Instinto Assassino

March 7, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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INSTINTO ASSASSINO William Randolph Stevens Instinto assassino   CIRCULO DO LIVRO CIRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 01051 São Paulo. Brasil  

Edição integral

  Título do original: "Deadly intentions"   Copyright (c) 1982 William Randolph Stevens  

Tradução: Isa

Mara Lando

  Capa: l layout ayout de Natanael Longo d de e Olivei Oliveira ra e  

foto de Eduardo Santaliestra

  Licença editorial para o Círculo do   por cortesia da Editora Rio Gráfica   Venda p permitida ermitida apenas a aos os sócio sócios s do   Composto pela Artestilo Ltda. Impresso e encadernado pelo Círculo do

Livro Ltda. Círculo Livro S.A.

  2 488 6 8 7 5   9010 91989 873 1 Para Christan e seus pais.  

Prólogo

O passageiro sinistro   Cansado de ficar em pé, Gene Zarr não via a hora de dar uma parada. Olhou para o relógio: já estava em pé havia duas horas, e ainda faltavam trinta e cinco minutos para terminar seu turno de serviço no balcão da American Airlines, no aeroporto de Tucson, no Arizona. A sua frente havia uma fila de uma dúzia de pessoas, e outras mais vinham chegando. O próximo vôo da American Airlines sairia às onze horas e cinqüenta e cinco minutos. Depois que esses passageiros fossem despachados e o avião partisse para Dallas, Zarr poderia fazer sua pausa.   Quando o passageiro seguinte deu um passo à frente, Zarr notou que tinha o peito e os braços muito volumosos, apesar de cobertos por um suéter bem folgado. "Um halterofilista", pensou Zarr. Olhou então a calça do homem. Também era muito grande, vários tamanhos maior que a numeração normal do sujeito. Apesar disso, o homem não usava cinto. Parecia que a calça estava segura por alfinetes de segurança. Em todos os seus anos de trabalho na American Airlines, Zarr já tinha visto muitas figuras estranhas, mas aquela levava a palma.   - Quero transferir meu vôo - disse o homem, estendendo seu bilhete para Zarr. - Quero partir no próximo avião para Dallas.

 

  O bilhete estava em nome do sr. A. Donald Vester, e seu vôo partiria de Tucson para Dallas na noite seguinte. Zarr começou a emitir um novo bilhete. Ao digitar as informaçôes no terminal do computador, a data foi registrada no bilhete: eram onze e vinte e quatro da manhã, 6 de dezembro de 1977.   - Sr. Vester - explicou Zarr -, para transferir um bilhete de vôo noturno para um vôo diurno, o senhor terá de complementar o preço da passagem.   Enquanto falava, Zarr notou que o homem usava peruca. Ela estava meio torta, e também era esquisita: uma cabeleira grossa, preta e lisa, que chegava até os ombros.   Zarr não se permitiu dar mais do que uma rápida olhada. A maneira comosentiu os passageiros se vestiam não era de sua conta. Mas ele que ali havia algo mais. O homem estava extremamente nervoso. Não era o nervosismo habitual de um passageiro temeroso; era diferente. A maneira de falar do homem, o modo como olhava para todos os lados, a expressão tensa de seu rosto, a peruca, as roupas que não se ajustavam bem, tudo indicava a mesma coisa: fique de olho nesse cara. Em poucos segundos, Zarr passou da curiosidade para a desconfiança.   - Quero pagar a diferença em dinheiro - disse Vester, tirando uma carteira do bolso. Enquanto ele fazia esse movimento, Zarr viu que o músculo do braço do homem se dobrava. Não era apenas o suéter; de alguma forma, o próprio braço do homem fez uma prega. Zarr teve então certeza de que alguma coisa estava errada. Aquele passageiro devia ser revistado ou interrogado antes de subir no avião.   Enquanto Zarr decidia o que fazer, Vester disse:   - Quero despachar minha maleta. Prefiro não levá-la comigo a bordo. - Ao dizer isso, passou o sobretudo para o outro braço, mostrando a maleta. Zarr não havia notado a maleta, pois ela estava oculta embaixo do sobretudo que Vester segurava no braço dobrado. Quando pegou a maleta na mão, Zarr notou que a alça estava quebrada. Uma ponta estava solta. Por esse motivo, ele colou a etiqueta de identificação no lado da maleta, em vez de amarrá-la na alça.   Enquanto fazia isso, Zarr raciocinava intensamente. O passageiro não levava mais nenhuma bagagem. Por que iria perder meia hora em Dallas para reaver uma maleta pequena, que poderia facilmente levar consigo a bordo do avião? O estranho passageiro tornou a falar com ele.   - Preciso tirar uma coisa da maleta. Quer devolvê-la a mim? - pediu, ansioso.   Zarr devolveu a maleta sem nenhum comentário, e Vester afastou-se rapidamente, dizendo:   - Volto já.   Zarr percebeu que ali estava sua chance. Tinha quase certeza de que havia algo de errado. Avisou os outros funcionários do balcão de que iria sair por alguns instantes. Como estavam todos ocupados despachando passageiros, ninguém notou sua expressão preocupada. página 10   Só havia uma coisa a fazer: informar o que tinha visto, e logo. Dirigiu-se rapidamente para o escritório de seu

 

supervisor, pensando na possibilidade mais óbvia: o homem poderia ser um seqüestrador, levando um explosivo na maleta. Nos onze anos em que trabalhara na American Airlines, nunca um passageiro o tinha alarmado tanto como aquele.   O supervisor de Zarr, Gene Weber, costumava julgar a gravidade de um problema de acordo com a pessoa que o trazia. O treinamento de segurança havia deixado os funcionários novos, e mesmo alguns mais experientes, bastante apreensivos. Por isso, eles informavam qualquer coisa que saísse do normal. Zarr, porém, raramente procurava Weber. E, por isso, mesmo sem ter visto o tal A. Donald Vester, Weber sentiu que havia motivo para preocupação.   Rapidamente, ele adotaram estratégia. Preocupados em ga garantir rantire Zarr a seg segurança urança d dos os uma oiten oitenta ta passa passageiros geiros do avião para Dallas, precisavam descobrir se Vester estava levando alguma coisa perigosa consigo ou em sua maleta. E precisavam agir discretamente, pois talvez não houvesse nada. A solução que Weber encont encontrou rou foi dizer uma simples mentira. Quando Vester voltasse com sua maleta, Zarr o avisaria de que não havia mais tempo para despachá-la no avião das onze e cinqüenta e cinco para Dallas. Ele teria de levá-la consigo a bordo.   Dessa forma, Vester seria forçado a passar com a maleta pelo serviço de segurança do aeroporto, onde as máquinas de raios X e os detectores magnéticos revelariam se ela continha algo ameaçador.   Gene Zarr voltou para o balcão, com uma sensação de opressão noopeito e a Passaram-se respiração alterada. Havia esquecido completamente cansaço. vários minutos. Veríficou os bilhetes de outros passageiros, despachou bagagens, respondeu a perguntas, mas não parava de pensar em Donald Vester. Começou a ficar impaciente e ansioso. O homem tinha se afastado havia quase dez minutos. Era tempo mais que suficiente para tirar o que precisava da maleta e voltar. Onde estava ele? Passou-se mais um minuto, mais outro e mais outro.   O balcão começou a esvaziar-se. Quase todos os passageiros já haviam sido registrados e estavam diante do portão de embarque, aguardando o momento de tomar o avião. Algumas pessoas ainda estavam sendo atendidas no balcão, mas não havia ninguém em frente a Zarr. Olhou para todos os lados, procurando Vester. De repente, viu que ele chegava, já a poucos metros de distância. Vinha na direção de Zarr, com a maleta na mão. página 11   Zarr sentiu seu coração bater mais depressa. Enquanto Vester se aproximava, Zarr se deu conta da razão por que não o tinha percebido antes: o homem agora vestia o sobretudo que antes carregava no braço. Zarr o observou bem e percebeu que o sobretudo realçava o estranho contraste entre a cabeça e o corpo de Vester. Não eram proporcionais. Com o casaco, notava-se ainda mais que a cabeça e o pescoço de Vester eram muito pequenos em relação ao corpo.   Zarr tentou acalmar-se e comportar-se normalmente. Não estava acostumado a mentir, e esperava conseguir fazê-lo sem dar na vista.

 

  Ao colocar a maleta sobre o balcão, Vester disse alguma coisa, mas Zarr não ouviu. Estava concentrado no que ia dizer.   - Sinto muito, meu senhor - disse, fingindo naturalidade. - Não há mais tempo para despachar sua bagagem. Já encerramos o despacho de malas para esse vôo. O senhor terá de levá-la consigo a bordo.   Vester demonstrou claramente sua irritação.   - Não quero levar a maleta no avião. Quero despachá-la. - Havia desespero em sua voz.   Zarr não se abalou.   - Sinto muito, senhor, mas é impossível. Já encerramos o despacho das bagagens, não podemos enviar mais nada.   - Mas eu não quero levá-la. Quero despachá-la. Zarr notou que a voz de Vester tremia um pouco, assim como suas mãos.   - Sinto muito, não posso fazer nada. Mas, se o senhor a levar até o portão de embarque, lá os funcionários poderão despachá-la.   Demonstrando grande aborrecimento, Vester pegou novamente sua maleta e foi andando para o portão de embarque. Zarr respirou fundo e relaxou um pouco. Em menos de um minuto, Vester estaria passando pela revista de bagagem.   Michelle Griggs era a funcionária encarregada do controle de bagagens do Portão B. Era uma loura bonita, e nenhum homem de negócios que passava por aquele portão se incomodava que ela revistasse sua bagagem. página 12   Com a maleta na mão, A. Donald Vester dirigiu-se a ela e disse secamente:   - O funcionário do balcão de passagens me disse que eu poderia despachar a minha maleta aqui no portão de embarque.   Sem nenhum comentário, Michelle pegou a maleta e, antes que Vester pudesse reagir, colocou-a na cinta transportadora. Vester ficou olhando consternado sua maleta mover-se devagar e entrar na máquina de raios X.   - Mesmo que o senhor a levasse somente até a entrada do portão de embarque, teríamos de revistá-la explicou Michelle, examinando o monitor da máquina. Quando a maleta passou pelo aparelho de raios X, a máquina projetou na tela o que ela continha, realçando os objetos com vários tons de cinza. Ela logo reconheceu algumas coisas, como um alicate e outras ferramentas. Mas havia um objeto em forma de caixa que ela não conseguia identificar. Enquanto Vester observava atentamente, ela parou a cinta transportadora e fez a maleta passar novamente pela máquina. De novo, o monitor de raios X mostrou os vários objetos e novamente Michelle não conseguiu identificar todos aqueles contornos cinzentos. Levantando-se, pegou a maleta, que já saía do outro lado da máquina.   - Está um pouco difícil de identificar - disse ela. - O que o senhor tem aqui dentro? - Ao fazer a pergunta, percebeu que o passageiro usava uma peruca.   - Coisas sem importância. Umas ferramentas, uma faca e algum dinheiro.

 

  - Bem, não estou conseguindo distinguir direito. O senhor vai ter de abrir a maleta para vermos o que há nela.   Percebendo que havia algum problema, Frank DeMercy, oficial da polícia do aeroporto, se aproximou.   - Mas eu não posso abrir a maleta. Não tenho a chave - disse-lhes Vester.   - A maleta não poderá entrar no avião se o conteúdo não for examinado - replicou DeMercy, com firmeza. - O senhor vai ter de abri-la.   Essas pequenas discussões com passageiros não eram novidade para DeMercy. Por isso, ele não ficou desconfiado. Mas nem ele nem Michelle Griggs tinham notado as calças largas do passageiro, escondidas debaixo do sobretudo. Tampouco tinham noçãoagora d de e como ele havia ficado nervoso quando Gene Zarr lhe dissera que teria de passar com a maleta pelo portão de embarque. página 13   - Mas eu não tenho a chave, não posso abri-la insistiu Vester.   - Nesse caso, o senhor vai precisar voltar ao balcão de passagens e despachar a maleta como bagagem - recomendou DeMercy, sem saber que a última coisa que Gene Zarr desejava era ver aquele passageiro outra vez.   Quando Vester apareceu de novo no balcão, Zarr teve a certeza de que sua intuição estava certa.   explicou - Eles Vester. não querem me deixar levar a maleta bordo - Disseram que, se eu quiseralevá-la, terei de abri-la, e não posso fazer isso. Estou sem a chave.   Zarr não acreditou. Afinal, alguns minutos antes o homem tinha se afastado com sua maleta para tirar algo de dentro dela. Mas Zarr não o contradisse.   - Por que o senhor não deixa a maleta aqui comigo no balcão - disse com calma - e volta para a revista de bagagens? Eu o encontro lá em dois minutos.   Desta vez, Vester afastou-se sem protestar e sem fazer caretas, deixando a maleta no balcão. Zarr certificou-se de que Vester estava seguindo suas instruções. Agarrou então a maleta, e voltou rapidamente ao escritório. de Weber. Juntos, os dois seguiram quase correndo à procura de Vester no local da revista.   Várias pessoas esperavam em fila para passar pelo detector magnético.   - Quem é ele? - perguntou Weber.   - Ele não está aqui - respondeu Zarr, examinando outra vez o grupo de pessoas. Não havia dúvidas, Vester não estava lá. - Talvez ele já tenha ido para o portão de embarque - sugeriu Zarr.   Deixando a maleta no balcão de Michelle Griggs, em frente à máquina de raios X, os dois homens saíram apressadamente. Michelle reconheceu a maleta pela alça quebrada e péla etiqueta de identificação colada no lado.   Logo depois Zarr e Weber chegaram ao Portão B-5 e viram Vester. Estava na fila, com mais alguns passageiros que mostravam suas passagens, ansiosos por subir no avião. Weber dirigiu-se a ele sem rodeios.   - Sr. Vester, não vou deixá-lo levar sua maleta para o avião se não puder veríficar o conteúdo dela e ter certeza

 

de que não há nada de perigoso dentro. página 14   - Mas eu não quero levá-la comigo. Quero despachá-la junto com as bagagens.   - Isso não importa. Não faz diferença de que modo o senhor quer levá-la. O fato é que essa maleta não entra no avião até que o senhor nos mostre o que ela contém.   - Mas não posso fazer isso. Não tenho a chave.   - Bem, sr. Vester, eu já soube que o senhor pegou a maleta de volta do balcão para tirar um objeto de dentro dela e que então o senhor se afastou do balcão por cinco ou dez minutos. Logo, creio o abri-la. senhor pode abri-la. Acho que o senhor apenas nãoque quer   - Não posso abri-la, já lhe disse. Perdi a chave. E preciso dessa maleta. Tenho de estar com ela quando chegar a Dallas.   Weber imediatamente flagrou o erro. Se Vester precisava da maleta em Dallas, por que a tinha abandonado no balcão e tentado entrar no avião sem ela? Weber ficou mais firme do que nunca em sua decisão de impedir que a maleta entrasse no avião. Logo começou a pensar em outro aspecto do pr problema: oblema: haveria justificativa suficiente para negar ao próprio Vester o direito de subir no avião? Ele não estava bêbado, não estava provocando nenhum distúrbio e havia passado pela verificação de segurança. O grande problema era sua bagagem. Mas Weber não tinha como impedir VesterVester de embarcar. queem estava em posição vantajosa, começouSentindo a reclamar voz alta por estarem criando tanta confusão só por causa de sua maleta.   - O avião já vai sair e preciso de minha maleta.   Como que para confirmar sua insistência, naquele exato momento os alto-falantes deram o aviso final de partida. Outros dois passageiros, ainda esperando o embarque, assistiam à discussão com curiosidade. Weber precisava encontrar uma solução, e rápido.   - Está bem, sr. Vester, vou fazer o seguinte - disse ele. - Lá em cima, no escritório da segurança segurança, , temos muitas chaves, talvez mais de cem. Uma delas deve abrir a maleta. Com sua permissão, vou levá-la para lá e examinar-lhe o conteúdo. Se não houver nada de perigoso, eu a despacharei para o senhor no próximo vôo da American Airlines para Dallas. Hoje, no fim da tarde, o senhor receberá sua maleta em mãos. Mas, para tanto, preciso de sua permissão.   Vester concordou: página 15 - Está bem, mas não esqueça que é muito importante eu receber minha maleta em Dallas, ainda hoje.   Weber pediu a Vester o canhoto da etiqueta da bagagem e escreveu escreveu nele: "S. V.", e o número 384. Isso significava: separação voluntária, vôo 384, o próximo vôo para Dallas.   Depois ficou olhando Vester dirigir-se para o avião. Logo, uma profunda sensação de ansiedade e arrependimento tomou conta dele. Não seria arriscado deixar aquele

 

indivíduo embarcar? Não es estava tava nad nada a satisfeito com su sua a decisão quando chegou ao escritório de seu supervisor, George Boiko. Assim que Weber terminou de narrar os fatos, começando pelas coisas estranhas que Zarr tinha notado e terminando com o acordo feito com Vester, George Boiko levantou-se e, sem dizer nada, foi com Weber até a revista de bagagem, onde estava a maleta.   Lá chegando, Michelle Griggs passou novamente a maleta pelo raio X, tentando outra vez identificar o objeto retangular anteriormente observado. Pelo formato e pela cor cinza-clara, ela sabia que se tratava de uma caixa metálica. No entanto, dentro daquele retângulo a cor cinzenta não era uniforme. Algumas áreas mostravam-se muito mais escuras. acostumada a lidar com máquina, sabiaMichelle, que, quanto maior a densidade deaquela um objeto de metal, mais escuro ele aparecia na tela. Concluiu, então, que estava vendo objetos metálicos dentro de uma caixa, mais pesados do que a própria caixa. Isso não era novidade para ela. Já havia visto metal dentro de metal, mas, quando isso acontecia, simplesmente pedia ao passageiro para abrir a mala a fim de poder identificar o objeto. Dessa vez, no entanto, tinha de interpretar o que a máquina lhe mostrava.   Concentrando-se nos objetos mais escuros dentro da caixa, percebeu, de repente, o que era. O objeto mais escuro era uma arma. Conseguia distinguir vagamente o contorno do cano e da coronha.   - É um revólver - disse ela. - Estou vendo. Sim, é revólver!   umImediatamente, George Boiko, logo atrás dela, inclinou-se, tentando olhar para a tela: Michelle afastou-se e deixou Boiko tomar seu lugar. Mas ele, não acostumado com o monitor, via apenas a caixa retangular e algumas ferramentas, e não conseguia perceber as variações de tonalidade. Isso não tinha a mínima importância: ele tinha plena confiança em Michelle Griggs. página 16   Boiko disse ao oficial de polícia DeMercy para descer com a maleta até a área das bagagens. Voltou-se, então, para o policial Jim Keltch, que acabava de chegar, e ordenou que solicitasse à delegacia um destacamento especializado em explosivos. Enquanto isso, Weber foi até o escritório da segurança buscar as chaves. Depois de alguns minutos, encontrou-se com Boiko e DeMercy na grande área aberta destinada às bagagens.   Ajoelhado com Weber a seu lado, Boiko tentou a primeira chave, sem sucesso. Tentou outra e mais outra. A sétima chave serviu. Girou facilmente, e um dos fechos abriu com um estalo. Mas o outro não abria. Não adiantou girar a chave de um lado e de outro. Foi então que Boiko forçou a maleta; conseguiu uma pequenà abertura de menos de dois centímetros, em um dos lados. Espiando por essa abertura, localizou a caixa de metal. Ficou então paralisado com o que viu: um pedaço de fio elétrico ou barbante, não tinha certeza. Pela primeira vez, deu-se conta de que estava em perigo. Só para cumprir o regulamento, tinha requisitado os cães treinados para detectar bombas, mas na verdade não esperava encontrar explosivos na maleta.

 

Agora, movendo-se devagar, com todo o cuidado, colocou-a no chão e afastou-se.   - Tragam a rede antibomba! Tragam a rede antibomba e levem esse negócio para fora! - gritou aos policiais da segurança. - Para trás, todo mundo, afastem-se! - Só então percebeu que todos já estavam muito mais longe da maleta do que ele. A quinze metros de distância, todos olhavam para ele em silêncio, enquanto ele gritava.   O policial Keltch havia telefonado para a delegacia do condado de Pima solicitando o destacamento especializado em explosivos. Também tinha pedido os cães treinados do Departamento de Polícia de Tucson. Keltch, porém, estava preocupado com todos aqueles fatos. O oficial DeMercy havia contado a ele sua da história: e Michelle Griggs haviam detido um versão passageiro por causaele de sua bagagem de mão. O passageiro, abandonando a maleta, correra pelo corredor e embarcara num avião. Voava agora para Dallas-Fort Worth. Quando Michelle examinou a maleta no detector de metais, declarou ter certeza de que havia uma arma dentro.   Havia algumas contradições naquela versão da história, mas o mais importante era que, do ponto de vista legal, havia havia omissões. DeMercy não sabia que Vester no início queria despachar sua maleta como bagagem, nem que Zarr o tinha quase forçado a apresentá-la na revista de bagagem. Também não sabia que Vester tinha afinal concordado que os oficiais da segurança abrissem sua maleta e a enviassem depois, num outro vôo. Com base naquilo que sabia, Keltch decidiu informar o escritório do FBI em Tucson. Era possível que se tratasse de um crime federal. página 17   Keltch contou sua história para o agente Don Hall, acrescentando que o destacamento especializado em explosivos e os cães treinados já estavam a caminho. Don Hall, por sua vez, telefonou para o escritório da polícia federal.   Se o que Keltch havia dito era verdade, as leis federais contra seqüestro tinham si sido do viola violadas, das, e ele queria permissão para prender esse tal A. Donald Vester sem mandado, quando o avião pousasse em Dallas. Um funcionário desse departamento federal lhe deu a permissão, e informou a Hall que o Departamento de Segurança Nacional providenciaria uma ordem de prisão.   O destacamento especializado em explosivos, formado pelo sargento Davey Reagor e pelo agente Ronald Harris, chegou ao aeroporto dez minutos antes da equipe que trazia os câes. Depois de ser informado dos fatos por Boiko e Weber, Davey Reagor perguntou qual era o destino e a duração do vôo. Disseram-lhe que o vôo 156 chegaria em Dallas-Fort Worth às catorze e quarenta e três, horário de Dallas, e que a duração do vôo era de uma hora e quarenta e oito minutos.   Reagor olhou para seu relógio. Era meio-dia e vinte e quatro minutos. O avião já estava no ar havia mais ou menos meia hora. Como a maleta estava em segurança lá fora, dentro da rede antibomba, sua principal preocupação era o avião e seus passageiros. Estariam ainda em perigo, mesmo que a maleta não estivesse a bordo?

 

  Reagor sabia que o simples fato de Vester ter passado pela segurança sem problemas, depois de abandonar a maleta, não significava absolutamente nada. Ele próprio, a título de experiência, já havia escondido em sua roupa vários quilos de explosivos, conseguindo passar livremente pelos detectores magnéticos. Seu objetivo havia sido demonstrar que os equipamentos de segurança não detectavam tudo. Substâncias não metálicas, como dinamite ou explosivos plásticos, ou então combustíveis dentro de recipientes  plásticos, não eram assinaladas pelos detectores magnéticos, nem pela máquina de raios X. Reagor sabia como era fácil passar pela segurança com materiais perigosos: suas três tentativas haviam alcançado pleno sucesso. página 18   Repassando mentalmente os fatos, ocorreram-lhe outras possibilidades. O passageiro tinha tentado despachar sua maleta. Portanto, talvez pretendesse enviar a maleta e não embarcar. A bomba explodiria quando o avião estivesse no ar e Vester a salvo em terra firme, longe do aeroporto. Mas Reagor preferiu a outra possibilidade: Michelle e Boiko estavam errados, não havia nenhuma arma na caixa, e o fio ou barbante que Boiko havia visto não oferecia perigo.   Era apenas uma esperança. O perigo potencial era verdadeiro. Reagor decidiu que seu próximo passo seria examinar o que havia na rede antibomba. Deu ordens a Weber, Boiko e outros policiais para ficarem onde estavam, enquanto ele se aproximava da rede antibomba.   Trata-se de um cilindro de fibra de vidro, de um metro e vinte de altura, aberto em cima e embaixo. Dentro há uma rede que segura os objetos para que não toquem no chão e fiquem logo abaixo da beirada superior do cilindro. Se uma bomba explodir, a rede direciona o impacto para cima e para baixo, e não para os lados.   Reagor trazia no pescoço um estetoscópio eletrônico. Depois de examinar a maleta por alguns segundos, ajustou o estetoscópio no ouvido, e, com cuidado, colocou o bocal sobre a maleta. Nada. Mesmo com a amplificação no volume máximo, não ouviu nada, nenhum zumbido, nem o clássico tique-taque.   Mesmo assim, não se acalmou. A ausência de som podia indicar que não hav havia ia uma bomba, mas ta também mbém podia significar que o explosivo tinha um detonador silencioso. Reagor decidiu esperar pelos cães antes de continuar. Aguardava a chegada de Zitto. Zitto era o único cachorro em que confiava.   Zitto estava deitado no chão quando o telefone tocou. Ficou olhando, ansioso, enquanto Jim Richards atendia, conversava e desligava. No momento em que Jim tirou a coleira e a correia do cachorro do gancho onde estavam penduradas, o grande pastor alemão pu pulou lou em pé. Iam agora fazer aquilo de que Zitto mais gostava. Dirigindo em alta velocidade, Jim Richards chegou ao aeroporto ao meio-dia e quarenta e cinco. página 19  

Butch Weadock e seu cachorro Archie também tinham

 

sido chamados e chegaram logo depois. Archie, o cão de Weadock, não tinha a experiênc experiência ia de Zitto: estava "em serviço" há menos de um ano. Reagor teria de confiar sobretudo em Zitto.   Um grupo de seis ou sete pessoas observava a uma distância segura, quando Richards passou outra coleira pelo pescoço do animal. Essa coleira de couro era um sinal para o cachorro: o jogo vai começar, alerta total. Zitto reagiu como sempre: de orelhas eretas, rabo esticado, abaixou a cabeça e começou a farejar. Zitto era capaz de detectar pelo cheiro quantidades mínimas de vinte e um tipos diferentes de explosivos à base de nitrato.   Richards não levou o cão imediatamente para a rede. Em então vez disso, foiacom ele atécoma ele, parede do ladoem oposto, e só começou caminhar devagar, direção à rede.   À medida que avançava, Richards controlava a atenção de Zitto, apontando para diferentes objetos e repetindo uma série de perguntas:   - O que é isso? O que é aquilo? O que é isso, rapaz? Zitto, olhe aqui. - Zitto percorreu a área centímetro por centímetro, farejando constantemente, com o corpo tenso de concentração.   Quando chegou à rede, começou a farejar a base do cilindro e logo subiu pelos lados. Então, num movimento vagaroso e deliberado, levantou as patas dianteiras e apoiou-se na beirada do cilindro. Jim Richards estava logo atrás. Via a maleta dentro da rede. Zitto colocou o focinho o mais perto possível da maleta, sem tocá-la. Farejou e, então, pulou para trás e sentou-se, girando a cabeça para o treinador.   Ao ver a reação do cachorro, uma onda de alívio percorreu as pessoas pessoas qu que e observa observavam vam a cena. Gene Weber e George Boiko tranqüilizaram-se e sorríram. Todos os demais também começaram a rir e a conversar. Dois oficiais se aproximaram. Richards lançou para eles um olhar breve, que dizia claramente: "Afastem-se, para trás".   Eles pararam. Ninguém se mexia. Ninguém dizia nada. Viram que Richards segurava a coleira de Zitto bem firme. O sargento Reagor compreendeu o porquê. Richards queria garantir que Zitto não pulasse de novo na beirada do cilindro, pois esse movimento poderia disparar alguma coisa. Zitto havia indicado claramente àqueles que sabiam interpretar seus movimentos aquilo que eles precisavam saber: a maleta continha um explosivo. Podia ser uma bala de festim ou uma bomba capaz de destroçar um avião com todos os seus passageiros. página 20 aaa   Agora era a vez de Archie. Ele iria confirmar a descoberta de Zitto.   Butch Weadock e Archie caminharam ao longo da parede da mesma maneira que Richards e Zitto haviam feito, só que mais devagar. Quando estavam a poucos passos da rede, Weadock plantou-se firmemente no chão, com os pés afastados, e jogou o peso do corpo para trás. Nessa posição poderia segurar Archie em pé nas patas traseiras e evitar que tocasse com as dianteiras no cilindro, como Zitto tinha feito.

 

  Archie aproximou-se do cilindro, farejou a base e o lado, e levantou-se para cheirar a parte superior. Butch o segurou. Archie, nas perna pernas s traseiras, esticou o pesc pescoço oço para alcançar o objeto dentro da rede. Butch deu-lhe um pouquinho de folga, só o suficiente para que seu focinho chegasse até a maleta. Archie fícou nessa posição por um momento e, então, abruptamente, sentou-se e virou a cabeça para seu treinador.   Não havia mais dúvida. Reagor olhou novamente para o relógio: meio-dia e quarenta e cinco. Agora que sabia que a maleta continha explosivos, seus pensamentos se voltaram para os passageiros do avião. Não havia tempo a perder. Reagor temia que Vester estivesse levando uma bomba consigo ouReagor que tivesse uma outra em algum lugar do avião. sabia escondido que as pessoas que colocam bombas em aviões costumam armar os detonadores para que a explosão ocorra na segunda metade do vôo. O vôo 156 estaria na metade do caminho para Dallas em menos de cinco minutos.   Logo depois da decolagem, as quatro comissárias de bordo prepararam-se para servir o almoço. Era quase meiodia, e tinham menos de duas horas para servir todos os passageiros.   Duas comissárias chegaram à fileira 13 com o carrinho das bebidas e perguntaram para as três pessoas sentadas à   21 direita se queriam almoçar. Antes que alguém respondesse, o homem sentado na poltrona do meio disse:   - Não estou no lugar certo. Meu lugar é o 9C.   Desafivelou o cinto de segurança, levantou-se e tentou passar pelo corredor, que estava bloqueado pelo carrinho. Disse então para as comissárias:   - Tenho de voltar para meu lugar.   A comissária olhou para sua colega, como quem diz: "Qual é o problema? O que há com ele?"   Sem dizer nada, as comissárias afastaram o carrinho e o deixaram passar. Uma delas, ao vê-lo caminhar pelo corredor, perguntou-se por que ele estaria vestindo um sobretudo abotoado até o queixo.   Uma hora após a decolagem, todos já haviam almoçado, inclusive a tripulação. As comissárias teriam agora um pequeno intervalo e começariam a recolher as travessas. A primeira parte do vôo tinha sido totalmente rotineira, quase monótona. Para as comissárias, o vôo prosseguia exatamente como fora planejado pela American Airlines, sem nada que alterasse a rotina.   Nenhuma delas deu atenção ao dr. Noah Fredericks, um homem alto e distinto, de cabelo branco e óculos de aro metálico, sentado na poltrona 8D. O dr. Fredericks não estava apreciando o vôo. Nem podia, considerando o que tinha visto no aeroporto logo antes de embarcar e o que estava vendo agora.   Sua atenção estava voltada para o homem da poltrona 9C, do outro lado do corredor e na fileira traseira. O dr. Fredericks tinha estado logo atrás desse homem quando ele passara pela segurança, na ocasião em que a máquina de raios X havia revelado objetos metálicos em sua maleta.

 

Era também uma das pessoas na fila que esperavam para embarcar quando os funcionários detiveram aquele homem no portão de embarque, para interrogá-lo. Ele os tinha ouvido dizer que a bagagem do homem não subiria a bordo, a menos que ele a abrisse para inspeção. Notou o nervosismo do homem ao dizer que não podia abrir a maleta e reparou também na peruca e nas roupas estranhas. Mas o que mais perturbou o dr. Fredericks foi ouvir um funcionário dizer àquele homem que não acreditava que ele não conseguisse abrir sua maleta.   Agora, durante o vôo, o dr. Fredericks tinha visto o homem trocar trocar de lugar depois que o avião decolara e, então, ficar sentado imóvel, como se estivesse em transe, 22 ! durante to toda da a primeira met metade ade do vôo. Mesm Mesmo o durante o   almoço, o home homem m tinha permanecido olhando fixamente Í para a frente, faze fazendo ndo moviment movimentos os mecânicos para comer. ' O dr. Fredericks tentou relaxar e ler uma revista médica  mas não cons conseguia eguia con concentrar-se. centrar-se. Decidiu, enfim, vigiar  aquele homem. Talvez não adiantasse nada, mas assim ele  se sentiria melhor.   Reagor e Harris resolveram abrir a maleta. Optaram  por dispensar a roupa protetora recomendada para situações  perigosas. Vesti-la era algo muito complicado, e ela atra palhava os movimentos. Além disso, conheciam bem a velha  piada da escola de polícia: a única vantagem da roupa pro tetora é que a esposa ficava com um tórax intacto para  enterrar.   Harris deitou-se no chão, com a cabeça a um palmo da  maleta. Tinha nas mãos uma lanterna especial: uma vareta de  metal flexível, com uma pequena lâmpada na extremidade.  Segurando-a, Harris tentou olhar dentro da maleta, pela  abertura que George Boiko havia feito, ao abrir um dos  fechos. Por ela, conseguiu ver o fio e a caixa m tálica que  Boiko já havia visto. Nada mais. Talvez houvesse algumas  roupas, mas não tinha certeza.   Reagor ajoelhou-se a seu lado e cortou três pedaços  de fita adesiva. Enquanto Harris segurava a maleta, Reagor  passou duas tiras em volta da abertura, perpendicularmente  à alça, deixando um pouco de folga. Passou então à ter ceira tira, com mais folga.   Com as fitas já coladas no lugar, começou a abrir  devagar o segundo fecho.   Embora fosse Reagor a lidar com a maleta, ambos  estavam tão perto um do outro que o perigo era igual  para os dois. Estavam com medo. Qualquer erro, por  pequeno que fosse, e aqueles seriam os últimos momentos  de suas vidas. Mas já sabiam lidar com o medo. Essa era  a parte mais importante e difícil de seu trabalho: aprender  a controlar o medo de maneira a não prejudicar sua perícia,  exatamente quando mais precisavam dela.   Haviam aprendido a colocar o medo num comparti mento estanque da mente, deixando-o ali isolado por  completo. A concentração total e absoluta no que estavam  fazendo era sua melhor arma. Para manter aquela concen tração, os dois homens falavam o tempo todo, discutindo

,

 

 

23

  '''"% cada etapa da tarefa. Isso evitava que seus pensamentos se voltassem para suas sensações pessoais.   - Estou puxando. Sinto que está cedendo..   - Ainda não consigo distinguir o que está ao lado da caixa de metal. Não sei se é arame ou barbante.   - Está abrindo . . . está abrindo.   - Vá com calma, Davey. a Pode haverláumdentro. detonador embutido. Deixe eu enfiar lâmpada   - Está abrindo.   - Calma, Davey, calma.   Após longos minutos de ansiedade, o fecho começou a ceder sob a pressão de Reagor. Se houvesse um detonador, esse seria o momento de explodir, mas Reagor não afrouxou a pressão. De repente, o fecho se abriu: só as tiras de fita adesiva evitaram que o conteúdo da maleta se esparramasse no châo. A folga que Reagor havia deixado nas fitas permitia uma abertura de no máximo dois centímetros. Segurando firmemente a maleta nas mãos, sem se atrever a fazer qualquer movimento, IZeagor fez um sinal para Harris, que aproximou a lanterna. Com a ajuda do feixe de luz, viram claramente uma coisa. O "fio elétrico" que tinha alarmado George Boiko não era fio nenhum era um simples barbante, e não estava atado à caixa de metal.   Reagor ainda não se permitiu ficar aliviado. Era cedo demais para para relaxar. Cortou as duas primeiras tiras de fita adesiva, e a maleta se abriu mais dois dedos, tanto quanto a terceira fita permitia. Então Harris introduziu com cuidado a lanterna metálica dentro da maleta. Viu ferramentas, roupas, o barbante e outros objetos. Nenhum fio oculto, nada que indicasse que a maleta oferecia perigo. Cortou o terceiro peda pedaço ço de fita e abriu a maleta bem devagar. Apareceram então pela primeira vez um desentupidor, cortadores de vidro, fita crepe, luvas e um volumoso envelope branco. Dentro dele encontraram não uma bomba, mas uma porção de bombinhas de São João.   Mais uma vez, Reagor não cedeu à sensação de alívio. A caixa metálica aind ainda a era a maior incógnita, e estava fechada com fita adesiva. Com cuidado, Reagor tirou-a da maleta e colocou-a a alguns passos de distância. Precisava outra vez de Zitto. Embora a quantidade de nitrato nas bombinhas fosse pequena, era suficiente para provocar a reação do animal. Durante o treinamento, Zitto já tinha reagido a um papel de embrulho vazio que servira para 24

  '''"% embalar explosivos. A caixa metálica teria de ser verificada

 

em separado.   Zitto aproximou-se dela como tinha feito com a maleta. Seguindo os coma comandos ndos do treinador, veio andando devagar a partir da parede oposta. Sua postura era típica: o corpo todo tenso, a cauda esticada. Ao chegar perto da caixa, aproximou-se devagar e chegou com o focinho até bem perto, sem tocá-la. Levantou então as orelhas e o rabo, e de repente sentou-se, virando a cabeça para o treinador.   De novo, Richards afastou-se com Zitto para um local seguro, e Reagor ajoelhou-se em frente à caixa. Cortou a fita com uma faquinha e levantou a tampa com cuidado. Pela primeira vez em uma hora e meia, Reagor sentiu-se aliviado. Teve vontade de rir, gritar, dar vazão à sua euforia.   - Podem voltar, está tudo bem - gritou aos outros. - Esse cara não é nenhum seqüestrador. Ele é um arrombador!   Os policiais se aproximaram, curiosos para ver o que Zitto havia detectado dentro da caixa. Quando chegaram perto, Reagor Reagor mostrou a todos um revólver calibre 32 e bastante munição extra. Triunfante, Reagor levantou o revólver e as balas bem alto, para todos verem. Zitto tinha reagido à pólvora das balas.   Havia outros objetos dentro da caixa: uma faca de escoteiro, um conjunto de chaves de fenda, que se ajustavam a um cabo, e várias outras bombinhas de São João. Mas a arma já era suficiente para Keltch. Voltou imediatamente à sala da segurança e telefonou ao escritório local do FsI, avisando que de fato haviam encontrado uma arma dentro da maleta. O agente do FsI, Don Sickles, informou a Keltch que a polícia federal havia emitido verbalmente a ordem de prisão contra A. Donald Vester, sem mandado, quando este descesse do aviáo em Dallas. Enquanto isso, o FsI providenciaria um mandado de prisão.   Keltch imediatamente ligou para o Departamento de Segurança Pública de Dallas, responsável pela segurança no aeroporto de Dallas-Fort Worth. Relatou a versão errônea da história, de acordo com o que DeMercy lhe havia contado, assim como a descrição que DeMercy fizera do passageiro que deviam prender.   Assim que Keltch ter terminou minou de falar co com m Dallas, Reagor e DeMercy entraram no escritório da segurança,   25 trazendo a maleta. Enquanto Keltch olhava, os dois policiais começaram a fazer um inventário do conteúdo da maleta.   Um deles ia tirando um a um os objetos de dentro da maleta e os ia descrevendo, e o outro tomava nota. Um dos últimos objetos foi uma certidão de nascimento com o nome de Terry Lee Cordell. Nenhum dos policiais conseguiu ter ter certeza se estava escrito Cord Cordell ell ou Cardell. Keltch decidiu pedir uma verificação de ambos os nomes no Centro Nacional de Informações Criminais, para saber se havia acusações con contra tra um daqueles dois nomes em qualquer parte dos Estados Unidos. Resolveu também fazer o mesmo com A. Donald Vester. Ao digitar os três nomes no computador, logo veio a resposta: nenhuma acusação.   Keltch deu outro telefonema, dessa vez para o escritório do FsI no aeroporto de Dallas-Fort Worth, notificando

 

que já já havia informado ao Depa Departamento rtamento de Segurança Pública da possibilidade de um seqüestro do vôo 156 da American Airlines. Solicitou ao FsI que detivesse o passageiro quando descesse do avião.   O inventário da maleta já estava pronto quando o agente Sickles, do FsI de Tucson, entrou no escritório da segurança. Tudo o que ele precisava para sua acusação era o revólver carregado. Ao levá-lo até o portão de embarque, tentando entrar com ele no avião para Dallas, Vester infringira a lei federal contra a pirataria aérea. Sickles não sabia que, na verdade, Vester havia feito o possível para näo levar a maleta nem o revólver a bordo. Certo de ter um forte argumento, Sickles ficou com a maleta e todo o seu conteúdo, e leu uma cópia do inventário:   "Uma maleta preta, sem identificação.   Um revólver calibre 32, marca Iver Johnson,   de cinco tiros.   Nove conjuntos de balas Winchester, calibre 32.   Vinte e três bombinhas (duas da marca Flash Salute).   Uma calça masculína marca Farah, sem indicação de   tamanho.   Uma faca de escoteiro, com lâmina de doze centí  metros.   Um desentupidor, com cabo destacável.   Dois vidros contendo líquidos desconhecidos.   Três caixas de fósforos.   Um jogo de chaves de parafuso, com duas pontas   adaptáveis. 26                                            

Um alicate. Um par de luvas de pano marrom. Dois pares de luvas de borracha. Um rolo de fita crepe. Um porrete de fabricação caseira, com vinte e três centímetros de comprimento. Um rolo de barbante marrom, com cem metros. Um aquecedor para as mãos. Um cadeado de combinação numérica. Duas lanternas de bolso. Um cortador de vidro. Cinco chaves diversas. Uma chave inglesa de dez centímetros. Uma caíxa de metal verde. Um tubo de cola. Um pote de base para maquilagem marca Cliníque. Um gorro de lã, de cor roxa. Uma certidão de nascimento com o nome de Terry Lee Cordell ( ou Cardell ) , data de nascimento: 25 de abril de 1948. Uma lista de horários da Continental Airlines. Quarenta selos dé treze cènts."

  Sickles conferiu o inventário, verificando o conteúdo da maleta. Muitos objetos eram, obviamente, ferramentas de um ladrão. O desentupidor, o cortador de vidro e a cola, por exemplo, poderiam ser usados para cortar uma vidraça, evitando que o pedaço de vidro cortado caísse no chão e fizesse barulho. As luvas, as lanternas de bolso

 

e outras ferramentas eram todas apropriadas para um assaltante.   Mesmo assim, quando o agente Sickles se preparava para entrevistar todas as testemunhas no aeroporto de Tucson, o sar sargento gento Davey Reagor a ainda inda est estava ava intr intrigado. igado. Diversos artigos, como o pote de base para maquílagem Clinique, pareciam não ter utilidade. Um objeto, particularmente, incomodava Reagor: a faca de esco escoteiro. teiro. O Os s dois lados, tanto a lâmina como a parte que normalmente näo tem corte, eram afiados como uma navalha. E para afiá-los daquela maneira, só utilizando algum instrumento cirúrgico. "Mas por que", pensou Reagor, "um ladrão faria uma coisa dessas? "   O cabo Frank Ramirez, da polícia do aeroporto de   27 Dallas-Fort Worth, só teve alguns minutos para localizar onde chegara o vôo 156, proveniente de Tucson. O funcionário da segurança, cuja voz chegava com um timbre metálico pelo rádio portátil, avisou-o que um passageiro, o sr. Donald Vester, tentara levar uma arma a bordo do avião para Tucson, Arizona, e havia então tomado o vôo 156 da American Airlines, que deveria chegar a qualquer momento. Ramirez prestou muita atenção na descrição do passageiro: um homem branco, de um metro e oitenta, com vinte e oito ou trinta an anos os de idade, usa usando ndo uma peruca preta, um suéter marrom, óculos de armação preta e um sobretudo escuro. Ramirez deveria detê-lo, pois era suspeito de infringir a lei contra a pirataria aérea.   Ramirez perguntou se o homem estava armado, mas o funcionário não sabia. O cabo Frank Ramirez não fez a pergunta que Ihe veio à mente: "Quem deixou esse avião decolar com ele a bordo? " Depois de receber as ordens, solicitou que avisassem o escritório do FsI no aeroporto. O funcionário lhe assegurou que o Fsr já estava sendo contactado. Aliviado ao saber que teria auxílio, Ramirez dirigiu-se ao quadro eletrônico de chegadas e partidas. O vôo 156 deveria chegar no Portão 14 às catorze horas e quarenta e três minutos. Segundo o relógio de Ramirez, dali a três minutos.   Alertados pelo te telefonema lefonema do po policial licial Keltch, de Tucson, os funcionários do FsI no aeroporto mandaram um de seus homens aguardar o vôo 156 da American Airlines e interceptar um sujeito que tentara subir armado no avião. Sentado em seu carro, perto do terminal da Delta Airlines, o agent agente e especia especial l Steven Rand a aguardou guardou novas instruções pelo rádio, mas a transmissão não continuou. Intrigado, solicitou informações adicionais, mas disseramIhe que nada mais se sabia até aquele momento.   Assim que Rand terminou de falar com o funcionário, foi chamado pelo segundo rádio de seu carro, que se comunicava com o Departamento de Segurança Pública do aeroporto de Dallas-Fort Worth. O funcionário do DsP lhe recomendou que comparecesse ao Portão 14, terminal B, da American Airlines, para verificar uma possível violação da lei contra pir pirataria ataria aérea, ocorrida no vôo 156. Em poucos minutos, Rand já estava no terminal da American Airlines. Ao chegar da revista de bagagem, para o começo da filaà eárea passou apressadamente pelofoi de-logo tector de metais. O alarme soou, estri.dente. Rand mostrou

 

28 aos funcionários da segurança suas credenciais do FsI e seguiu em frente.   No corredor, viu diversos policiais uniformizados do Departamento de Segurança Pública, mas nenhum deles tinha maiores informações. Frank Ramirez, que já tinha trabalhado com Rand, uniu-se ao pequeno grupo, e juntos correram para o Portão 14. Via-se já o avião pelas grandes janelas de vi vidro dro tempe temperado; rado; estava encostando junto a ao o portão.   Naquele momento, tanto Rand quanto Ramirez sentiram o mesmo medo: que esse passageiro, que eles acreditavam ainda estardaarmado, conseguisse passar por e entrasse no meio multidão. Se ele chegasse atéeles o terminal, nunca mais o encontrariam. Tinham de detê-lo na passagem coberta que vai do avião até o portão de desembarque. Por outro lado, se ele os enfrentasse com sua arma, tanto os agentes como os outros passageiros ficariam aprisionados naquele corredor estreito.   Quando a porta do avião se abriu, todos se posicionaram. Ninguém, porém, poderia imaginar o que havia acontecido a bordo do vôo 156, a uns noventa quilômetros dali, logo que o comandante tinha começado a se preparar para o pouso.   O dr. Fredericks estava tentando novamente ler sua revista médica. Tinha começado um art artígo ígo quan quando do percebeu que o homem da poltrona 9C se levantara. Esperou alguns segundos, para poder olhar sem ser notado. Virouse então e viu o homem entrar no lavatório, no fim do corredor. O dr. Fredericks voltou a sua leitura. Mas não conseguia parar de pensar no incidente que havia presenciado no aeroporto, assim como na peruca do homem, em sua calça estranha e em suas mãos trêmulas. O dr. Fredericks virou-se novamente, a tempo de ver o estranho passageiro sair do lavatório. Mas ele estava tão diferente que o médico quase não o reconheceu. Os óculos de aros pretos e a peruca negra de cabelo comp comprido rido haviam desaparecido.. Agora, o homem tinha cabelos castanhos, cortados rente, com fios brancos nas. têmporas. Ainda estava usando o sobretudo preto, misteriosamente abotoado até o queixo. Mas, à primeira vista, parecia perfeitamente normal.   Para que o homem não notasse que ele o estava observando, o dr. Fredericks virou-se novamente para a  

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  % frente. Agora estava francamente alarmado. Olhando o relógio, percebeu que iriam pousar em menos de vinte minutos. um pedaço de papel, mas aquilo encontrou apenas umProcurou guardanapo. Nas circunstâncias, serviria. Esforçando-se por fazer uma letra legível, escreveu uma

 

mensagem para o piloto.   "Comandante:   O homem da poltrona 9C teve problemas para passar com sua bagagem p pela ela segurança segurança. . Eu estava logo atrás dele quando foi detido por causa de sua maleta, que continha objetos metálicos. No portão de embarque, vi que sua maleta foi levada por alguns funcionários. Logo antes do embarque, dois funcionários da American Airlines lhe pediram a chave da maleta. Ele disse que não tinha a chave dela e os funcionários informaram que iriam despachá-la em outro vôo, desde que conseguissem abri-la.   Esse homem parecia estar vestindo uma calça por cima da outra, usavaextremamente uma peruca enervoso um parede óculos esquisitos, estava com as mãos trêmulas. Ele acaba de ir ao toalete. Tirou a peruca e os óculos! Isso parece, no mínimo, estranho. Achei que o senhor deveria saber.   Dr. Noah Fredericks (poltrona 8D)."   Assim que terminou de escrever o bilhete, pediu a uma comissária que o entregasse ao comandante. Ela pegou o bilhete e se dirigiu à comissária da primeira classe, que lhe deu a chave da cabine de comando. Antes de entrar, leu o bilhete e, então, entregou-o ao comandante.   O capitão David Donaldson leu o bilhete e perguntou à comissária se houvera algum problema com aquele passageiro. Ela respondeu que não; o vôo transcorria em perfeita normalidade. O capitão refletiu e concluiu que não havia nada a fazer. O passageiro não estava causando nenhum problema, e já era tempo de começar as manobras para o pouso em Dallas. Escreveu duas palavras agradecendo ao dr. Fredericks e concentrou-se em diminuir a velocidade do avião.   A comissária retornou a seu posto e entregou o bilhete do comandante ao dr. Fredericks. Querendo então observar melhor aquele passageiro, aproximou-se da poltrona 9C e pediu licença para retirar um copo vazio da bandeja. 30 O homem fez que sim com a cabeça, sem olhar para ela. A moça pegou o copo e se afastou.   Enquanto ela estava de costas para ele, o homem da poltrona 9C levantou-se e passou várias fileiras para trás. Sentou-se então d discretamente iscretamente num lug lugar ar vazio do lado oposto àquele àquele em que se encontrava antes. Era o terceiro assento que que ocupava desde o começo do vôo. O dr. Fredericks não viu essa última mudança. Ele, como todos os demais passageiros, estava cuidando de obedecer ao aviso que recomendava a utilização dos cintos de segurança.   Sentado agora várias fileiras atrás do dr. Fredericks, o passageiro ficou quieto até o fim do vôo. Tinha um objeto no colo, que parecia se ser r apenas uma camisa de trabalho cinzenta, de mangas compridas. Mas, claramente vísível no bolso esquerdo, havia um bordado com o nome Herman.   Os primeiros passageiros que saíram do avião caminharam pela passagem coberta sem a menor que estavam sendo observados por ter um agente doidéia FsI ede um cabo do destacamento anti-seqüestro, do serviço de

 

segurança do aeroporto.   Rand postou-se à porta do avião, bem próximo dos passageiros que saíam, e Ramirez se colocou um pouco mais para trás, num lugar de onde podia ver Rand.   Depois que os primeiros passageiros desceram, ninguém mais apareceu durante quase um minuto. Rand podia vê-los dentro do avião, todos tentando fazer várias coisas ao mesmo tempo: vestir seus casacos, pegar suas bagagens de mão e não atrapalhar os que estavam prontos. Finalmente começaram a sair, primeiro dois ou três, e logo uma fila ininterrupta. Os primeiros quinze ou vinte passageiros foram facilmente eliminados em virtude de sua altura, peso, sexo ou idade.   Apareceu então um passageiro cabelos castanhos com alguns fios brancos, levando nasde mãos uma camisa de trabalho com o nome Herman bordado no bolso. Sua altura correspondia à descrição, e por isso Rand o examinou cuidadosamente. Mas nada mais coincidia: o homem não usava óculos, a idade era diferente e o nome bordado na camisa deveria ser Donald e não Herman. Em poucos segundos Rand o eliminou da lista e já estava observando o próximo passageiro.   Logo Ramirez notou o mesmo homem, que vinha caminhando pela passagem. Viu que a altura e a idade se  

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  % enquadravam na faixa das possibilidades, e o sobretudo escuro também. Mas aquele homem correspondia à descrição de Vester apenas de um modo muito genérico, e Ramirez logo olhou para o próximo grupo de passageiros, para ver se alguém mais de acordo vinha se aproximando. Enquanto Ramirez examinava os outros passageiros, o homem com a camisa de trabalho nas máos já passava por ele. Não havendo detalhes suficientes que correspondessem à descrição, Ramirez resolveu deixá-lo passar. Enquanto o homem continuava andando pelo corredor, Ramirez resolveu dar mais uma olhada. E, finalmente, viu.   Cabelos. Um chumaço de cabelos pretos estava saindo para fora do bolso do sobretudo. Ramirez agiu instantaneamente. Com os olhos fixos nas mãos do homem, observando cada movimento do sujeito, deu dois passos à frente e agarrou seu braço.   - Desculpe, senhor, sou o policial Frank Ramirez, do Departamento de Segurança Pública. Gostaria de falar com o senhor.   O homem, que até então tinha evitado encarar Ramirez, olhou-o bem de frente e disse calmamente:   - O qué há, o que está acontecendo?'   Segurando seu braço com firmeza, Ramirez puxou-o para o lado, a um ou dois passos dos demais passageiros.   - O senhor tem algum documento?   - Não, não tenho.   - Então quer .meatentamente dizer seu nome, porafavor? Ramirez o observava de cima baixo:-o rosto, o tipo de corpo, a roupa, as mãos. Sobretudo as mãos,

 

pois havia a possibilidade de o sujeito estar carregando uma arma.   - O que está acontecendo? Qual é o problema?   - Pode me dizer seu nome, senhor?   - Donald Vester. Por que?   Com cuidado, Ramirez pegou a camisa de trabalho que Vester trazia dobrada e a apertou. Havia alguma coisa macia dentro, como um travesseiro, mas nada duro, que pudesse ser uma arma. Ramirez jogou-a no chão e chamou Rand. Disse então para Vester:   - Vou lhe pedir que desabotoe o sobretudo e ponha as mãos na parede. Faça isso devagar, vire-se e ponha as mãos na parede.   - Mas por quê? O fiz nada.

que está acontecendo? Eu não

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  %   - Por favor, senhor, ponha as mãos na parede.   Quando Vester obedeceu, Ramirez lhe pediu que afastasse os pés e começou a apalpá-lo. Examinou primeiro o pescoço e os ombros, desceu pelos braços, verificou embaixo dos braços e as costas. Havia algo de errado: o corpo do homem era macio demais, parecia não ter ossos. Mas a preocupação de Ramirez era encontrar alguma arma escondida. Quando se assegurou de que não havia, fez o homem se virar.   - Este é o sr. Vester - disse para Rand, que tinha se aproximado. Indicou a Rand os cabelos que saíam do bolso do passgeiro. Voltou-se novamente para Vester. Quer me mostrar sua passagem, por favor?   O passageiro tirou o bilhete do bolso e entregou-o a ele. Estava em nome de A. Donald Vester. Ramirez notou isso e lhe devolveu o bilhete.   Outros passageiros já começavam a se amontoar no corredor, olhando, curiosos. Já era hora de Ramirez e Rand fazerem alguma coisa com o suspeito.   Atrás da área de desembarque do aeroporto de DallasFort Worth, Worth, em meio a restaurantes, salas de espera e depósitos de bagagem, há uma série de pequenos escritórios, um dos quais é utilizado pelo Departamento de Segurança Pública. Vester foi levado a esse escritório. Sem janelas, dotada apenas de uma mesa, algumas cadeiras e uma pía, a sala era nua e desconfortável.   Vester os havia acompanhado sem dizer nada. Mesmo assim Rand sentia que havia nele algo de perturbador. Tinha a sensação de que Vester poderia ter um ataque de raiva a qualquer momento. Talv Talvez ez fosse isso: o homem parecia calmo, mas seus olhos expressavam outra coisa. Quando Ramirez saiu para telefonar a seu departamento, Rand decidiu não facilitar as coisas, e chamou o homem mais alto e mais forte do Departamento de Segurança Pública: Grigsby, um metro e noventa de altura cento eBill vinte quilos.de Depois de alguns minutos, chegoue o parceiro habitual de Rand, o agente Tom Porter.

 

  Porter e Rand iniciaram a investigação apresentandose e mostrando suas credenciais. Rand explicou que haviam recebido informações de Tucson dizendo que um certo sr. Donald Vester havia tentado entrar a bordo de um avião portando uma arma. Fez uma pausa, esperando que Vester dissesse alguma coisa, mas o passageiro ficou calado. Rand então explicou que Vester ficaria detido até que os fatos  

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%   fossem esclarecidos e se soubesse exatamente o que acontecera. Foi então que Vester falou. Protestou contra sua detenção e exigiu ser solto. Rand o interrompeu, deixando claro que Vester ficaria detido até saberem ao certo o que havia acontecido. Recitou então para o suspeito seus direitos, lendo-os num cartão. Ao terminar, pediu a Vester que fizesse o mesmo e insistiu em que ele também lesse em voz alta. Depois disso, Rand perguntou se Vester queria responder às sua suas s pergunt perguntas, as, e Vester replicou, indignado, que não responderia a pergunta nenhuma sem a presença de um advogado.   Rand não disse mais nada. Voltou sua atenção para a camisa de trabalho, que Ramirez tinha deixado sobre a mesa. Desamarrando-a, encontrou dentro dela um pedaço de espuma de borracha. Era bem grande: uns quarenta ou cinqüenta centímetros de largura, quase sessenta de comprimento e uns cinco centímetros de espessura. Vester olhava impassível, sem dar explicações.   Resumindo mentalmente os poucos fatos que tinha em mãos, Rand sentiu-se bastante inseguro. Na verdade, não sabia o que tinha acontecido em Tucson. O homem estava sendo detido por uma provável violação da lei contra seqüestro, mas não tinham encontrado nenhuma arma com ele. Por outro lado, a camisa que o sujeito levava tinha o nome Herman bordado no bolso, e, além disso, o homem era francamente esquisito, não tinha nenhuma intenção de explicar o que estava fazendo com a camisa de Herman, uma peruca e aquela ridícula calça larga.   Porter estava tão intrigado quanto Rand. Procurando alguma pista, mandou que Vester se levantasse e esvaziasse seus bolsos e sua carteira. Vester obedeceu, sem dizer nada. Entre as coisas que colocou sobre a mesa, havia um vidro de comprimidos, uma folha de papel de cartas do Ramada Inn, uma ficha da Hertz para aluguel de carro, uma chave, um mapa do Texas, um mapa da cidade de Tucson, um papel para anotações com as palavras "Creme para Acne Benzac" e um punhado de alfinetes de segurança. Nada de estranho até aí.   Porter começou então a examinar a carteira. Encontraram alguma coisa. Apesar do que havia dito a Ramirez, Donald Vester trazia documentos. Na verdade, tinha dois conjuntos de documentos, com dois nomes diferentes. Nenhum dos dois era de A. Donald Vester.

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Tirando todos os papéis da carteira, Porter e Rand

 

separaram os dois conjuntos de documentos e os examinaram. Uma carteira de motorista do Estado de Maryland, uma carteira do Seguro Social, uma ficha de biblioteca e o recibo de uma caixa postal estavam no nome de Terry Lee Cordell. Dois cartões de crédito, um Master Charge e um Visa, e um cartão do Serviço de Saúde Pública estavam no nome de Patrick Henry. O cartão do Serviço de Saúde Pública tinha uma fotografia do homem que haviam detido e estava no nome do dr. Patrick G. Henry. Os agentes Rand e Porter estavam agora ainda mais perplexos.   Vester estava sentado em postura passiva, aparentemente sem se importar com o que os agentes encontrariam em sua carteira. Então, de repente, deu um susto em todos:   - Aposto que vocês estão achando que prenderam algum grande criminoso - exclamou. - Por que não se ocupam com alguma coisa mais importante? - Calou-se, abruptamente, e continuou a olhar fixo diante de si. Pareceu a Rand que Vester tinha se ligado por um segundo e se desligado em seguida.   Procurando alguma informação mais quente, Rand telefonou para seu escritório e pediu que o colocassem em contato com o FsI em Tucson. A pessoa com que falou em Tucson não lhe contou rlada de novo, exceto que o agente Sickles estava no aeroporto de Tucson e deveria telefonar logo. Rand pediu que dissesse a Sickles para lhe telefonar o mais ráprdo possível. Durante essa conversa, ouviu Vester dizer para Porter que seu verdadeiro nome era Patrick Henry e que era médico.   - Nesse caso, o que significa tudo isso? - perguntou Rand, mostrando a pilha de documentos em nome de Terry Lee Cordell.   - Eu achei essas coisas - respondeu o homem. Fez uma pausa e continuou, como que antecipando a próxima pergunta de Rand. - Achei conveniente ficar com esses documentos, por motivos particulares.   - E a peruca? - perguntou Rand.   - Gosto de viajar incógnito.   Rand mudou de assunto:   - Onde está sua bagagem? - Sabia que não havia nenhuma no depósito de bagage bagagens, ns, pelo menos não no nome de Vester.   - Está no quarto 602 do Ramada Inn, na Central Expressway, em Dallas.   35   - O que o senhor estava fazendo lá?   - Prefiro não responder a essa pergunta. Afinal, por que vocês estão me segurando? Não há motivos.   Em vez de responder, Rand telefonou para o Ramada Inn. Identificando-se como agente do FsI, ficou sabendo que o dr. Patrick Henry realmente havia se hospedado lá, e que sua reserva tinha sido feita por um certo sr. Russell Swigart, que estava hospedado no Hilton Inn, em Dallas.   As coisas começavam a se esclarecer. Rand telefonou imedíatamente para o Hilton e falou com Swigart. Após identificar-se, perguntou por que Swigart tinha reservado um quartoque para o dr. Henryos noSyntex RamadaLaboratories Inn. Swigart explicou representava de Palo Alto, na Califórnia. Todos os anos, quando a Associação

 

Americana de Dermatologia organizava seu congresso anual, a Syntex convidava duzentos e cinqüenta médicos residentes, do terceiro ano de dermatologia, para assistir à convenção, como ouvintes. O congresso daquele ano estava sendo realizado no Centro de Convenções de Dallas, e o dr. Patrick Henry, residente no Hospital da Universidade de Maryland, Maryland, em Baltim Baltimore, ore, hav havia ia sido convidado pela Syntex. O dr. Henry havia pedido para ficar num quarto de solteiro, e por essa razão Swigart o tinha colocado no Ramada Inn. Os médicos que não se importavam em ficar com um colega no quarto estavam hospedados no Hilton.   Rand agradeceu a Swigart e desligou, com um suspiro. Tinham Tinham agora vários outr outros os fatos, mas ainda não havia explicação para aLee peruca, o falso nome dedr. Vester e os documentos de Terry Cordell. Seria esse Patrick Henry um louco, um excêntrico, ou algo inteiramente diferente? Procurando uma resposta, ele e Tom Porter começaram a examinar sistematicamente os papéis que haviam encontrado com o dr. Henry. Assim que começaram, ele lhes dirigiu a palavra.   - Posso tomar meu remédio? - perguntou, indicando com um gesto o vidro de comprimidos.   Rand examinou o vidro e as sete pílulas que continha. O rótulo dizia Sinequan, um nome que nunca tinha ouvido.   - Nâo - respondeu ele secamente ao dr. Henry, e voltou a examinar os papéis. Notou que alguns tinham anotações escritas a lápis. A letra era quase ilegível, e as marcas a lápis eram tão leves que era difícil detectá-las, e mais difícil ainda decifrá-las. Rand examinou os papéis, controlando o dr. Henry com o canto dos olhos. 36   O dr. Henry estava suando. Não parecia nervoso como a maioria das pessoas que Rand já havia detido ou interrogado. Nâo estava tremendo nem gaguejando. Mas sua testa e seu cabelo estavam úmidos e várias vezes ele afrouxou a gola do suéter.   Rand voltou a examinar os papéis sobre a mesa. No papel de cartas do Ramada Inn, percebeu o rascunho de uma espécie de itiner itinerário. ário. Quando começou a examiná-lo mais de perto, o dr. Henry agitou-se.   - Posso tirar algumas peças de roupa?   - Claro, fique à vontade.   O dr. Henry então levantou-se e tirou aquela calça enorme. Tirou também o suéter marrom. A príncípio, os dois dois polic policíais íais acha acharam ram dive divertido. rtido. Mas logo passaram a trocar olhares incrédulos. Debaixo da calça e do suéter, o dr. Henry usava uma roupa de baixo térmica de várias camadas, o que explicava sua transpiração. Mas o que os deixou mais espantados não foi a roupa de baixo, mas o enchimento de algodäo costurado nela. Os ombros do dr. Henry, seus braços e pernas, coxas, nádegas e quadris tinham sido aumentados com aquele enchimento. Rand achou que ele parecia um boneco acolchoado - em trajes que lembravam os usados nos treinos pelos jogadores de futebol americano -, só que com cabeça de gente.   O dr. Henry tirou todade aquela de ebaixo e e deixou-a no chão. Vestiu novo oroupa suéter a calça voltou a seu lugar, sem nenhuma mudança na expres-

 

são de seu rosto. Em vez de explicar o que era aquilo tudo, ele simplesmente voltou a olhar fixo para a frente. Porter olhou para Rand, erguendo as sobrancelhas, como quem diz: "Você viu o que eu vi?"   Rand olhou para a pilha de roupa de baixo, depois para o dr. Henry e de novo para a roupa de baixo. Aquele enchimento fizera com que o sujeito aparentasse quinze ou vinte quilos a mais. Se ele tivesse amarrado na cintura também a espuma de borracha que levava, aparentaria oito ou dez quilos a mais.   - Muito bem - disse Rand a Porter. - Vamos relacionar isso. Os documentos, a carteira, a roupa de baixo, tudo. São coisas que no servirão de prova.   Steven Rand nd olhou para nenhuma. o dr. Henr Henry, y, continuava esperand esperando o uma reação, Ra mas não houve Ele   37 sentado impassível, como se aquele estranho monte de roupas no chão não tivesse mais nada a ver com ele.   Os dois agentes estavam começando a listar os objetos quando o telefone tocou. Era Sickles, do FsI de Tucson. Rand o cumprimentou com entusiasmo. Afinal, Sickles os informaria sobre o que realmente havia acontecido no aeroporto de Tucson. Por sua vez, eles transmitiriam o que tinham descoberto no escritório do Dsn: os documentos em nome de duas pessoas, a espuma de borracha e, claro, a roupa de baixo acolchoada.   Mas Sickles tinha outras coisas em mente. Rand percebeu pelo tom de voz que havia algo errad errado: o: Sickles não parecia um agente perseguindo um seqüestrador.   As suspeitas de Rand logo se confirmaram. Sickles repassou as info informações rmações r recebidas ecebidas no iníc início, io, atra através vés do policial Keltch: o passageiro havia tentado passar pela segurança com uma maleta; nela es estava tava esc escondida ondida u uma ma arma; o homem tomara o avião sem ela. Rand o intérrompeu, para dizer que a versão que corria no Departamento de Segurança no aeroporto de Dallas era semelhante.   Sickles continuou. Depois de encontrar a arma na maleta, acreditou ter motivos para prender o homem. Mas ao interrogar testemunhas no aeroporto, logo descobriu graves erros naquela primeira versão. O sujeito havia pedido para despachar a maleta, e não para levá-la consigo. Fora um funcionário no balcão de passagens, alarmado com a aparência e o comportamento do homem, que o impedira de despachá-la. O hom homem em havia insistido em que não queria carregar a maleta consigo a bordo do avião, mas o funcion funcionário ário e seu super supervisor visor o forçaram a levá-la até a revista de bagagem. Finalmente, explicou que o passageiro havia entrado em acordo com o supervisor da American Airlines: os funcionários abririam a maleta e a enviariam para Dallas no próximo vôo.   Rand percebeu que os motivos para a prisão do dr. Henry estavam caindo por terra. Não havendo uma tentativa deliberada deliberada de levar uma arma a bordo do avião, tudo o que tinha em mãos era um médico maluco com uma roupa acolchoada. Podia até ser processado por detê-lo.   Finalmente, Sickles deu-lheem uma boa notícia. Departamentó de Polícia Federal, Tucson, decidiuOque havia motivos suficientes para uma ordem de prisão. Com

 

base nisso havia autorizado a detenção e a prisão. Esta38 va eliminado o risco de algum processo contra ele. Logo deveria chegar um mandado de prisão, não por motivo de seqüestro, mas por violação das leis federais relativas ao trânsito interestadual de armas de fogo. Todos aqueles dados, segundo Sickles, seriam passados ao Departa· mento de Polícia Feder Federal al em Tucson. Eles que decidissem o que fazer.   Rand desligou. Sua parte na investigação estava terminada. Ele e Porter tinham autoridade para garantir a lei federal contra a pirataria aérea, mas, na verdade, não eranão essa a leiconseguido que o sujeito infringira. O dr. Henry apenas tinha permissão da companhia aérea para transportar uma arma em sua bagagem. Isso não passava de um delito 'técnico, não a cargo do FsI, mas sim de uma instituição federal chamada Departamento de Álcool, Fumo e Armas de Fogo (nTF 1). A única coisa que ele e Tom Porter deveriam fazer agora seria recolher todas as provas, fazer um inventárío delas e levar o prisioneiro para Fort Worth. A polícia federal faria o resto.   Finalizado o inventário, Rand e Porter levaram o dr. Henry de carro até Fort Worth e o prenderam na Penitenciária do Condado de Terrant. Quando lhe explicaram a razão pela qual estava sendo preso, o dr. Patrick Henry ficou em silêncio. Durante todo o caminho para a prisão, continuou em silêncio. Era enervante. Observando-o pelo espelho retrovisor, Rand ficou impressionado com a capacidade daquele homem de se desligar do que se passava à sua volta. Mas continuava com aquela imagem do dr. Henry como um boneco uniformizado para treinar futebol americano. Por que aquele dermatologista viajaria incógnito entre Dallas e Tucson? Se seu único crime era não querer revelar o conteúdo de sua bagagem, por que então havia se preocupado em disfarçar sua aparência física antes de viajar?   Charles Wallace, um investigador do Departamento de Álcool, Fumo e Armas de Fogo, reclamou e praguejou durante todo o caminho de volta para seu escritório. Tinham despejado toda aquela confusão em cima dele, e ele teria de passar horas tentando deslindá-la e escrevendo relatórios. Ficava ainda mais furioso pensando nisso. '

ATF - Bureau of Alcohol, Tobacc Tobacco o and Fi Firearms. rearms. (N. do T.)

  39 Sabia que, mesmo depois que toda a papelada estivesse pronta, aquele aquele caso nunca iria a julgamento. E, mesmo que fosse, por uma remota chance, o máximo que aquele sujeito poderia pegar seria uma pequena multa. Nunca tinha ouvido falar de ninguém que fosse preso por não ter informado à companhia aérea que estava levando uma arma na bagagem.   Wallace acabava de chegar do escritório da polícia federal em Tucson, com ordens de a Ali ssumir o casoSickles de Patrick Henry, que estava com o FsI. o agente o informou de tudo o que havia acontecido no dia ante-

 

rior, nos aeroportos de Tucson e de Dallas-Fort Worth. Sickles lhe entregou a maleta com tudo o que ela continha, inclusive a arma. Também informou a Wallace as provas que havia no Texas: a roupa de baixo, os documentos falsos, enfim, tudo o que se relacionava com o caso.   Wallace saiu do escritório da polícia federal e imediatamente preencheu um mandado que acusava o dr. Patrick Gerald Henry de infringir o código legal dos Estados Unidos, na seção 922 ( e), parágrafo 18. Agora estava de volta a seu escritório, afundado até o pescoço na confusão que outras pessoas haviam arrumado. Poz que, em primeiro lugar, esse Patrick Henry tinha sido preso? Wallace sabia, por exp experiência, eriência, que mantêm os funcioná· rios da segurança dos aeroportos geralmente a calma. Se detêm alguém que porta uma arma, procuram analisar a pessoa, tentando perceber se ela tem intenção de cometer cometer um ato de pirataria aérea ou algum outro crime. Quando parece claro que não há intenção criminosa, eles explicam à pessoa o que a lei determina, advertem-na e, então, liberam-na sem nenhuma acusação. No máximo, a pessoa pode ser acusada de contravenção, por portar uma arma oculta. No entanto, aquele homem havia sido detido e até mesmo levado para a prisão. Wallace não compreendia.   Talvez o n'rF do Texas esclarecesse as coisas. Encontrou em sua mesa um recado do agente do n'rF, Jerry Lloyd, que dizia estar esperando em Fort Worth que Wallace lhe telefonasse. ·Wallace ligou imediatamente.   Ao entrar em contato com Lloyd, Wallace o infor· mou que acabava de conseguir um mandado, e Ihe disse qual a acusação que deveria ser feita contra o dr. Henry, no Texas. Lloyd, por sua vez, explicou que o FsI havia 40

  ~"% lhe passado todo o material apreendido no aeroporto, e que ele o enviaria para Tucson.   - Você está com o material aí nesse momento? perguntou Wallace.   - Claro que sim.   - Pode descrever os objetos para mim?   - Vou tentar - respondeu Lloyd. - Há um mon· te de coisas. - Começou a ler os itens da lista, enquanto Wallace tomava nota. Chegou então à ficha de aluguel de carros da Hertz, dizendo que nela havia "uns rabiscos". Quando repetiu a mesma coisa a respeito do papel de cartas do Ramada Inn, Wallace o interrompeu:   - Leia para mim esses rabiscos.   Mas Lloyd teve a mesma dificuldade que Rand havia tido no dia anterior. Os rabiscos a lápis eram tão fracos que quase não apareciam.   -palavras, São rabiscos sem e sentido disse Lloyd. Ape· quiser, nas números frases-soltas. Mas, se- você posso tentar. Tudo isso que vou ler está escrito como uma

 

lista, mas sem muita ordem. Pronto? Em primeiro lugar: "lavar-se" ou "davar-se", não entendo bem. "Bilhete·   , guarda-ch.; terno, etc. Calça. Papel. Destapador" ou "desentupidor", não sei ao certo.   Wallace olhou para os objetos que tinha tirado da maleta.   - Jerry, acha que pode ser "desentupidor"?   Lloyd olhou novamente para os rabiscos.   - Sim, poåe - concordou. Continuou então:   - A próxima parte é bem confusa: "9:05 331 Tu 10:15 Tu Carro? Táxi - U".   Wallace não estava mais irritado. Sua curiosidade ha· via   -sido "Tu"aguçada. pode ser Tucson - disse ele. - O resto pode ser horários ou itinerários. Continue.   Lloyd prosseguiu:   `   - `Preparar-se; levar exame; caixa luzes; alimentar cães; atividade; verif. chave 1403; dentro; bairro; caminho; telefonar; mudar lugar".   Lloyd parou de ler e disse a Wallace que a próxima linha estava escrita numa letra maior.   "No 1409; escolher janela; fita; desentupidor; abrir; encontrar T; M T; saída frente; ou janela qt.   Enquanto Lloyd li lia, a, Wall Wallace ace lev levantou-se, antou-se, e, s seguegu 

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rando o fone com o ombro, com começou eçou a remexer n na a maleta.   - Espere um minuto, Jerry, espere um minuto. . . aqui tem um rolo de fita, um desentupidor e um cortador de vidros. Raios! . . . Mas que diabo um médico de Baltimore que estava num congresso em Dallas - um congresso de dermatologia! - fazia em Tucson, Arizona, com todo esse equipamento de arrombador?   Lloyd não sabia o que responder. Ele continuou examinando a lista: - " 1:00 sair; 1:15 vestir; 1:20 embrulhar terno; caixa; 1:30 chamar táxi; 2:15 aeroporto mud. vôo; 12:00 saída Tu - D; 5:30 D".   Os dois concluíram facilmente que a última parte era um horário para sair de Tucson e voltar a Dallas.   Sem esperar que Wallace perguntasse, Lloyd voltou às anotações que mencionavam "T". O que era "T"? "Encontrar T", dizia a nota. E dizia também "M T". Concluíram que a anotação dizia que Henry deveria entrar por uma janela com o cortador de vidros e o desentupidor e, então, encontrar T e M T, o que quer que fosse isso.   - Talvez T signifique Terry - sugeriu Lloyd.   - Terry Lee Cordell, o sujeito cujos documentos ele estava   Wallacelevando. concordou que era possível, e pediu a Lloyd que continuasse lendo. Lloyd virou a folha e leu uma sé-

 

rie de palavras que não tinham sentido, para eles:   "   - Óleo; corante; 5 pilhas C; cortadores; barbante; carne; caixa".   Lloyd parou de novo e explícou que ao lado da palavra "caixa" havia o desenho de uma caixa, com o comprimento, largura e altura mar marcados cados com os números 1, 2, 3.   Debaixo da caixa estava escrito "corr. - câmara -I- ". Debaixo da palavra "câmara" estava escrito: "guarda-c. + carteira"; depois as palavras "registrar. Princ. A genética; Princ. B-Dermitt - HLn; Katy - HG". Havia então a palavra "ou" em seguida "Princ. C Imunologia".   Ao comparar essa lista com os objetos da maleta, Wallace encontrou os cortadores de vidro, barbante, um guarda-chuva e a caixa de metal verde onde estava estavam m o revólver e a faca de escoteiro. Os outros itens da lista eram um mistério para ambos.   - Bem, vamos continuar - disse Lloyd. - Temos 42

  % agora uma ficha amarela e branca para aluguel de carros da Hertz, com alguns números escritos: 6240503 e 6238175.   - Ei, espere um minuto - interrompeu Wallace. - Quer me repetir esses números mais devagar?   Ao ouvir os números pela segunda vez, Wallace teve certeza: eram números de telefones de Tucson. Reconhecia os prefixos.   - Está bem, que mais? - perguntou a Lloyd.   - Na ficha da Hertz, mais nada - disse Lloyd. Deixe-me dar os números dos cartões de crédito Master Charge e Visa.   Mas Lloyd não tinha visto tudo. Havia mais coisas escritas na ficha da Hertz, algumas escritas a lápis tão de leve que eram quase invisíveis, e algumas calcadas com um objeto pontudo na parte col colorida orida do folhet folheto. o. Essas anotações só seriam descobertas muito mais tarde.   Wallace e Lloyd estavam terminando sua conversa.   - Estou supercurioso para ver tudo isso - confessou Wallace. - Não consigo visualizar. Pode me mandar tudo o mais rápido possível?   Lloyd prometeu que assim faria, e desligaram combinando que se manteriam em contato.   Wallace olhou para suas anotações. Já não estava mais aborrecido com o caso que tinha herdado. Era claro que ali havia algo mais do que um médico excêntrico e esquisito que viajava usando diferentes nomes. O dr. Henry tinha se disfarçado, escrito anotações cifradas para si mesmo e se recusado a responder a perguntas sem a presença de um advogado. Ele devia estar escondendo algumamuito. coisa. Para descobrir o que era, Wallace teria de cavar   Telefonou então para o serviço de segurança da Com-

 

panhia Telefônica. Depois de se identificar, pediu que verificassem os dois números rabiscados na ficha da Hertz. Se fossem, como pensava, números de telefone de Tucson, queria também os nomes e os endereços correspondentes. A funcionária da Companhia Telefônica anotou os números e disse que ligaria de volta com as informações. Era o procedimento de rotina. Precisava verificar com quem estava falando para confirmar sua identidade.   Wallace fez outra ligação, dessa vez para o serviço de segurança da Master Charge em Phoenix. Após identificar-se, deu-lhes o número do cartão Master Charge do  

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dr. Patrick Henry, dizendo que precisava de informações sobre sobre sua conta. Obte Obteve ve a resposta es esperada: perada: iriam Ihe telefonar de volta.   Assim que desligou, recebeu um telefonema do serviço de segurança da Companhia Telefônica. 624-0503 era o número do telefone do Jardim de Infância e Pré-Escola Broadway Boulevard, que ficava no número 1403 do East Broadway Boulevard. E 623623-8175 8175 era o número d de e um certo sr. William Bellios, número 1409 da mesma rua.   Wallace ficou desapontado. Bellíos. Esse nome não significava nada para ele. Então teve um estalo. Voltando às   " suas notas, encontrou: no 1409; escolher janela; fita; desentupidor; abrir; encontrar T; M T . O número do endereço de William Bellios, 1409, era o mesmo que havia na lista do dr. Henry.   Antes de conseguir entender tudo isso, o telefone tocou. Era o serviço de segurança da Master Charge.   - Que informações o senhor deseja a respeito dessa conta, senhor Wallace? - perguntou a funcionária.   A resposta de Wallace foi simples:   - Qualquer coisa.   Não havia muito a informar, disse a moça. Apenas a data em que a conta fora aberta e o nome das pessoas autorizadas a usarem o cartão: dr. Patrick G. Henry e sra. Christina Bellios Henry.   Ali estava! Wallace conferiu o nome letra por letra: era o mesmo nome de William Bellios; que a Companhia Telefônica lhe havia dado.   "Então era esse o motivo do vôo de Dallas para Tucson", pensou Wallace. A esposa, ou, mais provavelmente, a ex-esposa . . . Christina Be Bellios llios Henry, provavelmente residente no número 1409 do East Broadway Boulevard. Por um momento, o agente Wallace ficou satisfeito consigo mesmo e com seu trabalho de detetive. De repente, percebeu as implicações do que havia descoberto. O revólver. A faca. O disfarce elaborado. Escolher uma janela. Retirar a janela com o cortador de vidro, usando o desentupidor para não fazer barulho. Entrar. E, então, Christina Bellios Henry.   Em menos de trinta segundos o agente Wallace estava no escritório de seu supervisor, Lyman Schaffer, relatando as informações que tinha conseguido. Wallace já estava com com o paletó no braço. Schaffer ag agarrou arrou o seu. Correram para a garagem do A'rF. Entrando no carro de 44

 

Wallace, foram a toda a velocidade para o número 1409 do East Broadway Boulevard, que ficava a dois quilômetros do escritório, no centro da cidade de Tucson.   Mesmo com o trânsito intenso, lallace e Schaffer le· varam menos de cinco minutos. Tinham alguma esperança, mas não estavam fingindo otimismo.   - Vamos encarar a realidade -- disse Wallace. Estamos chegando tarde. Vamos encontrar um corpo.   Pararam em frente a uma casa modesta, de estuque e tijolos. Wallace saiu correndo do carro e bateu freneticamente na porta. Os dois homens esperaram um longo momento e bateram de novo. Nenhuma resposta. Wallace bateu mais forte. Nada. Ele agora tinha certeza do que iriam encontrar. Nunca tinha trabalhado num caso de homicídio, pensou, sombrio. Nem tinha visto ninguém assassinado. Esse tipo de coisa não aparecia muito no n'rF. Lembrou-se da faca na maleta, afiada de ambos os lados, e teve medo do que iria encontrar.   Da casa vizinha vinham vozes de crianças brincando. Eles saíram do número 1409 e entraram na passagem entre as duas casas. Atrás de uma cerca de madeira, viram cinco ou seis crianças' no pátio e uma mulher tomando conta delas. Na esperança de que ela pudesse ter visto ou ouvido alguma coisa, os agentes abriram o portão e entraram no pátio.   - Desejam alguma coisa? - perguntou a mulher, aproximando-se.   - Sim, senhora - respondeu Wallace. - Estamos procurando a mulher que mora na casa vizinha, no número 1409.   - Nesse caso, vocês estão procurando por mim disse a mulher. - Meu nome é Christina Henry.

  //  Primeira parte

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Pat e Christina  196'7 -1974 

  - Mas logo agora você vai interromper a história - dísse eu. - O que aconteceu?   Eram quase duas horas da tarde do dia 12 de dezembro de 1977. O agente Wallace levou dez mínutos para me relatar o que havia acontecído nos aeroportos de Tucson e Dallas no dia 6 de dezembro, seis dias antes, e quais as anotações encontradas com o dr. Henry quando ele fora preso. Eu era o promotor-chefe do condado de Pima, e Wallace estava me passando todo o material a respeito do dr. Patrick Henry Henry. . Ele trouxera a maleta e colocara na minha frente todos os objetos que ela continha, juntamente juntamente com as anotações que o agente Jerry Lloyd havia e enviado nviado de Dallas. Mostrou-me os rabi rabiscos scos feitos a lápis e deu sua um plano para arrombar a interpretação: casa de númerotratava-se 1409 do deEast Broadway Boulevard e assassinar alguém. Ele havia para-

 

do naquele ponto para recuperar o fôlego.   Mas o que aconteceu? - perguntei de novo. Se o homicídio tinha sido cometido sob a minha jurísdição, eu certamente não gostaria de ser inforznado a esse respeito por um agente federal.   - Este é que é o problema: não aconteceu nada - disse o agente Wallace. - Ninguém morreu. Mas não consigó entender por quê.   Então ele me deixou realmente curioso. Olhei para meu velho amigo Bates Butler, um advogado do governo federal que trouxera Wallace para meu escritório, acomodei-me na cadeira e me concentrei no relato de Wallace sobre a conversa que tivera com Christina Henry.   - Sra. Henry, a senhora conhece um certo dr. Patrick Henry?   - Sim, é meu marido. Ou melhor, meu ex-marido.   49 Estamos divorciados. Ele mora em Baltimore, no Estado de Maryland. É médico.   - A senhora poderia me dízer quando foi a última vez que o viu?   Ela pareceu um pouco espantada, e pensou por um momento antes de responder.   - Acho que eu o vi ontem. Não tenño certeza, mas quase poderia jurar que era ele.   - Onde a senhora o viu? Onde ele estava? - Wallace falava devagar e com voz calma, para não alarmá-la. Mas não pôde deikar de notar que a sra. Henry já estava ficando agitada.   - Eu o vi logo ali, na calçada. Do outro lado da rua - apontou para a rua, em frente ao pátio onde estavam conversando. conversando. - Poderia jur jurar ar que era ele. Ainda assim, parecia diferente: muito mais gordo, e com o cabel.o maís comprido do que o do meu marido - fez uma pausa, tentando visualizar o que havia visto. - Ele usava um gorro bem puxado sob sobre re os olhos e um sobretudo escuro. O gorro estava bem justo na cabeça, o cabelo era comprido e preto, com fios grossos. Mas, mesmo com aquela aparêncía diferente, achei que fosse Patrick.   - Sra. Henry, aconteceu mais alguma coisa?   Assim que ouviu a pergunta, ela exclamou:   - O telefonema! Recebi um telefonema! Mas foi mais tarde - excitada, ela comeou a falar mais alto e mais depressa. - O telefone tocou lá pelas nove e meia da manhã, e era Patrick, sei que era ele. Tenho certeza. Conheço a voz dele, apesar de ele ter tentado disfarçá-la.   Wallace e Schaffer perceberam que ela estava se esforçando para se lembrar do que tinha acontecido.   - Sim, foi por volta das nove e meia, eu me lembro. Ele disse que queria informações sobre a escola. Sim, foi isso. Eu tenho este jardim de infância, e ele disse que queria me encontrar na escola e ver o que eu tinha para oferecer. Foi assim mesmo que ele falou: "Quero ver o que você tem para oferecer". Seí que era Patrick, mas ele deu outro nome.   Ela fez uma pausa, tentando lembrar-se.   - Eu anotei o nome. Guardei o papel em algum

 

lugar. Um momento, volto já.   .Entrou correndo na casa. Wallace e Schaffer se entreolharam.   - Aqui está. Aqui está o papel - disse a eles assim 50 que saiu pela porta de trás. - Tim Lashanta, foi esse o nome que ele me deu - e estendeu o papel para Wallace. Escríto a lápis, estava o nome que ela acabara de mencionar.   Wallace ficou curioso. Christina Henry morava na casa ao lado, no número 1409, mas ela e as crianças estavam no pátio da casa vízinha, e ela havia entrado lá para buscar o papel.   - Minha senhora, de quem é esta casa? Quem mora aqui?   - Não é mais uma casa particular, é minha escola. É aqui que eu tenho o jardim de infância - sem interrupção, continuou a falar: - Ele morava aqui. Meu marido, isto é, meu ex-marido, morava nesta casa. Foi assim que nos conhecemos. Ele era estudante de medicina e alugou um quarto da nossa vizinha, que morava aqui.   Depois de terminar a conversa telefônica com Tim Lashanta, ela havia telefonado para seu advogado pedindo que tomasse nota do fato de que o dr. Henry havia telefonado. EIa explicou que estavam divorciados desde 1975, e que desde então corria o processo para resolver o litígio: quem ficaria com a guarda do filho Steve.   - Aquele lá é Stevie - disse ela, apontando para um menino loirinho que brincava com as outras crianças. - Eu achei que foi por isso que Pat telefonou dando um nome falso: para conseguir informações sobre a escola e usá-las contra mim no tribunal.   Wallace sentiu seu coração se apertar quando ela falou em divórcio. Se o dr. Henry tinha ido a Tucson disfarçado apenas para espionar sua ex-mulher, uma porção de agentes e policiais haviam desperdiçado seu tempo. Arriscando uma pergunta ao acaso, pediu à sra. Henry o endereço da escola.   - 1403, East Broadway Boulevard - respondeu ela.   Era outra peça do quebra-cabeça que entrava no lugar. O segundo número de telefone que o dr. Henry anotara no papel do Ramada Inn pertencia ao número 1403 do East Broadway Boulevard.   Wallace sentia que havia mais coisas em jogo do que a simples disputa pela guarda de uma criança. Mas não sabia o suficiente para dizer algo de mais concreto à sra. Henry. Como precisava dar uma explicação para todas aquelas perguntas, disse finalmente:  

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  % es   - Sra. H Henry, enry, estamos tamos i investigando nvestigando um inc incidente idente cue ocorreu com seu ex-marido. Relaciona-se ao fato de

 

que ele levou uma arma, um revólv revólver, er, a bordo de um avião. Ele foi preso ontem em Dallas. Não sei muito mais do que isso.   - Tem certeza?   - Sim, e assim que eu tiver mais informações volto a entrar em contato com a senhora. Obrigado por sua ajuda.   Christina Henrv deixou-os ir embora sem perguntar mais nada. Parecia estar pensando em alguma coisa.   "Havia uma série de perguntas que ela poderia ter feito", pensou Wallace, quando voltavam para o escritório. Lyman Schaffer formulou a primeira: "Mas que diabo aquele cara estava fazendo com uma arma?" Mentalmente , Wallace fez mais duas perguntas.   O dr. Henry escrevera em suas anotaçôes: "encontrar T. M T". Quem, ou o quê, era "T"? E por que o dr. Henry usara um disfarce no avião? Ele estava disfarçado quando a sra. Henry o viu na rua: o gorro de lã, o peso extra, o cabelo esquisito, tudo coincidia com aquilo que o agente Lloyd tinha contado a Wallace. Mas se Henry não cometera nenhum erime em Tucson, por que tinha continuado a usar o disfarce na volta para Dallas?   Assim que chegaram ao edifício do n'rr, Wallace foi buscar a maleta. A resposta tinha de estar ali.   Separou os objetos, examinando-os um por um e tentando descobrir como poderiam se relacionar com "encontrar T" e "M T". A lista do conteúdo da maleta mencionava cinco cinco chaves. Wallace pr procurou-as ocurou-as na maleta e as encontrou. Não estavam todas juntas, mas misturadas com os outros objetos. Examinou eada uma delas, mas a única que significava alguma coisa para ele era uma chave de Volksa,agen. Isso o fez lembrar algo que acabara de ver: um Volkswagen estacionado na rua atrás do número 1409.   Valia a pena tentar. Pegou todas as chaves e o revólver encontrado dentro da maleta. Disse a Schaffer onde estava indo e pegou seu carro. Como estava com o orgulho um pouco ferido pelos escassos resultados obtidos na primeira tentativa, estava agora mais decidido do que nunca a descobrir o que realmente estava acontecendo.   Quando chegou pela segunda vez à casa de Christina Henry, encontrou-a conversando com um senhor idoso. Christina os apresentou. Era seu pai, William Bellios. 52   - Minha senhora, trouxe uma coisa que gostaria que a senhora visse e me dissesse se pode identificar. - Dizendo isso, Wallace mostrou o revólver.   Antes que a sra. Henry pudesse responder, o pai dela falou, com um forte sotaque estrangeiro:   - Este é meu revólver. Posso reconhecê-lo em qualquer lugar. Ganhei-o em 1939 do meu irmâo George, lá em Akron, em Ohio. Reconheço esse revólver, sem sombra de dúvida. Foi meu durante quarenta anos, e depois dei-o para Pat. Dei-o para ele antes do casamento. Eu nunca comprei balas. Nunca atirei com ele.   Wallace não disse nada. Virando-se para a sra. Henry, perguntou sobre o Volkswagen estacionado na rua. Ela respondeu que o carro dela. Wallacena lhe passou chave do Volkswagen queera havia encontrado maleta do a dr. Henry, e pediu a ela que a experimentasse em seu

 

carro. Ela saiu pela porta de trás e entrou no Volkswagen. O motor gemeu por alguns momentos e, em seguida, pegou.   Falando ainda o mínimo possível, Wallace tirou do bolso as outras chaves e as passou . para a sra. Henry. Pediu a ela que as experimentasse em todas as portas da escola e da residência do número 1409. A sra. Henry e seu pai se entreolharam, mas não fizeram nenhuma pergunta. Dirigiram-se à escola, e Wallace foi atrás deles.   A primeira chave que ela experimentou serviu na porta de trás. A segunda abriu a porta da frente. Três das cinco chaves já tinham explicação.   Foram então para a casa vizinha, a de número 1409. Wallace podería apostar cem dólares que nenhuma das duas chaves serviria na porta daquela casa. Logo viu que estava certo.   A suspeita de Wallace se confirmava. As anotações mencionavam o número 1409. Escolher uma janela e utilizar o desentupidor e fita adesiva para entrar. Na maleta havia um cortador de vidro, mas nenhuma chave que servisse no número 1409. Todas essas provas indicavam a mesma coisa: o dr. Henry não tinha as chaves da casa da sra. Henry; ele estava planejando entrar por uma janela.   As peças do quebra-cabeça estavam entrando no lugar. Mas quem era "T"? Sem dar explicações, Wallace perguntou à sra. Henry se seu garotinho tinha algum apelido que começasse com T.   Ela náo se embrou de nenhum. Ela o chamava de   53 Stevie. Quando era pequenino, seu apelido era Paddy. Explicou que os pais dela eram gregos, ma mas s não conseguia se lembrar de nenhum nome nem apelido grego que começasse com T.   William Bellios aproximou-se deles. Não tinha ouvido a pergunta de Wallace e não sabia do que estavam falando. Aliás, ele não estava entendendo por que aquele investigador do governo estava fazendo tantas perguntas. Virando-se para sua filha, perguntou:   - Tina, o que está acontecendo?   Wallace sentiu uma onda de alegria invadi-lo. Ali estava a resposta! Ele estava certo desde o começo. "T" era Christina Henry, a ex-mulher do dr. Henry. E, juntando a isso o revólver e a faca, "M" tinha de ser "matar". "Encontrar Tina. Matar Tina."   Wallace pensou por um momento e, então, tomou uma decisão. Precisava avisá-los. Virando-se para o sr. Belios, disse:   - Eu acho gue o ex-marido dela veio aqui para eliminá-la.   - O senhor quer di'zer matá-la? - pergunt:ou o sr. Bellíos, chocado.   Wallace não respondeu. Estava olhando para a sra. Henry. Ela tinha empalidecido e levado as mâos à boca. O pai segurou seu braço. Wallace achou que o velho estava tremendo.   Ao voltar para o escritório, ficou pensando na reação de ChristinaMas e deo seu pai. Ambos haviam dos fícado assustados. estranho é que nenhum doismuito duvidara de nada. Nenhum dos dois dissera "não acredito"

 

ou "ah, isso é impossível". Talvez a surpresa tivesse sido muito grande. Ou talvez fosse exatamente o contrário. Talvez não tivessem ficado nem um pouco surpresos.   Cinco dias depois, Wallace recebeu os objetos apreendidos com o dr. Henry em Dallas. Pela primeira vez, viu com seus próprios olhos o papel do Ramada Iztn com as anotaçôes do que ele já chamava de "plano do crime". Após examinar cuidadosamente os horários anotados, teve certeza de estar com a razão.   O plano era bastante simples. O dr. Henry deveria sair de Dallas às nove horas e cinco minutos da noite de 5 de dezembro e chegar a Tucson às dez e quinze, horário 54 de Tucson, Tucson, na mesma noite. Iria então para o número 1403 do East Broadway Boulevard, entraria no jardim de infância com suas chaves e ali faria seus preparativos. Entraria, então, no número 1409 por uma janel janela, a, encontraria Tina e a mataria. Voltaria rapidamente ao aeroporto para tomar o avião de volta para Dallas, onde chegaria às cinco e meia da manhã. Estaria de volta ao congresso médico bem cedo, de modo que ninguém notaria sua falta.   Bates Butler estava acomodado em sua cadeira, analisando minhas reações. Na qualidade de promotor público e supervisor de todos os casos criminais s sob ob minha jurisdição, eu já lidara com dezenes de milhares de casos, rnas nunca tinha ouvido falar em um caso como aquele.   - Isso parece Agatha Christie - disse eu.   Bates concordou. Era difícil acreditar que alguém, e ainda mais um médico, faria algo tão esquisito: o disfarce, os diferentes documentos, o plano escrito em código. Mas Wallace tinha reunido todas as provas, e elas estavam bem à minha frente.   Mas o cúmulo era que, apesar de todos aqueles preparativos elaborados, o dr. Henry não tinha feito nada. Não matara sua ex-mulher; sequer se aproximara dela. Só no dia seguinte ela teve certeza de tê-lo visto do outro lado da rua. Parecia que não tínhamos nenhuma maneira de processá-lo.   Mesmo assim, precisávamos tentar. Eu não via outra alternativa. A vida de Christina Henry correra sério perigo e tudo indicava que ainda corria. Como observou o agente Wallace, o dr. Henry havia guardado cuidádosamente seu disfarce, suas anotações, suas armas e ferramentas. Se ele realmente desistira de matar a ex-esposa, por que então guardara tudo aquilo? Eu só podia pensar em algum impedimento momentâneo, mas nesse caso certamente ele tentaria novamente colocar em andamento seu plano maquiavélico.   Tudo levava a crer que o dr. Henry infringira algurna lei. Comecei a lembrar-me vagamente de alguma coisa. Na faculdade de direito, estudei vários casos de "crime de tentativa de assassinato". De acordo com a lei, se uma pessoa a cometer um premeditados", crime, isto é, se coloca em açãocomeça uma série de "atos e deela repente é impedida de realizar seu plano, essa pessoa pode ser

 

  55 acusada pela simples t tentativa. entativa. Nesse caso, t tentativa entativa de assassinato. Não é necessário que ela tenha tentado executar materialmente o assassinato propriamente dito; basta que tenha realizado "atos premeditados" pa-ra aquele fim. Eu não tinha certeza sobre como poderíamos determinar quais eram os "atos premeditados" necessários para a acusação; de qualquer forma, tínha tínhamos mos de tentar. P Para ara mim estava claro que a segurança de Christina Henry dependia disso.   Sabendo que ia abrir um processo, comecei a pensar na equipe para a investigação. Eu queria que o agente Wallace participasse dela. Ele havia tido a inteligência de desvendar o plano do dr. Henry e a iniciativa de seguir a pista de suas deduções. Não fosse por ele, ninguém estaria sabendo o que o dr. Henry tencionara fazer em Tucson.   Em vez de requisitar Wallace diretamente, perguntei a Bates Butler se minha investigação teria a cooperação das autoridades federais. Quando ele me assegurou que sim, já imaginando o que eu queria, solicitei que Wallace continuasse trabalhando no caso.   Passei imediatamente ao agente Wallace sua primeira tarefa: marcar uma entrevista com Christina Henry. Não tínhamos tempo a perder. No dia 7 de dezembro, quase uma semana antes, o dr. Patrick Gerald Henry fora solto, sem pagar fiança, da Penitenciária do Condado de Terrant, e autorizado a voltar para Maryland.   Christina Henry era totalmente diferente do que eu imaginara. Havia nela algo de muito antiquado, como se ela pertencesse pertencesse a outra geraçã geração. o. Quando Wallace n nos os apresentou, ela me cumprimentou com uma cortesia e um respeito fora do comum. Parecia estar até assustada com nossa presença.   Sua aparência combinava com o comportamento recatado. Tinha o rosto e o corpo bem-feitos, e cabelos bonitos; mesmo assim, ela em si não era atraente. O conjunto dava um efeito de excessiva simplicidàde. Usava uma saia escura de lã até abaixo dos joelhos, uma blusa bege amarrada com um laço no pescoço e óculos de aro metálico que não se ajeitavam bem em seu nariz. Parecia uma professora primária solteirona.   Wallacenão já houvesse havia avisado a suficientes sra. Henry epara seusjustificar pais que talvez provas a intervenção federal no caso. Ele próprio acreditava que não haveria, embora não dissesse isso à sra. Henry. O agente 56 Jerry Lloyd me contou mais tarde que Wallace telefonara para ele depois de nosso primeiro encontro.   - Eles arranjaram a lei mais incrível do mundo disse Wallace, rindo. - Uma lei contra a conspiração de um homem só. Um sujeito resolve cometer um assassinato, começa a executá-lo, depoís não o realiza, e mesmo assim é acusado d de e crime. Você acredi acredita ta numa história dessas? Isso nunca será motiv motivo o para um proces processo. so. Nem em mil anos!   Mas para Christina Henry esperava que houvesse justificativa um processo. Ela começou a falar sem parar, desesperada para me convencer de que seu ex-marido era

 

perfeitamente capaz de assassiná-la, e que sua vida ainda estava em perigo. Falava com incrível rapidez, pulando de um assunto para outro, morrendo de medo de que eu não compreendesse a gravidade de sua situação.   Quando fez uma pausa, eu a interrompi. Compreendia muito bem seu perigo. Mas o que realmente precisávamos para armar nossa acusação era a história do seu relacionamento com o dr. Henry, desde a época em que se conheceram até o presente. Precisávamos saber de todos os fatos que pudessem mostrar quais eram os sentimentos dele em relação a ela, e qual a verdadeira personalidade dele. Precisávamos saber tudo a respeito da vida de Christina com ele.   A sra. Henry assentiu em silêncio, e levou alguns momentos para se recompor. Contou então sua história, mas não em ordem cronológica. Não podia deixar de citar fatos que aconteceram em épocas diferentes. Mas a memória que ela tinha para detalhes era excepcional, mesmo quando mencionava acontecimentos ou conversas ocorridos cinco ou seis anos antes. Mais tarde, quando revisei e organizei minhas anotações, vi que, na verdade, ela havia me contado uma história completa, com começo, meio e fim.   Christina Bellios estava sentada à mesa de jantar, tentando escrever cartões de agradecimentos. Sua mãe sugerira que ela fizesse isso agora, porque haveria menos tempo ainda para tarefas desse tipo depois do casamento. Ela aiada tinha meia dúzia de cartões para escrever, e o casamento iria se realizar dali a poucas horas. Mas não conseguia se concentrar nos cartões.   Aquela tarde, ela iria passar por uma ponte que se   57 atravessa uma só vez na vida. Olhou para seu pai, também sentado à mesa. William Bellios vivera metade de sua vida na Grécia. Tornara-se americano, mas ele e sua esposa Athena haviam educado suas duas filhas de acordo com a tradição grega. Christina e sua irmã Karen falavam grego tão bem quanto inglês. Haviam freqüentado a mesma escola pública de suas amigas do bairro, mas, depois da escola, passavam mais algumas horas na escola grega, aprendendo a história, costumes, as danças e vestiamcanções da Grécia. Nos feriadosos gregos, as duas meninas se com o manto de veludo e a coroa da rainha Amalios, que chefiara a revolta de seu povo contra os turcos. E as duas irmãs também haviam assimilado os costumes tradicionais: o marido era o chefe indiscutível da casa. Era sua responsabilidade proteger e sustentar a esposa e as crianças. Em troca elas o respeitavam e Ihe obedeciam.   Agora que ia se casar, Christina sabia que as coisas iriam se passar assim com ela: Sendo filha de Willi.am e Athena Bellios, e uma ardente seguidora da religião grega ortodoxa, sabia que seria seu dever manter os votos que faria aquela tarde na casa de Deus. A honra da família assim o exigia. Apesar de ter nascido nos Estados Unidos, Christina sentia-se tão ligada quanto o pai às tradições com que ele havia sido criado a cinco tância, na pequenina aldeia natal.mil quilômetros de dis-

 

  Nas montanhas pedregosas do sul da Grécia fica a aldeia de Tziba. É muito pequena, com não mais de oitenta famílias, que vivem em setenta casas. Foi aí que em 1905 nasceu William Bellios, então chamado Vasílios.   Na primavera e no verão, Tziba é pitoresca e encantadora, como tantas outras aldeias do Mediterrâneo. Mas no inverno a cidadezinha se torna desolada e sua pobreza se acentua. Em dezembro de 1905, quando Vasílios Bellios nasceu, a aldeia estava morrendo. O que os camponeses traziam dos campos mal dava para alimentar suas famílias. As pessoas comiam o que plantavam. Em geral, não sobrava nada para troc trocar ar no mercado po por r sapatos, roupas ou utensílios para a agricultura. Mas, às vezes, essas trocas eram indispensáveis. Nessas ocasiôes, a família passava fome.   Não que as pessoas não trabalhassem duramente; faziam-no desde os primeiros raios de sol até depois do es58

  r curecer. A culpa era da terra. Assim como as fuas de Tziba, a terra já havia sido usada por centenas de anos, e estava cansada. Assim como o povo do lugar, era irremediavelmente pobre.   Em face desse desespero, os aldeões voltavam-se para Deus. A igreja, simples e humilde, era a construção mais sólida da cidade. Aos domingos, cada homem, mulher e criança da aldeia ia ao serviço religioso. Sua fé os consolava e os encorajava para prossegu prosseguirem irem a luta de cada dia.   A outra coisa que dava força àquele povo era v orgulho de serem gregos. Nas noites frias de inverno, Vasílios, seu irmão e suas irmãs sentavam-se em frente à lareira e pediam ao pai que lhes contasse histórias. Nicholas Bellios fazia-o, com todo o orgulho. A maioria das histórias eram episódios da longa luta dos gregos para expulsar os turcos de sua terra. As histórias não tinham fim, assim como não tinha fim o prazer dasnarrações: crianças em ouvi-las. havía um objetivo naquelas manter acesa Mas a chama do orgulho grego, para que brilhasse dentro de cada criança por toda a sua vida, mesmo que saísse da aldeia e fosse embora para bem longe. Por ironia, como os campos de Tziba não podiam mais alimentar seu povo, a maioria das crianças no fim iria partir. Algumas ficariam por perto, em aldeias maiores, outras se mudariam para Atenas ou outras cidades grandes, e outras ainda se espalhariam pelos quatro cantos do mundo. Vasílios Bellios seria uma dessas.   A mãe de Vasílios tinha um primo em Atenas, o sr. Chacopolous, que vinha visitá-los várias vezes por ano. Vasílios já o vira muitas vezes. Numa das visitas, porém, ele o observou com novos olhos. O sr. Chacopclous era diferente dos homens daquela aldeia. Sendo dono de uma grande mercearia em Atenas, não tinha era um escravo acorrentado a alguns acres patrão, de terranem estéril. 0 sr. Chacopolous podia fazer o que queria, e seus filhos



 

também.   Depois de uma das visitas do sr. Chacopolous, Vasílios aproximou-se de seu pai e lhe disse que já era tempo. Tempo de deixar a família, tempo de ir para a cidade e começar a trabalhar. No dia da partida, Vasílios abraçou seus pais e prometeu voltar para casa no Natal e na Páscoa, se pudesse. Começou então a andar a pé até Trípoli, onde tomaria o trem para Atenas. Tinha então oito anos de idade.   Vasílios foi morar na casa do sr. Chacopolous. Du  59 rante o dia, trabalhava no mercado da vizinhança; à noite ia à escola. Aos  dezenove anos, entrou no exército. Dois anos depois de dar baixa, já tinha economizado o suficiente para abrir seu próprio mercadinho.   Sua famílía tinha orgulho dele, mas Vasílios estava insatisfeito. Trabalhava muitas horas por dia, não gastava dinheiro em bobagens, e morava num quartinho nos fundos de sua loja. Mesmo assim, ao fim de cada mês seus ganhos não eram mais do que o equivalente a dois ou três dólares. Queria, acima de tudo, melhorar a sua situação, mas não via maneira de fazê-lo. Então, aos vinte e dois anos, seu meio irmão veio dos Estados Unidos.   Christos Bellios era filho de Nicholas e de sua primeira esposa. Quando Christos e seu irmão George eram pequeninos, sua mãe morrera, e os irmãos dela, que haviam emigrado para os Estados Unidos anos antes, mandaram buscar os dois garotos. Nicholas não via seu filho mais velho havia dezoito anos.   Christos chegou de Trípoli de táxi, fato que causou grande comoção na aldeia. Vendo-os abraçados, Vasílios percebeu a alegria nos olhos do pai. Depois de todos aqueles anos de separação, o amor de um pelo outro continuava forte. Mas Vasílios estava vendo mais do que o amor entre pai e filho, muito mais.   Christos e seu irmão George viviam num mundo diferente de Tziba, diferente até mesmo de Atenas. Christos tinha se formado em direit direito. o. Os dois irmãos eram proprietários de diversos negócios bem-sucedidos, e Christos estava de volta não apenas para rever sua família, mas também para construir uma nova casa para seu pai, uma casa grande e bem custaria ponês da aldeia asequipada, economiasque de toda uma para vida.um cam  Nos meses que se seguiram à visita de Chrístos, Vasílios não parava de pensar em seu irmão. A vida que Christos levava nunca seria possível na Grécia, pois o país estava atolado na pobreza e nas crises políticas. Vasílios seria sempre fiel a sua família e à Grécia, tal como Christos era, mas sabia que tinha de partir.   Em 1 1933, 933, Christos e Geo George rge man mandaram daram b buscá-lo. uscá-lo. Partiu do porto de Pireu, junto com várias centenas de emigrantes gregos e italianos. Eles levavam consigo poucos bens materiais. Ap Apesar esar de os Estados Unidos ainda estarem afundados na Depressão, eles sabiam que lá suas vidas seriam muito melhores do que tudo que já haviam 60 conhecido. Mas traziam com eles aquilo de que mais precisavam: sua religião, sua cultura, seus costumès. Embora

 

se tornassem americanos, suas tradições sempre seriam uma ponte com o velho lar.   Christina parou de escrever. Seu pai estava lendo o jornal, conferindo os resultados dos jogos de seu esporte preferido.   - Papai - começou ela. Ele ficou olhando-a, e ela parou um momento para pesar as palavras com que expressaria o que estava sentindo. Falou em grego, como costumava fazer em casa: - Espero estar fazendo uma coisa certa, me casando - disse ela. - Sei como me sinto agora em relação a Pat, mas não sei eomo serão as coisas depois do casamento. Como posso ter certeza de que estou agindo certo?   - Tina, querida, ninguém sabe com certeza - respondeu William Bellios. - Sua mãe e eu também não sabíamos. Nós nos encontramos através do koumbari, o casamenteiro. Isso foi lá .em Akron, em Ohio, logo que cheguei aos Estados Unidos. Vi sua mãe na igreja num domingo, e perguntei ao koumbari se seria possível encontrá-la. A primeira vez que tomamos chá juntos, toda a família dela estava presente. E nos outros encontros a mãe dela ou uma das tias sempre ficava por perto. Não nos conhecíamos muito bem quando nos casamos, mas eu tinha uma boa impressão del dela. a. E na época em que você nasceu, eu já sabia que a amava. E ela também me amava. Nós trabalhamos muito, e tivemos uma boa vida juntos.   Aquela história bem conhecida do namoro de seus pais fez Christina ficar um pouco mais tranqüila. Apesar de ela ainda não estar apaixonada por Patrick, sentia algo especial por ele, e tinha certeza de que ele a amava. Sendo médico, ele seria capaz de cuidar bem dela e dos fiIhos. Isso era importante. Sua mãe também não sabia muito mais que isso a respeito de William antes do casamento.   Ela e Patrick haviam se conhecido de uma maneira bem tradicional: por intermédio de uma vizinha viúva, amiga da família. Mas nada mais naquele namoro foi tradicional . . .   A vizinha, sra. Kempf, estava cuidando do jardim  

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quando Christina parou para conversar um pouco. Sendo viúva e tendo perdido os dois filhos, a sra. Kempf levava uma vida solitáría, e todos os membros da família Bellios costumavam visitá-la sempre que podiam.   A casa da sra. Kempf, no número 1403 do East Broadway Boulevard, er era a bem parecida c com om a dos Bellios; no 1409. Ambas as construções eram modestas, de frente para a rua. Mas nos fundos da casa dos Bellios, bexn no fim do quintal, William construíra duas pequenas casas de hóspedes, na verdade dois apartamentos de um aposento, para Christina e Karen. Com isso as moças, que estavam na universidade, tinham um lugar tranqüilo para estudar,Àenoite os pais também desfrutar privacidade. e na hora podiam das refeições, a maior família se reunia na casa da frente.

 

  A sra. Kempf não tinha apartamentos para hóspedes, mas mandara construir um quarto extra nos fundos da casa. Agora que sua família tinha morrido, .pagava as despesas da casa alugando aquele quarto para estudantes da Universidade do Arizona. Christina sabia que havia alguém morando la, mas nunca encontrara ninguém, nem mesmo vira de longe.   - E como vai a escola, Christina? - perguntou a sra. Kempf.   - Muito bem. Eu gosto muito - disse Christina -, exceto de física. Não consigo entender direito, mas preciso passar em física para me formar. Tenho uma prova amanhã, e vou ficar estudando até a meia-noite. Mesmo assim, acho que nâo vai adiantar muito.   - Bem, talvez Pat, meu inquilino, possa ajudá-la. Ele está no primeiro ano de medicina. Sendo assim, deve entender de física, não acha?   - Claro - disse Christína, já se afastando em direção a sua casa. Precisava realmente começar a estudar.   Quando fechou a porta de seu quarto, já tinha se esquecido do estudante de medicina da sra. Kempf. Mas, quanto mais a sra. Kempf pensava no assunto, melhor lhe parecia a idéia. Seu inquilino era um rapaz alto, bastante bonito, bonito, com cabelos cas castanhos tanhos e olhos azuis azuis. . Era quieto e bem-educado. E se ele realmente entendesse de física, melhor ainda.   Naquela tarde, Christina estava na casa da frente quando a campainha tocou. Ela foi atender e viu um ra paz alto e de boa aparência, que parecia nervoso. 62 - Oi - disse ele. - Você é Christina? A sra. Kempf me pediu para ajudá-la a estudar para sua prova de física.   Surpresa e um tanto constrangida, Christina riu e disse:   - Eu sou Christina, e aceito.   Ao entrar na casa, ele disse:   - Meu nome é Patrick Henry.   Sentaram-se à mesa de jantar e ele deu uma olhada em seusda livros e cadernos física. Queria ver em que stágio matéria a moçade estava. Ela começou a perguntar sobre os pontos que não entendia daquela matéria, e Patrick explicou os conceitos que a deixavam em dificuldade. Mas ele parecia estar pouco à vontade, e Christina também. Depois de mais ou menos uma hora, Patrick olhou de repente para o relógio e disse:   - Acho que já vou indo. Eu também tenho uma prova amanhã, e preciso me levantar cedo.   Christina viu com alívio que ele tinha encontrado uma desculpa para ir embora, e o acompanhou até a porta.   - Obrigada - agradeceu. - Você me ajudou nuito.   Depoís de Patrick ter saído, ela voltou a estudar e não pensouemais nele. É certo que o calculou rapaz tinha boa deaparência era inteligente, mas ela que ele veria ter uns dois anos a menos que ela, o que automa-

 

ticamente o eliminava como um possível namorado.   Se Christina tivesse se interessado por ele, teria se desapontado. Ela nunca tinha posto os olhos em Pat antes daquela visita, e quase não o viu depois disso. Segundo a sra. Kempf, ele se levantava cedo, ia para a escola de bicicleta, e depois estudava em seu quarto desde o fim da ' tarde até a meia-noite. Christina encontrou-o por acaso algumas vezes, mas apenas se cumprimentaram.   Na primavera de 1968, Christina se formou e começou a procurar emprego. Uma estação de televisão local estava procurando uma professora de jardim de infância para ser apresentadora de um programa infantil diário. Christina não tinha experiência como professora, mas era formada em educação e, assim, compareceu à entrevista. O produtor do programa disse que ela era perfeita para o trabalho: alta e bonita, amável e carinhosa com as crianças que lhe tinham sido apresentadas.   63   Quando Christina começou a trabalhar, continuou morando no pequeno apartamento atrás da casa de seus pais. As moças gregas da aldeia de seu pai só saíam de casa para casar. Nos fins de semana ela também ensinava crianças na escola dominical e na Igreja Grega Ortodoxa de São Demétrio. Gostava tanto de lecionar que depois de um ano deixou o programa de televisão e se tornou professora num jardim de infância. Sua irmã Karen ainda estava na universidade, e morava no outro apartamento, de modo que a família permaneceu unida. Foi a mãe de Christina quem trcuxe Patrick Henry de volta para suas vidas.   Athena tinha pena dele. Sendo uma mulher ativa e realizada, não podia deixar de notar como era vazia a vida de Pat. Exceto para ir às aulas, ele quase nunca saía de seu quarto. Seus pais o visitavam uma vez por semana, mas nunca ficavam muito tempo. Como Athena ficava em casa o dia todo, percebia o que se passava.   E sabia o que fazer. Aquele rapaz precisava de alguém que lhe desse atenção e o fizesse abrir-se um pouco. Era um bom rapaz, mas tímido. Por isso, e por causa de seus estudos, claro, não tinha muitos amigos. Segundo a sra. Kempf, Pat fazia apenas uma refeição por dia. As vezes comia algumapronta, coisa que sua mãeComia trazia, mas,lataria, em geral, era comida enlatada. tanta disse a sra. Kempf, que fazia compras por atacado, para várias semanas. Ao saber disso, A Athena thena re resolveu solveu c convionvidá-lo para jantar.   No princípio foi sú uma vez por mês. E foi assim que Athena percebeu que Christina e Pat gostavam um do outro. Christina se encontrava com outros rapazes, e Pat nunca a convidou para sair, mas eles pareciam à vontade um com o outro. Pat falava com Chistina mais que com qualquer outra pessoa à mesa do jantar, e ela instintivamente sabia como deixá-lo à vontade.   Karen, a irmã de Christina, tinha outros sentimentos em relação ao convidado. Não gostava dele.   - Mãe, você não acha que eIe é um pouco estranho? - Christina ouviu nunca sua irmã um dia. Ele nunca sai de casa, se perguntar encontra com amigos.   - Karen, você não tem respeito? - replicou a

 

mãe. - Pat está eszud eszudando ando medicin medicina. a. O pai dele está pagando caro por seus estudos, e Pat leva isso a sério. 64 Ele estuda muito, não é como os outros rapazes de sua idade.   Athena começou a convidá-lo para jantar com mais freqüência, e Christina às vezes ficava constrangida pela maneira como sua irmã desafiava Pat e discordava de tudo o que ele dizia.   Christina também discordava, mas, em geral, não dizia o que pensava. Apesar de ser uma moça instruída, ela achava achava que Pat era muito mais inteligente do que ela. Além disso, ela e Karen tinham atitudes diferentes em relação à vida. Elas se pareciam bastante, ambas altas, com quase um metro e setenta, cabelo e olhos castanhos e a pele morena, cor de oliva. Ambas tinham sido protegidas pelos pais; não propriamente mimadas, mas resguardadas dos conflitos e das coisas desagradáveis. Mas Karen era muito mais franca do que Christina. Talvez por ter estudado na universidade quatro anos depois de sua irmã, numa época em que o movimento feminista já se fazia ouvir. Quer fosse por isso, quer por alguma outra razão, ela era independente e tinha senso crítico, ao passo que Christina mostrava-se conservadora e resignada. Não era uma diferença que causasse problemas entre elas. Isso só ocorria quando Pat estava à mesa de jantar.   Nos dois anos seguin seguintes tes as duas irmãs estiveram muito ocupadas.   Karen se formou e começou a fazer o mestrado. Lecionava durante o dia e assistia às aulas de pós-graduação à noite. Christina continuou ensinando no jardim de infância e começou a namorar fir firme me com um rapaz que tinha uma pequena empresa. Ele já era bem sucedido em seus negócios e parecia destinado a ter mais sucesso ainda. Mas, quando ele a pediu em casamento, ela recusou. Sentia que sua inclinação por ele não era tão forte como deveria ser. Enquanto isso, Patrick Henry cursava o segundo e o terceiro anos de medicina e a sra. Bellios continuava colocando um prato a mais na mesa.   O namoro começou quando Pat estava no último ano da escola de medicina. Ele continuava estudando muitas horas àpornoite dia, mas davaver um Christina. jeito de conseguir um vivia tempinho para Como ele com pouco dinheiro, não podia levá-la para fazer programas caros. Assim, encontravam outras coisas para fazer. Iam a peças e concertos gratuitos na universidade, de vez em quando ao cinema, e passeavam muito a pé.   65   Atendendo aos pedídos de Christina, Athena o convidava para jantar cada vez com mais freqüência. Certa noite, à mesa, ele a chamou de Tina, que era como William Bellios sempre chamava a filha. Todos notaram, mas ninguém disse nada. Daí por diante, Pat nunca mais a chamou de Christina.   Embora estivessem se aproximando cada vez mais, Christina nunca se encontrou com os pais dele. Pat não queria.   - Eles só vêm aqui por dois motivos, Tina -

 

disse ele. - Para cortar meu cabelo e pegar minha roupa para lavar.. Ah, e me dar umas broncas também.   - Quer dizer que é sua mãe quem lava suas roupas? - perguntou Christina, curiosa.   - Sim - respondeu ele. - Eu mesmo poderia levá-las para a lavanderia. Mas, depois de lavar e passar, ela prende com alfinete cada calça com a camisa que combina e, assim, eu s sei ei o que usar.   Para Christina isso pareceu muito estranho, mas ela sabia como Pat vivia ocupado com seus estudos. Mesmo assim, ficou contente por estarem sðzinhos quando ele contou esse fato. "Se Karen ouvisse isso", pensou, "eu não agüentaria de vergonha."   A turma de Pat seria a primeíra a se formar pela Escola de Medicina da Universidade do Arizona Arizona, , e durante o semestre final um dos professores deu uma grande festa para celebrar o acontecimento. Christina ficou tão orgulhosa quando Pat a convidou para acompanhá-lo! Ela e Karen passaram horas decidindo que roupa ela usaria e arrumando seu cabelo para que ficasse bem ondulado e brilhante. Logo antes de sair, ela se maquiou um pouco. Quando Pat veio buscá-la, mostrou pela expressão do rosto que tinha gostado. No caminho para a casa do professor, no carro que os pais de Pat haviam acabado de lhe dar, Christina sentiu que formavam um belo par.   E realmente chamaram a atenção de todos, ao chegarem à festa. Pat parecia nervoso e pouco à vontade, levando-a de grupo em grupo, para apresentá-la a seus colegas e professores. Mas ela sabia que ele era uma pessoa pouco sociável. Ele já havia lhe dito que raramente conversava com alguém na faculdade. Também tinha lhe dito que algumas . pessoas o desprezavam porque ele não gastava dinheiro 'em roupas ou divertimentos. Nâo era 66 culpa dele, pensou Christina. Ele não tinha dinheiro para gastar.   Para aquela festa Pat havia se vestido da melhor maneira possível. O que mais chamava a atenção era uma jaqueta em estilo índiano, que já não estava mais na moda. Christina teve a impressão de que várias pessoas olhavam paraaaroupa jaqueta dele,Mas ou todos piscavam paramuito os amigos indicando de Pat. foram amáveis com ela. Era disso que Pat precisava, pensou ela, alguém que o ajudasse a vencer a distância entre ele e as outras pessoas. Ela sabia que podia fazer isso se ele lhe desse uma oportunidade.   Alguns dias depois da festa, Pat disse a Christina que não iria se formar junto com  sua classe. Iria repetir de ano em duas matérias: pediatria e cirurgia.   - Pat, ainda há tempo. O semestre não terminou - disse Christina, tentando ser prática. - Talvez você possa fazer trabalhos extras no laboratório, ou e.screver outra dissertação. Por que você não pergunta? Talvez eles concordem.   - Tina, você não compreende - disse ele, com raiva. Não ia adiantar não não tem querem nada a ver com meu-trabalho. Aquelesnada. dois Isso sujeitos que eu me forme. Um deles chegou a me dizer isso. Ele disse

 

que uma pessoa como eu não deveria ser médico. O que você acha disso? Uma pessoa como eu!   - Mas você já perguntou a eles o que você poderia fazer. . .   Furioso, ele a interrompeu:   - Não! Acha que eu vou rastejar aos pés deles? De jeito nenhum. Se eles querem acabar comigo, muito bem. Mas eu não vou jogar o jogo deles. A culpa não é minha, é deles. Não quero lhes dar esse prazer.   Christina parou de tentar dar sugestões. Ele estava com tanta raiva que ela não conseguia nem consolá-lo.   Quando ele tocou a campainha no dia seguinte, Christina retesou-se. Mas a raiva tinha passado. Agora ele estava contentíssimo. O Charity Hospital de New Orleans, sua primeira opção para o estágio como interno em hospital, o tinha aceito.   - Naturalmente, vou ter de repetir pediatría e cirurgia neste verão. Mas, se eu passar, poderei entrar no Charity Hospital em setembro.   - Pat! Quer dizer que eles vão deixar você fazer   67 de novo só as matérias em que não passou? Está vendo como eles não estão "contra você"?   Ele não quis falar no assunto.   - Não importa o que eles acham; Tina. Agora só estou pensando em New Orleans. É uma cidade tão incrível! Há tantas coisas que quero fazer por lá . . .   De repente, ele olhou para ela.   - Por que você não vem comigo, Tina? - perguntou. - Poderíamos nos casar.   Ela não o amava. Sabia disso. E, embora já se conhecessem havia quatro anos, ela sentia que ainda não o conhecia bem. Mas isso era parte da atração que ele exercia: um certo mistério, em que ela não conseguia penetrar. Sentia-se estimulada pensando nas possibilidades futuras, uma sensação que não havia encontrado com os outros namorados. A partir disso, pensou ela, viria o amor.   - Está bem - disse ela. - Eu me caso com você.

  visita Christina conheceu, os paisBoulevard. de Pat, naNão última que fizeram aoafinal, East Broadway pôde formar uma impressão: Pat a apresentou e ela conversou muito pouco com eles. Mas esperava conhecê-los melhor, agora que ia se casar com Pat Pat. .   Quando Pat lhes telefonou contando que estava noivo, Christina ficou ao lado dele, certa de que num determinado momento pegaria o telefone e diria como se sentia feliz em entrar para a família dele. Mas a mãe de Pat simplesmente não quis falar com ela.   Quando Pat deu a notícia à mãe, Christina ouviu-a exclamar com raiva: "Não! " Depois passou vários minutos gritando com ele, furiosa. Parecia que nunca iria parar de berrar. Pat ouvia, pa paralisado. ralisado. Nâ Nâo o tentou responder e, depois de algum tempo, desligou.   Pat não precisou contar a Christina a reação de seus pais, nem havia maneira de atenuar os fatos. Chocada, Christina tentou lembrar-se de algo que poderia ter dito

 

para que eles a tratassem tão mal, mas não encontrou nada. Contudo, Pat pareceu recuperar-se rapidamente. Com ou sem a bênção dos pais, estava decidido a seguir em frente.   - Vamos marcar a data, Tina - disse ele, e assim fizeram: 31 de maio de 1971. Era o primeiro domíngo depois da formatura de Pat. O diretor da escola de medi68 cina tinha permitido que Pat comparecesse à cerimônia de formatura, usando a toga e a beca.   Os pais de Christina não conseguiram compreender por que os pais de Pat se opunham ao casamento. Quando lhe perguntaram, Pat foi evasivo.   - Eles me disseram que eu não deveria me casar agora - era só o que ele respondia. - Por favor, não se preocupem com isso. Do jeito que as coisas estão, acho que eles nem vêrn ao casamento.   A impressão que se tinha era de que ele estava achando a raiva dos pais divertida. Parecia querer desafiá-los.   Alguns dias antes da formatura, Pat convidou William e Athena para participarem da cerímônia. Eles aceitaram, em parte para agradar a Pat e em parte porque era uma oportunidade de conhecer o casal Henry e tentar melhorar a situação.   Na manhã do dia 29, o dia da formatura, o telefone tocou na cozínha de Athena. Ela mal dissera "aló", quando uma voz de homem começou a dizer:   - Aqui fala Jason Henry, o pai de Pat. Escute, vou direto ao assunto: minha esposa e eu apreciaríamos que a senhora e seu marido não fossem à formatura, hoje à noite. , Tenho certeza de que a senhora compreende. Quando eles   se casarem, será o dia de vocês. Mas hoje é o nosso dia.   Athena não sabia o que dizer. Aquela hostilidade do   casal Henry a desconcertava, mas ela não via saída para a   situação.   - Sr. Henry, lamento que se sinta assim - respon  deu, finalmente. - Mas foi Pat quem nos convidou, e   creio que é ele quem deve decidir se nós vamos ou não.   Naquela mesma manhã Pat telefonou, furioso com a   interferência dos pais.   - Escute aqui, eu convidei vocês, e vocês devem ir   - disse ele. - É isso. Estamos combinados?                

William e as Athena atrito entre duasconcordaram, famílias nãoconstrangidos. era nada bom, Esse pensaram, e tão desnecessário! Estavam a apenas dois dias do casamento, e tinham de conseguir pacificar as coisas. - Pat, faça-me um favor - disse Athena. - Explique a seus pais que nós gostaríamos de convidá-los para jantar hoje à noite, antes da cerimônia de sua formatura. William quer marcar um encontro no Old Pueblo Club, às dezoito horas.

  69   Ela tinha certeza de que, se eles se conhecessem, tudo iria entrar na mais perfeita normalidade.   Tucson já era uma florescente cidade índia - um pueblo - quando os jesuítas espanhóis a descobriram no século época, XVII. Omas XVII. nome do Old se já referia àquela agora, em Pueblo 1971, aClub cidade tinha trezentos mil habitantes, e estava crescendo rapidamente. O

 

Old Pueblo Club ficava no vigésimo primeíro andar, na cobertura de um dos maiores edifícios de Tucson. Todo envidraçado, dele se descortinava um panorama da cidade, do vale e das montanhas ao redor. Nenhum outro edifício da cidade tinha uma vista igual.   Para alívio de Christina, o casal Henry pareceu bem impressionado com o lugar. Enquanto todos tomavam seus drinques, o sol começou a se pôr e a vista tornou-se ainda mais espetacular, com a silhueta das montanhas no horizonte contra o céu cor de cobre. Mesmo assim, ninguém se sentia à vontade. A atitude do casal Henry não era propriamente rude, mas reservada, e denotava uma certa condescendência. Christina viu, com o estômago apertado, que Pat logo virou dois uísques puros.   Tinha chegado a hora de pedir o jantar. Foi o próprio gerente do clube, amigo pessoal de William, que veio atendê-los, uma atenção especial que não passou despercebida ao casal Henry. Todos pediram a especiali especialidade dade da casa para o dia, uma sexta-feira: ostras como entrada e depois camarão, siri e lagosta. Eram pratos bastante pesados, especialmente para Regina Henry; ela havia anunciado em voz alta que estava fazendo regime. Mas, quando o garçom trouxe uma repetição da entrada, ela rapidamente comeu sua porção; depois terminou também os pratos de Christina e Karen, que já estavam satisfeitas.   Quando chegou o carrinho de sobremesas, o apetite de Regina ainda não tinha diminuído. Escolheu nada menos que sete pratos e conseguiu terminar quase tudo. Sua gula era tão extraordinária que Karen cutucou o pé de sua mâe debaixo da da mesa e dilatou os olhos discre discretamente, tamente, mos mostrando seu espanto.   Vendo que as duas se entreolhavam, Christina abaixou a vista, mortificada pelo comportamento da sra. Henry. Quando esta pedi pediu u licença para ir ao toalete, Christina aproveitou a oportunidade para escapar um pouco da mesa e foi junto com ela.   Regina não falou com ela no caminho para o toalete. 70 Christina penteou o cabelo na frente do espelho, e Regina entrou no banheiro, deixando a porta aberta.   Enquanto Christina observava pelo espelho, Regina inclinou-se sobreSem o vaso sanitário, enfiou um dedorepetiu na garganta e vomitou. sequer olhar para Christina, o processo. Saiu então do banheiro, lavou a boca na pía e limpou cuidadosamente as mãos com uma toalha de papel. Enquanto Christina olhava, muda de espanto, saiu do toalete e voltou para a mesa.   As duas famílias saíram do Old Pueblo Club e dirigiram-se separadamente para o local da formatura. No carro, Christina contou a seus pais e a sua irmâ o que tinha presenciado. Na cerimônia, os Bellios nem sequer fingiram ser corteses. Cada família ignorou a outra por completo.   William Bellios tirou os olhos do jornal. Percebeu que sua filha estava imersa em seus pensamentos, numa perturbação casamento. que uma noiva não deveria sentir no dia do   - Tina, você deve fazer o que achar certo - dísse

 

ele. - Seja lá o que for. Mas só você pode resolver. A decisão é sua.   Pat era uma coisa; os pais dele eram outra, pensava Christina. E ele reconhecia o quanto eles eram intratáveis. Pat os via pouquíssimo, de tanto que o deixavam furioso.   Christina estava em dúvida, tinha plena consciência dísso. Mas toda noiva tinha dúvidas. Ninguém podia ter certeza absoluta. Seu pai já lhe havia dito isso. Sentindo-se mais segura, Christina sorriu para o pai. Sentiu que havia tomado a mesma decisão que sua mãe um dia tomara, assim como a mãe de sua mãe. Parou de escrever os cartóes de agradecimento, foi para o seu quarto e começou a se vestir para o casamento.   O padre Paul Koutoukas dirigiu a cerimônia na Igreja Grega Ortodoxa de São Demétrio. Karen foi a dama de honra. Para padrinho convidaram um amigo da família Bellios, pois Pat dissera não conhecer ninguém.   O casal Henry acabou indo à igreja para a cerimônia. Recusaram os lugares reservados à família do noivo, no banco da frente, e foram sentar-se no último banco. "Ainda bem", pensou Karen, uma vez que Regina Henry estava vestida inteiramente de branco, como se ela, e não Christina, fosse a noiva.   71   Depois da c cerimônia, erimônia, Jason e Regin Regina a recus recusaram-se aram-se a ficar ao lado dos Bellios na fila para os cumprimentos. Recusaram-se também a posar para as fotografias. Christina percebeu a expressão horrorizada de seus amigos e familiares, mas não podia fazer nada além de fingir que não havia notado coisa alguma.   Havia rnais coisas, mas nem Karen nem a sra. Kempf queriam lhe dizer o que tinham presenciado naquela manhã. Às oito horas da manhã Regina saíra repentinamente do quarto de Pat, gritando: "Você não vai se casar com aquela cadela grega! Eu não permitirei! " Pat e o pai havíam corrido atrás dela e conseguiram puxá-la de volta para dentro a antes ntes que o escând escândalo alo assumisse áimensões maiores. Karen, que estava indo de seu apartamento para a casa da frente, ouviu tudo. A sra. Kempf também ouviu, pois estava fazendo café na cozinha. Mas não adiantaria nada contar esse incidente a Christina.   Regina faiou com sua nova nora pela primeira vez durante a recepção.   - Você não vai durar três meses - declarou ela bem alto. - Tome nota de minhas palavras! Três meses é o que lhe dou.   Os primeiros dias da lua-de-mel foram difíceis tanto para Pat como para Christina. Não conheciam bem um ao outro, e sabiam ainda menos sobre sexo: Christina, por opção; Pat, porque nunca tinha tido uma namorada.   - Nunca tive tempo - explicou ele. - Nunca fiz outra coisa na vida a não ser trabalhar e estudar.   Christina não se importou. Tinha certeza de que tudo iria melhorar. Com o passar do tempo passariam a se arnar. era o que tinhaaacontecido com seusnum pais.   Os Afinal, recém-casados passaram noite de núpcias motel de Tucson. No dia seguinte almoçaram com a fa-

 

mília de Christina, fizeram as malas e foram embora. Sua viagem de lua-de-mel tinha também uma finalidade prática. Iriam para Michigan, pois Pat havia se matriculado num curso de cirurgia na Universidade de Ann Arbor. Era uma das duas matérias que teria de cursar naquele verão. Era o que faltava para ele obter seu diploma.   Seus pertences e presentes de casamento lotavam o Mercury 1969, deixando espaço só para eles dois e TrickS,, 72 uma gatinha de oito semanas que os alunos de Christina Ihe haviam dado. A gatinha deitou-se no colo de Christina e dormiu o caminho inteiro, até Michigan.   Pat guiou o tempo todo. Christina ofereceu-se para revezar com ele, mas ele insistiu em dirigir sozinho.   - Eu sei como economizar gasolina - explicou ele. - Consigo fazer este carro dar a máxima quilometragem possível. - Christina logo descobriu que ele tinha outras maneiras de economizar dinheiro. À noite, comparou cuidadosamente os preços de vários motéis, e escolheu o mais barato. Nos restaurantes, ele sempre escolhia a refeição mais em conta, e depois levava os pacotinhos de sal, pimenta e açúcar. Quando saíam de um motel, ele levava tudo o que era possível: sabonete, xampu, papel higiênico, lenços de papel, cinzeiros. Se Christina objetava, ele dizia:   - Escute aqui, nós pagamos por tudo isso.   Foi durante essa longa viagem que Pat explicou por que seus pais tinham sido contrários ao casamento.   - Você apareceu na hora errada - disse ele. - Eu já ia me formar, e eles estavam pr prontos ontos para desf desfrutar rutar o que eu consegui. Eles sempre me consideraram um investimento para seu futuro; eu era a aposentadoria deles. Você lhes roubou tudo isso, casando comigo. Não sei se eles antipatizam com você pessoalmente, mas desconfio que sim. Quer dizer, eles nunca gostaram de gregos em geral.   Christina ficou atônita, olhando fixamente para a estrada, perturbada demaís para responder. Rememorou todas as ocasiões em que havia estado com os pais. dele, tentando mais uma vez lembrar-se de alguma coisa errada que pudesse ter feito. Mas, pelo que se lembrava, sempre se esforçara ao máximo para ser gentil com eles e tratá-los com todo o respeito que uma nora devia aos pais de seu marido.   - Não é nada pessoal contra você - continuou Pat. - Meus pais também não gostam de judeus, nem de italianos.   Ele então riu, dizendo que estava se lembrando de como sua mâe tinha ficado furiosa durante o casamento.   - Acho que foi disso que eu mais gostei - disse ele. - Ela sempre tentou controlar minha vida, mas dessa vez não conseguiu.   Christina não respondeu. Estava extremamente apreensiva. Pensava também no que a mâe de Pat havia dito   73 durante a recepção: que Christina não duraria trés n eses. Ela tinha ditonão que o casamento não duraria, agora mas queo que ela,não Christina, duraria. Perguntava-se Regina Henry queria dizer com isso.

 

  Logo à primeira vista, Christina gostou muito de Ann Arbor. O gramado verde e a exuberante vegetação eram novidades para ela, tão diferentes do deserto árido da região de Tucson. No dia em que chegaram, ficaram horas andando de carro, até encontraretn um pequeno apartamento acessível a seu orçamento.   O apartamento era minúsculo e estava imundo, mas Christina não se importou. Poderia limpá-lo bem e, além disso, o período escolar de verão duraria apenas seis semanas.   Passou os dois dias seguintes limpando e esfregando cada canto, até conseguir retirar toda a sujeira acumulada. Ficou orgulhosa por ter conseguido fazer daquele apartamento horrível um lugar decente para se morar. Pat, porém, não fez nenhum elogio. Ele parecia alheio a tudo o que se passava à sua volta. Mas ela o compreendia: Ele tinha coisas mais importantes na cabeça do que aquele diminuto apartamento. Estudava continuamente, levantando-se cedo e dormindo tarde. Muitas vezes continuava estudando durante as refeições, cobrindo a mesa de livros. Christina fazia o possível para ajudá-lo. Levava e trazia os livros para a biblioteca, e assim Pat não perdia seu precioso tempo de estudo. À noite, tentava ocupar-se com coisas que não fizessem barulho nem o distraíssem. E assumiu a tarefa de Regina Henry de lavar a roupa dele e coordenar camisas, calças e gravatas. I'ercebeu que não era preguiça da parte dele: ele simplesmente não tinha nenhuma noção noção de cor nem de estilo estilo, , do que se usava e do que não se usava. Quando percebeu isso, escolher as roupas para Pat tornou-se uma tarefa especial, que ela tinha prazer em desempenhar.   Para ajudá-lo a organizar as finanças, ela começou a marcar as despesas num caderno. Quando contou a novidade a Pat, ele ficou satisfeito.   - Ótimo, Tina - elogiou. - Só uma coisa: sempre que você quiser gastar mais do que dez dólares, gostaria que falasse comigo primeiro.   Christina riu. 74   - Você sério? - disse ela. - Isso pode ser está meiofalando complicado.   - Eu sèi - dísse Pat. - Mas é assim que vai ser. Tenho de saber para onde vai o dinheiro.   Na verdade, Christina não se importava com aquele orçamento apertado. A mãe de Pat havia emprestado a ele mil dólares, para que ele terminasse a universidade e se mudasse para New Orleans. Exigiu para esse empréstimo a assinatura do filho. Christina acreditava que Pat sentia o mesmo que ela: que valia a penà economizar ao máximo, para evitar pedir mais dinheiro a Regina.   As primeiras semanas em Ann Arbor passaram voando. Christina sentia-se feliz. O fato de Pat não lhe dar atenção era compreensível; sabia que ele estava sob pressão. Nos fins de semana, ele parava um pouco de estudar e eles almoçavam e saíam passear em Ann para Arbor. Caminhavam de juntos mãos dadas e, para às vezes, paravam se beijar. Nessas ocasiões ele parecia relaxar e divertir-se.

 

À noite, voltava para seus livros, estudando freneticamente, como se tivesse medo de ficar para trás.   Depois de algum tempo, Christina notou que ele andava muito genioso. No café da manhã podia estar bemhumorado, mas ao voltar para o almoço, parecia distante e desligado. Às vezes, ele a ignorava totalmente. Em outras ocasiões, ficava zangado sem nenhum motivo. É a pressão, pensava Christina, consolando-se ao lembrar que as seis semanas logo chegariam ao fim.   Foi durante a quarta semana do curso de verão que ele teve o primeiro acesso. Christina estava passando roupa na sala quando Pat começou a chamar a gatinha.   - Tricky, venha aqui. Venha cá, Tricky. Tricky, está me ouvindo? Venha aqui. - Mas a gatinha o ignorou. Ele a chamou de novo, mais alto. Começou então a berrar: - Venha aqui, gato! Venha aqui já!   Assustada com os gritos, a gatinha fugiu para o quarto e escondeu-se debaixo da cama.   - Raios, volte aqui! Venha aqui já, sua filha da puta.   Nessa altura, as veias de seu pescoço estavam saltadas, de tanto que ele gritava.   Correu para o quarto, levantou a cama e tentou pegar a gatinha. Mas Tricky estava encostada na parede, e Pat  

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  i não conseguia alcançá-la. Furioso, ele empurrou a cama contra a parede, prensando o bichinho. Conseguiu então agarrá-la, mas para isso cortou o braço numa lasca de madeira da cama. Isso não o fez parar. Ele nem sequer notou o corte.   Christina ficou aterrorizada. Nunca presenciara tamanho acesso acesso de ódio. Fico Ficou u ali estupefata, incapaz de reagir, enquanto Pat saía do quarto com a gatinha na mâo. Ele a segurava pelo pesco pescoço, ço, e batia nela com a outra mão. Christina tentou dizer alguma coisa, pedir para que parasse, mas não encontrava palavras.   - Por favor - sussurrou ela, enquanto Pat atirava a gatinha com toda a força no chão.   Virou-se então para Christina, tremendo e com os olhos apertados de ódio.   - Ninguém foge de mim! Nada foge de mim! Nada! - gritou, com o rosto quase colado ao dela. - Odeio quando fogem de mim! Fico violento. - E, de repente, pareceu que um botão fora desligado. E ele se acalmou.   - Nunca fuja de mim - continuou, em voz baixa e sem expressão. - Não se atreva a fugir. Eu fico violento. Preferiria ver você morta.   Christina ficou sem fala. Não acreditava no que estava ouvindo, mas tinha medo de dizer alguma coisa que pudesse deixá-lo deixá-lo ainda mais furioso. Ele a encarou por r mais alguns momentos. Subitamente, percebeu que po seu braço estava sangrando. Sem , uma palavra, virou-se e foi

 

para o banheiro.   Os miados assustados da gatinha tiraram Christina de seu estupor. Seu primeiro impulso foi pegar a gata no colo e acalmá-la, mas o que quer que Pat tivesse feito, seu primeiro dever era para com ele. Tinha de cuidar do profundo corte em seu braço. Aproximou-se dele com receio e num sussurro ofereceu-se para ajudá-lo.   Pat começou a falar com ela como se nada tivesse acontecido. Num tom de voz profissional, explicou-lhe que precisava levar pontos no corte, mas que não tinha tempo para isso.   Depois de estancar o sangue e fazer um curativo, Christina foi procurar Tricky. Durante meia hora, mimou e acariciou a gatinha, tentando fazê-la parar de tremer e miar. O animalzinho acabou se acalmando, mas a partir daquele dia passou a mancar com as pernas de trás.   Christina não tocou mais no assunto com Pat. Fora 76 algo tão assustador que ela não conseguia falar a respeito. Mas não podia deixar de pensar no assunto. Naquela noite e em muitas outras, depois que Pat adormecia, ela ficava na cama lembrando. Via o rosto de Pat, distorcido pelo ódio, e ouvia os miados desesperados da gata. Ouvia, então, vezes e vezes sem conta, as palavras que ele dissera com tanta calma. Ele não gritara aquilo num acesso de raiva. Falara em voz baixa e bem incisiva, como que querendo deixar bem claro para ela o que estava dizendo. ' Pat passou no curso de cirurgia da Universidade de Ann Arbor. Só lhe restava agora mais um curso, o de pediatria, dessa vez na Escola de Medicina do Estado do Novo México. Mais uma vez fizeram as malas, levando tudo o que tinham, e atravessaram o país, agora em direção a Albuquerque. Novamente, Pat foi dirigindo, e Christina ficou sentada a seu lado com Tricky no colo.   A única diferença em relação à viagem anterior foi a lista que Pat havia elaborado.   Era uma lista detalhada das coisas a serem feitas a cada dia, desde dirigir o carro até olhar debaixo da cama do motel pela manhã, para garantir que não estavam se esquecendo deenquanto nada. Pat obedecia a essa lista item item. Às vezes, dirigia, pedia a Christina quepor acrescentasse novos lembretes à lista.   Em Albuquerque, Pat encontrou um pequeno trailer, em péssimas condições, num dos bairros mais pobres da cidade. Os proprietários eram amigáveis e gentis, mas tão pobres quanto Pat e Christina, e, não podendo usar o trailer, decidiram alugá-lo. O trailer estava velho e sujo, e parecia resistir à água e ao sabão. Embora Christina o atacasse com a mesma energia e entusiasmo que usara em seu primeiro apartamento, ao terminar a limpeza, a aparência do trailer continuava a mesma. Ela teve de se consolar pensando que ficariam ali apenas cinco semanas e que, apesar da aparência, o trailer estava limpo.   O que mais a incomodava eram as mudanças de humor de Pat, que humor haviamsem se nenhum tornadomotivo ainda e mais bruscas. Ele ficava de mau depois voltava . ao normal também sem nenhum motivo.

 

  Certa vez, várias semanas depois de iniciado o curso de verão, ele saiu de casa de manhã sem se despedir.  Agarrou seu lanche e saiu falando sozinho. Depois de   77 dez minutos, voltou novamente e irrompeu dentro do trailer, grítando com ela:   - Você estragou tudo de novo, Christina! Você se esqueceu de me lembrar de fazer a barba. - Foi com raiva para o banheiro, barbeou-se e saiu sem dizer uma palavra.   Quando Pat finalmente terrninou o curso de pediatria, ficaram livres pelo resto do verão. Foram diretamente de Albuquerque para Tucson visitar a família de Christina. Já não havia mais pressão e Pat estava feliz e descontraído. Christina respirou, aliviada. Foi uma boa época para os dois.   Apesar de terem estado fora menos de três meses, a família dela ficou tão excitada como se não os visse há anos. Todos os dias Athena Bellios preparava uma refeição especial. À noite sentavam-se à mesa para conversar e brincar. Christina ficou deliciada ao r Pat voltar ao que era. Era novamente afetuoso com ela e parecia feliz. Ela havia contado à mãe por telefone o incidente com Tricky, mas não mencionou a ameaça de Pat. Ninguém fez comentários sobre o fato de que Trícky estava mancando, nem sobre a grande cicatriz no braço de Pat. Era melhor esquecer aquele incidente. Christina não mencionou as mudanças de humor dele, nem quando estava sozinha com sua mãe. Aquilo era assunto particular entre ela e o marido.   Tinha confiança em que ela e Pat iriam superar seus problemas. Quando começasse a exercer a medicina e ganhar seu próprio dinheiro, ele ficaria bem. Talvez não fosse tão carinhoso como outros homens, mas era o jeito dele. Ela estava certa de que ele a amava e que, aos poucos, ela passaria a amá-lo também.   Durante a viagem para New Orleans, Christina resolveu esforçar-se mais ainda para ajudar Pat a melhorar de vida. Faria de tudo para lhe dar apoio e compreensão.   Passou o resto da viagem pondo em prática sua decisão. Falou com entusiasmo sobre a vida que teriam em New Orleans, e fez comdeque Pat falasse sobre todos ossua lugares que gostaria visítar lá. Também expressou admiração pela nova situação dele como médico, começando a realizar-se numa nova carreira. Tudo isso surtiu efeito. Quando chegaram a New Orleans, Pat estava transbordando de entusiasmo.   O conjunto residencial Las Brisas, na Chef Menteur 78 Highway, era completamente diferente de suas duas últimas moradias: novo, limpo, ajardinado com palmeiras e canteiros de flores. Os moradores eram todos jovens: executivos, médicos e advogados em começo de carreira. O bairro era um dos melhores da cidade. Christina estava cansada da longa viagem e de ficar sentada no carro várias horas noHospital. calor úmido, enquanto Pat se imediatamente apresentava noenCharity Mesmo assim, ficou tusiasmada com o lugar. Lá ela poderia montar um lat

 

confortável para os dois.   Ao conhecê-los, o administrador do conjunto residencial perguntou se Christina estaria interessada em trabalhar meio período, auxiliando na administração. Dessa forma, o aluguel sairia mais barato.   - Nâo, ela não está interessada - ínterrompeu Pat, antes que ela pudesse responder.   - Não quero que você esteja ocupada com outras coisas quando eu volto para casa - disse-lhe ele depois. - Não quero que você fique cansada e deixe de fazer as coisas que tem de fazer para mim, como minha esposa. E também não quero gente ·vindo incomodar quando eu estou em casa. Seu trabalho é estar pronta quando eu volto para casa à noite.   Christina assentiu com a cabeça e não disse nada. Não tinha ficado muito interessada em trabalhar na administraçáo, mas achou que Pat ia agarrar aquela oportunidade de economizar o dinheiro do aluguel.   Noutra ocasião, quando ela sugeriu que poderia ajudá-lo trabalhando como professora substituta, ele também foi irredutível. Não queria que sua esposa fizesse nada a não ser tomar conta dele.   Pat t trabalhava rabalhava muito, como interno no hos hospital. pital. Sendo um dos recém-chegados, seu horário o obrigava a ficar de plantão três dias seguidos, dormindo só algumas horas, quando conseguia. Tinha, então, um dia livre. Mas não deixava transparecer a Christina se ele se sentia pressionado ou não. Enquanto isso, ela continuava com sua campanha de "esforço total". Arrumava o cabelo e vestiase bem para agradá-lo. Quando ele chegava a casa, ela já estava com o jantar pronto, o apartamento limpo e arrumado. Se ele queria comentar o que havia acontecido no hospital, hospital, ela o ouvia atentamente. Seu interes interesse se era autêntico. E excetuando as donas-de-casa que encontrava   79 na lavanderia automática, ele era a única pessoa com quem conversava.   Pat se recusava a ter qualquer contato social com as pessoas que trabalhavam no Charity Hospital. Via aquelas pessoas o dia todo. Não queria que elas soubessem nada sobre sua vida particular. Christina acabou conhecendo casal noTony conjunto de apartamentos, o convidou convidou outro para jantar. e Eloise era eram m pessoas e interessantes e cordiais, e Christina sentiu-se feliz ao ver que Pat parecia gostar deles. Os dois casais  passaram a jantar juntos duas ou três vezes por semana. Christina ficou satisfeitíssima por poder conversar com Eloise durante o dia. Depois de um certo tempo, começou a se perguntar se Pat gostava sinceramente de Tony ou se apenas se aproveitava da generosidade dele. Eloise e Tony eram um pouco mais velhos do que o casal Henry e estavam em melhor situação financeira. Muitas v vezes ezes ofe ofereciam coisas coisas aos Henry: uma biciclet bicicleta a de três marcha marchas s que Eloise havia comprado mas nunca usara, uma vara de pescar, quando Tony ganhou uma nova de aniversário, e assim por diante. Pat sempre aceitava esses presentes, mesmo que fossem que ele provavelmente utilizaria, como objetos a vara de pescar. Mas ísso nãonunca passava de uma vaga desconfiança de Christina, nada mais, e ela

 

tentou não deixar que aquilo estragasse aquela nova amizade.   Quando Pat tínha um dia de folga, ele e Christina divertiam-se saindo juntos. Muitas vezes iam passear no centro da cidade de New Orleans, limitando-se a olhar as vitrines, já que não tinham dinheiro para comprar nada. No aniversário de Pat, Christina gastou .dez dólares para comprar um filhote de bassê, a quem deu o nome de Weeny. Pat não reclamou do dinheiro gasto. Adorava ganhar presentes.   Era da parte velha de New Orleans que Pat mais gostava. Arrastava Christina por todo o bairro francês e pelas imediações da cidade, fotografando tudo. Christina também achava o baírro antigo pitoresco e ericantador. Gostava das varandas e dos balcões e dos portões de ferro trabalhado. Muitas vezes, quando Pat estava de folga, passavam o dia inteiro andando pelas ruas e vendo as lojas, passeando pelo Andrew Jackson Park e parando nos lugares de de onde se podiam ver os navios passando pelo rio Mississipi. 80   Alguns dias antes do Natal de 1971, Karen, a irmã de Christina, foi visitá-los. Pat e Karen conseguiram uma trégua. Pat fez úm esforço genuíno para se dar bem com ela e dedicou seu tempo livre a mostrar-lhe os tesouros que havia descoberto, indicando-Ihe todos os lugares turísticos que ela gostariaum delugar apreciar.   Um dia, Pat descobriu que ainda não conhecia. Acabavam de visitar um mercado francês da Decatur Street e estavam caminhando pela Conti Street. Logo depois da esquina da Dauphine Street com a Conti Street, Pat viu o Museu de Cera Conti. Excitado como urna criança, insistiu para entrarem imediatamente.   Uma vez lá dentro, os três piscaram os olhos, para se acostumarem com a escuridão. O museu inteiro estava às escuras, exceto pelas figuras em tamanho natural, bem iluminadas. Era como se estivessem num teatro com diversos palcos de vários tamanhos. Logo compreenderam a razão daquele arranjo. Os visitantes caminhavam por um corredor sinuoso e escuro e passavam em frente a vitrines iluminadas. Em cada uma havia figuras de cera em tamanho vestidasque comvinham roupasdesde da época, representando natural, cenas históricas a fundação de New Orleans, em 1699.   À medida que Pat, Christina e Karen caminhavam pelos corredores escuros, ficavam cada vez mais impressionados pelo realismo das cenas. Pat, em especial, ficou curioso. Mas, ao chegar à décima terceira vitrine, ele parou e ficou olhando, completamente fascinado. Christina e Karen tiveram de voltar para buscá-lo. Ficou ali parado olhando, sem se mover, por mais de cinco minutos. Quando Christina o chamou, ele não respondeu; apenas continuou olhando fixamente.   A vitrine se chamava "A casa mal-assombrada da sra. Lalaurie". Mostrava um sótão escuro, com escravos negros acorrentados às paredes e ao châo. Perto deles, uma mulher branca, vestida uma camisola cor-de-rosa, segurava um com enorme chicote denaseda mâo. Era auxiliada por um negro bem-vestido, seu criado particular.

 

  A cena se baseava na história de uma antiga dama de New Orleans, a sra. Delphine Lalaurie, e seu criado mulato, Bastian. A sra. Lalaurie era uma senhora da alta sociedade de New Orleans, esposa de um rico médico. Costumava dar festas extravagantes no salão de sua casa, enquanto mantinha escravos presos no sótão e cometia   81 com eles atrocidades em que a mente humana se recusava, a acreditar. A encenação era tão realista que se via perfeitamente no rosto dos escravos toda a sua agonia e todo o seu medo. Pat voltou três vezes para olhar essa vitrine. Finalmente, quando os fncionários lhe avisaram que já havia passado da hora de fechar, ele cedeu e concordou em ir embora. Christina e Karen brincaram com ele por causa da sua fascinação por aquela cena, mas ele as ignorou.   Christina e Karen divertiam-se juntas. As duas prepararam uma festinha de Natal, e Christina pediu emprestado uma velha vitrola de Eloise para ouvirem músicas natalinas. A trégua entre Pat e Karen durou até ela subir, em segurança, no avião de volta para Tucson. Christina ficou satisfeitíssima. A visita de sua irmã fora um sucesso.   Depois do Natal, contudo, o humor sombrio de Pat começou a manifestar-se de novo. Muitas vezes ele voltava para casa irritado e ficava assim por muitas horas. Ou, então, ao chegar a casa, ignorava Christina. Uma vez ele disse a Christina que as pessoas que mais admirava eram índios e os orientais, pois conseguiam esconder o queos pensavam sentiam. Tinham autocontrole, e não revelavam nada na expressão do rosto.   Num outro dia, ao voltar para casa, ele lhe entregou um bilhete. Christina desdobrou o papel, mas não conseguiu ler o que estava escrito. O problema não era apenas a caligrafia. Parecia que as letras eram de um outro alfabeto.   Vendo-a perplexa, Pat riu:   - Desiste, Tina? - perguntou, triunfante. - Veja como é fácil. Basta olhar pelo espelho.   O bilhete tinha sido escrito de trás para a frente. Aquilo já era bem estranho. Ma Mas s Christina ainda assim não conseguia compreender o bilhete. Lia as palavras, mas juntas elas não tinham sentido.   - Isso fazNão parte - explicou Pat, entusiasmado. É umtambém código. se usa a palavra verdadeira. Usa-se uma outra palavra, que lembra aquela.   Christina ficou pensando a quem se destinaria todo aquele subterfúgio tão elaborado. Mas não perguntou a Pat. Mais tarde, na mesma noite, ele voltou a ignorá-la. Ficou sentado calmamente, impassível, durante horas, sem expressão no rosto. Como sempre acontecia com seus acessos de depressão, aquele também acabou passando. Christina não podia fazer nada, a não ser esperar. 82   O apartamento estava incrivelme5te em ordem. Christina o tinha limpado de ponta a ponta duas vezes, fosse por perfeccionismo, fosse para matar o tempo. O jantar e a sobremesa estavam prontos. Era só esquentar. Trocou de roupa duas vezes, e finalmente escolheu uma saia longa colorida e uma blusa branca. Havia lavado e penteado o

 

cabelo, e estava com excelente aparência.   Já fazia três dias que não falava com ninguém, excetuando uma breve conversa com Eloise durante a tarde. Começava a sentir-se abafada naquele apartamento. As longas horas de tédio pesavam sobre ela. Christina precisava demais de alguém com quem conversar.   Pat estaria cansado quando chegasse a casa. Estava trabalhando havia três dias no pronto-socorro do Charity Hospital. Talvez conversasse um pouco com ela antes de dormir. Mesmo que ele estivesse de mau humor, ela tinha certeza de que conseguiria fazê-lo melhorar.   - Você devia ter visto o pronto-socorro este fim de semana - disse Pat, ao entrar. - O pessoal realmente exagerou.   Christina lhe deu um beijo de boas-vindas, mas ele continuou a falar, querendo contar a ela os casos pavorosos que presenciara no pronto-socorro.   - As brigas do "Clube da faca e do revólver" de sábado à noite estavam demais. Chegou um sujeito lá que foi . . .   Parou de falar por uns instantes, como se estivesse pensando em alguma coisa, e então continuou, numa voz baixa e incisiva:   - Se alguém me fizesse uma coísa dessas, eu descontaria. Eu pagaria na mesma moeda, nem que levasse anos. Eu pegaria o sujeito e o levaria a algum lugar onde ninguém pudesse ouvi-lo gritar. Aí eu iria amarrar o cara, pernas e começar. Primeiro eu furaria osabrir olhosas dele com dele alfinetes, e depois enfiaria os dedos nos globos oculares até esmagar os olhos. E ele iria sentir a dor. Muita dor! - Pat parecia satisfeito consigo mesmo.   Christina o havia seguido até o quarto e estava escutando, muda de espanto. Ele colocou na cômoda sua maleta de médico e começou a tirar o relógio. Mas era claro que sua mente ainda estava trabalhando naquela fantasia. Horrorizada com o que seu marido acabara de dizer e pelo evidente prazer que ele demonstrava naquilo,   83 ela se sentou na beirada da cama e ficou olhando pela janela. Não queria olhar para o rosto de Pat.   - No fim, ele acabaria desmaiando de dor. Mas eu o fariaaacordar de novo. Eu seibemcomo fazer umaeu pessoa voltar si. Quando estivesse consciente, enfiaria alfinetes embaixo das unhas e nos órgãos genitais. Ele poderia gritar à vontade, que ninguém iria ouvir, porque estaríamos num pântano, ou num lugar assim. Aí eu pegaria uma faca e o cortaria em pedacinhos.   Christina estava quase desmaiando. Não conseguia acreditar no que ouvia. Mas Pat ainda não terminara.   - Se você enterrar uma faca no baixo-ventre de uma pessoa e puxá-la para fora com um só movimento, abre toda a barriga dela. A gente vê isso lá no prontosocorro todos os dias. Essa é uma das maneiras mais dolorosas de morrer. É uma dor incrível. Ele iria sentir a barriga se abrindo com a faca, o intestino saindo de seu corpo, mas não poderia fazer nada. Só gritar, gritar e gritar, e ninguém viria em seu socorro.   Pat nunca falara uma coisa daquelas. Mas Christina sentiu que, mesmo sendo a primeira vez que ele expressava

 

essa fantasia, não era a primeira que pensava naquilo. Era um plano que ele já vinha elaborando cuidadosamente há bastante tempo. Como se estive estivesse sse em transe, ela continuava sentada, sem se mexer.   Ele então terminou:   - Você sabe o que eu faria no fim? Sabe? Eu pegaria uns explosivos - não muito grandes, senão eu não poderia ficar olhando de perto. Eu pegaria os explosivos e os enfiaria no reto, se fosse homem. Se fosse mulher, eu colocaria na vagina e no reto. Então acenderia o pavio e ficaria olhando a cara da pessoa. Ela saberia o que eu estava fazendo. Eu ficaria olhando bem de perto, enquanto a pessoa explodisse. E, depois de um tempo, eu a deixaria morrer. Se eu quisesse, poderia mantê-la viva durante dias, com choques elétricos ou injeções. Eu sou médico, sei como prolongar a vida das pessoas. Mas no fim, acabaria por deixá-la morrer.   Christina estava quase vomitando. Acabara de ouvir da boca de seu marido coisas tão terríveis e cruéis que uma pessoa em seu perfeito juízo jamais conceberia. Fez um esforço consciente para não visualizar a cena que ele acabava de descrever. Mas as palavras eram vívidas demais. Pela primeira vez desde que o conhecia, pela primeira vez 84 em mais de três anos, ela percebeu que havia em Pat alguma coisa terrivelmente errada.   assunto. Mas Pat não lhe de deupôr tempo de continuar no Depois aquilo tudo para pensando fora, voltou a ser de novo o agradável Pat de sempre. Sentou-se para comer o jantar especial que Christina havia preparado, como se nada tivesse acontecido, e por diversas semanas continuou a ser o Pat que ela conhecia. Foram juntos para New Orleans e fizeram planos para o futuro.   Depois de uns dois meses, Christina havia quase conseguido esquecer aquela noite terrível. Sabia que todo jovem médico fica chocado e perturbado com os horrores que vê no prontopronto-socorro. socorro. Algu Alguns ns até abandonam a medicina por por causa disso. E alguns, pens pensou ou ela, poderiam reagir como Pat, ficando um pouco loucos por uns tempos.   Quando Pat sugeriu que fizessem uma viagern de férias para a Flórida, Christina ficou encantada. A falta de- contato com amigos ou colegas decom trabalho játotal pesava muito. Sentia-se suspensa num vácuo Pat, em isolamento. A viagem seria uma mudança mais do que bem-vinda. .   Pat também estava animado. Dedicava todo o seu tempo livre aos planos de viagem e, à noite, passava horas e horas fazendo uma lista das coisas que deveriam levar. Tomara emprestado de Tony e Eloise o equipamento necessário para acampar: uma barraca, um colchão de ar e uma lanterna.   - É mais barato do que ficar em hotéis - explicou a Christina. - Podemos ir acampando até a Flórida e, quando chegarmos a alguma praia, vou ensinar você a m,.rgulhar.   Na Flórida, a temperatura estava bem quente. Todas as noites eles acampavam perto de um lago e nadavam antes do escurecer. Pela primeira vez em muitos meses, Christina estava se divertindo, e muito. Certa tarde, pa-

 

raram num acampamento da ncn, e Pat ficou uma hora tirando fotografias de Christina nadando, toda equipada, com nadadeiras e tubo de mergulho.   No dia seguinte também acamparam cedo e encontraram outro lugar para nadar. Pat havia descoberto aquele local, um lindo lago rodeado de árvores altas e vegetação espessa. O lago estava frio, mas o dia tinha sido quente e úmido. Christina adorou a sensação da água fria depois de uma longa viagem.   85   Nadaram juntos, afastando-se da margem. Christina ficou boiando de costas com os olhos fechados, sentindo-se relaxada e em paz. Quando abriu os olhos, viu que Pat estava olhando para algum ponto ao longe, sorrindo. "Está apreciando a paisagem", pensou ela.   - Tina, fique esperando aqui - disse ele. - Vou buscar a máquina fotográfica para tirar umas fotos.   Christina continuou boiando de olhos fechados. Pat nadou até a margem, correu para o carro e, em seguida, voltou até o lago com a máquina fotográfica. Quando ele a chamou, da margem, ela abriu os olhos.   - Ali, Tina, nade até ali! - ele indicava a direção com as mãos e gritava, pois ela estava bem longe da margem.   - Agora para lá, para lá - gritou ele de novo, indicando a direção oposta.   Ela seguia tirar as indicações dele, de perguntando-se seria possível boas fotos tão longe.como Repetidas vezes ele a fez nadar para lá e para cá no lago, até que, de repente, parou e ordenou:   - Tina, faça exatamente o que estou lhe dizendo. Nade para cá o mais rápido possível, e não se vire para trás. Não olhe para trás.   Christina obedeceu, começando a nad nadar ar na direção dele, enquanto pensava: "Por que não devo olhar para trás? . . . Por que p preciso reciso nadar o mais rápido possível? " As palavras dele não lhe saíam da mente. Percebeu que havia algo de errado. Ele a estava alertando para alguma coisa. Em pânico, pânico, ela começou a bater os braços e as pernas furiosamente. A margem parecia estar a quilômetros de dístância. Ela se esforçava por nadar depressa, chutando e se debatendo. Seu coração estava disparado, não só pelo medo, como também pelo esforço físico. Com a garganta apertada de terror, respirava ar em grandes golfadas, não se atrevendo a olhar para trás para ver se realmente havia alguma coisa perseguindo-a.   Ofegante, procurava chegar à margem, nadando com todas as forças. Depois de alguns momentos, tocou com os pés o fundo arenoso. Exausta, continuou meio nadando e meio andando, até chegar a um lugar onde a profundidade era de apenas alguns palmos. Tropeçando, meio morta de cansaço, caiu ali de joelhos.   Com o canto dos olhos percebeu que havia alguma coísa onde onde a água era mais profund profunda. a. Estava se aproxi86 mando. De tão cansada ela não conseguia ficar de pé. Não conseguia fugir. De repente, viu um redemoinho de água a seu lado. Alguma coisa larga e comprida, que

 

parecia ter uns dois metros de comprimento, apareceu serpenteando, batendo e espirrando água por toda parte. Christina deu um grito e foi rastejando freneticamente até a praia, soluçando descontrolada.   Pat correu até ela, mas não para ajudá-la. Quase montado em cima dela, focalizou seu rosto com a câmara fotográfica e começou a tirar fotos, uma atrás da outra, da expressão histérica de Christina. Afastoù-se, então, e começou a rir. Christina virou o rosto para o outro lado e tampou os ouvidos, mas não conseguia deixar de ouvir as risadas.   - Você viu? - perguntou ele finalmente, quando ela recobrou o controle. - Foi um crocodilo. Você viu? - Ele não parava de rir.   - Por quê? - perguntou ela, soluçando, exausta e aterrorizada. - Por que fez isso? - perguntou, ainda chorando.   Ele a olhou de modó inexpressivo e deu um sorrizinho. Então, sem uma palavra, deu de ombros e saiu aridando, deixando-a sozinha na praia. Foi embora sem dar explicações nem pedir desculpas.   Durante o resto da tarde e da noite, ele a ignorou.   Ainda profundamente chocada e aterrorizada, Chistina não disse nada. Permaneceu sentada em silêncio à mesa, sem conseguir comer, enquanto Pat devorava o jantar. "Como ele pôde fazer aquilo? ", perguntava-se ela. Afínal, Pat era seu marid marido. o. Como podia um marido fazer uma coisa daquelas? Ficou acordada quaseDurante a noite otoda, quanto Pat dormia profundamente. café enda manhã, ele tagarelou sobre o que iriam fazer naquele dia, como se absolutamente nada tivesse acontecido.   - Mal posso esperar - disse ele, alegre - para visitar Disneyworld.   Christina forçou-se a sorrir.   - Vai ser uma delícia - disse ela com esforço, tentando afastar as lembranças do dia anterior. As coisas iriam melhorar, tinha certeza. Tinham de melhorar. Afinal, Pat era seu marído, ela era sua esposa. As coisas não deviam ser como ontem. Deviam ser como agora, naquele dia.   Durante o resto da viagem, Pat comportou-se normalmente. Às vezes, parecia deprimido ou zangado, mas re  87que tinha cuperava-se logo. Christina tentava não pensar no acontecido, mas e era ra difíci difícil. l. Quando v voltaram oltaram para New Orleans, Pat tinha lhe dado um novo apelido. Sempre que estavam sozinhos e ninguém mais podia ouvir, ele a chamava de Sapo. Ela tentava não pensar nisso também.   O Charity Hospital tinha uma pequena clínica na cidade de Pineville, Louisiana, e cada interno precisava passàr um mês trabalhando lá. A vez de Pat chegou em julho, logo que voltaram das férias.   Christina a princípio ficou animada com a mudança, mas assim que chegaram a Pineville seu entusiasmo morreu. Ela achava New Orleans terrível no verão, mas Pineville era dez vezes pior. O calor abafado era debilitante; acabava com toda a energia. À noite a temperatura baixava, mas a umidade continuava, como um cobertor in-

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