INTRODUÇÃO AO DIREITO I-II

April 5, 2017 | Author: Carlos Filipe Costa / Inês Roncha / Cláudia Alves | Category: N/A
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INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 25 de Setembro de 2009, 11h-12h30 – Aula Teórica)

O ser humano é um animal político e social, tal como Aristóteles afirmou, mas também racional que necessita de um conjunto de normas para viver em sociedade; ➢ O Direito é uma realidade somente dos seres humanos, dado que noutros casos não se aplicam normas jurídicas; ➢ As regras éticas, de trato social, religiosas não são normas jurídicas, apesar de disciplinarem a vida das pessoas; ➢ A criação do Estado é um facto bastante posterior à existência do Direito. Assim, nem todas as normas jurídicas são provenientes desta realidade moderna do século XV. Existem instituições supranacionais, como a ONU, que produzem normas jurídicas. Todavia, na actualidade, a grande maioria das normas são provenientes do Estado. Instituições como a União Europeia impõem normas jurídicas aos Estados que abdicam de parte da sua soberania. Podemos, por isso, falar de “erosão estadual”; ➢ Compete, principalmente, à Assembleia da República produzir e proclamar normas gerais e abstractas, sob a forma de suporte escrito. Todavia, em tempos mais remotos, existiam igualmente normas não-escritas (consuetudinárias), com igual valor (p.e. costume) que advêm de práticas regulares de uma sociedade. O costume é, por isso, também uma fonte de Direito. Em países europeus, como a Inglaterra ou em diversos países do continente africano, o costume assume primordial importância; ➢

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➢ Noutros tempos, a Lei não assumia a primazia das fontes de Direito. Daí que tenhamos que relativizar o poder da Lei; ➢ Estabelece-se uma conexão entre Direito e Justiça, dado que as normas jurídicas ambicionam este objectivo. Atentando no exemplo dos condenados pelo Tribunal de Nuremberga por crimes contra a Humanidade (pós-II Guerra Mundial), verificou-se que os seus actos, apesar de estarem de acordo com o regimento da época, não estavam de acordo com o ideal de Justiça. O sistema vigente não foi autolegitimado; ➢ A culpa é uma censura pessoal. A actuação ilícita distingue-se da censura pessoal; ➢ Em determinadas situações excepcionais, alguns valores se alevantam e se sobrepõem às normas jurídicas. A violação do princípio da independência nacional pode suceder, se estiver em causa a dignidade humana da população do Estado invadido, impondo-se uma intervenção de carácter urgente. Assim, acima da Lei, está o Direito; ➢ O Direito deve ser considerado também um conjunto de valores e não apenas de Leis, esta é a concepção do Estado de Direito material.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I (continuação) (Terça-Feira, 29 de Setembro de 2009, 9h-11h – Aula Prática)

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➢ Mesmo as normas que regulam a actividade do Presidente da República são gerais, dado que se destinam às sucessivas pessoas que vão ocupando esse cargo; ➢ Nem todo o Direito é de origem estadual. Existem normas provenientes de práticas regulares (consuetudinárias) e de organizações de âmbito regional (infra-estadual), supranacional e intergovernamental (Direito Internacional Público) com carácter obrigatório; ➢ As normas de carácter social podem adquirir relevância jurídica; ➢ A não observância das normas jurídicas, adaptando-as aos tempos presentes, torna-as “letra morta”; ➢ Por Direito válido, entende-se todo aquele que procura preservar o valor da justiça – Validade do Direito. É relevante para o Direito a eficácia das normas, colocando-se à disposição meios coercivos que asseguram o seu cumprimento. Porém, quando uma norma é violada, foi ferida na sua eficácia, mas permanece válida.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (continuação) (Sexta-Feira, 02 de Outubro de 2009, 11h-12h30 – Aula Teórica)

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➢ Nas sociedades contemporâneas, nomeadamente a portuguesa, a principal fonte de Direito é a Lei. Todavia, a Lei não está acima do Direito. Aliás, considera-se que uma lei injusta é uma “corrupção do Direito”; ➢ Consultar posição de Paulus no livro do professor Oliveira Ascensão; ➢ O Direito vive ancorado ao valor da justiça, valor incessantemente procurado, mas nunca alcançado na plenitude; ➢ O Direito vigente no nazismo estava desfuncionalizado, instrumentalizado, pois não defendia uma concepção de justiça, parte fundamental do Direito. Não podemos entender “justiça” e “Direito” como dois conceitos separados ou considerar apenas que o Direito tem como fim a Justiça; ➢ A discriminação racial promovida pelo Direito no tempo do Nazismo era incompatível com os valores defendidos pelo Direito, nomeadamente o da

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preservação da dignidade humana e a igualdade entre pessoas. ➢ O Direito Constitucional, surgido no século XIX, assume uma posição de superioridade sobre o legislador constitucional, que não pode violar os princípios contidos na Constituição; ➢ Se entendermos o Direito enquanto aquele que é produzido pelas entidades competentes, estamos perante Positivismo Legalista. Todavia, o Direito não se deve resumir a este conceito. Em certos casos, desobedecer a uma autoridade competente e detentora de poder pode ser lícito e inclusive um dever em nome do Direito e de um ideal de Justiça; ➢ No período denominado PREC (Processo Revolucionário em Curso), em Portugal, não vigorava nenhuma Constituição, mas existia Direito, o que comprova que o conceito de “Direito” vai mais além do mero conjunto de normas (prof. Castanheira Neves) – concepção não-positivista legalista / normativista; ➢ O grande problema do Positivismo Legalista prende-se com o abuso de poder praticado pelo legislador que autolegitima as normas; ➢ O Direito não se reduz ao modo como se implanta na vida social. Fenómenos como a corrupção ou o furto são factos extremamente popularizados e enraizados que não podem ser compatíveis com o Direito. Nem tudo aquilo que observamos na vida social está conforme com o Direito. Se assim fosse, o Direito seria moldado de acordo com a vontade da sociedade. A formação de consensos generalizados numa sociedade pode conduzir à prática de actos contrários ao Direito e ao ideal de Justiça (ex: eliminação de uma minoria étnica no Ruanda) – Positivismo Sociológico Falacioso; ➢ A formação de maiorias em sistemas democráticos pode conduzir ao abuso de poder da facção predominante, espezinhando a restante minoria – exercício do poder pelo poder;

O Direito apresenta uma instância crítica da vida em sociedade a sindicar o conteúdo das normas jurídicas, promovendo sempre o valor da justiça. Esta concepção promove uma dinâmica de aperfeiçoamento constante; ➢ Indiscutivelmente, uma das funções mais importante do Direito é a organização da vida em sociedade, através de normas vinculativas. Raras são as normas jurídicas que espelham imediatamente uma concepção de justiça. Exemplo: a esmagadora maioria das normas publicadas no Diário da República Electrónico pretendem promover a organização social; ➢ Existem normas fundamentais constantes nos diferentes códigos com a concepção directa de justiça que não podem ser alteradas, caso contrário geram uma grave incongroência (artigos 79º, 80º, 81º e 404º do Código Civil); ➢ Teoria Tridimensional do Direito, pelo filósofo brasileiro Miguel Reale: ○ Direito é uma realidade tridimensional, constitui uma triunidade, é simultaneamente facto (a conduta ou o agir humano), valor a que se refere esse facto e pelo qual se afere e norma que pretende ordenar o primeiro em função do segundo, encontrando-se essas suas três faces ou dimensões interligadas e co-implicadas, nenhuma delas tendo sentido separada das restantes; ➢ A realização de diálogos construtivos sobre a realidade humana, com a verdade possível, permite-nos alcançar uma concepção de justiça mais uniforme. Se tais diálogos não forem fomentados, cada um age de acordo com a sua vontade. ➢

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I (continuação)

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(Terça-Feira, 06 de Outubro de 2009, 9h-11h – Aula Prática)



Por Direito Subjectivo, entende-se “o poder ou faculdade atribuído pela ordem jurídica a uma pessoa de exigir ou pretender de outra determinado comportamento positivo (fazer) ou negativo (não fazer), ou de por um acto de livre vontade – com ou sem formalidades –, só de per si ou integrado depois

por um acto da autoridade pública (decisão judicial) produzir determinados efeitos jurídicos que se impõem inevitavelmente a outra pessoa (adversário ou contraparte) ”. (pelo professor Manuel de Andrade); ➢ Direito Subjectivo ○ Direito subjectivo (direito de crédito) ↔ dever jurídico (“dever ser”); ○ Direito potestativo ↔ estado de sujeição (“imposição”)

➢ Normas ○ Normas de conduta (permitem / proíbem comportamentos); ○ Normas meramente qualificativas; ○ Normas sobre normas (de 2.º grau) – relativas à interpretação, integração de lacunas, revogação de normas); ○ Normas que produzem efeitos automáticos.

➢ Características distintivas das normas jurídicas ○ Exterioridade; ○ Alteridade; ○ Positividade; ○ Heteronomia.

➢ A atribuição de legitimidade a uma norma depende da defesa do valor da Justiça, da sua aprovação dentro de princípios democráticos, da sua publicação em Diário da República;

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A coercibilidade não é uma característica comum a todas as normas. Atente-se no exemplo das normas respeitantes à actuação do Presidente da República que não impõem consequências à sua violação.

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➢ Por vezes, o Direito, nomeadamente o Penal, valoriza a intenção de praticar um acto ilícito. ➢ O artigo 81º do Código Civil regula a limitação voluntária dos direitos de personalidade, tendo como objectivo a preservação dos princípios gerais do Direito e dos valores essenciais à conservação da sociedade.

Caso prático (adaptação do caso do médico de Indiana, de 1901):

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(Sexta-Feira, 09 de Outubro de 2009, 11h-12h30 – Aula Teórica)

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I (continuação)

Anos a fio, M foi o médico que tratou diversas doenças de membros da família de N, que, para o efeito, se deslocava a cavalo ao rancho relativamente distante de N. Certo dia, N ficou subitamente doente e solicitou, através de um mensageiro que mandou à cidade onde vivia M, a ajuda deste, esperando dele auxílio e assegurando-lhe o pagamento dos respectivos honorários. No Estado de Indiana, na área de residência de N, não havia outro médico disponível, M todavia não socorreu N, o qual acabou por falecer, em consequência da doença. Os herdeiros de N interpuseram uma acção de indemnização contra M. Quid Iuris?

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➢ Compete ao juiz apurar a realidade dos factos. Todavia, levando em consideração a maturidade e a experiência do mesmo, ele pode basear-se na sua vivência para consumar determinados factos; ➢ O critério judicial aplicado pelo juiz deve ser generalizado, tratando analogamente casos semelhantes: “tratar de modo igual o que é igual e tratar de modo diferente o que é diferente”; ➢ No presente caso, não podemos dar como definitiva a existência de um contrato entre as partes (M e N), porque este negócio jurídico implica um acordo de vontades, apesar da promessa do pagamento de honorários; ➢ Diferentes tipos de Justiça (Teoria iniciada por Aristóteles e completada por S. Tomás de Aquino – tradição clássica): ○ Justiça comutativa (entre pessoas singulares, dar a cada um o que é seu) – promove a igualdade entre pessoas. Diz respeito a contratos, reparação de danos (reposição da justiça), daí também ser designada justiça correctiva;





Justiça legal (deveres das pessoas enquanto cidadãos) – reclama de nós determinadas condutas face à sociedade política, hoje Estado. Por exemplo: pagamento de impostos, cumprimento do serviço militar enquanto obrigatório; Justiça distributiva (obrigações da sociedade política para com os cidadãos) – promove uma distribuição justa dos bens escassos, não sendo possível satisfazer as necessidades de todos.

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➢ Compete ao julgador, dentro de determinados limites, investigar os factos ocorridos. Todavia, é necessário ser selectivo nessa procura, dado que há factos que são perfeitamente irrelevantes para o Direito; ➢ É necessário estabelecer uma separação entre a ordem moral / ética e a ordem jurídica. As normas éticas devem ser voluntariamente acatadas, não apresentando um carácter obrigatório. Contudo, não devemos desvalorizar estas ordens, dado que as normas jurídicas replicam as normas éticas, estabelecendo-se uma relação de concordância entre elas – Princípio de não-beligerância entre as ordens (professor Oliveira Ascensão). ➢ Não devemos confundir a Lei com o Direito, isto porque, aliás, o Direito surgiu bem antes da Lei, que tem cerca de 200 anos. O Direito mantem uma relação íntima com a Justiça, a independência e o poder dos tribunais, que actuam de modo imparcial. Assim, o Direito resulta das diferentes posições das partes envolvidas no caso, seleccionando-se os argumentos mais importantes e melhor fundamentados, sempre com um critério de justiça. Tal resolução dever-se-á aplicar, futuramente, a casos análogos, atentando obviamente às particularidades inerentes a esse caso;

➢ Os critérios com melhor aceitação adquiriram relevância social no Direito Romano, criando-se um Corpus Iuris. Nós pertencemos a uma civilização técnica, distinta de outras sociedades que apresentam um Direito mais rudimentar, que teve, contudo, a mesma origem – modo universal de criação do Direito.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Terça-Feira, 13 de Outubro de 2009 – 9H-11H – Aula Prática)



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➢ Critérios de distinção entre Moral e Direito: ○ Exterioridade

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Relativamente ao acórdão do Tribunal Constitucional apresentado na ficha de trabalho n.º2, somos confrontados com um requerimento que tinha como fundamento o facto do Direito extravasar a sua esfera e invadir a ordem moral. Existem várias normativas na vida social, que impedem o caos, a total desorganização, para além da ordem jurídica: ○ Ordem moral – visa o aperfeiçoamento do indivíduo interiormente, com implicações exteriores; ○ Ordem religiosa – mantém uma ligação próxima com a ordem moral. Pauta-se por valores interiores, estabelece normas que pautam as convicções do indivíduo e as relações entre o indivíduo e o transcendente, procurando promover uma adesão espontânea da sociedade; ○ Ordem do trato social – normas que asseguram uma boa convivência social. Determinados usos sociais adquirem relevância jurídica, como por exemplo os usos comerciais.

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➢ Teoria dos Círculos Concêntricos / Critério do Mínimo Ético – estrutura organizativa das normas que coloca no centro o Direito, abrangido pelas principais normas éticas. Assim, entende-se que todas as normas jurídicas são normas morais;

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 Na ordem moral, está em causa o aperfeiçoamento do indivíduo interiormente, enquanto na ordem jurídica estão em causa as práticas realizadas (comportamentos exteriores). Em determinados casos, nomeadamente no Direito Penal antigo, as intenções também eram condenadas pela ordem jurídica. ○ Alteridade  O Direito regula as relações entre indivíduos (é inter-subjectiva), enquanto a Moral regula a relação entre o individuo e a sua consciência (intra-subjectiva). ○ Heteronomia  Na Moral, as normas são impostas pelo próprio indivíduo, enquanto no Direito as normas são impostas por uma entidade exterior. ○ Positividade (eficácia das normas)  O incumprimento das normas morais pelo indivíduo gerará sentimentos de culpa e remorso e, consequentemente, ostracização e discriminação pela sociedade. No Direito, o incumprimento das normas jurídicas está sujeito a um aparelho coercivo (mecanismos de positividade que incentivam à prática de determinado comportamento ou sancionam certo acto contrário ao previsto nos diplomas legais).

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➢ Teoria dos Círculos Secantes – Direito e Moral são duas esferas separadas, mas com pontos em comum. Há factos que podem ser igualmente relevantes para o Direito e para a Moral (ex: homicídio). Por outro lado, há também factos morais irrelevantes ao Direito e vice-versa (ex: as regras de trânsito são irrelevantes para a Moral, assim como os sentimentos de pena e compaixão são irrelevantes para o Direito). ➢ Existem relações de atinência, antinomia e concordância entre normas. ○ Uma relação de discordância prende-se com a questão do aborto. O Direito possibilita a interrupção voluntária da gravidez (IVG), algo condenado pela Moral. ➢ Direito e Moral têm pontos de partida diferentes e finalidades diferentes. O critério de exterioridade aponta-nos os pontos de partida das ordens normativas (interioridade / exterioridade). Enquanto o Direito visa a manutenção da sobrevivência da sociedade, a Moral visa o aperfeiçoamento do indivíduo; ➢ No presente caso sobre o lenocínio (ficha de trabalho n.º2), estamos perante uma prática moral e juridicamente reprovável e também abarcada por uma norma juridica. Portanto, não se trata de uma mera questão ética / moral. Os pontos de partida de cada ordem são diferentes. A condenação moral de uma prática reprovável realizada revela uma má formação do indivíduo e terá consequências bastante graves. O Direito, neste caso, tem como finalidade a protecção da dignidade humana, direito fundamental consagrado na CRP (valores da liberdade e da integridade moral das pessoas que se prostituem); ➢ Constituem os dois pilares do Direito: a justiça e a segurança (≠ coercibilidade). A coercibilidade constitui-se como um instrumento do Direito para alcançar determinados objectivos;

➢ Segurança (dois sentidos): ○ Certeza jurídica (conhecimento do Direito vigente);  Princípio da não retroactividade da Lei ○ Segurança jurídica em sentido estrito (por parte do Estado).

➢ As normas jurídicas procuram encontrar um equilíbrio entre justiça e segurança.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 16 de Outubro de 2009 – 11H-12H30 – Aula Teórica)

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➢ Um dos corolários do Direito é a dignidade da pessoa humana, princípio que não é adquirido, pacífico, atendendo aos diferentes entendimentos sobre este direito fundamental. Nem sempre somos capazes de reconhecer o postulado por este princípio, o que não implica que este valor fundamental não continue a ser uma “bandeira” pela qual sempre se lutará;

O artigo 70.º do Código Civil (tutela geral de personalidade) protege genericamente os indivíduos contra qualquer tipo de ofensa física ou moral – cláusula geral. Trata-se de uma disposição aberta, de máximo alcance, que se pode aplicar a uma diversidade de casos. Compete, neste caso, ao jurista interpretar a Lei e determinar o que pode ser entendido como “ofensa”. Na CRP, encontra-se protegido o princípio da dignidade humana previsto no Código Civil de 1966. Esta disposição abrange ofensas ao bom-nome, à privacidade da vida humana, à honra, ao uso inapropriado do nosso nome, à imagem. Dentro dos princípios da Lei, todos temos direito à contracção do casamento, a exercer o poder paternal, à iniciativa privada (art. 405º liberdade contratual) resumidamente à auto-determinação. Todos os direitos apresentados fazem parte do corolário da dignidade da pessoa humana; ➢ Existe a possibilidade de celebração de contratos que não estão previstos no Código Civil ou de celebração de contratos previstos na Lei noutros termos. A regulação prevista no Código Civil diz-se supletiva; ➢ O Código Civil protege dois valores fundamentais: liberdade e igualdade. Todos somos iguais perante a Lei e tudo o que não nos é imposto, é permitido; ➢ O Estado só pode actuar dentro das competências que lhe são atribuídas pela Lei, ao contrário do indivíduo a quem é atribuída liberdade; ➢ Todos nós somos detentores de direitos de personalidade (honra, imagem, intimidade da vida privada, confidencialidade da correspondência), a partir do momento em que nascemos, completos e com vida. Também o princípio da integridade moral da pessoa humana prevê a impossibilidade, por exemplo, da gravação e reprodução da voz de alguém, sem autorização prévia; ➢

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A questão do ser humano, em estado embrionário, exige igualmente a consagração de princípios sobre a aplicação da biotecnologia, para proteger a sua dignidade pré-natal. Por outro lado, o ser humano, no fim da sua vida, não encontra disposição legal que protega a sua vontade, se não desejar, por exemplo, sujeitar-se a tratamentos penosos. Estamos perante debilidades do nosso Código Civil. Não podemos estabelecer semelhanças entre estas situações e a eutanásia, processo que legitima o médico a apressar a morte do ser humano. Atentando no artigo 81º do C.C., verificamos que se encontra prevista a possibilidade de limitação voluntária dos direitos de personalidade que, todavia, não se aplica a casos contrários à ordem pública, como a eutanásia. Assim, todos os comportamentos contrários à ordem pública são punidos por lei, como por exemplo, o auxílio ao homicídio ou suicídio; Após a morte de um ser humano, impera o dever de solidariedade na hipotética doação de órgãos, dado que o ser humano não é só sujeito de direitos, mas também de deveres para com o resto da comunidade; O estatuto da pessoa, ainda antes de ser titular de relações jurídicas, revela-se fundamental, constitui o cerne para o Direito Civil; O princípio da propriedade, previsto no Código Civil, é inerente à dignidade da pessoa humana, o que não implica que este direito seja ilimitado ou não haja possibilidade de expropriação, em casos excepcionais (ex: hipoteca); Nos negócios unilaterais sem contrapartida (art. 457º do C.C.), o Direito desconfia da vontade e da manutenção da vontade do indivíduo; Nas fontes das obrigações, encontramos fontes involuntárias, como a responsabilidade civil por dolo ou mera culpa (art. 483º, n.º1 do C.C.). O efeito de indemnização não radica na vontade do individuo. A

Lei é um ser eticamente responsável, que actua em situações censuráveis, sujeitas a uma pena sobre o sujeito ético. O n.º2 do mesmo artigo prevê responsabilidade civil sem culpa, mas por realização de prática com risco (ver artigo 503º do C.C.).

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (continuação) (Segunda-Feira, 19 de Outubro de 2009, 14h-15h30 – Teórica)

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➢ Obrigações – art. 397º do C.C. – exprimem a cooperação humana; fonte primordial é a autonomia privada; ➢ Art. 1207º do C.C. – contrato de empreitada; ➢ Princípio da tipicidade – art. 487º do C.C. (a propósito dos negócios unilaterais); ➢ Entre as fontes das obrigações heterónimas (derivam do Direito Objectivo), encontramos a responsabilidade civil, que implica uma indemnização sobre o dano (físico e/ou moral) provocado a outrem (ilicitude e culpa); ➢ Tem de existir um nexo causal entre o acto ilícito e o dano (no qual se inserem os lucros cessantes) causado (determinado acto ilícito foi a causa do dano, efectivamente); ➢ Responsabilidade civil (fazer justiça ao lesado) ○ Direitos gerais ou absolutos – todos os direitos de personalidade (ex: integridade física) e direitos reais (direitos erga omnes) ○ Direitos de crédito ou relativos – relação apenas entre credor e devedor ○ Deveres gerais – incumbem indiscriminadamente sobre todos

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Responsabilidade obrigacional (artigos 798º e seguintes do C.C.) Responsabilidade delitual (prática de um delito, acto ilícito culposo extra-obrigacional) Responsabilidade civil extra-obrigacional pelo risco (artigo 499º e seguintes do C.C.)  Detenção de coisas perigosas (ex: automóveis, animais – art. 502 do C.C.);  Realização de actividade perigosa.

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○ Outras fontes das obrigações  Enriquecimento sem causa – remoção de enriquecimentos injustificados; desvio de utilidades do proprietário para enriquecimento ilícito à custa de outrem.

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Compete ao autor do dano reconstituir o bem lesado (forma ordinária de indemnização). Habitualmente, é mais fácil efectuar o pagamento da indemnização em dinheiro, mas o primado da indemnização é a primeira situação apresentada (artigos 562º e 566º do Código Civil) Responsabilidade civil pelos factos lícitos (pelo sacrifício)  Alguém que está legitimado para praticar determinado acto, mas causa dano (por exemplo: expropriações por utilidade pública – Direito Público);  Autotutela (“justiça pelas próprias mãos”, “justiça dos mais fortes”) – é proibida a autodefesa com algumas excepções: • Legítima defesa (artigos 337º e 338º do C.C.); • Acção directa (artigo 336º do C.C.); • Estado de necessidade (artigo 339º do C.C.) – situação excepcional







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• Artigos 473.º e seguintes do Código Civil; • Conceito com origem no Direito Romano. Repetição do indevido – reaver aquilo que foi indevidamente pago ou dado (artigo 476º do C.C.); Gestão de negócios (artigo 464º do C.C.) – imiscuir-se na vida de negócios de outra pessoa, até com boa intenção, mas sem autorização; intromissão na esfera jurídica alheia, ficando o infractor obrigado a pagar despesas inerentes; Remuneração do gestor (art. 470º do C.C.) – remuneração de uma actividade profissional do gestor; Assunção deliberatória de dívidas (art. 595º do C.C.); Cessão de crédito / Cessão de imposição patrimonial (art. 577º e seguintes do C.C.); Responsabilidade patrimonial – o exercício da coacção física deve constituir a ultima ratio (somente em situações excepcionais). Actualmente, a aplicação da pena de prisão preventiva por dívida é um cenário excepcional, que apenas sucede se estiver em causa a subsistência de outrem (por exemplo: incumprimento do pagamento do subsídio de alimentos). Habitualmente, aplica-se a responsabilidade patrimonial, com a penhora do património do devedor, sendo vendidos os bens e cubrindo-se a dívida. Todavia, o conjunto dos direitos mais importantes não tem cobertura patrimonial (direitos de personalidade, por exemplo: direito à honra). Outro tipo de

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compensações podem ser atribuídos, atendendo ao caso concreto, como o direito de resposta. Indemnização por danos morais gravosos – artigo 496.º do Código Civil; Extinção de uma obrigação pelo seu cumprimento – artigo 762º do Código Civil;

○ Outras formas de cumprimento da obrigação  Doação em cumprimento;  Remissão;  Novação (substituição por outra);  Confusão (reunião na mesma pessoa de credor e devedor).

➢ Figuras antiquíssimas, sem ligação ideológica; ➢ Direito Perene – permanece no tempo.

política

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I

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➢ Nenhuma norma jurídica se pode encontrar destituída de Justiça; ➢ Uma relação contratual encontra-se sujeita a riscos imprevisíveis, nomeadamente uma crise económica ou petrolífera, o que alterará o valor real do acordo

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(Terça-Feira, 20 de Outubro de 2009 – 9H-11H – Aula Prática)

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celebrado. Para precaver estas situações, encontramos no Código Civil o artigo 437º. ➢ Justiça ○ Em sentido formal – promoção da igualdade segundo diferentes critérios, tratamento proporcional das situações, alteridade.  Justiça comutativa (típica do Direito Privado, entre particulares) • Regula as relações dos membros da sociedade entre si, visando restabelecer ou corrigir os desequilíbrios que surgem nas relações interpessoais, razão pela qual também se designa esta espécie de justiça por «rectificadora». Opera segundo um critério de igualdade simples ou aritmética, que se traduz na equivalência das prestações, e abrange tanto as trocas voluntárias ou lícitas como as involuntárias ou ilícitas.  Justiça distributiva (típica do Direito Público, entre particulares e o Estado) • Diz respeito à repartição de bens comuns que a sociedade deve fazer por todos os seus membros, segundo um critério de igualdade proporcional ou geométrica, que atende à finalidade da distribuição e à situação pessoal de quem recebe, segundo o mérito (meritocracia – valorizar quem revelou mérito), as necessidades, etc. É esta a justiça, por excelência, dos governantes, já que são os admnistradores do bem comum. (Exemplos: atribuição de subsídios de desemprego, invalidez, de abono de



➢ Segurança

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Distinção entre Democracia Formal e Material ○ Democracia Formal – cumprimento dos princípios da maioria; ○ Democracia Material – preservação da dignidade da pessoa humana.

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família maior para quem aufere rendimentos menores).  Justiça geral ou legal (típica do Direito Público Fiscal, entre particulares e o Estado) • Preside às relações entre a sociedade e os seus membros, no que concerne aos encargos que lhes são exigidos como contribuição para o bem comum e que devem ser repartidos por todos. Exemplo desses encargos são os impostos. À semelhança do que sucede na justiça distributiva, o critério que deve ser usado é o da igualdade proporcional, dado que nem todos os membros da sociedade podem contribuir da mesma maneira para o bem comum, devido às desigualdades socioeconómicas, aos benefícios usufruídos, etc. ○ Em sentido material – dignidade da pessoa humana Restrição de direitos, liberdades e garantias (na medida do estritamente necessário) ○ Princípio da adequação; ○ Princípio da proibição do excesso; ○ Princípio da proporcionalidade em sentido restrito.

○ Em sentido de certeza por parte do Estado  Cumprimento por parte do Estado do princípio da legalidade. ○ Em sentido de certeza jurídica  Prescrição de um crime (em Direito Penal) • Nunca sucede se estiver em causa a violação de direitos humanos; • Procura evitar a justiça tardia e garantir aos cidadãos que não serão eternamente perseguidos.  Menoridade / Maioridade (em Direito Civil) • Art. 122º do C.C. – é menor quem ainda mão tiver completado a idade de 18 anos; • Trata-se de uma norma que valoriza o valor da segurança no sentido de certeza jurídica; pretende-se a protecção de terceiros envolvidos em relações jurídicas, em detrimento da justiça; • Emancipação via casamento a partir dos 16 anos.



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Prescrição em Direito Civil (forma de extinção de direitos de crédito) • Prazos de prescrição no art. 309º e seguintes do C.C. (ordinariamente 20 anos); • Regime das obrigações naturais (ver artigo 402º e 403º do Código Civil) ○ O cumprimento de obrigações no prazo previsto ou após a prescrição de livre e espontânea vontade não pode ser anulada.





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○ Todos os casos apresentados promovem o valor da segurança em sentido de certeza jurídica em detrimento da justiça.

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Direito de crédito ≠ Direito real – direito à prestação de determinado cumprimento por parte de outrem. • Contrato de arrendamento entre senhorio e inquilino; • Obrigações inter partes, apenas entre os intervenientes na relação jurídica; • Transmissão de posição do locador (art. 1057º do C.C.) – alienação do direito de propriedade a outrem; o novo detentor do direito de propriedade assume-se também como locador, não podendo accionar uma ordem de despejo ao locatário; Posse do direito de propriedade por usucapião (art. 1287º do C.C.) ○ actuação como proprietário durante muitos anos; ○ instituto algo injusto que procura proteger a acção de terceiros; ○ a inércia do legítimo proprietário pode permitir a outrem adquirir o direito de propriedade por usucapião; ○ prazos para aquisição do direito de propriedade (artigos 1294º a 1300º do CC) Inversão do título de posse (art. 1265º do C.C.);



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Summa divisio Direito Público e Direito Privado ○ Distinção do Direito Romano, considerada a mais importante do Direito, com aplicação nos ordenamentos romano-germânicos, mas não nos ordenamentos de “common law” (anglosaxónicos); ○ Critérios de distinção 1) Critério da natureza dos interesses ✔ Direito Público – normas que visam satisfazer interesses públicos; ✔ Direito Privado – normas que visam satisfazer interesses privados. ○ Crítica: Na verdade, todas as normas jurídicas de Direito Privado são elaboradas tendo em conta interesses públicos (ex: normas contratuais de anulabilidade e nulidade dos negócios jurídicos) e, pelo contrário, as normas jurídicas de Direito Público também prosseguem interesses particulares (ex: normas de Direito Administrativo). ○ Perante as críticas a que este critério foi alvo, alguns autores procuraram reformulá-lo, baseando a distinção na natureza do interesse predominantemente tutelado pela norma. Assim:  Direito Público – conjunto de normas que tutelassem predominantemente os interesses da colectividade;



Direito Privado – conjunto de normas que tutelassem predominantemente os interesses particulares.

1) Critério da qualidade dos sujeitos; ✔ Direito Público – normas que visam regular as relações em que intervenha o Estado ou qualquer ente público1 em geral, dotado de imperium2; ✔ Direito Privado – normas que visam regular as relações entre particulares. ○ Crítica: o Estado e demais entes públicos podem actuar, e frequentemente actuam, despidos de imperium, isto é, nos mesmos termos que qualquer particular.

2 O Estado é dotado de autoridade, que lhe permite intervir nas diversas relações jurídicas em situação de superioridade e autoridade.

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1 Autarquias locais, regiões autónomas, associações públicas, etc.

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1) Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica. ✔ Direito Público – normas que visam regular as relações em que intervenha o Estado ou qualquer ente público dotado de supremacia, isto é, desde que investido de imperium; ✔ Direito Privado – normas que visam regular as relações que se estabelecem entre os cidadãos, ou entre estes e o Estado ou qualquer ente público, mas desde que desprovidos do seu imperium. ○ Desta forma, os sujeitos da relação encontram-se em pé de igualdade;

Propriedade Pública do Estado (art. 84º da CRP) ○ Aplicação de normas de Direito Público;

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○ Este critério é aquele que se mostra mais adequado à moderna codificação e que reúne maior consenso entre os autores, na divisão tradicional entre Direito Público e Privado; ○ É evidente que estes dois ramos de Direito, o Direito Público e o Direito Privado, não constituem dois compartimentos estanques, separados de forma absoluta. Pelo contrário, existem muitos pontos de conexão entre eles. ○ Crítica: como se classificam as normas que envolvem duas entidades públicas? Neste caso, aplica-se o critério da qualidade dos sujeitos. ○ O Direito Penal pode ser considerado, segundo o critério da posição dos sujeitos, Direito Privado, dada a posição de igualdade qu as partes envolvidas assumem. Todavia, generaliza-se a ideia de se tratar de Direito Público:  Dados os interesses públicos em causa;  A aplicação de sanções por parte dos tribunais implica a existência de um poder de autoridade (imperium).

○ Os bens públicos do Estado não podem ser adquiridos por usucapião, agindo o Estado em posição de supremacia; ○ Os bens imóveis adquiridos pelo Estado para assuntos administrativos não são considerados bens públicos do Estado – domínio privado do Estado. A aquisição por usucapião destes bens acresce de metade do apresentado ordinariamente em Código Civil;



Legislação sobre achados arqueológicos (art. 1318º e seguintes do C.C.) ○ Considerados bens públicos do Estado na esmagadora maioria dos casos (art. 1324º do C.C.); ○ Preserva-se o direito de compensação estatal a quem os encontrar.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 23 de Outubro de 2009 – 11H-12H30 – Aula Teórica)

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➢ Os direitos reais, consagrados pela necessidade do ser humano possuir bens para se realizar, promovem a exclusividade do uso, fruição e disposição de determinado bem; ➢ Quem for desapossado de determinado bem, tem o direito de pedir a restituição desse bem, através do direito petitório ou acção de reivindicação (art. 1311º do C.C.)

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○ Distinguir conceitos de posse e de propriedade:  Posse: deter o bem;  Propriedade: titularidade legítima de determinado bem. ➢ Compete à ordem jurídica garantir o núcleo de socialização primária de cada um de nós – família (protecção do estatuto jurídico mínimo – Direito da Família consagrado no Código Civil); ➢ Estão protegidas no Código Civil as relações entre cônjuges, nomeadamente de carácter patrimonial (exemplo: regime de bens); outras matérias como o casamento e a filiação estão igualmente previstas no Código Civil; ➢ As relações jurídicas post mortem, que não estão associadas a uma pessoa, podem perdurar, garantindo-se uma estabilidade nas relações sociais. No âmbito familiar, esta questão aplica-se, garantindo uma continuidade das relações jurídicas, especialmente de carácter patrimonial (Livro V do C.C. – Direito das Sucessões) ○ Sucessão voluntária (através de testamento)  Título de vocação sucessória atribuído aos envolvidos (herdeiros) no testamento; ○ Sucessão determinada pela Lei (compete à Lei regular o âmbito do testamento)  Sucessão legítima (na ausência de testamento) – todos os bens têm de ter dono, em último caso o Estado (supletivamente estabelecida na Lei);  Sucessão legitimária (herdeiros forçados – cônjuge, filhos) • A liberdade de testar tem de respeitar os princípios da sucessão legitimária; • A liberdade de disposição de bens sobre outros herdeiros que não os impostos pela Lei é de 1/3.









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Nos Livros IV e V do Código Civil, encontramos estruturas semelhante a todos os ordenamentos jurídicos, mesmo entre culturas diferentes; Aquilo que designamos por “direito comum” é uma série de práticas realizadas durante séculos, dificilmente afastadas pela Lei. Compete a todo o jurista tomar conhecimento deste “direito comum”, que abrange tradições e costumes; A coercibilidade não é uma característica intrínseca do Direito. Consiste na susceptibilidade de aplicação da Lei através de meios coercivos. Nenhum ordenamento jurídico poderá ter como caracteristica intrínseca a coercibilidade, porque isso colidiria com a liberdade do indivíduo acatar a Lei (dever jurídico); Afinal, o que é o Direito (Quid Ius?) ○ Iremos efectuar uma abordagem jurídico do Direito, no seu âmago (perspectiva interna); ○ O Direito radica na natureza social do Homem (ente racional); ○ Pertence ao mundo do espírito e da cultura, é uma realidade cultural; ○ Implica alteridade e sociedade, mas nem todo o Direito é constituído por relações jurídicas (ver artigo 1305º do C.C. que norteia a relação entre proprietário e a coisa); ○ É uma realidade histórica (reflecte as vicissitudes da História)  Direito Organizacional (volúvel, diferentes sistemas) ○ Constituído por Leis, não da Natureza (leis determinísticas). O Direito é uma ordem de liberdade, não uma ordem física, daí a existência de sanções. O ser humano não é um indivíduo programado, pelo contrário domina as suas tendências;

○ O desafio da liberdade constitui uma responsabilidade; ○ Vivemos numa sociedade estável, constituída por instituições, que permitem a permanência e a mutação das sociedades. Compete ao Direito a criação de instituições, a institucionalização da vida social; ○ Ordem social ≠ Ordem jurídica – tentativa errada de socialização do Direito. As práticas sociais não se podem confundir com as normas jurídicas. Apesar da vinculação social, nem todas as regras regulares da vida social são Direito – ambivalência do Direito (que se encontra entre o “ser” da vida social e o “dever ser” – ordem deôntica. O Direito não está desligado da prática, aliás pretende ligar-se à prática. É, assim, uma instância crítica da ordem social; ○ O Direito não é, necessariamente, uma concepção empírica, submetida à Sociologia (nem todas as sentenças são justas, ao contrário do que se verifica numa realidade americana). A sentença de um juiz constitui Direito, mas pode não estar conforme com o Direito;

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➢ Direito e as várias ordens normativas ○ Ordem Religiosa (relações do Homem com o transcendente)  Tem consequências sociais, que podem exigir regulação jurídica;  Autonomia entre Direito e Religião. • Característica dos sistemas ocidentais; • Assegura a liberdade de consciência do indivíduo (liberdade de crença); • Estado islâmicos são teocráticos (Direito e Religião confundem-se).



Ordem Moral (aperfeiçoamento do indivíduo, dirigindo-o para o bem)  Ocorre voluntariamente em sociedade;  É essencialmente uma autoconstrução (sem imperatividade externa);  Tem consequências sociais;  Predominam, obviamente, relações de coincidência entre ordem moral e ordem jurídica;  Há igualmente relações de autonomia.



Ordem do Trato Social (costumes sociais, convencionalismos)  Tem consequências / represálias sociais;  Sem relevância jurídica;  Existem regras constitutivas de determinados jogos (por exemplo: xadrez, futebol);  Ditames de consciência enraizados na sociedade.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Segunda-Feira, 23 de Outubro de 2009 – 14H15H30 – Teórica)

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As ordens normativas apresentadas anteriormente não estão dotadas de imperatividade (exigência de aplicação incondicionável); ➢ Acepções de Direito 1. Conforme com a justiça; 2. Ordem normativa (acepção errada – as normas jurídicas são um critério do Direito); 3. Ciência Jurídica (jurisprudência); 4. Posição do sujeito ➢





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Enquanto o Direito é universal e se mantem no tempo, a ordem jurídica é mutável e restritiva; Não existe Direito fora da realidade dos juristas, que têm a sua imagem do Direito. Direito como “consciência da juridicidade” (António Castanheira Neves); A acepção de “posição do sujeito” relaciona-se com os direitos subjectivos; A realidade do Direito é polissémica, multifacetada, com um elevado grau de complexidade das suas acepções. Deste modo, compreende-se a dificuldade do jurista em encontrar uma noção de Direito. Para os detentores do poder em regimes totalitários, é conveniente a acepção de Direito com Poder. Outros entendem que não faz sentido procurar encontrar uma noção de Direito – cepticismo. Todavia, esta última posição é insustentável, dado que o Direito constitui um dado da experiência, integrado nas diversas comunidades desde sempre. De qualquer modo, podemos considerar que os caminhos para encontrar uma noção de Direito são múltiplos; Há que considerar o contributo da epistemologia e da simbólica para ajudar a encontrar uma noção de Direito, como também o testemunho de filósofos que se debruçaram sobre a matéria. ○ Etimologia do Direito  Ligada à palavra ius na origem de juiz, justiça, jurisprudência;  A linguagem cristalizou-se de acordo com as nossas necessidades.  Traduções de Direito em diferentes idiomas (exemplos): • Derecho (espanhol); • Droit (francês);  Sinónimo de estabilidade, rectidão, firmeza.

○ Simbólica do Direito (observáveis nos Palácios da Justiça)  “Deusa da Justiça”: fonte de Justiça;  “Espada”: a bem ou a mal, o Direito deve cumprir-se;  “Balança”: relaciona-se com a alteridade (conflitualidade humana) • “Pratos igualados”: símbolo de igualdade; se alguém desequilibra a igualdade, tem de ser reposta; • “Fiel da balança”: rectidão.  “Olhos vendados”: símbolo de imparcialidade; todos têm direito à mesma justiça, não se fazem discriminações infundadas; “direito cego” (não se olha a quem);  “Olho descoberto”: símbolo de inteligência (atende à realidade).

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➢ O Direito deve ser encarado como uma realidade de facto, existente em todas as sociedades ao longo dos tempos (facto cultural) – posição realista; ➢ Classicamente, a justiça era encarada como uma virtude/qualidade adquirida com a prática de actos bons (“dar a cada um aquilo que é seu”). “Direito” e “justiça” são conceitos interligados e susceptíveis de uma querela: É a Justiça que tem como objecto o Direito ou o contrário?; ➢ O Direito Americano e o Direito Ocidental têm uma origem aristotélica e latina (romana). Já o Direito Romano se havia inspirado na Teoria Aristotélica; ➢ O Direito contenta-se com aquilo que é objectivamente justo (adopção de uma conduta em conformidade com o Direito, mesmo sem virtude); ➢ Justiça legal ≠ Justiça Natural

Justiça legal – o que é justo por força de uma determinação da Lei, que, por vezes, é um critério de justiça; ○ Justiça natural – decorre da natureza das coisas, outro critério de justiça (ex: honrar um contrato faz parte da natureza do compromisso; família fundada num casamento heterossexual; disposição de bens post mortem); ➢ O Direito é uma sabedoria / racionalidade prática, daí o valor da prudência (natureza prudencial do Direito) – Aristóteles; ➢ A teoria dos sábios gregos nunca se traduziu num Direito próprio, somente os romanos efectuaram essa tradução; ➢ Noções de Justiça: ○ Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi (Ulpianus) – Justiça é a vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu direito; ○ Justiça é aquilo que é justo (Paulus). ➢ Noções de Direito: ○ O Direito não se resume às convenções humanas, existe uma Lei intrínseca à natureza humana (Cícero); ○ Ius est ars boni et aequi (Celsus) – Direito é a arte do bom e do justo. ○

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➢ S. Tomás de Aquino fixou as três modalidades de justiça: comutativa, distributiva e geral (ou legal);

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➢ Por vezes, a aplicação mecânica do Direito gera injustiça; ➢ Todos estes pensamentos da Antiguidade Clássica permanecem até aos dias de hoje;

○ Já Aristóteles, em “A Política”, abordava (não directamente) a questão da necessidade de distribuir os bens escassos pela comunidade, através do exemplo da distribuição de flautas (justiça distributiva) ➢ Direito Natural ≠ Direito Positivo ○ Direito Natural – deriva da natureza das coisas; ○ Direito Positivo – deriva da convenção das pessoas, que vai variando (p.e. – princípio da maioria).

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➢ Há exigências de Direito Natural que são positivadas; ➢ Há quem defenda, com alguma razão, que o Direito que não é manifestado, não é Direito; ➢ A Lei é uma certa razão / critério de Direito (Paulus); as normas concretizam o Direito, são critérios do Direito, mas a Lei não é o Direito; ➢ Noção de Lei - “ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele que tem o cuidado da comunidade” (S. Tomás de Aquino). O Direito é entendido como um produto da razão, suportado pela vontade, mas com uma pretensão de justiça (senão seria uma corrupção da Lei). Toda a Lei que não seja essencialmente fundamentada na racionalidade pode ser afastada pelo juiz. Tal facto pode estar relacionado com a evolução cronológica, que torna a Lei obsoleta; ➢ Propriedades da Lei Natural: ○ Universal (aplica-se e destina-se a todos); ○ Não é modificável pela vontade humana (mesmo que essa vontade seja manifestada pela maioria da população); ○ Cognoscibilidade (todos nós podemos conhecê-la)  Graças à globalização, temos maior contacto com outros ordenamentos jurídicos. Tal facto pode ser, também, gerador de polémicas. Todavia, através do diálogo inter-

cultural, desde que realizado com respeito mútuo, pode revelar-se frutífero, na medida em que poderemos promover os Direitos Humanos noutros países. De recordar que todos partilhamos uma identidade fundamental e dos direitos humanos provêm de uma natureza humana comum.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Terça-Feira, 27 de Outubro de 2009 – 9H-11H – Aula Prática)

➢ Ficha de Trabalho n.º 3 ✔ Prisão Preventiva: medida de coacção que se destina a: • Impedir tentativa de fuga; • Assegurar a acção efectiva dos tribunais e polícia, evitando a usurpação de provas e permitindo a condução a bom termo do processo; • Evitar a continuidade de prática criminosa por parte do suspeito.

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Direito Processual – destina-se a reger a actuação dos tribunais, órgão de soberania, que se situa acima das partes envolvidas; conjunto de formalidades / trâmites a seguir. São ramos do Direito Processual: ○ Direito Processual Penal;  Não é um processo de partes;  De acordo com o princípio do inquisitório, o processo penal assenta numa acção do Ministério

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Público, competindo ao tribunal realizar diligências probatórias, durante a audiência;  Intervêm no processo o juíz, o Ministério Público e um assistente (vítima);  Objectivo: descubrir a verdade material;  O Ministério Público e os tribunais são, acima de tudo, defensores da legalidade, podendo, por isso, solicitar a absolvição do réu;  Segundo o artigo 127º do CPC, “Não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador»;  Duas fases do processo penal: • 1.ª Fase – Inquérito, da responsabilidade do Ministério Público;

• 2.ª Fase – Julgamento, da responsabilidade do Tribunal.  Os crimes públicos não implicam a apresentação de queixa. Já os crimes de ofensa à integridade física implicam queixa, com prazo de seis meses, fixados por Lei, após a prática do acto criminoso – crime semi-público;  No caso de elevada probabilidade de existência de crime, compete ao Ministério Público deduzir o processo; ○

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Direito Processual Civil;  Processo Civil – meio legal de acesso aos tribunais comuns pelas partes, donas do processo, num determinado litígio de ordem privada, com regras sobre o ônus da prova (artigo 342º do C.C.);  São partes integrantes do processo o autor, o réu, o juiz e os assistentes processuais;  O princípio do dispositivo ou da disponibilidade das partes é um dos princípios basilares relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e de alegarem os factos que lhe servem de fundamento e os factos em que estruturam as excepções – artº 264º, nº 1, do CPC. Assim, compete ao autor, que exige o cumprimento de um direito subjectivo, provar os factos que fundamentam a sua

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acusação e ao réu defender-se dos factos apresentados pela acusação e provar os factos que lhe interessam;  Segundo o princípio do inquisitório, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (ex: ouvir dada testemunha, realizar prova pericial). ○ Direito Processual Fiscal; ○ Direito Processual Administrativo; ○ Direito Processual do Trabalho ✔ Enquanto o Direito Penal, por exemplo, é um direito substantivo, dado que procede ao estabelecimento de factos considerados crime e fixa as consequências para a prática de tais actos, o Direito Processual Penal é um direito adjectivo, dado que estabelece as formalidades a cumprir no âmbito de um processo; ✔ No caso dos inimputáveis, são aplicadas medidas de segurança, com carácter preventivo, dado não possuírem o necessário discernimento para ser possível considerar o facto ilícito culposo; ✔ De acordo com o critério da posição dos sujeitos, o Direito Penal é Direito Privado, dado que os intervenientes actuam em pé de igualdade, desprovidos de imperium. Todavia, o critério prevalecente é o critério dos interesses, visto que estão em causa direitos públicos. Estamos perante um exemplo prático que suscita crítica ao critério da posição dos sujeitos na relação jurídica;

✔ Direito Privado ○ Direito Civil (tronco comum do Direito Privado; integra as normas jurídicas mais importantes para regular as relações jurídicas entre particulares e particulares e o Estado, desde que destituído de autoridade.) ○ Direito Privado Especial  Direito Comercial  Direito do Trabalho ✔ Os artigos 1152º e 1153º do Código Civil são duas normas gerais sobre o contrato de trabalho, todavia esta matéria está sujeita a legislação especial – Código do Trabalho – onde se encontra a grande maioria das normas; ✔ Os artigos 980º e ss. do C.C. transmitem-nos uma noção de contrato de sociedade, dão-nos a conhecer as normas mais importantes em matéria de Direito Privado. No entanto, esta matéria encontra-se complementada e regulamentada num diploma próprio – Código Comercial, ou mais especificamente, Código das Sociedades Comerciais;

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✔ Ramos do Direito Civil ○ Direito das Obrigações; ○ Direitos Reais (das Coisas);  Da posse;  Do elenco de direitos reais (principal é o de propriedade);  Do elenco de direitos reais menores (ex: usufrutuário);  Das formas de aquisição do direito de propriedade (ex: usucapião). ○ Direitos da Família;

 Integra contrato de casamento, divórcio, regimes de separação de bens, adopção e relações de filiação. ○ Direitos das Sucessões ✔ Em várias normas de Direito Constitucional, o critério prevalecente é o critério dos interesses, mas principalmente o critério da qualidade dos sujeitos. O critério da posição dos sujeitos não se adequa em vários casos; ✔ Critérios de Fiscalização da Constitucionalidade ○ Inconstitucionalidade:  Por acção (n.º 1 do artigo 277º da CRP) – São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. Vai ganhando relevância prática;  Por omissão (artigo 283º da CRP) – Resulta da ausência de regulamentação por parte do legislador sobre determinada matéria ou da inacção da autoridade administrativa competente (ex: Caso Aquaparque, em que se verificou ausência de regulamentação sobre parques de diversão aquáticos).

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○ Fiscalização:  Concreta (artigo 280º da CRP) – em qualquer tribunal, no âmbito de um processo judicial particular;  Abstracta (artigo 281º da CRP) – domínio do Tribunal Constitucional. • Preventiva (antes da aprovação da Lei);

Sucessiva (após a aprovação da Lei).  A declaração de inconstitucionalidade pode ser realizada, num caso concreto, pelas várias instâncias, até ao Tribunal Constitucional. •

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✔ Usucapião – forma original de aquisição de direitos reais; ✔ Direito do Trabalho trata: ○ das relações jurídicas individuais do trabalho (contrato individual de trabalho); ○ das relações jurídicas colectivas do trabalho (contrato colectivo de trabalho, direito à greve).  Convenções colectivas de trabalho: “tem corpo de contrato (inter partes) e alma de Lei (gerais e abstractas)” • Contrato colectivo de trabalho – entre associações sindicais e associações patronais ou empregadores; • Normalmente, os contratos só celebram efeitos entre as partes (eficácia relativa ou inter partes). Adequando esta noção ao caso apresentado, os efeitos seriam sobre os empregadores signatários e os trabalhadores filiados/sindicalizados; • Todavia, neste caso, existe uma eficácia externa, isto é, os efeitos produzem-se sobre trabalhadores filiados e não filiados;

• Por isso, coloca-se em causa a integração do Direito do Trabalho no Direito Privado. Há apologistas da integração do Direito do Trabalho no Direito Social.

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✔ As sociedades civis previstas no Código Civil não têm personalidade jurídica; ✔ Sociedades comerciais (com personalidade jurídica) – distinguem-se em função do tipo de responsabilidade assumida. ○ Sociedades Anónimas (abreviado por S.A.) - O capital das S.A. é dividido em acções e cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das acções que subscreveu; ○ Sociedades por quotas (abreviado por Lda.) - As sociedades por quotas exigem um mínimo de dois sócios (excepto no caso das sociedades unipessoais por quotas). Todos têm que entrar com dinheiro, ou com bens avaliáveis em dinheiro. O capital social mínimo é de 5 mil euros, que não tem que ser integralmente realizado no momento em que o pacto social é outorgado (podem ser diferidas 50 por cento das entradas em dinheiro, desde que o capital mínimo fique logo realizado). A responsabilidade dos sócios tem uma dupla característica: é limitada e solidária. É limitada porque está circunscrita ao valor do capital social. Quer isto dizer que por eventuais dívidas da sociedade apenas responde o património da empresa e não o dos sócios. É solidária na medida em que, no

caso do capital social não ser integralmente realizado aquando da celebração do pacto social, os sócios são responsáveis entre si pela realização integral de todas as entradas convencionadas no contrato social (mesmo que um dos sócios não cumpra com a sua parte). ○ Sociedades em nome colectivo - Os sócios respondem individualmente pela sua entrada. Pelas obrigações sociais respondem subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os outros sócios. ○ Sociedades em comandita - Cada um dos sócios comanditários responde apenas pela sua entrada. Os sócios comanditados respondem pelas dívidas da sociedade nos mesmos termos da sociedade em nome colectivo.  Simples;  Por acções. ○ As sociedades em nome colectivo e em comandita implicam maior responsabilidade dos sócios.



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Direito Internacional Público – considerado Direito Público, refere-se ao conjunto de normas que regulam as relações entre sujeitos de direito internacional: ○ Estados soberanos (actuam em posição de igualdade, o que, desde logo, anula o critério da posição dos sujeitos) ○ Organizações Internacionais; ○ Vaticano;

○ Indivíduo (questão dúbia: o indivíduo como pessoa de Direito Internacional Público)



Direito Internacional Privado (a partir do art. 14º do C.C.) ○ Regulam as relações plurilocalizadas; ○ Conexão entre Estados federados; ○ Elementos de conexão entre diferentes ordens jurídicas:  Nacionalidade;  Residência. ○ Normas de conflito (a partir do art. 25º do C.C.)  Ver a partir do artigo 49º;  Art.º 55 – separação judicial de bens e divórcio (pode implicar a aplicação de Direito de outro país);  Saber qual o Direito a aplicar em casos concretos.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I

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➢ A maior parte das relações sociais são gratuitas, não implicam uma equivalência de prestações; ➢ Direito enquanto realidade objectiva – destrinça com a Moral (relação de autonomia). Ninguém pode ser recriminado por convicções sociais diferentes ao nível da Moral e da Religião;

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(Sexta-Feira, 30 de Outubro de 2009, 11h-12h30 – Aula Teórica)

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➢ A autonomia dos Homens (vontade humana) na definição do justo é relativa (ver art. 464º do C.C. gestor de negócios); ➢ A Lei é uma razão de ser do Direito, tem de estar conforme com o Direito. O poder político apenas pode fazer interpretações daquilo que é justo, competindolhe realizar honestamente a justiça; ➢ A concepção de Lei nos Estados totalitários entende que a razão de ser está no chefe; ➢ O entendimento do justo natural deve actualizar-se em função das novas realidades (ex: bioética); ➢ Se é verdade que há realidades que radicam na natureza humana, também é verdade que o direito positivo assume um papel fundamental na construção do Direito; ➢ Não podemos considerar que todas as questões de Direito são relativas (relativismo), pois nem todas as concepções de Direito são equivalentes. Esta posição inviabiliza o diálogo inter-cultural e proporciona o uso do poder pelo poder; ➢ Devemos assumir as limitações da nossa perspectiva e promover um diálogo que possibilite um entendimento entre ambas as partes, em busca de um conceito harmónico de Direito; ➢ Há matérias sobre as quais, historicamente, não é possível um consenso, impondo-se uma autoridade; ➢ O Direito Positivo assume uma posição essencial nesta matéria, traçando uma directriz que transmite certeza aos princípios. ✔ Art. 80º (reserva da vida privada) – lei geral que apela a determinados valores. ➢ A Lei precisa de garantir a eficácia das normas jurídicas, em cada período histórico, através de um aparelho instituído; ➢ A Lei impede o arbítrio dos jogadores (juízes, advogados), dado que ela implica a vinculação destes às normas vigentes.

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○ Aos tribunais, compete a administração da justiça, em nome do povo (n.º1, art. 202º da CRP). Seguidamente, no n.º1 do art. 205º da CRP, diz-se que as decisões dos tribunais estão sujeitas à Lei vigente; ○ O juiz pode decidir contra legem, mas intra ius. Portanto, não se pode confundir Lei e Direito; ○ O art. 8.º do Código Civil limita o poder arbitrário do juiz. Com isto, procura-se o objectivamente justo; ○ O juiz não pode decidir de acordo com as convicções pessoais. ➢ A Lei geral e abstracta permite a adaptação da mesma a cada caso concreto, proporcionando um tratamento igual de todas as situações. É uma medida geral que impede diferentes decisões sobre casos equivalentes; ➢ Os defensores do jusnaturalismo não renegam a importância da Lei. René Descartes, autor da célebre frase “Penso, logo existo”, considera impossível observar a realidade e entender o justo e o injusto. Tal só é possível apenas recorrendo ao pensamento e às concepções do sujeito – viragem subjectivista (redução da realidade ao pensamento). Descartes exclui os entendimentos individuais, ocorrendo assim um “corte” entre o “ser” e o “dever ser”. Na mesma altura, surge Maquiavel com a teoria do iluminado, em “O Príncipe”, dotado de poder divino, agindo de acordo com a sua vontade. Para Immanuel Kant, era impossível ao indíviduo conhecer a realidade e falar de justiça, com verdade, consentaneamante. John Rawls, autor de uma Teoria da Justiça material, assentando o Direito numa convenção que permite a sã convivência (retoma do “Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau); ➢ Possível definição de Direito: O Direito é uma ordenação da vida social (atendendo à alteridade e





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exterioridade), segundo a Justiça (pretensão de Justiça); Não há uma ordem jurídica perfeita, porém ela está vocacionada para esse valor. O sistema de recursos para tribunais superiores assenta num princípio de aperfeiçoamento de uma decisão, procurando fazer justiça; A ordem jurídica tem de ser minimamente compatível com a ideia de Justiça, daí a consagração, por exemplo, do princípio da dignidade da pessoa humana; O legislador tem toda a legitimidade para consagrar normas que visem a prossecução da Justiça; O sociólogo alemão Niklas Luhmann, considerado um dos mais importantes representantes da ciência, defende a legitimidade pelo processo, ou seja nega a ideia de Justiça, considerando legítima uma decisão pelo cumprimento dos mecanismos processuais previstos. Trata-se de uma perspectiva criticável, pelo facto de não entender a noção de Direito como algo evolutivo, não efémero; O Direito não está necessariamente relacionado com o Estado. Nem todo o Direito tem origem estadual. O Direito Internacional Público, o Direito das Comunidades Primitivas, o Direito Canónico, o Direito Infra-estrutural das instituições são exemplos desta realidade; É necessário fortalecer as instituições internacionais (como o Tribunal Penal Internacional) para resolver os problemas globais; Pode existir Direito sem coacção, ou seja, a coercibilidade não é uma característica intrínseca do Direito. A eficácia do Direito não está dependente da existência de aparelho coercivo, logo a inexistência de coercibilidade não implica a inexistência de Direito. Sem existir coacção, o cumprimento de uma norma é

realizado espontaneamente de acordo com o princípio da justiça (adesão àquilo que é justo); ➢ A norma jurídica orienta os comportamentos dos indivíduos, mesmo sem existir coacção; ➢ O Direito é uma ordem necessária e representa um imperativo (imperatividade). A coacção é um instrumento ao serviço da justiça, secundário, não é uma característica essencial, mas por vezes necessária (característica tendencial); ➢ A consciência de justiça por vezes proporciona a realização de justiça (relembrar luta pela independência de Timor-Leste, contra o domínio indonésio); ➢ A coercibilidade implica um sistema de sanções reguladas por um conjunto de normas secundárias (ex: códigos processuais) ○ Tipos de sanções  Compulsórias (levam o infractor a praticar, ainda que tardiamente, o acto devido); • Sanções Pecuniárias Compulsórias (art. 829.º-A do Código Civil); • Direito de Retenção (art. 754.º do C.C.) – o direito de retenção existe, desde que o devedor disponha de um crédito contra o seu credor, quando, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resulta de despesas feitas por causa dela.

(Segunda-Feira, 02 de Novembro de 2009, 14h15h30 – Teórica)

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I (continuação)



Compensatórias (quando a reconstituição não é possível); • Prestações de facto infungível que não se podem cumprir (por exemplo). Neste caso, há lugar a uma compensação; • Danos não patrimoniais (relacionados com direitos de personalidade – art. 496º do C.C.).



Punitivas (sanção que implica sofrimento ou reprovação da conduta de alguém); • De natureza criminal (aplicação de uma pena privativa de liberdade, obrigação ao pagamento de quantias pecuniárias, etc.)

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Reconstitutivas (visam reconstituir a situação que existiria se a norma não fosse violada); • Apossarmo-nos de algo de outrem contra a sua vontade. Desde logo, o juiz manda reconstituir; • Execução específica das obrigações: ○ Realização do pagamento de uma quantia (por exemplo); ○ Prestação do devedor que se traduz num acto jurídico (ex: contrato-promessa)  Execução da promessa (art. 830º do C.C.). ○ Pagamento de uma indemnização por acto lesivo (art. 562º e 566º do C.C.). De recordar, todavia, que a reconstituição normal é in natura (em espécie).

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Valores negativos (ou desvalores) do acto jurídico – um acto jurídico pode ser ineficaz, o que não é necessariamente uma sanção. Podemos distinguir três tipos de ineficácia (em sentido amplo), por ordem decrescente de gravidade:

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Preventivas (visam prevenir situações de desconformidade com a Lei); • Artigos 780º e 781º do C.C. – numa dívida de prestação, no incumprimento de uma, todas as outras vencem (medida cautelar); • No campo do Direito Penal – medidas de segurança sobre inimputáveis, que não possuem idoneidade suficiente (p.e. menores). ○ Nos sistemas totalitários, a aplicação de penas pode ser sucedida por medidas de segurança, como ausência de liberdades.

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Disciplinares (infracção de uma ordem ou disciplina que existe no meio de uma organização) Civis (condutas ilícitas não criminosas) ○ Incumprimento de um contrato, por exemplo;  Estabelecimento de uma cláusula penal (art. 810º, 811º e 812º do C.C.) • O juiz pode reduzir cláusulas desproporcionadas; • Podem existir no seio de associações.

○ ○





Inexistência jurídica (art. 245º do C.C., p.e.); Invalidade (actos existentes que padecem de um vício); ✔ Nulidade (não produz em absoluto efeitos jurídicos); ✔ Anulabilidade (forma menor de invalidade que inquina o acto, surtindo efeitos precários – art. 256º do C.C., p.e.) ○ Em caso de anulabilidade, compete ao errante decidir se quer ou não anular o acto. Ineficácia em sentido restrito (mera ineficácia, total ou parcial) Há actos ilícitos que são válidos, assim como há actos inválidos que são lícitos. Exemplos: ✔ Contrato de compra e venda através de um documento particular – estamos perante um acto lícito, mas inválido. Implica uma forma solene, que constitui uma excepção ao artigo 219º do C.C. (liberdade de forma); ✔ Casamento de menores de 18 anos, mas maiores de 16 anos sem consentimento – estamos perante um acto ilícito, mas válido, visto que se verifica a falta de consentimento dos pais ou do tutor, quando não suprida pelo Conservador do Registo Civil (ver artigo 1648º do C.C., sobre boa fé em casamento putativo).

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➢ A coercibilidade é a susceptibilidade de aplicação coactiva de uma sanção; ➢ Uma ordem jurídica não depende da coercibilidade, sobrevive com a adesão voluntária dos cidadãos às normas; ➢ Há normas jurídicas que não são assistidas de coercibilidade. Por exemplo: normas de Direito





Internacional Público, Direito Canónico, normas de ordens jurídicas infra-estaduais (das associações); Nos artigos 402º, 403º e 404º, são apresentadas obrigações naturais, isto é, deveres sociais que não podem ser coactivamente impostos e não são exigíveis judicialmente;

Princípio da proibição da justiça privada ou autotutela (“justiça pelas próprias mãos”) – art.º 1 do Código de Processo Civil ○ Como alternativa, existe a possibilidade de requerer aos tribunais um procedimento judicial (art.º 2 do CPC – Garantia de Acesso aos Tribunais) – “a cada direito corresponde uma acção” ○ Excepções:  Estado de necessidade (art. 339º do C.C.) – causar dano a outrem para salvaguardar um bem maior; • Hipoteca social da propriedade, por exemplo (“em caso de necessidade, tudo é de todos”).



Acção Directa (art. 336º do C.C.) – o agente emprega a força para realizar o seu direito, dadas as delongas da acção judicial; • Subordina-se à racionalidade e à proporção;

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Legítima defesa (art. 337º e 338º do C.C.) – impossibilidade de recorrer ao tribunal em situação de agressão iminente; • Legítima defesa putativa (excesso de legítima defesa); • Fenómeno que irrompe indiscriminadamente.

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• Não há defesa contra agressão como na legítima defesa. 



Direito de Resistência – direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias, provenientes de uma autoridade pública.

A Administração Pública detem mecanismos que visam uma actividade preventiva de infracções (tutela preventiva da polícia, do Banco de Portugal, tribunais, etc.) ○ Os tribunais podem aplicar procedimentos / providências cautelares (fumus boni iuris) – decisão provisória de tutela (antecipando a tutela judicial) que caduca, se improcedente.

➢ Legitimidade da coacção no Direito ○ Representa uma limitação das liberdades do indivíduo; ○ Coercibilidade como manifestação de heteronomia; ○ Necessidade de um requisito de autonomia – coercibilidade – como garante da ordem social; ○ A coacção é exigível, representa uma condição de podermos viver livremente.

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Relação do Direito com o Poder Político e a Força (observação macroscópica) ○ Direito depende da força, porque em parte, na sua origem, advem da Lei que é imposta por quem detem autoridade. Depende da força na sua autoridade (aparelho estatal); ○ Todavia, o Direito não se reduz à força, pois, caso assim fosse, seria uma sucessão de vontades arbitrárias dependentes de caprichos de alguém;

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○ Vivemos num Estado de Direito, que portanto assegura como missão realizar esse Direito. Já um Estado, que tomasse uma posição complacente, ficaria indefeso; ○ O Estado não exclui a força, exclui a violência, apesar de determinados países liberalizarem a pena de morte; ○ O Direito legitima e regula a força, procura conter a força dentro dos seus limites (potestas ordinata); ○ A força interessa para o plano da vigência / eficácia do Direito, não para o plano da validade do Direito.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Terça-Feira, 03 de Novembro de 2009, 9h-11h – Aula Prática) ➢ Ficha de Trabalho n.º3 (continuação) ○







Todos os critérios de distinção de Direito Público e Direito Privado são passíveis de crítica, inclusive o critério da posição dos sujeitos que, quando inadequado, é substituído por outro(s); Existem alguns ramos do Direito que não encaixam nesta distinção entre Direito Público e

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Grupo III

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Normas de Direito adjectivo (fora dos tribunais) – regulam os registos (civil, predial, comercial, etc.); regras do Código Notarial Normas de Direito substantivo (fora dos tribunais) – estabelecem direitos e deveres sobre as relações jurídicas (capacidade jurídica, poderes conferidos)

Direito Privado (summa divisio), como o Direito Internacional Público (relações dos Estados ocorrem em situação de igualdade, desprovidos de imperium). Isto justifica a “insuficiência científica crónica”; ○ Esta distinção é típica dos ordenamentos jurídicos romano-germânicos. ○ Relevo prático da summa divisio ao nível da:  Organização judiciária (hierarquia dos tribunais) • Direito Administrativo e Fiscal (Direito Público) ○ Tribunal Judicial de 1.ª instância; ○ Tribunal Central Administrativo (2.ª instância); ○ Supremo Tribunal Administrativo (órgão superior – não é de 3.ª instância) • Tribunais Comuns (Direito Privado) ○ Tribunal da Comarca (ou de 1.ª instância); ○ Tribunal da Relação (ou de 2.ª instância); ○ Supremo Tribunal de Justiça

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• Trata-se de uma distinção tendencial entre Direito Público e Direito Privado, porque existe matéria penal julgada em tribunais de competência genérica. • Os tribunais de 1.ª instância têm competência para julgar matéria de facto, isto é verificar se os factos alegados foram provados. Já os Supremos Tribunais não intervêm em matéria de facto, apenas interpretam e aplicam as normas jurídicas. Têm poder





de revisão sobre os acórdãos de 2.ª instância; Noutros ordenamentos jurídicos, como o francês, vigora o sistema da cassação que não possibilita a tomada de outra decisão, permite apenas a revogação.

Aplicação no plano de estudos – existem disciplinas que apenas congregam Direito Público ou Direito Privado.

Grupo IV ○ Contrato de compra e venda – na contratação pública, aplicam-se normas públicas, para assegurar a transparência do processo (dispêndio de dinheiros públicos) que envolve elevadas quantias e porque está envolvido de um regime especial; ○ Estamos perante uma relação de Direito Privado, em que a entidade colectiva de Direito Público apresentada – Câmara Municipal de Lisboa – participa na relação jurídica desprovida de imperium. É, portanto, uma questão da competência dos tribunais comuns.

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N.º1 do Art. 508º do C.C. – Responsabilidade civil pelo risco, em acidentes de viação (com vantagens associadas à prova da culpa, que não é exigida – remete para o seguro obrigatório de responsabilidade civil); ○ Estamos perante uma situação em que o Estado Português relevou inércia na transposição da directiva comunitária, posição que lesou ○

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Grupo V





gravemente o queixoso. Assim, compete ao Estado indemnizar o lesado pelos prejuízos causados por tal omissão legislativa; De acordo com a alínea g) do art.º 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, é da competência destes o julgamento de questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extraordinária das pessoas colectivas de direito público (p.e. Estado Português) incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa. Efeito directo vertical ≠ Efeito directório horizontal (directiva comunitária) (regulamento comunitário) ↓ ↓ Estado Aplicado directamente aos indivíduos ↓ (não implica transposição) Por conseguinte aos indivíduos após transposição  Se não houver transposição e alguém sair prejudicado com esta situação, entende-se que é da competência do Estado ressarcir o indivíduo.

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➢ Ficha de Trabalho n.º4 – Tutela Jurídica ○ Distinção entre sanção e tutela jurídica (conceitos entendidos de modo diferente pelos autores dos manuais adoptados); ○ Relação entre sanção e coercibilidade  Sanção – consequência do Direito por violação de uma regra jurídica (noção que não é unanimamente defendida);





Coercibilidade – susceptibilidade de aplicação coactiva (pela força) de uma sanção. Por exemplo: • sanção coactiva de liberdade (p.e. – prisão preventiva); • acção de despejo pela força (por incumprimento do pagamento ao senhorio); • imposição de pagamento de uma indemnização que não foi paga voluntariamente, recorrendo à penhora ou venda forçada.

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Existem, no esquema do Direito Processual Civil, duas espécies fundamentais de acções: a acção declarativa e a acção executiva (n.º1 do artigo 4.º do CPC).  Processo Declarativo • Acção de simples apreciação - é pedido ao tribunal que declare a existência ou inexistência dum direito ou dum facto jurídico. • Acção declarativa de condenação vai-se mais longe: sem prejuízo de o tribunal dever ainda emitir aquele juízo declarativo, dele se pretende também (e fundamentalmente) que, em sua consequência, condene o réu na prestação duma coisa ou dum facto. • Acção declarativa constitutiva - o juízo do tribunal já não é limitado, como nas duas subespécies anteriores, pela situação de direito ou de facto pré-existente. Pela sentença, o juiz, perante o exercício judicial dum direito potestativo, cria novas situações jurídicas entre as partes, constituindo,



impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres que, embora fundados em situações jurídicas anteriores, só nascem com a própria sentença. Processo Executivo - tem por finalidade a reparação efectiva dum direito violado. Não se trata já de declarar direitos, préexistentes ou a constituir. Trata-se, sim, de providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente. Com ela, passa-se da declaração concreta da norma jurídica para a sua actuação prática, mediante o desencadear do mecanismo da garantia.

Nos artigos 610º e seguintes do Código Civil, está prevista a impugnação pauliana (criada pelo senador romano Paulus), que é uma acção pessoal (e não uma acção de anulação). Na impugnação pauliana, o pedido a formular é o de que seja declarado que determinado acto jurídico é ineficaz perante o credor de quem o praticou e não o de declaração de nulidade do negócio. ○ Outra distinção das modalidades de ineficácia dos actos jurídicos: ○

• Invalidade ➢ Nulidade (abrange interesses da colectividade) Por exemplo, violação de

Por exemplo, art. 246º do C.C., em casos de coacção física, não há manifestação de vontade.

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Inexistência

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Ineficácia em sentido amplo ≠

direitos públicos (p.e. fé pública dos documentos, quando não há observação da forma legal exigida.) ➢ Anulabilidade (pretende-se proteger interesses particulares) Por exemplo, o contrato celebrado por um menor (art. 125º do C.C.) •

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Critérios de requisição da nulidade e da anulabilidade (art. 286º e seguintes do Código Civil)  Nulidade – pode ser invocada sem dependência de prazo, por qualquer indivíduo, e declarada pelo tribunal (art. 286º do C.C.);  Anulabilidade – pode ser invocada no prazo de um ano à cessação do vício que lhe

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Ineficácia em sentido restrito (p.e. contrato de compra e venda com reserva de propriedade, sujeito a uma condição suspensiva – pagamento integral do preço.)

serve de fundamento e pelas pessoas em cuja interesse a lei estabelece (n.º1 do art. 287º do C.C.). Este prazo exige que os interessados sejam diligentes na declaração de interesse. O negócio jurídico viciado por anulabilidade vai produzindo efeitos até à sua declaração. Os negócios inválidos (nulos ou anuláveis) têm efeitos retroactivos, ou seja, o lesado tem direito a reaver o que era seu (n.º1 do art. 289º do C.C.).

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 06 de Novembro de 2009, 11h-12h30 – Teórica) ➢

Relação entre Ordem Jurídica e Ordem Moral ○ Diferentes critérios de distinção  Coercibilidade • Normas morais – sem aplicação coactiva; • Normas jurídicas – com aplicação coactiva.

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 Heteronomia • Normas morais – são autónomas, dizem respeito apenas ao sujeito, criando o seu próprio padrão moral; • Normas jurídicas – dependem de exigências externas.

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Trata-se de um critério insuficiente, porque há normas jurídicas sem aplicação coactiva, porque a coercibilidade apenas está ao serviço do Direito (é meramente instrumental).

Trata-se de um critério insuficiente, porque a moral também é heterónoma. Ninguém é dono do bem ou do mal, apenas adoptamos um padrão moral, do qual nos podemos desviar. Todavia, é necessário ter uma mínima moral objectiva (recta moral) para garantir uma sã convivência entre os cidadãos, isto porque não há subjectivismo morais mas, por outro lado, há consensos morais.

 Exterioridade • Normas morais – preocupam-se com o lado interno; • Normas jurídicas – preocupam-se com o lado externo.

Mínimo Ético – o Direito consubstancia um mínimo ético – mínimo necessário para garantir um bem-estar social.

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Trata-se de um critério insuficiente, porque ao Direito também interessa a vontade, as intenções do indivíduo, nomeadamente em matéria de Direito Penal. O juízo de censura é, por isso, ético-jurídico. Por outro lado, para a Moral também não é indiferente o impacto externo da conduta (uma tentativa de homícidio é diferente de um homicídio consumado). Todavia, o Direito procura projectar, sobretudo, uma ordem social, e a Moral procura o aperfeiçoamento do indivíduo. Por isso, podemos considerar que este é o melhor critério de distinção.



Trata-se de um critério falacioso, porque há muitas regras jurídicas que nada têm a ver com a ética (ex: prazos processuais, Direito Organizatório). No entanto, aquilo que é mais constante no ser humano relaciona-se com a ética (direito comum) – concepções moralmente fixadas.

O Direito procura criar as condições fundamentais para cada indivíduo orientar a vida em busca da sua concretização. Encontra-se orientado para o designado bem comum; ○ O Direito revela-se igualmente importante para a resolução de conflitos de interesses (tutela jurídica); ○ Quando o Estado tutela a “moral pública”, os “bons costumes” (p.e. – art. 280º do C.C.), verificamos que estes conceitos não são irrelevantes para o Direito. Este procura agir, quando há uma perturbação da boa convivência. Por exemplo, na questão da legalização do casamento homossexual, ao Direito interessa saber o reflexo que tal decisão terá na política pública de família, não sendo por isso uma questão meramente semântica; ○ Moral e Direito são duas disciplinas que se intersseccionam, mas não prosseguem os mesmos fins. Por exemplo, em relação à defesa da honra da palavra, ao Direito interessa proteger a ordem social, já à Moral importa proteger o valor da honra do indivíduo. ○ Princípio da não-beligerância entre Direito e Moral (o Direito não pode violar a Moral) – As prescrições morais não vinculam juridicamente, porém o Direito não deve impor nada que não seja moralmente devido nem prescrever o ○

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moralmente condenável. Existem também os chamados “actos toleráveis” que são permitidos pelo Direito, mas rejeitados pelas normas morais (ex: consumo de drogas, prostituição); ○ Classificação das normas jurídicas:  Proibitivas (proíbem condutas);  Impositivas (impõem condutas);  Permissivas ou Prescritivas (atribuem liberdade ao indivíduo). ○ Num Estado Social de Direito, Ética e Direito assumem elevada relevância. ○ Os valores morais têm repercussão social nas virtudes cívicas. A dedicação à causa pública só se pode fazer com valores morais; ○ Muitos conceitos da ordem jurídica remetem para a Ética:  “Boa fé” – conceito moralmente impregnado (artigos 227º e 726º do C.C., por exemplo);  “Abuso do Direito” – artigo 334º (cláusula geral do abuso do Direito)



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Norma jurídica (em sentido estrito) – pequena unidade jurídica que compõe o Direito no seu todo. As normas jurídicas constituem uma multiplicidade de critérios de decisão, particulares e concretos, com a mesma intencionalidade (realizar a justiça). Concretizam a juridicidade. Norma jurídica (legal ou costumeira) ≠ Lei  A norma jurídica pode estar íncita no costume;





A norma jurídica é constituída por previsão (ou antecedente) e estatuição (ou consequente); • Previsão – situação de facto à qual se aplica uma consequência; • Estatuição – consequência que se aplica. O facto previsto pode envolver pessoas, dizer respeito a acontecimentos concretos, definir espaço e tempo, ser uma situação valorativamente apreciada pelo Direito (p.e. art. 892º do C.C. – definir o que é coisa alheia, conhecendo o seu dono), empregar conceitos específicos (ex: conceito de “arma”, para efeitos criminais, de “documento”)

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Segunda-Feira, 9 de Novembro de 2009 – 14H15H30 – Teórica)

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➢ Teoria Geral da Norma Jurídica ○ Previsão – recorte de factos (conceitos) susceptíveis de valoração jurídica. Estes conceitos são encarados pelo sistema conceptual do Direito de modo diferente à linguagem normal; ○ As normas jurídicas respondem a questões de Direito, que não dispensam uma averiguação dos factos (questões de facto) – ver artigo 486º do C.C. Se não houver factos que desencadeiem a consequência jurídica prevista na norma, ela não passa de um comando hipotético. O facto convoca a norma à sua aplicação concreta. A resposta a questões de Direito implica a resposta a questões de facto, olhando para a norma jurídica e seus pontos de vista;

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○ Existem dados de facto (ex: espaço, tempo) que influenciam a aplicação das normas jurídicas (por exemplo: a acção realizar-se de dia ou de noite); ○ Alguns autores entendem que as normas jurídicas são comandos de conduta, o que não corresponde totalmente à realidade. Há normas jurídicas que não são imperativos de conduta. Esta imperatividade (ordem de autoridade, com imposição de deveres e estabelecimento de proibições) distingue-se da imperatividade que diz respeito ao Direito enquanto exigência absoluta de observância. Note-se que existem normas jurídicas permissivas (art. 405º e 1305º do C.C.) e normas classificatórias / definitórias (art. 203º do C.C.), que classificam uma realidade (no caso do art. 203º do C.C., trata-se da noção de “coisa”). Esta distinção entre normas permissivas e definitórias assume particular interesse para o art. 875º do C.C. A norma do art. 203º não tem consequências jurídicas, trata-se meramente de uma descrição, de uma categoria de coisas a utilizar noutras normas. As proposições normativas incompletas (sem estatuição) condicionam indirectamente as outras normas jurídicas, sendo por isso meramente instrumentais ou funcionais. O art. 790º (extinção da obrigação por impossibilidade) é uma norma que apenas produz efeitos jurídicos, não impõe condutas. As regras sobre regras (de 2.º grau), como por exemplo as regras de conflito de Direito Internacional Privado (relações jurídico-privadas plurilocalizadas), procuram dirimir relações de conflito entre diferentes ordenamentos jurídicos que regem uma mesma situação, ou seja, pretende-se saber qual dos ordenamentos se vai





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aplicar e não visam definir a conduta dos sujeitos. São possíveis critérios a adoptar nestas situações: a nacionalidade, a residência, o lugar onde os bens se encontram (no caso de relação sobre propriedade) As regras supletivas podem ser afastadas pela vontade das partes, não constituindo por isso um comando. Por tudo isto, a norma jurídica não pode ser entendida como um comando. Por outro lado, as normas jurídicas resultam de um conjunto de factores e da posição de vários legisladores, não são um produto da vontade voluntária do legislador. Destinatários da norma jurídica – não sendo uma norma de conduta, não tem destinatários concretos. Entende-se que a norma jurídica seria um imperativo que tinha como destinatários os entes públicos (Administração Pública, Tribunais). Esta noção é bastante redutora, pois, por exemplo, uma norma sobre relações contratuais dirige-se a todo aquele que celebra contratos. Aliás, o Direito existe antes da ordem judicial e compete ao juiz aplicar o Direito. A norma jurídica pode ser escrita ou não escrita e pode, também, brotar de uma fonte de Direito diferente (p.e. Lei, costume, princípios indeclináveis do Direito); É necessário distinguir norma jurídica do texto que a exprime – enunciado linguístico. O enunciato comunicativo é variável, mas a norma é a mesma, que implica uma interpretação; Segundo o prof. António Menezes Cordeiro, o Direito concreto apenas se encontra nas decisões jurídicas, ou seja, os códigos legais não passam de meros projectos. Trata-se de um enviesamento da realidade, pois a decisão

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judicial não cria o Direito, apenas reconhece o Direito. Por outro lado, nem todo o Direito é judicializado, aliás a maior parte dele é espontaneamente seguido e não deixa de ser uma aplicação do Direito; ○ O processo de criação do Direito na ordem social e histórica é dinâmico e submete o juiz ao seu cumprimento; ○ Características gerais das normas jurídicas:  Generalidade (≠ individualidade) – as normas jurídicas não têm destinatário singular, têm por outro lado um número indeterminado de destinatários, isto é, todos aqueles que são susceptíveis de serem abrangidos pela norma jurídica. Assim, a sentença judicial não é uma norma jurídica, dado que não visa regular uma situação praticável por um número indeterminado de sujeitos (sujeitos não individualizáveis). As normas jurídicas que regulam a actividade do Presidente da República são plurais, ainda que num determinado momento histórico apenas tenham um único destinatário. Do mesmo modo, os preceitos negociais de um contrato não constituem normas jurídicas, dado que são meros actos de autonomia privada, que moldam uma disciplina jurídica própria (lex privata).  Abstracção – as normas jurídicas aplicamse a uma categoria mais ou menos ampla de situações passadas ou presentes. Não se impelem determinados sujeitos de Direito, identificados, a praticar uma determinada acção jurídica. Apesar de uma norma jurídica poder apresentar uma dada pormenorização da situação, não deixa de ser abstracta, porque não refere os

indivíduos envolvidos. Não podemos, contudo, deixar de salientar uma proximidade entre as características gerais das normas jurídicas: generalidade e abstracção. Quando, por outro lado, se apresenta uma situação concreta e se individualiza as pessoas abrangidas, estamos perante um acto administrativo. Já quando uma determinada norma apresenta, camufladamente, um destinatário concreto, estamos perante uma Lei fotografia. Tal Lei diminui as garantias do sujeito.

➢ Regra jurídica e relação jurídica ○ O facto jurídico introduz dinamismo à norma, permitindo a produção de efeitos:  Constitutivos (eficácia constitutiva – p.e. usucapião, que gera novos efeitos);  Modificativos (p.e. constituição de usufruto sobre propriedade);  Transmissivos (transmissão de direitos – p.e. compra e venda, permuta);  Extinguíveis (p.e. cumprimento, remissão).

INTRODUÇÃO AO DIREITO I

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Contratos sinalagmáticos ou bilaterais: emergem de obrigações recíprocas para ambas as partes, sendo deste exemplo o contrato de compra e venda ou contrato de empreitada; Os factos jurídicos podem ter natureza diversa e, normalmente, decorrem da vontade do indivíduo. A declaração de vontade é essencial num contrato de compra e venda, por exemplo.

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(Terça-Feira, 10 de Novembro de 2009 – 9H-11H – Aula Prática) ➢ Ficha de Trabalho n.º4 (continuação) ○ A coercibilidade pode ser considerada característica do ordenamento jurídico, mas não propriamente de uma norma jurídica; ○ A tutela jurídica é a reacção do ordenamento jurídico à violação das normas. Para o Dr. Baptista Machado, “tutela jurídica” equivale a “sanção”, expressão utilizada pelo prof. Oliveira Ascensão.  Sanções punitivas – censura dirigida ao agente violador, privando-o de bens patrimoniais ou não patrimoniais (ex: pena de multa e pena de prisão);  Sanções preventivas – p.e. arresto e providência cautelar, que implica constituição de acção principal no prazo de 30 dias (p.e. embargo de obra nova, no que diz respeito à construção de imóveis);  Sanções reconstitutivas – reposição do status quo (status quo ante) • Reconstituição por mero equivalente – indemnização; • Reconstituição natural – execução específica.

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Sanções compensatórias – por danos não patrimoniais; Sanções compulsórias – constranger alguém a realizar, de modo voluntário, ainda que tardiamente, determinado comportamento; • Prestação de facto fungível – pode ser praticada por qualquer indivíduo;

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Prestação de facto infungível – só pode ser realizada por um indivíduo.

Na visão do prof. Oliveira Ascensão, a anulabilidade e a nulidade não constituem sanções, dado tratarem-se de situações de uma mera irrelevância jurídica, por incumprimento dos pressupostos da Lei (valores negativos ou desvalores). Já na visão do Dr. Baptista Machado, todo o facto em que se produzem consequências jurídicas por violação dos pressupostos da Lei é sanção; ○ O dever de indemnizar os danos resultantes da prática de um acto ilícito culposo é uma sanção que implica reconstituição por mero equivalente; ○ Por autotutela, entende-se a possibilidade excepcional que o Direito confere para repelir a violação da norma por si próprio. Já por heterotutela (ou tutela pública), entende-se a reposição de um litígio por parte do Estado, a requerimento de um indivíduo, em condições de imparcialidade (monopólio do poder coactivo pelo Estado, através dos meios coercivos – tribunais, polícia, exército);  Vantagem e Desvantagem da Autotutela • Vantagem – no caso de impossibilidade de se assegurar, em tempo útil, a protecção de direitos; • Desvantagem – grave perturbação da ordem social, gerada por “juízes sem causa própria”; implica uma nova desordem, não atendendo aos critérios de imparcialidade. ○

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I

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○ Causar dano por estado de necessidade implica responsabilidade civil por factos lícitos; ○ Resolvendo a questão 4 da ficha:  Partindo do princípio que Adelino tem de pagar o montante que Vítor despendeu ao levar o cão ao veterinário, mas não pretende;  Em conformidade com o art. 754º do C.C., Vítor exerceu o direito de retenção. Ele está em dívida (do cão) para com Adelino, mas age licitamente como meio de obrigar Adelino a pagar as despesas de veterinário;  Adelino comete um acto ilícito, ao tentar levar o cão à força, agredindo Vítor. Este, por seu turno, age em legítima defesa (por agressão actual), agredindo Adelino. Todavia, Adelino parte o braço em consequência deste acto;  Assim, as despesas hospitalares que Adelino teve devem ser pagas por ele próprio, dado tal situação ter sido gerada por acto ilícito. Quanto à reparação da porta, Vítor tem razão em pretender que Adelino lhe pague o arranjo (sanção reconstitutiva);  Nestas circunstâncias, não se aplica o artigo 428º do C.C., pois tal só sucederia se houvesse despesas extra-contratuais;  O direito de retenção pode ser entendido como sanção compulsória, procurando compelir alguém a adoptar tardiamente determinado comportamento devido, ou autotutela, procurando fazer justiça privada sem recurso à força.

(Sexta-Feira, 13 de Novembro de 2009, 11h-12h30 – Teórica) ➢ Nem todos os meios de tutela jurídica são sanções (ex: medidas preventivas); ➢ A existência de Direito depende da sua aplicabilidade efectiva – Direito positivo (ou real), com vocação de aplicação; ➢ Mecanismos de propulsão da vigência das normas jurídicas: ○ Coercibilidade (e sanções inerentes); ○ Sanções premiais – modo de implantação na sociedade por aliciamento / recompensa (ex: concessão de benefícios fiscais, subsídios); ○ Consciência do indivíduo sobre a juridicidade, tratando-se de uma realidade multicultural. ➢ Entendendo que a justiça é um fim do Direito, consideramos que a Justiça encontra-se fora do âmago do Direito (entendimento incorrecto); ➢ Constituem três valores fundamentais inerentes a todo o ser: verdade, bem e belo. Por exemplo, o raciocínio jurídico é harmonioso (característica do belo). ➢

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É através da declaração de vontade que os negócios jurídicos adquirem relevância (ex: contratos). A produção de consequências jurídicas não ocorre se houver uma perturbação na declaração de vontade (p.e. coacção física ou moral). Associada à declaração de vontade, está o discernimento necessário do indivíduo, que se não se verificar, pode conduzir à declaração de invalidade do negócio jurídico. Por exemplo, um indivíduo pode solicitar a anulação de um negócio jurídico se cometer um erro no entendimento celebrado;







➢ ➢

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Existem actos em que, naturalisticamente, a manifestação de vontade é fulcral (ex: celebração de um contrato de compra e venda), já noutros é irrelevante (ex: aquisição de personalidade jurídica de um novo ser). Noutros casos, não é a manifestação de vontade efectuada que gera efeitos jurídicos, mas é o direito objectivo que implica a realização de efeitos jurídicos (ex: acto declarativo da perfilhação). Como vimos, existem actos que não implicam declaração de vontade, mas geram consequências jurídicas (ex: achamento de um tesouro subaquático; ocupação de um terreno sem dono, adquirindo o título de propriedade – art. 1318º do C.C.); Há factos jurídicos que: ○ Provocam imposição de deveres; ○ Atribuem qualidades, competências ou faculdades ao sujeito (ex: maioridade); ○ Atribuição de um direito subjectivo (atribuição de um bem – art. 1301º do C.C.). Criação do ónus sobre um direito subjectivo – adopção de um comportamento para promover uma vantagem ou evitar uma desvantagem (ver art. 913º e ss., em especial o art. 916º, do C.C.), dentro do prazo estipulado na Lei; O nosso ordenamento jurídico consagra o poder parental como um poder funcional ou poder-dever; Distinção entre dever jurídico e sujeição ○ Dever jurídico – restrição de um direito, que pode ou não ser acatada; ○ Sujeição – exposição à realização de determinadas consequências jurídicas na sua esfera jurídica, sem adoptar qualquer comportamento. Isto sucede quando estamos perante um direito potestativo (ex: servidão de passagem, para titulares de prédios encravados sem acesso à via pública – direito real menor). Nestes casos, há uma mera declaração unilateral

de vontade do titular do direito subjectivo. O direito de constituição de uma servidão de passagem é um direito transitório, isto porque, com a sua constituição, extingue-se (tal como os direitos de crédito).

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➢ A eficácia jurídica não se traduz na realização de uma relação jurídica. Note-se, por exemplo, que o direito de propriedade envolve apenas o proprietário e a coisa. Neste caso, estamos perante uma situação jurídica não relacional. O mesmo sucede com outros direitos de personalidade (ex: direito ao bom-nome, direito à honra); ➢ A Parte Geral, Título II do Código Civil aborda as relações jurídicas; ➢ Classificações das normas jurídicas (enquanto regras de conduta não valorativas) ○ Regras proibitivas, preceptivas e permissivas – as regras proibitivas impedem a prática de uma determinada conduta (“tu não deves”), como sucede com as normas penais; as regras preceptivas impõem condutas (“tu deves”); as regras permissivas (“tu podes”) conferem liberdades (ex: de testar, contratual, de eleger) e direitos subjectivos (bens); ○ Regras universais, regionais e locais – nesta classificação, está em causa o âmbito de aplicação e não o órgão que aprova a regra. Assim, as regras universais aplicam-se a todo o território e as regras locais têm um âmbito territorial circunscrito (p.e. posturas e regulamentos municipais). Em relação às regras locais, não se entende uma aplicação analógica a outros locais. As regras universais são susceptíveis de aplicação subsidiária a nível regional;



Regras gerais e regras excepcionais – as regras gerais constituem direito padrão e as regras excepcionais são direito particular, oposto ao regime regra, para casos particulares (ex: liberdade contratual – art. 405º do C.C. – contrariada em determinados casos, como por exemplo, exigência de determinada forma de documento – p.e. documento autenticado). O art. 11º do C.C. proíbe a aplicação por analogia de regras excepcionais (aplicação analógica materialmente excepcional); já nas regras gerais, pode haver aplicação analógica (formalmente excepcional), quando nem todos os casos são abrangidos e previstos pelo legislador.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Segunda-Feira, 16 de Novembro de 2009 - 14H15H30 – Teórica)

Classificações das normas jurídicas (continuação) ○ Regras de Direito comum e de Direito especial – as normas de Direito especial não consagram uma disciplina oposta ao direito comum. Trata-se de um regime particular;

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➢ Toda a norma jurídica pode ser considerada abstracta, dado que não há identificação dos seus destinatários; ➢ Direito adjectivo (instrumental) – estabelece os termos mediante os quais os sujeitos podem recorrer à tutela judiciária (ex: Direito Processual Civil); ➢ Os Direitos de Personalidade são direitos de domínio (absolutos), assim como o direito de personalidade, máximo direito real (exclusivo);

 Direito Especial ao nível dos ramos do Direito • Direito Comercial (especial em relação ao Direito Civil) ○ Compra para revenda (pode ser feita por um comerciante ou por qualquer pessoa?); ○ Este sector específico de actividade leva a valorações particulares  Direito Especial dentro do mesmo ramo do Direito (Direito Processual Civil) ○ Processo comum; ○ Processo especial (trâmites particulares)  Prestação de contas (e dentro deste processo, também há normas especiais)

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 Aplicações práticas • Art. 7º, n.º3 do C.C. – Lei geral não revoga lei especial ○ Com alteração do Direito Comum, não tem de ocorrer, necessariamente, alteração do Direito Especial. Mas também Direito Especial não revoga Direito Comum; ○ A revogação de Lei especial não tem consequências no Direito Comum. Normas autónomas e normas nãoautónomas (art. 678º do C.C.)  Norma jurídica incompleta (ausência de estatuição ou previsão)  Norma classificatória ou definitória

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• Artigo 1022º do C.C. – locação; • Artigo 203º do C.C. – coisa. ○ Articulação com a autonomia privada  Normas injuntivas e dispositivas • Normas injuntivas (ou imperativas) – comandos a que todos estamos sujeitos; ○ Artigo 875º do C.C. (forma do contrato de compra e venda); ○ Não são interesses meramente individuais – interesses indisponíveis; ○ A sua aplicação não depende do interesse do sujeito; ○ Interesses públicos e privados (não dizem respeito à coisa pública) – ex: servidões (relações entre prédios – não existem servidões pessoais); ○ A violação das normas injuntivas implica a declaração de nulidade (ver artigos 294º, 280º e 281º do C.C.) ou ilicitude (quando o acto é material e contraria regras jurídicas). • Normas dispositivas – encontram-se à disposição do sujeito ○ Relação mais flexível (não constrangem a autonomia privada); ○ Só se aplicam na medida em que o sujeito as não afaste (é possível o estabelecimento de um regime divergente); ○ Pretendem ajudar as pessoas (ex: área dos negócios – ver artigos 874º e ss.)







Regras supletivas – não podem ser afastadas, indiscriminadamente, pelos sujeitos (ex: cláusulas contratuais gerais nos contratos com empresas poderosas, detentoras de monopólios de mercado, cláusulas abusivas nos contratos de mera adesão); Regras interpretativas (art. 236º, 1 e 2 e art. 237º do C.C.) – visam interpretar o sentido das declarações negociais das partes. São relevantes quando não se conhece, claramente, as intenções das partes nos negócios onerosos e gratuitos. Também existem normas interpretativas de outras regras do ordenamento jurídico. Não visam alterar o sentido da ordem jurídica. Visam, por outro lado, classificar o sentido, não sendo por isso inovadoras. Pretendem, apenas, integrar-se na norma interpretada; Regras facultativas (ver art. 1305º do C.C.) – permite a alienação do usufruto da coisa.

Codificação e técnicas legislativas (refere-se a normas legais) ○ Normas legais (fonte – Lei) ≠ Normas jurídicas (pode ter outras fontes, como o costume); ○ Código – diploma fundamental de certa matéria ou ramo do Direito, apresentando a matéria de

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modo científico (envolve um trabalho da Ciência Jurídica, suficientemente madura, forte, assegurando-se a perenidade exigível), unitário e sistemático.  Concentração da matéria de um regime jurídico. O movimento de codificação é recente (século XIX), embora já antes houvesse leis escritas, baseadas em critérios empíricos (ex: Ordenações do Reino);  Regula um ramo do Direito (sector da vida social);  Constitui uma fonte de Direito, após a aprovação de um decreto-lei (diploma preambular, no caso do Código Civil, de 1966), com igual valor jurídico;  Poderá substituir outras fontes de Direito, nomeadamente de origem costumeira;  Diferem dos restatements americanos – ordenamento jurídico baseado na jurisprudência. Não cria Direito, apenas mostra o Direito existente;  Diplomas legais como o Código das Custas Judiciais ou a Constituição não devem ser designados por “códigos”.



Ficha de Trabalho n.º4 (continuação) ○ O artigo 781º do C.C. prevê uma sanção preventiva, em caso de incumprimento de uma dívida liquidável em prestações. Assim, em caso de incumprimento de uma prestação, vencem

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(Terça-Feira, 17 de Novembro de 2009 – 9H-11H – Aula Prática)

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I

todas as prestações (vencimento automático). Com isto, pretende-se evitar que o património do devedor seja mais afectado; ○ No exercício 5, encontramos três formas de autotutela:  Legítima defesa (art. 337º do C.C.) – existe uma situação de agressão contra o património de Marta. A acção de Marta teria de ser imediata e foi realizada sem culpa (reacção momentânea de Marta);  Direito de retenção (art. 754º do C.C.) – direito real de garantia;  Estado de necessidade (art. 339º do C.C.) – dano possível superior ao causado. O dano causado pode suscitar o pagamento de uma indemnização (responsabilidade civil pelos factos lícitos). ○ Art. 493º do C.C. – compete ao dono do animal (lesante) fazer o ônus da prova (ao contrário do normal).

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➢ Ficha de Trabalho n.º5 ○ Função jurisdicional – exercida, sobretudo, pelos tribunais (para além de outras funções, como a acção executiva, administrativa, de gestão), aplicando o Direito aos casos concretos para resolver os litígios (art. 202º da CRP, 1 e 2) públicos e privados; ○ Magistratura judicial  Tribunais como órgãos de soberania;  Os juízes julgam em nome do povo, mas não são eleitos por ele – coloca-se em causa a legitimidade democrática. Por outro lado, argumenta-se que: • É fonte de legitimidade dos tribunais a aplicação de normas aos casos

concretos, que revela a subordinação dos tribunais ao Direito; • Existe um código deontológico da actividade dos magistrados; • O Estatuto da Magistratura Judicial regula a sua actividade.

A responsabilização dos juízes ocorre quando há uma violação grosseira da Lei. Nestes casos, o julgamento dos juízes é da responsabilidade dos

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○ Características da actividade judicial  Independência (art. 203º, 216º e 217º da CRP) • Imparcialidade (neutralidade) – funciona como uma terceira parte imparcial dentro e fora do processo. Os magistrados apenas estão subordinados à Constituição e à Lei e não a orientações políticas. Tratamento dos cidadãos de igual forma. Os juízes não podem estar ligados ou vinculados às partes envolvidas no processo. • Inamovibilidade – proibição do executivo poder transferi-los ou afastálos da função como retaliação de decisões desagradáveis por eles proferidas. • Irresponsabilidade - um juiz tem que ter tranquilidade suficiente para poder decidir conforme os factos que lhe são apresentados, aplicando a lei ao caso concreto e ponderando tudo em consciência. Apenas se encontram limitados pelos diplomas legais. • Impossibilidade de exercício de outras funções remuneradas.

Tribunais Administrativos – responsabilidade civil extra-contratual do Estado; ○ Auto-governo dos juízes, através do Conselho Superior de Magistratura (art. 218º da CRP); ○ Tutela graciosa  A designação “tutela graciosa” remonta ao século XIX, quando o Rei “concedia a sua graça” ao lesado;  Tem lugar no âmbito da Administração Pública; • Reclamação junto do autor do acto; • Recurso Hierárquico junto do superior hierárquico do autor do acto. ○ Tutela contenciosa (recurso aos tribunais)  Visa resolver um contencioso entre partes, de matéria administrativa (do julgamento dos Tribunais Administrativos) ○ Características da Função Administrativa na resolução de litígios  Auto-tutela declarativa – a Administração Pública define, unilateralmente, o Direito a aplicar;  Auto-tutela executiva – privilégio de execução prévia, tomada sem recurso aos tribunais.

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Direito de Petição – previsto no art. 52º, 1, da CRP  Direito de apresentar aos órgãos de soberania petições, queixas, reclamações;  Possibilidade de apresentar proposta de discussão à AR, para ser discutida em sessão de plenário, após reunidas as assinaturas necessárias. Direito de Resistência – art. 21º da CRP

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 Forma de auto-tutela, possível, por exemplo, no caso de detenção ilegal.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 20 de Novembro de 2009, 11h-12h30 – Teórica) A lex privata pode ser considerada um critério jurídico, mas não uma norma jurídica; ➢ Compete à ordem jurídica garantir a eficácia dos compromissos por nós assumidos, no dia-a-dia; ➢ Coercibilidade – susceptibilidade de aplicação de uma sanção (e não regra jurídica), porque, no caso das prestações infungíveis, ninguém pode obrigar alguém a praticar determinado acto; ➢ A anulabilidade pode decorrer de uma má formulação da vontade do indivíduo (por coacção, por acto erróneo). Trata-se de uma forma mais ténue de invalidade; ➢ Princípio da não-beligerância entre Direito e Moral – podem existir comportamentos tolerados pela ordem jurídica e rejeitados pela ordem moral; ➢ A usucapião pretende garantir a paz social na opinião pública; ➢ O usufrutuário tem de respeitar a disposição económica do bem, direito que pertence ao proprietário. ➢

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Causas da codificação (continuação da aula de segunda-feira) ○ Ideológica / Filosófica – consequência do movimento racionalista do século XVIII (movimento iluminista). Exemplo disso é a Lei da Boa Razão (1769). Criação de um “edifício normativo” perfeito. Importância dos racionalistas da Filosofia Moderna, tais como René Descartes,

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Bento de Espinoza e Gottfried Leibniz. Direito presente numa razão pura, sendo que o Código constitui uma razão escrita; Políticas – aconselhamento à legislação geral. Os códigos vieram combater disposições corporativas, proporcionando uma unificação legislativa. Exemplo disto é o Código Napoleónico, de 1804(originalmente designado Code Civil des Français, ou Código Civil dos Franceses), que permitiu uma unificação da lei escrita e do costume. Este código chegou a vigorar no nosso país; Técnico-jurídicas – implica uma racionalidade que se traduz numa sinteticidade. Para isto, exige-se uma ciência jurídica madura.

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Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) e Anton Friedrich Justus Thibaut (1772-1840) protagonizaram uma célebre polémica acerca da codificação do Direito alemão. Tratou-se de um embate entre o iluminismo positivista, representado por Thibaut, maior defensor da codificação e o historicismo romântico, representado por Savigny, crítico da proposta de codificação. Este, na famosa obra Da vocação de nosso século para a legislação e a ciência do direito, demonstra grande ceticismo em relação às leis criadas por legisladores que se julgam dotados da capacidade de identificar regras derivadas da própria razão, e de elaborar códigos que “con sus perfecciones, debían garantir una mecánica exactitud en la administración de la justicia; de modo que el magistrado, dispensado de todo juicio propio, debía limitarse a una simple aplicación literal de la ley. Debían, además, estos Códigos estar completamente libres de toda histórica influencia, y por obra de una solemne y extraña abstracción, debían adaptarse a todos los pueblos y a todos los tiempos.”;

Vantagens da Codificação – permite criar regulamentação mais apropriada do que outras fontes do Direito, como o costume, que nem sempre oferece respostas conclusivas. Evita, por outro lado, incongruência, dada a sua elaboração de modo científico. Assim, constata-se que um código permite o aperfeiçoamento do Direito; ➢ Desvantagens da Codificação – por outro lado, revela-se como desvantagem a sua rigidez, mostrando-se pouco permeável à mudança. Tal verifica-se, principalmente, nos códigos civis. ➢ De qualquer modo, os códigos não são “edifícios jurídicos” fechados, estão por isso predispostos à mudança, sempre que seja necessário. Os códigos representam uma estrutura que se adapta bem aos casos concretos; ➢ Ultrapassada a querela protagonizada por Savigny e Thibaut, o movimento codificado evolui, numa primeira fase, por iniciativa francesa (início do século XIX) e, numa segunda fase, por acção dos juristas alemães (final do século XIX); ➢ O Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch, abreviado normalmente por BGB), de 1900, influenciou os códigos posteriores, nomeadamente: ○ Código Civil Grego (Αστικός Κώδικας), de 1940 ○ Código Civil Italiano (Il Codice Civile Italiano), de 1942; ○ Código Civil Português, de 1966; ○ Código Civil Holandês (Burgerlijk Wetboek), de 1992. ➢

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O primeiro código civil português, de matriz francesa, mas autónomo dessa cultura, data de 1867, da autoria do Visconde de Seabra. Marcou pela sua simplicidade a antropormorfismo digno de destaque; É importante destacar o papel do Prof. Dr. Adriano Paes de Vaz Serra, na realização de estudos

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preparatórios para a elaboração do Código Civil de 1966 e de juristas como o Dr. Adriano Moreira, o Prof. Dr. Fernando Pires de Lima e do Prof. Dr. Manuel de Andrade, enquanto membros da Comissão Redactora do Código Civil; ➢ O Código Civil de 1966 tem sido alvo de algumas alterações pouco significativas, que não afectaram a sua estrutura original; ➢ Iniciaram, em 2006, os trabalhos para um anteprojecto de Código de Consumidor, que visa proteger os direitos dos consumidores portugueses. Trata-se de uma questão discutível a criação de um diploma fundamental sobre esta matéria, que não seja integrado no Código Civil.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Segunda-Feira, 23 Novembro de 2009, 14h15h30 – Teórica)

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➢ Outras técnicas legislativas ○ Partes Gerais – surgem em códigos e diplomas de âmbito vasto. Enuncia-se um conjunto de critérios que se aplicam a toda a matéria abrangida pelo diploma, independentemente das especificidades.  No Código Civil Português, a Parte Geral encontra-se no Livro I (os Livros constituem unidades de sistematização da matéria). Os restantes livros (II a V) constituem Partes Especiais. Há assim, entre o Livro I e os restantes um trânsito do geral para o particular;  Finalidade da Parte Geral: • Evitar repetições e fixar as disposições normativas que se aplicam em todas as situações. Por exemplo, o artigo 130º do C.C. remete-nos para os efeitos da

maioridade: a aquisição de capacidade de exercício de posições jurídicas; • Esforço de racionalização da matéria e inteligibilidade fácil; • Apresenta-nos um conjunto de prédecisões e de critérios genéricos; • Assume também importância nos sistemas de common law anglosaxónicos. Constituem, igualmente, critérios normativos fundamentais (precedentes) de carácter geral, mas não codificados.  Críticas ao Código Civil Português: • Inclusão na Parte Geral daquilo que é considerado particular; • Regulação de matéria geral em livro especial.

 A Parte Geral do Código Civil não foi totalmente conseguida, porque inclui na Parte Geral matéria particular e, pelo contrário, regula em livro especial matéria geral. Ao intérprete-aplicador, compete efectuar raciocínios e identificar estas debilidades, não sendo possível o recurso directo ao texto escrito. Tais situações gerarão conflitos entre posições díspares.

Remissões – expediente de que o legislador se serve para remeter ao que está estabelecido (na estatuição) noutra matéria, no mesmo diploma ou noutro.  Artigo 433º do C.C. - efeitos de resolução (destruição) de um negócio jurídico. Remete para o n.º3 do artigo 289º do C.C. - efeitos

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da declaração de nulidade que, por sua vez, remete para os artigos 1269º e seguintes do C.C. – regime dos frutos do possuidor e do proprietário (regime de 2.º grau); Remissão para estabelecer a previsão da norma: art. 974º do C.C. – revogação da doação, por comportamento de indignidade sucessória, ocorre nos casos em que os testamentos podem ser revogados (deserdação). Remete para os artigos 2035º e 2160º do C.C; Remissão para institutos gerais, aos quais o legislador atribui subsidiariedade, ou seja aplica subsidiariamente. Tal verifica-se, por exemplo, no caso de perturbação no contrato de compra e venda. Como hipótese de perturbação, temos a situação de venda de coisas defeituosas, prevista no artigo 913º do C.C. Neste caso, aplica-se o regime de venda de bens onerados (excepto nos artigos 914º a 921º do C.C.), por vícios jurídicos da coisa (ex: hipoteca de algo adquirido, que implica respeito obrigatório). Ver art. 939º do C.C. Já no caso da permuta / troca directa de bens, não se encontra um regime próprio legislado, não deixando por isso de assumir significativa relevância. Para colmatar esta lacuna, aplica-se o regime da compra e venda para bens vendidos a título oneroso (com as necessárias adaptações, dado que a analogia nunca constitui semelhança); Remissão para um ramo de Direito: por exemplo, o Direito Comercial remete para o Direito Civil;



Remissões extra-sistemáticas (fora do sistema jurídico português): incorporação de outros regimes estrangeiros. Verifica-se isto no artigo 8.º da CRP, que consagra a recepção de princípios do Direito Internacional e nos artigos 1625º e seguintes do C.C., a propósito da invalidade do casamento. Neste último caso, constatase uma remissão para o Direito Canónico, no caso do casamento católico.



Definições legais – não vinculam o intérpreteaplicador, concedendo-lhe liberdade de reflexão. Ou seja, não constituem a “última palavra”, estando sujeitas às críticas do intérprete-

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Ficções legais – situação em que o legislador ficciona a existência de outra situação. Visam aplicar o regime da situação ficcionada (remissão encapotada).  Aplica-se no caso de obrigações puras, sem prazo estipulado, mas de cumprimento obrigatório. Se o devedor não cumprir a obrigação a que está adstrito, entra em situação de mora, ficando obrigado a indemnizar o prejuízo do credor. É possível que o devedor evite a interpolação do credor, sendo que neste caso ele passa, automaticamente, a considerar-se interpelado (art. 805º do C.C.). Evita-se, deste modo, a fuga à obrigação;  Trata-se de uma técnica de ficção legítima, mas sujeita a perigos, pois efectua uma equiparação de uma situação a outra, com as necessárias adaptações.

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aplicador e da doutrina. Existe susceptibilidade de erro na definição.  Pode haver situações que não são abrangidas pela definição legal, o que implica um alargamento da mesma. Veja-se isto no regime dos arrendamentos urbanos e rurais: o regime dos arrendamentos urbanos não abarca os arrendamentos rústicos não rurais, para fins comerciais (comércio ao ar livre) ou de exercício de profissão liberal – definição estreita;  Também no regime dos arrendamentos (protege os arrendatários face aos senhorios, que constituem a parte mais fraca), verifica-se que este também se aplica ao arrendamento de telhados e fachadas, para fins de telecomunicações e publicidade. Neste caso, exige-se uma redução teleológica (do âmbito de aplicação), através do estabelecimento de uma ressalva – definição peca por excesso.



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Presunções legais – ilações do julgador, tiradas de um facto conhecido para um facto desconhecido (ver art. 249º do C.C.). Trata-se de um procedimento regularmente utilizado, com base na experiência e na racionalidade e que se revela importante para a comprovação de matéria de facto. Nas presunções legais, a Lei faz presumir um facto, a partir de outro, em situação oportuna.  A aplicação da presunção ocorre em situações de incerteza;  N.º 1 do art. 799º - na falta de cumprimento da obrigação, presume-se a culpa do

devedor. Compete ao devedor explicar a situação ocorrida e demonstrar que não tem culpa, podendo o credor interpor uma acção de responsabilização. No caso de o devedor não conseguir ilidir a presunção, não se entende, imediatamente, o contrário;  As presunções podem ser ilidíveis, porque admitem prova em contra;  Existe, nas presunções, uma repartição do risco pelo legislador, na maior parte dos casos justa, quando o credor não consegue provar a culpa do devedor.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Terça-Feira, 24 de Novembro de 2009 – 9H-11H – Aula Prática)

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A petição pode ser encaminhada para o Ministério competente para aprovação sob a forma de decreto-lei (proposta do Governo), para o Procurador-Geral da República (PGR), autoridades policiais. Pode, também, em último caso, suscitar a criação de um projecto de Lei de um deputado.

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➢ Continuação da resolução da ficha de trabalho n.º5 ○ O Direito de Petição encontra-se regulado na Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto e visa a aprovação de leis, reunido um número mínimo de subscritores:  1000 assinaturas – obriga a publicação em Diário da Assembleia da República;  4000 assinaturas – obriga a apreciação em plenário da Assembleia da República.

O Direito de Petição não constitui um meio de autotutela e distingue-se da Acção Popular, meio de tutela judiciária que visa proteger os interesses da colectividade. ○

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Mediação e justiça arbitral – meio alternativo aos tribunais para resolução de litígios, isto é, visam a desjudicialização e a simplificação processual, aliviando a sobrecarga dos tribunais.  No processo judicial, no âmbito do Processo Civil, existe a via da conciliação, também considerado meio de resolução de litígios;  Lei da Arbitragem (Justiça Arbitral). Podemos ter arbitragem: • Voluntária (mais comum); • Necessária (nos casos de contrato de arrendamento).  Arbitragem encontra-se a cabo de juristas especialistas na matéria em causa;  Os tribunais arbitrais são compostos por árbitros que não têm de ser juízes de carreira;  A sentença arbitral tem o mesmo valor que uma sentença judicial;  Vantagens da Justiça Arbitral • Mais célere, com trâmites legais simplificados; • Grau de especialização dos árbitros na matéria em causa superior, em relação aos magistrados judiciais. Podemos ter árbitros com especialização: ○ Jurídica (da competência de um jurista); ○ Técnica (da competência de um médico, engenheiro ou outro, conforme a matéria em causa, contribuindo para uma decisão mais justa).

 Desvantagens da Justiça Arbitral • Justiça onerosa. 

Na mediação, o mediador auxilia a conservação das partes, sendo que, todavia, é a estas que compete a resolução do litígio (resolução amigável). Assim, constata-se que a mediação não visa a imposição de uma decisão. Esta estende-se ao mundo laboral, às relações familiares e a matéria de Direito do Consumo. A qualquer momento, uma das partes pode desistir da mediação.

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➢ Ficha de Trabalho N.º6

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 Julgados de Paz • Encontram-se fora da hierarquia dos tribunais comuns judiciais; • Partilham matéria dos tribunais de 1.ª instância; • São tribunais do Estado com organização própria; • É composto por juízes de carreira fora da actividade (juízes de paz); • O processo é simplificado e acessível a nível económico; • Nos julgados de paz, pode-se recorrer a processos de mediação, para obtenção de acordo amigável; • Em contrato internacional, é habitual haver referência aos árbitros (ex: garantias bancárias autónomas, à primeira solicitação ou on first demand, que visam a satisfação do credor), retirando os processos aos tribunais judiciais.

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Facto jurídico – facto que produz efeitos jurídicos; Situação jurídica – resultado da aplicação da consequência jurídica (constituição, extinção ou modificação) ou “posição jurídica do sujeito perante o Direito” (definição do professor Menezes Cordeiro), isto é, atribuição de uma posição jurídica ao sujeito de direito; Relação jurídica – modalidade de situação jurídica; Posição jurídica activa ou passiva – atribuição de poderes ou deveres aos sujeitos da situação jurídica.

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○ Distinção entre situação jurídica e relação jurídica  Situação jurídica – não implica a existência de duas partes compostas por sujeitos (ex: usufrutuário e a coisa, no usufruto). Também nos direitos de personalidade não há relações entre pessoas determinadas;  Relação jurídica – é bilateral, implicando sujeitos determinados em partes contrárias. ○ O n.º2 do artigo 12º do C.C. não distingue estes conceitos; ○ Não podemos afirmar que, numa relação jurídica, existe uma posição activa e passiva, porque o mesmo sujeito pode assumir as duas posições – relação jurídica complexa. Pode suceder, por exemplo, num contrato de compra e venda.

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○ Alguns conceitos importantes presentes nos esquemas:  Acto Jurídico – facto jurídico voluntário;  Negócio Jurídico – acto declarativo, com manifestação ou manifestações de vontade, produzindo os efeitos jurídicos pretendidos. • Unilateral – uma declaração de vontade de uma única parte (ex: testamento); • Bilateral – pelo menos duas declarações de vontade de cada uma das partes (ex: contrato). ○ Unilateral ou Bilateral – obrigações para uma ou ambas as partes;

Oneroso ou Gratuito – implica ou não equilíbrio de prestações das partes. Simples actos jurídicos – podem envolver ou não declaração de vontade, sendo que os efeitos jurídicos produzem-se de acordo com a Lei e não de acordo com a vontade das partes (ex: perfilhação); Quase negócio jurídico – implica declaração de vontade (ex: art. 805º do C.C. sobre a mora – os efeitos decorrem da Lei); Operação jurídica – acto material sem declaração de vontade; ○







 Direito subjectivo (2 definições) • “Poder conferido pela ordem jurídica a um sujeito para tutela de um seu interesse juridicamente relevante, isto é, merecedor da tutela do direito” (Ana Prata, Dicionário Jurídico, Almedina, Coimbra, 2008) •

Vol.

I,

5.ª

edição,

“Permissão normativa específica de aproveitamento de um bem” (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. I, Tomo I, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005)







Direitos absolutos – Direitos que impõem a todos os outros sujeitos um dever geral de respeito, sendo assim oponíveis erga omnes. Direitos relativos – Direitos que só produzem efeitos entre as partes, só

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Prata, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2008)

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Direito potestativo – “Direito que se caracteriza por o seu titular o exercer por sua vontade exclusiva, desencadeando efeitos na esfera jurídica de outrem independentemente da vontade deste” (Ana



podendo ser exercidos perante o sujeito passivo (que tem o correspondente dever). Expectativa jurídica - Posição do sujeito jurídico que lhe pode permitir ser titular de um direito subjectivo. Exemplo: Expectativa do titular de um direito de preferência, do adquirente sob condição ou do herdeiro legitimário.



Poderes funcionais – Os poderes funcionais são também designados poderesdeveres ou direitos-deveres. Direitos de exercício obrigatório, uma vez que (também) protege o interesse de terceiros. Exemplo: Poder paternal (Artigo 36.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa – “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”) – Discricionariedade no exercício do poder funcional.

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○ Classificação de factos jurídicos:  Testamento – negócio jurídico unilateral;  Criação de obras artísticas – simples acto jurídico, operação jurídica (no âmbito dos direitos de autor e conexos);  Doação – negócio jurídico bilateral (duas ou mais declarações de vontade de doador e donatários), contrato unilateral (com obrigações para uma parte);  Morte – facto jurídico involuntário (de acordo com o Direito e não com a natureza das coisas);  Procuração – negócio jurídico unilateral (e não bilateral), porque não exige declaração de vontade do procurador. • A procuração consiste na transmissão de poderes a um representante. Prevista no art. 262º do C.C., pode exigir documento escrito, consoante o negócio jurídico em causa;

O contrato de mandato (art. 1157º e seguintes do C.C.) é um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário. Este age de acordo com as indicações e instruções do mandante quer quanto ao objecto, quer quanto à própria execução; os serviços são prestados de acordo com o querido e programado pelo mandante; ao mandatário só é permitido deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas nos casos previstos no art. 1162º CC. Ver artigos 1178º, 1179º e 1180º do C.C., sobre mandato com e sem representação. No mandato com representação, o procurador celebra contratos em nome do mandante (outorga directamente), já no mandato sem representação, ele não actua em nome do mandante. 



(Sexta-Feira, 26 de Novembro de 2009 – 11H-12H30 – Teórica)

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I

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Contrato de Trabalho – acto jurídico, negócio jurídico bilateral, contrato bilateral e oneroso (equilíbrio de prestações); Despedimento com justa causa (um dos tipos de rescisão de contrato) – acto jurídico, negócio jurídico unilateral (a cessação do contrato depende da declaração de vontade de uma das partes, mais do que a Lei).



Ónus da prova (art. 342º e seguintes do C.C.) – consiste na prova de um facto e incumbe àquele que invoca o facto em seu benefício;

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➢ Continuação do estudo de outras técnicas legislativas ○ Presunções inilidíveis / absolutas – não admitem prova em contrário.  N.º3 do art. 243º do C.C. – simulação de um negócio jurídico. O art.º 243º visa a protecção de terceiros com boa-fé (n.º1 do art. 243º) contra simuladores, isto é, desconheçam plenamente a simulação. Daí que, por exemplo, a aquisição de um imóvel está sujeita a publicidade (registo predial). A presunção inilidível constitui uma execução justificada e assemelham-se às ficções. ○ Conceitos indeterminados – qualquer ordem jurídica necessita de conceitos claros e precisos, mas também de conceitos flexíveis, modificáveis às próprias circunstâncias do caso e que exigem uma densificação do conteúdo nos tribunais e uma especial valoração, porque “carecem de especial preenchimento valorativo” (Karl Lorenz)  N.º2 do art. 766º do C.C. e N.º1 do art. 227º do C.C. – vinculação aos ditames da “boafé” quer na fase pré-contratual (preliminares), quer na fase de execução. O conceito de boa-fé mantém-se inalterado ao longo dos tempos, mas, pela sua plasticidade, adequa-se cada vez melhor aos casos concretos – “Direito vivo”;  Outros conceitos indeterminados: • “Bons costumes” (art. 280º do C.C.); • “Ordem pública” (art. 280º do C.C.); • “Interesse público” – conceito vago e difuso;

“Justa causa” – a propósito da demissão de um trabalho; • “Diligência exigível” – comportamento adequado, que constitui a medida da culpa. Apresenta-se uma bitola, que é gradativa; • “Bom pai de família” – conceito padrão (bonus pater familias); • “Violação grave” (art. 1003º do C.C.); • “Escassa importância” (art. 802º do C.C.). •



Regulamentação casuística – aplicação de consequências a cada situação jurídica. Ver, por exemplo, artigos 484º, 485º e 486º do C.C.; Cláusula geral com regulamentação casuística – despedimento por justa causa com enunciação de situações aplicáveis, numa única norma (no Código do Trabalho).



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Cláusulas gerais – regulamentações que contêm uma disciplina geral aplicável a um número indeterminado de situações. São regulamentações fundamentais, das quais podem constar conceitos indeterminados. Por exemplo, os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art. 483º do C.C.);  Vantagens das cláusulas gerais: • Dada a complexidade da matéria em causa, recorre-se à utilização de uma directriz geral aplicável com a evolução do tempo; • Evitam-se omissões, com normas de largo espectro; • Revelam-se úteis na impossibilidade de enunciar todas as situações. Página



Artigo 441.º Regras gerais 1 - Ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato. 2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo. 3 - Constitui ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador: a) Necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço; b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição. 4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações.





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Direito Judiciário (dos tribunais) – Direito aplicado proferido pelas instâncias que têm o direito de dizer o que é o Direito, verificando-se um estilo de abordagem da matéria jurídica diferente da presente nos códigos. ○ Os conceitos indeterminados e as cláusulas gerais asseguram a sobrevivência do ordenamento jurídico, dada a evolução da sociedade;

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Enumerações taxativas – aplicação de uma disciplina a situações concretas (elenco que não pode ser alcançado). Como exemplo, temos as situações taxativas que constituem excepções à incapacidade de normas (art. 127.º, onde constam conceitos indeterminados); Enumerações limitativas – visam delimitar o tipo de situações a que se aplica uma dada situação.

○ No nosso ordenamento jurídico, existem normas que padecem de uma rigidez que conduz ao seu desuso; ○ Compete ao jurista concretizar o Direito, a quem se exige um esforço argumentativo, valorando o caso e reconstruindo-o; ○ Jurista como agente activo da realização do Direito, dado que as leis são fontes de Direito e não o próprio Direito.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Segunda-Feira, 30 de Novembro 2009 – 14H-15H30 – Teórica)

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➢ Tutela das Normas Jurídicas ○ Garantia que as normas possuem, no que respeita à sua obrigação; ○ As sanções são, em grande medida, um mecanismo de tutela jurídica; ○ O artigo 1º do Código de Processo Civil proíbe a auto-tutela; ○ Normas com relevância jurídica:  Para celebração de contratos – o incumprimento destes pressupostos gera uma ineficácia do contrato; • Ex: A maioridade constitui um requisito / pressuposto da liberdade contratual.  Procedimentos para a elaboração e aprovação de um acto normativo da Assembleia da República – se estas normas não forem observadas, a Lei será ineficaz;  Normas que regulam a conduta humana, cuja inobservância gera a aplicação de sanções.

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○ O exercício de direitos também pode ser realizado judicialmente (posições jurídicas judiciais), ou seja, só o tribunal pode conceder esse direito ao indivíduo, constituindo um modo de tutela jurídica. Todavia, na esmagadora maioria dos casos, a ordem jurídica confere a magnitude do exercício de direitos. Noutros casos, a resolução de litígios pode ser conseguida extra-judicialmente – direito de resolução que não depende do recurso judicial, algo que apenas foi instituído mais recentemente (ex: contrato de locação); ○ A imposição da observância de normas constitui um meio de tutela jurídica, preservando-se assim as posições jurídicas dos mesmos. Noutros casos, a ordem jurídica tutela directamente as normas jurídicas, como se verifica na atribuição do poder de fiscalização da legalidade aos superiores hierárquicos da Administração Pública sobre os seus inferiores. Trata-se de um mecanismo que a ordem jurídica atribui para a sua própria protecção. O mesmo sucede com a fiscalização da constitucionalidade, garantindo-se assim o respeito pelas normas contidas na Constituição (fiscalização preventiva ou sucessiva); ○ As sentenças do Tribunal Constitucional têm uma eficácia meramente declarativa (declara o direito), procedendo assim ao controlo das normas. Também há sentenças constitutivas, quando é esta que constitui direitos (ex: quando há uma violação de um contrato-promessa de compra e venda não cumprido, por uma das partes (art. 830º do C.C.). Pretende-se obter a declaração de transmissão da coisa; ○ A tutela jurídica é da responsabilidade do Estado e do conjunto de entidades que o compõe. Assim, temos a:







Tutela administrativa – da responsabilidade da Administração Pública, visa promover a realização dos fins do Estado; • Estadual – liderada pelo Governo; • Autónoma – autarquias locais, sujeita a uma circunscrição territorial. Tutela judicial – da responsabilidade dos tribunais.

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A promoção e realização dos fins do Estado realizam-se preventivamente (garantir a paz social) e activamente (enquanto agente da realização de fins colectivos).  Pode efectuar estas acções em consonância ou não com interesses particulares (ex: expropriação, em que os interesses particulares são sacrificados em detrimento de interesses colectivos);  O Estado deve revelar-se imparcial no tratamento dos sujeitos;  A Administração Pública necessita de meios para fazer valer estes interesses públicos (forças energéticas particulares de agilização), assim como os privados necessitam de meios de tutela;  Princípio da legalidade e da competência da Administração Pública – a Administração Pública poderá fazer, tãosomente, o que a Lei lhe permite, ou seja, só poderá agir de acordo com as competências que a Lei lhe atribui;  A Administração Pública contém um privilégio de execução prévia das suas decisões, podendo depois o particular recorrer aos tribunais. O processo tributário apresenta várias situações em que,

primeiramente, se exige o pagamento da tributação, sendo que só depois se concede o direito de reclamação sobre a mesma. Este privilégio revela-se um mecanismo exigente de defesa do interesse público;  Para acautelar os interesses dos particulares, num Estado de Direito Democrático, a Administração Pública deve convocar os particulares a intervir nos processos de decisão (discussão pública). Este direito está consagrado na Lei, mas na prática tem sido inviabilizado;  Com a produção de um acto administrativo, o sujeito pode recorrer a meios de tutela, no âmbito do recurso gracioso … • Reclamação para reapreciação do acto por parte do autor do acto; • Recurso Hierárquico para o superior hierárquico do autor do acto. … e do recurso contencioso, através dos tribunais, intentando uma acção contra a Administração para: • Solicitação de indemnização; • Declaração de nulidade.

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 Os poderes da Administração Pública são funcionais, porque estão assinalados a uma função, orientadas para ela. Se tais funções não forem cumpridas, a Administração incorre num desvio de poder, passível de controlo judicial. A Administração Pública é parte interessada na prossecução do interesse público.

Sanções premiais da Administração Pública – mecanismos de incentivo à prossecução do interesse público (ex: benefícios fiscais);  A Administração Pública pode criar mecanismos de dissuasão indirecta, que se distinguem da persuasão, na tentativa de evitar a prática de uma determinada actividade; 



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Tutela judiciária – da responsabilidade dos tribunais, que têm a função jurisidicional (não lhes é exclusiva). Devem exercê-la de modo imparcial, dotada de uma autoridade particular, dizendo o que é o Direito, obrigatório para todos os outros órgãos. Os tribunais agem supra partes, não atendendo às partes envolvidas, julgando através do Direito Objectivo. A existência de um “tribunal” (seja esta ou não a sua designação) é característica intrínseca de todo o sistema jurídico. Também entidades privadas assumem funções jurisdicionais (ex: Conselhos de Jurisdição, Conselhos de Justiça). Recentemente, lançou-se a questão de saber se os tribunais administrativos podem julgar matérias de Direito Desportivo ou de funcionamento dos partidos políticos. A função jurisdicional é inerente à compreensão do Direito. Os tribunais, ao contrário da Administração Pública, apenas tencionam promover o valor da justiça. A característica da independência demonstra que os tribunais não estão vinculados à vontade de tribunais superiores;



Princípio da irresponsabilidade dos juízes (n.º2 do artigo 216º da CRP) – diz-nos que os juízes apenas decidem de acordo com a sua consciência e cumprindo a Lei e o Direito, não estando por isso obrigados a prestar contas a ninguém. De qualquer modo, existe uma Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, onde se prevê a responsabilidade do juiz, no exercício da função jurisdicional, por erro judiciário manifesto/acção negligente na aplicação do Direito.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 04 de Dezembro de 2009 – 11H-12H30 – Teórica) 



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Princípios da inamovibilidade dos juízes (n.º1 do artigo 216º da CRP) – Os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei; Princípio do juiz natural – A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.º, n.º 9: nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior), com a excepção de casos especiais legalmente consentidos, procurando-se, assim, proteger os arguidos - logo a partir da titularidade do







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direito de punir - pondo-os a coberto de arbitrariedades no exercício de tal direito; Incompatibilidades (n.º 3 do art. 216º da CRP) – Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei; Auto-governo da Magistratura através do Conselho Superior da Magistratura (art. 218º da CRP) – presidido pelo Supremo Tribunal de Justiça e composto por dois vogais designados pelo Presidente da República, sete eleitos pela Assembleia da República e sete juízes eleitos pelos seus pares. Os vogais designados pelo PR e pela AR não carecem de ser juízes, o que se deve à necessidade de reflectir a representatividade política. Não deixa, contudo, de ser uma questão polémica, pela possibilidade de uso do poder para fins políticos. O mesmo sucede com o Tribunal Constitucional; Aos tribunais, apenas compete a função jurisdicional. A declaração de sentença deve estar de acordo com o Direito vigente, requerendo por isso um poder neutral. A sentença não deve reflectir a sociedade, como no caso dos poderes legislativo e executivo. Por isso, o poder judicial é designado “poder morto”, servindo apenas a ordem estabelecida e não criando uma nova ordem; Administração da Justiça em nome do povo pelos tribunais (n.º1 do art. 202º da CRP) – não visa um objectivo autoreferencial, mas procura servir a sociedade,

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garantindo a paz social (“paz jurídica”, em conformidade com o Direito) ≠ Justiça popular (vontade da maioria da sociedade decide; as sensibilidades populares revelamse insuficientes, por falta de fundamentação jurídica);  Independência dos Tribunais (art. 203º da CRP) – os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à Lei. A vinculação do juiz à Lei pode ceder em nome de um valor maior – a Justiça – no caso de leis gravemente injustas;  Os juízes representam o interesse do povo e não são eleitos, para não se criar um vínculo de dependência com o seu eleitorado. Assim, a legitimidade da actividade dos juízes provêm do exercício da sua função e não de sufrágio;  O Tribunal de Contas assegura a regularidade das aplicações orçamentais do Estado. Discute-se se assume funções jurisdicionais.  Por alçada de um tribunal, entende-se o valor dentro qual o tribunal julga definitivamente uma causa sem admissibilidade de recurso. A toda a causa, é atribuído um determinado valor, que representa a utilidade económica imediata do pedido (da pretensão do autor). É a este valor que se atende para determinar a alçada do tribunal (art.º 305º do Código de Processo Civil). Por sua vez, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, no artigo 24.º, define o valor das alçadas dos tribunais de 1ª instância (5.000 euros) e da Relação (30.000 euros). Não existe alçada para o Supremo Tribunal de

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Justiça nem em matéria criminal. Note-se no entanto que em matéria cível, há causas em que, independentemente do valor da acção, há sempre possibilidade de recurso para a Relação. Por vezes, o critério do valor da acção (alçada) pode ser cerceadora da hipótese de recurso da acusação. Do mesmo modo, as despesas judiciais podem impossibilitar o acesso à justiça, que constitui uma aspiração fundamental de todo o indivíduo.  O estabelecimento de uma hierarquia de tribunais visa o aperfeiçoamento das decisões, admitindo-se o erro do juiz de tribunal inferior.  Ministério Público – departamento do Estado, dotado de autonomia (n.º2 do art. 219º da CRP) relativa (n.º4 do art. 219º da CRP), destinado a prosseguir políticas de matéria criminal. Representa o interesse colectivo, reprimindo a violação de valores fundamentais. A Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do Ministério Público (art. 220º da CRP). O Ministério Público está sujeito a instruções da Assembleia da República e do Ministério da Justiça. Tem, também, legitimidade para intentar uma acção popular, por interesses difusos (preservação do ambiente e direitos dos consumidores). Intervêm em processos de jurisdição voluntária (ex: interdição por cegueira, surdez-mudez e distúrbios psíquicos) e mantém uma relação complexa com outras instituições de investigação criminal, como a Polícia Judiciária. Coordena a acção judicial (fases de instrução e

acusação) e preside à investigação da acção penal, proferindo o nível acusatório.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Segunda-Feira, 07 de Dezembro de 2009 – 14H15H30 – Teórica)

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➢ Validade da norma jurídica • O valor da regra jurídica está na razão da validade do Direito, ou seja, aquilo que explica que o Direito valha, justifica que uma norma jurídica valha. Assim, uma norma vale na medida em que realize a ordem social; • Princípio da maioria dos Estados democráticos – critério de governo e não de validade, possivelmente a forma mais adequada para chegar a uma decisão. Porém, a maioria por si mesma não constitui um critério de validade, pois essa maioria pode conduzir a decisões arbitrárias e injustas. A maioria não deixa, contudo, de estar subordinada à Justiça. Este princípio manifesta a igualdade radical de todos os seres humanos, com a mesma dignidade e capacidade. O princípio da maioria postula a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio que possibilita que todos manifestem a sua opinião, com iguais oportunidades de decisão. Revela-se o critério de decisão que melhor expressa aquilo que pode ser o Bem Comum. O discurso argumentativo dos indivíduos deve ser desinteressado e com tal abertura para existir possibilidade de mudança de opinião; • Há algo nas normas que não nos reconduz à validade formal. Não basta que tenha sido realizada pela entidade competente para expressar uma valoração de Justiça. Deste modo,





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apenas vigoraria formalmente e seria aceite pelos positivistas legalistas. É também necessária uma vigência social, uma validade social que se evidencia pela adesão espontânea da população; Uma norma diz-se válida com congrega os diferentes planos de validade: formal, material (axiológica, valorativa) e social. A estes planos, tem de atender o legislador na sua actividade legislativa. Por vezes, denota-se que há falta de sentido prático ao legislador, produzindo normas idealistas, deficitárias, por isso, na validade social; Problemática da Lei injusta – existem leis injustas, que não deixam automaticamente de valer como Lei (p.e. – fixação de um imposto, propinas). O facto de serem injustas não lhes retira juridicidade. Se porventura a Lei não ultrapassar determinados limites de tolerabilidade, ela não perde a sua juridicidade – injustiças suportáveis. Por outro lado, se ultrapassar estes limites, afectando gravemente a legitimidade de uma norma, ela deixa de ser verdadeiramente uma norma jurídica, podendo-se, neste caso, admitir a desobediência. A vigência da Lei depende do seu grau de injustiça, sendo que, se ultrapassarmos o limiar de injustiça, deixa de existir dever de cumprimento. Do mesmo modo, o juiz pode desobedecer à Lei, se se verificar que os limites de tolerabilidade foram ultrapassados, deixando, por isso, de estar vinculado à Lei. Noutra medida, é também necessário atender ao bem comum da sociedade; O art. 8º do C.C. visa evitar o subjectivismo, procurando promover o encontro de fundamentos objectivos. O confronto de pontos de vista só vale a pena, quando há uma orientação para a verdade. Portanto, este artigo visa apenas evitar



o arbítrio judicial. É nestes moldes que tem de ser entendido este artigo, sendo que o juiz pode recusar a aplicação da norma. Deste modo, demonstra-se que a adopção de uma postura relativista é refutável, pois existe conhecimento absoluto. Caso contrário, estaríamos perante um cenário de luta de interesses – teoria/princípio do não-relativismo. Direito à Objecção de Consciência – reconhece-se o direito de não praticar determinados actos, atendendo ao modo de vida do indivíduo e ao carácter injusto da norma. Por estes motivos, concede-se excepcionalmente o incumprimento da mesma.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 11 de Dezembro de 2009 – 11H-12H30 – Teórica)

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➢ Princípios fundamentais do Direito • À semelhança das normas jurídicas, também nos princípios fundamentais encontramos uma previsão, enquanto orientação geral (em aberto), que carece de ser desenvolvida (ex: princípio da dignidade da pessoa humana), pois não nos são apresentados os factos aos quais se aplicam o princípio e o tipo de consequências que podem ser postuladas;



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Princípios enquanto fundamentos da ordem jurídica – princípio da dignidade da pessoa humana, igualdade, autonomia privada (capacidade de auto-determinação através de negócios jurídicos), justiça nos contratos, confiança (expectativas fundadas devem ser protegidas), proporcionalidade;  Estes princípios não são necessariamente codificados, positivados. O elenco não se encontra definido pelo legislador, competindo ao intérprete aplicador identificá-los;  O Direito não é só composto por normas, mas também por princípios (outro elemento de trabalho do jurista), aos quais o jurista tem necessariamente de recorrer para definir o sentido das normas, quando estas não são concludentes. Noutro caso, verificase uma ausência de normas sobre determinada matéria, sendo por isso necessário recorrer aos princípios;  Os princípios, na teoria do professor de Teoria Geral do Direito Ronald Dworkin, deixam de ser meros informadores da ordem jurídica, passando a integrar o ordenamento jurídico na qualidade de normas jurídicas, e, portanto, incidem na apreciação de todo o facto juridicamente relevante. Dworkin formula o ordenamento jurídico composto por três elementos: princípios (principles), medidas e programas políticos (policies) e normas jurídicas (rules). Para Dworkin, a observância dos princípios é um requisito para a justiça, equidade ou alguma dimensão da moralidade. Policies são directrizes ou planos de acção que determinam objectivos sociais, políticos ou

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económicos a serem implementados pelo governo em benefício da comunidade. Rules são disposições específicas que constituem critérios de decisão;  A unidade / integridade da ordem jurídica é garantida pelos princípios, que asseguram as necessidades básicas dos cidadãos e evitam o caos na sociedade, promovendo a interligação entre os seus elementos (congruência interna da ordem jurídica);  Princípios ≠ Valores • Princípios são proposições que exprimem os valores. Concretização do postulado pelo valor jurídico de carácter indefinido; • Valores – Justiça e Segurança.  Princípios ≠ Normas • Os princípios, ao contrário das normas, podem não valer sem excepção (limitação). Estas limitações não colocam em causa, contudo, o cerne do princípio; ○ Exemplo: O princípio da autonomia privada está limitado pela necessidade de respeitar a autonomia dos outros. • Os princípios, ao contrário das normas, podem entrar, entre si, em oposição. De recordar que os princípios são directrizes genéricas que necessitam de ser compatibilizadas. Todavia, a oposição entre princípios não lhes retira a validade. Por outro lado, uma colisão de normas conduz à destruição de ambas; ○ Exemplo: O n.º1 do artigo 437º do C.C. constitui uma cláusula geral

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3 O frete marítimo representa o montante recebido pelo armador como remuneração pelo transporte da carga.

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que coloca em conflito a justiça contratual e o cumprimento pontual dos contratos. ○ Já os juristas medievais se debruçavam sobre esta matéria, aceitando a alteração dos termos do contrato, se ocorrer alteração das circunstâncias (por motivos especiais)  Exemplo: Alteração do frete marítimo3 por desvio da rota forçado, para transporte de petróleo. • Os princípios não são suficientes para a resolução de questões jurídicas, pois é necessário harmonizar as exigências de diferentes pessoas, daí que se afirme que os princípios carecem de aplicação, a cabo da norma ou do intérprete aplicador; • Podem existir sub-princípios, que visam garantir a convivência social, através da publicidade registal (ex: registo predial), que é uma concretização do princípio da tutela da confiança; • As regras aplicam-se através de mecanismos de subsunção (relação causa-efeito), reconduzindo a situação de facto à sua consequência. As normas recortam com clareza a previsão e as situações de facto. Nos princípios, requerem-se ponderações cuidadosas valoradas; • Os princípios jurídicos podem ser:





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Inerentes à noção de Direito (princípios fundamentais do Direito universalmente válidos, supra-positivos (anteriores a qualquer actividade de positivação), que não carecem de tutela do legislador); Contingentes que não têm uma filiação directa com a noção de Direito, diferentes nos diversos países.  Exemplos: • Publicidade dos actos relativos a bens imóveis (nem sempre existiu e não existe noutras ordem jurídicas estrangeiras); • Causalidade na transferência de bens móveis e imóveis (n.º1 do art. 408º do C.C.) – realização de um contrato (acordo de vontades formal), atendendo aos registos formais exigidos, independentemente da transmissão física. O princípio da causalidade encontra-se consagrado no ordenamento jurídico português, mas não na ordem jurídica alemã ou brasileira (assenta no princípio da transferência física).





Os princípios fundamentais tendem a ser aplicados com a evolução do tempo, apesar da sua consagração ser anterior. No caso dos princípios gerais do Direito, não há razão para serem universais e ajudam a criar a integridade da ordem jurídica; Os princípios constituem fontes de Direito a que o intérprete aplicador recorre na ausência de Lei. Apresentam um conteúdo material indefinido, mas também podem ser metodológicos, dizendo ao intérprete aplicador como deve agir.

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Segunda-Feira, 14 de Dezembro de 2009 – 14H15H30 – Teórica)

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➢ Fontes de Direito • Expressão analógica que significa “de onde brota do Direito”, qual a sua origem, em cada momento histórico; critérios de concretização do Direito; • Elenco de Fontes de Direito: Jurisprudência, Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência (equiparados aos assentos do STJ) e Doutrina subordinam-se ao Costume e à Lei; • O elenco de fontes do Direito difere de acordo com a noção de Direito que tenhamos. A determinação dos modos de formação do Direito não pode ser satisfeita pelo legislador; • A Lei elenca um conjunto de fontes de Direito nos primeiros artigos do Código Civil. O facto de existir uma Lei a indicar as fontes do Direito Português não implica que não existam outras, consideradas pelo intérprete aplicador. Se nos

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restringirmos à Lei, entendemos que esta será a fonte primordial do Direito, à qual as outras se subordinam. A matéria de fontes de Direito transcende aquilo que é manifestado por um sistema jurídico positivado; • Se considerarmos que é apenas Direito tudo o que é legal, então o legislador determina o que é Direito, de acordo com a sua vontade de produção de normas; • Os primeiros artigos do Código Civil constituem normas sobre normas (ou de 2.º grau), pois são normas sobre factos normativos, sobre o modo de reconhecimento das fontes de Direito. Também designadas normas secundárias ou prévias. Apresentam-nos um elenco de fontes formais (ou em sentido formal) reconhecidas pela ordem jurídicas como tal. A abordagem do Código Civil sobre esta matéria revela-se insuficiente, mas não irrelevante. Assim, o costume não constitui fonte formal de Direito, mas tem uma justificação para ser considerada como fonte; • Fontes materiais (ou em sentido material) do Direito – decorrem de circunstâncias de facto que determinam a existência de normas jurídicas. Por exemplo, a ruptura política de 1974 influenciou a CRP de 1976. Disciplinas como a Sociologia, a Política, a Economia e a Cultura ajudam à formação do ordenamento jurídico de uma comunidade, modelando o conteúdo das normas; • Uma teoria normativa / legalista sobre a matéria de fontes implica um recurso ad infinitum insustentável. Para quebrar o recurso ad infinitum, poder-se-ia afirmar que é norma jurídica a vontade da maioria. Todavia, os primeiros artigos do Código Civil não decorreram

Fontes voluntárias (ou intencionais) ≠ Fontes involuntárias (ou não intencionais)  Fontes voluntárias – existe uma vontade de produção de Direito (ex: Lei, Jurisprudência, Doutrina);  Fontes involuntárias – não existe uma intenção relevante de produção de Direito

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de uma vontade política expressa da maioria. Por outro lado, também a vontade da maioria não é um critério último daquilo que vale como Direito, por isso a aprovação de um modo de formação como fonte de Direito não é suficiente para a legitimar; • Existem fontes de Direito não positivadas:  Costume;  Princípios fundamentais inerentes ao Direito. • É inviável o legislador ter a última palavra sobre quais as fontes de Direito. O legislador é limitado por princípios fundamentais do Direito (Direito Natural suprapositivo), não podendo, por isso, dispor das fontes de Direito arbitrariamente (determinar unilateralmente uma fonte de Direito); • O Direito não é imutável, daí que tenhamos de identificar bem as fontes de Direito:  Lei;  Costume;  Jurisprudência;  Doutrina;  Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência (equiparados aos assentos do Supremo Tribunal de Justiça) – decisões sobre uma questão jurídica, vinculativas para todos os tribunais;  Usos

(ex: Costume, Princípios Fundamentais do Direito).



No art. 2º do C.C., encontramos uma referência às «normas corporativas» que, naturalmente, não apresentam qualquer conotação com o “Estado Corporativo”, depois da Constituição da República Portuguesa de 1976. De qualquer modo, dada a relação, por muitos, efectuada, atentemos nas explicações que se seguem: Com efeito, como refere Oliveira Ascensão, em O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., pág. 288, reportando-se à referência feita no art. 2º do CC, a expressão “ «normas corporativas» continua a ser utilizável hoje para a determinação do papel das fontes institucionais do direito. As ordens profissionais, por exemplo, produzem regras, pelas quais disciplinam toda a categoria respectiva. Essas regras são reconhecidas pelo poder público; e no entanto não são regras do Estado, são regras de produção dos próprios interessados”. No mesmo sentido se pronuncia Freitas do Amaral, Manual de Introdução ao Direito, vol. I, pág. 527, o qual especificamente inscreve no campo das “normas corporativas”, como fonte de direito, os “estatutos e os regulamentos internos das organizações privadas internacionais, como

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Fontes imediatas (ou formais) ≠ Fontes mediatas (ou materiais)  Fontes imediatas – constituem, por si, Direito. A lei é vista como uma fonte imediata do direito, para alguns autores ela é a única fonte imediata admissível.  Fontes mediatas – só constituem Direito por força das fontes imediatas (ex: Usos)

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por ex., as grandes federações desportivas mundiais (a FIFA, a UEFA, etc.) ” ou os “estatutos e os regulamentos internos das organizações privadas nacionais”. •

Costume – prática de uma conduta social reiterada e constante, acompanhada de uma convicção de juridicidade. Depende, por isso, de uma vontade objectiva da comunidade.  Fonte privilegiada de Direito, que exprime directamente a ordem social, sem necessidade de qualquer autoridade / acto positivo;  Harmonizado com aquilo que as pessoas sentem como justo, ao contrário do que se pode passar com a Lei;  Os totalitarismos surgiram de uma manipulação da Lei e não do Costume;  Existe a possibilidade de existência de costumes desadequados, devido a uma errada convicção / consciência social generalizada  O costume é constituído por dois elementos essenciais que devem estar sempre presentes sob pena de não ser costume: • Corpus (prática social reiterada); • Animus (convicção de juridicidade4 da prática social reiterada);

O costume não vigora com consagração legal, sendo por isso independente desta. Só se admitiria o inverso se se pudesse determinar a superioridade da Lei face ao costume. Não depende da imposição do

4 Convicção de juridicidade e não de obrigatoriedade, pois existem costumes permissivos.

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poder político, que não pode sancionar quem não o pratica, já que o costume é observado e não depende da coercibilidade;  O costume necessita de ser racional para ser fonte de Direito? • Tem de ser conciliável com a juridicidade, apesar de não ser forçado, isto é, surgir espontaneamente; • Fala-se do requisito da racionalidade, para evitar a permanência de costumes irracionais; • Com o Marquês de Pombal, apenas eram atendíveis costumes conformes com a Boa Razão. O mesmo sucede com a Lei, que tem de ser conforme com um mínimo de racionalidade; • Não é um requisito autónomo, é uma exigência.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO I

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 Valia prática do costume • O costume tem uma importância maior àquela que lhe atribuímos. Durante muito tempo, houve pouco espaço para a consagração do costume; • Há muitas normas jurídicas que se fundam na Lei, mas também no costume – normas com dupla fonte, duplo fundamento com reconhecimento social pelo costume; • Constitui a fonte primária de Direito dos não juristas.

(Terça-Feira, 15 de Dezembro de 2009 – 9H-11H – Aula Prática) ➢ Continuação da resolução da Ficha de Trabalho N.º6 ○ Sujeitos envolvidos:  «Fundação Arte e Cultura» - pessoa colectiva, fundação;  Eleutério Côrte-Real – pessoa singular;  Bernardo – pessoa singular;  «ArtNoveau – Decoração e Design, Lda.» pessoa colectiva, sociedade comercial por quotas;  Ernesto – pessoa singular;  Fagundes – pessoa singular; ○

Direitos reconhecidos aos nascituros5 (hão-de nascer) – n.º2 do art. 66º do C.C.

5 Pode-se distinguir nascituros (concebidos que hão-de nascer) de concepturos (não concebidos que hão-de nascer). É possível fazer doações e destinar herança a nascituros e concepturos, mas os efeitos só se produzem com o nascimento completo e com vida (art. 66º do C.C.)

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Sujeitos de Direito (Pessoas) podem ser:  Pessoas singulares (humanas) • Personalidade Jurídica: Aptidão para ser titular de relações jurídicas, ou seja, de direitos e obrigações (sentido qualitativo); ○ Começo: “A personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.” (n.º1 do art. 66.º do C.C.); ○ Termo: “A personalidade cessa com a morte.” (n.º1 do art. 68.º do C.C.)



Doações a concebidos e não concebidos (n.º1 do art. 952º do C.C.);

 Sucessões • a concebidos (n.º1 do 2033º do C.C.) • a não concebidos (alínea a), n.º2 do artigo 2033º) •

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Capacidade Jurídica: É a medida (variável) de direitos e vinculações de que cada um pode ser titular e a que pode estar adstrito (sentido quantitativo) – art. 67º do C.C. ○ Capacidade de gozo – aptidão para ser titular de um círculo maior ou menor de relações jurídicas. ○ Capacidade de exercício – medida de direitos e vinculações que a pessoa pode exercer ou cumprir por si, pessoa e livremente.  A lei reconhece como possíveis certas situações excepcionais – incapacidades. Com efeito, pode suceder uma pessoa (menor ou demente) ser titular de direitos, isto é, ter capacidade de gozo, e não os poder exercer, por lhe faltar a necessária idoneidade para actuar juridicamente, ou seja, a necessária



capacidade de exercício de direitos. • Incapacidade dos menores – art. 123º do C.C. • Incapacidade dos inabilitados – art. 160º do C.C. • Incapacidade dos interditos – art. 139º do C.C. • Incapacidade natural acidental – art. 257º do C.C. A inabilitação e a interdição são decretadas judicialmente. São decretadas por motivos comuns, como anomalia psíquica. Todavia, há também motivos especiais para cada regime, como a prodigalidade. O regime de inabilitação aplica-se a casos de menor gravidade e de interdição a casos de maior gravidade.

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 Incapacidade de Exercício • Genérica – quando uma pessoa não pode praticar todos os actos; • Específica – quando uma pessoa não pode praticar alguns actos.

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 Supressão das incapacidades: • Dos inabilitados: suprida, em princípio, pelo instituto da assistência, pois estão sujeitos a autorização do curador os actos de disposição entre vivos, bem como os especificados na sentença (art. 153º CC). Pode, todavia, determinar-se que a Administração do património do inabilitado seja entregue pelo Tribunal ao curador (art. 154º/1 CC). Neste caso funciona, como forma de suprimento da incapacidade, o instituto da representação. A pessoa encarregada de suprir a incapacidade dos inabilitados é designada pela lei por curador. Se o curador não der a autorização para qualquer acto que o inabilitado entenda que deve praticar, o próprio inabilitado pode requerer ao juiz o suprimento judicial do curador nessa situação;





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Dos menores: suprida pelo instituto da representação. Os meios de suprimento são em primeira linha, o poder paternal, e subsidiariamente a tutela (art. 124º CC). É claro que só é suprível a incapacidade dos menores, na medida em que haja uma mera incapacidade de exercício. Quando se trata de uma incapacidade de gozo esta é insuprível. Nos domínios em que é reconhecida ao menor capacidade de exercício, este é admitido a agir por si mesmo. Dos interditos: suprida mediante o instituto da representação legal. Estabelece-se uma tutela regulada pelas mesmas normas que regulam a dos menores, no funcionamento da representação legal dos menores é definida, no que se refere à incapacidade dos

interditos, ao tribunal comum, art. 140º CC.

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 Pessoas colectivas • Associações – Pessoas colectivas de substrato pessoal (agrupamento de pessoas) que não tenham por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos associados. No Código Civil, artigos 167º a 184º; • Fundações – Pessoas colectivas de substrato patrimonial (agrupamento de bens) que visam o interesse do fundador e são governadas pela vontade inalterável deste. No Código Civil, artigos 185º a 194º; • Sociedades – Pessoas colectivas de substrato pessoal que têm por fim a obtenção de lucros. No Código Civil, artigos 980º a 1021º. ○ Tipos de sociedades:  Sociedades Civis (todas as sociedades profissionais: por exemplo, Sociedades de Advogados)  Sociedades Comerciais (ver Código das Sociedades Comerciais)  Sociedades em nome colectivo  Sociedades por quotas (Lda.)  Sociedades anónimas (S.A.)  Sociedades em comandita • Simples;

• Por acções ○ No Código Civil:  LIVRO I – PARTE GERAL; • TÍTULO II – DAS RELAÇÕES JURÍDICAS; ○ SUBTÍTULO I – DAS PESSOAS;  CAPÍTULO I – PESSOAS SINGULARES (artigos 66º a 156º)  CAPÍTULO II – PESSOAS COLECTIVAS (artigos 157º a 194º)

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○ Qualificação dos direitos subjectivos:  a) Direito relativo (de crédito), a que corresponde um dever jurídico;  b) Direito potestativo extintivo, a que corresponde um estado de sujeição;  c) Direito absoluto real, a que corresponde uma obrigação passiva universal / dever geral de respeito;  d) Direito absoluto real ou Direito potestativo constitutivo • Direito legal de preferência (art. 1091º,1 do C.C.) ○ Se o proprietário quiser vender o prédio, tem de o comunicar ao arrendatário para preferência e projecto de venda. Se não houver comunicação, o arrendatário pode interpor acção de preferência, que torna ineficaz a venda a outrem (direito potestativo constitutivo); ○ Se o proprietário quiser vender o prédio, tem a obrigação de o vender ao arrendatário, detentor do direito de preferência, se este

aceitar as estabelecidas;

condições

INTRODUÇÃO AO DIREITO I (Sexta-Feira, 18 de Dezembro de 2009 – 11H-12H30 – Teórica)

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➢ Fontes de Direito (continuação) • A alegação de desconhecimento da Lei não é aceite em tribunal (art. 6º - ignorância ou má interpretação da Lei), apesar de se considerar compreensível, em certos casos. Noutros casos, não é desculpável, porque a Lei corresponde a costumes socialmente vigentes que todo o cidadão tem obrigação de conhecer; • Modalidades de articulação do costume com a Lei  Do ponto de vista da lei, o costume pode ser de três espécies: • costume secundum legem (segundo a lei); • costume praeter legem (para além da lei); - com importância residual • costume contra legem (contrário à lei) – o costume sobrepõe-se à Lei vigente, que perde influência. Como exemplo desta realidade, temos a questão dos touros de morte em Barrancos, que implicou uma tensão entre Lei e Costume e a criação de uma Lei de excepção.

• Cessação formal da Lei:  Revogação – lei nova cessa lei anterior;  Caducidade – fim do prazo de vigência ou dos circunstancialismos sociais que a justificavam;  Cessação da convicção de obrigatoriedade da mesma. Direito Consuetudinário Estrangeiro (art. 348º do C.C.) – aplicação do costume estrangeiro no nosso país (atendendo às normas de conflito); • Importância do costume em certos sectores sociais, como nos baldios; • Se uma lei, que revogue um costume, não for seguida pela sociedade, não adquire eficácia. Isto demonstra que a juridicidade observa-se na sociedade; • O costume é uma fonte autojustificada, isto é, não carece de Lei para se justificar. Faz cessar leis antigas obsoletas e intervém, inclusive, em matéria constitucional. •



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Doutrina – Conjunto de estudos, opiniões e pareceres dos jurisconsultos sobre a forma adequada de interpretação, integração ou aplicação do Direito.  Consta de tratados, manuais, comentários às leis (códigos) e à jurisprudência, monografias e estudos jurídicos vários.  Os jurisconsultos são juristas qualificados, em geral, professores nas Universidades;  A doutrina não é considerada fonte imediata ou directa do Direito uma vez que ela não cria normas jurídicas;  A doutrina é uma fonte mediata do direito, apesar de não criar Direito, tem uma importante relevância prática na

revelação do próprio Direito, dado que as opiniões dos Jurisconsultos contribuem para esclarecer o sentido e o alcance de determinadas normas jurídicas e ajudam a colmatar algumas omissões na lei. Uma outra relevância importante da Doutrina é a influência que ela exerce na execução das leis, nas decisões judiciais e na actuação da Administração Pública. Funda-se na consciência das pessoas (consciência de juridicidade). A explicação da doutrina modela o Direito e faz a “ponte” entre as fontes formais de Direito e a consciência social.  De qualquer modo, há que atender à falibilidade das opiniões dos jurisconsultos;



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Usos – Meras práticas sociais generalizadas que, ao contrário do costume, não têm convicção de juridicidade.  O n.º 1 do artigo 3º do Código Civil revelanos que a Lei reconhece a relevância dos usos, que não podem, contudo, ser contrários à boa-fé. Constituem uma fonte mediata de Direito, já que carecem da Lei para adquirirem vigência;  Os usos assumem, fundamentalmente, relevância em matéria de Direito Comercial. Como exemplo disto, temos a lex mercatoria, nas relações comerciais transnacionais (Direito Internacional);  Classificação dos Usos: • Usos disciplinadores – regulamentam uma certa matéria;

• •

Usos interpretativos – ajudam a interpretar declarações emitidas; Usos integrativos – disciplinam uma matéria que não estava regulada.

 Não é preciso que a Lei remeta para os usos, para estes adquirem relevância. • Ver artigos 236º (interpretação) e 239º (integração) do Código Civil – remissão para a vontade hipotética das partes; • Não há remissão para os usos, mas eles podem ser aplicados.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 23 de Fevereiro de 2010 – 11H-13H – Prática)

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➢ Ficha de Trabalho n.º6 (continuação) 3) Compete ao réu especificar os factos impugnados pelo autor na petição inicial, justificando devidamente na contestação (artigo 490.º, n.º2 do CPC). Estamos perante uma posição passiva do réu, um ónus da impugnação especificada. Importa distinguir “ónus” de “dever”, na medida em que, nos termos da lei, não constitui um acto lícito a ausência de especificação dos factos impugnados. Obviamente, se o réu não efectuar essa especificação, incorrerá numa desvantagem

como, por exemplo, o pagamento de uma indemnização. ➢ Ficha de Trabalho n.º7 • A generalidade e a abstracção são as características comummente invocadas pela doutrina tradicional, recordando que, por um lado, autores como Oliveira Ascensão não admitem a abstracção como característica da norma jurídicas e, por outro lado, a coercibilidade é, nalguns casos, apontada como característica intrínseca da norma. Devemos, todavia, considerar que esta última constitui uma característica tendencial da norma, frequentemente integrante da mesma. A norma que nos é apresentada procura atingir todos aqueles que pratiquem o facto ou categoria de factos apresentados. A presente norma apresenta uma previsão (“Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva”) e uma estatuição (“responde pelos danos causados”).



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A situação apresentada implica responsabilidade civil extra-obrigacional, que implica geralmente o pagamento de uma indemnização. O artigo 1026.º do C.C. constitui a sustentação legal da arrendatária. Nele, estabelece-se um prazo supletivo, quando as partes não estipulam uma unidade de tempo. Já o n.º2 do artigo 1110.º do C.C. apresenta-se como a sustentação legal de Xavier. Como podemos constatar, estamos perante um conflito positivo de normas, numa situação de ausência de fixação do prazo do contrato. Independentemente da justiça ou da ausência dela, intuitivamente inclinámo-nos para a norma do artigo 1110.º do C.C., norma especial

(consiste numa mera adaptação do regime-regra e não uma norma contrária ao regime geral) para arrendamento com fins comerciais, que se aplica ao presente caso. (Também a norma do artigo 1094.º do C.C. é uma norma especial respeitante ao arrendamento para habitação – ver artigo 1082.º do C.C.6) Atentando na norma do artigo 1026º do C.C., verificamos, desde logo, que se trata de uma norma geral, que se aplica apenas em contrato de aluguer. O artigo 1025º do C.C. fixa um limite máximo de locação (30 anos), o que, desde logo, impossibilita o arrendamento perpétuo. No presente caso, estamos perante uma ficção legal, na medida em que o legislador recorre desta técnica legislativa, considerando que ocorreu um facto que ele sabe que não ocorreu. Podemos apontar um outro caso semelhante, relativo ao contrato de mútuo (de bens fungíveis, como empréstimo de dinheiro), em que se verifica a fixação de um tecto máximo para o valor do juro, visando-se evitar o aproveitamento daquele que empresta para impor juros altíssimos.

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6 Situação díspar ocorre com os artigos 1297º do C.C., relativo à usucapião, por inércia do proprietário, e a regra excepcional presente no n.º2 do artigo 1300º.

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O contrato de locação constitui um facto jurídico voluntário (acto jurídico), negócio jurídico bilateral (contrato) oneroso. A oposição à renovação do contrato (que contraria a renovação automática do contrato de locação) é um facto jurídico voluntário, negócio jurídico unilateral (com uma declaração de vontade tendente à produção de efeitos jurídicos extintivos, fazendo uso de um direito potestativo).



O direito de resolução do contrato, atribuído ao arrendatário ou ao senhorio apresenta-se como um direito potestativo extintivo. O artigo 483.º do C.C. é uma norma geral, que diz respeito à responsabilidade civil extracontratual. Constitui a sustentação da EDP, argumentando que não se provou a existência de culpa ou dolo (por factos ilícitos). Note-se que o n.º2 deste artigo incide sobre situações em que se verifica ausência de culpa. Já o artigo 509º do C.C. revelase a sustentação de Cecília, na medida em que incide sobre a responsabilidade civil pelo risco dos fornecedores de energia eléctrica. Neste último, não se exige a prova da culpa, considerando-se justo condenar o fornecedor deste serviço. Neste caso, aplica-se o artigo 509º do C.C., norma excepcional que contraria a norma geral (princípio da culpa). A propósito das regras excepcionais, o artigo 10º do Código Civil proíbe a aplicação analógica de regras excepcionais, pois aplicam-se a casos concretos.

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➢ Ficha de Trabalho n.º8 • Código ≠ Compilação Jurídica ≠ Consolidação  Código • Apresenta dimensão qualitativa, regulando determinado domínio do Direito (Civil, Penal, do Trabalho); • Passível de interpretação perante lei hierarquicamente superior; • Organização de forma sistemática, garantindo uma coerência do código; • Sinteticidade e cientificidade, através da dogmática jurídica, pois incumbe à





doutrina este trabalho científico de elaboração do código; • Surge com o movimento codificador do século XVIII, que trouxe um carácter inovador, característica própria dos Códigos. Compilação jurídica – aglomerado de Leis (em vigor ou não) sobre um domínio do Direito; Consolidação – apresenta semelhantes características às dos códigos, distinguindose destes num ponto: um acto consolidado não procura inovar, apenas procura agregar o Direito vigente.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 23 de Fevereiro de 2010 – 15H-16H30 – Teórica)

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➢ Fontes do Direito (continuação) • Nos ordenamentos jurídicos anglo-saxónicos, a lei e a jurisprudência assumem significativa relevância, sendo que esta última procura corrigir lacunas da Lei. Já nos ordenamentos romanogermânicos, a lei apresenta-se como fonte primordial, o que revela a sua característica positivista-legalista. Note-se que nos artigos 1.º a 13.º do C.C., que constituem uma Parte Geral do Direito e não apenas do Direito Civil, se constata uma correspondência da Lei ao Direito, entendendo o poder legislativo como o único que é capaz de produzir Direito – paradigma positivista. • O nosso Código Civil arroga um elenco de fontes de Direito. Podemo-nos interrogar como uma fonte de Direito – a Lei – se dispõe a elencar





outras fontes. Numa perspectiva positivista, temos fontes primárias (de 1.º grau) e fontes secundárias (de 2.º grau); As normas jurídicas não se legitimam a si próprias, legitimam-se, por outro lado, através da existência de princípios fundamentais do Direito. O nosso legislador positivista não refuta a existência de princípios. Podemos considerar dois tipos de princípios:  Princípios de carácter universal (“traves mestras”) • Princípio do Estado de Direito; • Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; • Princípio da Justiça; • Princípio da Igualdade.  Princípios específicos de alguns ramos do Direito • Princípio da boa-fé, próprio do Direito Civil e mais particularmente do Direito das Obrigações; • Princípio do inquisitório e do dispositivo, em Direito Processual Civil.

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Nos princípios, não conseguimos distinguir uma previsão e uma estatuição. Além disto, estes não se destinam a uma categoria de casos concretos, contudo têm alguma aplicação prática, funcionando como um critério / fonte de validação e legitimação de normas jurídicas. Na opinião de Oliveira Ascensão, os princípios não são fonte de Direito, na medida em que não constituem modo de formação e de revelação de normas jurídicas. Os princípios, constando ou não da Lei, podem influenciar a criação de uma norma, legitimando-a;

O n.º3 do artigo 10º do C.C. prevê que, numa situação de lacuna da Lei e na impossibilidade de recurso à analogia, é criada uma norma ad-hoc, que tem de respeitar a unidade do sistema, não podendo, por isso, ser formada livremente. Os artigos 227.º e 765.º do C.C., por exemplo, apresentam referências ao princípio da boa fé. Por um lado, não existe uma norma que reflicta, de modo abstracto, sobre o que é o princípio da boa fé, não havendo, por isso, uma enumeração rigorosa do princípio. Por outro lado, se por algum motivo deixa de haver referências à boa fé, tal realidade não implica o abandono deste ditame; • Se os princípios/direitos fundamentais podem colidir entre si, já as normas não podem conflituar entre si, definindo-se critérios de aplicação destas, como os critérios da posterioridade ou da hierarquia das normas, pois apenas pode ser aplicada uma. No que concerne aos princípios, procura-se a concordância prática entre eles; • A utilidade dos princípios não se prende, somente, com uma possível situação de lacuna da Lei, mas também está associada à matéria de interpretação da Lei, aos cânones hermenêuticos, no que concerne à teologia ou à ratio legis. Revela-se importante conhecer o princípio fundamental que preside àquela norma, pois o princípio é o reflexo da mesma; • O costume é entendido pelos autores de referência como fonte de direito imediata; • Podemos definir Lei, em sentido amplo, afirmando tratar-se do resultado do exercício do poder legislativo, sob a forma de Lei, Decreto-Lei ou Decreto Legislativo Regional (art. 112º da CRP), e do poder regulamentar / administrativo, tais como decretos regulamentares, despachos •

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normativos e portarias do Governo, que apresentam normas jurídicas obrigatórias. Em sentido estrito, entende-se por Lei toda aquela que provem da Assembleia da República, detentora por excelência da faculdade de produzir normas jurídicas. Podemos distinguir lei em sentido material, que é toda aquela que é, necessariamente, composta por normas jurídicas gerais e abstractas, de lei em sentido formal, que, por seu turno, não apresenta, verdadeiramente, normas jurídicas, na medida em que estas não apresentam generalidade e abstracção, ainda que produzidas pelos órgãos com poder legislativo. Exemplificando esta realidade, podemos verificar na proposta de Orçamento de Estado 2010 a existência de verdadeiras normas jurídicas, como também de normas que não cumprem os critérios da generalidade e da abstracção; Outra distinção que se pode efectuar diz respeito às noções de lei constitucional e lei ordinária. A lei constitucional pode resultar do exercício do poder constituinte originário, por parte de uma Assembleia Constituinte, ou do poder constituinte derivado, através de uma revisão constitucional. A lei ordinária pode assumir a forma de lei da AR, decreto-lei do Governo e decreto legislativo regional das Assembleias Legislativas Regionais (art. 112º da CRP). Podemos ainda considerar as leis de autorização legislativa (da AR ao Governo) e as leis de valor reforçado, que decorrem da competência legislativa parlamentar e devem ser respeitadas por outras leis. Por exemplo, o legislador orçamental deve respeitar a Lei de Enquadramento Orçamental;

Na actualidade, o Direito Nacional é influenciado e até incorporado pelo Direito Comunitário. Constituem actos legislativos os regulamentos e as directivas, que são influenciados pelos tratados internacionais. Os regulamentos dirigem-se aos Estados-membros e/ou entidades de foro privado (colectivas ou particulares), aplicando-se directamente aos seus destinatários, sem necessidade de transposição e fixando meios e fins. As directivas dirigem-se apenas aos Estados-membros, fixando os fins, mas não os meios (que ficam ao critério dos Estadosmembros), existindo a necessidade de transposição da directiva (através, por exemplo, de aprovação de Lei nacional). Podemos ainda fazer referência às decisões comunitárias, dirigidas pela Comissão Europeia e obrigatórias para os destinatários que designar, não contendo leis gerais e abstractas. • No âmbito constitucional, também podemos classificar os actos legislativos de inexistentes (por exemplo, na ausência de promulgação do Presidente da República – ver artigo 137.º da CRP), inválidos (por exemplo, quando uma lei é inconstitucional – ver efeitos da declaração de inconstitucionalidade no artigo 282.º da CRP, em que o n.º 1 prevê a nulidade das normas inconstitucionais, não se produzindo efeitos jurídicos, atentando, porém, no n.º2 deste artigo, que prevê a possibilidade de produção de efeitos jurídicos.) e ineficazes em sentido estrito (por exemplo, a ausência de publicação dos actos legislativos elencados no artigo 119º da CRP, necessária para garantir a cognoscibilidade da comunidade); • A inconstitucionalidade de uma Lei B, que revoga uma lei A não conduz, de acordo com o regime •

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geral, ao renascimento da lei A. Todavia, a nossa Constituição prevê a repristinação no artigo 282.º; Uma lei nunca entra em vigor no mesmo dia em que é publicada, precisamente para permitir o seu conhecimento. Está, por isto, em questão a segurança jurídica, protegida pela Lei n.º74/98, de 11 de Novembro. Todavia, uma Lei que preveja a entrada em vigor no mesmo dia poderá afastar a referida Lei.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Sexta-Feira, 26 de Fevereiro de 2010 – 9H30-11H – Teórica)

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➢ Fontes do Direito (continuação) • Oliveira Ascensão considera a possibilidade de entrada em vigor de um diploma no mesmo dia da sua publicação, desde que:  Exista lei de igual valor hierárquico a prevêlo;  Não se estabeleçam regras de conduta para os particulares. • O artigo 6.º do C.C. prevê que, perante uma Lei que entre em vigor, respeitando todos os requisitos exigíveis, não se admite a ignorância ou má interpretação da Lei (“dura lex, sed lex”);

• Análise da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro  Artigo 1.º • N.º 1 – A eficácia jurídica dos actos depende da sua publicação (recorde-se artigo 119º da CRP);

N.º 2 – A data do diploma é a da sua publicação  Artigo 2.º • Não é comum no ordenamento jurídico português existir uma grande diferença entre o período de publicação e a data de entrada em vigor; • O Código Civil Alemão (BGB) foi publicado em 1896, mas entra em vigor apenas em 1900; • São frequentes as alterações ao Código de Processo Civil, fixando-se períodos de reflexão de 2/3 meses, o que dificulta a compreensão/interpretação das alterações. Coloca-se em causa a segurança jurídica; • O conhecimento de um ordenamento jurídico implica um estudo das leis, da doutrina e da jurisprudência, apesar de estas últimas, no nosso país, não serem fonte de direito; • Em situação de urgência, a Lei entra em vigor no dia seguinte à publicação em Diário da República; • N.º2 – trata-se de uma norma supletiva (entenda-se supletivo em sentido amplo), que prevê um prazo supletivo de vacatio legis de 5 dias, prazo alterado em relação à primeira versão da Lei. Esta primeira versão previa diferentes prazos para os diversos territórios pertencentes a Portugal (Regiões Autónomas dos Açores e Madeira e Região Administrativa Especial de Macau); • N.º4 – não tinha necessariamente de existir, mas esclarece quaisquer •

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dúvidas. Os prazos contam-se a partir do dia imediato ao de referência. Artigo 3.º - Distinção entre actos publicados em I e II Séries, não abrange apenas diplomas legais.

Ou por caducidade • Leis de vigência temporária, que apresentam um prazo definido de vigência;

7 Revogação ≠ suspensão de vigência da Lei, pois neste último caso a Lei não é afastada para sempre.

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Cessação da vigência da Lei (art. 7.º do C.C.)  Por revogação7 (n.º 1 e 2 do artigo 7.º), com a entrada em vigor de uma Lei nova, a Lei antiga é revogada expressa ou tacitamente, total ou parcialmente: • “Disposições finais transitórias” – leis sob aplicação no tempo e normas revogatórias que consideram revogada outra Lei (revogação expressa); • Revogação tácita – existência de disposições incompatíveis entre diplomas, sendo que a Lei actual afasta por revogação tácita a Lei antiga. Notese que não pode subsistir um conflito positivo de Leis, aplicando-se o critério da posteridade; • Revogação total ou parcial (abrogação e derrogação) – no primeiro caso, trata-se da revogação do diploma na sua plenitude; no segundo caso, consiste na revogação de alguns artigos do diploma, não se tratando de uma revogação do diploma em bloco.



Fim dos circunstancialismos sociais que motivavam a vigência da Lei (por exemplo, a lei que prevê a concessão de subsídios aos antigos combatentes do Ultramar cessa a sua vigência com a morte do último combatente).

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 N.º3 do artigo 7.º - trata-se do critério da especialidade, pois lei especial afasta a aplicação de lei geral. Pode tratar-se de uma regra supletiva, se houver disposição a prever o contrário;  N.º4 do artigo 7.º - trata-se do princípio da não-repristinação da Lei. Se uma Lei A for revogada por uma Lei B e esta, por seu turno, for revogada por uma Lei C, que não prevê disposição nova, não ocorre renascimento da Lei A. • Se uma segunda lei revogatória (Lei C) colocar em vigor a Lei A, não se considera que exista uma repristinação. Entende-se apenas que a Lei C apresenta um regime coincidente ao da Lei A, ou seja, existe uma adesão ao regime jurídico da Lei A, mas está para todos os efeitos em vigor uma nova Lei; • O n.º4 do artigo 7.º aplica-se a todos os ramos do Direito. A norma constitucional do n.º1 do artigo 282.º constitui uma excepção ao n.º4 do artigo 7.º do C.C., em situações de declaração de inconstitucionalidade da Lei.

• Vicissitudes da Lei  Entrada em vigor da Lei;  Cessação da vigência da Lei;  Possibilidade de suspensão da vigência da Lei e de suspensão da vacatio legis, através de um diploma de igual valor hierárquico, adiando a entrada em vigor;  Rectificações ou alterações à Lei – conjunto de normas (inovadoras), que surgem posteriormente à entrada em vigor da versão originária. Assim, antes da declaração de rectificação/alteração, aplicase a versão originária; com a publicação e entrada em vigor da declaração, aplica-se a versão mais recente; • No artigo 5.º da Lei n.º74/98, o legislador sente a necessidade de definir “rectificação”, não permitindo o tal carácter inovador das rectificações. Ora, deste modo, não se revela necessário ter tantas cautelas. Todavia, se a declaração implicar alterações ao diploma originário, coloca-se em causa a segurança jurídica. ○ N.º2 do artigo 5.º - fixação de um prazo que, se não cumprido, implica declaração de nulidade.

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No domínio negocial, importa analisar as cláusulas contratuais para se entender qual o contrato em causa. Esta tarefa, da responsabilidade do intérprete-aplicador, consiste em verificar o tipo de contrato em causa, que pode ser diferente do nome atribuído pelas partes. Por exemplo, a denominação, erradamente efectuada, de um determinado contrato de hipoteca, não implica a aplicação do

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regime jurídico da hipoteca. O mesmo se aplica às Leis, em que o intérprete-aplicador não está vinculado ao nome atribuído pelo legislador; Usos ≠ costumes  Por costume, entende-se a prática social reiterada, com convicção de obrigatoriedade ou juridicidade (se se tratar de um costume permissivo, em que exista admissibilidade). O costume pode apresentar um âmbito local, regional ou nacional. Composto por um corpus (prática social reiterada) e por um animus (convicção de obrigatoriedade ou juridicidade). Já os usos apresentam apenas um corpus (prática social reiterada);  Admissibilidade de um costume contra legem, com eficácia revogatória. Nestes casos, importa conhecer a diferença entre usos e costumes, não raras vezes confundidos;  O desuso da Lei não tem eficácia revogatória, permanecendo vigente formalmente. Recorde-se que os usos necessitam de autorização legislativa para serem admitidos, não podendo ser contrários à Lei (artigo 3.º do C.C.). Por este motivo, os usos são fontes mediatas de Direito;  Existem diversas normas do Código Civil que fazem referência aos usos: • Artigo 218.º (o silêncio como meio declarativo) ○ O silêncio não significa nada do ponto de vista jurídico, isto é, não se ficciona que houve consenso; ○ Todavia, se os usos considerarem tacitamente relevância jurídica ao

silêncio, assumem valor declarativo. • Artigo 883.º (determinação do preço) ○ Em matéria de Direito das Obrigações, os usos assumem relevância jurídica nas práticas comerciais, nomeadamente na determinação do preço num contrato de compra e venda. • Artigo 763.º (realização integral da prestação); • Artigo 1682.º (alienação ou oneração de móveis) – em matéria de direitos patrimoniais de Direito da Família.



Os usos assumem relevância em matéria de interpretação e integração de lacunas das declarações negociais, desde que possibilitem um conhecimento razoável (artigos 236.º e 239.º do C.C.). O artigo

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O costume é admitido nacional e internacionalmente, como fonte imediata, apresenta força obrigatória própria; • Representa a consciência jurídica da comunidade, não admitindo arbitrariedade; • A existência ou definição de um costume é, por vezes, incerta ou dúbia. ○ Artigo 348.º do C.C. – a convocação de um costume implica fazer prova do mesmo. Mas o tribunal também deve, oficiosamente, realizar diligências probatórias. Aqui se nota que o costume pode assumir relevância jurídica.

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239.º do C.C. apresenta cautelas em relação a possíveis declarações de má-fé e assume relevância para a determinação de prática hipotética das partes.

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• Doutrina  Não constitui uma fonte de Direito, pois apenas influencia a prática dos aplicadores do Direito;  Tem força persuasiva, não vinculativa, que depende do prestígio daquele que emite o parecer ou opinião. São comuns as referências a autoridades em acórdãos. • Equidade  Surge no Código Civil como fonte de Direito (artigo 4.º do C.C.), mas aplica-se apenas nos termos da Lei; • Trata-se de um artigo tributário de um entendimento ultrapassado. Ver Lei da Arbitragem Voluntária (1986), tributária da equidade, na medida em que as partes podem acordar a aplicação da equidade em vez da Lei. Este entendimento está, de facto, ultrapassado nos tempos actuais, pois a equidade faz parte de todo o processo do Direito, na medida em que consiste na aplicação justa da Lei no caso concreto, atendendo aos interesses que estão em causa. Daí que se entenda que a equidade não é fonte de direito, visto tratar-se de um critério concreto (não geral e abstracto) de resolução de um caso particular, não servindo para outros casos.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 02 de Março de 2010 – 11H-13H – Prática)

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➢ Ficha de Trabalho n.º8 (continuação) • Questão 2  Na alínea a), estamos perante conceitos indeterminados, com conteúdo vago que não se encontra bem definido, sendo que a concretização destes conceitos pode ser objecto de adaptação (“ordem pública”, “bons costumes”). Diferentes destes conceitos são os conceitos determinados, como “contrato”. • Vantagens dos conceitos indeterminados: ○ Possibilidade de adaptação dos mesmos aos casos concretos, graças ao seu conteúdo muito amplo, garantindo-se uma aplicação mais justa – mais justiça e segurança jurídica; ○ Possibilidade de adaptação da Lei à evolução da própria sociedade, impedindo-se a cristalização dos códigos e introduzindo-se dinamismo às normas. • Desvantagens dos conceitos indeterminados: ○ Possibilidade de conduzirem à caducidade de algumas normas; ○ A definição inflexível apenas se aplica aos casos que se encaixam naquele conceito. • A utilização de conceitos indeterminados atribui uma maior

margem de jus criação dos juízes, aplicadores do Direito. Na alínea b), o n.º2, do artigo 1.º do Código de Processo Penal constitui uma definição legal (de conceitos). Já o artigo 215.º do mesmo código revela-se uma proposição normativa incompleta (não-autónoma), pois desta não conseguimos retirar todo o sentido que ela pretende reflectir. Para tal, temos que recorrer ao artigo 1.º;  Na alínea c), encontramos uma presunção legal, pois parte-se de um facto conhecido, provado, para um facto desconhecido, que se parte do princípio que terá sucedido pela ocorrência do anterior. • O artigo 349.º do C.C. apresenta-nos a definição do regime de presunções. Este encontra-se enquadrado no Capítulo II – Provas, pois trata-se de um meio de prova; • Procura-se provar um outro facto a partir de um facto base. Trata-se de fazer prova por meio de presunções; • Dá-se o facto desconhecido como provado, por meio de prova de presunção, mais simples. Podemos ter: ○ Presunção ilidível ou relativa ou iuris tantum – presunção regra que admite prova em contrário; ○ Presunção inilidível ou absoluta – não admite prova em contrário, não podendo, portanto, ser afastada (presunção excepção) 

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• No artigo 350º do C.C., podemos encontrar a regra da elisão de provas (n.º1) e a regra do não afastamento da prova (n.º2); • O regime do ónus da prova constituição o regime regra, todavia o regime da presunção inverte as regras gerais do ónus da prova (art. 342.º do C.C., números 1 e 2). ○ Existindo uma presunção de culpa, aquele que estivesse responsabilizado de fazer ónus da prova fica desonerado (inversão do ónus da prova). Também se pode fazer presunção do cumprimento da dívida pelo devedor; ○ Àquele contra quem a invocação é feita compete a apresentação de factos extintivos do direito de crédito invocado, para não ser condenado. • O artigo 491.º do C.C. apresenta-nos a presunção de culpa do responsável pela vigilância de um indivíduo que não goza do discernimento ou maturidade necessária. Aplica-se, por exemplo, na responsabilidade de um pai sobre os danos causados pelo filho. Todavia, pode não haver a esta presunção de culpa se: ○ Se o responsável pela vigilância tiver cumprido as diligências necessárias para evitar a prática danosa;

○ Se intervieram factores externos incontroláveis, há lugar a presunção ilidível.



Na alínea e), encontramos uma presunção judicial, prevista no artigo 351.º do C.C., que consiste numa ilação que o julgador tira de um facto conhecido para concluir sobre um facto desconhecido. • Trata-se de uma prova judicial que exige muitas cautelas. Recorre a indícios fortes que conduzam a um determinado entendimento, mecanismo que comporta riscos. Por isso, raramente se decide com base em presunções judiciais;

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Na alínea d), encontramos uma presunção absoluta ou inilidível, na medida em que não admite prova em contrário, tal como podemos entender da expressão constante do artigo “Considera-se sempre (…)”. • Estamos perante um negócio jurídico simulado, com um conluio entre as partes, por isso nulo; • Estabelece-se um regime de protecção de terceiros que intervenham de boafé, isto é, que desconheçam o conluio; • No presente artigo considera-se má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo – acção declarativa que confere publicidade ao acto jurídico, logo toda a gente tem a possibilidade de conhecer a nulidade do negócio.

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• São também designadas presunções naturais ou da experiência, dado o recurso a um raciocínio lógico dedutivo. 

Na alínea f), encontramos uma ficção legal. • O devedor adopta uma posição de silêncio, tornando-se difícil ao credor fazer prova dos factos alegados; • Note-se a diferença entre ficção legal e presunção legal, pois aqui aplica-se um regime jurídico não contido na norma que se pretende aplicar que, no presente caso, é o regime da confissão de dívida. Este regime baseia-se na colaboração do devedor. Ora, se o devedor não presta depoimento, comportamento aliás censurável, ficciona-se a confissão real de dívida, acto que não aconteceu. Por isto, também se designa que uma ficção legal é uma remissão implícita. Já a presunção legal, como vimos, é de ocorrência duvidosa.

Na alínea g), encontramos uma remissão simples, para normas específicas. Manda-se aplicar ao instituto da sub-rogação os artigos 582.º a 584.º de outro instituto;  Na alínea h), encontramos uma Parte Geral e uma Parte Especial. As Partes Gerais visam evitar repetições, pois as normas nela contidas constituem um regime geral de todo o código, aplicando-se a todas as matérias/domínios do respectivo ramo.  Na alínea i), encontramos uma remissão ampla, para o regime de protecção de prova testemunhal. 

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• Aplicação em bloco do instituto jurídico num instituto jurídico diferente; • O artigo 939.º do C.C. apresenta-nos uma remissão ampla das normas do contrato de compra e venda, em bloco, para contratos de troca/permuta, por exemplo, com as devidas adaptações.  Na alínea j), encontramos as seguintes técnicas legislativas: • No n.º1, encontramos dois conceitos indeterminados (“gravidade” e “consequências”) e uma cláusula geral, que se aplica a uma multiplicidade de situações não identificadas pela sua “letra”. Difere da regulamentação casuística, na medida que esta impõe um elenco fechado de situações às quais se aplica um determinado regime, não admitindo outras que não se encontrem nesse elenco (trata-se, portanto, de uma enumeração taxativa); • No n.º3, encontramos uma enumeração exemplificativa, que detectamos através da expressão “nomeadamente”. O n.º3 revela uma aplicação da cláusula geral do n.º1.

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• Questão 3  O artigo 317.º do C.C. apresenta-nos os créditos (cumprimento de uma obrigação) que prescrevem no prazo de dois anos;  O artigo 316.º do C.C. apresenta-nos os créditos que prescrevem no prazo de seis meses;

Em ambos os casos, estamos perante prescrições extintivas, que diferem das prescrições aquisitivas (de um direito). Como exemplo de prescrição aquisitiva, temos a usucapião. Aliás, o Código de Seabra (1876) faz precisamente referência a prescrição aquisitiva.  Temos também as prescrições presuntivas em que, com o decurso do tempo, presume-se o cumprimento da obrigação. Note-se que se revela difícil ao credor, decorridos os 6 meses, fazer prova do incumprimento, na ausência de confissão (artigo 313.º do C.C.);  O artigo 342.º do C.C. refere que o credor tem de provar o incumprimento (n.º1), mas a única forma de o fazer é através da confissão do devedor (artigo 313.º do C.C.), daí que se presuma o cumprimento;  Nos termos do n.º2 do artigo 342.º do C.C., o devedor que alega uma presunção do cumprimento fica dispensado de fazer prova do cumprimento. •

(Terça-Feira, 02 de Março de 2010 – 15H-16H30 – Teórica) ➢ Fontes do Direito (continuação)

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Jurisprudência – conjunto de decisões dos tribunais que apresentam uma determinada orientação. Aplicam-se apenas ao caso concreto, não sendo por isso fonte de direito  Nos ordenamentos anglo-saxónicos, a jurisprudência tem força vinculativa e obrigatória, vigorando a regra do precedente vinculativo;  Os Assentos eram fonte de Direito. Eram acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que procuravam uniformizar a jurisprudência dentro do mesmo regime jurídico e sobre factos substancialmente iguais. Apresentavam a orientação jurisprudencial que devia valer e assumiam utilidade indesmentível. Tínhamos: • Assentos interpretativos – Fixam o sentido juridicamente relevante de um preceito preexistente e com ele a partir daí se confundem. “A norma a que se dirige tal tipo de assento, de norma de interpretação variável evolui, por força da valoração jurídica sobreposta que aquele consequencia, a norma de interpretação estável ou, pelo menos, mais estável (o assento, como norma jurídica, também é susceptível de interpretação). A norma visada sofre, por via do assento interpretativo, profunda recomposição: é uma nova norma, deste modo recomposta, que passa a existir no direito positivo. Há pois como que uma fusão entre a



norma atingida e a norma do assento que a modula”8. Assentos integrativos – preenchem uma lacuna do sistema e criam a norma correspondente, para depois fazer aplicação dela ao caso concreto.

Deviam ser respeitados em todos os casos subsequentes e encontravam fundamento no Código Civil e no Código Processo Civil. O artigo 2.º do C.C. foi revogado por declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral aos assentos, dado que o Tribunal Constitucional entendeu que estes violavam o artigo 112.º da CRP (actos normativos), número 5, que impossibilita a criação de outros actos normativos. Para além disso, estava a ser colocado em causa o princípio da separação de poderes, com o STJ e o STA, detentores de poder judicial, a exercerem o poder legislativo. Apesar de o artigo 8.º, número 3, do Código Civil declarar que o julgador deve procurar o tratamento análogo dos casos, na medida do razoável, não existe uma vinculação a esta uniformização.

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8 Esta caracterização dos assentos como actos normativos foi assumida no acórdão n.º 40/84, Diário da República, II série, de 7 de Julho.

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 Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência • São criados quando houver jurisprudência contraditória; • Não têm força obrigatória geral, apenas valor persuasivo; • É aconselhável que os tribunais de 1.ª e 2.ª instância sigam os Acórdãos

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Uniformizadores de Jurisprudência. Todavia, as mutações sociais podem retirar valia a estes acórdãos; • Pelo facto de não terem força obrigatória geral, possibilita-se a produção de jurisprudência contraditória; • Os assentos anteriores à decisão do Tribunal Constitucional adquiriram o mesmo valor dos Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência; • Os artigos 732.º-A e 732.º-B do CPC estabelecem o regime processual quando há jurisprudência contraditória. ○ Para assegurar a uniformidade da jurisprudência, pode haver lugar a julgamento ampliado de revista, com intervenção do pleno das secções cíveis. Nesta circunstância, não é julgada matéria de facto. ○ O julgamento alargado é proposto pelo relator, por qualquer dos adjuntos, pelos presidentes das secções cíveis ou pelo Ministério Público; ○ O juiz relator e os restantes juízes que intervenham no julgamento votam e o acórdão proferido pelas secções é publicado em 1.ª Série do Diário da República. • Os artigos 437.º e seguintes do CPP trata da fixação de jurisprudência, quando o STJ profere dois acórdãos que assentem em soluções opostas. ○ O artigo 445.º do CPP regula a eficácia dos acórdãos

uniformizadores de jurisprudência. Estes assumem carácter vinculativo no próprio processo em que forem solicitados. Para casos futuros, têm apenas um carácter persuasivo; ○ O artigo 446.º do CPP prevê uma situação de recurso de uma decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ. Admite a possibilidade de recurso directo para o STJ de qualquer decisão contra jurisprudência por ele fixada. ○ Nos termos do artigo 447.º do CPP, o Procurador-Geral da República (PGR) pode solicitar a uniformização de jurisprudência (n.º1), interpondo recurso para novo acórdão (n.º2), sendo que a decisão que resolver o conflito não tem poder vinculativo sobre qualquer caso em concreto (n.º3).



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Métodos de aplicação da Lei – produto da relação com a dogmática jurídica, dado adquirido que não pode ser alterado, mas é passível de interpretação pelo intérprete-aplicador. Estabelece-se um método jurídico que traga uniformidade e inteligibilidade na aplicação da Lei, assegurando-se a segurança e certeza jurídica. Por exemplo, o método para classificação dos factos jurídicos visa a coerência do ordenamento jurídico e é de origem doutrinal. Note-se o papel relevante que a doutrina assume para a dogmática jurídica.

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• Interpretação da Lei (ou hermenêutica jurídica)  Procura-se retirar o sentido/alcance das normas, conhecendo o seu campo de aplicação;  Constitui um elemento indefectível do Direito, pois todas as normas têm de ser interpretadas, até aquelas que parecem mais claras;  Recurso aos elementos e cânones interpretativos, não apenas ao elemento gramatical ou literal. Obtém-se uma solução diferente da interpretação natural;  Necessidade de leitura para lá da “letra da lei”, considerando a totalidade da lei, não efectuando interpretações de modo parcial;  As normas que utilizam conceitos indeterminados (“prazo razoável”, por exemplo) exigem maior atenção da hermenêutica, dado que estes conceitos variam com a evolução social;  Também no que concerne à existência ou não de definições legais, é exigida um maior esforço ao intérprete-aplicador do Direito, pois revela-se necessário verificar o rigor da mesma e a necessidade de proceder a alterações;  A interpretação está sujeita a determinados critérios para ser válida. Pode haver discricionariedade, mas nunca arbitrariedade em relação ao Direito vigente;  Dois tipos de interpretação (em relação ao sujeito da interpretação): • Interpretação autêntica – advém de um órgão dotado de poder normativo. Consta de outro acto normativo



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vinculativo, uma Lei interpretativa, que tem igual ou superior valor hierárquico relativamente à Lei interpretada. Notese que a Lei interpretativa não é uma Lei inovadora, pois apenas fixa o sentido da Lei interpretada, apesar de, por vezes, trazer uma interpretação inovadora. A norma interpretativa pode ser produzida pelo próprio órgão que criou o texto legislativo a ser interpretado (autointerpretação) ou outro (heterointerpretação). Interpretação doutrinal – a interpretação doutrinal é feita por todos os que atribuem sentido e alcance ao texto legal e que não sejam órgãos do Estado criadores desse mesmo texto, estando desprovidos de poder normativo. Assim, um advogado ao interpretar uma disposição normativa faz uma interpretação doutrinal. Da mesma forma, produz uma interpretação doutrinal um estudante de Direito, quando se depara com um texto de lei que precisa ser interpretado, e atribui a esse texto sentido e delimita seu alcance. Não obstante, interpretação doutrinal em sentido estrito é aquela produzida pelos doutrinadores do direito, pelos juristas, que, pelo notório e incontestável conhecimento do direito, atribuem sentido e alcance aos textos, criando as normas jurídicas. A relevância da interpretação doutrinária está no facto de que os órgãos incumbidos de julgar os casos

concretos costumam seguir as opiniões dos doutos no direito, ou seja, da doutrina. A interpretação doutrinal não é vinculativa e pode trazer incerteza na aplicação do Direito. ○ A maioria dos actos interpretativos é de carácter doutrinal.

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 Querela entre Teorias de Interpretação subjectivista e objectivista (em relação ao objecto da interpretação): • Interpretação Subjectivista destinada a captar o sentido imprimido à norma pelo legislador (mens legislatoris). ○ Esta orientação inspira-se na doutrina alemã de Savigny e releva a necessidade de considerar a vontade do legislador; ○ Pires de Lima e Antunes Varela, autores do Código Civil, defendem a teoria da interpretação subjectivista; ○ Esta orientação está sujeita a crítica, na medida em que se revela difícil a personificação do legislador, pois as Leis têm vários autores e assume-se como uma tarefa árdua o apuramento da sua real intenção; ○ Os trabalhos preparatórios (actas, projectos, questões) serviriam para apurar a vontade do legislador;

○ Muitas vezes, as interpretações da Assembleia da República são precipitadas e têm de ser combinadas com outros elementos de interpretação; ○ Podemos subdividir esta orientação em Subjectivismo moderado e Subjectivismo radical. •

Interpretação Objectivista – destinada a captar o sentido imanente da lei (mens legis). ○ A partir do momento em que a Lei é aprovada e publicada, ganha autonomia em relação ao autor;

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Sexta-Feira, 05 de Março de 2010 – 9H30-11H – Teórica)

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 Actualismo e Historicismo (em relação ao objecto da interpretação): • Actualismo – a interpretação está sujeita a uma norma, não é inflexível. Veja-se, por exemplo, a interpretação do Código Comercial de 1888, redigido por Veiga Beirão, em relação à actualidade. Trata-se de uma interpretação extensiva com a evolução social, portanto, permeável à mudança. • Historicismo – o sentido de uma norma é fixado, de modo inflexível, no momento da sua formação. Qualquer

alteração da mentalidade social, da técnica, da situação económica não vale para a sua interpretação. Trata-se de uma visão rígida. 



 

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O subjectivismo pode ter uma interpretação actualista ou historicista. Se admitirmos um juízo hipotético sobre a vontade do legislador com a actual realidade social, somos partidários do actualismo. Se quisermos conhecer a vontade real, no momento da formação, do legislador, estamos perante uma interpretação historicista; Se formos partidários de um objectivismo actualista, vamos buscar o sentido da lei adaptado à actualidade; se formos partidários de um objectivismo historicista, buscamos o sentido da lei no momento da sua formação. A Lei Portuguesa tomou partido pelo actualismo; Na actualidade, tendemos a encontrar doutrina de síntese destas teorias, não se conhecendo defesas puras de cada uma delas. Manuel de Andrade defendeu uma teoria mista, dado não existirem grandes diferenças entre a teoria objectivista e a teoria subjectivista. Na prática, a única diferença prende-se com os chamados trabalhos preparatórios, isto é, as actas das discussões da Assembleia da República, estudos solicitados a juristas, o projecto legislativo que permite conhecer a vontade do legislador. O subjectivismo puro entende que os trabalhos preparatórios conduzem a uma determinada vontade do legislador, ao

contrário do objectivismo que atribui menor relevo a estes. Nos ordenamentos anglosaxónicos, os trabalhos preparatórios, até há pouco tempo, não assumiam qualquer relevância, pois estaríamos a personificar a vontade de um Governo ou de uma Assembleia. Note-se que uma intervenção oral de um deputado e o silêncio dos outros pode não nos fornecer uma noção fidedigna da vontade do legislador. Actualmente, atribui-se maior relevo aos trabalhos preparatórios. Os ordenamentos europeus são partidários de uma teoria mista, atribuindo uma importância relativa aos trabalhos, mas não decisiva. No objectivismo, atribui-se maior relevo à “letra da lei” em relação ao subjectivismo.

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 Método interpretativo • Instrumentos ○ Elementos interpretativos  Elemento gramatical / literal (“letra da lei”) – apreensão literal do texto da lei, apuramento do significado mais natural desse conjunto de palavras. • Funções ○ Positiva – conduzir o intérprete para o sentido que mais decorre da “letra da lei”, partindo-se do pressuposto que o legislador utilizou





razoavelmente os termos técnicojurídicos e que se tem de retirar o sentido mais natural. Negativa – afastar os sentidos da norma que não encontram apoio mínimo na “letra da lei”. É a Teoria da Alusão, que não é defendida pelos subjectivistas radicais.

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Elementos lógicos (“espírito da lei”) • Elemento histórico – consideração dos dados e circunstâncias históricas que rodearam o aparecimento da lei. ○ Circunstâncias económicas, sociais, políticas em que a lei foi elaborada (occasio legis – art. 9.º/1 C.C.) Por exemplo, o aumento da moldura penal por existência de um alarme social ou a suspensão da Lei



10 Comparação de ordens jurídicas ou sistemas globalmente considerados. Procurase verificar a existência de uma influência de um ordenamento estrangeiro sobre o nacional (p.e. o Código Civil Português foi influenciado pelo Código Civil Italiano).

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9 Comparação de regras, normas ou institutos jurídicos de diferentes ordens jurídicas.

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das Finanças Regionais pela ocorrência de uma catástrofe na Madeira; História do instituto ou do regime jurídico: precedentes normativos (normas e diplomas legais nacionais e estrangeiros que influenciaram a aprovação de uma Lei nova) Por exemplo, o estudo do Direito Comparado (semelhanças e diferenças entre Direito Nacional e estrangeiro, falando-se em micro-comparação9 e macrocomparação10) e regime vigente que foi revogado (por exemplo, o Código de Seabra





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Elemento sistemático – unidade do sistema jurídico (art. 9.º/1 C.C.);

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em relação ao Código Civil de 1966, em que se efectua uma comparação entre o Direito actual e anterior); Fontes da lei (doutrina, direitos estrangeiros); Trabalhos preparatórios (perspectiva objectivista – como elementos auxiliares da interpretação e não como meio de apuramento da mens legislatoris). Descobrir as legislações que influenciaram o Direito Português, dando a indicação ao intérprete da necessidade de estudo dos Direitos que influenciaram. Procura-se descortinar a vontade do legislador.

coerência interna do ordenamento jurídico: ○ Na relação com outras normas que regulam a mesma matéria (contexto ou relação de conexão). Nunca ler uma norma de forma isolada, pois existe uma relação entre elas. No Código Civil, as normas das Partes Especiais mantêm uma relação de conexão com a Parte Geral. Existem relações de conexão no mesmo diploma e em diplomas diferentes dentro do mesmo ordenamento jurídico; ○

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Na consideração de disposições legais que regulam problemas paralelos ou institutos afins (lugares paralelos ou relação de analogia/semelh

ança) A propósito da resolução do contrato de compra e venda, pode haver lugar a recurso da norma do contrato de empreitada, partindo-se do pressuposto da razoabilidade do legislador e admitindo-se a inexistência de consequências jurídicas diferentes previstas. Neste caso, recorremos analogicamente a esta solução; ○

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Na relação com os princípios gerais do sistema jurídico – ex. interpretação conforme com a Constituição (lugar sistemático ou relação de subordinação) – limite da interpretação. A hierarquia das normas tem de ser respeitada por uma norma

inferior, em relação a uma norma superior. Não podemos interpretar uma norma de carácter interno num sentido diferente do da Constituição ou do Direito Comunitário, tendo de estar conforme com essa legislação, de hierarquia superior. A legislação internacional subordina a interpretação da lei nacional. •

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Elemento teleológico – razão de ser da lei (ratio legis); justificação social da lei (Oliveira Ascensão); fim visado pela elaboração da norma. ○ Escolhe-se o melhor sentido para alcançar a finalidade da norma; ○ Pretende-se descortinar os valores e princípios

prosseguidos que estão na base das normas.  O confronto entre elemento gramatical e elementos lógicos permite-nos averiguar a fidelidade de um perante os outros.

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○ Argumentos interpretativos  Argumento a pari (de identidade ou igualdade de razão) – se uma norma jurídica estabelecer um determinado regime jurídico e não houver razões para distinguir o regime desta com o de outra norma, havemos de concluir que o regime da norma que pretendemos interpretar é semelhante ao da outra. • Pode ser utilizado dentro dos lugares paralelos; • Aplicação do mesmo regime noutro caso não abrangido pela norma (entenda-se “letra da lei”) por igualdade de razão que subjaz aquele regime jurídico, o que conduz a uma interpretação extensiva da norma;



Argumento a maiori ad minus (a lei que permite o mais também permite o menos) – deverá abranger um comportamento mais gravoso, se prevê um comportamento menos gravoso;



Argumento a minori ad maius (a lei que proíbe o menos também proíbe o mais) – deverá admitir uma situação muito menos grave que as previstas;



Argumento a contrario (da disciplina excepcional estabelecida para certo caso, retira-se um princípio oposto que corresponde ao regimeregra, isto é, deduz-se que os

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Argumento a fortiori (de maioria de razão) – uma situação não está expressamente prevista na “letra da lei”, mas deve receber a aplicação do mesmo regime jurídico. A submissão ao regime aparece justificada por motivos mais fortes do que as situações previstas na “letra da lei”;

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casos não contemplados devem seguir o regime oposto) – serve para demonstrar que às situações não previstas num determinado regime jurídico, aplicar-se-á o regime oposto. Utilizado no âmbito das normas excepcionais, após determinação por interpretação. Implica um uso com várias cautelas, antes de chegar à conclusão que se aplicará o regime oposto, nomeadamente a aplicação da regra excepcional;



Argumento de coerência – sendo o sistema jurídico unitário e coerente, o sentido de uma norma jurídica será

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Argumento apagógico (ou de redução ao absurdo ou reductio ad absurdum) – trata-se de uma redução ao absurdo para não permitir que a lei traga consequências ilógicas ou absurdas. Pretende-se demonstrar que a Lei tem aquele(s) sentido(s) que lhes queremos atribuir e não conduzem ao absurdo, de entre os vários sentidos possíveis;

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harmónico / coerente com as restantes; 

Argumento segundo o qual um regime jurídico desfavorável (por exemplo: pagamento de impostos, em Direito Fiscal) não será interpretado num sentido mais amplo, salvo se o regime for favorável (por exemplo: benefícios fiscais, em Direito Fiscal);



Argumento “onde a Lei não distingue, não deve o intérprete distinguir” (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 09 de Março de 2010 – 11H-13H – Prática)

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➢ Ficha de Trabalho n.º9 • Texto 1 – Valor da Lei  Entendimento sobre as fontes de Direito que eleva a Lei a única e verdadeira fonte imediata, competindo a ela conferir a condição de fonte a outros possíveis modos de formação e revelação de normas jurídicas;  O Código Civil surge, por vezes, como partidário desta tese (veja-se as suas primeiras normas). Aliás, este código foi

aprovado por uma lei em sentido amplo (decreto-lei);  Não é o entendimento mais consensual na actualidade.

• Texto 2 da alínea a) – Assentos:  Interpretavam e integravam autenticamente as leis (acção própria do legislador);  Atribuição ao julgador de poderes de vinculação efectiva;  Violação do princípio da separação de poderes (poder legislativo exercido por órgãos judiciais – STJ e STA);  Acórdãos produzidos pelo STA e STJ, com funções interpretativas e integrativas, aplicáveis ao caso concreto e restantes casos análogos. Terminavam com uma autêntica norma jurídica;  Visavam a uniformização da jurisprudência, zelando-se, deste modo, pelo valor da segurança e certeza jurídica;  Figura subsidiária aos assentos: Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência, com iguais funções e características. Não são, contudo, vinculativos para casos externos.

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• Texto 3 da alínea b) – Acórdãos jurisprudenciais do Tribunal Constitucional  Os tribunais inferiores recorrem aos tribunais superiores, dotados de um maior poder de influência, para complementar a sua actividade decisória;  O Tribunal Constitucional é o único órgão competente para produzir acórdãos com força obrigatória geral, aquando da declaração de inconstitucionalidade e de



ilegalidade (situação excepcional de jurisprudência enquanto fonte de direito) Só é possível conhecer a vigência da norma, se conhecermos o seu percurso de elaboração, através da interpretação doutrinal (de conservadores, juízes, entre outros). Também os despachos administrativos dos conservadores, apesar de susceptíveis de recurso contencioso, têm valor vinculativo, gozando de um poder jus criador (poder de criação de jurisprudência). Portugal, apesar de tudo, não é dos países do ordenamento jurídico romano-germânico em que mais se nota o valor da jurisprudência, ao contrário do que sucede em países como a Alemanha (no âmbito do Direito Civil) e França (no âmbito do Direito Administrativo). Portanto, reconhece-se um papel de crescente importância à jurisprudência, apesar de não ser fonte de direito. Constitui um importante auxiliar para a compreensão da Lei.

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• Texto 4 da alínea c) – Realização de espectáculos tauromáquicos com touros de morte (caso Barrancos)  O problema em questão pode ser visto segundo dois prismas: 1. No presente caso, podemos dizer o que o costume voltou a afirmar-se, enquanto prática reiterada, localizada numa dada região, dotada de uma consciência de admissibilidade – atribuição de tutela jurídica ao costume enquanto fonte imediata;

2. Por outro lado, foi necessário fazer aprovar uma Lei para fazer vigorar um costume, que pode constituir um desafio à autoridade do Estado (observação de um costume ancestral que se considera vigente). 



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Antes da entrada em vigor da Lei n.º19/2002, de 31 de Julho, denotava-se um desafio à autoridade do Estado, pois trata-se de um desrespeito da Lei vigente (Lei n.º92/95, de 12 de Setembro). Este facto implicou a intervenção política, através da produção de nova legislação; Por mais que se afirme o costume como fonte de Direito na teoria (no presente caso, estamos perante um costume contra legem), denota-se na prática a intervenção da Lei a dar tutela ao costume, o que vai subalternizar este último. • De todo o modo, o costume contra legem deixou de o ser, para se tornar num costume secundum legem; • Se considerarmos que costume e lei se podem revogar reciprocamente, consideramos que estamos perante uma situação de equiparação. Porém, perante o caso de uma prática do género cometida sobre um ser humano, devemos alegar a primazia de princípios jurídicos fundamentais entretanto violados, como o princípio da dignidade da pessoa humana, plasmados inclusive na Lei Fundamental do País;

• Tende-se a gerar jurisprudência de promoção dos Direitos dos Animais, em nome de um princípio de Humanidade.

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➢ Ficha de Trabalho n.º10 • Questão 1  Encontramos uma referência ao artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, que remete para os acórdãos de uniformização de jurisprudência, obrigatoriamente publicados na 1.ª Série do Diário da República. Estes acórdãos não são fontes de direito, na medida em que se aplicam apenas ao caso concreto e exercem apenas um poder de persuasão;  Já o artigo 8.º, número 3 do C.C. reflecte o interesse da uniformização do Direito, tendo em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo;  É ainda apontado no enunciado o artigo 10.º, n.º3 do C.C., que nos remete para o poder atribuído ao julgador (entenda-se “qualquer aplicador do Direito”) para a criação de normas jurídicas, na falta de caso análogo para integração das lacunas da Lei. • Coloca-se em causa a possibilidade de a jurisprudência ser fonte de Direito. Note-se que o artigo se refere à integração de lacunas, após impossibilidade de recurso analógico; • Nestes casos, a jurisprudência não é fonte de Direito. Não se cria uma norma geral e abstracta, mas antes uma norma ad-hoc, que apenas se aplica ao caso concreto, apesar de



apresentar igual estrutura de uma norma jurídica (previsão e estatuição). Ainda assim, não é uma verdadeira norma jurídica, pois não se aplica a casos posteriores; Logo, não podemos afirmar que a jurisprudência seja fonte de Direito.

• Questão 2  Encontramos uma alegação de um desuso capaz de fazer cessar a Lei, que não está dotado de uma convicção de juridicidade (animus), de relevância jurídica;  A Lei em causa, apesar de incumprida sistematicamente, procura defender questões de salubridade e segurança pública;  No presente caso, a Lei em causa não se revela injusta, deixando-se de poder alegar um costume contra legem. O mesmo se aplica na Lei que impõe a obrigatoriedade do uso cinto de segurança pelo condutor e passageiros, apesar do incumprimento geral. Estamos perante um mero desuso, mas nunca um costume contra legem.

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• Questão 3  Encontramos uma alusão ao artigo 1.º do C.C., relativo às fontes imediatas de Direito (ver n.os 1 e 3); • Oceana invoca o fim do Estado Corporativo, que vigorava em 1966. Por esse facto, ela entende que tinham desaparecido os pressupostos de

vigência da Lei – interpretação historicista; • Vítor Hugo considera a possibilidade de aproveitar a referida norma, aplicável às corporações profissionais, sindicatos e outros organismos que defendem os interesses da sua classe. Estes gozam de poder normativo, não podendo, contudo, contrariar a Lei vigente, pois as normas corporativas encontram-se num plano hierarquicamente inferior. Podemos dizer, então, que Vítor Hugo faz uma interpretação actualista. • O Estatuto da Ordem dos Advogados não é uma norma corporativa, mas uma Lei aprovada pela Assembleia da República, órgão dotado de poder legislativo. Todavia, esta Ordem goza de poder regulamentar para a criação de normas corporativas. Por exemplo, o Código Deontológico dos Advogados é passível de ser sindicável por um tribunal.

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➢ Ficha de Trabalho n.º11 • Questão 1  Organizando hierarquicamente: 1. Lei constitucional (editada pelo legislador constituinte originário); 2. Lei constitucional (editada pelo poder constituinte de revisão), pois esta tem de respeitar os limites materiais de revisão;

3. Lei ordinária 4. Lei da AR (dotada de uma legitimidade democrática e de uma reserva de lei parlamentar); 5. Decreto-Lei do Governo (paridade com a Lei em matéria concorrencial, mas subalternizada pela Lei, nos termos do artigo 112.º, n.º2 da CRP); 6. Decreto Legislativo Regional (sobre matéria de interesse regional, não podendo contrariar as Leis da República). 7. Regulamentos (dependentes ou independentes) 8. Decreto regulamentar do Governo (previsto no artigo 112.º, n.º6 da CRP, com exigência de formalidade solene – promulgação do PR); 9. Portaria; 10.Despacho normativo; 11.Resolução do Conselho de Ministros (pode não ter conteúdo normativo, sendo uma mera recomendação).

(Terça-Feira, 09 de Março de 2010 – 15H-16H30 – Teórica) 

Método interpretativo (continuação)

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INTRODUÇÃO AO DIREITO II

• Cautelas a tomar na utilização dos instrumentos interpretativos ○ Utilização em conjunto destes instrumentos (não são compartimentos estanques), com habilidade e a recolha de experiência; ○ Utilização de todos os elementos na interpretação de uma norma jurídica, o que apenas não sucede quando se verifica a ausência do elemento histórico; ○ Os resultados interpretativos resultam da comparação da “letra da lei” com o “espírito da lei”, em todos os casos. • Resultados interpretativos ○ Interpretação declarativa – O sentido da lei cabe dentro da sua “letra”. A “letra da lei” está conforme com o seu “espírito”. O intérprete conclui que a “letra da lei” é coincidente com o “espírito da lei”. Obtém-se igual resultado com a combinação dos elementos lógicos e a “letra da lei”;

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Interpretação extensiva - A letra da lei diz menos que o seu espírito ou, noutros termos, o legislador pretendia dizer mais além do que consta do texto da lei; para obedecer à norma que se extrai da lei, o intérprete deve procurar uma formulação que a traduza correctamente – alarga o

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alcance do texto da lei para este coincidir com o espírito que extrai da lei, por interpretação (importância do elemento teleológico).  Argumento a pari (de identidade de razão);  Argumento a fortiori (de maioria de razão – submissão ao regime aparece justificada por motivos mais fortes).

Interpretação restritiva – A “letra da lei” atraiçoa o pensamento legislativo, por ter um alcance mais abrangente do

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Consiste na determinação do sentido mais razoável da Lei, obtendo-se um resultado extensivo à fórmula textual, que nela não se encontra contido. Esta interpretação não viola a “teoria da alusão”, pois a lei, fazendo uma alusão mínima, possibilita a extensão dentro dos limites do razoável. Ocorre numa situação de regulamentação casuística. Muitas vezes, utiliza-se a interpretação extensiva com o argumento a maiori ad minus. Veja-se o artigo 1305.º do C.C.: ao possibilitar-se a venda e troca do imóvel, depreende-se que também permite a oneração ou hipoteca, já que o bem continua na posse do proprietário.

que a norma que se pretendia exprimir. Distingue-se da interpretação extensiva, na media em que se conclui que a “letra da lei” não foi fiel ao “espírito da lei”, pois disse mais do que queria dizer. Com a interpretação restritiva, diminui-se o elenco de hipóteses de aplicação da Lei. Tal justifica-se pelo facto de a Lei só fazer sentido com um âmbito mais reduzido de aplicação. ○

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Interpretação enunciativa (ou implicativa) – recorre bastante ao argumento a contrario; se o intérprete conseguir provar que o regime abrangido pela norma excepcional não cabe no espírito da Lei, aplica-se o regime geral contrário ao da norma que estamos a interpretar. Contudo, é importante estar seguro que estou perante uma norma excepcional. A interpretação enunciativa resulta na descoberta de uma 2.ª norma que não se encontrava implícita. Para Oliveira Ascensão, estamos perante um método de integração de lacunas.  Argumentos a maiori ad minus e a minori ad maius (a lei que permite o mais também permite o menos; a lei que proíbe o menos também proíbe o mais);





Argumento a contrario (da disciplina excepcional estabelecida para certo caso, retira-se um princípio oposto que corresponde ao regimeregra, isto é, deduz-se que os casos não contemplados devem seguir o regime oposto).

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Interpretação revogatória (ou ab-rogante) – o intérprete conclui que existe uma contradição insanável com outra disposição legal. Regra não tem sentido útil (quer porque há uma impossibilidade prática de coexistência quer porque as regras exprimem valorações contraditórias), o intérprete apenas se limita a verificá-lo. Existindo um conflito positivo de normas, em que ambas pretendem aplicar-se à mesma situação, e não existindo um critério para decidir qual a norma a adoptar, estamos perante uma lacuna de colisão, gerando-se um vazio no ordenamento jurídico. Verificando-se um conflito de normas que se anulam mutuamente, criar-se-á uma norma ad-hoc (artigo 10.º, n.º3 do C.C.);



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Interpretação correctiva – texto da lei não exprime com uma clareza mínima a finalidade para que foi criado e, tomado à letra, abrange hipóteses que não estão de forma evidente no espírito da lei. (Contra: Oliveira Ascensão – alterações do sistema normativo apenas competem às fontes de direito). É raramente mencionado no elenco de resultados interpretativos, sendo duvidosa a sua admissibilidade. Consiste na ausência de adopção de um sentido, que não encontra alusão na “letra da lei”, já que conduz a um verdadeiro absurdo. O artigo 8.º, n.º2 do C.C. é válido, na medida que é congruente com os princípios reinantes). Se a norma violar um princípio fundamental, ela é inválida. Argumenta-se que o artigo 8.º, n.º2 do C.C. não admite a interpretação correctiva, procedendo à alteração da “letra da lei”. Por outro lado, outros dizem que apenas se proíbem interpretações subjectivas do intérprete, afastando-se da “teoria da alusão”, fazendo uma interpretação hábil do artigo. O entendimento maioritário não admite a interpretação correctiva, devendo ela cingir-se aos sentidos que a lei admite, não se aceitando sentidos que extravasem este núcleo. O artigo 8.º, n.º2 do C.C.

impõe a obediência à Lei, mesmo sendo injusta. Não é este o entendimento de Mário Bigotte Chorão, que considera que o artigo admite uma defesa fundamentada e objectiva da injustiça da Lei. •

Artigo 9.º do C.C. – apresenta regras gerais relativas à interpretação, aplicáveis em princípio a toda a ordem jurídica, a todos os ramos do Direito. O legislador do Código Civil de 1966 não tomou posição em relação à querela objectivismo / subjectivismo. Faz sentido que uma norma legal preveja estas regras? Normas definidas pela comunidade de intérpretes ○ Orientação geral: A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (n.º 1) – texto da lei = apenas um elemento da interpretação.

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Denota-se a utilização de uma expressão neutra. Considera-se que o legislador de 1966 será, quanto muito, partidário da corrente mista / gradualista. Verifica-se um afastamento da corrente subjectivista, pois impõese um entendimento com a Lei,

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mas não deixa de referir que a interpretação deve ter em conta as circunstâncias em que a Lei foi elaborada, isto é, a descoberta da vontade do legislador histórico. O Código Civil entende que se deve atender ao elemento sistemático (unidade do sistema jurídico), ao elemento teleológico (referência que não se obtém directamente) e, obviamente, à “letra da lei”.  Na querela entre historicismo e actualismo, vence este último, na medida em que se atende às condições do tempo em que a Lei é aplicada;  É conferida legitimidade ao legislador para estabelecer normas de interpretação. Muito poucos códigos civis contêm uma norma tão clara como a do artigo 9.º do C.C., pois muitos não se consideram habilitados para tal. Este facto justifica-se com a necessidade de a norma respeitante à interpretação também ter de ser interpretada. No Código Civil Português, decidiu-se integrar uma norma com sentido amplo e critérios de interpretação válidos e seguidos, que deve ser consolidada pela doutrina e jurisprudência. Os

detractores de uma norma como esta consideram tratarse de uma norma sem sanção, pois não se prevê uma consequência para a violação da mesma. A sentença prevista para tal prática é a revogabilidade dessa interpretação, não sendo, portanto, destituída de consequências jurídicas.  No que concerne à interpretação deste n.º1 do artigo 9.º do C.C., efectua-se igualmente a sua interpretação. ○

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Responsabilidade do intérprete – encontrar soluções mais adequadas. Presume-se “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3) – não dispensa a tarefa de interpretação e o recurso a outros elementos. Contem o critério do legislador razoável, relacionado com a função positiva, devendo-se por isso retirar o sentido mais razoável da interpretação do texto da lei, partindo do pressuposto que o legislador é, de facto, razoável.



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Dupla função da letra da lei: ponto de partida e limite da interpretação (n.º 2)  Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º2 do artigo 9.º do C.C.);  A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.  Entendimentos de Karl Larenz e António Manuel Hespanha • “Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido.” (Larenz) • “(...) há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma

já (Hespanha)

existente.”

• Os argumentos interpretativos devem ser utilizados na sua totalidade e, aliás, mantêm relações próximas com alguns elementos interpretativos; • Pode suceder que os próprios códigos dos diferentes ramos do Direito apresentem legislação sobre interpretação e integração.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Sexta-Feira, 12 de Março de 2010 – 9H30-11H – Teórica) O processo de subsunção do caso concreto à previsão da norma jurídica é rejeitado por uma visão tradicional, entendendo tratar-se de um silogismo jurídico, isto é, um raciocínio meramente lógico. Qualquer valoração apresenta-se como uma questão extra-jurídica, pelos positivistas. Na actualidade, já não é esta a visão sobre o processo, não se considerando um raciocínio meramente lógico, visto que integra valores e concepções ético-sociais na aplicação ao caso concreto. Mas o raciocínio lógico não é suficiente; • Note-se que as presunções judiciais vivem da experiência do aplicador (julgador) da legislação ao caso concreto. Se antes se rejeitava esta •

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noção, devido ao facto de se tratar de um mero raciocínio lógico, actualmente, desde que realizado com objectividade, é aceite, envolvendo raciocínios lógicos e elementos lógicos e científicos; • Refira-se, também, a abertura interdisciplinar do Direito no desenrolar de processos no tribunal, enquanto auxiliar ao juiz para tomar a decisão correcta. Veja-se, por exemplo, ao nível da prova pericial; • Numa tentativa de os juízes garantirem a comunicabilidade com a comunidade, procura-se que estes não façam uma abordagem hermenêutica nas sentenças ou acórdãos, numa tentativa de transmitir uma mensagem acessível ao público-alvo. Os juízes devem atender aos interesses que estão em jogo no caso concreto e às consequências jurídicas e práticas que a aplicação da Lei no caso concreto têm nos sujeitos sobre os quais recaem.

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• Integração de Lacunas da Lei  Lacuna – “é uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste”, ou seja, uma incompletude contrária ao plano do Direito vigente;  Distinguem-se das situações extra-jurídicas – dizem respeito a situações que cabe ao direito regular mas em que o Direito (e não apenas a lei) não dá resposta a esta questão



jurídica (lacunas do ordenamento jurídico – Inocêncio Galvão Telles); O processo de interpretação e integração de lacunas é um processo integrado, isto é, antes da integração, procede-se à interpretação, para chegar à conclusão que existe uma lacuna. Esta ideia é apenas da segunda metade do século XX;

Interpretação / integração – integração supõe interpretação

momento de determinação preenchimento da lacuna

momento de da lacuna

interpretação das fontes a aplicar por analogia

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A lacuna corresponde a um vazio jurídico, a um caso omisso;  A Lei refere-se apenas à lacuna da lei. Todavia, se admitirmos a existência de norma consuetudinária, não sendo positivistas, só admitimos a existência de lacuna de lei na ausência de costume aplicável; 

Se se chegar à conclusão que, após interpretação jurídica, não existe disciplina para o caso em questão, denota-se um vazio jurídico;  Mesmo não existindo uma norma jurídica aplicável, existe a hipótese de recurso ao costume e aos usos autorizados, isto em teoria;  A doutrina, perante os vazios legais, entende que é perfeitamente possível existir lacunas, pois o legislador não é perfeito e não pode legislar sobre tudo. Todavia, nem sempre foi assim. No século XIX e na primeira metade do século XX, a doutrina não admite a existência de lacunas. Teorias da época: 



Teoria da norma geral exclusiva / de liberdade – as normas jurídicas positivadas proibiam e impunham condutas (normas gerais), sendo que um comportamento não especialmente previsto era permitido. ○ Críticas:

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Teoria do espaço juridicamente livre – estabelece que todas as matérias não reguladas pelo Direito não eram juridicamente relevantes, isto partindo do dogma que o Direito legislava sobre tudo o necessário; ○ Crítica: podem existir matérias não reguladas pelo Direito que clamam protecção jurídica, o que pode acontecer por esquecimento do legislador, por exemplo. Página



 As normas jurídicas também permitem expressamente comportamentos;  Podem existir normas omissas que proíbem ou imponham uma conduta. Na actualidade, os ordenamentos da família romano-germânica aceitam a existência de lacunas. Já na família anglo-saxónica, nunca se defendeu o dogma da plenitude de cobertura de todos os casos, prevendo o recurso à jurisprudência para integrar lacunas;  Quando é que existem lacunas? • A mera existência de um vazio legal não implica a existência de uma lacuna. Por exemplo, há vazios legais que são voluntários, gerida pelo legislador. Note-se que o artigo 10.º do C.C. apenas se aplica aos vazios involuntários, isto é, não são desejados pelo legislador). Há lugar a um vazio voluntário: ○ Se houver uma falta de consenso, devido a uma dada questão, tendo o legislador decidido não legislar (por exemplo: adopção por casais homossexuais); ○ Pela necessidade de conceder autonomia na organização e funcionamento nas empresas, nas famílias, apesar da ingerência crescente do Estado. 

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• Para se considerar que estamos perante uma lacuna, é necessário ter

consciência das variações históricas da vontade do legislador; • Revela-se importante considerar a existência de factos alheios ao Direito, como o trato social ou a religião; • A Constituição prevê que o legislador se deve abster, em determinadas questões, de produzir um regime jurídico, por ser uma questão do foro político, por exemplo. 

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• Tipos de Lacunas ○ Lacunas da Lei

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Se se verificar que existe uma lacuna, depois de atendidos os critérios anteriormente apresentados: • É necessário atender à proibição do princípio de negação de justiça, estabelecido no artigo 8.º do Código Civil e também no Código Penal, sujeito portanto a moldura penal (artigo 369.º do Código Penal) e possibilidade de solicitação de indemnização, estando submetido a processo especial (artigo 1083.º do Código de Processo Civil); • Instrumentos de integração de lacunas (note-se a hierarquia de preferência de aplicação): ○ 1.º Instrumento: recurso à analogia (analogia legis e analogia iuris) (artigo 10.º, n.º1 do C.C.); ○ 2.º Instrumento: criação de norma ad-hoc (artigo 10.º, n.º3 do C.C.).







Ao nível da teleologia – após apuramento do resultado interpretativo restritivo, com a verificação que a finalidade da lei não foi tão além da “letra da lei”. Nesta situação, existirá matéria sem regime jurídico, mas que o mereça; Ao nível das normas – pela simples leitura das normas (lacunas de colisão, por interpretação revogatória, por exemplo) ou por ausência de diploma especial que regule a actividade de um órgão, ainda que estivesse prevista a sua existência.

Lacunas do Direito – existe uma lacuna, não pela leitura da lei ou da sua teleologia, mas porque através de um princípio geral de Direito chegamos a esta conclusão, implicando, habitualmente, o recurso a uma norma especial (norma ad-hoc).

Aplicação analógica de normas jurídicas (artigo 10.º, nos 1 e 2 do C.C.) ○ Estão em causa os valores da igualdade e da segurança jurídica, o que justifica a organização hierárquica dos métodos de integração;

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○ Problemas que se colocam:  Quando há analogia?  Quando há lugar ao recurso analógico? • Há lugar a recurso a um raciocínio de analogia / semelhança nos argumentos interpretativos a pari (por igualdade de razão) e a fortiori (por maioria de razão).

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○ Duas hipóteses de aplicação analógica de normas jurídicas:  Recurso analógico – aplicação de uma norma análoga ao caso omisso;  Interpretação extensiva – se o caso se integra no espírito da norma análoga, há lugar a aplicação directa da mesma, não existindo lacuna sequer. Importa apurar se o caso omisso se integra no espírito da norma análoga (ver caso dos “lugares paralelos”, estando em causa matérias diferentes). Só se admite aplicação analógica com as devidas adaptações (aplicação indirecta mutatis mutandis).





Note-se que, para haver lugar a integração, a hipótese não pode estar compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Refira-se ainda que não se trata da extracção de uma regra implícita num texto que a exprime imperfeitamente (cfr. artigo 11.º CC – proibição de aplicação analógica de normas excepcionais).

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 16 de Março de 2010 – 11H-13H – Prática)

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➢ Ficha de Trabalho n.º11 (continuação) ○ Questão 2:  Em relação à alínea a), de acordo com o artigo 7.º, número 4 do C.C., não é possível o recurso à repristinação. Tal apenas pode suceder em situações excepcionais, nomeadamente: quando há uma declaração de inconstitucionalidade da norma que revoga lei inicialmente revogada com força obrigatória geral; ou quando uma lei revogatória declara a repristinação, gerando-se um conflito positivo de normas, prevalecendo a Lei de Autorização da AR

 

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➢ Ficha de Trabalho n.º12 ○ Questão 1:

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sobre o Decreto-Lei autorizado do Governo (que aprovou o Código Civil), isto numa situação de autorização legislativa, em matéria reservada à AR. Este último caso não se aplica em matéria concorrencial, situação aliás presente no enunciado desta questão. Estando perante uma questão de matéria concorrencial, recorremos ao critério temporal lex posterior derogat priori (lei posterior revoga lei anterior) e ao critério de especialidade lex specialis derogat legi generali (lei especial revoga lei geral). Deste modo, e dado não existir o carácter especial da situação em causa, não há lugar a repristinação, sendo que a Lei n.º5/2005 se limita a revogar e não há regime jurídico aplicável. De todo o modo, não há lacuna da lei, se é possível aplicar o regime geral (estando perante regime especial), ou havendo lacuna é possível a criação de norma ad-hoc. Poderia ainda o legislador de 2005 criar o regime jurídico, o que não levava ao recurso destes procedimentos; Em relação à alínea b), haveria lugar a repristinação da Lei n.º15/99; Em relação à alínea c), no caso apresentado, não há verdadeira repristinação, mas por outro lado incorporação do Decreto-Lei n.º15/99 (ou remissão), tendo a Lei n.º5/2005, que estaria em vigor, aderido ao regime do Decreto-Lei n.º15/99. Aplica-se, portanto, a Lei n.º5/2005.



Em relação à alínea b), importa notar que a simples revogação não conduz à repristinação das normas que aquele diploma veio revogar. Recorde-se o enunciado linguístico constante do artigo 7.º, n.º4 do C.C., que constitui regra geral.

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Em relação à alínea a), constatamos que: • A Lei n.º99/2003 apresenta duas revogações expressas: uma revogação total do Decreto-Lei n.º49408, de 24 de Novembro de 1969 e uma revogação parcial (artigo 13.º) do Decreto-Lei n.º409/71, de 27 de Setembro. Encontramos, também, uma revogação tácita, ao abrigo do critério da posteridade de outros diplomas não apresentados, mas por incompatibilidade entre lei posterior e lei anterior; • O artigo 1.º da Lei Orgânica n.º2/2004, de 12 de Maio cessará a sua vigência por caducidade, a de 1 de Julho de 2004. Trata-se de uma lei de vigência temporária, que cessa com o fim do evento em causa; • A Portaria n.º568/81, de 8 de Julho declara a cessação de vigência do Decreto-Lei n.º54-A/81, de 30 de Março, por fim dos circunstancialismos que motivaram a aprovação daquele diploma. Neste caso, não há lugar a revogação, por uma questão de hierarquia (portaria assume uma posição hierarquicamente inferior em relação ao decreto-lei).

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○ Questão 2:  Os bens públicos do Estado (artigo 84.º da CRP) não são adquiríveis por usucapião, por pertencem ao domínio público do Estado. Veja-se também o artigo 202.º do Código Civil, que reforça esta ideia. Todavia, os bens móveis do domínio privado do Estado são passíveis de transacção livre e de aquisição por usucapião, estando abrangidos pela Lei n.º54, de 16 de Julho de 1913;  A argumentação da Junta de Freguesia baseia-se no artigo 7.º, n.º1 do C.C., considerando que a referida disposição civil (Lei n.º54, de 16 de Julho de 1913) deixou de vigorar com a introdução do Código Civil de 1966. Já a argumentação de Abílio fundamenta-se no facto de a questão em causa estar abrangida por legislação especial a que se faça referência;  No presente caso, não houve intenção do legislador do Código Civil de revogar a legislação especial anterior, continuando a aplicar-se o regime de 1913. Só havia lugar a aplicação dos prazos do Código Civil de 1966 se este manifestasse a intenção de revogar a legislação especial anterior.

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Ficha de Trabalho n.º13 ○ Questão I:  O artigo 1699.º do C.C. refere-se às restrições ao princípio da liberdade em convenções antenupciais, para determinar o regime de tutela dos esposos. As convenções antenupciais são um contrato celebrado entre pessoas que ainda não celebraram casamento.

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• Note-se que é possível fazer estipulações diferentes aos regimes previstos no Código Civil; • O artigo 1699.º, n.º2 do C.C. declara a proibição de estipulação do regime de comunhão geral nem possibilita que se considerem comuns os bens referidos no n.º1 do artigo 1722.º do C.C. (bens próprios). Note-se as diferenças existentes entre o regime da comunhão geral de bens (artigo 1732.º do C.C.) e o regime da comunhão de bens adquiridos. • No regime da comunhão geral de bens, o património levado para o casamento por cada cônjuge passa a ser de ambos (é isto que se pretende proibir no caso apresentado), podendo ser adquiridos bens, gratuitamente e durante o casamento, por via de testamento; • No regime da comunhão de adquiridos, são posse de ambos os cônjuges os bens adquiridos apenas na constância do casamento (bens onerosos). ○ Note-se que o artigo 1733.º do C.C. exclui da comunhão bens próprios (bens incomunicáveis). ○ A sucessão com a morte de A, casado com B, em regime de comunhão geral de bens, e com um filho C, ocorre do seguinte modo:  50% do património é entregue a B;  Os restantes 50% do património são divididos





entre B e C, tendo cada um direito a metade. Portanto, ¾ do património revertem a favor de B e ¼ do património é de C. Já em comunhão de adquiridos, os bens de A, adquiridos antes do casamento, não eram levados para o casamento, sendo que B tinha direito a 50% dos bens, tal como C.

O artigo 1699.º, n.º2 do C.C. não distingue entre filhos comuns e filhos unilaterais. De acordo com o argumento interpretativo “onde a Lei não distingue, não deve o intérprete distinguir” (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus), não se faria distinção, mas actualmente tem-se outro entendimento;  A interpretação em causa é doutrinal, não sendo por isso da responsabilidade do órgão que aprovou a Lei ou de outro órgão com poder legislativo. Sendo uma interpretação doutrinal, não tem efeito vinculativo externo. Importa não confundir interpretação doutrinal com as circulares interpretativas das Finanças ou com os pareceres do Conselho Técnico do Instituto de Registos e Notariado, que têm apenas um efeito vinculativo interno. Para além disso, não constituem interpretações autênticas, apesar de os funcionários das respectivas instituições as respeitarem, por serem uma orientação de um superior hierárquico. 

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No presente caso, foram utilizados os seguintes elementos interpretativos: • Elemento teleológico – apurar a finalidade da norma (elemento principal); • Elemento gramatical – forma textual da norma (“letra da lei”).  O resultado interpretativo encontrado foi uma interpretação restritiva, pois entendeuse que a “letra da lei” foi mais além que o “espírito da lei”, restringindo-se o âmbito de aplicação da norma. Aplica-se apenas aos filhos próprios de um cônjuge.



INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 16 de Março de 2010 – 15H-16H30 – Teórica)

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• Integração de Lacunas da Lei (continuação)  Analogia legis • Analogia – aplicação de um processo geral de pensamento particular no domínio da integração; • Fundamento: tratamento igual de casos semelhantes (princípio da igualdade e certeza do direito – obtenção da uniformidade de soluções); • Artigo 10.º/1 CC – “Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”; • Casos análogos: não basta semelhança na descrição exterior da situação, é necessário que exista um conflito de interesses paralelo ou semelhante e que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor

esse conflito no caso previsto possa ser aplicável também no caso análogo (art. 10.º/2 CC – é necessário que “procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”).

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 Refira-se a dificuldade do intérprete para decidir qual o critério de aplicação analógica a aplicar;  Sempre que, estando em causa um conflito de interesses, a Lei for capaz de se aplicar no caso concreto, há lugar a recurso analógico;  Interpretação extensiva (artigo 11.º do C.C.) • Para haver lugar a integração, a hipótese não pode estar compreendida nem na letra nem no espírito da lei; • Não se trata da extracção de uma regra implícita num texto que a exprime imperfeitamente (cfr. artigo 11.º CC – proibição de aplicação analógica de normas excepcionais, pois “nenhuma excepção deve ser transformada em regra”). • Ainda assim, as normas excepcionais também são passíveis de interpretação extensiva, desde que o caso omisso se integre no “espírito de lei”. Situações de impossibilidade de recurso analógico: ○ Tipologias taxativas – referência àqueles casos aos quais, expressamente, se aplica,



com um regime contrário ao regime geral No âmbito do Direito Fiscal – os números 2 e 3 do artigo 103.º da CRP apresentam o princípio da legalidade em Direito Fiscal (aplicação de normas fiscais apenas no caso a regular. Também a Lei Geral Tributária apresenta, no n.º4 do artigo 11.º, a impossibilidade de integração analógica de lacunas.

Artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) Interpretação 1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. 2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. 3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. 4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

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As normas fiscais não são passíveis de aplicação analógica. Podemos dizer que são irretroactivas. No âmbito do Direito Penal – se a regra a aplicar for desfavorável, seria insusceptível da lei analógica, mas se for favorável já é susceptível de aplicação. Isto, de acordo com o princípio da legalidade, que admite situação estiver

expressamente prevista ou for possível fazer interpretação extensiva.  O artigo 1.º do Código Penal (princípio da legalidade) não admite a possibilidade de recurso analógico para efeitos de alteração de moldura penal, considerando-se apenas como conduta criminosa toda aquela que se encontra prevista no Código Penal;  No caso de normas favoráveis, já pode haver lugar a interpretação analógica.



O recurso análogo em Direito Fiscal levaria a uma situação de incerteza jurídica, estando o contribuinte sujeito a ver as suas práticas fiscais submetidas a um grande âmbito, o que aliás se aplica, mutatis mutandis, ao Direito Penal, em que estão em causa interesses fundamentais do indivíduo;

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Atitude do intérprete que não pode suceder com uma norma excepcional • Método indutivo – abstraindo-se da norma excepcional em concreto, formular um princípio geral, que depois seria aplicado nos conflitos de normas. • Método dedutivo ○ Estar-se-ia a contrariar a vontade do legislador ao estabelecer um regime excepcional. Página



 Todas as restrições anteriormente apresentadas estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade, tendo em vista a protecção de Direitos Fundamentais, ao abrigo do artigo 18.º, n.º3 da CRP. 

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O artigo 10.º, n.º3 do C.C. é um mecanismo com aplicação subsidiária, na ausência de qualquer norma análoga. • Trata-se de um mecanismo de utilização rara, dada a vasta legislação existente, directa ou analogicamente aplicável; • Tendo em consideração o princípio de denegação de justiça, o juiz tem de decidir e criar uma norma ad-hoc para o caso concreto. Portanto, o seu âmbito esgota-se no referido caso. O julgador é obrigado a colocar-se acima do caso concreto, aquando da criação da norma, apesar de se apoiar sociologicamente naquele caso, pois a referida norma ad-hoc aplicar-se-á a todos os casos que se integrem na categoria em causa, tendo por isso uma formulação abstracta. • Intenção generalizadora: Assim, formula uma autêntica norma, geral e abstracta, que não se aplique somente ao caso concreto, apesar do interesse em causa ser esse. Contudo, essa norma apenas vale para o caso sub judice; • A aplicação de norma ad-hoc é passível de recurso pelas partes, podendo ser revogada se uma decisão de tribunal superior assim declarar. Tal facto





poderá conduzir à criação de uma nova norma; • O mecanismo do presente artigo confere maior liberdade ao juiz para criar uma norma jurídica, estando, contudo, sujeito a limites para a prática deste acto e sob fiscalização, para verificar o cumprimento dos parâmetros legais para a técnica de integração de lacunas. Além disso, a solução encontrada tem de se enquadrar no sistema (“espírito do sistema”) e nos princípios jurídicos transversais do Direito, como o princípio da dignidade da pessoa humana ou também princípios particulares dos diversos ramos do Direito; A analogia, em sentido técnico ou não, revela-se um importante instrumento para garantir a coerência do sistema jurídico, tal como o argumento a pari; Só existe obrigatoriedade de legislar sobre uma lacuna se estiver previsto na Constituição, sendo que, se não houver, incorre-se numa inconstitucionalidade. Portanto, são admissíveis lacunas voluntárias.

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• Aplicação da Lei no tempo  Os conflitos da Lei no tempo estão regulados pelos artigos 12.º, 13.º e 297.º do Código Civil;  Aquando do estudo das formas de cessação de vigência de Lei, vimos que lei posterior revoga lei anterior. Todavia, há também





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situações jurídicas que surgem ao abrigo de uma determinada Lei e que sobrevivem com a entrada em vigor de uma nova Lei. A questão que se coloca é qual o regime jurídico a aplicar; Digladiam-se dois interesses, a propósito do Direito inter-temporal: • O surgimento de Lei nova constitui um avanço no Direito, mais perfeito e actual. Há, por isso, um interesse em aplicar Lei nova, por uma questão de dinamismo; • Por outro lado, coloca-se em causa a segurança jurídica, podendo acontecer que alguém não preveja a entrada em vigor de um novo regime jurídico, abalando o conflito de interesses das partes num negócio jurídicos. Há, por isto, um defraudar de expectativas e direitos fundamentais. Não existe um princípio constitucional a declarar a irretroactividade da Lei. Todavia, há que considerar os artigos 2.º, 18.º, 29.º e 103.º da CRP: • Artigo 2.º - Princípio do Estado de Direito Democrático, que promove o princípio da segurança jurídica e de uma irretroactividade; • Artigo 18.º, n.º3 – A propósito das leis restritivas de direitos fundamentais, há também consagração da irretroactividade da Lei; • Artigo 29.º, n.º1 e artigo 103.º Referência a domínios em que é necessário proteger a segurança jurídica e direitos fundamentais.

Consagração constitucional irretroactividade da Lei.

da

Assim, uma norma retroactiva será inconstitucional nos casos dos artigos 18.º, 29.º, 103.º da CRP e, em casos bastante graves, em que se fere de modo intolerável a segurança jurídica, impõe-se o artigo 2.º da CRP. Ainda assim, note-se que não existe um princípio constitucional geral de proibição de retroactividade.  Prevalece sobre o artigo 12.º do C.C. qualquer norma contida num diploma que preveja um dado regime;



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Recursos para aplicação da Lei no tempo (ordenados) • Em primeiro lugar, importa considerar que em diploma preambular anexo ao Decreto-Lei que aprova o Código Civil, temos disposições (artigos 20.º e 21.º) de Direito transitório, da responsabilidade do legislador de 1966, sendo que determinados regimes do Código de Seabra devem ser devidamente adaptados. ○ Direito transitório  Formal – a lei nova contem normas de decreto transitório, que apenas referem qual o regime que se aplica, sendo autênticas regras de conflito;



Material – estabelece um regime jurídico de equilíbrio.

• Na ausência de normas de Direito transitório, é importante conhecer se o ramo do Direito em causa prevê normas de aplicação da Lei no tempo (por exemplo, em Direito Penal, no Código Penal); • Se também não existirem normas de aplicação da Lei no tempo no ramo de Direito em causa, recorre-se aos artigos constantes do Código Civil. ○ Artigo 12.º - critério fundamental de aplicação da Lei no tempo; ○ Artigo 13.º - aplicação no tempo das leis interpretativas; ○ Artigo 297.º - prazos (facto juridicamente relevante, capaz de produzir efeitos jurídicos relevantes, tal como na prescrição e na cessação de vigência por caducidade) para definição do regime jurídico aplicável.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II

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• Aplicação da Lei no tempo (continuação)  Na maior parte dos casos, não existem normas de Direito Transitório;  Graus de retroactividade • Máxima – uma lei nova pode ser aplicada a factos antigos e sentenças

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(Sexta-Feira, 19 de Março de 2010 – 9H30-11H – Teórica)





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Artigo 12.º do Código Civil (princípio geral de aplicação das leis no tempo) • Teoria do facto passado complementada com doutrina alemã. Sustenta o artigo 12.º do C.C.

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transitadas em julgado (efeito caso julgado). Não há preocupações com direitos fundamentais e segurança jurídica, pois não se respeita o caso julgado. O artigo 2.º da CRP (Estado de Direito Democrático) prevê princípios de confiança, segurança jurídica e irretroactividade, o que conduziria à declaração de inconstitucionalidade, em Portugal, de lei com grau de irretroactividade máxima; Média – respeita o efeito caso julgado, podendo contudo aplicar-se a casos passados e a efeitos passados de factos passados (antes da entrada em vigor). Exemplos: contrato de arrendamento e nascimento; Normal – respeita o efeito caso julgado, como os efeitos produzidos no passado, de modo a garantir a segurança jurídica. Admite-se a aplicação de lei nova a factos passados, no que concerne apenas a efeitos do presente e do futuro. Exemplo: num contrato de arrendamento, as rendas passadas são respeitadas, podendo as actuais e futuras ser alteradas. O artigo 12.º do C.C. admite apenas este grau.





Teoria dos direitos adquiridos, que difere das simples expectativas, teve a adesão e defesa de Savigny. De acordo com esta teoria, ao abrigo da lei nova, têm de ser respeitados os direitos adquiridos no passado. Direito adquirido ≠ Simples faculdade ○ Numa concepção anterior, o direito adquirido era aquele que foi efectivamente exercido, enquanto a simples faculdade é aquela que não foi utilizada; ○ Numa concepção actual, não se pensa assim, pois o direito de propriedade, por exemplo, ainda que não utilizado, não é uma simples faculdade.

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• Situações jurídicas objectivas e subjectivas ○ Objectivas – questões atinentes em que não intervinha a vontade dos sujeitos, mas a vontade do legislador; ○ Subjectivas  As situações jurídicas formadas no passado deviam ser respeitadas;  Decorriam da vontade dos particulares (situações jurídicas negociais, contratuais);  Respeito pela autonomia privada;  Todavia, mesmo no âmbito do Direito dos Negócios, há

regras imperativas que não podem ser afastadas pelas partes, de acordo com a vontade do legislador, pois estão em causa interesses públicos. •

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Situações jurídicas duradouras e instantâneas (teoria de Inocêncio Galvão Telles) ○ Duradouras – se a lei nova se aplica às situações jurídicas duradouras, então aplica-se às situações do passado e do futuro; ○ Instantâneas – se a lei nova se aplica às situações jurídicas instantâneas, então aplica-se apenas à situação posterior (por exemplo: Imposto de Valor Acrescentado – IVA).  Crítica a esta teoria: Tratase de uma teoria simplista, porque há leis novas que remetem para situações jurídicas duradouras (por exemplo: contrato de arrendamento) e que não devem surtir efeitos nas situações passadas (por exemplo: forma do contrato). Tal justifica-se pela necessidade de não colocar em causa as legítimas expectativas que as partes depositaram no regime jurídico.



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Artigo 12.º do Código Civil (princípio geral de aplicação das leis no tempo) • N.º1 – regra geral (Teoria do facto passado); • N.º2 – explicita a teoria enunciada, distinguindo duas situações diferentes ○ Note-se que só se aplica este artigo se não houver solução de

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Teoria/Doutrina do facto passado (sustenta o artigo 12.º do C.C.) ○ De acordo com a concepção inicial desta teoria, a lei nova só se deve aplicar a factos posteriores, após a sua entrada em vigor; ○ Todavia, de acordo com a doutrina actual, há situações em que faz todo o sentido aplicar a lei nova a factos passados (por exemplo: direitos perpétuos, como o direito de superfície).  Podem estar em causa interesses superiores à autonomia das partes que prevalecem – interesses públicos – e que são protegidos pela lei nova, devendo, por isso, aplicar-se a lei nova a situações jurídicas do passado;  Ainda assim, a lei nova deve respeitar os efeitos produzidos pelas situações jurídicas constituídas no passado (grau de retroactividade normal).



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Direito transitório e em caso de dúvida de aplicação da lei no tempo; 1.ª Parte da disposição: “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos (…)”  Condições de validade formal dos factos • Ainda que o artigo 219.º do C.C. consagre a liberdade de forma como regra geral, existem situações excepcionais em que é exigida uma determinada forma (artigo 220.º do C.C., sob pena de declaração de invalidade do negócio jurídico), prescritas pela lei nova; • Veja-se o contrato de mútuo, que, consoante o valor em causa, impõe exigências de forma (artigo 1143.º do C.C.); • De todo o modo, tendese a assistir a uma sucessiva desformalização. Vejase, por exemplo, o artigo 875.º do C.C., respeitante à compra e

venda de imóveis, em que, se antes só se poderia celebrar o negócio jurídico por escritura pública, desde 2008 já existe a possibilidade de o fazer por documento particular autenticado pelas autoridades competentes, não tendo de ser exarado pelo notário.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 23 de Março de 2010 – 11H-13H – Prática) ➢

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Ficha de Trabalho n.º13 (continuação) ○ Questão II:  Nesta questão, é feita referência à acessão (art. 1325.º do C.C.), isto é, a incorporação de um material pertencente a outrem, distinguindo-se as situações de acessão de boa-fé e de má-fé, com possibilidade de aquisição de direito de propriedade. Podemos considerar: • Acessão natural (artigos 1327.º e seguintes) – por força da Natureza; • Acessão industrial (artigos 1333.º e seguintes) – respeitante a bens móveis (mobiliária) e imóveis (imobiliária) ○ Os artigos 1339.º e seguintes dizem respeito à acessão industrial imobiliária, situação

presente no caso enunciado nesta hipótese. Trata-se da construção sobre bem imóvel; ○ Tal como sucede no presente caso, e nos termos do artigo 1340.º do C.C., o autor da incorporação de boa-fé pode adquirir o direito de propriedade sobre o prédio urbano, desde que pague o valor justo. Já o artigo 1341.º refere-se à incorporação de má-fé. 

O artigo 204.º do C.C. apresenta-nos, no n.º1, um elenco de coisas imóveis e, no n.º2, a distinção entre prédio urbano e prédio rústico: “Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.”

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 O Tribunal de 1.ª instância fundamenta a sua decisão, efectuando uma interpretação com base no elemento gramatical (“letra da

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Esta distinção rigorosa não é utilizada no artigo 1340.º do C.C., optando-se por uma linguagem coloquial: “terreno” (prédio rústico) e “edifício” (prédio urbano). A expressão “terreno” orienta-nos para a noção de prédio rústico. Resta saber se o artigo 1340.º do C.C. também se aplica para prédios urbanos.



lei”), obtendo um resultado de interpretação declarativa (coincidência entre “letra” e “espírito” da lei), restringindo o campo de aplicação apenas aos prédios rústicos; Já o Tribunal da Relação, na sua interpretação, recorreu aos seguintes elementos interpretativos: • Elemento histórico – à data, o legislador ter-se-á debruçado sobre a construção de obras em terreno alheio (occasio legis – conhecer a razão de ser da norma); • Elemento teleológico – o legislador terá procurado contemplar as situações de incorporação de material em coisa alheia, daí surgindo uma inovação, independentemente de efectivada em prédio rústico ou urbano. Utiliza-se, aqui, o argumento a pari ou de igualdade de razão, pois não há razão para distinguir uma situação da outra; • Elemento gramatical.

Se o caso não previsto se inscreve no “espírito da lei”, há lugar a interpretação extensiva. Por outro lado, se o caso não previsto não se inscreve no “espírito da lei”, não tendo a ver com a categoria de casos que a norma abrange, há lugar a recurso

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Como resultado interpretativo, temos uma interpretação extensiva (o legislador disse menos do que queria dizer – minus dixit quam voluit), devendo também as construções sobre prédio urbano alheio ser abrangidas.

analógico para integração de lacunas (aplicação indirecta de um regime jurídico por recurso analógico. Por exemplo: resolução de um contrato de empreitada, aplicando o regime jurídico do contrato de compra e venda);  Em relação ao artigo 208.º do Código Penal, a propósito do furto de uso de veículo: • Haveria lugar a interpretação extensiva, se necessário para abranger, na categoria de casos, outros veículos para além dos mencionados; • Por outro lado, o recurso analógico não é permitido, se dele resultar uma situação desfavorável para o criminoso.

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○ Questão III:  A hipótese apresentada faz referência ao artigo 483.º do C.C., princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos, aplicável nas situações em que alguém, por dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem. Trata-se de uma norma aplicável em caso de culpa pelo incumprimento salarial, quer em responsabilidade civil contratual, quer em responsabilidade civil extra-contratual. No caso de responsabilidade civil contratual, há lugar a inversão do ónus da prova (artigo 799.º do C.C.), contrariamente ao que consagra o artigo 342.º do Código Civil. Assim, o credor não tem de fazer prova do cumprimento, havendo lugar a uma inversão da presunção de culpa. Trata-se de uma presunção relativa ilidível (regime-regra), salvo casos expressamente previstos na Lei (artigo 350.º, n.º2 do C.C.). Todavia, não se trata de

uma verdadeira presunção, pois a culpa, em última análise, revela-se essencial para imputar responsabilidade civil e haver lugar a indemnização (responsabilidade subjectiva);  Elementos hermenêuticos utilizados: • Elemento gramatical (“letra da lei), com função positiva (optar pelo sentido mais natural utilizado nas palavras do legislador) e negativa (afastar os sentidos que não encontram apoio na “letra da lei”); • Elemento histórico e teleológico (finalidade), procurando a compreensão das circunstâncias que estiveram na base da criação da norma pelo legislador; • Elemento sistemático, efectuando uma comparação com outras normas do sistema jurídico. Como resultado interpretativo, temos uma interpretação declarativa. Apurou-se que o n.º1 do artigo 1.º da Lei n.º17/86, de 14 de Junho é uma norma excepcional, através do argumento a contrario.

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➢ Ficha de Trabalho n.º14 ○ Questão 1  Interpretação de Américo – elementos utilizados e resultado interpretativo: • Elemento gramatical – parte da leitura da cláusula 63.º, procurando





perceber o significado da palavra “Previdência”. Para tal, utiliza o elemento sistemático, pois refere que a cláusula em causa se integra no capítulo IX (combinação da cláusula com o título em que se integra); Como resultado interpretativo, temos uma interpretação declarativa, que pode ser ampla ou restrita, sendo no caso restrita, fixando-se no sentido “Segurança Social”.

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 Interpretação da Árvore – elementos utilizados e resultado interpretativo: • Elemento histórico (occasio legis): a expressão «Previdência Social» era utilizada para abranger todas as situações; alusão aos precedentes normativos (à data da publicação da Lei de Bases da Reforma da Previdência Social); • Podemos também considerar que nos estamos a referir a um elemento sistemático (combinação de Leis para garantir a coerência do sistema jurídico); • Através da occasio legis e do elemento sistemático, conseguimos concluir a finalidade da norma (elemento teleológico). • Coloca-se em confronto a interpretação da cláusula 63.º com o artigo 13.º da CRP (conjugação com normas de outros diplomas – Lei constitucional) – interpretação conforme à Constituição,



requisito essencial para uma boa interpretação. Isto conduz a uma interpretação declarativa ampla, considerando que Previdência abrange todos os sistemas de Segurança Social.

 A argumentação jurídica da Árvore revela-se bastante mais consolidada, não omitindo determinados factos, como fez Américo.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 23 de Março de 2010 – 15H-16H30 – Teórica)



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Lei nova aplica-se a factos futuros, quando reporta a circunstâncias de: • Validade formal de factos ○ Negócios jurídicos sujeitos, excepcionalmente, a uma determinada forma solene, por motivos de interesse público

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• Aplicação da Lei no tempo (continuação)  Artigo 12.º, n.º2 do C.C. • 1.ª Parte – a Lei nova deve apenas aplicar-se a factos futuros se a Lei nova valorar esses factos; • 2.ª Parte – não sendo intenção da lei nova valorar esses factos, aplica-se aos efeitos produzidos por essas situações jurídicas, que ocorram após a entrada em vigor da Lei nova.

(escritura pública, documento particular autenticado); ○ Lei nova estabelece novas regras de validade formal, aplicando-se apenas às situações que ocorram apenas depois da sua entrada em vigor. ○ Num mesmo momento, pode acontecer que contratos sobre uma mesma matéria observem formas diferentes, de acordo com o seu momento de constituição; ○ A forma solene pode aplicar-se a outros factos jurídicos que não os contratos, como por exemplo os actos unilaterais ou os testamentos.



A lei nova só se aplica aos casos constituídos após a sua entrada em vigor (casos novos). Os casos

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Validade substancial de factos ○ Necessidade de respeitar regras correspondentes à substância de factos jurídicos (condições de validade substancial). Por exemplo:  Casar só é permitido com a idade núbil mínima de 16 anos (requisito de idade);  Celebração de um negócio jurídico, tendo sido coagido (negócio inválido, havendo uma viciação da vontade).

anteriores não são minimamente afectados, nem para validar, nem para confirmar negócios jurídicos anteriores;



Efeitos de factos regulados pela Lei nova e aplicáveis a situações jurídicas futuras ○ Os efeitos de factos jurídicos distinguem-se do conteúdo de situações jurídicas, isto é, direitos e obrigações (n.º2 do artigo 12.º do C.C.); ○ A expressão “relações jurídicas reais” merece interpretação extensiva, entendendo-se por “situações jurídicas reais”. Por exemplo, em matéria de direitos reais, temos o direito do indivíduo sobre a coisa (direito de propriedade; ○ Efeitos de factos constitutivos, modificativos ou extintivos de uma situação jurídica;

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 Artigo 12.º, n.º2 do C.C. • 1.ª Parte – a Lei nova produz a valoração de factos posteriores, ao abrigo do princípio da irretroactividade da Lei; ○ Importa conhecer, para a aplicação de uma das partes, a teleologia da Lei. Por exemplo:  Lei nova que valora facto negativamente, tornando-o ilícito, sendo que antes não o

era. Esta lei nova que introduz um desvalor sobre um facto só se aplica em situações futuras ou  Já sendo o facto ilícito, a lei nova estabelece consequências mais desfavoráveis, como por exemplo o aumento dos valores indemnizatórios. Esta valoração negativa só se aplica no futuro. •

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2.ª Parte – de acordo com a 2.ª parte do artigo 12.º, a Lei nova aplica-se a situações jurídicas que coexistem no passado e continuam no futuro, visando incidir sobre o conteúdo de normas jurídicas e abstraindo-se dos factos que lhe deram origem, não os valorando. Podemos invocar como exemplos a usucapião ou a acessão. Apenas está em causa o direito da situação jurídica (por exemplo: direito de superfície). Surgindo novas condições de valoração formal e/ou substancial, não se aplicam a situações do passado. Todavia, por alterações da situação económica, pode haver lugar a alteração do conteúdo normativo que se aplica às situações existentes, constituídas no passado, no momento da entrada em vigor da Lei nova. Admite-se, aqui, um grau de retroactividade normal. Esta situação

aplica-se, por exemplo, com o contrato de arrendamento. 

A distinção entre Lei nova que pretende valorar efeitos de factos e Lei nova que pretende incidir sobre o conteúdo normativo depende da abstracção ou não face aos factos que deram origem à situação jurídica;



Outra forma de estudar a aplicação da Lei no tempo é através do “raciocínio dos estatutos”, desenvolvido por João Baptista Machado, que se dedicou ao estudo do Direito Internacional Privado (aplicação da lei no espaço – situações jurídicas plurilocalizadas)

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Através deste raciocínio do Direito Internacional Privado, desenvolve-se um raciocínio para o Direito Civil Português – regras tendenciais para cada domínio do Direito, que se apoiam no artigo 12.º do C.C • Estatuto contratual – aplica-se a Lei em vigor no momento da celebração do contrato, sendo princípio fundamental do Direito Privado a liberdade contratual. Daí que o Estado e a Lei devam atender à vontade das partes (opções negociais em função do regime em vigor). ○ A maioria das normas em Direito dos contratos são dispositivas, mesmo supletivas, havendo possibilidade de:  Afastar o regime supletivo;

Não dispor nada em concreto, aplicando-se o regime supletivo;  Reproduzir o conteúdo da norma supletiva. 



Com o surgimento de Lei nova que prevê um novo regime jurídico, colocam-se em causa as legítimas expectativas das partes. Por isso, perante normas dispositivas, só se aplica a Lei nova em casos posteriores. Neste caso, não há abstracção dos factos que estão na origem do contrato. O mesmo não sucede com normas imperativas, em que estão em causa interesses públicos, não se respeitando a liberdade contratual, sendo por isso de aplicação imediata. Aqui, não há dependência do facto que deu origem ao contrato.

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 Exemplos de casos de abstracção dos factos que estão na origem do contrato (perante normas imperativas instituídas pela Lei nova): • Lei nova que contem normas de Direito do Consumidor, visando proteger a parte mais fraca do contrato. Estão em causa interesses da colectividade;

• Lei nova que introduz novas normas para relações laborais, discriminando positivamente uma das partes em situação de desequilíbrio. ○

A propósito da responsabilidade civil extra-contratual, sempre que a lei regular um facto ilícito, apenas se aplica no momento da entrada em vigor a factos futuros.



Estatuto sucessório – aplicação da Lei em vigor no momento da abertura da sucessão, aquando da morte (facto relevante). A lei nova só se aplica às situações hereditárias geradas por efeito da morte. ○ Quando o legislador introduz normas imperativas, que visam salvaguardar interesses públicos, estas têm aplicabilidade imediata. Temos como exemplo a fixação da quota disponível, a chamada regra da “legítima”, que se destina aos herdeiros legitimários (cônjuge, pais e filhos), salvo situações de deserdação e indignidade sucessória; ○ Se a lei nova diminuir as capacidades de testar, no

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Estatuto real – aplicação da Lei nova às situações jurídicas pendentes;

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momento em que já exerci esse direito, aplica-se o regime anterior.



Estatuto pessoal – importa saber se a Lei nova se aplica a estados constituídos desde a sua entrada em vigor ou se se aplica a estados anteriores. Exemplos: ○ Casamento – apenas se aplica a Lei nova desde a constituição do casamento. Para regulação de direitos e deveres do cônjuge (conteúdo normativo), há lugar a abstracção do facto que deu origem ao casamento, aplicando, portanto, a todos os factos; ○ Divórcio – direito potestativo dos cônjuges. Há abstracção do facto que lhe deu origem, aplicando-se a Lei nova, desde que esta esteja em vigor aquando do pedido.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II

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 Ramos do Direito com particulares na aplicação da Lei no tempo: • Direito Penal ○ Direito fragmentário que apenas abrange os domínios onde são colocados em causa os bens jurídicos fundamentais;

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(Sexta-Feira, 26 de Março de 2010 – 9H30-11H – Teórica)

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○ Visa garantir a paz social e segurança jurídica; ○ Direito privativo até das liberdades fundamentais, ainda que com sujeição aos princípios da personalidade e da proibição do excesso; ○ Instrumento de “ultima ratio” para a protecção de bens jurídicos fundamentais e para a manutenção da sociedade; ○ O artigo 2.º do Código Penal consagra que a lei penal retroactiva é inadmissível, quando daí resulta uma situação desfavorável.  N.º1 – aplicação da Lei penal que se encontra em vigor no momento da ocorrência do facto jurídico;  N.º2 – a retroactividade é inadmissível, quando daí resultar uma situação desfavorável para o arguido, sendo admissível apenas se resultar uma situação vantajosa;  N.º3 – no caso de lei temporária em vigor durante um determinado período de tempo, não é pelo facto de ela deixar de vigorar e prever um desvalor que é afectada no caso da ocorrência de um facto no período da sua vigência;



N.º4 – a lei posterior é aplicável a situação anterior se for mais favorável para o arguido, tendo-se de averiguar, no caso concreto, se, de facto, é mais favorável. Tal é realizado através da feitura de simulação da situação, com as circunstâncias concretas do facto ilícito em causa.

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• Direito Processual (Civil e Penal) ○ Regra geral – aplicação imediata da lei nova, mesmo em processos a decorrer (antes da produção do despacho), na medida em que o Direito Processual, enquanto direito adjectivo acessório do Direito substancial, fixa os trâmites legais para a protecção de direitos e imposição de deveres; ○ Todavia, a Lei nova, em matéria de Direito Penal, não deve desfavorecer o arguido. De todo o modo, entende-se que determinadas leis novas poderiam ser aplicados na fase de inquérito do processo, ainda que conduza a uma situação desfavorável para o arguido. Isto só pode suceder em situações muito restritas. Em Direito Processual Civil, apenas se admite este mecanismo de retroactividade



em situações de economia processual. Por outro lado, a lei nova não é aplicável se daí resultar um prejuízo de economia processual; Aplicabilidade da Lei nova em matéria de recursos – entendese que o momento relevante para a aplicação da lei nova é aquele em que a decisão é proferida.

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 Artigo 13.º do Código Civil • Refere-se a casos de interpretação autêntica; • Leis interpretativas – integram-se nas leis interpretadas (art. 13.º, n.º 1 CC), ou seja, as leis que pretendem fixar a interpretação de outras têm a força vinculante de todas as leis (o legislador não tem de obedecer a princípios hermenêuticos). ○ A lei interpretativa deve ser aplicada a factos passados, salvo em casos de decisões transitadas em julgado. Aparentemente, temse aqui a admissibilidade da retroactividade, dada a incorporação da lei interpretativa na lei interpretada. Não haverá uma retroactividade, mas uma retrospectividade, na medida em que, pelo facto de se suscitarem dúvidas sobre a lei interpretada, fixou-se o sentido único da mesma com a lei interpretativa, sabendo qual o







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regime jurídico a aplicar, que vincula o juiz; A lei interpretativa vai escolher um dos vários sentidos que a lei interpretada podia tomar, que era previsível. Todavia, esta definição do sentido a tomar só é admissível com o recurso aos elementos e argumentos hermenêuticos, ou seja, ao método interpretativo; O artigo 12.º do C.C. regula a aplicação das leis inovadoras no tempo, o que não sucede com o artigo 13.º, visto que as leis interpretativas não são inovadoras. Elas apenas procuram fixar o sentido e o regime jurídico a aplicar; Se a lei interpretativa, respeitando os mais rigorosos cânones interpretativos, assumir a possibilidade de existência de 3 sentidos admissíveis e, nos tribunais, se aplicarem esses mesmos 3 sentidos, sem se formar uma tendência, haverá lugar a futura interpretação de acordo com esses 3 sentidos. Contudo, se houver uma tendência jurisprudencial marcada, essa deve ser respeitada, tendo em vista a garantia da segurança jurídica, de acordo com o artigo 13.º do Código Civil. Ainda assim, se não for assumida esta tendência, há

lugar à criação inovadora.



de

uma

lei

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Artigo 297.º do Código Civil (decurso de um prazo e extinção/constituição de um facto, com um prazo. Por exemplo, recordese as prescrições extintivas ou as prescrições aquisitiva, como a usucapião) • Não introduz um verdadeiro desuso do artigo 12.º do Código Civil, que consagra que a lei nova só se aplica a factos futuros; • O facto “prazo” ocorre com o final do mesmo; • Este artigo refere-se aos prazos em curso e à aplicação da lei nova; ○ A lei nova que fixe um prazo mais curto do que o da lei anterior aplica-se a partir do momento da entrada em vigor. Destrói-se todo o prazo decorrido, reiniciando-se a contagem. Exceptuam-se as situações que prevêem aumento de prazo, pois a intenção do legislador era o contrário. Aqui, há lugar à aplicação da lei antiga; ○ A lei nova que fixe um prazo mais longo tem aplicação imediata, aplicando-se o prazo mais longo, mas não se destrói o tempo decorrido até ao momento. Se tal sucedesse, teríamos um aumento exagerado do prazo.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 07 de Abril de 2010 – 11H-13H – Prática)

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➢ Ficha de Trabalho N.º14 (continuação) ○ Questão 2  Na presente hipótese prática, é feita referência ao artigo 2194.º do C.C., que se integra nos casos de indisponibilidade relativa. Não há nulidade absoluta, apenas se aplica a determinadas pessoas: • Artigo 2192.º C.C. (Tutor, curador, administrador legal de bens e protutor); • Artigo 2194.º C.C. (Médicos, enfermeiros e sacerdotes); • Artigo 2195.º C.C. (Excepções ao artigo 2194.º) ○ Admite deixa testamentária para pagamento de serviços recebidos pelo doente; ○ Admite deixa testamentária para cônjuge ou familiar que exerça profissão médica). Entende-se que, dentro da família, existem relações recíprocas de solidariedade, não havendo situação de superioridade do profissional sobre o doente fragilizado, numa tentativa de manipulação da vontade; • Artigo 2196.º C.C. (Cúmplice do testador adúltero).



Também em matéria de doações (artigos 940.º e seguintes do Código Civil) se manda aplicar, com as devidas adaptações, as situações de indisponibilidade relativa apresentadas. O artigo 958.º apresenta-nos, aliás, uma norma remissiva;

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• Posição de Serafim e Atalanta ○ Efectuam uma interpretação declarativa, considerando que a “letra da lei” é inteiramente fiel ao “espírito da lei”;

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 Posições em confronto nesta questão: • Posição de Jasão ○ Pede a declaração de nulidade do testamento, com base no artigo 2194.º do Código Civil; ○ Efectua uma interpretação extensiva do mesmo, pois considera que o referido artigo quer abranger aqueles que exerçam funções médicas de facto, e não apenas aqueles que detêm carteira profissional; ○ Recorre ao elemento histórico, referindo a intenção da Comissão Revisora do Código Civil, que “teve por objectivo incluir na lei não só os enfermeiros, mas também aqueles que exercem de facto funções médica, ainda que ilegalmente”. Isto para além do recurso ao elemento gramatical.





Utilizam o elemento gramatical, com base no artigo 9.º do Código Civil, em que se assume a razoabilidade do legislador. Isto para além da utilização do elemento sistemático (comparação com os artigos 2192.º e 2196.º do Código Civil) e do elemento teleológico, a partir do elemento histórico, visto que, na Comissão Revisora do Código Civil, “não foi, porém, discutida a possibilidade de abranger aqueles que, por qualquer motivo não profissional, prestem assistência ao testador”. Alegam, assim, que esta posição nunca se configurou, nos termos do artigo 2194.º do Código Civil.

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Para interpretarmos o artigo 2194.º do C.C., devemos considerar o argumento “onde a Lei não distingue, não deve o intérprete distinguir” (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus) e considerar o objectivo do legislador (elemento teleológico) ao consagrar a norma aludida: • A referida norma considera a debilidade do doente em momento de situação terminal; • Visa-se evitar as consequências nefastas da posição de superioridade do profissional sobre o doente fragilizado (manipulação da vontade); • O presente artigo não admite a apresentação de prova em contrário –

presunção absoluta ou inilidível – na medida em que não se duvida da especial influência exercida pelo profissional sobre o doente; ○ O mesmo se aplica no artigo 2192.º C.C., entre pupilo e tutor, ainda que não seja no leito da morte; ○ Já no caso constante do artigo 2196º C.C., a propósito do adultério, admite-se que são razões de ordem moral que motivaram o legislador a prever esta indisponibilidade, apesar de se encontrar previsto o princípio fundamental da liberdade de testar. 

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Concluímos assim que, atendendo à finalidade do artigo 2194.º C.C., não faz sentido abranger não profissionais (no presente caso, amigos) que prestem assistência. Aliás, também se admite uma relação de solidariedade dos amigos perante o doente, que deve ser fomentada. Este artigo procura salvaguardar a liberdade de testar do testador, não possibilitando a disposição de bens àqueles que ilegalmente exerçam funções médicas e possam exercer um efeito de superioridade sobre o doente, independentemente de possuírem ou não carteira profissional; Obtêm assim um resultado interpretativo declarativo, considerando-se existir uma relação de fidelidade entre a “letra da lei” e o “espírito da lei”;



Se tiver havido, de facto, uma manipulação por parte dos amigos, aplica-se o regime constante nos artigos 240.º e seguintes do Código Civil, alegando o sobrinho que há lugar a impugnação do testamento. Poderse-ia também fundamentar esta posição com os artigos 255.º e 256.º do C.C., que prevêem a anulação do testamento em situação de coacção ou ainda, melhor ajustado, o artigo 282.º C.C., a propósito dos negócios usurários, por exploração da situação de debilidade normal do doente, desde que provada.

➢ Ficha de Trabalho N.º 15 ○ Questão 1  No presente caso, o Banco Internacional de Negócios dispõe de uma garantia real (hipoteca). Justiniano era arrendatário de uma fracção autónoma no referido edifício e foi confrontado com a diligência judicial de entrega do andar que habita, no âmbito de uma acção executiva onde ocorreu a venda do mesmo. A entidade bancária alega a caducidade do direito de arrendatário de Justiniano, com base no artigo 824.º do C.C.

O n.º2 do referido artigo consagra que a venda executiva conduz à caducidade de: ○ Direitos reais de garantia; ○ Demais direitos reais anteriores a arresto, penhora ou garantia.

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Questão: Há um arrendamento?

direito

de

• Categorias de Direitos reais ○ Direitos reais de gozo: Nos direitos reais de gozo, o aproveitamento da coisa é feito de modo directo e imediato no sentido de que o titular do direito real de gozo pode fazer suas as utilidades que a coisa lhe proporciona. Pode colher os frutos naturais, perceber frutos civis, consumir a coisa, alterá-la, etc. Portanto, o titular do direito real de gozo satisfaz o seu interesse através do aproveitamento do valor de uso da coisa, retirando da sua substância todas as utilidades dessa coisa. São direitos reais de gozo: a posse, o direito de propriedade (compropriedade e propriedade horizontal), as servidões, o direito de superfície, o direito de uso e habitação, o direito de usufruto e o direito real de habitação periódica.

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Direitos reais de garantia: Nos direitos reais de garantia, as utilidades proporcionadas ao seu titular são aproveitadas de modo indirecto, isto é, através do valor económico, do valor de troca, e não através do seu valor de uso. Estes direitos reais são acessórios de uma relação

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creditória e por isso encontram-se regulados no Livro II, tendo a função de assegurar eficazmente ao credor, o pagamento preferencial do seu crédito pelo valor da coisa sobre que recaem. Os direitos reais de garantia caracterizam-se pelo facto de incidirem sobre o valor ou os rendimentos de bens certos e determinados, do próprio devedor ou de um terceiro. O Código Civil admite os seguintes direitos reais de garantia:  1. Consignação de rendimentos (artigo 656º);  2. Penhor (artigo 666º);  3. Hipoteca (artigo 686º);  4. Privilégios creditórios (artigo 733º);  5. Direito de retenção (artigo 754º). ○

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Direitos reais de aquisição: Os direitos reais de aquisição constituem a categoria de direitos reais mais recente, em que o interesse do titular é satisfeito através da aquisição de um outro direito real (a partir do momento em que se exerce o direito real de aquisição, o seu titular é imediatamente transposto para outro direito real de gozo). Por exemplo:  O direito que tem cada um dos comproprietários a ter







preferência, na venda ou doação, das quotas dos outros; O caso do contrato-promessa e do pacto de preferência quando se tenha atribuído eficácia real; A situação jurídica do possuidor que adquire o direito de propriedade por usucapião (artigo 1287º do C.C.); O caso de apropriação de coisa alheia (artigo 1321º e 1323º do C.C.).

Esta é a classificação tradicional das categorias dos direitos reais. O seu critério de distinção assenta no modo como se efectua o aproveitamento das utilidades da coisa, que é o objecto do direito real. Os direitos reais de garantia apenas conferem ao titular o direito de ser pago em primeiro lugar em relação aos demais credores comuns, não titulares de um direito real de garantia. Os demais credores comuns podem reclamar os seus direitos de crédito num processo de insolvência. • Há direitos reais de garantia que prevalecem independentemente do registo, como o direito de retenção e os privilégios creditórios. Neste caso, não há lugar a organização cronológica (de graduação) dos créditos; •

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Em acção executiva, procura-se satisfazer o crédito do credor colocado em primeiro lugar, podendo haver lugar ou não, em função do limite do valor de bens vendidos, à satisfação dos credores posicionados em 2.º, 3.º e restantes lugares.



Arresto – apreensão judicial de bens do suposto devedor, que ficam à ordem do tribunal e servem de garantia da eventual execução que contra ele possa vir a ser efectuada.

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• Se o direito de arrendamento for constituído posteriormente à hipoteca, como no presente caso, há lugar à sua caducidade? ○ De acordo com o artigo 1057.º do C.C., o adquirente do direito de propriedade sucede nos direitos e obrigações do locador, não havendo lugar à caducidade do direito de arrendamento; ○ Nos termos do artigo 695.º do C.C., constante do capítulo da hipoteca, é nula a convenção que proíba o dono de bem hipotecado a aliena-lo ou onera-lo. É, portanto, nula a cláusula de hipoteca que proíba a oneração de um bem. Note-se que, estando um bem arrendado, há lugar a uma diminuição do valor do mesmo e a uma sucessão de direitos e obrigações do locador.



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11 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.1994, in www.dgsi.pt, cujo sumário é “O direito de arrendamento não pode ser adquirido por usucapião”:

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Posição do arrendatário (Justiniano): alega que o seu direito de arrendamento é válido, não caducando, o que consequentemente impede o seu despejo. Para fundamentar esta sua posição: ○ Invoca o artigo 1057.º do C.C., em que se diz que o contrato de arrendamento é oponível ao novo adquirente; ○ O direito de arrendamento não é um direito real (não se aplica o artigo 824.º, n.º2, que apenas implica a caducidade de direito reais, algo que neste caso não sucede), mas obrigacional, pois não consta do catálogo de direitos reais de gozo11. O artigo 1022.º (locação) consagra uma noção que nos encaminha para um direito obrigacional, exigindo-se de outro um determinado comportamento; ○ O artigo 695.º diz-nos que é nula a cláusula de hipoteca que proíba a oneração de um bem. Logo, não faria sentido desproteger, de imediato, a posição do arrendatário, devendo o contrato manter-se válido, eficaz e oponível ao locador.

Recorre aos seguintes elementos interpretativos: ○ Elemento sistemático – para compreensão do artigo 695.º do C.C., houve recurso a outros artigos do mesmo diploma; ○ Elemento gramatical – elemento vital na sua interpretação, considerando a “letra da lei”; ○ Elemento teleológico – verificar a finalidade dos artigos 695.º e 1057.º do Código Civil, para demonstrar que não faz sentido a caducidade do contrato do arrendamento; ○ Elemento Histórico – os n.os 2 e 3 do artigo 824.º C.C.

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“Trata-se de questão muito controvertida, afigurando-se nos que a maioria da doutrina e da jurisprudência considera o direito do locatário ao arrendamento insusceptível de ser adquirido por usucapião, quer directamente, afirmando que tal direito não é usucapível, quer indirectamente, dizendo tratar-se de um direito de crédito, obrigacional ou pessoal, e não direito real, e certo sendo que os direitos de crédito não podem ser adquiridos por usucapião, só o podendo ser os direitos reais e não todos. Porém, uma corrente minoritária nos apresenta - há ainda posições intermédias diversas, ao lado das quais passaremos - tem defendido que o direito ao arrendamento, o direito do locatário, é usucapível como consequência do facto de poder ser qualificado como um direito real ou por se verificar uma situação justificativa da admissibilidade da usucapião, atentos os fundamentos desta figura. Os defensores daquela primeira orientação são muitos e de alta carreira (Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência 100; 202 e 203; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, sétima edição; 178 e Revista de Legislação e Jurisprudência 119; 248 e 249; Galvão Teles, Direito das Obrigações, sexta edição, 17, Pereira Coelho, Arrendamentos, edição de 1984, 16 e seguintes; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Dezembro de 1982, Boletim do Ministério da Justiça 320, 338; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 1966, Boletim do Ministério da Justiça 161, 1393; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Julho de 1960, Boletim do Ministério da justiça 99, 804, além de outros. Mas a apoiar a tese contrária também há autores de valia (Dias Marques, Prescrição Aquisitiva, edição de 1960, Volume I, 214 e seguintes; J. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, edição de 1971, 91, 96 e 519 e seguintes; Meneses Cordeiro, Direitos Reais, II Volume; 958 e seguintes; Paulo Cunha e Pinto Coelho (estes dois citados por Meneses Cordeiro, além de outros, a página 975; Mota Pinto, Direitos Reais, edição de 1971, 146 e seguintes, se bem que com bastante hesitação; acórdão da Relação de Lisboa, de 21 de Maio de 1992, Colectânea de Jurisprudência de 1992, Tomo III, 181), além de outros.

correspondem ao anterior artigo 907.º CPC. O recurso ao elemento histórico serve para defender que o direito de arrendamento é um ónus.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 07 de Abril de 2010 – 15H-16H30 – Teórica) •

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A Lei nova aplica-se a factos jurídicos constitutivos, modificativos e extintivos (artigos 12.º e 297.º do C.C.), juridicamente relevantes para determinar a sua competência. Distinguem-se dos “factospressupostos”, na terminologia de João Baptista Machado, que não se revelam juridicamente relevantes, para a aplicação da lei no tempo. Os factospressupostos constituem pressupostos de uma dada qualidade, como por exemplo os factos que interferem com a capacidade sucessória (qualidade de sucessor), mas não são determinantes para saber qual a Lei aplicável. ○ O facto constitutivo das relações sucessórias é a morte. Já o facto impeditivo de adquirir capacidade sucessória (facto-pressuposto) não interfere na definição da lei a aplicar; ○ Em matéria de prazos, eles nem sempre são factos constitutivos (por exemplo, prazo da usucapião), extintivos (por

exemplo, prazo da prescrição) ou modificativos. Se surgir uma Lei nova que determina o novo prazo, aplica-se a Lei vigente à data da ocorrência do facto juridicamente relevante; ○ Há factos que também podem funcionar como prazospressupostos:  Prazo internupcial (artigo 1605.º do C.C.) – facto impeditivo do casamento. • Se surgir uma lei nova que estabeleça a diminuição do prazo internupcial, coloca-se a questão de qual a Lei aplicável: ○ no momento do início do prazo? ○ à data da entrada em vigor da nova Lei?

Só há retroactividade, quando há aplicação de Lei nova a factos

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Tem-se de procurar o facto constitutivo que a Lei nova visa regular (que no presente caso é o casamento), aplicando-se a Lei que vigora à luz da celebração do casamento.

passados constitutivos, modificativos ou extintivos. No presente caso, poderá haver uma retroconexão ou uma referência pressuponente, que não é uma verdadeira retroactividade.

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• Lei confirmativa tácita ○ Ao abrigo da 1.ª parte do n.º2, do artigo 12.º, a Lei nova só se pode aplicar a factos jurídicos futuros; ○ Se se celebrasse um contrato de compra e venda, em 2007, por documento particular autenticado, ele seria nulo, nos termos do artigo 220.º do C.C., dado o incumprimento do requisito formal exigido à época. Recorde-se que, a partir de 2008, já seria possível, com a entrada em vigor da Lei nova; ○ Ainda assim, admite-se uma interpretação restritiva do artigo 12.º, entendendo-se que ele visa, sobretudo, salvaguardar a segurança jurídica, não devendo este artigo, por isso, aplicar-se apenas aos casos que colocam em causa a segurança jurídica. Assim, se a Lei nova trouxer uma desformalização dos requisitos exigíveis, pode-se admitir uma convalidação, desde que:

 Corresponda aos interesses das partes;  Não coloque em causa as legítimas expectativas de terceiros.

○ Assim, estamos perante uma Lei confirmativa tácita que valida o acordo celebrado, que diferem das disposições confirmativas expressas, constantes, por exemplo, do Preâmbulo do Código Civil (Direito transitório); ○ Esta interpretação restritiva não tem sido utilizada em sede de tribunais, mas é afirmada em doutrina e jurisprudência diversa; ○ A admissibilidade de Lei confirmativa tácita é defendida por João Baptista Machado. Contudo, trata-se de uma questão que não é consensual.

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➢ Introdução ao Direito Civil ○ Parte Geral do Código Civil  Análise da relação jurídica (conceito operatório mais importante no Direito Civil português) • O legislador português divide o Título "Das relações jurídicas" do Código Civil em quatro subtítulos: (I) – "Das pessoas" (artigos 66º a 201º), (II) –

"Das coisas" (artigos 202º a 216º), (III) – "Dos factos jurídicos" (artigos 217º a 333º) e (IV) – "Do exercício e tutela dos direitos" (artigos 334º a 396º); • Elementos da relação jurídica ○ Sujeitos; ○ Objecto; ○ Factos jurídicos; ○ Garantia (tutela dos direitos através de mecanismos coercitivos). O Direito Civil regula as relações jurídicas mais quotidianas dos sujeitos, daí ser o ramo mais importante do Direito Privado (constitui o seu tronco comum); • Aplicação das normas da Parte Geral nas Partes Especiais. Por exemplo, normas sobre coacção em Direito das Sucessões ou Direito das Obrigações; • Os conceitos indeterminados e as cláusulas gerais são típicos do Direito Civil; • Na opinião de António Menezes Cordeiro, a expressão relações jurídicas é mal empregue. No seu entender, a expressão que deveria ser utilizada seria situações jurídicas, pois engloba as situações jurídicas absolutas, em matéria de direitos de personalidade e direitos reais. •

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• Princípios fundamentais do Direito Civil ○ Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: este princípio é

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transversal a todos os ramos do Direito, sendo que muitos princípios a seguir apresentados são a decorrência deste. Consiste no respeito pela pessoa como um fim em si mesmo e não como um meio ou instrumento. Implica o reconhecimento de direitos e deveres e o respeito mútuo entre os sujeitos que estabelecem relações jurídicas;  Cláusulas atentatórias da dignidade da pessoa humana: • Medidas mais eficazes no Direito Penal; • No âmbito do testamento (artigos 2224º e ss. do C.C.): ○ Artigo 2229.º do C.C. - Condições de testamento válido e inválido; condições do livre desenvolvimento da personalidade; ○ Artigo 2233.º do C.C. – liberdade negativa (não se obriga ninguém a celebrar casamento). • Direitos de personalidade (artigos 70º e ss. do C.C.):



Princípio do reconhecimento da personalidade jurídica humana (artigos 66.º e 67.º C.C.): reconhece-se que cada sujeito tem a susceptibilidade de ser titular de relações jurídicas (ser sujeito de Direito). No artigo 66.º, n.º2 do C.C., admite-se a protecção da vida intra-uterina;  Diferente tratamento entre personalidade singular e personalidade colectiva: se em relação à personalidade singular não há atribuição de direitos, mas apenas reconhecimento dos mesmos, no que concerne à personalidade colectiva estamos perante uma abstracção colectiva, em que o Direito decide atribuir personalidade jurídica a entes colectivos.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II

Princípio da plenitude da personalidade jurídica: a faculdade de se ser titular de direitos e obrigações difere de pessoa singular para pessoa colectiva e entre pessoas singulares.

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(Sexta-Feira, 9 de Abril de 2010 – 9H30-11H – Teórica)

 



Personalidade jurídica (conceito qualitativo) Capacidade jurídica (conceito quantitativo) • As pessoas colectivas têm uma capacidade jurídica muito reduzida. No artigo 160.º do C.C., vemos que apenas lhe são atribuídos os direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins. Por exemplo, sendo o fim de uma empresa o lucro, todo o acto para além desse fim é nulo.

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Princípio da tutela geral da personalidade humana: princípio autónomo à dignidade da pessoa humana.  Artigos 70.º a 81.º C.C. – Direitos de personalidade (direitos absolutos, inatos, inalienáveis, irrenunciáveis e oponíveis erga omnes); • Artigo 70.º - cláusula geral de tutela (abrangente) de direitos de personalidade, prevendo-se as consequências civis para a sua violação. Um aspecto da personalidade não







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12 A sua divulgação só é admissível no âmbito de um processo judicial, não se podendo divulgar a sua integralidade, mas apenas o estritamente necessário para a descoberta da verdade (valor maior).

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indicado nos artigos seguintes está protegido por esta cláusula geral. Artigo 71.º - protecção do bom-nome de pessoas já falecidas. Comprova que a tutela geral não termina com a morte física; Artigos 72.º, 76.º e seguintes até 80.º protecção cirúrgica de aspectos particulares que merecem especial relevo, pois são regularmente sujeitos a violações. Artigo 80.º - direito à reserva sobre a intimidade da vida privada foi pensado para os seres humanos, mas pode ser adaptado para o mundo empresarial ou associativo, tendo em vista o desenvolvimento da sua actividade (por exemplo: protecção da divulgação das actas das reuniões12).

Admite-se que os direitos de personalidade possam ser aplicados, mutatis mutandis, às pessoas colectivas, sendo que nem todos são aplicáveis;  O direito à vida e à integridade pessoal não se encontram nos artigos anteriormente referidos, mas integram-se no artigo 70.º. É recorrente, também, conjugar este artigo com os artigos 1.º, 24.º e 25.º da CRP. 



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Princípio da personificação jurídica e da capacidade jurídica funcional das pessoas colectivas privadas: do ponto de vista naturalístico, apenas os sócios deviam ser portadores de personalidade jurídica. Todavia, considera-se que também se deve reconhecer personalidade jurídica às seguintes entidades:  Associações – Pessoas colectivas de substrato pessoal (agrupamento de pessoas) que não tenham por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos associados. No Código Civil, artigos 167º a 184º;  Fundações – Pessoas colectivas de substrato





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patrimonial (agrupamento de bens) que visam o interesse do fundador e são governadas pela vontade inalterável deste. No Código Civil, artigos 185º a 194º; Sociedades – Pessoas colectivas de substrato pessoal que têm por fim a obtenção de lucros. No Código Civil, artigos 980º a 1021º. Tipos de sociedades: • Sociedades Civis (todas as sociedades profissionais, como as Sociedades de Advogados) – para a concessão de personalidade jurídica, é exigida a celebração de um contrato de sociedade e a inscrição do acto constitutivo na Conservatória do Registo. Aliás, o registo é condição indispensável para a aquisição de personalidade. • Sociedades Comerciais (ver Código das Sociedades Comerciais) – podem ter: ○ Sócios de capital: entram



com dinheiro ou bens patrimoniais; Sócios de indústria: entram com o seu trabalho (know-how).

As associações e fundações necessitam do reconhecimento do Ministério Público para a aquisição de personalidade.



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○ Princípio da igualdade dos Homens perante a Lei  Evolução do conceito de igualdade, no âmbito do Direito Civil:

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Princípio da não violação da esfera jurídica alheia: por “esfera jurídica”, entende-se o âmbito de relações jurídicas (direitos e obrigações) de que cada um de nós é titular. Trata-se de um conceito aplicável a pessoas singulares e colectivas e abrange relações jurídicas de personalidade (co-naturais à condição de pessoa) e relações jurídicas patrimoniais. Trata-se de um instituto que está na base da responsabilidade civil contratual e extracontratual por danos que atingem direitos pessoais ou bens patrimoniais.





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Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, instituído pelo DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e

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Conceito formal de igualdade – as partes envolvidas numa relação encontram-se numa posição de igualdade, havendo um equilíbrio de prestações – princípio do equilíbrio de prestações. Conceito material de igualdade (actual) – reconhece-se a existência de desigualdades nas relações, em virtude da situação económica das partes, havendo uma discriminação positiva dos mais desfavorecidos, em Direito de Trabalho. Mas também em Direito Civil se reconhece este conceito material, por exemplo em Direito do Consumo (através da Lei de Defesa do Consumidor e de Legislação Extravagante).

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integrado num capítulo à parte do Código Civil. • Regula os contratos celebrados por empresas que fornecem, a grandes massas de população, serviços de interesse geral (luz, água, telecomunicações, seguros); • Dado o poderio económico destas empresas, elas não negoceiam os termos dos contratos de fornecimento dos serviços, sendo que o contratante apenas se pode decidir pela celebração ou não do mesmo. Os contratantes não podem influenciar a redacção das cláusulas do contrato de adesão; • Para protecção do consumidor, prevêemse listas “negras e cinzentas” de cláusulas contratuais nulas, podendo o consumidor argumentar-se nestas para solicitar a nulidade do negócio; • Compete à parte mais forte informar a parte mais fraca dos termos

do contrato, não podendo apresentar esta informação através de letras microscópicas. Em caso de desrespeito, podem daí resultar seguintes consequências, de acordo com a gravidade: ○ Considerar a cláusula não escrita; ○ Direito a indemnização; ○ Interposição de processo contra a empresa fornecedora por associação de protecção dos direitos do consumidor. • Pretende-se conferir protecção acrescida à parte contratual mais fraca.

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 Disposições do Código Civil que reflectem o princípio da igualdade: • Artigo 437.º - resolução ou modificação de contratos onerosos por circunstâncias imprevisíveis que alteraram a relação de







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equilíbrio de prestações das partes; Artigo 428.º - excepção do não cumprimento do contrato. Trata-se de um meio de tutela privada compulsória, que pretende manter a relação de igualdade entre as partes. Seria injusto obrigar uma parte a cumprir a sua obrigação, se a outra parte não o fizer; Artigo 1424.º - princípio da igualdade na repartição das despesas, em matéria de encargos dos condóminos. Critério de proporcionalidade entre condóminos detentores de diferentes fracções autónomos, em função da permilagem; Artigo 408.º a alienação de direitos reais revela-se um facto constitutivo, por acordo celebrado e não por realização de prestações – princípio da consensualidade; Artigo 796.º o perecimento ou deterioração de um bem, em negócio

jurídico cuja entrega não tenha sido, imediatamente, por vontade do comprador, é da responsabilidade do adquirente. Para tal, houve uma ponderação de interesses, tendo em vista o equilíbrio de prestações. 

da

autonomia

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Princípio privada

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“Cláusulas gerais” ≠ “Cláusulas contratuais gerais” • Cláusulas gerais – técnica legislativa de ampliação do âmbito de aplicação de uma norma, não a desenvolvendo de modo exaustivo. Fixam-se directivas de orientação. Por exemplo: artigo 70.º do Código Civil; • Cláusulas contratuais gerais – constam dos contratos de adesão pelos consumidores a serviços de interesse geral fornecidos por empresas. São gerais, porque se destinam a uma massa de clientes.

Liberdade de conteúdo positiva (não se pode ser obrigado) e negativa (não se pode ser impedido);  Trata-se de um princípio transversal a todos os subramos do Direito Civil, notando-se de modo mais aprofundado no Direito das Obrigações. Princípio da liberdade contratual (artigo 405.º, n.os 1 e 2)  Princípio decorrente do princípio da autonomia privada;  Liberdade contratual muito vasta, que se analisa em várias perspectivas: • Ampla margem de fixação das cláusulas contratuais; • Liberdade negativa e positiva; • Possibilidade de celebrar os contratos nominados (típicos) da Lei (presentes no Código Civil ou em Legislação especial13) ou contratos inominados (não previstos na Lei); • Possibilidade de fazer combinações de contratos: 



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13 Por exemplo, contrato de locação financeira, vulgarmente designado contrato de leasing.

Celebrando no mesmo acto, dois ou mais 14 contratos ; ○ Celebrando um contrato misto, isto é, um contrato não tipificado na Lei, que vai buscar características de outros contratos. ○

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14 Por exemplo, contrato de compra e venda, contrato de mútuo e contrato de constituição de hipoteca.

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• Possibilidade de escolher o sujeito com quem se quer contratar.  Há diversos desvios à liberdade contratual, como por exemplo: • Em matéria de modelação de contrato em Direito do Consumo; • Obrigação de celebrar o contrato com outra pessoa, independentemente da vontade, nas seguintes situações: ○ Contrato de fornecimento de interesse geral. Havendo monopólio do serviço, há obrigação de

celebração de negócio; ○ Contratos obrigatórios, porque impostos por Lei, como por exemplo o de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (contra terceiros).

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 13 de Abril de 2010 – 11H-13H – Prática)

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➢ Ficha de Trabalho N.º 15 (continuação) ○ Questão 1  O processo de insolvência tem execução universal, podendo todo e qualquer credor reclamar os seus créditos. Trata-se de uma protecção dos direitos de propriedade destes indivíduos, atribuindo-se o valor correspondente da dívida com a venda executiva de bens (massa insolvente);  Argumentos do Banco Internacional de Negócios • O Banco tem interesse que o bem se venda em acção executiva pelo maior valor. Logo, importa-lhe a caducidade do direito de arrendamento, pois este facto conduz à diminuição do valor do imóvel;

Para o Banco, o direito de arrendamento é um “direito real” que, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 824.º do C.C., conduziria à caducidade do contrato, com eficácia oponível erga omnes (artigo 1057.º C.C.). Entende que o direito de arrendamento é inerente a um bem e é oponível a todo o novo adquirente. O Banco considera que o direito de arrendamento tem características tais que permitem uma equiparação a um direito real; • Compreensão do elemento teleológico do artigo 695.º C.C. (a segunda parte deste artigo antecipa o vencimento da hipoteca), em confronto com o artigo 824.º, n.º2 do C.C. No interesse do Banco, este alega que o presente artigo visa proteger os interesses do credor. De facto, este artigo integra-se no regime geral da hipoteca, que constitui um direito real de garantia do credor. Visa reforçar a garantia patrimonial do crédito, permitindo-se uma desoneração forçada do bem; • Relacionando o artigo 695.º com o artigo 824.º, n.º2 do C.C., podemos referir que ele abrange os direitos que partilham desta inerência e da possibilidade de caducidade. Só assim faria sentido o constante do artigo 695.º C.C., admitindo-se um ónus real em matéria de arrendamento; • Compatibilização do artigo 824.º com o artigo 1057.º C.C. O artigo 1057.º C.C. •

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○ Questão 2  Formulação de norma ad-hoc aplicável ao caso concreto;  Visa-se a protecção da reserva da vida privada da fundação e de terceiros

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integra-se em matéria de locação, enquanto o artigo 824.º C.C. constitui uma norma de cumprimento de obrigação. Assim, podemos afirmar que o regime-regra se encontra no artigo 1057.º, enquanto o artigo 824.º constitui norma especial, aplicável nesta circunstância; • Recurso aos elementos literal, sistemático, teleológico e histórico, sendo que este último se verifica na parte final do enunciado, quando há referência a legislação anterior; • Aplicação analógica do artigo 824.º, por argumento de igualdade de razão e de interesses, com as devidas adaptações. Trata-se de uma terceira via àquelas que anteriormente apresentamos, mas que surte iguais efeitos práticos da corrente minoritária; • O artigo 1057.º C.C. apresenta uma lacuna de 2.º grau (lacuna teleológica), pois devia prever a existência de um regime especial, que se encontra implicitamente na Lei; • Como resultado interpretativo, temos uma interpretação restritiva do artigo 1057.º e uma interpretação extensiva do artigo 824.º.

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constantes das actas, só havendo lugar a revelação de informação se estiverem em causa interesses superiores, dentro das estritas necessidades;  Só existe protecção de escritura mercantil (das sociedades comerciais);  Ao abrigo do artigo 519.º CPC, poderíamos dizer que todas as pessoas (singulares e colectivas) estão abrangidas pelo n.º3 do referido artigo. Todavia, há lacuna, na medida em que não há como encaixar o facto em causa na fórmula textual. Entende-se que o presente artigo foi elaborado a pensar nas pessoas singulares. Ainda assim, podia haver lugar a uma interpretação extensiva, através do elemento teleológico, pois não há razão para efectuar distinção (argumento de igualdade de razão);  Note-se a necessidade que o Código Comercial sentiu em estabelecer normação própria sobre esta matéria. Ainda assim, podíamos alegar que apenas se trata de uma regra especial que reforça o regime do artigo 519.º CPC;  Os artigos 42.º e 43.º do Código Comercial não têm aplicabilidade directa ou indirecta neste caso, pois destinam-se a sociedades com fins lucrativos, constando, por isso, desse Código;  Poderíamos invocar que, se o legislador não teve preocupação em proteger as pessoas colectivas, não haveria razão para os proteger. Por outro lado, se se considerar que há boas razões para proteger as pessoas colectivas, admitindo-se existir lacuna, há lugar ao recurso a norma ad-hoc,



por não haver hipótese a aplicação analógica dos artigos do Código Comercial. • A natureza colectiva da pessoa em questão no Código, com fins lucrativos, não faz sentido para pessoas sem fins lucrativos. O texto da norma do artigo 42.º do Código Comercial não é normalmente aplicável a uma fundação, o mesmo sucedendo, parcialmente, com o n.º2 do artigo 43.º desse Código. Trata-se de normas expressamente pensadas para uma sociedade comercial. O julgador deve atender sempre aos princípios fundamentais do sistema, aquando da elaboração de norma ad-hoc: • Princípio da descoberta da verdade; • Princípio da reserva da intimidade da vida privada da pessoa colectiva.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 13 de Abril de 2010 – 15H-16H30 – Teórica)

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Princípio da boa-fé  Subjectiva • Artigo 243.º C.C. – se duas pessoas (A e B), de conluio, celebram um negócio simulado com um terceiro (C), que desconhece a situação, importa proteger este

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último. Estamos perante uma situação em que o terceiro actua de boafé, por ignorância censurável ou não, face à simulação anterior. Desconhecimento de uma situação anterior que viola a ordem jurídica; Artigo 1260.º C.C. – posse de boa-fé, neste caso, por ignorância face a um dado estado de coisas. Artigo 291.º C.C. ≠ Artigo 243.º C.C., pois exigem-se requisitos mais fortes (ignorância não censurável).

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Objectiva – o princípio geral da boa-fé coincide com a boa-fé objectiva, isto é a adopção de um comportamento pautado por certos cânones de conduta fundamentais, tais como agir com lealdade e honestidade, não omitir informações ou não utilizar artifícios. • Artigo 762.º C.C. – integra-se no regime do capítulo do cumprimento e incumprimento de



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obrigações. O n.º2 consagra que as partes devem agir de boa-fé, como modo de conduta; Artigo 227.º C.C. – responsabilidade civil pré-contratual. Trata-se de um artigo que tem sido alvo de abundante reflexão doutrinal e jurisprudencial. Consagra o modo como as partes se devem comportar antes da celebração do contrato, considerando os interesses da contraparte e agindo de modo leal e honesto, sem ocultação de informação. O incumprimento destes cânones pode ter como consequência a nulidade do negócio. Se a contraparte teve despesas, a propósito do contrato e antes da sua celebração, e eu decido abortá-lo nesse momento, há um desrespeito pelo princípio da confiança. Artigo 334.º C.C. – abuso do direito, por exercício de um direito

com uma conduta de má-fé, de ilegítima confiança por parte da contraparte.



Princípio da proibição da autodefesa de direitos próprios: constituem excepções, ao artigo 1.º do CPC, os artigos 336.º e seguintes do Código Civil;



Princípio da liberdade declarativa, consagrado no artigo 219.º C.C., excepto se for exigida uma forma prevista na Lei (por exemplo, no contrato de compra e venda – artigo 875.º C.C.). A inobservância da forma exigida por Lei implica a nulidade do negócio jurídico;

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○ Princípio da nulidade dos actos e negócios jurídicos violadores de disposições legais imperativas  Artigo 294.º C.C. – a inobservância de norma legal imperativa implica a nulidade do negócio jurídico. Este artigo admite interpretação extensiva, nos casos de fraude à lei, em que a prática de um acto não violador das

disposições legais repercute os mesmos efeitos nefastos, contornando a Lei. Por exemplo, as sociedades offshore. O artigo 295.º também abrange actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos;  Artigo 875.º a não observância da forma legal prevista conduz à nulidade do negócio jurídico;  Artigo 876.º - consequências de fraude à Lei.

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• Estrutura das relações jurídicas civis ○ Noção de ónus (recordar) – não implica a obrigatoriedade de cumprimento de um dever jurídico, mas sim a conveniência da prática para garantir uma vantagem ou impedir uma desvantagem; ○ Critérios:  1 – As relações jurídicas podem ser obrigacionais, reais, familiares, sucessórias e pessoais, de acordo com o ramo de Direito Civil;  2 – As relações jurídicas podem ser patrimoniais ou pessoais, em função da possibilidade de avaliação pecuniária da relação. Como



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○ Reconhece-se a possibilidade de existir uma eficácia póstuma de uma relação jurídica, após a sua cessação;

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exemplo das primeiras, temos a atribuição de bens comuns do casal, já da segunda podemos invocar a exigência de fidelidade do cônjuge. Em Direito das Sucessões, com a morte, não se extinguem as relações jurídicas patrimoniais do falecido. O artigo 71.º C.C. consagra a protecção do bom-nome da família, ao ser denegrida a imagem do falecido; 3 – As relações jurídicas podem ser simples ou complexas. Uma relação jurídica simples constitui um vínculo entre duas pessoas, sobre as quais recai uma posição activa para uma e uma posição passiva para outra. Estas relações são raríssimas. Por outro lado, as relações jurídicas complexas envolvem, para ambas as partes, uma multiplicidade de direitos e obrigações, não sendo possível definir, com precisão, uma posição activa e uma posição passiva.





Note-se que as relações jurídicas podem ter uma multiplicidade de sujeitos de Direito envolvidos. Veja-se o exemplo da constituição de uma sociedade comercial, composta por vários sócios; Relações jurídicas complexas (distinção de direitos e deveres)  Direitos e deveres de crédito típicos de cada relação jurídica – direitos e deveres principais, que definem a relação jurídica, decorrendo directamente do contrato;  Direitos e deveres relacionados com o princípio da boa-fé – direitos e deveres acessórios ou de conduta. Por exemplo, o dever de informar sobre uma característica específica do bem, para evitar lesões corporais.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II

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• Elementos da relação jurídica ○ Sujeitos  Titular de posição activa (direitos) e posição passiva (deveres);

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(Sexta-Feira, 16 de Abril de 2010 – 9H30-11H – Teórica)









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Conceito de personalidade jurídica – grande atributo de todos os seres humanos, não o sendo naturalmente das pessoas colectivas; Artigos 66.º e 67.º C.C., relativos, respectivamente, à personalidade jurídica (conceito qualitativo) e à capacidade jurídica de gozo (conceito quantitativo); Capacidade jurídica de exercício – pressupõe a capacidade jurídica de gozo e corresponde ao poder de, autonomamente ou sob representação voluntária, se vincular a direitos e deveres; Artigo 66.º, n.º1 C.C. – aquisição da personalidade com o nascimento completo e com vida • Nascimento completo – implica completa autonomização corporal em relação à mãe, com o corte do cordão umbilical. Trata-se de uma questão discutível que envolve matéria de cariz moral e entendimentos médicos; • Nascimento com vida – não pode ser um nado-morto. A partir do

momento em que nasceu com vida, ainda que apenas esteja vivo durante uma fracção de segundo, entende-se que foi portador de direitos e obrigações, isto é, de personalidade jurídica. 

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A questão que se coloca, acerca deste artigo, prendese com uma possível verificação de inconstitucionalidade, face ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Tal entendimento é seguido por aqueles que assumem a concepção como o momento de aquisição de personalidade jurídica. Ora, nestes termos, tornar-se-ia inviável a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), sendo considerada crime. Nesta corrente, integram-se Meneses Cordeiro, Mário Bigotte Chorão e Pais de Vasconcelos. Consideram que os nascituros concebidos são portadores de personalidade jurídica, sendo que, na opinião de Meneses Cordeiro, apenas são portadores do direito à vida.



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Para os outros autores, os nascituros são titulares de todos os direitos e estão adstritos a todas as obrigações. Trata-se de uma concepção utópica, dada a nítida diferença entre nascituros e indivíduos nascidos completos e com vida. Nos termos do n.º2 do artigo 66.º C.C., coloca-se uma questão a estes autores: o direito à indemnização faz sentido com a morte do nascituro, antes do nascimento completo e com vida? Neste campo, reconhecem que não faz sentido, pois a existência desses direitos, formados na esfera jurídica da criança, só fazem sentido com o nascimento completo e com vida; Direitos reconhecidos aos nascituros concebidos ou não concebidos (concepturos) • Aos nascituros, conferem-se direitos patrimoniais e alguns direitos pessoais; • Aos concepturos, apenas são reconhecidos direitos patrimoniais.

• Direitos de natureza não patrimonial ○ Artigo 70.º C.C. – não faz referência aos nascituros, mas, pela interpretação feita, considera-se que este também se aplica aos nascituros concebidos; ○ Artigo 1878.º C.C. – dever de representar “… ainda que nascituros…”; ○ Artigo 1826.º C.C. – referência aos nascituros concebidos sem atribuição de direitos; ○ Artigo 1824.º C.C. – perfilhação voluntária de um nascituro.

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• Direitos de natureza patrimonial ○ Artigo 952.º C.C. – doação em favor de nascituros







concebidos ou não concebidos; Artigo 2033.º C.C. – capacidade sucessória dos nascituros concebidos. O n.º2 confere capacidade sucessória, na sucessão testamentária ou contratual, abrange concepturos; Artigo 2240.º C.C. – administração da herança por nascituro concebido ou não concebido.

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Capacidade jurídica de gozo (artigo 67.º C.C.) – atributo necessário de toda a pessoa singular com personalidade jurídica. Situações em que ela é retirada: • Direito das Sucessões – artigo 2189.º C.C. (sujeitos incapazes de exercício e de gozo, não podendo redigir o testamento autonomamente ou





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Termo da personalidade (artigo 68.º C.C.) – a

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através de representante); Direito da Família – artigo 1601.º C.C. (impedimentos dirimentes absolutos para contrair casamento, não se admitindo procuração ou representação legal); artigo 1631.º C.C. (causas de anulabilidade do casamento); artigo 1850.º C.C. (incapacidade de gozo para perfilhação); artigo 1861.º C.C. (requerimento para anulação de perfilhação por incapacidade); Indisponibilidades relativas – artigos 2192.º e seguintes do C.C. (sobre testamento) e artigo 953.º C.C. (sobre doação) – incapacidade de gozo para deixar bens, nem através de representante. Também artigo 877.º C.C. (venda a filhos e netos).

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personalidade jurídica cessa com a morte. • Há lugar à extinção de grande parte dos direitos da esfera jurídica do indivíduo, principalmente direitos pessoais, mas também alguns patrimoniais. Por exemplo: artigo 1443.º C.C. (limite máximo de usufruto atingido com a morte do usufrutuário, não transmissível por via sucessória); artigo 1256.º C.C. (acessão na posse – invocação de direito de propriedade por usucapião, juntando a posse do vendedor à do actual possuidor); artigo 1255.º (sucessão na posse – poder patrimonial que se transfere para a esfera jurídica dos sucessores, havendo uma simples continuação na posse, mesmo estando o sucessor de má-fé); • Momento da morte estabelecido por Lei – morte cerebral. Esta matéria foi discutida a propósito do transplante e doação de órgãos

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provenientes de pessoas vivas e mortas. ○ Artigo 68.º, n.º2 C.C. – presunção quanto ao momento de conveniência da morte. Presume-se que morreram ambas as pessoas ao mesmo tempo. Trata-se de uma presunção relativa, ilidível se houver prova científica em contrário; ○ Artigo 68.º, n.º3 – presunção da morte. Estabelece o regime da “morte técnica”, ainda que o cadáver não seja encontrado. Os artigos 114.º e seguintes relacionam-se com o pedido de declaração de morte presumida, pelo facto de o desaparecimento ter ocorrido após 10 anos decorridos. Importa ressalvar o artigo 119.º C.C.,

sobre o regresso do ausente. • Existência do dano “morte”, a favor dos falecido, tendo sido afectada a sua esfera jurídica e se transmite por efeitos sucessórios. ○ Artigo 496.º, n.º2 C.C. – indemnização aos familiares, como forma de compensação por danos não patrimoniais. Faria sentido autonomizar este dano, admitido nos tempos actuais?15



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15 No caso das seguradoras, quanto maior a idade do falecido, menor a indemnização.

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Incapacidade de exercício (art. 122.º e seguintes do C.C.) • Capacidade negocial – aspecto associado à capacidade de exercício, que consiste no poder de, autonomamente,



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celebrar negócios jurídicos; Capacidade delitual (artigo 488.º C.C.) – prática de facto ilícito, que se relaciona com imputabilidade, isto é, a susceptibilidade de juízo de censura por culpa. Denomina-se actio liberi in causa a acção de quem usa, de modo deliberado, um meio para se colocar em estado de incapacidade física ou mental, parcial ou plena, no momento da ocorrência do facto criminoso. É também a acção de quem, apesar de não ter a intenção de praticar o delito, podia prever que tal meio o levaria a cometê-lo. Noutras palavras, é a acção de se deixar ficar num estado de inconsciência, culposa ou não (por exemplo: embriaguez). ○ É possível a presunção de culpa de um menor de 16 anos.





(Terça-Feira, 20 de Abril de 2010 – 11H-13H – Prática) ➢ Ficha de Trabalho n.º16

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INTRODUÇÃO AO DIREITO II

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Capacidade judiciária – encontra-se associada à personalidade judiciária, isto é, à possibilidade de ser parte numa acção, aplicando-se a pessoas singulares e colectivas. Encontra-se previsto na Lei Processual Civil que, por via da representação, um condomínio ou um navio possam ser portadores de personalidade judiciária; Incapacidade acidental – difere de estados permanentes de incapacidade (como anomalia psíquica), constituindo um estado meramente transitório. O artigo 257.º C.C. prevê a anulabilidade de um negócio jurídico praticado nestas circunstâncias (de modo involuntário).

○ Questão 1  Direito de preferência contratual – artigo 414.º e seguintes; • Os pactos de preferência podem ter origem legal ou convencional; • O direito de preferência presente neste caso não é contratual, mas resulta de disposição legal; • Como exemplo de direito de preferência, temos o pacto que confere o direito de tanteio (como designado no Código de Seabra) ou prelação em favor do vizinho que habita em prédio contíguo, aceitando os termos e condições negociadas com terceiros. É efectuada comunicação (escrita) para preferência, com prazo para preferir. Se o vizinho o exercer, o vendedor terá que vender o imóvel a ele; • Artigo 1380.º C.C. - Direito de preferência legal, sendo que o n.º2 prevê a situação de haver mais do que um titular do direito de preferência; • Artigo 1381.º C.C. – Casos em que não há direito de preferência; 

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A questão que se coloca, nesta situação apresentada, é verificar se existe um direito de preferência. Pelos dados fornecidos, faríamos o seguinte esquema interpretativo: • Recurso ao elemento teleológico – o decreto-lei n.º 384/88 visa reforçar a competitividade da agricultura portuguesa, dados os elementos conhecidos e constantes do Preâmbulo. Note-se que o artigo 1380.º C.C. não foi revogado;











Recurso ao elemento gramatical – para análise do artigo 18.º, n.º1 do Decreto-Lei, parecendo dar razão a André; Recurso ao elemento histórico (occasio legis) – circunstancialismos económicos e sociais, politicamente determinadas, que motivaram a elaboração da norma. Importa recordar a adesão à União Europeia e a Revisão Constitucional de 1989; Recurso ao elemento sistemático – conjugar o artigo 1380.º C.C. com o artigo 18.º do Decreto-Lei.

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Todavia, o real objectivo deste decretolei foi, precisamente, evitar o progressivo fraccionamento dos terrenos agrícolas. Entende-se, por isso, que o artigo 1380.º não era suficientemente capaz de prosseguir este objectivo. Seria, então, o DecretoLei mais um instrumento para prosseguir este fim; O artigo 18.º do Decreto-Lei é susceptível de dúvida, quanto à sua redacção, se se efectuar uma interpretação com base, apenas, na “letra da lei”. Esta redacção iria contra a teleologia do Decreto-Lei de 1988, havendo lugar a uma interpretação restritiva do mesmo. Deve, por isto, entender-se que o referido artigo se aplica quando um dos terrenos, pelo menos, tem uma área inferior à unidade mínima de cultura;



Assim, André não seria titular de um direito de preferência.

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○ Questão 2  Em acção executiva para cumprimento forçado das prestações: • Artigo 733.º C.C. e seguintes – Privilégios creditórios ○ Artigo 735.º C.C. – Privilégios creditórios mobiliários (são gerais) e imobiliários (são sempre especiais); ○ Existem privilégios creditórios imobiliários gerais não previstos no Código Civil (por exemplo, no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – CIRC), cujo regime não se encontra previsto, o que implica recurso analógico do regime previsto em número anterior; ○ Artigo 751.º C.C. – privilégio imobiliário especial prefere sobre garantias anteriores; ○ Compete ao Banco analisar o regime jurídico dos privilégios creditórios e verificar se há norma aplicável, por analogia mais favorável. ○ Os artigos 749.º, 750.º e 751.º do C.C. são aplicáveis num concurso entre privilégio creditório e outro direito. Os artigos 749.º, n.º1 e 750.º apenas se aplicam a privilégios creditórios mobiliários gerais, sendo que, no primeiro





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➢ Ficha de Trabalho n.º17 ○ Questão 1

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artigo prevalece a hipoteca (direito de terceiro oponível ao exequente e erga omnes) e no segundo prevalece, igualmente, a hipoteca, porque foi constituída em primeiro lugar. Estes artigos não são passíveis de aplicação directa no caso apresentado, nos termos do artigo 735.º, n.º3 do C.C; Estando perante uma lacuna da Lei, podemos colocar a questão se é equiparável um privilégio imobiliário geral face a um privilégio imobiliário especial. Ora, um direito real tem necessariamente de incidir sobre coisa certa e determinada. Os privilégios creditórios gerais (detidos pela Fazenda Nacional e pela Segurança Social) não incidem sobre coisas certas e determinadas na sua constituição, não constituindo verdadeiros direitos reais. Portanto, não são oponíveis erga omnes; O privilégio creditório imobiliário geral é mais próximo de um privilégio creditório mobiliário geral do que um privilégio creditório imobiliário especial.

Aplica-se, no presente caso, a interpretação extensiva da expressão “relação jurídica”, entendendo-se como “situação jurídica”, que incide também sobre direitos absolutos, como direitos reais;  Pretende-se regular, com a Lei nova, uma relação jurídica real. Logo, em matéria de estatuto real, a Lei nova aplica-se mesmo aos direitos reais já constituídos. 

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 20 de Abril de 2010 – 15H-16H30 – Teórica)

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 Incapacidade de exercício (art. 122.º e seguintes do C.C.) • Artigo 122.º C.C. – menoridade. Está vedada a prática de actos autónomos, pessoais e de conteúdo patrimonial, por falha volitiva e cognitiva; • Difere das incapacidades de gozo de testar (artigo 2189.º C.C.), de perfilhar e de casar; • Artigo 125.º, n.º1 C.C. – Se o acto for realizado sem representação legal, é anulável, de modo a proteger os interesses particulares. A anulabilidade não

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pode ser invocada por toda e qualquer pessoa, estando sujeita a um elenco taxativo (menor ou quem cura dos seus interesses). O n.º2 do mesmo artigo prevê que a anulabilidade é sanável mediante confirmação do menor, logo que atinja a maioridade ou esteja emancipado, ou pelo seu representante legal. A anulabilidade pode ser alegada no prazo de um ano; • O momento de contabilização do prazo de prazo de arguição de anulabilidade difere entre a incapacidade de exercício em geral (artigo 287.º C.C.) e a incapacidade de menores (artigo 125.º C.C.); • Nos termos do artigo 287.º, n.º2 C.C., a anulabilidade pode ser arguida antes de se cumprir o negócio; • Artigo 126.º C.C. – Dolo do menor (ver definição legal de dolo – artigo 253.º C.C.) – uso de dolo para se fazer

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passar por maior, não merecendo, por isso, protecção. Assim, o negócio é válido, não havendo lugar a invocação da anulabilidade do menor. Há lugar a interpretação extensiva do artigo 126.º C.C., dada a sua finalidade, não se conferindo a possibilidade de nenhum dos legais representantes para arguir a anulabilidade; • Artigo 127.º C.C. – excepções à incapacidade de exercício de direitos por menores; • Artigo 128.º C.C. – dever de obediência aos pais ou tutor; • Artigo 132.º C.C. – emancipação apenas através do casamento; • Artigo 133.º C.C. – emancipação atribui plena capacidade de exercício de direitos, salvo o disposto no artigo 1649.º C.C., a propósito do casamento de menor, com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos (artigo

1601.º - idade núbil mínima é 16 anos), sem consentimento. Trata-se uma protecção do menor face à possibilidade do outro nubente se aproveitar deste, dada a sua fragilidade. Assim, o menor não goza de plena capacidade de administração e disposição dos bens).

Artigos 138.º a 151.º C.C. – interdição; • Artigo 139.º C.C. – aplica-se o regime da menoridade. • Afectação das faculdades volitivas e cognitivas; • Tem de ser decretada pelo tribunal, por anomalia psíquica duradoura, surdezmudez ou cegueira; • Pressupostos: ○ A causa da interdição tem de ser actual; ○ Causa habitual; ○ Elevado nível de incapacidade implica afectação muito grave – •

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critério de máxima gravidade (≠ art. 152.º causas menos graves). • Incapacidades excepcionais de gozo: ○ De casar; ○ De perfilhar (art. 1850.º C.C.); ○ De testar (art. 2189.º C.C.) • Interdição mais grave é a anomalia psíquica. Trata-se de um conceito indeterminado, maleável com a evolução social, associado à demência, à esquizofrenia; • Utilização indevida da Lei de Saúde Mental para internamento compulsivo de idosos; • Artigo 141.º C.C. – legitimidade para requerer interdição (o mesmo se aplica para inabilitação). Verifica-se a elevada rigidez do legislador para admitir a possibilidade de o próprio indivíduo solicitar a interdição ou inabilitação; • Artigo 143.º C.C. – a quem incumbe a tutela;









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Supressão da menoridade e da interdição através do instituto da representação legal, através do poder paternal (comum no caso da menoridade), do poder tutelar (comum no caso da interdição) ou do administrador legal de bens (entrega dos bens patrimoniais para administração legal e representação em relação a esses bens – artigo 1922.º C.C.); Artigo 1877.º C.C. e seguintes – poder paternal / responsabilidade paternal; Artigo 1913.º C.C. – inibição do poder paternal (ausentes e interditos); Efeitos da interdição (artigos 148.º a 150.º do C.C.) – Distinção de momentos temporais: ○ Actos anteriores à interdição que exigem a registo civil (proposição da acção) não sujeitos a anulabilidade,



Artigos 152.º a 156.º C.C. – inabilitação Artigo 156.º nas situações não reguladas, aplica-se o regime da interdição;

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mas se for nítida a condição de incapacidade, há lugar a incapacidade acidental para protecção de terceiros e a declaração de anulabilidade; ○ No decurso da acção de proposição, os negócios são anuláveis, sob condição de declaração futura de interdição, acautelando prejuízos para terceiros; ○ Depois da acção de proposição. • Prazo para requisição da anulabilidade – 1 ano; • Levantamento da interdição – por decisão judicial.

Causas – para além das situações já referidas (mas com menor gravidade), temos a prodigalidade ou o consumo de bebidas alcoólicas; • Causas da inabilitação: ○ Actual; ○ Permanente; ○ Menos gravosa. • Suprimento da inabilitação: ○ Instituto da assistência – permite ao inabilitado celebrar negócios jurídicos com autorização do curador. Tem poder sobre os seus bens, definidos em sentença proferida em tribunal; ○ Actos de disposição de bens – a alienação ou destruição de um bem, com diminuição do seu valor, implicam autorização do curador; ○ Actos de simples administração •

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Artigo 155.º C.C. – Levantamento da inabilitação nos

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dos bens (art. 153.º/154.º C.C.) – maior maleabilidade do julgador na decisão:  1. Se for considerada plena capacidade de administraç ão de bens;  2. Necessita de assistência do curador;  3. Regime da representaç ão em relação à administraç ão de bens (porventura mais valiosos) – substituição pelo administrador (curador) com poderes representativ os (artigo 154.º C.C.)



casos especificados. Implica trânsito de 5 anos; Incapacidades de gozo dos inabilitados:  De casar (artigo 1601.º, b) C.C.);  De perfilhar (artigo 1850.º, n.º2 C.C.), no caso de notória demência;  Inibição de representaçã o e administração de bens (artigo 1913, n.º2 C.C.), no caso de padecer de anomalia psíquica.

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A doação de um bem do filho implica autorização judicial (artigo 1889.º C.C.); ○ Autorização do tribunal suprime impedimento ○

colocado pelo curador para a celebração de negócios jurídicos.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Sexta-Feira, 23 de Abril de 2010 – 9H30-11H – Teórica)  Pessoas colectivas: • Associações; • Fundações; • Sociedades. •

O Código Civil desenvolve principalmente as associações e fundações. No que concerne às sociedades, apenas as sociedades civis são reguladas no Código Civil;

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• Elementos a considerar na atribuição de personalidade jurídica: ○ De facto / substrato  Conjunto de bens afectados

(nas fundações);  Pessoas que contribuam com a sua actividade para a prossecução de interesses sociais (nas associações);  Pessoas que contribuam com bens e serviços para a prossecução de uma finalidade económica (nas sociedades).

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○ Jurídico / de Direito / Reconhecimento da legalidade  Associações – dois regimes em vigor e em paralelo desde 2007: escritura pública (mais formal, pelo notário), com publicidade

da constituição, através da Conservatória do Registo (pelo conservador); “associações na hora” (medida 111 do “Simplex”, desde 2007), não exige escritura pública, apenas documento escrito, com reconhecimen to das assinaturas, no seio das conservatória s; 

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Fundações – processo semelhante ao das associações, através de escritura pública, com controlo pela Conservatória do Registo Comercial,

Ministério da Administração Interna e Presidência do Conselho de Ministros; 

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Sociedades – até há pouco tempo, era exigida escritura pública. Com a desformalizaç ão dos actos inerentes à formação de sociedades comerciais, é suficiente documento escrito. Implica controlo pela Conservatória do Registo Comercial. Só existe “sociedade” a partir do registo na Conservatória do Registo Comercial.



Sociedades unipessoais por quotas – foge à regra geral, por ter apenas um sócio;



Sociedades comerciais – distinguem-se em função do nível de responsabilidade assumido perante terceiros: ○ Por quotas – responde o capital da sociedade e, se necessário, cada sócio responde pela sua quota. Os

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Sociedades de Direito comercial – organizações que contribuem com bens e serviços para o desempenho de uma actividade comercial (≠ sociedades civis); ○ Categorias híbridas – sociedades civis sob a forma comercial (por exemplo: por quotas).

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16 Apenas numa situação de má gestão da sociedade se pode atingir o património individual dos accionistas. Trata-se de uma situação excepcional.

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restantes sócios podem assumir a quota em falta de outro sócio, no capital social (responsabilidade limitada); Anónimas – cada accionista é responsável pela sua parte do capital da sociedade. Não é possível atingir o património do accionista16 (responsabilidade limitada); Em nome colectivo – em vi de extinção, na medida em que há lugar a responsabilização pessoal, não respondendo só a pessoa colectiva, com o património social. Responde o património dos sócios, solidariamente, na insuficiência do património social (património à





18 Responsabilidade subsidiária face ao capital social, respondendo solidariamente na insuficiência deste (regime análogo ao das sociedades em nome colectivo).

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17 Pode aplicar-se o regime de sociedade por acções, sem poder de administração, mas com responsabilidade limitada.

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mercê dos credores); ○ Em comandita – envolvem um regime híbrido, havendo sócios comanditários17 (apenas injectam capital) e sócios comanditados18 (prestam serviço à sociedade, através do desempenho de actividade). O Código Civil prevê a hipótese de constituição de sociedades civis, reguladas ao abrigo do regime de pessoas colectivas, que também podem ser abrangidas pelo regime especial constante de diploma avulso (por exemplo: Sociedades de Advogados); O Código Civil regula um tipo de entidade desprovida de personalidade jurídica (que não é sujeito de direito), com finalidades transitórias. Por





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exemplo, Comissões de Festas, que angariem fundos e efectuem despesas (artigos 195.º e seguintes C.C.); Capacidade de gozo das pessoas colectivas (artigo 12.º CRP e artigo 160.º C.C.) – apresentam uma incapacidade parcial de gozo, isto é, um elenco de direitos de que não podem ser titulares. Por exemplo, artigos 1484.º e seguintes C.C., relativos ao uso e habitação, direito real intuitu personae, vedado às pessoas colectivas; Limitações ao nível da capacidade sucessória: ○ Sucessão legitimaria – regime imperativo que limita a liberdade sucessória (quota de património indisponível). Não podem integrar a sucessão legitimaria;



Sucessão testamentária – é possível deixar bens a pessoa colectiva, por via de testamento (capacidade testamentária passiva). As pessoas colectivas não gozam do direito de testar, pois elas não morrem, apenas se extinguem.

Artigo 160.º C.C. – as pessoas colectivas

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Sucessão legítima – regime supletivo que se aplica quando não há uma disposição plena do património (na ausência de sucessão legitimaria), em último caso o Estado, que constitui a única pessoa colectiva considerada herdeiro legítimo;

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não podem ser titulares de relações colectivas fora do fim a que se destinam. Gozam, contudo, da possibilidade de efectuar doações que se enquadrem no fim prosseguido (acto gratuito funcionalizado aos interesses das pessoas colectivas). Também o aval prestado a dívida de terceiro é permitido, desde que dentro dos interesses prosseguidos pela empresa; • Artigos 157.º e seguintes do Código Civil – regime das pessoas colectivas. ○ Não existe capítulo associado às sociedades civis, apenas em discurso doutrinal; ○ Artigo 980.º C.C. (sociedades civis) – regime nuclear da sociedade de pessoa colectiva; ○ Existem normas remissivas do Código das Sociedades

Comerciais para o Código Civil.



Coisas (em matéria de direitos reais) ○ Artigo 202.º e seguintes C.C. – elenco de coisas

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Objecto  Realidade ou bem sobre o qual incide o direito da relação jurídica;  Espécies de objectos: • Prestações (comportamento exigido a outrem, em matéria de direitos de crédito) ○ Objecto mediato (o bem, a própria coisa. Por exemplo: imóvel) ≠ objecto imediato (exigência de uma actividade ou comportamento devido. Por exemplo: comportamento de entrega do bem).





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19 As coisas fora do comércio pertencem ao domínio público do Estado.

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que podem ser objecto de relação jurídica. O n.º2 distingue entre coisas públicas e coisas privadas ou coisas fora do comércio19 e coisas dentro do comércio; Artigo 204.º C.C. – coisas móveis e coisas imóveis. Este artigo apresenta o elenco de coisas imóveis, sendo que o artigo 205.º C.C., por exclusão de partes, tudo o restante é bem móvel; Artigo 408.º contratos com eficácia real por mero consenso ou transferência de propriedade de coisa futura, apesar de haver consenso, só ocorre no momento em que se torna presente do ponto de vista



21 Por exemplo: ar condicionado, aquecimento central e antena TV. 22 Por exemplo, mobílias.

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20 Por exemplo: telhas e janelas.

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jurídico (≠ naturalístico); Bens originariamente móveis que se tornam imóveis: partes componentes20 (incorporação de elemento essencial para a existência de bem imóvel, cuja ausência constitui prejuízo para o bem, como por exemplo a destruição, enquanto não houver destaque material) e partes integrantes21 (ligação material de elementos não fundamentais ao bem imóvel, mas que integraram o negócio jurídico de venda imóvel – artigo 204.º C.C.) de imóveis; Artigo 210.º C.C. – coisa acessória22 (bens móveis) que



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não constituem parte integrante e que constituem ornamento, servindo o bem imóvel. O preço de venda não abrange estes bens, salvo menção expressa no contrato; Prédio rústico e prédio urbano (n.º2 do artigo 204.º C.C.) – segue-se o critério económico e funcional para se distinguir as partes mais importantes. Não existe no Código Civil a categoria de prédios mistos, que existe no Direito Fiscal, em que há igualdade de importância para fins de tributação; Artigo 206.º C.C. – coisa composta: conjunto de coisa que constitui uma universalidade de facto, pertencentes à mesma pessoa e com finalidade

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comum, podendo ser entendida como uma única coisa (ex: biblioteca, rebanho, colecção de selos). Por norma, um direito real incide sobre uma coisa. Neste caso, admite-se a universalidade de facto, ainda que possa haver alienação de cada coisa individualmente; ○ Artigo 1462.º C.C. – usufruto (direito real) sobre conjuntos de animais, com finalidade comum; ○ Artigo 209.º C.C. Coisas divisíveis (divisão naturalística do bem, espartilhável sem prejuízo para a substância) ≠ coisas indivisíveis (neste caso, e havendo excesso de valor na recepção de uma sucessão, há





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lugar a aplicação pecuniária); Artigo 211.º C.C. – coisas futuras: relativamente futuras (coisa não existe, mas encontra-se juridicamente disponível; a venda dá lugar a direitos obrigacionais, não reais) e absolutamente futuras (não existe do ponto de vista naturalístico nem jurídico – artigo 408.º, n.º2 C.C.); Frutos (artigos 212.º e seguintes) – coisa ou utilidade proveniente de outra preexistente, móvel ou imóvel, que, dela sendo separados, não determinam a sua destruição total ou parcial, isto é, produzido, portanto, sem prejuízo da substância. Podem ser civis (são os rendimentos



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produzidos pela utilização económica da coisa principal, decorrentes da concessão do uso e gozo da coisa, como por exemplo juros, pensões, foros, rendas, alugueres, prestações periódicas) ou naturais (provêm directamente da coisa principal, eventualmente com o concurso do trabalho humano, como por exemplo produtos agrícolas, partes aproveitáveis de animais); No Direito Matrimonial, nos termos do regime da comunhão de adquiridos, em relação a um imóvel arrendado que adquiri antes do casamento, os frutos são comuns. Incidindo uma dívida sobre um imóvel pessoal,



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pode servir como garantia o meu património pessoal e, supletivamente, o património comum onde se integram estes frutos → Frutos ≠ Coisas principais; Noção de benfeitorias (artigos 1273.º a 1275.º do C.C.) obras executadas no imóvel com a intenção de conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo. Existem várias espécies de benfeitorias e cada uma produz um efeito jurídico diverso. As benfeitorias podem ser necessárias (destinam-se à conservação do imóvel ou evitar que ele se deteriore. Os reparos de um telhado, infiltração ou a substituição dos sistemas

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eléctrico e hidráulico danificados serão benfeitorias necessárias, vez que conservam o imóvel e evitam sua deterioração), úteis (obras que aumentam ou facilitam o uso do imóvel. A construção de uma garagem, a instalação de grades protectoras nas janelas, ou o fechamento de uma varanda são benfeitorias úteis, porque tornam o imóvel mais confortável, seguro ou ampliam sua utilidade) ou voluptuárias (não aumentam ou facilitam o uso do imóvel, mas podem torná-lo mais bonito ou mais agradável. São as obras de jardinagem, de decoração ou alterações meramente

estéticas.). As benfeitorias integram na posse (em Direitos Reais). Nomeadamente em Direito do Arrendamento, remete-se para estes artigos. Se houver possibilidade de dividir as benfeitorias, sem prejuízo da coisa principal, há aplicação do regime das benfeitorias; se não for possível, aplica-se o regime do enriquecimento sem causa, com direito de indemnização do locatário. •

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23 Por exemplo, de pai para filho ou de tutor para pupilo.

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Pessoas (em matéria de direitos de personalidade) e pessoa de outrem (outras pessoas, em matéria de poderesdeveres ou direitos 23 funcionais )

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• Direitos ○ “Coisificação” de direitos, o que se revela uma situação pouco frequente; ○ É possível constituir um direito de usufruto sobre um direito de sócio, por exemplo; ○ Artigo 688.º C.C. – objectos da hipoteca. Também incide sobre determinados direitos, como o direito de superfície (artigo 1524.º e seguintes C.C.), direito alienável com vantagem económica. A propósito do direito de superfície, o proprietário aliena parte dos direitos de superfície ao superficiário,



nomeadamente sobre bens do domínio privado do Estado, entendendo-se, por exemplo, autarquias locais). Também se pode onerar aquele direito de superfície vendendo-o em acção executiva, satisfazendo-se o direito de crédito; Nos termos do artigo 688.º C.C., também é possível constituir hipoteca sobre direito de usufruto e sobre direitos de crédito avaliáveis em dinheiro (por exemplo: acções).

INTRODUÇÃO AO DIREITO II

Ficha de Trabalho n.º17 (continuação) ○ Questão 1  Determinar qual a Lei aplicável no presente caso:

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(Terça-Feira, 27 de Abril de 2010 – 11H-13H – Prática)

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• A situação jurídica regulada pela Lei nova incide sobre o conteúdo normativo do direito de propriedade; • Há lugar a abstracção do facto constitutivo do direito de propriedade (por exemplo: acessão, usucapião, compra e venda); • No presente caso, não há valoração do facto que dá origem ao direito de propriedade; • Aplica-se a segunda parte do número 2 do artigo 12.º C.C., relativo ao exercício dos direitos e deveres das partes do facto, ainda que constituído anteriormente à Lei nova; • As normas do estatuto real tendem a ser imperativas e, por isso, de aplicação imediata. Vigoram os princípios da taxatividade e da tipicidade de direitos reais, só se admitindo os direitos reais plasmados na Lei, não se podendo criar um direito real não previsto. Tem de haver, igualmente, o respeito pelos direitos e obrigações conferidos às partes pela Lei. Constituem desvio a esta regra o direito de usufruto e o direito de servidão predial; • Artigos 1445.º e seguintes do C.C. – relativos ao direito de usufruto, constituem regras imperativas que podem ser afastadas (regras supletivas); • Conclusão: É Américo que tem razão, na medida em que a distância por ele deixada se coaduna com a Lei nova

que se aplica, abstraindo-se do facto de origem.  Questão 2 • Artigo 103.º, n.º3 da CRP – princípio da irretroactividade da Lei fiscal (ainda que não exista um princípio geral de irretroactividade). Também em Direito Penal vigora o princípio da irretroactividade; • Aplicação da Lei em vigor no momento de facto tributário, sendo no caso de: ○ IVA – momento da prestação de serviço (imposto instantâneo), no acto de consumo; ○ IRS e IRC – imposto periódico, em que o facto tributário é o rendimento obtido ao longo do ano. O imposto é determinado no fim do ano. •

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 Questão 3

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Não há irretroactividade face à transição de bens e serviços realizados antes da aprovação da nova taxa de IVA. Já em relação aos impostos periódicos, a lei fiscal nova só se aplicará aos rendimentos obtidos a partir de 1 de Janeiro de 2006, não sendo possível separar a taxa a aplicar no 1.º semestre e a taxa a aplicar no 2.º semestre – a taxa é una para um ano fiscal.

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• Exemplo de fraude à Lei, pois estamos perante uma situação de recurso a meios lícitos para práticas ilícitas; • A José, foi dirigida uma declaração de não renovação; • Lei nova proíbe a celebração plural de contratos; • De acordo com o estatuto contratual, a lei nova só se aplica a factos futuros, numa tentativa de garantir a segurança jurídica e as legítimas expectativas do empregador; • Não havendo norma de Direito Transitório, coloca-se a questão de aplicação do artigo 12.º, n.º2, 1.ª parte. Esta lei nova dispõe sobre efeitos de factos, não havendo abstracção do facto que deu origem (relação jurídica laboral). Querendo a Lei nova incidir sobre o facto que institui uma relação jurídica laboral – contrato – não há abstracção do facto constitutivo. A lei nova declara a nulidade da cláusula de termo – valoração negativa. Nos termos do artigo 292.º, numa situação de nulidade parcial, há lugar apenas ao afastamento da cláusula nula; • Regra geral, só se admite a cessação da vigência do contrato com o mútuo dissenso; • As partes envolvidas têm de ter conhecimento da possibilidade de alteração das condições, por razões de interesse público; • É sustentável a posição de Amaral.

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 Questão 4 • Necessidade de verificação dos pressupostos de vocação sucessória, entre os quais temos a capacidade (ver artigos 2033.º e 2034.º C.C., sendo este último relativo à incapacidade por indignidade); • De acordo com o enunciado, é incluída mais uma causa de indignidade no artigo 2034.º C.C; • No presente caso, e considerando o enunciado apresentado, tem-se que: ○ A relação jurídica em causa tem lugar com a morte, quando se dá a abertura da sucessão; ○ O facto constitutivo da relação sucessória é a morte; ○ Regra geral, aplica-se a lei em vigor no momento da abertura da sucessão; ○ No presente caso, a condenação é um facto-pressuposto, não havendo lugar a uma retroactividade, mas a uma retroconexão ou retrospectividade. Trata-se de um facto-pressuposto da aquisição da qualidade de sucessor, cuja verificação determina a aplicação da norma; ○ O artigo 12.º C.C. apenas se aplica a factos constitutivos, modificativos e extintivos, não sobre factos-pressupostos; ○ Portanto, é relevante a aplicação da Lei nova.

 Questão 5 • Situação em que está em causa a propriedade horizontal, cabendo aos condóminos contribuir para o serviço do ascensor; • Estamos perante uma situação jurídica real – direito de propriedade horizontal; • Facto constitutivo do direito real: por exemplo, usucapião, acessão, compra e venda; • Regula-se os deveres dos condóminos, havendo abstracção do facto constitutivo. Dispõe sobre o conteúdo normativo (artigo 12.º, n.º2, 2.ª parte); • Aplica-se a Lei nova.

 Questão 6 • Está em causa uma Lei que dispõe sobre as questões de validade substancial (pressupostos materiais de celebração do casamento), no caso a idade, aplicando-se a Lei antiga (não há abstracção do facto) e a 1.ª parte do n.º2 do artigo 12.º C.C.



Facto jurídico (ou facto da relação jurídica)  Negócios jurídicos • Constituem dos actos jurídicos mais

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(Terça-Feira, 27 de Abril de 2010 – 15H-16H30 – Teórica)

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INTRODUÇÃO AO DIREITO II

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importantes em Direitos das Obrigações, enquanto corporização da liberdade contratual; • Para a existência de um negócio jurídico, é necessário conhecer os requisitos essenciais: ○ Declaração negocial livre e autónoma (sem coacção), que difere entre negócios jurídicos; ○ Partes do negócio ○ Objecto negocial – idoneidade do objecto: tem de ser um objecto físico ou legalmente possível (artigo 280.º C.C.). Nas fianças (garantia pessoal, enquanto negócio jurídico), o objecto (crédito) tem de ser determinável, não podendo assumir amplitude exagerada. Como estratégia adoptada para não cair na indeterminabilidad e total, fixa-se o

valor do crédito e o valor garantido. •

25 Evento futuro certo (prazo), por exemplo: cláusula acessória de termo. 26 Típicas das doações, em que há um desequilíbrio entre prestações, assumidas pelo doador. Ainda assim, não deixa de ser um negócio jurídico gratuito (o modo a inferir aos bens entregues) e universal

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24 Evento futuro incerto.

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Elementos naturais (acompanham as partes, se elas não tomarem decisão – regime supletivo) e acessórios (normalmente, não acompanham os negócios jurídicos, como por exemplo as cláusulas contratuais de condição24, termo25 e modo26) do negócio jurídico. Por exemplo, o contrato de compra e venda pode estar sujeito a condição suspensiva, que o deixa de ser, quando ela se verificar ou puder ser resolutiva (por exemplo, numa partilha entre herdeiros, em que uma cláusula cessa os seus efeitos da partilha, como ter um filho); Contratos reais quanto à constituição (a constituição depende



28 Coisas fungíveis ≠ prestações (in)fungíveis (obrigação de prestação, que, se dentro de determinados trâmites, é uma prestação infungível).

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27 Coisas fungíveis (valem pelo que nelas há de genérico, ou seja, pelo que nelas há de comum em relação a outras do mesmo género, e é nesse elemento genérico que se concentram a vontade e a intenção das pessoas que contratam sobre esses tipo de coisas) ≠ Coisas infungíveis (valem pelo que nelas há de individual e de específico, porque só essas coisas é que têm essa característica específica e mais nenhuma outra coisa tem essa característica, e é nesse elemento específico que se encontram a vontade e a intenção da pessoa que contrata a respeito dessa coisa que tem essas características específicas, insubstituível livremente por outra).

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da entrega de uma coisa, o que significa que o contrato de compra e venda não é real, quanto à constituição, pois ele não deixa de ser válido, por não haver transmissão) e quanto aos efeitos (produz efeitos reais, como por exemplo a transmissão de propriedade – ver artigos 879.º, alíneas b) e c) – efeitos obrigacionais). Diferentemente, o mútuo implica o empréstimo de coisa fungível2728, normalmente dinheiro. Artigo 947.º, n.º2 C.C. – doação de coisas móveis, não havendo documento escrito, implica tradição de coisa doada, senão não há doação – “dom manual”);





Um negócio jurídico unilateral (uma declaração negocial) pode ser singular (um elemento) ou plural (mais do que um elemento). Veja-se o exemplo da promessa (artigo 457.º e seguintes C.C.). Já o contrato de mútuo é um negócio jurídico bilateral, contrato unilateral oneroso.

Garantia (ou tutela jurídica) – constituem as garantias mais usuais dos contratos a fiança, a hipoteca e o penhor.

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 11 de Maio de 2010 – 11H-13H – Prática)

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➢ Ficha de Trabalho n.º17 ○ Questão 7  Aplica-se a lei antiga, dado estarmos perante uma lei nova, que não se abstrai do facto constitutivo, respeitando o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual. Trata-se de uma situação em que as partes, aquando da celebração do casamento, confiaram no regime supletivo. Sendo que a Lei nova não introduz um





regime imperativo, deve haver respeito, por parte da Lei nova, da vontade das partes no casamento; Aplica-se a 1.ª parte do n.º2 do artigo 12.º C.C., estando em causa um efeito de um facto constitutivo, não havendo valoração do contrato e, consequentemente, não há abstracção do facto constitutivo; Não está em causa um regime imperativo (normas inderrogáveis), que incida sobre o conteúdo normativo da relação jurídica. Tal sucederia se, por exemplo, a lei nova incidisse sobre direitos e deveres atinentes à administração de bens.

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➢ Ficha de Trabalho n.º18 ○ Questão 1  O Fundo de Garantia Automóvel (FGA) garante a reparação de danos decorrentes de acidentes rodoviários ocorridos em Portugal e originados:

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○ Questão 8  O artigo 1798.º C.C. constitui uma presunção de paternidade. Fazia sentido aquando da entrada em vigor do Código Civil, em 1967, e da 1.ª Grande Reforma em matéria de Direito da Família, em 1977;  Esta presunção constitui um factopressuposto da constituição da relação de filiação;  Aplica-se a Lei nova, na medida em que o momento determinante dessa relação é o nascimento.











Por veículo sujeito ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (SORCA), com estacionamento habitual em Portugal ou matriculado em país que não tenha serviço nacional de seguros, ou cujo serviço não tenha aderido ao Acordo entre serviços nacionais de seguros; Por veículo sujeito ao SORCA, sem chapa de matrícula ou com uma chapa de matrícula que não corresponde ou deixou de corresponder à chapa de matrícula do veículo (matrícula falsa); Por veículo não sujeito ao SORCA em razão do veículo em si mesmo, ainda que com estacionamento habitual no estrangeiro; Por veículo sujeito ao SORCA, importado de um Estado-Membro, por um período de 30 (trinta) dias a contar da data da aceitação da entrega pelo adquirente, mesmo que o veículo não tenha sido formalmente registado em Portugal.

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O Fundo de Garantia Automóvel satisfaz, até ao limite do capital mínimo do SORCA, as indemnizações que se mostrem devidas por: • Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz, ou for declarada a insolvência da empresa de seguros; • Danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz; • Danos materiais quando, sendo o responsável desconhecido, deva o FGA

satisfazer uma indemnização por danos corporais significativos, ou o veículo causador, não beneficiando de seguro válido e eficaz, tenha sido abandonado no local do acidente e a autoridade policial confirme a sua presença no respectivo auto de notícia. Estamos na presença de uma acção intentada contra os condutores e o Fundo de Garantia Automóvel. Este último só cobre a responsabilidade pelo risco. Aplica-se o artigo 508.º C.C., que apresenta a obrigação de indemnizar até aos limites fixados por Lei;  Indiscutivelmente, Bruna pode alegar o direito à indemnização de danos pessoais patrimoniais e não patrimoniais (artigo 496.º, n.º1 C.C.);  Bruna, ao alegar o artigo 483.º C.C., tem de fazer prova da culpa e dos danos causados, sendo que a responsabilidade civil por factos ilícitos não pode ser alegada contra o Fundo de Garantia Automóvel;  Os artigos 562.º e seguintes referem-se à obrigação de indemnização. O artigo 564.º C.C., em particular, diz respeito ao cálculo da indemnização, considerando-se os benefícios que o lesado deixou de ter em função do dano causado, como por exemplo os rendimentos por actividade profissional que deixou de exercer. Note-se que o n.º2 do artigo 564.º C.C. prevê a possibilidade de indemnizar danos futuros que advêm desta circunstância;  Diferentes posições defendidas para resolução: 

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1.ª – Entendendo-se que um nascituro já é detentor de personalidade jurídica, havia lugar a compensação por danos patrimoniais e morais do nascituro, sendo que Alberta sucederia ao falecido, enquanto ascendente; • 2.ª – Efectuando uma leitura do elemento gramatical do artigo 66.º C.C., números 1 e 2, um nado-morto não foi portador de personalidade jurídica e os direitos que a lei reconhece aos nascituros só podem ser exercidos com o nascimento completo e com vida (posição maioritária e seguida pela jurisprudência do STJ). Outra questão que se pode colocar prendese com a admissibilidade do “dano morte” (artigo 496.º, n.º2 C.C.). Entende-se que o valor da perda da vida será indemnizável, sendo possível autonomizar um “dano morte”, ainda que integrado no artigo referido; Aconselha-se a leitura do acórdão STJ de 0910-2008, referenciado na ficha de trabalho, e a análise das posições assumidas por Mário Bigotte Chorão, Pais de Vasconcelos e Meneses Cordeiro, por um lado, e de Antunes Varela, por outro, sendo que este último recusa a inconstitucionalidade do artigo 66.º C.C. De acordo com este, só um ser autónomo deve ser portador de personalidade jurídica. Examinar, também, o voto de vencido do juiz conselheiro Dr. António Cardoso Santos Bernardino. •





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INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 11 de Maio de 2010 – 15H-16H30 – Teórica)

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 Declaração negocial (continuação) • Normalmente o elemento interno (vontade) e o elemento externo da declaração negocial (declaração propriamente dita) coincidirão; • Pode, contudo, verificarse por causas diversas, uma divergência entre esses dois elementos da declaração negocial. A normal relação de concordância entre a vontade e a declaração (sentido objectivo) é afastada, por razões diversas, em certos casos anómalos. À relação normal de concordância substituise uma relação patológica. Está-se perante um vício da formulação da vontade. • Regime de vícios da declaração: pode daqui resultar a nulidade ou a anulabilidade do



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negócio jurídico, ou até a inexistência; Vícios patológicos (artigos 240.º e ss. C.C.) ○ 1 – Divergência entre a vontade e a declaração: Esse dissídio ou divergência entre vontade real e a declaração, entre “querido” e o “declarado”, pode ser uma divergência intencional, quando o declarante emite, consciente e livremente uma declaração com um sentido objectivo diverso da sua vontade real. Está-se perante uma divergência não intencional, quando o dissídio em apreço é involuntário (porque o declarante não se apercebe da divergência ou porque é forçado irresistivelmente a



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emitir uma declaração divergente do seu real intento); A divergência intencional pode apresentar-se sob uma de três formas principais:  a) Simulação: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, por força de um conluio com o declaratário, com a intenção de enganar terceiros (por exemplo: Fazenda Pública);



b) Reserva mental

(artigo 244.º C.C.)29: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, sem qualquer conluio com o declaratário, visando precisamente enganar este. A protecção ao declaratário justifica a validade do negócio, excepção feita à reserva mental 29 O art. 244º/1 CC, define reserva mental: (1) emissão de uma declaração

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contrária à vontade real; (2) intuito de enganar o declaratário. Os efeitos desta figura são determinados pelo art. 244º/2 CC, onde se estatui a irrelevância da reserva mental, excepto se for conhecida do declaratário. Por consequência, a declaração negocial emitida pelo declarante, com a reserva, ocultada ao declaratário, de não querer o que declara, não é em princípio nula. Deixará, todavia de ser assim, sendo o negócio nulo, como na simulação, se o declaratário teve conhecimento da reserva, por desaparecerem então as razões que justificam aquele princípio geral. Se o declaratário conheceu a reserva, não há confiança que mereça tutela. Não bastará para a relevância da reserva, a sua cognoscibilidade, sendo necessário o seu efectivo conhecimento. A doutrina estabelecida vale mesmo que só por sua culpa o declaratário desconheça a reserva, por se entender que o dolo do declarante apaga a culpa da outra parte, e vale tanto para a chamada reserva inocente como para a reserva fraudulenta. Mandando aplicar o regime da simulação à reserva conhecida do declaratário, a lei considerar nula a declaração (art. 240º/2 CC), permite que a nulidade seja arguida pelo próprio declarante em face do declaratário (art. 242º/1 CC), mas já não admite a sua oponibilidade pelo declarante a terceiros de boa fé (art. 243º/1 CC).

conhecida pelo declaratário, que conduz à anulabilidade do negócio jurídico; 

c) Declarações não sérias30: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, mas sem intuito de enganar qualquer pessoa (declaratário ou terceiro). O autor da declaração

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Nelas não há o intuito de enganar e há mesmo a expectativa do declarante de que não sejam tomadas a sério. Se faltam nestes requisitos, como no gracejo jocoso feitos para enganar, com a convicção de que o destinatário se convencerá da seriedade da declaração, a figura é a da reserva mental. O disposto no art. 245º/2 CC, é somente aplicável quando, não obstante a expectativa do declarante, o declaratário acreditou na declaração e essa crença é justificável, dadas as circunstâncias em que o caso ocorreu. Três condições são portanto, necessárias para que o declarante seja obrigado a indemnizar a contraparte: a) Que o declaratário tenha tomado a sério a declaração; b) Que a convicção do declaratário tenha sido provocada pelas circunstâncias em que a declaração foi emitida; c) Que seja justificado, compreensível, aceitável o erro em que o declaratário caiu.

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30 São declarações não sérias as jocosas (“causa ludendi”), cénicas ou didácticas.



preferências legais. Se houver violação do direito de preferência, o preferente pode através de uma acção própria (acção de preferência - art. 1410º CC), pode fazer se o negócio preferível. Uma das simulações mais frequentes é a venda por um preço declarado por um valor mais baixo que o real para fuga ao fisco. Os terceiros preferentes não podem evocar boa fé para optarem por um preço inferior ao real, porque isso equivaleria a enriquecimento estranho ao espírito do legislador.

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31 Tem sido suscitado um problema de Justiça principalmente no confronto das

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está convencido que o declaratário se apercebe do carácter não sério da declaração. Pode tratar-se de declarações jocosas, didácticas, cénicas, publicitárias. Artigo 243.º C.C. – inoponibilidade de nulidade a terceiro de boafé (artigo 289.º, n.º2 C.C.)31. Este artigo é alvo de interpretação extensiva, entendendo-se que o credor também não pode arguir a nulidade. Pode revelar-se mais fácil aos credores provarem a

impugnação pauliana (artigo 610.º C.C.), que tem como consequência a ineficácia em sentido estrito (relativo);



Uma distinção que se faz é entre simulação absoluta, em que

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Artigo 245.º C.C. – declarações não sérias, em que é indiscutível a falta de seriedade. No n.º1, consagra-se que a declaração não séria em que a falta de seriedade é conhecida tem como consequência a inexistência jurídica do acto. Já no n.º2, em situação que se possa induzir a seriedade, há lugar a indemnização por falta de lealdade;

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as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio jurídico, há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais (“colorem habet substantian vero nullam”); e simulação relativa, em que as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Pelo art. 241º, n.º2 C.C., enquanto o negócio simulado é nulo, e na simulação se não põe mais nenhum problema, na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao negócio dissimulado ou real que fica a descoberto com a

nulidade do negócio simulado.



validade do negócio no art. 248º, regula o erro de escrita ou de cálculo no art. 249º e o erro de transmissão na declaração no art. 250º. Depois o erro vício sobre a pessoa ou objecto (art. 251º), passa a erros sobre os motivos determinantes (art. 252º/1) e conclui com erro de base do negócio (art. 252º/2).

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32 O legislador parte do erro da declaração (art. 247º), regime geral. Admite a

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A divergência não intencional pode apresentar-se sob uma de três formas principais:  Erro na declaração (artigo 247.º C.C.)32: o declarante emite a declaração divergente da vontade, sem ter consciência dessa falta de coincidência. Por exemplo, no caso de promessa pública com valor monetário errado. Importa considerar a essencialida de do erro

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para o declarante. Se se conseguir provar que há um erro claro para o declaratário, pode haver lugar a declaração de anulabilidade. Também perante erro de cálculo ou de escrita, há lugar a uma divergência entre a vontade e a declaração. Por exemplo, fixação do valor de pipas de vinho, por unidade e conjunto de unidades; Na falta de consciência da declaração (artigo 246.º



C.C.)33: o declarante emite uma declaração sem sequer ter consciência (a vontade) de fazer uma declaração negocial, podendo até faltar completamen te a vontade de agir. Coacção física ou violência absoluta (artigo 246.º C.C.)34: o declarante é

33 A hipótese está referida no art. 246º: “se o declarante não tiver consciência de

excluída, enquanto na coacção moral ou relativa está cerceada, mas não excluída. O Código Civil prevê, sob a epígrafe “coacção física” (art. 246º), a hipótese de o declarante ser “coagido pela força física a emitir” a declaração (“agitur sed non agit”). Têm-se em vista as hipóteses em que o declarante é reduzido à condição de puro autómato (coacção absoluta) e não aquelas em que o emprego da força física não chega aos extremos da “vis absoluta”. A coacção física ou absoluta importa, nos termos do art. 246º, a ineficácia da declaração negocial.

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34 Na coacção física ou absoluta o coagido tem a liberdade de acção totalmente

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fazer uma declaração negocial”. Estatui-se que o negócio não produz quaisquer efeitos, mesmo que a falta de consciência da declaração não seja conhecida ou cognoscível da declaratário. Trata-se dum caso de nulidade, salvo na hipótese de falta de vontade de acção em que parece estar-se, antes, perante um caso de verdadeira inexistência da declaração. Com efeito, quando falta a vontade de acção não há um comportamento consciente, voluntário, reflexo ou, na hipótese de coacção física, absolutamente forçado, embora exteriormente pareça estar-se perante uma declaração.



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transformado num autómato, sendo forçado a dizer ou escrever o que não quer, não através de uma mera ameaça mas por força do emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliz a e leva a adoptar o comportamen to. 2 – Vício da vontade – Tratase de perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo Direito, como ilegítimos. A vontade não se

formulou de um “modo julgado normal e são”. São vícios da vontade: Erro, Dolo, Coacção Medo e Incapacidade acidental. A consequência destes vícios traduz-se na invalidação do negócio, tendo para isso os vícios de revestir-se de certos requisitos. Quando esses vícios são relevantes, geram a anulabilidade do respectivo negócio.



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Erro sobre a pessoa ou sobre o objectivo do negócio (artigo 251.º

C.C.)35 – conjugado com o artigo 247.º C.C., que consagra a essencialida de do erro (ser aquela pessoa com quem eu vou casar ou ser aquele objecto específico são elementos essenciais do negócio jurídico, senão o negócio seria válido). Por exemplo, no caso de casamento por procuração, havendo

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qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Tem as seguintes categorias: a) Erro sobre a pessoa do declaratário: resulta do texto da lei respeitando ao facto de estar apenas em causa a pessoas do declaratário. Se se referir a outras pessoas declarantes já se aplica o art. 252º/1 CC. O erro pode referir-se à sua entidade, a qualquer qualidade jurídica ou que não concorra na pessoa do declaratário, quaisquer outras circunstâncias; b) Erro sobre o objecto do negócio: deve aceitar-se que ele abrange o objecto material como jurídico (conteúdo), o erro aqui relevante quando relativo ao erro material reporta-se à entidade ou às qualidades objectivas (art. 251º -247º); c) Erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (art. 252º CC).

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35 O erro traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma

engano relação nubente; 

em à

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Erro sobre os motivos (artigo 252.º C.C.) – N.º1: Por exemplo, a venda de terrenos a uma Câmara Municipal para construção de edifício de interesse público (lar, escola), destinando-os depois para um fim diferente. Deveria constar da escritura pública a vontade do detentor do terreno em vender, sob condição de construção desse edifício. Se tal não constasse da escritura, ter-

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se-ia, por outros meios, que provar essa realidade, aludindo ao princípio da boa-fé. Para António Pinto Monteiro, não estamos na presença de um erro sobre o motivo. N.º2: Remete para o artigo 437.º C.C., por ocorrência de factos inesperados, que alteram as condições do contrato. O artigo 437.º é aplicado com cautela pelos tribunais, que só admitem a alegação este artigo perante alteração anormal das circunstâncias . Discute-se, também, a consequência



desta situação: anulabilidade ou resolução do contrato (nos termos do artigo 437.º C.C.). Considera-se que não se admite a resolução. Dolo (artigo 253.º C.C.)36 – importa considerar a distinção entre “dolus bonus” (por exemplo: jogo publicitário) e “dolus malus” (prejudica

36 O dolo tem uma dupla concepção completamente distinta, pode ser: a) Uma

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sugestão ou artifício usados com o fim de enganar o autor da declaração (art. 253º/1 CC); b) A modalidade mais grave de culpa é a contraposta à mera culpa ou também negligência (art. 483º/1 CC). Em Direito Civil, o que está em causa é a primeira acepção. O dolo dá lugar a uma espécie agravada de erro, porque o dolo é erro provocado. A noção de dolo consta do art. 253º/1. Trata-se dum erro determinado por um certo comportamento da outra parte. Só existirá dolo, quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou a consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo ou comissivo), ou quando tenha lugar a dissimulação, pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante (dolo negativo, omissivo ou de consciência). A relevância do dolo depende da sistematização colhida pela doutrina e jurisprudência, depende de três factores: 1. Que o declarante esteja em erro; 2. Que o erro tenha sido causado ou tenha sido dissimulado pelo declaratário ou terceiros; 3. Que o declaratário ou terceiro haja recorrido a qualquer artifício, sugestão ou embuste. Para Castro Mendes, “a relevância do dolo depende de uma dupla causalidade, é preciso que, primeiro, o dolo seja determinante do erro, e que esse erro (segundo) seja determinante do negócio”.

efectivament e a vítima, capaz de viciar a sua vontade, tornando o negócio anulável)37;



Coacção moral (artigo 255.º C.C.)38;

37 Só é relevante, como fundamento da anulabilidade, o “dolus malus”. A lei tolera a simples astúcia, reputada legítima pelas concepções imperantes num certo sector negocial. A lei declara não constituírem dolo ilícito sendo, portanto, “dolus bonus”, as sugestões ou artifícios usuais, considerandos legítimos, segundo as concepções dominantes no comércio jurídico (art. 253º/2 CC);

38 Consta do art. 255º/1, e consiste no “receio de um mal de que o declarante foi

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ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração”. É, portanto, a perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com o intuito de extorquir a declaração negocial. Só há vício da vontade, quando a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, quando lhe foram deixadas possibilidade de escolha, embora a submissão á ameaça fosse a única escolha normal. Só se cairá no âmbito da coacção física (absoluta ou ablativa), quando a liberdade exterior do coacto é totalmente excluída e este é utilizado como puro autómato ou instrumento. A coacção moral origina a anulabilidade do negócio (art. 256º CC) e dá lugar igualmente á responsabilidade pré-negocial do coactor (art. 227º CC). Verifica-se a anulabilidade, e não a nulidade, mesmo que o coacto tenha procedido com reserva mental, ao emitir a declaração. São necessários três elementos, cumulativamente, para que exista coacção moral: 1. Ameaça de um mal, todo o comando do coactor que consta em desencadear o mal ou consiste no mal já iniciado. Este mal pode respeitar á pessoa do coagido (há sua honra) e ao seu património, pode ainda haver ameaça relevante se respeitar à pessoa, património deste ou de terceiro; 2. Ilicitude da ameaça, a existência deste requisito vem duplamente estabelecida na lei (art. 255º/1 e 255º/3 CC), se a ameaça se traduz na prática de um acto ilícito, está-se perante coacção, constitui coacção, o exercício normal do direito (n.º 3); 3. Intencionalidade da ameaça, consiste em o coactor com a ameaça tem em vista obter do coagido a declaração negocial (art. 255º/1 CC), esta ameaça deve ser cominatória, este requisito da intencionalidade falta de o coagido emitir outra declaração que não aquela que a ameaça se dirigia. Para que exista moral relevante (coacção anulatória do negócio) é necessário dos elementos referidos: - Requisitos da casualidade ou essencialidade, dupla casualidade, medo, este provocado por coacção moral e esta casualidade apresenta-se num duplo plano, é necessário que o medo resulte da ameaça do mal e por outro lado, o medo causado pela ameaça há-de ser a causa da



Incapacidad e acidental (artigo 257.º C.C.)39

INTRODUÇÃO AO DIREITO II (Terça-Feira, 18 de Maio de 2010 – 11H-13H – Prática) ➢ Ficha de Trabalho n.º18 (continuação) ○ Questão 2  Fragoso intentou uma acção de interdição, por incapacidade de Gilson reger a sua pessoa e património (artigo 138.º C.C.). Este regime difere da inabilitação, aplicável para situações de menor gravidade e em que o indivíduo se revela incapaz de reger o seu património, somente;  Relativamente à doação da escritura valiosa, poder-se-ia entender que, pelo facto de o negócio jurídico se ter realizado antes de ser

desde que se verifique o requisito (além da incapacidade acidental) destinado à tutela da confiança do declaratário a notoriedade ou o conhecimento da perturbação psíquica. Para se conseguir a anulação de uma declaração negocial, com base neste preceito é necessário: a) Que o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica, ou por qualquer outra causa em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do acto que praticou ou o livre exercício da sua vontade. b) Que esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.

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39 A hipótese está prevista no art. 257º CC, onde se prescreve a anulabilidade,

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declaração; - Não é requisito de relevância da coacção a existência de prejuízo para o coagido; - No regime de relevância deste vício há que distinguir se a coacção vem do declaratário ou de terceiro (art. 256º CC, à contrario). A coacção constitui um acto ilícito, geral tal como o dolo.



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intentada a acção de interdição Gilson ser maior, gozaria de plena capacidade de exercício. Todavia, o artigo 150.º C.C. prevê a aplicação do regime da incapacidade acidental, constante do artigo 257.º C.C. No n.º2 deste último artigo, faz-se apelo ao critério do Homem médio (ou do bom pai de família), isto é, ao entendimento que uma pessoa normal teria perante a situação concreta. Neste caso, Mariano era amigo de longa data de Gilson, portanto privaria regularmente com ele. Contudo, pode-se não aperceber da situação de anomalia psíquica. Importa salientar que o negócio celebrado num intervalo lúcido é válido. Prevalece, portanto, o critério da cognoscibilidade da situação daquele que padece da anomalia psíquica. Com isto, visa-se proteger o declaratário (terceiro), por desconhecimento da situação de anomalia psíquica, ao abrigo do princípio da boa-fé; No que concerne à doação de colar de diamantes, aplica-se o regime previsto no artigo 149.º C.C., relativo a actos praticados no decurso da acção. Estamos perante um negócio jurídico gratuito, cumprindo-se a segunda parte do artigo 149.º CC; Em relação à venda de anel em ouro, aplicase o artigo 148.º C.C., relativo a acto posterior ao registo da sentença; Por fim, acerca da doação do CD de música clássica, está em causa um bem de valor diminuto. Nos termos do artigo 139.º C.C., prevê-se a equiparação do regime da interdição ao regime da menoridade, dentro do que não estiver disposto. Assim, aplica-

se, com as devidas adaptações, o artigo 127.º, n.º1, alínea b) do C.C. Estamos na presença de um negócio especialmente válido.

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○ Questão 3  Joca, com 17 anos, casa com Elita. Trata-se de um casamento válido, nos termos do artigo 1601.º, alínea a) do C.C, que conduziria à emancipação do menor (artigo 132.º C.C.). A idade núbil necessária para casar é 16 anos. Contudo, não tendo havido consentimento dos pais, aplica-se o regime do artigo 1649.º, n.º1 do C.C. Nos termos desta disposição legal, Joca continua a ser considerado menor para a administração de bens que leva para o casamento ou que lhe sejam oferecidos, até à maioridade, ainda que esteja prevista a entrega de parte dos rendimentos desses bens necessários à sobrevivência do menor. O n.º2 deste artigo constitui uma protecção do cônjuge menor face à malícia do cônjuge maior;  À doação de acções de família, é aplicado o regime da anulabilidade (alegável no prazo de 1 ano);  Foi praticado um crime de falsificação qualificada / agravado da carta de condução, que exige documento autêntico;  Não é possível saber a proveniência do dinheiro que Joca utilizou para comprar o carro, podendo aplicar-se ou não o artigo 1649.º C.C. Se for aplicável, o negócio é anulável, sendo necessário proteger o declaratário sujeito a acção de dolo (artigo 253.º C.C.), por prática de crime de

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falsificação da carta de condução. Nos termos do artigo 126.º C.C., o menor não goza de legitimidade para invocar a anulabilidade da prática dolosa, pois entende-se que o menor não deve ser protegido. Por interpretação extensiva, também as personalidades indicadas no artigo 125.º C.C. não o podem fazer, de modo a impossibilitar o menor de se imiscuir das responsabilidades do seu acto doloso;  O dinheiro aplicado para adquirir os presentes de Natal proveio do trabalho (acto oneroso) de Joca, o que confere validade aos negócios realizados;  Por incapacidade de Joca administrar o seu património, Elita pode requerer a inabilitação do seu marido, nos termos do artigo 141.º C.C., aplicado como regime supletivo, tal como consagra o artigo 156.º CC;  Aplicando, supletivamente, o artigo 138.º, n.º2 C.C., por via do artigo 156.º C.C, a sentença podia ser decretada um mês depois de Joca completar os 18 anos, visto que a acção de inabilitação foi intentada, certamente, antes de o cônjuge perfazer essa idade;  O regime do ausente encontra-se previsto a partir do artigo 89.º C.C. • Artigo 89.º C.C. – nomeação do curador provisório (sem prazo); • Artigo 94.º C.C. – direitos e obrigações do curador provisório; • Artigo 98.º C.C. – termo da curadoria; • Artigo 99.º C.C. – curadoria definitiva, que constitui um regime mais gravoso da ausência e implica prazos;

• Artigo 101.º C.C. – abertura do testamento; • Artigo 114.º C.C. – morte presumida; tem efeitos que retroagem à data do desaparecimento e implica declaração judicial; ○ N.º3 – neste caso, não fazia sentido a instalação da curadoria, dado que, por efeito da inabilitação, já havia sido nomeado um curador, por via do instituto da assistência; ○ Se for declarada morte presumida, aplica-se o artigo 116.º C.C., sendo dissolvido o primeiro casamento; se não for declarada morte presumida, aplica-se o artigo 115.º C.C., sendo Elita acusada do crime de bigamia, previsto no Código Penal; ○ Em relação aos bens do ausente, aplica-se o artigo 117.º CC; ○ No caso de regresso, aplica-se o artigo 119.º C.C.

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➢ Ficha de Trabalho n.º19 ○ A) Dever-se-á aplicar o n.º4 do artigo 1225.º CC?  A denúncia e a acção judicial intentada estão fora dos prazos do artigo 916.º C.C., mas dentro dos prazos fixados pelo artigo 1225.º CC;  Acção interposta depois de entrada em vigor do n.º4 do artigo 1225.º CC;  Na Lei nova, estão em causa prazos de caducidade, que constituem matéria imperativa;







O artigo 297.º C.C. apenas se aplica para prazos a correr, o que não sucede neste caso. O prazo já tinha decorrido, o que nos leva a considerar que se aplica a lei antiga. O mesmo entendimento se toma perante correntes jurisprudenciais diversas; Contudo, se a Lei nova constitui lei interpretativa (artigo 1225.º, n.º4 C.C.), portanto não inovadora, aplica-se o regime da lei nova a factos passados. Esta aplica-se na medida em que a Urbanitária, Lda. constitui-se, simultaneamente, vendedor e construtor do imóvel. Note-se que o n.º4 do artigo 1225.º C.C é a única norma interpretativa dele, visto que o n.º3 já constitui norma inovadora.

B) E se não foi a Urbanitária, Lda. quem construiu?  Não sendo empreiteira, não faz sentido aplicar o artigo 1225.º C.C. Aplica-se o artigo 916.º C.C., ao abrigo do n.º1 do artigo 12.º C.C.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO II

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○ C) Se o defeito fosse descoberto em 2 de Dezembro de 1994, qual deverá ser o prazo da denúncia do defeito aplicável e como deverá ele ser contado?  Aplica-se o artigo 297.º, n.º2 C.C., pois o prazo estava em curso à entrada da Lei nova.

(Terça-Feira, 18 de Maio de 2010 – 15H-16H30 – Teórica) ➢

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Noções de Direito das Obrigações (Livro II do Código Civil) ○ Eficácia relativa das obrigações (artigos 397.º e seguintes CC)  Artigo 397.º C.C. – noção de obrigação e ideia de relatividade (vinculação apenas das partes envolvidas);  Artigo 406.º C.C. – eficácia dos contratos • Desde que haja consenso, há vinculação das partes. Para desvinculação, revela-se necessário um mútuo dissenso; • Delimitação da eficácia: não se produzem efeitos contra terceiros, excepto nos casos previstos na Lei. ○ Eficácia externa (excepcional) dos contratos perante terceiros: por exemplo, o direito de arrendamento é oponível a todo o proprietário.  De acordo com a Doutrina Alemã, era possível opor a terceiro um direito obrigacional, que este violou, com culpa, podendo exigir indemnização. Entendia-se também que era imputada uma obrigação a um terceiro. Há uma particularização das situações em que se previa responsabilidade extra-contratual;  Os artigos 397.º e 406.º C.C. são reveladores da







relatividade. Nestes casos, não é possível imputar responsabilidade a terceiro. De acordo com a teoria defendida em Portugal, implica fonte extracontratual para acusar terceiro. Recorde-se que o artigo 483.º C.C. abarca uma multiplicidade de casos, por violação com culpa; Com isto, verifica-se que faltou capacidade de adaptação da doutrina alemã ao ordenamento jurídico português.

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Artigo 405.º C.C. – encerra o princípio da liberdade contratual, como expressão do princípio da autonomia da vontade privada. Difere do princípio da taxatividade em Direitos Reais (artigo 1306.º C.C.); Artigo 407.º C.C. - incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo. • Importa distinguir direitos pessoais de gozo (direitos relativos ou direitos de crédito) de direitos reais de gozo (direitos absolutos). Os direitos pessoais de gozo possibilitam ao seu titular o gozo directo e autónomo de determinada coisa, o qual, porém, diversamente do que sucede com os direitos reais de gozo, tem sempre por fundamento uma relação obrigacional, de que nunca se desprende (por exemplo: direito de arrendamento, comodato). Implicam colaboração da



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Artigo 408.º C.C. – trata dos contratos com eficácia real • A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero consenso (não implica a entrega do bem para transferência de direito real).

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contraparte e cedem o gozo sobre uma coisa. Já o mesmo não acontece com os direitos reais de gozo (sobre coisa própria ou alheia): estes, justamente por não serem direitos relativos, não pressupõem uma vinculação obrigacional com quer que seja; por isso, uma vez constituídos (por contrato, usucapião, testamento, acessão, etc.) desligam-se da respectiva matriz e conferem ao seu titular uma posição jurídica que não depende de ninguém (uso directo e imediato de uma coisa). Nos direitos pessoais de gozo, diversamente, não pode nunca deixar de atender-se à fonte de onde promana o poder directo de gozo sobre a coisa; e essa fonte, como salienta Henrique Mesquita, é constituída por uma vinculação obrigacional assumida pela pessoa a quem competia o gozo da coisa (proprietário, usufrutuário, etc.) "; Este artigo prevê a possibilidade de conflito entre direitos pessoais de gozo, consagrando que prevalece o mais antigo (critério cronológico).



Fontes das Obrigações  Diz-se fonte de obrigação o facto jurídico de onde nasce o vínculo obrigacional. Tratase da realidade sub specie iuris que dá vida à relação creditória: o contrato, o negócio unilateral, o facto ilícito, entre outros;  A fonte tem uma importância especial na vida da obrigação, por virtude da atipicidade da relação creditória;  Chama-se fonte de uma obrigação ao facto jurídico de que emerge essa obrigação, ao facto jurídico constitutivo da obrigação.  Actualmente, face à nossa lei, são fontes das obrigações: • Os Contratos (art. 405º segs. CC); • Os Negócios Jurídicos Unilaterais (arts. 457º segs. CC); • A Gestão de Negócios (arts. 464º segs. CC); • O Enriquecimento Sem Causa (arts. 473º segs. CC); • A Responsabilidade Civil (arts. 483º segs. CC).

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Enriquecimento Sem Causa (arts. 473º segs. CC) • Este instituto constitui a “válvula de escape” do sistema, funcionando apenas subsidiariamente, quando não for possível recorrer a outra fonte de obrigações. Utilizado, com cautela, pelos tribunais;

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Para que haja enriquecimento sem causa, é preciso que haja uma deslocação patrimonial, isto é, que haja uma transferência patrimonial do património de alguém para o património de outrem; A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:

a) É necessário, enriquecimento;

que

haja

um

b) O enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa; c) A obrigação de restituir pressupõe, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requerer a restituição. •



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Para que haja lugar à obrigação de restituir é necessário, ainda, que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição; O enriquecimento sem causa, assim como dá lugar à obrigação de restituir no caso de a atribuição patrimonial se haver já consumado, também pode servir de fundamento a uma excepção contra o enriquecimento injusto, se a atribuição não tiver sido ainda realizada e for exigido o seu cumprimento. Por exemplo: arrendamento de imóvel que não me pertence para enriquecimento, através das rendas.



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Contratos (art. 405º segs. CC) • Diz-se contratos o acordo vinculativo assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses; • Existem normas gerais sobre contratos (artigos 405.º a 409.º C.C.) e normas sobre contratos em geral (artigo 410.º e seguintes C.C.); ○ Contrato-promessa (artigo 410.º C.C.)  É a convenção pela qual ambas as partes (bilateral, mais comum), ou apenas uma delas (unilateral), se obrigam dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato. Ao contrato, a cuja futura realização as partes, ou uma delas apenas, ficam adstritas, dá-se o nome genérico de contrato prometido. Trata-se de um acordo preliminar a qualquer contrato, a que as partes se vinculam, obrigando-se a futuramente celebrar o contrato principal;

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 Objecto de muita controvérsia, sendo um dos contratos mais frequentes;  O seu regime tem vindo a ser aperfeiçoado, mas permanecem dúvidas;  A directiva de ordem geral que a lei estabelece quanto ao regime do contratopromessa é a do princípio da equiparação (art. 410º CC), que consiste em aplicar, como regra, aos requisitos e aos efeitos do contratopromessa as disposições relativas ao contrato prometido;  Duas excepções no entanto se abrem, ao princípio da equiparação: a primeira, relativa à forma do contrato; a segunda referente às disposições que, pela sua razão de ser, se não podem considerar extensivas ao contrato-promessa.  Quanto à forma, a solução aplicável ao contratopromessa traduz-se nos seguintes preceitos: a) Se, para o contrato prometido, a lei exigir documento, como sucede para a venda ou doação de coisas imóveis (arts 875º, 947º/1 CC), o respectivo contrato-promessa só é

válido se constar de documento escrito, assinado pelos promitentes; b) Tratando-se de contrato-promessa relativo à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício já construído, em vias de construção ou que deva vir a ser construído, o documento escrito necessita de ter o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, bem como a certificação notarial da existência da licença de utilização ou de construção; c) Se o contrato prometido estiver subordinado a qualquer outra finalidade, que não seja a redução a documento, vale a respectiva promessa a regra geral da liberdade de forma (art. 219º CC).

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O princípio da equiparação, significa portanto que ao contratopromessa, além das suas regras próprias, são aplicáveis as regras próprias do contrato que é seu objecto, do contrato prometido;

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Do art. 410º/2 CC, resulta quanto à forma do contratopromessa o seguinte: a regra é a da consensualidade, a regra é a de que o contratopromessa seja válido independentemente da observância de forma especial;  Quando o contrato-promessa tenha por objecto um contrato, que seja ele próprio, um contrato formal, então o contrato-promessa também é formal.  O contrato-promessa, criando para o promitente uma obrigação de contratar, cujo objecto é uma prestação de facto, goza apenas, em princípio, de eficácia meramente obrigacional, restrita por conseguinte às partes contraentes (não tem efeitos erga omnes), ao invés do contrato prometido, quando se trate de contrato de alienação ou oneração de coisa determinada, que goza de eficácia real;  Na fixação das consequências do não cumprimento, há também que corrigir o princípio da equiparação à luz das prescrições especiais constantes nos artigos 442º 

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e 830º/1/2 CC, para a falta de cumprimento do contratopromessa; Admite-se, que a promessa de transmissão ou constituição de direitos reais (de aquisição) sobre bens imóveis, ou sobre móveis sujeitos a registo, produza efeitos em relação a terceiros, desde que se verifique: a) Constar a promessa de escritura pública, salvo se para o contrato prometido a lei não exigir escritura, porque nesse caso a lei se contenta com documento particular; b) Pretenderem as partes atribuir-lhe eficácia real; c) Serem inscritos no registo os direitos emergentes da promessa (art. 413º CC).



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Quando assim for, a promessa, enquanto não for revogada, declarada nula ou anulada, ou não caducar, prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente se constituam em relação à coisa, tudo se passando, sob esse aspecto, em relação a





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terceiros, como se a alienação ou oneração prometida, uma vez realizada, se houvesse efectuado na data em que a promessa foi registada. Em situação de falta de registos exigidos, o contrato-promessa, ainda que válido, terá eficácia meramente obrigacional. E é especialmente nestes casos, em que o contrato, podendo ter eficácia real, carece dos requisitos para tal efeito exigidos, que mais se acentua a sua eficácia relativa. Os direitos nascidos do contrato não valem contra terceiro, não podem ser oponíveis a terceiros, nem destes pode ser exigido qualquer indemnização pelo facto da sua violação; Perante contratos-promessa com efeitos reais, é sempre possível recorrer à execução específica (artigo 413.º C.C. – possibilidade de executar o património a terceiro). Já em relação aos contratospromessa com meros efeitos obrigacionais, há situações em que é possível recorrer à execução específica, nomeadamente quando não foi prestado sinal ou perante





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contrato de constituição ou transmissão de fracção autónoma de edifício. Regime do sinal (artigo 440.º e seguintes C.C., conjugados com o artigo 830.º C.C.) – cláusula acessória do contratopromessa, constitui a exigência do promitente vendedor, entendida como a medida da indemnização do incumprimento do contratopromessa. Prescinde-se da acção executiva específica, aplicável em situação de mora (≠ incumprimento definitivo) e que constitui o exercício de um verdadeiro direito potestativo. Há certos contratos de constituição ou transmissão de direitos reais em que, pago o sinal, a Lei admite não se prescindir da execução específica; A transmissão de direitos reais a terceiro não permite ao promitente fiel avançar com acção específica, mas apenas indemnização; Requisitos da eficácia real: requisitos de validade: O objecto do contrato-promessa tem se ser um contrato com eficácia real transmissiva ou constitutiva. Isto é, não pode

Pacto de preferência (artigos 414.º e seguintes C.C.)  Contrato pelo qual alguém assume a obrigação de, em igualdade de condições escolher determinada pessoa como seu contraente, no

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atribuir-se eficácia real, por ex., a um contrato-promessa de comodato, ou de prestação de serviços, de trabalho ou de arrendamento. Só será possível atribuir eficácia real a um contrato-promessa quando o seu objecto seja um contrato com eficácia real. E não qualquer eficácia real: tem de ser transmissiva ou constitutiva. O objecto do contrato prometido pode ser um imóvel ou móvel sujeito a registo. • A forma: A partir de 2006, verificou-se uma desformalização das exigências para a celebração de contratopromessa. Ao nível da forma, exige-se escritura pública ou documento particular autenticado, levando o respectivo documento ao registo predial para publicitação.





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caso de se decidir a celebrar determinado negócio; Os pactos de preferência não têm apenas por objecto a compra e venda, mas também outros contratos, como o arrendamento, o aluguer, o contrato de fornecimento, a sociedade de parceria, etc. De modo geral, pode dizer-se que os pactos de preferência são admitidos em relação à compra e venda (art. 414º CC) e relativamente a todos os contratos onerosos em que tenha sentido a opção por certa pessoa sobre quaisquer outros concorrentes (art. 423º CC). Dar preferência, significa escolher preferencialmente para contraparte no contrato, a pessoa do credor no pacto de preferência, desde que esse sujeito se disponha a celebrar contrato que é o objecto da preferência, tanto por tanto, seja, em igualdade de condições com aquelas que são oferecidas ao obrigado à preferência por um qualquer terceiro; A obrigação de dar preferência não importa a





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obrigação de realizar o negócio a que a mesma respeita, como sucede no contrato-promessa (art. 410º CC). A vinculação assumida pelo obrigado à preferência é condicional: se contratar, ele promete preferir certa pessoa a qualquer outro interessado; O titular de preferência apenas exige notificação daquele que manifesta vontade de vender, gozando da faculdade de, dentro do prazo definido (existe um prazo supletivo no Código Civil – artigo 416.º, n.º2 – de oito dias), manifestar o exercício ou não do direito de preferência; Ao lado da preferência de origem negocial, há direito legais de preferência (que são direitos reais de aquisição), destinados a facilitar, na maioria dos casos, a extinção de situações que a facilitar, na maioria dos casos, a extinção de situações que não são as mais consentâneas da boa exploração económica dos bens (arts 1409º e 2130º; 1535º e 1555º/1; 1830º, etc. CC);

 Em caso de incumprimento do pacto de preferência: • Se for obrigacional, existe direito a indemnização; • Se for real, existe a possibilidade de recurso a tribunal, para substituição da venda em falta (acção de preferência. 

Nos termos do n.º2 do artigo 442.º C.C., por incumprimento do promitente vendedor, pode haver lugar a indemnização do promitente-comprador, pelo aumento do valor do bem.

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○ Contratos tipificados  Compra e venda (art. 874º e segs. CC)  Doação (art. 940º e segs. CC)  Sociedade (arts. 980º e segs. CC)  Locação (art. 1022º segs. CC)  Parceria pecuária (art. 1121º segs. CC)  Comodato (arts 1129º e segs. CC)  Mútuo (arts. 1142º segs. CC)

        



Contrato de trabalho (art. 1152º CC) Prestação de serviços (art. 1154º CC) Mandato (art. 1157º segs. CC) Depósito (art. 1185º segs. CC) Empreitada (art. 1207º segs. CC) Renda perpétua (art. 1231º segs. CC) Renda vitalícia (art. 1238º segs. CC) Jogo e aposta (art. 1245º CC) Transacção (art. 1248º segs. CC)

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Negócios Unilaterais (art. 457º segs. CC) • Submetidos a um princípio da taxatividade, só são reconhecido como fonte de obrigações os casos previstos na lei, sendo o contrato, consequentemente, a fonte normal das obrigações ex negotio. O art. 457º CC afirma que “a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei”; • O negócio jurídico unilateral é na sua estrutura sempre unilateral, isto é, composto por uma única declaração de vontade ou um conjunto de declarações de vontades, tidas com o mesmo sentido. Apenas intervêm, um sujeito jurídico, ou podem intervir



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40 O reconhecimento de dívida é frequentemente utilizado, assumindo maior relevância na actualidade. Atente-se nesta situação: se um cheque para pagamento de dívida não for levantado no prazo de 8 dias (prazo de prescrição), este não poderá ser utilizado como título executivo para apresentar acção executiva. Assim, em alternativa, considera-se que o cheque vale como simples documento escrito, recognitivo de pagamento de dívida, no qual não consta a causa da obrigação. Para ultrapassar este entrave, aplica-se o artigo 458.º C.C., presumindo-se a causa enquanto o devedor não ilidir a existência da causa.

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vários sujeitos jurídicos cujas declarações são paralelas; são declarações que têm o mesmo conteúdo e, portanto, há apenas uma parte; Há dois casos que, não sendo fontes de obrigações, estão previstos nesta secção: a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida40 (artigo 458.º C.C.) ○ A lei admite que, através do acto unilateral, se efectue a promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma dívida, sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental. Mas trata-se de uma simples presunção, cuja prova em contrário produzirá as consequências próprias da falta de licitude ou da imortalidade da causa dos negócios jurídicos. Trata-se de negócios causais apenas se dando uma inversão no ónus da prova. ○ A existência destes negócios serve apenas para dispensar o credor de provar a fonte da obrigação: presume-se que a







fonte existe, até que o devedor prove que não existe; A promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida têm que constar de documento escrito, salvo se para a prova da fonte fosse necessário um documento de força probatória superior; Mas, existem alguns negócios jurídicos unilaterais que são fontes de obrigações: a promessa pública (artigo 459.º C.C.) e o concurso público (artigo 463.º C.C.).

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○ Deveres do gestor

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Gestão de negócios (art. 464º segs. CC) ○ À intervenção, não autorizada (implica desconhecimento do dono do negócio), das pessoas (gestor de negócios) na direcção de negócio alheio, feita no interesse e por conta do respectivo dono, dá-se o nome de gestão de negócios (art. 464º CC); ○ A Lei atribui eficácia jurídica a uma situação de ingerência, por falta de autorização do dono do negócio; ○ Visa-se fomentar a solidariedade social;

 São as obrigações do gestor em face do dono do negócio (art. 465º CC): a) Continuação da gestão: Uma vez iniciada, ao agente já não é inteiramente livre de interrompê-la, quer pelas compreensíveis expectativas que a sua actuação é capaz de ter criado, quer pelo obstáculo que ela pode ter constituído para a intervenção de outras pessoas, dispostas a levar a gestão a bom termo. A lei não impõe ao gestor, de modo directo, o dever de prosseguir a gestão iniciada, mas responsabiliza-o pelos danos que resultarem da injustificada interrupção dela (art. 466º/1 CC).

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b) Dever de fidelidade ao interesse e à vontade (real ou presumível) do dono do negócio: O gestor responde ainda, pelos danos que causar, por culpa sua, no exercício da gestão, e a sua actuação considera-se culposa, sempre que agir em desconformidade com os interesses ou a vontade,

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real ou presumível, do dono do negócio (art. 466º CC). É a consagração prática, indirecta do principal dever que põe a cargo do gestor (art. 465º-a CC). O dever de obediência simultânea ao interesse e à vontade do dono tanto vale para os termos em que a gestão deve ser iniciada ou tem cabimento legal, como para a forma por que deve ser exercida. A actuação do gestor será regular (isenta de culpa), se ele pratica um acto contrário à vontade (real ou presumível) do dono do negócio, mas conforme ao interesse deste, desde que a conduta (omissão), desejada pelo dominus seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes. A conduta do gestor será igualmente regular, se ele omitir o acto ilícito que o dono praticaria e optar pelo acto lícito que mais favorece os seus interesses. O gestor deve abster-se de todos os actos que saiba ou presuma serem contrário à vontade real ou presumível do dono, por mais

favorável que fundadamente os julgue às conveniências do interessado. Como deve igualmente renunciar aos actos que o dono não deixaria de praticar, se tiver razões para considerar lesivos dos interesses em causa. c) Entrega dos valores detidos e prestação de contas (art. 465º-e CC): As contas devem ser prestadas, logo que a gestão finda ou é interrompida, ou quando o dono as exigir, podendo a prestação ser feita coactiva ou espontaneamente.

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d) Aviso e informação do dono do negócio: Ao gestor impõe-se o dever de avisar o dono do negócio logo que tenha possibilidade de fazê-lo, de que assumiu a gestão, para que ele possa prover como melhor entender; e ainda a obrigação de lhe prestar todas as informações relativas à gestão, para que o interessado possa acompanhar a evolução desta e tomar oportunamente as providências que o caso requeira.

○ Deveres do dono do negócio 

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Desde que a gestão seja regular, isto é, não tenha havido infracção das obrigações impedientes sobre o gestor, designadamente da obrigação de actuação conforme ao interesse e à vontade do dominus. Neste caso de regularidade da gestão, o dono do negócio é obrigado (art. 468º/1 CC) a reembolsar o gestor de todas as despesas que ele, fundadamente, tenha considerado indispensáveis, com os juros legais, contratados do momento em que as despesas foram feitas e até ao momento em que o reembolso se verifica. Ø Obrigação de reembolso de despesas: são todas e apenas aquelas despesas que ele tenha considerado indispensáveis com fundamento, desde que a situação objectivamente justificasse o juízo de indisponibilidade. A essas despesas, acresce a obrigação de pagamento dos juros legais, correspondentes

ao montante de tais despesas. Ø A obrigação de indemnização: a obrigação de reembolso só existe quando houve despesas feitas pelo gestor e só existe, se ele tiver sofrido prejuízos com a gestão: prejuízos que podem ser de natureza patrimonial ou de natureza não patrimonial. Ø Obrigação de remuneração do gestor: esta depende de a actividade desenvolvida pelo gestor corresponder à sua actividade profissional.

Aprovação: É uma declaração negocial dirigida pelo dominus ao gestor, declaração que não tem de ser expressa, pode ser tácita, cujo conteúdo é um juízo de concordância global com a actividade genérica.

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Uma vez que o dono do negócio tenha conhecimento da actividade de gestão, ele pode, em relação a essa actividade, tomar uma de três atitudes: 1.º - Pode aprovar a gestão; 2.º - Pode nada dizer; 3.º - Pode desaprovar a gestão.

Tem como efeitos jurídicos (art. 469º CC): - A renúncia por parte do dominus a qualquer direito indemnizatório que ele tivesse, ou pudesse ter, contra o gestor, por incumprimento culposo e danoso das obrigações do gestor; - O reconhecimento, por parte do dominus, ao gestor dos direitos de reembolso de despesas, juros legais e direito de indemnização pelos danos causados (art. 468º/1, 1ª parte CC).

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Se a gestão não for regular, se houver incumprimento de alguma obrigação por parte do gestor, designadamente a obrigação de se pautar pelo interesse e pela vontade do dominus, então o gestor apenas tem direito a ser restituído daquilo com que tenha empobrecido, por parte do dominus, nos termos do enriquecimento sem causa (art. 468º/2 CC). Diversamente da aprovação, pode o dominus ratificar os actos jurídicos praticados pelo gestor no exercício da gestão, se ele os praticou representativamente. Se o gestor agiu em seu próprio nome, isto é, não comunicou ao terceiro com quem celebrou os negócios, que estes não eram dele, não eram para ele

e tudo se passou como se ele fosse titular do interesse que o negócio visava satisfazer, então tem-se uma gestão não representativa, ele actuou em nome próprio. Mas o gestor pode ter comunicado ao terceiro que estava a actuar em nome e por conta de outrem e aí tem-se uma gestão representativa. A representação é a situação em que alguém actua, realizando actos ou negócios jurídicos, em nome de outrem. O representante pode ter ou não ter poderes. Se a gestão se consubstanciou em actos jurídicos e foi exercida em seu próprio nome, então o regime aplicável às relações com terceiros é o regime de mandato41 sem representação (art. 471º CC), com aplicação do artigo 268.º C.C., relativo à procuração (representação sem poderes, que só é válida, se ratificada pelo dono do negócio).

41 Regras do mandato (com e sem representação) a partir do artigo 1178.º C.C.

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Responsabilidade Civil (art. 483º segs. CC) • Trata-se da figura que, depois dos contratos, maior importância prática e teórica assume na criação dos vínculos obrigacionais, seja pela

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extraordinária frequência com que nos Tribunais são postas acções de responsabilidade, seja pela dificuldade especial de muitos dos problemas que o instituto tem suscitado na doutrina e na jurisprudência; Na rubrica da responsabilidade civil, cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual); Sob vários aspectos, responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes; Por um lado, elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de uma delas para a esfera normativa própria da outra; Por outro lado, é bem possível que o mesmo acto envolva para o agente (ou o omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual, e responsabilidade extra-contratual, tal como é possível que a mesma ocorrência acarrete para o autor, quer responsabilidade civil, quer responsabilidade criminal, consoante o prisma sob o qual a sua conduta seja observada.

• Regime jurídico da responsabilidade civil ○ A expressão responsabilidade civil é ambígua porque, dentro dela, há que distinguir dois grandes sectores: a) A responsabilidade obrigacional ou contratual: é aquela que resulta do incumprimento de direitos subjectivos de crédito, do incumprimento de obrigações em sentido técnico-jurídico; b) Responsabilidade extraobrigacional: extra-contratual, delitual ou aquiliana, está prevista e regulada nos arts. 483º segs. CC.

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Responsabilidade objectiva, quando o agente se constitui na obrigação de indemnizar independentemente de culpa.

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Nesta definição do quadro da responsabilidade civil em sentido amplo, é preciso ainda ter em conta que, quer no campo da responsabilidade extraobrigacional, quer no campo da responsabilidade obrigacional, ainda há dois subsectores: Responsabilidade subjectiva, quando ela depende da existência de culpa do agente, de culpa do autor da lesão;

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○ RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS  Pressupostos A simples leitura do art. 483º/1 CC, mostra que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar o lesante: a) Facto / Acção (controlável pela vontade do homem – acção humana e voluntária) • O elemento básico da responsabilidade do agente é a prática de um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, pois só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia de ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe; • Este facto consiste, em regra, num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo, que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de





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Ilicitude O Código Civil procurou fixar, em termos mais precisos, o conceito de ilicitude, descrevendo

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b)

não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto. Mas pode traduzir-se também num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão (art. 486º CC); Quando se alude a facto voluntário do agente, não se pretende restringir os factos humanos relevantes em matéria de responsabilidade dos actos queridos, ou seja, àqueles casos em que o agente tenha prefigurado mentalmente os efeitos do acto e tenha agido em vista deles; O que está geralmente em causa no domínio da responsabilidade civil são puras acções de facto, praticadas sem nenhum intuito declarativo.

duas variantes, através das quais se pode relevar o carácter antijurídico ou ilícito: 1) Violação de um direito de outrem (art. 483º CC): os direitos subjectivos aqui abrangidos, são, principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual. Implica indemnização ou compensação. 2)

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Violação da lei que protege interesses alheios: trata-se da infracção das leis que, embora protejam um direito subjectivo, não o atribuam directamente (por exemplo: regras sobre a concorrência de mercado) e de leis que, tendo também ou até principalmente em vista a protecção dos interesses

colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes.

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42 A norma do Código da Estrada que proíbe a emissão de sinais sonoros próximo de hospitais visa, apenas, proteger a tranquilidade dos doentes, não sendo aplicável a quaisquer outras situações.

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Além disso, a previsão da lei abarca ainda a violação das normas que visam prevenir, não a produção do dano em concreto, mas o simples perigo de dano em abstracto. Para que o lesado tenha direito à indemnização, três requisitos se mostram indispensáveis: 1) Que a lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal; 2) Que a tutela dos interesses dos particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada, ainda que não sejam conferidos direitos subjectivos42; 3) Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.

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• Causas justificativas de exclusão de ilicitude ○ A violação do direito subjectivo de outrem ou da norma destinada a proteger interesses alheios constitui, em regra, um facto ilícito; mas pode suceder que a violação ou ofensa seja, coberta por alguma causa justificativa do facto de afastar a sua aparente ilicitude; ○ O acto do exercício de um direito, ainda que cause danos a outrem, é um acto lícito desde que o direito seja exercido em conformidade com a boa fé, com os bons costumes, com o fim económico e social do direito e respeitando as regras de compatibilização



do

facto

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c) Imputação ao lesante

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de direitos do art. 335º CC. Isto é, em todos os casos em que o titular do direito exerce regularmente o seu direito, ainda que prejudique outrem, normalmente não comete um acto ilícito; Constituem causas de justificação: as formas de tutela privada de direitos (Acção directa – art. 336º CC; Legítima defesa – art. 337º CC; Estado de necessidade – art. 339º CC), o consentimento do lesado e o conflito de deveres (o incumprimento de um dever justificase pelo cumprimento de outro).



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Para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. Não basta, portanto, reconhecer que ele procedeu objectivamente mal. É preciso, nos termos do art. 483º CC, que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. Agir com culpa, significa a adopção de uma atitude contrária às normas jurídicas, isto é, actuar em termos de conduta que merecem a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo. Fala-se em nexo de imputação do facto ao lesante (ou culpa) para significar que não basta que o agente tenha praticado um facto voluntário ilícito, é



preciso que ele possa ser imputado ao agente; e só é imputado ao agente quando o agente actuou culposamente. A culpa em sentido amplo abrange duas sub-modalidades: ○ 1. Culpa em sentido estrito, também designada por mera culpa ou negligência; ○ 2. Dolo.

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• Verificando-se uma das duas sub-modalidades, significa que o nível de diligência exigido ao agente, na sua vida quotidiana, não foi cumprido; • Há casos em que as pessoas não têm os requisitos para actuar culposamente. Para que uma pessoa seja susceptível do juízo de culpabilidade, é preciso que ela seja imputável; para lhe serem imputados actos, é preciso que ela seja susceptível de





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imputação, que seja imputável ou tenha imputabilidade; Diz-se imputável a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos actos que pratica e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca deles (art. 488º CC). Ele caracteriza-se: ○ Pela capacidade de entendimento mínimo, que permite ao sujeito prever as consequências dos seus actos; ○ E pelo mínimo de liberdade, que lhe permitia determinar-se. É imputável o sujeito que tem o mínimo de inteligência para perceber alcance do acto que pratica e que tem liberdade de determinação, isto é, que é livre de decidir ou não de praticar o acto; Pode dizer-se que para haver responsabilidade

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da pessoa inimputável é necessária a verificação dos seguintes requisitos: a) Que haja um facto ilícito; b) Que esse facto tenha causado danos a alguém; c) Que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo, reprovável, se nas mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável; d) Que haja, entre o facto e o dano, o necessário nexo de causalidade; e) Que a reparação do dono não possa ser obtida dos vigilantes do inimputável; f) Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das circunstâncias concretas do caso. • Artigo 488.º, n.º2 C.C. – presunção de inimputabilidade nos



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menores de 7 anos e nos interditos por anomalia psíquica; A culpa (art. 487º CC) exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa: ○ Há dolo, quando o agente actuou de forma a aceitar, a admitir, as consequências ilícitas da sua conduta. Diz-se dolosa a conduta quando o agente, não tendo previsto as consequências danosas e ilícitas que do seu acto iriam resultar,



não fez nada para as afastar, porque as admitiu; Há mera culpa, quando o agente actuou levianamente, imponderadament e, negligentemente, sem cuidado ou sem atenção, quando o agente, numa palavra, não empregou a diligência que o bom pai de família, colocado naquela situação, teria empregado.

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• Modalidades de culpa ○ A distinção entre dolo e a negligência, como modalidades de culpa, aparece logo referida na disposição que constitui a travemestra de toda a construção legislativa da responsabilidade

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civil (art. 483º/1 CC). O dolo aparece como modalidade mais grave da culpa, aquela em que a conduta do agente, pela mais estreita identificação estabelecida entre a vontade deste e o facto, se torna mais fortemente censurável. As modalidades de dolo são:  Dolo directo, quando o agente actuou para obter a consequência ilícita danosa obteve, tendo-a efectivament e obtido; o agente agiu, de modo intencional, para o resultado ilícito (+ grave);  Dolo necessário,



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quando o agente não tinha como objectivo do seu comportame nto o resultado ilícito, mas sabia que o seu comportame nto ia ter, como resultado inevitável, um ilícito; Dolo eventual, quando o agente prefigura a consequênci a ilícita e danosa como uma consequênci a possível do seu comportame nto e não faz nada para a evitar, conformand o-se com o

resultado grave).



(-

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Além do nexo entre facto ilícito e a vontade do lesante, que constitui o elemento volitivo ou emocional do dolo, este compreende ainda um outro elemento, de natureza intelectual (elemento de ciência). Para que haja dolo, é essencial o conhecimento das circunstâncias de facto que integram a violação do direito ou da norma tuteladora de interesses alheios e a consciência da ilicitude do facto.

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• Mera culpa ou negligência ○ Consiste na omissão da diligência exigível do agente. ○ Há culpa consciente, quando o agente representou a possibilidade da consequência ilícita danosa e só actuou porque se convenceu, de modo infundado, que conseguiria evitar a produção dessa consequência (+ grave); ○ Há culpa inconsciente, o agente não previu o resultado, não pensou nisso e ele ocorreu (grave); ○ A mera culpa (consciente ou inconsciente) exprime uma ligação da pessoa com o facto

menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou censurável. O grau de reprovação ou de censura será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou intenso o dever de o ter feito.

d) •



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Dano Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém; O dano é o prejuízo que um sujeito jurídico sofre ou na sua pessoa, ou nos seus bens, ou na sua pessoa e nos seus bens; a) Danos emergentes: é a diminuição verificada no património de alguém, em





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consequência de um acto ilícito e culposo de outrem, ou de um acto constitutivo de responsabilidade civil para outrem, ainda que não seja ilícito e culposo; b) Lucros cessantes: quando em consequência do acto gerador de responsabilidade civil, deixa de auferir qualquer coisa que normalmente teria obtido se não fosse o acto que constitui o agente em responsabilidade; Danos não patrimoniais ou morais (artigo 496.º C.C.): ao contrário dos danos patrimoniais, são os danos que se traduzem na lesão de direitos ou interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. O princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é limitado à responsabilidade civil extra-contratual. E não deve ser ampliado

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à responsabilidade contratual, por não haver analogia entre os dois tipos de situações. Estes danos têm de ser graves (conceito indeterminado a ser definido pelos tribunais), dependo, por isso, merecer a tutela do Direito. O n.º2 do artigo 496.º C.C. constitui uma norma especial para indemnização no caso de morte. Isto reportanos à matéria da admissibilidade do “dano morte”. A maioria da doutrina considera relevante autonomizar o dano morte, dada a impossibilidade de o falecido ser titular do direito de indemnização, sucedendo nesta posição as personalidades mais próximas da vítima; Dano é presente ou futuro, consoante já se verificou ou ainda não se verificou no momento da apreciação pelo Tribunal do direito à indemnização; isto é,

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futuros, são todos os danos que ainda não ocorreram no momento em que o Tribunal aprecia o pedido indemnizatório, mas cuja ocorrência é previsível e provável; • A gravidade do dano háde medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos. Por um lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado; • A reparação obedecerá a juízos de equidade tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso (art. 496º/3 CC – 494º CC); • A indemnização fixada tem especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado e é assim mais uma reparação do que uma compensação,

mais uma satisfação do que uma indemnização.

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e) Um nexo de casualidade entre o facto e o dano • Para que o dano seja indemnizável, é forçoso que ele seja consequência do facto ilícito e culposo no domínio da responsabilidade subjectiva extraobrigacional, facto não culposo no domínio da responsabilidade objectiva, onde o facto gerador do dano pode mesmo ser um facto lícito; • Em qualquer caso, e, portanto, em qualquer das modalidades da responsabilidade civil, tem sempre que haver uma ligação causal entre o facto e o dano para que o actor do facto seja obrigado a indemnizar o prejuízo causado (artigo 563.º C.C.); • Teoria da Causalidade

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Adequada – impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico (acto ilícito), condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado. Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe que o facto concreto apurado seja, em geral e em abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano (conditio sine qua non). A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação negativa, o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que

intercederam no caso concreto, não havendo lugar a responsabilização dos sujeitos. Por mais criteriosa, deve reputarse adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada43. ○

RESPONSABILIDADE EXTRAOBRIGACIONAL PELO RISCO OU OBJECTIVA 



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Se a autora se lançou para a porta do comboio e iniciou a descida da carruagem em direcção ao cais ou à plataforma da estação e saiu dele quando o serviço da paragem já estava concluído, a ordem de partida já tinha sido dada e o comboio já tinha iniciado a sua marcha, e se aquela se desequilibrou com o impulso do andamento do comboio e caiu à linha, só a mesma autora pode ser considerada a única culpada pelo acidente de que foi vítima, em termos de causalidade adequada (Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça nº 07A701, de 17 Abril 2007).

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43

A responsabilidade pelo risco é abrangida pelo n.º2 do artigo 483.º C.C., na medida em que não depende da culpa do agente. Este agente está na impossibilidade de escolher entre atitude conforme ou desconforme com o Direito; A obrigação de indemnizar nasce do risco inerente de certas actividades e integra-se nelas, independentemente de dolo ou culpa;





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Por força da remissão feita no artigo 499º CC, deve aplicar-se à responsabilidade pelo risco o disposto no art. 494º CC. O facto de a responsabilidade objectiva não depender de culpa do agente, não impede que a indemnização seja fixada em montante inferior ao dano, quando a situação económica do responsável pelo risco e do lesado e as demais circunstâncias o justifiquem; Elenco taxativo de situações previstas: • Responsabilidade do comitente (artigo 500.º C.C.) - Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar; • Responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas (artigo 501.º C.C.);





• •





Danos causados por animais (artigo 502.º C.C.); Acidentes causados por veículos (artigo 503.º C.C.); Colisão de veículos (artigo 506.º C.C.); Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás (artigo 509.º C.C.).

É manifestamente difícil provar a culpa em actividades economicamente vantajosas, como acidentes de viação. Daí que se prescinda da prova de culpa por parte da vítima, para a proteger.

RESPONSABILIDADE POR FACTOS LÍCITOS

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 O acto pode ser lícito e obrigar, todavia, o agente a reparar o prejuízo que a sua prática porventura cause a terceiro;  A licitude do acto não afasta necessariamente o dever de indemnizar o prejuízo que, num interesse de menor valor sofreu o dono da coisa usada, destruída ou danificada. E, por isso, se

impõe nuns casos, e se admite noutros, a fixação da indemnização a cargo do agente ou daqueles tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade (art. 339º/2 CC).



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Enriquecimento sem causa (art. 473º segs. CC) • Natureza subsidiária da obrigação de restituir (artigo 474.º C.C.); • Artigos 475.º e seguintes – situações específicas; • Exemplos de aplicação: ○ No caso de transferência bancária para conta errada, em que não há hipótese de recurso a outra fonte para restituir; ○ No caso de não devolução do dinheiro que foi emprestado a outrem e acabou por não ser aplicado para a causa devida. • Prescrição da obrigação de restituir – aplica-se o prazo previsto no artigo 482.º C.C. (três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável), sem prejuízo do prazo ordinário de 20 anos, consagrado no artigo 309.º C.C., se tiver decorrido este prazo a contar do enriquecimento; • Medida da obrigação de restituir – pode haver um duplo limite de

restituição: para além do valor calculável de enriquecimento sem causa, existe o empobrecimento do empobrecido, que também deve ser considerado.

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