científico controlado, que possa corroborar este resultado (Mabit, 1996). -Ayahuasca e religião No século passado, além do consumo da mistura entre as populações indígenas,várias igrejas adotaram o uso da ayashuasca em rituais sincréticos, especialmente no Brasil, onde os efeitos psicoativos são acoplados a conceitos das doutrinas Judaica, Cristã, Africana entre outras. As principais religiões deste módulo incluem a UDV (União do Vegetal), CEFLURIS (Santo Daime), Barquinha e o Alto Santo (Labilgalini Junior, 1998). O uso da hoasca dentro de tais contextos religiosos foi oficialmente reconhecido e protegido pela lei no Brasil em 1987. Tais seitas incluíram a Ayahuasca em seus rituais de comunhão como um simbolismo comparável ao "pão e vinho". Estas igrejas argumentam que a poção ajuda a promover concentração pronunciada e contato direto com o plano espiritual. Segundo a União do Vegetal, a beberagem é o "veículo, meio" da ação religiosa e não o fim. Calcula-se que o número de pessoas que fazem uso regular da Hoasca (i.e., aproximadamente 1x/mês), na América do Sul, excluindo-se as populações indígenas, poderia chegar a 15.000, isto em 1997 (Luna, L. E., 1997). A primeira destas igrejas começou a ser formada na década de 1920 no Brasil, e hoje dois grupos, a União do Vegetal (UDV or 'Herbal Union') e o Santo Daime, continuam em amplo processo de crescimento. Estas igrejas neo-cristãs espalham-se pelas áreas urbanas das grandes cidades, em rituais que se repetem em geral uma vez por semana ou quinzena. Os membros da igreja cultivam as plantas necessárias ao feitio do chá, supervisionam seu preparo e estocagem. Em algumas religiões não é incomum que membros da seita, dado a longa duração dos cultos, tomem várias doses durante o curso de uma noite. A UDV é a maior e mais organizada destas religiões e não permite o uso de Ayahuasca por pessoas que não sejam membros já efetivos da seita. É também contrária a uso de drogas bem como ao uso da Ayahuasca fora do contexto religioso, pois a considera "inadequada ao uso indiscriminado por parte de pessoas não-iniciadas e sem a orientação de um dirigente religioso". Enquanto o uso regular da Ayahuasca ocorre raramente entre os indígenas- mesmo que a considerável porcentagem destes tenham-na experimentado em alguma fase de suas vidas- entre os membros das igrejas o consumo é estável numa base semanal ou quinzenal, dentro dos contextos cerimoniais.

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Dentro da perspectiva religiosa, o potencial de expansão das seitas que usam ayahuasca é largo. Através da incorporação de uma substância psicoativa de tal peso em cerimônias religiosas podem ser alcançados efeitos nas práticas religiosas antes inexeqüíveis. -Ayauhuasca e a expansão do consumo É crescente o uso da Ayahuasca, inclusive nas Américas e Europa (Callaway & Grob, 1998) o que se deve a vários fatores: o volume de publicações literárias de impacto bem como a mídia do depoimento de pessoas famosas (Cazenave, 2000); os "Works" da seita Santo Daime em diferentes países; a facilidade de aquisição de pacotes de turismo, o que por muitos é conhecido por"drug tourism" onde os usuários, em busca de experiências novas, aventuram-se por expedições floresta adentro onde são realizados rituais em que é convidado a beber a Ayahuasca, geralmente não inclusa no preço inicial. Tais pacotes podem girar por volta de U$1100 a 1300, o que não é tão caro se comparado a uma sessão de Ayahuasca que pode sair por U$800 no "underground" norte americano, conforme aferidos na internet. Alguns destes sites dizem que o pacote não inclui o uso da beberagem e que não se trata de "Ayahuasca tourism", no entanto, recomendam, paradoxalmente,que as pessoas se abstenham de alimentos que possam levar a interações medicamentosas com os IMAO. O crescente número de indivíduos que vem experimentando a Ayahuasca de maneira descontextualizada, visitas a seitas com o único intuito de conhecer a bebida,e a atual possibilidade de se usar a Pharmahuasca: combinação sintética dosingredientes psicoativos da Ayahuasca (Ott, J. 1994; Ott, J. 1999). Outra forma crescente de se usar a combinação de ingredientes ativos da Ayahuasca é por meio da "Anahuasca", (Ayahuasca borealis), ou seja, combinação de plantas que produzem resultados semelhantes: esta possibilidade leva a incontáveis combinações de plantas que poderiam produzir, em diferentes graus, o "Efeito Ayahuasca" (Ott, J; 1999). 1 Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo 2 Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo

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Ayahuasca: O Vinho da Alma

Origens: Um dos mistérios que acompanham o uso da Ayahuasca é o de como estas duas plantas (Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis) que compõem o chá, se encontraram num universo que possui, praticamente, infinitas possibilidades de combinações vegetais. Outro mistério que instiga a mente dos pesquisadores é a data e o local onde se obtiveram as primeiras quantidades do chá. Para Milanez (1993) a união das duas plantas foi realizada por Salomão e remonta ao início da civilização humana. Para Guerra (1976) os incas usavam o chá. Na determinação da primeira aparição do chá, alguns artefatos arqueológicos – vasos de cerâmica e estátuas – dão indícios que o chá era usado na Amazônia Equatoriana provavelmente no período de 1500-2000 a.C. (NARANJO, 1979, 1986 apud METZNER, 2002). Deve-se a Richard Spruce as primeiras anotações científicas sobre as plantas psicoativas da América do Sul. Este inglês se aventurou entre 1849-1864 viajando da Amazônia brasileira aos Andes. Em 1852 teve contato com uma tribo Tukano, no Rio Negro (Brasil), e deles pôde conhecer uma bebida chamada caapi. Os índios a utilizavam para induzir profecias e relações divinas. Em 1859 encontrou, junto com os Záparos (nos Andes peruanos), a mesma espécie encontrada no Brasil, só que com nome diferente. Neste novo local o nome tinha origem incaica: Ayahuasca - vide dos mortos (SCHULTES, 1968). Os povos indígenas são pontos de referência quanto ao uso deste chá. Os xamãs utilizavam o caapi como um meio de comunicação entre o mundo espiritual e o material e servia ainda como fator de coesão do grupo. As tribos Kaxinauá, Sharanawa, Marubo e Ashaninka são alguns exemplos das que utilizam o chá e o nome dado ao cipó e à bebida por cada uma delas varia muito. Citando alguns poucos: nixipae, dunuan isun, oni kamarampi, etc (LUZ, 2002). O costume indígena de beber a Ayahuasca incorporou-se nos rituais dos curandeiros ou vegetalistas. Este contato cultural aconteceu quando os caucheiros (Caucheiro é o nome dado às pessoas que extraem um tipo de látex do caucho) encontraram populações ribeirinhas da região amazônica já condicionadas por culturas estranhas às suas. Os países envolvidos neste movimento foram: Brasil, Peru e Bolívia. E a época, final do século XIX e início do século XX, coincide com o primeiro ciclo da borracha (LUNA, 2002). Além da ayahuasca, os curandeiros podem usar outras plantas como o tabaco (Nicotiana tabacum), outras espécies do gênero Banisteriopsis (B. inebrians, B. quitensis e B. rusbyana), banhos de ervas, chás, etc. Os curandeiros crêem que ao beberem a ayahuasca podem entrar em contato com uma realidade diferente da normal, proporcionando comunicações com espíritos (bons ou ruins). Para eles, a causa das doenças pode ser espiritual e por meio de exorcismos conseguem curar os enfermos (De RIOS, 1972).

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Para chegar aos centros urbanos da atualidade, a ayahuasca passou antes, também, pelas mãos dos seringueiros. Devido à grande migração ocorrida no primeiro ciclo da borracha, vinda do nordeste, os seringueiros tiveram contato com os índios e nativos amazônicos. Estas etnias se ―cruzaram‖ formando famílias mistas. Segundo Franco e Conceição (1999) ―é quase certo que a apresentação da ayahuasca aos seringueiros deu-se nesse contexto de proximidade e contato com as populações indígenas‖. Na preparação do chá os dois elementos principais são o cipó (Banisteriopsis caapi) e a folha (Psychotria viridis) fervidos na água. Em algumas tradições outros elementos podem ser usados na decocção. A descrição dos dois elementos da ayahuasca é feito abaixo: I – O cipó: Este elemento relaciona-se como o aspecto da força contida no chá. Primeiramente descrito por Richard Spruce, em sua expedição pela região amazônica da América do Sul, no ano de 1852. O primeiro nome científico que esta liana recebeu de Spruce foi Banisteria caapi. Porém, em 1931, após novos estudos taxonômicos esta espécie mudou de gênero passando a chamar-se Banisteriopsis caapi (Spr. Ex Griseb) Morton (Schultes, 1968). A literatura atual refere-se ao cipó utilizando apenas o gênero e a espécie. Existe uma descrição botânica sobre o cipó no próprio livro de Spruce (1970) Descrição: Liana inchada nas juntas. Folhas opostas, 21,3 x 11 (cm), ovais acuminadas, apiculadas – agudas, finas, lisas na parte superior, pilosas na parte inferior, panículas axilares ou umbelas. Pedicelos pilosos, brácteas somente na base, cálice com 5 pétalas partidas, segmentos ligulados, glandular ou somente com glândulas rudimentares. Possui 5 pétalas longas e afinadas. Lâminas pentagonais, fimbriadas e clavadas. Estames no número de 10, desiguais, anteras arredondadas. Com 3 estiletes, subulados; estigmas captados. Cápsulas muricato-cristadas, prolongadas em um lado numa semi-obovada asa branco-esverdeada. Pode-se obter algumas informações adicionais sobre o cipó em Gates (1970): pertence à família Malpighiaceae. Sua origem não é conhecida, mas povos indígenas da Amazônia brasileira, Equador, Bolívia, Peru e Colômbia cultivam esta espécie; além das encontradas naturalmente. Este gênero está distribuído por quase toda a América do Sul e possui espécies que podem ser encontradas no cerrado e Rio de Janeiro. Possuem formas que variam de cipó, trepadeira, arbustos à pequenas árvores. II – A folha: A luz (os principais grupos que bebem o chá acreditam que, essencialmente, ele possui dois atributos divinos: a ‗força‘ (vinda do cipó) e a ‗luz‘ (vinda da folha)) encontrada no chá é proveniente da folha do arbusto Psychotria viridis ou cartaginensis. São raros os trabalhos científicos apresentando descrições botânicas sobre estas duas espécies. Mais difícil é encontrar estes dados sobre a planta da família das Rubiáceas, da qual se extraem as folhas. Os autores Rivier e Lindgreen (1972) citam em seu artigo, uma descrição feita por Del Castillo (1962), em sua tese, e eles se referem à descrição como sendo uma das espécies do gênero Psychotria, utilizadas no chá: Descrição: a chacrona é um arbusto de 3 a 4 metros de altura, de raiz napiforme, caule lenhoso, cilíndrico, de 10 ou mais centímetros de diâmetro. O córtex é de cor verde, ligeiramente escuro com manchas esbranquiçadas e distribuídas como pequenas áreas de aspecto geográfico do modo que o conjunto recorda a pele de uma serpente. As folhas são de forma lanceolada, alargadas, inteiras, de pecíolo muito curto. São folhas peninervadas, com mais de 10 nervuras secundárias. Por sua disposição no caule são opostas e cruzadas. As folhas medem de 13 e 15 cm de largura (incluindo o pecíolo) por 4,5cm. O pecíolo mede 0,5cm de comprimento. A inflorescência é composta, definida. O fruto é pequeno, de 4,5 x 5 mm, epicarpo de cor roxa como a cereja quando está madura; é uma drupa, encerra duas sementes que nos recordam o café. As sementes são duas e se abrem igual ao café, convexas em sua parte dorsal e aplanadas em sua parte ventral por onde se unem; unidas dão forma de um ovóide, de 4 x 4,5 mm.

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III – O casamento alquímico: Da união do cipó (B. caapi) e da folha (P. viridis) surge o chá Ayahuasca. Os diversos grupos que utilizam esta bebida possuem suas formas diferentes de prepará-lo, podendo ser usados tempo de cozimento e quantidade de material diferentemente em cada ocasião. Após os primeiros estudos sobre o tema em pauta, que abordavam os aspectos botânicos e antropológicos, surgiram os pesquisadores da química buscando decifrar os elementos constituintes do chá e as chaves de sua atuação no organismo humano. Os pioneiros da ciência, que presenciaram a ação do chá em índios e xamãs e ouviram o próprio testemunho destes sobre o que sentiam ao bebê-lo, descreveram os propósitos que levavam os habitantes da floresta a utilizarem a ayahuasca em seus rituais. Talvez estes efeitos do chá no homem despertaram a curiosidade dos fitoquímicos e bioquímicos. De Rios (1972) oferece um resumo dos efeitos causados pela ayahuasca e buscados pelos nativos amazônicos:

1. Ayahuasca e o sobrenatural a. Para magia e ritual religioso Para receber orientação divina e comunicação com os espíritos animadores das plantas ou receber um espírito protetor especial. b. Adivinhação Adivinhar se estranhos estão chegando; descobrir onde estão seus inimigos e quais são seus planos; descobrir se suas mulheres são infiéis; ver o futuro claramente. c. Feitiçaria Causar doenças em outros por meios psíquicos; prevenção contra maldade alheia. 2. Ayahuasca e o tratamento de doença Descobrir a causa da doença ou curá-la. 3. Ayahuasca, prazer e interação social Dar prazer ou propiciar estados afrodisíacos, aumento da atividade sexual, alcançar êxtase ou estados intoxicados; facilitar a interação social entre os homens. Várias informações sobre os elementos químicos do chá já foram descobertas. O cipó possui como constituintes principais os derivados beta-carbolínicos da harmina, tetrahidroarmina e harmalina. O elemento principal das folhas é a N,N-dimetriltriptamina ou DMT. Estes alcalóides são encontrados na ayahuasca e mais alguns traços de outros menos relevantes (BRITO, 1992). A atuação do chá no SNC (Sistema Nervoso Central) se dá por um intrincado processo: O efeito psicoativo produzido pela Ayahuasca em seus usuários está relacionado com a DMT, substância de estrutura molecular semelhante à da Serotonina (neurotransmissor presente em várias áreas do sistema nervoso central. Regula uma multiplicidade de funções mentais), presente na Psychotria viridis e que se for administrado isoladamente por via oral é inativada pelas enzimas monoaminoxidases (MAO) existentes no corpo humano. A Ayahuasca, sendo assim, só é ativa por ser uma mistura das duas plantas, na qual os componentes beta-carbolínicos no

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Banisteriopsis caapi possuem um forte efeito inibidor das MAO, permitindo que a DMT permaneça ativa no organismo humano (LIMA, 2004). À Ayahuasca ainda são atribuídos outros efeitos psíquicos e também visões (visões como: cobras, répteis, símbolos, jaguares, figuras religiosas, pessoas sábias, paisagens naturais são descritas por Shanon (2002)). Para Luna (1983) os vegetais deste chá são ―plantas professoras‖. Para Castaneda (1997), segundo seu mestre Dom Juan, plantas como a datura e o peiote eram aliados. Acredita-se numa ‗vida consciente‘ destas plantas de poder. Uma das características de muita beleza que a Ayahuasca pode proporcionar aos grupos que a utilizam é um encontro com a essência cultural do grupo e uma visão real da natureza e da vida. Outro ponto importante de se ressaltar é que parte das experiências vividas por quem bebe o chá não podem ser descritas pois estão além das palavras (LUZ, 2002). Igrejas Atuais: Os seringueiros vindos do nordeste, que mesclavam sua cultura com a indígena, e os vegetalistas foram os precursores dos rituais nos centros urbanos. Esta nova modalidade de culto com a Ayahuasca também sofreu influências de tradições vindas de fontes localizadas para além dos limites da floresta. Somente no Brasil existem grupos ayahuasqueiros que utilizam o chá fora de um contexto somente indígena e esta releitura ritualística engloba as raízes primordiais xamânicas, cultos afro-brasileiros, o espiritismo kardecista e sociedades como o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento e a Ordem Rosa Cruz . Ocupando grande vulto nacional, as três linhas principais das igrejas ayahuasqueiras brasileiras são: O Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal (LABATE, 2002). Estas linhas possuem fundadores diferentes, bem como rituais e costumes específicos. Dissidências destes troncos principais (Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal) são encontradas, formando grupos distintos destes eixos, mas levando consigo a denominação e traços ritualísticos semelhantes aos utilizados no grupo do qual partiram. Além das três religiões ayahuasqueiras mais conhecidas, Lima (2004) cita o surgimento de uma quarta: o Centro de Cultura Cósmica, Suprema Luz, Paz e Amor. Serão feitas breves descrições sobre estas religiões. I – Santo Daime (O termo "Santo Daime" é utilizado para denominar esta religião ayahuasqueira e também para referir-se a ayahuasca. É comum usar somente ―Daime‖ para referir-se à bebida. Este nome é a junção do verbo ‗dar‘ mais o pronome ‗me‘ (Dai-me = Daime): Esta é a primeira religião fundada no Brasil (Rio Branco – Acre), no ano de 1930, pelo maranhense Raimundo Irineu Serra. Este descendente de escravos, de alta estatura, chegou ao Acre em 1912, para fazer parte do grupo de extração de látex (CEMIN, 2002; LIMA, 2004). Ao chegar no Acre ficou sabendo de uma bebida preparada com cipó ―jagube‖ (no Santo Daime chama-se o cipó Banisteripsis caapi de jagube) e a folha ―rainha‖ (no Santo Daime o arbusto Psychotria viridis é chamado de rainha) e utilizada pelos índios dentro das matas. Interessou-se e foi conhecê-la. Após bebê-la, a visão de um ser feminino lhe apareceu, denominando-se Clara. Mais posteriormente esta figura associou-se à Nossa Senhora da Conceição e passou a ser chamada também de ―Rainha da Floresta‖. Clara conduziu Mestre Irineu até Bolívia e Peru, onde pôde aprender com índios algo mais sobre a bebida. Então Mestre Irineu começou a receber os moldes ritualísticos da doutrina do Santo Daime e as instruções materializadas por meio dos cânticos denominados Hinos (cânticos religiosos utilizados no ritual do Santo Daime) (JACOUD, 1975 apud LA ROCQUE, 2002). Os trabalhos, de um modo geral, ocorrem nas igrejas onde os hinários são cantados na forma de bailado ou sentados. Alto Santo ou CICLU (Centro de Iluminação Cristã Luz Universal) são nomes usados para se referir à linha fundada pelo M. Irineu, que morreu no ano de 1971. ―Após

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a morte do fundador, um grupo de adeptos (CEFLURIS – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra) se expandiu para a maioria das capitais brasileiras e para alguns países como, por exemplo, a Holanda e a Espanha, países estes onde o uso ritualizado da ayahuasca é, atualmente, legalizado‖ (SANTOS, 2004). O CEFLURIS, uma das dissidências do Alto Santo, foi comandado pelo Sr. Sebastião Mota de Melo (Padrinho Sebastião) que morreu em 1990, passando-se o comando para seu filho Alfredo Gregório de Melo. ―Atualmente no Brasil existem além dos sete centros que se autodenominam como sendo diretamente ligados à origem CICLU, outras 42 igrejas associadas do CEFLURIS e pelo menos mais 10 grupos independentes. Além de cerca de 30 grupos no exterior sob a bandeira do Santo Daime‖ (LIMA, 2004). II – União do Vegetal ou UDV: Este grupo fundado em 22 de julho de 1961 por José Gabriel da Costa, baiano de Feira de Santana, também possui relações com o fluxo migratório nordestino para a extração do látex na região norte. O período é o da 2ª Guerra Mundial que demandava borracha como matéria-prima para os aliados. Em 1943 José Gabriel da Costa chegou nos seringais amazônicos e desistiu de trabalhar neles em 1950, quando se mudou para Porto Velho. Em 1959, de volta aos seringais, conhece a ayahuasca. E no ano de 1961 nasce a União do Vegetal (BRISSAC, 2002). A origem da UDV também contém elementos que fogem aos fatos comuns. As passagens são contadas pelo próprio Mestre Gabriel, em cassetes antigos, numa narrativa intitulada ―História da Hoasca‖. Esta gravação inclui detalhes de como o primeiro chá foi preparado há milhares de anos, quando Salomão une duas plantas, o mariri (na União do Vegetal o cipó Banisteriopsis caapi é chamado de mariri) e a chacrona (chacrona é o nome utilizado para designar o arbusto Psychotria viridis na União do Vegetal) que nasceram, respectivamente, nos túmulos dos personagens Tiuaco e Hoasca (hoasca é o nome da personagem do mito que dá origem ao chá e também como é chamada a ayahuasca no âmbito da União do Vegetal. Para referir-se ao chá pode-se usar somente a palavra Vegetal) (ANDRADE, 2002). As sessões se realizam com as pessoas sentadas, onde uma fica como dirigente respondendo perguntas, autorizando participantes a entoarem chamadas, etc. É comum ouvir músicas populares do Brasil, dos mais diversos gêneros e épocas. O conteúdo destas remetem a imagens construtivas e belas. A UDV fundada por José Gabriel da Costa possui como nome de registro, perante a justiça, Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV); em 1988 esta instituição apresentava em torno de 70 núcleos e 7000 sócios membros em todo o Brasil (BRISSAC, 2002). Da igreja original desmembraram-se 2 grupos que também se intitulam UDV possuindo seus próprios dirigentes (ANDRADE, 2002). III – Barquinha: Barquinha é o nome usado para designar a ―Centro Espírita e Culto Oração Casa de Jesus Fonte de Luz‖; religião ayahuasqueira fundada em 1945 por Daniel Pereira de Mattos. Daniel, antes de fundar a igreja, era boêmio e numa das vezes que estava sob efeito do álcool teve suas primeiras visões espirituais indicando sua missão. Ele conheceu a ayahuasca pelas mãos de Raimundo Irineu Serra quando se tratava de uma enfermidade (ARAÚJO, 2002). A barquinha criada por Mestre Daniel possui muitos elementos em seu ritual que lembram o mar (marinheiro, barco, comandante, etc.), influência de sua passagem em escola de aprendiz de marinheiro. Nas reuniões cantam-se lindas melodias chamadas de ‗salmos‘ (ARAÚJO, 2002). Como a morte de Frei Daniel em 1958, o senhor Antônio Geraldo assumiu por aproximadamente 20 anos a liderança do ―Centro Espírita e Culto Oração Casa Jesus Fonte de Luz‖, saindo depois para fundar sua própria igreja (LIMA, 2004). Pelo trabalho de Balzer

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(2002) pode-se constatar a existência de mais três igrejas independentes originadas do tronco principal. IV – Centro de Cultura Cósmica Suprema Luz, Paz e Amor: Esta igreja é a mais recente e talvez a única do gênero (focalizando sua estrutura e montagem ritualística). Fundada por Francisco Souza de Almeida aos 20 dias de maio de 1990 no estado do Mato Grosso. Mestre Francisco, além de conviver com o Mestre Irineu (do qual recebeu a ayahuasca pela primeira vez) durante 11 anos (1960-1971), teve contatos pessoais e significativos com Padrinho Sebastião (fundador do CEFLURIS), Mestre Gabriel (fundador da União do Vegetal) e Mestre Antônio Geraldo (dirigente da Barquinha). Em suas passagens pela floresta conheceu também parte do trabalho xamânico realizado com a bebida ayahuasca. O que tornam os trabalhos do Centro de Cultura Cósmica diferentes é o seu sincretismo. Todas as experiências adquiridas pelo fundador quando passou pelas diversas igrejas ayahuasqueiras se tornaram a ―bagagem‖ com a qual ele idealizou seu ritual, que une as várias formas de culto em um. Por exemplo: os hinários que são sagrados para os adeptos do Santo Daime não fazem parte das reuniões da UDV. Já os rituais do Santo Daime não apresentam as músicas ouvidas nas sessões da UDV. O Centro de Cultura Cósmica engloba: os hinos do Santo Daime, as músicas e chamadas da União do Vegetal, os salmos da Barquinha; além de elementos das religiões ocidentais e orientais. Em 1996 a sede geral passa para Brasília – DF, onde permanece atualmente. Existem, além da sede, três representações desta igreja: uma em Planaltina – DF, uma em Campo Grande - MS e uma em Capixaba – AC. Em 21 de dezembro de 1999 ocorre o falecimento de Mestre Francisco e a atual dirigente é uma de suas filhas, Keteylen Souza de Almeida. Desta igreja originaram-se mais duas: ―Fraternidade Rosa da Vida, Luz Paz e Amor‖ e ―Centro de Harmonização Interior Essência Divina‖.

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Ayahuasca

Ayahuasca é uma bebida psicoativa, de poder espiritual milagroso que cura doenças do corpo e da alma. Ela é feita pela cocção de duas espécies vegetais distintas e utilizada atualmente em cerimônias ou rituais religiosos e místico-espirituais. Inicialmente era usada pelos nativos em rituais de cura espirituais para chamar os espíritos curadores das matas. Seu culto de adoração é milenar, já era usado pelos ancestrais Incas após Huayna Cápac e cultuado pelos nativos, logo depois pelos caboclos acreanos, bolivianos e peruanos, os povos da floresta amazônica. Uma das plantas é a liana, cientificamente denominada Banisteriopsis caapi, e a outra é um arbusto da família das rubiáceas denominada Psychotria viridis. Em Quéchua, língua nativa dos Incas, as plantas são conhecidas como Mariri (Jagube na floresta amazônica), o nome da liana, e Chacruna ou Chacrona, o nome do arbusto. Na mesma língua o nome da bebida é Ayahuasca, o vinho dos espíritos, das almas, dos mortos ou dos ancestrais. A bebida é feita das duas plantas postas em maceração ou cozinhadas, com diversos graus de apuro e concentração. As plantas são conhecidas por várias outras denominações por estar sendo usada desde tempos imemoriais numa área extensa e por diversas nações indígenas separadas por grandes distâncias, diferenças culturais e idiomáticas. São conhecidos pelo menos quarenta e dois nomes indígenas para esta poção usada por pelo menos setenta e duas tribos indígenas da bacia Amazônica. O efeito desta Bebida Sagrada, quando ingerida, é como se fosse aceso um grande candelabro sobre a alma, iluminando-a, tornando possível ver a verdade material e espiritual, abrindo um portal de revelações interiores e mirações de um mundo encantado de cores de luz em uma outra dimensão. É a harmonia entre o homem e a natureza, a união do animal com o vegetal que transmite a ciência e a sabedoria do Grande Espírito. A antiguidade do uso da Ayahuasca se perde na pré-história. De uma utilização regional milenar, centrada na Amazônia Ocidental, seu uso tem modernamente se expandido em toda a América do Sul, primordialmente, graças à preservação do uso pelos indígenas e mestiços, apesar da incessante repressão cultural desde os primórdios da colonização Brasileira. Muito do que se pratica e conhece sobre Ayahuasca vem da observação e conhecimento empírico acumulado pelos indígenas. O uso dessas plantas pelos mestiços em geral acontece dentro do contexto da etnomedicina e segue os princípios gerais do uso tradicional dos nativos (uso xamânico) com modificações e acréscimos atinentes aos diversos sistemas de crenças religiosas importados junto com a colonização, principalmente: espiritismo, cristianismo, maçonaria e cultos africanos. O impulso inicial em direção a uma expansão mundial da utilização da Ayahuasca se deu graça ao interesse geral por assuntos etnológicos e à expansão dos grandes movimentos religiosos sincréticos do Brasil, organizados em torno da utilização da Ayahuasca como

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sacramento, sendo os maiores o "Santo Daime", o mais antigo, e a "União do Vegetal (UDV)", entre várias outras denominações. A Ayahuasca vem sendo utilizada há séculos por milhares de pessoas. Um tal período de ensaio excede em muito os padrões de estudos administrados para a aprovação de drogas e medicamentos. Na maioria das culturas amazônicas, até hoje, a Ayahuasca ocupa culturalmente um elevado conceito ao lado de outras Plantas Mestras (professoras ou Instrutoras) como o Peyote. Durante as últimas décadas, a literatura contemporânea, sócio-antropológica, farmacológica e popular debateu significativamente as diversas dimensões e uso da Ayahuasca, do ponto de vista cultural, químico, psicológico e espiritual. OS NOMES DA AYAHUASCA Os nomes usados pelas diversas tribos e nações indígenas ao longo do Perú amazônico, Equador, Colômbia, Bolívia, Brasil ocidental e em determinada região da Venezuela são: Yagé; bejuco bravo; bejuco de oro; caapi (Tupi, Brasil); mado, mado bidada e rami-wetsem (Culina); nucnu huasca e shimbaya huasca (Quéchua); ka-malampi (Piro); punga huasca; rambi e shuri (Sharanahua); ayahuasca amarillo; ayawasca; nishi e oni (Shipibo); ayahuasca; ayahuasca negro; ayahuasca blanco; ayahuasca trueno, cielo ayahuasca; népe; xono; datém; kamarampi; Pindé (Cayapa); natema (Jivaro); iona; mii; nixi; pae; ka-hee' (Makuna); mi-hi (Kubeo); kuma-basere; wai-bu-ku-kihoa-ma; wenan-duri-guda-hubea-ma; yaiya-suava-kahi-ma; wai-buhua-guda-hebea-ma; myoki-buku-guda-hubea-ma (Barasana); ka-hee-riama; mene'-kajíma; yaiya-suána-kahi-ma; kahí-vaibucuru-rijoma; kaju'uri-kahi-ma; mene'-kají-ma; kahísomoma' (Tucano); tsiputsueni, tsipu-wetseni; tsipu-makuni; rami-wetsem (Kulina); amarrón huasca, inde huasca (Ingano); oó-fa; yajé (Kofan); bi'-ã-yahé; sia-sewi-yahe; sese-yahé; wekiyajé; yai-yajé; nea-yajé; horo-yajé; sise-yajé (Shushufindi Siona); shimbaya huasca (Ketchwa); shillinto (Perú); nepi (Colorado); wai-yajé; yajé-oco; beji-yajé; so'-om-wa-wai-yajé; kwi-kuyajé; aso-yajé; wati-yajé; kido yajé; weko-yajé; weki-yajé; usebo-yajé; yai-yajé; ga-tokama-yaiyajé; zi-simi-yajé; hamo-weko-yajé (Siona do Putomayo); shuri-fisopa; shuri-oshinipa; shurioshpa (Sharananahua). No Brasil os nomes mais usados são: Yagê, Ayahuasca, Daime, Vegetal, Hoasca e Oasca. A FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA O Jagube (Banisteriopsis caapi): As Betacarbolinas (Harmina, Harmalina e Tetrahidroharmina) são extraídas do chá do Jagube (Banisteriopsis caapi). Isoladamente o chá do Jagube pode induzir efeitos psicoativos indiretos, mediados pela sua atividade inibidora sobre a Monamina Oxidase e conseqüente elevação dos níveis de serotonina no organismo. O surgimento de imagens tipicamente hipnagógicas e modificações do humor e das emoções são atribuídos à elevação dos níveis de serotonina no sistema nervoso central. Os efeitos purgativos e eméticos são mediados pelo efeito da serotonina no intestino. A Chacrona (Psicotria viridis): A substância N-Dimethyltryptamine (DMT) está presente nas folhas da Chacrona (Psicotria viridis). O chá das folhas, ou as folhas, não são psicoativas quando ingeridas isoladamente devido à rápida destruição destes alcalóides pela Monoamina Oxidase (MAO), uma enzima naturalmente presente no organismo humano. A estrutura da DMT, como a de outros compostos psicodélicos, é bem semelhante à da serotonina (5Hidroxitriptamina ou 5-HT),um importante neurotransmissor de modulação. A serotonina age naturalmente, desinibindo controles e processos reguladores no cérebro. Suponha-se que tanto o acréscimo dos níveis de serotonina (efeito do Mariri) como os da DMT afeta os neurônios serotonérgicos, promovendo uma hiperestimulação e modulação, que desencadeia um largo espectro de efeitos como liberação de emoções reprimidas, recordações de memórias esquecidas e geração de imagens. Sinergismo Químico Jagube/Chacrona: A DMT foi produzida em laboratório em 1931. Desde o início descobriu-se que a substância produzia efeitos intensos quando aplicada por via intramuscular em doses diminutas de alguns miligramas (na ordem de 0.7mg por kg de peso), mas que em contrapartida era inativa por via oral até mesmo em doses mil vezes superiores. Uma vez bem estabelecido a sua inatividade por via oral levantou-se a necessidade de se

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explicar como doses diminutas, de aproximadamente 29 mg de DMT, tipicamente ingerida numa Cerimônia de Ayahuasca, são capazes de produzir efeitos intensos. A enzima Monoamina Oxidase (MAO) é a chave do mistério. Esta enzima, fisiologicamente presente no sistema digestivo, tem como função destruir as diversas monoaminas naturalmente contidas nos alimentos no sentido de proteger as diversas funções cerebrais mediadas por neuroreceptores ativados por monoaminas endógenas. Sendo a DMT uma monoamina ela passa a ser imediatamente, tão logo ingerida, oxidada e decomposta pela enzima MAO ao nível do intestino. Mas, no caso da Ayahuasca, acontece que os demais alcalóides presentes na poção, as Betacarbolinas trazidas pelo Jagube, inibem momentâneo e reversívelmente a enzima intestinal MAO a ponto de evitar a degradação da acompanhante DMT na área digestiva, ficando assim disponível para absorção e penetração na corrente sanguínea e sistema nervoso central sem nenhum prejuízo ao organismo humano. INOCUIDADE DA AYAHUASCA Entre 1991 e 1993, a Universidade Federal de São Paulo (antiga Escola Paulista de Medicina), Universidade de Campinas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Amazonas, Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA), Universidade da Califórnia, Universidade de Miami, Universidade do Novo México e Universidade de Kuopio (Finlândia), foram convidados por inciativa de uma das igrejas sincréticas Brasileiras, a UDV, para gerenciar uma pesquisa cientifica, intitulada "Farmacologia Humana da Hoasca, chá usado em contexto ritual no Brasil". A pesquisa foi articulada pela direção central do Centro de Estudos Médico-Científico da União do Vegetal, órgão interno da instituição, que reúne seus adeptos profissionais de áreas relevantes. Os resultados constatam que a bebida Ayahuasca é inofensiva à saúde. A pesquisa está publicada em importantes revistas científicas como: "Psychopharmacology", em texto assinado por J. C. Callaway (PhD), e "The Journal of Nervous and Mental Disease", em texto de Charles S. Grobb (PhD). Este estudo se deu em Manaus e envolveu nove centros universitários e instituições de pesquisa do Brasil, Estados Unidos e Finlândia, financiados pela fundação norte-americana Botanical Dimension. A pesquisa começou a ser planejada em 1991 e aconteceu em 1993. Consistiu em aplicar testes laboratoriais e questionários, dentro dos procedimentos científicos padrões, em usuários da Ayahuasca. Eram pessoas de faixas etárias variadas, dos meios urbano e rural, freqüentadores assíduos dos cultos. Os testes foram também executados em não usuários servindo de grupo de controle. A avaliação psiquiátrica conduzida pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Centro de Referência da Organização Mundial da Saúde, não encontrou entre os usuários pesquisados nenhum caso de dependência, abuso ou perda social pelo uso da Ayahuasca, aspectos presentes em usuários de drogas proscritas pela legislação. As conclusões comparativas são surpreendentes. A primeira delas, confirmando a afirmação de que a bebida é inócua do ponto de vista toxicológico: não se constatou "nenhuma diferença significante no sistema neurosensorial, circulatório, renal, respiratório, digestivo, endócrino entre os grupos experimentadores e de controle". Nos testes psiquiátricos, foram aplicados os recomendados pela ortodoxia científica, o CIDI (Composite International Diagnostic Interview), com os critérios do CID 10 e DSM IIIR, e o TPQ (Tridimensional Personality Questionnaire). Constatou-se que os usuários da Ayahuasca, comparativamente aos não usuários (grupo de controle) mostraram-se mais "reflexivos, resistentes, leais, estóicos, calmos, frugais, ordeiros e persistentes". E ainda: mais "confiantes, otimistas, despreocupados, desinibidos, dispostos e enérgicos". Exibiram também "alegria, hipertimia, determinação e confiança elevada em si mesmo". Os examinandos apresentaram desempenho significativamente melhor que os do grupo de controle quanto à capacidade de lembrar as palavras na quinta tentativa. Foram melhores também em "número de palavras lembradas, recordação tardia e recordação de palavras após interferência". Embora o protocolo de estudo não permitia separar os benéficos atinentes ao contexto religioso dos efeitos da bebida em si, esta pesquisa confirma a impressão geral, decorrente da sua utilização milenar, da inocuidade da Ayahuasca. De fato não se conhece caso de lesões e doenças provocadas pelo seu uso "in natura", sem adulterações ou misturas.

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ASSOCIAÇÃO COM MEDICAMENTOS Está claro que a utilização concomitante de drogas inibidoras da MAO, ou que, de alguma maneira interferem com o sistema serotonérgico não é recomendado e deve ser evitado, já que teoricamente pode levar à chamada "síndrome serotonérgica", um quadro clínico resultando de uma elevação patogênica dos níveis de Serotonina e potencialmente perigoso e suceptivel de levar a convulsões, hipertermia e perda da consciência. Por uma questão de prudência e absoluta prevenção destes problemas (que nunca foram registrados com o uso tradicional da Ayahuasca) pelo menos teoricamente possíveis, não recomendamos o uso da bebida para pessoas em tratamento com fármacos psicoativos em geral e principalmente antidepressivos até três semanas antes da Cerimônia para permitir a total recomposição do estoque de MAO endógena e o retorno do sistema nervoso à sua fisiologia natural. CONTRA-INDICAÇÃO Consideramos ser contra-indicado o uso da Ayahuasca para pessoas com personalidades esquizóides e pré-psicóticas, neuróticos com instabilidade de identidade e níveis altos de ansiedade (síndrome do pânico). Desde a década de 1960, época da descobertas de alguns antidepressivos e dos agentes inibidores da monoamina oxidase sabe-se que a utilização concomitante dessas substâncias deve ser contra-indicada. Aconselhamos os interessados a buscar referências na literatura especializada. Assim consideramos como contra-indicado o uso da Ayahuasca para os usuários de drogas e medicamentos psicoativos listados a seguir, a não ser após três semanas de suspensão da medicação, como:  Antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina como: Fluoxetina (Prozac e outros); Citalopram (Cipramil, Denyl); Paroxetina (Aropax, Cebrilin, Pondera); Sertralina (Novativ, Sercerin);  Antidepressivos tricíclicos como: Imipramina (Tofranil); Desipramina (Norpramina); Clomipramina (Anafranil);  Antidepressivos de efeito dual ou complexo como: Venlafaxina (Efexor);  Substância de mecanismo de ação não muito bem estabelecido como: Lítio (Carboclim, Litiocar, Neurolithium);  Inibidores da Monamia Oxidade como: Tranilcipromina (Parnate, Stelapar); Fenelzina (Nardil). Por conta dos seus efeitos hipertensivos, eliminamos também os candidatos em uso de psicoestimulantes como Ritalina. O bom senso indica que enquanto não se sabe ao certo os efeitos específicos de cada uma das substâncias citadas em relação às dosagens habituais de DMT e agentes inibidores da monoamina oxidase tipicamente contida na Ayahuasca, não se deve incentivar o uso da bebida em pessoas usuárias dessas medicações. Apenas por questão de prudência não recomendamos o uso da Ayahuasca, a não ser em condições especiais, para mulheres grávidas. RECOMENDAÇÕES DE USO DA AYAHUASCA Evitar tirosina: Embora o efeito da Ayahuasca sobre a MAO seja de inibição curta e reversível é interessante, pelo menos para quem sofre de hipertensão, não utilizar alimentos contendo níveis elevados de tirosina (precursor da dopamina, epinefrina e norepinefrina) convertida em tiramina pelas bactérias intestinais. A tiramina, na vigência de uma inibição da MAO como a induzida pelo Jagube, pode também chegar na circulação gerando elevação da pressão arterial. O uso de alguns estimulantes do grupo das anfetaminas assim como alguns broncodilatadores podem também reforçar uma tendência para hipertensão. Assim sendo para pessoas portadores de hipertensão achamos por bem recomendar a limitação do uso das bebidas e alimentos ricos em tirosina por 24 horas antes da Cerimônia.

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Alimentos ricos em tirosina: vinhos tintos, cerveja e whisky, soja fermentada (misso), favas, queijos envelhecidos (não os de coalho e ricotas), peixes defumados, patê de produtos animais enlatados, molhos concentrados de carne, salsicharia, repolho fermentado (Sauerkraut) e aditivos protéicos vendidos em academia de ginástica. O triptófano: Algumas pessoas esperando reforçar os efeitos do chá pretendem elevar os seus níveis de serotonina (um dos neurotransmissores mais importante do sistema nervoso) ingerindo maior quantidade do aminoácido essencial, precursor dietético fundamental na síntese orgânica da serotonina ou seja, o triptófano. Vários estudos demonstram que a concentração de serotonina no cérebro é diretamente proporcional à concentração de triptófano no plasma e sistema nervoso. A ingestão dietética de triptófano influencia diretamente a quantidade de serotonina no plasma, cérebro e todos os tecidos do corpo. O metabolismo do triptófano requer uma quantidade adequada de vitamina B6 e magnésio para funcionar corretamente. O triptófano é o aminoácido essencial menos abundante nos alimentos. Além das carnes e anchovas os queijos tipo suíços, gruyère e parmesão, os ovos e as nozes são ricos em triptófano. Não é necessário esse tipo de dieta de eficiência duvidosa no sentido de reforçar os efeitos da Ayahuasca, de fato não existem notícias de investigações elaboradas no sentido de conferir os efeitos de um complemento dietético de triptófano em pessoas refratarias ou pouco sensíveis aos efeitos da Ayahuasca. O regime dos vegetalistas: Na prática dos vegetalistas e curandeiros utilizando a Ayahuasca como medicina para cura é comum a recomendação de regimes diversos principalmente sem carne (sendo excluída a carne de porco por muitos dias antes da experiência), gorduras, sal, açúcar, bebidas alcoólicas e abstinência sexual; o tabaco, considerado uma planta sagrada, é usado em diversos rituais. Alguns desses preceitos, com a eliminação do sal e do álcool se justificam do ponto de vista bioquímico, outras tem justificativas de natureza essencialmente espiritualistas. O valor relativo das dietas: No fim vale a pena salientar que milhares de adeptos, afiliados às grandes seitas sincréticas como as do Santo Daime e da UDV, não recebem dos dirigentes nenhuma orientação dietéticas, além de não fumar nem usar bebidas alcoólicas ou drogas, sem por isso deixar de obter os resultados desejados nas suas experiências nem tampouco apresentar reações atípicas.

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O Cipó da Alma Amazônica Escrito por Moisés Diniz

Ayahuasca é um termo de origem Quéchua, que significa "vinho das almas" ou "cipó dos mortos" e designa o chá feito pelo cozimento de duas plantas originárias da floresta amazônica: o cipó Jagube ou mariri (Banisteriopsis Caapi) e as folhas da Rainha ou Chacrona (Psychotria Viridis). Aya quer dizer "pessoa morta, alma, espírito" e waska significa "corda, cipó ou vinho". Assim a tradução para o português seria algo como "corda dos mortos" ou "vinho dos mortos". A Ayahuasca serviu como base para o estabelecimento de diferentes tradições espirituais por comunidades indígenas nos países amazônicos desde tempos imemoriais. Os povos indígenas utilizaram a Ayahuasca como um elo imaterial com o divino que estava entre as árvores, os lagos silenciosos, os igarapés. É que, para eles, a natureza possuía alma e vontade própria. Povos indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, há quatro mil anos, utilizam a Ayahuasca em seus rituais sagrados, como o padre usa o vinho sacramental na eucaristia e os indígenas bebem o peyote nas cerimônias sincréticas da Igreja Nativa Americana. O uso ritualístico da Ayahuasca é bem mais antigo que o consumo do saquê ou Ki, bebida sagrada do Xintoísmo, usada a partir de 300 a.C., feito do arroz e fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos. A mesma prática é realizada pelas índias da Amazônia, quando produzem a caiçuma da mandioca, bebida ritualística indígena fundamental na dança do mariri e no ‗contato com os deuses da floresta assombrosa. As origens do uso da Ayahuasca nos países amazônicos remontam à pré-história. Há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que nos levam a afirmar que o uso da Ayahuasca ocorra desde 2.000 a.C. Somente os ‗intelectuais de água salgada‘, que lêem um tomo filosófico à tarde, bebem ‗whisky‘ à noite e pegam sol pela manhã, para levantar argumentações contra o uso espiritual da Ayahuasca. Não conhecem a força e a beleza da espiritualidade amazônica e indígena. Somente os ‗intelectuais de água salgada‘, que lêem um tomo filosófico à tarde, bebem ‗whisky‘ à noite e pegam sol pela manhã, para levantar argumentações contra o uso espiritual da Ayahuasca. Não conhecem a força e a beleza da espiritualidade amazônica e indígena. A utilização da Ayahuasca pelo homem branco é uma acolhida da espiritualidade das florestas tropicais, um banho de rio milenar e sentimental do tempo em que os povos amazônicos viviam em fraternidade econômica e religiosa. Os ataques ao uso ritualístico-religioso da Ayahuasca, como bebida sacramental, nos autorizam a afirmar que podem estar nascendo interesses menos inocentes e mais poderosos do que uma simples preocupação acadêmica com a utilização de substâncias psicoativas.

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Nunca é bom esquecer que a Ayahuasca é uma substância natural exclusiva das florestas tropicais dos países amazônicos e pode alimentar interesses econômicos relacionados a patentes e elevar a cobiça sobre a nossa inestimável biodiversidade. A Ayahuasca é uma combinação química simples e ao mesmo tempo complexa, que envolve um cipó e um arbusto endêmicos do imenso continente amazônico. Simples porque a sua primitiva química material da floresta é realizada por homens comuns, do pajé ao ayahuasqueiro dos templos amazônicos. Complexa porque envolve a elevação de indicadores psico-sociais de qualidade de vida e ajuda a atingir estados ampliados de consciência dos usuários. Isso por si só já alça a Ayahuasca a um patamar superior no plano do controle científico dessas duas ervas milenares. Assim, a Ayahuasca ganha contornos políticos por envolver recursos florísticos de inestimável valor psico-social e espiritual. Os seus usuários consideram o "vinho das almas" como um instrumento físico-espiritual que favorece a limpeza interior, a introspecção, o autoconhecimento e a meditação. Utilizar Ayahuasca aqui na Amazônia é beber do próprio poço de nossa ancestralidade e da magia que representa a nossa milenar resistência. Aqui na floresta, protegidos pelos entes fortes de nossa religião animista e natural, nossos ancestrais não precisaram "miscigenar" sua fé. Não foi necessário fazer como os negros escravos, que deram nomes de santos católicos aos seus deuses africanos. Nossos ancestrais indígenas não precisaram batizar Iemanjá de Nossa Senhora ou Oxossi de São Sebastião para se protegerem da fé unilateral do dono da terra. É que entre nós a terra era de todos e o único dono era o senhor da chuva, do orvalho e do sol. A beleza coletiva dos recursos naturais era compartilhada por toda a aldeia, do curumim ao sábio ancião. A Ayahuasca era a essência espiritual dessa convivência material fraterna e universal entre as árvores carinhosas, os riachos irmãos, os pássaros cantores, os peixes, as larvas, os insetos, as flores. A Ayahuasca ancestral era o elo entre a terra e o espírito. Se não fosse uma erva espiritual e mágica, trazida pelas mãos milenares dos povos indígenas amazônicos, ela não teria resistido ao tempo. Por isso é natural que a Ayahuasca atraia cada vez mais o homem branco, esmagado pelo destrutivo modo de vida urbano, elitista, ocidental, capitalista. A Ayahuasca não é um chá que se consome como se bebe um líquido ácido qualquer. O seu uso é espiritual e envolve aqueles que o utilizam na mais límpida tradição de amar o próximo e reencontrar os valores que perdemos na caminhada do planeta que se dividiu em castas, cores, fronteiras e etnias. Não entrarei no debate acadêmico sobre o uso de substâncias psicoativas por parte das religiões milenares, das eras pré-colombianas aos templos dos tempos atuais. Não tenho competência para debater os pontos de vista da medicina, da psicologia ou da etnofarmacologia. Ficarei apenas com os resultados do uso milenar da Ayahuasca pelos povos indígenas. A milenar história amazônica não registra casos de morte ou de seqüelas à saúde dos povos indígena por terem utilizado a Ayahuasca. Nenhum índio deu entrada no hospital dos brancos ou foi curado pelos pajés. Aliás, as mulheres indígenas, ‗apesar‘ de beberem a Ayahuasca, não registram nenhum caso de câncer de mama. A Ayahuasca não é ‗taliban‘, seus usuários não se constituem em nenhuma seita, eles não são fanáticos, não há um único caso de morte ou de castigo físico que tenha sido resultado do seu consumo ritualístico. O uso ritualístico da Ayahuasca não provoca transes místicos ou de possessão. Ela não age no organismo como a antiga bebida hindu, denominada soma, que se divinizou por afastar o sofrimento, embriagando e elevando as forças vitais. Depois de 4.000 anos de uso sagrado e ritualístico da Ayahuasca, os estudiosos da civilização ocidental erguem argumentos anêmicos e endêmicos de uma sociedade que tem medo do ‗contato‘ aberto do homem com a natureza. É que eles têm medo da relação amorosa entre o indivíduo e a natureza com os seus elementos poderosos e coletivos. Os sábios e avançados incas utilizaram a Ayahuasca para consolidar-se como povo, como nação e para ajudar no florescimento da cultura, da matemática, da agricultura e da astronomia. Não é qualquer planta ou cipó que faz um povo, uma história milenar, uma religião.

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Só não puderam utilizar a sagrada Ayahuasca para produzir metálicos fuzis, pois, se assim fosse, não teriam sido dizimados pelos invasores espanhóis. Pizarro não consumiu o "cipó dos mortos", por isso dizimou tantos guerreiros, mulheres índias, donzelas, pajés, curumins. A Ayahuasca resistiu, venceu os invasores e as suas crenças unilaterais, atravessou os séculos, os milênios, unificou as milenares gerações indígenas e suavizou a dor ‗civilizatória‘ das eras pós-colombianas. Quando o Acre propôs, sob a iniciativa da deputada Perpétua Almeida, que o uso ritualístico da Ayahuasca fosse considerado patrimônio cultural imaterial é porque ninguém mata uma alma, ninguém prende um sentimento, ninguém aniquila uma vontade, ninguém encarcera uma opinião, ninguém enclausura uma fé. A Ayahuasca é diferente de outras religiões, que nascem de visões, contatos divinos, que têm origem na cosmologia do céu para a terra. A Ayahuasca é a religião da terra para o céu, da matéria eterna e natural para o infinito do sonho humano, a religião natural. Uma verdadeira e única religião do Brasil, aliás, uma colossal e genuína religião amazônica! Combatê-la é bizarro, síndrome de colonizador!

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Religiosidade & Consciência Ecológica

A ayahuasca é uma beberagem de plantas amazônicas, preparada a partir do cipó Banisteriopsis caapi e da planta Psychotria viridis, que contém a poderosa substância psicoativa denominada dimetiltriptamina (DMT). Entre os índios da América do Sul, a ayahuasca vem sendo usada com propósitos de cura e de oráculo através dos séculos ou até de milênios, dentro da tradição xamanística. Além disso, formaram-se igrejas sincréticas, que levaram o ayahuasca para os centros urbanos, que mesclam ritos xamanistas e elementos cristãos, dentre outros. Isso ocorre principalmente na região da Amazônia, entre os mestiços de países como o Peru, Brasil, Colômbia e Equador. O termo ayahuasca é originário da língua indígena sul-americana Quéchua, e significa ―cipó das almas‖ ou ―cipó dos espíritos‖. Essa substância também é chamada por outros termos, como: Caapi ou Yagé. Ralph Metzner, PhD em Psicologia e estudioso do uso do ayahuasca, no livro Ayahuasca Alucinógenos, Consciência e o Espírito da Natureza, chama essa substância de ―droga psicoativa‖. Além disso, se refere a ela como ‖planta medicinal‘, defendendo inclusive que crê em seu uso junto à Medicina, como auxiliar no tratamento de dependência química. O livro é subdividido em duas partes: a experiência da Ayahuasca (composta por 25 depoimentos pessoais com enfase em descobertas espirituais fora dos paradigmas religiosos tradicionais); e uma segunda parte formada por três artigos científicos: Ayahuasca: uma história etnofarmacológica, de Denis Mckenna (irmão de Terence); A Psicologia da Ayahuasca, de Charles S. Grob; e Fitoquímica e Neurofarmocologia da Ayahuasca, de Jace C. Callaway. Além de uma introdução e uma conclusão escritas pelo próprio Metzner. Metzner classifica o ayahuasca como um expansor de consciência, isto é: uma substância que induz o indivíduo que a ingere a um Estado Alterado de Consciência (EAC), estado esse em que as pessoas tem insights de auto- conhecimento e experiências místicas. Devido ao seu papel de ligar o indivíduo ao seu interior sagrado é chamada de substância enteogênica. O xamanismo entre os índios sul-americanos da região amazônica está ligado às práticas de cura e de oráculo que contém uma proposta de indução ao EAC, chamado por Metzner de ―jornada xamanística‖. Através dessa prática, o xamã – curandeiro, adivinho e indutor do EAC entre os índios - penetra nas ―realidades não–ordinárias‖ em busca do conhecimento e do poder de cura próprio dos espíritos que habitam tais mundos. As duas técnicas xamanísticas mais utilizadas para entrar nesse EAC são a batucada rítmica – habitual na América do Norte e Eurásia e o emprego de plantas ou de fungos alucinógenos, comuns no sul do continente americano. As substâncias que induzem as pessoas a um EAC têm sido denominadas de diversas formas, como: psicomiméticas (loucura mimética), psicolíticas (―corruptoras da mente‖), psicodélicas (―manifestadoras da mente‖), alucinógenas (indutoras de visões) e enteogênicas (que fazem ligação com o interior sagrado das pessoas). O termo enteogênica para substâncias como a

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ayahuasca tem sido cada vez mais usada entre pesquisadores, por não ter caráter depreciativo, como outros termos. Embora também se possa chamá-la pelos outros termos acima expostos. Metzer e outros pesquisadores defendem que o ayahuasca é o enteogênico mais poderoso e amplamente utilizado pelos xamãs da América do Sul. Para as tribos que usam essa beberagem, ela permite ver seres espirituais que não seriam vistos de outra forma, além de ser usada para receber orientações de Mestres espirituais, sendo ricas fontes de cura e conhecimento. Cientistas ocidentais e pesquisadores dos enteogênicos admitem que substâncias como a ayahuasca pode proporcionar o acesso às dimensões espirituais ou transpessoais de consciência. Aliás, o termo enteogênico é apropriado para essas substâncias, pois é elemento de acesso a outras dimensões e aos diversos estados sagrados. Indivíduos tem tido melhoras e percepção, concentração e cura de vícios através do uso do ayahuasca em contexto ritual. A primeira pesquisa científica sobre os efeitos do ayahuasca nos seres humanos foi feita da década de 1990, em Manaus,no ―Projeto Hoasca‖, desenvolvido por cientistas em parceria com a União do Vegetal (UDV), uma igreja sincrética brasileira que usa o yagé. As chamadas ―igrejas sincréticas‖ são organizações que utilizam o ayahuasca em seus ritos, e dentro de um contexto urbano e fora de tribos indígenas. Isso as diferencia do xamanismo indígena, e também o fato de serem fruto do sincretismo com religiões como o catolicismo, por exemplo. Esse xamanismo mestiço, que usa a ayahuasca, é chamado de vegetalismo, e seus adeptos são conhecidos como vegetalistas. As igrejas sincréticas, nascidas no Brasil, promovem o fortalecimento dos laços comunitários e o sentido de participação e integração dos seus membros.No Brasil, existem hoje três igrejas organizadas onde a ayahuasca constitui o fundamento principal: o Santo Daime, a União do Vegetal (UDV) e a Barquinha. Das igrejas sincréticas acima, a mais antiga é a do Santo Daime, fundada no Acre pelo seringueiro afro-descendente Raimundo Irineu, na década de 1930. Em sua liturgia, usam canções e hinários, além de músicas e danças. A maior parte dos daimistas está agrupada no CEFLURIS (2). A União do Vegetal (UDV) foi fundada em 1954 por Gabriel da Costa. Nas sessões dessa igreja, os membros ficam sentados ao ingerir o ayahuasca (3). A Barquinha foi uma dissidência do Daime, onde os membros incorporaram elementos da Umbanda, em seus ritos. Foi iniciada na década de 1950 (4). Existem também outros grupos que usam a ayahuasca,sendo parte do projeto Ayahuasca Brasil (5). Todas essas igrejas incorporram elementos cristãos diversos em suas cerimônias. Nos Centros Livres e organizações desvinculadas dessas igrejas, o sincretismo pode ser ainda maior, com elementos hindus, umbandistas e espíritas, dentre outros. É o caso do Centro Livre Divina Luz, do Distrito Federal. Mesmo seguindo uma ritualística e calendário daimista, são ligados ao Juruá, e fazem trabalhos espirituais alternativos como o ―umbandaime‖. Uma atitude que Metzner cita que ocorre entre os usuários do ayahuasca, é um ―ressurgimento da atitude respeitosa e reverencial para com a Terra e todas as suas criaturas‖ (Metzner, Griphus: 2002). Isso é uma reação à degradação da biosfera, feita pela civilização ocidental. Aliás, o autor vê um choque entre a mentalidade das sociedades tradicionais xamanísticas ou sincréticas e o mundo industrializado ocidental. Em outras palavras, o ayahuasca estaria fazendo uma ponte entre o xamanismo - forma antiqüíssima e primeva de religiosidade ameríndia - e o mundo industrializado ocidental. Uma revolução cultural e de mentalidade pode surgir disso, sendo positiva, pois, a mentalidade xamanística busca uma harmonia com o universo e seu ecossistema, algo hoje necessário ao mundo ocidental. Essa dialética entre a mentalidade científica (newtoniana) ocidental e da religiosidade xamanística poderia conduzir os humanos à ―reunificação da ciência com a espiritualidade‖ (Metzner, Griphus, 2002). Um dos primeiros autores a estudar a mente e seus Estados Alterados (EAC) foi o filósofo norte-americano William James (1842-1910). Ele afirmava, segundo citado por Metzner, que a mente ―parece abarcar uma confederação de entidades psíquicas‖, tese essa confirmada pelos investigadores dos EAC. James investigou inclusive as dimensões para-normais e místicas da consciência, e dos ―estados mentais excepcionais‖. Ele mesmo ingeriu o gás hilariante (óxido nitroso), em suas experiências, o que o levou a um EAC. Sua tese, apoiada por Metzner, é a de que todo o conhecimento é derivado da experiência.

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Entre os vegetalistas, o fenômeno do vômito após a ingestão do ayahuasca, fenômeno chamado de purga, é visto como uma purificação física, mental e espiritual. Assim, o yagé também é conhecido como la purga. A experiência com o ―cipó das almas‖ conduz os indivíduos, muitas vezes, ao acesso ao conhecimento oculto, em realidades não-ordinárias. Nelas, as pessoas encontrariam respostas às suas angústias existenciais e espirituais. E isso é que faz com que alguns vegetalistas chamem essas beberagens de ―plantas mestras‖. A comprovada elevação da auto-estima entre membros das igrejas ayahuasqueiras tem explicação no fato de que a serotonina (5- hidroxitriptamina), substância que eleva a sensação de bem-estar, estar muito ativa nela. A deficiência dessa substância no organismo humano, por exemplo, pode gerar depressão,ansiedade, insônia e violência nas pessoas. Por isso, segundo Metzner, os bebedores da caapi são geralmente calmos. Além disso, quando os níveis de serotonina estão altos, no intestino humano, induzem vômitos e diarréias. Denis McKenna, PhD em Medicina, e estudioso do ayahuasca, afirma que as folhas da P. Viridis, uma das plantas formadoras do yagé, contém alcalóides necessários para gerar o efeito psicótico nas pessoas. Esse efeito,que entre os daimistas é chamado de ―miração‖, envolve visões e pensamentos não-ordinários e de conteúdo místico. Do ponto de vista químico, isso ocorreria devido à ingestão do DMT (dimetiltriptamina) e do inibidor MAO periférico, ambos presentes na ayahuasca (McKenna: Griphus, 2002). A conclusão de Metzner é de que ―é possível realizar inúmeras curas físicas e psicológicas admiráveis com o uso da ayahuasca‖ (Metzner, Griphus: 2002). Nesse sentido, ele relata conhecer casos até de regressão de alguns tipos de câncer, a partir da ingestão do caapi. Diz ainda que que uma pessoa que ingere a beberagem ―pode liberar, no momento do võmito, os resíduos tóxicos de um passado emocional conturbado-, a culpa ou a vergonha em relação a certos traumas-, limitações, defesas,transferências, vícios, compulsões e outros comportamentos neuróticos‖. Por isso, ele crê que a ayahuasca será útil para a sociedade também no tratamento de vícios, como o alcoolismo. Charles S. Grob, Mestre em Psicologia, crê que o estudo e uso da ayahuasca farão com que seja reaberta a discussão, na psicologia e na psiquiatria, sobre o valor da experiência xamanística. Segundo ele, haveria cerca de 150 espécies diferentes de plantas alucinógenas, das quais 120 seriam originárias do continente americano. O início do uso da ayahuasca como ritual é desconhecido pelos pesquisadores. Os grupos que a ingerem - sejam de tradições xamanísticas ou sincréticas - atribuem essa descoberta e seu uso a uma revelação divina. Os alcalóides harmala, derivados da Banisteriopsis - uma das substâncias que compõe o yagé ―são capazes de induzir vários níveis de êxtase visionário, e são utilizados ritualisticamente (...) por tribos nativas‖ (Grob, Griphus: 2002). Os colonizadores luso-espanhóis perseguiram e exploraram as culturas nativas da floresta amazônica. Em 1616, a Inquisição católica condenou a ayahuasca classificando-a como uma planta diabólica. Um cronista espanhol da época, Hernando Ruiz de Alarcón, citado por Grob no livro, dizia que ela ―deprava os sentidos (...) e, através dela, os nativos estabelecem comunicação com o diabo‖. (Guerra, 1977, op.cit.). Os padres se referiam a ―poções diabólicas preparadas com os cipós da floresta pelos indígenas do Peru‖ (Ott, 1994, citado por Grob, op.cit). A primeira descrição escrita da ayahuasca veio do geógrafo equatoriano Manuel Villavicencio, em 1858. Dizia que aqueles que a ingeriam ficavam ―possuídos‖, e viam ―as mais deliciosas aparições, sempre em conformidade com suas idéias e seu conhecimento‖ (Villavicencio, 1858 e Harner 1973, op.cit). Existem diversos tipos de experiências que ocorrem entre os que ingerem a beberagem. Há experiências de ―viagem astral‖, que são casos em que supostamente o espírito da pessoa sai do corpo e conhece outras dimensões e lugares. O antropólogo Keneth Kesinger afirma que o caapi induziria à visões de acordo com a gênese do comportamento volitivo. Os índios Kaxinawá só ingerem o yagé quando precisam de revelações espirituais. Já para os Jivaro, a ayahuasca os levaria à verdadeira realidade, não material. Por sua ótica, a realidade ordinária, seria mera ilusão. Segundo o antropólogo Harner, a ayahuasca, através de seu uso, promove a unidade das comunidades, mantendo-as coesas, por meio de um contato com o reino sobrenatural dos ancestrais, divindades e espíritos mitológicos dos usuários. Nesses contextos, a ayahuasca é ingerida como um sacramento que permite a interação com um mundo não-ordinário e místico,

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experiência onde se obtém auto-conhecimento e respostas existenciais e espirituais. Há inclusive uma preparação para a ingestão da planta, nas tradições xamanísticas ou sincréticas, incluindo abstinência sexual e dietas sem álcool, carne ou sal e açúcar. Devido ao seu papel religioso e sacramental, em algumas comunidades, Schultes e Hoffman chamam o yagé de ―planta de Deus‖ (1992 in op.cit). O uso da ayahuasca é feito com propósitos de cura e culto religioso, até os dias atuais. Existe a crença de que a beberagem cura especialmente doenças de origem mágica/ espiritual. É usada como uma forma de exorcizar espíritos diabólicos, em certos contextos. Atuaria removendo a causa espiritual de doenças físicas, e, portanto, curando as pessoas. Há inúmeros relatos de cura de pessoas através da ingestão de ayahuasca, segundo Grob (Dobkin de Rios, 1984, op. Cit). Há relatos também de cura de vícios de cocaína e álcool, através do yagé,como os ocorridos no Centro Takwasi do Peru, na década de 80. Também há relatos de melhoras do mal de Parkinson e de sintomas neuróticos, entre pessoas que consomem a beberagem. Foi no século XX que a ayahuasca saiu do contexto das tradições xamanísticas indígenas e chegou aos centros urbanos, através das igrejas sincréticas brasileiras, como o Santo Daime e a UDV, por exemplo. Dessa forma, a classe média urbana teve acesso à beberagem. Essas igrejas também levaram o yagé para a América do Norte e Europa, através de suas atividades. O governo do Brasil, em 1987, legalizou o uso da ayahuasca, desde que utilizada no contexto ritual e religioso. O Brasil foi o primeiro país do mundo a permitir o uso de plantas alucinógenas com objetivos espirituais, por parte de seus habitantes não-indígenas, após séculos de proibição. Os Estados Alterados de Consciência (EAC), induzidos por substâncias enteogênicas ou práticas meditativas, tem algumas características, que ocorrem nas pessoas que as ingerem, segundo Grob, tais como, dentre outras: alteração do pensamento; sentido alterado de tempo; transformações na expressão emocional; transformações na imagem corporal; alterações de percepção; transformações dos significados; sensação do indizível; sensação de rejuvenescimento. Além disso, existem experiências comuns, ocorridas entre pessoas que ingeriram o ayahuasca em contextos diferentes,como: percepção de que a alma deixa o corpo físico; visões de animais da floresta amazônica, como jaguares e outros predadores; sensação de contato com os reinos sobrenaturais; visões de locais distantes. Ainda segundo Grob, a ayahuasca, assim como outros alucinógenos ―possui um potencial inato para mergulhar quem a consome numa experiência que pode atingir as profundezas do inferno ou os mais elevados planos dos reinos celestiais‖. A primeira pesquisa psiquiátrica com o yagé ocorreu no ano de 1993, em Manaus (AM). É o projeto hoasca, onde cientistas analisaram usuários de substâncias entre membros da igreja UDV e não-usuários. Muitos dos membros da UDV eram ex-viciados em drogas e álcool, que se curaram ao longo do uso da beberagem, no período de pelo menos dez anos na igreja. A pesquisa mostrou que os membros da UDV eram mais sociáveis, equilibrados e ordenados que os que não ingeriam o caapi. Os vegetalistas eram também mais seguros, despreocupados e otimistas, além de terem mais concentração e agilidade na memória. Ao fazer sua conclusão, Metzner mostra que a ingestão da ayahuasca traz de volta, nas pessoas que a ingerem, a idéia do sagrado ligada à Natureza. Essa idéia está ligada às antigas práticas xamanísticas.

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Há um ressurgimento, em nossa época, de práticas neoxamanísticas ligadas à ingestão de enteogênicos. No século XX houve a introdução das plantas expansoras da mente, no Ocidente, isso paralelo à crise da civilização industrial. Nesse século, o Ocidente começou a entrar em contato com as cosmovisões da tradição xamanística ameríndia neopagã, que são ligadas à idéia da sacralidade da natureza. Isso contrasta com o materialismo industrial, que tudo sacrificainclusive a natureza, para sua expansão. Pode se citar como exemplos do que foi dito acima as pesquisas e experiências de expansão da mente o uso do ácido lisérgico Dietilamida (LSD), desenvolvido em laboratório em 1943. Na década de 1950, Robert Gordon redescobriu a cerimônia do cogumelo sagrado do México. Seus comentários acerca disso na revista Life impulsionaram um grande interesse na expansão da consciência,pelos jovens. No Brasil, surgiram as igrejas sincréticas, que levaram o ayahuasca para os centros urbanos. Na década de 1960, Timothy Leary pesquisou os psicodélicos, na Universidade de Harvard. Nessa mesma época houve o despertar de movimentos ecológicos e de inovações criativas na arte, música, moda e literatura, que se percebeu entre hippies e beats, por exemplo. Houve a revolução sexual e o movimento pacifista com muita força, também. Normas sociais foram mudadas ou remodeladas, a partir disso. O ocidente começou a entrar em contato com cosmovisões da tradição xamanística e neopagã de ameríndios sul-americanos. Dentre os enteogênicos, Metzner afirma que a ayahuasca tem uma reputação quase lendária, em função dos seus atributos de cura e fortalecimento. A idéia do fluir da águas e do crescimento das plantas é típica do imagético essencial das tradições xamanísticas. Isso está ligado ao fluir purificador (purgativo) do vômito e da purificação de tristezas, no contato com a ayahuasca. Junto com o interesse pelos enteogênicos, a idéia animista da sacralidade da natureza produz uma reunificação do sagrado e do natural, que pode revolucionar a mente racionalista e materialista do Ocidente. As plantas enteogênicas produzem alcalóides que geram insights e curas, estão fora do esquema científico atual, formado por Newton e Darwin, segundo Metzner. Isso deve ser reavaliado, pois nossos alimentos e remédios vem, em grande parte, do reino vegetal. E a alternativa que o neoxamanismo enteogênico nos dá e de voltarmos agora para uma visão harmônica com a natureza, recebendo dela cura e auto-conhecimento, a partir de chás como a ayahuasca. Temos como retribuir a ela o que ela nos dá? É a pergunta que Metzner se faz. A primeira coisa a se fazer em relação a natureza é preserva-la, pois dessa forma, podemos nos preservar. E também as iluminações espirituais e psíquicas vinda dos enteogênicos podem ser importantes para tudo isso. O fato é que muitos que usam a ayahuasca desenvolvem uma consciência ecológica, se engajando em projetos de preservação da natureza. Isso pode ser o começo de uma mudança na atividade predatória do homem em relação ao ecossistema. E também de uma religiosidade mais harmônica e includente, sincrética, mais próxima da natureza e aberta. É sobre essa religiosidade sincrética e sua cosmovisão, que se propõe o estudo, nesse trabalho. Notas: (1) Resenha de "Ayahuasca - Alucinógenos, Consciência e o Espírito da Natureza". Ralph Metzner, organizador; com contribuição de Jace C. Callaway, Charles S. Grob, Dennis J. McKenna e outros; tradução de Márcia Frazão Rio de Janeiro: Griphus,2002. O autor Gustavo Medeiros é graduado em Comunicação Social (Jornalismo) e História, pela UFRN.

(2) www.santodaime.org (3) www.udv.org.br (4) www.abarquinha.org.br (5) www.ayahuascabrasil.org

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Seriam os Deuses Alcalóides? Alex Polari de Alverga

I. Introdução Queremos abordar aqui, através da pergunta título da nossa conferência, um pouco do papel das plantas psicoativas no processo evolucionário da consciência humana e do seu emprego desde a antigüidade como indutor dos estados expandidos ou alterados de consciência. Depois nos deteremos mais detalhadamente na questão da consciência xamânica e da descrição da "miração", estado particular de experiência mística e êxtase visionário que ocorre sob o efeito da bebida sacramental enteógena denominada SANTO DAIME (Ayahuasca, Yagé, Caapi, etc.) e que por suas peculiaridades, parecem ser comum apenas ao relato de experiências com os compostos triptamínicos. E, finalmente, considerar em que precisamente a proposta enteógena pode se constituir em um paradigma para uma nova consciência centrada no verdadeiro Self. II. Uma Breve Teologia dos Enteógenos Para buscarmos uma resposta para nossa pergunta devemos retroceder cerca de três milhões de anos quando o homem, destacando-se dos demais primatas superiores começava a sua lenta evolução rumo a consciência de si mesmo. Durante o transcorrer de todo este período, o cérebro triplicou o seu peso mas foi durante os últimos quinhentos mil anos que se formou o néo-córtex. Podemos supor a consciência desta época como sendo um imenso Id dominando um lento embrião do ego em formação. Antroposofícamente falando, as mônadas ou os princípios espirituais que estavam se encarnando nessa época na Terra, promovendo a vida e a evolução humana, ainda não estavam suficientemente ajustados aos corpos físicos desses primeiros seres humanos. Segundo Steiner, eles teriam uma consciência do plano espiritual e das auras dos seres e objetos do mundo material, mas não tinham uma percepção nítida e diferenciada dos mesmos. Isso só veio a acontecer quando houve o acoplamento definitivo entre os corpos físicos etérico do homem, quando do ambos passaram a coincidir. Nesse momento, a consciência humana teria deixado de ser uma "consciência de clarividência nebulosa" para ganhar mais nitidez na apreensão do mundo material. Nos últimos cem mil anos o processo se acelerou de forma significativa. O Homo Sapiens tornara-se senhor do planeta e já devia contar com algo próximo de uma consciência de si mesmo como indivíduo singular da sua espécie e um sistema rudimentar de comunicação querendo se articular enquanto linguagem. Foi na última fase deste período, nos últimos trinta mil anos, que uma verdadeira revolução ocorreu no processo evolutivo. Por essa época, os nossos ancestrais caçadores e coletores já tinham uma forma de organização solidária que lhes garantiam a sobrevivência frente ao ataque dos predadores e os rigores do meio ambiente. Até hoje, pesquisadores e cientistas buscam uma boa resposta para essa aceleração evolucionária, que corresponde aos últimos preparativos para que a humanidade entrasse na cena da história. Alguns autores, entre eles Wasson e Mckenna, apresentam uma sólida argumentação, que eu também partilho nessa exposição, de que uma das causas principais da súbita irrupção da autoconsciência humana teria sido a simbiose do homem com o mundo vegetal e especificamente com os psicoativos. Essa é a perspectiva poética e visionária que sempre se apresenta quando

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"consultamos" a inteligência e a memória que a Mente Vegetal guarda desses eventos. Por meio dessa tese podemos entender também, o cenário onde as hordas mais adaptadas desses homídeos onívoros ampliavam de forma crescente sua dieta e seus conhecimentos sobre as plantas nutritivas, curativas e psicoativas, o que causou mudanças e respostas cada vez mais rápidas na sua estrutura neural, estados de consciência e comportamento. Levi Strauss, comentando a obra de Wasson, analisa o mito da árvore do conhecimento e a história bíblica de Adão e Eva, comendo o fruto proibido, como a metáfora do contato do homem com o enteógeno primordial. Em outras palavras, esse seria o momento da mudança do estado indiferenciado de clarividência nebulosa para o de auto-consciência lúcida, o que trouxe como conseqüência a sua expulsão do Éden. No entanto, foi no final da última glaciação, que ocorreu há uns doze mil anos, que as condições se tornaram propícias para a difusão da agricultura, domesticação de animais e pastoreio. A intimidade com o manejo dessa última atividade, trouxe um contato cada vez mais estreito com os fungos psilocíbicos associados ao esterco de gado. Floresceram a partir dessa época festas consagradas aos cogumelos sagrados, como parte dos cultos à fertilidade associados à Grande Deusa. Vestígios arqueológicos da arte desse período, principalmente a partir do oitavo milênio a.C., expressam de forma literal ou estilizada, o uso cerimonial dos fungos em povos e culturas bastantes distantes entre si. O que parece indicar a importância e a universalidade desses cultos na formação daquilo que M. Eliade define como as primeiras hierofanias vegetais, uma espécie de pré-religião, primeira separação que o homem fez de uma "esfera sagrada" em oposição a um "mundo profano". Certas plantas e árvores, ou a natureza de um modo geral, eram revestidas de atributos divinos ou mesmo divinizados. Hoje estamos em condição de afirmar que esta postura não tinha nada de ingênua ou simplória, correspondendo sim à ação da psilocibina e outros agentes enteógenos e as conseqüências das visões dela decorrentes nos mitos, símbolos e arquétipos que se apresentavam à consciência da época. Essas hierofanias vegetais foram portanto, cronologicamente, as mais antigas que se tem notícias. O que atesta que, por esse tempo, no limiar da história conhecida, já havia uma familiaridade com o tema do sagrado/vegetal, do Deus/Vegetal, que remonta a tempos ainda mais longínquos. Sem dúvida, este foi um dos principais substratos que mais tarde vieram a formar os diversos Cultos dos Mistérios da antiguidade e às grande religiões do mundo. Talvez o caso mais conhecido e também o mais eloqüente seja o do Soma, que segundo os hinos do Rig-Veda era prensado e mesclado a leite para ser consumido em rituais e cerimonias dedicados ao Deus Indra. O Soma estava entronizado numa posição de destaque no Panteão Védico. É mesmo Haoma citado no Zed-Advesta, escrituras persas atribuídas a Zoroastro. O que nos permite estabelecer sua raiz ária e considerar que possa ter sido difundido pelas diversas ondas migratórias dos povos arianos que foram penetrando o Vale do Indo entre o segundo e o primeiro milênio a.C. É igualmente possível que com o passar do tempo, por dificuldades de suprimento ou de adaptação do Soma nas novas terras conquistadas, tenha havido uma planta substituta, já conhecida pelos povos drávidas que habitavam a região e cuja cultura se mesclou com a dos conquistadores. Já a Ioga e a Filosofia Sankhya seriam adições posteriores. Suas posturas corporais, métodos respiratórios e refinamento psicológico, enfatizavam a sadhana, as austeridades e a meditação como o novo método para alcançar o êxtase, o samadi, estado de consciência onde o Eu Átmico se funde no oceano de Braman. Experiência que certamente os antigos riskhis (sábios videntes que receberam a revelação dos Vedas) tiveram, embriagados pelo Soma. Essas influência das plantas enteógenas na experiência dos estados místicos associados a cultos agrários e de fertilidade, podem ser encontrados desde a Ásia, passando pela Europa, até o extremo do continente sul-americano. O que nos permite supor que elas foram, desde uma antigüidade ainda mais remota, o agente acelerador e o detonador desse autêntico "Big Bang" da consciência que ocorreu nos últimos trinta mil anos. Existe um certo consenso de que as triptaminas tenham sido esse enteógeno primordial, não só pela reconstrução e suposição histórica, como também e principalmente por causa da excelência e peculiaridade do êxtase ou "miração" triptamínica, cujas visões são inigualáveis em florescência, intensidade, conteúdo e principalmente na capacidade do Eu interagir no interior dos eventos que fazem parte desse estado de consciência cósmica. A consagração dos insights das visões como sendo de origem divina, explica a reverência com que essas plantas eram tratadas. O ego recém conquistado já podia transcender a si mesmo e

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travar contato com o Tu e com o Outro. Do respeito que nasceu do homem, com a fonte ao mesmo tempo vegetal e espiritual que lhe enviava aquela graça, aquela compreensão dele mesmo e do universo, nasceu a idéia de religiosidade, de se religar com a sua origem e pátria cósmica. Num certo sentido, religião é aquela ânsia de se relacionar corretamente com o Outro transcendente. Essa foi a aurora da consciência de si mesmo. No momento em que a consciência humana transcendeu a si mesmo e pode vislumbrar a consciência cósmica, o relâmpago precipitou-se no abismo e a Coroa do homem iluminou-se! Por isso os alcalóides, principalmente os triptamínicos, são fortes candidatos a serem protodeuses. Sob seus auspícios, foi feita a primeira grande conexão entre o mundo da jovem consciência humana recém desperta e o mundo divino e eterno, entre o sagrado e o profano. O primeiro ancestral ou herói mítico, de Gilgamesh até Viracocha, presentes em tantas cosmogonias de culturas tão distantes entre si, são os ecos e as sombras dos tempos dos titãs. Onde esses semi-Deuses, metade homem e metade Deus, foram iniciados por instrutores de uma ordem de consciência superior - vale dizer portanto divinos - a fim de trazerem a luz, o fogo de Prometeu para repartir com os seus irmãos. Como a maior evidência arqueológica das contribuições realizadas, quando na passagem dos "Deuses Alcalóides" pelos labirintos da consciência humana, está a presença da serotonina, neuro-transmissor cerebral encarregado de estimular os receptores dos neurônios e que tem praticamente a mesma estrutura molecular da DMT (dimetil-triptamina) alcalóide presente nas várias plantas enteógenas usadas pelos homens desde a antigüidade. Mais maravilhoso ainda é essa oportunidade que a Mente Vegetal ofereceu à Mente Humana e continua oferecendo ainda hoje na forma da mesma revelação que foi enviada aos nossos longínquos antepassados. Isso porque, "revelação" é uma verdade sempre idêntica em si mesma, apesar de poder ser expressa por símbolos diversos dentro da psique humana. Ela é a mesma visão dos místicos e iniciados de todas as idades, o que varia é apenas a convicção e o juízo de valor que tiveram sob o que experimentaram. Isso fica claro, quando constatamos as semelhanças e pontos comuns dos relatos das experiências de êxtase nas mais diversas tradições. Se no passado foram considerados bem-aventurados "aqueles que não viram e creram", maior prazer teremos nós quando pudermos enxergar tudo aquilo que a nossa fé sempre acreditou !

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Os Alucinógenos do Novo Mundo (Do livro “O Alimento dos Deuses” de Terence McKenna) Os vegetais alucinógenos contendo indóis e seus cultos se agrupam nos trópicos do Novo Mundo. As zonas tropicais e subtropicais do Novo Mundo são fenomenalmente ricas em plantas alucinógenas. Ecossistemas semelhantes nos trópicos do sudeste da Ásia e na Indonésia não se comparam em número de espécies endêmicas que contêm indóis psicoativos. Por que os trópicos do Velho Mundo, os trópicos da África e da Indonésia não são igualmente ricos em flora alucinógena? Ninguém conseguiu responder a essa pergunta. Mas em termos estatísticos o Novo Mundo parece sero lar preferido das plantas psicoativas mais poderosas. A psilocibina, que agora sabemos existir em espécies européias de diminutos cogumelos do gênero Psilocybe, nunca foi demonstrada de modo convincente como fazendo parte do xamanismo ou da etnomedicina européia. Entretanto, seu uso xamânico em Oaxacan, no México, tem três mil anos de idade. De modo semelhante, o Novo Mundo tem os únicos cultos vivos baseados no uso de dimetiltriptamina (DMT), o grupo de betacarbolinas que incluem a harmina, e o complexo parecido com ergot nas ipoméias. Uma conseqüência histórica desse agrupamento de alucinógenos no Novo Mundo foi que a ciência européia descobriu bastante tarde a sua existência. Isso pode explicar a ausência de insumos "psicodélicos" nas drogas ocidentais destinadas ao uso psiquiátrico. Enquanto isso, devido à influência do haxixe e do ópio na imaginação romântica, o devaneio do haxixe ou o sonho do ópio se tornaram paradigma da ação das novas "drogas mentais" que fascinaram os literatos boêmios a partir do final do século XVIII. De fato, em seus primeiros contatos com a psicoterapia ocidental os alucinógenos foram vistos como capazes de imitar as psicoses. No século XIX exploradores-naturalistas começaram a voltar com relatos etnográficos mais ou menos precisos sobre as atividades dos povos aborígines. Os botânicos Richard Spruce e Alfred Russel Wallace viajaram pelos rios da Amazônia na década de 1850. No alto rio Negro, Spruce observou um grupo de índios preparar um alucinógeno estranho. Ele observou ainda que o ingrediente principal desse tóxico era uma liana, um cipó-trepadeira que ele chamou de Banisteria caapi. Vários anos mais tarde, enquanto viajava pelo oeste do Equador ele viu a mesma planta sendo usada para fazer um alucinógeno chamado ayahuasca. (Ver Figura 25.) Até hoje a ayahuasca continua a fazer parte da vida espiritual de muitas tribos das florestas úmidas da América do Sul. Imigrantes que foram para a bacia amazônica também aceitaram a ayahuasca e criaram seu próprio sistema etnobotânico, usando as visões psicodélicas que ela produz para realizar curas. A palavra ayahuasca é um termo quíchua que pode ser traduzido aproximadamente como "cipó dos mortos" ou "cipó das almas". Este termo refere-se não apenas à beberagem alucinógena,

FIGURA 25. Banisteriopsis caapi, desenho taxonômico de E. W. Smith. De The Botany andChemistry o/ Hallucinogens, de R. E. Schultes (Springfield, MA: Charles Thomas, 1972), Figura 27, p. 104.

mas também a um de seus principais ingredientes, a trepadeira. Os tecidos dessa planta são ricos em alcalóides do tipo betacarbolina. A betacarbolina mais importante existente no que agora é

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chamado de Banisteriopsis caapi é a harmina. A harmina é um indol, mas não é ostensivamente psicodélica a não ser quando tomada em quantidades que se aproximam do que é considerado uma dose tóxica. Entretanto, muito abaixo desse nível, a harmina é um eficaz inibidor de oxidase de monoamina, de curta ação. Assim, um alucinógeno como a DMT, que normalmente seria inativo se tomado por via oral, fica altamente psicoativo quando tomado por via oral em combinação com a harmina. Os povos nativos da Amazônia exploraram brilhantemente esses fatos em sua busca de técnicas para obter acesso às dimensões mágicas cruciais para o xamanismo. Ao combinar na ayahuasca plantas contendo DMT com plantas contendo inibidores de OMA, eles exploraram por longo tempo um mecanismo farmacológico, a inibição de OMA, que só foi descrita pela ciência ocidental na década de 1950. Em presença de harmina a DMT torna-se um composto altamente psicoativo que penetra na corrente sangüínea e termina atravessando a barreira de sangue e entrando no cérebro. Ali ela compete de modo bastante eficaz com a serotonina pelas áreas de ligação sináptica. Essa experiência de lenta liberação de DMT dura de quatro a seis horas e é a base para a visão mágica e xamânica da realidade que caracteriza o ayahuasquero e seu círculo de iniciados. Estilos de reportagem antropológica não envolvida ou supostamente objetiva tenderam a desenfatizar a importância cultural que esses estados alterados têm sobre as sociedades amazônicas. A experiência de ingerir ayahuasca - DMT orgânica tomada em combinação com a trepadeira Banisteriopsis - tem várias características que a afastam da experiência de fumar DMT. A ayahuasca é mais suave e dura muito mais. Seus temas e alucinações são orientados para o mundo orgânico e natural, em contraste nítido com os temas titânicos, alienígenas e desligados do planeta que caracterizam o clarão da DMT. O motivo de existirem diferenças tão grandes entre compostos que parecem estruturalmente tão

FIGURA 26. Ritual tukano com ayahuasca, na Amazônia colombiana. Cortesia da Fitz Hugh Ludlow Library.

semelhantes é um problema ainda não investigado. De fato, ainda não se compreende todo o relacionamento de tipos especiais de visão com os compostos que as produzem. Nas áreas nativas, a ayahuasca é vista como um elixir de cura geral, chamada de Ia purga. Sua eficácia em matar o organismo da malária está sendo investigada. E sua longa história de eficaz uso xamânico na psiquiatria popular foi documentado por Naranjo, Dobkin de Rios, Luna e outros. AYAHUASCA A experiência induzida pela ayahuasca inclui tapeçarias extremamente ricas de alucinação visual que são particularmente suscetíveis de serem "impulsionadas" e dirigidas pelo som, especialmente o som vocal. Conseqüentemente, um dos legados das culturas usuárias de ayahuasca é um grande repositório de ícaros, ou canções mágicas (figura26) . A eficácia, a sofisticação e a dedicação de um ayahuasqueiro, são medidas em função de quantas canções mágicas ele memorizou. Nas sessões de cura tanto o paciente quanto o curandeiro ingerem ayahuasca, e o canto de canções mágicas é uma experiência compartilhada e amplamente visual.

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Não se conhece o impacto do uso prolongado de alucinógenos indóis sobre a saúde mental e física. Minhas experiências junto às populações mestiças da Amazônia me convenceram de que o efeito do uso por longo prazo da ayahuasca é um estado extraordinário de saúde e integração. Os ayahuasqueros usam o som e a sugestão para dirigir energia curadora para as partes do corpo e para aspectos não examinados da história pessoal do indivíduo onde a tensão psíquica se instalou. Freqüentemente esses métodos exibem paralelos impressionantes com as técnicas da moderna psicoterapia; em outros momentos eles parecem representar uma compreensão de possibilidades e energias ainda não reconhecidas pelas teorias ocidentais sobre cura. Mais interessante, segundo o ponto de vista dos argumentos levantados neste livro, são os rumores persistentes de estados de mente grupal ou telepatia que ocorrem entre os povos tribais menos aculturados. Nossa história de ceticismo e empirismo faria com que considerássemos essa afirmação impossível, mas devemos pensar duas vezes antes de fazê-lo. A principal lição a ser aprendida com a experiência psicodélica é o grau em que valores culturais não examinados ou imitação de linguagem fizeram de nós prisioneiros involuntário de nossas próprias suposições. Já que não pode deixar de ter motivos o fato de que, em todos os lugares do mundo em que os alucinógenos indóis foram usados, seu uso esteve ligado a auto-cura e à regeneração mágica. A baixa incidência de doenças mentais sérias entre essas populações é bem documentada. ... A EXPERIÊNCIA DA DMT No início deste capítulo foi dito que a DMT era de interesse especial. O que pode ser dito da DMT como uma experiência e em relação ao nosso vazio espiritual? Será que ela oferece respostas? Será que as triptarninas de ação curta oferecem uma analogia ao êxtase da sociedade igualitária antes que o Éden se tomasse uma lembrança? E, em caso afirmativo, o que podemos dizer sobre ela? O que me impressionou repetidamente durante os muitos vislumbres do mundo dos indóis alucinogênicos, e o que parece ter escapado geralmente ao comentário, é a transformação da narrativa e da linguagem. A experiência que engolfa todo o nosso ser quando submergimos sob a superfície do êxtase da DMT parece a penetração através de uma membrana. A mente e o Eu se desdobram literalmente diante de nossos olhos. Há a sensação de sermos renovados, ainda que não modificados, como se fôssemos feitos de ouro e tivéssemos acabado de ser remoldados na fornalha do nascimento. A respiração é normal, o ritmo cardíaco é estável, a mente é clara e observadora. Mas e o mundo? E os dados sensórios que recebemos? Sob a influência da DMT o mundo se torna um labirinto árabe, um palácio, uma jóia marciana mais do que possível, vasta com motivos que enchem a mente de espanto complexo e sem palavras. A cor e a sensação de um segredo que destranca a realidade permeiam a experiência. Há uma sensação de outros tempos, de nossa infância, e de espanto, espanto, e mais espanto. É uma audiência com o núncio alienígena. No meio da experiência, aparentemente no fim da história humana, surgem portões de guarda que parecem certamente abrir-se ao turbilhão do vazio indizível entre as estrelas, é o Éon. O Éon, como Heráclito observou prescientemente, é uma criança brincando com bolas coloridas. Muitos seres diminutos estão presentes -. os vira-latas, os elfosmáquinas autotransformadores do hiperespaço. Serão eles as crianças destinadas a serem pais do homem? Temos a impressão de entrar numa ecologia de almas que está além dos portais daquilo que ingenuamente chamamos de morte. Não sei. Serão eles a corporificação sinestética de nós mesmos como o Outro, ou do Outro como nós? Será que os elfos estão perdidos para nós desde que se apagou a luz mágica da infância? Há algo tremendo em vias de ser contado, uma epifania além de nossos sonhos mais loucos. Aqui é o reino do que é mais estranho do que podemos supor. Aqui é o mistério, vivo, incólume, ainda tão novo para nós como quando nossos ancestrais viveram-no há quinze mil verões. As entidades da triptamina oferecem o dom de uma linguagem nova; eles cantam em vozes de pérola que chovem como pétalas coloridas e fluem pelo ar como metal quente para se tornarem brinquedos e presentes como os que os deuses dariam aos seus filhos. O senso de conexão emocional é aterrorizante e intenso. Os Mistérios revelados são reais, e se algum dia forem totalmente contados não deixarão pedra sobre pedra no pequeno mundo em que ficamos tão doentes.

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Este não é o mundo mercurial dos OVNIs, a ser invocado em montes solitários; este não é o canto das sereias da Atlântida perdida, gemendo através das cortes enfileiradas da América enlouquecida pelo crack. A DMT não é uma de nossas ilusões irracionais. Acredito que o que experimentamos na presença da DMT sejam novidades reais. É uma dimensão próxima apavorante, transformadora e além de nossa capacidade de imaginar, e ainda assim para ser explorada do jeito usual. Devemos mandar especialistas intrépidos, o que quer que isso signifique, para explorar e relatar o que encontrarem. A DMT, como discutimos antes, existe como parte do metabolismo humano comum, e é o mais poderoso dos alucinógenos indóis que ocorrem naturalmente. A facilidade extraordinária com que a DMT destrói totalmente todas as fronteiras e nos coloca numa Outra dimensão impossível de ser prevista e que nos arrasta é um dos milagres da própria vida. Esse primeiro milagre é seguido por um segundo: a absoluta facilidade e simplicidade com que os sistemas enzimáticos do cérebro humano reconhecem as moléculas de DMT nas sinapses. Depois de somente algumas centenas de segundos essas enzimas desativam completamente a DMT e, sem causar qualquer dano, reduzem-na a seus subprodutos de metabolismo comum. O fato de que diante do mais poderoso de todos os indóis alucinogênicos os níveis ordinários de amina no cérebro sejam restabelecidos tão rapidamente argumenta em favor de ter havido uma possível associação evolucionária entre os seres humanos e as triptaminas alucinógenas. Apesar de atualmente não se pensar que a psilocibina e a psilocina, os indóis alucinogênicos ativos no cogumelo Stropharia cubensis, se metabolizem diretamente em DMT antes de se tornarem ativos no cérebro, mesmo assim seu caminho é o parente mais próximo do caminho neural da atividade da DMT. De fato, eles podem ser ativos nas mesmas sinapses, mas com a DMT sendo mais reativa. A fonte dessa diferença é provavelmente farmacocinética - isto é, a DMT pode atravessar mais facilmente a barreira sangüínea, de modo que uma quantidade maior chega à área de atividade em tempo mais curto. A afinidade dos dois componentes com a área de ligação é aproximadamente igual. Como mencionei antes, a pesquisa com a DMT foi em geral inadequada, particularmente em seres humanos. Quando foram feitos estudos, a DMT foi administrada por injeção. Esse é o procedimento preferencial com drogas experimentais porque as dosagens podem ser conhecidas precisamente. Mas no caso da DMT essa abordagem mascarou a existência do extraordinário "tempo de giro" da experiência quando a DMT é fumada. A experiência com DMT via intramuscular dura aproximadamente uma hora; o pico da experiência obtida fumando-a ocorre em cerca de um minuto. Na bacia amazônica alguns povos tribais têm uma tradição de usar plantas que contêm DMT. Eles usam a seiva de árvores Virola, parentes da noz-moscada, ou sementes torradas e moídas de Anadenanthera peregrina, uma enorme árvore leguminosa. O método geralmente aceito para ativar o indol é cheirar o material vegetal em pó. O ato de cheirar não é deixado a critério do usuário; ao contrário, ele precisa que um amigo sopre através de um junco oco cheio do pó fino, primeiro em uma narina, depois na outra (ver Figura 27). Por mais penoso que seja esse processo, ele não deixa dúvida de que os xamãs amazônicos aprenderam o que os pesquisadores modernos da DMT não aprenderam: a rota mais eficaz para a administração é a absorção através da mucosa nasal.

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Cronologia da Ayahuasca

2000 A.C. - Há evidências arqueológicas, através de potes e desenhos, que levam a crer que o uso de um chá, feito da PLANTA MESTRA, era conhecido entre os povos do continente desde pelo menos 2.000 A.C.. Século XIII - O inca Manco Capac funda Cuzco (que significa "O Umbigo do Mundo"), capital do Império e estabelece um Estado Teocrático Absolutista. Não se sabe ao certo se aprendeu com os nativos da floresta ou se introduziu o costume de tomar um misterioso CHÁ, reservado apenas aos nobres de sua corte. Século XVI - Há relatos de que os espanhóis e portugueses observaram a utilização de bebidas na cultura indígena e recriminaram-na: "quando bêbados, perdem o sentido, porque a bebida é muito poderosa; por meio dela comunicam-se com o demônio, porque eles ficam sem julgamento e apresentam várias alucinações que eles atribuem a um deus que vive dentro destas plantas". (Guerra, 1971). No BRASIL começa para os habitantes nativos do litoral atlântico o GRANDE BALANÇO. A primeira coisa que ocorre é a restrição da LIBERDADE religiosa. BRASIL COLONIA DE PORTUGAL 1500 - Pedro Álvares Cabral chega ao BRASIL em nome da Igreja Católica Apostólica Romana e inicia a cristianização e a escravização dos povos nativos. No período português do povo brasileiro existiam duas possibilidades: ser livre ou ser escravo, e a liberdade era então somente a do cristão, o que fez surgir o sincretismo religioso. 1533 - Os espanhóis chegam ao Império Inca. Conta a lenda que o inca HUASKAR se refugiou na Floresta Amazônica e levou a receita do misterioso CHÁ. Depois de sua morte, a PLANTA MESTRA passou a ser conhecida como Aya (alma de) Huaskar (chicote), ou seja, Ayahuaska, ou Ayahuasca. 1591 - 1ª visitação da Inquisição no Brasil (BA-PE). Haverá outras em 1618 e 1769. Alguns réus irão para a fogueira em Portugal. 1616 - O uso da Ayahuasca é condenado pela Santa Inquisição. Século XVII - As missões jesuítas informam a corte portuguesa sobre a existência de "poções diabólicas" feitas pelos índios do Amazonas. BRASIL IMPÉRIO 1840 - A Harmalina é isolada da planta Peganum Armala em laboratório na Europa. 1849 - O botânico inglês Richard Spruce remete às escondidas para o "Jardim Botânico de Kew" da Inglaterra, mudas de algumas das 11 espécies da SERINGUEIRA. De 1849 a 1864 viajou intensamente através da Amazônia brasileira, venezuelana e equatoriana, para montar um inventário da variedade de espécies de plantas lá encontradas (Schultes and Raffauf, 1992). Spruce fez grande número de descobertas valiosas, incluindo Hevea, os genes da Seringueira e Cinchona, da qual o quinino é derivado e usada pelos nativos da floresta para se fazer bola. Identificou também uma das fontes primárias de uma poderosa destilaria de alucinógenos usada por indíos Mazan e Zaparo, chamada ayahuasca ("vinho das almas " ou "vinho dos mortos", na língua quechua).

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1851 - Richard Spruce percorre o Rio Negro no interior do Estado do Amazonas e constata que os nativos Tucanos usam a planta Caapi, que ele classifica como pertencente à ordem das Malpigiáceas e ao gênero das Banisterias. 1858 - Spruce encontra a mesma planta sendo usada na tribo Guahibo, na margem superior do rio Orinoco, na Colômbia e Venezuela e, no mesmo ano, entre os Záparos dos Andes peruanos, que denominavam-na Ayahuasca. Villavincencio é o primeiro a descrever o misterioso chá no Rio Napo, na Amazônia equatoriana. 1886 - Simson's é o primeiro a observar a mistura das plantas na cocção da Ayahuasca. BRASIL REPÚBLICA 1891 - A REPÚBLICA no Brasil introduz o princípio de separação entre a Igreja e o Estado. O Marechal Deodoro da Fonseca, chefe provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e pela Armada, em nome da Nação, decreta: Art. 1º - É proibido à autoridade federal, assim como à dos Estados federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos estabelecendo alguma religião ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do Brasil, por motivo de crenças, opiniões filosóficas ou religiosas. 1903 - Ocupação brasileira do território do Acre, que pertencia à Bolívia. Chegam homens vindos dos estados do Ceará e do Maranhão, os soldados da borracha, para a extração do látex. Entram em contato com os nativos. 1902 - O exército de seringueiros de Plácido de Castro toma Xapuri. 1903 - Rebeldes acreanos de Plácido de Castro tomam Puerto Alonso da Bolívia. 1905 - A "telepatina" - outro nome da harmina - é identificada como o "yajé" dos índios (Zerda e Bayon). 1907 - O Marechal Rondon, do Exército Brasileiro, chega às regiões da fronteira amazônica. 1909 - O português António Olívio Rodrigues funda, em 27/6/1909, o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, em São Paulo, sob influência do pensamento filosófico Martinista, criado pelo ocultista Papus. A.O.R. Introduz então cursos esotéricos e faz a distribuição de livros sobre ocultismo e astrologia por correspondência, uma novidade para época. 1909 - Rondon conclui a ligação telegráfica do Amazonas (997 km de selva). 1912 - Raimundo Irineu Serra migra para o Acre, vindo do Estado do Maranhão. Lá atua como seringueiro, soldado da Guarda Territorial, e já é conhecido CURADOR. 1913 - Em Brasiléia (fronteira com o Peru), Irineu experimenta a Ayahuasca com nativos. 1915 - Perto de CUSCO, ex-capital do Império Inca, Mestre Irineu recebe do plano astral o seu primeiro ÍCONE, que chama de Hino. 1918 - Irineu Serra é reconhecido pelo xamã peruano Dom Crescêncio Pizango, em uma sessão de Ayahuasca, como sendo o herdeiro do conhecimento do inca Huaskar. Segundo Pizango, Mestre Irineu era a pessoa que estava em condições espirituais de revolucionar a Ayahuasca no mundo. 1920 - Surge a primeira igreja oficial do Santo Daime na cidade de Rio Branco, capital do Acre, no bairro hoje conhecido como Alto Santo. Mestre Irineu urbaniza a planta sagrada e lhe dá um novo nome: SANTO DAIME. 1931 - A N. N. Dimetiltriptamina (DMT) é sintetizada e identificada como outro alcalóide deste chá. 1934 - A nova Constituição Brasileira declara: Art. 113, prg. 4: É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil. 1943 - José Gabriel da Costa, capoeirista, ex-soldado, seringueiro, vem da Bahia para o Acre. 1945 - Daniel Pereira de Matos, músico, poeta e amigo de Mestre Irineu, funda a Capelinha, depois Capelinha de São Francisco e, finalmente, BARQUINHA, no estado do Acre, em Rio Branco. 1955 - A N. N, Dimetiltriptamina (DMT) é identificada como substância natural na planta Piptadenia peregrina (Anadenanthera peregrina). 1957 - Hochstein e Paradies encontram, além de Harmina, a Harmalina e a Tetrahidroharmina na Planta Mestra.

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1959 - José Gabriel da Costa encontra a Ayahuasca pelas mãos de um seringueiro chamado Chico Lourenço, em Colocação de Capinzal, na fronteira com a Bolívia. 1961 - José Gabriel da Costa, em Porto Velho, no Estado de Rondônia, funda no dia 22 de julho a UDV - União Do Vegetal - adotando o nome Hoasca para a planta. 1975 - Sebastião Motta registra a entidade religiosa e filantrópica denominada CEFLURIS Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, no Estado do Amazonas. 1982 - A Sede Central da UDV sai de Rondônia e se fixa em Brasília. 1985 - O CONFEN, Conselho Federal de Entorpecentes, constitui um grupo multidisciplinar de trabalho com o objetivo de analisar sob o ponto de vista médico-farmacológico, jurídico e social o uso do chá em rituais religiosos. 1987 - O uso da Ayahuasca dentro de contexto religioso começa a ser estudado para futuro reconhecimento no Brasil. 1988 - Na CARTA MAGNA, a Constituição de 5 de outubro de 1988, é mantida a determinação de liberdade religiosa, no artigo 5º. 1991 - As entidades que utilizam o chá assinam a "CARTA de Princípios dos USUÁRIOS", em Brasília. 1992 - O CONFEN, depois de sete anos de pesquisa, por unanimidade de votos de seus integrantes, decide liberar o uso religioso do Chá em todo o território nacional. 2004 - O CONAD em 4/11/2004 emite parecer reconhecendo a legitimidade, juridicamente, do uso religioso da Ayahuasca (Diário Oficial da União, Edição 214, Seção 1, 08/11/2004, pg. 8).

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Religiões Ayahuasqueiras & Espiritualidade Ayahuaski

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Xamânismo da Selva e o Cipó dos Mortos

Don Agustin Rivas Vasquez, em ―Amazon Magic‖ (Magia da Amazônia), diz, ―Ayahuasca é o cipó da morte, a planta através da qual nós podemos experimentar a morte ou em alguns casos um desaparecimento físico, mas retornado. Uma transmutação pode acontecer, por meio da qual o nosso corpo e alma podem viajar pelo espaço e curar alguém… Durante quatro ou cinco horas o xamã trabalha com as pessoas, curando-as através da sua dança, música, mariris, icaros e sopros de tabaco. Na existência de pessoas doentes, o xamã as vezes precisa sugar e extrair a enfermidade‖. Esta pesquisa examinará a tradição da cerimônia da Ayahuasca da maneira que é praticada pelos xamãs Quichua, indios sul-americanos, conhecidos como ayahuasqueros. Estes xamãs são ao mesmo tempo os médicos e líderes espirituais dos índios nativos americanos da floresta tropical de Montane, que engloba partes do Peru, Colombia e Brasil. Nós iremos explorar vários dos mistérios do ritual da Ayahuasca e concluiremos que quaisquer que sejam os motivos, o uso cerimonial da Ayahuasca, como um tratamento médico, é bem sucedido e efetivo. A Bebida do Xamã Ralph Metzner, Ph.D., editor e co-autor do livro ―Ayahuasca: Hallucinogens, Consciousness, and the Spirit of Nature‖ (Ayahuasca: Alucinógenos, Consciência, e o Espírito de Natureza), diz, ― A Ayahuasca é amplamente reconhecida por antropólogos como provavelmente o mais poderoso e o mais difundido alucinógeno xamânico‖. Ayahuasca é uma palavra de origem Quechwa, que traduzida significa ―corda de morte‖ ou ―cipó de almas‖ (Metzner). Embora Ayahuasca seja o nome do cipó, é também utilizada para descrever a poção terminada composta por mais de um tipo de planta. A poção pode também ser chamada de Iagé. Gerardo ReichelDolmatoff, antropólogo e pesquisador veterano de culturas latino-americanas, diz em sua pesquisa ―The Cultural Context of an Aboriginal Hallucinogen: Banisteriopsis caapi‖ (O Contexto Cultural de um Alucinógeno Aborígine: Banisteriopsis caapi) que ―O propósito de tomar o Iagé é o de retornar ao útero, para o fons et origo [fonte e origem] de todas as coisas, onde o indivíduo ―vê‖ as divindades tribais, a criação do universo e da humanidade, o primeiro casal, a criação dos animais e o estabelecimento da ordem social‖. Pode também permitir que o espírito deixe o seu corpo e ganhe uma perspectiva elevada sobre a causa das enfermidades (Reichel-Dolmatoff). Esta exploração interna, assim como a caminhada através do psicocosmo, feitos possíveis através de narcóticos poderosos, é guiada pelo xamã, que é o supervisor e professor. Na introdução de seu diário, intitulado ―The Beta-Carboline Hallucinogens of South America‖ (Os Alucinógenos de Beta-Carboline da América do Sul), Richard Evans Schultz diz que ―O xamanismo deste vale pode bem representar o mais altamente evoluído conhecimento sobre narcóticos na Terra.‖

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Daniel Pinchbeck diz, em seu artigo ―The Vine of Souls‖ (O Cipó de Almas), que os xamãs ―Incas usavam Ayahuasca, mas acredita-se que o conhecimento da droga os antecede por milhares de anos‖. Terence McKenna fez o trabalho de uma vida estudando o uso de drogas psicoativas. Ele viajou exaustivamente para estudar com os xamãs. Em seu livro ―Food Of The Gods: The Search For The Original Tree of Knowledge‖ (Comida Dos Deuses: Procura Pela Árvore Original do Conhecimento), ele diz que ―xamanismo tem sempre, em suas expressões mais autênticas, ensinado que o caminho exige aliados. Estes aliados são as plantas alucinógenas e as misteriosas entidades ensinadoras, luminosas e transcendentais, que residem na dimensão adjacente, de extasiante beleza, e reconhecendo que nós as estivemos negando ao ponto de agora ser quase muito tarde‖ Composição Química O cipó da Ayahuasca, conhecido como Banisteriopsis caapi, contém alcalóides do tipo harmala. Destes, os principais componentes psicoativos da Ayahuasca são a harmina e a tetrahidroarmina (Metzner). Estes alcalóides inibem temporariamente a ação da enzima MAO no sistema nervoso central e, assim, aumentam simultaneamente os níveis de serotonina através do bloqueio da função cerebral chamada reuptake [termo técnico referido à reciclagem natural da serotonina produzida pelo organismo. Inibidores deste mesmo processo fazem com que o organismo produza quantidades de serotonina mairoes do que necessário] (Metzner). Os alcalóides do tipo harmala não são psicodélicos na sua natureza mas agem como um catalisador (Metzner). A planta chamada Chilipanga, conhecida como Psychotria viridis, é o segundo ingrediente principal do Iagé. As folhas contêm dimetiltriptamina, também conhecido como DMT (Metzner). ―O DMT, profundamente relacionado à rotonina, é o alucinógeno central do xamanismo amazônico e o mais poderoso de todos os alucinógenos nos seres humanos‖ (McKenna). O DMT não é oralmente ativo, mas pode ser metabolizado pelo estômago depois da inibição das enzimas MAO. O Iagé leva cerca de 20 minutos para fazer efeito e a intoxicação geralmente dura cerca de noventa minutos (Metzner). Daniel Pinchbeck diz que ―sem o cipó da Ayahuasca, o integral potencial da Chilipanga poderia não ter sido descoberto. É interessante notar que a vinha sagrada que os ayahuasqueros veneram não é realmente o componente mais forte do Iagé. O DMT está naturalmente presente no corpo e é ativado quando uma pessoa morre. Em resumo, beber Ayahuasca afeta a glândula pineal do mesmo modo que esta é afetada pela morte por causas naturais. Por isso ela é chamada de ―o cipó dos mortos‖> Crenças Espirituais A história da descoberta da Ayahuasca é vinculada ao conto mitológico nativo sobre sua sua origem. O povo Tucano [Povo indígena da região das bacias dos rios Uaupés - afluente do alto Rio Negro - e Pirá-paraná - afluente do rio Apapóris - que deságua no Japurá na altura da fronteira Brasil-Colômbia] acreditam que os primeiros seres humanos desceram do céu em uma canoa, feita de uma serpente viva. Quando eles chegaram ao solo, o sol lhes prometeu uma bebida mágica como presente. Esta bebida daria a eles os poderes dos céus, e que poderia ser usada para curar pessoas. Os homens tentaram fazer a bebida sozinhos mas não conseguiram. Então a primeira mulher entrou na floresta para dar a luz. Quando ela voltou, tinha uma criança [nos braços] que reluzia uma luz dourada. Este menino era o presente do sol e era o cipó. Cada um dos homens cortaram um pedaço vivo do cipó, que forneceu as primeiras regras de como viver e falar (Reichel-Dolmatoff). Terrence McKenna especula que substâncias químicas, tais como aquelas presentes na Ayahuasca, podem ter fornecido a fagulha para o desenvolvimento inicial do idioma e da consciência humana. Os indios nativos americanos vão mais além ao acreditarem que toda coisa viva na selva, animal ou vegetal, tem um espírito. O espírito guardião e mestre da selva é Chullachaqui (Vasquez e Bear). Yacarunas são um tipo especial de espírito que vive debaixo dos rios, onde a tecnologia elétrica moderna não os aborrece. Os espíritos são chamados nas cerimônias de Ayahuasca, assegurando a cura, no momento em que as canções mágicas – os icaros – são tocadas (Vasquez e Bear).

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Os icaros serão adicionalmente descritos nas seções seguintes. A cerimônia A cerimônia começa com a colheita e a preparação das plantas a serem utilizadas. O xamã fala com as plantas de maneira reverente e canta icaros com contrição (Vasquez e Bear). As folhas da Chilipanga e o cipó da Ayahuasca esmagado são fervidos juntos para fazer um chá espesso, enquanto o xamã projeta a sua respiração na infusão e canta mais icaros (Vasquez e Bear). Os xamãs freqüentemente possuem shacapas (instrumento musical feito de folhas secas), maracas (cabaças usadas como chocalhos), arcos (instrumento de corda em forma de arco), cachimbos, tabaco e perfumes para serem usados na cerimônia (Vasquez e Bear). De acordo com Metzner, em condiçoes normais, o xamã pode prescindir de várias sessões de Ayahuasca a fim de diagnosticar o problema através da percepção dos campos de energia. Quando o problema é entendido, existem três tipos principais de cerimônias de cura da Ayahuasca. No primeiro tipo, o xamã entra no corpo do paciente para remover um tumor ou toxina implantada por feitiçaria ou outro xamã. O segundo, é a procura e recuperação de um fragmento perdido da psique ou da alma do paciente. O terceiro, reservado para enfermidades sérias, constitui na destruição e desmembramento do corpo do paciente, seguido da reconstituição e substituição por um corpo mais forte, mais saudável. Icaros Icaros são canções mágicas que chamam os espíritos de plantas e animais (Vasquez e Bear). "A efetividade, sofisticação e dedicação de um ayahuasquero é predicada em quantas canções mágicas ele ou ela eficazmente memorizaram. Nas sessões de cura, ambos, o paciente e curandeiro, ingerem Ayahuasca, e o cantar das canções mágicas é uma experiência compartilhada, sendo amplamente visual‖ (McKenna). De acordo com Metzner a intoxicação leva o xamã e o paciente em uma jornada mental/espiritual, que é conduzida em luz baixa para precipitar poderosas alucinações. As suaves, acalmantes batidas de tambor e o canto de um icaro estabelecem o ritmo para o ritual, controlando e mantendo o paciente tranqüilo. Icaros são essenciais para o processo curativo. Após ter memorizado um número suficiente de icaros, um xamã não terá mais a necessidade de ingerir Ayahuasca em suas cerimônias. Alucinações Etmólogo botânico de Harvard, Wade Davis, em seu livro, ―Science, Adventure and Hallucinogenics in the Amazon Basin‖ (Um Rio: Ciência, Aventura e Alucinógenos na Bacia Amazônica), descreveu o início de uma viagem de Ayahuasca como a experiência de ser ―disparado do cano de uma arma, raiado com pinturas Barrocas e aterrizar em um mar de eletricidade‖. A razão dos xamãs considerarem a intoxicação indispensável para a cura é porque ela permite que eles se encontrem com ―plantas professoras‖ (Metzner). Estes seres alucinatórios são os seres mitológicos da selva que vêm para ensinar segredos de cura e outros conhecimentos especiais. ―As entidades da triptamina oferecem o presente de um novo idioma; elas cantam em vozes peroladas que chovem como pétalas coloridas, fluindo pelo ar, como metal quente para se tornarem brinquedos e similares presentes, como os deuses dariam as suas crianças‖ (McKenna). As alucinações são preenchidas com complexidade e atordoante beleza, melhor capturadas aqui pelas palavras de Terrance McKenna: ―Sob a influência do DMT o mundo se torna um labirinto árabe, um palácio, uma mais que possível jóia marciana, vasto e com motivos que inundam a mente momentâneamente suspensa em um complexo e indescritível assombro. A cor e a sensação de uma realidade/segredo-desbloqueada penetra a experiência. Existe uma sensação de outros tempos e da infância do próprio indivíduo e de admiração, admiração e mais admiração‖ . McKenna acredita que a Ayahuasca é uma passagem para uma dimensão próxima, cheia de importantes percepções. Verdade ou não, Mckenna diz que ―A profundidade deste estado e o seu potencial para um resultado positivo, no processo de

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reorganizar a personalidade, devia ter, há muito tempo, feito das substâncias psicodélicas uma ferramenta indispensável para a psicoterapia‖. Testemunhos de Cura A medicina ocidental se interessou pouco pela possibilidade do uso do DMT como tratamento psiquiátrico, mas existem vários casos de cura documentados. Montero, um xamã Quichua, no artigo ―Shaman Teaches Love of Nature‖ (Xamã Ensina o Amor da Natureza), diz que os ―médicos precisam entender que a medicina por si só não cura. As pessoas se curam tendo fé nos espíritos e no poder curativo das plantas‖. Javier Arevalo, no artigo ―Love, Magic and the Vine of the Soul‖ (Amor, Magia e a Vinha da Alma), nos diz, ―eu tive um paciente portador do vírus HIV que tinha estado no hospital por uma quinzena. Naquela noite nós bebemos (ayahuasca) e eu vi em minha visão que a AIDS era como o diabo o destruindo e que ele estava ficando pior. Ele aderiu à dieta (da Ayahuasca) por dois meses, tomando também ervas amargas que curam ferimentos internos. Depois de três vezes (três sessões de Ayahuasca) estava melhor e, quando testado quanto a AIDS, o teste se provou negativo‖. Don Agustin Rivas Vasquez diz em outro depoimento que o nível de hemoglobina de um paciente portador do vírus HIV se elevou dramaticamente depois de apenas uma cerimônia de Ayahuasca. Outro homem sofreu de tremores e falta de coordenação motora durante toda sua vida. Durante uma cerimônia percebeu que os tremores eram originários de um evento acontecido na primeira infância. Depois de mais alguns tratamentos passou a controlar novamente o movimento do seu corpo. (Vasquez e Bear). Um efeito colateral comum ao se beber Iagé é a diarréia. Este fato tem se provado um modo efetivo de matar parasitas intestinais da selva. Em algumas partes da selva [amazônica], a Ayahuasca é conhecida como ―La purga‖, a purga (Pinchbeck). Conclusão Nós examinamos a Ayahuasca ao nível neuro-químico e também exploramos as muitas facetas e mistérios das cerimônias do ayahuasquero. Os índios Quichua não fazem uma distinção clara entre a cura do físico, do psicológico ou do espiritual (Metzner), mas os resultados são evidentes. A Ayahuasca, poção milenar da selva, afeta a mente e o corpo de várias e profundas maneiras, tornando-se nas mãos do xamã um curativo eficiente. Bibliografia 1) Revalo, Javier and Peter Cloudsley and Howard Charing. "Love Magic and the Vine of the Soul" Sacred Hoop, Apr. 2002: 39+. 2) Davis, Wade. One River: Science, Adventure and Hallucinogenics in the Amazon Basin. New York: Touchstone, 1998. 3) McKenna, Terence. Food of the Gods: the Search for the Original Tree of Knowledge. New York: Bantam, 1992. 4) Metzner, Ralph, ed. Ayahuasca – Hallucinogens, Consciousness, and the Spirit of Nature. New York: Thundermouth, 1999. 5) Montero and Bill Broadway, "Shaman Teaches Love of Nature" Washington Post 11 Sept. 1999: B9. 6) Pinchbeck, Daniel. "The Vine of Souls." The Village Voice 43.2 (1998): 47-49. 7) Reichel-Dolmatoff, Gerardo. "The cultural context of an aboriginal hallucinogen: Banisteriopsis Caapi." Flesh of the Gods – The Ritual Use of Hallucinogens Ed. Peter Furst. Prospect Heights, IL: Waveland, 1990. 84-113. 8) Schultz, Richard Evans. ―The Beta-Carboline Hallucinogens of South America‖ Journal of Psychoactive Drugs 14. 3 (1982): 205-220. 9) Vasquez, Don Agustin Rivas. Amazon Magic: The Life Story of Ayahuasquero and Shaman Don Agustin Rivas Vasquez. Trans. Jaya Bear. Taos, NM: Colibri, 2000.

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Santo Daime: Ontem, Hoje e Amanhã

Santo Daime é um chá enteógeno, originário da floresta Amazônica. Durante milhares de anos, a bebida foi utilizado pelos povos nativos da floresta Amazónica, tanto em cerimônias espirituais quanto em práticas xamãnicas e terapêuticas. O chá de cor morena e de gosto amargo é conhecido por vários nomes: yagé, nepe, kabi, natema, hoasca, e ayahuasca. Este último nome vem da antiga língua Quechua, e significa 'Vinho das Almas'. -Os enteógenos A ayahuasca faz parte da família dos enteógenos. Um enteógeno é uma substância que torna o utilizador mais próximo de Deus e de seus entidades divinos. Outras plantas enteógenas conhecidas são o peyote, o San Pedro, certos cogumelos, e certas plantas Africanas como a raiz Iboga. Desde milhares de anos, são conhecidas entre os xamãs para as suas informações preciosas, e para o seu poder de abrir o caminho ao mundo espiritual. Os enteógenos, utilizados tradicionalmente como alimento espiritual num contexto ritual, servem para alargar a consciência e assim alcançar a Divindade. -Cura Para a maior parte, o desejo de cura é a primeira motivação beber o chá. Pela ayahuasca e os meios capazes de trabalhar com esta força, pessoas são curadas de dependência à droga, o câncer, traumatismos emocionais e outras doenças graves. Uma cura mais comum é a purificação de idéias fixos e comportamentos que deixam de ser benéficos à uma certa pessoa. Às vezes, a cura é associada a uma purificação física, pela qual o individu vomita o chá. Este fenómeno demonstra igualmente que o corpo humano não aceitará mais ayahuasca que pode utilizar. -Jagube & Rainha A preparação da ayahuasca faz-se combinando o cipó 'Jagube' (Banisteriopsis Caapi) com as folhas do arbusto chamado 'Rainha' (Psychotria Viridis). Estes dois ingredientes são fervidos juntos durante várias horas, à fim de liberar as suas substâncias ativas. Enquanto a folha do Rainha contem naturalmente a substância psicoactiva DMT (dimethyltriptamine), o cipó do Jagube do seu lado contem MAOI (harmine, harmaline), que juntos produzem o efeito espiritual conhecido. O jagube é considerado pelos xamãs como a alma do chá, o guia ao fio da experiência. -Revelação A história conta, que durante a invasão Espanhola no Perú de 1532 para 1534, o príncipe Inca Hayauasca conduziu esta ciência na floresta Amazónica e a propagou em numerosas tribos indíginas. Só foi muito mais tarde, pela urbanização constante do Brasil, que o chá voltou á superfície no mundo urbano. Assim, no início do vigésimo século, um seringueiro de origem Africana, nomeado Raimundo Irineu Serra, fez amizade com xamãs Peruanos que lhe indicaram este chá, conhecido na região sob o nome de ayahuasca. -Mestre Irineu Raimundo Irineu Serra (1892-1971) nasceu em Maranhão, uma cidade situada no norte do Brasil. Era um neto de escravos, deportados da Africa na época dos colonisadores. Irineu, que se tornou um homem muito grande e forte, aos 18 anos decidiu-se a seguir a estrada dos seringueiros, para o oeste na floresta Amazônica. No Perú, fez amizade com xamãs, que lhe indicaram a bebida consagrada, conhecida na região sob o nome de ayahuasca. -A Doutrina do Santo Daime A experiência foi uma divulgação divina da Virgem Maria, aparecendo como a Rainha da Floresta. Irineu recebeu a tarefa de fundar uma doutrina espirituala, um sincretismo baseado na consagração da bebida consumida desde milhares anos, no contexto da cultura e simbolismo

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Cristão, utilizando ao mesmo tempo a sabedoria trancendental Indiano, Brasileiro, Africano e Oriental. 1930, Irineu fundou ‘a Doutrina do Santo Daime‘ no Rio Branco, que foi o primeiro centro onde as pessoas de todas as origens tiveram a possibilidade de beber essa bebida. O termo ‗Daime‘ provém das palavras "Dai-me Força, Dai-me Luz, Dai-me Amor" e exprime que o Daime existe para cada um que pede. -Mensagem espiritual Mestre Irineu foi cercado de pessoas de diversas convicções e classes sociais. Sem nenhuma vingança, realizou uma vitória considerável, quando ele recebeu o sacramento das mãos do povo oprimido da floresta. Reune o sacramento com a religião Cristã – a mesma religião em nome da qual as ações inumanas de colonização foram executadas. Esta atitude mostra o contexto espiritual da sua mensagem: uma mensagem universal de amor e de paz, aplicável à toda a humanidade. -Alto Santo Em 1945, os companheiros do Mestre Irineu tiveram a oportunidade de dispor de um terreno e assim estabelecer uma comunidade, nomeada 'Alto Santo'. Irineu começou a canalizar mensagens da dimensão espiritual, sob forma de simples hinos, o princípio guiando da doutrina. Ficou conhecido ajudando o seu ambiente que era interessado na sua obra espiritual. Desenvolveu-se igualmente como curador espiritual, especialmente nas situações onde os medicamentos eram ineficazes e o sofrimento não levava à nada. -Mestre Imperador O culto do Santo Daime desenvolveu-se em redor do Mestre Irineu. Em 1971, quando voltou para a dimensão espiritual, já era conhecido sob o nome 'Mestre Imperador', o início de um traçado espiritual para dar o Daime ao mundo inteiro, como os seus hinos o estipulam. Um dos seus discípulos, Sebastião Mota de Melo, tomara esta responsabilidade. -Padrinho Sebastião Sebastião Mota de Melo (1920-1990), um dos discípulos directos do Mestre Irineu, continuou o trabalho do seu mestre. Sabendo que era a sua missão de difundir o Santo Daime no país inteiro, criou a comunidade 'Céu do Mapiá' no centro da floresta, onde dirigiu a expansão da doutrina para as cidades brasileiras. -Comunidade Sebastião Mota de Melo reuniu os seus discípulos numa comunidade para prosseguir os ideais do Mestre Irineu: a igualdade de cada ser humano, a perfeição no trabalho e na meditação, e o respeito profundo para a natureza. Em 1975, os companheiros de Sebastião Mota de Melo e Rita Gregório formaram uma comunidade espiritual de 45 famílias, conhecida sob o nome de ‗Colônia Cinco Mil‘, estabelecida à beira de Rio Branco. As famílias que primeiramente se compunham de agricultores e seringueiros, acolheram igualmente cidadões, dos intelectuais aos artistas. O carisma do Padrinho Sebastião, e a sua fé na dimensão espirituala, permitia-lhe dirigir uma associação em meio da realização de um projeto comunitário. Este projeto, baseado simplesmente em mensagens dos seus hinos, aconselhava voltar à natureza e tomar consciência dos valores simples da comunidade e a consciência ecológica. -Céu do Mapiá Sebastião recebera visões nas quais a floresta chamou-lhe para deixar a cidade e voltar na floresta. Padrinho Sebastião, como já era nomeado, traçou o caminho para a floresta e, após algumas experiências, a aldeia ‗Céu do Mapiá‘ foi estabelecido na Amazônia, distanciado do mundo civilizado por dois dias de embarcação no voadeira. O Céu do Mapiá foi visitado rapidamente por discípulos Brasileiros e estrangeiros, e considerado como o lugar de peregrinação por excelência. Com os seus 700 habitantes conscientes da ecologia e uma grande afluência de visitantes, Céu do Mapiá atualmente é considerado como a matriz de uma missão espiritual cuja qualidade é reconhecida mundialmente. A presença da comunidade foi posta 'em abrigo' em 1989 pela decisão do governo Brasileiro de criar ao redor da aldeia uma floresta nacional, pela qual Céu do Mapiá tornou-se o centro de 0,6 milhão de hectares. A aldeia é considerada atualmente como modelo para a manutenção da floresta tropical graças à realização de uma economia estável. -Mestre Fundador Em 1991, o Padrinho Sebastião voltou à dimensão espiritual e passou a mão para um dos seus filhos, Alfredo Gregório de Melo. Padrinho Sebastião agora é conhecido como 'o Mestre Fundador‘, que tem realizado o modelo de uma vida comunitária ao seio da doutrina do Santo

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Daime. A bem-querida Madrinha Rita ainda vive no Céu do Mapiá, cercado dos seus filhos e netos, protegendo o trabalho precioso do Padrinho Sebastião e acolhendo os visitantes que vêm do mundo inteiro. -Padrinho Alfredo Em 1990, Alfredo Gregório de Melo, um dos filhos do Padrinho Sebastião e da Madrinha Rita, recebeu a responsabilidade espiritual da doutrina. Sob a sua direção, o Santo Daime abriu igrejas na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Com a criação de novas comunidades na floresta virgem, reassegurou em mesmo tempo a conexão da religião com a natureza. -Céu do Juruá Longe dentro da floresta virgem tropical, na região do rio Juruá onde Padrinho Alfredo e seu pai Padrinho Sebastião nasceram, a missão ecológica continua. Seis comunidades já foram fundados até hoje, dos quais a mais importante nomeia-se 'Céu do Juruá', situado em uma plantação de seringueiras. O objetivo da missão do Juruá é o desenvolvimento dos projetos com o propósito da manutenção da floresta tropical, assim que um melhor uso das riquezas botânicas. Desta maneira, a experiência de 'caboclos' (agricultores mestiços) se enriquece de novas técnicas e possibilidades. Os tesouros da floresta tropical podem assim abrir novas perspectivas para a realização de tempos prósperos para o mundo inteiro. -Cefluris A fim de favorecer o desenvolvimento da doutrina, o 'Cefluris‘ (Centro Eclético Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra), uma instituição de natureza filantrópica, ambiental e cultural, foi criada no Céu do Mapiá. As duas responsabilidades institucionais essenciais do Padrinho Alfredo são as de superintendente-general de Ida-Cefluris. (Instituto Social e Ambiental Raimundo Irineu Serra), e o presidente do Conselho Superior Doutrinário. Este conselho comtém doze membros, com o vice-presidente Padrinho Valdete, e a Madrinha Rita que é membro de honra à vida. Sob a proteção de Ida-Cefluris, a doutrina do Santo Daime dispõe de um guia para a obra espiritual, ambiental e comunitária nas próximas décadas. -Expansão mundial Graças à a visão organizadora do Padrinho Alfredo, o movimento do Santo Daime foi expandido para as cidades Brasileiras, para outros países da América do Sul (Argentina) e da América Latina (México) e mais tarde, mundialmente. Pela primeira vez, igrejas foram abertas em diferentes países europeus (Espanha, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, França, Itália, Portugal, Inglaterra, Irlanda, Suíça) assim que na América do Norte (Estados Unidos, Canadá) e a Asia (Japão), conduzindo o chá consagrado para novos continentes, novas culturas e novos desafios. -Nova Era Padrinho Alfredo hoje é quinquagenário, e, convidado pelas igrejas nacionais, viaja no mundo inteiro com a sua família e os seus músicos, assim de acompanhar as igrejas no seu desenvolvimento espiritual. Conduz do Brasil a mensagem da floresta tropical, como revelado por Soberano Irineu e posto em prática por Padrinho Sebastião: uma Nova Era de Harmonia, Amor, Verdade e Justiça.

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A Doutrina do Santo Daime PRÓLOGO Antes de mais nada, "Santo Daime" é o nome de uma doutrina da linha do Mestre Irineu que, segundo eles, faz "uso ritual das plantas expansoras de consciências dentro de um contexto apropiado". Foi a doutrina que se tornou mais popular no Brasil, e por isso a bebida que eles fazem uso (Ayahuasca), batizada por eles de Santo Daime, acabou se tornando sinônimo de Ayahuasca para a maoria leiga (eu incluso), assim como Gillette se tornou sinônimo de lâmina de barbear. Mas chamar a bebida de "Santo Daime" dentro de outras doutrinas que fazem uso da ayahuasca é como visitar a fábrica da Assolan e chamar de Bombril as esponjas de aço deles... entretanto, o título continua, por uma questão de melhor identificação. INTRODUÇÃO Certa vez fui convidado a assistir a uma palestra da União do Vegetal (UDV), para escolher se tomaria ou não a Ayahuasca. Foi uma explanação interessante, onde era dito que o chá não criava dependência, não era droga, buscava a evolução espiritual, e tal... Saí de lá confuso, afinal, qualquer coisa que eu tome para deliberadamente alterar minha consciência pra mim é droga. Seja um sonífero, aspirina ou cocaína, estarei brincando perigosamente com meu cérebro. Resolvi decidir só após consultar Oráculo. Ela não disse pra eu ir ou não ir, mas foi taxativa: aquilo é droga, assim como maconha. Falou pra eu estudar sobre os princípios ativos, e que a maioria das experiências que as pessoas têm lá são alucinações. Acabei não indo, afinal não tenho a MENOR curiosidade em experimentar drogas. Alguns parentes foram, tiveram experiências boas, outras ruins, e logo deixaram de freqüentar. Não é através de experiências alucinógenas que uma pessoa alcança a iluminação. Jesus não usou drogas. Buda não usou drogas. Gandhi e Sócrates não usaram drogas... Ao contrário, participaram ativamente de sua REALIDADE, procurando modificá-la através do Amor, do bom-senso, da responsabilidade para com o mundo e com as pessoas, e principalmente das AÇÕES. A BEBIDA A Ayahuasca (Vegetal, Uasca ou Santo Daime) é uma mistura de duas plantas (Cipó Mariri e Chacrona) que, após cozidas, resultam num chá de gosto amargo e alucinógeno, que normalmente evoca visões e imagens religiosas (a chamada "miração"), costumando por vezes provocar vômitos ou diarréia em quem toma (por isso os locais onde a beberagem é consumida são equipados de algum tipo de "vomitório", e recomenda-se comer pouco nos 3 dias anteriores). O RITUAL O Santo Daime preserva o caráter sagrado da festa e da dança, oriundo do catolicismo popular. Convivem no seu panteão mítico Deus, Jesus, a Virgem Maria, os santos católicos, entidades originárias do universo afro-brasileiro e seres da natureza. Também são louvadas as figuras do Mestre Irineu, identificado com Jesus Cristo, e do Padrinho Sebastião, "encarnação de São João Batista" — de onde são derivadas algumas concepções messiânicas e apocalípticas. Do espiritismo kardecista são reelaboradas noções como as de karma e reencarnação. Os indivíduos possuem dentro de si elementos de uma "memória divina"; ao mesmo tempo, podem, através do próprio comportamento, alterar seu karma, "evoluindo espiritualmente" em direção a sua "salvação". Em consonância com os sistemas xamânicos, verifica-se a existência de uma "guerra mística" entre os homens e os seres espirituais. Os daimistas são concebidos como os "soldados do Exército de Juramidam", empenhados numa "batalha astral para doutrinar os espíritos sem luz". Todo o ritual está permeado por um espírito militar com ênfase na ordem, na disciplina. Na união do Vegetal (UDV) a cerimônia costuma ter a duração de quatro horas e são dirigidas ou pelo Mestre ou por quem tenha ele designado. A presença do Mestre ou do seu delegado é imprescindível para garantir a necessária concentração e o alto nível do ritual. Após terem bebido a Oaska, os participantes da sessão permanecem sentados até o fim da cerimônia. O Mestre faz então as "chamadas" (cantos iniciáticos) de abertura e inicia a doutrinação espiritual, na qual se pode intercalar alguma peça musical, para criar um clima propício a ter boas

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"mirações". Nessa ocasião os discípulos têm a oportunidade de ouvir aquilo que eles mais precisam de ouvir, pois o Mestre atua como canal de ligação com a "Força Superior", da qual provêm todos os ensinamentos espirituais. Encerrada a doutrinação, os participantes têm a oportunidade de se expressar e fazer perguntas ao Mestre. Chegada a hora de encerramento, o Mestre entoa as "chamadas" finais e dá por finda a sessão. Já no Daime eles acrescentam a isso trabalhos espirituais de concentração (com períodos de meditação) ou bailado (execução de uma coreografia simples), podendo chegar a produzir um verdadeiro êxtase coletivo. Há também trabalhos de missa (para os mortos) e rituais de fardamento (momento em que o indivíduo adere oficialmente ao grupo, passando a usar suas vestimentas). Recentemente, vem ganhando força alguns ritos onde ocorre incorporação de espíritos, produto das influências crescentes da umbanda nesta instituição. OS EFEITOS O efeito alucinógeno do chá, embalado pelo ritual e egrégora do local, produzem as "mirações", imagens contempladas durante a "burracheira" (efeito da bebida) que podem se manifestar de formas variadas: ora são duradouras, ora fugazes; ora nítidas, ora dotadas de tênues contornos; ora de aparência assustadora, ora de grande beleza. Muitas vezes as mirações revelam fatos do passado, às vezes de um passado anterior à atual encarnação. E, segundo eles, até mesmo o futuro pode ser revelado. Na verdade, as mirações constituem recursos de ilustração utilizados pela burracheira para revelar ensinamentos e o estado de espírito de cada um. Em todas é possível encontrar um significado; todas pedem uma decifração. Mas a forma pela qual elas revelam seus conteúdos é também extremamente variável: às vezes são bastante claras e diretas; outras vezes são enigmáticas e oraculares. Por este motivo, os discípulos podem precisar do auxílio do Mestre para conseguir compreender o seu significado. Algumas vezes pode ocorrer, associada à limpeza (vômitos), uma experiência de intenso sofrimento, que os daimistas chamam de "peia", ou "surra do Daime". A peia está associada também a outros processos fisiológicos incômodos ou aparece, ainda, sob forma de pensamentos ou sensações. Apesar de extremamente desagradável — incluindo visões aterradoras de monstros, vermes, trevas, sensação de morte ou medo intenso, enfim, toda classe de tormentos conhecidos ou não — a peia produziria efeitos benéficos, didáticos e transformadores. Os defensores da planta dizem que ela provoca uma limpeza física ou energética do canal ou instrumento que a usa, "pois luz não habita em templo sujo". Então, se você estiver com problemas, numa baixa vibração, ou tiver ingerido carne ou comida pesada, vai vomitar copiosamente, ter diarréia de se acabar, ficar enjoado, etc. Só que qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de biologia sabe porque o organismo expulsa e rejeita certas substâncias estranhas, quando ingeridas... Existem denúncias de que o uso deste chá faz mal, a longo prazo, tendo como um dos efeitos adversos o eventual retorno da "miração" nas horas mais inadequadas, e os mais puristas até alegam que o chá apresenta riscos para a tela búdica dos usuários, ou seja, poderia fazer mal até nas próximas encarnações. Nada disso, entretanto, está confirmado, assim como não se dispõe de estudos científicos sobre os efeitos à longo prazo da ingestão do Daime. O chá contém dois alcalóides potentes: a harmalina, no cipó, e a dimetiltriptamina (DMT), que vem da chacrona. O DMT é uma substância controlada e foi proscrita para uso humano pelo Escritório Internacional de Controle de Narcóticos, órgão da ONU encarregado de estudar substâncias químicas e aconselhar os países membros quanto à sua regulamentação. O governo dos EUA afirma que seu uso é perigoso mesmo sob supervisão médica, e seu uso é proibido em países que possuem legislação anti-drogas, mas recentemente os EUA liberaram o uso APENAS para uma pequena seita brasileira em território americano, enquanto no Brasil ele é liberado para uso religioso. Advogados da União do Vegetal (UDV) dizem que especialistas atestaram que o chá é inofensivo, mas o CONAD (Conselho Nacional Antidrogas) em seu parecer não fala nada sobre ser inofensivo, e libera apenas seu uso terapêutico, em caráter experimental, e que o "controle administrativo e social do uso religioso da ayahuasca somente poderá se estruturar, adequadamente, com o concurso do saber detido pelos grupos de usuários". Lembrando que o LSD também já foi permitido legalmente, e que no Canadá a maconha é liberada para uso terapêutico também... o problema não são as drogas, mas o uso que se faz delas... No site do IPPB, vemos no artigo do Dr. Luiz Otávio Zahar que explica que "a DMT

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(dimetiltriptamina) é naturalmente excretada pela glândula pineal, e que desempenha um papel no processo de sonhar e possivelmente nas experiências próximas à morte e em outros estados místicos. A mistura das duas plantas potencializa a ação das substâncias ativas, pois o DMT é oxidado pela enzima Monoaminoxidase (MAO), a qual está inibida pela harmina, acarretando um aumento nos níveis de serotonina, o que causa impulsão motora para o sistema límbico no sentido de aumentar a sensação de bem-estar do indivíduo, criando condições de felicidade, contentamento, bom apetite, impulso sexual, equilíbrio psicomotor e alucinações." Ou seja, você está ingerindo uma dose cavalar de uma substância que deveria ser naturalmente produzida pelo corpo, afetando uma parte importantíssima como o cérebro. Lázaro Trindade, da lista Voadores, explica o processo: "Há uma aceleração vibracional desordenada, onde cada chakra entra num estado vibracional de freqüência diferente. Não sei se isso é bom ou mal, se vale a pena ou não (essa resposta depende de cada um, e do que conseguirá com o processo), mas me parece um método estranho, que, alterando as freqüências vibracionais / conscienciais das corpóreas e cerebrais, só pode mesmo levar a uam saída (expulsão) do corpo físico. Além do mais, encontrei exatamente o que imaginava encontrar, do lado de lá; com detalhes de controle, e influências tanto projetivas reais quanto oníricas aceleradas pelo uso do FORTÍSSIMO alucinógeno." A ORIGEM A ingestão ritual de Ayahuasca por parcelas da população urbana inicia-se no Brasil, na década de 30, em Rio Branco, Acre, com o culto ao Santo Daime, sistematizado por Raimundo Irineu Serra, que atribuiu à Ayahuasca a denominação "Santo Daime" e fundou o "Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - CICLU Alto Santo". No final da década de 60, em Porto Velho, Rondônia, José Gabriel da Costa organizou outro grupo ayahuasquero, denominando-o "União do Vegetal" (UDV), visto que nele a Ayahuasca é chamada de "Vegetal". O processo de divergências e de desdobramentos dos núcleos originais propiciaram a expansão das religiões ayahuasqueras por grande parte do território nacional e mesmo pelo exterior. As religiões ayahuasqueras estão atualmente divididas em três "linhas": Uma, a do Mestre Irineu, fundador da seita. Não admitem incorporação, praticando estritamente o xamanismo, e não aderem e nem mesmo toleram o uso de outros psicoativos que não a Ayahuasca. Outra, do Mestre Gabriel (União do Vegetal). Outra ainda, a do Padrinho Sebastião Mota, do CEFLURIS (dissidência do CICLU). Esse grupo atraiu acadêmicos, jornalistas, artistas, estudantes e diferentes categorias de profissionais liberais empenhados em torná-lo objeto de estudo, notícia ou modo de vida. Algumas conseqüências decorreram dessa aliança, entre elas a adoção pela "linha" de Sebastião, de muitos dos costumes e crenças dos jovens urbanos, a exemplo do controvertido uso "ritual" da Cannabis sativa (Maconha, que é chamada por eles de "Santa Maria") e Cocaína (conhecida como "Santa Clara"). Entretanto, é enorme o número de depoimentos de pessoas que faziam uso de álcool e drogas pesadas, foram atraídas a um desses grupos (por que será?) e ficaram curadas. Mas não sabemos o número de pessoas que continuam dependentes, por isso fica aqui o alerta aos pais: se seu filho(a) enveredar em qualquer um desses grupos, procure ir com ele, mesmo que não beba o chá. Procure conhecer as práticas, e principalmente os freqüentadores destes locais. Um grupo que se reúne regularmente pra tomar alucinógenos NÃO PODE atrair boa gente, por melhor que seja a orientação espiritual da casa (o problema não é a casa, mas as pessoas que se acercam dela!). Do uso da Ayahuasca para drogas mais pesadas pode ser um pulo, se a pessoa for influenciável! Tanto isso é verdade, que mesmo na linha de Irineu, que é rígida e não permite quaisquer outras drogas, soube que já teve membros presos no exterior por tráfico de drogas. Trust no one. Lázaro explica os perigos: "No contexto xamânico de vários povos as ervas são usadas em eventos com conotação espiritual, visando uma determinada iniciação dentro daquele nível. Já no contexto urbano, pode ser usado como fuga da realidade. Conheço vários casos assim: as pessoas usavam porque não aguentavam conviver com um nível de realidade duro como a vida física na Terra. A substância acelera o acesso ao inconsciente, com tudo de bom ou de doentio que estiver ali. Pode ser interessante para alguns, sagrado para outros. Mas como tudo que tira a consciência do normal,

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e/ou altera abruptamente os estados cerebrais, tem seus preços. Neurológicos e, principalmente, psicológicos. A mente tende sempre à compensação. O uso excessivo de Prozac, por exemplo, leva a pessoa à depressão. Café demais excita, e quando passa o efeito, você se sente cansado. Cocaína deixa a pessoa entusiasmada, mas a compensação disso a faz insegura quando não usa a substância. TUDO na mente humana é assim, e o preço do acesso "espiritual" do daime é CARÍSSIMO, em termos psicológicos posteriores. A não ser, claro, que a pessoa tome mais, para ter de novo o acesso e miração, e assim sucessivamente. Dependência psicológica. E depois, sem o "espiritual" miraculoso, a vida "comum" passa a ser mais e mais vulgar. E começa tudo outra vez. Com o agravante de que até mesmo as formas de contato espiritual parecerão fúteis, afinal, como comparar com o barato do Daime? Então, essa é uma droga que rouba do dependente até mesmo o seu direito à conexão espiritual..."

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Mestre Daniel & A Barquinha

Daniel Pereira de Mattos nasceu no Maranhão no dia 13 de julho de 1888, na cidade de São Luis, sendo conterrâneo de Raimundo Irineu Serra, fundador da doutrina do Santo Daime. Aos sete anos de idade entrou como grumete na Marinha. Chegou a Rio Branco numa fragata no tempo da Revolução Acreana, como 2º Sargento da Marinha. Terminada a revolução pediu baixa e se estabeleceu na cidade, trabalhando como barbeiro no bairro 6 de agosto, onde também residiu. Logo após, passou a morar em um bairro próximo ao centro da cidade, conhecido até os dias atuais como bairro do Papôco. Este espaço situa-se às margens do rio Acre e era bastante freqüentado por navegantes que por ali passavam, sendo também famoso por ser uma zona de prostituição (Araújo Neto, 1995:17-18). Sabe-se que Daniel foi um grande boêmio da cidade de Rio Branco. Bebia, fumava, fazia composições musicais que falavam de paixão, de amor e busca pela mulher desejada. Muitas vezes, em virtude do estado de embriaguês, dormia ao relento. Homem muito habilidoso, construía e tocava violão, tendo domínio em 7 instrumentos, além de saber desempenhar doze ofícios: construtor naval, cozinheiro, músico, barbeiro, alfaiate, carpinteiro, marceneiro, artesão, poeta, pedreiro, sapateiro e padeiro. Em suas saídas, pelos bares de Rio Branco, tocava em seu violão músicas que fluíam pelos dedos e boca a paixão pela noite, pelas serenatas que embriagavam os homens de canções e cachaça. Daniel ficou seriamente doente, com problemas no fígado, ocasionados pelo abuso do álcool. Sabendo da gravidade da enfermidade de seu conterrâneo e amigo Irineu Serra convidou-o a fazer um tratamento espiritual através do ―daime‖. O tratamento teve início em 1936, sendo interrompido por Daniel, quando se encontrando melhor de saúde, voltou a beber. Doente novamente foi chamado por Irineu para fazer um novo tratamento. Daniel participou de diversos trabalhos na Igreja de Mestre Irineu, onde ajudou a musicar os primeiros hinos de Irineu. Durante os trabalhos de concentração realizados no centro, tocava seu violão, onde suas composições preenchiam o trabalho em lindas canções. Neste período, tomou numa certa ocasião o Santo Daime e sozinho, teve uma visão em que as portas de céu se abriam e dois anjos desciam com um livro todo azul nas mãos, contendo sua missão espiritual de fundar uma Doutrina cristã fundamentada na caridade. Esta revelação já havia aparecido em duas outras oportunidades, uma delas idêntica, pois cansado e sob o efeito do álcool, adormeceu a margem de um igarapé onde teve um sonho que descida do céu os dois anjos que lhe entregaram um livro de cor azul e falavam no cumprimento de uma missão. A visão do livro azul por Daniel pode ser encarada como o primeiro ensinamento da doutrina desta religião. Cada página deste livro foi e continua sendo instruções recebidas e essas mensagens ligam-se à cor do livro, o azul, representando o céu, de onde provêm revelações de entidades santificadas. (Sena Araújo) Dirigiu-se a Mestre Irineu, relatou o ocorrido e foi por ele aconselhado (auitorizado) a cumprir o que lhe tinha sido ordenado. Instalou-se numa casinha muito simples de madeira de

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paxiúba e pau roliço, coberta de palha, numa área de 2.500m², no seringal Santa Cecília - atual bairro Vila Ivonete - que lhe foi doada pelo Sr. Manoel Antão da Silva, onde começou sozinho sua Missão de luz, recebendo salmos do astral. Estas canções, recebidas mediunicamente, transmitiam os preceitos e ensinamentos da doutrina cristã. Neste espaço deu início aos trabalhos de atendimentos que designou de "Obras de Caridade". Inicialmente ficou conhecido como "Capelinha de São Francisco", por ser São Francisco um dos principais mentores da Casa. O número de freqüentadores aos trabalhos espirituais do centro no princípio era bastante reduzido. Pessoas humildes com problemas de saúde, alcoolismo e/ou familiares recorriam a Mestre Daniel com o intuito de resolvê-los. Estes atendimentos eram realizados em crianças e adultos, principalmente os caçadores da região e seus familiares. Posteriormente, moradores da zona urbana de Rio Branco passaram a procurá-lo. Em 1957, Mestre Daniel começou a preparar a irmandade para uma viagem que deveria fazer brevemente, já que se encontrava a algum tempo enfermo com um problema na garganta. Após o cumprimento de uma penitência de 90 dias, que ficou conhecida como "Romaria dos 90 dias" e que seria uma espécie de preparação para a "sua viagem", desencarnou no dia 08 de setembro de 1958, no interior da casinha de feitio do daime, às 18:30h, no início da romaria de São Francisco das Chagas. Seu corpo foi colocado no interior da igreja, sobre a mesa de concreto que ainda estava em fase de construção. Os seus trabalhos tiveram duração de doze anos e a sua trajetória na missão foi marcada do início ao final pela doença. Com a sua primeira ―morte‖ é criado o Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, enquanto local de preparação das pessoas para a desencarnação deste plano; a segunda ―morte‖ foi o seu encontro com a eternidade e a continuidade da vida para os seus seguidores. (Sena Araújo) O trabalho espiritual de Daniel pode ser resumido na ajuda às pessoas enfermas e necessitadas que o procuravam em busca de saúde e de uma palavra de fé, carinho, amor e compreensão. Pelos seus serviços prestados na Casa Franciscana, em nome da caridade e do amor ao próximo, Daniel recebeu o título de Frei Daniel. Logo após a sua morte, Antônio Geraldo da Silva assumiu a direção dos trabalhos, em 20 de janeiro de 1959, que já tinha muitos adeptos e se chamava Centro Espírita e Culto de Oração, Casa de Jesus, Fonte de Luz. Em 1979, Manuel Hipólito de Araújo passou a dirigir o Centro e Antônio Geraldo da Silva fundou outra Igreja, com o nome de Centro Espírita Daniel Pereira de Mattos. Era só o começo da ramificação da Igreja fundada por Daniel, que já conta com alguns centros espalhados em Rio Branco e em outras cidades do país. Daniel, Um Bom Professor A sabedoria de Frei Daniel está escrita e pode ser testemunhada nos salmos que se cantam durante os rituais da Doutrina, onde ele preparou as bases para este grande conhecimento espiritual, obtido através de uma bebida Sacra denominada de ―Santo Daime‖, feita do cozimento de um cipó e uma folha que crescem na Floresta Amazônica. Falar de Frei Daniel é falar de um amigo que está sempre presente no sacrifício e nas horas difíceis, como um bom professor, procura sempre ajudar, orientar mostrando os caminhos corretos com ordem e disciplina ao encontro do nosso Pai Criador. Sempre louvando a Deus e a Virgem Mãe, está presente em nossa mesa de devoção em lindas explanações, falando de paz, amor, conversão e de união entre os seres e as nações. "Pede por piedade que todos se conscientizem de suas faltas, seus defeitos e mal ditos, para serem homens e mulheres de bem, feitos da glória divina, do amor, e da luz que rebrilha. Uma luz feita de caridade, de amor ao próximo e de dedicação àqueles que procuram uma ajuda ou uma saída para tantas prisões que existem no mundo material." Este caminho ou saída é a libertação do espírito para uma elevação constante rumo ao infinito, ao conhecimento superior e aos grandes feitos do Criador. Em meio a tantas virtudes

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recebidas, só podemos dizer: obrigado Mestre Daniel, pelo legado, por todas às graças recebidas nestes longos e felizes anos de compromisso espiritual navegando nesta linda embarcação. SENA ARAÚJO, Wladimyr - A Barquinha:Uma cosmologia amazônica em construção, Mestre em Antropologia Social - Unicamp; doutorando em História Social - Unicamp ARAÚJO NETO, Francisco Hipólito de (1995). Com Quantos Paus se faz uma Nau. Rio Branco: UFAC.

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A Barquinha: Uma cosmologia amazônica em construção Wladimyr Sena Araújo

RESUMO Este trabalho visa apresentar uma religião amazônica chamada de ―Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz‖, conhecida popularmente como Barquinha que foi criada em Rio Branco - AC em 1945 por Daniel Pereira de Mattos, ex-marinheiro oriundo do Maranhão. Os praticantes desta religião ingerem uma substância psicoativa por nome de ayahuasca, feita com um cipó (Banisteriopsis caapi) e uma folha (Psychotria viridis). Este chá é milenar e é usado atualmente por índios, caboclos/vegetalistas e religiões urbanas como a União do Vegetal, que o chama de ―hoasca‖ e o Santo Daime e Barquinha, para a qual o psicoativo é intitulado de ―daime‖. A Barquinha é um dos espaços do Acre que congrega práticas religiosas africana, indígena e européia. É uma religião com um processo de resignificação bastante veloz, o que nos leva a (re)discutir sincretismo através de um pressuposto básico essencial para a compreensão de um espaço cultural e simbólico complexo: a cosmologia. INTRODUÇÃO O tema que que trabalho desde 1995 e que irei abordar neste trabalho constitui uma pesquisa sobre uma religião amazônica que faz uso de uma planta psicoativa de poder (Sena Araújo, 1997). Para o antropólogo Edward MacRae (1999), as plantas sagradas estão colocadas a serviço da comunidade, não possuem um caráter anti-social e representam um elo entre o universo profano e o sagrado. É uma das formas nas quais os homens penetram no mundo dos espíritos, no conhecimento esotérico. Segundo ele, negar o uso de plantas de poder em um grupo cultural ―é o mesmo que negar a validade a um enorme e diversificado conjunto de crenças culturais, pelo simples fato de não partilharmos de tais crenças. E, essa tem sido sempre a primeira reação que parte do senso comum, contaminado certas abordagens que trazem, mesmo de forma dissimulada, a marca da visão etnocêntrica‖ (Op. cit.31-32). Entendo que a disciplina histórica vista através de uma ótica plural pode ampliar as discussões teórico-metodológicas sobre grupos que usam plantas de poder. Este trabalho deve ser encarado de forma interdisciplinar permitindo a aproximação com outras áreas de conhecimento, dentre elas, a antropologia. Penso que a importância do estudo está voltada para as formas através das quais determinadas culturas fazem uso das substâncias psicoativas de forma sacralizada, isto é, como determinam o seu mundo, como o constroem simbolicamente e como resignificam constantemente esse universo. Estudar plantas de poder dentro do campo da história constitui uma proposta nova de perceber que é possível uma História Cultural de Plantas de Poder. Uma pesquisa como esta demonstra a importância metodológica que a antropologia nos dá sobre temas não trabalhados no cotidiano da disciplina histórica. Estes novos objetos pensados sob a ótica da História Cultural tem como conceito fundamental a representação (Hunt, 1992:16-18).

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Para trabalhar com as representações do mundo social é preciso demonstrar de que forma estas foram construídas pelo grupo estudado (Chartier, 1990:17), o que significa analisar a construção da Barquinha através de seu espaço. Portanto, as representações devem ser encaradas como construções culturais que estão sujeitas a modificações no tempo e no espaço, o que nos remete as metáforas de ―Cosmologia em Construção e Eco Simbólico‖. PRIMEIROS MOMENTOS DA CONSTRUÇÃO O Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz foi criado na década de 40 por Daniel Pereira de Mattos na zona rural de Rio Branco e hoje situa-se no bairro de Vila Ivonete na capital do estado do Acre. Ainda são bastante obscuros os dados acerca da vida de Mestre Daniel. Sabe-se oficialmente que ele nasceu no dia 13 de julho de 1888 na cidade de São Luís - MA. Ainda criança foi ligado a Marinha e foi, possivelmente, ―laçado‖, isto é, pego na rua e levado para uma escola de aprendizes da Marinha. A partir disto, as entrevistas sugerem uma série de hipóteses acerca da vida deste homem. Alguns alegam que Daniel pertenceu à Marinha de Guerra, entretanto, outros informantes comentaram o fato dele ter pertencido à Marinha Mercante. Homem habilidoso, foi bastante citado em entrevistas como um indivíduo que sabia desempenhar doze tarefas: construtor naval, cozinheiro, músico, barbeiro, alfaiate, carpinteiro, marceneiro, artesão, poeta, pedreiro, sapateiro e padeiro. Ao chegar em Rio Branco, trabalhou como barbeiro no bairro 6 de Agosto, onde também residiu. Logo após, passou a morar em um bairro próximo ao centro da cidade, conhecido até os dias atuais como bairro do Papôco. Este espaço situa-se às margens do rio Acre e era bastante frequentado por navegantes que por ali passavam, sendo também famoso por ser uma zona de prostituição (Araújo Neto, 1995:17-18). Daniel foi descrito como um grande boêmio da cidade de Rio Branco. Bebia, fumava, fazia composições musicais que falavam de paixão, de amor e busca pela mulher desejada. Muitas vezes, em virtude do estado de embriaguês, dormia ao relento. Em suas saídas deslizava canções em seu violão. Músicas que fluíam pelos dedos e boca a paixão pela noite, pelas serenatas que embriagavam os homens de canções e cachaça. Ao retornar de uma festa resolveu descansar em um lugar conhecido por poço das cobras. Bêbado, chegou a receber uma revelação na qual dois anjos desciam do céu e lhe entregavam um livro de cor azul. Esta visão foi desconsiderada a princípio. Este fato marca a iniciação de Daniel para líder espiritual e foi concretizado a partir do momento em que se encontrou enfermo, com problemas de fígado, ocasionados pelo abuso do álcool. Sabendo da gravidade da doença de seu conterrâneo, Raimundo Irineu Serra, líder religioso do CICLU (Centro de Iluminação Cristã Luz Universal) e o sistematizador da doutrina daimista, convidou-o a fazer um tratamento espiritual através da do ―daime‖. O tratamento teve início em 1936, sendo interrompido por Daniel quando se encontrou melhor de saúde. Voltou a beber novamente e novamente doente, foi chamado por Irineu para fazer um novo tratamento no CICLU, onde teve a revelação da missão religiosa que por ele deveria ser efetuada. Esta revelação já havia aparecido em duas outras oportunidades, uma delas retrata um episódio entre a colônia Custódio Freire, local de tratamento do enfermo e a zona urbana de Rio Branco, pois cansado, adormeceu a margem de um igarapé onde teve um sonho, idêntico ao primeiro episódio onde este estava sob o domínio do álcool, ou seja, a descida do céu de dois anjos que lhe entregaram um livro de cor azul e falavam no cumprimento de uma missão. A visão do livro azul por Daniel pode ser encarada como o primeiro ensinamento da doutrina desta religião. Cada página deste livro foi e continua sendo instruções recebidas e essas mensagens ligam-se à cor do livro, o azul, representando o céu, de onde provém revelações de entidades santificadas. A CAPELINHA DE SÃO FRANCISCO Daniel começou os trabalhos espirituais com o uso do Daime em um seringal por nome de Santa Cecília, que pertencia ao amigo Manoel Julião de Souza. Nestas terras Daniel construiu uma casinha rústica de taipa e paus roliços, semelhante a uma pequena casa de seringal. Lá ele recebia salmos que eram considerados instruções provenientes de outros planos sagrados. Neste espaço começou o seu trabalho de atendimentos por ele designados de ―Obras de Caridade‖. No início estes atendimentos eram realizados em crianças e

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adultos, especificamente os caçadores da região com os membros de suas famílias. Pouco tempo depois, moradores da zona urbana de Rio Branco passaram a procurá-lo. A morte simbólica de Daniel não serviu unicamente para estabelecer a sua própria perfeição espiritual, mas serviu e continua servindo para a salvação das demais pessoas que porventura procurem os trabalhos daquela casa. O local de fundação da Barquinha nos seus primórdios era designado de capelinha por Mestre Daniel e conhecido por Capelinha de São Francisco pelos habitantes da cidade de Rio Branco, pelo fato de São Francisco ser um dos principais mentores da casa. O número de frequentadores dos trabalhos espirituais do centro no início era bastante reduzido. Pessoas humildes que por problemas de saúde, alcoolismo e/ ou familiares recorriam a Mestre Daniel com o intuito de resolvê-los. A “MORTE” E OUTROS CAMINHOS PARA A VIDA Foi em 1957 que Mestre Daniel começou a preparar a irmandade do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz para uma viagem que deveria fazer brevemente. Era um tipo de viagem ambígua, considerado por alguns um retorno para a sua terra natal, São Luís do Maranhão. Mas foi pensado por outros como a sua possível desencarnação, já que o mesmo se encontrava há algum tempo enfermo com um problema iniciado em sua garganta, que se agravou em 1958. Os seus trabalhos tiveram duração de doze anos e a sua trajetória na missão foi marcada no início e no final pela doença. Com a sua primeira ―morte‖ é criado o Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, enquanto local de preparação das pessoas para a desencarnação deste plano; a segunda ―morte‖ foi o seu encontro com a eternidade e a continuidade da vida para os seus seguidores. Daniel desencarnou (―morreu‖) no interior da casinha de feitio do daime no dia 08 de setembro de 1958, às 18:30h, no início da romaria de São Francisco das Chagas. Seu corpo foi colocado no interior da igreja, sobre a mesa de concreto que ainda estava em fase de construção. TRÊS SÍMBOLOS FUNDANTES / TRÊS MISTÉRIOS Mestre Daniel tinha, segundo depoimentos, uma relação muito próxima com o mar. Grande parte dos salmos do hinário da casa referem-se ao mar, a viagens através de uma nau e a seres aquáticos. Sua história de vida reforçou a proximidade do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz com a Marinha, sendo um dos principais elementos sagrados a Barquinha. A barca para os seus integrantes tem dois significados: o primeiro é o de que a mesma representa a própria missão deixada por Daniel e a segunda expressa a viagem de cada um. Esta barca é a viagem de suas vidas, em resumo, uma viagem dentro da grande viagem. Ela tem como característica principal realizar uma grande travessia. A barca tenta sobretudo atravessar uma grande tempestade. Os homens que nela viajam estão na barca de Deus. Ele é portanto o seu proprietário de direito. Para que a barca não afunde é necessário ―trabalhar‖, procurando evitar que a Barquinha desapareça mar a dentro. Esses trabalhadores vivem em função de seu proprietário e o trabalho é uma dívida que os praticantes tem com ele. Os adeptos da Barquinha também acreditam que a nau é a própria igreja, local de reuniões periódicas dos fiéis. A embarcação relaciona-se sobretudo a barcaças típicas da amazônia que constantemente cortam os rios daquela região.Para eles, o proprietário da barca é Deus e esta é pilotada por São Francisco das Chagas, Mártir São Sebastião, São José e Daniel Pereira de Mattos, o fundador da casa, que tem como missão conduzir a nau ao encontro de Jesus e, juntamente com os adeptos, procuram evitar grandes tormentas em sua travessia. A Barca Santa Cruz, designação apresentada por eles para a embarcação, está marcado por instruções provenientes do invisível e apresenta na sua trajetória características escatológicas. ―A viagem nada mais é do que uma provação, onde a água agitada reflete as tentações do mundo de ordem mundana. A água se agita porque a sociedade humana quebrou determinadas regras divinas. As águas marítimas exprimem o sentimento descontrolado aos seres humanos e o desgosto do criador‖. (Araújo Neto, 1995:13). A Barquinha, em sua forma mais ampla, continua sendo a missão criada por Daniel Pereira de Mattos, com a finalidade de viajar dentro de três mistérios. Pode ser ainda designada de vida, na sua mais completa plenitude. Por último ela representa uma longa viagem, feita pelos fiéis. São os atos destes que irá determinar o rumo que a Barquinha irá tomar.

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Esta barca viaja em três mistérios, ou três planos cosmológicos - o céu, a terra e o mar - e seus componentes são chamados de marinheiros do mar sagrado, ou soldados dos exércitos de Jesus. São enquadrados enquanto marinheiros a partir do momento que recebem o fardamento. Quando assumem os trabalhos espirituais da Barquinha, os marinheiros desempenham tarefas básicas para alcançar um maior grau de luz quando desencarnarem. Se houver uma preparação aguçada por parte dos fiéis, dizem-lhes que estão promovidos a oficiais e não mais a marinheiros, uma vez que ocupam dentro da sua hierarquia religiosa, uma posição mais elevada. A Barquinha acaba sendo uma escola de preparação de oficiais. Determinadas entidades, por eles designadas como entidades de luz são chamadas também de oficiais e são consideradas chefes de pelotão. Por exemplo, a entidade por nome de Dom Semião, que chefia parte dos trabalhos das Obras de Caridade. Estes oficiais, quando chegam para trabalhar usam determinados instrumentos referentes à ―forças armadas‖ tais como lanças, espadas, algemas, cachorros, etc. Os registros desses instrumentos são revelados nos salmos entoados pelos presentes. Essas ―forças armadas‖, compostas de entidades de luz são provenientes dos mistérios do céu, terra e mar e visam combater entidades do mal. Há portanto, um duelo entre entidades de luz e entidades das trevas. Logo, a barca, juntamente com marinheiros e oficiais vem a ser um receptáculo de conversão de entidades maléficas em entidades benéficas, através de um processo desencadeado mar a dentro. O mar, no qual navegam esses marinheiros, são as águas sagradas, ou melhor dizendo, o Daime, daí a denominação mar sagrado. Estas personagens navegam, portanto, sobre as ondas do daime, no balanço da Barca Santa Cruz. O Daime é considerado uma luz. A luz associa-se a revelação, a uma ampliação de conhecimentos, e aqueles que navegam sobre as ondas do mar sagrado gradativamente vão adquirindo conhecimentos para si e uma sensibilidade maior de enxergar o outro. É quando se percebe a vida nos olhos, o olhar de si no outro e do outro em si. A revelação é considerada como um processo simbólico de aprendizagem significativo. Este ponto de associação do Daime à luz retoma outra discussão, como bem lembrou o antropólogo Alberto Groisman (1993), acerca do mundo da ilusão X mundo de luz. Assim como os daimistas, os componentes da Barquinha vêem no daime uma forma de entrar em contato com o mundo espiritual, onde habitam espíritos de luz que assessoram as pessoas que, através do daime, estão fazendo um preparo espiritual. Mas é somente através de determinadas provações que o ser humano poderá afirmar se está ou não preparado para alcançar este mundo espiritual, irradiador da luz divina. O Daime, enquanto mar sagrado, torna-se uma substância de poder, um elo de ligação com o sagrado e um locus de cura. Evidentemente esta ―água‖ não é acessível a qualquer um, a qualquer hora e de qualquer maneira. Por ser sagrada, esta tem que ser usada em um tempo e espaço sacros. Para ter direito ao uso, o homem tem que passar por uma série de provas. Podemos dizer que a água é luz, vida e fonte de rica energia positiva do divino. O daime é um dos meios de conexão com o sagrado, um dos elementos condutores da troca vertical entre os homens e os seres divinos. Portanto ele é mar, ao mesmo tempo que é luz, algo que afasta as trevas e ilumina o espírito. É a água/luz sagrada que conduz o sujeito a uma viagem para a vida eterna. O daime é considerado um instrutor, um professor, que sempre está ensinando os participantes das performances rituais que fazem o seu uso. Ele se torna um veículo de comunicação entre a vida material e a vida espiritual. Neste sentido, ele contribui para que o participante do ritual tenha contato com seres divinos de realidades sagradas. Ele traz revelações de entidades de luz, entidades santificadas. Logo, a escola de Daniel acaba se tornando uma escola que está sempre ensinando ―mistérios‖ aos que dela participam. Esta substância produz ―sonhos‖, é uma planta que faz ―sonhar‖ (Costa, 1956). Ela dá aos integrantes das performances rituais características proféticas, porque às vezes, anuncia um determinado fato que poderá ocorrer. Quando tal fato é concretizado, ele é então ―testificado‖, tirado a limpo, vindo a ser duplamente verdadeiro. A ayahuasca é ainda chamada de voz divina. O ponto de ligação com o ser supremo, um dos meios de conversar com o sagrado representado no topo da pirâmide por Deus. É do céu que emergem ordens divinas. Estas ordens são chamadas de instruções e são estas instruções que manobram o barquinho Santa Cruz; na terra podem ser encontrados seres como caboclos e pretos velhos, indígenas e exus; já no mar circulam entidades que participam dos

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trabalhos da casa. São encantados que se manifestam aos presentes mostrando os mistérios ou encantos; muito próximo ao plano celestial encontra-se o Astral, também com seres iluminados, mas que ainda se encontram em fase de preparação. Alguns destes seres do Astral têm a permissão para entrar em contato direto com os seres humanos, mas muitos não tem esta permissão, como é o caso da maioria dos bispos do local. O Astral rege dois planos que ficam mais abaixo: a terra e o mar. Nestes dois planos, é possível encontrar entidades boas, boas e más ao mesmo tempo e más. São entidades dos encantos das florestas como caboclos, pretos velhos, indígenas e exus, e os encantados do mar tais como botos, sereias, cobras d‘água. As entidades do Astral são aquelas que são responsáveis para dar assistência às entidades da terra e do mar. Quando os componentes da Barquinha falam de Astral, referem-se a Astral superior, que foi designado de várias formas: planos do alto, planos de luz, planos de preparação, planos superiores, planos iluminados. Através de viagens, os tripulantes da Barquinha conhecem lugares diversos, produzindo o que nós podemos denominar de sagrado compartimentado, tendo em vista que os planos que regem esta casa passam de espaços míticos à lugares míticos, uma forma de demonstrar que nesses planos ou mistérios, nota-se uma geografia mítica que é ricamente construída a partir das visões dos integrantes da Barquinha que narraram experiências diversas em alguns lugares dos espaços míticos que compõem o quadro cosmológico. COSMOLOGIA AMAZÔNICA EM CONSTRUÇÃO Durante o campo, o objetivo central da pesquisa foi voltado para uma etnografia do Centro Espírita e culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz retratando a História, a Cosmologia e o Ritual. Durante o estudo nos deparamos com uma velha discussão teórica: a noção de sincretismo. A Barquinha insere-se no chamado ecletismo religioso, segundo a literatura antropológica, que propicia ao indivíduo uma experiência que se dá: ―Por uma operação (...) através da qual são ecleticamente reaproximados, sobrepostos e/ou refundidos elementos oriundos das várias tradições, nativas e importadas, que a mobilidade geográfica das pessoas e dos produtos culturais põe hoje a sua disposição. Novas entidades coletivas apontam no horizonte dessas operações, mas elas tendem a ser transconfessionais, ameaçando desde já, nesse sentido, redesenhar nessas sociedades centrais o mapa do campo religioso contemporâneo. Parece possível esperar das consequências desse fenômeno uns efeitos de transformações mais radicais que as do tradicional ‗sincretismo brasileiro‘ (Sanchis 1995). A idéia de ecletismo religioso se encaixa muito bem para a formação de um pensamento religioso para as religiões não-indígenas que fazem o uso da ayahuasca. Mas acreditamos que ao invés desta circulação do indivíduo, mais fluída por vários grupos religiosos, sem ter a preocupação de se sedimentar em uma, respeitando desta maneira a diferença das religiões, os adeptos da Barquinha mantém com esta uma relação mais regular. São as práticas religiosas que circulam neste tipo de religião amazônica que são mais fluídas. Pensamos que se trata de uma cosmologia em construção. Por cosmologia em construção denomino um conjunto de práticas religiosas que tendem a formar uma doutrina específica onde existe uma grande velocidade na reelaboração simbólica de práticas religiosas que recombinadas produzem algo novo. Diante desta afirmativa: a) Julgamos necessário repensar o sincretismo através de uma visão mais fluída por isso, apresentamos o termo cosmologia em construção (embora sabendo que todas estão em construção) como uma metáfora para flexibilizar noções teóricas sugeridas por outros autores. O ponto de partida para o conceito se deu através da coleta de dados empíricos. b) As características centrais para pensar a Barquinha estão em práticas religiosas que dão aos adeptos um norte, uma visão de mundo onde novos elementos simbólicos foram incorporados durante a trajetória histórica dos espaço. c) Para entender o que estamos mencionando é preciso observar o Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz como uma colcha de retalhos onde cada um desses retalhos constitui um lugar bordado de símbolos. Lugares esses costurados com dupla linha da razão e da sensibilidade. d) A Cosmologia em Construção compreende um conjunto de práticas religiosas que tendem a formar uma religião específica onde existe uma grande velocidade na incorporação e retirada de elementos simbólicos das práticas religiosas ou filosóficas que combinadas compõem a sua cosmologia. e) Nesta cosmologia em construção um símbolo abre possibilidade para a remissão de um outro símbolo. Isto consiste naquilo que

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denominamos de eco simbólico. f) O ato, a ação dramática pode revelar espíritos ou entidades. A aparência destes está manifestada no gestual, caracterizando atitudes e comportamentos. Tais gestos enquadram-se no esquema cultural do grupo e muitas vezes os códigos variam de lugar para lugar. g) Em resumo, o eco simbólico reflete uma idéia e esta idéia abre possibilidade para a simbolização de outra, ressoando, reproduzindo-se ou repercutindo ao longe, no espaço e no tempo. Além disso, o hinário é um outro reforço para tal concepção, isto porque os integrantes da Barquinha não falam do hinário (o livro azul) como algo que está completo. Suas letras são repassadas para eles como instruções e quando novos salmos são recebidos é sinal que novas instruções acabaram de chegar. A composição simbólica desta linha doutrinária está elaborada, em parte, pela proposta de Mestre Daniel, bem como pela visão de mundo desses líderes religiosos que são provenientes de lugares distintos e de culturas diversas. Portanto, o Centro torna-se um aglutinador de culturas. Mas o termo aglutinador por si só não basta, isto porque ele torna-se um ordenador de elementos culturais, constituindo algo autêntico, novo e dinâmico. E neste caso, a Barquinha é uma nau de re-significação pela incrível flexibilidade do espaço - daí a metáfora cosmologia em construção. Para melhor exemplificar o que queremos dizer por cosmologia em construção, vamos usar como metáfora a construção de uma grande barca. A barca para ser construída terá vários tipos de madeira em vários locais. Desta forma, vamos encontrar as vigas, tábuas, mastro, leme etc, todos com madeira compatível com a barca. Da mesma forma, encontramos o suporte de encaixe para a sua construção: os parafusos, os pregos e outros. Após a construção da barca, da grande barca, pode-se afirmar que a mesma está ―estruturada‖. Mas a finalidade da barca é navegar, viajar mar a dentro, dias e noites, no calor ou no frio. Seu proprietário resolve deixá-la diferente e começa a colorir e a desenhar formas geométricas na cabine onde pilota a nau. São pequenas alterações de grande significado que aos poucos vão sendo comungados pelos tripulantes da embarcação. Este barco viaja a lugares diferentes e enfrenta grandes tempestades. Logo, a embarcação precisa de reparos urgentes para continuar viajando. As viagens continuam e os tripulantes, em especial o proprietário da barca, conhecem lugares diferentes e, consequentemente, pessoas distintas. Passam a dialogar, estabelecem a troca, dão e recebem, experienciam, aprendem, voltam mudados. Resolvem lembrar, dinamizar a memória, buscar os fios de significados e com isso traçam novos desenhos, motivos através dos quais fazem lembrar o outro. Mas a barca muda ao longo do tempo. Apesar da estrutura interna de suporte da nau, os tripulantes procuram a cada dia que passa dar uma nova roupagem a ela. E assim continuam além da linha do horizonte a navegar com as lembranças presentes. Esta resignificação parte do pressuposto das viagens por parte dos dirigentes a outros planos e, com isso, as visões desses lugares míticos são manifestadas na arquitetura. As viagens são as mirações que eles tiveram para a construção simbólica do local, porque foram nestas mirações que estes líderes tiveram imagens sagradas e essas revelações justificam um agregado de símbolos que foram incorporados no decorrer de décadas. O homem religioso da Barquinha está imerso em símbolos e está marcado consciente ou inconscientemente por eles. Esses lugares são vividos, experienciados individual ou coletivamente durante um longo período de atividades. Resta lembrar que a Barquinha é a linha ayahuasqueira que realiza o maior número de performances rituais apresentadas na região acreana e adjacênscias. Os trabalhos constituem a ação do sujeito dentro dos lugares do espaço. A ação do sujeito enquadra-se naquilo que podemos denominar de espaço performático e, juntamente com este espaço performático, a ampliação espacial, na qual os lugares são fundidos no decorrer dos rituais. Os rituais da Barquinha marcam profundamente o reencontro de tradições européia, indígena e africana. O ritual funciona como manifestação dessas culturas que estão presentes através da prece, miração e incorporação. Na primeira, a prece representa um elemento da prática católica oriunda da Europa e remodelada no nordeste brasileiro. A miração relaciona-se ao xamanismo indígena e a incorporação aos cultos africanos. Para exemplificar melhor o que queremos dizer, podemos mencionar a doutrinação de almas onde os três aspectos relacionam-se ao espaço performático.

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Enfim, o reencontro dessas tradições culturais marca a permanente construção da sua cosmologia. É preciso observar que durante os rituais os homens da Barquinha dinamizam o processo de re-elaboração simbólica. É quando algo novo pode ser visto durante os trabalhos da missão de Daniel. A mobilidade da barca provocada pelos sujeitos que a compõe produz esta dinâmica, pois voltam mudados, transformados. Esse é o sentido da construção, não só de produzir efeito sobre a arquitetura do local, mas tocar os sujeitos envolvidos, os marinheiros do mar sagrado. BIBLIOGRAFIA: ARAÚJO NETO, Francisco Hipólito de (1995). Com Quantos Paus se faz uma Nau. Rio Branco: UFAC. CHARTIER, Roger (1987). A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1987. COSTA, Oswaldo de A. (1956). A Planta que faz Sonhar - Yagé. Rio de Janeiro: Revista de Flora Medicinal. GROISMAN, Alberto (1993). Santo Daime. Notas Sobre a “Luz Xamânica” da Rainha da Floresta. In Novas Perspectivas Sobre Xamanismo no Brasil. Florianópolis: UFSC. NUNES PEREIRA (1979). A Casa das Minas. Petrópolis: Vozes. SANCHIS, Pierre (1995). As Tramas Sincréticas da História. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. Ano 10, número 28. SENA ARAÚJO, Wladimyr (1997). Navegando nas Águas do Mar Sagrado: História, Cosmologia e Ritual no Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz. Campinas: Unicamp (dissertação de Mestrado em Antropologia Social).

*Por eles denominados de invisível. Nunes Pereira na sua obra “A Casa das Minas” dedica um ítem a este centro, atestando que a capela foi construída em uma pequena “fazenda” que segundo ele pertencia ao senhor Manuel Antão da Silva - sendo que nas narrativas orais todos foram unânimes em afirmar que as terras pertenciam ao senador Manoel Julião de Souza. Segundo ele, o braço direito para a construção da capela foi Elias Kemer, pessoa bastante citada nas entrevistas e um dos primeiros membros do lugar. Além disso reconhece Daniel como fundador da Barquinha, afirmando que ele foi ligado a mãe-de-santo conhecida por Joana. Este último dado é bastante curioso, tendo em vista que nenhum dos meus informantes mencionou este fato. Entretanto, não tenho material suficiente para comprovar este argumento de Nunes Pereira (Nunes Pereira, 1979:39)

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Ayahuasca Como Opção Espiritual DR. RÉGIS ALAIN BARBIER

As plantas sagradas, como um remédio, podem nos auxiliar a conscientizar um senso ampliado de identidade, provendo o estímulo necessário para a superação do hábito de restringir a nossa consciência de "eu" ao mundo das abstrações ou ao dos desejos egóico e pueris. Com certeza, uma poção com a Ayahuasca, (assim como a seiva de outras plantas tradicionais e de uso ritualista), é capaz de proporcionar o auxílio que precisamos para redirecionar o nosso destino; orientar a humanidade em direção à realização do homo-sapiens verdadeiro: um ser ponderado, compreensivo, compassivo, tolerante, flexível e integrado. O caminho dos vegetalistas, ou ayahuasqueiros, por ser mais intenso que muitas outras disciplinas, pode parecer de alguma maneira mais fácil por proporcionar um contato mais precoce e mais intenso com o numinoso. Tal contato pode inspirar compromisso e abrir as portas para mais força e criatividade, mais graça, para superar os conteúdos incômodos. Certamente, com um investimento enorme de tempo e esforço, estas mesmas expe-riências podem ser obtidas pelos que dominam a ciência da meditação. Para investigadores cuja prática espiritual deve ser integrada com a necessidade de trabalhar e prover ao seu sustento, o uso adequado dessa tecnologia milenar pode tornar o pro-cesso da realização exeqüível. Para os que, mergulhados nessa nossa ―sociedade de competitividade e consumo‖, encontram o tempo para meditar essas experiências poderão vir a representar um salto qualitativo nas suas práticas. Porém, a Ayahuasca não é um caminho para todos; substâncias psicoativas não são pontes, ou atalhos, apenas vias mais rápidas. A escolha deve ser baseada no conhecimento amplo dos fatores envolvidos. Esclarecer-se requer a resolução de materiais e conflitos inconscientes; aqueles que aspiram a essa realização precisam avaliar a sua disposição e coragem, decidir o compasso e a intensidade com a qual desejam se encontrar com essa psicodinâmica, essa ―purgação‖ ou purificação na linguagem dos adeptos da Ayahuasca. A Ayahuasca revela que o conhecimento que temos do mundo, da existência, é um estado ou processo psicossomático. A experiência mística realiza a descrição cientifica da relação ecológica de todos os seres, do campo quântico e unificado; essa experiência implica desapego e transformação, isto é a drenagem do conceito de ―ego‖. Se a nossa intenção é sincera, se temos coragem e generosidade o suficiente, então vale a pena estudar todas as técnicas úteis para a realização espiritual - a Ayahuasca, utilizada com motivação certa, habilidade e integridade, pode contribuir muito para o alívio do sofrimento, dando acesso à sabedoria e visão necessária para a união mística.

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AYAHUASCA COMO INSTRUMENTO DE AUTO-OBSERVAÇÃO: A percepção, habitualmente embotada, permite apenas aprender e acessar uma fração distorcida de realidade; uma realidade revestida de projeções pessoais e pressuposições. A propriedade central dos ―enteógenos‖ ou ―psico-integradores‖ é com certeza levantar o véu, amplificando a experiência. A Ayahuasca amplifica a capacidade psicossomática de responder a gradações mais sutis de estímulos além de muitas vezes integrar as diversas faculdades sensoriais em processos sinestésicos. Esse efeito de aumentar a capacidade de experienciar, de avaliar e apreciar por si mesmo, é central para a compreensão do seu significado. Esta amplificação, como uma lupa, permite uma (re)visitação intensiva e absorta dos conteúdos mentais - recordações, idéias, fantasias, pensamentos, emoções, medos, esperanças, sensações em gerais. Na dependência da ética e valores morais atuais do indivíduo, além de influir na intensidade e no foco das percepções, a experiência pode motivar a re-significação dos conteúdos sendo observados. Valores morais e atitudes são revistas. Aqui temos uma tecnologia que alterando a composição bioquímica do instrumento e dos meios de processamento da informação, permite a inativação temporária dos filtros culturais e psicodinâmicos que nos bastidores da mente agem determinando, formatando e hierarquizando, nossas experiências quotidianas. Pode se de fato aprender muito, crescer e liberar energia psíquica revendo, transformando, eliminando, aceitando e se reconciliando com conteúdos incômodos. COMO CAMINHO INICIÁTICO: SINCERIDADE E CORAGEM: A função de uma substância com a Ayahuasca é muitas vezes mal entendida. Muitos pensam que pelo fato de terem tido experiências maravilhosas, já obtiveram as respostas e foram de alguma maneira transformados. Em alguns aspectos foram, mas muitos descobrem a realidade de que existem muitas camadas de condicionamento e ignorância a separar a mente superficial do núcleo do ser. A Ayahuasca e outras plantas instrutoras podem levar à transposição dessas barreiras permitindo o acesso à nossa essência, necessitando, contudo persistência e comprometimento no sentido de mudar e remover os velhos hábitos que tendem a reaparecer. Muitos imaginam que a repetição da experiência irá manter um estado de lucidez e visão, de fato pode, mas freqüentemente, a mudança requer trabalho duro e esforço dedicado; algumas vezes a experiência transforma, outras vezes mostra o possível, aponta o caminho, a responsabilidade de implementar as mudanças nos pertence. Para o investigador espiritual sério, assim como para os que buscam conhecimento verdadeiro, a característica mais importante é a honestidade. Isto significa a coragem para olhar para o que se apresenta no processo, pela habilidade de admitir as suas falhas quando se tornam aparentes e pela determinação de mudar os seus comportamentos em função do que se revela. O contéudo e natureza das experiências que essa substância induz não são, portanto, produtos artificiais resultantes da sua interação farmacológica com o cérebro, mas expressões autênticas da psique que revela seu funcionamento e potenciais em níveis inacessíveis no estado ordinário de consciência. Para aquele cuja intenção real é instalar uma transformação psico-espiritual, a Ayahuasca pode funcionar como catalisador natural a revelar e liberar intuições e conhecimentos oriundos das facetas mais elevadas do ser, permitindo o acesso a uma sabedoria fundamental relativa ao universo e à nossa posição como indivíduo. O grande valor da Ayahuasca, trazidos à nossa atenção pelas sociedades indígenas, é que ela dissolve os limites da mente inconsciente; ela dá acessos aos conteúdos reprimidos e esquecidos. Ela possibilita o reconhecimento das configurações universais da psique, os arquétipos de humanidade, junto com um leque mais abrangente de conhecimentos e maneiras de conscientizar, até eventualmente a vivência dos diversos aspectos da união mística. COMO CAMINHO INICIÁTICO: TOLERÂNCIA: Uma substância como a Ayahuasca oferece opções terapêuticas já que tende a dissolver a fragmentação e a compartimentagem interna, a revelar mecanismos de defesas diversos como ―projeção‖, ―negação‖ ou ―deslocamento‖, possibilitando o esclarecimento dos sectarismos e pontos de vistos intransigentes.

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Na medida em que o indivíduo consegue ver as coisas de uma maneira não distorcida, vendo claramente não apenas o seu passado mais também a presunção e cegueira da sua própria cultura e grupos de referencias, ele necessita, além de tolerar a decepção e o sofrimento, superar sentimentos de desamparo. Nem sempre é fácil ter de ver e aceitar que não somos assim tão vítimas, mas sim responsáveis pelas nossas vidas; aceitar ser capaz, reconhecer o seu potencial e a responsabilidade que isso requer implica coragem e determinação. Podemos até recusar crer que fazemos jus a muita beleza e alegria, bem estar profundo, sem nada ter de pagar além de ser o que já se é; apenas sendo o que já somos. O gerenciamento emocional produtivo dessa reavaliação, a reorganização psíquica, implica um grau suficiente de equilíbrio e bom senso para que se tomam atitudes judiciosas sem precipitações. TRIANGULAÇÃO - AYAHUASCA COMO UM FENÔMENO TRÍPLICE: A PESSOA, O AMBIENTE E O CHÁ. Sobre a influência da Ayahuasca, a intensidade dos estímulos - tanto por amplificação e enriquecimento de detalhes e pontos de vistas perceptuais quanto pelo maior influxos de dados perceptivos - aumenta consideravelmente as possibilidades de respostas à experiência. Devido a essa magnificação da percepção, uma atenção especial tem se dado à qualidade dos estímulos provenientes tanto do indivíduo quanto do meio onde o chá esta sendo utilizado. A hipótese denominada em inglês de ―set and setting‖ foi inicialmente formulada por Timothy Leary nos anos 60 no âmbito das pesquisas iniciais com agentes psicoativos e foi rapidamente aceita pelos demais pesquisadores da área. A teoria geral determina que o conteúdo de uma experiência com substância psicoativa é uma resultante da interação de três fatores básicos. Os fatores essenciais são: o ―set‖, que traduzo como sendo o ―fator pessoal‖, isto é aquele que o individuo traz consigo, os seus conteúdos (intenção, atitudes, personalidade, humor, etc.); o ―setting‖ ou ―fator ambiental‖ corresponde a todos os elementos externos ativos e capazes de influir a experiência (fatores interpessoais, social, ambiental, o âmbito). A substancia em si, o ―Chá‖ age como um gatilho, ou catalisador, a conectar e por em interação os fatores citados numa dinâmica especifica, criativa e intensa. É evidentemente impossível definir qual dos fatores é o mais importante tanto quanto é impossível dizer qual o lado mais essencial de um triângulo isóscele. Contudo ―o âmbito‖ é a vertente da experiência que pode ser programada, estudada, ensaiada e cuidadosamente preparada para um melhor proveito. TRIANGULAÇÃO - O FATOR PESSOAL: Como a Ayahuasca revela o nosso lado oculto, abrindo as portas do inconsciente numa linguagem psicológica, um enorme leque de opções e qualidade de experiência se apresenta. Na realidade essa poção psicoativa revela e liberta o que está dentro da pessoa, tornando a mente manifesta (ou seja, efeito ―psicodélico‖ como ―manifestação da mente‖). A mente se torna sujeita a observação e, por isso mesmo, a transformação. A fluidez e a qualidade do deslocamento do ayahuasqueiro nesse labirinto psíquico depende antes do tudo do fator pessoal, do ―conteúdo‖ que inclui os elementos do inconsciente pessoal, o registro da experiência de vida, assim como os mecanismos condicionantes em operação – recatos e defesas – a determinar a liberdade de opções, a qualidade, riqueza e legitimidade das interpretações, enfim, os principais desafios do indivíduo. Outro aspecto importante do conteúdo consiste nos valores e critérios pessoais; atitudes, aspirações, expectação, intenção e ética. Estes elementos irão influenciar a atração da atenção e determinarão o modo da pessoa lidar com o material psíquico revelado. TRIANGULAÇÃO - O FATOR AMBIENTAL: O fator ambiental se refere aos fatores externos ao indivíduo e capazes de influenciar a experiência: o lugar onde o chá é servido; a atmosfera do ponto de vista cultural, espiritual e emocional; como o indivíduo está sendo atendido; a quantidade de pessoas envolvidas; o tipo de liderança aplicada na experiência são alguns dos fatores a considerar. Normalmente o indivíduo se torna bastante impressionável quando sofre os efeitos de substâncias como a Ayahuasca, estado decorrente da magnificação perceptual já mencionada.

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Esse efeito acoplado como o aumento da perspicácia, capacidade metafórica e habilidade em gerar psico-associações criativas, alimenta o lado noético e o imaginário da experiência. É obvio que essa ―impressionabilidade‖ não significa que o ayahuasqueiro é mais facilmente suscetível de influência do que o homem comum ou do que os fiéis das religiões de massas, por exemplo. O grau de credulidade, ingenuidade, ou então de cepticismo (ver nota) de um indivíduo reflete opções cognitivas, filosóficas, assim como traços de personalidade profundos e estáveis, até mesmo inerentes, que não serão transbordados pela ―força e influência‖ do chá. Ao contrário, são justamente esses conteúdos profundos do indivíduo – inclusive tendências básicas como credulidade ou cepticismo - que determinam a maneira de significar a experiência. O tipo e da qualidade do sistema de crenças, da visão, pertinente ao âmbito social no qual a experiência irá ocorrer assim como o tipo de liderança e dinâmica dos trabalhos são fatores essenciais, capazes de influenciar em grande parte a harmonia e tranqüilidade da experiência; possuir uma boa descrição do âmbito onde se irá comungar a poção é um fator importante. Uma liderança não muito interventiva e tranqüila favorece o acesso e estudo dos conteúdos pessoais, o exame e integração da sua própria trajetória, o encontro de caminhos e conceitos próprios. Um facilitador precisa ser paciente, empático, familiarizado com os processos da experiência; ele pode ser muito efetivo sabendo refletir os pontos essenciais, fazer perguntas, observações aparentemente casuais. Cantos, músicas, atitudes e até mesmo orientações diretas bem dosadas, podem ser importante para facilitar uma experiência suave e rica. O ayahuasqueiro descobrirá que dividindo possíveis dificuldades com companheiros receptivos e compreensivos poderá gerar claridade e conforto. Finalmente, e na maioria das vezes, o melhor guia é a nossa própria consciência e esse processo interno não deve ser interferido a não ser quando solicitado. Rituais inspiradores, universais e holísticos, ambientes naturais, atividades espontâneas e criativas, permitem a focalização da atenção para regiões psíquicas interessantes. Os próprios conteúdos, junto com a configuração de ambiente, a qualidade do chá, a própria intenção e a do grupo, configuram um processo singular, uma ―gestalt‖, um ―ser maior‖, o próprio eu transpessoal da experiência. Reconhecer e ter certeza de estar em sintonia e harmonia com esse ―ser maior‖ gerado pelo evento é a chave de uma experiência de grupo bem sucedida. (Nota) Cepticismo: atitude ou doutrina segundo a qual o homem não pode chegar a qualquer conhecimento indubitável, quer nos domínios das verdades de ordem geral, quer no de algum determinado domínio do conhecimento. TRIANGULAÇÃO - O CHÁ: Investigações demonstram a variabilidade do chá na sua composição química. Fatores dependentes, das plantas e lugar de origem, da hora da colheita, do preparo (quantidade relativa das duas plantas, grau do apuro e tipo de água utilizada - fatores com pH, teor mineral da água) todos influenciam a qualidade do chá e, portanto os seus efeitos. A quantidade utilizada durante uma cerimônia é também um fator decisivo. Quantidades habituais ou moderadas permitem uma observação melhor dos seus próprios conteúdos, um estudo detalhado da sua própria psicodinâmica. Quantidades maiores são necessárias para se ―viajar no astral‖ na linguagem dos usuários de algumas seitas. A utilização de grandes quantidades de chá, acima de 300 mililitros, numa única tomada é mais bem aproveitada em ambiente especifico, mais reservados com uma supervisão adequada e favorece o tipo de vivência descritas na fenomenologia como ―experiências místicas‖. Com uma prática adequada e um considerável trabalho sobre si mesmo é possível se chegar aos mesmos resultados com dosagens menores. INTEGRAÇÃO DA EXPERIÊNCIA - REAÇÕES: Como as defesas do ego são desafiadas, sentimentos reprimidos e recordações afloram na consciência, podendo criar algum nível de ansiedade - uma reação semelhante ao enfrentado em situações inusitadas ou de desfecho incerto como praticar esportes radicais, participar de competições esportivas ou ainda se submeter a alguma prova. Uma experiência desse tipo é geralmente muito proveitosa por ensinar mais. Reações adversas mais sérias ainda não foram descritas com o uso da Ayahuasca, em parte porque o chá tem sido utilizado com critério e responsabilidade, em doses adequadas, e que a

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Ayahuasca não tem sido promovido como sendo remédio e solução para curar as crises emocionais de pessoas seriamente transtornadas. Triagens para eliminar os prováveis candidatos a reações adversas, como as personalidades esquizóides e pre-psicóticas, os neuróticos com instabilidade de identidade e níveis altos de ansiedades, os usuários de drogas e medicamentos psico-ativos possibilitam a realização de Cerimônias tranqüilas, seguras, criativas e de inestimável valor espirituais. INTEGRAÇÃO DA EXPERIÊNCIA - EFEITOS PRÁTICOS: Experiências como as proporcionadas pela Ayahuasca são por natureza transcendental, transpessoais, porque alargam a experiência e visão da realidade, diminuem o império do ego sobre a personalidade, facilitam uma mudança de valores. Torna-se evidente que a utilização de uma substância como a Ayahuasca é mais útil dentro de um contexto e de uma disciplina tendo como objetivo o crescimento e a evo-lução espiritual, um programa chamando atenção para os valores éticos e morais fundamentais. Uma disciplina adequada fornece um corpo de ética capaz de apoiar as mudanças requeridas, clarificando os objetivos, mantém a mente focada e aberta para o aprofundamento crescente da experiência. É o indivíduo, a sua intenção que determinam se a experiência será mística e religiosa, evolutiva ou não. Bastante preparo é necessário para se chegar a uma experiência mística, mesmo usando Ayahuasca e um trabalho de integração efetivo é necessário para que a experiência seja de fato transformadora. Se o estado de consciência ampliado induzido pela experiência conduz ou não a mudanças positivas e duradouras, depende da intenção e dedicação do usuário. Uma visão, mesmo rápida, de uma realidade maior pode mudar a vida de uma pessoa se ela resolve integrar essa visão à sua realidade. Receber uma luz não é igual a aplicar essa luz no dia a dia; não há conexão inerente entre uma experiência mística de unidade e a expressão ou manifestação daquela unidade na vida cotidiana. Este ponto é talvez óbvio, contudo freqüentemente esquecido por aqueles que debatem se, em princípio, um agente psicoativo pode ou não ter valor no âmbito da busca espiritual. Qualquer que seja a fonte ou a origem da iluminação, as revelações só poderão ter efeitos práticos com a permissão e dedicação do individuo.

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Ayahuasca & Budismo

O que ayahuasca tem a ver com budismo? Essa é uma pergunta que ouço bastante. Uma coisa nâo tem nada a ver com a outra, em termos de origem. Mas há alguns pontos práticos com muita coisa em comum: 1 - Ego-perda Um dos objetivos da prática budista é eliminar a vaidade e o egoísmo. Vaidade e egoísmo no sentido de se achar importante, de a pessoa acreditar que existe de maneira separada e autônoma, de ficar se preocupando apenas consigo mesmo. A existência separada é uma ilusão. Ao se desfazer essa ilusão, a vaidade, o egoísmo e a arrogância perdem completamente a razão de ser. A tendência é que, no lugar disso, venham sentimentos como caridade e compaixão. Em uma sessão de ayahuasca, acontece algo parecido. O ego se dissolve. A personalidade adquirida evapora. Tanto que a sensação de morte é muito comum entre quem experimenta pela primeira vez. Se acreditamos que somos apenas nossa personalidade, ao perdê-la vem a sensação (desesperadora) de morte. Mas há algo além da personalidade adquirida, dos nossos julgamentos, lembranças e intenções. Algo que veio antes disso, ligado a Tudo. Isso pode ser percebido tanto com a ayahuasca quanto com estudos e práticas budistas. 2 - Aprender a morrer No budismo tibetano, há um documento sagrado: o "Bardo Thodol" (traduzido como Livro Tibetano dos Mortos). É usado em rituais fúnebres, para guiar a alma do falecido (a) no plano pós-morte, em direção ao nirvana, quebrando o ciclo de encarnações sucessivas. Também é muito útil para a pessoa se preparar para o que ela vai experimentar quando morrer. Ou seja, para se aprender a morrer. É dessa forma que muitos lamas indicam sua leitura a leigos. Dizem que Mestre Gabriel, da União do Vegetal, costumava explicar: - Bebemos o Vegetal (ayahuasca) para aprender a morrer. Esse livro também foi (e é) usado nos ensinamentos sobre o plano ―astral‖, experimentado durante alguns tipos de meditações profundas. A semelhança dessa ―viagem‖ com o que ocorre

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com o uso de substâncias enteógenas é enorme. Tanto que Timothy Leary adaptou esse livro sagrado em uma versão moderna: A Experiência Psicodélica. 3 - Concentração Uma técnica de meditação básica é abandonar todo tipo de pensamento (focar a atenção em um ponto específico, como a respiração, ajuda muito) mantendo-se passivo diante de pensamentos dispersivos. Esse procedimento também é muito útil em uma sessão de ayahuasca. Mas, durante o efeito, é uma coisa muito difícil de pôr em prática, já que tudo se multiplica. Na meditação, quando esvaziamos completamente a cabeça, firmando a atenção, experimentamos a mente em seu estado puro, primordial. Manter essa condição, mesmo que por apenas alguns minutos, traz uma sensação de paz enorme. O efeito permanece. É algo muito benéfico. Conseguir isso durante uma sessão de ayahuasca, é uma experiência indescritível e inesquecível. Obviamente, envolve bastante treino. Mesmo quem bebe ayahuasca sem realizar práticas paralelas, com o tempo, vai aprendendo a se ―concentrar‖ e a se ―entregar‖. Essa concentração/entrega é similar a algumas técnicas de meditação. Por exemplo, ao se beber ayahuasca, vale a pena não julgar as ―mirações‖ (visões) e sensações. Nâo tentar analisar, racionalizar o que está acontecendo. O ideal é se manter passivo diante das sensações/mirações, tanto as ―boas‖ quanto às ―ruins‖. Há outros pontos em comum, como a ilusão do mundo cotidiano (no budismo, isso se chama Maya, que significa "ilusão, aparência") e o karma (durante uma sessão de ayahuasca, karma passa de um conceito para uma lei da natureza mesmo). Mas acho que os principais são os três acima. São todas impressões minhas, totalmente influenciadas pelo fato de eu praticar os ensinamentos budistas e beber ayahuasca. Obviamente, quem segue outras escolas espirituais e bebe ayahuasca encontra pontos de conexão com a sua religião.

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A Conexão Ayahuasca-Alienígena Pablo Amaringo (O texto a seguir foi traduzido a partir do original: "The Ayahuasca-Alien Connection" Extraído de: "Visões da Ayahuasca: A Iconografia Religiosa de um Shaman Peruano")

Naves Espaciais

O tema das naves espaciais tem grande importância nas visões de Pablo. Como logo vimos, quando a curandeira que curou sua irmã deu-lhe ayahuasca, Pablo viu um imenso disco voador fazendo um tremendo zumbido que o deixou em pânico. Don Manuel Amaringo, o irmão mais velho de Pablo, tem uma história similar. Ele me contou - com lágrimas em seus olhos - que o principal ícaro (canção de poder) que ele utilizou para curar muitas pessoas, ele o aprendeu de uma fada chamada " Altos Cielos Nieves Tenebrosas", que veio em uma nave espacial azul. Ela me perguntou: você quer ouvir minha música? Ela cantou e aquela música permaneceu em meu coração. A despeito da freqüência com que Pablo descreve naves espaciais, ele é espaçado em seus comentários sobre elas. Pablo diz que estes veículos podem ter diversos formatos, são capazes de atingir velocidade infinita, e podem mover-se debaixo d'água e dentro da terra. Os seres que viajam nelas são como espíritos, tem corpos mais sutis do que os nossos, aparecem e desaparecem. Eles pertencem a uma avançada civilização extraterrestre, a qual vive em perfeita harmonia. Grandes civilizações ameríndias como a Maya, Tiahuanaco e a Inca contataram estes seres. Pablo disse que viu em suas jornadas com ayahuasca que os Mayas sabiam sobre esta mistura (com seu povo), e que eles vieram de outros mundos em vários momentos de sua história, mas que estão prontos para retornar para este planeta. De fato, ele disse que muitos dos objetos voadores vistos por pessoas hoje são pilotados por peritos mayas.[1] Os extraterrestres estão em contato com os nina-runas (povo do fogo) que vivem no interior dos vulcões. Eles se comunicam telepaticamente com os outros. Sob o efeito da ayahuasca, pode-se ver estes seres e seus veículos, mas poucos vegetalistas atualmente tem contato com eles, apenas alguns escolhidos, a quem os extraterrestres ensinam canções de poder e fornecem informações para ajudar a curar seus pacientes.

A antropóloga francesa Francoise Barbira-Freedman, quem fez um extenso trabalho sobre a Lamista(?) da província de S. Martin, contou-me que entre seus informantes shamans, avistamentos de espaçonaves através da ayahuasca são comuns. Quando eu visitei D. Manuel Shuna, o tio de Pablo, um vegetalista com mais de 90 anos, eu lhe mostrei várias fotos das pinturas de Pablo. Apontando para o disco voador em uma das fotos, ele me disse excitado, quase estressado, que nos últimos dois anos ele vinha sendo assombrado por seres que saíam de máquinas como aquela. Ele disse que aqueles

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seres pairavam levemente sobre a superfície da água. D. Manuel descreveu aquelas máquinas como tendo aproximadamente 50 metros de comprimento, com luzes que tornavam a noite clara como o dia. Quando paravam, nunca tocavam a superfície da água, mas permaneciam suspensos no ar. Algumas vezes os seres que estavam a bordo destas máquinas derrubavam algumas árvores e as levavam todas de uma vez com eles. Dom Manuel disse: Eles sabem quando eu estou bebendo ayahuasca. Eles vem e cantam (me ensinam) todos os tipos de canções e os ícaros (chamadas ou canções de poder) que eu canto. Eles também sabem como orar. Eles querem ser meus amigos, porque existem coisas que estes seres não sabem. Eles querem me levar com eles, mas eu não quero ir, porque estas pessoas comem uns aos outros. Eles me apavoram por moverem terra, ou ao derrubarem grandes árvores. Eles quase me enlouqueceram. Mas eles não demoraram a ir embora, porque eu assoprei tabaco neles.

Está claro que é muito difícil saber o que fazer com este tipo de relato. Parece que os shamans estão constantemente se apropriando de quaisquer inovações que vêem ou ouvem, usando-as em suas visões como metáforas vivas para ir além na exploração das esferas espirituais, para aumentar seus conhecimentos, ou para se defenderem de um ataque sobrenatural. Os shamans de Shipibo recebem livros em suas visões, nos quais podem ler a condição de seus pacientes, recebem espíritos farmacêuticos, ou viajam em naves com um sugestivo design geométrico para o fundo dos lagos para recuperar a alma de seus pacientes (Gebhart-Sayer 1985:168,172:1986:205;1987:240). Canelos Quichua recebeu dos espíritos máquinas X-ray, aparelhagem de pressão sangüínea, estetoscópio, e um conjunto brilhante de luzes cirúrgicas. Um shaman Campa aculturado usa em suas curas um rádio para se comunicar com os espíritos da água (Chevalier 1982:352-3). Os Shamans de Shuar, que adquiriram de várias plantas, animais, pedras, ou outros objetos, flechas mágicas para curar ou se defenderem, também recuperaram um witrur (vitrola em espanhol, fonógrafo) (Pellizzaro 1976:23. 249); Don Alejandro Varquez, um vegetalista que vive em Iquitos, contou-me que além de anjos com espadas e soldados com armas, ele recebeu um jato que usa quando é atacado por feiticeiros fortes (Luna 1986:93: veja também Pellizzaro 1976:47); Dom Fidel Mosombite, um hoasqueiro de Pucallpa, contou-me que em suas visões ele recebeu chaves mágicas, que o habilitaram a dirigir carros e naves de diferentes tipos.

Voar é o tema mais comum do shamanismo em qualquer lugar. O shaman pode se transformar em um pássaro, inseto, ou em um ser alado, ou ser levado por um animal ou outro ser para outras esferas (realidades). Os shamans contemporâneos às vezes usam metáforas baseadas em invocações modernas para expressar a idéia de voar. Desta maneira, não é estranho que o tema UFO, o qual é parte do imaginário moderno - talvez, como proposto por Jung (1959), seja uma expressão arquetípica dos nossos tempos - é usado pelos shamans como um dispositivo de transporte espiritual para outros mundos. Os discos voadores, seres extraterrestres, e civilizações intergaláticas que aparecem nas pinturas de Pablo, não devem necessariamente ser considerados incomuns ou estranhos para o shamanismo amazônico; eles podem ser manifestações de temas antigos. Descrições de jornadas shamanicas sob a influência da ayahuasca e outras plantas psicoativas, mesmo entre as tribos amazônicas isoladas, freqüentemente incluem a idéia do shaman ascendendo ao céu para se juntar aos seres celestiais ou, ao contrário, seres celestiais descendo ao lugar da cerimônia.[2] Mbos Valle (1979) e Meheust (1988) notaram o paralelismo que pode ser encontrado entre temas folclóricos, jornadas shamanicas, e abduções por discos voadores. Como em outras partes do mundo hoje, a Amazônia é constantemente bombardeada por novas imagens exóticas

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e símbolos que rapidamente se misturam à crença tradicional

Entretanto, a conexão entre UFOs e tryptamina foi anotada por Terence Mckenna, quem averiguou por pesquisas que o contato com UFOs é o tema mais freqüente mencionado por pessoas que tiveram experiências com psilocybin, usando 15-miligramas, dose suficiente para trazer à tona o potencial dos efeitos psicodélicos (cf. Mckenn 1984, 1989). Eu tenho escutado relatos semelhantes dos caboclos que beberam ayahuasca, Psilocybin cubensis (cogumelos), ou dimethyltryptamina pura. Como Valle (1979:209-10) anotou, os UFOs são manifestações físicas que não podem ser entendidas fora de sua realidade psíquica e simbólica. O tema UFO é um assunto que não pode ser negligenciado pelos antropologistas cognitivos, psicólogos e pessoas interessadas na mitologia do homem moderno.

... Notas: [1] Uma idéia similar foi descrita pela antropóloga alemã Angelika Gebhart-Sayer. Em 1981, enquanto realizava trabalho de campo em Caimito, uma pequena localidade ao longo do Rio Ucayali, na amazônia peruana, seus amigos índios afligiram-se com um estranho fenômeno de luzes nas montanhas, e que eles interpretaram como uma nova tática das pessoas brancas para penetrar em seu território tribal. Quando eles se aproximaram, as luzes desapareceram. Gebhart-Sayer disse Ter visto inexplicáveis luzes amarelas se movendo a 400 metros de distância e a um metro do chão. Ela não encontrou nenhuma explicação lógica para o que viu. Joe Santos, o shaman, acalmou as pessoas, explicando que nas visões proporcionadas pela ayahuasca ele entendeu o que era aquilo: um aeroplano dourado com grandes lâmpadas e uma bela decoração. O piloto, um distinto inca. Às vezes, ele vestia as roupas modernas das pessoas brancas, às vezes uma preciosa cushma inca (tradicional vestimenta masculina). Nós saudamos os outros, mas não falamos, porque nós conhecíamos seus pensamentos. Então ele se afastou. Entretanto, o momento não é adequado para ele falar. Os incas querem aliar-se com eles, para poder derrotar os brancos e mestiços, e estabelecerem um grande império no qual nós viveremos sua vida tradicional, e possuiremos as comodidades incas e brancas. O tempo chegará em breve, no qual ele trará surpresas e orientações. [2] Um interessante exemplo da cosmologia Cuna foi relatado por Gomez: as estrelas são luzes de um nível de habitações (mundos) da natureza, que é intermediário entre corpos sólidos e o ar. Aquelas moradas são habitadas por belas mulheres que à noite vestem roupas de tecidos brilhantes, acessos por lâmpadas, semelhantes àquelas das pessoas brancas. Elas se reproduzem por meio de ―Paptummatti‖ (literalmente, o Grande Pai) sem a intervenção de homens, sempre dando a luz à mulheres. Elas se movem de uma casa para outras por meio de naves douradas com as quais também viajam a outros mundos, ocasionalmente descendo a algum deles para transportar em seus veículos aquelas pessoas merecedoras de um favor divino. O autor adicionou a seguinte nota: Na mitologia de Cuna, existem numerosas referências a estes discos voadores em suas narrações sobre heróis da cultura. Esta nação entrou para o folclore, e descrições destas naves ocorrem diariamente.

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União do Vegetal

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Hoasca - Fundamentos e Objetivos Publicado pelo Centro de Memória e Documentação da UDV em 1989 Este livro é o primeiro documento oficial que o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal leva à difusão pública desde sua fundação, em 1961. E o faz com propósito da maior relevância: apresentar-se e prestar esclarecimentos às autoridades e à sociedade sobre seus fundamentos e objetivos, dentro do processo que se impôs de institucionalizar-se. Os textos selecionados não têm qualquer intenção doutrinária. Visam tão-somente a fornecer informações históricas, jornalísticas e científicas, necessárias em face dos freqüentes equívocos difundidos a seu respeito pelos veículos de comunicação. Esses equívocos explicam-se: é relativamente recente o contato da opinião pública nacional especialmente a do Centro-Sul, sua parcela mais influente com notícias referentes ao chá Hoasca. Assim, tende a assimilar, de boa fé, informações infundadas, veiculadas com crescente assiduidade. Confundem-se nomes de grupos religiosos, ao mesmo terrpo em que generalizamse levianamente acusações de uso indevido do chá, bem como difundem-se inverdades doutrinárias. A União do Vegetal, zelosa da verdade, da ordem e do fiel cumprimento da lei, julga seu dever contribuir para sanear esse quadro. Por essa razão, adotou sempre a prática de nada esconder. Em todos os momentos em que o noticiário impreciso gerou indagações por parte das autoridades e mesmo, ameaças de proibição do uso do chá a União do Vegetal tomou a iniciativa de prestar esclarecimentos e abrir-se a investigações. Assim foi em 1985, quando o chá Hoasca foi incido na relação de substâncias consideradas tóxicas pela Divisão Nacional de Vigilância Sanitária (Dimeo), do Ministério da Saúde. Por iniciativa nossa, o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), do Ministério da Justiça, formou grupo multidisciplinar de trabalho para examinar o chá e suas propriedades. Após dois anos de exames, que incluiu visitas a nossos núcleos, a proibição foi revogada. Em abril de 1989, diante de nova escalada de equívocos em torno da Hoasca, a União do Vegetal sugeriu à Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, através de seu presidente, deputado Raimundo Bezerra, a instalação de um grupo de estudos que debatesse os múltiplos aspectos que o uso do chá envolve. A idéia foi aceita, tendo como objetivo maior regulamentar restritivamente o uso do chá, através de apresentação de projeto de lei ao Congresso Nacional. A União do Vegetal defende o uso ritualistico da Hoasca, sob a responsabilidade de um dirigente religioso (que, dentro de sua hierarquia, denomina de Mestre). Opõe-se categoricamente à comercialização da bebida, por entendê-la inadequada ao uso indiscriminado por parte de pessoas não-iniciadas. E ainda: é terminantemente contrária ao uso do chá associado a drogas de qualquer espécie. Estamos certos de que a regulamentação da Hoasca, através do Congresso Nacional, é etapa fundamental para superar equívocos e desconfianças junto à opinião pública e permitir que a União do Vegetal exerça com maior eficiência o papel espiritual que lhe está reservado. Este livro é peça importante nesse processo. FUNDAMENTOS E OBJETIVOS A etapa histórica que a humanidade vive, neste fim de milênio, caracteriza-se pelo pluralismo religioso. No Ocidente, o Cristianismo, sua matriz espiritual mais influente - originariamente uno e coeso -, apresenta-se hoje fragmentado através de numerosas seitas, que vão do catolicismo romano aos diversos ramos do protestantismo. No Oriente, o quadro não é muito distinto. De certa forma, é até mais confuso, na medida em que, freqüentemente, esse pluralismo reveste-se de ânimo sectário e belicista e resulta em guerras de extermínio (é o caso, por exemplo, de alguns países árabes e da própria Índia). Há, ainda, as seitas de origem africana, hoje espalhadas pelas três Américas (e com presença expressiva no Brasil) e as seitas espíritas de fundamentação kardecista, além das chamadas escolas iniciáticas (Maçonaria, Rosacruz, Teosof ia etc.). Todas apresentam-se como portavozes da Verdade, instrumentos para a salvação da humanidade. Dentro desse ambiente, surge, no Brasil, o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. Fundado em 22 de julho de 1961, em Porto Velho, Rondônia, possui hoje núcleos e adeptos em

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quase todas as capitais e cidades importantes do país ao todo, 40 núcleos e cerca de quatro mil sócios. Não tem índole publicitária, nem é sociedade secreta. E tem posição clara sobre a questão religiosa: vê no pluralismo hoje dominante um estágio da caminhada espiritual da humanidade. Um estágio inevitável, mas a ser superado um dia. Como os graus de evolução espiritual dos homens não são iguais - e, ao contrário, exibem ainda desníveis bem acentuados -, os canais de aproximação com Deus (isto é, as relïgiões) erão necessariamente diferenciados. DOUTRINA A União do Vegetal afirma que a Verdade é uma só - e um dia, pela evolução espiritual, toda a humanidade a Ela terá acesso. Nesse dia, conforme rezam as Escrituras, haverá um só Rebanho e um só Pastor. Até lá, no entanto, a pluralidade será a expressão dessa diversidade de compreensões. Nesses termos, a União do Vegetal sustenta que todas as religiões que pregam a existência de um Ser Superior (Deus) e orientam seus adeptos na prática do Bem cumprem uma mesma e necessária missão espiritual, atendendo aos diversos graus de compreensão da humanidade. A União do Vegetal professa os fundamentos do Cristianismo, resgatando-os em sua pureza e integridade originais, livres das distorções que lhes imprimiu, ao longo dos séculos, a mão humana. Os Evangelhos bíblicos do Novo Testamento fornecem parte dessa orientação, que moldou e inspirou o comportamento dos cristãos nos três primeiros séculos da atual Era - fase que corresponde ao período pré-institucional da Igreja Romana. A partir daí, especialmente após os sete primeiros concílios (em Nicéia, em 325; em Constantinopla, em 381; em Efeso, em 431; em Calcedônia, em 451; e em Constantinopla, em 553 e em 680), outros interesses, de natureza secular, passaram a dividir a orientação da cúpula dirigente dos cristãos. E também a partir do advento dos concílios que a via de transmissão da doutrina cristã deixa de ser oral por excelência e passa a ter como base a documentação eclesiástica - o chamado Magistério da Igreja. REENCARNAÇÃO A conseqüência mais grave desse fenômeno um subproduto da institucionalização do Cristianismo - foi o desvio doutrinário, que resultou na exclusão de pelo menos uma Verdade de Fé da doutrina de Jesus Cristo, fundamental para a perfeita compreensão do conceito de Justiça Divina: a reencarnação. Até o segundo Concílio de Constantinopla, em 553, a reencarnação sofria contestações apenas verbais ou oficiosas de parte do clero.2 Não se ousava negá-la formairnente, embora desde o primeiro concílio (quando a tradição oral de transmissão da doutrina foi interrompida) a polêmica estivesse colocada. Somente em 543, uma autoridade eclesiástica - o Patriarca Menas, de Constantinopla - redigiu e promulgou documento negando categoricamente a reencarnação. Esse documento seria plenamente endossado dez anos depois, no Concílio de Constantinopla, pelo Papa Vigilio e demais Patriarcas (Bispos). O documento de Menas, dirigido aos monges do Egito, Palestina e Síria, seguidores do monge e teólogo Orígenes (185-254), mestre da famosa e conceituada Escota de Teologia de Aiexandria (Egito) - e que professava o cristianismo reencarnacionista -, apenas confirma a larga aceitação que aquela tese desfrutava dentro da lgreja.3 Em sua condenação, Menas alinha 15 anátemas (reprovações enérgicas que equivaliam à excomunhão) contra os fundamentos da reencarnação. O primeiro anátema resume os demais: ―Se alguém crer na fabulosa preexistência das almas e na repudiáve! reabilitação das mesmas (que é geralmente associada àquela) seja anátema‖.4 Tal veemência se explica: a afirmação da existência de um castigo eterno (Inferno) e de um castigo temporário (Purgatório), como instâncias post mortem - teses que se opõem aos fundamentos reencarnacionstas - dava ao clero poder político considerável no plano temporal. Afinal, os homens - do mais poderoso monarca ao mais humilde serviçal - que não seguissem rigidamente a orientação eclesiástica estariam sujeitos àqueles castigos.

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A história ocidental - particularmente a européia - é pródiga em episódios que ilustram essa manipulação da fé no jogo do poder secular. A reencarnação, quando Cristo esteve na Terra, fazia parte da tradição judaica, sob o nome de ressurreição. A única seita a recusá-la era a dos saduceus, para quem tudo acabava com a morte,5 Havia, nos demais ramos do judaísmo, a crença de que todo mal é conseqüência de um pecado. Assim, no caso de um cego de nascença, se o pecado não fosse dos pais (como freqüentemente não era), era do próprio recém-nascido, em vida anterior.6 Na antiga idade, aliás, a tese reencarnacionista era de ampla aceitação - tanto peios filósofos gregos como pelos místicos orientais. Cristo não a negou. Ao contrário, a confirmou e explicitamente. No Evangelho Segundo São Mateus (Cap. 11, vv. 11-15), ele diz: Em verdade, vos digo que. entre os nascidos de mulher não surgiu nenhum maior que João o Batista(...) E, se quiserem dar crédito, ele é o Elias que deve Vir. Quem tem ouvidos ouça. E ainda no mesmo Evangelho (Cap. 3, vv. 3-7): ―Os discípulos perguntaram-lhe Por que razão os escribas dizem que é preciso que Elias venha primeiro? Respondeu-lhes Jesus: Certamente. Elias terá de vir para restaurar tudo. Eu vos digo. porém que Elias já veio, mas não o reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem irá sofrer da parte deles: Então os discípulos entenderam que se referia a João Batista‖. As duas passagens não esgotam o repertório de exemplos7, mas, certamente, encerram as discussões. A reencarnação está na base de toda a fundamentação doutrinária cultuada pela União do Vegetal. Daí sua denominação de Centro Espírita. Segundo sua doutrina, é pela sucessão de encarnações que o espírito evolui, até atingir o grau máximo de Purificação ou Cura (que equivale à Santidade ou Sanidade). As reencarnações são regidas pela Lei do Merecimento, que se assemelha à Lei do Karma, de que falam os orientais, cuja lógica é a clássica teoria da causa e efeito. A doutrina da União do Vegetal é cristã porque sustenta que Jesus Cristo, Filho de Deus, é a expressão da Divindade e Sua Palavra aponta o caminho da Salvação para a humanidade. A União do Vegetal crê na Virgem Maria, Nossa Senhora Imaculada, mãe de Jesus. Trata-se de Verdades, cuja compreensão, ao contrário do que tradicionalmente se afirma, é acessível ao homem desde que, obviamente, atinja determinado grau de evolução espiritual. PRINCÍPIOS A União do Vegetal condena categoricamente o uso de drogas, bebidas alcoólicas e demais vícios. Considera-os incompatíveis com a evolução espiritual. Orienta seus adeptos na observância às leis do país e no acatamento às autoridades constituídas, o que não os impede de exercerem soberanamente os direitos de cidadania. O discípulo terá sempre, no exercício de seus direitos de cidadão, as leis da União do Vegetal como parâmetro de conduta moral. No combate às drogas e aos vícios, a União do Vegetal está sempre ao lado das autoridades, dispondo-se mesmo a prestar o auxílio que estiver a seu alcance. A União do Vegetal defende a família como célula-matriz da sociedade! sem a qual não há ordem - e, por conseguinte, condições para o aperfeiçoamento espiritual da humanidade. Em diversos estados do país, a União do Vegetal, por serviços assistenciais prestados à coletividade, é reconhecida pelas autoridades como entidade de utilidade pública - o que explica o termo ―Beneficente‖ que traz em seu nome. O CHÁ HOASCA Nas suas sessões ritualísticas, realizadas em seu templo, a União do Vegetal faz uso de um chá, de nome Hoasca, que é a união de dois vegetais: o cipó Mariri (Banisteriopsis caapi) e a folha Chacrona (Psychotria viridis). O chá é comprovadamente inofensivo à saúde - física e mental - conforme atestam não apenas os numerosos exames científicos, realizados no Brasil e no exterior, mas a própria saúde dos que o utilizam há décadas (ver mais detalhes na segunda parte deste trabalho, no Relatório do Centro de Estudos Médicos da União do Vegetal). Há diversas organizações religiosas no Brasil que fazem uso do mesmo chá, A União do Vegetal, dentro dos princípios de respeito à pluralidade religiosa e à liberdade de culto

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(garantida pela Constituição brasileira), não cultiva atritos ou animosidades com quaisquer delas, embora considere nocivas e equivocadas inclusive do ponto de vista da superação dos mal-entendidos em relação ao chá - as que usem a Hoasca associada a drogas de qualquer espécie. Opõe-se também, de maneira inflexível, à comercialização da bebida, por entendê-la inadequada ao uso indiscriminado por parte de pessoas não-iniciadas e sem a orientação de um dirigente religioso (que, em nossa hierarquia, denominamos mestre). A União do Vegetal defende a regulamentação, por via de lei, do uso do chá, restringindo-o aos rituais religiosos, ministrados com a presença de um mestre. Entende que, somente assim, o chá deixará de ser alvo de controvérsias equivocadas, que o colocam freqüentemente no centro de noticiário sensacionalista, tendencioso e, inevitavelmente, mal-informado. Dentro de seus objetivos religiosos, a União do Vegetal põe em primeiro plano sua Doutrina Cristã, por meio da qual trabalha pelo aperfeiçoamento espiritual da humanidade. O chá Hoasca é utilizado como instrumento de concentração mental. E, portanto, meio, veículo - não propriamente o fim de sua ação religiosa. O chá facilita a interiorização mental, produzindo clareza de consciência e aguçando a percepção. Os efeitos f(sicos que produz proporcionam limpeza orgânica, resultando, ao final, em grande bem-estar. ÊXTASE E LUCIDEZ O efeito do chá pode ser comparado ao êxtase religioso, fartamente definido pela literatura sacra oriental e ocidental. Para chegar-se ao êxtase - um estado de lucidez contemplativa, que coloca a pessoa em contato direto com o plano espiritual - ensinam a história dos santos, a Bíblia e a tradição oriental, percorriam-se difíceis e variados caminhos. O jejum, a castidade e a meditação solitária (em desertos ou locais afastados da comunidade) eram os processos mais utilizados. Havia também quem se mortificasse fisicamente - como, por exemplo, recomendava Santo Ignácio de Loyola. 8 São Francisco de Saies sugere, para alcançar-se o êxtase: ―Se podes agüentar o jejum, fazes muito bem em jejuar um pouco mais do que a igreja obriga, porque o jejum, além de elevar o espírito a Deus, reprime a sensualidade, facilita as virtudes e aumenta os merecimentos‖.9 O êxtase pois, longe de ser uma alienação, desfruta, na tradição religiosa de todo o Planeta, de sólida reputação. E o estado em que o homem percebe com mais clareza a realidade espiritual. São Gregório Magno (século VI), Papa citado por Santo Tomás de Aquïno (século XIII), define: ―Os homens contemplativos concentram-se em si mesmos quando perscrutam as coisas espirituais, separando-se totalmente das sombras das coisas corpóreas ou afastando-as com mãos discretas. Ávidos de contemplar o lume infinito, repelem todas as suas imagens finitas e, pelo esforço por se elevarem acima de si mesmos, triunfam da própria natureza‖.10 No Oriente, os indianos praticam o que chamam de meditação transcendental Consiste numa técnica mental que leva a pessoa primeiramente a procurar colocar-se em estado de relaxamento ou de distensão interior. Nessas condições, a pessoa tenta esquecer todas as realidades sensíveis e esvaziar a mente de todas as imagens materiais que habitualmente a distraem. Cria-se, assim, um estado de percepção vazia, que acarreta a cessação de emoções, sentimentos e afetos. Em conseqüência, a pessoa aprofunda-se em sua consciência, o que lhe permite descobrir a realidade mais intima de seu próprio ser (Samadhi). Nos sucessivos níveis de profundidade da mente, dizem os indianos, o indivíduo torna-se sempre mais consciente de sua natureza divina. Esse estado final é, por eles, denominado de ―pura percepção‖ Descreve o Bhagavad-Gitã, livro sagrado da Índia: ―Excluindo todos os objetos externos dos sentidos, mantendo os olhos e visão concentrados entre as duas sobrancelhas, suspendendo os alentos que entram e saem das narinas, controlando, assim, a mente, sentidos e inteligência, o transcendentalista se liberta do desejo, do medo e da ira. Aquele que está sempre nesse estado certamente está liberado‖.11 Carl Gustav Jung, o criador da Psicologia Analítica - e estudioso profundo da temática religiosa - observa que esse estado especial de consciência e religião são conceitos indissociáveis. Diz ele:

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―Religião - como diz o vocábulo latino religere - é uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolt Otto (in Das Heilige, 1917)12 acertadamente chamou de ―numinoso‖ (...) O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível ou o intluxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência. Tal é pelo menos, a regra universal‖ E ainda: ―Grande número de práticas rituais são executadas unicamente com a finalidade de provocar deliberadamente, o efeito numinoso, mediante certos artifícios mágicos, como, por exemplo, a invocação, a encantação, o sacrifício, a meditação, a prática do ioga, mortificações voluntárias de diversos tipos etc.‖ Por fim: ―A verdade, porém, é que toda confissão religiosa, por um lado, se funda na experiência do numinoso, e, por outro, na pistis, fidelidade (lealdade), na fé e na confiança em relação a uma determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta. Um dos exemplos mais frisantes, nesse sentido, é a conversão de São Paulo. Poderíamos, portanto, dizer que o termo ‗religião‖ designa a atitude particular de uma consciência transformada pela experiência do numinoso‖.13 O chá Hoasca proporciona estados assemelhados e, freqüentemente, até mais intensos e prolongados de lucidez, concentração mental e percepção espiritual, sem exigir dos que o utilizam os mesmos sacrifícios e mortificações recomendados pelos ascetas religiosos do passado. Não há nisso, porém, objetivo de vulgarizar a ascese religiosa. Apenas, nos dias de hoje, num mundo cada vez mais populoso, agitado e necessitando de auxílio e solidariedade entre as pessoas, os métodos clássicos de isolamento e busca do êxtase tornam-se extremamente complexos, muitas vezes inacessíveis e, mesmo, em algumas circunstâncias .(como para o homem urbano), de eficácia questionável. Tal distanciamento do homem contemporâneo do êxtase religioso talvez explique o sentido materialista de que se reveste a civilização contemporânea 1 insensível, em grande escala, à questão espiritual. A União do Vegetal considera o chá Hoasca uma dádiva de Deus, um instrumento para acelerar a caminhada evolutiva do homem, devolvendo espiritualidade a uma civilização inebriada pela lógica cientificista. Mesmo assim, não vê o chá como um fim em si mesmo, mas como um veículo para uma caminhada que exige sacrifícios e renúncias e cuja base é a doutrina de fundamentação cristã, aprofundada pelos ensinamentos transmitidos por Mestre Gabriel. O chá permite, dentro do uso ritualístico ministrado pela União do Vegetal, que o discípulo entre em contato com as vibrações do Plano Espiritual, com plena clareza de consciência - tudo, naturalmente, dentro dos limites da Lei do Merecimento. Há, inclusive, casos de pessoas que bebem o chá e sequer sentem os seus efeitos. Há grupos religiosos que apregoam as virtudes curativas do chá. A União do Vegetal, nesse particular, tem postura sóbria. Sabe que a Deus nada é impossível, mas não pratica ou difunde ações curandeiristas. Usamos o chá, como já foi dito, como veículo de concentração mental, para buscar o acesso a um estado de consciência em que a compreensão dos fenômenos espirituais e metafísicos é mais nítida. O que se busca, através dos ensinos e da doutrinação reta, é a cura espiritual - isto é, a evolução.

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União do Vegetal: A Oasca e a Religião do Sentir Revista Planeta - 07/1981 - Flamínio Araripe

Patrimônio dos índios da Amazônia peruana, ancestralmente usada pelos incas como religião, a oasca tornou-se conhecida também pelos agricultores da frente seringueira que penetrou naquela região. Do preparado entre o cipó do mariri e a folha da charona renasceu a União do Vegetal, para recordar as vidas passadas e ver o sentido verdadeiro da roda da reencarnação, bem como conhecer a origem e o destino real da natureza e do homem. Destinada a purificar a humanidade, livrando-a da ilusão, foi criada em 1962 na região amazônica a seita religiosa União do Vegetal - Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. No Território de Rondônia, José Gabriel da Costa, um baiano humilde, de poucas letras, seringueiro, fundou esta religião, que tem sede em Brasília, com 74 unidades administrativas, entre núcleos, pré-núcleos e distribuições autorizadas (dado de junho de 1998). A União do Vegetal, além de ser uma sociedade legalmente constituída (sem fins lucrativos) com registro nos chamados órgãos competentes, é também um chá dotado de poderes. Este chá, fruto da união de dois vegetais, representa toda a singularidade da seita. É composto do cipó mariri, que dá a força, e da folha da chacrona, que transmite luz. Os discípulos da União do Vegetal bebem-no para ter facilitada a concentração mental e tentar conhecer os mistérios da natureza. Em 1968 foi conduzida amostragem das duas espécies de cada dessas plantas ao Departamento de Biologia e Fisiologia da Planta, na Universidade de Lausanne, Suíça. Os cientistas Rivier e Lindgren classificaram-nas de banisteriopsis caapi e psycotria viridis. Antropólogos desta expedição constataram seu uso tradicional entre os índios das tribos culina e sharanahua da Amazônia peruana, região que praticamente adota este chá com finalidades medicinais. Por ser autônoma, a União do Vegetal não tem quaisquer vínculos com outra seita, a do Santo Daime. Mesmo na selva, entre os índios, não são desconhecidos os poderes da ayoasca (no dialeto quíchua) - oasca, o chá misterioso. Apesar de muita gente ter bebido esta substância já sem conhecimento do ritual que lhe é próprio, nem por isso se deixa de respeitar sua força grandiosa. É uma experiência inesquecível sentir a energia deste chá em ação no organismo humano. Ele tem a capacidade de conduzir pessoas sempre no rumo da função religiosa da personalidade. Bebido sem orientação, porém, pode trazer sérias aflições.

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Desobstruindo a sensibilidade real Distribuída dentro da União do Vegetal, a oasca sempre se conserva nos limites em que cada discípulo pode suportar: no máximo um copo cheio. Pessoas mais avançadas no conhecimento do vegetal se responsabilizam por assistir os discípulos sempre que for realizada uma sessão da União do Vegetal. Existem alguns rituais exclusivos desta seita, criados sob a força deste chá, para ocasiões em que os discípulos dele fazem comunhão. O vegetal mariri, em união com a chacrona, tem destacadas virtudes medicinais. No interior da pessoa ele age como desobstrutor da sensibilidade real do organismo. Quem o bebe com freqüência vê - e sente - as deficiências de saúde que precisam de tratamento adequado. Ao reconhecer a necessidade de cuidados com o próprio equilíbrio físico, cabe ao discípulo agora reconfortado procurar auxílio para restabelecer o seu bem-estar. A UDV visa sobretudo transformar o ser humano "no sentido de alcançar as virtudes morais, intelectuais e espirituais, sem distinção de cor, ideologia política, credos religiosos e nacionalidade" . Entre seu ilimitado número de sócios, abriga gente de diversas classes sociais, de engenheiros a pedreiros, jornalistas, médicos, carpinteiros, compositores, professores, arquitetos, etc. Mestre Gabriel, nascido em 1922 em Feira de Santana, Bahia, e desencarnado em 1971, é o guia espiritual da UDV. Ele bebeu oasca pela primeira vez em 1961, na selva onde trabalhava como seringueiro. Mais 11 pessoas cultivavam então o hábito de procurar conhecer os mistérios da natureza pela via deste instrumento, na região fronteiriça entre Brasil e Bolívia. Autointitulavam-se, por isso, Mestres da Curiosidade. Bebiam o chá movidos pela curiosidade de penetrar no universo por ele descortinado. Era apenas isso que os satisfazia. Num certo dia de 1964, mestre Gabriel teve a idéia de reunir todos aqueles outros da curiosidade para realizar uma sessão. O objetivo era saber quem entre os 12 era na realidade o Superior. Quando foi ingerido o conteúdo do copo, a força de manifestou. Chegava o momento exato de eleger entre eles quem tinha o conhecimento transcendente do vegetal, que pudesse ser o mestre dos mestres dos oasqueiros. Um dos participantes logo se levantou para reconhecer. "O senhor que teve a idéia de fazer esta sessão, é porque é o mestre." Os outros, em seguida, apoiaram a decisão. A partir dessa data, durante três anos mestre Gabriel comungou a raiz dos conhecimentos da oasca, recordando o papel que a ele cabia desempenhar neste mundo, assim como os que havia realizado em outras vidas. O vegetal tem a dimensão espiritualista de fazer atuar no indivíduo pela recordação as verdades divinas da natureza - de onde veio o ser humano. Tem também o poder de mostrar as coisas como são na realidade espiritual, muito além dos limites da ciência material, da cultura do Ocidente dito cristão. Quem bebe o vegetal pode reconhecer esta dimensão espiritual da vida e, caso pretenda seguir como discípulo da seita, procurar entrar nesta sintonia. Depende unicamente de determinação da pessoa continuar anos a fio a peleja desta busca. Não é fácil. A imagem própria desta situação é a peneira de furos cada vez mais estreitos: no vegetal, só passa o que for verdadeiro de coração. Ritual de humildade: a invocação da força Neste caminho, o discípulo se amolda pela limpeza da consciência propiciada pelo líquido poderoso, até praticar só aquilo que o coração diz. O oasca dentro do organismo faz com que alguém veja como está se conduzindo na vida. Se for um homem fiel a si mesmo, nada há para temer com o vegetal. No caso de praticar ação vacilada, pode o homem por inconsciência negar seu equilíbrio com a natureza a que pertence. Isso abre brechas na pessoa, tipo de dívidas que o vegetal pode fazer pagar à vista, tudo o que houver para ajustar. As sessões realizadas quinzenalmente pela União do Vegetal têm quatro horas de duração. Reúnem em torno de comprida mesa com bancos laterais os sócios, todos de camisa verde. O mestre representante tem a sua de cor azul; é quem faz a distribuição do vegetal ou designa alguém para fazê-lo e sentar na cabeceira da mesa para dirigir os trabalhos. Primeiro recebem os copos os mestres, conselheiros, em seguida os membros do corpo instrutivo e depois os sócios. A hierarquia religiosa da UDV estabelece acima dos mestres aqueles que melhor obedecem à força da oasca, e conhecem seus mistérios - o mestre representante de cada núcleo. Num grau mais elevado está o representante geral, que fica na

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sede, em Porto Velho: o Sr. Raimundo Carneiro Braga. Os núcleos são autônomos em questão de organização dos trabalhos locais e subordinados à direção central - democraticamente eleita de dois em dois anos - em ocasiões especiais. O chá tem sabor amargo, bem suportado por muitos discípulos, que podem um pedaço de laranja, um doce qualquer ou fruta logo após beber o conteúdo do copo. Depois, todos ficam quietos e procuram uma posição confortável para o corpo enquanto a força chega. É como se a sensação da matéria física entrasse em outro referencial onde o espírito comanda a sensibilidade. O relaxamento corporal auxilia o vegetal a circular com facilidade pelo organismo. Todos procuram se concentrar e assim "receber o que há de vir, preparados para seguir", conforme diz uma chamada da União. Agora, os movimentos (no sentido anti-horário) e palavras pronunciadas no decorrer da sessão devem estar em harmonia com a força manifestada que circula no ambiente. Em perfeita sintonia com essa norma ritual estão as chamadas, espécies de mantras, benditos populares, feitos para trazer a força superior. Muitas chamadas foram recebidas pelo próprio mestre Gabriel, pelo menos as principais: de abertura de sessão e encerramento. Entre elas - mais de 300 - existem de vários graus de saber espiritual. Umas são feitas só em sessão de mestres; a algumas os conselheiros têm acesso, enquanto outras podem ser feitas em sessão do Corpo Instrutivo. A sessão do Corpo Instrutivo difere das chamadas sessões de escala - quinzenais, abertas a todos os discípulos - porque seleciona apenas quem já está sabendo que quer seguir na UDV. Cabe ao mestre representante promover para o Corpo Instrutivo todos os que ele perceba dedicados à União, tendo já recebido um grau de conhecimento que o incentiva a querer saber mais. O lugar para aprender - o primeiro degrau, dizem - é este. Antes de beberem o vegetal, o mestre dirigente da sessão fala aos discípulos: "Que Deus nos guie no caminho da luz, para sempre e sempre, amém Jesus." "Assim seja", respondem, e comungam o precioso líquido. Entrar nos encantos da natureza divina Na abertura da sessão é feita a chamada que possibilita a entrada dos discípulos " nos encantos da natureza divina", onde tudo é luz. A mente quieta dos discípulos é condição para alcançar o mais alto nas revelações obtidas com a experiência. O conhecimento de si, assim como das forças cósmicas, torna-se facilitado ao sentir o efeito do vegetal. É como se tudo ficasse transparente e claro como a luz do chá. Em seguida, o mestre que dirige a sessão faz a ligação dos discípulos: percorre um por um perguntando se está sentindo a força, se está vendo a luz. A resposta afirmativa se alterna com um "ainda não" ou "estou esperando". Nunca acontece de serem repetidas as experiências de cada sessão com ninguém. O efeito do chá, também chamado de burracheira (que quer dizer "força estranha"), repercute na medida da receptividade do discípulo. Acontecem casos de pessoas que, mesmo tendo bebido o vegetal até oito vezes ou mais, ainda não tiveram burracheira. Outras, porém, logo da primeira vez entram nos "encantos", têm visões - as mirações extasiantes, com os céus, a luz, mares, os sinais das forças do astral superior. Segundo um mestre, "a graduação do efeito da burracheira no indivíduo varia, de acordo com o estado da sua mente. É como uma pedra (o chá) que se atira na água (a mente)", diz ele. "Se jogarmos um seixo numa cacheira, não mudará nada do que era antes a torrente. Num rio em correnteza, muda pouco ou quase nada. Mas se for dentro de uma piscina de águas tranqüilas", prossegue, "será mais perceptível acompanhar as transformações sobre a superfície parada". Por analogia, a mente calma recebe melhor a burracheira. Isto significa que a burracheira não é o momento adequado para esmiuçar com a razão unilateral e especuladora o que está acontecendo. Também não é propriamente a hora certa para manter uma visão preconceituosa das coisas. Os mecanismos do ego, da vaidade, das mágoas, da revolta, do intelecto inflacionado, da presunção orgulhosa, da dispersão e do julgamento dos semelhantes - mostrados à luz do astral -, ficam reduzidos ao que na verdade significam. Aqueles sentimentos negativos s]ao praticamente varridos pelo vegetal. A força cósmica, vinda da harmonia da natureza, arrasta com um impulso só essas tentativas grosseiras. A pessoa que quer servir a isso como o servo submisso a um deus onipotente não

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encontra jeito de continuar bebendo o vegetal. Dificilmente suportará o conforto duro que é ver na luz da consciência o resultado dos próprios atos. É preciso receber a burracheira com a mente quieta, o coração aberto, o pensamento firme, a consciência tranqüila, sob pena de passar por momentos difíceis, conhecidos como cacete. Levar cacete é simplesmente antepor a falta de flexibilidade à manifestação do divino. Cacete: a limpeza de corpo e do espírito O vegetal entra na pessoa como se entrasse numa casa: se encontra o que devia estar na ordem original lá dentro bagunçado pelo próprio dono, ele então sacode o indivíduo para por tudo no lugar certo. Literalmente, balança qualquer um desajeitado. Mas pode acontecer também de tranqüilizar qualquer pessoa conturbada. Nesse momento, ele se transforma na paz que se instala dentro do coração do discípulo. Porém, no cacete o discípulo tem explícito convite a reconhecer o que está sendo mostrado para ele. Não há como fugir da consciência. Pode até chegar à expulsão daquilo que não faz bem para o indivíduo. O vômito ocorre nessas circunstâncias, sendo visto como limpeza. Quando acontece, atende a uma necessidade. Nada fica gratuito. Quem passa aperto (leva cacete) tem lá os seus motivos, e tem também atendida uma necessidade de acerto pessoal. Como se diz, "depois da plantação sempre vem a colheita". No decorrer de cada sessão, tanto os mestres como os conselheiros ficam atentos para interferir apenas nos momentos em que for necessário trazer uma palavra, uma chamada, e mesmo uma música. Nos primeiros anos da criação da UDV, ainda não costumavam tocar músicas em sessão do vegetal. O critério para a escolha do repertório musical baseia-se nas palavras contidas nas letras e, caso seja do gênero instrumental, vale usar apenas as que "chamam força". No tempo certo, uma palavra de ensinamento, uma chamada, ou mesmo a música exata, tem a capacidade de fazer subir a burracheira. A concentração exigida é a mesma para qualquer um desses veículos. O vegetal tem um poder de transformação comprovado. Verdadeiras mudanças se operar entre as pessoas que continuam comungando este chá. A sensibilidade aumenta e com ela o discernimento para o indivíduo saber o que é bom para si e recusar o que não serve. A exemplo disso, quase ninguém mais da UDV faz uso de bebidas alcoólicas, nem mesmo do fumo. Quanto ao sexo, dizia o mestre Gabriel que era a última coisa que o homem precisa abandonar de todas as coisas da Terra. Quer dizer, nas portas da santidade. Nesta seita não há preocupação de acreditar em Deus: as pessoas que se plantam em firmeza na burracheira devem ver a realidade divina. Dá-se estreita aproximação com o eterno. Para conhecer as coisas do mundo espiritual, no entanto, é necessário purificar-se de algumas coisas da Terra. Mesmo sendo a Terra puríssima, a natureza, criação de Deus. O homem é o senhor de sua própria consciência e deixa entrar nela apenas o que ele permite. Sem textos ou tratados teológicos Antes do homem ter bem claro de onde veio e para onde vai, tem de saber desapegar-se da sua identificação com as paixões desta vida. A União do Vegetal deposita enorme confiança na memória do homem. A trajetória inteira de um discípulo aí resume-se na clarificação da memória: nela está contido todo o universo. Devese a isso, entre outras coisas, o fato de ser esta seita, desde que foi recriada, desprovida de textos escritos em livros ou tratados teológicos. Os ensinamentos são sempre transmitidos de primeira mão. O corpo da doutrina da UDV é guardado na memória dos mestres e discípulos, nas chamadas, nos ensinamentos. O único texto escrito da UDV - a exceção da regra - constitui-se de cerca de uma dúzia de folhas datilografadas: os Boletins e Estatutos, que são lidos no início da abertura das sessões. A transmissão dos ensinamentos dá-se pela via da memória. Memorizar uma chamada, portanto, sem purificação da mente, fica extremamente difícil, por mais inteligente que seja o discípulo. Isso faz com que exista um modo específico de encarar o conhecimento na UDV. Para cada acontecimento existe o momento exato. O saber, portanto, só vem do jeito certo. O acúmulo de

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informações descosidas fica aqui descartado. O aprendizado na União do Vegetal transcorre como na natureza, sem dar pulos. Adotar atitude de paciência é o melhor modo de chegar a conhecer os mistérios do vegetal. Não adianta pressa. A humildade de quem reconhece vazia a própria mente de preconceitos, para receber coisas novas, é um passo importante. Daí se pode atingir a firmeza necessária para poder obedecer aos ensinamentos da UDV. Nos tempos do rei Salomão Ao percorrer o caminho de discípulo obediente, está aberta a porta de chegada a um conhecimento maior. Para ilustrar esse parágrafo, eis a recomendação de um mestre durante uma sessão do vegetal. "Eu não quero que acreditem no que eu digo. Mas que cada um procure examinar consigo se é assim mesmo". Ou seja, examinar por si a realidade dos ensinamentos. Mestre Gabriel é visto não como o criador da União do Vegetal, mas sim recriador. Em tempos remotos de outras vidas de seu espírito encarnado, ele, Gabriel, havia se deparado com o mesmo vegetal. Nas duas vezes ele sempre quis conhecer mais. Até um dia em que recebeu das mãos do rei Salomão a chave da União do Vegetal. Mestre Gabriel abrange com sua consciência todos os mistérios da criação da União do Vegetal. Atingiu com isso a recordação de todas as vidas passadas e pôde concretizar o que sempre buscou em todas as vidas. Ele alcançou a consciência, assim como o sentido da missão com que veio do poder superior, com o qual acha-se hoje unificado. Em Porto Velho, trabalhando como dirigente da UDV, mestre Gabriel cuidou com afinco de formar um corpo de mestres capazes de seguir a missão por ele iniciada. São desta geração o mestres geral representante, e muitos mestres representantes, produtos dessa mesma safra. A intenção manifesta de todos eles é dar tudo o que puderem para a continuação da obra de mestre Gabriel. Novos mestres têm surgido desde que em 1971 faleceu o recriador desta ordem. Bastantes sócios lutam também para subir os degraus de discípulos da UDV, o primeiro no Corpo Instrutivo, o segundo no Corpo do Conselho, o terceiro no Quadro de Mestres, e daí até atingir um dia a consciência clara. E ser mais uma estrela a brilhar em união como Pai Superior. Isso quando, um dia, merecer estar neste lugar.

_______________________________________________________________ *Reportagem publicada na Revista Planeta, da Editora Três, número 105, edição de junho de 1981.

BOX: A MÚSICA DO LIMPO ASTRAL Ei, homem de Deus! Acorda, é tempo ainda, Esse teu tempo finda, Faz uma oração. Este verso Zé Geraldo grita ao cantar O Profeta de Lúcio Barbosa, através da aparelhagem de som da União do Vegetal, durante uma sessão. A história da música na União do Vegetal é mais recente do que sua criação. Antes havia nas sessões apenas a palavra, e basicamente as chamadas. A radiola de pilha pioneira começou tocando Marinês e duplas caipiras, que são com freqüência permeáveis à sensibilidade religiosa em suas composições. A crendice popular tem bem marcada a presença de Deus e da verdade sem complicações em suas vidas. O que, no ritual da UDV, está agora incorporado. Milionário e Zé Rico conservam isso em Mensagem do Além (Prado-Praense), Todos Têm o Mesmo Fim, de José Rico e Nonô Basílio, e Berço de Deus. Natureza (Sérgio Reis) e Dê Amor a Quem te Ama (Tião Carreiro-José Rico) estão na mesma sintonia com a harmonia cósmica e simples. E, trazendo um ensinamento sobre o cigarro, que quando toca põe no cacete os fumantes ainda renitentes: Ajudando a Medicina, de Gildo Freitas. Geralmente, uma faixa apenas de cada LP é aproveitada para tocar na UDV: às vezes, mais de uma. A mensagem, o conteúdo, é o que vale. Por exemplo, quase todas as canções do padre Zezinho sobre a vida de Jesus, temas religiosos, são úteis para esse fim. Algumas parecem feitas sob medida: é o caso de Simplesmente (o Bem Verdadeiro), de Paulinho Nogueira. Contém a emoção típica de um discípulo inspirado.

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Também Nalva Aguiar fez gravações desta qualidade: Maria da Galiléia, dela mesma e de A. Luiz; assim como a cantora Perla, em O Amor Está no Ar, positiva composição de VandaYoung-Moreira. Na mesma pista tem sentido rodar Uma Estrela Vai Brilhar, de Ricardo Braga. Não importa se o disco é classe A, B ou C. Benito de Paula, Nelson Ned, Paulo Leal - Os Peregrinos - podem ser veículos dos mais puros ensinamentos. Mas o gênero instrumental de música eletrônica, de computador - Vangelis, Tomita, Giorgio Moroder (Midnight Express) e Automat - usado pela UDV é ouvido na burracheira bem nas próprias fontes da criação: divinos acordes. Um extraordinário recurso para auxiliar a concentração mental. Não é qualquer disc-jockey que conhece repertório musical com sensibilidade para saber em que nervo mexe cada canção, como certas pessoas da UDV. Nelas se conserva a capacidade de tocar na hora certa Caetano Veloso: Oração ao Tempo, Lua de São Jorge, Força Estranha (parece feita sob medida); ou Jorge Ben: Jorge de Capadócia, Hermes Trimegisto, Hermes Trimegisto e Sua Celeste Tábua de Esmeralda, Os Alquimistas Estão Chegando e O Filósofo. A ocasião exata de rodar cada uma dessas músicas se mostra quando o que elas dizem já estiver antes no ar, circulando na sessão. Pode ser Fritificar, da Cor do Som, de estremecer! Esse critério se aplica também a algumas canções de Raul Seixas: Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, Tente Outra Vez e Diamante de Mendigo, válidas - e como! - para situações específicas. Guilherme Arantes diz coisas maravilhosas em Êxtase e Hei de Aprender, capazes de ensinar a muitos discípulos que tiverem oportunidade de ouvi-las com atenção na burracheira. Roberto Carlos com sua veia mística tem o mesmo valor: O Homem, Fé, A Montanha, Guerra dos Meninos e Amigo. Em todas essas canções não há uma só palavra desorientada; e, se houver, o conjunto das composições cobre, mostra o sentido mais alto. O bastante. Significado limpo tem o LP "Recordando o Vale das Crianças", do semi-anônimo grupo As Crianças da Nova Floresta, cujo lado 1 é todo bom. Tanto quanto as quenas, flautas andinas, Dominguinhos e Osvaldinho.

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José Gabriel da Costa: Trajetória de um Brasileiro, Mestre e Autor da União do Vegetal Sérgio Brissac

1. Introdução Este texto visa traçar a trajetória de José Gabriel da Costa, fundador da União do Vegetal, e relacioná-la com aspectos da especificidade cultural brasileira. Acompanhando o percurso de sua vida, é possível tecer uma ampla rede de relações com diversas configurações culturais presentes na sociedade brasileira. Este texto restringir-se-á a uma breve exposição dessa trajetória, através do recurso às poucas fontes de informação disponíveis, limitando-se a apontar somente algumas possíveis linhas de investigação, a serem desenvolvidas oportunamente[1]. Em 22 de julho de 1961, José Gabriel da Costa, chamado por seus discípulos de Mestre Gabriel, fundou a União do Vegetal, a UDV, na Amazônia, em região próxima à fronteira entre o Brasil e a Bolívia. . Como centro da atividade religiosa do grupo está a ingestão da Hoasca ou Vegetal, chá obtido a partir de duas plantas, um cipó denominado mariri, Banisteriopsis caapi, e um arbusto chamado chacrona, Psychotria viridis. No ano de 1965, José Gabriel da Costa mudou-se para Porto Velho, onde consolidou a União recém-fundada. Em 1967, após incidentes de perseguição policial ao grupo em Porto Velho, é encaminhada a constituição de uma entidade civil, primeiramente denominada Sociedade Beneficente União do Vegetal, adotando depois o nome definitivo de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. Ainda em vida de Mestre Gabriel, foi fundado o núcleo de Manaus e em 1972, um ano após seu falecimento, já se inaugurou o núcleo de São Paulo. Em 1998, havia em torno de 70 núcleos espalhados por todo o Brasil, totalizando aproximadamente 7 mil sócios. 2. José, o menino de Coração de Maria No dia 10 de fevereiro de 1922, na localidade de Coração de Maria, próxima a Feira de Santana, Bahia, nasce José Gabriel da Costa. Filho de Manuel Gabriel da Costa e Prima Feliciana da Costa, José nasce em uma numerosa família de treze irmãos: João, Dionísio, Otacílio, Pedro, Romão, Maria, ―Miúda‖, José Gabriel, ―Sinhá‖, Alfredo, Antônio, Maximiano, Hipólito[2]. No livro União do Vegetal: Hoasca; Fundamentos e Objetivos, o único texto editado para o grande público até o momento pela instituição, apenas três páginas tratam da vida do fundador da UDV. Assim, tivemos de buscar informações junto a parentes e outras pessoas que com ele conviveram, além de pesquisar no jornal Alto Falante, do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Segundo seus parentes, desde pequeno, José já se destacava como alguém especial. Contam que ainda criança, ele auxiliou uma mulher com dificuldades de parto. O bebê se encontrava mal posicionado e a parteira temia que morressem mãe e filho. José entra no quarto, manda todos saírem, tranca a porta e logo em seguida a destranca. Quando o menino abre a porta, simultaneamente nasce a criança. Na década de 20, o menino José cresce em um meio rural fortemente marcado pelo

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catolicismo popular. Uma recordação que narram de sua infância é que o ―garoto ia aos domingos à igreja de sua cidade e levava com ele um barbante. Durante a missa, amarrava as pessoas umas às outras, pelos passantes das roupas, sem que elas percebessem‖[3]. Nas chamadas, hinos entoados durante o ritual da UDV, há referências constantes a Jesus e a vários santos católicos: a Virgem da Conceição, São João Batista, a Senhora Santana, São Cosmo e São Damião. Aos 13 anos de idade, em 1935, José vai trabalhar em Salvador. Emprega-se em diversos estabelecimentos comerciais. Aos 18 anos, presta serviço militar voluntariamente na Polícia Militar da Bahia, chegando em poucos meses à patente de cabo de esquadra. Segundo seu irmão Antônio, atualmente também mestre na UDV, José Gabriel ―conheceu todas as religiões, conheceu os terreiros de Salvador, andou por todas as religiões procurando a realidade‖[4]. Segundo outro mestre, José iniciou na ―ciência espírita‖ com apenas 14 anos. Provavelmente, esta informação refere-se à participação de José em terreiros de candomblé, e não em centros kardecistas, com os quais entretanto ele também entrou em contato, só que posteriormente, ainda quando morava em Salvador. Segundo o pesquisador Afrânio Patrocínio de Andrade, José Gabriel freqüentou sessões espíritas kardecistas na Bahia[5] . Foi, aliás, em Salvador que teve início o espiritismo kardecista no Brasil, no ano de 1865. Luís Olímpio Teles de Menezes fundou nesse ano o centro espírita Grupo Familiar do Espiritismo[6]. De acordo com Patrocínio de Andrade, certos temas recorrentes na União do Vegetal poderiam ter sido colhidos do espiritismo kardecista. Antes de mais nada, a visão reencarnacionista, um dos eixos fundamentais da visão de mundo da UDV. Assim como o lema ―Luz, Paz e Amor‖, denominado o ―símbolo da União‖, poderia provir dos temas espíritas da ―luz interior‖, da ―paz de espírito‖ e do ―amor ao próximo‖ (ou caridade). A própria ênfase na ―União‖ é freqüente entre os espíritas no Brasil.[7] 3. O capoeirista Segundo declarações de familiares, o jovem José foi considerado pelos prosadores populares um dos melhores da região. Como cantador repentista teve sucesso inclusive em Alagoas e Sergipe. Também se destacou na capoeira, chegando a ser considerado um dos melhores do Nordeste. O livro de Ruth Landes, A cidade das mulheres, nos auxilia a traçar um panorama dos ares soteropolitanos da década de 30, que José tantas vezes respirou. A autora é levada por Edison Carneiro para assistir uma capoeira. Ela descreve detalhadamente a seqüência do jogo, e em certo momento, observa: ―silenciados os ecos do desafio, terminada a rodada, os dois homens andavam e corriam sem descanso em sentido contrário aos ponteiros do relógio, um atrás do outro, o campeão à frente com os braços levantados‖[8]. É interessante notar que no ritual da UDV a circulação das pessoas no salão se faz também no sentido anti-horário, pois ―este é o sentido da força‖. Na capoeira, José cultiva uma série de habilidades postas em prática posteriormente, em suas experiências de incorporação nos toques de caboclo como Sultão das Matas. Do mesmo modo, tais habilidades também foram exercitadas como Mestre da UDV. Evocadora desse ambiente capoeirista é a cantiga de domínio público gravada por Nara Leão, às vezes tocada em sessões da UDV: ―Minino, quem foi teu mestre? Meu mestre foi Salomão. A ele devo dinheiro, saber e obrigação. O segredo de São Cosme quem sabe é São Damião, olê Água de beber, camarada água de beber, olê Água de beber, camarada faca de cortar, olê Faca de cortar, camarada, Ferro de engomar, olê Ferro de engomar, camarada Perna de brigar, olê Perna de brigar, camarada. Minino, quem foi teu mestre?‖[9]

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Parece estar relacionada à capoeiragem a decisão do jovem José de viajar da Bahia para o Norte. De acordo com relato de seu filho Carmiro da Costa, em 1943 José envolve-se num conflito. Um amigo seu, de nome Mário, tem o pé pisado por um policial. José Gabriel ―compra a briga do Mário‖. Este foge e os policiais seguram José. Num golpe de destreza, ele consegue se desvencilhar dos policiais. Segue para um navio, para onde tinha ido se refugiar o amigo Mário. Os dois se alistam no ―Exército da Borracha‖ e rumam para o Norte no navio Pará, da frota do Lloyd Brasileiro. Chegando a Manaus, embarcam no navio Rio Mar, com destino a Porto Velho, onde chegam no dia 13 de setembro de 1943. Os dois vão juntos para o trabalho na seringa e fazem um ―pacto de amigo‖, de só se separarem pela morte. No seringal, José Gabriel cumpre até o fim esse pacto, cuidando de Mário, que adoece com leishmaniose. Chega a carregar Mário nas costas por vários quilômetros. Quando o doente morre, seu amigo sozinho o enterra na floresta.[10] Tudo indica que Mário era companheiro de capoeira de José Gabriel. No mundo da capoeiragem na época, a ética dos grupos sublinhava a importância da solidariedade e fidelidade entre os camaradas. E eram freqüentes os conflitos entre os grupos, com a polícia ou com indivíduos de outros segmentos da sociedade. Em dissertação acerca da capoeira no Rio de Janeiro de 1890 a 1937, Antonio Pires afirma que ―as relações de conflito e solidariedade na capoeiragem estiveram permanentemente relacionadas com os conflitos mais gerais da sociedade‖[11]. Parece que já se esboça nesse tempo a preocupação de José Gabriel com a ―justiça‖. Sua participação na capoeiragem em Salvador não conflita com seu engajamento profissional, primeiramente como comerciário e depois como enfermeiro. Como observa Antonio Pires quanto à capoeira no Rio, ―a maioria dos capoeiras comprovaram manter vínculos com o ‗mundo do trabalho‘, descaracterizando o estereótipo de vadios construído em relação a eles.‖[12] 4. O seringueiro do Exército da Borracha Chegando no Território de Guaporé, atual Estado de Rondônia, José Gabriel se insere num ambiente com uma configuração ecológica e sócio-cultural bem distinta da Cidade de Salvador. O extrativismo da borracha, depois de seu período de boom, entre 1890 e 1912, havia em seguida atravessado uma fase de declínio, devido à concorrência no mercado internacional da borracha extraída na Ásia. Com a Segunda Guerra Mundial, apresentou-se a necessidade de borracha para os exércitos Aliados. Com a assinatura de acordos com os Estados Unidos, o Governo Vargas iniciou uma ampla campanha de recrutamento de trabalhadores, principalmente nordestinos, para a extração gomífera no Norte. Foi criado o SEMTA, Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, que, somente no ano de 1943, encaminhou 13 mil pessoas, segundo dados oficiais[13]. No mesmo ano de 1943, José Gabriel integra essa massa de trabalhadores nordestinos que se lançam como ―brabos‖ nos seringais amazônicos. ―Brabo é gente que nunca cortou seringa, nunca andou na floresta. Sofremos muito, como brabo‖ - declara Pequenina, esposa de José Gabriel[14]. O sofrimento daqueles homens, submetidos a condições de vida e trabalho extremamente penosas, em um ambiente desconhecido, sem o auxílio governamental prometido pela propaganda oficial, ficou bem marcado na memória dos sobreviventes da ―batalha da borracha‖. A antropóloga Lúcia Arrais, que está elaborando sua tese de doutorado a respeito dos soldados da borracha, recolheu o seguinte depoimento, de um Sr. Chico, ex-soldado da borracha, que bem se assemelha ao da esposa de José Gabriel: ―.... a casa dele era bem pequenininha num tinha onde a gente dormir. Dormimo no teto mermo. Carapanã! Carapanã, Lúcia! e agora, a comida? Tudo brabo, tudo... a gente já tinha deixado a Companhia [SEMTA] já... Aí fiquemo aí sofrendo.. fiquemo jogado que nem cachorro na beira do rio... [Qual?] era o Solimões acima de Tefé. Aí eu disse: ‗ombora pessoal! vamo meu povo!, bora cuidar!, bora se virar‘.‖[15] Arrais observa que aqueles que conseguiram sobreviver a condições tão adversas foram homens de significativa inteligência e iniciativa, que conseguiram adaptar seus esquemas de percepção e recursos cognitivos à nova realidade em que se encontravam: ―Numa atitude de quem vive em estado de autodefesa permanente, o Sr. Chico diz: ‗ombora pessoal! bora se virar!‘. E então escolhem uma linha de ação onde predomina a iniciativa e a coragem. Onde prevalece a concentração dos recursos da percepção, da memória e da atenção para dirigir esforços na descoberta de meios capazes de resolver a questão.‖[16] José Gabriel foi um desses homens de aguda inteligência e destreza, que não somente conseguiu sobreviver como chegou a ser considerado pelos seus companheiros como o ―Tuxáua‖, o seringueiro que coletava maior

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quantidade de seringa na região. Tais êxitos eram acompanhados de dureza e sofrimento, como quando José Gabriel pisou em uma arraia, e teve de passar ―um ano e dez meses sem poder andar, de muleta‖.[17] 5. O ogã do terreiro de Chica Macaxeira Depois de trabalhar um tempo no seringal, José Gabriel muda-se para Porto Velho, onde fica trabalhando como servidor público, enfermeiro no Hospital São José. Conhece, em 1946, Raimunda Ferreira, chamada Pequenina, com quem se casa no ano seguinte. Em Porto Velho, ―Seu‖ Gabriel atendia pessoas em sua casa, pois jogava búzios. Mais tarde, se torna Ogã e Pai do Terreiro de São Benedito, de Mãe Chica Macaxeira[18]. Esse terreiro foi citado por Nunes Pereira[19], que o visitou, possivelmente em meados da década de 60 ou no início dos anos 70. O pesquisador maranhense reconhece o terreiro de Porto Velho como sendo da tradição minajeje, oriundo da Casa das Minas. ―Os toques, inegavelmente, tinham a rítmica que me era familiar não só da Casa das Minas, de São Luís do Maranhão, como do Bogum de Mãe Valentina, em Salvador, Estado da Bahia.‖[20] É surpreendente descobrir que Nunes Pereira encontrou no Terreiro de Chica Macaxeira uma ―inovação no ritual mina-jeje, o uso da ayahuasca. E isso, sem dúvida, para estimular , paralelamente, com os cânticos rituais e com a voz sagrada dos tambores, ogãs e gôs, o estado de transe, a possessão que ligam os Voduns do panteão daomeano ou do ioruba às gonjais e noviches que o cultuam‖[21]. Ora, no tempo em que José Gabriel lá trabalhava como Ogã, não havia utilização da ayahuasca no culto, tanto que ele somente viria a conhecer a bebida anos depois, no seringal. Assim, é legítimo deduzir que a Mãe-de-Terreiro Chica Macaxeira conheceu a ayahuasca através de seu antigo Ogã e Pai-de-Terreiro José Gabriel. Quando Nunes Pereira visitou o terreiro, o conjunto dos cânticos era lá denominado Doutrina da Ayahuasca. ―Nomes de santos católicos, nalguns desses cânticos, se misturaram com os dos Voduns minajejes, tais como Xangô, Badé, Avêrêquête, e os ditos Barão de Goré, Sultão das Matas, Marangalá, Jatêpequare, Tindarerê, etc.‖[22] É significativo que nos anos 60 ou 70 haja a presença do Sultão das Matas na lista das entidades do terreiro, já que, como se verá adiante, José Gabriel ―recebia‖ esse caboclo quando trabalhava num terreiro que armou no seringal, nos anos 50. 6. O Sultão das Matas e os xamãs da fronteira boliviana Até 1950, José Gabriel morava com Pequenina em Porto Velho. O casal já tivera dois filhos: Getúlio e Jair. Além de trabalhar como enfermeiro, ele tinha também uma taberna de bebidas. E gostava de política. Diante dos dois partidos que disputavam o governo do Território de Guaporé, o de Rondon e o de Aluísio, José Gabriel era pró-Rondon. No entanto, seu candidato perdeu, e ele foi perseguido em seu emprego público no hospital. Tendo de se afastar de seu trabalho, José resolve voltar para o seringal. E sua mulher discorda: ―Eu disse: ‗Não, o que é isso? Eu não nasci no seringal, em mato. Não quero criar meus filhos sem saber ler e escrever.‘ Ele disse: ‗É porque eu vou atrás de um tesouro.‘ Mas eu era uma pessoa de cabeça cheia de muitas coisas e achei que era riqueza material que ele ia achar, e nós ia enricar, ter uma vida de rosa. Então, quando ele disse que ia, eu disse: ‗Então, vamos.‘ Então eu digo que esse tesouro que ele encontrou junto comigo e os dois filhos, pra mim, é um tesouro tão maravilhoso que dinheiro nenhum não paga essa felicidade. (...) Então, esse tesouro, que é a União do Vegetal, tem me amparado.‖[23] Nestas palavras de Mestre Pequenina e provavelmente também na afirmação de José Gabriel, poder-se-ia detectar a presença dos motivos edênicos que povoaram o imaginário das populações que se defrontaram com a floresta amazônica. Nos sonhos e anseios dos nordestinos pobres que se lançam na aventura da borracha ecoam ainda as buscas das ―estranhas coisas deste Brasil‖: do Eldorado, da Lagoa do Vupabuçu, ou da serra anunciada por Filipe Guillén, ―que ‗resplandece muito‘ e que, por esse seu resplendor era chamada ‗sol da terra‘ ‖[24]. Posteriormente, o sonho do tesouro a ser encontrado na selva é resignificado, passando a expressar a União do Vegetal, que nasce da floresta, de um líquido também dourado, denominado por vezes de ―chá misterioso‖[25]. No seringal Orion, José Gabriel abriu o terreiro no qual ―recebia‖ o caboclo Sultão das Matas. Como recorda Mestre Pequenina, ―vinha gente de tudo quanto era seringal‖[26] consultar o Sultão das Matas. E ele curava as pessoas, assim como indicava o lugar certo onde se encontrava caça. Adaptando-se a um novo contexto sócio-ecológico-cultural, José Gabriel dirige

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um rito sincrético afro-indígena, no qual o valor simbólico da floresta, que perpassa toda a vida dos seringueiros, fica evidente. Tal rito, designado pelo filho de José Gabriel simplesmente como ―macumba‖[27], parece assemelhar-se à pajelança cabocla amazônica[28], uma forma de xamanismo não-indígena na qual tem importância fundamental a noção de incorporação do curador por entidades espirituais que agem através dele para a cura dos doentes. No entanto, certamente permaneciam marcantes nos toques do Seringal Orion os elementos religiosos afros vivenciados anteriormente por José Gabriel, seja na Bahia, seja em sua participação no Terreiro de São Benedito de Porto Velho. Mais tarde, quando já estão em outro seringal, Pequenina fica sabendo de um chá: ―o pessoal vê isso, vê aquilo, o cara falou até com o filho depois de morto‖[29]. Ela fala a José Gabriel e ele vai pedir o chá ayahuasca a quem o distribuía no lugar. Mas o homem disse que ―não dava o Vegetal praquele baiano que sabe aonde as andorinhas dormem‖[30]. Tempos depois, no seringal Guarapari, numa colocação chamada Capinzal, na região da fronteira boliviana, José Gabriel recebe pela primeira vez o chá de um seringueiro chamado Chico Lourenço, no dia 1° de abril de 1959. Chico Lourenço representa uma tradição indígena-mestiça de uso xamânico da ayahuasca que se espalha por uma ampla região da Amazônia ocidental. Tal tradição é designada posteriormente pela UDV como a dos ―Mestres da Curiosidade‖. Aí se inicia nova etapa na trajetória de José Gabriel.[31] 7. O Mestre e Autor da União do Vegetal José Gabriel bebe apenas três vezes o chá com Chico Lourenço. Logo depois, viaja por um mês para levar um filho doente a Vila Plácido, no Acre, e quando retorna traz um balde com o cipó mariri e a folhas de chacrona que colheu no caminho. Diz à mulher: ―Sou Mestre, Pequenina, e vou preparar o mariri‖[32]. Segundo seu filho Jair, ―nesse período o Mestre Gabriel não deixou a macumba não. Ele fazia uma Sessão de Vegetal e uma de umbanda.‖[33] Somente em 1961 ele reuniu as pessoas e disse: ―Eu quero falar pra vocês que tudo que o Sultão das Matas fez eu sei: Sultão das Matas sou eu.‖[34] Este é um dos momentos mais importantes de ruptura de José Gabriel com a tradição religiosa à qual estava ligado anteriormente. Ao postular para si mesmo o poder antes atribuído à entidade Sultão das Matas, o agora Mestre Gabriel nega a incorporação dos cultos de caboclo e configura o transe que será típico da União do Vegetal: a burracheira. A burracheira, que segundo Mestre Gabriel significa ―força estranha‖, é a presença da força e da luz do Vegetal na consciência daquele que bebeu o chá. Assim, trata-se de um transe diverso, no qual não há perda da consciência, mas sim iluminação e percepção de uma força desconhecida. Há uma potencialização dos sentimentos, das percepções e da consciência do indivíduo. Em seguida, Mestre Gabriel e sua família se mudam para o seringal Sunta. No dia 22 de julho de 1961, ele reúne as pessoas para um preparo de Vegetal. Nesse dia, o Mestre Gabriel declara criada a União do Vegetal. Ou melhor, afirma que a UDV foi recriada, já que ela teria existido no passado, quando ele mesmo teria vivido em outra encarnação. No dia 6 de janeiro do ano seguinte, Mestre Gabriel se reúne com doze Mestres da Curiosidade no Acre, em Vila Plácido. Numa sessão, eles reconhecem Gabriel como o Mestre Superior. Finalmente, no dia 1° de novembro de 1964 é realizada uma sessão na qual o Mestre Gabriel afirma que fez a Confirmação da União do Vegetal no Astral Superior. Logo depois, em 1965, ele se muda para Porto Velho, para lá consolidar a nascente instituição. Apenas seis anos depois, se deu o falecimento de José Gabriel da Costa, no dia 24 de setembro de 1971.

8. Conclusão Descrevendo-se em largos traços a vida de José Gabriel da Costa, fica patente a sua participação numa larga seqüência de configurações culturais muito próprias da sociedade brasileira: o catolicismo popular rural do interior da Bahia, a capoeiragem e os cultos afrobrasileiros de Salvador, a vida sofrida de seringueiro na Amazônia, a experiência de incorporação dos cultos de caboclo, o transe xamânico do hoasqueiro, e, finalmente, a atuação carismática do fundador de um novo movimento religioso. A maleabilidade, a destreza, a vivacidade e a ginga da capoeira contribuíram para que José Gabriel viesse a elaborar uma inovadora síntese de diversos elementos culturais e religiosos, num culto profundamente adaptado à realidade sócio-cultural amazônica. E não apenas

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adaptado a esta, mas com virtualidades para se expandir por todo o Brasil, exatamente por ser constituído por uma criação vigorosa que se apropriou de configurações provenientes de diversas regiões brasileiras. O que ensina Gilberto Freyre pode inspirar a conclusão deste texto: ―Verificou-se entre nós uma profunda confraternização de valores e de sentimentos. Predominantemente coletivistas, os vindos das senzalas; puxando para o individualismo e para o privatismo, os das casas-grandes. Confraternização que dificilmente se teria realizado se outro tipo de cristianismo tivesse dominado a formação social do Brasil; um tipo mais clerical, mais ascético, mais ortodoxo; calvinista ou rigidamente católico; diverso da religião doce, doméstica, de relações quase de família entre os santos e os homens, que das capelas patriarcais das casas-grandes, das igrejas sempre em festas - batizados, casamentos, ‗festas de bandeira‘ de santos, crismas, novenas presidiu o desenvolvimento social brasileiro.‖[35] José Gabriel da Costa, nascido nessa sociedade propensa a hibridismos, plena de plasticidade e inclusividade, elabora uma nova religião que também é ―doce‖, na medida em que privilegia o sentir e propicia ao indivíduo espaço para que ele próprio construa suas reinvenções criativas. Sérgio Brissac é Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus (CES), em Belo Horizonte, Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade de São Paulo e Bacharel em Teologia pelo CES, o autor atualmente faz o Mestrado do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde 1992 vem estudando a União do Vegetal, e o tema de sua dissertação será a respeito dos discípulos urbanos da UDV. BIBLIOGRAFIA: ABREU, Regina. A doutrina do Santo Daime. in: Leilah Landim (org.) Sinais dos tempos - Diversidade religiosa no Brasil, Rio de Janeiro, ISER, 1990. pp. 253-263. (Col. Cadernos do ISER nº23). ANDRADE, Afrânio. A União do Vegetal no Astral Superior. in: Comunicações do ISER, Rio de Janeiro, ano 7 nº 30, 1988. pp. 6165. _________________ O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla. Um estudo centrado na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado na Pós-Graduação em Ciências da Religião do Instituto Metodista de Ensino Superior. São Bernardo do Campo, 1995. ARARIPE, Flamínio de Alencar. União do Vegetal: a oasca e a religião do sentir. in: Planeta, São Paulo, nº 105, junho de 1981. pp. 34-41. ARRAIS, Lúcia. Tese de doutorado em elaboração a respeito dos soldados da borracha para o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional - UFRJ. BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo, 1971, 3a. ed. 567 p. CARNEIRO, Edison. Folguedos tradicionais. Rio de Janeiro, 1974. 212 p. CENTRO ESPÍRITA BENEFICENTE União do Vegetal. União do Vegetal: Hoasca. Fundamentos e objetivos. Brasília, 1989. 141 p. COUTO, Fernando de la Rocque. Santos e xamãs. Dissertação de mestrado em Antropologia - UnB. Brasília, mimeo, 1989. 242 p. ELIADE, Mircea. Le chamanisme et les techniques archaïques de l‘extase. Paris, 1968. 2a. ed. rev. 405 p. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. 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Estudo contrastivo de alguns aspectos do Centro Espírita e Obra de Caridade Príncipe Espadarte Reino da Paz (a Barquinha) e o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (UDV). Trabalho apresentado para o concurso de professor adjunto em antropologia, Departamento de Ciências Sociais da UFSC. Florianópolis, 1995. 77 p. LUNA, Luis Eduardo e AMARINGO, Pablo. Ayahuasca visions. The religious iconography of a peruvian shaman. Berkeley, 1991, 160 p. MACRAE, Edward. Guiado pela lua. Xamanismo e uso ritual da ayahuasca no culto do Santo Daime. São Paulo, 1992, 163 p. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, Pajés, Santos e Festas: Catolicismo popular e controle eclesiástico. Belém: CEJUP. PIRES, Antonio Liberac Cardos Simões. A capoeira no jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na Cidade do Rio de Janeiro (1890-1937). Dissertação de mestrado em História - UNICAMP . Campinas, 1996. 258 p. PEREIRA, Nunes. A casa das minas. 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Brasília. a) Mar / Jul 92 - CONFEN libera chá por unanimidade. b) Dez 92 / Jan 93 - No relato dos pioneiros, o perfil do Mestre.

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c) Jan / Jul 93 - pp. 10-13 - Entrevista com M. Nonato. d) Ago 93 / Fev 94 - pp. 8-10 - Entrevista com M. Cícero. e) Mar / Abr 94 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Sidon. f) Mai / Jun / Jul 94 - pp. 8-11 - Entrevista com M. Pernambuco. g) Ago / Set / Out 94 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Roberto Souto. h) Nov / Dez 94 / Jan 95 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Manoel Nogueira. i) Abr / Jun 95 - pp. 8-11 - Entrevista com Cons. Paixão. j) Ago / Set / Out 95 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Pequenina e M. Jair. l) Nov / Dez 95 / Jan 96 - pp. 4-5 - Entrevista com M. Monteiro. m) Fev / Set 96 - pp. 8-11 - Entrevista com M. Florêncio. 2. CORREIO BRAZILIENSE. Brasília. a) 10 de julho de 1996. Caderno Cidades, p. 4 - Chá Hoasca é inofensivo à saúde. 3. O Alto Madeira. Porto Velho. a) 6 de outubro de 1967. Artigo: Convicção do Mestre. [1] Este texto integrará a minha dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional - UFRJ, a respeito dos Discípulos da União do Vegetal na realidade urbana brasileira. [2] Depoimento de Antônio da Costa, irmão de José Gabriel da Costa, ao autor, em 4 de novembro de 1995. [3] DEPARTAMENTO DE ESTUDOS MÉDICOS DA UDV. Texto do Programa Oficial do II Congresso em Saúde. Hoasca e desenvolvimento integral do ser humano. Campinas, 1993. p. 1. O texto continua: ―José Gabriel da Costa - Mestre Gabriel - era esse menino. Fundou a União do Vegetal para continuar unindo as pessoas.‖ [4] Depoimento de Antônio da Costa. Idem. [5] ANDRADE, Afrânio Patrocínio de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla. Um estudo centrado na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado na Pós-Graduação em Ciências da Religião do Instituto Metodista de Ensino Superior. São Bernardo do Campo, 1995. p. 170. [6] GIUMBELI, Emerson Alessandro. O cuidado dos mortos: os discursos e intervenções sobre o ―Espiritismo‖ e a trajetória da ―Federação Espírita Brasileira‖ (1890-1950). Dissertação do PPGAS - UFRJ, 1995. p. 29. Ver tb. KLOPENBURG, Boaventura. O espiritismo no Brasil. Petrópolis, 1960. p. 25. [7] ANDRADE, Afrânio Patrocínio de. Idem. [8] LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. Rio de Janeiro, 1967. p. 117. O grifo é nosso. [9] Cf. outra cantiga semelhante, recolhida por Edison Carneiro: ―Minino, quem foi teu mestre? quem te ensinô a jogá? - Sô discip‘o que aprendo Meu mestre foi Mangangá Na roda que ele esteve, outro mestre lá não há.‖ In: Folguedos tradicionais. Rio de Janeiro, 1974. p. 138. [10]Depoimento de Carmiro da Costa, filho de José Gabriel da Costa, ao autor, em 4 de novembro de 1995. [11] PIRES, Antonio Liberac Cardoso Simões. A capoeira no jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na Cidade do Rio de Janeiro (1890-1937). Dissertação de mestrado em História - UNICAMP . Campinas, 1996. p. 143. [12] Idem, p. 201. [13] Em 13 de agosto de 1946, Paulo de Assis Ribeiro, Chefe do SEMTA, declarou à CPI acerca dos soldados da borracha ser esse o número de pessoas encaminhadas à Amazônia. Depoimento publicado no Diário Oficial de 24 agosto de 1946. Dado informado pela antropóloga Lúcia Arrais. [14] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, agosto-outubro 1995, p. 6. [15] In: ARRAIS, Lúcia. No capítulo Dados ignorados da tese de doutorado em elaboração a respeito dos soldados da borracha para o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da UFRJ. Agradeço à autora por me possibilitar o acesso a esse texto, ainda inédito. [16] ARRAIS, Lúcia. Idem. [17] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. Idem, p. 6. [18] Entrevista do Conselheiro Paixão. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, abril-junho 1995, pp. 8-9. [19] PEREIRA, Nunes. A casa das minas. Contribuição ao estudo das sobrevivências do culto dos voduns do panteão daomeano, no estado do Maranhão, Brasil. Petrópolis, 1979, 2a. ed. pp. 121-143. 223-225. [20] Idem, p. 223. [21] Idem, p. 142. [22] Idem, p. 143. O grifo é nosso. [23] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, agosto-outubro 1995, p. 7. [24] HOLANDA, Sergio Buarque de. Visão do paraíso. São Paulo, 1994. pp. 36-37. [25] Artigo: Convicção do Mestre. In: O Alto Madeira. Jornal. Porto Velho, 7 de outubro de 1967. [26] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, agosto-outubro 1995, p. 7. [27] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. Idem, p. 9. [28] Cf. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, Pajés, Santos e Festas: Catolicismo popular e controle eclesiástico. Belém: CEJUP. [29] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. Idem. p. 7. [30] Ibidem. p. 7. [31] Haveria muito a observar acerca da tradição ―vegetalista‖ amazônica, o que transbordaria o âmbito desta breve exposição da trajetória de José Gabriel da Costa. Prefiro remeter aos textos de Luis Eduardo Luna e Edward MacRae citados na bibliografia. [32] Ibidem. p. 8. [33] Ibidem. p. 9. [34] Ibidem. p. 9. [35] FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. Rio de Janeiro, 1992, 31a. ed. p. 355.

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Aspectos Institucionais e Religiosos da União do Vegetal Hélio Gonçalves (*)

Apresentação na mesa redonda “Os usos da ayahuasca: aspectos religiosos, antropológicos e científicos”. Sexto Movimento pela Vida, Centro de Ensino Médio, Palmas, 25 a 28 de maio de 2005 (**).

Bom dia a todos. Inicialmente quero expressar minha alegria e satisfação de poder estar aqui a convite da Tânia Maria e também da Bia Labate. Estive aqui há três anos atrás, em 2002, neste mesmo encontro, ―Qualidade de Vida‖, também falando deste assunto, a União do Vegetal, a Hoasca. Naquela época, lembro, era um tema muito interessante o que as entidades, diversas religiões, faziam em prol da paz… Acho que a gente continua nesse mesmo roteiro, só que aqui congregando diversas pessoas de outros seguimentos usuários da Hoasca. E estou também feliz por reencontrar o Wilson Gonzaga, que é um amigo. Estivemos juntos bem no início da minha caminhada na União e da caminhada dele também. Para mim está sendo muito bom poder pensar nessas coisas, integrando-me mais com o trabalho que ele está realizando. E estou achando muito interessante a fala das pessoas que se pronunciaram antes de mim. Vemos que cada um traz um aspecto importante da Hoasca. Cada pessoa que conhece um pouco sabe do valor que tem. Vim aqui para falar oficialmente representando o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, para tratar a dos aspectos institucionais e religiosos da União. Vim para cá representando a instituição e minha fala se propunha a ter um caráter mais oficial, institucional. No entanto, estou vendo que a conversa está bem espontânea, estou achando muito interessante, então eu vou falar um pouquinho da minha vivência, como é que eu cheguei na União do Vegetal. Porque dessa forma acho que me contextualizo melhor com as falas que estão sendo acontecendo aqui. Cheguei na União em 1981, era um momento importante da minha vida. Na verdade, tive a oportunidade antes de conhecer a União, em São Paulo, em 1974, quando fui convidado pela primeira vez. Na verdade, naquele tempo não estava muito interessado em conhecer um seguimento religioso que fosse diferente da linha que eu já estava seguindo, que estava estudando – porque a gente deve estar sempre estudando para poder conhecer a si mesmo e conhecer mais a vida, a vida espiritual. Pelo menos essa é a minha maneira de vivenciar esse lado que sempre teve um valor bem grande para mim. Fui criado numa família onde meu pai nos deu margens importantes de buscas. E como já tinha uma busca mais voltada para uma linha oriental, do taoísmo, do budismo – lia muito filósofos da estirpe de Huberto Rohden, o qual tive a oportunidade de conhecer. Por algum tempo, em 1974, tive a oportunidade de conviver mais de perto com Huberto Rohden, que foi uma pessoa muito importante na minha trajetória. Nessa

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época, fazia macrobiótica e acabei conhecendo um cidadão que era conselheiro na União do Vegetal em São Paulo, o Jovelty – não sei se o Wilson chegou a conhecê-lo – que pertencia à direção naquele tempo. Ele convidou a mim e a um amigo para participar. Mas aquela sessão não aconteceu e passou o tempo. Esse amigo meu, que é médico também, chegou a conhecer a União antes de mim. Por volta dos anos 1976, 77. Daí por diante ele quis me trazer para União – porque ele sabia que eu tinha uma certa afinidade, que poderia gostar e me sentir bem. Foi o que aconteceu em 1981. Cheguei num momento em que eu estava em crise, assim como o Wilson contou que ele estava em crise também. As crises levam a gente para o fundo do poço. Mas se tivermos uma busca sincera, quisermos falar com Deus, como o Wilson falou agora… Muitas vezes a gente fala um tanto com Deus, e ele está falando com a gente, mas temos que estar sensíveis para escutá-lo. A diferença está aí, na percepção desse Eu Superior. Bom, devido a minha profissão eu ficava muito numa chácara onde morava, e lá aconteceram algumas coisas interessantes. Eu fazia meditações, buscando entrar numa sintonia mais alta, nessa procura de um estado ampliado de consciência, como o nosso amigo falou no início aqui do encontro. Estava dentro de uma busca de estado ampliado de consciência e cheguei a vivenciar algumas coisas interessantes em momentos rápidos, porque um estado ampliado de consciência não é uma coisa que se consegue tão facilmente. Através da meditação é possível, através de respiração, através de yoga, através de várias técnicas, de hipnose também é possível. E através do vegetal. Quando bebi pela primeira vez senti me levar para uma dimensão, como dito anteriormente, muito bonita, onde pude me encontrar comigo mesmo, encontrar com essa luz que é o que a gente está buscando. A luz maior que a gente pode chamar de Deus, Força Superior. E esse veículo, a Hoasca, nos facilita isso, esse estado ampliado de consciência, que nós na União do Vegetal denominamos burracheira, o estado ampliado de consciência, essa força, a luz que a gente recebe. Naquele tempo, antes de conhecer a União, um amigo me convidou, pela primeira vez, e eu dizia para ele assim: ―Não estou querendo beber uma coisa de fora para entender algo de dentro‖. Ainda, que, na verdade, exista tanto mistério e segredo na natureza que a gente de fato não conhece nada… Meu colega, ele lembra que minha visão, na época, era muito estreita. Continua ainda não muito larga, porque sei que tenho muita coisa para aprender… Na natureza tem muita coisa para a gente estudar, compreender, está aí para nos servir, e quando bebi a Hoasca pela primeira vez pude compreender aquele chamamento que ele estava fazendo para mim, aquele convite de amigo. Foi o Douvel, que é médico, um amigo, que até hoje está na União também. Aquele primeiro momento foi um marco na minha caminhada na vida… Faz vinte e quatro anos que estou na União e de lá para cá muita coisa tem sido acrescentada dentro da minha bagagem de ser humano, da minha bagagem de conhecimento, que é pouco, mas já serve para ter uma avaliação melhor desse mundo que a gente está vivendo. Para me situar, ter norte, para saber de onde nós viemos e para onde nós estamos indo. A nossa origem. Coisas que tenho aprendido na União e que também dou valor, como uma pérola preciosa. Vim programado para fazer uma apresentação dos aspectos institucionais da União do Vegetal, que nós denominamos simplificadamente UDV, união dos dois vegetais, o mariri e a chacrona. Fiz um roteiro da apresentação, mas não vou repetir várias coisas que já foram ditas aqui. As pessoas que estão aqui sabem, são usuárias, conhecem as plantas, sabem do nome científico etc. A União do Vegetal tem por objetivo principal trabalhar o ser humano no sentido de desenvolver as virtudes de cada um. Virtudes morais, intelectuais, espirituais. Sobretudo as virtudes espirituais, porque esse campo, essa dimensão mais alta, é a essência da vida – reconhecendo que cada um de nós é um espírito, e que estamos aqui dentro de um processo evolutivo, cada um na sua caminhada, dando a sua contribuição. A UDV forma uma religião de base cristã, tendo também o princípio reencarnacionista como uma das bases estruturais da sua visão religiosa, na sua forma de compreender. Então é cristã, mas reencarnacionista. E é uma entidade, uma sociedade religiosa sem distinção de credo, cor ou raça. Para quem quiser conhecer, é uma sociedade aberta, desde que haja uma ordem para

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poder chegar. Existem algumas normas, mas está aberta a qualquer pessoa que queira, que se interesse. Existe uma abertura. As pessoas às vezes dizem que a União do Vegetal é muito secreta. Na realidade não é bem assim, ela não chega a ser ―secreta‖, mas ela se coloca numa posição de ser mais ―discreta‖ – porque a busca espiritual é uma coisa de cada um. A pessoa que chega dentro de uma busca, batendo na porta, querendo mesmo conhecer, ela tem o seu lugar, tem a sua vez, tem a sua oportunidade. A UDV foi criada por José Gabriel da Costa, um baiano que foi para a região da Amazônia na época da guerra, ingressou como ‗soldado da borracha‘ e lá se encontrou com o vegetal. Muitas pessoas conhecem essa história. Ele é para nós um guia espiritual de ampla capacidade, porque mostrou a coerência entre a teoria e a prática de vida. E criou essa União tendo como símbolo universal de fraternidade as três palavras: ―Luz, Paz e Amor‖, que para mim sintetizam toda a base do conhecimento mais alto. Porque onde há Luz, Paz e Amor, predomina todo o conhecimento mais alto, que é o nosso objetivo maior, ter mais Luz, mais Consciência, mais Paz no nosso coração, mais Amor. Dessa forma, nós podemos praticar a fraternidade verdadeira entre nós. Para gente chegar nisso, naturalmente, tem uma caminhada. Dentro dos nossos documentos, da nossa doutrina, nós sabemos que nós devemos amar ao próximo como a nós mesmos para sermos merecedores de receber esse símbolo. A gente vê que a mensagem de Jesus se sintetiza aí: ―Devemos amar ao próximo como a nós mesmos‖. A mensagem do Mestre Gabriel é a mesma, está contextualizada dentro desse mesmo rumo, nesse mesmo sentido. A gente vê aí uma Justiça, porque amar o próximo como a si mesmo… Dentro disso, tem que ter autoconhecimento, ter amor a si mesmo para poder ter amor ao próximo. E, tendo isso, somos merecedores de receber mais Luz, mais Paz, mais Amor. Se tiver essa justiça com Amor estamos na linha do Mestre. Devemos escutar esse Deus maior que está sempre aí. A Hoasca para nós é um sacramento religioso, e nós defendemos o uso exclusivamente ritualístico. A posição da União do Vegetal tem sido a da defesa institucional de que devemos buscar no esclarecimento perante a opinião pública, perante as autoridades do país, principalmente – porque são os dirigentes – que nós não usamos o vegetal para fins de recreação, mas sim como um sacramento religioso, buscando paz no coração. O Mestre Gabriel criou essa União, a União do Vegetal, também com o objetivo de trazer a paz para o mundo, mas para se chegar a essa Paz é necessário chegar a paz em cada um, em cada ser humano, cada pessoa podendo estabelecer um vínculo de paz com o seu semelhante. Em nossa busca de esclarecimentos com as autoridades, nós temos trabalhado através de departamentos. Nós temos uma organização administrativa em cada núcleo e temos uma organização em termos de departamentos. Estou aqui representando o Departamento MédicoCientífico da União, sou atualmente diretor desse departamento – a gente tem todo um esforço no sentido de encontrar e de dar mais subsídios e esclarecimentos sobe a Hoasca. Ela não pode ser resumida simplesmente em dimetiltriptamina e Banisteriopsis caapi e nas ß-carbolinas harmina, harmalina e tetrahidroharmina, que são as substâncias encontradas no chá. Nós sabemos que o chá é muito mais do que isso, que o chá é misterioso. Tanto é misterioso que se a gente reúne algumas pessoas para beber o vegetal pela primeira vez e damos a mesma quantidade de vegetal para dez, vinte pessoas e, às vezes, têm um ou dois que não sentem absolutamente nada, enquanto outros entram em um temporal de burracheira (ou seja, sentem o efeito), entram em contato com coisas de si mesmos, com seu Ser Superior, com coisas maravilhosas. Nós não podemos reduzir o vegetal a uma visão simplesmente bioquímica. A União do Vegetal deu subsídios para que os pesquisadores realizassem uma pesquisa inédita, ―A farmacologia humana da hoasca‖, que nos deu ferramentas de compreensão científica sobre a Hoasca e seus efeitos – embora eu não considere este tipo de estudo os mais importantes. Pelo contrário, o estudo mais alto, mais bonito, é o estudo que fazemos dentro das sessões. Tem uma simplicidade aí. Achei tão bonita a cantoria feita aqui pelo nosso irmão Edmir, mostrando uma energia de simplicidade. Nós podemos nos conduzir para um plano Superior através do uso das palavras e do canto, chamando Força e Luz, um plano onde sentimos paz, serenidade, harmonia… E isso é tão importante quanto a gente sentar numa igreja e fazer uma meditação, escutar o que o padre fala – desde que ele esteja ligado em Deus, ou

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seja, na Força Superior. Quando comungamos o vegetal e sentimos a luz do vegetal existe alguma coisa misteriosa… Como o Wilson falou, durante a sessão, com uma chamada, pode-se trazer a bonança para uma situação difícil. Nós sabemos disso, os usuários do vegetal sabem disso. Nós chamamos Força pela palavra, nós chamamos Luz, chamamos equilíbrio. As chamadas que o Mestre nos deixou, nos ensinou – está nos ensinando – são chamadas que nos conduzem para um equilíbrio cada vez melhor dentro da burracheira, porque nós estamos lidando com a Força. Na União, o Mestre formou o Quadro de Mestres, uma estruturação básica para que as pessoas possam usar o vegetal com responsabilidade. Com responsabilidade, com um certo conhecimento para conduzir as pessoas. Isto é importante para que não seja feito um uso simplesmente recreativo, simplesmente de curtição, porque o vegetal é uma coisa muito sagrada, de conhecimento. Vejo assim, estou falando da minha vivência. O vegetal nos traz consciência, nos conduz, conduz as pessoas a entrarem em contato com coisas que podem auxiliá-las no seu dia-a-dia, a serem pessoas que vêem no seu semelhante um irmão, a terem mais paz. Vou ver se tenho mais alguma coisa importante para transmitir aqui nesse momento… Porque a gente teria muitas coisas para falar, mas o tempo é curto devemos respeitar isso. Nós temos também um trabalho social dentro da União. A União está hoje se expandindo por todo o Brasil. Temos quinze regiões, são mais de cento e doze unidades administrativas, que nós chamamos de ―núcleos‖ também. E temos o título de Utilidade Pública Federal, no nível de instituição federal. Nossa Sede fica em Brasília. Por exemplo, em Goiânia temos dois Núcleos, e eu sou filiado a um núcleo de Goiânia, o núcleo Rei Inca. Lá temos também o título de Utilidade Pública, tanto Municipal como Estadual. Trabalhamos no sentido de trazer algum benefício para a comunidade. Em Goiânia, temos uma instituição ligada ao núcleo, o Lar de Maria, que também faz um trabalho de beneficência. Em São Paulo tem, em Cuiabá – onde estive recentemente fazendo uma palestra e encontrando alguns amigos – também foi inaugurada uma casa de beneficência, atendimento médico e odontológico. Em Goiânia, estamos querendo trabalhar mais no sentido de dar educação, levar conhecimento para as pessoas. O quero dizer, finalmente, é que espero que nesse encontro possamos nos conhecer mais, porque acho que é um momento de confraternização entre nós, onde a busca é a mesma. A busca de luz, a busca de encontrar com o Mestre, a busca de mais consciência para nossas vidas – que é o que desejo para cada pessoa que está participando deste encontro. Pessoas que estou achando muito interessante conhecer, estou conhecendo vocês pela primeira vez. Quero desejar a todos: saúde em primeiro lugar; Luz, Luz na Consciência, Paz e Amor. À tarde, quem quiser vir aqui, estaremos falando mais alguma coisa a respeito desta instituição. Grato pela atenção de vocês. Apresentação transcrita pelo biólogo Rafael Guimarães dos Santos, estudioso das religiões ayahuasqueiras ([email protected]), editada por Alexandre C. Varella, historiador e membro do Núcleo São Cosmo e São Damião da UDV em Quatro Barras (região metropolitana de Curitiba) ([email protected]) e depois submetida à apreciação do autor. (*) Helio Gonçalves nasceu em Goiânia em 14 de janeiro de 1950. Formou-se em medicina em 1974 pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de Uberlândia, que hoje pertence à Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é especialista em Homeopatia. Trabalha nesta especialidade no Hospital de Medicina Alternativa em Goiânia há aproximadamente 15 anos. Fez cursos de Medicina Ayurvédica e Acupuntura. Em 16 janeiro de 1981 conheceu a União do Vegetal, e chegou ao quadro de mestres em 1º de maio de 1984. Atualmente, faz parte do quadro de mestres do Núcleo Rei Inca em Goiânia (GO) e é diretor do DEMEC, o Departamento de Estudos Médicos Científicos da UDV. (**) A antropóloga Bia Labate prestou uma consultoria para o Sexto Movimento pela Vida para a organização desta mesa redonda, composta por: Mediadora: Bia Labate – antropóloga – (SP) ([email protected]) 1.Ovídio Octavio Pamplona Lobato – médico neurologista - (PA) ([email protected]) 2. Edmir Oliveira – Dirigente da Barquinha – (DF) ([email protected]) 4. Helio Gonçalves – médico e dirigente da UDV – (GO) ([email protected]) 3. Wilson Gonzaga - médico psiquiatra e dirigente da ABLUSA - Associação Beneficente Luz de Salomão - (SP) ([email protected]) 5. Paulo Roberto Souza e Silva – Dirigente do Santo Daime – (RJ) ([email protected]) 6. Rogério Moacir Cunha – dirigente da Escola de Comunhão da Ayahuasca Mística Universal (TO) ([email protected]) 7. Leopardo Yawabane Huni Kuin – estudante do nishi- pae (ayahuasca) Huni Kuin (Kaxinawá) – (AC/SP) ([email protected])

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União do Vegetal: A Irmandade da Rosa “A história da rosa pode ser recordada pela memória do homem, que é Seu reflexo. E, ao mesmo tempo em que é recordada, tem o poder de lhe trazer graus de memória capazes de fazê-lo recompor sua própria história.” Mestre Joaquim José de Andrade Neto

A rosa é considerada, desde a mais remota antigüidade, como a mais elevada manifestação do reino vegetal, tanto por sua beleza como pelo significado misterioso de sua origem. Sua imagem foi eleita para simbolizar o Conhecimento, o ápice da espiritualidade, aparecendo através da História ligada às religiões que tratam do Oculto, da Ciência Sagrada. O motivo que conduziu o homem a essa eleição é um segredo que bem poucos conhecem, cujo desvendamento reside na observação da forma como a rosa vem ao reino da natureza, que é análoga ao processo do despertar da consciência espiritual no homem. A rosa, na União do Vegetal, além de estar presente no próprio significado do nome Oaska (palavra que, em língua indígena primitiva, significa rosa) e também na história do chá, encontra-se gravada, pela própria natureza, no interior do Mariri, fato que mostra a origem desse símbolo sagrado. E, além de manifestar-se nele de forma material, através de seu desenho, que pode ser visto nos cortes transversais do cipó, manifesta-se também espiritualmente nos ensinamentos trazidos pela força estranha que é a burracheira. Então, esse surpreendente registro natural da imagem da rosa que a mão da natureza deixou gravado no cipó Mariri é uma indicação inequívoca, no mundo físico, do que se pode encontrar, por meio da Oaska, no mundo espiritual. E todos os que a comungam têm a oportunidade de confirmar a veracidade de tal indicação, pois sentem nascer dentro de si aquilo que essa flor simboliza, ou seja, o Conhecimento. E se tiver grau suficiente para empreender a jornada em direção a si mesmo, o discípulo poderá um dia ser merecedor de sentir o perfume santificado da rosa por ocasião do florescimento desta em seu corpo, que é sua cruz. Por estar a rosa tão fortemente presente na Oaska – em seu nome, em sua história, em uma das plantas que a compõem e, sobretudo, nos ensinamentos transmitidos através dela ao homem – é que se pode dizer que o desenho de sua imagem no cipó corresponde à mensagem ―Você chega até mim através de mim‖, reconhecida como verdadeira por todos os que já tiveram a graça de sentir o poder desse misterioso líqüido em seus espíritos. A rosa, com sua beleza e mistério, só se manifesta a uma pessoa quando esta, após atravessar o íngreme percurso de espinhos que ela mesma semeou com sua ignorância, torna-se mais humana, mais sensível à obra de Deus. A Oaska, com seu poder de despertar o espírito do homem para os próprios erros, prepara-o paulatinamente, através das mais variadas formas de manifestação de luz e força, para esse processo de sensibilização. Nesse sentido, contribuindo para a evolução espiritual do homem desde os primórdios da civilização, a Oaska vem lhe trazendo, desde então, o Evangelho da Rosa, que constitui o conjunto infinito de ensinamentos da União do Vegetal, os quais são transmitidos aos discípulos

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durante as sessões. O Mestre Geral Representante, que mantém um estado de sintonia permanente e irrestrita com o MESTRE Gabriel, cuja presença se manifesta através da burracheira, tem o condão de transmitir pelo Verbo o que lhe for permitido ler no livro encantado da natureza, onde esse Evangelho está gravado. A palavra evangelho (do grego euaggelio, cujo significado é mensagem), utilizada sobretudo a partir do Cristianismo, está relacionada com a Oaska na medida em que mensagem é o nome com que se designa o resultado da colheita do Mariri e da Chacrona por ocasião do preparo do chá. O Evangelho da Rosa manifesta-se ao homem de acordo com seu grau espiritual. O que não está dito aqui por respeito ao segredo pode ser perguntado à rosa pelo discípulo no momento em que ele encontrá-la e senti-la através da comunhão com a Oaska, quando então este poderoso instrumento de intermediação entre a memória humana e a do universo se encarregará de fazer aflorar as respostas em seu espírito através da recordação. Religião e Ciência Diante de um instrumento tão extraordinário e surpreendente como a Oaska, muitos indagam sobre a natureza da Ordem responsável por sua distribuição. Será ela uma seita? Uma filosofia? Uma religião? Exigirá alguma crença? A União do Vegetal não pode ser uma seita (do latim secta, ou seja, divisão) porque não resulta de facções ou ramificações de outras doutrinas religiosas. Ao contrário, ela é a própria união, fonte do Conhecimento, sendo sua história tão antiga quanto a própria origem do ser humano. Não é teoria ou filosofia, ou seja, um enfoque a mais sobre a vida, passível de polêmica e discussões, pois o que ela apresenta ao discípulo, com toda a nitidez, é nada mais nada menos que a verdade, a qual é reconhecida incontinenti pelos olhos da consciência. Tampouco exige crença de seus discípulos: tudo é visto, sentido e confirmado por cada um que bebe o chá. Das revelações recebidas nasce a convicção, único estado capaz de trazer a paz da certeza ao coração do homem. E, por fim, não é uma religião a mais dentre tantas, pois, na medida em que proporciona ao homem aproximar-se de Deus e o orienta sobre como desfrutar de maneira permanente de um estado de espírito livre de ilusão, a União do Vegetal é religião e é também Ciência, fim e meio simultaneamente. A religião (do latim religatio), ou seja, a religação da criatura com o Criador, é um estado ao qual todos estão destinados a chegar um dia, mais tarde ou mais cedo, seja pelo sofrimento ou pelo Conhecimento. As inúmeras e sucessivas encarnações de cada espírito aqui na Terra constituem etapas dessa longa caminhada com destino à Perfeição. Portanto, a religião representa uma meta, um objetivo a ser atingido. A União do Vegetal é religião porque possibilita ao homem, dentro do tempo de burracheira, essa religação com Deus, a volta à origem, ao estado de divindade em que foi criado. Os momentos de religação, vivenciados nas sessões, são amostras do ponto ao qual ele deve chegar de forma permanente e definitiva. Através dessas amostras, o discípulo se sente motivado a seguir com firmeza pelo caminho da retidão, pois compreende que se agir assim desfrutará cada vez mais do contato com a Força Superior. Prepara-se então para essa conquista, a qual se dá paulatinamente e de acordo com o merecimento de cada um, já que o único meio de chegar a Deus é pela prática, pelo cumprimento de Suas Leis. E por ensinar o homem a atingir esse objetivo, trazendo-lhe a Ciência Sagrada, isto é, os ensinamentos sobre como conduzir-se na vida para que possa alcançar a religião, é que dizemos que a União do Vegetal, além de religião, é também Ciência. A religião pode ser simbolizada por uma imensa escada, infinita como a própria evolução do espírito. Os degraus representam o trajeto obrigatório do homem que caminha em direção à luz. A Ciência é a instrução proporcionada ao discípulo para que ele possa subir essa escada degrau por degrau, vencendo a ignorância que até então o escravizara. Não é possível chegar à religião senão através da Ciência. O termo Ciência está sendo utilizado aqui no sentido sagrado, e não no profano. A ciência profana trabalha com os reinos da natureza unicamente no sentido físico, visando o progresso e o bem-estar materiais, assim como determinadas facilidades técnicas a ele relacionadas, e utilizando-se da mente e da experimentação. Já a Ciência sagrada explica o universo sob o prisma do espírito, que não é levado em conta pela primeira. Além disso, está a serviço de algo superior ao progresso: a evolução do homem, sem a qual ele não alcança paz e felicidade. E a evolução não é o resultado de um acúmulo de informações: ela só ocorre quando a criatura,

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vencendo a ilusão, entra em sintonia com a ordem e o dinamismo do Cosmos e, assim integrada, prossegue em ascensão ao longo da infinita escada que a reconduz a Deus. A Ciência sagrada ainda se diferencia da profana pelo fato de ser regida exclusivamente pelo mistério das determinações divinas. A maior prova disso é que a ela só têm acesso os que realmente almejam evoluir, pois somente estes estão preparados para recebê-la. A União do Vegetal é, em suma, uma prática ordenada pela Força Superior, uma vez que toda a sua doutrina e todas as instruções que ela oferece ao discípulo conduzem à prática dos ensinamentos de Deus. E cumprir as Suas leis, através da autodisciplina, implica cuidar simultaneamente do corpo, da mente e do espírito. Esses três níveis estão estreitamente ligados, de modo que é impossível negligenciar qualquer um deles sem afetar os demais. Da União do Vegetal recebe-se toda a orientação necessária para cuidar, educar e purificar cada um dos três. E quem se esforça no seu dia-a-dia para cumprir à risca os princípios da Ciência certamente não deixará de desfrutar, durante o tempo de burracheira, do elevado e supremo êxtase da religião. As religiões e a Oaska Desde que a Terra recebeu os homens por habitantes, o Criador, para facilitar a trajetória de Seus filhos, cujo destino é a purificação e o conseqüente resgate de seu estado original, colocou à disposição deles, como prova de amor e misericórdia, as duas plantas misteriosas que compõem o chá Oaska com o objetivo de ensiná-los a se conduzir de acordo com Suas leis. Sabe-se, pela história da Oaska, que Caiano, uma das encarnações de MESTRE Gabriel, é o primeiro Oaskeiro, ou seja, o primeiro homem que bebeu o Vegetal na Terra. O fato aconteceu ainda nos primórdios da civilização indígena. Desde então a União do Vegetal vem sendo a fonte inspiradora de inúmeras religiões do planeta, as quais adotam em suas doutrinas grande parte dos ensinamentos que têm sido revelados ao espírito humano ao longo dos séculos por esse misterioso líqüido. A mensagem ancestral da Oaska revela, através da memória do Mestre, que a raiz semântica de todas as designações religiosas, como hindu, budista, judeu, cristão, muçulmano e outras, é a denominação original e primitiva do homem – índio –, que significa, como todas as outras, filho de Deus. Assim, todas essas designações têm o mesmo significado, o qual, por sua vez, indica nossa origem comum. Neste momento de entrada no terceiro milênio, a humanidade, frágil e impotente diante da avalanche de problemas individuais e sociais, encara cada vez com mais ceticismo o aprisionamento em crenças e dogmas (mesmo porque estes, até hoje, não conseguiram trazer soluções para suas dificuldades), ansiando, antes, pelo despojamento das diferenciações rotuladoras que tanto têm distanciado os homens entre si. A Oaska se apresenta como o instrumento redentor por excelência desses sectarismos religiosos, pois, ao atingir o âmago da essência humana, que é divina e comum a todos, atinge igualmente, de forma direta, nítida e intensa, o objetivo máximo e fundamental de todas as religiões, que é proporcionar o encontro com Deus. Esse encontro, que é na verdade um reencontro, torna-se um marco significativo para o espírito humano na medida em que encerra um período de crença e inaugura um de convicção em relação à existência do Criador. Nessa nova fase, o iniciante recebe a dádiva de se sentir irmanado com todos os homens, independentemente de suas distinções sociais, culturais e religiosas. Ele é, ao mesmo tempo, um e todos, e todos são um em seu coração, unidos ao Pai que os criou. Além disso, quando no decorrer de sua trajetória espiritual o discípulo se depara com o conjunto de condições a serem cumpridas que lhe são exigidas por sua própria consciência em prol de seu aperfeiçoamento pessoal, ele constata a importância de determinadas virtudes proclamadas pelas religiões mais conhecidas do mundo e praticadas por seus Mestres. Descobre, por exemplo, a relevância do desapego de Gautama Buda em relação aos prazeres mundanos; a sabedoria da entrega e da não resistência do Taoísmo; a coragem de Moisés, demonstrada por ele por ocasião da travessia do deserto em busca da terra prometida; e a perseverança de Maomé em doutrinar e unir tribos nômades inimigas. Reconhece também o valor do Hinduísmo por divulgar a verdade sobre a reencarnação, a importância da descoberta da luta entre as forças opostas (a luz de Ormuz e as trevas de Arimã) da religião de Zaratustra, além do exemplo máximo de amor concedido pelo Divino Mestre Jesus através de Seu perdão. Conduzindo os homens a este reconhecimento da verdade existente em cada uma das

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religiões, a Oaska contribui de forma eficaz para que eles se despojem dos preconceitos que os têm dividido. Através de sua luz, enxerga-se o belo, ouve-se a sabedoria e sente-se a força da virtude de todas elas. A relação da Oaska com as religiões pode ser simbolizada por uma roda cujo centro seja a própria Oaska e na qual a circunferência e os raios correspondam, respectivamente, à humanidade e às inúmeras correntes religiosas. Ela é o centro, em primeiro lugar, por um fator cronológico, uma vez que seus ensinamentos constituem a fonte original das doutrinas de várias religiões do mundo. E, além disso, porque é através de sua luz que temos a oportunidade de sentir, de forma eficaz, a beleza e a importância de todas as manifestações de consagração ao Criador. Nessa roda, os raios partem do centro em direção à circunferência, realizando assim um movimento de divergência. Da mesma forma, as diferentes tendências religiosas divergem em suas doutrinas e, sobretudo, nos métodos que propõem para que o homem alcance o divino. Porém, as mesmas linhas que se deslocam do centro para as extremidades da roda também convergem para o centro, apontando assim para o destino comum de todas as ilusórias divergências humanas. Nessa trindade geométrica – centro, circunferência e raios – pode-se contemplar o movimento, a evolução, razão primeira da vida. Assim sendo, a roda apresenta-se como um símbolo exemplar do mecanismo de emanaçãoretorno que marca a relação da Oaska com as mais diversas religiões do planeta, bem como da evolução do homem e do Universo. Pois da mesma forma que esse misterioso chá irradiou a essas religiões sua luz, ele agora as atrai, num processo magnético de volta ao centro comum de convergência após uma longa preparação espiritual através da História.

Oaska & Burracheira A Oaska, desde sua primeira aparição na Terra, sempre foi um veículo de manifestação de Jesus, o que significa que a história do amor do Cristo pela humanidade tem a idade do Tempo. Desta história fazem parte três momentos, representados por três comunhões celebradas pelo Divino Mestre com os homens. O Velho Testamento narra um episódio em que um homem chamado Melquisedec, rei de Salém e intitulado ―Sacerdote do Altíssimo‖, celebrou com Abraão uma comunhão de pão e vinho. Esta foi, na verdade, a primeira comunhão celebrada na Terra por Jesus, que, manifestando-se na figura misteriosa de Melquisedec, comungou o pão e o vinho com Abraão, o pai de todos os judeus. Por esta razão é que Jesus afirmou: ―Antes de Abraão ser, Eu Sou‖. A segunda comunhão foi a Santa Ceia, realizada por Jesus com doze apóstolos, que representam as doze tribos de Israel e, portanto, todos os filhos do povo hebreu. E a terceira é a que se realiza neste século através da Oaska, que permite aos homens a experiência do sagrado. Assim, enquanto a primeira foi celebrada com o pai dos judeus e a segunda com seus filhos, representados estes, simbolicamente, pelos apóstolos, a atual recriação da União do Vegetal realiza a terceira, na qual a Oaska se revela como o próprio Espírito Santo, o Consolador, o Paracleto já anunciado por Jesus, que promove a religação do Filho com o Pai e a reconciliação entre o Novo e o Velho Testamento. Esta terceira comunhão é uma confirmação e um coroamento da relação de Jesus com a humanidade. Com ela, Seu poder se implantou definitivamente na Terra e, através dela, Sua palavra há de ser cumprida integralmente. Ela é, ainda, a nova e eterna aliança, porque veio para ficar. É universal porque não se dirige a um determinado povo, mas sim a todos, estando destinada a uni-los. Os primeiros eflúvios deste processo já são sentidos dentro do âmbito da União do Vegetal, onde judeus e cristãos se unem como irmãos. As cinco pontas da Estrela da UDV se situam entre as quatro pontas da cruz e as seis pontas dos triângulos entrelaçados de David. É a estrela do Oriente que estende as duas mãos unindo judeus e cristãos: Quando a União do Vegetal conseguir eliminar definitivamente essa divergência milenar, unindo dois grupos cujos princípios doutrinários pareciam inconciliáveis, o mundo não mais poderá duvidar que a Oaska tem poder suficiente para unir todos os povos sob a égide da luz, da paz e do amor. Aí então, dentro dessa nova Ordem, todos os homens poderão beber da Fonte da Saudade de Nosso Pai Comum.

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BURRACHEIRA “Força divina que nos ilumina água de mina pura e cristalina. Força estranha Misteriosa Força estranha És majestosa.” "Burracheira" é o nome dado ao efeito da Oaska no espírito humano e significa "força estranha". Revela a dimensão espiritual e a existência do Sagrado. Durante o tempo em que essa força se manifesta, o discípulo experimenta grande clareza e discernimento e recebe ensinamentos sobre a própria existência. Dada a profundidade e a intensidade das revelações que a Oaska proporciona, a burracheira nem sempre é uma experiência fácil, embora seja sempre benéfica e purificadora. Durante esses momentos, é imprescindível a presença do Mestre que é consciente espiritualmente, ou seja, recordado de sua missão e de sua ligação com a obra, capaz de viver em sintonia permanente com a Força Superior. Seguindo pela União do Vegetal, o discípulo compreende que o caminho da iluminação consiste em perder, e não em obter: perder o ego, a ignorância, as ilusões, desfazer-se da casca, voltar a ser um. Assim, acaba o jogo do "parecer ser" e começa a conquista do ser, único caminho a proporcionar equilíbrio, beleza e brilho ao espírito humano. Segundo MESTRE Gabriel, recriador da União do Vegetal neste século, a experiência de beber esse misterioso chá é tão significativa que todos deveriam vivê-la ao menos uma vez na vida, dado o seu poder de trazer à tona as verdades existenciais que estão gravadas dentro de cada um.

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F.A.Q. sobre a União do Vegetal

-O que é o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal? É uma sociedade religiosa fundada em 22 de julho de 1961 por José Gabriel da Costa, o Mestre Gabriel. Hoje a UDV, como é chamada, possui 116 núcleos localizados em diversas cidades, em todos os estados do país, além de alguns núcleos no exterior (Espanha e Estados Unidos). Segundo seu censo interno, a instituição conta atualmente com 11 mil sócios. -Quem é Mestre Gabriel? José Gabriel da Costa nasceu no dia 10 de fevereiro de 1922, na Bahia, numa fazenda em Coração de Maria, próximo a Feira de Santana. Era filho de lavradores. Em 1943 foi para a Amazônia como ―soldado da borracha‖. Trabalhou como seringueiro, inicialmente no Território de Guaporé (atual estado de Rondônia). Morou também em Porto Velho, onde casou-se com Raimunda Ferreira, conhecida como Pequenina. Em abril de 1959, no seringal Guarapari, na região de fronteira do Brasil com a Bolívia, José Gabriel tem contato com o chá Hoasca, e a partir dessa data inicia sua missão ligada à UDV. Juntamente com seus primeiros discípulos (alguns destes ainda hoje presentes e atuantes na direção da UDV), Mestre Gabriel começou a estruturar as bases da União do Vegetal como uma sociedade formalmente instituída. Preparou um quadro de mestres que, após o seu falecimento, em 1971, vem dando continuidade ao seu trabalho. -Quais são os princípios doutrinários da UDV? Toda a doutrina transmitida pelo Mestre Gabriel é fundamentalmente cristã e reencarnacionista. Os ensinamentos da UDV são transmitidos oralmente nas suas sessões, de acordo com critérios próprios, e as sessões acontecem rotineiramente em seus templos, que são as sedes dos núcleos. -Como está organizada a UDV? A Sede Geral está situada em Brasília. Lá se reúne o Conselho da Administração Geral, órgão máximo da instituição, do qual faz parte o Mestre Geral Representante, que é a autoridade máxima do Centro, eleito para um mandato de 3 anos. Cada núcleo tem um Mestre Representante, o responsável pela distribuição do chá em sua localidade. Este também é eleito para exercer um mandato de 3 anos. O quadro de mestres da UDV responde pela transmissão fiel da doutrina e dos ensinos transmitidos originalmente pelo Mestre Gabriel. -Os adeptos da União do Vegetal bebem um chá em seus rituais? Que chá é esse? É o chá Hoasca, também conhecido por Vegetal ou Ayahuasca. -Do que é feito e como é preparado o chá Hoasca? Do caule do cipó Mariri (Banisteriopsis caapi) e das folhas do arbusto Chacrona (Psychotria viridis). Pedaços do cipó Mariri são cozidos em água, junto com as folhas de Chacrona.

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-E qual a origem desse chá? Esta origem é contada num dos ensinamentos fundamentais da UDV, transmitido exclusivamente em suas sessões. O Mariri e a Chacrona são naturalmente encontrados na Floresta Amazônica. Segundo relatos de pesquisadores, há pelo menos 150 anos o uso do chá Hoasca no Brasil é cientificamente documentado. Existem estudos antropológicos que apontam seu uso desde a era pré-colombiana na América do Sul. -Por que a União do Vegetal usa o chá Hoasca em seus rituais? Para efeito de concentração mental. O chá facilita o auto-exame e a introspecção. -Como a UDV faz uso do chá? Exclusivamente dentro do seu ritual religioso. Os adeptos bebem o chá e se concentram para as sessões, que duram quatro horas e são realizadas a cada 15 dias. -Que efeitos o chá provoca? Os efeitos podem variar por diversas razões. De maneira geral, ele provoca uma maior sensibilização, que pode levar ao que alguns pesquisadores chamam de um "estado ampliado" de consciência, permitindo percepções profundas a respeito de si mesmo e vivências de cunho ético, intelectual e espiritual. O chá e a doutrina da UDV, em resumo, são elementos indissociáveis na prática religiosa da UDV e conduzem seus adeptos a uma elevação do pensamento, durante as sessões, e à evolução espiritual como proposta de um caminho religioso. -Esse chá é o mesmo utilizado nos rituais do Santo Daime? O Mariri e a Chacrona também são utilizados pelo Santo Daime em seus rituais. Pelo que sabemos, o chá é preparado a partir das mesmas plantas. -O chá provoca alucinações? Não. Alucinações são experiências visuais ou auditivas de natureza fragmentária, desintegradora. Ao contrário disso, o uso do chá Hoasca utilizado no contexto da UDV tem caráter integrativo e muitas vezes revelador. A pessoa consegue fazer um exame de si mesma. A comunhão do Vegetal dentro do trabalho realizado na UDV tem efeitos definidos por seus adeptos como educativo e construtivo. Ou seja: o chá Hoasca conduz a um estado de lucidez. Durante as sessões, sob o efeito do chá Hoasca, a pessoa não perde a consciência. Algumas vezes o adepto vivencia, durante a sessão, o que se pode descrever como "um sonho acordado‖, que chamamos de ―mirações‖. -O chá Hoasca não é droga? Qual a diferença dele para o LSD, por exemplo? As diferenças são muito grandes. A mais evidente é que o Vegetal não provoca desajuste mental ou social. Pelo contrário, provoca um ajuste. São inúmeros os depoimentos de pessoas que transformaram suas vidas para melhor depois de passar a freqüentar a UDV. Além disso, ao contrário do que acontece com as chamadas drogas de abuso, o uso do Vegetal não causa os fenômenos que caracterizam dependência de substâncias, como crises de abstinência ou tolerância (Ter que usar doses cada vez maiores). E também não se observam entre seus usuários o prejuízo no trabalho e o desajustameto familiar tipicamente observados entre os dependentes de álcool e outras drogas, que passam a viver em função da obtenção e uso daquelas substâncias, manifestando assim um importante desajustamento social. -Mas esse chá não faz mal à saúde? Não. Ele é comprovadamente inofensivo à saúde, de acordo com a palavra do Mestre Gabriel e com o que podem confirmar os milhares de associados da UDV. Ao longo do tempo, esta verdade está sendo também confirmada por estudos acadêmicos. Uma comprovação incontestável é o fato de a UDV ter mais de 40 anos de história e contar hoje com 11 mil associados, tendo já inúmeras famílias com 3 ou 4 gerações sendo geradas em contato constante com o chá Hoasca, sem qualquer prejuízo para a saúde física, mental e para a ação social dessas pessoas. Além disso, algumas pesquisas acadêmicas vêm sendo promovidas por instituições nacionais e internacionais de renome, com diversas abordagens, todas elas em alguma medida reafirmando a inofensividade do chá Hoasca. Para a UDV não existe a necessidade de a palavra

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do Mestre Gabriel ser confirmada através de pesquisas, mas a instituição está aberta a cooperar com centros de pesquisa que, com uma proposta bem fundamentada, se disponham a estudar criteriosamente o assunto. Nossa comunidade tem participado de diversos tipos de estudo dessa natureza. A resolução nº 5, do Conselho Nacional Antidrogas (Conad), de 4 de novembro de 2004, reconheceu que jamais foi compravado qualquer efeito prejudicial a seus usuários e admitiu o uso religioso do Chá. -Se a União do Vegetal tem convicção de que o chá é inofensivo à saúde, por que abre as portas para pesquisas científicas? Porque estamos trabalhando em uma área (na palavra de alguns pesquisadores) que é muito pouco conhecida cientificamente. Enquanto a ciência avançou muito em algumas áreas, uma substância como a Hoasca, que existe há mais de dois mil anos, ainda é praticamente desconhecida do ponto de vista científico. -Que pesquisas já foram feitas? Até 1991, o que se conhecia do ponto de vista científico a respeito do chá eram principalmente publicações da área de botânica, fitoquímica e da antropologia. Não se tinha um conhecimento científico mais substancial em relação à ação dele em seres humanos. Foi realizado, então, em 1993, o Projeto Hoasca, com o objetivo de responder duas perguntas básicas: O chá Hoasca utilizado no contexto da UDV é seguro? e Como ele age no cérebro? Mais de 30 pesquisadores de nove instituições participaram do projeto coordenado por Charles Grob, da Divisão de Psquiatria da Criança e do Adolescente (Los Angeles, Califórnia). -Como foi desenvolvido o projeto? Um grupo de 15 usuários freqüentes do chá Hoasca há mais de 10 anos foi submetido a uma série de exames e avaliações físicas e psiquiátricas. Os resultados foram comparados aos de um grupo controle, composto de 15 pessoas que nunca tinham bebido o chá Hoasca. -A que conclusão chegaram os pesquisadores? Que existe segurança no uso ritualístico religioso da Hoasca que é feito pela UDV. Eles observam, porém, que se trata de um estudo-piloto, o primeiro desta natureza realizado no mundo, e que novas pesquisas precisam ser conduzidas para poder confirmar essa conclusão. Sendo um primeiro estudo piloto, suas observações são importantes: dos 15 usuários do chá, por exemplo, 11 tinham problemas de alcoolismo antes de começarem a freqüentar a UDV. E todos pararam de usar álcool e nunca mais voltaram a beber. Sabemos que tratar alcoolismo é algo dificílimo. Essa constatação é tão impressionante que os pesquisadores chegaram a olhar o uso do chá no contexto religioso como mais uma possível solução para o problema do alcoolismo. Pelas afirmações contidas no estudo, os aspectos farmacológicos do chá Hoasca, que possui prováveis efeitos antidepressivos, associado à prática religiosa proposta pela UDV têm importância no combate ao vício. Mas as conclusões indicam que estudos mais profundos e extensivos ainda devem ser realizados. -Como estava a saúde dos usuários de Hoasca? O que os psiquiatras verificaram é que o grupo de pessoas da UDV demonstrava um grau de saúde física e mental muito bom. Tanto em relação às pessoas com as quais foram comparadas, como também em relação à seguinte comparação: pessoas que bebem álcool repetidamente apresentam um alto grau de deterioração da saúde. Quem bebe álcool, fuma maconha ou cheira cocaína tem problemas advindos dessas práticas. E nas pessoas que bebem o Vegetal não se detectou qualquer problema de saúde ou situação semelhante.

-Mais algum trabalho científico envolvendo o uso do chá pode ser mencionado? Sim. A pesquisa "Hoasca na Adolescência", desenvolvida a partir de 1997, foi conduzida por uma equipe binacional da Universidade da Califórnia e da Universidade Federal de São Paulo. Seu objetivo era fazer uma avaliação neuropsicológica e social do adolescente urbano que bebe o chá regularmente na UDV, saber quem ele é, o que pensa, quais seus valores e se apresenta alguma diferença que possa indicar que o chá esteja causando dano ao desenvolvimento

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neuropsicomotor, quando comparado a jovens da sua idade que nunca beberam o chá. Os resultados foram entregues ao Ministério Público Federal em dezembro de 2004, concluindo a comprovação solicitada por aquele órgão sobre a inofensividade do Vegetal para crianças e adolescentes. Embora a pesquisa também não seja conclusiva, dá indícios claros de que as crianças que usam o Chá desde a tenra infância são normais em todos os aspectos. -Que trabalhos realizados pela UDV expressam seus princípios doutrinários? A doutrina e os princípios éticos professados pela UDV transmitem equilíbrio, promovem a prática do bem e incentivam seus adeptos à conduzir sua vida dentro de um símbolo de União e de fraternidade humana: Luz, Paz e Amor. O principal trabalho realizado pela UDV pode ser testemunhado pelo equilíbrio e bem estar obtidos por seus milhares de associados, graças à assimilação dos ensinamentos e sua prática efetiva. Paralelamente à sua atividade religiosa, a UDV mantém instituições beneficentes em numerosas cidades, dirigindo sua ação preferencialmente a menores e idosos carentes, pois busca sempre integrar-se ao meio social no qual está presente. Tal atitude tornou a UDV reconhecida oficialmente como instituição de Utilidade Pública Federal. O mesmo reconhecimento oficial se repete em diversos outros estados e municípios onde mantém suas unidades administrativas. Existe também uma ONG ambientalista estruturada junto à UDV, mantida e dirigida por seus associados – A Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico. -Qual é o trabalho realizado por essa ONG? Além de responder pela manutenção de um seringal e de algumas áreas de reserva florestal, a Novo Encanto tem o objetivo de divulgar princípios de respeito e preservação ao meio ambiente. Os próprios núcleos da UDV costumam estar instalados em áreas de floresta, pois de acordo com as leis internas da instituição, cada núcleo deve ter seu próprio plantio de Mariri e Chacrona como forma de garantir a disponibilidade das espécies utilizadas na preparação do chá Hoasca sem causar devastação de áreas de floresta. Pela própria origem da instituição, o respeito à natureza é parte dos princípios básicos da UDV.

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Convicção do Mestre

Artigo publicado no Jornal "Alto Madeira", em edição de 6 de Outubro de 1967

Quando foi preso em Jarú, José Rodrigues Sobrinho, por estar preparando o Vegetal, que chamam pelo nome de HOASCA, o Mestre da UNIÃO DO VEGETAL, JOSÉ GABRIEL DA COSTA, foi chamado pelo Senhor Delegado de Polícia da Capital, para fornecer alguma explicação sobre aquele líquido, Chá Misterioso. O Senhor Delegado, não encontrando nenhuma infração legal, deu cobertura à UNIÃO com as seguintes palavras: "Não posso proibir as Sessões de vocês, mas também não posso dar licença." Aconteceu que, na ausência do Senhor Delegado e do Senhor Diretor do S.I.C., o Delegado do Trânsito, inocentemente, fez um ataque na residência do Mestre, que no momento doutrinava religiosamente 38 discípulos, dos 198 que vem lhe acompanhando. Os discípulos perderam a cabeça, por motivo do seu Mestre ter sido preso. O Mestre na prisão examinou-se, momento em que alegrou-se, admirando a bondade de Deus, e disse: "Fui um grande malfeitor, já bebi cachaça, já andei no baixo meretrício, já andei armado e mal intencionado, já derramei sangue de meus irmãos, pensava somente em desordens, desejava o mal e desconhecia o meu Grande Deus. Com tudo isso, não cheguei a conhecer prisão. Hoje, venho trabalhando pela perfeição, procurando tirar a todos os meus irmãos da ilusão e do abismo em que eu vivia; venho chamando a todos a pedir a Deus, como venho pedindo eternamente - "Oh! Deus do Universo, derramai sobre mim, tudo quanto eu desejar no meu coração aos meus inimigos - e hoje me acho preso, sem ter quem possa me acusar, sendo - 130 -

acusado pela minha própria consciência. Que alegria eu sinto pela bondade de Deus." O Mestre foi interrompido por um discípulo, momento em que meditava, sendo este um policial que derramava lágrimas. O Mestre entrou em sofrimento, sem demonstração, confortando-o com o símbolo da UNIÃO: LUZ, PAZ e AMOR. O Mestre, posto em liberdade, retornou à sua residência, encontrando os discípulos revoltados, procurando prejudicar o Senhor Antônio Nogueira Filho por meio judiciário, alegando invasão domiciliar após as 23:00 horas. Momento em que entra a voz do Mestre: "A UNIÃO DO VEGETAL é para destruir o mal, com os ensinos que recebemos do Divino Mestre". Pergunta o Mestre aos seus discípulos: "Como destruímos o mal ?" Responderam: "Com LUZ, PAZ e AMOR". "Então - diz o Mestre - se nós ofendemos por qualquer parte, desobedeceremos o Divino Mestre. O Caminho é este, prestem atenção os que quiserem me acompanhar na missão. Podemos ser censurados por todos, mas não podemos censurar a ninguém; podemos ter inimigos, mas não podemos ser inimigos de ninguém; podemos ser ofendidos por todos, mas não podemos ofender a ninguém; podemos até ser julgados por todos, mas não podemos julgar a ninguém; podemos ser revoltados por todos, mas não podemos revoltar e nem ser revoltados por ninguém." Dizem os discípulos ao Mestre: "Queremos compreensão destas palavras". Responde o Mestre: "Fiquem com a memória presa, estudando, até chegar os ensinos de Salomão, na próxima Sessão do Grau". S.I.C.P.M.R. Lembrem-se, o símbolo da UNIÃO é LUZ, PAZ e AMOR.

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“Oh! Minguarana tu... Abrirei os teus encantos...”

(Desenho de Pablo Amaringo)

...Luz, Paz & Amor...

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