Introdução Ao Estudo Da Comunicação - John Fiske

December 28, 2016 | Author: mariabriseup | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

Introdução ao Estudo da Comunicação J. Fiske...

Description

1 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Introdução ao estudo da comunicação John Fiske INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA COMUNICAÇÃO Tradução: Maria Gabriela Rocha Alves Título Original INTRODUCTION TO COMUNICATION STUDIES

DIRECÇÃO DE COLECÇÃO RUI GRÁCIO DIRECÇÃO GRÁFICA XAVIER NEVES Composto por., X&P Design de Comunicação Rua Campo Alegre, 923 4100 Porto impresso e acabado por: Edições ASA/Divisão Gráfica Rua D. Afonso Henriques 742 4435 Rio Tinto 10 edição: Março de 1993 20 edição: Dezembro de 1995 Depósito legal n1. 92608/95 ISBN 972-41-1133-4 Reservados os direitos

E D I Ç Õ E S

AS A

SEDE Rua Mártires da Liberdade, 77 Apartado 4263 / 4004 PORTO CODEX PORTUGAL

A NATASHA por tudo A MATTHEW e LUCY por terem andado sossegados (bem, relativamente,,,) durante o Verão frio e húmido de 1980 Nota do Autor INTRODUÇÃO - O que é a comunicação? 1 TEORIA DA COMUNICAÇÃO Origens O modelo de Shannon e Weaver (1949) Redundância e entropia Canal, meio, código

11 13 19 19 19 25 34

Feedback Sugestões para trabalho adicional 2 OUTROS MODELOS O modelo de Gerbner (1956) O modelo de Lasswell (1948) O modelo de Newcomb (1953) O modelo de Westley e Maclean (1957)

38 40 41 41 49 50 52

29-09-2015 12:16

2 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

O modelo de Jakobson (1960) Modelos e modelização Sugestões para trabalho adicional

55 58 59

3 COMUNICAÇÃO, SIGNIFICAÇÃO E SIGNOS 61 A semiótica 62 Signos e significação 63 Categorias de signos 70 Convenção 78 Organização de signos 82 Sugestões para trabalho adicional 87 Códigos: conceitos básicos 91 4 CÓDIGOS Códigos: conceitos básicos 91 Códigos analógicos e digitais 91 Códigos apresentativos 92 Comunicação não-verbal 95 Códigos elaborados e restritos 99 Códigos de grande e de pequena difusão 103 Os códigos e o comum 108 Convenção e uso 108 Códigos arbitrários (ou códigos lógicos) 110 Códigos estéticos 112 Sugestões para trabalho adicional 115 5 SIGNIFICAÇÃO Denotação Conotação mito Símbolos Metáfora Metonímia adicional 6 MÉTODOS E APLICAÇÕES poética visual Notting Hill: metonímia realista adicional

117 118 118 120 125 126 130

Sugestões para trabalho

137

"Mágoa atrás": metáfora

141

Sugestões para trabalho

134 137

Massa: metáfora 139

153

7 A TEORIA ESTRUTURALISTA E SUAS APLICAÇÕES Categorização e oposições binárias Categorias anómalas Repetição estruturada Rituais de passagem

155 157 158 159 161

8 Natureza e cultura A estrutura do mito A estrutura da cultura de massas Aplicação 1: "The Searchers" Aplicação 2: a estrutura mítica do "Weekly World News sociais, 177 Sugestões para trabalho adicional MÉTODOS EMPÍRICOS O empirismo A análise do conteúdo A análise do conteúdo e os valores culturais

162 165 167 168 172

Diferencial semântico A teoria dos usos e gratificações Etnografias das audiências Sugestões para trabalho adicional IDEOLOGIA E SIGNIFICADOS Significação e cultura Ideologia

193 201 207 216 219 219 220

Mito e valores

179 181 181 182 193

29-09-2015 12:16

3 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Signos - ideologia - significados Compreender a ideologia Análise ideológica Resistências Sugestões para trabalho adicional CONCLUSÃO Referências Bibliografia

222 230 236 244 247 251 255 263

NOTA DO AUTOR Estratégias para a leitura deste livro Os capítulos 1 a 5 destinam-se a apresentar ao leitor os principais modelos, teorias e conceitos usados no estudo da comunicação. Sempre que me pareceu apropriado, analisei estas matérias em secções intituladas Conceito(s) Básico(s) e Outras implicações. O leitor que pretender uma introdução ao assunto breve e geral, poderá ler apenas as secções dos "conceitos básicos". Se desejar aprofundar o assunto, as secções de "outras implicações" lá estão à espera de serem lidas. Os professores que considerarem que a "escola processual" oferece a via mais acessível para o assunto poderão preferir estudar primeiro os capítulos 1, 2, a primeira parte do 4 e o 8 antes de analisarem o trabalho mais teórico e conceptual da escola semiótica. Mas espero que a maior parte dos leitores leiam o livro pela ordem em que foi escrito: tal leitura deverá dar e equilíbrio e profundidade ao seu estudo introdutório. Sugestões paro trabalho e leituras adicionais No final de cada capítulo sugeri tópicos para discussão ou redacção de ensaios, ou para exercícios práticos. Eles destinam-se a testar, a dar seguimento ou a aprofundar a compreensão do capítulo. Não são exaustivos e estou certo de que muitos leitores saberão conceber outros melhores. Sugeri também leituras adicionais. Não são essenciais, pois todo o trabalho adicional sugerido pode ser convenientemente realizado apenas com base na leitura deste livro. Mas outros livros são sempre úteis. Tentei mencionar a bibliografia de uma forma selectiva e não exaustiva. Procurei, também, limitar as minhas referências a livros publicados. Os que foram referidos com mais frequência nas sugestões para trabalho adicional surgem enumerados no início da bibliografia. Por certo terei omitido livros que são pelo menos tão úteis como os que seleccionei: essa omissão não implica um juízo de valor. 12

O que é a comunicação? A comunicação é uma daquelas actividades humanas que todos reconhecem, mas que poucos sabem definir satisfatoriamente. Comunicação é falarmos uns com os outros, é a televisão, é divulgar informação, é o nosso penteado, é a crítica literária: a lista é interminável. Eis um dos problemas com que os académicos se deparam: poderemos aplicar correctamente a expressão "objecto de estudo" a algo tão diverso e multifacetado como é, realmente, a comunicação humana? Haverá alguma esperança de se relacionar a expressão facial, digamos, com a crítica literária? Será que, inclusivamente, valerá a pena tentar esse exercício? As dúvidas subjacentes a questões como estas poderão dar lugar à ideia de que a comunicação não é um objecto no sentido académico normal da palavra, mas uma área de estudo multidisciplinar. Esta noção sugeriria que aquilo que os psicólogos e sociólogos têm para nos dizer acerca do comportamento comunicativo humano tem muito pouco a ver com o que tem para nos dizer a crítica literária. A falta de consenso sobre a natureza dos estudos da comunicação reflecte-se necessariamente neste livro. O que procurei fazer foi dar alguma coerência à confusão, baseando o livro nos seguintes pressupostos. Assumo que a comunicação é passível de estudo, mas que necessitamos de várias

29-09-2015 12:16

4 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

abordagens disciplinares para conseguirmos estudá-la exaustivamente. 13

Assumo que toda a comunicação envolve signos e códigos. Os signos são artefactos ou actos que se referem a algo que não eles próprios, ou seja, são construções significantes. Os códigos são os sistemas nos quais os signos se organizam e que determinam a forma como os signos se podem relacionar uns com os outros.Assumo, também, que estes signos e códigos são transmitidos ou tomados acessíveis a outros, e que transmitir ou receber signos/códigos/comunicação é a prática das relações sociais.Assumo que a comunicação é central para a vida da nossa cultura: sem ela, toda e qualquer cultura morrerá. Consequentemente, o estudo da comunicação implica o estudo da cultura na qual ela se integra. Subjacente a estes pressupostos está uma definição geral de comunicação como "interacção social através de mensagens" A estrutura deste livro reflecte o facto de existirem duas escolas principais no estudo da comunicação. A primeira vê a comunicação como transmissão de mensagens. Estuda o modo como os emissores e os receptores codificam e descodificam, o modo como os transmissores usam os canais e os meios de comunicação. Estuda assuntos como a eficácia e a exactidão. Vê a comunicação como um processo pelo qual uma pessoa afecta o comportamento ou o estado de espírito de outra. Quando o efeito é diferente ou menor do que aquele que se pretendia, esta escola tende a falar em termos de fracasso de comunicação e a analisar os estádios do processo para descobrir onde é que a falha ocorreu. Por motivos de conveniência, referir-me-ei a esta escola como escola "processual". A segunda escola vê a comunicação como uma produção e troca de significados. Estuda como as mensagens, ou textos, interagem com as pessoas de modo a produzir significados, ou seja, estuda o papel dos textos na nossa cultura. Usa termos como significação, e não considera que os mal-entendidos sejam necessariamente evidência de fracasso de comunicação - eles podem resultar de diferenças culturais entre o emissor e receptor. O principal método de estudo é a semiótica (a ciência dos signos e significados), e é esse o rótulo que usarei para identificar esta abordagem. 14 A escola processual tende a aproximar-se das ciências sociais, da psicologia e da sociologia em particular, e tende a debruçar-se sobre os actos de comunicação. A escola semiótica tende a aproximar-se da linguística e das disciplinas de arte, e tende a debruçar-se sobre os trabalhos de comunicação. Cada uma das escolas interpreta, à sua maneira, a nossa definição da comunicação como interacção social através de mensagens. A primeira define a interacção social como o processo pelo qual uma pessoa se relaciona com outras ou afecta o comportamento, estado de espírito ou reacção emocional de outra e, é claro, vice-versa. Isso aproxima-se do uso corrente e do sentido comum da expressão. A semiótica, no entanto, define interacção social como aquilo que constitui o indivíduo como membro de uma cultura ou sociedade determinadas. Sei que sou membro de uma sociedade industrial ocidental porque, para dar uma das muitas fontes de identificação, reajo, em termos gerais, a Shakespeare ou a Coronation Street da mesma maneira que os outros membros da minha cultura. Também me apercebo de diferenças culturais se, por exemplo, ouvir um crítico soviético a interpretar o King Lear como um ataque devastador ao ideal ocidental da família como base da sociedade, ou argumentando que Coronation Street mostra como o Ocidente mantém os trabalhadores no devido lugar. Ao reagir a Coronation Street de uma forma mais natural, estou a expressar o que tenho em comum com outros membros da minha cultura. Do mesmo modo, igualmente, ao apreciarem um determinado estilo de música rock, os adolescentes estão a exprimir a sua identidade como membros de uma subcultura e, ainda que de forma indirecta, interagem com outros membros da sua sociedade. As duas escolas divergem também na forma como entendem aquilo que constitui uma mensagem. Para a escola processual, a mensagem é o que é transmitido pelo processo de comunicação. Muitos dos seus seguidores consideram que a intenção é um factor crucial para decidir sobre o que constitui uma mensagem. Assim, puxar o meu lóbulo da orelha

29-09-2015 12:16

5 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

não seria uma mensagem a não ser que eu o fizesse deliberadamente, como sinal previamente combinado com um leiloeiro. A intenção do emissor pode ser explícita ou

15

implícita, consciente ou inconsciente, mas tem que ser recuperável através de análise. A mensagem é o que o emissor nela coloca, independentemente dos meios utilizados. Para a semiótica, por outro lado, a mensagem é uma construção de signos que, pela interacção com os receptores, produzem significados. O emissor, definido como transmissor da mensagem, perde importância. A ênfase vira-se para o texto e para a forma como este é "lido" E ler é o processo de descobrir significados que ocorre quando o leitor interage ou negoceia com o texto. Esta negociação tem lugar quando o leitor traz aspectos da sua experiência cultural e os relaciona com os códigos e signos que formam o texto. Envolve também um certo entendimento comum quanto àquilo de que o texto trata. Basta repararmos como jornais diferentes relatam o mesmo acontecimento de maneira diferente para nos apercebermos de como é importante esse entendimento, essa visão do mundo que cada jornal partilha com os seus leitores. Assim, leitores com experiências sociais diferentes, ou de diferentes culturas, poderão encontrar significados diferentes no mesmo texto. O que não significa necessariamente, como dissemos, evidência de fracasso da comunicação. A mensagem não é, portanto, algo enviado de A para B, mas sim um elemento numa relação estruturada, cujos outros elementos incluem a realidade exterior e o produtor/leitor. A produção e leitura do texto são vistas como processos paralelos, se não idênticos, por ocuparem o mesmo lugar nesta relação estruturada. Poderíamos representar esta estrutura como um triângulo no qual as setas representam interacção constante. A estrutura não é estática, mas sim uma prática dinâmica . Neste livro procurei apresentar ao estudante o trabalho das principais autoridades de cada escola. Procurei também mostrar como uma escola pode iluminar ou compensar lacunas ou pontos fracos da outra ou, inversamente, os pontos em que as duas escolas podem entrar em conflito, em que se podem contradizer ou mesmo minar uma à outra. Desejo, certamente, incentivar os estudantes a adoptarem uma posição crítica nos seus estudos, isto é, a estarem criticamente conscientes do seu método e do seu objecto de estudo, e a serem 16 capazes de explicar por que é que estão a estudar comunicação da maneira que estão.Creio, pois, que o estudante precisa de se apoiar em ambas as escolas para se acercar do âmago da questão. O leitor que desejar identificar a obra de cada uma delas tal como ela é tratada neste livro, poderá julgar útil o seguinte resumo da sua estrutura. Estrutura do livro Os capítulos 1 e 2 estudam um leque representativo dos modelos de comunicação produzidos pela escola processual. Seguidamente, o capítulo 3 considera os papéis dos signos e da significação: ele contém a base teórica da semiótica. Depois, no capítulo 4, voltamos a nossa atenção para os códigos nos quais os signos se organizam. Ambas as escolas se debruçam sobre os códigos. A escola processual vê-os como meios para codificar e descodificar, enquanto que a semiótica os considera como sistemas de significação. O estudo da teoria semiótica encontra-se posteriormente desenvolvido no capítulo 5, onde estudamos os modos como os signos significam no interior de uma cultura. Os capítulos 6 e 8 são dedicados a aplicações práticas: o capítulo 6 a demonstrações de análise semiótica e o capítulo 8 a exemplos de 17

estudos empíricos do conteúdo da mensagem e do público, estudos estes realizados por

29-09-2015 12:16

6 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

membros da escola processual. O capítulo 7 introduz algumas ideias básicas do estruturalismo e mostra como estas podem ser aplicadas. O capítulo 9 trata da preocupação final e mais abstracta da semiótica - o papel da ideologia na significação.Mas, dentro desta estrutura, aproveitei todas as oportunidades para comparar as duas escolas, e de forma alguma me preocupa que surjam comentários da escola processual nos capítulos semióticos e vice-versa: essa é a melhor maneira de perspectivar as duas escolas. 18 Origens 1 TEORIA DA COMUNICAÇÃO A obra de Shannon e Weaver, Mathematical Theory of Communication (1949; Weaver, 1949b) é largamente aceite como uma das principais fontes de onde nasceram os Estudos da Comunicação. É um exemplo claro da escola processual, vendo a comunicação como transmissão de mensagens.O seu trabalho desenvolveu-se durante a Segunda Guerra Mundial, nos Laboratórios Telefónicos BelI, nos EUA, e a sua principal preocupação era engendrar uma maneira de os canais de comunicação poderem ser usados com o máximo de eficácia. Para eles, os principais canais eram o cabo telefónico e a onda de rádio. Desenvolveram uma teoria que lhes permitia estudar o problema de como enviar uma quantidade máxima de informação por meio de um determinado canal, e de como medir a capacidade de qualquer canal para transportar informação. Esta concentração no canal e na sua capacidade condiz com as suas formações em engenharia e matemática, mas eles afirmam que a sua teoria é largamente aplicável a todas as questões da comunicação humana. O Modelo de Shannon e Weaver (1949; Weaver,

1949b)

O seu modelo básico de comunicação apresenta-a como um simples processo linear. A sua simplicidade suscitou muitas derivações, e a sua natureza linear, centrada num processo, suscitou muitas críticas. Mas devemos olhar 19

antes de considerarmos as suas implicações e de o avaliarmos. Em grande parte o modelo é compreensível à primeira vista. As suas óbvias características de simplicidade e linearidade destacam-se claramente. Posteriormente voltaremos aos elementos referidos no processo. Shannon e Weaver identificam três níveis de problemas no estudo da comunicação. São eles: Nível A Nível B Nível C (problemas técnicos) (problemas semânticos) Com que precisão se podem transmitir os símbolos da comunicação? Com que precisão os símbolos, transmitidos transportam o significado pretendido? Com que eficácia o significado recebido (problemas de eficácia) afecta a conduta da maneira desejada? Os problemas técnicos do nível A são os mais simples de compreender, e foi para os explicar que o modelo originalmente foi desenvolvido.

29-09-2015 12:16

7 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Os problemas semânticos são, mais uma vez, fáceis de identificar, mas bem mais difíceis de resolver, indo do significado das palavras até ao significado que uma imagem do noticiário americano poderá ter para um russo. Shannon e Weaver consideram que o significado está contido na mensagem: assim, melhorando a codificação, aumenta a exactidão semântica. Mas aqui entram também em jogo factores culturais que o modelo não especifica: o significado encontra-se, tanto na cultura como na mensagem, no mínimo em proporções idênticas. 20 Os problemas de eficácia podem, à primeira vista, fazer crer que Shannon e Weaver vêem a comunicação como manipulação ou propaganda: que A comunicou eficazmente com B quando B reage da forma que A deseja. Eles expõem-se, realmente, a essa crítica, e dificilmente a vencem ao afirmarem que a reacção estética ou emocional a uma obra de arte é um efeito de comunicação.Afirmam que os três níveis não são herméticos mas sim inter-relacionados e interdependentes, e que o seu modelo, apesar de ter origem no nível A, funciona igualmente bem para os três níveis. O interesse em estudar a comunicação a cada um destes níveis, e a todos eles, reside em compreender como podemos melhorar a precisão e a eficácia do processo. Mas, voltemos ao nosso modelo. A fonte é vista como detentora do poder de decisão, isto é, a fonte decide qual a mensagem a enviar, ou melhor, selecciona uma de entre um conjunto de mensagens possíveis. Esta mensagem seleccionada é depois transformada, pelo transmissor, num sinal que é enviado ao receptor, através do canal. Para um telefone, o canal é um fio, o sinal a corrente eléctrica que passa nele, e o transmissor e o receptor são os auscultadores do telefone. Numa conversa, a minha boca é o transmissor, o sinal são as ondas sonoras que passam através do canal do ar (não se poderia falar a ninguém no vácuo) e o ouvido do meu interlocutor, o receptor. Obviamente, algumas partes do modelo podem operar mais do que uma vez. Numa mensagem telefónica, por exemplo, a minha boca transmite um sinal ao auscultador que nesse momento é um receptor e que, instantaneamente, se toma um transmissor para enviar o sinal ao auscultador do outro telefone, que o recebe e o transmite em seguida, através do ar, ao ouvido. O - modelo de Gerbner, como oportunamente veremos, trata mais satisfatoriamente este desdobramento de certos estádios do processo. 21

Ruído O único termo neste modelo cujo significado não é imediatamente óbvio é o ruído. O ruído é algo que é acrescentado ao sinal, entre a - sua transmissão e a sua recepção, e que não é pretendido pela fonte. Pode ser distorção do som, ou interferências numa linha telefónica, electricidade estática num sinal radiofónico, ou "granizo" num écran de televisão. Todos estes são exemplos de ruído que ocorrem dentro do canal, e este tipo de ruído, no nível A, constitui a principal preocupação de Shannon e Weaver. Mas o conceito de ruído tem sido alargado de forma a significar qualquer sinal recebido que não foi transmitido pela fonte, ou qualquer coisa que toma o sinal pretendido mais difícil de descodificar com exactidão. Assim, uma cadeira desconfortável durante uma palestra pode ser uma fonte de ruído - não recebemos as mensagens apenas através dos olhos e ouvidos. Pensamentos mais interessantes do que as palavras do orador também são ruído.Shannon e Weaver admitem que o conceito de ruído do nível A tem de ser alargado de forma a permitir lidar com os problemas ao nível B. Distinguem entre ruído semântico (nível B) e ruído de engenharia (nível A), e sugerem que poderá ser necessário inserir um elemento intitulado "receptor semântico" entre o receptor da engenharia e o destino. O ruído semântico define-se como uma qualquer distorção de significado que ocorre no processo de comunicação e que não é pretendido pela fonte, mas que afecta a recepção da mensagem no seu destino. O ruído, quer tenha origem no canal, no público no emissor ou na própria mensagem, confunde sempre a intenção do emissor, limitando deste modo a quantidade de informação desejada que pode ser enviada numa dada situação, num determinado tempo. A superação

29-09-2015 12:16

8 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

dos problemas causados pelo ruído levaram Shannon e Weaver a mais alguns conceitos fundamentais. 22 Informação: conceitos básicos Embora afirmando que trabalham com os níveis A, B e C, Shannon e Weaver concentram de facto o seu trabalho no nível A. A este nível, a sua terminologia de informação é usada num sentido técnico, de especialista, e para a compreendermos temos que apagar dos nossos espíritos o seu significado habitual e corrente.A informação ao nível A é a medida da previsibilidade do sinal, ou seja, o número de escolhas à disposição do seu emissor, e nada tem a ver com o seu conteúdo. Um sinal, como nos lembramos, é a forma física de uma mensagem - ondas sonoras no ar, ondas de luz, impulsos eléctricos, toques, ou seja o que for. Assim eu posso ter um código constituído por dois sinais - acender uma lâmpada uma vez, ou acendê-la duas vezes. A informação contida por cada um destes sinais é idêntica: 50 por cento de previsibilidade. Isto independentemente do que eles realmente significarem - acender a lâmpada uma vez poderia querer dizer "sim", duas vezes "não", ou uma vez poderia significar todo o Antigo Testamento e duas vezes o Novo. Neste caso, "sim" contém a mesma quantidade de informação que o Antigo Testamento. A informação contida pela letra "u" quando esta se segue à letra "q" em português é nula, porque é totalmente previsível. Informação: outras implicações Podemos usar a unidade "bit" para medir informação. A palavra "bit" é uma abreviatura de "binary digit" (dígito binário) e significa, na prática, uma escolha entre Sim e Não. Estas escolhas binárias, ou oposições binárias, são a base da linguagem dos computadores, e muitos psicólogos sustentam que também é dessa forma que o nosso cérebro funciona. Por exemplo, quando queremos avaliar a idade de alguém, passamos por uma rápida série de escolhas binárias: é velho ou novo; se é novo, é adulto ou pré-adulto; se é pré-adulto, é adolescente ou pré-adolescente; se é pré-adolescente, está em idade 23

escolar ou pré-escolar; se for pré-escolar, é criança pequena ou bebé? A resposta é bebé. Aqui, neste sistema de escolhas binárias, a palavra "bebé" contém cinco "bits" de informação, porque fizemos cinco escolhas pelo caminho. Neste caso, é claro, passámos facilmente para o nível B, porque estas são categorias semânticas, ou categorias de significado, e não simplesmente de sinal. "Informação", a este nível, aproxima-se muito mais do uso normal do termo. Portanto, se dissermos que uma pessoa é nova, damos apenas um "bit" de informação: ela não é velha. Se dissermos que ela é um bebé, estamos a dar cinco "bits" de informação; isto se, e é um grande se, usarmos o sistema de classificação acima descrito. Este é o problema do conceito de "informação" ao nível B. Os sistemas semânticos não são definidos com tanta precisão como os sistemas de sinais do nível A, e assim a medição numérica da informação é mais difícil e, dirão mesmo alguns, irrelevante. Não há dúvida de que uma letra (ou seja, parte do sistema de sinais do nível A) contém cinco "bits" de informação (pergunte-se se ela está na primeira ou na segunda metade do alfabeto, depois na primeira ou na segunda metade da metade que se escolheu, e assim por diante. Cinco perguntas, ou escolhas binárias, permitir-nos-ão identificar qualquer letra do alfabeto). Mas existem dúvidas consideráveis a respeito da possibilidade de medir o significado da mesma maneira. Obviamente, na formulação do modelo de Shannon e Weaver sobressai a formação destes em matemática e engenharia. No design de um sistema telefónico, o factor crítico é o número de sinais que ele pode transportar. Aquilo que as pessoas realmente dizem é irrelevante. A questão, para nós, reside em saber qual a utilidade que uma teoria com este tipo de base mecanicista poderá ter num estudo mais alargado da comunicação. Apesar das dúvidas quanto ao valor da medição numérica do significado e da informação, relacionar a quantidade de informação com as escolhas disponíveis é esclarecedor e, em termos latos, assemelha-se à compreensão da natureza

29-09-2015 12:16

9 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

da linguagem facultada pela linguística e pela semiótica, como veremos mais tarde neste livro. As noções de previsibilidade e de escolha são vitais para se compreender a comunicação. 24 Redundância e entropia Redundância: conceitos básicos Intimamente relacionado com "informação", temos o conceito de redundância. A redundância é aquilo que, numa mensagem, é previsível ou convencional. O oposto da redundância é a entropia. A redundância resulta de uma previsibilidade elevada e a entropia de uma previsibilidade reduzida. Assim, pode dizer-se que uma mensagem de baixa previsibilidade é entrópica e com muita informação. Inversamente, uma mensagem de elevada previsibilidade é redundante e com pouca informação. Se eu encontrar um amigo na rua e disser "olá", tenho uma mensagem altamente previsível e altamente redundante. Mas não desperdicei o meu tempo e esforço. O uso leigo do termo, implicando inutilidade, é enganador. Na comunicação, a redundância não só é útil como absolutamente vital. Teoricamente, a comunicação pode verificar-se sem redundância, mas na prática as situações em que isso é possível são tão raras que podemos considerar não existirem. Um certo grau de redundância é essencial para a comunicação prática. A língua inglesa tem uma redundância de cerca de 50 por cento. Quer isso dizer que podemos eliminar cerca de 50 por cento das palavras e continuaremos a ter uma língua utilizável, capaz de transmitir mensagens inteligíveis. Então, qual a utilidade da redundância? Ela desempenha dois tipos de funções: a primeira é técnica e está bem definida por Shannon e Weaver; a segunda implica o alargamento do seu conceito a uma dimensão social. A redundância como ajuda técnica Shannon e Weaver mostram como a redundância facilita a exactidão da descodificação e fornece um teste que permite identificar erros. Só me é possível identificar um erro ortográfico devido à redundância da linguagem. Numa língua não redundante, mudar uma letra significaria mudar a palavra. 25

Assim, "chigar" seria uma palavra diferente de "chega?', e não seria possível saber que a primeira palavra é um erro. Claro está, o contexto poderia ajudar. Caso o fizesse, o contexto seria uma fonte de redundância. Numa linguagem natural, as palavras não são equiprováveis. Se eu disser "A Primavera está a ...", então estarei a criar um contexto em que "chegar" é mais provável, e portanto mais redundante do que, digamos, "entrar pela janela". Claro que é possível que um poeta, ou mesmo um anunciante de janelas novas, escrevesse "A Primavera está a entrar pela janela", mas isso seria um uso altamente entrópico da linguagem. Estamos sempre a testar a exactidão das mensagens que recebemos em relação ao provável; e o que é provável é determinado pela nossa experiência do código, do contexto e do tipo de mensagem - por outras palavras, pela nossa experiência da convenção e do costume. A convenção é uma fonte importante de redundância e, como tal, de fácil descodificação. Um escritor que quebra a convenção não quer ser facilmente compreendido: os escritores que desejam uma comunicação fácil com os seus leitores usam convenções adequadas. Mais tarde voltaremos a esta questão da convenção e da redundância. A redundância ajuda a superar as deficiências de um canal com ruído. Quando há interferências na linha telefónica nós repetimo-nos; quando soletramos palavras, no rádio ou ao telefone, dizemos A de António, S de Susana, etc. Um anunciante cuja mensagem disputa com muitas outras a nossa atenção (isto é, que tem que usar um canal com ruído) planeará uma mensagem simples, repetitiva, previsível. Um outro que possa contar com toda a nossa atenção como acontecerá, por exemplo, com um anúncio técnico num jornal

29-09-2015 12:16

10 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

especializado, poderá criar uma mensagem mais entrópica, contendo mais informação. Aumentar a redundância ajuda também a superar os problemas de transmissão de uma mensagem entrópica. Uma mensagem que seja completamente inesperada, ou que seja o contrário daquilo que seria de esperar, precisará de ser dita mais do que uma vez, muitas vezes de maneiras diferentes. 26 Ou poderá precisar de uma preparação especial: "Bem, tenho uma surpresa para ti, uma coisa com que não estás nada a contar...". A redundância ajuda também a resolver problemas associados à audiência. Se desejamos atingir uma audiência heterogénea, maior, precisaremos de produzir uma mensagem com um elevado grau de redundância. Por outro lado, uma audiência pequena, especializada e homogénea, pode ser conquistada com uma mensagem mais entrópica. Assim, a arte popular é mais redundante que a arte de elite. Um anúncio de sabão em pó é mais redundante do que outro para um computador de escritório. A escolha do canal pode afectar a necessidade de redundância na mensagem. A fala necessita de ser mais redundante do que a escrita, pois o ouvinte não pode introduzir a sua própria redundância, o que o leitor pode fazer, ao ler algo duas vezes. A primeira função da redundância refere-se, pois, à maneira como ela ajuda a superar os problemas práticos da comunicação. Estes problemas podem estar associados à exactidão e à detecção de erros, ao canal e ao ruído, à natureza da mensagem ou à audiência. Entropia Enquanto que a redundância é um meio para melhorar a comunicação, a entropia, como conceito, tem um valor menor para aqueles que estudam comunicação, pois constitui um problema da comunicação. Mas a entropia pode ser entendida como máxima previsibilidade. Ao nível A, a entropia é simplesmente uma medida do número de escolhas de sinal que podem ser feitas e da casualidade dessas escolhas. Se eu desejar comunicar visualmente as identidades de um baralho de cartas mostrando todas as cartas individualmente, cada sinal terá entropia máxima se o baralho estiver completamente baralhado. No entanto, se eu colocar as cartas por ordem em cada naipe, cada sinal terá redundância máxima, desde que o receptor conheça, ou saiba identificar, o padrão ou a estrutura de um baralho de cartas. 27

Redundância e convenção Estruturar uma mensagem de acordo com padrões comuns, ou com convenções, é uma forma de diminuir a entropia e aumentar a redundância. A imposição de um padrão ou estrutura estéticos a dada matéria tem precisamente o mesmo efeito. A poesia rítmica, ao impor padrões de métrica e de ritmo repetidos, e por isso previsíveis, diminui a entropia e, consequentemente, aumenta a redundância. "O vento e o mar murmuram orações, E a poesia das coisas se insinua Lenta e amorosa em nossos..."1. A convenção ou forma do soneto determinaram que a palavra seguinte, ao nível A, tenha três sílabas e rime com "orações". A escolha do sinal fica limitada. Outra convenção que aqui aumenta a redundância é a sintaxe. Ela reduz mais ainda a escolha possível - a um substantivo. Ao nível B, onde esperamos que a palavra não só encaixe na forma, mas que faça também sentido, restringimos ainda mais a escolha. Realmente, não poderia ser "escalões" ou "barracões". A palavra que Antero de Quental escolheu, "corações", tem de facto que ser quase totalmente redundante. Mas ela soa perfeitamente bem e é esteticamente satisfatória. A redundância é um elemento crítico da satisfação, providenciado pela forma ou estrutura de uma obra de arte. Quanto mais popular e acessível for uma obra de arte, mais redundâncias ela conterá na forma e no conteúdo. As canções folclóricas tradicionais, ou uma série de televisão, fornecem exemplos óbvios. Seguir-se-á daqui, consequentemente, que a arte erudita é necessariamente mais

29-09-2015 12:16

11 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

entrópica ao nível A (forma), ao nível B (conteúdo), ou a ambos os níveis? Decerto poderá ser assim, embora a teoria da comunicação nos leve a concluir que o factor 1.No original encontrava-se parte de um soneto de Shakespeare: Shall I compare thee to a summer's day? Thou art more lovely and more temperate: Rough winds do shake The darling buds of.. (May) (N. da T). 28

crucial não é o nível de erudição, mas sim a acessibilidade da obra de arte a uma audiência vasta. Por outras palavras, podem existir obras de arte eruditas populares, mas estas são quase sempre convencionais - pensemos em Jane Austen ou em Beethoven, como eruditos populares. Quando analisamos a entropia e a redundância relativamente a obras de arte devemos ter presente que não estamos a lidar com algo estático e imutável Uma forma ou estilo de arte podem quebrar convenções existentes e ser assim entrópicos para a sua audiência imediata, mas podem estabelecer depois as suas próprias convenções e, desse modo, aumentar a sua redundância à medida que essas convenções são aprendidas e mais amplamente aceites. O modo como o estilo da pintura impressionista foi a princípio rejeitado pelo público, quando agora se tornou cliché de caixas de bombons e calendários, é um bom exemplo disso. Em termos gerais, podemos dizer que os codificadores - sejam eles artistas, pregadores ou políticos - que criam redundância nas suas mensagens estão virados para o público. Preocupam-se em comunicar. Os que não o fazem estão mais preocupados com o assunto em questão ou (se forem artistas) com a forma. Assim, a redundância tem a ver, em primeiro lugar, com a eficácia da comunicação e com a superação dos problemas de comunicação. Redundância e relações sociais Contudo, disse que existia uma extensão deste conceito que podia muito bem desempenhar uma função diferente, embora relacionada. Dizer "olá" na rua é enviar uma mensagem altamente redundante, sem contudo haver problemas de comunicação a resolver. Não há ruído; não desejo introduzir um conteúdo entrópico; a audiência é receptiva. Estou a falar daquilo a que Jakobson (ver adiante) chama comunicação fática Com isso ele refere-se a actos de comunicação que não contêm nada de novo, nenhuma informação, mas que utilizam os canais existentes apenas para os manter abertos e utilizáveis. Claro que, na realidade, o que se passa não é tão simples como isso. O que faço quando digo "olá" é manter e fortalecer uma relação existente. As relações só podem existir através de 29 uma comunicação constante. O meu "olá" pode não alterar ou desenvolver a relação, mas não dizer "olá" iria certamente enfraquecê-la. Os psicólogos falam em impulso do ego, uma necessidade de fazer com que a nossa presença seja notada, reconhecida e aceite. Não dizer "olá", ou seja, cortar relações com alguém ou ignorá-lo, é frustrar essa necessidade. Socialmente é necessário dizer "olá". A comunicação fática, por manter e reafirmar as relações, é crucial para manter a coesão de uma comunidade ou sociedade. E a comunicação fática é altamente redundante; e tem que o ser, pois diz respeito a relações existentes, não a informação nova. Os comportamentos e as palavras convencionais, em situações interpessoais como as saudações, são comunicações fáticas e redundantes que reafirmam e fortalecem as relações sociais. chamamos-lhe boas maneiras. Isto aponta para semelhanças entre as duas funções da redundância. A pessoa educada, que pratica a comunicação fática, está centrada na audiência ou no receptor, da mesma maneira que o comunicador que constrói redundância o está no seu trabalho. Não é por coincidência que a palavra convenção se refere tanto ao comportamento da pessoa educada como ao estilo de um artista popular. Podemos levar esta semelhança mais longe. Uma forma de arte altamente convencional, como a canção folclórica, desempenha uma função fática. Não há nada mais redundante que o refrão duma canção folclórica, mas cantá-lo é reafirmar a nossa pertença a esse grupo ou subcultura específicos. De facto, as subculturas definemse em parte, se não mesmo na sua maior parte, por um gosto artístico comum. As subculturas

29-09-2015 12:16

12 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

adolescentes na nossa sociedade identificam-se pelo tipo de música que apreciam ou pelos passos de dança que executam. A música ou dança são convencionais: as convenções comuns unem os fãs numa subcultura. As outras formas de música ou de dança são excluídas, já que se desviam das convenções aceites. Assim, é o uso dos aspectos redundantes e convencionais da música que determina e afirma a pertença ao grupo. As variações individuais apenas são permissíveis dentro dos limites das convenções: os elementos originais entrópicos apenas são aceitáveis dentro da redundância da forma. 30 Outro exemplo da maneira como o conceito de redundância nos permite relacionar o comportamento social com a forma das mensagens pode ser visto no acolhimento habitual da arte avant-garde, não convencional, entrópica. Frequentemente, o público sente-se ofendido e ultrajado pela forma como um artista quebrou com as convenções artísticas, reagindo exactamente da mesma maneira como se o artista tivesse sido socialmente indelicado para com ele. O acolhimento original dado aos impressionistas ou às primeiras representações de Waiting for Godot são exemplos claros disso. Se me detive bastante mais na redundância do que em outros aspectos do modelo de Shannon e Weaver, foi porque me parece que este é um dos seus conceitos mais frutíferos. Penso que ele oferece perspectivas únicas da comunicação humana, permitindo-nos relacionar elementos, aparentemente muito diferentes, do processo. Análise Comprovemos esta afirmação. Olhem para a fotografia 1a. Parece-vos entrópica ou redundante? Na forma é redundante, pois parece uma fotografia 31

convencional de jornal, um momento de acção violenta apanhado pela máquina fotográfica. Mas um olhar mais atento sobre o seu conteúdo poderá fazer-nos pensar duas vezes. Não é frequente vermos um anel de polícias a atacar, aparentemente, uma jovem decentemente vestida (mesmo sendo negra). Convencionalmente, pensamos nos nossos polícias como defensores da lei e da ordem, não como agressores. As fotografias não são nunca tão fáceis de descodificar quando podem parecer, e geralmente estão abertas a várias leituras: uma leitura claramente possível, desta, é que os polícias são agressores e os negros as vítimas. Se a mensagem fosse esta, ela seria entrópica para o leitor do Daily Mirror, embora provavelmente fosse altamente redundante para alguns negros urbanos. Assim, quando o Daily Mirror decidiu que o impacto dramático da fotografia era suficientemente forte para a publicar na primeira página, foi preciso fazer algo que diminuísse a entropia e aumentasse a redundância. Por outras palavras, tiveram que fazer com que esta imagem da polícia se ajustasse melhor à forma como convencionalmente pensamos nela. Lembremo-nos de que o Daily Mirror é um jornal popular de grande circulação, cujas histórias são, por isso, relativamente previsíveis, relativamente redundantes. Portanto, o que o editor fez foi equilibrar esta fotografia com outra e rodeá-la de palavras. Os cabeçalhos fazem com que o nosso entendimento de quem foram os agressores e de quem foram as vítimas regresse ao convencional. confrontação" sugere que o balanço da agressão foi, pelo menos, igual. "Populares negros em luta com a polícia londrina" coloca os negros claramente no prato mais pesado da balança, o mesmo acontecendo com a fotografia do polícia ferido. O editor deu à fotografia original um contexto que faz com que ela se enquadre melhor nas atitudes e nas crenças convencionais. Deu-lhe um maior grau de redundância. Podemos ver aqui ambos os tipos de redundância em acção. Ao nível técnico, o contexto faz, simplesmente, com que a fotografa seja mais fácil de descodificar, especialmente após uma primeira olhadela rápida. Ao nível das relações sociais constatamos 32 que ela reforça os laços sociais. Mostra que nós (os leitores) somos uma comunidade que partilha das mesmas atitudes, dos mesmos significados. sociais. Vemos as coisas da

29-09-2015 12:16

13 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

mesma maneira. Isso tanto reafirma os nossos laços sociais Com os outros como o nosso sentido de justiça da nossa visão do mundo. A redundância é geralmente uma força a favor do status quo e contra a mudança. A entropia é menos confortável, mais estimulante, talvez mais chocante, mas mais difícil de comunicar com eficácia. 33

Canal, meio, código Conceitos básicos Existem, neste modelo, dois outros conceitos importantes que não comentamos ainda: são eles o de canal e o de código. Na verdade, só os podemos definir adequadamente, relacionando-os com um termo que Shannon e Weaver não usam, mas que os estudiosos posteriores consideraram útil. Esse termo é meio. Canal O canal é, destes três conceitos, o mais fácil de definir. Trata-se, simplesmente, do meio físico pelo qual o sinal é transmitido. Os principais canais são as ondas de luz, as ondas sonoras, as ondas de rádio, os cabos telefónicos, o sistema nervoso, etc. Meio Basicamente, o meio são os recursos técnicos ou físicos para converter a mensagem num sinal capaz de ser transmitido ao longo do canal. A minha voz é um meio. A tecnologia da difusão constitui os meios da rádio e da televisão. As propriedades tecnológicas ou físicas de um meio são determinadas pela natureza do canal ou canais disponíveis para o seu uso. Essas propriedades do meio determinam depois o leque de códigos que ele pode transmitir. Podemos dividir os meios em três categorias principais: 1 . Os meios apresentativos: a voz, o rosto, o corpo. Usam as linguagens "naturais" das palavras faladas, das expressões, dos gestos, etc. Requerem a presença de um comunicador, pois ele é o meio; estão restringidos ao aqui e agora e produzem actos de comunicação. 2. Os meios representativos: livros, pinturas, fotografias, escrita, arquitectura, decoração de interiores, jardinagem, etc. Há numerosos meios que 34 usam convenções culturais e estéticas para criarem um "texto" de qualquer natureza. Eles são representativos, criativos. Produzem um texto que pode registar os meios da categoria 1 e que pode existir independentemente do comunicador. Produzem obras de comunicação. 3. Os meios mecânicos: telefones, rádio, televisão, telex. São transmissores das categorias 1 e 2. A principal distinção entre as categorias 2 e 3 é que os meios da categoria 3 usam canais criados pela engenharia e estão, portanto, sujeitos a maiores limitações tecnológicas. São também mais afectados pelo ruído do nível A do que os da categoria 2.

Mas as categorias são permeáveis entre si, e poderá considerar-se conveniente fundi-Ias numa só. A categorização implica que se identifiquem as diferenças, mas é tão importante pensar nas semelhanças entre os meios como nas suas diferenças. O meio: outras implicações Um bom exemplo de uma exploração das semelhanças e das diferenças entre os meios é um estudo de Katz, Gurevitch e Hass (1973). Eles explicaram as inter-relações dos cinco mass media mais importantes através de um modelo circular . Usaram uma pesquisa de larga escala junto do público para descobrirem por que razão as pessoas optavam por um

29-09-2015 12:16

14 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

determinado meio em detrimento dos outros. Investigaram as necessidades sentidas pelas pessoas e as razões , que as levavam a virar-se para um determinado meio para satisfazerem essas necessidades. As respostas permitiram aos investigadores dispor esses meios na relação circular exposta. O público sentia que cada meio era mais parecido com os seus dois vizinhos, ou, por outras palavras, sentia que, se um meio não estivesse disponível, seriam os dois, o imediatamente antes e o imediatamente a seguir, que melhor serviriam as suas funções. 35

A tendência das pessoas era a de utilizarem os jornais, a rádio e a televisão para se ligarem à sociedade, usando os livros e os filmes para se evadirem da realidade durante algum tempo. Os mais cultos preferiam os meios de imprensa; os menos cultos inclinavam-se mais para os meios electrónicos e visuais. Os livros eram o meio mais utilizado para melhorar a compreensão de si. Se olharmos para as principais necessidades para cuja satisfação as pessoas usam os meios, e se depois as relacionarmos com a escolha de um meio específico preferido por elas para facultar essa satisfação. O código conceitos básicos Um código é um sistema de significados com um aos membros de uma cultura ou subcultura. Consiste tanto em signos (por ex., sinais físicos que representam algo diferente deles mesmos), como em regras ou convenções que determinam como e em que contextos estes signos são usados e como podem ser combinados de maneira a formar mensagens mais complexas. No capítulo 4 estudaremos os códigos com algum pormenor. De momento, não pretendo fazer mais dá que definir o termo e considerar as relações básicas entre códigos, canais e meios. A relação mais simples é entre código e canal. É claro que as características físicas do canal determinam a natureza dos códigos que pode transmitir. O telefone está limitado à linguagem verbal e à paralinguagem (os códigos de entoação, acentuação, volume, etc.). Desenvolvemos vários códigos secundários, apenas para tornar uma mensagem,já codificada, transmissível por um determinado canal. Uma mensagem, no código primário da linguagem verbal, pode ser recodificada numa variedade de códigos secundários - morse, semáforos, linguagem gestual dos surdos-mudos, escrita, Braille, imprensa. Todos estes códigos secundários são determinados pelas propriedades físicas' dos seus canais ou meios mecânicos de comunicação. 36 Quadro 1 Necessidades do público Necessidades A. Necessidades pessoais 1. Compreensão de si 2. Prazer 3. Escapismo B. Necessidades sociais 1. Conhecimento do Mundo 2. Autoconfiança, estabilidade, amor-próprio 3. Fortalecimento das ligações com a família

4. Fortalecimento das ligações com os amigos A relação entre meio e código não se define com tanta clareza. A televisão é um meio

29-09-2015 12:16

15 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

que utiliza os canais da visão e do som. Buscombe (1975) nota que um programa como o Match of the day tanto usa códigos específicos do canal como códigos específicos do meio. Os códigos específicos do canal são: canal visual - acção em directo, filmagens em estúdio e artes gráficas; canal auditivo - sons gravados, fala e música. Em seguida, analisa os códigos específicos do meio usados no canal visual. São eles os códigos da iluminação, cor, velocidade, enquadramento, movimento e colocação da câmara e montagem. Demonstra que enquanto que as limitações técnicas do meio definem o leque de usos possíveis abertos a cada código, o uso real que deles é feito é determinado pela cultura dos realizadores. Mas se tomarmos um meio como o "vestuário", por exemplo, encontramos dificuldades em distinguir entre os códigos e o meio. É útil falar de diferentes códigos de vestuário, ou simplesmente de diferentes mensagens enviadas pelo mesmo código? O significado formalmente estabelecido de um 37

botão ou de um pedaço de fita entrançada num uniforme militar difere certamente em grau, mas não necessariamente em género, do significado informalmente estabelecido e menos preciso das calças de ganga. O meio e o código têm as mesmas fronteiras, mas é o código o que precisamos de estudar, pois o código é a utilização significativa ao serviço da qual o meio é colocado. Todas as culturas e sociedades têm o meio do vestuário (incluindo os nudistas, que se definem pela ausência do mesmo); a comunicação ocorre através dos códigos culturalmente assentes, que o meio veicula. O vestuário tem também uma função não-comunicativa - a de nos proteger dos elementos. A maioria dos artefactos culturais têm esta dupla função física, tecnológica, e de comunicação. As casas, os carros, o mobiliário definem-se, em primeiro lugar, pela sua função tecnológica e depois, através do seu design, pela sua função comunicativa. As limitações do meio são tecnológicas: os códigos operam no seu seio. Feedback Conceitos básicos Tal como o conceito de meio, feedback é um conceito que Shannon e Weaver não utilizam, mas que foi considerado de utilidade pelos estudiosos posteriores. Resumidamente, feedback é a transmissão da reacção do receptor de volta ao emissor. Os modelos que enfatizam o feedback são os que têm uma orientação cibernética. A cibernética é a ciência do controlo. O termo cibernética deriva da palavra grega que designa timoneiro, e a sua origem pode ser esclarecedora. Se um timoneiro quiser rumar em direcção ao porto, ele move o leme para estibordo. Depois observa a proa do navio para ver a extensão em que ela rodará na direcção do porto, e em seguida ajustará a força com que empurrará o leme para estibordo de acordo com essa extensão. Os seus 'olhos permitem-lhe receber o feedback, ou seja, a reacção da proa à sua primeira movimentação do leme. Do mesmo modo o termóstato, num sistema de aquecimento central, 38 recebe mensagens do termómetro que mede a temperatura no compartimento. O feedback permite-lhe adaptar o funcionamento da caldeira às necessidades do compartimento. O mesmo é verdadeiro para a comunicação humana. O feedback permite ao orador adaptar o seu desempenho às necessidades e reacções de uma audiência. Os bons oradores são, em geral, sensíveis ao feedback; os oradores fastidiosos, pomposos e dominadores conseguem filtrar o feedback quase por completo. Alguns canais de comunicação tomam o feedback muito difícil. Os rádios intercomunicantes e os telefones permitem alterar a transmissão o que pode das funções feedback mas este será claramente diferente numa comunicação frente a frente. Tal é determinado, principalmente, pela disponibilidade de canais. Na comunicação frente aposso transmitir com a minha voz e, simultaneamente, receber com os meus olhos. Outro factor é o acesso a esses canais. Os meios mecânicos, sobre mass media, limitam o acesso e, por isso, limitam o feedback. Não podemos ter acesso constante à BBC, embora a sua unidade de pesquisa de audiência procure fornecer à Corporação um sistema formalizado feedback modo, quando estou a fazer uma palestra, o acesso que os

29-09-2015 12:16

16 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

meus alunos têm às ondas sonoras é limitado: dão-me muito menos feedback do que num seminário, onde lhes cabe uma parte muito maior do tempo de discurso, esta função principal. Ajuda o comunicador a adaptar a sua mensagem às necessidades e reacções do receptor. Tem também várias outras funções secundárias. A mais importante é talvez a de ajudar o receptor a sentir-se envolvido na comunicação. O facto de estarmos conscientes de que o comunicador está a ter em conta a nossa reacção toma-nos mais de aceitarmos a mensagem. - a impossibilidade de expressarmos a pode levar à formação de uma frustração capaz de causar tanto que a mensagem poder perder-se completamente. Embora o feedback inclua um percurso de retorno do destino à fonte, ele não destroi a linearidade modelo Está presente para tomar mais eficaz o processo da transmissão das mensagens. 39

Sugestões para trabalho adicional 1. Aplique os níveis A, B e C de Shannon e Weaver à análise de diferentes exemplos de comunicação, como uma entrevista para um emprego, uma fotografia noticiosa, uma música pop. Até que ponto é que eles são aplicáveis? Qual lhe parece ser a utilidade deste exercício analítico? 2. Quais os problemas de pegar no conceito de "informação", originado no nível A, e de o aplicar ao nível B? O significado pode ser medido numericamente? Ver Smith (1966), págs. 15-24, 41-55 e Cherry (1957), pp. 169- 178, 182-189, 228-234, 243-252. 3. O que significa a afirmação de que a língua inglesa é 50 por cento redundante? Ver Cherry (1957),págs. 117-123, 183-189 e Smith (1966), pág. 21. 4. Descreva as principais funções comunicativas da redundância. Ver também Cherry (1957), págs. 278-279. 5.Debata os sentidos em que se pode dizer que a convenção facilita o entendimento. Reúna exemplos de escritores/artistas que desenvolveram ou cortaram com convenções específicas. em que medida é que isso afecta o seu desejo de comunicar, ou o público que eles atingem? 6.Considere um livro, uma fotografia, um disco, uma peça ao vivo e a sua versão filmada. Como é que os podemos categorizar enquanto meios? Ver Guiraud (1975), págs.15-21. 7. Considere vários exemplos de meios e de canais. É nítido que um meio pode usar mais do que um canal, e que um canal pode veicular mais do que um meio: existe, então, alguma relação significativa entre meio e canal, ou trata-se antes de conceitos independentes? 40

2 OUTROS MODELOS Pretendo, neste capítulo, abordar uma série de outros modelos processuais de comunicação, de forma a ilustrar a amplitude desta corrente. O primeiro, o de Gerbner, é como o de Shannon e Weaver, porquanto pretende ser universalmente aplicável: pode explicar qualquer exemplo de comunicação e chama a atenção, em particular, para os elementos-chave que são comuns a todo e qualquer acto de comunicação. Veremos, depois, outros modelos com pretensões mais específicas e limitadas. Lasswell pega na forma básica do modelo de Shannon e Weaver, verbaliza-o e aplica-o depois, especificamente, aos mass media. Newcomb rompe com esta linha, fomecendo-nos

29-09-2015 12:16

17 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

uma nova forma triangular para um modelo e referindo-o sobretudo à comunicação interpessoal ou social. Westley e MacLean reconvertem este modelo à sua forma linear mais conhecida quando o desenvolvem para aplicação aos mass media. Finalmente, debruçarnos-emos sobre o modelo Jakobson, que pode ser visto como uma ponte entre os modelos de comunicação semióticos e processuais.

O modelo de Gerbner (1956) George Gerbner, actualmente Professor e Director da Escola das Comunicações de Annenberg, na Universidade da Pensilvânia, tentou elaborar um modelo de comunicação para fins gerais. Era consideravelmente mais 41 complexo que o e Shannon e Weaver, mas mantinha ainda o seu modelo de processo linear como esqueleto. os principais Progressos relativamente a esse modelo são, no entanto, dois: relaciona a mensagem com a "realidade" a que ela se refere, permitindo-nos a assim tratar questões de Percepção e de significação, e vê no processo de comunicação duas dimensões que se alternam: a perceptiva ou receptiva, e a dimensão comunicante ou de meios e controlo. Os principais elementos do modelo Gerbner. Dimensão horizontal O processo começa com um acontecimento A, com algo da realidade externa que é percebido por M (e o M tanto pode ser uma pessoa ou uma máquina, com um microfone ou uma máquina fotográfica). A percepção que M tem de A1. Esta é a dimensão perceptiva que se encontra 42 no início do processo. A relação entre A e A1 envolve uma selecção, na medida em que M não pode possivelmente perceber toda a complexidade de A. Se M for uma máquina, a selecção é determinada pelo seu engenho, pelas sua capacidades físicas. No entanto, se M for uma pessoa, a selecção é mais complexa. A percepção humana não é uma simples recepção de estímulos, mas um processo de interacção ou negociação. O que acontece é que tentamos enquadrar os estímulos externos em conceitos ou padrões internos do pensamento. Quando esse enquadramento é feito, percebemos algo, conferimos-lhe significado. Assim, segundo esta ordem de considerações, o significado deriva do enquadramento de estímulos externos em conceitos internos. Pense-se no que acontece quando não conseguimos decifrar a caligrafia de alguém. Ou então, pense-se nos puzzles visuais originados por fotografias de objectos familiares , mas tiradas de ângulos estranhos, ou num grande plano pouco habitual; uma vez ocorrido o enquadramento ou reconhecimento, fotografia é facilmente percebida pelo que é. Até esse momento, ficámos num estado de frustração porque, embora possamos ver tons e as formas da fotografia, não conseguimos ainda dizer que a percebemos, pois a percepção implica sempre o impulso para compreender e organizar. O não conseguir ver o significado naquilo que percebemos deixa-nos num estado de desorientação. Este enquadramento é controlado pela nossa cultura, na medida em que os nossos conceitos internos, ou padrões de pensamento, se desenvolveram como resultado da nossa experiência cultural. Quer isto dizer que as pessoas de diferentes culturas perceberão a realidade de maneira diferente. A percepção não é, pois, um mero processo psicológico no interior do indivíduo; é, também, uma questão de cultura. Dimensão vertical Passemos agora ao segundo estádio e à dimensão vertical. Esta verifica-se quando a percepção A1 é convertida num sinal sobre A ou, para usar o código de Gerbner, SA. É a isto que nós habitualmente chamamos uma mensagem, ou seja, um sinal ou uma afirmação sobre o acontecimento. O círculo que representa esta mensagem divide-se em dois; o S refere-se à mensagem como um sinal, à forma que ela assume, e o A refere-se ao seu conteúdo. É claro que um dado conteúdo, ou A, pode ser comunicado de maneiras diferentes - há vários "Ss" potenciais por onde escolher. Encontrar o melhor S para um determinado A é uma das preocupações cruciais do

29-09-2015 12:16

18 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

comunicador. É importante recordar que o SA é um conceito unificado, e não duas áreas separadas que foram reunidas, já que o S escolhido afectará necessariamente a apresentação do A - a relação entre forma e conteúdo é dinâmica e interactiva. O conteúdo não é apenas conferido pela forma, como acontece naquilo a que I. A.Richards desdenhosamente chama de "vulgar teoria do empacotamento da comunicação". Richards usa esta expressão pitoresca para escarnecer da teoria da comunicação. Para ele, o modelo de Shannon e Weaver implica que existe uma essência da mensagem com existência independente. Ela é depois codificada, isto é, "embrulhada" em linguagem, tal como uma encomenda, para transmissão. O receptor descodifica-a, ou desembrulha o pacote, e revela o essencial da mensagem. Para ele, o erro reside na ideia de que uma mensagem pode existir antes de ser articulada ou "codificada". A articulação é um processo criativo: antes dela existe apenas o impulso, a necessidade de articular, e não uma ideia prévia do conteúdo que tem de ser codificado. Por outras palavras, não existe conteúdo antes da forma, e a tentativa de encontrar uma diferença entre forma e conteúdo é, por si só, um exercício muito duvidoso. Nesta dimensão vertical ou comunicante, a selecção é tão importante como na horizontal. Primeiro, há a selecção dos "meios" - meio e canal de comunicação. Depois há a selecção a partir da percepção A1. Da mesma forma que AI nunca pode ser uma reacção completa e abrangente a A, também um sinal sobre A1 nunca pode atingir a plenitude ou globalidade. Tem que haver selecção e distorção. 44 Acesso: conceito básico

Esta dimensão contém também o conceito de acesso aos meios e canais da comunicação. Determinar quem tem especificamente acesso aos mass media é actualmente um dos pontos quentes do debate sobre as relações entre televisão e sociedade. A dimensão horizontal deste modelo diz-nos que o A1 da televisão tem de ser uma selecção de A; portanto, é obviamente de primordial importância saber quem faz a selecção e qual é a imagem do mundo que é transmitida como SA. Os sindicatos afirmam, com alguma razão, que a televisão apresenta sempre uma versão patronal, de classe média, na cobertura que faz das notícias industriais. Isso não é necessariamente deliberado, mas pode explicar-se pelo facto do pessoal da televisão se encontrar normalmente mais próximo a nível de classes, cultura e educação, do patronato do que dos trabalhadores. Por isso o seu A1 envolverá naturalmente um tipo de selecção de A semelhante ao do patronato. Acesso: outras implicações o acesso aos meios é uma forma de exercer poder e controlo social. É opinião generalizada que tal acontece com os mass media: para obtermos exemplos, basta olharmos para a relação entre ditadores ou governos autoritários e os seus meios, ou pensarmos que um dos primeiros alvos de forças revolucionárias vitoriosas é a estação de rádio nacional. Mas o mesmo é verdadeiro para a comunicação interpessoal: os professores ou indivíduos autoritários procurarão controlar o acesso de outros aos canais de comunicação, isto é, procurarão limitar os períodos em que os outros falam. O pai Vitoriano, ao não permitir que os filhos falassem à mesa a não ser para responderem, estava precisamente a agir da mesma maneira que o governo totalitário moderno ao autorizar apenas versões "oficiais" dos acontecimentos nos seus écrans de televisão. A questão da semelhança entre democracia e acesso aos mass media e o tipo de relações humanas e acesso aos canais interpessoais pode ser uma questão estimulante, a explorar melhor.

45

Para a terceira fase do processo, regressamos então à dimensão horizontal. Mas aqui, é claro, aquilo que está a ser percebido pelo receptor, M2 não é um acontecimento A, mas sim um sinal ou afirmação sobre um acontecimento, ou SA. Estão implicados os mesmos processos que delineámos na fase 1, e talvez valha a pena tornar a sublinhar que o

29-09-2015 12:16

19 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

significado de uma mensagem não está "contido" na própria mensagem, sendo, antes, o resultado de uma interacção ou negociação entre o receptor e a mensagem. M2 leva a SA um conjunto de necessidades e conceitos derivados da sua cultura ou subcultura e, na medida em que conseguir relacionar SA com eles, pode dizer-se que encontra significado na mensagem. A mensagem propriamente dita deve ser vista como um potencial de muitos significados. Este potencial nunca se realiza completamente, e a forma que assume só é determinada depois de ocorrer uma interacção ou uma negociação entre M2 e SA: o significado resultante é SA1. Disponibilidade: conceito básico Um factor que, na dimensão horizontal, é equivalente a "acesso", na vertical é o da "disponibilidade" Como a selectividade, ele ajuda a determinar o que realmente é percebido. É outra forma de selectividade, só que neste caso a selecção não é efectuada por aquele que percepciona, mas pelo comunicador. Aquilo que é seleccionado pelo comunicador é como, e, consequentemente, a quem, a mensagem deve ser disponibilizada. Um exemplo, a nível interpessoal, é o dos pais que empregam palavras complicadas ou que por vezes soletram as palavras na presença dos filhos pequenos, com o intuito de que eles não percebam. A política televisiva de só passar programas que contêm sexo e violência em horários posteriores às nove da noite é uma maneira de limitar a sua disponibilidade, assim como o era a política do governo soviético ao publicar certos livros com tiragens muito reduzidas, para que eles só estivessem disponíveis em grandes livrarias e, portanto, para um reduzido número de leitores. 46 Disponibilidade: outras implicações Talvez o aumento mais significativo da disponibilidade tenha resultado da radiodifusão. Antes da rádio, o acesso à informação estava limitado aos letrados. Saber ler era algo que tinha sido, necessária e tradicionalmente, um exclusivo da minoria educada, que assim controlava o fluxo de informação da maioria inculta. Informação é, como vimos, poder e, como tal, a instrução era uma forma vital de exercer controlo social. O desenvolvimento da educação universal foi acompanhado de temores generalizados quanto a "educar a classe trabalhadora fora do seu lugar natural na sociedade" ou "dar-lhe ideias acima do seu nível . Os primeiros socialistas e sindicalistas viram na educação dos trabalhadores, sobretudo no melhoramento da alfabetização, uma base necessária para o desenvolvimento de uma sociedade socialista. Mesmo hoje, quando a educação é universal na nossa sociedade e a alfabetização quase universal, são ainda as classes médias educadas que se viram naturalmente para a palavra escrita para obter novas informações. São estas classes que valorizam o poder da palavra escrita para estimular o pensamento e a imaginação, e são elas quem mais utiliza a sua capacidade para obter distracção e descontracção. A rádio e a televisão, e o cinema em menor escala, colocaram, pela primeira vez na nossa história, a informação directamente disponível ao iletrado, sendo, por isso, agentes potencialmente importantes da democracia. Nisso, a rádio é particularmente importante, pois o baixo custo, quer dos transmissores quer dos receptores, aumenta a sua disponibilidade. O desejo dos países em vias de desenvolvimento controlarem a sua produção radiofónica é significativo, já que o potencial democratizante da rádio está directamente ligado ao acesso que a ela se tem. Os governos do Terceiro Mundo que controlam o acesso aos mass media argumentam muitas vezes que o povo dos seus países, politicamente inculto, não consegue lidar com o fluxo de informações frequentemente contraditórias, resultante nas democracias ocidentais de um acesso mais livre aos meios de comunicação. Acesso e disponibilidade são duas faces da mesma moeda.

47

O modelo alargado O modelo possibilita extensões múltiplas e permite-nos incluir agentes humanos e mecânicos no processo. Por exemplo, Gerbner representa uma conversa telefónica e, ao

29-09-2015 12:16

20 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

mesmo tempo, ilustra a semelhança básica entre o seu modelo e o de Shannon e Weaver. Modelo e significação O modelo básico de Gerbner é uma relação triangular entre o acontecimento A1 a percepção do acontecimento, A1, e a afirmação acerca do acontecimento, SA. Nesta relação, a significação será encontrada de forma primária: de facto, numa variante posterior do seu modelo, Gerbner liga A a SA com uma seta designada "qualidade de verdade". Mas a extensão do seu modelo de modo a incluir M3, o receptor, não nos permite acrescentar estes factores que determinam a significação à percepção que o receptor tem da mensagem. 48 Mas, pese embora toda a sua elaboração, o modelo de Gerbner não passa ainda de um desenvolvimento imaginativo do de Shannon e Weaver. Define a comunicação como transmissão de mensagens e, embora olhe para além do processo, para além de A1 levantando assim a questão da significação, nunca se dirige directamente aos problemas de saber como é que o significado é gerado. Toma como garantido o S, a forma da mensagem ou os códigos utilizados, ponto que os proponentes da escola semiótica considerariam como o âmago da questão. Estes últimos argumentariam ainda que Gerbner se engana ao assumir que todos os processos horizontais são semelhantes: a nossa percepção de uma mensagem não é igual à nossa percepção de um acontecimento. Não reagimos a um filme, onde o vilão é morto a tiro pelo herói, da mesma maneira que reagiríamos se fôssemos testemunhas do acontecimento na vida real. Uma mensagem é estruturada ou codificada de uma certa maneira - o que não se passa com um acontecimento espontâneo - e por isso orienta mais activamente a nossa reacção. A obra posterior de Gerbner, sobretudo os seus estudos sobre a apresentação da violência na televisão, mostra que ele está consciente das deficiências do seu modelo e, de facto, Gerbner é a maior autoridade de vulto cuja obra mais se aproxima da combinação das duas correntes para o estudo da comunicação.

O modelo de Lasswell (1948) Lasswell legou-nos outro modelo inicial largamente citado. No entanto, trata-se especificamente de um modelo de comunicação de massas. Lasswell afirma que, para compreendermos os processos da comunicação de massas, precisamos de estudar cada um dos estádios do seu modelo: Quem Diz o quê Em que canal A quem Com que efeito? 49 Esta é uma versão verbal do modelo original de Shannon e Weaver. Continua a ser linear: vê a comunicação como transmissão de mensagens; levanta a questão do "efeito" em vez da da significação. "Efeito" implica uma mudança observável e mensurável no receptor, mudança essa causada por elementos identificáveis no processo. Mudar um desses elementos mudará o efeito: podemos modificar o codificador, podemos mudar a mensagem, podemos mudar o canal - cada uma dessas mudanças deverá produzir, no efeito, a mudança adequada. A maior parte da investigação sobre comunicação de massas seguiu implicitamente este modelo. O trabalho sobre as instituições e os seus processos, sobre os produtos de comunicação, sobre o público e a forma como ele é afectado, deriva claramente de um modelo linear baseado no processo. O modelo de Newcomb (1953)

29-09-2015 12:16

21 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Mas nem todos estes modelos são lineares. O modelo de Newcomb apresenta-nos uma forma essencialmente diferente; É triangular. Notas As componentes mínimas do sistema ABX são as seguintes: 1 . A orientação de A na direcção de X, incluindo tanto a atitude para com X considerado como um objecto a ser abordado ou evitado (caracterizada pelo signo e pela intensidade) como os atributos cognitivos (crenças e estruturação cognitiva). 2 .A orientação de A na direcção de B, exactamente no mesmo sentido (para evitar confundir os termos, falaremos de atracção positiva e negativa por A ou por B como pessoas, e de atitudes favoráveis ou desfavoráveis para com X).A orientação de B na direcção de X. 4. A orientação de B na direcção de A. 50 Contudo, o seu principal interesse reside no facto de ser o primeiro dos nossos modelos a introduzir o papel da comunicação numa sociedade, ou numa relação social. Para Newcomb este papel é simples: consiste em manter o equilíbrio no interior do sistema social. O modelo funciona da forma seguinte: A e B são o, comunicador e o receptor; podem ser indivíduos, ou o patronato e o sindicato, ou o governo e o povo. X faz parte do seu ambiente social. ABX é um sistema, o que significará que as suas relações internas são interdependentes: se A muda, B e X mudarão também, ou, se A mudar a sua relação com X, B terá que mudar a sua relação ou com X ou com A. Se A e B são amigos, e se X é algo ou alguém conhecido de ambos, será importante que A e B tenham atitudes semelhantes relativamente a X. Se assim for, o sistema estará em equilíbrio. Mas se A gostar de X e B não gostar, a comunicação entre A e B ficará sob pressão, e isto até que os dois amigos cheguem a atitudes no geral semelhantes para com X. Quanto mais importante for o lugar que X ocupa no enquadramento social de A e de B, mais urgente será a sua motivação para partilharem um parecer a seu respeito. Claro que X pode não ser uma coisa ou uma pessoa: poderá ser qualquer elemento do ambiente que partilham. A pode ser o governo, B os sindicatos e X a política salarial: neste caso podemos ver que, simplificando as coisas por motivos de clareza, um governo socialista (A) e os sindicatos (B), que em teoria "gostam" um do outro, serão pressionados a manter encontros frequentes a fim de chegarem a acordo sobre X, sobre a política salarial. Mas se A for um governo conservador, não "amigo" de B, os sindicatos, haverá menos pressão para que concordem sobre X. Se a relação AB não for "amistosa", eles poderão divergir sobre X: o sistema estará ainda em equilíbrio. Outro exemplo quanto à forma como o equilíbrio aumenta a necessidade de comunicar pode ser constatado quando se dá uma mudança em X. Imediatamente A e B necessitam comunicar para estabelecer a sua co-orientação quanto ao novo X. Participei num pequeno estudo das reacções das pessoas à notícia da demissão de Harold Wilson do cargo de Primeiroministro. A reacção normal foi a de falarem no assunto para descobrirem o 51

que é que os amigos pensavam, para assim chegarem depressa a uma orientação comum quanto ao seu sucessor. Em tempo de guerra, a dependência das pessoas em relação aos meios de comunicação aumenta, e o mesmo também acontece com o uso que o governo faz dos meios de comunicação. Isto porque a guerra, X, não só tem uma importância crucial como se encontra, também, constantemente em mudança. Assim, os governos e pessoas (A e B) precisam de estar em constante comunicação através dos mass media. Este modelo presume, embora não o afirme explicitamente, que as pessoas precisam de informação. Numa democracia, a informação é geralmente considerada como um direito, mas nem sempre nos damos conta de que a informação é também uma necessidade. Sem ela não podemos sentir que fazemos parte de uma sociedade. Temos que ter uma informação adequada sobre o nosso ambiente social para sabermos como lhe reagir, bem como para identificarmos na nossa reacção factores que possamos partilhar com os parceiros do nosso grupo, subcultura ou cultura.

29-09-2015 12:16

22 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

O modelo de Westley e Maclean (1957) A necessidade social de informação está subjacente à transformação que Westley e MacLean fazem do modelo de Newcomb. Eles adaptam-no especificamente aos mass media. A sua raiz é, claramente, o ABX de Newcomb, mas Westley e MacLean fizeram duas alterações fundamentais. Introduziram um elemento novo, C, que é a função editorial-comunicativa, ou seja, o processo de decidir o quê e como comunicar. Começaram também a alargar o modelo, que assim começa a regressar à conhecida forma linear dos modelos centrados no processo, com que iniciámos. X encontra-se, agora, mais próximo de A do que de B, e as setas são unidireccionais. A toma-se mais próximo do codificador de Shannon e Weaver, e o C tem alguns elementos do transmissor. A fragmentação de X para mostrar a sua natureza multifacetada é uma modificação menos relevante, mas útil. Quando Westley e MacLean aplicam o seu modelo especificamente à comunicação de massas, 52 alargam ainda mais o triângulo de Newcomb . A pode ser visto como um repórter que envia uma história a C, a redacção do seu jornal/rádio/televisão. Os processos editorial e de publicação/gravação (que estão contidos em C) trabalham então essa história e transmitem-na a B, o público. Neste modelo, B perdeu qualquer experiência directa ou imediata de X, visto que perdeu uma relação directa com A. Westley e MacLean defendem que os mass media ampliam o meio ambiente social com que B precisa de se relacionar, fornecendo também os meios 53 através dos quais essa relação ou orientação se opera. Mantêm a ideia de Newcomb de que uma orientação partilhada na direcção de X é um motivo para a comunicação, e prevêem oportunidades restritas para o feedback. Contudo, inverteram de forma crucial o equilíbrio do sistema de Newcomb. A e C desempenham agora papéis dominantes. B está muito mais à mercê deles. A sociedade de massas em que vivemos alargou inevitavelmente o meio ambiente social relativamente ao qual temos que nos orientar. Portanto, a necessidade de informação e de orientação de B aumentou, mas os meios para satisfazer essa necessidade foram restringidos: os mass media são os únicos meios disponíveis. Na extensão lógica deste modelo, B torna-se totalmente dependente dos mass media. Este modelo de dependência não tem em consideração a relação entre os mass media e os outros meios de que dispomos para nos orientarmos relativamente ao nosso meio ambiente social: neles se incluem a família, os colegas de trabalho, os amigos, a escola, a igreja, os sindicatos e todas as outras redes de relações formais ou informais através das quais nos integramos na sociedade. Não estamos tão dependentes dos mass media como este modelo leva a crer. nota As mensagens que C transmite a B (X") representam as selecções mensagens que lhe foram enviadas pelas selecções e abstracções próprio campo sensorial (X3c, X4), e que podem, ou não, ser Xs feedback não só se desloca de B para A como também de C para A

que C fez de ambas as feitas por A e C no seu no campo de A. O (fCA).

54 O modelo de Jakobson (1960) O modelo de Jakobson tem semelhanças quer com os modelos lineares, quer com os triangulares. Mas Jakobson é um linguista e, como tal, interessa-se por questões como a significação e a estrutura interna da mensagem. Desta forma, preenche a lacuna entre as escolas processuais e as semióticas. O seu modelo é duplo. Começa por delinear os factores constitutivos de um acto de comunicação. Existem seis factores que têm de estar presentes para que a comunicação seja possível. Depois, delineia as funções que esse acto de comunicação desempenha para cada factor. Começa com uma base linear conhecida. Um destinador envia uma mensagem a um destinatário. Reconhece que essa mensagem tem que se referir a algo que não ela própria. A isso chama ele o contexto: este fornece o terceiro vértice do triângulo, sendo o destinador e o destinatário os outros dois. Até aqui, nada de novo. Depois, acrescenta dois

29-09-2015 12:16

23 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

outros factores: um é o contacto, que considera serem o canal físico e as ligações psicológicas entre o destinador e o destinatário; o outro, o factor final, é um código, um sistema comum de significação pelo qual a mensagem é estruturada. Visualiza o seu modelo conforme o seguinte: Destinador Contexto Mensagem Contacto Código Destinatário Figura : Os factores constitutivos da comunicação Cada um destes factores, afirma ele, determina uma função diferente da linguagem, e em cada acto de comunicação podemos encontrar uma hierarquia de funções. Jakobson produz um modelo de estrutura idêntica para explicar as seis funções (cada função ocupa no modelo o mesmo lugar que o factor a que se refere) que se encontra representado no seguinte: 1- emotiva Referencial Poética Fática Metalinguística 2- conativa Figura: As funções da comunicação 55 A função emotiva descreve a relação da mensagem com o destinador; frequentemente usamos a palavra "expressiva" para lhe fazermos referência. A função emotiva da mensagem é a de comunicar as emoções, as atitudes, o estatuto, a classe do destinador - todos esses elementos que tomam a mensagem exclusivamente pessoal. Em algumas mensagens, como na poesia de amor, esta função emotiva é fundamental. Noutras, como nas das notícias jornalísticas, é reprimida No outro extremo do processo encontra-se a função conativa. Esta refere-se ao efeito da mensagem no destinatário. Nas ordens, ou na propaganda, esta função é relegada para um plano secundário. A função referencial a "orientação da realidade" da mensagem, é nitidamente uma prioridade máxima na comunicação objectiva, factual. Esta é a comunicação que se preocupa em ser verdadeira, factualmente exacta. Estas três funções óbvias, de senso comum, são desempenhadas em vários graus por todos os actos de comunicação, e correspondem em larga medida ao A, B e X de Newcomb. As três funções seguintes podem parecer menos familiares à primeira vista, embora uma delas, a fática tenha já sido discutida em termos diferentes. A função fática consiste em manter abertos os canais da comunicação; consiste em manter a relação entre o destinador e o destinatário; consiste em confirmar que a comunicação está a acontecer. Está, pois, orientada na direcção do factor contacto - as ligações físicas e psicológicas que têm que existir Por outras palavras, é executada pelo elemento redundante das mensagens. A segunda função da redundância (ver págs 25 e seguintes) é fática. A função metalinguística diz respeito à identificação do código que está a ser usado. Quando uso a palavra "redundância" posso precisar de tornar explícito que estou a utilizar o código da teoria da comunicação, e não o do emprego. Um maço de cigarros vazio deitado ao chão, ou um pedaço de jornal velho são, normalmente, lixo. Mas se esse maço estiver colado ao jornal, e ambos estiverem encaixilhados numa moldura pendurada na parede de uma galeria de arte, tomam-se arte. A moldura desempenha a função metalinguística de dizer "descodifiquem isto de acordo com significados artísticos": convida-nos a procurar proporções e relações estéticas, a vê-los como 56

29-09-2015 12:16

24 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

uma metáfora da "sociedade do deita-fora" das pessoas como produtores de lixo. Todas as mensagens têm que ter uma função metalinguística explícita ou implícita. De uma forma ou de outra, têm que identificar o código que estão a usar. A função final. é a poética. Consiste na relação da mensagem consigo própria. Na comunicação estética, isso é manifestamente importante; no exemplo referido, a função metalinguística da moldura enfatiza necessariamente a função poética da relação estética entre o maço de cigarros e o jornal. Mas Jakobson afirma que esta função opera também na conversa normal. Dizemos "testemunha inocente" em vez de "espectador não envolvido" porque o padrão rítmico é esteticamente mais agradável. Jakobson usa o slogan político "I like Ike" para ilustrar a função poética. Ele consiste em três monossílabos, cada um deles com o ditongo "ai". Dois deles rimam. Usam apenas duas consoantes. E tudo isso se conjuga num slogan poeticamente agradável e, por isso, fácil de fixar. Mas podemos levar mais longe esta análise. Imaginemos o slogan num distintivo para a lapela. Metalinguisticamente temos que o identificar com o código da comunicação política. O portador não conhece o General Eisenhower, nem gosta dele pessoalmente. "Like", neste caso, significa "apoio politicamente". Deste modo, "lke" não significa apenas o homem enquanto indivíduo, mas também o partido político pelo qual é candidato e cujo programa representa. Num outro código, o das relações pessoais, "I like Ike" teria significados muito diferentes. Emotivamente, dá-nos informação sobre o destinador, sobre a sua postura política e a intensidade com que ele a sente. Conativamente, a sua função será a de persuadir o destinatário a apoiar o mesmo programa político, a concordar com o destinador. A função referencial é a de se referir a um homem e a um programa existentes para fazer o destinatário pensar naquilo que já conhece do General Eisenhower e da sua política. Finalmente, a função fática é a de identificar a militância no grupo de apoiantes 57 de Eisenhower, de manter e fortalecer o espírito de equipa que existe entre os seus membros.

Modelos e modelização Tratámos de uma selecção de modelos que vêem a comunicação como um processo. É óbvio que existem muitos mais. Mas os que estudámos ilustram a natureza e a intenção da modelização. Um modelo é como um mapa. Representa as características seleccionadas do seu território: nenhum mapa ou modelo pode ser exaustivo. Um mapa das estradas apresenta características diferentes de um mapa climatérico ou geológico de um país. Quer isto dizer que temos de ser intencionais e deliberados na escolha do mapa; temos que saber porque nos decidimos por ele e quais os conhecimentos que dele exigimos. O problema é que, nos modelos, os propósitos não estão geralmente tão claramente assinalados. De facto, muitos proclamam uma globalidade que nunca poderá ser alcançada. Mas o valor de um modelo reside em: a) evidenciar sistematicamente as características seleccionadas do seu território, b) apontar para as inter-relações seleccionadas entre essas características e c) o sistema subjacente à selecção em a) e b) fornecer uma definição e delineamento do território que está a ser modelado. A modelização é útil e necessária, particularmente como base para a estruturação de um programa de estudo ou de investigação. Mas temos que ter presentes as suas limitações. McKeon (1982) discute a modelização mais detalhadamente. 58 Sugestões para trabalho adicional 1. Discuta as formas em que o acesso aos meios de comunicação se relaciona com o controlo social. Nessa discussão deverá referir tanto os mass media como os meios da comunicação interpessoal. 2. Compare as dimensões vertical e horizontal de Gerbner em todos os seus aspectos. Use o seu modelo para analisar um acto de comunicação (por exemplo um debate familiar num noticiário televisivo, ou uma aula). Quais os aspectos da comunicação que Gerbner melhor evidencia? Ver, para as questões 1 e 2, McQuail (1975) e/ou Corner e Hauthorn

29-09-2015 12:16

25 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

(1980), págs. 26-27. 3. O modelo de Newcomb postula um equilíbrio no interior do sistema ABX. Considera que os acrescentos/modificações de Westley e MacLean destroem esse equilíbrio e, desse modo, o ponto principal do modelo de Newcomb? O facto do modelo de Newcomb ter sido criado para explicar a comunicação interpessoal, e o de Westley e MacLean ter sido criado para a comunicação de massas explica de forma adequada as diferenças entre ambos? Ver Smith (1966), págs. 66-79, 80-87 e McQuail (1975), págs. 19-27. 4. Explore as semelhanças e as diferenças entre as seis funções de Jakobson, o ABX de Newcomb, o A, A1 e M de Gerbner e a redundância. Ver Hawkes (1977), págs. 83-87 e Guiraud (1975), págs. 5-9 para o modelo de Jakobson. 5. Até que ponto os modelos discutidos neste capítulo podem explicar, ou ajudar-nos a compreender, as obras de arte? As obras de arte comunicam, ou deveriam comunicar, nos moldes em que estes modelos explicam a comunicação? Ver McKeown (1982). 6. Veja a ilustração 4 (págs. 80 e 81). Utilize o modelo de Jakobson para indicar a prioridade relativa das diferentes funções de uma selecção de imagens. Use um gráfico de barras para indicar a prioridade relativa das 59 diferentes funções para as imagens d, 1 e , por exemplo. Concorda com o modo como eu as analisei no gráfico que se segue? Considero as funções fática e metalinguística as mais difíceis de exprimir graficamente. Passa-se o mesmo consigo? Em caso afirmativo, como o explica? 60

3 COMUNICAÇÃO, SIGNIFICAÇÃO E SIGNOS Todos os modelos que considerámos até agora têm, em graus variados, colocado a ênfase no processo da comunicação. Basicamente assumem que a comunicação é a transferência de uma mensagem de A para B. Consequentemente, as suas preocupações principais são o meio, o canal, o transmissor o receptor, o ruído e o feedback, pois todos eles são termos que se relacionam com este processo de enviar uma mensagem. Voltemos agora a nossa atenção para um tratamento radicalmente diferente do estudo da comunicação. Agora a ênfase não é propriamente colocada na comunicação como um processo, mas na comunicação como geradora de significação. Quando comunico consigo você compreende, com maior ou menor exactidão, o que a minha mensagem significa. Para que a comunicação ocorra, tenho que criar uma mensagem a partir de signos. Esta mensagem incentiva-o a criar um significado para si mesmo e que de algum modo se relaciona com o significado que eu, à partida, gerei na minha mensagem. Quanto mais partilharmos dos mesmos códigos, quanto mais usarmos os mesmos sistemas de signos, mais os nossos dois "significados" das mensagens se aproximarão um do outro. Isto dá uma ênfase diferente ao estudo da comunicação, obrigando-nos a familiarizarmo-nos com um novo conjunto de termos: signo, significação, ícone, índice, denotar, conotar - todos estes termos que se referem a várias formas de criar significação. Assim, por não serem lineares, estes modelos serão diferentes dos que acabámos de analisar. Não contêm setas indicando a 61

circulação da mensagem. São modelos estruturais, e quaisquer setas indicam relações entre elementos nessa criação de significação. Estes modelos não assumem uma série de fases ou estádios pelos quais uma mensagem passa: concentram-se, em vez disso, na análise de um conjunto estruturado de relações que permitem à mensagem significar algo; por outras palavras, concentram-se naquilo que transforma as marcas no papel, ou o som no ar, numa mensagem.

29-09-2015 12:16

26 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

A semiótica No centro desta perspectiva está o signo. Ao estudo dos signos e da forma como eles funcionam chama-se semiótica ou semiologia; nesta obra, servir-nos-emos dela como focalização alternativa. A semiótica como lhe chamaremos, tem três áreas de estudo principais: 1. O signo propriamente dito. Consiste no estudo de diferentes variedades de signos, das diferentes maneiras através das quais estes veiculam significado, e das maneiras pelas quais se relacionam com as pessoas que os utilizam. 2. Os códigos ou sistemas em que os signos se organizam. Este estudo cobre as formas desenvolvidas por uma variedade de códigos para satisfazer as necessidades de uma sociedade ou de uma cultura, ou para explorar os canais de comunicação disponíveis para a sua transmissão. 3. A cultura no interior da qual estes códigos e signos se encontram organizados e que, por sua vez, depende do uso destes códigos e signos no que diz respeito à sua própria existência e forma. A semiótica, portanto, centra a sua atenção essencialmente no texto. Os modelos processuais, lineares, não dão ao texto mais atenção do que a qualquer outro estádio do processo; com efeito, alguns até passam por ele quase sem nenhum comentário. Esta é uma diferença essencial entre as duas escolas, sendo a outra a do estatuto dado ao receptor. Na semiótica considera-se que o receptor, ou leitor, desempenha um papel mais activo do que na maioria dos modelos processuais (o de Gerbner é uma excepção). A semiótica prefere o 62 termo "leitor" (mesmo de uma fotografia ou de uma pintura) ao de "receptor", já que o termo "leitor" implica um maior grau de actividade, apontando também para a ideia de que a leitura é algo que aprendemos a fazer: ela é determinada pela experiência cultural do leitor. O leitor ajuda a criar o significado do texto, trazendo até ele a sua experiência, atitudes e emoções. Pretendo, neste capítulo, começar por estudar algumas das principais abordagens desta complexa questão da significação. Prosseguirei, depois, com a consideração do papel desempenhado pelos signos na geração dessa significação e com a categorização dos signos em diferentes tipos, de acordo com as suas diferentes maneiras de desempenhar essa função.

Signos e significação Conceitos básicos Todos os modelos da significação têm em comum uma forma geralmente semelhante. Cada um deles preocupa-se com três elementos que, de uma maneira ou de outra, têm que estar envolvidos em qualquer estudo da significação. São eles: 1. o signo; 2. aquilo a que ele se refere; 3. os utentes do signo. O signo é algo físico, perceptível pelos nossos sentidos; refere-se a algo diferente de si mesmo e depende do reconhecimento, por parte de quem o usa, de que é um signo. Tomemos o exemplo já utilizado: puxar o lóbulo da orelha como um sinal para um leiloeiro. Neste caso o signo refere-se ao meu lance, e este é reconhecido como tal tanto por mim como pelo leiloeiro. O significado é veiculado por mim ao leiloeiro: a comunicação ocorreu. Neste capítulo estudaremos dois dos mais influentes modelos da significação. O primeiro é o do filósofo e lógico C. S. Peirce (veremos também a variante de Ogden e Richards) e o segundo o do linguista Ferdinand de Saussure. Peirce (e Ogden e Richards) considera o signo, aquilo a que ele se refere e os seus utentes como os três vértices de um triângulo. Cada um deles está intimamente relacionado com os outros dois, não podendo ser compreendido sem eles. Saussure adopta uma linha ligeiramente diferente. Diz que o signo

29-09-2015 12:16

27 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

63

se compõe da sua forma física e de um conceito mental que lhe está associado, e que este conceito é, por sua vez, uma apreensão da realidade externa. O signo apenas se relaciona com a realidade através dos conceitos e das pessoas que o usam. Assim, a palavra carro (marcas no papel ou sons no ar) tem um conceito que lhe está ligado. O meu será, em larga medida, o mesmo que o do leitor, embora possam existir algumas diferenças individuais. Este conceito comum relaciona-se, portanto, com um tipo de objectos com existência real. Isto é tão elementar que parece evidente; contudo, podem haver problemas. A minha mulher e eu, por exemplo, discutimos frequentemente sobre se, determinada, coisa é azul ou verde. Partilhamos a mesma linguagem e olhamos para a mesma realidade externa: a diferença reside nos conceitos de azul e de verde que ligam as nossas palavras a essa realidade. Outras implicações C. S. Peirce Peirce (1931-58) e Ogden, e Richards (1923) chegaram a modelos muito semelhantes a respeito da forma como os signos significam. Ambos estabeleceram uma relação triangular entre o signo, o utente e a realidade externa como um modelo necessário para estudar a significação. Peirce, que é geralmente considerado como o fundador da tradição americana da semiótica, explica o seu modelo de forma simples: "Um signo é algo que representa algo para alguém a determinado respeito ou capacidade. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou, talvez, mais desenvolvido. O signo que ele cria designo-o por interpretante do primeiro signo. O signo representa algo: o seu objecto" (in Zeman, 1977). Os três termos de Peirce podem ser esquematizados . A seta bidireccional indica que cada termo só pode ser compreendido em relação com os outros. Um signo refere-se a algo diferente de si 64 mesmo - o objecto -, e é compreendido por alguém, ou seja, tem um efeito na mente do utente - o interpretante. Devemos ter em mente que o interpretante não é o utente, mas sim aquilo a que Peirce chama, a dada altura, "o próprio efeito significativo": um conceito mental produzido tanto pelo signo como pela experiência que o utente tem do objecto. O interpretante da palavra (signo) escola será, em qualquer contexto, o resultado da experiência que o utente tiver dessa palavra (ele não a aplicaria a um instituto técnico) e da sua experiência em matéria de instituições chamadas "escolas"o objecto. Desta forma, ele não é fixado nem definido pelo dicionário, podendo variar, dentro de certos limites, consoante a experiência do utente. Esses limites são estabelecidos por convenção social (neste caso as convenções da língua portuguesa); a variação dentro desses limites engloba as diferenças sociais e psicológicas entre os utentes. Torna-se aqui relevante uma outra diferença entre os modelos semióticos e os processuais, e que reside no facto dos modelos processuais não fazerem distinção entre codificador e descodificador. O interpretante é o conceito mental do utente do signo, seja este utente orador ou ouvinte, escritor ou leitor, pintor ou espectador. Descodificar é tão activo e criativo como codificar: signo interpretante objecto Os elementos da significação segundo Peirce Ogden e Richards (1923) Ogden e Richards foram dois investigadores britânicos desta área que mantiveram uma correspondência regular com Peirce. Elaboraram um modelo triangular da significação bastante semelhante. O seu referente corresponde, aproximadamente, ao objecto de Peirce; a sua referência ao interpretante; o seu símbolo ao signo. No seu modelo,

29-09-2015 12:16

28 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

referente e referência estão directamente ligados; acontece também o mesmo com o símbolo e a referência. 65 Mas a ligação entre símbolo e referente é indirecta ou imputada. Este desvio quanto à relação equilateral do modelo de Peirce aproxima Ogden e Richards de Saussure (ver adiante). Também ele atribuiu uma importância mínima à relação do signo com a realidade externa. Tal como Saussure, Ogden e Richards colocam o símbolo na posição-chave: os nossos símbolos dirigem e organizam os nossos pensamentos ou referências; e as nossas referências organizam a nossa percepção da realidade. Símbolo e referência, em Ogden e Richards, aproximam-se do significante e do significado de Saussure. Saussure Se o lógico e filósofo americano C. S. Peirce foi um dos fundadores da semiótica o outro foi, sem sombra de dúvida, o linguista suíço Ferdinand de Saussure. Como filósofo Peirce preocupou-se com o entendimento que temos da nossa experiência e do mundo que nos rodeia. Só gradualmente se apercebeu da importância que a semiótica - o acto de significar - tem nesse âmbito. Interessou-se pela significação, encontrando-a nas relações estruturais entre signos, pessoas e objectos. Saussure, como linguista, interessou-se antes de mais pela linguagem. Preocupou-se mais com a forma como os signos (ou, no seu caso, as palavras) se relacionavam com outros signos do que com a forma como eles se relacionavam com o "objecto" segundo Peirce. Assim, o modelo básico de Saussure difere do de Peirce quanto à ênfase. Centra a sua atenção, de uma forma mais directa, no próprio signo. O signo, para Saussure, era um objecto físico com um significado ou, para usar os seus termos, o signo consistia num significante 66

e num significado. O significante é a imagem do signo tal como a percebemos - as marcas no papel ou os sons no ar; o significado é o conceito mental a que se refere. O conceito mental é comum, em termos gerais, a todos os membros da mesma cultura que partilham a mesma língua. Podemos ver, de imediato, semelhanças entre o significado de Saussure e o signo de Peirce, e entre o significante de Saussure e o interpretante de Peirce. Saussure, contudo, está menos preocupado do que Peirce com a relação destes dois elementos com o "objecto?', ou significado externo segundo Peirce. Quando Saussure se lhe refere, chamalhe significação, dedicando-lhe, contudo, comparativamente pouco tempo. É o seguinte: signo composto por significante mais significado (existência física do signo) (conceito mental) signo significação realidade externa ou significado Os elementos da significação segundo Saussure Posso fazer, por exemplo, duas marcas no papel: O X Estas podem ser as duas primeiras jogadas num jogo de bolas e cruzes (ou jogo do galo), permanecendo, nesse caso, meras marcas no papel, ou podem ser lidas como uma palavra (OX = boi, em inglês), tomando-se, nesse caso, um signo composto pelo significante (a sua configuração) e pelo conceito mental (Boi) que temos desta espécie particular de animal. A relação entre o meu conceito de boi e a realidade física dos bois é a "significação": é a minha maneira de conferir significado à palavra, de a compreender. Sublinho este aspecto porque é importante recordar que os significados são muito mais o produto de uma cultura particular do que os significantes. É óbvio

29-09-2015 12:16

29 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

67 que as palavras, os significantes, mudam de língua para língua. Mas é fácil cair no erro de acreditar que os significados são universais e que a tradução é, por isso, uma simples questão de substituir uma palavra francesa, digamos, por uma inglesa - o "significado" é o mesmo. Tal não é o caso. O meu conceito mental de boi tem de ser muito diferente do de um agricultor indiano, e ensinarem-me o som da palavra hindu (significante) para boi em nada me ajuda a partilhar o seu conceito de "boi". A significação de um boi é tão específica de uma cultura como o é, em cada língua, a forma. linguística do significante. Signo e sistema

A pergunta enganadoramente simples é "O que é um boi?" ou, para a colocarmos em termos mais linguísticos ou semióticos, "O que é que o signo boi significa?". Para Saussure a questão só pode ser respondida à luz do que não podemos significar através desse signo. Tratasse de uma nova abordagem da questão de saber como é que os signos significam. A semelhança entre Saussure e Peirce é, aqui, a de ambos procurarem a significação nas relações estruturais; contudo, Saussure considera uma nova relação - a relação entre um signo e os outros signos do mesmo sistema, ou seja, a relação entre um signo e os outros signos que ele poderia supostamente ser, mas que não é. Assim, a significação do signo homem é determinada pela sua diferença relativamente a outros signos. Logo homem pode significar não animal, ou não humano, ou não rapaz, ou não senhor. Quando Chanel escolheu a actriz francesa Catherine Deneuve para dar ao seu perfume, uma imagem de um determinado tipo de chic francês sofisticado e tradicional, ela tomou-se um signo num sistema. E a significação de Catherine Deneuve enquanto signo, foi determinada por outras actrizes- signos bonitas que ela não era. Ela não era Susan Hampshire (demasiado inglesa), não era Twiggy (demasiado jovem, moderna, mutável como a moda), não era Brigitte Bardot (demasiado sexy e pouco sofisticada) e assim por diante, 68 De acordo com este modelo da significação, os significados são os conceitos mentais que utilizamos para dividir a realidade e para a categorizar de forma a podermos compreendê-la. As fronteiras entre uma categoria e uma outra são artificiais, não naturais, porque a natureza é um todo. Não há qualquer linha entre homem e rapaz até que a tracemos, e os cientistas tentam constantemente definir, com maior precisão, a fronteira entre os seres humanos e os outros animais. Os significados são, portanto, feitos pelas pessoas, determinados pela cultura ou subcultura à qual pertencem. Fazem parte do sistema linguístico ou semiótico usado pelos membros dessa cultura para comunicarem entre si. Assim, pois, a área da realidade ou da experiência a que um qualquer significado se refere, isto é, a significação do signo, é determinada não pela natureza dessa realidade/experiência, mas pelas fronteiras dos significados relacionados dentro desse sistema. Deste modo, a significação define-se melhor pelas relações de um signo com outro do que pela relação desse signo com uma realidade externa. À relação do signo com os outros signos no interior de um sistema chama Saussure valor. E, para Saussure, é o valor que, fundamentalmente, determina a significação. Semiótica e significação

A semiótica considera a comunicação como geração de significação nas mensagens, quer pela parte do codificador, quer pela do descodificador. A significação não é um conceito absoluto, estático, que se encontra bem embrulhado dentro de uma mensagem. A significação é um processo activo: os semiologistas usam verbos como criar, gerar ou negociar para se referirem a este processo. Talvez negociação seja o termo mais útil, na medida em que implica um ir-e-vir, um dar-e-receber entre pessoa e mensagem. A significação é o resultado da interacção dinâmica entre signo, interpretante e objecto: encontra-se historicamente situada e pode muito bem mudar com os tempos. Pode até ser útil pôr de lado o termo "significação" e usar o termo de Peirce, muito mais activo - "semiose": o acto de significar.

29-09-2015 12:16

30 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

69

Categorias de signos Conceitos básicos Tanto Peirce como Saussure tentaram explicar as diferentes maneiras dos signos veicularem significação. Peirce produziu três categorias de signos, cada uma das quais mostrava uma relação diferente entre o signo e o seu objecto, ou aquilo a que ele se refere. Num ícone o signo assemelha-se, de algum modo, ao seu objecto: parece-se ou soa como ele. Num índice há uma ligação directa entre o signo e o seu objecto: os dois estão realmente ligados. Num símbolo, não existe ligação ou semelhança entre signo e objecto: um símbolo comunica apenas porque as pessoas concordaram que ele deve representar aquilo que representa. Uma fotografia é um ícone, o fumo é um índice de fogo e a palavra é um símbolo. Saussure não se preocupou com os índices. Na verdade, como linguista, apenas os símbolos lhe interessavam realmente, pois as palavras são símbolos Mas os seus seguidores reconheceram que a forma física do signo (a que Saussure chamou significante) e o conceito. mental que lhe está associado (o significado) podem estar relacionados de uma forma icónica ou de uma forma arbitrária. Numa relação icónica o significante assemelha-se ou soa como o significado; numa relação arbitrária, os dois relacionam-se apenas por acordo entre os utentes. Aquilo a que Saussure chama relações icónicas e relações arbitrárias entre significante e significado corresponde, precisamente aos ícones e símbolos de Peirce. Outras implicações Embora Saussure e Peirce trabalhassem no âmbito de tradições académicas diferentes (da linguística e da filosofia, respectivamente), concordaram, não obstante, quanto à importância do signo para qualquer abordagem semiótica. Concordaram também que a primeira tarefa era a de categorizar os 70 vários signos quanto à relação entre significante e significado (nos termos de Saussure) ou quanto à relação entre signo e objecto (nos termos de Peirce). Peirce e o signo Peirce dividiu os signos em três tipos - ícone, índice e símbolo. Uma vez mais, estes podem ser esquematizados num triângulo. Peirce pensava que este era o modelo mais útil e fundamental quanto à natureza dos signos'. Escreve: "todo o signo é determinado pelo seu objecto: quer porque, em primeiro lugar, faz parte do carácter do objecto, e nesse caso chamo ao signo um Ícone; quer porque, em segundo lugar, está realmente, e na sua existência individual, ligado ao objecto individual, e nesse caso chamo ao signo um Índice; quer, em terceiro lugar, pela certeza mais ou menos aproximada de que será interpretado como denotando o objecto em consequência de um hábito, (...) e nesse caso chamo ao signo um Símbolo. (in Zeman, 1977). Um ícone guarda uma semelhança com o seu objecto. Isso é geralmente óbvio nos signos visuais: uma fotografia da minha tia é um ícone; um mapa é um ícone; os vulgares signos visuais que denotam os lavabos das senhoras e dos homens são ícones. Mas ele pode, contudo, ser verbal: a onomatopeia é uma tentativa para tomar a linguagem icónica O verso de Tennyson "O zumbido das abelhas nos ulmeiros imemoriais" faz com que o som das palavras se assemelhe ao som das abelhas. É icónico. A sinfonia "Pastoral" de Beethoven contém ícones musicais de sons da natureza. Podemos pensar que alguns perfumes são ícones artificiais de odores animais, indicadores de excitação sexual. O modelo de Peirce, signo-objecto-interpretante, é um ícone na

29-09-2015 12:16

31 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

71 medida em que tenta reproduzir de forma concreta a estrutura abstracta da relação entre os seus elementos. Um índice é igualmente simples de explicar. É um signo com uma ligação existencial directa ao seu objecto. O fumo é um índice de fogo; um espirro é um índice de constipação. Se, combinar encontrar-me consigo e lhe disser que me poderá identificar porque tenho barba e levarei uma rosa amarela na lapela, então a minha barba e a rosa amarela serão índices de mim. Um símbolo é um signo cuja ligação com o seu objecto é uma questão de convenção, de acordo ou de regra. As palavras são, em geral, símbolos. A cruz vermelha é um símbolo. Os números são símbolos não há qualquer razão para que a forma 2 se refira a um par de objectos e apenas por convenção ou regra da nossa cultura que tal acontece. O número romano II é, claro está, icónico. Estas categorias não estão separadas nem são distintas. Um signo pode compor-se de vários tipos. Tomemos, por exemplo, o sinal de trânsito . O triângulo vermelho é um símbolo - por determinação do Código da Estrada, significa "perigo". A cruz ao meio é um misto de, ícone e símbolo é icónica na medida em que a sua forma é, parcialmente, determinada pela forma do seu objecto, mas é simbólica na medida em que precisamos de conhecer as regras para a entendermos como "cruzamento" e não como "igreja" ou "hospital". E, na vida real, o signo é um índice, visto que indica que nos estamos a aproximar de um cruzamento. Quando impresso no Código da Estrada ou neste livro, ele não é indicial, pois não está física ou espacialmente ligado ao seu objecto.

72 Análise Podemos testar o poder explicativo das categorias do signo segundo Peirce através da análise das caricaturas . A caricatura é um exemplo de mensagem que procura veicular uma grande quantidade de informação através de meios simples e directos - usa significantes simples para significados complexos. 73

A ilustração utiliza a convenção tradicional da caricatura de dois homens a conversar para veicular uma mensagem sobre o conflito irlandês, a instabilidade das MidIands, a lei e a ordem, e as posições do governo liberal da época. A figura da direita é Asquith, o primeiro-ministro. Reconhecêmo-lo, pela maneira como o seu rosto está desenhado: é icónico tal significa que a forma que assume é determinada pelo aspecto do objecto (o próprio Asquith). As mãos nos bolsos, no entanto, são um tipo diferente de signo. Juntamente com a postura empertigada e o peso assente nos calcanhares, elas podem ser interpretadas como indicadores de indiferença. A postura física é um índice da atitude emocional, da mesma forma que o fumo é um índice de fogo, ou as pintas vermelhas um índice de sarampo. O hemisfério confiante da sua barriga é também um índice, embora com uma ligeira diferença. É um índice que se aproxima da metonímia (ver adiante, pág. 130). Uma fotografia de um bebé esfomeado pode ser um índice da fome no Terceiro Mundo e, do mesmo modo, uma barriga gorda pode, ser um índice de prosperidade e consumo (se os esforçados trabalhadores do Black Country tivessem sido retratados, eles seriam, provavelmente, magros e famintos). Mas Asquith era, já de si, corpulento. Portanto, a barriga tem também uma dimensão icónica. Também me parece que o queixo recuado é, de certa forma, um índice icónico indicando fraqueza moral ou decadência. Este é o meu interpretante do signo mas, a seu respeito, confio menos que o leitor o partilhe comigo do que quanto ao do meu interpretante da barriga. Dyson, o desenhista, explora uma importante propriedade dos ícones e dos índices. Na medida em que estes tipos de signo estão ambos directamente ligados aos seus objectos, ainda que de formas diferentes, parecem trazer a realidade consigo. Parecem dizer "O objecto é mesmo assim; mais do que pelo meu signo, o vosso interpretante é formado pela experiência do objecto. O meu signo apenas recorda ou reflecte o próprio objecto". Eles implicam que Asquith seja realmente indiferente, complacente, próspero, de forma mais imperiosa do que o faria, por exemplo, uma descrição simbólica verbal

29-09-2015 12:16

32 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

74 O nosso estudo sobre fotografias jornalísticas no capítulo 6 desenvolverá mais profundamente esta noção. Martin Walker (1978), de cuja obra extraímos as caricaturas deste capítulo, tece comentários sobre a "estupidez muda do polícia e o seu traseiro assustador". O leitor poderá ter interesse em considerar o modo como, para produzir o interpretante, as relações icónicas e indiciais entre o signo e o objecto se combinam com a experiência social que tem da polícia. A caricatura de Gould , justifica também uma análise detalhada. Kaiser Bill é apresentado como um gatuno a roubar as pratas de família (Sérvia e Bélgica). À janela, prestes a apanhá-lo, está um polícia, cujas patilhas recortadas na sombra o identificam como John BuIl. A Grã-Bretanha, a polícia, vai salvar a Europa da Alemanha usurpadora. A prata é claramente um símbolo da Sérvia e da Bélgica. Mas não existe acordo pré-existente quanto a esta relação entre signo e objecto. Assim, Gould tem que usar outros símbolos, as palavras Sérvia e Bélgica, para o criar. É óbvio que estas palavras só comunicam porque os seus utentes concordam que elas se referem a países específicos da Europa. As patilhas, no entanto, são um índice de John Bull, e John Bull é um símbolo da Grã-Bretanha (neste caso, evidentemente, o acordo existe - todos concordamos que John Bull representa a Grã-Bretanha). Esta caricatura é uma combinação complexa de ícones, índices e símbolos e merecerá uma análise muito mais profunda do que aquela que aqui foi feita. Dever-se-á voltar a ela depois da leitura do capítulo 6, quando se estiver apto a comparar as categorias do símbolo segundo Peirce e a teoria da metáfora e da metonímia de Jakobson. Saussure e o signo A análise que Saussure faz do signo relega para segundo plano a "significação" - a relação do significado com a realidade ou, segundo Peirce, a do signo com o objecto. Saussure preocupa-se sobretudo com a relação do 75 significante com o significado e de um signo com os outros. O termo saussuriano "significado" tem semelhanças com o "interpretante" de Peirce, mas Saussure nunca usa o termo "efeito" para relacionar o significante com o significado: não estende o seu interesse ao domínio do utente. O interesse de Saussure pela relação do significante com o significado tornou-se uma questão de primordial importância para a tradição semiótica europeia. O próprio Saussure concentrou-se na articulação de uma teoria linguística e apenas mencionou de passagem uma possível área de estudo a que chamou semiologia: Podemos pois imaginar uma ciência que estudasse a vida dos signos no interior da sociedade. (...) Chamamos-lhe semiologia, do grego semeion ("signo"). Ela ensinarnos-ia em que consistem os signos, que leis os regem. Visto que ainda não existe, não podemos dizer o que será, mas tem o direito à existência; o seu lugar está antecipadamente assegurado. 76 A linguística é apenas uma parte desta ciência geral; e as leis que a semiologia descobrir serão aplicáveis à linguística, que assim se verá ligada a um domínio bem definido dos fenómenos humanos. (Course, 16; Cours 33). Foi deixado aos seus seguidores o trabalho de aprofundarem esta ciência dos signos. (Na circunstância, eles trabalharam principalmente em França e tiveram tendência para usar o termo semiologia). Motivação dos signos Dois dos seguidores de Saussure que desenvolveram as suas ideias foram Pierre Guiraud e

29-09-2015 12:16

33 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Roland Barthes (1968, 1973). Para acompanharmos as suas análises precisamos de nos familiarizar com um novo conjunto de termos. (Um dos aspectos mais difíceis de qualquer área de estudo em desenvolvimento é a quantidade de vocabulário técnico que ela cria. Escritores novos tendem a cunhar novas palavras, e só quando uma ciência se torna relativamente bem definida é que a sua terminologia fica assente e passa a ser objecto de um acordo mais ou menos generalizado. No nosso caso, os entendidos nem sequer conseguem chegar a acordo quanto ao nome da própria ciência.) Os principais termos usados no estudo da relação entre o significante e o significado são arbitrário, icónico, motivação e coacção, e todos eles estão intimamente interligados. Para Saussure, a natureza arbitrária do signo é o âmago da linguagem humana. Com isso pretendia dizer que não há nenhuma relação necessária entre significante e significado: essa relação é determinada por convenção, regra ou acordo entre os utentes. Por outras palavras, os signos a que ele chamou arbitrários correspondem exactamente àqueles a que Peirce chamou símbolos. Como Peirce, Saussure pensava que esta era a categoria mais importante e mais desenvolvida. O termo icónico já é familiar. Os saussurianos utilizam-no no sentido de Peirce, ou seja, um signo icónico é aquele em que a forma do significante é, até certo ponto, determinada pelo significado. 77

Os termos motivação e coacção são usados para descrever até que ponto o significado determina o significante; são, praticamente, permutáveis Um signo altamente motivado é muito icónico: uma fotografia é muito mais motivada do que um sinal de trânsito. Um signo arbitrário não é motivado. Mas podemos empregar o termo coacção para designar a influência que o ;significado exerce sobre o significante. Quanto mais motivado for o signo, mais o seu significante é coagido pelo seu significado. Uma fotografia de um homem é altamente motivada, pois aquilo com que a fotografia (o significante) se parece é determinado, principalmente, pelo aspecto do próprio homem (a influência do fotógrafo - enquadramento, focalização, iluminação, ângulo da objectiva, etc. - produz um elemento arbitrário no signo final). Um retrato pintado é, ou pode ser, menos icónico ou mais arbitrário do que uma fotografia - é menos motivado. Uma caricatura (por exemplo a de Asquith) é ainda menos motivada: o caricaturista tem maior liberdade para fazer com que o indivíduo se pareça com aquilo que ele quiser; é menos constrangido. Se estivermos à procura de signos de "homem" menos motivados, mais arbitrários, que ainda conservem um elemento icónico podemos considerar um desenho a carvão de uma criança, ou o símbolo do lavabo dos homens. Um signo não motivado, arbitrário, é a própria palavra "HOMEM", ou o símbolo. Ela mostra este aspecto através de uma montagem de signos com variados graus de motivação. Quanto menos motivado for o signo, mais importante é que tenhamos aprendido as convenções acordadas entre os utentes: sem elas o signo permanece sem significado ou susceptível de descodificação altamente aberrante (ver adiante, pág. 111). Convenção A convenção - ou hábito, nos termos de Peirce - desempenha uma importante variedade de papéis na comunicação e na significação. No seu nível mais formal, pode descrever as regras através das quais os signos arbitrários 78 funcionam. Existe uma convenção formal de que o signo GATO se refere a um animal felino de quatro patas e não a uma peça de vestuário. Existe uma convenção formal que estabelece o significado de três signos, nesta ordem e com esta forma gramatical: GATOS CAÇAM RATOS. Estamos de acordo que a primeira palavra persegue a terceira. Também é convencional que um -s no final da palavra significa pluralidade. Mas há também convenções menos formais, expressas menos explicitamente. Aprendemos por experiência que um movimento em câmara lenta na televisão "significa" uma de duas coisas: ou análise de perícia ou erro (particularmente em programas desportivos), ou apreciação de beleza. Por vezes, como na ginástica feminina, significa ambas. A nossa experiência de signos semelhantes, que é a nossa experiência da convenção, permite-nos

29-09-2015 12:16

34 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

reagir adequadamente - sabemos que tal não significa que as pessoas tenham começado subitamente a correr devagar; e a nossa experiência de conteúdo diz-nos se devemos apreciar a beleza ou avaliar a perícia do movimento. Por vezes são difíceis de determinar, num signo, os papéis relativos desempenhados pela convenção e pela iconicidade, ou seja, até que ponto um signo é de facto motivado ou coagido. Quando uma câmara de televisão dá um primeiro plano do rosto de alguém, isso significa que essa pessoa está a sentir uma emoção forte de qualquer natureza. Sabemos, por convenção, que isso não significa que de repente tenhamos aproximado a nossa cara até alguns centímetros da dessa pessoa. Mas esse grande plano também contém um elemento icónico na medida em que representa ou reproduz a concentração do nosso interesse numa pessoa, num dado momento. A convenção é necessária para a compreensão de qualquer signo, por mais icónico ou indicial que ele seja. Precisamos de aprender como entender uma fotografia ou mesmo uma figura de cera em tamanho natural. A convenção é a dimensão social dos signos (ver também pág. 108): é o acordo entre os utentes a respeito dos usos e reacções adequados a um signo. Os signos sem dimensão convencional são puramente privados e, como tal, não comunicam. Portanto, pode ser mais útil considerar a distinção entre signos arbitrários e 79

icónicos, ou entre símbolos e ícones/índices como uma escala, e não como categorias separadas. Num extremo da escala temos o signo puramente arbitrário, o símbolo. Na outra extremidade temos a noção pura do ícone que, evidentemente, não pode existir na prática. O sinal de trânsito situar-se-ia mais para a esquerda do que um mapa de um determinado cruzamento. O primeiro, poderíamos calcular que seria 60 por cento arbitrário e 40 por cento icónico enquanto o segundo seria 30 por cento arbitrário e 70 por cento icónico. E devíamos eliminar o último meio centímetro à direita, a não ser que o desenvolvimento dos hologramas tome o signo puramente icónico uma possibilidade. A organização dos signos Conceitos básicos Saussure definiu duas maneiras dos signos se organizarem em códigos. A primeira é por paradigmas. Um paradigma é um conjunto de signos donde se escolhe aquele que vai ser usado. O conjunto de formas dos sinais de trânsito - quadrada, redonda ou triangular forma um paradigma; o mesmo acontece com o conjunto de símbolos que podem aparecer no seu interior. A segunda é a sintagmática. Um sintagma é a mensagem na qual os signos escolhidos se combinam. Um sinal de trânsito é um sintagma, uma combinação 82 da forma e do símbolo escolhidos. Na linguagem, podemos dizer que o vocabulário é o paradigma e a frase um sintagma. Portanto, todas as mensagens envolvem selecção (a partir de um paradigma) e combinação (num sintagma). Outras implicações Devemos ter presente que Saussure insistia que o significado de um signo era principalmente determinado pela sua relação com outros signos. É nisso que a sua inclinação linguística se revela com maior intensidade, e é também nisso que ele difere mais radicalmente de Peirce. Os dois principais tipos de relação que um signo pode formar com outros são descritos pelos termos paradigma e sintagma. Paradigmas Vejamos primeiro o paradigma. Um paradigma é um conjunto a partir do qual é feita uma escolha, e apenas uma unidade desse conjunto pode ser escolhida. Um exemplo simples são as letras do alfabeto. Estas formam o paradigma para a linguagem escrita e ilustram duas características básicas de um paradigma:

29-09-2015 12:16

35 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

1. Todas as unidades de um paradigma devem ter algo em comum: devem partilhar características que determinam a sua pertença a esse paradigma. Temos de saber que M é uma letra e, como tal, é membro do paradigma alfabético, e temos de reconhecer que 5 não o é, tal como % também não.

2. No paradigma, cada unidade deve ser claramente diferenciada de todas as outras. Devemos ser capazes de identificar a diferença entre os signos de um paradigma tanto em termos dos seus significantes como dos seus significados. Os meios pelos quais distinguimos um significante do outro designam-se por características distintivas de um signo. Este é um conceito de considerável importância analítica, a que voltaremos mais adiante. No exemplo a que nos temos vindo a referir basta apenas dizer 83 que a má caligrafia é a caligrafia que apaga as características distintivas das letras. Sempre que comunicamos temos que seleccionar a partir de um paradigma. As palavras são um paradigma - o vocabulário do português é um paradigma. As palavras são também categorizadas noutros paradigmas mais específicos: paradigmas gramaticais, como substantivos ou verbos, paradigmas de uso - linguagem de bebé, linguagem legal, conversa amorosa, praguejar masculino - ou paradigmas de som - palavras que rimam: cara, vara, tara, etc. A um nível mais pormenorizado, os três termos saussurianos para a análise do signo formam um paradigma, e escrevem-se frequentemente Sn, Sr e Sd. Aqui, o S indica o paradigma por convenção, e os -n, -r e -d são as características distintivas que identificam as unidades no seu interior. Outros exemplos de paradigmas são: a maneira de mudar de cena em televisão - corte, mudança progressiva, mistura, apagamento, etc., acessórios para a cabeça - chapéu de feltro, boina, boné, barrete, etc.; o estilo das cadeiras com que mobilamos a nossa sala de estar; o tipo de carro que conduzimos; a cor com que pintamos a porta da rua. Todos eles implicam escolhas paradigmáticas, e o significado da unidade que escolhemos é determinado, em larga medida, pelos significados das que não escolhemos. Podemos resumir dizendo que "onde há escolha há significado, e o significado do que foi escolhido é determinado pelo significado do que não o foi". Sintagmas Uma vez escolhida uma unidade de um paradigma, ela é normalmente combinada com outras unidades. A essa combinação chama-se um sintagma assim, uma palavra escrita é um sintagma visual composto por uma sequência de escolhas paradigmáticas a partir das letras do alfabeto. Uma frase é um sintagma de palavras. As nossas roupas são um sintagma de escolhas a partir dos paradigmas de chapéus, gravatas, camisas, casacos, calças, meias, etc. O modo como mobilamos um compartimento é um sintagma de escolhas a partir dos, 84 paradigmas de cadeiras, mesas, poltronas, carpetes, papéis de parede, etc. Um arquitecto, ao desenhar uma casa, faz um sintagma dos estilos de portas, janelas, etc., e das suas posições. Uma ementa é um bom exemplo de um sistema completo. As escolhas para cada prato (os paradigmas) são dadas por completo: cada cliente combina-as numa refeição; o pedido feito ao empregado é um sintagma. O aspecto importante dos sintagmas são as regras ou convenções através das quais é feita a combinação das unidades. Na linguagem, chamamos a isso gramática ou sintaxe; na música chamamos-lhe melodia (a harmonia é uma questão de escolha paradigmática); nas roupas chamamos-lhe bom gosto, ou sentido da moda, embora também existam regras mais formais. Por exemplo, um laço preto com um casaco preto e um colarinho branco significam um convidado para o jantar, mas o mesmo laço com um casaco branco e uma camisa branca significaria um criado de mesa. Num sintagma o signo escolhido pode, pois, ser afectado pela sua relação com os outros; o seu significado é em parte determinado pela sua relação com os outros no interior do sintagma. Para Saussure e para os linguistas estruturalistas que o seguiram, a chave para a compreensão dos signos era a compreensão da sua relação estrutural com os outros. Existem

29-09-2015 12:16

36 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

dois tipos de relação estrutural: a paradigmática, a da escolha, ou a sintagmática, a da combinação. Os semáforos Os semáforos são um sistema de comunicação simples que podemos utilizar para ilustrar muitos dos conceitos analíticos apresentados neste capítulo. A figura mostra como Edmund Leach (1974) modela as relações estruturais dos semáforos. Se analisarmos exaustivamente a significação começaremos por identificar o paradigma dos semáforos. Uma luz vermelha aqui significa parar e não bordel ou gravação em curso. É arbitrário, ou é um símbolo, mas não inteiramente. O vermelho está tão divulgado como sinal de perigo que se justifica que nele procuremos algum elemento icónico. Pode 85

ser porque é a cor do sangue, ou porque em momentos de raiva ou medo extremos a dilatação dos vasos sanguíneos dos olhos nos fazem, literalmente, "ver tudo vermelho". Portanto o vermelho é uma cor de crise. Se o vermelho, por um misto de convenção e motivação, significa "parar", o resto é um seguimento lógico. O verde é o oposto do vermelho no espectro das cores, e avançar é o contrário de parar. A cor é a característica distintiva, e o verde é tão distinto do vermelho quanto é possível sê-lo. Se precisarmos de uma terceira unidade no sistema, devemos optar pelo amarelo ou pelo azul, pois são essas as cores intermédias no espectro. O azul está reservado a serviços de emergência, portanto a escolha é naturalmente o amarelo, ou âmbar, para lhe dar uma tonalidade mais forte. Introduzimos depois uma sintaxe simples: âmbar combinado com vermelho é um sintagma que significa que a mudança é no sentido de AVANÇAR; o âmbar sozinho significa que a mudança é no sentido de parar. As outras regras são que o vermelho nunca pode ser combinado com o verde, e que o vermelho e o verde nunca podem seguir-se directamente um ao outro. Existe, pois, bastante redundância construída no interior do sistema. Uma luz vermelha é tudo o que é estritamente necessário: acesa para PARAR, apagada para avançar. Mas mesmo os semáforos temporários acrescentam redundância ao incluir o verde. Isso previne o possível erro da descodificação do "apagado" como "os semáforos avariaram". É claro que o sistema completo tem uma redundância elevada, porque a minimização dos erros de descodificação é vital, e pode haver muito "ruído" (sol nos olhos, o tráfego a exigir concentração). Os Semáforos: mudança amarelo vermelho verde parar - avançar sem mudança 86 Sugestões para trabalho adicional Aplique o modelo de Peirce a diferentes tipos de signos, por exemplo a uma expressão facial, indicando aborrecimento, a um sinal de trânsito de PERDA DE PRIORIDADE, a palavras como invertido, maricas ou homossexual, a uma pintura abstracta, ao estilo de vestir de alguém, a 3 + 8 = 11. Que lhe diz isso acerca da forma como o interpretante é criado? Será que é o signo ou a nossa experiência do objecto que desempenham o papel mais importante na formação do nosso interpretante? Como é que a sua importância relativa varia? Até que ponto o meu interpretante difere do seu, e até que ponto eles têm de ser parecidos? Será que o grau de motivação desempenha um papel importante na determinação da relação e variação de significação que esteve a analisar? (ver Guiraud,1975, págs. 25-27) Desenvolva exaustivamente esta noção da motivação do signo. Dê exemplos que ilustrem as suas variantes. Analise as ilustrações 5 e 6. Recorra aos conceitos de Peirce e Saussure para comparar a sua utilidade comparativa. Pensa que os comentários de Walker são necessários? Ajudam

29-09-2015 12:16

37 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

a preencher a lacuna cultural originada pela passagem do tempo? São igualmente úteis em cada uma das caricaturas? 3 Barthes (1973), págs. 112-113, usa as rosas como um exemplo de signo: uma rosa é um objecto físico, mas se eu a oferecer à minha amada revisto-a de um significado - um tipo de paixão romântica. Esta tomou-se um significante, e a rosa oferecida tomou-se um signo. Compare este exemplo com o exemplo do O X dado neste capítulo (pág. 67). Em que medida é que estes exemplos ajudam a explicar os termos saussurianos -significante, significado e signo? Será que eles os explicam de forma diferente do que o faria uma palavra? Em caso afirmativo, porquê? 4 Debata exaustivamente as implicações da teoria segundo a qual os significados são arbitrários e específicos de uma cultura. Ela ajuda a clarificar ideia de que vemos o mundo através da nossa língua?

5. As fotografias noticiosas e os anúncios das revistas são muitas vezes indiciais, e sempre icónicos. Pegue num exemplo de cada um (ou de ambos) e analise-o nos termos de Peirce para testar a precisão desta afirmação. (Poderá descobrir que ela não se aplica igualmente bem a cada um deles.) 88

Estude a forma como as palavras (símbolos) são utilizadas para apoiar signos visuais. Regresse a esta questão após ter lido o capítulo 6. Ver Hawkes (1977) págs. 123-130. 6. Volte à ilustração 4. Organize os signos por ordem do seu grau de motivação e coloque-os na escala da pág. 82. Apresente razões para as suas decisões. Na exposição deverá usar termos como convenção, acordo, arbitrário, icónico motivação, coacção. Poderá também achar necessários os termos significante, significado, símbolo, índice, interpretante e objecto. Empregar o vocabulário técnico ajuda-o a familiarizar-se com ele e a perceber a sua razão de ser. As fotografias fazem parte do paradigma "signos de mulheres": até que ponto é que o significado de cada um dos signos nele contidos depende da familiaridade do leitor com o resto do paradigma? Por que é que o ícone a 100 por cento é impossível? 7. Analise o processo de descodificação de uma má caligrafia. Deverá usar termos como previsibilidade (capítulo 1), percepção (modelo Gerbner, capítulo 2), características distintivas e significante/significado. Em que medida é que eles se relacionam com a leitura de uma fotografia tremida, ou de uma fotografia da lua pouco definida, ou de conversar com alguém numa discoteca barulhenta? 8. Considere uma frase e uma fotografia. Ambas são sintagmas compostos por unidades escolhidas a partir de paradigmas. Em que medida é que a identificação do paradigma e do sintagma facilitam uma compreensão do significado de cada uma? (Ver Fiske e Hartly, 1978, págs. 50-58.) As obras que se seguem poderão ser úteis como leitura suplementar: Culler (1976), págs. 18-52; Cherry (1957), págs. 112-117, 221-223, 265-269; Guiraud (1975), págs. 1-4, 22-29. 90 4 Códigos Conceitos básicos Na nossa análise dos semáforos estivemos a estudar um código. Os códigos são, de facto, sistemas em que os signos se organizam. Esses sistemas regem-se por regras que são aceites por todos os membros de uma comunidade que usa esse código. Tal significa que o estudo dos códigos realça frequentemente a dimensão social da comunicação. Quase todos os aspectos da nossa vida social que são convencionais ou regidos por

29-09-2015 12:16

38 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

regras aceites pelos membros da sociedade podem, portanto, ser considerados "codificados". Há que distinguir entre códigos de comportamento, como o código legal, o código das boas maneiras, ou os dois códigos do rugby e os códigos significativos. Os códigos significativos são sistemas de signos. Feita esta distinção, devemos reconhecer que as duas categorias de códigos estão interligadas. O código da estrada tanto é um sistema comportamental como significativo. A obra de Bernstein relaciona a linguagem que as pessoas usam com a sua vida social. Nenhum código significativo pode ser satisfatoriamente dissociado das práticas sociais dos seus utentes. Neste livro, contudo, concentramo-nos na segunda categoria de códigos. Com efeito, emprego a palavra código para designar um sistema significativo. 91 Todos os códigos deste tipo têm um certo número de características básicas: 1 . Têm um número de unidades (ou, às vezes, uma unidade) a partir das quais é feita a selecção. Essa é a dimensão paradigmática. Estas unidades (em todos os códigos, excepto nos códigos mais simples, com uma única unidade intermitente) podem ser combinadas através de regras ou convenções. Essa é a dimensão sintagmática. 2. Todos os códigos veiculam significado: as suas unidades são signos que se referem, por vários meios, a algo diferente delas mesmas. 3. Todos os códigos dependem de um acordo entre os seus utentes e de uma experiência cultural comum. Códigos e cultura inter-relacionam-se dinamicamente. 4.Todos os códigos desempenham uma função social ou comunicativa identificável. 5. Todos os códigos são transmissíveis pelos seus meios e/ou canais de comunicação adequados. Neste capítulo abordaremos todas estas características, mas a nossa atenção incidirá sobretudo nas características 3 e 4. A característica 2 foi tratada com alguma profundidade no capitulo 3, e a característica 5 no capítulo 1. No entanto, será útil recordar primeiro alguns dos aspectos já analisados sobre a natureza das unidades que constituem um código, e introduzir dois termos novos: analógico e digital. Códigos analógicos e digitais Conceitos básicos Vimos (pág. 83) que os paradigmas são compostos por unidades com uma semelhança geral, mas com características distintivas que as diferenciam umas das outras. Existem dois tipos de paradigma que dão os seus nomes a dois tipos de código: o analógico e o digital. Um código digital é aquele cujas unidades (sejam significantes ou significados) estão claramente separadas; um 92

código analógico é aquele que funciona numa escala contínua. Um relógio digital separa um minuto do minuto seguinte: ou é uma hora e cinco minutos ou é uma hora e seis minutos. Um relógio analógico tem uma escala contínua, e só através da inclusão de marcas no mostrador se pode lê-lo "digitalmente". Os códigos digitais são mais simples de compreender, e isto apenas, porque as suas unidades se distinguem claramente. Os códigos arbitrários são digitais, e isso torna-os fáceis de escrever ou anotar. A música é, potencialmente, um código analógico, embora o nosso sistema de anotação lhe tenha conferido características distintivas (as notas e as escalas) e lhe tenha, assim, imposto as características de um código digital. A dança, no entanto, é analógica. Ela funciona através de gestos, posições, distâncias tudo códigos analógicos e, portanto, difíceis de anotar. A natureza geralmente é

29-09-2015 12:16

39 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

composta por códigos analógicos: ao tentar compreender ou categorizar a natureza, impomos-lhe diferenças digitais, como por exemplo "as sete idades do homem", ou as distâncias íntimas, pessoais, semipúblicas e públicas entre as pessoas. Outras implicações Esta busca de diferenças significativas ou de características distintivas é crucial relativamente ao lado textual da significação. Em códigos arbitrários ou simbólicos trata-se de um processo fácil, pois se as unidades de um paradigma forem expostas e aceites, as diferenças entre elas têm que ser identificadas. Todavia, os códigos compostos por signos icónicos levantam problemas. Veremos como é que o teste da comutação (pág. 147) ou o trabalho de Baggaley e Duck com o diferencial semântico procuraram identificar as características significativas de uma mensagem icónica. Fiske e Hartley (1978) discutiram com algum pormenor o problema e a importância da identificação desta "unidade significativa mínima" num código. A nossa análise semiótica de uma fotografia noticiosa (pág. 140) mostrará que essas características distintivas podem ser significativas apenas na segunda ordem de significação. Os códigos da fotografia colocam problemas específicos porque a fotografia, sendo 93

composta por escalas analógicas, parece seguir a natureza. A procura de significação, no entanto, implica a identificação de diferenças significativas e, como tal, a imposição de características digitais a uma realidade analógica. A colocação de sessenta marcas à volta do perímetro do mostrador de um relógio é uma metáfora de como impomos significado à realidade. Assim, a percepção da realidade é, ela própria, um processo codificador. A percepção implica a identificação de diferenças significativas e, consequentemente, a identificação de unidades - aquilo que estamos a perceber. Implica, pois a percepção da relação entre essas unidades, de modo a que possamos vê-Ias como um todo. Por outras palavras, implica a criação de paradigmas e sintagmas. A nossa percepção e entendimento da realidade são tão específicos da nossa cultura como a nossa língua. É nesse sentido que falamos da realidade como construção social. Códigos apresentativos Mas os códigos não são apenas sistemas para organizar e compreender dados: eles desempenham funções comunicativas e sociais. Uma forma de categorizarmos essas funções é distinguir entre códigos representativos e códigos apresentativos. Os códigos representativos são usados para produzir textos, ou seja, mensagens com urna existência independente. Um texto representa algo independente de si mesmo e do seu codificador. Um texto é composto por signos icónicos ou simbólicos. O grosso deste livro, e grande parte do resto deste capítulo, tratam da compreensão de textos compostos por códigos representativos. Os códigos apresentativos são indiciais: não podem referir-se a algo independente deles mesmos e do seu codificador. Indicam aspectos do comunicador e da sua situação social actual. 94

Comunicação não-verbal Conceitos básicos A comunicação não-verbal (ou CNV) realiza-se através de códigos apresentativos como os gestos, os movimentos dos olhos ou os tons de voz. Estes códigos apenas podem transmitir mensagens acerca do aqui e agora. O meu tom de voz pode indicar a minha presente atitude relativamente ao tema e ao meu ouvinte, mas não pode emitir uma mensagem sobre a minha disposição da semana passada. Os códigos apresentativos estão,

29-09-2015 12:16

40 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

pois, limitados à comunicação frente a frente ou à comunicação onde o comunicador está presente. Têm duas funções. A primeira é, como vimos, a de veicular informação indicial. Trata-se de informações, sobre o orador e a sua situação, através das quais o ouvinte fica a conhecer a sua identidade, emoções, atitudes, posição social, etc. A segunda é a da gestão da interacção. Os códigos são utilizados para gerir o tipo de relação que o codificador quer ter com o outro. Ao usar certos gestos, posições e tom de voz, eu posso tentar dominar os meus parceiros, ser conciliador em relação a eles ou desligar-me deles. Posso usar códigos para indicar que acabei de falar e que é a vez de outra pessoa o fazer, ou para indicar que é meu desejo encerrar a reunião. Estes códigos continuam a ser, em certa medida, indiciais, mas são usados para veicular informação sobre a relação, mais do que sobre o orador. Estas duas funções dos códigos apresentativos podem também ser desempenhadas pelos códigos representativos, na medida em que os códigos apresentativos podem estar presentes em mensagens representativas. Um texto escrito pode ter um "tom de voz", uma fotografia pode transmitir tristeza ou alegria. Os psicólogos sociais reconhecem ainda uma terceira função dos códigos que apenas pode ser desempenhada pelos representativos. Trata-se da função cognitiva ou ideacional. É a função de transmitir informações ou ideias acerca de coisas ausentes, e envolve a criação de uma mensagem ou de um 95

texto que é independente do comunicador e da sua situação. A linguagem verbal ou a fotografia são exemplos de códigos representativos. O modelo de Jakobson (ver pág. 55) pode esclarecer a diferença entre os dois tipos de código. Os códigos apresentativos são mais eficazes quanto às funções conativa e emotiva. Ambos os tipos de código incidem, na função estética e na fática, embora a função metalinguística esteja, em grande parte, reservada aos representativos. Outras implicações 0 corpo humano é o principal transmissor de códigos apresentativos. Argyle (1972) faz uma lista de 10 desses códigos e sugere os tipos de significado que eles podem veicular. 1. Contacto físico. Quem tocamos, onde e quando o fazemos parece veicular importantes mensagens sobre o relacionamento. Curiosamente, são este código e o seguinte (a proximidade) os que mais parecem variar entre, povos de diferentes culturas. Os ingleses tocam-se com menos frequência do, que os membros de quase todas as outras culturas. 2. Proximidade (ou proxemia). O grau de proximidade com que nos acercamos de alguém pode transmitir uma mensagem quanto ao relacionamento que temos com essa pessoa. Parecem existir "características distintivas que diferenciam significativamente distâncias diferentes. Até um metro é íntimo; daí até dois metros e meio é pessoal; mais de dois metros e meio é semipúblico, e assim por diante. As distâncias efectivas podem variar de cultura para cultura: a distância pessoal, mas não íntima, dos árabes, pode chegar aos 25 centímetros, o que pode ser muito incomodativo para um ouvinte britânico. As distâncias da classe média tendem a ser ligeiramente superiores às suas correspondentes nas classes trabalhadoras. 3. Orientação. O ângulo em que nos colocamos relativamente aos outros é uma forma de emitir mensagens sobre o relacionamento. Olhar alguém de frente pode ser indicador de intimidade ou de agressão; colocarmo-nos a 90 em relação a outrem indica uma atitude cooperativa, e assim por diante. 96 4. Aparência. Argyle divide este código em duas partes: os aspectos sujeitos a controlo voluntário - cabelo, vestuário, pele, pinturas e adornos - e os menos controláveis altura, peso, etc. O cabelo é, em todas as culturas, altamente significativo, visto ser a parte mais "flexível" do nosso corpo: podemos facilmente alterar o seu aspecto. A

29-09-2015 12:16

41 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

aparência é utilizada para enviar mensagens sobre a personalidade, o estatuto social e, especialmente, sobre o conformismo. Os adolescentes, muitas vezes, manifestam a sua insatisfação quanto aos valores dos adultos através do penteado; e queixam-se depois quando essas mensagens de reacções negativas por parte dos adultos!

5. Movimentos da cabeça. Estes têm a ver, principalmente, com a gestão da interacção. Um assentimento pode dar a outrem licença para continuar a falar; movimentos rápidos de cabeça podem indicar desejo de falar. 6. Expressão facial. Esta pode dividir-se em subcódigos de posição das sobrancelhas, formato dos olhos, formato da boca e tamanho das narinas. Estes elementos, em diferentes combinações, determinam a expressão do rosto, e é possível elaborar uma "gramática" das suas combinações e significados. Curiosamente, a expressão facial revela menos variações interculturais do que a maioria dos códigos apresentativos. 7. Gestos (ou quinese). A mão e o braço são os principais transmissores do gesto, mas os gestos dos pés e da cabeça são também importantes. Estão intimamente coordenados com a fala e complementam a comunicação verbal. Tanto podem indicar estimulação emocional em geral como estados emocionais específicos. O gesto intermitente, enfático, para cima e para baixo, indica frequentemente uma tentativa de domínio, enquanto gestos mais fluidos, contínuos e circulares indicam um desejo de explicar ou de conquistar simpatia. Além destes gestos indiciais, há um grupo de gestos simbólicos. Estes são muitas vezes insultuosos ou escatológicos, e são específicos de uma cultura ou subcultura: o sinal V é um exemplo. Devemos também referir o tipo icónico de gesto, como o aceno ou a utilização das mãos para descrever a forma ou a direcção. 97 8. Postura. As formas como nos sentamos, levantamos ou deitamos podem comunicar uma gama limitada, mas interessante, de significados. Relacionam-se muitas vezes com atitudes interpessoais: a amistosidade, a hostilidade, a superioridade ou a inferioridade podem todas ser indicadas pela postura. A postura pode também indicar um estado emocional, sobretudo o grau de tensão ou de descontracção. É curioso, e talvez surpreendente, mas a postura é mais difícil de controlar do que a expressão facial: a ansiedade que não se mostra pelo rosto pode muito bem ser denunciada pela postura. 9. Movimento dos olhos e contacto visual. A ocasião, frequência e duração de um olhar é uma forma de enviar importantes mensagens sobre o relacionamento, especialmente para mostrar que desejamos que esse relacionamento seja de domínio ou de aliança. Fixar alguém é um simples desafio de domínio; fazer olhinhos a alguém indica um desejo de aliança. Estabelecer um contacto visual no início ou durante a primeira fase de um acto verbal indica o desejo de dominar o ouvinte, de o fazer prestar atenção; o contacto visual posterior ou após um acto verbal indica mais uma relação de aliança, um desejo de feedback, para ver como é que o ouvinte está a reagir.

10. Aspectos não-verbais do discurso. Estes dividem-se em duas categorias: a) Os códigos métricos, que afectam o significado das palavras que empregamos. Os dois principais códigos deste tipo são a entoação e a acentuação. "As lojas estão abertas ao domingo" - esta frase pode ser transformada numa afirmação, numa pergunta ou numa expressão de descrédito pela entoação da voz. b) Os códigos paralinguísticos, que comunicam informação sobre o orador. O tom, o volume, o sotaque, os erros de fala e a velocidade indicam o estado emocional, a personalidade, a classe, o estatuto social do orador, a maneira como ele vê o ouvinte, etc. Estes códigos apresentativos classificamse pelos seus veículos. São todos relativamente simples, na medida em que têm comparativamente poucas unidades para 98 serem escolhidas na dimensão paradigmática, e regras muito simples de combinação na

29-09-2015 12:16

42 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

sintagmática. De facto são, em larga medida, semelhantes àquilo a que Bernstein chama códigos "restritos". Códigos elaborados e restritos Conceitos básicos Esta famosa classificação de código é obra de Basil Bernstein (por exemplo 1964, 1973). É um sociolinguista e centrou a sua investigação na linguagem das crianças. Assim, estes termos aplicam-se originariamente a diferentes usos da linguagem verbal, embora agora possamos legitimamente alargá-los de forma a abrangerem outros tipos de código. Pelo facto de ligar os tipos de linguagem utilizados à classe social do utente e relacionar isso com o sistema educativo, a obra de Bernstein tem sido altamente controversa. Levou a linguística até à política. Ele constatou que existem diferenças fundamentais entre a fala das crianças da classe trabalhadora e a das da classe média, e resumiu estas diferenças alegando que as crianças da classe trabalhadora tendiam a utilizar um código restrito e as da classe média código elaborado. Posteriormente, sublinhou algo que os seus críticos têm ignorado e que é o seguinte: a classe social não é, em si mesma, o factor determinante O que realmente determina o código usado é o tipo de relações sociais que existem. Assim, uma comunidade fechada, espartilhada, tradicional, tende a usar códigos restritos. A classe trabalhadora é um exemplo de uma dessas comunidades, mas as instituições da classe média, como a messe dos oficiais, a profissão de advogado ou um colégio de rapazes também o são: cada uma destas comunidades usa o seu próprio tipo de código restrito. O tipo de relações sociais característico da classe média moderna, mais fluido, mutável, móvel e impessoal, tende a produzir um código linguístico elaborado. A conclusão final de Bemstein é a de que as classes trabalhadoras 99 estão circunscritas a um código restrito, enquanto as classes médias podem mudar, sempre que queiram, de um código restrito para um elaborado. Outras implicações

Quais são, afinal, as características destes dois tipos de código? 1. O código restrito é mais simples, menos complexo do que o código elaborado. Tem um vocabulário mais reduzido e uma sintaxe mais simples 2. O código restrito tende a ser oral, e por isso aproxima-se mais dos códigos indiciais, apresentativos, da comunicação não-verbal. O código elaborado pode ser escrito ou falado e, como tal, é melhor para mensagens simbólicas representativas. 3. O código restrito tende a ser redundante. As suas mensagens são altamente previsíveis e susceptíveis de desempenharem funções fáticas, mais do que referenciais. O código elaborado é mais entrópico; as opções verbais à disposição do orador são mais difíceis de prever. Tem mais capacidades para exercer a função referencial. 4. O código restrito está orientado no sentido das relações sociais. O código elaborado facilita a expressão do intento discreto do indivíduo. Quer isto dizer que o código restrito é indicial do estatuto do orador no seio do grupo. Reforça as relações sociais e expressa as semelhanças entre orador e grupo, restringindo as diferenças individual, a assinalar. O código elaborado, por seu lado, está orientado na direcção do indivíduo enquanto pessoa, mais do que para o seu papel estatutário no seio do grupo; tem a ver com a expectativa, por parte do orador, de diferenças psicológicas entre ele e o(s) ouvinte(s), e por isso facilita a expressão da individualidade aquilo em que ele difere do(s) ouvinte(s). O código restrito facilita a expressão do comum, da pertença ao grupo - daquilo que o orador partilha com o(s) ouvinte(s). O código restrito depende, pois, de uma base de premissas comuns, de interesses partilhados, de experiência partilhada, de identificações e de expectativas. Depende de uma identidade cultural local 100

29-09-2015 12:16

43 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

que reduz a necessidade de os oradores verbalizarem a sua experiência individual. 5. Os código elaborado toma-se necessário quando o orador deseja verbalizar significados que são únicos a nível pessoal, mas que ele quer disponibilizar ao ouvinte. A comunicação não depende de algo localmente comum, mas sim de um código de linguagem arbitrário partilhado, que permite a elaboração do significado pretendido. Os códigos restritos apoiam-se na interacção com códigos não-verbais. De facto, Bemstein sugere que as diferenças individuais só se exprimem através de códigos não-verbais: o discurso é utilizado para exprimir o comum. Os códigos elaborados minimizam a CNV, e é por isso que a linguagem escrita é quase invariavelmente elaborada. 6. Os códigos restritos exprimem o concreto, o específico, o aqui e agora. Os elaborados exprimem abstracções, generalidades, o ausente. 7. Os códigos restritos dependem da experiência cultural. Os elaborados dependem da educação e do treino - precisam de ser aprendidos. Para ajudar a identificar os códigos restritos do discurso, Bernstein sugere que nos imaginemos a escutar, às escondidas, um grupo de amigos numa esquina. Verificaríamos o seguinte: 1 . Teríamos a consciência da nossa própria exclusão do grupo ou comunidade. 2. Notaríamos que o discurso era relativamente impessoal, menos individualista: conteria mais "tu" e "eles" do que "eu", mais frases como "não é?", sabes", "estás a ver", frases essas que exprimem a pertença do orador à comunidade, e menos expressões de individualismo. 3. Repararíamos na vivacidade e na vitalidade do discurso. O que interessa é a forma como algo é dito, não o que se diz. Grande parte do significado real, e toda a individualidade do orador seriam veiculados por códigos não-verbais. 4. Notaríamos o fluir desconexo do discurso, pouco coeso. A organização das ideias baseia-se na associação, não na lógica ou na sequência sintáctica. 101 5. Notaríamos que o conteúdo era concreto, narrativo, descritivo, e não abstracto ou analítico.

6. Notaríamos um vocabulário e uma sintaxe restritos. Bernstein dá um exemplo de discurso da classe trabalhadora mais pobre para ilustrar estes aspectos: "É como esta juventude, eles metem-se com más companhias e querem mas é divertir-se um bocado, e depois dizem que correu mal, e às tantas matam alguém, eu acho que é só para serem importantes, estás a perceber, para aparecerem nas notícias e coisas assim". Códigos e juízos de valor É nítido que a nossa sociedade valoriza os códigos elaborados. O ensino do português nas escolas incide sobre a linguagem escrita elaborada, e premeia-a. Valorizamos as formas de arte sofisticada, que usam, todas, códigos elaborados. O ballet é uma forma de dança elaborada, com uma estrutura complexa, que requer educação e preparação formais; a dança de discoteca é restrita e exige experiência social ou da comunidade, mais do que preparação formal. As histórias tradicionais ou as piadas escatológicas são restritas, o romance intelectual, elaborado. E podíamos continuar com exemplos indefinidamente. As formas de arte culturalmente valorizadas são quase todas elaboradas. Mesmo os termos que Bernstein escolheu - elaborado e restrito - têm valores sociais positivos e negativos. Mas, se pretendemos tirar o máximo partido do trabalho de Bernstein temos que pôr de parte estes juízos de valor. Os códigos elaborados não são

29-09-2015 12:16

44 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

melhores do que os restritos: são diferentes, e desempenham funções diferentes. Todos nós somos indivíduos, mas também somos todos membros de comunidades ou de grupos. Precisamos igualmente dos códigos restritos e dos elaborados. Coronation Street e a arte popular deste género, na realidade fazem mais para manter unida a nossa sociedade diversificada e fragmentada, ao fornecerem uma experiência comum, do que uma peça intelectual de Samuel Beckett, culturalmente valorizada. Os termos 102 "restrito" e "elaborado" devem ser vistos como descritivos e analíticos: permitir que a eles se associem juízos de valor apenas dificultará a questão. Códigos de grande e de pequena difusão Conceitos básicos Os códigos restritos e elaborados definem-se pela natureza do próprio código e pelo tipo de relação social que ele satisfaz. Os códigos de grande e de pequena difusão definem-se pela natureza do auditório. Um código de grande difusão é aquele que é partilhado por membros de um grande público: tem de ter em conta um certo grau de heterogeneidade. Um código de pequena difusão, por seu lado, destina-se a um auditório específico, muitas vezes definido pelos códigos que usa. Pode dizer-se que uma ária de ópera está a usar um código de pequena difusão - agrada aos apreciadores de ópera - ao passo que uma canção pop se destina a agradar a um grande público, não definido, e está, como tal, a utilizar um código de grande difusão. Este facto evidencia imediatamente, por um lado, semelhanças entre os códigos de pequena difusão e os códigos elaborados e, por outro, entre os códigos de grande difusão e os restritos. Códigos de grande difusão: outras implicações Os códigos de grande difusão partilham muitas características com os códigos restritos. São simples, exercem uma atracção imediata e não exigem uma "educação" para serem compreendidos. Estão orientados no sentido da comunidade, apelando àquilo que as pessoas têm de comum e sendo propensos a ligá-las à sua sociedade. São muitas vezes anónimos ou, pelo menos, têm autores "institucionais": a Granada Television é o autor de Coronation Street. O facto dos autores serem anónimos ou institucionais obsta à expressão do ponto de vista pessoal, individualista. Os códigos de grande difusão 103

são os meios pelos quais uma cultura comunica consigo mesma. Stuart Hall (1973a) apresenta a mesma ideia quando fala da audiência televisiva como sendo ao mesmo tempo fonte e receptor da mensagem. O facto de se ver audiência como fonte de uma mensagem pode parecer um paradoxo e exigirá talvez uma explicação mais detalhada. Pode dizer-se que a audiência origina a transmissão da mensagem de três maneiras. A primeira é ao nível do conteúdo. Se se pretende que uma transmissão seja alvo da recepção de massas que necessita, ela deverá tratar temas de interesse geral. O "bom" comunicador de massas é aquele que está em sintonia com os sentimentos e preocupações da sociedade em geral. Mas o conteúdo não é apenas a matéria do tema da mensagem - é também a forma como a matéria do tema é tratada. Há padrões de sentimentos, atitudes e valores dentro de uma cultura que são apresentados nas mensagens difundidas Essas mensagens tornam depois a entrar na cultura que as originou, cultivando esse padrão de pensamento e essa forma de sentir. Há uma interacção constante e dinâmica entre a audiência como fonte, a transmissão e a audiência como destino. A nossa análise da primeira página do Daily Mirror ,pág. 33, mostrou como esses padrões de pensamento e formas de sentir influenciaram a construção editorial daquela mensagem - a audiência (por intermédio da visão profissional que o editor tinha dela) foi, no verdadeiro sentido, a fonte da mensagem. O segundo aspecto da audiência como fonte é a maneira como a audiência determina a forma da mensagem. Ao nível mais simples, o resultado pode ser a "produção de fórmulas" através das quais são produzidas novas versões de velhas estruturas. A audiência tem certas expectativas baseadas numa experiência cultural partilhada com os responsáveis

29-09-2015 12:16

45 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

pela emissão como, por exemplo, a de as mensagens difundidas terem um princípio, um meio e um fim Um acontecimento pode não ter acabado, mas uma reportagem noticiosa sobre ele tem que ter uma conclusão: as linhas introduzidas numa história naturalista têm que ser todas ligadas e relacionadas de uma maneira bastante antinatural. Este mesmo processo pode ser detectado a níveis menos óbvios 104 Stuart Hall, com Connell e Curti (1976), demonstrou como o facto de vivermos numa democracia parlamentar, com uma imprensa sempre "de atalaia", determinou a forma do programa Panorama. A forma do programa era convencional: representantes dos principais partidos políticos e um moderador "independente" debatiam uma questão política. Por meio de uma cuidadosa análise da forma como os políticos partilhavam o tempo de antena, alternavam as participações, e pela maneira como o mediador os tratava e se comportava, os pesquisadores demonstraram que o real significado do programa não derivava do tema do debate mas sim da sua forma: tal significado era o de que o nosso sistema de democracia parlamentar funciona, e que as instituições mediáticas demonstram o seu funcionamento. O grande público já "sabe" isso muito bem; a "forma" do programa prova-o. Esta forma é uma mensagem codificada: compõe-se de unidades de comportamento televisivo combinadas de acordo com a prática sintagmática convencional. Trata-se de um código de grande difusão e de um código restrito, e a experiência cultural do público é a fonte da mensagem. A terceira maneira da audiência ser vista como fonte é o desenvolvimento desta análise. A difusão é uma actividade institucional, e as instituições são um produto da sua sociedade-mãe. A Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a Rússia, por exemplo, são sociedades diferentes e, consequentemente, têm instituições de difusão diferentes. Estas instituições são equipadas e geridas por indivíduos que cada sociedade considera serem o tipo adequado de pessoas; as prioridades dentro de cada instituição são o produto dos seus quadros e da sua sociedade, e todos estes factores se conjugam para influenciar o tipo de difusão que cada instituição produz. Stuart Hall argumenta que existe uma relação oculta, mas determinante, entre as estruturas do pensamento e as formas de sentir do público, a estrutura codificada da mensagem difundida e as estruturas das instituições difusoras. São todas interdependentes, interdeterminadas. Fiske e Hartley (1978) desenvolveram o conceito da "televisão bárdica". Nesse conceito, sugerem que a televisão desempenha, na sociedade moderna, 105

sete funções que o bardo desempenhava na sociedade tradicional. São as seguintes: 1. articular as principais linhas do consenso cultural estabelecido acerca da natureza da realidade; 2. envolver os membros individuais da cultura nos seus sistemas de valor dominantes, cultivando esses sistemas e mostrando-os em acção na prática; 3. exaltar, explicar, interpretar e justificar os feitos dos representantes individuais da cultura; 4. garantir à cultura em geral a sua adequação prática no mundo, afirmando e confirmando as suas ideologias/mitologias em envolvimento activo com o mundo prático e potencialmente imprevisível; 5. expor, inversamente, quaisquer inadequações práticas no próprio sentido da cultura, que possam advir de condições alteradas no mundo exterior, ou de pressões dentro da cultura, no sentido de uma reorientação a favor de uma nova postura ideológica; 6. convencer o público de que o seu estatuto e identidade enquanto indivíduos é garantido pela cultura corno um todo;

29-09-2015 12:16

46 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

7. transmitir, por estes meios, um sentimento de pertença cultural (segurança e envolvimento). Estas funções são exercidas em todas as mensagens televisivas: os membros do público negoceiam a sua reacção em função das suas próprias circunstâncias específicas e, ao fazê-lo, situam-se na sua cultura. A mensagem é anónima, ou de fonte institucional: o bardo tradicional era um "papel" na sua sociedade, não um indivíduo, como é hoje o artista. Como tal, nenhuma destas sete funções engloba a expressão do intento discreto do indivíduo. Elas são executadas convenientemente por códigos de grande difusão numa sociedade local, e por códigos restritos numa subcultura ou numa comunidade local. Esta semelhança de função social entre códigos de grande difusão e códigos restritos explica porque é que ambos partilham tantas características. 106 Códigos de pequena difusão: outras implicações Entre os códigos de pequena difusão e os códigos elaborados existe um conjunto correspondente de semelhanças. Os códigos de pequena difusão visam um público definido, limitado: geralmente um público que decidiu aprender os códigos em causa. Precisam de ser diferenciados dos códigos restritos (que também só podem ser compreendidos por um público reduzido) na medida em que não se apoiam numa experiência comunitária compartilhada mas sim numa experiência educativa ou intelectual comum. A música de Stockhausen ou uma conversa especializada no Programa 2 são exemplos de códigos de pequena difusão. São individualistas, orientados para a pessoa, não-comunitários, orientados para o estatuto. Contam com diferenças entre o comunicador e público, quanto mais não seja o facto de o comunicador saber mais, ou ver e sentir de maneira diferente. O público espera ser transformado ou enriquecido pela comunicação, enquanto o público de códigos de grande difusão, restritos, espera segurança e confirmação. Os códigos de pequena difusão podem ser elitistas ou, pelo menos, socialmente divisores. Na arte, são eruditos e culturalmente valorizados; na ciência, produzem terminologias técnicas especializadas impressionantes, que o especialista emprega como um índice da sua perícia. A exclusividade das classes médica e jurídica deve-se, em grande parte, aos códigos de pequena difusão que usam. Um sociólogo que emprega um termo especializado imponente, para se referir a uma experiência social conhecida, está a assinalar a diferença entre ele e o leigo, e a sua pertença a uma elite sociológica. Os especialistas em comunicação também não são imunes a este fenómeno. Na nossa sociedade de massas, os códigos de pequena difusão adquiriram a função de sublinhar a diferença entre "nós" (os utentes do código) e "eles" (os leigos, os iletrados). Os códigos de grande difusão acentuam as semelhanças entre "nós" (a maioria).

Os códigos e o comum Todos os códigos assentam em algo comum, ou seja, num acordo dos utentes quanto ao seus elementos básicos - as unidades que contêm, as regras segundo as quais essas unidades podem ser seleccionadas e combinadas, os significados à disposição do receptor e a função social ou comunicativa que desempenham. Mas a forma como esse acordo é conseguido e a forma que assume podem variar consideravelmente. Consideramos três formas relevantes de alcançar o acordo: por convenção e uso, por acordo explícito e por pistas contidas no texto. Convenção e uso A primeira e a mais importante forma de alcançar o acordo é pela convenção e uso. Referimo-nos às expectativas não escritas, não expressas, que derivam de uma experiência partilhada pelos membros de uma cultura. A convenção faz esperar que as pessoas se vistam ou comportem dentro de certos limites, que os programas de televisão ou as conversas sigam, em linhas gerais, padrões conhecidos, que as casas e os seus jardins estejam mais ou menos em conformidade com a prática local ou nacional. A convenção assenta na redundância: facilita a descodificação, exprime pertença cultural, baseia-se na semelhança das experiências, transmite segurança. Também pode produzir conformismo, falta de originalidade, resistência à mudança. Os acordos alcançados por convenção são,

29-09-2015 12:16

47 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

regra geral, mas nem sempre, implícitos. Tal quer dizer que não existe nenhum paradigma de significantes. Tomemos o código de vestuário como exemplo. Cada tipo de roupas constitui um paradigma - gravatas, camisas, casacos, calças, meias. Vestirmo-nos de manhã é codificar uma mensagem. Seleccionamos uma unidade de cada paradigma e combinamo-la com outras para fazer uma afirmação Essa afirmação usa um código apresentativo, indicial, e veicula um significado sobre 1) nós como utilizadores de roupas, 2) visão que temos das nossas relações com as pessoas que esperamos encontrar e 3) o nosso estatuto ou papel dentro das situações sociais com que nos defrontaremos durante 108 o dia. O número de roupas com significados definidos é comparativamente reduzido, ou seja, raramente existe um acordo expresso entre os seus utentes. Quando existe, elas pertencem à nossa alínea seguinte, à dos códigos arbitrários. São exemplos disso as gravatas de certos clubes, os uniformes ou os emblemas. Todos eles denotam significados da primeira ordem de significação: são simbólicos. O código do vestuário, no entanto, funciona geralmente por códigos indiciais. Mostro a minha posição social pela maneira como me visto. A minha escolha da gravata também pode conotar a minha disposição "Hoje apetece-me pôr a das pintas azuis e brancas". A maneira de vestir excêntrica dos artistas é uma forma de conotarem a sua falta de respeito pela convenção social em geral. A natureza indicial das roupas faz com que as pessoas as sintam, muitas vezes, de uma forma muito pessoal. O jovem que vai de jeans a uma entrevista para um emprego poderá explicar o seu comportamento dizendo: "Eles têm que me aceitar como sou, e eu sou um fã dos jeans" O índice tomou-se naquilo que indica. O patrão poderá ler isso como indicador de uma resistência à convenção da empresa e, como tal, poderá não lhe dar o emprego. A ganga pode conotar irreverência e rebeldia. Estes mal-entendidos devem-se ao facto de o entrevistador e entrevistado terem diferentes experiências subculturais dos jeans. Estas diferenças de Ieitura" resultantes de experiências diferentes são aquilo que Eco (1965) refere como descodificação aberrante. Quando um artista produz uma mensagem para um público definido que usa códigos comuns, isto é, quando produz uma mensagem de pequena difusão, pode esperar que o leque de significados negociados pelo público seja muito limitado. A sua descodificação aproximar-se-á muito da codificação. Mas se essa mensagem for lida por um membro de uma cultura diferente, portador de códigos diferentes, a descodificação aberrante produzirá um significado diferente. O problema ocorre sobretudo com códigos icónicos - as linguagens verbais são geralmente tão diferentes que não é possível qualquer descodificação. As pinturas pré-históricas de animais nas cavernas têm normalmente sido lidas como representando movimentos graciosos, ligeiros, que parecem desafiar a lei da gravidade. Mas Margaret 109

Abercrombie (1960) aventou que essas pinturas representam, de facto, animais mortos deitados de lado. O nosso amor pelos animais vivos e o desagrado em relação a cadáveres levou-nos a uma descodificação aberrante . Uma mensagem codificada por uma cultura foi descodificada pelos códigos de outra. Vi recentemente uma gravação de uma notícia da televisão russa que usava um filme noticioso britânico de um confronto entre a polícia e os piquetes de greve à frente de um portão de fábrica. A descodificação aberrante era óbvia. Porque os mass media têm que ter em conta numerosas subculturas cujos códigos podem diferir significativamente dos dos difusores, a descodificação aberrante torna-se, relativamente às suas mensagens, a regra, e não a excepção (Eco, 1965). Quando falamos da cultura de uma sociedade de massas estamos a falar de um conjunto de códigos, crenças e práticas muito mais variado e menos definido do que, por exemplo, quando nos referimos à cultura de uma sociedade tribal. A descodificação aberrante acontece, pois, quando códigos diferentes são usados na codificação e descodificação da mensagem. Em muitos casos - e o do entrevistado dos jeans é um deles -, é útil alargar este conceito de forma a incluir também a codificação aberrante. Esta é a codificação que não consegue reconhecer que as pessoas de experiência cultural ou subcultural diferente lerão a mensagem de maneiras diferentes, e que ao fazê-lo não são necessariamente censuráveis. A leitura de uma mensagem por si só não inclui a procura da intenção do

29-09-2015 12:16

48 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

codificador. De facto, houve já muita argumentação infrutífera, particularmente na crítica literária, sobre a intenção inferida do autor. Códigos arbitrários (ou códigos lógicos) Conceitos básicos Estes são simples de definir e fáceis de compreender. São códigos em que o acordo entre os utentes é explícito e definido. São códigos cuja relação entre significantes e significados é afirmada e acordada . São simbólicos, denotativos, impessoais e estáticos. A matemática usa um código arbitrário ou lógico perfeito. Ninguém que tenha aprendido esse código pode discordar do significado de "4x7=28". As descodificações aberrantes são impossíveis, as diferenças culturais irrelevantes. O significado não é negociado entre leitor e texto: está contido na mensagem. Tudo o que se exige é a aprendizagem do código. A ciência, o estudo objectivo, impessoal e universal dos fenómenos naturais, procura comunicar as suas descobertas através de códigos arbitrários, lógicos. Os semáforos, o código das estradas, os uniformes militares, as camisolas do futebol, os símbolos químicos, são outros exemplos. 111 Outras implicações As principais diferenças entre códigos arbitrários e códigos convencionalmente definidos residem nas diferentes naturezas dos seus paradigmas. Os códigos arbitrários têm um paradigma de significantes definido e limitado e um paradigma de significados que lhe corresponde com exactidão. Enfatizam. o sentido denotativo. Os códigos convencionais têm paradigmas abertos: podem ser acrescentadas novas unidades, e as existentes podem cair em desuso. A tendência é para não terem um paradigma consensual de significados. São, portanto, mais dinâmicos e capazes de mudança. Os códigos arbitrários são estáticos, e só podem mudar por acordo explícito entre os utentes. Os códigos arbitrários são, pois, fechados: tentam confinar o significado ao próprio texto, e não convidam os leitores a contribuir muito, do seu lado do processo de negociação. Tudo o que exigem é que eles conheçam o código. Os códigos convencionais, por seu turno, são abertos, e convidam à negociação activa por parte do leitor. Aos tipos extremos de códigos convencionais pode chamar-se estéticos, e por vezes só podem ser descodificados por meio de pistas contidas no texto. Códigos estéticos Conceitos básicos Os códigos estéticos são mais difíceis de definir, simplesmente porque são mais variados, mais livremente definidos, e mudam muito depressa. São afectados, de forma crucial, pelo seu contexto cultural: permitem, ou convidam, a uma considerável negociação da significação: as descodificações aberrantes são a norma. São expressivos; englobam o mundo interior, subjectivo. Por si mesmos podem ser uma fonte de prazer e de significação: o estilo é um conceito relevante. Os códigos arbitrários e lógicos são, em grande medida, referenciais. Os códigos estéticos podem desempenhar todas as funções de Jakobson. 112

Outras implicações Os códigos estéticos convencionais conseguem o acordo entre os seus utentes através de uma experiência cultural partilhada. A arte de massas e a arte popular usam códigos estéticos convencionais; o mesmo acontece com o vestuário e com a arquitectura, com o design de automóveis ou de mobiliário. São os códigos tanto da sociedade de massas

29-09-2015 12:16

49 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

como os de uma sociedade tribal tradicional. Muitas redundantes são, mais são considerados iletrados ou Mas os códigos estéticos, da mesma forma que seguem quebrar: a arte inovadora contém em si mesma pistas

vezes, quanto mais convencionais ou cliché. as convenções, também as podem ou indícios que apontam

para a sua própria descodificação. O artista que quebra com a convenção do seu tempo espera que a sociedade aprenda os novos códigos do seu trabalho e que, portanto, o vá "apreciando" gradualmente. Uma obra erudita de arte de vanguarda usará muitas vezes códigos estéticos que lhe são exclusivos: o público terá que procurar dentro da própria obra as pistas para a sua descodificação - tudo o que é partilhado pelo artista e pelo público é a própria obra. Numa sociedade de massas, com produção e consumo em massa, a obra de arte única adquire um estatuto adicional pela sua própria unicidade. Não está disponível nem para consumo das massas, nem para ser sua propriedade, e portanto toma-se especialmente valorizada pela sua capacidade de marcar diferenças individuais e valores elitistas. O que se traduz, então, num elevado valor financeiro (ver Benjamim 1970). Convencionalização Existe um processo cultural corrente através do qual os códigos inovadores, não-convencionais, são gradualmente adoptados pela maioria, tomando-se, assim, convencionais. A isto se chama convencionalização. Este processo pode envolver um estilo de arte erudito - o Impressionismo, por exemplo que gradualmente passa a ser generalizadamente aceite até se tomar a forma 113

convencional de pintar a natureza. Ou pode envolver um código de pequena difusão, desenvolvido para uma subcultura determinada - o jazz, por exemplo ganhando o mesmo tipo de aceitação cultural generalizada. Em cada um do casos, os devotos do código puro ou original queixar-se-ão de que a versão mais difundida é uma versão degradada. É certo que a passagem a código de grande difusão implica alterações: comunicação precisa e subtil, possível quando o artista e o público partilham um código de pequena difusão, não é nem possível nem apropriada para um código de grande difusão. Pode dizer-se que essas mudanças são para pior essa convencionalização implica diminuição da qualidade porque implica atracção do "mínimo denominador comum". Tal juízo pode ser válido, mas devemos ter presente que ele é feito a partir do interior de um sistema valores específicos, sistema esse que valoriza os códigos elaborados, de pequena difusão, e a expressão de diferenças individuais. Um sistema de valores que atribua muita importância ao reforço dos laços culturais e ao códigos restritos, de grande difusão, considerará a metáfora do mínimo denominador comum como ofensiva, elitista e inexacta. Códigos e convenções Os códigos e convenções constituem o centro comum da experiência de qualquer cultura. Permitem-nos compreender a nossa existência social e localizarmo-nos dentro da nossa cultura. Apenas através dos códigos comuns podemos sentir e exprimir a pertença à nossa cultura. Ao usarmos os códigos quer como público quer como fonte, estamos a inserir-nos na nossa cultura a mantermos a vitalidade e a existência dessa cultura. Uma cultura é um organismo activo, dinâmico e vivo apenas devido à participação activa dos seu membros nos códigos de comunicação. 114 Sugestões para trabalho adicional Debata o papel desempenhado pelos códigos e convenções . Tenha em conta que os guardachuvas são dourados, que os cigarros sem nome são Benson & Hedges Special Filter, cuja imagem de marca adoptada é a caixa dourada, e que uma campanha de anúncios semelhantes. 115

29-09-2015 12:16

50 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

1. "convencionalizou" o estilo surrealista. O que é que isto nos diz sobre a relação dos códigos e das convenções com a experiência social e de comunicação? Até que ponto a nossa experiência de outros textos relacionados é importante para a descodificação de um texto em particular (ou seja, a intertextualidade)? Ver Giraud (1975), págs. 40-44; Fiske e Hartley (1978), págs. 61-62. 2. Compare a letra de uma canção pop com um poema de amor. De que forma essa comparação esclarece a natureza dos códigos elaborados e dos códigos restritos e a sua função social? Faça o mesmo exercício em relação a reportagens da mesma natureza num jornal popular e num jornal de qualidade. Discuta as diferenças entre uma análise isenta de valores e os juízos de valor sociais. Ver Hartley (1982), capítulos 2 e 10. 3. Quais são as principais diferenças entre códigos arbitrários (ou lógicos) e códigos estéticos? Use o modelo de Jakobson para estruturar a sua análise. Ver também Guiraud (1975), págs. 45-81. 4. Considere um ou mais códigos da CNV de Argyle e procure produzir um "vocabulário" para ele(s). Que problemas encontra associados, sobretudo, aos códigos analógicos? Esses códigos são específicos das culturas a que pertencem? É relevante discuti-los em termos de graus de motivação dos seus signos? Ver Guiraud (1975), págs. 88-90; Corner e Hawthom (1980), págs. 50-61. 5. Retome a (págs. 80-81). Analise as imagens em termos dos códigos que empregam. Até que ponto são convencionais? E estéticos? São de grande ou de pequena difusão? Será que o próprio meio (por exemplo a pintura, o desenho, a fotografia, a caricatura) ou o género no interior do meio (por exemplo, pornografia, moda ou fotografia pessoal) é portador de significado? Ou identifica os códigos apropriados (será que descodificamos uma pintura de um nu da mesma forma que uma fotografia de uma mulher nua)? 116 SIGNIFICAÇÃO As teorias de Saussure sobre as relações paradigmática e sintagmática do signo apenas nos levam a compreender a forma como os signos funcionam. Saussure interessou-se, em primeiro lugar, pelo sistema linguístico, depois pela forma como esse sistema se relacionava com a realidade a que se referia, e quase nada pela forma como ele se relacionava com o leitor e com a sua posição sociocultural. Interessou-se pelas maneiras complexas em que uma frase pode ser construída e pelo modo como a sua forma determina a significação, preocupando-se muito menos com o facto dessa mesma frase poder veicular diferentes significações para pessoas diferentes em situações diferentes. Por outras palavras, ele não via a significação como um processo de negociação entre o escritor/leitor e o texto. Privilegiou o texto, e não a maneira como os signos do texto interagem com a experiência cultural e pessoal do utente (não é aqui importante distinguir entre escritor e leitor), nem tão-pouco a forma como as convenções do texto interagem com as convenções experimentadas e esperadas pelo utente. Foi o seguidor de Saussure, Roland Barthes, quem pela primeira vez criou um modelo sistemático através do qual podia ser analisada essa ideia negocial, interactiva, da significação. No centro da teoria de Barthes está a ideia de duas ordens de significação. 117

Denotação A primeira ordem de significação é aquela sobre a qual Saussure se debruçou. Ela descreve a relação entre o significante e o significado no interior do signo, e a relação do signo com o seu referente na realidade exterior. Barthes refere-se a esta ordem como sendo a denotação. Ela refere-se à significação óbvia, de senso comum, do signo. Uma fotografia de uma cena de rua denota essa rua específica: a palavra "rua" denota uma via urbana ladeada por edifícios. Contudo, posso fotografar essa mesma rua

29-09-2015 12:16

51 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

de maneiras significativamente diferentes. Posso utilizar filme colorido, escolher um dia de luz ténue, usar uma focalização difusa e fazer com que a rua pareça uma comunidade humana, quente e feliz, onde as crianças podem brincar. Ou posso usar um filme a preto e branco, uma focalização rígida, contrastes fortes, e fazer com que a mesma rua pareça fria, desumana, inóspita, um sítio hostil para as crianças brincarem. Essas duas fotografias poderiam ter sido tiradas num momento idêntico, com as lentes das máquinas apenas a centímetros de distância uma da outra. As significações denotativas seriam as mesmas. As diferenças residiriam na sua conotação. Conotação Conceito básico Conotação é o termo que Barthes usa para descrever uma das três formas de funcionamento do signo, na segunda ordem de significação. Ela descreve a interacção que ocorre quando o signo se encontra com os sentimentos e emoções dos utentes e com os valores da sua cultura. É nessa altura que as significações se deslocam para o campo do subjectivo ou, pelo menos, do intersubjectivo; é aí que o interpretante é influenciado tanto pelo intérprete como pelo objecto ou pelo signo. Para Barthes, o factor crítico da conotação é o significante de primeira ordem. O significante de primeira ordem é o signo da conotação. As nossas fotografas imaginárias são ambas da mesma rua; a diferença entre elas reside na forma, no aspecto da fotografia, ou seja, no significante. Barthes (1977) defende que, pelo menos na fotografia, a diferença entre denotação e conotação é clara. A denotação é a reprodução mecânica, em filme, do objecto para o qual se aponta a câmara. A conotação é a parte humana do processo: é a ,selecção daquilo a incluir na imagem, da focalização, da exposição, do ângulo da máquina, da qualidade do filme, etc. A denotação é aquilo que é fotografado; a conotação é a forma como algo é fotografado. Outras implicações Podemos desenvolver mais esta ideia. O nosso tom de voz, a forma como falamos, conotam os sentimentos ou valores a respeito daquilo que dizemos; na música, a indicação italiana allegro ma non troppo é a instrução do compositor sobre como tocar as notas, sobre que valores conotativos ou emocionais transmitir. A escolha das palavras é muitas vezes uma escolha de conotação -"disputa" ou "querela", "untar as mãos" ou "subornar". Estes exemplos mostram conotações emocionais ou subjectivas, embora tenhamos que presumir que outras palavras da nossa cultura partilham pelo menos uma grande parte dessas conotações e que elas são intersubjectivas. Outras conotações podem ser muito mais sociais, menos pessoais. Um exemplo utilizado com frequência é o das insígnias do uniforme de um oficial muito graduado. Numa sociedade hierárquica, que dê importância às distinções entre classes ou postos e que, consequentemente, atribua muito valor a uma posição social elevada, estas insígnias de postos pretendem conotar altos valores. Geralmente são douradas, réplicas de coroas circulares ou de coroas de louros e, quanto mais numerosas forem, mais elevado será o posto que denotam. Numa sociedade que não valoriza a distinção de classes ou a hierarquia, os uniformes dos oficiais raramente se distinguem dos dos seus homens através de insígnias conotando a elevada importância do seu posto. Os uniformes de Fidel Castro ou do Presidente Mao pouco ou nada se distinguiam dos dos homens que chefiavam. No entanto, estavam denotados como sendo de posto 119

elevado tão claramente como estava um oficial prussiano do século passado, que mal se podia mexer debaixo das suas insígnias de posto. A conotação é fortemente arbitrária, específica de uma cultura, embora tenha muitas vezes uma dimensão icónica. A maneira como uma fotografia de uma criança tirada com focalização difusa conota nostalgia é, parcialmente, icónica. A focalização difusa é um signo motivado da natureza pouco precisa da memória; é também um signo motivado de

29-09-2015 12:16

52 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

sentimento: focalização difusa = coração mole! Mas precisamos do elemento convencional para fazermos esta descodificação, para sabermos que a focalização difusa é uma escolha significativa feita pelo fotógrafo e não uma limitação do equipamento. Se todas as fotografias fossem tiradas com focalização difusa, então ela não poderia conotar nostalgia. Porque a conotação actua ao nível subjectivo, frequentemente não temos consciência dela. A visão da rua com focalização rígida, a preto e branco, desumanizada, pode muitas vezes ser interpretada como tendo uma significação denotativa: as ruas são assim. Frequentemente é mais fácil lerem-se valores conotativos como factos denotativos. Um dos principais objectivos da análise semiótica é o de nos fornecer o método analítico e a estrutura mental que nos precaverão contra este tipo de leitura falaciosa. mito Conceito básico A segunda das três formas de funcionamento do signo na segunda ordem é, para Barthes, o mito. Gostaria que Barthes (1973) não tivesse utilizado este termo, pois ele refere-se normalmente a ideias que são falsas: "é um mito pensar que..." ou "o mito de que a Grã-Bretanha ainda é uma potência mundial importante". Este uso normal é o uso que o céptico faz da palavra. Barthes usa-a como crente, no seu sentido original. Um mito é uma história pela qual uma cultura explica ou compreende um dado aspecto da realidade ou da natureza. Os mitos primitivos dizem respeito à vida e à morte, aos homens e aos deuses, ao bem e ao mal. Os nossos mitos sofisticados incidem sobre a masculinidade 120

ou feminilidade, sobre a família, sobre o êxito, sobre o polícia britânico, sobre a ciência. Um mito é, para Barthes, a maneira de dada cultura pensar sobre algo, uma forma de o conceptualizar e de o compreender. Barthes pensa o mito como uma cadeia de conceitos relacionados. Assim, o mito tradicional do polícia britânico inclui conceitos de amistosidade, de segurança, de solidez, de não-agressividade, de ausência de armas de fogo. O cliché fotográfico de um polícia corpulento e prazenteiro a dar palmadinhas na cabeça de uma menina baseia-se, na sua significação de segunda ordem, no facto de este mito do polícia ser corrente nesta cultura: existe antes da fotografia, e a fotografia activa a cadeia de conceitos que constituem o mito. Se a conotação é a significação de segunda ordem do significante, o mito é a significação de segunda ordem do significado. Outras implicações Retomemos o nosso exemplo da cena da rua com que ilustrámos a conotação. Se pedisse a uma dúzia de fotógrafos para fotografarem a cena das crianças a brincarem na rua, penso que a maior parte deles tiraria um tipo de fotografia a preto e branco, com focalização rígida, desumanizada. Isso deve-se ao facto de estas conotações condizerem com o mito mais comum através do 121 qual conceptualizamos as crianças a brincar na rua. O nosso mito dominante da infância é o de que ela é, ou deveria ser, no plano ideal, um período de naturalidade e de liberdade. As cidades são normalmente vistas como criações antinaturais, artificiais, que proporcionam às crianças um ambiente limitado. Existe na nossa cultura uma crença generalizada de que o campo é o lugar próprio para as crianças. Podemos comparar estes mitos com outros de épocas diferentes. Por exemplo, na época Isabelina, a criança era vista como um adulto incompleto; no tempo de Augusto, considerava-se o campo como não civilizado - os valores humanos estavam nas cidades civilizadas, e o campo tinha que ser visto como pastoral, isto é, tinha que ser tornado acessível à compreensão urbana. Barthes defende que a principal maneira de os mitos actuarem é naturalizando a história. Isso evidencia o facto de os mitos serem, na realidade, o produto de uma classe social que conseguiu o domínio através de uma determinada história: as significações que os seus mitos divulgam devem transportar com ela essa história, mas a sua actuação como mitos leva-os a tentar negá-la e a apresentar as suas significações

29-09-2015 12:16

53 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

como naturais, e não como históricas ou sociais. Os mitos mistificam ou obscurecem as suas origens e, consequentemente, a sua dimensão político-social. "Desmistificando" os mitos, o mitologista revela a sua história oculta e, de igual modo, as suas componentes sociopolíticas. Há um mito de que as mulheres são "naturalmente" mais dedicadas e atentas do que os homens e que, por isso, o seu lugar natural é em casa, a criar filhos e a tratar do marido, enquanto este, também "naturalmente", é claro, desempenha o papel de ganha-pão. Estes papéis estruturam depois a unidade social mais "natural" de todas: a família. Ao apresentar estas significações como pertencendo à natureza, o mito disfarça a sua origem histórica, universalizando-as e fazendo-as parecer não só imutáveis como justas: faz com que elas pareçam servir, de modo idêntico, os interesses dos homens e das mulheres e, como tal, oculta o seu efeito político. A história que estes mitos transformam em natureza conta uma narrativa bem diferente. Estas significações de masculinidade e de feminilidade desenvolveram-se para servir os interesses do homem burguês no capitalismo 122

- cresceram para conferir determinado sentido às condições sociais produzidas pela industrialização do século XIX Estas exigiam que os trabalhadores abandonassem as suas comunidades rurais tradicionais e se mudassem para as novas cidades, onde viviam em casas e ruas destinadas a alojar o maior número possível de pessoas, ao mais baixo custo. As relações familiares alargadas e comunitárias da aldeia tradicional ficaram para trás e foi criada a família nuclear, constituída por marido, mulher e filhos. As condições de trabalho nas fábricas implicavam que as crianças não pudessem acompanhar os pais, como acontecia no trabalho rural, e isso, juntamente com a ausência da família alargada, significava que as mulheres tinham que ficar em casa enquanto os homens faziam o "verdadeiro" trabalho e ganhavam o dinheiro. As cadeias de conceitos que constituíam os mitos relacionados de masculinidade, feminilidade e família proliferam, mas não ao acaso, ou naturalmente: serviram sempre os interesses do sistema económico e da classe que ele favorecia - os homens da classe média. Este sistema exigia que a feminilidade adquirisse as significações "naturais" da dedicação, da domesticidade, da sensibilidade e da necessidade de protecção, enquanto que a masculinidade recebia sentidos de força, de determinação, de independência e de capacidade para actuar em público. Por isso parece natural quando, de facto, é um fenómeno histórico - que os homens ocupem um número enormemente desproporcionado de cargos públicos na nossa sociedade. Claro que os mitos podem neutralizar as significações com muita eficácia, relacionando-as com algum aspecto da própria natureza. Por isso o facto de as mulheres darem à luz é usado para naturalizar as significações da dedicação e domesticidade (ou de "fazerem o ninho"!). De igual modo, o físico maior e mais musculoso do homem é usado para naturalizar o poder político e social masculino (que nada tem a ver com a força física). A mudança do papel das mulheres na sociedade e a mudança da estrutura familiar significam que estes mitos estão a ver a sua dominância (e, como tal, o seu estatuto de naturais) posta em perigo, e por isso a publicidade e os produtores dos mass media tentam descobrir maneiras de despoletar novos mitos sexuais, desenvolvidos para enquadrar a mulher de carreira, o progenitor solteiro e o 123 "novo" homem sensível. Claro que estes mitos não rejeitam completamente os antigos, mas excluem alguns conceitos das suas cadeias e acrescentam outros: as mudanças nos mitos são evolutivas, não revolucionárias.Numa cultura não há mitos universais. Há mitos dominantes, mas também há contramitos. Existem subculturas na nossa sociedade que têm mitos sobre o polícia britânico que são contraditórios em relação ao mito dominante já descrito. Da mesma forma, também existe um mito da rua urbana como uma comunidade auto-suficiente, uma espécie de família alargada que providencia um ambiente social muito bom para as crianças. Este seria o tipo de mito que se adapta às conotações da nossa fotografia alternativa da rua. A ciência é um bom exemplo de um campo onde os contramitos desafiam fortemente os mitos dominantes. Vivemos numa cultura baseada na ciência. O mito dominante da ciência

29-09-2015 12:16

54 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

apresenta-a como a capacidade humana para adaptar a natureza às nossas necessidades, para melhorar a nossa segurança e padrão de vida e para premiar as nossas conquistas. A ciência é tida como objectiva, verdadeira e boa. Mas o contramito é também muito forte. Vê a ciência como má, como prova do nosso afastamento e falta de compreensão da natureza. Como cientistas somos, no mínimo, egoístas e imprevidentes na procura dos nossos próprios objectivos materiais. É interessante verificar que na cultura popular os dois mitos da ciência estão bem representados. O lado factual da televisão -notícias, actualidades, documentários - tende a mostrar mais o mito dominante do que o contramito a programação de ficção da televisão e o cinema, por outro lado, invertem as proporções. Há mais cientistas maus do que bons, e a ciência causa mais problemas do que os que resolve. Gerbner (1973b), por exemplo, mostra que os cientistas apresentados na televisão de ficção americana eram retratados como o mais "falso", "cruel" e "injusto" de todos os tipos profissionais. Cita também um estudo de 1963, realizado por Gusfield e Schwarts que, uma vez mais, descreve a imagem ficcional do cientista como "frio", "duro", "anti-social", "ateu" e "estrangeiro". Gerbner constatou também que a investigação científica levava ao assassínio em quase metade dos 25 filmes que a retratavam. Um dos exemplos era o de 124 um psicólogo que hipnotizava gorilas para estes matarem raparigas que o tinham rejeitado. Um enredo típico é o do cientista obcecado que perde o controlo da sua invenção, acabando esta por matá-lo, para alívio evidente do resto da sociedade e dos espectadores. O outro aspecto dos mitos que Barthes destaca é o seu dinamismo. Conforme já disse anteriormente, eles mudam - e alguns podem mudar rapidamente - para responder a necessidades e valores em mudança na cultura de que fazem parte. Por exemplo, o mito do polícia a que já se fez referência está actualmente a ficar ultrapassado e fora de moda. A sua última aparição ficcional importante na televisão foi em Dixon of the Dock Green. Conotação e mito são as principais formas de funcionamento dos signos na segunda ordem de significação, isto é, na ordem em que a interacção entre o signo e o/a utente/cultura é mais activa. Símbolos Mas Barthes (1977) refere uma terceira maneira de significar nesta ordem. Chama-lhe simbólica. Um objecto toma-se um símbolo quando adquire, através da convenção e do uso, um significado que lhe permite representar outra coisa. Um Rolls-Royce é um símbolo de riqueza, e uma cena de teatro em que um homem é forçado a vender o seu Rolls-Royce pode simbolizar a falência do seu negócio e a perda da sua fortuna Barthes usa o exemplo do jovem czar "Ivan o Terrível" a ser baptizado com moedas de ouro como um símbolo de riqueza, poder e estatuto. As ideias, de Barthes a respeito do simbólico estão sistematicamente menos desenvolvidas do que as de conotação e mito, e são por isso menos satisfatórias. Os termos de Peirce são talvez preferíveis. O Rolls-Royce é um índice de riqueza, mas um símbolo (terminologia de Peirce, não de Barthes) do estatuto social do proprietário. O ouro é um índice de riqueza, mas um símbolo de poder. Ou podemos considerar vantajoso pôr totalmente de parte a tradição saussuriana da linguística e virarmo-nos para dois outros conceitos 125

muito utilizados para descrever aspectos da semiótica. Trata-se da metáfora e da metonímia. Jakobson (Jakobson e Halle, 1965) considera que estes dois conceitos identificam as maneiras fundamentais de as mensagens exercerem a sua função referencial. Metáfora Conceitos básicos

29-09-2015 12:16

55 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Se dissermos que um navio sulcou as ondas, estamos a usar uma metáfora. Estamos a usar a acção do arado para representar a proa de um navio. O que estamos a fazer é a exprimir o pouco habitual em termos do conhecido (a metáfora pressupõe que a acção do arado é familiar, enquanto a da proa do navio não o é). Os termos técnicos são "veículo" para o familiar e "tendência" para o não-familiar. Uma outra característica que devemos notar é que a metáfora explora simultaneamente a semelhança e a diferença. Assim, podemos dizer que ela funciona paradigmaticamente, pois veículo e tendência têm que ter semelhanças suficientes para ficarem no mesmo paradigma, mas suficientes diferenças para a comparação ter este elemento de necessário contraste. Trata-se de unidades com características distintivas dentro de um paradigma. Assim, a metáfora "sulcou" encontra-se no paradigma dos verbos, significando "fender". Então a metáfora funciona assim: Literal: Metafórico: O navio moveu-se (n)a água sulcou cortou fendeu rasgou cruzou etc. Escolha paradigmática O que aqui acontece é, pois, um processo de transposição metafórica: Tendência: O navio moveu-se na água. Veículo:

O arado sulcou a terra.

Transposição metafórica de sulcou para moveu-se. Transposição associada, quando outras características do veículo são transpostas por associação. Certas características do arado, como o seu peso poderoso e incansável, são transpostas para o navio; do mesmo modo, certas características da terra são transpostas para a água.

Outras implicações Esta é a definição literária tradicional de metáfora. Mas, quando transferimos a nossa atenção dos signos arbitrários para signos icónicos, deparamo-nos com alguns problemas. As metáforas são mais raras nas linguagens visuais e compreenderemos isso melhor depois da nossa análise de metonímia (a seguir). Por agora, basta dizer que a linguagem visual que mais assiduamente trabalha com a metáfora é a linguagem publicitária. É frequente um acontecimento ou um objecto serem apresentados como uma metáfora de um produto. Os mustangues do Oeste selvagem são uma metáfora dos cigarros Marlboro as quedas de água e o verde da natureza são uma metáfora dos cigarros mentolados. Estas são metáforas claras e manifestas, e nelas tanto o veículo (os mustangues e as quedas de água) como a tendência estão visualmente presentes. Nestes casos, a diferença é minimizada, embora seja óbvia. Mas existe actualmente um estilo de publicidade surrealista que se aproxima muito mais das metáforas verbais, na medida em que a diferença é tão explorada como a semelhança (pág. 115: esta é uma versão visual da metáfora "estão a chover cigarros"). 127

Metáforas do quotidiano Mas as metáforas não são apenas artifícios literários: Lakoff e Johnson (1980) mostraram que elas têm uma função quotidiana muito mais fundamental. Dizem respeito à

29-09-2015 12:16

56 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

maneira como, na nossa experiência do dia-a-dia, fazemos sentido. Vejamos dois exemplos. Quando falamos de princípios morais "elevados", de "cai?' no sono ou das classes "baixas", estamos a falar metaforicamente e a utilizar sempre a mesma metáfora: nela, a diferença espacial entre ALTO e BAIXO age como veículo para várias experiências sociais. É uma diferença física, concreta, usada para conferir sentido a outras experiências sociais mais abstractas. Esta diferença, embora natural, não é neutra: nós, seres humanos, pensamos que uma das distinções-chave entre nós e os outros animais é que nós "levantamo-nos" sobre os membros inferiores como parte do processo evolutivo "ascendente". Por isso ALTO está sempre associado a valores positivos. As diferenças entre classes sociais, por exemplo, poderiam ser pensadas horizontalmente, da esquerda para a direita, mas de facto são pensadas na vertical, de cima para baixo. Da mesma forma, também, o gosto artístico é considerado de "alto" ou "baixo" nível, e os níveis "mais altos" coincidem com as classes "mais altas" (é vice-versa), o mesmo acontecendo com os vencimentos "mais altos" e uma posição social "mais alta". ALTO está também associado à consciência e à saúde (nós "levantamo-nos" de manhã, mas "caímos no sono", ou "caímos" doentes) e ao sistema de moralidade dominante - princípios morais "elevados". Quando acrescentamos a isto a imagem de que os deuses estão lá em cima" (Cristo "ergueu-se" de entre os mortos) e a morte "em baixo", podemos começar a compreender com que intensidade uma metáfora tão rotineira influencia a nossa maneira de pensar. Esta única metáfora de ALTO/BAIXO é usada para dar sentido a uma vasta gama de abstracções sociais diversas, como sejam Deus, a vida, a saúde, a moral, a posição social, os ordenados e o gosto artístico e, ao ligá-las a todas, ela opera a nível ideológico (ver capítulo 9). Não existe nada de natural que relacione posição social elevada com elevados ordenados ou princípios morais, 128 mas dar-lhes sentido através da mesma metáfora é uma forma de os valores dominantes se difundirem na sociedade. O segundo exemplo é o da utilização do dinheiro como metáfora de tempo. Quando falamos em "poupar" ou "gastar" tempo, ou em "investir" tempo num projecto, estamos a pensar nele como dinheiro. É claro que o tempo é muito diferente do dinheiro: não se pode poupar tempo, pois uma pessoa não pode juntar mais tempo do que outra, e não se pode investir tempo para obter mais. A utilização do dinheiro como metáfora de tempo é típica dos valores sociais a que chamamos "a ética protestante do trabalho": a metáfora implica que todo o tempo que não se relaciona com trabalho produtivo (o qual inclui o lazer "ganho") é "malgasto" - sobretudo o tempo "gasto" sem fazer nada ou na satisfação de prazeres pessoais. A metáfora é uma maneira de disciplinarmos a nossa maneira de pensar de uma forma que se adequa e se integra na ideologia de uma sociedade capitalista centrada no trabalho. Ambas as metáforas são exemplos daquilo a que Lévi-Strauss chama "a lógica do concreto" (ver capítulo 7). Ele defende que todas as sociedades dão sentido às abstracções que são importantes para elas, encarnando-as metaforicamente na experiência concreta. Estas metáforas concretas, tais como ALTO ou DINHEIRO, tornam-se depois "instrumentos do pensamento": formam e modelam o nosso entendimento dessas abstracções, permitindo-nos assim manipulá-las intelectualmente na vida do dia-a-dia. Estas metáforas do dia-a-dia diferem das metáforas literárias em vários aspectos. Não chamam a atenção como metáforas, e por isso não convidam a que as descodifiquemos conscientemente. São, pois, mais insidiosas, e o sentido que fazem toma-se com mais facilidade parte do "senso comun" da nossa sociedade: isto é, tomam-se parte dos pressupostos garantidos, tomados por certos, que abundam na sociedade. Esse senso comum parece natural, mas nunca o é: é sempre arbitrário, sempre socialmente produzido. É pois, por último, ideológico: o poder da classe dominante é parcialmente mantido na medida em que as suas ideias podem ser transformadas no senso comum de todas as classes. É o senso comum ideológico que faz com que, por exemplo, os 129

trabalhadores manuais sintam que a sua posição social é "inferior" à dos patrões. É o senso comum ideológico que nos leva a pensar que a diversão é tempo desperdiçado. As metáforas de todos os dias são mais ideológicas e estão mais camufladas do que as

29-09-2015 12:16

57 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

literárias; por isso, é a elas e ao senso "comum" que produzem que devemos estar mais atentos. Metonímia Conceitos básicos Se a metáfora opera por transposição de qualidades de um plano da realidade para outro, a metonímia opera por associação de significações dentro do mesmo plano. A sua definição clássica é a de tomar a parte pelo todo. Para Jakobson, as metonímias são as figuras predominantes do romance, enquanto que as metáforas o são da poesia. A representação da realidade envolve inevitavelmente uma metonímia: escolhemos uma parte da "realidade" para representar o todo. Os enquadramentos urbanos das séries policiais televisivas são metonímias - não se pretende que uma rua fotografada represente a própria rua, mas sim uma metonímia de um tipo específico de vida urbana: miséria dentro da cidade, respeitabilidade suburbana ou sofisticação do centro. A selecção da metonímia é obviamente importante, pois a partir dela construímos a restante realidade desconhecida. Num programa de televisão recente, The Editors eram mostradas duas filmagens de piquetes. Uma mostrava um grupo ordeiro de homens à porta de uma oficina, enquanto dois deles falavam com um camionista; a outra mostrava um grupo de trabalhadores em confrontação violenta com a polícia. A questão é que ambas as filmagens eram do mesmo piquete, no mesmo dia. A segunda, é claro, foi a que apareceu no noticiário da noite. A selecção da metonímia determina o resto da imagem que construímos do acontecimento, e os sindicatos protestam muitas vezes contra as metonímias dadas pelas notícias, por levarem o espectador a criar uma imagem muito unilateral e incompleta das suas actividades. 130 James Monaco (1977) mostra como as metonímias são usadas em filmes. Por exemplo, uma cena de um rosto de uma mulher que chora ao lado de um maço de notas em cima de uma almofada é uma metonímia de prostituição - Monaco vê um gesto ou pose como uma metonímia da emoção que exprime. Outras implicações

Na medida em que operam indicialmente, as metonímias são poderosos veiculadores da realidade. Fazem parte daquilo que representam. Quando diferem dos índices "habituais", como o fumo em relação ao fogo, é porque está envolvida uma selecção altamente arbitrária. A arbitrariedade dessa selecção encontra-se muitas vezes disfarçada ou é, pelo menos, ignorada, e a metonímia aparece como um índice natural, recebendo assim o estatuto do "real", do "inquestionável". Mas todos os filmes noticiosos são metonímias, e todos eles implicam esta selecção arbitrária. Apenas uma das duas filmagens da linha de piquete foi transmitida no noticiário e a escolha da filmagem a ser transmitida foi feita com base em dois conjuntos de critérios. O primeiro foi o dos valores noticiosos. Galtung e Ruge (1973) mostraram que os valores dominantes das notícias neste país fazem com que haja mais probabilidades de um acontecimento ser noticiado se: disser respeito a personalidades da elite; for negativo; for recente; for surpreendente. O segundo é o critério dos valores culturais, ou mitos. O nosso mito dominante sobre os sindicatos é o de que eles são desestabilizadores, agressivos, hostis ao bem comum da nação e que geralmente são organizações negativas. A segunda imagem "assentava" claramente no mito dominante e nos valores dos noticiários. Tinha que ser ela a escolhida. 131

Metonímias, mitos e índices Fiske e Hartley (1978) explicaram pormenorizadamente o modo como os mitos operam nos

29-09-2015 12:16

58 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

noticiários. Eles funcionam metonímicamente, visto que um signo (por exemplo o do prazenteiro polícia britânico) nos estimula a construir o todo de que faz parte. Ambos são índices discretos ou disfarçados. Exploram o "factor verdade" de um índice natural e desenvolvem-se a partir dele, disfarçando a sua natureza indicial. Temos consciência de que fumo não é fogo, ou de que nuvens negras não são trovoada, mas não temos a mesma consciência de que unia filmagem de um piquete não é o piquete, ou de que uma filmagem de um agente não é a força policial. O disfarce estende-se mesmo à arbitrariedade da selecção do signo. Outros signos de um polícia ou de um piquete activariam outros mitos; outras metonímias dariam outras imagens da realidade. O principal objectivo da análise semiótica é o de desmascarar este disfarce. Metonímias, mitos e índices funcionam todos de formas semelhantes, na medida em que os signos e os seus referentes se encontram todos no mesmo plano: funcionam por contiguidade. Não existe transposição, como nas metáforas, nem qualquer arbitrariedade explícita, como nos símbolos. Hawkes (1977) sugere que as metonímias funcionam sintagmaticamente. Podemos acrescentar os mitos e os índices a esta afirmação, pois todos três exigem que o leitor construa o resto do sintagma a partir da parte fornecida pelo signo. Metáforas e paradigmas Jakobson afirma que a metáfora é a figura normal da poesia, sendo a metonímia a figura normal do romance realista. Na secção anterior discutiram-se os motivos pelos quais o "realismo" é necessariamente um estilo metonímico de comunicação, tendo, deste modo, justificado a comparativa raridade de metáforas na arte representativa ou na fotografia, as quais são realistas. A metáfora não é essencialmente realista, mas imaginativa: não está limitada pelo princípio de contiguidade no mesmo plano de significação; em vez disso exige, pelo princípio de associação, que procuremos semelhanças 132 entre planos manifestamente diferentes. É preciso imaginação para se associar um arado à proa de um navio. As metáforas mais artísticas e obscuras exigem mais esforço imaginativo ao leitor. A frase: "Eu medi a minha vida em colheres de café" exige uma considerável dose de imaginação por parte do leitor, para associar características das colheres de café a processos da medição do tempo: as colheres de café (metonímias de "tomar café" como acto superficial e "tilintante") assumem associações de regularidade e repetição, bem como a ideia de serem o acontecimento mais significativo na vida de alguém. Associar os cigarros à chuva implica o mesmo trabalho de imaginação. Este princípio de associação implica a transposição de valores de certas propriedades de um plano da realidade ou da significação para outro. Esta transposição dá-se entre unidades de um mesmo paradigma (por exemplo, o navio corta, sulca, rasga, etc.; ou eu medi a minha vida em aniversários, invernos, vezes em que fiquei desempregado,colheres de café, etc.), e por isso a metáfora opera paradigmaticamente. É aí que a metáfora vai buscar o seu efeito poético, porque os paradigmas normais podem, por meio da imaginação, ser ampliados de forma a incluir o novo, o surpreendente, o "criativo". Deste modo, o paradigma normal de "formas de medir o tempo/vida" pode ser alargado de modo a incluir "colheres de café". Ou podemos, usando a imaginação, criar um paradigma especial que inclua "cigarros" e "gotas de chuva": um paradigma de objectos longos, finos e redondos que habitualmente sejam vistos em quantidade. Outras unidades possíveis nesse paradigma seriam "fósforos" (demasiado próximos dos cigarros para se explorar a qualidade da diferença, necessária neste tipo de metáfora original), "cavacas, cortadas à espera de transporte, na floresta", ou "pilhas de canos de caleira numa obra". Estes dois últimos exemplos são escolhas paradigmáticas imaginárias possíveis para a metáfora de cigarros. Portanto, as metonímias operam sintagmaticamente, para efeitos realistas, e as metáforas operam paradigmaticamente, para efeitos imaginativos ou surrealistas. É neste sentido que se pode dizer que a conotação actua de modo 133 metafórico. Interpretar uma focalização difusa como sentimento implica uma transposição imaginativa de propriedades do plano dos sentimentos para o plano da construção do

29-09-2015 12:16

59 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

significante. A focalização difusa é uma metáfora de sentimento. Um esbatimento é uma metáfora para um acto da memória. Botões dourados em forma de coroa e tranças douradas são metáforas do elevado estatuto social do posto de general. Mas estas conotações são mais construções do que verdadeiras metáforas pois, embora envolvam a transposição imaginativa de propriedades de um plano para outro, acentuam a semelhança entre planos e minimizam a diferença. Sugestões para trabalho adicional 1 . A mudança dos caracteres de uma palavra constitui um bom exemplo de mudança do significante. Por isso, todos os caracteres devem ter conotações. Reúna exemplos de vários caracteres e discuta as suas conotações. Produza palavras ou expressões em diferentes caracteres e tente controlar ou prever as suas conotações (use Letraset se a sua habilidade gráfica for limitada). Ver capítulo 8 e questão 4 quanto ao uso do diferencial semântico - pode utilizá-lo para se certificar da exactidão das suas previsões. 2. Existem vários mitos a respeito da polícia portuguesa, como se pode ver pela enorme variedade de termos usados para falar nela os chuis, judite, bófia, cucos. Procure identificar, para cada termo, o mito que lhe está associado e a subcultura na qual ele seria válido. Retome as ilustrações 1 a) e 1b) e analise-as em termos do mito e da conotação. Até que ponto é que este exercício o ajuda a compreender a maneira como um mito é validado em dois sentidos - o da sua veracidade em relação à realidade e o da sua correspondência às necessidades da cultura utente? Ver Barthes (1973), págs. 114-121 e Hartley (1982), capítulo 2. 3. Analise o anúncio da ilustração, pág. 135. Comente as suas transposições metafóricas. Quais são os processos que fazem da cobra e da bebida membros do mesmo Paradigma? (Note-se que no original a bebida no copo e a cobra 134 são do mesmo tom de amarelo). Deverá comparar as significações do termo mito segundo a perspectiva tradicional e segundo a de Barthes, e ver como é que este termo se relaciona com os símbolos. Por que razão lhe parece que os publicitários tentaram veicular o seu sentido metaforicamente, mais do que literariamente? Que outras significações de segunda ordem são activadas? Ver Williamson (1978) págs. 17-24. 135

4. A edição de The Editors referida neste capítulo também mostrava filmagens de um piquete de músicos à porta da BBC durante uma greve do sindicato dos músicos. Não havia um polícia à vista; os grevistas estavam bem-dispostos e tocavam para uma multidão que se juntou rapidamente; eram acompanhados por dançarinas parcamente vestidas, e o seu porta-voz era culto, bem-falante, de classe média. Toda a música tocada tinha um tom pândego. Discuta este filme em termos de mito, metonímia e valores noticiosos. Como é que ele se relaciona com retratos mais "normais" a) de piquetes e b) de músicos? Até que ponto é que o nosso entendimento da música depende do defraudamento das nossas expectativas de normalidade? 136 6 METODOS E APLICAÇÕES "Mágoa atrás": metáfora poética "Mágoa atrás" é o título de um poema escrito por Dylan Thomas. G. N. Leech (1969) dá um bom exemplo de como os métodos de análise semióticos/linguísticos nos podem elucidar sobre o modo através do qual esta frase adquire o seu poder poético. Norma e desvio

29-09-2015 12:16

60 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Uma norma é um exemplo médio, estatisticamente calculado, de comportamento ou avaliação. Descreve as práticas comuns a um grupo ou a uma sociedade e é, por isso, previsível, esperada. As convenções generalizadamente aceites aproximam-se da norma. 0 inesperado, o não-convencional, é um desvio à norma. Para sermos precisos devemos imaginar uma escala com a norma numa extremidade e com o desvio máximo na outra. Contudo, na prática, somos tentados a falar do que é normal e do que é desvio como se de duas categorias distintas se tratasse, o que é enganador. Se o fizermos, devemos lembrar-nos de que a linha que os separa está em constante movimento; muitas vezes trata-se de um movimento para dentro, no sentido da posição central, normal. O cabelo comprido nos homens, era desvio, e depois tornou-se muito mais normal; as calças nas mulheres, o tratamento de pessoas mais 137 velhas pelo nome próprio ou o tratamento dos pais por tu são outros exemplos de comportamentos de desvio que passaram a norma. Paradigma e sintagmas "Mágoa atrás" é um uso desviado da linguagem na medida em que o sintagma "... atrás" é normalmente completado com uma palavra extraída de um conjunto com características específicas, isto é, com palavras de um determinado paradigma. Neste caso, as características do paradigma normal são: a) palavras referentes à medição do tempo; b) palavras referentes a acontecimentos que ocorrem com regularidade; c) palavras no plural. Podemos, então, construir um paradigma que partilhe de graus de normalidade ou de desvio para completar o sintagma "... atrás". A minha ordem de desvio é aproximada, e apenas aproximada, podendo variar de pessoa para pessoa. Os alunos poderão achar que "Uma aula atrás" é mais normal do que "Uma lua atrás". As estrelas de Hollywood, poderão achar que "Três esposas atrás" é mais normal do que "Três Invernos atrás". Mas, mais do que categorias estanques, o que interessa é o princípio dos graus de desvio. A palavra "mágoa" é desvio relativamente às três características. Normalmente pertence a um paradigma muito diferente e, por isso, encontra-se habitualmente em sintagmas também muito diferentes. Ao inseri-la neste paradigma específico, Dylan Thomas conferiu-lhe temporariamente as características do seu novo paradigma, retendo simultaneamente as do seu paradigma original: o das emoções intensas. Ao investir a mágoa com as características da medição do tempo, da ocorrência regular e da pluralidade, ele deu à palavra um novo conjunto de significados que muitos leitores acharão particularmente feliz ou imaginativamente agradável. A criatividade ou originalidade significam, muitas vezes, quebrar normas ou convenções, e a análise semiótica pode ajudar-nos a compreender quais as normas que estão a ser desviadas, em que medida e, possivelmente, para que efeito. 138 Norma Palavra Minuto Hora Semana Mês Etc. Lua Inverno Jogo Lição Cigarro Sobretudo Esposa Etc. Mágoa

29-09-2015 12:16

61 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Natureza Desvio Quadro: Paradigma verbal Massa: metáfora visual

O mesmo processo pode frequentemente ser visto em textos visuais, especialmente em anúncios. A publicidade tira muitas vezes partido das possibilidades técnicas da fotografia para "inserir" ou "sobrepor", num sintagma, objectos que normalmente pertencem a outro. Há um anúncio de uma marca de massas que apresenta um cenário de um local: no centro do prato, onde normalmente se põe a comida, está uma seara sob o sol ardente. Onde a norma nos levaria a esperar a comida cozinhada com calor artificial, vemos comida crua natural aquecida apenas pelo sol. O sintagma de "prato com... dentro" seria normalmente completado com uma unidade do paradigma com as características do cozinhado, do artificial, do afastado da natureza. No entanto, ele é completado com uma unidade do paradigma natural, do saudável. Um outro produto cerealífero usa um equivalente verbal desta reviravolta paradigmática no seu slogan "O Pequeno-almoço de Sol". 139

Tanto a frase de Dylan Thomas como o anúncio da massa operam metaforicamente, na medida em que extraem unidades de um paradigma e inserem-nas num sintagma que normalmente seria completado com unidades de um outro. Ao fazê-lo estão a associar, pelo processo da transposição (ver pág. 126), as 140 características de dois paradigmas de uma forma nova e imaginativamente vistosa. Neste sentido, todas as metáforas são desvios às normas do comportamento da linguagem. O que pode acontecer - e muitas vezes acontece - é a metáfora tornar-se tão comum, tão usada, que se transforma em norma. É aí que se torna cliché e perde o seu impacto imaginativo original. Os exemplos dados mostram-nos que estas transposições se podem dar em ambas as direcções. Podemos dizer que "mágoa" recebe mais do paradigma a que foi associado do que aquilo que traz consigo do seu paradigma normal. "Sulcou" (ver pág. 126) e o anúncio da massa, no entanto, trazem mais do seu paradigma normal do que o que ganham com o novo. É este tipo de trabalho imaginativo envolvido nas transposições metafóricas ou paradigmáticas que está por detrás da opinião de Jakobson quando este afirma que a poesia funciona sobretudo pela metáfora, enquanto o realismo funciona principalmente pela metonímia. Construir uma imagem da realidade a partir da metonímia exige um tipo de imaginação diferente da que é necessária para se associarem paradigmas normalmente distintos. Notting Hill: metonímia realista Podemos alargar a nossa análise semiótica deslocando-nos nesta direcção. Uma fotografia de um jornal introduz um novo conjunto de problemas para o analista. Ela é icónica e não verbal; por isso os paradigmas envolvidos não estão tão bem especificados como num sintagma verbal. Opera metonimicamente, não metaforicamente, e como tal não chama a atenção para a "criatividade" envolvida na sua construção: parece mais "natural". A uma fotografia tirada durante o Carnaval de Notting HilI, Londres, em 1976 parte do qual acabou num confronto entre os jovens negros e a polícia. 141

Sintagma de primeira ordem A nível denotativo, na primeira ordem de significação,

levanta poucos problemas.

29-09-2015 12:16

62 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Trata-se de um sintagma constituído por vários sinais visuais. Um dos problemas da análise de sintagmas icónicos como este é que os sinais que neles se combinam não são distintos e facilmente separáveis, como acontece em sintagmas arbitrários como as frases. Barthes refere-se a isto quando designa a fotografia como um "análogo" da realidade. Não obstante, creio que consigo ver nela dois sinais principais e três secundários: parece-me, portanto, que consigo ver distinções digitais num código analógico. Uma análise mais detalhada possibilitará a divisão destes sinais nas suas componentes, tal como a análise gramatical de uma frase pode avançar para níveis de análise cada vez mais detalhados. Cada sinal, aqui, é como uma oração numa frase. Os dois principais sinais são o grupo de jovens negros e o grupo de polícias. Os três sinais secundários são a multidão de negros à volta da cena, o enquadramento urbano - sob uma passagem aérea, com casas antigas ao fundo - e uma árvore. O sintagma coloca estes sinais numa relação especial, 142 de confronto, que está de algum modo ligada, talvez fortuitamente, ao enquadramento negro urbano. Na página, estes significantes tomam-se signos quando os interpretamos, ou seja, quando os relacionamos com significados ou conceitos mentais. Temos conceitos da polícia, dos negros, do centro da cidade e das árvores que, nesta imagem, precisamos de interpretar. Estes significados são o resultado da nossa experiência cultural: sabemos reconhecer as figuras em uniforme como polícias e não, por exemplo, como membros do Exército de Salvação, e o nosso significado de negros tem em conta que eles são imigrantes comparativamente recentes que se destacam numa sociedade predominantemente branca. Sintagma de segunda ordem: mito e conotação Assim que começamos a pensar nos significados, apercebemo-nos de como é irreal a distinção entre a primeira e a segunda ordem: ela tem apenas uma utilidade analítica. Isto porque os significados se deslocam imperceptivelmente para os mitos da segunda ordem. A fotografia denota inevitavelmente a cadeia de conceitos que forma o nosso mito da polícia. Esta fotografia opera através do mito dominante: a polícia não é agressiva (apesar dos bastões); um deles protege a cara com os braços, defensivamente; dois estão de costas para os jovens; um outro foi derrubado e perdeu o capacete. O significado dos jovens negros apoia-se em dois mitos: o dos negros e o da juventude revoltada. Assim, o confronto é racial e de conflito de gerações: as forças da lei ou a ordem, ou nós, confrontam-se com as forças da anarquia, do anti-social, eles. A este nível o confronto toma-se, na fotografia, uma metonímia da tensão interna e do conflito no seio da nossa sociedade em geral. O mito da cidade também está aqui em acção. A zona debaixo de uma passagem aérea é uma metonímia de uma área problemática de degradação no centro de uma grande cidade. A multidão de negros em segundo plano mostra que estão no seu bairro. Mas estas "leituras" só podem ser feitas correctamente no contexto do nosso conhecimento da cidade como 143

integrada numa democracia liberal que é, tal como a sua força policial, gerida por brancos. O Observer cortou esta fotografia. Mudou-lhe a forma, tornando-a longa e estreita, de modo a que os nossos olhos se movam da esquerda para a direita para a vermos. Isso acentua as conotações de confronto: o movimento dos olhos do leitor torna-se uma representação icónica das trocas entre os dois lados. A árvore, a única influência potencialmente suavizadora, desapareceu. Mas a zona inferior da passagem aérea mantém-se (a fotografia podia ter sido cortada até ao alto da cabeça do jovem negro na frente), como se mantém a multidão de negros. Foram acrescentadas quatro palavras em letras grandes e pretas (JOVENS, AMARGURADOS E NEGROS), colocadas de forma a separar os

29-09-2015 12:16

63 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

dois principais protagonistas. As próprias palavras, a sua posição e os caracteres, tudo isso sublinha as conotações deste conflito. O ponto de vista profissional Harold Evans, então editor do jornal The Times, comentou que esta fotografia "era o resultado de uma montagem fotográfica e também de fotografia engenhosa". A versão sem cortes, continua Evans, "também registava árvores 144 e casas e um fundo que nada acrescentavam à notícia e que, se tivessem sido mantidos, teriam tirado espaço de publicação ao principal foco de atenção. Há bastante pormenor e drama no que resta e, com o tamanho e o formato reproduzidos, a imagem captou o olhar de todos os leitores". É interessante ver como as razões do profissional são comparáveis a uma leitura semiótica. O conceito de ruído de Shannon e Weaver pode explicar parte dos motivos de Evans para os cortes, mas este estava também interessado nos valores de drama e de pormenor da notícia e nas questões técnicas e económicas do espaço de publicação. Aproxima-se da preocupação semiótica quando fala em captar a atenção do leitor pelo olhar. A diferença entre ambos, no entanto, reside no facto de o profissional pressupor que o efeito sobre o leitor é determinado em larga medida, se não exclusivamente, pela própria fotografia: o leitor é visto como o receptor da mensagem e, caso o processo da comunicação tenha sido conduzido eficientemente, o efeito sobre ele será considerável. Harold Evans pressupõe o modelo básico da escola processual. O semiótico atribui ao leitor um papel mais importante. É óbvio que a imagem desempenha uma certa função na produção do seu sentido, mas o leitor também. O impacto, ou "atracção do olhar", é em larga medida determinado pelo facto de o leitor já ter um certo grau de preocupação e um leque de atitudes sociais a respeito do incidente e das relações sociais das quais ele é uma metonímia. A estrutura do texto tem que interagir com as atitudes sociais do leitor para que o impacto se verifique. A diferença entre as duas escolas é uma diferença de proporção da ênfase, e não de alternativas irreconciliáveis.

o ponto de vista do mitólogo A exclusão do ambiente urbano deprimente é uma forma de o editor colaborar -mesmo que sem intenção - na realização da função do mito que consiste em naturalizar a história. Os cortes eliminam a possível interpretação de que o conflito era causado por privações sociais, e favorece a de que os jovens negros tendem "naturalmente" a ser conflituosos, agressivos e 145

anti-sociais. Um mito branco deste tipo é usado para explicar o facto de os negros ocuparem um número desproporcionado de lugares nos tribunais e nas cadeias das sociedades brancas, não devido às suas condições sociais, mas por causa do seu temperamento. O mito nega a história da escravatura e do colonialismo nas Caraíbas e nos países africanos, subjacente tanto à presença dos negros na Grã-Bretanha como à sua posição social desfavorecida. Nega também a história mais recente do excesso de policiamento insensível nos bairros negros, que faz parte dos acontecimentos da fotografia. As palavras JOVENS, AMARGURADOS E NEGROS ajudam este processo de naturalização ao sugerirem que a amargura é causada pela sua "natureza" enquanto jovens negros, e não pelo tratamento que recebem da sociedade branca. Barthes é claro ao afirmar que a função normal dos mitos é a de servirem os interesses das classes dominantes. Os interesses dos brancos são bem servidos por estes mitos racistas, pois permitem-lhes evitar reconhecer que foi a sua história e a sua situação de privilégio, e não a natureza dos negros, que produziu a amargura e a desordem nos acontecimentos da fotografia. Os mitos, erradamente, centralizam mais o problema e a sua solução no sector negro da sociedade do que no sector branco. Desmistificá-los

29-09-2015 12:16

64 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

através de uma análise mitológica é, pois, um acto social e político. As significações nunca são apenas textuais; são sempre sociopolíticas, e é nesta dimensão que o mitólogo se concentra. Paradigmas Nas linguagens verbais ou arbitrárias, os paradigmas estão claramente definidos e, paralelamente aos paradigmas de significantes, está um paradigma de significados. As linguagens icónicas, como a fotografia, funcionam de maneira diferente: há um número potencialmente infinito de fotografias da polícia. Mas, como Saussure nos lembra, cada unidade no interior de um paradigma deve ser significativamente diferente das restantes. Assim, o número infinito de fotografias da polícia só é um problema na primeira ordem 146 de significação. Na segunda ordem existe um número limitado de "formas de fotografar a polícia" significativamente diferentes. Há comparativamente poucos valores ou emoções a serem conotados, e ainda menos mitos através dos quais compreendemos a força policial. Temos aqui um paradigma de segunda ordem, um paradigma de mitos e de conotações. O paradigma pode não ser explícito, como num código arbitrário, mas nem por isso deixa de existir na nossa cultura um acordo não-verbal sobre as suas unidades dominantes. Outra questão interessante, que surge neste ponto, é a de saber se outras culturas ou subculturas dentro da nossa própria sociedade têm o mesmo paradigma de "formas de fotografar a polícia". Se não têm, então as significações de segunda ordem que as lêem mudarão. Para nós, esta fotografia poderia conotar o valor do controlo e tolerância da polícia; para outros poderia conotar fraqueza ou mesmo medo; para outros, ainda, poderia conotar intromissão ou intervenção da polícia. A este problema das diferentes leituras, sobretudo na segunda ordem, voltaremos no final deste capítulo. De momento, pretendo manter-me na análise paradigmática e apresentar um método útil. Ele é conhecido por teste da comutação. O teste da comutação O teste da comutação tem duas funções principais. A primeira consiste em identificar diferenças significativas ou características distintivas, dentro de um paradigma ou sintagma. A segunda é a de ajudar-nos a definir a mudança de significação que ocorre, se é que ela ocorre. Normalmente, a modificação é feita imaginativamente e a significação do sintagma modificado avaliada da mesma forma. Assim, podemos imaginar que a carrinha à direita do sintagma foi modificada para um carro. E penso que estaríamos de acordo em que isso não faria diferença quanto à significação da fotografia. Mas poderíamos imaginar que o pano de fundo era mudado para o de um subúrbio branco próspero. Isso alteraria radicalmente a significação do sintagma. Em lugar de vermos o conflito como um conflito do centro da cidade desagradável, mas 147 localizado, controlado, seríamos levados a vê-lo como muito mais espalhado, ameaçador, alastrando a toda a sociedade em geral. Ou podíamos imaginar que toda a gente na fotografia era branca, ou que o grupo de negros eram homens de meia-idade respeitavelmente vestidos. Na fotografia noticiosa estas escolhas são, evidentemente, hipotéticas. É óbvio que o fotógrafo não escolheu um grupo de negros em detrimento de um de brancos. Mas a leitura da fotografia implica o reconhecimento de que estes não são brancos, não são de meia-idade, não são da classe média. O teste da comutação ajuda-nos a determinar a significação deste grupo, identificando aquilo que ele significativamente não é. É claro que, quando analisamos fotografias publicitárias, sabemos que as escolhas foram deliberadas: o fotógrafo está ciente delas de uma forma certamente diferente da do fotógrafo noticioso. Tal tem muito mais a ver com as escolhas editoriais envolvidas nas palavras JOVENS, AMARGURADOS E NEGROS. Comutemos a forma destas palavras para os caracteres normais da imprensa e coloquemo-la fora da fotografia, numa posição

29-09-2015 12:16

65 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

mais normal para uma legenda, ou imaginemos que elas eram mudadas para negros amargurados e jovens. Ou imaginemo-las a branco, impressas sobre o grupo de polícias e substituídas por O CHUI BRITÂNICO ENCURRALADO. Todas estas comutações são significativas e mudariam o sentido do todo. Palavras e imagem Isto leva-nos a uma comparação dos papéis das palavras e das imagens. Barthes (1964) usa o termo ancoragem para descrever a função das palavras usadas como legendas para fotografias. Defende que as imagens visuais são polissémicas: "elas implicam, sublinhando os seus significantes, uma cadeia flutuante de significados, podendo o leitor escolher uns e ignorar outros. As palavras ajudam a "fixar" a cadeia flutuante de significados de forma a deter o terror dos signos incertos". É verdade que raramente (ou mesmo nunca) vemos uma fotografia sem uma legenda verbal qualquer, quanto mais não seja uma legenda a dizer-nos, a nível denotativo, onde ou do que se trata. Noutra ocasião, Barthes (1961) designa a legenda como "mensagem parasita destinada a conotar a imagem, a apressá-la com um ou mais significados de segunda ordem". Ele reconhece que a conotação oferece ao leitor um maior leque de significações possíveis do que a denotação, e que as palavras podem ser usadas para estreitar esse leque ou para eliminar partes dele. Outra função da ancoragem é aquilo a que Barthes chama denominação. Esta diz-nos simplesmente aquilo de que a fotografia trata e ajuda-nos assim a enquadrá-la com exactidão na nossa experiência do mundo. Dizer que esta fotografia é do "Carnaval de Notting Hill" ajuda-nos a localizá-la e, como tal, a ancorar as suas significações. Eu podia ter dito que era uma fotografia de motins raciais em Smethick ou de apoiantes futebolísticos do Cardiff City abandonando o terreno, ou das filmagens de um episódio de Dixon of Dock Green: cada uma destas denominações teria eliminado certas significações e ter-nos-ia conduzido a outras. Leituras preferidas Na segunda ordem as palavras dirigem, pois, a nossa leitura. Dizem-nos, por vezes, porque é que se considerou valer a pena tirar a fotografia e, frequentemente, como é que devemos interpretá-la. Orientam-nos para aquilo a que Stuart Hall (1973b) chamou "uma leitura preferida". Neste caso, a leitura preferida é a que nos orienta para uma significação da fotografia que reside nos valores tradicionais da lei e da ordem. Estes valores enfrentam um problema urgente, mas o problema é passível de solução no seu seio. Por outras palavras, a significação preferida elimina potenciais significações revolucionárias da fotografia. Não somos incentivados a negociar uma significação que inclua a ideia de que a estrutura social está errada, é injusta e precisa de ser derrubada pela força. É claro que tais significações são possíveis, e mesmo previsíveis, para um grupo minoritário da nossa cultura. Mas não são preferidas: seriam uma descodificação aberrante (Eco, 1965). Esta

148

significação preferida relaciona o "problema racial" com o "problema da juventude" ou "conflito de gerações" - um conflito conhecido e que sabemos causar tensões e atritos, mas que não representa uma ameaça fundamental para a sociedade em si. A ligação potencial de "raça" com "classe", uma ligação muito mais explosiva, é-nos vedada pelas palavras. Esta noção de leitura preferida é proveitosa, pois fornece-nos um modelo que nos permite relacionar as significações negociadas de uma mensagem com a estrutura social em que operam tanto a mensagem como o leitor. Hall deriva e elabora esta noção a partir de Parkin. Parkin (1972) sustenta que existem três sistemas básicos de significação através dos quais os indivíduos interpretam ou reagem à percepção que têm da sua condição na sociedade. A esses sistemas chama dominante, subordinado e radical. Stuart Hall sugere que eles correspondem a formas de descodificação de mensagens dos mass media. O sistema dominante ou código dominante é o que veicula os valores dominantes, as leituras preferidas das sociedades. A definição dominante, nesta fotografia, é a de que os polícias são nossos representantes, conservando a nossa sociedade livre, e de que os jovens negros que desafiam este papel devem ser vistos como "desvio" ou como

29-09-2015 12:16

66 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

criminosos. O sistema subordinado corresponde àquilo a que Hall chama código negociado. Este aceita os valores dominantes e a estrutura existente, mas está preparado para argumentar que o lugar de um determinado grupo dentro dessa estrutura necessita de ser melhorado. Esse poderá ser o caso de um sindicato, negociando melhores salários para os seus membros ou um liberal branco, "negociando" uma posição melhor para os negros na nossa sociedade. Esta descodificação negociada da fotografia pode incluir a aceitação de que, conquanto a polícia em geral desempenhe as suas funções com eficiência e correcção, ela poderá estar em falta na maneira de lidar com os negros. Em certos aspectos do seu papel, pode dizer-se que eles são agentes repressivos da maioria dominante, mantendo firmemente nos seus lugares os elementos subordinados ou desviados: isto pode não ser negativo quando estão a lidar 150 com o submundo do crime, mas está moralmente errado quando tratam os negros da mesma forma. O código oposicional de Hall corresponde ao sistema radical de Parkin. Esta leitura rejeita a versão dominante e os valores sociais que a produziram. O descodificador oposicional reconhece a leitura preferida, mas rejeita-a como falsa. Ele localiza a mensagem num sistema de significações que se opõe radicalmente ao dominante e negoceia, portanto, uma leitura do texto radicalmente oposta. Uma leitura oposicional desta fotografia será a de que ela mostra a expressão natural dos direitos e da liberdade dos negros a ser sufocada à força pelos agentes da classe no poder. Trata-se de uma metonímia de um sistema social injusto em acção. Estas análises das significações de segunda ordem da fotografia conduzem-nos até ao conceito de ideologia. A significação preferida desta fotografia só pode ser alcançada dentro dos valores de uma ideologia branca, liberal e democrática. Guardarei a discussão completa da ideologia para o capítulo 9. Determinação social do significação Hall e Parkin mostraram que o contributo dos leitores para a sua negociação com o texto é determinado pelo lugar que ocupam na estrutura social. Morley (1980) deu seguimento às ideias destes dois autores com uma investigação empírica sobre as leituras da audiência de duas edições do programa de televisão Nationwide. As suas descobertas confirmam, no geral, a posição de Hall e Parkin, mas mostram que a classe social por si só não é o elemento determinante que Hall e Parkin julgaram ser. Tanto os grupos de aprendizes (classe trabalhadora) como os de gerentes bancários (classe média) fizeram leituras dominantes, enquanto os estudantes universitários (classe média) e os sindicalistas (classe trabalhadora) fizeram ambos leituras negociadas (diferentes). As leituras oposicionais vieram dos negros, que rejeitaram o programa como sendo totalmente irrelevante, e de empregados comerciais, que se lhe opuseram radicalmente. 151

Morley demonstrou que o modelo funciona mesmo, mas que temos de reconhecer que forças sociais, que não as de classe, ajudam a determinar a posição negociadora do leitor. Estes factores podem englobar a educação, ocupação, filiação política, região geográfica, religião ou família. Cada um deles produz um discurso, um registo de linguagens com as suas subsequentes formas de conceptualização do mundo. Assim, um indivíduo tem um certo número de discursos derivados dos vários agrupamentos sociais de que é membro: a leitura é uma negociação entre os numerosos discursos do leitor e o discurso do texto. Sugestões para trabalho adicional 1. A análise de "Mágoa atrás" é tipicamente saussuriana, na medida em que vê o sistema da linguagem como portador de significação; a análise da fotografia de Notting Hill relaciona o sistema simbólico com o sistema social. Discuta os

29-09-2015 12:16

67 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

méritos relativos das duas abordagens. Escolha uma metáfora poética (ou símile) e urna fotografia noticiosa para analisar. 2. Até que ponto é que as noções de norma e desvio coincidem com as de convenção e originalidade e as de redundância e entropia? Poderá a nossa discussão anterior sobre as funções comunicativas da redundância ajudar-nos a compreender "Mágoa atrás" - a forma como comunica e com quem? O poeta é um comunicador? 3. Haverá alguma diferença entre o uso da linguagem por parte do poeta e por parte do publicitário que descreve as saias travadas como "clássicas, finas como caules de graça fatídica... esguias como panteras e fabulosamente disciplinadas" (Deyer, 1982)? Deveremos procurar a diferença na qualidade estética da própria linguagem, na sua função social, na sua "verdade" referencial, ou noutro lado? Em que medida é que a publicidade em geral é estética? Será ela arte? Ver Deyer (1982), capítulos 2 e 7. 4. Faça uma análise semiótica completa e pormenorizada da ilustração 12. (Note-se que o sol-nascente, do lado esquerdo, é, previsivelmente vermelho.)

Aplique-a à teoria das leituras preferidas. Ver Barthes (1977), págs. 15-3 1. 32-51, mas, especialmente, págs. 20-25 e (1973), págs. 116-121. 5. Retome a ilustração 1b. Analise a maneira como as palavras tentam "fixar" as significações possíveis das fotografias. Usando as mesmas fotografias, apresente novas disposições e manchetes para: um jornal da comunidade negra; uma publicação da polícia; um jornal de Moscovo. Leituras adicionais: Hall, em Cohen e Young (1973), págs. 176-189, e em Hall et al. (1980), págs. 136-139; Fiske e Hartley (1978), capítulo 3 e págs. 103-105; Morley (1980), págs. 10-11, 16-21, 134; Mckeown (1982). 7 A TEORIA ESTRUTURALISTA E SUAS APLICAÇÕES Na medida em que defende que não podemos conhecer o mundo nos seus próprios termos, mas apenas através das estruturas conceptuais e linguísticas da nossa cultura, a semiótica é uma forma de estruturalismo. O empirismo (ver capítulo 8) defende exactamente o contrário. Para o empirista, o trabalho do investigador consiste em descobrir as significações e os padrões já existentes no mundo; para o estruturalista, a tarefa é a de desvendar as estruturas conceptuais pelas quais as várias culturas organizam a sua percepção e compreensão do mundo. Se bem que o estruturalismo não negue a existência de uma realidade exterior universal, nega, no entanto, a possibilidade de os seres humanos terem acesso a essa realidade de uma forma objectiva, universal, não culturalmente determinada. O propósito do estruturalismo consiste em descobrir como é que as pessoas conferem sentido ao mundo, não o que o mundo é. Ele nega, por isso, qualquer verdade científica final ou absoluta - se a realidade universal imutável não é acessível aos seres humanos, então não podemos avaliar a verdade de afirmações ou crenças, medindo-as em função da sua aproximação a essa realidade. Esta é, frequentemente, uma ideia difícil de aceitar, pois contradiz o racionalismo científico que dominou o pensamento ocidental a partir do Renascimento. Lévi-Strauss (1979) distingue entre formas de pensar "científicas" e "selvagens", não para afirmar que o pensamento científico é melhor, mas para afirmar que é diferente. Este opera através do estabelecimento de diferenças;

divide a natureza em categorias cada vez mais finas e precisas. O pensamento "selvagem", por outro lado, é holístico; procura descobrir maneiras de compreender a natureza no seu todo, não partes dela. Abrange assim áreas de experiência que a ciência rejeita por serem irreais ou não científicas, como as questões da crença, da imaginação e da experiência subjectiva, que não fazem parte da sua realidade. É claro que a ciência ocidental tem mais poder instrumental para alterar o mundo do que as explicações mágicas dos fenómenos em algumas sociedades tribais. Mas uma "verdade" religiosa pode

29-09-2015 12:16

68 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

ser eficaz para se conseguir mudar as atitudes e os comportamentos das pessoas, pode afectar os nossos sistemas políticos e sociais e é mais capaz de fornecer explicações aparentemente "mais verdadeiras" das experiências subjectivas do que a ciência empírica. A verdade é uma função do sistema conceptual e cultural que a faz e que a aceita: não é função de uma realidade pré-cultural universal e objectiva. Lévi-Strauss foi um antropólogo estruturalista que ampliou a teoria saussuriana da linguagem como sistema estrutural de modo a abranger todos os processos culturais, como a culinária, o vestuário, o sistema de parentesco e, sobretudo, os mitos e as lendas. São tudo formas, de organizar e, como tal, de dar sentido aos nossos mundos culturais e sociais. Todas as culturas dão sentido ao mundo e, enquanto as significações conferidas podem ser específicas dessas culturas, os modos através dos quais essas significações são conferidas não o são - são universais. As significações são específicas das culturas, mas os modos de as construir são universais a todos os seres humanos. Assim, para Saussure todas as linguagens são diferentes: os seus vocabulários dividem o mundo em categorias muito diferentes; as suas sintaxes relacionam conceitos de maneiras bastante diferentes. Contudo, todas são arbitrárias; todas partilham da mesma estrutura paradigmática e sintagmática: todas se apoiam, paradigmaticamente, num sistema de categorias cujas significações dependem da sua relação com outras categorias dentro do mesmo sistema, e todas têm sistemas de combinação de categorias para fazerem "afirmações" originais. Portanto, todas as linguagens partilham de uma estrutura de diferenças e de combinação. 156 Categorização e oposições binárias

Para Lévi-Strauss o mais importante era a dimensão paradigmática da linguagem, isto é, o seu sistema de categorias. Fazer categorias conceptuais no interior de um sistema era, para ele, a essência da produção de sentido e, no âmago deste processo, estava a estrutura a que chamou oposição binária. Unia oposição binária é um sistema de duas categorias relacionadas que, na sua forma mais pura, engloba o universo. Na oposição binária perfeita, tudo pertence à categoria A ou à categoria B e, ao impormos essas categorias ao mundo, estamos a começar a dar-lhe sentido. Por isso a categoria A não pode existir por si só, como uma categoria essencial, mas apenas numa relação estruturada com a categoria B: a categoria A faz sentido apenas porque não é a categoria B. Sem a categoria B não poderia haver fronteiras para a categoria A e, como tal, não poderia haver categoria A. Estruturalmente, a história da criação, no Génesis, pode ser lida não como a história da criação do mundo, mas como a da criação de categorias culturais através das quais lhe é dado sentido. A escuridão estava separada da luz, a terra do ar. A terra estava dividida em categorias de terra e água, e a água dividida em águas do mar (não férteis) e águas do firmamento, ou chuva (férteis). Esta última categoria dá-nos um exemplo da segunda fase do processo da produção de sentido, quando as categorias que aparentemente existem na natureza, isto é, categorias que correspondem de muito perto à nossa percepção da realidade concreta, são usadas para explicar conceitos mais abstractos, mais generalizados e aparentemente mais específicos das culturas, e para fundamentar estas explicações na natureza, fazendo-as parecer assim naturais e não culturais. Deste modo, a oposição das categorias aparentemente naturais da água do mar e da água da chuva é usada para explicar e naturalizar as categorias do fértil e do não fértil, mais abstractas e específicas das culturas. Este processo de conferir sentido a conceitos abstractos através da transposição metafórica da sua estrutura de diferenças para diferenças do concreto que parecem ser naturais é, de acordo com Lévi-Strauss, um processo cultural comum; chama-lhe "a lógica do concreto". Assim, mais à frente, na história do Génesis, 157 as ervas são divididas em plantas que dão folha e plantas que dão semente e fruto, e esta distinção é usada para ajudar a pensar a distinção, muito mais problemática, entre os humanos e os animais: os humanos comem as plantas que dão semente e fruto e os animais as que dão folha. A construção de oposições binárias é, segundo Lévi-Strauss, o processo universal fundamental da produção de sentido. Universal porque é o produto da estrutura física do cérebro humano sendo, portanto, específico da espécie e não de uma qualquer cultura ou

29-09-2015 12:16

69 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

sociedade. O cérebro funciona electroquimicamente, enviando mensagens entre as suas células, e as únicas que pode enviar são mensagens binárias simples, tipo LIGADO/DESLIGADO. A complexidade da rede é tal que o cérebro humano, como o computador, seu homólogo electrónico, é capaz de construir sistemas de categorias incrivelmente elaboradas através de um número quase infinito de repetições refinadoras destas oposições binárias (este processo foi descrito no capítulo 1, na secção sobre os "bits" de informação). A diferença entre códigos digitais e analógicos (ver capítulo 4) é que os códigos digitais são construídos com base num sistema de categorias opostas. Tal não acontece com a natureza: mais do que de categorias definidas, a natureza compõe-se de séries de continuidades analógicas. Na natureza não há linha divisória entre luz e escuridão, mas um processo contínuo de iluminação e escurecimento; nem sequer existe uma linha clara entre terra e água - a praia, as areias movediças e a lama são todas categorias que resistem a oposições binárias claras. A estas categorias, que contêm características das duas categorias binariamente opostas, chama Lévi-Strauss categorias anómalas.

Categorias anómalas Uma categoria anómala é a que não encaixa nas categorias da oposição binária; confunde-as, obscurecendo a clareza das suas fronteiras. As categorias anómalas extraem as suas características das duas categorias binariamente opostas e, consequentemente, têm significações em excesso, são conceptualmente 158 demasiado poderosas. O excesso de significação, que vão buscar a ambas as categorias, e a sua capacidade para desafiarem as estruturas básicas da produção de sentido de uma cultura significa que têm de ser controladas, sendo designadas habitualmente como "sagrado" ou "tabu". As categorias anómalas derivam de duas fontes: da natureza e da cultura A natureza resiste sempre, em última instância, à categorização que a cultura lhe tenta impor. Há sempre elementos da natureza que se recusam intransigentemente a ser enquadrados. Assim, para voltarmos ao nosso exemplo do Génesis, a serpente não é um bicho da terra nem um peixe do mar, mas tem as características de ambos. Por isso, na cultura judaico-cristã, ela tem significação em excesso, é semioticamente demasiado poderosa, e como tal tem de ser controlada pela sua transformação em tabu. Da mesma forma, a homossexualidade ameaça a clareza das categorias dos sexos e, numa sociedade como a nossa onde a identidade, sexual é tão crucial, ela é rodeada por todos os tipos de tabus, tanto morais como legais. O outro tipo de categoria anómala é aquele que é construído pela própria cultura para mediar entre duas categorias opostas, quando a fronteira se apresenta demasiado rígida, demasiado assustadora. É assim que muitas culturas medeiam entre os deuses e as pessoas, por intermédio de figuras anómalas (os anjos, Jesus Cristo) que comungam de ambas. Existem igualmente numerosas figuras mitológicas ou religiosas que medeiam entre os seres humanos e os animais (lobisomens, centauros e esfinges) e entre os vivos e os mortos (vampiros, zombis, fantasmas). Repetição estruturada Sendo o princípio da estruturação a forma fundamental de conferirmos sentido ao mundo, o estruturalismo procura estruturas paralelas para organizar de maneiras semelhantes partes aparentemente bastante diferentes da nossa existência cultural. Leach (1964), por exemplo, descobre um paralelismo entre a forma como conceptualizamos o nosso meio ambiente espacial, o nosso relacionamento com os animais e o nosso relacionamento com as pessoas. Detecta 159

categorias paralelas com anomalias paralelas entre si. Irei simplificar a sua análise de forma a evidenciar os principais aspectos. O espaço é categorizado em "a casa", "a quinta ou as proximidades" e "o mato". Os animais enquadram-se em categorias paralelas: "animais de estimação", "animais de quinta" e "animais selvagens". As pessoas são categorizadas de forma idêntica em "família", "os nossos vizinhos/a nossa tribo" e "os

29-09-2015 12:16

70 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

outros/estranhos". Mas, evidentemente, estas categorias nem sempre são adequadas, especialmente nas duas últimas áreas culturais. Assim, os animais que vivem na casa, mas que não são nem animais de estimação nem animais domésticos, são vermes, são tabu, e dotados de significação excessiva - os ratos e as ratazanas são particularmente repulsivos para muita gente. A categoria idêntica, no caso das relações humanas, é a dos parentes por afinidade, que não são nem família nem tribo, mas que têm características de ambos. Leach refere como a sogra é uma figura tipicamente tabu, ocupando no mundo humano a categoria que, no animal, seria ocupada pelos vermes. Da mesma maneira, entre. os animais da quinta e os selvagens encontra-se uma categoria anormal ocupada pelas raposas (na Grã-Bretanha), pelos coiotes (nos Estados Unidos) e pelos dingos (na Austrália). São selvagens, mas andam à volta das quintas e das casas e têm algumas características de animais domésticos, sobretudo dos cães. O equivalente humano são os "criminosos", que são uma mistura de características da "nossa tribo" e dos "outros/estranhos". Uma vez mais Leach chama a atenção para os papéis e atributos criminosos que tipicamente são atribuídos às raposas, coiotes e dingos nas histórias populares: eles são ladrões e típicos traidores da confiança. Existe também um conjunto de paralelos estruturais entre a comestibilidade dos animais e a elegibilidade dos humanos para o casamento: os animais de estimação não se comem, os membros da mesma família não se podem casar; os animais da quinta normalmente são bons para comer, os parceiros matrimoniais provêm normalmente da mesma tribo/vizinhança; os animais selvagens só se comem em ocasiões especiais, e só podem ser mortos por pessoas "autorizadas" em épocas "autorizadas" - todas as sociedades distinguem entre quem 160

pode e quem não pode caçar, e muitas estabelecem épocas próprias para a caça. A caça (animais selvagens comestíveis) é uma iguaria especialmente festiva. Do mesmo modo, o casamento entre pessoas de tribos diferentes só acontece em ocasiões especiais - muitas vezes para se fazerem alianças políticas ou rodeado de grandes preocupações quanto à sua anormalidade, como acontece na nossa sociedade com os casamentos inter-raciais. De modo idêntico, os animais das categorias anómalas habitualmente não são comidos, nem as pessoas de categorias equivalentes são consideradas como bons parceiros matrimoniais. Este é outro exemplo típico da lógica do concreto, na qual as categorias aparentemente normais de espaço e de espécie animal são usadas para naturalizar e para justificar, em primeiro lugar, as categorias mais culturais do parentesco e, em segundo, as categorias mais abstractas e altamente específicas das culturas, como a comestibilidade e a elegibilidade matrimonial. Rituais de passagem Os antropólogos estruturais defendem que a importância vital das fronteiras entre categorias produziu em todas as sociedades uma série de rituais de passagem destinados a facilitar a transição entre elas. Em geral, quanto maiores são as categorias que estão a ser transgredidas, mais elaborado e importante é o ritual. Assim, todas as sociedades têm rituais para dar sentido às passagens entre a vida e a não-vida, seja esta passagem a do nascimento ou a da morte. De igual modo, as passagens de solteiro a casado ou da infância à idade adulta têm rituais tipicamente elaborados para assinalar e dar sentido à transposição das fronteiras categoriais. Os rituais muito menos elaborados e rotineiros das saudações e das despedidas marcam as fronteiras entre a presença e a ausência. Estas passagens entre categorias são muitas vezes marcadas por períodos anómalos - a lua-de-mel, o velório e o luto, o período entre o nascimento e o baptismo -, que são sagrados por não pertencerem nem a uma categoria nem a outra: têm vestígios da que foi deixada para trás e indícios da que se vai seguir. Constituem períodos que ajudam os membros da sociedade a enquadrar as 161

suas situações provisoriamente irregulares de modo a que a transição não seja tão

29-09-2015 12:16

71 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

brusca e se torne desorientadora. Da mesma forma, em televisão, os genéricos dos programas ou as identificações das estações são formas de ritual de passagem. Eles permitem ao espectador ajustar-se às categorias em mudança entre, por exemplo, um concurso e um noticiário, ou entre o noticiário e a telenovela. Tipicamente, os genéricos antecipam a categoria do programa que se vai seguir - os genéricos dos vários programas noticiosos são de um tipo bastante diferente dos das telenovelas, que por sua vez diferem dos dos dramas de acção. Sem estes rituais de passagem, o fluxo televisivo de diferentes categorias de programas seria mais confuso. A lua-de-mel, igualmente, toma mais fácil o ajustamento das pessoas ao novo estatuto categorial de casal. As sequências de abertura e de fecho podem também ser vistas como o equivalente televisivo dos rituais de saudação e de despedida. A importância de assinalar, em televisão, algumas das fronteiras entre categorias é reconhecida, na Grã-Bretanha,. pela exigência de uma separação clara entre os programas e a publicidade, por meio de um écran em branco ou por um símbolo. Nos Estados Unidos essa exigência não existe, e é fácil misturarem-se programas e anúncios. A confusão do espectador daí resultante funciona, evidentemente, em proveito do anunciante, que deseja manter a "suspensão intencional do descrédito" com que um espectador assiste ao seu programa dramático preferido e não o quer ver substituído pelo cinismo e distanciamento que é mais adequado aos anúncios. A escolha das transposições de fronteiras a assinalar por rituais e das transposições a ignorar pode dizer-nos muito sobre as prioridades de uma sociedade: na Grã-Bretanha dá-se mais prioridade ao espectador/consumidor, nos Estados Unidos ao anunciante/produtor. Natureza e cultura Lévi-Strauss acreditava que uma das fronteiras fundamentais a que todas as sociedades tentam conferir sentido é a fronteira entre natureza e cultura. A cultura é o processo de produção de sentido que confere sentido não só à realidade 162 ou natureza exterior, mas também ao sistema social de que ela faz parte e às identidades sociais e actividades diárias das pessoas pertencentes a esse sistema. As ideias que temos de nós mesmos, das nossas relações sociais e da "realidade" são todas produzidas pelos mesmos processos culturais. Mas a maior parte das culturas não reconhece a continuidade entre a ideia que fazemos de nós mesmos e da sociedade, e a ideia que fazemos da realidade ou da natureza: estabelecem, em vez disso, uma distinção clara entre natureza e cultura, e tentam utilizar as significações ou categorias que lhes parecem ser inerentes à própria natureza para conferirem sentido a conceptualizações obviamente culturais. Há aqui um movimento duplo, contraditório: as culturas diferenciam-se da natureza de forma a estabelecerem a sua própria identidade, e depois legitimam essa identidade voltando a compará-la com a natureza, estabelecendo-a como mais "natural" do que cultural. A natureza é, então, a realidade nua e crua que nos rodeia; por mais inacessível que ele seja nos seus próprios termos, o "natural" é o sentido que uma cultura confere à natureza: o natural é um produto cultural, a natureza uma realidade pré-cultural. No seu livro The Raw and the Cooked (1969), Lévi-Strauss analisa o significado da comida e da culinária como processos culturais, e alarga depois essa análise de forma a fazê-la funcionar como uma metáfora para um leque muito vasto de transformações culturais. A comida é uma categoria anómala particularmente poderosa, pois cruza constantemente as fronteiras categoriais fundamentais entre natureza e cultura, entre o eu e o não-eu, entre o mundo interior e o exterior. Assim os momentos de significado cultural crucial são quase sempre marcados por cerimoniais gastronómicos, e o processo culinário pelo qual a comida crua é transformada em cultura cozinhada é um dos processos culturais mais importantes. Este processo começa, conceptualmente, antes de qualquer transformação instrumental, pois todas as culturas dividem a natureza em "comestível" e "não comestível" embora, evidentemente, todas coloquem objectos diferentes em cada categoria. O estômago humano é capaz de digerir quase tudo, portanto a distinção entre "comestível" e "não comestível" não tem qualquer base fisiológica, mas apenas uma base cultural. A importância

29-09-2015 12:16

72 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

163

desta distinção é evidenciada pela frequência com que a diferença ou a estranheza de outra sociedade é identificada pelo facto de ela considerar comestível algo que nós consideramos não comestível. É assim que os franceses são conhecidos pelos ingleses como comedores de rãs, e os escoceses como comedores de vísceras de carneiro; os árabes são estranhos porque comem olhos de carneiro, e os aborígenes porque comem lagartas. Esta transformação conceptual da natureza em cultura (a sua categorização no comestível e no não comestível) toma-se processo técnico da culinária. Todas sociedades humanas cozinham a sua comida embora, uma vez mais, o estômago humano seja capaz de a digerir crua. A culinária é uma transformação cultural, não uma necessidade material. A análise elaborada por Lévi-Strauss sobre os sistemas culinários é um exemplo extremo da metodologia estruturalista, e mostra alguns sinais de tensão (para uma explicação boa e simples dessa tensão ver Leach, 1970) mas, para os nossos intentos, a sua distinção mais relevante é entre cozer (ou fritar), por um lado, e assar (ou grelhar), por outro. Ele distingue também estes processos, como formas altamente culturais de transformar a comida, do processo mais natural do apodrecimento. Em termos gerais, defende que há uma relação inversa entre o grau de transformação cultural e o valor social atribuído à comida dela resultante. Assim, os alimentos cozidos são muito cozinhados - implicam simultaneamente utensílios e um agente como a água ou o óleo. Também são "democráticos" na medida em que a quantidade de comida aumenta. Assar, em contrapartida, é "aristocrático" - desperdiça comida, fazendo-a encolher e transforma-a menos porque apenas requer calor e não utensílios e agentes mediadores. Por isso valoriza-se, geralmente, muito a carne assada, que é comida pelos membros de alto estatuto de uma sociedade, em ocasiões de grande importância. Inversamente, a carne cozida ou guisada é pouco valorizada; ela é comida pelos membros da sociedade com baixo estatuto (especialmente mulheres, inválidos e crianças) e é mais uma comida de todos os dias do que um prato especial. Os alimentos apodrecidos têm muitas vezes o estatuto mais elevado de todos, porque são os menos transformados, os mais 164 naturais; por isso o queijo Stilton e a caça em putrefacção são gostos particularmente aristocráticos na nossa sociedade. Se bem que possamos obviamente encontrar excepções para a explicação de Lévi-Strauss a nível de pormenor, a um nível mais geral ela é útil para explicar uma transformação cultural básica, e para chamar a atenção para a relação entre o grau de transformação e o estatuto social do produto dela resultante. A estrutura do mito Para Lévi-Strauss o mito consiste numa história que é uma transformação local e específica de uma estrutura profunda de conceitos binariamente opostos, conceitos esses que são importantes para a cultura no seio da qual o mito circula. Os mitos mais poderosos e significativos agem como diminuidores da ansiedade, na medida em que lidam com as contradições inerentes a qualquer estrutura de oposições binárias e, embora não as resolvam (pois essas contradições são frequentemente em última análise, irreconciliáveis), providenciam no entanto uma forma imaginativa de vivermos e lidarmos com elas, evitando que se tomem demasiado perturbadoras e que produzam demasiada ansiedade cultural. A teoria do mito de Lévi-Strauss deve pelo menos tanto a Freud como a Saussure. Partindo de Saussure ele insistiu na estrutura paradigmática de oposições binárias (ver em seguida) e desenvolveu o argumento de que cada versão do mito - que deferirá necessariamente de outras versões - pode ser entendida como uma forma de parole, uma realização particular do potencial da estrutura profunda (ou lanque). Da mesma forma que o linguista saussuriano estuda várias paroles (que são tudo o que há para estudar) para chegar à estrutura subjacente da langue, também o mitólogo estuda as várias versões de um mito (que são também tudo o que é passível de estudo) para chegar à sua estrutura profunda. A partir de Freud, desenvolve a ideia de que a análise do mito é o equivalente cultural da análise dos sonhos de um indivíduo. Um sonhador saberá que está a sonhar, mas

29-09-2015 12:16

73 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

conhecerá apenas o significado superficial (muitas vezes absurdo) do sonho: o seu significado mais profundo, "real", só está ao alcance 165 do analista. Tal como os sonhos provêm de ansiedades e traumas por resolver que foram reprimidos pelo subconsciente do indivíduo, assim também os mitos provêm de ansiedades reprimidas e de contradições por resolver ocultas no consciente tribal ou cultural. A análise do mito é, pois, muito semelhante à análise do sonho, embora utilize uma metodologia estruturalista, já que tem mais a ver com as significações específicas das culturas do que com as significações específicas do indivíduo. Um exemplo simples tornará isto mais claro. Lévi-Strauss (1979) conta um mito norteamericano onde humanos e animais não se encontravam claramente diferenciados. O vilão do mito era o vento do sul, que era tão forte e frio que, quando soprava, tomava impossíveis as actividades normais. Assim os seres (humanos e animais) decidiram capturá-lo e domesticá-lo. O caçador vitorioso foi a raia (peixe grande e espalmado) que negociou com o vento a sua libertação na condição de ele concordar soprar apenas em dias alternados, deixando assim que em alguns dias os seres pudessem fazer a sua vida normal. Este mito apresenta a oposição entre os lados benigno e hostil da natureza, mas o que fascina Lévi-Strauss é a escolha da raia para heroína. Ele explica essa escolha afirmando que a presença e a ausência alternadas do vento ganham forma material na raia, pois a raia quando vista de lado é quase invisível (ausente), mas quando vista de cima ou de baixo é enorme (presente). Pela "lógica do concreto" a raia encarna a oposição entre natureza hostil e natureza benigna, entre a presença e a ausência do vento, mediando assim entre elas. O significado final do mito não reside, pois, na sua estrutura sintagmática ou narrativa, visto que os acontecimentos da expedição e da caçada propriamente ditas são elementos decorativos comparativamente superficiais e não precisam de voltar a ser contados. O significado final encontra-se na relação paradigmática de conceitos opostos, que é uma forma conceptual de estruturar e de assim conferir sentido ao problema real. A relação paradigmática da natureza hostil com a natureza benigna é transposta metaforicamente para o paradigma equivalente da presença ou da ausência do vento: a diferença 166

paradigmática recai então sobre a raia, que contém a diferença numa unidade final - ela é, afinal, um ser individual. Cada degrau do paradigma é, portanto, uma transformação metafórica que se desloca do abstracto para o concreto: o vento é uma metáfora da hostilidade ou benignidade da natureza, e a raia uma metáfora concreta da presença ou ausência do vento. O analista do mito usa, portanto, métodos freudianos e saussurianos para chegar aos problemas profundos que têm a ver com uma sociedade e com os meios através dos quais os mitos estruturam e medeiam esses problemas e fazem circular na sociedade as suas maneiras de pensar. A estrutura da cultura de massas Nas sociedades industriais é frequente considerar-se que os mass media desempenham uma função equivalente à do mito em sociedades tribais, orais. Assim, as teorias de Lévi-Strauss podem ser aplicadas aos mass media contemporâneos, tanto nos seus aspectos ficcionais como factuais. Desse modo, todos os episódios de uma série de televisão podem ser vistos como várias paroles da sua estrutura profunda, ou langue. Esta noção também pode ser alargada de modo a que cada exemplo de um género possa ser visto como 167

uma realização determinada do potencial da sua estrutura profunda. Vistos desta forma, todos os filmes de cow-boys seriam versões específicas do mesmo mito do westem ou, por outras palavras, a mesma estrutura profunda de conceitos binariamente opostos pode gerar um número infinito de western individuais. Assim, também a estrutura profunda de uma série de televisão pode gerar um número infinito de episódios, ou a estrutura profunda da primeira página de um jornal pode

29-09-2015 12:16

74 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

gerar um número infinito de manchetes e fotografias possíveis. Este é um aspecto paralelo à forma como uma lanque pode gerar um número infinito de paroles. Apliquemos esta noção de duas maneiras ligeiramente diferentes, analisando primeiro um westem, The Searchers, e depois a primeira página de um jornal. Aplicação 1: "The Searchers" The Searchers começa com a filmagem de uma casa isolada na paisagem árida do oeste selvagem. As cenas iniciais são dominadas pelo "doméstico", pelos pormenores da vida do dia-a-dia executados na sua maioria por mulheres e crianças. Depois, através da porta aberta da casa, mostram-nos a figura distante de um cavaleiro, recortada na paisagem. Ele aproxima-se, desmonta, a família vai ao seu encontro e ficamos a saber que ele é o tio Ethan (protagonizado por John Wayne), que esteve ausente durante muitos anos. É convidado a entrar e junta-se à família para jantar. Durante a refeição aparece outro cavaleiro visto também à distância, através da porta aberta da casa; galopa e desmonta à maneira índia e não à maneira dos brancos, ou seja, rodando a perna por cima do pescoço do cavalo e não por cima do dorso. Este junta-se com a família à mesa, e é confrontado com um olhar duro de Ethan e com o comentário (que em 1980 seria de um racismo inaceitável): "Era capaz de te confundir com um mestiço". Ficamos a saber que ele é Mark, que tinha um bisavô Cherokee na família. Estes breves primeiros minutos do filme estabeleceram a estrutura de oposições binárias subjacente a toda a narrativa (e ao género). O resto da narrativa diz respeito a um ataque índio à casa, ao rapto da filha, a jovem Lucy, e à 168 subsequente busca levada a cabo por Ethan e Mark que casualmente a salva, trazendo-a de volta à família para um casamento feliz. As cenas de abertura acentuam a oposição binária da casa e da paisagem, que depressa se estabelece como uma transformação concreta das oposições mais abstractas entre o Este desenvolvido e o Oeste "em bruto", entre brancos e índios, entre a lei/ordem e a anarquia, entre humanidade e crueldade e, de forma mais problemática, entre feminilidade e masculinidade, entre a sociedade e o indivíduo. Evidentemente, em última análise, a oposição a nível de estrutura profunda é entre cultura e natureza. As significações que derivam desta oposição são, claro está, as pertinentes para uma sociedade branca, patriarcal, capitalista, imperialista e expansionista que vê a natureza como uma fonte em bruto, a ser colonizada e explorada até ao limite. Podemos esquematizar a estrutura como na figura : Dentro de casa / Fora de casa A casa / A paisagem A família /O indivíduo Mulheres (e crianças) / Homens Brancos / índios Lei e ordem / Anarquia Paz / Guerra Civilização / O selvagem primitivo Cristianismo/ Paganismo Feminilidade/ Masculinidade Progresso / Estagnação OESTE /O OESTE Humanidade / Crueldade Fertilidade / Aridez Segurança / Perigo Educação (conhecimento) / Ignorância Bem / Mal CULTURA / NATUREZA Personagens anómalas ou mediadoras: Herói (Ethan) Anti-herói / ajudante (Mark)

29-09-2015 12:16

75 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

169

Há várias questões a frisar a respeito desta análise estrutural. Embora seja basicamente derivada a partir do estudo de um só mito, ela depende do conhecimento que temos de outros mitos do género, quanto mais não seja ao nível da verificação das categorias, pois uma categoria não pode ser válida se não for capaz de gerar todos os outros mitos do westem. É claro que cada história de western não tem que referir especificamente cada uma das oposições binárias - a professora primária (educação/ignorância) está muitas vezes ausente, apesar de o xerife (lei e ordem/anarquia) estar quase sempre presente e de o pregador (cristianismo/paganismo) ser incluído com frequência. Dividi esta estrutura em três grupos de valores principais. O primeiro é o dos elementos reais e concretos nesta narrativa específica. O segundo é o dos valores específicos do capitalismo patriarcal branco, que adquirem forma concreta no primeiro grupo e que conferem aos elementos desse grupo as suas significações culturais específicas - as quais, de facto, permitem que os pormenores concretos operem miticamente, para além do nível das instâncias específicas. O segundo grupo pode incluir-se nas significações de ESTE e OESTE (dos EUA). O terceiro grupo consiste nos valores que aparentemente pertencem a um sistema de valores universal e portanto natural, que é o da moralidade do BEM/MAL e dos modos como ela se manifesta em instâncias locais. Estes realizam-se nos valores mais específicos de cada cultura e, por sua vez, actuam para os naturalizar, isto é, para fazer com que eles pareçam localizar-se mais na natureza do que na cultura. É claro que é importante perceber que os valores deste terceiro grupo são, em última análise, específicos das culturas, mas foi-lhes conferido o estatuto do "natural" e assim pode fazer-se com que pareçam pertencer mais à natureza do que à cultura. Esta estrutura mostra, portanto, como os objectos e acontecimentos reais de uma narrativa se relacionam em dois sentidos com a sua estrutura profunda. Em primeiro lugar, agem como exemplos reais -logo imutáveis - de conceitos culturais mais abstractos, e por isso problemáticos: baseiam o abstracto no concreto, o cultural no natural. Em segundo lugar, eles próprios adquirem significância pela sua relação com a estrutura profunda de categorias culturais 170 abstractas e gerais: são transferidos do acaso para o estruturado e, desse modo, do sem-sentido para o significativo. Sabemos o que os objectos, as pessoas e os acontecimentos da narrativa significam (mesmo que não o saibamos conscientemente), e muito do prazer que extraímos da narrativa deriva da nossa consciência da estrutura (e, assim, do sistema de significações) em que foram inseridos. Dentro da estrutura existe, pois, movimento bidireccional, ascendente e descendente, entre o concreto e o abstracto, entre a superfície e a profundidade, o que é característico de toda a narrativa mítica. Mas esta estrutura não deixa de ter os seus problemas. Uma cultura que abraçasse de todo o coração os valores do lado esquerdo do diagrama e negasse totalmente os do lado direito pareceria estéril e aborrecida e faltar-lhe-ia, de algum modo, motivação para se desenvolver. Assim, para dar um exemplo simples, o capitalismo depende do risco: não resultará se as pessoas jogarem sempre pelo seguro. Da mesma forma, a competitividade do sistema exige um certo grau de crueldade, de falta de preocupação com o perdedor. Na narrativa, os índios são mais cruéis do que os brancos mas, na realidade, a sociedade dos brancos, com o seu imperialismo racial, foi muito mais cruel para com os índios do que o contrário. Os problemas quanto à simplicidade desta estrutura situam-se muito claramente em torno das categorias de "masculinidade" e de "indivíduo". As contradições imediatas são, aqui, as de que a masculinidade e o indivíduo surgem no lado negativo da estrutura, ao passo que numa cultura patriarcal, capitalista e burguesa, deveriam surgir no lado positivo. Mas, evidentemente, os valores do lado negativo da estrutura não são totalmente negativos, tal como os do outro lado não são totalmente positivos. Os conceitos de masculinidade e de indivíduo precisam de alguma da tempestuosidade, da crueldade e da amoralidade da natureza: civilização em demasia,

29-09-2015 12:16

76 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

factores sociais a mais, podem ser debilitantes ou efeminizantes. Assim, se bem que o papel do feminino no western seja o de socializar ou domesticar o masculino, isso nunca é visto como incondicionalmente bom ou positivo. Daí a necessidade do herói anómalo do western como os que John Wayne protagoniza, combinando muitos valores de ambos os lados da estrutura. Ele é um indivíduo que 171

actua do lado da sociedade (mas que se afasta sempre, a cavalo, solitário e livre, de regresso à natureza quando passam as últimas imagens); ele surge na casa vindo da paisagem, e regressa à natureza e ao pôr-do-sol, no fim da narrativa. Na natureza ele está no seu ambiente, tal como o índio; ele é ao mesmo tempo selvagem e civilizado, primitivo e desenvolvido, "índio" e "branco". O herói é miticamente tão poderoso e narrativamente tão bem sucedido porque extrai a sua força semiótica de ambos os lados da estrutura. O herói medeia as contradições entre natureza e cultura: não as resolve, por que elas são, em última análise, irreconciliáveis, mas encarna uma maneira de as gerir e estruturar que é pertinente para uma dada sociedade num dado momento. John Wayne medeia estas contradições nos anos 50 e 60 como Clint Eastwood medeia, de maneira bastante diferente, as das décadas mais cínicas de 70 e 80. As alterações no herói do westem fazem parte de uma mudança dos significados do progresso, do imperialismo, do capitalismo, do bem e do mal na sociedade. Lévi-Strauss pega muitas vezes em mitos aparentemente não relacionados de tribos aparentemente não relacionadas, e demonstra que eles assentam na mesma estrutura profunda; conclui, não que os mitos viajam facilmente e que uma tribo vai buscar mitos a uma outra, mas sim que as ansiedades e problemas comuns a respeito da relação entre cultura e natureza, seres humanos e deuses, morte e vida, nós e eles, etc., têm que produzir um conjunto profundamente estruturado de oposições binárias que são comuns e que, por isso, geram mitos cujas diferenças são meramente superficiais. Trata-se de uma teoria e de uma metodologia que procura uma unidade organizadora subjacente a uma aparente diversidade. A capa do Weekly World News é, à primeira vista, uma colecção de histórias não relacionadas; mas um olhar mais atento revela uma estrutura profunda subjacente. As duas histórias principais permitem-nos investigar essa estrutura. A prova científica da existência da alma e da vida 172

depois da morte é uma história estruturalmente semelhante à das lágrimas no quadro de Elvis: ambas partilham da mesma oposição binária profunda de VIDA/MORTE e das oposições culturais mais específicas, e por isso menos profundas, em que ela se transforma. Estas oposições incluem as da ciência/religião, da racionalidade/irracionalidade, do terreno/miraculoso, do cristianismo/paganismo e do natural/sobrenatural. Várias questões interessantes surgem a partir desta análise preliminar. A primeira é a de que estas oposições, são utilizadas para questionar e destruir os valores socialmente dominantes, não para os apoiar. Numa sociedade racionalista mas confessadamente cristã como a nossa, as relações entre ciência e religião são necessariamente tensas, e a nossa sociedade procura manter os dois domínios tão separados quanto possível. Mas quando eles entram mesmo em conflito directo, normalmente confere-se à ciência o maior valor por exemplo no debate criação/evolução ou nos casos de indivíduos cuja religião proíbe as transfusões de sangue ou tratamento médico. Contudo, nestas histórias a nossa posição é a de acreditar que as experiências e explicações que estão por detrás do poder da ciência produzem factos "verdadeiros" - pois a verdade é, de facto, uma construção social e a sua produção e circulação é fundamental para o exercício do poder na sociedade. As verdades científicas podem não ser "melhores" do que as verdades religiosas, mas têm muito mais poder e aceitação social.

29-09-2015 12:16

77 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Portanto a "ciência" recusa-se normalmente a aceitar a existência da alma, como recusa a "verdade" de que os quadros podem chorar. Estas histórias contradizem as normas dominantes; uma convida-nos a colocarmo-nos do lado da ciência "anormal" (e do cristianismo) contra a ciência normal e a outra a colocarmo-nos do lado da superstição pagã contra o cristianismo. Em cada uma das histórias tomamos o lado do "conhecimento" não oficial ou menos poderoso. O facto do cristianismo mudar de posição (é socialmente menos poderoso do que a ciência, mas mais poderoso do que o paganismo) não é importante - a relação estrutural entre as "verdades" mais e menos legítimas mantém-se a mesma e é isso que conta para o estruturalismo. Qualquer unidade pode mudar de lugar dentro do sistema, em conformidade com 174

as outras unidades com as quais se relaciona, sem perturbar a estrutura do sistema. Assim, "cristianismo" pode mudar a sua posição de "socialmente menos poderoso" (em relação à ciência) para "socialmente mais poderoso" (em relação ao paganismo). A história das lágrimas no quadro de Elvis opõe-se ao cristianismo, porque Cristo propõe a verdade de que tais "milagres" são exclusivos de Deus, de Cristo e dos santos - uma categoria que normalmente não inclui artistas pop. As histórias do psíquico que faz o rio correr para trás e dos (possíveis) extraterrestres entre os nossos antepassados também comungam da estrutura profunda - o normal contra o anormal, a razão científica contra o inexplicável. O mesmo acontece também, embora menos obviamente, com a história do marido infiel, pois neste caso a razão e a ciência estão personificadas nas leis da probabilidade, enquanto a coincidência e o acaso são produtos de um sistema inexplicável que está para além da racionalidade. As duas histórias mais comuns (a da mãe que socorre a sobrinha e a da rapariga que nada até morrer) tratam ainda de assuntos de vida e morte, embora mais ao nível físico do que espiritual, e com normas socialmente dominantes. Cada uma delas é vista como anormal. A mãe de pistola em punho a salvar a sobrinha de um raptor inverte as normas sociais do masculino e do feminino, e do público (ou oficial) e do privado (ou individual). Ela está a desempenhar funções normalmente reservadas aos homens e à polícia; está duplamente destituída de poder (por ser uma mulher e por ser um indivíduo particular) e no entanto vence, contra as normas sociais. Esta história questiona as normas sociais, invertendo-as. A outra questiona as normas, excedendo-as. O desporto é incentivado oficialmente porque promove valores socialmente desejáveis; portanto uma história onde as normas de comportamento "zeloso" (no desporto ou no trabalho) são excedidas ao ponto de causar a morte leva-as a serem questionadas. A história conta-nos que a rapariga trabalhava demais para o seu treinador, com um paralelismo implícito com o trabalhador que trabalha demais para o patrão. O excesso questiona sempre a normalidade daquilo que é excedido. Toda esta primeira página é excessiva e 175 a sua excessividade convida a um agradável cepticismo, de modo que o nosso descrédito quanto às experiências e explicações "oficiais" se propaga ao próprio Weekly World News - somos tão cépticos em relação a estas histórias como quanto às normas sociais que elas expõem. Esta página desempenha, pois, uma função mítica para os destituídos e alienados da América contemporânea. As normas sociais e os valores que elas comportam estão representados em conceitos tão poderosos como a ciência, a razão e o natural, e são desafiados por valores menos legitimados, que atraem os subjugados quanto mais não seja por oferecerem maneiras de questionar um sistema que os desfavorece. Uma forma de lidar com um sistema social que desfavorece a pessoa é o descrédito, o cepticismo geral em que tudo é objecto de uma certa dúvida. A estrutura mítica subjacente às diversas histórias desta página terá, então, a configuração apresentada: Ciência / Religião Racionalidade / Irracionalidade O explicável / O inexplicável Cristianismo / Paganismo O terreno / O milagroso

29-09-2015 12:16

78 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

O natural / O sobrenatural O físico/ O psíquico Probabilidade /Coincidência Esforço excessivo / Esforço normal Masculino / Feminino O público / O privado O oficial / O individual O poderoso / O fraco Natureza/sociedade / Natureza Morte / Vida O peso político e social desta estrutura reside na relação das oposições profundas "universais" de CULTURA/NATUREZA e MORTE/VIDA com as oposições social e historicamente mais específicas em que se transformam. Esta relação é o inverso daquilo que se poderia esperar, na medida em 176 que os conceitos de NATUREZA e VIDA alinham do lado dos fracos e dos desfavorecidos. O sistema social, que os destitui, é apresentado como não natural e inadequado, e os valores, que ele desdenha, são apresentados como os mais positivos e os mais "verdadeiros", porque são os que mais se aproximam de um sentido da natureza que a nossa sociedade nega em nome da razão científica. Mito e valores sociais Uma análise do Weekly World News nestes moldes transporta as ideias de Lévi-Strauss até um território em que ele nunca se aventurou - o das diferenças sociais, sobretudo ( mas não exclusivamente) as de classe. Estas são mais importantes para as teorias do mito de Barthes embora, uma vez mais, a nossa análise contradiga a definição central que Barthes dá do mito nas sociedades capitalistas e que é a de que, com muito poucas excepções, ele promove e serve os interesses das classes dominantes. As teorias do mito de Barthes e Lévi-Strauss são, em muitos aspectos, diametralmente opostas. Para Lévi-Strauss mito é uma narrativa que é reconhecida como um mito mesmo que as suas significações não sejam negociadas conscientemente pelas pessoas que o usam. Para Barthes, o mito é uma cadeia associada de conceitos: as pessoas podem muito bem estar conscientes das significações dessa cadeia, mas não do seu carácter mítico. Para Barthes, o mito disfarça a sua própria actuação e apresenta as suas significações como sendo naturais; para Lévi-Strauss ele opera abertamente, sendo as suas significações aquilo que está oculto. Para Barthes o mito baseia-se nas classes: as suas significações são construídas por e para os socialmente dominantes, mas são aceites pelos subjugados mesmo quando vão contra os seus interesses, pois foram "naturalizados". Lévi-Strauss considera que o mito trata de ansiedades e problemas partilhados por toda a sociedade e, em última análise, pela raça humana. O facto de ele negligenciar as diferenças de classe pode explicar-se pelo material que 177 usa, e que são os mitos das sociedades tribais, enquanto Barthes se debruça sobre os mitos capitalistas dos finais do século XX. Ambos os teóricos vêem o mito como uma forma de linguagem, como uma maneira de fazer circular significações na sociedade, mas também aqui se notam diferenças. Barthes considera a linguagem como dominada pelas classes - para ele os recursos linguísticos não estão distribuídos mais equitativamente do que os recursos económicos - e concentra-se tanto no discurso (parole) como na língua (Iangue), pois interessa-se tanto pelo modo como a linguagem é usada, como pelo potencial abstracto do seu sistema. Lévi-Strauss, por seu lado, interessa-se mais pelos sistemas através dos quais a linguagem estrutura todos os nossos pensamentos e significações. Ele é mais genuinamente saussuriano ao rejeitar a história e a especificidade social como mais superficiais, e por isso menos significativas, do que a natureza não-histórica e universal do próprio sistema. Barthes tende a considerar isto como garantido, e concentra-se nos usos sociais e

29-09-2015 12:16

79 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

históricos do sistema. Lévi-Strauss baseia o seu argumento na estrutura do cérebro humano; Barthes na estrutura das sociedades capitalistas,. Mas nenhum deles estava directamente interessado na política dos sexos e nas diferenças raciais. A análise do Weekly World News revela o mito do subjugado e amplia assim tanto as teorias de Lévi-Strauss como as de Barthes. Revela também que a subjugação está tão ligada ao sexo como à classe. Ao lermos as histórias, esse elo torna-se mais forte. O treinador que atira a nadadora para a morte era homem; foram mulheres que viram as lágrimas de Elvis no quadro. As sociedades capitalistas também são patriarcais: os homens beneficiam de poder económico e de poder sexual. Ler o mito é ler valores sociais, mas estes valores não servem igualmente todos os membros da sociedade e assim, nas sociedades capitalistas patriarcais, o mitólogo explora o papel desempenhado pelas significações na distribuição do poder na sociedade, e esse poder baseia-se tanto na classe como no sexo. O estruturalismo ensina-nos a procurar as estruturas profundas subjacentes a todos os sistemas culturais e de comunicação. Também nos permite demonstrar que os vários sistemas sociais e culturais que utilizamos para organizar e dar sentido às nossas vidas não são fortuitos ou desligados uns dos outros, mas análogos entre si (o sistema social do capitalismo patriarcal é análogo à estrutura do The Searchers - e à do género do western - como é análogo à estrutura do Weekly World News). Como tal, coloca a comunicação (isto é, a geração e circulação sociais de significação) no centro de qualquer sociedade. Linguagem, mitos e sistemas simbólicos são o centro da atenção, dos estruturalistas, pois fornecem perspectivas únicas sobre a maneira como uma sociedade se organiza e sobre as formas dos seus membros darem sentido a si mesmos e à sua experiência social. Sugestões para trabalho adicional 1. Considere um westem com Clint Eastwood. e analise-o estruturalmente, de modo idêntico à análise que neste capítulo fizemos do The Searchers. Quais os pares de oposições binárias comuns aos dois filmes? Poderá a comparação que fez das duas estruturas ajudá-lo a explicar as diferenças entre os heróis típicos das representações de John Wayne e os de Clint Eastwood? Kottak (1982) apresenta uma comparação estrutural de The Wizzard of Oz e de Star Wars que poderá revelar-se útil como modelo. 2. Analise a página de Seventeen ( pág. 237) nos moldes em que a página do Weekly World News foi aqui analisada. O que é que a comparação das duas lhe permite deduzir a respeito das suas diferentes leituras e das suas situações sociais? 3. Compare as teorias do mito de Barthes e de Lévi-Strauss. Podem ser combinadas ou serão irreconciliáveis? Pegue num exemplo da cultura contemporânea e aplique cada uma das teorias na sua análise; compare os resultados. 4. Use métodos estruturalistas para analisar um lugar popular como um texto. Entre os lugares típicos podemos incluir a praia, um centro comercial ou um hipermercado, um monumento nacional, um parque. Fiske, Hodge e Turner (1987) e Fiske (1989b) dão alguns exemplos úteis. 179

8 MÉTODOS EMPÍRICOS Está agora delineada a teoria básica da semiótica e do estruturalismo, e as suas aplicações ilustradas. A semiótica é essencialmente um tratamento teórico da comunicação, na medida em que o seu objectivo é estabelecer princípios amplamente aplicáveis. Interessa-se pela forma como a comunicação se realiza, pelos sistemas da linguagem e da cultura e, sobretudo, pela relação estrutural entre sistema semiótico, cultura e realidade. É por isso vulnerável à crítica, que a acusa de ser demasiado teórica, demasiado

29-09-2015 12:16

80 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

especulativa, e de que os semiologistas não fazem qualquer tentativa para provarem ou refutarem as suas teorias de uma maneira objectiva, científica. Pode também ser criticada com base na ideia de que as provas que usa para apoiar ou ilustrar as teorias são altamente selectivas. Os críticos dirão que escolhi os exemplos do capítulo 6 porque eles fornecem ilustrações incaracteristicamente claras das teorias que estava a apresentar. E, além do mais, como posso saber que as leituras que fiz ocorrem de facto? Poderei ter a certeza de que ofereci algo mais do que a minha descodificação pessoal e, por isso, possivelmente idiossincrática? O empirismo Estes críticos afirmariam que a semiótica não dispõe de uma base de provas empiricamente validada sobre a qual apoiar a sua teoria. Os objectivos do 181

empirismo são: reunir e categorizar os factos ou dados objectivos sobre o mundo; formar hipóteses para os explicar; eliminar deste processo, tanto quanto possível, qualquer parcialidade ou elemento humano; conceber métodos experimentais para testar e provar (ou refutar) a fiabilidade dos dados e das hipóteses. O empirismo difere

fundamentalmente da semiótica porque:

a) é dedutivo em vez de indutivo; b) pressupõe uma realidade universal, objectiva, passível de estudo; c) pressupõe que o ser humano é capaz de divisar métodos para estudar objectivamente essa realidade; d) pressupõe que as hipóteses que explicam essa realidade podem ser provadas ou refutadas. Por outras palavras, o empirismo encaixa perfeitamente na imagem do mundo de senso comum, baseada na ciência, em que a nossa sociedade ocidental, tecnológica e materialista, assenta. Não é agora o momento para analisar os méritos relativos às concepções da realidade empírico-dedutivas ou teórico-indutivas. 0 que pretendo fazer neste capítulo é mostrar algumas formas, empíricas de estudar áreas semelhantes às áreas estudadas semioticamente nos últimos capítulos. A primeira é a da análise do conteúdo. A análise do conteúdo A análise do conteúdo destina-se a produzir uma explicação objectiva, mensurável, verificável, do conteúdo manifesto das mensagens. Analisa a ordem de significação denotativa. Funciona melhor a grande escala: quanto mais tiver que analisar, mais exacta é. Opera através da identificação e contagem de unidades escolhidas num sistema de comunicação. Assim, se eu vir todos os dramas televisivos durante um certo período e contar o número de homens e de mulheres que aparecem, verificarei que o número de homens excede o das mulheres numa relação de pelo menos de dois para um. Isto é uma análise do conteúdo. As unidades contadas podem ser o que o pesquisador 182 deseje investigar: os únicos critérios são os de que elas devem ser facilmente identificáveis e que devem ocorrer com frequência suficiente para os métodos de análise estatística serem válidos. Kennedy e Nixon

29-09-2015 12:16

81 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

As palavras são muitas vezes contadas. Paisley (1967) contou o número de vezes que Kennedy e Nixon usaram determinadas palavras nos seus quatro debates televisivos durante a campanha eleitoral de 1960. O uso que faziam das palavras "Tratado'', "ataque" e "guerra" revelaram diferenças interessantes. Os dados do quadro 2 apontam com alguma evidência para a conclusão de que a atitude de Nixon era mais belicosa e a de Kennedy mais conciliadora. A análise do conteúdo tem que ser não-selectiva: deve abranger toda a mensagem ou sistema de mensagens, ou uma amostra correctamente constituída. Contrasta explicitamente com formas mais literárias de análise contextual que seleccionam determinadas áreas da mensagem para estudo especial, ignorando outras. Professa uma objectividade científica. Quadro2 Kennedy e Nixon: frequência das palavras Frequência de utilização em 2500 palavras: Palavra Kennedy Tratado Ataque Guerra

14 6 12 Nixon

Tratado Ataque Guerra

4 12 18

As mulheres na televisão Este pode ser um teste útil sobre a forma mais subjectiva, selectiva, de normalmente recebermos as mensagens. Por exemplo, podemos sentir que as mulheres recebem um tratamento cruel na televisão. A análise do conteúdo permitir-nos-á fornecer uma certa verificação objectiva deste fenómeno. 183 Seggar e Wheeler (1973) estudaram os estereótipos de trabalho na televisão de ficção e descobriram que as mulheres eram apresentadas num leque de ocupações muito mais restrito do que os homens . Dominick e Rauch (1972) encontraram o mesmo estereótipo ocupacional num estudo de anúncios. Os empregos retratados podem ter sido diferentes; a semelhança residia no facto de as mulheres continuarem a desempenhar um leque de ocupações muito mais restrito do que os homens (ver quadro 4). Constataram também que, nos anúncios, as mulheres eram essencialmente criaturas ligadas à casa: eram apresentadas dentro de casa duas vezes mais do que fora, e cinco vezes mais do que num ambiente de escritório. Apenas 19% das suas aparições eram fora de portas, contra 44% de aparições masculinas. Gerbner e Gross (1976) verificaram que, em dramas televisivos, a probabilidade de as mulheres terem como tema principal uma questão familiar, romântica ou sexual era muito maior do que no caso dos homens. Constataram, por exemplo, que: - uma em cada três personagens principais masculinas é casada ou pretende casar; - duas em cada três personagens principais femininas são casadas ou pretendem casar; - uma em cada cinco personagens masculinas pertence à faixa etária sexualmente elegível; - uma em cada duas personagens femininas pertence à faixa etária sexualmente elegível. Talvez paradoxalmente, a análise do conteúdo pode também ser usada para estudar tanto a forma como o conteúdo. Por exemplo, Welch et al. (1979) comparam o estilo dos anúncios televisivos de brinquedos para rapazes com os dos anúncios de brinquedos para

29-09-2015 12:16

82 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

raparigas. Verificaram que os anúncios para rapazes eram mais "activos" na medida em que tinham mais cortes, e por isso mais filmagens por 30 segundos, e que cada filmagem tinha mais probabilidades de mostrar movimento activo. Concluíram que até o 184 Quadro 3 Cinco das ocupações mais frequentemente representadas na televisão americana segundo raça e sexo: Nota: os números referidos são em percentagem. Negros Homens Ocupação (N = 95) Diplomata do governo Músico 13,7 Polícia 9,5 Guarda 9,5 Exército 9,5 Total 56,9

18,9

Britânicos (N =104) Guarda 13,5 Músico Criado Médico Exército

11,5 7,7 4,8 4,8

Total

42,3

Americanos Brancos (N=1112) Médico 7,6 Polícia 7,6 Músico 4,8 Exército 4,6 Diplomata do governo 4,5 Total

29,1

Mulheres Ocupação Negras (N=20) Enfermeira Palco/Dançarina Música Diplomata do governo Advogada Secretária Total Britânicas (N=17) Enfermeira Secretária Criada Diplomata do governo Actriz

30,0 15,0 5,0 5,0 5,0 5,0 65,0

41,2 11,8 5,9 5,9 5,9

29-09-2015 12:16

83 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Total

70,0

Americanas (N=216) Secretária Enfermeira Palco/Dançarina Criada Modelo Total

15,4 15,0 8,1 6,5 5,0 50,0

N = número real da amostra O estilo dos anúncios ajudava a socializar os rapazes no sentido de adoptarem uma atitude mais activa, e as raparigas uma atitude mais passiva e estática. O que estes exemplos mostram é que muito do interesse da análise do conteúdo deriva da escolha da unidade a ser contada, e que esta contagem deve envolver uma comparação. 185

Quadro 4 Ocupações dos homens e das mulheres em anúncios de televisão Mulheres (N = 230) Dona de casal/ mãe 56 Hospedeira de bordo 8 Modelo 7 Celebridade/cantora/dançarina 5 Cozinheira/criada/empregada 3 Secretária/empreg. de escrit. 3 Outros empregos com menos de 5%

Homens (N = 155) Marido/pai 14 Atleta profissional 12 Celebridade 8 Trabalhador da construção 7 Vendedor 6 Homem de negócios 6 Piloto 6 Criminoso 5 Mecânico 3 Advogado 3 Entrevistador de TV/rádio 3 Outros empregos com menos de 5% Se me concentrei na análise do conteúdo da representação em termos de diferença sexual, fi-lo apenas como um exemplo. O leque de unidades que podem ser contadas é quase infinito. Por exemplo, Dallas Smythe (1953) constatou que o drama televisivo apresentava muito pouco os idosos (com mais de 60 anos) e os jovens (com menos de 20 anos). Verificou que a apresentação dos empregos intelectuais era predominante, em consequente detrimento dos empregos da classe operária. A obra de De Fleur (1964) confirmou esta descoberta. Sidney Head (1954) constatou que, no drama televisivo, 68% da população era masculina, e que apenas 15% pertencia às classes baixas. Comparou o crime no mundo da televisão com o crime na sociedade e verificou que o assassínio constitui 14% dos crimes no mundo da televisão, mas apenas 0,65% no mundo real. A violação é mais frequente do que o assassínio na vida real, mas nunca ocorria no mundo da televisão. Gerbner (1970) também descobriu uma diferença entre o crime na vida real e o crime na televisão: por exemplo, a violência na televisão acontece geralmente entre estranhos, por questões de lucro, poder ou dever, enquanto, na vida real, ela

29-09-2015 12:16

84 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

ocorre entre pessoas próximas, por motivos de fúria, frustração ou vingança. 186 As greves e os media O Glasgow Media Group (1976, 1980) analisou a cobertura das notícias industriais feitas pela televisão. Uma das suas muitas descobertas interessantes foi a cobertura desproporcionadamente grande dada às greves na indústria motorizada, transportes e administração pública e, paralelamente, a pouca cobertura das greves no sector da construção civil (ver quadro 5). Quadro 5 As grandes áreas de contestação industrial cobertas pela televisão, expressas numa percentagem da contestação total coberta (Janeiro-Maio 1975) Categorias da indústria: Veículos motorizados Transportes Administração pública Total Construção civil N = 805

28,0 27,0 22,2 77,2 5,3

Antes de comentarmos estes números, temos que investigar uma causa simples e óbvia. Será que este padrão de reportagem foi um simples reflexo de um padrão da realidade? Por outras palavras, houve realmente mais greves nestas indústrias do que noutras? O quadro 6 mostra que não foi esse o caso.Quadro 6 Comparação entre as principais contestações e as reportagens televisivas N1 de paralisações registadas pelo Ministério do Emprego Indústria : Construção civil 6 Construção naval 1 Veículos motorizados 7 Outras manufacturas 1 Transportes e comunicações 2 Diversas 1 Administração pública 2 Total 20 N1 de greves noticiadas nos jornais televisivos construção civil construção naval veículos motorizados Outras manufacturas Transportes e comunicações Diversas Administração pública Total 187

1 5 2 1 2 11

O quadro dá-nos apenas números relativos às contestações principais. O Glasgow Media Group pensa que os números para todas as paralisações, para o total de dias de trabalho perdidos e para o número total de trabalhadores envolvidos revelam a mesma concentração desproporcionada em três indústrias. O quadro 7 apresenta uma abordagem diferente. Nele comparam-se as estatísticas do Ministério do Emprego com as reportagens da Associação de Imprensa (isto é, o material disponível para publicação/emissão) com o que foi publicado na imprensa e na televisão. A análise do conteúdo revela a existência de distorção mediática, sendo a cobertura da televisão mais desproporcionada do que a da imprensa, embora as ordens hierárquicas dos dois meios de comunicação sejam as mesmas. O que a análise do conteúdo não pode fazer é ajudar-nos a responder à pergunta "porquê". Ela não vai ao ponto de nos dizer se este padrão reflecte a íntima relação de

29-09-2015 12:16

85 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

amor-ódio do público britânico com os automóveis e com as suas autoridades locais, ou se reflecte as crenças dos editores dos media nessa relação, ou se reflecte simplesmente uma inquestionável adesão à tradição jornalística segundo a qual algumas áreas são "notícia" e outras não. O futebol na televisão Os dramas, os noticiários, as actualidades, são todos compostos por unidades claramente contáveis. O futebol na televisão pode parecer menos passível de aplicação deste método, mas Charles Barr (1975) obteve alguns resultados interessantes ao comparar o estilo da apresentação alemã do Campeonato do Mundo de Futebol de 1974 e o estilo do Match of the Day da BBC. O que ele decidiu contar foi a frequência com que um grande plano era inserido na filmagem de base, mais ampla, abrangendo cerca de um oitavo de campo. O tempo médio que se levou para registar 50 grandes planos foi: Televisão alemã 12 minutos e 45 segundos Match of the Day da BBC 6 minutos e 57 segundos 188

A diferença pode ter sido originada pelo facto de o Match of the Day ser uma gravação montada dos momentos altos, e de esses momentos altos serem naturalmente filmados em grandes planos. Esta hipótese pressupõe que os momentos mais calmos, de jogo a meio do campo, são mostrados à distância, enquanto os dramas à boca da baliza, os livres, as discussões, os cantos, etc., são mostrados em grande plano. Para testar este fenómeno, Barr fez uma análise do conteúdo do que era mostrado em grande plano. Estudou 25 grandes planos em três jogos apresentados pela televisão alemã e em dois programas de o Match of the Day para determinar se os grandes planos eram usados quando a bola estava dentro ou fora de jogo. Os resultados médios obtidos são os que constam no quadro 8. Quadro 8 Uso de grandes planos na cobertura televisiva do futebol Grandes planos com: a bola em jogo Televisão alemã 7 Match of the Day da BBC

16,5

a bola fora de jogo: Televisão alemã 18 Match of the Day da BBC 8,5 em 25 grandes planos Uma análise mais pormenorizada mostrou que a diferença era ainda mais acentuada. Num jogo da televisão alemã, em nove grandes planos consecutivos, mostrando a bola em jogo, apenas um mostrava um jogador a correr à vontade com a bola, cinco mostravam o guarda-redes com a bola, um mostrava um jogador cujo remate fora defendido, e o último um jogador prestes a ser castigado. Inversamente, a maioria dos grandes planos da televisão britânica mostravam jogadores a correr à vontade com a bola. O problema de grande parte das análises de conteúdo é o de que elas tendem a conduzir-nos à pergunta "e depois?". Será que estas diferenças são significativas e, em caso afirmativo, em que medida o são? Será o público diferente? Talvez o público britânico seja menos entendido e precise que o seu futebol se tome mais dramático pelo recurso à montagem e ao trabalho de câmara. Barr cita Alec Weekes, produtor de o Match of the Day, ao dizer: "E o desenvolvimento das 190 repetições e de outras filmagens especiais? No fundo elas são para as mamãs e para as filhas. O adepto ficaria satisfeito com uma cobertura feita com uma só câmara". Os grandes planos concentram-se nas vedetas, nas habilidades individuais, nos conflitos

29-09-2015 12:16

86 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

dramáticos entre os indivíduos. As filmagens à distância mostram o trabalho de equipa, as passagens de bola menos dramáticas mas habilidosas, o posicionamento táctico mais técnico. Será que os altos preços das transferências, a atenção que a televisão e a imprensa dão aos grandes jogadores ou personalidades, e o estilo televisivo da apresentação do futebol são sinais de que vemos o futebol como mais um ramo do espectáculo, com um sistema de estrelas no seu centro? Será que a Alemanha vê o seu futebol como um jogo de equipa mais táctico? A análise do conteúdo nunca pode responder a questões latas e especulativas como estas, mas, pelo menos, pode fornecer-nos alguns dados para fundamentarmos a nossa discussão. Gerbner conteúdo e cultura O estudioso que produziu a teoria mais desenvolvida e completa sobre o modo como a análise do conteúdo pode esclarecer questões culturais mais profundas, como estas, é George Gerbner. Ele pensa que uma cultura comunica consigo mesma através da sua produção mediática total, e que essa comunicação mantém ou modifica o consenso geral de valores numa cultura. Para ele, a grande força da análise do conteúdo reside no facto de esta analisar todo o sistema de mensagens, e não a experiência selectiva que o indivíduo tem dele. O que é significante é a "massa", aquilo que está ao dispor da cultura como um todo, e é essa "massa" que a análise do conteúdo está apta a estudar. Gerbner considera que as características importantes dos media são os padrões subjacentes à globalidade da produção, e não o programa televisivo individual. Estes padrões são gradualmente absorvidos pelos espectadores, sem que estes alguma vez tenham consciência deles. A análise de Gerbner pretende revelar esses padrões. Grande parte da sua obra incidiu sobre a apresentação da violência em televisão. 191

Quadro 9 As relações dos assassinos e assassinados na televisão americana em termos de idade, classe e raça Assassinos Idade: Jovem adulto 5 Meia-idade 2 Velho 1 Classe: Alta 1 Média 3 Baixa 1 Raça: Americano branco Estrangeiro branco Não-branco

4 3 1

Assassinados Idade: Jovem adulto 1 Meia-idade 1 Velho 1 Classe: Alta 1 Média 1 Baixa 1 Raça: Americano branco Estrangeiro branco Não-branco

1 2 1

Assassinos/assassinados A quantidade de violência está bem documentada. Gerbner (1970) mostra que, na televisão americana, em 10 peças oito continham violência; em 10 personagens principais, cinco cometiam-na; em 10, seis eram vítimas dela. Havia 400 mortes por semana. Mas os padrões significativos começam a emergir quando ele analisa

29-09-2015 12:16

87 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

quem são os violentos e quem são as vítimas: a sua relação assassinos/assassinados revela um padrão. Matar é a forma de violência mais extrema e eficaz, e é determinante na distinção entre heróis e vilões. E a identificação dos tipos de pessoas que matam e que são mortas pode dizer-nos, muito a respeito dos valores sociais de uma dada sociedade. Por exemplo, é comparativamente raro um - homem branco de classe média, na força da vida (digamos entre os 18 e os 30 anos), ser assassinado, mas é comparativamente comum ser assassino. Gerbner vê este fenómeno como um reflexo directo dos valores sociais: nós valorizamos altamente a classe média, a raça branca e a juventude. Os números que ele obteve são apresentados no quadro 9. É em números como estes que Gerbner fundamenta a sua conclusão de que a violência na televisão é um retrato dramático do poder e da influência na sociedade. Os grupos sociais mais valorizados são os 192

que têm maior probabilidade de fornecer os heróis que, por sua vez, têm maior probabilidade de serem os violentos bem sucedidos. Em contrapartida, as vítimas são, com grande probabilidade, originárias dos grupos sociais menos valorizados. A análise do conteúdo é o único método que pode revelar padrões de larga escala deste tipo na produção televisiva na sua globalidade. A análise do conteúdo e os valores culturais Embora a análise do conteúdo se preocupe com a ordem denotativa da comunicação ela pode revelar, e revela, padrões e frequências que conotam valores e atitudes dentro desta ordem. Os primeiros analistas do conteúdo confinaram as suas conclusões a esta ordem denotativa, e por isso escaparam-lhes muitas das conclusões mais interessantes, talvez mais especulativas, de estudiosos como Gerbner, Dominick e Rauch, ou Seggar e Wheeler. Podemos deduzir algumas leis gerais relacionando a análise do conteúdo na ordem denotativa com conotações de valores sociais: a representação excessiva de homens, de profissões intelectuais, de certos grupos rácicos e etários levam-nos à conclusão de que a frequência de apresentação conota uma posição elevada no sistema de valores. Ou que a posição de uma personagem na estrutura de relações violentas conota a relativa centralidade ou desvio do seu grupo social na vida real. Ser uma vítima na televisão é uma metáfora de se ser de estatuto inferior na vida real (lembremo-nos de que existem semelhanças no modo como a conotação e a metáfora funcionam).

Diferencial semântico A significação, como defendemos, é uma interacção dinâmica entre leitor e mensagem. Um leitor é constituído pela sua experiência sociocultural e, desse modo, é o canal através do qual interagem a mensagem e a cultura. A significação é isso. Assim, a análise do conteúdo, com a sua focalização exclusiva no sistema de mensagens global, pode apenas fornecer dados 193

relevantes para parte desta interacção, a que chamamos significação. Precisamos também de estudar o leitor. Um método comum de o fazer é conhecido como diferencial semântico. Ele foi desenvolvido por Charles Osgood (1967) como uma forma de estudar os sentimentos, as atitudes ou as emoções das pessoas relativamente a certos conceitos. Se presumirmos que estes sentimentos, atitudes e emoções derivam, em larga medida, da experiência sociocultural do indivíduo, então constatamos que Osgood está a tentar medir aquilo a que Barthes chama "conotações". O método é simples e envolve três fases: 1. Identificação dos valores a serem investigados e sua expressão como conceitos binariamente opostos, numa escala de cinco ou sete pontos. Geralmente são suficientes oito a 15 valores. 2. Pedir a uma amostra, ou aos grupos seleccionados que registem as suas reacções em cada unia das escalas.

29-09-2015 12:16

88 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

3. Avaliar os resultados. O significado do ângulo da câmara Nada melhor do que uma ilustração para o explicar. Baggaley e Duck (1976) decidiram que queriam testar se havia ou não diferença de significado entre um apresentador de televisão falando de frente para a câmara e num perfil a três quartos. Fizeram duas gravações simultâneas de vídeo de um apresentador, uma a partir da câmara à qual ele se dirigia e a outra a partir de uma câmara que o estava a filmar a três quartos, a uma distância idêntica. A única diferença entre as duas gravações de vídeo era o ângulo da câmara. Fase 1 - eles determinaram 14 valores para o testar . A forma correcta de determinar os valores é mostrar os filmes de vídeo a uma amostrapiloto e pedir à audiência que discuta livremente as suas reacções subjectivas face aos filmes. Esta discussão pode ser orientada em certas direcções, mas o experimentador deve ter o cuidado de não interferir ou introduzir parcialidades. A discussão é gravada e depois analisada, para 194 detectar os adjectivos ou expressões de valor usados com mais frequência. Estes formam a base das escalas de valor a usar. Fase 2 - Baggaley e Duck mostraram cada um dos filmes de vídeo a uma audiência diferente, mas semelhante e pediram-lhe que registasse as suas reacções nas escalas. Nenhuma das audiências sabia da existência de outro filme ou audiência, nem qual era o aspecto significativo do filme que estava a ver. Fase 3 as posições médias foram determinadas e apresentadas.

Só podemos considerar significativas as grandes diferenças. Assim, a filmagem do apresentador a três quartos conota uma perícia, confiança e sinceridade consideravelmente maiores, fazendo-o também parecer mais humano, justo, preciso, tolerante, emotivo e descontraído. Este é um resultado interessante, sobretudo se considerarmos quantos apresentadores de televisão e políticos gostam de se dirigir à câmara de frente. O que Baggaley e Duck fizeram foi fornecer uma versão empírica do teste de comutação (ver pág. 147). Eles mudaram uma unidade dentro de um sintagma no plano do real e não imaginariamente e, também no plano do real e não imaginariamente, testaram a diferença de significado que se opera. 195

O seu trabalho permite-nos, ainda, tirar mais algumas ilações interessantes a respeito de códigos e convenções. Mostram que um apresentador numa filmagem a três quartos parece mais sincero, mais directo, mais experiente e apresenta geralmente um melhor conjunto de valores conotados. Isto pode ser surpreendente, pois nos códigos da vida real encarar o ouvinte de frente é tido geralmente como um indicador de sinceridade, frontalidade, profissionalismo, etc. Este fenómeno aponta para urna distinção interessante entre os códigos da vida real e os códigos da televisão, e trata-se de uma distinção que importa realçar porque a aparente semelhança da televisão com a vida real pode muito facilmente levar-nos à crença falaciosa de que os códigos de televisão e da vida real são os mesmos. Não são: nós não reagimos a um acontecimento televisionado da mesma maneira que a um acontecimento ao vivo. Neste caso, o código da televisão desenvolveu-se através da convenção e do uso. As pessoas televisionadas, dirigindo-se à câmara, são quase sempre profissionais dos media que representam um papel, isto é, que proferem palavras que não são suas mas de outras pessoas. Mas as pessoas televisionadas em filmagens a três quartos são geralmente os entendidos a serem entrevistados, testemunhas oculares que viram o que realmente se passou. Elas são pessoas experientes e honestas falando por si próprias. E estão a falar com um entrevistador ou repórter, não para a câmara: nota-se bem o movimento rápido da câmara quando eles se viram e se dirigem directamente à câmara.

29-09-2015 12:16

89 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Este é um exemplo claro de como a convenção da televisão é diferente da convenção da vida real e de como essa diferença produziu diferentes, códigos. Estes códigos são os códigos de conotação; derivam da forma do significante (que é alterado pela mudança de ângulo de câmara). A significação denotada é a mesma para cada filme de vídeo. Usando o diferencial semântico, deveria ser possível construir o paradigma dos ângulos de câmara significativamente diferentes. Existem possivelmente quatro: de frente, a três quartos, de perfil e de trás. Mas, se estas diferenças são significantes, elas podem ter adquirido essa significância através da convenção e do uso, produzindo entre os utentes este acordo tácito. 196 A visão ao espelho Outro exemplo da maneira como o diferencial semântico pode ser usado, para confirmar as leituras teóricas com os dados empíricos, é o fornecido por uma investigação levada a cabo por uma das minhas alunas, Jennifer Farish. Ela queria testar as previsões feitas no capítulo 1 (pág. 32) sobre as diferentes interpretações . Mostrou a 25 indivíduos e a outros 25. Pediu a cada indivíduo que registasse a sua reacção nas escalas do diferencial semântico representadas na figura 25. Verificou também a atitude de cada um dos indivíduos relativamente à polícia, antes de lhes mostrar a fotografia, e constatou que não havia diferenças significativas nas atitudes relativamente à polícia. Como é habitual, o diferencial semântico produziu algumas surpresas, embora em termos gerais os resultados se aproximem consideravelmente dos que seriam de prever. situa-se mais para a esquerda (onde se encontram os valores mais favoráveis e comuns) do que a reacção à fotografia principal isolada. A página toda fez com que a polícia parecesse nitidamente mais eficaz e mais confiante. Tal como prevíramos, também a fez parecer menos facciosa (embora essa diferença surja na escala Justa/Injusta); do mesmo modo, pareceu mais racional e inteligente e, o que é interessante, menos fria. O que a técnica estatística não consegue, contudo, mostrar é como se chegou à média. Por exemplo, as reacções às escalas Lógica/Instintiva e Descontraída/Tensa revelaram um elevado grau de acordo, enquanto a pontuação média das escalas Justa/Injusta e Agradável /Desagradável ocultou um vasto leque de reacções diferentes,Justa/Injusta. É possível que factores como classe social, raça, sexo ou convicções políticas tenham sido cruciais na determinação das respostas das pessoas. 197 Precisaríamos também de procurar um esclarecimento possível para o facto de algumas escalas terem produzido uma grande variação de respostas enquanto outras produziram uma resposta mais homogénea. Pode ser que as respostas muito variadas ocorram em escalas em que o público tem já posições bem definidas: as "leituras" são tão variadas como os membros do público, e o texto tem comparativamente pouca influência sobre eles. Inversamente, as respostas homogéneas podem muito bem acontecer nos casos em que as opiniões do público não são tão firmes e o texto consegue, consequentemente, exercer uma maior influência sobre a resposta. A negociação entre texto e leitor produz uma significação que, no primeiro caso, é determinada mais pelo leitor e, no segundo, mais pelo texto. 198 Mas o que a investigação nos forneceu foi a comprovação da perspectiva segundo a qual o contexto da primeira página completa fez com que a fotografia original se inserisse melhor na imagem convencional da polícia; fez com que ela activasse mais facilmente o mito dominante; tornou-a mais redundante e, como tal, mais típica de um mass media. Pode também fazer-nos pensar se o Daily Mirror reflecte a realidade ou o público. Heróis, vilões e vítimas Gerbner (1970) combina o diferencial semântico com a sua análise do conteúdo. Tendo identificado os agrupamentos sociais com a relação assassinos/assassinados, partiu depois para a investigação da forma como o público via as personalidades de três

29-09-2015 12:16

90 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

categorias de personagens: 1. Assassinos, final feliz (estes eram os assassinos que no final saíam vencedores, ou seja, os heróis). 2. Assassinos, final infeliz (ou seja, os vilões). 3. Os assassinados (as vítimas). Estes mostram que as únicas diferenças significativas entre heróis e vilões residem no facto de os heróis serem mais atraentes e eficazes. Este padrão de eficácia pode muito bem reflectir o facto de vivermos numa sociedade competitiva, darwiniana, onde os mais aptos sobrevivem e onde a eficácia está inevitavelmente associada ao sucesso. A ineficácia é desvio numa sociedade competitiva e, como tal, relaciona-se naturalmente com a vilania. "cultivo" Gerbner levou o estudo empírico da comunicação mais longe do que qualquer outro estudioso. Isto deve-se ao facto de utilizar dados obtidos a partir da análise do conteúdo e do estudo do público para formar a base da teoria do 199

relacionamento do sistema dos mass media com a cultura a partir da qual ele se desenvolve e à qual se dirige. Chama a esse relacionamento um relacionamento de "cultivo", isto é, os media cultivam atitudes e valores numa cultura. Não os criam - eles têm de estar já presentes -, mas alimentam, propagam e ajudam a cultura a manter e a adaptar os seus valores, a divulgá-los junto dos seus membros e a unir assim esses membros em tomo de um consenso partilhado, em tomo de uma intersubjectividade. A análise do conteúdo revela os valores alicerçados no sistema total de mensagens de uma cultura. O diferencial semântico pode investigar se esses valores são, de facto, "cultivados" no leitor. 200 A teoria dos usos e gratificações Existem muitos estudos empíricos sobre o público, especialmente do dos mass media. O grosso destes trabalhos tem incidido sobre os efeitos da apresentação da violência. Os psicólogos têm realizado experiências laboratoriais e os sociólogos têm conduzido estudos de campo de larga escala. Tal trabalho está fora do objectivo deste livro. Contudo gostaria de apresentar ao leitor um outro método empírico conhecido por abordagem dos usos e gratificações. Esta abordagem toma como base a convicção de que o público tem um conjunto complexo de necessidades que procura satisfazer por meio dos mass media. É claro que existem outros meios para satisfazer necessidades férias, desporto, passatempos, trabalho, etc. Trata-se de uma teoria desenvolvida para explicar a comunicação de massas, embora encaixe perfeitamente nas teorias da comunicação frente a frente, que postulam que as relações sociais são utilizadas para satisfazer necessidades e impulsos pessoais. Este modelo de comunicação pressupõe um público que é pelo menos tão activo como o emissor. Também implica que uma mensagem seja aquilo que o público faz dela e não o que o emissor pretende, tendo, deste modo, algumas semelhanças com o método semiótica. Usos de concursos tipo pergunta-resposta O método habitual da abordagem dos usos e gratificações consiste num questionário em que se pede aos membros de uma audiência televisiva para apresentarem as principais razões que os levam a assistir a um determinado tipo de programa. McQuail, Blumler e Brown (1970) facultam-nos um exemplo do tipo de resultados que esta abordagem pode obter. No estudo da audiência televisiva que fizeram constataram, entre outras

29-09-2015 12:16

91 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

coisas, a existência de grupos de "usos" - semelhantes nos seus traços gerais - que as pessoas faziam dos concursos de televisão. A maior parte da audiência usava os concursos para quatro gratificações principais: auto-avaliação, interacção social, excitação e educação. Levando 201 a investigação mais longe, McQuail e os colegas verificaram que aqueles que "usavam" os concursos para gratificações de auto-avaliação, viviam em casas camarárias e pertenciam à classe trabalhadora. Poderíamos especular que eles estariam a usar os media para conferirem a si mesmos um estatuto pessoal que a sua vida social não lhes dava. Estamos perante um exemplo claro da utilização compensatória dos media para gratificar necessidades que são frustradas pela restante vida social. Os que se mostraram propensos a usar os programas como base para interacção social eram, sem grande surpresa, indivíduos altamente sociáveis que declaravam ter um grande número de conhecidos na zona onde residiam. Usavam os media para arranjar assuntos de conversa. Aqui os media estão a complementar outras fontes de gratificação de necessidades. A atracção da excitação surgia mais vezes nas declarações dos espectadores da classe trabalhadora que não eram muito sociáveis. Parece estarmos, uma vez mais, perante um motivo compensatório em acção. A atracção educativa era nitidamente compensatória, na medida em que os que a declaravam como gratificação mais importante eram aqueles que só tinham feito a escolaridade obrigatória. Usos de séries policiais Um aluno meu, Simon Morris, fez um estudo sobre usos e gratificação, relativo ao uso que as pessoas faziam das séries policiais televisivas. Encontrou, uma vez mais, uma variedade de usos: os espectadores usavam-nas pela excitação, por escapismo, muitos usavam-nas pela informação ("elas dão-nos uma imagem de como é a vida nas grandes cidades") e muitos pela segurança ("gosto de ver a lei e a ordem a triunfarem no fim" ou "fazem-me sentir feliz por viver em segurança na minha pequena cidade"). O factor determinante por ele encontrado não foi a classe ou a educação, mas sim a idade. O grupo etário dos 18-30 anos acentuou a gratificação da excitação/escapismo, ao passo que os indivíduos com mais de 50 anos se inclinavam a procurar no programa informação e segurança. 202 Categorias de gratificação Embora estudiosos diferentes rotulem e categorizem as gratificações de forma diferente, existe, não obstante, uma notável margem de acordo entre eles. As quatro principais categorias de McQuail (delineadas em seguida) são típicas, e poucos estudiosos discordariam totalmente delas. 1. Evasão a) fuga às limitações da rotina; b)fuga ao peso dos problemas; c) descarga emocional.

Todos os estudos revelam necessidades escapistas semelhantes na audiência dos media. McQuail alude, pelo menos, à necessidade de irmos mais longe do que a mera rotulação destas necessidades como escapistas - precisamos de identificar aquilo de que se foge. As análises semióticas dos programas também podem mostrar-nos para onde fugimos. 2. Relações pessoais a) companhia; b) utilidade social.

29-09-2015 12:16

92 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

"Companhia" revela-nos, de forma particularmente clara, os media a funcionar como compensação. As donas de casa têm o rádio ligado porque gostam de ouvir durante o dia o som de vozes na casa. As pessoas solitárias que têm dificuldades em estabelecer relações sociais verdadeiras viram-se para os media em busca de amizade. Acreditam nas personagens de Coronation Street e de Crossroads e mandam-lhes postais de aniversário porque têm necessidade de o fazer. A sua situação social ou pessoal não lhes permite satisfazer as suas necessidades de companhia na vida real. O uso da "utilidade social" consiste geralmente no estabelecimento de temas de conversa. Os media proporcionam uma experiência partilhada, um tópico de conversa partilhado que toma a interacção social muito mais fácil. Se todos os nossos amigos tiverem visto um programa que nós não vimos, sentir-nos-emos temporariamente excluídos do grupo. 203 Grupo 1 - A atracção da auto-avaliação: Posso comparar-me com os entendidos. Gosto de imaginar que estou no programa e a sair-me bem. Fico contente quando ganham os meus favoritos. Imagino que estive no programa e saí-me bem. Fazem-me lembrar os meus tempos de estudante. Rio-me dos erros dos concorrentes. Difíceis de acompanhar Grupo 2 - Base para interacção social: Fico ansioso por conversar sobre o programa com outras pessoas. Gosto de competir com as outras pessoas que estão a ver comigo. Gosto, de discutir as respostas com a família. Espero que os filhos tirem proveito do programa. As crianças tiram muito proveito do programa. Reúne a família em torno de um interesse comum. É um tema de conversa para depois. Não é propriamente para pessoas como eu. Grupo 3 - A atracção da excitação: Gosto da excitação de um final renhido. Gosto de me abstrair das minhas preocupações durante algum tempo. Gosto de tentar adivinhar quem será o vencedor. Quando aceito sinto-me mesmo bem. Esqueço completamente as minhas preocupações. Deixo-me envolver pela competição. Excitante. Grupo 4 A atracção educativa: Descubro que sei mais do que pensava. Sinto que me enriqueci. Sinto respeito pelas pessoas no programa. Mais tarde medito sobre algumas das perguntas. Educativo. Grupo 5- É agradável ver os especialistas descer do seu pedestal. É divertido ver os erros que alguns concorrentes cometem. Grupo 6 -Gosto de aprender qualquer coisa ao mesmo tempo que me divirto. Gosto de descobrir coisas novas. Grupo 7 Gosto de tentar adivinhar as respostas. Espero descobrir que sei algumas das respostas. Grupo 8 Descubro lacunas nos meus conhecimentos. Aprendo algo de novo. Uma perda de tempo. Foi entregue aos indivíduos um questionário onde estas informações foram colocadas ao acaso. Foi-lhes pedido que assinalassem as afirmações que reflectissem as

29-09-2015 12:16

93 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

gratificações que extraíam dos concursos. As suas respostas mostraram tendência a agrupar-se, isto é, constatou-se que um indivíduo que respondia positivamente a uma afirmação pertencente a um dos grupos tinha estatisticamente mais probabilidades de responder afirmativamente à maior parte das restantes. 3. a) b) c)

Identidade pessoal referência pessoal; exploração da realidade; reforço dos valores.

Com "referência Pessoal", McQuail refere-se à forma dos espectadores usarem UM Programa como ponto de comparação directa com a sua vida real: "posso comparar as pessoas no programa com outras pessoas que conheço", ou "faz-me lembrar coisas que aconteceram na minha vida" são usos típicos por ele referidos. A "exploração da realidade" implica um uso directo do conteúdo do programa para ajudar o espectador a compreender a sua própria vida. Como exemplos típicos temos: "As pessoas dos Dales1 têm problemas iguais aos meus", "às vezes ajuda-me a compreender a minha própria vida". O "reforço dos valores" dispensa explicações: "apresenta uma imagem do que deve ser a vida familiar" ou "chama-me a atenção para a importância dos laços da família". 4. Vigilância

Trata-se da necessidade de informação sobre o mundo complexo em que vivemos. Outrosestudos mostraram que as pessoas a quem chamamos "líderes de opinião" usam os media na sua vida social para obterem informações, de forma a manterem o seu papel social. A origem social das necessidades Blumler e Katz (1974) sublinham a origem social das necessidades que os media gratificam. 1. Região de pequenos vales no Norte de Inglaterra (N. da T.). 205

As bases dos estudos sobre usos e gratificações Os pressupostos em que se baseia esta abordagem Podem, pois, ser delineados como se segue: 1. A audiência é activa. Não é uni receptor passivo de tudo o que os media transmitem. Ela selecciona e usa o conteúdo dos programas. 2. Os membros de uma audiência seleccionam livremente os media e os programas que melhor podem usar para gratificar as suas necessidades. O produtor dos media pode não ter consciência dos usos ao serviço dos quais o programa pode ser colocado, e diferentes membros da audiência podem usar o mesmo programa para gratificar diferentes necessidades. 3. Os media não são a única fonte de gratificação. Ir de férias, praticar um desporto, dançar, etc., são tudo actividades usadas da mesma forma que os media. 4. As pessoas estão conscientes, ou podem ser consciencializadas, dos seus interesses e motivos em casos particulares. (Para os críticos deste método este é o pressuposto mais fraco. Estes críticos argumentam que os motivos que podem ser articulados são muitas vezes os menos importantes, e que ligar audiência e conteúdo do programa, apenas por meio de uma cadeia racional de necessidades e gratificações, é limitar o "significado" de modo inaceitável). 5. Os juízos de valor sobre a significância cultural dos mass media têm que ser postos de parte. É irrelevante dizer que Crossroad não presta: se vai ao encontro das necessidades de sete milhões de pessoas então é útil, e o facto de ofender os estetas eruditos é irrelevante.

29-09-2015 12:16

94 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

método Um questionário simples sobre usos e gratificações pode organizar-se de forma bastante idêntica à de um diferencial semântico. O investigador deve registar discussões não estruturadas com uma amostra de público para determinar um certo número de motivos que o levam a ver programas. Estes são 206 Quadro : origem social das necessidades da audiência e dos media origem social das necessidades da audiência: A situação social: a) Produz tensão e conflito b) Cria consciencialização de Problemas que exigem atenção c) Diminui as oportunidades de satisfação de certas necessidades d) Dá origem a certos valores e) Fornece expectativas de familiaridade com certos materiais dos media Os media proporcionam: Apaziguamento Informação Serviços complementares, substitutos ou suplementares Afirmação e reforço Experiência partilhada para apoiar a militância de agrupamentos socialmente valorizados depois impressos ao acaso no questionário, e os questionados são convidados a registar a intensidade da sua concordância ou discordância, relativamente a cada um dos motivos. A parte mais difícil da operação consiste em identificar os padrões significativos a partir dos resultados. Os investigadores académicos utilizam uma técnica estatística conhecida como análise de grupos que, para a maior parte dos leitores deste livro, não seria apropriada. Menos pura, mas mais prática, é a identificação dos "grupos de atracção" das afirmações antes da elaboração do questionário. Depois é relativamente simples comparar, por exemplo, as reacções masculinas e femininas com as afirmações no grupo "excitação/divertimento". Os padrões ou correlações significativos básicos podem ser revelados sem um método estatístico sofisticado, embora uma análise más avançada exija técnicas analíticas igualmente avançadas. Etnografias das audiências os métodos empíricos tendem a tratar a comunicação como uma série de mensagens, cujo conteúdo é equivalente a dados factuais: não têm qualquer teoria sobre textos de significação e, por isso, não têm em conta os processos 207

de descodificação ou leitura. A com a maneira como a comunicação estrutura semiótica e o estruturalismo preocupam-se (e, portanto, gera) significação para a fazer circular socialmente. Detectam as interligações entre a estrutura das mensagens da comunicação e a estrutura da sociedade em que operam. Para eles, as mensagens não contêm nem veiculam significação, mas são agentes da sua produção e circulação social. São, Pois, agentes de poder.

29-09-2015 12:16

95 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

O estruturalismo e a semiótica podem, contudo, ser criticados por se deslocarem com demasiada facilidade entre as estruturas textuais e sociais e por ignorarem o facto de, na prática, as ligações entre texto e sociedade só poderem ser feitas através do destinatário ou leitor. É no acto ou processo de ler que o texto e a sociedade se encontram. O estudo etnográfico desenvolveu-se para investigar este processo e para testar as leituras semióticas ou estruturalistas de 208 textos, comparando-as com as leituras que as pessoas realmente fazem ou dizem fazer. Em geral as descobertas sugerem que a semiótica e o estruturalismo sobrevalorizam o poder do texto para promover uma leitura dominante ou preferida e subestimam a capacidade dos leitores conferirem sentido ao texto através de formas que o relacionam directamente com a sua situação social. Assim, uma análise semiótica de romances românticos populares como os que Mills e Boon ou Harlequin publicaram poderia facilmente concluir que a sua função social é a de treinar as mulheres para um papel submisso no casamento, para centralizarem a sua felicidade no amor de um homem forte e para ensinarem que o sofrimento pelo qual a faceta cruel da sua força as fará passar será compensador no fim, porque nele o homem verá o verdadeiro valor da mulher. Certamente é fácil relacionar esta estrutura textual com a estruturação social dos papéis sexuais numa sociedade patriarcal. Mas Radway (1984), por exemplo, constatou que algumas leitoras não liam os romances dessa forma. Elas preferiam romances com uma heroína temperamental e rebelde que se revoltava contra o tomar-se vítima do herói. Para elas o enredo não traçava a dimensão de vítima e o sofrimento da heroína, através dos quais esta alcançava o êxito final (o casamento), mas traçava, em lugar disso, a feminização gradual do herói: só depois de a sua crueldade se ter humanizado, só depois do seu frio distanciamento se ter derretido e de ele se ter tornado mais sensível em relação a ela, só quando ele se tivesse "feminizado" desse modo é que ela consentiria em casar com ele. Se bem que a estrutura dos romances preferisse os valores masculinos aos femininos, algumas leitoras "negociavam" o texto de forma a produzirem leituras que colocavam os valores femininos acima dos masculinos. Para algumas mulheres, o contexto social da leitura era pelo menos tão importante como o texto: a sua situação social consistia em estarem permanentemente de serviço às exigências do marido e da família: ao lerem um romance, elas conseguiam criar um tempo e um espaço só delas, onde podiam colocar-se em primeiro lugar (desafiando frequentemente a desaprovação 209 explícita dos maridos). Um "sentido" da leitura de novelas era a afirmação dos seus próprios direitos e do seu valor pessoal - um sentido que não poderia ser analisado no texto, pois produzia-se no momento da leitura, quando o texto se encontrava com a situação social da leitora. Uma mulher declarou mesmo que, nestes moldes, a leitura de romances lhe dava confiança em si própria para enfrentar as exigências do marido e exigir mais igualdade no casamento. Morley (1986) encontrou significância idêntica na maneira como a televisão era vista em família. Nas famílias urbanas de classe mais baixa, por ele estudadas, ver televisão também fazia parte da política de sexos da família, mas ao contrário da leitura de romances ver televisão promovia o poder masculino. O comando da televisão morava, tipicamente, no braço do sofá do marido; o seu poder era exercido em três domínios - o que ver, como ver e como avaliar o que se via. O que a família via organizava-se em tomo dos gostos masculinos. Os gostos dos homens pendiam para programas factuais - notícias, desporto, documentários ou, se viam ficção, gostavam dela "realista", o que significava que tinham que ser capazes de reconhecer no programa o mundo exterior com o qual estavam familiarizados. Também gostavam de dramas de acção. Os gostos das mulheres, por seu lado, iam para dramas familiares, telenovelas e romances, programas em que a ênfase era mais colocada nas relações do que na acção, e cujo conhecimento era relativo ao mundo interior das emoções e das reacções, e não ao mundo exterior dos homens. Os homens não dominavam apenas aquilo que se via; tentavam também controlar a forma como se via. Para o homem, a casa é um lugar de lazer onde ele se pode descontrair e

29-09-2015 12:16

96 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

relaxar depois do trabalho; por isso, gosta de se entregar completamente à televisão e de a ver com atenção. Para a mulher, no entanto, a casa é o local de trabalho, e ela tem que enquadrar o ver televisão nas tarefas domésticas -que incluem não só lavar, passar a ferro, coser e outras formas de trabalho doméstico como conversar com os filhos, pois o papel da mulher inclui, para além dos recursos materiais, a orientação das 210 relações e dos recursos humanos da casa. Por isso a mulher via televisão distraidamente, quase sempre a fazer outra coisa ao mesmo tempo. Isso aborrecia muitas vezes os homens, que frequentemente se queixavam do barulho e da conversa das mulheres e das crianças no momento em que viam os seus programas. As mulheres muitas vezes usavam o para transferirem os seus programas para horários fora dos seus períodos de trabalho, cujos limites pareciam ser determinados pela presença de outros membros da família. Costumavam gravar os seus programas e vê-los com muita atenção, ou de manhã cedo ou à noite, depois de já estarem todos na cama, ou às vezes encontravam um "furo" depois do almoço, quando as tarefas da manhã estavam feitas e as crianças ainda não tinham voltado da escola. Claro que estas maneiras de ver eram socialmente determinadas, ou seja, eram determinadas pela organização do trabalho; não são características inatas dos sexos masculino e feminino. Por isso, as mulheres que trabalhavam fora de casa tinham propensão a ver televisão de maneira semelhante à dos homens. As relações de sexo são políticas porque são determinadas por forças sociais, não pela natureza. Esta dominação masculina estendia-se ainda à avaliação dos programas. Assim, os gostos masculinos eram classificados como sérios, como boa televisão, enquanto os programas de que as mulheres gostavam eram qualificados "o triviais, ligeiros, ou sem qualidade. A telenovela (que agrada maioritariamente às mulheres) é correntemente considerada a forma de televisão mais inferior e, em literatura, as novelas são igualmente usadas para tipificar a forma mais pobre do romance. A relação entre avaliação crítica e posição social não é, evidentemente, coincidente, pois a desvalorização dos gostos culturais das mulheres é mais uma forma de as subordinar socialmente. Importa referir aqui que as mulheres interiorizam caracteristicamente valores masculinos e desmerecem frequentemente os seus próprios gostos culturais (e, deste modo, desmerecem-se implicitamente a si mesmas), dizendo que "não prestam" ou que são "disparatados". Este é um exemplo da participação das mulheres na ideologia 211 que as subordina, uma questão que exploraremos em mais pormenor no próximo capítulo, quando discutirmos as teorias da ideologia. As formas através das quais os textos são usados socialmente podem não transparecer na estrutura dos próprios textos, e por isso podem não ser passíveis de análise textual. De igual modo, algumas das significações dos textos podem não ser reveladas por uma análise textual porque se produzem no momento em que o texto encontra a situação social do leitor e, nesse encontro, o leitor pode trazer ao processo de produção de sentido factores não-antecipados, não-textuais. Foi assim que Hodge e Tripp (1986) constataram que os alunos da escola australiana interpretavam uma telenovela intitulada Prisoner de uma forma, particular. A acção passava-se numa cadeia de mulheres e centrava-se nas relações que as presidiárias e os guardas desenvolviam entre si. Os alunos conferiam significações ao programa que eram relevantes para a sua experiência da escola. Interpretavam a cadeia como espécie de metáfora da escola. Ambas as instituições se destinavam a transformar os seus ocupantes no tipo de pessoas que a sociedade queria que elas fossem, mais do que naquilo que eles próprios queriam ser; em ambas havia a sensação de que a vida real acontecia lá fora. Ambas tentavam controlar todos os aspectos da vida dos seus ocupantes, e em ambas havia áreas que resistiam a esse controlo: as casas de banho e os estacionamentos para bicicletas na escola, a lavandaria na cadeia. Havia tipos semelhantes entre guardas e professores - o duro, o novato, o bonzinho, o justo, etc. Presidiárias e alunos usavam processos semelhantes para comunicarem debaixo dos olhos dos guardas/professores através de piscadelas de olhos e de bilhetes secretos. As semelhanças eram numerosas.

29-09-2015 12:16

97 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Não havia nada no texto que fizesse referência explícita à escola. Estas significações foram criadas à medida que o texto era posto em contacto com a situação social dos seus espectadores. Não se encontravam disponíveis para análise semiótica ou estrutural, podendo apenas ser descobertas pela etnografia. É também de alguma forma evidente que estas significações 212 socialmente relevantes se tomaram parte do comportamento dos alunos da escola, pois muitos professores escreveram para os produtores do programa, queixando-se de que este ensinava a indisciplina e tornava mais difícil o seu trabalho. Enquanto a teoria semiótica e estruturalista pode permitir que se produzam diferentes leituras a partir do mesmo texto - e Hall e Eco argumentam ambos que isso tem que acontecer com os mass media - a etnografia pode esclarecer-nos sobre algumas das leituras que se produzem em situações específicas e pode, assim, trazer alguma alma ao corpo da teoria. Investiguei as diferentes interpretações de um momento particular do show de televisão The Newly Wed Game (Fiske 1989a). As quatro esposas não estavam no écran quando perguntaram aos maridos "Qual destas três frases lhes parece resumir melhor a reacção que a sua mulher tem tido ultimamente em relação às suas 'necessidades românticas'? "Sim, meu amo", "Nem penses, Zé" ou "Deixa-te de brincadeiras, pá!". Todos os homens disseram que "Sim, meu amo" era a reacção mais apropriada, mas quando as mulheres regressaram ao écran, duas delas responderam "Sim, meu amo", uma "Deixa-te de brincadeiras, pá" e a outra "Nem penses, Zé". Pessoas diferentes interpretam este breve momento de cultura popular de maneiras diferentes. Algumas mulheres, especialmente as que tinham tendências feministas, consideraram o machismo da pergunta tão ofensivo que para elas o diálogo era um exemplo do patriarcado elevado ao expoente máximo, sobretudo no que toca ao pressuposto de que o prazer sexual das mulheres podia definir-se apenas como reacção às "necessidades românticas" dos homens. Outras mulheres, no entanto, extraíram grande prazer e significância das reacções daquelas que se recusaram a dizer "Sim, meu amo". Elas estavam mais interessadas na forma como as mulheres lidavam e se debatiam contra a dominação patriarcal do que com a própria dominação. Nos aspectos da experiência que não se enquadravam no mito dominante do casamento elas encontraram significações pró-femininas que ofereciam resistência e se opunham ao mito e à sua acção na política dos sexos. 213 Alguns homens produziram leituras "dominantes": riram com os homens "senhoriais" no show e riram-se dos dois que tinham mulheres menos complacentes. Outros homens, todavia, sentiram que o diálogo, longe de promover o patriarcado, estava era a expô-lo e a questioná-lo. Acharam que a pergunta punha os homens na berlinda, e que eles se sentiriam forçados a responder "Sim, meu amo" em público, por muito que isso diferisse das suas atitudes para com as mulheres, em privado. Acharam que o embaraço dos homens, cujas mulheres os "expuseram", era maior que o embaraço das mulheres que responderam "Sim, meu amo". Sentiram, em suma, que a masculinidade (tal como ela é definida no patriarcado) saiu muito mais prejudicada do que a feminilidade. Ao mesmo tempo que todas estas interpretações "liam", de algum modo, a estrutura patriarcal do texto e os mitos dominantes do casamento e das relações entre os sexos, produziam também significações que divergiam do dominante e, em alguns casos, o contradiziam. As diferenças provinham das diferentes situações sociais dos leitores, do seu sexo e das maneiras como eles viviam as suas próprias relações sexuais na vida do dia-a-dia. As suas leituras não estavam isentas da leitura dominante, preferida, mas também não estavam ligadas a ela. Melhor do que isso, foram produzidas em cooperação com ela, em reacção a ela ou em contra-reacção a ela. Elas proporcionavam alguns exemplos de como a teoria da "leitura preferida" de Hall ou a teoria da "descodificação aberrante" de Eco podem ser vistas na prática. O trabalho etnográfico tanto pode ser compensador como cheio de problemas. As compensações estão na sua capacidade para ver a comunicação como uma prática tanto social como textual e para traçar esta dimensão social, não numa teoria sociopolítica de larga escala, mas nas circunstâncias concretas da vida do dia-a-dia. Fazê-lo, implica observar as pessoas no processo de comunicação e levá-las a falar sobre o seu papel nesse processo de forma tão completa e aberta quanto possível. Mas existem dois tipos de problemas aqui envolvidos. Um é o papel do investigador e o efeito que a sua 214

29-09-2015 12:16

98 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

presença tem. Tradicionalmente, o etnógrafo foi ensinado a ser objectivo e distante, a ser um observador científico à maneira empirista No entanto, mais recentemente, os etnógrafos têm vindo a usar a sua experiência como ponto de vista sobre o texto em questão para participarem no processo, mais do que observá-lo. Participam na discussão de pontos de vista em pé de igualdade, usando as suas próprias experiências como parte daquilo que estão a estudar e desenvolvendo, assim, uma ligação com os seus temas, ligação essa que lhes permite obter uma visão mais aproximada e mais profunda daquilo que o texto significa para eles. Tanto Radway (1984) como Hobson (1982) foram particularmente felizes na utilização deste sistema. A presença do observador deve fazer alguma diferença -observadores mais compreensivos e amistosos obterão, inevitavelmente, reacções diferentes das obtidas por outros mais científicos e distantes, e este tipo de etnografia não pode ser uma ciência empírica objectiva: ela alarga o modo analítico de interpretação dos textos às pessoas que os lêem e às significações que fazem deles. Trata-se, pois, de uma extensão da semiótica, e talvez devesse ser designada por uma expressão como "etno-semiótica". Ela tem outros problemas que também a distinguem do trabalho empírico; são eles os problemas da interpretação dos dados que produz. Ela não produz, como o empirismo, factos cujas significações são inerentes a eles próprios, antes mostra, com clareza, um processo cultural em acção que requer interpretação através de um método teoricamente informal, como acontece com o texto original. O modelo metodológico para a etno-semiótica é, pois, linguístico e não empirista. As audiências estudadas não são representativas de uma categoria social objectiva, como o empirismo exige, e as significações que produzem não podem ser generalizadas a essa categoria como um todo. Os dados etnográficos são como uma frase para um linguista. Tal como uma frase é um exemplo de linguagem em processo, também a etnografia pode fornecer-nos instâncias de comunicação em processo. Essas instâncias ou "frases" são típicas do processo da comunicação e têm que ser entendidas dentro de um 215

enquadramento teórico, mas não são factos científicos. Teorias recentes da semiótica e da linguística estrutural ensinam-nos que as significações estão sempre em processo, sempre a serem construídas e reconstruídas, e que nunca são factos acabados. Embora seja sempre interessante e importante descobrir quais as significações que são feitas ou preferidas pelos textos e pelos seus leitores socialmente situados, essas significações nunca são definitivas e finais, sendo em vez disso momentos na circulação da significação dentro da sociedade; na verdade, as significações apenas existem na sua circulação. A comunicação é, pois, o estudo das significações na sua circulação social. Assim, a análise textual é fundamental na comunicação. Mas a dimensão social tem que ser estudada em dois níveis principais: o das macroestruturas sociais, da distribuição de poder e recursos dentro do sistema social em geral, e o do micronível onde é vivida e experienciada a vida do dia-a-dia. A consciência semiótica social de Barthes e a sua teoria do mito articulam estruturas textuais com estruturas sociais. A etno-semiótica liga a leitura dos textos à vida do dia-a-dia dos seus leitores. O método empírico focado neste capítulo deve tornar o leitor capaz de fazer alguns estudos básicos sobre a mensagem e o seu público. A comparação dos resultados alcançados pela análise semiótica e pelos métodos empíricos criará importantes perspectivas acerca da validade de cada uma das abordagens. Sugestões para trabalho adicional 1. Analise o conteúdo dos anúncios de televisão durante um serão, de forma a revelar tanto o padrão de apresentação ocupacional como o enquadramento dos homens e das mulheres. Compare as suas descobertas com as de Dominick e Rauch na América no início dos anos 70. Quais as semelhanças e as diferenças que verifica, e qual o seu significado? Faça uma 216

29-09-2015 12:16

99 of 120

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

análise semiótica de anúncios seleccionados. A semiótica apoia ou contradiz a análise do conteúdo? Como alternativa, faça este exercício com revistas - femininas, masculinas ou para adolescentes. Escolha o género que mais o interessa. 2. Use a análise do conteúdo para comparar um jornal "sério" e um jornal popular. Use como unidade a coluna de centímetros. Deverá observar a proporção publicidade/matéria editorial, texto/fotografias e o espaço dedicado às diferentes categorias de tópicos noticiosos. Hartley (1982), capítulo 3, sugere as seguintes categorias de tópicos: política, economia, negócios estrangeiros, assuntos internos (divididos em notícias pesadas violência, conflito, crime - e notícias leves - histórias sentimentais e de "mulheres"), histórias ocasionais (desastres, coluna social, etc.) e desporto. Considera estas categorias adequadas? Precisa de mais algumas (espectáculos, por exemplo)? O que é que esta análise lhe diz sobre o número de leitores e a função comunicativa de cada um dos jornais? Ver também Dyer (1982), capítulo 5.

3. Determine, através da análise do conteúdo, os principais temas e atitudes sociais das letras das canções no "top ten''. 4. Use o diferencial semântico para identificar as principais conotações dos caracteres que utilizou na pergunta 1 do capítulo 5. Deverá usar uma amostra de cerca de 20 unidades para cada texto. Os pares de adjectivos que se seguem poderão ser-lhe úteis: masculino/feminino, honesto/desonesto, estático/dinâmico, barato/caro, sério/divertido, moderno/antiquado, rural/urbano, formal/informal, elegante/desajeitado, autoritário/frívolo, exacto/inexacto, importante/insignificante, industrial/natural, classe alta/classe baixa, agressivo/não-agressivo, seguro/arriscado (criados por uma das minhas alunas, Jenny Hughes). 5. Elabore um questionário de "usos e gratificações" para investigar os usos que a audiência faz de um programa popular de rádio ou televisão, ou de um determinado tipo de programa. Vale a pena investigar telenovelas, Tom and Jerry (ou outros desenhos animados), séries policiais, concursos, 217

discos pedidos, noticiários nacionais ou regionais - ou qualquer tipo de programa que lhe interesse. Ou poderá investigar géneros de música pop. Não se esqueça de relacionar os resultados com a posição social definida em termos de (por exemplo) idade, sexo, ocupação, estatuto familiar, educação. Não é necessário recorrer a todos estes elementos - a sua escolha dependerá daquilo que estiver a investigar e da sua audiência. Compare os seus resultados com as categorias de gratificação de McQuail. Ver Corner e Hawthom (1980), págs. 187-201. 6. Faça um estudo etnográfico de pequena escala sobre a forma como a sua família ou os seus amigos vêem televisão (ver Fiske, 1987, capítulo 5). 218 Significação e cultura 9 IDEOLOGIA E SIGNIFICADOS No capítulo 5 debruçámo-nos sobre as duas ordens de significação. Deliberadamente, algumas questões ficaram por formular, alguns tópicos por abordar. A mais importante dessas perguntas é: como é que essas significações de segunda ordem se enquadram na cultura em que operam? Onde surgem os mitos e as conotações? Demonstrámos que existem significações que não se localizam no próprio texto. Ler não é a mesma coisa que usar um abre-latas para revelar a significação da mensagem.

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

As significações produzem-se nas interacções entre texto e audiência. A produção de significação é um acto dinâmico para o qual ambos os elementos contribuem de forma igual. Quando o texto e a audiência são membros de uma cultura ou subcultura cuja malha é densa, a interacção é suave e pouco custosa: as conotações e mitos em que o texto assenta aproximam-se muito - quando não coincidem - com os dos membros da audiência. Noutros casos, as significações produzem-se com muito maior esforço. A leitura preferida da fotografia de Notting Hill pode ocorrer facilmente a alguns, mas para outros pode ser motivo de tensão ou discórdia. Podem descodificá-la por meio de códigos oposicionais ou negociados, e não pelo código dominante, "fácil". Por outras palavras, os mitos através dos quais se entende a polícia, os negros, a vida urbana e a violência, para referir apenas 219

os principais, são diferentes daqueles que o Observer presume serem os da maior parte dos leitores. De facto, os semiologistas iriam mais-longe. Argumentariam que o Observer não está simplesmente a presumir que os seus leitores partilham estas significações de segunda ordem, mas sim a transformar activamente o seu leitor num "democrata liberal branco". Está a convidar o leitor a assumir esta identidade social, de modo a ser capaz de descodificar a fotografia em conformidade com os códigos dominantes ou, por outras palavras, de modo a poder chegar às significações sugeridas pela própria fotografia. O leitor, juntamente com o texto, produz a significação preferida e, nesta colaboração, o leitor constitui-se como alguém com um determinado conjunto de relações com o sistema de valores dominante e com o resto da sociedade. Isto é a ideologia em acção. Ideologia Existem várias definições de ideologia. Diferentes autores empregam o termo de formas diferentes, e não é fácil ter certezas quanto à sua utilização em qualquer contexto. Raymond Williams (1977) encontra três utilizações principais: 1. Um sistema de crenças característico de uma determinada classe ou grupo. 2. Um sistema de crenças ilusórias - ideias falsas ou falsa consciência - que pode contrastar com o conhecimento verdadeiro ou científico. 3. O processo geral da produção de significações e ideias. Estas utilizações não são necessariamente contraditórias, e qualquer utilização da palavra pode muito bem envolver elementos das outras. Mas, não obstante, identificam diferentes focos de significação. Vejamo-las uma a uma. Utilização 1 - Esta aproxima-se mais do uso que os psicólogos fazem da palavra. Os psicólogos usam "ideologia" para se referirem à forma como as atitudes se organizam num padrão coerente. Tomemos, por exemplo, um homem que sustenta um determinado conjunto de atitudes relativamente aos 220 jovens. Ele pensa que nada melhor do que um par de anos de serviço militar para fazer deles homens e resolver a maioria dos problemas sociais do país. Podemos prever, com uma certa confiança, o tipo de atitudes que esse homem sustentará em relação a assuntos como crime e castigo, classe, raça e religião. Se as nossas previsões forem correctas, poderemos dizer que ele tem uma ideologia autoritária e de direita. É ela que dá forma e coerência às suas atitudes e que lhe permite conjugá-las satisfatoriamente unias com as outras. Ora, como Brockreide (1968) sucintamente afirma, "as atitudes moram nas ideologias". No entanto, o que alguns psicólogos defendem é que a ideologia é determinada pela sociedade e não pelo conjunto, possivelmente único, de atitudes e experiências do indivíduo. Os marxistas, que têm tendência a considerar o termo como propriedade sua, relacionaram sempre a ideologia com relações sociais. Ela é socialmente determinada, e não individualista. E, para os marxistas, o facto social que determina a ideologia é a classe, a divisão do trabalho.

100 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Utilização 2 - Isto conduz-nos naturalmente, na perspectiva Williams, à segunda utilização do termo. Williams sugere que, na prática, as utilizações 1 e 2 se tomarão inevitavelmente confluentes. A ideologia torna-se, pois, a categoria de ilusões e falsa consciência através da qual a classe no poder exerce o seu domínio sobre a classe trabalhadora. Na medida em que a classe no poder controla os principais meios pelos quais a ideologia é propagada e divulgada na sociedade, ela pode fazer com que a classe trabalhadora veja a sua subordinação como "natural" e, por isso, certa. É aqui que reside a falsidade. Entre os meios ideológicos contam-se os sistemas educativo, político e jurídico, os mass media e as editoras. Uma leitura da nossa fotografia de Notting Hill, feita nestes moldes, explica a forma como as significações da fotografia dependem da ideologia dominante na qual a fotografia localiza o leitor. Esta ideologia inclui pressupostos de que a polícia tem razão, não é violenta, defende a lei e a ordem e que eles somos nós. Os jovens negros, por outro lado, são agressivos, anti-sociais, são eles. Vista por si só, como um texto isolado e discreto, esta fotografia não 221 pareceria necessariamente convidar-nos a gerar estas significações. Mas, como é evidente, ela não pode ser considerada isoladamente. Faz parte da nossa experiência cultural: a sua leitura é afectada por leituras de outras fotografias da polícia, controlando manifestantes/agitadores. As significações geradas por qualquer texto são parcialmente determinadas pelas significações de outros textos corri os quais se assemelha. Chama-se a isso "intertextualidade". O leitor deste livro poderá reunir uma colecção de imagens da polícia, nestas situações, para ver como a intertextualidade de várias fotografias toma clara a força ideoIógica. Stuart Hall (1973b) oferece-nos uma análise detalhada e convincente de uma fotografia de imprensa. Trata-se de um polícia a levar pontapés de um manifestante durante as manifestações contra a guerra do Vietname, em Grovesnor Square. Ideologicamente, a fotografia dele e a nossa são idênticas. Utilização 3 - Esta é a mais englobante das três. Na realidade, as três utilizações quase podiam ser modeladas como as caixas chinesas: a 1 está dentro da 2, que está dentro da 3. Ideologia, aqui, é um termo usado para descrever a produção social de significações. É assim que Barthes o emprega quando fala dos conotadores, isto é, dos significantes da conotação, como "a retórica da ideologia". Ideologia, assim usada, é a fonte de significações de segunda ordem. Os mitos e os valores conotados são o que são devido à ideologia: eles são as suas manifestações utilizáveis. Signos - ideologia - significados

Um exemplo ajudar-nos-á a esclarecer o modo como a ideologia funciona para produzir significação através de signos. Fiske (1979) analisou um programa de televisão escolar transmitido pela BBC a 1 de Março de 1979. Chamava-se Food and Population e a sua questão central era, para usar as palavras do programa: "Sabemos como produzir comida suficiente para alimentar uma população em contínuo crescimento, e no entanto muitos passam fome porque as soluções científicas ainda não estão a ser postas em prática". Esta questão é ilustrada com um filme do Peru, que estabelece o contraste entre a agricultura primitiva de uma aldeia dos Andes e os avanços da ciência e da tecnologia nas cidades e na faixa costeira desenvolvida. Mas esta questão é também ideológica: a afirmação apenas é significativa na medida em que quer quem a produziu, quer a sua audiência são membros de uma cultura baseada na ciência. Este programa está estruturado em tomo de certas oposições manifestas: ciência agrícola/ agricultura tradicional economia de mercado/ economia de subsistência cidade / campo crianças = bocas a alimentar/ crianças = mãos para trabalhar

101 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

progresso / estagnação, cultura cíclica mudança / tradição A oposição binária profunda que estrutura o programa é, portanto, uma oposição entre ciência e não-ciência. A estrutura profunda do programa, a sua moldura ideológica, pode ser expressa da seguinte forma: Nós estamos para eles como a ciência está para a não-ciência. As manifestações desta estrutura no programa. Este é feito por e para a cultura à esquerda da estrutura, nós e ciência, mas incide principalmente sobre a da direita, eles e não-ciência. Na prática, isto é mostrado muito claramente, por artifícios tais como a forma como o programa explica extensivamente, senão um pouco paternalisticamente, os valores e atributos da cultura da não-ciência, ao mesmo tempo que conserva os da cultura científica como presumíveis e garantidos. Este pressuposto de que esses valores são tão elementares, tão amplamente partilhados, tão naturais que nem precisam de ser referidos é aquilo a que Barthes (1973) chama "exnominação", é a ideologia em acção. 223 A ideologia da ciência Aquilo que realmente é abordado neste programa é a ideologia da ciência. São significantes diferentes, mas têm o mesmo significado, conceito que já devemos ter para compreendermos os signos de "ciência". Obviamente existem diferenças marginais nos significantes, mas o âmago do significado é comum a ambos os signos. Um membro da cultura da não-ciência à direita da nossa estrutura terá inevitavelmente um conceito diferente do nosso. O significante será o mesmo para ambas as culturas, mas o significado será significativamente diferente. E a diferença entre os significados equivale à diferença entre as ideologias. Na segunda ordem de significação, a ciência é entendida pelo mito barthesiano que inclui conceitos como: a ciência é a solução última dos problemas, a ciência é a capacidade humana para compreender e dominar a natureza e a ciência representa um dos pináculos das conquistas humanas. As suas conotações são, portanto, de valores morais e funcionais positivos: ela é boa e útil. É claro que existe um contramito, com contraconotações correntes apropriadas à subcultura ecologista/preservacionista, mas o nosso mito dominante contém o tipo de conceitos acima delineados. Estas significações de segunda ordem da ciência são produzidas pela ideologia dominante da nossa cultura, que vê a história como progresso, 226 a mudança como inevitável e para melhor, que dá a prioridade máxima ao aumento da prosperidade material e que é, finalmente, capitalista e competitiva. Mas para uma comunidade agrícola tradicional, como a apresentada no filme, estes signos de ciência podem muito bem conotar estranheza, aquilo em que não se deve confiar. Podem muito bem activar um mito da ciência como "magia deles, poderosa, mas que não é nossa", e podem não se enquadrar, seja de que forma for, numa ideologia que valoriza muito aquilo que já foi experimentado e testado - a autoridade dos anciões e dos antepassados, a continuação de uma comunidade e de um estilo de vida - em vez da mudança e melhoria, e que vê a história como cíclica e não como um desenvolvimento progressivo. Este não é um programa especial ou particularmente tendencioso. Está sim, como todos os actos de comunicação, a participar no processo ideológico normal de significação. Fundamentais para este processo são os valores conotados e os mitos comuns aos membros de uma cultura. A única forma, de eles se estabelecerem e manterem comuns é através da sua utilização frequente na comunicação. Sempre que um signo é utilizado, ele reforça a vida das suas significações de segunda ordem tanto na cultura como no utente. Temos, portanto, um modelo triangular de inter-relações. 227

As inter-relações indicadas pelas setas bidireccionais dependem todas, quanto à sua

102 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

existência e desenvolvimento, da sua utilização frequente. O utente do signo mantém-no em circulação ao utilizá-lo, e só preserva os mitos e valores conotados da cultura ao reagir à sua utilização na comunicação. A relação entre o signo e os seus mitos e conotações por um lado, e o utente por outro é uma relação ideológica. Os signos dão uma forma concreta aos mitos e valores e, ao fazê-lo, confirmam-nos ao mesmo tempo que os tomam públicos. Ao utilizarmos os signos, estamos a conservar e a dar vida à ideologia, mas também somos formados por essa ideologia e pela nossa reacção aos signos ideológicos. Quando os signos tomam públicos os mitos e valores, permitem-lhes desempenhar a sua função de identificação cultural, ou seja, permitem aos membros de uma cultura identificar a sua pertença a essa cultura através da aceitação de mitos e valores comuns, partilhados. Sei que sou um membro da minha cultura ocidental porque - para apresentar uma das muitas identificações -, entendo a ciência com os mesmos mitos e atribuo-lhes os mesmos valores conotados que a maioria dos outros habitantes do mundo ocidental. Partilho uma ideologia com os meus parceiros. Em termos concretos, eu conoto as ilustrações 15a e 15b com valores positivos, com um estatuto e credibilidade elevados. Não interpreto (como facilmente podia acontecer) o primeiro plano do aparato científico em 15b) como a conotação de que a ciência se está a tornar mais poderosa que o homem. A minha ideologia determina as significações que encontro na minha interacção com esses signos. Os conotadores e mitos são, nas palavras de Barthes, "a retórica da minha ideologia". Nesta terceira utilização a ideologia não é, por conseguinte, um conjunto estático de valores e de maneiras de ver, mas sim uma prática. A ideologia constitui-me como um membro particular da minha cultura ocidental, baseada na ciência, pelo próprio facto de eu ser capaz de utilizar e reagir adequadamente aos signos, conotações e mitos. Ao participar na prática de significação da minha cultura, sou o meio pelo qual a própria ideologia se mantém. As significações que descubro num signo derivam da ideologia na qual eu e o 228 signo existimos: ao encontrar essas significações defino-me a mim mesmo relativamente à ideologia e relativamente à minha sociedade. Poder-se-ia interpretar esta discussão da ideologia da ciência pensando que todos comungam dela de igual forma, que a ciência é socialmente neutra e que os benefícios de uma sociedade baseada na ciência são distribuídos equitativamente. E claro que tal não acontece. Ciência e tecnologia estão intimamente ligadas ao capitalismo patriarcal. Não se trata apenas de a ciência ser usada para aumentar os lucros das grandes empresas e das classes médias que mais beneficiam com ela, mas também de a ciência ser uma das formas de exercer um poder social mais difícil de definir. Os cientistas são formados pelas universidades, e os que obtêm melhores resultados no sistema universitário são, na sua maioria, originários de famílias de classe média: os indivíduos com elevado grau de formação não se tornam apenas a classe dominante - também provêm dela. Assim, a ciência ajuda a manter a estrutura do poder em vigor. A ciência é activa tanto a nível da política dos sexos como da política de classes. Na nossa sociedade o número de cientistas homens é muito superior ao do das mulheres: isto nada tem a ver com diferenças inatas ou naturais entre homens e mulheres. Faz parte das diferenças sociais - e, como tal, ideológicas - entre masculinidade e feminilidade. A ciência é, em última análise, um meio de exercer poder no mundo físico; por isso, numa sociedade onde os homens exercem poder no mundo social, parece "natural" que este poder seja também extensivo ao poder físico. A ideia dominante a respeito das mulheres cientistas é a de que elas são pouco femininas ou, pelo menos, fora do vulgar (a menos que se trate de ciências que implicam "desvelo" ou "dedicação", como a medicina). Estamos perante a ideologia em acção para fazer com que a distribuição do poder na sociedade pareça "normal" e "natural". Esta noção da ideologia como uma força política activa na sociedade, mais do que como um conjunto de ideias ou uma maneira de pensar, é analisada de forma mais completa na secção seguinte. É que, se bem que a ideologia seja uma maneira de fazer sentido, o sentido que faz tem sempre uma dimensão social e política. Sob este prisma, a ideologia é uma prática social. 229

103 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Compreender a ideologia A teoria da ideologia como uma prática foi desenvolvida por Louis Althusser (1971), um marxista da segunda geração que fora influenciado pelas ideias de Saussure e de Freud e que, assim, divisou teorias sobre estrutura e sobre o inconsciente para apoiar as teorias mais economicistas de Marx. Para Marx, a ideologia era um conceito relativamente claro. Era o meio pelo qual as ideias da classe dominante passavam a ser aceites na sociedade como naturais e normais. Todo o conhecimento está baseado nas classes: traz inscritas em si as origens de classe e actua de modo a defender os interesses dessa classe. Marx considerava que os membros da classe oprimida, isto é, da classe trabalhadora, eram levados a entender a sua experiência social, as suas relações sociais e, consequentemente, a si próprios, através de um conjunto de ideias que não eram as deles, que provinham de uma classe cujos interesses económicos e, portanto, políticos e sociais, não só eram diferentes dos seus como se lhes opunham activamente. De acordo com Marx, a ideologia da burguesia mantinha os trabalhadores, ou o proletariado, num estado de falsa consciência. A consciência que as pessoas têm de quem são, de como se relacionam com o resto da sociedade e, portanto, do sentido que conferem à sua experiência social, é produzida pela sociedade e não pela natureza ou pela biologia. A nossa consciência é determinada pela sociedade em que nascemos, não pela nossa natureza ou psicologia individual. Na fotografia do confronto entre os negros e a polícia, no capítulo 6, podemos detectar um exemplo desta teoria na prática. Os membros das classes oprimidas, negros ou brancos, que tenham dado sentido a esta fotografia 230 através das "ideias das classes dominantes" (isto é, através de mitos brancos de classe média) terão uma "falsa consciência" não só da fotografia e dos acontecimentos que ela retrata como também de si mesmos e das suas relações sociais. Estas "ideias de classe dominante" propõem que o significado do incidente seja encontrado na natureza dos jovens negros - eles são "naturalmente" agressivos, desordeiros e irreverentes - e sugerem que os polícias são os agentes imparciais de uma lei que é objectiva e igualmente justa para todas as classes sociais. A sua consciência é, por isso, "burguesa", e a fotografia "produz" os seus leitores como sujeitos burgueses que aceitam a sua relação, com o sistema socioeconómico, como justa e natural e que, por isso, extraem significações de "senso comum" de experiências sociais como este incidente. Esta é uma falsa consciência, porque nega o "verdadeiro" significado de que um conflito destes é causado por relações sociais e não pela natureza dos negros: a amargura deles é causada pela sua posição numa sociedade que continuamente os desfavorece e privilegia os brancos de classe média. Esta consciência não pode ver os polícias como eles "realmente" são agentes de uma lei destinada a preservar os interesses dos que detêm a propriedade e o poder, e a manter o status quo contra qualquer força de mudança social. O conceito de ideologia como falsa consciência era muito importante na teoria de Marx, pois parecia explicar a razão porque a maioria, nas sociedades capitalistas, aceitava um sistema social que a desfavorecia. No entanto, Marx acreditava que a "realidade" económica tinha mais influência do que a ideologia, pelo menos a longo prazo, e que os trabalhadores derrubariam inevitavelmente a burguesia e produziriam uma sociedade onde uma classe não dominaria nem exploraria a maioria e não precisaria, portanto, de a manter num estado de falsa consciência. Numa sociedade justa e igualitária não há necessidade de ideologia, porque todos terão uma "verdadeira consciência" de si mesmos e das suas relações sociais. A amargura dos jovens negros seria vista, de acordo com esta teoria, como um sinal de que a sua "realidade" socioeconómica era mais forte do que a tentativa da ideologia dominante para se fazer aceitar. 231

Contudo, à medida que o século XX avançava, tomou-se cada vez mais evidente que o capitalismo não ia ser derrubado por uma revolução interna e que a revolução socialista na Rússia não ia alastrar ao resto da Europa e do mundo ocidental. No entanto, o

104 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

capitalismo continuava a desfavorecer a maioria dos seus membros e a explorá-los em prol de uma minoria. Procurando explicar isto, pensadores marxistas como Althusser (1971) desenvolveram uma teoria da ideologia mais sofisticada, que a libertava de uma relação de causa-efeito tão fechada como a base económica da sociedade, e redefinia-a como um conjunto de práticas, contínuo e abrangente, onde todas as classes participam, mais do que como um conjunto de ideias impostas por uma classe a outra. O facto de todas as classes participarem nestas práticas não significa que as próprias práticas já não sirvam os interesses da classe dominante, pois certamente que tal acontece. Quer dizer que a ideologia é muito mais eficiente do que Marx julgava, porque opera de dentro para fora, e não de fora para dentro - está inscrita profundamente nas maneiras de pensar e de viver de todas as classes. Para dar um exemplo, um par de sapatos de salto alto não impõe às mulheres, a partir de fora, as ideias do sexo dominante (os homens); mas usá-los é uma prática ideológica de patriarcado na qual as mulheres participam, possivelmente, ainda mais do que a ideologia exigiria. Usá-los é um acto que acentua as partes do corpo feminino que o patriarcado nos treinou para considerarmos atraentes para os homens: nádegas, coxas e seios. A mulher participa assim na construção de si mesma como um objecto atraente para o olhar masculino, e como tal coloca-se sob o poder masculino (de conceder ou recusar aprovação). Usá-los limita também a sua actividade e força físicas - eles desequilibram-na e tornam-lhe o andar periclitante; por isso usá-los é praticar a subordinação das mulheres ao patriarcado. Uma mulher de saltos altos está a reproduzir e a fazer circular activamente as significações patriarcais de sexo que propõem a masculinidade como mais forte e mais activa, e a feminilidade como mais fraca e mais passiva. Uma das práticas ideológicas mais universais e mais insidiosas é aquilo a que Althusser chama "interpelação" ou "apelo". Ela é particularmente relevante 232 para este livro porque é praticada em todos os actos de comunicação. Toda a comunicação se dirige a alguém e, ao fazê-lo, coloca as pessoas numa relação social. Ao reconhecermo-nos como destinatários e reagindo à comunicação estamos a participar na nossa própria construção social e, por isso, ideológica. Se, na rua, ouvir um grito "Ei, você!", o leitor poderá virar-se, pensando que o estão a chamar, ou poderá ignorar o grito porque sabe que "ninguém", mas ninguém mesmo" lhe fala dessa maneira: estará assim a rejeitar o relacionamento implícito no chamamento. Toda a comunicação nos interpela ou chama de algum modo: um par de sapatos de salto alto, por exemplo, chama a mulher (ou homem) que gosta de os usar como um elemento patriarcal. A mulher que "se" reconhece como seu destinatário, quando os usa, coloca-se numa posição de submissão nas relações entre sexos. O homem que gosta de a ver usá-los está igualmente posicionado, mas de forma diferente: reage ao chamamento do poder. Do mesmo modo, se permitirmos que o anúncio(pág. 135) nos fale ou chame, estamos a adoptar a posição social de um indivíduo da classe média, do sexo masculino. A aceitação da ideia do feminino como puro e do masculino como a corrupção da serpente e a consideração de "senso comum" segundo a qual o homem é o sedutor e a mulher a seduzida são uma prática patriarcal. Utilizar uma bebida sofisticada e exótica como um sinal do nosso próprio papel nessa prática confere-lhe uma particular inflexão burguesa. O anúncio convida-nos - independentemente de sermos homens ou mulheres - a identificarmo-nos com a maneira masculina de dar sentido à serpente, ao álcool, à sedução e, como tal, a nós próprios: tornamo-nos assim no leitor interpelado pelo anúncio. É importante frisar este ponto, porque ele mostra que a interpelação nos pode posicionar numa categoria ideológica que pode diferir da nossa real categoria social. Assim, as mulheres podem ser posicionadas "como homens" para dar sentido masculino a si mesmas e às suas relações sociais, os negros podem ser posicionados como brancos, a classe trabalhadora como classe média e assim por diante. A comunicação é um processo social e por isso tem que ser ideológica: a interpelação é um elemento-chave na prática ideológica da comunicação. 233 A teoria de Althusser da ideologia como prática é um desenvolvimento da teoria de Marx da ideologia como falsa consciência, mas continua a sublinhar o papel desta na manutenção do poder da minoria sobre a maioria por meios não coercivos. Um outro europeu marxista da segunda geração, António Gramsci, introduziu outro termo neste

105 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

campo - hegemonia, que poderá ser entendido no sentido de ideologia como luta. Resumidamente, a hegemonia implica a constante conquista e reconquista do consentimento da maioria em relação ao sistema que a subordina. Os dois elementos que Gramsci valoriza mais do que Marx ou Althusser são a resistência e a instabilidade. A hegemonia é necessária e tem que ser muito actuante, pois a experiência social dos grupos oprimidos (seja por motivos de classe, sexo, raça, idade ou qualquer outro factor) contradiz constantemente a imagem que a ideologia dominante faz deles e das suas relações sociais. Por outras palavras, a ideologia dominante encontra, constantemente, resistências que tem que ultrapassar para conquistar o consentimento das pessoas relativamente à ordem social que está a promover. Estas resistências podem ser ultrapassadas, mas nunca são eliminadas. Por isso, qualquer vitória hegemónica, qualquer consentimento que ela conquiste, são necessariamente instáveis; nunca podem ser tomados como certos. Têm, por isso, que ser constantemente ganhos e reconquistados. Uma das estratégias hegemónicas fulcral é a construção do "senso comum". Se as ideias da classe dominante podem ser aceites como senso comum (isto é, independentemente de classes), então o seu objectivo é alcançado e o seu trabalho ideológico disfarçado. Por exemplo, na nossa sociedade faz parte do "senso comum" que os criminosos sejam indivíduos perversos ou aberrantes que precisam de castigo ou correcção. Um senso comum como este disfarça o facto dos infractores serem, na sua grande maioria, homens que pertencem a grupos sociais desfavorecidos ou destituídos de poder -eles pertencem à raça, classe ou idade "erradas". Desta maneira, o senso comum exclui o sentido possível de as causas da criminalidade serem mais sociais do que individuais, de a nossa sociedade ensinar aos homens que a sua masculinidade depende de desempenhos sociais coroados de êxito (êxito esse que se mede, 234 caracteristicamente, em termos de recompensas materiais e prestígio social), negando depois a muitos deles os meios para alcançarem esse êxito. Os "cidadãos cumpridores da lei", que "por acaso" pertencem geralmente às classes que dispõem de mais avenidas para desempenhos socialmente bem sucedidos, são assim libertados da responsabilidade de pensar que a criminalidade pode ser produto de um sistema que lhes dá tantas vantagens, e que a solução do problema poderá implicar que abdiquem de alguns dos seus privilégios. O senso comum de que a criminalidade é função do indivíduo perverso, mais do que de uma sociedade injusta, faz parte, portanto, da ideologia burguesa e, na medida em que é aceite pelos oprimidos (e até mesmo pelos próprios criminosos, que podem muito bem pensar que merecem o castigo e que o sistema da justiça criminal é justo para todos), é a hegemonia em acção. O seu consentimento em relação ao saber comum é uma vitória hegemónica, ainda que apenas momentânea. As teorias ideológicas sublinham que toda a comunicação e todas as significações têm uma dimensão sociopolítica e que não podem ser compreendidas fora do seu contexto social. Este trabalho ideológico favorece sempre o status quo, pois as classes no poder dominam a produção e a distribuição não só dos bens, mas também das ideias e significações. O sistema económico organiza-se de acordo com os seus interesses e o sistema ideológico deriva deles, operando para os promover, naturalizar e disfarçar. Sejam quais forem as diferenças entre elas, todas as teorias ideológicas concordam que a ideologia opera para manter o domínio de uma classe; as diferenças entre as ideologias residem nas formas de exercício do seu domínio, no seu grau de eficácia e na extensão da resistência que enfrentam. Para resumir em poucas palavras, podemos dizer que a teoria marxista da ideologia como falsa consciência a ligou intimamente à base económica da sociedade e postulou que a sua falsidade, relativamente às condições materiais da classe trabalhadora, resultaria inevitavelmente no derrube da ordem económica que a produziu. Marx via-a como a imposição das ideias da minoria dominante a uma maioria oprimida. Esta maioria, eventualmente, tem que se aperceber dessa falsa consciência e mudar a ordem social que lha impõe. 235

106 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

A teoria de Althusser da ideologia como prática, contudo, aparentemente não via limites à ideologia, nem historicamente, nem em relação à repercussão que ela tem em todos os aspectos da nossa vida. O seu poder reside na capacidade para envolver os oprimidos nas suas práticas e levá-los assim a construir, para si mesmos, identidades sociais ou subjectividades que nela estavam implícitas e que vão contra os seus próprios interesses sociopolíticos. A conclusão lógica da teoria de Althusser é que não existe maneira de escapar à ideologia porque, embora a nossa experiência social material a possa contradizer, o único meio de que dispomos para dar sentido a essa experiência tem sempre uma carga ideológica; por isso, a única ideia que podemos fazer de nós próprios, das nossas relações sociais e da nossa experiência é uma ideia que é uma prática da ideologia dominante. A teoria da hegemonia de Gramsci, ou a teoria da ideologia como luta, dá muito mais ênfase à resistência. Embora concordando no geral com Althusser, quanto ao facto de os oprimidos poderem consentir na ideologia dominante, participando assim da sua propagação, a sua teoria insiste também em que as suas condições sociais e materiais contradizem o sentido dominante, produzindo-lhe, desse modo, resistências. A sua explicação da estrutura do domínio é tão subtil e convincente como a de Althusser, mas dá mais importância às resistências que a ideologia tem que ultrapassar, mas que nunca consegue eliminar; a sua teoria é, em última análise, mais satisfatória, pois tem mais em conta as contradições que constituem a nossa experiência social. Segundo a teoria de Gramsci a mudança social é possível; segundo a de Marx ela é inevitável; segundo a de Althusser, improvável. Análise ideológica A ilustração tirada da revista Seventeen que, nas palavras da capa, trata de "onde acaba a rapariga e começa a mulher". Para ajudar as suas leitoras a transpor esta fronteira entre a rapariga e a mulher, ela faz circular um conjunto de significações de feminilidade que parecem atraentes e realistas 236

para as mulheres jovens e que, no entanto, em última análise servem os interesses de quem detém o poder, isto é, dos homens da classe média, um grupo cujos interesses são opostos aos das leitoras a quem esta página se dirige. Comecemos a análise pelo mais óbvio, pois a semiótica ensina-nos que é naquilo que é mais óbvio e vulgar que reside a maior significância cultural: tanto Althusser como Gramsci nos alertaram para o trabalho ideológico realizado pelo "senso comum", um trabalho efectuado pela própria expressão, pois o seu sentido não é certamente "comum" mas sim baseado numa classe, por mais disfarçada que esteja a sua origem de classe, nas ideias da classe dominante. O aspecto mais óbvio desta página é a ênfase posta na aparência e na domesticidade e no seu relacionamento. Aquilo que a página está a dizer é que as mulheres são aquilo que parecem, e aquilo que parecem é visto pelos olhos de um homem, em última instância pelo marido. As mulheres são desta forma incentivadas a verem-se (a darem sentido) a si mesmas através dos olhos do sexo oposto, do sexo dominante. A coluna central desta página conduz o nosso olhar desde uma representação de uma família. (ideal), posando para uma fotografia, tirada de um série de televisão antiga, The Waltons passando por um livro de receitas "à moda da minha mãe", até à "febre de June Cleaver" - uma rapariga de vestido às pintinhas e com avental branco aos folhos, mas com um toque de abandono sexual dado pelas mechas de cabelo "soltas" e pelo trejeito das ancas que lhe revela as coxas. As palavras fazem do avental o signo-chave da fotografia: "Os aventais já não servem só para cozinhar. Os bibes "Aka" são macios, namoradeiros, e, bem, muito juvenis". As vírgulas acanhadas, hesitantes, reproduzem a incerteza e a hesitação das mulheres jovens e apelam à leitora como se ela fosse uma jovem adolescente. Bibes e aventais são idênticas peças de vestuário, mas um bibe é uma versão infantil e o avental uma versão adulta: assim se confundem as categorias de rapariga e mulher. A sua função é a de conservar limpa aquela que o usa (os rapazes podem sujar-se, pois a sujidade condiz com a actividade masculina e com o não se dar muita importância à aparência, já que a masculinidade se define pelo que os rapazes fazem, não pelo seu aspecto. Sujar é, portanto, aquilo que o sexo masculino faz e o que o

107 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

238 feminino limpa). Um bibe evita que uma menina se suje quando brinca; um avental protege uma mulher do sujo quando ela trabalha; mas ambos preservam a aparência limpa do feminino. Assim a brincadeira das meninas desliza facilmente para o trabalho de mulher (como acontece na capa do livro de cozinha). Então a rapariga transforma-se "naturalmente" na mulher, cujo trabalho produziu a enorme quantidade de comida necessária para alimentar a família da fotografia de cima. A comida será depois distribuída pelo homem como se fosse dele, tomando-se assim invisível o trabalho da mulher: é o trabalho da mulher que permite ao homem presidir à família. A "coqueteria" da fotografia do fundo está lá apenas para atrair o homem de quem a mulher tratará e a quem servirá para o resto da vida. Na coluna da esquerda, três mulheres jovens definem-se pela sua aparência. Cada uma se apresenta à câmara consciente dela e do seu papel, que é o de ser "aquilo que é fotografado". Nenhuma delas está a fazer nada, estão todas simplesmente a ser as suas aparências. E essa aparência é de passividade, de infantilidade e de submissão. Os traços dos seus rostos estão reduzidos aos olhos e boca: a fotografia do fundo está iluminada de modo a ofuscar todos os outros elementos, e a maquilhagem e expressão dos três modelos têm o mesmo efeito. Acentuar os olhos e a boca é uma forma de "infantilizar" o sujeito, da mesma maneira que os desenhos "amorosos" de bebés, cachorros, gatinhos, bezerros ou passarinhos, significam a sua vulnerabilidade por meio de olhos enormes e bocas bonitas. A maquilhagem e as convenções fotográficas reproduzem significados de infantilidade no rosto feminino. As poses do corpo fazem o mesmo, pois todas elas curvam ou inclinam o corpo, naquilo a que Goffman (1979), numa análise pormenorizada da retratação dos sexos em publicidade, caracteriza como uma postura corporal submissa. Estas poses dirigem-se, a partir de uma posição de submissão, a um homem poderoso e erecto. A fotografia do meio na coluna da esquerda está particularmente infantilizada. O símbolo com o "Sorriso Feliz" é um desenho infantil que, como as fotografias, reduz o rosto aos olhos e à boca, e a modelo é a mais jovem e arrapazada das três. As outras duas têm sinais de uma sexualidade mais 239

madura gravada na sua infantilidade básica; por isso, a moda "brincalhona" dos símbolos da modelo do meio desliza para a moda mais "adulta" da camisa atada, em tecido fino, da modelo de cima, e o seu cabelo infantilmente em desalinho transforma-se no aspecto sofisticadamente despenteado da modelo de baixo. Isto reproduz a fusão da brincadeira da rapariga e do trabalho da mulher que encontramos na coluna do meio; assim, a conclusão é a de que a moda (ou aparência) é trabalho das mulheres - elas precisam de alimentar o olhar masculino, parecendo bem arranjadas para ele, exactamente da mesma forma, que precisam de alimentar o seu corpo, cozinhando para ele. A coluna da direita é mais complexa e contraditória. Uma das suas funções ideológicas é a de transferir os significados das palavras do título - NATURAL, consciente, verdade, real - para os significados de feminilidade propostos nelas outras colunas. A preocupação com a ecologia e a poluição é a de estar "consciente" da "verdade real" da "natureza" (ou da "verdadeira natureza da realidade", ou da "verdade real natural"; o que interessa é a associação dos conceitos, não a sua ordem gramatical). A preocupação não verbalizada e reprimida desta página é a de que alguns leitores possam considerar que a maquilhagem e a moda não são naturais, e que até se possa pensar que elas poluem o corpo feminino verdadeiro, real. A preocupação potencial que um leitor poderá sentir a este respeito é transferida para uma preocupação com o meio ambiente ("transferência" é um termo que as teorias ideológicas foram buscar à teoria freudiana do sonho: quando um assunto ou ansiedade são reprimidos, quer psicológica, quer ideologicamente, essa preocupação só pode ser expressa através da transferência para uma questão legítima e socialmente aceitável). A preocupação com o meio ambiente é louvável, e é a sua aceitação social que a toma uma transferência tão eficaz. Esta relação transferida entre maquilhagem e poluição está subjacente ao "Eu nunca uso maquilhagem pesada" dos novos pós transparentes, pois eles são invisíveis e, como tal, não poluem a

108 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

natureza do rosto - são ecologicamente puros! Outro termo usado na análise ideológica é incorporação. Ele refere-se ao processo através do qual as classes dominantes extraem elementos de resistência das classes oprimidas, usando-os para manter o status quo, mais do que para o porem à prova. Elas incorporam resistências na ideologia dominante, privando-as assim do seu oposicionismo. "Não te preocupes, sê hippie. A atitude dos anos 60 está de volta - nas roupas, na música, na alimentação e na consciência social" - este é um exemplo de incorporação. Os movimentos sociais dos anos 60, desde as marchas pela liberdade contra o racismo no Sul dos Estados Unidos até aos protestos mundiais contra a guerra do Vietname, passando pelas manifestações estudantis antigovernamentais que varreram a Europa e os Estados Unidos, tudo isso foi reduzido à moda, estilo musical e à consciência social segura e respeitável da ecologia. Não está aqui em causa o facto de a consciência social dos anos 60 poder resultar, por exemplo, nos disparos da guardanacional sobre uma manifestação desarmada na Universidade de Kent State, matando quatro estudantes. O oposicionismo político dessa década foi desactivado e incorporado na ideologia dominante. Também o "rock and roll" tem muitas vezes, para os seus fans, significados oposicionais, mas também esse facto é desactivado ao ser incorporado nas preocupações socialmente aceitáveis da ecologia e dos movimentos antipoluição. Ao relacionar estes movimentos sociais com uma preocupação relativa à natureza, a incorporação disfarça ou mascara o facto político de ser o capitalismo a causa da poluição - algo de que os hippies dos anos 60 tinham plena consciência mas que, significativamente, está ausente desta página da revista Seventeen (mascarar e ausências significativas são mais dois termos comuns à análise ideológica). Os Greatful Dead foram também incorporados. Para os seus fans iniciais, e para a maior parte dos actuais, eles eram um grupo oposicionista, promovendo estilos de vida alternativos, valores opostos e significados anticapitalistas. No entanto, para esta página, ao contrário da cultura dos anos 60 e dos Greatful Dead originais a que se refere e que incorpora, não há nada de errado com o capitalismo: na verdade, o capitalismo, longe de ser o problema, é a solução implícita, pois é o capitalismo que produz as comodidades de que uma rapariga precisa para transformar o seu visual (isto é, "ela mesma") de rapariga em aparência de mulher, e de que ela precisará 240

para tratar da casa para o marido e filhos, permitindo-lhe assim tomar-se na mulher que ela "realmente é". Mascarar a ecologia sob uma preocupação com a natureza, em vez de a mobilizar como um protesto contra o capitalismo, é outra prática ideológica desta página. Outra é ainda a comodificação. O capitalismo é um sistema que, mais do que qualquer outro, produz comodidades. Por isso, fazer com que essas comodidades pareçam naturais está no âmago de muita prática ideológica. Nós aprendemos a compreender os nossos desejos em termos das comodidades produzidas para os satisfazermos. Por esse motivo, os problemas inerentes à maturação da rapariga até se tornar mulher são enquadrados e resolvidos em termos de comodidades - aventais, livros de cozinha, símbolos "Sorriso Feliz", penteados, roupas, maquilhagem. As dificuldades em relacionar a nossa sociedade artificial com a natureza e fazê-la parecer natural são transformadas em comodidades usamos jóias com pérolas naturais, conchas ou cavalos-marinhos, e a publicidade (a forma de arte da comodidade) serve a ecologia com anúncios de televisão chamados "Soluções para a Poluição". A fotografia dos The Waltons define a família pelas suas comodidades - a mesa grande e valiosa, que expressa a unidade familiar, permitindo que todos se sentem ao mesmo tempo, a casa grande e confortável, as roupas respeitáveis, as flores, as loiças, as pratas na mesa -, todo o sentido de prosperidade da classe média toma-se essencial para o significado da família no capitalismo. São uma família que consome, são uma família com comodidades (extrair a fotografia do seu contexto original mascara o facto de a série se passar durante a Depressão e de um dos seus temas principais ser o de enfrentar a pobreza. A fotografia actua para negar leituras politicamente oposicionistas dos The Waltons e para incorporar a família num capitalismo de comodidades sem problemas). O resto da revista está, é claro, cheio de anúncios, artigos sobre moda e maquilhagem, secções de conselhos e ficção, tudo isso promovendo comodidades e, portanto, os interesses económicos de quem as produz e distribui. Os corpos e vidas das mulheres são

109 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

construídos como um conjunto de problemas 242 para os quais existem comodidades que providenciam soluções: esta página é um microcosmo da revista. E, evidentemente, a revista é a comodidade mais importante de todas. A sua bem proclamada preocupação com os interesses das jovens leitoras é, na realidade, uma forma de construir esses interesses como interesses que podem ser satisfeitos por intermédio das comodidades adequadas - incluindo a própria revista. Assim, as suas jovens leitoras são levadas a construir os interesses dela como seus, por um processo muito idêntico ao exposto por Marx quando afirma, que a ideologia fazia com que os trabalhadores adoptassem a consciência da burguesia, ou à constatação de Morley de que as mulheres adoptavam valores masculinos para desmerecerem os seus próprios gostos televisivos. Aquilo a que Barthes chama os mitos da feminilidade e do trabalho familiar opera, como todos os mitos, para transformar a história e a sociedade em natureza. Como tal, os mitos não têm em consideração diferenças entre os Waltons e uma família de hoje, nem diferenças entre a leitora de hoje e a geração dos seus pais, dos anos 60, nem diferenças entre a filha e a mãe no livro de cozinha ou entre as raparigas e as mulheres nesta página. Finalmente, também não têm em consideração qualquer diferença de interesses entre os produtores e leitores desta página. Tais diferenças produzem-se histórica e socialmente e são, por isso, mascaradas da mesma forma que o mito naturaliza os significados. Assim, o mito diz que as raparigas se tomam "naturalmente" mulheres, que "naturalmente" se tornam donas de casa, tomando significativamente ausente qualquer questão sobre o tipo de mulheres em que elas se tomaram e de quem são os interesses que essa transformação serve. A naturalização da ordem existente faz com que ela pareça universal e, consequentemente, imutável (como a natureza); o problema não é como mudar o sistema social, mas sim como nos inserirmos nele (com o auxílio das comodidades adequadas) e, portanto, como mantê-lo. Os prazeres das mulheres (de serem namoradeiras quando jovens e maternais quando mais velhas) e as comodidades através das quais os atingem são produzidos pelo sistema do capitalismo patriarcal que garante a subordinação 243 das mulheres e, enquanto as mulheres aceitarem como reais esta experiência e estes prazeres de comodidade, elas estão a promover activamente uma ideologia que vai contra os seus interesses: estão a participar na hegemonia. Ao reconhecer-se como a destinatária "chamada" por esta página, a leitora está a praticar a ideologia patriarcal e, ao aceitar o senso comum das suas representações e do seu futuro, está a ajudar a conquistar o seu consentimento, e o de outras como ela, relativamente a um sistema do qual apenas os homens de classe média podem beneficiar a longo prazo. Resistências Esta página da revista Seventeen é um bom exemplo de hegemonia em acção, mas a hegemonia tem que ser muito operante porque grande parte da experiência quotidiana das mulheres jovens contradi-la. A hegemonia é o meio pelo qual é conquistado o seu consentimento relativamente a um sistema que as desfavorece, mas as suas vitórias nunca são completas ou estáveis; por causa das experiências contraditórias da vida do dia a dia a luta nunca está ganha, e todo o terreno conquistado pela ideologia dominante tem que ser constantemente defendido e activamente conservado. As teorias ideológicas de Marx e Althusser são úteis por revelarem como são abrangentes e insidiosos os processos da ideologia dominante, mas esta ênfase leva-os a ignorar ou subestimar a amplitude da sua luta e a resistência que enfrenta. Ambas as teorias se inclinam para o pressuposto de que o poder ideológico é quase irresistível. Por isso a análise ideológica tende a concentrar-se na coerência dos textos, na maneira corno todos os seus elementos se conjugam para contar a mesma história, a história do capitalismo patriarcal dos brancos. No entanto, a teoria da hegemonia alarga esse centro de interesse através das forças dominantes, incentivando-nos a procurar momentos de fraqueza nos textos, contradições na sua coerência e fluência ideológicas. Embora reconhecendo que essas forças procurarão sempre incorporar a resistência, ela põe em dúvida a eficácia última desta estratégia e defende que

110 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

244 alguns vestígios dessa resistência permanecerão forçosamente. Essas contradições e vestígios de significações resistentes podem ser identificadas através de uma análise hegemónica dos textos, mas só o estudo etnográfico poderá determinar se eles realmente são ou não absorvidos e trabalhados. O "visual sem maquilhagem" é uma estratégia para incorporar a resistência de muitas mulheres jovens à prática ideológica de pintarem os rostos. Muitas sentem que se se maquilharem estão a vender-se ao sistema e que, praticando-o, se estão a vender barato, aceitando uma identidade social e um sentido do eu que não é o delas. Na página da revista Seventeen encontram-se vestígios deste ponto de vista, com a sua resistência tanto ao capitalismo como ao regime do patriarcado, e eles estão disponíveis para promoverem leituras oposicionais. De igual modo, a modelo da fotografia do canto superior esquerdo traz umas calças de ganga rasgadas. As calças rasgadas podem ser um sinal de resistência à ideologia dominante - elas são usadas mais tempo do que o normal, de modo que a compra de um novo par é adiada: uma pequena mas significativa resistência à comodificação. Também se opõem à ideia de que as raparigas "respeitáveis" (isto é, as possíveis esposas de homens igualmente respeitáveis) devem andar limpas, arranjadas e bem vestidas. Elas oferecem pelo menos um indício de significações que se opõem às que são tão insistentemente preferidas no resto da página. Num outro trabalho (Fiske 1989a) empreendo um estudo etnográfico sobre as práticas ideológicas implicadas no uso das calças de ganga. Constatou-se que o seu uso põe em circulação três grupos ou conjuntos principais de significações. O primeiro é a sua associação com trabalho duro e passatempos violentos, com actividade e com a dignidade do trabalho, sobretudo com o trabalho por conta própria. O segundo é um conjunto de associações reunidas em torno do Oeste americano liberdade, naturalidade, dureza, informalidade, auto-suficiência, tradição. E, finalmente, temos as significações da identidade americana e do consenso social. As calças de ganga são a única contribuição dos Estados Unidos para a cena da moda internacional. Elas são 245 consensuais na medida em que podem ser usadas por ambos os sexos, por todas as classes, raças e idades - transcendem todas as categorias sociais e são portadoras do mito de que na América todos são livres e iguais. Portanto, para aqueles cujo sexo e idade dá para não falar em raça ou classe) lhes dizem que não são tão livres e iguais como outros, levando-os a desejar contradizer algumas das significações dominantes das calças de ganga, rasgá-las pode ser um sinal de resistência à ideologia dominante. Claro que a indústria reage a isso e procura incorporar essa resistência lançando designs de calças de ganga rasgadas (ou desbotadas), mas o "artigo do estilista" e o artigo "genuíno" continuam a ser diferentes, e as diferenças são reconhecidas por quem veste cada um dos estilos: há sempre alguma resistência que continua a ser, em última análise, impossível de incorporar. A rapariga do meio, à esquerda na página da revista, veste um conjunto de ganga unissexo arrapazado - que é adequado, visto que ela é a mais nova das mulheres apresentadas e, como tal, a que está mais próxima da puberdade, altura em que as diferenças entre sexos são menos acentuadas. Mas ela não deixa de ser, claramente, uma jovem em idade pós-púbere e, por isso, os seus sinais de recusa das diferenças entre sexos podem conter também indícios de resistência às significações ideologicamente restritas de feminilidade que o resto da página promove. Se se pretende que esta página seja popular, se se pretende que ela apele convenientemente aos leitores a quem se dirige, ela deve conter alguns sinais da sua posição social oposicionista paralelamente à voz da ideologia dominante. Sem essas contradições, muitos dos leitores visados poderiam não se reconhecer como seus destinatários. Recusariam, assim, a sua interpelação, e ela não conseguiria comunicar com eles. A página tem que se contradizer a si própria da mesma maneira que a experiência social dos oprimidos contradiz as significações que a ideologia dominante lhes propõe. A teoria da hegemonia argumenta que o trabalho ideológico desta página para conquistar o consentimento das mulheres jovens em relação ao capitalismo patriarcal não é apenas uma

111 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

prática ideológica, mas sim uma luta ideológica, e que os sinais 246 da resistência que ela tem que ultrapassar nunca podem ser eliminados, que alguns ficam para sempre, para alimentarem mais resistência no futuro. Em última instância, o consentimento dos oprimidos relativamente ao sistema dominante nunca se conquista; há sempre elementos de relutância ou resistência que ficam, e o grau de consentimento variará sempre consideravelmente entre os leitores desta página. A teoria da hegemonia tem em conta as significações das jovens mulheres menos tradicionais e mais rebeldes que desafiarão e, possivelmente, modificarão, as dominantes. Ela é assim mais optimista e mais progressista do que aquelas teorias que se concentram exclusivamente na ideologia dominante. Sugestões para trabalho adicional

1. Faça uma análise semiótica do anúncio . Preste particular atenção à significação de segunda ordem: mostre como essa ordem só pode ser significativa dentro de uma ideologia específica. Deverá discutir a ideologia da família, da masculinidade e da feminilidade, dos papéis dos sexos, da natureza oposta à cidade, do lazer oposto ao trabalho, do consumo oposto à produção, e da dominação de classe. Este estudo deverá produzir uma leitura preferida de acordo com o código dominante. Faça agora uma leitura negociada apropriada, por exemplo, de um adepto da marcha que goste da natureza em geral e dos Dales de Yorkshire em particular, mas que nunca utilizaria a natureza da mesma forma, anti-séptica e suburbana que a família apresentada. Imagine outras leituras negociadas e outros leitores. Lembre-se de que uma leitura negociada aceita e opera no seio da ideologia dominante, mas negoceia uma atitude diferente ou um lugar mais privilegiado para certas questões, crenças ou grupos de pessoas. Delineie uma ideologia que produza para este anúncio uma leitura radicalmente oposta ou que o tome sem sentido (ou quase). Discuta o papel da análise semiótica na descoberta ou descortinar da prática 247 ideológica. Será que a consciência de preferência de certas leituras relativamente a outras e do sistema ideológico dentro do qual essa preferência opera nos fornece uma defesa contra uma doutrinação constante por parte da ideologia dominante? Será que essa consciência torna uma doutrina dessas impossível (visto que, para ser eficaz. tem que actuar sob o limiar da consciência)? Ou será que ela nos oferece simplesmente a opção de 248

aceitar ou rejeitar a leitura preferida? A análise semiótica tem necessariamente uma dimensão política ou moral? Leituras adicionais: Dyer (1982), capítulo 6; Hartley (1982), capítulo 3 e 9; Williamson (1978), págs. 40-45,122-137; Morley (1980), págs. 16-21, 134; Barthes (1977), págs. 32-51. 2. Tome as ilustrações . As fotografias das ilustrações foram publicadas na imprensa (após considerável tratamento editorial); a da ilustração 18 não foi. Porque não? Usando estas cinco ilustrações como dados, discuta o tema "Ideologia e representação da polícia nos media". Deverá utilizar a teoria de Barthes sobre a significação de segunda ordem como "retórica da ideologia", e deverá comparar e contrapor a "ideologia profissional" dos homens e valores ligados ao jornalismo à ideologia "dominante" da cultura como um todo. Elabore a disposição da pagina e a legenda que permitiriam que a ilustração 18 fosse utilizada num jornal de grande circulação. Apresente razões para as suas decisões editoriais e mostre em que medida é que elas têm em conta o seu entendimento da ideologia. Mostre ainda que compreende a interacção entre palavras e imagem visual. 250

112 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

E assim nos aproximamos do fim. É portanto altura de nos voltarmos a referir à Introdução para esclarecermos a forma como iniciámos a nossa abordagem do estudo da comunicação. A escola processual, com o seu modelo de senso comum para abordar a comunicação, apresenta muitos atractivos. Parece mais funcional; pode estimular-nos a melhorar as nossas técnicas de comunicação que, por sua vez, permitirão impormo-nos com mais eficácia no mundo que nos rodeia. Ela vê a comunicação como determinante e o melhoramento da comunicação como uma maneira de aumentar o controlo social. Daí os seus atraentes e interessantes estudos da audiência e dos efeitos da comunicação. Em suma, trata-se do ponto de vista do executivo da publicidade. Mas a semiótica, decorrente em larga medida de Saussure e Peirce, interessa-se não pela transmissão de mensagens, mas sim pela criação e intercâmbio de significações. Aqui, a ênfase não incide nas fases do processo, mas no texto e na interacção deste com a sua cultura produtora/receptora: o interesse reside no papel da comunicação no estabelecimento e manutenção de valores e na forma como esses valores permitem que a comunicação tenha significado. O interesse de Saussure e de Peirce pela natureza do próprio signo, mais do que pela forma como ele é transmitido, marcam esta mudança de orientação. Esta escola não tem o conceito de fracasso de comunicação e não se preocupa muito com a eficácia ou precisão. A comunicação tem que ocorrer: um caso em que a minha significação seja diferente da do outro não é considerado 251

como um fracasso da comunicação, mas sim como indicador de diferenças culturais ou sociais entre as duas partes. E uma divergência de significação não é necessariamente em si própria algo de negativo: pode, de facto, ser uma fonte de riqueza cultural e de preservação subcultural. De acordo com esta escola, se desejarmos minimizar a divergência das significações, não devemos procurar consegui-lo através do melhoramento da eficácia do processo de comunicação, mas sim pela minimização das diferenças sociais. Por outras palavras, os factores determinantes da comunicação residem na sociedade e no mundo que nos rodeia, e não no próprio processo. É evidente que tal significa que as diferenças culturais e sociais têm de produzir, inevitavelmente, aquilo que a escola processual consideraria fracassos de comunicação. Para darmos um exemplo elucidativo e conhecido, nas organizações industriais os conflitos são frequentemente atribuídos a fracassos da comunicação. Esta é uma explicação da escola processual. Um semiologista diria que um fracasso da comunicação é coisa que não existe: quando a força do trabalho encontra, nas palavras e acções dos patrões, uma significação diferente da do patronato, estamos perante uma manifestação de diferenças socioculturais: o fenómeno é, em si mesmo, uma mensagem sobre as relações sociais dentro da firma e da sociedade e, por isso, não será resolvido por melhoramentos introduzidos na eficácia do processo de comunicação. Outro exemplo corrente e conhecido é o da violência na televisão. Os proponentes da escola processual vêem um elo linear directo entre a violência na mensagem televisiva e o desencadeamento de violência no receptor. Os semiologistas argumentariam que se o leitor é levado à violência, então teremos que procurar causas para a violência tanto na sua experiência sociocultural como na mensagem televisiva, e que nenhuma alteração nessa mensagem televisiva reduzirá, por si só, a violência na sociedade. Não é minha intenção sugerir que há uma maneira correcta e outra errada de estudar a comunicação, mas sim que existem vias que são mais ou menos frutíferas. Na minha opinião, a escola semiótica aborda as questões mais importantes da comunicação e é mais útil para nos ajudar a compreender a 252 infinidade de exemplos com que nos deparamos no dia-a-dia. Mas, evidentemente, não penso que ela seja capaz de fornecer todas as respostas. O trabalho mais empírico da escola processual é muitas vezes necessário para preencher lacunas perigosas deixadas em aberto pela semiótica. Pena é que os proponentes de arribas as escolas mostrem tendência para ignorar ou denegrir trabalho uma da outra. Agrada-me ver que alguns trabalhos recentes (como de Gerbner ou o de Morley) estão a dar sinais de que as duas escolas se podem aproximar. Espero que este livro também contribua para esse fim.

113 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

253

Referências Abercrombie, M. (1960) - The Anatomy of Judgement, London: Hutchinson. Althusser, L. (1971) - "Ideology and ideological state apparatuses" in Lenin and Philosophy and other Essays, New York and London: Monthly Review Press, 127-186. Argyle, M. (1972) - "Non-verbal communication in human social interaction" in Hinde, R. (ed.) (1972). Baggaley, J. and Duck, S. (1976) - The Dynamics of Television, Famborough, Hants: Saxon House Barr, C. (1975) - "Comparing styles: England v. West Germany" in Buscombe, E. (ed.) (1975). Barthes, R. (1968) - Elements of Semiology, London: Cape. - (1973) Mythologies, London: Paladin. - (1977) Image-Music-Text, London: Fontana. - (1961) "The photographic message" in Barthes (1977). - (1964) "The rhetoric of the image" in Barthes (1977). - (1970) "The third meaning" in Barthes (1977). Benjamin, W. (1970) - "The work of art in the age of mechanical reproduction" in Curran, J., Gurevitch, M., and Woollacott, J. (eds.) (1977). Bernstein B. (1973) - Class, Codes, and Control (vol. 1), London: Paladin. - (1964) "Elaborated and restricted codes: their social origins and some consequences" in Smith, A. G. (ed.) (1966). BlumIer, J. and Katz, E. (eds.) (1974) - The Uses of Mass Communications, Beverley Hills, California: Sage. Brockreide, E. (1968) - "Dimensions of the concept of rhetoric" in Sereno, K. and Mortenson, C. D. (eds.) (1970) Foundations of CommunicationTheory, New York: Harper & Row. Buscombe, E (ed.) (1975) - Football on Television, London: British Film Institute. Cherry, C. (195.7) (20 ed. 1966) - On Human Communication, Cambridge, Mass.: MIT Press. Cohen, S. and Young J. (eds.) (1973) - The Manufacture of News, London: Constable. Corner, J. and Hawthorn, J. (eds.) (1980) - Communication Studies, London: Amold. Culler, J. (1976) - Saussure, London: Fontana. Curran, J., Gurevitch, M., and Woollacott, J. (eds.) (1977) - Mass Communication and Society, London: Amold. Dominick, J. and Rauch, G. (1972) of Broadcasting, 16, pp. 259-265.

" Me image of women in network TV commercials", J.

Dyer, G. (1982) - Advertising as Communication, London: Methuen Eco, U. (1965) - "Towards a semiotic inquiry into the TV message" (trad.), in Working Papers in Cultural Studies, University of Birmingham, N1. 3 (1972), pp. 103-121; também in Corner, J. and Hawthom, J. (eds.) (1980). Evans, H. (1978) - Pictures on a Page, London: Heinemann.

114 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Fiske, J. (1987) - Television Culture, London and New York: Methuen. 256 - (1989a) Understanding Popular Culture, Boston: Unwin Hyman. - (1989b) Reading the Popular, Boston: Unwin Hyman. - (1979) "Roland Barthes and the hidden curriculum", J. Educational Television, V.3, pp. 84-86. Fiske, J. and Hartley, J. (1978) - Reading Television, London: Methuen. Fiske, J., Hodge, R., and Turner G. (1987) - Myths of Oz: Readings in Australian Popular Culture, Sydney: Allen and Unwin; Boston: Unwin. Hyman. de Fleur, M. (1964) - "Occupational roles as portrayed on television", Public Opinion Quarterly, 28, pp. 57-74. Galtung, J. and Ruge, M. (1973) - "Structuring and selecting news" in Cohen, S. and Young J. (eds.) (1973). Gerbner, G. (1956) - "Toward a general model of communication", AudioVisual Communication Review, IV-3, pp. 171-199. - (1970) "Cultural indicators: the case of violence in television drama", Annals of the American Association of Political and Social Science, 338, pp. 69-81. - (1973a) "Cultural indicators: the third voice" in Gerbner, G., Gross L., and Melody, T. (eds.) (1973). - (1973b) "Teacher image in mass culture: symbolic functions, of the "hidden curriculum" in Gerbner, G., Gross, L., and Melody, T.(eds.) (1973). Gerbner, G. and Gross L. (1976) - "Living with television: the violence profile", J. of Communication, 26:2, pp. 173-199. Gerbner, G., Gross, L. and Melody, T. (eds.) (1973) - Communication Technology and Social Policy, New York: Wiley-Interscience. Glasgow Media Group (1976) - Bad News, London: Routledge & Kegan Paul. - (1980) More Bad News, London: Routledge & Kegan Paul. Goffman, E. (1979) - Gender Advertisements, London: Macmillan, 257

Guiraud, P. (1975) - Semiology, London: Routledge & Kegan Paul. Gusfield, J. and Schwartz, M. (1963) Sociological Review, p. 270.

"Me meanings of occupational prestige", American

Hall, S. (1973a) - "Encoding and decoding in the television message" in Hall, S., Hobson, D., Lowe, A., and Willis, P. (eds.) (1980). - (1973b) "The determinations of news photographs" in Cohen, S. and Young J. (eds.) (1973). Hall, S., Connell, L, and Curti, L. (1976) - "The "unity" of current affairs television" in Working Papers in Cultural Studies, University of Birmingham, N1. 9, pp. 5 1-94.

115 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Hall, S., H Hobson D., Lowe, A., and Willis, P. (eds.) (1980) - Culture, Media, Language, London: Hutchinson. Hartley, J. (1982) - Understanding News, London: Methuen. Hawkes, T. (1977) - Structuralism and Semiotics, London: Methuen. Head, S. (1954) - "Content analysis of television drama programs", Quarterly of Film, Radio and Television, 9:2, pp. 175-194. Hinde, R. (ed.) (1972) - Non-verbal Communication, Cambridge: Cambridge University Press. Hobson, D. (1982) - Crossroads: The Drama of a Soap Opera, London: Methuen. Hodge, R. and Tripp, D. (1986) - Children and Television, Cambridge: Polity Press. Jakobson R. (1960) - "Closing statement: linguistics and poetics'' in Sebeok, T. (ed.) (1960) - Style and Language, Cambridge, Mass.: MIT Press; também in de George, R. and de George, E (eds.) (1972) - The Structuralists from Marx to Lévi-Strauss, New York Doubleday, Anchor Books. Jakobson, R. and Halle, M. (1956) - The FundamentaIs of Language, The Hague: Mouton. 258 Katz, E., Gurevitch, M., and Hass, E. (1973) - "On the uses of the mass media for important things" American Sociological Review, 38, pp. 164-18 1. Kottak, P. (1982) - Researching American Culture, Ann Arbor: University of Michigan Press.

Lakoff, G. and Johnson, M. (1980) - Metaphors We Live By, Chicago: University of Chicago Press. Lasswell, H. (1948) - "The structure and function of communication in society" in Bryson, L. (ed.) (1948) - The Communication of Ideas, New York: Institute for Religious and Social Studies; também in Schramm, W. (ed.) (1960) Mass Communications, Illinois: University of Illinois Press. Leach, E. (1974) - Lévi-Strauss, London: Fontana. - (1976) - Culture and Communication, London: Cambridge University Press. - (1964) - "Anthropological aspects of language: animal categories and verbal abuse" in E. Lennenberg (ed.) (1964) New Directions in the Study of Language, Cambridge, Mass.: MIT Press, pp. 23-63. Leech, G. N. (1969) - A Linguistic Guide to English Poetry, London: Longman. Lévi-Strauss, C. (1969) - The Raw and the Cooked, London: Cape. McKeown, N. (1982) - Case Studies and Projects in Communication,London: Methuen. McLuhan, M. (1964) - Understanding Media, London: Routledge & Kegan Paul. - (1967) - The Mechanical Bride, London: Routledge & Kegan Paul. McQuail, D. (ed.) (1972) - Sociology of Mass Communications, Harmondsworth:Penguin.(1975) - Communication, London:Longman. McQuail, D., BlumIer, J., and Brown, R. (1972) "Me television audience: a revised perspective" in McQuail, D. (ed.) (1972).

116 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

259

Monaco, J. (1977) - How to Read a Film, New York Oxford University Press, Morley, D. (1980) - The Nationwide Audience, London: British Film Institute - (1986) Family Television, London: Comedia/ Methuen. Newcomb, T. (1953) - "An approach to the study of communication acts", Psychological Review, 60, pp. 393-400; também in Smith, A. G. (ed.) (1966). Ogden, C. and Richards, 1. (1923; 20. ed. 1949) - The Meaning of Meaning, London: RoutIedge & Kegan Paul. Osgood, C. (4967) - The Measurement of Meaning, Illinois: University of Illinois Press. Paisley, W. (1967) - "Studying style as a deviation from encoding norms" in Gerbner, G. et al. (eds.) (1969) The Analysis of Communication Content New York Wiley. Parkin, E (1972) - Class Inequality and Political Order, London: Paladin. Peirce, C. S. (1931-58) - Collected Papers, Cambridge, Mass.: Harvard University Press. Radway, J. (1984) - Reading the Romance: Feminism and the Representation of Women in Popular Culture, Chapel Hill: University of North Carolina Press. Saussure, de E (1974) (P ed. 1915) - Course in General Linguistics, London: Fontana. Sebeok, T. (ed.) (1977) - A Perfusion of Signs, Bloomington: Indiana University Press. - (ed.) (1978) - Sight, Sound and Sense, Bloomington: Indiana University Press. Seggar, J. and Wheeler, P. (1973) - "The world of work on television: ethnie and sex representation in TV drama", J. of Broadcasting, 17, pp. 201-214. Shannon, C. and Weaver, W. (1949) - The Mathematical Theory of Communication, Illinois: University of Illinois Press. 260 Smith, A. G. (ed.) (1966) - Communication and Culture, New York: Holt, Rinchart & Winston. Smythe, D. (1953) - "Three years of New York television", National Association of Educational Broadcasters Monitoring Study, N1. 6, Urbana, Illinois. Walker, M. (1978) - Daily Sketches: A Cartoon History of British Twentieth Century Politics, London: Paladin. Weaver, W. (1949a) - "Recent contributions to the mathematical theory of communication", Appendix to Shannon, C. and Weaver, W. (1949). - (1949b) - "The mathematics of Communication'', Scientific American, 181, pp. 11-15; também in Smith, A. G. (ed.) (1966).

Welch, R., Huston-Stein, A., Wright, J., and Plehal, R. (1979) - "Subtle sex role cues in children's commercials", J. of Communications, 29:3, pp. 202-209. Westley, B. and MacLean, M. (1957) - "A conceptual model for communication research", Journalism Quarterly, 34, pp. 31-38. Williams, R. (1977) - Marxism and Literature, Oxford: Oxford University Press.

117 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Williamson, J. (1978) - Decoding Advertisements, London: Marion Boyars. Woollacott, J. (1977) - Messages and Meanings, Milton Keynes: The Open University Press (DE 353, Unidade 6). Wright, C. R. (1959) (20. ed. 1975) - Mass Communications: A Sociological Approach, New York: Random House. Zeman, J. (1977) - "Peirce's theory of signs" in Sebeok, T. (ed.) (1977). 261

Leituras suplementares Recomendam-se os livros seguintes para quem desejar aprofundar as leituras sobre as questões levantadas neste volume: Barthes, R. (1973) - Mythologies, Londres: Paladin. Uma colectânea de ensaios original, vigorosa, por vezes difícil, sobre "textos" contemporâneos muito variados. De ler pelo menos a primeira metade de "Myth today" (a segunda metade é menos acessível, mas o esforço justifica-se, no caso de alunos interessados). Barthes, R. (1977) - Image-Music-Text, Londres: Fontana. Outra colectânea de ensaios. A não perder "Thee photographic message" e "The rhetoric of the image". Cherry, C. (1957) (20. edição 1966) - On human Communication, Cambridge, Mass.: MIT Press. Obra mais antiga, exaustiva, embora a perspectiva matemática não tenha comprovado ser tão frutífera como se esperava requer uma leitura selectiva. Cohen, S. and Young J. (eds.) (1973) - The Manufacture of News, Londres: Constable. Uma boa selecção de ensaios - específicos, aplicados, teóricos, relevantes e por vezes divertidos: que mais se poderá pedir?

263

Corner, J. e Hawthorn J. (eds.) (1980) - Communication Studies, Londres: Arnold. Um livro de leitura que faz uma verdadeira tentativa para estudar todo o campo; secções sobre: comunicação, definições e abordagens; percepção, comportamento, interacção; linguagem, pensamento, cultura; significado e interpretação; comunicação de massas. Está representada a maior parte das autoridades principais - uma boa base de apoio para este livro. Culler, J. (1976) - Saussure, Londres: Fontana. Uma apresentação bem redigida das teorias e da importância do grande linguista. Fiske, J. e Hartley, J. (1978) - Reading Television, Londres: Methuen. Útil pela sua explicação da teoria semiótica e da análise de conteúdo, com exemplos. Está, evidentemente, aplicado à televisão, mas tem possibilidades de aplicações mais vastas. Guiraud, P. (1975) - Semiology, Londres: RoutIedge & Kegan Paul. Um livro útil, pouco extenso, que explica os principais termos mas que é escasso em análise aplicada. Raro na medida em que é um exemplo de semiótica não-esquerdista. Hall, S. Hobson, D. Lowe, A. e Willis, P. (eds.) - Culture, Media, Language, Londres: Hutchinson. Uma colectânea de alguns dos principais trabalhos do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos de Birmingham. Contém alguns estudos avançados, mas é de leitura importante para o estudante mais interessado. Ver especialmente a secção sobre

118 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

o estudo dos media. Hawkes, T. (1977) - Structuralism and Semiotics, Londres: Methuen. Literário na ênfase e nos exemplos, faz uma boa cobertura da teoria da semiótica e seu desenvolvimento. McQuail, D. (1975) - Communication, Londres: Longman. Exaustivo, sociológico, nem sempre de fácil leitura. No entanto, o esforço justifica-se pela panorâmica teórica que dá de todo este domínio. Morley, D. (1980) - The Nationwide Audience, Londres: British Film. Institute. Uma obra altamente recomendada; combina admiravelmente a teoria semiótica/cultural com o estudo empírico. Smith, A. G. (1966) - Communication and Culture, Nova lorque: Holt, Rinehart & Winston. Uma extensa colectânea de ensaios - especialmente útil devido à quantidade de modelos que inclui. Ensaios de Weaver, Cherry, Newcomb, Westley e MacLean, Bernstein, Goffman, para referir apenas alguns. Webster, F. (1980) - The New Photography, Londres: John Calder. Nas sugestões para trabalho adicional não é feita referência específica a este livro, mas ele estuda a leitura de fotografias noticiosas e de anúncios publicitários. É cuidadoso, de fácil leitura e recomendável.

Livros recomendados para leitura adicional Livros de leitura Hinde, R. (1972) - Non-Verbal Communication, Cambridge: Cambridge University Press. Excelente colectânea de ensaios essencialmente sobre comunicação, códigos e história cultural. Ver especialmente os ensaios de MacKay, Lyons, Argyle, Leach, Miller e Gombrich. Sereno, K. e Mortenson, C. D. (eds.) (1970) - Foundations of Communication Theory, Nova Iorque: Harper & Row. Mais uma magnífica colectânea de ensaios que ilustra a variedade de abordagens do estudo da teoria da comunicação. Alguns são avançados, mas a maioria são de fácil leitura. Contém secções incluindo: perspectivas, sistemas, codificaçãodescodificação, interacção e contexto social. Curran, J. Gurevitch, M., e Woollacott, J. (eds.) (1977) - Mass Communication and Society, Londres: Arnold. Excelente livro de leitura, tocando todos os pontos quentes dos estudos dos media. A lista dos colaboradores parece um "Quem é quem" dos estudos dos media. Algumas leituras muito avançadas, poucas ao nível da iniciação, mas uma mina de ouro para quem estiver preparado para escavar. McQuail, D. (ed.) (1972) - Sociology of Mass Communications, Harmondsworth: Penguin. Bom livro de leitura, mais para um nível de iniciação do que Curran et al. (1977). Um vasto leque de tópicos por uma prestigiosa série de autores. Buscombe, E. (ed.) (1975) - Football on Television, Londres: British Film Institute. Livrinho barato, de fácil leitura. Excelente pela forma como exemplifica vários métodos de análise. Capaz de inspirar numerosas ideias para trabalho individual e de grupo. Recomendado. Livros de texto Lin, N. (1973) - The Study of Human Communication, Nova lorque: Bobbs Merrill. Bom livro de texto, especialmente rico nas abordagens linguística, psicológica e sociopsicológica. De estilo científico. Mortenson, G. (1972) - Communication: The Study of Human Interaction, Nova Iorque: McGraw-Hill. Outro bom livro de texto da escola da "transmissão". Bem ilustrado, agradável, mais abrangente do que Lin (1973). Boa introdução.

119 of 120

29-09-2015 12:16

http://www.bidvb.com:2300/+biblioteca dos bidvinianos/+textos gravado...

Semiótica Monaco, J. (1977) - How to Read a Film, Nova lorque: Oxford University Press. Uma crítica cuidadosa e bem ilustrada da teoria e conceitos semióticos, fundamentada em ideias extraídas da teoria da percepção e aplicadas ao filme. Boa análise dos códigos especificamente fílmicos. Boa alternativa a Fiske, J. e Hartley (1978).

266 Woollacott, J. (1977) - Messages and Meanings, Milton Keynes: The Open University Press (DE 353, Unidade 6). Uma exposição sucinta da principal teoria e métodos da semiótica; marxismo aplicado de agradável leitura - não pode ser mau! Mass media Golding, P. (1974) - The Mass Media, Londres: Longman. Versão britânica de Wright (1959), mas mais curto, mais actual, embora omisso em matéria de estudo de conteúdo. Bom livro. Williams, R. (1962) (30. edição 1976) - Communications, Harmondsworth: Penguin. Livro pouco extenso, recomendado. Boa história e um capítulo muito bom sobre o tema da imprensa, a pedir comparações com a imprensa actual. Williams, R. (1974) - Television: Technology and Cultural Form, Londres: Fontana. Boa história sociotecnológica seguida de excelentes capítulos sobre a forma e conteúdo da televisão; alguns exemplos americanos. Wright, C. (1959) (20. edição 1975) - Mass Communication: A Sociological Approach, Nova Iorque: Random House. Bom texto introdutório, interessante, abrangendo as funções, instituições, conteúdos e efeitos dos media, juntamente com capítulos sobre os comunicadores e a audiência. Um tanto ou quanto datado e confinado à sua abordagem sociológica liberta de problemas, mas ainda assim um bom ponto de partida para iniciar o estudo dos media. Comunicação não-verbal Argyle, M. (1972) (30. edição 1978) The Psychology of Interpersonal behaviour, Harmondsworth: Penguin 267 - (1975) Bodily Communication, Londres: Methuen. Duas obras-chave da maior autoridade britânica em matéria de abordagem sociopsicológica do estudo da comunicação não-verbal. Ambas são de fácil leitura, embora o livro de 1972 seja provavelmente a via mais fácil para se começar. O de 1975 é mais generalizado e tem mais em conta o contexto sociocultural. Hall, E. (1973) - The Silent Language, Nova lorque: Anchor Books. Um útil contraponto de Argyle: como antropologista, Hall dá mais importância ao papel desempenhado pela cultura na comunicação não-verbal. 268 FIM

120 of 120

29-09-2015 12:16

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF