Historias - Pablo Neruda,dissertaç e vida

January 6, 2019 | Author: vk2605 | Category: Poetry, Spain, Love, Romanticism, Chile
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Pablo Neruda- trinta anos

NOTÍCIA SOBRE PABLO NERUDA A morte de Pablo Neruda, há quase quatro décadas dé cadas atrás (23/09/1973), estava impregnada de tantos sentidos simbólicos que uma comoção mundial seguiu-se à notícia de seu triste fim na célebre casa de Isla Negra, onde morava nos últimos anos. Semanas antes, seu amigo, Salvador Allende, havia sido deposto pelas Forças Armadas do Chile e (provavelmente) se suicidara no Palácio de La Moneda, em Santiago. Assim o desaparecimento do poeta parecia o desfecho mais eloqüente para a tragédia chilena. Era como se fundissem num só destino a esperança frustrada de um povo e o fim da existência de um escritor que, como nenhum outro, traduzira as possibilidades de prestígio e ressonância popular da lírica moderna. Apesar de tudo, esta morte não deixava de estar à altura de quem, com tamanha intensidade, entregara-se à uma vida voltada para a fruição dos prazeres mais concretos da condição humana: a apreciação das forças elementares da natureza, a entrega a toda sorte de paixões eróticas e espirituais, o gosto por vinhos e comidas, a celebração da fraternidade desperta pela observação da Guerra Civil Espanhola, na década de 1930, e que o tinha levado a um marxismo vulgar, mas também a uma autêntica aproximação com os desvalidos de seu país (o Chile era então e ntão um país muito pobre) e com os desvalidos do mundo inteiro. A partir daquele dia de setembro de 1973, a casa de Isla Negra virou centro de peregrinação dos opositores ao sanguinário general Pinochet. Homenagear Neruda era uma das poucas formas de protesto permitido pela ditadura. Depois, com a redemocratização, a casa passou a ser uma atração turística internacional: 500 a 600 pessoas visitam-na diariamente. Lá está ela, desafiando as ondas bravias do Oceano Pacífico, uma espécie de mansão austral, adornada em seu interior com os os bizarros objetos que Neruda colecionava sem qualquer lógica aparente, garrafas, barquinhos, máscaras,conchas. máscaras,concha s. Um palácio exótico, mas acolhedor. Lá está ela, ainda hoje, repleta de turistas, como metáfora de uma paixão (a mais avassaladora do século XX) entre um poeta e o seu público. UMA VIDA INTENSA Em 1904, no lugarejo de Parral, Chile, filho de um modesto ferroviário nascia o menino Ricardo Neftalí Basoalto, que a partir de 1920 adotaria para sempre o pseudônimo de Pablo Neruda com o qual seria conhecido mundialmente e receberia o prêmio Nobel de Literatura de 1971. Neruda não chegou a conhecer a mãe porque esta morreu quando ele tinha um mês de idade: Parral se llama el sitio del que nació en invierno. Ya no existen la casa ni la calle: (...) y cayó el pueblo envuelto en terremoto. Me llevaron a ver entre las tumbas el sueño de mi madre. Y como nunca vi su cara la llamé entre los muertos, para verla pero, como los otros enterrados, no sabe, no oye, no contestó nada, e allí se quedó sola, sin su hijo, huraña y evasiva entre las sombras. (O sítio se chama Parral/ dele que nasceu o inverno./ E já não existem a casa nem a rua: / 1

(...) e sumiu o povo/ engolido pelo terremoto./ Me levaram/ para ver entre as tumbas/ o sono da minha mãe./ E como nunca vi/ sua cara/ chamei-a entre os mortos, para vê-la/ mas, como os outros enterrados,/ não sabe, não ouve, não contestou nada,/ e ali ficou sozinha, sem seu filho,/ insociável e evasiva/ entre as sombras.) O pai se mudou para Temuco e casou-se de novo. O menino fez nesta cidade seus estudos básicos. Com 16 anos era presidente do Ateneu Literário do colégio de Temuco. Em 1921 mudou-se para Santiago a fim de seguir a carreira de professor de francês e começou a colaborar com revistas estudantis e literárias da época: Y fue a esa edad... llegó la poesia a buscarme. No sé, no sé de donde salió, de invierno o de rio. (e foi nessa idade... chegou a poesia/ a me buscar. Não sei, não sei donde/ saiu, do inverno ou do rio.) Em 1923 lançou sua primeira obra, Crepusculário, que não chegou a alcançar maior êxito. Porém, no ano seguinte apareceu o livro Veinte poemas de amor y uma canción desesperada, um extraordinário fenômeno editorial, sendo provavelmente a obra poética mais lida nos últimos cem anos, pelo menos nos países ibéricos. Em 1927, Neruda foi nomeado cônsul em Rangum, na Birmânia. Depois em Colombo, no Ceilão. Mais tarde em Cingapura e, no ano de 1933, ocupou o consulado de seu país em Buenos Aires. Neste mesmo ano lançaria um de seus grandes livros, Residencia en la tierra, no qual tendências surrealistas reforçavam uma desolada visão de mundo. Este livro teria mais uma parte publicadas em 1935 e uma espécie de continuação, saída em 1947, esta com título de Tercera residencia. Ainda em 33, Neruda conheceu e tornou-se amigo íntimo do grande lírico espanhol, Federico García Lorca. A Espanha foi o seu próximo posto diplomático e o poeta estava em Madrid, no ano de 1936, quando começou a Guerra Civil Espanhola, na qual os fascistas com apoio de Hitler derrotaram os republicanos. Escreveu então um célebre poema: España en el corazón: Generales traidores: mirad mi casa muerta, mirad Espana rota: pero de cada casa muerta sale metal ardiendo en vez de flores pero de cada hueco de España sale España (...) Preguntaréis por qué su poesia no nos habla del sueño, de las hojas, de los grandes volcanes de su país natal? Venid a ver la sangre por las calles, venid a ver la sangre por las calles, venid a ver la sangre por las calles! (Generais / traidores: / olhai a minha casa morta / olhai a Espanha rota / mas de cada casa morta sai metal ardendo / em vez de flores / mas de cada buraco da Espanha / sai Espanha. (...) Perguntareis por que a sua poesia / não nos fala do sonho, das folhas / dos grandes vulcões do seu país natal? / Vinde ver o sangue pelas ruas / vinde ver / o sangue pelas ruas / vinde ver o sangue / pelas ruas!)

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Ainda em 1936 Neruda foi destituído de seu cargo consular. Em 1937 regressou ao Chile onde desenvolveu intensa ação a favor dos refugiados espanhóis. Em 1940 voltou ao serviço diplomático, sendo nomeado para a cidade do México. Sua militância política tornara-se explicita: “Toda creación que no este al servicio de la libertad em estos dias es uma traición.”  Em 1943 foi eleito senador pelo Partido da Unidade Popular, no Chile. E em 1945, ingressou festivamente no Partido Comunista. A partir de então, junto do brasileiro Jorge Amado, tornou-se uma espécie de porta-voz artístico e intelectual dos comunistas latino-americanos. Cassado como senador em 1948, foi impelido à clandestinidade. Neste meio tempo escreveu os poemas engajados de Canto general . Viajou pelo mundo inteiro e residiu em Capri no ano de 1952 quando escreveu Las uvas y el  viento. Neste mesmo ano, retornou ao Chile, tendo entusiástica recepção popular. De certa forma, começava a estar acima do bem e do mal. Em 1959 veio à luz Cien sonetos de amor , outra obra de grande ressonância popular. Aproveitando-se do entusiasmo dos chilenos por sua figura carismática, os comunistas o lançaram candidato à presidência da República, nas eleições de 1970. Neruda, entretanto, renunciou a sua candidatura a favor de Salvador Allende que venceria o pleito. Allende nomeou-o já no primeiro dia de governo embaixador na França. Doente, o poeta abandonou o cargo nos primórdios de 1973. No dia 11 de setembro daquele ano um violento golpe militar acabou com a democracia chilena. No dia 30, abalado com as notícias do golpe, Pablo Neruda morreu.

UMA OBRA MÚLTIPLA E DESIGUAL Autor fecundíssimo, Neruda parece marchar contra a principal tendência da lírica do século XX: o despojamento verbal. Com efeito, o alvo da grande maioria dos poetas contemporâneos é dizer o máximo com o mínimo de palavras. Neruda, ao contrário, “assombra com o impacto do monstruoso”  de seu dilúvio verbal, conforme a fina observação do crítico Arrigucci Jr. O paradoxal é que este escritor que nem sempre se contenta em registrar o essencial e o sugestivo, consiga em inúmeros momentos uma tal grandeza altissonante de imagens, um tal sopro épico ou dramático que seus versos tornam-se inesquecíveis. Sua poesia caudalosa aproxima-se da de Victor Hugo e da de Walt Whitman. Herda também destas duas grandes vozes retóricas e metafóricas a idéia de que a literatura interfere na realidade e pode modificá-la para melhor. O poeta recebeu dos deuses o fogo libertador da humanidade. Sua missão é transmiti-lo aos gritos com fé e audácia. Isso é puro romantismo. E Neruda, como já o perceberam muitos estudiosos, é o último dos grandes românticos, apenas que temperado por um estilo barroco. Didaticamente podemos perceber na sua produção poética quatro momentos: 1 -Centrado em Crepusculario e, sobretudo em Veinte poemas de amor y una canción desesperada,

com visíveis influências do Simbolismo hispano-americano chamado de Modernismo.

2- O poeta incorpora as experiências vanguardistas, sobremodo as do Surrealismo. È quando

escreve Residencia en la terra.

3- A Guerra Civil Espanhola abre-lhe a dimensão histórico-social da vida. Neruda engaja-se

politicamente e escreve o Canto general .

4 – Momento variado de poemas de inspiração social com poemas de amor e poemas sobre o

cotidiano. A linguagem – ainda que continue metafórica – torna-se mais simples. É a época de Odas elementales, Cien sonetos de amor, La barcarola, etc.

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O CANTO DO AMOR Veinte poemas de amor y una canción desesperada foi a Bíblia amorosa de gerações de jovens no mundo inteiro. O poeta – conforme a observação de Vicente Tusón - apresenta “momentos distintos de vários amores” . O amor aparece em suas incontáveis manifestações: o amor físico e o espiritual, a ausência da amada e a sua presença, a saudade e o desejo, o gozo e o desencanto. O amor é para o jovem Neruda a única oportunidade do indivíduo salvar-se da angústia existencial e do isolamento, mas, ao mesmo tempo, ele, muitas vezes, é destruição: Èse fue mi destino y en él viajó mi anhelo, Y en él cayó mi anhelo, todo en ti fue naufragio! (Este foi o meu destino, nele viajou o meu anseio, / e nele caiu meu anseio, tudo em ti foi naufrágio!) Mário Vargas Llosa assinalou o que este livro representou em sua juventude:

“Quando jovem, muitas vezes o li, o aprendi de memória, o recitei, o admirei, antes ainda de ter o que se chama “o uso da razão”. Minha mãe guardava escondido um exemplar de Veinte  poemas de amor y uma canción desesperada, que me proibira ler. Eu não apenas os li como os decorei todos, incluídos aqueles incompreensíveis versos escabrosos (“Mi cuerpo de labriego salvage te socava / Y hace saltar el hijo del fondo de la tierra”) Mais tarde, com El   joven monarca e outros poemas de Residencia en la tierra me apaixonei e de desapaixonei e me apaixonei sabe Deus quantas vezes, nesta pré-história pessoal em que a poesia e o amor  se confundiam como “vento e folhas.” (Desafios a la libertad). Um dos poemas mais conhecidos de Neruda é Puedo escribir los versos... Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Escribir, por ejemplo: “La noche está estrellada, y tiritan, azules, los astros, a lo lejos”. El viento de la noche gira en el cielo y canta. Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Yo la quise, y a veces ella también mi quiso. En las noches como ésta la tuve entre mis brazos. La besé tantas veces bajo el cielo infinito. Ella me quiso, a veces yo también la quería. Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos. Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido. Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella. Y el verso cae al alma como al pasto el rocío. Qué importa que mi amor no pudiera guardarla. La noche está estrellada y ella no está conmigo. Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos. Mi alma no se contenta con haberla perdido. Como para acercarla mi mirada la busca. Mi corazón la busca, y ella no está conmigo. La misma noche que hace blanquear los mismos árboles. Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos. Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise. Mi voz buscaba el viento para tocar su oído. De otro. Será de otro. Como antes de mis besos. Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos. Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero. Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido. Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos, mi alma no se contenta con haberla perdido. Aunque éste sea el último dolor que ella me causa, 4

Y éstos sean los últimos versos que yo le escribo. (Posso escrever os versos mais tristes esta noite./ Escrever, por exemplo: “a noite está estrelada/ e tiritam, azuis, os astros, na distância”./ O vento da noite gira no céu e canta/ Posso escrever os versos mais tristes esta noite./ Eu a quis, e ela, às vezes, também a mim./ Em noites como esta a tive entre meus braços./ A beijei tantas vezes debaixo do céu infinito./ Ela me quis, como algumas vezes eu também a ela./ Como não ter amado seus grandes olhos fixos./ Posso escrever os versos mais tristes esta noite./ Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi./ Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela./ E o verso cai na alma como o sereno no pasto./ Que importa que meu amor não pôde mantê-la comigo./ A noite está estrelada e ela não está comigo./ Isso é tudo. Alguém canta lá longe. Muito longe./ Minha alma não se conforma por tê-la perdido./ Como para aproximá-la, meu olhar busca por ela./ Meu coração busca por ela, e ela não está comigo./ A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores. / Nós, os daquela época, não somos mais os mesmos./ Já não a amo, é certo, mas quanto a quis./ Minha voz buscava o vento para tocar seu ouvido./ De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos./ Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos./ Já não a amo, é certo, mas talvez ainda a ame. / É tão curto o amor, e tão longo o esquecimento./ Porque em noites como esta a tive em meus braços, minha alma não se conforma por tê-la perdido./ ainda que esta seja a última dor que ela me causa. E estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.) RESIDENCIA EM LA TERRA O segundo momento da obra nerudiana abre-se com este livro célebre. Surrealista na expressão, com versos longos (versículos), em séries enumerativas, com imagens inovadoras e estranhas, mostra um poeta submerso num universo de dores e escombros, ameaçado pelo caos interior e pela falta de sentido da existência. Um forte erotismo percorre os poemas, porém ao inverso, de seus primeiros textos, o amor concreto não responde às questões básicas da vida humana. No fragmento abaixo de Tango del viudo (Tango do viúvo) percebese o sofrimento infinito do eu-lírico: Oh, maligna, ya habrás hallado la carta, ya habrás llorado de fúria y habrás insultado el recuerdo de mim madre llamándola perra podrida e madre de perros, ya habrás bebido sola, solitaria, el té del atardecer mirando mis viejos zapatos vacíos para siempre, (...) Maligna, la verdad, qué noche tan grande, qué tierra tan sola! He llegado otra vez a los dormitorios solitarios, a almorzar en los restaurantes comida fria, y otra vez tiro al suelo los pantalones y las camisas, no hay perchas en min habitación, ni retratos de nadie en las paredes. Cuánta sombra de la que hay en mi alma daría por recobrarte, y qué amenazadores me parecen los nombres de los meses, y la palabra invierno qué sonido de tambor lúgubre tiene. (Oh maligna, já terás achado a carta, já terás chorado de fúria / e terás insultado a memória de minha mãe, / chamando-a de cadela suja e mãe de cachorros, / já terás tomado sozinha, solitária, o chá do entardecer / a espiar os meus velhos sapatos vazios para sempre (...) Maligna, em verdade, que noite tão grande, que terra tão só! / Cheguei mais uma vez aos dormitórios solitários, / a almoçar comida fria nos restaurantes, e uma vez ainda / atiro no chão as calças e as camisas, / não há cabides no meu quarto, nem retrato de ninguém nas paredes. / Quanta sombra da que existe em minha alma não daria para recobrar-te, / e que ameaçadores me parecem os nomes dos meses, / e a palavra inverno tem um som de tambor lúgubre.) REPERCUSSÃO NO BRASIL

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A obra de Neruda não foi tão lida no Brasil como na América Hispânica, pelas razões óbvias do idioma, mas exerceu forte influência na poesia brasileira. A maioria dos poetas modernistas sofreu, em maior ou menor grau, o influxo do protesto social e do estilo metafórico do escritor chileno. A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, é nerudiana no engajamento e na linguagem altissonante de muitos poemas. “Que Neruda me dê sua gravata chamejante” –grita o poeta de Itabira. Este mesmo grito está implícito na poesia de Vinícius de Moraes que, em certo sentido(excessos verbais, registro do social, canto do amor concreto, gosto pelo soneto, identificação com o público jovem) é o nosso Neruda. Nos anos de 1960, entre os poetas participantes e politizados como Ferreira Gullar, Thiago de Melo, Geir Campos e Affonso Romano de Sant’Anna, a presença do escritor chileno era visível. Assim como na poesia de Carlos Nejar, cuja força metafórica se assemelha, às vezes, a de seu mestre. O QUE LER 

Salvo melhor juízo, as traduções de sua obra foram poucas.A versão mais abrangente para a língua portuguesa de sua poesia deu-se apenas a partir da década de 1980, através da Editora LPM, que usando tradutores do porte de Paulo Mendes Campos, Olga Savary e Carlos Nejar realizou um belo empreendimento editorial. Hoje, infelizmente, a maior parte destas obras encontra-se fora de catálogo, à exceção de Cem sonetos de amor , A barcarola e Últimos poemas. Publicados sob a forma de livros de bolso, custam menos de 10 reais cada um. Os cem sonetos são desiguais em qualidade, mas pelo menos umas duas dezenas deles cristalizam com perfeição o gosto pelas imagens surpreendentes e a exaltação do sentimento amoroso, tão a gosto do poeta. Não deixe de lê-los. Infelizmente não existe atualmente no mercado edição dos Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, publicada originalmente pela Jose Olympio. Você pode encontrá-la, no entanto, em sebos da própria LPM. Apesar das restrições de alguns críticos, se você, leitor, é  jovem, gosta de poesia e está apaixonado (ou desiludido ou solitário) não deixe de ler esta obra. Ela vai falar diretamente a seu coração e os mesmos frêmitos, a mesma exaltação e a mesma melancolia que milhares de rapazes e moças vem experimentando há 80 anos se repetirão com você. Contudo, para quem deseja uma mínima visão de conjunto de Pablo Neruda existe a  Antologia Poética de Pablo Neruda, R$ 32,50, da José Olympio, com a ótima tradução de Eliane Zagury. Agora se você consegue ler em espanhol, a Losada, da Argentina e a Anaya, da Espanha, têm boas antologias e relativamente baratas. Você pode comprá-las pela Internet. Todos já sabem que poesia boa é aquela lida no original. Há ainda, é claro, um filme extremamente simpático O carteiro e o poeta, de grande êxito internacional, baseado no romance de Antônio Skármeta, originalmente intitulado Ardente  paciência, mas, em função do sucesso cinematográfico, foi reeditado no Brasil com o mesmo nome do filme. Ainda que o cenário do filme não seja o mesmo do romance (troca-se o Chile pela Itália) o resultado é positivo. Ambos o induzirão à leitura da poesia de Neruda.

A lista de Pablo Neruda Uma das mais generosas e exemplares ações de solidariedade humana que ocorreram um pouco antes da 2ª Guerra Mundial eclodir foi a ensejada pelo poeta chileno Pablo Neruda. Cônsul do seu país em Paris, ele tratou de salvar um número significativo de refugiados espanhóis que se abrigaram na França, após a derrota dos republicanos na guerra civil de 1936-9. Conseguiu milagrosamente, em agosto de 1939, fretar um navio, o Winnipeg, proporcionando a que 2.500 asilados que pudessem começar uma nova vida na América do Sul, poupando-os da guerra mundial e salvando-os dos campos de concentração. Eles formaram a lista de Neruda.

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A estrada do sofrimento "O melhor poeta é o que entrega o pão de cada dia...a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos...é uma ração de compromisso"  Pablo Neruda – Discurso de Estocolmo, 1971 A longa coluna estreitava-se pelas passagens sinuosas dos montes Pirineus. Caminhões, carroças, gente montada e gente a pé, misturavam-se naquela estrada do sofrimento em busca de um refúgio seguro nas terras da França. Era a então chamada República dos Trabalhadores que, saindo da Espanha, Pablo Neruda (1904derrotada pelo levante militar do general Francisco Franco (iniciado em 18 de 1973)  julho de 1936), arrastava-se para fora do país. Milicianos da UGT e da CNT, carregando seus fuzis, soldados rasos do exército popular, operários das fábricas da Catalunha e de Valência, famílias inteiras de camponeses levando nos ombros um cobertor ou mesmo um colchão, a brava gente pobre da Ibéria, com a cara endurecida pela vida e pela ferocidade da guerra civil, no alto daquelas montanhas, enfrentava o frio glacial daquele de janeiro-fevereiro 1939, para escapar à implacável repressão franquista. O governo francês, que nada fizera para salvar a república golpeada, ainda lhes aprontou outra. Confinou aquele povo todo - chegaram a ser mais de 400 mil -, em 15 campos de concentração espalhados pelo sul do país. Trataram-nos como se fossem párias. Nessas circunstâncias dramáticas é que Pablo Neruda, poeta já de certa fama que fora nomeado para ser cônsul chileno em Paris, incumbiu-se de uma missão. Determinou-se, com apoio do novo governo do seu país, a não medir esforços para ajudar os refugiados espanhóis que se derramavam em massa pelas fronteiras da França. A posição dele somente foi possível porque o presidente do Chile, Aguirre Cerda - eleito pela Frente Popular, uma coalizão das esquerdas - vencera as eleições de 1938.

O cônsul Neruda Pablo Neruda havia chegado à Espanha em 1934, primeiro em Barcelona, nos albores da chamada República dos Trabalhadores, proclamada em 1931. Logo ligou-se ao mundo boêmio e literário de Madri, freqüentando poetas como Garcia Lorca, Rafael Albert, Vicente Aleixandre e Cernuda, - a  “Geração de 27” - que, em nenhum momento, fizeram-lhe qualquer restrição por ele vir lá de um fundão como o Chile (“com a cabeça quase enfiada no Polo Sul”, como ele dizia). Eclodido o golpe do general Franco, Neruda, ainda diplomata, esqueceu-se de manter-se neutro e engajou-se na guerra ao lado do governo republicano acossado, usando como arma palavras e estrofes, compondo o impressionante “Espanha no Coração (“olhem para a minha casa morta/  olhem para a Espanha rota/ mas de cada casa morta sai metal ardendo em vez de flores”). Antes de retirar-se para Paris, ainda aparceirou-se com o peruano César Vallejo para organizar o Grupo Hispano-americano de ajuda à Espanha. Por fim , com a república em colapso, destruída pelo golpe fascista, nada mais lhe restou senão que salvar o que podia.

A nau do desespero e da esperança Correndo até Marselha, Neruda conseguiu fretar um navio, o “Winnipeg”. Em seguida, tratou de carregá-lo com os refugiados que quisessem ir para o Chile. Homens, mulheres e crianças, num total de 2.500 passageiros, uma autêntica nau de desesperados esperançosos, zarpando do porto francês de Trompeloup-Pauillac, no dia 4 de agosto de 1939, partiu então para Valparaiso, lá do outro lado do mundo. Um mês depois, no cais do porto chileno, quando desembarcaram em 3 de setembro de 1939, em meio ao regozijo geral, esperava-os um jovem médico de nome Salvador Allende. Neruda, que sempre foi discreto a respeito da sua atuação nesse episódio, confessou que aquilo, ter salvo aquela gente, fora o seu "mais belo poema". Enquanto os que entraram na lista do poeta se salvavam, milhares de outros espanhóis que não tinham para onde ir, continuaram detidos nos campos de Argéles sur Mer e de Saint Cyprién. Um número impressionante deles apresentou-se como voluntários para ir lutar ombro a ombro ao lado 7

dos franceses, quando a França entrou em guerra e foi invadida pelos nazistas em 1940. Desbaratada a resistência, feitos prisioneiros de guerra, os voluntários espanhóis foram classificados pelos nazistas como “terroristas” e remetidos para campos de concentração. Sete mil deles morreram no campo de Mauthausen.

Solidariedade a Neruda Mais de trinta anos depois desse episódio, Neruda, premiado com o Nobel de Literatura em 1971, e Allende, empossado presidente da republica chilena no mesmo ano, iriam encerrar sua vidas quase que juntos. Gravemente doente e refugiado na sua morada da Ilha Negra, Neruda não resistiu à notícia do golpe de 11 de setembro de 1973. Seu amigo Allende se suicidara e os tanques governavam o país. Dois golpes militares violentos, o de Franco, em 1936, e o de Pinochet, em 1973, eram demais para um poeta. No dia 23 de setembro de 1973 – há quase quarenta anos O Winnipeg, que trouxe os listados por  Neruda, em 1939 passados - removeram-no para uma clínica, mas de nada adiantou. As geladas mãos da morte fizeram-no parar de viver. A notícia do falecimento dele correu de boca em boca por Santiago. Quem iria se atrever, com aqueles tiros todos nas ruas, com os cadáveres jogados nas calçadas e nas sarjetas, a ir aos funerais de Neruda? Pois foram. Quando o modesto caixão foi levado para o cemitério, a multidão foi se ajuntando ao redor do esquife. Murmurando versos dele, as ruas foram se enchendo de gente, recitando trechos da “Canção Desesperada” , ou ainda a estrofe “ Abandonado como um cais ao amanhecer/ É a hora de partir, oh abandonado! ” Durante os quinze anos seguintes nenhum chileno ousou sair á ruas em protesto. Em nome daqueles espanhóis, deserdados de tudo, que entraram na providencial lista de Neruda cujos descendentes se tornaram “os filhos de Neruda” - , foi que o juiz espanhol Baltasar Garson entrou em ação. Em outubro de 1998, quando o ex-ditador estava em Londres para um tratamento de saúde, o juiz enviou um requerimento solicitando ao governo britânico que detivesse e, em seguida, extraditasse o general Augusto Pinochet para a Espanha. Não conseguiu o intento, mas expôs Pinochet frente ao mundo. Foi a maneira dos espanhóis poderem manifestar, ainda que tardiamente, a sua solidariedade a Neruda. (*) A intenção do dr. Garson era levá-lo a julgamento por ter praticado crimes contra a humanidade, especificamente contra 73 cidadãos espanhóis que foram mortos no Chile durante o regime militar. Apesar de concordarem com a demanda, o governo britânico, em vista do delicado estado em que o general Pinochet, um octogenário, se encontrava, permitiu que ele retornasse para Santiago.

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