HISTÓRIA DA PSICOLOGIA BRASILEIRA
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UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE – UNIPLAC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA
HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO BRASIL
SONIA MOREIRA THOMAZI
LAGES 2002
UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE – UNIPLAC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA
HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO BRASIL
Trabalho que Sonia Moreira Thomazi apresen apresenta ta à Profess Professora ora Lilian Lilian Kanan Kanan para avaliação na Disciplina de História da Psicologia do Curso de Psicologia – 1ª Fase da UNIPLAC.
LAGES 2002
APRESENTAÇÃO
A Hist Histór ória ia da Psic Psicol olog ogia ia no Bras Brasilil resu resultltaa de cu cuida idado dosa sa pe pesq squis uisaa baseada no princípio segundo o qual uma “abordagem social” nesta área possibilita a apreensão do diálogo que se estabelece entre a Psicologia e a formação social na
qual
ela
se
produz,
considerado
o
conhecimento
como
produto
fundamentalmente fundamentalmente histórico e social. Desde Baldwin, de 1913, ou Brett de 1921, literatura pedagógica de Brock – 1998, encontra-se uma Psicologia que freqüentemente começa na era présocrática. A Psicologia constitui-se hoje numa ciência que, reconhecidamente, tem exercido uma função social de grande relevância, quer como área de conhecimento que tem contribuído para ampliar a compreensão dos problemas humanos, quer como campo de atuação cada vez mais vasto e efetivo na intervenção sobre estes. Comp Co mpre reen ende derr a Psic Psicol olog ogia ia co como mo co cons nstru truçã çãoo hist histór óric icaa ex exig igee três três aspectos: o desenvolvimento específico das idéias e práticas psicológicas, sua base epistemológica e os fatores contextuais (aspectos estes só separáveis como recurso didático). É po poss ssív ível el af afir irma marr-se se qu quee é ge gene nera raliz lizad adoo o de desc scon onhe heci cime ment ntoo do processo de construção histórica da Psicologia em nosso país, reflexo possível do próprio desconhecimento da História do Brasil pela maioria da população brasileira.
Buscou Buscou-se -se com compre preend ender er com comoo a Psicol Psicologi ogiaa con conqu quist istou ou seu esp espaço aço próprio como área de conhecimento e campo de práticas no Brasil, atingindo sua autono aut onomia mia e reconh reconheci ecime mento nto co como mo ciê ciênci nciaa esp especí ecífic fica, a, em con conse seqüê qüênci nciaa da produção de idéias e práticas psicológicas no interior de outras áreas do saber. Destaca-se aqui o período que vai da última década do século XIX à te terc rceir eiraa dé déca cada da do sé sécu culo lo XX; XX; pe perío ríodo do de grand grandes es trans transfo form rmaç açõe õess so soci ciai ais, s, econôm eco nômica icass e po políti líticas cas no Brasil Brasil e, partic particula ularme rmente nte,, de sig signif nifica icativ tivaa produç produção ão cultural.
PARTE I ANTECEDENTES
Falar-se-á em pensamento psicológico e não em Psicologia. Deve-se lembrar que a Psicologia alcançou o estatuto de ciência autônoma somente no último quartel do século XIX, tendo como marco o estabelecimento de sua definição, de seu objeto de estudo, de seus métodos e de seus objetivos por Wilhelm Wundt, na Alemanha. A abordagem desses antecedentes tem por objetivo demonstrar como o pensamento psicológico foi produzido por outras áreas do saber, sendo que seu desenvolvimento no seio destas foi fundamental para a absorção dos avanços que, no final do século passado, os estudos psicológicos alcançaram na Europa. Criaram-se assim as condições para a penetração e conseqüentemente desenvolvimento da Psicologia no Brasil.
1 FENÔMENOS PSICOLÓGICOS NO PERÍODO COLONIAL
Têm-se referência no artigo de Samuel Pfromm Netto – “A Psicologia no Brasil, mas somente em 1984 com a pesquisa pioneira realizada por Marina Massimi trouxe extenso e minucioso estudo sobre esta temática. À essa época PESSOTTI denominou de “período pré-institucional da Psicologia”. A preocupação com os fenômenos psicológicos aparece em obras oriundas de outras áreas do saber: Teologia, Moral, Pedagogia, Medicina, Política e até mesmo Arquitetura. Os autores são brasileiros, com exceção de alguns que embora tenham nascido em Portugal, aqui passaram a maior parte de suas vidas. Em geral, tiveram formação jesuítica e cursaram universidades européias, particularmente a Universidade de Coimbra. A
maioria
desses
autores
exercia
função
religiosa
–
eram
preponderantemente jesuítas – ou política, tendo vários deles ocupado importantes cargos na colônia ou na metrópole. As obras são impressas na Europa, sobretudo em Portugal. Encontramse nestas obras preocupações com os seguintes temas: emoções, sentidos, autoconhecimento, educação de crianças e jovens, características do sexo feminino, trabalho, adaptação ao ambiente, processos psicológicos, diferenças raciais, aculturação e técnicas de persuasão de “selvagens”, controle político e aplicação do conhecimento psicológico à prática médica.
Em algumas obras encontram-se referências sobre as emoções e prática der seu controle ou “cura”. Autores como Padre Vieira, Frei Mateus da Encarnação Pinna e Padre Angelo Ribeiro de Sequeira; em obras de Filosofia Moral, como a de Mathias Aires Ramos da Silva de Eça, e obras médicas, como as de Francisco de Mello Franco. O “conhecimento de si”” – Padre Vieira e Encarnação Pinna (obtenção de conhecimento de si pelo sujeito), Azeredo Coutinho (objetivação da experiência interior) e Mathias Aires (estudo da vaidade com objetivo de auto-conhecimento). Essa temática guarda íntima relação com questões posteriormente abordadas pela Psicologia, sendo o auto-conhecimento assunto que permanece como objetivo da ciência psicológica e de sua prática. A preocupação com a “objetivação da experiência interior” constitui ainda hoje uma questão fundamental para a pesquisa psicológica. As sensações e os sentidos abordados principalmente no século XVIII e tiveram relação com o desenvolvimento das idéias empiristas. Nesses estudos, temas característicos da Psicologia que viria a se desenvolver já estavam prenunciados: loucura, fatores de natureza sexual, fantasias, instintos e ilusão de ótica. Tratam desse assunto: Padre Vieira, Encarnação Pinna, Mathias Aires, Sequeira e Mello Franco. Para vários autores, o ambiente é considerado como um dos fatores determinantes do comportamento; para Padre Vieira o clima brasileiro favorece o ócio e a dissimulação, assim como pata Mello Franco, para quem a natureza dispensa o homem da luta, levando-o ao ócio. Concepções como esta serão freqüentes até meados do século XX e terão relações muito próximas com o pensamento psicológico – psiquiátrico desenvolvido no Brasil. Se de um lado é patente a condição de dependência do pensamento psicológico produzido no Brasil em relação aos interesse metropolitanos, por outro lado é impossível negar o caráter de originalidade em muitas obras, particularmente no que se refere às idéias psicológicas propriamente ditas, o que pode ser constatado em muitos elementos apontados por Massimi em sua pesquisa. Destes, vale destacar os prenúncios da psicoterapia, os estudos sobre as crianças e sua
educação, a determinação do ambiente sobre o comportamento, as concepções contrárias à completa submissão da mulher, sobretudo, o reconhecimento da capacidade intelectual feminina e, finalmente, as relações entre a prática médica e o saber psicológico. É possível compreender a originalidade de várias idéias psicológicas como tendo surgido do fato de que, em busca de soluções para alguns problemas, a criatividade tornou-se um imperativo; as necessidades impostas pela realidade exigiram soluções que, ao mesmo tempo que buscavam a manutenção da ordem estabelecida, também se constituíam em forças impulsionadoras do real em direção ao futuro, ou ainda, poderia estar articuladas às forças que colocavam em questão o próprio “status quo”, no sentido da busca de uma nova ordem, o que pode ser confirmado pelo fato de que vários autores estudados por Massimi tiveram em uma ou outra ocasião, problemas com o poder metropolitano ou com a Inquisição. O pensamento psicológico produzido no período colonial é de extrema importância para a compreensão da construção histórica da Psicologia no Brasil, pois explicita suas mais antigas raízes.
2 FENÔMENOS PSICOLÓGICOS NO SÉCULO XIX
O Brasil sofreu grandes mudanças no século XIX. A condição de autonomia, mesmo que relativa, trouxe profundas transformações à sociedade brasileira, entre as quais incluem-se significativas mudanças no plano cultura, inserindo-se aí a produção de idéias e práticas de natureza psicológica. A produção do saber psicológico ainda foi gerada, no entanto, no interior de outras áreas de conhecimento, fundamentalmente na Medicina e na Educação.
2.1 O Pensamento Psicológico na Educação O pensamento brasileiro no século XIX, extensivo à Educação, sofreu profunda influência européia, com presença marcante das idéias francesas: o liberalismo, o positivismo e o pensamento filosófico do tomismo e do empirismo, bem como influências do espiritualismo francês e do idealismo alemão. Teólogas, professores e médicos são freqüentemente os autores de tais obras filosóficas e tendem a considerar a Psicologia como parte integrante da metafísica, tendo como objetivo de estudo geralmente a “alma”, o “espírito” e o “eu”. Em pesquisa empreendida por Massimi (1989), os assuntos encontrados em tais obras filosóficas são divididos pela autora em duas categorias: os conceitos relativos aos fundamentos da vida psíquica (alma, eu, consciência, identidade, caráter, faculdades, etc.) e os conceitos referentes a fenômenos psíquicos específicos (percepção, emoção, cognição, motricidade, etc.). Esses assuntos
apareceram freqüentemente em obras psicológicas e pedagógicas das primeiras décadas do século XX. A relação entre Psicologia e Pedagogia guarda íntima relação com o pensamento escolanovista, cuja penetração no Brasil inicia-se no século XIX, mas cuja efetiva explicitação e consolidação somente ocorreu no século XX.
2.2 O Pensamento Psicológico na Medicina A primeira tese que trata do fenômeno psicológico, foi defendida em 1836, por Manoel Ignacio de Figueiredo Jaime, denominada “As paixões e afetos d’alma em geral, e em particular sobre o amor, amizade, gratidão e o amor da pátria”. Temas relativos à sexualidade são muito freqüentes, como: cópula, onanismo, histeria, ninfomania, prostituição, etc., valendo ressaltar que, em 1914, a tese de Genserico Aragão de Souza Pinto evolui para um tratamento teórico baseado na Psicanálise. Vale lembrar que a Psicologia conquistou o estatuto de ciência autônoma no último quartel desse século, momento em que aparecem teses que podem ser identificadas com a ciência psicológica. No final do século XIX é defendida a tese “Duração dos Atos Psíquicos Elementares”, de Henrique Roxo, considerada por Lourenço Filho, Pessotti e Pfromm Netto como o primeiro trabalho de Psicologia Experimental, baseado em número significativo de dados obtidos experimentalmente, com o uso do “psicômetro de Buccola”. Para MACHADO (1978), “a constituição da Psiquiatria no Brasil inicia-se com a criação dos hospícios, articulada às finalidades da Medicina Social. Nasce assim, no Brasil dos meados do século XIX, não uma ‘psiquiatria preventiva’, mas a psiquiatria como instrumento da prevenção” Em 1842 é inaugurado no Rio de Janeiro o Hospício Pedro II, cujas práticas foram fundamentadas nas idéias de Pinel e Esquirol. A psiquiatria brasileira evoluiu de uma concepção que propunha a cura da “loucura” com sangrias e
banhos, para uma preocupação de natureza comportamental, em que o tratamento passou a basear-se em intervenções no plano moral. Havia profundas diferenças entre os hospícios do Rio de Janeiro e de São Paulo. O primeiro teve, desde seu início, uma preocupação médicopsiquiatrica, com base em teorias e práticas da Psiquiatria estrangeira. O hospício paulista, ao contrário, funcionou tão somente como espaço de reclusão, aparecendo uma concepção psiquiátrica apenas no final do século, com Franco da Rocha.
PARTE II A PSICOLOGIA E SEU PROCESSO DE AUTONOMIZAÇÃO NO BRASIL
Novas e significativas transformações ocorreram a partir do final do século XIX, tanto na sociedade brasileira quanto na Psicologia: o Brasil adotou o modelo republicano. A Psicologia, por sua vez, adquiriu no final do século passado o estatuto de ciência autônoma; processo esse originado a Europa e seguido de acelerada evolução dessa ciência não apenas em seu solo original, mas também nos Estados Unidos. Na virada do século ocorreu intenso desenvolvimento da ciência psicológica em todas as instâncias. Os problemas que o Brasil enfrentava no século XIX tenderam, com a virada do século, a agravar-se e outros vieram a eles se somar, de tal maneira que o pensamento psicológico, já em franco processo de desenvolvimento no país, encontrou terreno fértil para penetrar e estabelecer na sua dimensão científica e caminhando para sua autonomia teórica e prática em relação às áreas do saber no inteiro das quais havia se desenvolvido até então, como a Medicina e a Educação. A Psicologia e outras áreas do saber foram buscadas no sentido de contribuir com soluções para os problemas relacionados à saúde, à educação e à organização do trabalho. A produção psicológica no interior de algumas instituições vai se delineando cada vez com maior clareza, como a Psiquiatria, e de outro lado pela penetração das idéias e práticas já constitutivas daquilo que, na Europa e nos Estados Unidos, era considerado como Psicologia Científica. As personagens dessa história são principalmente médicos, educadores, juristas e até engenheiros, sendo que muitos deles acabaram por dedicar-se exclusivamente à Psicologia e podem ser considerados os primeiros psicólogos brasileiros.
3 A PSICOLOGIA EM INSTITUIÇÕES MÉDICAS
As preocupações estritamente psiquiátricas formas se delineando com maior clareza e delimitando mais explicitamente suas fronteiras com a Psicologia. A criação de laboratórios de Psicologia em diversas instituições de natureza psiquiátrica. Tanto o pensamento psiquiátrico quanto o psicológico encontraram fértil terreno para seus estudos e para a aplicação de seus conhecimentos por meio da Higiene Mental.
3.1 Os Hospícios e Algumas Instituições Correlatas O pensamento psiquiátrico brasileiro da época tinha como principal característica o ecletismo, que conjugava o alienismo clássico, especialmente Pinel e Tuke, com o organicismo, em particular numa de suas vertentes, a teoria da degenerescência, fortemente calcada na concepção da determinação hereditária da loucura. Muitos teóricos acreditavam ser os negros mais propensos à degeneração por sua inferioridade biológica. O alienismo havia sido, no século anterior, expressão da Medicina Social, que incluía no seu projeto preocupação com a pobreza, a marginalidade social, o crime e a loucura. Como solução apresentava-se a necessidade de um
efetivo controle da massa urbana, com vistas à sua disciplinarização. Nesse contexto, ganha força a teoria da degenerescência.
3.1.1 Hospício do Juquery Os primórdios do Hospício do Juquery situam-se no Asilo Provisório de Alienados da Cidade de São Paulo. Sua criação é obra de Franco da Rocha, que empreendeu a reforma psiquiátrica em São Paulo, denunciando a precariedade da assistência aos doentes mentais e defendendo uma nova instituição, baseada em práticas científicas, sobretudo no “asilamento racional”. Franco da Rocha e seu sucessor, Pacheco e Silva, defendiam a centralização da assistência psiquiátrica como forma de gerar condições para o estudo da loucura, com base na descrição, comparação e classificação, revelando concomitantemente a preocupação em demonstrar a pertinência da teoria da degenerescência. O Juquery representou em São Paulo o pensamento psiquiátrico hegemônico no Brasil, nessa época. Do ponto de vista prático, as técnicas “científicas” utilizadas consistiam, por exemplo, em alternância de banhos frios e quentes, malarioterapia, traumaterapia, laborterapia e terapias medicamentosas. A produção do Juquery circunscreve-se especificamente no âmbito da Psiquiatria, não trazendo contribuição direta em nível de conhecimento e prática da Psicologia. Entretanto, sua preocupação com a loucura abarca, sem sombra de dúvidas o fenômeno psicológico, embora sua maior contribuição seja a de demarcar mais nitidamente as fronteiras entre a Psicologia e a Psiquiatria. É necessário reconhecer que ambas as áreas tratam, sob enfoques e fundamentos diversos, fenômenos de uma mesma natureza e que é inquestionável que, apesar das fronteiras, há interseções tanto do ponto de vista do objeto de estudo quanto do ponto de vista prático.
3.1.2 Hospital Nacional dos Alienados Após a proclamação da República, o Hospício Pedro II passou a ser chamado Hospital Nacional dos Alienados. Em 1902, após a detecção de inúmeros problemas na instituição, foi nomeado para sua direção Juliano Moreira, cuja prática inaugura “uma psiquiatria cujos fundamentos teóricos, práticos e institucionais constituíram um sistema psiquiátrico coerente ”. Nomes consagrados
como Henrique Roxo, Afrânio Peixoto e Maurício de Medeiros contribuíram com a constituição da prática psiquiátrica na instituição. Em 1907, sob a direção de Juliano Moreira, é criado o provável laboratório de Psicologia no Brasil (o primeiro teria sido no “Pedagogium”, em 1906), denominado Laboratório de Psicologia Experimental da Clínica Psiquiátrica do Hospital Nacional dos Alienados. Para ele confluíram médicos cariocas e baianos, representando as orientações de Teixeira Brandão e Raimundo Nina Rodrigues respectivamente, sendo que ambas as tendências tiveram, apesar de suas particularidades, como seu principal fundamento a Medicina Social e seus motivos de natureza sóciopolítica. Ao contrário do Juquery, nesse hospício é explícito o vínculo com a Psicologia. O Hospital Nacional dos Alienados pode ser visto como uma instância produtora de conhecimento psicológico, tendo abrigado profissionais que, em seu laboratório ou fora dele, produziram relevantes obras psicológicas, como Maurício de Medeiros e Plínio Olinto. Por fim, deve-se dizer que a impossibilidade de acesso aos documentos que registram a produção do laboratório, pois esses encontram-se perdidos, compromete sobremaneira a avaliação mais profunda da participação desse hospício na história da Psicologia no Brasil.
3.1.3 Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro Fundada no Rio de Janeiro na década de 10, a Colônia produziu extensa contribuição à Psicologia por meio de seu fértil laboratório, criado em 1923.
Esse laboratório foi transformado em Instituto de Psicologia, subordinado ao Ministério de Educação e Saúde Pública, em 1932. Em 1937, foi incorporado à Universidade do Brasil, para contribuir, segundo Penna, com as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, de Educação e de Política e Economia. A extensa produção do laboratório demonstra, em relação aos asilos, um imenso avanço em direção ao reconhecimento da autonomia científica e prática da Psicologia no Brasil. A Psicologia é vista como campo próprio de conhecimento e ação, ao mesmo tempo em que é reconhecida sua íntima relação com a Psiquiatria. Três elementos apresentam-se como particularmente significativos: a preocupação com a formação de psicólogos e a difusão do conhecimento psicológico; o trabalho clínico e a aplicação da Psicologia a questões relativas ao trabalho. A partir daí, a Psicologia penetra no interior do processo produtivo, com um caráter estritamente técnico-científico, por meio da intervenção direta nos processos seletivos e no estabelecimento de contingências e normas nas relações de produção, com base no saber psicológico. Um destaque especial deve ser dado à importância da presença de Radecki nesse laboratório e, por decorrência, na história da Psicologia no Brasil. Deve-se afirmar que a Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro foi uma das mais importantes instituições que geraram condições para o estabelecimento da Psicologia no Brasil, quer pela consolidação desta área do saber como ciência, quer em relação ao reconhecimento de sua autonomia teórica e prática.
3.1.4 Liga Brasileira de Higiene Mental e Instituições Correlatas A Liga Brasileira de Higiene Mental foi fundada em 1923, por Gustava Riedel, tendo em seus quadros os mais eminentes psiquiatras e intelectuais da época. Segundo Jurandir Freire Costa, o objetivo inicial da Liga idealizada por Riedel era a melhoria da assistência ao doente mental.
A partir de 1926 a preocupação transferiu-se do indivíduo “doente” para o “normal”, da cura para a prevenção, ampliando seu raio de ação para a sociedade como um todo, definindo a ação psiquiátrica como prática higiênica, apoiada na ação de eugenia. A Liga reconhecia a Psicologia como ciência afim à Psiquiatria e estimulava sua produção. Nesse sentido, foi criado um laboratório de Psicologia, cuja direção foi inicialmente confiada ao francês Alfred Fessard e posteriormente a Plínio Olinto, que foi sucedido por Brasília Lema Lopes. A Liga propôs em 1932, ao Ministério da Educação e Saúde Pública, a presença obrigatória de “gabinetes de Psicologia” junto às clínicas psiquiátricas. Anualmente a Liga realizava as ”Jornadas Brasileiras de Psicologia”. Preocupação com a Psicologia teve também a Liga Paulista de Higiene Mental, fundada em 1926, por Pacheco e Silva, funcionando em moldes semelhantes à sua correspondente em nível nacional. A Psicologia aparecia articulada às questões relativas à organização do trabalho, como instrumento de obtenção de reconhecimento a respeito das funções psicológicas presentes no exercício profissional, tais como: funções psicomotoras, memória, atenção e julgamento. O Instituto de Higiene Mental de São Paulo organizou um grupo de estudos de Psicologia Aplicada, do qual participaram médicos, educadores e engenheiros; os estudos aí realizados versavam sobra a Psicologia do Trabalho e deram origem ao “Serviço de Inspeção Médico-Escolar”, no qual foi criada uma escola especial para crianças portadoras de deficiência mental e, em 1938, uma clínica de orientação infantil, provavelmente a primeira no país, chefiada por Duval Marcondes. A concepção psiquiátrica das Ligas de Higiene Mental não era, contudo, unânime. É interessante notar que a Psicologia, como detentora de um saber e de um corpo de técnicas, particularmente a psicometria, relacionada às práticas especificamente psicológicas, numa versão bastante próxima das atuais.
3.1.5 O Movimento Psiquiátrico de Recife Esse movimento erigiu-se sobre o alicerce representado pelas idéias e ações de Ulysses Pernambucano. Formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Pernambucano foi discípulo de Juliano Moreira. Nomeado em 1924 diretor do Hospital de Doenças nervosas e mentais de Recife, aboliu os calabouços e as camisas-de-força, implantou a praziterapia, criou o Pavilhão das Observações, o Laboratório de Análises e o Pavilhão de Hidroterapia, tendo também criado o sistema de “internato acadêmico” para os jovens médicos estagiarem. A referência a “controle científico” relaciona-se aos estudos realizados por Pernambucano sobre os africanos no Brasil. Estes estudos foram inicialmente influenciados por Nina Rodrigues, cujo teor era marcadamente racista e considerava as manifestações culturais negras como sintomas da degenerescência mental em função da inferioridade racial. Ulysses, entretanto, distanciou-se dessa concepção, passando a repudiá-la e dirigindo seus estudos para caminhos opostos ao pensamento de Raimundo Nina Rodrigues. Pernambucano fundou a Liga de Higiene Mental de Pernambuco, que teve caráter bastante diferente das demais ligas. Na Liga, Pernambucano criou uma “Escola Para Anormais”, que, em 1964, passou a ser dirigida pela APAE. Em 1936, ele criou o Sanatório de Recife, no qual foi também instalada uma “Escola Para Anormais”. Preocupou-se também Pernambucano com a formação de profissionais da área de saúde mental, tendo realizado vários cursos intensivos de especialização, com a finalidade de promover a formação prática de “monitores de saúde mental” e “auxiliares psicólogos”, sendo essa última função ocupada principalmente por professoras diplomadas pela Escola Normal. Pernambucano pode ser considerado como pioneiro do movimento que mais tarde veio a ser conhecido como Anti-Psiquiatria. A doença mental era por ele concebida como situação existencial, resultante da dinâmica do processo
psicológico, considerando o sujeito como agente desse processo e admitindo os fatores sociais como co-determinantes. Do ponto de vista da produção especificamente psicológica, o movimento de Recife veio contribuir em particular por meio de seu Instituto de Psicologia, mais tarde denominado Instituto de Seleção e Orientação Profissional. De forma geral, pode-se dizer que esse psiquiatra adotou
em seu
trabalho uma perspectiva muito próxima à Psicologia na sua maneira de conceber a atuar sobre a doença mental.
3.2 Medicina Legal, Psiquiatria Forense e Criminologia O combate ao alcoolismo, jogo, prostituição e crime ganharam terreno no interior da Psiquiatria, que procurou articular doença mental e criminalidade, com base na teoria da degenerescência. Assim, Psiquiatria e Direito integravam-se por meio da Medicina Legal, da Psiquiatria Forense e da Criminologia, sob a influência do organicismo, além das idéias de Spencer, Darwin, Galton, Comte, Wundt e, especialmente, de Lombroso. Médicos como Oscar Freire, Afrânio Peixoto, Artur Ramos e o jurista Evaristo de Moraes são alguns daqueles que dedicaram grande parte de seus trabalhos à Medicina Legal. Deve-se destacar o papel de Heitor Carrilho, cuja contribuição foi não apenas teórica, mas fundamentalmente no campo da prática institucional da Psiquiatria Forense. Carrilho iniciou seu trabalho como psiquiatra no Hospital Nacional dos Alienados. Por seu esforço foi criado em 1921, no Rio de Janeiro, o Manicômio Judiciário. Contribuiu com a criação de outras instituições semelhantes em vários pontos do país. Foi membro do Conselho Penitenciário, diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais, presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal e catedrático de Clínica Psiquiátrica na Faculdade Fluminense de Medicina.
Heitor Carrilho foi contundente crítico do Direito Clássico e grande defensor do Direito Positivo. O Direito Positivo acabava psicologizando ou individualizando o ato criminoso e sua interpretação. Carrilho desenvolveu em eus artigos uma série de elementos necessários para a prática do Direito Positivo, particularmente no que diz respeito à interpretação psicológica e psiquiátrica do crime. Defendia ele a elaboração de um “psychobiograma”, isto é, uma ficha de informações bio-psíquicas, para cada preso. Contribuiu também Carrilho no exame e no relatório que fundamentaram o primeiro caso de inimputabilidade de um criminoso, por ter sido estes considerado “louco”. Grande contribuição a essas áreas do saber veio também de Afrânio Peixoto. Sua tese de doutoramento já apontava para essa temática: “Epilepsia e Crime”. Do vasto conjunto de obras de Peixoto, destacam-se: “Elementos de Medicina Legal” (1910); “Psicopatia Forense” (1916); “Sexologia Forense” (1934) e “Novos Rumos da Medicina Legal” e “Criminologia”. A Medicina Legal, a Psiquiatria Forense e a Criminologia demonstraram a importância da Psicologia como uma de suas ciências auxiliares. Apesar do reconhecimento, a Psicologia permanecia como instância pertinente à Psiquiatria, tanto que só recentemente a Psicologia e o psicólogo têm sido reconhecidos no âmbito do poder judiciário.
3.3 Teses de Doutoramento das Faculdades de Medicina Em 1890, foi apresentada a tese “Psicofisiologia da percepção e das representações”, por José Estelita Tapajós. Três teses são apresentadas com a denominação “Das Emoções”, apresentadas por Veríssimo Dias de Castro (1890), Manuel Pereira de Melo Morais (1891) e Adolfo Porchat Assi (1892). A tese de Odilon Goulart, “Estudo psicoclínico da afasia”, de 1891, é talvez o primeiro estudo relacionado à Psicologia Clínica, segundo Pessotti.
De Alberto Seabra, a tese “A memória e a personalidade”, de 1894, constituiu-se num estudo pioneiro sobre a memória, anunciando a preocupação com uma temática que seria largamente pesquisada nos anos subseqüentes, particularmente pelos laboratórios de Psicologia. Não se pode deixar de fazer referência à figura de Raimundo Nina Rodrigues, médico baiano, professor da Faculdade de Medicina da Bahia e grande produtor de pesquisas. Exerceu ele forte influência sobre toda uma geração de médicos, os quais, de uma maneira ou de outra, contribuíram para o desenvolvimento da Psiquiatria e Psicologia no Brasil. Foi Nina Rodrigues um dos mais importantes e veementes defensores da teoria da degenerescência. A tese de Henrique Roxo, “Duração dos atos psíquicos elementares”, de 1900, traz a defesa da Psicologia como propedêutica da Psiquiatria, o que mostra o reconhecimento da autonomia entre as duas áreas de conhecimento. Defendida em 1907, a tese de Maurício Campos de Medeiros, “Métodos em Psicologia”, veio demonstrar a penetração da Psicologia no país e a preocupação metodológica com a produção de conhecimento nos patamares do rigor científico. A tese de Plínio Olinto de 1911, denominada “Associação de idéias”, é demonstrativa da já indubitável produção científica da Psicologia no Brasil. Deve-se também destacar o primeiro trabalho acerca da Psicanálise, que foi a tese “Da Psicanálise: a sexualidade nas neuroses”, de Genserico Aragão de Souza Pinto, defendida em 1914. Essas teses, particularmente após 1890, constituem-se numa das mais importantes evidências da conquista gradativa de autonomia da produção psicológica no Brasil. Embora produzidas como teses em Medicina, pode-se dizer que muitas delas constituíram-se em estudo de natureza estritamente psicológica, diferenciadas da psiquiatria e, mais que isso, contribuindo para a defesa da Psicologia e para o esforço de demonstrar sua especificidade, estabelecendo os meios para produzi-la.
4 A PSICOLOGIA EM INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS
A conquista de autonomia pela Psicologia no Brasil teve na Educação um dos mais importantes substratos para sua realização. A Psicologia tornou-se necessária como ciência básica e instrumental para a Pedagogia. Esse desenvolvimento foi de tal maneira relevante que, da Educação, ampliou-se para outras áreas, como a organização do trabalho e o atendimento clínico nos Serviços de Orientação Infantil. Foi realizada, em 1890, a Reforma Benjamin Constant, que levou o nome do titular do então Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Essa reforma propunha a liberdade, a laicidade e a gratuidade do ensino primário, em consonância com a orientação constitucional. Sua tônica foi a substituição da tendência humanista clássica pela tendência cientificista. Merece destaque nessa reforma a substituição da disciplina Filosofia pelas disciplinas Psicologia e Lógica. Foi nas primeiras décadas do século XX que as teorias pedagógicas, preocupadas com o processo de ensino – aprendizagem, sobretudo o escolanovismo, tiveram, uma penetração sistemática no Brasil e, junto com elas, as teorias e técnicas da Psicologia, produzidas nos centros europeus e norteamericanos de pesquisa e aplicação. É possível destacar, nesse período, dois grandes movimentos educacionais: o movimento pela difusão da educação e a influência escolanovista no pensamento pedagógico.
O movimento em defesa da difusão da educação teve em Manoel Bonfim seu provável precursor. O tripé Educação – Trabalho – Psicologia fazia-se necessário para o processo de industrialização massiva que se planejava para a sociedade brasileira, sob a égide da modernidade que se almejava para o país. Nesse quadro, um outro movimento educacional, em verdade um movimento mais propriamente pedagógico, ganhou força e estabeleceu-se como pensamento hegemônico: o escolanovismo. O escolanovismo fazia parte de um projeto de sociedade, baseado nas idéias de modernidade, em que se fazia necessário um “homem novo”, esculpido pela educação. Soma-se a isso o fato de que, no escolanovismo, a Psicologia constituía-se como uma das mais importantes ciências que fundamentavam sua pretensão de ser Pedagogia Científica. Nesse panorama, mudanças substantivas ocorreram na organização escolar brasileira, principalmente por meio das reformas estaduais do ensino realizadas na década de 20, em que foi o escolanovismo o principal substrato pedagógico. Surgiram os primeiros profissionais voltados especialmente para a Educação, como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e outros. Não por acaso, Lourenço Filho pode também ser considerado um dos primeiros psicólogos brasileiros e um dos mais importantes protagonistas do processo que levou ao estabelecimento definitivo da Psicologia científica e da profissão de psicólogo no Brasil. A Psicologia tornou-se então, exigência vital para a Educação, pois esta ciência deveria ser capaz de fornecer muitos subsídios teóricos e todo um arsenal técnico para instrumentalizar a ação educativa, A Psicologia ganhou seu mais importante alicerce para se estabelecer na condição de ciência, explicitar-se como área específica de saber e de prática e, conseqüentemente, definir-se como campo profissional específico.
4.1 Algumas Instituições Educacionais 4.1.1 Pedagogium O “Pedagogium” foi constituído inicialmente como Museu Pedagógico, cuja idéia partiu de Rui Barbosa. Criado em 1890, sua finalidade seria a de funcionar como “centro propulsor das reformas e melhoramentos de que carecesse a educação nacional”. Em 1906, foi criado um Laboratório de Psicologia Experimental, muito provavelmente o primeiro laboratório de Psicologia no país. Planejado por Binet, o laboratório foi organizado e dirigido por Manoel Bonfim, que aí permaneceu por doze anos. Manoel Bonfim buscava compreender determinados fenômenos em outras bases, considerando a importância da natureza social do psiquismo em sua complexidade e concreticidade. Posteriormente, vários estudos da Psicologia empreenderam críticas semelhantes às de Bonfim, assim como elaboraram concepções de Psicologia e de fenômeno psíquico muito próximas daquelas que esse autor brasileiro formulou pioneiramente. O laboratório do “Pedagogium” pode ser considerado um celeiro riquíssimo de reflexões sobre a Psicologia, por meio das obras publicadas por seu genial diretor. O “Pedagogium” funcionou até 1919, quando foi extinto por decreto municipal. Segundo Penna, essa instituição perpetuou-se com a criação em 1938, do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP.
4.1.2 Instituto de Psicologia de Pernambuco Foi criada em 1925, por Ulysses Pernambucano. Foi transferido, em 1929, para o Setor de Educação anexo à Secretaria de Justiça e Instrução de Pernambuco, passando a chamar-se Instituto de Seleção e Orientação Profissional – ISOP. Em 1931, era Pernambucano o diretor do Hospital de
Alienados de Recife, quando o ISOP foi anexado ao Serviço de Higiene Mental do referido hospital. Muitos estudos foram aí realizados, devendo ser ressaltadas as produções referentes a: testes psicológicos de nível mental, aptidão e outros, assim como sua padronização para a realidade brasileira; elaboração de testes pedagógicos; padronização do teste de inteligência de Ballard, além de muitas pesquisas experimentais e de iniciação à pesquisa com o objetivo de formar pesquisadores em Psicologia. A esse trabalho devem ser somadas as realizações de Ulysses Pernambucano no campo da educação para “deficientes mentais”, cujo pioneirismo é inconteste, sendo reconhecido pela própria Helena Antipoff, a quem muitos atribuíam as ações pioneiras nessa área. Criou ele a “Escola Para Anormais”, anexa ao Curso de Aplicação da Escola Normal. O Instituto contribuiu também para o serviço psiquiátrico de Recife, em especial no que se refere ao emprego de técnicas psicológicas em questões de psicopatologia clínica.
4.1.3 Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Belo Horizonte Fundada no final da década de 20, tornou-se ela referência para a caracterização dos rumos que a Psicologia tomou posteriormente. A Escola de Aperfeiçoamento foi uma realização pertinente à Reforma do Ensino de Minas Gerais, empreendida por Francisco Campos. Nessa reforma, a Psicologia assumiu papel de destaque, em que a Escola de Aperfeiçoamento deveria tornar-se o principal núcleo difusor que deveria ser implementada no estado. Cursos ministrados por C. A. Baker, Iago Pimentel, Alberto Álvares e Alexandre Drummond, abordavam assuntos como Psicologia Educacional e testes, temas estes também presentes em artigos da “Revista do Ensino”.
A Escola de Aperfeiçoamento promoveu vários cursos, para os quais foram chamados como docentes personalidades eminentes da Psicologia na época, como Th. Simon (colaborador de Binet), Léon Walther e Helena Antipoff (assistente de Claparéde). Helena Antipoff permaneceu no Brasil e aqui realizou extensa obra em Educação e Psicologia, abrangendo pesquisa, ensino e prática educacional. Sob a responsabilidade de Antipoff, foi criado um Laboratório de Psicologia. A perspicácia da análise de Antipoff sobre os resultados que obtinha nas pesquisas lançou novas luzes sobre a realidade social brasileira e sua relação com os fenômenos de natureza psicológica. As pesquisas realizadas por Antipoff foram fundamentalmente pesquisas de campo, cujos dados foram coletados em situação ordinária de sala; além disso, grande importância era dada à consideração do meio social do qual provinham as crianças. Anexa à Escola de Aperfeiçoamento foi criada uma classe especial para “deficientes mentais”. Helena Antipoff prestou a esse campo de atuação uma das maiores contribuições realizadas no Brasil, não apenas participando da criação de várias instituições, mas também lutando pela melhoria de atendimento a essa população. Propôs ela a denominação “indivíduo excepcional” em lugar de “deficiente mental”, por considerar esta última expressão inadequada. A psicometria foi aí estudada em contraste com o que ocorria no resto do país. Na década de 40, a Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte fundiu-se com a Escola Normal, gerando o Instituto de Educação, ao qual foi incorporado também o Laboratório de Psicologia.
4.1.4 Escolas Normais A produção das Escolas Normais consistiu, provavelmente, numa das mais importantes contribuições para o estabelecimento da Psicologia científica no Brasil, quer no âmbito teórico, quer no âmbito da aplicação de seus conhecimentos. Sua importância reside também no fato de muitos dos primeiros profissionais da
Psicologia terem iniciado sua formação nessas escolas, assim terem sido elas incentivadoras da publicação das primeiras obras específicas de Psicologia no país. Foi nestas que se formaram os primeiros núcleos de estudiosos das teorias gerais e aplicadas, que os primeiros “laboratórios de psicologia se fundaram. A formação dos mais destacados psicólogos educacionais brasileiros da atualidade (1950) tem suas raízes naquelas escolas normais, (CABRAL, 1950, p. 31). As primeiras Escolas Normais surgiram no Brasil na primeira metade do século XIX, sendo que somente no século XX a disciplina de Psicologia apareceu de maneira mais sistemática em seus currículos, com o desdobramento da disciplina Pedagogia em Pedagogia e Psicologia. Em 1928, por decreto, a disciplina Psicologia foi inserida no currículo das Escolas Normais, juntamente com Pedagogia, História da Educação, Didática, Sociologia, Higiene e Puericultura. O ensino sistemático da Psicologia ocorreu originalmente nas Escolas Normais. Das Escolas Normais brasileiras merecem destaque as de Belo Horizonte, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Fortaleza e São Paulo. A Escola Normal de Salvador teve em Isaias Alves um dos mais expressivos representantes da Psicologia na época; foi ele um dos pioneiros na difusão, aplicação, revisão e adaptação de testes pedagógicos e psicológicos no Brasil, sendo um dos principais difusores da nova técnica, quer pela publicação de livros ou realização de cursos acerca desse tema. A Escola Normal do Rio de Janeiro teve sua produção psicológica ligada a seu professor de Pedagogia e Psicologia, Manoel Bonfim, cujas idéias encontram-se registrados em seus livros: “Lições de Pedagogia” e “Noções de Psychologia”. A Escola Normal de Fortaleza
trouxe uma contribuição especial à
Psicologia pela sua participação no contexto da Reforma do Ensino do Ceará, empreendida por Lourenço Filho, entre os anos de 1922 e 1923, quando essa escola assumiu importante tarefa e nela foi criado um laboratório de Psicologia. A
Psicologia exerceu uma função central nessa reforma que pode ser considerada como a primeira realização de vulto do escolanovismo no país; nesse sentido, podemos afirmar que a Psicologia assumiu papel fundamental, pois seu domínio deveria ser o principal instrumental do professor em sala de aula.
4.1.5 A Escola Normal de São Paulo As principais contribuições dessa escola sustentam-se no ensino – pela cátedra de Pedagogia e Psicologia e pelos cursos ministrados por especialistas estrangeiros – e na produção de seu laboratório e a cátedra passam a Noemi Silveira Rudolfler, assistente de Lourenço Filho, sendo que dois anos depois o laboratório foi incorporado à cátedra de Psicologia da então criada Universidade de São Paulo e, em 1936, Rudolfler nomeada catedrática de Psicologia Educacional da referida universidade. No que diz respeito ao ensino de Psicologia, a Escola Normal foi responsável pela divulgação das teorias psicológicas em voga na Europa e nos Estados Unidos, das técnicas delas derivadas, em especial, a psicometria. Em 1914, a cátedra de Pedagogia e Psicologia foi assumida por Sampaio Dória que publicou um volumosos compêndio de Psicologia, baseado nas idéias de Spencer, Bain e Stuart Mill e divulgando os pensamentos de William James, Binet e Van Biervilet. Em 1925, Lourenço Filho sucedeu Sampaio Dória na cátedra revitalizou o Laboratório de Psicologia, contando com a colaboração de vários professores, dentre eles Noemi Silveira Rudolfler, que viria mais tarde sucedê-lo nessa cátedra. O laboratório foi criado na gestão de Oscar Thompson na direção da Escola Normal em 1914. Para organizar e dirigir o laboratório, foi contratado o psicólogo italiano Ugo Pizzoli, catedrático da Universidade de Módena e diretor da Escola Normal da mesma cidade. Pizzoli realizou outros trabalhos na escola: curso de teórico e prático de Psicologia, orientação de pesquisas e elaboração da “carteira biographica escolar”.
Em 1914, o laboratório edita o livro “O Laboratório de Pedagogia Experimental”, tendo como elemento introdutório uma palestra proferida por Thompson, denominada “O futuro da pedagogia é scientifico”, tendo aí a Psicologia posição privilegiada como ciência que deveria dar base á Pedagogia. Pela exposição acerca do Laboratório da Escola Normal de São Paulo, especialmente pelos conteúdos tratados no curso ministrado por Pizzoli, pelo equipamentos e pesquisas realizadas, dá para apreender a orientação que teve sua produção, vinculada essencialmente à medida das funções psicológicas, sendo estas o fenômeno perceptivo, de longe o mais estudado. A produção da Escola Normal de São Paulo foi, em todos os aspectos, fundamental para a autonomização da Psicologia no Brasil, na medida em que, por meio dela, se vê com absoluta clareza a penetração das teorias e práticas da Psicologia então vigentes nos centros avançados de produção do saber. São Paulo se tornaria um dos mais importantes centros para a Psicologia. Percebe-se, pelo exposto, que a Psicologia encontrou nas Escolas Normais o mais fértil terreno para seu desenvolvimento. É possível dizer que essas escolas foram uma das principais portas para a penetração da Psicologia científica no país e para a definição do perfil dos profissionais que se tornariam especialistas em Psicologia, alem de, no caso da Escola Normal de São Paulo, ter sido ela uma das mais importantes bases para que a Psicologia se tornasse mais tarde disciplina universitária.
4.2 A Psicologia nas Obras Pedagógicas e Psicológicas As obras que tratam da Psicologia estão relacionadas ao ensino normal, sendo seus autores muitas vezes professores que as escreveram para uso dos normalistas. Estas obras são fontes importantes para a compreensão da Psicologia no Brasil, pois constituem-se em documentos preciosos sobre as idéias psicológicas que eram aqui difundidas. No que diz respeito às traduções, encontram-se obras clássicas do pensamento escolanovista, em que a Psicologia é considerada um dos mais
importantes sustentáculos do processo pedagógico. Destacam-se nesse grupo obras de Claparède, Binet-Simon, Piéron e Léon Walther, sendo estas pertencentes à “Biblioteca de Educação”, criada em 1927, pela Cia. Melhoramentos e dirigida por Lourenço Filho, que também foi tradutor de muitas delas. Outro grupo, constituído de obras pedagógicas de caráter geral, de autores brasileiros, tem como principal característica expor questões gerais sobre a Educação, sendo, portanto, expressão de concepções determinadas sobre o processo educativo. Essa característica define a importância dada à Psicologia como ciência de base para a ação pedagógica. Compõem-se o outro grupo de obras que podem ser consideradas como explicitamente psicológicas, dentre elas: “Compendio de Paidologia” e “Educação da Infancia de Anormal de Intelligencia no Brasil”, de Clemente Quaglio, editadas em 1911 e 1913 respectivamente.
5 A PSICOLOGIA NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
A Medicina Social veio exercer importante papel, propondo modelos higiênicos de vida
social, enquadrando
em
categorias
patológicas
os
comportamentos considerados “desviantes”. As primeiras experiências sistemáticas de aplicação da Psicologia às questões do trabalho datam porém da década de 20 deste século, e teve sua aceleração principalmente a partir dos anos 30. Nesse momento, a Psicologia estabeleceu-se definitivamente no pensamento brasileiro. Tal situação confirma o estabelecimento da ciência psicológica no país, como conjunto de conhecimentos e práticas capazes de dar respostas e subsidiar ações que interviessem nos problemas dessa sociedade, demonstrando pela sua aplicação sistemática uma etapa já avançada da referida ciência. A Psicologia veio inserir-se num panorama em que a preocupação com a maximização da produção tornava-se um imperativo, contribuindo com a produção de conhecimentos e técnicas necessária ao empreendimento da “racionalização do trabalho” e da “administração científica” do processo produtivo. Assiste-se
nesse
momento
a
implementação
de
processos
administrativos modernos, fundamentados nos progressos da ciência. Jorge Street, Roberto Simonsen e Paulo Nogueira Filho foram alguns dos mais destacados representantes do empresariado brasileiro que defenderam e adotaram tais idéias.
Na década de 20, assiste-se a uma mudança nos regimes disciplinares: anuncia-se um projeto racional de produção do novo trabalhador, dissolvido enquanto ato e sujeito e redefinindo enquanto objeto de investimento do poder. Tais mudanças antecedem a penetração das idéias tayloristas e fordistas no país. Serão essas idéias a principal base sobre a qual as mudanças propostas encontrarão suas diretrizes e sua justificativa. Sobre o taylorismo e já apontando suas articulações com a Psicologia, afirma Lourenço Filho: “A phisiologia e a psychologia foram chamadas a cooperar na organização das fábricas, para maior efficiencia economica e melhoria das condições do trabalho operario... É preciso a adaptação psychologica ao homem, e a adaptação do motor humano ao trabalho”. Vê-se, pois, que a ciência é concebida como neutra e o conhecimento por ela produzido inquestionável na sua autoridade; assim, a utilização da ciência na administração industrial justifica-se e é legitimada. Em nome do progresso e da proteção ao “bom trabalhador” justificar-se-ia a administração baseada na inquestionalidade da ciência, na neutralidade da técnica e na valorização da competência individual. Parte do empresariado brasileiro percebeu a necessidade de institucionalização desse projeto de modernização e cientificação dos processos administrativos. Esse projeto estava intimamente ligado à Psicologia. Tiveram grande impacto sobre esse processo as conferências proferidas por Léon Walther a respeito da Psicotécnica, instrumental fundamental para a materialização das finalidades enunciadas pela administração científica. A Psicologia assumiu, ao lado de outras áreas do saber, a função de sustentáculo científico dos novos métodos administrativos. A Psicologia agiu essencialmente sobre o “fator humano” da administração industrial, sobretudo na seleção de pessoal e orientação e instrução profissionais. Vários elementos confluíram para a definitiva sistematização da aplicação da Psicologia à gestão da força de trabalho. Nesse âmbito foi especialmente importante o “movimento dos testes”, iniciado na década de 20,
tendo como marco o curso sobre Psicotécnica, ministrado por Piéron, na Escola Normal de São Paulo. A experiência pioneira com a utilização de testes ocorreu em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, sob a coordenação do engenheiro suíço Roberto Mange, em que pela primeira vez no Brasil foram utilizados testes com a finalidade de seleção. O primeiro livro sobre testes no Brasil foi intitulado “Testes: Introdução ao estudo dos meios scientificos de julgar a intelligencia e a applicação dos alumnos”. Nesta em outras obras da época são freqüentes as referências às inovações norte-americanas nas diversas áreas, em que vão sendo demonstradas as utilidades dos testes, destacando-se os “Army Mental Tests” e a orientação profissional. Sobre isso, afirma Medeiros e Albuquerque: Na instrucção, o candidato approvado ou reprovado injustamente vê o seu futuro sacrificado. No commercio ou na industria, o empregado, si é rejeitado sem razão, soffre tambem o mesmo sacrificio; mas se é admitido por uma opinião errada, vai estragar material, desacreditar a casa que o escolheu, fazer com que perca clientes talvez preciosos, até que sua incapacidade seja reconhecida e se resolvam a despedi-lo, (1925, p. 24). Outra questão abordada e também relacionada ao trabalho é a orientação profissional, na qual busca-se demonstrar a lucratividade da aplicação da Psicologia. Afirma Isaias Alves: O valor economico dos testes surge então sob nova luz. Primeiro se vê a escolha appropriada de profissão para cada individuo, lucrando a sociedade da plena expansão da actividade pessoal. Em segundo lugar, tornando-se de facto primeiro no decorrer dos annos, vem a orientação vocacional dos rapazes, (1930, p.6). Surgem então os testes vocacionais, cuja principal finalidade seria a de orientar profissionalmente os jovens, para que suas escolhas fossem compatíveis com suas aptidões.
É importante lembrar que as obras de Medeiros e Albuquerque e Isaias Alves relacionam-se diretamente com as primeiras aplicações da Psicologia à organização do trabalho, pois são elas co-responsáveis pela introdução dos testes no país e administração científica. A racionalização assume o dever de promover uma maior produtividade, tem um claro sentido econômico e, fundamentalmente, representa a modernização almejada por setores da sociedade, cuja aspiração é inserir o Brasil no seio do capitalismo. Isso é demonstrado na orientação profissional que, de certa maneira, direciona indivíduos para diferentes profissões pelas suas capacidades, sem considerar que estas últimas têm íntima relação com a história de vida do sujeito e acabaria, por seu turno, endossando determinações estabelecidas pela origem de classe e não por características inerentes ao indivíduo. Os testes trazem exatamente a argumentação de sua “inequívoca objetividade”, o que vem referendar a noção de “neutralidade” que caracteriza a técnica derivada do conhecimento científico. Pode-se afirmar terem sido os testes ou, mais amplamente, a Psicotécnica, papel fundamental no grande projeto de modernização do processo produtivo brasileiro. Do ponto de vista prático, a experiência pioneira de aplicação sistemática da Psicologia ao trabalho ocorreu em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, sob a direção de Roberto Mange. Consistiu ela na seleção de alunos para o Curso de Mecânica Prática da escola citada, por meio da aplicação das “provas de Giese” e da introdução da aprendizagem racional, com base nos pressupostos da Psicotécnica. A instrução racional consiste em conseguir o máximo rendimento do menor tempo possível e com o mínimo dispêndio de energia e de dinheiro. Deve-se, antes, exigir compulsoriamente, senão um acentuado grau de aptidão, ao menos um mínimo indispensável aliado a marcado poder de educabilidade. O processo de seleção profissional é bastante complexo. Se, de um lado, aptidões profissionais constituem indícios de alto valor para o êxito na profissão, não menos um exame psicofisiológico, o poder de adaptação ao meio, as condições sociais, as tendências caracterológicas, enfim – o conjunto das personalidade.
Essa citação demonstra como a Psicologia e a tecnologia dela derivada são incorporadas pelos interesses industriais. Esse trecho mostra uma abordagem mais complexa da Psicologia, em que não somente a aptidão, mas a personalidade como um todo deve ser considerada para que sejam atingidos plenamente as finalidades impostas pelo processo produtivo. A essa experiência muitas outras se seguiram, com participação de Roberto Mange. Destas deve-se destacar as relativas às empresas ferroviárias que foram, sem dúvida, um dos principais alicerces da Psicologia aplicada ao trabalho no Brasil. Em 1930, foi criado o “Curso de Ferroviários de Sorocaba” e o “Serviço de Ensino e Seleção Profissional” da Estrada de Ferro Sorocabana. A essas experiências devem ser somadas as pesquisas e processos de seleção de aviadores para a Aviação Militar, realizadas pelo Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro em conjunto com os Ministérios da Guerra e da Justiça, com a participação de médicos militares e a coordenação de Waclaw Radecki. Foram estas as principais experiências que deram início à aplicação da Psicologia às questões relativas ao trabalho. Após a experiência do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, seguida pelo Centro Ferroviário e pelo IDORT, merecem destaque os trabalhos realizados nas décadas de 30 e 40 nas seguintes organizações: SENAI, SENAC, CMTC, Estrada de Ferro Central do Brasil, ISOPFGV, Instituto de Administração da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP. Percebe-se que a Psicologia não se desenvolveu no interior de outra área de saber, mas penetra ela já na condição de ciência autônoma para colaborar num projeto amplo, para o qual convergem diversas áreas de conhecimento.
6 LINHA DE TEMPO
1752: Mathias Ayres Ramos da Silva de Eça publica “Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens” ou “Discursos Morais Sobre os Efeitos da Vaidade. 1794: o iluminista francês Denis Diderot publica “Ensaio Sobre o Progresso do Espírito Humano”. Francisco de Mello Franco publica “Medicina Theologica”. 1813: Francisco de Mello Franco publica “Elementos de Hygiene” ou “Ditames Teoreticos e Práticos Para Conservar a Saúde e Prolongar a Vida”. 1836: Manuel Inácio de Figueiredo defende no Rio de Janeiro a tese “Paixões e Afetos da Alma”. 1843: José Augusto Cesar de Menezes defende no Rio de Janeiro a tese “Proposições a Respeito da Inteligência”. 1851: Francisco Tavares da Cunha defende em Salvador a tese “Psicofisiologia Acerca do Homem”. 1914: Aragão de Souza Pinto defende a tese “Da Psicanálise: A Sexualidade das Neuroses”. O Psicólogo italiano Ugo Pizzoli inaugura na Escola Normal de São Paulo um Laboratório de Psicologia Experimental. 1917: Manuel Bonfim publica “Noções de Psicologia”. 1918: o pediatra Fernandes Figueira começa a trabalhar com testes
psicológicos no Hospício Nacional, usando as provas de Binet-Simon. O psiquiatra Franco da Rocha começa a difundir a Psicanálise através de cursos proferidos na Faculdade de Medicina de São Paulo. 1919: Franco da Rocha publica “A Doutrina de Freud”. 1922: Fundada a Liga Brasileira de Higiene Mental. 1923: Waclaw Radecki chega ao Brasil. É criado o Laboratório de Psicologia do Engenho de Dentro, local em que se destacaram W. Radecki e Nilton Campos. 1924: Medeiros e Albuquerque publicam o primeiro livro brasileiro sobre os testes psicológicos intitulado “Os Testes”. Isaias Alves trabalha na adaptação brasileira da escala de Binet-Simon. 1925: Ulisses Pernambucano funda em Recife o Instituto de Seleção e Orientação Profissional de Pernambuco. Lourenço Filho assume a cátedra de Psicologia na Escola Normal de São Paulo. 1926: surgem os primeiros trabalhos vinculados ao Instituto de Higiene, localizado em São Paulo. 1927: Lourenço Filho publica “Contribuição ao Estudo Experimental do Hábito”. Henri Pieron chega a São Paulo para lecionar Psicologia Experimental e Psicometria. 1929: Waclaw Radecki publica o livro “Tratado de Psicologia”. 1932: José Leme Lopes, no Rio e Sylvio Rabello, em São Paulo introduzem o Rorschach no Brasil. 1934: Plinio Olinto publica “Psicologia”. A disciplina de Psicologia passa a ser obrigatória em alguns cursos superiores. 1935: Sylvio Rabello publica “Psicologia do Desenho Infantil”. Jean Maugué inicia a lecionar Psicologia no Bacharelado em Filosofia, permanecendo até 1944.
1936: Noemi Silveira assume a cátedra de Psicologia Educacional na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo. 1937: O Laboratório de Psicologia do Engenho de Dentro foi incorporado pela Universidade do Brasil, destacando-se os trabalhos de Nilton Campos, Antonio Gomes Penna e Eliezer Schneider. 1938: Sylvio Rabello publica “A Representação do Tempo na Criança”. Djacir Menezes publica em Fortaleza o “Dicionário de Psicologia Pedagógica”. 1939: Arthur Ramos publica “A Criança Problema”. 1944: Plinio Olinto traça um panorama abrangente da experimentação no volume “A Psicologia Experimental no Brasil”. 1945: Annita Marcondes de Cabral cria junto a Otto Klineberg a Sociedade de Psicologia de São Paulo. 1949: Fundado os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, posteriormente Arquivos Brasileiros de Psicologia. 1954: criada a Associação Brasileira dos Psicólogos. O periódico “Arquivo Brasileiro de Psicotécnica” publica
um Anteprojeto de Lei sobre a
formação e a regulamentação da profissão de Psicólogo. 1962: criação dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura e da profissão de Psicólogo. A Universidade de São Paulo contrata Fred Keller. 1963: Pedro Parafita cria o Curso de Psicologia na Universidade Federal de Minas Gerais. 1965: o Regime Militar dissolve o Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília. 1984: Helmut Krüger publica “Introdução à Psicologia Social”. 1994: um total de 111 Centros de Formação oferecem programas de graduação em Psicologia. Realiza-se na cidade de Campos do Jordão o primeiro Congresso Nacional de Psicologia”.
1999: realizado em Salvador- BA o primeiro Congresso norte-nordeste de Psicologia. Aproximadamente 100.000 psicólogos encontram-se legalmente reconhecidos para praticar a Psicologia no Brasil. Morre Nise da Silveira.
PARTE III DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO
A penetração da Psicologia considerada como ciência autônoma no âmbito da cultura brasileira deve ser vista sob o ângulo de suas determinações locais e de seu desenvolvimento intrínseco em termos gerais. Do ponto de vista das determinações locais, foram elas demonstradas particularmente pelos fatos denotativos da existência de pensamento psicológico no país, suas características e as condições nas quais deu-se tal produção. Desde os tempos da colônia há preocupação com os fenômenos psicológicos, revelada pelos conteúdos de obras oriundas de diversas áreas do saber, tais como Teologia, Filosofia Moral, Pedagogia ou Medicina.
7 DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, pode-se dizer que a produção psicológica do período colonial refletia as condições da sociedade na qual se inseria, não apenas por incorporar seu pensamento dominante, como também seus conflitos. Essa tendência prolonga-se no século XIX, principalmente nas obras filosóficas e teológicas utilizadas nos seminários e nas escolas secundárias. Nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia sobressaemse especialmente as teses de doutoramento, muitas das quais abordando assuntos de interesse psicológico e consistindo em importantes fontes de produção sobre fenômenos psíquicos no século XIX. Além das faculdades de Medicina e a elas relacionadas, surgiram os hospícios. Buscava a Medicina o saneamento da cidade, o que significava limpá-las das “sujeiras e imundícies” que a infestavam, tanto no plano material quanto social. Fazia-se necessário excluir do convívio social o “louco”, que até então vivia errando pelas ruas ou era simplesmente enclausurado nas Santas Casas de Misericórdia ou prisões. Em 1842 foi inaugurado no Rio de Janeiro o Hospício Pedro II, em 1852, em São Paulo. Ao lado das instituições médicas havia também as instituições educacionais, sobretudo seminários, escolas secundárias e escolas normais, nas quais eram realizados estudos sobre assuntos relacionados aos fenômenos psicológicos, tratados particularmente pela disciplina Filosofia.
É necessário reiterar que, embora tenha sido grande a produção de idéias psicológicas nesse período, havia uma explícita dependência desta em relação às outras áreas de conhecimento, na medida em que o pensamento psicológico, tal como na colônia, era produzido no interior de outras áreas do saber. Embora dependente, foi essa produção que se constituiu na base sobre a qual foi possível a Psicologia desenvolver-se no período subseqüente, tendo sido por esse meio que a preocupação com os fenômenos psicológicos obteve tal grau de desenvolvimento que preparou o terreno, a partir do incremento de seus estudos, para que a Psicologia conquistasse as condições para tornar-se autônoma e com grau de desenvolvimento que a tornava preparada para aqui ser incorporada na condição de ciência, tal como vinha ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos. Houve na última década do século XIX grandes transformações também no âmbito das idéias psicológicas, que lançam as bases para que possamos nos referir à Psicologia como ciência autônoma. A Medicina continuou sendo um espaço dentro do qual a preocupação com o fenômeno continuou a existir. Esse fato pode ser percebido nas teses de doutoramento das Faculdades de Medicina. São defendidas teses que podem ser consideradas como obras de Psicologia. Vale a pena destacar o trabalho de Ulysses Pernambucano, que produziu extensa obra na área propriamente psiquiátrica, porém concebendo a “loucura” sob um ponto de vista mais psicológico que médico, além de ter sido ele o pioneiro no projeto de educação para “deficientes mentais”, produtor de pesquisas psicológicas e formador de muitos pesquisadores nessa área. Já era possível ver um processo de delimitação entre Psicologia e Psiquiatria, evidenciado por fatores como: a) Uma nítida diferenciação entre os autores tratados por uma e outras áreas de conhecimento; b) A preocupação com fenômenos psicológicos propriamente ditos; c) A caracterização de alguns profissionais como produtores de
conhecimento psicológico e aplicadores da Psicologia em diversos campos de atuação. O pensamento traçou um caminho diferente daquele do pensamento médico-psiquiátrico,
embora
coincidissem
num
ponto:
a
tentativa
de
empreendimento de transformações na sociedade brasileira – com base em diferentes propostas – em direção a uma maior efetividade no controle das massas urbanas, em direção à formação de um “novo homem” para a nova sociedade. O pensamento educacional, incorporando o escolanovismo, veio a tornar-se um dos instrumentos para esse projeto de fazer o Brasil ingressar, ainda que dependentemente, no mundo industrializado. No contexto da ascensão do pensamento escolanovista, a Psicologia ganhou forte incentivo para desenvolver-se, na medida em que tal tendência, ao colocar no indivíduo seu núcleo central de preocupação e ação, ao mesmo tempo que reivindica sua cientificação, encontrará nessa ciência um de seus mais importantes pilares de sustentação. A partir das décadas iniciais do século XX, a Educação tornou-se um dos principais substratos para o desenvolvimento da Psicologia em termos teóricos, práticos e de formação profissional no Brasil. Os laboratórios criados nas instâncias educacionais, a disciplina Psicologia nas Escolas Normais ou outras instituições formadoras de educadores e as obras pedagógicas foram os mais importantes núcleos de difusão e desenvolvimento da Psicologia considerada científica. É necessário diferenciar a maneira como a Psicologia conquistou sua autonomia a partir da Medicina e a partir da Educação, pois tal processo deu-se de maneira diversa nessas duas áreas de conhecimento. Em relação ao pensamento médico-psiquiátrico no decorrer das décadas iniciais deste século, a Psicologia foi se definindo e delimitando. Aos poucos ambas as áreas de conhecimento foram de distanciando, chegando mesmo a uma relação de oposição, em muitos aspectos manifestada até hoje; isso se demonstra principalmente pelo fato de que, a partir da década de 30, a Psicologia e seus especialistas estiveram ausentes das instituições psiquiátricas. Deve-se destacar
que hoje grupos de psicólogos e psiquiatras têm lutado juntos pela causa antimanicomial. A Pedagogia, não sendo uma ciência específica, necessitou recorrer às ciências afins às suas necessidades para obter as bases de que necessitava, principalmente num contexto em que crescia a influência do pensamento escolanovista. O pensamento pedagógico procurou criar condições para que a Psicologia, explicitamente reconhecida como ciência autônoma, pudesse desenvolver-se no sentido de se constituir como instrumental técnico e conhecimento científico. No campo da Educação, a Psicologia foi, pois, a ciência fundamental, o que lhe permitiu desenvolver-se de tal maneira que, a partir daí, pôde ela ampliarse para outros campos de ação.
CONCLUSÃO
O Brasil, com efeito, foi um dos primeiros países do mundo em que foi aprovada a regulamentação legal da profissão do Psicólogo (pela Lei 4.119, de 27/08/1962). O desconhecimento da Psicologia brasileira com relação às próprias origens tem razões específicas em uma abordagem metodológica, característica do positivismo radical, que inspirou a historigrafia da Psicologia tradicional, pelo menos até os anos 60. Ao desvalorizar a contribuição da cultura pré-científica à evolução do conhecimento humano, essa corrente restringe a história da Psicologia ao desenvolvimento da Psicologia científica nos últimos dois séculos. A exclusão do domínio historiográfico dos conhecimentos psicológicos difundidos no seio das diferentes tradições e culturais e julgados não relevantes implica a renúncia à memória das raízes dessa disciplina presente em tais tradições e o esquecimento das questões originais que determinam o seu surgimento, ou favoreceram sua influência e seu desenvolvimento em específicos ambientes culturais. Outra conseqüência é a redução da Psicologia apenas à Psicologia européia e norte-americana, revestidas de uma pretensa universalidade.
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