Iconologia - o Desafio Do Estudo Das Imagens Pela História Da Arte

November 29, 2017 | Author: biamc | Category: Image, Rhetoric, Paintings, Aristotle, Modernism
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Iconologia - o Desafio Do Estudo Das Imagens Pela História Da Arte...

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ICONOLOGIA: O DESAFIO DO ESTUDO DAS IMAGENS PELA HISTÓRIA DA ARTE André Monteiro de Barros Dorigo Designer Gráfico, Professor de História da Arte e Doutorando em História e Crítica da Arte pelo PPGAV / EBA / UFRJ

Resumo O termo iconologia pode ser definido literalmente como um estudo sobre logos (palavras, idéias, discurso, etc.) e icons (imagens, pinturas, etc.). Além disso, a Iconologia também é uma disciplina que tem como objetivo o estudo das mensagens contidas na arte. Com a contemporaneidade e a disseminação das novas mídias, o discurso tradicional da História da Arte — o qual se configurou como uma narrativa de estilos artísticos sucessivos — foi colocado em questão. Assim sendo, esta comunicação tem como objetivo evidenciar a importância da Iconologia para os estudos das imagens ainda nos dias atuais, assim como da intertextualidade para o campo da História da Arte, de modo a colaborar com a revisão pela qual passa atualmente. Palavras -chave: Iconologia, Intertextualidade, Retórica da Imagem, História da Arte, Cultura Visual

Abstract Iconology can be defined literally as the study of logos (words, ideas, discourse, etc.) and icons (images, paintings, etc.). Iconology is also the study of the messages that can be found in art. In the contemporaneity, with the growth of new media, the traditional discourse of art history — which is based on a narrative succession of artistic styles — is being questioned. Therefore, this communication aims to highlight the importance of Iconology for image studies, as well as of intertextuality for art history, in order to cooperate with the review of the theme that have been taking place nowadays. Keywords: Iconology, Intertextuality, Rhetoric of the image, History of Art, Visual Culture

Introdução O campo da História da Arte foi solidificado por duas disciplinas fundamentais: a iconografia e a iconologia, as quais objetivam o estudo das mensagens contidas na arte. Em torno dos anos 1930, ambas foram usadas para criticar o método formalista de análise de pinturas, o qual se voltava principalmente para aspectos como composição e cor, minimizando o valor dos temas das obras 1. A diferença entre iconografia e iconologia é ratificada na obra Estudos de Iconologia do crítico e historiador da arte Erwin Panofsky. Para ele, a iconografia é a descrição e a identificação dos motivos das imagens. Porém, a iconologia é a interpretação das suas estórias e alegorias, ou seja, “uma iconografia que se torna interpretativa” 2. De

acordo com a crítica de arte Anne Cauquelin, ao elaborar um estudo iconológico, confrontam-se as representações as quais possuem um tema comum por um longo prazo. Por exemplo, a autora cita uma indagação do próprio Panofsky: “como o Tempo tem sido representado desde a Antiguidade até a publicidade atual?” 3. Assim sendo, a importância do seu método iconológico estaria na possibilidade de se fazer uma história das imagens. O termo iconologia foi retomado pelo professor e crítico literário William J. T. Mitchell na obra Iconology: image, text, ideology, nos anos 1980. O autor desejou restaurar o seu sentido mais literal: um estudo sobre logos (palavras, idéias, discurso, etc.) e icons (imagens, pinturas, etc.). Para ele, a iconologia está relacionada com uma retórica da imagem em dois sentidos: tanto como um trabalho descritivo, tal como foi realizado pelo sofista Filóstrato (c.170 – 250) a propósito dos antigos afrescos de Nápoles, quanto um estudo sobre “o que dizem as imagens”, ou seja, o que elas narram ou como elas persuadem. Para Mitchell, se a iconologia teve seu ápice nos estudos de Panofsky, num sentido amplo, os estudos críticos do ícone começam com a própria idéia de que os homens foram criados à imagem e semelhança do seu criador até chegar à moderna produção de imagens em publicidade e propaganda 4. Esta comunicação tem como objetivo, portanto, evidenciar a importância da Iconologia para os estudos das imagens na contemporaneidade, assim como da intertextualidade para o campo da História da Arte, de modo a colaborar com a revisão pela qual passa atualmente.

Intertextualidade, História da Arte e Cultura Visual Para a alma capaz de pensar, as imagens subsistem como sensações percebidas. E, quando se afirma algo bom ou nega-se algo ruim, evita-o ou persegue-o. Por isso, a alma jamais pensa sem imagem.”5 Esse é o pensamento de Aristóteles na obra De Anima, ou Da Alma. Para o filósofo, a percepção do mundo passa necessariamente pelos sentidos, como ocorre com a visão. Assim como este sentido é a percepção sensível à luminosidade, também a palavra imaginação deriva-se da palavra luz, visto que sem ela não seria possível ver6. Para o historiador Paulo Knauss, a visão permite que as imagens ultrapassem as mais diversas camadas sociais, em contraste com a escrita e a

leitura, as quais exigem o domínio dos códigos da escrita 7. Assim, a capacidade visual e oral possibilita a manifestação de quem não os domina. Como afirma o escritor

Alberto

Manguel,

ao

tentar

ler

um

livro

numa

língua

totalmente

desconhecida, nada se consegue entender. Entretanto, se o livro é ilustrado, podese construir um significado para a leitura, ainda que não seja necessariamente o que consta no texto.8 A concepção de que as imagens podem ser lidas era defendida pelo papa Gregório I, o Grande (540-604): “pinturas são colocadas nas igrejas para que os que não lêem livros possam ‘ler’ olhando as paredes” 9. No entanto, o papa procurava estabelecer a diferença entre o aprendizado pelas imagens e a sua adoração: “uma coisa é adorar imagens, outra é aprender em profundidade, por meio de imagens, uma história venerável.” Para Vilém Flusser, a idolatria é a incapacidade de decifrar uma imagem, de conseguir lê-la, sendo assim sinônimo de adoração 10. Segundo o filósofo, as imagens são mediações entre o homem e o mundo, as quais podem ser usadas como mapas para compreendê-lo. Caso isso não ocorra, as imagens também podem se tornar biombos. O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver o mundo em função de imagens. Cessa de decifrar as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como um conjunto de cenas. Essa inversão da função das imagens é a idolatria.11 Como afirma Flusser, os textos, ou “os signos da escrita em linhas”, tem a função de explicar as imagens, sendo uma mediação entre o homem e as mesmas. No entanto, quando o homem cessa de compreender os textos, deixando de se servir dos mesmos para viver em função deles, aparece a “textolatria”, que seria tão alucinante como a idolatria. Para o filósofo, a relação entre texto e imagem é fundamental para se compreender a história do Ocidente, pois ela é dialética. “Na Idade Média, assume a forma de luta entre o cristianismo textual e o paganismo imagético; (...) À medida que o cristianismo vai combatendo o paganismo, ele próprio vai absorvendo as imagens e paganizando-se”12. Além disso, para Flusser, a História seria a “tradução linearmente progressiva de ideias em conceitos, ou de imagens em textos”13, sendo a sua própria definição do termo intimamente ligada à relação texto-imagem.

Se a História pode ser definida como a tradução de imagens em textos, a História da Arte é uma atividade de interpretação e avaliação das produções artísticas. Suas origens remontam à Ekphrasis, a tradição de descrever obras de arte nascida da retórica grega. Um dos seus exemplos mais marcantes foram as descrições do sofista Filóstrato (c.170 – 250) a respeito dos antigos afrescos de Nápoles. Como afirma Jean-François Groulier: Essa origem retórica da Ekphrasis como gênero descritivo fez dela o paradigma do discurso sobre pintura até hoje, pelo menos no domínio literário. Quer se trate da teoria da arte, da crítica de arte ou de ensaios mais gerais, a descrição sempre foi um gênero dominante, desde os sofistas até os escritos contemporâneos. 14 Groulier ainda observa que a descrição de uma obra de arte sofre a influência subjetiva de quem a descreve, sendo também uma interpretação da mesma. Textos como os de Giorgio Vasari (1511-74), um dos fundadores do campo da História da Arte, são ligados ao modelo retórico, como se observa na divisão e na ordem do seu discurso. Assim sendo, “a descrição se ordena em função da invenção, que corresponde ao argumento da fábula, indo a seguir da disposição até a ação” 15. Além disso, o público também deveria observar as pinturas de acordo com a ordem preestabelecida pela retórica 16, ficando assim imbricadas as maneiras de se ver e escrever sobre a arte. O estudo da imagem pela História da Arte concentrou-se tradicionalmente na pintura. Como afirma W.J.T. Mitchell, assim como a poesia é o fetiche da História Literária e o cinema dos estudos dos Media, a pintura é o fetiche da História da Arte17. No Renascimento, a importância da pintura foi assim descrita pelo tratadista Leon Battista Alberti: “Talvez não se encontre arte de algum valor que não tenha vínculos com a pintura, de tal forma que se pode dizer que toda a beleza que se encontra nas coisas nasceu da pintura.”18 Na contemporaneidade, a História da Arte passou a enfrentar novos desafios, como dar conta das novas mídias. Assim sendo, diversos

debates

vêm ocorrendo

acerca da natureza, dos limites e dos

procedimentos da disciplina. Isso vem acontecendo ao mesmo tempo em que surgiram os primeiros estudos de Cultura Visual, marcados pelo transculturalismo e pela atenção dada às produções vindas de regiões até então marginais, como África, América Latina e Ásia. No entanto, como questiona Deborah Cherry, será que

a Cultura Visual deveria ser uma nova disciplina? 19 Para Tom Mitchell, por exemplo, ela poderia ser definida como uma “nova disciplina híbrida” 20, sendo conseqüência da disseminação em escala global das novas mídias e da intensa visualidade do cotidiano pós-moderno. Ainda que seu campo de estudo não esteja claramente estabelecido, a Cultura Visual veio a colaborar com os debates acerca da História da Arte. Principalmente ao criticar a postura elitista de privilegiar o estudo de apenas certos tipos de objetos, os quais representariam os cânones de uma excelência estética ocidental europeia. No entanto, a História da Arte lida com objetos que excedem a

questão

do

meramente

visual, além de

poder abordar com

aprofundamento histórico os objetos da pós-modernidade, duas das principais críticas feitas à Cultura Visual.

A Iconologia na contemporaneidade Sendo a História da Arte uma atividade retórica, os novos desafios para a disciplina, como o de lidar com as novas mídias, colocou em questão o seu discurso tradicional. Nesse sentido, o historiador da arte Hans Belting, na Alemanha, e o crítico Arthur Danto, nos Estados Unidos, suscitaram a questão de um “fim da História da Arte”. Como afirma Belting, “O discurso do ‘fim’ não significa que ‘tudo acabou’, mas exorta a uma mudança no discurso, já que o objeto mudou e não se ajusta mais aos seus antigos enquadramentos.”21 O conceito de arte e de artista se torna fundamental desde a Renascença, como atesta a obra de Giorgio Vasari acerca da vida dos principais pintores, escultores e arquitetos da época 22. Desde então, o discurso tradicional sobre a arte ganhou corpo como uma grande narrativa de sucessivos períodos estilísticos. Mesmo com a chegada da pintura modernista, o discurso ainda se manteve narrativo. Segundo Arthur Danto, o crítico Clement Greenberg foi o grande narrador do modernismo. E passo a passo, Greenberg construiu uma narrativa do modernismo para substituir a narrativa da pintura representativa tradicional definida por Vasari. (...) A passagem da arte “pré-modernista” para a modernista, se concordarmos com Greenberg, foi a passagem das características miméticas para as não miméticas da pintura23.

A diferença no discurso sobre a arte contemporânea é a constatação da mesma não pertencer mais a uma grande narrativa. Como sustenta Danto, com o “fim da História da Arte”, qualquer que fosse a arte que se seguisse, “ela seria feita sem o benefício da narrativa legitimadora, na qual fosse vista como a próxima etapa apropriada da história”24. Por outro lado, como observa Belting, não existe nos dias de hoje nenhum modelo novo que possua a legitimidade do tradicional discurso da disciplina.25 É nesse contexto de predominância das mídias técnicas e de redefinições na História da Arte que a iconologia — entendida como uma relação imagem-texto — torna-se fundamental para o estudo das imagens. Segundo W. J. T. Mitchell, as imagens são produtos da própria poética e, tal como propôs o filósofo Aristóteles, são como seres vivos, ou seja, como uma segunda natureza que os homens criaram ao redor de si mesmos.26 Se as imagens são como formas vivas, as mídias são o seu habitat ou ecossistema, ou seja, onde elas adquirem vida. O autor sustenta que o conceito de mídia não pode ser definido como apenas o objeto ou o meio pelo qual a imagem torna-se aparente. A mídia é mais que um mero material e mais que a mensagem, como havia definido Marshall McLuhan. É um conjunto de práticas materiais — envolvendo a tecnologia, as tradições e os hábitos, por exemplo — as quais trazem juntas uma figura e um objeto para formar uma imagem 27. Nesse sentido, como afirma Vilém Flusser, “a aparente objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois na realidade são tão simbólicas quanto o são todas as imagens” 28. Elas “codificam textos em imagens, são metacódigos de textos” 29. Como afirma Anne Cauquelin, ao concentrar a análise em uma série de obras, tal como ocorre no método iconológico, “o historiador escapa decerto à história da arte entendida como sucessão de movimentos artísticos e de nomes de artistas apresentados do primeiro ao último”30. Ao contrário, é possível se aproximar das próprias obras e dos seus processos de produção, utilizando-se disso para reconstruir as representações de acordo com as suas épocas. A intertextualidade deve ser levada em conta, portanto, no estudo das imagens e na escrita da história da arte. Por exemplo: ao se observar uma imagem figurativa, é possível identificar, em princípio, suas formas visíveis, as quais constituem uma cena. Depois, quando o olhar circula mais atentamente por sua superfície, podem ser estabelecidas aprofundada. A

relações significativas, proporcionando uma análise mais

imagem pode

exercer uma

função

alegórica, transmitindo

significados simbólicos mais complexos. Além disso, esses significados poderiam até mesmo revelar a proliferação de signos através da história. Entretanto, a compreensão destes significados depende do conhecimento de um repertório visual, construído por uma determinada sociedade em um determinado período histórico. Por fim, como afirma o professor Jacques Aumont, mesmo com a proliferação cada vez maior das imagens técnicas nos dias de hoje e com o anúncio por muitos da morte da escrita — e da própria História da Arte — “mesmo assim, nossa civilização ainda continua a ser, quer se queira ou não, uma civilização da linguagem”31.

1

BURKE, P. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. p. 44. PANOFSKY, E. Estudios sobre iconologia. Madrid: Alianza Editorial, 1994, p.54. 3 CAUQUELIN, A apud PANOFSKY, E. Teorias da arte. São Paulo: Martins, 2005, p. 111. 4 MITCHELL, W.J.T. Iconology: image, text, ideology . Chicago and London: The University of Chicago Press, 1987, p.2. 5 ARISTÓTELES. De Anima. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 119. 6 Ibid., p. 113. 7 KNAUSS, P. O desafio de fazer história com imagens: arte e cultura visual, In: Artcultura, v.8, n.12, jan.-jun. 2006, p. 99. 8 MANGUEL, A. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, p. 116. 9 DUGGAN apud BURKE, op.cit., p. 59. 10 FLUSSER, Vilém. Ensaio sobre a fotografia. Lisboa: Relógio d’água, 1998, p. 24. 11 Ibid., p.31. 12 Ibid., p. 30. 13 Ibid.,p. 24. 14 GROULIER, J.F. Descrição e interpretação. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura – Textos essenciais , Vol. 8, São Paulo: Editora 34, 2006, p.10. 15 Ibid., p. 11. 16 Idem. 17 MITCHELL, W.J.T. What do pictures want? The lives and loves of images . Chicago and London: The University of Chicago Press, 2005, p. 222. 18 ALBERTI, L. B. Da pintura. Campinas: Editora Unicamp, 1986, p. 103. 19 CHERRY, D. Art History Visual Culture. In: Art History , v. 27, n. 4, set. 2004, p. 480. 20 MITCHELL apud CHERRY, op.cit., p. 480. 21 BELTING, 2006, p. 8. 22 “Le Vite de Piu Eccelenti Pittori, Scultori e Architetori”, editado pela primeira vez em 1550. 23 DANTO, 2006, pp. 7-8. 24 Ibid., p. 5. 25 BELTING, BELTING, Hans. O fim da História da Arte: uma revisão 10 anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 241. 26 MITCHELL, 2005, xv. 27 Ibid., p.198. 28 FLUSSER, op.cit, p. 34. 29 FLUSSER, loc. cit. 30 BELTING, op. cit., p. 111. 31 AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993, p. 314. 2

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