Introdução Ao Serviço Social PDF

August 23, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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INTRODUÇÃO AO SERVIÇO SOCIAL

autor do original

FLAVIA ABADE

1ª edição SESES rio de janeiro

2015

 

sergio cabral, claudete veiga, claudia regina de brito

Conselho editorial Autor do original

flavia abade

Projeto editorial

roberto paes

Coordenação de produção

paulo vitor bastos

Projeto gráfico Diagramação

rodrigo azevedo de oliveira

fabrico

Revisão linguística Imagem de capa

aderbal torres bezerra nome do autor — shutterstock

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) A116i      

Abade, Flavia Introdução ao Serviço Social / Flavia Abade. Rio de Janeiro : SESE SESES, S, 2015. 88 p. : il.

 

ISBN 978-85-5548-066 978-85-5548-066-9 -9

 

1. Gênese do Serviço Social. 2. História do Serviço Social. 3. Formação profissional e Serviço Social. 4. Prática profissional e Serviço Social. I. SESES. SESES. II. Estácio. CDD 361.32

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj —cep 20261-063

 

Sumário Prefácio

7

1. A origem do Serviço Social no contexto mundial 10 Gênese do Serviço Social Mary Richmond e o Serviço Social de Casos O Serviço Social na Europa e nos EU EUA: A: diferentes trajetórias O surgimento da profissão na América Latina

10 17 19 21

2. A história do Serviço Social no Brasil

28

Contextualização histórica As primeiras escolas brasileiras de Serviço Social O Estado Novo e as instituições assistenciais A ideologia desenvolvimentista e o amadurecimento do Serviço Social no Brasil Movimento de Reconceituação da profissão

28 30 32 37 40

3. Formação Profissional em Serviço Social

46

O processo de formação profissional A ABEPSS Diretrizes curriculares Pós-graduação em Serviço Social

46 49 52 54

 

4. Prática profissional em Serviço Social O exercício profissional do assistente social A Lei de Regulamentação da Profissão As entidades representativas da categoria O projeto ético-político

5. O Serviço Social e suas dimensões A dimensão ético-política A dimensão teórico-metodológica A dimensão técnico-operativa A dimensão investigativa Teoria, prática, ética e pesquisa: quatro lados de uma mesma profissão

62 62 64 66 71

76 76 78 79 83 87

 

Prefácio Prezado(a) aluno(a)

Sejam bem-vindos à disciplina Introdução ao Serviço Social! Estudaremos a história da profissão e sua transformação em categoria profissional inscrita na divisão sociotécnica do trabalho. Para tanto, vocês conhecerão o contexto sócio-histórico de surgimento da profissão, os principais aspectos da formação acadêmica e da prática profissional e a profissionalização do Serviço Social. Também será possível debater e refletir sobre as diferentes dimensões do Serviço Social contemporâneo: a dimensão técnico-operativa, a dimensão ético-política, a dimensão investigativa e a dimensão teórico-metodológica. É importante citar que a trajetória histórica da profissionalização do Serviço Social no contexto mundial está intrinsecamente envolvida com os primórdios da industrialização e com a expansão do capitalismo, sendo necessário compreender a emergência da questão social decorrente do desenvolvimento deste sistema produtivo. A profissão também sofreu forte interferência do pensamento católico, o que também será abordado nesta disciplina.  Além disso, conheceremos conheceremos as primeiras escolas de Serviço Social e as ações ações sociais das quais originaram o Serviço Social brasileiro, sendo necessário resgatar alguns conhecimentos históricos sobre os governos brasileiros, principalmente o governo Vargas e o governo de Juscelino Kubistchek, nos quais o Serviço Social se expandiu. Abordaremos também o Movimento de Reconceituação da profissão, através do qual a categoria rompeu com a alienação e construiu sua própria identidade crítica. Desejo a todos bons estudos! Professora Flávia Abade

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1 A origem do Serviço Socialmundial no contexto

 

1 A origem do Serviço Social no contexto mundial Neste capítulo, propomos reflexões sobre o surgimento do Serviço Social enquanto uma profissão, compreendendo que seu desenvolvimento ocorreu paralelamente ao avanço do sistema capitalista. Estudaremos a emergência das questões sociais e seu agravamento, assim como a racionalização da assistência social como resposta a tais questões. Também conheceremos as primeiras escolas de Serviço Social e as propostas iniciais de atuação da profissão.

REFLEXÃO • • •

Conhecer a gênese do Serviço Social Relacionar o surgimento da profissão com o desenvolvimento do capitalismo e o agravamento da questão social Conhecer as primeiras escolas de formação e as primeiras práticas profissionai profissionaiss de Serviço Social

REFLEXÃO Você se lembra de ter ouvido falar sobre a Sociedade de Organização da Caridade? Ela foi a instituição precursora da assistência social que buscou racionalizar as ações filantrópicas e  já se preocupava, no final do século XIX, com a capacitação de agentes profissionais profi ssionais para o exercício da assistência social. Falaremos mais sobre essa importante important e instituição ao abordarmos a racionalização da prática da assistência social.

1.1 Gênese do Serviço Social Toda profissão surge a partir da emergência de alguma demanda social que a faz necessária. As profissões são criadas e legitimadas no interior das sociedades e buscam suprir a ausência de ações e atividades que possam solucionar problemas ou melhorar a vida das pessoas. O surgimento do Serviço Social enquanto uma profissão não foi diferente. O Serviço Social surgiu a partir da

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necessidade de se aprimorar ações de caridade e transformá-las em práticas eficazes e competentes que pudessem minimizar mazelas sociais.  A respeito da origem do Serviço Social, Social, Estevão (2013, pp. 15) explica: explica: […]como e por que ou para que surge uma profissão. Em primeiro lugar é quando ela se torna socialmente necessária e as práticas profissionais pr ofissionais se gestam no labor cotidiano. Antes de serem instituídas, as profissões se legitimam pela sua eficácia social e/ ou política.[…] O Serviço Social também começou assim.

Não há como compreender a origem do Serviço Social sem relacioná-la aos primórdios do capitalismo, pois a profissão emergiu e se desenvolveu a partir da expansão do sistema capitalista e do consequente aprofundamento aprofundamento das contradições sociais. A origem do Serviço Social como profissão tem, pois, a marca profunda do capitalismo e do conjunto de variáveis que a ele estão subjacentes – alienação, contradição, antagonismo – , pois foi nesse vasto caudal que ele foi engendrado e desenvolvido. (MARTINELLI, 2011, p. 66)

O crescimento urbano e industrial ocorrido nos primórdios do século XIX geraram o aumento da miséria e da pobreza. Com isso, ações filantrópicas realizadas pelas instituições religiosas e também pela sociedade se intensificaram. Além disso, alguns ramos da ciência, como por exemplo, a Sociologia, iniciaram estudos buscando compreender o fenômeno social que vinha emergindo concomitante à expansão capitalista: a questão social. A história do Serviço Social pode ser melhor compreendida no livro escrito por Maria Lucia Martinelli, intitulado Serviço Social: identidade e alienação, no qual a autora cita que “as condições peculiares que determinaram o seu surgimento como fenômeno histórico, social e como atividade profissional, e em que se produziram seus primeiros modos de aparecer, marcaram o Serviço Social como uma criação típica do capitalismo, cap italismo, por ele engendrada, desenvolvida e colocada permanentemente a seu serviço, como uma importante estratégia de controle social, uma ilusão necessária para, juntamente com muitas outras ilusões por ele criadas, garantir-lhe a efetividade e a permanência histórica.” (MARTINELLI, 2011, pp. 66-67)

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capítulo 1

 

Para compreendermos com mais clareza como ocorreu a racionalizaçã racionalizaçãoo da assistência social e sua transformação em profissão, faz-se necessário estudarmos a expansão do capitalismo e o surgimento da questão social como disparadores do surgimento do Serviço Social. É o que veremos a seguir.

1.1.1 Modo de produção capitalista e a emergência da questão social O capitalismo constitui-se num modo de produção essencialmente marcado pela posse privada dos meios de produção e pela exploração da mão-de-obra daqueles que não detêm tais meios. O trabalhador assalariado, desprovido de meios de produção, vende sua força de trabalho e subordina-se aos proprietários para prover sua subsistência. Não obstante, o emprego de trabalhadores assalariados gera lucro para a classe detentora dos meios de produção, a burguesia. O lucro nada mais é do que as vantagens monetárias extraídas da relação entre a classe trabalhadora e a burguesia e que geram para a burguesia a acumulação de capital. O surgimento surg imento e desenvolvimento desse modo de produção produção modificou significatisignif icati vamente  vame nte as re rela laçõe çõess soc sociai iaiss e a estru estrutura tura soc social ial,, divi dividin dindo do a soc socie ieda dade de em du duas as grandes classes: a classe trabalhadora e a burguesia. O capital, expresso ex presso através de dinheiro e mercadorias, constitui a relação social determinante da sociedade capitalist capitalista. a. A reificação do capital, capital, ou seja, sua identificação com coisas coisas materiais é uma maneira necessária de encobrir as relações entre as classes antagônicas. ant agônicas. E a continuidade continuidade do processo de produção capitalista, ou seja, sua reprodução, é também um processo de produção produ ção e reprodução de classes sociais. A classe capitalista ou burguesia compra a força de trabalho e cria a mais-valia1, que se converte em meios de consumo da própria burguesia e de aquisição de novas condições de produção necessárias à ampliação do processo produtivo. Sendo assim, a classe trabalhadora, ao vender sua força de trabalho, cria os próprios meios de sua dominação, não compreendendo que a riqueza provém do trabalho e não do capital. Através da chamada mistificação do capital naturaliza-se natural iza-se as condições de produção produção como se o produ produto to do trabalho t rabalho fosse produto do capital, sendo que o trabalhador, além de produzir mercadorias, produz capital. Nesse modo de produção, as relações sociais estabelecidas pelos homens através da troca de mercadorias aparecem misteriosamente como relações entre coisas, o que pode-se denominar como o fetiche da mercadoria2. 1 Mais-valia: Trabalho não pago apropriado apropriado pela classe capitalista capitalista 2 Os conceitos explicados neste parágrafo se baseiam na teoria marxista sobre o capitalismo. Para Para melhor compreensão, ver Iamamoto, M. I; Carvalho, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica.Cortez: 2014. 40ed.

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CONEXÃO O capitalismo tem sido matéria de estudos entre economistas e sociólogos e, recentemente, foi publicada obra considerada inovadora a respeito deste sistema. Trata-se do livro “Capital in the Twenty-Firsty Century”, ainda não traduzido para o português, de autoria de Thomas Piketty, que assim como Karl Marx critica duramente as desigualdades econômicas e sociais produzidas pelo capitalismo desenfreado. Para mais informações sobre a obra, leia a reportagem publicada pela Folha de São Paulo, clicando no link:

O capitalismo emergiu simultaneamente ao declínio do sistema feudal. Entretanto, sua expansão se deu após a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no final do século XVIII e sua propagação ocorreu durante a primeira metade do século XIX em vários países europeus, chegando também aos Estados Unidos. Foi nesse período que se pode observar de forma impactante os efeitos do capitalismo no contexto social. A introdução das máquinas automáticas e o surgimento das grandes unidades fabris foram resultados materiais da Revolução Industrial, cujos efeitos ultrapassaram os limites da fábrica e atingiram a sociedade como um todo. Neste sentido, não constitui exagero afirmar que a Revolução Industrial, qual um cavalo de Tróia, abrigava em seu interior uma revolução econômica e uma revolução social que mudaram a face do século XIX (MARTINELLI, 2011, pp.36)

 A expansão do capitalismo se deu através da exploração da classe trabalhadora e da pauperização da população e se deparou com manifestações contrárias diversas, sendo o movimento operário uma expressão organizada de resistência e recusa à ideologia capitalista.  As lutas operárias tiveram início no final do século XVIII, a princípio, pr incípio, com revoltas contra as máquinas ou questões internas à fábrica. Posteriormente, passaram a ganhar caráter político diante do fortalecimento da consciência de classe dos trabalhadores em organizações sindicais. Conforme menciona Martinelli (2011, p. 70):

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A estratégia utilizada pela burguesia, concentrando o trabalhador na grande indústria, constituíra fértil terreno para a construção da identidade de classe do proletariado, condição essencial para a estruturação de sua consciência de classe. Foi lá, no interior da fábrica, que se criou a dinâmica inicial em direção à consciência de classe, que o trabalhador individual deu os primeiros passos de seu percurso em direção à classe social, com concentrando consciência de classe. A própria burguesia, através suas estratégias burguesas, o trabalhador nas grandes cidades e nasdegrandes indústrias, contraditoriamente oferecera as condições para o surgimento do proletariado, proletariad o, consolidando-se não só sua posição de classe social, mas de classe política.

 As lutas e a politização do movimento operário durante os séculos XVIII e XIX atemorizaram a burguesia, se constituindo em uma das facetas da questão social. Outra face das contradições sociais inerentes ao capitalismo era o aumento da pobreza e da miséria. Era evidente que a expansão do capitalismo por vários países do ocidente, com o desenvolvimento da industrialização e o domínio do capital, era acompanhada pelo agravamento da questão social: camponeses despossuídos, enorme contingente de reserva de trabalhadores, condições precárias de trabalho, doenças, pobreza, fome e miséria.       L       M       T       H  .       E       G       R       A       H       C          O       M       S       I       L       A       T       I       P       A       C       /       5       0       /       0       1       0       2       /       M       O       C  .       A       I       G       O       L       O       I       C       O       S       M       O       C       E       F       A       C  .       W       W       W       /       /     :       P       T       T       H

 A questão questão social social se tornava mais mais complexa complexa e grave, grave, consequê consequência nciass do rápi rápido do crescimento urbano e industrial. A pobreza era vista pela burguesia como um mal necessário e era tolerada desde que não colocasse em risco a expansão do capital.

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A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e mpresariado e do Estado. É a manifesmanifes tação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. O Estado passa a intervir diretamente nasregulamentação relações entre ojurídica empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma do mercado de trabalho, através da legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização e prestação dos serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questão social. (IAMAMOTO, CARVALHO, 2014, p.83)

Foi assim, que na Inglaterra, no século XIX, foi criada a primeira instituição de assistência social com o objetivo de controlar a pobreza e manter a expansão capitalista. É o que veremos a seguir.

1.1.2 A racionalização da assistência social  A prática da assistência, ao longo da história, recebeu conotação de caridade para com os pobres. O advento do cristianismo agregou o aspecto de justiça social, além do ato de caridade vinculado à assistência, modificando suas bases. Conforme explica Martinelli (2011, p. 97) A organização da prática da assistência, como expressão da caridade cristã, além de ter integrado o temário de vários Concílios, foi objeto de preocupação de muitos teólogos e membros destacados da Igreja, como São Paulo, São Domingos, Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Francisco, São Bernaro e São Bento, entre outros.

 A mesma autora complement complementaa afirmando que o principal organizador da doutrina cristã foi Santo Tomás de Aquino que colocou a caridade como um dos pilares da fé e de justiça social aos mais humildes. No século XVI, durante a Reforma Religiosa na qual a Igreja se dividiu em dois campos, o catolicismo e o protestantismo de Martim Lutero, a prática da assistência passou a ser realizada pelo Estado, tendo voltado às mãos da Igreja somente um século mais tarde, com São Vicente de Paulo. Não obstante, o que se observa é que intrínseca à ideia da caridade sempre esteve a intenção de manter a subordinação dos pobres aos ricos.

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    M     O     C  .     E     M     I     T     S     M     A     E     R     D     |      A     N     I     H     S     I     L     A     H     K     I     M     A     N     I     L     A     G     ©

 As ações de caridade eram realizadas sem nenhum critério e dependiam apenas da boa vontade das pessoas. As primeiras tentativas de sistematização da assistência social surgiram a partir da metade do século XIX, junto a paróquias, através de voluntários, sem caráter profissional.  A normatização da assistência assistência social tem seu marco histórico histórico na criação da Sociedade de Organização da Caridade, fundada por integrantes da burguesia inglesa aliados ao Estado e à Igreja Católica no ano de 1869.

CURIOSIDADE Esta pode ser considerada a primeira proposta de prática para o Serviço Social. Apesar de não atender às reivindicações da classe trabalhadora da época, a assistência prestada pela Sociedade de Organização da Caridade continha embasamento científico e visava à racionalização da assistência. A percepção da pobreza como “problema de caráter” levou a Sociedade a organizar a assistência em torno da proposta educativa de “reforma de caráter”  junto às famílias pobres, defendendo a cientificidade das ações,

Esta pode ser considerada a primeira proposta de prática para o Serviço Social. Apesar de não atender às reivindicações da classe trabalhadora da época, a assistência prestada pela Sociedade de Organização da Caridade continha embasamento científico e visava à racionalização da assistência. A percepção da pobreza como “problema de caráter” levou a Sociedade a organizar a assistência em torno da proposta educativa de “reforma de caráter” junto às famílias pobres, defendendo a cientificidade das ações, demonstrando uma postura alienada em relação ao agravamento da “questão social” ocasionado pela organização deficiente da sociedade.

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O desenvolvimento de ações de educação familiar com famílias de operários e pobres em geral através da criação de centros sociais de atendimento caracterizava a prática da assistência social promovida pela Sociedade, que se expandiu também para os Estados Unidos. A Sociedade defendia a capacitação de visitadores sociais para a realização de um adequado inquérito domiciliar. Sobre a visita domiciliar, Martinelli (2011, p. 105) comenta que eram desen volvidas na Inlgaterra, a princípio, com dois objetivos: conhecer as condições de moradia e de saúde da classe trabalhadora e socializar o modo capitalista de pensar. A Sociedade de Organização da Caridade passou a defender sua utilização em situações específicas, como na concessão ou regularização de beneficios, defendendo a necessidade de capacitação dos visitadores sociais para a realização de um inquérito domiliciar adequado.  A qualificação dos agentes agentes que executavam executavam a assistência social social passou a ser uma preocupação, sendo que muitos cursos passaram a ser oferecidos, visando o treinamento dessas pessoas. Mary Richmond, da Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore, destaca-se em sua iniciativa. Falaremos de forma aprofundada sobre seu trabalho a seguir. No ano de 1899, foi fundada a primeira escola de Serviço Social do mundo, em Amsterdã, na Holanda, dando início ao processo de secularização3 da profissão, pelo qual se substitui as explicações religiosas pelas científicas. A Sociologia passa a ter uma grande contribuição na formação dos assistentes sociais.

1.2 Mary Richmond Richmond e o Serviço Social de Casos Mary Ellen Richmond (1861-1928), assistente social norte-americana, influenciou diretamente a criação das escolas de formação f ormação de assistentes sociais, pois demonstrava grande preocupação com a qualificação dos agentes executores da assistência social. Sua contribuição para a sistematização do ensino em Ser viço Social foi fundamental. fundamental.  As ideias de Richmond consistiam em realizar um bom diagnóstico social para uma intervenção estratégica baseada na reforma do caráter e reintegração do indivíduo à sociedade. O trabalho de Richmond apresentava um cunho reacionário4 que agradava a burguesia, já que atribuía ao indivíduo as responsabilidades por sua situação social. A assistência social proposta por Richmond 3 Secularizar: Voltar à vida leiga ( o que era da vida religiosa). Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa 4 Reacionário: que é contrário a mudanças sociais e políticas; conservador. Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

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também trabalhava com o meio social no qual o indivíduo estava inserido, dentre eles a escola, a família e o emprego. Mas não fazia crítica ao sistema capitalista e sua repercussão direta na questão social. A tese de Richmond, mais reacionária, sensibilizava muito a burguesia, que entendia que aquele tipo de prática respondia à função econômica e conômica da assistência, de modo indireto, uma vez que a ação social individual, seja reformando o caráter, seja promovendo a melhoria das condições de saúde, contribuía para a recolocação do trabalhador no mercado de trabalho. (MARTINELLI, 2011, p. 107).

Mary Richmond criou o Serviço Social de Casos, pelo qual o assistente social através de técnicas diversas, como visitas domiciliares, entrevistas e reuniões realizava sugestões e orientações ao indivíduo e às instituições que o cercavam, buscando resolver aquele caso através do apoio ao desenvolvimento individual complementado com algum tipo de ajuda material. Publicou livros importantes no início do século XX que abordavam o Serviço Social de Casos e as técnicas utilizadas pelos assistentes sociais, como o diagnóstico social. Dentre suas obras, se destaca o livro Diagnóstico Social, publicado em 1917.

CONEXÃO Para conhecer melhor a história e obra de Mary Richmond, visite o site

 

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O método de trabalho do Serviço Social de Casos criado por Richmond influenciou o Serviço Social norte-americano e até hoje está presente na formação profissional do assistente social. Posteriormente, outros métodos foram criados, visando atender as problemáticas sociais de forma mais eficiente, como o Serviço Social de Grupos e o Serviço Social de Comunidade.

1.3 O Serviço Social na Europa Europa e nos EUA: EUA: diferent diferentes es trajetórias O Serviço Social norte-americano e o Serviço Social europeu seguiram diferentes trajetórias. O primeiro foi fortemente influenciado pelas teorias psicológicas e psicanalíticas, com grande ênfase na abordagem individual. Já o segundo, enfatizou a linha sociológica e a abordagem grupal e teve, inicialmente, forte influência da Igreja Católica. Nos Estados Unidos, o Serviço Social era considerado uma atividade reformadora do caráter, partindo do princípio de que o indivíduo deveria ser o alvo do trabalho social para que a sociedade funcionasse adequadamente. A obra de Richmond marcou esta fase do Serviço Social norte-americano e possibilitou o reconhecimento dessa atividade profissional pelo ramo acadêmico, criando a Escola de Trabalho Social (antiga Escola de Filantropia Aplicada) vinculada à Universidade de Columbia, em Nova Iorque, no ano de 1919. O crescimento do número de profissionais e o aumento do nível de organização dos trabalhadores sociais culminou na fundação de uma u ma Associação Nacional de Trabalhadores Sociais, que posteriormente encampou a Sociedade de Organização da Caridade.  As Sociedades de Organização Organização da Caridade europeias buscavam buscavam compreender a estrutura da sociedade e os problemas dela decorrentes, embasadas nas teorias sociológicas conservadoras de Auguste Comte, Fréderic Le Play e Émily Durkheim e mantinham forte elo com a ideologia da Igreja Católica. A prática social europeia na primeira metade do século XX abrangia ações de controle, repressão e ajustamento aos padrões burgueses.  As encíclicas papais, caracterizadas por orientações doutrinárias da Igreja Católica, foram amplamente utilizadas para embasar as práticas de assistência social europeias e a formação dos profissionais de Serviço Social da época. A encíclica Rerum Novarum, divulgada por Leão XIII, em 1891, apresentava uma proposta de conciliação entre a classe burguesa e o proletariado através de uma reforma social visando superar os problemas da época através de ações de educação e Serviço Social. A encíclica Quadragesimo Anno , divulgada por Pio XI, em

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1931, escrita após quarenta anos da publicação da Rerum Novarum, procurou enfatizar a concepção católica nas ações de educação e assistência e reafirmar a importância da Igreja na solução dos problemas sociais.  Além disso, a assistência social europeia fundamentava-se em escritos sobre as Conferências de São Vicente de Paulo, que tinham sua origem no século XVII, buscando assim, ordenar a prática da assistência social com base no fundamentos da Igreja Católica. Enquanto nos Estados Unidos, já a partir de 1920, ganhava força a Associação Nacional de Trabalhadores Sociais, na Europa o esforço se concentrava em garantir a hegemonia do pensamento católico e do grupo de profissionais que o adotava como referencial para suas ações. (MARTINELLI, 2011, p. 119).

Tamanha era a influência influência da Igreja Católica no Serviço Social Social europeu que no ano de 1925 surgiu a União Católica Internacional de Serviço Social – UCISS, organismo que exerceu influência também sobre países latino-americanos. A UCISS passou a ser responsável pela formulação do processo de ensino de Ser viço Social, tendo definido quatro áreas: científica, ténica, moral e doutrinária. A União Católica enfatizava as qualidades pessoais dos assistentes sociais, como a vocação e disposição para servir somadas ao preparo técnico-científico.  A profissionalização profissionalização do Serviço Social avançou avançou rapidamente rapidamente após a Primeira Guerra Mundial, tanto em instituições públicas quanto em instituições particulares, exercendo uma função de controle e repressão das manifestações sociais e escondendo da sociedade as grandes mazelas geradas pela miséria. É interessante observar que a legitimação da profissão decorreu da própria classe dominante que se sentia amparada e protegida diante da atuação do assistente social frente aos pobres. Conforme conclui Martinelli (2011, p. 121): Como o criador não podia deixar de legitimar a criatura, tanto essa identidade atribuída quanto a prática assistencial desenvolvida pelos assistentes sociais eram plenamente ratificadas pela burguesia. Instalou-se, porém, aí o grande paradoxo que veio a marcar profundamente a trajetória histórica e a própria face do serviço social: a legitimação de sua prática não decorreu da população usuária, mas sim da classe dominante – os mandantes da prática – e, depois , os contratantes dos serviços profissionais dos assistentes sociais.

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 A seguir, veremos como a profissão surgiu nos países da América Latina, conhecendo as primeiras escolas latino-americanas de Serviço Social.

1.4 O surgimento surgimento da profissão na América Latina  A primeira escola de Serviço Social da América América Latina foi fundada no Chile, no ano de 1925. Trata-se da Escola Alejandro Del Río. Na ocasião, o Chile se deparava com uma nova realidade social advinda de seu processo de industrialização. Surgia o proletariado e com ele as manifestações influenciadas pela ideias socialistas da experiência russa. Além disso, a expansão capitalista neste país também veio acompanhada da miséria, crescimento urbano desorganizado e migrações de camponeses para a cidade. Tal contexto propiciou o início da atuação do assistente social no país. Chama a atenção o fato de que a primeira escola de Serviço Social na América Latina tenha sido fundada por um médico, o Dr. Alejandro Del Río, apoiado pelo Estado chileno. Dada a gravidade dos problemas de saúde dos trabalhadores e a falta de condições para a realização de tratamento e prevenção de doenças era evidente a carência de outros profissionais para suprir a infraestrutura exigida pela complexa situação.O assistente social teria o papel de complementar o trabalho do médico e a criação de uma escola de formação de tais profissionais reflete a necessidade de expansão do Estado chileno em busca da definição de um projeto que atendesse às classes dominantes. dominantes. Fortemente influenciado pelo modelo europeu, o Serviço Social latino-americano não se diferenciou de outras profissões que também consideravam o  Velho Mundo como a organização social social mais viável na época. Por este motivo, motivo, pode-se afirmar que a Igreja Católica teve um papel fundamental no desenvol vimento do Serviço Social na América América Latina, tal tal qual na Europa. Castro (2011, p. 71) explica: Em relação às primeiras escolas de Serviço Social – tanto chilenas quanto as de outros out ros países - , cabe ainda uma observação sobre a sua origem, pois na constituição destes centros de estudos colocam-se em jogo duas estratégias, em muitos casos complementares: de um lado, a iniciativa do Estado (ou vinculada a ele), e, de outro, a Igreja Católica e seus aparelhos conexos. No que se refere à escola fundada por Del Río, a sua origem está mais próxima da esfera das necessidades de expansão estatal.

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capítulo 1

 

 As profissionais pioneiras escolhiam o Serviço Social como uma vocação, um gesto de renúncia pessoal que se sobrepunha às necessidades materiais. A maioria não dependia de seu salário para viver, já que advinham de camadas sociais altas. Tais características conferiram à profissão atributos relacionados à plena disponibilidade do profissional e baixa exigência quanto à remuneração.  A fim de ilustrar a formação profissional recebida nas primeiras escolas de Serviço Social da América Latina, Castro (2011) relata as características da formação da Escola Elvira Matte de Cruchaga, segunda escola de Serviço Social fundada no Chile. A começar pelos requisitos exigidos na admissão das alunas: idade entre 21 e 35 anos, atestado médico de boa saúde, recomendação paroquial e um texto escrito sobre sua história pessoal. O curso tinha duração de três anos e o programa de ensino se divida em uma parte teórica e outra prática e incluíam: • Ramo teórico: Religião; Psicologia; Pedagogia; Sociologia; Economia Social; Assistência Social; Legislação Social; Direito; Instrução cívica;  Anatomia e fisiologia; fisiologia; Higiene privada e pública; pública; e Ética profissional. • Ramo prático: Tratamento de caso social individual; Encaminhamentos  jurídicos; Técnicas de escritório e estatística; Contabilidade; Primeiros socorros; Cuidados domiciliares a doentes; Puericultura; Nutricionismo; Trabalhos manuais; e Exercícios de oratória. Conforme descrito acima, é possível notar que o surgimento do Serviço Social na América Latina sofreu influência do pensamento católico, já que nos primeiros cursos oferecidos o programa incluía o ensino religioso. Também é importante ressaltar que o currículo foi sendo adaptado conforme a profissão foi se desen volvendo e até o final deste livro, teremos clareza da necessidade das adequações que foram sendo realizadas e das mudanças operadas no interior da profissão.

22 • capítulo 1

 ©  A   L   P   H  A    S   P   I    R  I    T     |    D  R  E   A   M   S   T   I    M  E   .  C   O  M 

 

ATIVIDADE Procure redigir com suas palavras a relação entre o sistema capitalista e o surgimento da profissão de assistente social.

REFLEXÃO Serviço Social não é caridade

O Serviço Social não se caracteriza por ações de caridade e filantropia, também não se trata de ajudar os pobres. O Serviço Social é uma profissão que busca a efetivação de direitos sociais e para alcançar tal objetivo conta com uma política pública estruturada, com ações bem definidas e organizadas.

LEITURA Escola sim, esmola não

Âmbar de Barros Durante muito tempo me perguntei se a esmola dada às crianças que me abordavam nos faróis de São Paulo era um bem ou um mal. Eu dava, sim; mas depois me sentia culpada, era invadida por um misto de impotência e raiva. Raiva por viver num país injusto e desigual; impotência por não saber o que fazer para ajudar as crianças abandonadas à própria sorte numa cidade tão difícil e perigosa. Hoje, não dou mais esmola para crianças e jovens e não me sinto culpada. Dirijo a área de projetos de uma fundação dedicada à capacitação do professor da escola pública. E há dez anos trabalho como voluntária numa organização não-governamental que atua na promoção dos direitos de crianças e adolescentes. Quando meninos e meninas me abordam, no carro ou na calçada, eu paro. Olho para eles, converso. Se eles dizem que estão com fome, convido-os para a lanchonete mais próxima. Quase nunca aceitam.

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capítulo 1

 

A convivência com Cesare de Florio La Rocca, presidente do Projeto Axé, me ensinou muito. Aprendi com os educadores de rua de Salvador que as crianças que perambulam pelas grandes cidades brasileiras, em geral, não são desnutridas, pois são as mais aptas a sobreviver. Aqueles que optam pelos desafios, pela liberdade e pelo perigo das ruas são heróis da sobrevivência. São os que dizem não a uma vida que não é vida. Não suportam mais a violência doméstica, preferem correr riscos a continuar passando fome, amontoados em barracos e cortiços. O contato com eles e o conhecimento de suas trajetórias de vida me deu a certeza de que eles não precisam de esmola. Eles precisam de cidadania, e a esmola é o oposto disso: é a perpetuação da diferença. Vai na contramão da construção da auto-estima que essas crianças e jovens devem recuperar. O gesto de dar esmola identifica aquele que a recebe como mendigo. Fere a dignidade da criança. Cria nela uma dependência perigosa em relação ao bom samaritano que, ao lhe dar um dinheiro fácil, aplaca seu sentimento de culpa, mas mata na criança o desejo de sonhar, de elaborar um projeto de vida. Quanto menor e mais desamparada a criança, mais dinheiro ela ganha. Vigiada pela mãe (estaria ela protegendo ou explorando?), aprende logo cedo a ganhar dinheiro fácil. Acontece que a generosidade pública estanca quando o menino cresce. Os vidros dos carros se fecham, com medo do jovem pedinte. Criança precisa de pai e mãe empregados, escola de qualidade, respeito e dignidade. Todos concordam, mas, na prática, quase ninguém faz nada. Quase ninguém acompanha as propostas de seus candidatos para a infância, nem cobra dos políticos que elegeu, no Executivo e no Legislativo, eficiência nas ações sociais, nem doa algumas horas de seu tempo livre para ajudar a escola pública de seu bairro. Quase ninguém. O querido Betinho, com quem trabalhei na campanha contra a fome, dizia que dava esmola, sim. Que muitas crianças precisavam levar para casa um dinheirinho: era a diferença entre passar fome e dormir de barriga cheia. Concordo com ele: a solidariedade humana deve ser praticada a todo momento. Não me recuso a dar dinheiro a alguém que não tem um centavo cent avo para voltar para casa. Ou a um adulto que procura um emprego para manter a família. Ou a uma pessoa mais velha, desamparada. Dou a eles de bom grado a minha ajuda. Há momentos em que o melhor que você pode fazer por alguém é mesmo abrir a carteira. Às crianças eu dou muito mais do que alguns trocados. Dou horas de trabalho que eu roubo dos meus próprios filhos, minha militância de cidadã, o respeito que eles merecem como seres humanos em formação.

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As moedas esquecidas no cinzeiro do carro e dadas, às pressas, aos meninos que se esgueiram entre os veículos podem aliviar a consciência do motorista, mas não são solução para a criança. Fazem mal a ela. Cada centavo recebido, cada nota amassada diminuem ainda mais sua baixa auto-estima. A mensagem passada junto com o dinheiro é que a criança deve se esforçar para comover, chorar, mentir, inventar uma tragédia ainda maior do que a que ela já vive. Como criança comove mais, é presa fácil de adultos inescrupulosos nas ruas. A sociedade brasileira pode fazer mais do que dar esmola. A bolsa-escola reduziu muito o número de crianças pedintes nos faróis de Brasília. O MEC está tentando envolver setores diversos da sociedade no esforço de levar todas as crianças para a escola. A implantação das classes de aceleração das secretarias da Educação do Paraná e de São Paulo e do Instituto Ayrton Senna, além da existência de projetos como o Crer para Ver, da Fundação Abrinq e da Natura, demonstra que o Brasil, muito lentamente, se dá conta de que criança não precisa de esmola, e sim de escola. Texto publicado na Folha de São Paulo, 21 de março de 1998. Âmbar de Barros, 38, jornalista, é diretora de projetos da Fundação Victor Civita, mantida pelo Grupo Abril, e presidente do conselho da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Âmbar de. Escola sim, esmola não. Folha de S. Paulo, 21 de março de 1998 CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. 12ed. São Paulo: Cortez, 2011. ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. IAMAMOTO, IAMAMOT O, Marilda; CARVAL CARVALHO, HO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Bra sil. Esboço de uma u ma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez, 2014. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. 16ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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capítulo 1

 

NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo você conhecerá a história do Serviço Social no Brasil, incluindo a criação das primeiras escolas de formação e o contexto sócio-histórico no qual ocorreram as primeiras práticas profissionais. Além disso, conhecerá como ocorreu a expansão do Serviço Social e as principais mudanças ocorridas nas ações sociais.

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2 A história do Serviço Social no Brasil

 

2 A história história do Serviço Social Social no Brasil Neste capítulo, conheceremos o surgimento e o desenvolvimento do Serviço Social Brasileiro, contextualizando-o historicamente, historicamente, já que a história do Serviço Social se desenvolveu paralelamente à história dos governos e políticas brasileiras.

OBJETIVOS • • • •

Conhecer a história do Serviço Social no Brasil Identificar as instituições assistenciais que marcaram o desenvolvimento do Serviço Social brasileiro Realizar uma leitura crítica sobre a expansão do Serviço Social durante a política desenvolvimentista Compreender o Movimento de Reconceituação da profissão

REFLEXÃO Você se lembra de ter estudado nas aulas de História sobre o desenvolvimentismo? Tais ideias interferiram no destino econômico e social do país, pois visavam retirar os países latinola tino-americanos do atraso a que estavam submetidos em relação rela ção aos países de Primeiro Mundo. Os assistentes sociais da época também foram fortemente influenciados por essa tendência desenvolvimentista, aderindo às propostas técnicas de desenvolvimento de comunidade provenientes dos Estados Unidos.

2.1 Contextualização histórica Para compreendermos o surgimento do Serviço Social no Brasil, faz-se importante situar o contexto socio-histórico desde o início do século XX. É importante lembrar que o país acabava de sair de um regime escravocrata escravocrata e já começava a se industrializar. Nessa época, a população operária constituía-se minoria e era formada na sua maioria por imigrantes; apresentava condições de vida e de trabalho precárias: moradias insalubres, carência de água tratada, rede de esgoto e iluminação elétrica, frequentes acidentes de trabalho, baixos salários. A presença de trabalho infantil e jornadas de trabalhos elevadas eram comuns nas indústrias

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da época. Os operários não possuíam direito a férias, descanso semanal remunerado ou licença para tratamento de saúde.

CONEXÃO Para compreender a história do Brasil do período colonial ao início da industrialização, leia o resumo publicado pelo site Brasil Escola. Ele é bem didático e de fácil compreensão.

Tais condições motivaram a organização do proletariado que passou a lutar por leis sociais que reconhecessem sua cidadania, lutas estas marcadas pela ocorrência de greves e manifestações manifestações.. Surgem, a princípio, as Ligas Operárias e as Caixas Beneficentes, com fins assistenciais e cooperativos, que dão origem, posteriormente, às Sociedades de Resistência e aos Sindicatos. Um marco importante na conquista de alguns direitos sociais é a participação do governo brasileiro na Convenção da Organização Internacional do Trabalho, no ano de 1919, da qual tornou-se signatário, o que propiciou a transformação das recomendações da Convenção em leis a partir da década de 1920. Nos anos de 1926 e 1927, foram aprovadas leis importantes para a proteção ao trabalho, dentre elas, a lei de férias, acidente de trabalho, seguro-doença, o código de menores e trabalho feminino. Contudo, o que se via era a intervenção repressora do Estado junto às manifestações operárias que aliado à Igreja e à classe dominante não realizou a proposição de políticas públicas eficazes. Assim, no decorrer da Primeira República, o saldo acumulativo das conquistas do movimento operário é bastante estreito. Da mesma forma o balanço de medidas estatais e particulares visando à reintegração, ou simples repressão do movimento operário, tendem largamente para esta última. (IAMAMO (IAMAMOTO, TO, CARVALHO, CARVALHO, 2014, p. 144)

 Após a crise da bolsa de valores de Nova Yorque em 1929, que impactou impactou em  vários países capitalistas, ocorreu no Brasil a chamada “Revolução de 1930”, pela qual as oligarquias cafeeiras foram depostas do poder e foi decretado o fim da República Velha e início da República Nova. Getúlio Vargas assumiu o

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capítulo 2

 

poder, a princípio, provisoriamente dando início a denominada Era Vargas. Na ocasião, o Estado tomou para si a incumbência de diminuir as tensões provenientes das manifestações trabalhistas que contou com amplo apoio da Igreja Católica e de alguns grupos dominantes. A Igreja Católica passa a intervir na  vida social, colaborando inclusive inclusive com a Revolução Revolução Constitucionalista Constitucionalista de 1932, 1932, organizando o sindicalismo católico e, posteriormente, criando os Círculos Operários. Amplia consideravelmente as instituições católicas laicas, criando instituições centralizadoras centralizadoras do apostolado social, através da Ação Católica Brasileira, fundada em 1935. As encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno influenciaram as respostas aos problemas sociais formuladas por estas instituições, buscando os princípios da cristandade para realizar a justiça social. À Igreja Católica, através do apostolado de seu movimento laico, caberá a tarefa de reunificação e recristianização da sociedade burguesa por intermédio da ação sobre as corporações e demais grupos básicos […] Será necessário harmonizar as classes em conflito e estabelecer entre elas relações de verdadeira amizade. Acima da regulamentação jurídica do Estado laico deverá prevalecer o comunitarismo cristão. (IAMAMOTO, CARVALHO, CARVAL HO, 2014, p. 169)

 A Constituição de 1934 oficializa oficializa a parceria Estado-Igreja, explicitando explicitando o cacatolicismo como religião oficial, reconhecendo o casamento religioso pela lei civil e proibindo o divórcio, garantindo a institucionalização de alguns princípios católicos. O surgimento do Serviço Social no Brasil é marcado, pois, pela influência da Igreja Católica.

2.2 As primeiras escolas brasileiras brasileiras de Serviço Serviço Social Social Precederam a criação das primeiras escolas algumas ações sociais desenvolvidas por instituições assistenciais, como a Associação das Senhoras Brasileiras (1920), no Rio de Janeiro, e a Liga das Senhoras Católicas (1923), em São Paulo. Suas ações de conteúdo assistencial e paternalista deram bases materiais e organizacionais para que na década seguinte houvesse a expansão da ação social e o surgimento das primeiras escolas de Serviço Social.

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O elemento e a base organizacional que viabilizarão o surgimento do Serviço Social se constituirão a partir da mescla entre as antigas Obras Sociais – que se diferenciavam criticamente da caridade tradicional – e os novos movimentos de apostolado social, especialmente aqueles destinados a intervir junto ao proletariado, ambos englobados dentro da estrutura do Movimento Laico, impulsionado pela hierarquia. (IAMAMOTO, CARVALHO, CARV ALHO, 2014, p. 178)

No ano de 1932, em São Paulo, foi dado o primeiro passo da trajetória do Serviço Social brasileiro: a criação do Centro de Estudos de Ação Social (CEAS) e nele, a realização do primeiro curso de qualificação de agentes da prática social, fruto da iniciativa das cônegas de Santo Agostinho. O curso foi denominado: Curso Intensivo de Formação Social para Moças e foi ministrado pela assistente social belga Adèle de Loneuax, da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas. O CEAS surgiu com o intuito de tornar mais efetiva as obras de filantropia promovidas pelas classes dominantes paulistas sob patrocínio da Igreja. Sua criação também buscava buscava dinamizar o movimento movimento do laicado. O primeiro relatório do CEAS evidencia a formação de seus membros voltados para a doutrina social da Igreja com aprofundamento a respeito dos problemas sociais e inter venção direta junto ao proletariado visando afastá-lo de influências subversi vas. Os cursos promovidos pelo CEAS CEAS eram diversos: filosofia, filosofia, moral, legislação do trabalho, doutrina social, enfermagem de emergência, etc. No ano de 1936, após o desenvolvimento do CEAS, é fundada a Escola de Serviço Social de São Paulo. Em 1940, surge o Instituto de Serviço Social de São Paulo destinado à formação de trabalhadores sociais especializados para o Serviço Social do Trabalho e no decorrer da década de 1940 surgem diversas escolas de serviço social nas nas capitais dos Estados. Isto porque a demanda por assistentes sociais no mercado de trabalho era maior do que o número de profissionais disponíveis. Muitas instituições passaram a oferecer bolsas de estudo aos alunos, o que modificou o perfil dos assistentes sociais: se antes as assistentes sociais eram mulheres da classe dominante, com o financiamento de instituições através de bolsas de estudo, a classe média alta e parcelas da pequena burguesia urbana também passaram a abarcar a categoria profissional. Em sua fase embrionária, a produção em matéria de Serviço Social foca va o pensamento social da Igreja, baseado no pensamento católico europeu, propondo-se à mobilização da opinião católica para o apostolado social, valen-

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do-se das encíclicas papais. A fundamentação teórica dos assistentes sociais orientava-se para a reprodução da força de trabalho do proletariado e de sua reprodução enquanto classe social. As intervenções eram focadas na família e continham caráter assistencial complementar complementar à renda obtida através da venda da força de trabalho dos trabalhadores. Também compreendiam ações médico-sanitaristas de caráter profilático e encaminham encaminhamentos entos a serviços diversos. A representação que faziam do proletariado era a representação produzida pela classe dominante e reproduziam as relações sociais de produção capitalista.

2.3 O Estado Novo e as instituições instituições assistenciais  A implantação do Estado Estado Novo no ano de 1937 que encerra o período de transitransição tem início com a outorga da nova Carta Constitucional. Pela primeira vez, há uma referência na legislação federal a respeito dos serviços sociais, pela qual o Estado fica obrigado a assegurar o amparo aos desvalidos, à matenidade e à infância. Na chamada era Vargas, há um grande investimento na industrialização e uma expansão do mercado de trabalho urbano. Fortemente marcado por seu aspecto violento, o Estado Novo busca superar a luta de classes através da repressão e tortura concomitante concomitantemente mente e inversamente apresenta uma postura política voltada para as massas: atende parcialmente algumas reivindicações dos setores populares. A legislação social da era Vargas inibe a exploração “primitiva” da força de trabalho, sem sem deixar de reforçar a dominação dominação do capital. A legislação sindical transforma os sindicatos em meros aparatos burocráticos do Estado e centros assistenciais complementares à Previdência Social mantidos pelos impostos sindicais. De acordo com Iamamoto & Carvalho (2014, p. 254), o desmonte da função mobilizadora dos sindicatos faz emergir a “figura do pelego, líder sindicalista comprometido com a burocracia do Ministério do Trabalho, desvinculado da categoria profissional a que pertence e que se caracteriza pela docilidade ante o patronato e pela manipulação de recursos assistenciais.”

De acordo com Iamamoto & Carvalho (2014, p. 254), o desmonte da função mobilizadora dos sindicatos faz emergir a “figura do pelego, líder sindicalista comprometido com a burocracia do Ministério do Trabalho, desvinculado da

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categoria profissional a que pertence e que se caracteriza pela docilidade ante o patronato e pela manipulação de recursos assistenciais.” Na esteira da política de massas surgem instituições novas: Seguro Social,  Justiça do Trabalho, Assistência Assistência Social. Tais instituições caracterizavam-se caracterizavam-se por atenuarem as sequelas da exploração capitalista, pouco modificando as condições de vida da população. As reivindicações históricas do proletariado, ao serem incorporadas por intermédio de políticas assistenciais, sofrem um processo de falsificação e burocratização, passando a ter como elementos centrais ocultos os interesses hegemônicos dentro do Estado: a acumulação e o enquadramento da Força de Trabalho. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 255)

No ano de 1938 é criado o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), órgão público responsável por estudar os problemas sociais. E após o engajamento do país na Segunda Guerra Mundial, tem-se a criação da primeira grande instituição de assistência social, a Legião Brasileira de Assistência (LBA). “Criada em 28 de agosto de 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) teve longa existência e significou um marco na organização da assistência social no Brasil. Inicialmente a LBA direcionou os seus esforços para atender as famílias dos soldados que estavam na Europa, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial – o próprio nome da instituição expressa nítida referência militar. A primeira-dama Darcy Vargas Vargas agregou mulheres das classes mais privilegiadas do país para compor uma legião de combatentes femininas que, mesmo não indo para o cenário da guerra na Europa, deveriam atuar no Brasil como verdadeiros soldados naquilo que eram capazes de fazer: cuidar dos mais necessitados, principalmente das famílias dos pracinhas. Logo que a guerra acabou o Boletim Informativo da LBA explicou que em tempos de paz os serviços de assistência social seriam prestados em colaboração com o poder público e outras instituições privadas abrangendo uma ampla gama de serviços (O programa..., 1945, p.6). Ao observarmos a estrutura da LBA nota-se que ela foi organizada como um superministério ou supersecretaria, abarcando serviços da assistência social à saúde, da educação à habitação, da pesquisa social à propaganda, enfim, atuando em diferentes frentes de ação, que não por acaso foram prioritárias durante o governo Vargas.” Vargas.” (MARTINS, 2011, p. 16)

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“Criada em 28 de agosto de 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) teve longa existência e significou um marco na organização da assistência social no Brasil. Inicialmente a LBA direcionou os seus esforços para atender as famílias dos soldados que estavam na Europa, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial – o próprio nome da instituição expressa nítida referência militar. A primeira-dama Darcy Vargas agregou mulheres das classes mais privilegiadas do país para compor uma legião de combatentes femininas que, mesmo não indo para o cenário da guerra na Europa, deveriam atuar no Brasil como verdadeiros soldados naquilo que eram capazes de fazer: cuidar dos mais necessitados, principalmente das famílias dos pracinhas. Logo que a guerra acabou o Boletim Informativo da LBA explicou que em tempos de paz os serviços de assistência social seriam prestados em colaboração com o poder público e outras instituições privadas abrangendo uma ampla gama de serviços (O programa..., 1945, p.6). Ao observarmos a estrutura da LBA nota-se que ela foi organizada como um superministério ou supersecretaria, abarcando serviços da assistência social à saúde, da educação à habitação, da pesquisa social à propaganda, enfim, atuando em diferentes frentes de ação, que não por acaso foram prioritárias durante o governo Vargas.” (MARTINS, 2011, p. 16)  A LBA apresentava como objetivo inicial a prestação de assistência às famílias dos soldados convocados para a guerra e outros assuntos referentes ao esforço de guerra. Posteriormente, seus objetivos se estenderam a todas as áreas da assistência social, contribuindo para a racionalização da assistência no Brasil. Contava com financiamento do governo e de algumas entidades privadas. Em relação às técnicas do Serviço Social no interior da LBA, eram desen volvidas visitas domiciliares, inquéritos sociais, pesquisa social e entrevistas e utilizava-se o método do serviço social de casos para decisão quanto a auxílios financeiros, encaminhamentos para serviços médicos, regularização de documentos, obtenção de empregos, etc. A organização da LBA e a sua especialização na assistência social indicam como o Estado Novo propiciou as condições para o exercício do que poderíamos chamar de uma ‘cidadania feminina’ baseada na utilidade social das mulheres por meio da extensão moral da maternidade para a sociedade. Essa cidadania, de perfil bastante conservador, também se fez presente em outros contextos políticos, como o Estado Novo salazarista, a Itália fascista e a Espanha franquista.

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Esses regimes tiveram apoio considerável das mulheres organizadas em associações muito semelhantes à LBA, que se sustentaram na ideia da participação política das mulheres a partir daquilo que as habilitava para a intervenção social: a capacidade de cuidar com a qual a natureza as dotou. A criação da LBA é contemporânea à organização da assistência social fundada numa racionalidade política dos Estados de bem-estar e em padrões científicos de pesquisa, estratégias de ação e formação de recursos humanos presentes nos países ocidentais. (MARTINS, 2011, p.16)

No ano de 1942 foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Inustrial (SENAI) visando a organização de escolas para formação e qualificação de industriários. O SENAI, criado no limiar e um novo ciclo de expansão capitalistas da formação econômico-social brasileira, aparece, enquanto instituição social, claramente determinado por aquela conjuntura. A adequação da Força de Trabalho às necessidades do sistema industrial se revestirá, esquematicamente, de dois aspectos principais: o atendimento objetivo ao mercado de trabalho, no sentido de supri-lo de trabalhadores portadores das qualificações técnicas necessárias, e a produção de uma Força de Trabalho ajustada psicossocialmente (ideologicamente) ao estágio de desenvolvimento capitalista. (IAMAMOTO, CARVALHO, 2014, p. 280)

O SENAI foi uma das primeiras instituições a incorporar o Serviço Social que em seu âmbito utilizava a metodologia de serviço social de caso e de grupo.  As práticas sociais realizadas pelo assistente social no interior da instituição tinham como objetivo o ajustamento do trabalhador à ordem capitalista, atra vés de encaminhamentos a outras entidades, orientação familiar, organização de passeios culturais, readaptação profissional, encaminhamentos aos serviços oferecidos na própria instituição (dentista, médico, nutricionista) e organização de associação de alunos. O olhar para as determinações subjetivas do trabalho findava em reforçar a divisão social do trabalho, a obediência e a dominação de classes, sendo que o assistente social ficava encarregado dos casos que desviavam deste padrão exigido.  Além da LBA e do SENAI, outra instituição assistencial desempenhou papel importante na prática de serviço social no Brasil: o Serviço Social da Indús-

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tria – SESI. O SESI foi criado com o intuito de oferecer melhores condições de  vida aos trabalhadores da indústria. A criação do SESI ocorreu em 1946, num momento de pós-guerra, e demonstrou a estratégia adotada pela burguesia industrial para enfrentar a questão social: a prestação de serviços assistenciais aos operários e suas famílias, incluindo lazer, educação popular, atendimento médico, odontológico, assistência alimentar e habitacional. O setor de Serviço Social do SESI atuava como um facilitador das atividades adaptadas às necessidades dos operários e de suas famílias. Realizava plantão, encaminhamentos, encaminham entos, avaliação social para concessão de benefício e orientações. Pode-se afirmar que a atuação do Serviço Social no SESI demarca sua institucionalização e sua incorporação pela burguesia bur guesia industrial.  As instituições assistenciais acima citadas, somadas a outras que surgiram no país após a década de 1930, diretas ou indiretamente geridas pelo Estado, exerceram um papel fundamental frente às ações de disciplinamento e reprodução da força de trabalho favorecendo a manutenção da dominação de classe.  As instituições assistenciais respondiam às reivindicações da classe trabalhadora com a oferta de benefícios que possibilitavam a manutenção da capacidade de trabalho dos operários. Sendo assim, continham um aspecto político-ideológico acoplado a suas propostas: ao oferecerem benefícios, impunham alguns hábitos próprios da classe dominante e transmitiam a ideia de aceitação das relações sociais vigentes. Pode-se afirmar que a legitimação e institucionalização do Serviço Social ocorreu concomitantemente ao desenvolvimen desenvolvimento to das instituições assistenciais, ampliando-se o mercado de trabalho e consolidando a profissão enquanto um grupo de trabalhadores assalariados com práticas sociais institucionalizadas. As grandes instituições assistenciais desenvolvem-se num momento em que o Serviço Social, como profissão legitimada dentro da divisão social do trabalho – entendendo o Assistente Social como profissional que domina um corpo de conhecimentos, métodos e técnicas – é um projeto ainda em estado embrionário; é uma atividade profunamente marcada e ligada à sua origem católica, e a determinadas frações de classes, as quais ainda monopolizam seu ensino e prática. Nesse sentido, o processo de institucionalização do Serviço Social será também o processo de profissionalização dos Assistentes Sociais formados nas Escolas especializadas.(IAMAMOT especializadas.(IAMAMOTO; O; CARVALHO; 2014, p. 327)

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 Assim, o Serviço Social se desenvolveu a partir da identidade atribuída pelo capitalismo e pela Igreja, identidade esta despolitizada e desprovida de consciência social, não se constituindo como uma identidade própria da categoria profissional. Seu modo de trabalho se caracterizava por um agir imediato alienante e alienado, denominado por alguns autores como o  fetiche da prática. Sem tomar consciência das contradições inerentes à sociedade capitalista, a categoria profissional somente respondia aos interesses da classe hegemônica e não se engajou em um projeto coletivo de ação profissional. O Serviço Social aproximou-se da burguesia e se afastou da classe trabalhadora, pois suas ações profissionais atendiam muito mais aos interesses do capital do que às reinvindicações da classe trabalhadora e visavam à manutenção da ordem social.  A institucionaliza institucionalização ção do Serviço Social ocorreu principalmente através do Estado que, unido à classe dominante, se tornou o maior empregador do assistente social. E a linha de prática do Serviço Social no Brasil, que até então recebia forte influência européia, em especial da linha franco-belga, a partir dos anos de 1940 passou a se aproximar da experiência norte-americana. É o que veremos a seguir.

2.4 A ideologia desenvolvim desenvolvimentista entista e o amadureciment amadurecimentoo do Serviço Social no Brasil Na década de 1960 o Serviço Social atingiu seu auge em termos de desenvolvimento, passando por transformações e modernizações. Os congressos organizados pela categoria e a busca busca pela integração à perspectiva perspectiva desenvolviment desenvolvimentisista que prevalecia no país favoreceram e contribuíram para o amadurecimento técnico e teórico da profissão .  A proposta desenvolvimentista pela qual o Brasil passou teve início com a posse de Juscelino Kubitschek como presidente da República. Assim, se engendrou a ideologia desenvolvimentista, desenvolvimentista, com a abertura da economia para a internacionalização. nacionalizaçã o. A proposta desenvolvimentista envolvia crescimento econômico acelerado e uma maior integração do país ao sistema capitalista, visando o aumento da riqueza e a consequente superação superação da miséria. Acreditava-se que o desenvolvimento econômico do país traria resultados positivos para toda a sociedade e não favoreceria apenas determinados grupos ou setores. JK conciliou uma política populista com uma grande participação do capital estrangeiro na economia nacional. Assim, as indústrias e grandes empresas passaram a ser um mercado de trabalho crescente para o Serviço Social.

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O crescimento industrial ganhou maior dimensão a partir do governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961) com a criação de medidas alfandegárias para a vinda de empree mpresas inernacionais para o Brasil. Esse período foi conhecido pelo seu otimismo no que tange ao crescimento da economia brasileira em que medidas como o Plano de Metas incentivaram a produção industrial. Essa política do JK para estimular o crescimento industrial ficou conhecida como nacional-desenvolvimentista, ela concetrava suas atenções em investimentos na área de energia e de transportes. Para isso, JK utilizou o capital estrangeiro permitindo a entrada de empresas multinacionais para o Brasil, como a montadora de automóveis, Volkswagen. (Site brasilescola.com)

Em relação aos congressos de Serviço Social, no ano de 1945 ocorreu o I Congresso Pan-Americano de Serviço Social, realizado no Chile que marcou a afirmação da influência norte-americana no Serviço Social da América Latina. Ressalta-se nesse congresso um amplo debate a respeito do Serviço Social na Indústria, da formação profissional e do intercâmbio interamericano. interamericano. O primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social ocorreu em 1947, organizado pelo CEAS e reuniu representantes das principais entidades particulares e governamentais vinculadas ao Serviço Social. Foi um congresso preparatório para o II Congresso Pan-Americano de Serviço Social que ocorreu no Rio de Janeiro no ano de 1949. Este último já apresentava um discurso profissional mais secularizado e menos apostolar, com olhar para as técnicas, valorizando os métodos de Caso, Grupo e Comunidade. Entretanto a ideia do reajustamento dos indivíduos permaneciam como base da intervenção do assistente social. Contudo, foi a partir do II Congresso Brasileiro de Serviço Social realizado em 1961 que os assistentes sociais passaram a participar efetivamente do projeto desenvolvimentista e rever suas práticas, buscando readequá-las à realidade vivenciada pela sociedade brasileira na época. Sobre as resoluções do II Congresso, Iamamoto e Carvalho apontam: Criticam-se as práticas paternalistas das grandes instituições assistenciais, constata-se a inadequação das estruturas político-administrativa às exigências do desenvolvimento socioeconômico e a necessidade de medidas corretivas; verifica-se a necessidade de uma reforma universitária […] Pede-se melhor qualidade e pontualidade nos serviços prestados pela Previdência Social, Salário-família e Auxílio Desemprego. (IAMAMOTO E CARVALHO, 2014, P. 374)

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Os projetos profissionais do Serviço S erviço Social se expandiram na direção desen volvimentista presentes nos governos de JK e de Jânio Quadros, buscando desenvolver a sociedade com técnicas de desenvolviment desenvolvimentoo de comunidade. Cabe mencionar que tanto as propostas dos assistentes sociais quanto a ideologia desenvolvimentista não mencionavam a estruturação das relações sociais na sociedade capitalista, assim como não explicavam as determinações do processo social. O desenvolvimentismo mantinha a ordem social tal qual encontrava-se, dividida em classes sociais e propunha o crescimento econômico como solução para os problemas do país. A ênfase dada à técnica de desenvolvimento de comunidade se difundiu no Serviço Social na época, sob o prisma da modernização trazida ao país através de programas patrocinados por organismos internacionais. Esta técnica penetrou nos meios rurais através da educação de adultos e em programas diversos, exportada pela indústria do conhecimento norte-americana. De acordo com Castro (2011), o desenvolvimento de comunidade apresentava uma abordagem funcionalista da questão social e era adequado à realidade social norte-americana e não à sociedade brasileira, devido às claras distinções entre elas. O assistente social tinha o papel de organizar a população no sentido de obter realizações materiais, como contruções de escolas e serviços de saúde. Entretanto, a ênfase do desenvolvimento de comunidade nos métodos de trabalho e o engajamento da categoria profissional na proposta desen volvimentista sob a égide do crescimento crescimento econômico como forma de combater os problemas sociais acarretou na reiteração do clientelismo. As ações profissionais não eram críticas em relação à estrutura econômica desigual e a necessidade de transformação da realidade social, buscando apenas identificar as necessidades da população e os recursos disponíveis. Dentre os pressupostos do Desenvolvimento de Comunidade, pode-se citar: • O incentivo incentivo à participação popular como forma de obter desenvolvimento social • O desenvolviment desenvolvimentoo de métodos de motivação da participação popular • O Desenvolvimen Desenvolvimento to de Comunidade enquanto proposta de superação do subdesenvolvimento

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capítulo 2

 

 A ideologia contida contida no Desenvolvimento Desenvolvimento de Comunidade Comunidade era a de que as soluções para os problemas da sociedade estavam na própria sociedade, desresponsabilizando o próprio Estado das obrigações para com o progresso social. Todavia, não se pode negar que todo o processo do Serviço Social com a proposta desenvolvimentista do país e com a adoção do método de Desenvol vimento de Comunidade propiciou a revalorização da profissão e seu reconhecimento social.

2.5 Movimento de Reconceituação Reconceituação da profissão  A partir da década de 1960, o Brasil passou passou a viver tempos difíceis. O mundo vinha passando por muitas transformações: a divisão em dois blocos, sendo um capitalista e outro socialista, denominada Guerra Fria; a Revolução Socialista Cubana em 1959. A situação do país era caracterizada por uma economia dependente que gerava o aumento da pobreza e da miséria e atendia aos interesses dos países desenvolvidos. O golpe de 1964 que deu início à ditadura militar  veio cercear a liberdade da população e destruir a organização social e política conquistada pelos trabalhadores até aquele momento. Nesse contexto alguns profissionais da categoria começaram a desenvolver uma percepção crítica da realidade e também da profissão. Passaram a buscar a superação da alienação, negando as aparências do capitalismo e redefinindo o significado da profissão. Os agentes críticos começaram a questionar a identidade atribuída ao Serviço Social pela classe dominante e a não-identidade que tomava conta dos profissionais durante os tempos da ditadura, considerando que a profispr ofissão não era legitimada pela classe trabalhadora. Para a classe trabalhadora, a prática do Serviço Social significava imposição, dirigida a situações particulares e divorciada dos reais interesses do proletariado; para os “agentes críticos”, inúmeros eram os questionamentos que se colocavam quanto à legitimidade de uma prática que, aprisionada pela tecnoburocracia, deixava de pulsar com o movimento social e histórico, esvaziando-se politicamente e perdendo a possibilidade de responder aos desafios colocados pela realidade. (MARTINELLI, 2011, P. 143)

Os profissionais que assumiram tal postura crítica passaram a batalhar por uma mudança na realidade profissional, realizando uma leitura crítica do pro-

40 • capítulo 2

 

cesso. Tal movimento foi denominado Movimento de Reconceituação e seus agentes críticos procuraram reunir em torno de seus objetivos o maior número possível de profissionais da categoria. É evidente que a desunião e a fragmentação que permeavam a categoria impediram que o Movimento fosse bem sucedido no seu início, dividindo a categoria em dois grupos: os reconceituados e os não-reconceituados, ou seja, aqueles que adotavam posições revolucionárias  versus os que mantinham mantinham as tradicionais práticas. práticas.  Alienação e crítica passaram a conviver entre os profiss profissionais ionais do Serviço Social a partir do Movimento de Reconceituação iniciado em 1965. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o movimento ganhou força e um novo percurso profissional foi traçado, a partir da construção de uma identidade mais próxima das classes populares. Conhecer a realidade das classes populares e suas reivindicações era a única saída para reverter a postura impositiva e controladora que a profissão vinha exercendo. As alianças com a classe trabalhadora marcam a nova fase do Serviço Social, com ações politizadas vinculadas aos interesses ds classes populares. Foi a partir do momento em que começou a rompoer a alienação, a negar a identidade atribuída, a recusar os modelos importados, que a categoria profissional conseguiu expandir sua base crítica, produzindo novas alternativas de prática. Se historicamente a sua legitimidade decorreu de seu papel auxiliar no processo de reprodução das relações sociais capitalistas, agora a ruptura da alienação lhe permitia divisar um novo horizonte, no qual a ordem social capitalista já não ocupava mais uma posição hegemônica, antes expressando-se como produto de um regime assinalado, como tudo que é ser humano, pela transitoriedade. O objetivo da prática social transportava-se, assim, para uma outra dimensão, onde a busca fundamental passava a ser a produção de novas relações sociais, a superação supe ração da sociedade capitalista. (MARTINELLI, 2011, P. 151)

 O quadro a seguir ilustra as principais mudanças ocorridas no discurso do Serviço Social antes do Movimento de Reconceituação e após o Movimento de Reconceituação.

 • 41

capítulo 2

 

SERVIÇO SOCIAL PRÉRECONCEITUAÇÃO

SERVIÇO SOCIAL PÓSRECONCEITUAÇÃO

• Assistência aos pobres e carentes • Patologia social

• Compromisso com a população • Mudança de estrutura

•• Serviço Serviço Social Social de de Casos grupos • Desenvolvimento de comunidade

•• Revolução Direito dos social trabalhadores • Conscientização social

 A partir do Movimento de Reconceituação, os assistentes sociais passam a construir sua própria identidade profissional, altamente crítica em relação ao sistema capitalista, capitalista, às relações sociais e à ordem social vigente. Inicia-se a autocrítica aos métodos “importados” e a neutralidade exigida na aplicação de tais técnicas, denotando a procura por um Serviço Social mais brasileiro. Tal movimento se expandiu por toda a América Latina devido à situação semelhante abarcada por todos países vizinhos. Dessa forma, pode-se afirmar que o desenvolvimentismo cedeu espaço à uma concepção conscientizadora-revolucionária, fundamentada na metodologia de trabalho marxista, o materialismo histórico dialético. Gradualmente, o Serviço Social rompeu com a alienação em relação à identidade atribuída da categoria e assumiu uma postura menos conservadora. O III Congresso Brasileiro de Serviço Social realizado no ano de 1979, conhecido como o Congresso da Virada, reafirmou os interesses da categoria em mudanças de postura e demonstrou sua organização frente a um novo projeto profissional.

ATIVIDADE 1.

Pesquise na internet ou em livros de História a proposta desenvolvimentista iniciada com o governo de Juscelino Kubistchek.

2.

Aponte suas principais características e faça uma reflexão crítica sobre os efeitos desta proposta para a sociedade brasileira.

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REFLEXÃO Agora que você conhece melhor as instituições brasileiras de assistência social pioneiras do Brasil, procure refletir sobre o papel social que elas desempenharam na sociedade e seus impactos junto à população trabalhadora.

LEITURA Leia o artigo intitulado Gênero e assistência: considerações histórico-conceituais sobre práticas e políticas assistenciais, de autoria da historiadora Ana Paula V. Martins, sobre os cuidados e a organização da assistência social no Brasil, clicando no link:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. São Paulo: Cortez, 2011. ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. IAMAMOTO, Marilda; CARV IAMAMOTO, CARVALHO, ALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil . Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez, 2011. MARTINS, Ana Paula Vosne. Gênero e assistência: considerações histórico-conceituais sobre práticas e políticas assistenciais. História, Ciências, Saúde –Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, supl. 1, dez. 2011, p.15-34. SITE BRASIL ESCOLA.

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capítulo 2

 

NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo você conhecerá a formação acadêmica em Serviço Social, as diretrizes curriculares e os programas de pós-graduação da área.

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3 Formação Profissional em Serviço Social

 

3 Formação Profissional em Serviço Social Neste capítulo será apresentado o tema da formação acadêmica dos alunos dos cursos de Serviço Social, suas principais diretrizes e inclui também a apresentação dos cursos de pós-graduação em Serviço Social.

OBJETIVOS • • •

Apresentar a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social), entidade responsável pela coordenação e articulação do projeto de formação profissional; Apontar a situação da formação profissional na graduação e pós-graduação Discutir as diretrizes curriculares previstas para o curso de Serviço Social

REFLEXÃO Você se lembra dos motivos que o levaram a escolher este curso de graduação? A princípio, o ingresso na profissão de assistente social exigia vocação e renúncia pessoal. Atualmente, o compromisso ético-político somado ao arcabouço teórico-metodológico garantem um profissional competente e engajado ao projeto da categoria. Além disso, o assistente social inserido na divisão sociotécnica do trabalho é um trabalhador assalariado como tantos outros que também precisa lutar por melhores condições de trabalho e remuneração permanentemente, não podendo exercer suas atividades profissionais de forma voluntária.

3.1 O processo processo de formação profissional  A formação profissional consiste em um espaço de reprodução da profissão, além de se tratar de um contexto no qual a cultura profissional é organizada e reorganizada. Devido a essas características, não é exagero afirmar que o processo de formação profissional envolve um aspecto de complexidade, pois o objeto da profissão é extremamente complexo. Cabe lembrar que o assistente social possui enquanto objeto profissional as manifestações da questão social na realidade e que esta encontra-se em constante modificação e vem se complexificando à medida que as estratégias de reprodução do capitalismo tornam-se mais sofisticadas. A formação está entrelaçada ao objeto profissional, o que

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permite compreender os motivos pelos quais o processo de formação profissional é bastante complexo. O processo de formação profissional não se restringe ao ensino em Serviço Social: trata-se de um processo contínuo e inacabado de autoqualificação. A educação permanente é uma premissa importante para aqueles que escolhem a profissão de assistente social, pois a atualização é sempre necessária para quem lida diretamente com a realidade social. Outro aspecto importante da formação profissional é a construção de saberes a respeito da prática social. O assistente social, seja aquele que está envolvido com com a pesquisa inserido em programas de pós-graduação, ou mesmo aquele que está atuando na prática deve buscar construir conhecimento sobre a realidade social e sobre as manifestações da questão social na população.  A inves investigaç tigação ão ou pesq pesquisa uisa acerca realidade realidade é uma das dime dimensões nsões do exerc exercício ício profissional, como veremos em capítulo posterior. O ensino acadêmico em Serviço Social equivalente à graduação objetiva a preparação inicial para o exercício profissional, direcionando o profissional quanto ao referencial teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo. É essencial que durante a graduação, os discentes de Serviço Social compreendam o processo de formação em sua totalidade, o que envolve sua historicidade e sua relação com a realidade social e deve abranger as três dimensões acima citadas: a teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.  Ao estudarmos a gênese do d o Serviço Social no primeiro capítulo deste livro,  vimos que o Serviço Social surgiu como uma estratégia de enfrentamento da questão social proposta pela burguesia. No contexto histórico brasileiro, pudemos perceber que o surgimento da profissão coincide com o fim da escravidão e início do assalariamen assalariamento to e teve forte influência da Igreja Católica através do apostolado laico. As entidades criadas pela igreja para disseminação de sua doutrina social foi impactante para a expansão de ações sociais, dando as bases para a criação da profissão, sendo que o CEAS, fundado pela Igreja I greja Católica, representou um marco na atribuição de maior efetividade às ações filantrópicas.

 • 47

capítulo 3

 ©  D  E    S   T   I    N  A   1    5    6     |    D  R  E   A   M   S   T   I    M  E   .  C   O  M 

 

Pode-se afirmar que a pedra angular da formação em seus primórdios teve forte influência europeia do modelo franco-belga, se lembrarmos que o primeiro curso de qualificação de agentes da prática social, denominado Curso Intensivo de Formação Social para Moças, foi ministrado pela assistente social belga Adèle de Loneuax, da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas. Havia forte influência do ideário franco-belga de ação social que se baseava no pensamento de São Tomás de Aquino (o tomismo do século XII) e em sua retomada por Jacques Maritain na França e pelo Cardeal Mercier na Bélgica (neotomismo no fim do século XIX). O modelo fundamentava-se numa linha de apostolado do “servir ao outro”, tomando como base o princípio neotomista de salvar corpo e alma. O modelo franco-belga limitou-se a uma formação essencialmente doutrinária e moral.  A partir de 1940, sob a influência do desenvolvimentismo desenvolvimentismo e das técnicas norte-americanas de ação social, há uma grande ênfase na questão metodológica com o intuito de modernização da profissão no Brasil. A aproximação do país com os Estados Unidos da América (EUA) repercurtiu diretamente na profissão, que passou a utilizar metodologias de ação que tornassem a prática profissional mais eficaz. Nesta época, a formação profissional tinha seus alicerces no ensino das metodologias de Caso, Grupo e Desenvolvimento de Comunidade e adquiriu um perfil mais técnico, afastando-se do pensamento católico.  A partir da década de 1960, aumentou-se a exigência quanto quanto a um profissional mais moderno e ocorreu a vinculação efetiva com as disciplinas atreladas às Ciências Sociais, como a Sociologia, a Psicologia Social e a Antropologia. Estas passaram a integrar o currículo da graduação, sendo disciplinas ministradas nos primeiros anos do curso. A laicização da formação, ou seja, a desvinculação da fundamentação teórica da profissão do pensamento cristão, ocorreu neste período, iniciando-se a ruptura com o Serviço Social tradicional e a renovação da profissão através do chamado Movimento de Reconceituação. O Movimento de Reconceituação propiciou alguns desdobramentos que se distinguiram de acordo com a perspectiva teórica adotada, não se constituindo um movimento homogêneo. Alguns autores citam três perspectivas: 1. A perspectiva de modernização conservadora: ênfase na especializaç especialização ão e avanço técnico-científico – impulsionada pela metodologia metodologia do Desenvolvimento de Comunidade;

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2. A perspectiva de reatualização do conservadorismo: orientação fenomenológica, valorização da subjetividade; 3. A perspectiva perspectiva de intenção intenção de ruptura: ruptura: rompimento rompimento com o conservadoconservadorismo e adoção da teoria marxiana.   5

Nos anos de 1978-1979, emanou o movimento de revisão curricular, que foi oficializada pelo Conselho Nacional de Educação em 1982. A partir da revisão, novos objetivos foram propostos, assim como outros conteúdos foram definidos, enfatizando-se a função social da formação profissional e a importância de uma prática consciente, inserida no contexto das relações de classe. O Código de Ética Profissional de 1986 apresentou muitos avanços nessa direção e buscou privilegiar a atenção às demandas atreladas aos interesses das classes subalternas. Ocorreu um giro no perfil profissional: de um perfil apenas técnico para um perfil técnico-intelectual; técnico-intelectual; de um profissional que apenas intervinha na realidade para um profissional qualificado em termos de competências e habilidades para apreender as relações e os processos sociais. No ano de 1996, criou-se um currículo mínimo para a formação em Serviço Social e no ano de 2002, houve a aprovação pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Serviço Social. Tais diretrizes apresentavam a perspectiva da teoria social-crítica, a luta pela emancipação humana, pela construção de uma sociedade sem dominação e exploração e trazia a “questão social” como o grande alicerce sócio-histórico da formação.

3.2 A ABEPSS  A Associaçã Associaçãoo Brasileira Brasileira de Ensino Ensino e Pesquisa Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS (ABEPSS)) foi criada em 1946, logo após a criação do primeiro curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. A princípio, a entidade era denominada Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS). No ano de 1979, a ABESS assumiu a tarefa de coordenar e articular o projeto de formação profissional, passando a se chamar Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social. No ano de 1980, houve a criação do Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social (CEDEPSS) devido às demandas advindas do

5 Marxiana: abordagem da teoria marxista a partir das próprias obras de Karl Marx.

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capítulo 3

 

surgimento dos cursos de Pós-Graduação. Na década de 1990, a ABESS passou a ser denominada ABEPSS, mudança justificada pela indissociabilidade do ensino e pesquisa, além da explicitação da natureza científica da entidade. A ABEPSS organiza o Encontro Nacional de Pesquisadores de Serviço Social – ENPESS, de dois em dois anos, além de oficinas, encontros e assembleias. De acordo com seu Estatuto, trata-se de uma “entidade civil, de natureza acadêmico-científica de âmbito nacional, de direito privado, sem fins lucrativos e com duração indeterminada.” Apresenta os seguintes objetivos: obj etivos:

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I – propor e coordenar a política de formação profissional na área de Serviço Social que associe organicamente ensino, pesquisa e extensão e articule a graduação com a pós-graduação; II – fortalecer a concepção de formação profissional como um processo que compreende a relação entre graduação, pós-graduação, educação permanente, exercício profissional e organização política dos assistentes sociais; III – contribuir para a definição e redefinição do assistente social perspectiva do projeto ético-político profissionaldadoformação Serviço Social na direção dasnalutas e conquistas emancipatórias. IV – propor e coordenar processos contínuos e sistemáticos de avaliação da formação profissional nos níveis de Graduação e Pós-Graduação. V – estimular intercâmbios e colaborações nacionais e internacionais entre as Unidades de Formação Acadêmica, grupos de pesquisa, pesquisadores, entidades representativas da categoria dos assistentes sociais; VI – promover articulação entre associações acadêmicas e científicas congêneres; VII – apoiar iniciativas de criação de Programas de Pós-Graduação na área de Serviço Social no país; VIII – acompanhar o processo de autorização, reconhecimento e renovação dos cursos de Graduação e Programas de Pós-Graduação; IX – fomentar e estimular a formação e consolidação de grupos de pesquisa nas universidades e/ou outras instituições voltadas para a pesquisa; X – estimular a publicação da produção acadêmica na área de Serviço Social e assegurar a publicação semestral da Revista Temporalis como revista nacional da ABEPSS; XI – divulgar cadastro de pesquisadores em Serviço Social; XII – promover eventos acadêmico-científicos na área do Serviço Social; XIII – manter atualizadas as subáreas de conhecimento e especialidades em Serviço Social nos órgãos de fomento à pesquisa adequando-as aos eixos temáticos de orientação acadêmico-científica definidos no âmbito da ABEPSS; XIV – representar e defender os interesses da área de Serviço Social, nas agências de fomento no que se refere ao ensino, pesquisa e extensão; XV – fortalecer a concepção de ensino de graduação presencial, denso, crítico, laico e numa perspectiva de totalidade. (ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL- ABEPSS, 2008)

CONEXÃO A TEMPORALIS é uma revista criada em 2000 editada pela ABEPSS e se destina a publicação de trabalhos científicos sobre temas atuais e relevantes no âmbito do Serviço Social, áreas afins e suas relações interdisciplinares. Visite o site da revista acessando o link:

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capítulo 3

 



 A ABEPSS mantém Grupos Temáticos vinculados a sua estrutura; tais grupos são formados por pesquisadores pesquisadores de Serviço Social Social e áreas afins e funcionam com autonomia. Desenvolvem reflexão teórica a respeito de temas importantes na área social e buscam a produção e circulação do conhecimento, além de promoverem debates sobre as principais linhas de pesquisa na área de Ser viço Social, dentre elas: elas: • • • • • •

Trabalho, Questão Social e Serviço Social; Política social e Serviço Social; Serviço Social: fundamentos, formação e trabalho profissional; Movimentos Sociais e Serviço Social; Questões Agrária, Urbana, Ambiental e Serviço Social; Serviço Social, Relações de Exploração/Opressã Exploração/Opressãoo de Gênero, Raça/Etnia, Geração, Sexualidades

3.3 Diretrizes curriculares  A formação profissional em Serviço Social sofreu várias modificações na última década, acompanhada das mudanças ocorridas na política educacional nacional. De acordo com a resolução nº 15 de 13 de março de 2002, ficaram f icaram estabelecidas as diretrizes curriculares para os cursos de Serviço Social. Em seu Art. 2o, a resolução traz que o projeto pedagógico de formação profissional a ser oferecida pelo curso de Serviço Social deverá explicitar: a) o perfil dos formandos; b) as competências e habilidades gerais e específicas a serem desenvolvidas; c) a organização do curso; d) os conteúdos curriculares; e) o formato do estágio supervisionado e do Trabalho de Conclusão do Curso; f) as atividades complementares previstas. (Ministério da Educação, 2012)

 A resolução dispõe sobre cada um dos d os aspectos que devem estar explicitados no projeto pedagógico, a começar pelo perfil exigido dos formandos:

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Profissional que atua nas expressões da questão social, formulando e implementando propostas de intervenção para seu enfrentamento, com capacidade de promover o exercício pleno da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos usuários do Serviço Social no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho. (Ministério da Educação, 2012)

Em relação às competências e habilidades a serem viabilizadas, destacam-se: 1. Capacitação teórico-metodológica e ético-política; 2. Compreensão do significado significado social social da profissão e de seu desenvolvidesenvolvimento sócio-histórico; 3. Preparação para a formulação formulação de respostas respostas ao enfrentamento enfrentamento da quesquestão social. Quanto aos conteúdos a serem ministrados nas disciplinas do curso de Ser viço Social, a resolução aponta três núcleos de fundamentação da formação profissional: •

núcleo de fundamentos teórico-metodológic teórico-metodológicos os da vida social, que compreende um conjunto de fundamentos teórico-metodológicos e ético-políticos para conhecer o ser social;



núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, que remete à compreensão das características históricas particulares que presidem a sua formação e desenvolvimento urbano e rural, em suas di versidades regionais e locais; locais;



núcleo de fundamentos do trabalho profissional, que compreende os elementos constitutivos do Serviço Social como uma especialização do trabalho: sua trajetória histórica, teórica, metodológica e técnica, os componentes éticos que envolvem o exercício profissional, a pesquisa, o planejamento e a administração em Serviço Social e o estágio supervisionado.

 • 53

capítulo 3

 

Os núcleos englobam um conjunto de conhecimentos e habilidades que se especifica em atividades acadêmicas, enquanto conhecimentos necessários à formação profissional. Essas atividades, a serem definidas pelos colegiados, se desdobram em disciplinas, seminários temáticos, oficinas/ laboratórios, atividades complementares e outros componentes curriculares. ( Ministério da Educação, 2012) O documento também especifica a necessidade de supervisão sistemática dos estágios enquanto atividade obrigatória na formação e a possibilidade de realização de atividades complementares, como por exemplo, monitoria, iniciação científica, participação em seminários e projetos de extensão. O decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei de Diretrizes e Bases da Eduacação Nacional de 1996, possibilitou a oferta de cursos de ensino superior à distância. Tal decreto aumentou consideravelmente o número de cursos de Serviço Social no país e consequenteme consequentemente nte o número de formandos. Tal expansão gera algumas preocupações a entidades como ABEPSS e CFESS, principalmente em relação à manutenção da qualidade do ensino nas instituições de ensino superior e às dificuldades que estes profissionais terão para se inserir no mercado de trabalho. Segundo dados do CFESS, o contingente profissional indicava 110.000 assistentes sociais, o que significa que, pela primeira vez na história da profissão, o número de alunos supera o de profissionais, o que confirma a tese de Iamamoto (2008) acerca da formação de um exército assistencial de reserva. (Lewgoy, A. M. B; Maciel, A. L. S.; Reidel, T., 2013)

Neste sentido, a produção científica da área de Serviço Social vem desenvol vendo pesquisas sobre a formação profissional e apontando lacunas que possibilitem identificar os pontos a serem melhorados para o fortalecimento do projeto de formação da área.

3.4 PósPós-graduação graduação em Serviço Serviço Social Social O surgimento dos primeiros programas de pós-graduação no país ocorreu a

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partir da década de 1930, com franca expansão a partir da década de 1960. As transformações políticas, sociais, econômicas econômicas e culturais do período ditatorial, com forte incentivo ao sistema capitalista geraram a necessidade de determinado suporte tecnológico e científico à política de modernização. Organizados nos moldes da estrutura educacional norte-americana, os programas de pósgraduação privilegiavam ( e ainda privilegiam) a formação de técnicos para atuarem nas políticas de desenvolvimento nacional e o estímulo a pesquisas  voltadas para atender atender os interesses do mercado. mercado. Nesse contexto de modernização conservadora se dá a criação dos primeiros programas de pós-graduação em Serviço Social, sendo que os primeiros cursos foram implantados nas Universidades Católicas de São Paulo e Rio de Janeiro. É também neste contexto e conjuntura, no marco do projeto e do processo de modernização conservadora, tendo em vista a necessidade de desenvolver as forças produtivas e de construir um perfil de profissional que lhe fosse funcional, que se dá a criação da pós-graduação em Serviço Social no Brasil, com claro perfil tecnológico e parametrizada pelo modelo norte-americano, sendo os primeiros cursos implantados nas Universidades Católicas de São Paulo e do Rio de Janeiro, ambos em 1972. (GUERRA, 2011, p. 131)

  O Movimento de Reconceituação da profissão, já citado em capítulo anterior deste livro, desperta a preocupação com a qualificação profissional e com a pesquisa. A categoria passa a reivindicar novos aportes teóricos crítico-sociais que exigem uma renovação da formação do assistente social também nos programas de pós-graduação. E é por meio da vertente crítico-social, fundamentada no marxismo, que o Serviço Social consolida sua legitimidade no campo acadêmico, adquirindo maturidade intelectual. O ano 2000 e os que se seguem apresentaram desafios importantes para a produção intelectual e para os programas de pós-graduação brasileiros, principalmente aqueles da área de humanas. Vemos na contemporaneidade a predominância da lógica mercantilista e a educação, em todos os seus níveis, sendo instrumentalizada para responder às necessidades do capital e dos serviços oferecidos no mercado. Com isso, acompanha-se um processo de sucateamento da educação e o aumento de parcerias entre universidades univer sidades e empresas, assim como a participação de pesquisadores no desenvolvimento de novas tecnologias di-

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capítulo 3

 

recionadas às empresas, o que coloca em risco a autonomia das universidades.

CONEXÃO Para mais informações sobre a lei que prevê ações de inovação tecnológica, consulte o link da legislação que dispõe sobre os incentivos à inovação e à pesquisa científica.

Neste sentido, a proposta de um Serviço Social crítico à ordem capitalista vigente tem incentivo limitado, principalmente em relação a financiamento para pesquisas. Quanto aos parcos recursos disponibilizados, não é qualquer pesquisa que recebe apoio financeiro: há uma clara depreciação das instituições dedicadas à pesquisa, pressionadas, a partir dos critérios de avaliação, sob critério de rentabilidade e lucro, a oferecerem soluções ao setor produtivo-mercantil submetendo seus objetivos acadêmicos aos resultados imediatos. (GUERRA, 2011, p. 142)

Contudo, a pós-graduação em Serviço Social no Brasil, após mais de dez anos de investimento em sua consolidação pela ABEPSS, vem se apresentando como uma área fecunda.  A pós-graduação em Serviço Social é exercida majoritariamente pelas uni versidades públicas, com pouca expressividade nas instituições privadas. De acordo com o Relatório Trienal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) produzido no ano de 2013, a área de Serviço Social é composta por 31 programas de pós-graduação, a maioria deles concentrado na Região Sudeste. O crescimento dos cursos de Mestrado Mestrado e Doutorado em Serviço Social vêm ocorrendo gradualmente, possibilitando possibilitando maior acesso ao processo de formação de docentes na área. O quadro a seguir mostra como os pesquisadores estão organizados para realizarem seus estudos científicos.

56 • capítulo 3

 

ESTRUTURAS DE PESQUISA

TOTAL

DESCRIÇÃO 04 São Paulo 01 no Pará 03 no Rio de Janeiro

Grupos de Plataforma pesquisa (Cadastrados na Carlos Chagas do CNPq)

Cursos de Pós-Graduação em Serviço Social (Em funcionamento segundo a (APES)

19

31

01 em Porto Santa Alegre Catarina 03 em 03 na Bahia 01 em Tocantins 03 em Minas Gerais 01 no Sergipe 30 Programas ern funcionamento e em organização 10 Programas possuem disciplinas relacionadas ao tema da Formação

Quadro 3.1 – Demonstrativo das estruturas de Pesquisa em Serviço Social no Brasil Fonte: Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação e Exercício profissional (GEFESS, 2012).

O dado mais preocupante apresentado no quadro acima diz respeito ao baixo número de programas de pós-graduação que oferecem disciplinas sobre o tema da formação profissional. Isso pode ser preocupante e traz muitas indagações, como por exemplo, por que a ausência de debate sobre a formação justamente no contexto de formação de docentes? O próximo quadro apresenta dados referentes à produção bibliográfica em Serviço Social que tratam do tema “formação profissional”, publicadas durante o período de 2000 a 2010. TIPO DE   2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 TOTAL PRODUÇÃO ANO Anais de evento

ENPESS CBAS

10

17 31

41

35 32

22

102

227

43

64

170

 • 57

capítulo 3

 

Revistas serviço social e sociedade

00

00

00

00

04

04

01

00

10

01

04

20

Revistas temporalis

14

02

03

00

20

01

03

08

04

10

05

70

01

01

02

01

01

01

02

03

02

01

04

05

31

03

44

54

38

16

180

525

Teses Dissertações

06

03

04

01

Total de produções

30

36

25

02

97

07

Quadro 3.2 – Demonstrativo da produção bibliográfica em Serviço Social sobre formação profissional no período de 2000 a 2010. Fonte: Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação e Exercício profissional (GEFESS, 2012).

 Analisando o quadro, pode-se constatar um aumento na produção bibliográfica da área a respeito de questões relativas à formação profissional, demonstrando uma importante ação dos acadêmicos na tentativa de dar visibilidade a tais questões que são de suma importância para a superação das barreiras institucionais e de outras condições adversas que limitam a formação de futuros assistentes sociais.

ATIVIDADE Leia e comente: Pela primeira vez na história da profissão, o número de alunos supera o de profissionais, o que confirma a tese de Iamamoto (2008) acerca da formação de um exército assistencial de reserva.

REFLEXÃO Algumas mudanças nas políticas de educação superior no país interferiram diretamente no perfil dos profissionais recentemente formados. Sobre tais mudanças, leia o texto abaixo e reflita sobre os impactos delas na formação profissional do assistente social. “Na esteira das mudanças em curso na política de educação superior do início do século XXI, no Brasil, sublinhamos a gestão de Tarso Genro (2003/2004), na qual foi apresentada a primeira versão do Projeto Lei da Reforma da Educação Superior no país. Também, nesse período (2004), foi aprovado o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), institucionalizando o papel do Estado como avaliador da política e a Gratificação pelo Exercício da Docência (GED), materializando a avaliação individual dos docentes por desempenho. O Programa Universidade para todos (PROUNI), conformando a esfera pública não-estatal,

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mediante a compra de vagas públicas em IES privadas com incentivos fiscais. Também é apresentado o PL 3627/Política de Cotas, num esforço para dar respostas às históricas desigualdades de acesso das “minorias” “minoria s” ao ensino superior; e a portaria 4059/MEC que aprova a inclusão da modalidade do ensino semipresencial em até 20% da carga horária total dos cursos de graduação no país, estimulando o EAD também no ensino presencial.” Fonte: LEWGOY, LEWGOY, A. M. B; MACIEL, A. A . L. S.; S .; REIDEL, T. A formação em Serviço Social no Brasil. Temporalis. Brasília (DF), ano 13, n. 25, p. 91-111, jan./jun. 2013. P. 97.

LEITURA CHAUÍ, Marilena. Reforma do ensino superior e autonomia universitária. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, ano 20, 1999.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Lei n° 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. 2004. Acesso em: Acesso em: 27 out. 2014. CAPES. Relatório de Avaliação 2010-2012 Trienal, Trienal, 2013. CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. 12ed. São Paulo: Cortez, 2011. ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. FERREIRA, Severina Irene Tomaz; BRITO, Dalliana Grisi Ferreira; MIRANDA, Suelle Marcelino. A formação profissional do assistente social no Brasil: um estudo de suas tendências históricas. Trabalho apresentado no XV Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba GUERRA, Y. D. A pós-graduação em serviço social no Brasil: um patrimônio a ser preservado. Temporalis , Brasilia (DF), ano 11, n.22, p.125-158, jul./dez. 2011.

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capítulo 3

 

IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil . IAMAMOTO, Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez, 2014. LEWGOY, A. LEWGOY A . M. B; MACIEL, A. L. S.; REIDEL, T. A formação em Serviço Social no Bra sil. Temporalis. Brasília (DF), ano 13, n. 25, p. 91-111, jan./jun. 2013. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. 16ed. São Paulo: Cortez, 2011. Site da ABEPSS.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo você conhecerá alguns aspectos que condicionam e determinam a prática profissional em Serviço Social. Além disso, apresentaremos as entidades representativas da profissão e o projeto ético-político profissional.

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4 Prática profissional em Serviço Social

 

4 Prática profissional em Serviço Social Neste capítulo será abordado o excercício profissional do assistente social, seus condicionantes internos e externos e suas especificidades. Também falaremos sobre as entidades representativas da profissão, a fiscalização do exercício profissional e o projeto ético-político do Serviço Social.

OBJETIVOS • • •

Compreender as especificidades da profissão, seus condicionantes internos e externos; Analisar as entidades representativas e a fiscalização da profissão Entender o projeto ético-político enquanto oranização política e construção coletiva da profissão

REFLEXÃO Você se lembra de ter ouvido falar a respeito dos Conselhos que defendem e fiscalizam as profissões? Assim como a Medicina, a Psicologia, a Enfermagem, o Direito e outras profissões, o Serviço Social também possui uma entidade representativa, o Conselho Federal de Serviço Social, com a finalidade de disciplinar o exercício profissional, de modo que os interesses da categoria sejam assegurados.

4.1 O exercício profissional do do assistente social O Serviço Social é uma profissão marcada por determinações históricas e sociais provenientes da expansão e desenvolvimento da sociedade capitalista. Sua natureza não pode ser considerada de forma endogenista e a-histórica, como uma mera profissionalização e sistematização das ações de caridade. Os processos históricos, políticos e econômicos formados a partir da sociedade de classes, própria do capitalismo, constituem o contexto de surgimento e expansão da profissão e não podem ser desconsiderados. O Serviço Social é uma profissão reconhecida na divisão social do trabalho, produzida a partir do desenvolvimento da industrialização e da urbanização e está inserida no contexto da luta de classes. O assistente social está inserido na divisão social e técnica do trabalho e pos-

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sui uma utilidade social. Assim como os demais trabalhadores assalariados, ele necessita vender sua força de trabalho em troca de sua subsitência através do salário que lhe é pago. A inserção do assistente social no mercado de trabalho ocorreu a partir do momento que o Estado assumiu a tarefa de propor e administrar políticas sociais, pelo qual o profissional do Serviço Social passou a ocupar um espaço sócio-ocupacional. Os determinantes do trabalho profissional constituem interesses antagônicos próprios da luta de classes.  Apesar de se constituir constituir em uma profissão liberal, o Serviço Social Social não possui os meios necessários para exercê-la sem que haja sua contratação por alguma entidade, empresa ou pelo Estado (seu maior empregador na atualidade). Entretanto, essa característica possibilita uma autonomia profissional garantida no Código de Ética da profissão. Outra particularidade da profissão é a relação direta estabelecida com o usuário com possibilidades distintas de intervenção de acordo com os objetivos da instituição que a emprega. Outro traço próprio da profissão é sua indefinição de funções o que permite ampliar suas ações de acordo com as demandas da instituição. O assistente social, inserido na divisão sociotécnica do trabalho, participa ativamente da reprodução das relações sociais, estando simultaneamente a serviço das classes trabalhadoras e respondendo às demandas do capital. Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que vivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro polo pela mediação do seu oposto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como ao mesmo tampo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da história h istória (IAMAMOTO; (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p.75).

 A prátic práticaa profiss profissional ional do Serviç Serviçoo Social Social não pode ter uma visão endó endógena gena,, que que considere apenas seu ponto de vista. É preciso considerar os condicionantes internos e os condicionantes externos do trabalho do assistente social. Dentre os condicionantes internos estão o aprimoramento do instrumental e do desempenho técnico-operativo do profissional. Dentre os condicionates externos estão as circunstâncias sociais e históricas na qual a prática profissional se realiza.  As múltiplas manifestações da questão social são a matéria-prima do processo de trabalho do assistente social, ou seja, seu objeto de intervenção. O pro-

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capítulo 4

 

duto do processo de trabalho são os serviços sociais. Conhecer seu objeto de intervenção é primordial para a ação profissional.

4.2 A Lei de de Regulamentação Regulamentação da da Profissão  A Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993 , que dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências consite em um dos aparatos legais que regem a profissão. A citada lei traz em seu início a obrigatoriedade do diploma do curso de Serviço Social e a inscrição no Conselho Regional de Serviço Social para o efetivo exercício da profissão. Em seu quarto artigo, a lei aponta as competências do assistente social, que consistem em dez itens, já que um deles foi vetado:

I – elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares; II – elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil; III – encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; IV – (Vetado); V – orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento ate ndimento e na defesa de seus direitos; direit os; VI – planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII – planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII – prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo; IX – prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade;

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X – planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI – realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, indire ta, empresas privadas e outras entidades. (LEI DE REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO, 1993)

 Além dos itens itens já citados citados a legisl legislação ação aponta aponta algumas algumas atividad atividades es que são pri vativas da profissão, profissão, como como a supervisão supervisão de estágio em Serviço Serviço Social, Social, a execuçã execuçãoo de programas na área de Serviço Social e a realização de perícias sobre a matéria de Serviço Social. Com a promulgação da Lei 13.317, de 26 de agosto de 2010, esta foi acrescentada à lei de regulamentação da profissão, incluindo que a carga horária de trabalho do assistente social deverá ser de 30 horas semanais. Art. 5º Constituem atribuições privativas do Assistente Social: I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social; III - assessoria e consultoria e órgãos da Administração Pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social; IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular; VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social; VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação; VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Social; IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social; X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social; XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais; XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas; XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades representativas representa tivas da categoria profissional. profissiona l. (LEI DE REGULAMENREGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO, 1993)

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 A referida lei também aborda o tema da inscrição nos Conselhos Regionais Regionais pela qual os Assistentes Sociais realizam o pagamento das contribuições compulsórias (anuidades). Importante mencionar que a Carteira de Identificação Profissional expedida pelos CRESS servirá de prova para fins de exercício profissional e também pode ser utilizada como Carteira de Identidade Pessoal em todo o território nacional. Outra citação importante é a responsabilidade das Unidades de Ensino de credenciar e comunicar aos Conselhos Regionais de sua jurisdição os campos de estágio de seus alunos e designar os Assistentes Sociais responsáveis por sua supervisão. Ressalta-se que somente os estudantes de Serviço Social, sob super visão direta de Assistente Social que esteja em dia com seus deveres profissionais, poderão realizar realizar estágio de Serviço Social. Social. Além disso, em em seu Art. 15., a redação da lei traz a vedação ao uso da expressão Serviço Social por quaisquer pessoas que não desenvolvam atividades previstas nos artigos que tratam das competências e atribuições privativas do assistente social (Art. 4º e 5º da lei).  A lei lei também também detalha as competên competências cias do Conselho Conselho Federal de Serviço Serviço Social (CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) que serão explanadas em item a seguir que trata especificamente do Conjunto CFESS/CRESS enquanto entidade representativa da categoria.

4.3 As entidades entidades representativas representativas da categoria 4.3.1 Conjunto CFESS/CRESS De acordo com a Lei 8662, de 7 de junho de 1993, que regulamenta a profissão de Assistente Social, os Conselhos Regionais de Serviço Social juntamente com o Conselho Federal de Serviço Social compõem um conjunto (CFESS/CRESS), uma entidade jurídica com o objetivo de disciplinar e defender o exercício da profissão em todo o território nacional. Os CRESS possuem autonomia administrativa sem prejuízo de sua vinculação ao CFESS. O Conselho Federal de Serviço Social, com sede no Distrito Federal, foi criado a partir do decreto 994, de 15 de maio de 1962. Através desta determinação ficou definido que a fiscalização do exercício profissional caberia ao Conselhos Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e aos Conselhos Regionais de Assistentes Sociais (CRAS), que mais tarde passou a ser denominado Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho Regional de Serviço Social (CRES), respectivamente.

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No início, a atuação do conselho era meramente fiscalizadora e mantinha caráter autoritário, sem aproximação com a categoria profissional. Assim como outros conselhos profissionais, exerciam uma função controladora e burocrática da atividade laboral. As ações se restringiam à inscrição e pagamento da taxa anual de contribuição. Tal postura conservadora e a-crítica refletia o momento histórico da profissão na ocasião de seus primeiros anos de funcionamento.  A partir do Cong Congresso resso da Virad Viradaa e do Movim Movimento ento de Recon Reconceitu ceituação ação da Profis Profis-são, eventos já comentados anteriormente neste livro, as entidades representati vas também também pass passaram aram a assu assumir mir uma uma postura postura mais mais comprome comprometida tida com com a demodemocratização e articulação política entre entidades representativas, profissionais e movimentos sociais. Foi por meio da disputa pela direção das entidades representativas de alguns profissionais imbuídos do novo projeto profissional que se deu a mudança no interior dos conselhos. Sintonizada com as lutas pela redemocratização da sociedade, parcela da categoria profissional, vinculada ao movimento sindical e às forças mais progressistas, se organiza e disputa a direção dos Conselhos Federal e Regionais, com a perspectiva de adensar e fortalecer esse novo projeto profissional. Desde então, as gestões que assumiram o Conselho Federal de Serviço Social imprimiram nova direção política às entidades, por meio de ações comprometidas com a democratização das relações entre o Conselho Federal e os Regionais, bem como articulação política com os movimentos sociais e com as demais entidades da categoria, e destas com os profissionais. (Fonte: www.cfess.org.br)

Dentre as atribuições do CFESS estão as tarefas de fiscalização, orientação orientação e defesa o exercício profissional. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) é uma autarquia pública federal que tem a atribuição de orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício profissional do/a assistente social no Brasil, em conjunto com os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS). Para além de suas atribuições, contidas na Lei 8.662/1993, 8.662/1 993, a entidade vem promovendo, nos últimos 30 anos ações, políticas para a construção de um projeto de sociedade radicalmente democrático, democrático, anticapitalista e em defesa dos interesses da classe trabalhadora. (Fonte: www.cfess.org.br)

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Quanto às competências dos CRESS, em suas respectivas áreas de jurisdição, podemos assinalar: I - organizar e manter o registro profissional dos Assistentes Sociais Sociais e o cadastro das instituições e obras sociais públicas e privadas, ou de fins filantrópicos; II - fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão de Assistente Social na respectiva região; III - expedir carteiras profissionais de Assistentes Sociais, fixando a respectiva taxa; IV - zelar pela observância do Código de Ética Profissional, funcionando como Tribunais Regionais de Ética Profissional Profissional;; V - aplicar as sanções previstas no Código de Ética Profissional; VI - fixar, em assembléia da categoria, as anuidades que devem ser pagas pelos Assistentes Sociais; VII - elaborar o respectivo Regimento Interno e submetê-lo a exame e aprovação do fórum máximo de deliberação do conjunto CFESS/CRESS. (Lei 8662, de 7 de junho de 1993)

O conjunto CFESS/CRESS vem promovendo debates profissionais importantes junto à categoria, como por exemplo, a respeito das revisões dos Códigos de Ética e da Lei de Regulamentação da Profissão. Em seus encontros nacionais, fórum máximo de deliberação da profissão, as entidades conduzem discussões que buscam ampliar os espaços da categoria em defesa dos direitos sociais. Em relação ao papel fiscalizador do conjunto CFESS/CRESS, o que vemos é um esforço em identificar as demandas da categoria discutindo-se condições de trabalho, autonomia, defesa de espaço profissional, atribuições e capacitação. Os CRESS criaram suas Comissões de Fiscalização (COFIs), inicialmente formadas por conselheiros, sendo posteriormente ampliadas com a contratação de agentes fiscais. E atualmente contam com uma Política Nacional de Fiscalização, um instrumento fundamental para impulsionar e organizar estratégias políticas e jurídicas conjuntas e unificadas para a efetivação da fiscalização profissional em todo o território nacional, levando-se em consideração, no entanto, as particularidades e necessidades regionais.

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Os espaços de discussões do Conjunto relativos à Política de Fiscalização têm sido ampliados, a exemplo dos Seminários Nacionais de Capacitação das COFIs que acontecem a cada 2 anos (realizados a partir de 2002), além da continuidade dos Seminários Regionais de Fiscalização que ocorrem juntamente com os Encontros Descentralizados, preparatórios para o Encontro Nacional. Outro espaço previsto é a Plenária Ampliada, para aprofundamento de alguma temática, e ainda o Projeto Ética em Movimento, espaço privilegiado para a ampliação do debate e reflexã reflexãoo ética. (Fonte: www. cfess.org.br)

De acordo com o Art. 16º da Lei 8662 de 7 de junho de 1993, os CRESS poderão aplicar penalidades aos infratores da Lei, através de multas, suspensão do exercício profissional quando este deixar de cumprir o disposto no Código de Ética ou ainda cancelar definitivamente o registro profissional, caso comprove-se a gravidade da infração. Complementa referindo que a penalidade pode se estender à instituição ou empresa caso se comprove responsabilidade ou coni vência com a infração cometida cometida pelo profissional. profissional.

CONEXÃO O CFESS prepara periodicamente documentos que manifestam a opinião da entidade a respeito de determinados temas. É o “CFESS Manifesta”. Acesse o link do CFESS Manifesta sobre o último Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado no ano de 2013.

Para compreender a política de fiscalização do exercício profissional é necessário distinguir competências de atribuições privativas. A competência é a capacidade de solucionar algum assunto que não é exclusivo de determinada área profissional específica. Já a atribuição privativa diz respeito às funções que são prerrogativas exclusivas de determinada profissão. Portanto, o que delimita a atividade enquanto privativa do assistente social é sua qualificação enquanto matéria de Serviço Social. Por sua vez, pode-se afirmar que constituem matéria de Serviço Social as expressões da questão social

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capítulo 4

 

4.3.2 ENESSO  A his histór tória ia do mov movime imento nto est estuda udanti ntill bra brasil sileir eiroo tev tevee seu ama amadur dureci ecimen mento to com a cri criaação da União Nacional dos estudantes (UNE), em 1937. As lutas e manifestações estudantis foram interrompidas no ano de1964, graças ao golpe militar e a UNE foi fechada, sendo reaberta apenas em 1979, juntamente com a abertura política. Neste mesmo período, ocorreu o primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESS), no ano de 1978, em Londrina-PR, promovido pelo Centro Acadêmico da Universidade Estadual de Londrina – UEL. A partir daí, sucederam os demais encontros e a organização dos estudantes de Serviço Social se fortaleceu, alcançando representatividade nas entidades da categoria profissional e demais movimentos estudantis.  Atualmente, há a Executiva Nacional Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENES(ENESSO), uma entidade representativa dos alunos de Serviço Social cuja direção é eleita anualmente no ENESS. A entidade reconhece a UNE como a instância máxima representativa do movimento estudantil, mas mantém sua autonomia. Dentre as finalidades da instituição, estão: a) fomentar e potencializar a formação político-profissional político-profissional dos estudantes de Serviço Social, bem como suas entidades representativas; representativas; b) promover o fortalecimento político-organizacional das entidades de base (CA’s ou DA’s); DA’s); c) promover o debate acerca dos problemas dos estudantes de Serviço Social; d) Garantir o contato permanente dos estudantes de Serviço Social com a categoria dos Assistentes Sociais, suas entidades nacionais e latino-americanas; e) Viabilizar a integração com os movimentos populares e sociais como forma de crescimento político dos estudantes e de reforço e ampliação das lutas luta s desses movimentos; f) Consolidar o contato com as demais executivas de curso a fim de reforçar o papel destas no movimento estudantil e construir novas alternativas de luta para par a o movimento. g) Coordenar e organizar nos encontros Estaduais, Estaduais, Regionais e Nacionais, junto às escolas sede dos eventos, buscando a articulação com as demais entidades da categoria para a realização dos mesmos. h) Apoiar a construção e organização de CA’s onde não existam os mesmos. (Fonte: http://enes http://enesso.xpg.uol.co so.xpg.uol.com.br/enesso/ m.br/enesso/estatuto.htm) estatuto.htm)

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No ENESS, organizado anualmente, ocorrem as deliberações a respeito da organização política do movimento estudantil em relação a questões pertinentes ao Serviço Social. Existem também os Encontros Regionais de Serviço Social So cial (ERESS), os Conselhos Nacionais de Estudantes de Serviço Social (CONESS) e os Conselhos Regionais de Estudantes de Serviço Social (CORESS) nos quais ocorrem a discussão sobre a formação política e profissional no nível nacional ou regional.

CONEXÃO Para obter mais informações sobre a ENESSO, acesse o site da entidade:

 A ENESSO também realiza bienalmente e de forma alternada Seminários Nacionais e Regionais de Formação Profissional e Movimento Estudantil em Serviço Social, cujo público alvo são estudantes de Serviço Social a nível nacional ou regional, entidades representativas, profissionais em nível nacional ou regional e a comunidade em geral. Os seminários se constituem numa instância de discussão e proposição acerca da formação profissional, do movimento estudantil e, em especial, da formação político-pedagógica dos estudantes e de suas entidades representativas. Há espaços destinados à apresentação de produções discentes, oriundas da iniciação científica, extensão, estágio curricular e monografias de conclusão de curso, proporcionando a socialização da produção acadêmica no âmbito nacional ou regional.

4.4 O projeto ético-político O Serviço Social, em sua concepção sócio-histórica, é uma profissão tida como uma especialização do trabalho coletivo que objetiva, através de sua prática, o enfrentamento das expressões da questão social. O projeto ético-político da profissão busca um sentido e uma direção ao exercício profissional, respeitando sua dinamicidade própria e seu caráter complexo e propiciando a construção coletiva da identidade da profissão. Além disso, tal projeto orienta a própria formação profissional em relação aos conteúdos a serem ministrados nas disciplinas. Assim como os projetos societários, é um projeto coletivo e busca representar os interesses da categoria e elaborar sua própria identidade.

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O projeto ético-político revela a autoimagem da profissão, seus valores e princípios, suas funções e seus requisitos, define regras. Ele está disposto no Código de Ética da Profissão, promulgado em 1993, onde estão definidos os princípios que regem a profissão. São eles:

I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados discriminados e à discussão das diferenças; VII. Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero; IX. Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos/as trabalhadores/as; X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física.

É importante citar que apesar de hegemônico, tal projeto ético-político não é único. Também faz-se importante mencionar seu caráter histórico e inacabado, sujeito a mudanças e reconstruções. Seu caráter democrático procura

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traçar uma noção clara da profissão e, além de se materializar no Código de Ética Profissional, também está presente nas diretrizes curriculares e na lei que regulamenta a profissão.

ATIVIDADE Aponte os principais aspectos do Projeto Ético-político do Serviço Social.

REFLEXÃO Leia o texto abaixo e comente sobre o exercício profissional do assistente social que precisa se distanciar de um agir imediato. “Em uma sociedade, como a nossa, que se organiza por esta lógica de mercado, as pessoas são importantes enquanto são produtivas e quando não produzem, é como se já não fossem nem sequer seres humanos. É impressionante constatarmos como o econômico invade as relações sociais e como certas práticas retiram cidadania dos sujeitos, fragilizando a sua já frágil condição humana. Não dialogam com os sujeitos em sua plenitude, desconsideram a sua consciência política, reduzindo o campo de intervenção do Serviço Social ao mero atendimento pontual da solicitação das pessoas. Nosso ato profissional é muito mais pleno do que o atendimento imediato da solicitação. É muito maior do que isso. Certamente, vamos prestar o atendimento, mas tendo até mesmo a coragem em alguns momentos de recolher aquele gesto espontâneo da resposta imediata. A nobreza de nosso ato profissional está em acolher aquela pessoa por inteiro, em conhecer a sua história, em saber como chegou a esta situação e como é possível construir com ela formas de superação deste quadro. Se reduzirmos a nossa prática a uma resposta urgente a uma questão premente, retiramos dela toda sua grandeza, pois deixamos de considerar, neste sujeito, a sua dignidade humana.” (Martinelli, 2006, p. 11)

LEITURA Recomenda-se a leitura da publicação do CFESS sobre as atribuições privativas do assistente social, produzido pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI). Acesse o link para fazer o download gratuito do documento na íntegra:

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capítulo 4

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. 12ed. São Paulo: Cortez, 2011. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética do Assistente Social. 10ed. Brasília, 2012. ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. IAMAMOTO, IAMAMOT O, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil. Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez, 2014. MARTINELLI, Maria Lúcia. Reflexões sobre o Serviço Social e o projeto ético-político profissional. Emancipação, 6(1): 9-23, 2006, MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. 16ed. São Paulo: Cortez, 2011. MARTINELLI, M. L. Sentido e direcionalidade da ação profissional: projeto ético-político em serviço social. In: BAPTIST BAP TISTA, A, Myrian Veras; BATTINI, BATTINI, Odária (orgs). (orgs) . A prática profissional do assistente social: teoria, ação, construção do conhecimento.Volume 1, 2009. Site do Conselho Federal de Serviço Social. www.cfess.org.br SOUZA, Maciela Rocha. Serviço Social e o exercício profissional: desafios e perspectivas contermporâneas. Revisa Eletrônica da Faculdade José Augusto Vieira. Ano V. n.7, setembro /2012.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo abordaremos as dimensões do exercício profissional, sendo elas: a dimensão ético-política, a dimensão teórico-metodológica, a dimensão técnico-operativa e a dimensão investigativa. Tais dimensões são separadas didaticamente mas devem estar integradas durante a atuação profissional.

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5 O Serviço Social e suas dimensões

 

5 O Serviço Social e suas dimensões O exercício do Serviço Social perpassa algumas dimensões que propiciam uma atuação engajada no projeto político da profissão, permitindo uma intervenção qualificada sobre a realidade social. São elas: a dimensão ético-política, a dimensão teórico-metodológica, a dimensão técnico-operativa e a dimensão investigativa. É o que estudaremos neste capítulo.

OBJETIVOS • • •

Conhecer as dimensões que integram a prática profissional em Serviço Social Refletir sobre a intevenção sobre a realidade social Apreender as possibilidades de exercício profissional alinhado ao projeto profissional da profissão.

REFLEXÃO Você se se lembra do projeto ético-político profissional, citado no capítulo anterior? a nterior? Ele é a base para um exercício profissional em consonância com um Serviço Social transformador e norteia todas as dimensões da atuação do assistente social.

5.1 A dimensão ético-política Pensar a dimensão ético-política da profissão implica em situar a profissão no movimento dinâmico da sociedade que pode tanto reproduzir as relações sociais quanto transformá-las. A profissão apresenta origens burguesas e ao longo de sua história atendeu às demandas do capital, ratificando-o e mantendo a exploração da classe trabalhadora. Romper com tais origens e construir seu próprio projeto profissional significa participar coletivamente do processo de produção de novas relações sociais, rompendo com a alienação e com as amarras do sistema capitalista.

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Um contexto sócio-histórico refratário aos influxos democráticos exige, contraditoriamente, a construção de uma nova forma de fazer política - que impregne a formação e o trabalho dos assistentes sociais - capaz de acumular acumula r forças na construção de novas relações entre o Estado e a sociedade civil que reduzam o fosso entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, entre o desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais. Requer, portanto, uma concepção de cidadania e de democracia para além dos marcos liberais. A cidadania entendida como capacidade de todos os indivíduos, no caso de uma democracia efetiva, de se apropriarem dos bens be ns socialmente produzidos, de atualizarem as potencialidades de realização humana, abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado. (IAMAMO (IAMAMOTO, TO, 2004, P. P. )

 A dime dimensão nsão ético-política ético-política da profis profissão são implica em assu assumir mir uma luta socia sociall pela transformação da sociedade. Nesse sentido, a profissão construiu princípios que norteiam o cotidiano profissional para uma ação ético-política transformadora. Tais princípios estão presentes no Código de Ética do assistente social:



O reconhecimento da liberdade como valor ético central, que requer o reconhecimento da autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais e de seus direitos;



A defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo;



A defesa, aprofundamento e consolidação da cidadania e da democracia – da socialização da participação política e da riqueza produzida;



O posicionamento a favor da equidade e da justiça social, que implica a universalidade no acesso a bens e serviços e a gestão democrática;



O empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, e a garantia do pluralismo;



O compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com outros profissionais e trabalhadores. (CFESS, 2012)

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capítulo 5

 

5.2 A dimensão dimensão teórico-meto teórico-metodológica dológica  A dimensão teórico-metodológica teórico-metodológica do Serviço Social inclui as correntes correntes teóricas que fundamentaram e fundamentam sua prática ao longo dos anos de seu processo de surgimento e desenvolvimento. Para iniciar é importante lembrar que o Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho e, portanto, exerce uma atividade especializada. Como já citado anteriormente, a profissão surgiu nos ardis do capitalismo e se desenvolveu sob forte influência das ações de caridade cristãs e doutrinas da Igreja Católica. O caráter de apostolodado que a profissão obteve em sua gênese possibilitou que a abordagem dos indivíduos tivessem cunho religioso.  A questão questão social era vista como um problema moral e o assistente assistente social social deveria trabalhar para ajustar o comportamento dos indivíduos para que estes se integrassem à sociedade capitalista. Os referenciais teórico-metodológicos orientadores da ação tinham sua fonte na Doutrina Social da Igreja, no ideário franco-belga de ação social e no pensamento de São Tomás de Aquino (séc. XII): o tomismo e o neotomismo(retomada no fim do século XIX do pensamento tomista por Jacques Maritain na França e pelo Cardeal Mercier na Bélgica). Dentre os postulados filosóficos tomistas, incluem: • O conceito de dignidade da pessoa humana; • A capacidade de desenvolver potencialidades potencialidades;; • A perfectibilidade; • A natural sociabilidade do homem; • A compreensão da sociedade sociedade como união dos homens homens para o bem comum; • A necessidade da autoridade para cuidar da justiça. Em meados dos anos 1940, o Serviço Social entra em contato com a teoria positivista trazida pelas técnicas norte-americanas de intervenção social.  A abordagem positivista analisa os fatos f atos a partir de sua aparência, abstraindo aquilo que é invariável. Restringe-se ao que se pode verificar, de forma a obter uma visão fragmentada da realidade. Não aponta mudanças, apenas ajustes e manutenção. A valorização das técnicas e da eficiência são características das práticas positivistas.

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Pode-se afirmar que, o Serviço Social, em sua fase embrionária, esteve amplamente voltado para a manutenção da ordem social e amenização das mazelas sociais com vistas a apoiar a classe dominante e fortalecer o sistema capitalista. Com o passar do tempo, a categoria profissional passou a questionar seu papel social tradicional e após o Movimento de Reconceituação, buscou romper com o Serviço Social conservador. O aprofundamento da produção intelectual da categoria resultou em três vertentes: • A vertente vertente modernizadora, caracterizada pela incorporação de abordagens funcionalistas, estruturalistas e sistêmicas. Constituem o projeto renovador tecnocrático fundado na busca por eficiência e eficácia. • A vertente inspirada na fenomenologia, dirigida aos sujeitos e suas vivências. Prioriza a concepção de diálogo, pessoa e transformação do sujeito. Pode ser considerada uma reatualização do conservadorismo que marcou o início da profissão. • A verte vertente nte marxista, marxista, que possibilita poss a compreensão classes e das contradições presentes naibilita sociedade capitalista. da luta de classes Inicia-se a partir de então um debate plural, um diálogo entre as diversas vertentes e, inegavelmente, a tradição marxista assume centralidade nesse processo. Durante muito tempo a Sociologia, a Psicologia e a Filosofia foram as disciplinas nas quais o Serviço Social procurou as explicações para fundamentar sua prática cotidiana. Por esses caminhos, conseguimos entender um pouco o mundo e a sociedade em geral, mas ainda buscamos explicar, por exemplo, como o brasileiro de hoje usa a cidade, como ele encara a prestação de serviços e quais são seus direitos de cidadania, inclusive os direitos dos assistentes sociais, cuja profissão é essencialmente urbana. Fazer a ponte entre o cotidiano e a História é uma questão nova, tanto nas Ciências Sociais como no Serviço Social. (ESTEVÃO, (ESTEVÃO, 2013, p. 60)

5.3 A dimensão técnico-ope técnico-operativa rativa  A dimensão técnico-operativa técnico-operativa do Serviço Social diz respeito a sua instrumentalidade, ou seja, as ferramentas de trabalho disponíveis para a atuação profissional. Tal dimensão foi duramente criticada após o Movimento de Reconceitua-

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ção, visto que se temia o uso de técnicas de forma reducionista, que atribuissem à profissão um caráter tecnicista e pragmático.  A partir do Movimento de Reconceituação, Reconceituação, houve uma necessidade de crítica às práticas profissionais conservadoras, a fim de buscar a emancipação profissional e a reflexão sobre a atuação do assistente social. As denúncias quanto ao uso de técnicas sem um aprofundamento teórico e como um fim em si mesmo fizeram com que, durante alguns anos, o Serviço Social buscasse se apropriar da teoria marxista e se afastasse de seu repertório técnico-operativo. Cabe mencionar que o debate sobre a dimensão técnico-operativa não pode ocorrer de forma isolada e desarticulada das demais dimensões da profissão. Também é importante dizer que se constitui tarefa complexa, visto que a profissão ocupa espaços diversos e realiza ações de diferentes naturezas, desde a gestão até o atendimento direto a usuários. Conforme apontam Mioto & Lima (2009, p.27): [...] o processo interventivo não se constrói a priori, ao contrário, faz-se no seu próprio trajeto, e essa construção não depende só do Assistente Social, mas também dos outros sujeitos envolvidos, dentre eles, o espaço sócio-ocupacional no qual o profissional está inserido e os destinatários das ações nele desenvolvidas.

 Além disso, distintamente ao que ocorre com as demais dimensões, a dimensão técnico-operativa apresenta material bibliográfico escasso, com pouco aprofundamento em relação ao “fazer profissional”. Entretanto, algumas reflexões e contribuições vêm surgindo para suprir a carência de debates a respeito da instrumentalidade do Serviço Social. Miotto & Lima, em artigo a respeito da dimensão técnico-operativa do Ser viço Social, definem que o “fazer profissional” possui indicadores externos à profissão, sendo eles: 4. A área de atuação: Educação, Saúde, etc 5. Os usuários: crianças, adolescentes adolescentes,, idosos, etc. 6. Os instrumentos: entrevista, visita domiciliar, etc 7. As funções: levantamento socioeconômico, encaminhamento, etc.  As mesmas autoras citam que a ação profissional contempla elementos condicionantes e elementos estruturantes.

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Os elementos condicionantes se caracterizam pela existência de um projeto profissional que define a direção ético-política a partir de uma concepção teórico-metodológica. Os elementos estruturantes dizem respeito ao próprio conhecimento, planejamento, objetivos, abordagens e recursos a serem empregados nas ações profissionais. O movimento que se tem em mente consiste na articulação dialética entre as três dimensões referentes ao Serviço Social: teórica, ética e técnica. São considerados: o conhecimento/investigação da realidade na qual se intervém; o planejamento e a documentação do processo de trabalho; os objetivos, as formas de abordagens dos sujeitos a quem se destina a ação; os instrumentos técnico-operativos e outros recursos implicados na ação. (MIO (MIOTO TO & LIMA, 2009, p. 38)

 A ilustração a seguir resume de forma clara o movimento gerado pela ação profissional.

Que ação: Definição da ação Objevos

Para quê: Marco referencial teórico/analíco

Como fazer: Definição do Suporte teórico da ação; escolha da abordagem; escolha dos instrumentos técnicos-operavos e demais recursos

Onde: Natureza do espaço sócio-ocupacional

Para quem: Sujeitos em situação

Ação profissional em movimento: articulação entre as dimensões teóricas, teóricas , éticas do Serviço Social. Fonte: Mioto, 2006.

 Assim, o “fazer profissional” acontece a partir da articução entre o universal, o particular e o singular, através do estabelecimento da relação indivíduo/ sociedade. As ações profissionais podem ocorrer vinculadas a três processos interventivos:

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capítulo 5

 

1.

Processos político-organizativos:  ações de mobilização e organização

da população em torno de seus interesses. Podem ocorrer através da assessoria prestada pelo assistente social 2.

Processos de gestão e planejamento planejamento:: ações de gestão de políticas e ser-

 viços através da criação de protocolos de serviços, programas ou instituições. 3.

Processos socioassistenciais: ações socioeducativas, socioemergenciais socioemergenciais

ou periciais desenvolvidas diretamente com os usuários. Os processos acima descritos contribuem para que o profissional tenha clareza em relação ao alcance de sua intervenção. Na contemporaneidade, o Serviço Social abrange vários espaços sócio-ocupacionais e problemas sociais de diversas naturezas. Pesquisa realizada por Nogueira (2004), a respeito da área de concentração dos trabalhos apresentados durante o XI Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, verificou que a área temática da Seguridade Social é um dos espaços privilegiados de atuação do assistente social, principalmente na gestão, conforme ilustrado no quadro abaixo. A autora constatou uma variedade de áreas temáticas e enfatizou a importância da capacitação continuada com ênfase na dimensão técnico-operativa, dada a complexidade e variedade dos espaços sócio-ocupacionais atuais.

ÁREAS TEMÁTICAS

 

NÚMERO DE TRABALHOS

Estado, Direitos e Democracia

59

Seguridade Social - Concepção

45

Seguridade Social - Controle Social

38

Seguridade Social - Gestão

129

Seguridade Social - Financiamento

07

Direitos Geracionais - Infância c Juventude

77

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ÁREAS TEMÁTICAS

 

NÚMERO DE TRABALHOS

Direitos Geracionais - Velhice

28

Questões de Gênero, Raça/Etnia e Sexualidade

61

Direitos e Garantias das Pessoas com Deficiência

26

Famílias e Sistemas de Proteção Social

40

Questão Urbana e o Direito à Cidade

28

Questão Agrária e o Acersso à Terra

10

Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente e Direito à Vida

21

Projeto Ético-Político, Trabalho e Formação Profissional

23

Serviço Social, Educação e Expressões Artísticas

34

Serviço Social e Sistema Sócio-Jurídico

21

Serviço Social e Relações de Trabalho

65

Políticas e Alternativa de Trabalho e Renda

26

Sociedade Civil e a Construção da Esfera Pública: Movimento Sociais, Redes. ONGS, e o Terceiro Setor

61

5.4 A dimensão investigativa O caráter investigativo do exercício profissional consiste na atitude de pesquisar a respeito da realidade na qual se dá a intervenção do assistente social. Exige um profissional aberto à permanente investigação e entendimento daquilo que não é esperado. Implica num movimento de construção, desconstrução, estranhamento e contestação de ideias e conceitos.

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O que seria, então, a propalada atitude investigativa? Remete a uma postura aberta do sujeito para investigar, a permanente curiosidade, expectativa para aprender e entender o inesperado, o acaso, o que extrapola suas referências e o leva a ir além. A atitude investigativa consiste numa postura inquieta e curiosa, por isso é fundamental na bagagem cotidiana do pro ssional. A ausência dessa postura pode levar à cristalização das informações, à estagnaçãodo doassistente aprendizado pro com ssional, que, consequentemente, comprometerá o compromisso social a qualidade quao lidade dos serviços prestados à população usuária. (FRAGA, 2010, 53)

 A pesquisa sobre a realidade é sempre delimitada a um contexto sócio-histórico e cultural e resulta em um conhecimento que é parcial e privisório. O conhecimento possui vários níveis: • Conheciment Conhecimentoo intuitivo: intuitivo: nível preliminar do conhecimento conhecimento a partir das das percepções advindas dos órgãos do sentido; • Conhecimento Conhecimento oriundo do entendimento: apreensão passiva do cotidiano e da realidade; • Conhecimento Conhecimento oriundo da razão crítico-dialética: compreensão dinâmica do real, captando seu processo de constituição e apreensão para além da imediaticidade do cotidiano; Tais níveis são distintos, porém complementares e o conhecimento oriundo da razão crítico-dialética pode ser considerado o nível mais alto do conhecimento. Todo conhecimento se inicia pelos órgãos dos sentidos (intuição). (intuição) . O empirismo restrito limita o conhecimento a este seu nível preliminar e estabelece a máxima de que só se aprende a fazer fazendo. O conhecimento pode partir do senso comum, mas tem que ir além dele. Há que se incorporar este conhecimento, porém, analisá-lo criticamente, negá-lo (o que significa dizer que há mais coisas sobre o objeto do que estamos supondo) e elevá-lo a um novo patamar, o que significa agregar conhecimentos novos, às vezes, abrir mão de velhos preconceitos. A nova síntese permite que o processo se renove através de novo questionamento, cujo resultado tende a ser o aprofundamento do conhecimento sobre o objeto estudado. (GUERRA, s/d, p.7)

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 A pesquisa sobre a realidade realidade social inerente ao exercício profissional profissional objeti va a interpretação de um objeto, como por exemplo um processo social ou um conjunto de documentos. Ao analisar de forma sistemática seu objeto e interpretá-lo, o assistente social estará se preparando para resolver problemas atra vés de um projeto de intervenção. intervenção. Investigar a realidade é fundamental fundamental para um exercício profissional crítico e fundamentado.  A realidade social sempre apresenta elementos que não se manifestam na aparência e não podem ser conhecidos de forma imediata. Para se conhecer a essência de um fenômeno é preciso apreendê-lo em sua totalidade. Vamos tomar como exemplo uma família, supondo que uma determinada família seja o objeto que o assistente social objetiva investigar. Ela não poderá ser compreendida sem que se leve em consideração o contexto na qual está inserida, como se relaciona com esse contexto e como o contexto interfere na família. Somente assim, o profissional conseguirá apreendê-la em sua totalidade. Nesse sentido, o assistente social, ao se deparar com um objeto em sua prática profissional, deverá sempre se perguntar: o que há além das aparências desse objeto? Toda totalidade apresenta aspectos universais, particulares  e singulares  que encontram-se articulados e que necessitam ser captados para a adequada interpretação do objeto. Retomando o exemplo da família enquanto objeto a ser conhecido em sua totalidade, podemos afirmar que ao analisar determinada família, temos um objeto em si, ou seja, uma situação singular, que é a família vista de forma imediata, em suas aparências. Para apreender sua totalidade é preciso compreender a instituição familiar e suas concepções, valores e processos sócio-históricos inserida em uma sociedade capitalista, ou seja, o objeto em sua universalidade. A particularidade do objeto é manifesta em suas necessidades, interesses, valores e não se expressam em sua aparência. É na particularidade que buscamos a essência do objeto, sua dimenão mediata. É importante mencionar que a realidade sempre apresenta contradições, interesses divergentes, valores opostos e o método dialético de conhecer a realidade opera nestas contradições em busca de uma síntese. Outra característica própria da realidade é a coexistência de elementos velhos e novos com tendências de predominância de um ou outro, dependendo do momento ou situação. situação. Cabe ao profissional enquanto investigador da realidade, organizar as informações, identificando aquelas que atendam aos seus objetivos e que propiciem a construção do conhecimento a respeito da realidade estudada. Tal conhecimento irá instrumentalizar o assistente social para sua intervenção profissional.

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capítulo 5

 

[…] a investigação é inerente à natureza de grande parte das competências profissionais: compreender o significado social da profissão e de seu seu desenvolvimento sócio-histórico, identificar as demandas presentes na sociedade, realizar pesquisas que subsidiem a formulação de políticas e ações profissionais, realizar visitas, perícias técnicas, laudos, informações e pareceres sobre matéria de Serviço Social, identificar recursos. Essas competências ato de investigar, de modo que, de postura a ser construídareferem-se pela via dadiretamente formação e ao capacitação profissional permanente (cuja importância é inquestionável), a investigação para o Serviço Social ganha o estatuto de elemento constitutivo da própria intervenção profissional. (GUERRA, s/d, p.13)

Podemos citar alguns momentos profissionais nos quais o assistente social estará desempenhando sua dimensão investigativa: durante entrevistas com usuários para conhecimento de sua situação, durante uma visita domiciliar para conhecimento do contexto sociofamiliar do usuário, nas análises documentais da instituição. Tais exemplos podem ser denomindos de conhecimentos diretos, que obtemos juntamente aos usuários ou objetos de estudo. Há também os conhecimentos indiretos, os quais adquirimos através da consulta bibliográfica a respeito de determinado objeto de estudo.  A pesquisa pesquisa científica científica também também é considerada considerada como como parte da dimensão dimensão invesinvestigativa da profissão. Como já mencionado anteriormente ao abordamos a pós-graduação em Serviço Social, a produção científica e bibliográfica sobre temas pertinentes à area de Serviço Social é ampla e abrange temáticas que permitem contruir novas possibilidades de instrumentalidade mais eficazes e comprometidas com os princípios da profissão. […] a pesquisa desenvolve nossa capacidade de investigar as instituições, seus usuários, as demandas profissionais, os recursos institucionais, as agências financiadoras, o orçamento. Permite preparar respostas qualificadas às demandas institucionais, organizacionais ou dos movimentos sociais, vislumbradas no projeto de intervenção profissional. Pela via da pesquisa é facultado ao profissional formular respostas que não apenas atendam às demandas, mas que, compreendendo o conteúdo político delas e o contemplando, ele possa reconstruí-las criticamente. (GUERRA, s/d, p. 17)

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 A pesquisa científica é fundamental para a proposição de ações profissionais que alcancem a transformação social. Ela não pode estar desvinculada da prática profissional, pois teoria e prática devem caminhar juntas, a teoria oferecendo suporte à prática fundamentada e eficaz. Dessa forma, a profissão consegue romper com o pragmatismo que a coloca na posição de solução dos problemas de forma imediata, sem a devida reflexão teórica necessária à ação profissional comprometida.

5.5 Teoria, prática, ética e pesquisa: pesquisa: quatro lados de de uma mesma profissão Como vimos nos itens anteriores, o Serviço Social abarca quatro dimensões, sendo elas: a do fazer profissional (dimensão técnico-operativa), a do saber profissional (dimensão teórico-metodológica), a do poder profissional (dimensão ético-política) e a da cientificidade da ação profissional (investigativa). As quatro dimensões explicitadas compôe uma exigência profissional que ao atuar sobre a realidade, o fará de forma crítica, eficiente e ética, priorizando o projeto profissional da profissão e o compromisso com a população.  A integração integração das dimensões dimensões profissionais permite ao profissional profissional uma uma compreensão clara da realidade social, a identificação das possibilidades de atuação, a definição de estratégias adequadas e alinhadas com a defesa dos direitos sociais, o engajamento ético-político previsto no projeto coletivo da profissão e uma prática profissional consistente. O esvaziamento teórico, o apego às técnicas e sua pretensa neutralidade são elementos que fazem parte do passado da profissão e que foram superados após o movimento de Reconceituação da Profissão e a adoção da teoria marxista pelo Serviço Social. Alguns desafios se colocam em relação ao aprimoramento e qualificação do exercício profissional contemporâneo, como por exemplo, a ampliação de pesquisas a respeito da instrumentalidade do trabalho profissional, o que envolve repensar a dimensão técnico-operativa e resgatar ferramentas importantes utilizadas pela profissão ao longo de sua trajetória, ou ainda, propor novas estratégias de ação coerentes com o momento atual. Orientar o trabalho nos rumos aludidos, requisita um perfil profissional culto, crítico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações sociais.

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capítulo 5

 

Exige-se, para tanto, compromisso ético-político com os valores democráticos e competência teórico-metodológica na teoria crítica em sua lógica de explicação da vida social. Estes elementos, aliados à pesquisa da realidade possibilitam decifrar as situasituações particulares com que se defronta o assistente social no seu trabalho, de modo a conecta-las aos processos sociais macroscópicos que as geram e as modificam. Mas, requisita, também, um profissional versado no instrumental técnico-operativo, capaz de potencializar as ações nos níveis de assessoria, planejamento, negociação, pesquisa e ação direta, estimuladora da participação dos sujeitos sociais nas decisões que lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exercê-los. (IAMAMOTO, 2004, p.33)

ATIVIDADE Após a leitura do Capítulo 5, responda a seguinte questão: • Qual a importância de cada dimensão do Serviço Social para uma prática comprometida com os princípios da profissão?

REFLEXÃO “Somos profissionais cuja prática está direcionada para fazer enfrentamentos críticos da realidade, portanto precisamos de uma sólida base de conhecimentos, aliada a uma direção política consistente que nos possibilite desvendar adequadamente as tramas conjunturais, as forças sociais em presença. É neste espaço de interação entre estrutura, conjuntura e cotidiano que nossa prática se realiza. É na vida cotidiana das pessoas com as quais trabalhamos que as determinações conjunturais se expressam. Portanto, assim como precisamos saber ler conjunturas, precisamos saber ler também o cotidiano, pois é aí que a história se faz, aí é que nossa prática se realiza. Certamente não estamos pensando no cotidiano como um espaço repetitivo, vazio, mas sim como um espaço contraditório e complexo onde a realidade realida de se revela, onde os problemas se expressam. Saber ler a conjuntura a partir do cotidiano, significa identificar acontecimentos, contextos, relações de força, para saber onde e como atuar.” (Martinelli, 2006, p. 11)

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LEITURA A fim de alcançar uma melhor compreensão a respeito da concepção histórica do Serviço Social, leia o artigo “O que Serviço Servi ço Social quer dizer”, de autoria de Vicente de Paula P aula Faleiros. O artigo apresenta uma revisão bibliográfica a respeito das concepções atribuídas ao Serviço Social ao longo dos anos, assim como as definições da profissão feitas por associações profissionais. Vale à pena ler!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. 12ed. São Paulo: Cortez, 2011. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética do Assistente Social. 10ed. Brasília, 2012. ESTEVÃO, Ana Maria. O  O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. IAMAMOTO, IAMAMOT O, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil. Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez, 2014. MARTINELLI, Maria Lúcia. Reflexões sobre o Serviço Social e o projeto ético-político profissional. Emancipação, 6(1): 9-23, 2006, MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. 16ed. São Paulo: Cortez, 2011. FALEIROS, Vicente de Paula. O que Serviço Social quer dizer . Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 108, p. 748-761, out./dez. 2011. FRAGA, Cristina K. A atitude investigativa no trabalho do assistente social. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 101, p. 40-64, jan./mar. 2010. GUERRA, Iolanda. A dimensão investigativa no exercício profissional. Documento disponível em: IAMAMOT IAMAMOTO, O, Marilda Vilela. As dimensões ético-políticas e teórico-metodológicas no Serviço Social contemporâneo. Texto base da conferencia magistral do XVIII Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, San José, Costa Rica, 12 de julio de 2004, originalmente publicado publicad o nos Anais do referido Seminário: MOLINA, M. L. M. (Org.) La cuestión  social y la forma formación ción profesi profesional onal en el context contexto o de las nuevas relac relaciones iones de poder

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capítulo 5

 

y la diversidade latinoamericana. San José, Costa Rica: ALAETS/Espacio Ed./Escuela

de Trabajo Social, 2004, p. 17-50. MIOTO, MIO TO, Regina Célia Tamaso; LIMA, Telma Cristiane Sasso. A dimensão técnico-operativa do Serviço Social em foco: sistematização de um processo investigativo . Revista Textos & Contextos. Porto Alegre v. 8 n.1 p. 22-48. jan./jun. 2009 NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. Intervenção profissional: legitimidade em debate. Katálysis, v. 8, n.2, 2005.

EXERCÍCIO RESOLVIDO Capítulo 1 Procure redigir com suas palavras a relação entre o sistema capitalista e o surgimento da profissão de assistente social. Resposta: O sistema capitalista, enquanto um sistema produtivo baseado na exploração da

força de trabalho daqueles que não detêm os meios de produção, se desenvolveu concomitante ao agravamento das mazelas sociais. As desigualdades sociais advindas da expansão do capitalismo eclodiram à medida que a industrialização e a urbanização se intensificaram, com o agravamento da miséria, da fome, do desemprego e das condições de saúde da população. As lutas operárias por melhores condições de vida e de trabalho passaram a atemorizar a classe detentora dos meios de produção, a burguesia, que apresentavam interesse de manter a ordem vigente para reprodução do capital. Foi assim que a burguesia, aliada ao Estado e à Igreja Católica, intensificaram as ações de caridade e racionalizaram a assistência social, tornando-a mais organizada e permanente. A partir de então, surgem alguns cursos preparatórios voltados para agentes sociais e instituições com o objetivo de prestar assistência social, marcando os primórdios da ação profissional de Serviço Social.

Capítulo 2 Pesquise na internet ou em livros de História a proposta desenvolvimentista iniciada com o governo de Juscelino Kubistchek. Aponte suas principais características e faça uma reflexão crítica sobre os efeitos desta proposta para a  sociedade brasileira.

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Resposta: O desenvolvimentismo diz respeito à política econômica nacional adotada pelo

governo de Juscelino Kubistchek, que esteve à frente da presidência do Brasil entre os anos de 1955 a 1960, e instituiu o Plano de Metas pelo qual procurou desenvolver a industrialização, investindo nos setores de transporte e energia, indústrias de base e indústria automobolística. Também houve grande investimento na educação e procurou-se substituir as importações. De acordo com a política de JK, o desenvolvimento econômico advindo da expansão da industrialização enriqueceria o país e reduziria as desigualdades sociais. JK também procurou facilitar a entrada do capital estrangeiro. Infelizmente, a política desenvolvimentista deu início ao endividamento externo e não alcançou os objetivos esperados. Hoje, sabe-se que desenvolvimento econômico não é, necessariamente, sinônimo de desenvolvimento social. Apesar do aumento do PIB (Produto Interno Bruto) ocorrido na época, a maior parte da população não se beneficiou deste crescimento, pois grande parte das indústrias se concentrou na região sudeste. Outros problemas sociais surgiram, como por exemplo, a migração em massa do nordeste para o sudeste.

Capítulo 3: Leia e comente: Pela primeira vez na história da profissão, o número de alunos  supera o de profissionais, o que confirma a tese de Iamamoto (2008) acerca da formação de um exército assistencial de d e reserva. Resposta: O início da profissão no Brasil foi marcado por uma rápida expansão da deman-

da de trabalho em instituições sociais assistenciais e poucos cursos de formação, o que propiciou à categoria um amplo mercado de trabalho com vagas disponíveis. A partir das transformações na política educacional nas na s últimas décadas e o incentivo à criação de novos novo s cursos de ensino superior no país, a realidade profissional modificou, passando a haver mais oferta de cursos de Serviço Social e um grande número de profissionais disponíveis no mercado de trabalho que, apesar da ampliação dos espaços sócio-ocupacionais decorrentes da implantação do SUAS, não consegue absorver toda demanda, formando-se um verdadeiro exército de reserva de assistentes sociais. Se por um lado, o fenômeno indica uma expansão do Serviço Social no Brasil, por outro lado, há a preocupação com o emprego dos recém-formados e com a manutenção da qualidade dos novos cursos.

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capítulo 5

 

Capítulo 4: Aponte os principais aspectos do Projeto Ético-político do Serviço Social. Resposta:  O Projeto Ético-político do Serviço Social foi construído coletivamente pela

categoria profissional e apresenta o resultado de um processo contínuo e inacabado de construção da identidade própria da profissão, em substituição a uma identidade atribuída, característica da gênese da profissão. A princípio, o Serviço Social se posicionou em prol dos interesses das classes dominantes, não questionando a implicação das ações de seu trabalho na reprodução das relações sociais capitalistas. Apresentava uma prática alienada e alienante que favorecia manutenção do status quo. A partir do Movimento de Reconceituação e da incorporação da teoria crítico-social, os assistentes assistente s sociais passaram a construir princípios que norteiam a profissão e que a colocam em defesa dos interesses das classes trabalhadoras e da garantia dos direitos sociais, reconhecendo a liberdade enquanto o valor ético central. Apesar de hegemônico, ol projeto ético-político não é único. Seu caráter democrático aponta uma noção clara da profissão e, além de se materializar no Código de Ética Profissional, também está presente nas diretrizes curriculares e na lei que regulamenta a profissão.

Capítulo 5: Após a leitura do Capítulo 5, responda a seguinte questão: qual a importância de cada dimensão do Serviço Social para uma prática comprometida com os princípios da profissão? Resposta: O exercício profissional competente e em consonância com os princípios éticos

da profissão e com o projeto ético-político da categoria necessita contemplar quatro dimensões: a do fazer profissional (dimensão técnico-operativa), a do saber profissional (dimensão teórico-metodológica), a do poder profissional (dimensão ético-política) e a da cientificidade da ação profissional (dimensão investigativa). As quatro dimensões explicitadas compõe uma exigência profissional e este, ao atuar sobre a realidade, o fará de forma crítica, eficiente e ética, priorizando o projeto profissional da profissão e o compromisso com a população. Por isso devem estar articuladas entre si, não podendo considerar uma mais importante que outra.

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