Haroldo de Campos - Da tradução como criação e como crítica

March 28, 2019 | Author: raúl | Category: Poetry, Translations, James Joyce, Odyssey, Information
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Crítica literaria y teoría cultural en América Latina....

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Da tradução como criação e como crítica Haroldo de Campos

O ensaísta Albrecht Fabri, que foi por algum tempo professor da Escola Superior da Forma, Ulm, Ulm, Aleman Alemanha, ha, escreveu escreveu para a revist revistaa  Augenblick , umas notas sobre o problema da linguag linguagem em artísti artística ca que deno denomin minou ou “Prelim “Prelimina inares res a uma teoria teoria da literat literatura ura!! "esse "esse trabalho, trabalho, o autor desenvolve desenvolve a tese de que “a ess#ncia da arte $ a tautologia, tautologia, pois as obras artísticas “n%o significam, mas s%o! "a arte, acrescenta, “$ impossível distinguir entre representa&%o e representado! 'etendo(se especificamente sobre a linguagem liter)ria, sustenta que o pr*prio desta $ a “senten&a absoluta, aquela “que n%o tem outro conte+do sen%o sua estrutura, a “que n%o $ outra coisa sen%o o seu pr*prio instrumento! Essa “senten&a absoluta ou “perfeita, por isso mesmo, continua Fabri, n%o pode ser traduida,  pois “a tradu&%o sup-e a possibilidade de se separar sentido s entido e palavra! O lugar  da  da tradu&%o seria, assim, “a discrep.ncia entre o dito e o dito! A tradu&%o apontaria, para Fabri, o car)ter menos perfeito ou menos absoluto /menos est$tico, poder(se(ia dier0 da senten&a, e $ nesse sentido que ele afirma que “toda tradu&%o $ crítica, pois “nasce da defici#ncia da senten&a, senten&a, de sua insufici#ncia insufici#ncia para valer por si mesma! “"%o se tradu o que $ linguagem num te1to, mas o que $ n%o linguagem! “2anto a possibilidade como a necessidade da tradu&%o residem no fato de que entre signo e significado impera a aliena&%o!  "o mesmo n+mero de  Augenblick , enfrentando o problema e transpondo(o em termos de sua nova est$tica, de base semi*tica e te*rico(informativa, o fil*sofo e crítico 3a1 4ense 4ense estabe estabelec lecee uma distin distin&%o &%o entre entre “inform “informa&% a&%oo doc documen ument)r t)ria ia,, “inform “informa&% a&%oo sem.ntica e “informa&%o est$tica! 5nforma&%o, 6) o definira alhures, $ todo processo de signos que e1ibe um grau de ordem! A informa&%o document)ria reprodu algo observ)vel, $ uma uma sent senten en&a &a empí empíri rica ca,, uma uma sent senten en&a &a(r (reg egis istr tro! o! Por Por e1em e1empl ploo /tra /trans nspo pore remo moss a e1emplifica&%o de 4ense para uma situa&%o de nosso idioma07 “A aranha tece a teia! A informa&%o sem.ntica 6) transcende a document)ria, por isso que vai al$m do horionte do observado, observado, acrescentando acrescentando algo que em si mesmo mesmo n%o $ observ)vel, um elemento elemento novo, novo, como, por e1emplo, o conceito de falso ou verdadeiro7 “A aranha tece a teia $ uma  proposi&%o verdadeira, eis uma informa&%o sem.ntica! A informa&%o est$tica, por sua ve, tran transc scen ende de a sem sem.nti .ntica ca,, no que que conc concer erne ne 8 “imp “impre revi visi sibi bili lida dade de,, 8 surp surpre resa sa,, 8 improbabilidade da ordena&%o de signos! Assim, quando 9o%o :abral de 3elo "eto escreve7 A aranha passa a vida 2ecendo 2ecendo cortinados cor tinados :om o fio que fia 'e seu cuspe privado!; estamos diante de uma informa&%o est$tica! Esta distin&%o $ b)sica, permite a 4ense desenv desenvol olver ver,, a part partir ir dela dela,, o conce conceit itoo de  fragilidade   fragilidade  da informa&%o est$tica, no qual residiria muito do fascínio da obra de arte! Enquanto a informa&%o document)ria e tamb$m a sem.ntica admitem diversas codifica&-es, podem ser transmitidas de v)rias maneiras /por  e1emplo7 “A aranha fa a teia, “A teia $ elaborada pela aranha, “A teia $ uma secre&%o da 1 'e “Formas do nu, em

Terceira feira! feira!

aranha etc!0, a informa&%o est$tica n%o pode ser codificada sen%o pela forma em que foi transmitida pelo artista /4ense fala aqui da impossibilidade de uma “codifica&%o est$tica< seria talve mais e1ato dier que a informa&%o est$tica $ igual 8 sua codifica&%o original0! A fragilidade da informa&%o est$tica $, portanto, m)1ima /de fato, qualquer altera&%o na sequ#ncia de signos verbais do te1to transcrito de 9o%o :abral perturbaria sua realia&%o est$tica, por pequena que fosse, de uma simples partícula0! "a informa&%o document)ria e na sem.ntica, prossegue 4ense, a “redund.ncia /isto $, os elementos previsíveis, substituíveis, que podem ser reconstituídos por outra forma0 $ elevada, comparativamente 8 est$tica, onde ela $ mínima7 “a diferen&a entre informa&%o est$tica m)1ima possível e informa&%o est$tica de fato realiada $ na obra de arte sempre mínima! A informa&%o est$tica $, assim, insepar)vel de sua realia&%o, “sua ess#ncia, sua fun&%o est%o vinculadas a seu instrumento, a sua realia&%o singular! 'e tudo isto, conclui7 O total de informa&%o de uma informa&%o est$tica $ em cada caso igual ao total de sua realia&%o =donde>, pelo menos em princípio, sua intraduibilidade =!!!> Em outra língua, ser) uma outra informa&%o est$tica, ainda que se6a igual semanticamente! 'isto decorre, ademais, que a informa&%o est$tica n%o pode ser semanticamente interpretada!? Aqui 4ense nos fa pensar em Sartre, na distin&%o entre poesia /mot-chose0 e prosa /mot signe0 em Situations II , quando, a prop*sito dos versos de @imbaud7 O saisons O ch.teau1 Buelle .me est sans d$faut, Sartre escreve /para demonstrar a diferen&a quanto ao uso da palavra na poesia e na prosa respectivamente07 Personne nCest interrog$< personne nCinterroge7 le poDte est absent! Et lCinterrogation ne comporte pas de r$ponse ou plutt elle est sa propre r$ponse! Est(ce donc une fausse interrogation 3ais il serait absurde de croire que @imbaud a “voulu dire7 tout le monde a ses d$fauts! :omme disait 4reton de Saint(Pol(@ou17 “SCil avait voulu le dire, il lCaurait dit! Et il nCa pas non plus voulu dire autre chose! 5l a fait une interrogation absolue< il a conf$r$ au beau mot dC.me une e1istence interrogative! Goil8 lCinterrogation devenue chose, comme lCangoisse du 2intoret $tait devenue ciel 6aune! :e nCest plus une signification, cCest une substance =H>!I @ealmente, o problema da intraduibilidade da “senten&a absoluta de Fabri ou da informa&%o est$tica de 4ense se p-e mais agudamente quando estamos diante de poesia, embora a dicotomia sartriana se mostre artificial e insubsistente /pelo menos como crit$rio absoluto0, quando se consideram obras de arte em prosa que conferem primacial import.ncia ao tratamento da palavra como ob6eto, ficando, nesse sentido, ao lado da  poesia! Assim, por e1emplo, o 9oJce de Ulysses e  Finnegans Wake, ou, entre n*s, as 2 4ense! Das Eisten!"roblem der #unst ! 3 Sartre!

Situations II !

 $em%rias sentimentais de 9o%o 3iramar e o Serafim &onte 'rande, de OsKald de Andrade< o $acuna(ma, de 3)rio de Andrade< o 'rande sert)o7 veredas, de Luimar%es @osa! 2ais obras, tanto como a poesia /e mais do que muita poesia0, postulariam a impossibilidade da tradu&%o, donde parecer(nos mais e1ato, para este e outros efeitos, substituir os conceitos de prosa e poesia pelo de te1to! Admitida a tese da impossibilidade em princípio da tradu&%o de te1tos criativos,  parece(nos que esta engendra o corol)rio da possibilidade, tamb$m em princípio, da recria&%o desses te1tos! 2eremos, como quer 4ense, em outra língua, uma outra informa&%o est$tica, autnoma, mas ambas estar%o ligadas entre si por uma rela&%o de isomorfia7 ser%o diferentes enquanto linguagem, mas, como os corpos isomorfos, cristaliar(se(%o dentro de um mesmo sistema! 9) Paulo @*nai, em sua preciosa  Escola de tradutores, tratando do problema, salientou que a demonstra&%o da impossibilidade te*rica da tradu&%o liter)ria implica a assertiva de que tradu&%o $ arte! S%o suas palavras7 O ob6etivo de toda arte n%o $ algo impossível O poeta e1prime /ou quer  e1primir0 o ine1primível, o pintor reprodu o irreproduível, o estatu)rio fi1a o infi1)vel! "%o $ surpreendente, pois, que o tradutor se empenhe em traduir o intraduível!M Ent%o, para n*s, tradu&%o de te1tos criativos ser) sempre recria&%o, ou cria&%o paralela, autnoma por$m recíproca! Buanto mais in&ado de dificuldades esse te1to, mais recri)vel, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recria&%o! "uma tradu&%o dessa naturea, n%o se tradu apenas o significado, tradu!-se o "r%"rio signo, ou se6a, sua fisicalidade, sua materialidade mesma /propriedades sonoras, de imag$tica visual, enfim tudo aquilo que forma, segundo :harles 3orris, a iconicidade  do signo est$tico, entendido por “signo icnico aquele “que $ de certa maneira similar 8quilo que ele denota0! O significado, o  par.metro sem.ntico, ser) apenas e t%o(somente a balia demarcat*ria do lugar da empresa recriadora! Est)(se pois no avesso da chamada tradu&%o literal! Em nosso tempo, o e1emplo m)1imo de tradutor(recriador $, sem d+vida, Era Pound! O caminho po$tico de Pound, a culminar na obra inconclusa :antares, ainda em progresso, foi sempre pontilhado de aventuras de tradu&%o, atrav$s das quais o poeta criticava o seu  pr*prio instrumento linguístico, submetendo(o 8s mais variadas dic&-es, e estocava material para seus poemas em preparo! Pound desenvolveu, assim, toda uma teoria da tradu&%o e toda uma reivindica&%o pela categoria est$tica da tradu&%o como cria&%o! Em seu  *iterary Essays, escreve ele7 Uma grande $poca liter)ria $ talve sempre uma grande $poca de tradu&-es, ou a segue =!!!> N bastante curioso que as ist*rias da iteratura Espanhola e 5taliana sempre tomem em considera&%o os tradutores! As ist*rias da iteratura 5nglesa sempre dei1am de lado a tradu&%o Qsuponho que se6a um comple1o de inferioridadeQ no entanto alguns dos melhores livros em ingl#s s%o tradu&-es!R

4 @*nai! Escola de tradutores, p! ;! 5 Pound! *iterary Essays, p! IM!

'epois do “Seafarer e alguns outros fragmentos da primitiva literatura anglo( sa1nica, continua Pound, a literatura inglesa viveu de tradu&%o, foi alimentada pela tradu&%o< toda e1uber.ncia nova, todo novo impulso foram estimulados pela tradu&%o, toda assim chamada grande $poca $ uma $poca de tradutores, come&ando por LeoffreJ :haucer, “e Lrand 2ranslateur, tradutor do +omance da +osa, parafraseador de Girgílio e Ovídio, condensador de velhas hist*rias que foi encontrar em latim, franc#s e italiano!T  "o mesmo livro, apontando as fun&-es da crítica, arrola desde logo, como modalidade desta, a tradu&%o! “:riticism bJ translation! O que $ perfeitamente compreensível, quando se considera que, para Pound, as duas fun&-es da crítica s%o7 ;0 tentar teoricamente antecipar a cria&%o< ?0 a escolha< “ordena&%o geral e e1purgo do que 6) foi feito< elimina&%o de repeti&-es!!!< =!!!> “a ordena&%o do conhecimento de modo que o pr*1imo homem /ou gera&%o0 possa o mais rapidamente encontrar(lhe a parte viva e perca o menos tempo  possível com quest-es obsoletas! N assim que Pound, animado desses prop*sitos, se lan&a 8 tarefa de traduir poemas chineses, pe&as n 6aponesas /valendo(se dos manuscritos do orientalista Ernest Fenollosa0
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