January 28, 2017 | Author: RenataSantos | Category: N/A
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Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 2007 APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO CAPÍTULO I - HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA, RELIGIÃO Noção de physis e casualidade O Arché e o kosmos O Logos e o Crítico Filósofos Eclesiásticos A ciência Experimental Método Cartesiano-Newtoniano Ciência Sistêmica ou Holística Hipnoterapia e Ciência Mito, Rito e Religião Transe e religiosidade Vegetais hipnóticos Religiões ayahuasqueiras Transe e sincretismo Padres hipnotistas Hipnose e reencarnacionismo CAPÍTULO II - HISTORIA DA HIPNOSE E DA HIPNOTERAPIA Magnetismo e mesmerismo Mesmerismo e sonambulismo Magnetismo e kadercismo Mesmerismo e psiquiatria Mesmerismo e anestesia Mesmerismo e sugestão Brandismo Hipnodontia Hipnoterapia Sugestão pós-hipnótica Hipno-análise Hipnose e histeria Hipnose e psicanálise Hipnose e fisiologismo Auto-hipnose CAPÍTULO III - ETIOLOGIA DA HIPNOSE Hipnose é projeção Hipnose é sugestão Sugestão é prestigio Hipnose é sono Entrega amorosa Mamadeira hipnótica Gênero dramático Hipnose como dissociação Estado normal Exclusão psíquica relativa CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE Técnicas de indução Métodos de indução Método de Bernheim Método de Moss Método de Kuehner Método de Erickson e Wolberg Método de autovisualização Método da estrela
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Testes de suscetibilidade Hipnose de palco Hipnose, hiperestesia e clarividência Regressão hipnótica Hipnose acordada CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO Sintomatologia do transe O transe hipnótico Testes de eficácia Saída do transe Suscetibilidade à indução Formulação da sugestão O ambiente das sessões A ética e a legalidade da hipnose Categorias de hipnotistas O poder do hipnotista Janela da Alma CAPÍTULO VI - APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE Hipnose e Comunicação Propaganda subliminar Merchandising Sugestão desejada e indesejada Hipnose contra vontade Hipnose cotidiana Hipnose no Direito Hipnose e psicopedagogia Psicologismo na Educação Psicologia da gestalt Teoria topológica Fenomenologia existencial Epistemologia genética Teoria Histórico-social Educação humanista Educação como prática política CAPÍTULO VII - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS Gestalt-terapia Terapia centrada na pessoa e topológica Teoria de Vygotsky Teoria de Reich Teoria organísmica Filosofia fenomenológica Filosofias orientais Outras concepções CAPÍTULO VIII - AUTO-HIPNOTERAPIA Prática da auto-hipnose O relaxamento Testes e Métodos para a auto-hipnose Tipos de matrizes Saúde e estética do corpo Ativadora da memória Solução da gagueira Supressão e alívio da dor CONSIDERAÇÕES FINAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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APRESENTAÇÃO Esta publicação é mais do que um livro, representa um ideal de vida, significa o desejo de informar, discutir, refletir e produzir conhecimento. Por isso, passa longe de qualquer interesse, como reconhecimento pessoal ou retorno pecuniário. Trata-se de uma dissertação, seu conteúdo resulta de uma investigação rigorosamente cientifica. A pesquisa foi produzida de forma sistemática e metodológica, para conceituar o significado do hipnotismo, conhecer o processo de produção do transe hipnótico e identificar, classificar e esclarecer sua sintomatologia e efeitos. O levantamento bibliográfico e a construção referencial teórico foram favorecidos pela intensa dedicação do autor, no decorrer de mais de trinta anos, pelo tema, pela leitura teórica e pela prática da hipnose. Isso em muito contribuiu para traçar uma metodologia que conduzisse aos resultados esperados, para a definição e clareza dos objetivos, das técnicas e dos métodos de investigação que foram utilizados. Este trabalho foi escrito para quem pretende conhecer ou praticar hipnose e auto-hipnose, principalmente com finalidade terapêutica. Apresenta uma rede de temas transversais, esclarece dúvidas, desfaz mitos, elimina ou atenua preconceitos. É fonte imprescindível de permanente consulta sobre as tradicionais psicoterapias, tanto ortodoxas como contemporâneas, e suas associações com a hipnose. O autor comprova durante toda a leitura que a hipnose abrange um campo muito vasto e que sempre aparecem ramificações do seu efeito na maior parte das atividades humanas. A amplitude e a profundidade de como trata o assunto são explicitas na extensa lista de títulos bibliográficos utilizados que, somada ao conhecimento prático do autor, transformam esta obra em uma grandiosa fonte de pesquisa para esta complexa área do saber. Revela o que é a hipnose a partir da evolução histórica de diversas teorias quando faz referências a mais de cento e cinqüenta autores, por isso, torna-se de interesse particular para o meio acadêmico que não dispõe com facilidade de uma bibliografia que trate dessa temática de forma tão abrangente. Esta leitura elucida noções equivocadas acerca do tema do hipnotismo e apresenta um conjunto de dados que, de alguma forma, envolve a interdependência do transe hipnótico com várias manifestações humanas que são analisadas através da intricada rede de causas intermediárias entre a emoção e a razão (inconsciente e consciente). Esclarece conceitos e confronta opiniões, demonstra como as controvérsias e coincidências das diferentes escolas atuais têm raízes históricas. Explora idéias e teorias que são necessárias, cooperativas e seqüenciais para facilitar, a cada passo, a reflexão de conceitos e considerações apresentadas ao longo da leitura. O autor relata os procedimentos metodológicos utilizados, como aplicou o rigor cientifico e efetuou a análise qualiquantitativa dos dados coletados na fase da investigação, efetuada na cidade de Salvador, na Bahia, entre 1997 e 2002,
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com um universo de 400 sessões, para uma população de 1.984 participantes. Descreve as conclusões a que chegou através de uma série de observações diretas e da análise das respostas de 500 questionários, aplicados para quem durante o transe apresentou sintomatologia mais completa, além de 100 entrevistas para esclarecer questões não amplamente respondidas pelos questionários. Para melhor descrever o transe hipnótico em suas diferentes formas de produção, ocorreu ligeira ampliação da área temática e do campo empírico da pesquisa. Foram realizadas algumas incursões teóricas e observações in loco em associações declaradas religiosas, todas reconhecidas e legalizadas. Isto permitiu ao autor, motivado pelo senso de investigação, ser submetido a algumas práticas de rituais. Para fundamentar uma descrição precisa dos acontecimentos, procedimentos e sensações, em alguns casos o autor foi além da observação e participou ativamente das experiências, inclusive ingerindo o chá ayahuasca e o vinho de jurema, ambos considerados como desencadeadores de transe. Através dos dados empíricos e teóricos levantados, a leitura confronta escolas e correntes de pensadores, aponta controvérsias e coincidências, separa fatos de opiniões, tendo como principal objetivo facilitar o leitor refletir e se definir pela sua própria descoberta. O autor primou por manter a postura de investigador absolutamente cientifico, tanto na fase da pesquisa como na redação da comunicação final dos resultados. Procurando demonstrar sempre neutralidade axiológica, em nenhum momento teve a pretensão de ser doutrinário ou dogmático, contestar ou validar credos, religiões, filosofias, idéias ou teorias. Outra preocupação do autor foi não limitar a informação e, ao mesmo tempo, facilitar a compreensão do texto. Para isso, optou por uma redação que apresenta aspectos pedagógicos essenciais; foi escrito de modo claro, didático e bem fundamentado. Descreve de forma precisa e justifica com profundidade teórica as técnicas, métodos e procedimentos específicos. Assim, acredita que incentiva a leitura até o final e gera o desejo por mais conhecimentos, o que pode transformar o leitor não apenas um hipnotista hábil, mas um amplo conhecedor do assunto. No decorrer da dissertação, algumas questões são polêmicas por haver fatos no hipnotismo sobre os quais ainda não se chegou a uma conclusão clara. Por isso, seu estudo envolve uma reflexão antropológica e evolutiva do conhecimento e expõe os paralelos paradigmáticos da ciência. Demonstra o conflito entre a percepção mecanicista-reducionista e a sistêmica e propõe uma revisão dos pressupostos conceituais conhecidos. Reflete sobre as exigências de uma abordagem multidimensional do ser humano para entendê-lo de forma menos fragmentária. Considerando que a base semiológica não é suficiente para esclarecer todos os pontos sobre a prática da hipnose e das principais psicoterapias, o autor busca sustentação em teorias subjacentes quando recorre à leitura da evolução
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do pensamento filosófico, cientifico e religioso. Neste aspecto, apresenta uma revisão literária que tem como objetivo apontar a gênese do misticismo que ainda persistem nos tempos modernos. Ao concluir, descreve a auto-hipnoterapia como sendo uma ferramenta poderosa na solução de muitos conflitos, não deixa dúvidas de que a hipnose é uma forma válida para superação de certos problemas que afligem o corpo e a mente humana. E, mais uma vez, desmistifica o poder atribuído às coisas externas ou sobrenaturais para solucionar conflitos humanos que prejudicam, em muito, a qualidade de vida, sem ao menos se buscar antes soluções naturais e em si mesmo. A estruturação do conteúdo de estudo é dividida em oito capítulos: • O primeiro capítulo faz parte do campo teórico da pesquisa e é propedêutico, apresenta breve análise da evolução do pensamento, do mítico ao filosófico e científico, como base para o estudo da história da hipnose e seu envolvimento com rituais religiosos e místicos. • O segundo desenvolve o campo teórico específico, apresenta um desfile histórico-cronológico dos autores clássicos do hipnotismo. As principais obras citadas neste capítulo são de domínio público, estão disponíveis gratuitamente no site (http://gallica.bnf.fr/) da Biblioteca Nacional da França. • O terceiro capítulo complementa o referencial teórico e trata da etiologia da hipnose. Analisa através das diferentes correntes de pensadores e cientistas como se desenvolve o transe hipnótico, apresenta as técnicas e os métodos de indução e seus efeitos práticos. • O quarto capítulo é dedicado à práxis, é um preâmbulo para a interpretação da pesquisa de campo realizada pelo autor. Seu principal objetivo é conhecer, passo a passo, como de fato se prática a hipnose e como ela se apresenta e descreve situações que permitem desencadear sua ocorrência. • O quinto versa sobre a pesquisa de campo, descreve as observações diretas do autor, a metodologia utilizada, como procedeu ao tratamento dos dados, a análise e os resultados à que chegou para fundamentar o que considera como sintomatologia do transe e os diferentes níveis de aprofundamento. Finaliza descrevendo o que entende como explicação conceitual da hipnose e denomina como sendo uma “Janela da Alma”, um momento em que o ser humano entra em contato com sua essencialidade. • O sexto capítulo é um desdobramento de toda a pesquisa realizada. Envolve o estudo do hipnotismo em situações naturais do cotidiano e sua aplicação em áreas específicas, como na Mídia, no Direito e na Educação. Inclui neste último aspecto a hipnose como possível parte da psicopedagogia.
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• O sétimo capítulo reforça a tese de que a hipnose pode ser validada como um procedimento terapêutico. Compara a hipnoterapia com modernas teorias e práticas das principais psicoterapias conhecidas, demonstrando semelhanças e diferencias. • O oitavo e último capítulo descreve o que considera o autor como mais um aporte da pesquisa. É dedicado à auto-hipnoterapia, representa na prática a soma dos conhecimentos estudados nos capítulos anteriores. Este aspecto é de grande importância para o leitor que busca soluções para problemas existenciais, principalmente problemas de caráter psicoterapêutico. No geral, após a leitura e rápidos exercícios, o livro esclarece o que é e como funciona a hipnose e a auto-hipnose, como sua execução é bem simples e como os bons resultados são surpreendentes. Porém, bem mais importante talvez seja o fato de reafirmar e exemplificar, o tempo todo, que cada ser humano traz dentro de si o dom da autocura e é capaz de viver bem e ser feliz, mesmo na adversidade. É um livro que deve ser relido várias vezes, cada nova leitura sempre apresenta surpresas e induz novas descobertas. Por fim, recomenda o autor que, para obter melhor domínio sobre o tema e evitar conclusões precipitadas, é aconselhável uma leitura seqüencial e que as reflexões ocorram na medida em que seja vencido cada capítulo. Também aconselha que este livro deva ser lido sem preconceito, mas com espírito crítico, separando os fatos das opiniões. Lembra ainda que a proposta desta obra não é passar informação, mas conhecimento e, isso, depende muito mais do leitor do que do autor.
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INTRODUÇÃO Embora faça parte do cotidiano dos indivíduos de várias formas e em diferentes situações, o hipnotismo ainda é desacreditado por alguns, equivocado na opinião de outros, temido ou pouco conhecido para a maioria. As explicações sobre o transe hipnótico e seus efeitos, por conta de sua vinculação com práticas religiosas e crenças no sobrenatural, é cercada de mitos, magias e preconceitos. Mesmo entre pessoas com alto nível de escolaridade, o desconhecimento sobre este tema é bastante generalizado e, no conceito popular, a descrença de que os efeitos hipnóticos existam ou possam ser provocados é geralmente substituído por um temor supersticioso. Na literatura é fácil perceber que todas as culturas, de todas as épocas, conheceram, procuraram e desenvolveram métodos para estabelecer o transe hipnótico. Esse antigo estado da mente foi perseguido por muitas formas; desde o uso de ervas, drogas e aplicações de equipamentos especiais até rituais dos mais diversos. Na maior parte das vezes, o transe foi e é produzido por métodos simples que vão da dança selvagem, passando pelo ritual religioso, pela prática de uma tranqüila e intensa meditação até uso de técnicas hipnóticas clássicas. Qualquer que seja sua origem, o transe sempre implica em uma função normal do cérebro humano, embora algumas pessoas sejam mais propensas ao seu alcance e aprofundamento. Transe hipnótico é o estado mental que resulta em alterações na neurofisiologia e decorre de várias situações, pode ser produzido por simples estímulos sensoriais normais; auditivos, visuais, táteis e olfativos, além de estados mentais de grande expectativa com violenta carga emocional, sono intenso sem possibilidade de dormir, jejum nutricional, isolamento social, abstinência sexual prolongada, meditação, relaxamento físico e mental ou atitude contemplativa, em geral de fundo religioso ou místico. Pode também ser provocado por ingestão de substâncias químicas. Efeitos da hipnose sempre aconteceram na história da humanidade. Em atos religiosos têm presença marcante, quanto mais solene ocorre um ritual associado a forças incompreensíveis, místicas ou mágicas, maior é o efeito hipnótico. Porém, não é apenas relacionado a situações que se prendem ao misticismo; ao longo da história foi produzido ou observado também pela perspectiva do materialismo científico ou simultaneamente por ambos. Definida com vários termos e diferentes sentidos, a hipnose é patrimônio da filosofia e da medicina ocidental e oriental, tanto a antiga quanto a contemporânea. No oriente os efeitos hipnóticos, geralmente com objetivos de cura, fazem parte de culturas milenares e se mantiveram quase que inalterados através dos séculos. No ocidente foram se adequando ao imaginário dominante, se ajustando á representação de cada nova realidade cultural, se identificando com diferentes correntes do pensamento, valores, fantasias e mistérios que surgiam com as migrações e miscigenações étnicas. A maior e mais rápida
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diversificação de procedimentos hipnóticos ocorreram na Europa, devido à fusão étnica cultural do seu povo através de suas ações colonizadoras. Esse viés antropológico do hipnotismo constitui a principal abordagem históricológica e teórica dedutiva deste livro. Embora sugestão não seja sinônimo de hipnose, é certo que toda e qualquer hipnose começa pela aceitação, consciente ou inconsciente, da sugestão que pode até desencadear o transe hipnótico, caracterizado como o momento em que a sugestão atinge o ponto mais alto da sua ação. A execução desse processo é bem simples e os resultados se aproximam de fatos extremamente compensadores, podendo em alguns casos proporcionar efeitos terapêuticos inexplicáveis e até mesmo inacreditáveis. Nem sempre uma sugestão representa a possibilidade de desencadear o transe hipnótico, mas é, no mínimo, o preâmbulo imprescindível para que isso ocorra. É comum o uso de um nome como se fosse o outro, às vezes chama-se sugestão de hipnose e, hipnose de sugestão. No entanto, deve ser chamada de sugestão hipnótica aquela que se perfaz no transe hipnótico ou que permeia a aplicação de métodos e técnicas com o objetivo de atingir os efeitos da hipnose. Através da sugestão o pensamento se concentra numa idéia cujo resultado ou tendência é provocar determinado efeito, impele muitas ações humanas, tanto construtivas como destrutivas. A maior parte do resultado da vida das pessoas é conseqüência da sugestão; desde o desfrutar de sentimentos de alegria, paz e prazer, até situações negativas como doenças físicas e morais. Mas, situações negativas podem ser reversíveis pelo mesmo processo que se instalam, isto é, o que a sugestão faz, a sugestão desfaz. Da sugestão podem resultar ações inconscientes, compulsivas ou hipnóticas, que podem decidir o curso da vida das pessoas. E, a melhor maneira de fazer as sugestões produzir bons efeitos é através da heterohipnose e da auto-hipnose. No primeiro caso um hipnotista funciona como um guia que influencia através de sugestões as ações inconscientes de alguém. No segundo caso é o próprio hipnotizado quem o faz. Um indivíduo razoavelmente instruído poderá conduzir e controlar as ações do seu próprio inconsciente, em seu próprio benefício. Do início do século XIX até hoje termos como hipnose inconsciente e sugestão caminham juntos, um tentando explicar o outro. No início de suas pesquisas, Freud se valia do hipnotismo como procedimento de acesso ao inconsciente que o conceituou como sendo uma espécie de porão onde fica guardado o que não se quer mostrar. Fatos e sentimentos que o indivíduo não tem coragem de contar nem para si próprio e, por isso, guardou no inconsciente e esqueceu. No entanto, pesquisas modernas revelam um conceito de inconsciente bem diferente desse estabelecido há cem anos.
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A explicação mais aceita hoje é a de que o inconsciente, longe de significar uma parte física localizada em uma determinada região do cérebro, é uma espécie de programa operacional capaz de processar, ao mesmo tempo, milhares de informações paralelas. Enquanto o consciente executa suas tarefas de forma serial, uma atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob forma de intuição, o inconsciente é hoje compreendido como uma ferramenta de trabalho mental que executa tarefas fundamentais e pode determinar, em certas circunstâncias, atitudes que uma pessoa deve tomar. Modernamente o inconsciente é considerado como uma forma de inteligência, diferente da inteligência convencional. É hábil também em executar tarefas sem que o consciente perceba; relaciona e toma decisões, determinando o que uma pessoa deve ou não fazer. As pessoas agem em determinadas situações, compelidas pelas sugestões ou informações que foram instaladas em seu inconsciente. Conscientemente, não sabem o que estão fazendo, mas fazem. Entender esse mecanismo é se aproximar de como funciona os efeitos hipnóticos. O inconsciente tem um mecanismo de realimentação de sugestões; o que é depositado nele é retro-alimentado para o consciente e vice-versa. Toda pessoa, a menos que possua uma patologia psiquiátrica séria, é sugestionável e, um meio eficaz de fazer a sugestão funcionar é a sua repetição; com isso, imprime-se no inconsciente uma idéia que realimentará o consciente. É comum na infância se ouvir dos adultos algumas palavras ou frases repetidas, até que o inconsciente da criança aceite a idéia do que isso representa e depois a execute. Disso pode resultar situações que definirão, de forma positiva ou negativa, uma vida inteira. Na atualidade os efeitos da sugestão, agindo com força hipnótica extraordinária, são observados em diferentes veículos de comunicação, através de mensagens explicitas ou subliminares embutidas na informação principal. Esse tipo de comunicação pode determinar tendências no comportamento de massa e, existem organizações que são responsáveis pela difusão de sugestões sistematizadas e repetidas que agem modelando o comportamento social. Por isso alguns efeitos hipnóticos devem ser entendidos como fato social normal que não se restringe só a momentos especiais. Embora os seres humanos vivam como se estivessem sob efeito hipnótico é, ironicamente, por não perceber essa possibilidade que podem ser manipulados ou modelados por idéias alheias à sua própria vontade. Na comunicação de massa, cada vez mais, esse recurso tem sido instituído e serve como instrumento a serviço da mídia na propaganda política, comercial e ou religiosa. Efeitos hipnóticos estão presentes em diversos setores da comunicação, mas sem dúvida, é a propaganda que mais aplica este recurso. Utilizando-se da sugestão subliminar como estratégia para atingir seus objetivos, a chamada hipnose de massa é bastante evidente nos modernos processos publicitários,
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isso tem evoluído muito nos últimos tempos porque hipnotizar é antes de tudo convencer e a propaganda tem este mesmo propósito. Já existem sistemas de publicidade, sobretudo na chamada publicidade indireta, capazes de criar no ânimo dos consumidores o desejo, quase sempre irresistível, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa; como adquirir determinado produto, preferir marca ou modelo e alimentar o consumo desnecessário, deixando-os num estado que se assemelha à hipnose clássica. Assim, identificar esses processos é uma forma de defender-se quando for preciso. A mídia é capaz, de uma só vez, de modificar conceitos e comportamentos de grande parte da sociedade através da repetição da informação que, às vezes, são equivocadas ou ideologicamente construídas pelos interesses da dominação. Tem a mídia, através da sugestão, o poder de influenciar e convencer os coletivos sociais estabelecendo conceitos e preconceitos, alterando costumes, modificando hábitos, gerando consumo e formando opiniões. O recurso da sugestão hipnótica é também fortemente utilizado quando a religião determina o comportamento das pessoas com base na idéia de céu e de inferno, virtude e pecado, santos e demônios. Uma vez sugestionado o indivíduo pode ampliar ao máximo, por si só, o poder da sugestão que recebeu. O resultado desse processo depende de como foi, direta ou indiretamente, sugestionada a agir e, agindo, reforça a sugestão que recebeu em uma realimentação constante, aumentando cada vez mais o seu grau de convencimento em torno do objetivo induzido. O ritual religioso quando associado ao transe hipnótico, produz efeitos que ultrapassam a compreensão pela racionalidade; através de linguagens simbólicas promove o aumento da percepção e curas inexplicáveis acontecem. Algumas religiões milenares que se desdobram em várias outras, chegam à contemporaneidade como no passado, produzindo bem a associação de transe e cura. Nem sempre o transe é produzido apenas através de estímulos dos sentidos normais, pode ser desencadeado por ingestão de substâncias que agem no organismo com este propósito. Em algumas sociedades primitivas substâncias hipnotizadoras encontradas na natureza, geralmente em vegetais, foram incorporadas às liturgias e são usadas até hoje com surpreendentes efeitos. Entre os grandes clássicos do hipnotismo europeu, é comum a referencia inicial ao Padre Gassner que praticava na Alemanha, por volta de 1770, métodos e aplicações de técnicas hipnóticas, associadas à crença católica, com objetivo de curar enfermidades. Para ele as doenças e os demônios estavam quase sempre juntos e uma pessoa doente poderia ser alguém possuída. Aquele que se sentia com o diabo no corpo, e por conseqüência doente, vinha ou era trazido ao Padre para que ele o expulsasse e, assim, promovesse a cura.
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Franz Anton Mesmer assistiu várias apresentações de Gassner e não se conformando com a explicação do Padre, deu uma versão não menos fantástica para as curas através do hipnotismo, em lugar de responsabilizar demônios pelas enfermidades, responsabiliza os Astros. Para ele a doença resulta da freqüência irregular dos fluidos astrais e a cura depende de sua adequada regulagem. Acreditava que certas pessoas teriam o poder de controlar esses fluidos, podendo comunicá-los a outrem, direta ou indiretamente, por intermédio de objetos magnetizados pelo seu contato. Os efeitos hipnóticos saíam da explicação religiosa indo para a explicação da influência astral, tese segundo a qual os fluidos magnéticos invisíveis regulam a vida das pessoas e, por volta de 1780, o mesmerismo se espalhou pela Europa; Mesmer dizia que o crucifixo de metal usado por Gassner era responsável por concentrar e transmitir para os enfermos um fluido magnético curativo. Cria assim a doutrina do Magnetismo Animal, que foi logo bem recebida por legiões de adeptos. Foi ele um dos maiores mistificadores do que mais tarde seria conhecido como hipnose. O magnetismo animal prossegue com o Marquês de Puységur, um dos discípulos de Mesmer. O Marquês, casualmente, enquanto magnetizava um camponês com objetivo de curá-lo de enfermidade, percebeu que o paciente caía em um estado de sonambulismo, como se mantivesse em sono profundo, com movimentos respiratórios tranqüilos. Nada havia das clássicas agitações provocadas pelo Mesmerismo. Puységur percebeu, com surpresa, que o camponês podia falar sem sair do sono hipnótico e com lucidez maior que a habitual, indicou sua própria doença como sendo uma infecção pulmonar e para sua própria cura indicou remédios precisos. Puységur chamou isso de sonambulismo artificial, e descobriu o estágio mais profundo do transe hipnótico que até hoje é chamado de sonambúlico. O magnetismo tomou outro rumo através do médico e filósofo, Denizard Hippolyte Léon Rivail. Em 1850 o mesmerismo atraiu a sua atenção, passando a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet, dirigente da Sociedade Magnética de Paris. Inicialmente Rival freqüentou sessões de magnetismo em busca de solução para os casos de enfermidades de pacientes a ele confiados e tornou-se mais tarde o codificador da doutrina espírita. Em 1859, com o pseudônimo de Allan Kardec, publica o Livro dos Espíritos e cria outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era atribuída aos espíritos. A estruturação de sua doutrina tem por base o pensamento de Pitágoras sobre a existência da alma e sua evolução defendida por Platão, herda diretamente as teorias do magnetismo e os rituais mesmeristas, se desenvolve absorvendo, incorporando e reinterpretando seus efeitos. O espiritismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo substituído pelo hipnotismo. Vários foram os homens famosos que desenvolveram e aplicaram as idéias de Mesmer. Mas foi James Braid, médico escocês que usou pela
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primeira vez, por volta de 1841, a palavra hipnotismo. Deve-se sua iniciação nos estudos da hipnose ao famoso mesmerista suíço Lafontaine, discípulo de Puységur. Em 1843 Braid publica seu livro sobre o assunto; dizia que a fixação do olhar era o processo para o efeito mesmerista. Batizando esses efeitos como hypnos, nome do deus grego do sono, anexado ao vocábulo ismo, que significa estudo, cria a expressão hipnotismo e, disso derivando outros nomes como hipnose, hipnótico, hipnólogo, hipnotizador, hipnotista e hipnotizado. Hipnotista é quem induz o transe hipnótico de forma metódica, técnica e sistemática, é teórico e prático na área da hipnose. Hipnotizador é quem casualmente hipnotiza sem possuir conhecimento teórico, às vezes não sabe o significado da hipnose ou até mesmo como provoca seus efeitos. Hipnólogo é o teórico, estudioso do assunto, conhecedor das técnicas hipnóticas, mas nem sempre hábil na prática de hipnotizar. Hipnotizado é quem está sob a ação do hipnotismo e é também chamado de paciente quando a hipnose é produzida para tratamento médico. Liébaut foi quem acrescentou a sugestão verbal à fixação do olhar desenvolvido no método de Braid. Sua técnica tranqüila e discreta baseava-se nas palavras e no tom de voz. Em 1864, lendo um exemplar da obra de Braid, fez-lhe renascer o interesse pelo assunto que não mais deixaria por toda a sua vida. Seus clientes eram pessoas humildes e camponesas e a eles Liébaut dizia: “Se quiser tratamentos com drogas, terá que pagar a consulta, mas se permitir que faça o tratamento pelo hipnotismo, não terá de pagar nada”. Por volta de 1880, Bernheim foi o primeiro a perceber que o estado hipnótico era normal em todas as pessoas e, principalmente, foi quem definiu os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como elemento provocador de ações inconscientes compulsivas, e propôs aplicar isso como terapia. Nesta mesma época, Charcot achava que a hipnose era uma forma de histeria, descobriu que podia induzir sintomas histéricos através de sugestões hipnóticas. Não concordando, Bernheim apontou a Charcot os seus erros, mostrando-lhe que as características histéricas não eram critérios para o transe hipnótico e que os sintomas da histeria podiam ser provocados artificialmente por mera sugestão. Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas francesas de hipnotismo, uma no hospital La Salpêtrière em Paris e, a outra na Cidade de Nancy. Salpêtrière e Nancy foram escolas que serviram de base para Freud e, as investigações com o uso da hipnose, forneceram muitas pistas que lhe permitiu os primeiros passos para o desenvolvimento da teoria e da técnica da psicanálise. Mas, não é apenas a psicanálise que tem forte envolvimento com o hipnotismo e, principalmente com a hipnoterapia; também pode ser identificado, de algum modo, semelhanças com outras teorias que fundamentam várias psicoterapias, filosofias de vida e concepções de mundo, produzidas nas mais diferentes culturas, tanto orientais como ocidentais. Mesmo que tentem seus idealizadores e seguidores se afastarem do tema, sempre aparecem laços que
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vinculam suas teorias ou idéias aos processos sugestivos ou efeitos terapêuticos próximos aos produzidos pelo hipnotismo. Das duas clássicas escolas de hipnotismo, Salpêtrière e Nancy, resultaram muitos outros pesquisadores; cada um tentando compreender e difundir a hipnose pelo mundo, como Krafft-Ebing na Áustria, Forel na Suíça, Wetterstrand na Suécia, Bramwell na Inglaterra, Heidnhain na Alemanha, Felkin na Escócia, Pavlov na Rússia, McDougall e Phineas Puimby nos Estados Unidos. Com tanta gente estudando e teorizando, a hipnose ganha impulso na aplicação terapêutica e cresce através de demonstrações recreativas. Donato e Hansen, ambos no fim do século XIX, destacaram-se por arrebatarem multidões para demonstrações de grandes espetáculos de hipnose recreativa. Violentas controvérsias explodiram pela impressa, acerca da natureza destes espetáculos, cada qual procurou interpretar a seu modo este fatos estranhos, que tão vivamente incitavam a curiosidade pública. Os homens de ciências, solicitados, foram obrigados ao exame deste tema e muitos médicos, professores e cientistas se interessavam pelo assunto. Nas platéias, cada vez mais, estavam presentes importantes personalidades e, a partir daí, davam novos impulsos à hipnose. Assim, por meio do palco, o hipnotismo alcançou mais intensamente o debate nas academias. Os estudos acadêmicos ortodoxos quando se aproximaram da hipnose foi com receio e cautela. Das tentativas para explicar o hipnotismo cientificamente, muito se deve ao cientista russo Pavlov, quando analisou o fenômeno baseando seu estudo nos reflexos condicionados. Suas hipóteses para enquadrar as explicações nos princípios do paradigma mecanicista não prosperam; as tentativas da ciência neste campo foram vagas e os resultados obtidos nas pesquisas foram sempre imprecisos. Para as neurociências ainda é um desafio desvendar como o processo hipnótico acontece. Mas, com o avanço dos novos recursos tecnológicos aplicados como instrumentos de pesquisa, grandes revelações já ocorrem em laboratórios do mundo científico. Somando-se a isso o fato da ciência estar caminhando por um novo paradigma, a hipnose sairá, em breve, do conceito de pseudociência, ganhará a respeitabilidade da comunidade científica, deixando de ser privilégio de alguns para ser conhecida pelo grande público. Na atualidade estudos sistematizados já despontam em grandes centros de pesquisa acadêmica, como na Universidade de Harvard, juntamente com a Universidade Stanford. Embora vagos os conhecimentos científicos disponíveis para explicar a hipnose, muito antes de ser descartada, está sendo cada vez mais utilizada. Nos dias atuais o hipnotismo é apontado como uma arma eficiente de que dispõe a humanidade em sua incessante luta contra alguns males. O domínio da auto-hipnose pode ajudar na eliminação das doenças psicossomáticas ou eliminar efeitos psicológicos que agravam doenças orgânicas.
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A hipnose quando processada pelo próprio interessado, pode representar um caminho para que seja atingida a melhoria da qualidade de vida, requisito indispensável para a solução de muitos problemas e conflitos. Sua prática permite a descoberta da autoconfiança, promovendo o desenvolvimento da auto-estima e da compreensão de si mesmo, sem que para isso seja preciso, necessariamente, crer ou seguir doutrinas ou ser convencido a colaborar de forma econômica para pessoas ou organizações. O uso da sugestão hipnótica em benefício próprio dá lugar ao conceito conhecido como auto-sugestão ou auto-hipnose, muito difundida na Europa e que entrou em moda nos Estados Unidos na metade do século XX. Charles Baudouin e Pierce, entre outros, escreveram sobre o assunto, mas se deve a Emile Coué a sistematização desse processo. Foi ele quem formulou vários princípios e leis que fundamentam a aplicação da auto-sugestão e desenvolveu o célebre método que chamou de “Domínio de si mesmo pela auto-sugestão consciente”. Suas idéias e frases estão, invariavelmente, escritas nos livros de auto-ajuda. Mesmo que convivam com ela, normalmente as pessoas não acreditam na hipnose; a maioria só acredita quando presenciam demonstrações práticas que não devem ser simples espetáculos de curiosidade. É através de cursos e apresentações que os participantes podem analisar os efeitos hipnóticos a que estão sujeitos no cotidiano e, mais ainda, que podem desmistificar desvendando como é processada a sugestão ou a auto-sugestão e conhecer seus efeitos. As discussões acadêmicas representam o melhor caminho para difundir e desmistificar a hipnose e a Faculdade é o fórum ideal para esse trabalho; neste espaço as apresentações fogem àquele sentido superficial e comum de espetáculo. Seu estudo deve ser claro e baseado, ao máximo, na verdade e nos princípios éticos, morais e científicos, portanto válido pelo sentido útil que se traduz na apropriação do conhecimento teórico e prático revelado nas demonstrações. Nessa oportunidade não se tem um mero espetáculo de curiosidade; tem-se uma exposição de fatos que são reproduzidos para efeito de aprendizagem. A prática é muito importante para quem deseja aprender além da capacidade teórica; a habilidade e a competência nesta área não se adquirem através de simples leitura. Nas páginas seguintes, os aspectos abordados nesta introdução são tratados com detalhes e fidelidade com as fontes pesquisadas. O principal objetivo, não é tomar partido por essa ou aquela opinião, é sim apresentar idéias, conceitos, teorias e métodos que foram desenvolvidos ao longo da história, envolvendo de alguma maneira a hipnose, para comparar com as modernas teorias e práticas das principais psicoterapias.
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CAPÍTULO I – HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO Entender melhor as explicações sobre algumas terapias, incluído a psicoterapia e, especificamente, a hipnoterapia, depende da forma como suas práticas foram introduzidas nos múltiplos e diferentes domínios culturais. Assim, torna-se indispensável uma reflexão histórica, filosófica e científica, mesmo que resumida, para melhor compreender os autores que, no decorrer dos séculos, trataram desse tema. Neste retrospecto, é fácil observar como algumas “verdades” desaparecem e são esquecidas para novamente reaparecerem, talvez mais aperfeiçoadas ou distorcidas. Considerando que a evolução de qualquer ramo do conhecimento jamais ocorreu por meio de atos isolados de um único pensador ou cientista, mesmo que uma descoberta seja atribuída a uma única pessoa, esta, certamente, está embasada em idéias anteriores. É fácil a percepção de como traços culturais de civilizações, sistemas filosóficos, crenças, religiões e modo de se fazer ciência vão, voltam e se vão novamente, é a eterna ciranda do pensamento. Por isso, quando se deseja conhecer a explicação sobre um fato social qualquer, é importante lembrar parte da história do desenvolvimento do conhecimento que orientou teorias sobre a natureza dos homens, das coisas e do Universo. Para melhor refletir sobre a hipnose e a hipnoterapia é importante conhecer as diferentes fases da evolução das idéias que, embora muitas vezes contraditórias entre si, preservam heranças culturais e desenvolvem, a cada momento sobreposto, uma crescente babel conceitual e pré-conceitual chegando à contemporaneidade como sofismas atormentadores. Isso talvez explique, em parte, o porquê e a gênese de algumas práticas curativas que, de formas antagônicas, se apresentam ora centrada na filosofia ou na perspectiva da ciência cartesiana, ora radicalizada no mito, na magia ou na religião. Procurar compreender e explicar a realidade faz parte da natureza humana e, na busca de respostas sobre o mundo, a humanidade desenvolveu diferentes formas de pensar, construídas não apenas pelo senso comum, mas também através do conhecimento dominante, àquele que tem origem no mundo acadêmico. Enquanto o senso comum revelava-se pela cultura acumulada, o conhecimento dominante sempre foi agregado a paradigmas, compreendidos como um conjunto de valores, crenças e convenções que determinam as verdades ou respostas aos problemas humanos. Para o ser humano viver no mundo necessita se sentir seguro, esta segurança é conquistada a partir dos conceitos que ele formula e o conjunto de conceitos forma um paradigma. Enquanto prevalecer um paradigma o estado de segurança é permanente, pois um conceito só é derrubado através do surgimento de um novo conceito que o substitua. Cada paradigma representa um longo período, nos quais se destacam diferentes orientações para o pensamento e considera suas revelações como o ápice do conhecimento. No entanto, a próxima fase considera as idéias anteriores como absurdo, mas, mesmo assim,
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permanecem impregnadas na cultura popular e, mesclando-se ao novo conhecimento, criam contradições, crenças e superstições baseadas em conclusões equivocadas a partir da observação dos fatos ou da experiência vivenciada. Isso exerce influência direta ou indireta sobre o indivíduo e a sociedade, configurando a forma pela qual o humano pode compreender o mundo em que vive e se ajustar nele. Entre os povos primitivos o mito é um paradigma, é forma do humano se situar no mundo, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. O mito não depende de reflexão ou crítica para estabelecer algumas verdades que explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural. É intuitivo e não necessita de provas para ser aceito. É, portanto, uma intuição sobre o mundo, cuja função principal é acomodar o homem na natureza. Mas, o mito não é exclusividade de povos primitivos, existe em todos os tempos e culturas como componente indissociável da maneira de compreender a realidade. Cada povo, com base em seus mitos, tem uma visão própria da natureza e maneiras diferenciadas de explicar os fenômenos e os processos naturais. O mito não é lenda, ficção ou fabulação, é uma organização da realidade a partir da intuição sobre a experiência vivenciada. Para o povo antigo o mito era extremamente precioso por seu caráter exemplar, dogmático e sagrado, sempre verdadeiro, confirmado na vida social, portanto, inquestionável. A sua aceitação não é racional, tem de ser através da fé e da crença, isto é, construído pela afetividade e pela imaginação. Até o século V a.C. o mito era a forma de revelação do conhecimento e significava orientações para a conduta, representava modelos explicativos para as funções e as atividades humanas praticados em diferentes civilizações como os gregos, romanos, assírios, babilônios, chineses, indianos, egípcios, persas e hebreus, além de sociedades primitivas. O pensamento mítico pertence ao campo do pensamento simbólico e da linguagem simbólica, se caracteriza como uma das formas pela qual um povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive; a origem do mundo, o funcionamento da natureza e os processos naturais, além da origem e o destino das pessoas e seus valores básicos. O povo grego antigo tinha essa percepção e o termo grego mythos significa um tipo bastante especial de discurso que pressupõe adesão e aceitação dos indivíduos para a explicação mágica de sua experiência do real. O mito não se justifica e não se fundamenta, nem se presta ao questionamento, à crítica ou à correção, não obedece à lógica nem da verdade empírica, nem da verdade científica. É verdadeiro para quem vive, é a verdade construída pela afetividade e pela imaginação, não necessita de provas para ser aceita. É, portanto, uma intuição compreensiva da realidade, uma forma espontânea do ser humano situar-se no mundo. A forma de explicar a realidade apelando para o sobrenatural, para o mistério e o sagrado é através do pensamento mítico. Assim, as causas dos fenô-
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menos naturais, ou seja, aquilo que acontece aos seres humanos é entendido como que governadas por realidades superiores, misteriosas, divinas. São exteriores ao mundo natural, forças universais e invisíveis provindas dos deuses, dos espíritos, dos Astros e das Estrelas do céu, aceitas como capazes de influir e governar a natureza e o destino dos homens. O mito pretende dar uma explicação da realidade, mas recorre ao mistério e ao sobrenatural, ou seja, àquilo que não pode ser explicado, que não pode ser compreendido por estar fora do plano da compreensão humana. A explicação dada pelo pensamento mítico termina na impossibilidade da explicação do que se deseja conhecer. Ao responder, o mito cria outro problema irrespondível, por isso, a resposta tem de ser definitiva, misteriosa e dogmática. Como proposta para o homem tentar entender o mundo sem recorrer ao misterioso e dogmático surge, no século VI a.C. na Grécia, o pensamento filosófico. Os primeiros filósofos da escola jônica iniciam com o objetivo de buscar uma explicação do mundo natural, na física (physis), baseada essencialmente em causas naturais. A chave da explicação do mundo e da experiência humana estaria então, para esses pensadores, no próprio mundo e não fora dele. Mas, isso não significa o desaparecimento do mito como forma explicativa, muitos dos seus elementos sobrevivem, chega às sociedades contemporâneas e são manifestados pelo imaginário coletivo, criando ou modificando crenças, superstições e fantasias. O pensamento mítico fez parte de uma sociedade baseada em uma monarquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influência e o poder político era hereditário, sustentado por uma aristocracia militar e mantida por uma economia agrária. A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas, vindas provavelmente da Ásia central, em torno de 900 a 750 anos a.C. começam a surgir cidades-Estado. Ocorre uma participação política mais ativa dos cidadãos e a religião vai tendo seu papel reduzido, paralelamente surge uma nova ordem econômica, baseada em atividades comerciais e mercantis. Este novo cenário altera o conjunto de conceitos e inicia um novo paradigma, o pensamento filosófico. Com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, o pensamento mítico vai deixando de satisfazer às necessidades da nova organização social, mais preocupada com a realidade concreta, com a atividade política mais intensa e com as trocas comerciais. É nesse contexto que a filosofia encontrará condições favoráveis para o seu nascimento. Mas, a influência do pensamento mítico permanece por muito tempo ativo também nas escolas de pensamento filosófico, como no pitagorismo e na obra de Platão. A perda do poder explicativo baseado no mito resulta de um longo período de transição e de transformação da sociedade, que torna possível uma nova forma de pensar e alimenta as primeiras escolas do pensamento filosófico no século VI a.C. O pensamento filosófico surgiu não nas cidades do continente grego como Atenas, Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas antigas colônias gregas do
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Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, na península da Anatólia, território que hoje faz parte da Turquia. Essas colônias, dentre as quais se destacaram Mileto e Éfeso, eram importantes portos e entrepostos comerciais, locais de encontro das caravanas provenientes da Mesopotâmia, Pérsia, talvez também da Índia e China. Para lá eram levadas mercadorias que eram embarcadas e transportadas para outros pontos que os navegadores gregos aportavam com suas embarcações. Nas cidades gregas do Mediterrâneo oriental conviviam em harmonia diferentes culturas, pois o interesse comercial fazia com que os povos que ali se encontravam, sobretudo os gregos fundadores das cidades, fossem bastante tolerantes. As colônias do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas imersas no pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas, costumes, cultos e mitos. Considerando o fato de que cada povo tem sua forma de ver o mundo, seus costumes e valores, é possível que o confronto entre as diferentes tradições tenha contribuído para enfraquecer o poder do mito, de dar explicações absolutas e verdadeiras sobre os questionamentos humanos. Nas sociedades gregas, dedicadas às práticas comerciais e aos interesses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo progressivamente sua importância e surge o tipo de pensamento inaugurado, na Escola de Mileto, por Tales (625-547 a.C.) que pode ser considerado como o primeiro filósofo a buscar respostas além daquelas obtidas pelo pensamento mítico. Algumas das características centrais desse novo tipo de pensamento exercem influências entre o século VI e V a.C. em quase todos os pensadores pré-socráticos. É uma nova forma de analisar e ver a realidade porque propõe o uso da razão, mas não significa que a filosofia rompe radicalmente com o mito, apenas suscita o uso da razão no seu esclarecimento, sobretudo aos que se referem à origem do mundo. A principal contribuição da Escola de Mileto ao desenvolvimento do pensamento filosófico e pode-se dizer também científico, foi construir um conjunto de noções para tentar explicar a realidade, a partir de alguns conceitos básicos que rompem com a narrativa do mito. O pensamento das primeiras escolas de filosofia toma por base: • A noção de physis (natureza) e de causalidade. • O conceito de arché ou elemento primordial. • A concepção de kosmos como o Universo racional e ordenado. • O lógos como explicação racional. • O caráter crítico, a discussão e não dogmatismo. Noção de physis e causalidade O objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o mundo natural, suas teorias buscam dar uma explicação causal aos processos e aos fenômenos da natureza, a partir de causas puramente naturais, isto é, encontráveis no mundo concreto, e não em um mundo sobrenatural ou divino como nas
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explicações míticas. Segundo esse tipo de visão, a compreensão da realidade natural encontra-se nesta própria realidade e não fora dela. Aristóteles (384-324 a.C.) chama os primeiros filósofos de physiólogos, ou seja, estudiosos ou teóricos da natureza (phvsis) e dedicou as primeiras páginas de Metafísica a um breve resumo sobre os pensadores que o precedeu. 1 A causalidade é a característica central da explicação da natureza pelos primeiros filósofos, a natureza das coisas é interpretada em termos puramente naturais e o estabelecimento de uma conexão causal entre determinados fenômenos naturais constitui a forma básica da explicação filosófica e científica. Explicar passa a ser relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o determina; é reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza; é tomar um fenômeno como efeito de uma causa. A existência desse nexo torna a realidade inteligível e permite considerá-la como tal, mas é importante, entretanto, que o nexo causal se dê apenas entre fenômenos naturais, considerando que o pensamento mítico também estabelece explicações causais entre fenômenos naturais e sobrenaturais. A explicação de causa e efeito entre fenômenos naturais e sobrenaturais é bem explícita na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada de Homero, um entre os maiores poemas épicos da Grécia antiga, composto no século VIII a.C. e que teve profunda influência sobre a literatura ocidental. No texto pode ser lido quando os deuses tomam partido dos gregos e dos troianos e influenciam os acontecimentos em favor de um ou de outro. Portanto, fenômenos humanos e naturais têm, nesse caso, causas sobrenaturais. Trata-se de uma explicação causal, porém dada através da referência a causas sobrenaturais. A proposta dos primeiros filósofos é romper com essa possibilidade, o nexo tem de ser apenas entre fenômenos naturais. A explicação causal entre os fenômenos naturais possui um caráter regressivo, explica sempre uma coisa por outra. É a possibilidade de buscar uma causa anterior, mais básica, até o infinito. Cada fenômeno poderia ser tomado como efeito de uma nova causa, que, por sua vez, seria efeito de uma causa anterior, e assim sucessivamente, num processo sem fim. Isso invalida o próprio sentido da explicação, pois, mais uma vez, a exposição levaria ao inexplicável, a um mistério tal como no pensamento mítico. Para evitar a regressão ao infinito da explicação causal surge a necessidade de se estabelecer uma causa primeira, um princípio, ou um conjunto de princípios, que possa servir de ponto de partida para o processo racional. Neste ponto nasce a noção de arché (elemento primordial). O Arché e o kosmos Os filósofos começam postular a existência de um ponto de partida para todo o processo do pensamento. O primeiro a formular essa noção é justamen1
ARISTÓTELES, Metafísica (trad. Leonel Valandro), Porto Alegre, Ed. Globo, Biblioteca dos Séculos, 1969.
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te Tales de Mileto, quando afirma que a Terra flutua como um disco boiando sobre a água, no oceano, e que a água está presente em quase tudo que existe na natureza, em seus três estados físicos; líquido, sólido e gasoso. Para ele, a água (hydro) é o princípio e o fim de tudo. Tales escolheu esse elemento como primordial influenciado, provavelmente, por antigos mitos do Egito e da Mesopotâmia; regiões onde a água teve um papel crucial para o desenvolvimento de civilizações, principalmente em locais fluviomarinhos como a margens de rios, lagos e mares. Segundo Tales, a água ao se resfriar torna-se densa e dá origem à terra e ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A hipótese de Tales pode ser resumida nas proposições de que a terra flutua sobre a água; a água é a causa material de todas as coisas e, em suas diferentes formas, é cheia de deuses e poderes divinos. Foi também um dos primeiros pensadores a afirmar que o ímã possui vida, pois atrai o ferro, tendo assim inaugurado a doutrina magnética, básica para o desenvolvimento da “medicina magnética” que se desdobra no mesmerismo, no kardecismo e, por fim, no hipnotismo. A busca por um elemento real que dá unidade à natureza é a contribuição mais importante de Tales, elegendo a água enquanto princípio para a explicação do mundo, inaugura o pensamento filosófico. Para ele a água não era simplesmente a substância encontrada em rios, mares, lagos e simbolizava um elemento real, o mais básico, o mais primordial; presente em todas as coisas em maior ou menor grau. No imaginário coletivo a água vai se tornando também referencia indispensável para a explicação de todas as coisas questionáveis, se transforma em um elemento mágico capaz de promover a cura para o corpo e a purificação para a alma humana. Passa a ser a fonte de explicação para o que não se pode compreender. Os discípulos de Tales elegem outros elementos como sendo primordial para a explicação do mundo, como exemplo, Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.), discordando do mestre, identifica o arché não mais como um elemento natural, mas no apeíron, termo grego que indica o ilimitado, o infinito, uma realidade sem limites e sem fronteiras, um princípio abstrato significando algo de ilimitado, indefinido, subjacente à própria natureza. Anaximandro dizia que a origem de tudo está no movimento eterno que resulta na separação dos contrários; como o quente e o frio, o seco e o úmido. Neste sentido, como forma explicativa da vida, do mundo e do Universo, o pensamento teológico, impõe também contrários como o bem e o mal, a virtude e o pecado, o sagrado e o profano, o céu e o inferno, anjos e demônios, Deus e o diabo. Anaximandro é contraditado por Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) quando afirma ser o ar o princípio e o fim de tudo, dizia que esse elemento se diferenciava nas substâncias por refração e condensação; atenuado torna-se fogo; condensado, vento; ao crescer a condensação, transforma-se em água e
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depois em terra, pedras e tudo mais na natureza. Mas, os gregos também passam a compreender o ar pela expressão pnêuma, ou seja, o vento quente e rarefeito, de natureza mais espiritual do que material, presente em cada ser vivo e que se exala do corpo como no último suspiro. O ar de Anaxímenes passa a ser entendido como o princípio da vida, algo que entra e sai do corpo, entre o nascimento e a morte, por isso passa a significar mais do que uma substancia natural. Dessa idéia mais tarde deriva a concepção de alma e sua imortalidade. Aromatizar o ar passa a ser entendido como forma de melhor sentir sua presença capaz de promover benefícios mágicos para o ser humano. Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) recebeu o cognome de "pai da dialética", problematiza a questão do devir (mudança) e dizia ser o fogo o princípio explicativo para tudo que fosse questionável, para ele tudo muda e tudo flui. Dizia que todas as coisas podem ser transformadas em fogo e que o fogo pode se transformar em todas as coisas. Mas, o pensamento de Heráclito parece ser metafórico, compara a ação do fogo com a ação da moeda pela capacidade que ambos têm de transformar as coisas. Dizia que do mesmo modo como se troca o ouro, no sentido de moeda, por todas as coisas, tudo pode ser trocado por ouro. 2 Suas idéias sobre o fogo, como elemento primordial ou metáfora explicativa, no conceito popular ganha relevância. Além do seu poder de exercer fascinação, o fogo já não se limita apenas à iluminação ou outros serviços; passa a representar mais uma facilidade na relação do humano com o divino. Paradoxalmente a filosofia que surge em substituição ao pensamento mítico, a cada passo o fortalece. Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), natural da colônia dórica de Agrigento, na Sicília, realizou uma síntese filosófica e propôs uma explicação geral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão do que considerou os quatro princípios eternos e indestrutíveis; a terra, o fogo, o ar e a água. Acreditava que esses elementos são misturados ou separados pela ação do amor ou pelo ódio. Tese retomada por Platão (428-347 a.C.) e difundida em toda a Antigüidade, chegando até o período moderno nas especulações da alquimia no Renascimento até o surgimento da química moderna no século XVIII, quando em 1789, Antoine-Laurent Lavoisier publicou a primeira lista de elementos químicos. Depois de Empédocles, Demócrito de Abdera acrescenta mais um elemento, o átomo, acreditava que tudo era composto por átomos e vazio. O atomismo de Demócrito passa a ser a medida explicativa de tudo. Pitágoras (570-500 a.C.) identificou o arché no número, afirmando que cada figura geométrica e, portanto, cada corpo existente, pode ser pensado como quantidade finita de elementos-base unitários. Com a certeza de que tudo é número e tudo pode ser quantificado em números, Pitágoras construiu a primeira matemática e elaborou uma metafísica, um ideal de ordem, racionalidade e harmonia universal. Para ele o número não era um ente abstrato, mas algo 2
NICOLAS, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna (trad. Maria Marghrita De Luca), São Paulo, Ed. Globo, 2005.
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concreto e real com uma dimensão espacial; os números são figuras como exemplo o quadrado, o triângulo e o circulo que se apresentam como um ente intermediário entre a aritmética e a geometria e é capaz de explicar o mundo. Daí se desenvolve a numerologia. No que se refere à magia, Pitágoras também se revela como crédulo das culturas curativas arcaicas baseadas no pensamento mítico. Isso é demonstrado pela lista de estranhas regras de purificação da alma que impôs aos seus discípulos. Algumas ações eram absolutamente proibidas por motivos religiosos, como exemplo, não comer favas; não recolher o que caiu; não tocar em um galo branco; não partir o pão para comer; não saltar sobre traves; não atiçar o fogo com ferro; não morder um pão inteiro; não partir as guirlandas; não se sentar sobre um jarro; não comer coração; não se olhar em um espelho perto do fogo; alisar a marca do corpo ao levantar-se na cama. Outra idéia de Pitágoras é a de que os Astros produzem no seu movimento uma música perfeita e divina, literalmente celestial, a música das estrelas não é percebida pelos homens por não serem estes perfeitos ou refinados do ponto de vista da suprema purificação da alma. Pitágoras foi o primeiro filosofo acidental a sustentar a existência da alma e sua transmigração de um copo para outro no momento da morte. Para ele, devido à culpa anterior, a alma é obrigada a reencarnar sucessivamente, nem sempre em corpos humanos, mas também em animais, em um ciclo que só é interronpido após a purificação. Esta teoria conhecida como metempsicose, professada no oriente pelas religiões hinduísta e budista, chegou à Grécia com a seita misteriosa dos Órficos, cresceu com os ensinamentos de Pitágoras e depois foi assumida por Platão como explicação da anamnese ou reminiscências. Anamnese, em grego, significa recordação, reminiscências. O termo indica a teoria de origem mítico-filosofica com que Platão tenta explicar o problema do conceito e do conhecimento em geral. Segundo sua hipótese a alma, no sentido da mente humana, não adquire conhecimento a partir do exterior, mas recorda no seu interior, aquilo que outrora adquiriu e depois esqueceu. Retomando a teoria da metempsicose de Pitágoras, Platão também acha que as almas transmigram de um corpo para outro, mas antes de ocupar um novo corpo têm a possibilidade de contemplar as idéias, o modelo perfeito das coisas. Este conhecimento, perdido no esforço do nascimento, é posteriormente despertado pela observação das coisas. Assim, a percepção do mundo externo não fornece nenhum conhecimento, somente o estimulo à recordação. O conhecimento dáse por meio de uma visão intelectual, quando o ser humano consegue reconhecer na complexidade do mundo real as formas essenciais e prototípicas, ou seja, as idéias. Para os filósofos compreender o mundo era necessário outro princípio, o Kosmos. O significado do termo para os gregos liga-se diretamente às idéias de ordem, harmonia, circularidade e serenidade representada pelos Astros e pelo espaço celeste. O belo resulta da harmonia das formas vistas no Cosmo; daí a
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origem do termo “cosmético” como símbolo de beleza. A visão do Cosmo distinguia a natureza celeste da natureza terrestre, o mundo supralunar e o mundo sublunar que se opunham, um como perfeito e o outro imperfeito. O imperfeito corruptível e perecível se opõe ao perfeito que é eterno e imutável. As coisas terrestres eram imperfeitas, mas ao contrário da Terra, os Astros celestes eram vistos como perfeitos pela sua forma circular, de movimentos uniformes, sem começo nem fim, sempre girando em torno de um ponto central do qual não se afasta nem se aproxima, habitação dos seres perfeitos e eternos. O Cosmo, entendido como ordem, se opõe ao caos que seria precisamente a falta de ordem. Passa a ser contemplado pelos pensadores como o mundo real, natural e ordenado de acordo com certos princípios racionais, em que certos elementos são mais básicos e se constitui de forma determinada, tendo a causalidade como lei principal. A astrologia é envolvida pelo pensamento mítico com a idéia de um Cosmo finito, esférico, fechado sobre si mesmo, inteiramente contido na esfera dos céus, a Terra imóvel em seu centro e fora do qual, como diz Aristóteles, nada existe, nem lugar, nem tempo. Os Astros celestes, principalmente os noturnos como a Lua e as Estrelas, passam a representar o modelo para a vida humana, espelham a virtude, representam a idéia de perfeição que deveria influenciar o humano, suas atitudes e sua existência. Dessa filosofia deriva a convicção da influência dos Astros na vida e no destino das pessoas, é como se a vida de cada um estivesse escrita nas estrelas. Há na concepção grega o pressuposto de correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real para a compreensão do Cosmo. É a racionalidade do mundo que o torna compreensível ao entendimento humano, a ordem do Cosmo é vista como uma ordem racional, uma realidade possível de ser compreendida. É porque este real pode ser compreendido que se pode fazer ciência, isto é, tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmologia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e o funcionamento do Universo. O Lógos e o Crítico Para o grego compreender o mundo faltava mais um princípio, a argumentação da realidade, o discurso, o lógos. O termo significa literalmente discurso e é com tal acepção que é explicitado, por exemplo, em Heráclito de Eféso. O lógos enquanto discurso difere fundamentalmente do mythos, narrativa de caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. É uma explicação em que razões são dadas no discurso dos primeiros filósofos, explicando o real por meio de causas naturais. Lógos são razões argumentativas, frutos não de uma inspiração ou de uma revelação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao entendimento da natureza. É, portanto, o discurso racional em que as explicações são justificadas e estão sujeitas a critica e à discussão (disso deriva o termo “lógica”). Heráclito caracteriza a realidade como tendo um lógos, ou seja, uma
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racionalidade que seria captada pela razão humana. Um dos pressupostos básicos da visão dos primeiros filósofos é a correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real, o que tornaria possível um discurso racional sobre o real. Para construir o lógos era necessário o crítico, um dos aspectos mais fundamentais do saber que fundamenta as primeiras escolas de pensamento, sobretudo na escola jônica. O caráter crítico impedia que as teorias formuladas fossem dogmáticas, apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas como teorias passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata de construções do pensamento humano, de idéias de um filósofo, e não de verdades reveladas de caráter divino ou sobrenatural, estão sempre abertas à discussão, à reformulação, a correções. Isso aconteceu na escola de Mileto com os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, quando não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o elemento primordial e postulam outros elementos como tendo esta função. Nas escolas filosóficas o debate, a divergência e a formulação de novas hipóteses eram estimulados, a única exigência era que as propostas divergentes pudessem ser justificadas, explicadas e fundamentadas por seus autores e submetidas à crítica. O que é acrescentado de novo na filosofia grega, não é a substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas sim uma nova atitude em relação aos mitos, a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da doutrina, na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica, encontra-se uma tradição crítica da doutrina. Outros pensadores começam a fazer perguntas a respeito do mito, duvidam de sua veracidade, a dúvida e a crítica tornam-se agora parte da tradição da filosofia. Uma tradição superior que substitui a preservação tradicional do dogma e, em lugar da teoria tradicional, do mito, encontra-se a tradição das teorias que criticam a si mesmas e, no decorrer dessa discussão crítica, a observação é adotada como testemunha dos fatos. Não foi por mero acaso que Anaximandro, discípulo de Tales desenvolveu uma teoria que divergia explícita e conscientemente de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, tenha também divergido. A explicação parece ser que o próprio fundador da escola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teoria, e que eles tenham transformado, com esta atitude de fazer crítica, a tradição da escola, trocando o dogma pela reflexão do pensamento. O Cosmo passa a ser entendido pela astrologia, existe agora uma forma de conhecimento racional sobre os Astros, e surgem os pensadores astrônomos. Mas, até o século XVI e o início do XVII o pensamento ainda estava impregnado do ocultismo e da magia. A Igreja incorpora e defende o pensamento filosófico; passa a impor a idéia de que o mundo acima da Lua era reservado à habitação das substâncias mais puras, mais perfeitas e divinas, superiores sobre o mundo imperfeito das coisas terrestres. A filosofia e a Igreja caminham
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juntas e, sob os ditames divinos, reforça que o mundo cósmico é capaz de exercer influência sobre as formas de vida existente na Terra. Tinham como pressuposto básico a existência de um mundo perfeito supralunar, habitado por seres perfeitos do qual os humanos, por serem mortais, são apenas cópias imperfeitas. No século V, a invasão dos bárbaros irrompendo de todos os lados, destruindo no Ocidente a civilização romana, inicia a Idade Média, provocando novas condições políticas e sociais, adversas à conservação e ao desenvolvimento da cultura intelectual. É um período de estagnação intelectual em que não houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os restos da cultura que estava sendo arruinada com as invasões de povos nômades como os visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente os vândalos. O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, não foi criar, mas compilar. E se deve principalmente aos monges, que recolheram em seus conventos muitos manuscritos antigos, que revelavam as sabedorias dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, acomodaram-se à nova situação política e passaram a aceitar os usos e costumes dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao Cristianismo. Com isso houve um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações intelectuais apareceram como doutrinas teológico-filosóficas, que passam a dominar na Idade Média. Entre o século IX e o XVII o pensamento filosófico se caracteriza pelo problema da relação entre a fé e a razão, associando a filosofia grecoromana à teologia cristã. Apoiada na crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, por exemplo, a função de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os problemas da fragmentação política e das rivalidades internas da nobreza feudal. Conquistou, também, vasta riqueza material tornando-se proprietária de aproximadamente um terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, numa época em que a terra era a principal base de riqueza. Assim, pôde estender seu poder hegemônico sobre diferentes regiões européias e impor-se como detentora da revelação divina, se anunciado como a única fonte de verdade. Filósofos eclesiásticos Desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensinamentos às autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja católica sabia que seus preceitos não podiam simplesmente serem impostos, tinham de ser apresentados de maneira convincente. Foi assim que os primeiros Padres se empenharam na elaboração de textos sobre a fé e a revelação divina. O conjunto desses textos, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de argumentos racionais e ficou conhecido como patrística, por terem sido escritos principalmente pelos grandes Padres da Igreja. No plano cultural, a Igreja passa a exercer amplo domínio, trançando um quadro intelectual em que a fé cristã era o pressuposto fundamental de toda sabedoria humana.
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A Igreja Católica concedia, através de decreto do Papa, o título de Douctor Ecclesice (Doutor da Igreja) para àqueles Padres que mais escreviam sobre a doutrina católica, ou que, com maior profundidade, zelo e eloqüência a defendiam. Muitos foram os escritores eclesiásticos que receberam esse titulo por defender a fé associada com a razão. Entre outros, destacam-se Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nazianzo, Cirilo de Alexandria, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. À medida que a Igreja se tornava a instituição mais poderosa do Ocidente, a filosofia de Santo Agostinho definia a cultura da época. Educação e catequese praticamente se equivaliam; as escolas eram orientadas para a formação de membros do clero, ficando em segundo plano a transmissão dos conteúdos tradicionais. O conhecimento tinha lugar central na filosofia de Santo Agostinho, mas ele se confundia com a fé "Compreender para crer, crer para compreender", era uma filosofia condicionada à fé religiosa e, especificamente, à ética cristã. A educação conhecida como patrística, termo que se refere aos padres Magister Ecclesice (Mestres da Igreja), ensinava, instruía e doutrinava estimulando acima de tudo a obediência incontestável ao clero e sua rígida hierarquia. A disciplina rigorosa era a forma de praticar a resignação e a humildade diante do desconhecido. A subordinação era a forma de treinar o controle das paixões para merecer a salvação numa suposta vida após a morte. Para a Igreja o conhecimento tinha por base a crença irrestrita ou na adesão incondicional às verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades expressas na Bíblia e devidamente interpretadas segundo a autoridade da Igreja. De acordo com a doutrina católica, a fé representava a fonte mais elevada das verdades reveladas, especialmente aquelas essenciais ao homem e que dizem respeito à sua salvação. Neste sentido, afirmava Santo Ambrósio (340-397) “Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo”. Assim, toda investigação filosófica ou científica não poderia, de modo algum, contrariar as verdades estabelecidas pela fé católica. Segundo essa orientação, os filósofos não precisavam se dedicar à busca da verdade, pois ela já havia sido revelada por Deus aos homens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as verdades da fé. Embora tenha vivido nos últimos anos da Idade Antiga, que se encerrou com a queda do Império Romano, no ano de 476, Santo Agostinho (354-430) foi o mais influente pensador ocidental dos primeiros séculos da Idade Média. A ele se deve a criação de uma filosofia que, pela primeira vez, deu suporte racional ao cristianismo; numa época em que a cultura helenística (baseada no pensamento grego) havia entrado em decadência e a nova religião conquistava cada vez mais seguidores, embora se fundamentasse quase que exclusivamente na fé e na difusão espontânea. Outros pensadores já haviam se dedicado à revisão da cultura clássica (greco-romana) para adaptá-la aos novos tempos. Era uma forma de mostrar
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aos indecisos que a conversão ao cristianismo não seria incompatível com maneiras de viver e de pensar a que estavam acostumados. Entre os pensadores gregos, o que mais se prestava à construção de uma filosofia cristã era Platão e a escola de pensamento, nos primeiros séculos da Idade Média, ficou conhecida como neoplatonismo. No século VIII Carlos Magno, convertido ao catolicismo, resolveu organizar o ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas às instituições católicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas reflexões da época. Na educação romana, começaram a ser ensinadas as matérias: gramática, retórica e dialética (o trivium) geometria, aritmética, astronomia e música (o quadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas à teologia. A fundação dessas escolas e das primeiras universidades do século XI fez surgir uma produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola). A queda do império romano aconteceu com a deposição do último monarca pelos germânicos. Os quase mil anos seguintes seriam englobados pelos historiadores no período da Idade Média, que tem entre suas características principais o domínio da Igreja Católica sobre quase todas as atividades humanas. A filosofia de Santo Agostinho domina a primeira fase da Idade Média (mais ou menos até o século XI), marcada por guerras constantes, decadência das cidades, pulverização do poder político e internacionalização da cultura por meio da Igreja. É uma época em que a educação é eminentemente religiosa e a ciência avança pouco e se difunde menos ainda. A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras de Aristóteles, não descobertas até então, e à tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego. A busca da harmonização entre a fé cristã e a razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especulação filosófica. Nesse sentido, o período escolástico pode ser dividido em três fases: • Fase um (do século IX ao fim do século XII): caracterizada pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. • Fase dois (do século XIII ao princípio do século XIV): caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que a harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida. • Fase três (do século XIV até o século XVI): decadência da escolástica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais entre fé e razão. A escolástica chega ao seu ápice com Santo Tomás de Aquino (12251274), é quem que proporciona ao pensamento cristão uma filosofia que converge não apenas o pensamento patrístico e escolástico, mas também o pensamento helênico, enriquecido com a filosofia aristotélica. Considera também a
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filosofia como absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional. Inaugura a fase do Tomismo, adotada oficialmente pela Igreja Católica, que considera como a solução definitiva do problema das relações entre a razão e a fé. O Tomismo se caracteriza pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo, rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os princípios da filosofia aristotélica. Tomás de Aquino trata de duas formas o conhecimento: a filosofia e a teologia; a primeira funda-se no exercício da razão humana; a segunda, na revelação divina. São independentes, mas apresentam às vezes o objeto material comum, como exemplo, a existência de Deus, a essência da alma, a revelação intuitiva. A distinção entre essas formas de conhecimento deriva mais do objeto formal, pois a teologia estuda o dogma pelo método da autoridade ou revelação, ao passo que a filosofia o considera por demonstração científica ou pela razão. A doutrina tomista admite que a alma, princípio espiritual, se junta ao corpo, princípio material, constituindo um composto substancial. Assim, as plantas têm uma alma, é a "alma vegetativa", com as funções de alimentação e reprodução; nos animais, é a "alma sensitiva", com as funções anteriores, mais a sensação e mobilidade; finalmente, o homem com todas as funções anteriores, mais a racional. No concernente às propriedades da alma humana, admite o livre-arbítrio, que é estudado sob todos os seus aspectos e todos os problemas dele derivados são resolvidos com firmeza e profundidade. Tomás de Aquino considera ainda a inteligência como a faculdade mais perfeita de nossa alma. Sustentado pela filosofia, o pensamento teológico do século XVI e XVII ainda defendia que os Astros, perfeitamente lisos e esféricos, eram o oposto ao mundo imperfeito do dia a dia dos homens. A concepção da Terra não perfeita, não lisa como os Astros do céu, induzia a crença de que as montanhas existem em virtude do pecado de quem habitava esse mundo fechado, no topo do qual estava seu “teto”; o céu habitado por Deus, lugar para onde se dirigiam os homens bons depois da morte. Essa forma de pensar confirma as idéias de Pitágoras e depois Platão quando justificam a condição de mortal do ser humano, separando o corpo da alma, dando-lhe eternidade, após a morte, para viver no mundo perfeito como recompensa por ter tido uma vida terrena de virtudes. A Igreja católica parece incorporar definitivamente em seus rituais, representações, valores e idéias dos primeiros filósofos. A noção de physis e casualidade, o arché, o kosmos, o crítico e o logos, relacionados por Aristóteles, estão presentes na filosofia teológica, independentemente das diferentes interpretações dadas pelos filósofos eclesiásticos. A prática religiosa conserva os elementares como a água e o sal no batismo, o ar no incenso, o fogo nas lamparinas e velas, o ouro, a prata e outros minerais na construção e decoração dos templos e nos instrumentos litúrgicos. Os Astros compondo o mundo celestial como idéia de perfeição, pureza e beleza divina.
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A ciência experimental Ainda na Grécia antiga aparecem pensadores que, fazendo especulações sobre os Astros celestes, iniciam a quebra do mito filosófico incorporado ao dogmatismo da igreja. Aristóteles de Estagira explicou que as fases da Lua dependem de quanto da parte de sua face é iluminada pelo sol e está voltada para a Terra e, ainda, explicou como ocorre um eclipse. Heraclides de Pontus propôs que a Terra gira diariamente sobre seu próprio eixo e que Vênus e Mercúrio giram em órbita do Sol. Aristarco de Samos foi o primeiro a propor que a Terra se movia em volta do sol, antecipando as idéias de Copérnico em quase dois mil anos. Eratóstenes de Cirênia (240-194 a.C.), foi diretor da biblioteca Alexandrina e o primeiro a medir o diâmetro da Terra. Hiparco de Nicéia, considerado o maior astrônomo da era pré-cristã, construiu um observatório na ilha de Rodes, onde fez observações durante o período de 160 a 127 anos a.C. O último astrônomo importante da antiguidade foi Ptolomeu que, afirmando ser a Terra o centro do Universo, cria o modelo geocêntrico. Quanto mais se especulava sobre o mundo Cósmico, mais o homem desejava voar ou, de algum modo, conquistar esse privilégio. Esse desejo fundamenta-se em uma ambição muito antiga; a mitologia, a arte e a literatura de todas as épocas e culturas estão repletas de imagens de homens-pássaros e do anseio humano de alcançar os céus. Uma das figuras mais célebres da mitologia grega é Ícaro, filho do arquiteto Dédalo de Creta. Para que Ícaro fugisse da ilha onde estava aprisionado, seu pai construiu-lhe asas de cera. Ícaro conseguiu escapar, mas sua ambição o levou a um vôo tão alto que o Sol acabou por derreter a cera. Ícaro caiu no mar e morreu. Entre a Baixa Idade Média (século XI ao XV) até a Idade Moderna (século XV ao XVIII), para a Igreja as estrelas e os planetas estavam todos fixos na abóbada celeste e a Terra era o centro do Universo. Mas, nessa mesma época, tem inicio outra forma de pensamento, a ciência experimental, que vai transformar gradativamente a reflexão filosófica em algo mais objetivo, direto, concreto, portanto, experimentável. Com essa nova visão de mundo, a observação dos Astros celestes continua encantando muitos pensadores, entre eles Nicolau Copérnico que estabeleceu o Modelo Heliocêntrico (O Sol como centro do Universo) e criou conceitos importantes. Observou que a Terra é um dos seis planetas, então conhecidos, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, girando em torno do Sol. Deduziu que quanto mais perto do Sol está o planeta maior é sua velocidade orbital. Baseado em Copérnico, Kepler cria a Lei das Órbitas Elípticas, afirma que a distância do Sol ao planeta varia ao longo de sua órbita. Cria também a Lei das Áreas, afirmando que a reta unindo o planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais e finaliza com a Lei Harmônica, estabelecendo que planetas com órbitas maiores se movem mais lentamente em torno do Sol. Até o século XVI e no início do XVII, mesmo com o avanço do conhecimento sobre o Universo, a Igreja ainda conservava o pensamento dos antigos
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filósofos, impregnado do ocultismo, travando o desenvolvimento da ciência. Mas, pouco a pouco foi perdendo a autoridade para impor sua “revelação” e o fosso entre a religião e a Ciência tornou-se intransponível. Francis Bacon contesta afirmando que o papel da Igreja deveria ser o de apenas responder questões sobre Deus e não explicar a natureza. Dizia ser competência humana investigar, através da observação e da experimentação dos fenômenos, para que a natureza revelasse seus segredos. Bacon inaugura uma nova forma de pensamento, tendo como principal edificador Galileu Galilei (1564-1642). Embora a tradição filosófica do saber aristotélico, incorporada à teologia católica sustentada pela Igreja e ensinada nas escolas, viesse sendo cautelosamente criticada, Galileu foi quem mais frontalmente se opôs, embora outros os tenham antecedido como Giordano Bruno, Copérnico, Bacon; além dos seus contemporâneos, Descartes, Campanella e Johann Kepler. Mas foi Galileu o primeiro a formular o método experimental para se chegar à resposta. Foi o primeiro a formular o problema crítico do conhecimento. Entre todos os astrônomos, da Idade Média até a Moderna, Galileu Galilei, italiano nascido em 1564, nas proximidades de Pizza, foi o mais brilhante. Inventa a luneta e, com esse instrumento, transcende o limite da visão e dos conhecimentos da época. Galileu viu o mundo celeste como ninguém antes dele tinha visto; as montanhas da Lua, os satélites de Júpiter e o anel de Saturno, a constituição da Via Láctea e de várias nebulosas. Essa nova visão do Cosmo consolidou o modelo heliocêntrico, embora a Igreja ainda impusesse o modelo geocêntrico, Galileu sustentou a nova verdade contrária ao dogma da igreja. Do ponto de vista da historia do conhecimento, Galileu foi o primeiro a estabelecer uma linguagem adequada para interrogar a natureza, através do método teórico experimental estabeleceu passos como a observação dos fenômenos, a análise dos elementos constitutivos desse fenômeno, a indução e confirmação das hipóteses e a generalização dos resultados. Cria a teoria das experiências coincidentes e estabelece o principio de Causa e Efeito para explicar os fenômenos. Com isso inaugura o processo de pensamento no qual a resposta se revela por dedução a partir dos fatos observados. Galileu rompe definitivamente com a filosofia tradicional e cria seu método científico baseado nas observações, nas vinculações do que via com as demonstrações quantitativas (matemáticas) dos fatos. Cria assim dois princípios inseparáveis para a construção da pesquisa; a observação e a dedução. Da experiência sensível dos fatos, da dedução necessária, seria inferida a solução do problema investigado. Seu método pode ser resumido em quatro momentos: • A observação imediata do fenômeno na sua complexidade. • Resolução da complexidade nos elementos simples traduzíveis em relações quantitativas, ou em linguagem matemática. • Formulação de uma hipótese explicativa (momento teórico). • A experimentação; verificação da hipótese com cálculo e experimento.
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Galileu passa dos fatos à idéia da sua conexão racional, e desta, volta aos fatos, mas com a dedução de questionamentos. Suas observações se transformam em provas e documentação contrária a tradição aristotélica medieval e a Igreja. Descobre que Copérnico tinha razão, o Sol estava no centro do Universo e a Terra gira em torno dele. Com essas descobertas o homem perde a certeza de sua saúde baseada na serenidade dos Astros e a certeza do Céu como local de destino depois da morte. Tudo conta contra os dogmas da Igreja e Galileu é, por isso, condenado pela Inquisição em 1633 e, para escapar da fogueira, é obrigado a renegar suas afirmações. Morreu em 1642, aos 78 anos de idade, completamente cego, sendo que sua cegueira foi atribuída pelo clero como castigo divino. Na investigação científica do Universo merece destaque também o astrônomo alemão Johann Kepler (1571-1630), nascido em Weil der Stadt, na Swabia, na Alemanha Sul-Ocidental. Adoentado desde o nascimento prematuro, Kepler ainda criança sofreu de varíola e várias outras enfermidades. Em 1584 entrou no seminário protestante em Adelberg, e em 1589 na universidade protestante de Tubingen, onde estudou principalmente teologia e filosofia, mas também matemática e astronomia. Seu professor de matemática, embora proibido pela Santa Inquisição de ensinar a teoria heliocêntrica de Copérnico, acreditava nela e a transmitia discretamente aos alunos, apesar de oficialmente ensinar o sistema geocêntrico de Ptolomeu. Com menos de 25 anos de idade Kepler tornou-se professor de Ciências na Universidade de Graz, na Áustria. Foi ele quem primeiro suspeitou que os planetas apresentassem órbitas elípticas e não circulares, como acreditava Copérnico. Logo depois de ordenar-se pastor protestante, Kepler recebeu a oferta para ser professor de astronomia em Graz, na província austríaca de Styria, desistindo da carreira de sacerdote seguiu para Graz em 1594. Um de seus deveres como professor era fazer predições astrológicas, previu corretamente um inverno rigoroso e, após isso, sua reputação aumentou. Absorvido na busca de um modelo geométrico para o sistema de Copérnico chegou a uma teoria sem fundamento, a idéia de que um mundo perfeito seguiria as leis da geometria e as órbitas dos 6 planetas então conhecidos deveriam circunscrever os cinco sólidos regulares possíveis; a órbita da terra, a medida para as demais órbitas, circunscreveria um dodecaedro. Os resultados coincidiram com a maior parte das precárias observações baseadas nas idéias de Pitágoras, e Kepler, satisfeito, publicou sua teoria em Mysterium Cosmographicum (O mistério do Universo). As idéias de Kepler impressionaram a Tycho Brahe, o famoso astrônomo e matemático da corte do imperador em Praga que o convidou para integrar sua equipe de astrônomos e incumbiu-o de calcular a órbita de Marte. A astronomia aristotélica em vigor partia da pressuposição de que os corpos celestes descreviam órbitas circulares uniformes, eram homogêneos e perfeitos. O movimento dos Astros era "natural", não tinha agente externo, pertencia ao corpo. Ignorava-se a gravidade.
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Com o falecimento de Tycho Brahe, Kepler assumiu o posto de matemático da corte e chefe do observatório. Dispondo agora de todas as informações de que necessitava, compreendeu que as órbitas dos planetas eram em função da atração solar e apenas das elipses. Concluiu que os planetas se movem segundo a elipse e a velocidade dos planetas ao redor do sol variava na proporção que se distanciavam para o extremo oposto da elipse ou se aproximam do foco solar (perihélio). Quando o imperador Rodolfo inesperadamente abdicou em 1611, Kepler decidiu abandonar Praga conseguindo um emprego de professor em uma pequena escola em Linz, na Áustria, em 1612. Onde publicou, em 1618, Epitome Astronomiae Copernicanae. Durante certo tempo, Kepler manteve correspondência com Galileu, que chegou a enviar-lhe um dos telescópios que construiu. Com esse instrumento, confirmou a existência das "luas" de Júpiter, de cuja existência duvidava até então. Para designar esse tipo de corpo celeste, foi o primeiro a usar o termo "satélite" que em latim significa: servente ou acompanhante. Ele também projetou um telescópio e um microscópio, aperfeiçoando os que existiam até então, e fez experimentos com a reflexão e a refração da luz. Escreveu também a obra Somnium, em que narra a viagem que um homem realiza, em sonhos, até a Lua e que contém descrições das superfícies desse satélite. Do ponto de vista mítico, a descoberta de Kepler fez o povo acreditar mais ainda na influencia dos Astros sobre a vida e a sorte, afinal estava comprovada à idéia da existência de uma força universal e invisível que determinava o movimento dos Astros. O futuro também vai tornar realidade a sua narrativa do sonho de um homem a uma viagem a Lua. Quanto mais se conhecia os segredos do Universo mais o homem tentava construir máquinas de voar. Leonardo da Vinci, no início do século XVI, desenhou esquemas de aparelhos muito parecidos com os atuais helicópteros. Para isso, estudou a anatomia dos pássaros e seus movimentos de vôo, mas, apesar de avançadas, suas concepções não saíram do papel porque faltava o conhecimento das leis fundamentais da aerodinâmica que seriam formuladas posteriormente por Isaac Newton. À medida que a ciência se desenvolvia tornava-se mais viável o sonho de voar e crescia o interesse da literatura pelo assunto. Nos séculos XVIII e XIX, grandes escritores tentaram captar a força dos sentimentos quase mágicos provocados pela chamada "conquista do espaço". Em 1865, o romancista francês Jules Verne, um dos pioneiros da ficção científica, lançou o livro com o título Da Terra à Lua, contando a história de um homem enviado ao espaço dentro de uma cápsula, impulsionada por uma espécie de canhão gigante. Método Cartesiano-Newtoniano O desenvolvimento das navegações, do comércio, da manufatura, as novas terras que são incorporadas ao circuito comercial europeu, a afirmação da burguesia mercantil por trás de quase todos os grandes empreendimentos, es-
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pecialmente nas cidades portuárias, origem do sistema capitalista, modifica a maneira de viver e afeta o plano das idéias. Os intelectuais ligados diretamente à Igreja começam a ser substituídos por outros não comprometidos com dogmas religiosos. No plano do conhecimento, quanto à racionalidade do sentido da vida, também ocorrem mudanças e, entre os séculos XIV e XV, reaparece o humanismo, doutrina que tem como princípio a idéia de que o homem é a medida de todas as coisas, elaborada por Pitágoras. O século XVI retoma esse pensamento, ou seja, o conhecimento do homem pelo homem, é a idéia de que o homem se faz por si mesmo. Trata-se agora não do ser humano contemplar a natureza, mas intervir nela, atuar sobre ela. O humanismo ressurge como movimento nas artes, na literatura e na filosofia durante o pré-renascimento italiano, que considera a volta à cultura e aos ideais da antiguidade greco-romana como única maneira de restaurar e valorizar a dignidade do espírito humano. É uma reação contra a escolástica, o conjunto das doutrinas oficiais da Igreja católica que tenta conciliar razão e fé e, nesse sentido, opõe-se potencialmente às religiões reveladas, como o cristianismo. Na primeira metade do século XVII, René Descartes (1596-1650), seu nome em latim era Cartesius, daí a expresão cartesiano, foi um filósofo e matemático francês que ainda jovem tinha como ambição desenvolver um método universal e cientifico de raciocínio que, aplicado a qualquer tipo de dado, produzisse conclusões prontamente verificáveis. Repensou a filosofia da sua época, desenvolvendo um corpo doutrinário segundo a imagem da “árvore do conhecimento”, cujas raízes são a metafísica, o tronco a física, e os ramos as ciências derivadas, de modo especial a medicina, a mecânica e a moral. Descartes afasta-se dos processos indutivos de Galileu e propõe o método racionalista-dedutivo, afirmando ser o único meio científico para se chegar à certeza. Seu método (cartesiano) é executado quando se pesa, mede e quantifica, é totalmente fundamentado nas leis da física e instrumentalizado, sobretudo com o uso da Matemática e postula quatro regras básicas para se chegar á verdade científica: • Regra da evidência – Não acolher jamais como verdadeira uma coisa que não reconheça como tal. • Regra da Análise – Divide cada dificuldade em tantas partes quanto necessárias para resolvê-la (reducionismo). • Regra da Síntese – Conduzir ordenadamente os pensamentos, ou seja, ordenando através de complexidade crescente. • Regra da Enumeração – Realizar enumeração cuidadosa para ter certeza de não haver omissões. Descartes utilizava a dúvida metódica como instrumento básico de raciocínio contra o dogmatismo vigente na época. O seu método é analítico e im-
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plica na decomposição do objeto em seus componentes básicos “penso, logo existo”. Na sua visão toda a natureza divide-se em domínios distintos e independentes; o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa); “coisa pensante” e “coisa extensa”, alma e corpo, sendo ambas determinadas por uma terceira, eterna e infinita substância, Deus. Sob sua orientação intelectual, surgiu a concepção mecanicista; o homem-máquina habita o grandioso Universomáquina, regido por leis matemáticas perfeitas. Descartes tornou-se o pai do conhecimento moderno (o conhecimento cartesiano) e profeta do racionalismo moderno. Cria o método da investigação científica, da organização sistemática, e faz surgir a metodologia da pesquisa dando uniformidade ao pensamento. A certeza agora vem através da razão e a verdade se revela a partir da: a) Observação do fenômeno b) Análise dos elementos constitutivos desse fenômeno c) Indução de hipóteses d) Verificação das hipóteses e) Generalização dos resultados f) Confirmação das hipóteses. O método de Descartes é fundamentado em quatro princípios básicos: 1) Jamais aceitar alguma coisa como verdadeira sem ter certeza de que esta o é, ou seja, evitando a precipitação e a prevenção (dúvida sistemática); 2) Dividir os conceitos complexos em conceitos cada vez mais simples, facilitando o seu entendimento e análise (reducionismo); 3) Ordenar os pensamentos de forma a começar pelos mais simples avançando até os mais complexos, de maneira a assegurar uma melhor compreensão dos mesmos; 4) Fazer o máximo de possibilidades para poder escolher a mais genérica e fazer o máximo de revisões possíveis, para ter certeza de não esquecer de nada. Utilizando os princípios dedutivo e indutivo e as regras de Descartes, no início do século XVIII, Isaac Newton (1642-1727) matemático, físico, astrônomo e teólogo inglês, publica como obra exponencial Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, que constitui a mais ampla e acabada sistematização da física clássica, expondo os princípios e a metodologia da moderna pesquisa científica da natureza. Graças a ele, estabeleceu-se a visão do mundo como uma espetacular e perfeita máquina, movida por leis causais. Inicia o novo paradigma que estuda as partes para se chegar ao todo e, nesta perspectiva, tudo é visto como uma máquina e deve se entender cada peça para entender o que é o todo (a máquina), reduzindo-se a sua menor parte, melhor será o entendimento pela simplificação do problema. A verdade científica tem explicação mecânica (indutiva) e não inferitiva. Esse novo método em busca de respostas passa a ser conhecido como paradigma Cartesiano-Newtoniano. Uma referência a Descartes e a Newton. Isaac Newton é o fundador da Mecânica Clássica, foi quem estabeleceu, a lei gravitacional defendida no seu livro Principia (1713), obtida a partir da observação dos fatos particulares, chega-se por indução ao estabelecimento da lei geral e, a partir desta, por dedução, outros fatos particulares são também inferidos. Superando o método empírico-indutivo de Bacon e Galileu e o racional-
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dedutivo de Descartes, o seu sistema de pensamento científico unificou a metodologia da experiência e da matematização. Foi Newton quem deu a explicação completa ao movimento e à forma como as forças atuam criando a Lei da Inércia, Lei da Força, Lei da Ação e Reação e estabeleceu os grupos de conceitos que conformam o substrato conceitual da ciência moderna; os conceitos de espaço e tempo absolutos e o de partículas materiais, que se movimentam e interagem mecanicamente no espaço tridimensional. Estabeleceu os conceitos de forças fundamentais distintas da matéria e a descrição dos fenômenos em termos de relações quantitativas, e o conceito de rigoroso determinismo e da possibilidade de uma descrição objetiva dos fenômenos naturais. O paradigma cartesiano-newtoniano consolidou-se no século XVIII, influenciando o chamado Iluminismo, sendo um dos principais mentores desse movimento John Locke (1632-1704), filósofo inglês que, influenciado por Hobbes (1588-1679), advogava o empirismo filosófico reduzindo o conhecimento ao seu aspecto psicológico. Criticava a teoria do inatismo defendida por Platão (idéias inatas existentes no espírito humano) e considerava não existir nenhuma verdade autônoma, a mente era como um tipo de papel em branco, onde todo o conhecimento seria gravado a partir da experiência sensível e da reflexão. Foi a ciência cartesiano-newtoniana que concretizou o sonho do homem voar e dominar os céus e, neste sentido, foi dado um grande salto em 1901, ano em que o brasileiro Alberto Santos-Dumont fez um pequeno vôo em torno da Torre Eiffel, em Paris, a bordo de um balão de hidrogênio equipado com um pequeno motor a gasolina. Mas seu grande êxito seria em outubro de 1906, com o histórico vôo do 14-Bis. Pela primeira vez um aparelho mais pesado que o ar foi capaz de levantar vôo por meios mecânicos próprios. Começava ali uma nova fase na história da humanidade. Em outubro de 1957, os russos puseram em órbita o primeiro satélite da Terra fabricado pelo homem, o Sputnik. Em abril de 1961, o russo Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a viajar em órbita em torno do planeta. Oito anos depois o astronauta americano Neil Armstrong, entrava para a história como o primeiro homem a pisar na Lua e avistar a Terra de lá. Finalmente "Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade", com essa frase Neil Armstrong registrou o momento em que pisava o solo da Lua, em companhia do piloto Edwin Aldrin. O terceiro astronauta, Michael Collins, permaneceu a bordo da nave Apollo XI. Em 20 de julho de 1969, a Terra inteira acompanhou pela TV uma das mais fascinantes experiências vividas pelo homem. Até hoje sondas continuam pesquisando planetas, estrelas e fenômenos em distâncias remotas, numa tentativa de satisfazer a curiosidade humana, provavelmente infinita como o Universo. Em termos de compreensão do mundo, a percepção humana deu um enorme salto. Mas, no curso do desenvolvimento científico e tecnológico apareceu uma série de problemas globais que prejudicam a vida humana de manei-
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ras tão alarmantes que logo podem se tornar irreversíveis. Ao lado das grandes conquistas espaciais, os cientistas criaram tecnologias e sistemas armamentistas que ameaçam varrer a vida do Planeta. Serviu ao poder e a acumulação de riquezas para poucos em detrimento do empobrecimento de muitos seres humanos. O progresso da ciência também contaminou o meio ambiente e degradou biosfera. Com todo avanço do conhecimento muito pouco se viu no sentido de preservar a vida coletiva e harmônica entre os seres e a natureza. Embora muito se tenha conquistado no sentido de descobrir a imensidão do Universo, pouco avanço ocorreu para desvendar a mente humana e o sentido da vida. Enfim, é hora de iniciar uma nova forma de pensar que desenvolva o espírito crítico para a autopreservação da vida de forma integrada e sistêmica. É hora de avançar na conquista do espaço interior, na exploração do potencial da mente humana. Ciência Sistêmica ou Holística No final do século XIX, a física clássica encontrava-se em pleno apogeu, com seus grandes pilares: a Mecânica, a Termodinâmica e a Eletricidade, mas o paradigma mecanicista começou a ser abalado seriamente, nas primeiras décadas do século XX, pelas pesquisas dos fenômenos elétrico-magnéticos e a natureza subatômica da matéria. Começava a surgir uma nova Física, facilitando o surgimento de um novo paradigma, a noção cartesiano-newtoniana do mundo como uma máquina torna-se, por fim, obsoleta e insustentável, encontra oposição com um conjunto de conceitos que inicia uma nova forma de pensar. É o início do novo paradigma; o nascimento da chamada visão sistêmica ou ciência holística. Albert Einstein (1879-1955) investigado a natureza subatômica da matéria, questiona o mecanicismo perguntando como se explica, de forma mecânica, a transmissão da luz e das ondas eletromagnéticas através de espaços com ausência de matéria. Cria a teoria da relatividade, afirmando que todo conhecimento é relativo, a compreensão dos espaços vazios entre os elementos do átomo de uma matéria sólida passa a negar as concepções da física ortodoxa. A partir dele, pode-se dizer, inicia o paradigma Holístico ou Sistêmico como uma nova tendência do pensamento. O holismo substitui o mecanicismo, que vê o Universo como uma máquina determinística, sem negar as características mecânicas que se apresentam na natureza, percebe o Universo como uma rede de inter-relações dinâmicas e orgânicas. Essa nova visão muito se deve a Karl Ludwig von Bertalanffy (19011972), austríaco nascido em Viena, que desenvolveu a maior parte do seu trabalho nos Estados Unidos da América. Foi o fundador da Teoria Geral dos Sistemas, fez seus estudos em biologia e interessou-se desde cedo pelos organismos e pelos problemas do crescimento. 3 3
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoría general de los sistemas, (trad. Juan Almela), Madrid, 2ª. Fondo de Cultura Econômica, 1981.
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Bertalanffy, não concordando com a visão cartesiana do universo, colocou uma abordagem orgânica da biologia e tentou fazer aceitar a idéia de que o organismo é um todo maior que a soma das suas partes. Criticou a visão de que o mundo é dividido em diferentes áreas, como física, química, biologia, psicologia, etc. Ao contrário, sugere o estudo dos sistemas globais, de forma a envolver todas as suas interdependências, pois cada uma das partes, ao serem reunidas para constituir uma unidade funcional maior, desenvolve qualidades que não se encontram em seus componentes isolados. A linguagem de bloco, base para a análise dos sistemas, foi elaborada por Bertallanfly e, a partir daí, facilitou investigar o objeto da pesquisa como um subsistema que faz parte de sistemas maiores. A linguagem mostra o grande bloco, no qual se enquadra o objeto de estudo e o todo composto de subsistemas auto-organizados e interdependentes que isolados possui características, elementos e padrões que se alteram no conjunto. Isso quer dizer que a parte se transforma e, para se entender a parte, é preciso conhecer o todo. A teoria da biologia sistêmica elaborada por Bertallanfly, associada às contribuições de outros pesquisadores modernos, evolui para a Teoria Sistêmica da Vida; nada vive isoladamente. A nova visão da ciência nega o reducionismo quando afirma que do todo se pode entender a parte e não da parte se pode entender o todo. Considera que cada parte, quando analisada isoladamente, apresenta características que no todo se modificam. Na ciência moderna o conceito do mundo é de um todo unificado e inseparável, é uma complexa teia de relações onde todos os fenômenos são determinados por suas conexões com a totalidade. Essas conexões podem ser locais e não-locais, instantâneas e imprevisíveis, conduzindo a uma nova noção de causalidade estatística, que supera e transcende a concepção clássica e linear de causa e efeito. Nesta perspectiva a realidade apresenta-se essencialmente dinâmica, não há inércia, passividade ou imutabilidade; tudo vibra e se renova perpetuamente e o único que permanece é a mudança. Essa filosofia abandona a idéia de constituintes fundamentais da matéria, não aceitando nenhuma constante, lei ou equação fundamental. O Universo é descrito como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados, cuja estrutura é determinada pela coerência total de todas as suas inter-relações. A idéia cientifica moderna cria uma visão inacessível à mentalidade cartesiano-newtoniana. Surge uma realidade onde só há espaço, sem nenhuma divisão, onde toda fronteira é criação da mente humana. Não há lugar para teorias definitivas diante do conceito de não-separatividade, de correlação, de teia de interconexão, onde cada elemento de um campo é um evento refletindo e contendo todas as dimensões desse campo. É uma visão do todo e cada uma de suas partes, estreitamente ligadas, em interações constantes e paradoxais. Nesta visão o todo é maior que a soma de suas partes, sendo que cada parte contém o todo, mas o todo não contém a parte. Se uma parte for dissecada e
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conhecida, no conjunto passa a ser desconhecida porque vai apresentar outras propriedades que isoladamente não se revelam. O paradigma holístico desenvolveu-se a partir de uma concepção sistêmica, nele subjacente, essa abordagem consiste na consideração de que todos os fenômenos ou eventos se interligam e se inter-relacionam de uma forma global; tudo é interdependente. A Natureza transcende a toda e qualquer noção de entidade ou elemento, o Universo é uma teia dinâmica de eventos interconectados, onde cada partícula, de certo modo, consiste em todas as demais partículas. Então, a abordagem holística pode ser assim sintetizada: a) Integra e ultrapassa a dualidade e a dialética. b) Estimula a integração transdisciplinar. c) Transcende e amplia as metas preestabelecidas. d) Estimula e encoraja a pesquisa de novos caminhos. A maneira pela qual o pensamento se estruturou para produzir o conhecimento mudou muito no decorrer dos séculos, mas, a cada mudança, reflete fragmentos dos modos de produção e reprodução anteriores. É por isso que, de certa forma, o conhecimento atual volta aos pré-socráticos, que não distinguiam filosofia e mística, ciência de poesia e arte. Aristóteles denominou de física à filosofia e esta abrangia a lógica, a ética, a estética e fenômenos da natureza e, a partir daí, os filósofos tinham uma compreensão total da realidade. Na nova visão de ciência é preciso um tipo de pesquisador; diferente daquele que rejeita tudo que não se enquadra na síntese dos dados científicos. Este pesquisador deve ser, ao mesmo tempo, racional e intuitivo para buscar além do raciocínio crítico, respostas para as questões do homem e da natureza. Como alguém que encara os acontecimentos não como ocorrências separadas, mas como elos num sistema. Na fase atual da pesquisa acadêmica todos os ramos do conhecimento devem ser abrangidos pela transdisciplinaridade. Sem negar a especialidade, a transversalidade dos temas entre si é que induz o questionamento do real, numa abordagem aberta e evolutiva. A verdade é que o pensamento científico, metódico, sistemático, responsável pelo grande salto da humanidade, tem pouco mais de três séculos e o paradigma científico do século XXI, apenas começando, já aponta respostas antes imaginável. Na dedicação da conquista do Cosmo pouco avanço ocorreu para o conhecimento de algo bem mais próximo, que ultrapassa os limites da lógica e da razão, que mesmo perto está muito além dos limites dos olhares, além do Céu e das Estrelas; a consciência do Universo Interior e sua auto-sustenção. Assim, a ciência moderna reforça uma tese antiga e recomenda também que nunca é demais relembrar a inscrição no Templo de Delfos, “homem, conhecete a ti mesmo e conhecerás o Universo”. No estágio atual a humanidade crê tudo dominar e controlar, acredita que nada possa escapar ou ultrapassar seus conhecimentos científicos, mas, por não ter a ciência todas às respostas, o ser humano ainda recorre aos preconceitos e mitos para explicar o que não pode compreender. No debate filosófico da eterna busca do conhecimento, está amadurecendo teorias afirmando que a
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sociedade humana caminhará para a evolução da consciência sobre as coisas e não no domínio e controle das coisas. É uma nova forma de responder e compreender questões sobre si mesmo e sobre a natureza do mundo. O desenvolvimento da consciência envolve um conjunto de práticas que requerem novos pensamentos, novos valores e novas atitudes com relação ao mundo. Nesta nova era do pensamento, o homem não atribui à natureza um valor apenas instrumental ou de uso excessivo, justificado pela competição e acumulação de riqueza a qualquer custo. Embora aponte para o desejo de mudar a forma de pensar e de agir, parece que o ser humano ainda não percebeu completamente sua relação com a natureza. Mas, a nova visão de ciência já vê o mundo como uma teia de fenômenos essencialmente inter-relacionados e interdependentes. O ser humano é um ser em evolução biológica e mental, na fase atual não está no princípio, mas também está longe do fim do seu potencial evolutivo. Experimenta ainda um raquitismo psíquico que se traduz pelo prazer em ferir, não apenas fisicamente, matando seres vivos para sua própria satisfação pessoal, mas também no plano ético e moral, nesse processo subdesenvolvido encontra prazer na ofensa, denegrindo e humilhando seu semelhante. Vive num ambiente de egoísmo, ambição, cobiça e orgulho que nutre o sentimento de vingança e competição. No futuro o ser humano saberá que sua própria ciência o tornou presunçoso; o fez pensar que a natureza está a seu serviço e não se viu como parte interdependente dela. Ainda se imagina como sendo algo essencialmente separado dos outros seres os quais considera como inferiores. Mas, o holismo reconhece que todos os seres, inclusive o humano, estão inseridos nos processos cíclicos da natureza e são dependentes deles. Quando essa percepção tornarse parte da consciência cotidiana, o apego a bens materiais cederá espaço para um bem muito maior, a descoberta do potencial humano e seu desenvolvimento mental, com base no extremo sentimento de benevolência, generosidade, caridade, justiça e fraternidade. Embora a ciência tenha produzido grandes conquistas, pouco se sabe sobre a essência humana; ainda não foi possível responder com precisão como ocorrem os efeitos hipnóticos ou explicar os chamados transes e êxtases que sempre ocorreram, desde o início da história das sociedades humanas até os dias atuais, sem recorrer ao olhar mítico ou religioso. Mas um dia, no futuro, para aliviar seus sofrimentos as pessoas vão saber buscar as soluções de seus conflitos na sua força inata, sem recorrer ao misterioso, aos dogmas e mitos. Isso depende apenas de uma nova consciência sobre si mesmo. Pela nova visão da ciência, talvez o futuro próximo possa explicar o potencial e o mecanismo inato que cada ser tem de promover sua própria cura e bem-estar, além da compreensão de como “cada um carrega em si o dom de ser feliz”, mesmo na adversidade. Se o novo paradigma do pensamento for re-
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almente a solução para a descoberta da verdadeira sabedoria, envolvendo uma nova consciência sobre a condição humana, só o tempo dirá. A lógica econômica que sustenta as sociedades humanas no inicio do século XXI parece falida, existe uma indicação clara de caos social que requer urgentemente alterações de valores morais e éticos em todos os seguimentos. Ocorre excessivo controle de proteção aos interesses corporativistas de pequenos grupos que prejudicam a qualidade de vida coletiva. No mundo inteiro é assustador a degradação ambiental; pesquisas científicas apontam que, nos últimos vinte e cinco anos, todas as formas de vida no planeta estão em declínio, soma-se a isso a falta de horizonte para o futuro; da expectativa de vida melhor para a população jovem, descrença e desolação para a população idosa, falta também confiança nas instituições públicas, trabalho digno e produção sustentável. No plano individual, nunca antes houve tanta queixa de pânico, ansiedade, instabilidade do humor e outras formas de crises emocionais e, como forma de superação, alívio ou fuga, nunca se recorreu tanto às psicoterapias ou ao consolo religioso. Para vencer o caos social é necessário o despertar de uma nova consciência, para isso, talvez seja imprescindível que o ser humano ajuste o pensamento e o sentimento, mesclando a ação racional com a emoção, se afastar da turbulência das competições egoísticas, do jogo de interesse, da aparência e da arrogância. É preciso transcender o imediatismo da acumulação individual de bens materiais para viver bem coletivamente, cultivando vínculos de confiança, de fraternidade e de justiça plena. Talvez um bom começo para a reconstrução de uma sociedade mais justa, seja aprender como respeitar as diferenças e valorizar o potencial que cada um tem em si para desenvolver o dom de praticar o bem e estar pronto para desencadear o bem coletivo. É necessário que todos reconheçam o seu direito de ser feliz e ajudar o próximo a ser feliz, respeitar o direito à vida de todos os seres e saber que o humano pertence à natureza e não é a natureza que lhe pertence. Alguém que evolui nesse sentido, pensa e age como quem busca no ideal de servir, a razão e o sentido da vida. Hipnoterapia e Ciência Processos e efeitos hipnóticos envolvendo rituais religiosos e procedimentos de cura são características humanas, manifestadas em diferentes fases do desenvolvimento da percepção e do pensamento, no decorrer da evolução das civilizações. Por isso, explicações sobre o hipnotismo passam por caminhos de muitos vieses, incorporam conceitos e pré-conceitos centrados no pensamento mítico, mesmo quando se aproximam da ciência contemporânea, o hipnotismo, equivocadamente, é quase sempre visto com algo mágico, distante da racionalidade. Trazer a hipnose para o conhecimento científico nasce quando, de acordo com os padrões de ciência do século XIX, a noção de verdade depende, neces-
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sariamente, de contar com o aval da ciência. E o conhecimento científico passa, então, a ser aquele produzido em laboratórios, com o uso de instrumentos de observação e medição. Com o surgimento do Positivismo, sistema filosófico idealizado por Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês do século XIX, que postulava a necessidade de um maior rigor científico na construção dos conhecimentos nas ciências humanas e recomendava a explicação teórica para as observações práticas, a própria filosofia adapta-se aos novos tempos. Neste sentido, justifica o austríaco Fritjof Capra, físico, cientista e ambientalista, atualmente vivendo em Berkeley, na Califórnia: O aspecto mecanicista-reducionista que se apresenta na ciência atual foi consolidado definitivamente com os extraordinários sucessos da física clássica do século XVIII e, ficou ainda mais forte com o desenvolvimento da teoria atômica da matéria. Com o exemplo dado pela física, e o reconhecimento que esta ciência obteve nos meios intelectuais, a biologia e a medicina enveredaram pelo mesmo caminho. Obtendo grandiosos sucessos em revelar as bases moleculares da vida, tendo como um dos pontos altos a descoberta dos componentes e das estruturas dos organismos vivos, por exemplo, o DNA (Fritjof Capra). 4
Desta forma, para se conhecer o psiquismo humano, passa a ser necessário compreender o mecanismo e o funcionamento da máquina de pensar do homem - seu cérebro. Assim, partindo das premissas científicas, a explicação para a hipnose começa a trilhar os caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia. Se, antes, a hipnose estava subordinada à filosofia, à teologia e até a própria arte e a magia, a partir de Pavlov é vista pela perspectiva de ligar-se à ciência; suas hipóteses tentaram se enquadrar no paradigma científico baseado no mecanicismo reducionista Newton-cartesiano, mas, por não lhe ter dado todas as respostas, a hipnose não se liberta o suficiente para abandonar os padrões anteriores. Dentro da visão puramente científica mecanicista reducionista, o corpo humano ainda é visto como uma máquina e, nestas condições, fica complicado e, até contraditório, se considerar o ser humano como um ser bio-psico-social, que de fato é. Visto assim, a ciência atual não é o único caminho para respostas sobre o ser humano e, por isso, até hoje os métodos terapêuticos convencionais não eliminaram os métodos de curas alternativas que, embora deles se duvidem, funcionam. Dentro desta concepção afirma Capra: ... quando os cientistas reduzem um todo a seus constituintes fundamentais, sejam eles células, genes ou partículas elementares, e tentam explicar todos os fenômenos em função desses elementos, eles perdem a capacidade de entender as atividades coordenadoras do sistema como um todo... (CAPRA).
A ciência mecanicista reducionista não responde as questões de vários temas humanos; como consciência, desejo, virtude e a emoção manifestada na 4
CAPRA, Fritjof. A Teia da vida: uma nova compreensão científica dos seres vivos, S. Paulo, Ed. CULTRIX, 2000.
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paixão, no amor ou no ódio, na alegria ou na tristeza ou qualquer outro estado emocional, além do próprio pensamento que, embora existam, não podem ser medidos nem pesados, por isso, não são possíveis comprovações científicas. Fritjof Capra, referindo-se aos possíveis equívocos dos cientistas na formulação de determinados conceitos, afirma que o erro fundamental reside no fato de a ciência não levar realmente em conta que um conjunto pode muito bem apresentar propriedades que não se encontram nos seus componentes individuais. Aponta como erro básico do paradigma científico mecanicista reducionista e subjacente ao modelo biomédico, o fato de que se confunde a vida com os seus elementos constituintes. A distinção fundamental entre uma perspectiva reducionista e uma outra de conjunto, ou sistêmica, é representada por duas abordagens paradigmáticas distintas. Dentro destas duas concepções a investigação científica caminha em sentido oposto. Mas, o reducionismo ainda é a ênfase na pesquisa científica atual e, assim pretende-se ter uma visão compreensiva e aprofundada do que seja a vida. Para os pensadores holísticos, quanto mais se aprofunda no conhecimento das estruturas microscópicas, mais se perde a visão de relação macro-sistêmica ou a visão do conjunto da vida em suas manifestações dinâmicas. Quanto mais se analisa um fato em seus mínimos detalhes, mais facilmente se perde a visão de conjunto sobre tal fato. Quando se refere à terapia, o conflito entre o paradigma mecanicista e o holístico remete para as exigências de uma abordagem multidimensional do ser humano e uma revisão dos pressupostos antropológicos dos atuais métodos de cura. A visão mecanicista, ainda convencional, é fragmentária e sectária, o médico dependente sempre de instrumentos para medir e controlar a saúde a partir do fisiológico e, se o quadro se agrava, a tecnologia requerida é cada vez maior. Falando sobre a demasiada importância devotada a sofisticada tecnologia médico-instrumental moderna, Medeiros 5 sugere uma perspectiva holística tanto para o diagnóstico como para o tratamento, afirmando que conhecer o homem significa mais do que compreender seu mecanismo fisiológico, é preciso penetrar nos seus sentimentos: Conhecer este ser vivo chamado homem é não apenas conhecer o mecanismo fisiológico e bioquímico dos diversos aparelhos e sistemas, mas também penetrar nos sentimentos, na alma de pessoas, que muitas vezes não estão doentes, apenas “se sentem doentes” e até mesmo “querem ficar doentes” (MEDEIROS).
Uma característica da medicina moderna é, na busca da cura, procurar tratar as doenças de forma multidisciplinar, o que ajuda diminuir as conseqüências adversas, às vezes provocadas pelo estresse decorrente do 5
‘MEDEIROS, Damião Nobre de. A vitória da máquina. In: Medicina, Conselho Federal. Brasília DF, rev. nº 98, outubro, p. 28, 1998.
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próprio quadro. Cada paciente deve ser abordado de forma individual, isso implica na melhor relação médico-paciente. Um passo importante nesta relação é explicar, na medida do possível e com linguagem clara, o conceito da presumível doença, sua ação e expectativas, suas limitações de êxito ou fracasso. Se a solução não aparecer após as primeiras intervenções, a conversa pode diminuir a frustração e a desconfiança do paciente e, isso, servirá de base sólida para o sucesso da ação terapêutica. Além da interpretação etiológica, o médico deve ouvir o doente para avaliar se suas queixas não estão associadas a distúrbios psicossomáticos como estresse e depressão. A cura também depende de sua influencia pessoal, de seu prestígio, dos conselhos consoladores que sabe dar. Sua presença deve restaurar a tranqüilidade e influenciar a vontade e a imaginação do paciente, condição favorável para a cura. Se o médico é um hipnotista poderá sugestionar nesse sentido em grau máximo. A ação da sugestão verbal aliada a influencia do prestígio pessoal foi referida por Platão com forma de tratamento para as mais diferentes moléstias do homem. Essas idéias são expostas em seus escritos como em Cármides, 6 e em Fédro, 7 quando expõe acerca da terapia pela palavra; pelo poder da sugestão verbal transformado em elemento de cura. Afirma que as palavras são phármakon, no duplo sentido grego do termo; tanto pode ser um veneno como um remédio, depende da dose ou da forma como se aplica; as palavras quando usadas pelo filósofo é um remédio; podem se constituir em um profícuo bálsamo, mas quando usadas por um sofista é um tóxico mortal. Considerando que hipnose e seus efeitos não são questões ainda bem resolvidas do ponto de vista científico, a prática do hipnotismo na área de saúde representa alguns casos isolados. Falta um estudo sistematizado sobre esse tema nas faculdades que, geralmente, praticam o ensino no domínio do conhecimento sobre o organismo e seu fisiologismo concreto, em bases bem cartesianas, afastando-se da área conceitual abstrata. Na concepção epistemológica são difíceis respostas para questões que não são facilmente mensuráveis. Por isso, mesmo se tratando da saúde humana, não é prioridade o estudo de conceitos que a ciência cartesiana não pode explicar; como pensamentos, sonhos, entropia e informação que não envolvem objetos ou corpos definidos. É isso que afirma o físico Paul Davies autor de Deus e a nova física, 8 quando diz que ninguém pode negar que um organismo é uma coleção de átomos, moléculas e tecidos, mas alerta para o erro de se supor que ele é nada mais que isso. Lembra Davies, o fato de um conceito ser abstrato em vez de concreto ou substancial não o torna, por isso, irreal ou ilusório, como exemplo, o pensamento de uma pessoa não pode ser 6
Platão. Cármides. Coimbra, I.N.I.C.; 1988. Platão. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950. 8 DAVIES, Paul. Deus e a Nova Física. Lisboa, Coleção Universo da Ciência. Edições 70. 7
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pesado ou medido, nem ocupa nenhum lugar no espaço, contudo, é parte integrante do que ela é. Cientificamente conceitos como alma, sensibilidade e sentimentos, entre outros, os quais por sua natureza não podem ser medidos ou observados, são totalmente inadmissíveis. O mesmo acontece com os processos hipnóticos e seus efeitos; em sua complexidade não pode ser totalmente compreendido pela ciência reducionista. Mas, mesmo distante do método mecanicista, estudos científicos sobre o hipnotismo têm sido realizados. Mas, quando a ciência estuda aquilo que não está integralmente na área científica, isto é, aquilo que não pode ser compreendido pelo reducionismo, passa a determinar valores científicos e a formular sobre o objeto da pesquisa características de pseudociência. Isto é fetichização científica, é o abandono do pensamento da contradição, da dialética, para explicar-se àquilo que é contraditório e dialético; na ciência a contradição não existe, até porque não faz parte de sua dimensão de estudos, por isso mesmo é que ela é cartesiana. Segundo o princípio estabelecido na obra Crítica a razão pura (1781) do alemão Immanuel Kant (1724–1804), se é ampliada a dimensão do objeto de estudo a contradição surge e, por ser contradição, deixa de ser científico. A extrema cientificação da humanidade só se tornou possível com as previsões dos comportamentos humanos numa visão behaviorista, tudo aquilo fora destes padrões fica difícil para a linguagem da ciência. No livro Critica da razão prática (1788), Kant afirma que a razão prática aplicada no campo da ação humana permite que o homem tome suas decisões baseado em princípios. Seria a possibilidade de estabelecer a adequação entre a coerência lógica explicativa e a realidade empírica ou observada, mas as verdades da ciência subordinadas à racionalidade do método cartesiano não admite o principio do contraditório. Para a ciência, tudo o que é contraditório é impensável, é confuso e sinônimo de irracional, portanto não científico. Com base nestes fatores, a ciência, dentro do paradigma atual, não pode apresentar explicações concludentes sobre os contraditórios fenômenos hipnóticos. Na maioria das explicações sobre hipnose, entre as diversas concepções teóricas, é muito observado o princípio do contraditório, logo, foge aos padrões da verdade única da ciência como ainda é praticada. Usando o paradigma cartesiano, a ciência resolve apenas os problemas para os quais seus métodos e conceitos são adequados. Sendo o objeto do estudo científico fora deste padrão o resultado é fetichização científica. Uma maneira de minimizar as diferenças entre o paradigma reducionista cartesiano, atualmente dominante, e o paradigma holístico, hoje emergente, talvez possa ser por meio da associação da ciência e da filosofia para o entendimento do problema. Isso pode permitir diferentes modos de percepção e de compreensão dialética da realidade do ser humano (abordagem fenomenológica). Partindo deste princípio haverá de surgir novas explicações para o hipnotismo diferentes das obtidas e não convincentes até aqui, porque
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foram isoladamente produzidas pelo reducionismo mecanicista ou pelo devaneio fantasioso da imaginação tentando explicar a realidade concreta sob a ótica puramente especulativa. A hipnose enquanto filosofia está relacionada à alma humana, descende da escola de Nancy e, por mais paradoxal que possa parecer, encontra amparo teórico quando se aproxima das teses que sustentam as idéias psicanalíticas. Na visão puramente científica, a hipnose está baseada no critério da observação de dados que possam ser medidos e comprovados, de forma incipiente isto aconteceu no hospital La Salpêtrière e ganhou impulso com as idéias pavloviana, que tenta enquadrá-la na estrutura físico-orgânico-cerebral. Mas, a pesquisa cientifica sobre o nexo causal entre a ocorrência da hipnose e seus efeitos, têm sido produzidas para soluções de problemas quase que exclusivamente especulativos, portanto, não científicos. Na fase atual, as pesquisas científicas sobre o tema do hipnotismo, baseadas no reducionismo mecanicista, ainda encontram sérios problemas metodológicos. Contudo, com a ciência caminhando para a visão holística, a hipnose poderá sair do conceito de pseudociência e obter explicações mais sustentáveis. O importante nesta questão é que a ciência se aproximou da hipnose e, se ainda não explica, pelo menos a reconhece como verdadeira, portanto, já conta com o aval do reconhecimento científico. Pesquisadores passam então a trabalhar o tema com investigações em laboratórios, utilizando instrumentos de observação, medição e controle das variáveis. Ainda assim, não se descobriu com precisão o porquê, nem como ocorre a hipnose, mas, com certeza, já se sabe, é verdadeira. A hipnose funciona no campo das emoções humanas, é o plano dos desejos e das paixões inconscientes e compulsivas do ser humano. Enquanto o consciente é racional, o inconsciente é emocional e a emoção é responsável por vários efeitos psicossomáticos que tanto podem ocasionar doenças como podem promover sua cura. Embora reconheça a relação de causa e efeito entre o psiquismo e o orgânico fisiológico, os neurocientistas ainda não são capazes de explicar como o processo de autocura acontece. Uma explicação bem aceita é de que o inconsciente é capaz de processar informações paralelamente, ao mesmo tempo, enquanto o consciente executa suas tarefas de uma forma serial, uma atrás da outra. Enquanto os cientistas buscam as causas de tamanha eficiência, o inconsciente continua incansável em sua missão de revelar soluções para problemas diários e isso ocorre principalmente quando alguém está agindo pela intuição, vivenciando efeitos hipnóticos deflagrado pelo relaxamento da atividade mental consciente ou vivenciando as emoções do estado de transe. A pesquisa científica já admite o impacto das emoções sobre a saúde orgânica, a essa conclusão chegou o fisiologista americano Walter Cannon (1871-1945), professor da Universidade Harvard, o primeiro a demonstrar, em
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animais, como o stress pode agir sobre o organismo. Ele classificou uma série de eventos psicossomáticos como um conjunto de reações disparadas pelo organismo em situação de perigo ou pressão psicológica. Ao estudar estímulos físicos e psicológicos Walter Cannon elaborou, em 1914, o conceito de "reação de emergência". Essa reação é imediata à percepção de ameaça, teria a função de preparar o organismo para luta ou a fuga e, a isso, denominou como sendo a “síndrome da fuga e luta”. 9 O fisiologista austríaco Hans Seyle (1907-1982) estabeleceu pela primeira vez os efeitos psicossomáticos agindo no ser humano. Em seu trabalho The Stress of Life, de 1956, 10 Seyle foi o primeiro pesquisador que, por meio de experimentos com animais de laboratório, desenvolveu o conceito de SAG - Síndrome de Adaptação Geral e deu origem à idéia de que situações que geram estresse podem provocar doenças diversas, inclusive mentais. Na atualidade, cientistas americanos, na tentativa de explicações neurológicas para a hipnose, utilizaram equipamentos modernos, e conseguiram imagens do cérebro funcionando durante o transe. Uma experiência realizada na Universidade de Harvard, juntamente com professores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, relata que dezesseis voluntários observavam imagens em cores pintadas em uma tela e depois de hipnotizados, eles foram sugestionados a acreditar que a mesma figura colorida, vista outra vez, era toda cinza. Neste instante os cientistas observaram através de instrumentos computadorizados, como o PET - Positron-Emisson Tomography (Tomografia por Emissão de Pósitrons), que o cérebro hipnotizado ativou uma região que inibe a visão das cores e passou a ver em preto e branco. Mais tarde os mesmos voluntários foram induzidos a ver cores em imagens onde elas não existiam e os resultados negam as possibilidades de farsa, confirmando que o cérebro estava mesmo vendo colorido. 11 Desde 1996, o PET mostra com precisão quais regiões cerebrais estão sendo ativadas a cada momento, passou a ser usado também para a investigação sobre a hipnose. Este instrumento substitui o EEG (Eletro Encefalograma) usado em experiências anteriores que podem até mostrar a região da visão sendo ativada, mas não informaria se o indivíduo hipnotizado estaria mesmo enxergando aquilo que foi apenas sugerido. O PET é uma ferramenta importante para explorar o funcionamento do cérebro. Quando os neurônios disparam, o fluxo de sangue para a região aumenta, e, embora o aumento seja pequeno, ele é mensurável por imagens ele-
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CANNON, Walter B. The Wisdom of the Body, N. York, 2ª ed, W. Norton, 1939.
10
SELYE, H. O stress da vida, N. York, McGraw-Monte, 1976.
11
SUPER Interessante. Visão hipnótica, S. Paulo, revista mensal, Ed. Abril, maio/98, p. 40-45.
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trônicas. Esse tipo de imagens a partir de dados eletrônicos é chamado tomografia. 12 Profissionais da saúde, atualizados com informações de pesquisas credenciadas por publicações científicas recentes, já admitem o poder da cura pela hipnose como fato e acreditam que é possível constatar seu uso como ferramenta para vencer os efeitos do stress no organismo e no psiquismo humano. Pelo menos, alguns já afirmam que ninguém sabe como, mas que a hipnose cura, não se discute, cura. Na década de 1990 cresce o interesse do mundo acadêmico pelo assunto. Wolberg 13 não aceitando nenhuma das explicações teóricas dadas até então sobre o transe hipnótico e seus efeitos, reconheceu que o hipnotismo não se justifica apenas pela hipótese da verdade científica positivista. Referindo-se a isso, ele disse: Meu trabalho pessoal com a hipnose convenceu-me de que o estado de transe não pode ser explicado quer em bases psicológicas, quer em base fisiológica exclusiva. Ela é, antes, uma reação psicossomática complexa que abrange os elementos psicológicos e fisiológicos (WOLBERG).
As conclusões de Wolberg sobre a teoria do hipnotismo podem ser acrescentados os motivos que justificam as possibilidades das explicações fluírem pela lógica filosófica. Para a realização do processo de indução hipnótica são necessários critérios como confiança, crença, fé e uma série de valores que transcendem o psicológico convencional e o orgânico fisiológico conhecido. O simples fato de existirem tantas explicações para o hipnotismo é uma prova de que não há nenhuma na qual se possa qualificar de certa ou verdadeira. Na busca da interpretação do que pode ser a hipnose e, principalmente, seu envolvimento com práticas terapêuticas, a hermenêutica ganha relevância. É aconselhável analisar suas múltiplas faces e, é uma perspectiva obrigatória ter como ponto de partida a reflexão dialética, com base na diversidade e transversalidade dos saberes até então acumulados. Nessa busca deve ser valorizado o diálogo e a integração de diferentes áreas para descobrir, dentro da compreensão multidisciplinar, as bases axiológicas do hipnotismo que só podem ser reveladas a partir da diversidade explicativa. A explicação para a hipnoterapia, assim como para as principais psicoterapias, surgiu a partir de dois ambientes: o clínico e o de laboratório. No primeiro caso, seu desenvolvimento tem por base a busca da cura para algum problema que perturba alguém, através de entrevistas e do convívio diário com pacientes. No segundo caso a pesquisa é feita no ambiente laboratorial, com análises e experimentações formais, utiliza ferramenta da estatística para 12
PET - Positron-Emisson Tomography. In: The Sciences: Na Integratwd Approach. N. York, John Wilei & Sons, p. 307, 1995. 13 WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis, N. York, Grune & Stratton, 1945.
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chegar a uma conclusão, seguindo o que se chama na ciência de método cartesiano de investigação. No reconhecimento científico de algumas curas por ações psicológicas, tem de ser considerado o fato de que partes do psíquico, como o inconsciente e o consciente, não são áreas fisicamente delimitadas e mapeadas do cérebro humano, mas se constituem de estados psíquicos. Não são interpretados como órgão ou lugar definido do cérebro e, modernamente, são compreendidos como métodos de trabalho mental, ou tipos de programas operacionais do pensamento. Assim como a psicanálise, a hipnoterapia também é um processo que se vincula ao conceito de inconsciente e seu estudo não está limitado ao ambiente laboratorial, isto é, não compreendidos por imposição da lógica, espaço e tempo, por isso, não pode ser visto como parte de uma máquina. O próprio Freud já afirmava que “o consciente, é um estado eminentemente transitório”. Mas, para ele isso não deixa de ser objeto de investigação científica: A diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a premissa fundamental da psicanálise. Permite-lhe, com efeito, chegar à compreensão dos processos patológicos da vida anímica, tão freqüentes como importantes, e subordiná-los à investigação científica. Ou, dito de outro modo: a psicanálise não vê na consciência a essência do psíquico, mas somente uma qualidade do psíquico que pode ser somada a outras ou faltar em absoluto (FREUD).
Existem dezenas de explicações, outras dezenas ainda vão surgir, de quando, por que e como ocorre a hipnose e seus feitos terapêuticos, mas não existe uma abrangente e definitiva que evite a evidente discórdia entre as diferentes teorias explicativas. Mas, não pode ser negada a importância prática das diversas hipóteses conhecidas, embora nenhuma delas isoladamente satisfaça; cada uma contém parcela maior ou menor da verdade e, aproveitadas em conjunto, contribuem decididamente para aprimorar o conhecimento sobre a natureza humana, além de permitir a convicção imprescindível para a interpretação do significado dos processos de transes e êxtases. Sarbin 14 vê na hipnose uma das manifestações mais generalizáveis do comportamento social, e declara que as variantes interpessoais inerentes ao fenômeno hipnótico são tão complexas, que nem sequer podemos determinarlhes as medidas, transcendem em sua complexidade os limites das próprias explicações que conhecemos. É um fenômeno permeado pela emoção e pela intuição, duas variáveis que vão além do paradigma da razão e da verdade científica atual.
14
SARBIN, T. R. Contribution to roll-taking theory. In: hypnotic behaviour, Psychol. rev. 57-255, 1950.
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Pelas diferentes interpretações considera-se a indefinição teórica científica da hipnose como um fato. O que se pode concluir é que ela se divide em duas grandes correntes explicativas; uma com base na essência e outra na existência do ser humano. A primeira, ora centrada na psicanálise, ora no desconhecido ou em conceitos religiosos, alinha os autores que usam em suas explicações terminologias próximas, como sugestão, consciência ou inconsciência, transferência, alma, destino, energia vital, astral ou divina, etc. A segunda centrada no fisiologismo, representada originalmente pela escola russa e fundamentada na teoria dos reflexos condicionados e várias teorias neurais, atribui à hipnose razões puramente fisiológicas. Em alguns pontos, quando estas duas correntes se encontram, aparecem hipóteses explicativas diferentes, representam a derivação da somatória das correntes originais que misturam, em grau maior ou menor, o mito, a filosofia, a ciência e a religião. É certo que depois de Freud e Pavlov, os pesquisadores que lidam com o tratamento dos distúrbios da mente, estavam divididos em dois grupos. Um grupo investindo na criação de psicoterapias mais sofisticadas, pelo menos do ponto de vista explicativo, a maior parte delas derivadas da psicanálise ou do refino no uso da hipnose, associada ao conceito de auto-ajuda ou de filosofias que resultassem em soluções dos problemas existenciais humanos. O outro grupo praticando a pesquisa cientifica com maior rigor metodológico, com base na neurofisiologia, investindo na psicofarmacologia, trabalhando no aperfeiçoamento de remédios como a única forma de solução para os problemas mentais. Os dois grupos se olhavam reciprocamente com desconfiança e extrema rivalidade. A herança deixada por Freud e Pavlov, ao longo do século XX, permitiu que o tratamento das doenças psicossomáticas caminhasse por duas perspectivas. Uma representada pela medicina convencional, concentrando a pesquisa para explicar o cérebro. Outra representada pelas psicoterapias, concentrando estudos para explicar a alma humana. Mas, o equilíbrio do conceito de alma e de cérebro parece próximo no início do século XXI, parece que os estudiosos concordam que as melhores terapêuticas são aquelas que combinam remédios e psicoterapias. O predomínio de um ou outro recurso de cura varia de caso para caso. Na década de 1990, período conhecido nos meios médicos como “a década do cérebro”, cientistas de várias especialidades estudaram a mente humana numa intensidade inédita. Neurologistas esquadrejaram o cérebro usando as mais modernas técnicas de ressonância magnética, geneticistas mapearam a transmissão dos transtornos mentais por meio do DNA e biólogos detalharam a química dos neurônios. O resultado é que hoje se conta com um alto nível de conhecimento para tratar os problemas da mente. A ciência encontrou muitas respostas, mas surgiu também um grande número de novas questões. Por mais que a farmacologia tenha se beneficiado de novas descobertas, a criação de medicamentos que curem definitivamente todos os sofrimentos da mente, inclu-
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indo principalmente a questão da somatização, é no mínimo um horizonte muito distante. Utilizado a técnica de obtenção de imagens do cérebro através da tomografia por emissão de pósitrons (PET), o sueco Tomas Frmark trabalhou uma pesquisa, tipo grupo controle, e analisou o encéfalo de pacientes com fobia. Um grupo havia se tratado unicamente com terapias psicológicas, e outro grupo havia recorrido a remédios convencionais. O resultado de seus estudos mostrou que a terapia altera o funcionamento cerebral tanto quanto a química dos medicamentos. 15 Comentando esse estudo, o alemão Klaus Grawe, pesquisador da Universidade de Berna, destacou o fato de que experiências de vida alteram o cérebro tanto quanto remédios. Dito assim, é possível imaginar as possibilidades de alterações quando o paciente passa por terapias envolvendo a hipnose. Mito, Rito e Religião O pensamento crítico e reflexivo que teve início com os primeiros filósofos, na Grécia, e o desenvolvimento do pensamento científico a partir de Galileu, rejeitou o modo mítico de compreensão do mundo. Para Augusto Comte essa evolução do pensamento explica a própria evolução da espécie humana que inicia no mítico (teológico), passando para o filosófico (metafísico) e finaliza com o científico moderno e pós-moderno. Para os positivistas este último estágio é o coroamento do desenvolvimento humano, que não só é superior aos outros, como é o único considerado válido para se chegar à verdade. O positivismo de Comte não considera o mito uma das forças fundamentais da existência humana como, de fato, o é. O mito durante a história da humanidade é a forma de dar significado ao mundo com base no desejo de segurança ou de uma vida melhor, representa a imaginação humana criando histórias para tranqüilizar e guiar bem a vida no dia a dia e pela existência inteira. Essa função de criar soluções mágicas é de natureza inconsciente e primitiva, é a sustentação central das religiões e subsiste na arte popular de qualquer época, permeia possíveis soluções para problemas da vida diária de qualquer pessoa, independe de desenvolvimento intelectual ou do meio social ao qual pertença. Como o ser humano não é só razão, é também afetividade e emoção, nas sociedades onde predomina a ciência, o interesse pelo sobrenatural, a crença em soluções mágicas e a credibilidade do conhecimento teológico não desaparecem. Ao contrário, a prática da religião em suas mais variadas formas é um fenômeno crescente e global, representa uma forte característica da sociedade pós-moderna. Por essa ótica se explica à dimensão religiosa presente em toda cultura, por exemplo, na arte, na literatura e na arquitetura moderna, que se desenvolveram, para a forma como se apresentam, com profunda influência das tradições religiosas. 15
Revista VEJA. O equilíbrio do cérebro e da Alma. S. Paulo, Editora Abril, ano 37, n. 48, p. 116 – 122, dez/2004.
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A palavra religião, do latim "religione", possivelmente se prende ao verbo "religare", ação de ligar. Assim, pode ser definida como o conjunto das atitudes e atos que liga o homem ao divino ou manifesta sua dependência em relação a seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Tomando-se o vocábulo num sentido mais estrito, pode-se dizer que a religião é a reatualização e a ritualização do mito. Referindo-se a diferenças e semelhanças entre o mito e a religião, Cassirer 16 afirma que, enquanto o mito “explica” suas crenças de uma forma emocional, a religião utiliza o logos e explica sua crença com base em argumentos racionais. No que se refere à religião, mesmo aquilo que é inexplicável passa a ser argumentado e, nesse argumento, se justifica até por que é inexplicável. Em todo o curso da história a religião permanece ligada a elementos míticos e impregnada deles, pode-se dizer que desde o início o mito é religião em potencial, o que leva a transformação de um no outro é o lógos, o mito não se justifica, a religião sim. Embora haja elementos comuns entre o mito e a religião, é a forma como a religião argumenta, explicando esses elementos, que caracteriza seu distanciamento gradativo e, por fim, radical em relação ao pensamento mítico. Segundo Cassirer, 17 o culto aos ancestrais pode ser considerado como a primeira fonte, a origem da religião. Essa é uma prática comum em diferentes culturas, seja na Roma antiga ou na China ou mesmo nas tribos indígenas. É uma característica universal, irredutível e essencial da religiosidade primitiva. O pensamento mítico está muito ligado à magia, ao desejo de querer que as coisas aconteçam de um determinado modo. É a partir disso que se desenvolvem rituais como meios de propiciar os acontecimentos desejados. Por definição rito é uma sucessão de emoções, palavras, gestos e atos que repetidamente compõe uma cerimônia, geralmente religiosa, com o objetivo de proporcionar um poder misterioso que facilite o estabelecimento de laços entre os humanos e forças misteriosas. Quando praticado, o rito relembra, fortalece e atualiza, alimenta e mantém viva a religião. Assim, o ritual pode ser entendido como o mito transformado em ação, é a repetição dos atos que, acredita-se, foram executados no passado e que devem ser imitados e repetidos para que as forças do bem e do mal se mantenham sob controle. Desse modo, o ritual torna o mito atual e reafirma a convicção em um acontecimento sagrado. Através do rito o ser humano se incorpora ao mito e pratica sua fé; o rito é a práxis do mito, é o mito em ação. Rituais, cultos e sacrifícios religiosos, cercados de transes, praticados nas sociedades humanas de qualquer etnia, em qualquer época, são formas de se 16
CASSIRER, Ernst. Filosofia de las Formas Simbólicas II: el pensamiento mitico. (Trad. Armando Morones). México: Fondo de Cultura Económica, 1998. 17 CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. (Trad. Tomas Rosa Bueno), S. Paulo, Ed. Martins Fontes, 1994.
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tentar a cura para as enfermidades ou alcançar favores divinos, são formas de se agradecer esses favores ou de se aplacar a ira dos deuses. Assim também acontecia na Grécia antiga, como exemplo, na religião do orfismo e nos mistérios de Elêusis, cujas influências se estendem à escola filosófica de Pitágoras e ao pitagorismo, chegando à atualidade com a mesma força do passado, independentemente das transformações na forma de pensar ao longo dos séculos. Desde a antiguidade se acreditou que apenas sacerdotes e magos eram capazes de interpretar os mitos e os mistérios do mundo. Eles tinham o poder da explicação porque serviam como pontes ou intermediários entre o mundo humano e o mundo divino, através dos rituais praticados nos oráculos e nas sociedades secretas. Mas, isso não invalida a dimensão individual entre cada sujeito e seu mistério, entre cada humano e sua fé. Assim o rito não é apenas um ato que se processa no coletivo da sociedade, se fortalece também através do simbolismo inconsciente de cada pessoa, é o meio pelo qual ela pode visualizar soluções mágicas para seus anseios, frustrações, desejos e necessidades. Transe e religiosidade Fatos e procedimentos identificados como hipnóticos sempre ocorreram associados com práticas religiosas e ou curativas. Constituíam parte do conhecimento mítico posto em prática através de rituais, foram largamente praticados na Índia, Caldeia, Egito e Grécia antiga por uma casta privilegiada que, ao mesmo tempo, exercia as funções de sacerdotes, magistrados e médicos. Não importa a forma como se justifica ou o grupo social no qual se apresenta, a hipnose manteve, no decorrer dos séculos, identidade dos princípios que desencadeiam seu processo, causas, efeitos e finalidades. Sua manifestação geralmente expressa a aliança entre o ideário do sagrado e do humano, construído com base na cultura e na história de cada sociedade. Na maioria das vezes, o hipnotismo é envolvido em uma atmosfera de mistérios, de transes inexplicáveis cercado de superstições e crenças; seus praticantes se dizem, freqüentemente, simples instrumentos da vontade misteriosa de forças sobrenaturais. Sua prática foi se metamorfoseando à época, local e circunstâncias particulares de cada povo, criando diferentes crenças para justificar seus efeitos, principalmente quando relacionados à cura. O hipnotismo presente nos rituais de cura sempre envolveu junto ou separadamente crenças, rezas, cantos, gestos, músicas, danças, cores, esculturas, adornos, pinturas e máscaras, elementos culturais de alto valor simbólico que emanam força hipnótica incontestável e induz ao transe, incluindo o êxtase que se manifesta no estado profundo do transe hipnótico. O êxtase que dizer “posição fora”, isto é, um estado de consciência além da consciência habitual. O mais antigo relato do que podem ter sido sessões de hipnotismo foi registrado nos Papiros de Ebers, por volta do século XVI a.C. e apontava fatos a respeito da teoria e da prática da medicina egípcia. Descreve procedimentos
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de médicos que, colocando suas mãos sobre as cabeças de pacientes, afirmavam possuírem poderes sobre-humanos, enquanto recitavam estranhos mantras que sugeriam curas. O termo mantra vem do sânscrito, antigo idioma da Índia, é a composição das sílabas “man”, que significa mente ou pensamento, e “tra”, que pode ser entendida como entrega ou proteção. De modo geral, a palavra é traduzida como “proteção da mente”. No sentido cultural significa silaba, palavra ou frase pronunciada segundo prescrições ritualísticas e musicais, tendo a finalidade de atingir um estado mental contemplativo. Os primeiros mantras foram retirados dos Vedas, livros sagrados dos hindus, três mil anos a.C., e são hipnóticos pela repetição e monotonia, sonoridade e ritualidade. Algumas vertentes da yoga, filosofia indiana milenar que combina exercícios físicos, técnicas de respiração e meditação, utilizam mantras em seu dia a dia e acreditam que para ser mais efetivo deve ser dado, por um guru, para a pessoa que irá vocalizá-lo. Neste caso o mantra não pode ser revelado para mais ninguém. Na tradição hindu, os mantras são considerados sons sagrados que ajuda o ser humano a entrar em estado de meditação, interrompendo o fluxo de pensamentos intermitentes. Essas técnicas, que geram atmosferas mágicas relacionadas com o divino, são próprias do hipnotismo. Antigas civilizações sempre tiveram um deus ligado a um mantra; os gregos Apolo; os egípcios Osíris; os hindus Brahma, o mesmo acontece com relação à Krisna, Buda, Mahavita e Rama entre outros. Seus seguidores acreditam em tais sons funcionam como uma espécie de oração que, vocalizados e repetidos várias vezes, ajuda a manter a mente quieta e pacifica, trazendo paz e abrindo o canal de comunicação com o divino. Durante a vocalização, pode-se usar ou não um objeto que facilite a contagem, como um rosário. Nesse processo, conhecido como japa, para que produzam os melhores efeitos hipnóticos, os sons podem ser repetidos até centenas de vezes em ambiente silencioso, mantendo o corpo totalmente imóvel, usando a técnica da respiração lenta e profunda. Segundo Delcourt, 18 os gregos realizavam peregrinações ao templo de Esculápio ou Asciénio, deus da medicina e filho do deus-profeta Apolo. Seu templo mais famoso foi o de Epidauro em Argólia na Grécia, descoberto nas escavações ocorridas em 1850. A descoberta revelou inscrições datadas do século IV a.C. explicando como peregrinos eram submetidos à hipnose pelos sacerdotes, quando invocavam a presença de uma divindade para indicar os possíveis expedientes de cura. Os sacerdotes de Caem recorriam à hipnose para abrandar descontentamentos coletivos e as sacerdotisas de Ísis, postas em transe, manifestavam o dom da clarividência; hipnotizadas, revelavam ao Faraó fatos distantes ou ainda por ocorrer. Acontecimento semelhante ocorria nos oráculos; 18
DELCOURT, Marrie. Les grands sanctuaires de la Grèce, Paris, 1947.
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quando as sibilas prediziam o futuro; articulavam suas profecias depois que entravam em convulsões sob o efeito do transe auto-hipnótico. Pela auto-hipnose se explica a anestesia dos mártires, que se submetiam às maiores torturas sem dar o menor sinal de sofrimento físico. Na Índia, o faquir produz o transe auto-hipnótico para suportar, sem aparentar sentir dor, práticas de torturas. Dentre os hindus, mongóis, persas, chineses e tibetanos, a hipnose vem sendo exercida há milênios em meio a rituais religiosos e, é fácil observar que assim ainda prosseguem na atualidade. A hipnose e a religião estão sempre próximas, quando não juntas nos ritos religiosos e, atualmente, está sendo largamente utilizada e institucionalizada com este fim. A hipnose provavelmente também teve um papel importante nas práticas religiosas e nas artes curativas dos Druidas, sacerdotes de religião pré-cristã da Gália e da Bretanha que depois se espalharam por toda a Europa Ocidental. Eles prediziam o futuro, realizavam curas com o uso de ervas, cânticos e magia, alguns eram considerados intermediários entre os deuses e os homens; seus rituais, cercados de mistérios, aconteciam nas florestas. Na Gália foram considerados bruxos, combatidos e dizimados pelos romanos e mais tarde pelos cristãos, na Irlanda, sob sigilo, alguns sobreviveram em sua prática religiosa. Nas ilhas britânicas o chefe religioso dos Druidas punha seus fiéis recostados e, induzindo-os a um sono artificial, aliviava suas dores e curava doenças. Inúmeras gravuras daquela época mostram sacerdotes-médicos colocando presumíveis pacientes em transe hipnótico. Semelhantes fatos já ocorriam na velha civilização babilônica, na Grécia, na Roma antiga e no Egito, onde existiam os Templos dos Sonhos que eram locais apropriados para se aplicar nos pacientes sugestões terapêuticas enquanto dormiam. Também há indícios de que nas civilizações Asteca e Maia era utilizada a prática da hipnose para tratar dos doentes. Vegetais hipnóticos A busca do transe hipnótico por ingestão de meios químicos é o método mais direto, embora menos comum, para o ser humano entrar temporariamente em mundos fascinantes do seu inconsciente. Diversos vegetais com propriedades hipnóticas têm sido utilizados com esta finalidade, desde as antigas civilizações, apresentando um papel importante em ritos religiosos. Segundo Schultes & Hofmann, 19 o uso destas plantas permitia ao curandeiro realizar cura, fazer adivinhações e orientar a tribo nas estratégias de guerra. A explicação é que, entre seus efeitos, podem transportar a mente humana para o autoconhecimento, para o contato com divindades e outras forças do mundo espiritual.
19
SCHULTES, R.E. & Hofmann, A. Plantas de los Dioses. Orígenes del uso de los alucinógenos, Fondo de Cultura Económica. México, 1982.
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Segundo Labate na natureza existem cerca de 100 vegetais que podem desencadear o processo hipnótico, alguns são classificados como alucinógenos, como a Iboga utilizada por aproximadamente um milhão de pessoas na África; o Peiote, um cacto amplamente consumido no México e nos EUA cuja substância ativa é a mescalina; os Cogumelos, que já apareciam em registros hindus da antiguidade. Aldous Huxley, romancista e filosofo britânico, testou pessoalmente os efeitos da mescalina, derivada de um cacto, e registrou suas observações em um ensaio publicado em 1954, As Portas da Percepção: Céu e Inferno. 21 Huxley fala de um transe com sensações prazerosas, tais como “uma dança lenta de luzes douradas”, descreve os lampejos de “diversidade transcendental” que diz ter experimentado enquanto dirigia um automóvel por um subúrbio de Los Angeles sob o efeito da droga. O incrível fluxo de informação sensorial liberado pela mescalina levou Huxley à hipótese explicativa do que sentiu, afirmando que a principal função do cérebro e do sistema nervoso é servir como uma válvula redutora para restringir o influxo de realidade a um nível administrável. Supôs que há tantos dados captados através dos sentidos que, se fossem processados, a mente submergia, ficando incapaz de lidar com os problemas da vida cotidiana. Acreditava Huxley que a mescalina desligava a função de filtrar informações no cérebro, permitindo que a mente fosse inundada por eventos mentais que costumam ser excluídos por não terem qualquer valor de sobrevivência. Diz que tais informações são “biologicamente inúteis, mas estéticas e às vezes espiritualmente valiosas” Também sugere que este estado da mente pode ser estimulado por outros catalisadores além das drogas, tais como doenças, fadigas, jejum ou um completo retiro sensorial, através da meditação em algum lugar escuro e silencioso. E, por que não, pelos métodos hipnóticos convencionais. Na Brasil alguns vegetais são utilizados por tribos indígenas, no decorrer de ritos religiosos, como meio de produzir transes, como a Jurema e o Yopo. A Jurema é consumida na forma de chá, enquanto as sementes do Yopo são maceradas e seu pó é consumido pela via intranasal (cheirado). Em diversas regiões da América do Sul, entre as bebidas com propriedades hipnóticas produzidas por vegetais, o chá ayahuasca é a mais conhecida. Elementos e efeitos hipnóticos estão também presentes nas religiões das tribos indígenas da África, das Américas e da Oceania, assim como dos primitivos habitantes da Europa e da Ásia. O xamantismo é uma antiga religião da Ásia que existe até hoje. É caracterizada por um conjunto de práticas realizadas pelo xamã, uma categoria especial de médico-pajé que entra em transe e, segundo a crença indígena, sua alma vai para longe do corpo, 20
LABATE, Beatriz Caiuby e Wladimyr Sena Araújo (org.). O Uso Ritual da Ayahuasca, Campinas, 2ª ed, Mercado de Letras/Fapesp, 2004. 21 HUXLEY, Aldous. As Portas da Percepção: Céu e Inferno, RJ, Editora Globo, 2002.
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percorre lugares distantes, enquanto um espírito estranho encarna para realizar trabalhos de cura e adivinhação. Entre algumas nações indígenas o xamã é um homem ou mulher que, no final da infância, passou por uma experiência de sentir sua sexualidade transfigurada, a partir daí leva a vida voltada inteiramente para dentro de si. É iniciado através de rituais, permanece por vários dias em estado de êxtase, depois disso consegue facilmente entrar em transe para servir de intermediário entre os homens e os espíritos xaporis, entidades que indica procedimentos de cura. Descrições dessas experiências podem ser encontradas ao longo de todo o caminho que vai da Sibéria às Américas. Em contato com diferentes povos, os rituais dos xamãs se popularizaram e se transferiram para fora das aldeias, incorporaram parte de outras culturas e crenças. Essa mescla, às vezes muito distanciada das explicações originais, é que se observa nos centros urbanos. A prática do ritual de cura dos indígenas e outras medicinas alternativas lidam principalmente com a fé. Mas isso não quer dizer que várias das ervas nativas, indicadas pelos pajés e xamãs, não tenham princípios químicos ativos que, inclusive, vêm sendo objeto de pesquisa científica e que já compõem vários remédios produzidos pelos laboratórios farmacêuticos. Independente do uso de vegetais, no ritual de cura dos indígenas ocorre sons produzidos pela voz humana e ou instrumental, extremamente monótono e repetitivo, podendo também acontecer danças com movimentos corporais lentos, síncronos e repetidos. Tudo isso revela condições hipnotizadoras que, mesmo sem a ingestão de qualquer substância, podem levar pessoas ao transe hipnótico. Há relatos do uso do chá ayahuasca em toda a Amazônia, chegando à costa do Pacífico no Peru, Colômbia e Equador, bem como na costa do Panamá. Foi reconhecida nesta região em pelo menos setenta e duas tribos indígenas, com quarenta nomes diferentes. Entre as diversas tribos da bacia Amazônica é percebida como uma poção mágica, de origem divina, geralmente usada em ritual religioso com propósitos de cura ou para fornecer visões que são importantes no planejamento de caçadas, prevenção contra espíritos malévolos, bem como contra ataques de feras da floresta. Essas visões, guiadas e manipuladas pelos xamãs e fundamentada no ideário de crença do grupo, podem se repetir de forma coletiva. É evidente o poder hipnótico do chá ayahuasca, bebida de cor marrom claro e de gosto amargo, fabricada em diversas regiões da América do Sul a partir do cozimento concomitante de talos socados do cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi) e da folhas do arbusto chacrona (Psychotria viridis). Na mistura para a sua produção pode ou não ser acrescentado mais de trinta outras espécies de vegetais, como a folha de outro cipó conhecido na Colômbia como chagro panga (Diplopterys cabrerana). O método de preparo do chá ayahuasca varia conforme o grupo que o usa. Geralmente o cipó é cortado em pedaços de 20 centímetros e amassado, juntado dois terços de cipó para um de folha e posto na água fervente, deixando
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que ferva no fogo baixo por mais de 4 horas, repondo certa quantidade de água na medida de sua evaporação. O mais comum é a junção de, aproximadamente 1,5 quilogramas de cipó jagube e 0,5 da folha chacrona para cada litro de água. O cipó é colhido, limpo e socado pelos homens e cabem as mulheres colher e limpar lavando as folhas. Depois de esfriado, o chá é coado e armazenado em recipientes. Uma produção pode durar anos e ser usado em vários rituais. Também podem ser amassados, juntos cipó e folha, na água fria e deixando em descanso por, aproximadamente, vinte e quatro horas. Por qualquer método seu preparo é um longo processo, leva quase um dia. Originariamente o chá ayahuasca era apenas usado nos rituais indígenas que, segundo suas crenças, entre os efeitos produzidos "facilita o desprendimento da alma de seu confinamento corpóreo, voltando ao mesmo conforme a vontade, carregada de conhecimentos sagrados" (Schultes & Hofmann). Os índios Jivaro, do Equador, acreditam que a experiência com ayahuasca é a vida real, ao passo que a realidade cotidiana é apenas uma ilusão. A palavra ayahuwaska pertence à língua quíchua, falada no antigo Imperio Inca pelos quíchuas. Hoje ainda é uma importante língua indígena da América do Sul, considerada no Peru e na Bolivia como oficial junto com a língua Aimará. Na etnologia lingüística aya quer dizer corda ou cipó dos espíritos ancestrais e huwaska significa chá ou vinho. A transliteração para a língua portuguesa resultou na simplificação do nome para ayahuasca ou mais simples como Hoasca. No Brasil o chá é conhecido como Auasca, Uasca, Santo Daime ou Vegetal e, em diferentes culturas, ainda é reconhecido por outros nomes como Yajé, Mariri, Caapi, Natema, Pindé, Kahi, Mihi, Dápa, Bejuco de Oro, Vinho de Deus ou Vinho dos Espíritos entre outros. Onde se cultua esse chá é recorrente a expressão “o cipó dá a força e a folha, luz” No Brasil o consumo do chá ayahuasca por não indígenas surge do contato entre seringueiros e xamãs da região amazônica, no auge da exploração da borracha, no fim do século XIX. Os desdobramentos sócio-histórico-culturais ocorridos nesta região, nas primeiras décadas do século XX, propiciaram a sua expansão para outros contextos distintos de suas origens e dá início às religiões ayahuasqueiras que se espalham rapidamente para os centros urbanos. Religiões ayahuasqueiras As religiões criadas no século XX que fazem uso do chá ayahuasca são consideradas, do ponto de vista antropológico, como formas de neoxamanismo; recriam rituais xamãnicos agregando novos elementos culturais e religiosos. Tem início com os mestiços da região amazônica, migram para zonas urbanas e grandes centros como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Daí avançando para todos os Estados da federação brasileira e também para a América do Norte e Europa, colocando a etnia branca e urbana em contato com, pelo menos, fragmentos de tradições religiosas indígenas milenares. As novas religiões que fazem uso do chá ayahuasca associam ações esotéricas do mundo indígena com tradições de outras crenças religiosas. Bastan-
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tes sincréticas combinam, em doses diferentes, desde o xamanismo indígena até o kardecismo, passando pelo catolicismo popular, pelo candomblé e pela religião umbandista. Em todas elas os efeitos decorrentes da ingestão do chá são atribuídos ao processo de purificação da alma e tem como objetivo transmitir aos homens "uma prática ordenada pela força superior no sentido de ensiná-los a se conduzir sobre a terra" (Callaway). 22 Várias comunidades na Amazônia passam a cultuar o chá ayahuasca e, em seu ritual, envolvem santos da Igreja católica e orixás do candomblé, reverenciam a mata, a floresta, a paz e a alegria. Ao lado de cânticos que geralmente têm inspiração ecológica, a cerimônia envolve uma dança coletiva de passos repetidos, síncronos e monótonos, dois para um lado, dois para outro. Ás vezes essa dança dura uma noite inteira. Algumas dessas comunidades se transformam em religiões bem conhecidas e, por dissidência ou conflito de liderança, se multiplicam a cada dia. Por volta de 1930, Raimundo Irineu Serra fundou a vertente religiosa ayahuasqueira na cidade de Rio Branco, no Estado do Acre, conhecida como “Santo Daime” ou “Alto Santo” e, posteriormente como CICLU - Centro de Iluminação Cristã Luz Universal. Mestre Irineu, que morreu em 1971, era um negro seringueiro de dois metros de altura que, em 1930, após uma intensa iniciação com a ayahuasca, através de um xamã na floresta amazônica, resolveu chamar o chá de “Santo Daime” e, com esse nome, iniciou uma religião. Foi tomando essa bebida que o mestre Irineu teve a visão (miração) de Nossa Senhora da Conceição e, segundo afirma, foi quando recebeu os fundamentos inspiradores da crença que acabaria por inaugurar. O nome “Daime” vem do próprio verbo "dar", no sentido Daí-me Luz! Daí-me Amor! Daíme Força! Na década de 1970 apareceu outra ramificação do Santo Daime, o Cefluris – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, fundamentada em crenças xamânica, esotérica e cristã, liderada por Sebastião Mota de Melo (Padrinho Sebastião) que morreu em 1990. Sebastião foi um trabalhador seringueiro e construtor de canoas, natural de Eurinepé, Amazonas, discípulo do mestre Irineu que resolveu fundar sua própria religião, embora sem apresentar, no início, divergências significativas na prática ou na crença do Mestre. Esta vertente evolui mais rapidamente para outros contextos sociais. O Cefluris nos anos 90 realiza ajustes e correções na sua estrutura de credo e de administração, expande-se pelos centros urbanos brasileiros e para o exterior. Trinta anos depois de sua fundação conta com núcleos na Holanda, na França, na Itália, no Japão e nos Estados Unidos, entre outros paises. Uma boa característica dessa organização é o fato de ser a mais aberta à comunidade externa, divulgando de forma explicita seus objetivos e prática religiosa. Sua 22
CALLAWAY, J.C. et al. Quantitation of N, N-dimethyltrytamine and harmala alkaloids in human plasma after oral dosing with Ayahuwasca, J Anal Toxico, l 20(6): 492-7, 1996.
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estrutura, horizontal e democrática, permite que os diversos segmentos utilizem bem os meios de comunicação como revistas especializadas e Internet. Sua divulgação rápida aponta para o crescimento acelerado no Brasil e no mundo. É curioso como surgiu outra religião ayahuasqueira denominada “Barquinha”, nome que corresponde a uma festa do folclore popular, trazida para o Brasil pelos portugueses e guardada na memória do povo através de gerações. Representa a cultura de gente simples, suas brincadeiras e seu lirismo lúdico que não se perderam no tempo. Cultuam feitos históricos dos navegantes, envolve a representação de marinheiros e sua religiosidade. Porém, aos poucos foi se afastando das origens, se modificando, se adaptando e readaptando a novos contextos culturais. A festa folclórica da Barquinha é comemorada em pequenas cidades e vilarejos em todo o país, principalmente no Norte e Nordeste do Brasil. Acontece nos meses de junho a dezembro, dependendo da região, mas na sua maioria ocorre quando se comemora Santo Antonio, São João e São Pedro. Caracteriza-se como um bailado popular, é um entretenimento dançado por homens e mulheres coletivamente, representando a chegada da barca que trazia marinheiros e oficiais das naus para porto. Seguido do desfile até a Igreja para comemorar feitos náuticos e a conversão do pagão à religião católica-romana, daí prosseguindo com os festejos aos santos padroeiros locais. O grupo é composto por pessoas simples que, trajadas de marujos, são capitaneadas geralmente pelo mais antigo, entoam hinos e glosas populares, ao som de instrumentos musicais rústicos. Além do exibicionismo dos personagens, envolve a platéia em seus folguedos, brincadeiras e bailados. Embora aponte vínculos de religiosidade é uma festa popular profana. Em 1945, Daniel Pereira de Mattos, maranhense que bem conhecia e participava de festas da Barquinha em sua terra natal, onde também freqüentou a escola de aprendiz de marinheiro, se mudou para o Acre e conheceu a ayahuasca pelas mãos de Raimundo Irineu Serra, quando se tratava de uma enfermidade (Araújo) 23. Acrescentando ao folclore junino o consumo do chá, transformou a festa em religião. Mais tarde, fundando uma sede, o grupo da Barquinha passou a ser denominado de Centro Espírita e Culto Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, mas não perdeu o nome original. Entre as religiões que consomem o chá, a Barquinha é a menos espalhada pelo Brasil, concentrada na região amazônica e fundamenta-se na crença cristã, mas admite a incorporação do "Preto Velho", típico dos rituais de influência africana. Na região amazônica, os adeptos da Barquinha com roupas de marinheiro tomam o chá ayahuasca que, segundo a crença, conecta o homem com o divino. Todos cantam os salmos; músicas que teriam sido inspiradas por guias espirituais invisíveis. No templo a imagem de São Francisco das Chagas, é o comandante que pilota a Barquinha, com outros seres divinos. A bebida provoca o 23
ARAÚJO, W. S. (org). O uso ritual da ayahuasca. S. Paulo: Mercado das Letras, 2002.
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transe, e assim começa a viagem, cuja missão seria resgatar almas dos mortos que sofrem no mundo espiritual e levá-las, pelo mar sagrado do Santo Daime, até os pés de Jesus Cristo, onde está a salvação. A festa da Barquinha é transformada por Daniel Pereira de Mattos em uma mescla do folclore popular com a crença cristã e o ritual indígena, além de associar também crenças do candomblé e da umbanda. Nessa religião, santos da Igreja católica se misturam com entidades espirituais conhecidas como Caboclos, Preto Velho e Boiadeiro entre outros, que supostamente se manifestam para afastar forças negativas, promover curas ou ajudar alguém de algum modo. Após a ingestão do chá, o ritual tem duração média de quatro horas. Entre outros grupos religiosos que se desprenderam da Barquinha e se espalharam pela Amazônia, existe um situado às margens do Rio Acre, é o Centro Espírita Luz, Amor e Caridade, conduzido pelo mestre Juarez que, com mais de oitenta anos de idade, ainda comandava o Centro. No dia 29 de junho, começa a celebração da Noite de São Pedro e, dentro da igreja, orações e salmos são entoados. Após beber o chá, todos saem para o terreiro de umbanda, onde são feitas as chamadas "obras de caridade". Mestre Juarez assovia, chamando a força do Daime, ele estaria incorporando um encantado, uma entidade poderosa no mundo da Barquinha, o Príncipe Dragão do Mar. Acredita-se que várias entidades do além descem ao terreiro para expulsar espíritos malignos. Na década de 1960 formou-se em Porto Velho, no Estado de Rondônia, a UDV - Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, através de José Gabriel da Costa, um baiano que foi para a região amazônica trabalhar nos seringais. Atualmente figura como uma das maiores entre as religiões que fazem uso do chá ayahuasca. Seu ritual é discreto e sem os bailados, é mais fechada à comunidade externa e sua estrutura vertical é bem hierarquizada. Por orientação do mestre Gabriel, a UDV adota a fundamentação cristã e reencarnacionista e o transe é conhecido como borracheira que, segundo seu fundador, significa uma “força estranha, a presença da força e da luz do Vegetal na consciência daquele que bebeu o chá”. Segundo seus dirigentes, a bebida é um veículo de concentração mental, seu efeito amplia a percepção e permite melhor compreensão dos fundamentos da espiritualidade. A UDV indica para os associados seguirem regras disciplinares rígidas, como o não consumo de álcool e de fumo, preservação da instituição familiar, além de postura socialmente ética sobre todos os aspetos. O chá ayahuasca é conhecido nesta associação por três sinônimos: Hoasca, Mariri ou Vegetal. É contra o uso do chá fora do contexto religioso, além de considerar inadequado o uso indiscriminado por pessoas não-iniciadas e sem a orientação de um dirigente (mestre). O novato para ser iniciado é indicado por um associado e aprovado pelo líder da organização. Na UDV ocorrem sessões regulares (de escala) duas vezes ao mês e sessões extras convocadas pelo mestre, além de sessões de iniciação. Durante
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o ritual, os participantes permanecem sentados e em absoluto silêncio, o mestre preside a sessão e dosa a quantidade do chá ayahuasca para o consumo de cada um em particular. Todos, sem exceção, simultaneamente bebem e ficam esperando a "borracheira" como é conhecido o transe. Para sair do recinto, principalmente em função das reações do chá que iniciam após trinta a quarenta minutos e vai até três ou quatro horas, é preciso permissão do mestre. O novato ao sair é seguido por um ou dois associados que o vigia em tempo integral. Isso vale para prevenir vertigens e outras situações imprevistas durante o transe. No ritual, a circulação das pessoas no salão se faz no sentido anti-horário que, segundo mestre Gabriel, “é o sentido da força”. A prática da circulação anti-horária também acontecia nas sessões mesmeristas até o fim do século XIX, e em sessões kardecistas até a primeira metade do século XX. Na UDV, cerca de uma hora e meia após a ingestão do chá, como forma de certificar os efeitos, o mestre vai de um em um e pergunta “Como vamos? Tem luz? Tem borracheira?” No início do transe coletivo são entoados cânticos (chamadas), que tem como proposta transmitir ensinamentos. Decorrido cerca de três horas, quando todos estão em plena "borracheira", ouvem gravações de MPB. A autoridade é amplamente ostensiva, tudo é controlado rigorosamente seguindo a hierarquia, Mestre, Conselheiro, Associado e diferencia-se um dos outros por fardamento, função e tarefa. A Borracheira é alusão do mestre Gabriel ao termo conhecido nos seringais como o período decorrido entre o fim e o início da extração do látex, quando ocorre embriedade ou bebedeira dos trabalhadores. Segundo a crença da UDV, foi um importante personagem bíblico, o Rei Salomão, quem descobriu como produzir o chá e passou esse conhecimento a um homem chamado Caiano. Séculos depois, Caiano teria nascido de novo na Bahia, com o nome de José Gabriel da Costa. Torna-se mestre Gabriel após conhecer a ayahuasca nos seringais de Rondônia e fundar a União do Vegetal. Andrade 24 conta à trajetória de vida de José Gabriel com detalhes, relata seu envolvimento com o catolicismo popular, ainda no interior da Bahia onde nasceu, como freqüentou sessões espíritas kardecistas e terreiros de candomblé em Salvador e seu trabalho na extração da borracha no Estado de Rondônia. Conta como, em Porto Velho, Gabriel passa a atender pessoas, em sua casa, jogando búzios e relata com detalhes como, quando e por que se torna Ogã e Pai do Terreiro de Mãe Chica Macaxeira. Por fim, define como ocorreu seu retorno ao seringal onde abre seu próprio terreiro, no qual “recebia” o caboclo Sultão das Matas com o objetivo de curar pessoas, dar conselhos e orientar as caçadas. Ao abrir seu próprio terreiro, José Gabriel passa a dirigir um rito sincrético, uma forma de xamanismo assemelhado à pajelança amazônica que associa, na 24
ANDRADE, Afrânio P. de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla. Um estudo centrado na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado, Instituto Metodista de Ensino Superior. S. Bernardo do Campo, 1995.
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prática, elementos religiosos afro-indígena, kardecista e do catolicismo popular. Em abril de 1959, no seringal Guarapari, na região da fronteira boliviana, Gabriel recebeu pela primeira vez o chá ayahuasca de um seringueiro chamado Chico Lourenço, que representava uma tradição indígena-mestiça de uso xamânico do chá. Segundo Andrade, em 1961, José Gabriel reuniu as pessoas e disse: “Eu quero falar pra vocês que tudo que o Sultão das Matas faz eu sei; Sultão das Matas sou eu”. Este momento foi considerado como de grande iluminação. Ao postular para si mesmo o poder antes atribuído à entidade Sultão das Matas, mestre Gabriel nega a incorporação dos cultos de caboclo. A partir daí, o transe deixa de ser entendido como mediúnico, não há incorporações nas sessões. Mestre Gabriel reconhece um novo tipo de transe e o denomina de borracheira, em vez de incorporação agora ocorre iluminação. Este momento é justificado como sendo a percepção do mestre, reconhecendo uma força desconhecida que age dentro de cada um. Como se diz na UDV, “no decorrer da borracheira há uma potencialização dos sentimentos, das percepções e da consciência”. Essa descrição é perfeita para caracterizar o que pode ocorrer em um transe hipnótico quando bem conduzido. É certo que sugestões de melhorias, curas e superações de vicissitudes, instaladas na mente humana durante um transe, funciona de forma poderosa. No transe produzido pelo chá ayahuasca, as sugestões são elaboradas, ampliadas, ajustadas e adaptadas, de forma consciente ou não, por cada pessoa, pelo mestre e o ambiente onde ocorre a sessão, pelo ritual e dogmas praticados e ensinados que induzem princípios universais da ética e da moral. A ordem religiosa estabelecida lembra e introduz na mente de cada um a idéia do merecimento a uma vida digna, ao direito da pessoa ser feliz e de fazer o próximo feliz. Condições indispensáveis para elevação da auto-estima, superações de adversidades e curas. 98% das pessoas que experimentam o chá ayahuasca entram em transe. 80%, incluindo aí o mestre, apresentam sintomatologia do transe leve, o que permite entrar ou sair do estado hipnótico, dependendo da necessidade e de sua vontade. 30% ficam em nível intermediário e cinco a dez 5% apresentam sintomatologia idêntica aos níveis sonambúlicos e plenos do transe hipnótico, exceto pelo efeito aversivo provocado pela ingestão do chá. Os efeitos provocados pela ingestão do chá ayahuasca iniciam após, aproximadamente, trinta minutos e prolonga-se por até quatro horas, variando na intensidade a depender da quantidade consumida e da propensão de cada pessoa ao transe. O efeito aversivo é caracterizado por uma série de reações como náuseas, vômitos intensos, diarréias, palpitação, taquicardia, tremores, midríase, suor excessivo, perda da discriminação espaço-temporal, ilusões sinestésicas, perda ou diminuição de controle psicomotor e vertigens. Não obstante a essas situações adversas, no período de duas a quatro horas pode ocorrer o
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aumento de bem-estar do indivíduo, criando fortes sensações de felicidade e contentamento. Após o transe aqueles que experimentam efeitos mais profundos de bemestar, relatam sensações de vôo pelos ares, idas a lugares distantes, visões envolvendo locais e pessoas (miração), relatam ainda a sensação de comunicação com divindades. As narrativas são variadas e, de certo modo, se ajustam à cultura, à crença e ao ideário de cada um. Devido a esses efeitos a mistura dos dois vegetais para a composição do chá ayahuasca, foi e continua sendo utilizada com finalidade mística em ritual religioso, geralmente com objetivo de cura. Nos anos 90 a União do Vegetal começa a se expandir pelos centros urbanos brasileiros e para o exterior, entrando na América do Norte e na Espanha. Em 2006 a Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos deu autorização, por votação unânime, para prática do culto em território americano. O tribunal recusou os argumentos do governo americano de que uma das substâncias contidas na bebida ayahuasca está na lista de entorpecentes proibidos pela legislação em vigor. Na decisão o tribunal levou em conta a permissão dos membros da Igreja Nativa Americana, na grande maioria indígena, usarem em seus rituais um chá composto por peiote. Os índios norte-americanos possuem o Ato de Liberdade de Religião Indígena, aprovado em 1994, que especifica autorização para o uso do cacto Peiote para fins religiosos e, por analogia, o consumo do chá foi autorizado. O DMT, substância presente na folha do arbusto que compõe o chá ayahuasca, é proibido pela Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas da ONU Organização das Nações Unidas, firmada em Viena em 1971, da qual o Brasil é signatário. Por conta desta restrição, o DMT foi incluído na lista das substâncias psicoativas proscritas da Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde brasileira durante os anos de 1985 a 1987. Enquanto neste mesmo período, uma comissão multidisciplinar estudou as formas de consumo do psicoativo proibido e, como resultado deste estudo, o (extinto) Conselho Federal de Entorpecentes elaborou parecer retirando a substância da ilegalidade. Em 1992, houve nova tentativa de proibição do consumo do DMT no Brasil, tendo sido organizada uma segunda comitiva, que reafirmou a decisão da anterior, de liberalização do uso para fins religiosos. Hoje predomina o entendimento fundamentado no Direito Constitucional de liberdade de culto e religião (CFR de 1988, artigo 5º, inciso VI). Também foi considerado o fato que de nada consta na legislação penal brasileira sobre os componentes ativos contido nos vegetais que compõem o chá ayahuasca, portanto, seu uso é facultado (Lei de entorpecentes, 6.368/76). Do ponto de vista internacional, existe uma ação processual em curso na ONU para regularizar a situação, no âmbito de sua convenção, no sentido de reconsiderar o uso do chá ayahuasca como facultado em ritos religiosos no Brasil.
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É relativamente grande a discussão acadêmica quanto aos efeitos do chá ayahuasca, mas a literatura científica sobre o tema é controversa, ora considera como alucinógeno e de uso não recomendado, ora considera como inofensivo à saúde e indicado como terapia. A ciência ainda caminha no sentido de esclarecer completamente como os elementos contidos na bebida agem no organismo humano. Já se sabe que a folha do arbusto chacrona (Psychotria viridis) contém um princípio ativo, a DMT (N, N, Dimetiltriptamina), que tem semelhança estrutural com a serotonina, um importante neurotransmissor do sistema nervoso central. Quando administrada por via oral, a DMT é decomposta pela monoaminoxidase (MAO), tornando-se inativa. O cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi) contém alcalóides beta-carbolinas: a Harmina, a Tetrahidroharmina e a Harmalina. Esses alcalóides inibem a atuação da enzima MAO, o que evita que esta torne inativa a ação da DMT contida na folha. Assim, a interação entre esses alcalóides e a DMT permite que a bebida produza alterações no corpo e no psiquismo. Dentro da perspectiva sistêmica fica complicado saber como as propriedades do chá ayahuasca, isoladamente identificadas a partir de pesquisas reducionistas, agem no organismo humano, o quê de fato acontece quando é ingerido, como são ou não mantidas suas propriedades originais quando interage com tantos outros elementos do metabolismo e do psiquismo. Para a ciência atual essas respostas são difíceis, como também é difícil explicar como acontece a produção do transe hipnótico, com sintomatologia e efeitos iguais, que são induzidos sem a ingestão de quaisquer substâncias, através de meras sugestões verbais ou visuais e que podem até ser praticados por auto-sugestão. Conhecer a sintomatologia do transe hipnótico, suas diferentes formas de produção e efeitos, talvez possa contribui para interpretar o efeito do chá ayahuasca. Na Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela e Equador o consumo e a administração do chá ayahuasca sem envolvimento religioso é tradição. Sua aplicação é feita por uma espécie de médico naturalista ”ou curandeiros pelas plantas” que se referem a si mesmos como vegetalistas ou herboristas e ajudam as pessoas das áreas rurais e as populações pobres de áreas suburbanas que, doentes, não têm condições de ser assistidas pela medicina convencional. No Peru o chá ayahuasca é conhecido também como la purga, devido às suas características de provocar diarréias que são entendidas como processo de desintoxicação e, em certas regiões da Colômbia, com essa mesma finalidade o chá é denominado de el remedio. Sem envolver religião, estudiosos levantam hipóteses de que o chá ayahuasca contenha propriedades antimicrobianas, o que o tornaria efetivo no combate a vermes ascarídeos e protozoários. É só Brasil que tem início o uso do chá, associado ao sincretismo religioso, por populações não indígenas. Transe e sincretismo
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A história do sincretismo religioso no Brasil inicia com os jesuítas incumbidos de doutrinar os índios e depois os negros, proibindo seus cultos sagrados. Os negros escravos, por não terem alternativa, construíam altares com imagens e gravuras dos santos do catolicismo e associava essas imagens aos orixás, como a única forma de continuarem com suas crenças de origem. Formou-se assim a associação entre o orixá do candomblé e o santo da Igreja católica, em rituais com elementos simbólicos riquíssimos, utilizando muitas cores, sons e ritmos, realizados nos terreiros das senzalas. Com o passar do tempo, alguns terreiros começaram a misturar os rituais do Candomblé com os da Pajelança, dando origem a outros cultos. O Candomblé tem vários ritos e diferentes ênfases culturais, mas sempre neles ocorrem transes. As culturas africanas, fontes para as atuais vertentes do candomblé praticado no Brasil, vieram da área cultural banto; onde hoje estão os territórios da Angola, Congo, Gabão, Zaire e Moçambique e da região sudanesa do Golfo da Guiné, circunscrita à Nigéria e Benin, que contribuíram para a formação cultural dos iorubás e os ewê-fons. Estas origens se interpenetram tanto no Brasil como na África. Os rituais africanos associados aos rituais indígenas, principalmente da Região litorânea do Nordeste brasileiro, deram origem ao Candomblé de Caboclo e, neste caso, a força curativa é atribuída aos espíritos de índios e negros. Essa mistura de cultos cria ramificações como os Conjuros, Canjerê, Catimbó, Macumba, Quimbanda e Jurema ou Juremeiros. Os Juremeiros consomem uma bebida, originaria dos rituais indígenas, de nome jurema. É produzida com a casca do caule e da raiz da planta jurema (Mimosa Hostilis Benth), natural da região nordeste do Brasil, acrescida de mel e outra bebida fermentada de teor alcoólico. Os índios também fumavam, por meio de cachimbo, um preparado com a raiz desta planta e, tanto o hábito de fumar como de ingerir a bebida foi incorporado aos rituais de origem e influência africana. No culto afro-brasileiro a composição da bebida jurema, antes apenas indígena, passou a ser conhecida como vinho da jurema e, outros ingredientes foram acrescentados além da cachaça e o mel; o vinho tinto, o pó de guaraná, a rapadura, canela, cravo-da-índia, gengibre e dandá, também conhecido como tiririca ou junca, apontando no meio acadêmico como sendo a espécie Fuirena umbellata Rotbb. Em alguns terreiros de nação Angola, antes de se beber jurema, põe-se uma pitada de dandá na boca. O vinho e o dandá são também servidos à assistência e, acredita-se, a pessoa que bebe, sendo susceptível ao transe e envolvido com a crença no culto, manifesta imediatamente a incorporação do espírito de um caboclo. Enquanto a bebida é servida, cantam-se hinos em homenagens às divindades cultuadas e, juntos, o dandá e a jurema aceleram o processo do transe.
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Zanini & Oga 25 afirma que o vinho da Jurema produz efeitos semelhantes aos do LSD 25 e de outras drogas desse grupo, porém reconhece que seu uso não causa dependência física ou psíquica e seu abandono não causa síndrome de abstinência. Logo não é tão semelhante assim. Há uma tendência acadêmica de se classificar qualquer tipo de transe, produzido por ou com a ajuda de elementos químicos, mesmo que naturais, como sendo mera ação de uma substância alucinógena. No transe hipnótico produzido em diferentes rituais, com uso de substância química ou não, inclusive aqueles provocados apenas por estímulo dos sentidos normais como a visão, a audição e o tato, entre seus efeitos podem ser observados a ocorrência de alterações do humor, com euforia e depressão, ansiedade, distorção de percepção de tempo e espaço, forma e cores e alucinações visuais. A esses sintomas, algumas vezes, são acrescidas idéias delirantes de grandeza ou perseguição, despersonalização, midríase, hipertermia no tórax e cabeça associado à hipo-termia nas extremidades das mãos e pés. Em rituais religiosos, quando provocam transes, pode ser observado além das alterações de senso-percepção, delírios e visões que correspondem à crença praticada. A descrição desses efeitos, narrados pelos participantes, são induzidos e desenvolvidos pelas sugestões prévias embutidas na cultura religiosa. Por isso, freqüentemente, esses efeitos são entendidos como experiências místicas, visões e êxtases. O Candomblé de Caboclo associado ao Kadercismo cria também a Umbanda, que admite a manifestação de espíritos de pessoas mortas. Os cânticos para os orixás, atabaques e jogos de búzios, naturais do rito africano, são substituídos por práticas desenvolvidas na Europa como sessões de passe com a imposição das mãos e consulta aos espíritos através de médiuns. A Umbanda mistura tradições religiosas africanas, indígenas e católicas, além dos orixás, cultuam o caboclo, o preto-velho e espíritos dos antepassados que servem de guias ou conselheiros aos fiéis. As rezas e as bênçãos, praticadas pelas rezadeiras e benzedores, também podem exercer efeitos hipnóticos, ou pelo menos são de grande poder sugestivo. O benzimento é uma forma antiga no tratamento de várias doenças, utilizado desde a idade média na Europa. No Brasil, além da reza tradicional, alguns benzedores indicam para reforçar o efeito de cura o uso de plantas como amuletos protetores, ou preparam e receitam chás, garrafadas, banhos e ungüentos, dando assim origem ao termo raizeiro ou curandeiro, conhecido também como feiticeiro ou milagreiro. Estes são proscritos pela medicina oficial e amaldiçoados pela religião dominante, além de mantidos à margem da lei. Parece que quanto mais uma civilização evolui e a ciência oficial se desenvolve, mais a figura do curandeiro se faz presente e mais numerosos e populares são os adivinhos, os videntes, as cartomantes e todas as 25
ZANINI, A C. & Oga, S. Farmacologia aplicada, pesquisa USP, S. Paulo, Atheneu Ed. 1979.
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metamorfoses e alterações semânticas, envolvendo antigos e novos mitos e suas associações com o transe hipnótico. Padres hipnotistas Na Europa, por volta de 1770, um Padre católico de nome Johann Joseph Gassner (1727-1779) que viveu em Klosters, no sul da Alemanha, atribuía às doenças a possessão demoníaca. Se hoje as doenças são, para grande parte da humanidade, atribuídas às forças malignas, isso era pensamento padrão no século XVIII. Nessa época os doentes eram simplesmente entendidos como possuídos pelos demônios e Gassner divulga a crença de que podia curar os enfermos. Em milhares de pessoas, por sugestão hipnótica induzia curas espetaculares e, para assegurar-se da aprovação da igreja, aplicava seu método de tratamento como se fosse processo de exorcismo, obtendo o consentimento para suas ações através da afirmação de que Deus estava agindo através dele. 26 Gassner aparecia de forma teatral à sua clientela vestido todo de preto, de braços estendidos, segurando um grande crucifixo de ouro cravejado de diamantes; usava ambiente solene, decorações lúgubres e falava em latim com voz cava e não fazia segredos de seus métodos. Freqüentemente permitia que médicos observassem sua prática, os quais se apresentavam para observá-lo em ação e eram conduzidos na Igreja a uma sala parecida com um pequeno teatro onde se acomodavam. Então o doente era posicionado numa espécie de palco para esperar o Padre. Com o objetivo de melhorar ainda mais o espetáculo, no timing de sua entrada, Gassner caminhava até a plataforma através de um longo promontório negro, segurando o crucifixo com a mão estendida ao alto. Ao ser tocado pelo crucifixo o doente entrava em estado cataléptico. Isto era o primeiro passo para expelir todas as formas de mal existentes em quem se sentia possuído. A catalepsia é um estado que envolve a súbita suspensão da sensação e da volição, bem como a paralização parcial das funções vitais. Ocorre, ao mesmo tempo, queda acentuada da pressão arterial e dos batimentos cardíacos, resfriamento das mãos e dos pés, além de profunda palidez, o corpo se torna rígido, ficando com a aparência que pode ser confundida com uma pessoa morta. O estado cataléptico é provocado por emoções fortes decorrente de grande expectativa prolongada por horas seguidas, um susto ou um medo violento. Dependendo da técnica de indução e do nível de suscetibilidade ao transe, algumas pessoas hipnotizadas alcançam rapidamente este estado. Todos eram instruídos a “morrer” quando tocados pelo Padre e, enquanto “jaziam” prostrados ao chão, Gassner expulsaria os demônios de seus corpos devolvendo-lhes a vida normal. Depois que algum médico examinava o paciente, não sentindo pulso, não ouvindo batidas do coração declarava-o 26
Manifestações de possessões demoníacas e procedimentos exorcistas, a Igreja Católica admitiu em determinadas épocas, em outras não. Paulo VI eliminou a figura do exorcista, que foi recuperada, no entanto, por João Paulo II (N. do A.).
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como morto, então o Padre ordenava que o demônio partisse e, logo após, o paciente “ressuscitava” e levantava-se completamente curado. Quando o doente era trazido, antes de empregar o exorcismo, Gassner fazia um teste para certificar-se de que a doença era atribuída ao demônio; a prova, na verdade um teste de suscetibilidade hipnótica, consistia essencialmente numa fórmula de conjuração que ele fazia acompanhar do sinal da cruz. Se o demônio não respondesse através de crises convulsivas a três invocações seguidas, concluía ele que a doença era de origem natural e deixava para os médicos curar, caso afirmativo iniciava a sua própria sessão de cura. Karl Weissmann 27 descreve uma dessas sessões, realizada por volta de 1774, na qual foi hipnotizada uma jovem de nome Emilie, e relata o método utilizado: Entrando de maneira dramática no aposento, o Padre Gassner tocou a jovem com o crucifixo, e essa, como que fulminada, caiu ao chão em estado de desmaio. Falando-lhe em latim, a paciente reagiu instantaneamente. À ordem - Agitatur bracium sinistrum - o braço esquerdo da jovem começou a mover-se numa crescente velocidade. E ao comando - Cesset - o braço se imobilizara, voltando à posição anterior. Ato contínuo, o Padre lhe sugere que está louca e a jovem com o rosto horrivelmente desfigurado, corre furiosamente pela sala, manifestando todos os sintomas característicos da loucura. Bastou a ordem enérgica Pacet - para que ela se aquietasse como se nada houvesse ocorrido de anormal. O Padre Gassner nesta altura lhe ordena falar em latim, e a jovem pronuncia o idioma, que normalmente lhe é desconhecido. Finalmente, ordena à moça uma redução nas batidas do coração. E o médico presente constata uma diminuição na pulsação. Ao comando contrário, o pulso se acelera, chegando a 120 pulsações por minuto. Em seguida, a jovem, estendida no chão, recebe a sugestão de que suas pulsações se iriam reduzir cada vez mais, até cessarem completamente. Seus músculos seriam relaxados totalmente e morreria, ainda que apenas temporariamente. E o médico, espantado, não percebendo sequer vestígios de pulso ou de respiração, declara a jovem morta. O Padre Gassner sorri confiantemente. Bastou a ordem sua para que a jovem retornasse gradativamente à vida. E com o demônio devidamente expulso de seu corpo, a moça, sentindo-se como nascida de novo, desperta e agradece sorridente ao Padre o milagre de sua cura (WEISSMANN).
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WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958. Karl Weissmann (1911 a 1981), austríaco naturalizado brasileiro, escreveu apenas um livro e se tornou muito conhecido e citado no Brasil quando o tema é Hipnotismo. Desde a primeira edição, em 1958, o livro é reimpresso com títulos ligeiramente diferentes, porém sem alterações no seu conteúdo. Em sua autobiografia Weissmann diz que foi hipnotista de palco e de gabinete e que trabalhou, na década de 50, como psicólogo na Penitenciária de Neves, no Estado de Minas Gerais (N. do A.).
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Lorenzer descreve também, passo a passo, a sessão com Emilie. Gassner começava advertindo que ela podia depor sua confiança em Deus e em Cristo, cujo poder supera a força do demônio e a isso seria atribuída a sua cura. Emilie senta-se numa cadeira em frente ao Padre e ele pronuncia as seguintes palavras em latim (para este autor, Emilie entendia latim): Praecipio tibi in nomine Jesu, ut minister Christi et ecclesiae, veniat agitatio brachiorum quam antecedenter habuist - Nisso as mãos de Emilie começaram a tremer. Gitentur brachia tali paroxysmo qualem antecedenter habuisti - Ela afundou na cadeira para trás e estendeu com inteira impotência os dois braços. Cessat paroxysmu - Levantou-se de repente de seu lugar e parecia saudável e serenamente alegre. Paroxysmus veniat interum vehementius, ut ante fuit et quidem per totum corpus - A crise começou de novo. As pernas se levantaram até a altura da mesa, dedos e braços ficaram rígidos e dois homens fortes não puderam dobrar seus braços, além dos.olhos que ficaram abertos, mas estavam revirados. Tremat ista creatura in toto corpore - Tremor no corpo todo. Hebeat augustia circa cor - Emilie levantou os ombros, abriu os braços, virou os olhos de maneira assustadora, desfigurou a fisionomia e seu pescoço entumesceu. Sis quase mortua - Sua fisionomia ficou com palidez mortal, sua boca abriu-se amplamente, os olhos perderam aquela expressão, o pulso ficou tão fraco que o cirurgião presente dificilmente pode senti-lo. Sai irata omnibus praesentibus - Ela ficou encolerizada contra todos os presentes (cerca de vinte pessoas). Surgat de sella et aufugiat - Depois de um momento levantou-se de sua cadeira e foi para a porta. Sit melancholica, tristissima, fleat - Ela começou a soluçar e lágrimas desceram pela face. Apertis oculis nihil videat - Daí em diante passou a responder perguntas. De olhos abertos, dizendo nada ver, e assim por diante (LORENZER).
Finalmente Gassner procedeu ao exorcismo e, depois disso, deu algumas instruções a Emilie de como ela própria poderia proteger-se da enfermidade, afirmando que possuía o dom de transmitir esta aptidão às pessoas que tratava. Ao deixá-la explicou aos presentes que tudo o que havia ocorrido só acontecera através da graça de Deus e só devia servir ao reforço e glorificação do evangelho. Não só através da utilização de métodos e aplicações de técnicas hipnóticas as pessoas eram induzidas a admitir estarem possuídas pelos demônios, para isso também contribuía a própria crença que associava as doenças aos “maus espíritos”. Aqueles que se sentiam com o “diabo no corpo” vinham ou eram trazidos ao Padre para que ele o expulsasse. E com o demônio devidamente expulso a pessoa agradecia, na igreja, o milagre de sua cura. Não resta dúvida de que Gassner era um perito hipnotista e que hoje, já passados quase três séculos, o seu método, ligeiramente modificado, ainda surte efeitos em muita gente. 28
LORENZER, Alfred. Arqueologia da psicanálise: Intimidade e infortúnio social (Trad. Wilson de Lyra Chebabi), RJ, Zahar, 1987.
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Gassner deu início à sistematização de induções ao estado de transe hipnótico associando a idéia do exorcismo. Primeiro era expressamente induzido por sugestões o estado possesso para depois ser, também por sugestão, exorcismado. O método de indução era reforçado pela solenidade do ambiente, na fé, na crença ao sobrenatural, e na expectativa em torno do acontecimento; tudo isso junto criava uma atmosfera propícia para o transe imediato. As técnicas utilizadas eram bem próximas das atuais; o retorno do transe, disfarçado como exorcismo, era previamente anunciado de forma lenta e enfática. Acreditando ter se livrado do demônio, os pacientes ou fiéis também acreditavam na sugestão subjetiva pós-hipnótica e comportavam-se como quem se livrou, por assim dizer, da doença. Sem dúvida, nestes casos a cura, para grande maioria dos males, realmente acontecia. Algumas sessões de hipnose realizadas por Gassner eram coletivas, tinha como objetivo o exorcismo de pequenos demônios, os quais, embora freqüentemente instalados nas pessoas, não resistiam à expulsão em bloco. A técnica consistia em formar uma fila e, após a explicação do que deveria ocorrer, sobre a cabeça da primeira até a última pessoa, rapidamente passava um pequeno e espesso manto preto e, como que fulminados todos caíam para trás. Ato contínuo o Padre retirava do transe aqueles que permaneciam mais profundo sob alegação que seriam libertados do mal. M. Lecron 29 lembra que a hipnose de massa geralmente ocorre de forma indireta ou dissimulada e que sua utilização é possível, entre outras oportunidades, em alguns cultos e ritos de caráter religioso conforme sinaliza: “Em muitas cerimônias religiosas, especialmente se houver música e ritual, muitos dos presentes ficarão em estado de hipnose espontânea”. Em alguns casos, podem os líderes ou dirigentes apresentar-se com perfil de comportamento assemelhado ao do Padre Gassner e a aplicação do método hipnótico varia apenas no grau de intensidade e no vocabulário que é adaptado à época e ao ato religioso. A pesquisa identificou através de observações in loco algumas situações equivocadas ou dissimuladas e, por isso, consideradas como manifestações de espíritos ou demônios. Todos os casos analisados foram interpretados como apenas induzidas por sugestão e, para se chegar a essa conclusão, foi constatada a presença da hipnose nas “manifestações”. Os transes foram produzidos através de métodos hipnóticos e técnicas de induções, mesmo que ligeiramente adaptado. Foi identificado como sendo uma das técnicas mais utilizadas o procedimento do hipnotizador (condutor do ritual). Como exemplo, o fato de colocar uma das mãos na testa e a outra na nuca ou no alto posterior da cabeça do hipnotizado (adepto à religião), efetuando pequenos e enérgicos movimentos circulares, enquanto induziam verbalmente a sugestão direta do 29
LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., RJ, 1979.
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comportamento que espera. O veículo para a aplicação do método hipnótico reside na fé dos participantes que, no decorrer do processo, representam sintomas e comportamentos induzidos através de sugestões durante o transe, ou posterior, através de sugestões pós-hipnóticas. Entre as sugestões pós-hipnóticas observadas estão aquelas que induzem o hipnotizado à dependência de continuar participando e colaborando com o processo desenvolvido nas reuniões ou sessões; afirmam efusivamente que para ele ficar livre definitivamente do problema que o atormenta deve voltar, com regularidade de freqüência, a prática que acabara de experimentar e ou alertam para o dever de colaborar com a continuidade da organização ou da obra religiosa onde a tal prática foi realizada. Essas sugestões póshipnóticas geralmente se transformam em ações compulsivas e, portanto, inconscientemente cumpridas. Para melhor análise da produção do transe hipnótico em meio de um ritual de cura religiosa, pode ser interpretado como transcorre uma reunião ou sessão com estas características. Geralmente inicia com um dirigente que fala com emocionada oratória, voz cava, vocabulário repetitivo e monótono (técnica de Liébaut), dirigindo-se às pessoas que ficam de pé e com os braços levantados. Após a introdução inicial, os mais suscetíveis começam a balançar o corpo de forma oscilatória, o que indica alto grau de suscetibilidade hipnótica. Nesta fase, alguns auxiliares identificam quem mais oscila e, imediatamente, entram em cena dando início à indução hipnótica direta e individual, falando mais ou menos assim: “Sai demônio... Manifeste... Apareça... Não resista...”. O demônio é primeiro induzido para depois ser exorcizado e, tudo não passa de sugestão hipnótica. Os mais suscetíveis entram em rigidez cataléptica, ficando com os dedos contorcidos e sem movimentos, não propensos a falar, apenas respondem resumidamente o que lhes for perguntado, às vezes se contorcendo ou tremendo o corpo e, se o nível de transe hipnótico for profundo, os olhos ficam brancos; tudo isso são características clássicas do transe. Nesta fase é possível observar a sintomatologia dos diferentes graus de aprofundamento da hipnose. E, desta forma, o dirigente da sessão daria continuidade ao processo, aplicando as sugestões hipnóticas e pós-hipnóticas que garantam os objetivos esperados. Um Padre católico famoso por produzir transes hipnóticos foi Francis MacNutt. 30 Empenhado no processo da renovação carismática da Igreja católica, ele e uma equipe de dez Padres, além de vários auxiliares, empreenderam, por volta de 1970, curas através de orações e imposição das mãos, sobre os doentes, nos quatro cantos do mundo. Principalmente nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Colômbia, no México e várias nações africanas. 30
MACNUTT, Francis O. P. O Poder de Curar, (titulo original: “The power to heal”, (Trad. C. F. de Andrade) S. Paulo, Edições Loyola, 1980.
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Pelas descrições de MacNutt fica evidente que ele desencadeava transes hipnóticos coletivos. Antes do início das sessões, se dirigia ao público explicando como aconteceria o milagre da cura. Falava que o poder curador de Jesus penetraria em cada célula do corpo de cada um e que a força do Espírito Santo vinha promover a cura assim que ocorresse, durante a prece, a imposição das mãos. Diz que o contato dele com a pessoa doente era uma espécie de reforço para a prece, que tinha poder em si mesmo; e que os toques com as mãos falavam mais forte do que as palavras. Fato é que em média de 40% das pessoas, minutos após a pregação, eram tacadas e caíam no chão permanecendo como mortas. Quando retornavam ao estado normal, diziam-se curados de suas doenças. Descrevendo o que acontecia nas sessões, MacNutt diz que “o poder do Espírito Santo, enchia de tal forma a pessoa com uma consciência íntima elevada e, por isso, a energia do corpo desfalecia a ponto da pessoa não poder ficar em pé”. Na história da Igreja católica são comuns relatos sobre o transe hipnótico usando a expressão “arrebatado em êxtase”. A palavra êxtase vem do grego (ekstasis) e se refere ao espírito que é “levado para fora do corpo”, expressão sinônima de “morrer no espírito”. Os Padres católicos, Charles e Frances Hunter, companheiros da equipe de MacNutt, empregavam para definir o transe a expressão “cair sob poder”. Mas, MacNutt trata de se afastar destas expressões, passando aceitar “ser dominado pelo espírito” como correto para definir o processo hipnótico que deflagrava. Já que a maioria das pessoas que sente esse fenômeno narra que estão mais vivos do que nunca interiormente, prefiro não falar dele como “morrer no Espírito” que só se refere à parte externa do corpo que cai no chão. É exatamente o contrário de ser “morto”; assemelha-se mais a um excesso de vida tal que o corpo não agüenta. Por isso estou evitando a palavra “morto”, que conota violência. Com estas questões na cabeça, Padre Michel Scanlan e eu discutimos o nome melhor para dar a esse fenômeno. Chegamos à conclusão de que iríamos nos referir a ele como “ser dominado pelo Espírito”. Este termo designa de modo mais adequado o que realmente acontece (MACNUTT).
MacNutt não se conforma totalmente com a expressão “ser dominado pelo Espírito” e, no verão de 1975 quando esse fenômeno começou a se produzir numa assembléia católica na Inglaterra, Monsenhor Jon O’Connor sugeriu que os ingleses iriam entender e aceitar o fenômeno, se o chamassem de “um toque de dominação”. E, essa expressão ficou. Tentando justificar os acontecimentos e o significado do transe, MacNutt cita como uma santa da Igreja católica o descreveu, diz que “existe maravilhosa descrição do repouso no espírito, empregando exatamente estas palavras, de Santa Brígida da Noruega”. Faz referencia a Santa, atribuindo como sendo suas as palavras: Oh! Suavíssimo Deus, qual estranho o que me fizeste! Porque Tu puseste a dormir meu corpo e acordastes minha alma para ver, ouvir e sentir as
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coisas do espírito. Quanto Te apraz, Tu ordenas a meu corpo que durma, não com um sono corporal, mas com o repouso do espírito, e minha alma Tu a acordas como de um transe para ver, ouvir e sentir com as forças do espírito (Santa BRÍGIDA da Noruega apud MACNUTT).
MacNutt escreve uma espécie de receituário para produzir curas, através de preces e imposição das mãos, durante a liturgia católica ou fora dela. Insiste sobre a importância da repetição da prece por várias vezes até a saturação, afirmando que a imposição das mãos e os toques são fundamentais para que o fenômeno ocorra e produza cura. Descreve, com detalhes, centenas de casos nos quais eram produzidos transes hipnóticos e seus resultados curativos, obviamente para ele “obra e graça do Espírito Santo”. Sem dúvidas, ele muito contribuiu para as práticas hipnóticas nas novas igrejas que se organizam e se espalham pelo mundo a partir de 1980. Nas sessões de hipnotismo com se fossem apenas rituais religiosos, curas podem ser induzidas e apresentam resultados satisfatórios, disso não se duvida, mas é contestável a explicação sobre o procedimento e sobre a forma como foi produzido o transe. Essas explicações são propositadamente distorcidas ou, no mínimo, equivocadas como foram nas sessões realizadas por Gassner, MacNutt e seus seguidores. Mas, seja qual for a justificativa, curas podem ocorrer pelo fato de as pessoas suscetíveis serem mais propensas às doenças psicossomáticas; assim como as adquirem por sugestão, com a própria sugestão se curam. A técnica curativa através da imposição das mãos é muito antiga e provavelmente sempre foram de natureza hipnótica. Era conhecida e empregada como meio de cura pelos magos da Caldéia e se propagou das Margens do Eufrates ao Egito e à Índia. Depois dos sacerdotes de Isis, os padres do Deus dos Judeus foram seus depositários e os cristãos o herdaram deles. Da Grécia passou a Roma, e de Roma para Gálias de onde migraram para o mundo (A. Tesle 1845, apud Alphonse Bué, Magnetismo Curador, 1919). No século XVIII Mesmer, não só pratica esta técnica como também teoriza, inova e espalha por toda a Europa com uma nova justificativa. Posteriormente sua fórmula foi amplamente apropriada e adaptada por outras crenças que também praticam a cura pela fé. A prática da imposição das mãos também é muito praticada no oriente de onde migra para o ocidente com o nome de reiki. Foi redescoberta no final do século XIX por Mikao Usui num livro budista tibetano de 2.500 anos, em Kioto, no Japão. Reiki significa Energia Vital Universal, seus adeptos a definem como uma energia dourada, sagrada e curativa que passa através das mãos do doador para o receptor. Quem pratica Reiki acredita que o receptor suga a quantidade de energia que lhe falta, mas quem dá não está passando a própria energia e sim servindo de canal da energia universal. Segundo a crença, a prática do Reiki amplia a consciência, relaxa, ameniza o estresse, fortalece corpo e mente, promove o
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crescimento espiritual, aumenta o poder de observação, a auto-estima, a autoconfiança, o espírito de caridade, diminui e anula dores e aumenta a criatividade. Nas igrejas messiânicas também se pratica a imposição das mãos como meio de cura e, é conhecida como Jorei. O transe hipnótico aparece camuflado, mesclado ou associado com diferentes ou tradicionais liturgias. O transe foi e é produzido associado com idéias de demônios, anjos, arcanjos, espíritos desencarnados, santos ou deuses. Essas idéias não desapareceram, pelo contrário, está presente em algumas práticas que ganham popularidade a cada dia. Os primeiros registros de hipnose associado à idéia de anjos ocorreram por volta de 1840, na Alemanha. Sob a orientação de seu hipnotizador Alphonse Cahaganet, a sonâmbula Adèle Marginot em transe descrevia estar vendo e ouvindo anjos, narrava o que acreditava como sendo conselhos do além para o bem da humanidade. Cahaganet, com base em Adèle, editou, em 1847, o livro Os Arcanjos da vida futura revelada. Notáveis também foram os transes do sonâmbulo de Prevost, cidade alemã onde viveu Frédérique Hauffer. Seu hipnotizador Justinus Kerner publica, em 1829, como transcorriam as sessões e como Hauffer em transe descrevia situações envolvendo anjos, arcanjos, conselhos e adivinhações de vida futura. Em 1847 nos Estados Unidos da América, a família Fox, representa a transição entre a fase de anjos e demônios para a fase dos espíritos desencarnados, seja nas sessões de sonambulismo ou no meio de rituais religiosos. O fato, que passou a ser entendido como uma comunicação com espíritos de pessoas mortas, serviu de base para, em 1850, desenvolver experiências com “mesas girantes” e, por conseqüência, o Kadercismo que surge afirmando uma nova concepção de cura. Hipnose e reencarnacionismo A observação participativa revelou também outra forma de terapia que utiliza a hipnose associada ao conceito reencarnacionista, é a que utiliza a estratégia da regressão a vidas passadas. A possibilidade de vida e morte serem mais do que processos biológicos, a existência da alma e a idéia de viver várias vezes são temas que agitam discussões filosóficas e religiosas desde tempos remotos. O problema é que não existem provas contundentes negando ou afirmando tais conceitos, isso leva os pesquisadores para o campo das divagações, ao andar sem rumo por um percurso com voltas e sinuosidades que conduzem ao raciocínio caótico ou a conclusões dogmáticas. Algumas pessoas hipnotizadas, em sessões envolvendo regressão de idade, descrevem situações como se estivessem vivendo em outra época ou em outra vida e, de fato, após o transe ocorrem melhorias e até curas, a isso se convencionou chamar de TVP - Terapia por vidas passadas. Este processo pode ser analisado pela hipótese da fantasia do inconsciente ou da reencarnação.
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Embora essa última possa ser descartada quando o caso apresenta exagero ou incoerência ou é de propósito mistificado. Para hipnotizar é necessário convencer, mas convencer não significa mistificar enganosamente, é bom sempre lembrar que se argumentos sérios não estão ao alcance, algumas pessoas podem convencer outras através do dogma, do mistério, do mito e da magia. A sociedade, na sua maioria, mesmo quando se observa bom nível de escolaridade, está mais apta a ser convencida com argumentação excêntrica e rodeada de ocultismo do que com explicações sérias e lógicas. Assim, mistificar é o caminho mais fácil, embora não ético, para personagens que vendem milagres ou, de alguma forma, exploram a fé pública. Aí entram algumas técnicas hipnóticas, que podem até ter função terapêutica, mas mistificadas como se fossem curas realizadas por forças ocultas; vidas passadas, espíritos, santos, anjos, etc. As práticas de TVP geralmente ocorrem em ambiente solene, os participantes são convidados para uma sessão de “ocultismo”, onde se processará “regressões para outras vidas”, portanto, chegam présugestionadas. Algumas dessas apresentações podem ser descritas através dos procedimentos padrões como em um ambiente de pouca luz e invariavelmente música suave, onde nota-se a presença de um palestrante, que é um hipnotista, sempre acompanhado de mais um ou dois parceiros. Inicia a sessão apresentando seus “currículos”, recheados de cursos e experiências espirituais, fala de força, luz e energia, quando não dizem logo que são envolvidos com situações extraterrestres. Após se elogiarem mutuamente estabelece na platéia a expectativa e a fé, dois passos decisivos para a indução hipnótica, e anunciam suas “convicções”. Afirmam que na memória de cada um dos presentes estão arquivadas todas as lembranças de outras vidas, que podem ser localizadas e revividas, e se propõem a por em pratica sua teoria. De forma proposital o transe hipnótico pode ser mascarado como se fosse regressão a uma vida passada e não se dá oportunidade do inconsciente do hipnotizado criar suas próprias fantasias, essas são induzidas de forma incisiva pelas sugestões proferidas pelo hipnotista. Para realizar a sessão de TVP, após alguns testes de suscetibilidade, pede-se que todos fechem os olhos, respirem fundo e se preparem para as “lembranças” (técnicas hipnóticas). Pede-se ainda que um dos seus parceiros fale em uma língua estranha e supostamente antiga que aprendera em uma de suas “experiências”. Aí se ouve uma série de sons, pronunciados como se fosse um idioma desconhecido. O tom da voz é cava, suave e repetitivo (o método). O hipnotista pergunta o que aconteceu enquanto decorreu a experiência; quem experimentou alguma emoção mais forte como arrepios, calor, alegria ou tristeza. Para aqueles que respondem positivo a esse último teste, será concentrado o processo de indução, pois esses são decididamente suscetíveis. Pede-se que novamente fechem os olhos e é repetida a fala como se com ele
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estivesse conversando o suscetível e, após alguns segundos, estes iniciam a falar também sons parecidos com os produzidos pelo seu indutor. A fala se transforma em cântico e, o hipnotista, inicia movimentos de dança (sugestão indireta) e é imediatamente seguido por imitação. Os idiomas são atribuídos às civilizações extintas e desconhecidos, quando não é de outro planeta, porque se induz também nessas sessões a presença de seres de outro mundo! O pseudo-idioma facilita porque não seria o indutor, nem o induzido, obrigado a conhecer outra língua. O orador anuncia a consumação da regressão a uma época remota cujo dialeto não se conhece. Nas sessões de TVP a saída do transe é feita da forma convencional, efetuando-se a técnica da contagem de um a três ou cinco, com sugestões póshipnóticas de bem-estar, cura, paz, felicidade etc. Não se pode deixar de reconhecer que, mesmo nestes casos, os efeitos da sugestão pós-hipnótica são eficientes, isto é, o ”regredido” retornará feliz do transe, quando não curado de um mal psicossomático, através das sugestões pós-hipnóticas que lhe são aplicadas. Os que passam pela experiência de assumir outras personalidades ficam fascinados quando sabem que revelaram ter vivido como alguém bem diferente, longe de seus hábitos e da sua própria história de vida. Com esse processo, a maioria resolve problemas psicológicos ou de saúde que a medicina ou a terapia convencional não deram conta de sanar. Mesmo que idéias reencarnacionistas não façam parte da crença religiosa ou filosófica de quem pratica TVP, a eficácia da terapia estará garantida. Mesmo que as imagens, sensações e sentimentos despertados durante o processo não sejam lembranças reais, e sim formas simbólicas representativas do inconsciente, elas cumprem a função de trazer à tona problemas mal resolvidos e traumas reprimidos. Para efeito terapêutico não faz diferença se as memórias reveladas são verídicas ou não passam de elaboração mental. A mente cria dramas que ajudam a enfrentar diferentes situações. Nesta linguagem inconsciente os problemas são tratados metaforicamente, e não de forma direta. Para criar essas metáforas, a mente recorre a todos os seus recursos disponíveis, lembranças praticamente perdidas, imagens de filmes, trechos de conversas conscientemente esquecidas e até situações traumáticas apagadas da consciência. A maioria das doenças tratadas com sucesso pela “regressão”, faz parte das que se manifestam a partir de “gatilhos emocionais”. São psicossomáticas e, de uma maneira ou de outra, reagem, a determinadas situações emocionais e, é a “regressão” um potente veículo que o inconsciente encontra para manifestar emoções e produzir cura. Vários livros que tratam de TVP relatam casos que são, em síntese, um preâmbulo de indução e finalizam descrevendo um método indiscutivelmente hipnótico. Geralmente quem lê esse tipo de livro, que bem podem ser
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nomeados de Hipnoterapia por Regressão, sendo suscetível a hipnose revelase um sucesso nas sessões de regressões, pois já chegam pré-hipnotizados, podendo por isso até espontaneamente entrar em transe, o que para acontecer só depende da atmosfera gerada na sessão e pelo ritual criado para que isso se estabeleça. Por mais que pareça não existirem elementos suficientes para negar, algumas situações aceitas como reencarnações espíritas não passam de simples transe hipnótico. É preciso que não se descarte as possibilidades explicativas normais, evitando a tendência imediata de acreditar na transcendência do ser humano que, parece, na sua essência ir além do corpo físico. A análise dessas ocorrências deve ser com neutralidade de valores, mas as respostas, em sua maioria, ficam comprometidas aos dogmas religiosos e a convicção pessoal de quem analisa. Para muitos não cabe explicação e sim aceitação, porque tem por base revelação doutrinária ou intuitiva e, isso pertence a cada indivíduo em particular. Algumas situações despertam mais questionamentos, mas geralmente quando a regressão antecede o nascimento, a análise e observação indicam que, de certa maneira, os fatos descritos foram acontecidos na própria vida do hipnotizado e podem ser percebidos, de forma subjetiva ou sutil, pelo hipnotista. Parece que na representação da TVP, o hipnotizado inconscientemente revela o seu próprio desejo, problemas ou conflitos, através de um ideário simbólico e fantasmagórico elaborado pelo seu inconsciente e ou induzido pelo hipnotista. O inconsciente é um perfeito gravador, ao qual nada escapa, em qualquer fase da vida, registra tudo e nada esquece. Essa afirmação é antiga, Swedenborg (1688-1772) já apontava o que hoje é incontestável. Tudo aquilo que o homem ouve, vê e sente de qualquer modo, fica alojado como idéias ou sensações e afins em sua memória, ás vezes sem que se tenha conhecimento disso; e tudo aí se conserva sem nada se perder, ainda que as lembranças fiquem obliteradas em sua memória. Nela também se acham inscritos todos os fatos particulares e íntimos que em qualquer tempo pensou, falou ou fez. Alguns desses fatos aparecem na lembrança como uma sombra e, não importa se ocorreram na sua primeira infância ou na sua extrema velhice. Em transe as lembranças, mesmo àquelas obliteradas, afloram com detalhes, às vezes claras, às vezes envoltas em fantasias. Por esta ótica pode ser entendido o que acontece quando alguém afirma sentir a sensação de já conhecer algo que se vê pela primeira vez. Esse fato conhecido como déja-vu (Já visto) ocorre inclusive em sonhos repetidos, mas em ambos os casos as imagens podem ser informações contidas no inconsciente sem a lembrança consciente. É freqüente o caso de pessoas que, chegando a determinado lugar, declaram que já o conhece sem nunca terem estado lá. Na linguagem da parapsicologia isto é conhecido como Pantomnésia. Em princípio, os casos de regressões obtidos com hipnose não revelam verdadeiramente vidas passadas, trata-se da imaginação fantasiosa do
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inconsciente do hipnotizado, é como um déja-vu. “Nada é eliminado no inconsciente, nada é superado ou esquecido” (Freud, A interpretação dos sonhos), as lembranças despertadas e permitidas pela hipnose podem aparecer às vezes atreladas a fantasias que funcionam como mecanismo de atenuação da intensidade dos traumas psíquicos. São revelações simbólicas dos conteúdos reprimidos. Este mecanismo inconsciente é também conhecido como deliriogênia, situação capaz de transformar fantasias latentes em bem elaborados delírios de auto-referência. Na regressão a vidas passadas obtida por indução hipnótica deve ser questionado o mérito, isto é, se realmente é uma manifestação de vida passada, ou é uma fantasia do inconsciente em torno de um fato real da vida do hipnotizado. Para isso é importante saber qual a relação entre as situações manifestadas durante o transe e as sugestões induzidas pelo hipnotista e, quando é evidente o uso da hipnose como condição para a indução, a explicação do fato não deve ser apenas vista sob a ótica religiosa ou mística. Algumas pessoas evitam se posicionar quanto à questão da presença da hipnose em curas religiosas, com afirmações de que o importante não é a explicação e sim a cura. Estes procedimentos parecem significar o desejo de manter alguém em equívoco, assim como não é justificável o argumento daqueles que não se pronunciam sobre o assunto sob alegação de que têm de respeitar a crença alheia. Devem sim, respeitar a crença alheia e também a sua própria crença, a omissão pode revelar um comportamento enganoso quando não oportunista. Neste tipo de sessão o próprio hipnotista não se revela como tal, prefere fugir do termo e tudo mais que possa identificar o processo como hipnótico. São vários os casos de regressão hipnótica que poderiam ser confundidos como regressão para vidas passadas. Se a regressão corresponde ao período de vida do hipnotizado e, no transe, este apresentar sinais de tristeza ou depressão, choroso, como se algo extremamente reprimido estivesse a incomodá-lo, porém sem declarar o que incomoda, a terapia pode ser sua regressão. É sugerido ao hipnotizado que ele vive em uma época antes do seu próprio nascimento, de modo que seu inconsciente aceite a idéia. Quando regredido, certamente vai dizer possuir outro nome e falar como se tivesse em outra vida, mas finalmente confessa o conteúdo de sua repressão, mesmo que através de linguagem simbólica, revela o fato que incomoda ou perturba sua existência. 31
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Repressão, segundo a psicanálise, é o mecanismo de defesa através do qual um impulso ou outro conteúdo psíquico desagradável ou inaceitável é suprimido da parte consciente da mente. É a retirada de idéias, afeto ou desejos perturbadores da consciência, pressionando para o inconsciente. Encontra-se na origem das neuroses e psicoses, mas, em certa medida é inevitável como na repressão dos impulsos sexuais e de agressão, quando reprimidos permitem a existência civilizada da sociedade humana (N. do A.).
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É plausível concluir que as estórias contadas pelo hipnotizado, falando como se estivesse em outras vidas, foram apenas mecanismos fantasiosos encontrados pela sua inconsciência para liberar suas repressões. É como se outra pessoa, e não ela própria estivesse falando sobre os problemas, sem culpa ou vergonha imposta a ele pela moralidade, ao revelar-se, livra-se dos sintomas que atormentam seu dia-a-dia. E, em muitas situações, os sintomas podem desaparecer apenas com lembranças da própria infância, sem que para isso seja preciso uma regressão à “vidas passadas”. Nestes casos a intensidade do trauma psicológico é pequena, a pessoa hipnotizada pode relembrar com facilidade e superar o problema que a incomoda. A nova tendência da terapia por regressão hipnótica é a de que não é necessário, após a indução ao estado de transe médio ou profundo, nada se dizer, perguntar ou sugerir ao hipnotizado. Este ficará imóvel, algumas vezes apresentando rigidez e contratura muscular nas mãos, braços, pernas ou até generalizada, outras vezes com ligeiros tremores, ou ainda, em crises de choro ou risos. Neste estado ocorre o processo automático de curas porque assim o hipnotizado estará se libertando de suas repressões, refazendo seus valores e revendo sua vida. Como pressuposto básico da cura está a pré-sugestão de que, ao submeter-se ao processo, o hipnotizável deseja curar-se de alguns sintomas. O principal efeito da terapia decorre do fato de que, em transe, ele por si só entra contato com o seu inconsciente e enfrenta os traumas conseqüentes de situações que de alguma forma vivenciou. Nada de induzir regressões, nada de sugestões, apenas o transe hipnótico, curiosamente era isso que acontecia nas sessões de Mesmer, a famosa convulsão terapêutica parece que agora retorna como se fosse novidade para a cura através da hipnose. A leitura até aqui realizada talvez se ajuste e se esclareça, na proporção que outros conceitos e reflexões forem surgindo, se somando ou divergindo. O próximo capítulo apresenta os principais personagens e suas idéias, conceitos, teorias e práticas curativas que envolvem aplicação da hipnose e como aconteceu sua adaptação e readaptação diante das mudanças, na forma de pensar e praticar o hipnotismo, no decorrer dos séculos.
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CAPÍTULO II – HISTORIA DA HIPNOSE E DA PSICOTERAPIA Do ponto de vista das terapias, influenciados pelas idéias filosóficas sobre os elementos primordiais da natureza, o grego antigo (século III a.C.) infere as mais fantasiosas idéias que, certamente, fortaleciam as possibilidades de curas por sugestão. O elemento primordial terra é decomposto e os minerais, principalmente os metais magnéticos, as pedras e os cristais de rocha, lisos, simétricos e brilhantes como os Astros celestes, passam a representarem poderes mágicos e utilizados para finalidades terapêuticas, prática hoje conhecida como litoterapia ou gemoterapia. A aplicação de pedras e cristais na terapia ocorre nas mais variadas formas, como elixir, infusões ou amuletos. Seu uso no decorrer da história é adaptado a diferentes culturas, crenças e filosofias. Da terra principalmente se extrai a argila e sua aplicação passa a ser considerada como incontestável contra várias doenças. Entre os minérios o ímã era o que mais encantava. Tales de Mileto acreditava que o ímã possuía vida e ao exercer atração ao ferro dava-lhe vida também. O filósofo grego Aristóteles também registra o que acreditou serem propriedades terapêuticas dos ímãs naturais. O médico e escritor grego Claudius Galeno (129-216), no século II, acreditava que ao aplicar ímãs naturais em partes do corpo, a dor ocasionada por numerosas enfermidades poderia ser aliviada e prescrevia o uso de metais magnéticos como remédio contra várias doenças. Na Idade Média os farmacólicos transformaram minerais magnéticos em pó e utilizaram como elixir nas aplicações tópicas. Há relatos que a magnetita e hematita foram aplicadas contra enfermidades da Rainha Isabel I da Inglaterra por seu médico, William Gilbert de Colchester. Galeno foi o precursor de uma doutrina médica que prevaleceu por aproximadamente mil e quinhentos anos. Defendia a teoria de que as paixões, como a tristeza, a raiva, a luxúria e o medo, constituem doenças e deveriam ser tratada como tais. O método de cura era baseado na aplicação dos metais magnéticos e no uso de procedimentos contrários. Classificava as doenças e os agentes medicinais em fria, quente, úmida e seca, o objetivo era facilitar a prescrição; para uma doença dita quente era utilizado um tratamento dito frio. Esse antagonismo de forças (quente/frio; úmido/seco), encontrado na filosofia grega pré-socrática, se fundamentava no pensamento de Heráclito. Essa visão terapêutica vai até o século XVI e foi ensinada na grande maioria das faculdades de medicina. Nesse período epidemias assolavam a Europa e a população tinha uma pequena expectativa de vida. A utilização de técnicas terapêuticas como sanguessugas, sangrias, administração de vomitivos, purgativos e suadores, dentre outros, era largamente aceita e empregada com base em critérios muito
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frágeis. Além disso, alguns médicos não diferenciavam o método de tratamento, acreditando que a maioria das doenças poderia ser tratada do mesmo modo 32. Dentre os grandes homens sábios, filósofos e líderes religiosos que se dedicaram ao hipnotismo, é destaque o médico e filosofo árabe Ibn Sina (9801037), que no ocidente ficaria conhecido como Avicena, nascido nas proximidades de Bukhara morreu perto de Hamadã (atual Irã). Influenciado pelas idéias das primeiras escolas filosóficas sobre a importância do Cosmo na doença e na saúde, elaborou uma série de técnicas de indução de melhorias da saúde do ser humano através de sugestões. Avicena é considerado um dos maiores sábios do Islã, sendo reconhecido principalmente por seu trabalho filosófico (síntese crítica das obras de Platão, Aristóteles e Plotino). Já aos 16 anos, era bastante conceituado por seu talento como médico, tendo sido um dos grandes difusores da obra de Galeno, reforçando os efeitos dos metais magnéticos como elemento de cura. No campo da hipnose Avicena já afirmava, no século X, ser possível atuar fisiologicamente através da imaginação, da palavra, da vontade e da persuasão. Dizia também que a imaginação humana tinha poderes e força, através dela se poderia agir sobre o corpo humano curando os padecimentos. Neste sentido, afirmava que a cura é proporcional à crença e a fé. Mas, também exerceu notável influência na medicina moderna; foi quem primeiro descreveu a anatomia do olho humano e o funcionamento das válvulas do coração, analisou uma série de doenças como a varíola, o sarampo e o diabetes, formulou hipóteses de que certas moléstias eram causadas por pequenos organismos presentes na água e na atmosfera e elaborou vários procedimentos de diagnósticos. Sua obra Cânom foi leitura obrigatória no ensino de medicina na Europa por muitos séculos. Mais forte do que a crença no poder curativo do ímã era a crença no elemento primordial hydro e a água passa a fazer milagres, benzida, fluidificada ou magnetizada é entendida como um elo entre o humano e o divino. A crença prestigia também o ar como mais um elemento poderoso na promoção da saúde e aromatizar o ambiente passa a ser a forma mais prática de sentir sua força e presença; o uso de incensos se faz necessário para evidenciar o ar como meio de invocação do sobrenatural e garantir a virtude e a saúde humana. O respaldo da Igreja ao pensamento filosófico implica na certeza da influencia dos Astros na vida, saúde e sorte das pessoas, isso fez surgir a medicina astrológica, objeto de grande interesse científico na Europa. Tycho Brahe, estudioso da medicina da época, chega mesmo a elaborar uma lista de equivalência entre os Astros e a saúde; ao Sol equivalia o coração, o estômago, o cérebro, os nervos e o olho direito; à Lua, o braço, a cabeça, o ventre e o estômago da mulher; a Vênus, o fígado, o umbigo, e assim por diante.
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DANCIGER E: Homeopatia: da alquimia a medicina. 1 ed. RJ, Ed. Xenon, 1992.
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Na primeira metade do século XVI o médico, filósofo e alquimista suíço Aureolus Theophrastus ou Philippus Theophrastus Bombast von Hohenheim (1493-1541), adota o pseudônimo de Paracelso que recebeu de seu próprio pai, ainda jovem, o qual fazia alusão que seu filho era "superior a Celso" (Aulo Cornélio Celso, famoso médico enciclopedista romano do século I), com o seu temperamento místico, confiava mais na intuição do que nos resultados de estudos clínicos até então conhecidos e associava o poder do magnetismo com idéia do mundo perfeito supralunar para estabelecer novos conceitos sobre antigas crenças curativas. Paracelso admitia a existência de um sistema que relacionava os seres humanos aos Astros e que forças magnéticas, em particular aquelas que provêm das estrelas, eram capazes de agirem sobre as pessoas através de ondas invisíveis. Elabora todo um estudo das doenças causadas por influências cósmico-climatológicas, apontando o poder dos Astros na saúde e na doença dos seres humanos, afirmando que cada parte do corpo humano estava sujeita a um Astro. A partir do conceito de macro visão sobre a vida e a natureza, herdada de antigos filósofos, considerava o ser humano como um todo integrado e harmônico, constituído de mente e corpo. A doença e a saúde dependem da harmonia do microcosmo do corpo humano com a Natureza do macrocosmo. Por volta do ano de 1519, Paracelso foi discípulo de Tritheme, considerado um bruxo, pois se acreditava que ele tinha o poder de penetrar nos mistérios da Natureza e do mundo espiritual. Sob a orientação do mestre e com o propósito de fazer o bem à humanidade, Paracelso se lançou nas investigações e experiências da magia, buscando a produção de essências para empregá-las na cura de doenças. Empregou também metais magnéticos como elementos curativos e foi o precursor do magnetismo de Mesmer. Paracelso também defendia a teoria da transmutação dos metais em substâncias diversas, suas principais investigações ocuparam-se das propriedades curativas dos metais que passa a ser conhecida, principalmente no século XIX, como Metaloterapia e, com isso, foi o precursor de Charcot. Suas investigações culminaram na teoria das três substâncias, afirmando que todos os corpos são formados por três princípios básicos, que ele identificou como Enxofre, Mercúrio e Sal ou tria prima. O enxofre como carga energética, significa o fogo; o mercúrio é o princípio úmido (líquido) e representa a água; o e sal como a parte mais sólida, representa a terra ou ainda a volatilidade, fluidez ou solidez. A força vital consiste na união dos três princípios em tríplice ação; a ação da purificação por meio do sal, dissolução e consumação pelo enxofre e a eliminação pelo mercúrio, o qual absorve o que o sal e o enxofre repelem. Paracelso considerava como premissa que a matéria constitutiva de todos os corpos é dividida em Alma, Corpo e Espírito. Em sua obra Arquidoxo Mágico, trata de amuletos e talismãs, e expõe seus conhecimentos sobre o que considerou como sendo a imensa força do magnetismo, combinando metais sob determinadas influências planetárias com o objetivo de curar doenças. Entre os me-
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tais utilizados destacava o ouro, prata, cobre, ferro, estanho, chumbo e mercúrio associados aos signos celestes e caracteres cabalísticos. No livro de Paracelso, As Profecias, publicado pela primeira vez na língua alemã por volta do ano de 1530, estavam 32 gravuras simbólicas que tinham sido encontradas no monastério de Darthauser em Nurenberg; cada gravura estava acompanhada de uma legenda escrita em um estilo obscuro e enigmático, com textos de difícil interpretação; neles estariam guardados os acontecimentos do futuro em uma espécie de filme, cujo desenrolar seria independente da seqüência cronológica. Em seu livro Tratado das Doenças Invisíveis, diz que se alguém quiser buscar a Deus, deve buscá-lo dentro de si mesmo, pois fora jamais o encontrará. O Reino de Deus, dizia ele, contém uma relação intima com nossa vida de Fé e de Amor. Paracelso defendia também que a fé e a imaginação pudessem curar doenças do mesmo modo como poderiam causá-las e, com objetivo de curar pessoas, comandava sessões de hipnose individuais e coletivas através de danças, cantos, orações, rituais e palavras. Desenvolveu ainda uma teoria segundo a qual o corpo humano teria as características de um verdadeiro ímã, sendo o pólo norte constituído pelos pés e o pólo sul pela genitália. Para fortalecer o corpo e promover curas, empregava ímãs metálicos sobre os pacientes e, esse procedimento, transforma-se na base de uma nova escola médica. Segundo Alphonse Bué (Magnetismo Curador, 1919), no início do século XVII Van-Helmont dedica quarenta anos de sua vida trabalhando e meditando sobre a cura magnética de Paracelso. Por volta de 1670, esse tipo cura também foi praticado pelo médico escocês William Maxwell que, em 1676, publica um tratado sobre o tema com o titulo de “Medicina Magnética”. Essas idéias foram aproveitadas cem anos depois por Mesmer que, por volta do ano de 1770, desenvolve nova teoria criando a tese do magnetismo animal. Até o fim do século XIX, mesmo sendo uma época de grande progresso da ciência, as idéias de Mesmer incentivam muitas outras hipóteses de curas, inclusive as defendidas por Charcot e outros médicos ilustres de Paris. A “medicina magnética” é largamente praticada no hospital La Salpêtrière até o inicio do século XX. Mesmo hoje ainda tem quem acredite nela. Outro destaque da medicina antiga foi Jan Bastista von Helmont, nascido em 1577 em uma família nobre, estudou e praticou medicina fascinado pelas possibilidades ilimitadas da aplicação da química ao tratamento das doenças. Durante a maior parte de sua vida, se retirou para seu castelo perto de Bruxelas e dedicou-se à pesquisa e a experimentação, apenas saia de sua casafortaleza para atender seus pacientes sem jamais aceitar pagamento em troca. Quando morreu, em 1644, era famoso em toda a Europa por suas boas obras e por seus escritos sobre cura de várias enfermidades. As descobertas de Helmont contribuíram para a ciência médica moderna, foi ele o primeiro anatomista a reconhecer as funções fisiológicas do estômago e a entender o processo digestivo, descobriu também o bióxido de carbono. Es-
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sas descobertas pertencem hoje ao domínio da ciência, mas foram feitas em nome da alquimia. Helmont reverenciava os três maiores objetivos dos alquimistas, jamais procurou fazer segredo de sua crença no fenômeno da transmutação, no elixir da vida e na pedra filosofal. A busca de Helmont pelo constituinte primário da vida, outra antiguíssima preocupação dos alquimistas, combinava uma rigorosa pesquisa prática com saltos místicos de fé. Ele reijeitava o tria prima paracelsiano, mercúrio, enxofre e sal, e não estava muito convencido com a explicação terra-ar-fogo-água descrito por Aristóteles. No lugar desses princípios, adotou um ensinamento mais antigo ainda, segundo o qual todas as coisas derivam da água. Como filósofo Helmont estava comprometido com a noção das causas universais, e isso levou precipitar-se em inferências quanto à natureza e o significado da água. Justificava a presença de substâncias químicas nas águas das estações termais e como os minérios chegam até os veios que marcam a crosta da terra. Atribuiu os depósitos minerais ao que chamou de “suco petrífico”de correntes líquidas com grande poder curativo. Assim, a água retoma sua importância na arte de curar e Mesmer aproveita muito essa idéia. Magnetismo e Mesmerismo Franz Anton Mesmer (1734–1815) nasceu em Iznang, Swabia, uma aldeia na margem do lago Badensee perto de Konstranz na Alemanha. Teve suas primeiras instruções em uma escola religiosa e, aos 15 anos, ingressou num colégio de jesuítas onde obteve elevado conhecimento em filosofia, portanto percebia o Cosmo como os filósofos gregos antigos receitavam, ponto de partida para compreender a natureza das coisas e dos homens. A percepção do Cosmo ligado às idéias de ordem, harmonia, serenidade, circularidade e beleza, associado à importância dos elementos primordiais da natureza (terra, água, fogo e ar), concepções sustentadoras do núcleo central do início do pensamento filosófico, embora decadente no século XVIII, muito influenciou as idéias de Mesmer. Interessando-se também pela física, matemática e biologia, desistiu da carreira religiosa para seguir o estudo da medicina. E, com base na idéia da existência de um fluido astral que influencia a vida na terra, associado ao poder dos metais magnéticos, elabora a teoria do “magnetismo animal”, marco teórico inicial nas principais publicações que trata dos efeitos e da prática da hipnoterapia. Aos 32 anos Mesmer obteve o título de médico e, para isso, apresentou na escola de medicina de Ingolstadt, na cidade de Ulena, em Viena, a Dissertação físico-médica sobre a influência dos planetas (De Planetarium Inflexu), publicada em 1766. A base teórica para o desenvolvimento da sua pesquisa foi fundamentada no conhecimento filosófico, ainda influente nos séculos XVI e XVII, somadas às idéias de Paracelso, Helmont, William Maxwell, todos praticantes da alquimia como forma mágica e oculta da arte de curar. Sua teoria ganha o mundo através de seus discípulos e seguidores.
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O Padre Maximilian Hell, um jesuíta que foi diretor do observatório e professor de astronomia da Universidade de Viena, com base na hipótese do magnetismo metálico de Paracelso, em 1770 resolveu também intentar curas reorganizando os “pólos magnéticos humanos” através de aplicações de ímãs naturais. Mesmer influenciado pelos êxitos de Hell também aplica ímãs naturais em seus pacientes. Disso resultou a notícia de curas espetaculares em doentes desenganados. Em 1773 Mesmer montou em Viena sua clínica de magnetismo e aplica ímãs naturais pela primeira vez em uma jovem de 28 anos, Franziska Osterlin, pessoa envolvida na alta sociedade vienense que sofria com convulsões, febre, vômitos, delírios, crises de rigidez, cegueira, sufocação e paralisia. É do próprio Mesmer a descrição de como foi, em 28 de abril de 1774, realizado uma das sessões do tratamento de Osterlin: Há dois anos ela apresentava crises convulsivas acompanhadas de febre, vômitos, delírio melancólico e maníaco, crises de rigidez, cegueira, sufocação e paralisia. Percebendo a periodicidade das crises, às quais atribuí um caráter astronômico, procurei modificar seu curso. Eu planejei estabelecer em seu corpo uma espécie de maré artificial com a ajuda do ímã e de forma a reproduzir artificialmente as revoluções periódicas do fluxo e do refluxo da corrente magnética (MESMER). 33
Mesmer conta que, após ter medicado Osterlin com infusões à base de ferro, por ser esse metal bom condutor do magnetismo, prendeu um ímã em cada pé da paciente e um outro, em forma de coração, sobre o peito. Imediatamente Osterlin experimentou uma dor abrasadora e dilacerante que percorreu todo o seu corpo, seguindo os eixos das peças imantadas. Os que assistiam a esse tratamento horrorizavam-se com os gritos. Apesar da reação da assistência, Mesmer não hesitou em acrescentar mais dois outros ímãs aos pés da paciente e, conta que após isso Osterlin sentiu descer com impetuosidade as dores que tinham atormentado as partes superiores de seu corpo e, pouco a pouco, os sintomas desapareciam. Quanto aos efeitos positivos sobre a cura de Osterlin, Mesmer tratou de conceituar como impossíveis de serem provocados somente pelo uso dos magnetos naturais e sim por um “outro agente essencial”. Dizia que as correntes magnéticas foram provocadas pela paciente através de um fluido que se havia acumulado em sua própria pessoa; era a ação do seu próprio magnetismo, um magnetismo animal. O magneto natural utilizado funcionou apenas como um acessório, como um reforço. Referindo-se ao que conceitua como magnetismo animal e seus efeitos, afirma: Há uma ação e reação recíproca entre os planetas, a Terra e a Natureza, por intermédio de um constante fluido universal, sujeito a leis mecânicas 33
MESMER A. F. Los fundamentos del magnetismo animal. Aforismo de Mesmer y comentarios del Dr. Caullet de Veaumoreu. Tradução para o espanhol e prólogo de Edmundo Gonzáles Blanco, B. Aires, Kier, 1954.
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Mesmer inova a hipótese até então existente; não era o magneto natural que provocava curas, como anunciado por Paracelso e pelo Padre Hell, era a ação do magnetismo próprio do ser humano. Defendia a tese de que não era preciso o ímã metálico; bastaria impor as mãos sobre o doente para que este recebesse a transferência dos fluidos magnéticos. O magnetismo animal poderia passar das mãos do magnetizador para os pacientes, podendo também ser armazenado em árvores ou transportado por varinhas, espelhos, vasilhas contendo água, cristais e outros instrumentos. Respaldando seu estudo em hipóteses antecedentes Mesmer encontrou justificativa suficiente para estabelecer a idéia da existência de um fluido, invisível e miraculoso, que agia sobre os seres vivos, através da influência dos Astros e dos Planetas. Responsabilizava esse fluido como causa de doenças ou como força curativa. Admitia como princípio a existência de uma corrente universal que em tudo penetra e abraça, num movimento alternativo e perpétuo assemelhando-se ao fluxo e refluxo do mar e, a esse movimento provocado por influências astrais, agindo de forma mútua entre todos os corpos da natureza, uns sobre os outros, ele atribuía a saúde e a doença. Antes de Mesmer a idéia de fluidos invisíveis já fazia parte do imaginário de muitos homens cultos. Paracelso acreditava que forças magnéticas, em particular aquelas que provêm das estrelas, influíam sobre as pessoas através de ondas invisíveis. Isaac Newton, em sua publicação Principia (1713), já explicitava o que acreditava ser “a presença do espírito extremamente sutil que permeia e se oculta em todos os corpos densos”. O cientista sueco Carlos Lineu (1707-1778) dizia que na vida dos vegetais ocorria a presença de um “fluxo magnético sutil” camuflado sob os mais variados nomes, entre os quais gravidade, gases, energia e força vital. No ano de 1785 Mesmer publica em Paris uma série de vinte e sete aforismos, 34 descrevendo os princípios de sustentação da tese do magnetismo animal e como seus seguidores poderiam por em prática essa complicada 34
Título original, Les aphorismes de Mesmer dicté a l’assemblé de ses élèvem, publicado em 1785 por Caullet de Veaumoreu. Traduzido para vários idiomas, impresso e publicado em muitos países (N. do. A.).
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teoria. Na Europa o mesmerismo foi um dos assuntos mais divulgados entre 1779 e 1789 e, com isso, viveu Mesmer glória e fracasso, principalmente em Paris. Na segunda metade do século XVIII a sociedade européia, em particular na França, viveu uma época de grandes transformações para a humanidade. Livros como O Espírito das Leis, de Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu (1748); O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau (1762); Cartas Filosóficas, de François-Marie Arount, conhecido como Voltaire (1773); A Ordem Natural das Sociedades Políticas, de La Riviére (1767), induziam o povo a pensar ampliando seus conhecimentos e a percepção de si mesmo como cidadão capaz e merecedor de melhorias, era a fase da ação do humanismo. Estava também o mundo vivendo as grandes descobertas da ciência cartesiana, na área da matemática e da física, a eletricidade e seus efeitos eram objetos de estudos intensos, a descoberta do eletromagnetismo e do pára-raios fascinava a todos. O mundo vivia o que se chamava na Europa Le bélle epoque; uma fase de efervescência de novas idéias filosóficas sobre o sentido da vida e de explicações científicas para esclarecer os fenômenos físicos, era época de revelações, idéias e explicações e o povo acreditava que havia resposta para tudo. As formulações científicas na área da física, as idéias de ação e reação, atração dos corpos, o eletromagnetismo, tudo isso foi considerado como revolucionário e extremamente racional. Neste cenário o homem acreditava que, aliando o conhecimento com a tecnologia e a ciência, não seria jamais limitado, por nada nem ninguém. Esse otimismo incentivava a criação de uma imensa gama de teorias, inclusive as que explicassem o ser humano e sua complexidade. É nesta fase que Mesmer, fazendo analogia com a física e com as aplicações terapêuticas dos metais magnéticos, divulgado por seus antecessores, imagina sua teoria. No conceito popular, o poder da ciência podia explicar tudo e o grande público demonstrava interesse cada vez maior pela explicação científica dos fenômenos presentes na natureza humana. É nesta atmosfera que Mesmer propaga sua teoria que ganharia o mundo através de seus discípulos e seguidores. O mesmerismo ou o magnetismo animal faziam parte do imaginário cosmológico desta época de transição na história do pensamento filosófico, cuja tendência era a de misturar pesquisa experimental com pensamento especulativo e místico, sobretudo numa fascinação pelos fenômenos de natureza magnética e elétrica. Satisfazendo a expectativa da sociedade, Mesmer dá a sua explicação para o fenômeno que desencadeava, tentando no máximo se aproximar da ciência dominante, embora suas idéias fossem baseadas na cosmologia e princípios filosóficos antigos. Defendia a existência de uma influência mútua entre os corpos celestes e, como justificativa, apresentava as fases da Lua agindo sobre as marés, a força do Sol atraindo a Terra para mover-se em sua
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volta. Dizia que essa força invisível era semelhante à força do ímã que atrai o ferro, igual à força magnética que, embora ninguém possa ver, existe. Acreditava que os cristais, superfícies espelhadas, alguns metais e principalmente a água, poderiam acumular grande quantidade dessa força invisível. Sustentava Mesmer que a força invisível que existe entre os Astros e a Terra, possui uma influência capaz de controlar a saúde dos seres animados que aqui habitam. Dizia que tal influência se manifestava através de um fluido, universalmente difundido, que agia nos seres vivos, sendo recebidos dos Astros através da cabeça e da Terra através dos pés; no corpo humano sadio circulava num fluxo contínuo e impedir este fluxo traria como conseqüência uma enfermidade. A cura dependeria da retirada ou destruição do obstáculo para que o fluido pudesse voltar a circular normalmente. Pensando o corpo humano como um grande ímã, composto por vários ímãs pequenos, Mesmer sustentava que massageando os pólos magnéticos do corpo se efetuaria a superação do obstáculo que impedia a circulação do fluido universal e, assim, estabelecia a cura das doenças. Inventou alguns aparelhos que reforçavam sua tese, como um instrumento de cerâmica em forma de cone que encerado, molhado e acionado por um pedal, era posto a rodar. Neste instrumento deixava escorregar os dedos das mãos até que a fricção produzisse um som que ele interpretava como sendo gerado pela acumulação do seu magnetismo animal. Também com o mesmo objetivo, friccionava com as mãos tecidos de seda, plumas e outros objetos macios, associando essa prática com a produção e efeitos da eletricidade estática, para logo em seguida magnetizar seus pacientes que entravam numa espécie de convulsão e promovia cura. Em Viena, utilizando o novo método, várias pessoas foram tratadas por Mesmer, entre elas destaca-se Maria Theresa Paradis, pianista, 21 anos de idade, vítima de seu próprio pai numa relação incestuosa forçada. Além de cegueira histérica, sofria com freqüentes crises e sintomas severos como vertigens, dores de cabeça, insônia entre outros. Atendida por muitos médicos, entre eles o influente vienense Doutor Stoerk, não obteve cura. Encarregado do tratamento, além dos passes magnéticos, Mesmer lhe devotava carinho, atenção e amor até que a paciente recuperou a visão. Sua fama alastrou-se pela Europa. Mesmer teve origem pobre, filho de um ”guarda-caça”, função semelhante a guarda-florestal, encarregado de zelar e preservar certos locais e espécies de animais e servir a nobreza no esporte da caça. Talvez por isso, dois anos depois de sua graduação em medicina, casou-se, em 10 de janeiro de 1768, com a rica viúva de um Tenente-Coronel do exército, de nome Marie Anna Von Posch. Sua mulher, 20 anos mais velha do que ele, é quem lhe proporcionava recursos necessários para realizar seus estudos e promovia seu acesso à classe dominante, mas movida pelo ciúme alia-se ao pai de Theresa Paradis e
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ao Doutor Stoerk que contestava a tese do magnetismo animal. Os três insuflam os médicos de Viena e iniciam forte campanha difamatória contra Mesmer; disso resultou sua expulsão da cidade em 1776. Em 1778 Mesmer já estava estabelecido em Paris onde encontrou definitivamente um campo propício para difundir suas idéias, o mesmerismo tornou-se moda na aristocracia francesa, era o assunto de todos os salões. Embora em Viena fosse tentado tratar pelo método do magnetismo qualquer tipo de doença, logo após a mudança para Paris, Mesmer descartou o tratamento das enfermidades repulsivas como deformidades físicas permanentes ou congênitas, chagas, portadores de loucura agressiva e casos de idiotia. Esses casos na verdade nunca apresentaram resultados positivos com o tratamento mesmerista. A princípio, como fazia em Viena, no ritual de cura os pacientes de Mesmer eram tocados com uma vara de metal para provocar as convulsões terapêuticas. Mais tarde ele passou a acreditar que há no corpo humano, vários pólos magnéticos e que, a maior parte deles, muda constantemente de lugar provocando doenças e, por isso, tinham que ser arrumados através de passes com a imposição das mãos; assim produzia as mesmas convulsões, iguais às obtidas com o processo anterior. Dizia, ainda, que alguns pólos magnéticos do corpo humano são estáveis como os dos dedos e do nariz. Mesmer cria os passes magnéticos, sustentando a hipótese que, com a imposição das mãos, fluidos magnéticos, saindo pelos dedos, eram transmitidos de uma pessoa para outra, em analogia com a teoria da eletricidade que afirma “os elétrons fluem de um corpo para outro pelas extremidades”. Este enunciado (lei das pontas) fundamentou B. Franklin na invenção do pára-raios. Com essa fundamentação teórica Mesmer passou a magnetizar e a produzir convulsões em seus pacientes quando, segurando-lhes as mãos, fitava-lhes os olhos durante alguns minutos; depois, iniciava os passes apontando os dedos em direção da cabeça, ia descendo vagarosamente quase sem tocar no corpo, parava um pouco nos olhos exercendo com os dedos indicadores uma ligeira pressão na base do nariz do paciente. Prosseguia descendo as mãos, parando à altura do tórax onde fazia uma leve pressão, depois no estômago, o itinerário seguia pressionando levemente as coxas até chegar aos joelhos. Dali retornava, experimentando as mesmas estações intermediárias até alcançar novamente a cabeça. Expediente este que no decorrer da história foi aproveitado e adaptado, sendo até hoje, com ligeiras modificações, usado de várias formas e em larga escala, com o objetivo de produzir curas durante rituais religiosos ou filosóficos. As sessões de curas magnéticas foram evoluindo e já não podendo atender individualmente à numerosa clientela, Mesmer recorreu à magnetização indireta, dispensando seu toque pessoal no cliente. Estes, em número de vinte a trinta, assentavam-se em volta de uma tina contendo água, da qual saiam várias varas metálicas. Estabelecendo contato com essas varas,
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num recinto meio escurecido por cortinas e ao som de músicas suaves, os participantes em busca da cura eram acometidos das convulsões terapêuticas. Um método engenhoso de hipnotizar por sugestão indireta e promover curas coletivas que conquista proporções espetaculares. Medeiros e Albuquerque 35 descreve o sucesso do mesmerismo em Paris: Aí o sucesso foi indescritível. O número de clientes chegou a extremo nunca visto até então. O médico não bastava. Adestrou um criado nas práticas necessárias para ajudá-lo, mas nem assim pôde satisfazer à clientela, cada vez mais numerosa (MEDEIROS E ALBUQUERQUE).
Na versão mais avançada, em torno da tina de Mesmer cabiam cento e trinta pessoas que se renovavam varias vezes por dia. O aparelho é descrito como sendo uma caixa redonda de madeira de carvalho, medindo aproximadamente um metro e oitenta centímetros de diâmetro por setenta centímetros de profundidade. No seu interior, para melhor atrair o magnetismo, tinha um lastro de limalha de ferro e, de vez em quando, era adicionado vidro em pó e, por cima do lastro, havia uma lamina de água para ser magnetizada. Tudo era feito para manter semelhança de um acumulador de fluido, como uma pilha elétrica que acumula eletricidade, a explicação do funcionamento tinha que ser “científica”. Da parte superior da caixa saíam varas de ferro, com extremidades externas curvas e móveis, ligadas por fios de seda a uma haste metálica central. Garrafas cheias de água, com hastes metálicas que saíam através das rolhas, eram colocadas dentro da tina para que quando transportadas para outros locais pudessem produzir os mesmos efeitos. O argumento era que a garrafa contendo água acumulava o fluido, assim como o capacitor eletrolítico acumulava a eletricidade. Em Paris, os doentes, em busca da cura, sentados ao redor da tina aplicavam sobre suas partes enfermas as varas de ferro. Uma corda de seda, que Mesmer afirmava ser o fio condutor do magnetismo, era amarrada na vara central e comprida o suficiente para que os participantes a colocassem frouxamente em torno de seus membros, às vezes passavam a corda na cintura, e de mãos dadas reforçavam a ação do fluido magnético. François Deleuze, 36 um bibliotecário que, na época, assistia os trabalhos de magnetizações, publica um livro sobre o assunto e descreve uma dessas cenas: Num dos compartimentos, sob a influência das varetas, que saíam de garrafas contendo água magnetizada, aplicada às diversas partes do corpo, ocorriam diariamente cenas extraordinárias. Gargalhadas satânicas, gemidos e crises de pranto se alternavam. Indivíduos atirando-se para trás 35
Medeiros e Albuquerque. Hipnotismo. 6 ª ed., RJ, Ed. Conquista, 1956. O autor foi membro da Academia Brasileira; da Academia de Ciências de Lisboa e da Societé de Psychologie de Paris. O livro é prefaciado pelos psiquiatras: Miguel Couto e Juliano Moreira além de Franco da Rocha (N. do A.). 36 DEULEZE, J. P. F. Histoire critique du magnestisme animal. [Reprin], vol. 4, Paris, Hipolyte Bailliére, (1819), 1956.
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contorcendo-se em convulsões espasmódicas. Respirações semelhantes às de moribundos e outros sintomas horríveis se viam por toda parte. Subitamente esses estranhos atores atiravam-se, uns aos braços dos outros ou então se repeliam com expressões de horror. Enquanto isso, num outro compartimento, com as paredes devidamente forradas, apresentava-se outro espetáculo. Ali mulheres batiam com as mãos contra as paredes ou rolavam sobre o assoalho coberto de almofadas, com acessos de sufocação. No meio dessa multidão ofegante e agitada, Mesmer, envergando um casaco de seda lilás, movia-se soberanamente, parando, de vez em quando, diante de uma das pacientes mais excitadas. Fitando-lhe firmemente os olhos, enquanto lhe segurava ambas as mãos, estabelecia contato imediato por meio de seu dedo indicador. Também operava fortes correntes, abrindo as mãos e esticando os dedos, enquanto com movimentos ultra-rápidos cruzava e descruzava os braços, para executar os passes finais (DELEUZE).
A compreensão da ligação do mesmerismo com o hipnotismo atual inicia por analisar o interior da clínica, onde tudo era disposto de forma a provocar uma forte indução sugestiva no paciente. Tapetes espessos, misteriosas decorações astrológicas nas paredes e cortinas cerradas, compunham o ambiente onde se realizavam as sessões. Além disso, existia uma sala de crises forrada de colchões, destinada aos pacientes com ataques convulsivos violentos e a celebre tina de madeira, um aparelho de tanta eficácia que dispensava até a presença de Mesmer nos rituais. Nas sessões, Mesmer esforçava-se, verbalizando sua teoria, para provocar nos pacientes o máximo possível de tensão emocional e, eles passavam a reagirem de formas inexplicáveis, uns sentindo convulsões, outros entravam em transe e gritavam, choravam ou gargalhavam. Tudo isso era responsável pela criação de uma atmosfera propícia aos devaneios da imaginação dos homens do século XVIII, uma imaginação ainda povoada pelo maravilhoso, por monstros, demônios e encantamentos. Mas, o certo é que curas espetaculares aconteciam. No início da sessão de mesmerismo era mantido um silêncio absoluto. A atmosfera geral possuía um clima de harmonia que só era interrompido, vez por outra, por gritos ou soluços convulsivos de alguns pacientes, o que provavelmente provocava uma indução ainda maior nas pessoas que se encontravam no salão e, sem dúvida, era esta a intenção. Todo esse impacto sofrido pelo suscetível colocava-o numa situação ainda maior de suscetibilidade, facilitando a ocorrência e o aprofundamento do transe. Na fase mais avançada de sua carreira, Mesmer induzia os pacientes para formarem uma corrente, sendo colocados uns ao lado dos outros, alternando-se homens e mulheres (análogo à polaridade elétrica, positivo negativo), comprimindo as coxas entre eles. Em pouco tempo as pessoas começavam a sofrer convulsões, caindo no chão e, o argumento explicativo baseava-se em que a força do magnetismo era ativada pelas mãos e facilmente conduzida
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pelas coxas. Para garantir a formulação do sofisma que mais convencesse tudo era associado a um fato científico, como a corrente elétrica. Durante as sessões, havia assistentes para retirarem os que fossem afetados de modo mais violento, em transe convulsivo ou cataléptico, os de choro alto e risos histéricos que eram conduzidos à sala de crise. Essa ruidosa sala ficou conhecida como a Câmara das Crises ou o Inferno das Convulsões. Mas, conta à história, Mesmer efetivamente acreditava no que afirmava, era convicto das suas “verdades científicas”. O sucesso de Mesmer em Paris foi muito rápido, chegando a alugar um palácio Place Vendôme e faz da sala principal seu novo consultório, capaz de receber cento e trinta pacientes por sessão. Neste ambiente atendeu a rainha Maria Antonieta, o legislador Montesquieu, o iluminista La Fayette entre outros nomes da nobreza e da intelectualidade parisiense. Na fase de gloria atendia a mais de mil pessoas por dia e, como não podia atender a todos, chegou a magnetizar uma árvore em frente do salão para que nela, quem não mais cabia do lado de dentro, tocasse em busca de curas. Assim como aconteceu em Viena acontece também em Paris; a classe médica enciumada lhe moveu mais um processo de perseguição. Em 12 de março de 1784, o rei Luís XVI, instigado pelos médicos, nomeou uma comissão de sábios para investigar a natureza do fenômeno mesmerista. As críticas mais contundentes contra o mesmerismo vieram da Faculdade de Medicina, da Academia de Ciências e da Sociedade Real de Medicina. As duas primeiras trataram de instituir a comissão de investigação oficial composta por: a) Benjamin Franklin, na ocasião embaixador americano em Paris e inventor do pára-raios; b) o químico Antoine-Laurent Lavoisier, cientista conhecido como o pai da química moderna; c) Jean-Sylvain Bailly, astrônomo conhecido pelos cálculos da órbita do cometa Halley e pelos estudos sobre os quatros satélites de Júpiter, estadista e Prefeito de Paris; d) o médico JosephIgnace Guillotin, o mesmo que oito anos depois inventaria a guilhotina; e) Antoine Laurent de Jussieu, médico pela Universidade de Montpellier, Diretor do Jardim Real e membro da Academia de Ciências de Paris. Todos encarregados de investigar a legitimidade do fluido magnético e das curas anunciadas.
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A prática de Mesmer começou a enfrentar críticas de acadêmicos ilustres ligados à Faculdade de Medicina, à Academia de Ciências e à Sociedade Real de Medicina da França, que iniciaram forte campanha contra a prática do mesmerismo. Não obstante milhares de curas realizadas, tudo era explicado como sendo fruto de fraude e farsa. Uma sátira ao magnetismo animal foi publicada, em 1780, em jornais e panfletos que circulavam por toda Paris, com caricaturas de um corpo de homem com cabeça e rabo de cavalo e uma mulher sendo magnetizada. Era o início de uma grandiosa contestação que impôs o fim da carreira de Mesmer.
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Caricatura contra o mesmerismo (1780)
Uma petição dirigida por Mesmer à Academia Francesa, em data anterior à nomeação da comissão, requerendo a investigação científica para seu método de cura sequer foi indeferida, foi ignorada. Indignado, posteriormente quando procurado pela comissão oficial, recusou-se por à prova suas verdades e não ofereceu resistência às acusações, deixando sua defesa a cargo dos fatos e de seus discípulos. Mesmer era acusado, preliminarmente, de ser o detentor e criador de uma doutrina secreta, que só se dispunha revelar aos membros subscritos da “Sociedade da Harmonia”, criada por ele para formar novos magnetizadores ou mesmeristas. Sob promessa de sigilo, os sócios aprendiam, com base na harmonia entre os Astros celestes e os seres humanos, a concentrar os fluidos magnéticos e a comunicar para outras pessoas. Com a ajuda de Luis XVI e Maria Antonieta, instalou também o “Instituto Magnético”, local onde os mesmeristas atendiam pacientes em busca de cura. Diante da negativa de Mesmer de provar sua teoria, a comissão tratou de investigar as práticas mesmeristas realizadas pelo seu discípulo Charles D`Eslon, médico respeitado e professor da Faculdade de Medicina de Paris, que se prontificou com os investigadores a compartilhar a totalidade do seu saber e da sua experiência. Assim, o que estava sendo julgado era a prática do magnetismo animal e, durante a fase de investigação, a comissão limitou-se a presenciar demonstrações realizadas por D`Eslon. Os cientistas enfiaram as mãos na tina do banho magnético, o que não lhes provocou os efeitos
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esperados, nada de crises ou de convulsões, nada de fluido ou coisas semelhantes foi registrado. Afirma Chertok 37 que D`Eslon se comprometeu com os comissários para: 1) constatar a existência do magnetismo animal 2) comunicar seus conhecimentos sobre essa descoberta 3) provar a utilidade do magnetismo animal no tratamento das enfermidades. Entretanto, não deveria ter assumido tal compromisso desde quando fora iniciado na Sociedade da Harmonia, portanto fez votos de sigilo e devia fidelidade a Mesmer; mesmo assim assumiu com intenção de provar que a teoria era verdadeira, mas ficou surpreso com os resultados e como os membros da comissão procederam, com exceção de Jussieu. Para D`Eslon a condenação do mesmerismo não era pertinente. Após cinco anos de estudos, a comissão apresentou volumoso relatório condenando o mesmerismo, afirmava que não havia efeitos benéficos e que os tratamentos eram à base de excitação da imaginação e de pura imitação mecânica; “a imaginação separada do magnetismo produz convulsões, e o magnetismo sem imaginação nada produz... nada há que prove a existência do fluido magnético animal...”. Complementa a acusação o fato de que a magnetização não ocorria se o indivíduo não soubesse que estava sendo submetido a tal prática. A conclusão do relatório é integralmente contra a prática do mesmerismo, afirmava que a predisposição do sujeito enfermo era condição para atingir a cura. Mas, Jussieu recusou-se a assinar e contestou o relatório; por entender que somente a imaginação não explicava muitos aspectos que por ele fora observado na fase de investigação, apresentando um contra-relatório á Corte Francesa e á Academia de Ciências, defendendo o mesmerismo, principalmente a veracidade das curas que presenciou. 38 Com base na condenação do magnetismo animal, a Sociedade Real de Medicina resolveu processar Mesmer. Agora era ele quem deveria ser julgado na sua conduta médica. Indignado, D`Eslon assumiu a defesa e, referindo-se ao primeiro julgamento, dizia ter ouvido inúmeras vezes o argumento de que todas as curas comprovadas foram provocadas pela imaginação do próprio paciente. Questionava D`Eslon no segundo julgamento; “E se for verdade? Se o segredo do Doutor Mesmer é manipular a imaginação para fazê-la operar em pró da harmonia física e mental do paciente? Isso não seria, só por isso, um grande avanço para a medicina?”. Insistia em que a prova fosse buscada nos efeitos curativos do fluido hipotético, mas a argumentação da defesa de nada
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CHERTOK, Léon e STENGERS, Isabelle. O Coração e a Razão: A hipnose de Lavoisier a Lacan. (Titulo original: Lê coeur et la raison – L’ hypnose em question, de Lavoisier à Lacan. Trad. Vera Ribeiro) RJ, ed. Zahar, 1990. 38 JUSSIEU, Laurent de. Rapport de l’um des commissaires, [Reprin] Paris (1784), 1952.
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valeu. Mesmer foi condenado como charlatão, considerado impedido de praticar a medicina. 39
Caricatura do século XVIII - B. Franklin apresentando o relatório contra o Mesmerismo
A partir do resultado do segundo julgamento, a Faculdade de Medicina de Paris proibia qualquer médico declarar-se partidário do Magnetismo Animal, sob pena de ser excluído do seu quadro. Paralelo a essa proibição surge um movimento de grupos de ilustres personalidades da sociedade de Paris. Favoráveis às idéias de Mesmer, iniciam a criação das Sociedades Magnéticas, derivadas da Sociedade da Harmonia, que mais tarde se transformam nas “Sociedades Mesmeristas” e se espalham pela Europa com objetivo de promover tratamento das enfermidades. Oficialmente desacreditado e sofrendo grande pressão da crítica, vilipendiado pela classe médica, Mesmer abandonou Paris no ano de 1794 39
Em 1994 foi produzido por Wiland Schulz-Keil e Lance Reynolds, dirigido por Roger Spottis Woode, um filme com o título de Dr. Mesmer o feiticeiro. Retrata o trabalho de MESMER em Viena e em Paris e a rejeição da comunidade médica do seu tempo às suas idéias. Retrata o julgamento da Sociedade Real de Medicina de Paris que condena MESMER como charlatão (N. do A.).
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seguindo para a Bélgica onde não obteve boa recepção; foi para a Alemanha onde concluiu a redação do seu livro mais completo, 40 publicado em 1814, detalhando o entendimento teórico e as práticas que desenvolvera durante sua vida, mas seu conteúdo foi considerado pela crítica da época como informações sem crédito. Enfrentando mais um processo promovido pela Academia de Ciência de Berlim, Mesmer foi intimado a prestar esclarecimentos sobre sua teoria e sua prática. Sofrendo grandes perseguições na Alemanha, fugiu para Inglaterra onde viveu por pouco tempo sob nome suposto, tendo depois voltado para Iznang na Áustria onde morreu aos 81 anos de idade, em completo esquecimento, na cidade de Weiler, em 05 de março de 1815. É incontestável que o ritual, não importa qual seja a justificativa, se religiosa, mística ou mágica, quanto mais solene mais eficaz será para produzir o transe. Mesmer, sem reconhecer essa relação, usa como processo de indução o ritual dos passes e da tina, associando à teoria do magnetismo animal. Para ele o transe e seus efeitos eram produzidos por uma força emanada por via astral que, agindo através da pessoa magnetizadora, era capaz de aliviar ou eliminar sofrimentos humanos. Mesmo sendo a maior parte das suas conclusões equivocadas, a partir de suas idéias foi possível uma série de descobertas que deram origem a novos conceitos. Na fase final de suas pesquisas, sem abandonar as idéias iniciais Mesmer acrescenta outras, as quais se aproximam muito das explicações modernas. Em suas ultimas conclusões relacionava os sintomas dos pacientes às violentas emoções por eles vivenciadas, acreditava que sua técnica era uma forma de superação ou cura dos sofrimentos conseqüentes da própria historia de vida de cada um. Entre 1790 e 1820 o magnetismo animal foi relegado à categoria de “acontecimento sem importância”, mas o mesmerismo continuou ativo depois da morte de seu fundador. Decorridos mais de dois séculos, muitos autores escreveram sobre o assunto, uns a favor outros contra, novas interpretações aconteceram. Na década de 1880, as conclusões de Mesmer incentivaram os estudos de um neurologista francês, o famoso Charcot, que associou a terapêutica do seu antecessor ao estudo da histeria e lhe deu novo impulso. Tudo isso contribuiu para Freud, no início do século XX, apontar sua versão para o significado terapêutico das práticas mesmeristas. Na atualidade, novas hipóteses surgem e são modificadas a cada dia por novos autores, inovando e discutindo o tema do hipnotismo, envolvendo, em maior ou menor dose, a filosofia, a religião ou ciência. 40
Título original do livro de MESMER publicado por Herausgegeben von Wolfart, em Berlim, Alemanha, em 1814, System der Wechselwirkungen. Theorie und Anwendung des Thierischen Magnetismus als die allgemeine Heilkunde zur Erhaltung des Menschen “Sistema de ação e reação: Teoria e prática do magnetismo animal como meio geral de cura e manutenção da integridade humana” (Trad. do A.).
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Adeptos de Mesmer mantiveram funcionando as Sociedades da Harmonia, no início secretamente e depois a tornaram pública com o nome de Sociedades Magnéticas. Em 1831, os membros dessas sociedades elaboram um minucioso relatório e o encaminha à Faculdade de Medicina de Paris solicitando a reabertura do processo que condenara o mesmerismo, obtendo a revisão do julgamento. A comissão de revisão finaliza a redação da nova sentença afirmando que considerava o magnetismo como agente de fenômenos fisiológicos e como elemento terapêutico, por isso era favorável que seu estudo deveria entrar no quadro do ensino da medicina e fosse empregado por médicos ou, sob sua orientação, por especialistas comprovados. Em 1837, porém, a comissão retrata-se da decisão anterior negando a existência dos fluidos, principal argumento do mesmerismo e, por conseqüência, anula qualquer referencia positiva ao uso do magnetismo. O mesmerismo, embora desacreditado pela classe acadêmica, desde o tempo do seu surgimento, serviu de base para várias idéias e sua importância para o desenvolvimento de algumas crenças é incontestável; a hipótese da influência dos Astros nas vidas das pessoas para muita gente é válida até hoje e, acreditando nisso, muitos ainda recorrem a consultas astrológicas e a mapas astrais para obterem respostas sobre a vida, sorte e saúde. A crença de Mesmer na força que podia ser acumulada na água, nos cristais e nos espelhos, também ainda encanta muita gente. Na linguagem moderna do hipnotismo, o mesmerismo é reconhecido como a escola magnética ou mesmerista e, ainda, é muito seguida. Sua prática é acontece principalmente em alguns ambientes religiosos. No sentido religioso a influência do mesmerismo é evidente, os passes magnéticos e recipientes com água das práticas mesmeristas foram mais tarde utilizados como elementos facilitadores da cooperação entre o espírito e o médium. Assim como Mesmer fazia quando invocava os fluidos astrais, freqüentemente os dirigentes de rituais religiosos, em busca da cura, também invocam ou recorrem a uma espécie de poder sobrenatural do qual se dizem condutores ou instrumentos. Mesmerismo e sonambulismo Dentre os discípulos de Mesmer que fizeram reviver o mesmerismo, figura também uma personalidade influente, o Marquês Armand-Marie-Jacques Chastenet du Puységur (1751-1825), um oficial de artilharia que se distinguiu no cerco de Gilbraltar. Viveu dividindo seu tempo entre a vida militar e seu castelo, uma gigantesca propriedade que possuía por herança de seus antepassados, localizada no sul da França, na aldeia de Bezancy região da Soissons. Puységur continuava empregando o método mesmerista, até o dia quando magnetizando com passes um jovem camponês de 18 anos, de nome Vietor Race, que sofria de uma afecção pulmonar, por mera casualidade verificou que o expediente magnético podia produzir um estado de sono e repouso em lugar das clássicas crises de convulsões. Vietor não se detinha no sono; dormindo,
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movia com suavidade os lábios e sua fala parecia reproduzir pensamentos alheios, muito superiores à sua cultura rudimentar, usava uma linguagem mais inteligente do que quando em estado normal, chegando mesmo a indicar um tratamento para a sua própria enfermidade, com o qual obteve pleno êxito. No mais, o paciente se conduzia como um sonâmbulo. Puységur estava diante de um fenômeno, que não hesitou em rotular de sonambulismo artificial e percebendo um novo aspecto do fenômeno hipnótico, que ainda era conhecido como magnético, passou a explorá-lo sistematicamente. Enquanto os mesmeristas provocavam crises nervosas, convulsões histéricas, prantos e desmaios, Puységur agia em sentido contrário, sugerindo aos mesmerizados paz, repouso, cura e ausência de dor. Embora continuasse a usar passes conjuntamente com a sugestão para indução ao transe, deu um impulso decisivo ao hipnotismo moderno; a ele se devem os primeiros critérios corretos para a análise da hipnose e da suscetibilidade hipnótica, além de observar como decorrente da hipnose fenômenos hiperestésicos e clarividentes. Já no ano de 1784, descobrira que, com um dos seus pacientes, ele não tinha necessidade de falar para dar as sugestões. Entre outros, o fenômeno da clarividência, premonição e transmissão de pensamento, podem ocorrer com algumas pessoas em estado hipnótico. Quevedo 41 esclarece o que ele denomina de “Incitação do Inconsciente pela Hipnose” e apresenta casos nos quais afirma que a hipnose favoreceu a ocorrência desses e de outros fenômenos. Descreve o conteúdo de uma carta escrita pelo próprio Marquês, datada de oito de março de 1784 e citada por Dominique de Sé, no seu livro Animal magnetism, publicado em Londres em 1874, que relata o acontecido quando mesmerizava um dos seus pacientes: Eu pensava simplesmente na presença dele e ele me compreendia e me respondia... Quando ele se mostrava disposto a dizer mais do que eu julgava prudente deixar entender, eu, só com o pensamento, interrompia imediatamente suas idéias, cortando as frases no meio de uma palavra e modificava completamente seu curso (DOMINIQUE, apud QUEVEDO).
Em 1787, Jacques Henri Désiré Petétin (1744 - 1808), de Lyon, também descobriu como levar um paciente ao transe sonambúlico. Em sua obra, Electricité Animal (1808), comunica ter observado que nas experiências com o sonambulismo, algumas pessoas manifestavam fenômenos estranhos. Alguns pareciam surdos quando a voz era dirigida aos seus ouvidos, entretanto, ouviam perfeitamente se as palavras lhes eram sussurradas ao nível do estômago. O mesmo fato ocorria com relação à visão; o sujeito mostrava-se capaz de “ver” com a região correspondente ao estômago. Outras vezes observava que os sentidos sofriam uma transposição diferente, como exemplo, para a ponta dos dedos da mão ou dos pés.
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QUEVEDO, O. Gonzáles. A face oculta da mente, S. Paulo, ed. Loyola, 1971.
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É relativamente comum a observação de fenômenos de transposição dos sentidos em sessões de hipnotismo, onde o hipnotizado, de olhos vendados e de costas para o hipnotizador, reproduz os seus movimentos; se o hipnotista levanta o braço, o hipnotizado também levantará, sem que para isso se diga uma palavra; se o hipnotista apenas afasta as mãos, ele cairá com o corpo no mesmo sentido. Mas, esse fato revelado por Puységur, até hoje é posto em dúvida embora seja verdadeiro e até fácil de ocorrer. Foi o Marquês, o criador do termo sonambúlico para representa o estágio mais profundo da hipnose. Seu método, no qual o próprio doente indicava o seu remédio, fez com que Puységur enveredasse para a pesquisa do maravilhoso. Seus pacientes postos em contatos com outra pessoa doente viam e descreviam seus órgãos internos como raios-X e, hipnotizados, também faziam observações do que se passava à distância. Assim, Puységur introduziu na hipnose uma experiência curiosa que consiste em aprofundar no transe uma pessoa bastante suscetível, sugerindo-se em seguida que ela terá sua visão aumentada e condições de enxergar internamente a pessoa que está à sua frente. Ambas de frente uma para outra, com os braços apoiados sobre os joelhos, em contato pelas mãos. Feito isso, era dito: • Agora você já pode observar todo o funcionamento dos órgãos internos desta pessoa com que você está em contato... Vá observando vagarosamente, bem calma, bem tranqüila... Vá observando o funcionamento de todos os órgãos internos dela... Observe bem... Descreva seu funcionamento... O hipnotizado logo dizia que estava enxergando tudo; surpreendentemente, com detalhes descrevia o funcionamento dos órgãos, mesmo sem ter grandes conhecimentos de anatomia. Para Puységur, com essas experiências podiam ser obtidos diagnósticos perfeitos e com grande precisão. Sugeria que, além de ver, o hipnotizado tinha condições de sentir as reações do outro e descrever suas dores. O retorno dessa prática consistia também de sugestões especificas. Como exemplo: • Agora está tudo bem... Você está livre de qualquer interferência, está livre de qualquer dor ou mal-estar... Está totalmente se desligando da pessoa que segura pelas mãos... Ao soltar suas mãos, estará livre de seus problemas... Solte as mãos... Vou contar até três para você acordar... Um... Dois... Três... Baseado nas experiências de Mesmer, Puységur acreditava que podia magnetizar árvores e, com isso, desenvolveu outra técnica utilizada em tratamento coletivo, que eram executados na presença de espectadores curiosos e entusiasmados pelo novo método. Segundo Alphonse Bué (1919), Puységur chegava a reunir até 130 pessoas, ao mesmo tempo, em torno das famosas árvores de Bezancy, de Beaubourg e de Bayonna, de que os anais magnéticos assinalam numerosas curas.
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No centro da praça da pequena aldeia de Bezancy, cercada de palhoças, próximo ao castelo do Marquês, podia ser vista uma grande árvore, um olmo antigo em cujo pé brotava uma fonte de água clara; os camponeses se sentavam ou eram amarrados nos principais ramos em torno do tronco. O procedimento de cura começava com a formação de uma corrente de pessoas que se seguravam pelos polegares em volta da árvore e descreviam sentir, na medida mais intensa ou débil, um fluido que corria através deles. Depois de um tempo o mestre mandava que cada um dissolvesse a corrente se soltando dos polegares do outro para posteriormente cada um esfregar as próprias mãos. Escolhia então alguns deles e, com o toque de seu bastão de ferro, levava-os ao nível de transe sonambúlico. Essas pessoas, agora chamadas de “médicos”, diagnosticavam enfermidades dos outros e indicavam tratamentos. Para acordá-las de seu sono magnético Puységur mandava beijar a árvore. Com isto acordavam e não se lembravam de nada. Chamando a atenção dos cientistas para a nova forma de curar, Puységur comunicou esse novo rumo dado à hipnose à Academia de Medicina, que se recusava a aceitar no que parecia ser um absurdo e nomeou comissões para estudarem os casos descritos pelo Marquês. Uns relatórios foram a favor e outros contra, em 1837 instituiu-se a ultima comissão que, para por fim a dúvida, estabeleceu uma recompensa de alto valor em dinheiro para quem apresentasse um sonâmbulo capaz de enxergar através de obstáculos opacos. Ao contrário do que se esperava a prova não envolvia qualquer demonstração de cura pela hipnose, seria recompensado o hipnotizador que respondesse positivamente ao desafio e acreditava-se que jamais qualquer pessoa passaria na prova. Contrariando as expectativas, apareceu uma garota de nome Pigaire, de 12 anos, cuja clarividência havia sido comprovada por Puységur. Apresentada á comissão, de olhos totalmente vendados pelos experimentadores, mostrou que podia ver perfeitamente objetos. Pois bem, o veredicto dos doutos acadêmicos foi contrário, chegaram à conclusão de que embora com os seus olhos rigorosamente blindados, a sua faculdade da visão não podia ser descartada por ter ela uma vista fisiológica normal; não era cega, logo podia enxergar. Questão encerrada... Processo arquivado. Embora em média apenas 10% dos suscetíveis atingem o nível sonambúlico e desse universo apenas duas têm possibilidades de apresentar efeitos extra-sensoriais, a prática de Puységur abriu caminho para uma nova perspectiva do transe hipnótico. Vários homens importantes na sociedade européia seguem seus passos, entre eles o Barão Du Potet (1796-1881) que em 1852 publicou o Tratado completo sobre magnetismo animal e Charles Lafontaine (1802-1892) que se torna um dos maiores divulgador das práticas do sonambulismo. A partir deles, algumas sessões de magnetismo passam a incorporar sonâmbulos com efeitos espetaculares, ocorrem manifestações de hiperestesias por toda a Europa.
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O Barão Du Potet foi um entre outros que muito contribuiu para o desenvolvimento das sessões mesmeristas envolvendo sonâmbulos, mais tarde transformados em (médium) espíritas. Abriu em Paris uma escola prática de magnetismo onde o público podia instruir-se dos processos e verificar os fenômenos e, nesta escola, foi iniciado Allan Kardec, a quem coube o desenvolvimento e a codificação da doutrina espírita que, a partir dele, passa a ser conhecida como kadercismo. Magnetismo e kardecismo O magnetismo em sua trajetória histórica envolve o sonambulismo europeu com algumas manifestações ocorridas na América. Desse envolvimento decorreu sua conversão para a doutrina espírita através do médico, filósofo e professor de francês, Denizard Hippolyte Léon Rivail (1804 – 1860), nascido na França, na cidade de Lyon. No início de sua carreira Rivail foi Guarda-livros no jornal O Universo, se formou em Letras e em Medicina, publicou em 1824 a Gramática Francesa Clássica e um ensaio sobre o aperfeiçoamento do ensino no seu país. Com intenção de trabalhar como professor, sua principal atividade profissional, fundou o Instituto Rivail, fechado em 1835 por dificuldades financeiras, passando então a ensinar em sua casa filosofia, química, anatomia, astronomia e física, além de, eventualmente, clinicar como médico. Rivail interessou-se pelo magnetismo de Paracelso e, no ano de 1850, o mesmerismo atraiu mais ainda a sua atenção, passando a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet, fundador do Jornal du Magnétisme e dirigente da Sociedade Magnética de Paris. Embora se considerasse modesto magnetizador, Rivail freqüentou sessões de mesmerismo em busca de solução para casos de enfermidades de pacientes a ele confiados e tornou-se mais tarde, com o pseudônimo de Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita. Antes da doutrina de Kardec, entre 1835 e 1845, na Alemanha são notáveis as sonâmbulas Adèle Marginot e Gottlieben Dittus, ambas nas sessões de magnetismo realizavam curas e atribuíam aos espíritos. Na Escócia, na mesma época, o pastor presbiteriano Edward Irving pregava curas enquanto falava em sua Igreja em língua estranha, fato comum durante transes hipnóticos. Na Inglaterra ocorreram situações semelhantes e migra para a América através dos shakers, grupo de religiosos místicos ingleses que, no início século XIX, chegaram aos Estados Unidos como colonos. No fim da década de 1840, só em Nova Orleans, cidade americana de fortes raízes francesa, funcionavam mais de cinqüenta centros dedicados à prática do espiritismo. Embora nestas sessões a comunicação direta com espíritos não era cogitada, admitia-se sua existência e a crença de que eles agiam influenciando de alguma forma na vida das pessoas. Foi nos Estados Unidos em 1848, numa granja em Hydesville em Nova York, que aconteceu o fato envolvendo a família Fox, que ficou conhecido como a primeira ocorrência de comunicação direta de pessoas vivas com espíritos desencarnados. A família era composta por John, sua esposa Margareth e três
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filhas, Margareth, Katharine e Ana Lrah de quinze, doze e nove anos, respectivamente. Em dezembro de 1847, os Fox foram residir numa casa de madeira que tinha fama de mal-assombrada, apesar de sempre ouvirem pequenos ruídos, como se fossem batidas nas paredes, a família já estava se acostumando com a casa, mas certa noite os ruídos se intensificaram. As duas filhas mais velhas logo perceberam que o som respondia a seus estalos de dedos e batidas das palmas, como se alguém invisível estivesse querendo se comunicar. Margareth, a mais velha, levando na brincadeira e cantando em ritmo de raps, dizia: “Senhor pé rachado, faça o que eu faço”. 42 Seguiu-se o mesmo número de raps ao das palmas batidas por Margareth. Em seguida, replicou: “Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro”. E, bateu palmas, sendo imitada nos sons pelo que acreditou ser um espírito. Outras perguntas foram feitas pela mãe das meninas, como qual a idade de cada uma, e para espanto da família, as pancadas responderam acertadamente. A casa dos Fox virou um lugar onde afluíram várias pessoas para presenciar os fatos estranhos e, por causa disso, a família resolveu mudar-se dali e os fenômenos pararam. As duas irmãs mais velhas eram sonâmbulas, portanto tinham possibilidades de manifestar certos efeitos parapsicológicos. A notícia espalhou-se pela região e, rapidamente, para o resto do país e para o outro lado do Atlântico. Chega à França e transforma-se em reuniões em torno de mesas girantes e de escritas automáticas, inicialmente como curiosidade e passatempo de salão, depois se associa ao mesmerismo para mais tarde transformar-se em prática da doutrina kardecista. O fato ocorrido com a família Fox passou a ser entendido como uma comunicação com um espírito. O fenômeno das batidas como resposta às provocações das meninas prosseguiu à vista de outras pessoas que trataram de divulgar a história pelo mundo. Em 1850, na Europa, estas notícias serviram de base para o inicio das experiências com “mesas girantes”, contando sempre com a presença de sonâmbulas no decorrer das sessões de magnetismo, associadas com práticas mesmeristas. Foi em 1850 que surgiram na Europa as mesas girantes; várias pessoas em torno de uma mesa colocavam as mãos sobre o móvel que começava a girar ou levantar os pés. Essa prática foi incorporada às sessões de mesmerismo nas sociedades magnéticas e todos passaram a acreditar que os fluidos magnéticos de uma ou mais pessoas do grupo proporcionavam as condições para que isso acontecesse. Quando o efeito começava, geralmente se ouvia um pequeno estalido na mesa, isso era o prelúdio do movimento. Essa prática virou mania nas casas e salões e logo, o que apenas era diversão, passou a ser entendido como se fosse comunicação com espíritos. Cada 42
O termo “pé rachado” deve-se à maneira que os nortes-americanos se referiam ao demônio ou “cabra” (N. do A.).
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pancada do pé da mesa no chão passou a ser entendida como confirmação de uma letra, proferida por alguém do grupo e, a junção das letras, formava resposta para determinada pergunta. Isto evoluiu para o que veio a se chamar escrita automática; uma cesta com 15 a 20 centímetros de diâmetro, na qual se amarava um lápis com a ponta para baixo. Mantida em equilíbrio sobre uma folha de papel, o sonâmbulo encostava o seu dedo na cesta e ela se deslocava escrevendo. O movimento da mesa girante, assim como da escrita automática, independente da vontade consciente de quem está com as mãos sobre a mesa ou com o dedo sobre a cesta, pode acontecer quando nas sessões participam pessoas suscetíveis e atingem proporções espetaculares quando essas pessoas são sonâmbulas. O próprio ambiente e a ritualidade das sessões provoca nas sonâmbulas um transe hipnótico profundo e tem inicio o movimento da mesa e da escrita automática. Como ninguém, conscientemente, provocou os movimentos, acredita-se que o efeito ocorre por uma ação inconsciente e, o que pode ser entendido como uma prática simples envolvendo hipnotismo, para alguns passou a ser observado como se fosse obra de espíritos comunicando-se com os vivos. A iniciação de Allan Kardec no espiritismo ocorreu após reencontrar com um amigo, de nome Victorien Sardou, que discorreu acerca do que acreditava ser a intervenção dos espíritos em uma sessão de magnetismo e o convidou para assistir. Em maio de 1855, foi à casa de uma sonâmbula, a Senhora Roger e conheceu o seu magnetizador, o Sr. Fortier, além de outros membros do novo grupo. Foi quando, pela primeira vez, presenciou a prática das mesas girantes que saltavam e corriam, viu também alguns ensaios de escrita automática. Interessou-se pelas explicações transmitidas pelo magnetizador quando dizia "parece que já não é somente a pessoa que pode magnetizar". A partir das mesas girantes e escritas automáticas, ocorreu para alguns mesmeristas a suspeita de que existia algo além do fluido e do magnetismo agindo nas sessões de sonambulismo e o sonâmbulo passa a ser conhecido como médium. Nome advindo do latim que significa “meio”, definindo aqueles sonâmbulos que entravam em transe com o propósito de “intermediar” a comunicação entre os vivos e os mortos. Em 1857, Allan Kardec acredita ter tido contato, através de um médium, com um espírito de nome Zéfiro que lhe diz, entre outras coisas, tê-lo conhecido em uma precedente existência, quando, ao tempo dos druidas, viviam juntos na Gália e ele se chamava, então, Allan Kardec. Zéfiro prometeu orientá-lo na tarefa de escrever a nova doutrina e, Kardec, em 1859 publica com esse pseudônimo o Livro dos Espíritos criando outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era atribuída aos espíritos (Obras Póstumas de Allan Kardec). 43 43
KARDEC, Allan. Obras Póstumas, 12. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Departamento Editorial), 1992.
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A premissa de Kardec, fundamentada na filosofia antiga que a tudo respondia com base na reflexão do pensamento mítico, herda as teorias do magnetismo e se desenvolve absorvendo as práticas mesmeristas. A estruturação de sua doutrina tem base no pensamento dos pitagóricos, reforçada por Platão, e deriva do magnetismo desenvolvido por Paracelso, praticado por William Maxwell, Maximilian Hell, Mesmer e Puységur. Platão, como os pitagóricos e outras linhagens de pensadores filosóficos, acreditava que a alma existia antes do corpo, continuava a existir após a morte e posteriormente entrava em novo corpo prestes a nascer. Em estado puro, era a alma capaz de contemplar sem obstáculos o mundo no qual vivemos; ao adentrar um novo corpo, porém, ocorria um choque e produzia-se o esquecimento. Mas, traços dessa contemplação permaneciam no espírito e podiam ser eventualmente reativados. Essa visão, através do pensamento mítico, é presente nas escolas filosóficas, na origem da própria filosofia para explicar o humano e seu mundo. Para Platão 44 a alma é uma substância independente do corpo; é eterna, unindo-se a ele de forma temporária e acidental. Quando morre um corpo, a alma transmigra para outro. 45 A viagem e a transmigração estão, contudo, condicionada pelos atos praticados na vida anterior. Assim, o novo corpo em que reencarnam pertence a uma pessoa com um estatuto social mais elevado que o anterior, mas a união da alma com um corpo, não faz desaparecer traços da vida antes incorporada. Pelo contrário, estes traços vão sendo substituídos à medida que as experiências e a educação despertam na nova vida formas mais evoluídas. O sucesso e bem-estar social, como Platão relata em A República, 46 seria conseqüências dessa evolução. Conhecendo bem filosofia e vivenciando as práticas do magnetismo mesmerista, Kardec inicia uma nova concepção de cura. Em 1858, funda e dirige a Sociedade Parisiense dos Estudos Espíritas e cria a Revista Espírita, onde populariza sua teoria. Ao escrever a primeira edição da Revista Espírita, em março de 1858, destaca que o magnetismo preparou o caminho do espiritismo. Afirma que dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase, derivou as manifestações espíritas, e diz que sua conexão é tal que é impossível falar de um sem falar de outro. E conclui seu artigo homenageando os praticantes do mesmerismo como sendo seus legítimos antecessores: Devíamos aos nossos leitores esta profissão de fé, que terminamos com uma justa homenagem aos homens de convicção que, enfrentando o ridículo, o sarcasmo e os dissabores, dedicaram-se corajosamente à defesa de uma causa tão humanitária (KARDEC, Revista Espírita, 1858). 44 45
PLATÃO. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950. Tanto para Platão como na linguagem kardecista, o conceito de alma é atribuído a um espírito encarnado, quando a alma desencarna torna-se espírito (N.do A.).
46
Platão. A República. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
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Referindo-se a importância da terapia praticada nas sessões mesmeristas, Kardec em 1868, ao escrever a quinta e última obra básica da sua doutrina, A Gênese, faz referencia às curas através da ação do fluido universal e invisível. Destacando que as curas fluídicas seriam variedades da ação do magnetismo diferindo apenas pela potência e rapidez da ação do magnetismo que o transmitia. “O princípio é sempre o mesmo: é o fluido que desempenha o papel de agente terapêutico, e o efeito está subordinado à sua qualidade e circunstâncias especiais”. Entusiasmado com os primeiros resultados das suas idéias, Kardec exerce sua formação acadêmica de escritor e produz a bibliografia clássica da nova crença, composta por cinco livros: o principal é o Livro dos Espíritos (1859), 47 seguindo do Livro dos Médiuns (1861), o Evangelho segundo o espiritismo (1864), O céu e o Inferno (1865), e A Gênese (1868), se somado a essa coleção as Obras Póstumas de Allan Kardec. Esses livros contribuíram prodigiosamente para dar ao espiritismo o aspecto dogmático e religioso que seus seguidores têm conservado e respeitam estritamente. Cada vez mais a literatura espírita reúne verdadeiros talentos de autores, escrevem de modo sedutor e sob forma tão persuasivas, que encantam a imaginação e adormece o senso crítico da maioria dos leitores. A doutrina Kardecista defende como princípio a existência de Deus, força cósmica criadora do universo, e a existência do espírito que se liga ao corpo físico e a memória dos atos praticados. Defende o conceito de reencarnação como o processo que permite os espíritos voltar ao plano material para expiar os erros do passado ou para estimular o progresso dos outros seres humanos. Admite ainda a pluralidade de mundos; inclusive paralelos e invisíveis para a maioria das pessoas, onde o nosso seria um daqueles em que o espírito se manifesta. Admite também o carma, na acepção de destino, que estabelece a lei de causa e efeito, segundo o qual nossa vida seria uma decorrência da conduta que tivemos em vidas anteriores, numa prestação de contas que regula as sucessivas encarnações. Fundamentado na crença da existência do espírito independente do corpo e em seu retorno à Terra em sucessivas encarnações até atingir a perfeição, Kardec considera o homem como o único responsável por sua felicidade, já que tudo depende de seus atos. Condena o egoísmo, o orgulho, a hipocrisia e prega o amor ao próximo como meio de atingir a maturidade espiritual. Afirma que as reencarnações permitem a evolução gradativa do espírito para se redimir de erros passados. Todas as faltas podem ser reparadas e, em alguns casos, defeitos físicos são considerados como parte do processo de purificação. Como o corpo é um instrumento para voltar à Terra, quando o espírito atinge a perfeição não precisa mais reencarnar. 47
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, 49. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Departamento Editorial), 1983.
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Segundo Kardec, os espíritos interferem na vida terrena pela mediunidade, capacidade natural de comunicação entre eles e os homens. O médium é a pessoa a quem os espíritos recorrem para contar como estão após da morte do corpo físico, fazer revelações e aconselhar os vivos. Isso acontece por meio da psicografia ou escrita automática que neste caso é entendida como se o próprio espírito escrevesse através do médium ou da incorporação; quando o espírito apodera-se do corpo do médium para falar aos vivos. Os espíritos superiores provem o bem e os inferiores dão más orientações. A doutrina Kardecista, desde o seu aparecimento até os dias de hoje, não encontra boa receptividade na Europa, principalmente na França onde surgiu. Quanto à repercussão de suas idéias na França, após dez anos da primeira edição de O Livro dos Espíritos, Kardec, em 1867, assim se exprime: Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme; têm sido publicados contra mim infames libelos; as minhas melhores instruções têm sido desnaturadas; tenho sido traído por aqueles em quem depositara confiança, e pago com a ingratidão por aqueles a quem tinha prestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido um contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam a meu favor, e que, mostrando-se amáveis em minha presença, me destratavam na ausência. Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalariados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais tenho conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do trabalho, tem-se-me alterado a saúde e comprometido a vida (Obras Póstumas de Allan KARDEC).
Na Espanha o catolicismo combateu fortemente as idéias de Kardec, inclusive promovendo queima em praça pública dos seus livros. Mas, nas Américas foi rapidamente difundida e aceita, conquistando progressivamente uma imensa legião de adeptos e simpatizantes. Isto, em parte, é justificado pelo fato de que, baseados na filosofia de Pitágoras e Platão, e nas práticas de curas realizadas por Puységur e seus sonâmbulos, algumas sessões mesmeristas passaram a ser aceitas como espíritas. Bem antes de Kardec, na França, na Alemanha, na Escócia e na Inglaterra, de onde migram para os Estados Unidos, sessões mesmeristas passam a ser consideradas como espíritas. Fortemente difundido nos Estados Unidos da América do Norte, o kadercismo percorre as Américas, chegando ao Brasil por volta de 1865. Aqui encontra ótimas condições para prosperar, como a tolerância para diferentes crenças religiosas e múltiplos fatores sociais e culturais de fáceis ajustes a nova doutrina. Na atualidade o Brasil é considerado como a nação que congrega maior número de espíritas no mundo. São 2,3 milhões de espíritas no Brasil, segundo censo de 2001 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE. Mas, a Federação Espírita Brasileira estima em mais de 30 milhões de pessoas que freqüentam cerca de 10 mil centros ou instituições espíritas espalhadas pelo País.
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O kadercismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo substituído mais tarde pelo hipnotismo. Considerando que o kadercismo é um viés do mesmerismo, resta definir precisamente as diferenças e semelhanças. Tem quem afirme que o mesmerismo é diferente do hipnotismo, esta tese é defendida por Alphonse Bué, magnetizador e seguidor fiel do mesmerismo. No livro Magnetismo Curador (1919), Bué descreve como obteve, através do magnetismo, centenas de curas de pacientes desenganados e, embora não se refira ao espiritismo, seu livro serve como um manual para prática de “passes” nas sessões espíritas. Publicado em dois volumes, o primeiro baseado nos aforismos de Mesmer, é um manual prático, ensina como magnetizar pontos anatômicos e seus efeitos. O segundo volume retrata a teoria mesmerista. Em 1940 foi traduzido para o português e impresso no Rio de Janeiro, sob os auspícios da FEB - Federação Espírita Brasileira, por H. Garnier, livreiro e editor, e, em 1946, foi impressa a segunda edição pelo departamento editorial da FEB com objetivo de ensinar, aos praticantes do espiritismo, como conduzir as sessões de “passes”. Tem quem não acredita no espiritismo e também afirma que o mesmerismo é diferente do hipnotismo; Paul C. Jagot 48 nega o espiritismo e afirma que magnetismo, hipnotismo e sugestão são teorias diferentes entre si. Justifica a eficácia do magnetismo com base nas idéias de Mesmer, diferenciando do hipnotismo com base nas práticas de Charcot (escola de Paris), e da sugestão com base nas práticas de Liébeaut (escola de Nancy). Assim também pensa o Padre católico Oscar Quevedo, 49 absolutamente contrário à teoria Kardecista nega qualquer possibilidade de manifestação de espíritos de pessoas mortas e acredita que no mesmerismo ocorre sim a transferência de uma espécie de energia entre pessoas, a qual denomina de telergia. Segundo afirma, “algumas pessoas parecem ser dotadas, capazes de liberar certas forças parapsicológicas, concretamente chamadas de magnetismo animal”. Contudo, existe consenso de que, não sendo estas forças explicadas como efeito da sugestão, sua transferência pode ser facilitada pelo transe hipnótico. Também é consenso que o transe do médium (manifestando espírito) apresenta idêntica sintomatologia observada no sujeito hipnotizado (transe hipnótico). Mesmerismo e psiquiatria John Ellioston (1791-1868), médico inglês e uma das figuras mais eminentes da história médica britânica, em 1830 foi nomeado Presidente da Royal Medical and Surgical Society e um dos fundadores do University College Hospital, em Londres, introduziu o uso do estetoscópio na Inglaterra, juntamente com os métodos de se examinar o coração e os pulmões da forma que são utilizados até hoje. Assistiu algumas demonstrações de mesmerismo e 48
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S. Paulo, Editora Mestre Jou, 1959. 49 QUEVEDO, Oscar Gonzáles. As forças físicas da mente, S. Paulo, v. I, editora Loyola, 1992.
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começou a trabalhar essa técnica com seus pacientes, entre 1843 a 1855. Foi quem primeiro usou a hipnose, ainda conhecida como mesmerismo, no tratamento da histeria dentro do ambiente hospitalar. Em suas experiências pode observar que a hipnose se mostrava eficiente nos casos em que o quadro psicopático estava ligado a uma neurose histérica, na dispsomania e na psiconeurose e, naturalmente, nas pessoas praticamente normais que apenas apresentavam desequilíbrio emocional temporário. Aconselhava que o mesmerismo para fins psiquiátricos deve ser empregado apenas quando o doente se apresenta para o tratamento por sua livre e espontânea vontade, pois, em tal caso, havia de se beneficiar porque, ao desejar tratar-se, demonstrava nisso fortes indícios de pouco comprometimento das suas funções cerebrais, condição necessária para ser induzido ao transe. Mesmo tendo Ellioston obtido resultados satisfatórios no tratamento da neurose histérica, da melancolia acompanhada de delírio, das idéias fixas e nos casos mais benignos das psicopatias, logo de início percebeu que não se consegue hipnotizar portadores de graves enfermidades mentais, descartando esse método de tratamento para loucos e retardados. Embora seu primeiro objetivo tenha sido a utilização da hipnose como expediente nos tratamentos psiquiátricos, começou também a introduzir o “sono magnético” na prática hospitalar para aliviar dores dos pacientes. Utilizava como anestesia local para diminuir a dor durante cirurgias. Os métodos de tratamento de Ellioston não tardaram em criar uma onda de oposição. E o Conselho Universitário acabou por proibir o uso do mesmerismo no hospital da Universidade onde trabalhava. Em virtude disso, pediu demissão, deixando a famosa declaração: A Universidade foi estabelecida para o descobrimento e a difusão da verdade. Todas as outras considerações são secundárias. Nós devemos orientar o público e não deixar-nos orientar pelo público. A única questão é saber se a coisa é ou não verdadeira (ELLIOSTON).
Demitido da Universidade, Ellioston continuou seu trabalho com o mesmerismo e em 1843 fundou o Ziost, um jornal que tratava do novo método de tratamento, da psicologia cerebral e suas aplicações para o bem-estar humano. Posteriormente fundou em Londres o Mesmeric Hospital, no qual o mesmerismo era largamente utilizado. Ali muitos médicos aprenderam o novo método de cura. Ellioston morreu em 1868, mas bem antes outros médicos adeptos do Mesmeric Hospital anunciavam seus feitos terapêuticos, em toda parte do mundo, principalmente anestésicos. Na Alemanha, na Áustria, na França e nos Estados Unidos realizavam intervenções cirúrgicas sob sono magnético. Na América, Albert Wheeler remove um pólipo nasal de um paciente, enquanto o magnetizador Phineas Quimby atuava como anestesista. Em 1829 Jules Cloquet usou o mesmo recurso anestésico numa mastectomia. Jeanne Oudt comunica à Academia Francesa de Medicina seus sucessos magnéticos
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obtidos em extrações de dentes, afirmando ter realizado mais de 200 intervenções cirúrgicas absolutamente sem dor. Do ponto de vista da ciência estes fatos eram desacreditados e, neste sentido observa Weissmann: 50 É curioso registrar que a ciência ortodoxa de então rejeitava não somente as teorias mesmeristas, mas também os fatos, quando poderia ter aceitado o fenômeno e rejeitada apenas a teoria. Acontece que, em relação ao mesmerismo, nem mesmo os fatos eram aceitos (WEISSMANN).
Mesmerismo e anestesia James Esdaille (1808–1859), médico nascido em Perth, na Escócia, formou-se em medicina em 1830, conhecia os trabalhos de Ellioston e começou a clinicar na Índia onde fez, em 1845, suas primeiras experiências de anestesia magnética com excelentes resultados. Seus pacientes sofriam as mais severas intervenções cirúrgicas, inclusive amputações sob sono magnético, mas eram apontados pela medicina ortodoxa como “um grupo de endurecidos e renitentes impostores que sofriam sem reclamar só para provar uma mentira como verdade”. O lugar de Esdaille na história do hipnotismo se justifica por ter sido ele um pioneiro na luta pelo reconhecimento da hipnose como um instrumento valioso na cirurgia. Começou sua prática como médico da British East India Company, na Índia e, inspirado na leitura dos trabalhos de Ellioston, realizou mais de três mil intervenções cirúrgicas com pacientes sob efeito do “sono magnético”. Em Calcutá, além dos milhares de intervenções cirúrgicas leves e centenas de operações profundas, realizou dezenove amputações apenas sob o efeito da anestesia hipnótica. Essa prática só diminuiu quando surgiu o emprego do éter e do clorofórmio como agentes anestésicos. Esdaille, assim como Ellioston, empregava expedientes magnéticos do ritual mesmerista, os passes eram acompanhados de leves pancadas pelo corpo do paciente, ao passo que olhava de perto os olhos e concentrava as pancadas na área a ser operada. Ainda, em intervalos regulares, soprava-lhes levemente a cabeça, os olhos e a boca. Esse processo prolongava-se geralmente por uma hora ou mais, até que o paciente estivesse em condições de sofrer a intervenção cirúrgica. Esdaille relata inúmeros casos de cirurgias sob o efeito mesmerista, sem anestesia e sem dor, quando publica sua experiência na Índia. 51 As publicações médicas recusavam-se a aceitar as comunicações do cirurgião escocês e o Caleutta Medieal College moveu-lhe insidiosa campanha de desmoralização; a anestesia não valia como prova de coisa alguma e, os médicos faziam circular a notícia de pacientes que haviam sido comprados para 50
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WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958. ESDAILLE, J. Mesmerism in Índia and its Pratical Applications. In: Suurgery and Medicine, Londres, Hyppolite Baillière, 1852.
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simular a ausência de dor. Esdaille foi julgado pela Sociedade Britânica de Medicina e uma testemunha, depondo em seu favor, disse ter assistido a extirpação de um olho, enquanto o paciente magnetizado acompanhava com o outro olho o andamento da operação sem pestanejar. Os fatos eram de esmagadora evidência. Contudo, contra Esdaille todos os argumentos eram empregados, inclusive o bíblico: “Deus instituíra a dor como uma condição humana, portanto, era sacrílega a anestesia do magnetizador”. Idêntico argumento foi usado contra Benjamin Franklin, o páraraios era condenado como uma tentativa ímpia de anular a vontade de Deus. Weissmann citando The Lancet, a mais velha revista médica inglesa, em circulação até 2001, na época publicou a seguinte admoestação: O mesmerismo é uma farsa demasiadamente estúpida para que se lhe possa conceder atenção. Consideramos seus adeptos como charlatões e impostores. Deviam ser expulsos da classe profissional. Qualquer médico que envia um doente a um charlatão mesmerista devia perder sua clientela para o resto dos seus dias (The Lancet, apud WEISSMANN).
Sofrendo grande perseguição, Esdaille teve que abandonar o hospital e, completamente desacreditado, voltou à Escócia. Mudou-se posteriormente para a Inglaterra, onde não teve melhor sorte. Suas comunicações científicas nos órgãos especializados ingleses foram recusadas. Mas, por sua conta, consegue publicar um protesto em 1846, do qual se destaca o depoimento: Meu artigo não foi publicado; remeti então um trabalho mais amplo contendo um panorama de todos os meus casos cirúrgicos. Foi este também rejeitado por sua “impraticabilidade”. Ouvi dizer que foi dada como razão para a não publicação do meu trabalho o fato de que, embora ninguém duvide dos fatos narrados, aplica-se apenas aos nativos da Índia. Mas, pelo que eu saiba, nenhum jornal médico admitiu até hoje a realidade das operações mesméricas indolores mesmo na Índia, nem inseriu um só dos numerosos casos já verificados em Londres, Paris, Cherburgo e etc. Tais fatos não são admitidos ou levados ao conhecimento de outrem por medo das conseqüências. Supondo, porém, que só aos nativos da Índia se aplique o mesmerismo, não seria interessante para cirurgiões, médicos, fisiologistas e até filósofos saber por que esses 120 milhões de orientais (mesmo que os suponha macacos) são tão suscetíveis às influências mesméricas a ponto de permitirem intervenções cirúrgicas e outros benefícios, naturalmente por disposições hereditárias? Tem sido dito aos leitores desses jornais que seus colegas médicos que se dedicam ao estudo do mesmerismo são tolos ou charlatões. Porém, um homem como eu, que jamais teve clínica particular, não posso entender assim. Se formos idiotas, deveríamos ser encorajados a escrever o suficiente a fim de, mais rapidamente e efetivamente, sermos desmascarados e expostos. Estou convencido de que em um ponto concordamos; todos gostam de tirar as próprias conclusões e ninguém deve se submeter à venda nos olhos ou a ser conduzido pelo nariz das pessoas que pagamos para que nos mantenham bem informados dos novos eventos e do progresso alcançado pela nossa profissão em todo o mundo. Pretender que haja uma
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imprensa médica livre na Grã-Bretanha é uma pilhéria e uma desilusão. A prova disso é que os médicos que dispõem de imaculada reputação profissional e privada honestidade de suas realizações, não tem permissão de se fazerem ouvir no seu órgão de classe, como se estivessem contrariando os interesses e as convicções pessoais dos editores... (ESDAILLE). 52
A Sociedade Britânica de Medicina acabou por interditar a Esdaille o exercício profissional. Contam seus biógrafos que, após a interdição, passou boa parte da sua vida como anônimo e morreu no mais completo ostracismo. Mesmerismo e sugestão No mesmo ano em que faleceu Mesmer apareceu em Paris um português, José Custódio de Faria (1756-1819), mais conhecido como Abade Faria, nascido e criado em Condoline de Bardez, nos arredores de Goa, capital das Índias Portuguesas. Segundo informam seus biógrafos, o Abade Faria descendia de uma família de brâmanes hindus convertida ao cristianismo no século XVI. Aos 15 anos chegou a Lisboa, onde iniciou seus estudos que concluiu em Roma. Em 1780 foi ordenado sacerdote e recebeu o titulo de doutor em teologia. Regressou a Portugal e posteriormente, em 1788, se instalou na França, onde participou do movimento revolucionário. Em Paris o Abade Faria travou relações com o Marquês de Puységur e, estimulado pelo Marquês, na época da conturbada reestruturação política francesa, entregou-se de corpo e alma à carreira do hipnotismo. Em sua pesquisa adiantou-se ao mestre em muitos pontos, foi o primeiro a mostrar que hipnose não era sinônimo de sono e desenvolveu um método de indução que era praticamente o atual. Na linguagem da hipnose moderna, iniciou a doutrina da sugestão pura, a escola da hipnose sugestiva. Abade Faria recomendava ao hipnotizável o relaxamento muscular, fitavalhe firmemente os olhos e em seguida ordenava em voz alta: “DURMA!” A ordem era várias vezes repetidas e observava que, em alguns indivíduos, isso era o bastante para entrarem imediatamente no transe. Não obstante ordenar o sono, Abade Faria muito contribuiu para o desenvolvimento daquilo que, um século e meio mais tarde, se chamaria de hipnose acordada. O Abade foi o primeiro hipnotista na acepção da palavra, suas teorias eram despidas de toda ingerência mística, reconheceu o lado subjetivo do fenômeno em toda sua extensão e propagou que a hipnose se produzia e se explicava em função do hipnotizado e não do hipnotista. Dizia que o transe estava no próprio hipnotizado e não era devido a nenhuma influência magnética, nada de fluido misterioso, magnetismo, forças invisíveis, cristais, passes ou água magnetizada, tudo, para ele, era uma questão de sugestão. É dele a frase bastante citada na historia do hipnotismo: “Não posso conceber como a espécie humana foi procurar a causa deste fenômeno na tina de 52
ESDAILLE, J. Hypnosis in medicine and surgery [Reprin]. N. York, Julian Press, (1846) 1957.
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Mesmer, ou na vontade externa, ou a mil extravagâncias ridículas deste gênero”. A maior contribuição do Abade Faria para a hipnose foi no sentido de identificar o fenômeno hipnótico como sendo resultado apenas do hipnotizado e por efeito de sugestão. Separando a hipnose da doutrina mesmerista ele inicia outra, a doutrina da sugestão. Sua forma de perceber a hipnose chega ao século XXI como se fosse atual. Egas Moniz, prêmio Nobel de Medicina e um dos maiores expoentes da psiquiatria, na primeira metade do século XX publicou artigos, textos e livros sobre hipnose. Em um dos muitos trabalhos que escreve sobre o tema, declara que o Abade Faria foi o autor que mais contribuiu para o entendimento da hipnose moderna: O Abade Faria viu o problema da hipnose em suas próprias bases com uma grande precisão e com clareza. Foi ele o primeiro a marcar a hipnose nos seus limites naturais... Foi ele que defendeu, pela primeira vez, a doutrina sobre a interpretação dos fenômenos do sonambulismo, ponto de partida de toda sua doutrina filosófica. O mais importante, porém, é a sua contribuição à doutrina da sugestão (MONIZ). 53
O nome do Abade Faria era muito popular na França, sua figura era vista com freqüência nos salões da nobreza e da alta sociedade parisiense onde viveu, ao mesmo tempo, horas de glória e de fracasso. Foi professor da cadeira de Filosofia na Academia de Marselha e, sem nunca ter estudado medicina, foi proclamado membro da Ordem dos Médicos. Em Paris abriu uma escola de hipnose, depois que a polícia lhe proibira as experiências de hipnotismo em Nimes. Mesmo explicando a verdade sobre o hipnotismo, ele não escapou à perseguição maliciosa dos seus contemporâneos e, envolvido nas agitações da política francesa, sofreu muita perseguição. Conta à história que o Abade teria morrido encarcerado no castelo da ilha de If, em Esterel, perto de Marselha, onde fora lançado por motivos políticos. Sua vida foi descrita por um antigo funcionário da polícia parisiense que afirma ter sido ele o caso verdadeiro que serviu de fonte inspiradora para o romancista Alexandre Dumas (1802-1870), autor de O Conde de Monte Cristo publicado por volta de 1845. Seria o Abade o verdadeiro personagem que morreu na prisão, deixando toda sua fortuna para um companheiro condenado devido a uma denúncia falsa. Assim, tornou-se personagem de uma das mais famosas obras de ficção. O Abade Faria é transformado pelo autor romancista como um dos seus principais personagens. Brandismo James Braid (1795-1860) médico cirurgião escocês, nascido em Rylaw House, em Fifeshire. Depois de trabalhar na Escócia durante um curto período de tempo, mudou-se para Manchester, Inglaterra, onde viveu até sua morte. Embora 53
MONIZ, Egas. El Abade Farias en la história de la hipnosis. B. Aires, Ed. Poblet, 1963.
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também não tenha escapado às campanhas maliciosas da classe médica, mesmo que mais brandas do que as contra seus antecessores. Braid foi tão importante para o desenvolvimento da hipnose que seu método passou a ser chamado de Brandismo. Na linguagem moderna, inicia a escola da hipnose sensorial. Por volta da década de 1840, Braid marcou o início de uma nova fase, o magnetismo animal passa a ser conhecido como hipnose e o termo mesmerismo como hipnotismo, iniciando outra linha de pesquisas e controvérsias. Mas, sem que os fatos hipnóticos fossem ser negados ou se duvidasse da respeitabilidade e do valor dos seus estudos. Com o propósito de desmascarar o que acreditava ser uma charlatanice, Braid foi assistir em Londres, no dia 13 de novembro de 1841, a uma demonstração do famoso Charles Lafontaine, um magnetizador suíço discípulo do Marquês de Puységur, que na ocasião se exibia em sensacionais espetáculos públicos na Inglaterra. Na sessão, uma jovem foi induzida ao transe profundo quando o magnetizador fixando-lhe o olhar e segurando-lhes os polegares, a fez cair em sono profundo, Braid e outros colegas médicos cercaram a paciente na intenção de verificar uma possível fraude. Um dos presentes, o Doutor Wilson, oftalmologista, lembrou-se de examinar as pupilas levantando as pálpebras da jovem, encontrando-as fortemente dilatadas. Às escondidas, Braid espetou um alfinete na magnetizada e não houve nenhuma reação, nenhum gesto, Braid saiu de lá impressionado. Ele não acreditava nos fluidos astrais nem em forças estranhas e sobrenaturais que constituíam a maioria das explicações dos magnetizadores. A primeira vez que assistiu a demonstração de Lafontaine não convenceu Braid, no entanto, sua curiosidade fez com que assistisse, uma semana depois, a uma segunda demonstração e, aí, aceitou o fenômeno, mas não a explicação. Estava Braid, diante de um fato e em busca de uma resposta que não fosse a do magnetismo animal, por considerar esta uma afronta à dignidade científica da época. Era a velha prevenção contra tudo o que é invisível, tudo que não é concreto e palpável. Prevenção essa que, de certo modo, ainda persiste na época atual. Tendo observado que Lafontaine olhava fixamente nos olhos da hipnotizada, passou a acreditar que a fascinação ocular era responsável pela indução, concluiu Braid que a causa física do transe era o cansaço visual. Experimentou reproduzir o fenômeno em casa, mandando que a sua esposa olhasse para o ornato da tampa de um açucareiro de porcelana e que o cunhado e um criado fixassem a visão olhando firmemente o gargalo de um vaso ornamental. Nos três o intento foi positivo, todos entraram em transe. Para Braid o transe assemelhava-se a um estado de sono que podia ser induzido através do cansaço visual, não dependia de poderes do magnetizador, nem de influências astrais, minerais ou sobrenaturais, era algo físico, mecânico, de ordem fisiológica. Baseado em suas hipóteses, para facilitar a indução
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inventa equipamentos como bolas brilhantes, espelhos giratórios e outros objetos que prendesse a atenção do paciente olhando fixamente como se fascinado. O objeto brilhante que mais fácil dispunha era o seu relógio de bolso, daí a idéia do relógio que balança ante os olhos do hipnotizado. Para a fixação do olhar, mandava ainda seus pacientes olharem fixamente para a chama de uma vela acesa. O processo da indução hipnótica pelo cansaço visual passou a fazer escola. No começo de suas experiências, Braid colava uma rolha de garrafa à testa do paciente e fazia com que ele a olhasse atentamente; a obrigação de conservar constantemente os olhos dirigidos sobre um objeto tão próximo, convulsionava a vista e fatigava. Isso muitas vezes forçava-os a abandonar a experiência antes do fim e, por isso, foi necessário modificar o processo. Na nova versão, foi adotado um objeto brilhante entre o dedo polegar e o médio da mão esquerda, numa distancia de 25 a 45 centímetros dos olhos, em posição tão acima da testa, que se tornava necessário o maior esforço dos olhos e das pálpebras, para que o paciente o fixasse. Braid, preocupado em estabelecer as causas físicas dos fenômenos psíquicos, fica também convencido da existência de pontos na cabeça dos pacientes aos quais chamou de termomagnético. Acreditava que uma leve pressão nesses pontos provocava a manifestação de sentimentos específicos. Fricções suaves nos lados do rosto despertariam sentimentos como autoestima, benevolência, fraternidade e caridade. Os pontos localizados no alto da cabeça, na nuca e no pescoço, provocavam sentimentos de carinho, afetividade e proteção, entre outros. No tórax, na altura do peito, segurança e confiança. No abdome, despertaria relaxamento e tranqüilidade. Sentimentos estes que ele denominava de idealidades. Mas, antes de Braid, esses pontos também são referidos nos aforismos de Mesmer como sendo aqueles que promovem curas através de magnetizações com a imposição das mãos, “passes”, fricções e insuflações (sopros). Braid procurou demonstrar que o transe assemelha-se a um estado de sono e que podia ser induzido por agente físico. Continuou no procedimento com seus pacientes, fazendo com que estes olhassem para uma luz ou objetos brilhantes. Depois dele, até hoje, os livros populares sobre hipnotismo insistem em ensinar o desenvolvimento do método pela fadiga ocular através do deslumbramento de pontos ou objetos. Essa técnica tornou-se clássica, sendo muito usada na segunda metade do século XIX e o início do século XX, com o nome de procedimento de Braid. Braid, baseando o transe num princípio onírico, deu-nos a palavra hipnotismo, derivada do vocábulo grego hypnos, que significa deus do sono. Todavia, o sono hipnótico não se confundia com o sono normal e, associando isso aos conceitos neurofisiológicos que aprendera na medicina, passou a descrever o transe como sendo um nervous sleep ou sono nervoso provocado.
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Já quase no fim de sua carreira, Braid descartou-se em parte do seu método do cansaço visual pela fascinação, pois descobriu que podia hipnotizar cego ou pessoas em recintos obscurecidos. Dessa observação em diante, passou a dar maior importância à sugestão verbal e a toques físicos no corpo do paciente. Não tardou em descobrir que também o sono não era necessário para produzir o fenômeno hipnótico. Quando Braid se convenceu de que hipnose não era sono, tentou mudar a designação de hipnose para monoideísmo, termo que mais adequadamente descreve o fenômeno como sendo um pensamento único. No entanto, a palavra hipnotismo já estava muito divulgada e se havia firmado de tal forma no uso popular que, certo ou errado, é o nome que vigora até hoje. Depois de muita observação e experiências, Braid solicitou da Bristih Association, Medical Section a inclusão de seu nome para uma comunicação. Recusaram-no, pois havia uma outra muito mais importante, com o seguinte título: “Como diferençar as aranhas novas das velhas pelo exame dos respectivos palpos”. Isto não impediu que Braid divulgasse sua teoria sobre hipnose. Em 1843, publicou seu livro no qual expõe seu método para o tratamento de enfermidades nervosas. 54 A publicação de Braid encontra melhor aceitação na França e na Alemanha do que na sua terra natal. Em 1874, o Dicionário de Medicina aceita publicar seus conceitos que são traduzidos em diversos países. Após Braid, antigas denominações como magnetismo, sono magnético, mesmerismo ou sonambulismo deram lugar ao termo hipnotismo. Mesmo considerando Braid como pai do hipnotismo, muito antes dele, o Abade Faria tinha idéias modernas e corretas, explicando a hipnose como um fenômeno produzido por sugestão. E, antes do Abade, o jovem médico de Paris que praticava mesmerismo, Alexander Bertrand (1795-1831) já apontava o estado hipnótico como sendo tudo, dizia, uma sugestão aplicada. Foi também um dos pioneiros a aconselhar o uso da hipnose como agente terapêutico e, por isso, sofreu pressões da classe médica. Em 1823 Bertrand publicou o livro Traité du Somnambulisme e, três anos mais tarde, lançou um segundo, Du Magnétisme Animal en France, afirmando o papel importante da sugestão nos fenômenos atribuídos ao magnetismo animal. Ele observara a conexão entre o sono magnético, o transe coletivo e o sonambulismo, chegando à conclusão de que as curas e demais sintomas, antes atribuídos ao magnetismo animal, não passavam de meras sugestões do magnetizador agindo sobre a imaginação de um paciente, cuja sugestionabilidade foi aumentada pelo processo de indução. Bertrand morreu aos 36 anos de idade, se tivesse vivido mais tempo talvez houvesse antecipado a aceitação pela classe médica do transe induzido 54
BRAID, James. Neuropnology, or the rationale of nervous sleep [Reprin]. London, George Redway, 1899 [Reprin, 1958].
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por sugestão como procedimento de cura. A história considera Bertrand e o abade Faria como sendo o ponto de transição entre o magnetismo e o hipnotismo. Sobre isso escreveu Pierre Janet (1859 -1947): 55 Bertrand antecipou-se ao Abade Faria e a Braid. Foi o primeiro a afirmar francamente que o sonambulismo artificial podia explicar-se simplesmente à base das leis da imaginação. O hipnotizado dorme simplesmente porque pensa em dormir e acorda porque pensa em acordar. A publicação do Abade Faria, do general Noizet na França e a de Braid na Inglaterra, só contribuíram com uma formulação mais clara destes conceitos, desenvolvendo esta interpretação psicológica em forma mais precisa (JANET).
Hipnodontia Faz parte também da história da hipnose a sua aplicação em odontologia; essa prática é conhecida como Odontohipnose ou Hipnodontia. Em 1837 o dentista francês Jean Tienne Oudt comunicou à Academia Francesa de Medicina haver extraído molares sob o sono magnético, usava-se ainda a terminologia mesmerista para designar o fenômeno. Oudt inicia a prática da hipnose nos tratamentos odontológicos, para solução do problema da dor em extrações. Mas com o passar do tempo passou a ser usada também para melhorar as reações psicofísicas, próprias do ambiente do gabinete dentário, em pacientes que tinham horror a agulhas, a brocas, e até ao barulho produzido pelo maquinário odontológico. Depois de Oudt quem mais se destacou nesta área foi o dentista Aaron A. Moss, pioneiro da hipnodontia na América do Norte e o terceiro presidente do Instituto Americano de Hipnose. Ele foi responsável, em 1966, pela primeira filmagem do uso da Hipnose na Odontologia e desenvolveu um método que resulta de um ligeiro relaxamento muscular, exercício de respiração e sugestão especifica. 56 A indiscutível eficácia da hipnose na odontologia fez com que G. F. Kuehner, 57 também dentista, elaborasse uma adaptação ao método de Moss para aplicações em odontopediatria. A novidade era usar na indução a própria linguagem do paciente infantil. Segurando a mão da criança picava levemente com uma agulha ou outro instrumento pontiagudo, perguntando à criança pela sensação que experimentava. A resposta poderia ser, dói, ou coisa parecida. Em seguida comprimia a mesma área com o dedo indicador e, perguntava; “e agora o que está sentindo?” A resposta provável seria não dói ou está apertando ou coisa semelhante. Ato contínuo ele fechava os próprios olhos diante do paciente, fingindo sono, relaxar ou dormir. Assumida essa postura, perguntava de novo, “e agora, que tal?” O pequeno paciente responde nesta 55
JANET, Pierre. The major symptoms of hysteria. N. York, Macmillan, 1920. MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal of medical hypnotism, v. 6, n. 03, 1955. 57 KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. N. York, MacGraw-Hill Book Company, 1956. 56
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situação “sono, noite, cama, etc.” Guardando mentalmente as palavras proferidas para serem usadas ao proceder à indução, o êxito da sugestão era mais fácil e mais rápido. Em odontologia pode ser utilizada a sugestão pós-hipnótica; os pacientes submetidos ao transe de nível médio podem ser anestesiados póshipnoticamente, o que é feito quando o hipnotista (não necessariamente dentista), apalpando com a mão a região a ser anestesiada, sugere as condições específicas para a anestesia produzir efeito. Como, por exemplo, passando a mão no campo operatório, é dito ao paciente: “quando você assentar-se na cadeira do dentista, esta região ficará completamente insensível, completamente anestesiada”. Esta sugestão é repetida com a devida ênfase. Continuando é dito: “ao levantar da cadeira do dentista, tornará a sentir esta região, porém sem qualquer sensação desagradável. Passará muito bem”. Devidamente hipnotizado, o paciente pode ser submetido à intervenção odontológica, independente de nova indução e na ausência do hipnotista. A hipnose na odontologia não depende sempre de um nível de transe profundo, cada estágio ou grau de hipnose oferece suas possibilidades terapêuticas próprias. Dentro desta variância são organizados esquemas de procedimentos e, genericamente, apresentam quatro pontos: 1. Estágio preambular ou hipnoidal. Sugestões contra náuseas e sensações afins, relaxamento muscular e sugestões contra temores, apreensões, ansiedade, fobias e objeções ao tratamento. 2. Transe leve. Habituar o paciente à prótese e ao aparelho de ortodontia. Preparação de cavidade e obturações leves. 3. Transe médio. Preparação de cavidade profunda e obturações profundas. O controle da náusea, da salivação, dos espasmos. Conter sangramento excessivo. 4. Transe profundo ou sonambúlico. Extrações de dentes, mesmo inclusos, e polpa dentária, gengivectomias, intervenções no maxilar. Influenciar o pós-operatório para controlar hemorragia e a regeneração do tecido facilitando o processo da cicatrização. Diante da sua evidente eficácia, o uso da hipnose em odontologia se espalhou pelo mundo sem contestadores. Foi implantado como estudo acadêmico em 1948, com a criação de uma cadeira de hipnodontia na Faculdade de Odontologia de Concórdia, em Moorbead. Em 1952 já havia registro de mais de trinta mil pacientes atendidos por esse processo nos Estados Unidos. No Brasil, a Hipnodontia ou Odontohipnose é objeto de estudo da Odontologia, sua aplicação é recomendada por cirurgiões-dentistas e, desde 1955, por iniciativa da ABO - Associação Brasileira de Odontologia foi implantado como curso de extensão universitária em várias Faculdades. Mas,
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foi a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia a única que manteve, até 1993, como disciplina regular do currículo do curso de graduação, ministrada pelo professor Giuseppe Mazzoni. Na atualidade a maioria dos dentistas perde o interesse pela hipnodontia pelo fato da anestesia química ser eficaz e de efeito imediato. Na verdade, para o seu uso, a primeira sessão demanda um pouco de tempo, contudo nas sessões seguintes isso não ocorre; o paciente pré-induzido por sugestão póshipnótica administrada na sessão anterior entra em transe imediatamente ao sentar-se na cadeira odontológica. Hipnoterapia Ambroise August Liébault (1823-1893) nasceu em Lothringen, na França, foi médico na zona rural em Point-Saint-Vincent, uma aldeia próxima da cidade de Nancy. Foi ele o fundador da sugestão verbal sistemática aplicada como tratamento clínico; iniciou o uso da hipnose na cura de várias enfermidades. Liébault é descrito pelos seus biógrafos como tendo sido um homem sereno, agradável, bondoso e estimado pelos pobres, que o chamava de Le bon père LiébauIt. Dizia ele aos seus clientes, quase todos humildes camponeses: “Se desejais que vos trate com drogas, o farei, mas tereis de pagar-me como antes. Se, entretanto, me permitir que vos hipnotize, farei o tratamento de graça”. Na linguagem da hipnose moderna, fortalece os partidários da escola da sugestão pura iniciada por Abade Faria. A função terapêutica sempre está presente nas sessões de hipnose, ora explícita, ora subjacente a um ritual ou ao ambiente onde transcorre a indução. Possibilidade de cura existe até mesmo no decorrer de demonstrações de hipnose de palco, principalmente quando o transe atingido pelo hipnotizado é de nível médio ou profundo e quando as sugestões produzidas pelo hipnotista representam idéias de bem-estar físico e mental. Porém sua aplicação objetiva, para solucionar os mais variados problemas de saúde, dentro de um ambiente médico, tem início em 1864 quando um exemplar da obra de Braid caiu nas mãos de Liébault. Ao estudar a obra de Braid, Liébault já residia em Nancy, na França, cidade que, por seu trabalho no uso da hipnose para o tratamento de vários tipos de enfermidades, se tornou conhecida no mundo como o berço da Hipnoterapia, além de Capital do Hipnotismo. J. M. Bramwell, 58 médico que praticava hipnotismo na Inglaterra, visitou Liébault e deixou a seguinte descrição de sua atividade hipnoterapêutica: No verão de 1889, passei uma quinzena em Nancy a fim de ver o trabalho hipnótico de Liébault. Sua clínica, sempre movimentada, compreendia dois compartimentos que davam pelos fundos em um jardim. Seu interior não apresentava nada de especial que pudesse atrair a atenção. É certo que 58
BRAMWELL, J. M. Hypnotism, its history, practice and theory, Philaephia, J. B. Lippincott, 1930.
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todos que lá iam com idéias preconcebidas sobre as maravilhas do hipnotismo tinham de sair decepcionados. Com efeito, fazendo caso omisso do método de tratamento e algumas ligeiras diferenças, devidas provavelmente a características raciais, a impressão que se tinha era a de estar em um departamento público, numa pensão ou num hospital de clínica geral. Com a diferença de que os pacientes falavam um pouco mais livremente entre si e se dirigiam ao médico de uma maneira mais espontânea do que se costumava ver na Inglaterra. Eram chamados por turno, e no livro dos casos clínicos registrava-se sua anamnese. Em seguida induzia-se o paciente rapidamente à hipnose... Seguiam-se as sugestões e as anotações... Quase todos os pacientes dos que eu vi foram hipnotizados de uma maneira fácil e rápida, mas Liébault me informou que os nervosos e os histéricos eram mais refratários (BRAMWELL).
Liébault soube conquistar a simpatia e a cooperação dos seus pacientes, contrariamente ao exemplo de Mesmer, ele era modesto e sem aparato teatral, quer na sua apresentação indumentária, quer no ambiente da sua clínica. Ao método de fixação ocular de Braid, ele acrescentou ênfase na sugestão verbal. Preferiu utilizar-se, quase que exclusivamente, da sua própria voz como principal elemento de indução, nada de equipamentos ou métodos que envolvessem contatos físicos com qualquer parte do corpo dos hipnotizados, evita outros tipos de estímulos sensoriais. Foi o criador da escola verbal. No método verbal a voz deve passar equilíbrio, empatia, confiabilidade, convicção e emoção, sempre de maneira natural e expressiva para criar nos hipnotizados uma idéia clara e facilitar a introspecção das sugestões. Deve ser evitada a fala rápida, com ansiedade, para controlar tensão ou falta de coordenação da respiração e da voz. Deve o hipnotista falar pausadamente, com ritmo, entonação, melodia e ênfase nas palavras de valor sugestivo, articuladas nitidamente em tom cavo. Liébault, juntamente com Bernheim, tratou mais de 12 mil pacientes em sua clínica de hipnose. Casos de impressionantes bons resultados que atraiu para Nancy grandes nomes, entre eles Freud. Trabalhou durante dois anos em sua obra Du Somneil et des états analogues, considerés surtout du point de vue de l'action de la morale sur le physique. Afirma Bramwell que Liébault vendeu exatamente um exemplar de sua publicação; não obstante, muitos historiadores conferem a ele a paternidade do hipnotismo médico. Conforme se infere do próprio título de sua obra principal, Liébault ressaltava a influência do psíquico sobre o físico, embora o psíquico ainda fosse misterioso e praticamente inexplorado, as conjeturas que se faziam em torno de sua estrutura e dinâmica, eram baseadas em suposições empíricas e intuitivas. Entretanto, estava no caminho certo, podia progredir modesta e tranqüilamente, sem ser muito molestado pelos colegas por ser discreto e pobre e não aceitar dinheiro dos pacientes que tratava por hipnose. Sugestão pós-hipnótica
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Hyppolite Henri Bernheim (1840-1919), um dos expoentes da medicina na França, homem de reputação inatacável, a princípio contrário ao hipnotismo, resolveu em 1881 visitar Liébault em Nancy, presumivelmente para desmascará-lo como charlatão. Cético e com propósitos hostis, logo se convenceu da autenticidade e da validade do processo hipnótico e tornou-se amigo e discípulo do modesto médico rural, isto pelo fato de ter tratado, com fracasso, durante seis meses um caso de ciática que foi posteriormente curado por Liébault. O prestígio de Bernheim muito contribuiu para que o mundo acadêmico acolhesse a cura pelo hipnotismo; ao menos como uma possibilidade. Em sua obra, De la suggestion, publicada em 1884, insiste na necessidade do estudo da técnica sugestiva e as características da sugestibilidade. Insistindo ainda no caráter subjetivo, ou seja, essencialmente psicológico da hipnose. Bernheim foi o fundador da Escola Mental e, vislumbrando na hipnose um estado psicológico normal, compreendeu esse fenômeno em bases mais amplas. Demonstrou que a sugestibilidade não se limitava aos indivíduos histéricos conforme se proclamava no Salpêtrière, Hospital Escola da Universidade de Paris, representado pelo professor Jean-Martin Charcot, que utilizando estímulos aos sentidos em vez da sugestão verbal se intitulava como a escola do hipnotismo sensorial, a escola do grand hipnotisme. Dizia Bernheim: “todos nós somos sugestionáveis, uns mais outros menos, todos somos alucináveis ou alucinados”. Afirmava que os indivíduos são potenciais ou efetivamente alucinados durante boa parte de suas próprias vidas. Dizia ainda que “todos temos a nossa propensão inata à crença, temos a nossa credibilidade natural”. Além de perceber que o estado hipnótico era normal em todas as pessoas, Bernheim 59 definiu os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como elemento provocador das ações inconscientes e compulsivas e propôs aplicar como terapia. Tudo isso são conceitos moderníssimos que mostram a visão ampla e profunda que transcendeu os limites convencionais de sua época. Seu método de indução é o que oferece as maiores possibilidades de êxito e, além de sistematizar o preâmbulo do relaxamento muscular progressivo, estabelece como condição indispensável que antes do retorno do hipnotizado para o nível consciente, lhe seja aplicado sugestões pós-hipnóticas de cura e bem-estar. Hipno-análise Existem duas conceituações sobre hipno-análise, a primeira considera como um termo específico e anterior ao surgimento da psicanálise, o segundo decorre do uso de procedimentos hipnóticos como instrumento para a rápida aplicação da teoria psicanalítica. O termo pode ser interpretado como a fusão da hipnose com a psicanálise ou como um procedimento anterior e diferenciado 59
BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the nature of hypnotism [reprint]. Translated by CA Herter. New Hyde Park, N. York, University Books, (1889) 1964.
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da psicanálise. Porém, a hipno-análise já teria aplicação na hipnoterapia iniciada por Liébault e foi, sem dúvidas, usada por Bernheim, Charcot, Breuer e o próprio Freud no início de suas pesquisas, portanto, bem anterior ao método psicanalítico. Serviu de ponto de partida para Freud criar hipóteses e fundar a psicanálise. Embora possa ser atribuído a muitos autores, a rigor o termo hipnoanálise não possui uma paternidade definida; vários foram os nomes ilustres que a utilizaram e a evoluíram, é um método de análise do ser humano, desenvolvido com base em técnicas de hipnose, que apresenta grandes possibilidades terapêuticas. Dois autores que melhor sistematizam essas técnicas e que apontam como utilizá-las são R. Lindner 60 e B. C. Guindes. 61 A hipno-análise pode ser iniciada quando ocorre o estado hipnótico de nível médio, por ser neste grau que se estabelece o contato mais direto com o inconsciente. Nessa fase podem ser superados problemas existenciais através de interpretações dos fatos revelados no transe ou em função deste. A terapia na hipno-análise ocorre através de lembranças ou respostas despertadas ou reveladas, pelo próprio indivíduo durante o transe ou em sonhos provenientes de sugestões pós-hipnóticas. Sua prática acontece quando as pessoas, já em estado de hipnose, são iniciadas em um treinamento através de técnicas que permitem não somente aprofundar o nível do transe, como também atingirem o fim terapêutico. Dentre as técnicas usadas em hipno-análise incluem-se: Indução de Sonhos, Recordar e Reviver, Espelho ou Bola de Cristal (Cristalomancia), Psicodrama ou técnica cinematográfica e Escrita automática. Indução de Sonhos - A interpretação dos sonhos parece ser tão antiga quanto a própria história da civilização humana. Na antiguidade não era visto como uma produção da mente humana, mas como um fenômeno sobrenatural. A mitologia dos gregos, por exemplo, delega a responsabilidade dos sonhos aos filhos de Hypnos, deus do sono, que por sua vez era irmão gêmeo de Tanatos, deus da morte. Entre os filhos de Hypnos estava Morfeu, que trazia os sonhos para os homens; Icelus, que trazia os sonhos para animais; e Phantasus, que despertava sonhos nas coisas inanimadas. Outro deus relacionado aos sonhos era Esculápio, cultuado em templos aonde as pessoas doentes iam para receber cura divina enquanto dormiam. Até meados do século XIX os sonhos eram tidos como reações sobrenaturais, de natureza divina e muitas vezes profética. Freud moderniza esse conceito; considera o sonho como a “estrada real que conduz ao inconsciente” e, a psicanálise, entre outros recursos, vale-se também da interpretação dos sonhos, além de ter sido responsável pelo seu 60
LINDNER, R. M. Hipnoanalysis, methods and techniques. N. York, MacGraw-Hill Book Company, 1956. 61 GUINDES, C. B. New concepts of hypnossis: an Adjunkt to psychotherapy and medicine, London, George Allen and Unwin Ltd. 1951.
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aperfeiçoamento. Para a psicanálise, o sonho é um conjunto de fenômenos psíquicos, que involuntariamente ocorrem durante o sono. É provável que a maior parte dos sonhos ocorra durante os períodos de sono chamados paradoxal; oitenta 80% das pessoas acordadas nessas ocasiões, recordam e relatam sonhos com grande riqueza de detalhes, encontrando dificuldades para isso quando despertadas durante o sono dito ortodoxo. A hipnose amplia o sono e por conseqüência os sonhos que podem ser fontes da criatividade ou de revelações para a hipno-análise. Em 1953, E. Aserinski e W. Kleitman dividiram o sono ortodoxo e o paradoxal em quatro níveis, além de uma fase chamada REM (Rapid Eyes Movment) que se caracteriza pelo rápido movimento dos olhos. Segundo esses autores, antes de dormir, há ainda um estado intermediário entre o sono e a vigília, classificado como alfa. O estágio I ocupa aproximadamente 5% do período do sono e o II 50%. O estágio III e IV é a fase delta, com 25%, e o estágio final (REM), 20%. Durante as fases de I a IV, progressivamente, há uma desaceleração do sistema nervoso, do batimento cardíaco, a temperatura e a atividade mental caem e a musculatura é relaxada. Contudo, na fase REM as coisas mudam; a temperatura oscila, a pulsação acelera, os olhos se movimentam rapidamente, ocorrem ereções, atonia muscular e variação da freqüência das ondas cerebrais. Apesar da intensidade de reações do organismo é na fase REM que se atinge o ápice do relaxamento e as funções do sono são potencializadas ao máximo. Também é a fase de sonhos reveladores. Algumas pessoas em estado hipnótico apresentam no decorrer do transe características como se estivessem na fase REM. 62 Freud retrata o sonho como um dos modos de se conhecer os processos psíquicos inconscientes; segundo ele, os sonhos são como um veículo para a satisfação de desejos recalcados. A partir da psicanálise, os sonhos passaram a ser visto como manifestações simbólicas do inconsciente e de seus conflitos, desempenhando papel importante na manutenção da saúde mental. Para Freud, os sonhos teriam um sentido, tal como as parapraxias ou atos falhos e, dessa forma, os sonhos também se tornaram tema da pesquisa psicanalítica. Mas, muito tempo antes da psicanálise, a hipno-análise já trabalhava com procedimentos de interpretar sonhos, inclusive para fins terapêuticos. Ato falho, para a psicanálise, ocorre quando se comete um erro de linguagem, quando alguém fala, sem querer, uma palavra no lugar de outra. Este ato pode indicar uma idéia ou sentimento reprimido no inconsciente que tem tendência a se manifestar. Através dos atos falhos, pode se chegar ao conteúdo da repressão, como também pode acontecer quando o simbolismo do sonho ou do sintoma neurótico é interpretado. A premissa que Freud trabalha para estabelecer um início para a investigação dos sonhos enuncia que “os sonhos não são fenômenos 62
MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998.
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somáticos, mas psíquicos” e, em relação à técnica de interpretação dos sonhos, Freud declara: ... os sonhos são produtos, comunicações da pessoa que sonha; contudo, são ininteligíveis, não entendemos seu sentido. Quando não se entende, pergunta-se. Na análise é preciso perguntar ao sonhador sobre o que o seu sonho significa (FREUD).
Estabelecendo uma ruptura radical com a tradição antiga, em que havia um intérprete para os sonhos, a psicanálise aperfeiçoa a técnica da indução de sonhos preconizada pela hipno-análise. Mas, embora tenha proporcionado grande impulso no uso dessa técnica, freqüentemente as pessoas resistem à devassa do seu inconsciente, esquecendo o que sonharam, ou simplesmente não sonhando com o que não querem lembrar-se. Com a hipno-análise essa dificuldade é fácil de contornar por não analisar apenas sonhos espontâneos. Na hipno-análise o hipnotizado recebe uma sugestão para sonhar com a situação correspondente aos conflitos que desafiam soluções e exames conscientes. Tais sonhos, que podem ser induzidos durante o decorrer do transe ou pós-hipnoticamente, apresentam um quadro muito mais fácil de interpretar do que os sonhos espontâneos. Pode ser induzido ao hipnotizado que sonhe com um incidente específico ocorrido em sua vida, reproduzindo fatos esquecidos com todos os detalhes e que, ao terminar de sonhar, acorde e anote o conteúdo do sonho em uma folha de papel. Os resultados se mostram, às vezes, surpreendentemente elucidativos. Para os hipno-analistas a simbologia dos sonhos induzidos ou estimulados hipnoticamente costuma ser mais transparente do que a dos sonhos comuns e, nessa transparência fica mais fácil elucidar os enigmas do inconsciente. Já para os psicanalistas, é o estudo dos conteúdos dos sonhos comuns, e não induzidos, que ajuda estabelecer a causa do problema ou a natureza de um traumatismo sofrido. Isto é, do abalo que, por sua violência ou por sua duração, foi reprimido no inconsciente e aflora nos sonhos, às vezes, de forma simbólica. A indução de sonho por meio de sugestão hipnótica é um método útil para se obter rapidamente material de sonho limitado a um determinado assunto, problema, situação ou conflito. O sonho pode ocorrer no transe hipnótico ou num subseqüente sono natural. Em qualquer dos dois casos, fornecerá importantes revelações do inconsciente. Muitas vezes o indivíduo terá dificuldades em associar, no estado desperto, os significados do seu sonho, no entanto poderá obter imediatas associações no estado de transe. Pode ainda os sonhos ser resultado de processos mentais que geram ansiedade ou exagerada expectativa, caso do qual decorre inconscientemente uma espécie de auto-indução aos sonhos como busca de soluções. Neste sentido afirma Platonov. 63 63
PLATONOV, C. Faça seu teste psicológico, RJ, Ed. Edimax, 1966.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. Às vezes encontra-se a solução aos problemas da vida cotidiana e mesmo aos problemas científicos que ocupam o espírito, não em estado de vigília, porém à noite, durante o sono. Foi o caso, por exemplo, do químico alemão F. Kekule que viu em sonhos a fórmula do benzol. E de Mendeliev, que um sonho ajudou a colocar em ordem a classificação periódica dos elementos químicos. O compositor Tartine ouviu uma vez a execução de uma sonata, quando dormia. Voltaire sonhou com uma nova variante da ‘Henriade’. Os deuses, dizia Homero, utilizam o sono para comunicar aos homens sua vontade. As vésperas de resolver difíceis questões políticas, os éforos, magistrados de Esparta, iam dormir nos templos, na esperança de que o sono lhes inspirasse uma decisão sábia (PLATONOV).
Grandes gênios do passado revelaram que receberam seus conhecimentos e efetuaram grandes descobertas enquanto sonhavam. Entre eles, figura o inventor Thomas Edison (1847-1931), para quem a maioria de suas grandes invenções ocorreu durante sonhos, os quais assim que acordava escrevia. Desse modo, descobriu o filamento da lâmpada elétrica depois que tentara centenas de vezes por formas diferentes aperfeiçoar a invenção. Uma noite, teve um sonho em que foi informado como criar um filamento que teria grande duração. Conta à história também que Jules Verne profetizou apuradamente o futuro. E, para isso, se teria valido dos sonhos para prever com toda precisão a energia atômica, as viagens à lua, as invenções do avião e do balão dirigível, o submarino, as espaçonaves, as explorações submarinas e muitas outras coisas, que mais tarde se transformaram em realidade. Assim, também, aconteceu com o presidente americano Abraham Lincoln quando, durante um sonho, teve uma visão do seu próprio assassinato uma semana antes da tragédia ocorrer. Embora controversa, parece que a história revela que o dom da profecia e ou visões do próprio futuro é uma faculdade que se manifesta também em sonhos. O químico alemão Friedrich Auguste Kekulé (1829-1896) contou que estava muito esgotado quando tentava desenhar o benzeno, molécula-chave dos compostos orgânicos, quando cochilou e sonhou com grupos de átomos se juntando para formar uma espécie de cobra coral que tentava morder o próprio rabo. Acordou como se um raio tivesse iluminado sua mente e veio a idéia de que essa era a resposta que procurava; dessa forma, ele descobriu que os seis átomos do carbono do benzeno se ligam em anéis como a imagem da serpente de seu sonho. Recordar e Viver - O hipnoanalista começa por incitar o hipnotizado a recordarse, para fins crítico e informativo das situações passadas. Este revê o passado indicado pelo analista e, sem revivê-lo propriamente dito, apenas informa para efeito de registro. Vencida essa etapa, processa-se a regressão a uma fase determinada. Aí não só apenas recorda, mas revive e repete afetivamente o episódio que pode ser a fonte de seu comportamento atual e, assim, será possível conhecer a origem dos conflitos nas suas bases históricas traumáticas
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e, através da própria sugestão, removê-los. Na prática, aconselha Lindner que se proceda assim: Vou pondo a mão em sua testa e contando até dez. Quando eu terminar a contagem, você terá voltado a fase X de sua vida. Você verá nitidamente e com nitidez cada vez maior, todos os detalhes que interessam ao caso. Verá tudo, não omitirá nada. Não vai querer excluir coisa alguma... (LINDNER).
Espelho ou Bola de Cristal (cristalomancia) - No estágio de hipnose profundo ou sonambúlico, o hipnotizado pode abrir os olhos sem afetar-lhe o transe. Quando induzindo, pode ser dito: • Dentre em breve mandarei você abrir os olhos... À sua frente você verá um espelho (ou uma bola de cristal)... Nela você visualizará a solução dos problemas que o afligem... Vá dizendo tudo que aparecer na bola de cristal (ou espelho)... Pronto... Pode abrir os olhos... Você está enxergando nitidamente a sua situação, como nunca enxergou... Esse processo ainda é conhecido por cristalomancia por utilizar um cristal em forma de bola ou outra forma qualquer. Se um cristal não estiver disponível, um copo transparente de água poderá ser usado com igual efeito simbólico. O hipnotizado é posto em transe profundo e dizendo-se que depois de abrir os olhos, ele deve olhar o cristal (ou a água): • Você verá um retrato ou a representação de um remoto incidente esquecido, do qual você não tem conhecimento consciente... Quando você o vir descreverá verbalmente. A primeira revelação pode exigir interpretação ulterior quando se revela obscura ou simbólica. Neste caso, pode também ser utilizado, como recurso, uma combinação de regressão e cristalomancia. Depois que o hipnotizado for levado de volta a uma época anterior no tempo, nesse estado de regressão é induzido a cristalomancia. Isso, às vezes, revela lembranças profundamente enterradas no passado e que, embora não lembradas conscientemente, podem estar perturbando a vida do indivíduo. Pode-se ajudar o hipnotizado, como no caso do sonho, induzindo-o a visualizar cenas específicas e fazer com que ele as descreva com toda clareza nos menores detalhes, sempre lembrando o objetivo terapêutico do que se está passando. “Vai resolver os problemas que o atordoam, dissipar as dúvidas e os temores etc.”. Psicodrama ou técnica cinematográfica - B. C. Guindes apresentou uma técnica que denominou de cinematográfica, que constitui uma variedade atualizada do antigo Psicodrama e da Bola de Cristal. Sugere o autor que, uma vez em estado de transe profundo, o hipnotizado receba a indução seguinte: Dentro em breve pedirei a você que abra os olhos. Ao abri-los você se encontrará em uma sala de projeção. Bem diante de você uma tela. Nessa tela você verá passar um filme. E o filme que vai assistir é a história de sua própria vida. Neste filme serão incluídos todos os detalhes importantes de sua existência. E tudo na ordem cronológica. E você vai dizer tudo que vê,
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. já que eu não posso ver a tela. Agora vou lhe pedir para abrir os olhos. Repare. Bem à sua frente está a tela (GUINDES).
Como seria de esperar, o hipnotizado ao abrir os olhos mostra-se impressionado com o que vê e começa a relatar tudo a que assiste. Em certas passagens começa a rir. Em outras passagens, mostra-se contrariado e mesmo enfurecido, continuando, entretanto, a descrever o que se passa na tela. Muitas vezes fica nervoso, choroso, visualizando situações e coisas penosas que aconteceram em sua vida. Escrita Automática. Pode ser utilizada para induzir o hipnotizável a revelar fatos de memória que de outra forma não poderia ser obtida por causa de resistência forte às lembranças reprimidas. Deve ser dito que a mão dele escreverá automaticamente, sem que ele tenha disso conhecimento consciente. A escrita resultante revela freqüentemente situações surpreendentes, podendo ser realizada durante o transe ou, como resultado de sugestão pós-hipnótica, após o hipnotizado retornar ao estado normal. Durante a conversa com o hipnotizado, é-lhe feita uma pergunta importante, como por exemplo: Qual é a causa do seu temor? E, ele pode responder oralmente: Eu não sei, enquanto simultaneamente a mão escreve uma resposta significativa e relacionada à pergunta. Neste estado acontece a expressão de dois pensamentos ao mesmo tempo como estar falando sobre seu último trabalho e escrevendo uma poesia, a qual conheceu na sua infância. A escrita pode apresentar de início uma informação vaga, mas se torna mais clara à medida que a prática prossegue. Nos casos em que a escrita é simbólica, na forma e no conteúdo, o próprio hipnotizado poderá melhor interpretá-la, quer através de livre associação oral no transe acordado, quer através de mais escrita automática orientada para interpretar símbolos ou palavras enigmáticas que porventura tenham sido reveladas na etapa anterior. Isso ocorre quando a primeira etapa revela apenas o “portão” do segredo e, para abrir a passagem e revelar o “santuário”, é necessária a segunda etapa, que consiste em, após produzir a escrita enigmática, ser dito ao hipnotizado: Sua mão vai agora escrever o segredo que você tem escondido de mim. Esse pode ser o meio de produzir uma rápida revelação. Na atualidade novos conceitos e teorias se incorporam á hipno-análise como a Inteligência Emocional e a Análise Transacional trabalhada por Eric Berne. O analista transacional observa as posições psicológicas tomadas pelo indivíduo e reveladas pelas palavras, tom de voz, expressão facial, gestos, postura corporal. O ser humano pode adquirir comportamentos inconscientes que representam à imagem de pai, de adulto ou de criança. Na hipno-análise moderna esta teoria pode ser de grande valia para elucidar conflitos vivenciados pelo hipnotizado (Os papeis que vivemos na vida, James & Jongeward). Hipnose e Histeria
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Concomitantemente com a escola de Nancy representada por Liébeault e Bernheim, existia outra em Paris que se intitulava como a escola do grand hipnotisme, funcionava no La Salpêtrière e era representada por Jean-Martin Charcot (1825-1893), nascido em Paris, onde viveu a vida inteira. Na linguagem da hipnose moderna, Charcot fortaleceu os seguidores a escola sensorial inaugurada por James Braid, e se torna grande rival da escola da sugestão pura inaugurada pelo Abade Faria. La Salpêtrière, construído por volta de 1630, hoje é uma dependência do Hospital Geral de Paris. O nome vem do fato de ter sido construído no local de uma antiga fábrica de pólvora, cujo componente principal é o salitre, em francês salpêtre. O prédio era dividido em três unidades: Bicêtre para os homens, La Pitié para jovens e Salpêtrière para mulheres. Este terceiro setor foi destinado aos cuidados de Charcot que, entre 1862 e 1893, ali desenvolveu sua carreira de médico, pesquisador e professor da disciplina anatomia comparada. A partir de 1870 a administração do Salpêtrière decidira separar os doentes alienados das mulheres histéricas e das epilépticas, juntando essas duas últimas patologias numa mesma enfermaria. Rapidamente as histéricas assimilavam os sintomas epilépticos e aprendiam a simular. Com o uso da hipnose produzida por estímulos sensoriais, Charcot provocava paralisia histérica em seus pacientes para demonstrar aos alunos suas teses. Essas demonstrações transformam o La Salpêtrière como uma referencia científica para o hipnotismo. 64 Na histeria, o distúrbio se traduz por perturbações intelectuais e por sintomas físicos dos mais variados como instabilidade emocional, mitomania, afonia, abulia, amnésia, aerofagia, anestesia, hiperestesia, dispepsia, tiques, soluços, crises de choro ou riso, perturbação motora, vômitos e convulsões. O 64
La Salpêtrière, em 1656 foi orfanato público além de albergue para toda categoria de mendigos. Em 1661 já abrigava 1460 pessoas; recebia filhas de nobres pobres, as quais gozavam de tratamento especial e ensinamento religioso, alfabetização e artes habilitadoras. Eram mais de 800 as Filles du roi (filhas do rei) e, entre 1663 e 1673, as moças mais pobres foram treinadas em prendas domésticas e enviadas para as colônias para constituírem famílias com colonos franceses. Em 1680 passou a funcionar como Hospital Geral e, em pouco tempo, a Instituição degenerou em um repugnante depósito de loucos. Além de abrigar mendigos, epilépticos, paralíticos, aleijados e vítimas de doenças mentais, também funcionava como prisão para prostitutas e malfeitores. As loucas mais agitadas ficavam acorrentadas até morrer. Gemidos e gritaria todo o tempo e a infestação de ratos infernizavam a vida dos internos. Aconteceu ali um dos mais hediondos episódios da Revolução Francesa, Le massacre de La Salpêtrière. No dia 3 para 4 de setembro de 1792, um bando de vândalos invadiu o prédio e, após libertar as prostitutas, arrastaram para fora doentes mentais, alcoólatras e portadoras de deformações físicas, sob o argumento de que davam prejuízos ao Estado, todos foram massacrados à vista do povo. No início do século XIX o psiquiatra Philippe Pinel determinou a remoção das correntes e a humanização dos doentes. Na segunda metade do século XIX, com mais de 4.000 internos, tornou-se o mundialmente famoso centro de estudos psiquiátricos e Hospital Escola da Universidade de Paris. Recebia estudantes de todo o mundo para assistir experimentos e aulas sobre doenças mentais, especialmente as aulas de Charcot com demonstrações de hipnotismo que influenciaram decisivamente Freud na criação da teoria psicanalítica (N. do A.).
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histérico pode chegar ao ataque maciço, espetaculoso como os que Charcot exibia na Salpêtrière e nada têm ver com os ataques epiléticos. O nome histeria é derivado da palavra grega hystera, que significa útero, conhecida desde a antiguidade oriental e clássica, foi associada aos deuses e demônios. Embora a histeria não seja vinculada a gênero e, seus sintomas, também podem ocorrer por imitação em pessoas suscetíveis ao transe hipnótico que convivam com histéricos, no início era comum apenas às mulheres; acreditava-se ser uma doença provocada pelos fluidos do útero e também, erroneamente, que a carência sexual das mulheres principalmente sacerdotisas, virgens e viúvas, era sua causa próxima. Em seus estudos experimentais sobre a histeria, Charcot valia-se da hipnose para diferenciação diagnóstica e induzia sintomas espetaculares nas histéricas, de modo a provar o caráter neurótico dessa doença. Suas aulas e demonstrações atraiam estudantes de todas as partes do mundo e, em determinado ponto de sua carreira, Charcot acreditou ter descoberto uma nova doença, que ele chamou de "histero-epilepsia", os sintomas incluíam convulsões, contorções, desmaios e falha transitória da consciência. Suas conclusões e vários exemplos da nova doença eram apresentados aos alunos. Mas, um aluno cético chamado Joseph François Félix Babinsky (1857-1932), decidiu que Charcot tinha inventado, e não descoberto, a histero-epilepsia. Supunha Babinsky que o fato de alojar as pacientes epilépticas e histéricas juntas resultava na histero-epilepsia. As histéricas, já vulneráveis à sugestão e à persuasão, eram continuamente sujeitas a viver naquela ala e, somando-se isso com os exames hipnóticos neuropsiquiátricos de Charcot, começavam a imitar os ataques que repetidamente testemunhavam nas epilépticas e acabavam por exibirem os mesmos sintomas por simulação inconsciente. Babinsky por muitos anos, inclusive após a morte de Charcot, foi pesquisador do Salpêtrière e criador do termo piti, no sentido de mentira, para definir sintomas histéricos como fingimento ou simulação de doença. A ele se deve a primeira aproximação entre histeria e simulação; o histérico seria um simulador inconsciente. Durante as aulas, Charcot valia-se da hipnose para induzir sintomas sob sugestão hipnótica, mas nesta época o positivismo científico estava na sua melhor forma, e a hipnose só pôde retornar à cena científica depois de despojada de toda aura mística. Nesse clima de ciência, Charcot recomenda aos seus alunos que do antigo fenômeno hipnótico só devia ser preservada a dimensão somática. Assim pretendia evitar a simulação e acreditava que separava a hipnose da imaginação do paciente e do poder de sugestão do hipnotista, ao contrário da escola rival, em Nancy, que conservava a sugestão como fator explicativo.
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Embora colocassem em uso as mesmas técnicas de seus antecessores e tenha sido a maioria das suas conclusões sobre a hipnose equivocadas, Charcot afirmava que sua prática de hipnotizar era inseparável do método anátomo-clínico. Era baseada na excitação sensorial, portanto um fenômeno “objetivo”, racional e, do ponto de vista acadêmico, respeitável de se estudar. Evitando deliberadamente tudo que pudesse ser reconhecido como sugestão verbal, preferia não verbalizar, utilizava apenas meios sensoriais para hipnotizar como a visão, a audição, o tato, o paladar e o olfato. Nesta perspectiva defendia que a hipnose poderia ser produzida por meios puramente físicos sensoriais e acreditava que um indivíduo podia ser hipnotizado sem seu próprio conhecimento ou permissão. Durante o processo de hipnotizar, Charcot obrigava seus auxiliares fazer uso de toda sorte de manipulações sensoriais, usando vários recursos complementares para a indução. Entre eles, a fascinação de objetos brilhantes e luzes coloridas, além da produção mecânica de sons soporíficos, produzidos por instrumentos que eram colocados perto do ouvido do paciente, como estímulo sensorial auditivo. 65 Aplicava com as mãos toques no corpo ou colocava placas de metais como ímãs, cobre, zinco e ouro. Paul C. Jagot descrevendo sobre o hipnotismo sensorial praticado na Salpêtrière revela que também era induzido o transe hipnótico pelo paladar e pelo olfato. Para isso, vez por outra, era comum o uso de rum, água de lourocerejo e valeriana, além de odores violentos exalados de substâncias como o amoníaco para produzir o transe instantaneamente, enquanto que certos perfumes como o almíscar, a alfazema e vários tipos de incensos adormeciam gradualmente a consciência. Como Braid, Charcot acreditava também na existência das chamadas zonas hipnógenas, as quais devidamente estimuladas provocavam e aprofundavam o transe. Os “toques de Charcot” são até hoje reconhecidos como uma técnica de indução. Para ele, bastaria exercer uma leve pressão com a mão no alto da testa, na raiz do nariz, no cotovelo ou no dedo polegar, para produzir instantaneamente um efeito soporífico. O estágio de sonambulismo poderia ser produzido por meio da atenção fixa ou ser causado pela fricção do alto do crânio e da nuca de um indivíduo em estágio letárgico ou cataléptico. Acreditava ainda que o estágio cataléptico pudesse ser produzido por um forte e vibrante som (tã-tã, gong, diapasão). 66 Também abrindo os olhos de uma pessoa que estivesse em estágio letárgico, forçando-a para que 65
A utilização de sons como elementos hipnóticos também eram usados pelos Mesmeristas. “Os instrumentos mais favoráveis ao desenvolvimento da ação magnética no mesmerismo eram, depois da voz humana, a flauta, a harpa e a cítara. Mesmer empregava freqüentemente este último instrumento. Em práticas de curas, muitos magnetizadores acreditavam que os sons que partiam de um instrumento magnetizado faziam mais efeito num doente, do que os de um instrumento não magnetizado” (Alphonse BUÉ, Magnetismo curador). 66 JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S. Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
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olhasse em direção contrária de uma luz intensa produzida por uma lâmpada de Bourbouse, luz Drumond ou de magnésio, tecnologias que faziam parte da iluminação da época. No Hospital Salpêtrière era comum, como início do processo de hipnotizar, o uso de uma vela acesa, fixando o olhar do paciente na luz da chama. Também o uso de um disco de zinco, de dois centímetros de diâmetro, cujo centro era formado por um prego de cobre encravado em outro metal; conservava-se este botão a 45 centímetros, mais ou menos, do corpo na altura da cintura, como um ponto de mira, sobre o qual devia o paciente fixar os olhos durante quinze a vinte minutos, sem pestanejar e concentrando toda a atenção. Logo que absorvido nessa contemplação sem oscilar as pálpebras, o hipnotista fechavalhe os olhos por meio de brandas e suaves fricções e punha-lhe uma das mãos sobre a cabeça, aplicando-lhe fortemente o dedo polegar à testa (toque de Charcot). Os instrumentos hipnóticos de Charcot substituíam a indução por sugestão verbal, defendida pela escola de Nancy. Às vezes os procedimentos eram acompanhados de ligeiras variantes; como a pressão dos globos oculares ou dos polegares, fricções do alto da cabeça e nuca, além de violentas batidas em instrumentos de percussão, repetidas de forma monótona, que atacavam e faziam vibrar o sentido da audição. Empregavam ainda um fole para insuflar, soprando o nariz e a testa do paciente, além de espelhos em formatos de fragmentos que eram encaixados em dois pedaços prismáticos de madeira, com 20 centímetros aproximadamente, dispostos em cruz, com um eixo no centro. A esse recurso instrumental se imprimia um movimento de rotação, como um cata-vento, para provocar no paciente perturbação e fadiga do aparelho ótico, fazendo-o cair no estado de transe. Teorizando sobre a hipnose, Charcot que só lidava com histéricas e epilépticas, estabeleceu a premissa segundo a qual somente os histéricos podiam ser hipnotizados, não passando o estado de hipnose de um estado de histeria. Formulou a teoria dos três níveis hipnóticos: a letargia, a catalepsia e o sonambulismo. O primeiro estágio, a letargia, podia ser produzido fechando simplesmente os olhos do hipnotizado e caracterizava-se pela mudez e pela surdez. O segundo estágio, a catalepsia, era marcado por um misto de rigidez e flexibilidade dos membros, estes permanecendo na posição em que o hipnotista os largasse. O terceiro estágio, o sonambulismo, se produzia friccionando energicamente a parte superior da cabeça e a nuca do hipnotizado. Foi Victor-Jean-Marie Burq (1822-1884), baseado em Paracelso, quem primeiro publicou um vasto trabalho sobre a metaloterapia, a aplicação de metais por via interna e externa com fins curativos. Ele pensava que o temperamento de cada pessoa correspondia a um metal especifico e que era possível determinar a “sensibilidade metálica individual” utilizando a metaloscopia. Se aplicado um metal sobre a pele de um paciente, sendo ele sensível a este metal, experimentava sensações de calor, sudorese e
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formigamento. Esta técnica foi usada nas unidades do hospital geral de Paris (Bicêtre, La Pitié e La Salpêtrière) em 1849, durante a epidemia de cólera. Afirmava também Burq que o contato do ferro é geralmente insuportável a todos os sonâmbulos; este contato os inquieta, irrita e queima. O ouro possui uma virtude calmante, dissipa as dores locais e resolve as contrações, e tornase para certos sensitivos um excitante que provoca contrações e espasmos. Em 1871, Burq publicou sua obra Metaloterapia: tratamiento de las enfermedades nerviosas, Parálisis, histeria, hipocondria, migraña, dispepsia, gastralgia, asma, reumatismos, neuralgias, espasmos, convulsiones, etc. Em 1876, Claude Bernard, que foi presidente da Sociedade de Biologia de Paris, designou três importantes médicos, Charcot, Luys e Dumont Pallier para avaliar essa teoria. Os três concluíram favoráveis e passaram a utilizar este método de cura além de investigar intensamente a metaloscopia e suas relações com a eletricidade, com os eletroímãs e ferros imantados, passaram a aplicar como tratamento da histeria e meio de provocar o sonambulismo, a catalepsia, a letargia, e a analgesia. Estas inocentes e crédulas experiências de Burq, dentro do ambiente médico e cultural da época, foram consideradas como muito importante e encantava Charcot. Muitos são aqueles que contestam Charcot. Após a sua morte seu discípulo Babinsky, o ridicularizou publicamente várias vezes. Dizia que o efeito dos metais era apenas sugestivo e que seu mestre muitas vezes percorreu o estreito caminho que separa a curiosidade científica do descrédito e do ridículo e, amargamente, denunciava os equívocos e as dificuldades de Charcot em lidar com a hipnose. Pierre Janet, contemporâneo e sucessor de Charcot na Salpêtrière, escreveu no seu livro Lês médications psychologiques, sérias críticas contra teorias e práticas do seu antecessor e, mesmo não tendo nenhum entusiasmo pela escola de Nancy, se declara a favor desta. É também severa a contestação do livro Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism, 67 Nesta publicação, Charcot demonstra total convicção em relação a teoria metálica desenvolvida por Burq, segundo a qual a cura de certas doenças dependia tãosomente do uso correto dos metais que eram aplicados nos pacientes enfermos. Tentou também convencer os discípulos de que aplicando um ímã em determinado membro este paralisava e, com isso, procurou reabilitar a superada teoria da cura pela ação magnética, criada por Paracelso e Mesmer. Charcot de novidade prática sobre o hipnotismo nada criou, para hipnotizar associava técnicas do brandismo e do mesmerismo à teoria metálica de Burq. Este fato representaria o retrocesso às teorias fluidas e magnéticas defendidas por Mesmer, significava ignorância em relação à hipnose e, a expressão “retroceder a Charcot” ficou sendo usada como termo pejorativo contra a Salpêtrière e a favor da escola de Nancy. 67
CHARCOT, J. M. Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism [Reprin]. tome IX, Paris, Lecrosnier et Babe, (1948) 1890.
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Achando que a hipnose era uma forma de histeria, Charcot dizia que podia induzir sintomas histéricos através de sugestões pós-hipnóticas. Não concordando, Bernheim dizia que as características dos sintomas da histeria podiam ser provocadas artificialmente por mera sugestão, não se vinculavam com a hipnose. Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas; a do Hospital Salpêtrière e a da Cidade de Nancy. Os dirigentes desta última classificaram o hipnotismo daquela de hipnotismo cultivado, cujo valor em relação ao hipnotismo de verdade se comparava ao da pérola cultivada em confronto com a pérola natural. Charcot acusava os membros da escola de Nancy de só hipnotizar pacientes histéricos, os quais se deixavam iludir pela argumentação e pela dependência que devotavam aos médicos. Em compensação, era acusado de incorporar ao processo de indução teorias superadas, além de incompetente por não hipnotizar pessoalmente seus pacientes, deixando essa tarefa a cargo de auxiliares. Afirmavam ainda que as análises de Charcot foram prejudicadas pelo fato de lidar exclusivamente com internas de sua enfermaria, disso resultou a equivocada hipótese de que a hipnose era uma característica do histerismo. Liébeault rebatia como sendo absurdas as hipóteses de Charcot, provando que há vinte anos hipnotizava os tipos mais variados de pessoas, sem encontrar, entre elas, nenhum histérico. Em 1889, em um congresso de psicologia, Forel também se colocando contra a teoria do Salpêtrière apresenta suas observações que ainda são válidas na atualidade. Seu ponto de vista, publicado em 1907, 68 descreve o que considera sobre as opiniões de Charcot: Sou obrigado a protestar contra os que querem levar o hipnotismo para a histeria. É absolutamente inexato. Sem falar dos Drs. Liébeault e Bernheim, em Nancy, eu quero lembrar que Wetterstrand hipnotizou quatro mil pessoas, em Estocolmo, no espaço de três anos e os refratários eram raras exceções. É com o cérebro que se opera para realizar fenômenos hipnóticos e os cérebros são tanto mais fáceis de impressionar, quanto mais sadio forem. O cérebro dos histéricos, agitados e volúveis, cheios de caprichos, repele às vezes as sugestões, ao passo que o mesmo não acontece, em geral, com os indivíduos não neuróticos em sua maioria (FOREL).
Em 1889 Charcot organizou o que denominou de Primeiro Congresso Internacional de Hipnotismo Experimental e Terapêutico. Neste evento, realizado no Salpêtrière, compareceram como palestrantes importantes personalidades do mundo acadêmico, entre eles o psicólogo americano William James, o médico e criminalista italiano Cesare Lombroso, e o jovem Sigmund Freud. Desse Congresso resultou a publicação de uma revista especializada em artigos sobre hipnose, rapidamente espalhando novas conceituações pela Europa e Estados Unidos. 68
FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907) 1988.
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A cada publicação gerada na Salpêtrière, em Nancy surgia outra contrariando e, a controvérsia, foi a forma mais rápida para a hipnose conquistar novas adesões de estudiosos, todos tentando compreender, explicar e difundir a hipnose pelo mundo, dando-lhe impulso científico-terapêutico. Embora com relação ao hipnotismo Charcot tenha sido bastante contestado, grandes descobertas na área médica foram devidas a sua dedicação á pesquisa, seus estudos permitiram o surgimento da teoria que fundamenta o estudo da neurologia moderna, além de estabelecer características e princípios que permitiram a classificação de várias patologias. Na Salpêtrière a eletricidade foi exaltada como panacéia, Charcot submetia trezentos pacientes por dia a suaves voltagens elétricas, pressagiando as rigorosas terapias de choques na primeira metade do século XX em pacientes psiquiátricos. Em 1882, Charcot criou no hospital Salpêtrière o que viria a ser a maior clínica neurológica da época. Anexo à clínica, fundou o Museu Anátomopatológico e os laboratórios fotográfico, anatômico e fisiológico. Centrando seus estudos sobre a histeria, epilepsia e outras desordens neurológicas; publicou em cinco volumes, Leçons sur les maladies du système nerveux, (Lições sobre as doenças do sistema nervoso). Descobriu enfermidades e síndromes neurológicas, como a esclerose lateral amiotrófica, (diferenciou da atrofia muscular progressiva de Aran-Duchenne), a neuropatia de Charcot-Marie-Tooth e a esclerose múltipla. Da qual fez a primeira descrição histológica das lesões estabelecendo características importantes, como a perda de mielina e a proliferação de fibras e núcleos gliais. Na atrofia muscular, Charcot descreveu os sintomas da ataxia locomotora, uma degeneração da medula espinhal e dos feixes nervosos. Foi o primeiro a descrever a desintegração dos ligamentos e das superfícies das juntas (Síndrome de Charcot ou Junta de Charcot; artropatías dos joelhos, pélvis e outras articulações). Conduziu pesquisa para localização dos centros cerebrais responsáveis por funções nervosas e descobriu os aneurismas miliaria (dilatação das pequenas artérias que alimentam o cérebro), demonstrando sua importância na hemorragia cerebral. Charcot e seus pupilos tiveram um grande papel no desenvolvimento da Neurologia Brasileira, contribuiu significativamente, de maneira indireta, para o seu desenvolvimento, que se iniciou em 1911, no Rio de Janeiro, com A. Austregésilo, discípulo da Salpêtrière. Importantes personagens da Europa e das colônias européia foram consultadas por Charcot, entre seus pacientes estava o Imperador do Brasil, Dom Pedro II. Charcot foi o seu médico particular e amigo íntimo. Em 1887, durante a visita de Dom Pedro II à França, Charcot o avaliou e, em 1889, Dom Pedro II foi
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deposto e foi para Paris, onde viveu até a sua morte em 1891. Charcot assinou a certidão de óbito com o diagnóstico de pneumonia (Hélio A. Ghizoni et ali). 69 Hipnose e psicanálise Depois de Lindner, Guindes e Charcot, houve um período de esquecimento da hipnose e da hipno-análise por mais de trinta anos. Como responsável por esse eclipse, os historiadores apontam a popularidade da psicanálise e a pessoa de seu fundador, Sigmund Freud (1856-1939), nascido em 6 de maio de 1856, em Freiberg na região da Moravia, antiga porção da Áustria, hoje Pribor, na República Tcheca. Quando tinha quatro anos, sua família transferiu-se para Viena na Áustria, onde ele passou a maior parte da sua vida; ingressou na Universidade de Viena em 1873, formando-se em medicina em 1881. Após ter escapado ao nazismo, mudou-se para Londres onde faleceu aos 83 anos de idade, no dia 23 de setembro de 1939. Durante a fase inicial da sua pesquisa Freud foi vítima de hostilidade; a maior parte dos ataques lançados contra ele vinha dos próprios colegas, os médicos de Viena, que eram contra a afirmação da influência do inconsciente nas ações humanas e a ligação dos impulsos sexuais com as neuroses. Indignados com a nova teoria, tudo fizeram para desmoralizar seu autor, mas a genialidade e a coragem fizeram Freud continuar e, em 1910, no Primeiro Congresso Internacional de Psicanálise apresentou oficialmente, em Viena, seus estudos, muito além do consenso médico de sua época. Antes de apresentar oficialmente suas idéias, em 1903, Freud fundou a Sociedade Psicanalítica de Viena e numerosos discípulos principiaram a se reunir em torno dele. Em 1909, foi convidado por Stanley Hall para proferir conferências na Clark University, em Worcester, Massachussets, nos Estados Unidos, onde trabalhou não só nos aspectos médicos da psicanálise, mas procurou aplicar suas teorias a muitas áreas da atividade humana. Mesmo tendo sido essa sua única visita a América, essa oportunidade definitivamente marcou sua carreira, ao atrair a atenção mundial para seus trabalhos. Freud considerava que a psicanálise não era uma área de particularidade médica, não tinha como objetivo desvendar os mecanismos fisiológicos do cérebro, mas explicar o funcionamento da mente enquanto essência humana. Por isso assistiam a suas conferências, além de médicos, outros profissionais interessados no assunto e que fizeram avançar a teoria psicanalítica. Nas conferências expunha suas opiniões para serem contestadas, objetadas e discutidas. Assim, não dogmatizava verdades acabadas, mas insistia para que seus ouvintes as descobrissem por si mesmo. 70 69
GHIZONI, Hélio A. et ali. Neuropsiquiatria, Neurology Division and Internal Medicine Department, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brazil: 2001;59(2-A):295-299. 70 FREUD, Sigmund. Premissas e técnica de interpretação. In: Conferências introdutórias sobre psicanálise. Edição Standard Brasileira das Obras Completas. RJ, Imago, 1974.
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Até hoje a psicanálise encontra forte resistência na classe médica e a atividade do psicanalista é proibida para médicos. Esse é o Parecer do CFM nº 02/1998 “A atividade exclusiva de psicanálise não caracteriza exercício da medicina. A titulação médico-psicanalista não tem amparo legal, não sendo, portanto, permitida a sua utilização” 71 A Psicanálise é uma técnica de investigação de processos mentais ou método clínico de tratamento da mente, tem por base conceitos teóricos da escola freudiana ortodoxa. A função primordial da clínica psicanalítica - a análise é buscar a origem do sintoma, ou do comportamento manifesto, ou do que é verbalizado, isto é, integrar os conteúdos inconscientes na consciência com o objetivo de cura ou de autoconhecimento. Enquanto método de investigação, a psicanálise caracteriza-se pelo método interpretativo, busca o significado oculto daquilo que é manifesto através de ações e palavras ou das produções imaginárias, como os sonhos, os delírios e as associações livres. O material reprimido no inconsciente fica escondido e só aflora por meio dos sonhos ou de sintomas em forma de charadas e atos falhos. Se esse afloramento for bem interpretado, pode revelar pistas dos males que afligem o paciente. Freud afirma rejeitar o hipnotismo e a hipno-análise como método terapêutico de forma paradoxal, pois teria inicialmente usado esses conhecimentos, abandonando-os sem fortes razões, a não ser a descrença e o demérito da hipnose no meio acadêmico que tem início na rejeição da classe médica ao mesmerismo. Seus colegas ofereciam resistência às suas idéias e contestavam sua teoria, ainda mais quando essa vinha associada à hipnose. 72 Esse seria um dos motivos a mais dificultando a psicanálise para se afirmar no meio acadêmico e, por isso, teve Freud de abandonar ou declarar que abandonara a prática da investigação do inconsciente através das técnicas de hipnose explicita. No passado os psicanalistas afirmavam que a hipnose e a hipno-análise seriam totalmente substituídas pela psicanálise por ser um conhecimento mais acadêmico, mas hoje a própria psicanálise também tem sido alvo de controversas quanto a sua eficácia e sustentação teórica. A mídia, muitas vezes, aliada à classe médica, à indústria farmacológica e à ciência cartesiana behaviorista, têm tratado de divulgar como verdade conclusiva que a psicanálise está ultrapassada, obsoleta, sem critérios de cientificidade e, que o homem moderno exige decisões rápidas e eficazes para superar suas 71
(LEX, Parecer do CFM nº 02/1998. In: Medicina Conselho Federal, Brasília DF, rev. nº 98, p. 7, out., 1998). 72 Talvez Freud tivesse dificuldades para hipnotizar; é possível que lhe faltasse a qualidade de um bom hipnotista e, isso também teria contribuído para ele abandonar o método da hipnose (Weissmann). Freud afirma claramente “Quando constatei que, apesar de todos os meus esforços, só conseguia colocar em estado de hipnose uma pequena parcela de meus doentes, decidi abandonar esse método” (FREUD, apud CHRTOK, p. 59, 1989).
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dificuldades. Assim, a receita prescrita para o mal-estar contemporâneo é composta prioritariamente de medicação, seguido, se for o caso, de cirurgia e só em última hipótese seria recomendado uma breve psicoterapia, como se isso fosse o último recurso para tratar o que não foi possível de resolver pela prática convencional. De fato, a ciência pôde criar uma possante indústria de medicamentos, capaz de aliviar muitas dores e curar muitas doenças; no entanto não consegue lidar bem com as implicações do desejo e do prazer, fonte de vários sintomas que atormentam a qualidade de vida do ser humano. Tudo isso já tinha sido previsto por Freud, quando no início do século advertiu que, no futuro os cientistas achariam o trabalho com a psicanálise, muito laborioso, muito inseguro, com incertezas, carente de garantias e deduções mais científicas. Fato é que tanto a hipno-análise como a psicanálise passa por caminhos que dependem de habilidade e sensibilidade para se ver além do óbvio, ver além do que pode esclarecer a pesquisa cartesiana reducionista. Sua prática não se perfaz com procedimentos repetitivos, receituários ou mecânicos que, uma vez conhecidos, podem ser aplicados em casos similares. Para a psicanálise, muitos sintomas considerados patológicos podem advir de traumas psíquicos reprimidos no inconsciente, provocado por acontecimentos que para o indivíduo é grave e de tamanha intensidade que ele não consegue assimilá-lo e dar uma resposta adequada. Por isso trata de esquecer o fato que fica no seu inconsciente e aflora por meio de sintomas. Por exemplo, uma pessoa pode sentir tremores incontroláveis nos membros, porém pode ser que não existam causas realmente físicas para tais tremores. Nesse caso, para a psicanálise, o que pode estar ocorrendo é a tentativa de afloramento do inconsciente da pessoa, através de um simbolismo, que faz com que esse sintoma exista. O hipnotismo seria uma ferramenta para a cura do sintoma e compreensão da causa. Doenças ou sintomas que não se explicam pela etiologia ou que não têm causa orgânicas ou explicações que as justifiquem, são interpretadas como piti, termo derivado do radical peitho, utilizado por François Félix Babinsky, (pitiatismo de Babinsky) para definir os sintomas histéricos. Na psiquiatria é conhecido como síndrome da mitomania, fabulação ou mentira de pretensa doença. Na linguagem popular o termo foi simplificado como Piti, significa fingimento ou simulação de doença, mas, para a psicanálise e para a hipnoanálise pode ser um sintoma de causas inconscientes que atormentam, às vezes até somatizando, por isso devem ser tratados. Somatizar significa transferir para o corpo o que é insuportável para a mente. Corpo e mente funcionam como vasos comunicantes: quando um está cheio, sobra para o outro. A doença física pode ter causa psíquica, e viceversa. Somatizar não é fingir doença, é desenvolver um problema orgânico ou comportamental devido a causas psíquicas que não foram enfrentadas conscientemente. Mais tarde, esse meio de expressão para os psicanalistas e
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hipnoterapeutas se denominaria como a linguagem orgânica da alma. Como exemplo dessa linguagem, vários os casos que podem ser citados: a) Em lugar de declarar abertamente sua repugnância por determinada pessoa, o indivíduo se queixa de náuseas e sente vontade de vomitar. b) Em vez de admitir sua infelicidade conjugal, o indivíduo padece de inexplicáveis distúrbios cardiovasculares, flutuações da pressão arterial, sudorese, tremores, etc. c) Para deslocar seu sentimento de culpa proveniente de um “passo em falso na vida afetiva”, uma jovem torna-se manca, como se houvesse apenas torcido o pé. d) Não podendo superar o conflito da vida diária, o qual não compreende bem, nem conhece conscientemente a solução, uma senhora queixa-se de mil falsos problemas de saúde. No início de sua pesquisa, Freud escreve um artigo 73 no qual de forma inequívoca revela as dificuldades para o médico dominar e aplicar a técnica do hipnotismo, a qual considerava de indiscutível importância terapêutica: Seria um equívoco pensar que é muito fácil praticar a hipnose com fins terapêuticos. Pelo contrário, a técnica de hipnotizar é um método tão difícil como qualquer outro. Um médico que deseja hipnotizar deve tê-lo aprendido com um mestre nessa arte e, mesmo depois disso, deverá ter tido bastante experiência própria, a fim de obter êxitos em mais de alguns poucos casos. Depois, como hipnotizador experiente, haverá de abordar o assunto com toda a seriedade e firmeza que nascem da consciência de estar empreendendo algo útil e, a rigor, em algumas circunstâncias, necessário. A rememoração de tantas outras curas realizadas pela hipnose conferirá à sua conduta, para com seus pacientes, uma certeza que não deixará de despertar, também nestes, a expectativa de mais um êxito terapêutico (FREUD).
Em seu artigo sobre a hipnose, recomenda Freud que se tenha cautela sobre o ceticismo, pois quando isso ocorre em qualquer das partes envolvidas no processo de hipnotizar, o fracasso é garantido: Todo aquele que se põe a hipnotizar com ceticismo, e que talvez se afigure cômico a si mesmo nessa situação e que revele, por sua expressão, sua voz e seus modos, não esperar nada da experiência, não terá motivos para se surpreender com seus fracassos; deveria, preferentemente, deixar esse método de tratamento para outros médicos capazes de praticá-lo sem se sentirem feridos em sua dignidade médica, de vez que se convenceram, pela experiência e pela leitura, da realidade e da importância da influência hipnótica (FREUD).
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FREUD, Sigmund. Textos escolhidos de psicanálise: Artigos sobre Hipnotismo e Sugestão Hipnose, Imago Editora Ltda. R. Janeiro, 45 - 59, 1986 (Extraído do Volume I, edição standard brasileira, obras psicológicas completas).
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Diz ainda Freud que se tentássemos impor a hipnose a alguém que acreditasse ser uma prática perigosa, o processo seria impossibilitado diante da ansiedade e do sentimento angustiante do paciente de estar sendo dominado. Portanto, é melhor, sempre que surgir uma intensa resistência contra o uso da hipnose, que se renuncie ao método e espere até que o paciente, sob a influência de outras informações, aceite a idéia de ser hipnotizado: Devemos ter como regra não procurar impor ao paciente o tratamento pela hipnose. Entre o público acha-se difundido o preconceito (realmente reforçado por alguns médicos conceituados, conquanto inexperientes nesse assunto) de que a hipnose é um procedimento perigoso (FREUD).
Mas, Freud é contundente quando conclui: Tudo que se tem dito e escrito a respeito dos grandes perigos da hipnose pertence ao reino da fantasia... Não há dúvidas de que a área coberta pelo tratamento hipnótico é mais extensa do que a de outros métodos de tratamento de doenças nervosas. E não há nenhuma justificativa para a acusação de que a hipnose só é capaz de influenciar sintomas, e apenas por breve período de tempo. Se o tratamento hipnótico é dirigido somente contra os sintomas, e não contra os processos patológicos, está seguindo justamente o mesmo caminho que todos os demais métodos de tratamento são obrigados a trilhar. Quando a hipnose tem êxito, a estabilidade da cura depende dos mesmos fatores que a estabilidade de todas as curas conseguidas por outros métodos. Caso a hipnose se tenha defrontado com fenômenos residuais de um processo já concluído, a cura será permanente; se as causas que produzem os sintomas ainda estiverem em atividade e com sua força não diminuída, é provável que haja uma recaída. O emprego da hipnose nunca exclui o emprego de qualquer outro tratamento, dietético, mecânico ou de algum outro tipo. Em numerosos casos - ou seja, naqueles em que os sintomas são de origem psíquica - a hipnose preenche todos os requisitos que se pode exigir de um tratamento causal, nessas circunstâncias, fazer perguntas e infundir calma ao paciente em hipnose profunda geralmente proporciona o mais brilhante êxito (FREUD).
O próprio Freud, referindo-se à importância e à eficácia da hipnose, bem como a ligação desta com seus novos métodos de análise, diz: A importância do hipnotismo, na história do desenvolvimento da psicanálise, não deve ser subestimada. Tanto sob o aspecto teórico quanto terapêutico, a psicanálise é a administradora dos bens deixados pelo hipnotismo (FREUD).
Parece claro que Freud sempre reconheceu o valor e importância terapêutica da hipnose; é o que diz a vasta literatura sobre a teoria e a técnica da psicanálise ortodoxa e seu grande envolvimento com o hipnotismo, tendo
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por ponto de partida as experiências hipnóticas do médico Josef Breuer (18421925), companheiro de pesquisas de Freud. 74 Breuer, em 1884, relatou a Freud como empregara a hipnose em uma paciente, a jovem Anna O. de 22 anos, que apresentava sintomas clássicos da histeria; paralisia dos membros, anestesias e perturbações da visão e da fala, dificuldades em manter a cabeça erguida, tosse nervosa intensa, repugnância pelos alimentos e impossibilidade de beber durante várias semanas, apesar de sentir sede. Esses sintomas haviam aparecido pela primeira vez quando ela se dedicava ao seu pai muito enfermo. Inicialmente tratada com aplicações das técnicas de hipno-análise, essa paciente histérica entra para os anais da psicanálise. Anna O. é o nome fictício citado em Estudos sobre a Histeria para identificar a paciente Bertha Pappenheim, nascida em Viena, Áustria, em 1859 e falecida em Iselberg, Alemanha, em 1936. Sua formação ficou restrita ao estudo em um colégio feminino católico até os 16 anos, uma vez que a Universidade de Viena não admitia mulheres. Por esforço próprio tornou-se fluente em francês e inglês, dominava também italiano por ter morado muitos anos, com o pai, em Nápoles, além de sua língua materna, o alemão falado na Áustria. Não fosse pela sua associação com Freud, o caso de Anna O. teria permanecido como um episódio isolado na prática de Breuer. Entretanto, Freud reconhece aí o berço da psicanálise cujo princípio fundamental estabelecia a relação entre os sintomas e o chamado trauma psíquico, representado pelos resultados de cenas impressionantemente vivenciadas, porém esquecidas. A terapêutica fundada nesse princípio consistia em fazer com que o paciente se recordasse de tais cenas e as reproduzisse sob hipnose, liberando assim a carga emocional reprimida pelo trauma. O problema de Anna O. apresentava um quadro de depressão, nervosismo e hipocondria com os mais diversos sintomas. Em certas ocasiões se acreditava paralítica, em outras acreditava estar impossibilitada de deglutir e por algum tempo não conseguia comer ou ingerir líquidos, mesmo estando com fome e sede. Em outras ocasiões; tinha distúrbios visuais, paralisia das extremidades e contraturas musculares, perda de sensibilidade na pele, tosse nervosa, de modo que sua personalidade ora era a de uma deficiente, ora a de uma pessoa normal. Por vezes sentia-se incapaz de falar seu idioma, o alemão, e recorria ao francês ou inglês para se comunicar. O Tratamento de Anna teve a duração de cerca de um ano e meio, curando-se, com uma combinação da recuperação de lembranças ocultas e da conversa entre ela e seu terapeuta enquanto se encontrava em transe hipnótico. Durante o transe Breuer induzia a moça falar; ela narrava uma série 74
Breuer nasceu em Viena, em 1867 forma-se em medicina e, em 1884, associa-se a Freud e pesquisa a Histeria através de práticas hipnóticas (N. do A.).
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de fatos passados e profundamente dolorosos que não faziam parte do conhecimento consciente da paciente. Quando despertava do sono hipnótico ela podia reconstituir esta etapa do seu próprio passado e os sintomas desapareciam. Hipnotizada, Anna historiava o começo de sua própria doença, desde os primeiros sintomas, entrando em pormenores sobre o seu desenvolvimento e, quando a paciente saía do transe, melhoravam as suas condições de saúde. Com a hipnose, havia a reconstituição das cenas vivenciadas ao lado do pai e, com a elucidação dos fatos responsáveis pelas suas dificuldades e sofrimentos atuais, a paciente sentia-se aliviada e os sintomas iam desaparecendo. Hipnotizada, conseguia lembrar-se do trauma passado e revivê-lo efetivamente e a carga afetiva que determinava o sintoma podia ser eliminada. Aí surgira, pela primeira vez, a cura pela conversa (talking cure). Esse método de Breuer foi o princípio da doutrina de Freud que entusiasticamente adotou a hipnose como método de cura e ambos compartilhavam das investigações. Sentindo as limitações de Viena no tocante às possibilidades de aperfeiçoamento e estimulado por Breuer, Freud foi até Paris, em 1885, assistir aos cursos proferidos por Jean-Martin Charcot. Neste mesmo ano ganhou uma bolsa de estudos para um período de especialização no Hospital Salpêtrière e após realizou o curso de mestrado em neuropatologia. Tornando-se aluno do professor Charcot, estudou dedicadamente os processos da histeria e hipnotismo. Com Breuer, Freud aprendeu o termo talking cure (cura pela fala) e o uso da hipnose na cura da histeria. De 1885 a 1886, em Paris, sob a orientação de Charcot prosseguiu os estudos sobre hipnose. Charcot lhe chamou a atenção para o fato de que os problemas dos pacientes (particularmente das mulheres) eram provocados por questões do foro sexual. Charcot, preocupado unicamente com o fenômeno da histeria, via na hipnose apenas um sintoma histérico. Suas teorias sobre hipnose eram equivocadas, embora suas teorias sobre histeria fossem as mais avançadas da época. As demonstrações de Charcot, fazendo surgir e desaparecer sintomas como a paralisia dos membros, parecia convencer a quantos o assistisse, como sendo o estado de histeria, a própria identidade do transe hipnótico. Como Charcot lidava apenas com pacientes histéricos, suas conclusões não eram de se estranhar; Freud discorda e, ansioso por aprender mais, em 1889 foi a Nancy, a Capital do hipnotismo naquela época. Ali ingressou na clínica dirigida por Liébeault e Bernheim, passando algumas semanas a observar e, assim, descreveu o que assistira: Eu mesmo presenciei Bernheim demonstrar que as lembranças provocadas pelo sonambulismo eram, apenas, manifestamente, esquecidas no estado de vigília, e que elas poderiam ser reproduzidas por insistência verbal do médico, acompanhada de pressão das mãos, o que provoca um outro estado de consciência. Por exemplo, ele provocou em
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uma paciente mulher, em estado de sonambulismo, uma alucinação negativa de que ele não estava mais presente. A seguir, tentou de todas as formas se fazer notado, mas sem sucesso. Após ter despertado, ele perguntou se a paciente se lembrava do que havia feito durante todo o tempo em que ela pensava que ele não estava presente. Ela replicou que não sabia de nada, mas, Bernheim insistiu que ela se recordaria de tudo, pressionando com uma mão a fronte da paciente. E ela finalmente começa a relatar todos os acontecimentos que haviam ocorrido durante o estado sonambúlico e que, ostensivamente, ela de nada lembrava no estado de vigília (FREUD).
Continua Freud descrevendo o que assistira na clínica de Bernheim e como resolvera aplicar a hipnose em seus pacientes: Essa impressionante e instrutiva experiência passou a ser meu modelo. Eu decidi supor que meus pacientes sabiam de tudo que pudesse ter um significado patogênico, e que só era necessário forçá-los à lembrança. Sempre que eu atingia um ponto em que minhas perguntas não eram satisfeitas, perguntava - Desde quando você tem esses sintomas? - E se a resposta fosse - Realmente, eu não sei - Eu procedia da seguinte forma, colocava uma das mãos na fronte do paciente, ou pressionava sua cabeça com ambas as mãos e dizia. - Através da pressão de minhas mãos você vai se recordar, no momento em que eu retirar essa pressão você verá algo defronte de si, ou alguma coisa surgirá em sua mente que você deve notar; é isso que você está procurando. Muito bem, o que você viu, ou o que veio em sua mente? (FREUD).
Referindo-se aos benefícios do tratamento dos pacientes através da hipnose, Freud bem o distingue dos métodos anteriores à base de choques elétricos, massagens e banhos de água fria. Segundo Sartre, 75 o procedimento terapêutico da época, com base na eletricidade, consistia de uma cadeira onde o paciente era sentado com braços e pernas amarrados e apoiado num degrau isolante; aproximando-se uma escova de metal eletrizada com alta tensão e baixa corrente elétrica, que começava a crepitar, encostada no rosto do paciente, ao longo da nuca e sobre o cabelo. Os banhos de água fria consistiam em amarrar o paciente numa cadeira onde permanecia por dois ou três dias sem dormir. Vencido pelo sono, adormecia, sobre ele era despejada grande quantidade de água. Dos banhos frios, aplicados à noite e na fria Europa, geralmente decorria um quadro de pneumonia que, quase sempre, resultava no óbito do paciente. Freud até atribuiu os poucos êxitos dos banhos frios e choques elétricos no tratamento de doentes nervosos por efeito da pura sugestão de melhoria. Quanto ao método hipnótico como terapia, ele reconhece ser melhor que os anteriores: O tratamento pela sugestão durante a hipnose profunda que aprendi através das impressionantes demonstrações de Liébeault e Bernheim, 75
SARTRE, Freud além da alma: Roteiro para um filme, RJ, ed. Nova Fronteira, 1986, p. 168.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. parecia então oferecer um substituto satisfatório para o malogrado tratamento elétrico (FREUD).
O que mais impressionou Freud nas experiências de Bernheim foram os fenômenos pós-hipnóticos. Os pacientes executavam pós-hipnoticamente atos sugeridos durante o transe, certos de agirem por sua livre e espontânea iniciativa. Interrogados sobre o motivo de seu estranho procedimento, os pacientes demonstravam que não se lembravam das ordens recebidas em estado de transe. Havia, portanto, uma parte na personalidade humana desconhecida do próprio indivíduo a influir e a determinar a sua conduta. Era o inconsciente a governar o consciente. Sobre isso, descreve Freud: Nos conhecidos fenômenos da chamada sugestão pós-hipnótica, em que uma ordem dada durante a hipnose é depois, no estado normal, imperiosamente cumprida, tem-se um esplêndido modelo das influências que o estado inconsciente pode exercer no consciente, modelo esse que permite sem dúvida compreender o que ocorre na manifestação da histeria (FREUD).
Segundo Nuttin 76 foi a descoberta de Bernheim, relativa aos fenômenos da sugestão pós-hipnótica, que sugeriu a Freud a significação que o inconsciente adquiriu em psicanálise. Bernhiem praticava hipnose em seus pacientes e, em estado de transe, dava uma ordem ou uma incumbência, por exemplo, para realizar certo ato em determinada hora. O paciente, então, acordava de seu sono hipnótico e, na hora fixada, executava o ato mandado, sem ter a menor consciência da ordem recebida. Estes fenômenos mostraram para Freud que os elementos, presentes de maneira latente ou inconsciente no psiquismo, não permanecem necessariamente em estado de impotência e de inatividade. Um elemento pode permanecer inconsciente e, entretanto, intervir ativamente no comportamento. Freud relaciona e analisa esses fatos que manifestam a atividade do inconsciente e, associando aos fenômenos hipnóticos observados em Paris e em Nancy, conjuntamente com o que ouvira de Breuer, inicia a elaboração de sua complexa doutrina. A partir dessa análise, em 1895, Freud já pensava em mecanismos mentais que iriam, mais tarde, serem englobados no seu conceito de inconsciente. A hipnose era ainda o instrumento de penetração a esse obscuro e desconhecido inconsciente. Ali estavam encarcerados e ativos os afetos represados, tentando forçar o caminho para o consciente. Enquanto não conseguissem arrombar a porta de seu cárcere, incomodavam pelo barulho (sintomas) perturbando a “paz da consciência”. Um ou outro desses “elementos recolhidos” conseguia burlar a sentinela, valendo-se dos mais engenhosos expedientes de disfarces. Muitos deles vinham à tona transformados, disfarçados simbolicamente ou somatizados.
76
NUTTIN, Joseph. Psicanálise e Personalidade. RJ, ed. Talentos, 1967.
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As distorções reveladas nos casos de disfarce simbólicos ou somatizações funcionam como mais um mecanismo de defesa. 77 O indivíduo em transe, de forma clara ou simbólica, esclarece o conteúdo represado no inconsciente, conteúdo este atiçado e interpretado durante o transe pelo hipnotista. Disso pode sobrevir o alívio e a supressão da necessidade de se externar indiretamente e disfarçados por meios de sintomas simbólicos negativos. Por esse método, os conteúdos traumáticos se libertariam. Para que se tenha acesso às informações ocultas, pode ser usado o método hipnótico; isso permite que se abra a válvula que prende o conteúdo reprimido no inconsciente. Além disso, é possível obter algumas “pistas” sobre o inconsciente se forem observados alguns lapsos, erros, sonhos e mudanças instantâneas no comportamento. De posse desse conteúdo reprimido, podem ser resolvidos alguns sintomas sem aplicação de medicação, como exemplo, náuseas, flutuações da pressão arterial, sudorese, tremores, etc. Breuer e Freud ainda eram associados e juntos publicaram um trabalho Studien ueber hysterie. Suas descobertas, porém, devido a sua insistência na importância do fator sexual, centrado no princípio do complexo edipiano e na etiologia das doenças nervosas, começaram a levantar celeumas e severas críticas. Breuer temendo prejudicar sua clínica e ressentido com as investidas maliciosas dos colegas, abandonou a luta. A sós, com a responsabilidade do movimento iniciado por ambos, Freud abranda os descontentamentos, começando por se afastar da hipnose. Considerava que nem todos os pacientes reagiam adequadamente ao trabalho de indução e achou que a técnica hipnótica precisava de aperfeiçoamento; com isso, também buscava facilitar nos seus colegas a aceitação da psicanálise, que por si só já assustava, e quando associada com a hipnose era mais desacreditada e repelida. Para Freud, o conceito de transe hipnótico representava a fase mais acentuada da hipnose, o estado de sonambulismo. No entanto, no final de 77
Mecanismos de defesa são medidas tomadas pelo inconsciente com a finalidade de proteger o Ego de emoções ou situações desagradáveis. Principais são: 1. Repressão - retirada de idéias, afetos ou desejos perturbadores da consciência, pressionando-os para o inconsciente. 2. Formação reativa - fixação de uma idéia, afeto ou desejo na consciência, opostos ao impulso inconsciente temido. 3. Projeção - sentimentos próprios indesejáveis que são atribuídos a outra pessoa. 4. Regressão - retorno à forma de gratificação de fases anteriores, devido aos conflitos que surgem em estágios posteriores do desenvolvimento. 5. Racionalização - substituição do verdadeiro, porém assustador, motivo do comportamento por uma explicação razoável e segura. 6. Negação - recusa consciente para perceber fatos perturbadores, retira do indivíduo não só a percepção necessária para lidar com os desafios externos, mas também a capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência adequadas. 7. Deslocamento - redirecionamento de um impulso para um alvo substituto. 8. Desfazer - através de uma ação, busca-se o cancelamento da experiência prévia e desagradável. 9. Introjeção - estreitamente relacionada com a identificação, visa resolver alguma dificuldade emocional do indivíduo, ao tomar para a própria personalidade certas características de outras pessoas. 10. Sublimação parte da energia investida nos impulsos sexuais é direcionada à consecução de realizações socialmente aceitáveis (N. do A).
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1892, analisa o caso de uma paciente de nome Lucie R., que sendo induzida ao transe hipnótico, não conseguiu atingir o estado de sonambulismo. Freud relata que a paciente se encontrava “calma, em um grau de relativa sugestibilidade, com os olhos cerrados, as feições tranqüilas e os membros imóveis” e admite que Lucie R. teria alcançado, não o grau profundo, mas um grau suave de hipnose no qual poderia se processar a análise. Esse grau é reconhecido pelos hipnotistas modernos como sendo o estado hipnoidal. Freud passa, também, a distinguir sugestão direta (mecanismo da hipnose), e sugestão indireta (sugestão no estado de vigília), admitindo que nesse estado se possam obter os mesmos resultados da hipnose. Sobre isso afirma: A sugestão direta incide diretamente contra as formas tomadas pelos sintomas, uma luta entre sua autoridade e as causas subjacentes à moléstia. Nesta luta, você não está preocupado com as causas. O que se requer é que o paciente suprima suas manifestações. Em resumo, pouca diferença faz que você coloque o paciente em transe hipnótico ou não. Bernheim, com seu agudo senso lógico, dizia repetidamente, que a teoria psicanalítica se constrói, não por oposição, mas por substituição à hipnose (FREUD).
Para livrar-se das criticas de seus pares, Freud trabalhava com um grau mais suave do transe e nega que se utilizava o método hipnótico, mas faz uso de pressão das mãos sobre o paciente para que esse se recorde de fatos vividos. Era exatamente a pressão das mãos, uma das técnicas sugerida por Charcot para induzir o transe hipnótico. Devido aos resultados obtidos através da pressão das mãos, tem-se uma ilusão da presença de uma inteligência superior fora da consciência do paciente, a qual sistematicamente armazena uma grande quantidade de material psíquico para um propósito significativo, e que encontrou uma forma engenhosa de retornar ao consciente (FREUD).
São inúmeros os casos em que Freud faz uso da pressão das mãos, e, isso não passa de uma técnica hipnótica. Como acontece quando relata o caso de uma jovem com neurose de ansiedade, Fräulein Elizabeth Von R., paciente que tinha uma simpatia particular para com um cunhado, marido de sua irmã mais velha, que se mascarava por disfarce de ternura familiar. Esta irmã adoeceu, logo depois veio a falecer e ela fora chamada urgentemente e, quando a moça chegou ao leito da morta, correu-lhe na mente, por rápido instante, uma idéia de que o cunhado agora estava livre, podendo desposá-la. Com referência ao tratamento desse caso de neurose de ansiedade através de sessões de hipnose, Freud relata: É-nos lícito admitir como certo que esta idéia, denunciando-lhe à consciência o intenso amor que sem saber tinha ao cunhado, foi logo entregue à repressão pelos próprios sentimentos revoltados. A jovem adoeceu com graves sintomas histéricos e quando comecei a tratá-la tinha esquecido não só aquela cena junto ao leito da irmã como também o concomitante sofrimento indigno e egoísta. Mas recordou-se de tudo
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durante o tratamento, reproduziu o incidente com sinais de intensa emoção, e curou-se (FREUD).
Freud, descrevendo sobre seu procedimento com Elizabeth Von R., analisa seu efeito e, embora reconheça a possibilidade de estar aplicando mecanismos da hipnose, nega essa explicação, mesmo sabendo que a imposição das mãos era uma forma de sugestão hipnótica: Ao aplicar esse método pela primeira vez, fiquei surpreso por obter tudo que precisava. Posso mesmo dizer que ele jamais me falhou. Ele sempre me apontou o caminho a seguir, permitindo que a análise se processasse sem o sonambulismo. Esse método me ensinou bastante e em todas às vezes auxiliou na obtenção de meus objetivos... Para explicar sua eficácia, poderia mesmo pensar que se trata de certa e momentânea hipnose induzida, mas os mecanismos da hipnose são tão enigmáticos para mim que eu preferiria não recorrer a eles para uma explicação (FREUD).
As investigações com o uso da hipnose forneceram para Freud muitas pistas, e através destas, ele viria a descobrir o que chamou de inconsciente. Quando passou a mencionar que a associação livre parecia ser uma forma substitutiva do método hipnótico, queria dizer que assim todo o processo passava pela consciência, pela elaboração. Substituiu a técnica hipnótica pela livre associação das idéias, instituindo como regra fundamental que o paciente deitado em um sofá, num recinto meio escurecido, deveria exprimir livremente seus pensamentos, sem preocupação de omissão ou de seleção. Enquanto isso, o psicanalista se manteria assentado atrás, fora da vista do paciente. A Livre Associação das Idéias é uma técnica psicanalítica básica que consiste em estimular o paciente a expressar todos os pensamentos que afloram em seu consciente, ainda que lhe pareçam desconexos ou banais, a fim de captar seus conflitos inconscientes. Essa técnica permitiu o nascimento da psicanálise em substituição ao método da hipno-análise. Agora, sem hipnose, o paciente fica livre para falar o que lhe vier à mente, fazendo, assim, associações isentas de críticas e independentes de toda reflexão consciente. As associações seriam determinadas pelo inconsciente e o terapeuta deveria interpretá-las para trazer à tona o trauma responsável pela perturbação nervosa do paciente. Reportando-se a Bernheim, de quem fora discípulo em Nancy, Freud descobre o que chamou de transferência e aponta que na transferência encontra-se, também, a sugestão. A transferência consiste na reprodução das emoções relativas a experiências reprimidas, com a substituição de alguém por outra pessoa, como alvo dos impulsos reprimidos. Constitui um dos mecanismos de defesa e, no tratamento psicanalítico, pode o terapeuta se tornar o objeto da transferência. Breuer enfrentou pela primeira vez o problema da transferência quando tratava de Anna O. A partir de certo momento, a paciente tentará lhe seduzir e, posteriormente, tentara seduzir Freud, transferindo para estes o amor que tinha reprimido em relação ao pai. Assim acontece também com Mesmer, quando se
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envolveu com Maria Theresa Paradis, e com Jung e sua paciente Sabina Spielrein, jovem de 19, que sofria de histeria e recebeu tratamento em um hospital psiquiátrico de Zurique, na Suíça, em 1905, quando Jung aplica pela primeira vez as teorias do mestre Freud. Sabina seduz Jung de forma implacável e com ele mantém um longo relacionamento amoroso. 78 O problema da transferência no tratamento psicanalítico seria proporcional à própria sugestibilidade do paciente, Segundo Freud quanto mais sugestionável mais tendente será a transferência: A capacidade de irradiação da libido em direção a outra pessoa, como objeto de investimento, é uma capacidade de todos os indivíduos normais; a chamada tendência que o neurótico tem em transferir representa apenas uma intensificação excepcional de uma característica universal. Seria deveras estranho se tal traço humano, pela sua universalidade, jamais tivesse sido observado e pessoa alguma nunca tivesse feito uso dele. Mas isso já foi feito. Bernheim com sua perspicácia infalível baseou sua teoria da manifestação hipnótica sobre a proposta de que todos os seres humanos, de alguma forma, encontram-se mais ou menos abertos à sugestão, são sugestionáveis. O que ele chamou de sugestibilidade, nada mais é do que uma tendência à transferência (FREUD).
A prática analítica arquitetada por Freud passa também a ser explicada pela transferência, que fazia com que o paciente incapaz de rememorar suas reações emocionais infantis em relação aos pais, as repetisse estereotipadamente nas sessões. A psicanálise se define até hoje como um método terapêutico que utiliza como instrumento principal o fenômeno da transferência. Referindo-se a este aspecto Weissmann 79 afirma que: Entre analista e paciente se repete correlativamente a vida afetiva intrafamiliar. O analista representando o papel de pai ou de mãe em relação ao paciente, mas um pai ou mãe aperfeiçoado e psicológico (o paciente se toma de simpatia e admiração pelo analista); negativa (ódio e desprezo pelo analista) ou ambivalente (o paciente liga ao mesmo tempo ódio e amor, admiração e desprezo ao substituto materno ou paterno). Portanto, psicanálise, no sentido ortodoxo da palavra, significa essencialmente análise da resistência e da transferência (WEISSMANN).
Em A dinâmica da transferência Freud fala de um bloqueio da associação livre causado pela ativação inconsciente da transferência feita pelo paciente que dificulta em muito o trabalho da psicanálise. No tratamento, Freud refere-se a um momento em que o paciente não mais quer colaborar com o psicanalista: Nuvens aparecem, surgem dificuldades no tratamento, o paciente declara que nada mais lhe acode à mente, dando a nítida impressão de não estar 78
Em 2003, foi produzido e distribuído por Meduza Produzione/PlayArte, o filme “Jornada da Alma”. Conta como Sabina Spielrein foi tratada por Jung, como eles se apaixonam e como após alguns anos a paciente torna-se também psicanalista e monta e dirige, na Rússia, a primeira creche que usa noções de psicanálise no tratamento de crianças. (N. do A.). 79 WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
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mais interessado no trabalho, de estar, despreocupadamente; não atribuindo mais importância às instruções que lhe foram dadas, no sentido de dizer tudo que lhe vem à cabeça e de não permitir que obstáculos críticos impeçam de fazê-lo como se estivesse fora do tratamento e não houvesse feito acordo algum com o médico. Está visivelmente ocupado com algo, mas pretende mantê-lo consigo próprio. É uma situação perigosa para o tratamento (FREUD).
Afirma Weissmann que com ajuda da hipnose, as dificuldades para o paciente colaborar com sua própria análise é menor quando acontece apenas com base na transferência positiva. A transferência ainda pode ser artificialmente imposta ao paciente, anulando todos os demais aspectos negativos ou ambivalentes da rejeição ao tratamento psicanalítico. Freud, no entanto, não queria saber dessas facilidades; na intenção de diminuir a rejeição de seus pares às suas idéias, demonstrava afastar-se da hipnose em sua prática terapêutica; dizia que para tornar efetiva a cura, julgava indispensável que o paciente se mantivesse o mais consciente possível e participasse ativamente de todos os incômodos do ato de ser analisado. Através da interpretação dos sonhos e da livre associação, Freud pensava encontrar mais informações sobre a mente humana do que através da hipnose. Não tardou em descobrir, entretanto, que a simbologia do sonho era complexa para uma interpretação precisa e que a livre associação não era livre até o ponto em que se esperava. Observou que em alguns casos certos pacientes só com grande dificuldade conseguiam associar livremente. Precisamente, as coisas que interessavam mais à análise se viam impedidas de vir à tona. Eram as coisas que não podiam ser proferidas em voz alta e, muitas vezes, nem sequer lembradas em virtude de seu caráter comprometedor, eram demasiadamente ridículas, humilhantes, deprimentes. Freud pode observar que uma paciente, mesmo hipnotizada, fantasiava a verdade do que teria realmente acontecido em seu passado e, para que tal verdade viesse à tona, era preciso vencer a resistência consciente e inconsciente da analisada. Pelo novo método, o analisado tinha de exercitar a tolerância, renunciar às suas ilusões, formular novos conceitos de personalidade à medida que se ia aproximando do término da análise, trocando a arrogância pela humildade e o receio pela confiança. Outro problema da psicanálise ortodoxa é o de segurar o paciente até que se tenha iniciado proficuamente a exploração do inconsciente. Até hoje grande parte dos pacientes abandonam o tratamento, sob um pretexto ou outro, ao sentirem as primeiras intervenções. E há os que, vencendo essa fase inicial, se apegam na situação agradável da transferência em caráter perpétuo. Quanto a isso diz Weissmann: Com o uso da hipnose esses problemas desaparecem. Aos pacientes desertores dá-se uma sugestão pós-hipnótica, determinando-lhes a necessidade de continuar com o tratamento, marcando-lhes o comparecimento obrigatório para a próxima sessão. Aos que insistem no
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Afastando-se cada vez mais da referência ao uso dos métodos hipnóticos Freud, em novembro de 1899, publicou A interpretação dos sonhos (Die Traumdeutung), que revolucionou todos os conceitos existentes na época sobre esta matéria. Posteriormente imagina o aparelho psíquico formado por Id, Ego e Superego. Este estudo reforça a teoria do inconsciente como determinante dos comportamentos. Id, ego, superego faz parte da segunda teoria do aparelho psíquico estabelecida por Freud, entre 1920 e 1923, para referir-se aos três sistemas da personalidade. As primeiras traduções para o português foram feitas a partir de uma incorreta tradução inglesa do original alemão; da Es, das Ich, das ÜberIch. O correto é: o Isso, o Eu, o Supereu. O Isso, totalmente inconsciente, é a parte mais primitiva; lugar das paixões, dos desejos não identificados. O Eu, que tem partes consciente e inconsciente, desenvolve-se quando o Isso entra em contato com a realidade externa. É intermediário entre as exigências do Isso e do Supereu. O Supereu também tem partes consciente e inconsciente e funções de juiz e sensor. O Eu também exerce censura, mas esta é apenas consciente. Sobre os sonhos Freud define que são mensagens mascaradas do inconsciente, “são os caminhos que levam ao inconsciente”, chegando a denominar os sonhos como a “via real para o inconsciente”. Dizia que, enquanto dormimos, o corpo relaxa e as defesas da mente se debilitam. Afloram então do inconsciente as repressões que em estado de vigília somos incapazes de reconhecer. A partir dessa premissa, elaborou um método para analisar os sonhos e explicou como funciona a mente enquanto dormimos. Quando estamos acordados, nossa mente constrói uma série de barreiras ou repressões que nos impedem de conhecer nossos pensamentos traumáticos. Durante o sonho, essas barreiras se tornam mais fracas e do inconsciente pode aflorar com mais facilidade o conteúdo da repressão. Freud vai buscar, também, nos fenômenos hipnóticos uma analogia para os sonhos que permita fortalecer sua idéia. Novamente remete-se a Nancy, em 1889, quando testemunhou o trabalho de hipno-análise, realizado por Liebault e Bernheim, com demonstrações de indução aos sonhos com hipnose em pacientes pobres da classe trabalhadora. Bernheim pedia para o paciente relatar, depois de despertado, o que havia ocorrido durante o sono hipnótico. De início, sistematicamente, o paciente nada lembrava. Aos poucos, vagamente, ia recordando alguns elementos até que conseguia reconstituir por completo a experiência vivida sob hipnose (hipno-análise). Transferindo essa situação para a sua prática clínica, Freud, admitindo que o sonhador tenha noção do que sonhou, trabalha a questão de como tornar acessível a ele o conhecimento que tem e como fazê-lo falar disso ao
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psicanalista. Estabelecendo como regra não exigir do paciente que diga abertamente o sentido do seu sonho, porém sinta que é capaz de encontrar a origem do círculo de pensamentos do qual surgiu tal sonho. Freud afirma que, tal como nos atos falhos, é preciso entender o que o inconsciente nos quer dizer durante o sono e isso seria possível através de uma livre associação de idéias e imagens. Interpretar o sonho seria uma maneira de vencer as inibições que nos impedem de conhecermos inteiramente ou de forma clara seu conteúdo ou de nos livramos de alguns problemas que não conhecemos conscientemente. Mais tarde, a teoria de Freud foi contestada por seu discípulo Carl Gustav Jung (1875-1961), psicólogo e psiquiatra suíço, com quem trabalhou de 1907 a 1913. Contrariando o mestre, Jung afirma que os sonhos não são representações dos desejos insatisfeitos ou de determinadas repressões, mas sim um grito de alerta de nossa mente para que prestemos atenção a áreas que estão sendo descuidadas. Afirmava ainda que, se tivermos uma vida equilibrada, esta função se realiza inconscientemente enquanto dormimos. Caso contrário um dos primeiros sintomas é o mau humor, seguido de uma série de outros. Neste caso, seria necessário interpretar o que sonhamos. Esta análise se daria não simplesmente através de todos os sonhos e de livres associações, mas sim com base nos sonhos repetitivos, cujos elementos sejam claramente perceptíveis. Jung discordava ainda de que a sexualidade fosse a única fonte de todos os conflitos humanos. Jung postula a existência de dois inconscientes: o individual e o coletivo. Este último é constituído de símbolos universais transmitidos de geração a geração e cristalizado nos arquétipos. Os mitos e os arquétipos seria a fonte da criatividade humana. O inconsciente coletivo é comum a todos os seres humanos; manifesta-se nos sonhos por meios de símbolos chamados de arquétipos. Por isso, os jungnianos dão enorme importância à interpretação dos sonhos, chegando a sugerir que o paciente durma com um caderno de anotações ao lado para anotar e lembrar-se depois do sonho. O inconsciente coletivo é como o ar, que é o mesmo em todo lugar, é respirado por todo mundo e não pertence a ninguém, mas pertence a toda a humanidade. Expresso em arquétipos ou símbolos primitivos, mitos ou historias folclóricas como tema e formas comuns que podem ser contados em todas as culturas, em qualquer época. Essas poderosas imagens e historias não foram concebidas por experiência individual, mas são heranças comuns de toda a humanidade. Seus conteúdos (chamados arquétipos) são condições ou modelos prévios da formação psíquica em geral. O inconsciente coletivo é natureza, necessita da mente humana afim de funcionar para os propósitos do homem que sempre busca os propósitos coletivos e nunca seu destino individual. Seu destino é o resultado da colaboração entre o consciente e o inconsciente.
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Os arquétipos são estudados como estruturas psíquicas que servem para organizar ou canalizar o material psicológico e, residem no inconsciente coletivo, onde estão incluídos materiais psíquicos não provenientes da experiência pessoal. No inconsciente coletivo está escrita toda a história da humanidade e cada ser humano nasce com esta herança que é essencialmente a mesma, em qualquer lugar, e não varia de homem para homem, como a herança biológica. Os arquétipos são também chamados por Jung de imagens primordiais, porque correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes; porém não expressa uma imagem ou motivo definido e não passam de representações conscientes. O arquétipo é uma tendência a formar tais representações de um motivo que podem variar muito em detalhes, sem perder sua configuração original. Os conteúdos de um arquétipo podem ser integrados na consciência, mas eles próprios não têm essa capacidade. Portanto não podem ser destruídos através da recusa em admitir a entrada de seus conteúdos na consciência. Outro brilhante seguidor de Freud foi Jacques Lacan (1901-1980), nasceu na França, em Orleans, formou-se em medicina e trabalhou como neurologista e psiquiatra até o fim da vida. Para Lacan os escorregões verbais podem funcionar como uma porta de acesso ao inconsciente bem mais eficaz do que os sonhos; por isso, durante a sessão, os lacanianos dão muita ênfase às palavras do paciente, mais do que ao conteúdo que elas expressam. Lacan recorda a afirmação de Freud de que tudo depende da linguagem e que o inconsciente está estruturado como uma linguagem, nem sempre clara, e destaca a importância dos recursos da metonímia e da metáfora como formas de encobrir o verdadeiro sentido a ser capturado. Lacan foi o seguidor de Freud que mais contribuiu e deu continuidade à sua obra. Na década de 50, rompeu com a IPA - International Psychoanalytical Association, mas não com Freud. Contudo lançou uma inovação importante no método psicanalítico ao entender que as leis do inconsciente são análogas às leis que estruturam a linguagem. Partindo da leitura de Freud, Lacan buscara criar ou descobrir uma gramática para o inconsciente valendo-se das teorias de Platão, Hegel, Heidegger e, sobretudo do estruturalismo de Saussure e de LéviStrauss. Para Lacan a verdade tem a estrutura de uma ficção, em que aquilo que aparece sob forma de sonho ou devaneio é por vezes a verdade oculta, sobre cuja repressão se funda a realidade social. Outros desdobramentos da psicanálise são atribuídos a Alfred Adler que destacou a importância do sentimento de inferioridade na motivação que nasce das três relações básicas que mantêm o indivíduo como o trabalho, os amigos e seu objeto amado. Otto Rank introduziu uma nova teoria da neurose atribuindo todas as perturbações neuróticas ao trauma inicial do nascimento. Os últimos desdobramentos foram de Erich Fromm, Karen Horney e Harry Stack Sulli-
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van, além de Melanie Klein, cuja obra teve uma grande influência no desenvolvimento da psiquiatria e da psicologia das fantasias inconscientes. A partir daí, a hipnose e a hipno-análise que já encontravam opositores por ser considerada técnicas não acadêmicas, passaram a viver um período de maior descrédito. Mas, embora Freud tenha substituído a hipno-análise pela psicanálise, posteriormente tornou-se responsável pela sua ressurreição. O hipnotismo em bases modernas é largamente ligado à psicanálise; o conceito do inconsciente na proposição Freudiana tenta explicar tanto a psicanálise quanto o fenômeno hipnótico. Observa-se também que atualmente a psicanálise tem se reaproximado da hipnose e que as técnicas modernas da hipnose são conseqüências diretas das orientações dos conceitos de consciente e inconsciente, além de ser possível considerar a técnica da livre associação das idéias como mais uma técnica hipnótica. Visto assim, Freud nunca abandonou o hipnotismo, dissimulou seu uso e contribuiu para sua evolução. Na atualidade, o fenômeno da hipnose se justifica e fundamenta com base nos conceitos da psicanálise, o núcleo central da teoria freudiana converge com os objetivos do estado hipnótico; ambos podem ser vistos como sendo meios que facilitam a interpretação e superação dos sintomas com origem em traumas psíquicos. Não tem como negar que a vertente interpretativa das explicações da psicanálise, iniciada por Josef Breuer e Sigmund Freud, nasceram da observação de pacientes hipnotizados quando, no início, eles praticavam hipno-análise. Zilboorg vai mais longe nesse argumento, relaciona magnetismo e hipnotismo com a linguagem da psicanálise: Ninguém duvida atualmente de que a influência e os efeitos do magnetizador ou do hipnotizador se fundam essencialmente, senão exclusivamente, nas profundas reações inconscientes do hipnotizado (ZILBOORG).
Sandor Ferenczi, discípulo de Freud, defende a aplicação da hipnose na psicanálise. Em 1931 em sua conferência, em Viena, proferida em homenagem ao aniversário dos 75 anos de Freud, a despeito das severas críticas, cita o que entendia como sendo a presença da hipnose no processo psicanalítico e afirma que a livre associação é um processo que induz o paciente ao estado de hipnose. Por diversas vezes, interpreta que a sugestão indireta não deixava de ser hipnose ou que a sugestão direta que Freud admitia ser básica na aplicação do seu método psicanalítico, era uma forma de produzir nos pacientes pensamentos, tendências e emoções sem a censura consciente. Portanto, efeitos hipnóticos: Nos casos aparentemente imersos em dificuldades, em que a análise não trás, depois de muito tempo, nem novas perspectivas nem progresso terapêuticos, tenho a sensação de que isso a que chamamos associação livre ainda continua a ser uma seleção consciente de pensamentos. Assim, impeli os pacientes a um ‘relaxamento’ mais profundo, a um abandono
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. mais total às impressões, tendências e emoções internas que surgissem de maneira inteiramente espontâneas (FERENCZI).
Ferenczi viu que, com suas colocações, havia chocado seus colegas e, longe de se esquivar do problema, reafirmou nitidamente, “Em que medida o que faço com meus pacientes é sugestão ou é hipnose?” Diferenciando sugestão de hipnose na maneira freudiana relembra as instruções do psicanalista quando recomenda “Agora, deite-se, deixe seus pensamentos fluírem livremente e diga tudo que lhe vier à cabeça”. Relata o que entendeu como hipnose em suas relações com os pacientes: No curso de qualquer associação livre, são inevitáveis alguns elementos de êxtase e de auto-esquecimento; entretanto, o convite para ir mais adiante e mais fundo conduz, por vezes – comigo, muito freqüentemente, confessemos com franqueza – ao aparecimento de um êxtase mais profundo; quando ele assume um ar, digamos, alucinatório, podemos denominá-lo, se quisermos, de auto-hipnose; meus pacientes o chamam de bom grado de estado de transe (FERENCZI).
Ferenczi assumiu ter sempre usado a hipnose no processo psicanalítico e, para ele, Freud não teria abandonado a hipnose em favor de outra técnica mais eficaz, mas elaborou uma forma para dissimular sua aplicação criando uma técnica mais suave de indução, o divã, eficiente com pacientes muito suscetíveis. Fugindo das críticas contra o hipnotismo, originadas pelos sucessivos equívocos de Mesmer à Charcot, o novo método, eficaz com pacientes histéricos, não comprometeria o psicanalista caso esse não conseguisse hipnotizar seu paciente. A proposta da análise obrigatoriamente não passava pela hipnose. Freud, ao referir-se freqüentemente em suas publicações ter feito uso da hipnose para a elaboração de sua teoria, provou incontestavelmente sua validade e autenticidade. A partir dele, só por absoluto desconhecimento ou preconceito se pode duvidar da ocorrência dos transes hipnóticos e seus efeitos terapêuticos, bem como da sua importância para o êxito do tratamento psicanalítico. Mas, o preconceito não é apenas sobre a hipnose também ocorre contra a psicanálise e contra o seu criador. Embora os conceitos formulados por Freud estejam presentes em quase todas as áreas do conhecimento, seu pensamento encontra atualmente alguns opositores. Richard Webster, autor de The Hidden Freud, traduzido para o português com o titulo “Por que Freud errou”, na sua versão mostra um Freud descomprometido com a verdade e ansioso por ser famoso. Traz à tona fatos que parecem colocar em xeque o método psicanalítico. Para Webster, Freud foi uma fraude e a psicanálise é uma grande mentira. Finalmente parece que a psicanálise moderna volta a se encontrar claramente com a hipnose. Alguns psicanalistas concordam com Ferenczi e já admitem, pelo menos, que não existe nenhum motivo para dissociar o tratamento psicanalítico de um processo de hipnose de longo prazo. Com base
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na leitura trabalhada e pela atual visível mudança nos procedimentos terapêuticos pode ser admitido o fato que do eficiente uso da hipnose depende o pleno êxito do tratamento psicanalítico. No entanto é preciso questionar quantos psicanalistas podem se tornar bons hipnotistas. Atuar na função de psicanalista é uma ação livre no Brasil, independe de formação e é regulado pelo Aviso nº 257 de 1957 do Ministério da Saúde, podendo ser exercida em consultórios, colégios, clínicas e instituições que atuam na área de saúde mental e no tratamento da psiconeurose. A função de psicanalista clínico é classificada na portaria 1334 de 21/12/1994 do Ministério do Trabalho, sob o código CBO 090/9. O estudo da psicanálise não tem escola superior oficializada, são oferecidos na modalidade de cursos livres, isto é, não tem fiscalização ou reconhecimento do Ministério da Educação. Portanto, os cursos de psicanálise não concedem grau, não há emissão de diplomas e sim certificado de conclusão de estudos feitos nas Sociedades Psicanalíticas instaladas em várias cidades do país. Estes cursos têm duração média de dois anos, para pessoas com qualquer formação superior independentemente da área de conhecimento; pedagogos, professores, psicólogos, filósofos, administradores, advogados etc. Também é oferecido para portadores de formação média e têm duração de quatro anos. Psicanalista também não é sinônimo de analista. Os seguidores de Jung são analistas e não psicanalistas. Ser psicanalista é uma exclusividade dos freudianos, todo psicanalista é freudiano. Os lacanianos são freudianos, os keianianos também. Os junguianos e os adlerianos não o são. Como introdução aos conceitos da psicanálise e seu envolvimento com a hipnose, é recomendado conhecer um clássico do cinema americano Freud além da alma: Roteiro para um filme. Em 1986, o roteiro foi traduzido para o português por Jorge Laclette e publicado pela editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro. Em 1958, o cineasta John Huston propõe ao filósofo francês Jean-Paul Sartre que escrevesse um roteiro cinematográfico sobre Freud, mais precisamente sobre a época em que ele, através da hipnose, inventa a psicanálise. O trabalho cobre o período da vida de Freud entre a graduação em Medicina até a defesa pública da teoria psicanalítica. Sartre se apóia na completíssima biografia sobre Freud escrita por Ernest Jones e nos livros Estudos sobre a histeria e A 80
FREUD, S. Obras completas de Sigmund Freud. Traduzidas por Jayme Salomão, Ed. Imago, RJ, 1980. Textos, artigos, casos referidos ou citados: FREUD, S. Artigos sobre hipnotismo e sugestão; A psicoterapia da histeria (trad. José Luiz Meurer e Christiano Monteiro), Ed. Imago Ltda, 1998. Prefácio à tradução de Suggestion de Bernheim; Prefácio à segunda edição alemã; Resenha de Hipnotismo de August FOREL; Hipnose, In: Textos escolhidos de psicanálise, RJ, Imago, 7 - 61, 1986. O ego e o Id, (1923b), 1923 - Hipnose (1891d), 19-23 - O Inconsciente, (1915e), 14-191 - A Interpretação dos sonhos (1900a). Josepf Breuer (1925g) 19-349. 1-117 - Mecanismo psíquico dos histéricos (Breuer e Freud), 3-34 - A teoria da libido (1923a), 18-287 - Anna O., 1/228n; 2:14 -15, 23, 35-36, Elizabeth Von R., 1,109.
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interpretação de sonhos. Se utilizado no seu todo, o roteiro se transformaria em um filme de, no mínimo, 8 horas de projeção, por isso Huston aproveitou apenas vinte por cento. Sartre, não aceitando os cortes, rompeu com o cineasta. Tanto o roteiro (1958) como o filme (1961), Freud além da alma, cumpre a função de mostrar a origem da psicanálise e seu envolvimento com a hipnose, mostra o início dos trabalhos de Freud e como se desenvolveu sua teoria e a rejeição da comunidade médica às suas idéias. Revela como ocorreu o início da descoberta dos conceitos de transferência, livre associação, repressão, sexualidade infantil e complexo de Édipo, como também, a criação e o desenvolvimento dos métodos de análise através da interpretação dos sonhos e da livre associação das idéias. Descreve como Freud desenvolveu a teoria da libido, tomando como ponto de partida o caso de um paciente que, por desejo inconsciente por sua própria mãe, teria por ciúme tentado contra a vida do próprio pai. Associando o caso com a interpretação de um sonho que tivera, no qual se via envolvido com os sintomas de seu paciente, Freud teve que se aprofundar cada vez mais no seu passado para admitir a existência de atividade sexual nos primeiros anos da sua própria infância. Freud denominou o complexo de Édipo como um conjunto de relações que vinculam a criança a seus pais. Relações que constituem o núcleo central da personalidade e, seu desenvolvimento irregular, seria responsável pelas neuroses. A base da teoria é fundamentada na crença de que o filho sente ciúmes da mãe que é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Este processo também ocorre com as meninas (complexo de Electra), sendo invertidas as figuras de desejos e de identificação. Os meninos odeiam o pai, as meninas a mãe, mas não reconhece este ódio, pois isto é errado. Isto gera um conflito que, se não resolvido até a puberdade, irá interferir na idade adulta. Deixam marcas profundas na estruturação da personalidade, por exemplo, o ciúme neurótico pode ser explicado por um conflito edipiano mal resolvido e, diferencia-se do ciúme patológico, em que a pessoa tem certeza de estar sendo traída, mesmo que todas as evidências mostrem o contrário. A ansiedade também seria um sintoma resultado da repressão da libido e, um dos mecanismos de defesa é a sublimação, processo pelo qual a energia da libido, reprimida pelo superego e pelas convenções sociais, é desviada para outros fins social e moralmente permitida. A arte, por exemplo, pode ser produto da sublimação. Para a psicanálise, a maioria dos pensamentos e desejos reprimidos refere-se a conflitos de ordem sexual e ocorrem na vida infantil (2 a 4 anos). São experiências que, reprimidas, se confirmam como origem dos sintomas neuróticos na vida adulta. Freud, ainda criança, sentiu ciúmes da mãe e quando adulto, na fase da auto-análise, tem essas lembranças, mas reluta em aceitar que sentiu ciúmes não só de seu irmão, mas também de seu pai. Recorda que sua
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libido em relação a sua mãe havia despertado com 4 anos de idade, durante uma viagem de trem, quando a viu nua (GAY). 81 Segundo Lundin, 82 neuróticos são indivíduos que não são nem psicóticos nem psicopatas, por isso, neurótico não é termo pejorativo. Existem diferentes graus de neurose, os tipos principais são: Neurose Histérica e Neurose Obsessiva. Histérico é o neurótico de comportamento inconstante; imprevisível, emocionalmente descontrolado. O tipo obsessivo é o neurótico com comportamento constante e previsível; tem mania de perfeição e é obstinado, com idéias e atos que se repetem em rituais. São características das neuroses: perturbações cognitivas e emocionais menos severas; raramente deixa de estar voltado para seu ambiente; continua mais ou menos em contato com a realidade; tem alguma compreensão da natureza do seu comportamento; embora possa demonstrar o contrário, dificilmente se comporta de modo perigoso para si ou para os outros; raramente exige hospitalização. Lundin define reações neuróticas como sendo ansiedade; fobias; reação da conversão; reação do obsessivo-compulsivo. E, diferente da psicose, por ser uma forma externa de desorganização da personalidade; o psicótico não é moralmente responsável pelas suas ações e necessita de tratamento médicopsiquiátrico, às vezes até de hospitalização. Hipnose e fisiologismo A partir dos estudos do russo Iwan Petrowitch Pavlov (1849-1936) nascido em Riaza, a hipnose ganha novos conceitos. Em 1870, Pavlov ingressou como estudante na Universidade de Petrogrado (hoje, São Peterburgo) e, aos 41 anos, ganhou a cátedra de professor de farmacologia e, posteriormente, de fisiologia. Sua vida dedicada à pesquisa acadêmica inicia uma fase nova para a hipnose quando a interpreta como um fenômeno neurofisiológico. A explicação de Pavlov enquadra a hipnose na estrutura físico-orgânicocerebral e representa a tentativa de uma visão puramente científica, baseada no critério da observação de dados que podem ser medidos e comprovados. Assim, a hipnose passa a ser exclusivamente analisada em bases materiais, fisiológicas e orgânicas. Neste caso, palavras como Transe, Sugestão, Sugestibilidade, Sensibilidade, Imaginação, Emoções, Desejos e Sentimentos não são termos válidos e devem ser evitados. Por exemplo, no lugar de “transe hipnótico”, prefere “estado alterado de consciência”. Para a escola russa, a atividade psíquica nada mais é do que a atividade do cérebro e, com esse argumento, contesta também as hipóteses que sustentam a teoria psicanalítica. Seus seguidores consideram que os psicanalistas não têm prova suficientemente palpável do inconsciente humano para afirmá-lo como verdadeiro. Por sua vez, defendem-se os freudianos, 81 82
(GAY, Peter. FREUD: Uma vida para o nosso tempo. S. Paulo, Companhia das Letras, 1986). LUNDIN, R. W. Uma análise do comportamento. 1992.
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argumentando que os resultados práticos da cura dos sintomas neuróticos constituem uma prova suficiente da veracidade dos seus métodos. O embate entre a escola russa e as demais escolas gerou e continua gerando muita polêmica, mas permitiu a possibilidade da hipnose ser admitida como um fenômeno científico. Vista por este ângulo, a hipnose é, simplesmente, associada ao Reflexo Condicionado e, por isso, seus adeptos defendem que é possível hipnotizar animais não racionais. Outras escolas sustentam que “condicionamento” é bem diferente de “sugestionamento” e que irracionais são condicionáveis e não sugestionáveis. Aves, répteis, batráquios, entre outros animais, são facilmente postos em catalepsia por meio de manobras físicas de excitação sensorial. A escola russa considera que esse processo não difere daquele produzido no mesmerismo, o quê muda é a explicação teórica. A hipnose baseada na sugestão verbal (escola de Nancy), só é admitida como possível em humanos e não depende de toques físicos, que podem ser entendidos como estímulos para reflexos neurofisiológicos (escola russa) ou resultado de ações magnéticas através de toques físicos (escola mesmerista). Lafontaine acredita que a ação do magnetismo, além do ser humano, pode agir sobre animais e vegetais. Sobre isso escreveu no seu livro, A arte de magnetizar, como teria magnetizado uma série de animais. A isso também se reporta Bué em seu livro O magnetismo curador, volume II. Bué, fundamentado nos aforismos de Mesmer, relata como, entre 1841 a 1848, pela ação magnética, foram induzidos animais ao estado cataléptico. Bué diz ainda como esta ação também pode agir sobre vegetais, “curando-os quando estão doentes ou apressando-lhes o crescimento e a florescência”. A hipnose, baseado nos princípios da interpretação materialista da atividade nervosa, teve por subsídio o famoso trabalho de Pavlov sobre a fisiologia no estado hipnótico do cão. 83 Às suas experiências com cães, devemos também a doutrina da inibição da excitação e inibição cortical, dois processos que, segundo a escola russa, explica a atividade nervosa superior dos animais e dos seres humanos. Mas, para Weissmann, os estímulos que provocam uma ou outra dessas duas atividades são relativamente fáceis de controlar em animais, tornando-se complicados no ser humano. Pavlov conduzia os famosos experimentos com cães e demonstrava como os reflexos condicionados se desenvolviam. Tocava-se uma campainha sempre que o cão, quando estava com fome, era alimentado e, com a constante repetição disso, os cães salivavam quando a campainha soava, embora não recebessem o alimento. Tinham aprendido a associar o som da campainha ao alimento e, então, a campainha estimulava o fluxo da saliva. A salivação era o reflexo condicionado que fora estabelecido. 83
PAVLOV, I. P. Reflexos condicionados e inibições. RJ, Zahar, 1976.
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Seguidores da escola de Nancy, opositores da escola de Pavlov, contestam afirmando que o estado hipnótico é, antes de ser um fenômeno fisiológico cortical, um fenômeno extremamente racional. O hipnotismo humano difere, portanto, dos simples condicionamentos, é baseado mais nas leis da imaginação do que no fisiologismo. Para induzir um cão bastam os expedientes fisiológicos e sensoriais, aplicando-lhes os estímulos fisiológicos na dosagem necessária o cão dormirá. Weissmann, aliado com os autores contrários à tese da escola russa, diz que diferentemente do ser humano, o cão, satisfeito em sua necessidade, não tem resistência maior aos intentos do hipnotista que o faz dormir; nada questiona, age apenas pelo seu instinto, sem a emoção que é privativa do ser humano. Para levar um animal à hipnose não é necessário apelar para a lei da reversão dos efeitos dominantes que é baseada na atividade imaginativa. Isso diferencia bem o efeito hipnótico do condicionamento: Uma cadelinha pode ser condicionada para que ao som de uma campainha ingira alimentos em quantidade determinada, não há perigo de no momento assinalado passar-lhe pela cabeça algum propósito mais importante e mais excitante do que comer. Em resumo, para hipnotizá-la basta um fisiólogo reflexologista. Quanto ao ser humano, não dispensa a colaboração do hipnotista para a sua complexa interpretação (WEISSMANN).
Sem perigo de cair no excesso da interpretação fisiológica, mas apenas com a preocupação de analisar por todos os ângulos através dos quais se tenta explicar o fenômeno hipnótico, devem ser visto mais detalhes do que diz a tese de Pavlov, quando se refere a hipnose como um fenômeno análogo ao sono, um sono parcial produzido pela irradiação progressiva de uma inibição a partir de um foco excitatório ativado no córtex, foco este que seria o estímulo hipnótico. Pavlov 84 chamou a este fenômeno de indução recíproca e a este foco excitatório de ponto de vigil, zona de transferência ou ponto do rapport. Pavlov explica o processo hipnótico a partir da tese de que o córtex é o órgão central de todas as reações orgânicas. E, de modo indireto, ele superintende as funções viscerais, equilibrando o sistema nervoso central e o neurovegetativo. Assim, cada órgão do corpo humano é controlado pelo córtex que estabelece o contato entre o meio externo e o interno, através de excitações emanadas de cada órgão. O córtex cerebral é a central diretora que pode ser utilizada pela hipnose afim de comandar movimentos musculares, sensações fisiológicas (frio, calor, dor ou sua supressão) ou psíquicas (alegria, entusiasmo, tristeza, etc.). Diz ainda que o condicionamento da camada cortical pode ser tão forte que um indivíduo, mesmo com a perna amputada poderá sentir dores como se a tivesse. Isto ocorre por causa de estímulos que sentia antes da amputação. Uma sugestão hipnótica pode removê-los com relativa 84
PAVLOV, I. P. The Identity of inhibition with sleep and hypnosis, N. York, Scientifc Monthly n° 17, 603-608, 1923.
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facilidade. Essas impressões têm o nome de reflexos condicionados que são inatos a cada espécie animal. Para os pavlovianos, são poucos os reflexos incondicionados, em comparação com os condicionados. Estes são indispensáveis aos problemas de adaptação e sobrevivência da espécie. Pode-se agir, através do estímulo da palavra, pela hipnose, do meio exterior até o córtex, transmitindo-se então os comandos através do condicionamento. E, a função terapêutica da hipnose seria possível através do descondicionamento dos reflexos nocivos e o condicionamento de outros para proporcionar benefícios ao indivíduo. Durante o sono fisiológico, os condicionamentos podem permanecer ativos em nosso córtex. Estes seriam como “pontos de vigília”, estabelecidos de acordo com certos fins e a disposição para atender às necessidades de cada um. Para fundamentar essa teoria, Weissmann citando J. B. Burza apresenta como exemplo: Mães com os filhos pequenos que costumam dormir profundamente, mesmo que se batam portas ou façam barulhos enquanto dormem, mas acordam imediatamente a um leve choro do bebê. Também é comum, pessoas que não usam despertador e que necessitam de acordar a certa hora da madrugada, o consigam mesmo que estejam cansadas. É uma espécie de auto-sugestão hipnótica, que o indivíduo dá a si próprio, quando ainda acordado e que é capaz de nos despertar na hora certa, por um sistema de cálculo de tempo cerebral, cujo mecanismo a ciência ainda não consegue explicar. Da mesma maneira a palavra (a voz) do hipnotizador penetra no cérebro do hipnotizado através desse ponto de vigília, que é como se fosse uma luz acesa e cercada de sombras dormentes (WEISSMANN, apud BURZA).
Diz ainda Burza que o estado de hipnose significa uma inibição irradiada, porém não total, havendo sempre pontos de vigília e excitação concentrada, através do qual o hipnotizável escuta o que falamos e obedece às nossas sugestões. Quem também aponta diferenças entre hipnose e reflexo condicionado é o psiquiatra russo Platinov. 85 No livro The word, produzido na Rússia e impresso na Inglaterra, Platinov afirma que muitos outros psiquiatras de seu país recorrem à hipnose “para fazer emergir os reflexos condicionados e seus estímulos”. Assim, ele diferencia uma coisa da outra, o reflexo é uma condição instalada no indivíduo e a hipnose é o processo que pode ser utilizado para sua remoção. Nesse sentido, diz: “Então o hipnotizador faz o hipnotizado retornar na memória até o tempo ou acontecimento no qual o reflexo foi estabelecido removendo-o”. Em 1950 foi realizado em Moscou o I Congresso Pavloviano, quando grandes contribuições ocorreram, somando as idéias de Pavlov com aplicações da hipnose na medicina. Pode-se dizer que toda a teoria cortical, que alguns 85
PLATINOV, C. Faça seu teste psicológico. RJ, Ed. Edimax, 1963.
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autores se referem quando tratam da hipnose médica, sugiram deste famoso congresso. Disso também deriva termos como sonoterapia, parto sem dor e a NL-neurolingüística que apareceu como princípio terapêutico na medicina psicossomática russa e servia também como mais uma explicação para a hipnose. Nos anos 70 nos Estados Unidos a NL foi transformada, por Richard Bandler e Jonn Grinder, em PNL - Programação Neurolingüística. Fundamentase no uso das palavras, dos gestos e da forma de comunicação mais adequada para produzir a sugestão. Ambos publicam A Estrutura da Magia onde mostra que a hipnose obedece a uma estrutura de linguagem. Criam o primeiro modelo PNL, publicado com o nome de O metamodelo de linguagem, em seguida estudando com Erickson escreveram Os Padrões de Linguagem Hipnótica de Milton Erickson. A teoria da irradiação cortical para explicar o hipnotismo continuou forte até a década de 60. Por essa época, Volgyesi 86 já havia proposto outra teoria neurofisiológica para a hipnose, que evidenciava a participação de estruturas subcorticais no fenômeno, ressaltando o papel do córtex frontal. Volgyesi não aceita a hipótese de Pavlov que afirma ser a irradiação cortical a única explicação para o fenômeno hipnótico e propôs que o fenômeno seria devido a uma redução temporária e reversível do fluxo sangüíneo em determinadas áreas do cérebro. Essa teoria não recebeu muita repercussão devido à ascendência de outras idéias sobre o assunto. O esforço da escola russa para caracterizar a hipnose como inserida nos padrões e na linguagem científica teve como resultado a aceitação do fenômeno por parte da classe médica que, antes disso, era considerada nesse meio como uma heresia científica, mentira ou simulação. A escola russa permitiu a aceitação de fatos físicos, orgânicos, como decorrente de processos emotivos; a cada dia é mais aceita a interação entre mente e corpo; não é mais uma heresia médica dizer que relaxamento, crenças religiosas, transe hipnótico e outros fatores podem afetar, até de forma inexplicável, sinais vitais mensuráveis, como o funcionamento de órgãos do corpo humano, a pressão arterial, os batimentos cardíacos, etc. O entendimento do processo do estresse 87 vem dessa mudança, atualmente o estresse e os efeitos psicossomáticos passam a significar conteúdos de estudos acadêmicos regulares. 86 87
VOLGYESI, F. El alma lo es todo, Barcelona, 1983. "Estresse" é a denominação dada a um conjunto de reações orgânicas e psíquicas que o organismo emite quando é exposto a qualquer estímulo que o excite, irrite, amedronte ou o faça muito feliz. Funciona como um mecanismo de sobrevivência e adaptação, estimulando o organismo diante de uma experiência ou ambientes novos que causam pressões psicológicas. No cotidiano as pessoas se defrontam com vários fatores estressantes como briga com o par afetivo, excesso de cobrança e frustração, ansiedade exagerada ou ambiente excessivamente barulhento. Na medida em que o cérebro interpreta estes fatores como ameaças à saúde, o corpo fica em estado de alerta geral, até que o fato passe ou o sujeito se adapte a nova situação. Isso é “estresse” (N. do A.).
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A concepção pavloviana para a hipnose estabeleceu afinidades com muitos fatores ordinários da fisiologia e, para seus seguidores, afastou dela inteiramente o céu de mistérios que a envolvia. No entanto, essa explicação não é contundente e, por isso, sempre foi e é contestada até os dias atuais, não obstante as grandes contribuições de Pavlov no campo neurofisiológico. A justificativa neurofisiológica para explicar a hipnose parece sofismática; parte de afirmações verdadeiramente comprovadas, por ser mensurável, para inferir conclusões pouco prováveis, não mensuráveis. Embora faça uso de termos da linguagem médica e do fisiologismo acadêmico, do ponto de vista das provas científicas a tese pavloviana sobre hipnotismo é tão duvidosa quanto a tese mesmerista. Modernamente, na tentativa de justificar a hipótese de que a hipnose é um resultado meramente físico-orgânico-cerebral, os seguidores da escola russa associam os diferentes níveis de transe com ondas cerebrais do tipo alfa, beta, gama, teta e delta. Essas ondas são produzidas pela atividade eletroquímica do cérebro, e podem ser medidas por instrumento próprio. De fato, sabe-se hoje, que a freqüência cerebral medida em c/s - ciclos por segundo - é associada aos estados emocionais. Pessoas estressadas possuem freqüência de 21 ou mais c/s, em estado de vigília aparecem às ondas Betas (13 a 20 c/s). Já em estado de relaxamento aparecem ondas Alfas (9 a 12) e durante o transe leve, as ondas Tetas (4 a 8 c/s). Na hipnose profunda, as ondas Deltas (1 a 3 c/s). Para demonstrar a relação do transe hipnótico e o estado fisiológico do cérebro utilizam um instrumento, o “sintetizador de ondas cerebrais”, composto de óculos estroboscópico com pequenas lâmpadas na parte interna e que piscam rente aos olhos, acompanhado de um par de fones que difundem pulsos sonoros rítmicos ou sugestões especificas. Os óculos e os fones são conectados a um pequeno circuito eletrônico, que alterna a freqüência dos ritmos luminosos de acordo com o som ou com a sugestão desejada. Acreditam que quando usam esse instrumento, o cérebro adota o mesmo padrão de freqüência emitido por ele e correspondentes aos variados níveis de transe que se quer produzir no hipnotizado. Essa prática é questionada quando se pergunta se é a freqüência luminosa que induz o transe ou trata-se de mera sugestão indireta. Auto-Hipnose Émile Coué (1857 – 1926) nasceu em Troyes, na França, era farmacêutico e começou a estudar hipnotismo com Bernheim e Liébaut, é conhecido como pai da Auto-Hipnose, seu nome também é associado às pesquisas sobre o "Efeito Placebo". Efetuou muitos estudos sobre comportamento pela sugestão e, baseado na teoria do consciente e inconsciente, desenvolveu um método de terapia. Sistematizando a hipnose como processo de auto-ajuda formulou vários princípios e leis que fundamentam sua aplicação. Em 1910, abriu e dirigiu uma
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clínica em Nancy, onde o tratamento de seus pacientes era exclusivamente gratuito e por auto-sugestão. Coué falava de auto-sugestão diferenciando isso da auto-hipnose. Com isso, propunha obter a transformação de certos atos conscientes em inconscientes pela repetição e, uma vez automatizados, eles continuam a agir em retroalimentação constante. Até então isso era praticado apenas com ajuda de religiosos ou médicos sem, contudo, nem a religião nem a medicina reconhecerem sua eficácia e até negarem sua prática. Mas, as bases do hipnotismo revelam que tudo que acontece no processo hipnótico é apenas auto-sugestão, mesmo que tenha início, direto ou indireto, em causas exteriores (ambiente, hipnotista, ritual, etc.). É necessário que o inconsciente aceite a idéia sugerida para que ela se realize. A distinção teórica entre auto-hipnose e auto-sugestão parece não ter importância, pode a hipnose e seus efeitos ser reconhecidos pelas duas formas. O importante é que a partir das idéias de Coué a hipnose, como resultado de processos sugestivos, sai do domínio exclusivo das aplicações médicas ou religiosas para ser revelada como ferramenta de auto-ajuda na solução de vários problemas humanos. A partir de seus estudos, Coué estabeleceu regras e exercícios, com os quais organizou um sistema que permite a qualquer um persuadir-se de que está passando bem, de que pode resistir a doenças e curar-se. A originalidade do método consistia em apelar para a auto-sugestão, exercida de forma clara e sistemática. Dizia que uma vez que no fundo toda sugestão não passa de autosugestão, cada pessoa pode auto-sugestionar, sendo o efeito mais forte do que quando induzida por um hipnotizador: ... na verdade, não é a sugestão que o hipnotizador faz que realiza qualquer coisa, é a sugestão que é aceita pela mente do paciente. Todas as sugestões efetivas devem ser ou são transformadas em auto-sugestões (COUÉ)
Coué preferiu chamar auto-hipnose de auto-sugestão, com esse nome criou escola e estabeleceu a lei da reversão dos efeitos ou do efeito contrário que, em síntese, diz: “Num impacto entre a vontade e a idéia, vence invariavelmente a idéia“. Também desenvolveu frases que orientam a auto-sugestão como: “Todos os dias, de todas as formas, eu estou melhorando cada vez mais”. Esta frase, repetida todas as manhãs ao acordar e todas as noites logo ao deitar, com os olhos fechados, sem fixar a atenção ao que se diz, mas ouvindo as próprias palavras. É dele a idéia de que as pessoas devem pensar em coisas boas para que aconteça no dia que se inicia, mentalizando que tudo vai se sair bem, que o dia será muito bom, que ira se manter tranqüila em todos os momentos e encarar os imprevistos com serenidade. Tudo isso faz parte do célebre método que ele chamou de “domínio de si mesmo pela auto-sugestão consciente”. Suas idéias e frases estão invariavelmente escritas nos livros de autoajuda, são reproduzidas, ajustadas e compiladas sem, no entanto citar a fonte.
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A relação da técnica e do método de Coué com a hipnose é clara; primeiro pela técnica da repetição e segundo porque a mesma frase deve ser muito repetida, ao acordar e antes de adormecer. Como a frase abrange tudo que é preciso melhorar, é desnecessário fazer qualquer auto-sugestão para casos específicos. Esta auto-sugestão deve ser feita da maneira mais simples, mas mecânica possível e sem o menor esforço. A fórmula deve ser repetida no tom em que se rezam as ladainhas, assim consegue-se introduzi-la mecanicamente no inconsciente. Este é um método não só curativo como também preventivo. Segundo Coué, a mera repetição da frase de maneira sistemática é suficiente para causar mudanças para melhorar a vida de quem a exercite. Uma dessas frases seria alojada no inconsciente no exato momento situado entre o estado de vigília e o sono, é o momento em que a mente inconsciente está mais aflorada e mais propensa a aceitar sugestões. É válido o conceito segundo o qual a hipnose corresponde a esse breve momento, quando as sugestões são admitidas sem a crítica do consciente e, portanto, transformadas em sugestão hipnótica. Neste caso não se trata de uma sugestão tão consciente como insinua ser, é mais uma forma simples e bem prática de auto-hipnose. A tese de Coué demonstra, com precisão, o antagonismo existente entre a “força imaginativa e a força de vontade”. Esta força que ele chamou de “o nosso segundo eu” pertence ao indivíduo e encontra-se escondida no inconsciente de cada um. Depois que se toma conhecimento dessa força, só resta fazer uso dela para promover a própria cura e bem-estar. Para ele, as forças curativas estão no âmago de cada indivíduo. Nos primeiros trabalhos Coué sugeria verbalizações definidas e minuciosas, que quase sempre eram bem sucedidas. Porém, depois decidiu ser mais eficaz através da utilização da sugestão não específica, que evitava deliberadamente explicar ao inconsciente como alcançar um propósito. No novo processo, a sugestão específica era prévia e o maior objetivo era o aprofundamento do nível do convencimento para que a idéia pudesse ser vitoriosa. Explicando sua lei da inversão dos efeitos, Coué afirmou que, se a pessoa pensar “eu devia gostar de fazer isto, mas não consigo” (um pensamento negativo), quanto mais se esforça, menos conseguirá. Semelhante a este princípio é o efeito de usar a palavra “tentar” com relação a alguma coisa. Dizer “tentarei” implica duvidar, isto é como se a pessoa ficasse na tentativa do fracasso. A tentativa de realizar algo deve ser encarada de forma positiva. Deve ser dito vamos fazer, não somente tentar. Como exemplo da lei da inversão do efeito, descreve Coué que se alguém colocasse no chão uma tábua com dez metros de comprimento por vinte e cinco centímetros de largura, caminharia sobre ela até de olhos fechados. Se a colocasse entre duas cadeiras, a um metro do chão, ainda assim não teria dificuldades em andar de uma ponta a outra, seria, neste caso, apenas necessário um pouco mais de cautela. Se a tábua fosse estendida entre
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dois edifícios de dez andares, é provável que a pessoa despencasse lá de cima ou nem se aventurasse a atravessá-la porque o medo e a dúvida se insinuariam e a lei da inversão do efeito tomaria conta da sua mente. É assim que Coué expressa esse pensamento: Suponhamos que há no solo uma tábua de dez metros de comprimento por vinte e cinco centímetros de largura. Está claro que todo mundo é capaz de ir de uma ponta a outra dessa tábua, sem pôr o pé fora dela. Mudemos porem, as condições da experiência e façamos de conta que está colocada à altura das torres de uma catedral. Quem terá, então, coragem de avançar um metro apenas? São os senhores que me lêem? Não, sem dúvida. Antes de darem dois passos, começarão a tremer, e, apesar de todos os esforços de vontade, fatalmente cairão ao solo (COUÉ).
Se a tábua estiver no alto, a pessoa vai cair porque imagina que não pode andar sobre ela. Imagina que vai cair, e, assim, cria a impossibilidade absoluta de realizar os passos mesmo que tenha vontade. Estando a tábua no chão imagina que é fácil ir de uma ponta a outra e consegue sem medo. Em outras palavras, as pessoas realizam aquilo que imaginam. E, imaginar é visualizar, é ver mentalmente. A imaginação adquire poder pela vontade, e a vontade tornase poderosa pela imaginação. Outro exemplo comum lembrado por Coué, que também explica o modo como a lei da inversão dos efeitos atua, é o caso do indivíduo com problema de insônia quando se deita com o pensamento de que não conseguirá dormir (uma sugestão negativa): Uma pessoa supondo que não conseguirá dormir tenta e quanto mais se esforça para adormecer, mais acordado fica. Quando pára de tentar algum tempo depois, totalmente esgotado, e começa a pensar em outra coisa, pega no sono em questão de minutos (COUÉ).
E, cita como mais um exemplo desta lei: Uma pessoa que está aprendendo a andar de bicicleta ainda não se equilibra direito, vê uma árvore à sua frente e imediatamente ela tem a certeza de que se chocará com a árvore, desesperadamente procura evitá-la, mas vai fatalmente ao seu encontro (COUÉ).
Coué fez ainda a observação: “Quando a imaginação e a vontade estão em conflito, a imaginação sempre vence” Isto significa, para Leslie M. LeCron, 88 que “o inconsciente sempre derrotará o consciente na disputa”. Outra contribuição de Coué foi o que denominou de lei do esforço dominante, que sintetiza como “uma idéia sempre tende a se concretizar e a emoção mais forte neutraliza a mais fraca”. Assim, ele diz que basta uma pessoa pensar que uma dor vai passar, para sentir realmente a dor desaparecer pouco a pouco, e, inversamente, é bastante pensar que sofre para imediatamente iniciar o sofrimento. Exemplificando, diz: 88
LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. Ed. Record, 2ª Edição, RJ, 1979.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. Conheço certas pessoas que prognosticam que, em determinado dia, vão sentir dor de cabeça, predizendo em que circunstâncias, e, de fato, no dia assinalado, nas circunstâncias anunciadas, sentem essa dor de cabeça. Essas pessoas mesmas causam seu mal, assim como outras se curam pela auto-sugestão (COUÉ).
Diz Coué que, se o nosso inconsciente é a fonte de muitos dos nossos males, também pode trazer a cura das nossas doenças morais e físicas. Tão grande é a sua ação sobre o nosso organismo que ele pode não somente reparar o mal que nos fez como também curar doenças reais. Portanto, se conseguirmos fazer crer a um doente que vai acabar o seu sofrimento, este de fato desaparecerá e, para que isso possa ser provado, Coué recomenda que: Isole-se uma pessoa em um quarto, sente-se numa poltrona, feche os olhos para evitar distração e pense unicamente durante alguns instantes que ‘tal coisa está para desaparecer... tal coisa vai acontecer’... Se for realmente feita a auto-sugestão, isto é, se o seu inconsciente aceitou a sua idéia, com grande admiração verá realizar-se aquilo em que havia pensado (COUÉ).
Recomenda também Coué que só se pode pensar em uma coisa de cada vez, isto é, “duas idéias podem se justapor, mas não se sobrepor”. Lembra que a vontade não deva intervir na prática da auto-sugestão; porque, se ela não está de acordo com a imaginação, se a gente pensa: “quero que tal coisa aconteça”, e a imaginação diz: “tu queres, mas isso não sucederá”. Neste caso, além de não conseguir o que se quer, se obtém exatamente o contrário. O importante é a imaginação e não a vontade, não é a vontade e sim a imaginação que nos faz agir. Não é importante querer, mas sim imaginar. A imaginação é o poder que a mente tem de formar imagens e, é “vendo” essas imagens que as coisas acontecem como de fato se quer. Não é importante querer ser vencedor, é importante imaginar e ver-se vencedor e fazer disso um pensamento dominante. Visualizar a cena futura como se ela estivesse acontecendo é a forma mais eficaz de evitar a lei do efeito contrário, o resultado é a conquista efetiva do que representa as imagens que se carrega e se nutre na mente. Em Genebra, em 1920, Charles Baudouin publica o livro Sugestão e Auto-sugestão e dedica esta obra ao seu mestre Coué, revelando profunda admiração e respeito por seu método e ensinamentos. A auto-sugestão ganha o mundo, os europeus aplicaram sua teoria e a consideram de grande valor. O livro de Coué, em 1956, é traduzido para o português 89 e logo encontra no Brasil uma legião de seguidores, mas quando Coué fez uma série de conferências nos Estados Unidos, jornalistas céticos ridicularizaram suas idéias. No entanto o futuro lhe reservou a recompensa; hoje suas formulas de
89
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - Que digo e que faço - O domínio de se mesmo. RJ, Minerva, 1956.
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auto-ajuda são copiadas por centenas de autores americanos e milhares no mundo, embora nem sempre o cite diretamente como autor. Na mesma linha do pensamento de Coué apareceu o pastor americano, Norman Vicente Peale, que apresenta uma versão religiosa para a força do pensamento, mistura reza e imaginação para conquistar o sucesso e com essa idéia lançou, em 1952, o livro O Poder do Pensamento Positivo. 90 Vários outros seguiram caminhos mais ou menos parecidos até chegar a Rhonda Byrne que produziu um livro com o titulo de O Segredo. 91 Byrne tenta justificar que o pensamento funciona como um verdadeiro ímã que, literalmente, atrai tudo que é imaginado e, para fundamentar sua explicação carregada de “magnetismo”, recorre à física quântica. Tudo parece ser uma versão pós-moderna das antigas teorias magnéticas associadas ao poder do pensamento. Esses novos autores misturam conceitos antigos e novos para formar sua base explicativa de acordo com a linguagem em uso, mas a idéia é sempre a mesma.
90 91
PEALE, Normam Vicente. O Poder do Pensamento Positivo, SP, Editora Cultrix, 2002 BYRNE, Rhonda. O Segredo, RJ, 1ª Edição, Ed.Ediouro, 2007.
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CAPÍTULO III - ETIOLOGIA DA HIPNOSE Quanto à questão de se tentar entender como se processa o transe hipnótico deve ser analisada, sem tomar partido, as principais explicações e leis que se conhecem a respeito. A partir daí, com visão plural das argumentações, poderá ser assumida preferências ou convicções pessoais definidas. Começando por analisar a afirmação de que, numa sessão de hipnotismo observa-se um impacto, não precisamente entre duas vontades, uma forte e outra fraca, o que se observa é um impacto entre a vontade do hipnotizado e a imaginação ou a idéia do hipnotista, estratégica e metodicamente elaborada. Quanto mais forte aquela, tanto mais vitoriosa esta última. Assim sintetiza a lei da reversão dos efeitos de Emile Coué: 92 “Num impacto entre a vontade e a idéia, vence invariavelmente a idéia”. Dentre os exemplos mais típicos da lei da reversão dos efeitos, está a dificuldade que é experimentada quando, de súbito, alguém quer lembrar um nome. Justamente no momento em que mais precisa do nome, ele não vem à mente. Quanto maior a pressa, quanto maior o esforço, maior a dificuldade. É o impacto da idéia do esquecimento contra a vontade imperiosa da lembrança a bloquear a memória. O nome invocado vem à mente, à medida que é renunciado ou é moderada a vontade da lembrança. Nas sessões de hipnotismo, a reversão de efeitos se produz artificialmente pela intensa e súbita mobilização da vontade do hipnotizável. Sendo dito ao hipnotizado que ele é incapaz de lembrar de seu próprio nome, reage desesperadamente contra a sugestão, ou seja, a idéia (no fundo, vontade dele) de provocar o fenômeno. E por ser a vontade dele, não será capaz de dizer seu próprio nome. Semelhantemente, sugere-se que ele não consegue articular uma determinada palavra, que está preso na cadeira, que não consegue abrir os olhos. Este é o efeito, ou melhor, a reversão de efeitos, a produzir os resultados espetaculares que ocorrem nas demonstrações de hipnotismo. A lei da reversão dos efeitos não se põe em ação com a mesma simplicidade com que se põe a funcionar um engenho mecânico, isto é, ligando uma chave ou apertando um comutador. Para que a referida lei funcione, é preciso que o hipnotizável esteja convencido da autenticidade da experiência e, subsidiariamente, também da vontade que o fato ocorra. E, para tanto, é preciso que o hipnotista convença. Não fora assim, qualquer pessoa, em qualquer circunstância, poderia hipnotizar qualquer pessoa, bastaria proferir uma sugestão para ser obedecido, o que só acontece se for o indivíduo devidamente convencido de que, de fato, vai acontecer. 92
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si mesmo. RJ, Minerva, 1956.
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A Lei do efeito dominante afirma que a técnica hipnótica consiste na animação e ativação de idéias, dramatizadas para fins determinados; tem de valer-se da seleção de efeitos emocionais dominantes. Baudouin, Coué e Pierce acrescentaram a isso o princípio da reversão dos efeitos. Isto significa que, nos indivíduos, uma emoção mais forte sobrepuja uma emoção de intensidade menor. Exemplo: uma pessoa está sob a emoção do prazer quando lhe sobrevém uma situação de perigo. Produzindo o perigo, que é uma emoção mais forte do que o prazer, o sentimento de prazer desaparece à medida que o de perigo ganha proporções. O expediente psicológico da emoção é válido quando se torna necessário reavivar, fortalecer ou aprofundar o processo hipnótico, condicionando as sugestões às experiências emocionais mais fortes do hipnotizado, como amor, alegria, tristeza, ciúme, medo, repulsa, entre outros. É por esse fato que, nas sessões de palco, ocorre grande efeito sugestivo quando é sugerido para o hipnotizado viver situações como tempestade, ataque de insetos, inundações ou passeio no campo, pescaria no lago, montaria a cavalo, etc. Uma pessoa hipnotizada transforma-se facilmente em instrumentista, maestro, cantor, orador ou personagem histórico. É que a idéia de sucesso representa um dos efeitos dominantes, por ser o sucesso uma das emoções mais poderosas, capaz de fazer desaparecer momentaneamente outras que, até então, vinham ocupando as energias anímicas do indivíduo. Para os estudiosos do comportamento, a própria autocrítica, ou seja, o medo de ser exposto ao ridículo, desaparece facilmente diante da emoção toda poderosa do êxito. Hipnose é projeção Entre outras explicações, a hipnose pode ser vista como uma projeção. A idéia externa, ou seja, o desejo do hipnotista que tem de refletir, de certo modo, a idéia interna, ou seja, o desejo do hipnotizável. Este conscientemente, sem se dar conta do fato, projeta sobre a pessoa do hipnotista os efeitos de sua própria vontade, assim como projeta sobre ele suas próprias fantasias e seus próprios desejos de realizar o inusitado. Por esta hipótese, o hipnotizado sucumbe à sua própria vontade, que se confunde pela projeção com a idéia ou a imaginação do hipnotista. Na linguagem psicanalítica, o fenômeno da projeção é um mecanismo de defesa, consiste na atribuição a outros de impulsos que o indivíduo não pode aceitar, mas que são provenientes de seu próprio aparelho psíquico. Sentimentos próprios indesejáveis são atribuídos a outras pessoas. Isso explica em parte o que acontece na regressão ou terapia por vidas passadas, quando o hipnotizado consegue se livrar da culpa e da vergonha de atos ou lembranças reprimidas. Acreditando que é outra pessoa, libera mesmo que de forma simbólica suas próprias lembranças auto-censuradas.
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Hipnose é sugestão Esta tese defende a relação entre hipnose e sugestibilidade, afirmando ser a hipnose o resultado da sugestão. Baseia-se no princípio de que, se o indivíduo é sugestionável, poderá por sugestão ser levado ao estado hipnótico. Por intermédio das palavras, é possível interferir no seu estado emocional, torná-lo alegre ou triste, melancólico ou bravo. Estbrooks,93 referindo-se a sugestão como elemento que desencadeia a estado hipnótico, diz que “O hipnotismo é um estado de exagerada sugestibilidade induzida por meios artificiais”. É também com base nestes argumentos a definição do Warren,94 um dos mais acatados dicionários de termos psicológicos, definem a sugestão como sendo a condição para levar uma pessoa a agir independentemente das suas funções críticas. Afirma que é a indução ou tentativa de indução de uma idéia, crença, decisão ou ato realizado na pessoa alheia, por meio de estímulos verbais ou outros estímulos, cujo objetivo é também levar uma pessoa a agir independentemente das suas funções críticas. Um estado tendente a aguçar a sugestibilidade quase equivale a dizer que hipnose é do princípio ao fim, sugestão. É na teoria de Hull, sugestibilidade aumentada ou generalizada. 95 Qualquer teoria ou conceito sobre hipnose, seja qual for a parcela de verdade que contenha e o grau de sua importância prática, não valem senão à medida que elucida as motivações e os mecanismos desse fenômeno eminentemente natural, que é a sugestão, nas suas diversas graduações. Há uma tendência de desmerecer o fenômeno da hipnose com o argumento de que tudo não passa de sugestão, como se a sugestão fosse necessariamente uma coisa superficial ou desprezível, sem importância para a nossa vida. Acontece que a sugestão representa uma das forças dinâmicas mais ponderáveis da condição humana. Não acarreta unicamente alterações sensoriais e modificações de memória, podendo afetar todas as funções vitais do organismo, tanto no sentido positivo como negativo. A sugestibilidade, embora sujeita a variação de grau e de natureza, é um fenômeno rigorosamente geral. É possível que todas ou quase todas as pessoas sejam hipnotizadas se o hipnotista aplicar o método adequado para induzir a sugestão. Assim, defende-se como tese que a sugestão é uma força que domina a todos, em grau maior ou menor, não exerce apenas uma ação superficial ou acidental em nossa vida, pelo contrário, pode até definir o modo de viver.
93 94 95
ESTBROOKS, G. H. Hipynotism. N. York, Dutton, 1943. WARREN, H. C. Dictionary of psychology, N. York, Hougton Miffin, 1934. HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. An: Experimental approach. D. Aplleton - Century, 1933.
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Weissmann define sugestão como sendo a tendência que o indivíduo tem de agir sob o mando ou influência de outrem: Por sugestão entendemos comumente a tendência que o indivíduo tem de agir sob o mando ou a influência de outrem, quer por meio de uma ordem ou instrução direta, quer por outros meios quaisquer (WEISSMANN).
A sugestão hipnótica poderia ser definida ainda como um processo de comunicação que resulta na aceitação convicta de idéias, crenças ou impulsos, sem necessidade de fundamento lógico. É a tendência a criar na pessoa uma atitude, fazendo com que ela aceite coisas imaginárias como se fossem reais. Considerando que sugestão não é hipnose, seria pelo menos o preâmbulo da hipnose; toda e qualquer hipnose começa pela sugestão, ainda que seja por vias indiretas como ambientes e fatos que dispensam a sugestão verbal. Sugestão é prestígio O prestígio do hipnotista é um dos fatores decisivos na indução hipnótica; geralmente só se consegue hipnotizar pessoas junto às quais se tem o prestígio. Essa explicação começa por analisar a definição da sugestão como sendo “a tendência que a pessoa tem de agir sob o mando ou a influência de outrem”. Com base nesta afirmação questiona-se o que determina a tendência de uma pessoa agir a mando ou sob influência alheia, e aceitar coisas imaginárias como se fossem reais. O prestígio deriva quase sempre da idéia de poder, de competência ou de carisma que por sua vez, demanda da aparência, conhecimento ou atitudes de uma pessoa. Para os psicanalistas, o prestígio se forma em virtude de uma situação de transferência. Seria, citando Sandor Ferenczi, 97 “a expressão inconsciente instintiva e automática da submissão frente à autoridade materna ou paterna”. O prestígio do hipnotista resultaria da confusão inconsciente do hipnotizado que confunde a pessoa do hipnotista como sendo seu “pai” ou “mãe”. Segundo Weissmann, esse ponto de vista psicanalítico não é sempre aceito, considerando que nesse caso o hipnotista feminino só conseguiria hipnotizar quem fosse dominado pela autoridade materna, enquanto o hipnotista masculino só induziria indivíduos habituados ao mando do pai, fenômeno este que, na realidade, nem sempre se confirma. Acreditar, porém, no fato de que uma pessoa pode ser hipnotizada praticamente por qualquer hipnotista, independentemente das suas emoções pré-formadas, não chega a invalidar essa tese, levando em conta que o fator prestígio não se forma exclusivamente à base da experiência infantil da autoridade parternal-maternal. Hipnose é sono Nos primórdios do hipnotismo clássico, o primeiro a associar o estado de hipnose ao estado onírico foi o Marquês de Puységur com a teoria do sonambulismo artificial. Ele tinha, sem dúvida, sua parcela de razão. Até hoje 96 97
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958. FERENCZI, S. Theorie und technik der psychoanalyse. Boni & Liveright, 1927.
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são reconhecidos os indivíduos sonâmbulos como sendo ótimos hipnotizáveis, atingem um estágio muito profundo da hipnose denominado como sonambúlico. Mas, o primeiro a intentar uma discriminação mais acirrada entre o sono natural e o sono hipnótico foi Braid, com a teoria do neuro-hipnotismo. Braid chamou o estado de hipnose de sono nervoso provocado (nervous sleep) para diferenciálo do sono natural. A hipnose passou a ser sono ou uma espécie de sono para a quase totalidade dos pesquisadores, dentre os quais Liébeault, Binet, Fere, Bernheim e muitos outros nomes mais ou menos eminentes. Pavlov também descreve o estado hipnótico em termos oníricos. Afirma que a diferença entre o “sono hipnótico” e o “sono natural ou fisiológico” é de grau e não de natureza. Para ele, o sono hipnótico apresentaria uma inibição cortical menos completa do que a do sono fisiológico, assim a hipnose poderia ser um sono parcial. Insiste que a hipnose represente uma inibição da função cortical superior. Outros autores, não concordando, afirmam que se esse ponto de vista correspondesse à realidade, as pessoas hipnotizadas seriam incapazes de executar atos inteligentes, o que na prática não se verifica. É nesse sentido a opinião de Weissmann: Reflexo condicionado pode prevalecer, de certo modo, como explicação científica do sono fisiológico e do sono artificial, mas não explica a hipnose humana, senão unicamente na parte onírica (WEISSMANN).
Dentro da própria psicanálise podem ser vistos ainda pontos em favor dos conceitos oníricos da hipnose, no estado de transe ou no sono fisiológico mergulhamos nos meandros do inconsciente. O estado de hipnose apresenta fenômenos que se assemelham aos mecanismos da dinâmica dos sonhos. E os sonhos, na definição de Freud, representam, por sua vez, “a vida mental durante o sono”. Mesmo contando com muitos pontos em comum, a hipnose não pode ser considerada como sono, são dois estados diferentes. Existe no sono hipnótico uma série de efeitos extraordinários tais como a rigidez cataléptica, a anestesia, a amnésia pós-hipnótica, sem falar dos efeitos sugestivos de um modo geral, que são próprios da hipnose, não ocorrendo no sono fisiológico. A pessoa fisiologicamente adormecida não reage aos estímulos sensoriais da mesma forma pela qual reage o indivíduo hipnotizado, a não ser que tenha sido convertido o sono natural em sono hipnótico, ou que se trate de um sonâmbulo. Enquanto o hipnotizado fica atento ao mais leve sussurro, para fazer ouvir o adormecido alguém tem de falar alto ou mesmo gritar. É válido o conceito segundo o qual a hipnose corresponde ao breve momento que medeia o estado de vigília e o sono. Esse breve momento seria artificialmente induzido e prolongado pelo hipnotista, mas, para o público de um modo geral, o hipnotista continuará, para todos os efeitos e ainda por muito tempo, como sendo o homem que faz dormir. No entanto, recentes pesquisas com o PET, põem definitivamente fim na discussão. Os resultados mostram de forma clara e precisa que embora o hipnotizado pareça adormecido, a área
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cerebral da atenção é acionada como se ele estivesse em vigília. Se o indivíduo estivesse em um estado próximo do sono, o que não ocorre na hipnose, o mapa cerebral demonstrado no exame seria completamente diferente, com outras áreas ativadas. 98 Logo, definitivamente hipnose não é sono. Entrega amorosa Por esse ângulo a hipnose é vista como um paralelo traçado entre a hipnose e o apaixonamento. O que não se justifica unicamente por mecanismos sugestivos, mas também pela motivação afetiva do hipnotizado que, inconscientemente, encontra identidade de valores (reais ou transferidos) no hipnotista e promove o que se denomina de entrega amorosa. Freud formulou sua explicação para o estado hipnótico nesta base; segundo ele, o estado de hipnose corresponderia a uma entrega amorosa e, para justificar, em sua autobiografia conta que uma jovem o abraçou muito afetivamente ao sair do transe. Isso, de fato, pode ocorrer nas sessões de hipnose embora não seja regra, parece que depende de valores afetivos, nutrido independente do processo hipnótico, que se manifestam mais livremente no transe ou logo após. Concluiu Freud que a hipnose traz certo grau de satisfação de caráter libidinal, as reações e a própria expressão fisionômica de muitos pacientes femininos indicam visivelmente estados emocionais que colaboram com essa explicação Freudiana. Muitos ao despertarem do estado de hipnose, ainda que não cheguem a abraçar o hipnotista, demonstram comportamento e expressão facial de quem está apaixonado, podendo chegar, em outros casos, a uma crise de pranto. Para aqueles que defendem essa hipótese, essas reações talvez traduzam, mesmo que inconscientemente, aprovação e ou arrependimento do hipnotizado pelas emoções que acabaram de experimentar. Também é dentro da perspectiva psicanalista que se encontra a tese que associa a imagem do pai ou da mãe como uma figura autoritária que, durante a hipnose, é confundida com o hipnotista. Neste sentido o transe estaria relacionado com a aceitação do hipnotizado a uma figura autoritária, o que provocaria uma regressão emocional representada pela volta a uma fase anterior do desenvolvimento emotivo, quando sobressairia o pensamento mágico e simbólico. A mente do hipnotizado, regredida a um estágio de dependência infantil, liga-se emocionalmente com o hipnotista que fica revestido de qualidades excepcionais, podendo então fazê-lo obedecer. Dentro dessa perspectiva, para o hipnotizado o hipnotista representa a imagem do pai ou da mãe e a hipnose seria uma evocação infantil da relação masoquista erótica. A teoria psicanalítica descreve o estado hipnótico como resultado do desejo do hipnotizado de ser controlado por uma pessoa que, para ela, em determinados momentos, se parece com um dos pais (transferência), ou como 98
SUPER Interessante. Visão hipnótica, S. Paulo, revista mensal, Editora Abril, maio de 1998, p. 40 - 45.
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resultado do seu desejo de satisfação de impulsos eróticos ou masoquistas inconscientes. Pode também o hipnotizado, ao submeter-se à hipnose, representar neste ato um desejo latente de proteção e segurança que se materializa na transferência. Freud justifica a entrega amorosa afirmando que a credulidade como a que o hipnotizado se dispõe a ter para com o seu hipnotizador, encontra-se, fora da hipnose, na vida real, somente na criança face aos seus pais amados. Para ele a hipnose pode ser entendida como uma relação amorosa com plena entrega; a coincidência da estima exclusiva com a obediência crédula que ocorre nas sessões são também características presente no sentimento de amor. Em geral, nas explicações de origem Freudiana, dá-se uma excessiva importância ao elemento sexual, integrado às relações materno paternal. Contudo, é muito difícil a comprovação dessa importância na relação entre o hipnotizado e o hipnotista. Muitos autores se posicionam contrariando essa e outras explicações baseadas nas hipóteses Freudianas, entre eles, Sarbin, quando afirma “A hipnose representa uma forma de comportamento psicológico social mais generalizado do que a simples entrega amorosa ou o apaixonamento”. Freud deu muita relevância ao lado sexual e, a isso, atrelou quase que totalmente a suas conclusões. Ao elevar o lado sexual e dar menor importância aos aspectos sociais e culturais, encontrou em seus próprios seguidores muitos dissidentes e, por causa disso, vários foram os que se afastaram de uma parcela das suas teorias e formaram as chamadas teorias neofreudianas. Alguns dos mais importantes são: Carl Jung, Alfred Adler, Karen Horney, Harry Sullivan e Erik Erikson. Todos eles são considerados neofreudianos e o ponto de divergência principal com o mestre é justamente a excessiva importância dada ao elemento sexual. Mamadeira hipnótica Fundamentada no desdobramento da teoria freudiana, esta explicação afirma que a hipnose se identifica com a experiência infantil da lactação. Em síntese, defende que o indivíduo em transe agarra-se às palavras do hipnotista, mais ou menos como a criança se apega ao seio materno. O hipnotizado é verbalmente amamentado pelo hipnotista, cujas palavras monótonas, constantes e fluentes atuam como um substitutivo simbólico do leite materno. A hipótese da mamadeira hipnótica tenta provar que, na hipnose pela sugestão verbal, toca-se no inconsciente pela associação com o processo da amamentação; desta forma a própria voz do hipnotista é um dos elementos importantes no trabalho de indução, se incorpora ao Ego do paciente como se fosse leite a amamentá-lo. A “mamadeira” a alimentar o transe são as palavras suaves e monótonas do hipnotista.
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De acordo com a teoria psicanalítica, a hipnose reproduz os processos normais do desenvolvimento do Ego infantil. Apresenta uma forma de prazer libidinoso inconsciente, por permitir uma recapitulação da própria infância, da sua evolução libidinal 99 para a genitalidade madura e adulta. Weissmann observa a esse respeito: Muitos dos meus pacientes, segundo declarações feitas a mim ou a outras pessoas, tiveram a impressão de que, entre outras coisas, eu os fizera ‘mamar’ durante o transe. E note-se que, dentre as pessoas mais hipnotizáveis, figuram os chamados tipos orais, ou seja, aqueles indivíduos ‘mal desmamados’ que se fixaram em sua evolução instintiva à fase prégenital, denominada fase oral, que é o primeiro dos três estágios marcantes da evolução libidinal para a genitalidade madura e adulta. De acordo com a teoria psicanalítica mais moderna, a hipnose reproduz os processos normais do desenvolvimento do Ego infantil. É uma recapitulação da própria infância (WEISSMANN).
Weissmann demonstra uma forte tendência para aceitar as explicações freudianas, embora seja moderado quando revela suas convicções, fato que o caracteriza como sendo um entre os melhores autores sobre o tema do hipnotismo. 100 Gênero dramático Neste caso a explicação seria a de que o hipnotizado é um artista animado pelo desejo de representar o papel do indivíduo hipnotizado. No entanto, essa explicação não indica, necessariamente, ceticismo quanto à autenticidade dos fenômenos hipnóticos, nem compromete a idoneidade dos “atores”. O desejo de representar e ou de cooperar com o hipnotista e obedecer-lhe, desde que não contrarie os interesses vitais ou morais, constitui uma característica inerente à hipnose. É uma manifestação daquilo que se designa pelo nome de rapport. Sem estar hipnoticamente afetado, o “ator” não se dispõe a colaborar com tanta docilidade, representando o papel de hipnotizado de forma tão perfeita e convincente. Para fundamentar essa tese, Weissmann apresenta como exemplo o paralelo da intoxicação etílica: Ninguém põe em dúvida a realidade da intoxicação alcoólica ao descobrir que o ébrio não é assim porque bebe, mas bebe precisamente por ser assim. E não se duvida, tampouco, da influência do álcool pelo fato de o indivíduo conservar a lembrança parcial ou total do que ocorreu enquanto influenciado pela bebida. Da mesma forma, o hipnotizado representa o 99
Nos primeiros tempos de vida o corpo é erotizado e as excitações sexuais, localizadas em partes do corpo, desenvolvem-se progressivamente. Freud postulou o desenvolvimento psicosexual em: fase oral (a zona de erotização é a boca), fase anal (a zona é o ânus), fase fálica (a zona é o órgão sexual); em seguida, vem um período de latência, que se prolonga até a puberdade e se caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais. E, finalmente, na adolescência é atingida a última fase, a fase genital, quando o objeto de erotização ou desejo não está mais no próprio corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo - o outro (N. do A.). 100 WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. papel do indivíduo em transe, assim como o alcoólatra representa o papel do ébrio. A fim de poder representar convincentemente seu papel predileto, o ébrio tem de recorrer ao álcool e o hipnotizado também não dispensa as condições inerentes ao transe para poder desincumbir-se devidamente de sua função. Contudo, os céticos acreditam no álcool e, sem justificativa plausível, duvidam da hipnose (WEISSMANN).
Diz ainda o autor que idêntico argumento tem sido usado contra a autenticidade das alucinações negativas: O hipnotizado em transe profundo recebe a sugestão seguinte: “Ao abrir os olhos, você terá poderes para enxergar tudo, menos uma determinada coisa ou pessoa”. A lógica diz que o objeto que o hipnotizado não vê, é visto e não visto ao mesmo tempo, pois para poder eliminar do campo visual o objeto suprimido pela sugestão pós-hipnótica, o hipnotizado tem de localizar e identificá-lo primeiro, sob pena de desobedecer à sugestão do hipnotista (WEISSMANN).
Para Weissmann, o simples desejo de representar o papel do indivíduo hipnotizado não será o bastante para que uma pessoa sofra uma dor séria, como entre outras, uma extração de dentes sem anestesia. Admitindo que não esteja anestesiado no sentido próprio da palavra e, no fundo, participe ativamente da dor a que é submetido, o fato é que em estado normal ele não consegue assumir essa atitude, de quem resolveu não tomar conhecimento do sofrimento físico, fingindo simplesmente ignorá-lo. Isso não obsta que se veja ainda nesses casos um sacrifício feito ao mero desejo de representar e de impressionar os outros. Os pacientes de Esdaille, que sofriam as intervenções cirúrgicas mais severas, inclusive amputações, eram apontados pelos adversários do hipnotismo daquele tempo como “um grupo de endurecidos e renitentes impostores”. Weissmann discordando da simples e pura dramatização se refere ao sofrimento dos hipnotizados quando, por exemplo, se produzem bolhas de queimadura na pele por efeito de sugestão hipnótica, embora efetivamente queimado o hipnotizado não reaja à dor. Nesse caso a hipnose se for entendida como um gênero dramático terá um esforço de simulação todo especial, capaz de suportar dores, e de outros efeitos que não são possíveis em estado normal. Logo não é só dramatização. Algumas experiências modernas eliminam por completo a dúvida da dramatização na hipnose e põe um ponto final na questão. Desde 1996, já se pode observar através do PET (Tomografia Computadorizada por Emissão de Positon) o funcionamento do cérebro. Os resultados dos exames, demonstrados nesse instrumento, negam as possibilidades de ser o transe hipnótico apenas dramatização. Prova que quando o hipnotizado é induzido a sentir, fazer ou ver alguma coisa, mesmo que as sugestões sejam falsas, se tornam verdadeiras para o seu cérebro. Hipnose como dissociação
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Uma das explicações mais populares sobre hipnose é a da dissociação da personalidade, segundo a qual, a hipnose é um meio de acesso ao inconsciente. Ao abrir a porta do inconsciente, a hipnose fecha a do consciente, o hipnotizado quase sempre não se recorda dos incidentes ocorridos durante o transe, nem dos papéis que desempenhou porque seu consciente estava fechado ou adormecido e só o inconsciente, por assim dizer, acordado. Esse fenômeno da dissociação opera dentro da expectativa do próprio hipnotizado quando este espera que, à medida que entra em transe, seu consciente se apague e seu inconsciente se manifeste. É parte fundamental e convencional do indivíduo hipnotizado; ele instintivamente se esforça por corresponder a esse imperativo categórico do transe hipnótico. Ao acordar, apressa-se em declarar que não recorda de nada do que ocorreu, quando, às vezes, com algum esforço, poderia recordar-se, ao menos em parte, do que se passou. Basta esclarecer aos hipnotizados que o clássico estado de inconsciência e a conseqüente amnésia pós-hipnótica não são essenciais, que já não constituem requisito e critério de hipnose, para obtermos uma notável redução do mecanismo dissociativo. A amnésia e outros fenômenos decorrentes da dissociação são, de certo modo, impostos por sugestão, o que equivale a dizer que são mais artificiais do que reais. A consciência moral (sensor crítico) continua alerta no estado hipnótico, de um modo geral o hipnotizado aceita o que lhe convém e rejeita o que não lhe convém. Isso não invalida completamente a tese da dissociação, a qual, de certo modo, está de acordo com a divisão psicanalítica da personalidade em consciente, inconsciente e consciência. A hipnose efetivamente inibe as funções do consciente (o Ego), liberta, ainda que condicionalmente, o inconsciente (o Id), mas não tem poder sobre a consciência (o Superego). Esta última é a “polícia interior”, que continua vigilante no mais profundo transe hipnótico para proteger o hipnotizado. Entretanto, os três aspectos da personalidade citados não representam compartimentos estanques, logo o Superego não é tão vigilante nem o Ego tão consciente quanto se supõe ou o Id tão inconsciente. Além do fenômeno da amnésia, apontam-se dissidências e desarmonias intrapsíquicas como resultantes dissociativas. Hipnoticamente divididas, uma parte da personalidade pode entrar em conflito com a outra, porém é este um aspecto comum à psicodinâmica; é a clássica falta de unidade de propósitos que Freud assinalou como sendo uma das características fundamentais dos indivíduos neuróticos. São as pessoas que vivem em dissidência consigo mesmo, num conflito permanente entre os deveres e os desejos.
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Myers, 101 assim como Émilie Coué, com base nas formulações Freudianas, alinham-se a essa explicação para descrever o estado hipnótico, afirma que o ser humano possui duas consciências: a supraliminar (o consciente) e a subliminar (o inconsciente). Para eles, obtendo-se a ligação com o inconsciente, a hipnose ocorrerá. Seria a hipnose um fenômeno inconsciente. Neste caso, os métodos de indução momentaneamente provocam o desligamento do consciente e, neste instante, ocorre a revelação ou o afloramento do inconsciente. Assim, o hipnotizado agiria durante o transe em estado de inconsciência. Suas manifestações seriam conseqüências do que lhe foi sugerido pelo hipnotista ou simplesmente fantasias dos seus desejos, crenças ou fatos distantes que ocorreram em sua própria vida, dos quais, o hipnotizado não se lembra conscientemente. Estado normal Por este ângulo a hipnose é um estado normal, não obstante as alterações psicossomáticas que produz. Tenta provar a tese de que a diferença de comportamento do indivíduo acordado para o indivíduo hipnotizado é uma diferença quantitativa e não qualitativa. Seria, portanto, uma diferença de grau e não de natureza. Sob o efeito do transe hipnótico, as peculiaridades da personalidade humana não se modificam em sua essência, mas apenas aumentam ou diminuem. Diz a teoria do estado normal que cada pessoa reage à sua maneira, de acordo com a sua própria dinâmica e estrutura psíquica. Na hipnose, a dinâmica se exacerba ou diminui, mas o indivíduo não muda de personalidade. Nunca deixa de ser o que é apenas deixa, eventualmente, cair à máscara, manifestando, conforme as circunstâncias, suas próprias tendências normalmente policiadas ou reprimidas. A hipnose altera, unicamente, a velocidade e a intensidade dos processos psíquicos e produz no hipnotizado, de acordo com as sugestões, modificações fisiológicas transitórias. Para reforçar essa explicação de que a hipnose representa um estado psicológico normal, lembra-se o clássico conceito de Bernheim, 102 segundo o qual “somos indivíduos potenciais e efetivamente alucinados durante a maior parte das nossas vidas”. O que equivale a dizer que todos vivem em regime mais ou menos hipnótico à força da própria necessidade e do hábito. O hábito, esse nosso aliado, representa o paradigma da normalidade e é, por definição, uma hipnose permanente. A experiência tem mostrado que o grau de subordinação ao hábito costuma servir, de certo modo, como critério de 101
MYERS, J. K., Weissman MM. Tischler GL, et al. Six-month prevalence of psychiatry disorders in three communities, (1980-1982). In: Arch Gen Psychiatry, 41; 959-967, 1984. 102 BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the nature of hypnotism [Reprin]. Translad by CA Herte, New Hyde Park, N. York, Universrsity Books (1889) 1964.
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suscetibilidade hipnótica. Compreender o indivíduo hipnotizado equivale a compreendê-lo em seu estado normal. Exclusão psíquica relativa Essa explicação também tenta demonstrar que as pessoas têm duas mentes, denomina uma de objetiva e a outra subjetiva. A mente objetiva é a que controla os sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato. A subjetiva é a que controla a memória. A mente objetiva é capaz de raciocínio tanto indutivo quanto dedutivo. A mente subjetiva é capaz somente de raciocínio dedutivo, não podendo raciocinar por indução. As duas mentes estão sempre presentes em cada indivíduo, num estado relativo de equilíbrio, como uma gangorra e, para assegurar o estado hipnótico, o hipnotista induz a mente objetiva do hipnotizado a retroceder, trazendo assim à frente a mente subjetiva. Mas, em vez de vir à frente, como vem no sono comum, sem ser controlada ou submetida à sugestão externa, ela vem esperando ser controlada por sugestões do hipnotista. Por essa explicação, a hipnose pode ser definida como uma condição em que se consumou uma troca nas posições relativas das mentes subjetiva e objetiva, e em que a subjetiva foi posta em evidência na expectativa de ser controlada pelo hipnotista ou pela mente objetiva em recesso. O processo que alcança tal resultado é o hipnotismo. Quando induzida por um hipnotista, a mente subjetiva avança na expectativa de ser por ele controlada. Neste caso, o chamado hipnotismo ocorre por controle externo. Quando o próprio indivíduo induz a troca subjetiva e objetiva, e a mente subjetiva avança na expectativa de ser controlada pela objetiva em recesso, ocorre o que se chama de auto-hipnose ou autohipnotismo. O controle, uma vez estabelecido, pode ser mantido e prolongado à vontade do hipnotista, logo que a mente subjetiva do hipnotizado aceita o hipnotista como sua fonte de sugestões; qualquer sugestão daí por diante assume, para o hipnotizado, a natureza de incontestável. O controle, depois que for assumido, pode ser mantido ou ampliado pela simples sugestão, pois a sugestão de manutenção ou extensão é aceita pela mente subjetiva como uma verdade a ser cumprida. A amplitude do controle não é ilimitada, está circunscrita pelo grau em que a mente objetiva do hipnotizado, embora presente, se acha em recesso. É por isso que, por mais bem sucedida que possa ser a hipnose, é impossível dominar certos instintos básicos e opiniões profundamente arraigadas do hipnotizado. Os instintos e as opiniões variam entre diferentes indivíduos. Por exemplo: a maioria das pessoas tem um instinto básico de autopreservação muito apurado. Para uma grande percentagem de mulheres, a fidelidade é um princípio profundamente arraigado. O mesmo é verdade com relação às crenças religiosas que, com freqüência, estão enraizadas firmemente e não cedem facilmente a uma contra-sugestão durante a hipnose. De modo
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semelhante, outros valores morais, éticos e espirituais assumem proporções significativas para muitas pessoas, mas o grau atingido é uma questão individual, representam suas próprias matrizes inconscientes. Para Rhodes, 103 a quem se atribui a autoria do conceito de mente objetiva e subjetiva, essa explicação é suficiente e supera todas as outras. Na verdade essa forma de interpretar a hipnose não contraria as explicações anteriores e até pode ser identificada como apenas reformulação de conceitos sinônimos aos já conhecidos.
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RHODES, Raphael H. Hipnotismo sem mistérios. RJ, Ed. Record, 1972.
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CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE A práxis da hipnose é sustentada por procedimentos e na escolha adequada de técnicas e métodos de indução, para produzir com eficiência e eficácia o transe hipnótico, sem perder de vistas vários elementos que podem decididamente contribuírem para o êxito do processo. É importante lembrar que, embora bastante teorizado, estes fatores não definem um padrão. Cada hipnotista adquire, no curso de sua experiência, um estilo próprio, além de demonstrar afinidade ou preferência com um ou outro autor ou escola clássica, alguns são simples e claros nas suas intenções e propósitos, outros demonstram ser mais misteriosos, sem contar com os que preferem a linha mágica ou mística para por em prática suas ações. No entanto, seja qual for seu perfil, tem que conhecer e fazer o uso correto práticas conhecidas. Técnicas de indução São muitas as técnicas que facilitam a indução do transe; cada uma delas se ajusta mais ou menos aos diferentes tipos psicológicos de pessoas, tanto as que hipnotizam como as que são hipnotizadas. Normalmente é comum sua aplicação antes do método e, em alguns casos, quando bem aplicada é suficiente para produzir até o mais profundo nível de transe. As técnicas mais aplicadas são: Repetição - Contagem - Escada - Leveza e Respiração Monotonia. • Técnica da Repetição - Uma entre as grandes técnicas da força sugestiva reside na repetição. Espera-se algum tempo e, fazendo de conta que foi obedecido da primeira vez, o hipnotista repete a sugestão, dizendo novamente ou mais uma vez seu braço se levanta. Isso implica na idéia de uma repetição e costuma, em muitos casos, produzir resultados surpreendentes. O hipnotizado tem a impressão de que já obedeceu e sente a sua resistência quebrada. É como se uma voz lhe dissesse: “Isso já aconteceu e vai acontecer de novo”. • Técnica da Contagem - Outro recurso sugestivo, universalmente aprovado em técnicas hipnóticas, é o da contagem. É preciso dar tempo ao hipnotizado para que as sugestões iniciadas se tornem efetivas. É esta a razão por que todos os métodos de indução, dos mais antigos até aos mais modernos, recorrem ao expediente da contagem. É uso comum contar de 1 a 3, de 1 a 5 ou de 1 a 10 para produzir certos efeitos sugestivos. A contagem serve para elevar ao máximo a expectativa do hipnotizado. É como quem assinala o momento preciso de um disparo inevitável ou uma explosão iminente. A contagem, longe de dar tempo ao hipnotizado para mobilizar-se em sentido contrário, paralisa-lhe toda a defensiva e induz a uma grande expectativa. A contagem deve ser feita vagarosa e pausadamente, com ênfase na afirmação da sugestão progressiva.
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• Técnica da Escada - Esta técnica faz bom uso da metáfora de aprofundar ou elevar. Após a indução, pede-se ao hipnotizável que se imagine descendo uma escada e, a cada degrau que desce mais se aprofunda no transe. O número exato de degraus que se empregam pode variar, dependendo da receptividade do sujeito. Geralmente, utiliza-se de 5 a 10 degraus, mas parece não haver uma correlação exata entre o número de degraus utilizado e a profundidade final do transe, embora o sujeito possa pensar que há. De qualquer maneira menos de 5 pode parecer breve e mais de 10 pode ser longo. Ao final da escada, geralmente se aplica uma sugestão que aumente a expectativa para o próximo passo. • Técnica da Leveza e Respiração - Sugere-se que cada parte do corpo começa a torna-se mais leve. “Quanto mais leve se torna o corpo, mais relaxado se sentirá”. Também pode ser sugerido que o corpo é tão leve que o sujeito se sente como se flutuasse ou que se vai introduzindo, flutuando em um transe cada vez mais profundo. A técnica da leveza pode ser associada à técnica da respiração: “Concentre-se em sua respiração... Respire profunda e lentamente”. Sugere-se que, com cada expiração, o sujeito vá entrando em um estado mais profundo de relaxamento ou transe. • Técnica da Monotonia - A ação sugestiva da repetição vem confirmar um fator mais decisivo e fundamental para a indução hipnótica: a monotonia. De um modo geral, as coisas se tornam hipnóticas pela monotonia e monótonas pela repetição. A monotonia não se produz unicamente por vias sensoriais, senão, também, pelos expedientes imaginativos e ideativos, logo subjetivos. A monotonia externa, ou seja, do hipnotista, tem de sintonizar-se, de certo modo, com a monotonia interna, ou seja, a monotonia subjetiva do hipnotizado. O hipnotizado, sem se dar conscientemente conta do fato, projeta sobre a pessoa do hipnotista os efeitos de sua própria monotonia interior, assim como projeta sobre o mesmo, seu próprio desejo de ter, de conquistar, de realizar etc. Os seguidores da escola de Liébault acreditam que a hipnose resulta de um estímulo sensorial monótono e suave e dentre esses estímulos sensoriais a produzir o transe hipnótico, o auditivo é o mais eficiente. O intérprete mais adequado e potente da monotonia hipnótica é a voz. A monotonia da voz costuma superar a monotonia dos gestos e a monotonia do olhar ou da expressão fisionômica. A velha crença na força do olhar é um elemento que não se deve desprezar, sobretudo quando o hipnotizado se confessa propenso a esse tipo de ação sugestiva. Fixando firmemente os olhos do hipnotizável, o hipnotista pode assegurar-se, em certos casos, maior controle sobre a atenção requerida para a indução. No entanto, o aprisionamento da atenção do paciente é a monotonia no olhar, na voz e nos gestos. O expediente da fascinação deve vir acompanhado de uma sugestão verbal adequada, além de recomendações no
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sentido de um progressivo relaxamento muscular e o controle apropriado da respiração que deve ser lenta e profunda. A voz deve ser preferentemente grave e sempre monótona. Suave com uns e mais enérgica com outros, sempre de acordo com as condições emocionais e culturais do hipnotizável. Quanto ao teor da sugestão verbal para efeito de indução, tem de obedecer a uns tantos requisitos fundamentais, os quais, com ligeiras variantes, são os mesmos em todos os métodos. Métodos de indução Antes da aplicação dos métodos, é bom verificar alguns detalhes que os antecedem nas induções propriamente ditas, como por exemplo, o que se deve ou não dizer nas sessões. Em muitos casos não observar essas recomendações é o bastante para obstar em definitivo uma indução hipnótica. Não se deve assustar o hipnotizável e, conseqüentemente, produzir nele uma reação defensiva, mobilizando a sua resistência. Deve ser evitada uma linguagem arrogante; trocando a arrogância pela humildade e o receio pela confiança, o hipnotista se impõe à admiração e ao respeito, independentemente do resultado negativo ou positivo do intento hipnótico. O hipnotista tem de manter certa independência crítica e emocional diante do público e não insistirá para que alguém se submeta à hipnose, embora possa convidar para que participe por vontade própria. A confiança entre o hipnotizável e o hipnotista é indispensável para o êxito da indução hipnótica e deve sempre ser observado o maior respeito pelos princípios éticos e morais nesta relação. Terminada a sessão explica-se ao hipnotizado tudo quanto ele queira saber. Convém lembrar ao hipnotizável que em hipótese alguma correrá para ele perigo moral ou mental e que o hipnotista não adquire, em momento algum, domínio sobre a sua pessoa, como falsamente se diz. Um dos temores sempre questionado por quem desconhece os mecanismos e a natureza da hipnose é a idéia de não acordar e de não voltar ao seu estado normal. Por isso, independentemente da pergunta a esse respeito, convém informar que caso o hipnotista não acorde o hipnotizado este acordará por si só, passando do sono hipnótico para o sono natural e deste desperta normalmente. Para terminar, explica-se ao interessado, que o transe hipnótico se compara ao momento que medeia entre estar acordado ou estar dormindo, momento este extremamente agradável. E, concluindo, afirma-se que as pessoas hipnotizáveis são favorecidas, porque possuem, pelo menos em potencial, condições para serem emocionalmente autocontroladas. A partir daí, pode ser iniciada a sessão. A hipnose é universalmente aceita como um fenômeno de caráter essencialmente sugestivo. A constatação desse fato justifica a preferência moderna pelos métodos subjetivos de indução. Antes da leitura de tais métodos, é importante revisar os chamados elementos de indução. Às vezes esses procedimentos bastam para concretizar o transe hipnótico.
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Mesmer, através de expedientes mágicos, como a imposição das mãos e passes complicados, produzia convulsões e fenômenos subjetivos em seus pacientes. Também Esdaille empregava passes magnéticos do ritual Mesmeriano, acrescentado leves e ritmadas pancadas pelo corpo do paciente. Esse processo de indução hipnótica prolongava-se geralmente por uma hora ou mais, até que os pacientes estivessem em condições de sofrer a intervenção cirúrgica. Braid introduziu na hipnose o uso de bolas brilhantes e espelhos giratórios, como objetos de fascinação. Usava vencer o paciente pelo cansaço ocular; era o método da fascinação prolongada. Enquanto o hipnotizável cansava o nervo óptico, a ponto de congestionar os olhos e lacrimejar, era recomendado que concentrasse a mente na idéia do sono. Braid mudou de tática já quase no fim de sua carreira, quando descobriu que podia hipnotizar cego ou pessoas em recintos completamente escuros. Dessa observação em diante, passou a dar maior importância ao fator imaginação, com a preponderância do uso da sugestão verbal e ao detalhe da voz. Braid, preocupado em estabelecer as causas físicas dos fenômenos psíquicos, estava convencido da existência dos chamados pontos termomagnéticos da cabeça. Acreditava que uma leve pressão nesses pontos provocava no hipnotizado a manifestação de sentimentos. Os pontos hipnógenos localizados no rosto e na face despertam auto-estima, benevolência, fraternidade e caridade. Os localizados no alto da cabeça, na nuca e, no pescoço despertam sentimentos de carinho. Os localizados no tórax e abdome despertam segurança e proteção. Dentre os recursos de indução que complementam a sugestão verbal, são os pontos anatômicos hipnógenos os mais usados. Conhecidos desde Mesmer, admitidos por Braid e desenvolvidos na Salpêtrière. Afirma a teoria que uma pressão exercida pela mão do hipnotista no tórax do hipnotizado, na parte alta do externo e logo abaixo do peito, na região que melhor possa sentir com os dedos o ictus cárdio, pode provocar o sentimento de calma e passividade. Acreditam que no centro do abdome são localizadas zonas que tocadas despertam sentimentos de tranqüilidade e paz. Também falam que um abraço amigo envolvendo o corpo inteiro seria suficiente para acalmar uma crise de ansiedade ou forte distúrbio emocional. Para surtir os efeitos esperados os toques devem ser feitos no nível de transe ideal e nos pontos precisos, a pressão deve ser adequada na intensidade e na duração. Tudo isso em função das reações do hipnotizado, logo, depende da prática, da habilidade e da destreza do hipnotista. No conceito de Liébeault, a voz é o principal elemento de indução, dispensando a utilização de equipamentos e muito menos de contatos físicos com qualquer parte do corpo dos hipnotizados. Só a voz, mais nada, na maioria dos casos é suficiente para induzir o transe.
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O método de indução predileto de Charcot era baseado na excitação dos sentidos. Ele acreditava também na existência das chamadas zonas hipnógenas, as quais devidamente estimuladas provocavam e aprofundavam o transe. Bastaria exercer uma leve pressão com a mão no alto da testa, na raiz do nariz, no cotovelo ou no dedo polegar, para produzir instantaneamente um efeito soporífico e, ainda, friccionava a cabeça e a nuca para induzir o estado sonambúlico. Quanto a esses elementos de indução, Weissmann acredita que não passam de uma sugestão indireta e relata: Charcot friccionava a cabeça e a nuca para induzir o estado sonambúlico. Escusado será dizer que essas zonas hipnógenas podem ser localizadas e multiplicadas à vontade; funcionava no Salpêtrière e fora dela e funciona até hoje à base da sugestão indireta (WEISSMANN).
Para Ernest Roth, 104 a indumentária do hipnotista e o ambiente da sessão que reflitam cores combinadas ou jogo de luzes, podem servir como sugestão subjetiva e despertar determinados pensamentos ou sensações. Roth relata algumas experiências que, segundo ele, revelam os efeitos hipnóticos das cores, descreve como pessoas se mostram violentas num aposento de cor vermelho, tornando-se calmas e amistosas num cor-de-rosa. Afirma que o cinzento está relacionado com o medo e, portanto, as pessoas que têm medo injustificado não devem usar roupas desta cor. O castanho indica egoísmo e deve ser contrabalançado pelo azul, que representa altruísmo. Diz Roth, a cor correta quando usada no ambiente pode produzir bons pensamentos, a cor branca reflete e o preto absorve todos os pensamentos produzidos pelas vibrações das cores. Os hindus arianos usam a cor preta para absorver os pensamentos excessivos, e assim podem atingir o estado de um só pensamento que se torna poderosíssimo pelo aumento da concentração em torno de uma só idéia. Diz ainda que no Tibet os chefes religiosos usam vestes cor de ouro para induzir o estado de altas meditações e inspirações porque o amarelo proporciona grande inspiração. Segundo Weissmann, os hipnotistas antigos, baseado nas idéias de Charcot, empregavam também muito flash, como descreve: Enquanto se projetava uma luz instantânea e forte no rosto do paciente, ordenava-se-lhe em voz tonitruante: DURMA! O indivíduo tímido é destarte empurrado violentamente ao estado de transe por uma espécie de indução relâmpago. Um susto ou um choque. Temos ainda o Judô Japonês, é uma espécie de estrangulamento nervoso por meio de uma pressão sobre certos feixes de nervos na nuca... (WEISSMANN).
Outro elemento físico de indução que nasceu na escola russa é o Judô Japonês. Logo aos primeiros sinais positivos da indução verbal, a cabeça do hipnotizado é abraçada pelo hipnotista, mantendo entrelaçados os dedos da mão esquerda com os da direita, por trás da cabeça, comprimindo-lhe fortemente. Nestas condições observa-se que o hipnotizado não só aprofundará 104
ROTH, Ernest. Métodos para hipnotizar In: As cores do hipnotismo, RJ, Tecnoprit, 1968.
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no transe como não resiste ao hipnotista, embora demonstre, em vão, querer livrar-se. A prática demonstra que estando o hipnotizável com os braços esticados e levantados ou com as mãos entrelaçadas sobre a cabeça, facilita muito o processo de indução hipnótica. E, a isso, basta acrescentar o estímulo sensorial auditivo produzido pela voz do hipnotista; nos mais suscetíveis isso é suficiente para induzir o transe. Método de Bernheim Dentre os métodos subjetivos de indução hipnótica, em primeiro lugar vem o de Bernheim, considerado o fundador da escola mentalista, ou seja, da escola psicológica. Todos os demais métodos modernos são variantes do seu método fundamental. Diz Bernheim: Eu começo por hipnotizar da seguinte maneira: dizendo ao paciente que acredite que grandes benefícios virão para o seu caso, através da terapêutica sugestiva, que é perfeitamente possível curá-lo, ou pelo menos melhorar o seu estado de saúde por meio da hipnose. Acrescento que, nada há de perigoso ou de estranho nesse processo, é um sono no sentido normal da palavra, ou então um estado de torpor, que pode ser produzido em qualquer pessoa, estado esse que restaura o equilíbrio do sistema nervoso. Se necessário, hipnotizo uma das pessoas na presença do candidato, a fim de mostrar-lhe que nada é doloroso nesse processo, e que não há sensações estranhas a acompanhar o estado hipnótico. O paciente já não se mostra desconfiado e refratário ao nosso intento. Ato contínuo, digo-lhe: Olhe para mim e pense unicamente no sono... Suas pálpebras estão cada vez mais pesadas... Sua vista cansada começa a piscar... Seus olhos estão se fechando... Estão úmidos... Você já não enxerga nitidamente... Seus olhos vão se fechando, fechando... Fecharam (BERNHEIM).
Bernheim referindo-se à aplicação de seu método de indução dizia que há hipnotizáveis que fecham os olhos e entram em transe quase instantaneamente. Já com outros é preciso repetir, e insistir dizendo: “Preste mais atenção nas minhas palavras, preste mais atenção. Mais concentração”. Induzia intensivamente a idéia do sono: As suas pálpebras estão pesadas, estão se fechando... Já não consegue manter os olhos abertos... E agora já não consegue abrir os olhos... Seus braços estão ficando pesados... Suas pernas já não sentem o corpo... Suas mãos estão imóveis... Vai dormir. Em tom imperativo acrescento: DURMA (BERNHEIM).
Para Bernheim, em muitos casos, esta ordem tem ação decisiva e resolve o problema. O hipnotizado fecha imediatamente os olhos e fica influenciado pela hipnose. Assim que ele notava que uma das sugestões estava sendo aceita aproveitava para formular a indução. Às vezes, recomendava ao paciente acompanhar a experiência por meio de movimentos com a cabeça e dizia: “Peço-lhe que faça um sinal afirmativamente com a cabeça”. A resposta
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era considerada uma conquista e era preciso aproveitá-la para outras consecutivas; dizia ele ao paciente: Está vendo como funciona bem, como está respondendo...? Seu sono está se aprofundando realmente... Seus braços cada vez mais pesados... Já não consegue baixar os braços, etc. Se o paciente tenta baixar o braço, eu lhe resisto, dizendo: Não adianta... Quanto mais se esforça para baixar o braço, mais o seu braço vai se levantando... Vou fazer agora, com que seu braço seja atraído pela sua própria cabeça, como se a cabeça fosse um ímã (BERNHEIM).
Bernheim aconselha não sugerir a catalepsia dos braços, senão da segunda ou terceira sessão em diante. Insiste o mesmo autor em que não se deve fazer o hipnotizável fixar a vista demasiado tempo. Um minuto, no máximo. E conclui: “Nas sessões seguintes fita-se a pessoa durante dois segundos e profere-se a ordem simultaneamente: DURMA! É o quanto basta”. Método de Moss Uma versão atualizada do método subjetivo de Bernheim é o método de A. A. MOSS, 105 dentista e um dos pioneiros da hipnodontia na América do Norte. Dirigindo-se ao paciente, Moss lhe dizia: Sente-se na cadeira da maneira mais cômoda possível. Agora solte o corpo... Fixe esse ponto... [Há um ponto qualquer para esse fim, situado de modo a forçar um pouco a vista do paciente para o alto]. - Enquanto seus olhos fixam esse ponto... Você fica ainda mais descansado... Afrouxe os músculos rapidamente, totalmente (MOSS).
Moss recomenda esperar dez minutos, com o relógio na mão, após este tempo as instruções dadas em voz monótona, suave e sem titubear, pausadamente. Continuava então: Suas pernas já estão ficando pesadas (esperar dez segundos)... Seu corpo está se tornando pesado... Muito pesado (espera dez segundos)... Suas pernas pesadas... Seus braços pesados... Todo seu corpo pesado... Está descansando comodamente, profundamente... Seus músculos continuam a afrouxar-se cada vez mais... Mais... Mais... Mais (pausa maior)... Seus músculos estão de tal forma relaxados que agora sente também as pálpebras pesadas... Muito cansadas... Muito cansadas... Você já está querendo fechar os olhos... Ao fechar os olhos sentirá um extraordinário bem-estar... Entrará num repouso profundo (pausa maior)... Seus músculos estão num estado de perfeito relaxamento (MOSS).
Se os olhos do suscetível se fechavam, ele omitia o parágrafo seguinte. Caso contrário continuava dizendo: “Seus olhos estão se sentindo cada vez mais cansados... estão se fechando... Estão se fechando... Fechando... Fechando”. Ele reprisava essas palavras quatro ou cinco vezes se os olhos não se fechavam, dava a ordem: “Feche os olhos...”. Se os olhos apresentavam um 105
MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal of medical hypnotism, v. 6, n°03, 1955.
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aspecto vítreo, isto significava que o paciente estava em transe. Neste caso, o hipnotista lhe fechava os olhos com a própria mão e dizia: Agora você está descansando profundamente... Você está se sentindo maravilhosamente bem... Sua mente não abriga nenhum pensamento... Enquanto eu falo você vai entrando num sono profundo... Você ouve minha voz como se estivesse vindo de longe... Muito longe... Sua respiração está se tornando mais lenta, mais profunda... Seus músculos estão se relaxando cada vez mais... Você começa a sentir um formigamento, uma dormência... De começo na nuca e depois envolvendo lentamente o corpo todo, da nuca para baixo... Você não sente mais nada... Nem a cadeira em que está assentado... É como se estivesse flutuando nas nuvens... Continue a afrouxar os músculos cada vez mais... Mais... Mais... Mais... Agora você está no sono profundo... Agradável... Sem preocupação... Nada o incomoda... Você está tão profundamente adormecido, descansando tão bem, que não quer acordar... Está descansado... Afrouxando os músculos cada vez mais... Seu sono continua agradável e profundamente... Nada o molesta... Já não há ruído capaz de despertá-lo... Você está totalmente surdo... Só ouve minha voz... Só obedece a mim... Só eu posso acordá-lo... Durma... Durma... Durma profundamente (MOSS).
O método de Moos é considerado padrão; trata-se de sugestões que atuam largamente, em virtude de seu caráter antecipatório e confirmativo, pois as sensações que vão sendo sugeridas ao indivíduo parecem corresponder às reações ao próprio estado de hipnose. Ele começa por sentir-se cansado. Suas pálpebras pesadas tendem a fechar. Manifestam-se freqüentemente tremores nas pálpebras e contrações espasmódicas nas mãos e nos cantos da boca. Observa-se que a hipnose afeta mais rapidamente a vista e os músculos oculares. E, mesmo estando o hipnotizado de olhos fechados, o hipnotista ainda pode observar o movimento dos globos oculares, debaixo das pálpebras, movendo-se em todos os sentidos, preferentemente para cima. É própria do transe ainda uma sensação de peso dos membros, uma dormência envolvendo o corpo, da nuca para baixo, bem como a sensação de flutuar e a impressão de que a voz do hipnotista, a princípio poderosamente envolvente, se vai afastando cada vez mais, porém sempre serão ouvidas as sugestões. Método de Kuehner G. F. Kuehner elaborou uma adaptação do método de MOSS para aplicações específicas em seus pacientes. Seu procedimento fundamenta-se na supressão das palavras “hipnose” e “sono”. Acreditava que essas palavras, muitas vezes, assustavam o paciente, constituindo-se em empecilho insuperável no intento da indução. Ele iniciava com um preâmbulo falando sobre as vantagens do tratamento dentário com uso do relaxamento. Em seguida passava à recomendação do relaxamento muscular, mandando que olhasse, em frente, um ponto preto pintado na parede e que media aproximadamente vinte centímetros de diâmetro. Recomendava este autor que as sugestões fossem espaçadas
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com pausas de cinco segundos. O seu processo de indução seguia, com ligeiras variantes, o modelo descrito: 106 Vamos afrouxar primeiro bem os músculos. O relaxamento muscular vai lhe proporcionar instantes muito agradáveis. Para ajudá-lo a relaxar, pintei aquele ponto que poderá fixar. Terá de respirar umas três vezes, profundamente, enchendo bem os pulmões e expirando vagarosamente. Vou contar até três para que você possa relaxar completamente... UM... Respire assim, profundamente... Mais um pouco... Está bem. Agora solte todo o ar dos pulmões. DOIS... Outra vez. Respire profundamente... Mais um pouco... Solte o ar dos pulmões, completamente. TRÊS... Repete com ligeiras variações a recomendação anterior... À medida que você vai fixando este ponto vai relaxando cada vez mais os músculos... Em virtude do relaxamento muscular seus membros vão ficando pesados... Agora suas pálpebras já estão ficando pesadas... Estão querendo fechar... De olhos fechados, o relaxamento muscular se completa... Seus músculos estão profundamente, completamente afrouxados... Está se sentindo completo e, agradavelmente relaxado... Vou agora levantar o seu braço... Primeiro o que está mais próximo de mim... À medida que vou levantando seu braço você vai relaxando ainda mais os músculos, até alcançar o relaxamento mais completo... Você está profundamente relaxado, afrouxado... Já está quase completo o seu estado de relaxamento... Nunca em toda sua vida você esteve com os músculos tão profundamente relaxados... É esta uma sensação muitíssimo agradável (KUEHNER).
Neste ponto Kuehner largava o braço do paciente e observava a reação. Quando tudo corria de acordo com o esperado, o braço continuava na posição em que o largou o hipnotista. Se isso acontecesse, já tínhamos a rigidez cataléptica. E prosseguia: Está bem... Vamos voltar com o braço à sua posição anterior... Continuará completamente relaxado como está agora, enquanto eu trabalho... Por motivo algum você vai querer sair desse agradável estado... Nada incomoda... E o pouco incômodo que por ventura experimentar, não será motivo para despertá-lo do estado agradável em que se encontra agora (KUEHNER).
O autor recomendava essa alusão a um possível pequeno incômodo para favorecer a atitude do paciente em se manter inerte. Para ele, isso funcionava como um estímulo à vaidade de quem sabe suportar algum sofrimento. E terminando o trabalho dizia: Por hoje é só... Vê, nenhum mal estar... Dentro de alguns instantes vou lhe pedir para sair do relaxamento... Ao sair vai sentir-se bem disposto e repousado... De agora em diante, sempre que voltar para algum tratamento, você entrará rápida e profundamente no estado de relaxamento muscular, bastando que eu peça para você relaxar... E ao despertar sentirá uma sensação agradável... Sentir-se-á bem disposto e
106
KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. N. York, MacGraw-Hill Book Company, 1956.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. descansado... Agora você vai contar, mentalmente, de UM a TRÊS para acordar... Ao dizer TRÊS estará bem acordado e sorridente (KUEHNER).
Kuehner elaborou ainda um método hipnótico engenhoso para a odontopediatria; considerava o uso da própria linguagem do paciente como condição para a indução ao transe. Sugeria que primeiro fosse observado a melhor forma de comunicação; a linguagem, os gestos, os costumes e os valores. O êxito da sugestão era mais fácil e mais rápido quanto mais o hipnotista conhecia e usava a forma de expressão da criança. Para impor à atenção concentrada de um suscetível, o hipnotista tem que se colocar, ainda que ilusoriamente, no lugar dele, usando, entre outras coisas suas, no mais possível sua própria linguagem. As palavras de maior poder sugestivo são precisamente aquelas que o próprio paciente usa. Para uma criança o hipnotista tem que falar na linguagem dela usando o seu próprio vocabulário. Método de Erickson e Wolberg A tendência de iniciar o processo hipnótico com a sugestão do levantamento dos braços e das mãos vem-se generalizando desde os primórdios do hipnotismo. A levitação dos braços pode ocorrer, em função do próprio transe, independentemente de sugestões específicas. O hipnotista sugere esse movimento a título de reforço e de antecipação. Milton Hyland Erickson (1901-1980) 107 conjuntamente com L. R. Wolberg 108 deram, nos EUA, maior divulgação a esse recurso técnico utilizando em seu método de indução. Ambos consideravam o estado hipnótico como um estado de atenção e receptividade, intensificado e aumentado pela reatividade de uma idéia ou série de idéias. Embora esses dois autores tenham trabalhado para o desenvolvimento do método, sua prática é conhecida como hipnose ericksoriana. Erickson, fundador da American Society of Clinical Hypnosis, implanta uma linha de interpretação comportamentalista ao processo hipnótico e, por essa razão, passou a ser preferido entre os estudiosos do comportamento quando analisam este tema. Valoriza o transe hipnótico como recurso terapêutico e, reconhece este estado como sendo o período durante o qual o hipnotizado tem condições de quebrar as suas próprias limitadas estruturas e sistemas de crença, de tal maneira que pode experimentar outros modelos de crença e, disso, se beneficiar. Sugere Erickson que o hipnotista, no lugar de falar diretamente com o paciente sobre seu problema, recorra ao uso de metáforas como forma de sugestão para eliminar os sintomas, inclusive para induzir o estado de hipnose. Do que se pode concluir que no estado hipnótico ocorre o aumento da fé nas 107
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of everyday life. N. York, 1939. 108 WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis. N. York, Grune & Stratton, 1945.
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palavras do hipnotista e, por isso, ocorrem curas. Quanto maior for a capacidade e habilidade do hipnotista, maior será a fé do hipnotizado e mais rápido e eficaz será a cura. O método de Wolberg e Erickson consiste em que o hipnotista, defronte ou do lado do hipnotizável, preferentemente sentados, após a indução inicial, deixa que o próprio hipnotizado dê prosseguimento ao processo, indo formulando sugestões em função das reações apresentadas. O método ericksoriano tem a vantagem de permitir que o hipnotizável dê o próprio passo para entrar e aprofundar no transe. No entanto, apresenta desvantagem quando o paciente não demonstra o comportamento dinâmico, perdendo-se aí oportunidade da obtenção do transe em nível desejado, quando não o impossibilita de vez. Também requer muita habilidade do hipnotista para criar a seqüência do processo hipnótico com base nas reações do hipnotizado, o que nem sempre é facilmente visível. Em síntese, após a indução inicial, o hipnotista interpreta o significado dos movimentos que demonstra o hipnotizado e vai reforçando para incentivar e aprofundar as sensações reveladas Parece que esse método só funciona quando encontramos simultaneamente três variáveis: um habilidoso hipnotista e um suscetível ao transe médio ou profundo e que apresente também predisposição dinâmica. Aliás, nesta condição a hipnose se perfaz com facilidade, independente de método. Wolberg e Erickson iniciam o processo de indução com estas palavras: Afrouxe os músculos... As mãos sobre os joelhos... Vá prestando toda atenção em suas mãos... Procure registrar tudo que sente em relação a elas... É possível que sinta o calor ou peso das mãos sobre as pernas... Às vezes, um formigamento... Seja a sensação que experimentar... O que importa é registrá-la... Repare agora a imobilidade das mãos... Como estão imóveis... Em breve, um dos dedos começará a se mover... Qual deles se moverá primeiro?... O indicador... O mínimo?... O polegar?... Não se pode prever... Será o primeiro dedo da mão direita?... Ou um da esquerda?... Repare, um já começou a mover-se... Agora, os dedos vãose abrindo... Estão-se separando cada vez mais... Agora, as pontas dos dedos vão-se levantar... Também as mãos vão começar a se levantar... Também os braços se levantam... Quando as suas mãos chegarem à altura do rosto, você estará profundamente adormecido... À medida que as suas mãos se aproximam de seu rosto, o seu sono (ou hipnose) se aprofunda... Ao tocarem o rosto, você estará em sono profundo... Durma tranqüilamente... Nada o molesta nada o preocupa... Sua mente vazia... Você está perfeitamente à vontade... Está se sentindo perfeitamente bem... É uma sensação agradável de perfeito bem-estar... Só ouve minha voz... Só eu posso acordá-lo, etc. (WOLBERG e ERICKSON).
Método da Autovisualização Autovisualização é um dos métodos mais tipicamente subjetivos, não se sabe ao certo a quem se atribuir autoria. Acomodada em uma cadeira, poltrona
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ou leito, a pessoa recebe a recomendação de imaginar-se com os olhos fechados, enquanto ele próprio se esforçará durante algum tempo por manter os olhos abertos. A sugestão é processada na forma imaginativa: • Imagine-se de olhos fechados, dormindo... Mas, enquanto a sua imagem é visualizada de olhos fechados, você continuará de olhos abertos, enquanto puder... Você está conseguindo imaginar-se a si mesmo de olhos fechados, dormindo? (O hipnotizado responderá afirmativamente, com o movimento da cabeça ou da mão). Você vai sentindo sono também... Como exemplo de sua imagem, você vai também entrando num profundo sono... Você vai sentindo sono também... Pensando em si mesmo de olhos fechados... Já está querendo dormir também... Etc. Este método tem-se mostrado particularmente eficiente com certas pessoas refratárias aos processos menos subjetivos de indução. Já se disse que a hipnose se baseia acima de tudo nas leis da imaginação. E imaginar é visualizar, é ver mentalmente. Algumas pessoas, refratárias a assimilar sugestões prontas, contam com essa facilidade e, por isso, são excelentes candidatas naturais aos processos de auto-hipnose. Método da Estrela De autoria desconhecida, foge da linha dos métodos anteriores por ser profundamente subjetivo e de grande efeito simbólico. Conhecido desde o fim do século XIX, foi aplicado em toda a Europa por Afredo Baron d’Hont apelidado de Donato (entre 1875 a 1886) e Karl Hansen (a parir de 1880) em suas conferencias e experiências públicas com demonstrações de hipnose coletiva (JAGOT) 109. Estando o hipnotizável bem acomodado na cadeira, e instruído quanto à maneira de colocar as mãos sobre os joelhos e recostar a cabeça, com todos os músculos bem relaxados, o hipnotista pede que feche os olhos. Em seguida, o processo é iniciado: • Você agora vai usar de toda sua capacidade de concentração nas minhas palavras... Toda sua força de imaginação nas minhas palavras... Com os olhos de sua mente você vai enxergar aquilo que vou lhe dizer. O hipnotizável ainda não sabe o que vai ser sugerido, e isso prende a atenção e aumenta nele a expectativa, dois aliados indispensáveis na indução hipnótica. Como o hipnotizável ainda não sabe o que vem pela frente, após uma pausa de pelo menos dez segundos é dito: • Uma estrela solitária no céu... Fixe bem esta estrela... A estrela vem se aproximando lentamente... Lentamente a estrela se aproxima de você... À medida que a estrela se aproxima, seu brilho aumenta... A estrela é cada
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JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S. Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
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vez mais brilhante... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela vem chegando cada vez mais perto... Mais perto... Mais perto... Há pessoas que, nesta altura da aplicação do método, cobrem os olhos, embora fechados, a fim de proteger a vista contra o deslumbramento da luz da estrela. E a indução continua: • A estrela continua a se aproximar... Ela vem chegando cada vez mais perto... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela vem chegando cada vez mais perto... Essas frases, repetidas com uma monotonia rítmica, não deixam de surtir efeito. Pode-se, eventualmente, observar movimentos oculares dos hipnotizados por debaixo das pálpebras. Uma pausa deve determinar o término da aproximação da estrela. E continua: • Agora que a estrela está próxima, se afasta para o céu distante... Vamos agora acompanhar a estrela em sua fuga pelo espaço... Até a estrela desaparecer completamente no céu... Vai desaparecer... Vai desaparecer... Desaparecer... Há quem, nesta altura, execute com a cabeça movimentos característicos de quem está acompanhando com a vista um movimento da estrela. Não se determina o desaparecimento da estrela, este fica a critério do hipnotizado. Aqui termina o método da estrela. Após a indução inicial, vem a ordem de respiração: • Respire profundamente... Respire profundamente... A cada respiração o sono se aprofunda mais... O sono se aprofunda a cada respiração... A cada respiração o sono se aprofunda mais... Nada será capaz de incomodar você agora... Dorme profundamente... Profundamente... Observar a pausa de cinco segundos a cada repetição. Em seguida, observada uma pausa maior, é sugerida a levitação dos braços: • A primeira coisa que você vai sentir é uma atração nas mãos e nos braços... Seus braços vão-se tornar leves... Leves... Lenta, mais irresistivelmente, os braços começam a levantar... Seus braços se levantam lenta mais irresistivelmente... Seus braços continuam a levitar... Uma força estranha puxa seus braços para cima... A sugestão pode ser dada para que um só dos braços levante. O esquerdo ou o direito. Em casos mais difíceis, a sugestão pode ser reforçada fisicamente. O hipnotista ajuda com as mãos as pessoas a levantarem os braços e, ao levantar, é que se sabe como está indo o andamento do transe. Até então, o hipnotizável, de olhos fechados, vinha meramente seguindo as instruções do hipnotista. A levitação dos braços, porém, já indica estado de hipnose. Há pessoas que levam a recomendação muito ao pé da letra. Afirmam laconicamente, que não conseguem ver estrela alguma. Nem por isso, a
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referida sugestão deixa, em muitos casos, de surtir efeito. A estrela que o hipnotizável (mais auditiva do que visual) não consegue visualizar é por ele trocada, freqüentemente, pela voz do hipnotizador. Em lugar de uma estrela que se aproxima e depois se afasta até desaparecer no céu, entra a voz do hipnotista. Quando o hipnotista, afirma que a estrela vai fugindo, distanciandose cada vez mais, até sumir de vista, é a sua voz que foge aos ouvidos conscientes dos hipnotizados até adormecerem. Testes de suscetibilidade Há vários testes que podem ser utilizados para avaliar a capacidade para o transe. Alguns desses foram organizados em tarefas seqüenciais e ideomotoras, outros têm por base a escala de suscetibilidade hipnótica do testado. Essas provas, quando efetivamente correspondidas, servem de preâmbulo para o transe hipnótico propriamente dito. Uma das demonstrações ideomotoras utilizada para iniciar o processo sugestivo, é o teste de suscetibilidade chamado Pêndulo de Chevreul. A partir de 1800, alguns estudiosos começaram o estudo de pêndulos como instrumentos de adivinhações. Em 1854, o francês M. Chevreul 110 publica suas conclusões sobre o assunto e, a partir da publicação, o pêndulo ganha o seu nome. O teste do Pêndulo de Chevreul é feito com o cotovelo apoiado sobre uma mesa, um suscetível prende entre o polegar e o indicador um barbante de aproximadamente vinte e cinco centímetros de comprimento, de cuja extremidade pende um pequeno peso como um anel ou uma arruela de ferro. Sugere-se à pessoa o movimento do pêndulo, que deverá acompanhar as linhas traçadas sobre a mesa. Olha-se fixamente o pêndulo, imaginando que se mova, e o peso moverá de acordo com os ponteiros do relógio ou na direção inversa, assim como de um lado para o outro ou para frente e para trás. Ao segurar o pêndulo, a pessoa deve, inicialmente, movê-lo em todas as quatro direções para depois conserválo imóvel de propósito. O pêndulo poderá independente da vontade consciente da pessoa que o está segurando, movimentar-se nas quatro direções básicas. Como, conscientemente, a pessoa não provocou os movimentos, acredita-se que isto ocorreu por determinação do seu inconsciente que é capaz de controlar sua musculatura e, de forma sutil, movimentar o pêndulo. Se isso ocorrer, tem o testado, a possibilidade de ser um bom suscetível, podendo até atingir o nível sonambúlico ou pleno do transe hipnótico. O pêndulo pode ser ainda utilizado para se realizar predições ou adivinhações. Isto acontece quando é estabelecido que o primeiro movimento realizado pelo pêndulo significa sim, o segundo não, o terceiro seria não sei e o quarto, não quero responder à pergunta. Fazendo-se perguntas, recomenda-se 110
CHEVREUL, M. De la varilla advinatoria, del pendulo explorador y de las mesas giratórias, Barcelona, editora Humanitas, 1938.
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que a pessoa não faça voluntariamente o movimento do pêndulo, limitando-se a segurar o barbante; o pêndulo se moverá sozinho para determinar as respostas. Na maioria dos casos, o movimento começa por esboçar-se na direção que indicará a resposta, de forma inconsciente, para a pergunta formulada. Confirmado o efeito da indução, o hipnotista aproveita o ensejo para prosseguir, convencendo que, de acordo com a prova que acaba de dar, todos, ou pelo menos a maioria dos pensamentos, tendem a traduzir-se em realidade, bastando que se pense com a devida intensidade. Nesta altura, o indivíduo geralmente já se encontra a caminho do transe hipnótico. Embora tenham aplicações de caráter geral, os testes podem variar de tipo, conforme as finalidades específicas que se tem em vista. Os ideomotores servem para medir a ação motora da sugestão hipnótica. Já os testes sensoriais indicam a ação sensorial da hipnose. Pessoas que reagem negativamente ao teste motor podem reagir positivamente ao teste sensorial e vice-versa. Dentre os testes sensoriais destacam-se, pela sua facilidade de aplicação e importância prática, os olfativos e os térmicos. Para a aplicação do teste olfativo, mostra-se ao indivíduo meia dúzia de frascos rotulados, contendo cada um, uma essência específica e condizente com o rótulo. O suscetível fecha os olhos e, o hipnotista a uma distância de dois ou três metros, abre um dos frascos, anunciando ao paciente a essência que o mesmo contém. O suscetível não pode negar o perfume anunciado, uma vez que o mesmo existe. O hipnotista passa, então, a anunciar a abertura do segundo frasco, contendo outra essência por ele especificada. Novamente tem de confirmar o cheiro. Do quarto frasco em diante, porém, a essência é ilusória, pois o conteúdo dos últimos frascos não corresponde aos rótulos anunciados. Contêm apenas água. Os testes térmicos apresentam variações quanto à forma de execução, sendo o mais fácil de executar o chamado teste térmico do dedo. O hipnotista coloca o indicador sobre o dorso da mão ou o pulso do suscetível. Em seguida recomenda uma forte concentração em relação à área que se encontra sob a pressão do seu dedo. Pergunta ao suscetível se ele sente alguma sensação estranha, algum aumento de calor, uma espécie de corrente elétrica ou formigamento. Respondendo afirmativamente, estará selecionado positivamente. Para selecionar suscetíveis em um grupo de pessoas, pode ser utilizado o teste que provoca sensações de paladar ou induz a sensação de resfriamento térmico. No primeiro caso, o processo pode ser desenvolvido dizendo-se: • Feche os olhos... Imagine que você está indo até a cozinha de sua casa... Vá até a geladeira... Pegue alguns limões... Coloque em cima da pia... Pegue um copo... Pegue uma faca. Agora, comece cortando um límão ao meio... Esprema o límão no copo... Faça isso com todos os limões... Um a
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um... Olhe o copo, está pelo meio de suco... Agora beba o suco... Beba... Beba... No segundo caso, pede-se que a pessoa feche os olhos e imagine-se sentada em frente a uma grande barra de gelo, produzindo a sugestão na seguinte forma: • A barra de gelo está em sua frente... Comece a passar a mão direita sobre a barra... Lentamente a mão escorrega da esquerda para a direita... Passe mais a mão... Mais uma vez... Agora pegue no seu braço esquerdo com a mão direita que estava sendo passada na barra de gelo... Pergunta-se: Quem sentiu, no primeiro teste, a boca encher de saliva? Quanto ao segundo teste, quem ficou com a mão fria, ou sentiu a sensação de resfriamento na mão ou no local do braço por ela tocado? Os que responderam afirmativamente apresentam fortes indícios de suscetibilidade. Os testes citados fazem parte dos processos subjetivos da sugestão, não se baseando em nenhum expediente de cansaço físico ou sensorial. E note-se que, mesmo nos processos citados anteriormente, o cansaço físico, com todas as suas características aparentes, é ilusório. É sempre produto de sugestão. Mas, em alguns casos, pode resultar em efeito somático, como, por exemplo, no caso da barra de gelo: a mão do sugestionado pode realmente resfriar. Neste caso quando hipnotizado, se o hipnotista encostar um objeto em qualquer parte do corpo do suscetível, dizendo-lhe que se trata de um cigarro acesso, é possível que surja no local uma bolha ou pelo menos uma coloração avermelhada, como se de fato tivesse sido a pele queimada. Embora eventualmente possam ser utilizados os testes anteriores, os mais aplicáveis são: Cansaço ocular, Balanço de Corpo, Atar as mãos e Atração magnética. Cansaço ocular - É sugerido o sono ilusório e subseqüente à fadiga que se produz em função da fé e da expectativa. A pessoa testada espera, crê que vai e deve sentir os efeitos pressupostos na indução e os sente sem nenhuma necessidade específica ou física de sentir tal cansaço. Prova é que, normalmente, as pessoas podem permanecer de olhos abertos, quer numa leitura, quer na contemplação de um objeto, horas seguidas, sem cair em transe e sem se ressentir sensivelmente da fadiga visual. Uma vez estabelecidas condições psicológicas para a indução, logo se podem observar as respostas nos indivíduos testados. Quando o teste é aplicado com base nos métodos subjetivos, recorre-se, eventualmente, ao expediente da fixação ocular com a concomitante sugestão do cansaço, por exemplo: “Você está ficando com as pálpebras pesadas... Cansadas... Querendo fechar... Vão fechar... Você verá que vão fechar... etc.”. De resto, as técnicas para os testes e para a própria indução hipnótica pouco se diferenciam umas das outras.
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No teste das mãos e no teste do balanço, as respostas são quase instantâneas e quanto mais rápidas, maior será o grau da suscetibilidade testada. Essas respostas positivas devem durar, no máximo, o tempo em que o hipnotista profere as instruções e conta até cinco. Balanço do corpo - É geralmente aplicado em grupo com mais de vinte pessoas (teste coletivo), e dará resultado em média de 85% dos presentes na sessão. Todos ficam de pé, de preferência com o calcanhar junto, pontas dos pés afastadas como formando um triângulo. O método de indução é aplicado através da voz. Os participantes são solicitados levantar-se e largar os objetos que porventura tenha nas mãos. Recomenda-se, em seguida, não se apoiar na cadeira ou em outra pessoa vizinha. Feita essa recomendação, passa-se à aplicação do teste, dizendo-se as palavras aduzidas na seqüência certa, no tom certo, lentas, porém firmes: • Vou contar até cinco... Antes de chegar a cinco, vocês sentirão um balanço... Agora vocês se concentram... Liguem-se em mim mentalmente... Vou contar de um a cinco e vocês vão sentir o corpo balançar... Mas ficarão com os pés firmes no chão, sem cair... Fechem os olhos e se concentrem totalmente em mim... Vamos iniciar o exercício, fechem os olhos... Fiquem concentrados em minha voz... Respirem lenta e profundamente, só ouvindo minha voz. Após uma pausa de meio minuto, inicia-se então a contagem, de um a cinco, fazendo pausa de cinco segundos, aproximadamente, entre um número e outro, na seqüência das palavras ditas com voz calma e confiante: • Um... Dois... Três... Quatro... Todos balançando para frente e para trás... Cinco... Vocês estão sentindo o balanço... Os pés estão firmes no chão... Estão calmos e tranqüilos... Balançam cada vez mais... Para frente... Para trás... Cada vez mais balançam... Balançam... Mais fortemente agora. As pessoas mais suscetíveis balançam por meio minuto e nesse tempo, o hipnotista deve observar todos com cuidado, porque os mais suscetíveis podem cair no chão. Caso aconteça alguém cair, será individualmente atendido por auxiliares, o teste não será interrompido. Provoca-se, em seguida, o balanço lateral dizendo-se: Vou contar até três e vocês vão balançar de um lado para o outro... Um... Dois... Três... Para um lado... Para o outro... Continuam balançando... Balançando... Balançam... Balançam... Para encerrar o teste, acrescentam-se as palavras: • Vou contar de um a três... E tudo voltará ao normal... Vocês irão parar de balançar quando chegar a três... E, se sentirão leves... Um... Dois... Três... Pronto, todos param de balançar... Podem abrir os olhos. Pode um indivíduo balançar e depois ser refratário à indução, mas o grau e o modo do balanço indicam, com relativa margem de segurança, a suscetibilidade. As pessoas que mais balançaram ou as que caíram são as mais suscetíveis. Este teste é bem fácil e dá resultados até com pessoas pouco
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suscetíveis, portanto quem não balançar, deve ser excluído definitivamente das próximas experiências. Uma variante do teste do balanço é o da oscilação do corpo, em que se colocam as mãos sobre os ombros do hipnotizável enquanto o mantemos de olhos fechados. Ao aliviar a pressão das mãos e, finalmente, suprimir o contato físico, ele mesmo, sem receber sugestão verbal específica, oscila, acompanhando as mãos do hipnotista, como se fora atraído por uma força magnética. Esse fato difícil de explicação é observado em pessoas bem suscetíveis. Quem reage satisfatoriamente a essa prova, pode ser considerado bom para a hipnose e, não é raro, quando induzido, atinge o grau de sonâmbulo hipnótico. Atar as mãos - Este teste é coletivo e consiste no fato de pessoas, sentadas ou de pé, entrelaçarem os dedos da mão esquerda com os da direita, por trás da cabeça, na nuca ou na frente do corpo à altura do umbigo. Ao propor o teste mostram-se primeiro, em todos os detalhes, os movimentos a serem executados, dizendo-se: “Faça (ou façam) como eu estou fazendo... Assim... Entrelaçando firmemente os dedos”. E continua a instrução: • Continue com as mãos nesta posição... Quando eu lhe pedir, respire profundamente, prenda a respiração até eu terminar de contar até cinco... Ao terminar a contagem, soltará a respiração, porém suas mãos continuarão presas e cada vez mais presas. Dada essa instrução, pede-se para as pessoas fecharem os olhos. Ato contínuo, respirarem fundo e prenderem a respiração. Conta-se pausadamente até cinco. Se, ao terminar a contagem, os participantes não conseguirem separar as mãos, não estarão apenas selecionados, senão também profundamente sugestionados, quando não hipnotizados. E, de olhos fechados, eles ouvem: • Respirem tranqüilos... Profundamente... Vou contar de um a cinco e vocês vão ficar com as mãos presas uma à outra... Com as mãos presas... Quanto mais força para soltar, mais presas estas ficarão... Só quando chegar a cinco podem soltá-las. Começa-se a contar pausadamente, fazendo um intervalo de dez segundos entre cada número: • Um... As mãos estão ficando presas... Dois... Ficando presas... Três... As mãos estão ficando cada vez mais presas... Quatro... Já estão completamente presas... É impossível soltar as mãos... Quanto mais força, mais presas ficam... Cinco... Podem soltar. Depois de aproximadamente um minuto, em que eles tentaram inutilmente soltar as mãos, continua a fala: • Vou contar de um a três e todos se libertam... Um... Dois... Três... Já estão todos libertados e sentindo-se muito bem... (Se alguém continuar
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com as mãos presas, passa-se a mão sobre a dele e diz): Pronto... Agora você já está livre... Sentindo-se muito bem... Desprenda as mãos, agora... Vamos... Pronto... Soltas. Atração Magnética - É um teste de aplicação individual de grande influência sugestiva. Se o indivíduo não apresentar resultado positivo será categoricamente classificado como não ou pouco suscetível, e com ele deve ser evitada tentativa de indução hipnótica pelo menos em público. Sua indução provavelmente só acontecerá em ambientes fechados e confortáveis, apropriados para aplicação de induções não convencionais e específicas para seu estado emocional. Colocando-se a pessoa em pé, de olhos fechados, ao tempo em que o hipnotista começa a esfregar suas mãos uma na outra, espalmadas e em movimentos circulares, dizendo as seguintes palavras: • Estou esfregando minhas mãos... Cada vez mais, elas vão ficando magnéticas... Estão ficando como um ímã... Cada vez mais forte... O ímã esta cada vez mais forte... Minhas mãos estão cada vez mais magnéticas. Encostando-se levemente uma das mãos na testa da pessoa, depois na nuca, em seguida encostam-se as mãos espalmadas nas costas dizendo-se: • Quando eu afastar as mãos, você sentirá uma atração irresistível para trás... Estou afastando... Você sente atração... É a atração cada vez mais forte... Muito forte... Bastante forte agora... O hipnotista prepara-se neste momento para aparar a pessoa que está sendo testada, evitando que ela caia de costas. Logo após a inclinação para trás, a pessoa é empurrada levemente para frente, fazendo com que retroceda à sua posição normal. Este mesmo teste pode ser repetido, fazendo-se a atração para frente ou para os lados, sempre com muito cuidado para não cair totalmente, sendo antes aparada pelo hipnotista ou por voluntários. Ponte humana - Embora muito impressione os espectadores é uma demonstração fácil, requer apenas o transe hipnótico de nível leve. É apenas um teste de suscetibilidade mais aprofundado, porém não é aconselhado para hipnotistas iniciantes, a menos que esteja bastante seguro de que pode e, para isso, deve possuir autoconfiança inabalável. A ponte, embora de fácil consecução, é uma das provas físicas da suscetibilidade mais espetaculares; é denominada como sendo a prova da rigidez cataléptica. Após receber a sugestão de que seu corpo irá endurecer até alcançar a rigidez completa, o hipnotizado é estendido entre dois apoios, ficando o corpo sustentado apenas na nuca e nos pés, permanecendo duro à semelhança de uma tábua, comportando em cima do abdômen um peso bem superior ao seu. Uma variante da demonstração da ponte é aquela em que, estando o hipnotizado apoiado entre duas cadeiras, uma pedra é colocada em cima do tórax e partida a golpe de marreta. Devido ao seu caráter espetacular e popularmente convincente, esse tipo de apresentação é um clássico nas
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demonstrações de hipnotismo. Invariavelmente, a cada módulo de sessões, durante a pesquisa de campo, esta experiência foi realizada com pleno êxito. O teste da ponte é feito esfregando-se as mãos uma na outra e depois se passando as mãos, de leve quase sem tocar, nas laterais da cabeça e descendo-as até os pés do candidato, dizendo-se: • Quando eu passar as minhas mãos sobre seu corpo, você ficará totalmente rígido... Rígido como uma barra de ferro... Totalmente rígido... Agora coloco as minhas mãos nas suas costas... Quando eu afastá-las, você cairá para trás... Duro como uma barra de ferro... Reto como uma tábua. Com ajuda de dois colaboradores, o hipnotizado é seguro pelas pernas e pelo ombro e colocado apoiado apenas nos pés e na cabeça, entre duas mesas ou dois bancos. Quando já estiver nesta posição então se dirá: Nada o incomoda... Nada o perturba... Você se sente muito bem... Nestas condições, pede-se para que alguém suba sobre o hipnotizado, ficando de pé, podendo andar de um lado para o outro e até pular se quiser. Pode ainda ser colocada uma pedra sobre o peito do hipnotizado e quebrá-la com golpes de marreta, e ele nada sentirá. Para tirá-lo do transe, com ajuda da assistência, coloca-se o hipnotizado de pé ou deitado no chão, procede-se com a indução pós-hipnótica para, por fim, acordá-lo, dizendo-se: • De hoje em diante sua mente estará cada vez mais trabalhando em seu benefício... Você será capaz de superar os seus problemas... Usará de todo o seu potencial mental em seu próprio benefício... Vou contar até três... Quando chegar a três... Você acordará... Feliz... Bem disposto... Alegre por ter participado dessa experiência... Um... Dois... Três... Após a aplicação do método de indução adequado, quando o processo for concluído com êxito, estando, portanto, instalado o estado de hipnose no nível médio, poderão ser sugeridas várias situações que alteram o estado físico do hipnotizado, como, por exemplo, rigidez dos braços. Para isso, aproxime-se de um dos hipnotizados e diga: • Seu braço está sendo atraído lentamente para cima... Fica rígido, vai subindo e cada vez mais rígido... Ninguém conseguirá dobrar seu braço... Seus músculos são fortes e estão ficando cada vez mais rígidos. Convidam-se os espectadores a tentar dobrar o braço do hipnotizado, o que não acontecerá por mais força que se aplique. Deve-se, no entanto, evitar que a platéia se exceda, às vezes várias pessoas tentam, de uma só vez, dobrar o braço do hipnotizado e isso poderá fazer com que ele caia no chão ou até, pela força excessiva, quebre o braço. Para desfazer a sugestão hipnótica do braço rígido, aplica-se a indução:
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• Vou contar até cinco e seu braço vai ficando frouxo... UM, está afrouxando... DOIS, começando a descer lentamente... TRÊS, está descendo e afrouxando... QUATRO, quando chegar a baixo, estará totalmente relaxado... CINCO, está perfeitamente normal, tudo agora está bem... Você está muito bem. Outra demonstração semelhante também experimentada na pesquisa foi a atração magnética da perna. A sugestão se processa com a ajuda de uma folha de papel brilhante. Coloca-se a folha de papel no chão, pedindo para que o hipnotizado passe perto dela, enquanto isso se aplica a sugestão de que a perna dele ficará magnetizada. O hipnotista, após esfregar uma mão na outra, passa as mãos na perna do hipnotizado, ao mesmo tempo em que, se aplica a indução: • Assim que você passar perto da folha de papel, ela irá atrair sua perna... Você sente que ela o está atraindo... Você está sendo atraído pela folha, e quando pisar nela vai ficar preso... Sem sair do lugar... Quanto mais se esforce, mais preso. Depois de ter pisado na folha de papel, o hipnotizado tentará inutilmente sair do lugar. Desfaz-se a sugestão, dizendo-se: • Vou contar até três e você estará completamente livre... UM, está começando... DOIS, quase solto... TRÊS, livre, pode sair, sentindo-se muito bem... Pode-se, ainda, fazer à mesma experiência, sugerindo que uma cadeira está magnetizada, após passar as mãos no hipnotizado, dizendo-lhe que, ao passar perto da cadeira, será por ela fortemente atraído, será obrigado a sentar-se, sentirá uma atração violenta e se jogará de qualquer maneira para cair sentado. Uma situação bastante convincente, em que o hipnotizado pode esquecer determinado assunto através da sugestão hipnótica, ou pós-hipnótica, pode ser demonstrada. É o que se conhece como Amnésia de Número. Isto ocorre quando se diz ao hipnotizado que ele poderá falar perfeitamente sem acordar, diz-se ainda para que ele conte de um a dez; feito isso, sugere-se várias vezes, por exemplo, que o número três desapareceu, não existe. Pode isto ser feito com qualquer outro número ou letra do alfabeto. Pedindo-se ao hipnotizado para que conte novamente, provavelmente ele fará uma pequena pausa entre os números dois e quatro, e continuará até dez. Se forem feitas perguntas como, quanto é dois mais um ou sete menos quatro, etc., responderá “não sei, não sei”. Após verificação da amnésia de número, diz-se, então, que o número três está de volta, que ele existe, pedindo-se ao hipnotizado que conte de um a dez. Manda-se que ele efetue alguns cálculos simples que envolvam o número três. Por fim, o hipnotizado acordará como nas formas anteriores.
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Pode-se ainda, nesta mesma apresentação, induzir sugestões póshipnóticas que serão cumpridas imediatamente após o hipnotizado sair do transe, como, por exemplo: que, quando ele acordar, deverá abraçar determinada pessoa, ou deverá imediatamente, sem nada dizer, sair para beber água porque estará com muita sede, ou ainda, após ouvir determinada palavra ou frase, deverá, imediatamente, entrar em transe profundo. Isso serve para demonstrar aos presentes como a sugestão pós-hipnótica é poderosa. Hipnose de palco No final do século XIX e no início do século XX surgiam grandes nomes que se dedicaram à hipnose de palco. Donato entre 1875 a 1886, Karl Hansen entre 1880 a 1900, percorrendo a Europa apresentavam demonstrações públicas e proporcionavam às platéias grandes espetáculos. No Brasil, no período de 1940 a 1955, Karl Weissmann lotava teatros por todo o país para demonstrações de hipnose e, geralmente, após suas apresentações realizava cursos, principalmente para médicos e dentistas. Foi ele sem dúvidas, direta ou indiretamente, responsável pela iniciação de outros tantos grandes nomes no hipnotismo brasileiro. A mais complexa sessão de hipnose é a demonstração pública porque nesta não se admitem falhas e a indução coletiva exige muita atenção que é redobrada em função do número de assistentes e dos hipnotizados simultaneamente. O hipnotismo de palco exige do hipnotista a chamada força moral, autocontrole e presença de espírito e tem que ser o mais proficiente dos hipnotistas, porque o público é exigente, e particularmente propenso a ver tudo como um processo fraudulento. Embora este público seja generoso quando acredita no que vê, consagra o hipnotista quando narra os fatos acontecidos, dando seu testemunho de veracidade. É por isso que o hipnotista de palco tem a imperiosa necessidade de êxito. Enquanto um insucesso numa indução de gabinete repercute de forma depressiva, sobretudo no hipnotista novo ainda necessitando de estímulo, um fracasso em público é para ele algo desastroso; a frustração é suficiente até para inibir outra tentativa. Os mais eruditos autores não são contra a hipnose de palco, entre eles Weissmann que reconhece o valor e a importância das apresentações públicas e chama a atenção censurando quem a isso se opõe; principalmente àqueles que injustamente se posicionam contra a hipnose e aos hipnotistas de palco. Um erro digno de correção, cometido pela quase totalidade dos autores de livros sobre hipnose médica, é a clássica afirmação, segundo a qual os hipnotistas de palco são leigos ou mal formados. Condenam a hipnose de palco, dizendo que a maioria dos hipnotistas que a praticam como espetáculo são desqualificados. Demonstram, nessa generalização, um pouco de tendenciosidade, além de revelar expressão de inveja e ciúme pelo fato de que, realizando os mesmos processos de indução, discreta e anonimamente, não desfrutam das grandes gratificações emocionais provenientes da consagração pública (WEISSMANN).
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Weissmann escreve que algumas pessoas espalham antigas lendas e boatos sobre a hipnose, às vezes por ciúmes ou para neutralizar uma possível concorrência ou por profundo desconhecimento, contam estórias como se fossem verdades. Entre esses absurdos, dizem que a hipnose é perigosa ou que a pessoa hipnotizada pode não retornar do transe, embora isto seja impossível. Também é antiga e igualmente falsa a afirmação de que alguém faleceu após ter recebido uma sugestão de choque de alta tensão elétrica. Pior ainda, afirmam que existe uma lei proibindo o uso da hipnose a não ser por determinada categoria profissional. Geralmente quem afirma isso pertence a essa categoria “privilegiada” e, às vezes, algumas dessas mentiras são inescrupulosamente publicadas. Na verdade quem é contrário a demonstrações públicas de hipnose, com certeza não é competente para realizá-la e, geralmente, quem não é capaz de praticar hipnose coletiva, dificilmente terá êxito em qualquer outro tipo de hipnose. Neste aspecto, o que merece ser avaliado não é o hipnotista ou a hipnose de palco, mas o tipo, a finalidade e a qualidade da apresentação. • Quanto ao tipo - Não é aceitável em nenhuma condição, e muito menos em uma sessão pública, alguém hipnotizado ser colocado em ridículo, ou determinar que o hipnotizado coma cebola como se fosse maçã, beba vinagre como se fosse vinho, ou ainda aspirar amoníaco como se fosse perfume. Também não é aceitável induzir situações de emoções negativas como demonstração de desconforto ou dor, ou para reavivar sentimentos negativos, tais como raiva, ciúme, ódio e outros. Pior ainda são as constrangedoras demonstrações de perfurar, com agulhas ou estiletes, a pele do hipnotizado, ou queimá-los como prova de anestesia hipnótica. Também é absurdo apregoar crenças religiosas ou conscientemente utilizar processos hipnóticos como se fosse parte de um ritual religioso. E, mesmo sendo o hipnotista habilitado para fazer diagnósticos de saúde, isto não deve ocorrer em apresentações públicas, muito menos prometer curas. 111 Estes expedientes demonstram má fé do hipnotista que não sabe respeitar a confiança indevidamente nele depositada pelo hipnotizado e pelo público. • Quanto à finalidade - Defende-se que não se realize sessão de hipnose apenas para proporcionar espetáculos para curiosos. Deve ter as demonstrações finalidade esclarecedoras, educativas e didáticas, desmistificando e aproximando as pessoas para discussões, leituras e debates sobre a história e a prática deste conhecimento. • Quanto à qualidade - Deve ser acompanhada de aprofundamento teórico suficiente, pelo menos para desencadear um processo de aprendizagem eficaz. Preferencialmente deve ser praticada no meio acadêmico, sem 111
O Código Penal Brasileiro proíbe que, sem habilitação formal, mesmo que de forma gratuita, alguém faça diagnósticos de saúde (artigo 284, inciso III).
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mistérios ou fantasias. Dificilmente alguém poderá compreender e praticar hipnose apenas por ter lido sobre o assunto; por isso a demonstração prática é o veículo indispensável para que se possa transmitir o conhecimento. Negar por negar a possibilidade das apresentações públicas é uma postura egoísta daqueles que não partilham o que sabem, ou sabem pouco para partilhar. A pesquisa empírica revelou que na hipnose de palco pode ser induzidas sugestões de ilusões coletivas, após a aplicação de um dos métodos hipnótico que, no momento, for mais conveniente ao hipnotista. Na escolha do método deverão ser observadas as características do grupo selecionado. Uma vez estabelecido pelo menos o transe leve, poderá ser sugerido que os hipnotizados são instrumentistas de uma grande orquestra e vão tocar violino, piano, violão ou outro instrumento qualquer. Eles tocam ou têm a ilusão que estão tocando e, mesmo que no ambiente não haja música, ouvirão música imaginária. Se for sugerido que está chovendo, eles se sentem molhados e com frio, como se estivessem debaixo de chuva. Na apresentação de palco os hipnotizados podem ouvir, sentir e ver coisas que não são reais, vãos ver e viverão ilusoriamente as sugestões apresentadas pelo hipnotista. Sugerido que estão às margens de um lago, com cisnes e pássaros, verão e sentirão o perfume de flores; descreverão pessoas, animais e locais que dirão ser reais. Se sugerido que estão pescando, dandolhes um caniço, realizarão os movimentos de quem está verdadeiramente pescando. O hipnotizado reage como se estivesse vivendo realmente a cena sugerida, por este motivo é que só devem ser sugeridas situações agradáveis. Também nas apresentações de hipnose de palco pode ser induzida a sugestão pós-hipnótica, que será cumprida imediatamente após o hipnotizado sair do transe. Nunca o hipnotizado deverá sair de transe sem sugestões póshipnóticas de bem-estar, paz e felicidade. Deve-se se aproveitar o momento em que a pessoa está em contato direto com seu inconsciente, para sugestioná-la positivamente, como por exemplo: • A partir deste momento, você terá maiores condições de superar seus problemas... Vencer suas dificuldades... Sua mente estará, de agora em diante, trabalhando em seu próprio benefício, etc. Quando eu o acordar, se sentirá maravilhosamente bem disposto. Na sessão podem ser demonstrados os fenômenos alucinatórios, começando pela alucinação olfativa, exemplo: Que forte perfume... É um perfume... Mesmo à distância percebe-se o perfume... O perfume não existe, embora além dos literalmente hipnotizados, outras pessoas suscetíveis presentes na sessão afirmarão existir um forte perfume. As ilusões sensoriais podem ser demonstradas sob a sua forma positiva e negativa. Ao indivíduo que acabou de cheirar um perfume inexistente, pode ser apresentado um vidro contendo amoníaco, sem que, no entanto, acuse cheiro algum.
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Para outra demonstração pode ser dito: • Atenção... Vou contar até cinco e disparo um canhão... Atenção, preparar o canhão... UM... DOIS... TRÊS... QUATRO... CINCO. Todos os hipnotizados tampam os ouvidos. Alguns se atiram ao chão. Ato contínuo: • Pronto... Acabou... Apenas o susto. Um número muito curioso e popularmente apreciado é o que se chama de sensibilidade exteriorizada. Para obter esse efeito, é anunciado: • Atenção! Outra experiência... Tenho nas mãos uma agulha e um boneco... Esse boneco representa você... No momento preciso em que a agulha perfurar a mão direita do boneco, vocês sentirão a picada da agulha no dorso da sua mão direita. Dito isso, o hipnotista se dirige para trás dos hipnotizados e com as mãos levantadas, de maneira que a assistência possa ver, executa o gesto anunciado. A essa experiência reagem os mais profundamente hipnotizados, especialmente os sonambúlicos. A mesma experiência pode ser repetida com a variante apenas da mão sugestivamente afetada. Em lugar de sentirem a agulhada no dorso da mão direita, os hipnotizados a sentem no da mão esquerda. Outra demonstração inerente ao estado hipnótico, de efeito não menos interessante, são as alterações de memória como a amnésia. É anunciado para os presentes que, ao terminar uma contagem até cinco, determinado hipnotizado terá perdido a memória, a ponto de não se lembrar do próprio nome. Terminada a contagem, é perguntado ao hipnotizado pelo nome. Não obtendo resposta, é aparentemente facilitado o processo de memorização; Vá dizendo nomes a esmo. Às vezes, quem sabe, acerta por acaso o seu. Salvo raríssimas exceções, o hipnotizado pronuncia todos os nomes possíveis e impossíveis, menos o seu próprio. A experiência da amnésia se torna espetacular quando apresenta natureza hiperestésica. Isso pode ocorrer quando, antecipadamente, é escrita por pessoas presentes na platéia uma relação de 15 a 20 nomes. Alguns hipnotizados, quando o hipnotista pergunta, “Vá dizendo nomes... Às vezes acerta o seu...”, são capazes de reproduzir pela ordem em que foi escrita, grande parte dos nomes constantes da relação, ou mesmo toda a relação. A angustia do “desmemoriado” termina quando é anunciado que, ao ouvir contar novamente até cinco, a memória do hipnotizado voltará. Ele será perfeitamente capaz de se lembrar de seu nome. Toda demonstração pública de hipnotismo deve incluir uma ou mais provas do fenômeno pós-hipnótico, que constitui um dos aspectos mais convincentes da hipnose. Para isso, é selecionado entre os mais profundamente hipnotizados, e lhes é dito:
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• Vou acordar vocês... Mas, quando acordados e me ouvirem pronunciar a frase a chuva faz a grama crescer, logo em seguida adormecerão como agora estão adormecidos. Durante a pesquisa, a frase convencionada para voltar aqueles que participaram da experiência ao transe foi Tote, Tate, Tiza... Os atos a serem executados podem ser os mais variados e até bizarros, desde que não contrarie os códigos morais, nem os interesses vitais dos hipnotizados. O limite para esse número é, mais uma vez, o da própria imaginação. Hipnose, hiperestesia e clarividência Embora ocorrências de fenômenos de hiperestesia e clarividência hipnótica sejam restritas a pessoas extremamente suscetíveis e especiais, de fato, não é tão raro assim. Sua descoberta teve início nas induções provocadas pelo Marquês de Puységur. Desde 1784, ele já observava em muitos dos seus hipnotizados essas ocorrências. Para se obter essa experiência, deve-se induzir um suscetível a um nível profundo. Quando perceber que ele já está no ponto certo formular sugestões para depois testá-lo: • Agora você pode enxergar tudo o que se passa à sua volta... Mesmo estando de olhos fechados... Você está enxergando perfeitamente de olhos fechados. Após repetir esta sugestão várias vezes, pergunta-se o que ele está vendo; se ele responder que está escuro, que não consegue ver, repete às sugestões de que ele pode ver perfeitamente bem. Poderá ver com a mente e, que essa visão é muito melhor que a convencional, poderá ver com clareza tudo que está acontecendo, mesmo com os olhos fechados. Depois do hipnotizado dizer que está enxergando, pergunta-se o faz uma pessoa que está atrás dele, e que, por isso, ele não pode enxergar seus movimentos. Se ele responder corretamente, continua-se perguntando. Se ele responder que não enxerga, prossegue o hipnotista dizendo que sua visão, através da mente, está aumentando, e que agora ele já pode ver. Outra experiência descoberta pelo Marquês de Puységur, e que também pode ser praticada nas sessões é a da clarividência hipnótica. Isto é possível com alguns hipnotizados. Geralmente, quem apresenta respostas positivas no processo de hiperestesia, também se revela clarividente hipnótico. Pode ser sugerido que esta pessoa não só pode enxergar tudo o que se passa a sua volta, mas também o que se passa em outros lugares. A sugestão para obtenção deste fenômeno se processa quando é dito para o hipnotizado que ele está indo, mentalmente, para um lugar; por exemplo, ele está indo para uma sala ao lado da que se encontra no momento da indução e, após alguns segundos, é descrita sua ida até lá. Dizendo que foi até a porta, saiu pelo corredor, que já chegou ao seu destino e está vendo tudo que está se passando. Perguntam-se, quem está lá naquele momento, o que está fazendo, etc.
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Alguns hipnotizados são capazes de dar descrições nítidas do local sugerido, mesmo que lá nunca tivessem ido, como também são capazes de dar informações exatas sobre as pessoas que lá se encontram. Poderá dizer corretamente o que acontece. O hipnotizado clarividente pode não só descrever o que está se passando em um aposento próximo à experiência, como também em outro local a quilômetros de distância. 112 Outra faceta da hiperestesia ocorre quando o hipnotizado é colocado em contato com outra pessoa, pela junção das mãos, fazendo-se sugestões de que ele tem condições de ligar-se inteiramente na pessoa que está em contato e pode sentir tudo que a outra pessoa está sentindo. Finalmente afirma-se que o hipnotizado é a outra pessoa e pensará como ela, saberá tudo que a outra estará pensando. Impressionantemente este fato se comprovou, ocorreram com muita freqüência nas sessões realizadas na pesquisa de campo. No estado de hiperestesia são surpreendentes os resultados; o hipnotizado poderá dar informações que só a outra pessoa sabe de forma consciente ou até inconscientemente. Seu comportamento será exatamente como o da outra pessoa com quem se ligou ou de quem assumiu a personalidade. Terminada a experiência, deve-se ter o cuidado de “desligar” a pessoa hipnotizada da outra, sugerindo que ela é... (dizendo-se seu nome) e que se desfez completamente a ligação, que está inteiramente livre de todos os sintomas e preocupações da outra pessoa, que está sentindo-se muito bem. Para induzir um suscetível ao estado hiperestésico é dito: Agora você é... (o nome da pessoa que está ligada a ela), Sente tudo como... (diz novamente o nome). Depois de fazer várias vezes esta sugestão, pergunta-se o nome dela e ela dirá que é a pessoa que está em contato pela mão, se isto não ocorrer, deve ser novamente repetida as sugestões anteriores. Regressão hipnótica A pesquisa de campo revelou que há dois tipos de regressão. Em um, o hipnotizado reage como quem está lembrando o que passou, ou descreve de maneira semelhante a um espectador vendo desenrolarem-se os fatos à sua frente. No outro tipo, a regressão não se dá através da memória, o hipnotizado revive o passado, reagindo de acordo com a idade, a linguagem e os conhecimentos adquiridos até aquele momento regredido. Assim, aos seis anos (se lhe for induzido esta idade), usa linguagem infantil, discorrendo sobre fatos do dia sugerido na regressão e desconhece tudo que aconteceu ou experimentou após essa idade. Esse é o tipo de regressão que mais ocorre, é também o tipo que mais impressiona. Na regressão hipnótica, a memória se aguça, realizando verdadeiros prodígios, sobretudo quando o hipnotizado remonta aos acontecimentos da sua mais remota infância. Ele poderá, não apenas recordar, mas efetivamente reviver os fatos acontecidos, principalmente acontecimentos festivos. Tais 112
Sessão realizada pelo autor, publicado no Jornal do Brasil, RJ, de 10.09.95.
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reminiscências muitas vezes são confirmadas por parentes e amigos presentes à sessão. A regressão hipnótica é uma experiência fascinante; afirma-se ao hipnotizado que ele está no jardim de infância, e ele citará com exatidão os nomes dos antigos colegas e da sua antiga professora, nomes que, em estado normal, não seria capaz de rememorar. Regressando à idade de seis anos, se intimado a escrever ou desenhar sobre uma folha de papel, escreverá o seu próprio nome, reproduzindo nos mínimos detalhes os garranchos das primeiras letras, ou desenhos, exatamente iguais aos que realmente desenhou na época referida. Contará quem foi que o ensinou e dirá que está vendo a pessoa junto a si. Na regressão afirma-se que o hipnotizado tem dez anos e a letra será outra, correspondendo sempre à caligrafia da idade sugerida. Lembrará com detalhes, descrevendo os fatos acontecidos como se estivessem ocorrendo no momento. Descreve, como se estivesse usando e vendo a roupa que vestiu em determinada fase da sua mais remota infância. De forma imaginária, brincará com seus amigos e com os brinquedos preferidos, os quais seriam impossíveis de relembrar sem estar no estado de hipnose. Assim, acontecerá, sempre que lhe for sugerida outra data, o hipnotizado passará a viver e a enxergar fatos de dez, quinze, vinte anos atrás, poderá regressar praticamente até o seu nascimento. O hipnotizado responde a testes que comprovam ter ele, efetivamente, regredido na idade e, os resultados correspondem ao nível mental e à inteligência da idade induzida hipnoticamente. Um dos testes que impressionam os pesquisadores é o sinal de Babinsky. 113 Neste teste, fricciona-se a sola de um dos pés e, as reações diferem entre crianças de meses de vida e idade mais avançada, na pessoa hipnoticamente regredida, o teste comprova que o hipnotizado reage de acordo com a idade sugerida. Quando sugerida a regressão para a idade fetal, assumirá esta posição, deitando-se no chão e encurvando o corpo. Se perguntado o que sente neste momento, possivelmente dirá que nada vê, mas que escuta ruídos e batidas rítmicas, as quais descrevem assemelhando-as a batimentos cardíacos. Se a sugestão prossegue regredindo no tempo, como, por exemplo, 30 ou 40 anos antes de nascer, e for perguntado qual é o seu nome, certamente dirá qualquer outro menos o seu verdadeiro. Nessa fase, descreve estranha situação que, por ele, seriam impossíveis de ter sido realizada, quando acordado nada lembrará ter dito e, com certeza, durante todo o transe os relatos, verdadeiros ou não, sempre demonstram que o hipnotizado agiu com a mais absoluta boa fé. Isto é, nada do que disse foi com o propósito de enganar, simular ou mesmo inventar, pelo menos de forma consciente. 113
Joseph François Félix Babinsky, desenvolveu o método usado até hoje na pediatria para analisar o desenvolvimento neurológico de crianças recém-nascidas, denominado de sinal de Babinsky (N. do A.).
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A regressão hipnótica é um tema muito controvertido, sofre o crivo severo da crítica científica, mas os cientistas não têm uma explicação uniforme e completa sobre essa prática. No entanto, é indiscutível o consenso que afirma haver na regressão um extraordinário aumento da memória. A regressão hipnótica pode evoluir para a regressão às vidas passadas e sua explicação fundamenta-se basicamente em duas correntes opostas: a tese da fantasia do inconsciente e a tese da reencarnação. Algumas experiências são excelentes para favorecer uma ou outra explicação, sem, contudo, apresentarem elementos suficientes para a decisão de excluir uma das duas diferentes interpretações. Durante as sessões da pesquisa de campo, um caso que muito impressionou a todos que assistiram foi o transe de uma jovem professora, de 25 anos de idade, que participou da experiência de hipnose regressiva. Ao regredir 40 anos antes de nascer, ela se apresentou como se fosse um homem, com impressionante mudança na voz, falando de forma muito assemelhada à voz masculina. Apresentou também uma acentuada transfiguração na aparência do rosto. Dizia que seu nome era José Roberto Alves de Faria, falava expressões populares de uma época bem passada, como: “sossega leão, sai pra lá violão, dá cá o meu, etc.”. Descrevia-se trajando calça branca engomada e usando “Parada”, marca de chapéu masculino de uso no Brasil, aproximadamente entre 1935 e 1955, falava nomes e marcas de produtos que dizia ver impressos em cartazes de propagandas, dizia estar no interior de um bonde, transporte que efetivamente circulava nos locais e épocas descritas. Dizia também ter consigo moedas de uso na década de trinta. Descrevia prédios e estabelecimentos comerciais como empórios, armazéns e lojas, inclusive escrevendo com a ortografia da época, os nomes que dizia estar lendo nos letreiros. Os prédios não mais estão edificados, os produtos não mais existem, os locais foram transformados com o tempo. Para a maioria das pessoas presentes, os fatos narrados foram verdadeiros, e acreditaram que Roberto realmente vivera naquela época. Mudança de voz é comum na regressão de idade à própria infância, quando o adulto regredido fala com voz infantil. Ocorre, também na regressão à períodos anteriores ao próprio nascimento. Em alguns casos, apresentando cautela, parece que é para não despertar o sensor crítico, indica que na regressão mudou de gênero e muda também de voz. A sessão para regressão hipnótica deve ser longa, não deve comportar muitos observadores, as pessoas regredidas falam quase sussurrando. A regressão depende de um bom aprofundamento do transe e da aplicação de um método adequado. Só acontece após ocorrer o estado hipnótico, quando prossegue o hipnotista dizendo mais ou menos assim: • Dorme profundamente... Você agora vai entrar em um túnel... Vai voltar no tempo... Conto até três e você começará a voltar... Quando chegar a cinco estará em 1990... UM, começando a voltar... DOIS, está voltando...
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1993... TRÊS, está voltando... 1992... QUATRO, 1991... CINCO, 1990... Você está em 1990, diga, que idade você tem?... Alguns hipnotizados precisam ser mais incentivados para falar, outros falam com mais facilidade, geralmente apenas se limitam a respostas bem objetivas. Depois das respostas continua o processo de regressão: • Continua dormindo profundamente... Agora você está voltando mais rapidamente... Mais para trás... 1989... 1988... 1987... 1986... 1985... 1984... Você está em 1984... Onde você está? Que lugar é esse? Tem alguém com você? O que você está vendo? (Depois das respostas prossegue-se). O que você está vendo? Descreva quem está com você... Se o hipnotizado disser que está brincando, então lhe será entregue qualquer objeto como se fosse o que ele descreveu, e ele se disporá a manuseá-lo como se fosse seu verdadeiro brinquedo. Prossegue-se a regressão com a contagem dos anos: • 1983... 1982... 1981... 1980... Onde você está? Com quem está? Está na escola? Como é o nome da sua escola? Seus colegas? Descreva o que está vendo... Com essa mesma técnica, induz-se a sugestão até praticamente o nascimento. Quando regredido para a fase infantil, de seis meses de idade, por exemplo, o hipnotizado poderá reagir, às vezes com a voz infantil, chorando como um bebê e fazendo seus movimentos típicos. Nesta fase, dependendo do desempenho do hipnotizado, pode ser sugerida a regressão para a vida fetal e antes dela: • Você está com seis meses antes de nascer... Como é esse lugar?... Você sente alguma coisa?... Vou contar até dez e você estará com 20 anos antes de nascer... UM... DOIS... TRÊS, está voltando... QUATRO... CINCO... SEIS, está voltando... SETE... OITO... NOVE... DEZ... Pronto, 20 anos antes de nascer... Como é seu nome?... Onde você está?... Etc. Com certeza, na regressão hipnótica que antecede o nascimento do hipnotizado, este dirá um nome diferente do seu e contará uma vida bem diferente da sua, descrevendo estórias surpreendentes. Pode mudar de voz, pode comportar-se como se fosse de sexo diferente do seu, e até falar outro idioma. Seguindo esse método, a regressão não terá limite no tempo e, para cada nova época sugerida, o hipnotizado dirá que possui outro nome. Contará outra estória de vida completamente diferente da anterior. Para acordar o hipnotizado, realiza-se o processo inverso da regressão, fazendo-o retornar até o ano da sua idade atual, dizendo-se que o tempo está correndo para frente e que ele votará a sua idade atual, intercalando-se na contagem de retorno sugestões de bem-estar, normalidade, paz e felicidade pós-hipnótica. Por exemplo:
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• Agora você está voltando... 1990... 1995... 2000... 2007 (repete até o ano atual). Vou contar até cinco e você acordará... Calmo... Tranqüilo... Bem disposto... Feliz... UM... DOIS... TRÊS... QUATRO... CINCO... Pronto... Agora você está na sua idade atual... Normal. É comum, nas sessões de regressão hipnótica, o hipnotista sugerir que o hipnotizado é um grande artista, como um pintor ou escritor famoso. Neste caso, ele começa a pintar ou escrever como se verdadeiramente fosse a personalidade sugerida. Inclusive declara seu nome, idade, ambiente no qual vive, mudando de voz e até a forma de caligrafia. Tudo passa a ser bem diferente das características da vida do hipnotizado. Para que tal efeito possa surgir, é bastante que o transe esteja estabelecido e a sugestão se processe na seguinte forma: • Vou contar até cinco... Quando chegar a cinco, sua mente estará completamente vazia... UM... DOIS... TRÊS, esvaziando... QUATRO, vazia... CINCO, completamente vazia... Agora outra personalidade vai incorporar você... Um grande artista... Um Pintor... Como é seu nome? A resposta é surpreendente; pode ser o nome de um artista famoso e se for dado ao hipnotizado material de pintura, certamente ele pintará. Se o artista ou sua obra foi conhecido pelo hipnotizado, mesmo que em sua remota infância, mesmo que ele não se lembre conscientemente deste fato, no transe hipnótico lembrará com clareza e representará uma pintura bem parecida. Para isso, pode ser dito: Pinte... Mostre sua arte... De fato ele pintará com muita destreza e com detalhes impressionantes. Seu trabalho em muito será fiel ao que ele armazenou em sua memória. O mesmo acontece com relação à sugestão que referem escritores ou poetas. Hipnose acordada Podem ser induzidos todos, ou praticamente todos, os fenômenos clássicos inerentes ao estado de hipnose, sem submergir o hipnotizado no sono hipnótico. Pode ser conseguida toda série de demonstrações, como alucinações positivas e negativas dos sentidos, inibições motoras, levitação dos braços, catalepsia, amnésia, alterações de memória e regressão de idade, sem induzir o hipnotizado ao sono. A técnica indutiva é basicamente igual as anteriores, exceto na parte da sugestão do sono. É de uso recorrer para esse efeito, entre outras coisas, ao expediente da fixação ocular (método de Braid), pelo menos para produzir os primeiros efeitos. Frank Pattie, 114 dá sua versão sobre a hipnose acordada: Fitando os olhos do paciente, sugiro o balanço e os movimentos correspondentes, para frente e para trás. Ordeno ao paciente que dê um passo para trás a fim de evitar a queda. Repito a experiência. Dessa vez, porém, sugiro ao paciente um estado de rigidez nos joelhos dizendo que 114
PATTIE, F. The genuiness of some hypnotic phenomena: hypnosis and its therapeutic application, N. York, Mac Grew-Hill Book Comp. 1956.
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Se o hipnotizado correspondeu a todas ou à maioria dessas provas, passa-se à demonstração da amnésia. Diz Pattie, segurando a mão do hipnotizável: Vou largar-lhe lentamente a mão. No momento em que eu largá-la de todo, você obedecerá a uma ordem minha, e tornará a segurar a minha mão. Largo a mão do paciente e peço-lhe um anel ou um relógio. Torno a segurar-lhe a mão, enquanto embolso o objeto pedido, e sugiro que, à medida que vá largando de novo, a lembrança do que acaba de executar, se desvaneça de sua mente. Um dos assistentes, devidamente instruído, perguntará depois ao hipnotizado, já dispensado e fora do transe, pela hora ou pelo anel. O grau de autenticidade da amnésia se verificará pela sua reação (PATTIE).
Esse método de hipnotização exige atitudes mais autoritárias e maior desembaraço do que os processos que envolvem o “sono“. O hipnotista tem de demonstrar maior domínio e maior grau de confiança, quando atuando sobre uma pessoa de olhos abertos. Substituindo a sugestão do sono pela recomendação do relaxamento muscular e do exercício respiratório, muitos indivíduos rebeldes à hipnose são levados aos níveis profundos do transe, e voltam sem sequer desconfiarem de que foi hipnotizado, isso exige maior perícia do hipnotista e maior suscetibilidade do hipnotizado.
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CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO Embora na literatura seja evidente a indefinição teórica da hipnose, isso não impediu que, a partir das observações práticas, seu estudo não fosse cientificamente sistematizado. Com objetivo geral de verificar contrastes entre a experiência empírica e a teoria conhecida, além da conquista dos objetivos específicos, como identificar a sintomatologia, reconhecer as características e dividir o transe hipnótico em níveis diferenciados, o autor realizou uma pesquisa de campo qualiquantitativa, na cidade de Salvador, na Bahia, entre 1997 e 2002. O problema crucial da investigação foi avaliar a divergência de dados estatísticos apontados na literatura, qual a sintomatologia e quais os efeitos do transe, além de desvendar sua importância terapêutica. Além dessa motivação direta, houve também o interesse em avaliar o processo hipnótico como um todo. Na medida em que a pesquisa acontecia, outros questionamentos foram surgindo e, com as respostas, foi possível dirimir algumas dúvidas sobre vários tópicos apresentados nos diferentes capítulos deste livro. A distribuição das tarefas contou com a participação de uma equipe fixa e multidisciplinar, composta por 5 colaboradores com experiência em pesquisa acadêmica, além de 5 voluntários, predominantemente alunos de iniciação científica, que se revezavam entre uma sessão e outra. Todos motivados pela expectativa de respostas para seus questionamentos pessoais e fascinados pelo tema objeto do estudo. No período de cinco anos foram realizadas 400 sessões de hipnose, envolvendo diretamente 1.984 pessoas. Neste cenário ocorreram bastantes observações práticas, coleta de dados, leituras e debate sobre a área temática em análise. Estabelecido o cronograma, foram realizadas 6 sessões de hipnose mensais, em média, com duração de 2 horas, com o mesmo grupo de colaboradores, participantes e expectadores. Além de mais 2 horas de reuniões semanais, apenas com os membros da equipe, para avaliação do processo e orientação de procedimentos futuros. Durante os 2 primeiros anos a pesquisa foi realizada nas dependências de uma universidade localizada na cidade do Salvador. Posterior a isso, a equipe conquistou com recursos próprios seu próprio espaço e os equipamentos necessários para continuar suas atividades. Cada um contribuindo da melhor forma e doando quanto e que podia, mantendo viável a execução do projeto. Na primeira sessão de cada mês (módulo), sempre se fez testes de suscetibilidade com todos os presentes; na segunda, foi induzido o transe com sugestões terapêuticas; na terceira, regressão hipnótica de idade; na quarta, hipnose de palco e na quinta, sessão de auto-hipnose. Cada turma contou com a participação de 40 pessoas, predominantemente alunos de cursos universitários, profissionais da área da saúde e convidados. Nos módulos
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seguintes, foi evitada a participação das pessoas que já tinham passado pela experiência nas sessões anteriores. Os hipnotizados foram identificados, através de fichas construídas para este fim, considerando gênero, idade, raça, grau de instrução, atividade profissional e situação conjugal. Durante a pesquisa, foi realizada uma série de observações diretas e aplicados 500 questionários padronizados, semiestruturados, composto de questões formuladas para aqueles que apresentaram, durante o transe, sintomatologia mais completa. Foram realizadas 100 entrevistas, a partir de um roteiro elaborado para esclarecer questões não satisfatoriamente respondidas nos questionários. Foi perguntado o quê, na opinião deles, significa hipnose; quanto tempo acha que durou o transe que experimentaram; se têm lembrança do que ocorreu durante o transe; como e se é possível descrever sensações vivenciadas; os motivos que os levaram a participar do processo; se efetivamente ocorreu mudanças significativas em suas vidas depois da experiência com a hipnose, caso afirmativo, a que eles atribuíam. Para documentar e alimentar o banco de dados, além dos questionários e dos roteiros das entrevistas, foi ainda incluído formulários de anotações e discrição das observações de campo. Com esta finalidade, também se produziu com expressa permissão dos participantes, fotografias e filmes durante as sessões. Os dados foram tratados e, tomando por base a estatística, foi utilizado um programa SPSS - Statistical Package for The Social Sciences para tabulações e levantamento de probabilidades matemáticas para, na fase da analise, confrontar com os dados teóricos. Levando-se em consideração a incidência percentual, foram construídos tabelas e gráficos que respondem as questões iniciais da pesquisa e, principalmente para identificar uma seqüência de sintomas ou reações espontâneas entre os hipnotizados. Os percentuais publicados foram ajustados por casa decimal, conforme estabelecem as normas de aproximação. A média de idade dos sujeitos da pesquisa variou entre 18 e 60 anos. 58% entre 18 e 25 anos, 12% entre 26 e 32 anos, 10% entre 33 e 60 anos. A amostragem foi aleatória entre homens e mulheres de diferentes classes sociais e níveis de escolaridade, que se apresentaram espontaneamente para participar das sessões. Durante as sessões, os sintomas observados não foram induzidos pelo hipnotista, surgiram naturalmente e em conseqüência da evolução do transe. Para efeito de classificação dos sintomas, foi considerando cinco fases de aprofundamento; hipnoidal, transe leve, médio, profundo ou sonambúlico e pleno, todos explicitados no campo teórico. Durante a pesquisa, o transe foi provocado apenas por estímulo dos sentidos normais como a visão, a audição e o tato, preferencialmente aplicando o “método da estrela” e “toques” recomendados por Jean-Martin Charcot, nas
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chamadas zonas hipnógenas do corpo humano. Com menor freqüência, também foram aplicadas as recomendações de Ambroise August Liébault para verbalizar sugestões. A prática demonstrou que ocorre na pessoa hipnotizada mudança no estado físico e mental, podendo produzir alterações no fisiologismo, na percepção, nas sensações, no comportamento, nos sentimentos e na memória. Nas mudanças fisiológicas que se produzem em conseqüência do nível do transe, figura geralmente uma baixa na pulsação, ocorrendo quedas mais ou menos acentuadas na pressão arterial. Para mensurar as alterações no fisiologismo do organismo humano, foram utilizados instrumentos, devidamente aferidos e calibrados conforme os padrões, para medir pressão arterial, temperatura corporal e o nível de batimentos cardíacos. A pesquisa não contou com apoio financeiro ou institucional, por isso o projeto não contemplou o uso de instrumentos como o PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) e o EEG (Eletro Encefalograma), além de outras tecnologias mais sofisticadas e atuais. No entanto, é sugerido para estudos futuros o uso desses recursos, são indispensáveis para mensurar outras variáveis neurofisiológicas e ampliar o espectro da investigação. Os dados da pesquisa indicam que ao iniciar-se o transe costuma haver vaso-constrição, seguida de vaso-dilatação que se vai prorrogando até o momento de acordar. Equivale a dizer que, no começo os batimentos cardíacos se aceleram, a pressão pode subir um pouco, mas à medida que o transe se aprofunda tende a cair. Na pessoa bem hipnotizada observa-se geralmente uma mudança na temperatura periférica; variação de calor para mais (hipertermia) no tórax e cabeça, associando com variação de calor para menos (hipo-termia) associada à sudorese excessiva nas extremidades das mãos e pés, conservando-se geralmente assim durante todo o transe. Pequenas diferenças podem ocorrer de um indivíduo para outro. Durante o transe geralmente o hipnotizado apresenta-se como quem experimenta um relaxamento geral, não obstante também apresentar o aumento da percepção dos sentidos. Alguns hipnotizados podem manifestar intensa excitação mental expressada através de convulsões, gritos, crise de choro ou riso, ás vezes alternadamente. A noção de tempo e espaço fica distorcida e, de olhos abertos, as pupilas ficam dilatadas. 87% dos que experimentaram o processo hipnótico, após o transe perderam a noção do tempo; declarando quando entrevistado que seu transe durou apenas 5 ou 10 minutos, quando na verdade transcorreu em 1 ou 2 horas. 5% destes, permanecendo no ambiente onde acabou de ser hipnotizado, voltaram espontaneamente para o transe, sobretudo quando outras pessoas hipnotizadas estivam presentes. 94% dos entrevistados que passaram pela experiência do transe, revelam sentir aumentar muito o nível do sono fisiológico e dormiram mais profundamente na noite posterior à sessão. 97% declararam que, após o
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transe, sentiram grande sensação de bem-estar, ficaram como se estivessem sonolentos por várias horas após a sessão. 74% declararam também que após a experiência sentiu fortes sensações de felicidade e contentamento. Nos entrevistados há unanimidade quanto à função terapêutica da hipnose. 100% revelaram que, após o transe, ocorreu elevação do nível na sua qualidade de vida. Entre as mudanças que foram citadas nos questionários, há registro, principalmente, da elevação da auto-estima, melhoria em relacionamento afetivo e social, superação de estresse, pânico, fobia, crise asmática, distúrbios gástrico intestinal, ansiedade, sucesso profissional, ampliação da capacidade de aprendizado e outros benefícios que motivaram diretamente a participação no processo hipnótico. É evidente pelos depoimentos dos entrevistados o caráter terapêutico do transe hipnótico, isso comprova o que expressa o pensamento de Milton Hyland Erickson (1901 – 1980), 115 psiquiatra americano que repensou a hipnoterapia com o uso de metáforas que serviam para alcançar o inconsciente do paciente e tratar as causas dos sintomas. Erickson não só atribuiu ao transe caráter terapêutico, também o definiu como sendo um momento especial e diferenciado, durante o qual o paciente tem condições de quebrar, com mais facilidade, suas limitações e a estrutura dos seus sistemas de crença pessoais e supostas realidades que regem a dinâmica de sua vida. As conclusões da analise dos dados também apontam que a hipnose é um fenômeno que se explica e se produz em função do hipnotizado, por isso é possível que as expectativas sejam variadas tanto para mais como para menos, a depender do indivíduo. Também induz acreditar que é pela reação e pelos sintomas físicos apresentados pelo hipnotizado que o hipnotista pode avaliar a autenticidade e a profundidade do transe. Durante as sessões foram produzidos fortes estímulos dos sentidos da audição, do tato, do olfato, e da visão, mas não ocorreram respostas positivas em 93% dos hipnotizados. Porém, quando induzidos por sugestões de que eram capazes, 76% demonstraram que, durante o transe podiam ouvir e descrever ínfimos sinais sonoros; sentiam a presença de objetos aquecidos e colocados a distancias impossíveis de ser percebidos em condições normais. 68% revelavam com muita facilidade a presença de fragrâncias que só eles podiam perceber; como a presença do cheiro de éter, alfazema, álcool e diferenciavam de outros, propositadamente colocados em distancias que só eles, ninguém mais presente no ambiente, percebiam. A sintomatologia do transe Chacout dividiu a hipnose em três estágios ou níveis genéricos; a letargia, a catalepsia e o sonambulismo. O primeiro é comparado com a hipnose ligeira, 115
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of everyday life. N. York, 1939.
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o segundo com a hipnose média e o terceiro com a hipnose profunda. São relacionados com as seguintes características: • Hipnose ligeira, ou superficial. O hipnotizado tem consciência de tudo que acontece. Dará e terá, inclusive, a impressão de que nem sequer está hipnotizado. Porém, não saberá explicar porque seguiu corretamente as sugestões do hipnotista ou porque permaneceu imóvel enquanto durou a sessão. • Hipnose média. A pessoa conserva uma lembrança parcial do que se passou durante o transe. Não terá dúvida, porém, quanto ao estado de hipnose que experimentou. • Hipnose profunda. Também chamada de sonambúlica, neste nível costuma ocorrer, entre outras coisas, a amnésia pós-hipnótica. Ao acordar, declara não se recordar de nada do que se passou. Liébeault acreditava em cinco níveis, Bernheim em nove, Davies e Husband apresentam uma escala com trinta níveis e suas características correspondentes. Mas, é de Le Cron e Bordeaux 116 a escala considerada como a mais completa. Este autor divide o estado hipnótico em 5 fases e suas respectivas mudanças fisiológicas espontâneas que se produzem naturalmente durante o transe. Chama fase I de Insuscetível, nela ficam aqueles que não respondem aos testes de suscetibilidade. A II é a hipnoidal, referi-se a fase vestibular do transe, seguida da fase III, o transe leve, depois IV como nível médio e V como profundo ou sonambúlico. De acordo com a estatística organizada por Bramwell, 117 98% dos indivíduos apresentam alguma suscetibilidade. De 10 a 20% das pessoas mais jovens, entre 8 e 25 anos, alcançariam os níveis mais profundos do transe hipnótico. Atualmente, computam-se 25 a 30% das pessoas como propensas ao estágio sonambúlico. Liébaut e Bernheim conseguiram esse estágio em aproximadamente 26% e afirmam que, em média, nas apresentações públicas, 80% respondem positivamente aos testes de suscetibilidade hipnótica. Ainda segundo as estatísticas apresentadas por Bramwell, 55% das crianças alcançam os transes mais profundos, enquanto apenas 7% das pessoas acima dos 60 anos chegariam a níveis hipnóticos de igual profundidade. A suscetibilidade hipnótica alcança seu máximo potencial entre 8 e 14 anos e começa declinar entre 25 e 30 anos. A pesquisa comprova que, apesar disso, é bem possível que pessoas idosas sejam facilmente hipnotizáveis e que crianças possam resistir bastante à hipnose. Conclui por inferir que geralmente a suscetibilidade se apresenta como um dom de família e é possível encontrar-se verdadeiras famílias de suscetíveis. Identificado na 116
LeCRON, Leslie M. and BORDEAUX Jean. Hypnotism today. N. York, Grune and Stratton, 1947. 117 BRAMWELL, J. Hypnotism, Ist history, practice and theory, Philaephia, J. B. Lippincott, 1930.
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família uma pessoa suscetível, geralmente são também suscetíveis os irmãos e, pelo menos, um dos pais. Para esclarecer as diferenças estatísticas apresentas pelos autores, principalmente quando se referem aos níveis de aprofundamento do transe e seus respectivos sintomas, esta pesquisa considerou 4 fases (II a IV) recomendadas por Le Cron e Bordeaux. Eliminou a primeira pelo fato de classificar apenas os insuscetíveis e acrescentou mais uma, a quinta, correspondente ao transe pleno. Como critérios de classificação de sintomas foram Investigados os percentuais de hipnotizados, as reações observadas foram numeradas de 1 a 50. Com base nestes dados, foi construída uma escala, composta por 5 fases e nomeadas como fase I, transe preliminar; fase II, transe leve; fase III, transe médio; fase IV, profundo ou sonambúlico e fase V, transe pleno. Essa nova classificação da sintomatologia do transe pode ser entendida na forma seguinte: FASE I - Preliminar – 98% das pessoas são hipnotizáveis e, quando submetidas à hipnose, pelo menos se enquadram na fase preliminar do transe. Ao iniciar o processo de indução, mostram uma expressão de cansaço, freqüentemente tremores nas pálpebras e contrações espasmódicas nos cantos da boca e nas mãos, pode ou não ocorrer aumento de batimento cardíaco. Não reagem positivamente com celeridade a sugestões pós-hipnótica. São sintomas identificados na fase I: 1. Fechamento espontâneo dos olhos. 2. Aparente sonolência. 3. Tremor das pálpebras. 4. Contrações espasmódicas da boca e do maxilar durante a indução. 5. Aumento de batimento cardíaco. 6. Relaxamento mental e físico com perda de motricidade. 7. Sensação de peso no corpo inteiro 8. Ausência ou retardo da reação à sugestão pós-hipnótica. FASE II - Transe leve – 80% das pessoas submetidas à hipnose evoluiu para esta fase. Começaram a sentir os membros pesados e finalmente todo o corpo pesado, experimentaram um estado de alheamento, embora conservasse ainda consciência de tudo que se passava ao redor. Entre outros sintomas, pode ser observado no hipnotizado a catalepsia ocular, a catalepsia dos membros e a rigidez cataléptica que se caracteriza pelo enrijecimento dos músculos do corpo, porém com ausência de fadiga muscular durante e após o transe. O hipnotizado mantém-se sério e imóvel, age como se não estivesse criticamente afetado pelo que acontece no ambiente, a respiração é mais lenta e mais profunda. Neste estágio obedece às sugestões simples, embora resistentes às mais complicadas, quando retornam do transe dizem que se lembrava de tudo que aconteceu, porém declaravam sempre que, durante o transe, tentou moverse em vão. São sintomas identificados na fase II:
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8. Rapport entre hipnotizado e o hipnotista. 9. Catalepsia ocular e parcial dos membros, com rigidez de pequenos grupos musculares. 10. Perda de motricidade até a saída do transe (sem disposição para se mover, falar, pensar, agir). 11. Respiração mais lenta e mais profunda. 12. Visível engrossamento da artéria carótida, à altura do pesco, rubor e elevação de temperatura da face e do tórax. 13. Resfriamento das extremidades do corpo. 14..Alheamento a tudo que ocorre no ambiente. 16. Aceita sugestões pós-hipnóticas simples. 17. Aceita sugestões de mudanças de personalidade. 18. Contrações intermitentes das pálpebras ao sair do transe. 19. Após o transe apresenta córneas avermelhadas, porém sem irritação ocular. FASE III - Transe médio - 70% das pessoas submetidas à hipnose se enquadram nesta fase. Embora conservasse alguma consciência do que se passava, estavam efetivamente hipnotizadas, já não ofereciam resistência às sugestões. Apresentaram amnésia parcial acentuada, lembram-se apenas de parte dos fatos que ocorreram durante o transe. Freqüentemente, nesta fase, o hipnotizado fica com os olhos entreabertos aparecendo parte branca inferior da córnea. Nesta altura se produzem a catalepsia completa dos membros e do corpo inteiro, alucinações motoras, alucinações positivas e negativas dos sentidos e alucinações sinestésicas. Já se consegue efeitos analgésicos e anestésicos locais, razão por que este estágio é indicado pelos autores referidos no campo teórico como próprio para pequenas cirurgias. Espontaneamente ocorreu a glove anestesia (anestesia das mãos), além de hiperacuidade em relação às condições atmosféricas com elevada sensação de frio ou calor. São sintomas identificados na fase III: 20. Amnésia parcial acentuada quando sai do transe. 21. Sudorese excessiva e resfriamento nas mãos e pés. 22. Glove anestesia. 23. Rigidez muscular nos braços e pernas no corpo todo. 24. Presenças de ilusões sinestésicas. 25. Ocorrências de ilusões do gosto e alucinações olfativas. 26. Hiperacuidade com relação às condições atmosféricas. 27. Hiperestesia em relação à presença e ou proximidade do hipnotista. 28. Hiperacuidade olfativas; auditivas e táteis. FASE IV - Transe profundo ou sonambúlico – 30% das pessoas submetidas à hipnose se enquadram nesta fase. Apresentaram uma expressão impressionantemente fixa com as pupilas visivelmente dilatadas ou permaneceram com os olhos abertos, mas não apareceu a íris (olhos brancos). Em alguns casos ocorreu o fechamento dos olhos e o movimento não
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coordenado dos globos oculares por debaixo das pálpebras, movendo-se em todos os sentidos. Freqüentemente na fase IV, o hipnotizado ainda que reaja com maior ou menor presteza às sugestões, sua aparência é a de quem está submerso num sono profundo e aceita sugestões pós-hipnóticas bizarras. O hipnotista pode assumir o controle das funções orgânicas do hipnotizado, influindo, por meio de sugestões, no ritmo das pulsações cardíacas, alterando a pressão arterial, os processos metabólicos, etc. No transe profundo pode ocorrer também regressão de idade e as alucinações pós-hipnóticas negativas, o hipnotizado vê e tem tato, ouve, sente cheiro ou gustação de algo que não existe, ou alucinações positivas quando os sentidos reagem negando estímulos que existem. A isso pode ser acrescentada a anestesia e, o que é mais importante, a anestesia pós-hipnótica. O hipnotista, indicando a região a ser anestesiada, determina as condições específicas como o dia, a hora ou local, quando a anestesia deve produzir efeito. Assim poderá ser submetido à intervenção médico-odontológica, independente de nova sessão e na ausência do hipnotista. A anestesia hipnótica completa, além de ser um dos fenômenos clinicamente importantes, é uma das provas mais convincentes do transe profundo. A hiperestesia pode ocorrer no transe sonambúlico, é visível quando o hipnotizado “se liga” mentalmente ao hipnotista e, mesmo sem ver, manifesta inquietude quando este se afasta ou quando aproxima a mão, reagindo como se fosse uma forte atração magnética. Em certas ocasiões o hipnotizado, de olhos vendados, segue o hipnotista, andando como se fosse sua sombra, inclinando ou arrastando o corpo em sua direção. São sintomas da fase IV: 29. Olhar fixo, esgazeado e, com a incidência de luz, as pupilas dilatadas não contraem (midríase). 30. O hipnotizado permanece com os olhos totalmente abertos, mas não aparece a íris (olhos brancos). 31. Olhos se fecham e apresentam movimentos não coordenados. 32. Comporta-se como um sonâmbulo (sonambulismo artificial). 33. Amnésia é completa ou sistematizada por sugestão pós-hipnótica. 34. Anestesia pós-hipnótica. 35. Sugestões pós-hipnóticas bizarras. 36. Alheamento total a tudo que ocorre no ambiente, mesmo quando submetido a fortes estímulos. 37. Alterações das funções orgânicas por sugestão; alterações da pulsação, pressão, digestão, ritmo da respiração, resfriamento de parte ou do corpo todo. 38. Responde à sugestões de lembrar coisas esquecidas. 39. Regressão de idade com absoluta precisão de lembranças de fatos mesmo que ocorridos na fase mais infantil. 41. Alucinações visuais e auditivas positivas e negativas pós-hipnóticas.
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42. Estimulação de sonhos durante o transe ou pós, no sono normal. 43. Hiper-sensações olfativas, aromáticas e a odores, ocorrência de forte hiperestesia do tato. FASE V - Transe pleno – 6% das pessoas, quando submetidas à hipnose se enquadram nesta fase. Quando o transe atinge o nível pleno o indivíduo fica imóvel e, à medida que passa o tempo, pode manifestar intensa excitação mental expressada através de grandes convulsões, gritos, crise de choro ou riso aparentemente voluntário. Os pesquisados mantiveram a boca seca e entreaberta, apresentaram movimentos descontrolados do globo ocular, um olho movendo para cima e o outro para baixo, ou ainda, um olho para um lado e o outro em sentido contrário. Logo após entrar em transe, apresentaram ausência total de reação mesmo quando submetidos a fortes estímulos do tato, da audição, da visão e do olfato. No entanto, estavam profundamente ligado e pronto para executar as sugestões do hipnotista e, se induzido, os sentidos convencionais se exacerbavam ao extremo. Mudam do estado abúlico para extremamente dinâmicos instantaneamente. No grau superlativo do transe hipnótico pode ocorrer transfiguração do hipnotizado e a mudança no tipo e timbre da voz. Geralmente nesta fase ocorrem, ou podem ser induzidos, fenômenos hiperestésicos e clarividentes, além da somatização das sugestões; encostando-se um objeto frio na pele do hipnotizado e dizendo ser uma brasa, pode aparecer uma bolha como se provocada por uma queimadura. No nível pleno do transe pode surgir ou ser induzido um extraordinário aumento dos sentidos convencionais como tato, audição, visão, paladar e olfato que se manifestam na forma de clarividência, clariaudiência. A clariaudiência significa a capacidade de ouvir ruídos ou sons ínfimos e, a clarividência é ver além do olhar ou da visão convencional. Essas manifestações geralmente aparecem associadas. O hipnotizado passa a ouvir, ver ou sentir além da capacidade dos seus sentidos normais. São sintomas da fase V: 44. Movimentos descontrolados do globo ocular. 45. Inibição de todas as atividades espontâneas. 46. Mudança instantânea da abulia para o dinamismo extremo. 47. Intensa excitação mental; grandes convulsões, gritos, crise de choro ou riso que se alternam. 48. Transfiguração; alta palidez, contorno dos olhos e unhas roxas, 49. Pode ocorrer mudança de voz. 50. Somatização das sugestões e ocorrências de telecinesias. No transe pleno apenas (3%) dos hipnotizados apresentaram somatização das sugestões. Durante a pesquisa aconteceram apenas três registros entendidos como possíveis de serem manifestações de telecinsia, termo derivado das palavras gregas tele e kinesis que significa “movimentar de longe” ou mover objetos sem contato. a) Vibrações intensas de portas e janelas. b) Explosão de três lâmpadas elétricas, em pequenos e sucessivos
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intervalos de tempo. c) Rápidos e curtos arremessamentos e movimentações de cadeiras e mesa. Os casos descritos como possível de ter sido telecinesia, ocorrem de forma espontânea e inesperada, absolutamente sem expectativa ou controle sobre eles. Não foram identificadas, embora exaustivamente procuradas, causas físicas ou naturais que justificassem as ocorrências. Havia mais de trinta pessoas no ambiente, em média quinze estavam em transe e, pelo menos, uma apresentava sintomatologia de transe pleno. Embora outras sessões ocorressem com iguais condições, inclusive com os mesmos participantes, os fatos não se repetiram. Durante o transe hipnótico, salvo em casos nos quais as mudanças fisiológicas ou as reações indicadas como sintomas sejam produzidas por sugestão direta, ou indiretamente veiculada pelo hipnotista, estas aparecem de forma espontânea e correspondem ao nível de aprofundamento do transe atingido pelo hipnotizado. Mas, dentro desse esquema, tem de se levar em conta as variantes das reações individuais, em alguns casos características do transe profundo ocorrem no transe médio e até mesmo no ligeiro. A pesquisa demonstrou que 3% dos hipnotizado entra em transe, apresenta sintomatologia característica dos diferentes níveis de aprofundamento e, mesmo assim, saem do transe espontaneamente. Também demonstrou que, independente de sugestões do hipnotista, permanecendo no ambiente onde ocorre a sessão, principalmente se outros ainda estiverem hipnotizados, 5% imediatamente após passar pela experiência do transe, apresentam midríase, perda da discriminação espaço-temporal, ilusões sinestésicas, perda ou diminuição de controle psicomotor e voltam espontaneamente ao estado anterior. Estes foram denominados como “ligadesliga”. 98% dos pesquisados que respondeu positivamente aos testes de suscetibilidade, também foram positivos à indução do transe em suas variadas formas de apresentação; reagiram favoravelmente às sugestões terapêuticas, à regressão de idade, à hipnose de palco e, principalmente, na sessão de autohipnose. Na hipnose de palco, 45% apresentaram respostas às sugestões de forma muito dinâmica, 30% com reações moderadas e 15% embora com sintomas característicos do transe profundo, revelaram o comportamento abúlico e passaram cerca de duas horas, até o fim da sessão, absolutamente imóvel. O transe hipnótico O transe hipnótico, quando não produzido por meios químicos, se caracteriza pelo fato do sujeito manifestar certa indiferença temporária, relativa ou completa, às impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos com referencia às condições do ambiente e aos acontecimentos onde e enquanto transcorre o processo hipnótico. Porém, durante o transe podem ocorrer manifestações di-
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nâmicas provocadas por sugestões externas ou internas próprias dos sujeitos hipnotizados. Trata-se de um estado diferente da consciência habitual, mas normal na concepção de que não é patológico e é sempre temporário, além de não ter sido produzido por elemento invasivo. A pesquisa aponta que, como acontece em qualquer transe, provocado por qualquer método ou processo, o hipnotizado reage influenciado por sugestões subjetivas internas, como suas tendências quanto aos seus valores morais, éticos e religiosos, seus anseios, frustrações, expectativas, êxitos e fracassos na história de vida. Depende também do modo como a sociedade ou a cultura na qual ele está inserido interpreta a realidade e, como ele percebe essa interpretação. Reage ainda por sugestões objetivas externas, como o próprio ambiente onde ocorre à sessão, a proposta ou justificativa para a produção do transe, das sugestões conduzidas e manipuladas pelo hipnotista ou pelo hipnotizador. Por estes fatores, o transe se ajusta aos rituais religiosos fundamentado em diferentes crenças, assim como pode ser produzido com diferentes propósitos e ocasiões. Colabora com as observações práticas realizadas nas sessões, a definição da Bristish Medical Association. Define o transe como um temporário estado alterado de consciência e atenção do sujeito, induzido por um hipnotista, no decurso do qual podem ocorrer vários fenômenos, tanto espontâneos como em resposta as sugestões verbais ou de outra natureza. Há pessoas, em especial os mais jovens, que entram em transe espontaneamente, falam e se locomovem, são capazes de praticar atos e, ao saírem do transe, não lembram e nem sabem explicar o quê, nem como aconteceu o que acabou de experimenta. O transe é um acontecimento relativamente comum, ocorre em situações diversas como no sonambulismo, nos rituais místicos, religiosos e nas sessões especificas de hipnose. Em todos os casos, as características são as mesmas, embora cada um tenha seu propósito e sua própria explicação. 85% das pessoas entraram em transe profundo quase que instantaneamente. 5% alcançaram um transe satisfatório no transcurso de várias sessões. 9% alcançaram na segunda ou terceira sessão, Destes 30% apresentam um tipo de transe passivo, 60% se manifestam pela exacerbação dinâmica. 10% apresentam reações abúlicas. Salvo raríssimas exceções, a pessoa em transe não se mostra inclinada a falar, tem uma tendência de responder às perguntas, de forma positiva ou negativamente, por meio de movimentos com a cabeça. Quando coagido a falar, toma as recomendações ou ordens muito ao pé da letra, manifestando-se na linguagem, como em tudo mais, por uma ausência de iniciativa e de espontaneidade. Geralmente fala baixo, não muda de posição e mantém-se sério, não se deixa contagiar com o que ocorre no ambiente, é como se nada ouvisse, visse ou sentisse, a menos quando dirigido pelo hipnotista.
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Quanto à eficácia ou efeito prático da sugestão na produção dos resultados esperados, a pesquisa observou que quanto mais profundo for o nível do transe, mais rápida e completa será a resposta. Para os mais profundos, às vazes, apenas uma sessão será suficiente, em outros casos a sugestão terá que ser repetida em várias sessões. A prática demonstra que para a sugestão surtir efeito prolongado na vida do hipnotizado, deve ser repetida em média por três ou quatro sessões. Isto é verificado quando se aplica sugestões pós-hipnóticas, do tipo de frases para retorno imediato ao transe. Formulada uma vez, o efeito da sugestão póshipnótica dura em média vinte dias, reforçada antes deste período, ficam validada por cerca de seis meses, reforçada pela terceira vez no mesmo prazo, funcionam por anos. A pesquisa demonstrou também que ocorre uma evolução no nível do transe do hipnotizado, na medida em que ele repete a sessão. No entanto, quem é sonambúlico ou pleno apresenta essas características instantaneamente na primeira sessão. Nem um dos participantes evoluiu para os dois últimos níveis, a evolução aconteceu apenas do nível preliminar para o leve, do leve para o médio. Testes de eficácia As técnicas para mensurar o nível de indução ao transe hipnótico variam de acordo com a suscetibilidade específica do hipnotizado, salvo em demonstrações públicas quando deve ser adotado um método, mais ou menos estereotipado, que permita uma resposta rápida, dando condições de manobra do hipnotista. No caso de dúvida quanto ao transe o processo deve ser abortado para evitar desconfiança da platéia. Neste tipo de hipnose, para garantir o êxito, além da boa escolha dos suscetíveis, os testes têm de ser rápidos. De um modo geral, durante o transe hipnótico, as reações do indivíduo hipnotizado se dividem em duas categorias fundamentais: a dramatização das situações sugeridas e as alterações psicofísicas que se processam no hipnotizado. Freqüentemente, na primeira categoria, envolve a suspeita de que pode haver simulação. Na segunda, os sinais físicos são mais confiáveis para que se possa acreditar que a hipnose está instalada. Para afirmar que o indivíduo está ou não hipnotizado, o hipnotista deve observar atentamente a sintomatologia. É o procedimento mais seguro, embora, os menos experientes, tenham a tendência de acreditar mais nas provas demonstradas no comportamento do hipnotizado e, isso, pode ser simulado, enquanto as mudanças físicas do hipnotizado não. Dentre os sinais físicos de hipnose, o mais preciso é a anestesia dos sentidos, que pode ser verificada pela ausência do tato. Pica-se a mão do hipnotizado sem aviso prévio e sem que ele possa perceber. A ausência de reação indica transe médio ou profundo. Quanto mais imóvel, mais profundo
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será o transe hipnótico, é quando a respiração é suave, profunda e rítmica. Nesta fase do transe foi observado também que a sugestão se consolida com mais força e produz efeitos imediatos. Uma forma simples de avaliar o transe é saber que os bons suscetíveis logo aparentam palidez, às vezes bem acentuada. Embora pareça paradoxal quanto mais lenta for a representação das situações sugeridas ao hipnotizado, mais profundo é o transe; quanto mais lenta a resposta da sugestão do levantamento dos braços, quanto mais lentos os movimentos sugeridos, mais profundo é o nível do transe. Pode-se ter certeza do estado profundo de hipnose, se o hipnotizado revirar totalmente os olhos de forma que, com as pálpebras levantadas não apareça a íris, isto é, ficam totalmente brancos. É sinal incontestável de transe sonambúlico. Outro teste consiste em levantar o braço e ou a perna do hipnotizado e deixá-la erguida. Se permanecer na posição em que o hipnotista largou, é sinal de transe médio ou profundo, caso contrário o nível seria superficial ou leve. Este teste não oferece a mesma margem de segurança que a anterior, já que o simples gesto de levantar o braço vale por uma insinuação e pode ser considerado como uma sugestão. Não obstante tudo que ocorre numa sessão de hipnose ainda pode persistir a dúvida, tanto para o hipnotizado como para o hipnotista e para quem assiste. Em certos casos, para se ter certeza se houve ou não a ocorrência do estado hipnótico, um recurso sutil e altamente convincente é a sugestão póshipnótica. Para se aplicar uma sugestão pós-hipnótica tanto, é preciso que se tenha produzido um transe de nível médio ou profundo. É neste nível que se apresentada ao hipnotizado uma sugestão de efeito retardado, ou seja, de efeito pós-hipnótico, como exemplo: Pode ser dito que ao acordar, ele sem falar nada, sairá para beber água porque estará com muita sede, ou ainda, que quando ouvir determinada palavra ou frase entrará novamente em sono profundo. Dependendo do nível do transe experimentado, tudo isto efetivamente acontecerá. Saída do transe O retorno de um transe não deve ser súbito ou violento, o indivíduo pode mostrar-se assustado, ou mesmo impressionado, a ponto de auto-sugestionarse que o transe lhe fez mal. Pode, por exemplo, queixar-se de sentir dor de cabeça, ou que continua com as pernas imóveis, ou que mesmo acordado não pode se mexer, o que jamais aconteceria se, antes de acordá-lo, lhe fosse aplicada uma sugestão pós-hipnótica do tipo: “ao acordar se sentirá muito bem, perfeitamente normal, feliz, etc.”. 12% das pessoas, no transe, insistiram em prolongar o rapport, ou seja, sua relação com o hipnotista e ocorreram efetivamente casos que o ato de
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acordar foi prolongado. Isso não deve constituir-se em motivo de pânico para o hipnotista, ainda que as reações do hipnotizado assumam proporções extremas. Nestes casos o hipnotizado deve ser surpreendido com uma ação mais enérgica do hipnotista e, se mesmo assim persistir em não acordar ignoreo, até que saia espontaneamente. Uma das técnicas de acordar consiste em contar até dez, para atingir o resultado esperado interpola-se, entre um número e outro, sugestões adequadas e alguns toques físicos recomendados por Charcot para este ato. Por exemplo: • Agora, vou começar a acordá-lo contando até dez... Você vai sentir-se maravilhosamente bem disposto... Uma sensação de grande bem-estar, livre de qualquer desconforto ou qualquer impressão desagradável... Vou começar a contar... Antes de chegar aos dez, você já está praticamente acordando... Vai acordando suavemente... Atenção, 1... 2... 3... Já está começando a acordar, 4... 5... 6... 7... Já está quase... 8... 9... 10. Pronto... Acordou. A razão da contagem para efeitos de acordar é para dar ao hipnotizado o tempo para voltar ao seu estado normal. Se não terminasse a contagem ele acordaria assim mesmo, no máximo após uma hora. Dentro deste prazo o transe transforma-se em sono fisiológico e o hipnotizado desperta normalmente. Invariavelmente deve ser acrescentada antes de iniciar o processo de acordá-lo sugestões pós-hipnóticas positivas como: • De hoje em diante, sua mente estará trabalhando em seu benefício... Você será capaz de vencer suas adversidades... Seu inconsciente estará trabalhando em seu benefício... Utilizando toda a sua capacidade mental para o pleno êxito de sua vida... Será sempre feliz... Acordará sentindo-se tranqüilo e muito bem disposto... Outra técnica de uso freqüente para despertar o hipnotizado consiste em soletrar o seu nome, dizendo, as letras uma a uma: • À medida que eu for soletrando seu nome, você vai acordando... Antes mesmo de terminar, você estará praticamente acordado... Vai acordar bem disposto, com grande sensação de bem-estar, livre de qualquer desconforto... Ao dizer a última letra de seu nome, estará acordado e maravilhosamente bem disposto. Suscetibilidade à indução Ser suscetível não caracteriza pessoas subservientes, crédulas, dependentes ou preocupadas como normalmente afirma o senso comum, mas pode caracterizar pessoas felizes que, não tendo sido decepcionadas, não vivem em guarda contra o mundo. Por isso, diz Weissmann: “dentre os elementos femininos as moças bonitas e animadas sejam as mais fáceis de induzir do que as suas companheiras menos favorecidas pela natureza e pela sorte”. Levantando outros fatores positivos para caracterizar pessoas
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suscetíveis destacam-se, a inteligência, a imaginação e a capacidade de concentração como condições para se obter o transe. Roger 118 simplifica a questão ao afirmar: Os indivíduos mais sensíveis à hipnose são justamente aqueles que apresentam uma inteligência média ou superior, que possuem uma acentuada capacidade de concentração e trazem consigo uma grande motivação (ROGER).
Concordando com Roger, acrescenta Weissmann: Não se consegue hipnotizar loucos, nem débeis mentais. O indivíduo tem que ter pelo menos a inteligência ou a vivacidade intelectual suficiente para interpretar, executar e dramatizar as situações sugeridas. Já parece estabelecido que a suscetibilidade hipnótica cresça em razão da inteligência e na razão direta da capacidade individual para as atitudes abstratas (WEISSMANN).
Para Spiegel, 119 a capacidade hipnótica ou suscetibilidade também não é um sinal de fraqueza mental. É, antes, uma capacidade de concentração focalizada que, se existir, está associado à ausência de perturbação psiquiátrica e neurológica séria. Contrariamente ao que ensinam os livros populares, a pesquisa demonstrou que a fé inabalável no hipnotismo e a vontade forte não constitui atributos fundamentais e diretos do hipnotista, mas sim, do hipnotizado. A experiência mostra que os melhores hipnotizáveis são precisamente os tipos impulsivos, os voluntariosos, as pessoas de muita vontade, ou de vontade forte aliada a muita fé. É preciso, tanto para o hipnotista quanto para o hipnotizado, crer para que se dê o transe hipnótico. Outro ponto importante é a vontade inconsciente de ser hipnotizado, pode ser que conscientemente declare que não quer, mas inconscientemente deseja, portanto, o transe ocorrerá aparentemente contra a vontade. O contrário também é válido, isto é, declara que deseja, mas inconscientemente é refratário. Usando a terminologia psicanalítica, a hipnose consiste inicialmente na inibição das funções da personalidade consciente, ou seja, do Ego. A outra parte chamada Id, uma função inconsciente da personalidade humana que é irracional, instintiva e automática. Quanto mais a pessoa é determinada pelo seu Id, ou seja, a sua parte irracional, instintiva e automática, tanto mais propensa se mostrará à indução hipnótica. Assim, a hipnose representa para a maioria dos hipnotizáveis uma oportunidade de escapamento, uma fuga temporária das censuras e coerções do Ego. Tuckey 120 diz que a suscetibilidade hipnótica é um traço de personalidade decididamente condicionado a repressões e mecanismos de 118
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978. SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de psiquiatria. (Org. Talbott et al), Porto Alegre, Ed. Artes médicas, 1993. 120 TUCKEY, C. L. Treatment by hipnotism and suggestion, London, Baillère Trindall Cox, 1921. 119
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defesa e de impunidade, uma espécie de reação compensatória a uma frustração instintiva. Daí, o tipo impulsivo, o valente e brigão, de ação automática, se mostra mais suscetível às impressões externas e às reações instintivas estereotipadas, as quais a sugestão hipnótica se enquadra: Um indivíduo que num gesto impulsivo, puramente automático, agride um adversário que o insultou, é muito mais fácil de hipnotizar do que um outro que, nas mesmas circunstâncias, chama a polícia e move um processo contra o agressor (TUCKEY).
Os efeitos práticos da hipnose são proporcionais à suscetibilidade do hipnotizado e ao domínio e aplicação dos métodos e técnicas pelo hipnotista, ou pelo próprio hipnotizado no caso da auto-hipnose. Para a indução é aconselhável um método progressivo e relativo ao nível do transe. Até atingir o transe ligeiro as sugestões são menos incisivas, isto é, preferentemente sugestões indiretas. Do transe médio em diante as sugestões são mais impregnadas de autoridade, levando-se sempre em conta as condições da pessoa hipnotizada, como suas particularidades e psicodinâmica. Existem indivíduos que não admitem o mando formal, mesmo no transe hipnótico profundo reagem e se recusam a obedecer. Já outros aceitam sugestões diretas e incisivas desde o início do processo de indução. O efeito autoritário da sugestão hipnótica é enormemente atenuado em virtude do próprio hipnotizado que passa a experimentar as determinações proferidas pelo hipnotista como se fosse à expressão de sua própria vontade. Um fracasso do hipnotista quase sempre repercute para este de forma depressiva, sobretudo se não têm o seu prestígio firmado. Para evitar o fracasso, que pode até inviabilizar novas práticas, é imperioso que antes das sessões o hipnotista possa identificar, com precisão quem é mais suscetível ao transe. Existem listas organizadas indicando, ou pretendendo indicar, quais os tipos de indivíduos que se enquadram nesta categoria. A prática demonstra que 2% dos candidatos são insuscetíveis à hipnose. Embora perfeitamente normais, isto é, não apresentam fatores de inibição ou resistência ao processo hipnótico, como exemplo os portadores de patologias psiquiátricas sérias, incompatibilidade com o hipnotista ou com o ambiente da sessão e, mesmo assim, não apresenta reação de espécie alguma. É característica do insuscetível a ausência de toda e qualquer reação aos testes de suscetibilidade. É muito forte na literatura a afirmação de que loucos ou retardados mentais não são hipnotizáveis e os pouco inteligentes oferecem bastante resistência. São apontados ainda como impossíveis ou dificílimos de serem hipnotizados, os psicóticos e os excessivamente preocupados. Quanto ao sexo, ficou comprovado na pesquisa o que é consenso na pesquisa teórica, entre a suscetibilidade do homem e a da mulher não há diferença. O grande público ainda preso a superstições, acredita ser o hipnotista dotado de “força” ou “poder”. Imagina que os hipnotizáveis não têm vontade
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forte ou são fracos de “energia”. Enquanto isso, a realidade mostra exatamente o contrário, são mais facilmente hipnotizáveis os intelectuais, os homens sensíveis e inteligentes, os artistas por excelência, os curiosos, os românticos e todos aqueles que têm força de vontade. Formulação da sugestão Os pensamentos e os sentimentos do hipnotista afiguram-se para o hipnotizado, como se fossem os seus próprios pensamentos e sentimentos. Obedece na certeza de estar agindo por sua própria vontade ou porque quer obedecer, salvo raríssimas exceções. A essas pessoas, a ordem deve ser indireta. Um indivíduo desses resistirá à sugestão verbal direta, por exemplo, a ordem de dançar - dance - mas, se o hipnotista executar passos de dança diante dele, provavelmente não deixará de condescender com a tentação de imitar, assim a “ordem” é substituída por uma sugestão indireta visual. Invariavelmente a ordem indireta faz parte do método sugestivo, é muito melhor convencer e sugerir do que mandar. A ordem só atingirá os mais submissos, enquanto a sugestão atinge a todos e quanto mais inteligente e convencido pelo hipnotista, mais o hipnotizado saberá interpretar e executar a sugestão indireta. O método que contempla a ordem indireta da sugestão deve, também, valer-se da técnica da sugestão graduada. O hipnotista tem de reservar-se a si mesmo uma margem para eventualidades, retiradas estratégicas e avanços se for preciso, principalmente se tratado de demonstração pública. Em lugar de dizer “sua mão vai subir”, deve ser dito “logo sua mão estará subindo”. Deixa a critério do indivíduo o tempo para este tornar efetiva a sugestão iniciada. Todavia, esse procedimento não deve refletir timidez ou falta de segurança por parte do hipnotista. Esse vai subir tem de merecer a devida atenção, suscitar a expectativa e a firme convicção do hipnotizado quanto à autenticidade e a infalibilidade do resultado do que foi proposto. As palavras dirigidas ao indivíduo em transe devem ser cuidadosamente escolhidas, elas se dirigem ao inconsciente e no inconsciente conservam seu valor original e, ali, representam fielmente as idéias correspondentes. Na técnica sugestiva é aconselhado evitar a palavra “não”, esta recomendação se baseia na experiência, segundo a qual as sugestões afirmativas são mais fortes do que as sugestões negativas, como exemplo, em lugar de dizer “você não vai se sentir mal” pode ser dito “você vai se sentir bem”, em lugar de “você não vai desanimar”, pode ser dito “você vai ter ânimo”. Outro princípio da técnica sugestiva é a preferência pelos motivos visuais, que explora o fato de corresponder a um apelo à capacidade da imaginação do hipnotizado. Imaginar é visualizar, ou seja, ver mentalmente e o método de indução conhecido como “Método da Estrela” tira desse princípio sua comprovada eficiência, assim como as sugestões formuladas por metáforas. Esse método é perfeitamente indicado quando se pretende produzir o transe em hipnose de palco, facilita a dinamização da sugestão pelo hipnotizado.
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O ambiente das sessões Quanto ao ambiente para se realizar as sessões, a pesquisa indica como ideal local fechado e silencioso; deve ser evitado ruído de qualquer natureza, para tanto é recomendado desligar telefones, evitar o bater de portas, barulho de ventiladores, ruídos do trânsito; buzinas e motores. Também não é aconselhável o uso de aparelho de ar condicionado, não só pelo frio como também pelo barulho que produz. Nas sessões o ambiente não deve ser abafado, deve haver circulação de ar natural, é recomendada iluminação fraca, indireta e na cor azulada, pelo menos até a indução surtir os primeiros efeitos. Outro fator negativo é a preocupação em relação ao tempo, tanto o hipnotista como o hipnotizável não pode estar preocupado com outros compromissos. Em tais casos é preferível adiar a sessão. A presença de familiares consangüíneos ou afetivos como pai, mãe, irmãos, cônjuges, podem dificultar a indução de seu parente. Isto se explica talvez porque a atenção do hipnotizável volta-se para os familiares em lugar de concentrar-se no hipnotista. Também pode perturbar a sessão, presenças de curiosos e de pessoas com opiniões sem fundamentos, céticos, e pessoas com idéias negativas ou duvidosas. A cor do ambiente também parece ser importante, paredes brancas, necessariamente limpas e arrumadas, passam idéia de organização e seriedade. Quanto mais solene for o ambiente, mas induz respeitabilidade e segurança para o candidato ao transe hipnótico, tudo deve ser adequado, até as cadeiras para quem vai participar ativamente da sessão devem ser com recosto e sem braços. Isto ajuda ao processo de indução, por exemplo, quando a sugestão é a levitação das mãos. A ética e a legalidade da hipnose No passado hipnotizar não era coisa que se aprendesse, era considerado um dom e extremamente raro. O consenso popular sempre atribuiu ao hipnotista, principalmente os de palco, traços de caráter mágico, envolvidos em lendas associadas às mais variadas superstições, inclusive poderes além do real. Quanto a isso, assim se refere Weissmann: Segundo o testemunho direto ou indireto da maioria de quem espalha lendas sobre hipnose, está a do hipnotista X que se apresentou no local Y, cujo nome e lugar variam no tempo, a uma platéia impaciente, com um atraso de três ou quatro horas. O hipnotista aparece e simulando surpresa com os protestos, exigiu que a platéia consultasse os relógios e, sem exceção, todos marcavam oito, ou seja, a hora marcada para o início, em vez de meia-noite. Ato contínuo, o hipnotista declarou encerrada a sessão e era este o seu número único e suficiente. Jamais este fato aconteceu e, por outro lado, não é de se admitir que a platéia tivesse a paciência de esperar quatro horas para o início da apresentação (WEISSMANN).
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Um bom hipnotista dispensa qualidades excepcionais para o exercício da indução hipnótica e não depende de nenhuma formação, habilitação ou qualificação profissional especifica. Weissmann é enfático quando comenta que as restrições que se vêm fazendo ao hipnotismo, ainda que eruditas e sensatas, sempre excluem automaticamente a primeira pessoa, ninguém jamais se manifestou contra sua própria prática, é contra apenas o hipnotismo praticado pelos outros. Alguns hipnotistas não poupam sacrifícios para neutralizar uma possível concorrência e tentam passar a idéia de que são perfeitos e mais competentes. Para estes a hipnose é prestígio que, por sua vez, é motivo de ciúme e exige exclusividade, mas, agindo dessa forma é provável que diminua a credibilidade e ou a confiança em relação à sua competência. Quem é competente não teme concorrência. O êxito do hipnotista está em função da credibilidade e da suscetibilidade do hipnotizável. Em outras palavras, a pessoa entra em transe porque é suscetível e por que confia no hipnotista ou lhe atribui poderes mágicos. Isso explica porque muitas vezes pessoas escoladas e conhecedoras da teoria da hipnose fracassam, enquanto indivíduos dotados apenas de conhecimento tácito sobre hipnotismo conseguem bons resultados. Segundo a crença popular o hipnotista domina pelos olhos, isso faz com que a quase totalidade das pessoas o imaginem dotado de olhos vivos e penetrantes, mas na realidade não é preciso olhos especiais. Um fator que induz à hipnose e que comporta algum tempo de treino é a voz (método de Liébault), funciona como estímulo sensorial, monótono e suave, deve ser preferentemente grave, rítmica e repetitiva. A crença popular insiste também em afirmar que o hipnotista, culto ou ignorante, deve possuir um dom especial, ou aquilo que popularmente se costuma designar por sexto sentido. B. Gindes, 121 diz que este sexto sentido “é a capacidade de colocar-se no lugar do outro”. O hipnotizável tem de sentir, instintivamente, a mágica presença de um indivíduo capaz de entrar em seu inconsciente e agir em função das suas expectativas. Ao hipnotizar, o hipnotista entra no código de valores e de fé, entra na simbologia do ideário da crença do hipnotizável, adquirindo sua confiança e credibilidade. Para que a sugestão seja eficaz o hipnotista tem que, pelo menos durante a indução, sentir o que pensa e como pensa seu hipnotizável. Isso depende mais do conhecimento tácito e menos do teórico. Um traço de caráter indispensável ao exercício proficiente da hipnose é certo grau de autoridade, obtida sempre pela competência demonstrada ou pelo carisma pessoal. É preciso ser autêntico sem pretensões pessoais, orgulho ou arrogância. O hipnotista deve ser suave, mas convincente; simples, mas 121
GINDES, C. B. New concepts of hypnossis: as an adjunkt to psychotherapy and medicine. London, George Allen and Unwin Ltd., 1951.
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competente. Não pode demonstrar timidez ou falta de autoconfiança, seus gestos e palavras devem refletir alto grau de confiança para conquistar atenção, suscitando expectativa e convicção do hipnotizável quanto a sua habilidade para hipnotizar. O comportamento ético amplia a ação do hipnotista. Para conquistar longos horizontes o hipnotista deve ter nobreza de caráter, pureza de sentimentos, clareza na formulação dos objetivos, vontade forte, firmeza de decisão, rapidez de percepção, benevolência, bondade, honestidade, sinceridade de propostos, simplicidade e modéstia associada à competência e habilidade para influenciar pessoas, persuadindo-as de forma positiva. A persuasão direta ou indireta, franca ou oculta, representa a condição, não apenas do hipnotista, mas de toda pessoa que deseja triunfar em qualquer atividade. Para o pleno êxito na prática da hipnose é preciso dispor de toda uma estrutura ética somada à vocação, destreza, habilidade e sensibilidade para exercer a persuasão. Um bom hipnotista seria o indivíduo que possa reunir estas qualidades. É preciso ter prestígio em praticamente todas as atividades, mas no exercício do hipnotismo este fator é duplamente necessário. Se as pessoas de grande prestígio e vitoriosas em outras carreiras se dedicassem à hipnose, muitos seriam grandes hipnotistas. É por isso que, para hipnotizar, levam vantagem pessoas já prestigiadas tradicionalmente como professores, advogados, médicos, artistas, líderes religiosos e empresários bem sucedidos. Do ponto de vista legal nada proíbe a prática da hipnose, sua divulgação ou aplicação por qualquer pessoa e em qualquer local. A hipnose e sua prática passam longe de ser monopólio de qualquer profissão, porém, motivadas pelo desconhecimento ou atitudes egoísticas ou corporativistas, algumas pessoas divulgam falsas afirmações de proibição na tentativa de talvez limitar essa prática como exclusiva para determinada categoria profissional. Não existe proibição legal quanto ao uso da hipnose no Brasil. O presidente Jânio Quadros assinou o Decreto-Lei n. 51.009 de 22/7/1961 proibindo apresentação de espetáculos de hipnotismo de palco em televisão, rádio ou outros veículos de comunicação de massa. Esta foi a única norma proibitiva que tratou desse tema no país e visava evitar o uso da hipnose para apregoar crenças supersticiosas ou sensacionalistas e com objetivos pecuniários. Mesmo assim, esta norma jamais foi obedecida porque shows de hipnose direta ou disfarçadamente sempre ocorreram, principalmente em programas televisivos. Trinta anos depois, o presidente Fernando Collor de Mello revogou totalmente essa norma através do Decreto-Lei n. 11 de 21/1/1991. O hipnotismo geralmente é rejeitado como conhecimento acadêmico; seu estudo quando raramente ocorre é como extensão ou rápidas citações complementando outros conhecimentos. Mesmo assim, alguns conselhos de classes profissionais reconhecem e autorizam o uso da hipnose no exercício da
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profissão. O uso da hipnose esta autorizada no artigo 6º da Lei 5.081 de 24/08/66 que regulamenta a profissão dos Cirurgiões-Dentistas. O Conselho Federal de Psicologia, através da Resolução 013 de 20/12/2000, aprovou e regulamentou o uso da hipnose como recurso auxiliar de trabalho do Psicólogo. Também o Conselho Federal de Medicina reconhece a hipnose como recurso terapêutico e autoriza seu uso (CFM - Parecer 2.172/97 - aprovado em 20/08/99). Embora a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia, tenha oferecido estudos da aplicação da hipnose em odontologia, como disciplina regular até 1993. Nenhum outro curso no Brasil, de qualquer área do conhecimento, em nível de graduação ou de pós-graduação, registra a prática do estudo metódico e sistemático da hipnose como disciplina obrigatória em seus currículos. Nenhuma formação acadêmica habilita alunos ou sequer os inicia nesta área, mas por questões meramente corporativistas alguns profissionais se declaram “donos da hipnose”. Ledo engano, sua aplicação é tão vasta que seria impossível qualquer tentativa de limitação a procedimentos exclusivos de qualquer categoria profissional. Pode-se mesmo dizer que não há especialidade em que não haja indicações do seu aproveitamento. Podem fazer uso da hipnose o professor, o advogado, o artista, o empresário, o vendedor, o treinador físico, o médico, o dentista e tantos outros profissionais que são impossíveis enumerar ou limitar seu uso ou aplicação. Categorias do hipnotista Antes de qualquer divisão de categorias de hipnotistas deve ser considerado o fato que no cotidiano, independentemente de cultura, credo, etnia, gênero, nível intelectual ou social, em determinados momentos e dependendo das circunstâncias, as pessoas normais são ora hipnotizadores, ora hipnotizados. E mais ainda, o processo da auto-hipnose é uma faculdade intrínseca do ser humano que pode ser usada de forma consciente ou não. Mesmo não sendo a prática da hipnose privilégio de ninguém, alguns profissionais atuam ou podem atuar com esse recurso em suas atividades de formação acadêmica e, nesses casos, ocorre à possibilidade do agrupamento por habilitação em, pelo menos, cinco categorias: 1) Hipnotista de Cátedra, 2) Hipnoeducador, 3) Hipnoanestesista, 4) Hipnoanalista 5) Hipnotista de Palco. Hipnotista de Cátedra - Perito Hipnotista, elevada formação acadêmica (mestre e ou doutor), trabalhos publicados de reconhecido valor. Deve realizar pesquisas nesta área juntamente com outros profissionais de nível universitário. Transmite conhecimento sobre hipnose em cursos de extensão ou complementar à educação superior. Atuação em ambientes acadêmicos. Hipnoeducador – Professor de ensino superior (pós-graduado stricto sensu como mestre ou doutor em ciência) ou professor graduado com licenciatura para o ensino médio e fundamental. Utiliza a hipnose como
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instrumento ou recurso facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Atuação em salas de aula. Hipnoanestesista - Bacharel em medicina, odontologia, enfermagem ou fisioterapia. Utiliza a hipnose, em procedimentos no seu campo de trabalho, para alívio ou eliminação da dor. Atuação em consultórios, hospitais e clínicas especializadas. Hipnoanalista – Profissional de formação superior, preferencialmente bacharel em medicina, psicologia ou fonoaudiólogo. Utiliza a hipnose como ferramenta da psicoterapia. Atuação em consultórios. Hipnotista de palco - Recomendável formação superior e curso de hipnose em nível de extensão. Prática demonstrações de hipnose, de forma artística e criativa, proporcionando não simplesmente lazer e ou entretenimento, mas principalmente esclarecimentos. Sua prática deve ter o objetivo de abrir canais, através de apresentações, para que pessoas interessadas possam iniciar-se nesta área. Atuação em escolas, faculdades, auditórios, clubes, centros culturais ou associações. O poder do hipnotista O fascínio das práticas e das lendas, repletas de exemplos mágicos e fantasias, sobre o hipnotismo, explicam-se pelo desconhecimento sobre o tema que atribui ao hipnotista poderes ilimitados sobre as pessoas e coisas. A realidade é bem diferente, o hipnotizado não é esse autômato indefeso e de obediência indiscriminada que geralmente se acredita. O poder da hipnose sofre as limitações impostas nos códigos morais e éticos, além das conveniências vitais da personalidade do hipnotizado. O hipnotizado só fará aquilo que, de acordo com seu caráter e valores intrínsecos à sua personalidade, lhe é permitido fazer. O exemplo mais comum seria se o hipnotista sugerisse a uma pessoa hipnotizada que tirasse a roupa em público, esta reagiria de duas formas: se o ato de desnudar-se em público fosse de encontro com sua estrutura de pensamento ou comportamento moral, certamente não concluiria a sugestão, inclusive, poderia até sair do transe. No entanto, se por seus valores, esse ato fosse plausível, ou mesmo que inconscientemente admitisse a idéia como válida, não só tiraria a roupa como faria isso teatralmente. Weissmann afirma que “Todos nós temos um mecanismo de defesa que funciona inconsciente, instintiva e automaticamente, como uma “polícia interior” que continua vigilante no mais profundo transe hipnótico”. Com esse argumento da polícia interior, Weissmann elimina a possibilidade de se induzir uma pessoa hipnotizada a um ato lesivo a si mesmo ou a outrem. Mas, admite a possibilidade do hipnotista burlar esse sensor interno e afirma seu ponto de vista: Cabe-nos ponderar, por um lado, sobre a relatividade do poder da hipnose, e por outro, sobre a relatividade da eficiência dessa polícia
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interior, polícia essa que, à maneira da polícia externa, é suscetível de fraquezas, de doenças, de corrupção e de suborno. Embora jamais o diga aos pacientes, estou convencido da possibilidade, ao menos teórica, de burlar e subornar a polícia interior em muitos casos. É só considerar a quase absurda confiança que a maioria dos hipnotizados deposita na pessoa do hipnotista. Podia dar-se o caso de um hipnotizador não estar eticamente à altura da confiança que nele se deposita. Hipótese essa que não se restringe aos hipnotistas de palco, senão também aos médicos e aos odontólogos, notando-se em favor do primeiro o fato de atuarem em público, e o público é notoriamente vigilante (WEISSMANN).
Se for sugerido a alguém hipnotizado que se jogue de uma altura muito elevada do solo, certamente ele não fará e é possível até que acorde. No entanto, embora difícil, pode se burlar o sensor crítico, como exemplo, se o hipnotizado for convencido que está em um trampolim de uma linda piscina, cheia de água azul e limpa e que o mergulho lhe fará bem, etc. É pouco provável, mas, não é impossível que o “campeão de saltos” pule, porque com esses argumentos sua polícia interior foi burlada. Paul T. Adams 122 admite essa hipótese, mesmo que remotamente, e apresenta o convincente argumento: É muito remotamente possível e, com certeza bastante difícil, que uma pessoa infrinja seu código moral. Para fazer com que uma pessoa aja contra sua própria vontade, o hipnotizador precisaria ter contato diário com ela usando técnicas de lavagem cerebral e subterfúgios, durante longo tempo (ADAMS).
Seria assim, segundo Adams, um processo de convencimento em longo prazo; pode ser entendido como uma alteração no código moral do hipnotizado. Mas, o autor diz que, embora remotamente possível, está seguro na suposição de que um indivíduo hipnotizado não violará sua vontade. Cita como exemplo: Muitos de vocês têm visto hipnose de palco, e já viram pessoas fazendo coisas que ordinariamente não fariam. Poderia parecer que estou aqui negando o que há pouco disse sobre a violação da vontade própria. Na realidade, tal não se dá. Quando um indivíduo voluntariamente se dispõe a ser hipnotizado em uma sessão num teatro ou num clube, automaticamente ele está dando seu consentimento para ser enganado, fazer o papel de hipnotizado e ser, se for o caso, motivo de riso. Neste caso não há violação da vontade ou da força moral (ADAMS).
Pode também o hipnotizado apenas resistir à sugestão ou até mesmo a uma sugestão pós-hipnótica. Neste caso o hipnotista deve retirá-la para que ele não fique em conflito entre aceitar ou resistir. Nesse sentido Eastbrooks conta um caso típico: Um professor hipnotizou um estudante universitário e disse: Quando eu acender meu cigarro, você vai tirar o ás de espada do baralho que está sobre a mesa e vai entregá-lo para mim. Em seguida acordou o aluno e, 122
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose. S. Paulo, Ed. Bestseller, 1972.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. mais tarde, acendeu um cigarro. Ora, o estudante interessava-se pelo hipnotismo e estava familiarizado com seu uso. Seguiu imediatamente em direção ao baralho, depois parou de repente e disse - acho que isso é uma sugestão pós-hipnótica. É muito provável, respondeu o professor, que deseja fazer? - Quero dar-lhe o ás de espadas - Muito bem, trata-se mesmo de uma sugestão pós-hipnótica, o que você vai fazer? Disse o professor. - Não vou executá-la, respondeu - Aposto um dólar como fará. O estudante aceitou a aposta (EASTBROOKS).
Continua Eastbrooks descrevendo o comportamento do aluno e, conclui com uma clara demonstração do poder compulsório da sugestão pós-hipnótica: O aluno lutava com grandes dificuldades. Inquieto, dirigia-se para o baralho, mas dominava-se, depois se sentava, levantava-se e caminhava pela sala, aborrecido. Mas resistiu e, depois de uma hora e meia, recebeu o dólar do professor, despediu-se sorrindo de todos e foi para casa. Entretanto, seu tormento apenas começara. O professor não removera a sugestão. O aluno, em casa continuava com vontade de cumpri-la. Não podia aquietar-se, o ás de espadas o perseguia em todos os pensamentos. Quatro horas mais tarde, desistiu da luta, voltou onde se dera a sessão, apanhou o às de espada e levou até a casa do professor, devolvendo a carta do baralho e dois dólares (EASTBROOKS).
Janela da Alma Parece que as explicações, na visão de deferentes autores, sobre o porquê e como acontece a hipnose assim como se justificam as reações no sujeito hipnotizado, são conceituais e intuitivas. Além disso, também não são conclusivas. Embora usem termos e palavras parecidas, variam nas considerações e conceitos, mas não elucidam as questões. Quando se trata de explicar a hipnose, expressões como “estado normal e estado de transe” - “mente objetiva e subjetiva” - “mente consciente e subconsciente” ou “mente consciente e inconsciente”, ou ainda, “razão e emoção” - “memória de curto prazo e memória de longo prazo”, têm aparecido com freqüência na literatura. Mas não expressam, de fato, como ou o quê acontece com o sujeito hipnotizado que justifique a sintomatologia do transe hipnótico. Talvez seja possível intuir que o funcionamento da função consciente do cérebro seja parecido à memória volátil dos sistemas computadorizados, considerando que ambos analisam, endereçam e arquivam informações. Quanto à função inconsciente seria comparado ao disco rígido de um computador (HD), um grande arquivo de informações. Do ponto de vista didático, essa associação parece ser eficaz para o entendimento desse tema tão complexo. O consciente pode ser entendido também como se fosse apenas um processador de informações que são requeridas do inconsciente onde está localizada uma grande memória. Seria um coordenador que processa dados do inconsciente e externa de forma psicomotora (falando, fazendo, agindo, etc.).
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Para diferenciar o transe do estado normal de consciência, pode ser imaginado como se o cérebro processasse o pensamento através de dois sistemas operacionais, cada um seria como se houvesse dois sistemas operacionais. Um agindo de forma consciente e o outro inconsciente, cada um processando diferentemente informações no cérebro, entendido assim como um processador. Um sistema processando o pensamento de forma consciente e outro de forma inconsciente. Quando alguém entra em transe parece que o consciente diminui sua ação, isto é, não seleciona os dados do inconsciente. Em princípio paralisa a psicomotricidade e, sem ação, o hipnotizado permanece imóvel, em estado cataléptico, até que lhe seja sugerida qualquer atitude ou situação. São as palavras do hipnotista que assumem a função controladora, capaz de fazer com que o hipnotizado processe a sugestão e a manifeste sem análise, como se as sugestões externas fossem verdades contidas na sua própria memória. Na tentativa de explicar o processo hipnótico, imagine o consciente como uma esfera menor tangenciando outra esfera representando o inconsciente. No ponto de tangência existiria uma passagem que funciona como uma janela ou restrição comunicando as duas mentes. Quando o consciente necessita de processar uma informação, esta seria enviada pelo inconsciente. O consciente seria apenas um coordenador; processa e externa informações memorizadas (arquivadas) no inconsciente. Imaginando que as informações são hierarquizadas, seriam rotuladas de evidentes aquelas que foram armazenadas pela atenção consciente, representam conhecimentos normais do dia a dia e sobem ao consciente apenas quando requeridas. Outras seriam rotuladas como sutis, representam informações armazenadas no inconsciente sem o conhecimento consciente e seriam processadas a reboque das evidentes. Existem informações mais fortes, construídas por repetidas vezes na história de vida de cada pessoa, essas rotuladas como matrizes comportamentais, As matrizes rompem facilmente a barreira da restrição e sobem despercebidas pelo consciente, justificam a ocorrência das intuições. Quando um filme legendado é assistido, as frases escritas formam parte das informações evidentes, o áudio que às vezes fica como despercebido, passa a fazer parte das informações sutis, as matrizes representam valores como os relacionados às crenças, mitos, religiões, economia, sobrevivência, sexualidade, etc. As matrizes são inconscientes e compulsivamente capazes de impelir alguns dos nossos comportamentos ou sensações. Consciente (coordenador) Janela (passagem) Inconsciente (arquivo)
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Pela janela, que funciona como uma restrição, só passa uma informação de cada vez e quando requerida pelo consciente, dependendo da velocidade do processador a quantidade de informações pode variar, seria assim explicado o raciocínio rápido ou lento dependendo do fluxo de informações. Se um indivíduo deseja fazer algo como falar, cantar ou escrever, a informação evidente seria requerida do grande arquivo e, controlada ou filtrada das informações sutis; passa através da abertura da janela para o coordenador. Essa abertura estaria limitada à capacidade de processamento do consciente e se limita apenas passar as informações evidentes, restringindo as do tipo sutis e as matrizes. A partir do modelo didático apresentado pode ser considerada outra hipótese; o transe hipnótico provocar a expansão da abertura da janela que liga as duas esferas e, neste caso, sobe mais informações evidentes do que seria possível o consciente processar (coordenar) além das sutis e matrizes. Sem capacidade de processamento, o consciente tornar-se-ia provisoriamente inativo. As pessoas neste estado têm limitada a manifestação psicomotora, ocorrendo em alguns casos à ausência total de movimentos e, isso, justifica a rigidez cataléptica que pode ser observada em determinado nível de transe. Nestas condições, sem ação, o hipnotizado permanecerá imóvel até que seja apresentada uma sugestão. Assim, seria o hipnotista o coordenador externo que substitui o consciente do hipnotizado. O retorno ao estado normal representa o fechamento da janela e a conseqüente regulagem do fluxo de informações da memória, seria o retorno ao nível da capacidade de processamento do consciente do hipnotizado. Talvez assim seja possível explicar muitas situações presentes no transe hipnótico: a rigidez, por exemplo, seria a absoluta falta de coordenação motora que é uma função consciente. O hipnotizado não dispõe, a menos que lhe seja sugerido, coordenação das idéias e dos sentidos convencionais durante o transe, por isso não tem oitiva, visão, não sente dor e, geralmente, depende das sugestões externas geradas pelo consciente do hipnotista para manifestar sentimentos. Durante o transe ocorre grande fluxo de informações, pela abertura da janela, para o consciente. Como a função consciente depende da regulagem do influxo a um nível administrável, considerando que a função cognitiva não prospera se os dados informados pelo inconsciente forem além da sua capacidade do processamento, é possível que durante o transe, com mais abertura da janela, seja desligada a função de filtrar. Esta abertura permite que a mente seja inundada por eventos mentais, como informações sutis, que costumam ser excluídas por não terem qualquer valor imediato à racionalidade necessária ao dia a dia. O processo de pensar quando ocorre conscientemente é produzido através de dados ou informações lineares, seriais, lógicas e temporais. São dados que se aplicam às necessidades imediatamente em curso na vida cotidiana, são racionalizados criticamente e aferidos com relação à época do
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acontecimento; se hoje, ontem, dez anos. Já o processo de pensar quando ocorre inconscientemente representa o transe, é uma situação mental envolvendo dados ou informações de forma não linear, paralelas, emocionais e atemporais. Durante o transe, uma quantidade infinita de informações, adquiridas direta ou indiretamente no decorrer de todo o processo histórico de vida do individuo é externada de forma emocional, sem o crivo da crítica ou da razão, e sem critério de temporalidade; para quem experimenta esse estado da mente, os fatos vivenciados em um passado remoto são revividos, às vezes, envolto em grades fantasias, como se agora estivessem ocorrendo. Parece que é isso que ocorre nas regressões hipnóticas. A função terapêutica do transe também pode ser explicada porque permite o afloramento das memórias reprimidas que, na maioria, são percebidas pela semiótica, por serem expressas através de linguagem altamente simbólica. Considerando que neste estado mental não ocorre lógica cognitiva, o pensamento é expresso através da emoção associada á fantasia, mas libera os traumas e, por conseqüência, elimina sintomas que perturbam a vida cotidiana. Durante o transe, pela emoção, justificam-se também a liberação inconsciente de valores, entre eles os religiosos adquiridos diretamente na formação da personalidade ou do inconsciente coletivo impregnados na cultura popular como entende Jung. Da mesma forma como se explica o transe hipnótico pode ser entendida a auto-hipnose. Neste caso, existem sugestões conscientes e inconscientes do próprio hipnotizado, prontas para entrarem em ação quando o transe estiver estabelecido. O mesmo acontece na auto-regressão: de alguma forma, o hipnotizado já sabe, antecipadamente, o que poderá manifestar no transe e, quando a janela abre, manifesta. Assim, uma vez no transe a pessoa manifestará aquilo que ficou anteriormente sugerido, como sentimentos de alegria, tristeza ou afeição, valores morais, estéticos, afetivos, religiosos entre outros, podendo ser expresso envolto na fantasia da linguagem simbólica, com manifestações de alegria ou tristeza intensa. Pode até mesmo assumir papeis representando como se fosse outra personalidade. Quanto as matrizes, essas sobem a consciência sem ser chamadas. Funcionam em determinados momentos com compulsão inconsciente e talvez revele os valores que alimenta a vida das pessoas. Como exemplo, quando alguém tem uma sensação piedosa sobre um fato, talvez isso corresponda aos valores religiosos acumulado em sua história de vida. Ainda seria uma ação dita resultante do instinto de sobrevivência diante de uma situação de perigo. Talvez possam ser exemplificada ainda nos atos movidos pela “violenta emoção”, motivados pela afetividade exagerada, comum nos apaixonados. Essas situações são inconscientes, sobem ao consciente e se apropriam da ação motora sem passar pelo crivo da racionalidade. Não importa o grau de abertura da janela, sempre rompem o crivo da restrição imposta. Estas ações rápidas e
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decisivas na vida parecem que podem ser entendidas como hipnóticas. Por isso, parece que todo ser humano já agiu como um hipnotizado em algum momento da sua vida. Entendendo o estado de transe como o momento que o ser humano entra em contato com a sua essência, a janela entre o consciente e o inconsciente pode ser compreendido como uma Janela da Alma Esta explicação sobre o transe hipnótico funciona ora de forma subsidiária, ora de forma cooperativa a tudo que se disse sobre o assunto. Não pretende ser um modelo teórico, mas sim uma representação didática e simbólica do funcionamento da mente humana. Serve talvez para aclarar, sem contestar, outras formas de explicar o complexo fenômeno hipnótico.
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CAPÍTULO V – APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE Cada vez mais a hipnose passa a ser um recurso instrumental com possibilidades de uso em várias áreas. Ao lado de outras teorias, direta ou indiretamente o hipnotismo cresce em variados campos do conhecimento, principalmente aqueles que envolvem as relações interpessoais. Antes de qualquer especificidade de aplicação, a hipnose pode ser entendida como uma condição social normal. Isto significa que sua presença sempre ocorreu nas relações humanas, o que agora se faz é o reconhecimento deste fato e seu aprimoramento, através de ações mais objetivas e aplicadas em diferentes setores, como exemplo, na Comunicação, no Direito e na Educação. Hipnose e Comunicação A hipnose pode ser observada também na propaganda através dos diferentes veículos de comunicação, agindo de forma consciente ou inconsciente na vida das pessoas, em seus mais ínfimos detalhes. O processo hipnótico pode ocorrer como estratégias de marketing 123 induzindo a moda, estabelecendo preferências de consumo ou implantando ideologias. O fato é que pode afastar das ações humanas a autocrítica, seus efeitos podem se revelar como atos coletivos compulsivos e, às vezes, até fanáticos, característicos no comportamento de indivíduos bastante sugestionáveis. A mídia, através de mecanismos sutis de sugestão, pode colocar grande contingente humano em situações próxima ao transe hipnótico. Uma agência publicitária apresenta produtos na tevê e, para o convencimento de seus consumidores, utiliza platéia durante o comercial que, após a apresentação, aplaude efusivamente o apresentador, isso pode até ser ridículo, mas funciona, porque exerce nos telespectadores o efeito da sugestão por comportamento imitativo. Equivale a dizer que, se algumas pessoas correm sem motivo em uma direção, outras farão o mesmo inconscientemente, sem saber por que estão também correndo. Assim quando alguém fica no meio da rua olhando para cima, mesmo sem ver nada; várias outras pessoas vão imitála sem saber por que, ou para o quê estão olhando. Outra forma de sugestão é através do convencimento com o uso de sofismas. Para evitar o senso crítico das pessoas e convencê-las a desempenharem tarefas difíceis ou injustificadas, elas são bombardeadas com perguntas do tipo: Você está satisfeito com o que tem? Você tem tudo que precisa para viver bem? Você quer passar a vida toda trabalhando? Obviamente a resposta será não, tanto para quem pergunta como para quem é perguntado, mas assim estará quebrada a resistência dos mais suscetíveis, 123
Na década de 1950, surge o conceito de marketing, um sistema destinado a promover e distribuir produtos e serviços para compradores atuais e futuros. Com a disputa entre as marcas de Coca-Cola e Pepsi, a primeira até então líder de mercado, as empresas passaram a procurar novas linguagens de comunicação com seus clientes. As pessoas se decidiam pela compra de uma marca estimulada por truques de marketing (N. do A.).
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sendo estes facilmente induzidos para aceitarem a próxima idéia que é falsa ou pelo menos duvidosa, porém é um sofisma. Por terem sido induzidos através de verdades a dizerem “não”, quando lhes é formulada a próxima pergunta bem que poderiam dizer “sim”, mas perdem o senso crítico e afirmam “não”. Através de palavras uma pessoa pode ser induzida a erros, pode até falar ou concordar com absurdos. Como exemplo pergunta-se a alguém; “se você for picado no braço por um inseto, pode surgir um calombo ou um colombo?” Não importa a resposta, ato continuo pergunte; “quem descobriu o Brasil?” Mais de 80% incidem em erro, a resposta convicta será, “Cristóvão Colombo”. Para colocar em prática seus objetivos, a dominação social utiliza da mídia de forma indiscriminada, destruindo o que a população deveria possuir de melhor, o seu senso crítico. Manifesta como se fossem de interesse geral seus próprios interesses, impedindo os grupos subalternos de visualizarem sua real situação e de exprimirem suas próprias aspirações. Interesses particulares são transmitidos como se fossem acontecimentos naturais, como se não tivessem sido decididos por mentes de dominadores. Um dos maiores êxitos da classe dominante consiste em conquistar adeptos entre suas próprias vítimas através da propaganda. A propaganda transforma o corpo humano em um receptor de consumo para os mais variados produtos, seja para melhorar o cabelo, o tipo de roupa, sejam as próprias formas do corpo. Através da publicidade é criado o homem e a mulher da moda, o nome da moda, tudo tem a sua própria moda e, em função disso, as pessoas são, com freqüência, compelidas pela propaganda a mudarem sua própria forma de apresentação pública. Essas atitudes e comportamentos passam a ser planejados e executados por uma grande maioria que agem, diante dos olhos das pessoas que os vêem ou desejariam que os vissem, como se fossem atores representando papéis ditados pela propaganda. Propaganda subliminar De forma subliminar 124 a mídia determina atos sociais coletivos, que passam a ser materializados nas pessoas, pelas preferências de marcas de bens de consumo, nas formas de vestirem-se, na expressão do corpo, ingerindo medicamentos em bases sugestivas e efetivando aquisições de objetos supérfluos. Diante da televisão até os sentimentos das pessoas mudam, passam a ser ora agressivos, ora complacentes, tudo de acordo com as novelas e as reportagens que assistem. Tudo isso só acontece se as pessoas acreditarem ou aceitarem como verdade o que lhes foi sugerido; mas aceitar ou acreditar pode ser resultado de um processo sugestivo induzido, portanto hipnótico. 124
Subliminar - define um estímulo aos órgãos dos sentidos que não é suficientemente claro para que o indivíduo fique consciente de sua existência, mas, inconscientemente, atua para alcançar um efeito desejado (N. do A.).
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O exemplo mais convincente da eficácia do poder da sugestão é o hipnotismo de marketing dos modernos processos publicitários. As ações populares passam, de acordo com as propagandas, a corresponder aos componentes objetivos da indução, isto é, conforme as mensagens publicitárias que desencadeiam atitudes inconscientes. Na propaganda, os conceitos subliminar e hipnótico são coincidentes, ambos baseados em estímulos abaixo do limiar da consciência, sendo exatamente esses estímulos que produzem os efeitos hipnóticos, permanecendo “adormecida” num estado subliminar, além do limite da atenção consciente ou da memória, mas provocam rápidas intuições que geram decisões de consumo. Neste sentido afirma Weissmann: Já existem sistemas de publicidade, sobretudo, a chamada publicidade indireta. Capazes de criar no ânimo dos consumidores um desejo irresistível e às vezes inconsciente de adquirir determinados produtos, deixando-os num estado que se avizinha bastante da hipnose (WEISSMANN).
Como afirma Mc Luhan “os anúncios não são endereçados ao consumo consciente. São como pílulas para o inconsciente, com a finalidade de exercer um feitiço hipnótico”. Estas mensagens que pouco a pouco levam à adesão constituem a Propaganda Subliminar através da Multimídia. A Propaganda Subliminar surge na década de 50 nos Estados Unidos, e esse tipo de publicidade foi reconhecido no início como Hipnotismo Comercial. Tratava-se de uma nova entidade publicitária chamada Subliminal Projection Company Inc., que utilizava uma engenhosa projeção inconsciente que consiste na apresentação de frases-relâmpago. Embora a mensagem seja imperceptível à visão consciente dirige-se ao inconsciente, tal como faz o hipnotizador. Weissmann, referindo-se à propaganda subliminar, acrescenta o comentário: Assusta pensar, o partido que um Hitler ou um Stalin poderiam tirar de tal invenção. As autoridades da Comissão Federal de Comunicações do Governo de Washington foram alertadas para evitar possíveis abusos dessa inovação, ou melhor, desse aperfeiçoamento da velha técnica publicitária, a qual, pela sua própria natureza tem de ser sugestiva (WEISSMANN).
Uma matéria publicada no Jornal Sunday Times de Londres, em 1956, sob o título Sales Through the Subconscions - Invisible Advertisement (Propaganda Invisível – Vendas Através do Subconsciente) passaria despercebida se Vance Packard, professor de jornalismo em New Canaan, não lançasse sua obra The Hidden Persuaders, comentando o assunto e desencadeando interesse por esse tipo de propaganda. O livro de Packard não tinha a preocupação de relatar com exatidão ou de pesquisar com rigor científico. Apenas descreve superficialmente os efeitos subliminares experimentados em um cinema de Nova Jersey, nos Estados Unidos, em 1956, quando Jim Vicary incluiu mensagens por frações de segundos, durante várias sessões do filme Férias de Amor, insinuado o consumo de produtos sem que os espectadores percebessem conscientemente.
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Packard desencadeou a polêmica em torno do tema da propaganda subliminar, mas faltavam maiores dados, como, por exemplo, a descrição da tal técnica e o responsável pelo seu desenvolvimento. Só, em 1963, outro livro, Técnicas de persuasão: da propaganda à lavagem cerebral, de J. A. C. Brown, vem acrescentar novos dados sobre esse histórico experimento, descrevendo melhor o processo que aconteceu na cidade de Nova Jersey: Jim VICARY instalou em um cinema de Nova Jersey um segundo projetor especial, o qual projetava intermitentemente na tela frases como “Beba Coca-Cola” ou “Coma Pipoca”. Com este experimento observou-se que houve o aumento da venda da Coca-Cola em 57,7% e da pipoca de 18,10% (BROWN).
Um segundo projetor utilizado por Jim Vicary, o taquicoscópio, é comparado a um tipo de projetor de slides que projeta um único slide na velocidade 1/3000 de segundo. No cinema, fora colocado ao lado do projetor do filme, cuja projeção era ao ritmo de 24 fotogramas por segundo, e ficava repetindo a imagem sobreposta ao filme, a cada cinco segundos, para dar a ilusão de movimento. Com isso, as palavras eram projetadas tão depressa que a mente consciente não as podia perceber. Esta técnica pode ser muito mais fácil de produzir com as novas tecnologias, como exemplo, se utilizada em gravações de comercias para tevê através das novas mídias eletrônicas, videogame ou softwares de computador. Assim, a projeção subliminar visual em velocidade taquicoscópica é uma forma de propaganda invisível que pode ser adaptada em programas de computador ou outras formas de recursos similares. Evidencia-se, igualmente, que os conteúdos destas mensagens podem variar desde a manipulação na venda de produtos, até o uso clínico, à semelhança de sugestão pós-hipnótica, para emagrecer ou parar de fumar. Wilson Bryan Key 125 pesquisou as bases fisiológicas para a compreensão dos fenômenos e processos subliminares, na obra Subliminal Seduction. Ele explica que os cursos de leitura dinâmica baseiam-se na recepção de mensagens sem o crivo crítico da consciência. Tudo que é visto, ouvido ou sentido sem a crítica da consciência é armazenado no inconsciente e lá permanece de forma subliminar. Costa 126 afirma que todo discurso gráfico é subliminar, citam como exemplo a ordenação dos textos, a diagramação, escolha da família das letras, cor de tinta, tipo de papel, em suma, toda a produção gráfica e editoração criam a imagem da empresa, a identidade visual táctil do veículo. Na programação visual subliminar pode-se orquestrar uma campanha publicitária abrangendo todas as formas de comunicação visual com efeitos subliminares planejados, 125
KEY Wilson Bryan, Subiliminar Seduction – Ad media’s Manipulation of a Not So Innocent América (Sedução Subliminar - Manipulação da Mídia Publicitária de uma América Não Tão Inocente, 1973. 126 COSTA, Mauro S. R. Alice no país subliminar, Folha de S. Paulo, 9/10/84.
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veiculando a mesma mensagem em diversas mídias: cinema, televisão, jornal, revista, quadrinhos, outdoors, placas de lojas, etc. As mídias são subliminares... O metrô é subliminar. Os shopping centers são subliminares. As lanchonetes modernas todas paginadas, do hamburguer à roupa do cozinheiro, são subliminares no seu efeito, no seu apelo, na sua sedução. Por que você sempre volta ao McDonald’s, mesmo depois de perceber que pesa, que é difícil de digerir? (COSTA).
Wilson Bryan Key foi quem melhor desenvolveu um método para detectar mensagens dentro da mensagem principal. Ante um anúncio publicitário ou ante qualquer imagem suspeita de apresentar no seu conteúdo mensagens subliminares, deve-se, primeiramente, tentar relaxar ao máximo, para então deixar o olho percorrer lentamente, sem destino e sem focar nenhuma área de interesse específica, toda a imagem, diversas vezes, observando cada linha, sombra ou canto. Key sugere que uma segunda leitura deve ser crítica e checar cada mínimo detalhe da imagem, cada cenário, cada borrão ou sombra ou reflexo em vidros, dobras de tecidos, nuvens no céu, manchas em paredes. Todo o padrão pode parecer de forma confusa, irregular e caótica, cuja desordem aparente serve de camuflagem e disfarce para uma imagem subliminar. É nessa segunda leitura que se presta o máximo de atenção a tudo que possa parecer sem importância. Segundo Key, o anúncio publicitário é desenhado para ser lido em dois segundos, pois ninguém compra uma revista e lê todos os anúncios. As pessoas folheiam revistas e pulam os anúncios, no máximo lendo de relance os títulos. O mesmo se passa com os cartazes e outdoors; são planejados e diagramados para uma leitura instantânea, os detalhes de fundo dos desenhos ou fotos nem são olhados, sendo os fundos subliminares captados pela visão periférica, o canto do olho. Logo, uma boa quantidade de informação entra pela visão periférica, percebida e registrada num golpe de vista de um segundo. Para Key, o efeito subliminar não começa em um ponto estatístico invariável para qualquer receptor da mensagem; pelo contrário, a percepção de subliminares pode mesmo ser consciente, dependendo do grau de destreza do público. Os limites de percepção consciente variam de pessoa para pessoa, variam também de acordo com o sexo, a idade, o grau de instrução e o nível cultural. Todas essas variáveis são condicionantes subliminares; precisam ser levadas em consideração ao se confeccionar as mensagens subliminares. Em seu livro, Key apresenta fotografias contendo os subliminares embutidos e, para fundamentar, conta que foi no século XVI que o italiano Giuseppe Arcimboldo (1527-1593) desenvolveu uma técnica sistematizada, denominada efeito Arcimboldo, que consistia em combinar elementos diversos para formar a imagem da face dos aristocratas da época. Arcimboldo desenvolveu uma linguagem visual própria onde conchas representam orelhas; um joelho curvado forma um nariz. Foi ele quem apurou a técnica de implantar mensagens dentro de outras mensagens. Visto de longe ou de relance, um
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retrato é um rosto comum; visto de perto ou detalhadamente com a atenção concentrada, apresenta-se como um discurso visual subliminar de alta complexidade. Key explica uma forma de imagem embutida, abordando as anamorfoses: Anamorfose é uma técnica de distorção de imagens visuais percebidas apenas no nível inconsciente. Pode ser definida como uma imagem intencionalmente deformada ou produzida por um método que a torne irreconhecível, a não ser que seja vista de certo ângulo ou com um dispositivo ou condição do observador que a reconstitua: Holbein retratou Jean de Dienteville, embaixador da França, e seu amigo, o bispo Georges de Selve. Os dois nobres são retratados cercados de objetos, artefatos de comércio, ciência e arte, arrogantes aparentam poder. Contudo, observado por quem entra pela direita no salão de baile onde o quadro é exposto, em um ângulo de 5 a 10 graus, surge o vislumbre de uma caveira humana, “subliminar” (KEY).
Tanto quanto os recursos visuais, a tecnologia subliminar recorre também aos sonoros e é possível ser aplicada em processos de aprendizagem. Por exemplo, o aparelho que ensina as pessoas quando estão dormindo, pois a lição é gravada e um fone toca subliminarmente sob o travesseiro. A engenharia de emoções tem o objetivo de alterar o comportamento sem a consciência do receptor, que é manipulado subliminarmente por sons, cores e imagens. A pessoa é manipulada inconscientemente, recebendo a mensagem pela visão e pelo ouvido, atingindo o inconsciente para estabelecer uma sugestão de efeito pós-hipnótico. O efeito da música e todos os seus elementos, sons, ritmos, melodias e harmonias, se tornam aliadas no processo de indução ao transe. A melodia, por sua vez, está ligada à afetividade, podendo levar o ouvinte ao estado de alegria, relaxamento, nostalgia etc. As utilizações dos mantras, por ser repetitivos e monótonos, podem exercer um poderoso efeito hipnótico. As cores têm efeitos subliminares psicossomáticos, elas entram pelos olhos, pela consciência e, sem serem percebidas, alcança regiões subliminares onde funcionam hipnoticamente, cada uma gerando uma emoção diferente; conseqüentemente, o emprego errado de cores ou sua má articulação com áudio, vídeo, olfato, tato ou paladar pode anular completamente os resultados de uma orquestração subliminar multimídia. A cor tem seu significado; mesmo que não seja consciente, pode induzir a escolha de uma embalagem na prateleira de um supermercado, pode levar o empregado a trabalhar mais tranqüilamente, pode influir a pressão arterial ou ser relaxante. Segundo Roth, 127 o organismo psíquico é sensível às vibrações das cores. Os efeitos excitantes da cor vermelha estimulam a iniciativa; o poder calmante do azul celeste acalma o ímpeto; o roxo cura; o verde agrada porque 127
Ernest ROTH. Métodos para hipnotizar. In: As cores do hipnotismo, RJ, Tecnoprit, 1968)
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desperta paz e harmonia; o alaranjado ilumina o pensamento e favorece a criatividade; a ação revigorante do amarelo penetra dando convicção sobre determinada idéia; o cinzento amortece as iniciativas; o violeta elimina vontades, o castanho repousa e descansa eliminando o estresse; o cor-de-rosa desenvolve sensações de paz. Uma imagem onde aparecem cores básicas se sobrepondo em degradê desperta atenção, curiosidade e concentração na mensagem subseqüente e, isto já é usado em mídias visuais. Merchandising O merchandising, também, é subliminar. O termo assume vários significados dentro das diferentes áreas do marketing, da propaganda e da publicidade. De uma maneira geral, o conceito é aplicado de acordo com os profissionais que o manipulam. Na verdade, esta técnica de se veicular um produto ou serviço embutido em outra mensagem, ou seja, mensagem dentro da mensagem, rotulada de merchandising já é antiga; segundo o publicitário Jorge Abid, apareceu nos anos 20, quando o governo americano teve uma super safra de espinafre e, criando o Popeye, acelerou o consumo entre crianças. Para Flávio Calazans, 128 com as quantias absurdas gastas com o merchandising, começaram a surgir mega contratos para filmes, já que contavam com todo o custo operacional pago por multinacionais, surgindo também os primeiros investimentos nas novelas, ampliando as áreas de sua extensão e alcance. Incluía-se determinado produto no meio das novelas, sendo “naturalmente” usado pelos personagens. São muitos os produtos que são lançados nas novelas, através do recurso do merchandising, viram modas e se difundem na sociedade, provando a massificação dos meios de comunicação e, cada vez mais, a utilização da propaganda indireta. 129 Todos possuem um sistema de defesa, mas o merchandising consegue burlá-lo: por exemplo, quando os intervalos comerciais começam, imediatamente o nosso sistema de defesa é acionado, mas é quando recomeça o programa ou novela que os telespectadores estão vulneráveis, e não percebem que estão sendo atacados pelo merchandising.
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CALAZANS, Flávio de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, 7 ed. Ver, atual e ampliada, São Paulo, Summus 2006. 129 O conceito de merchandising é diferenciado entre autores: A) Convencionou-se chamar de merchandising em propaganda a aparição dos produtos no vídeo, no áudio ou nos artigos impressos, em situação normal de consumo, sem declaração ostensiva da marca (TAHARA, Mizuho. Contato imediato com a mídia). B) Nova modalidade de comercialização de espaços sem o rótulo da propaganda. Batizou-se a idéia como Merchandising (SIMÕES, Roberto. O que é merchandising? Revista Marketing). C) Compreende um conjunto de operações táticas efetuadas no ponto de venda, para se colocar no mercado o produto ou serviço certo, na quantidade certa, no preço certo, no tempo certo, com impacto visual adequado e na exposição correta. É basicamente o cenário do produto no ponto de venda (COBRA, Marcos. Administração de marketing).
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Calazans diz que os bombardeios diários de outdoors, anúncios de rádio, televisão, cartazes e tantos outros tipos de mídia, contribuem para seduzir e formar uma consciência alienante a respeito do produto anunciado. Embora os anúncios subliminares sejam antiéticos, não há lei explicitando ser ilícito quando aplicada com fins comerciais, eleitorais ou religiosos. Porém, o que se sabe a respeito do efeito subliminar é o suficiente para se intimidar, temer e prevenir por ser este recurso voltado para o direcionamento do consumo de determinado produto ou ideologia, contribuindo para que, cada vez mais, o consumidor haja pelo inconsciente na sua tomada de decisões. A modernização cada vez mais sofisticada da tecnologia de persuasão, na segunda metade do século XX, mudou as antigas regras da propaganda. À medida que a indústria de publicidade e relações públicas torna-se cada vez mais habilidosa em manipular opiniões, crenças, posturas e sistemas de valores, tornam-se necessário conhecer esses processos para destes defenderse. A manipulação da percepção não pode ser alcançada se for reconhecida. No momento em que pessoas aceitam como verdade uma informação externa sem o crivo do consciente, elas tornam-se vulneráveis, manipuláveis e eminentemente exploradas. Elas deixam de agir como indivíduos autônomos, criativos e pensantes. Quando a mídia, o marketing e a religião se associam e usam como instrumento alguns expedientes hipnóticos para focalizar suas metas, atingem mais seguramente seus objetivos. Podem, neste caso, formar opinião e ditar costumes, modelando de forma alienada e, por vezes contraditória, grande contingente humano. Sugestão desejada e indesejada A sugestão pode funcionar negativa ou positivamente; as pessoas são constantemente bombardeadas de sugestões de todos os tipos. Se não absorvem as positivas que fará bem, nem sempre pode se livrar das negativas que certamente fará mal. O indivíduo é vítima de uma brincadeira de mau gosto no ambiente onde trabalha; quando chega de manhã ao serviço, um companheiro o saúda com a seguinte observação: “Minha nossa, fulano, você deve ter tido uma noite horrível, está com uma aparência terrível”. Fulano, que se sentia bem disposto, fica surpreso com tal afirmativa. Minutos depois, alguém comenta casualmente: “Esta manhã você está de ressaca? Você parece mal”. Outros colegas complementam “Veja se fulano não está com febre”. A esta altura fulano está sentindo-se péssimo e é provável que com a continuação desses comentários volte para casa realmente doente. É muito importante saber identificar as sugestões negativas e prejudiciais, bem como é preciso localizar rapidamente a sua fonte e neutralizá-la. As pessoas trazem cotidianamente a possibilidade de serem contaminadas porque estão quase sempre próximas de tipos de Indivíduos que podem influenciar pessimismo. Os pessimistas são aqueles que estão ou vivem mal-humorados,
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infelizes e queixosos que, sem motivo justificável, estão sempre cheios de revolta, reclamam de tudo e, assim, passam sugestões negativas, induzem malestar, assim como falta de esperança ou firmeza de bons propósitos, ou simplesmente afastam das pessoas próximas a tão necessária alegria. Embora nem sempre se tenha consciência de sua influência, quando este tipo está presente é bom estar de sobreaviso. Só assim alguém pode ficar imune às suas induções e, uma vez imune, é possível até ajudá-lo. Se não fora a sugestão hipnótica uma força de eficiência social cotidiana incomparável, não se justificaria a mais abrangente de todas as indústrias modernas, a indústria publicitária. Os anúncios ocupam a maior parte de quase todos os órgãos de imprensa, além dos dispendiosos patrocínios de rádio e de televisão. Veja o que diz Admes 130 sobre as possibilidades da eficácia das sugestões cotidianas e a lei do efeito contrário: O que alguém diz ou pensa a seu respeito não afeta seu inconsciente, a menos que você aceite as sugestões. Nada entra no inconsciente, salvo se vem da mente consciente. O jovem, ao qual se diz que ele não é bom, não será afetado por esta afirmativa, a menos que a aceite como fato. Se for capaz de ‘controlar’ seu fluxo de pensamento, na realidade ele terá sua autoconfiança aumentada (ADMES).
Para esse autor o que alguém possa dizer a você, por mais horrível que seja, poderá ser nocivo, exceto se você não aceitar o que foi dito. Você é a única pessoa que pode prejudicar-se e isto poderá acontecer se acreditar e aceitar as coisas desagradáveis que são ditas a seu respeito. Aconselha Admes, “você deve jogar tais coisas fora”. Esqueça-as. Deixe de reprisá-las na mente, para que elas não se gravem no inconsciente e lá permaneça retroalimentando sua consciência para aborrecê-lo. Esqueça-as, e ponto final. Lembre-se que nós somos aquilo que pensamos e que inconscientemente acreditamos ser. Mais importante ainda é ter sempre a convicção que ninguém nem coisa alguma vai fazer uma pessoa se sentir infeliz sem o seu próprio consentimento. Hipnose contra a vontade A hipnose contra a vontade é uma questão sutil, implica em saber se a vontade declarada é sincera. Geralmente se verifica uma falta de unidade de propósitos, ao mesmo tempo em que a pessoa quer ser hipnotizada, não quer e vice-versa. Enquanto a vontade consciente se opõe à experiência hipnótica, a vontade inconsciente não se opõe ou vice-versa. O que vai determinar o êxito do processo hipnótico é a vontade inconsciente e não a que declara a pessoa. Quando as pessoas enfrentam o hipnotista com propósitos de desafios, chegando a ponto de apostar, geralmente são ótimos hipnotizáveis. Trata-se de indivíduos no fundo desejosos de passar pela experiência hipnótica e sua atitude desafiante não passa, geralmente, de um reflexo da convicção íntima de 130
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose, S. Paulo, Ed. Besteseller, 1972.
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sua suscetibilidade. É, muitas vezes, um expediente provocativo de um masoquismo disfarçado. A hipnose pode ainda colher a pessoa de surpresa, não lhe dando tempo para usar a própria vontade. Pode ser tão sutil que as pessoas envolvidas (hipnotizador e hipnotizado) não se dão conta do processo e, neste caso, quando começam a se dar conta da situação, já está no transe. Muitos declaram “não estavam preparado para uma situação tão fulminante. Tudo se deu de uma maneira tão inesperada e rápida”. A hipnotização contra a vontade do hipnotizável é tanto mais fácil quando se trata de pessoa anteriormente hipnotizada, e havendo uma sugestão pós-hipnótica no sentido de voltar ao transe a um dado sinal ou condição, ou circunstância, a possibilidade de resistir é mínima. Alguns sujeitos insistentes, se não repelidos de imediato, podem induzir outros a agirem contra a vontade. Geralmente, por mais paradoxal que possa parecer, isto se aplica ao tipo que utiliza argumentação sem procedência, sem sentido, que insiste em manter conversa vazia sem nenhum resultado prático. Podem se revelar ignorantes, brincalhões ou ainda mentirosos, coitadinhos ou sonhadores, mesmo assim, com todas essas “qualidades”, convencem pela insistência, embora depois de revelar-se inteiramente, e não sendo portadores dos atributos desejados, suas idéias são rejeitadas. Na hipnose contra a vontade, se o elemento de convicção apresentado for suficientemente forte a ação será instantânea, não dando tempo de a pessoa refletir sobre seu consentimento ou conseqüências disso. Mas, admitindo-se que isso não ocorreu porque os argumentos não foram claramente válidos; fica a dúvida e permite uma segunda oportunidade, quando voltará o hipnotizador a insistir no seu firme propósito. A tendência é, a cada vez que reaparece, ser mais convincente, porque quem dá a segunda oportunidade está, por qualquer motivo que lhe interesse, consciente ou inconscientemente, querendo acreditar. Assim acontece com o vendedor que insiste muito na venda, se não for rápido e energicamente repelido, poderá convencer o “cliente”, mesmo sendo o produto, objeto da venda, de má qualidade e de alto custo. Esses exemplos são possibilidades de induções hipnóticas que passam despercebidas no cotidiano da vida das pessoas. Hipnose cotidiana Em qualquer momento somos acessíveis à sugestão e para justificar esta afirmativa basta lembrar que somos inclinados ao comportamento imitativo. Este comportamento é evidente quando, em meio a uma multidão, alguém começa a tossir, não demora muito e várias pessoas também tossem compulsivamente, sem motivo orgânico que justifique. Ocorre também a sugestão, quando um comercial de televisão anuncia um alimento com deliciosa aparência e, de repente, aparece nos telespectadores vontade de comer. Tudo isso prova a força da sugestão e significa também que aprofundar uma idéia pode ser um passo para a irresistível compulsão hipnótica.
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As pessoas são passíveis de sugestão o tempo todo, mas se a sugestão não for boa deve ser rebatida de imediato. A mente consciente possui o que se denomina de “senso crítico”, é um filtro para que se possa ou não aceitar as variadas sugestões diárias. Quando este senso crítico é relaxado, se perde o poder de julgar e discernir. Quando a mente consciente está relaxada, as sugestões seguem diretamente para o inconsciente e, este, literalmente aceita as sugestões. Se você estiver relaxado, e sugerir a si mesmo que sentirá as mãos pesadas como dois blocos de chumbo, suas mãos começarão a sentir tal peso. Se você estiver em estado normal, com seu senso crítico em pleno funcionamento, isto não acontecerá. Sua mente consciente fará o julgamento e dirá que “minhas mãos não são dois blocos de chumbo, portanto, não sinto tal peso”. Mas, quando a mente consciente está relaxada, a sugestão transforma-se em realidade. Neste caso, vê-se e sente-se o que não existe e não acontece, acredita-se no absurdo até que o senso crítico volte a atuar, ou seja, até se tomar consciência da realidade. Isto, às vezes, demora a vida toda, porque o inconsciente, através de uma realimentação constante, poderá estar sempre convencendo, de forma enganosa, a consciência. Não raramente a hipnose pode ser exercida sem o conhecimento do hipnotizado, como também sem o conhecimento do próprio hipnotizador. Algumas pessoas ignoram suas qualidades de hipnotizadores, mas hipnotizam mesmo sem saber como. Entre esses hipnotizadores podem ser encontrados até analfabetos e/ou desprovidos de respeitabilidade social. Weissmann reforça essa posição descrevendo sua experiência: Lembro-me de um paciente, um recluso, homem rústico e analfabeto, que acompanhado de ficha antropológica bastante desfavorável, apresentouse em meu gabinete de psicologia. Na ficha constava que o preso conseguira engenhosamente evadir-se de diversos estabelecimentos penais. Interrogado, o próprio detento confiou-me o segredo de sua técnica fugitiva. Angariava a confiança dos guardas da prisão, convencendo-os de que possuía uma reza secreta capaz de ‘endireitarlhes’ a vida. Bastava que eles (guardas) compartilhassem de sua fé e participassem com sua presença de uma reza. Na própria cela, o presidiário improvisava o altar, com uma simbologia; velas de cabeça para baixo, objetos estranhos de toda ordem e mais os retratos dos guardas a serem ‘beneficiados’. Estes últimos, dispostos em semicírculo, assentados, recebiam do detento uma colher de água com açúcar, além da recomendação de fecharem os olhos e se concentrarem mentalmente, enquanto ele (detento) orava em voz baixa. Passados poucos minutos, os guardas, assentados, de fuzil em punho, entravam em transe, permitindo assim ao preso subir à janela, serrar a grade e fugir. Quando os policiais acordavam, o fugitivo já estava longe da prisão (WEISSMANN).
Diz ainda Weissmann, o preso aplicou nos guardas do presídio um engenhoso método de indução hipnótica, mesmo sem nunca ter ouvido sequer a palavra hipnotismo em sua vida. E, no entanto, sua técnica aplicada no fato
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narrado foi correta, baseada na atenção concentrada, ou desviada, como diria Gindes, na fé e na expectativa. Quando Weissmann perguntou ao preso a que ele atribuía o fato de os soldados terem dormido assim, profundamente, de fuzil na mão, ele respondeu: “É a minha reza que tem esse poder”. O preso trazia a prece numa pequena bolsa de couro pendurada ao pescoço. Determinados indivíduos hipnotizam inconscientemente e até possuem perfis de comportamentos definidos que revelam seus métodos de indução. Entre eles, podem ser observados, pelo menos, três tipos: o mentiroso, o coitadinho, e o sonhador. O mentiroso engendra uma série de fantásticas fantasias e apresenta como se fossem verdades. Para isso primeiro se convence de suas elucubrações e, uma vez convencido, será suficientemente convincente a ponto de envolver alguém de seu interesse em suas infundadas estórias. Por incrível que pareça, algumas pessoas diante desse tipo podem perder o senso crítico, quando ouvem repetidamente suas mentiras, invariavelmente, aceitam como verdades. Neste processo quando as pessoas se dão conta da realidade e, às vezes, nem se dão, já estão envolvidas nas mais absurdas odisséias. O coitadinho é o tipo que se caracteriza pela lamúria de vida, mesmo sem motivo plausível revela-se chorão, como sendo uma pessoa sempre frágil, perseguido pela família, geralmente com dificuldades insuperáveis, mal compreendido ou mal amado, severamente injustiçado por tudo e por todos. Geralmente revela-se, falsamente, como religioso e afirma constantemente que só Deus o ajudaria na solução dos seus problemas. É aquele que, em síntese, quando quer convencer alguém fica, o máximo de tempo que pode, diante dessa pessoa e sempre afirmando coisas como: “ninguém me quer, ninguém me liga, coitado de mim, meus sonhos são impossíveis, não sei se digo, não sei se choro, só Deus pode me ajudar...”. Com isso, atingem a sensibilidade afetiva e o sentimento de proteção latente nos indivíduos e, assim, estes desviam sua atenção da realidade para concentrar-se apenas na obstinada e hipnótica vontade de ajudar o “coitadinho”, convencidos de que é seu maior protetor, de que é aquele Deus que o amigo precisa. O “protetor”, inconscientemente, deixase ser usado até que ocorra, se e quando ocorrer, o restabelecimento do senso crítico. Só nesta oportunidade é que poderá “acordar”, arrependido, sem compreender como pôde ser usado de forma tão injustificável. O tipo sonhador é o que menos lógica requer da pessoa com quem se relaciona. Consegue aniquilar o senso crítico de quem dele se aproxima, através da hipótese do maravilhoso e do sonho. O mundo fantástico e sem problema é seu abre-alas, defende como verdade a utopia, ama a natureza e seus elementos; o mar, o sol, o luar, a terra, as matas e os animais que são freqüentemente evocados em suas argumentações como símbolos de pureza e inocência. Com esses argumentos não tem quem resista fácil; a indução hipnótica se perfaz rapidamente. O sonhador leva à sua “viagem” pessoas as
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quais consegue tirar da realidade para embarcarem nas suas irresistíveis fantasias. É importante lembrar que nem sempre o mentiroso sabe que é mentiroso. Assim como o coitadinho nem sempre acredita que ele mesmo seja tão sofredor como se revela. E o sonhador quase nunca acredita nos seus próprios sonhos. Todos eles, no entanto, se fazem acreditar pelas pessoas que podem, verdadeiramente, aceitar seus argumentos, isto é, as pessoas são literalmente convencidas por esses tipos de hipnotizadores a acreditarem, hipnoticamente, em situações que eles mesmos geralmente não acreditam. Muita gente pode ser hipnotizada sem saber, assim como quem hipnotiza nem sempre sabe que utiliza uma técnica hipnótica ou sabe o que é hipnose. Mas, se esse hipnotizador inconsciente consegue reunir “qualidades” que se somem como, ao mesmo tempo, ser mentiroso, coitadinho e ainda por cima sonhador, suas investidas são terríveis; neste caso, ou se rebate de logo ou será fatalmente induzido por sugestões, porque o rapport será facilmente estabelecido. Durante a vida as pessoas entram em hipnose espontânea praticamente centenas de vezes, dependendo da idade algumas ficaram em transe vários dias, embora tais situações não sejam denominadas hipnose. Sobre estes estados espontâneos da hipnose, diz o Griffith Williams. 131 Sonhar acordado nada mais é do que um estado hipnótico, talvez leve, talvez profundo. Quando nos concentramos bastante em alguma coisa, tal como na leitura de um livro, em um filme ou um programa de televisão ou até mesmo no trabalho, tendemos a entrar em transe (WILLIAMS).
Estbrooks 132 vai além e diz que: “é até provável que o estado de hipnose ocorra sempre que experimentamos uma forte emoção, como grande expectativa, medo, raiva, ou paixão”. M. LeCron 133 estende o estado de hipnose para as atividades comuns do cotidiano e, sobre isso diz: Quase todos os motoristas lembram-se de situações que estimulam a hipnose - viajando na estrada deserta, relaxados no volante, olhos presos na faixa branca da estrada, o ruído monótono do motor, e de repente percebem que já passaram por uma cidade, mas não se recordam de tê-lo feito. Estiveram em hipnose, experimentaram sintomas de amnésia e depois despertaram por conta própria (LeCRON).
Quando alguém está aprendendo a dirigir um automóvel, não consegue definir bem o que fazer na seqüência dos procedimentos para pôr o veículo em movimento e, quanto mais deseja, menos acerta. No entanto, quando se acha capaz de dirigir suas atitudes fluem automaticamente. É capaz de dirigir por longa distância sem se dar conta de como está fazendo isto, são seus 131
WILLIAMS, Griffith. Experimental Hypnosis, N. York, ed. Macmillan, 1956. ESTBROOKS, G. H. Hipynotism, N. York, Dutton, 1943. 133 LeCRON, Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., RJ, 1979. 132
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procedimentos de motorista realizados inconscientemente, vira a curva, passa marchas, enfim, faz tudo muito bem, sem se dar conta de como está fazendo. Todo comportamento realizado mecanicamente é inconsciente. O efeito hipnótico pode ser construído em um indivíduo desde a sua infância, como exemplo, se uma criança não se adapta bem nos estudos e, o pai ou a mãe ou até mesmo uma incompetente professora, a repreende várias vezes, com comentários do tipo “você é incapaz de aprender”. É possível que a criança aceite tais observações, acredite nelas e então se torne incapaz de aprender com facilidade mesmo sendo inteligente. Mas se ouve de vizinhos, amigos e parentes que ele é uma pessoa boa e agradável e que tem bom futuro, disto resultará o êxito certo. Quando essas idéias são aceitas, alimentam o inconsciente e este realimentará de volta a consciência. A sugestão negativa é bem mais freqüente que as positivas, são bem mais aceitas porque mexem com sentimentos mais fortes, como afetividade, segurança e confiança. Assim, se durante a vida, alguém diz repetidas vezes que “você só consegue fazer bobagens” e a pessoa que ouve aceita estas idéias, alimentando com elas o seu inconsciente, isto resultará em um terrível complexo de inferioridade. Porém, essas sugestões podem ser novamente processadas. O inconsciente pode ser alcançando e convencido corretamente, isto é desipnotizar 134 ou hipnotizar para retirar sugestões negativas instaladas no inconsciente. Algumas pessoas foram sugestionadas com idéias repetidas por longo tempo e disso resultam comportamentos inexplicáveis como alguns hábitos e superstições. Fica difícil explicar o comportamento supersticioso, de que até os mais céticos são portadores, se não for pela compulsão inconsciente. 135 Como se explica, ou como se justifica o fato de que muitas pessoas não vestem determinada roupa, ou de determinada cor, não passam por baixo de escada, acreditam, entre outras coisas, que gato preto provoca azar, ou que pé de coelho provoca sorte. Estas situações, dependendo do nível de crença do supersticioso, até se tornam realidade. Isto só se justifica, porque durante o processo histórico de vida, essas idéias foram alojadas em seu inconsciente e passam a determinar suas ações, mesmo que conscientemente não mais acreditem nelas. Na vida cotidiana ocorrem situações que reproduzem os mais engenhosos expedientes da hipnotização, mostrando assim que a hipnose é efetivamente um estado normal e bastante comum. Roger Bernhardt 136 134
O ato de desipnotizar é chamado de anipnotizar, do grego an hypnotizó. Significa acordar, sair do sono ou anular o seu efeito (N. do A.). 135 Na psicanálise, compulsão inconsciente se refere ao conjunto dos processos e fatos psíquicos que atuam sobre a conduta do indivíduo, mas que escapam ao âmbito da consciência e não podem ser lembrados por esforço da vontade consciente (N. do A.). 136 ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
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sintetiza essa questão fazendo-nos algumas perguntas cujas respostas para ele podem representar o fato de ter ocorrido um transe hipnótico: 1. Se você, em alguma ocasião, já experimentou a sensação de estar desligado de tudo enquanto lia um livro, ouvia uma música, assistia a uma peça ou filme - você pode dizer que esteve hipnotizado. 2. Se você, alguma vez, se encontrou perdido em pensamentos ou se esqueceu por um momento de onde estava ou mesmo não ouviu quando o chamaram pelo nome - pode dizer que já esteve hipnotizado. 3. Se você, em alguma ocasião, se apaixonou perdidamente, permanecendo cego aos desejos de outra pessoa a ponto de não dar ouvido a mais ninguém - pode dizer que já esteve hipnotizado. 4. Se você, em algum momento, se sentiu como que transportado durante suas orações - então, você já esteve hipnotizado. Visto assim, o transe hipnótico é um fenômeno muito normal, as pessoas de alguma forma já passaram por estes processos espontâneos da hipnose. Sendo um processo natural, não tem justificativa para sustentar a apreensão ou o medo de ser hipnotizado ou de utilizar a auto-hipnose em seu próprio benefício. Além disso, conhecendo seus mecanismos estará protegida para não sofrer induções hipnóticas que não sejam plenamente desejadas. Hipnose no Direito O hipnotismo se apresentou também na área do Direito envolvendo questões da psicologia jurídica. Numerosos foram os sábios que se dedicaram à hipnose forense, tomando partido pró ou contra, entre eles: Liégeois, de Nancy; Delboeuf, de Liéfe; Raoul e Emele Young, de Genebra; Ochorowics, de Lamberg; Focachon, de Charmes (Moselle); Cesare Lombroso, de Turim na Itália. Em Paris: Paul e Pierre Janet, Victor Meunier, Peirre Veron, Feré, o Padre de Meissas, o Coronel de Rochas. Mas, nesta área, quem mais se destacou foi August Henri Forel (1848 – 1931). Forel, em 1866, foi estudar medicina na Universidade de Zurique e atraído pelos cursos e estudos clínicos sobre psiquiatria, devotou-se também ao estudo da psicologia, sem deixar de lado o estudo das ciências naturais. O seu interesse pela psicologia e sociologia, aliado a psiquiatria e ao direito, conduziram-lhe a efetuar na Suíça inúmeras reformas, não somente psiquiátricas, também contribuiu para mudanças importantes no código penal suíço. Fascinado pela hipnose escreveu muito sobre esse assunto, tornando-se autoridade no que veio a ser conhecido mais tarde como hipnose forense. Fundou o Jornal de Hipnose de Zeitschrif que, em 1902, mudou de nome para Jornal de Neurologia e Psicologia e, em 1954, foi rebatizado como Jornal da Pesquisa Cerebral, cuja última publicação ocorreu em 1998. 137 137
Forel, em 1879, foi professor de psiquiatria na Universidade Médica de Zurique e Diretor do Asilo Cantonal Burghölzli, ambos na Suíça, sua terra natal. Tornou-se mestre na anatomia mi-
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A possibilidade teórica de um crime ser cometido por sugestão hipnótica foi estudada exaustivamente por August Forel que, após pesquisar sobre a possibilidade, chegou à conclusão de que pessoas normais podem sempre resistir a sugestões criminais; mas por outro lado, pessoas eticamente fracas, psicopaticamente inferiores, faltando o contrapeso e a resistência moral, podem ser induzidas a cometer crimes reais através da sugestão hipnótica. A esta conclusão também chegou Cesare Lombroso, acrescentando que para a realização do crime induzido seria bastante a predisposição inata do indivíduo para o comportamento criminal. 138 Forel publicou, em 1889, um artigo sobre a importância forense do hipnotismo e, em 1907, publicou um livro detalhando seu entendimento sobre terapia em casos psiquiátricos com o uso da hipnose, envolvendo ainda análises da conduta criminosa, psicológica e psiquiátrica do marginal social. 139 Ao relatar a hipótese de que, teoricamente, o crime hipnótico pode ser viável se, pelo menos, preexistir no hipnotizado uma predisposição latente para o ato criminal sugerido, recebeu comentários e críticas de Freud que, elabora uma resenha, 140 e comenta o tema: Como sabemos, até o momento, os “crimes sugeridos” são simplesmente uma possibilidade para a qual os juristas estão se preparando, e que os romancistas podem prever como “não tão improváveis que não possam acontecer algum dia”. De fato, em laboratório, não é difícil induzir um bom sonâmbulo a cometer um crime imaginário. Mas, depois das perspicazes croscópica do sistema nervoso, em 1875, fez a primeira secção completa de todo o cérebro e formulou o conceito das unidades celulares e funcionais (denominada mais tarde de Teoria do Neurônio). Realizou estudos sobre a topografia dos nervos trigeminal, pneumogástrico e hipoglossal e deu uma descrição precisa do hipotálamo – o núcleo do hipotálamo é chamado de Campo de Forel ou Corpo de Forel em sua homenagem. Em 1877 descreveu diversas estruturas do cérebro, chegando a descobrir, em 1885, a origem do nervo acústico. Fundou pelo menos vinte instituições, fez inúmeras pesquisas e invenções em diferentes campos, autor de mais de 1.200 publicações científicas, livros e artigos em quase todos os assuntos imagináveis. Em 1912, sofreu um acidente vascular cerebral tendo por resultado a hemiplegia do lado direito e corajosamente superou; aos 64 anos de idade aprendeu a escrever com a mão esquerda e permaneceu ativo até sua morte em 1931, aos 83 anos (N. do A.). 138 Cesare Lombroso (1835-1909) Nascido em Verona, Itália, foi diretor do hospício provincial de Pesaro (1871), ensinou medicina legal, psiquiatria e clínica psiquiátrica na Universidade de Turim. Apesar de forte oposição no meio acadêmico, suas idéias relacionam certas características físicas à psicopatologia criminal ou a tendência inata de indivíduos para o crime. Em 1864, publicou o livro Gênio e Loucura. Em 1867, escreve Ações dos Astros e dos Cometas sobre a Mente Humana. Em 1868, Relações entre a Idade, as Posições da Lua e os Acessos das Alienações Mentais, trabalhos recebidos com muitas reservas pelos cientistas. Acreditava que o meio social, aliado às influências astrais, preparasse para a ação criminosa indivíduos cuja natureza fosse anti-social. Em 1882, no ensaio; Estudo sobre o Hipnotismo, relata a possibilidade de um sonâmbulo realizar um crime. Publicou também: (1876) O Homem Criminoso; (1899) O crime, Suas Causas e Soluções (N. do A.). 139 FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907) 1988. 140 FREUD, Sigmund. Resenha de hipnotismo de August Forel. In: Textos escolhidos de psicanálise, RJ, Ed. Imago Ltda. 27 - 44, 1969.
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críticas de Delboeuf aos experimentos de Liégeois, deve permanecer em aberto a questão, até que ponto a consciência de se tratar apenas de uma experiência facilita à pessoa hipnotizada a execução do crime (FREUD).
Experiências feitas para averiguar a possibilidade de indução ao crime, não se validaram em virtude de seu próprio caráter experimental, como exemplo de um hipnotizado que recebe do hipnotista um copo contendo ácido com a devida explicação sobre seus efeitos. Em seguida recebe a ordem de atirar o ácido ao rosto de alguém e, sem hesitar, obedece. Acontece que o rosto da “vítima” está protegido por uma parede de vidro a qual não é possível de ser percebida por estar o hipnotizado portando vendas nos olhos. Outro exemplo, um hipnotizado é armado de um punhal para investir contra a pessoa do próprio hipnotista e investe, mas o punhal é de borracha, embora o hipnotizado não tenha sido avisado. Pode-se supor que os hipnotizados tenham agido de boa fé, intimamente convencidos do caráter inofensivo dos atos sugeridos, seja pela extrema confiança no hipnotista, seja por, inconscientemente, perceber a proteção que invalida a ação agressiva. Para que tais experiências se revestissem de validez, seria preciso reconstituí-las em bases reais, sem nenhum aparato protetor. Saindo da expectativa de explicar a ação do criminoso, a hipnose se volta para o campo da investigação. De fato, notícias quanto à aplicação da hipnose neste campo têm ocorrido com resultados espetaculares, com o propósito de refrescar lembranças de testemunhas e vítimas de crimes, como no caso conhecido nos tribunais americanos “o Povo verso Schoenfeld, 1980”, envolvendo o motorista de um ônibus escolar seqüestrado em Chowchilla, na Califórnia. Sob hipnose e não antes, o motorista foi capaz de dar o retrato falado perfeito do bandido e lembrar os números e letras da placa do carro que interceptou o ônibus. Isto levou à prisão e condenação dos seqüestradores. Não obstante bons resultados em procedimentos investigativos de crimes, tem havido sérias críticas ao uso de hipnose com testemunhas e vítimas. Spiegel 141 aponta duas delas: Duas acusações são feitas à técnica: uma é a de confabulação, que uma testemunha hipnotizada forjará material e se tornará o que foi chamado de um mentiroso honesto, representado por alguém que acredita em suas falsas declarações por desejo de agradar ao hipnotizador ou simplesmente como resultado de estar no próprio estado hipnótico não racional. A outra é a de concreção, que mesmo que novas informações não sejam forjadas, o indivíduo, tendo passado pelo processo de hipnose, emergirá dele com uma convicção aumentada de que suas memórias são corretas e, portanto, será mais convincente para um júri do que poderia ser (ORNE, 1979 e DIAMOND, 1980 apud SPIEGEL 1986).
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SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de Psiquiatria (Org. Talbott et al), Ed. Porto Alegre, Artes médicas, 687-690, 1986.
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Referindo-se aos processos judiciais americanos, Spiegel afirma que os tribunais têm sido uniformemente relutantes em admitir o testemunho de uma pessoa hipnotizada durante um julgamento. Relata ainda que, recentemente, os tribunais também começaram a excluir testemunhos de pessoas que foram antes hipnotizadas para depois depor sobre os fatos acontecidos. O tipo de situação na qual a hipnose tem maior probabilidade de valer é aquela na qual há uma amnésia traumática para os eventos de um crime. A literatura legal tem fornecido exemplos de casos processuais nos quais ocorreu o uso da hipnose para depoimentos e testemunhos, principalmente nos Estados Unidos, embora não seja a justiça americana federativa, cada Estado admite uma norma processual independente. No processo “o Povo versus Shirley, 1982”; uma mulher, cuja memória dos detalhes de uma agressão sexual questionável foi obscurecida devido a ela ter ingerido uma quantidade substancial de álcool, foi hipnotizada por um membro da equipe da acusação na noite anterior ao seu testemunho. Seu depoimento melhorou dramaticamente. No entanto, a acusação foi derrubada pela Suprema Corte de Justiça do Estado da Califórnia, que determinou que qualquer testemunha ou vítima que fosse hipnotizada para depor sobre os fatos de um crime não poderia testemunhar subseqüente ao processo hipnótico. Neste caso, o uso da hipnose criou um problema mais de admissibilidade do que de peso dado ao próprio testemunho. A Suprema Corte de Justiça do Estado do Arizona (Estado versus Collins, versus Corte Suprema, 1982), adotou um padrão mantido em Nova York (o Povo versus Hugher, 1983) e em Nova Jersey (o Povo versus Hurd, 1980), entre outros estados americanos, que é admitir que testemunhas em inquéritos policiais e processos judiciais, possam depor sobre suas lembranças dos acontecimentos hipnotizadas. Outro processo citado na justiça americana é “o Povo versus Guerra, 1984”. Nesse caso a condenação de um estuprador foi derrubada, uma vez que detalhes críticos relativos à natureza do ataque foram fornecidos pela testemunha apenas durante uma sessão de hipnose, na qual foi aplicada pressão considerável para que ela recordasse de ter sido penetrada pelo agressor. Entretanto, neste caso, a Suprema Corte da Califórnia deixou em aberto à possibilidade de que pudesse ser mantido o testemunho de uma vítima, cuja história não mudou apesar de um interrogatório sob hipnose. A legislatura da Califórnia (1985) fez passar uma lei sustentando o uso da hipnose com testemunhas desde que certas orientações fossem seguidas. Estas orientações incluem o acompanhamento de um profissional especializado como consultor em hipnose, documentação cuidadosa da memória da testemunha antes da hipnose, registro eletrônico de todas as interações antes, durante e após as sessões de hipnose. A recomendação é de que a hipnose não deve ser usada como substituição ao trabalho policial de rotina.
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Uma comissão de especialistas americanos, constituída para apresentar parecer sobre o uso da hipnose em processos judiciais, após examinar a questão, apresentou relatório concluindo que as evidências existentes indicam que o uso da hipnose tende a aumentar a produtividade da testemunha, resultando em novas memórias. Além disso, alguns estudos demonstraram um aumento na confiança atribuída por indivíduos hipnotizados e suas memórias. A comissão recomendou que fossem seguidas orientações semelhantes àquelas delineadas na legislação do Estado da Califórnia, quando a hipnose for utilizada em um processo legal. A esse respeito, diz ainda Spiegel: Certamente é evidente que a hipnose não é o soro da verdade e, que os tribunais devem pesar os efeitos de qualquer cerimonial hipnótico sobre uma testemunha. Ao mesmo tempo, a hipnose pode, em certos casos, ajudar uma testemunha traumatizada e amnésica a recordar detalhes, não acessíveis através de métodos convencionais de interrogatório (SPIEGEL).
No Brasil a hipnose pode ocorrer durante os processos judiciais de forma subjetiva, principalmente em Tribunais do Júri Popular que, em seu rito, apresenta o papel do advogado e do promotor de justiça no convencimento dos jurados através de argumentações. Tribunais do Júri julgam como culpados ou inocentes os acusados de crimes contra a vida humana na forma dolosa. Jurados são os Juizes de Fato e, uma vez convencidos pelas argumentações, votam pela condenação ou absolvição dos réus. A longa duração da fala da defesa e da acusação em um tribunal de justiça representa bem a técnica hipnótica da monotonia, assim como a réplica e a tréplica do argumento representa a técnica hipnótica da repetição. Também contribui o silêncio nas sessões de julgamento, a forma solene em que transcorrem, além da vestimenta dos advogados, promotores, juizes e serventuários da justiça, todos de beca e paramentados, cria no ambiente o clima de atenção concentrada e elevada expectativa, duas excelentes condições hipnotizadoras. Ao longo da sessão de um julgamento jurídico, que às vezes duram dias, alguns dos sete jurados, quando não todos, já estão hipnotizados pelas palavras monótonas e repetitivas dos oradores. Assim, pode a defesa ou a acusação, conhecendo ou não as técnicas hipnóticas, se beneficiar da própria atmosfera dos tribunais para “convencer” melhor o corpo do júri com as suas argumentações que, na maioria das vezes, são muito mais emotivas do que lógicas ou técnicas. Talvez muito se deva a esse fato quando o veredicto é absolutamente contrário às provas produzidas na fase de instrução do processo. Hipnose e psicopedagogia A hipnose como possível solução de problemas relativos a processos de ensino e aprendizagem é um fato incontestável, localizada no âmbito da psicopedagogia pode bem ser denominada de hipnopedagogia, funciona como uma
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ferramenta bastante útil na motivação dos alunos pelo professor e também para motivação do professor por ele mesmo. No processo de ensinar e aprender, principalmente no ensino formal, não basta apenas o recurso da hipnose, o professor deve, antes de tentar qualquer solução, ser competente e dominar conteúdos, metodologia, técnicas didáticas, fundamentos de organização escolar, além de vários outros conhecimentos acumulados pela ciência da educação e pela psicopedagia; mas pode complementar seu saber com um trabalho sistemático e consistente na aplicação de técnicas sugestivas que encantem o aluno no desejo de aprender. Além disso, também deverá permitir a ele próprio compreender a si mesmo para lidar eficientemente com as dificuldades identificadas no ambiente escolar. Para os professores que buscam qualidade no ensino, os conceitos e técnicas de Coué possibilitam uma maior aproximação deles com o mundo dos estudantes, facilitando o estabelecimento de uma comunicação eficaz dentro do espaço da escola, favorecendo o processo da construção do conhecimento. A hipnose ajuda o professor a seduzir o aluno para que ele deseje aprender e, desejando, aprenda. Neste sentido pode também aumentar a eficiência do docente em seu papel; com essa ferramenta o professor pode aprimorar a comunicação com seus alunos, produzindo informações precisas que permita o estabelecimento de relações de confiança e, desse modo, propiciar o aumento da qualidade de suas aulas. Como efeito paralelo o estudante pode concentrarse mais nas lições para absorvê-las melhor, assim como terá maior facilidade na compreensão das questões e na memorização dos conceitos e fórmulas, eliminando, ou pelo menos diminuindo, as dificuldades de memória e de concentração. Com o recurso da hipnopedagogia fica estabelecido o rapport, isto é, o relacionamento entre o professor e o aluno, envolvendo confiança, respeito, seriedade e abertura para a comunicação entre ambos. Esses fatores aumentam as possibilidades de cada um, professor e aluno, descobrir e se apropriar do saber. Usando processos hipnóticos, estes atores passam das operações de instrução e aprendizagem para a motivação e desejo no desempenho de seus papéis. Após as práticas com hipnose ocorre a elevação da auto-estima e, vencendo o medo de que não pode aprender, o aluno coloca sua emoção a serviço do sucesso. Com isso sente maior confiança em si próprio, adquire mais coragem para enfrentar os problemas e fica motivado para estudar, pesquisar e descobrir suas próprias respostas. Até mesmo com o simples exercício diário de relaxamento, algumas barreiras para a aprendizagem podem ser derrubadas e sensações visuais, auditivas, táteis e outras são extremamente ativadas no aluno. Também através deste exercício, o professor afetivamente inter-relacionado com os alunos, promove a qualidade do relacionamento entre os próprios alunos, incentivando o trabalho em grupo para conquistar a auto-educação. Articula a teoria e práticas vivenciadas nas disciplinas, permitindo a aplicação dos conhecimentos e habilidades
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adquiridos para análise de situações, elaboração de soluções ou mesmo criação de novas situações-problemas, com base na pedagogia da autonomia, através da investigação científica orientada. A hipnopedagogia coloca no mesmo patamar de importância a inteligência e os sentimentos, ajudando o aluno a desenvolver a capacidade de dar respostas adequadas e originais às situações problemas que lhes são apresentados, com espontaneidade e criatividade intuitiva que é proveniente de sua emoção. As respostas desprovidas da autocensura, que é atributo da racionalidade, fluem com emoção. Neste processo há maior apreensão e expressão do conhecimento, porque são recuperados vínculos humanos como o prazer, a afetividade, o saber e, principalmente, a auto-estima. Embora na maioria das práticas didáticas seja aplicado o exercício da razão, um princípio importante dentro de qualquer contexto educativo é a relação conhecimento-emoção. É a emoção que abre as portas do conhecimento quando motiva o aluno que não tem interesse em aprender. A hipnose favorece, tranqüilizando o aluno, quando tem de se ajustar e ficar preso ao rigor formal e metodológico do ensino. Tranqüilo, mais solto, poderá obter um melhor aproveitamento da informação que lhe é apresentada. Diante do enfrentamento das situações problema, contará com mais liberdade para expressar o que revela sua intuição e o seu conhecimento acumulado, desenvolvendo assim habilidades e competências. Intuição é espécie de visão direta sem auxílio de raciocínio explícito para apreensão e compreensão de um conhecimento. A controvérsia é saber qual é a essência da intuição, se volitiva intelectual ou emotiva. Para Dilthey a intuição é de natureza volitiva: Para Husserl é de natureza intelectual e para Bérgson (1859-1941) de natureza emotiva. A intuição pode ser fruto de todos os atributos da vida interior do indivíduo, que são volitivos, intelectual e emotivo; é toda a personalidade que se debruça sobre algo que a intriga. A intuição é, portanto, fruto da interação da emoção com a inteligência e a vontade, que formam a essência e a base da estrutura da personalidade de cada ser humano. Tanto a auto-hipnose como a hetero-hipnose, quando aplicadas no processo de ensinar e aprender, tem revelado efeitos surpreendentes em alunos com dificuldade na apropriação e assimilação de conhecimentos, além de reforçar o desejo pelo estudo, desenvolve a confiança em sua própria intuição. São muitas as experiências que provam essas hipóteses; aulas ministradas a alunos que praticam hipnose prometem um rendimento muito maior. Com esta prática a capacidade de reter conhecimentos aumenta consideravelmente. Isto se deve ao fato de que a hipnose é pela sua própria natureza atenção concentrada, elemento indispensável na aprendizagem. As experiências demonstram que a hipnose influencia aumentando a auto-estima e, por conseqüência, a capacidade da memória; sua prática tem provado que é fácil recuperar fatos da mais remota infância. Proporciona ainda
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o desenvolvimento da concentração ou atenção concentrada e, assim, se justifica a receptividade do indivíduo em relação às sugestões concernentes à melhoria da atenção e da memória e, por conseqüência, à melhoria do aprendizado. Desde que não haja uma história de doença grave, fica mais fácil conseguir lembrar-se de uma grande quantidade de conhecimentos e aperfeiçoar a habilidade de concentração e da percepção, quando o estado emocional do aprendiz é equilibrado através de sessões de relaxamento ou de auto-hipnose. Dificuldades para a leitura e a comunicação escrita são superadas quando a auto-estima é conquistada, ocorre melhoria na capacidade de ler, acumular, processar e divulgar informações. Não ocorrendo patologia que a justifique, a dificuldade de memorização, de escrita e de leitura pode ser relacionada a três causas, isoladamente ou conjugadas: • Estresse provocado principalmente pelo medo, pela ansiedade ou pelo excesso de cobrança. • Desinteresse pelo assunto em questão que pode também ser provocado pelo antagonismo ou aversão ao professor. • Auto-estima baixa que pode ter sido provocada pelo excesso de críticas ao seu desempenho escolar ou profissional. O mais comum é a associação do estresse com o desinteresse, estimulados pela auto-estima baixa. Neste caso a pessoa estressa com facilidade e se torna ansiosa, medrosa e ás vezes até agressiva. Para resolver o problema de memória é preciso tão-somente ter sua auto-estima levantada. Isto aumentará seu poder de concentração, estimulará a sua capacidade de "sonhar" e sua criatividade, fortalecerá sua confiança e os problemas de memória desaparecerão facilitando a aprendizagem. Como normalmente se imagina, "concentrar-se no estudo" não significa despejar toda ansiedade e toda vontade no ato de aprender. A concentração ótima para a aprendizagem não é aquela em que a pessoa estimula o seu "estado de alerta" que faz aumentar os batimentos cardíacos, a tensão muscular, o ritmo respiratório. A concentração ótima é a concentração passiva, quando a pessoa não está "preocupada em aprender", mas sim "divertir-se com o estudo". Quando se assiste aos filmes, se aprende muito mais sobre o fato do que quando, de forma ansiosa, se tenta decorar tudo debruçado sobre um livro. Não faz sentido estudar alguma coisa e não conseguir lembrar-se depois. E, essa "falha" normalmente acontece porque as pessoas são habituadas a fazer anotações lineares, organizadas, item por item. Para melhorar os resultados da aprendizagem, a auto-hipnose ou hetero-hipnose pode ser um recurso didático a mais, principalmente no estudo de matérias discursivas, podendo melhorar bastante a capacidade de memorização.
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Também com a ajuda da hipnose, o aluno remove sentimentos de rejeição a determinada disciplina, criando a condição propícia para absorver novas informações, competências e habilidades. Neste novo cenário, com o aluno mais participativo e motivado, o professor vai descobrindo, selecionando e explorando as condições mais favoráveis para alcançar os objetivos do ensino e, aplicar os conteúdos selecionados no seu planejamento. Uma experiência descrita por Peter Mutke, 142 realizada na Califórnia, no Monterey Peninsula College, demonstra como a hipnose pode ajudar no desenvolvimento da aprendizagem. Durante a experiência, ensinou-se o método DanRo de leitura corretiva a um grupo de estudantes hipnotizados e a outro grupo de estudantes não hipnotizados. Enquanto o primeiro grupo obteve um aproveitamento de 78% na interpretação de leituras complexas em apenas cinco aulas, o segundo grupo alcançou aquela porcentagem depois de vinte e duas aulas. O método Dan-Ro é utilizado para habilitar alunos que apresentam determinadas dificuldades de leitura e interpretação de textos. Bernhardt Roger 143 descreve outra experiência realizada na Califórnia, em Kentfield, no Child Center, com um grupo de alunos com idades de 8 a 12 anos. Uma vez hipnotizados, os alunos recebiam instruções para que visualizassem a si mesmos lavando o próprio cérebro com uma mangueira para retirar todas as idéias velhas que interferissem com o processo de aprendizagem. Em seguida, eles se visualizariam lendo fluentemente, sem esforços, com prazer. Formulou-se, então, a sugestão pós-hipnótica e que eles se transformariam em pessoas que leriam bem e sentiriam prazer na leitura. Dois meses mais tarde, estas crianças foram testadas e o seu desempenho foi comparado a outro grupo formado por crianças que também apresentavam dificuldades de leitura. A velocidade, a precisão e a compreensão aumentaram no nível de conteúdo equivalente a mais de um ano e oito meses para as crianças submetidas à hipnose, contra apenas quatro meses para as crianças que não haviam sido hipnotizadas. Além disso, a auto-estima das crianças submetidas à auto-hipnose, ou seja, os sentimentos otimistas que tinham em relação a si mesmas aumentaram dez vezes mais em relação à auto-estima do grupo que não praticou a hipnose. A hipnose ou a auto-hipnose estabelece a comunicação rápida com o inconsciente que é considerado como uma segunda inteligência. Sobre isso, alguns cientistas franceses em recente experiência feita no Instituto Nacional de Saúde e da Pesquisa Médica da França, 144 pediram que um grupo de doze voluntários olhasse para a tela de um computador enquanto eram projetados números tão rapidamente que os olhos não conseguiam captar. Foi pedido aos participantes que acionassem um botão quando o número projetado fosse menor que cinco e, com a outra mão, acionavam outro botão quando o número 142
MUTKE, Peter. The American Journal of Clinical hypnosis. Califórnia, EUA, abril de 1967. ROGER, Bernhardt. Autodomínio através da auto-hipnose, RJ, Record, 1976. 144 SUPER Interessante. A Segunda Inteligência, S. Paulo, r. p. 61- 65, maio, 1999. 143
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projetado fosse maior. O resultado provou que o cérebro não só reconhecia as informações como também às interpretava. Em alguns momentos era projetado apenas o número cinco, e nestas horas, os voluntários não respondiam. Também foram realizadas operações aritméticas de forma tão rápidas que se tornavam absolutamente imperceptíveis, mas os resultados foram indicados corretamente pelo mesmo principio anterior. Pela primeira vez essa faceta inteligente do inconsciente foi comprovada de forma laboratorial. O inconsciente percebe informações que não são percebidas conscientemente, faz seus próprios julgamentos e dá palpites nas decisões conscientes, sem que, ao menos, este se dê conta. É hábil em executar tarefas sem que o consciente perceba e, muito rápido, relaciona e toma decisões, determinando o que uma pessoa deve ou não fazer. Funcionando de forma subjetiva, o inconsciente interfere o tempo todo na rotina de uma pessoa; é uma ferramenta poderosíssima e não apenas uma caixa em que se depositam informações ou se escondem lembranças traumáticas. Como exemplo dessa proeza, pode ser analisado o fato de que no inconsciente é que se realizam praticamente todas as atividades mecânicas. Para andar não é preciso calcular quanto cada perna tem que ser flexionada ou a distância entre um passo e outro. O inconsciente faz tudo isso sozinho sem que se perca tempo. É por meio dele que o coração sabe quando tem que bater mais rápido por causa de um esforço físico ou disparar a sensação de fome se o nível de glicose no sangue baixar. Uma explicação bem aceita hoje é a de que o inconsciente não é uma parte física localizada em uma determinada região do cérebro. É uma espécie de programa operacional capaz de processar, ao mesmo tempo, milhares de informações paralelas, enquanto o consciente executa suas tarefas de forma serial, uma atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob forma de intuição, o inconsciente pode determinar, em certas circunstâncias, atitudes que um indivíduo deve tomar. Através das técnicas de hipnose ou da auto-hipnose é despertada e ampliada essa programação para utilizar mais os conhecimentos que estão armazenados no inconsciente: Alguém planeja uma viagem de carro e, de repente, vem àquela sensação de que não se deve ir. Será um sinal do inconsciente? O motorista pode ter ouvido no rádio dias antes que a estrada não está boa (e nem prestou atenção) e, enquanto dirigia de volta para casa, olhou para o céu e viu nuvens escuras se formando. O cérebro juntou a informação como um recado para o consciente: quem sabe não é uma boa idéia viajar hoje? Isso é intuição, um serviço extra que as células cinzentas realizam... (SUPER Interessante. A segunda inteligência, São Paulo, maio, 1999, r. p. 60-65).
No decorrer da pesquisa de campo, vários alunos declararam ter sido bem sucedidos com auto-hipnose como forma de superação de difilcudades de aprendizado. Como exemplo, os dados coletados nas entrevistas revelam o caso de uma aluna, que tendo participado de duas sessões de hipnose,
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demonstro ser suscetível ao nível de transe sonambúlico. Ela que tinha grande dificuldade em compreender determinada disciplina, odiava a matéria, dizia que quanto mais estudava menos compreendia e não conseguia esforçar-se para estudar da forma apropriada. Para superar este problema foi aconselhada a fazer uso da auto-hipnose. No semestre posterior contou que seguira o conselho durante as férias e, no seu regresso às aulas, não só obteve altas notas nas avaliações como conseguia agora entender com facilidade conceitos e definições, além de ser capaz de resolver problemas com grande facilidade e satisfação. Após a auto-hipnose, estudar o assunto lhe dava prazer, mais ainda, passou até a gostar da professora que antes era vista como sendo muito antipática. Resultados semelhantes também vêm sendo repetidos com outros alunos em diferentes disciplinas. O cientificismo cria diferentes teorias para compreender e explicar a aprendizagem e o processo educativo, além de se estenderem para o campo da terapia dos distúrbios psicológicos. Algumas dessas formas afastam-se da psicanálise e, por conseqüência, da hipnose, são aquelas criadas em ambientes experimentais e, por isso, são facilmente aceitas pelo mundo acadêmico, que se encarrega de disseminar os novos conceitos e conhecimentos como indispensáveis para professores, educadores e psicólogos. No entanto, parece que nem uma dessas novas formas invalida a hipnose como recurso facilitador da aprendizagem. Psicologismo na Educação Antecedendo o ensino dos jesuítas, o ensino tradicional na Roma antiga e por toda a velha Europa, foi influenciado pelas idéias de Santo Agostinho que tratou do tema em duas obras, De Doctrina Christiana e De Magistro, nas quais apresenta a doutrina do mestre interior. A idéia é que o professor não ensina sozinho, mas depende também do aluno e, sobretudo, de uma verdade comum aos dois. Simplificando, o professor mostra o caminho e o aluno o adota; assim, o saber brota de seu interior. "A pessoa que ensina não transmite, mas desperta", Para Santo Agostinho, é desse modo que se conquista a paz da alma, que, para ele, é o objetivo final da educação. Dizia Santo Agostinho "Não se deve esperar da criança inteligência nem aspirar a ela. O mais importante é a consciência, a disciplina". A educação moderna, no entanto, é laica, mesmo nas escolas administradas por organizações religiosas, porque a cultura ocidental evoluiu para a separação clara entre razão e fé. Mesmo assim, o pensamento agostiniano permite um diálogo interessante com concepções pedagógicas contemporâneas. A crítica atual às concepções de ensino segundo as quais o professor apenas transmite conhecimentos para um aluno passivo, parece semelhante a afirmação defendida por Santo Augustinho que diz que o mestre indica o caminho, mas só o aluno constrói (ou não) a informação, "Não se aprende pelas palavras, que repercutem exteriormente, mas pela verdade, que ensina interiormente".
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Os jesuítas da Companhia de Jesus surgiram no início do século XVI na Espanha, criada por um militar, Inácio de Loyola (1491-1556), depois Santo Inácio. Representou, na educação, a linha de frente na guerra da Igreja contra a reforma protestante do alemão Martinho Lutero. Como os agostinianistas, os jesuítas valorizavam a disciplina e a obediência e promoviam o sacrifício da liberdade de pensamento em benefício do temor a Deus. Diferentemente de Santo Agostinho, porém, os jesuítas favoreciam a erudição e o elitismo. Integravam um movimento conservador, derrotado a partir do século XVII, com a ascensão do racionalismo, na filosofia, e as revoltas contra o absolutismo, na política. Os jesuítas, criadores de métodos de ensino tradicionalistas, têm grande importância na história das colônias européias da América, entre elas o Brasil, porque construíram as primeiras estruturas educativas do continente. A educação tradicional que se antecipa a influencia da psicologia aplicada aos processos educativos, tem como base o ensino praticado em organizações religiosas e, no Brasil, até por volta 1930, é marcado pela disciplina rígida, onde o professor é o transmissor dos conteúdos e o aluno assimila os conteúdos transmitidos pelo professor. Os objetivos educacionais, não muito explícitos, se caracterizam como conhecimentos gerais, sendo os conteúdos programáticos selecionados a partir da cultura universal organizados em disciplinas e a metodologia de ensino baseada em aulas centradas no professor (expositivas). Ocorre a valorização dos aspectos cognitivos com ênfase na memorização e a avaliação com base em exercícios de fixação. Por fim, considera-se o aluno educado como aquele que domina o conteúdo da cultural universal. A escola é privilégio das camadas mais favorecidas e sua organização apresenta funções bem definidas e hierarquizadas. O professor interage com o aluno de forma extremamente autoritária. As mudanças sociais produzidas pela fase da industrialização da economia, pelas guerras mundiais, por novos valores de libertação e merecimento, pelo crescimento da psicologia como ferramenta facilitadora para criação de novos modelos, provocam mudanças profundas no anseio pela educação e compele para o abandono gradual do modelo tradicional; passa a ser substituída pela “escola nova, a renovada, a tecnicista, a crítica” todas orientadas por teorias psicológicas; um tratamento científico para problemas relativos à capacidade de lidar com a aprendizagem. Nasce assim o que se convencionou de psicologismo educacional, entendido como a solução que associa educação e psicologia científica. E, cada vez mais vinculada ao positivismo, surgem novas teorias, entre as mais importantes, a corrente cognitivista e a corrente comportamentalista. Ambas surgidas nos Estados Unidos, na década de 1950 e 1960. A corrente cognitivista tem como principal nome Aron Beck. Para ele grande parte das doenças psíquicas se devia a percepções distorcidas da realidade, e caberia ao terapeuta corrigir essas distorções. Por exemplo, uma pessoa deprimida que acha que não tem condições de realizar determinada tarefa é incentivada a escrever num caderno várias situações em que foi chamada a
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desempenhar tarefas e se saiu bem. Com base nos argumentos fornecidos pelo próprio paciente, o terapeuta tenta sugestiona-lo de que ele é capaz de fazer ou não fazer algo. John B. Watson, em 1913, lançou um manifesto afirmando que a psicologia deveria ser redefinida como o estudo do comportamento. Afirmando que o comportamento se liga aos reflexos e que os reflexos podem ser condicionados. Visto assim, o reflexo sugeria um tipo de causalidade mecânica, compatível com a concepção de ciência do século XIX e a psicologia agora podia ser compreendida cientificamente, fugindo das incertezas das teorias dialéticas. Contribui para essa conclusão os estudos de Pavlov, publicados mais ou menos na mesma época. Watson afirma que o pensamento é apenas uma fala sub-vocal e Pavlov afirma que a linguagem não passa de "um segundo sistema de sinais". Nada, ou quase nada, tinham a dizer a respeito de sensibilidades humanas como as intenções, os propósitos, as emoção ou criatividades humanas. Surge aí a “ciência do comportamento” que se tornaria por longo período a mais forte corrente da psicologia. Tende ao uso de métodos científicos rigorosos, enfatiza a utilização da experimentação em laboratórios, analisando o comportamento de seres animados. Suas pesquisas se encaixam no modelo do ambiente laboratorial de investigação com o critério da observação de dados que possam ser medidos e avaliados. Procuram fatos que são quantificados e comparados. Por fim, infere deduções e criam teorias. Influenciado pelos trabalhos de Pavlov e Watson, Burrhus Frederic Skinner (1904-1990),145 passou a estudar o comportamento operante, desenvolvendo intensa atividade no estudo da psicologia da aprendizagem. Seu nome ganha destaque quando apresenta uma teoria baseada nos conceitos de estímulos, resposta e reforço. Realizou a maioria de suas experiências com animais inferiores, principalmente o rato branco e o pombo. Desenvolveu o que se tornou conhecido por "Caixa de Skinner", um aparelho adequado para estudo do comportamento animal. Um rato é colocado dentro de uma caixa fechada que contém apenas uma alavanca e um fornecedor de alimento. Quando o rato aperta a alavanca sob as condições estabelecidas pelo experimentador, uma bolinha de alimento cai na tigela de comida, recompensando assim o rato. Após o rato ter fornecido essa resposta, o experimentador pode colocar o comportamento do rato sob o controle de uma variedade de condições de estímulo. Além disso, esse comportamento condicionado pode ser gradualmente modificado ou modelado até aparecerem novas repostas que ordinariamente não fazem parte do repertório comportamental do rato.
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SKINNER lecionou nas Universidades americanas de Harvard, Indiana e Minnesota e, entre outros trabalhos, publicou os livros: Behavior of Organisms (Comportamento dos Organismos), Verbal Behavior (Comportamento Verbal), Science and Human Behavior (Comportamento Científico e Humano).
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Um dos princípios da teoria do condicionamento de Skinner é que as pessoas são como “caixas pretas”, descobrindo-se qual o estímulo que produz certa resposta num organismo, quando se pretende obter a mesma resposta desse organismo, basta aplicar-lhe o estímulo descoberto. De acordo com essa teoria, a aprendizagem é igual a condicionamento. Isso significa que, se quiser que uma pessoa aprenda um novo comportamento, deve-se condicioná-la a isso. O êxito em experiências de comportamento condicionado em animais inferiores levou Skinner a transpor essa condição como facilitadora da aprendizagem do ser humano. Em 1932 relatou suas observações e, seus estudos permitiram criar métodos de ensino programado, que podem ser aplicados sem a intervenção direta do professor, através de livros, apostilas ou mesmo máquinas de ensinar. Em escolas, o comportamento de alunos pode ser modelado pela apresentação de materiais em cuidadosa seqüência e pelo oferecimento das recompensas ou reforços apropriados. Em um momento da história a corrente cognitivista se encontrara com a comportamentalista, e desse encontro deriva a maioria das diferentes teorias consideradas, por muitos psicólogos e educadores, como eficientes nos tratamento dos distúrbios psicológicos e problemas na aprendizagem. Essas duas correntes são estritamente cartesianas e se afastam de hipótese não estruturada nesta mesma linha, mas outros pensadores localizaram-se na fronteira deste conflito intelectual. Em oposição ao cientificismo radical surgiram várias maneiras de “ver” os fenômenos humanos, incluídos também aí questões da aprendizagem. Psicologia da Gestalt O termo “Gestalt” vem do alemão, “Gestaltismo” significa Organização, Forma, Estrutura, é uma expressão que sugere uma configuração, reunião das partes de determinada forma, a partir da qual se gera um todo, que se distingue do somatório das partes. A pretensão da psicologia da Gestalt é explicar a totalidade dos processos psicológicos e não apenas respostas específicas dadas a cada estímulo. Designa um conjunto de princípios, métodos, experimentos e teorias em psicologia, resultante do movimento iniciado no começo do século XX, na Universidade de Berlim, sob a orientação de Max Wertheimer. A Psicologia da Gestalt começou como um estudo do processo perceptivo, a “Gestaltypsychologie”, e acabou por envolver o estudo da memória, do pensamento, do desenvolvimento individual, da motivação e do comportamento dos grupos. Propõe também que a aprendizagem não pode ser entendida como uma aquisição de conhecimentos devidos a ensaio e erro ou condicionamento específico. Ao contrário, diz que tal aquisição se faz pela percepção do campo visto como um todo. Isto conduz a uma súbita alteração do campo perceptual e coloca uma série de comportamentos novos.
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Com base nas idéias e conceitos de Max Wertheimer, Wolfgang Kohler 146 e Kurt Koffka, 147 realizaram uma série de investigações relacionadas com o estudo da percepção e da aprendizagem. Por esta perspectiva a experiência e a percepção englobam a totalidade do comportamento e não apenas respostas isoladas e específicas. Quando um indivíduo vai iniciar um processo de aprendizagem qualquer, ele já dispõe de uma série de atitudes, habilidades e expectativas sobre sua própria capacidade de aprender. Visto assim, o sucesso da aprendizagem vai depender de suas experiências anteriores e de muitas informações que estão em níveis inconscientes, aflorando, facilitam a construção do pensamento para aprender. Para os gestaltistas a aprendizagem ocorre, principalmente, por insight, ou seja, é uma espécie de estalo, de compreensão repentina a que se chega depois de tentativas infrutíferas em busca de uma solução. Em relação ao trabalho escolar, parece que a teoria da Gestalt é mais rica que a teoria do condicionamento, pois tenta explicar aspectos ligados à solução de problemas. Explica, também, como ocorre o trabalho científico e artístico que, muitas vezes, resulta de um estalo, de uma compreensão repentina, depois que a pessoa lidou bastante com o assunto. O problema para o gestaltista não é como o dado é solucionado, mas como é estruturado. Subjacente a estes e a outros conceitos, na psicologia da gestalt está a diferença entre a realidade psíquica (o que eu percebo) e a realidade objetiva (o mundo das coisas) e a impossibilidade de compreender o homem sem uma visão holística do mesmo. Que agrupe numa Gestalt (numa configuração) as partes deste homem bem como sua relação com os outros homens e com a natureza. Esses dois universos podem ser considerados como a percepção lógica (racional e consciente) e a percepção emocional do mundo (intuitivo e inconsciente). Teoria Topológica Idéias e conceitos próximos da Teoria Gestalt representam também a Teoria de Campo ou Topológica, seu principal formulador foi Kurt Lewin (1890 1947). De acordo com essa teoria, são as forças do ambiente social que levam o indivíduo a reagir a alguns estímulos e não a outros; ou que levam indivíduos diferentes a reagirem de maneira diferente ao mesmo estímulo. A influência dessas forças sobre o indivíduo depende das próprias necessidades, atitudes, sentimentos e expectativas do próprio indivíduo, pois são estas condições internas que constituem o campo psicológico de cada um. Para Kurt Lewin, o campo psicológico seria um ambiente, incluindo suas forças sociais, da maneira como é visto ou percebido pelo indivíduo. Assim, muitas vezes, um capítulo de história ou um trabalho de geografia são vistos como problemas a serem resolvidos pelo professor ou por alguns alunos, mas 146 147
KOHLER, W. Psicologia da Gestalt. Belo Horizonte, Itatiaia, 1980. KOFFKA, K. Princípios de Psicologia da Gestalt. S. Paulo, Cultrix, 1982.
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não por outros, cujo campo psicológico é diferente, e que têm outras prioridades no momento. Tratando-se de aprendizagem infantil os professores precisam desenvolver sua sensibilidade em relação aos sentimentos e atitudes do aluno, a fim compreender o campo psicológico das crianças e promover a aprendizagem de forma eficaz. Fenomenologia existencial A palavra fenomenologia (Phänomenologie) tornou-se conhecida como o termo que assinala uma postura filosófica preconizada por Edmund Husserl (1859-1938). É um movimento que se dedica a descrever as estruturas da experiência como se apresentam à consciência, sem o recurso da teoria, dedução ou pressupostos de outras disciplinas. Compreende-se a concepção fenomenológica como tentativa de resgatar o significado original da filosofia que, em determinado período na Grécia, definiu sua tarefa dentro da dicotomia opinião (doxa) e verdade (epísteme). Entre as diferentes correntes da psicologia a Fenomenologia Existencial é, provavelmente, a mais filosófica. É diferente da Psicanálise, que partiu de uma discussão médica e chegou ao conceito de inconsciente, essa teoria nasceu do debate sobre a relação do homem com o mundo. Surgiu como uma contestação ao método experimental e crítica às teorias científicas, particularmente as positivistas apegadas à objetividade. É contra a crença de que a realidade se reduz àquilo que é percebido pelos sentidos, considera a noção do cientista sobre o objeto que ele pretende conhecer é completamente separada e independente. Husserl 148 propõe que o indivíduo suspenda todo o juízo sobre os objetos que o cercam, que nada afirme nem negue sobre as coisas, adotando uma espécie de abandono do mundo e recolhimento dentro de si mesmo. Tal atitude é denominada de redução fenomenológica ou epoquê. Quanto ao aprendizado, os teóricos da fenomenologia dão grande importância à maneira como o aprendiz percebe a situação em que se encontra, como vive e como compreende sua própria vida. Além disso, entendem que a criança aprende naturalmente, que ela cresce por sua própria natureza. A teoria fenomenológica defende a aprendizagem a partir da própria experiência da criança, por meio da utilização de material que tenha sentido pessoal para ela e do aproveitamento do impulso universal para o desenvolvimento das potencialidades pessoais. Epistemologia Genética Entre os teóricos da psicologia da educação destaca-se também Jean Piaget (1896-1980), nascido em Neuchâtel, na Suíça. Na maior parte do seu trabalho, dedicou-se a estudar a teoria do conhecimento; como ela se desenvolve, como se estrutura, quais são suas principais características, abordando problemas relativos à formação da inteligência infantil. Para isso, deixou de lado HUSSERL, E. Investigações Lógicas: sexta investigação. (Elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento). In: Coleção Os Pensadores. S. Paulo, Abril Cultural, 1980.
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estudos tradicionais baseados no método experimental, particularmente apegadas ao behaviorismo, para criar a Epistemologia Genética, propondo o retorno às fontes e à gênese do conhecimento, do qual a epistemologia tradicional conhecia apenas os estados superiores, isto é, certas resultantes finais de um complexo processo de formação. 149 Piaget, 150 apresenta uma série de dados, conceitos e princípios explicativos que têm importante contribuição no campo educativo. Afirma que para o sujeito conhecer é necessário atuar diante da realidade através das suas ações, na maioria dos casos essa atividade é interna, mental, ainda que se possa basear em objetos físicos. O conhecimento se organiza através de um esquema de ação, de uma estrutura de pensamento que permite repetir a ação e ser aplicada com ligeiras modificações em outras situações para conseguir objetivos similares. O esquema é um mediador entre a diversidade e a complexidade do mundo e o sujeito. Essa interação entre o sujeito e o mundo (objeto) é definida como um intercâmbio constante que se efetua por meio de um jogo ativo de assimilação e de acomodação. O jogo constante de assimilação e de acomodação faz com que os esquemas se modifiquem, variam desde ajustes concretos e momentâneos, a diferenciações, integrações e coordenações que podem gerar totalidades organizadas com uma estrutura bem definida. Portanto, o sujeito vai construindo espontaneamente os seus conhecimentos por meio de interações com a realidade que o envolve. O aprendiz aprende sozinho e de maneira natural mediante as ações que desenvolve em interação com os objetos, os conhecimentos se constroem ao longo da vida e essa construção adota a mesma progressão para todos os sujeitos e, assim, Piaget subordina a aprendizagem ao desenvolvimento das estruturas da inteligência. Daí o conceito de construtivismo. Na visão da educação construtivista de Piaget, a capacidade para aprender está relacionada à forma de organização da atividade mental, que se desenvolvem em ordem seqüencial, num processo contínuo de construção progressiva do pensamento lógico. Essas etapas são desenvolvidas sob duplo as149
O estudo de PIAGET se estendia ao campo da religião, biologia, sociologia e filosofia. Através da biologia suspeitou que os processos de conhecimento pudessem depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico, convencendo-se de que tanto as ações externas quanto os processos de pensamento admitem uma organização lógica. Com seus estudos em laboratório, convenceu-se de que o caminho para conciliar a filosofia e a psicologia deveria ser explicado na experimentação. Sua fama mundial foi após desenvolver estudos sobre a criança. Mesmo sendo nomeado titular de filosofia dando aulas de Psicologia e Sociologia, não deixou de lado a investigação experimental sobre a lógica e ontologia infantil. Seus primeiros trabalhos de epistemologia genética surgiram quando foi professor de história do pensamento científico. Seu projeto de elaborar uma epistemologia baseou-se nas ciências positivas concretizando-se em 1955 quando inaugurou o Centro Internacional de Epistemologia Genética (N. do A.). 150 PIAGET, Jean. A epistemologia genética; Sabedoria e ilusões da filosofia; Problemas de psicologia genética. (Trad. Nathanael C. Caixeiro) 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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pecto: o motor ou intelectual e o afetivo, os quais são denominados de “estágios de desenvolvimento” que são distribuídos de acordo com a idade da criança: o primeiro (até os 2 anos de idade) é o estágio sensório-motor, caracterizado pela centralização do próprio corpo, objetivação e inteligência prática; o segundo divide-se em dois períodos, o de preparação para as operações lógicoconcretas (2 a 7 anos), e o de operações lógico-concretas (7 anos até a adolescência) esse estágio operacional corresponde ao período da inteligência representativa e das operações concretas de números, classes e relações; A partir dos 7 anos até a idade adulta, configura-se o estágio da lógica formal ou das operações representativas, é quando o pensamento lógico alcança seu nível maior que é o do raciocínio hipotético dedutivo. No conceito de Piaget a inteligência é adaptação e, sua estrutura muda através de situações novas, enfatizando o desenvolvimento da criança como sendo sua adaptação ao ambiente ou ao mundo que a circunda. E, para isso, utiliza-se de dois componentes: a assimilação (que seria o processo cognitivo de classificar novos eventos em esquemas existentes) e a acomodação (a modificação de um esquema ou de uma estrutura em função das particularidades do objeto a ser assimilado). Sendo que o balanço entre assimilação e acomodação chama-se adaptação. Outra variável interveniente na teoria de Piaget é a motivação do estudante, onde o educador deve estruturar o ambiente de modo a proporcionar uma rica fonte de estimulação ao aluno, permitindo que ele se desenvolva no seu próprio ritmo, guiado pelos próprios interesses de modo bastante livre. Piaget afirma que a inteligência está ligada à ação e o organismo (a mente) só recebe uma nova mensagem se estiver “sensibilizado”, ou seja, preparado para recebê-la. Se a educação, como Piaget sugere, for planejada para permitir que o estudante manipule os objetos do seu ambiente; transformando-os, encontrando sentido para eles, dissociando-os e fazendo variar seus diferentes aspectos até adquirir condições de fazer inferências lógicas e desenvolvendo novos esquemas e estruturas, o estudante chegará ao conhecimento através de uma seqüência de desequilíbrios sucessivos, seguidos de adaptações. Tendo assim o educador, que se preocupar em dar para o aluno condições de receber novas informações e operá-las. Teoria histórico-social Outra teoria sobre educação que envolve processos de aprendizagem é do russo Lev Semenovich Vygotsky. 151 Profundamente marcado pelo materialismo-dialético e por concepções sobre a interação entre o homem, a natureza, 151
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), nasceu em Orsh, Bielarus, país da extinta União Soviética, onde também faleceu, vítima de tuberculose, aos 37 anos. Vasta foi a sua produção intelectual, se estendia desde a neurologia até a crítica literária, passando pela psicologia, linguagem, deficiência, educação etc. (N. do A.).
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a sociedade, o trabalho e o uso de instrumentos. Vygotsky construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. Sendo essa teoria considerada histórico-social, sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Vygotsky e Luria 152 explicam que na área da percepção, a criança no início de sua vida tem apenas sensações orgânicas como tensão, dor e calor, principalmente nas áreas mais sensíveis. Quando a criança deixa de sofrer influência desses processos biológicos, passa a perceber a realidade. A percepção da realidade requer processos biológicos como determinantes de experiência, permitindo que seu organismo passe a ser afetado por fatores externos, mas só a realidade dos fatores externos não determina completamente essa percepção. A informação de que esses processos biológicos tornam-se disponíveis no organismo é organizada pela própria criança através de experiência social e cultural. A criança passa a ver o mundo com sua própria visão, administrando sob seu ponto de vista. Para Vygotsky, 153 a percepção, memória, emoções e causas que são mediadas socialmente substituem sensações orgânicas e habilita para o contato com o mundo e, o meio social, passa a ser o responsável pela condução da pessoa para a realização de todas as suas potencialidades. A concepção de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano é em base biológica, com peculiaridades que definem limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. Essas concepções fundamentam sua idéia de que as funções psicológicas superiores, como a linguagem e a memória, são construídas ao longo da história social do ser humano, em sua relação com o mundo. As funções psicológicas superiores referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem. Vygotsky analisa as relações entre desenvolvimento e aprendizagem sob dois ângulos: um que se refere à compreensão da relação geral entre o aprendizado e o desenvolvimento, que tem início desde o primeiro dia de vida de uma pessoa; e outro que diz respeito às peculiaridades dessa relação no período escolar, quando o aprendizado passa a produzir algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança. Para elaborar as dimensões do aprendizado escolar, Vygotsky apresenta um conceito novo, zona de desenvolvimento proximal, e o aprendizado escolar é o responsável maior por sua criação: ... zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado 152
VYGOTSKY, L. S., LURIA, A. R. e LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. S. Paulo, Editora da USP, 1988. 153 VYGOTSKY, L. - Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1988.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY).154
Para Vygotsky o aprendizado é considerado como um aspecto necessário e fundamental no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores, visto que o desenvolvimento pleno do ser humano depende do que ele aprende num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos de sua espécie. Nessa perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento, garantindo a constituição das características psicológicas humanas e culturalmente organizadas. Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um que se refere às conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real, e outro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona com as capacidades em vias de serem construídas. O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referentes àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente (pai, mão, professor, criança mais capaz etc.). Nas escolas, na vida cotidiana e nas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil, tradicionalmente, costuma-se avaliar a criança somente neste nível, isto é, supõe-se que somente aquilo que ela é capaz de fazer, sem a colaboração dos outros, é representativo do seu desenvolvimento. O nível de desenvolvimento potencial se refere àquilo que a criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe são fornecidas. Esse nível, para Vygotsky, é bem mais indicativo do seu desenvolvimento do que aquilo que ela consegue fazer sozinha. A distância entre aquilo que alguém é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real), e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial), caracteriza o que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal. Define funções ainda não amadurecidas, mas que estão em processo de maturação. O conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve, então, tanto a consideração do nível de desenvolvimento real quanto do potencial. O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte do seu desenvolvimento individual. É por isso que Vygotsky afirma; aquilo que hoje é a zona de desenvolvimento proximal, será o ní-
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VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 4ª. ed., S. Paulo, Martins Fontes, 1991.
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vel de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã. As implicações pedagógicas da teoria de Vygotsky são amplas, merecendo destaque as projeções para a condução do processo pedagógico que se constitui num poderoso amparo para o desenvolvimento pleno do aluno. Suas idéias a respeito da relação entre o aprendizado e o desenvolvimento das potencialidades humanas consideram que a educação antecede o desenvolvimento, embora se realize com base no nível de desenvolvimento já alcançado. O processo pedagógico deve direcionar-se para a ampliação da zona de desenvolvimento proximal para que desenvolva as potencialidades de aprendizagem do aluno. Para ampliar a zona de desenvolvimento proximal, o ensino deve estar voltado não apenas para ações práticas e executivas, mas também para ações de orientação, que permitam ao aluno, conhecendo a realidade, propor ações executivas necessárias para a solução de novos problemas. Para que o ensino alcance seus objetivos, é necessário considerar não somente o que o aluno já é capaz de realizar sozinho, ou seja, as aquisições já consumadas, mas também aquilo que esse conhecimento possibilitou em termos de novas aquisições. O conhecimento das potencialidades deve se constituir não apenas numa base para orientar o desenvolvimento daquilo que é o aluno capaz de desenvolver, mas também nortear ações para que novas potencialidades se desenvolvam. Para Vygotsky, a escola deve se comprometer com a condução adequada do desenvolvimento da pessoa, realizando ações pedagógicas que permitam seu desenvolvimento. Para que isso aconteça, é necessário partir da idéia de que a aprendizagem é um processo de transformação e tem lugar no psiquismo humano, realizada através da apropriação das experiências sócioculturais acumuladas pela humanidade. Mas que se manifesta através das ações transformadoras do mundo, projetando-se, então, para a produção de um novo desenvolvimento. Nesse sentido, o processo pedagógico deve ser capaz de promover, com base nas potencialidades da pessoa, desafios cada vez maiores para que ela possa realizar-se como "sujeito do aprender" e, conseqüentemente, como sujeito transformador de seu mundo. A importância do brinquedo e da brincadeira é um tema bastante explorado por Vygotsky, ambos permitem que a criança se projete nas atividades adultas de sua cultura em seus futuros papéis e valores, antecipando o seu desenvolvimento. Com o brinquedo, a criança começa a adquirir motivação, habilidades e atitudes necessárias à sua participação social, a qual só pode ser completamente atingida com a assistência de seus companheiros da mesma idade e mais velhos. Considera Vygotsky que a instrução e o aprendizado na escola são avançados em relação ao desenvolvimento cognitivo da criança, como solução propõe um paralelo entre o brinquedo e a instrução escolar; ambos criam uma zona de desenvolvimento proximal e a criança elabora habilidades e conhecimen-
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tos socialmente disponíveis que passará a internalizar. Durante brincadeiras, todos os aspectos da vida da criança tornam-se temas de jogos. Na escola, tanto o conteúdo do que está sendo ensinado como o papel do adulto que ensina deve ser cuidadosamente planejado e analisado. Educação humanista Em oposição à pedagogia tradicional que tem como valores a disciplina, a transmissão de conteúdos do professor para o aluno e a memorização, surgiram vários autores propondo novos pontos de vista voltados para a chamada educação humanista. Um deles foi o norte-americano Carl Ranson Rogers (1902-1987), nascido em Ilinois, Estados Unidos. Suas idéias, tendo sido propostas inicialmente para o campo psicoterapêutico, foram ocupando espaços nas Organizações, na Educação, nas Escolas e na Aprendizagem. Com isso Carl Rogers passa a ser conhecido como o criador do "ensino centrado no estudante" a partir da Abordagem Centrada na Pessoa, que se baseia fundamentalmente numa crença na potencialidade interna e num respeito pela individualidade e singularidade humana. 155 Para Carl Rogers o homem deve visto como uma totalidade, um organismo em processo de integração de uma pessoa, na qual os sentimentos e experiências exercem um papel muito importante como fator de crescimento. Enquanto na educação tradicional, o professor deve se manter o mais distante possível do aluno, e não deve se envolver emocionalmente, na educação humanística só há aprendizado quando há envolvimento emocional. O ato de ensinar, no sentido tradicional do termo, não é aceito por Carl Rogers, pois, implica uma pressão sobre o aluno que é inútil. Os conhecimentos não são comunicáveis, não é o mestre que deve dar algo ao aluno e sim o aluno que deve descobrir de que precisa, é uma relação de autodescoberta. Nessa abordagem, o aluno não é um simples depositário de conhecimentos e a função do professor não é apenas transmitir informações, mas principalmente criar condições para que os alunos aprendam. Nesta perspectiva, o objetivo da educação é a realização plena do ser humano e o uso pleno de suas potencialidades e capacidades. Segundo Carl Rogers, o indivíduo é capaz de dirigir-se a si mesmo, de encontrar na sua própria natureza o seu equilíbrio e os seus valores e sua alienação consiste em não ser fiel a si mesmo. Para esse autor, somente quando o homem sente-se incondicionalmente aceito se atreve a aceitar-se como é, e se abre para o processo de aprendizado. Essa postura não aceita qualquer projeto 155
Rogers, aos doze anos foi morar em uma fazenda e, desde então, passou a interessar-se pelas ciências naturais e pela agricultura. Graduou-se em Ciências Físicas e Biológicas; formou-se em História e Psicologia. Em 1928, concluiu seu mestrado e, em 1931, obteve o título de doutor na área de Psicologia. Foi professor em diversas universidades: Ohio, Chicago e Wisconsin. Suas obras principais foram: (1951) Terapia centrada no paciente. (1961) Tornarse pessoa. (1970) Grupos de encontro. (1972) Novas formas de amor. 1977) Sobre o poder pessoal. (1980) Um jeito de ser. (1983) Liberdade para aprender nos 80 (N. do A.).
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social que seja baseado no controle e na manipulação das pessoas, ainda que isso seja feito com a justificativa de tornar as pessoas mais felizes. As pessoas devem ser acostumadas desde pequenas a serem autônomas e a assumirem a responsabilidade das suas decisões pessoais. Carl Rogers prefere chamar os professores de facilitadores, esse significado foi deformado com o tempo e perdeu quase completamente sua expressão original. Para muitos, o facilitador é alguém que transfere a responsabilidade de aprendizado para o aluno. Exemplos disso são os professores que no primeiro dia de aula dividem os assuntos pelos diversos alunos e os mandam depois apresentar o resultado dessa pesquisa (que quase nunca é pesquisa, mas apenas repetição de idéias de um autor já demarcado). O facilitador, para Rogers, é alguém que tem confiança na relação pedagógica e cria um clima apropriado para a convivência apresentando aos alunos uma base para que eles possam avançar e aceitar o grupo e cada um de seus membros como eles são. A aceitação deve ser não só intelectual, mas principalmente afetiva; alguém que se converte em um membro do grupo e participa ativamente do ato coletivo da aprendizagem. Ou seja, facilitador é alguém que cria condições para o aprendizado, incentivando os alunos a se aprofundarem nos assuntos de acordo com seus interesses. É muito diferente de simplesmente deixar os alunos darem aulas no lugar do professor, como alguns têm entendido a proposta humanística. Carl Rogers mostra que a educação deve ser centrada no aluno, mas que o professor deve providenciar-lhe uma base que lhe permita aprender. Além disso, ele ensina a importância da afetividade no processo educacional. Os alunos só aprenderão se for estabelecido um clima de amizade, em que todos sejam aceitos com suas próprias características. Educação como prática política Outra grade contribuição para se entender o aprendizado e a prática educativa foi de Paulo Freire, que considera a educação como uma prática política. Sua pedagogia é conhecida como: Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Liberdade, Pedagogia da Esperança. Em seus trabalhos, defende a idéia de que a educação não pode ser um depósito de informações do professor sobre o aluno, como se fosse depósitos bancários. Sugere que seja respeitada a linguagem, a cultura e a história de vida dos alunos, como condição para levá-los a tomar consciência da realidade que os cerca, discutindo-a criticamente. Paulo Freire revoluciona os métodos de alfabetizar pessoas adultas usando-se os mesmos procedimentos utilizados com crianças. Seu método parte do princípio de que é necessário aproximar a cultura ao vocabulário dos alunos, desvelando-se a realidade subjacente às palavras geradoras em debates. Dos debates e da força das palavras geradoras, chega-se ao domínio do código escrito.
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Em seus livros Paulo Freire reflete sobre a alfabetização, criticando a proposta simplificadora que se limita ao repetir de idéias alheias e à memorização de palavras e letras. Na sua concepção, o processo de alfabetizar deve permitir ao alfabetizando a compreensão do ato de ler, de estudar, ensinando-o a pensar a partir da realidade social que o cerca, estimulando a prática de um diálogo gerador de uma reflexão crítica e libertadora. 156 A base da pedagogia de Paulo Freire é o diálogo libertador e não o monólogo opressivo do educador sobre o educando. A relação dialógica estabelecida entre os dois, faz-se com que este aprenda a aprender. Respeita-se o aluno não o excluindo da sua cultura, fazendo-o de mero receptor da cultura dominante. Ao se descobrir como produtor de cultura, os homens se vêem como sujeitos e não como objetos da aprendizagem. Paulo Freire é um educador com profunda consciência social, para ele, mais do que ler, escrever e contar, a escola tem o compromisso de desvelar para os homens as contradições da sociedade em que vivem. 157 Em 1958, Paulo Freire, no II Congresso de Educação de Adultos, em Pernambuco, discute o ciclo de miséria gerado pelo analfabetismo e defende os meios audiovisuais para alfabetizar adultos. Palavra e imagem se reforçavam a seu ver, num processo que partia da própria palavra do educando. Usando método próprio, iniciou seu trabalho com cinco adultos analfabetos e os alfabetizou em 30 horas. A partir de pesquisa sobre o domínio vocabular dos alunos, eram selecionadas palavras geradoras que davam origem a debates, organizando-se temas de interesse dos alunos. A partir daí, as palavras aliadas a imagens eram subdivididas em sílabas que, reorganizadas, davam origem a outras palavras. As breves considerações apresentadas neste livro a respeito de algumas das principais teorias sobre a educação, a aprendizagem e o desenvolvimento humano, não invalidam o uso da hipnose como recurso instrucional ou educacional. Por qualquer hipótese teórica aqui sinalizada, a hipnopedagogia pode acrescentar condições favoráveis para a aprendizagem eficaz e contribuir para a educação facilitando o ato pedagógico.
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Principais publicações de Paulo Freire: Educação e atualidade brasileira (1959); Educação como prática da liberdade (1966); Pedagogia do oprimido (1970); Extensão ou comunicação (1971); Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1976); Cartas a Guné-Bissau (1977); Educação e mudança (1981); A importância do ato de ler (1982); Sobre educação “diálogos” (1988); Pedagogia da esperança (1992); Política e educação (1993); Cartas à Cristina (1994); À sombra desta mangueira (1995); Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa (1996); Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos (2000); (N. do A.). 157 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Ed. Paz e Terra, 23ª Edição, 1996.
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CAPÍTULO VI - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS Para o conhecimento mais amplo do que pode ser entendido como hipnoterapia é importante saber, pelo menos resumidamente, o que diz as principais teorias que fundamentam as psicoterapias, também incluído aí algumas filosofias de vida e concepções de mundo. A hipnoterapia pode ser lembrada quando novos conhecimentos reúnem conceitos antigos, ou ainda quando várias correntes do pensamento se fundem ou se tangenciam, modificando, extinguindo ou criado soluções para os conflitos humanos através de novas reflexões e teorias. No mundo acadêmico, algumas se tornam mais aceitas em relação às outras. Rever diferentes correntes de pensadores, expostas na vasta literatura sobre o tema, pode ajudar na compreensão da etiologia da hipnose. Gestalt-terapia Da teoria da Gestalt, deriva a Gestalt-terapia que é uma filosofia de vida além de uma prática psicoterápica. É um ponto de interseção de várias correntes do pensamento, suas fontes de influências são: o Humanismo, a Fenomenologia, o Existencialismo, a Psicanálise, a análise Reicheana do Caráter, a Teoria Organísmica de Goldstein, o Taoísmo e o Zen-budismo. Tais correntes tão diversas possuem ou assumem concepções de vida também diversas ou antagônicas entre si. Compreender qual a resultante do somatório de contribuições tão distintas é talvez descobrir o ponto de equilíbrio entre a razão e a emoção ou o consciente e o inconsciente que norteiam a vida do ser humano. Os italianos: Francesco Petrarca (1304-1374), Coluccio Salutati (13311406), Leonardo Bruni (1374-1444), Lorenzo VALLA (1407-1457) e Desiderio Erasmo (1467-1536), lançam as bases do movimento humanista. A partir do século XIX, pensadores alemães como Ludwing Feuerbach (1804-1872), Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) elaboram concepções filosóficas humanistas. Segundo elas, do ponto de vista moral, o homem deve abstrair-se de toda crença religiosa e construir seu futuro com base apenas no potencial humano. No século XX, o humanismo é retomado pelo existencialismo. A Fenomenologia na perspectiva de Martin Heidegger compreende a verdade com um caráter de provisoriedade, mutabilidade e relatividade, radicalmente diferente do entendimento que pressupõe a verdade una, estável e absoluta. Essa é uma das razões por que se diz que a Fenomenologia é uma postura ou atitude, é um modo de compreender o mundo e não uma teoria que seria um modo de explicar o mundo. A Fenomenologia orienta o seu olhar para o fenômeno, ou seja, na relação sujeito-objeto (ser-no-mundo). Isso representa o rompimento do clássico conceito sujeito/objeto. O método fenomenológico se define como aquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Toda consciência é “consciência de alguma coisa”. Assim sendo, a consciência não é uma substância, mas uma atividade constituída por atos (percepção, imaginação, especulação, volição,
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paixão, etc.), os quais visam algo. As essências ou significações noema são objetos visados de certa maneira pelos atos intencionais da consciência noesis. Afim de que a investigação se ocupe apenas das operações realizadas pela consciência é necessário que se faça uma redução fenomenológica ou Epoché, isto é, coloque-se entre parênteses toda a existência efetiva do mundo exterior. As coisas, segundo Husserl, caracterizam-se pelo seu inacabamento, pela possibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as modificam. A teoria Gestalt assume uma concepção de humano como um ser total, holístico. Mostra como a compreensão de aspectos isolados deste ser e não permite ilações sobre o mesmo. Afirma que o ser humano só existe no todo, isto é, ele é um ser bio-psico-social e, que só assim pode ser de fato entendido. O ser humano é este “todo” composto de “partes”, sendo a singularidade da vida individual produto da configuração de cada um, ou seja, de como cada sujeito em particular agrupam-se e arranjam-se suas partes. A Gestalt-terapia também o compreende assim. Mas acrescenta que o ser humano ao se identificar com apenas algumas de suas partes, que são valorizadas por ele mesmo ou pelo meio no qual vive, ao se alienar de outras partes, também suas e que são vistas como inadequadas, gera em si mesmo um conflito de identificação versos alienação. Um exemplo para o conflito de identificação versus alienação seria alguém não querer ver o seu próprio egoísmo, então se aliena dele, que para ele passa a não existir, mas continua nele a agir. A partir desta alienação ou não percepção, o organismo fica dificultado na sua busca de equilíbrio (homeostase) e na obtenção da auto-realização. Dessa forma, a integração e organização humanas ficam comprometidas. Para a reversão desta situação faz-se necessário um trabalho de tomada de consciência continuada (awareness continuum) que colocará o sujeito em contato com as partes que ele alienou, tornando-se inteiro, e aí, se ele quiser poderá de fato mudar. Esse processo se assemelha, na forma e no efeito, a terapia praticada pela regressão hipnótica. Terapia Centrada na Pessoa e Topologia Também deriva da Gestalt a Teoria de Campo ou Topológica, seu principal formulador foi Kurt Lewin. De acordo com essa teoria, são as forças do ambiente social que levam o indivíduo a reagir a alguns estímulos e não a outros; ou que levam indivíduos diferentes a reagirem de maneira diferente ao mesmo estímulo. A influência dessas forças sobre o indivíduo depende, em alto grau, das necessidades, atitudes, sentimentos e expectativas do próprio indivíduo, pois são estas condições internas que constituem o campo psicológico de cada um. O campo psicológico seria um ambiente, incluindo suas forças sociais, da maneira como é visto ou percebido pelo indivíduo. Entre as teorias convencionais do ambiente acadêmico, torna-se fundamental conhecer mais o pensamento de Carl Ranson Rogers, responsável pela paternidade da Terapia Centrada na Pessoa. Esta terapia, também é chamada
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de Terceira Força, é contra o behaviorismo e tem forte base humanista. Afirma que o homem apela para a vida por meio de auto-realização, ou seja, o organismo tem como motivo básico a sua automotivação. 158 Um dos livros mais importante de Carl Rogers é “Tornar-se pessoa”, nesta obra ele afirma que um dos principais objetivos do ser humano é buscar uma vida mais rica e plena, pois tem o potencial de desenvolvimento, de crescimento e de realização. Para que este processo de auto-realização ocorra o ser humano precisa ser libertado de suas peias internas e ser capaz de um contato íntimo com outras pessoas, sem máscaras, sem jogos. Para tanto, precisa criar novos projetos, ser cooperativo, receptivo e amoroso. Carl Rogers, na sua abordagem centrada na pessoa, inicialmente postulou a existência de um processo direcional na vida que denominou de tendência realizadora. Ele defendeu, ao longo da sua carreira, que o indivíduo traz em si imensos recursos para a autocompreensão e atualização de seus autoconceitos e autonomia atitudinal latente. Esse potencial de autocrescimento e autoregulação é atualizado, reforçado e ativado quando ocorre fatores motivacionais que favoreçam a elevação da auto estima. A terapia centrada na pessoa, não-diretiva ou rogeriana, propõe que o sujeito em análise 'fale'. Ele precisa ter oportunidade para refletir sobre o seu 'eu', revelar a consciência que tem de si mesmo e como avalia o seu próprio comportamento. A auto-realização pode ser alcançada pelo treinamento da sensibilidade, em grupos de encontro e exercícios que promovam o crescimento pessoal. Indica ainda que entre o cliente e o terapeuta deva existir um clima emocional de cordialidade, apoio e aceitação para que um ambiente seguro seja instalado. Para tanto, três condições são exigidas do terapeuta nesta relação: Autenticidade, Aceitação incondicional e Empatia. Resumindo, a tarefa do terapeuta é clarificar a vida do seu cliente, funcionando como um espelho. Teoria de Vygotsky Neste campo amplo das terapias é necessário também refletir mais o pensamento de Lev Semenovich Vygotsky. Seu trabalho ocorre na Rússia pósrevolucionária, quando ele fazia parte de um grupo de estudiosos que, trabalhando num ambiente de grande efervescência intelectual, buscava novos caminhos para a sociedade que surgia no período pós-revolucionario, através da união entre a produção científica e o regime social recém implantado na Rússia. Vygotsky buscava construir uma nova psicologia, que superasse as tendências do início do século (psicologia como ciência natural ou como ciência da mente), na qual o homem pudesse ser abordado enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfati158
ROGERS, C. R. (1951) Terapia Centrada no Paciente. Lisboa, Moraes Editores, 1974.
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zando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, por isso, essa teoria é considerada histórico-social. Trabalhando com vítimas da guerra e da revolução russa, Vygotsky deparou-se com uma variedade de traumas somáticos e psicológicos. Verificou que esses pacientes poderiam ser tratados com artefatos sociais, como o Braille e a quirologia, que ajudavam a compensar os prejuízos físicos como a visão e audição. O apoio social torna-se um fator de encorajamento e orientação, compensando as deficiências físicas e psicológicas. Essas compensações permitem ao indivíduo desenvolver suas funções sociais, lendo, comunicando e argumentando. De acordo com Vygotsky, fenômenos psicológicos são sociais, dependem de experiência social e tratamento, eles absorvem os artefatos culturais. Experiência social inclui a maneira como as pessoas estimulam e dirigem entre si, a atenção, o comportamento padrão, (encorajar, desencorajar), controla movimentos e organiza as relações de espaço entre indivíduos. Artefatos culturais são sinais, símbolos, condições lingüísticas, industrialização de objetos e instrumentos. Tratamento social e produtos socialmente produzidos geram e caracterizam fenômenos psicológicos. Teoria de Reich Identificando-se com a linguagem utilizada na hipnoterapia, outras psicoterapias usam, dentro do mesmo enfoque, termos que expressam sentimentos humanos. Entre as técnicas psicoterapicas mais conhecidas, do ponto de vista da emoção, elevação da auto-estima, valorização do corpo através de constante processo sugestivo, a obra do médico e naturalista Wilhelm Reich (18971957) é a mais completa. A teoria de Reich é um apelo constante a uma volta ao corpo, a uma compreensão do que chamou de bioenergia das emoções (organobiofísica), a uma visão mais ampla e aberta da sexualidade, a uma compreensão do corpo como uma totalidade. As lembranças devem ser acompanhadas dos afetos ligados a estas lembranças e o corpo deve estar presente no ato psicoterapêutico. Reich descreveu a contração da musculatura corporal como sendo o ato habitual de repressão, para ele a repressão dos desejos manifesta-se na contração seletiva dos músculos. A terapia é então devotada ao afrouxamento desta rigidez corporal, de forma a liberar a excitação para o comportamento natural que o indivíduo havia reprimido e o restabelecimento da função orgástica é o foco principal da terapia. 159 Estas idéias lembram em certa medida uma mescla da teoria de Mesmer (energia) e de Freud (sexualidade). Embora Reich tenha circulado pelas mais variadas áreas do conhecimento, como a Psicanálise, a Epistemologia, a Sociologia, a Antropologia, a Biofísi159
POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. Belo Horizonte, Interlivros, 1979.
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ca, a Física etc., o fio condutor de sua pesquisa sempre foi investigar o que denominou de processos energéticos básicos. Inicialmente, nos domínios psíquico e social; depois, na dimensão biofísica e, por fim, no território cósmico. Reich desenvolveu ampla pesquisa sobre o que acreditou ser “processos energéticos primordiais e vitais”. Iniciou seu trabalho na década de 1920, tendo como principal objeto de estudo o funcionamento da "bioenergia" ou "a função bioenergética da excitabilidade e motilidade da substância viva". O encaminhamento do seu trabalho conduziu-o à hipótese de que existe uma "força básica” que atua não só nos seres vivos, mas também no cosmos. Segundo acreditam seus seguidores, esse tipo de energia foi experimentalmente comprovado por Reich no período 1939-1940 e, então, nomeado como "energia orgone cósmica". Tudo isso, parece, relembra a teoria de Mesmer. Com a teoria de Reich, nasce a Orgonomia, que se dedica ao estudo das manifestações da energia orgone no micro e no macro cosmos, no vivo e no inanimado. Reich desenvolve sua teoria em várias dimensões, trabalha nisso por mais dezoito anos (até sua morte, em 1957). Suas principais publicações são no campo da Orgonoterapia, da Física, da Astrofísica e Biofísica Orgone, na Pedagogia Orgonômica e na Orgonometria. O termo "orgonomia", além de indicar um novo conhecimento, expressa, também, o conjunto da produção intectual reichiana. Simultaneamente à pesquisa sobre os processos energético-vitais, Reich elaborou no decorrer de seu percurso três técnicas terapêuticas: a análise do caráter (1923-1934), a vegetoterapia caractero-analítica (1934-1939) e a orgonoterapia (1939-1957), e também, elaborou um novo método de pensamento e pesquisa (o Funcionalismo Orgonômico), uma técnica de ordenação das funções naturais, que associa as dimensões qualitativas e quantitativas na pesquisa orgonômica (a Orgonometria). Teoria organísmica Com o pensamento de Kurt Goldstein 160 nasce a Teoria Organísmica, que compreende o homem como um ser em busca de equilíbrio (homeostase) para a obtenção da auto-realização. Goldstein, estudioso da neurologia, chegou à conclusão de que um sintoma não podia ser considerado ou compreendido a partir apenas de uma lesão orgânica, senão a partir da consideração do organismo-como-um-todo, o organismo é uma só unidade, o que ocorre em uma parte, afeta o todo. A Teoria Organísmica assume que: 1) a pessoa é una, integrada e consistente; 2) o organismo é um sistema organizado, com o todo diferenciado em suas partes; 3) o ser humano possui um impulso dominante de auto-regulação pelo qual é permanentemente motivado; 4) o ser humano tem dentro dele as potencialidades que regulam seu próprio crescimento, embora possa e receba influências positivas de crescimento do meio exterior, as quais ele seleciona e 160
GOLDSTEIN, K. The organism. N. York, American Book Co, 1939.
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utiliza; 5) a utilização dos princípios da Psicologia da Gestalt, enquanto funções isoladas, como percepção e aprendizagem, ajudam na compreensão do organismo total (holístico). São conceitos dinâmicos de Goldstein: a) equalização e centragem como processo de redistribuição de energia pelo organismo, que o leva a um estado de tensão normal; b) a auto-realização como o motivo único do organismo, ou seja, é o princípio orgânico pelo qual o organismo se desenvolve plenamente; c) Composição, “por-se de acordo” com o ambiente, harmonização do organismo compondo-se com o ambiente e, a partir daí, num segundo momento, sobreposição aos problemas que surgem a partir do contato com o mundo. Para Goldstein o ser humano se compõe com o ambiente e ou redistribui intensamente sua energia pelo organismo. Filosofia fenomenológica Uma grande contribuição para o fortalecimento das teorias que tentam compreender a essencialidade do ser humano e facilitar a percepção da subjetividade das ações do inconsciente, foi a do filósofo Edmond Hesserl. Enfrenta o Psicologismo na tentativa de restaurar a filosofia e a "lógica pura" como forma de respostas para as questões humanas. Pretende que a Filosofia se liberte do psicologismo utilizando-se da observação e da sistematização, próprias do positivismo, no estudo de seus objetos ideais. Mais tarde ampliou a fenomenologia à totalidade do pensamento, criando, com o método fenomenológico, uma "filosofia fenomenológica" afirmando que os objetos ideais têm realidade, existem na mente humana como fenômenos mentais, podem ser examinados e classificados. São como os universais de Platão, que existiam apenas no "mundo inteligível", fora do alcance do homem. O objeto não precisa existir no mundo real, é bastante existir apenas no mundo ideal para ser pesquisado. Husserl definiu a fenomenologia em termos de um retorno à intuição e a percepção da essência e não da existência das coisas. Mais, a ênfase de Husserl sobre a intuição deve ser entendida como uma refutação de qualquer abordagem meramente especulativa da filosofia. Sua abordagem é concreta, trata do fenômeno dos vários modos de consciência e de percepção das coisas. Na filosofia fenomenológica, o que deve o filósofo examinar é a relação entre a consciência e o Ser, e, ao fazê-lo, ele precisa se conscientizar de que, do ponto de vista da epistemologia, do conhecimento, o Ser somente é acessível a ele como um correlato do ato de consciência. Alguns fenomenologistas também salientam a necessidade de se estudar os modos pelos quais os fenômenos aparecem na consciência intencional (direcionada ao objeto) do homem. Mas, a fenomenologia não restringe seus dados à faixa das experiências, admite em igualdade de termos dados não sensíveis (categoriais) como as relações de valor. Femonomenologia não é o fenomenalismo, este não leva em conta a complexidade da estrutura intencional da consciência que o homem tem dos
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fenômenos. A fenomenologia, diferentemente do fenomenalismo, examina a relação entre a consciência e o Ser. Dentro da filosofia, os críticos da fenomenologia são principalmente os existencialistas, que em muitos aspectos são fenomenologistas, mas consideram a existência humana imprópria para análise e descrição fenomenalógica, porque isto significa tentar objetivar o não objetivável. Na psicologia, a objeção é contra a possibilidade de se viver com o paciente sua própria visão do mundo, de sua situação e de si mesmo. Para isso é necessário que o terapeuta tenha uma intuição desses aspectos inteiramente livre do seu próprio eu, do seu próprio pensar, o que é pouco provável. Através de onze volumes da publicação Jahrbuch für Philosophie und phänomenologische Forschung (1913-30), o movimento fenomenológico toma forma, do qual Husserl foi o principal autor. Esse movimento influiu não somente sobre filósofos, mas também psicólogos e sociólogos. Os existencialistas que o seguiram foram, principalmente, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty que se intitularam fenomenologistas. Heidegger dedicou a Husserl sua obra fundamental, Sein und Zeit (1927); "O Ser e o Tempo". Foi seu discípulo, mas logo surgiram diferenças entre ele e o mestre. Sartre segue estritamente o pensamento de Husserl na análise da consciência em seus primeiros trabalhos, L'Imagination (1936) e L'Imaginaire: Psychologie phénoménologique de l'imagination (1940), nos quais faz a distinção entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa aplicando o conceito de intencionalidade de Husserl. No livro Psychologie von empirischen Standpunkte (A Psicologia de um ponto de vista empírico), de 1874, Franz Brentano afirma, como também Husserl, que os objetos dos fenômenos psíquicos independem da existência de sua réplica exata no mundo real. Filosofias orientais Grandes pesadores orientais, distante e antecedente da preocupação com o pensamento lógico-científico do mundo ocidental, também contribuem para a compreensão do que pode ser determinado como terapia holística. O hinduísmo, o budismo e o taoísmo que, em especial, se interessa pela sabedoria intuitiva e não pelo reconhecimento racional. A filosofia oriental chamada taoísmo admite a verdade do mundo objetivo ao mesmo tempo em que também proclama uma visão holística. Ao explorar a natureza da consciência e do universo, enfatiza que o mundo das aparências é complementado por outro, o do não-ser, e que por trás desses dois mundos há outra realidade ainda mais profunda, chamada Tão, um conceito fugidio, que só pode ser aprendido de modo indireto e paradoxal. A pessoa iluminada, segundo o texto básico do taoísmo, o tão-te Ching, “age sem ação, faz sem fazer” Entende que “ceder é ser preservado inteiro. Curvar-se é ficar ereto. Estar vazio é estar repleto. Desgastar-se é renovar-se. O Taoísmo, com suas raízes provenientes da cultura chinesa, tem como elemento primordial o Tao que se define como a causa primeira e fundamental de tudo. O Tao é invisível, ainda que através dele se manifeste o mundo; sem
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forma, ainda que permeie todas as formas. Definindo o que pode ser entendido como Tao, assim se refere o escritor taoísta Lao-Tsé: 161 O Tao é como um grande rio cósmico que flui através de todas as coisas. É o caminho, a verdade e a meta. É a integração dinâmica do Yin e Yang, do positivo e do negativo, do macho e da fêmea. É a mãe de todas as coisas (LAO-TSÉ ).
Para Lao-Tsé, o homem perfeito é quem aprende a fluir com o Tao. Ele é liberto do Ego e do mundo, vive em paz total e harmonia, não empurra os acontecimentos, mas deixa a onda cósmica levá-lo. Lao-Tsé deu várias instruções sobre como viver melhor, mas reconheceu que a mais importante mudança do ser humano é interna, é a mudança de consciência: Quando um letrado da mais alta classe ouve falar do Tao, ele o segue com zé-lo. Quando um letrado médio ouve falar do Tao, em certos momentos o segue, em outros o perde. Quando os letrados da mais baixa classe ouvem falar do Tao, riem-se dele. Mesmo que não se riam isso não significa que o sigam. Há uma tradição antiga que diz: O Tao iluminado para muitos é obscuro (LAO-TSÉ).
A concepção do ser humano subjacente ao taoísmo é a de um ser que para se realizar deve torna-se integrado, isto é, suas forças conflitantes devem ser trazidas ao balanço e harmonia. Assim ele passa a ser centrado, o que resulta em um estado espiritual de esclarecimento. Os taoístas preconizam a integração humana, isto é, a assimilação por parte do homem de todas as coisas disponíveis e que conformam o Tao. Mostram que, fundamentalmente, a integração se dá através de uma mudança interna que denominam de consciência, e frisam o desapego egoísta para que, em paz e harmonia, o homem possa ser levado pela “onda cósmica”. Contribui com o pensamento do Tao, o Zen, ou doutrina do coração de Buda, introduzida na China pelo monge Bodhidharma, um dos grandes reformadores do budismo tradicional. Possui três escolas principais: As duas primeiras são Soto, Obaku, que enfatizam a meditação ou o Zen sentado; considera que para o ser humano evoluir, a coisa mais importante é sentar e meditar. A terceira escola é Rinzai, enfatiza o Koan que é uma frase oferecida a cada discípulo, de acordo com a sua natureza. Essa frase é muitas vezes alógica ou até risível. Exemplo: quando se bate com uma mão de encontro com a outra se ouve um som, mas não se sabe qual é o som produzido por uma mão só. Os Koans não são apenas enigmas ou observações misteriosas, através disso objetivam impulsionar o discípulo até o limite último da reflexão a fim de obter os segredos da mente. O Budismo de feição Zen 162 estima e valoriza o despojamento, a simplicidade, a naturalidade, o gosto por paradoxos e pelos “koans”. Concebe a ilu161 162
LAO-TSÉ. O livro do caminho perfeito, S. Paulo, Pensamento, 1990. SUZUKI, D. C. Introdução do Zen-budismo. S. Paulo, Pensamento, 1969.
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minação como uma necessidade que o ser humano tem de dar sentido à sua própria existência. O Zen é uma técnica que adota alguns recursos como o uso do paradoxo, da ultrapassagem dos opostos, da contradição, da afirmação e da repetição. O objetivo último da disciplina Zen é a aquisição do satori, isto é, a adoção de um novo ponto de vista para olhar a essência das coisas. Não consiste em produzir uma condição pré-determinada, por pensar-se intensamente nela, mas sim adquirir um novo ponto de vista ao olhar para as coisas. A sentença que talvez se aproxime do pensamento Zen é: “pouco adianta falar, muito menos escrever. Os pássaros cantam e o sol surge diariamente, sem explicações. Assim deve ser em todas as coisas. Simplesmente”. Allan Watti, em Meaning of Happinen, fala do Zen e, metaforicamente, refere-se a alguém que querendo examinar o vento, prendia-o em uma caixa, e o que tinha não era mais vento e sim ar estagnado. Para os Zen-Budistas o Zen não se explica, é alógico, mas pode ser percebido. A concepção de homem implícita no Zen é a de um ser em busca de iluminação. De alguém que precisa aprender ou reaprender a lidar consigo e com o mundo de uma forma mais plena e total, para que possa, de fato, ser e encontrar a si mesmo e o mundo. Para os Zen-budistas a busca da iluminação consiste em, simplesmente, viver a vida com a consciência do momento presente, com a consciência do aqui e agora, sem preocupações com o depois que acontecerá naturalmente, simplesmente, como tem de acontecer. Outras concepções De quase tudo que foi visto até aqui, parece que pouco ou nada se diferencia dos objetivos ou se afasta da prática da terapêutica da hipnose pura. Tudo gira em torno do ser humano holístico, integrado, sereno, que precisa esta constantemente em busca de si mesmo. E “o si mesmo” pode ser entendido como um lado da mente, conceituado de inconsciente, responsável por uma subjetiva metade de cada pessoa em particular, a qual o próprio sujeito não conhece conscientemente, e que às vezes o surpreende quando pratica determinadas ações, sem saber conscientemente por que está praticando. Seria este lado obscuro que se manifesta através de complicados mecanismos de crença e convencimento. Impregnada pela fusão de várias correntes do pensamento, no final do século XX, a terapia pela hipnose aparece, desaparece e reaparece com diferentes nomes, explicações e concepções, uma verdadeira babel de conceitos. Para explicar a hipnoterapia são embutidos diversos títulos como Energia Cósmica, Energia do Corpo e da Mente, Luz e Força interior, Relaxamento, Poder do Subconsciente, Ser Interior, Curas Subconscientes e Psicotranse entre outros. Também ocorre perfeita identidade, tanto de princípios como de métodos e de conceitos, em livros que tratam de Terapia por Vidas Passadas, Projeções do Corpo Astral, Inteligência Transcendental, Dianética, Neuro-Lingüística e tantas outras concepções e temas que embute a hipnose que seria impossível de enumerar.
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É pelo menos curioso porque, na sua maioria, autores que tratam de novos temas não revelam sua proximidade ou não lhes associam à hipnose que, em síntese, em sua maioria parece ser o sutil substrato dos seus conteúdos. Quando confrontados com outras leituras, parece que esses novos títulos são produzidos a partir de compilações e plágios, das idéias clássicas e isoladas que sustentam as explicações do magnetismo, do mesmerismo, do hipnotismo e da sugestão. Quando novos títulos são analisados aparecem facilmente semelhanças com formas antigas de interpretação dos fenômenos hipnóticos. Concepções e termos já superados reaparecem como o efeito magnético, fluido energético e/ou astral, influência de metais, espíritos e até demônios. Tudo leva a crer que autores modernos pensam que renomeando a hipnose, ou associado-a com novos conceitos, conquistem dos leitores maior atenção ou maior credibilidade que até então, injustamente, não lhe concedeu a ciência e, por isso, negam propositadamente o seu verdadeiro nome. A hipnose reaparece com maior ou menor intensidade de tempos em tempos. Ressurge na maioria das vezes com nomes diferentes, porém, basicamente sem mudanças nos resultados e na sua forma prática. Isto aconteceu também na época dos grandes clássicos, em cada época foi reconhecida com nome diferente. Passou pela fase da prática exorcista, da ação do magnetismo, da força mágica ou misteriosa, da energia vital, da energia universal e ou cósmica, além de várias outras concepções, conceitos e crenças. No Brasil, entre 1950 a 1960, por influencia da escola russa, a hipnose ressurgiu fortemente com o nome de Letargia. Durante esse período eram comuns apresentações públicas dos efeitos da Letargia e múltiplas eram as explicações. Embora, do ponto de vista prático, fosse pequena a diferença entre o que se via e o que aconteceu no passado mesmo remoto. Sempre o mesmo transe, a mesma sintomatologia, os mesmos efeitos, independentemente da forma como é provocado, explicado, entendido ou aplicado. Krasner e Ullmann 163 defendem que os termos que foram atribuídos à hipnose, durante sua história, são metáforas. Em cada época essas metáforas tiveram uma vida, declinaram e morreram porque foram substituídas por metáforas mais de acordo com o vocabulário corrente, com o pensamento dominante, seja na cultura popular ou no ambiente acadêmico. Parece que cada termo novo que se aplica para representar ou explicar a hipnose, busca a credibilidade por ser o novo nome mais coerente com o momento histórico social no qual se vive, ora inclinado para a ciência, ora a religião ou filosofia. Não importa a veracidade da explicação ou a lógica que se dê, o importante é convencer, uma vez que alguém é convencido de sua possibilidade, o fenômeno hipnótico ocorrerá no indivíduo que acreditou.
163
KRASNER, e ULMANN. Modificações de comportamento, S. Paulo, ed. EPU, 1983.
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CAPÍTULO VII - AUTO-HIPNOTERAPIA Cada indivíduo possui sua singularidade na forma de ser, de viver e de reagir no meio da confusão de modelos que são apresentados como solução para os mais diferentes problemas existenciais. O maior conflito é que esses modelos não representam sua própria idéia, e aí vem o questionamento e a formação de opiniões, tornando-se mais angustiado na busca de suas próprias opções para descobrir alguma maneira de viver melhor. A mudança da qualidade de vida só acontece quando entra em contato consigo mesmo, quando amplia sua forma de ver a si, de redefinir o sentido das coisas e do mundo, de melhor se relacionar com as outras pessoas. Para que isso seja possível é necessário um processo de grande reflexão, de mergulho dentro de si mesmo. Para tanto a auto-hipnose é um meio próprio, promove esse processo e não custa nada, porque é próprio de cada um, é só por em prática. As pessoas buscam conhecer a hipnose por curiosidade ou para ampliar o conhecimento sobre o assunto, mas podem procurar também como forma alternativa para alivio de um sofrimento. Neste caso geralmente antes procurou um médico e não teve uma doença definida ou um tratamento indicado e outras soluções também foram buscadas, como amigos para conversar, viagens, filosofias ou religiões que, em suas concepções mais variadas, pareciam ser a melhor solução para o seu problema. Esgotadas as alternativas, sem resultado positivo, a hipnose é lembrada e um hipnotista é procurado. Quando depende de um hipnotista, a hipnose é uma solução que vem de fora e pode não satisfazer plenamente como resposta porque, para algumas pessoas, se sua dúvida ou necessidade é satisfeita, surge outra; precisa-se de amor, vem o desejo, se vence o desejo, vem a insegurança, se vence a insegurança, vem a ansiedade, e outras dúvidas ou necessidades vão-se sobrepondo. Ocorrendo isso, só o próprio interessado poderá construir, de forma completa, uma solução para seu problema e a auto-hipnose entra em cena. Em princípio, na primeira, segunda e, no máximo, numa terceira sessão pode até ser induzida por um hipnotista, mas as sessões posteriores devem ocorrer por iniciativa e conta exclusiva do hipnotizado, como explica Émile Coué: 164 Não imponho coisa alguma a ninguém. Apenas auxilio as pessoas a fazer aquilo que desejariam e que elas se julgam incapazes de fazê-lo. Não é uma luta, e sim, uma associação que se exige entre elas e eu. Não sou eu quem age, mas uma força que nelas existe e da qual eu lhes ensino a se utilizarem (COUÉ).
As pessoas não estão habituadas a confiar na existência do grande potencial que pertence a cada uma em particular, que desde a origem trazem 164
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si mesmo. RJ, Minerva, 1956.
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dentro de si para ser usado em benefício de sua evolução. Desde criança, sempre foram condicionadas a colocar a atenção para fora, no mundo exterior e, é esta uma das razões por que a maioria dos seres humanos funciona muito abaixo de suas reais condições de potencialidade. Foram acostumadas a esperar as soluções dos outros e não buscar respostas em si mesmo, em sua própria dimensão interior. Esta dimensão pode ser o que, às vezes, é chamada de alma, mente, espírito, consciência ou outra rotulação qualquer. Mas, é certo que esta dimensão existe; descobrindo como usá-la pode ser eliminada a dependência de soluções externas. A dependência externa é que explica, em parte, a necessidade que tem a maioria das pessoas de viverem buscando através de religiões ou filosofias soluções ou explicações para seus conflitos. Enquanto buscam, as respostas estão bem perto, estão em seu próprio íntimo, na força interna que determina o seu modo de vida. A auto-hipnose estimula essa capacidade inata de autocura, presente em qualquer pessoa para melhorar seus estados orgânicos e emocionais. Os seres humanos passam a vida toda analisando situações, fazendo julgamentos sobre as coisas que os cercam. Mas, nenhuma dessas conjecturas é mais importante que aquela que fazem sobre si mesmo, quando pensam como funcionam interna e externamente, na forma como vivem e se relacionam com o mundo, sobre como manter a saúde física e mental equilibrada. Neste sentido é a afirmação de Lao-Tsé. 165 Aquele que sabe muito sobre os outros pode ser instruído, mas aquele que se compreende é mais inteligente. Aquele que controla o outro pode ser mais forte, mas aquele que se domina é ainda mais poderoso (LAO-TSÉ).
Usada eficazmente, a auto-hipnose pode ser uma ferramenta poderosa, efetuando as modificações necessárias para reeducar a mente, que passará a pensar de uma maneira nova e saudável. Com ela pode ser desenvolvida e utilizada ao máximo a potencialidade e modelar o próprio destino. As pessoas podem escolher como querem ser e, para isso, não dependem de soluções externas, não necessitam de ser conduzidas, pelo contrário, podem e devem conduzir o seu próprio destino. São poucos os que sabem fazer uso adequado deste poder que possuem, sobretudo quando não sabem por onde começar, nem como fazer. A ajuda de outras pessoas parece uma solução muito cômoda, mas, às vezes, limita a capacidade de reagir em situações simples. Procurar dentro de si aquela força, aquela determinação que resulta na segurança para o enfrentamento das dificuldades e superar as próprias deficiências, as próprias frustrações. Nada impede que, sem desprezar outras formas de ajuda, todos façam a sua parte para a solução de muitos dos seus próprios problemas. 165
Afirmação filosófica atribuída ao chinês Lao-Tsé, escrita por Tao-Te King. O nome de LaoTsé é também escrito como Lao-Tzu, e o de Tao-Te King como Tao Te’Ching, (WELHELM, Richard. O Livro do caminho perfeito, S. Paulo, Editora Pensamento, 1982).
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Muitas pessoas tornam-se mais infelizes ao se apoiarem excessivamente em objetos, pessoas ou sistemas. Mas, quando se apóiam em alguma coisa externa, inibe e limita a sua própria capacidade de se auto-ajudar. Se alguém for carregado, não terá necessidade de movimentar as próprias pernas, deixará de utilizar a sua capacidade total e ficará cada vez mais dependente, tornandose cada vez mais vítima fácil de inúmeras dependências. Em resumo, a vida deve ser desenvolvida por cada um, sob sua responsabilidade. Quando o individuo concentra a atenção para dentro de si constata que muitas soluções dependem unicamente dele mesmo, verifica que o mundo exterior é conseqüência do seu mundo interior e vice-versa. Descobrindo o seu lado inconsciente, descobre quem é e como pode ser conscientemente. Isso é possível com a auto-hipnose, uma ferramenta que pode promover o autoconhecimento. Praticar auto-hipnose é uma forma de compreender como usar mais e melhor o próprio potencial, é um mecanismo que permite o aumento da autoconfiança e do auto-respeito, dois componentes básicos da auto-estima. A auto-hipnose revela o inconsciente e, desta revelação, se pode obter benefícios em várias áreas, no sentido de alcançar maiores resultados profissionais, saúde física e mental, maior controle emocional, enfim, melhor qualidade de vida. Permite superar com facilidade as chamadas doenças psicossomáticas, vencer a insônia, o medo, o cansaço, a tensão e o estresse. Pode ser melhorada a memória, a concentração e, ainda, aprender a superar hábitos indesejáveis. Também pode eliminar fobias, ansiedade, insegurança, desenvolver a criatividade, a intuição e a capacidade para programar e ampliar a auto-estima e o prazer de viver. É através das técnicas de hipnose ou da auto-hipnose que é despertada e ampliada a programação da função inconsciente de revelar soluções, utilizando mais e melhor os conhecimentos que estão nele armazenados. Este processo mental livra o indivíduo da crítica excessiva do seu próprio consciente e permite que a intuição possa fluir com mais facilidade. Para que isso ocorra, é necessário que se vença a preocupação por alguns instantes, é preciso relaxar a mente para que as melhorias possam ser programadas pelo inconsciente. Quando uma pessoa está muito preocupada com determinado problema e esgota os caminhos convencionais para a solução, deve deixar de pensar no caso por algum tempo e a solução poderá aparecer de repente. Enquanto se pratica outra coisa, o inconsciente digere o problema e revela as saídas. Sobre isso conta a história, Einstein dizia que pensava 99 vezes e nada descobria, mas, deixava de pensar e a verdade era revelada; nestas horas ele tocava violino. Churchill era menos musical e preferia empilhar tijolos. Gandhi costumava tecer. Beethoven fazia longas caminhadas. Sherlock Holmes, o famoso detetive dos livros de Conan Doyle, levava seu companheiro Watson a um concerto sempre que a trama que teria de desvendar se tornava complicada. Quando o problema for difícil, deve-se relaxar e deixar o
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inconsciente trabalhar. O relaxamento é o preâmbulo da auto-hipnose, passo decisivo para a busca de soluções. Cada vez mais vem se tornando consenso, entre a cultura popular e o conhecimento acadêmico, quanto à necessidade de tranqüilizar a mente como forma de tratamento de doenças. Neste caso, além de relaxar, o mais importante é o tipo de pensamento que se nutre e, mudar a forma de pensar, pode ser a superação de problemas da saúde. Louise L. Hay 166 defende a tese de que o pensamento cria o futuro e norteia a vida, alerta que todos sofrem de culpa e ódio voltados contra si próprio e que a frase presente na maioria das pessoas é “sou incapaz”. Diz Hay, isso é apenas um pensamento e um pensamento pode ser modificado, a crítica, a culpa e o ressentimento, são padrões de pensamento prejudiciais, removê-los representa cura para muitas enfermidades: Quando realmente amamos a nós mesmos, tudo na vida funciona. Devemos nos libertar do passado e perdoar a todos. Devemos estar dispostos a começar a aprender a nos amar. A auto-aprovação e a autoaceitação no agora é a chave para mudanças positivas. Cada uma das chamadas “doenças” em nosso corpo é criada por nós (HAY).
Lembrando a crença, bastante difundida, de que as doenças só se manifestam quando pensamos nelas, Hay afirma que cultivar pensamentos negativos é um passo para a evolução de doenças ou sentimentos nocivos. Diz que é preciso haver uma perfeita sintonia entre a mente e o corpo e, se a saúde não anda bem as razões deve ser buscada no desequilíbrio dessas duas forças, não bastando o ataque frontal a determinada doença. Lembra ainda, a possibilidade de doenças que têm seus sintomas agravados por pensamentos que são acumulados durante longo tempo e reagem negativamente no organismo. Segundo Hay, a mente gera as doenças físicas: Não se pode mais ignorar que o pensamento e a fé influenciam a saúde da pessoa, assim como seu destino pode ser determinado por aquilo que ela tem inconscientemente como objetivo de vida (HAY).
Os pensamentos tornam-se ações e ações tornam-se hábitos que traçam o destino, são os alimentadores do estado físico e mental e, parece verdade que os pensamentos que as pessoas mais utilizam compõem o quadro de suas vidas. Se o pensamento reflete conflitos, a vida será cheia de dificuldades, se reflete esperança, a vida será cheia de realizações. A auto-hipnose é um instrumento que dará o suporte que permitirá ao indivíduo mudar a forma de pensar. Facilitará a compreensão dos conteúdos que lhe causa o transtorno, o que poderá levá-lo a uma reorganização pessoal quanto a valores, aprender a conviver com perdas, frustrações e descobrir outras fontes de gratificação na sua relação com o mundo. 166
Hay relata como despertar idéias positivas, superar doenças e viver plenamente (HAY, Louise L. Você pode curar sua vida, S. Paulo, Ed. Best Seller, 1996).
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Muitas vezes, estranhos pensamentos negativos e destrutivos surgem na mente, mas devem ser imediatamente cortados, rejeitando toda intromissão pessimista incisivamente, decisivamente. Assim também deve acontecer com maus sentimentos com temores, intrigas, ódios. A vida começa a mudar de dentro, não de fora, cuidando da qualidade da prática de pensar, ter reações e sentir emoções. Também o medo, a ignorância e a superstição afastam a saúde, a felicidade e a paz. Para reorganizar a vida e ser merecedor de bem-estar é preciso ter pensamentos positivos, amorosos, perdoar os outros e ter sentimento de carinho. A escolha dos tipos de pensamentos que vai alimentar o inconsciente determina o modo de viver. Se escolher a raiva, a agressão e o ressentimento será merecedor apenas de mais raiva, mais agressão e mais ressentimentos. Para alguém ser merecedor de alegria, é preciso pensar em alegria, assim como para sentir paz e calma é preciso alimentar o inconsciente de pensamentos pacíficos. Em muitos momentos da vida, uma pessoa pode viver em situações difíceis e de sofrimento tão intenso que pensa que algo vai arrebentar dentro de si, que não vai suportar, que vai perder o controle sobre si mesmo, fica a ponto de acreditar que vai enlouquecer. Isto pode ocorrer quando se perde alguém muito querido, em situações muito estressantes, em situações em que o indivíduo se vê com muitas dúvidas e não percebe a possibilidade de pedir ajuda, em casos nos quais deverá resolver sozinho tal problema. A pessoa, então, busca a superação desse sofrimento, o restabelecimento de sua organização pessoal e de seu equilíbrio, isto é, o retorno àquelas condições anteriores de rotina de sua vida, em que não tinha insônia, não chorava a toda hora, não tremia o corpo de forma injustificada. Não é possível apenas se falar de doença física nesses casos e a auto-hipnose pode ser uma boa ajuda. Quando alguém se encontra numa situação infeliz, a auto-hipnose pode permitir o entendimento de que isso não passa de uma situação transitória ou de um equívoco e logo acabará melhorando. O importante é perceber que a situação ruim é momentânea e mesmo que não se verifique uma melhora imediata, jamais se deve ficar aflito, duvidoso ou impaciente. Ao tranqüilizar a mente, estará trabalhando para atingir uma situação de melhoria. Existem dois tipos de pessoas: aquelas que estão sempre com a expressão triste, reclamando como se estivessem sempre insatisfeitas e infelizes e aquelas que mantêm somente pensamentos radiantes, repletos de alegria e gratidão. Pessoas que estão sempre reclamando têm uma vida infeliz, enquanto aquelas que vivem sempre repletas de alegria têm uma vida feliz. Pessoas que passam a vida reclamando da crise econômica, do salário, da maldade alheia, da pobreza, da falta de saúde, acabam atraindo pelo poder da palavra e do pensamento a situação da qual reclamam. A essas pessoas não brotam pensamentos construtivos que as tornem prósperas e saudáveis, mas somente pensamentos de destruição, desesperança e automutilação.
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Na atualidade as pessoas vivem as turbulências da vida, em acirrada competição com os outros e até consigo mesmas, em busca desenfreada da satisfação imediata em um mundo cada vez mais competitivo, onde a racionalidade e a crítica são imperiosamente cobradas. Como o ser humano não é apenas racional e crítico, é preciso conhecer onde ficam as suas emoções e como elas atuam em seu cotidiano. Conhecer o emocional do ser humano é entrar em contato com um lado às vezes meio esquecido, mas que influencia a existência. Neste lado que estão armazenadas as lembranças prazerosas, fatos acontecidos nos dias felizes e em momentos generosos que foram vivenciados. É preciso na lembrança reviver estes fatos, isso afasta a tristeza e faz esquecer o sofrimento. A auto-hipnose facilita o reviver de boas emoções; as boas lembranças vão permitir que se viva sempre na expectativa de dias melhores, somente o que há de melhor, de mais grandioso, de mais elevado pode acontecer. Segundo Brun, 167 o filósofo grego Epicuro (341 a 270 anos a.C.), conhecido como o médico da alma, afirmava que podemos desviar a dor recorrendo a lembranças agradáveis ou idéias de prazer. Se a dor existe deve ser curada, afastada através de mecanismos que o próprio ser humano possui, quando a dor é física dever ser eliminada rememorizando uma situação prazerosa do passado ou uma esperança do futuro. Quando a dor é moral devem ser revistos os valores que orientam a vida. Para Epicuro e seus seguidores, assim como o médico se ocupa das doenças e dos sofrimentos do corpo, ao filósofo cabe cuidar das doenças e dos sofrimentos da alma. Para Farrington 168 a terapia de Epicuro significa o princípio de que o prazer efetivamente existe, não obstante a existência do sofrimento. Epicuro afirma enfaticamente que todos e qualquer um nasce com o direito a ser feliz, viver bem, ter prazer, viver sereno e morrer sereno e feliz. A felicidade não é doada nem outorgada por ninguém nem por divindades, depende exclusivamente de como cada um administra sua própria vida. Segundo essa filosofia, para alguém viver bem e feliz, apenas deve gostar de coisas simples e de um modo de vida não luxuoso, porque assim se adquire meios para enfrentar, corajosamente, as adversidades da vida. Os períodos de uma existência rica devem ser aproveitados, mas também se deve estar preparado para enfrentar, sem temor, as vicissitudes da sorte. O remédio para uma vida serena é se afastar da turbulência das competições egoísticas, do jogo de interesse, da arrogância, procurar os prazeres moderados, satisfazer apenas necessidades imediatas, manter-se longe dos antagonismos da vida pública,
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BRUN, Jean. O epicurismo. Trad. João Amado. Lisboa, Setenta, 1987. FARRINGTON, Benjamim. A fé de Epicuro. RJ, Zahar, 1968.
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cultivar a amizade, conquistar sempre mais conhecimento e rejeitar o medo da morte. 169 Uma grande aspiração atrai um grandioso destino. Uma pequena aspiração atrai pequenas realizações. Pessoas que não conseguem realizar um grandioso sonho só conseguem realizar pequenas obras. São pessoas que acabam desvirtuando o canal que comunica com a sua força interior e, dela não tira o proveito que pode; pelo contrário, se prejudicam. Aqueles que têm pequenas aspirações vêem-se como pigmeus e diminuem a si próprio. E quando se pensam assim pequenas, acabam se tornando de fato seres pequeninos e escravos do destino. Tornar o destino grandioso ou insignificante depende de como se enxerga. Existe uma verdade que diz que as pessoas se tornam exatamente como se crêem ser. Quem idealiza para si um grandioso sonho, quem tem uma grande aspiração, quem acredita piamente na sua concretização, conseguirá alcançar o seu grandioso objetivo. Não há quem tenha realizado algo grandioso sem se considerar merecedor. Seja o que for não há quem consiga realizá-lo acreditando que não irá conseguir. Por isso, não deve ser dito “não consigo realizar isso”. A ordem é acreditar, como recomenda Émile Coué, “o que quer que aconteça, brotará em mim uma força redobrada. Haja o que houver durante o percurso, acredito que no final virá somente a vitória”. Tudo acontece exatamente como se crê. Geralmente, os livros indicam a aplicação da auto-hipnose, também, para eliminação de hábitos como tabagismo, alcoolismo, comer em excesso, uso de drogas, gagueira, roer unha, bruxismo 170 e outros hábitos nervosos. Também indicam como solução de distúrbios emocionais como tremores e fobias, tristeza ou depressão, raiva ou hostilidade, irritação, ódio, timidez, ansiedade e tensão. Seu uso é ainda referido para o tratamento de dores, alergias, resfriados crônicos, insônia, cansaço ou fadiga, soluços, coceiras e asma. Ultimamente, também tem sido indicada para cura de doenças de pele como psoríase e vitiligo, além de anorexia nervosa, bulimia, obesidade, síndromes pós-traumáticas, síndrome do pânico e tantas outras doenças que é impossível relacionarem todas em só lista. EPICURO. Lattera a Menecéo (Carta a Meneceu). Turin, Einaudi, 1970. Bruxismo se caracteriza pelo fato do individuo ranger fortemente os dentes em movimentos involuntários que produz o desgaste dentário, geralmente ocorre durante o sono e de forma despercebida. Não é considerada uma doença e sim uma disfunção do aparelho mastigador. A causa pode ser física, como falha na oclusão dos dentes, ou psicológica provocada por tensões emocionais ligada à ansiedade, raiva, insegurança, agressividade reprimida, frustrações do dia-a-dia, entre outras. O bruxismo acaba sendo um acumulo de sentimentos que encontra uma descarga no ranger dos dentes, tensões acumuladas que tornam as mandíbulas rígidas e friccionadas. Os episódios vivenciados pelo individuo, podem variar bastante e a descarga emocional, pode ser tênue ou severa. Provoca o desgaste do esmalte dentário e o deslocamento da mordedura, a pessoa acorda com fortes dores nos dentes e músculos da articulação das mandíbulas. O tratamento pela hipnose pode remover as causas psicológicas, proporcionando uma estabilidade emocional, além de restaurar as funções do sono (N. do A.).
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A hipnose tem sido aplicada para que mulheres, principalmente adolescentes, desenvolvam uma maternidade serena no período de sua gravidez e no parto. Pesquisadores na Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, afirmam que certos medos comuns na gravidez podem ser aliviados quando a hipnose for aplicada à gestante entre a vigésima e a vigésima quarta semana de gestação, reduzindo a ansiedade na reta final da gravidez e as dores do parto; diminui, assim, a necessidade de reforçar a dose de anestésico. 171 A hipnose induz a grávida a criar uma expectativa positiva, ensina a relaxar e apaga fantasias negativas, criando através da sugestão a expectativa positiva de que vai ganhar um presente. A hipnose é indicada também para desenvolver atitudes e sentimentos positivos, como amor, afetividade, bom humor, determinação e coragem. Também é indicada para desenvolver ou ampliar habilidades da mente e do corpo, permitindo, por exemplo, melhor desempenho atlético ou esportivo, eficiência e organização, desempenho profissional, aumento da criatividade e habilidades. Assim como a prática da auto-hipnose pode permitir o controle sobre pensamentos, emoções, ações e destino. Com a auto-hipnose é fácil construir um modelo mais eficiente de pensamento, direcionado para o que realmente é importante, o praticante aprende a definir e alcançar objetivos, avaliar seus pontos fortes para enfrentar desafios e obter sucessos. Aprende a agir, e não apenas reagir, para melhorar a qualidade de vida, buscando soluções e não apenas enfrentando os problemas, retirando obstáculos para seguir no caminho que foi definido para si mesmo, agindo de modo mais eficiente sobre o pensamento e o que está fazendo. Prática da auto-hipnose Um indivíduo pode habituar-se a entrar no transe hipnótico ao ler um determinado texto, numa determinada posição, ao proferir ou pensar uma determinada palavra ou frase, ao contar até cinco, dez ou vinte. Conseguindo o transe inicial, a pessoa dá a si mesma as sugestões que deseja e inclusive as sugestões pós-hipnóticas necessárias para o progressivo aprofundamento na próxima sessão. Poderá sugerir a si mesmo: “hoje o transe será mais profundo do que o de ontem, e o de amanhã mais satisfatório ainda do que o de hoje, etc.”. Não adiantará, entretanto, recorrer ao auto-engano para efeitos sugestivos, fazendo simplesmente de conta que está (ou esteve) hipnotizado, a sugestão pós-hipnótica não surtirá efeito. Como na hetero-hipnose, também a auto-hipnose vem precedida de uma espécie de preâmbulo. O indivíduo tem de preparar-se como se estivesse preparando outra pessoa para ser hipnotizada, e convencer-se. E esse autoconvencimento, para produzir o efeito desejado, tem de ser mais seguro e 171
SAÚDE, revista, p. 47, julho de 2001.
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mais severo do que o convencimento destinado aos ouvidos e às consciências alheias. A auto-hipnose, pela sua própria natureza, vincula-se a propósitos específicos, como a superação de problemas pessoais, mas as pessoas deveriam capacitar-se ao seu uso, inicialmente, sem propósitos emergentes, isto é, primeiro deveriam aprender a se auto-hipnotizar, para depois aplicá-la na solução de seus problemas. Na prática isto quase não acontece e só se recorre a ela nos momentos críticos; neste caso contam contra alguns fatores como ansiedades, dúvidas e frustrações. Na hetero-hipnose não se obtém resultado com as pessoas junto às quais não se tem prestígio necessário. Também na auto-hipnose ocorre algo semelhante, o indivíduo tem de sentir-se credor de sua própria confiança e consideração. O êxito depende da confiança e do crédito moral que a pessoa tem que depositar em si mesma, de conquistar, antes de tudo, a auto-estima e a fé na possibilidade da auto-ajuda. Sem esses fatores, nem sempre estará a ajuda ao alcance de quem a almeja e, nestes casos, a melhor saída será, pelo menos inicialmente, a hetero-hipnose. Assim como na hetero, a auto-hipnose funciona à base de sugestão, exigindo nesta segunda hipótese uma atitude passiva do próprio indivíduo em face das palavras proferidas ou imaginadas por ele mesmo. Produz-se, assim, o estado de sugestibilidade aumentada ou generalizada, que é a condição para o transe hipnótico, citada teoria de Hull. 172 São vários os caminhos para se chegar à auto-hipnose; seguramente, o melhor deles é a pessoa antes ser hetero-hipnotizada e receber uma sugestão pós-hipnótica de que, a partir daí, será capaz de se auto-hipnotizar. Outra forma também rápida é com a utilização de gravação de músicas para ajudar na indução e o som de voz própria ou de outrem, com palavras que induza ao transe. Os mais suscetíveis conseguem induzir o estado auto-hipnótico sem ajuda alheia ou de qualquer recurso eletrônico, descobrem e se antecipam sem qualquer iniciação formal. Descobrem, por sua própria conta, como hipnotizar a si mesmos, articulando ou simplesmente pensando em fórmulas sugestivas, normalmente iniciadas por técnicas de relaxamento. Esta seria uma autohipnose no sentido mais justo da palavra. Neste sentido, Weissmann aponta os médiuns espíritas não só como pessoas altamente propensas a serem hipnotizadas, como também à autoindução. Ele assim se refere: Entre as pessoas particularmente propensas à auto-hipnose espontânea apontam-se, freqüentemente, os médiuns espíritas. É do conhecimento geral, que os espíritas são particularmente sensíveis à hipnose. Sabemos que a suscetibilidade hipnótica cresce em razão da fé, do exercício de 172
HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. In: Experimental approach, N. York, D. Aplleton Century, Century, 1933.
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Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. concentração e da propensão individual para as atitudes abstratas. Já não estranhamos as propaladas facilidades dos espíritas nesse domínio, muito embora, entre eles, a verdadeira natureza de semelhantes fenômenos anímicos costuma ser deliberadamente ignorada (WEISSMANN).
A técnica que mais se recomenda para o desenvolvimento da prática da auto-indução é, paradoxalmente, a auto-hetero-hipnose, ou seja, um misto de auto e hetero-hipnose. Isto é possível segundo Leslie M. LeCron e Jean Bordeaux 173 que apontam o recurso da hetero-hipnose como primeira condição para se chegar à auto-hipnose: Colocar o candidato em transe profundo, o mais profundo possível. Uma vez no transe necessário dizer o seguinte: De hoje em diante você poderá chegar sozinho a um transe igual a este e até mais profundo. Para tanto, bastará acomodar-se confortavelmente, assentado ou deitado e relaxando os músculos conforme lhe ensinei. Para facilitar o relaxamento muscular bastará respirar profundamente. Uma vez com os músculos relaxados, é só fechar os olhos e dizer-se a si mesmo: Agora entro em estado de hipnose. Esta frase você poderá proferir em voz alta ou apenas em pensamento. Em seguida comece a respirar lenta e profundamente. Não será preciso contar, pois ao chegar à décima respiração estará em transe profundo. Se encontrar dificuldade na concentração inicial, fixe os olhos em um ponto do teto, ou então, de olhos fechados, fite algum ponto imaginário. Pode também manter a vista fixa vagamente na área cinzenta imaginária da visão comum. Durante a hipnose você se manterá alerta, perfeitamente capaz de dar-se a si mesmo as sugestões que quiser. Você poderá assim induzir em você mesmo qualquer fenômeno hipnótico que desejar. Para acordar bastará dizer-se a si mesmo: Agora vou acordar. Contará até três e estará perfeitamente acordado. Se, porventura, tiver necessidade de acordar antes para atender ao telefone ou a uma situação de emergência, como no caso de um incêndio, por exemplo, você acordará instantânea e automaticamente. Nesse seu estado de autohipnose você poderá ainda ouvir a minha voz e seguir as minhas instruções como se eu estivesse presente (LeCRON e BORDEAUX).
A prática da auto-indução hipnótica ocorre quando se adquire a confiança necessária e a segurança de que precisa o indivíduo para desencadear o processo e, para isso, deve cuidadosamente observar algumas recomendações, como exemplo: a) Não ser excessivamente analítico; se começar a analisar todos os movimentos que fizer e duvidar da eficácia do que está fazendo, o transe será difícil de ser atingido. b) A atitude de tirar a prova impedirá a eficácia, por isso, em vez de examinar-se, apenas deve relaxar e deixar que as coisas sigam seu curso; os resultados virão. Quem se preocupa em saber se estão ou não sob hipnose, prejudica seus próprios esforços. E, se não passam no teste que impõem a si mesmas, sente-se como quem não estar fazendo progressos. 173
LeCRON, L. M., and BORDEAUX J. Hypnotism today, N. York, Grune and Stratton, 1947.
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Quando uma pessoa deseja ardentemente ser hipnotizada, a ponto de tornar-se ansiosa e tensa, a maior parte do tempo consiste no processo de acalmá-la e relaxá-la antes, para depois poder ser hipnotizada. A calma é o que trará resultados, o maior inimigo da hipnose é a tensão, por isso deve ser evitados a ansiedade com os resultados, espera-se que apenas aconteçam. Toda vez que se anseia muito por uma coisa, fica-se nervoso e tenso, assim não se consegue bons resultados. Isto acontece com um estudante tenso que se transforma em um mau estudante e aprende pouco. Assim também, nestas condições, será impossível reagir favoravelmente à hipnose. Quando se começar a aprender auto-hipnose, se dá tempo ao tempo. Começa-se como principiante e relaxa-se, deixa as coisas acontecerem em seu curso normal. Para obter melhores resultados, deve o exercício acontecer sempre na mesma hora e no mesmo lugar, todos os dias. Relaxamento Bastante confundido com a hipnose em si, o relaxamento é apenas um entre outros passos para o estado hipnótico e é o melhor caminho para o êxito da auto-hipnose. Relaxar é condição básica, através dessa prática elimina-se o estado de tensão que em nada contribui para a vida, mas é uma constante nos indivíduos que vivem em grandes cidades onde a rotina diária é estressante. Não só aplicado com propósitos exclusivamente hipnóticos, o relaxamento está presente em várias outras propostas como religiosas ou filosóficas, sempre com o objetivo de aliviar tensões físicas e emocionais. Em qualquer caso, quando é alcançado um bom nível de relaxamento, a mente consegue uma extraordinária habilidade para controlar procedimentos e objetivar soluções. Nessa fase, sem tensões ou sobrecargas, são encontradas saídas para alguns problemas que antes pareciam intransponíveis. O relaxamento inicia-se pelo físico (corpo) e completa-se pelo relaxamento da consciência (mente) permitindo, a partir daí, a instalação do estado hipnótico. Todo método de auto-hipnose inclui a fase de relaxamento, começando pelo nível físico, quando promove a liberação de tensões musculares e, no nível mental, acalmando excitações nervosas (ansiedades, preocupações, angústias, etc.), resultando, assim, em um estado de calma e tranqüilidade. É recomendado ser praticado pela manhã, após o despertar, e à noite, antes de dormir. Esses exercícios duram, inicialmente, em torno de quinze minutos até que se domine a técnica e sinta-se familiarizado com ela. Mais tarde, cada experiência não deverá durar mais do que um minuto e isso poderá se tornar parte de um ritual tranqüilizador que, independente da hipnose plena, trará grandes modificações na vida do praticante. O relaxamento facilita o sono e isso também representa solução para muitos problemas. A influência do sono sobre o nível de aprendizado é boa, também no humor e na capacidade de memória, quem dorme mal tem problemas para se lembrar de fatos recentes. Do sono pode resultar condições para o desempenho de diversas atividades de maneira altamente eficiente.
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Durante o sono, o relaxamento antecede e amplia a fase do sono REM (Rapid Eyes Movment) que se caracteriza pelo rápido movimento dos olhos de um lado para o outro. É nesta fase que se atinge o ápice do relaxamento e as funções do sono são potencializadas ao máximo. Algumas pessoas na prática do transe hipnótico apresentam sintomas como se estivessem na fase REM do sono. 174 O método de relaxamento é muito variado, porém segue uma linha básica que norteia sua aplicação. Para os iniciantes deve ser falado por outra pessoa ou gravado com a própria voz, com clareza, calma e serenidade, com a seqüência que determine as fases descritas: • Fase I. Fecho os olhos... Relaxo a testa... Relaxo os músculos da face e dos olhos... Relaxo o pescoço... Relaxo os braços, antebraços e mãos... Relaxo a musculatura do peito... Relaxo o abdome... Relaxo os músculos das coxas... Relaxo os pés... Procuro sentir todo corpo... Sinta que meu corpo está ficando cada vez mais pesado... Cada vez mais pesado... Mais pesado... Relaxo as pernas... Relaxo os músculos da cintura... Deixo o corpo pesar... Relaxo a nuca. • Fase II. A partir de agora aumenta o poder de concentração em tudo que penso... Procuro visualizar tudo de maneira mais agradável... Visualizo um gramado... Um bosque de verde intenso... Estou neste bosque... O gramado é macio, gostoso... Olho para cima e vejo imensas copas das árvores... Raios de luz que passam por entre as folhas... A temperatura é agradável, muito agradável... Nem calor, nem frio... Respiro fundo, Uma... Duas... Três... Quatro... Cinco vezes... Estou relaxado profundamente. • Fase III. Lentamente, com os olhos da mente, vejo à frente uma escada... Conto e vejo que tem dez degraus... Essa escada é bonita e a sombra das folhas se projeta em seus degraus... Sinto uma vontade enorme de subir esses degraus e, aos poucos, vou subir... À medida que subo... Ganho confiança e fico mais leve... UM... Começo a subir... DOIS... TRÊS... QUATRO... Estou mais confiante e mais leve... Libertando as preocupações... CINCO... Já foi a metade da escada e, a mente fica vazia... Sem preocupações... Essa subida dá prazer... Muito prazer... SEIS... SETE... OITO... Estou muito leve... Seguro... NOVE... DEZ... Chegou o topo da escada... Vejo uma enorme porta que se abre permitindo que eu entre numa sala ampla... Tudo em volta tem cores suaves... • Fase IV. Respiro fundo... Absorvendo tranqüilidade, calma... Na proporção que respiro, esqueço... Esqueço o corpo... Imagino meu corpo... É difícil saber qual posição estão os braços... Em qual posição estão os pés ou pernas... O pensamento começa, também, a desaparecer... Apenas percebo um círculo luminoso à altura da testa... 174
MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998.
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Apenas percebo... O círculo é cada vez mais forte... O relaxamento mental é pleno... Isso vai durar algum tempo... A mente vazia sem pensamentos... Relaxo plenamente, física e mentalmente... Isso vai durar alguns minutos... A partir de agora entro em completo relaxamento. • Fase V. (Após, pelo menos três minutos de silêncio). Começo a visualizar uma floresta e, nela, avisto um lago... Um imenso lago de água tranqüila... O lago espelha em sua superfície muita calma... Respiro fundo e absorvo essa tranqüilidade... Essa tranqüilidade transmite segurança... À medida que respiro fica mais seguro, seguro das coisas que quero... Observo a natureza, tudo é constante, tudo é determinado... Absorvo essa constância e essa determinação... A partir de agora vejo que tudo vai melhorar em minha vida... Sinto que tudo vai melhorar... Percebo uma ponte... Olho os detalhes dessa ponte, sobre uma parte estreita do lago... Vou atravessar a ponte... Atravesso, sem olhar para trás... Vou chegar ao outro lado... É um lugar macio, este lugar é maravilhoso... Esse lugar representa uma nova vida... É um lugar melhor que o anterior... A ponte era uma etapa que foi vencida... Neste gramado imenso, corro, brinco, e experimento tudo que mais gosto de fazer... Respiro toda a energia desse lugar... A partir de agora estarei sempre bem disposto... Este lugar é maravilhoso... Respiro fundo e absorvo a grandeza deste lugar... De hoje em diante, estarei revigorado pela energia da natureza. Na fase VI, se a pessoa estiver deitada e podendo continuar assim, apenas adormece, e acordará quando for necessário, revigorado e bem disposto. Caso necessite de sair do relaxamento, procedera como a seguir indicado. • Fase V. Respiro profundamente e ao expirar preparo minha mente para sair do relaxamento... Vou contar até cinco e retornarei ao nível de consciência normal... De hoje em diante, terei a mente trabalhando em meu benefício... Cada vez mais, saberei superar problemas e vencer adversidades... Vou começar a contagem e retornar feliz e bem disposto... UM... DOIS... TRÊS... Estou retornando... QUATRO... Retornando... CINCO... Abro os olhos... Movimento todos os músculos... Retorno plenamente. Algumas pessoas preferem um método mais direto, menos metafórico, se identificam com a linguagem clara e precisa; nestes casos o relaxamento pode ser atingido com as proposições construídas a seguir: • Faço uma respiração profunda e relaxo ao expirar... Relaxo profundamente e deixo a mente serena... Relaxo o corpo todo como se estivesse derretendo e, sentindo mais a força de atração da terra puxando meu corpo para baixo... Agora relaxo o corpo todo... Tornando a respiração mais suave... Irradiando descontração pela coluna vertebral e desta para o corpo todo... Faço outra respiração profunda e relaxo ao expirar... Relaxando e descontraindo a pele, músculos e nervos...
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Relaxando e descontraindo até a medula... Soltando... Abandonando... Desconcentrando... Relaxando os pés... Tornozelos... Pernas... Joelhos... Coxas... Agora, também relaxando e descontraindo os órgãos do abdome... Órgãos do tórax... Relaxando os ombros... Braços... Mãos... Dedos... Agora, relaxo e descontraio o pescoço... A cabeça... Soltando e descontraindo os maxilares... Face... Lábios... Nariz... Olhos... Sobrancelhas... A testa e o couro cabeludo... Relaxo por inteiro... Vou contar de dez a um e, a cada número regressivo, estarei aprofundando mais ainda, neste estado agradável de relaxamento... Descontraio... 10... 9... 8... 7... 6... 5... 4... 3... 2... 1... Agora um estágio mais profundo, mais receptivo a boas sugestões e mais saudável... Sinto-me invadido por um bem-estar indescritível... De muita leveza... Saúde e felicidade... Sinto uma transbordante disposição para viver... Trabalhar e Sorrir... Quando começar a abrir os olhos, sentirei tudo isso de maneira mais forte... Estarei cheio de energia... Respiro profundamente e, ao expirar, preparo a saída do relaxamento... Vou contar até cinco e retornar ao nível de consciência normal... De hoje em diante, terei a mente trabalhando em meu benefício... Cada vez mais saberei superar problemas e vencer adversidades... Agora, conto até cinco e estarei completamente despertado... UM... Estou despertando... DOIS... Todas as sensações da hipnose deixam o meu corpo... TRÊS... Estou ficando cada vez mais desperto e maravilhosamente bem... QUATRO... Os olhos se abrem... CINCO... Respiro profundamente e estou completamente alerta... Feliz e bem disposto. Testes e Métodos para auto-hipnose 98% dos indivíduos são hipnotizáveis, o segredo está em descobrir de que modo se é mais sugestionável. Conhecer os testes de auto-sugestão e praticar um teste diferente por dia, pelo menos uma vez por dia durante duas semanas, é a forma mais rápida de criar os elementos básicos que permitirão o emprego da auto-hipnose. Depois de praticar todos os testes, deve ser escolhido aquele em que se aprofundou mais e, continuar a praticá-lo até o fim da segunda semana para adquirir proficiência prática. • Teste I - Junte as pontas do polegar e do dedo indicador e aperte. Ao mesmo tempo, contemple-os mentalmente e imagine que estão grudados com cola. Imagine ainda que ao redor das unhas haja fortes cintas de esparadrapo, unindo-as mais fortemente. À medida que for exercendo maior pressão, diga a você mesmo que as pontas dos dedos estão ficando cada vez mais presas entre si. Quando você contar até três, o dedo indicador e o polegar não se separam até que você diga JÁ. Quanto mais você tentar separá-los, mais grudados eles ficarão. Se você reagir de maneira satisfatória a esse teste, não terá dificuldades em aprender a hipnotizar-se. Se sua reação não for tão favorável, não se aborreça, porque eventualmente você encontrará sua área de sugestibilidade.
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• Teste II - Junte bem as mãos e estenda os braços a sua frente. Feche os olhos e imagine que as mãos estão sendo fundidas. Imagine-as como um sólido bloco de madeira. À medida que você for imaginando, vá apertando as mãos gradativamente. Diga a você mesmo: Minha mão está sendo colada completamente, uma na outra... Quando eu contar até três, serei incapaz de separá-las até que diga JÁ. A maioria das pessoas reagirá favoravelmente a este teste, desde que dêem tempo ao tempo e façam bom uso da imaginação. Os que reagem bem a este teste deverão ter imaginação forte. Quando você testar-se desta forma, não se preocupe com o tempo e vá tentando, tanto quando lhe seja possível ver suas mãos como um sólido bloco. • Teste III - Sente-se confortavelmente numa cadeira reta, deixe que as mãos fiquem caídas, sem esforço, ao longo de cada um de seus lados. Feche os olhos e relaxe, imagine que suas mãos são dois pesos de chumbo. Diga a você mesmo o seguinte: Minhas mãos estão ficando cada vez mais pesadas... Sinto que são muito grandes e pesa como nunca... Minhas mãos sentem-se preguiçosas e cansadas... Neste momento, para mim, a coisa mais difícil é levantá-las, porque estão cansadas e preguiçosas... Quando eu contar até três, será impossível levantá-las, até que eu diga JÁ. • Teste IV - Uma vez mais se sente confortavelmente numa cadeira reta. Coloque as plantas dos pés contra o chão. Deixe uma das mãos descansar relaxadamente sobre a coxa, logo acima do joelho. Deixe que o corpo relaxe e olhe mentalmente para a mão. Pense o seguinte: Minha mão está ficando muito leve... Dentro em pouco ficará mais leve que o ar... Começará a flutuar... Minha mão está ficando cada vez mais leve... Tão leve como uma pluma... Sinto a mão como uma pluma soprada pelo vento... Quando a mão começar a erguer-se, diga a você mesmo: Minha mão continuará a ficar mais leve, e continuará a subir até que eu diga JÁ. Esse teste consome mais tempo do que os outros, porém, se os resultados forem satisfatórios, é sinal de que o praticante vai indo muito bem. Os próximos testes dependem inteiramente da imaginação. Os primeiros quatro usaram a imaginação, mas houve também fatores físicos fortemente envolvidos. A ênfase agora recai sobre a imaginação e a aptidão para criar imagens mentais. • Teste V - Deite-se de costas para fazer este exercício mental. Feche os olhos, após o relaxamento comece a pensar num momento que lhe foi agradável e em que experimentou uma forte emoção. Vá devagar; deixe a mente derivar lentamente para a ocasião. Veja-se naquele ambiente, veja a cor das paredes, móveis, detalhes. Veja as outras (se houver) pessoas presentes. Agora, comece a sentir-se no lugar, relembre detalhadamente o que conversou, comece a ouvir e a dizer mentalmente tudo que você
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falou, na mesma ordem cronológica. Vá devagar e reviva integralmente, reviva o detalhe que lhe deu mais prazer, sinta emoções, reviva tudo que lhe deu prazer. Os que reagem bem a esse teste são capazes de conseguir muito êxito com auto-hipnose dentro de bem pouco tempo. • Teste VI - Feche os olhos e, após o relaxamento, visualize um ponto preto no meio de sua testa. Dê tempo ao tempo e permita que o ponto se materialize. Quando o ponto aparecer, sem pressa, veja formar-se um círculo vermelho ao seu redor, depois um círculo azulado, até que outras cores se formem sem que você as determine, poderá aparecer a cor branca, amarelada ou rosa. Finalmente, você verá o ponto se transformar em uma luz. Veja a luz no meio de sua testa. Só a luz, não pense mais em nada. Esse teste geralmente surpreende aos que por eles passam, porque sentem uma calma e um relaxamento profundo logo depois. • Teste VII - Deite-se de costas numa superfície plana, como um tapete no chão. Fique deitado com os braços estendidos ao longo do corpo, deixe o corpo completamente solto. Relaxe. Relaxe mais ainda. Com os olhos fechados, lentamente expire, depois inspire; retenha a respiração por dois segundos, então expire lentamente outra vez. Repita várias vezes esse procedimento. Imagine seus pés, depois não os sinta mais, como se não existissem. Pense em suas pernas até não senti-las, o tórax, o abdômen, esqueça-os. Você não mais os sente. Sinta os braços e esqueça-os. Você agora só sente sua cabeça, esqueça a boca. Agora você só vê um círculo em torno de seus olhos. O círculo começa a brilhar. Cada vez mais. Agora você vê apenas uma luz. Nada o incomoda. Sente uma sensação de estar flutuando. Vê apenas uma luz. Relaxe. Conte até cinco e acorde. Ao acordar experimentará uma paz como nunca sentiu antes. É esse, entre todos os testes, o mais gratificante e só depois dele deverá praticar o próximo. • Teste VIII - Deite-se como no teste anterior. Deixe o corpo completamente solto. Relaxe. Lentamente expire, depois inspire. Retenha a respiração por dois segundos, então expire lentamente outra vez. Repita esse procedimento por dez vezes, continue a fazer até não perceber como está fazendo. Faça isso durante cinco minutos. Inicie o processo, aprofundando o relaxamento do corpo, até o relaxamento completo. Comece a sentir-se como se fosse uma bola cheia de ar lentamente esvaziando, pense que você está se desligando do seu próprio corpo, pense que sua mente está sendo separada de seu corpo. Está se separando de você mesmo. Comece a ver à sua volta, os móveis, veja bem, com detalhes. Sinta-se como se estivesse andando. Vá andando até a porta. Olhe devagar para trás. Agora você se verá deitado. Não se
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assuste. Veja-se bem, como se você fosse outra pessoa. Relaxe, não pense em mais nada agora. Acorde devagar. Só abra os olhos após contar até cinco e quando você disser JÁ. Nesta experiência, as pessoas retornam com uma sensação de leveza indescritível. Os métodos são fórmulas mais eficientes que conduzem ao estado hipnótico, tanto hetero-hipnose como auto-hipnose. Antes de se adotar um método, deve-se escolher um dos testes apresentados, aquele em que se foi mais bem sucedido, que será escolhido como preâmbulo para aplicação do método que levará ao transe. Feito o teste, antes de finalizá-lo a pessoa deverá dizer a si mesmo que, a partir desse momento, terá início à indução hipnótica. Se reagir bem ao teste sete ou oito, é sinal que já está muito próximo ao transe hipnótico. As fórmulas são divididas em quatro momentos. A primeira contém o relaxamento progressivo, a segunda é a indução, a terceira é a sugestão real (matriz) dada para a reação pós-hipnótica e a quarta parte é o chamado processo de despertar. O método auto-hipnótico apresentado deve ser aplicado após a pessoa escolher numa posição na qual se sinta mais confortável possível. Dizendo a si mesmo: • 1º Passo - À medida que fecho os olhos, entro em completo estado de relaxamento... Presto atenção apenas aos pensamentos voltados para mim mesmo... Agora me sinto completamente confortável e à vontade... Minha respiração é fácil, normal e suave... Cada vez que respiro aprofunda o relaxamento... Sinto o fluxo do ar entrando nos meus pulmões e isso me faz relaxar mais profundamente ainda... Agora, centralizo a atenção nos meus pés... Começando a relaxar pelos dedos dos pés... Sinto essa sensação de relaxamento deslocar-se pelo pé até o calcanhar... Os pés estão frouxos, sem força; completamente relaxados... Esta sensação de relaxamento sobe aos tornozelos, que estão ficando frouxos e sem movimento... Esta sensação sobe pelas pernas, que se tornam frouxas e relaxadas... Estão relaxadas. A sensação sobe para os joelhos, que ficam completamente frouxos... Toda contração muscular desapareceu... A sensação sobe mais, dos joelhos para as pernas inteiras... As pernas estão totalmente relaxadas frouxas... Aprofundo-me mais e mais a cada vez que respiro... A sensação de relaxamento chega ao abdômen... O relaxamento começa a chegar às costas... Cada vez que respiro, isto me faz relaxar mais e mais... Meus ombros estão relaxando... Os músculos das costas estão se afrouxando... Relaxando as costas e os ombros... O peito está relaxando, mais e mais... Começo a relaxar os dedos das mãos... Os dedos estão se afrouxando... Isto sobe para as mãos... Vagarosamente sobe para os braços. Perfeitamente relaxado... Estou cada vez mais relaxado... Meu pescoço está relaxando... Sinto minha garganta descontraída e relaxando, relaxando... Esta maravilhosa
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sensação calmante agora sobe da nuca até o alto da minha cabeça... O alto da minha cabeça está tão relaxado, que o meu cabelo se afrouxa... Todos os fios estão frouxos... Estou entrando em hipnose... Cada vez mais profunda... Nada será capaz de me perturbar agora, sinto-me maravilhosamente leve... Uma sensação extremamente agradável toma conta de mim... Agora, meu corpo todo está no mais completo relaxamento... Não sinto nada... Todo o corpo está afrouxado... Eu sou apenas uma sombra... Uma sombra... Uma sombra... Uma paz... Uma paz toma conta de minha mente... Minha mente está relaxando como meu corpo... Minha mente está relaxando e experimentando esta maravilhosa sensação de paz e tranqüilidade... Toda tensão, preocupação e dúvida desapareceram... Meu inconsciente está ficando receptivo aos bons pensamentos e idéias que logo darei a mim mesmo. Nesta fase estará completado o relaxamento, que é o primeiro estágio da auto-hipnose e, fica mais próximo ir ao encontro do “Eu Interior”. Quando encontrá-lo, podem-se colocar as matrizes que quiser, serão essas que orientarão a vida daqui para frente. Poderão ser superados problemas, estabelecer metas e atingir os objetivos de vida desejados. A partir daqui, se for necessário, poderá ser usado um meio eletrônico para reproduzir o áudio que deseja-se ouvir. Será a última etapa da fase anterior. O som deverá ser ligado sem muito esforço físico, aconselha-se o uso de controle remoto. Além da voz poderá também ser gravado um fundo musical suave, normalmente utilizando-se de músicas clássicas ou específicas para esse fim. • 2º. Passo - Agora estou sentindo uma sensação de profunda leveza... Cada vez maior... Cada vez mais profunda... Vou começar a contar de 10 a 0, aprofundando-me neste estado até entrar em contato com meu inconsciente... DEZ... Estou começando a descer a escada que me levará ao meu inconsciente... NOVE... Muito relaxado, aprofundando-me cada vez mais, no mais absoluto relaxamento... OITO... Para baixo, para baixo, para baixo... SETE... Mais profundo ainda, descendo cada vez mais... SEIS... Profundo, mais profundo, mais profundo... CINCO... Sinto o mais absoluto silêncio, uma paz profunda... QUATRO... Apenas vejo uma luz... TRÊS... A luz do meu inconsciente, DOIS... Um estado de relaxamento profundo, pleno, absoluto... UM... Vejo a luz... Só a luz, mais nada... Encontrei o meu Eu... ZERO... Agora estou em contato direto com meu inconsciente... Estou pronto para receber boas sugestões. Nesta fase, tudo que for informado ao inconsciente será obedecido, não só poderá estabelecer novas metas, como também poderá suprimir matrizes antigas que estão dificultando a vida. Podem ser reprogramados, em parte ou no todo, os pensamentos que representam expectativas de vida e possibilidades de melhoria em todos os sentidos. Pode acrescentar qualquer sugestão desejada e formar novas matrizes no inconsciente. Neste terceiro
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passo, se não houver uma matriz prioritária, é aconselhado seguir algumas sugestões preliminares como, por exemplo: • 3º. Passo - No futuro, quando eu quiser chegar a este estágio da hipnose, tudo o que terei a fazer é instalar-me confortavelmente e dizer a mim mesmo... Vamos, relaxe agora, relaxe, relaxe, profundo... Quando eu disser essas palavras a mim mesmo, imediatamente entrarei em hipnose... Cada vez que me hipnotizar, conseguirei fazê-lo melhor... Cada vez será mais rápida e mais profundamente do que a anterior... Cada vez que me hipnotizar, automaticamente conseguirei melhor equilíbrio entre a minha mente consciente e a minha mente inconsciente... Estas sugestões estão agora penetrando em meu inconsciente... Meu inconsciente automaticamente realimentará estes pensamentos em minha vida consciente... A partir de agora, desenvolvo a faculdade de controlar minha própria vida e felicidade e, a cada dia, estarei aperfeiçoando isso... Ponho em uso a minha mente e desenvolvo novas potencialidades em todos os instantes do dia... Tudo que eu imaginar de bom realizar-se-á em curto prazo e com exatidão... Estou no caminho certo para adquirir tudo de positivo para o meu corpo e minha mente... Jamais me aborreço... Boas soluções sempre vão surgir em minha vida... Estou agindo, no momento mais adequado, com determinação para merecer sempre a vitória... Hoje serei melhor do que ontem... Amanhã serei melhor do que hoje e, assim, continuarei melhorando constantemente. • 4º. Passo - Agora voltarei ao meu estado normal de consciência... Quando despertar, minha mente estará alerta e o meu corpo perfeitamente coordenado... Estarei cheio de energia, vigor e vitalidade... Descansado e rejuvenescido... Estarei, de todas as maneiras possíveis, em estado normal... Conto até cinco e estarei completamente despertado... UM... Estou despertando... DOIS... Todas as sensações da hipnose deixam o meu corpo... TRÊS... Estou ficando cada vez mais desperto e sinto-me maravilhosamente bem... QUATRO... Meus olhos se abrem... CINCO... Respiro profundamente e estou completamente alerta, feliz e bem disposto. Tipos de matrizes Matriz é a sugestão elaborada para convencer o inconsciente e fazer com que aconteçam ações compulsivas, geradoras de mudanças na vida das pessoas através da conquista de novas metas. Para formular uma matriz é preciso saber como pode ser direcionado o processo de elaboração dos pensamentos e como os sentimentos e estados emocionais influenciam neste resultado. É preciso saber também usar os sentidos internamente, vendo imagens mentais, falando a si próprio, ouvir sons e ter sensações. Assim é possível programar uma linguagem que seja eficaz para convencer o inconsciente. Quando Émile Coué explica a lei do efeito contrário, diz que existem duas maneiras como a sugestão é processada; uma é a sugestão guiada pelas pala-
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vras, a outra é guiada pelas imagens visuais que as palavras geram na mente. Quando uma pessoa ouve ou pensa palavras, o cérebro imediatamente processa como imagens e, freqüentemente, a imagem criada no cérebro é contrária à idéia que as pessoas estão tentando comunicar com palavras. Algumas palavras como não, não posso, não devo, devem ser suprimidas quando se formula uma Matriz, para se evitar a formação de imagens que favoreçam o efeito contrário do que representam as palavras. A imagem visual não processa imagem negativa expressa pela palavra não, pelo contrário, projeta a imagem positiva do fato negado, justamente a que "não" era para ser projetada. Quando alguém tenta "não" imaginar um gorila rosa, primeiro imagina o gorila para depois tentar esquecer em vão. Outro exemplo é quando a mãe dirigindo-se ao filho e diz "Agora, querido, não derrame seu leite", a imagem visual criada imediatamente na mente da criança é o leite derramando e, inconscientemente, fará isso acontecer. Uma vez que a imagem visual é criada, o inconsciente procura transformar aquela visão em realidade. A criança estava "imaginando" o leite derramado pela mesa e, logo em seguida, o braço bate "acidentalmente" no copo, porque inconscientemente está procurando trazer para a realidade a imagem visual que está vendo. Embora a mãe a repreenda por "não prestar atenção", a criança, verdadeiramente, estava atenta ao que a mãe disse, mas, agiu em sentido contrário. Para Roger 175 as pessoas são aquilo que pensam, imaginam e percebem. Se os pensamentos, imagens e percepções são destrutivos, pode evitar seus efeitos distraindo a atenção do aspecto negativo e concentrando no positivo e, isto significa ignorar o negativo. Quanto à palavra “não” Roger aconselha que deva ser evitada, porque ela fatalmente reforçará a lembrança do que não se quer lembrar. Se alguém disser, “não sentirei dor”, lembra da dor e a reforçará; se disser, “não soluçarei mais” reforçara o soluço; “não permanecerei acordado a noite inteira”, reforçara a insônia. Para obter êxito, o problema tem que ser esquecido por inteiro; a mente deve ser ocupada com outro fato diferente que fará esquecer o anterior. A técnica da distração não visa apenas substituir o pensamento negativo pelo positivo, mas na verdade, pretende enfatizar o positivo. Esse esquecimento do problema pode ser iniciado conscientemente e, após o relaxamento, poderá ser instalado como matriz. Antes do processo de relaxamento é preciso especificar exatamente o que se quer, em uma linguagem programada com o uso de imagens, sons e sensações. A meta precisa ser estabelecida antes do processo hipnótico, como uma pré-sugestão. É preciso deixar claro previamente ao processo da autohipnose, o que especificamente vai ver, sentir, ouvir e estar fazendo durante o transe. A meta precisa ser elaborada em termos positivos, uma meta negativa do tipo eu não quero, cria o efeito contrário, mas não posso. Também devem ser substituídas palavras do tipo quero, tentarei, talvez, etc. Exemplo: eu quero parar de... Eu quero viver sem... 175
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
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Frases devem ser conscientemente escolhidas para formular a imagens mentais positivas, escolhendo as palavras para comunicar a idéia de maneira correta. Em vez de, não cometerei muitos erros ou não passarei no teste, deve ser, acertarei o máximo e a nota no teste será excelente. Neste sentido, como forma de evitar o uso de frases mal formuladas, podem ser usadas metáforas (técnica de Milton Erickson) que, embora perca a especificidade, ganham por favorecer a construção de imagens mentais de metas positivas. As sugestões instaladas no inconsciente são chamadas de matrizes e vão realimentar o consciente fazendo com que a pessoa execute atos compulsivos até atingir sua meta. Usada eficazmente, a auto-hipnose pode ser uma ferramenta poderosa para efetuar as modificações que sejam necessárias para reeducar a mente. Instalando novas matrizes, a pessoa passará a pensar de uma maneira nova e saudável. Se uma pessoa não é feliz, é imperativo que reeduque o seu inconsciente, só assim, acreditará e será feliz em todas e quaisquer circunstâncias. A pessoa é aquilo que seu inconsciente acredita e, o que este acredita é enviado de volta à sua vida consciente, determinando sua maneira de agir. Quando o inconsciente se convence de um fato verdadeiro ou falso, passa a ser verdadeiro na vida de uma pessoa e é capaz de afetá-la física e emocionalmente para gerar transformações. Em parte, é através desse fenômeno que pode ser explicada as curas religiosas, para as quais são difíceis as explicações. O ser humano tem em seu interior todos os recursos necessários para obter (ou não obter) o sucesso. E, isso só depende de cada um. A concretização de objetivos de felicidade e qualquer outra coisa necessária para desfrutar uma vida completa dependem exclusivamente da programação estabelecida no seu inconsciente, que realimentará as idéias programadas ou permitir que sejam programadas. Ao estabelecer novas matrizes, a pessoa deverá definir bem as metas para sua própria vida. Inicialmente, deve remover as matrizes velhas que não sejam boas, eliminar o pessimismo, a falta de confiança; eliminar, principalmente, idéias de autopunição que são terríveis por serem autodestruidoras. Depois deve implantar a confiança, a auto-estima e idéias de auto-realização. Concluída essa etapa, programa o inconsciente implantando as metas que pretende atingir. Deve ser realista e, ao mesmo tempo, otimista na programação. Também específico e determinando exatamente o que quer, visualizando mentalmente, isto é, “vendo” o quadro com imagens e “vivenciando” a situação desejada. Determinando a meta um pouco mais alta do que é capaz de realizar no momento. Quando verdadeiramente atingir a nova condição, avança na meta para outro patamar acima do conquistado, e assim sucessivamente. Fazendo isso, qualquer pessoa poderá surpreender-se em curto prazo. O poder de visualização mental é chamado de mentalização ou imaginação, consiste na capacidade que têm as pessoas de pensar em algo e
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imaginá-lo nas formas e cores que quiser. Mentalizar ou imaginar é formar uma imagem mental, é se ver na cena imaginada como se estivesse acontecendo, é operar mentalmente, figurando ou concebendo fantasias e imagens como se fossem verdadeiras. As pessoas podem desenvolver e aperfeiçoar essa técnica de imaginar coisas ou situações felizes, e, assim, estarão contribuindo para que de fato aconteçam. Mesmo que os fatos mentalizados ainda não estejam manifestados, deve-se acreditar que eles já existem e entrar no clima de agradecimento pela conquista. É importante mentalizar intensamente aquilo que se quer e, acreditando que já foi atendido, agradecer o resultado. Se alguém estiver confuso na maneira de conduzir a reprogramação do seu inconsciente, não deve se preocupar, a teoria mais recente sobre o assunto diz que existe outro caminho, é como se fosse uma auto-reprogramação. Para isso, conscientemente deve-se pensar nas mudanças, imaginar-se e “ver-se” conquistando novas metas, depois apenas relaxa-se e deixa o inconsciente trabalhar, ele executará a autoprogramação. Nesta hipótese entra-se em transe hipnótico e permite que, automaticamente ocorram mudanças curativas na mente e no corpo. As possibilidades de curas ou de sucesso são plausíveis, considerando que nesta situação o potencial do inconsciente pode ser revelado, e o poder de cura desenvolvido. Como bem ensinou o Marquês de Puységur, através da hipnose todo o conhecimento de vida interior está disponível para qualquer pessoa. O inconsciente sabe como resolver o problema de cada um e, sabe muito bem o que é melhor para cada caso, porque sabe a resposta certa. Poderá ser usada auto-hipnose para atingir a informação e a solução que se precisar e, para isso, não é necessário conhecer exatamente os mecanismos pelos quais funciona a mente. À medida que a mente se torna mais leve através do relaxamento, tornam-se mais claros os conhecimentos, e a hipnose, pela própria experiência, torna-se mais eficaz porque a pessoa aprende a viver em harmonia com o seu Eu interior, com o seu Eu inconsciente; a intuição natural desvendará os mistérios, a aprendizagem ocorrerá sem necessidade de submeter-se a um elaborado sistema de autodisciplina. Ocorrerá naturalmente melhoria no seu modo de vida, de seus hábitos, de sua forma de ver o mundo e nele melhor viver. São infinitas as possibilidades de geração de matrizes que devem ser construídas de acordo com as necessidades do hipnotizado, mas deve ser aplicada uma de cada vez, por prioridades entre todos os anseios. Não se deve instalar mais de uma matriz numa mesma sessão e, só após a conquista de uma meta, outra deve ser proposta, e assim sucessivamente. As criações de novos modelos podem ser desenvolvidas para melhorar a aprendizagem, a saúde, a criatividade, a liderança e a comunicação entre pessoas. Depois de elaboradas, as Matrizes devem ser repetidas até que o inconsciente aceite e ponha em prática.
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Entre muitas outras matrizes que podem ser criadas pelo próprio interessado e especificamente para sua necessidade, quatro são clássicas, como: 1) Tratamento de saúde e estética do corpo, 2) Ativadora de maior memória e facilidades para a aprendizagem, 3) Solução de gagueira, 4) Tratamento da dor. Saúde e estética do corpo A matriz sugerida a seguir é para tratamento de saúde e estética do corpo, e dentro dessa concepção poderão ser feitas adequações específicas para o hipnotizado, retirando ou acrescentando sugestões: • Ao ingerir qualquer alimento, imagino automaticamente que o alimento sólido ou líquido será muito bem digerido e assimilado... Funcionará como um remédio natural para garantir a saúde perfeita do corpo e da minha mente... Curando qualquer coisa que seja necessário curar... Imagino meu corpo para que permaneça sempre saudável e perfeito... Projeto atenção sobre meu corpo, parte a parte, beneficiando com esta prática o seu funcionamento perfeito... Projeto atenção sobre meu sistema nervoso, ordenando saúde, reflexos rápidos, mas sob controle, tranqüilidade, mas com dinamismo... Projeto atenção sobre meu cérebro, ordenando saúde e que aumente sua potência, assimilando todo o oxigênio que precisar para a utilização 100% da sua capacidade... Projeto beleza física ao meu aspecto exterior... É importante que meu corpo seja perfeito interna e externamente... Imagino minha cintura, mantendo-a com musculatura firme, proporcional e elegante... Imagino minha pele, para que se torne cada vez mais bonita e saudável... Imagino meu cabelo, para que permaneça jovem e bonito... Imagino meu corpo todo com aspecto perfeito e agradável... Ele transforma-se para atingir a forma que desejo. Meu cérebro esta ativando, na sua melhor forma, para proporcionar a cura de meu corpo. A partir de agora minha mente controla meu corpo... Estarei sempre melhor, cada vez mais saudável... Cada vez melhor... Ativadora da memória Outra matriz freqüentemente utilizada por alunos de qualquer grau de estudo é a ativadora de maior memória e, por conseqüência, melhores facilidades para a aprendizagem. Dentro dessa concepção, poderão ser feitas as adequações que identificam as necessidades do hipnotizado. O método de auto-indução começa por um processo de relaxamento convencional e para o aprofundamento passa pela autocontagem de 1 a 10, nesta fase lhe é introspectado no inconsciente uma auto-sugestão que pode ser elaborada nos seguintes termos: • Dia a dia minha memória melhora. Aprenderei com facilidade e lembrarei de tudo que estudar. De agora em diante, minha memória será fiel. Minha capacidade de concentração melhora consideravelmente. Serei capaz de concentrar minha atenção no que for útil ou necessário para ser ótimo
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aluno, em todas as disciplinas, sem exceção. Minha atenção e memória dia a dia ficam mais eficientes. Terei prazer em aprender e facilidade para estudar qualquer disciplina. O ambiente da minha escola será sempre bom, porque bons são meus colegas e meus professores. Para o bom resultado é aconselhado visualizar a sala de aula, os colegas e professores, imaginando a situação desejada. A visualização pode ser complementada com o pensamento a seguir: • A partir de agora minha memória torna-se infalível e poderei recordar de todos os fatos, datas e números que eu tenha visto, ouvido ou lido uma única vez... Serei capaz de reproduzir com exatidão a qualquer momento que desejar... Meu poder de concentração se amplia e se desenvolve aceleradamente... Cada vez mais serei capaz de concentrar, imediatamente, meu pensamento com perfeição naquilo em que quiser... Quando estiver estudando, ruídos e outros estímulos, se ocorrer, ajudarão a aprofundar mais a concentração... Por conseqüência da minha memória clara e rápida, da minha concentração imediata e profunda, minha inteligência aumenta cada dia mais... A capacidade de ler, acumular, processar e comunicar qualquer tipo de informação irá melhorar muito. Conseguirei lembrar de uma grande quantidade de conhecimentos, aperfeiçoando radicalmente a habilidade de concentração e percepção. Saberei usar com equilíbrio e harmonia os conhecimentos que acumulo em minha memória. Nas primeiras sessões as sugestões para facilitar o aprendizado devem ser específicas quanto ao objetivo desejado e o tempo para o aluno efetivar seus efeitos. Exemplo: • Meus olhos e centros visuais do meu cérebro desenvolvem a propriedade da leitura rápida com assimilação integral... A cada dia que passa, aumenta a quantidade de palavras assimiladas por minuto de leitura, a ponto de simplesmente folhear um livro e absorvê-lo por inteiro. Posso fazer citações do texto dizendo o número da página em que se encontra impresso... Posso aprender sem nenhuma dificuldade... Logo, bastará eu pensar no título de um livro ou então no nome do autor e recordarei bem do seu conteúdo... Tudo que eu me propuser a aprender, aprenderei rapidamente para nunca mais esquecer... Quando acordar amanhã, sentirei uma vontade irresistível de estudar... Sempre que for possível estudarei com prazer e com aproveitamento... Enquanto estiver estudando, sentirei uma sensação de alegria intensa, uma impressão agradável de quem está progredindo, de quem está vencendo na vida... (repetir). Estas sugestões devem ser claramente expressas e repetidas, pelo menos, duas vezes, em até cinco ou seis sessões; a partir daí, as sugestões podem ganhar o conteúdo mais geral, por exemplo: “a partir de hoje gostarei sempre de estudar e farei isso sempre que for possível, obterei excelentes resultados nas verificações escolares”.
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O estudante sentirá com intensidade as emoções sugeridas e estudará com entusiasmo. Porém, como a sugestão nas primeiras vezes foi limitada no tempo “amanhã, durante duas horas, você estudará...”, deverá nas sessões posteriores se ampliar. Exemplo: • Quando eu for estudar as lições, sentirei um prazer extraordinário e o farei com grande aproveitamento e atenção. Minha memória estará clara e eficiente, eu sentirei muita disposição para estudar... E tudo se repetirá, cada vez que for a hora do estudo... Cada dia que passe, meu interesse será maior... (repetir). Solução de gagueira É freqüente a aplicação da auto-hipnose na solução de alguns tipos de gagueira. Segundo Weissmann: 176 A gagueira, via de regra, é a expressão neurótica de um traumatismo emocional da infância. O ato de falar produz no gago (e não apenas no gago, senão freqüentemente também nos que ouvem), estados nervosos de angústia e inibições fóbicas... O gago, intimidado, ainda que inconscientemente diante de um possível castigo, pede, por assim dizer, desculpas por estar dizendo o que não devia dizer. A gagueira corresponde a uma fobia oral. A causa dessa fobia (ou dificuldade) reside invariavelmente em alguma experiência traumática do passado infantil. Um trauma psíquico equivale a uma impressão. Por sua vez, uma impressão deriva de uma sugestão original que continua efetiva no inconsciente (WEISSMANN).
Considera Weissmann que uma sugestão só se neutraliza com outra sugestão mais efetiva, ou então por uma análise elucidativa (o que pode ocorrer com o auxilio da hipno-análise). Isso equivale a dizer que só uma sugestão hipnótica, mais forte ainda do que a sugestão que produziu o sintoma indesejado poderá produzir a cura. Em caso de gagueira, os resultados devem ser obtidos ao longo de, pelo menos, dez sessões realizadas com intervalos de dez a quinze dias. Quanto a isso Weissmann afirma: A gagueira corresponde a uma fobia e as fobias são mais difíceis de eliminar hipnoticamente do que meros atos obsessivos. Portanto, a cura da gagueira pela hipnose se inclui entre as mais trabalhosas. Sempre exige uma série de sessões (WEISSMANN).
O gago, sob efeito da sugestão pós-hipnótica, provavelmente aceitará a sugestão corretiva, mas como precisa aprender a ajustar-se a um ritmo, sua cura completa comportará pelo menos uma dezena de sessões devidamente dramatizadas. A idéia do ritmo pode estar contida na própria sugestão da forma seguinte: • Falarei num ritmo de um pêndulo de um grande relógio... Vejo um grande relógio de pêndulo... O pêndulo balança lentamente... De um lado para 176
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
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outro... Preciso... Seguro... Ritmado... É assim que sairão as palavras quando eu falar... Quando iniciar a falar, lembrarei inconscientemente do movimento desse pêndulo e falarei nesse ritmo, sem atropelos... Posso, a partir de hoje, falar fluente e fácil... Posso falar tão fluentemente quanto cantar... Quando eu emergir deste estado hipnótico, descobrirei que sou capaz de falar e cantar fluente e ritmicamente... Como se estivesse ouvindo o compasso do pêndulo do relógio... Falarei fluentemente e sem embaraços... A idéia do pêndulo eliminará por completo o medo e o temor de falar... Terei autoconfiança para desenvolver ótimo desempenho da fala... Ao falar, estarei satisfeito comigo mesmo... Proferindo minhas palavras com segurança e firmeza. Nas sessões posteriores, o reforço pode ser complementado por sugestões que reafirmem os argumentos anteriores de forma mais decisivas, como exemplo: • Posso de agora em diante articular perfeitamente todas as palavras... No compasso do pêndulo do relógio, vou falar com prazer, serena e despreocupadamente, sem gaguejar... A causa da gagueira era o medo de tropeçar nas palavras... Temia a crítica e a censura dos outros... Este medo desapareceu... Posso falar livre, sem nenhuma dificuldade... Sem gaguejar... Vou acordar contando vagarosamente até dez... A cada número, penso no movimento do pêndulo... À medida que eu vou contando vou acordando... Ao terminar a contagem, estarei acordado e em condições de falar perfeitamente sem gaguejar... De hoje em diante vou falar no ritmo do pêndulo. Supressão e alívio da dor É significativa a relação entre a capacidade para o transe e a capacidade de controle da dor, por isso a hipnose foi muito utilizada por cirurgiões antes da invenção dos anestésicos químicos e, ainda é usada por alguns dentistas e médicos em casos em que os pacientes são alérgicos à anestesia. Mas, antes da sua aplicação no controle da dor e outros males físicos, é necessário que se certifique antes dos motivos de sua origem. Em termos acadêmicos a dor é definida como uma sensação desagradável, provocada por lesão ou por estado anômalo dos órgãos e, é através dela que se tem a condição de saber se alguma região do corpo não se encontra bem. Tratando-se de sintoma de alguma doença, a dor representa um mecanismo de alerta. Por isso, se alguém sofre de alguma dor, ou se sente adoentado, ou suspeita de que há algo errado com seu organismo ou seu psiquismo, deve procurar um médico; é bom lembrar que só médicos tem prerrogativas legais para fazer diagnóstico de saúde. O recurso da hipnose não deve ser considerado terapia alternativa, não se propõe substituir tratamento convencional, é opção paralela. Ocorrendo um problema de saúde o médico deve sempre ser consultado. Peça para o médico esclarecer se há uma causa para o mal que o aflige; se há uma anomalia é necessário tratá-la de forma
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convencional. Somente então é que se deve recorrer à hipnose para eliminar ou atenuar a sensação de dor. É fato que a experiência da dor é um fenômeno tanto físico como psicológico. Por isso, uma pessoa pode perceber e ampliar a dor em função de fatores cognitivos, perceptivos, emocionais, comportamentais e interpessoais. As primeiras experiências do indivíduo influenciam seu comportamento perante a dor, a influência das atitudes dos pais sobre a criança representa seu comportamento quando adulto; algumas famílias ficam agitadas com pequenos golpes e contusões insignificantes, enquanto que outras têm tendência a dar pouca atenção a ferimentos de certa gravidade. As observações cotidianas levam a pensar que as atitudes, perante a dor, adquirida na infância persistem na idade adulta. Entre outros fatores de agravamento da dor, também está o grau de atenção, ansiedade e distração. Se uma pessoa concentra a atenção numa situação potencialmente dolorosa, tende a sentir dores mais intensas do que o normal. A expectativa da dor é o bastante para aumentar a ansiedade e conseqüentemente a dor sentida. Assim Dowd 177 descreve esses fatores: a) Fatores Cognitivos e Perceptivos - Os indivíduos com dor tendem a pensar nela constantemente e de modo catastrófico. É possível diminuir a experiência de dor desviando sua atenção, envolvendo-se em imagens incompatíveis, como, por exemplo, uma cena tranqüila na praia, e tendo pensamentos positivos sobre a própria capacidade para afrontá-la. Os indivíduos relativamente desocupados são especialmente vulneráveis à experiência de dor. Os pensamentos negativos geralmente aumentam a dor, enquanto os pensamentos positivos normalmente a diminuem. b) Fatores Emocionais - A experiência de dor pode causar também uma grande quantidade de emoções, especialmente a ansiedade. Quando o tipo de dor é esporádico, então os indivíduos podem ficar muito nervosos enquanto espera o começo da dor, o que só serve para intensificá-la quando ocorrer. Este efeito recíproco pode ser um fator importante no agravamento da dor. c) Fatores Comportamentais - A pessoa com dor, geralmente manifesta muito “comportamento de dor”, como queixas verbais, lamentos, andar rigidamente, esfregar a zona dolorida e tencionar os músculos. Além de servirem como estímulo que constantemente os lembram que têm dor, algumas destas atividades, como o contrair e tornar rígidos os músculos, cria uma dor adicional. d) Fatores interpessoais - A dor é também um fenômeno social, tanto físico como psicológico. Os indivíduos com dor recebem mais atenção e sentimentos diversos provenientes de outras pessoas de seu ambiente. 177
DOWD, E. Thomas. Hipnoterapia. In: Manual de técnica de terapia e modificação comportamental. (Org. Caballo, Vicente E), S. Paulo, Ed. L. Santos, 609 - 628, 1987.
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Isto pode converter-se em algo muito reforçador e pode persistir inclusive após ter desaparecido a base física da dor. Algumas pessoas com dor se beneficiam com a reaproximação para si por outras pessoas, e por isso não podem abandonar a própria dor, pois, inconscientemente, temem perderem a atenção ou o carinho conquistado. Corroborando as afirmações de Dowd, Spiegel 178 acrescenta o que entende como a capacidade que cada pessoa tem de focalizar o pensamento e potencializar ou reduzir a dor. Quanto a isso assim se refere: A capacidade de indivíduos hipnotizáveis de focalizar a atenção e alterar suas respostas à percepção enquanto ao mesmo tempo provocam um estado físico de relaxamento lhe dá uma oportunidade incomum de reestruturar suas experiências de dor e, deste modo, desenvolver um senso de domínio sobre elas. Visto que a experiência de dor é tanto psicológica como física, a técnica mobiliza e focaliza a experiência cognitiva enquanto produz um senso de relaxamento físico. Ela pode ser especialmente útil para dar aos indivíduos um senso de domínio. Afinal de contas, a tensão na dor situa-se principalmente no cérebro (SPIEGEL).
A dor apenas como psicológica é tema da tese de doutorado apresentada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) pela médica reumatologista do hospital Albert Einstein, Evelin Goldenberg. 179 Ela explica que os traumas resultantes da violência sexual trazem danos à saúde da mulher e afirma que 10% das mulheres com fibromialgia, em determinada fase de suas vidas, sofreram abuso sexual. Há mulheres que hoje estão com a vida feliz, estável, mas sentem muitas dores pelo corpo. Com uma conversa percebemos que as dores são frutos de alguma violência sofrida no passado. A fibromialgia se caracteriza por dores generalizadas na coluna e no corpo, cansaço permanente e depressão. As mulheres vítimas de abuso ou violência passam a vida inteira fazendo exames para determinar a causa da dor, mas nunca conseguem um diagnóstico. (GOLDENBERG).
Pesquisas publicadas na Medscape, site internacional de publicação médica, e dados publicados pelo Centro Feminista de Assessoria – CEFEMEA têm demonstrado que o trauma emocional leva muitas crianças e adolescentes a sentirem dores abdominais, mesmo algum tempo depois do ato de violência sofrida. Nestes casos, as reações ou sintomas dos traumas observados em crianças, apontam também dificuldades para dormir e evitar situações a que antes da violência se submetia espontaneamente. Também revela perda de interesse pelos estudos e uma conseqüente queda no desempenho escolar.
178
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de psiquiatria. (Org. Talbott et al), Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1993. 179 GOLDENBERG, Evelin. Vítimas de violência sexual sentem mais dor durante a vida. Resumo de Tese de Doutoramento (Jornal Correio da Bahia, Saúde, p. 6. 23/04/2004).
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Considerando a presença dos diferentes componentes psicológicos que contribuem para sensação dolorosa, uma das maiores expectativas da hipnose e da auto-hipnose é a sua cura. Neste sentido, o procedimento mais aplicado utiliza a técnica da distração. É uma técnica simples e poderosa, porque a mente humana permite que nos concentremos somente em uma única coisa de cada vez; podemos até mesmo permanecer consciente das outras coisas à nossa volta, mas só nos concentramos em um único alvo. Essa técnica defendida por Epicuro, conhecida por toda a Grécia e também na Roma antiga, foi apropriada por Roger, 180 quando exemplifica que podemos esquecer a dor se concentramos nossa atenção no prazer. E, cita como exemplo: O que acontece quando uma criança cai, arranha o joelho e começa a chorar? Se for uma garotinha podemos distraí-la da dor chamando-lhe a atenção para o vestido lindo que está usando ou para as flores à sua volta. Milagrosamente, as lágrimas param de rolar e o choro diminui quando ela, distraindo sua atenção da dor, passa a concentrar-se no vestido ou nas flores (ROGER).
Partindo do princípio de que você consultou um médico e, por sua vez, não encontrou quaisquer causas orgânicas para a sua dor, ou então descobriu realmente uma anomalia orgânica que já está sendo tratada. Qualquer que seja o caso, se você deseja combater a dor, uma Matriz com esse objetivo deve ser elaborada. Após a indução usual ao estado de relaxamento, tenha em mente proposições onde palavras como “dor” ou “lesão” devem ser evitadas e, incentivadas palavras do tipo “conforto”, “bem-estar” e “relaxamento”. • À medida que for aprofundado o transe, fico cada vez mais confortável em todos os sentidos... Meu corpo é totalmente comandado pela minha mente... Sou capaz de direcionar meu corpo e minha vida... A cada dia, aumento o controle sobre meu corpo... O corpo sente o que a mente permite... Concentrarei minha mente em situações boas... Minha mente desenvolve plenamente o controle das sensações... Eu posso sentir ou deixar de sentir o que desejar... Toda vez que qualquer desconforto estiver me ocorrendo, eu trocarei automaticamente esta sensação por lembranças de cenas agradáveis... Meu cérebro é capaz de alterar seu mecanismo e ignorar sensações que incomodam... Apenas sinto o quero sentir... Poderá substituir uma sensação desagradável por outra que represente bem-estar... A partir de hoje e cada vez mais, assumo total controle sobre minha mente e meu corpo... Sou o senhor de meu corpo, dono das minhas sensações... Posso me livrar de qualquer sensação que se apresente em meu corpo... Meu cérebro demonstrará que é o senhor de meu corpo... Quero viver bem, por isso passarei a controlar mais e melhor meu corpo... Solto mais ainda o corpo... Relaxo ainda mais... Agora apenas respiro... Sem esforço... Respiro regularmente... Agora 180
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através da auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
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estou concentrado na minha mente... Conto até quatro, e minha mente entra em perfeita harmonia com o meu corpo... Um... Dois... Três... Quatro... Minha mente está em perfeita harmonia com o meu corpo... Todo o meu corpo está em perfeita sintonia com minha mente... Minha mente dará a ordem infalível ao meu corpo... Sem esforço, posso comandar meu corpo e todas as sensações que nele possam ocorrer... Posso sentir ou deixar de sentir o que quiser... Imagino um lugar muito especial... Passo algum tempo apreciando esse lugar... Agora visualizo neste lugar especial uma cena agradável... Estou participando ativamente desta cena... Nesse lugar eu estou seguro e relaxado... Qualquer hora do dia ou da noite que eu necessitar bastará sentar e fechar os olhos, relaxar novamente e verei este lugar... Agradável... Seguro... Tranqüilo... Toda vez que necessitar suprimir uma sensação desagradável... Contarei até quatro e esta cena realimentará meu consciente... Mesmo estando consciente, desenvolverei cada vez mais habilidades de controlar as sensações do meu corpo... Desenvolverei o controle sobre meus sentidos, permitindo ou rejeitando qualquer sensação que possa me ocorrer. Formo uma imagem do meu corpo com saúde e praticando uma atividade que gosto... Estou aprendendo a usar mais a minha mente, e vou usá-la em meu benefício... Vou aproveitar este estado de harmonia e equilíbrio interior para imaginar meu completo bem-estar... A partir de agora, minha mente estará trabalhando neste sentido... Promovendo, cada vez mais, o pleno controle das sensações em meu corpo...
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CONSIDERAÇÕES FINAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A explicação do transe hipnótico e seu efeito terapêutico, durante séculos, já percorreram um grande caminho. Desde a filosofia arcaica, passando pelo ímã milagroso de Paracelso, expulsões demoníacas do Padre Gassner e o magnetismo de Mesmer, chegando à contemporaneidade embutida nos mais diferentes rituais e procedimentos de cura. A hipnose, longe de desaparecer, está sendo direta ou indiretamente cada vez mais utilizada e instituída. É fácil sua verificação na indústria do curandeirismo religioso onde, gozando da proteção da lei, funciona a serviço de grandes interesses econômicos e políticos. No domínio das hipóteses para explicar o processo hipnótico ocorreram poucos avanços, continua empírica como sempre foi. Por haver fatos sobre os quais ainda não se chegou a consenso, algumas questões são polêmicas e as explicações teóricas não satisfazem. Neste campo as opiniões conhecidas não respondem todos os questionamentos e as conclusões até então existentes, tão contraditórias, talvez sejam válidas apenas como base para o estudo deste assunto. Tanto na vida acadêmica quanto no conhecimento popular, ocorre lamentável desconhecimento e enorme preconceito sobre o hipnotismo, incluindo-se aí profissionais de nível superior. Por isso é importante que muitos autores estejam preparados para correr o risco de sofrer hostilidades, por parte de quem tenta silenciar o debate sobre hipnose e seus efeitos, sob o falso argumento de que não é importante ou não funciona. Mas, a Hipnose e seus efeitos são fatos, a não ser por absoluto e inexplicável desconhecimento não há porque duvidar de sua importância e do seu mecanismo de funcionamento. Ao lado das críticas rigorosas contra a maioria dos trabalhos produzidos sobre hipnose, está o fato de que é difícil, quando não impossível, encontrar apoio institucional que facilite recursos para produção do conhecimento nesta área. Por isso, esta pesquisa tem também como lado positivo chamar atenção e mostrar que é possível enfrentar o hipnotismo de forma cientifica e, com isso, encorajar novas incursões bem estruturadas, com apoio de organizações que patrocinem estudos sistematizados, organizados para aprofundar ainda mais o domínio sobre este tema. Embora não aceitando algumas explicações, existem razões especiais, baseadas na teoria, na história e na prática, para que se possa acreditar nas possibilidades que tem a hipnose de resolver, pelo menos em parte, alguns problemas que tanto afligem o ser humano. Após a leitura deste trabalho, resta a certeza de que muito ainda pode ser esclarecido, mas já se sabe o suficiente para eliminar preconceitos e fundamentar conclusões que abrem portas para outras pesquisas nesta fascinante área do saber.
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Este livro apresentou argumentos de modo perspicaz, demonstrando controvérsias e coincidências sobre as explicações teóricas do hipnotismo e suas diferentes formas de manifestações, com a intenção de facilitar o leitor ao exercício de suas faculdades críticas, a refletir e se definir pela sua própria descoberta. E, como qualquer professor, apenas incentiva e mostra caminhos, cabe ao leitor caminhar em busca de suas próprias respostas. REFERÊNCIAS: 1.
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