April 13, 2017 | Author: MauroMaggioli | Category: N/A
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Ensino oa Psicologia
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to, está mais próxim a dela, independente clo sexo (Wallerstein c Kelly, 1998; Brito, 1999a). O tem po de convivência prolon gado aproxim a a percepção do filho com a do guardião. Desse m odo, na m edida em que costum a ser dem orado o intervalo entre a separação de fato do casal e a formalização jurídica do divórcio, o tem po transcorrido ju n to ao genitor que perm ane ce com a criança ou o adolescente é o bastante p ara a conso lidação das alianças. “A valiar com quem a criança q u er perm anecer, ou com qual dos genitores c mais apegada, pode ser”, conclui Brito, “interpretado como a pesquisa do óbvio” (Brito, 1999a: 176). P ara complicar o quadro, pedir à criança ou ao adoles cente p ara expor com qual genitor deseja ficar acaba acirran do ainda mais as: posições polarizadas c visões maniqueístas a respeito do litígio. O fato de o psicólogo restringir-se à tarefa pericial de definir o “m elhor” genitor revela aí suas limitações, pois não contribuí para um a melhor qualidade das relações entre as partes litigantes, tam pouco coloca em xeque a lógica adversarial pre sente nos encam inham entos jurídicos. Em função do enfrentam ento que se impõe, a lógica adversarial favorece o aumento de tensão entre os ex-cônjuges, sem desfazer o entendimento habitual de que ao final do pro cesso há sempre vencidos e vencedores (Brito, 1999a).
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A sugestão do psicólogo ao juiz deve contar, o m áximo possível, com a- participação da. família, retirando-as do papel passivo a que são freqüentem ente relegadas no processo de pe rícia. P ara tanto, deve-se privilegiar os recursos subjetivos, seja a partir da tem ática do sujeito,-seja a partir do sistema relacional da família, para a orientação e o encam inham ento dos impasses. Tais observações fazem perceber a necessidade de o psicó logo am pliar seu raio de ação p ara além -da perícia tccnica. Vejamos então outras linhas de atuação.
Possibilidades e limites da intervenção psicanalítica: a importância da fala, o laço conjugal, a questão do desejo Pereira (2001), advogado especialista em D ireito de F a mília, reconhece as contribuições que a psicanálise oferece a essa m atéria. N um a pesquisa sobre a jurisprudência na m aioria dos Estados brasileiros, o autor aponta para os elementos de um a “m oral sexual” que p erm eia os julgam entos em D ireito de Fam ília, com provando o envolvimento dos valores de cada julgador na objetividade dos atos e fatos jurídicos: O julgador, quando sentencia, coloca ali, p a ra a solução do conflito, não só os elementos d a ciência juríd ica e da técnica processual, m as tam bém toda u m a carga de valo res, que é variável de juiz para juiz (Pereira, 2001: 250).
Sendo o D ireito de Fam ília um a tentativa de organizar ju rid ic a m e n te as relaçõ es de afeto e 'suas co n seq ü ên cias patrim oniais, Pereira contrapõe à m oral-sexual a necessidade de repensar os paradigm as do Direito a-partir da psicanálise. C om efeito, considera im portante lançar m ão dos conceitos de sujeito, sexualidade e desejo:
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1. O sujeito do D ireito é aqueíe que age consciente de seus direitos e .deveres e segue leis estabelecidas em um dado o rdenam ento jurídico; p a ra a Psicanálise, o sujeito está assujeitado às leis regidas pelo inconsciente. Afinal as m ani festações e atos conscientes que tanto interessam ao Direito nãcTsão predeterm inadas pelcTinconsciênte?~2rPara o D ireito Penal, os crimes de n atureza sexual são tipificados e investigados buscando-se sua m aterialidade. Por isso, a sexualidade p a ra o D ireito tem sido sem pre genitalizada, como expresso no Código Penal (...), que se utiliza sempre da expressão ‘conjunção carnal’; p a ra a Psicanálise, a se xualidade' é da ordem do desejo. Pode o D ireito legislar so bre o desejo, ou será o desejo que legisla sobre o D ireito? (Pereira, 2001: 22).
P ara que tais conceitos se articulem ao cam po da prática analítica, é necessário que as pessoas se ponham a falar. A psi canálise é um a experiência discursiva. Seguindo esse raciocí nio, Suannes (2000) propõe que se devolva a fala à pessoa e aos processos inconscientes que subjazem ao processo judicial. P ara tanto, convém elucidar as relações entre as deter m inações inconscientes e a form alização da ação judicial. Senão vejamos. N um litígio, os oponentes são incapazes de resolver o conflito p o r conta própria, de tal m odo que re correm a um terceiro, no caso, a autoridade judicial, com ob jetivo de satisfazer as suas exigências. A form alização dessa dem anda ao juiz exige que a fala de cada sujeito envolvido no conflito seja representada pelo advogado que, por sua vez, fala de acordo com a lógica do discurso jurídico. R em ontando o discurso de acordo com a lógica jurídica, o advogado dem onstra que:os interesses de seu cliente estão am parados na lei, ao m esm o tem po èm que responsabi liza o outro pela ação ou om issão; geradora do conflito. H á nessa passagem , da vivência de insatisfação do sujeito à e n u n ciação do seu problem a n u m a lógica jurídica, um a m udança
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•na configuração do conflito, em que o discurso de insatisfação cede lugar ao discurso de m erecim ento. A re-configuração do conflito nos moldes jurídicos não deixa de gerar certos impasses, especialmente nas Varas de ~Fãmília“ onde_a~natureza-do-víncuio-ent-r-é-as-pessoas-é-suficiente p ara resistir a qualquer resolução judicial: Nas ações de V ara de Família, (...) o ato jurídico não terá com o conseqüência o rom pim ento dos laços psicológicos das pessoas envolvidas e, no caso de haver filhos em co m um , não levará ao afastam ento,concreto e não im pedirá a participação de um na vida do outro. Devido à natureza do vínculo existente entre as ‘partes’, (...) os problem as explicitados nos autos são, freqüentem ente, deslocamento de questões que não encontraram outra via de representa ção. A m edida que o aparente problem a é resolvido, o conflito se coloca eni outra questão, reacendendo o impasse. Este constante deslizam ento de conflitos leva à cronificação do litígio, (Suannes, 2000: 94) •
Seguindo esse raciocínio, a autora sugere que o objetivo prim eiro seja “realizar um m ovim ento de direção contrária na estruturação do problem a jurídico” (Suannes, 2000: 96), ou seja, fazer falar o sujeito e não seus porta-vozes, O simples encam inham ento das partes p a ra o estudo psicológico por si só já tem papel im portante, à' m edida que nom eia a natureza do problem a em pauta. Isto é, atribui o “estatuto de psicológico a algo que é vivido pelas famílias como um problem a jurídico, concreto e externo a cada um deles” (Suannes, 2000: 95). U m a vez encam inhado o estudo psicoló gico, a “questão não se coloca como oposição entre dois pólos, ou seja” , afirm a Suannes, “não se trata de um conflito de inte resses no qual o vínculo com o pai exclua a mãe de seu lugar, ou vice-versa” (Suannes, 2000: 96).8
u C on vém observar que o encam in ham ento psicológico não é por si só sufi-
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O rientado por urna escuta analítica; não cabe ao psicó logo avaliar qual genitor é>m erecedor da guarda ou da visita aos filhos, ou, tampouco, detectar qual deles estaria mais apto para exercer as funções parentais, e sim com preender que “a questão que faz aquela família sofrer e pedir ajuda no Judiciá rio não é, muitas vezes, aquela que está configurada nos autos” (Suannés, 2000: 96). Evidentemente, a relação entre o método analítico e. as circunstâncias de um a ação judicial não é sem dificuldades. Barros (1999) adverte que num processo litigioso, ao contrário do que pressupõe a regra técnica fundam ental da psicanálise, o sujeito não fala o que lhe vem à m ente e sim o que pode favorecer a sua causa. Ao mesmo tempo, preocupase em não dizer o que pode ser usado contra ele mesmo pela outra parte e seus advogados. Com efeito, tal depoim ento tor na-se prejudicado, '‘pois”, escreve Barros, “o sujeito não está ali num a posição de quem fala de si” (Barros, 1999: 37). E mesmo no caso cm que o sujeito libera sua fala, o psicólogo não pode m anejar os efeitos de sua intervenção após a conclu são de seu laudo.’ Nem por isso Barros considera incom patível a práxis analítica no âm bito jurídico. Ao contrário, é possível prom over a retificação subjetiva em que o sujeito deixa de se queixar do ‘outro pára reconhecer sua participação no conflito, tendo como efeito “separar-se desse outro, perder esse casamento, sem ficar perdido de verdade” (Barros, 1999: 39). Por sua vez, nos casos em que as pessoas não querem ou se sentem impedidas de falar, resta somente apontar as dificul dades das partes de se reconhecerem ativamente no conflito.
cientc para reconfigurar o conflito. C om o observa Brandão, se “fosse assim, a prim eira reação frente ao psicólogo não seria sem elhante à m anifestada em face do juiz, quando testemunhas e docum entos são m encionados a tor to e a direito” (Brandão, 2002: 50).
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Sâo limites de um a práxis em que o sujeito deve passar do estado de vítima pára. o. de responsável por seus atos e pala vras, cujas determinações inconscientes se impõem à sua reve lia. Se tais pessoas retornam ao Judiciário, envolyidas com. novas querelas familiares, perm ite-se então "avançar um pouco e construir os efeitos da intervenção na vhistória desse sujeito, obtendo mais elementos p ara refletir c construir esse cam po de intervenção” (Barros, 1999:40). Não há previsibilidade sobre o desfecho da intervenção analítica, na m edida em que não cabe ao analista im por os seus próprios ideais. Q uerer simplesmente fazer o bem e desfa zer os conflitos em que as pessoas se em baraçam , supondo com isso resolver a relação do sujeito com seu desejo, é por defini ção impossível. N ão há nada que ensine o sujeito a em pregar seu desejo, de modo que na experiência analítica se obtêm destinos pardeulares p a ra cada dem anda que é form ulada. Seguindo esse raciocínio, a inscrição da psicanálise no campo jurídico produz um a diversidade de efeitos, que vão desde a re-significação do conflito, a resolução dos aspectos processu ais, a dissolução de queixas com um simples gesto de oferecer os ouvidos ou, na pior das hipóteses, nada acontece e continu am-se as disputas familiares (Brandão, 2002). A orientação teórica no interior da psicanálise é que vai definir se a intervenção põe em jogo o casal ou o sujeito, o que tem como conseqüência leituras distintas a respeito do laço conjugal. Puget e Berenstein (1994) tem com o objeto teórico a ‘'estrutura vincular” que se form a no laço conjugal, cujo dom í nio é m arcado por pactos inconscientes, tipologias diferencia das, entre outros aspectos. Em vez de com preender esse espaço vincular como sendo um a relação entre desejo e objeto, os autores definem -no com o um a relação: entre eu e outro, cujo objeto não é assimilável a nenhum a interioridade e sim ao ter ritório do vínculo estabelecido pelo casal.
O casal então é (...) um a estrutura vincular entre duas pes soas de sexo diferentes, isto é, um a relação intersubjetiva estável enlre um ego e um outro ego, onde tem cabim ento o m undo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo, por sua vez, ocup a um a área diferenciada da estrutura, objetai (Puget e Berenstein, 1994: 18).
O bservam os autores que o casal não é somente a ori gem virtual de um a nova família* mas o desprendim ento da fam ília de origem, donde provêm as identificações e a trans missão dos desejos parentais. A form ação de um novo casal pressupõe a resolução trabalhosa, .nem sem pre acabada, de desenlace dos vínculos familiares. A idéia de pertencim ento contínuo à cadeia de gerações pode ser no casal fonte de p ra zer ou angústia, gerando um a série de conflitos que podem resultar na separação. E dado seu caráter de contrato inconsci ente, pode ocorrer de, na separação, os sujeitos saberem o que desejam fazer, m as não de quê ou de quem se separar (Puget e Berenstein, 1994). P or sua vez, no ponto de vista lacaniano o que está em jogo na escuta analítica não é o casal, o laço conjugal aí esta belecido, e sim o sujeito (Pereira, 1999). Nessa perspectiva, o laço conjugal configura-se tal como um a form ação sintom ática na m edida em que pretende fixar o objeto causa do desejo, cuja tarefa é1impossível. A promessa de realizar o impossível insinua-se toda vez que no casal o parcei ro se faz objeto de desejo do outro (Brasil, 1999). N ã o :há obje to capaz de satisfazer integralm ente o desejo. Desejo é por definição desejo de outra coisa, tornando-se quase inevitável que ele se alim ente do que está fora da conjugaliclade (Melman, 1999). O que evidentem ente não significa que o laço conjugal seja impossível, desde que se leve em conta a dimensão da falta que está na base do desejo. A dim ensão do desejo tam bém é fundam ental p a ra a criança ter um acesso norm ativo à sua posição sexual.
O ra , sabe-se que o nascim ento de um a criança gera m udanças na tram a familiar. Ao mesmo tem po em que ela une o pai e a mãe, ela os separa, introduzindo um a divisão não somente entre o casal, mas no próprio campo do desejo (Miller, ■— 1998)—-------------------:------------------— --------- ----------------=— -— C om o nascimento da criança, o pai angustia-se em face do desejo da mãe: “Q ue quer ela então?” “Q uem sou eu, pois, p a ra ela?” (Miller, 1998: 10), cujas interrogações não devem obstruir o .consentimento de que o desejo feminino é sempre enigmático. D o lado da mãe, se a criança é requerida a preencher a falta em que se apóia o desejo feminino, ela fica, como diz Lacan, num a relação dual “aberta a todas as capturas fantasmáticas” e “torna-se ‘objeto5da m ãe” (Lacan, 1998: 1). Ao con trário, a criança deve dividir a m ãe, de modo que deseje outras coisas além dela: “òs cuidados que ela”, a mãe, “dispensa à criança não a desviam de desejar enquanto m ulher” (Miller, 1998: 7). D ependendo de como se inscreve o desejo na relação entre a m ãe e a criança, a ação do analista se torna mais ou m enos facilitada. T ais conceitos devem nortear o psicólogo cuja prática seja inspirada na psicanálise. N ão obstante, deve o mesmo perm anecer alerta para os riscos de tal aparato conceituai estar a serviço de mecanismos disciplinares que, articulados à instituição judiciária, visam a “norm alizar o quotidiano, fixar papéis sociais e regular relaci onam entos” (Brandão, 2002: 38). Mais do que acreditar que o desejo, a sexualidade e o sujeito estão na origem dos conflitos judiciais, cabe ao psicólogo interrogar, ao lançar m ão de tais conceitos, se ele não atende às estratégias persuasivas de po der. P ara tanto, basta incitar cada “sujeito” a decifrar os con flitos entre sexualidade e aliança, sem se dar conta de que está reforçando a tutela sobre as famílias (Brandão, 2001).
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Isso é um problem a que não concerne somente à psica nálise, mas às .práticas psicológicas em geral, de m odo que retornarem os a esse ponto ao final do texto.
Mediação familiar: a diversidade de práticas, a diferença em relação à arbitragem e à conciliação, o paradigma de entendimento mútuo, as experiências dos tribunais brasileiros N um outro enfoque, a prática de m ediação, im plantada em diversos países e recentem ente no Brasil, é inform ada por diversas teorias e técnicas, tendo em comum o objetivo de de volver ao casal a com petência p ara gerar a própria solução do conflito. Alguns juristas adm item que, em certas áreas judicativas, o tradicional processo litigioso não é o m elhor meio para a reivindicação efetiva dos direitos. Entende-se então que o m o vimento de acesso à justiça encontra razões para cam inhar em direção a formas alternativas de resolução de conflitos, entre elas, a mediação. Preservando a relação, n a m edida em que trata o litígio como perturbação tem porária e não com o ruptu ra definitiva, tal procedim ento é mais acessível, rápido, infor mal c menos dispendioso (Krüger, 1998). O entendim ento sobre a resolução de conflitos em V a ras de Família comparece na exposição de motivos que o Ilus tre Corregedor-G eral de Justiça do Rio de Janeiro escreve, no Diário Oficial datado em 11 de novembro de 1997, p ara a abertura do I concurso p ara o cargo de psicólogo no T ribunal de Justiça; P erante as V aras de Família, tam bém se faz necessária a presença dos psicólogos porque existem causas onde o con flito entre' o casal litigante, devido a sua profundidade, atinge ■ os filhos. (...) Através de entrevistas com as partes e com os
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filhos destas, o serviço de psicologia poderá auxiliar ate c u m a com posição amigável do litígio, restabelecendo a h a r m onia entre as partes e, talvez, prom ovendo um a m udan ça de m entalidade dos pais em relação aos filhos,
Nos Estados Unidos, a p artir de 1974, tem-se registro dos prim eiros trabalhos de m ediaçãocòm o sendo um a alterna tiva p a ra lidar com as seqüelas do divórcio e de suas disputas baseadas no antagonism o, como vimos acima, entre vencedor e vencido. N o C anadá, existem serviços de m ediação desde os anos 70, cuja prática entra na legislação relativa ao divórcio em 1985. Por sua vez, a C hina aplicada m ediação desde 1949, tanto em nível patrim onial como familiar, reduzindo conside ravelm ente o núm ero de casos que chegam aos tribunais como litígio. O recurso da m ediação é tam bém desenvolvido em países como França, Israel, Austrália, Japão, entre outros (Vainer, 1999; Curso, 2000). N a A m érica do Sul, a Colôm bia, a Bolívia e â A rgentina antecederam o Brasil no em prego das resoluções alternativas de disputa. Som ente no início dos anos 90, a m ediação ingres sa no Sul do país, tendo sido fundada em 1994 a m atriz da. instituição brasileira mais antiga de que se tem notícia - o Ins tituto de M ediação e A rbitragem do Brasil (IMAB) - cuja sede é em C uritiba, no Paraná. Desde então, tal recurso passou a ser em pregado em instituições privadas, chegando às públicas, em particular, a p artir das Defensorias Públicas. H á hoje em dia u m Conselho N acional das Instituições de M ediação e A r bitragem — CONIMA, fundado em 1997 (Curso, 2000). D e m odo geral, a m ediação pode envolver todos os pon tos do divórcio ou se lim itar som ente às questões da guarda da criança e de sua visitação. A m ed iação p o d e ser tam bém públi ca, privada ou ambos. Alguns program as de m ediação exclu em os advogados das partes, enquanto outros estimulam essa participação. Algumas práticas são liberais e não diretivas, en quanto outras são mais restritivas e condutoras (Vainer, 1999).
C ostum a-se ap o n tar que m ediação não é igual à arb itra gem ou conciliação. ; N a arbitragem , a solução é decidida por um terceiro, ao qual as partes se subm etem . N a conciliação, um terceiro auxiTlia-a-m anter-ou-restabeleeer-a-negoci ação-entre-os -oponentes reduzindo as anim osidades, opinando e sugerindo novas alter nativas. O conciliador atua diretam ente no conflito, visando ao acordo entre as partes. P o r sua vez, na m ediação o terceiro tam bém ajuda a com por a negociação, com a diferença de que as partes devam ser autoras das decisões. O m ediador atua mais com o facilitador do que interventor ativo, restabelecendo o diálogo p a ra que surjam das partes as possibilidades de en tendim ento e desfecho do conflito, i Ao contrário das outras práticas, a m ediação deve incidir m enos sobre o acordo do que o resgate de um canal de com unicação entre os oponentes (Curso, 2000).
Negociação
- vVkWÇ ’'r; Hl" 1‘. ’-'Q uando ,a ls ^ m “im pàssé .difiçúltá a'fíçgbciáçad.su / e,,um terceiro ^ipolia; a^mante-Ja.oU' a-restabelece-:^ i-\ía,r' âesd-Ç' 'que-âslíváfiès .sejáifí fautores ^das*:déci^
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Evidentem ente, os propósitos da m ediação diferem de acordo com o país onde ela é praticada. Se o m étodo norteam ericano reduz a m ediação unicam ente à resolução de con flitos, a ponto de ser colocada lado a lado com a conciliação e a arbitragem com o um a das formas alternativas de julgam en to, a linha francesa não busca o desfecho im ediato do conflito. Ao contrário do que recom enda o pragm atism o norte-am eri cano, a perspectiva francesa supõe que o m ediador deva criar co n d iç õ e s p a ra que os a n ta g o n ista s se q u estio n em e se reposicionem no conflito, visto este m uitas vezes como sendo positivo e não como algo a ser extirpado^Six e Mussaud, 1998).9
9 D o s E stados U n id o s da A m érica p rovém u m grande núm ero de estudos relativos à psicoterapia de casal e de sua necessidade no decorrer do proces so ju d iciário, sen d o um a obrigação social o atendim ento a situações traum á ticas relacionadas à separação. M as de um a m aneira geral o foco prende-se aos p roblem as adversariais ou à necessidade dd' entendim ento m útuo sem que sejam verificadas tentativas de sistem atização clínica das determ inações psíquicas d o problem a, e desse m od o, a atenção acaba se concentrando nas con seq ü ên cias e nas técnicas para rem ediá-las (Vainer, 1999).
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Pode-se dizer que a diversidade de concepções e práticas rcúne-se à luz de um a m udança de paradigm a, em que .o en tendimento m útuo deve prevalecer sobre o antagonism o entre as partes. A figura do m ediador busca a resolução das contro vérsias de forma pacífica, evitando o litígio e indo ao encontro de acordos que as partes possam com por entre si. Nessa pers pectiva, o m ediador evita fazer imposições e traz à discussão apenas o que o casal quer negotiiar, orientando e buscando idéias que facilitem a construção de um compromisso favorá vel aos antagonistas. Ao mesmo tempo, o m ediador deve ter o cuidado de não se deter na análise das determinações psíquicas do conflito do casa!.. Se não se esquivar dessa tarefa, ele corre o risco dc prolongar o atendimento para além do tempo disponível no judiciário, além de dar um caráter terapêutico sem garantir a resolução dos acordos necessários p ara o fim do litígio. Na m edida em que o m ediador está atento aos proble mas de ordem afetiva, assinalando a im portância das decisões, do casal e prevenindo-os sobre as conseqüências que elas acar retam , ele deixa os advogados livres para concretizar os acor dos em term os jurídicos. Em outras palavras, a m ediação encoraja os oponentes a sé envolverem diretam ente nas nego ciações enquanto libera o. advogado para o suporte legal neces sário, que muitas vezes não consegue fazer com que o cliente o ouça quanto áos prejuízos de sua postura (Vainer, 1999). Semelhante preocupação em devolver às famílias a res ponsabilidade pelo desfecho do litígio faz parte tam bém da rotina do Serviço Psicossocial Forense (SERPP), vinculado ao T rib u nal de Justiça do Distrito Federal. Com preendendo que o divórcio não é o fim da família e . sim o início de um a organização bi-nuclear, em que os pais são co-dependentes, mesmo separados, na tarefa de criar os filhos, a equipe interprofissional do SERPP tem como im perativo a distinção entre parentalidade e conjugalidade. Assim, ela evita
que um m em bro da família avalie a com petência parental do outro pela competência, conjugal. Som ente com o “divórcio • psíquico”, torna-se possível “ajudar os filhos a aceitar o divórçio dos pais e estimulá-los a m anter um contínuo relaciona m ento com am bos os cônjuges’’ (Ribeiro, 1999: 165). ^ ^ .N u m a abordagem 'sistêm ica," büsca-sè^então^compreen^ der. a/dinâm ica rclacionaLque deu origem ' ao litígio e o papel de-cada m em bro .do grupo fàmiliarTna,perpetuação_da crise. È ' ’■'W im p o rtan te,q u e cada m em bro^com preenda- seu^papebem; tal ^.dinâm ica e experim ente situações-que sugiram -m udanças. A equipe do SERPP realiza tam bém entrevistas com os advogados das partes, sendo considerados peças chave p ara a reorganização do sistema familiar. Ao final, faz-se um relatório que, em vez de apresentar sugestões formuladas unilateralm ente pelo profissional, expõe as que foram construídas pela família (Ribeiro, 1999). O Judiciário gaúcho tem feito tam bém im portantes in vestimentos na m odernização do sistema de acesso à Justiça, através de estruturas como os Juizados de Pequenas Causas, os Projetos de Conciliação e, por fim, o Projeto de M ediação Fam iliar, im plantado em 1997, através do Serviço Social J u d i ciário (SSJ) do Foro C entral de Porto Alegre. Esse último projeto trabalha com 'processos encam inha dos pelo Projeto Conciliação em Fam ília, tratando-se dc ações que estão ingressando no Judiciário e, portanto, ainda não inseridas totalm ente no modelo adversarial. As famílias partici pam inicialm ente dc um a audiência de conciliação e não ha vendo consenso são informadas pelo Ju iz sobre a possibilidade de optarem pelo processo de m ediação, dividido em etapas que « se iniciam com encontros multifamiliaresj passam p o r encon tros individuais e term inàm com a construção do entendim en to (K rüger, 1998). ■ ^ M esm o acenando-se a m ediação com o um a prática de profundo interesse do Judiciário, vêem-se pouco problem atizadas
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as relações de poder entrevistas num a certa pedagogia que ela parece im plicar, a saber, de que a prevalência do entendim en to m útuo e do “sentir-se bem ” cm oposição' às paixões e ao sofrim ento perm ite ensinar pais e filhos a controlar suas ações, aperfeiçoar suas capacidades e diminuir a capacidade de revolta.
Os impactos do divórcio, os acordos em relação aos filhos, a nioburocratização das visitas, os pontos de reencontro Faz-se necessário n o tar que é m uito com um a desorien tação do casal e da fam ília após a separação, im pondo-se a cada um a busca de parâm etros p a ra se situar diante da nova situação. O desnorteam ento após a separação foi constatado na pesquisa do Califórnia Children o f Divorce Project, o que m otivou os profissionais a prom overem encontros sistemáticos com .os pais e os filhos (W allerstein e Kelly, 1998). O divórcio é o ápice de um processo que se inicia com um a crescente perturbação do casam ento e, após sua concreti zação, dem oram -se anos até que os ex-cônjuges consigam con quistar u m a estabilidade em ocional, O problem a é que um período de tem po que pode p arecer razoável p a ra os adultos corresponde a u m a p arte significativa da experiência de vida da criança. O s filhos vêem-se com pouco .controle sobre as m u d an ças im postas pelo divórcio. M uitos não têm somente dificulda de p a ra se ajustar a novos locais de,residência ou à queda da situação econôm ica, m as tam bém ao colapso do apoio e da pro teção que até então esperavam encontrar na família. C om o divórcio, há um a dim inuição da capacidade parental. Os pais passam a focar m ais atenção em seus próprios problem as, tor nando-se m enos sensíveis às necessidades dos filhos. Ao m esm o
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tem po, relutam ou .revelam um a inabilidade p ara explicar a eles a situação que estão vivenciando.' Os filhos sentem-se vulneráveis, rejeitados, culpados, so litários, sendo muitas vezes usados, p ara agravar a situação, -como-suportc-emocionahde^uiTrou-ambos os genitores, responsabilidade p a ra a qual não se sentem prontos p ara assumir. Não é por m enos que a criança concentra amiúde seus esfor ços p ara reverter a decisão do divórcio o restaurar a harm onia familiar, sem contudo lograr êxito. ■ ' Em face desse panoram a, os pesquisadores decidiram incluir um program a de intervenção breve destinado a propor cionar atendim ento psicológico e recom endações sociais e edu cacionais p a ra as famílias com dificuldades de elaborar a situação de divórcio (Wallerstein e Kelly, 1998). H á outro projeto institucional nos EUA - Famílias em Divórcio - desenvolvido por terapeutas de família e de casal des de 1978, que visa a dar atendim ento e suporte-as famílias em que o divórcio já ocorreu ou está em vias de ocorrer. Atendese inicialm ente os ex-cônjuges em separado, até o m om ento de se sentirem seguros o suficiente p ara a sessão conjunta. U m a vez ocorrida tal sessão, há um a avaliação em encontros nova m ente individuais, reforçando os êxitos conseguidos e estimu.lando novas tentativas de diálogo. A discussão a respeito dos filhos é um ponto fundam ental p a ra a elaboração do divórcio e a organização da família. O trabalho com os filhos é um dos pontos mais im por tantes desenvolvido no projeto, por meio dos quais se diiui a postura destrutiva dos pais, lida-se m elhor com as dificuldades da separação e são fortalecidos os vínculos fraternos, tornando no fim das contas.o processo de m udança familiar menos dolo roso. De inspiração sistêmica, os autores de tal projeto obser vam que as querelas entre as partes não provêm do processo de divórcio em si e sim dos antecedentes matrimoniais, não
sendo a separação mais do que a continuação dos conflitos enraizados na união do casal. De diferentes tipos de casam ento resultam diferentes tipos de divórcio (Isaacs a p u d V ainer, 1999). Deve-se atentar igualmente p ara a regulam entação de visitas, evitando-se modelos rígidos e preconcebidos de relacio nam ento que, ao fmal, possam criar dificuldades p ara o genitor descontínuo acom panhar e participar do desenvolvimento dos filhos. A burocratização das visitas tem o risco de criar um a rotina às vezes inteiram ente diferente do tem po subjetivo da criança. Françoisc Dolto (.1989) adverte que a percepção infan til do tempo cronológico é diferente da percepção do adulto. Com efeito, convém ao psicólogo prom over, ju n to aos demais profissionais, acordos de visitas quepossam m anter, como é de direito, o estreito relacionamento da criança com seus pais. P ara tanto, é recomendável que o tribunal informe tam bém nas audiências sobre a necessidade de visitas do genitor, escla recendo e ajudando na definição e execução dos acordos refe rentes aos filhos (Brito, 1999a). Alguns genitores acabam desaparecendo da vida de seus filhos por não suportarem os constantes desentendim entos cóm o ex-cônjuge e não concordarem com o papel de visitantes a que são relegados. M uitos tam bém não suportam pegar os fi lhos na casa que um. dia j á foi sua, o que indica a .im portância de um outro local para a visitação dos filhos. N a França, a preocupação em proporcionar à criança o encontro constante com os dois genitores levou à criação de estabelecimentos chamados dc “pontos de reencontro53. Lançase m ão desse recurso somente quando não é possível a atribui ção da autoridade parental conjunta, cuja concepção veremos adiante, ou quando um dos genitores é impedido judicialmente de perm anecer sozinho com a criança. Os “pontos de reencon tro” são então lugares onde podem ocorrer visitas supervisio nadas por especialistas, ou ainda um local “neutro”, onde a
criança é deixada por um dos pais e pega pelo outro que lhe visita (Bastard-e t'C árdia apud Brito, 1999a). A necessidade de garantir à criança o direito de convi vência com ambos os pais é tam bém objeto de preocupação na Suécia, onde há um projeto de "conversas cooperativas”. D e senvolvido com ex-cônjuges e profissionais qualificados, o p ro jeto consiste em esclarecer e prom over a prática de custódia conjunta, obtendo êxito na m aioria dos casos atendidos (Saldèen, apud Brito, 1999a).
Guarda compartilhada e novo código civil; as experiências em outros países, o reforço da responsabilidade parental o fim da falta conjugal e do pátrio poder A custódia conjunta é um dispositivo jurídico que está relacionado, ao direito inalienável da criança de m anter o con vívio fam iliar, consagrado, como vimos acim a, na Convenção Internacional. A criança tem o direito de ser educada por seus dois pais, salvo quando o interesse torna necessária a separa ção, E m outras palavras, o direito prevalece sobre a noção de interesse, m as não o exclui. Seguindo esse raciocínio, a legislação de alguns países estabelece que o exercício da autoridade parental seja conjun to após a separação conjugal, não sendo indicada nos casos cm que o interesse da criança aponta p ara a necessidade de guar da m ono-parental (Brito, 1999). N a França, por exemplo, a legislação estabelece que o J u iz deve p rio riz a r o exercício em cbm um da autoridade parental, m esm o nos casos em que a separação não é am igá vel. Por sua vez, a autoridade unilateral'só deve ocorrer nos casos que atendam aos interesses da criança. Observa-se tam bém que, em 1993, o term o “guarda”, ju n to ao Direito de
Fam ília Francês, é substituído pelo de “exercício da autoridade parental conjunta” , n a m edida em que aquele causava muitos conflitos. O genitor que possuía a “guarda” era considerado detentor__de_todos. os direitos sobre a criança, de m odo que, com a troca do vocábulo, é esperada um a nova atitude dos genitores (Brito, 1996). N a Suécia, desde 1973, o cqnceito de guarda conjunta abrange todas as questões relativas a pessoa da criança. Desse m odo, atribuir ao pai, que não possui a guarda oficialmente, um direito ou dever de visita é considerado como limitação ao direito de tom ar decisões no que diz respeito à criança (Brito, 1996). O dispositivo de guarda conjunta, ou com partilhada, tem o objetivo de reforçar os sentimentos de responsabilidade dos pais separados que não habitam com os filhos. Privilegia-se a continuidade da relação da criança com os dois genitores que, sim ultaneam ente, devem se m anter implicados nos cuidados, relativos aos filhos, evitando-se, como conseqüência da separa ção conjugal, a exclusão de um dos pais do processo educativo de sua prole e a conseqüente sobrecarga do outro. C onvém notar que tal dispositivo é. inteiram ente distinto do de guarda alternada, em que a criança passa períodos alter nados na com panhia dos ex-cônjuges. D olto (1989) afirm a que a guarda alternada é prejudicial até os doze ou treze anos de idade, um a vez que a quebra de um continuum espacial-social-afetivo leva a criança à dissociação, à passividade e a estados de devaneio. Não por menos, a guar da alternada foi proibida n a F rança em 1984. P or sua vez, não se trata na guarda conjunta do desloca m ento p o r parte da criança entre as casas de seus pais ou qual quer outro esquem a rígido de divisão igualitária de tem po de convivência. Ao contrário, as decisões sobre problem as médi cos, escola, viagem, religião, etc. são tom adas por ambos os genitores, enquanto a criança habita com um deles.
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Observa-se que a guarda com partilhada, como os outros modelos, não é panacéia para todos os conflitos-familiares. Como observa Filho (2003), ao m esm o tem po em que ela é benéfica para pais cooperativos, ela pode não funcionar p ara outras fa mílias —C ontru do - a-gu arda-com p ar-tilhada-tem-a-vantagem-d e— ser bem -sucedida mesmo quando o diálogo entre os pais não é bom, m as que são capazes de discrim inar seus conflitos conju gais do exercício da parentalidade. E nquanto nesses e noutros países,'com o os Estados U ni dos, a H olanda e a A lem anha, por exemplo, a visão da criança como sujeito de direitos-promoveu alterações na própria legis lação referente ao D ireito de Fam ília,' no Brasil não houve modificação significativa na referência ià guarda de filhos de pais separados. C om a vigência do "Novo Código Civil”, em janeiro de - ' 2003, que substitui o Código Civil de 1916, o critério de falta conjugal na definição da guarda é definitivamente revogado, sem que, por sua vez, tenha sido contem plado o instituto de guarda conjunta. Em outras palavras, cai por terra a falta conjugal mas permanece a guarda mono-parental. Se antes com a Lei do Divórcio, como vimos acima, no artigo 10, a m ãe ficava com os filhos em não havendo acordo e sendo ambos os genitores responsáveis.pelo fim do casam en to, com o Novo Código a guarda é atribuída a quem revelar m elhores condições p ara exercê-la (art. 1.584). Desse modo, as regras de cessão dai guarda estão diretam ente vinculadas aos interesses da criança e do adolescente. O bjeto de críticas desde sua vigência, o Novo Código não form ula nada sobre assuntos como união entre homosse xuais, clonagem , insem inação artificial, proteção do sêmen, barriga de aluguel, transexualismo, exàme de DNA para inves tigação de paternidade, entre outros. Por sua vez, a legislação inova ao reduzir o grau de pa rentesco até quarto grau, legitim ar a falta de am or como mo-
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tivo para pedir a separação sem perda do' direito de pensão3 conceder efeito civil ao casamento religioso em qualquer culto, estabelecer a igualdade absoluta de todos os filhos, incluídos os adotados, abreviar a m aioridade civil de 21 para 18 anos, ne gar o adultério como causa preponderante na separação, entre outros aspectos. • O Novo Código põe fim ao pátrio poder, cujo conceito cede lugar ao de poder familiar (art. 1.631). Com efeito, o poder é estendido à mãe, pressupondo â divisão da responsabilidade na' guarda, educação c sustento dos filhos. Ê se houver diver gência entre m arido e mulher, não prevaleee a vontade do pai, sendo o Judiciário que concede a solução. Estabelece1ainda no artigo 1.632 que a separação judici al, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações .entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos prim eiros cabe de terem em sua com panhia os segundos. Atualmente, encontram -se três projetos de lei em tram i tação no Congresso que prevêem a guarda com partilhada, re presentando um a"nová m odalidade na posse dos filhos1•com divisão m útua de tarefas e responsabilidades.10
10 A proposta do projeto dc Ici do D epu tado Federal T ildcn Santiago, do P T /M G , que altera os artigos 1583 e 1584 do novo C ódigo Civil e institui a guarda com partilhada, foi protocolada no dia 24 de janeiro de 2002 junto ao Senador R ainez T eb ct, Presidente da Com issão R epresentativa do C on gresso N acional. N o dia 18-de março dc 2002, o D epu tado Feu R osa apre sentou outro Projeto de Lei para instituir a guarda com partilhada, e no dia 07.11.2002 o D epu tado Ricardo Fiúza apresentou nova proposta para ser discutida nò Congresso. T odos os projetos encontram -se em tram itação no C ongresso N acional.
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O m odelo.de família n a legislação brasileira não é.refle xo das relações vivenciadas em toda a extensão da sociedade, muito mais heterogênea do que a lei pode pretender, e sim a codificação nascida da preocupação do Estado em reconhecer, nos termos legais,' os laços familiares, a definição do poder marital e paterno, a regulam entação do regime de bens. Ao regular as relações .entre pais e filhos, m arido e m ulher e'dependentes de vários matizes, e ao organizar a estrutura do casam ento e do regim e dc bens, o legislador cum pre um a função não só normativa, mas, principalmente, valorativa, que codifica ao nível do D ireito o lugar que cada m em bro da família e do casal deve ocupar (Alves e Barsted, 1987). Por sua vez, no plano das práticas, isto é, ao serem apli cadas, as leis apóiam e são apoiadas por m icropoderes, perifé ricos ao sistema estatal, que penetram no lar doméstico, invadem o quotidiano e se multiplicam sob a form a de práticas médicas, terapêuticas, sociais e educadvas (Foucault, 1997; Fonseca, 2002). H á um a colonização recíproca entre o Direito e as p rá ticas de disciplina e norm alização. Ao mesmo tem po em que a legislação absorve valores im anentes às práticas de norm aliza ção m édica ou psicológica, entre outros saberes, ela serve de vetor e suporte para procedim entos de vigilância, controle e exame irredutíveis às regras de Direito e suas respectivas san ções (Foucault, 1997; Fonseca, 2002). A doutrina da proteção integral e a prevalência do inte resse da criança na definição da guarda fazem surgir a neces sidade de subsídios psicológicos, entre outros saberes, p ara a decisão judicial. C ontudo, a restrição do psicólogo ao papel de perito não fa 2 mais do que perpetuar o conflito que perm eia a m aioria das ações judiciais, im pondo prejuízos emocionais sobretudo p ara os filhos envolvidos.
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O bservam -se outras possibilidades-de atuação que pos sam prom over arranjos mais benéficos entre os familiares, além de atender aos interesses objetivos, da instância judiciária. São inegáveis as contribuições que a prática psicológica põdêTõferecer a essa"matéria^d 0~Direit07"haja_vi.sta_a_dificulda-de de se ab o rd ar hoje em dia as relações hum anas como se fossem determ inadas pela objetividade jurídica (Pereira, 2001). T odavia, não se deve perder de vista que o saber psico lógico aplicado às V aras de Família não é isento das relações de poder, cabendo interrogar se ás práticas que visam a resol ver os impasses do quotidiano fazem proliferar mecanismos de tutela cada vez mais sofisticados e menos visíveis.
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Lidia Natalia Oobrianskyj Weber Fontes históricas, assim como mitos e lendas, m ostram que a adoção é um a instituição com séculos de existência. Desde as prim eiras civilizações, costumava-se adotar um a criança como um a form a de m anutenção da família ou para perpetuar o culto ancestral doméstico. O objetivo principal desta m edida não era necessariam ente “proteger a criança”, pois a filosofia do "m e lhor interesse p a ra a criança” tem origens recentes em todo o m undo. N o passado, a adoção tinha somente o objetivo de ser Aim instrum ento p a ra suprir as necessidades de casais inférteis c não com o úm m eio que pudesse dar um a família p ara crian ças abandonadas; Está m odalidade de adoção é conhecida como “adoção clássica”, e ainda hoje, no ’B rasil, este tipo de adoção . predom ina em detrim ento da cham ada “adoção m oderna” cujo objetivo é garantir o direito a toda criança de crescer e ser educada em um a família. O conceito de adoção tem variado ao longo da história, tanto de m aneira legal quanto de m aneira informal. Do con ceito jurídico de “obtenção de um filho! através "da Lei’^ até a ■^“adoção com reais vantagens.para a .criança” do nosso Estatu to da C riança e do Adolescente (EÇA, 1990), um longo cami nho foi percorrido em todo o m undo/Transform ar as concepçõe_s jbessoais em basadas em noções jurídicas, sociais e históricas Jé um árduo trabalho d e ' conscientização social,' e nem sempre leis e legisladores são suficientes p a ra a m udança de com porta m ento. '" * *
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Existem diferentes definições de adoção e, entre elas, está a de R obert (1989: 25), para quem a adoção é "a-criação ju rí dica de um laço de filiação-entre duas. pessoas” , sendo que todas as palavras desta definição são importantes: é a criação, através da esfera jurídica, e filiação. No Brasil, é bastante conhe cido o sistema de ‘'adoção” que foge do processo legal, a cha m ada / ‘adoção à brasileira”,8' que ocorre quando um a pessoa registra como seu filho legítimo um a criança nascida.de outra mulher. A adoção está em basada em um a realidade biológica, social, psicológica e afetiva, e essa sua m ultideterm inação tor na-a mais complexa, apesar de que, p ara os pais, a adoção significa simplesmente ter um filho (Weber, 2001). Além de fontes históricas tradicionais, mitos, lendas, his tórias em quadrinhos, filmes e novelas tratam do tem a adoção. A cultura através de histórias fictícias perm ite às pessoas elabo rarem situações afetivas que são desconhecidas e temidas ao longo dos tempos, instituindo-se pontes conceituais que lhe fa vorecem a compreensão. Não é possível esquecer que antes da adoção, sempre existe um a história que rem ete ào abandono (mesmo que tenha sido um a ^‘entrega” para adoção) ou a m orte de seus pais, e isso jam ais pode ser esquecido quando se deseja entender a perfilhação (Weber, 2001). M uitos mitos gre gos e romanos tratam deste tema: Hércules, um semideus, foi adotado por Anfitrião que o preparou para a vida como seu filho de sangue; a deusa Atenea adotou Erictônio, um a criança nascida da semente que Hefesto, o guerreiro divino, havia der ram ado na terra enquanto tentava unir-se a ela através da for ça; o épico “Ilíada” de H om ero tam bém traz um a história de adoção; Páris era o filho do Rei de Tróia, Priarno, foi rejeitado ao nascer devido ao medo dos pais de um á maldição dos deu ses, e foi criado por um fiel colaborador de seu pai em um local afastado. N a vida adulta, Páris conhece sua história e procura seus pais genéticos, que acabam por acolhê-lo; a fun dação de R om a tam bém envolve uma história de adoção dos
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gêmeos, R ôm ulo e Rem o, que foram abandonados e “adotados” por um a loba e, posteriorm ente, educados p o r pastores; a his tória de Edipo é um referencial bastante conhecido p a ra a Psi cologia; existem ainda m uitas figuras místicas que pàssaram por fugas, adoções e heroísm o, com o Perseu, H erm es e Pan, entre outros. N a Bíblia encontram os a história de nascim ento e da vida de Moisés, “filho das águas”, retirado do rio pela filha do Faraó, que decidiu criá-lo; a literatura em geral apresenta in contáveis exemplos cle adoções, tais como Tom Jones de H enry Fielding, G randes esperanças de Dickens,-' M onte Cristo de A lexandre D um as, Cosette dos Miseráveis, Hucklebeiiy Finn de M ark T w ain, Les N atchez de C hauteaubriand, entre outros. T am b ém existem inúm eros personagens infantis contem porâneos que exploram o tem a: M ogli, o “m en in o -lo b o ” ; Bam bam é filho adotivo de Beth e Barney no desenho “Os Flinstones” ; “O Rei L eão” trata de questões sobre a origem biológica e sobre o comprom isso assumido pela família adotiva q u e e stã o sim b o liz a d a s n o film e; S u p e r-h o m e m é u m sím b o lo sobre a necessidade dos adotivos de conhecerem suas raízes; “T a rza n ” é um a bela história de adoções especiais, e “Pinóquio” tam bém representa um a bonita simbologia da transform ação de um a criança em filho (para um a revisão mais detalhada de mitos, lendas e histórias, ver W eber, 2001).
A adoção: história e legislação A questão de como lidar com crianças órfas e abando nadas existe há muitos séculos, e desde a Antigüidade, todos os povos conviveram com o problem a do abandono e, conseqüen tem ente, com atos jurídicos p a ra a criação de laços de paren tesco. O mais antigo conjunto de leis sobre adoção foi escrito no Código de H am m urabi, que reflete a sociedade mesopotâ-
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m ica d o j l m ilênio a .C. O mais antigo registro de um a adoção foi o de Sargon I, o rei-fundador da Babylônia, no século 28 a.Ç . B árbaros, os hebreus e os egípcios recolhiam as crianças sem pais e as assim ilavam aos filhos legítimos e, p o r outro lado, •TnHos-os-out-ros-pQvos.-par-ticularrnentc os persas, os assírios, os gregos e os rom anos controlavam a dem ografia com severida de. O pai ou o E stado decidiam se deixavam o recém -nascido viver, ou jogá-lo às ruas, ou m atá-ló. É sabido que na vida ro m an a o, direito à vida era conce dido, geralm ente pelo pai, em um ritual. P ara os gregos a ado ção cra resultado de necessidades jurídicas e religiosas, pois pensavam que um a fam ília e seus costumes domésticos não deviam extinguir-se, e com o a herança som ente poderia ser deixada p a ra um descendente direto, era possível adotar um estranho que se converteria em filho legítimo. Em R om a, o direito de um pai sobre seus filhos era ilimitado, assim com o relatam as leis de Justiniano: \ . são do filho adotado. No ECA houve o avanço p a ra a teoria - da proteção integral èm lugar da m era proteção ao menor em situação irregular. T am bém houve unificação das duas formas de adoção previstas no Código de M enores: a adoção plena e a adoção sim ples, que passam a não existir mais; existe a adoção que é plena e irrevogável e-será; “deferida quando apresentar reais v a h ta -// gens para o adotando e fundar:se ’em ,m otivos legítimos”. O ECA passa a prom over a adoção como prim ordialm ente um ,atò de amorne não simplesmente um a questão dc interesse do adotante. É im portante ressaltar que, com a im plantação do Estatuto da C riança.e do Adolescente, o termo “m en o r” caiu ,
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cm desuso, a partir de m ovim entos de pesquisadores e de defe s a dos direitos (Weber, 2001: 61). No entanto,- apesar dos avanços legislativos, todo o pro cesso jurídico p ara a adoção é considèrado^lento ér burocráti-^ co” pela m aioria dos adotantes, tanto aqueles que passaram pelo processo quanto por aqueles que nunca en traram num Ju izad o da'Infância e da Juventude (W eber e Cornélio, 1995; W eber 2001). A percepção destas dificuldades e “burocracias”, no linguajar dos adotantes, passa a ser, de certa form a, um incentivo p a ra que ocorram ilegalidades na esfera da adoção, acrescidas do fato de que os brasileiros, em geral, querem ado tar bebês da cor branca, cujo núm ero é reduzido p a ra a ado ção (de certa form a porque a m aioria tende a ser acolhido por um a adoção informal). N o Brasil, é bastante difundida a práti ca dc registrar um a criança com o filho legítimo, através de um registro falso em cartório mas que apresenta sanções civis para este tipo de adoção: ■ 1. ^Anulação de registro — na “adoção à' brasileira” , registra-se
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o filho com o próprio, ou seja, nascido daqueles pais. (...) T rata-se de um a simulação e a conseqüência é, desde logo a anulação do Registro Civil que cancela todo ato simulado. 2 ., Perda da criança - m esm o tendo em vista o fim nobre, b' ' ‘-“r* com o o ato im pugnado se revestiu dc iiicitude, pode ocorrer, tam bém , desde logo, a tom ada d a criança dos pais “falsos” ou “postiços”.
% ’V 'Ò 'a r t . 242 do Código Penal estatui: “d ar parto alheio com o próprio; registrar, como seu, filho de outrem ; ocultar recém -nascido ou substituí-lo, suprim indo ou alterando direito inerente ao estado civil. Pena - reclusão de 2 a 6 anos” . Em 1981 foi incluído parágrafo único, que tem a seguinte re d a ç ã o :. “Se o crime é praticado por motivo de. reconhecida nobreza: Pena —detenção de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a p en a”. M esmo dentro desse espírito de “reconhecida
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n o b re z a ”, o ju iz co ndena c im põe a p en a e, em u m segundo m om ento, concede o perdão judicial. O réu n ão cu m p re pena n em se to rn a reincidente, m as h á inscrição do seu norrie no rol dos culpados. Im p o rtan te se faz a contem plação de cam panhas de-eselaredm ento-à-população_e_um a: adequ a d a equipe técnica p a ra lidar com a questão nos Juizados da I n fa n d a e da Ju v e n tude. N a verdade, o que é preciso é um processo m aior de esclarecim ento e conscientização acerca da im p o rtân cia da le galidade do processo de adoção, assim com o a facilitação e desentrave burocrático que ainda reveste a questão do ab a n dono de crianças nas instituições, que passam a ser crianças abandonadas de fato em bora nem sem pre de direito. Além do m ais inexiste um a definição de “ab an d o n o ” no-E C A , o que perm ite que crianças perm aneçam longos anos em instituições, coriíígurando-se em “filhos de ninguém ”, sem condições de reintegração com sua fam ília de origem e sem possibilidade legal dé serem adotados, pois o po d er fam iliar ain d a pertence a seus pais genéticos. Além do mais, parece evidente que o term o “adoção à brasileira” pertence a um tipo de jarg ão pejo rativo, um a m aneira de ironizar o nosso próprio “jeitinho b ra sileiro” : Talvez seja hora de m udarm os essa denom inação; este processo pode ainda.ser cham ado de “adoção direta” ou m e lhor, “adoção inform al” (W eber e Kossobudzki, 1996; W eber, 2001 ). Eni 15 de abril.de 2002 foi decretada a Lei No. 1.0.42 K q u e ' e ste n d e 'à m ãe adotiva o direito à licença-m aternidade, alterando a Consolidação das-Leis do T ra b a lh o , aprovada p e lo , D eereto-Lei No. 5.452, de Io. de maio de 1943, e a Lei No. 8.213, de 24 de julho de 1991, designando a devida im portân cia da constituição da família p o r adoção. U m resum o dessa Lei assegura que: “Art. 392-A., A em pregada que adotar ou obtiver guar da judicial p ara fms de adoção de criança será concedida íicen-
ça-m aternidade nos term os do art. 392, observado o disposto no seu § 5U. § Io N o caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias. '$~2'°~No~caso-de-adoção-Oii,gfuarda judicial de criança a p ard r de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período dè-licença será de 60 (sessenta) dias. § 3o N o caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4- (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de '30 (trinta) dias. § 4o A licença-m aternidade só será concedida m ediante apre sentação do term o judicial de guarda à adotante ou guardiã” A Lei, em bora extrem am ente oportuna, diferencia e traz m aiores privilégios para adoção de bebês até um ano de idade, fazendo com que crianças institucionalizadas continuem en contrando poucas oportunidades d e ; adoção pelos brasileiros, que preferem adotar bebês recém-nascidos, brancos e saudá veis (W eber e Kossobudzki, 1996; W eber e Cornélio, 1995; W eber e Vargas, 1996). N o dizer de M arcílio (1998: 227), o Estatuto da Criança e do Adolescente foi tão euforicam ente recebido, que se che gou a afirm ar que “ele prom ove, literalmente, um a revolução copernicana neste cam po”, mas apesar de todo otimismo pre visto, a realidade m ostra que ainda há muito chão pela frente p a ra que os direitos cheguem à vida real.
Perfil das famílias por adoção no Brasil As estatísticas oficiais em relação ao abandono e à ado ção no Brasil não estão agrupadasi em um único cadastro que possa ser acessado pelos interessados. P ara saber as caracterís-
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ticas e o perfil de adotantes e adotados no Brasil seria necessá rio reportar-se aos mais de 2000 Juizados da Infância e da Juventude do país. O trabalho mais completo desta natureza até o m om ento (Weber, 2001) foi um a tese de doutorado que investigou diversos aspectos da adoção com 400 pessoas em 17 Estados e 105 cidades brasileiras. Desta m aneira, um breve resum o dos principais dados encontrados p o r W eber será apresentado a seguir:
Sobre os adotantes 9 Estado civil dos adotantes: casados (89%); solteiros (8%); separa dos e viúvos (3%) 0 Idade dos adotantes: a idade m édia da mãe adotiva no m om ento da adoção era de 32 anos e do pai adotivo, 37 anos; ° Cor da pele dos adotantes: 96% das mães e 86% dos pais são brancos; ° Religião: predom ina a religião católica (65%); no entanto, os adotantes protestantes (18%) e os espíritas (15%) estão repre sentados nas famílias adotivas pesquisadas em m aior núm ero do que na população em geral; ®Escolaridade dos pais adotivos'. 50% das mães adotivas c 48% dos pais adotivos está cursando ou possui curso superior; 6 Renda salarial familiar, variada, encontrando-se famílias cuja renda é de três salários mínimos mensais até famílias com mais de 100 salários mínimos mensais. A m aioria das famíli as adotantes (73%) possui renda familiar variando entre 3 e 30 salários mínimos mensais; 0 Profissão dos adotantes: as mães adotivas têm profissões que exi gem nível superior (34%), em outras profissões de nível prim á rio ou secundário (31 %), não exercem atividade rem unerada fora do lar (27%) ou estão aposentadas (5%). Os pais adoti vos exercem advidades profissionais que exigem nível supc-
. rior (31%); 58% têm um a profissão què exige nivel prim ário ou secundário- e-9% estão aposentados; observa-se que 87% das m ães "adotivas solteiras têm curso superior e profissão com patível com a escolaridade; • Existência defilhos genéticos'. 49% das famílias adotivas têm filhos genéticos, sendo que 84% dos filhos genéticos foram gerados antes da adoção; o Motivo para não ter filhos genéticos: 80% afirm aram que não ge raram filhos por questões de infertilidade ou esterilidade; 9% são solteiros; 7% afirm aram que optaram por não ter filhos genéticos e 5% relataram “outros motivos”; • Número de filhos adotados'. 54% adotaram somente um a criança e 46% adotaram duas ou mais crianças: • Idade da criança adotada: 71% adotaram um bebe com até três meses de idade; 14% adotaram crianças até dois anos de ida-y de. H ouve, portanto, somente 15% de adoções de crianças com mais de dois anos de idade (consideradas adoções tardi as); • Cor da criança adotada'. 71% adotaram uma criança de cor branca; 24% adotaram um a criança de cor parda; 4,5% adotaram u m a criança de cor negra e 0,5% adotou um a criança de cor am arela. C om o a ad o ção de um a crian ça m estiça p o r adotantes brancos é considerada, no Brasil, como adoção interracial, houve 28% de adoções inter-raciais se for considerada a cor da pele da m ãe, e 26% , se for considerada a cor da pele do pai; desse total de adoções inter-raciais, somente 4% foram de adotantes brancos e crianças negras; 0 Saúde da criança adotada: a m aioria absoluta de crianças era perfeitam ente saudável (75%); as outras possuíam algum pro blem a de saúde no m om ento da adoção, mas geralmente, sem gravidade; 0 Gênero da criança adotada. a preferência por meninas (57%) em relação a meninos (43%) não é estatisticamente significativa;
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Adoção legal ou informal • Tipo da adoção: as adoções dividem-se em “legais” (52%), rea lizadas através dos Juizados da Iníancia e da Juventude do pãis f as “inform ais—f4 8 % ^ As-informais ocorrem quando ' um bebê é registrado em cartório como filho genético (42%) e q u ando um a criança passa a fazer parte da família adotiva m as sua certidão de nascim ento contínua em nom e dos seus pais genéticos (6%) - tam bém as conhecidas como “filho de criação”; ; ’* Tipo das adoções versus avaliação dos Juizados da Infanda e da Juven tude: a m aioria absoluta dos adotantes que realizaram um a adoção legal ou inform al avaliou, negativam ente o trabalho realizado pelos Juizados da Infancia e da Juventude em rela ção à adoção (76% e 89% , respectivamente); e Tipo das adoções versus nível de escolaridade dos adotantes: adotantes com nível de escolaridade superior apresentaram m aior ten dência em realizar adoções legais. Dos adotantes com nível superior, 70% dos pais e 80% das mães fizeram adoções le gais, enquanto som ente 30% dos .pais e 20% das mães reali zaram adoções informais; 51% dos adotantes com .escolaridade até .1° G rau realizaram adoções informais e somente 26% dos adotantes com escolaridade de 2“ e 3" Graus fizeram esta escolha; c Tipo das adoções versus renda familiar, adotantes com m erior ren da fam iliar apresentaram tendência para realizar adoções informais. Os dados m ostram que 56% dos adotantes que têm renda fam iliar até 15 salários mínimos fizeram adoções informais, enquanto 24% dos adotantes com renda superior a 15 salários m ínimos fizeram este tipo de adoção; * Tipo das adoções versus período de tempo passado desde a primeira adoção: m aior freqüência de adoções informais ocorreu antes de 1991, ou seja, antes da prom ulgação do Estatuto da C ri ança e do Adolescente (1990), que veio p ara facilitar o trâmi-
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' • te dos processos legais; 64% das ádoções informais ocorre ram antes de 1991 è 36%, depois de 1991; por outro lado, 2,1% das adoções legais ocorreram antes de 1991 e 79% das adoções legais ocorreram depois de 1.991; ■ * Tipo das adoções versus maneira como a criança chegou alè os adotantes: crianças adotadas legalmente geralmente vêm ^elnstiíuições, e crianças adotadas inform alm ente vêm através de m ediado res. A m aioria absoluta das crianças adotadas legalmente (83%) veio de instituições e 10% de hospitais, enquanto §2% das crianças adotadas informalmente chegaram àos adotantes por meio de m ediadores, e 20% foram entregues pela própria m ae biológica ou foram deixadas na porta dos adotantes; 12% das adoções informais vieram diretam ente de hospitais e /o u i matemidades, pressupondo a intermediação da equipe médica;
Motivação para a adoção 6 Motivação para adoção: a m aioria dos adotantes"(63%) adotou um a criança p a ra resolver um a necessidade em sua vida: hão pôde gerar filhos genéticos, ainda era solteiro ou um filho seu havia falecido; 35% *dos adotantes alegaram motivações . altruístas (encontrar um a criança abandonada, compromisso social etc.) quando decidiram adotar, um a criança; * Motivação para adoção versus rendafamiliar, .a adoção cuja motiva ção é altruísta ocorreu com m aior freqüência em famílias com m enor renda familiar. Enquanto 47% dos adotantes que têm um a renda salarial'até 30 salários m ínim os'realizaram uma adoção p o r motivos altruístas, 26% dos adotantes com renda superior a 30 salários m ínimos realizaram uma adoção altru ísta; * Motivação para adoção versus escolha das características da criança', os 'adotantes cuja m otivação foi a infertilidade fizeram maiores exigências em relação aos atributos físicos da criança a ser
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adotadà. Adotantcs que adotaram porque não tinham filhos genéticos m ostraram m aior preferência por determ inados atributos físicos da criança (35%) do que aqueles que adota ram por motivos altruístas (7%)'.
Opiniões sobre situação atual da adoção no país 0 Pessoa apta para adotar urna criança segundo os filhos adotivos: os filhos adotivos pensam que um a pessoa apta para adotar um a criança é aquela que “possui condições financeiras” (28%), “deve ter muito am or” (19%) e “ser responsável” (15%); ° Fatores para o êxito de uma adoção: a m aioria d os pais adotivos (39%), dos filhos adotivos (4-8%) e dos filhos, genéticos (48%) afirm aram que o “am or” é o fator essencial p ara c sucesso de um a adoção. No entanto, somente os filhos adotivos fala ram da necessidade de “diálogo”, e os filhos genéticos ressal taram a necessidade de algum tipo de "ação concreta” para a construção da relação; • Importância da preparação, para à adoção: apesar de pais adotivos (58%). filhos adotivos (52%) e filhos genéticos (72%) concor darem em m aioria que a preparação é im portante, os pais adotivos discordaram mais freqüentem ente (32%) e filhos adotivos e genéticos são os que mais têm dúvidas (21% e 17%, respectivamente); 0 Existência de algum tipo de preparação para a adoção para os adotantes: * "7 * ^ a m aioria absoluta (79%) dos pais adotivos não teve quai s q u e r tipo dè preparação prévia a adoção; 4 2 % os filhos ge néticos foram preparados por seus pais e para 42% deles a adoção foi um a surpresa; Preparação prévia para a adoção, versus atributos dos filhos adotivos segundo os adotantes: pais que tiveram algum tipo de prepara
ção para a adoção citaram , com maior freqüência, atributos positivos em relação ao seu filho, adotivo: 89% dos adotantes x
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que tiveram preparação falaram características positivas so^bre seus.ülhos,..-.eis,7;0®/p--dos adotantes que não passaram por preparação,' falaram positivam ente.
Desenvolvimento, educação e relacionamento dos filhos adotivos ° Principais características atribuídas aos filhos adotivos por seus pais: a m aioria absoluta dos pais adótivos (74%) falou, em prim eiro lugar, de características positivas de seu filhò adotivo. Entre todas as características atribuídas ao filho adotivo, as princi pais foram "‘ser, afetivo” (2.1). e “ser alegre” (14%); * Dificuldades na educação dojitíio adotivo segundo seus pais: a m aioria absoluta dos pais adotivos (69%) afirm ou não-ter encontrado dificuldades na educação do filho adotivo, ou m encionou que as dificuldades foram naturais como em qualquer família; * Dificuldades na educação do filho adotivo versus idade da criança no momenlo da adoção: pais adotivos que adotaram crianças com idade acim a de dois anos, relataram maiores dificuldades na sua educação: 25% dos adotantes que adotaram um a crian ça até dois anos, relataram dificuldades na educação, enquanto 38% dos adotantes que adotaram um a criança com mais de dois anos afirm aram terem experim entado dificuldades; ° Dificuldades na educação dofilho adotivo e dofilho genético: a m aioria absoluta dos adotantes que têm filhos genéticos afirmou que as dificuldades encontradas na educação dos seus filhos fo ram semelhantes (61%);i. ■"-jJ ■v t a Dificuldades no relacionamento afetivo com ofilho adotivo: a m aioria absoluta dos pais adotivos (76%) afirma que não encontrou dificuldades no relacionam ento afetivo com o filho adotívo; 6 Dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo versus idade da criança no momento da adoção: a adoção dc crianças com mais de dois anos de idade trouxe aos pais maiores dificuldades no relacionam ento afetivo; 13% dos adotantes que adotaram
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crianças com m enos de dois anos tiveram dificuldades en q u a n to 72% dos adotantes que adotaram crianças com mais de dois anos relataram dificuldades, com o relacionam ento afetivo de seu filho adotivo. N o entanto, essas dificuldades ~ fn ra m -su p e rad a s-c-n e n h u m filho que dem onstrou estar insa tisfeito com a relação atual foi adotado tardiam ente; . * Dificuldades no relacionamento efetivo com ofdho adotivo versus moti vação para adoção: ter adotado u m á criança p o r infertilidade . ou p o r altruísm o não tem relação com encontrar dificulda des no relacionam ento afetivo com i o filho adotivo; 84% de adotantes cuja m otivação foi infertilidade não encontraram dificuldade no relacionam ento afetivo e 78% dos adotantes cuja m otivação foi altruísm o não encontraram dificuldades neste tipo de relacionam ento com seu filho adotivo; • Os adotantes aconselham outras pessoas a adotar uma aiahça? A maioria absoluta dos pais adotivos (69%) afirm ou que aconselha ou tras pessoas a realizarem um a adoção porque se sente feliz com a sua própria decisão, i
Preconceito e discriminação social pela família adotiva * Filhos adotivos pensam que as pessoas tratam de maneira diferente as pessoas adotadas? A proxim adam ente m etade dos filhos adoti vos (51%) afirm ou que, de m aneira geral, os outros tratam de m aneira diferente e discrim inam as crianças que foram adotadas; • Sentimentos dos filhos adotivos em relação à sua possível parecença com os pais adotivos: a m aioria dos filhos adotivos está satisfeita com a sua situação, sejam parecidos ou. não com os pais adotivos: 32% acham-se parecidos e gostam da situação, e 25% achamse diferentes m as tam bém gostam da situação. Somente 13% afirm aram que se acham diferentes e gostariam de ser pare cidos com seus pais adotivos;
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• Filhos adotivos indicam as pessoas que os discriminaram: a m aioria das autudes discriminatórias em relação aos filhos adotivos •veio de.am igos (37%), da família (33%).ou tanto de amigos quanto da família (17%); • Sentimento de vergonha sobre a adoção de membros da família adotiva: —ést€Tdã"do- re vela-difere nças-entre-os-trêsTgFupos-pesquisados: a m aioria absoluta dos pais adotivos (63%) afirmou que nun ca sentiram vergonha da sua situação ou, ao contrário, sen tem orgulho (19%). A m aioria absoluta dos filhos adotivos respondeu que não sentem vergonha (71%), mas nenhum falou que tem orgulho desse fato e 26% sentem-se envergonhados ou procuram não falar.do fato; 8 Sentimento de veigonha dosfilhos adotivos versas idade em que ocorreu a revelação: filhos adotivos que souberam de sua adoção depois dos seis anos e /o u por terceiros, sentem mais vergonha da sua condição; ° Dificuldades na educação do filho adotivo versus discriminações sofridas pelo filho adotivo: o filho adotivo ter passado por discrim ina ções está ligado ao fato de os pais adodvos relatarem dificul dades em sua educação; enquanto 21% dos pais que relataram que o filho adotivo nunca sofreu discrim inação encontraram dificuldades na educação de seu filho,! 53% dos pais cujos filhos adotivos já sofreram discriminação, tiveram dificulda-. des com a sua educação;
Alguns fatores principais da dinâmica da família por adoção • Pais adotivos revelaram a adoção ao seu filho adotivo? A- m aioria absoluta dos pais adotivos contou a origem ao seu filho, e somente 4% não fizeram e nem pretendem fazer esta revela' ção; “ Filhos adotivos indicam,a pessoa quefe z a revelação, sobre adoção: foi a mãe quem filou com o filho.sobre a adoção, na m aioria das'
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vezes (43%) t , em segundo lugar (23%), aparecem .ambos os pais; . . . . ° Como ocorreu a revelação sobre a adoção ao Jilho: Em prim eiro lu gar, os filhos que responderam a essà questão, falam , que a revelação foi feita de form a/natural (26%); em segundo lugar (24%) eles disseram que a revelação ocorreu de m aneira'formal, mas em terceiro liTgar (15%). os filhos adotivós afirm a ram que souberam da sua adoção em um momento de conflito, em meio a brigas familiares; 0 Idade em que oJilho adotivo soube de sua adoção: a m aioria absoluta dós filhos que foram adotados precocemente (79%) afirmou que soube de sua adoção pela mãe e /o u pai, antes dos seis anos cíe.idade; 22% souberam sobre sua história de m aneira pouco adequada: tardiam ente pelos paisj ou por terceiros; * Idade em que o filho adotivo soube de sua adoção versus. sentimento de vergonha por ser adotivo: aqueles que souberam depois dos^seis anos sentem mais vergonha da sua condição de adotivos (46%) do que aqueles que souberam antes dos seis anos (28%); 0 Tipo de informação que os filhos adotivos têm sobre sua família de • ongem: a m aioria absoluta dos filhos adotivos (84%) não tem nenhum a informação sobre sua origem, somente, sabe que era um a família pobre; a Os'filhos adotivos desejam ter mais informações sobre sua família de origem? A maioria absoluta dos filhos adotivos (62%) pénsa' que ter informações sobre sua família de origem não é im- • portante; 32% dos filhos pensam que é bom. conhecer sua * história; ° Filhos adotivos têm interesse de. conhecer pessoalmente sua família de . origem? A rhaiòria absoluta dos filKos adotivos (58%) não qüer conhecer sua família de origem ou não gostou.de conhecê-la; 13% foram fruto de adoção tardia e afirmaram que gosta ram de ter conhecido sua família e 18% gostariam realm ente de conhecê-la pessoalmente; para os, outros isso é indiferente ou deixaram a questão sem resposta; :
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• Sentimentos dosfilhos adoduos por seus pais genéticos: 45% dos filhos adotivos afirm aram -que não tem nenhum tipo de sentim en tos p o r sua fám üia de origem; 28% referiram -se a sentim en tos negativos e 22% falaram de sentimentos positivos; ° Primeira palavra associada com adoção para pais adotivos, filhos ado tivos efilh ó sgenéticos: p a ra os três grupos de sujeitos, a palavra que sé assòcia à adoção' é “ám ór”;V ? Tratamento dos pais adotivos aosfilhos genéticos e adotivos: a m aioria ‘-.ab so lu ta .d o s filhos adotivos (63%) e genéticos (75% )'acham que òs^pais trataram todos os filhos da m esm a m aneira, e 9% dos adotados, pensam que receberam tratam ento m elhor do que seus irmãos; 1 • Como o filho adotivo estaria mais feliz? A m aioria absoluta dos filhos adotivos;(83%) .afirm ou q u e 1seu*lugar de felicidadevé com . os-.pais, adotivos; *16% não responderam ou deu outra resposta sem relação com família e som ente um filho respon deu que estaria m elhor com sua família de origem; o Sentimento dos filhos adotivos em relação a seus pais adotivos: a m ai oria absoluta (93%) afirmou que sente am or e percebe-os como ' . "pais; 5% afirm aram que eles são como estranhos, e 3% dei x aram a questão sem resposta.
Os papéis do psicológo nas equipes técnicas dos Juizados da Infância e da Juventude: algumas considerações sobre seleção e acompanhamento
A participação do psicólogo em processos de decisão jurídica está m arcada pelo seu caráter multidisciplinàr^.e é um a prática cada vez mais. reconhecida. Os critérios p a ra a adoção não têm sido constantes através dos anos, pois recebem influ ência de variáveis legais, psicológicas, sociais, jurídicas etc., que
c o n trib u em p a ra a construção de sua im agem e seu valor atual. A im p o rtân cia da intervenção profissional do psicólogo vem v deteiTnm ada por u m a dupla necessidade de prognosticar o]êxito e p rev en ir possíveis disfunções. À adoção é sem pre um a situa-------- ----- -ç ã o com plexa, pois sua essência consiste em criar.um processo segundo’o, quãl se realiza a transição de um a criança dãXamília biológica à fam ília a d o tiy a r Neste processo estão presentes o u tras tan tas variáveis im portantes p a ra o desenvolvim ento psicológico e social d a criança, especialm ente com o foram vivi das e refle tidas, tais com o abandono, ruptura, institucionalização etc. ^
A motivação dos candidatos à adoção
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D ados de pesquisas (W eber, 1999a, 1999b, 2001) reve lam que a m aioria dos adotante.s pensou em ad o tar m uito an tes de ir a um Ju iz a d o e, no Brasil, quase m etade dos adotantes“ V "realiza adoções:inform ais. Assim,1 é preciso analisar que exis tem alguns sinalizadores im portantes p ara que os adotantes pensem antes em adoção: artigos de jornais, program as de T V , e n c o n tro s, congressos etc. O ,p r in c ip a l m otivo a in d a é a infertilidade, m as a m otivação pelo altruísm o ou a com binação de ^infertilidade e altruísmo te m ; sido um a característica que está figurando mais freqüentem ente nos dados de pesquisas. Se as pesquisas não têm necessariam ente encontrado m aiores difi culdades nas famílias adotivas que adotaram por. motivos al truístas, então é preciso pensar n o recrutam ento de pessoas, sendo que as cam panhas p a ra isso deviam entender quem con sideraria um a adoção e com o converter a disposição’em um a ►ação. É preciso com preender que, apesar de a infertilidade ser a principal razão p a ra o desejo de adotar, não necessariam ente quem realm ente adota é infértil. H á quem já tenha filhos gené ticos e não possa mais ter outros filhos, ou pode ter decidido
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pela adoção de um segundo ou terceiro filho. Existem pessoas solteiras que não são inférteis mas querem filhos e há verdadei ros atos dc generosidade motivados social ou religiosamente, definidos pelos adotantes como com paixão, em patia, desejo de contribuir e convicção de que tem algo a dar. ---------- Parker-(-l 999.).áfimia_q.ue. os dados de pesquisas americanas revelam que a m elhor com binação p ara que os adotantes tenham um a avaliação positiva da adoção tem sido a com bina-' ção de infertilidade e altruísmo, pois a m aioria dos adotantes nessas condições tem consciência de que há um a m istura de suas próprias necessidades e as dà criança.JCJm importante grupo de adotantes nos Estadós Unidos~(cerca de 34%) tem sido os * fosterparentS) o caso de nossos “p aisjo çiais” das Casas-Lares ou program as como “pais de pjantão”, e há que se definir e re pensar m elhor este tipo de situação. Geralm ente eles são pou co considerados em ripssa realidade porque ^são “contratados v vpara cuidar”- e não estão necessariam ente na “fila” do cadastro, mas o nascim ento dc um vínculo de afeto que certam ente pode beneficiar a criança não deve ser desprezado. O tem a . ainda é carregado de polêm ica. H á argum entos que mostram que a institucionalização da figura dos pais sociais carrega o risco de perpetuar à situação de abrigo das crianças submetidas a essa form a de cuidado, e nesse sentido ps “pais sociais” en:r/ú'-'tv:,',i- fado nao voltara a delinqinr (art. 83,
luk * i
.
, r , . ot>v A . , paragrafo unico, C r). Assim, o legislador estabeleceu condições especialíssimas p a ra concessão do direito nos casos da denom inada ‘crim inalidade violenta’: o
: ’ dispositivo se inspira na reclamada defesa social e tem por objetivo a pre-
venção gerai Se após o exame crimino lógico (ou resultar da convicção do juiz) ainda revelar o condenado sinais de desajustamento aos valores jurídico-criminaiSj deverá continuar a sofrer imposição daquela pena até o seu limitefin a l se a tantofor necessária em nome da prevenção especial (Fran c o etalli, 1993: 535). — ——O-Cxame fpericial)_entendido còrrió idôneo p ara a prognose seria o de cessação de periculosidade/^õu sêjã^lnstrumento análogo àquele aplicado ao inim putável (art. 175, LEP); caso contrário, na.ausência do exam e, o juízo será hipotético2 (Cos' ta j r .j 1999: '206): ' C onclui Alvino Augusto de Sá, ao discutir a natureza dos exames crimiriológicos é as form ás de prognose, que o pa' recer da CTC deveria voltar-se eminentemente para a execução, para a terapêutica penal e seu aproveitamento por parte do sentenciado. J á o exa me criminológico é peça pericial, analisa o binômio deUto-delinqüente e o foco central para o qual devem convergir todas-as avaliações é a motivação criminal, a dinâmica criminal, isto é, o conjunto dosfatores que nos aju dam a compreender a origem e desenvolvimento •da conduta criminal do examinado. Ao se estabelecerem as relações compreensivas entre essa condu' ta e esses fatores, se estará fazendo um diagnóstico criminológico, N a dis cussão> devem ser sopesados todos os elementos desse diagnóstico e contrabalanceados como os dados referentes à evolução terapêutico-penal, deforma a se convergir o trabalho para um prognóstico criminológico, do qual resultará a conclusão fin a l (Sá, 1993: 43).
1 À guisa de ilustração: a verificação dos requisitos inseridos no art. 83 e seus incisos, impondo-se também a realização da perícia, para verificar a superação das condições e circunstâncias que levaram o condenado a delinqüir, consoante o conteúdo do parágrafo único do mesmo dispositivo, e ressalva, ainda, que a norma, destinada ao sentenciado por crime violento, caracteriza exigência necessária diante da extinção da medida de segurança para os .imputáveis ( T A /R S , H C n o 2 8 5 0 3 9 6 2 4 , R ei. T alai Selistrc). 2 N esse sentido, a verificação das condições pessoais e subjetivas do sentenciado não se f a z só e necessariamente por exame similar ao antigo exame de verificação de cessação de pericutosidade.' Por outros meios, inclusive sem qualquer tipo de verificação peiicial, pode concluir-se de tal ausência de perigosidade na devolução do. sentenciada à comunidade (TJR S , R A , R cl. G ilberto N icderau er C orrêá — R T JE 3 6 /3 6 4 ).
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A atuação, pericial como controle da identidade do preso A hipótese central do trabalho, de .investigação.-realizado é a de que os exames e prognósticosvcriminológicos previstos na LEP redefinem um a m atriz --inquisitiva que .viola os mais sagrados direitos do cidadão, notadam ente aqueles relativos à livre manifestação do,pensam ento e. à formação de sua perso nalidade, reforçando o estigma de delinqüente. A afirmativa ganha consistência na análise metodológica . em pregada pelos técnicos, do sistema penitenciário (psicólogos, assistentes sociais .e. psiquiatras). . ■. , : , \ Percebe Hoenisch que. o.„trabalho do perito, principal. m ente do .psicólogo, é fundado, na técnica de ‘reconstituição de vida pregressa5, que via de regra y.em a confirmar o rótulo de criminoso. Desta form a, a . .elaboração dos exames, psiquiátricos obedece a um detenninismo causai\ onde o 'nosólogo’.não só descreve a doença/ delito do paciente/preso, mas também prescreve a sua conduta futura. (Ibrahim ,
1995: 52-53) . -, • .. JEm realidade, não apenas o sistema penalógico adotado • . ‘p s iq u i a t r i z a ’ a d p ç is ã o .- d o - .m a g is t r a d o , d e l e g a n d o a m o t i v a ç ã o
■ do ato decisório ao.peritoj que o realiza a partir ,de julgam en.tos morais sobre as opções e condições de vida do condenado, como estabelece .um mecanismo de (auto)reprodução da vio lência pelo reforço da identidade criminosa {selffidlfilling profecy). Lem bra V era M alaguti Batista, ao estudar a atuação dos ‘operadores secundários’ do sistema, que estes quadros técnicos ■ que entraram no sistema para ‘humanizá-lo3, revelam em seus pareceres (que instruem e tem. enorme poder sobre as sentenças a serem prof endos) ■ conteúdos ' moralistas, segregadores e racistas, carregados daquele olhar lombrosiano e danuinista social erigido na virada do século X IX e tão presente até hoje nos sistemas de controle social (Batista, 1997: 77).
Sabe-se que um. dos mais-perversos modelos de controle . social é. aquele que funde o discurso do direito com o discurso da psiquiatria, ou seja, que regride aos modelos positivistas de
coalizão conceituai do ju ríd ico com a crim inologia naturalista. É que o sonho da. m edição d a periculqsidade, foijado no inte rior do paradigm a crim inológico positivista, en co n tra guarida nesse sistema. R etom ando conceitos com o propensão ao delito, causas da delinqüência e personalidade voltada para o crime, o discurso oficial se rep ro d ú z, condicionando irrefutavelm ente o ato ju d ic ia l ao exam e clínico-crim inológico ~ psicólogos, psiquiatras, pedagogos, médicos e assistentes sociais trabalham em seus pareceres, estudos de caso e diagnósticosy da maneira mais acrítica, com as, mesmas categorias utili zadas na introdução das idéias de Lombroso no Brasil (Batista, 1997:
86). Eugenio R aúl Zaffaroni sustenta que este ideal de m edir a periculosidade é um a das pretensões mais am biciosas desta crim inologia etiologico-m dividualista equivocada. O ‘periculo-X* . . ■■'* • sôm etro , como ironiza o m estre portenho, cientificam ente cham ádo de prognósticos estatísticos, consiste em estudar um a-> quantidade mais ou m enos num erosa de reincidentes, quantificar suas causas e p ro jetar seu futuro (Zaffaroni, 1988: 244). Se a despatologização do delito ocorreu com a teoria ..... estrutural-funcionalista de D urkheim no início do século passa- 'í do, increm entando um giro copernicano na crim inologia que culm inou com a consolidação acadêm ica do paradigma da rea- ‘i. ÇÃO social , o reducionism o sociobiológico desse m odelo em
voga no Brasil revela-se obsoleto. -No entanto, m esm o desqua lificado epistem ològicam ente, acaba por d itar as regras da exe cução da p e n a eni decorrência de sua adesão pelos técnicos da crim inologia. A pesar de a instrução p ro b ató ria (cognição) no processo penal ser sustentada sob prem issas acusatórias vinculadas'a'um _ direito penal do fato, todo processo: de execução das penas e os procedim entos que requerem avgdiação pericial são balizados p o r juízos m edicalizados sobre a personalidade, conform ando um m odelo de direito penal do autor e um modelo criminológico etiológíco refutado pelo sistem a constitucional de garantias estruturado na inviolabilidade da intim idade, no respeito à vida p riv a d a e à liberdade de consciência e de opçãó.3 V ale lem brar, neste m om ento, a sem pre autorizada fala de R o b erto Lyra: virão laudos que são piores do que devassas a pretexto de anamnesescóm diagnósticos arbitrários e prognósticosfatalistas. A vida do réu e, também a da vítima são vasculhadas. 0 anátema atinge a fa m í lia por uma conjectura atávica. 0 labéu ultrapassa gerações. Remotos e
3 F oucault, n*Oí Anormais, lem bra q u e o exame pam ite passar do ato à conduta, do delito à maneira de ser, e de fazer a maneira de ser se mostrar como não sendo outra coisa que o próprio delito, mas, de certo modo, no estado de generalidade na conduta de um indivíduo. Em segundo lugar, essa sêiie de noções tem por função deslocar o nivel de realidade da infração, pois o que essas condutas infringem não é a lei mas, porque nenhu ma lei impede ninguém de ser desequilibrado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de ler distúrbios emocionais, nenhuma lei impede ninguém de ter um orgulha pervertido, e não há medidas legais contra o erostratismo. M as se não é a lei que essas condutas ínjringem, é o que? Aquilo contra o que elas aparecem, aquilo em relação ao que elas aparecem, ê um nível de desenvolvimento átimo: 'imaturidade p sic o ló g ic a [personalidade pouco estruturada1, ''profundo desequilíbrio’. É igualmente um critério de realidade: rmá apreciação do real’. São qualificações morais, isto é, a modéstia, a fidelidade, São também regrar éticas. Em suma, o exame psiquiátrico permite constituir um duplo psicolôgico-êlico do delito. Isto é, deslegalizar a. infração tal camo formulada pelo código, para fazer aparecer por trás dela seu duplo, que com ela se parece como um irmão, ou uma irmã, nao sei, e quef a z dela não mais, justamente, uma infração no sentido legal do termo, mas uma irregularidade em relação a certo número de regras que podem ser fisiológicas, psicológicas, morais, etc. (F oucault, 2002: 20-21).
ridículos preconceitos distribuem estigmas. 0 processo penal, além de todas as ocupações e preocupações, será atado ao’torvelinho dos habituais e ten denciososfalsários bem pagos, com humilhações'e vexames para o acusado e sua família, para a vítima e sua família, com base em. ‘quadrinhos3 e formulários (Lyra, 1977: 132).
Este papel de legitimação das decisões judiciais assumi do pela crim inologia oficial foi percebido magistralmente por M ichel F o u cau lt Ao responder indagação sobre o porquê de sua crítica à crim inologia ser tão rude, Foucault afirma que os textos criminológicos não têm pé nem cabeça. .. Tem-se a impressão — prossegue —de que o discurso 'da criminologia possui uma tal utilidade, de que é tão fortzmente exigido e tomado necessário pelo funcionamento do sistema, que não tem nem mesmo necessidade de se justificar teoricamente, ou mesmo simplesmente ter uma coerência ou uma estrutura. Ele é inteira mente utilitário (Foucault, 1986: 138).
.A utilidade ressaltada por Foucault seria fornecer.argu m entos ao julgam ento, p.errhitindo aos magistrados um a ‘b o a -: consciência’.4 '’ O juiz d a execução penal, desde à reforma operada pela crim inologia clínico-adm inistrativa, deixou de decidir, passan do apenas a hom ologar laudos técnicos. Seu julgam ento passa;, a ser inform ado p o r um conjunto de micro-decisões (micropoderes) que sustentarão ‘cientificam ente’ o ato decisório. As-
4 A firm a Foucault: a partir do momento em que{se suprime a idéia de vingança, que outrora era atributo do soberano, lesado em sua soberania pelo crime, a punição só pode ter . significação numa tecnologia de reforma. E osjuizes, eles mésmos, sem saber e sem se der conta, passaram, pouco a pouco, de Um veredito que tinha ainda_conotações punitivas, a um veredito que não podem justificar em seu próprio vocabulário, a não ser na condição áe : que seja transformador do indivíduo. M as os instrumentos que lhesforam dados,, a pena . de morte, outrora o campo de trabalhas forçados, atualmente a reclusão -ou a detenção, . sabe-se viu i0 bem que não transfonnam. D a i a necessidade de passar a tarefa para pessoas que vão formular, sobre o crime e sobre os criminosos, um discurso que poderá justificar as medidas em questão (Foucault: 2 0 0 2 , 139).
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sim, perdida.no em aranhado burocrático,: a decisão torna-se impessoal, sendo, inominável-o sujeito prolatòr.-. . Lem bra Foucault ,qüe o ju iz de nossos dias ~. magistrado ou jurado ~ fa z outra, coisa, bem diferente. de julgar*: Ele não julga mais sozinho. Ao longo do processo penal,- e da execução da pena, prolifera toda uma série de instâncias anexas. Pequenas justiças e juizes paralelos se multiplicam em tomo do julgamento principal: peritos psiquiátricos e psi cólogos, magistrados da aplicação da pena, educadores, funcionários da administração penitenciária f acionam o poder legal de punir; dir-se-á que nenhum deles partilha realmente do direito de julgar; que uns, depois das sentenças, só têm o direito defazer executar a pena fixada pelo tribunal, e principalmente que o u t r o s o s peritos - não intervêm antes■da ■sentença para fazer um jidgamento, mas para. esclarecer a decisão dos juizes
(Foucault, 1991: 24). Ferrajoli afirma, que estes .modelos correcionalistas de ‘reeducação’ - qualquer coisa que se entenda com esta palavra (Ferrajoli, s/d : 46) ” acabam se tornando, um a aflição aditiva à pena pri vativa de liberdade c, sobretudo, um a prática profundam ente autoritária. Esta comporta - prossegue o autor - uma diminuição da Liberdade interior do detento, que viola o.primeiro princípio do liberalismo: o direito de. cada um ser e permanecer ele_ mesmo;- e, portanto, a negação ao Estado de indagar sobre a personalidade psíquica do cidadão e de transformálo moralmente através de medidas de premiação ou de punição por aquilo que ele é e não por aquilo que elefe z (Ferrajoli. s/d: 46).
Converge, nesta perspectiva, Fabrizio Ram acci, ao ava liar as teorias da em enda desde o processo de filtragem d.a Lei Penitenciária a partir da Constituição italiana. Leciona que a exasperação da idéià de correção, ínsita na doutrina de emenda, ê bloque’ ada pela proibição constitucional de tratamento contrário ao senso de hu manidade, tanto nas.formas de■violência à pessoa, quanto nas de violência . à.personalidade (v.g. lavagem cerebral) porque contrastante com a dignida de humana '(art 3 [dá Constituição) e com. a liberdade de desenvolver e inclusive manter.a.prõpria personalidade (art. 2 da Constituição) (Ramaci,
1991: 133).
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A função dos técnicos do sistema penitenciário (Criminólogos) desde uma-perspectiva humanista N ão obstante a legitimação de um m odelo m oralista fun dado na recuperação, o discurso clínico-disciplinar, ao atu ar como suporte ao jurídico e, assim sendo, fundir-se a ele nas ■decisões em sede executiva, cria um terceiro discurso, nãó-jurídico e não-psiquiâtrico, autopro.clamado criminológico, que, apesar da absoluta carência epistem ológica/é altam ente funcio nal.5 Foucault entende este processo como um a técnica de norm alização do poder que não é apenas"resultado do encon tro entre o saber m édico e o poder judiciário, mas da com po sição de um cèrto tipo dc poder - nem médico, nem judiciário, mas outro que colonizou e repeliu tanto o saber médico como o poder judiciário (Foucault, 2002: 31-32). A técnica criminológica, ao se colocar como o discurso da ‘verdade1 no processo de execução, acaba p o r reeditar um sistema de prova tarifada, típico cios sistemas inquisitivos prém odernos, que incapacita as norm as de garantia, visto obstruir contraprova (irrefutabilidade das hipóteses). . Não apenas no plano processual, mas igualmente no plano m aterial, o discurso clínico altera a face do direito penal. E n quanto o objeto de discussão do direito é (deveria ser) o fato concreto, impossibilitando avaliações sobre.a história de vida do sujeito, no discurso criminológico é nítida a valorização da interioridade da pessoa —os diagnósticos são repletos de conteúdo moral e com duvidosas doses de àentificidade (Bátista, 1997: 84).
■' Sustenta Cristina' R auter que a 'colonização’ do judiciário pelas ciências humanas, pela via da Criminologia, corresponde a um processo de hnplanlaçào de uma tecnologia disciplinar\ com efeitos ao nível do discurso e também- das práticas sociais (Rauter, 1982: 80).
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Este ‘n ó ’ teórico acarretado pela sobreposição dos dis cursos parece ser um dos principais problem as cia execução penal. As garantias do cidadão; preso são abandonadas em detrim ento dos juízos técnicos que, segundo V era M aiaguti Batista, apesar de aparentem ente ‘científicos’, não são nada neutros, pois se .destacam no processo pela construção^e~consolidação de estereótipos (Batista, 1997: 17). Assim, tendo com o m áxiína a inadmissibilidade da ne gativa de qu alq u er direito com base em avaliações e /o u ju lg a m entos da personalidade do condenado, restaria indagar: qual seria a função dos técnicos (criminólogos) p ara além da de m an d a de avaliações/perícias?5 j . Segundo a LEP, as Comissões e Centros de O bservação têm p o r função realizar anam neses e prognósticos visando à reinserção social do apenado. Parece, pois, que a atividade do técnico não é direcionada à confecção de laudos. O trabalho a ser realizado seria o de propor (não impor) ao condenado um p ro g ram a de gradual ‘tratam ento penal’,7 objetivando a redu ção dos danos causados pelo cárcere (prisionalização). O labor
5 L em bra M iriam G uind ani, ao avaliar p papel dos técnicos no sistem a peni ten ciário, que os profissionais do Serviço Social [psicologia e psiquiatria, inclui-se] foram relegados à função de tarefeiros para simplesmente atender às demandas de avalia ção perícia para fin s de individualização, progressão de regime ou livramento.condicionai: A ssim , perdeu sua identidade como categoria,ficando relegado; muitas vezes, a um papel de 1executor de laudos\ A s ações passaram a ocorrer através das equipes de CTC, enquan to o tratamento penal previsto em lei tomou-se, com algumas exceções, secundário (Guindani, 2002: 35). N o m esm o sentido enunciam H oen isch e P ach eco ao afirmar que a desp eito das diversas possibilidades de trabalho do psicólogo, observa-se u m a restrita atuação à confecção de laudos técnicos (H oenisch & P acheco, 2002: 191-204).
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7 A pesar de entender a categoria ‘tratam ento p en al’ absolutam ente inade qu ada, pois um a contradição em term os, utiliza-se entendendo-o não como uma finalidade em si do cumprimento da pena, mas como um conjunto de práticas educativas e terapêuticas que podem ter significados efunções diferenciadas no processo de cumprimen to da pena, dependendo dos diferentes fatores teóricos, políticos e institucionais, que o envolvem (WolfT, 2003: 96)..
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deveria ser outro que o de ‘tarefeiro’ - fornecedor de dados sobre ‘conduta futura e incerta’, com o escopo de justificar a decisão judicial.8 . , U m a atividade pautada em program as humanistas de redução de danos.possibilitaria construir com o apenado técni___cas_que_possibilitass.enua_minimização;_do„efeito_deletério_do cárcere (clínica da vulnerabilidade). Constatados problem as de ordem pessoal ou fam iliar, deveria o. técnico, ju n to .c o m o apenado, e tendo como. imprescindível sua anuência, colocar em prática um processo de resolução do problem a, ou seja, ' fornecer elementos p ara superação da crise e não estigmatizálo, potencializando-a. Elem entar, no entanto,, que qualquer tipo de ‘tratam en to ’ pressupõe a voluntariedade do sujeito, sob pena de violação do princípio da dignidade hum ana. A im posição de p ro g ram as .de ressocialização, .n ã o . o b sta n te ferir a m ais e le m en ta r prem issa, do tra tam e n to (voluntariedade), somente é admissível em sistemas nos quais o encarcerado é percebido como objeto entregue, ao laboratório crim inológico do cárcere —objeto de uma tecnologia e de um saber de reparação, de readaptação, de reinserção, de correção (Foucault, 2002: 26-27). D esde a perspectiva hum anista, é inconcebível obrigar o sujeito a qualquer tipo de m edicina,;pois este preserva seu di reito de ser e continuar sendo quem deseja, tudo em decorrên cia do princípio constitucional da inviolabilidade da consciência (art. 5o, incisos IV, V I e VIII).
8 M aria P alm a WolíT lem bra q u e. esta disaicionaridade dos profissionais embasada em critérios, que não são tão neutros e científicos como pretendem ser, f a z com que, muitas vezes, o parecer técnico afigure-se quase como um .exercício de suposições,. de futurologia. Isto, a partir de um discurso que j á está dado como única verdade, bastando ajustâ-lo a cada caso avaliado (VVolíT, 2003: 93).
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Im portantes, pois, as recomendações do Docum ento Fi nal do Program a de Investigação desenvolvido pelo Instituto Interam ericano de Direitos H um anos (IÍDH). Diagnostica o relatório que inexiste nos ordenam entos jurídicos latino-am ericanos q u alq u er tipo dé in tervenção participativa d'o apenado na eleição do program a de reinserção ao qual estará subordinado. Em regra, os informes sobre o condenado tendem a ser es tigmatiz antes, agregando expedien tes com- sentido infamante altam ente negativo que al par de re sultar una agresión a la personálidad, totalmenle contraria a los fines que ■se propone formalmente el sistema, importa en una seria violación a la. esfera íntima de la persona, que no se encuentra afectada por la pena privativa de liberdad más que en la estricta medida de lo que, conforme a la naturaleza de las cosas, se desprende dei mero heclio de la privación de libertad (Zaííaroni, 1986:'209).
Conclui Zaffaroni que a pena privativa de liberdade não tem, sob nenhum a justificativa,' o efeito de com prom eter a personalidade c a intimidade do condenado, de tal sorte que os técnicos que atuam na execução não estão isentos do segredo profissional inerente aos seus cargos, isto é, os funcionários não estão autorizados a divulgar dados relativos à intimidade da pessoa. Posto isto, propõe ó relatório (Zaffaroni, 1986: 209-210): (1) que a observação e a classificação dos condenados ocorra em um período de.tem po razoavelmente breve, com a in tervenção de um a equipe-multidisciplinar controlada pelo juiz da execução penal, posibilitando a intervenção do ' apenado na estruturação do program a ao qual será subme tido; (2) que os informes das comissões de clasificação se.abstenham de penetrar em ■aspectos concernentes à esfera íntim a da . pessoa, baseando-se- em modelos, adequados às característi cas culturais de cada com unidade;
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(3) que os profissionais e.funcionários intervenientes fiquem subm etidos às regras do segredo profissional ou funcional e que seus informes não sejam agregados, indiscrim inadam en te aos autos do processo. -s Para finalizar, urge lem brar A nãbela M iranda Rodrigues quando sustenta que o ftratamento\ quer seja realizado em liberdade, quer em caso de sua privação, é sempre um direito; do indivíduo e não um dever que lhe possa ser imposto coativamente, caso em que sempre se abre a via de uma qualquer manipulação da pessoa humana} redobrada quando esse tratamento afeta a sua consciência ou a sua escala de valores. O edireito de não ser traludof é parte integrante do ‘direito de ser diferente3 que deve ser assegurado em toda sociedade verdadeiramente pluralista e demo crática (apud Franco, 1986: 106).
Nota * O s resultados apresentados neste artigo são fruto: dc pesquisa financiada pela Pontifícia U n iversidade Católica do R io G rande d o Sul, desenvolvida ju n t o a o se u P r o g r a m a d e P ó s-g r a d u a ç ã o cm C iê n c ia s C r im in a is (transdisciplinar) e é parte integrante da versão revista e atualizada do livro Pena e Garantias (C arvalho, Saio dc. (2003) Pena e Garantias. R io de Janeiro: L um en Juris, 21 edição - prelo). T rata-se, em realidade, de reavaliação e atualização de investigação que se iniciou no ano de 2 0 0 0 , cujos resultados prelim inares foram publicados ao longo de 2001 e 2002 (N este sentido, conferir, fundam entalm ente, Carva lho,- 2002a: 475-4-96; e Cangalho, 2002b: 3-45; 145-174; e 487-500). Im prescindível, destacar, portanto, o apoio dos integrantes (acadêm icos c m estrandos) do grupo dc pesquisa em Criminologia- e E xecu ção Penal que realizaram inestim ável trabalho de coleta de dados docum entais, o qual, aliado aos férteis debates, deu consistência a inúm eras das conclusões aqui nom inadas. D esta m aneira, são sujeitos integrantes da pesquisa as mestrandas Paula-G il Larruscahin, N atália G im encz e Lenora A zevedo de O liveira, e os acadêm icos dc direito R ainer Hillmarm, M ariana de Assis Brasil e W eigert, R a fa e l R o d r ig u e s d a S ilv a P in h eiro M a c h a d o , ^R oberta L o n g o n i dc Vasconcellos, R enata Jardim da Cunha, RaíFaella Pallam olla,1Eduardo Rauber G onçalves, R ob erto R o ch a Rodrigues, Fernanda Juliano Pasquali e Caroline Eskenazi.
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 atuação dos psicólogos no;sisfema penal TaniaKolker D urante m uito tem po, os saberes e os fazeres dos profis sionais de saúde nas prisões estavam quase que irrem ediavel m ente alinhados com as teorias mais conservadoras sobre o crim e, os criminosos e as prisões, cabendo-lhes apenas o papel de operadores técnicos do poder disciplinar. Esse quadro só com eça a m udar nas últimas dccadas, quando aparecem osprim eiros estudos foucaultianos sobre a prisão e são dados os prim eiros'passos na construção das bases da escola que viria a' ser conhecida com o crim inologia critica. À l é m disso, com as contribuições do m ovim ento da reform a p e n a l i n t e r n a c i o n a l e com o desenvolvimento da cultura de direitos hum anos o le que de contribuições teórico-políticas sobre o tem a amplia-se consideravelm ente e com eçam a ser criadas as condições para a form ação de um novo tipo de profissional, quando não mais engajado politicam ente, pelo menos familiarizado com leituras mais críticas c desnaturalizadoras. Sendo, porém , a crim inalidade um fenôm eno tão com plexo e sujeito a múltiplas determ inações, e o tratam ento penal do crim e objeto de tantas controvérsias, é longo e multifacetado 0 cam inho dos que desejam construir um conhecim ento mais crítico e transform ador sobre esse cam po de intervenção. Para tal é preciso estabelecer o diálogo entre saberes tão distin tos com o história, sociologia, economia, direito penal, crim ino logia, psicologia jurídica, entre outros, É fundam ental entender o papel da crim inalização da pobreza, da dem onização das
drogas, da espetacularização da violência, da criação da figura do inim igo interno e da funcionalidade do fracasso da prisão, especialm ente no contexto atual das sociedades neoliberais globalizadas. M as é tam bém necessário conhecer os autores cjue no passado construíram esse objeto que passou a ser visto com o a causa dos crimes e a razâcTdè~sin*~das“prisõesro-crirni-noso. M eu objetivo nesse artigo é delinear um trajeto, propon do um percurso p a ra os leitores desejosos de conhecer os prin cipais autores e as principais idéias que vêm sendo travadas no conflagrado território dos discursos sobre as prisões e m anicô m ios ju d ic iá rio s e, com isso, fo rn e c e r elem entos p a ra a problem atização da atuação dos psicólogos nessas instituições. A prisão, tal qual a conhecem os na atualidade, é um a instituição que nasce com o capitalismo e desde então, vem sendo utilizada p ara adm inistrar, seja pela via da correção, seja p ela via da neutralização, as classes tidas com o perigosas. E m b o ra hoje seja universalm ente usada como form a de sanci o n ar a m aioria dos crimes, durante muitos séculos servia ape nas p a ra guardar os criminosos até o julgam ento, ou p ara tornar possível a aplicação de ouitras penas, como a de trabalho força do. Até a sua consagração, em fins do século X V III, diversas outras formas punitivas foram adotadas, sempre de m aneira relacionada ao m odelo político-econôm ico vigente, em geral respondendo à necessidade de form ação, aproveitam ento e /o u controle da m ão de obra pouco qualificada, ou como instru m ento p a ra a gestão das classes; consideradas perigosas (por sua pobreza e m arginalidade e não apenas p o r sua crim inali dade).1 Assim, a escravidão com olpunição esteve p a r a p a r com a econom ia escravista; as fiánças e indenizações nasceram com
1 Para um a discussão do conceito dc classes perigosas ver G uim arães, 1982 e C oim b ra, 2001 e para um aprofundam ento da. discussão sobre as novas form as de gestão *da p ob reza ver W acqüant, 2001.
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a econom ia m onetária; os suplícios e a pena capital foram as penas preferenciais no período feudal, atingindo apenas aos extratos mais pobres da população; o trabalho nas galés serviu para satisfazer a necessidade de rem adores; o banim ento e a deportação estiveram associados ao processo de exploração colonial-e-a-prisão^eom-ou-sem-trabalho-forçado-esteve-intimam ente ligada à em ergência e ao desenvolvimento do m odo de produção capitalista.2 P ara m elhor entender a função histórica da prisão e o papel historicam ente atribuído ao saber médico-psicológico nessas instituições, convém voltarmos um pouco atrás no tem po, a princípio em com panhia de Foucault e Castel. Com eles é possível ver como as diferentes formas de assistir e /o u punir dispensadas aos doentes, deficientes, pobres, desempregados, marginais e criminosos de nossa história estão relacionadas entre si, como estas estratégias estão intim am ente relacionadas com as sucessivas políticas voltadas p ara o controle das classes tra balhadoras e como as nossas ações, enquanto técnicos, estão atravessadas por essas determinações.
- A pena privativa de liberdade veio responder à necessidade de formação de m ão de obra para alim entar a m áquina capitalística. D esde então, toda a evolu ção posterior do trabalho nos cárceres (do trabalho produtivo, ao tra balho n ã o produtivo e finalm ente à ausência de trabalho) esteve vinculada ao valor da m ão de obra e do preço dos salários na sociedade livre. Assim, nos períodos em que a m ão de obra era escassa, os presos eram obrigados ao trabalho; quando o exército de reserva se expandia e já não havia a necessidade da m ão de obra d o preso, o trabalho nos cárceres tinha apenas a função de contribuir para a form ação de um a subjetividade operária e m ais recentem ente, quando a tecnologia com eçou a tornar os hom ens pres cindíveis, o trabalho penal com eçou a desaparecer. Ver em M elossi, e Pavarini, 1980; em Castro,, 1983; em Pavarini, 1996; e em R usche e K irchheim er, 1999.
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Mendigos, vagabundos, delinqüentes e trabalhadores' N a obra de Gastei vemos qúe a partir da dissolução da ordem feudal tem início intenso processo m igratório, que em pouco tempo vai inchar as cidades, criar extensos bolsões de pobreza e engrossar ó exército de reserva urbano, aum entando enorm em ente o núm ero de pessoas involuntariam ente desocu padas e sem residência fixa. Forçados a vagar em busca de trabalho, aqueles que não se enquadram na nova ordem eco nômica vão ficando pelas estradas e são em purrados p ara a miséria, a mendicância, ou o crime. Sem outra alternativa, essas pessoas passam a com por a clientela dos dois tipos de disposi tivos que se firmarão ao longo de todo o século X IV e dos três seguintes: a assistência, só acessível aos pobres válidos p ara o trabalho e com residência conhecida, e a internação/reclusão, nesse momento destinada ao enclausuramento dos doentes vené reos, loucos, pobres sem domicílio, mendigos e vagabundos irredu tíveis, menores abandonados e moças necessitadas de correção. N a m edida em que vãó piorando as condições de trabalho, vão sendo criadas novas leis p ara coagir o povo a aceitá-las e para punir a recusa ao trabalho. É quando internação3 e reclu são se igualam e têm apenas um a função: absorver a massa de desvi antes, neutralizando-os pelo isolamento e corrigindo-os atra vés da tríade trabalho forçado/orações/disciplina (Castel, 1998). Essa preocupação adm inistrátiva com as populações pobres logo fará emergir novos sujeitos sociais e novos objetos de intervenção. Nos.séculos seguintes, e especialmente no perí odo que. ficou conhecido como mercantilista, todos os esforços serão em penhados1pelos Estados, por um lado, p a ra m anter sob controle a mão de obra disponível, e, por outro, punir os
3 O hospital só se tornará um dispositivo m édico a partir do ftnal do scculo 1 X V III. N esse m om ento, a internação sejá êm hospital, em casa de trabalho ou em prisão exercerá função m eram ente administrativa.
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não enquadráveis nessa nova configuração. A pobreza, que nos séculos anterjor.es era valorizada espiritualm ente, torna-se m o tivo de desonra e é*criminalizada. A m endicância, a vagabun dagem ou a delinqüência, que até então sé constituíam em estratégias eventuais de sobrevivência, niuitas vezes p ara fazer frente a períodos sem trabalho, pouco k pouco vão sc tornando destinos irreversíveis. M esm o as massas ocupadas são agora severamente punidas, ao m enor sinal de associação, desobediên cia, ou insurreição. Nesse leqiic de- situações facilm ente intercambiáveis, onde segundo Castel, a “crim inalidade representa ria ) a franja externa,, alim entada pela área fluida da vagabun dagem , ela própria alim entada p o r um a zona de vulnerabilidade mais am pla, feita da instabilidade das relações cie trabalho e da fragilidade dos vínculos sociais” (Gastei, 1998: 135), o que, na verdade, concorrerá p a ra a constituição daqueles que serão os futuros m endigos, vagabundos ou delinqüentes, serão as pró prias instituições criadas p a ra geri-los. Nesse processo, a figura do m endigo é recortada entre esses novos objetos e passa a scr percebida “como um a espécie de povo (que corre o risco de se tornar) independente”, que não conhece “nem lei, nem religião, nem autoridade, nem polícia”, tal com o “um a nação libertina e indolente que nunca tivesse tido regras” (Castel, 1998: 75). A m endicância é, então, perseguida em toda a E uropa pré-capitalista e p a ra conjurar tal am eaça, é criado o' dispositivo da internação, constituído por um a vasta rede de casas de trabalho, casas de detenção e hospitais cuja função principal será a transform ação, dessas for ças inúteis ou potencialm ente perigosas em força de trabalho.4
4 Para as casas dc trabalho eram enviados os m endigos aptos para o trabalho, os necessitados, os pequ en os ladrões, as crianças e jovens, rebeldes, as viúvas, os órfeos, etc. S egun do M elossi e Pavarini, essas casas não eram um lugar de p rodu ção e sim , um lugar on d e se aprendia a disciplina de produção. Além disso, essas instituições serviam com o am eaça aos dem ais pobres, que eram obrigados a aceitar qualquer trabalho, sob p en a de serem internados.
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O u tro personagem que em ergirá dessa nova classifica' ção e que m erecerá um tratam ento rigoroso é o vagabundo, que se assem elha aos m endigos por ser pobre e não estar tra balhando, mas que deles se diferencia por não ter pertencim ento com unitário. Esta categoria tão am pla que, segundo Castel, até o século XVI a b a r c a r á fartc de nossas legislações o princípio de individualização das penas; os exames que visarão o estudo da personalidade e his, tória, de vida dos condenados c que avaliarão a probabilidade de estes virem a reincidir rio delito (exame que será conhecido como criminológico); o conceito de periculosidade e as m edi das de segurança por tem po indeterm inado. Além disso, como . legado dessa escola se m a n te rá a tra d iç ã o , in te ira m e n te . maniqueísta, de perceber os que delinqüem como um outro pe rigoso, pernicioso à sociedade, desum ano, verdadeiro m onstro e por isso incapaz de viver entre os hom ens de bem.. Dessa m aneira, será sempre possível justificar para' eles os tratam en tos mais cruéis e ainda garantir a aprovação da o p in i ã o p ú b li c a . Afinal, como n o s d iz Chomsky, “quando você oprime alguém precisa alegar alguma coisa. A justificativa acaba sendo o nível de depravação e vicio m oral do oprim ido (...). Exam ine a con quista britânica da Irlanda, a p rim eira das conquistas coloniais ocidentais. Ela foi descrita nos m esm os term os que a conquista da África. Os irlandeses eram um a raça diferente, não eram hum anos, não eram como nós. Eles tinham que ser esmagados e destruídos5’ (Chomsky, apud C oim bra, 2001: 63). É o que
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0 Estatuto da Criança e do Adolescente e as mudanças (propostas e implementadas) face ao adolescente em conflito com a lei G om o vimos, a construção da noção de “m en o r” com o categoria distinta de “criança”, e sua exclusão do ^universo dos direitos de cidadania, foi eficazmente m odelada durante quase um século da história social brasileira. A prom ulgação do Esta tuto d a C riança e do Adolescente em 1990 só foi possível como resultado de um a série de lutas populares na década de 80, em m eio a um cenário favorável de ab ertura política e de.reform as constitucionais .5 O s novos textos legais instituíram , ao m enos
J O nível de m obilização identificado durante os anos de red em ocratização da socied ad e brasileira (nos anos de 1980) foi fundam ental na form ulação e im p lem en tação do texto d o E statuto ida C riança e do A d olescente, que na realidade recebeu contrib uições de vários m ovim en tos atuantes com a p o pu lação infanto-juvenil n aq u ela época, co m o o M ovim en to N a cio n a l de M en in o s e M en in as de R u a, a Pastoral da C riança, entre outros. D essa form a, se p od em os apresentar a C onstituição Federal de 1988 com o a “C on s tituição C id ad ã” , de igual form a p od em os reiterar que o Estatuto da C rian ça e do A d o le sc e n te expressa u m a j histórica con q u ista do e x ercício da cid adan ia brasileira.
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na letra da lei, a igualdade entre as crianças e os adolescentes brasileiros. D ada a igualdade no plano jurídico, cabe agora questionar as práticas de tratam ento que vêm sendo destinadas aos “adolescentes em conflito com a lei”. N a verdade acreditamos que a história das legislações brasileiras dirigidas à “m enoridade” tradicionalm ente se encar regou de criar diferenças entre o "m enor infrator” e o “jovem de classe m éd ia /a lta que cometesse delitos”, dando-lhes identi ficações e destinos singulares. Assistíamos dessa m aneira a criminalização dos com por tam entos transgressores quando cometidos pelas classes mais baixas do estrato social e a “criminalização dos jovens pobres” em contrapartida à patologizaçao dos com portam entos delin qüentes quando cometidos por adolescentes pertencentes aos grupos m ais altos da sociedade. A eleição dos term os dem arca a escolha dos olhares, análises e interpretações que. serão produzidas. Verificamos dessa form a que a referência ao "adolescente que usa drogas”, por exemplo, é m uito distinta da idéia que é construída com a ex pressão “m enor m aconheiro’5. Dessa form a, após o advento, do EGA, alguns teóricos propõem a substituição term inológica da expressão estigmatizante “m en o r 55 pelas expressões consideradas mais positivas “criança5’ e “adolescente55. Reconhece-se logicamente que a sim ples m udança na nom enclatura por termos polidcamente mais corretos não é suficiente p ara transform ar a realidade instituí da, m as se revela um prim eiro passo |na conscientização crítica dos preconceitos que subjazem às formas que escolhemos para nom ear e significar o universo social, de que participamos. E m bora a m ídia e o senso com um continuem ratifican do dois universos 1 díspares p ara o “m enor infrator” e para o “adolescente que com eteu delitos”, a lei instituída e vigente atualm ente definirá de form a genérica o "adolescente autor de ato in fra c io n a l” com o alvo de m edidas pro tetiv as e /o u
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socioeducativas previstas no ECA, a partir da D outrina da Pro teção Integral. Dessa m aneira, mesmo na verificação do ato infracional o adolescente apreendido, destinatário de medidas socioedu cativas, também pode (e deve) ser alvo de medidas protetivas, que pugnem pôr sua efetiva ressocialização e pela garantia de todos os direitos e responsabilidades dispostos nas leis tutelar (ECA) e constitucional (Constituição Federal de 1988). O Estatuto da- C riança e do Adolescente compõe-se de ,duas partes fundamentais: a prim eira, nom eada como Parte Geral, apresenta os sujeitos da lei e os direitos referidos a eles; na segunda parte, nom eada como Parte Especial, são apresen tados os contornos da política de atendim ento; as m edidas protetivas e socioeducativas aplicáveis à criança e ao adoles cente; as medidas aplicáveis aos pais ou responsável; o papel e definição dos Conselhos Tutelares; da Justiça da Iníancia c Juventude; dentre outros títulos. Observamos dessa m aneira, que o escopo da nova legis lação apresenta como. traços marcantes: 1 . p r o p o r a d e s c e n t r a l i z a ç ã o j u r í d i c a q u e m a r c a v a o s d o i s C ó d ig o s de M enores, pois estes culminavam por caracterizar os Juizados de M enores como Juizados Executivos, responden do por ações que deveriam ser de competência do Executi vo. Com isso, conclama-se a maior participação e interlocuçao dc outros setores sociais diante da. temática, pois os Juizados atuavam praticam ente sem o protagonism o de outros seto res nas ações dirigidas à m enoridade; 2 . responsabilizar outros atores diante da problem ática, defi nindo família, sociedade e Estado como participantes ativos do enredo e ,não. apenas elegendo e culpabilizando o “m e nor” (e por extensão sua família) por possíveis dificuldades na inserção' social; 3. a extensão da população alvo originariam ente atingida pelos Códigos de M enores: de um a parcela da infância e juventu
de brasileiras, p ara a totalidade dos adolescentes c cnanças do país; objetivando-se a não-crim inalização e não-estigmatização da: população a qual a lei se. d irige;. 4. pro p o r a criação de um a Política' de Atendim ento que exige, p a ra seu efetivo funcionamento" e constituição, a participa ção e mobilização político-sociais intensas, expressas nas elei ções dos Conselhos Tutelares e narrepresentatividade dos Conselhos M unicipal e Estadual doé Direitos da C riança e do Adolescente; ' ■ . ' . : 5. criar um nòvo paradigm a social diante do com etim ento.dc infrações por crianças e adolescentes, ou seja, com base na D outrina da Proteção Integral, proteger e ressocializar, não mais punir e sim educar através de atividade específicas como a Prestação de Serviços a Com unidade; a Liberdade Assisti da; a M atrícula e Freqüência O brigatórias em Escola; rà Requisição de T ratam ento M édico, Psicológico ou Psiquiá trico, em Regime H ospitalar ou Am bulatorial, etc. caracte rizando a Internação como m edida sujeita aos princípios da b r e v i d a d e , excepcionalidade e r e s p e i t o à c o n d i ç ã o p e c u l i a r da pessoa em desenvolvimento. (Artigos 101, 112 e 121 da Lei 8.069/90 - Estatuto da C riança e do Adolescente) Apesar do ineditismo e dos avanços teóricos c sociais propostos pela nova lei, assistimos atualm ente a um 'quadro em que a utopia preconizada ainda está m uito longe de seu proje to original. Quais seriam as possíveis razões subjacentes a tal dinâmica? Segundo Bazílio (2003: 26-28), devemos problem atizar a atm osfera política que circunda a prom ulgação da nova lei tutelar, pois podem os observar que, apesar do processo de redem ocratização em curso na década de 1980', o período inau gurado pelos anos 90 foi caracterizado pelo “avanço dos setores conservadores e (...) ataque direto [aos] defensores dos direitos hum anos”. Dessa form a, diante do aum ento dos índices de vio lência durante a década de 1990, sentimentos de interiorização
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da insegurança (notadam ente no convívio com a diferença) vêm . sendo produzidos e m anipulados por parte da m ídia e da opi nião pública, gerando a culpabilização e condenação dos m o vim entos de prom oção da cidadania e defesa da paz social e dos-direitos-humanosj-considerando_q.ue_tais_concepçoes_sãoj_ em essência, defensoras da im punidade daquelas personagens que tradicionalm ente sempre foram; vistas como “m arginais” e “perigosas”, como a “figura do m enor-infrator”. Além disso, tam bém se evidencia nesse período que os m odelos neoliberais que passam a ocupar a cena política redim ensionam a política de financiam ento público. A dimi nuição e afastam ento do Governo Federal como financiador e principal provedor dos recursos do setor gera um a grave crise na área. Nas palavras do professor.Bazílio: O s fu n d o s q u e , p r e v is to s p e lo E sta tu to , te r ia m p o r o r ig e m c o n tr ib u iç õ e s c o m o d o a ç õ e s o u r e c u r so s p r o v e n ie n te s d o o r ç a m e n t o d e e s ta d o s e m u n ic íp io s , e n c o n tr a m -s e d e fa to .e s v a z ia d o s . N ã o foi p e n s a d o e m fo n te s fix a s, a líq u o ta s d e a r r e c a d a ç ã o o u ta x a s e im p o s to s p a r a c o b r ir c u sto s d e su a im p la n ta ç ã o . A s sim , (...) o s p r o g r a m a s e p r o je to s d e ix a m d e te r c o n tin u id a d e . V iv e m o s a d e sp r o fiss io n a liz a ç ã o e a d e s c o n tin u id a d e , a in s titu c io n a liz a ç ã o d o p r o v isó r io . A si tu a ç ã o q u e h o je é v iv id a (...) é o a u m e n t o d a p o b r e z a e d im in u iç ã o d o o r ç a m e n to so c ia l (2 0 0 3 : 27 ).
I Com o decorrência desse quadro de crise de financiamento c de liberação de recursos públicos, as ONGs, que tiveram im portante função no quadro de im plem entação do Estatuto, passam a não ser mais solidárias diante de interesses comuns, posicionando-se como rivais e concorrentes pelas verbas de finan ciam ento, conseqüentem ente produzindo a fragilização da rede. C om o último argum ento, o professor.Bazílio questiona o am adorism o no gerenciam ento da coisa pública, pois diante de m udanças político-partidárias os postos-chave da gerência da política de atendim ento seriam submetidos a interesses de
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poder difusos, não se dim ensionando a real im portância da com petência e conhecim ento na área como critério de escolha dos responsáveis pelas ações sociais relacionadas à .infância e à adolescência (Bazilio, 2003: 28). — ;——Ap esar "d e-avaiiarm os _qu e “crproj eto'utópito"dò- Es tãtütõ da C riança e do Adolescente ainda encontra-se distante da sua efetivação pragm ática e m ’ diversos pontos, a participação e m obilização dos diversos sujeitos que compõem a rede social poderia significar um im portante avanço na concretização de m udanças no quadro. Assim, acreditamos que a trajetória que vem sendo cons truída por psicólogos dos diversos Tribunais de Justiça dos es tados brasileiros que atuam em V aras de Infância e Juventude deve estar atenta aos atravessamentos institucionais que fazem parte da criação do cargo de Psicólogo do Judiciário. . C om o conhecido, a atuação tradicionalm ente solicitada é de produção de “laudos periciais” que auxiliem o Juízo em sua tom ada de decisão; entretanto, observamos que paralela m ente a tal pedido, sublim inarm ente é dem andado pelo A pa relho Judiciário que “soluções mágicas” sejam produzidas pelo psicólogo. *- C om o exemplo apresentam os o texto que define M is são do Juizado da Infância, e Juventude do Rio de Janeiro, do. sítio do T ribunal de Justiça do estado mencionado: O J u iz a d o d a In fâ n c ia e J u v e n tu d e tem a m issã o , p e r a n te a s o c ie d a d e , d e p resta r a tu tela ju r isd ic io n a l, a p r o te ç ã o in te gral à c ria n ç a e a o a d o le sc e n te , a c a d a u m e a to d o s, in d is tin ta m e n te , c o n fo r m e g a r a n tid a s n a C o n stitu iç ã o F ed era l e n o E sta tu to d a C r ia n ç a e d o A d o le sc e n te , d istrib u in d o ju s ti ç a e atendimento psicológico de modo útil e a tempo, (h t t p : //w w w .tj .ij . g o v .b r /i n s n t u c / 1 in s ta n c ia /in fa n -ju v e n tu d e /m is s a o jij.h tm )
A referência à “urgência” e “utilidade” do atendim ento psicológico emerge significativamente como objetivo do T J / RJ, como proposta “m issionária” dá instituição, que juntam en-
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te com a justiça, irá assegurar “justam ente” que as partes se jam “atendidas” por um profissional “psi”. A naturalização da prática psicológica em erge com o possível chave de leitura p ara entendim ento dessa referência, mas de igual forma, podemos considerar que a com preensão do Tribunal vem sofisticando a idéia de que apenas a resposta jurídica revela-se insuficiente diante das “subjetividades” hu m anas, que m erecem ser problem atizadas e “escutadas” na consecução de real projeto de im plem entação da Justiça. Significativamente, a escuta psicológica não é utilizada como termo p ara definição do trabalho a ser em preendido, rrias a atuação do profissional “psi” não pode deixar de revelar a fala subjetiva das partes que com põem os processos jurídicos. Dessa forma, a referência objetalizante às pessoas, que culm ina por caracterizar a m aioria das ações realizadas pelo Judiciário, pode ser transformada micro-politicamente pela atua ção do profissional “psi” que, se referindo às partes como sujei tos (e não como objetos) que compõem e ativam o processo judicial, pode vir a catalisar novos agenciamentos dos sujeitos diante d a p r o b l e m á t i c a v iv id a , p e r m i t i n d o que se produzam novas leituras sobre os enredos narrados pelos próprios sujeitos-partes que podem se perceber mais “inteiros” , e portanto menos fragmentados, diante do poder decisório judicial. ' De igual maneira, a “escuta psi” aos adolescentes auto res de ato infracional, deve procurar potencializar a vivência e a história subjetiva desses jovens, desenvolvendo a possibilida de de problem atização das form as com o se' reco n h ecem identitariam ente e como são referidos socialmente a partir da apreensão. Além disso, o labor “psi” pode revelar e problem atizar igualmente a sujeição e os atravessamentos sociopoiítico-econômicos que são impostos aos adolescentes que cometem atos infracionais e que são apreendidos pelo sistema (que obviamente não são todos os que entram em conflito com a lei); atuando
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no sentido de pro-vocar (de incitar à fala.; .ao posicionamento) •tanto os adolescentes em C o n flito com a'lei, n a significação e ressignificação de.. sen tidos p ara os seus atos como os demais ato res.envolvidos nessa dinâmica: elenco judiciário (j u iz , pro m otor, defensor, advogado, assistente social, comissário da in fância e ju v en tu d e , cartorário); tocla a rede de referência institucional (escolas, hospitais, abrigos, Conselhos T u t e l a r e s , Conselhos de Direitos da C riança e do Adolescente, institui* ções de sem i-liberdade c /o u internação); bem com o a família e o Poder Público. D e fato, consideram os que um dos mais interessantes desdobram entos do Estatuto da Criança e do Adolescente em suas propostas socioeducativas seja a idéia de responsabilização, de fom entar pedagogicam ente no adolescente a noção de que todos os cidadãos são co-responsáveis - ativa ou passivamente '.’ — pela sociedade construída, de form a a que os jovens perce- ;• bam a sua responsabilidade social. Constrói-se a imagem, portanto, de que eles são partici pantes ativos na sociedade, sendo diretam ente responsáveis por ela, e que um a vez que cies desrespeitem as regras instituídas legalmente, serão responsabilizados socialmente por isso. É fun dam ental que se frise que a responsabilidade proposta pelo EGA é de cunho social, ,e não p enal ou criminal. D e igual m aneira, o Estatuto apresenta m uito claram en te que o Estado e a sociedade têm responsabilidades com as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e que no descum prim ento de seus deveres o próprio Estado pode vir a ser acionado, a ser processado, por exemplo, na falta de' esco las e creches p ara crianças, o que é im portante que tam bém seja problem atizado ju n to aos adolescentes atendidos. E ntretanto, se a m edida socioedücativa não é referida em sua função em inentem ente pedagógica, ou seja de aprendi zado e ressocialização, sendo alardeada corrio um recurso “puni tivo” p a ra os "adolescentes infratores”, a percepção que preva-
lece é a de que, quando o Estado ou a sociedade com etem um crim e, p o r ação ou p o r omissão, eles perm anecem impunes, mas ao contrário, se o transgressor for um indivíduo “m enor” de idade, ele será im putado com uma. “pcna-m edida”, portan______ -t:O-com-uma-leitura-criminal_e_nã 0 socioeducativa. Dessa form a,' avaliamos que as imagens construídas pelo im aginário social ainda am param e justificam a discrim inação dos “infratores” , ainda que adolescentes, de outros da mesma faixa etária e das crianças. N a verdade, parece-nos que as falas produzidas socialm ente inclinam-se am biguam ente na referên cia de que os jovens infratores não são como os outros, sendo mais “m aduros” do que a m édia, devendo por isso ser mais responsabilizados, ao mesmo tem po ç m que eles tam bém são percebidos com o áinda adolescentes, e então não podem se prevalecer das garantias do universo adulto. O que lhes resta é um a identidade em que são referidos como adolescentes “maiorizados”, m as ao mesm o tem pò são “adultos m enorizados”, não se beneficiando das positividades de. nenhum dos registros a que são lançados. V ejam os a seguir as formas de ingresso dos adolescentes no A parelho Judiciário.
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'v .Formas, de ingresso do adolescente autor de ato infracional,no 4 ' 'Judiciário ‘ ^ »»Segundo o -E sta tu to , o adolescente que com etevato “ínfracional só pode ser apreendido em duas, hipóteses^em fia--* £ grante delito ou .pór. ordem .escrita eJfundam entada^do Juiz d a r*) \Infancia e Juventude. A preendido, o adolescente será conduzido p a ra a oitiva com o representante do M inistério Público (Prom otor da Infància e Juventude), cuja função é representar ao magistrado os dados que lhe forem apresentados .6 É im portante q u e destaq uem os que todo este ritual é necessário, um a vez
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Em seguida; o adolescente pode ser conduzido im ediata m ente ao Juiz, ou ser levado à audiência após entrevistas com a equipe técnica (Psicólogo, Assistente Social e Comissário da Infancia e Juventude). ______E fato conhecido que cada ju izado construirá sua rotina de procedim entos, não existindo um procedim ento único para atuação da equipe técnica. Visando facilitar a compreensão didá tica, podem os caracterizar as formas de intervenção técnica da seguinte m an e ira :' 1 . No m om ento anterior à realização da audiência judicial objetivando a confecção de estudos e laudos que auxiliem o Ju iz em sua tom ada de decisão; 2. No m om ento posterior à realização da audiência: a) no acom panham ento técnico dos adolescentes a partir da determ inação de m edidas protetivas e /o u socioeducativas pelo Juiz; b) no encam inham ento às instituições da rede. A audiência deve contar necessariamente com a presen ça do P rom otor e do D efensor Público; preferencialm ente, devem estar presentes os familiares do adolescente; podem ser convocados representantes da equipe técnica.
que a Justiça só pode atuar quando provocada, ou seja a partir da dem anda de um terceiro (que pod e ser o p rom otor público) que dem ande a interven ção do Ju iz diante cia configuração de um a dinâm ica específica. Além disso, é igualm en te digno de destaque que - apesar da figura do Promotor Público ser associada tradicionalm ente co m o responsável pela representação ao Es tado dos atos praticados contra o interesse público - nos processos que en volvam crianças e adolescen tes, a Prom otoria Pública deve atuar com o C uradoria Pública, ou seja defen d en d o e zelando pelos interesses e direitos das crianças e adolescentes, T a l com preensão entretanto não é irrestrita, e en contram os partidários convictos do entendim ento de que o M P só deve atuar co m o “C uradoria” nos processos envolvendo adolescentes “carentes’1 c não com aqueles que são infratores, ou seja na reedição e perpetuação do antigos posicionam entos estigm atizantes.
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r N a.audiência,o Juiz pode decidir péla aplicação de quais quer das medidas so cio educativas previstas iló artigo 1 1 2 cto Estãtuto da Criança e do Adolescente; ~ I-
■ a d v e rtê n c ia ^
II -
obrigação de reparar o dano;
III -
p re sta ç ã o d e serviços à c o m u n id a d e ;
Í.V - \ VVI VII -
liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdadeT“!!' internação, eríí* estabelecimento educacional; qualquer um a’das previstas no artigo 101, I a VI, Cumulativam ente, o Juiz pode decidir pela aplicação de medidas protetivas, especificadas no artigo 10 1 do ECA. Dessa forma, verificamos que o adolescente, mesmo que responsável peia prática de ato infracional, pode scr alvo de medidas de proteção. Apesar das mudanças jurídicas propostas, a estigrniatizaçào e a crim inalizaçao do adolescente que com ete o ato infracional ainda decorre freqüentem ente de seu perten cimento a determinados perfis que o aproxim ariam dos papéis identifi cados como “m arginal e perigoso” à sociedade. Exemplificaremos tal análise a partir do exemplo da ca pital do Rio de janeiro no atendim ento a essa clientela.
0 advento do Estatuto da Criança e do Adolescente e a separação do Juizado de Menores do Rio de Janeiro Até 1989, o Rio de Janeiro contava com um a única V ara de M enores/ Em consonância com o espírito do Código de Menores, todas as crianças e todos os jovens submetidos à tu tela jurídica .tinham sua situação exam inada pelo Juiz de M e
1 A Vara de M enores da C om arca da Capital do Rio de Janeiro foi a prim ei ra V ara de M enores do Brasil, tendo sido criada cm 1924 (CODJERJ, 1990).
nores. Às vcsperas cia prom ulgação do Estatuto - já conhcciclo nos círculos jurídicos e sociais com o um texto revolucionário no tocante à discussão, reflexão e proposição de políticas con cernentes à infancia e juventude - aconteceu o desmembramento da única V a ra de M enores em dois Juizados com com petência para analisar, processar e decidir os feitos referentes a essa m atéria. A separação de competências do Juizados Cariocas efetivou-se em 24 de. agosto de 1989. Esse ato tem sido alvo de vári.os questionamentos. Le-: vando em conta que' um dos principais pressupostos do Estatu to é elim inar a distinção histórica entre as categorias “m enor” e “criança”, alguns autores consideram que a criação de um Ju izad o com com petência exclusiva de exam inar os feitos rela cionados à infração e ao delito term ina por ratificar espaços de segregação, èstigmatização e exclusão social, rem etendo o jo vem a u to r de infração penal p a ra um atendim ento jurídico diferenciado. D e s s a fo rm a , ta l d e s m e m b ra m e n to p o d e ria ser e n te n d i d o c o m o u m e v e n to q u e se c h o c a c o m a c o n c e p ç ã o d o u tr in á ria cia P r o te ç ã o I n te g r a l a d v o g a d a p e la lei, c o n s tru in d o (ou m a n te n d o ) e s tru tu ra s q u e se p a u ta m n o d iscu rso p e n a lis ta e c rim in a lis ta (Cury, 1996),
O p ró p rio ato de criação da, então, 2UV ara de M enores torna clara a persistência do enfoque penal sobre o jovem que ingressa n o sistem a jurídico: A 2 U V a r a d c E x e c u ç õ e s P e n a is (...) p a s so u a d e n o m in a r - s e 2 il V a r a d e M e n o r e s d a C o m a r c a d a C a p ita l, c o m c o m p e t ê n c ia p a r a fç ito s r e la tiv o s a fa to s d c fm id o s c o m o in fr a ç õ e s p e n a i s d e a u to r ia o u c o -a u to r ia a tr ib u íd a a m e n o r e s n ã o s u j e it o s às leis penais (C O D JE R J, 1 9 9 0 :6 8 ; g rifo n o sso ).
A definição das atribuições da I a V ara de M enores da C ornarca d a C apital, de acordo com o artigo 5Üda Lei 1509/ 89, é co lo c a d a como segue:
A atual V ara de M enores d a C om arca d a Capital passa a denom inar-se 1:' V ara de M enores d a C om arca da C api tal, com competência pa ra os fe ito s relativos a menores não compreen didos na competência prevalents do ju íz o da 2 n Vara de. Menores da Comarca àa Capital.
(CODJERJ; 1990:68; grifos nossos)
Fica evidente portanto que as com petências da I a V ara de M enores são definidas negativam ente: constituem-se objeto de sua intervenção os processos excluídos da alçada da 2a Vara, ou seja, aqueles não correlatos dos processos criminais. A definição negativa das competências da I a V ára con trapõe-se a afirm ação positiva das com petências da 2[* V ara. O fato dessa definição positiva pautar-se nas leis penais só vem reforçar o receio de. que possa prevalecer nessa V ara ò enfoque crim inal, m antendo na prática um a discrim inação Ique a lei quis abolir: a opção pela defesa dai criança vilipendiada social m ente ou pela defesa da sociedade contra a criança que é apre sentada com o um a ‘-‘am eaça à ordem ” . j A discussão internacional contem porânea-tem ressaltado a im portância da descrim inalização dos jovens, em particular no com etim ento de “delitos de bagatela” . Entende-se que deli tos m enores, quando praticados por jovens, inscrevem-se em um processo amplo de descoberta de limites e testagem da autoridade. Além disso, estudos recentes m ostram que a re pressão do Estado não redu 2 sua incidência, ao contrário faz com que ela aum ente (Santos, 2000:171). O Estatuto da C riança e do Adolescente contem pla as mais m odernas reflexões na área: seus princípios pautam -se na adoção plena de institutos jurídicos de defesa de direitos; ofere cem as diretrizes e os meios p ara a form ulação e a im plem en tação de polídcas públicas em prol' da dignidade, da iigualdade e da.liberdade das crianças e jovens brasileiros; tratam a crimi nalidade segundo os mais m odernos parâm etros internacionais. C ontudo, sua im plem entação efetiva requer condições p ara o exercício pleno da cidadania. Essas, jainda não estão dadas. Desse
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contraste decorre o discurso recorrente,segundo o qual não se instituiu a aplicação.pragm ática e integral do texto legal. A distância entre as assertivas legais e as práticas em curso é preenchida pelos diversos atores segundo as formas como a sociedade consegne assimilar as propostas de m udança. Essa àssimilaçãorpor-sua-vezTé-atr-avessada-pelo-impacto-da-mídia,que fre q ü e n te m e n te co n clam a à pu n ição , à prisão ou à internação dos jovens infratores, em particular se são pobres, fom entando a cultura do m edo e a projeção paranóica dos te m ores sobre os destituídos. Assim, acreditamos que apesar de hoje. já ser fato suficien tem ente conhecido que as penas privativas de liberdade fracas sam de form a reiterad a em suas proposições preventiva e corretiva - o que na análise do professor Alessandro B aratta parece estar articulado a objetivos velados .do próprio sistema penal (Baratta, 1999:100) ~ o. propósito P U N I T I V O ’perm anece como em blem a-m or da rede penal,“ sendo am plam ente divul gado pela m ídia form adora de opinião. É preciso que profissionais de Psicologia façam de sua atuação um a expressão eloqüente do compromisso com o me-
8 A rticulados aos objetivos m anifestos pelo sistem a social, considera-se atual m ente, n o escopo da crim inologia critica, que a crim inalização de determ i n ad os c o m p o rta m en to s e sua captura na rede ju d iciária são processos construídos seletivam ente; encobrindo — na argum entação da im portância da PEN A co m o form a de controle dos indivíduos que “rom pem ” o “contra to social” — estratégias estigm atizantes sobre as classes mais depauperadas da socied ade. A p en a atuaria então com o recurso na identificação e form a ção de “distâncias sociais entre os sujeitos, agindo com o "sancionador id eoló gico da própria seletividade penal. A lém disso, a pena cum pre o papel de m anter disponível um enorm e contingente dç. m ão-de-obra de reserva para o m ercado de trabalho legal e, tam bém , pará o m ercado de trabalho ilegal. (Assim, ex-apenados são recrutados e superexplorados econom icam ente nas dinâm icas do m ercado de trabalho oficial; com o .ta m b ém são em pregados nos m ecan ism os de circulação m onetária ilegal: no tráfico,- no m undo do crim e, nos grupos de exterm ínio, etc.)
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Ihor c pleno exercício do Direito no encontro real com o ‘'su jeito de direitos”,'preconizado pelo ECA, mesmo quando em conflito com a lei. É preciso servir ao Judiciário mas sobretudo à Justiça para os sujeitos por nós atendidos, e atuar em busca da mais plena acepção da ética e do reconhecim ento da auto ria dos sujeitos,;no processo legal.
Algumas considerações finais Á produção desse texto se relacionou com a interroga ção que lançamos diariam ente sobre nossas práticas na elabo ração de estudos, laudos e pareceres psicológicos em V aras de Infanda e Juventude no Estado do Rio de Janeiro. Ele se funda m enta nà problem atização acerca da im portância do trabalho do profissional “psi” na m anutenção, reatualizaçao ou efetiva transformação do panoram a de legitimação de abordagens dife renciadas p ara “infandas desiguais”, que estão na base dos conceitos C R IA N Ç A X M E N O R . E f e t i v a m e n t e , n ã o s ã o r e c e n t e s as l e it u r a s q u e e n f a t i z a m q u e o processo de co n stru ção do su rg im en to d a “in fâ n c ia 53, com o
te rre n o específico dc sa b e r c d ize r, e stá re la c io n a d o ao a d v e n to d a m o d e rn id a d e d o século XVIII, n a co n stitu içã o d e um n o v o m o d e lo fa m ilia r e social d ia n te d e u m a d e te rm in a d a p ro p o s ta de exercício e re c o n h e c im e n to d a su b jetiv id ad e, o u seja, é u m c o n c e ito -p ro d u ç ã o to ta lm e n te d e p e n d e n te d e u m a re a lid a d e histórico-social específica sem a q u al n ã o faria sentido; n ã o sendo u m d a d o d a “n a tu r e z a ” , m as u m pro cesso c u ltu ra l (G e rq u e ira & P ra d o , 1999: 9).
Entretanto, relacionamo-nos com. as concepções dc in fan d a e adolescência naturalizando-as e neutralizando as dife renças econômicas, sociais, culturais, de classe, que com põem •e atravessam estas categorias.
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Poderm os analisar o fenômeno dá “adolescência” artiv culado à construção do projeto capitalista, talvez nos possibili te reconhecer e tornar mais próximos os traços, singulares da m ultiplicidade de “adolescências” forjadas nas últimas décadas do século XX, percebendo nesses “adolescentes” produzidos na pós-m odernidade grande influência midiática. De igual forma; consideramos que coexistiram, e coexis tem , categorias diferentes para um mesmo segmento etário, deixando evidente que não é “apenas” a idade o elemento identificador da “infância”, “adolescência” e “m enoridade”. N a delineação deste quadro, percebe-se com o somos “apropriados” por determinadas categorias que são naturalizadas no processo de constituição da; “realidade” que vivemos cotidianam ente, sem atentarm os que fazemos parte fundam ental das^ “engrenagens” que com põem , m ontam e desm ontam identida des e subjetividades. Dessa forma, destacamos a importância dos discursos “psi” dentre as concepções “científicas” que legitim aram o “m enor” na- cultura jurídico-social brasileira. A lem disso, reconhecem os o papel da esfera jurídica na diferenciação entre as categorias “m enor” e “criança” ; elas se originaram de fato no contexto jurídico, que definiu os indiví duos “m enores de idade” a partir de um viés criminal. M as a noção de “m enor” extrapolou o espaço jurídico, ancorou-se na gam a de saberes médico, pedagógico e psicológico e daí fir mou-se como estratégia de'controle de determ inados grupos sociais. Tendem os, no entanto, a neutralizar a força desses sa beres na construção e na legitimação da noção de “m enor”. Tendem os a desconsiderar as formas como a Psicologia contri buiu p ara norm atizar, classificar, identificar e segregar o “m e n o r” na rede de assistência tutelar. Pois: enquanto à criança/infante foi determ inado um lócus social de “ausência de fala”, sendo rep resen tad a no interjogo com unitário pelos pais e /o u responsáveis que —ades-
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trados e disciplinados por conceitos psico-médico-pedagógicos - teriam a função de protegê-los e salvaguardá-los em jseus in teresses e bem -estar, “falando por elas”... A categoria “m enor *5 - que foi sendo paulatinam ente GOnstituída^a_par.úr_da leitura jurídica penálista dirigida aos “infratores” m enores de idade, mais .'especialmente evidente no advento da R epública - foi dem andada a sua expressão e a sua apresentação no entrechoque com o universo jurídico, fazen do-os “falar” de “si” e de sua rede de origem, através da cap tu ra pelos discursos jurídicos, com a jobjetalização dos discursos e falas enunciadas por esses sujeitos. Segundo Emílio G arcia M endez a emergência, do con- • ceito de “criança” na consciência coletiva a considera “inca p a z ” e sem autonom ia na sua apresentação social, tendo que • ser protegida e representada juridicam ente na sociedade por suas famílias (M endez, 1990: 179). A inda de acordo com M endez a Escola teria um a fun ção prim ordial na distinção entre jás “crianças” e os “m eno res” , já que com o Aparelho Ideológico do Estado atuaria num processo de crim inalização prim ária de “m enores”, alijando-os do processo educacional. ' A s c r ia n ç a s se r ia m a q u e la s p e s s o a s q u e tiv e r a m a p o io fa m ilia r e e s c o la r p a r a su a p r o t e ç ã o c. s o c ia liz a ç ã o ; o s m e n o -. r es se r ia m a q u e le s q u e fo r a m a b a n d o n a d o s p e la fa m ília e p e l a e s c o la e q u e e x ig ir ia m , p o r ..esta c o n d iç ã o , p a r a su a p r o t e ç ã o , u m a o u tr a in s tâ n c ia e s p e c ia l d e c o n tr o le so c ia l p e n a l: o s trib u n a is d e m e n o r e s (C e rq u e ira e P ra d o , 1 999: 9).
Em outros termos, a própria concepção de m enoridade configurou-se como um a produção! teórica singular nas últimas décadas do século X I X , abarcando apenas, um segmento da totalidade da infância e juventude, considerada em: “situação irregular” e os discursos psicológicos fizeram parte dessa cons trução, servindo como instrum entos diagnósticos em relatórios enviados ao Juízo de Menores,, na avaliação do nível intelec-
tual do “m en o r” e na investigação da existência, ou não, de desordens psíquicas. r T al análise,evidencia-se particularm ente interessante se considerarm os que a profissão de “psicólogo” só foi regulament-ada-e-reconhecida-legalmente_na_décadarde_l .9.6.0,_e_a_função de“psicologista - nas prim eiras décadas do século X X - pode ria ser ocupada por profissionais de qualquer especialidade educador, psiquiatra, enferm eiro” em instituições como o La boratório de Biologia Infantil, criado em julho de 1936 (JacóVilela, 2001: 239). A p artir da reflexão da própria “naturalização” da leitu ra penal que incide sobre esses jovens, pudemos olhar retros pectivam ente sobre a história das nossas práticas enquanto agentes desse processo, um a vez que, de acordo com a aborda gem da crim inologia crítica, a própria eleição do que seja 'des vio’ só é possível a partir da construção de um a norm a que será em princípio atravessada e constituída pelos paradigmas socioeconômico vigentes, na representação eloqüente dos inte resses dom inantes (Baratta, 1999: 60). N ão é, dessa m aneira, casual, a escolha peia tipificação infracional como motivo de separaçãp da competência das duas V aras de.In fa n d a e Ju v en tu d e ,9 existentes na cidade do Rio de Janeiro, m antendo à parte aqueles que tradicionalm ente sem pre foram percebidos segregadamente. Dessa forma, a oposição im aginária do adolescente como sujeito de direitos versus o declínio desses mesmos direitos 10 em função do com etim ento do ato infracional atravessa (e parece
9 T a l separaçao poderia ter se produzido ícom base cm outras alegações, com o divisão quantitativa ou regional. ; 10 V erifica-se dessa m aneira a referência im aginária ao. “m enor” que os Có digos de M en ores de 1927 e 1979, em balados na D outrina da Situação Irregular, apresentam com o objeto do sistem a tutelar, sendo submetidos am biguam ente à “proteção” e à “repressão” do Estado.
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constituir) parte significativa das ações que são produzidas so bre o ‘riienor infrator5. Refletir sobre tais procedimentos, clarificando a im por tância dc enfatizarmos a aproxim ação entre o diplom a legal 8.069/90 (ECA) e os discursos sobre direitos hum anos em sua vertente nacional (constitucional) e internacional, foi um dos objetivos do texto que construímos, na defesa da cidadania como laço unificador de um a sociedade mais justa, digna e igualitá ria para as crianças e os jovens brasileiros. Igualm ente propusem os c apostamos na implicação das práticas profissionais que produzim os, potencializando sua ca pacidade dinam izadora e catalisadora de transform ações so ciais, e não servindo apenas como mecanismos que servem à engrenagem de m anutenção do status quo. Dessa maneira, consideramos que a constituição do com plexo de ações sociojurídicas que originou a-T utela em nosso país já se caracterizou de forma bastante contraditória desde os seus primórdios através do conjunto de ações que, no enten dim ento'do ‘'m enor” como objeto do Direito, eram norteadas a a t e n d e r aos ideais de: 1. P r o t e ç ã o d a ' m e n o r i d a d e a b a n d o n a da’; 2. Controle e disciplinamento dos ‘corpos desviantes’ e 3. Repressão social aos ‘com portam entos delinqüentes’ (Pinheiro, 2001: 65), A proposição de novos modelos para atenção e atuação sobre a infancia e juventude encontra enorm es dificuldades diante do fantasma (muito real) das reiteradas práticas de des respeito e repressão histórica dos direitos das crianças e adoles centes, dos quais a história da psicologia faz parte. Paradoxalm ente, com a m udança de enfoque doutriná rio proposta pela nova lei (ECA),. a própria população alvo dessas políticas produz falas de estranham ento diante do novo lugar a que é lançada: o lugar do “sujeito” , referindo-se ainda como “objeto” de políticas públicas.que espera passivamente a deci são sobre sua vida e destino.
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Parte da equipe do Judiciário tam bém aincla parecc não se aperceber da. nova. dinâm ica legal proposta no ECA e dos desdobram entos sociais advindos desse texto, não se im plican do na form ação e transform ação dás políticas de atendim ento à população que chega aos Juizados da Infanciá e Juventude. Ressaltamos que não se transform a um quadro secular cm um único instante e sim através da implicação constante de cada um dos atores do elenco judiciário, da sociedade e do Estado no reconhecim ento a essa questão. P or ora, existe m uito a ser feito, pois nos deparam os ainda com o perfil típico de adolescentes infratores como per tencente a um grupo social específico, oriundo de favelas e da periferia, o que acarreta, em contrapartida, em um reconheci m ento imaginário distinto das práticas que são produzidas so bre esse grupo, que se configura como m erecedor de um olhar preponderantem ente penal no topo das ações que serão em preendidas. " Consideram os que, na construção de um novo p anora m a jurídico, necessitamos de um a nóva config-uração social que possibilite novos encontros, agenciamentos e atritos na rede coletiva, de form a a atu ar como catalisadora nas discussões e reflexões críticas sobre o que seja,Justiça, sociedade, crime, criminoso, vítima, pena, etc. Apenas na problem atização das representações que pos suímos socialmente (e que opostam ente tam bém nos atraves sam) c que acreditamos ser viável a- efetivação cle alguns dos dispositivos propostos pelo ECA: como o pacto político entre Estado e Cidadãos, que se efetivamente exercido por am bas as partes possibilitaria a conquista de im portantes espaços públi cos na discussão e com prom etim ento de todos p ara defesa de direitos e p ara constituição cle um a sociedade menos fragm en tada, posto que mais igualitária. Dessa m aneira, realizamos um a análise das representa ções im aginárias que atuam como m atrizes no processo de
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“crim inalização” do “adolescente em conflito com a lei” e que contribuem na cristalização da rriedida de internação como um dos principais recursos socioeducativos (“punitivos’:) utilizados. Partilham os da pressuposição de que exista um a complÉrxOrè‘d e_dè_ãtfavessamentos'ri,a_eleição-e-construção-do-que— seja o '“com portam ento desvianté” que merece o repúdio soci a l assim com o tam bém avaliamos que a construção ’e a carac terização do “m enor infrator” (oú adolescente em conflito com a lei, p a ra utilizarm os a linguagem politicam ente correta) se ja m processos que podem ser dem arcados historicam ente. -A lé m d isso, a c re d ita m o s q u e os p ro fu n d o s im p asses exis te n te s p a r a e fe tiv a ç ã o d o E C A n a a tu a lid a d e são u m reflexo im p o r ta n te d o r e tr a im e n to d o E sta d o c o m o re sp o n sáv e l p elo f o m e n to e im p la n ta ç ã o d e p o líticas p ú b lic a s b ásica s e m c o n tr a d iç ã o e v id e n te c o m os p rin c ip a is p ila re s d e su ste n ta ç ã o d o te x to legal.
N a m edida em que não cum pre sua parcela de respon sabilidade na garantia e defesa dos direitos elencádos pelo Es tatuto (direito à vida, à saúde, ià alim entação à educação, ao esporte, ao lazer, ‘profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária), o Estado cria um vácuo referencial impossível de ser contornado. Finalizando, gostaríamos; de evocar-que oi Estatuto da C riança e do Adolecente se insere em um a rede de atravessa m entos psico-sociopolíticos dirigidos à infancia e juventude, mas enquanto não considerarm os efetivamente as falas produzidas p o r esses atores (crianças e jovens) na real concepção de que sejam eles os S U J E IT O S dessas! práticas e p ara os quais essas .práticas se destinam , continuarem os a nos rem eter a um a lei com o “letra m o rta’1’e não como texto vivo capaz ide nos m obi lizar a em preender ações todos, os dias em favor da cidadania, da liberdade e da dignidade hum anas.
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Marlene Guirado Escrever num livro sobre Psicologia Jurídica é um a tare fa delicada, quando não se trabalha em Fóruns, cm Com arcas ou V aras de qualquer espécie. O u seja, quando não se trata do cotidiano das instituições concretas da Justiça, nem do trab a lho que, diretam ente, os psicólogos têm desenvolvido nessa área. D e certo m odo, é o caso deste texto. Pelo título, no en tanto, podem os perceber um a relação interessante, que me caberá dem onstrar nas páginas q u e se s e g u e m : d i s c u t i r o q u e se pode fazer/pensar, quando a população com que se trabalha é nom eada, exatam ente pelos discursos e recursos no âm bito do D ireito e suas práticas institucionais judiciárias. T ratarem os das práticas, de atenção e custódia p ara jovens, qualificados por sua condição de conflito com a lei; mais-especificamente, da FEBEM -SP. T ratarem os dc alcances e limites de nossa prática profissional, a Psicologia, quando ela é.feita nesse contexto. T ratarem os, ainda,- de certas coordenadas que podem organi zar o m odo de pensar do psicólogo, cm sua ação direta ou, até, na pesquisa. E stará sendo proposto, de frente e de fundo, um m odo de fazer psicologia que independe, em muitos pontos, dc ela ser adjetivada como judiciária, ou educacional ou clínica. Pois, esses adjetivos falam mais do tipo de instituição em que ela é exercida, do que do recorte metodológico com que se a exerce.
C om o se pode notar, estou afirm ando que se pode dizer que se faz psicologia jurídica quando, por algum motivo, se faz psicologia nò âm bito da Justiça. N ão há qualquer m arca de procedim entos específicos que .em seu nome se exerça. O que h á sim, e é isso que defendo, (é um a possibilidade de leitura, ta n to de o que é psicologia, como de o que é um a instituição (e, nesse sentido, a própria psicologia pode ser considerada um a instituição) e seu discurso. Essas idéias, eu as desenvolvi extensam ente em outros escritos a que rem eterei o leitor à m edida que for necessário, no decorrer do texto. Isto porque, por um lado, temos limites de espaço agora e, p o r outro; pretendo, em ato, dem onstrar corno pode ser essa leitura, no desenvolvimento do conteúdo deste nosso capítulo. ! Em últim a instância, é ésse o alvo: discutir um a estraté gia de pensam ento que norteia o fazer do psicólogo, já bastan te distante dos procedimentos eitécnicas que se costumam ensinar, nas universidades e que insistimos em repetir, quando trab a lham os em instituições outras', com outros profissionais, com outros objetos e objetivos, diferentes daqueles que tradicional m ente atribuím os à psicologia. ! M ais ainda, o'alvo é dem onstrar que esselmodo de pen sar im plica u m a postura éticaina relação com a !clientela, bem t, i „ com o um a .possibilidade de abrir novos caminhos p ara situa ções de impasse com que nos defrontam os, no trabalho fora de nossas form as protegidas de proceder. Aqueles psicólogos que trabalham , p o r exemplo, ju n tò a V aras d aju stiç‘a sabem muito bem do que estou falando... Exercer a psicologia, no interior dos discursos e dos procedim entos jurídicos, e um constante desafio ao que se costum a cham ar de “identidade profissio n al” . T u d o o que sé faz é atravessado pelas exigências do D i reito, de tal form a que o direito da clientela de receber um atendim ento à altura de sua condição afetiva e hum ana parece absolutam ente negado; o próprio profissional, às vezes, agarra-
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se a um a repetição burocrática d e ; entrevistas e testes, onde, como preposto im aginário do juiz (na sua cabeça e na cabeça das pessoas que atende), julga encontrar algumas certezas de um a atuação psicológica, conforme seu contrato de trabalho e sua-form ação. -Afin al—não -se -diferenei.a-do j-ô u-n ão -s e -b riga com, o discurso do Direito im punem ente. Pois bem. Dizia, no início, que o que perm ite incluir este escrito num: livro de Psicologia Jurídica é a clientela-alvo do trabalho em psicologia, adolescentes em conflito com a lei. O cam inho p a ra a apresentação das idéias, no presente capítulo, seguirá colado a duas experiências concretas, desen volvidas em m om entos e com finalidades diferentes: um a pes quisa acadêm ica (1985) (G uirado, 1986) e um a supervisão institucional ao Projeto Fique Vivjo (desde 1999). O que as aproxim a é um certo m odo de conduzir a análise do que se ouve, se vê e se vive, nessas práticas, na posição de quem faz tam bém a instituição, só que na qualidade de um interessado pesquisador ou de um não menos interessado agente de projèto especialmente contratado. Talvez repouse néssa vontade de análise permanente e nos limi tes de suas possibilidades as discussões que pretendemos aqui produ zir. Procurarem os ser fiéis ao m odo como se foram construindo i as descobertas analíticas, num terreno ;onde se miscigenam obser vações, pré-concepções e interpretações. Demos, então, início à tarefa...
0 vínculo com a infração. • Quando a transgressão e a violência sp tornam a lei1 E m 1985, p ro c u re i e n te n d e r: c o m o in te rn o s d a FEBEMSP, n a c o n d iç ã o d e a b a n d o n a d o s ie in fra to res, c o n c e b ia m os
1 N esse m om en to o term o lei está sendo usado não mais no sentido de lega-
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vínculos afetivos que poderiam (e puderam ) constituir em suas
vidas. Como, por hipótese fundam ental, supunha que a rede de relações institucionais concretas do contexto FEBEM fazia parte das relações possíveis e, por isso, teriam papel significati vo nos vínculos imaginados, procurei tam bém entender o modo como os funcionários se viam na lida cotidiana de seu trabalho com aqueles meninos e meninas, menores, conforme o discurso da época, apoiado no então Código de M enores. Naquele momento, já havia, de m inha parte, a preocu pação de fazer um estudo em psicologia que acreditasse na possibilidade de tom ar como objeto, não os com portam entos observáveis ou um a realidade psíquica inferida por meio de interpretações psicanalíticas estrito senso. No caso, a situação era um a instituição social, o que, por um )ado, facilitava que não se repetissem os estudos tradicionais, mas, de outro, pode ria 'conduzir para métodos e recursos da sociologia, tam bém estrito senso. Com o já vinha, há algum tem po, buscando defi nir um objeto à psicologia, na fronteira entre a análise de insti tuições concretas (um ram o da sociologia) e a .psicanálise, colocando no c e n t r o das a t e n ç õ e s u m c e r t o c o n c e i t o de insti tuição e a própria psicologia como instituição, conduzi o estudo no fio da navalha da tentativa de articulação entre um e outro campo na produção de conhecimento. E, isto, como uma estratégia de pensamento intencional, como método} Instrum entada por essas idéias e intenções, por essa es tratégia básica de pensar, conduzi um a pesquisa acadêm ica
iidade jurídica, e sim, no sentido de regram ento das condutas, do pensa m ento e da subjetividade, que m arca um certo reconhecim ento inconscien te, até, do q u e'é considerado, tacitam ente, com o natural e legitim o. Esse será o uso mais corrente que Faremos do termo. O leitor saberá distinguir, por certo,.quando for o caso dc outro uso. * Leiam -se, pará;m aior esclarecim ento In stitu ição e R ela çõ es A fetivas (no prelo); P sico lo g ia Institu cional (1987); P sica n á lise e A n á lise do D iscu rso m a trizes institucionais do su jeito p síq u ic o (2000).
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im ediatam ente voltada para situações e questões sociais que, em m uito, extrapolavam os m uros da academ ia .3 Fiz entrevistas com internos e com funcionários, desde os que m antinham contato direto c o m 'a clientela até os de direção de U nidades de T riagem e de. Educação. Analisei os discursos, ali e assim, produzidos c, com isso, configurei o que se poderia cham ar de subjetividade-efeito das relações constitutivas das práticas institucionais da F E B E M . . Desse m odo, pode-se dizer que o estudo não faz, ou não fez, um a anáíise psicológica das pessoas entrevistadas, mas sim , um a análise do discurso que é, por suposição teórica, tecido nas malhas das relações concretas dessa instituição. Portanto, deu-se ênfase às relações, no e pelo discurso; e qualquer afirmação que se fizesse sobre os meninos (e mesmo sobre os funcionários) exigiu que se com preendesse sua estrita fundação no contexto, em questão:' T an to que, do estudo da subjetividade, derivou a configuração . de um objeto institucional dessas práticas . 4 3 N o livro Psicologia Institucional (G uirado, 1987), dedico um capitulo, cm especialj para pensar a Psicologia com o produção de conhecimento e com o prática profissional, buscando apontar para as relações intrínsecas c inevitáveis entre essas duas dim ensões. Para tanto, proponho um a definição dc objelo da psico logia que não é mais o com portam ento c /o u a mente de um indivíduo, mas as relações concretas, tal como imaginadas e simbolizadas bor aqueles que as fazem . , A ssim , o sujeito psíquico não se definiria pelas qualidades e afetos de um indivíduo que está nas instituições, mas pela subjelividade-efeilo das relações institucio nais] daí, a afirm ação que faço a respeito da dim ensão institucional de toda realidade psíquica, N ã o se trata, pois, de considerar a subjetividade com o “a interioridade de um indivíduo", mas .como efeito de relações concretas. 4 Estou cham and o de análise psicológica aquele tipo de interpretação de senti dos e afetos com o relativos ao “indivíduo e sua realidade psíquica”, que desconsid era o con texto .das relações concretas (a dim ensão institucional) de ' toda produ ção de sentidos e subjetividades. Por sua vez, a análise de discurso, apoiada na definição de objeto da psicologia (que acim a propus), correspon de a u m a definição de instituição que só se faz na ação concreta dos atores insdtucionais, bem com o num a definição de discurso com o instituição. C om efeito, ela perm itiria deslocar o foco de análise da pessoa para a relação e para os discursos que nessa relação se produzem .
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O que se a p r e s e n t a v a , então, como um a pesquisa feita em psicologia e por um a psicóloga já se m ostrava um curioso trançado das noções de sujeito ej subjetividade às de grupos e instituições. E, aquilo que meninos e m eninas m eidiziam nas entrevistas eu considerava, sempre, como um ponto, como um nó daqueles bem cegos, na rede;discursiva, em rejação a ou tros, com o o do agente-funcionário e, até, o da. agente-pesquisadora. C o n sid e ra v a o que me diziam , com o um a tram a indissociável de reconhecim entos e desconhecim entos que a dim ensão discursiva das relações; instituídas perm ite entrever, ou reconstruir, no discurso analítico. , T u d o o que se afirm ou, a partir da análise, sobre o universo dos vínculos afetivos imaginados comó possíveis pelos internos não se pensou como um a característica; individual daqueles jovens, m as como um ajm arca característica da rela ção institucional. Em outras palavras: como a subjetividade que naquela relação se constituía. , Essas considerações teórico-metodológicas que estou fa zendo são im portantes p a ra que ío leitor se esclareça sobre os pontos de partida, ou m elhor, solpre o que pensa esta autora a respeito da psicologia como fornia de conhecim ento, um a vez que isto tem relação intrínseca com os resultados a que chegou e com o que julgou conhecer nessas condições. ' A apresentar esses conhecimentos, nos dedicarem os a p a rtir de agora. C om o o leitor poderá notar, na escritura deste texto, os tem pos dos verbos se alternarão entre pasàado e pre sente, n um a calculada disposição ’das idéias na lem brança e na teoria.
Sobre o objeto institucional da FEÊEM :
r
Costum a-se dizer que “na prática a teoria éjoutra”, ou que o discurso é liberal ou politicamente correto, mas as ações são repressivas e condenáveis. Foi Icurioso, porém , observar que
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essas m áxim as não sobreviveram :à análise que fizemos dos discursos institucionais. M uitas vezes, o que se.poderia considerar como prática apenas acentuava u m a das m arcas do discurso. O u então, n a am bigüidade, era exatam.ente o que se propunha nos textos -e-falas-mais-elaboradas_de alguns agentes._____________ Isto se dem onstrou quando tom am os p ara estudo os tex tos oficiais que definem os objetivqs da Fundação: atendimento e conservação das crianças e jovens em situação de abandono e infração. A prim eira vista, algo irrepreensível em se tratando de um a insti tuição de prom oção social. N o entanto, a análise dos textos escritos bem como das falas em entrevistas (não só de atendentes como de atendidos) perm itiu configurar cenas que levaram a pensar que o que a Febemfaz é a conservação das crianças ejovens, no abandono e na infração. O que parece, apenas um jogo de palavras é, na verdade, um intrincado jogo de forças;e de equívocos que o discurso arm a, denotando, n a sua construção, os dois lados da m oeda do objeto institucional. 'Não se pode negar que esse dito está no miolo do objetivo, tal como o discurso formal da instituição o apresenta. M as tam bém não se pode negar que o que aqui se aponta resultou d a articulação das análises dos discursos de diversos segmentos ou grupos que faziam aquela prática.
Com o foi possível deduzir tudo isso? Consideremos, como exemplo, as entrevistas. Os funcionários, com freqüência, rela tavam situações em que se m ostravam personagens fortes e capazes de dom inar um m enino na delegacia e na Unidade com base em sua astúcia e agressão física; no entanto, em ou tros m om entos da m esm a entrevista, diziam se sentir acuados ao conduzir jovens com boletim de ocorrência por delitos gra-
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carros sem qualquer proteção ou segurança. Os inter nos, por sua vez, referiam-se aos riscos de ataques por parte de outros internos e de funcionários, ao mesmo tem po em que sinalizavam um certo domínio sobre como conseguir relatórios de liberação por parte de técnicos e monitores, A relação cotidiana num a casa de reeducação e de contenção é, portanto, mais um a ocasião de transgressão e essa é a ordem das v es, cm
coisas...
Daí se poder pensar que, por todos os poros, naquela situação, respira-se violência, transgressão e infração. E que, se a FEBEM. não cria a violência, cia parece ser um nicho privile giado para sua reprodução.
Sobre os vínculos Q uanto à questão dos vínculos imaginados como possí veis por esses meninos, outras surpresas nos foram reservadas, pela análise dos discursos. A qualidade mais d e s t a c a d á de s u a s f a la s c u m a espécie d e h a b i l i d a d e cênica imediata, que envolve o interlocutor, ou melhor, que o supõe. T udo, no entanto, só se denuncia, em repentes, quando então, ele (o interlocutor) já está enunciado e... dominado. M inha sensação, nesses momentos, era a de estar na mira, à revelia de m inha vontade. ■ Cabe lem brar que, no caso das entrevistas da pesquisa, conta a expectativa que o entrevistador/pesquisador, tam bém à revelia de sua vontade, tem em relação ao entrevistado. O fato. de, naquele m om ento, um a jovem m ulher estar frente a um interno da FEBEM considerado infrator, inevitavelmente se traduzia num jogo de imagens múltiplas que se enlaçavam às expectativas sociais comuns p ara essas ocasiões. Configuravase concretam ente, ali, um a cena com dois personagens e dois lugares em constante tensão. O domínio sobre o que acontecia
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parecia, o tempo todo,, estar nas mãos do mais forte, sendo esse mais forte o interno que dizia conhecer o mandão lá fora e o mundinho lá dentro>como a palma de sua mão. O .dizer era, às vezes, indireto, pelo gingado corporal, pelos meios sorrisos, pelo tom teatral das falas. As vezes, era direto,'como na resposta dada a um a pergunta m inha, sobre o significado de alguns códigos civis que um m enino enunciara por números: “A senhora n u n ca vai entender o que a gente diz”...',. Esse dom ínio do personagem -infrator tecia outras histó rias que contavam os internos, sobre isuas vidas, a p artir do m om ento em que caíram na m arginalidade (expressão usada por eles quando se lhes pedia que falassem sobre suas vidas; todos, sem exceção, diziam que a vida com eçava quando caíam na marginalidade); histórias a respeito deles com os policiais, com vítimas, com outros parceiros de transgressões. Os entrevista dos eram sempre os que punham os contra-encenadores de qua tro, atiravam neles, roubavam -nos e saíam ilesos para a próxima. De um m odo que o discurso psicanalítico costum a no m e a r denegado, um dos m e n i n o s m e disse, em m e i o a um a des sas heróicas proezas: “Por exemplo, se eu encontrar a senhora fora daqui, no m undão, eu não vou estuprar a senhora!” Se essas falas, ainda p ara o discurso psicanalítico, são exemplares da transferência, das defesas e da auto-idealização, p ara quem é concretam ente o interlocutor, têm o efeito de reinstaurar um gênero discursivo, com tudo o que ele implica de receios, anseios, esquivas e avanços, absolutam ente inscritos na pele .5 Além disso, nas histórias que contavam de si, sempre que se configurava um a situação de proxim idade ou de víncu lo, seguia-se algum tipo de violência que interrom pia o clima e
5 Aqui, um a ocasião que exem plifica a diferença entre análise psicológica (e / ou psicanálise estrito senso) e a análise de discurso que propom os.
a seqüência. Assim, quando o pai yoltava para casa ou quando se recostava no colo da m ãe, indicando carinho, m orria repen tinam ente ou era atingido por algum tipo de infortúnio; o com panheiro de assaltos, com quem dividia espaço p ara viver (e até o cobertor, roubado à loja ao ládo do estacionam ento para carros cm que dorm iam ), quis transar com ele, e p ara que isso não acontecesse, ele arm ou um a espécie de emboscada, atean do-lhe fogo enquanto dorm ia. / 1 Ainda: o pai, no discurso desses rapazes, é m oeda forte nas trocas afetivas. D e algum je ito \p sempre im portante. Q u er dizer, significativo: ou porque dele! se espera mais do que ele é ou foi, ou p o rq u e é um ser execrável, abom inável, u m a teratologia da condição hum ana. Assim o indicou'aipesquisa. A mãe, pelo contrário,' é alvó de cuidado e tam bém cui da. É referida como quem tem força c se esforça p a ra ver o filho em liberdade; M ãe é referência e cumplicidade! N a estei ra dela, vem a m ulher-prostituta, com quem gozam! o sexo li vre e “caprichoso”, como prem iação final de um extraordinário desem penho de sua onipotência. ' O u tra m arca significativa desse discurso é què os opostos não se opõem\ apenas justapõem -se .1 Assim, vida e m òrte, viver ou m orrer não se discrim inam na! radicalidade de suas oposições. Em suas falas, reconstitui-se ium “tanto faz” estar de um lado ou do outro, nessa polarização. AJém disso, a justeza ou a justiça do ato de infração ou dè punição (quer seja lo ator em questão o próprio m enino ou seué contentores) se deixa reger pela lei do mais forte? Dessa m aneira, se ele fosse pego “rouban do a cerca do vizinho p a ra fazer fogueira, ‘tá s no direito dele
6 U m a contraposição ao título d o film e Pixoie - a lei do maisfraco. A idéia c essa mesm o; dem onstrar, pela análise, o quanto esses m eninos se pautam im agi nariam ente pelos regram entos sociais que transgridem; reconhecem parado xalm ente, para si, a legalidade que os subm ete. |
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me dar um tiro” (comentário de um m enino que teria atirado em alguém que levou a cerca da casa dé sua mãe p ara fogueira de festa junina.). Reconhece-se a lei da- propriedade privada bem com o a punição à sua transgressão; não im porta por que mãos .a justiça se faça com legitimidade, o 'direito de propriedade é legítimo. Com o se pode notar, as oposições entre o reconhecimento desse direito e da legitimidade da transgressão não existem. D aí até o reconhecim ento da transgressão como a lei, o passo é autom ático. Por um a daquelas mágicas do discurso em que um dos interlocutores faz um deslocam ento absolutam ente involuntário e, portanto está longe de atinar com o que diz, e o outro ouve sem defato ouvir, a transgressão vira a lei. Acom pa nhem-se os trechos das entrevistas que se seguem: Se
eu
e n tr a r n u m
a m b ie n te
que
t e n h a . .. s ó
g e n te
tr a b a lh a d e ir a , h o n e s ta , d ir eita , sei c o n v e r s a r ta m b é m . S e m se r n a gíria, se m ser g in g a n d o . N o m e io d a m a la n d r a g e m a g e n t e te m q u e c o n v e r sa r n a g íria , c o n v e r sa r d e m a la n d r a g e m . A g o r a ... n u m a m b ie n te , fa m ilia r , v o u c o n v e r sa r d ife r e n te , c o m o g e n te . S e in v a d ir m e u te r r e n o e . e u tiv e r c o m u m a a r m a d e fo g o , m a to . E u faço! N ã o te n h o d ó não! T e m p o d e fo g u e ir a d e S . J o ã o , aí. n a v ila , n ã o p o d e m a r c a r c o m c er ca . A tu r m a -
n ã o a r r u m a le n h a n o m e io d o m a to e v ã o r o u b a r a c e r c a d o s o u tr o s .e p ô r fo g o ... cer to ?
A entrevistadora prossegue no assunto cerca e, percebase, os critérios p ara pontificações um tanto quanto categóricas sobre o que é certo ou errado vão deslizando, de um pólo ao seu oposto, sem mais... E: S e r o u b a r e m a su a v o c ê m a ta ? B: A h , se e u c a ta r ...
:
E: Q u e r d iz er q u e se a lg u é m m a ta r v o c ê o u d e r u m tiro n a s su a s c o sta s, v o c ê ta m b é m a c h a q u e ele e stá certo ? B: T á certo! C a to u r o u b a n d o id eie, tá cer to . N ã ò tiro a r a z ã o d e le , n ã o .
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E: Q u e r d iz er , r o u b a r é u m a co isa to rta , m e sm o !
B: E coisa errada, mas... E: Mas...? B: A gente continua fazendo, né... quer dizer, tenho fé em Deus de não... mexer mais... na casa dos outros. (...) Agora, tem uma coisa: partiu do meu portào para den tro, ta invadindo minha propriedade, eu mato e não tenho dó. Ele ta desrespeitando eu e minha mãe, certo!? E ainda tá... querendo invadir minha propriedade.
Retomando o fio... Nas situações apresentadas como exemplares, creio ter sido possível oferecer ao leitor, um a idéia do trabalho de aná lise de discurso que configura um a subjetividade, ao mesmo tempo singular c partilhada, no jogo de forças de relações con cretas tal como imaginadas e simbolizadas por aqueles que a fazem. Apesar de em alguns m omentos nos assentarmos no estreito fio que distingue o singular do partilhado, foram feitas afirmações sobre--o discurso em qúe sé tecem as relações imagi nadas como p o ssív e is p a r a u m si e p a r a um a vida na margino.lid.ú.de. V ida na m arginalidade de que faz parte a FEBEM. U m a aná lise de discurso que configurou, portanto, um a subjetividade constituída na rede das. práticas de-atendim ento de custódia a jovens em conflito com a lei. Assim, com base nesse modo de pensar e fazer psicolo gia, que supõe (a) a articulação entre um a determ inada con cepção de discurso, (b) um a concepção de instituição e (c) um a concepção de análise (ou psicanálise), produziu-se o estudo de vínculos afetivos nas relações instituídas como de atenção a esse segmento da população (Guirado, 1995). A psicologia, p o rtan to, na fronteira com outras áreas do conhecimento, alcança um a tem ática reconhecida como da sociologia, as instituições sociais.
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Prosseguindo, então: essas conclusões se sustentariam com o passar do tempo e dos estudos?
O. teste de sua força pôde ser feito, com a:mesma estratégia de pensamento e para a mesma situação concreta (FEBEM), por meio de supervisões feitas a profissionais psicólogos. Claro que a cada situação concreta, surgiam desafios que. exigiam respostas ou encam inham entos específicos, mas a base do que o estudo de doutorado apontou parecia e parece se "confirmar. U m a dessas supervisões, que acontece já há algum tem po, é exem plar, em vários sentidos, de um precioso traçado (ou trançado) da prática e da produção do conhecim ento em psi cologia. É finalidade da escritura do item que se segue dem ons trar como as coisas podem acontecer nesse outro contexto. N ão se esqueça o leitor de nossos propósitos de escritura, de um texto num livro sobre Psicologia Jurídica: o que pode á, nossa vã psicologia, p ara além daquilo que habitualm ente se ^ coloca como seu objeto; mais cspecificamentc, o que pode ela, quando feita nos campos afeitos a questões e populações ou grupos, no âmbito da Justiça, do Direito. .
Fique Vivo em meio a isso U m a dezena de anos depois da pesquisa, fui convidada a dar supervisão institucional p a ra um grupo de psicólogos que desenvolvia um Projeto com o sugestivo nom e de. Fique Vivo. Assim o definem seus criadores: um conjunto integrado de ações educativas, culturais e de prom oção''de saúde que vi sam, basicam ente, estimular a expressividade, ■a apropriação de bens culturais e o exercício de um a gestão dem ocrática do convívio grupai. Suas atividades concretas têm sido desenvolvidas em U nidades da Febem, na qualidade de serviço contratado. A base dessas atividades são Oficinas de Grafite, produção de
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Instrum entos de Percussão, D J ., Leitura, Cartas, Jornal, Pa ternidade e Prevenção de AIDS. São oficinas de trabalho e algum as delas têm sido conduzidas como autogestão,.desde a produção m aterial até a utilização da renda obtida pela venda -dos_pr odutos._São.coordenadas por profissionais especializados em cada área (nomeados educadores no quadro de trabalhadores do Projeto) e acom panhadas p o r psicólogos que se atribuem função diferenciada daquela do -énsino técnico específico de cada tipo de atividade. Tais psicólogos, em cada U nidade, são os mesmos que se ocupam do acom panham ento geral do P ro jeto naquela casa, m antendo contato com os outros grupos institucionais, sobretudo com os internos, em situação de roti na, com o pátio e^ dormitórios. i ; H á, ainda, um plantão psicológico oferecido aos rapazes internos, de procura livre, conduzido por estagiários 'de psico logia, com supervisão feita em conjunto, pelo Serviço ;d e Acon selham ento do Instituto de Psicologia da U SP e um pijofissional destacado do Projeto. , ; ■
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Uma história,.. D izer o que acim a dissemos ê pouco, diante cie tudo o que este Projeto faz e fez. O Fique Vivo já tem um a história de cinco ou seis anos; um a história de|trabalhos idealizados e con cretizados, sempre movidos a grandes esforços e reflexões, por parte de toda a equipe, hoje com posta de psicólogos e educa dores, em funções de coordenação 1e atividades diretas (oficinas e contatos com os grupos institucionais, desde internos e m onitores das U nidades da Febem até diretores da Fundação). Neste m om ento, correndo 10 risco de ser parcial, mas garantindo o tem a a que nos propusemos, darei destaque a alguns aspectos^do conjunto das [ações. Creio, porém , que o
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leitor, poderá ter um a idéia de' suas principáis características bem como de sua im portância social. ; Q uando as supervisões se iniciaram , foi-me possível reco nhecer, naquilo que estes profissionais relatavam, marcas daquelas condusoes a que chegara com o estudo de 1985. Algo parecia profundam ente
enraizado nessas práticas, de tal m odo .que, infelizmente, ape sar de tantas m udanças anunciadas nas instâncias oficiais, a situação não se alterava.
Talvez caibam aqui algumas considerações sobre m u danças. E ntre 1985 e hoje, houve a m udança do Código de M enores p a ra o Estatuto da C riança e do Adolescente. Claro que isto é im portante na garantia dos direitos da criança a atendim ento digno. (Claro que foram criadas instâncias concre tas mais coerentes com as necessidades de tratam ento desse segmento da população, no plano jurídico, social e assistencial. H á, particularm ente, um a alteração no discurso, que busca corrigir um a discriminação, que por essa via se fazia das crian ças em condição de pobreza, abandono e infrâção, que eram invariavelm ente referidas como menores, sob .vigência do Códi go. Pelo Estatuto, força-se a nom eação por sua condição de crianças e jovens. Os relatórios psicológico e social bem como os processos jurídicos parecem constantem ente policiados a proceder a essa alteração discursiva.' E isso c, em princípio; correto e bom . No entanto, o que se pode notar é que há algo de absurdam ente resistente, no plano dos discursos e práticas concretas, que insiste em perm anecer. Provavelmente porque as alterações nesse plano têm ritm o lento e exigem que outras m udanças ainda se processem. As práticas institucionais têm relação corri um contexto de outras expectativas e instituições sociais, que continuam dem andandò da FEBEM um a função específica no trato com a m arginalidade. O fato é que, no pla no em que nossos.trabalhos e estudos se dão, pudem os'atestar, não sem um quê de tristeza, a perm anência, em linhas gerais, do m esm o quadro.
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A te ccrto p o n to , tal inércia tende a colocar limites em
nossas p reten sõ es de transform ações radicais: sonho de que o bom senso não nos livra, e que está na base e no horizonte de nossas preocupações políticas; sonho bom que nos em purra a tentar sempre:.. Mas o fato é que lá estava eu acom panhando, agora com as mãos na massa do trabalho direto, as cenas que a pesquisa configurara. Bem. Não preciso dizer ..-que um projeto de intervenção como o do Fique Vivo coloca-se na contracorrente desse m oto contínuo da instituição. Daí, com freqüência, sua fluência é atravessada pelos reveses de um trabalho institucional. São várias as frentes em que se coloca, são várias as atividades que’desenvôlve e sao vários os grupos institucionais que envolve. M uito embora' a proposta prim eira seja a de trabalhar diretam ente com os internos, constantem ente, isso implica interferir na ro tina da casa para que os meninos possam participar das ofici nas, o que, por sua vez, implica ter a anuência de um m onitor (funcionário da U nidade, responsável pelo contato com os meninos, para seu cuidado e controle7). N o início das atividades, e r a esse o e n t r a v e m a i s v is ív e l a o d e s e n v o l v i m e n t o do trabalho. Como que p ara confirm ar um a interpretação já desgastada pelo uso, havia um a espécie de afastamento deliberado de influências estranhas ao cotidia no e ao ‘habitual. Freqüentem ente, dificultava-se a ida de m e ninos às atividades program adas e as razoes p ara tanto iam desde a simples afm tiação de que isso atrapalharia a ordem das coisas, até que teria acontecido algum tipo de equívoco.
•7 C om tudo o que está ai fundido: cu id ad o/con trole, d iscip lin a/ed u cação, • reedu cação/contenção. Esses pares de oposios não se distinguem no im agi nário dos que fazem a FEBEM . E, diga-se, isto não ocorre só na fala dc agentes e clientela em relação direta, com o tam bém no discurso escrito ofi-, ciai.
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M uitos desses entraves nos inipediám dc. avaliar até onde os próprios internos poderiam estar ou não interessados naqui lo que o Projeto propunha. Era como sé; na base d a ação, lhe fosse ceifada a possibilidade de acontecer. Talvez sç possa apon tar aí um a das formas sutis da dimensão perversa da relação, que norm alm ente se costuma atribuir às práticas de atendi m ento tecidas na violência. H á um “ataque ao contrato”, con forme o discurso e o entendimento psicanalítiço. Com isto, tudo estaria com prom etido. Notávamos, ainda, que além dos tempos, os espaços da casa eram tom ados com reféns de um a espécie dc estratégia de co locação de limites ao Projeto. Com o assim? O pátio da U nida de, por exemplo, parecia ser espaço sagrado da instituição; os coordenadores do Fique Vivo, sobretudo se mulheres, não de veriam circular nele e determ inadas atividades foram proibidaá lá. Justificavam as proibições pelo risco de agressão e, até, re belião. No ar, ficava a sugestão dc que as questões sexuais e de segurança eram explosivas. Em nome de um pressuposto, a violência se a n u n c i a v a n o v a m e n t e c o m o a m a r c a d a q u e l a r e l a ção. Pelo avesso e pelo direito. Falamos, aqui, de um jogo dc forças que se trava no e pelo discurso e que está indissociavelmente enlaçado aos pro cedim entos institucionais. Como se pode notar, o contraponto i v-' da tensão, assim gerada, eram os procedimentos das oficinas, c arro-chefe do Projeto que, na luta p o r sobrevida e por efetivação, tentou descobrir suas formas de resistência, sem se deixar paralisar, absorver ou perverter nessa ordem discursiva.
Uma supervisão,.. Nesse ponto, ressalta o lugar da supervisão que eu fazia com o grupo de coordenadores (diretores do Fique Vivo e seus coordenadores p ara as atividades de cada U nidade em que ele
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se desenvolvia). Ela era (e continua sendo) um lugar destinado especialm ente a pensar o conjunto das correlações dei força na intervenção. Lugar preferente de análise e de execuçãp do tra balho que supõe á necessidade, em situações como essa, de um co rte-no-eontact 0 -im ediato-e-de-eqrpo-a-G Orpo,-no-cotidiano das relações instituídas. ; E, como o Fique Vivo é, nas origens, um projeto em psicologia, idealizado e coordenado, por psicólogos, cabem al gum as palavras, sobre o modo. como encaram os nossa área do conhecim ento, sobretudo quando ela tam bém se exerce fora de seu berço histórico, com perspectivas e fundam entos dife renciados. i J\ra supervisão semanal, temos ium m om ento privilegiado para exercer essa m ágica reciprocidade entre o fazer, e o pen sar. C ostum am os ter como pauta, questões e dificuldades, que surgem no trabalho. M as nosso foco (ou, ponto de partida, o que ' na m aioria das vezes dá no mesmo); ê} sempre, a atenção]às relações concretas, tom adas na mais absoluta relatividade às condições insti tucionais .de sua.produção; ê a atenção ao discurso, tom ado como ocasião de análise, o que nos remete, inélutavelmente às imbricações entre os efeitos im aginários e o coritexto e /o u os procedim en tos institucionais.“ ■ Só p ara exemplificar: no que diz respeito ao i acom pa nham ento que os psicólogos fazem às oficinas, temos discutido, constantem ente, a necessidade de jse reverem os modelos de pensar a subjetividade, alvo e objeto do fazer psicológico. Com cuidado, temos insistido em não tom á-la (a subjetividade) como sinônim o im ediato de um a história pessoal, de um a afptividade, de um indivíduo, acim a/ao lado/antes/depois dos espaços/tem pos/procedim entos daquela ordem institucional concreta. T e mos insistido erri considerar que a^ possibilidade de o m enino
c V id e nota de rodapé 3 sobre o objeto da psicologia
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falar de um si, muitas vezes soterrado pelo discurso corrente, obviam ente é de inestimável valor; no'entanto, esta é apenas ' • um a das dimensões da subjetividade que se constrói naquele contexto. N ão se pode negligenciar que quando um m enino ----- nos-fala._ele traz p ara a oficina, ou p ara a conversa, o pátio e suas densas relações; traz o dorm itório .e o lugar que ele (inter no) tem entre os outros colegas de destino social. As regras do fora da oficina atravessam as posturas e falas no dentro. Este é o si do e no grupo de que se trata...9. Exatamente por assim supor serem' aquelas práticas concretas e p o r assim conceber nossa psicologia, podem os prosseguir destacando aspectos que m arcariam ^s relações institucionais, a subjetividade e a psicologia desta tão conhecida instituição de custódia a jovens em conflito com a lei.
Cenas e metáforas de um cotidiano A m em ória resgata, agora, cenas que podem elucidar o •trânsito, ora mais ora menos agitado, das ações do Fique Vivo e que podem esclarecer o que acima se delineou genericamente. N um a certa ocasião, um dos coordenadores, relativamente ■ conhecido e b em 1aceito pelos meninos, estava no pátio (onde já se to rn ara possível “circular”, depois de idas e vindas de interiocução) e, de m odo espontâneo, comentou com um deles que notara que sua barba estava por fazer. Surpreendentemente, o rapaz reagiu, dizendo que o senhor estava fazendo ironia e que não deveria fazer aquilo. O “clima” denunciou, num repen te, um a tensão altíssima: a ameaça sugerida por alguns termos da fala (e não se sabe quais) tornara-se tão palpável quanto um a
0 V id e notas de rodapé 3 e 4 sobre sujeito psíquico, análise psicológica e análise de discurso.
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substância física qualquer., Esclarecer o equívoco, nem pensar,.. Foi prècisò um jogo de “deixa-disso”, por parte de outros rapa zes p àfa que .tudo ficasse como se nada tivesse acontecido. O que cham a a atenção no episódio é a prontidão pára a anim osidade e a am eaça .de aniquilação do outro; é, tam bém , a desmontagem da cena, sem vestígio de sua ocorrência; e, ainda, o medo e o estranham ento que tomou conta do su posto provocador, incápaz/ím pótente que se sentiu p ara en tender o que se passava e sair do cerco. No ar, portanto, está o risco de sobrevivência, pelo desconhecimento fundam ental das regras seguras de conduta, naquele contexto; pela força de um código que pode eventualm ente ser tolerante, mas que, num golpe-, p o d e tam b ém ser fa to r d e ’su m á ria exclusão do interlocutor. ■ Os meninos é que são maus? Os m onitores teriam razão de dificultar, no início, o trânsito do pessoal do Fique Vivo? N unca foi esse o nosso foco, Nosso ângulo de visão abrange a relação que o discurso encena. Vejamos outra situação, agora com os funcionários. C e r t a v e z , um o u t r o c o o r d e n a d o r d o P r o j e t o c o n v e r s a va, no pátio, com um m onitor e este o provocou, afirmando que várias tentativas haviam sido feitas por grupos que vinham cle fora da instituição, com novas e interessantes propostas de m udança, mas que nada havia de fato m udado. Instado a res ponder porque, (será que) isso acontecia, disse qué as pessoas sempre chegavam lá com ideais de educação dem ocrática e que aqueles meninos só entendiam a disciplina na base da for ça.- Novam ente invertendo a ordem argüidor/argüido e pros seguindo com seu desafio, o monitor perguntou o que o psicólogo faria se estivesse em um a U nidade “desandada”, com jovens agressivos atacando os mais fracos e os funcionários. Teve como resposta que, em algumas situações, de fato, é necessária a for ça; mas, apenas, para contenção de emergência. E, como se mudasse de assunto, o coordenador-psicólogo lhe pergunta sobre
o tratam ento que a FEBEM dispensa aos funcionários. De ime diato, ouviu que eram m uito m altratados, que havia m uita arbitrariedade; por exemplo, costumavam acontecer promoções de recém -adm itidos, em detrim ento de .pessoas qüe estão há mais tem po no serviço. E, por aí foi a conversa, até que se falasse sobre os boicotes ás .regras que, muitas vezes, os funcio nários fazem, como um m odo de enfraquecer quem deu ás ordens, como um a represália. Pois bem. Pelos mesmos m oti vos, com freqüência, o jovem reage a imposições que não lhe fazem sentido; pelo menos, fica mais fácil respeitar um a regra quando se pode reconhecer sua procedência. Assim se o jovem entendesse que, em algumas situações, o funcionário é enérgi co p a ra protegê-lo, talvez entendesse m elhor o funcionário... Gomo se pode notar, os personagens são diferentes, mas há um certo'jogo de dom ínio que se repete, nessas cenas. Em outro setiing, a experiência concreta destaca que, dentre as oficinas, urna das que mais despertam interesse é a de paternidade, o que nos rem ete novamente ao estudo de 1985; lá, já se anunciava a delicadeza do tema p a r a os meninos. E capaz de revirar a conversa, fazer eclodir, ao vivo, sentimentos fortes, hostis ou de desprezo. E mais: o psicólogo que coordena a oficina tem que ser hábil p ara que os funcionários, que acom panham os participantes envolvam-se, como naturalm ente o fazem, sem contudo abafar a voz dos rapazes. E com um que todos participem efetivamente, num incrível enlaçam ento de presente, passado• e futuro, apresentando suas histórias e ex pectativas, mazelas e potências, no que diz respeito às suas condições de filhos e de pais. M ais ainda: num a das Unidades, produziu-se um jornal, na oficina de leitura. H avia nele notícias do mundão e de dentro da casa, como por exemplo entrevistas com o diretor daquela U nidade. Curiosam ente, houve reação, am eaças mais ou m e nos veladas de abortar a cria e não se poder chegar até a fase de impressão. Ao mesmo tem po, um m ural foi diretam ente
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proibido. N a s u p e r v i s ã o , procuram os pensar porque esse re curso teria provocado tanto mal-estar. Com um certo, toque de s u r p r e s a , chegam os a um a interpretação, que até agora iparece c o n v i n c e n t e : a com unicação e o conhecim ento de fatos;sociais c políticos a que estamos todos de algum m odo submetidos ou que fãmbém produzim os nãcTdeve ser acessível aos que estão com sentença de privação de liberdaqle. Nesses casos, a infor mação é tem ida como um explosivo. D aqueles tantos que pa recem espalhados p o r todos os postosj da relação. Privação de liberdade, privação de inform ação... :
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Andando sobre os íios tensos de um código discursivo fectíado *
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Assim procedendo, por desafiosl e tentativas de entendi mento, na corda tensa dos códigos fechados e das exciusões, o Fique Vivo tem produzido seus efeitos1. Parte desses efeitos são da o r d e m de desestabilizar as imagens de senso comüm, de expectativa fácil. E isto, redireciona sempre a ação. U r ia des sas imagens reviradas (e não, revisadas) é a da força da cliente la de instituições como esta. : !' A idéia que se faz desses rapazes, clientela da FÉBEM, n ã o é única. H á os que neles vêem um a natureza torta e'm á (a p o p u la ç ã o e m geral e grande parte dos funcionários que se e n c a r r e g a m de sua contenção no i n f e r i o r das práticas asilares). Há os que defendem sua condição de vítimas da estrutura socioe c o n o m ic a , rom antizando um á especie: de bondade congênita, c o n s t a n t e m e n t e abalroada pelo am biente hostil '{alguns iteóric o s e educadores), 1 Uma coisa, entretanto, que salta aos olhos de quem se ocupa desse trabalho, num a perspectiva reflexivo-analitica, é a com plexidade do jogo de forças e afetos daquiló que nom ea mos antes como uma relação e /o u discurso perverso. Torna-se impossível prosseguir com visões m aniqüeístas na linha v ítim a/
agressor ou m aldade/bondade. Desse m odo, é iriegável que os internos, como grupo institucional, exercem pressão ativa na violência das relações: ora entre eles, ora com outros grupos da instituição, conforme ilustramos acima. Destacam os aí, a violência entre os próprios internos. São freqüentes, por exemplo, as práticas, jarinstitüídas, dê“seguro que retiram alguns deles do convívio com os outros, para garantir-lhes a sobrevivência física, um a vez que teriam trans gredido algum dos códigos que regem sua vida em comum, dentro da U nidade. São códigos particulares, que fazem, para eles, o mais absoluto sentido e que, sob pena de eliminação, devem ser cumpridos por todos. O u quase todos. Exceção feita a alguém que tenha posição de reconhecido destaque na lide rança dos demais. Por esses mesmos códigos e suas exceções, regem-se con dutas e discursos autorizados ou excluídos, havendo previsões bastante ciaras de punição em caso de desobediência. Por exem plo: em dia de visita, é proibido circular sém camisa pela casa, um a vez que'ninguém pode ousar insinuar-se a familiares ou nam oradas dos outros internos. T am bém os espelhos são proi bidos nesses dias porque alguém poderia ficar olhando, através deles, as visitas dos colegas. Gom o se pode observar e como se afirmou anteriorm en te, nada que lem bre um a alm a sem lei... Os critérios, as finali dades e as contingências seguem o mais coerente m odo de funcionam ento de um discurso: o aleatório a serviço dos inte resses de determ inada com unidade discursiva. Lá tudo é forte e definitivo. V enha idc onde (de que gru po institucional) vier a ordem , seu destino é o cumprimento. Em caso de conflito de interesse, vence !o (grupo) mais forte. N ão é de se espantar, portanto, que a m arca da relação seja a violência e que ela se reproduza num a indiscutível legitimidade.
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Quem tem medo da Psicologia? Está mais do que n a hora de voltarmos à pergunta-título deste texto: (nisso tudo) o que pode a nossa vã psicologia? A resposta foi-se construindo em dois níveis; ê, nisso, de certa fórma, foi-se dem onstrando que, p ara além da brincadei ra sugerida pela palavra vã, nossa psicologia podei U m dos níveis é mais sutil: . tudo o que aqui se escreveu e afirmou sobré a instituição e a população-alvo do estudo de 1985 e sobre a intervenção do Fique-Vivo (os resultados, por tanto) guardam íntim a relação com a estratégia de pensam en to que atribui à psicologia um objeto e um alcance determ inados (a que já nos referimos no decorrer do próprio texto). O outro nível são as diferentes inserções do psicólogo, no contexto do Projeto, tal como exercido na FEB EM. A experiência concreta, no entanto, reservou surpresas e apontou para outras formas de identificar a potência de nossa área de atuação e conhecimento. E é com ela, a experiência concreta, que pretendem os finalizar o capítulo. P o d e m o s n o ta r q u e o lu g a r q u e a P sico lo g ia o c u p a n o
imaginário social potencializa-a de algum a m aneira. E isto se configurou num dado m omento na FEBEM , quando o Projeto iniciou uma de' suas atividades. Trata-se da ocasião em que começamos o Plantão de Aconselhamento Psicológico. Estagiários de psicologia fariam atendim ento individualizado aos rapazes que o solicitassem. Com o todas as novas formas de intervenção, esta foi apresen tada aos funcionários. E sua reação foi absolutam ente inespe rada. Afinal, depois das dificuldades iniciais de im plantação dos trabalhos, os profissionais do Fique-Vivo pareciam gozar d a confiança da casa-. O trânsito de educadores, psicólogos e ativi dades parecia despertar menos ânimos hostis, por parte d a q u e les que tinham cómo tarefa a disciplina dos internos. Talvez, tivessem se acostumado com o trabalho e nao mais o sentissem
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com o um a am eaça à sua ordem . Talvez tivessem reconhecido nele um a possibilidade de convivência pacífica, mesmo na di ferença de aíyos. . O fato, no entanto, é que houve reação de oposição ao Plantão, p o r meio de várias formas de resistência: as resistênci as abertas, com discussões que visavam, outra vez, dem onstrar que isso poderia indiretam ente causãr rebeliões; resistências não abertas, com perguntas sobre os procedim entos dos estagiários, nessas "conversas particulares” com os meninos, sobretudo no caso de eles falarem sobre violências e agressões feitas pelos funcionários (o que o estagiário faria nesses casos?; denunciaria o funcionário?); resistências em ato, com retardam entos de ações e am eaças (não explícitas, mas caracterizáveis como) de boicote. É impossível reproduzir, agora, o clima de' tensão que sc viveu então. N ão cabia u m a interpretação fácil do tipo eles:; estão se sentindo perseguidos: ela não resultaria em n a d a 'q u e fosse produtivo p ara o jogo de forças. As vezes, nas supervisões, fica va claro, por certas colocações feitas, que todos se sentiam am eaçados, inclusive os coordenadores do Fique-Vivo. A m ea çados cm sua conduta ctica de intolerância diante de atos dc violência. » C uriosam ente, inclusive, a pergunta sobre o que o esta giário faria não era apenas um a pergunta do funcionário. E ra de todos os trabalhadores do Projeto, que não se sentiriam à vontade e sequer coerentes com seus propósitos se, em nom e do sigilo dos atendim entos, calassem sobre os desm andos de um grupo institucional. P arecia, então, ter-se ch eg ad o a um a en c ru z ilh a d a intransponível, em qualquer direção. Seriam (estagiários, tra balhadores do Fique-Vivo e esta supervisora, inclusive) coni ventes com a violência, respeitando o sigilo profissional e evitando que os meninos que procurassem o atendim ento indi vidual corressem ainda mais risco de vida? Com o o leitor pode notar, a pergunta é um paradoxo; um paradoxo que assim se
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relações, fazer do exercício da psicologia um a ocasião cie circu lação de um outro discurso, esse da intimidade como segredo do um, que põe em risco o segredo da instituição. Vira-a do avesso. M ostra suas costuras básicas; aquilo que lhe dá consistência e
desdobrava: seriam esses trabalhadores coerentes com seus prin cípios de não-tolerância p ara com certos atos qué põem em risco a vida da clientela da instituição, e por isso, abririam ao discurso geral o que alguém lhes confidenciasse?; no entanto, não seria exatam ente aí que se jporiam em risco ;aquele cuja vida pretendiam garantir? ,
T ínham os apenas certezaide um a coisa: essas encruzi lhadas só se configuram quandojse leva até o limite o alcance de um trabalho institucional, cujp objeto e alvo vão na contra m ão do objeto e alvo da instituição dom inante/contratante. N aquele m om ento, como sói acontecer quando nos de param os com a dim ensão paradoxal de nossas intenções e ges tos, parecia estar havendo engessamento ético do trabalho. Com o sair disso? O u m elhor, como gaiiantir a vida, como ficar vivo? A resposta parecia ser um a, apeijas: não paralisando. Exercen do o básico: o m ovim ento. ; ■ ; U m esclarecim ento m aior aconteceu quando, nas super visões, pôderse falar tanto desse engessamento ético>como, tam bém , de um a espécie de ameaça 'da intimidade. O que isto quer dizer? Q ue os trabalhos do Fique-Vivo poderiam fluir enquan to não chegassem m uito perto daquilo que eles (osi grupos que definem, por sua ação, o objeto da instituição) entendiam como o mais íntim o das vivências institucionais. Enquanto não levas sem cada um a dizer do que mais o incomodava,; atingia e o fizesse sofrer. Assim, tudo indicava, o segredo do um rem etia, sem fron teiras, a um segredo institucional. E |a Psicologia seria :o passapor te. É interessante que exatam ente a psicologia e seus recursos de atendim ento individual, tão criticada como sendo alienadora, pouCo crítica, p o r certos discursos mais à esquerda de nossas vanguardas, viesse a provocar esse ato disparador de tantas tensões, crises, m om entos e discursos críticos. ; E que se pôde, por um a de suas práticas, por sua inser ção dessa form a no contexto im aginário e político daquelas
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form as visíveis, pelo lado direito. : A psicologia, tal como reconhecida naquelas relãçõcs 7 trouxe, pelos procedim entos em que seu discurso se produz, todo o jogo de tensão e poder na produção de subjetividade, nessas práticas de cuidado/contenção da delinqüência/violência dos (e com os) jovens infratores na FEBEM. A psicologia pôs em evidência os impasses de um a ética da intimidade; de u m a ética na produção da subjetividade. Se não pudesse mais, já teria podido muito, nossa psicologia, não? C om certeza, o leitor está interessado tam bém em saber com o as coisas cam inharam , em meio a tantos impasses. Pois bem . As discussões que pudem os fazer sobre esses aspectos conduziram -nos a definir um prim eiro passo: prosseguir com o trabalho de aconselham ento psicológico e, coin base na cornpreensão que dele estávamos tendo, naquele m omento, contin u a r todo o tem po pensando. Afinal, essa era (e tem sido) um a possibilidade (talvez a única) de Ficarmos, todos, Vivos...
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Hebe Signorini Gonçalves Violência, essa íntima desconhecida N a sociedade contem porânea, a vivência da violência é tão usual e cotidiana, anunciada c discutida com tanta freqüên cia, que somos levados a crer que sabemos m uito sobre ela. É tão com um que a experim entem os, na condição de vítimas diretas ou de ouvintes de um outro mais ou m enos íntim o, que um impulso de sobrevivência ou autopreservação nos leva a buscar algum m ínim o de inform ação que nos perm ita enten der su a ló g ica, a q u ila ta r sua e x te n sã o e a v a lia r o p e rig o q u e ela representa, reunindo recursos p ara dela nos protegerm os. Nes sa tarefa, temos sido auxiliados pela im prensa, que a discute à exaustão, e ainda pela literatura especializada, que disseca suas várias form as de expressão, traz dados de incidência c levanta hipóteses acerca das causas que a produzem ou das conseqüên cias que a ela se sucedem, Essa proxim idade forçada tende a anular a sensação de estranham ento que até há pouco dom inava a consciência cole tiva. A indagação que ainda persiste ê aquela que visa a encon tra r a form a de m inim izar os efeitos perniciosos da violência, ou os meios de reduzir sua escalada, que parece incontrolávcl. Em outras palavras, tom am os o evento violento como um mal necessário e um a condição quase indissociável da vida m oder na. D ito de outro m odo, banalizam os a violência. Faço alusão
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aqui à expressão consagrada por H an n ah Arendí;,.e a tomo em seu sentido original. P ara Arendt,i a banalização podè ser en tendida com o a corrupção da consciência que se sedim enta em pequenos hábitos do cotidiano e condiciona a form a pela qual QS-mdivíduos.-suprimindo-a_capacidade de pensar criticam en[ j te, se acostum am e se acom odam ao arbítrio, à barbárie, à covardia e ao cinismo. A essa constatação crítica de Arendt, associo um a afir m ação m ais recente que nos é trazida p o r Pierre Bourdieu (Bourdieu et al., 1999). N as ciências, e especialmente nas ciên cias hum anas, ensina o autor, é preciso suportar a tensão do desconhecido e .do estranham ento, pois são eles os motores do conhecim ento. A banalização, ao anular o estranham ento, refor ça a percepção im ediata, coloca jmaior relevo na experiência vivida, e restringe nossa capacidáde de exercitar ajeom preensão p a ra além do que nos é dado a perceber da realidade ob jetiva. C om o nos ensina Pierre Bourdieu, osfatos nãofalam\ eles são u m a evidência da realidade objetiva que o conhecim ento precisa decifrar. Essa é a prim eira razão pela qual quero tratar aqui não apenas daquilo que já se sabe acerca do tem a da violência contra a criança, m as tam bém das m uitas lacunas e indagações ainda presentes nesse cam po. A violência contra a criança tem sido exaustivam ente estudada nos últimos 40 anos, m as um a leitura aten ta das pesquisas recentes m ostra interpretaçõesjdivergentes entre os m uitos estudiosos e, mais que responder, lévanta inda gações que requerem investigação futura. Em suma, dispomos de fato de m ais perguntas que jde respostas, o que deve ser to m ad o com o um convite à m anutenção das sensações de estranham ento que Bourdieu tanto valoriza. Além disso, a produção dissses últimos 40 anos na área d a violência contra a criança está ainda lim itada;a um saber que é taxonôm ico, C om isso, quero dizer que o saber acum u lado até aqui nos perm ite classificar os eventos observáveis, e
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estabelecer correlações entre eles. No. entanto, os conceitos ainda não foram adequadam ente estabelecidos nem as relações entre os diversos fenômenos suficientemente compreendidas (Calhoun e Clark-Jones, 1998). Em conseqüência' 'dispomos de poucos elementos que nos perm itam com preender a natureza dos eventos violentos, tanto em term os dos motivos que os desencadeiam quanto dos efeitos que eles produzem : O u seja: não é possível . fazer referência a causas ou conseqüências da violência, mas som ente das relações verificáveis entre certos eventos.
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