Hans Ulrich Gumbrecht - Graciosidade e Estagnação-Contraponto (2012) PDF

March 13, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Hans Ulrich Ulrich Gumbrecht Gumb recht

GRACIOSIDADE   ESTAGNAÇÃO e

ENSAIOS ESCOLHIDOS

INTRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO

Luciana Luc iana Villas Villas Bôas TRADUÇÃO

Luc iana Villas Luciana Villas Bôas Markus Hediger  Hediger 

( ODTRf l POnTO E  d i t o r a

PUC PU C

 

PUC  R I O

Reitor  Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J. Vice-Reitor  Pe. Francisco Ivern Simó, S.J. Vice-Reitor para pa ra Assuntos Acadêmico Acadêmicoss Prof. José Ricardo Bergmann Vice-Reitor para Assuntos Administrati Administrativos vos Prof. Luiz Luiz Carlos Scavarda do Ca Carmo rmo Vice-Reitor Vice-Reit or para par a Assuntos Assuntos Comunitários Comunitár ios Prof. Augusto Luiz Duarte Lopes Sampaio Vice-Reitor para Assuntos de Desenvolvimento Prof. Sergio Bruni Decanos Prof. Paulo Paulo Fer Fernando nando Carneiro de Andrade (CTCH) (CTCH) Prof. Luiz Luiz Rober Roberto to A A.. Cunha Cun ha (CC (CCS) S) Prof. Reinaldo Calixto de Campos (CTC) Prof. Hilto Hi ltonn Augusto Koc Kochh (CCBM) (CCBM)

 

© Hans Ulrich Gumbrecht, 2012 Todos os direit Todos direitos os rese reservad rvados. os. Nenhum a pa rte desta obra po pode de ser reproduzida ou transm itida po r quaisquer meios (eletrônico ou m ecân ecânico, ico, incluindo fotocópi fotocópiaa e gravação) grava ção) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita das editoras. Con traponto Editora L Ltd tda. a. Av. Franklin Roosevelt 23 / 1405 Rio de Janeiro, RJ - Bras Brasil il CEP 20021-120 Telefax: (21) 2544-0206 / 2215-6148 Site: www.contrapontoeditora.com.br E-mail: [email protected]  Editora PUC-Ri PUC-Rioo Rua Marquês de S. Vicente, 225 —Gávea Projeto Comunicar Comu nicar - Cas Casaa Agên Agência/ cia/Editor Editoraa Rio de Janeiro, RJ - CEP 22453-900 Telefax: (21) 3527-1760/1838 Site: www.puc-rio.br/editorapucrio www.puc-rio.br/editorapucrio   E-mail: [email protected]  Conselho Editorial Augusto Sampaio, Cesar Romero Jacob, Fernando Sá, José Ricardo Bergmann, Luizz Roberto Cu Lui Cunha, nha, Miguel Per Pereira, eira, P Paulo aulo Fern Fernando ando C arneiro de Andrade e Reinaldo Calixto de Campos Revisãoo de originais: Débor Revisã Déboraa de Castro Barros Revisão tipográfica: Tereza da Rocha Projeto gráfico: Regina Ferraz CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G984gg Gum brecht, Hans Ulrich, 1194 G984 9488Graciosidade e estagnação : ensaios ensaios escolhidos / H Hans ans Ulrich G um br brec echt ht;; intro introduç dução ão e organização Luciana Vil Villas las Bôas Bôas ; tradução trad ução Luciana Vil Villas las Bô Bôas, as, Markus Hediger. - Rio de Janeiro : Contr Co ntrapo apo nto : Ed. PUC-Rio, 20 2012. 12. ISBN 978-85-7866-049-9 ISBN ISB N (PUC (PUC-Rio) -Rio) 978-85-8006-06 978-85-8006-063-8 3-8 1. Filosofia alemã. I. Títul Título. o. 12-2312

CDD: 193 CDU: 1(43)

 

S UMÁR IO

Prefácio

7

Pirâ mides Pirâmid es do espírito. Sobre a rápida ráp ida ascensão, ascensão, as dimensões invisíveis e o súbito esmorecimento do m ovimento ovim ento da história história dos conceit conceitos os

15

Presença na linguagem ou presença con tra a linguagem? linguagem?

61

Perdaa do cotidiano. Perd cotidian o. O que é “real” no nosso presente?

75

Estagnação: tempor tem poral, al, intelectual, intelectu al, celestial celestial

87

Graciosidade e jogo: jogo: por p or que não é preciso entend er a dança dança

105

 

PREFÁCIO

O livro Graciosidade e estagnação. Ensaios escolhidos, de Hans Ulrich Gumbrecht, traça um perfil inusitado do seu autor: abre com um artigo sobre história dos conceitos, “Pirâmides do espírito” e spírito”,, e termin a com c om u m texto texto sobre dança, “Graciosi “Graciosi dade e jogo”. jogo”. O primeiro, prim eiro, um u m a visão visão retrospectiva da história histó ria dos conceitos como um movimento intelectual alemão, con tém também uma meditação do autor sobre o seu prévio en gajamento e o atual distanciamento de obras enciclopédicas dedicadas à historicidade da linguagem. linguagem. O últim o esboça com agilidade o argumento de que não é preciso compreender a dança exclusivamente pelo único meio para o qual o autor se declara hábil: o discurso. O contraste entre a reflexão sobre os  pesa  pe sado doss vol v olum umes es de hi hist stóó ri riaa dos d os conc co nceit eitos os e o ddisc iscur urso so sobr so bree a suavidade efêmera da dança não é aleatório. Foi arquitetado de modo a destacar algumas rupturas e ramificações da pro dução intelectual de Gumbrecht nos dois últimos decênios. O diagnóstico da “rápida ascensão e súbito esmorecimento” da história dos conceitos é emitido de tal forma que tam  b  béé m p o d e ri riaa se apli ap lica carr à tr traa je jetó tó ri riaa d o a u tor, to r, in teg te g ran ra n te do m ovim ento desde os seus seus primórdios. primó rdios. Nesse sentido, sentido, o ensa ensaio io sobre dança é emblemático da sua fascinação por fenômenos que extrapolam a linguagem e resistem à apreensão histórica. Mas seria um equívoco concluir que uma sensibilidade his tórica arrefecida tivesse cedido lugar ao cultivo de uma sensi  bilid  bi lidad adee estétic es tético-f o-filos ilosófi ófica. ca. Pois a supo su posi siçã çãoo da m u d an ançç a p o r substituição contraria a tese defendida pelo autor de que, no nosso presente, o antagonismo entre os tempos passado e fu

turo se dissipou em um presente ampliado, uma zona de si multaneidades. De forma menos evidente e, talvez, mais fun damental, porque porqu e a crítica crítica à primazia prima zia hermenêu herm enêutica tica do sentido

 

LUCIANA VILLAS BOAS BOAS

em detrim d etrim ento da pres presença, ença, ou do con conceit ceitoo em detrim ento da metáfora, é inextricável da reflexão de Gumbrecht sobre as  prem  pr emis issa sass de no noss ssaa pe perc rcep epçã çãoo e nnos ossa sa ex expe peri riên ênci ciaa hhis istó tóric ricas as.. O ensaio dedicado à historia dos conceitos na Alemanha oferece mais do que o diagnóstico, evidentemente polémico, do “esmorecimento” de uma prática intelectual iniciada nos anos 19 19550. Põe em cena um a determ d eterm inad inadaa forma de hi histor storiciicização que asso associa cia autobio autobiografia, grafia, contex contexto to intelectual e proble matização do tempo presente. Seu intuito é trazer à tona al guns elementos da historia dos conceitos que permaneceram “invisíveis” ou “latentes” aos seus praticantes. Se à luz das ex  pect  pe ctat ativ ivas as pa passa ssada dass a au ausê sênc ncia ia de u m a fu funn d a m e n taç ta ç ã o teór te óriico-metodológica consensual para a história dos concei conceitos tos apa recee com rec comoo um fracas fracasso, so, hoje em dia a ambivalência em relaç relação ão à referencialidade da linguagem e ao valor do conhecimento histórico aparece aparece como um u m a vantagem epistemológica eem m re lação a alternativas construtivistas e realistas então vigentes. Ao historicizar a concepção concepção de linguagem su subjacente bjacente à história dos conceitos, Gumbrecht associa a exclusão deliberada dos dicionários dicionári os de história dos conce conceito itoss da dimensão do não con ceituai e indizível à omissão hoje perturbadora do passado, então recentíssimo, do nacional-socialismo. Ao evocar o pas sado através daquilo que perm permanec aneceu eu inarticulado, dem onstra a função constitutiva, inalienável, da dimensão metafórica e não linguística em relação relação ao cconhecim onhecimento ento conceit conceituai. uai.  Noo p ro  N roje jeto to de u m a m et etaf afor oroo lo logi gia, a, tal c om omoo fo form rm u lad la d o ppoo r Hans Blumenberg, seu principal expoente, é possível distin guir entre um a função he heurísti urística ca da m metáfora, etáfora, cir circunscrita cunscrita ao

 pe  p e río rí o d o a n te teri rioo r à fo form rmaa çã çãoo d o co conc ncei eito to p ro p ri riaa m e n te dit dita, a, e outra absol absoluta, uta, const constitut itutiva iva de um a dim dimensão ensão não conce conceitu ituai ai que permanece constante historicamente. Embora contem  plee essas du  pl duas as co conc ncep epçõ ções es,, ao d esta es taca carr “re “real alid idad ades es q ue se pr preesentificam, mas não são conceitualmente apreensíveis através

 

PREFÁCIO

de linguagem” linguagem ”, Gum Gu m brec brecht ht privilegia a última. última . A atração exer cida hoje pela metaforologia residiria na sua abertura para a consideração dessas dimensões do real. Justamente por isso  p e rm it  pe itir iria ia à h is istó tóri riaa do doss conc co ncei eito toss “man “m ante terr-se se pr pres esen ente te e, ao m esmo temp tempo, o, chegar ao fim”. fim”. Não se trata, para pa ra Gumb G umbrecht, recht, como, por exemplo, para Anselm Haverkamp, de descartar, mas de preservar — no presente dilatado — a história dos conceitos como com o um a “opção “opção ddoo passado” passad o”.. Com a integração da história dos conceitos à metaforologia, chegaria ao fim a ex clusividade do conceito e de determinada hermenêutica que lhe serviu se rviu de jus justificati tificativa. va. “Presença “Pres ença na linguagem ou presença co ntra a linguagem?” linguagem?” oferece ao leitor um a versão abreviada da oferece d a refle reflexão xão desenvolvi da em Produção de presença, livro  livro publicado originalm originalmente ente em inglês, ingl ês, em 2004 2004,, e em po portu rtugu guês ês em 20 2010 10.. O delineam de lineamento ento dos modos de amalgamação entre linguagem e presença supõe,  po  p o r u m lado, lad o, a re recu cusa sa do “existe “exi stenc ncial ialis ismo mo lingu lin guís ísti tico co”” da desconstrução que postula “a incapacidade da linguagem de se referir aos objetos do m un d o” (p. (p. 63) 63) e, p o r outro ou tro,, a adesão às às reflexões tecidas por Martin Heidegger sobre a metáfora da linguagem linguage m com comoo “cas “casaa do ser” ser”.. Partin Pa rtindo do da oposição entre dois tipos ideais de relação com objetos e artefatos culturais, a cul tu ra de sentido e a cultura de presença, presença, em particula par ticularr do papel que cabe à linguagem em cada um a delas, delas, Gum Gu m brecht brech t discute discute sucintamente alguns exemplos paradigmáticos de convergên cia entre presença e linguagem. Esses exemplos conduzem a uma conceitualização que restitui à linguagem um poder de “reconcili “rec onciliação” ação” com os objetos do mund m undo. o. Finalmente, Finalm ente, em um

gesto típico de relativização e afirmação, Gumbrecht vincula essa essa congruê congruência ncia en entre tre linguagem e presença à situação situação cu ltu ltu  ral contemporânea. Assim, Assi m, “o desejo de recupe recu perar rar um a pro proxim ximidad idadee existenci existencial al com a dimensão dos objetos” (p (p.. 73) 73) pertenceria perte nceria a determinadeterm ina9

 

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do contexto cuja especificidade histórica empenha-se em defi nir. “Perda do cotidiano. O que é ‘real’ no nosso presente?” formula o argum ento de que a cultura cultura contem porânea é atra vessada vess ada pelo pelo sentime se ntimento nto de perda da realidad realidade, e, a pa rtir de um fenómeno cultural específico, os reality shows. O auto a utorr arr arrisca isca uma hipótese para explicar o fascínio exercido pelos reality  shows: a perda do conceito conceito e do sentimento sen timento ddoo cotidiano como esfera do real socialmente regulada e existencialmente recon fortante. Para descrever a perda do cotidiano, e o conceito de realidade que lhe é intrínseco, Gumbrecht busca situá-la em um a ““sequ sequência ência histórica histó rica de desilusões desilusões da realidade” realida de” (p. (p. 778) 8).. Com base em um estudo histórico de Hans Blumenberg sobre conceitos de realidade como premissas de experiência do mundo, Gumbrecht traça o moderno sentimento de que o real escapa às possibilidades humanas de conhecimento. A divergência entre realidade e verdade, percepção e conhe cimento daria origem também à propensão para “considerarem -se com o partic p articula ula rm en te ‘‘reais’ reais’ as percepções que co ntra ntrapu pu nham nh am aos conceitos conceitos um a resistência resistência notável” (p. (p. 81). 81). O conceito e o sentimento de realidade cotidiana surgem a  pa  p a r ti tirr do d o fim d o sécul sé culoo do XIX e m resp re spos osta ta à an a n si sied edad adee caus ca usa a da pela intangibilidade do real, como dimensão socialmente determinante e obrigatória da existência humana. Em um mundo de virtualidades dos ambientes dominados pelas mí dias eletrônicas, o antigo medo da perda da realidade parece ter sido substituído pela resig resignação nação diante da impossibilidade

da experiência imediata do real. O cotidiano do indivíduo eletrônico, onipresen on ipresente te e, po r isso isso m esmo, alijado de laços fís físi i cos e sociais, estaria confinado “à fusão entre consciência e soft so ftwa ware re” ”. Mas essa essa “forma social de norm nor m alidad alid ade” e” é precária e, como parecem indicar os reality shows, shows, gera eloquentes artifí cios de compensação. 10

 

PREFÁCIO

Em “Estagnação: temporal, intelectual, celestial”, o narra dor está em movimento, a caminho de um restaurante na  p  pra raçç a d o K re rem m lin co com m colegas coleg as de u m coló co lóqu quio io.. É eevi vide dent ntee a sua predileção por essa forma de sociabilidade, o desejo de captar o tom da conversa, a rememoração e o sentimento dos interlocutores diante de uma paisagem particular. Não por acaso o texto principia na forma de um relato de viagem: é o testemunho de emigrantes em visita à pátria que desencadeia as med meditações itações do viajante sobre estagnação. estagnação. Os ex-morad ex-moradores ores da União Soviética são unânimes em afirmar que a perda de esperança no projeto marxista-leninista marxista-leninista ocorreu na década de 1980 19 80,, dando dan do início início ao que internam intern am ente en te chamavam de “pe perío río do de d e estagnação”. estagnação”. Essa Essa narrativ na rrativaa histórica histó rica é justa justapo posta sta à con cons s tatação de que, no mesmo período, extenuou-se o entusiasmo com a mudança de paradigmas nas ciências humanas. Essa coincidência, coincidênci a, percebida a princípio princ ípio “como um ac acas asoo grotesco” (p. 90), enseja reflexões sobre uma “fonte de energia” comum que tivesse acalentado e exaurido, ao mesmo tempo, o socia lismo de Estado e as ciências humanas. Segundo Gumbrecht, o pressuposto comum da vida inte lectual, da ação política ou da economia capitalista seria o  p  pró ró p ri rioo tem te m po, po , com co m o “con “co n stru st ruçã çãoo socia so cial” l” e “fo “form rmaa de ex expe pe  riência”.. O historicism riência” histo ricismoo teria te ria sido “aquele ‘cro ‘cronó nótop topo’ o’ que su sur r giu no início do d o século XI XIX e que fe fezz tan to suces sucesso so com comoo co con n dição geral intelectual do comportamento e da ação” (p. 90). O historicismo que, nos termo termoss cunha cu nhados dos p or Kos Kosel elle leck ck,, alar

gou a distância entre o passado como um “espaço “espaço de de experiên cias” e o futuro como um “horizonte de possibilidades” e re duziu o presente a um “mero momento de transição” (p. 92). Como cronótopo do progresso, e dotado de elã detanto inovação e energia transformadora inauditas, impulsionou o so cialismo quanto o capitalismo. Essa imagem da historia, e a concepção de ser ser hu m ano an o como sujeito sujeito da ação e do conheci11

 

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m en entó tó em que qu e assent assentava, ava, teria hoje se dissipado. dissipado. No início do século XXI, o futuro deixou de ser um horizonte de possibili dades aberto à ação humana, e a fronteira entre o presente e o  pass  pa ssad adoo ap apar arec ecee ccad adaa vez mai m aiss tê tênn ue, ue , eem m u m a fusão fu são celeb ce lebra rada da sob a rubrica de “cultu cultura ra da m em ória ória””. Em lugar de movim mo vim en to e mudança, o novo cronótopo surge sob o signo da simul taneidade taneid ade e da estag estagnação nação..  Noo p res  N re s e n te a m p lo do novo no vo c ron ro n ó to p o , desa de sapp a re recc em o ambiente do suj sujeit eitoo m oder oderno no e sua forma de vive vivenci nciar ar o m un  do. Sintomáticos da nova condição epistemológica do presen te seriam a inibição teórica dos jovens intelectuais das ciências hum ana anas, s, tipicam tipicamente ente rrefratários efratários a grandes voo vooss espe especula culativo tivoss e apegados ao conhecimento de problemas específicos, e tam  bém  bé m o e m p e n h o de “re “r e inte in tegg rar ra r el elee m ento en toss c o m o corp co rpo, o, es espa pa  ço, presença e sensualidade ao termo tradicional do sujeito”. O desaparecimento da expectativa de transformação perma nente, ou seja, do postulado da inovação, por um lado, e a  busc  bu scaa de no nova vass form fo rmas as de insc in scri riçã çãoo de “corp “co rpoo e es espí píri rito to no m un undo do espaço”, espaço”, po porr outro, outr o, fatalm fatalmente ente atingem a função socia sociall da cultura. Não por acaso, a figura do curador parece hoje ofuscar a do crítico ou artista. Em oposição à concepção da cultura como esfera autônoma e “agente permanente de irri tação, provocação e transformação para a sociedade” (p. 99),  p  pre redd o m ina in a r ia u m a form fo rm a de e xp xper eriê iênc ncia ia d a c u lt ltuu r a com co m o es

fera fera de rituais, con conjunto junto de instituições dedi dedicadas cadas nã nãoo à inova ção, çã o, mas à qualidade qualida de da expe experiência riência artística ou cu cultural. ltural. “Graciosidade e jogo: por que não é preciso entender a dança” ilustra o esforço de “reapropriação do corpo” a partir de um fenômeno cultural específico, a dança. Tudo começa com um mal-entendido produt produtivo: ivo: Gumbrecht Gum brecht presumira que o tema da palestra era a dança, quando de fato se tratava do conceito de jogo. A persistência no n o tem temaa da dança dan ça e a decis decisão ão de compa com parárá-la la ao conceito de jogo são em si mesmas mesm as signifi significaca12

 

PREFÁCIO

tivas. Pois, diferentemente do conceito de jogo, que, graças a uma tradição notável de estudos a ele dedicados, tornou-se um elemento básico básico do vocabulário crítico das das ciênc ciências ias hum hu m a nas e sociais, o conceito de dança, ainda mais em termos com  par  p arat ativ ivos os,, te tem m u m a f o r t u n a crít cr ític icaa assis as siste tem m átic át icaa e, p o r isso, ocupa um lugar periférico. A comparação entre jogo e dança começa com um u m a análi análise se sistemática sistemática de de diferenças diferenças termino term inoló ló gicas e acaba com uma contextualização e, portanto, autorreflexão fle xão da relação, relação, historicam histor icam ente ent e específica específica,, desses desses fenôme fenô menos nos na cultura contemporânea. contemporânea. O primeiro passo do ensaio é mostrar como a surpreen dente afinidade entre as definições de dança do crítico norte-americano Edwin Denby e do escritor alemão alemão H einrich von Kleist gira em torno da noção de graciosidade. Tanto os en saios sai os de Denby quanto qu anto o texto “Sobre “Sobre o teatro de marionetes” mario netes” de Klei Kleist st separam o u opõem o põem a graciosi graciosidade dade do m ovimento ao domínio da consciência ou intencionalidade, situam-na den tro e fora da cultura e associam-na à suspensão da gravidade. O acercamento do fenômeno da dança segue o seu percurso  po  p o r conc co ncei eito toss afins. afins . Revela Rev elamm-se, se, assim ass im,, sem se m elha el hanç nças as e ten t ensõ sões es entree a dança entr dan ça e o conceito de jogo, cuja cuja ausência de motivação e a predom inância inân cia de regras o diferencia do dia a dia; dia; o ritmo, ritmo , cuja forma recorrente supõe uma tensão com a semântica;

e, finalmente, a música, que, tomada em seu aspecto físico, seria a forma mais fácil de o mundo material tocar o nosso corpo. Mas o modo de vivenciar a graciosidade da dança não se restringe a nenh ne nh um dess desses es elementos. elementos. À luz dos tipos ideais de cultura de presença e cultura de sentido, como formas de relação com os objetos do mundo, está claro claro que a dança pertence perte nce ao polo po lo do d o prim eiro. A alusão alusão a ess essaa tipologia implica um u m a série de distinções entre a ggracio racio sidade, predicado predi cado da dança, da nça, e os os conceitos tradiciona tradic ionais is de jogo, entendimento e ação. Se a tradicional distinção sociológica 13

 

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entre jogo e ação séria, dotada de motivação e voltada para a transformação do mundo, desaparece na cultura de presença e “s “see a graciosidade se encon en contra tra do lado da cultura cu ltura de presen prese n ça, então en tão gracios graciosidade idade e jogo (e isso isso inclui a ficção) ficção) são inco in con n ciliáveis” (p. 122). Dessa forma, chega-se ao paradoxo de que a dança, pela ausência de m motivação otivação e intenção, é jogo; e dança não é jogo, uma vez que pertence ao polo da cultura de pre sença, em que não nã o existe existe a oposição entr entree jogo e ação. ação. No final do ensaio, a ambivalência teoricamente aguçada da dança é vinculad vinc uladaa a condições gerais de conceitualização e experiência, “ao modo deesen vivenciar e querer vivenciar ovamundo  je  jeto tos” s” no pr pres ente te.. A grac gr acio iosid sidad ade, e, ante an teci cipa pava Kleis Kleist,t,ein i seus n d e pob en de do entendim enten dimento ento ou da intenção e, acres acrescenta centa Gum brecht, depende do acolhimento acolhime nto da noss nossaa pres presenç ença. a. A história deste li livro vro começou com a tradução traduç ão de “Pirâmi “Pirâm i des do espírito” esp írito” para pa ra o departam dep artam ento de História da PUC-Rio, a pedido de L Lui uizz Costa L Lima ima e Antonio Anton io Edmilson Edm ilson Martins M artins Ro drigues. Sem o apoio do departamento, a versão para o portu guêss dest guê destee texto não teria se materializado e não haveria a pedra pedr a de toque desta coletânea. A ideia de fazer um livro a partir de um a seleção seleção de ensai ensaios os não teria te ria sido possível possível sem o apoio apo io dos editores Fernando Sá e César Benjamin e a generosidade de

Hans Ulrich Gumbrecht. Agradeço a Markus Hediger, por di vidir vid ir comigo a tarefa tarefa de trad tr aduz uzir ir os texto textos, s, e a Edgar Lyra Lyra,, pela pela leitura atenciosa de termos termo s heidegger heideggerianos ianos..  Lucia  Lu ciana na Villas B Bôas ôas  Professora do Dep Professora Departam artamento ento de Letr Letras as Anglo-Germâni Anglo-Germânicas cas Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro

14

 

PIRÂMIDES DO ESPÍRITO* SOBRE A RÁPIDA ASCENSÃO, AS DI DIMEN MEN SÕES IN V IS ÍV EIS E O S Ú BITO ES M O RECIM EN TO D O M O V IM EN TO D A H IS TO RIA D O S CO N CEITO S

Sentado à escrivaninha, estou rodeado de historias dos con ceitos. Atrás de mim, à esquerda, ao alcance da mão, enca dernados em azul-ferrete e prometendo objetividade, os doze  Dicionár ionário io histórico de filosofia, de Joachim Ritter, volumes do  Dic oferecem, em ordem alfabética, a soma de 2,5 mil anos de  p  pee n s am e n to oc ocid iden enta tal.l. N a m inh in h a fr fren ente te,, à altura do chão e na margem inferior ddoo m eu camp campoo de vis visão, ão, em vermelho du dura ra  douro, estão os oito volumes dos Conceitos históricos básicos  reunidos reun idos ppor or Otto Brunner, Werner Conze e Reinh Reinhart art Ko Kose sell lleeck,, para m om ck omentos entos de nec necessi essidade dade aguda de orientação histó histó  rica. Pouco acima, à direita, encontram-se os cinco volumes do dicionário de Co Conce nceito itoss estét estétic icos os funda fun dame menta ntais, is,  em elegante cinza metáli metálico, co, como convém ao tema. Atr Atrás ás de mim mim,, somente  Dicion ionári árioo histórico de filosofia, é o  uma prateleira abaixo do  Dic lugar dos conceitos do período da Revolução Francesa dos

fascículos amarelos do  M  Maa nua nu a l de conceitos político-socia político -sociais is bá sicos na França (1680-1820), coordenado  c oordenado po porr Rolf Reinhardt e, antes dele, Eberhard Schmitt, que durante anos foi especial mente importante para mim. Um pouco mais ao fundo, em azul-marinho e quase intactos, resplandecem os fascículos da Enciclopédia do conto de fadas.  Novamente à altura do chão, em três volumes vistosos em encadernação pós-moderna e marm orizada, está o dicionário da Ciência da literatura alemã,  lançado como terceira edi edição ção ““totalm totalm ente revi revista” sta” do  Léxico da  história da literatura alemã. As minhas demais obras de refe* Trad Traduçã uçãoo de Luc Luciana iana Villas Bôas Bôas.. 15

 

HANS ULRICH GUMBRECHT

rência em língua alemã do últim o tercênio do século X XX X, mes mo as de volume único, quer versem sobre filologia antiga, antropologia, antrop ologia, histó história ria da arte, medievísti medievística, ca, soci sociologia ologia ou teo teo  logia log ia,, ttodas odas são de algum mo do marcadas pelo mo movimen vimento to da história histó ria dos conceit conceitos os — e muitas só vieram a existi existirr graças graças a esse es se movimento. movim ento.  Naa ca  N carto rtogr graf afia ia das m inh in h as estan es tantes tes de pa pare rede de,, esses livros  pare  pa rece cem m pirâ pi râm m ides id es do espí es pírit rito. o. São tes te s tem te m u n h o s m o n u m e n  tais de uma época das nossas ciências que já acabou; crono logicamente, não está tão distante de ontem, mas intelec tualmente parece-nos quase tão distante quanto o período do Renascimento ou Barroco, ou seja, não é inconcebivelmente distinta do presente, mas tampouco é completamente aces sível à nossa recordação. Esses volumes são pirâmides, sobre tudo, porque o que fora um futuro promissor, ao terminar, tornou-se o futuro do passado e morreu. Morto e catalogado nos dicionários de história dos conceitos está o futuro de um  p  pre rese sent ntee dos do s an anos os 1960, 1970 e 1980, qquu a n d o os no noss ssos os m e n  tores acadêmicos (e nós, aprendizes) acalentávamos esperan ças vagas e, por isso, mais certas de que as disciplinas das ciên

cias humanas1poderiam criar um fundamento duradouro e verdadeiramente científico se lograssem documentar his toricamente o sentido e os mundos do passado — ou seja, o seu “espírito” — a partir de conceitos centrais e, desse modo, transformá-los em instrumento de diálogo voltado para a re flexão sistemática. A força otimis otimista ta dess dessaa esperanç esperançaa dava à prática da história dos conceitos a dinâmica e a direção de um “movimento”. 1. O termo alemão é “ Geisteswissenschafterí]  literalmente, “ciências do espírito”, que se distingue das “ciências da natureza” e guarda caracte rístic rís ticas as próprias pró prias da história de sua institucionalização institucionalização nnaa universidade alemã no século XIX. Costuma ser empregado em referência ao que chamamos de “ciências humanas”. [N.T.] 16

 

PIRÂMIDES DO ESPÍRITO

Contu Co ntudo do,, nu nunc ncaa se esc esclar lareceu eceu do que depe d epend nderia eria a exp expect ectat ativa iva de eficiência que lhe eera ra imp implícita. lícita. Dess Dessee m modo odo,, ess essaa esperança acabou se transformando na gravidade piramidal de livros volumosos, que hoje nos lem bram quão difer diferente ente é a eeufo uforia ria inicial de projetos do resultado concreto de sua realização.  Naq  N aque uele le ttem em p o de p ro roje jeto toss espe es pera ranç nços osos os,, fin f inan anci ciad ados os po porr lo lon gos períodos de tempo, ficávamos indignados com o espírito m ercantil supostamen supostamente te llimitado imitado das edi editoras toras quand quandoo ssee o p u nh am aos organi organizadores zadores e autores que sonhavam em public publicar ar traduções e edições estudantis a preços acessíveis. Sob as pre missas de um passado que, nesse meio-tempo, se tornou pe culiarmente remoto, eu era um dos muitos velhos e jovens  Dicionári nárioo histórico de  autores que qu e escreveram verbetes pa para ra o  Dicio  filosofia,  filosof ia, para os Conceitos históricos básicos, para o dicionário de Con Concei ceitos tos esté estétic ticos os fun funda dame menta ntais, is,  para o  M  Man anuu al de conceitos conceitos   político  pol ítico-soc -sociais iais básicos básicos na n a França, para o  Léxico da história da  literatura alemã  e   e tamb também ém p ara a Encicl Enciclopédia opédia do conto conto de f a das.2 Poder participar da co construção nstrução de dess ssas as pirâmides era para

2. “Pirâmides do espírito” serve de introdução à coletânea de ensaios de história dos conceitos, Hans Ulrich Gumbrecht,  Dim  D im en si sioo ne n u n d   Grenzen der Begriffsgeschichte.  Munique: Wilhelm Fink Verlag, 2006. A coletânea contém os seguintes textos: “Modem, Modernität, Me thode”, Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexicon zur politisch sozialen sozi alen Sprach Sprachee in De ustchland IV , org. O. Brunner, W. Conze e R. Koselleck, Stuttgart, 1978, p. 93-131; “Postmodern”  R  Rea ealle llexic xicon on der deus de ustt-   schenn Literaturwissenschaft III, Berlim, 2003, p. 136-140; “Philosophe, sche Philosophie”,  Ha  H a n d b u c h po poli liti tisc schh-so sozi zial aler er G ru rund ndbe begr grif iffe fe in Fr Fran ankre kreich ich   1680-1820III, org. R. Reichardt e E. Schmitt, München, 1985, p. 7-88; “Schwindende Stabilität der Wirklichkeit. Eine Geschichte des Stilbe griffs”, Stil. Geschichten und Funktionen eines kulturwissenschaftlichen    D  Disk iskur urse sele lem m en ents ts,, org. H. H . U. Gum G um brecht bre cht e K. L. L. Pfeif Pfeiffer, fer, Fra Frankfu nkfurt, rt, 19 1986 86,,  p. 726-788; 726-7 88; “A u sdru sd runk nk””, Äst  Ä sthe he tis ch chee G ru rund ndbe begr griff iffee I, org. K. Barck, M. Fontius, D. Schlenstedt, B. Steinwachs e F. Wolfzettel, Stuttgart, 2000,  p. 416-43 416 -431; 1; “M aß” aß ”, Äst  Ä sthe he tis ch chee G ru rund ndbe begr griff iffee II III, I,  org. K. Barck, M. Fon17

 

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m im um u m a honra ho nra que me fazi faziaa ascender ascender a um cientista cientista comple to e que exigiu de mim mais tempo do que qualquer outro gênero de prosa acadêmica. Tendoo começado a estudar em 19 Tend 1967 67-1 -196 968, 8, m inha inh a entrada en trada  pa  p a ra a univ un iver ersi sida dade de c o inci in cidi diuu c om a asce as censã nsãoo do p a rad ra d ig igm ma da histór his tória ia dos conceitos. Essa Essa deve deve ter sido a razão por p or que até recentemente me escapou o fato de que essa ascensão tenha sido, pelo menos para padrões acadêmicos, acontecimento quase tão súbito quanto, no fim do século XX, a petrificação petrificação do trabalho traba lho entusiasmado sobre história história dos conceitos conceitos em um monumento do passado. Até meados dos anos 1970 era co mum fazer-se referência à história dos conceitos como uma  práx  pr áxis is que qu e a ind in d a estava esta va e m se seuu com co m eço eç o e cuja cu ja “teo “te o ri riaa ” e os “m étodos” étod os” ainda estavam por p or se desen desenvo volv lver er.. Éramos Éram os um u m pou po u co menos men os cegos cegos em relação ao fato de a história dos d os conceitos conceitos ser percebida internacionalmente como um interesse e um  pro  p rogg ram ra m a espe es peci cific ficam amen ente te alemã ale mães. es. Mas, Ma s, pa p a ra nós, nó s, esta es tava va fo fora ra

tius, D. Schlenstedt, B. Steinwachs e F. Wolfzettel, Stuttgart, 2000,  p. 846-866. 846-8 66. Pareceram Parecer am ao autor au tor inadequados inadequ ados à publicaçã publicaçãoo na referida referida colet coletâne ânea: a:  Histo storis risch ches es W ö rt rter erbu bu ch d er P hil hilos osop ophie hie,,  Basiléia, 1977, “Krausismo”,  Hi v. IV IV, p. 1.190-1.193; 1.190-1.193; “Zum “Zu m Wandel Wa ndel des Mode M odernitäts rnitätsbegr begriffs iffs in Litera Literatur tur und Kunst”, Studien zum Beginn der modernen Welt, org. Reinhart Re inhart Kodes  sellec sel leck, k, Stuttgart Stut tgart,, 1978 1978,, p. 654-664; ““En Entmy tmythis thisierun ierung” g”,, Enzyklopäd ie des  M ärch  Mär chen ens. s. H a nd w ö rt rter erbb u ch de derr ve verg rglei leich chen ende denn u n d histo hi storis risch chen en E rz rzäh ähll  forsc  for schu hu ng ng..  Berl  Berlim, im, Nova Nov a Y York ork,, 1982, 1982, vv.. IV /1 /1,, p. 222-38; 2-38; ‘‘“E “Every veryday-w day-world’ orld’

and ‘life-world’ as philosophical concepts. A genealogical appfoach”,

 N e w L it iter erar aryy H isto is tory ry  24 (1993-1994), p. 745-761; “Gegenkultur”,  Rea  R eall lexikon der deutschen Literat Literaturswissenschaf urswissenschaft, t, Berlim, 1997, v. I, p. 6711.763; “Generation”,  Rea  R ea lle xi xiko ko n d er de u ts tsch ch en L it iter erat atuu rw is isse sens nsch ch af aft, t,   v. I, p. 697-699; “Stil”,  Re  Real alle lexi xiko konn d er de deut utsc sche henn L ite itera ratu turw rwiss issen ensc scha ha ft,  

Berlim, 2003, v. III, p. 509-513; “Materialität der Kommunikation”, Grund begriffe begriffe der M edien theori theorie, e, org. Alexander Alexand er Roesler e Bernd Sti Stieg eg-ler,, Mu ler Muniq nique ue,, 2005, p. 144-149. 144-149. 18

 

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de questão que qu e a qualidade do trab trabalho alho real realizado izado e o potencial de seus resultados resultados intelectualm ente estimulantes seri seriam, am, cedo ou tarde, reconhecidos internacionalmente. Que devemos fazer fazer com os sedimentos da nossa juventu juventude de intelectual que hoje se encontram a urna distancia piramidal? Sem discriminação, essa pergunta pende um pouco para o dramático e soa excessivamente pessimista. Evidentemente, quando quan do se trata de desvendar mu ndos ndo s históricos históricos e circunscre circunscre ver neles neles problemas problem as específ específicos icos que levem a questões pertin pe rtinen en  tes, já nos acostumamos a usar as respectivas historias dos conceitos, conceit os, com rigor e proveito proveito intelectual. intelectual. Obras como com o o  D  Dii cionário histórico de filosofia ou os Conceitos históricos básicos  são instrumento instrum entoss de tal m odo od o e po r tantas razõe razõess út útei eiss que não se pode pod e deixar de de lamentar lame ntar que os cole colegas gas que não ddom om ina inam mo alemão sejam privados do seu uso. Ao mesmo tempo, sei que os proje projetos tos de historia histo ria dos conceitos, hoje quase tod todos os finaliza

dos, materializam o desaparecimento de uma esperança que distingue o nosso presente do tempo que o precede e assim, indiretamente, também o condiciona. Não sou capaz de dizer de supetão o que era essa esperança e em que ela residia (até onde sei, ninguém ainda a explicou de forma suficientemente satisfatória) satisf atória).. Por Po r isso isso será essa essa a perg unta un ta que q ue perseguirei nes nes  te ensaio. Se for possível respondê-la, ao voltarmos a nossa atenção para o campo piramidal da história dos conceitos, ganharemos o que sempre se ganha com o trabalho arqueo lógico (mesmo no sentido figurado): a partir dos sedimentos do passado, nos quais reside o presente, abriremos caminho  p  paa ra u m a com co m p re reen ensã sãoo h isto is tori ricc am e n te fun fu n d ad a do d o pres pr esen ente. te..... Gostaria de dividir a minha retrospectiva do movimento de história dos conceitos em quatro partes distintas. Este en saio divide-se em quatro partes. Começo com um breve olhar sobre a sua longa  pré  pré-hi -histó stória ria,, do século XVIII até o início do XX, na qual a investigação histórica dos conceitos era uma

 

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 prá  p ráti tica ca d o cu cum m e n tad ta d a , m mas as a in indd a nnão ão se to torn rn a ra u m a “his “h istó tóri riaa dos conceitos” em uum m sentido pprog rogram ramático ático [ 1]. Após resu resum m ir essa es sa longa pré-h pré-história, istória, eu me co concentro, ncentro, detidam ente e recor rendo a citações, na história surpreendentemente curta da ascensão  do movimento da história dos conceitos após 1950, assim como no período de intensa atividade de pesquisa e es crita da história dos conceito conceitos, s, cuja prática era entend entendida, ida, qqua ua  se até o fim, como uma etapa de “preparação” metodológica [2]. Essa descrição minuciosa permitirá, após a introdução, um a retrospecti uma retrospectiva va historicamente historicamen te nuan nuançada çada e abrangente, vol tada sobretudo para o desvendamento de dimensões   “invi síveis”, pré ou semiconscientes, ou seja, para o entendimento das premissas e expec expectat tativas ivas que tran transfor sform m aram o mov movimen imento to de história dos conceitos em um interesse particular das ciên ci cias as hu hum m ana anass na Alemanh Alemanhaa [3]. [3]. Após indagar ssee os meu meuss ppró ró 

 pri  p rioo s tra tr a b a lh lhoo s de h is istó tóri riaa do doss co conc nceit eitos os ind in d ic icam am u m p o n to de convergência (no período de sua elaboração certamente não visível) histórico e, talvez, sistemático, discuto se a nossa nova visão visão do súbito esmorecimento do movimento mov imento da históri históriaa dos conceitos durante a última década também resulta em uma nova visão das marcas intelectuais específicas do nosso  pre  p rese sent ntee e dos d os seus pr pres essu supp os osto toss [4]. 1 O uso do alfabeto alfabeto como gerador de um umaa ordem aleat aleatória ória per  Dicion cionári árioo histórico de filosofia,  mitiu ao primeiro volume do  Di  pu  p u b lic li c ad adoo em 1971, forn fo rnec ecee r n o v erbe er bete te “ Beg  Begriffsges riffsgeschichte chichte” ”  (“História dos conceitos”) uma perspectiva autorreflexiva, não apenas programática, mas também histórica, do projeto como u m todo .3 Se Sem m se serr eespeci specialment almentee notá notável vel em um ou 3. Escrito por H. G. Meier, p. 788-808. 20

 

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em outro ou tro sentido, sentido, es esse se texto texto torn ou ou-se -se referênci referênciaa obrigatória nos anos subsequentes. Na introdução, o verbete faz referên cia ao primeiro uso documentado da expressão “história dos conceitos” nas  Lições de filo f ilosof sofia ia da histór his tória, ia,   de Hegel, mas sem chegar a conclusão alguma, uma vez que não é possível estabelecer qualquer ligação entre o sentido então atribuído  po  p o r Hegel He gel e os inter in teress esses es pela pe la h is istó tóri riaa dos do s conc co ncei eito toss n o sé sécu cu  lo XX. Hegel usou o predicado “história dos conceitos” para designar toda espécie de historiografia que visava a um nível de abstração “na transição pa para ra a história histór ia filos filosófi ófica ca mun m undia dial”; l”;  po  p o r ta tann to , n ão leva levava va ab abso solu luta tam m e n te em cons co nsid ider eraç ação ão os c o n  ceitos como com o fform orm a discursiva. No in início ício do século XV XVII III, I, antes mesmo que o termo composto história dos conceitos ( Be B e-  griffsgeschichte)  emergisse, começou a cultivar-se essa forma

em inúmeros dicionários que se tornariam um gênero dileto do período p eríodo do Esclarec Esclareciment imento. o. Em prim eiro plano aparecia aparecia a intenção de colocar à disposição dos leitores um espectro o mais possível de significados, sobretudo daqueles ex traídosamplo do passado. Somente Som ente po r volt voltaa de 1800 1800 com eçou a delinear-se o objeti vo mais ambicioso de descrever conceitos, sobretudo filosófi cos, em “sua origem, desenvolvimento, transformações, críti cas,, defes cas defesas, as, distorçõ disto rções es e retificaçõ retificações” es”,, com co m o se lê na resenha resen ha de W. T. Krug publicada em 1806, com o intuito de que essas re construções constr uções contribuíssem ppara ara a pertinên pertinência cia do seu uso. uso. Cem anos mais tarde esse mesmo objetivo ainda aparece em pri meiro plano, essencialmente sem qualquer modificação ou refinamento, nos projetos aos quais Joachim Ritter sempre se  Dicion ionário ário histórico de filosofia filos ofia com referia no  Dic  comoo precursores do gênero: a  Hi  Histó stória ria da termino term inolog logia ia filosófica,  de R. Eucken, pu  bli  b lica cadd a em 1879, e, sob so b re retu tudd o , o  Di  Dicio cionár nário io de conceitos fil filosó osó  ficos,  de R. Eisler, que, após a primeira publicação em 1899, teve quatro qua tro reedições, de 1927 1927 a 193 1930. 0. De fato, a folha folh a de rosto 21

 

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do  Dic  Dicioná ionário rio histórico de filosofia filos ofia   apresentava-o como uma “edição totalm ente revist revista” a” do dicio dicionário nário de E Eis isle ler. r. As expectativas do projeto dessa edição revista, realizada no período que se estende dos anos 1920 ao pós-guerra, eram totalm tota lmente ente tradicio tradicionais nais em relação ao progresso cient científi ífico co e aaoo seu signif significado icado nacional. Já haviam servid servidoo de fund fundam am en ento to em 1927 nos  In  Instr strum umen ento toss para o estudo estud o filosófico, de Erich Rothacker ck er,, um a revisão bibl bibliográfica iográfica que logo se torn to rnar aria ia influente.4 Rothacker exigia, então, que na edição revista a “elaboração histórica e sistemática de materiais até agora não explorados suficiente sufic ienteme mente” nte” alca alcançasse nçasse ““uu m nível científico” científico”,, pois, “em sua atual edição, o  Dic Eisler não ppode oderia ria existir a par de  Dicioná ionário rio  de Eisler

enciclopédias estrangeiras (p. 782). Uma característica dos projetos realizados no século XIX e no início do XX era afastar a suspeita de “relativismo filosófi co” ou, de forma ainda mais veemente, de sua dissolução em correntes históricas e circunstâncias locais. Isso também se aplica à crítica de Rothacker a Eucken e Eisler, exigindo antes a melhoria na qualidade da realização de objetivos tradicio nais do que uma concepção realmente nova do trabalho de história dos conceitos. Em todo caso, deve-se ao prestígio de Rothacker o fato fato de o plano de um umaa edição substancialmente revista do  Dic  Dicioná ionário rio   de Eisler ter sido levado adiante após a Segunda Guerra Mundial e ter recebido apoio financeiro e institucional decisivo no cenário acadêmico da jovem Repú4.  Deu  D euts tsch chee V iert ie rtelj eljah ahrs rsch chri rift ft f u e r Lite Li tera ratu turw rw isse is sens nsch chaf aftt u n d Geistesgeschi Geist esgeschi--  chte 5 (1927), p. 766-791. 5. O caso particular desse projeto confirma a caracterização geral que Jürgen Habermas fez das ciências humanas nas universidades alemãs durante os anos 1950: “Nas universidades reinava uma continuidade espiritual que qu e se estendeu dos ano anoss 30 ao períod períodoo de Adenauer.” Adenauer.” Hab Haber er mas, “Zur Entwicklung der Geistes- und Sozialwissenschaften in der Bundesrepublik”, Texte und Kontexte.  Frankfurt, 1991, p. 205-216.

 

PIRÂMIDES DO ESPÍRI ESPÍRITO TO

 bl ica Fe  blica Fede dera ral.5 l.5 A p a r t ir de 1955, Ro Roth thac acke kerr foi fo i o o rgan rg aniz izad adoo r d o  Ar  Arqu quiv ivoo p ara ar a hi histó stória ria dos conceitos,   cujas contribuições eram concebidas exclusivamente como subsídios para o pro  pó  p ó si sito to tra tr a d icio ic ionn a l de u m a re reed ediç ição ão d a o b ra d e Eisle Eisler. r. 2 Entretanto, os princípios que realmente deram início a um novo movimento da história dos conceitos, como veremos, dotado de especificidades em relação ao momento histórico foram expli explicit citados ados pel pelaa prim primeira eira vvez ez em u m texto curto qque ue o

filósofo de Munique, Joachim Ritter, publicou em 1964 na  Revis  Re vista ta de Investigação Filosófica Filosófica,, sob o título “Para a nova ver sãoo do 'Ei sã 'Eisler sler'' — ide ideias ias con conduto dutoras ras e fundam entos ento s de um  D  Dii cionário cioná rio histórico de filosof filo sofia” ia”. C  Com om m uito mais cl clare areza za e preci são do que Rothacker, Ritter expunha a distância que nesse meio-tempo havia se imposto em relação à obra de Eisler: Eisler ainda partira da convicção (sem que tivesse sido sempre consequente) co nsequente) de que era poss possível ível basear o Dicioná rio rio em um rep repertó ertório rio de conceitos do qual ssee pudesse diz dizer er que representasse, claramente delimitado pela história, a filosofia filos ofia atual ddoo pr presente. esente. O desenvolvim desenvolvimento ento da filoso filosofia fia aband ab andon onou ou essa essa conv convicçã icção. o. A atitu atitude de pa para ra co com m a sua histó hi stó  ria mud m udou ou substancial substancialmente. mente. A presentificação da filo filosof sofia ia grega, patrística, escolástica, de teorias especulativas mo dernas, em particular do assim chamado ide idealismo alismo alemã alemãoo etc., tornou-se hoje um elemento interno constitutivo da filos fil osofi ofia; a; a linha divisória entre sistema e hist história ória da filoso fia fia tornou-se mais tênue. O que esta esta última elabora entra no movimento da reflexão filosófica como algo que inte gra o seu presente. Ritter descre descreve ve a distância em relaç relação ão ao velho pen pensam samento ento de sistema, sistema, ao gest gestoo cartesian cartesianoo do filos filosofar ofar como sendo o ef efei ei-23

 

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to de um distanciamento intrínseco ao “desenvolvimento atual da filosofia no âmbito da língua alemã”. O novo  Dic  Dicio io esse desenvolvi desenvolvi nário  a ser reeditado po r ele deveria abrir-se a esse mento, me nto, sem, é cl claro aro,, preparar prepa rar o caminho ou aplicar de forma forma decisiva e crucial “um deter de term m inad in adoo conceito de filosofia” filosofia”.. Essa Essa  pre  p reca cauç ução ão “fari “fa riaa se sent ntid idoo c om o p a râm râ m e tr troo p a ra a cons co nstr truç ução ão [do dicionário], em um u m período perí odo [.....] .] no qual as implicações implicações da contraposição entre um a fundam entação entaçã o ‘cartesi ‘cartesiana’ ana’ ou ‘his ‘his tórica’ da filosofia ainda estão em aberto”. A despeito dessa declaração de neutralidade, o interesse

 pri  p rinn c i p a l e a incl in clin inaa ç ã o de R it itte terr v o lt ltaa va vam m -s -see p a ra aque aq uela la constelação emergente em ergente na n a qual a história da filosof filosofia ia e a histó histó  ria dos conceitos conceitos poderia poderiam m ter a pretensão de um a rele relevân vância cia sistemática particular. particular. Ele Ele a apresentava como um desafi desafioo para a invenção iminente de um novo paradigma: “A investigação da história dos concei conceitos tos,, que tem fundam fund amento ento em u m a ques tãolho filosófica portanto, pode serseus tomada tra  ba  balh o alhe al heio io àe,filosofia filos ofia,, a ind innão d a está es tá em prin pr incccomo íp ípio ios. s.”um ” Nesse sentido, as referências mais importantes de Ritter eram Hans Blumenberg e Hans-Georg Gadamer. Sem a princípio insistir na diferença entre “conceito” e “metáfora”, Ritter citava uma  pass  pa ssag agem em da intr in troo d u ç ã o do a rtig rt igoo de B lu lum m enbe en berg rg publ pu blic icad adoo em 1960 no  Ar  Arqu quivo ivo de história histó ria dos conceitos — “Paradigmas “Paradigmas  pa  p a ra u m a m etaf et afoo rolo ro logi gia” a” — , n a qua qu a l a id idei eiaa de u m siste sis tema ma cartesiano perfeitamente elaborado era equiparada não ape nas ao fim do interesse da filosofia filosofia na “investigação “investigação da histór h istória ia dos seus seus conceitos” conceitos”,, mas tam bém , de forma bastante ba stante dram dra m áti ca, ao fim da filosofia em geral. Da obra de Gadamer, Verdade e método, também tam bém publicada publicada em 1960,6 Ritter citava uma passagem que poderia perfeita6. O ano de 1960 é, portanto, um ano-chave para o início do movimento da história histó ria dos conceitos. conceitos.

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men te ser mal-entendida como uum mente m a queixa sobre sobre a necessida necessida  de da pesquisa de história histó ria dos conceitos. Em relação ao estabe  B ildun ungg ) na época de lecimento do conceito de formação ( Bild Goethe, Gadamer afirma que: Conceitos e palavras cruciais com as quais costumamos trabalhar foram cunhados naquela época. Quem não qui ser se deixar levar pela linguagem, mas por um autoentendimento historicamente fundado, vê-se forçado a lidar constantemente constantemen te com questões questões relativa relativass à história dos con

ceitos e das palavras.7 Ritter quer dizer, dizer, é cla claro, ro, que a exclus exclusão ão trad tradiciona icionall da dim en en  são da historicidade do programa de filosofia sistemática po deria conduzir a uma dependência irrefletida da linguagem  — e em e m m u it itoo s caso casos, s, de d e fa fato, to, co cond nduz uziu iu.. O ris risco co dessa des sa d e p e n  dência era o que tornava torn ava a história dos conceitos, conceitos, em seu novo contexto funcional, filosoficamente necessária. Ritter poderia ter enco Ritter encontrado ntrado um a justif justifica icativ tivaa mais preci sa e menos sujeita a mal-entendidos para pontos cruciais do  Dicio cionár nário io  na introdução do livro de Gadamer, na qual se seu  Di explica o título Verdade e método. A form a ddee “verd “verdade” ade” que se  po  p o d e ri riaa con co n q u is ista tarr p a ra a filosofia, filoso fia, a a rt rtee e a h is istó tóri riaa “ult “u ltrr a   passa”  pas sa” a esfe esfera ra co conn tro tr o la ladd a pe pelo lo “m “mét étoo d o ”, tal ta l com co m o — de u m m odo od o excess excessivamente ivamente geral e não diferenciado, diga-se de pas sagem sage m — costum a ser associado associado ao conceito de ciênc ciência. ia. As investigações que se seguem vinculam-se à resistência que se manifesta, no âmbito da ciência moderna, contra a  pret  pr eten ensã sãoo un univ iver ersa sall de u m a te teoo ria ri a do m ét étoo d o cientí cie ntífico fico.. I n te te  ressam-se em buscar a experiência de verdade, que ultrapassa o âmbito de controle da teoria científica do método, onde quer que se encontre, e indagar sobre a legitimação que lhe é 7. Hans-Georg Gadamer, Wahrheit un d Methode. Methode.  2. ed. Tübingen, 1965,  p. 7.

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 pr  p r ó p ri riaa . Assim A ssim,, as ciênci ciê ncias as h u m a n a s apro ap roxx im am -s -see de m o dos do s de experiência que se se en enco contra ntram m fora do âmbito âm bito da d a ciênc ciência ia:: da experiência da filos filosof ofia, ia, da aarte rte e da pró p rópr pria ia história. história . Trata-se Trata-se de modos de experiência nos quais se anuncia uma verdade que não pode se serr ver verifi ificada cada com os instrum entos metodológi meto dológi cos da ciência (p. XXV ss). Ampliado em relação à tradição teológica, o conceito de

hermenêutica de Gadamer não apenas deriva desse contexto, mas tam ta m bém bé m se insere nel nele: e: A hermenêutica que aqui se desenvolve não é uma dou trina do método das ciências humanas, mas a tentativa de um entendimento do que as ciências humanas são de verdade, para além de sua autoconsciência metodológica, e do que as liga com a nossa experiência mundana como um todo. (p. XXVII)  N ão se tra  Não tr a ta da h e rm e n êuti êu tica ca com co m o u m a teo t eori riaa da d a art a rte, e, mas m as da hermenêutica como uma reflexão constante sobre o “aconte cimento cim ento””, o qual “atua em to todo do en entend tend imen im ento” to”.. Na medid m edidaa em que esse acontecimento se realiza e, sobretudo, é transmitido, a reflexão sobre conceitos e suas histórias torna-se um meio  priv  pr ivil ileg egia iado do do a u toe to e n te tenn d im e n to filosófico: filosó fico: Uma reflexão sobre o que é verdade nas ciências huma nas [... [...]] dev devee esforçar-se esforçar-se ao máximo máxim o ppara ara alcançar, no que respeita respei ta à sua próp própria ria form formaa de trabalho, a m maior aior possív possível el transp arência transparênc ia histórica de si mesma. mesma. Empenhada em entender o universo do entendimento, mais do que o conceito de conhecimento da ciência mo dernaa parec dern parecee permitir, também també m deve buscar uma um a nova ati tude para com os concei conceitos tos que emprega. emprega. A pa rtir rti r dess dessaa posição, posição, Gadam Ga dam er desenvolveu desenvolveu em um u m ní níve vell microscópico as etapas da sua argumentação, de tal modo que conclui o prefácio de Verdade e método métod o com a exigência exigência de que 26

 

PIRÂMIDES DO ESPÍRITO

a busca da verdade das ciências humanas deve residir, por  pri  p rinn cí cípp io io,, sobr so bree u m f u n d a m e n to d a h is istó tóri riaa dos do s concei con ceitos tos:: É um a consciência crítica crítica nova, que deve [.. [...] aco m pan har todo filosofar responsável e que coloca diante do fórum da tradição histórica, à qual pertencemos conjuntamen te, hábitos de pensamento e linguagem que se formam na comunicação de todo indivíduo com o seu entorno.

As investigações subsequentes empenham se em tratar estaa questão, vinculan do estreit est estreitam am ente questões rela relati tivas vas à história dos conceitos com a exposição concreta da sua m atér ia, (p. XXI XXIX)

Jamais se form Jamais formulara ulara um prog program ram a que atribuísse atribuísse tam anha anh a importância e urgência à história dos conceitos. Para Gadamer, a história histór ia dos conceitos deve não apenas fornecer às ciên ci cias as hum hu m ana anass um fundam fun dam ento fil filosofica osoficamente mente necess necessári ário, o, mas também incorporar funções e concepções anteriores da her m enêutica. É surpreen surpreendente, dente, porta portanto nto,, que, em 197 1971, no pre fácio ao primeiro volume do  Dic  Dicion ionári árioo histórico de filosofia,  Joachim Ritter aluda apenas à formulação programática de Gadamer, na qual discorria sobre “ser impelido a lidar com questões da história dos conceitos e das palavras” (p. VII). Ritter, em todo caso, refere-se a uma nova “atenção para as diversas camadas históricas do objeto filosófico” e à “reflexão crítica” que se contrapõe a uma definição do conceito, na me dida em que traz à consciência sua sua form formulação ulação e seu seu desenvol desenvol vim ento hist vimento históric óricos. os. De certa forma, o programa de Joachim Ritter e de seus coeditores coedit ores llevou evou a um a fundam entação das ciênc ciência iass humanas hum anas ainda mais estritamente hermenêutica que as reflexões de Ga damer. Os estudos para uma “metaforologia”, realizados com sucesso por Hans Blumenberg e ainda mencionados como  pre  p rem m is issa sa e m mot otiv ivaç ação ão ce cenn tral tr al na nass “Ide “I deia iass c o n d u to tora rass e pr p r in incc í  pio  p ios” s”,, de 1964, são ago ag o ra — de u m m o d o surp su rpre reee n d ente en te p a ra 27

 

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a nossa retrospectiva — excluídos do escopo do projeto do  Dicionári  Dicio nário. o.

 N ão sem  Não se m pesa pesar, r, o cí círc rculo ulo de ed edito itore ress de deix ixou ou de incl in clui uirr m e  táforas e usos metafóricos nos verbetes do  Dicio  Dicionári nário. o. Contu do, como demonstrara Hans Blumenberg, estava claro para todos nós que justamente as metáforas, que resistem à sua

dissoluçã diss oluçãoo terminológica, contêm história em uum m sentido mai maiss radical que os conceitos, pois conduzem à “subestrutura do  penn sa  pe sam m e n to” to ”, qque ue é o sol soloo de qu quee se n u tre tr e m as “cris “cristal taliza izaçõe çõess sistemáticas”.. Nossa renún sistemáticas” renúncia cia baseou-se baseou -se no re recon conhec hecim imento ento de que estaríamos exigindo do dicionário mais do que o desen volvimento das pesquisas permitia e que era preferível excluir esta área a contentar-se com improvisações precárias (p. IX). Ao fazer uma reavaliação engajada do valor histórico e das  poss  po ssib ibil ilid idad ades es sist si stem emáti ática cass da m et etaf afor orol olog ogia ia de Bl Blum umen enbe berg rg,, Anselm Haverkamp Ha verkamp inte interpre rpreta ta es essa sa deci decisão são do ““círculo círculo de edi tores”” em to tores torn rnoo de Ritter com comoo uum m a reação de def defesa esa agr agress essiva iva que teria causado danos filosóficos imprevisíveis.8Pois a me taforologia, diz Haverkamp, referindo-se incisivamente ao tex to de Ritter Ritter,, teria não só “im “implod plodido” ido”,, mas tam bé bém m “acabado acabado”” com o projeto histórico-conceitual do  Dicio  Dicionári nário. o.  Mas a que  pote  po tenc ncia iall exp explos losivo ivo o u de dest stru ruti tivo vo refe referere-se se Ha Have verk rkam amp? p? Em um ensaio que precedeu em três anos os “Paradigmas  para  pa ra um a m et etaf afor orol olog ogia ia”” e em ca cato torz rzee o p rim ri m e iro ir o volu vo lum m e do  Dicio  Di cionár nário io, Blumenberg Blum enberg aargum rgum enta entava va que o valor fi filosó losófic ficoo da nova concepção histórico-filosófica residiria justamente na sua concentração na camada ca mada do metafór metafórico: ico: Salvo engano, é iminente o ressurgimento da pesquisa histórico-conceitual na filosofia. Entre os impulsos dessa 8. Anselm Haverkamp, “Metaphorologie zweiten Grades: Geld oder Le ben.  be n. Kurze Kurz e Ei Einf nfüh üh ru rung ng in die V er erko kom m plizie pli zieru rung ng ein eines es G em emei einp nplat latze zes” s”,,  Z u r P r a x i s ei einn er The Theor orie, ie,  org. Dirk Mende, Frankfurt, 2006. 28

 

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tendência podem-se mencionar o reconhecimento reconhecimento da in inu u tilidade da diligente produção conceituai das últimas dé cadas, o embaraço crescente diante das dificuldades do entendimento filosófico e a realização paradigmática da  pesquisa  pesq uisa sobre conceit conceitos os teológicos. Se ess essee trabal tra balho, ho, ne ne  gligenciado por tanto tempo, for retomado, será preciso

sobretudo rejeitar a determinação do conceito filosófico das investigações anteriores [...] A ideia de que o logos f i losófico teria “superado” o mito pré-filosófico restringiu nossa visão da abrangência da terminologia filosófica. Ao lado do conceito em sentido estrito, estabelecido através de definição e intuição concreta, há um amplo campo de transformações míticas, o âmbito de conjuntu conjunturas ras metafísi cas que se sedimentaram em metáforas de diversas confi gurações. Em seu “estado agregado” agregado”,, eessa ssa esfera, esfera, ant anteri erior or ao conceito, é mais plástica, mais sensível ao inexprimível, menos dominada por formas fixadas pela tradição. Nela frequentemente se expressou aquilo que não encontrava um meio na arquitetura rígida do sistema.9 Tendo em e m vista a ca cama mada da ddoo “inexpressível” “inexpressível”,, cujos aspectos fascinantes são evocados anteriormente, Blumenberg logo se concentraria no que chamou de “metáfora absoluta”: “Ele m entos constitutivos básicos da linguagem fil filosóf osófica ica [. [.....]] que não se deixam recon reconduzir duzir àquilo que é autêntico ou à llogi ogici ci-dade.”1 dade .”100 Na me medida dida em que o conceito da me metáfora táfora abso absoluta luta impede a linha de raciocínio habitual de um destilamento do metafórico meta fórico em conceitos ppass assíve íveis is de definição, definição, conduz o in te resse para a historicidade do metafórico: 9. Hans Ha ns Blum enberg, “Licht “Licht als als Metapher Metap her der Wahrheit. Wah rheit. Im Vorfeld Vorfeld der  philo  ph iloso soph phisc ische henn Begr B egriffs iffsbil bildun dung” g”,, Studium Generale 10 (1957), p. 432446, aqui aqu i p. 432. 432. 10. Hans Blumenberg, “Paradigmas para uma metaforologia”,  A  Arc rc h iv fü r    Begr  Be griff iffsg sges esch chic icht hte6  e6  (I960),   (I960), p. 1-142, aqui p. 9. 29

 

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[...] onde uma metáfora pode ser trocada, isto é, substi tuidaa oouu corrigida po tuid porr uma u ma mais ex exat ata. a. Por is isso so,, até mesmo as metáforas absolutas têm historia. Têm historia em um sentido mais radical do que os conceitos, pois a mudança

histórica de uma metáfora põe em evidência a metacinética dos horizontes e modos de ver históricos, em cujo âmbito os conceitos sofrem mudanças, (p. 11) Exatamente essa essa pa passage ssagem m do p rogram a de B Blumenberg lumenberg é citada e, a princípio, endossada por Joachim Ritter nas suas “ideias condutoras” (1964) e no “Prefácio” (1971) ao  Di  Dicio cioná ná rio histórico de filosofia. N  Nela ela ssee vislum vislumbra bra a prom promessa essa de um umaa dimensão profun profunda, da, sistematicamente rel relevan evante te da história da filosofi filo sofiaa que o traba trabalho lho colet coletivo ivo de história co conceitua nceituaii acabaria deixando de cumprir. Com certeza, a sensibilidade que temos hoje nos leva leva a um umaa percepção mais aguçada das consequên cias da renúncia ao metafórico e inexprimível do que a que tinha o milieu filosóf filosófico ico alem alemão ão ddos os an anos os 19 1960 60 e 1970 1970.. Joach Joachim im Ritter justif justificava icava eess ssaa renú renúncia ncia alud aludind indoo a problemas problem as técnic técnicos os do seu projeto sem, contudo, especificá-los. Nossa avaliação, tão distinta, reside em uma diferença histórica que nos separa dos primórdios do movimento da história dos conceitos, quando essa renúncia ainda parecia (não sem pesar, ou seja, sem pesar) justificá justificável. vel. Uma ddiferença iferença histó histórica rica qu quee nnos os ajuda a com preend preender er o fi fim m do m ovim ento da história dos conc concei eitos tos no passado recente. Ritter talvez acreditasse que fosse apenas uma questão de tempo tem po os pr projetos ojetos de históri históriaa dos concei conceitos tos tornarem -se capa zess de resp on ze onde derr às eexigê xigênci ncias as da m metaforologia. etaforologia. Mas, em úúlti lti ma análise, era impensável superar os problemas iminentes  po  p o r m eio ei o de u m refi re finn am en ento to d o in s tru tr u m e n tal ta l analí an alític tico, o, um a vez que as metáforas e o iindizíve ndizívell ssee fecham fecham a qu quaisqu aisquer er m éto dos interpretativos normalizadores. A possibilidade de uma reavaliação da renúncia à metaforologia não deve ter sido 30

 

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nunca realmente levada em consideração. Antes, com a deci

são de seu grêmio grêm io de editores, o  Dic  Dicioná ionário rio de Ritter conduziu conduz iu a filosofia no espaço linguístico alemão a uma determinada direção que qu e definiria, definiria, e de certa forma limitaria, sua abertura abe rtura e sua capacidade de participar de discussões internacionais nas décadas d écadas seguintes. seguintes. Referindo-se à frase de Heidegger “Ser “Ser,, que pode pod e ser ente enten n dido, é linguagem”, linguagem”, Gadamer Gad amer tam bém bé m havia tematizado o não conceituai no prefácio à segunda edição de Verdade e método   (1965), sem contu co ntudo do deixar que qu e essa essa reflex reflexão ão implicas implicasse se restri ções à pretensão fundamental que ele havia atribuído à histó ria dos conceitos no âmbito das ciências humanas. Seria pre ciso ciso considerar conside rar a dimensão dim ensão do não conceituai e indi indizív zível, el, mas mediante um movimento do pensamento que desfizesse a distinç distinção ão precisa traça t raçada dacausar entre dizível diz e não dizíve dizível: l: “a alusão ao indi in di zíve zívell não qualquer quaível lquer prejuízo à universalidade universali dade do linguístico. O infinito do diálogo no qual se realiza o entendi m ento faz faz com que a próp ria validade do indizível indizível sej sejaa relati va” (p. XX). O indizível, assim Gadamer avaliava o problema, talvez esperançoso demais, não permanecia necessariamente indizível. A despeito da abertura momentânea de Gadamer e graças à exclusão da proposta de Blumenberg, afastaram-se finalmente finalmen te todas as problematizações problem atizações filosó filosófic ficas as que po poderia deriam m se contrapor da história dos conceitos, estabe lecido como ao ummovimento empreendimento puramente semântico e de história das idei ideias as.. Encontros regulare regularess de trabalho, docu do cum m en en  tados no  A  Arr c h ivfü iv fü r Begriffsgeschichte e editados por p or Gadamer, resultaram na preparação dos primeiros trabalhos para os novos projetos de dicionários que se tornariam, tanto inte lectuall quanto lectua qu anto institucionalmente, institucionalm ente, centrais para pa ra duas gerações gerações de pesquisadores da área de ciênci ciências as humana hum anass na Alemanha. * * *

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Problemas semelhantes, mas com perspectivas e dimensões

claramente distintas, distintas, foram enfrentados alguns anos mais tar de nos encontros preliminares de trabalho para os volumes dos Conceitos históricos básicos  —  Léxico histórico da lingu lin guaa gem político-social da Alemanha, sob a condução de Reinhart Koselleck, intelectualmente aberta e, ao mesmo tempo, de um a perseverança iinabal nabalável ável no que respeit respeitaa ao projeto como um todo. Sempre filos filosofic oficamente amente inspirado nnaa formulação de suas questões, o historiador Koselleck, aluno de Hans-Georg Gadamer, buscava, sobretudo, o contato com estudiosos da linguagem e suas teorias para tentar solucionar problemas fundamentais do seu projeto. Dedicou-se obsessivamente à questão relativa à distinção entre “conceitos”, “conceitos bási cos” e outras formas elementares de significado. Não bastava simplesmente simp lesmente elev elevar ar o nív nível el de abstraçã abstração.1 o.11A pro propo posta sta de dde e finição mais ambiciosa de Koselleck, formulada na “Introdu ção” ao  Léxico, hoje parece, parece, em sua complexa contradição, um sintoma da assimetria entre os problemas genuinamente his tóricos e aass sol soluções uções linguísti linguísticas cas buscadas po p o r historiadores: Uma palavra pode se tornar torn ar unívoca porqu porquee é polis polissêm sêmica. ica. Um conceito, ao contrário, deve permanecer polissêmico  para  pa ra pode po derr ser conceito. O conceito c onceito reside nnaa pa palavra, lavra, mas ao mesmo tempo é mais do que a palavra. Uma palavra torna-se, o nosso método, um conceito totalidadesegundo de um contexto de significado políticoquando e sociala no qual — e para o qual — se usa uma palavra é apreen dido por p or determ determinada inada pala palavra.1 vra.12 11. Com Como, o, po r exemplo, propõe pro põe Jürgen M ittelstrass ittelstrass no vverbete erbete “conceito” “conceito” (“Begriff)   da sua Enzykolpädie Philosophie Philosophie un d Wissenschaf Wissenschaftst tstheori heorie, e,  Mannheim, 1980, v. 1, p. 265 ss. 12. Geschich Geschichtlic tliche he Grundbegrif G rundbegriffe. fe. H istori istorisches sches Lexikon zu r politisch-sozialen   Sprache in Deutschland, org. Otto Brunner, Werner Conze e Reinhart Koselleck,, Stutt Koselleck S tuttga gart, rt, 197 1972, 2, p. XXI XXII. I. 32

 

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As formulações que sugerem que a existência daquilo que Koselleclc quer chamar de conceito depende de um “método”  pare  pa rece cem m hhoj ojee p ar arti ticu cula larm rm e n te in inad adeq equu adas ad as ao ppro roje jeto to e a seus objetos de estudos. O dilema das tentativas linguísticas de elucidação reside, fundamentalmente, no fato de buscarem teorias e argumentos dedutivos para justificar o que são ape nas intuições bem-sucedidas em interpretações do passado.  No lug lu g ar d a de defin finiçã içãoo p ro ropp o st staa p o r Koselleck Kos elleck p a ra a palav pa lavra ra “conceito”, os editores do Léxico poderiam ter colocado, sem qualquer prejuízo, a declaração de que escolheram, de acordo com suas expectativas e respectivas qualificações, as palavras, os predicados ou mesm mesmoo os conc conceit eitos os que prom pro m etiam decifrar decifrar momentos e contextos históricos de particular condensação semântica. O critério para p ara a seleç seleção ão das histórias dos d os conceitos conceitos a sere serem m tratadas não era de m od odoo algum uum m a noção abstrata ou complexa do que seria um “conceito básico”, mas a visão que historiadore historiadoress importantes imp ortantes tinham tinh am do passado passado,, determina determina  da pelos pe los seus respectivos interesses cognitivos e experiências. experiências. Koselleck e vários outros colegas historiadores que aceita ram participar como autores do  Léxico   travaram uma dura  bat  b atal alhh a em to rn o d a di dife fere renn ça entr en tree “his “h istó tóri riaa con co n ceitu ce ituaa i” e “história factual”. Para aqueles que insistiam na referência à esfera da “história factual”, o status  da “história conceituai” devia parecer ontologicamente secundário e subsidiário. Ko selleck, firmemente convencido da relevância do seu projeto, não queria fazer concessões ao primado da “história factual”, mas tampou tam pouco co esta estava va disposto disposto a ir tão tão longe quanto quan to seu seu con con  temporâneo Michel Foucault, que havia de facto   excluído do campo da sua pesquisa todos os fenómenos não discursivos (pelo menos é assim que Foucault é lido até hoje). Em suas colocações colocaç ões sobre a relação entre “histó “história ria conceitu co nceituai” ai” e “histó “hist ó  ria factual”, factual”, Kose Kosell lleck eck optava optav a por po r um u m a posição na qual q ual a hi histó stó  ria dos conceitos aparecia como uma instância intermediária 33

 

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a caminho de um a história fa factu ctual al:: ““N N enh enhum um a pesquisa histó rica pode pod e deixar de levar em con consideração sideração a express expressão ão linguís tica e a autointerpretação de tempos passados ou presentes como um a etapa inte interm rmed ediária iária da sua inv invest estiga igação. ção.”” Por out outro ro lado, algumas frases sugeriam uma pretensão de totalidade a favor da história conceituai, formuladas cuidadosamente como “uma metáfora para”: “De certo modo, a linguagem como um todo da dass font fontes es de cad cadaa um dos período períodoss tratados é uma metáfora da história cujo conhecimento está em jogo” (p. XII XIII). I). E Ess ssaa oscila oscilação ção en entre tre expectativas du dualistas alistas e mo monistas nistas  per  p ersi sist stiu iu co com m o u m leitmotiv,  mas também também como um probl proble e ma jamais resolvido nas inúmeras tentativas de Koselleck de enquadrar explicitamente o seu projeto: falava-se “de uma convergência entre história histó ria e conceito” conceito”,, “d “dee u m a osci oscilaçã laçãoo en e n tre questões semasiológicas e de história factual” (p. XXIII) e, de form a igualmente indec indecisa isa,, de concei conceitos tos como “indicado res”,, “fat res” “fator ores es”” e “lim “limite itess ddee eexp xperi eriên ência ciass possíve po ssíveis” is”.1 .133 Uma das poucas soluções de eficácia duradoura com que Kosell Kos elleck eck dep deparo arouu nos debates sobre a valência hist histórico-facórico-factual do trabalho de história dos conceitos foi o conceito de “no rm a linguística” elabor elaborado ado p o r Eugenio C Cose oseriu.1 riu.14Coseriu 4Coseriu atribuiu o conceito de norma linguística, programática e po lemicamente, ao espaço entre os conceitos saussurianos de  par ole ) e “língua” (langue),  estendendo-o às possibili “fala” ( parole dades de um sistema linguístico selecionadas e institucionali zada za dass po porr um a com unidade de fal falant antes es eem m d eterminado con texto histórico e cultural. A fala só pode operar no âmbito de 13. Reinhart Koselleck, “Begriffsgeschichte und Sozialgeschichte”,  Hist  H istoorischie Semantik und Begriffsgeschichte,  org. Reinhart Koselleck e Karheinz Karhe inz Stierle, Stierle, Stuttgart, Stu ttgart, 1978, 1978, p. p. 19-3 19-36, 6, aqui p. 29. 14. Eugenio Coseriu, Sprachtheorie und allgemeine Sprachwissenschaft. 5 Studien,  Munique, 1975, e Synchronie, Diachronie und Geschichte.  D  Das as Prob Pr oblem lem des SSpr prac achw hwan ande dels, ls,  Munique, 1974. 34

 

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normas linguísticas dadas; somente à criação poética seria eventualmente possível transgredir normas linguísticas vigen tes em direção à totalidade de possibilidades de um sistema linguístico. De acordo com essa perspectiva, só poderiam ser considerados relevantes do ponto de vista histórico-factual docum entos de história conceit conceituai uai que per pertencessem tencessem comprovadam ente ao extrato institucionalizado da n orm a lin linguí guísti stica. ca. Essa reflexão explica a importância extraordinária conferida ao “plano lexical” nas contribuições do dicionário Conceitos  históricos básicos  e, ao mesmo tempo, as distingue do estilo intelectual da tradicional história das ideias. Desse modo, abriu-se uma camada de fenómenos entre os primeiros indí cios documentais de determinados significados, não raro nos  pínc  pí ncar aros os das con conver versas sas de au auto tore ress do c ân ânoo ne filos filosófico ófico e lit liter eráá  rio, e a dimens dimensão ão dos sign significados ificados iinstitucionaliza nstitucionalizados, dos, nnaa qual era possível observar processos de institucionalização e inda gar sobre as suas condições históricas específicas. O fato de o projeto dos Conceitos históricos básicos ter de sencadeado um umaa discussão teórica por vez vezes es exager exagerada, ada, em bo bo  ra mais m ais vviva iva do que a do  Dic  Dicioná ionário rio histórico de filosofia, deve-s -see tanto às pess pessoas oas que nel nelee traba trabalharam lharam qua quanto nto à orientação dos respectivos dicionários. Além da enérgica abertura interdisciplinar de Koselleck, os problemas de apreensão conceituai dos divers diversos os estímulos reve revelaram-s laram-se, e, paradoxalmente, p ro rodu du  tivos. Em outras palavras, entre as qualidades de Koselleck como editor está o fato de ter produzido, no âmbito autorreflexivo do projeto, mais perguntas do que respostas. Os Con obrigação igação de torn tornar ar plausível plausível ceitos históricos básicos tinh am a obr a relação relação pressu pressuposta posta en entre tre filo filosof sofia, ia, semân semântica tica histórica e his his  tória factual, ao passo que o ponto de partida do  Dic  Dicioná ionário rio   histórico de filosofia   — menos pluridimensional — era um novo interno da filosofia. Hoje fica que osautoentendimento debates teóricos desencadeados pela história dos claro con35

 

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ceitos, de cunho histórico-social, em sua complexidade e di ferenci fer enciação ação,, frequentem frequentemente ente ultrapass ultrapassavam avam o pata patam m ar que os autores de verbetes dos manuais de história dos conceitos eram capazes de alcançar em seus trabalhos. Nesse sentido, só teria sido possível alcançar uma maior flexibilidade caso se tivesse diferenciado filosoficamente a pretensão ontológica da “história “hist ória factual” factual”.. Para muitos autores, a teoria dos atos de fala, que se pro  pag  p agar araa so sobb re retu tudd o no noss an anos os 1970, ofer of erec ecia ia re resp spos osta tass c o n v in in  centes à questão da relação entre semântica histórica e histó ria factual. factual. A noção de que a açã açãoo pe pertence rtence à esfera da histó história ria factual era tão inquestionável quanto a de que os significados são criados, criados, est estabel abelecid ecidos os e ttran ransform sform ado adoss po r m meio eio de atos de linguag ling uagem em.1 .15Claro qu quee a força persuasiva des desse se arg argum um en ento to era muito maior no âmbito da política, em que a convergência entre ação e efeitos formadores da sua semântica é particu larmente evidente. É fácil compreender que ser rotulado de “neoconservador” pode representar uma derrota decisiva na luta política. Já Já no âm bito da ciênc ciência ia ou ddaa arte é dif difíci ícill imag imagi i nar atribuições de sentido cujos efeitos possam ser assim tão evidentes. Com um purism o teórico que tal talve vezz apenas jovens ci cientis entis tas possam acalentar, eu próprio acreditava, então, que uma “fundamentação fenomenológica” a partir de conceitos de Edmund Husserl, Alfred Schuetz, assim como dos alunos de Schuetz, Peter Berger e Thomas Luckmann (autores do best-  se sell ller er A construção construção socia sociall da realidade) realidade),, po  pode deria ria resolver resolver todos os problemas teóricos da história histórico-social dos con15. Cf., principalmente, a contribuição de Hermann Luebbe, “Sein und Heissen. Bedeutungsgeschichte ais politisches Handlungsfeld”,  Be  Be--  griffsgeschichte und historische Semantik,   org. Reinhart Koselleck e

Karlheinz Stierle, p. 343-357.

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ceito s.16Escapava ceitos.1 6Escapava-me -me o fato de que a prem premissa issa con construt strutivis ivista ta e fenomenológica da impossibilidade cognitiva de alcançar as “pró própria prias” s” reali realidades dades eliminava justame justa mente nte a esfer esferaa da história factual, cuja relação com os conceitos importava aos historia dores determ de terminar. inar. A dis discussão cussão de Karheinz Stierl Stierlee sobre a rela ção entre “semântica histórica e historicidade do significado” era, do ponto de vista linguístico, incomparavelmente mais refinada, mas, em virtu virtude de do seu grau de diferenciação, discre  pa  p a n te em rel relaç ação ão aos p ri rinc ncip ipai aiss de deba bate tess so sobr bree os “co “conc ncei eito toss históricos básicos”.1 básicos”.177 Com o um dos prime primeiros iros conhecedo conhecedores res da análise do discurso de Michel Foucault, Stierle também adotaria o pressuposto — fenomenológico, conforme sua ge nealogia intelectual — de que uma realidade para além dos discursos não nos é acessível. Com base nesse fundamento, desenv des envolv olver eria ia um a descri descrição ção teórico-linguís teórico-linguística tica do m om ento da inovação do significado significado em seu seuss respect respectivos ivos contextos his his  tóricos. Da distinção saussuriana entre “ langue ’ e “ pa  paro role le ”, somente som ente o lado da ““paro/e” paro/e” ((“fa “fala”) la”) seria rrelevante elevante pa para ra a his tória dos conceitos conceitos.. Ao mesm o tem po, Sti Stierl erlee (como tam bém Eugenio Coseriu) postulava que se deveria rechaçar a exclusão m út útua ua da linguística ““sincrónica sincrónica”” e ““diacrôn diacrônica” ica”,, um a ve vezz que  p  paa ra a re recc o n s tr truu ç ã o de inov in ovaç açõe õess e inst in stit ituu c ion io n a liz li z a ç õ e s do significado não se poderia abrir mão de nenhuma das duas dimensões. A própria inovação do significado remontaria sempre à cconvergênci onvergência, a, descrita por M erleau-Ponty, entre “ in tention significative” (individual) e “ signification ” (institucio nal). Por outro lado, o plano da “ par  parole ole ”, em que se realizam tais convergên convergências cias,, deveria ser ultrapassa ultrapassado do par paraa considerar-se 16. Para um a fundam entação fenomenológica da história histórico-soci histórico-social al dos conceitos, ver  Beg  Begriff riffsge sgesch schicht ichtee u n d his histor torisc ische he Se Sem m an tik, ti k,   p. 75101 10 1 . 17.  Begr  Begriff iffsges sgeschic chichte hte u n d his histor torisc ische he S e m an tik, ti k,  p. 154-192. 37

 

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o plano dos discursos, isto é, o plano da simultaneidade de diferentes contextos histórico históricoss de signi signific ficado. ado. As exposições teóricas de Reinhart Koselleck jamais alcan çaram sem semelhantes elhantes ddiscern iscernim imento ento e precisão conceituais. E Ess ssaa constatação contradiz o fato histórico-científico Ko selleck ter senão tornado, em um duplo sentido, o grande de mestre da prática histórico-conceitual. Em parte porque os Concei tos históricos básicos — à diferença do  Di  Dicio cionár nário io histórico de   filosofia  filo sofia,,  no qual, como vimos, Joachim Ritter defendia um  pr  p r incí in cípp io de n e u tr traa lid li d a d e filosóf filo sófica ica — vvisa isava vam m , ccom om o proj pr ojet eto, o, à elaboração e à ilustração da concepção de “modernidade” (Neuzeit ) de Koselleck. De fato, são raros os pesquisadores que tiveram a sorte de ver, como Koselleck, as concepções centrais do seu ttraba rabalho lho acat acatadas adas ao longo de milhares de páginas por colegas altamente qualificados. Esse fato é notável sobretudo  po  p o rq rquu e n ão co corr rres espp o n d ia a u m a es estr trat atég égia ia de Koselleck. Sua concepção concepção da m odern odernidade, idade, cada ve vezz mais diferenci diferencia a da em diversos ensaios anteriores e posteriores aos Conceitos  básicos, pa  parte rte da intuição herm enêutica de que, por uum m lad ado, o, a distância distância histórica notável que nos separa de textos do perí perío o do anterior an terior a 1780 requer co constantemen nstantemente te tradu tradução ção linguís linguístic ticaa e cultural e de que, por outro, corremos constantemente o ri risco sco de superestim superestimar ar nossa proximidade proximida de ccultural ultural em re relaç lação ão a textos do período posterior a 1830. Koselleck explica esse efeit efe itoo do perío período do po porr el elee chamad chamadoo de Sattelzeit 18 (1780-1 (1780-1830) 830) 18. O termo Sattelzeit   foi cunhado por Koselleck para designar a mu dança histórica estrutural que se inicia nas últimas décadas do sé culo XVIII, em particular no âmbito da linguagem politico-social. Sobre os sentidos do term te rmoo a sua aplicabilidade, aplicabilidade, ver a entrevista com Koselleck publicada em  H is istó tó ri riaa dos conceitos. conce itos. D eb ebat ates es e perspec pers pectiva tivas, s,   org. Marcelo Gantus Jasmin e João Feres Júnior, Rio de Janeiro, Edi to tora ra PUC-Rio, Edições Edições Loyola, Iupe Iuperj/UCAM, rj/UCAM, 2006, p. 162162-163. 163.

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(“tempo de sela”), que se manifesta em diversos níveis fenomenológicos, pela separação, e pela “assimetria” resultante dessa separação, entre o espaço da experiência ( Erfahrungs-  raum)  e o horizo horizonte nte de expectativa (Erwartungshorizont ). ). Des se m od odoo surgiu, em um contexto histórico h istórico especí específi fico co,, o “tem   po  p o h istó is tóri rico co””, qque ue logo log o se seria ria visto vi sto com co m o m et etaa-hh istó is tóri ricc o. Esse tempo residia em uma tensão constitutiva entre aquilo que  po  p o d em o s apre ap renn d e r do d o pas p assa sado do e aq aqui uilo lo qu quee ve vemo moss apro ap roxi xim m arar -se em dada situação histórica como futuro. Os efeitos que, segundo Koselleck, decorrem desse movimento, ou seja, da emergência emergê ncia do tem po históric histórico, o, corroborávei corroboráveiss seman s emanticamen ticamen te, estão explicitamente inscritos nos Conceitos históricos bá sicos  como critério de atenção e interpretação: chamam-se “democ “dem ocratiz ratizaçã ação” o”,, “tempora “temp oraliza lização ção””, “politização “politiza ção”” e “tendên “tend ência cia à ideolo ideo logi giza zaçã ção” o”.1 .199 A singu singularidade laridade ddoo lugar luga r e do prestígio p restígio de Ko Kosel sellec leckk dentro do movimento da história dos conceitos advinha não só da sua influência decisiva decisiva sobre o trabalho trab alho realizado realizado no noss Concei tos históricos básicos. N enhum outro autor explorou, explorou, variou e ampliou amp liou com tam anh anhaa persistênci persistênciaa e de forma tão impressio nante o potencial desse gênero. O estilo intelectual singular das pesquisas pesquisas que reali realizou zou du duran rante te sua vida aparece aparece mais niti damente damen te em esboç esboços os de trabalho e estudos preparatórios para pa ra as histórias de diversos conceitos do que na forma final das  àss vez vezes es prejud prejudicada icadass pela abra ab ran n suass con sua contribuições tribuições ao  Léxico, à gência dos materiais tratados. Nesse sentido, um exemplo pa radigmático radigm ático e há m uito tempo tem po famoso é o ensaio de Kose Kosell llec eckk chamado “Critérios “Critérios hist históricos óricos do conceito conceito m oderno od erno de revo 19. Compare a descrição minuciosa das “questões condutoras”, isto é, das premissas de Koselleck a serem comprovadas, e as quatro pers  pectiv  pec tivas as esboç esb oçad adas as n a “In “I n tr troo d u ç ão” ão ” ao aoss Geschicht Geschichtliche liche Grundbegriffe,   p. XIV-XVIII XIV-XVIII..

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lução ”.20 El lução” Elee parte ddaa obs observaçã ervaçãoo de um a tra trans nsfor form m açã açãoo do conceito de revolução, cujo sentido originalmente astronômi co implicava implicava um umaa semântica sem ântica tem tempor poral al cí cícl clic ica, a, em uum m dos ele mentos centrais do entendimento linear da história voltado  pa  p a ra o pr prog ogre ress ssoo d u r a n te o sécul sé culoo XVI XVIII. II. Nessa tran tr anss form fo rm aç ação ão residee uum resid m a das provas m mais ais contund con tundentes entes da tes tesee de Kos Kosel elle leck ck relativ rela tivaa à separação entre o espaço de experi experiência ência e o hhoriz orizon on  te de expectati expectativa va du duran rante te a Sattelzeit.  Pois eess ssaa nov novaa assimetria entre experiência do passado e expect expectativa ativa do fu turo implica va que o retorno cícl cíclic icoo de um mesmo event eventoo já ocorrido ppa a recesse impossível.  Na m ed edid idaa em qu quee Kos Koselleck elleck c o n ti tinn u o u a p er erse segg ui uirr a his h is  tória do conceito de revolução ao longo dos séculos XIX e XX, ampliou as descrições da historicidade moderna e seus sinto mas de um a form formaa que jjáá se insi insinuava nuava na introdução ao aoss Con  ilustra-se a-se uma tendência para a forma forma  ceitos históricos básic básicos: os: ilustr ção de conceitos no “coletivo singular”, a impressão de uma “aceleração” do tem tempo, po, a complexific complexificação ação de conceitos atrav através és de “coeficientes “coeficientes de m ov ovim imen ento” to” e “pers perspectiv pectivação ação””, a ressignificação da revolução política em “social”, a suspensão dos seus limites limit es no conceit conceitoo de revol revolução ução perm permanente anente,, sua pragmatização no conceito de “revolução factível” e, finalmente, a “absolutização” da revolução e do conceito de revolução no âmbito de um “ci “circuito rcuito de fogo de guerra guerrass civis” civis” que eclo eclodiram diram após a Segunda Guerra Mundial. Nas últimas páginas do ensaio, os leitore lei toress de Kose Kosell llec eckk ssão ão trans transpo portad rtados os para o seu cenário po po-20. Reinhart Koselleck, Ver Vergan gangen genee Zu ku nft. Z ur S em an tik ge geschi schichtl chtliche icher  r    Zei  Z eite tenn .  Frankfurt, 1979, p. 67-86. O desenvolvimento da técnica da  Zeit itsc schi hich chte ten. n.   história dos conceitos aparece no livro de Koselleck,  Ze   Studien zu r Histo Historik. rik. M it einem Beitrag von Hans-Georg Gadamer Gadamer..

Frankfurt, 2002, e The Practice Practice o f Conceptual Histo History. ry. Tim ing Histor History, y,  Spacing Concep Concepts, ts, prefácio Hayden Hayd en White, Stanford, 2002. 2002. 40

 

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lítico do fim do sécul lítico séculoo X XX X, para o qual a hist história ória do conceito de revolução ofereceria perspectivas reveladoras e iluminadoras. Vivemos desde 1945 entre guerras civis latentes e explícitas, cujoo ho cuj horror ainda ppode ode ser superado uuma ma mica —rror como se as guerras civis ao por redor do guerra globo, atô em umaa inver um inversão são da interpretação tradicional, fossem o último instrumento para nos resguardar do aniquilamento total. Se es essa sa in inversã versãoo infernal se torn to rnou ou um umaa lei tácita da política mundial atual, então, levanta-se a seguinte questão: como se justifica uma guerra civil que se nutre tanto da perma nência da revolução quanto do pavor de uma catástrofe global? Esclarecer a correlação recíproca de ambas as posi ções não é, todavia, todavia, tarefa desta his história tória dos conceit conceitos. os. Preferimos não acatar ou mal in Preferimos interp terpretar retar as ddefin efiniçõ ições es dadas até aqui como a realidade da nossa história. Mas a história dos conceitos, mesmo ao abordar ideologias, irá nos lembrar que palavras e seu uso são mais importantes  para  pa ra a polític políticaa do que tod todas as as out outra rass aarmas rmas.. (p. 86 86)) Essa frase é apenas mais uma evidência da sua oscilação entre pretensões histórico-factuais histórico-factuais para a história dos concei tos (“mais (“mais imp ortantes do que todas as outras arm armas”) as”) e a re tirada explícita dessas pretensões (“preferimos não acatar ou mal interp in terpretar retar”) ”).. Mai Maiss fascinant fascinantee ainda é um a lacun lacunaa óbvi óbvia, a, no âmbito da referência histórica, nesse impressionante en saio. Após reconstruir detalhadamente as transformações do conceito con ceito de revoluç revolução ão até m mead eados os do sé século culo X XIX IX,, com base em documentos franceses, ingleses e até mesmo alemães, Koselleck, depois de breve alusão à Revolução Russa de outubro de 1917, salta para o seu próprio presente político. Sobretudo a história alemã da primeira metade do século XX é poupada.

Certamente ess ssaa omis omissão são não foi det determinad erminad a po r um a inten  ção dissimuladora, ou mesmo manipuladora. Pelo contrário, não se pode de modo algum excluir a possibilidade de que o 41

 

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arquivo dos documentos docum entos estudados e o foc focoo program ático nas inovações conceituais tenham justificado essa exclusão. Ainda assim, é estranho para mim que um historiador alemão da geraçã ger açãoo da Segunda umtória historiador historiado r do porte de Kosel Kosellec leck, k, deixe deGuerra aludir,Mundial, em um a histó his ria ddoo “conceito” de revolução, à “revolução alemã” do nacional-socialismo. x- x- x-

É impossível impossível deixar de perceber que um u m a constela constelação ção com ple tamente diferente da história alemã está inscrita no último  pro  p roje jeto to m o n u m e n ta tall ddee his h istó tóri riaa dos do s con c oncei ceito tos, s, o d ic icio ioná nário rio de Conceitos Concei tos estéticos bási básicos. cos. O primeiro volume aparece apareceuu no ano

2000 e em m 2000 menos enos de cin cinco co anos, portanto, porta nto, em uum m tempo tem po com com   pa  p a ra rati tivv a m e n te c u rt rtoo , cheg ch egar aria ia ao fim com co m a publ pu blic icaa ção çã o do quarto volume. O projeto foi encaminhado durante os anos 1980 na Academia das Ciências da DDR, um sintoma da dis tensão e da liberalização da política cultural do Estado socia lista, que logo depois seria absorvido pela Alemanha reinte grada.. No volume prep grada preparatório aratório ao aoss Conceitos estéticos básicos,  intitulado Estudos para um dicionári dicionárioo his histór tórico ico,, publicado em 1989, no ano da queda do Muro de Berlim, ainda consta o impressum   “Printed in the Germán Democratic Republic”. Maiss uum Mai m a vvez ez,, como antes no  Dic  Dicioná ionário rio histórico de filosofia  e nos Conceitos históricos básicos, a retórica da autoapresentação autoaprese ntação nos Conceitos estéticos básicos  era claramente marcada pela convicção de que a prática da história dos conceitos oferecia uma mais-valia intelectual específica em relação à semântica histórica. Seguindo os trilhos de uma tradição estabelecida

desde 1900, há várias tentativas de descrever essa Omais-valia que, entretanto, não esboçam qualquer novidade. questio  nam ento, igual igualmente mente convenciona convencional, l, do que distingue distingue uum m con ceitoo de ooutras ceit utras formas de signif significado icado ser servia via aos organizadores 42

 

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dos Conceitos estéticos básicos, em se seus us estudos preparatorios,  pa  p a ra fo form rm u lar la r uum m a re resp spos osta ta vvol olta tada da p a r a diss di ssip ipar ar a su susp speit eitaa de de idealismo, sempre iminente na ciência socialista, e também  pa  p a ra re reiv ivin indi dica carr leg le g itim it im am en ente te o títu tí tulo lo de u m a ep epis iste tem m olog ol ogía ía materialista: Conceitos  em si não são algo intrinsecamente linguístico

e, portanto, não têm “significados”; antes — como etapa final de procedimentos de representação — são proprie dade da memória. O acesso a conceitos é intermodal, isto é, todos os sentidos humanos contribuem para a sua re  presen  pre sentaçã taçãoo e me memó mória ria.. O acess acessoo liter literal al a conceitos não é o seu único modo de apreensão, mas o mais próximo e decisivo pa para ra a histó história ria ddos os con conceitos ceitos.2 .21 Chamada de “materialista” desde o século XVIII, a noção aqui evocada de que significados são impressões do mundo exterior transmitidas pelos sentidos pode ser aplicada não apenas a “conceitos” (seja lá o que forem), mas também a quaisquer formas de significado e, portanto, não contribui efetivamente efeti vamente para um a teoria da hhistória istória dos conce conceit itos. os. Como o que serviu originalmente de pretexto ideológico dessa defi niçãoo tinh niçã tinhaa desapa desapareci recido do com completamente, pletamente, não su surpreende rpreende que  pa ssad  pass ados os de dezz aano nos, s, nnoo “pref pr efác ácio io”” ao ppri rim m e iro ir o vo volu lum m e do doss Con ceitos estéticos estéti cos básicos, já não se enc encon ontre tre ess essaa mesm mesmaa definição de “concei “con ceito” to”.. Os organizadores mantiveram, no entanto, outro ponto  pro  p rogg ra ram m átic át icoo , m ais ai s c en entr tral al e igu ig u alm al m en ente te ca cara racte cteriz rizáv ável el co com mo “materialista”: a tese de que as artes e, com elas, a reflexão

estética haviam se reorientado no fim do século XX, afastan21. Karlheinz Barck, Martin Fontius e Wolfgang Thierse, “Ästhetik, Ge schichte der Künste, Begriffsgesc Begriffsgeschich hichte. te. Zur Ko Konzeption nzeption eines eines ‘H ‘H isto rischen Wörterbuchs’”,  Äst  Ä sthh e ti tisc sc h e Grun Gr undb dbeg egri riffe ffe.. S tu tudd ie n z u e in inem em   historischen Wörterbuch, Berlim [DDR], 1990, p. 11-48, aqui p. 23. 43

 

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do-se de seus fundamentos idealistas tradicionais em direção a um a aisthesis,  um autoentendimento calcado na percepção sensorial. No contexto da discussão sobre “estética da merca doria” e “cultura de massa” introduzida pela “teoria crítica” (originária (orig inária de F Frank rankfurt) furt) e diante ddaa “pesquisa sobre mídias” mídias”,, então forçosamente imposta e promovida na Alemanha, o  pr  p r o g ra ram m a da aisthesis pa  pareci reciaa coincidir com a tendên tendência cia inte lectuall contemp lectua contemporânea: orânea: Previsivelmente, aass novas e ant Previsivelmente, antigas igas mídias con conduze duzem m a uum m novo paradigma histórico-cultural, em cujo centro, após o período histórico relativamente curto da introdução do pensamento estético, o antigo significado de aisthesis,  como percepção sensorial, adquire um significado total m ente novo. S See não reconhecerem reco nhecerem os sentidos como sendo os órgãos originários das necessidades estéticas, a busca hermenêutica de sentido inevitavelmente envelhecerá nas margens marg ens de um umaa atividade acadêmica alheia ao mu mund ndo.2 o.222  Ne ssa to  Nessa tom m a d a de po posi siçã çãoo p erce er cebe bem m -se -s e logo lo go do dois is p r o b le le  mas. A afirmação feita por representantes das ciências huma nas sobre as “margens de uma atividade acadêmica alheia ao mundo”, sem demonstrar a exigência implícita ou os objetos de investigação de uma perspectiva “mais realista” (caso seja ess ssaa a al alternati ternativa va almejada), já tinha se torna tornado do há m uito te tem m  po u m a co conv nven ençã çãoo e, ppoo r tan ta n to , u m p arad ar adoo x o la late tent ntee da ins in s ti ti  tuição acadêmica. A recusa recusa da bu busca sca herm enêu enêutica tica de sentido torna-se especialmente problemática no âmbito do programa

de um projeto de história de concei conceitos tos que não pod poderia eria recor rer a nenhum outro fundamento senão o da hermenêutica. Mas, quando se considera que esse protesto contra as limita ções do pensamento impostas pela “busca hermenêutica de 22. Karlheinz Barck et al., “Ästhetik, Geschichte der Künste, Begriffsge schichte”, p. 45. 44

 

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sentido” fazia parte da identidade de toda uma geração das ciências ciênci as hum anas, ana s, que no fim do século XX assum iu a direção de várias disciplinas, fica claro que a recusa da hermenêutica no prefácio de um projeto inevitavel inevitavelmente mente hermen êutico era,  p  poo r assim as sim dizer, dize r, sin si n tom to m a “ob “obje jetiv tivo” o” de u m a “si “sinn c ro ronn ia do assincrônico”. Os efeitos dos acontecimentos políticos a partir de 1989 deslocaram o dicionário Conceitos estéticos — nascido nascido do pro  testo contra co ntra a estreiteza de um a “ciência “ciência materialista” orden ord ena a da pelo Estado — para um novo contexto que o transformou em um projeto “póstero”. Pois, nesse meio-tempo, as coorde nadas do mundo intelectual do Ocidente tam bémepistemológicas haviam se afastado afastado decisivament decisivamente e do período períod o funda fun da dor do movimento da história dos conceitos. Os desenvolvi m entos especí específi ficos cos que prod pr oduzir uziram am essa essa assincronia da prática da história dos conceitos em relação relação ao seu am biente circun circun  dante e o seu esmorecimento no mundo intelectual do início do século XX XX são questões que vão nos n os ocu o cupa parr somente som ente agora, no fim desta introdução. Mas, antes — em mais uma retros  pect  pe ctiv ivaa di dist staa ncia nc iada da do m o v im e n to da h is istó tórr ia do doss conc co nceit eitos os  — , vam va m os t r a t a r das da s dim di m e nsõ ns õ es que, qu e, se send ndoo de dif difícil ícil a p ree re e n  são, e sem que se tenham tornado visíveis, podem ter sido as fontes da sua extraordinária energia intelectual. 3

A promessa de um “método” compulsório e de panorama de elementos básicos para uma “teoria” da história dos conceitos que ensejou tantos simpósios, sessões de trabalhos e até uma  Arch chiv iv f ü r Begriffs-   revista acadêmica ainda hoje respeitada, a  Ar geschichte, e que nos prefácios do  Dic  Dicion ionári árioo histórico de filo fi lo sofia  e dos Conceitos históricos básicos  ainda parecia um fim iminente, nunca se cumpriu. Quase trinta anos após a apa45

 

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rição do primeiro volume de Joachim Ritter, a introdução dos Conceitos estéticos básicos  apontava para um horizonte de problemas que, a despeito de ocorrências pontu po ntuais ais de comcom ple xifica  plexif icação ção te teór óric ica, a, não nã o ha havv ia m u d ado ad o . A pe p e rm a n ê n c ia dessa situação de adiamento intelectual pode ter gerado impaciên cia e frustração, mas, em retrospecto, podemos ver nela uma força oculta da história dos conceitos, uma limitação e uma força que marca m arcaram ram as ci ciência ênciass hum anas ana s no espaço espaço linguíst linguístico ico alemão.  Nesse  Nes se ssen entid tido, o, a prim pr im e ir iraa dim d imen ensã sãoo especia esp eciall ddaa hhis istó tóri riaa dos conceitos que permaneceu totalmente oculta, inclusive aos  p  prr ó p rio ri o s pa part rtic icip ipaa n te tes, s, é a in inst stit ituc ucio iona nali lizz ação aç ão de u m a inde cisão em relação ao problema da referência ao mundo da lin guagem.  Em nenhum momento o assim chamado “construtivism tivi smo”2 o”233 ou as posiçõe posiçõess filoso filosoficam ficamente ente mais m ais respeitáveis do “linguistic turn” tornaram-se o fundamento único ou o meio de entendim ento dom d om inante inan te daqueles daqueles que se se dedicavam dedicavam à his tória dos conceit conceitos. os. De um a perspectiva oposta, nunca nunc a se abri abriuu mão inteiramente inteiramen te da pretensão de tornar torn ar palpáve palpáveis is,, mediante os conceitos investigados, zonas de realidade realidad e extralinguísticas, mas acessíveis à linguagem, seja preliminarmente ou sob a forma de vestígios. Em nenhum momento um condiciona m ento sit situacional uacional vinculado vinculado à lin linguagem, guagem, um relati relativis vismo mo ou  pers  pe rspe pecc ti tivi vism sm o das visõ visões es do m u n d o esta es tabe bele lece cera ram m -s -see como co mo

 prem  pr emiss issas as “re “resi sign gnad adas as””, p o r assim ass im dizer, da d a his h istó tóri riaa dos d os conceicon cei23.. Para tom adas de posição program 23 programáticas, áticas, ccf. f. Der  D er D is isku ku rs des ra radi dika kalen len   Konstrukivismus,  org. Siegfried Schmidt, Frankfurt, 1987; Schmidt, Kognitive Autonomie und soziale Orientierung. Konstruktivistische Be merkungen zum Zusammenhang von Kognition, Kommunikation, Me dien und Kultur,   Frankfurt, 1994; Ernst von Glaserfeld,  Ra  R a d ik ikaa le ler  r   Konstruktivismus. Ideen, Ergebnisseni Probleme,  Frankfurt, 1995; e, sobretudo, a retrospectiva de Schmidt em Geschichten und Diskurs.   Abs  A bsch chie iedd v om K on stru st ru ktiv kt ivis ism m u s,  Hamburgo, 2003.

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tos. Por essa razão, a história dos conceitos sofreu menos do que outros procedimentos e disciplinas das ciências humanas o traum a de uma perda do m undo con concre creto, to, que acompanha, acompanha, como uma sombra escura, as ciências humanas desde a sua fundam entação na herm enêutica p or Wilhel Wilhelm m Dil Dilth they ey.. Por outro lado, era notável a cautela dos autores mais  p  pro roem em in inen en tes te s da hist hi stóó ria ri a do doss co conc ncei eito toss ao ava avaliar liar o p o d e r as as  sertivo, histórico-factual, de suas descrições e análises. Uma  pret  pr eten ensã sãoo de rele re levâ vânc ncia ia hist hi stóó rico ri co-f -fac actu tual al fo form rm u lada la da sem se m c a u  tela certamente teria parecido ingênua. Típica nesse sentido é um a passagem da introduç introdução ão ddaa obra pr principal incipal de Ni Nikla klass Luhmann, Sistemas sociais, sobretudo porque o autor pertencia ao  p  pee q u e n o g r u p o de a uto ut o res re s de e stu st u do doss h istó is tóri ricc o-co o- conn c e itu it u a is que haviam ha viam se torn to rnad ad o ffamo amosos.2 sos.244 Prim eira eiram m en ente, te, inscreve sem reservas reservas a su suaa teoria socia sociall no âm âmbito bito do construtivismo; em seguida — de modo surpreendente e sem considerar a tensão epistemológica decorrente —, fala de conceitos como “sondas”, por meio das quais se poderia aferir a realidade. Se ria possível possível especular que nessas afir afirmações mações se faz faz no notar tar a in in  fluência da tradição de uma história do espírito ( Geistesgeschichté), para a qual o “espírito” é uma realidade que reside atrás da realidade perceptível e se expressa na linguagem. Mas

o preço dessa tese tese homogeneizante seria transfo rm rmar ar a indeci são constitutiva da história dos conceitos “entre” duas posi ções filosóficas opostas em uma “posição intermediária”. Jus tamente suas indefinições parecem ter sido a força secreta do movimento da história dos conceitos. Sozialee Systeme. G rundriss einer all allgemeinen gemeinen Theorie, 24. Niklas Luhmann, Sozial Frankfurt, 1984, p. 13. Os trabalhos de Luhmann no campo da se mân tica histórica histórica estão reunidos em qu atro volumes sob o título Ge sellschaftsstruktur sellschaftsst ruktur und Sema ntik. Studien zu r Wiss Wissens enssoz soziol iologi ogiee der m o dernen Gesellschaft, Frankfurt, 1980-1995.

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A segunda dimensão especial oculta revela de fato a mes m a es estrutur truturaa bás básica ica e concerne ao pro  proble blema ma áo valo valorr cognitivo  da historicidade. Fize  Fizemos mos um a descriçã descriçãoo prelim inar desse desse pro  blem  bl em a ao an anal alis isar ar as orige or igens ns e a rá rápp ida id a ascen asc ensão são da hist hi stór ória ia dos conceitos. O trabalho histórico-conceitual evidentemente  p  prr e s sup su p u n h a a po poss ssib ibili ilida dade de de se d e pree pr eenn de dere rem m do pa passa ssado do conhecimentos relevan relevantes tes,, independ independentem entem ente de quão com com   plic  pl icad ados os fosse fo ssem m as esfe esferas ras e os ppro roce cedd im imee nt ntos os envo en volvi lvido doss ppar araa sua transmissão. O consenso dos pesquisadores era ainda aind a mais específico, na medida em que — no sentido de Gadamer — ahumanas possibilidade de àsucesso de qualquer trabalho de passados ciências se ligava consciência de acontecimentos  p  poo r m eio ei o da su suaa tra trans nsm m issã is são. o. Isso er eraa enfa en fatiz tizad adoo pe pelos los p roje ro je  tos de história conceituai sempre que tomavam distância de  prem  pr emiss issas as filosó filosóficas ficas cham ch amad adas as de “carte “car tesi sian anas as”” pela pe la exclusão exclus ão da dimensão histórica. Mas, por outro lado, não se formula ram, em relação ao potencial cognitivo do passado (e ao tra  balh  ba lhoo conc co ncre reto to de hist hi stóó ria ri a do doss conc co ncei eitos tos), ), exigênc exig ências ias o u f u n  ções çõ es claramente circunscritas (Gadamer, de qualquer qualqu er forma, já havia desaconselhado a confiança em “mé “método todos”). s”). Os pesqui sadores de história dos conceitos contentavam-se, por assim dizer, com a certeza “negativa” de que a consideração da di

mensão histórica era inevitável. Ainda mais remota seria a expectativa de que os estudos de história dos conceitos levas sem à apreensão de “leis” da mudança histórica. Portanto, nessa segunda dimensão, também encontramos uma indeci são constitutiva — agora no que diz respeito ao grau de concretudee do que se ganh cretud ganharia aria com o conh conhecim ecimento ento histórico, em  p  par arti ticu cula lar, r, h istó is tóri rico co-c -coo nc ncee it ituu al do pa passa ssado do.. C om o G ad adam amer er escrevera em uma clara referência ao último capítulo de Ser e  tempo  de Heidegger, esperava-se pelo menos alcançar o reco nhecimento do fato de que “nossos próprios entendimento e interpretação não são uma construção de princípios, mas o 48

 

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desdobramento contínuo de aconteciment acontecimentos os há muito o corri dos” do s”.2 .25 Co Com m efeito, aass exi exigências gências dir diret etam am en ente te im implica plicadas das ppuu d e  ram ser real realizadas izadas de forma mais esp especí ecífi fica ca em estudos m mon on o  gráfi gr áficos cos iindividuais ndividuais — como tentam os ilustrar com a história do conceito de revolução de Koselleck. Se comp comparar ararmo moss a prática e a autorref autorreflexão lexão da história dos conceitos com abordagens de algum modo convergentes fora da tradição tradiç ão alemã, ffica ica claro como ao longo de mais de 30 anos sua centralidade e suas realizações verdadeiramente monu mentais dependeram das estruturas, então invisíveis, men cionadas anteriormente. Comoainstituição, a história dos con ceitos nunca se estabeleceu partir de uma pretensão de conhecimento claramente definida, o que significava, sobre tudo, que qu e não prec precisav isavaa excl excluir uir categori categoricame camente nte qualquer ppre re  tensão de conhecimento demasiado abrangente ou excêntrica. “Intellectual history” e “history o f ideas” no âm âmbito bito anglo-sax anglo-saxão, ão, assim com o a “histoire de dess m mentali entalités tés ”, pres pressup supunh unham am , em geral geral,, a existência de uma esfera distante e independente da história factual, fact ual, o que de antem ão limitava sua fascin fascinação ação e sseu eu pote n cial cognitivo em comparação com a história dos conceitos. A força de atração dos estudos históricos de Michel Foucault,

ao contrário, pode ter residido para muitos leitores na recusa  pro  p rogg ram ra m á ti ticc a de p re rete tenn sõ sões es de re refe ferê rênc ncia ia ao m u n d o (s (sob ob o conceito de “discurso”) e na possibilidade de se adq adquirir uirir co conh nhe e cimento através da história (sob o conceito de “genealogia”). Pode-se considerar essa indecisão excêntri excêntrica ca e duplam ente constitutiva da história dos conceitos, tal como fez parte da configuração dominante das ciências humanas de língua ale mã no fim do século XX, como u m déficit  fi filosóf losófico, ico, um “p “pee n  samento a meio caminho”, por assim dizer, do ponto de vista de uma comparação internacional. Ao mesmo tempo, inde25. Gadamer, Wahrheit und  Merfzode,  Merfzode, p. XXV XXVIII. III.

 

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 p  pee n d e n tem te m e n te das co cons nsee qu quêê nc ncia iass de u m déficit   desse tipo  p  pa a ra a hivas isto is tori riaa do dossente co conc ncei eito tos, s, p od odee-se seasdize diquai zerr squ que, em face das alternativas alternat claram claramente definidas com quais a e,epistemolog epistemología ía do Ocidente já ssee confrontava há uum m séc sécul ulo, o, qualquer consta tação unilateral, ou posição que se deci decidiss dissee por uum m a ou ooutra utra  poss  po ssib ibil ilid idad ade, e, nes nesse se m ei eioo -t -tem em p o , pa parec recee m u ito it o m ai aiss cega do que as indecisões ddaa hhistó istória ria dos conceitos.2 conceitos.266 Os nov novos os “r “realis ealis m os” e “construtivismos” não enc encontram ontram sempre novos adep tos ao recalcarem ou ativame a tivamente nte negligenciarem a experiênc experiência ia das deficiênci deficiências as dos realismos e construtivism os anter anteriores iores?? Uma terceira dimensão, irrefletida, ao menos na forma oficia ofi ciall da institucionalização da his história tória dos conceit conceitos, os, vveio eio à luz quand qua ndoo nos referimos à frase “se ser, r, que pode p ode ser entendido, é linguagem”. O ser que não se torna linguagem e tampouco  p  poo d e torn to rnaa rr-se se lin lingu guag agem em fora fo ra a pri p rinn c ípio íp io p rog ro g ra ram m á tic ti c a m e n  te excluído pela história dos conceitos (mediante referência m etoním ica à “metaforologia” de Blum Blumenberg), enberg), ee,, no deco decorrer rrer do tempo, essa decisão parece ter se endurecido em um habi-  tus  irreversível. Esse habitus,  segundo a avaliação de Anselm

Haverkamp, teria preparado o caminho para a barbárie de uma concentração nos “acontecimentos transmitidos” que, através da exclusão do a-linguístico, abriu para a geração de  p  paa rt rtic icip ipaa n tes te s da gu guee rr rraa u m a poss po ssib ibil ilid idad adee de co conc ncili iliaç ação ão c ô  m od oda.2 a.277 Me Mesmo smo que não se trat tratee de um a decisão pol político ítico-ideo -ideo  lógica, “o habitus de ‘manter em latência’ a história nacional”, desvendado desven dado p or Haverkamp, dificil dificilmente mente pode ser neg negado ado — e em n en enhum hum outro lugar ffoi oi tão ef efic icaz az quan quanto to nas obras cria das pela prátic práticaa de um a histó história ria dos conceit conceitos. os. 26. Devo essa observação a uma conversa com a minha colega Laura Wittman. 27. Anselm Haverkamp,  La  Late tenz nzze zeit. it. W iss issen en im Na Nach chkr krie ieg, g,  Berlim, 2004. 50

 

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A concentração exc exclus lusiva iva naq naquilo uilo que se con constitui stitui pela lin lin  guagem, cujas motivações são totalmente diferentes das do “ling linguistic uistic turn tu rn” ”, sem dúvida também foi o consenso básico e,  po  p o r ta n t o , a c o nd ndiç ição ão d e su suce cesso sso do g ru rupp o de tr traa b a lh lhoo que qu e marcou ma rcou e tanto inspirou a cena ac acadêmica adêmica alemã po porr mais de duas décadas, sob o nome sintomático, à luz das nossas refle xões, de “poética e hermenêutica”. O nome indicava o círculo epistemológicamente fechado de documentos linguísticos e sua apreensão interpretativa. Os integrantes integ rantes mais influentes da “poética e herm enêutica” enêu tica” partic participara iparam m , quase sem exce exceção ção,, de  proo je  pr jeto toss de h is istó tóri riaa co conc ncei eitu tuai ai,, e é inegáv ine gável el co com m o a m bo boss os empreendimentos foram bem-sucedidos em restabelecer a li gaçãoo da cultura alem gaçã alemãã com div divers ersas as ttradições radições do pe pensam nsam ento e da arte ocidentais após a catástrofe e o isolamento do nazis mo e o pós-guerra. Claro que isso aconteceu — objetaria Haverkamp, a meu ver com razão — ao preço de manter-se la tente aquele passado que nunca chegou a residir nos volumes dos colóquios de “poética e hermenêutica” e nos dicionários

de história conceituai, segundo “permanece a formulaçãoporque cons cientemente tautológicamas de que, Haverkamp, escapou — e permanece”. Em todo caso, pode-se relatar um momento de ruptura no sentido oposto, um momento que comprova que o silêncio era mais uma convenção do que um program a — e eess ssee é um m om ento que as ger geraçõ ações es poste poste  riores devem guardar na lembrança como algo excepcional e fulgurante. Esse momento se deve a Reinhart Koselleck. Em um encontro do grupo “Poética e hermenêutica” em me ados dos anos 19 meados 1970 70,, Ko Kosel sellec leckk apresen apresentou tou sob o título títu lo “Ter “Ter ror e sonho” um esboço intitulado “Experiências do tempo no Terceiro Reich”.28 As fontes de Koselleck eram protocolos dos sonhos de judeus alemães do início da dominação nacional28. Cf. Reinhart Koselleck, Ver Vergan gangen genee Zu ku nf t , p. 278-299. 278- 299. 51

 

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-socialista e da situação existencial final dos campos de exter mínio. Koselleck mostrava que os pesadelos dos anos 1930 tornavam-se sonhos de felicidade e salvação no além quanto mais as chances de sobrevivência dos sonhadores sonha dores caíam a zero zero.. A evidência interna das chances de sobrevivência que se manifestava na relação espontânea dos prisioneiros com os seus seus sonhos não era mais comensurá comensurável vel com a frequên freq uên cia estatística do extermínio das câmaras de gás. Desse modo, negou-se aos exterminados o sentido final, o sen tido da ví vítima; tima; o absurdo tornoutorn ou-se se evento, evento, (p. 293 293)) Koselleck esbarrou no limite absoluto dos acontecimentos transmitidos porque semanticamente comunicáveis, um li mite que ele (e justamente essa reserva foi decisiva) não pro curou ultrapassar ou mesm o desf desfaz azer er.. A experiência e a vivência ddas as ví vítimas timas não podia po diam m ser vi vin n culada cul adass a nen hum horizonte de senti sentido do do período posterior posterior e deveriam deveriam perm anecer um u m assombro sem comunicação. Res Res

tavam ao histo historiad riador or a possibilidade e a obrigação de referir o “absurdo” dos últimos momentos de vida das vítimas do na zismo. Isso também significava que o discurso da narrativa histórica, voltado para a explicação e a compreensão, deveria serr substituído po r uum se m gest gestoo meram me ramente ente dêitico dêitico e (na medida do possível) possível) pela ddescrição escrição exata no m odo od o presente: Por isso é recomendável proceder não apenas diacrônica, mas também sincronicamente, não apenas explicar  post   eventum, mas mostrar in eventum  [si sicc] o quê, como acon tecia. Pode-se supor que a singularidade e o caráter ex traordinário tornem-se especialmente nítidos, o que não quer dizer que os fatores que condicionam um evento sejam únicos, (p. 297) Eu estava estava presente quand qu andoo Kos Kosel elle leck ck apresento apre sentouu na n a sala sala de reunião hexagonal da fundação Bad Homburger Reimer suas 52

 

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ref reflex lexões ões que desaf desafiavam iavam front frontalm almente entee nervosa a latênciadadomaioria ppós-g ós-guer uer ra — e testem testemunh unhou ou a rrecus ecusa a irritada dos seus colegas de geração. A latência enrijecera em uma con venção ven ção,, tanto institucional qu quanto anto intel intelectual ectual,, na qual não se  p  poo d ia toc tocar. ar. 4 De que modo os meus trabalhos de história conceituai — reimpressos graças à simpática sugestão de Raimar Zons — ilustram o contexto acadêmico e histórico-cultura histórico-culturall apresenta do anteriormente? Como já disse, gostaria de aproveitar a  brev  br evee ap apre rese sent ntaç ação ão do doss m eu euss en ensa saio ioss p a ra re ress p o n d e r à p e r  gunta formulada no início: o que exatamente chegou ao fim nos dicionários monum mon um enta entais is de história conceit conceituai uai e m orreu nas pirâmides do espírito? Ou, dito de outra forma, mais à

vontade: o que explica explica o súbito esm orecimento do entusiasmo  pela  pe la h i s tó tórr ia d os co conn ce ceit itos os n o s an anos os 1990? Se, ao conc co nclu luir ir,, vinculo o problema aos meus artigos, artigos, de mod o algum tenho a  pre  p rete tens nsão ão de u m a visão vi são an anal alít ític icaa p a rt rtic icuu la larm rm e n te aguç ag uçad adaa ou de um a ccom ompetênc petência ia ref reflex lexiva iva superior. Eu est estava ava tão conve conven n cidoo da im cid importân portância cia inquestionável da história dos conc conceit eitos os quanto qua nto a maioria dos demais autores do gên gênero ero.. E E,, na m edida em que qu e esc escrev rever er história históriass de conceitos é tarefa extrao ex traordin rdinaria aria  mente difícil e trabalhosa, é improvável alguém dedicar-se a ela tantas vezes sem acreditar em sua importância. Comoo a história dos conceitos “Mod Com “Moderno erno””, “Pós “Pós-m -mod odern erno” o”,, “Filosofia”, “Estilo”, “Expressão” e “Medida” pode ajudar no entendimento do rápido fim do movimento da história dos conceit con ceitos? os? Nos parágrafos fi finais nais de cada um dos meus m eus textos, que naturalmente remetem rem etem ao tempo present presentee da ssua ua com compo po sição sição,, descubro hoje um a conve convergênc rgência ia surpreendente. A pa r tir dessa convergência, que jamais busquei, creio ser possível 53

 

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fazer uma descrição fazer descrição do nosso presente como amb a mbiente iente episte episte mológico distinto. É possível que a configuração do nosso  pres  pr esen ente te ten te n h a leva le vado do ao desa de sapa pare reci cim m ento en to de d eter et erm m inad in adas as  prem  pr emiss issas as do m o v imen im ento to da h is isto tori riaa dos do s co conc nceit eitos. os. Começo minha retrospectiva com a historia dos conceitos “moderno/modernidade”, que foi escrita no inicio dos anos 1970. Nela constato, durante o século XIX, um encurtamento  progr  pro gres essiv sivoo dos do s in inte terv rval alos os de te tem m p o desig de signa nado doss pe pela la pa palav lavra ra “mod “m od erno er no””, confirm con firmand ando, o, assim, a tese de Kosellec Koselleckk relativa à aceleração do tempo. No início do século XX, esse desenvolvi mento alcança um ponto extremo, e final, com a substituição do conceito “moderno” pela metáfora da “vanguarda”, tirada da linguagem militar. Artistas e intelectuais que quisessem ser “atuais” tinham de pretender “estar à frente do seu tempo”.

Como a metáfora, rapidamente transformada em conceito, não perm p erm itia m aior exacerba exacerbação ção semântica, semântica, a história do con ceito “moderno” continuou a desenvolver-se, não no âmbito de uma um a continuidade con tinuidade de transformações, transformações, mas de um espectr espectroo crescente de variações. variações. Meu artigo acaba, nesse sentido, com a análise da tópic tó picaa espacial, espacial, altam ente fl flex exív ível el,, do “ inlout ”. O ensaio escrito escrito tri trinta nta anos depois sobre o conceito “pós“pós-moderno” não resultou, como se poderia esperar, em uma continuação do conceito “moderno”. Pois na ascensão verda deiramente deir amente m eteórica eteórica da síndrom síndromee pós-m p ós-moderna oderna a partir dos dos anos 1970 1970 não se revel revelaa um a variação variação nova da dinâm din âmica ica tem   po  p o ral ra l da m o d e rn rnid idaa d e , o u seja, d a din di n âm ica ic a do “perí “pe ríoo d o his hi s tórico mode m oderno rno””, que então já já se compreendia comp reendia como um fenô meno histórico. “Pós-moderno” aparece, de um modo muito mais fundamental, como um sintoma do colapso das condi ções e tópicas, sob as quais se se desenvolveu desenvolveu o períod per íodoo histórico h istórico m oderno. Mesmo M esmo quem esti estive verr decidid decidido, o, por razões norm ati vas, a não abrir mão do projeto da “modernidade” poderia interpretar a “pós-modernidade” como sintoma da emergên54

 

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cia de de uum m a tópica tem tempor poral al alternativa. alternativa. Kose Kosell llec eckk havi haviaa mos m os tradoo que a modern idade se constituía trad constituía por m meio eio da ass assimetr imetria ia entre um passado, que se deixa para trás como espaço de ex  pe  p e riê ri ê n c ia e que qu e se acre ac redd ita it a p o d e r u sar sa r in terp te rp re reta tati tivv a m e n te  pa  p a ra orie or ient ntaç ação ão,, e uum m fu futu turo ro,, que q ue se ap apro roxi xim m a com c omoo espaço de experiência aberto, de múltiplas m últiplas possibilidades possibilidades.. Entre o espaço de experiência e o horizonte horizon te de expectativ expectativa, a, o presente — que Baudelai Baude laire re chamara de um “mero m om ento de passa passagem gem”” — tornara-se sobretudo a dimensão na qual o sujeito que age se constitui escolhendo constantemente entre futuros possíveis.  Noo âm  N â m bi bito to do cr croo n ó top to p o d a ppóó ss-m m o de dern rnid idad ade, e, pelo pel o con c ontr trár ário io,, o futuro parece fechado a todos os prognósticos ou disposi çõess par çõe paraa agir, agir, ao passo que o passado, no sentid sentidoo in intelectual telectual e

mesm o m aterial — quiçá como ex exce cess ssoo de possibili possibilidades dades — ,  perm  pe rm an anec ecee ppre rese sent nte. e. N ão cons co nseg egui uim m os m ais “de “deix ixar ar o passad pas sadoo  pa  p a ra trás tr ás””. En Entr tree u m fu turo tu ro fe fech chad adoo e ppas assad sados os n ão mais ma is ev eva a nescentes, o presente ampliou-se, transformando-se em uma zona de simultaneid simu ltaneidades ades.2 .299 Quais podem ter sido as consequências da emergência do cronótopo pós-moderno para o trabalho de história concei tuai? Em primeiro lugar, o tempo pós-moderno não é mais um fator inexorável de mudança. O presente não está mais a  post  po stos os,, p ar araa ser su subs bsti titu tuíd ído, o, e fr free qu quen ente tem m ente en te su supe pera rado do,, p o r novos presentes. Ao mesmo tempo, a relação para com um  pass  pa ssad adoo a rre rr e b a tad ta d o ra ram m e n te pr pres esen ente te de deix ixou ou de ser ne nece cessa ssa  riamente um u m a relaçã relaçãoo mediada po r “acontecimentos “acontecimentos tran sm i tidos”, ou uma “história” da qual se podem extrair “leis” do desenvolvimento relevantes relevantes para prognósticos. pr ognósticos. A força força intelec tualmente motivadora do que chamei de segunda dimensão da história dos conceitos (a indefinição da esperança de se 29 29.. Ve Verr a respeit respeitoo disso a min ha descrição “Die Gegenwart wird [immer]  bre  b reit iter er””, M e r ku r  629/930, 2001, p. 769-784. 55

 

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 po  p o d e r aapp ren re n d e r ccom om a hhis isto tori ria) a) est estáá ho hoje je es esmo more reci cida da.. Sobr So bree tu tu  do a forma de autorreferéncia humana que a tradição da mo dernidade europeia chamou de “sujeito” ou “subjetividade” está perdendo, perdendo , com a ampliação do “presente” cl cláss ássic icoo mod m oder er no, o contexto que a pressupunha. Em vez de em constante transição, transi ção, sentimo sentimo-nos -nos encerrados em um presente comp complex lexo, o, que abarca todos os passados e recusa o futuro, e em relação ao qual parece não estar mais à nossa disposição qualquer  pe rspe  pers pect ctiv ivaa eexte xterna rna.. Se esti estiver ver ccor orre reto to,, com c omoo R ol olff Re Reic icha hart rt e eu tentam os m mostrar, ostrar, que para o “philosophé” do Esclarecimento, comoo pre com precurs cursor or do “intelec “intelectual” tual” do século X XX X, a possibilidade possibilidade de um a perspectiva externa como perspectiva críti crítica ca p  par ar exce excell-  confirm nfirmar ar essa essa lence era crucial, então teríam os de concluir (e co

impressão) que, no presente ampliado da pós-modernidade, torna-se cada vez mais difícil sustentar a pretensão de uma competência analítica superior — sobretudo em relação ao  pass  pa ssad adoo e x p e ri rim m e n ta tadd o c om o ““H H is istó tóri riaa ”. Entretanto, o que se perdeu não foi apenas a possibilidade de uma excentricidade produtiva do sujeito clássico. Como não estamos mais enredados na especificidade de presentes estreitos (como constantemente no âmbito do cronótopo “tempo histórico”), a identidade torna-se uma tarefa que se impõe imp õe quase exclus exclusivamente ivamente à autoesti autoestilização lização e autodescoberta. Como demonstra a história do conceito “expressão”, o im  pera  pe rati tivo vo da au auto todd e sco sc o b erta er ta e xa xace cerb rbou ou quas qu asee il ilim im it itaa d am en ente te as culturas da autoexpressão como instrumento de busca de identidade, enquanto, na conclusão da história do conceito “estilo”, o imperativo da autoestilização (“ self-fashioning”)  aparece como complemento e finalização da autodescoberta.  Nãã o é pr  N prec ecis isoo u m a fo forç rçaa de im imag agin inaç ação ão te teóó ri ricc a e x tr trao aord rdi i nária para se chegar à tese de que o assim chamado “construtivismo” é o equivalente epistemológico do habitus inexorável da autodescoberta e da autoestilização. O furor e a miséria de 56

 

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um a ccultura ultura e de um pres presente ente,, no qual qualquer opção pensável faz parte de um individualismo ilimitado, mostra-se até mesmoo na histór mesm história ia mais rrecent ecentee que resi reside de em ou outra tra dimensão do conceito “medida”. Hoje em dia, até mesmo o sentido de “medida” deve, por princípio, ser submetido à determinação  pesso  pe ssoal. al. Ao m esm es m o tem te m po po,, pa pare rece ce ha have verr aq aqui ui in indí díci cios os de u m  p  poo n to de vira vi rada da.. Em u m pres pr esen ente te a m pl ploo de si sim m ul ulta tane neid idad ades es,, no oceano das opções livres, na viscosidade de todos os signi ficados, emerge claramente uma necessidade de contenção. Talv Ta lveez se seja ja inerente à se semântica mântica da pró própria pria palavra que “med “medi i da” (“M (“Mffls lsss”) tenh tenhaa se torn ad adoo nas últimas décadas um ponto po nto

de referência para a demanda por obrigatoriedade e objeti vidade. Essa tendência pode ser associada, tanto do ponto de vista sociológico quanto da crítica da cultura, com os novos fundamentalismos religiosos, mas também com diversas ten dências de um novo “realismo” filosófico.30 Talvez seja mais difíci dif ícill do qu quee parece à prim primeira eira vista dete determ rm inar se há de fat fatoo uma convergência entre neorrealismo filosófico e fundamentalismo religioso. Pois os fundamentalistas buscam amparo em visões do mundo e valores, ou seja, em dimensões que eram plenamente acessíveis à história dos conceitos. Já ao novo realismo filosófico importa, sobretudo, o imediatismo da  perc  pe rcep epçã çãoo sens se nsor oria iall n a qu qual al se de depp os osit itaa a es espe pera ranç nçaa de p o de derr assegurar-se do estar-em-um-mundo-concreto. No plano do significado, isso se expressa, no máximo, de forma mediada, em sintomas da transformação e da inovação. O fato de hoje existir existirem em posiçõe posiçõess de um novo realismo fi fi losófico que tenham atraído atenção não levou ao desapareci m ento de todas as variantes do construtivism construtivismo. o. A cena fil filosó osó fica mudou na medida em que o aguçamento da contradição 30 30.. Ver a respeito disso disso o m eu esboço “Dieseits “Dieseits des Sinns. Sinns. Über eine neue neu e Sehnsucht Sehn sucht nach Substantialitát” Substa ntialitát”,, M e r k u r  677/678,2005,  677/678,200 5, p. 749-760. 57

 

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en tre “construtivis entre “constr utivism m os” e “realismos” fez fez com que se sentiss sentissee a obrigação de optar por urna das alternativas. Se essa descrição do nosso presente epistemológico for pertinente, isso significa que a dimensão antes oculta da historia dos conceitos se dis solveu. Pois, como indecisão constitutiva entre pretensão de referênciaa ao mun referênci m undo do e a sua renúncia, es essa sa dimen dimensão são da histo h isto ria dos conceitos era inconciliável com a pressão para o esta  bele  be leci cim m ento en to de u rn rnaa das alte al tern rnat ativ ivas as ep epist istem emol ológ ógic icas as.. Creio Cre io que por isso os dicionários e trabalhos de historia conceituai hoje parecem estar mais claramente do lado da “historia das

ideias do que era o caso no período do seu apogeu. O que morreu nas pirâmides do espírito foram, portanto, as espe ranças intelectuais intelectuais de que a comunicaç comunicação ão semântica sem ântica entre pre pre  sente e passado (os famosos acontecimentos transmitidos) fosse uma fonte potencial de experiência e de que os conceitos  pude  pu dess ssem em alca al canç nçar ar u m a re real alid idad adee não nã o se sem m ântic ân tica. a. Será que qu e a relação das ciências humanas na Alemanha com a história alemã entre 1933 e 1945 também irá mudar? Certamente, essa história nunca apareceu de forma tão inegável e diversa no nosso presente amplo de simultaneidades. A possibilidade de “subsumi-la” a um evento transmitido ou simplesmente dei xá-la desaparecer nunca foi tão remota quanto após a refor mulaçãoo do “tem po histó mulaçã histórico rico””. Tal Talve vez, z, po r isso mesmo, mes mo, seja seja tão maior do que nos anos 1960 ou 1970 o número de vozes que insistem em que a relação relação dos alemães alemães com o seu passado passado in  cômodo precisa se normalizar (independentemente daquilo que se queira dizer com essas reivindicações). Nesse terceiro sentido e nessa dimensão, parece (felizmente, (felizmente, podem os acres centar) ter esgotado a possibilidade (de manter o passado em latênci lat ência) a) que m uito provavelmente provavelmente con tribuiu para pa ra a fascina fascina  ção pela história dos conceitos na Alemanha. Finalmente, diante de todas essas circunstâncias, não de veria fazer parte da nossa agenda intelectual substituir, ou 58

 

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ao m enos com plementar, a prática da história conceit conceituai uai pe pela la metaforologia? metaforolo gia? Ta Tall ex exigên igência cia implicaria que ainda nos en encon con  tramos em um cronótopo em que passados diferentemente evocados são são cons constantem tantem ente substituídos. No eentanto, ntanto, refer referii-me ao esmorecimento, não ao desaparecimento, da história dos conceitos porque, na amplitude e na complexidade do novo presente, opções passadas nunca se perdem totalmente. Certamente, histórias dos conceitos continuarão a ser escri tas no futuro, mas não com as mesmas esperanças e o mes

mo entusiasmo que tinham um quarto de século atrás. Em compensação, compe nsação, cresceram a fas fascinação cinação e o inter interesse esse acadêmico  po  p o r re real alid idad ades es qu quee se pres pr esen enti tific ficam am , m as n ã o são co conc ncei eitu tual al-m ente apreens apreensívei íveiss pela linguagem. A m metaforologia etaforologia ress ressurge urge,, hoje, entre as possibilidades analíticas e filosóficas de nos abrirm os p ara ess essaa dimensão. Nel Nela, a, a tradição do m ovimento da história dos conceitos poderia, como potencial intelectual, manter-se presente e, ao mesmo tempo, chegar ao fim.

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PRESENÇA NA LINGUAGEM   OU PRESENÇA CONTRA A LINGUAGEM?*

“Da linguagem para a lógica — e de volta”, título da palestra inaugural de Ruediger Bubner para o Congresso de Hegel em

2005, apresentava uma semelhança estrutural com o movi mento que aqui sugiro e procuro (conforme fui convidado a fazer). Partindo da linguagem, tentarei chegar a algo que não é linguagem; depois, pretendo retornar à linguagem a partir daquilo que não é linguagem. Aquil Aquiloo que não é llinguagem, inguagem, em m eu ensaio, ensaio, será aalgo lgo que vim a cham ar de ““presença” presença”.. Dividirei a apresentação dess dessee simple simpless m ovim ento de ida e voltaa em três pa volt partes. rtes. A prim eira parte contém quatro prem is sas que nos levarão da linguagem à presença:1(a) elas repre sentam a explicação mais breve possível daquilo que me in comoda e critico dentro da tradição hermenêutica; (b) essa crítica esclarecerá as minhas noções de “metafísica” e de uma “crítica da metafísica”; m etafísica”; ((c) c) essa essass noçõe noções, s, po r sua vez vez,, justific justifica a rão m eu emprego da d a palavra “pr “presença”; esença”; e (d) a disti distinção nção tip o lógica po r m mim im sugerida en entre tre ““cultu cultura ra de presença” e “cultu cultura ra de sentido”. A segunda parte da minha breve reflexão traçará um caminho (ou um a var variedade iedade ddee caminhos) de vol volta ta para a * Tradução Trad ução de Ma Marku rkuss Edig Ediger. er. 1. E Ess ssas as pr premissas emissas são expostas e expli explicadas cadas em detalh detalhee m uito ma ior em meuu livro: me livro: Product Production ion o f Pres Presen ence ce.. W ha t M eanin g C anno t Convey, Convey, Stanford, 2003 2003 (a tradu tradução ção alemã é intitula intitulada da  Die  Diesse sseits its der de r He H e rm e ne u ti tik. k. D ie  Produktion von Prãsenz,  Frankfurt, 2004) [ed. brasileira, Produção de   presen  pre sença: ça: o q u e o sent se ntid idoo nã nãoo co conse nsegue gue tran tr an sm it itir ir.. Rio de Janeiro: Con trapon to, Ed Editora itora PU PUCC-Ri Rio; o; 201 2010]. 0]. Para uma discu discussão ssão sobre um a po pos s sível posição dessa reflexão sobre a presença nos debates filosóficos atuais, ver meu ensaio “Diesseits des Seins. Über eine Sehnsucht nach Substantialitát” Substan tialitát” em  M e r k u r 67716 677 1678 78,, 2005, p. 749-760. 61

 

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linguagem descrevendo seis modos pelos quais a presença  podd e ex  po exist istir ir n a lin lingu guag agem em ou ou,, e m o u tr traa s pala pa lavr vras as,, seis m odos od os  pelo  pe loss qu quai aiss a pres pr esen ença ça e a lin lingu guag agem em p o d e m vi virr a se amal am alga ga  m ar (a metáfora da amalgamação indi indica ca uma relação relação em pr prin in cípio difícil, não “natural”, entre presença e linguagem). Esses

modos são: linguagem como presença; presença no trabalho filológico; linguagem como causadora de experiências estéti cas; a linguagem da experiência mística; a abertura da lingua gem para o mundo; e literatura como epifania. Na terceira  p  par arte te retr re tros ospe pect ctiv iva, a, inda in daga gare reii se esses seis tip t ipos os de a m a lgam lg am a  ção entre presença e linguagem nos levaram a um horizonte de questões e problemas semelhantes àquele que Martin Heidegger tentou tent ou res resolve olverr qua quando ndo,, nas fases fases tardias tardias de sua filoso filoso fi fia, a, passou a usar usar,, com um a insist insistência ência cada vez maior, a evo cação metafórica da linguagem como “casa do Ser”. 1 Q ua uand ndoo me meus us col colegas egas,, ooss críticos e teóricos literários, falam de “linguagem”, eles normalmente pensam em algo que exige “interpretação”, em algo que nos convida a atribuirmos signi ficados bem circunscritos às palavras. Como alguns outros críticos literários e, creio eu, sobretudo filósofos da minha geração (dentre os quais Jean-Luc Nancy talvez seja o mais franco),2tam franco),2 também bém me cansei dess dessaa via via intelect intelectual ual de mão ú ni ni  ca, fundam entada e sustentada sustentada por um umaa compreensão limita da,, porém total da totalizante izante,, da hermen hermenêutica. êutica. Por m uito tempo, vivivenciei o absolutismo de todas as variedades de filosofia da 2. Ver, sobretudo, seu livro The Birth of Presence,  Stanford, 1993 (alguns outros exemplos contemporâneos dessa tendência são mencionados e discutidos em Produc Productio tionn o f Presence, p. 57-64) [ed. bras brasileir ileira, a, Produção de  Presença.  Rio de Janeiro: Janeiro: Contrap Con trapon onto; to; Editora PUC PUC-Ri -Rio, o, 20 2010, 10, p. 81-89). 81-89). 62

 

PRESENÇA NA LINGUAGEM LINGUAGEM OU PRESENÇA PRESENÇA C ONTRA A LINGUAGEM? LINGUAGEM?

virada pós-linguística como uma restrição intelectual, e en contrei pouco pouc o consolo naquilo que qu e gosto de caracterizar caracterizar como o “existencialismo linguístico” da desconstrução, isto é, os constantes lamento e melancolia (em suas infinitas variações)

 pe la su  pela s u post po staa inc i ncap apac acid idad adee da lin l ingu guag agem em de se refer ref erir ir aos a os oobb je je  tos do mundo. Seria realmente a função central da literatura, em todas as suas formas e tonalidades diferentes, chamar in cessantemente a atenção do leitor para a visão mais do que familiar de que a linguagem não possui referente, como Paul de Man parecia insinuar sempre que escrevia sobre a “alegoria da leitura”? Espero Espe ro que tenha conseguido conseguido resum ir de forma forma adequada os principais sentimentos e motivos que me levaram a fazer  p  par arte te de o u tr troo m o v imen im ento to d e n tr troo das da s h u m anid an idaa d es que qu e p o s sui a fama (talvez até merecida) de estar “desgastado”. Estou falando da “crítica “crítica da metafísica ociden oc idental” tal”.. Pelo Pelo m meno enoss posso afirmar que a minha maneira de usar o termo “metafísica” é mais elementar elemen tar e, portan po rtanto, to, diferente diferente de seus signif significa icados dos do  minantes minan tes na fi filo loso sofi fiaa contemporânea. contemp orânea. Q uando uan do uso a palavr palavraa “metafísica”, pretendo ativar o significado literal da palavra: algoo que se encon alg enc ontra tra “além “além do m eram era m ente en te físico” físico”.. Quero Qu ero apo a pon n tar para um estilo intelectual (prevalecente nas humanidades de hoje), hoje), que permite apenas um u m único gesto gesto e um único tipo tipo de operação, ou seja, “ir além” daquilo que é visto como “su  perfí  pe rfície cie m e ram ra m e n te física” e, as assim sim,, e n c o n tra tr a r “alé “além m ou p o r  baixo  ba ixo da supe su perfí rfície cie m e ra ram m e n te física” aqui aq uilo lo q ue se crê c rê ser de verdadeira importância, isto é, um significado (que, a fim de enfatizar sua distância da d a superfície, superfície, é muitas vezes vezes chamad chamadoo de “profu “profundo ndo”) ”).. Meu distanciamento da “metafísica” nesse sentido leva em consideração e insiste na experiência de que o nosso rela cionam ento com objetos objetos (e com artefatos artefatos culturais culturais em parti pa rti cular) nunca é apenas um relacionamento de atribuição de 63

 

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significado. signifi cado. Enqu En quan anto to usarm us arm os o term ter m o “cois “coisas” as” pa para ra nos refe rirmos àquilo que a tradição cartesiana chama de “res exten-  saé”, viv  viveremos eremos e estaremos cientes cientes de um relacionamento relacionam ento es es 

 pa ciall c o m esses obje  pacia ob jeto tos. s. O bj bjee tos to s p o d e m e st star ar “pr “pres esen ente tes” s” ou ou “ausentes” para nós, e, se estiverem “presentes”, eles ou estão mais próximos ou mais di distantes stantes dos nossos corpos. C ham an do-os de “presentes”, então, no sentido original do termo la tino “prae pr ae-e -esssé” sé ”, estamos dizendo dize ndo que os objetos estão “à nossa nossa frente” e são, portanto, tangíveis. Proponho não associar ne nh um a ooutr utraa implicação com esse esse conce conceit ito. o. Baseado, Base ado, porém , na observação histórica de que qu e certas cul turas — como, por exemplo exemplo,, a nossa nossa própria próp ria cu ltura “m “m oder na” (independentem ente de como, exatamente, exatamente, entendemos o termo “moderno”) — apresentam uma tendência maior do que outras ouproponho tras de ignorar ignora a dimensão dime nsão presença e suas implica ções, uma rtipologia (nodasentido tradicional weberiano) de “culturas de sentido” e “culturas de presença”. Aqui estão algumas das implicações (inevitavelmente binárias, e sem que isso me deixe constrangido) que sugiro estabelecer.3 Primeiro, Primei ro, em uma um a cultura c ultura de sentido, sentido, a forma predo m inante da autorreferência humana sempre corresponderá ao esboço  básic  bá sicoo d aqu aq u il iloo que qu e a c u lt ltuu ra o c iden id enta tall c h am a de “suje “su jeit ito” o” e “subjetividade”,, isto é, “subjetividade” é, ela rem remeterá eterá a um observa obs ervador dor in inco corp rpó ó reo que, de uma posição de excentricidade diante do mundo dos objetos, atrib uirá significado significadoss a es essses objetos. Um Umaa cultura cu ltura de presença, por sua vez, integrará igualmente as existências espiritual e física à sua autorreferência humana (pense, como ilustração, no motivo da “ressurreição espiritual e física dos mortos” do cristianismo medieval). Dessa distinção inicial 3. Para uma versão mais desenvolvida dessa tipologia, ver Production of   Presence, p. 78-86 [ed. brasileira, Produção de presença presença.. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2010, p. 104-114]. 64

 

PRESENÇA NA LINGUAGEM OU PRESENÇA CONTRA A LINGUAGEM?

segue, seg ue, em segundo lugar, lugar, que, em um a cultu c ultura ra de presença, os os

seres humanos se consideram parte do mundo dos objetos e não são ontologicamente separados dele (isso pode ter sido a visão que Heidegger pretendia recuperar com “ser-no-mundo”,, um dos seus conceitos-chave em Ser e tempo). Em terceiro do” lugar e em um nível de maior complexidade, dentro de uma cultura de sentido, a existência humana se desdobra e se rea liza em constantes e contínuas tentativas de transformar o mundo (“ações”), baseadas na interpretação dos objetos e na  proj  pr ojeç eção ão de dese d esejos jos h u m a n o s so sobr bree o fut f utur uro. o. Esse ímpe ím peto to pa ra a mudança e a transformação está ausente nas culturas de  pres  pr esen ença ça em qu quee os o s seres hu h u m a n o s ap apen enas as desej de sejam am in inscr screv ever er o seu comportamento naquilo que consideram ser estruturas e regras de uma dada cosmologia (aquilo que chamamos de “rituais” são sistemas para esse tipo de tentativas de corres  poo nAgora  p d e r aosdeixarei sis sistem temas asdecosm colado smol ológ ógico icos) s).. essa tipologia porque creio que te nha cumprido a função que lhe atribuí dentro do contexto mais amplo do meu argumento: queria ilustrar que, por um lado, a linguagem nas cultu culturas ras de sentido ab abrange range todas as fu fun n ções çõ es que a filo filoso sofi fiaa m oderna ode rna de descendência europeia pressu  põee e dis  põ discut cute. e. Po Porr o u tr troo lado, lad o, os papé pa péis is qu quee a lin l ingu guag agem em po pode de exercer em culturas de presença (ou em um mundo visto da  persp  pe rspec ectiv tivaa da c u lt ltur uraa de prese pr esenç nça) a) são m u it itoo m en enos os óbvios. óbvi os. Os seis de “amalgamações” entre presença, aos quaistipos quais me refi refiro ro na segunda part parte e do linguagem m eu texto, texto, epretendem apresentar um u m a resposta multifacetada a es essa sa pergunta. 2

O primeiro paradigma é a linguagem, acima de tudo a lingua gem falada, como uma u ma real realidad idadee físic física, a, que enfatiza o aspecto em relação ao qual Hans Georg Gadamer se referiu como 65

 

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“volume” da linguagem, diferenciando-o do seu conteúdo

 pro  p ropp o si sicc io ionn a l o u ap apoo fân fâ n ti ticc o .4 C o m o real re alid idad adee física, a li linn g ua ua  gem falada não toca e afeta apenas o nosso sentido auditivo, mas nosso corpo como um todo. Assim, apercebemo-nos da linguagem em seu modo menos invasivo, isto é, bastante lite ra ral, l, como leve leve toque ddoo som sobre nossa ppele ele,, mesm o que não entend ente ndam am os o supos suposto to significado de su suas as palavras. palavras. E Ess ssas as pe per r cepções pode po dem m ser agradáveis e até ddesej esejávei áveiss — nesse sentido, todos nós sabemos ccomo omo certa certass qualidades da poesi poesiaa recit recitada ada  po  p o d e m se serr ccoo m p reen re endd id idaa s m e s m o sem se m ccoo n h e c im e n to toss da li linn  guagem usada. Assim que a realidade física da linguagem ad quire um a forma, form a esta esta que preci precisa sa sser er conquistad conquistadaa con tra seu status  de objeto temporal em sentido próprio (“ein   Zei  Z eito tobj bjek ektt im eigentlichen eigentl ichen S i n n ’, de acordo com a terminologia de Husserl), dizemos que ela possui um “ritmo” — um ritmo que podemos sentir e identificar, independentemente do sig nificado “transportado” por essa linguagem.5A linguagem como realidade física que possui uma forma, isto é, a lingua gem rítmica, cumpre uma série de funções específicas. Ela  po  p o d e c o o rd rdee n a r os m o v im e n to toss de co corp rpoo s in indi divv id idua uais is;; po pode de contribuir para um desempenho melhor da nossa memória (pense nas rimas com as quais costumávamos aprender algu mas regras básicas da gramática latina); e, ao supostamente diminuir o nível de nossa vigilância, pode (como afirmou  Niet  Ni etzs zsch che) e) te terr u m efe efeito ito “i “inn e b ria ri a n te” te ”. C Cer erta tass c u lt ltuu ras ra s d e p re re  sença sen ça aaté té atri atribuem buem um a função eencantatória ncantatória à li linguagem nguagem rít mica, isto é, a capacidade de evocar a presença de objetos au4. Hans Georg Gadamer,  H  Hee rm e n e u tik ti k , Ä st sthh e tik ti k , Pr Prak aktis tisch chee Ph Philos ilosop ophie hie,,  org. Carsten Cars ten D utt, 3. ed., ed., Heidelbe Heidelberg, rg, 2000, 2000, p. 63. 63. 5. Essa descrição é baseada em meu ensaio “Rhythm and meaning”, em  M  Mat atee rial ri alit itie iess o f C Com om m u ni nicc a ti tioo n ,  org. H. U. G. e K. Ludwig Pfeiffer, te r ia li litä tä t der de r K o m Stanford, 1994, p. 170-186 (versão original em  M a ter munikation,  Frankfurt, 1988, p. 714-729).

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PRESENÇA NA LINGUAGEM OU PRESENÇA CON TRA A LINGUAGEM? LINGUAGEM?

sentes e de causar a ausência de objetos ob jetos presentes pres entes (e (ess ssaa era, de fato, a expectativa associada aos feitiços feitiços medievais).6 med ievais).6 Um segundo tipo de amalgamação bem diferente entre  pres  pr esen ença ça e lingu lin guag agem em se en c o n tra tr a nas  práti  práticas cas fund fu ndam am enta en tais is   da filologia  (em sua função original de curadora de textos). Em um u m pequeno pequ eno e recente recente livro livro,7argum ,7argumentei entei que, ao ao contrário da imagem do filólogo, suas atividades são pré-conscientemente motivadas por desejos primários que podemos des crever como desejos da (completa) presença (e entendo que o desejo da “presença completa” é um desejo sem possibili dade de ser realizado — e é precisamente isso que o trans forma em desejo sob o ponto de vista lacaniano). A coleção de fragmentos textuais, nesse sentido, pressuporia um desejo  pr  p r o fu n d a m e n te re repp ri rim m id idoo de, e m u m sen se n tido ti do bast ba stan ante te liter lit eral, al, comer aquilo que sobrou dos antigos papiros ou manuscri tos medievais. Um desejo de incorporar os textos em questão (de vivê-los vivê-los como um ator) pode ser um a das explic explicaç ações ões para a paixão de produzir edições históricas (comum aos diferen tes estilos filológicos) — pense, por exemplo, em um ato tão  básic  bá sicoo com co m o “reci “re cita tar” r” u m p o e m a de G oeth oe thee e desc de scob obri rirr que qu e ele só rimará se você o recitar com um sotaque frankfurtiano (bastante forte). Finalmente, ao preencher as margens de pá ginas gin as manuscritas ou impress impressas, as, comentários com entários eruditos podem pod em referir-se a um desejo físico de plenitude e exuberância. Seria muito difícil (se não impossível) destrinçar detalhadamente esses casos de entrelaçamento entre ímpetos de presença e 6. Ver minha análise de alguns feitiços antigos do alto-alemão (“The charm of charms”, em  A N e w H isto is to ry o f G Ger erm m an Lite Li tera ratu ture re,, org. David Wellbery et al., Cambridge Camb ridge,, Mass., 2004, p. 183 183-19 -191. 1. 7. The Powers o f Philol Philology ogy.. Dy nam ics o f Textual Scho Scholar larshi ship, p,  Urbana e Chicago, 2003 (a tradução alemã é intitulada  Die  D ie M a c h t der de r Phil Philolog ologie. ie.   Über einen verbor verborgenen genen Im puls im wissenschaft wissenschaftlichen lichen Umgang m it Tex-  ten, Fra  Frankfurt, nkfurt, 2003).

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ambições eruditas. Mas o que importa para mim nesse con texto é a intuição intui ção de d e que es esse sess ímpetos ímpe tos convergem, muito m uito mais do que imaginamos n ormalmen orm almente, te, eem m vária váriass formas do traba traba  lho filol filológico. ógico. Se seguirmos, seguirmos, como com o preten pr etendo do fazer fazer pelo pelo menos m enos em relaç relação ão àuma cultura ocidental da atual, a sugestão de Niklas Luhmann de caracterização experiência estética (Luhmann, dentro dos parâmetros de sua filosofia, tentou descrever as especifici dades da “comunicação” dentro do “sistema de arte” como sistema social), social), en então tão qualque qualquerr tipo de linguagem capaz de cau sar uma experiência estética se manifestará como um terceiro caso de amalgamação entre presença e linguagem. Para Luh m ann, a comunicação no n o sist sistema ema de arte é urna form formaa de co municação dentro da qual a percepção (puramente sensoria) não é apenas uma pressuposição, mas um conteúdo transmi tido, junto jun to com um signi significado, ficado, pela linguagem. linguagem. Essa descrição descrição corresponde a uma experiência de poemas (ou de ritmos de  pro  p rosa sa lite l iterá rária ria)) que qu e ccha ham m a nnos ossa sa atenç ate nção ão pelos pe los aspe as pecto ctoss físicos da linguagem (e suas possíveis formas) que, em outros con textos, tendemos a ignorar. Mas, ao contrário da opinião há muito tempo prevalecente (e ainda dominante) nos estudos literários, não acredito que as diferentes dimensões da forma  po  p o étic ét icaa (is (isto to é, ri ritm tm o , rim a, estanza  e  etc tc.) .) funcionem de modo que elas elas se sejam jam subordinadas subo rdinadas à dimensão dime nsão do signifi significado cado (como sugere, suger e, po porr exemplo, a chamada cham ada “t “teoria eoria da sobredeterminação sobred eterminação  poét  po étic ica” a”), ), co conn fe feri rinn d o c o n to torn rnoo s m ais fo forte rtess a conf co nfig igur uraç açõe õess semânticas complexas.' Em vez disso, vejo as formas poéticas empenhadas em uma oscilação com o significado, no sentido de que um leit leitor or ou ouvinte de poesia nunca nun ca consegue di dirigir rigir todaa a sua atenção para tod pa ra am bos os lados. lados. E Ess ssee é o m motivo otivo pelo qual uma um a prescr prescrição ição cultural na Argentina Argentina proíbe dan dançar çar um tango semp sempre re que est estee apresentar apres entar uum m a let letra. ra. Pois Pois a coreografi coreografiaa do tango como dança, com sua assimetria entre os passos 68

 

PRESENÇA NA LINGUAGEM OU PRESENÇA CONTRA A LINGUAGEM?

masculinos e femininos, contra a qual a harm onia on ia precisa precisa se serr conquistada a cada momento, é tão exigente que requer uma atenção completamente completam ente volta voltada da para a música — que inevita velmente seria reduzida pela interferência de um texto que desviaria parte pa rte dess dessaa atenção atenção.. A experiência mística e a linguagem do misticismo   são o meu quarto paradigma. Referindo-se constantemente à sua  p  prr ó p r i a inca in capp ac acid idaa d e de r e p re rese senn tar ta r a in ten te n sa p re rese senç nçaa do divino, a linguagem m místi ística ca pr prod oduz uz o efeit efeitoo paradoxa paradoxall de esti m ular imagin imaginações ações que parecem to torna rna r palpáv palpável el essa essa mesma  pres  pr esen ença ça.. Na de desc scri riçã çãoo de sua suass visões, visõ es, S an anta ta Teresa de Ávila,  p  poo r ex exem emplo plo,, uusa sa imag im agen enss alta al tam m en ente te erót er ótic icas as so sobb a pe perr m a n e n  te condição con dição de um “como se se””. Para el ela, a, o eenc ncon ontro tro com Jesu Jesuss é “como se estivesse sendo penetrada por uma espada” e, ao me smo temp mesmo tempo, o, ela ssee sent sentee ““como como se um anjo emergi emergisse sse ddee seu corpo”. Mas, em vez de entender essas formas de expressão li teralmente — “literalmente” como a descrição de algo, isto é, de uma experiência mística que verdadeiramente excede os limites da linguagem —, tanto a visão secular como a visão analítica analít ica entend entenderão erão a próp pr ópria ria ex experiência periência mística como ef efeit eitoo da linguagem e dos seu seuss poderes inerentes de autopersuasão. Ainda outro modo de amalgamação pode ser descrito co m o abertura da linguagem para o mundo dos objetos.  Inclui textos que sub substituem stituem o pparadig aradigma ma semiót semiótico ico da representa representação ção  p  poo r u m a a titu ti tudd e dê dêiti itica ca qu quee u sa as ppala alavr vras as p a ra a p o n tar ta r p a ra objetos, em vez de usá-las como representações dos objetos. Substant Subst antivos ivos ssee transform am am,, entã então, o, eem m nnomes omes pró próprios prios ppor or  que parecem ignorar a dimensão sempre totalizadora dos conceitos e criam uma conexão individual, pelo menos tem  p  poo r a r iam ia m e n te , co com m o b jeto je toss ind in d ivid iv iduu ais. ai s. Os p o e m a s -o -obb jeto je to ( thing-poems ), de Francis Ponge, empregam e cultivam esse  p  poo ten te n c ial ia l da ling li ngua uage gem m . R ec ecen ente tem m en ente te,, tive u m a im pr pres essã sãoo semelhante ao ler um esboço autobiográfico do grande físico

 

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Erw in Schroeding Erwin Schroedinger,8 er,8 cuja obs obsessão essão pela precisão descrit descritiva iva  pare  pa rece ce ter te r reje re jeita itado do o efe efeito ito da ab abst stra raçã çãoo iner in eren ente te a todo to doss os conceitos. No texto de Schroedinger, os substantivos parecem estar ligados a objetos individuais e assim começam a funcio narr como nom es próprios, produzindo na produ zindo um a impres impressão são ttext extual ual que estranh es tranham am ente lem bra os ffeit eitiç iços os medieva medievais. is. De ou outra tra for ma, certas passagens passagens dos rom romances ances de Louis-Ferd Louis-Ferdinand inand Céli Céline ne  pare  pa rece cem m esta es tarr es espe peci cific ficam amen ente te ab aber erta tass ao m u n d o do doss obje objetos. tos. O ritm o da prosa imita o ritm o dos movim movimentos entos ou dos eve even n tos a serem evocados e vocados e assim estabel estabelece ece um a relação aanalógica nalógica com esses movimentos e eventos que também contorna o  p  prr in incc íp ípio io di digi gita tall de repr re pres esen enta taçã ção. o. E n q u a n to os p oe oem m a s de Ponge e o esboço esboço autobiográfico de S Schroedinger chroedinger parecem es tender-se a objetos no espaço, os textos de Céline parecem  p  pro ropp e ns nsoo s a se serr af afet etad ados os p o r ob obje jeto toss e a res resso soar ar co com m ele eles. s. Finalmente, quem estiver familiarizado com a tradição do século XX da Alta Modernidade conhece a reivindicação, de importância central principalmente para a obra de James Joyce, de que a literatura pode ser o lugar da epifania   (uma descrição mais cética talvez preferisse falar da capacidade da literatura de produzir “efeitos de epifania”). Na terminologia teológica, refere-seum à aparição de está um objeto, de oumconceito objeto de queepifania requer espaço, objeto que ausente ou o u presente. Para um umaa concepção de llinguagem inguagem que se concentra exclusivamente na dimensão do significado, epifa nias, nesse sentido bem literal, e textos precisam ser separados  p  poo r uum m a rel relaçã açãoo de hhee tero te ronn o m ia ia.. M Mas as se ccon onsi side dera rarm rmos os,, ccom omoo venho sugerindo em tod todaa es essa sa sér série ie ddee exempl exemplos, os, a fen fenom om en eno o logía da linguagem como realidade física e, com ela, seu po tencial encantatório, então a convergência entre literatura e 8. Erwin Schrödinger, “Autobiographical sketches”, em W h a t is LLif ife? e?,,  Cambridge, 1992, p. 165-187. 70

 

PRESENÇA PRESE NÇA NA LINGUAGEM OU PRESENÇA CONTR A A LINGUAGEM?

epifania se apresenta de forma muito menos bizarra. Aceitar que momentos de epifania de fato ocorrem, mas sob condi ções temporais específicas, que Karl Heinz Bohrer caracte rizou como “subitaneidade” e “distanciamento irreversível”,9  po  p o d e ser u m a m an eira ei ra co n tem te m p o râ rânn ea de m edia ed iarr entr en tree noss no ssoo desejo de epifania e um ceticismo moderno que esse desejo não consegue dissipar por completo. 3 Ao passar pelos pelos se seis is m odos de amalgam amalgamação ação en entre tre linguagem e presença, presença, percorrem percorremos os a distância entre dois extremos que o título do meu ensaio tenta identificar. Começamos voltando nossa atenção para pa ra a presença físic físicaa da linguagem que é sem  pree da  pr dada da,, m as que, que , n a c u ltu lt u ra m o d er ernn a , é sist si stem emat atic icam amen ente te ignorada igno rada oouu até mesm o excluí excluída, da, e chegam chegamos os a reivindicar que a linguagem pode produzir epifanias, reivindicação essa que evoca uma situação e uma conquista excepcionais que preci sam ser arrancadas, por assim di dize zer, r, da estrutu estr utu ra do funcion fu nciona a mento normal da linguagem — e até mesmo ir contra ela. Certamente, dentro da crescente complexidade dos nossos diferentes paradigmas, as diferentes relações entre linguagem e“metafísicos presença não presença obedecem mod elo es estrutu trutural ralial” dosdadois níveis nív eis “metafísicos” ” que distingu distingueao e a modelo “s “superfície uperfície m mater aterial” “pr “prof ofun un deza semântica” sem ântica”,, o ““pri prim m eiro pla plano no negligenciável negligenciável”” do “segun “segun  do plano p lano signi significant ficante” e”.. O que, então, pod poderia eria servir como m o  delo alternativo que nos permita analisar as oscilações, mais tensas do que harmoniosas, entre linguagem e presença em todaa a sua var tod varieda iedade? de? 9. Karl Heinz Bohrer, Plötzlichkeit. Zum Augenblick des ästhetischen   Scheins, Frankfurt, 1981; e  D  Der er Absc Ab schie hied. d. Th Theo eori riee de derr T Trauer rauer,, Frankfurt, 1996. 71

 

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Dado que eu acredito em uma convergência entre o con ceito de “Ser” de Heidegger e a noção de “presença” que usei aqui,1 aq ui,10reconh 0reconheço eço u m a promessa prom essa em sua desc descrição rição da “lingua gem como co mo casa do Ser” Ser”,, prome pro messa ssa essa essa,, porém po rém , cuja realização  po  p o d e m u ito it o b em signi sig nific ficar ar u m d ista is tann c ia iam m e n to d a q u ilo il o qu quee Heidegger pretendia prete ndia dizer com essa essass palavra palavras. s. Existem Existem quatr q uatroo aspectos em sua metáfora m etáfora qu quee me m e interessam especifica especificamente. mente. Ao contrário de sua compreensão corriqueira, quero destacar, em primeiro p rimeiro lugar lugar,, o fato fato de que um a casa casa torna seus seus habitan hab itan tes mais invisíveis do que visíveis. Nesse exato sentido, a lin guagem não é tanto uma “janela”, não é a expressão da pre sença com a qual a linguagem possa p ossa ser entrelaçada. Contu Contudo, do, em segundo segu ndo lug lugar ar,, entendemos um a casa casa como ppromessa romessa (se (se não garantia) gara ntia) da prox proximida imidade de entre aquel aqueles es que nela habitam . Pense, por exemplo, na linguagem do misticismo. Talvez ela não torne to rne o divino com completamente pletamente present presente, e, e certamente não é uma expressão do divino. Mas, ao lermos textos místicos, alguns de nós nos sentimos próximos do divino. Em terceiro lugar, o que mais aprecio na metáfora da “linguagem como casa do Ser” é sua denotação espacial. Diferentemente do clás si sico co paradigm para digm a hherm ermenê enêutico utico da “express “expressão”1 ão”11 e sua implicação padrão de que tud tudoo que é expresso expresso prec precisa isa ser pura puram m ente espiritual, a compreensão da linguagem como “casa do Ser” (ou como casa da presença) nos faz imaginar que aquele que reside na casa possui “volume” e, portanto, compartilha do status ontológico dos objet objetos. os. 10. Ver Production Prod uction o f Prese Presence nce,,  p. 65-78 [ed. brasileira, Produç Produção ão de pre sença.  Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2010, p. 91104]. 11. Ver os esboços para uma história desse paradigma em meu ensaio “Ausdruc Au sdruck” k” em  Ä  Ästh sthet etis isch chee G ru rund ndbe begr griff iffe, e,  org. Karlheinz Barck et al., Stuttga Stu ttgart, rt, 2000, v. v. I, p. 416-431.

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PRESENÇA NA LINGUAGEM LINGUAGEM OU PRESENÇA CONTR A A LINGUAGEM?

Isso, porém, não significa que eu entenda o conceito de Heidegger de “Ser” como um retorno — talvez um pouco constrangido constran gido — à “coisa-em-si “coisa-em-si”” (Di (Ding ng an si sich ch). ). Antes, acredito que o conceit conceitoo de “Ser “Ser”” aponta apo nta para um relacionamen relacionamento to entre  Dase sein in ) em que o “ser-aí” não mais os objetos e o “ser-aí” ( Da concebe a si mesmo como algo excêntrico, ontologicamente separado dos objetos e de sua dimensão. Em vez de romper nosso relacioname relacion amento nto com os objetos, como a “virada linguís linguís tica” sugeriu que fizéssemos, a “linguagem como casa do Ser” (a linguagem em suas múltiplas e tensas convergências com a  pres  pr esen ença ça)) seria se ria entã en tão, o, final fin alm m ente en te,, u m m ei eioo pelo pe lo qual qu al p o d e rí rí  amos esperar um a reconciliação reconciliação entre en tre o “ser-aí” “ser-aí” ( Dasei  Da seinn ) e os objetos objet os do mundo. mun do.

É de todo realístico (ou simplesmente ilusório) acreditar que essa reconciliação entre o “ser-aí” ( Da  Dase sein in ) e os objetos  possa,  pos sa, algu al gum m dia, dia , vi virr a acontec aco ntecer? er? N ão m e sinto sin to conf co nfia iant ntee o  b  bas asta tann te para pa ra arris ar risca carr um u m a res r espo post staa a essa per p ergu gunt nta. a. Para Pa ra mim m im,,  poré  po rém m , vale a pen pe n a reflet ref letir ir sobr so bree o fato fat o de d e que q ue,, na n a situa sit uaçã çãoo c u l tural contemporânea, estou longe de ser o único intelectual que faz esse esse tipo de perg pe rgun unta,1 ta,12pe 2pergu rgu nta es essa sa que, alguns alguns anos atrás, teria soado tão ingênua que ninguém ousava fazê-la. Agora, Agor a, o desejo desejo de recupera recu perarr um a proximidad proxim idadee existenc existencial ial com a dimensão dos objetos pode muito bem ser uma reação ao nosso cotidiano contemporâneo. Mais do que nunca, ele se transform trans form ou em um u m dia a dia dia de realida realidades des apenas virtuais, virtuais, em um dia a dia dia em que as tecnologias tecnologias de comunicação nos conce deram onipresença e assim assim eliminaram o espa espaço ço da nossa exis exis tência, em um dia a dia em que a presença real do mundo se encolheu e se transform ou em presença na tela tela — a nova onda 12. Para outras vozes que ecoam essa preocupação, ver a edição especial de 2005 da revista  M er ku r,   dedicada a novas buscas intelectuais da realidade.

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de reality shows na nada da mais é do que o sintom sintomaa mais tautol tautológico ógico e hiperbólicame hiperbólica mente nte imp impoten otente te des desse se desenvolvimento.13 Para aqueles entre nós que acreditam que as posições da virada linguística representam a última sabedoria filosófica, esse desejo da presença do mundo deve parecer um desejo contra um entendimento filosófico melhor. Mas a falta de crença na possibilidade de que um desejo possa ser satisfeito não implica, é claro, que ele necessariamente desaparecerá mais cedo ou mais tarde (m uito men menos os ainda que esse esse desej desejoo seja insensato). Qual, então, seria uma relação viável com a linguagem para aqueles que acham implausível aquilo em que eu acredito, ou seja, que a linguagem pode (de novo) ser o meio de reconciliação com os objetos do mu mundo? ndo? A resposta é que eles podem continuar a usar a linguagem para apontar, e até mesmo enaltecer, aquelas formas de experiência que man têm viv vivoo o nosso desej desejoo de presença presença.. O que, é claro claro,, sugere que é melhor sofrer com um des desejo ejo não reali realizado zado do que perder o desejo por completo.

13. Para descrições mais detalhadas d etalhadas que focam os efeitos efeitos existen existenciai ciaiss das novas tecnologias de comunicação, ver meu ensaio “Gators in the Bayoo. What we have lost in disenchantment?”, a ser publicado em

The Re -enc han tme nt o f the World: World: secula secularr magic in a rational age age,, org.

Joshua Landy e Michael Saler, Berkeley, 2006. 74

 

PERDA DO COTIDIANO. O QUE É “REAL” NO NOSSO PRESENTE?*

1 Desde a sua aparição nas telas há cerca de dez anos, os reality  shows  estão entre aquelas formas da indústria do entreteni mento às quais os intelectuais reagem adotando duas atitudes opostas. opost as. Ou descobrem neles neles um sintoma sintom a acentuado da deca dência supostam ente inigualá inigualável vel do seu presente presente oouu apresen ap resen tam-se como “fãs” e, muitas vezes, desenvolvem teorias para  just  ju stif ific icar ar o seu entu en tusi sias asm m o — teor te oria iass p a ra tra tr a n s fo rm a r o e n  tusiasmo, a princípio encenado prazerosamente como um ví cio cio inofensivo, inofensivo, em prova da su superio perioridad ridadee da sua inteligência. inteligência.  Noo e n ta  N tann to, to , é impo im poss ssíve ívell di dize zerr de su supp e tão tã o que qu e é a “rea “r eali lida dade de”” que fascina centenas de milhões de espectadores. Pois as cenas nunca correspondem a uma realidade que de fato exista do lado de fora da tela. tela. Antes, o gênero organ or ganiza iza situações que, que , de acordo com as regras regras do jogo, jogo, encurtam enc urtam ou dilatam o tem po e colocam times1em uma competição direta ou mediada, mas sempre passí passível vel de documen docu mentação tação e regulada regulada po r pontuações. Grande parte do d o tem tempo po de transmissão é dedicada dedicada à caracteri zaçãoo dos locais zaçã locais onde ond e a respectiva respectiva com petição acontece, sejam sejam eles eles apresentados como exóticos exóticos ou racionais. racionais. Seus Seus participa partici pan n tes efetivos nunca são atores, mas representantes mais ou me nos típicos dos mais variados grupos sociais. Mais do que * Tra Traduçã duçãoo de Lucian Lucianaa Vil Villas las Bô Bôas. as.

1. No original, emprega-se o anglicismo “ teams” e põe-se entre parênteses o seguinte com entário: “a ppalavra alavra ingl inglesa, esa, ne nesse sse meio-tem po, su substituiu bstituiu  po  p o r to t o da p ar te o sseu eu equi eq uiva valen lente te ale alemã mãoo qu e p ara ar a m u it itos os ouvid ou vidos os deve

soar sexista”. A palavra alemã para time, “ M a n n s c h a ftft””, é   derivada de “ M a n n ” (homem (home m ). [N [N.T .T.] .] 75

 

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tudo, os reality shows produzem si situ tuaçõ ações es extremamente d ra máticas, em parte agressivas, em parte frustrantes e, às vezes, realmente realm ente perigosas par paraa os participantes. Por ess essaa razão pare pare  cem para assim, o espectador even tual. particularmente Os participantes irreais tornam-se, vítimas apenas potenciais, e não são são poucos os espectadores que ooss observam com um u m tipo de interesse que se dedica, em geral, às cobaias de experimen tos científicos. 2 A que necessidade satisfazem os reality shows? Será que são indícios de uma perda, historicamente específica, na cultura do nosso presente? Estas perguntas remetem a um paralelo esclarecedor dos primordios da história da televisão. Após inaugurar em março de 1935 o primeiro programa de televi são a ser ser ttrans ransm m itido regularmente, o governo nacional-socia li lista sta alemão alemão encome encomendaria, ndaria, poucos anos depoi depois, s, um a pesquisa  p  poo r a m ostr os traa g e m p a ra c o m p ree re e n d e r p o r qu quee e ra tã tãoo baix ba ixoo o interesse pelos aparelhos apa relhos de televisão vendidos a preços abaixo abaixo do custo. A resposta que recebeu foi, surpreendentemente, unânime: unân ime: os potenciais espe espectadores ctadores temiam que a nova mídia destruísse a noite de lazer lazer cotidian cotidianoo com o círculo de familia res ou amigos. Passada apenas uma década, e tendo como  p  poo n to de p a rtid rt idaa os Es Estad tados os U n idos id os,, os apar ap arel elho hoss de televis tele visão ão conqu con quistara istaram m os co consol nsoles es das sal salas as de es estar tar,, e os os program prog ramas as de televisão de fato substituíram a vida familiar tradicional. “Se riados sobre famílias” (junto com quiz-shows) torna ram -se as  p  pri rim m eira ei rass fórm fó rmul ulas as de suc sucesso esso d a m ídia íd ia que, qu e, aapó póss lo long ngoo p e rí ríoo 

do de incubação, finalmente vingava. Seriados como “Father knows best” bes t” (que aviva avivavam vam os tem tempos pos pregressos alemães sob sob o título um tanto ontológico “O pai é o melh melhor’ or’)) ou as “famí li lias as telev televisi isivas” vas” Sc Schoeler hoelerma mann nn e Hesselbach (que tran transm sm itiam 76

 

PERDA PER DA DO COTIDIAN O

o colorido local de Hamburgo e Frankfurt) não se voltavam absolutamente para ações extraordinárias que intrigassem os espectadores. espectador es. Antes, Antes, reproduz repro duziam iam aquilo que do lado de cá da tel tela cotidiano mediano ediano da das das da famí liasa haviam medianasdestruído: de classe omédia. Estem exemplo da vida história te levisão sugere a tese de que os nossos reality shows também reprodu repro duzem zem o que o ambiente ambien te repleto repleto de mídias envolvendo envolvendo a existênc exis tência ia hum ana an a recalcou. recalcou. Mas o que exatamente perdemos? A complexidade do conceito reality  nos leva a supor que a  p  per erdd a é mais m ais fu funn d am e n tal ta l e, po p o r isso, ta tam m b é m m ai aiss difícil difíc il de se definir definir do que a perda pe rda da d a vida em família no início início dos anos 1950 19 50.. Essa Essa perda pe rda parece atingir atin gir um u m a esfera esfera de nossas no ssas vidas que não se pode pod e identificar identificar pela alusão alusão a fenôm enos individuais. 3 Suspeito que o sucesso dos reality shows est  esteja eja ligado ligado ao senti se nti mento que se acentua desde o início do século XX na socie dade ocidental e, nesse meio-tempo, global de que perdemos a nossa realidade ou — o que seria uma descrição alternativa do mesmo m esmo sentimento — não sabemos qual das di dive vers rsas as rea lidades que se apresentam é a muito “nossa própria”. que essa essas s considerações consider ações nãopara nos n osnós levam mu ito ad adiante iante emClaro rela ção à pergunta sobre a perda à qual responderiam os reality  pa ra ou tra zona de signifi significado. cado. Afi Afi shows, apenas a deslocam para nal, que queremos dizer quando usamos o conceito “reali dade”? Uma famosa citação do artigo sobre expressionismo de Gottfried Benn, escrito em 1933, pode nos ajudar a dar um passo adiante: adiante:

Realidade — conceito demoníaco da Europa — felizes apenas aquelas épocas e gerações nas quais havia uma [realida [rea lidade] de] inquestionável, que profund profu ndoo o primeiro prime iro estre mecimento da Idade Média com a dissolução da [reali77

 

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dade] religiosa, que abalo fundamental desde 1900 com a destruição da realidade das ciências naturais, que se fizera “real” po porr 400 anos. Nova realidade — como visivelmente aden ciência sómesmos podia destruir anterior — olharam para dentro tro de si oouu para atrás. Podem os recon Podemos reconhecer hecer que Benn estav estavaa mai maiss do qu quee familia rizado com o problema da incerteza em relação à realidade, e as premiss premissas as para a su suaa ate atenuação, nuação, tam tamanh anh o o seu m au hu m or ao reagir ao ensaio de Borries’ von Muenchhausen que cele  bra  b rava va u m no novv o en entu tusi sias asm m o pe pelo lo rea reall co com m o so solu luçã çãoo ce cert rtaa p ar araa a crise de consciência. De resto, para Benn, era evidente que diferentes conceitos de realidade, como premissas de experiên cia do mundo, haviam se sucedido ao longo da história. Isso significa que uma eventual perda da realidade no nosso pre sente, caso possamos discerni-la, teria de ser definida como um a etapa espe especí cífi fica ca de eexacer xacerbação bação no decorrer de um a lo lon n ga sequência histórica histó rica de ddesil esilusões usões da realida realidade. de. 4  N o iníci  No in ícioo do doss an anos os 1960, o filó filósof sofoo Han H anss B lum lu m en enbe berg rg apre ap rese senn  tou uma proposta notável para a reconstrução dessa história na qual distinguia entre quatro “conceitos de realidade”, ou seja, sej a, qu quatro atro premissas de experiência da realidade, de comp comple le xidade crescente, crescente, no pperíod eríodoo que se estendia da Grécia Antiga ao presente: o conceito antigo de realidade de “evidência mo mentânea”, ou seja, uma situação em que a experiência da realidade foi marcada por uma intuição infalível de certeza; o

conceito de realidade da d a Idade Média, Méd ia, “gara garantida ntida”” p o r Deus e frequentemente reconstruída por intr frequentemente intricada icadass deduções do p en  samento; o conceito conceito de rea reali lidade dade do iníci inícioo dos temp tempos os m od oder er nos de um u m “contexto coe coerente” rente” (“ (“stimm stimmiger iger Konte Kontext” xt”)) segundo o qual se consideravam reais reais todas as experi experiências ências que se con78

 

PERDA DO COTIDIANO

formassem com um mundo que se considerasse já apreen dido; e, finalmente, o conceito de realidade que se constitui “na experiência da resistência”, na realidade como “o que para o sujeito é inassimilável” (“demfür das Subjekt nicht Gefiigi-  gen”). Somente com o terceiro conceito de realidade, o de um contexto coerente, tornou-se possível imaginar uma plurali dade de mundos. mund os. Ma Mass somente com o quarto q uarto conceit conceitoo de rea lidade — e iss issoo é decis decisivo ivo para a questão q uestão que perseguimos persegu imos — , o de uma “resistência experiencial”,2os conceitos de “realida de” e “verd verdade” ade” aparta ap artaram ram -se de tal form formaa que, dess dessaa divergên  páth thos os  específico do real. Pois quando só cia, pôde surgir um  pá se alcança o real indiretamente como “resistência”, ou, por as sim dizer, “sintomatologicamente”, mediante a impressão de que não n ão se ajusta às às possibil possibilidades idades hum anas ana s de conhecimento, con hecimento, a esperança de dominar a realidade ainda não se apagou defi nitivamente, mas certamente a esperança de verdade como contemplação contem plação do rea real. l. 5 Sob os auspícios auspícios de uum m a confiança con fiança evanescente evanescente na verdade, o real tornou-se a dimensão na qual a existência humana quer se agarrar agarr ar para afastar o me medo do de estar sem orientação ou cer cada de vaz vazio io no m undo undo.. Ao mesmo tempo, ainda durante a pré-história da diver gência entre verdade e realidade, desenvolveu-se outra história

 — m o v id idaa ju just staa m e n te pe pelo lo m ed edoo d a ppee rd rdaa de ver v erda dade de e real re ali i dade — da qual em ergiram, ergiram , po porr volta de 1900 1900,, o conceit conceitoo e o sentimento do cotidiano como uma esfera do real vivida em 2. Trata-se aqui da expressão “erfa erfahr hren ener er W id er sta n d que que se refere a urna resistência que é da ordem da experiência. A melhor tradução seria “resistência experimental”, não fosse a sua conotação usual. [N.T.] 79

 

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conju nto e submetida conjunto subm etida em conjun co njunto to ao controle, um a esfer esferaa do do real que prometia mais amparo existencial do que segurança intelectual. No começo da história histó ria desse desse conceito de realidade está o mundo do início dos tempos modernos,3caracterizado com o a realidade de um “contexto “conte xto coerente co erente consigo mesm me smo” o”,, na qual o ser hu hum m ano an o (no papel de “suj “sujeito”) eito”) compreendia-se com preendia-se como observador observador,, intérprete intérprete e, fi finalment nalmente, e, formador forma dor do m u n do das coisas (objetos). Os experimentos de Galilei Galileu que conduziram à descoberta e à descrição matemática da força da gravidade são emblemáticos dessa situação histórica. Desde o início o esquema “sujeito”/“objeto” trouxe a preocu  paçã  pa çãoo de que qu e a dist di stân ânci ciaa que q ue to torn rnaa v a prec pr ecár ária ia q u a lqu lq u e r cert c ertez ezaa de conhecimento pudesse se imiscuir entre os seus respectivos  poio  po ios. s. N o sécu sé culo lo XVII, XVII, p e n sad sa d o re ress c om o De Deni niss D ide id e rot, ro t, Pi Pier erre re Gassendi e Claude Adrien Helvetius reagiram a essa essa preoc pre ocup upa a çãoo com experimentos de pensam ento que poderiam çã pod eriam fortale fortale cer a convicçã convicçãoo de que os sentidos hum ano s estariam em con  dição diç ão de oferece oferecerr um a imagem adequada da realidade realidade — por exemplo, são suficientes os sentidos que restam a um cego ou surdo para que ele possa orientar-se no mundo? A transição do conceito de realidade de “contexto coerente” para pa ra “r “resistên esistên cia experiencial”, que se prolonga do início dos tempos mo dernoss até o nosso presente, derno presente, pode po de ter desencadeado no come com e ço do século XI XIX um habitus mais complexo de observação, no

qual o ser humano como observador do mundo inevitavel mente observa-se a si mesmo no ato da observação (Nildas Luhmann o chamou, sem especificação histórica, de “obser vador de segunda ordem”). Entre os novos problemas que 3. A expressão “fr ü h e N eu ze zeit” it”,  que corresponde ao período chamado “earl arlyy m od em ” em ingl de “e inglês, ês, rrefere-se, efere-se, em geral geral,, ao perío p eríodo do en entre tre a Alta Idade M édia e a Revol Revolução ução Francesa, Francesa, começando com o “l “longo ongo”” sécu lo XVI. [N.T.] 80

 

PERDA PER DA DO CO TIDIANO

surgem com a emergência do observador de segunda ordem estava est ava o reconhecimento de que a apropriação do m und o pe  los sentidos (percepção) quase nunca se pode traduzir sem  pee rd  p rdaa na apro ap ropp ri riaç ação ão do m u n d o pelo pe loss conc co nceit eitos os (e (exx peri pe riên ên  cia). E disso acabou surgindo o hábito de considerarem-se como particularmente “reais” as percepções que contrapu nh am aos conce conceitos itos uma um a resistência resistência no notáve tável. l. 6

Esse contexto explica por que em meados do século XIX Karl Ma rx queria ser um “m Marx “materialist aterialista” a” e acu acusava sava Hegel Hegel de ter fu fun n dado a sua filosofia sobre o conceito de “espírito”. Esse tam  béé m era  b er a o co cont ntex exto to no qual qu al Lelan Le landd St Stan anfo ford rd,, o m agn ag n at ataa de estradas de ferro, anu anunc nciou iou em 1891 1891,, nos “O “O pening pen ing Exercise Exercises” s” da universidade (cujo nome era uma homenagem a seu filho, m orto p rematuram ente), que seu seuss formandos iriam adquirir “uma visão clara e prática das coisas reais do cotidiano”, en quanto qua nto o prim primeiro eiro reitor, reitor, um ictiólogo ictiólogo,, dedicou o seu discurso discurso exclusivamente ao ideal da “verdade absoluta”. Desde então, associam-se associ am-se no conceito conceito de cotidiano co tidiano e de realidade realidade cotidiana o motivo moti vo da ““resistência”4 resistência”4 do real e a afirmação afirmaçã o de que ess essee quadro é a dimensão determinante da existência humana in dividual e coletiva. Até hoje a cotidianidade5e seus conceitos

de realidade são associados, geralmente em oposição polêmica ao m und undoo “puram ente espiritual” dos intel intelectu ectuais ais,, com a vida do corpo corp o e a dimensão do espaç espaço, o, não apenas com a tempora tem pora-4. O termo aqui empregado não é “W “Wide ide rsta nd ”, mas “Widerständigekeif,  designando, portanto po rtanto , a qualidade de resistência, resistência, aalgo lgo como resi resistencia stencia-lidade. [N.T.] 5. Traduzi “Alltag” como cotidiano e “Alltäglichkeit’'  com  com o cotidi cotidianidade. anidade. [N.T.] 81

 

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lidade fun f undad dad a nnaa consciência consciência.. No iníci inícioo do sécul séculoo X XX X, apes apesar ar de privilegiar privileg iar questõe questõess relati relativas vas à tem tempo poralid ralidad ade, e, a fil filosofi osofiaa ddee Henri Bergson, cuja popularidade ia muito além do mundo acadêmico, já enfatizava isso. Três décadas mais tarde, Martin Heideggerr sub Heidegge sublinhou linhou em Ser e tempo  a importân imp ortância cia do es espa paço ço  pa  p a r a a su suaa “o “onn to tolo logg ia ex exist isten encia cial” l”,, cu cuja ja p rete re tens nsão ão de rea realid lidad adee  pr  p r o c u r o u c o rro rr o b o rar ra r co colo loca cann d o p ro rogg ra ram m átic át icaa m ente en te “coti “cotidi diaanidade do existir” (“ (“Alltäg Alltäglichk lichkeit eit des Daseins” Daseins”)6  )6  e “cotidianidade mediana” em primeiro plano. Heidegger empregava o conceito concei to de cotidiano de uum m m odo oposto e iigualmente gualmente tí típic picoo  pa  p a ra o in iníc ício io do sé século culo XX. Ass Associav ociavaa a “fo “form rm a c o ti tidd ia iann a da existên exi stência cia”” com o pro prono no m e impessoal “s “se” e” (“M a«”),7 a« ”),7 com uma tendência humana para a inércia que leva a jogar a res  po  p o n sab sa b ilid il idad adee p ela ex exist istên ência cia in indd ivid iv idua uall no noss o u tro tr o s co colet letiva iva  mente. men te. Po Portanto, rtanto, Heidegger ccrit ritica icava va o que, em ooutro utross contex tos, era um a das conotações positivas do conceito de cotidiano.  Neles,  Ne les, o co coti tidd ian ia n o n ão está es tá à di disp spos osiç ição ão do ind in d ivíd iv íduu o , ma mass constitui um quadro de ref referênc erência ia obrigatório pa para ra a sua ex exis is  tência, “socialmente construído” e articulado no tempo e no espaço.. Era praticam espaço praticamente ente um a consequê consequência ncia ló lógica gica dess dessas as pre missas que o conceito de cotidiano, e tud o que se subord subordinava inava a ele ele com comoo ssendo endo sua refer referência, ência, se tornasse aquele horizo horizonte nte no qual eera ra po possí ssível vel af afasta astarr o m medo edo cresc crescente ente da perd perdaa da rea

lidade. O fato de as fantasias dos “situacionistas” franceses apostarem não na destrui destruição ção do capit capitali alismo, smo, mas na “revol “revolu u ção da vida cotidiana” é um indício do ppapel apel cen central tral que a di mensão do cotidiano, entendida como conceito de realidade, havia alcançado alcan çado na sociedade do século X XX X. 6. Também Tam bém pode p ode ser traduzido como “cotidianidade do estar-aí” estar-aí”.. 7. Trata-se da partícula indeterminadora do sujeito em alemão, corres  p  poo n d en te ao “on” em francês francês ou ao “se” “se” em portu p ortuguê guês. s. 82

 

PERDA PERD A DO COTIDIANO

7 Será, então, que estamos vivendo em um mundo que final mente se libertou do antigo e — é tentador dizer — venera do medo da perda da realidade? Estaríamos vivendo em um mundo de virtualidades que eliminou aquela forma de coti diano, ou melhor, m elhor, a forma de cotidiano de outrora, outr ora, já já que toda form a soc socia iall de normalidade norm alidade pode se serr definida definida como cotidia co tidia no? E qual seria o preço de uum m a vida sem aquele cotidiano que era o nosso quadro de referência? Hoje consideramos como “real”,, no sentido de não questionável, apenas fenôm “real” fen ômenos enos que q ue não são diretamente acessíveis aos nossos sentidos: moléculas, vírus ou processos bioquímicos, porque são microscópicos demais para a nossa capacidade de percepção, ou a economia mundial, o buraco na camada de ozônio ou o Universo, por que a sua grandeza e a sua complexidade extrapolam o nosso entendim ento. Confiamos na ciênci ciênciaa como fiadora da realida de e da nossa esperança de contro co ntrolar lar ess esses es fenômenos fenôm enos e, além além disso, dis so, esperamos esperamo s que coloque à nossa disposição disposição proced proc edim imen en  tos de visua visualiz lização ação,, cujos cujos efei efeitos tos na natura turalm lmen ente te jamais confu con fun n diríam os com a “próp pr ópria ria re realidade” alidade”.. Justam Justamente ente a premissa de que nada nad a depend dependee da nossa experiê experiência ncia imediata da “própria pró pria

realidade” torn realidade” tornou ou-se -se hoje, mais do que um u m a sabedoria filosó filosó fica, um lugar-comum. A “resistência à experiência imediata”, comoo ccritério com ritério de verdade, foi sub substituída stituída pela “impossi “impossibilidade bilidade da experiência imediata” im ediata”.. Poi Poiss se houver hou ver u m novo cotidiano da cl clas asse se média méd ia de hoje nas nações indu industriais striais (s (see essa essa noção tr traa  dicional de classe média ainda fizer sentido), então, ele se rea liza diante das tela liza telass dos com putadores, putad ores, oouu seja, seja, em um a fusão da consci consciênc ência ia hum ana com o software  que torna tor na a reali realidade dade visí visíve vel. l. A imp ortânc ortâ ncia ia do espaço est estáá atrofiada atrofiad a nesse nesse mais re re  cente mundo cotidiano, porque outras consciências, cujos  po  p o rt rtaa d o re ress se enc en c o n tram tr am a distâ di stânc ncia iass imen im ensa sas, s, colo co loca cam m ele e letro tro-83

 

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nicamente à disposição de qualquer consciência individual, sem gasto tempo ou dinheiro considerável, umatambém gama ili mitada de de informações. Observação semelhante se aplica às mercadorias, não apenas porque nunca foi tão fácil encomendá-las encomendálas eletron eletronicament icamente, e, mas também porq porque ue os mer cados da classe média global se estabeleceram em um equilí  br  b r io q u a n tita ti tati tivv o qu quas asee ideal id eal en entr tree rree n d a e ne nece cess ssida idade des. s. A par pa r disso, desenvolve-se entre as gerações mais jovens um equilí  br  b r io quali qu alita tativ tivo, o, sob so b a fo form rm a de u m a di disp spos osiç ição ão p a ra aceit ac eitar ar ofertas eletrônicas de experiência experiência com comoo equivalentes da expe riência direta pelos sentidos. Essa disponibilidade de meios  pa  p a ra a sa satisf tisfaçã açãoo fácil e im e d ia iata ta to torn rnoo u - s e u m a regr re graa e eest sten en  de-se inclusive ao passado. Mais do que nunca podemos evo car m omentos om entos do passado passado por po r meio de arquiv arquivos os e prod utos da indústria da nostalgia, que transformou o nosso presente em um a presença dilatada de simultaneidades simultane idades e desacelerou desacelerou nossa impressão do ritmo do tempo histórico. Esse novo cotidiano de modo nenhum confirmou o receio de Heidegger em re lação ao enfraquecimento do indivíduo pelo pronome im  pess  pe ssoa oall “se”. “se”. Antes An tes,, as m míd ídia iass elet e letrô rôni nica cass ccon onfe fere rem m às ccon onsc sciê iên n cias individuais o poder de construir, a partir dos elementos

que colocam à sua disposição, os seus próprios mundos. 8

O individualismo extremo extremo torn tornou-s ou-se, e, as assi sim, m, um fenômeno fenôm eno de massa do nosso tempo. Seu preço reside no fato de que a dis  po  pmuito o n ibil ib ilid idaa d e fácil d a de real re alid idad ade e está es tá vvin incu cula ladd a à ex e x pecta pe ctativ tiva hháá internalizada nos pormos permanentemente à adis  posiç  po sição ão.. Clar C laroo qquu e ooss usu u suár ário ioss tê t ê m lib liber erdd ad adee pa p a ra em empp re regg ar as novas mídias e tecnologias, sobretudo e-mail  e telefones ccelu elu lares, como dispositivos de mão única, ou seja, exclusivamente  pa  p a ra a expa ex pans nsão ão das da s p r ó p ri riaa s poss po ssib ibili ilida dade dess de disp di spon onib ibili iliza za--

 

PERDA PERD A DO COTIDIANO

ção. çã o. Exi Exigênc gências ias ét éticas icas explíci explícitas tas para fazer-se tam també bém m dispo dis poní ní vel existem, mas, pelo menos por enquanto, ainda podem ser facilmente ignoradas. Mais fortes são os vícios provocados  pelo  pe loss m ai aiss novo no voss disp di spos ositi itivo voss de re reali alida dade de.. Ig Ignn o ra rarr cham ch amad adas as e e-mails recebidos é tão difícil para nós quanto adiar nossas  pró  p rópp ri riaa s ch cham amad adas as e e-mails.  Um dos maiores emblemas da realidade, cada vez mais próxima de nós, são aqueles indiví duos que conversam conversam no m eio de um umaa mu multi ltidão, dão, em alto alto e bom som e, ààss veze vezes, s, gesticulando gesticulando vivamente, com um a pessoa au a u sente — os quais, para nós, mais velhos, parecem, em um instante de pavor, casos de emergência psiquiátrica. O am  bie  b ienn te social, socia l, seja com co m o d irei ir eito to de o u tro tr o s in indd iv ivíd íduu os à priv pr ivac aci i dade imperturbável ou como ameaça à própria privacidade, não existe mais para o indivíduo eletrônico. Será que essas fi guras inseparáveis dos seus celulares corporificam o triunfo do individualismo de massa? Quem esgota as possibilidades da vida on-line torna-se, em grande medida, independen indep endente te das estruturas temporais do cotidiano de outrora e dos locais de encontro socialmente determinados: não só do escritório, do

supermercado e da aagênc gência ia bancária, mas tamb também ém do cinema e do jantar compartilhado em casa. Como recentemente me explicou uma funcionária da Sillicon Valley durante um voo, é perfeitamente possível ir morar com o namorado na Ci dade do México e continuar a realizar seu trabalho no norte da Califórnia. O indivíduo eletrônico não precisa mais se  pr  p r e o c u p a r co com m o esp espaço aço e, ass assim im,, ec econ onoo m iz izaa te tem m p o. Só que qu e nunca conseguimos usar com a eficiência desejável o tempo que ganhamos, porque a nova obrigação de estar constante mente disponível nos mantém em um estado de excitação e mobilização permanentes que destrói a nossa concentração. O princípio duplo da disponibilidade ativa e passiva neutrali zou nosso temor de perder o contato com a realidade. Mas,  po  p o r enq en q u a n to to,, as cons co nseq equê uênc ncia iass da libe li berd rdad adee que qu e g anha an ham m os 85

 

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com isso isso nos sobr sobrecarregam. ecarregam. Preci Precisamos samos da com compensação pensação te te  levisiva dos reality shows  porque a nossa mais recente reali dade não nos ofe oferece rece aass resist resistências ências e ooss quad quadros ros de referência referência do físico e do social, do espaço, tempo e acaso, dos quais a natureza nature za hum ana par parece ece depender. Ou será que tud tudoo is isso so não  pass  pa ssaa de di difi ficu culd ldad adee de a d a p ta taçç ã o da daqu quel eles es c o n te tem m p o râ rânn e o s que cresceram na realidade de outro presente?

 

e s t a g n a ç ã o :

TEM POR AL , INTELECTU AL, CELES CELESTI TIAL* AL*

Os participante participantess de um coloquio caminham camin ham até um restauran re stauran te georgiano não muito longe do Kremlin onde pretendem  jann ta  ja tar. r. Os colegas colegas,, dois do is m osco os covi vita tass qque ue c o nseg ns egui uira ram m c o n s tr truu ir ou tra vida em Oxford e Nov Novaa York York duran te os últimos anos da União Soviética, fazem um pequeno tour   histórico-cultural histórico-cultural com o norte-americano. Aqui, dizem, viveu Maiakovski du rante os primeiros anos após a Revolução Russa; lá, o jovem Pasternak. E, E, em 195 1957, em frente àquele arm azém com o reló gio mundial, com um orgulho infantil e ardente pela nossa  pát  p átri ria, a, a c o m p a n h a m o s a eenn tra tr a d a em ó rbit rb itaa do p ri rim m e ir iroo S p u t nik. Andreij afirma que esse evento marcou o auge das sete décadas concedidas à república com unista para pa ra a realizaçã realizaçãoo de suas su as utopi utopias. as. E quando, perg pergunta unta o americano, a crença origi

nal dos cidadãos soviéticos na realização de todas as promes sas marxista-leninistas começou a se transformar em desâni mo e derrotismo? Os dois anfitriões, que estão passando as férias em sua pátria, surpreendentemente concordam: foi só nos últimos anos de Brejnev que uma atmosfera pessimista começou a ssee propagar de form a repe repentina ntina e rápida — ou at até, é, talve talvez, z, só após a m orte des desse se últim o se secretário-geral cretário-geral do Parti P arti do Com unista ainda mais ou meno menoss respeitado respeitado pela socie sociedade dade soviét sov iética ica — , naquela época, portanto, portan to, qu quee inter internam nam ente já era chamada de “período da estagnação”. O estrangeiro se sur  pr eenn d e co  pree com m a resp re spoo sta st a e ao m es esm m o te tem m p o pe perc rceb ebee que qu e des de s conhece o porquê de sua surpresa. Ele realmente acreditava que o com comunismo unismo havia sido sido insuportável para os súdit súditos, os, que o comunismo se pusera a salvar, desde as assim chamadas * Tradução Trad ução de M arkus arku s Ediger Ediger.. 87

 

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“farsas judiciais” stalinistas da década de 1930? Havia ele se esquecido do medo que se apoderara dos adultos em seu mundo ocidental diante da possibilidade de um dominio mundial da vitoriosa União Soviética no ano de 1956, após a Revolução Húngara, Húng ara, e em 19 1957 57,, o ano do Sputnik? E não tinh tinhaa ele, de forma bastante partidária, celebrado o fim da Guerra do Vietnã como vitória da solidariedade socialista sobre seu  p  pró ró p rio ri o país? * * *

O utra esta estagnaç gnação ão mu muito ito menos ddramática ramática ttambé ambém m se apode rara do pequeno mundo de sua existência profissional, do mundo das ciências humanas. Quando frequentava a escola, e ainda no fim fim da década de 19 1960 60,, quando se torno tor no u estudante universitário, os textos da filosofia e das literaturas eram des critos e interpretad interp retados os ap apenas enas ““em em função de si me mesm smos” os”,, ou de

m od odoo imanen ima nente te , como se ccostumava ostumava dizer na época, guiado  p  poo r u m a insp in spir iraç ação ão “co “cong ngen enia ial” l” e nã nãoo pe pelos los pa passo ssoss de u m m é  todo. Mas, de repente, enquanto os estudantes de Berkeley, Pariss e Berli Pari Berlim m começavam a confund confu ndir ir seu seu de descon scontentam tentam ento intransitivo com o enfastioso mundo de seus pais com urna energia revolucionária, os “para “paradigm digm as” já iniciavam sua ccon on  quista dos recantos mais alienados da antiga universidade: o estruturalismo com sua aparente exatidão matemática, o formalismo cuja origem russa era equivocadamente consi derada soviética, a teoria da recepção com sua promessa ge nuinamente social-democrática de dar ao leitor sua devida atenção. A estes logo se juntou uma filosofia das transforma çõess na ciênc çõe ciência, ia, iinventad nventadaa po r T Thom hom as S. Kuhn, que expl explica icava va  p  poo r q ue essas tr tran ansf sfoo rm açõ aç õ es d ev evia iam m ser ch cham am adas ad as de “m u  danças de paradig p aradigma ma””. Ilu Ilusões sões múltip múltiplam lamente ente influenciadas de “relevânci relevânciaa social” se unira uniram m à rígida seriedade da crença em

 

ESTAGNAÇÃO: TEM PORA L, INTELECTUA L, CELESTIAL CELESTIAL

“méto “métodos dos não cient científic íficos” os”,, e quan qu do ssurgiu urgiu medo edo dedas queciências o m un do talvez dançasse de ando acordo com oa m música hum hu m anas anas,, já ssee manifestavam as próx próxim imas as teorias que, como o  b  bal alaa n ç o de u m p ê n d u lo lo,, a p o n ta tavv a m p a r a a di dire reçã çãoo op opos osta ta.. Elaas eram m uito mais su El suav avees, m uito men menos os fixa fixadas das em em m éto dos científi científicos, cos, teorias es essa sass que prov pr ovinh inham am principalm princ ipalmente ente da França e, por isso, eram chamadas de “French Theory” (no singular, insinuando um excesso de homogeneidade): Michel Foucault surpreendeu e acalmou seus leitores com a mensa gem de que o poder pode r (e m uitas ou outras tras cois coisas as)) consistia em nada mais do que configurações “discursivas”; o “desconstrutivism o” de JJac acque quess De Derrida rrida (e Paul de Man) declarou tabu qual quer disti distinção nção terminológica m marcante arcante e todos os argumentos argumen tos claramente articulados, o que evidentemente encorajou seus discípulos a se comportarem como os iniciados de uma nova loja maçónica, embora nem sempre existisse clareza sobre

o porquê da necessidade de evitar distinções e demarcações; a isso se juntou, importado da França apenas em doses ho meopáticas, o neo-historicismo em sua relaxada alegria pela descoberta de que a historiografia nada mais era do que um gênero literário. Antes mesmo de os ideólogos mais reniten tes terem a possibilidade de perguntar se Foucault, Derrida e o neo-historicismo não teriam traído as teorias e os valores da esquerd esquerdaa cl cláss ássic ica, a, o cientificismo cientificismo e a pro progra gram m ática po política lítica voltaram a dominar o clima: “ Cultural Studies” podia até ser uma mistura de ciências humanas que abrangia tudo e todos, mas o movimento prometia exatidão empírica e empenho na luta pelo reconhecimento de qualquer tipo de identidade. Peloo men Pel menos os em ter term m os acadêm acadêmicos, icos, is isso so não era e ra aalg lgoo com que se brincasse, e nos “Cultural Studies” da Alemanha convergiu a convicção fundamentalista de que o futuro intelectual se encontrava em um foco voltado para as “mídias”, reunindo as perspectivas tanto de engenheiros como de consumidores

 

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críticos. Essa verdadeira enxurrada de paradigmas aconteceu na década de 1980 — e desde então o balanço do pêndulo entre teorias “duras” e “brandas” estagnou, a produção serial de “parad “paradigm igm as” estancou. estanco u. Hoje, muitos mu itos livros notáveis (ta (talve lvezz em número maior do que nunca) são publicados pelas ciên cias humanas, os jovens colegas parecem cada vez mais bem formados, e os estudantes, cada vez mais diligentes. Projetos de pesquisa pesqu isa são incessan incessantemen temente te ““criados criados”” para pa ra el eles es,, e pequ pe qu e nas cidades como Marbach am Neckar arquivam os legados de autores mortos e até mesmo de autores vivos para o pas sado do futuro. Tudo segue sua ordem extraordinariamente ordinária, mas ninguém saberia determinar com certeza o efeit efe itoo dessa novid novidade ade excitante. excitante. Aquilo que qu e caíra sobre as ve lhas gerações como avalanche de paradigmas e as despertara

em rítmicas rea reações ções em cadeia agora se en encon con tra pacificamen pacificamen  te reunido nas bibliotecas e em casa, nas estantes, nas obras “teóricas”, tão distante um do outro como, aparentemente, também da vi vida da.. *

X-

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O fato de as ciênci ciências as hum anas ana s e o socialismo socialismo de Estado terem entrado em um estado de estagnação ao mesmo tempo se apresenta, à primeira vista, como um acaso grotesco. Mas é  poss  po ssíve ívell im a g in inaa r u m a font fo ntee de ener en ergi giaa c o m u m qu quee os al ali i mentou durante décadas e que agora secou. Essa fonte de energia pode po de ter sido o “historicism “historicismo” o”,, aquela “con “construç strução ão so cial do tempo”, aquele “cronótopo” que surgiu no início do século XIX e que fez tanto sucesso como condição geral in telectual do comportamento e da ação, ao ponto de ser con fundido com “tempo” e “história”, até que alguns historiado res com ambições filosóficas, Michel Foucault e, em especial, Reinhart Koselleck, começaram a historicizá-lo. Por volta de 90

 

ESTAGNAÇÃO: TEMPORAL, INTELECTUAL, CELESTIAL

1800 (ou, em uma visão um pouco mais flexível, no início daqueles anos entre 1780 e 1830, que Koselleck chamou de Satte ttelz lzei eit” t”,'   “tempo de sela”), a prática de observar-se a si “ Sa mesmo durante a oobser bservaçã vaçãoo do m und o2to rnou-se parte ha   bit  b ituu a l da vida vi da e ru d ita it a e iint ntel elec ectu tual al.. E nte nt e nd ndem em os os,, assi assim, m, co com mo foi possível que surgisse a impressão de uma riqueza poten cialmente infinita de “r “representações” epresentações” ou “interpretações” para cada objeto do mundo que dependiam do ponto de vista dos múlti mú ltiplos plos obser observadore vadores. s. Es Esse se perspecti perspectivismo vismo transform ou-se em um “horror vacu vacuxx  epistemológico, ou se seja ja,, no m medo edo de que os objetos do mundo estáveis e idênticos a si mesmos talvez não existissem diante dessa multiplicidade irreprimível de re  pres  pr esen enta taçõ ções es e inte in terp rpre reta taçç õe ões. s. A so soluç lução ão,, o u m el elho hor, r, u m a das

soluções para esse problema, suficientemente poderosa para fazerr com que o problem a fo faze foss ssee com pletam ente esquecido, foi foi a substit substituição uição do princípio da perc percepção epção do mu mund ndoo como um espelho espel ho (um (umaa e só uma rep representação/interpretação resentação/interpretação ppara ara cada objeto do mundo) por princípios narrativos da percepção do mundo — como a filosofia da história (também e princi  p  paa lm e n te em su suas as va varia riaçõ ções es po popu pula lare res) s) o u o ev evol oluc ucio ioni nism smoo darwinista. Como essa conversão foi capaz de solucionar o  proo b le  pr lem m a ? D is iscc u rs rsos os n a rr rraa tiv ti v o s p e rm it itee m a in inte tegg raç ra ç ã o de uma multiplicidade de representações de objetos idênticos, eles são capazes de organizá-las em sequências e de apresentá-las como transformação, como efeito inevitável do tempo. Por isso, por exemplo, desde o fim do “ Sa Satte ttelz lzei eit” t”, quando al guém perguntava pela Prússia, tornou-se necessário contar a 1. Ver nota 18, à p. 38. 2. Descrevo esse processo em maior detalhe no segundo capítulo do meu livro Product Production ion o f Pr Pres esen ence ce.. W hat M eaning Ca nnot Con Convey vey,,  Stanford, 2004, p. 21-50, em especial p. 38 ss [ed. brasileira, Produ Produção ção de pr presença esença::  o que o sentido não consegue transmitir.   Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2010]. 91

 

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histó ria da Prússi história Prússia; a; po r isso isso especulações especulações evolucionistas evolucionistas rapi rap i damente se transformaram na melhor resposta à pergunta  pela  pe la essên es sência cia do ser h u m a n o . Esse Es se m odo od o de vivencia vivenciarr e querer quere r vivenciar vivenciar o mun m undo do e seu seuss objetos como movimento, como história dentro de histórias, serviu como fonte de energia que, no início do século XIX, reforçou a ““curiosidade curiosidade teórica” teórica”,, despertada despe rtada já desde o Renas cimento, com um a inimaginável dinâm dinâmica ica política, política, econômica e cult cultural, ural, e a levou a um estado de d e êxtase êxtase de inovação. Michel “histor orisa isatio tionn des êtr êtres” es”. Dessa nova in Foucault o chamo cha mouu de “hist teração logo nasceu um novo topos  do passado, aquela ima gem da história que chamamos de “historicismo” e em cujo

centro se encontra uma autorreferência mais complexa do ser humano como ser intelectual e como princípio do movimen to to.. Agor Agora, a, a humanidad hum anidadee era e ra vis vista ta como integrada no tempo, como Koselleck expressou de forma concisa, deixando cons tantem tante m ente para pa ra trás os se seus us passados passados como “espaços “espaços de expe riência” e avançando para sempre novos futuros que consis tiam em “horizontes de possibilidades”. Entre esses futuros e aqueles passados, o presente se manifestava apenas como “mero momento de transição”, e o presente assim vivenciado se transformou no habitat   do sujeito cartesiano centrado  p  puu r a m e n te em suas su as fu funç nçõe õess de co cons nsci ciên ênci cia. a. Seu Se u p a p e l er eraa adapta ad aptarr as exper experiências iências do passado às diferent diferentes es condições do  p  pre ress e n te e do f u tu turr o e esco es colh lher er se sem m pr pree novo no voss p r o je jeto toss das da s  po  poss ibilid es oferec ofe recida s pelo pe futu turo roeiros p a ra tr traa n sfo sf o r m ado r ofim m udo n do.ssibi Essa Ess alidad éades a operação operaç ãoidas que jáloosfu prim eiro s sociólogos século XIX descreveram como “agir” e que até hoje alguns fi lósofos entendem como essência da existência humana. Tanto o socialismo como o capitalismo estipularam em seus se us tempos de gl glóri óriaa o histori historicismo cismo como com o cronótop cro nótopoo do p ro  gresso e, portanto, como premissa e recurso de motivação. Hoje, é claro, existem motivos para a suspeita de que o cronó92

 

ESTAGNAÇÃO: TEMPORAL, INTELECTUAL, CELESTIAL

topo do progresso já teria implod implod ido hháá décadas décadas,, mesmo que continuemos a usá-lo nos discursos de nosso autoentendimento. men to. No início da década de 19 1980 80,, naquele tem tempo, po, porta portanto, nto, em que um u m sentime sentimento nto de esta estagnação gnação começo começouu a ssee apoderar dos cidadãos soviéticos e em que as ciências humanas ainda surfavam surfav am nnaa últim últimaa on da de sua euforia inovadora, e em que Jean-François Lyotard, por meio de seu manifesto  La Cond Co ndiition postmoderne, de 19 1981 81,, dirigiu a atenção crítica de inúm e ros intelectuais para os “grands récits” como discursos totali zantes, implodiu uma premissa fundamental que se baseava

no historicismo como prenúncio que, após 1800, se transfor mara na solução do problema da perspectiva e iniciara sua conquista triunfal como princípio energético da epistemolo gía e do cotidiano. Implodiu a premissa segundo a qual exis tiria apenas uma representação narrativa para cada objeto do m undo . De repente, ffico icouu evide evidente nte que uum m potencial infi nito de histórias possíveis sobre a Prússia, como também um  p  poo te tenn c ia iall in infi finn ito it o de h istó is tórr ias ia s so sobb re o de dese senn vo volv lvim imee nto nt o do  Hom  Ho m o sapiens, po  poderi deriaa ser at ativado. ivado. Crei Creioo que, com a iimplosão mplosão da premissa premissa do hist histori oricis cismo, mo, tam bém acont aconteceu eceu uma transi ção do topos historicista do movimento humano através dos tempos para um — por ve veze zess angusti angustiante ante — topos de paralisia temporal e de simultaneidade. Pois, no início do século XXI, o futuro de form a alguma ssee apresenta como horizo nte de pos sibilidades aberto à ação humana. Agora, o futuro caiu sobre nós — quem conhece a Idade Média sabe dessas estruturas  — sob a fo form rm a de ce cená nári rios os a m ea eaça çado dore ress e im impre previs visíve íveis is em seus detalhes. Basta pensar em global warming, na catástrofe nuclear ou nas possíveis consequências de um desequilíbrio demográfico cada vez mais acentuado. Enquanto esses cená rios ainda não se tornam realidade, tentamos, no máximo, ganhar algum tempo, mas praticamente já deixamos de acre ditar nas possibilidades de evit evitá-los á-los de um a vez po r todas. Ao 93

 

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mesm o tem po, a fronteira entre passado passado e presente presente parece tter er ficado fic ado mais porosa. Intelectuais alemães alemães em pa particu rticular lar gostam de celebrar essa alteração como mudança para algo difusa m ente m elhor, para um a ““cultu cultura ra da m em emória” ória”,, mas as conse conse  quênciass problemát quência problemáticas icas para um presente presente inun dad dadoo pel pelos os pas pas  sados ainda não podem ser previstas. Talvez realmente não seja necessário, como disse Nildas Luhman certa vez, elevar cada chaminé de fábrica em Ostwestfalen ao status d  dee mon u mento nacional que precisa ser conservado a qualquer custo.

Entre aqueles futuros ameaçadores e um presente que não mais deixamos para trás, o “breve presente do qual mal nos apercebem aperc ebemos” os”,, descrito ppoo r Charles Baudelaire em Pein Peintre tre de la   se trans transform form ou em um presente presente de simultaneida vie moderne, se des cada vez mais amplo.3Neste presente, não podemos mais esquecer nada de forma definitiva, e, em razão da nossa ten dência de virar as costas para o futuro, por razões plausíveis mais do que boas, tam também bém não sabe sabemos mos mais para onde deve deve  moss seg mo segui uir. r. Es Este te presente cad cadaa ve vezz mais ab abrangen rangente, te, em que o acúm ulo de experi experiência ência cchega hega até mesm mesmoo a ser um fardo, fardo, ttam am   bé  b é m já n ã o p o d e m ais ser se r o habitat  histórico do sujeito carte siano, o habitat  da  da nossa autorrefer autorreferência ência tradicional-moderna, tradicional-mod erna, fato que talvez explique o motivo da crescente intensidade com que, desde o fim do século XX, discutimos novas concep ções çõ es de autorrefe autorreferência rência (como a “reaprop “reapropriação riação do ccorp orpo” o”,, ou o “reencantam ento racional do m un do ”).4O novo presente éé,, sobretud o, uum sobretudo, m presente cujo futu futuro ro es espec pecíf ífico ico conver converte te a cr cren en ça no prog progresso resso e em sseus eus proje projetos tos ambiciosos em uum m a dispo 3. Ver a descrição detalhada dessa situação em meu ensaio “Die Gegenwartwirdimmerbreiter”, M er k u r  629/630  629/630 (2001), (20 01), p. 769-784. 4. “RationalReenchantment” é o título programático — em oposição a Max Weber — de uma coleção de ensaios organizada por Joshua World:: sec secula ularr magi magicc  Landyy e Michael Land Mich ael Sall Saller. er. The Re -Enc han tmen t oft he World in a ratio nal ag age. e. S  Stanford: tanford: Stan Stanford ford University Press, Press, 200 2009. 9. 94

 

ESTAGNAÇÃO: TEMPORAL, INTELECTUAL, CELESTIAL

sição subdepressiva de estagnação. A impress impressão ão ddaa emergência desse novo cronótopo pode até ser contestada por estatísticas “objetivas” sobre cotas de renovação que conseguem manter ou até elev elevar ar seu nníve ível, l, mas a qu questão estão aaqui qui na nada da te tem m a ver com núm eros ou valo valores res empíri empíricos. cos. Tr Trataata-se se do tem po como ““for for ma de experiência”, como definiu Edmund Husserl, de uma construção social do tempo. Ela determina como estabelece mos um u m a relaç relação ão entre as transformaçõ transformações es que percebemos no

nosso ento e ntorno rno e nós me mesmo smoss e nossas aç ações ões.. Nã Nãoo indagarei ooss “motivos” dessa — postulada — mudança do cronótopo, as sim como tam também bém não indaguei os “motivos” da emergênci emergênciaa do historicismo no início do século XIX e de suas condições epistemológicas. Pois os contextos aos quais essas perguntas nos remetem são complexos demais para — sem recurso a  pesq  pe squi uisa sass exte e xtensa nsass e ddet etal alha hada dass — p e rm itir it iree m algo m elh el h or do que respostas tautológi tautológicas. cas. X- X- X-

Qu anto à impr Quanto impressão essão de que as cciên iência ciass hum anas teriam chega do ao fim fim de um período de constantes mudanças de paradig mas, existe um desenvolvimento, que pôde ser observado há  pouu c o te  po tem m p o, qu quee po d e ria ri a co conv nver ergi girr nnaa im impl plos osão ão do c ro n ó to   po h is istó tóri ricc o e de sua suass co cons nseq equê uênc ncia ias. s. As ciê ciênc ncia iass hu hum m a na nass , como estrutura es trutura acadêmica e institucional, ssóó exi existem stem há pouco mais compõem de um séc século ulo, enqu an anto tohumanas, suas dis discipli ciplinas nas individuai individuais, s, que hoje as , ciências remetem ao tempo do romantismo — mas dentro das ciências humanas sobrevive ram uma motivação e uma autocompreensão que já existiam entre os filólogos da biblioteca da Alexandria helenística. É a motivação dupla da conservação dos documentos (em sua maioria textuais) contra a erosão material e contra o esqueci mento, e é o ato de colecionar voltado contra a dispersão dos 95

 

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docum entos espal espalhados hados pelo pelo m un undo do sob o teto teto de urna biblio biblio teca ou no arquivo de urna disciplina. disciplina. A lógica lógica da tecnologia de comunicação comun icação eletrônica torn tornaa obsol obsoletas etas eess ssas as duas funções por p or meio de uma visão do futuro em que todos os documentos textuais e não textuais que estão à disposição da humanidade  po  p o d e m ser co cons nsul ulta tado doss no m o n ito it o r de ca cada da laptop.5 Se essa si tuação se tornar realidade — e uma resistência real agora só

 po  p o d erá er á vi virr do lado lad o ju jurí rídd ic icoo — , ela p ra rati tica cam m ente en te n ão afet af etar aráá a energia inovadora nas ciências humanas (mesmo que assuma umaa das tarefas um tarefas até então cen centrais trais às às ciênci ciências as hum anas ana s e com isso também diminua seu potencial de legitimação), mas a tomada das funções de conservação e coleção pela tecnologia eletrônica acentuará um problema que já fora prenunciado com a implosão do historicismo. Isso se deve à dificuldade de selecionar objetos para a nossa atenção concentrada sob con diçõess de complexidade acentuadas e se diçõe sem m a orientação obtida  po  p o r m eio ei o de pr previ evisõ sões es sobr so bree o fu futu turo ro.. Desd De sdee os te tem m p o s da a n  tiga retórica e até pouco tempo atrás, a copia, a posse de um amplo cabedal de conhecimento, fazia parte das virtudes do grande orador. Hoje, o computador é aquele dispositivo que  per  p erm m ite it e ccon onsu sulta ltarr uum m co conn heci he cim m en ento to de aam m p lit litud udee e p r o fu funn d i dade antes inimagin inimaginávei áveiss — mas que tam bém nos leva leva a per guntar para que todo esse conhecimento pode servir. *

X- *

Assim, cria-se um novo tipo de intelectual que, graças ao seu dom ínio com comprovado provado das tec tecnolog nologias ias elet eletrônica rônicass — mas tam   bém  bé m graç graças as às pa pacie ciente ntess le leitu itura rass dos d os clássicos — , acre ac redi dita ta saber sab er onde encontrar resposta a qualquer pergunta. Ele parece ser a 5. Ver Ver meu me u com c om entário “BibliothekohneBuch” “Bibliothekoh neBuch”,, em FrankfurterAllgemeine-   Z  Zee it ituu n g , 19 mar. 2008. 96

 

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tardia realização daquele erudito pelo qual o general Stumm von Bordwehr, personagem tão querido dos leitores de O ho mem sem qualidades,  de Robert Musil, procurava em vão na “biblioteca imperial de fama mundial” em Viena. O general  pe  p e d iu ao bi bibl blio iote tecá cári rioo u m a “com “co m pi pila laçã çãoo de tod to d o s os gran gr ande dess  pe  p e n sa sam m e n tos to s d a h u m a n id a d e ”, m as o bibl bi blio iote tecá cári rioo n ã o p ô d e

satisfazer satis fazer o pedido ped ido do general, general, porque porq ue se via como bibliógrafo bibliógrafo  pur  p uro: o: “Se “S e nho nh o r gen g ener eral, al, o s e n h o r desej de sejaa sab s aber er p o r que qu e co conh nheç eçoo cadaa livr cad livro? o? Isso é fá fáci cil: l: porque porq ue n ão leio nen n en hu m !” Assim como o bibliotecário, os nossos computadores também conhecem todos os liv livro ros, s, mas superam supe ram o bibliotecáriobibliotecário-bibliógraf bibliógrafoo p or or  que — é com o se eles eles tivessem tivessem “lido” “lido” os os livros livros — “lembram “lemb ram ” o conteúdo deles e os colocam à disposição do usuário compe tente de forma ordenada e selecionados de acordo com sua  pe  p e rg u n ta específica espe cífica.. Essa pos p ossib sibili ilida dade de talvez talve z ex expli pliqu quee po p o r que q ue,, em coloquios de ciências humanas de hoje, os participantes mais jovens jovens conseguem impressionar imp ressionar seus seus antecessores antecessores com a  pro  p rofu fu n d ida id a d e de seu se u co n h e cim ci m e n to especí esp ecífic ficoo p a ra o p ro robb le le  m a em questão e, muitas mu itas vez vezes es,, com descobertas surpree surp reend nden en tes de textos desconhecidos. Mas a disposição para fazer uma síntese sín tese,, a coragem de m ud ar a visão visão das coisas coisas com u m a tese tese e até mesmo o prazer encontrado na especulação diminuíram significativamente. Síntese, tese e especulação caíram em des graça gra ça no m un do acadêmico, acadêmico, mesmo mesm o nos casos casos em que aque aquele less que ainda ain da as prezam têm plena consciência consciên cia de seu est estilo ilo e seu seu status de caráter não com pulsório e não empírico empírico.. Os discípu los los das maiores autoridades da atualidade a tualidade ainda lhes perdoa perdoam m esse esse tipo de exce excesso sso — mas ma s não nã o vão além disso. disso. Na época em em que aqueles que hoje estão prestes a se aposentar iniciaram suas carreiras, ou seja, nos grandes tempos do estruturalismo, da linguística linguística e de de Noam N oam Chomsky, Chomsky, ouvia-se ouvia-se frequentem ente a promessa — que muitas vezes soava como uma ameaça — de que em breve seria escrita uma “gramática” para este ou 97

 

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aquele fenômeno cultural. Essas “gramáticas” deviam repre sentar o ponto de convergência entre a contemplação da es sência ( Wesensschau) e a inovação. Nada é mais alheio aos  joven  jov enss eru er u d ito it o s do que qu e ju just stam am en te esse tip tipoo de am ambb iç ição ão in inte te  lectual — e isso não é necessariamente um sintoma de deca

dência acadêmi acadêmica. ca. *

*

*

Anteriormente, especulamos que, com o surgimento do cronótopo do presente amplo, o sujeito cartesiano clássico teria  per  p erdd ido id o seu es espaç paçoo hi hist stór óric icoo específi esp ecífico co de dese de senv nvol olvi vime mento nto.. O sintoma s intoma ao qual nos referimos princip principalmen almente te com essa te tese se eram os hoje tão frequentes esforços filosóficos e pseudofilosófico sóf icoss de reintegrar re integrar elementos como com o ccorpo, orpo, espaç espaço, o, presença e sensualidade ao termo term o trad tradicion icional al do sujeit sujeito. o. Antes do início início da modernidade, o corpo fazia parte da autorreferência desse sujeito, e agora ago ra voltou volto u a ser parte pa rte dela. Mas a capacidade capac idade desse desse sujeito sujei to de imaginar imagina r o futuro futu ro de acordo aco rdo com os cenários altera altera dos por seu comportamento estaria bloqueada ou, no míni mo,, significativamente redu mo reduzida. zida. Par Paraa ele ele,, a dimens dim ensão ão ddaa ação, ação, ou seja, seja, a dimensão da transform ação perm p ermane anente nte e, e, portanto, porta nto, da constante constante renova renovação ção do mun m un do passou a assumir um papel papel menos men os central do que aquel aquelee que costumam os ver na m oder nidade e que ainda pressupomo pressup omoss sem qquestionamento. uestionamento. Ag Agor oraa (dando continuidade à nossa especulação) outra tendência, que pode po de pa parecer recer ar arcaica caica aos nossos nosso s olhos, deveria assumir assu mir um  pape  pa pell m ais p red re d o m in inan ante te,, tten endd ê n c ia essa qu quee te tenn ta e n c o n tra tr a r no mundo espacial e temporal — em recorrentes ciclos do conhecido — o lugar “certo” para o corpo e o espírito espírito hu hum m a nos, que tenta inscrever-se com corpo e espírito no mundo espaço-temporal.6I espaço-temp oral.6Iss ssoo seria seria uma um a form formaa daquele “ser “ser no m un  6. Ver Production ofPresence, p. 80-86. 98

 

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do” cuja anál análise ise ssee enco encontra ntra nnoo centro de Ser e tempo, de Heidegger. Chamamos de “rituais” aquelas instituições que pos sibilitam esse tipo de inscrição, e essa definição nos leva a

 pe  p e rg rguu n tar ta r se a m muu d an ança ça do status e das formas de produção prod ução de conhecimento conhecim ento no novo pre presente sente não acarretaria também um a mudança na função da cultura, sua transformação em esfera de rituais. Essaà mudança função de colocaria a cultura em forte oposição insinuaçãodeclássica que a arte seria um agente permanente de irritação, provocação e transformação  par  p araa a soc socied iedade ade,, pre preci cisa sam m en ente te em v ir irtu tudd e da sua “au “auto tonn o m ia ia”” e da sua distância distâ ncia em e m relação ao dia a dia socia social. l. ** * Justamente na cidade do general Stumm von Bordwehr, o americano recentemente teve uma conversa com um filósofo que o lembrou da ideia de cultura como esfera de rituais. Os doiss ssee encon doi encontraram traram ppara ara o jantar no terraço de um restau restauran ran te localizado no “Museumsquartier”, em Viena. O Museumsquartier se enco encontra ntra próx próximo imo ao palá palácio cio imperia imperial, l, o Hofburg, quase no centro da cidade, e sua extensão é comparável à ex tensão do Hofburg. O Museumsquartier é cercado de museus, teatros, salas de concerto e institutos dedicados a interesses artísticos artísti cos e ààss sua suass reprod reproduções uções na form a de discipl disciplinas inas acadê micas. mica s. Em uum m a típica noite de início de verã verão, o, llá, á, entre todos aqueles prédios ambiciosos (e, em alguns casos, realmente muito bonitos), havia um grande movimento de centenas, talvez milhares de jovens, mas também casais aposentados à  pro  p ro c u r a da su suaa jjuv uven entu tudd e, e tam ta m b é m , é cclaro laro,, prof pr ofis issio siona nais is n a flor da idade idade buscand buscandoo algum divertimen divertimento. to. Esta Estavam vam sentados em bancos de mármore, conversavam amigavelmente, alguns discutiam, outros esperavam na fila para comprar ingressos e alguns estavam simplesmente comendo uma porção de bata tas fritas ou um sanduíche que haviam trazido de casa. Certa 99

 

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men te, nes mente, nesse se dia qualquer, o rico governo austríaco au stríaco teria todos os motivos para estar satisfeito consigo mesmo e concluir, com Goe Goethe, the, que ali ali ssee en enco contra ntrava va ““oo verdadeiro céu do povo povo””,

 po  p o rq rquu e ali, no M u seum se um sq squa uart rtie ier, r, tod t odoo s, ooss ggra rand ndes es e os ppee q u e  nos, podiam desenvolver e vivenciar a sua existência humana (“ (“Aqui Aqui é o verdad verdadeiro eiro céu do povo / Conten Contentes, tes, todos, grandes e pequenos, pequen os, jubi jubilam: lam: / Aqui ssou ou hhum um ano ano,, aqui posso p osso sêsê-lo”) lo”).. Apenas o filósofo vienense parecia insatisfeito e até carran cudo. Conto Co ntouu que a prolonga prolongada da visi visita ta que recentemente fiz fizer eraa a Nova Yo York rk o decepcionara profund profundam amente. ente. Não enco ntrara nada valioso em termos de cultura, a ópera era convencio nal, as encenações de dramas eram comerciais e as apresen tações das orquestras, desleixadas. Assim, retornara com a certez cer tezaa — até edi edific ficante ante para seu sen sentimento timento patriótico — de que Viena Viena era a capit capital al mu ndial da cultura. Aqu Aqui, i, no meio do Museumsquartier, diante do seu goulash,  o americano não sentiaa nnenh senti enh um a inclin inclinação ação de corrigi corrigi-lo, -lo, ddee pa partir rtir ppara ara a defe sa da sua pátria pátria,, mas tam bé bém m não est estava ava disposto a conco concordar rdar  pro  p ro n tam ta m e n te de m an anee ira ir a au auto tocr críti ítica ca.. “C “Cap apita itall m u n d ial ia l ddaa cu c u l tu ra me parece um u m pouc poucoo exagerado” exagerado”,, co com m ento u el elee amigavel mente, “mas capital mundial da cultura de eventos, isto, sim, seria ser ia um umaa fórm ula ad adequ equadam adam ente apreciat apreciativa iva par paraa a Viena ddoo  pres  pr esen ente. te.”” Fo Foii ap apen enas as q u a n d o o u v iu sua su a p r ó p ria ri a fra frase se qu quee ele entendeu até que ponto o Museumsquartier realmente era o local de eventos culturais extáticos — é claro que a expressão “eventos culturais extáticos” soa um pouco como um oximoro, já que os “eventos” do presente tendem a evitar o súbito arrebatamento característico do êxtase. A figura central da cultura do evento, continuou ele a associar, é logicamente o curador, e finalmente o ame americano ricano veio veio a entender ppor or que a expressão “fazer curadoria”, durante os últimos anos, havia feito uma carreira tão incomparavelmente rápida dentro da seção de cultura dos jornais alemães. Pois o curador é a con 100

 

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cretização, talvez a concretização mais perfeita, do novo inte

lectual, el elee é um agente artí artístico stico que sabe ond ondee encon en contrar trar cer tos conhecimentos e, em seu caso específico, onde encontrar objetoss cu objeto culturai lturaiss específico específicos. s. A iisso sso ssee ju junn ta sua s ua capacidade de encenar no espaço conhecimento e objetos de tal forma que o  pú  p ú blic bl icoo das expo ex posiç siçõe õess cu cura rate tela lada dass co cons nsig igaa e n c o n tr traa r o seu  pró  p ró p ri rioo lu lugg ar — em seu se sent ntid idoo esp espacia acial,l, li liter teral al — d e n tr troo da cultura, movimentando-se com atenção e, às vezes, até devo ção entre os objetos expostos. O curador não se interessa pela inovação, essa dinâmica o deixa nervoso, mas pela qualidade da experiência a ser redescoberta por meio dos objetos acu mulados durante os séculos. As programações dos teatros e das casas de ópera de Viena e das outras capitais culturais do Ocidente adaptaram-se a essa função há muito tempo. O nú mero de peças, óperas e composições novas que vêm a ser apresentadas é reduzido ao m ínimo ínimo,, mas ainda conse consegue gue reba ter a acusação acusação de que os os artis artistas tas contem porâneos porân eos não estariam recebendo o apoio que lhes é devido de acordo com a noção social-democrática de justiç justiça. a. No centro da cultura c ultura de eventos eventos,,  po  p o ré rém m , e n c o n tra tr a m - se apre ap rese senn ta taçõ ções es cada ca da vez m ai aiss a p er erfe fei i çoadas dos clássicos, interessadas apenas em uma admirável  perf  pe rfei eiçã çãoo e nas na s p e rm an anen ente tess varia va riaçõ ções es de er eruu d it itas as nuan nu ança ças, s, mas não em ideias provocativas ou iconoclastas, alimentadas ainda pelo “Regie-Theater” de um passado recente. A última rosas as s “produção” do Cavaleiro áas ros  sóó pode se serr verdadeiramen verdadeiramen  te estimada por aquele que também teve tempo de assistir à série de encenações anteriores. As nuanças de um mundo no qual o mesmo pode se repetir — esta é a fórmula do evento seri se rial al que determina a nnossa ossa cultura cultura.. Com a fórmula do re retor tor no nuan nuançado çado tamb também ém se desfa desfazem zem as hierarquias tradicionais tradicionais de qualidade e pretensão. As melodias celestiais do rei da valsa, Johann Strauss, e o mundo de champanhe da opereta, além das óperas de Richard Strauss, até então negligenciadas pelo 101

 

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repertório, estão prontos a ser redescobertos. Diante desse tipo  fann zon zo n e  d de nivelamento democrático, d emocrático, o fato de que o fa  doo Cam   p  pee o n a to E u rop ro p e u de Fu Fute tebo boll de 2008 foi co conn st stru ruíd ídoo en entr tree o Hofburg e o Museum squartier apres apresentaenta-se se como uum m a ale alego go ria nada surpreendente. A pessoa que criticar esse tipo de es truturas, seja po seja porcompletamente r hábito adornian adorniano o ou até ou mesmo paixã paixãoo po p o lítica, revela-se antiquada descaradamente eliti eli tista sta,, o que, no m un undo do da Un União ião Eu Europeia, ropeia, ttalv alvez ez seja seja m uito  pior.  pio r. Pois a ar arte te ja jam m ai ais, s, co com m o n o in iníci ícioo do séc século ulo XX XXI, I, teve tantos adm iradores verdadeiramente sinc sincero eross que não perten  cem à burguesia intelectual ou até mesm o à “aristocracia cul tural”. Hoje, a formação é um processo vitalício de educação que nunca é tarde demais para iniciar, e dá-se muito mais importância aos discursos e exercícios propedêuticos do que àquela antiga formação cuja interiorização, de certa forma osmótica, fazia parte da educação no lar. Isso lembra uma  piad  pi adaa do ex ex-c -cha hanc ncele elerr H e lm u t S Sch chm m id idt,t, qu quee sug sugere ere u m a te tem m  p  poo rali ra lida dadd e se segu gund ndoo a qu qual al o fim da form fo rmaç ação ão e o in iníci ícioo da aposentadoria se encontram em curso de convergência, mas lembra também a temporalidade infiltrada pelo éthos do des Lebensabb-  compromisso que encontramos no termo alemão  Lebensa schnittspartner.7 Mas, M as, independentemente de quão maliciosos sejam os comentários pelos quais nós, os intelectuais de on tem, lutamos — a nova realidade realidade dom inante, ou seja ja,, a educa ção artística artística da cu cultura ltura dos eventos ex exced cedee em m uito até mes m o os son sonhos hos mais ousad ousados os dos idealistas aalemães lemães de 18 1800 00 — , isso faz com que muitos, se não todos, os preconceitos e contra-argumentos se tornem obtusos. Talvez o processo da edu cação artística permanente, da formação em direção a uma cultura cultu ra de event eventos, os, eestej stejaa pre prestes stes a suspend suspender er a “auton om ia da 7. “Com “Co m pa panh nheiro eiro de um u m a fase fase da vida” vida ”, em oposição o posição a “parceiro vitalício”, vitalício”, isto é, marido ou esposa. [N.T.] 102

 

ESTAGNAÇÃO: ESTAGNAÇ ÃO: TEMPO RAL, INTELECTU AL, CELESTIAL CELESTIAL

arte”, identificada pelos idealistas e cada vez mais lamentada desde o século XIX, o que — entre aspas irônicas — corres  po  p o n d e ria ri a à re reali alizaç zação ão de u m a u top to p ia cen ce n tral tr al das vang va nguar uarda das. s.  Não  N ão af afir irm m o qu quee a “au “auto to n o m ia d a ar arte te””, ti tidd a com co m o lo b r e , m as também lastimada por ser considerada uma limitição, esteja de fato suspensa, porq ue “patrocin porque “patrocinado locais locaisde e multi mpercep ultina na  cionais estejam sesóesforçando ou até,ado porres” motivos ção pública, se obrigando a aumentar sua popularidade por meio de incentivos culturais. Escandalizar-se com isso ou até mesmo ver nisso algo notável soaria como a mais antiquada “crítica cultural”. Minha observação de uma possí/el suspen são da “autonomia da arte” refere-se a um possível desapa recimento da descontinuidade entre os múltiplos modos da experiência estética estética e o co cotidiano tidiano econôm econômico ico e polí polític tico. o. A nti estética mundo  par  pgamente, arte te do dia diarte a a dia, die a,experiência rrep epre rese sent ntav avam am u m aformavam aalt lter erna nati tivv aum — po r vezesà celestial — à narrativa da vida. Hoje, porém, o Irânsito foi expulso dos centros das novas cidades, museus e salas de con certo são construídos de acordo com os planos de arquitetos famosos,, e no espaço criado po r el famosos eles es ooss evento eventoss joriam joria m e inu n  dam o presente am plo. Os prédios p rédios dos governos e as as sedes sedes dos  banc  ba ncos os estão es tão se r e tira ti ra n d o p a ra as p er erif ifer eria iass e não são m ais avaliado aval iadoss de acordo com sua função ou com critério critérioss técnicos técnicos de segurança, mas (como, a recém-maugurada embaixada norte-am ericanapor emexemplo, Berl Berlim) im) de acor acordc dc com o cri tério de uma nova estética da arquitetura urbana. Isso parece ser a realização espacial do fato pouco mencionado de que,  pelo  pe lo m enos en os na Eu Euro ropa pa,, a pa part rtic icip ipaa ção çã o c u ltu lt u ra rall está pr prest estes es a afastar formas de trabalho tradicionais do centro da vida do contribuinte. Talvez a estagnação não seja um preço alto de mais para pa ra u m progresso exist existencial encial e soci social al tão grande. grande.

103

 

GRACIOSIDADE E JOGO: POR QUE NÃO É PRECISO ENTENDER A DANÇA *1

Meu tema será a pergunta se a dança é um jogo. Em outras  palavr  pal avras: as: é possíve poss ívell def d efin inir ir a danç da nçaa com c omoo u m jogo? Até ond o ndee se  po  p o d e cheg ch egar ar com co m a descr de scriç ição ão da danç da nçaa p o r m eio ei o do conc co ncei eito to do jogo? jogo? Ou — e iss issoo seria o outro lado da d a moed m oedaa — existe existe a esperança de diferenciar o conceito de jogo confrontando-o com o fenômeno da dança? Como cheguei a essas perguntas?  Noo início  N iní cio houv ho uvee u m m al al-e -ent nten endi dido do,, pelo p elo qual qu al assum ass umoo tod to d a a responsabilidade. Hoje em dia, os e-mails se  sempre mpre mostram grandes endereços no fim da tela. Quando recebi o primeiro Tanzquartier. queção ooconvite fora enviado  pr  pe-mail r im e ira ir, vi a reaçã rea foi: o as assu sunt nto, o, entã en tão, o,pelo é o fe fenô nôm m eno en o d a Minha danç da nça. a. Mais tarde, quan do entendi entend i que o tem a deveria deveria ser o conceito conceito e as teorias do jogo, continuei me concentrando no tema da “dança”, porque, nesse meio-tempo, tinha reconhecido que existe uma série de assimetrias e tensões interessantes e tão fascinantes fasci nantes entre os conceitos conceitos de jogo e de dança que, no m o  m ento em que percebi percebi que tinha errado no tema, decidi decidi,, mes mo assim, prosseguir com o tema errado.

Gostaria de dar ou três exemplos assimetrias, falhas e tensões entredois os conceitos de jogo edessas de dança. Primei ro exemplo: naturalmente, pode-se — e deve-se — definir a dança como  per  perform formance ance..  Entendo  pe  perfo rform rman ance ce  como movi mento me nto do corpo, percebido percebido da perspect perspectiva iva da cultura de pre  sença,, term o es sença esse se que, mais adiante, adiant e, explicarei em detalhe. Ao contrário de outros tipos e grupos de  per como,  perform formanc ancee — como, * Traduç Tradução ão de Markus Ma rkus Ed Ediger iger.. 1. Esta palestra ffoi oi transc transcrita rita po r Markus M Mittma ittmansgru nsgru ber com a intenção de preservar, preservar, ao m máximo, áximo, a dinâm ica da fala llivr ivre. e. 10 1055

 

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 po  p o r ex exem empl plo, o, os es espp o rtes rt es co colet letivo ivoss — , a d anç an ç a carec car ece, e, pelo menos à primeira vista, do elemento da competição, do ele mento do ágon. N  Não ão há necess necessida idade de de estrutu estruturar rar a dança por meio de regras que possibilitem a competição. Assim, man tém-se um conceito implícito de um jogo em que as regras m udam const constante antemente. mente. Segundo exemplo de uma falha ou assimetria: por um lado, a dança possui uma grande afinidade com o jogo. Mas quand qu andoo a dança é associada associada à graciosidade graciosidade e à graça, graça, torna-se evidente, evident e, tant tantoo eem m relação aaoo jogo jogo qu quan anto to em relação relação à da dança nça,, que estamos tratand o de fenômenos em que a parti participação cipação de intenções subjetivas é apenas vaga ou está completamente ausente. Ess Essee mo mom m ento en to é com um à dança e ao jogo. Por outro lado, as regras são parte constitutiva do jogo, mas não são compatíveiss com a dimensão compatívei dim ensão da graciosidade da dança. Um terceiro exemplo: as regras são a condição para que um jogo possa ser compreendido, ou seja, para que se possa compreen com preender der o obje objetiv tivoo do jogo. S See a dança não pos possuir suir reg regra rass nesse sentido, então precisamos perguntar — e retornarei a essa es sa pergu pe rgunta nta nnoo fim deste artigo — pela postu po stura ra qu quee o espec espec tador deve assumir diante da dança como alguém que a vê mas não pode entendê-la, porque o conceito clássico da com  pree  pr eens nsão ão e, com co m isso, filos fil osof ofic icam amen ente te fa fala land ndo, o, a tra tr a d iç içãã o da herm he rmenê enêutica utica nnão ão funcion fu ncionam am nesse cas caso. o. Exis Existe te motivo mo tivo para pa ra a esperança de que a análise desse tipo de tensões e assimetrias talvez tal vez não nos n os leve a novos, brilhan brilh antes tes e incontestáveis concei tos de “dança” e “jogo”, mas que o acercamento do fenômeno da “dança” através do conceito de “jogo” e o acercamento do conceito de “jogo” através do fenômeno da “dança” nos aju dem a ver tanto o fenômeno da “dança” como o conceito de “jogo” em u m a com complexidade plexidade maior. Acredito Acredito que é nisso que consiste a busca das ciências humanas, e talvez de todas as 106

 

GRACIOSIDADE E JOGO

ciências: tornar o mundo mais complexo e, às vezes, também mais complicado. Essa complexidade provavelmente também nos ajudará em nossa reflexão sobre a postura que devemos assumir diante da dança. Dividirei minhas reflexões em quatro partes: gostaria de começa r com duas descrições, começar descrições, tend tendenc encialm ialmente ente conve convergent rgentes, es, do fenômeno da “dança”, “canonizadas” de modo completa mente men te diferente. diferente. Cito, primeiro, prime iro, o crítico crítico de dança nnor orte-a te-am m e ricano Edwin Denby D enby e, depois, Heinrich von v on Kl Klei eist st,, mais espe cificamente o seu ensaio Sobr Sobree o teatro de marionetas. A segunda parte pa rte desta apresentação apresen tação é aquilo que, no inglês inglês conceptual tual tool kit”. Gosta norte-americano, chamaríamos d e “concep ria de oferecer-lhes uma série de termos que talvez ajudem a conferir uma complexidade maior ao conceito de “jogo” e ao fenômeno da “dança”. Primeiro, o termo do próprio “jogo”, depois o term ter m o “ritm o”, o”, o ter term m o “música” e, em quar q uarto to lugar, lugar, a distinção entre cultura de sentido e cultura de presença. Em quin to lugar, lugar, volto minha min ha atenção ppara ara o term te rmoo “graciosi “graciosidade” dade” segundo um viés heideggeriano e, por último, para o termo voz.  Naa te  N terc rcee ir iraa p a rt rtee , tr traa n s ic icio io n a l e d e im p o rt rtââ n c ia c e n tr traa l cc

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 pa  pentre a ra m h a a pres pr esen taçã ção, o, er eotofenômeno r n o ao m da o tiv ti v“dança” o da assi as asim m e tr tria ia o in conceito deenta “jogo” fim de integrar a assimetria de ambos em um paradoxismo de mais fácil fá cil manejo. manejo . Por fim, partindo dos conceitos de “graciosidade” e de “energia da dança”, gostaria de levantar a pergunta sobre a  po  p o s tu r a a ser se r a ssu ss u m ida id a pelo pe lo púb pú b lic li c o d ian ia n te d a danç da nçaa , cas casoo realmente não seja possível compreender a dança. (Creio que devoo pedir perdão por dev po r não estar usando u m a apresentação apresentação de PowerPoint, mas, quando tento usar o PowerPoint, tudo dá errado. Além disso — e agora estou citando a minha família

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 — , pa pala lavr vras as são a ú n ic icaa coisa coi sa c o m que qu e sei lidar lid ar sem se m que qu e algo quebre. Por isso, confiarei unicamente no poder das palavras. Tampouco quero me desculpar por isso. De qualquer forma, o teor da palestra é relativamente abstrato ab strato e conceit conceituai. uai. Mas sa  be  b e m o s q ue conc co nceit eitos os ta tam m b é m p o d e m p rod ro d u z ir algo p arec ar ecid idoo com um jogo e propiciar um prazer encontrado na comple xidade conceituai.) I Para começar, tratarei de duas descrições canônicas do fenô m eno da ““dança dança””. Em prim p rimeiro eiro lugar, lugar, da descrição de dança da nça de Edwin Denby, que viveu de 1901 a 1983 e que, nos Estados Unidos, é frequentem frequentemente ente considerado o mais iim m po portan rtante te crí tico de ddan ança ça do século XX XX. Todos vocês vocês já devem saber dis disso; so; eu, até recentemente, desconhecia esse fato. Quero salientar quatro elementos da apresentação do fenômeno da “dança” feita por Denby. Primeiro, e esta é uma expressão surpreendente e interes sante, sant e, Denby carac caracteri teriza za a dança como com o um a sequência de pas sos em que, a cada passo, se perde e se recupera o equilíbrio. Segundo, a concentração concentraçã o em tal sequência to torn rnaa vvis isív ível el um  po  p o ten te n cial ci al arcaic arc aicoo do h o m em . Pois a seq s equê uênc ncia ia de m o v im ento en toss em que o passo perde seu equilíbrio para então recuperá-lo é uma forma arcaica de movimento, que, segundo Denby, já está presente no movimento animal: no galope dos cavalos, no pulo dos can cangurus gurus,, mas tamb ém na nass formas formas de movimen mo vimen  to coordenado de coletivos animais — basta pensar na ma ravilhosa imagem das constantes mudanças no contorno de uma passarada. Às vezes, ela é estável, depois perde o equi líbrio para então, como uma faixa ao vento, encontrar um novo equilíbrio. Denby, porém, reconhece, com alguma fan

tasia, esse tipo de sequência também em pinturas rupestres 108

 

GRACIOSIDADE E JOGO

e ilustra, assim, que na dança, como forma de arte, sempre transparecee tamb transparec também ém um ritual ar arca caic ico: o: aalg lgoo pré-hum ano, ppró ró   pr  p r io ao p r é-Homo é-Homo sapiens. O terceiro elemento na descrição de Denby do fenômeno da “dança” é: aquilo que a cultura acrescenta a essa possibi lidade arcaica e ainda não exclusivamente humana é o en quadram ento do m movimento ovimento pela música e pel pelos os ritmos ritmos ppro ro  duzidos pelo ser humano. Denby parte da pressuposição de que, po r m meio eio des desse se enquad enquadram ram ento cultural, a sequên sequência cia do doss movimentos adquire uma energia específica — e provavel mente men te tamb também ém um a euforia eesp spec ecíf ífic ica, a, um a euforia tanto po porr  par  p arte te do doss d an ançç ar arin inoo s q u a n to p o r p a rt rtee d o públ pú blico ico.. Q ue uero ro le lerr uma breve citação que fala sobre isso: “ Keeping time isn’t the  same thing as grace of movement”2 (Manter o compasso não é a mesma coisa que graciosidade do movimento.) “ Keeping  time”  refere-se, para Denby, à música e ao ritmo, enquanto “grac gracee o f mo vem ent ” representa um movimento que inde  pen  p ende de da m úsi úsica ca..  Animals, small children children,, and even adults moving withou wit houtt a  beat but with wi th a grac gracee of o f dancing enjoy what wha t they do and look  look   beautiful to people who like to watch them. But doing it in a  strict rhythm as much as for those who watch as for those  who do it has has a cumulative excitement excitem ent and an extra power.}

(Animais, crianças pequenas e até mesmo adultos que se movimentam sem a cadência sonora, mas com a gracio sidade da dança, gostam do que fazem e parecem bonitos àquelas pessoas que gostam de observá-los. Mas fazê-lo em um ritmo rigoroso tem, tanto para aqueles que ob servam quanto para aqueles que o fazem, uma excitação cumulativa e uma força extra.)  Dan ance ce W ritin ri tings gs a n d Poetr Po etry, y,  org. Robert Cornfield. New 2. Edwin Denby,  D

Haven e Londres: Yale University Press, 1998, p. 292. 3. Ibid. 109

 

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Logo, essas formas de movimento desenvolvem um exces so de energia. “The extra power is like a sense of transport”4 “Trans nspo port” rt”,,  (A força extra é como uma sensação de êxtase.) “Tra aqui, pmágica. oderia eria tradu traduzido zido como com o ak “encanto “encanto” ” queselv nos elev eleva a de “People are so to spe s peak their better se lves es.. T hey he y f ly   formaapod form mági ca.ser by magic”5 (A (Ass pessoas, por po r assim as sim dizer, dizer, revelam revelam o que qu e tê têm m de melhor. Elas voam como que por mágica.) A descrição de Denby De nby enfatiza que o elemento da gra gracio ciosi sidad dadee transm trans m ite um um elemento elem ento especial especial — u m elemento elem ento da aleg alegrria — para p ara aqueles que danç da nçam am e aqueles aqueles que assistem. assistem. Ele Ele simpl simplesment esmentee o chama ch ama good” d”  (sentir-se bem). Ess de elemento “offeeling goo ssee sentim ento en to  parec  pa recee ttee r sua su a orig or igem em n a exp e xper eriê iênc ncia ia de que o corpo corp o é ccap apaz az de um comportamento complexo que a consciência não conse gue permitir ou controlar. Nisto consiste a euforia: percebe-se duran du rante te a dança que é possív possível el produzir produ zir uma complexidade complexidade de m ovim entos com o corpo que seria imp impos ossí síve vell se a consciên consciê n cia participasse demais desse jogo. One can still feel a far echo of that thrill as one first finds   on eself onese lf hitti hi tting ng the be beat at;; or later in life life,, as one one finds fin ds oneself one self step  pin  p ingg securely to a ccomp omplex lex rh rhyt ythm hm,, one isn’ isn’tt able to fo follo llow w cons ciously. (Ainda podemos ouvir um longínquo eco dessa exci

tação quando acertamos, pela primeira vez, o compasso; ou, mais tarde na vida, quando acompanhamos com passos segu ros um ritmo complexo que não conseguimos acompanhar conscientemente.) gloriou riouss sensation inside  E, mais mai s ad adiante iante,, ele escr escreve: eve: “I t is a glo and outside of one”6   (É uma sensação gloriosa, por dentro e  p  poo r fora. fo ra.)) Q uero ue ro segu se guir ir o ra rast stro ro desses elementos elem entos exce ex cede dente ntess  — ener en ergi giaa e alegri ale griaa — que qu e surg su rgee m da dança. H á dois do is o u tro tr o s

4. Ibid. 5. Ibid. 6. Ibid., p. 291. 110

 

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element elementos os em Denby que tam também bém são são importantes imp ortantes para mim (mas isso já deve ter ficado claro): de um lado, a evidente distância entre o fenômeno fenôm eno da “dança” “dança” e a dimensão da cons ciência e da intencionalidade; de outro, a chance que se insi nuaa de um a recuperação nu recu peração de alg algoo primordia prim ordial, l, de aalg lgoo arc arcai aico. co. O segundo se gundo cl clás ássi sico co,, ao qual prete pretendo ndo me referir na descri ção da dança e que fala para nós de um passado muito mais remoto, é Heinrich von Kleist. Seu famoso ensaio, Sobre o  teatro das marionetas,  foi publicado em 1810, mas, apesar de ser um dos textos mais lidos de Kleist e, provavelmente, de toda a estética filosófica, surpreendentemente recebeu pouca atenção da crítica durante todo o século XIX. Encontro tam  b  béé m em Kleist Kleis t qquu a tr troo eleme ele ment ntos os.. Primeiro: o uso desse desse ensaio ensaio na descrição do fenôme fenô meno no da “dança” é legíti legítimo, mo, porqu po rquee Klei Kleist st emprega empreg a o term t erm o “dança” ddee  p  poo n ta a p o n ta p a ra os m o v im e n to toss das da s m ario ar ionn ete et e s qu quee ele descreve. descr eve. As mario m arione netes tes “dançam “dan çam ”. Segundo: a convergência central com Denby encontra-se no elemento elemen to de graça e graciosidade. graciosidade. As marionetes marione tes de Kleis Kleistt são consideradas graciosas graciosas e elega elegantes ntes justam justa m en ente te porque, porq ue, em virtude da sua figura figuração ção mecânica, mecânica, não podem os atribuir-lhes atribuir-lhes nenhuma intenção. Ao fazer um comentário sobre o Tirador   de espinho,  uma estátua grega, Kleist afirma que aquele que mostra graça e graciosidade necessariamente perde a gracio sidade na mesma medida em que toma consciência de que a possui. O terceiro elemento: assim como Denby, Kleist também reconhece reconhe ce na dança a possibili possibilidade dade de recuperar rec uperar um element elementoo

do evolucionár evo lucionário-arcai io-arcaico. co. Um dos interlocutores conta, co nta, no fim do ensaio, a história do urso que era um grande esgrimista.  N em m es  Nem esm m o u m exce ex celen lente te es esgg ri rim m ista is ta co cons nseg egue ue ve venn ce cerr esse urso. Talvez a explicação que Kleist oferece para isso não seja 111

 

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zoologicamente correta, mas é muito importante em termos fi filos losóf ófico icos. s. Ele Ele acredita que o urso era um esgrimista tão bom bo m  just  ju staa m ente en te,, e ao c o n tr tráá ri rioo do doss esgr es grim imist istas as h u m ano an o s, p o r não nã o saber distinguir movimentos fingidos de movimentos real mente direcionados do seu adversário. Justamente por não ter a capacidade de diferenciar entre o fingido e o real, ele é gra ci cioso oso e um bo bom m esgrimista. esgrimista. Em quarto lugar: o elemento da suspensão. Essa observa ção só é encon en contrad tradaa em Kl Klei eist st;; em Denby Den by ela ela se se apresenta no máximo em forma de insinuações. (Talvez na frase, ao se ob servar um bom dançarino, que denota a impressão: “He can   fly  fl y ” [Ele sabe voar], Ele consegue decolar, e talvez nunca mais

volte para a terra.) Kleist descreve as marionetes como “antigravitacionais” gravitaciona is”.. De um lado — ou melhor, em um u m a direção — , elass seguem as le ela leis is da gravidade; de outro, ou tro, porém po rém , são constan cons tan temente temen te puxadas para o al alto to pelo seu seu man manipulador. ipulador. Portanto, elas se encontram em constante estado de suspensão, fato im  po  p o r ta tann te p a ra o ffen enôm ôm eno en o da “d “dan ança ça””. É int inter eres essa sant ntee n o t a r que q ue aqui Kleist começa a teologizar, algo natural, já que a expres são em latim para p ara graciosidade é “gratitiaa”, que, como sabemos, tam bém pode pod e signifi significar car “misericórdia”. “misericórdia”. O motivo teológico da suspensão, em Kleist, provém da imagem do pecado original, original, que puxa p uxa as pess pessoas oas para baixo, e da misericórdia divina, que as puxa para o alto. Isso também representa um elemento de suspensão — que Kleis Kleist, t, felizmen te, não interpreta de forma alegórica, mas usa apenas como analogia anal ogia estrutural estrutur al para o movimen mov imento to das marionetes. marionetes.

Permitam que eu enfatize mais uma vez aquilo que me  pa rece  pare ce q ue são sã o os trê t rêss m o m e n to toss de co conv nver ergê gênc ncia ia cent ce ntra rais is em relação à dança nessas duas descrições: primeiro, a distância em relação relação às dimensões da consciência e da intencionalidade; segundo, o prazer na busca, na recuperação de um potencial 112

 

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arcaico; e, terceiro, o elem arcaico; elemento ento da suspen suspensão, são, o não estar preso ao chão, apesar ap esar da influência exercid exercidaa pela gravi gravidade. dade. II Quero, agora, apresentar seis termos que também são centrais  p  paa ra esse ac acer ercc am en ento to do fen fe n ôm e n o da da danç nça. a. Primeiramente, Prime iramente, devo-l devo-lhes hes um a elabor elaboração ação do concei conceito to de  jogo.  jog o. A cred cr edito ito qu quee ca cada da teo te o ri riaa do jogo jo go ne nece cessi ssite te de u m p a n o de fundo contrastante a fim de definir aquilo que deve ser considerado conside rado “j “jogo” ogo”,, e eess ssee pano de fu fundo ndo con contrastan trastante te é, no r malmente, a ação séria — ação séria no sentido sociológico, isto é, é, interaçã interaçãoo séria. Na tradi tradição ção da sociologia de Ma Maxx Web Weber er,,  p  pod odee -se -s e de defin finir ir u m a aç ação ão séria sé ria co com m o u m c o m p o rt rtaa m e n to qu quee se orienta por uma motivação, sendo a motivação definida como a imaginação de uma situação futura para cuja reali zação zaç ão pret pretendo endo ccontribuir ontribuir por meio do meu co mpo rtamento ou da minha ação. Isso significa que as motivações conferem orientação e direção direção ao comp comportam ortam ento. A motivação ddee am   bass as p a rte  ba rt e s da inte in tera raçç ã o , p o rém ré m , tam ta m b é m po poss ssib ibil ilit itaa que qu e as interações adquiram formas. Quando iniciamos uma con versa, ver sa, podem os criar um a coordenação recíp recíproca, roca, justamente  p  poo rq u e p ress re ssuu po pom m o s qu quee exist existee u m a m ot otiv ivaç açãã o p o r p a rt rtee de ambas as partes. partes. O jogo seria, seria, ao contrá contrário, rio, um a interação com motivações fracas ou até ausentes. Não sabemos exatamente  po  p o r qu quee qu quer erem em os jog jogar. ar. Pelo fato fa to de, e m jjog ogos os,, nnãã o ex exist istire irem m

motivações predominantes que coordenam de antemão a in teração recíproca entre os jogadores, os jogos precisam ter re gras. Acredito que essa ausência de motivações e a prepon derância de regras sejam dois elementos necessários de toda teoria do jogo. Segundo Gregory Bateson, existem dois tipos de regras: de um lado, as regras que permanecem estáveis, es113

 

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tabelecidas antes que uma interação seja iniciada; de outro, as regras que são desenvolvidas constantemente e se transfor mam. Sem em pormenores, gostaria em de lembrar que o tango é umaentrar das poucas danças ocidentais que as coreo graf gr afia iass masculina e feminina não são coordenadas coordenadas — um tipo de interação, portanto, cujas regras são mudadas constante mente porque precisam ser inventadas passo a passo a cada momento. Certos pares de dançarinos apresentam regulari dades que, porém, sempre estão em movimento. Apesar da ausência de motivações m otivações co cotidianas, tidianas, é claro claro que os jogos desen dese n volvem motivações intrínsecas. Uma vez que entrei no jogo, quero ganhar ganhar,, mas a vitória vitória normalmen norm almente te não aum enta m inha conta bancária, não avança avança min ha carreira profiss profissional ional e nada contribui para o meu status. Em virtude da ausência ausência de mo ti vações cotidianas, pertence ao jogo,  pe  perr se, se, uma distância em relação relaç ão ao dia a dia. Bakhtin Bak htin expressou esse esse aspecto através da  bela  be la m e táfo tá fora ra d a “ins “i nsuu lari la ridd a de do carn ca rnav aval al e do jo jogo go””. Desde De sde o século XVIII, II, chama-se esse esse mom m om ento en to de “autono “auto nom m ia estética” na tradição tradiç ão alemã. Esta pressupõe pressu põe que qu e exista exista um hiato entre as motivações cotidiano cotidia no no e as asjogo, do jogo. Ness Nesse e sentido, fal arei da da ausência de do motivações mesmo que semprefalarei existam motivações intrínsecas intrínsecas quando qua ndo começo a jo joga gar. r. Segundo termo: o “ritmo”. Proponho a seguinte definição: o ritm o é a tentativa de conferir um umaa forma form a a “um fenômeno fenôm eno temporal em seu sentido genuíno”. “Fenômeno temporal em

seu sentido genuíno gen uíno”” é um conceito de Husserl. Husserl. Husserl está se se referindo a fenômenos que só podem existir em constante transformação, transformaçã o, como, po porr exemplo, a linguagem, a música ou qualquer tipo de movimento. A forma, por sua vez, pode ser definida, por exemplo, segundo Niklas Luhmann, como uni dade da diferença entre autorreferência e heterorreferência. Um exemplo. exemplo. Imaginem Imaginem um círcul círculo: o: um círcul círculoo sempre ap on on  ta para o seu lado interno, para aquilo que o círculo recorta 114

 

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(isso seria sua autorreferência) — e para o resto do mundo. Forma, portanto, é exatamente a simultaneidade dessas duas funções de autorreferência e heterorreferência. Disso surge o seguinte problema: quando imaginamos um círculo em constante transformação — um círcul círculoo que se se transforma em retângulo, depois em um hexágono, então em um hexadecágono, e volta a ser ser um u m círculo, uma um a elipse elipse etc etc. —, não não podem pode m os mais dizer que esse círculo possui uma forma. Como, então,  podd e u m obje  po ob jeto to tem t em p o ra rall em e m seu se sent ntid idoo pró p rópr prio io possui pos suirr um uma forma? A solução para o problema se chama “recorrência”. Dado que, no decurso da transformação da forma, sempre se per correm padrões uniformes, aqui também se estabelece uma forma. Imagine uma poesia: linguagem, um objeto temporal em seu sentido próprio. Por meio da repetição da mesma se quência quên cia de sílabas sílabas tônicas tônica s e átonas e de acento acentoss após após u m deter de ter m inado inad o n úm ero de sílaba sílabas, s, conse consegue-s gue-se, e, ao ao contrá contrário rio da pro pr o  sa, conferir forma à poesia. Como surge esse tipo de ritmo? Umaa possível explicaç Um explicação ão é: os ritmos surgem de acoplamentos de primeira ordem entre dois sistemas. Os acoplamentos de  feedback  ck  em  pri  p rim m e ir iraa o rd rdem em são relaçõ rel ações es de  feedba   em que o sistema A causa um u m a situação situ ação 2 no sistema sistem a B, B, e a situação situação 2 no sistema sistem a B causa a situação 3 no sistema A etc. Os ritmos são influências recíprocas, que passam sempre por fases diferentes, mas sem

que essa essa sequência sofra um u m a alteração alteração em sua sua frequên frequência. cia. Os acoplamentos do segundo tipo, por sua vez, são produtivos.  Noss acop  No ac opla lam m ento en toss do se segu gund ndoo ti tipo po surg su rgem em novos ele e lem m ento en toss da influência recíproca, e deles deles normalmente norm almente surgem surgem elemen eleme n tos de auto-observação do sistema que se transformam em um a dim ensão ensã o da semântica. sem ântica. Isso Isso signi signific fica: a: nos acoplamentos do segundo tipo surgem equivalências funcionais com aquilo que, no ser humano hum ano,, cham ch amam amos os de consc consciên iênci cia. a. Par Paraa mim m im,, o im po rtant rta ntee nesse raciocíni rac iocínioo é, no final final das cont contas as,, a conclusão 115

 

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de que existe uma tensão entre o fenômeno do “ritmo” e a consciência e a semântica. Todos vocês conhecem essa carac terística da dança. Quando se pensa demais durante a dança,  pelo  pe lo m eno en o s n o m o m e n to da  per  perfor forma manc nce, e, torna  torna-se -se impossível acompanhar acompanh ar o ritm ritmoo da músic música. a. Em terceiro lugar: a “música”. No que se segue, não apre sento uma um a defini definição ção de música, mas um a descrição descrição que quero intercalar como referência referência cruzada. Um dos aspect aspectos os da músi m úsi ca é que, nel nela, a, a objetivação objetivação dos rritm itmos os acontece no níve nívell acús tico.. A música tico mús ica sempre sem pre objeti objetiva. va. Ela precisa objetivar os ritmo ritmos. s. Além disso,que a música também precisa ser vista comoo fenômeno consiste em ondas sonoras quesempre envolvem corpo e que, de certo modo, podem ser levadas a efeito de forma produtiva pelo corpo. Poderíamos dizer que a música, nesse nes se sentido concreto, é o m od odoo mais m ais fá fáci cill de “tocar” toc ar” o m u n  do material que nos envolve. O que quero enfatizar com isso é que a música — como tamb também ém a minha voz — não é percebi percebi da apenas apenas pel peloo ouvido, mas pel peloo corpo como um todo. Q Qua uan n do você ouve música, quando ouve um ritmo, já se encontra em um relacionamento material com seu ambiente. Esse fato é maravilhosamente expressado na riquíssima semântica do termo ale alemão mão “Stimmung ”.7Em qu quart artoo lugar: a distinção entre e ntre

cultura de sentido, ou cultura do sujeito (emprego essas duas expressõ expr essões es como sinô sinônim nimos), os), de um lado lado,, e cultura de presen presen  7. O term o alemã alemãoo “ Stimmung” pode signif significar icar dispos disposição, ição, hum or, aatm tmos os fera, clima ou animação. O substantivo provém do verbo “stim m en ”,  que significa significa “afinar um ins instru trum m ento” en to”.. Em alemão, o adjetivo “stimmig” designa uma situação, em que tudo confluí para criar um cenário har monioso. Essa Essa harm onia se ref refle lete te tam bém na expres expressão são idiomática “es “es   (“confere”,, “correto”), usada pa para ra expressar concord concordância ância entre stimmt” (“confere” falantes. falant es. Com o indica a passagem acima, ao usar a palavra “Stimmung’  Gum brech brechtt tamb também ém dest destaca aca a dimensã dimensãoo da ““voz” voz” (“di (“diee Stiim ne”), por tanto, do som em geral, e dos efeitos da sua m materialidade aterialidade.. [N [N.T .T.] .] 116

 

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ça, de outro. Introduzi essa distinção no livro  Diesse  Diesseits its der    Her  H erm m en eneu euti tik  k 8(no 8 (no original em inglês: Production ofPresence)9  pa  p a ra rela re lati tivv iza iz a r e r o m p e r a e xc xclu lusi sivi vida dade de d a in te terr p reta re taçç ã o como ato central na nass ciênci ciências as humanas. M inha propo proposta sta suge re que, que, a cada instante, nos eencontram ncontram os em duas dimensõe dimensões, s, em duas relações diante dos objetos materiais do mundo. Pri meiro e inevitavelmente, e não há como fugir disso, nos en contram os em um a rel relaçã açãoo de interpret interpretação, ação, de atribuição de sentido. Mas, por outro lado, e disso raramente nos apercebe mos, também nos encontramos em uma relação de presença  — eontram e n te tenn dmais o p rese repróximas senç nçaa e mouseumais sent se ntid idooantes esp espaci acial. As coisas se encontram enc dist distantes deal.nó nós. s. Podemos tocá-las ou não, elas podem nos ameaçar fisicamente ou não. A cada cada mom ento, em cada cultura, em cada época época,, conflu confluem em elementos da cultura de sentido e da cultura de presença. Em nenhum momento encontramo-nos apenas na dimensão do sentido ou apenas na dimensão da presença, e as duas di mensões não mantêm uma simples relação de harmonia ou equilíbrio. Em alguns momentos — basta pensar na dança  — e n c o n tr traa m o - n o s m u ito it o m ais ai s p ró róxx im o s do lad ladoo da p r e s e n  ça;; em outros — p or exempl ça exemplo, o, quando lemos um romanc romancee — , m uito mais próxim os do lado do sentido ou do suj sujeit eito. o. Per Permi mi

tam -m e lem brar mais um a ve vezz que as duas expr express essões ões,, “cu cultu ltu ra de sentido” e “cultura de presença”, são conceitos de tipos ideais no sentido de Max Weber — e permitam-me agora ilustrar principalm principalm ente a dist distinção inção geral em algumas perspec tivas de pesquisa.  Diesse sseits its der de r H erm er m en euti eu tik: k: Übe Überr die di e P rodu ro du k 8. tion Hansvon Ulrich Gumbrecht,  Die Prä Präsenz. senz. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 2004.

9. Hans Ulrich Gumbrecht, Production ofPres ofPresenc ence: e: W liat Me anin g Cann ot   Convey. Stanford: Stanfo Stanford rd U University niversity Pr Press, ess, 20 2004 04 [ed [ed.. brasileira, Produ ção de presença: o qite o sentido não consegue transmitir.  Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2010]. 117

 

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Primeira distinção: qual é a autorreferência dominante? Como as pessoas pensam a respeito de si mesmas na cultura de sujeito, sujeito, ou cultu c ultura ra de sentido, sen tido, e na cultura cu ltura de presença? presença? Nas Nas culturas de presença, elas se veem de forma cartesiana: nos imaginamos como consciências — se é que esse plural existe  — , e é in inte tere ress ssaa n te n o t a r q u e as di disc scip iplin linas as que, qu e, e m al alem emão, ão, se chamam “ Geisteswissenschaften”  (ciências do espírito) até  po  p o u c o te tem m p o a trás tr ás rea re a lmen lm ente te excl ex cluí uíam am o c o rp rpoo c om o obje ob jeto to de pesquisa. Em um a cultura cu ltura de presença, presença, porém poré m , aass pessoas pessoas se se veem ao m esmo esm o tempo tem po com o corpo corp o e consciência consciência,, como com o espí rito e alma, como se dizia dizia na tradição tradiç ão medieval-europeia. A segunda segun da e central distinção distinç ão diz respeito à relação entre en tre a autorrefer autorr eferência ência hum ana e o m undo un do das das co coisas. sas. Em um a cu ltu ra de consciência ou sentido, a autorreferência se compreende compreend e como excêntrica excêntrica em relaç relação ão ao mundo mu ndo , porque exist existee um hia to ontológico o ntológico entre esse essess dois lados. lados. A autorreferência é apenas apenas consciência, e o mundo das coisas, apenas matéria. Essa au torreferência excêntrica do ser humano interpreta continua mente o mundo das coisas, lhe atribui significados, e dessas atribuições acumuladas de significado surgem motivos, mo

tivos de ação e, com isso, o impulso de transformar o mundo. A ambição de constantemente transformar o mundo, ou de ter de fazer fazer história, é um a am bição típica apenas das culturas c ulturas de sentido. Em uma cultura de presença, porém, a autorrefe rência humana procura encontrar o seu próprio lugar dentro do mundo das coisas. Acredito que é exatamente isso que o termo heideggeriano “ser-no-mundo”, em Ser e tempo,  quer enfatizar com todos esses hífens. Esse uso tão obsessivo de hí fens fens parece parece querer eliminar qualque qua lquerr espaço espaço entre a autorrefe a utorrefe rência humana e o mundo das coisas. Para a autorreferência hum ana, ana , trata-se de inscr inscrever ever-se -se em u m a ordem cosmológi cosmológica. ca. Poderíamos dizer que aquilo que chamamos de rituais são momentos acentuados dessa inscrição na cosmologia. 118

 

GRACIOSIDADE E JOGO

Disso segue, como terceira distinção, que a dimensão do minante em uma cultura de sentido é o tempo, porque a transformação do mundo requer tempo, enquanto a dimen são são dom inante inan te em um u m a cultura cultu ra de presença presença é o espaç espaço, o, porque porq ue é no espaço que acontece essa inscrição na ordem das coisas. A última distinção que quero apresentar: o “jogo”. Em uma cultura de sentido (já introduzi anteriormente anteriorme nte este este pensamen pensam en to), o jogo é exatamente aquele tipo de interação que, po r sua ausência de intenção, se encontra em oposição à ação séria  — o u seja, em opos op osiçã içãoo à tr traa n sf sfoo rm açã aç ã o do m u n d o . Se, Se, p o  rém — e esta é uma das teses centrais da minha palestra —, não existe esse conceito central de ação séria e transformação do mundo em uma cultura de presença, implode também a oposição entre ação e jogo. Portanto, minha tese afirma que, em uma cultura de presença, o jogo não é possível, porque a oposição entre en tre ação séria e jogo não n ão sério sério não nã o pode p ode ser evoca da. Também seria errado dizer que tudo é jogo na cultura de  pres  pr esen ença ça.. Antes, Ant es, tu tudd o é ind in d ifere ife renn ciad ci adoo n a c u lt ltuu ra de pre p rese senç nça. a. Em quinto qu into lugar: lugar: “ente “entend ndim imento ento””. É evidente evidente que “en “entend tendi i

mento” é um termo que se encontra nitidamente do lado da cultura de sentido ou significado. A definição hermenêutica clássica do termo “entendimento” é entendimento como en tendimento de ação, entendimento de uma motivação, tam  b  béé m d u ra rann te a leitu le itura ra de u m livro. A perg pe rguu n ta fu funn d am e n ta tall do do entendimento é a pergunta que nós, teóricos da literatura, tantas vezes denunciamos como banal: o que o autor queria nos di dize zer? r? O jogo exig exigee um a m odalidade oda lidade especí específi fica ca de enten ente n dimento. Entender um jogo significa entender suas regras de form a que possamos possam os participar partic ipar do jogo. jogo. E assim que W ittgenstein, ste in, em sua obra tardia, define a relaç relação ão entre en tre entendim en tendim ento e jogo. jogo. Quan Qu ando do se entendem enten dem as regras de um jogo, compree com preen n dem-se também rapidamente rapidam ente as motiva motivações ções que podem surgi surgirr intrinsecam intri nsecam ente em um jo jogo. go. 119

 

HANS ULRICH GUMBRECHT

A última leva dessa cascata terminológica: “graciosidade”  — gra gr a c io iosi sidd a d e p r in c ip ipaa lm e n te n o sen se n ti tidd o heid he ideg eggg eria er iano no.. Quero me referir principalmente ao ensaio “Aus einem Ge spräch von der Sprache”1 S prache”10 (“De um a conversa sobre a lingua gem”). Para Heidegger, o termo “graciosidade” — apesar de algumas convergências interessantes com Kleist (no entanto, el elee não m enciona enc iona Klei Kleist st,, e acredito que ele ele nem o tenha ten ha lido)  — p e rt rten ence ce ao cont co ntex exto to daq da q ui uilo lo que qu e ele ch cham am a de “eve “evento nto de verdade”” ou “autodesvelam verdade “autodesv elamento ento do Ser”. Ser”. Provavelmente, nun nunca ca descobriremos o que o “autodesvelamento do Ser” significa exatamente, exatam ente, mas m as acredito que q ue seja possível possível oferecer duas alter nativas plausíveis. Ou Heidegger entende como “Ser” a “coisa em si”, si”, que durante du rante m uito tempo temp o representou um tabu fi filos losó ó fico, no sentido de que, por um momento, podemos ver as coisas coi sas como com o se não as víssemos de um u m a perspectiva pe rspectiva específic específica. a. A opção mais “ame “amena” na” seria seria pensar pen sar que o “autodesvelam “autodesvelam ento do Ser” e a “experiência do Ser” representam represe ntam m om entos, ento s, pos po s

sivelment siv elmentee mom m om entos en tos curtos, em que nós, com nossos corpos, corpos, nos encontramos em uma relação “correta” com as coisas do mundo. Essa “correção”, é claro, só pode ser compreendida intuitivamente. Vocês conhecem isso. Existem aqueles mo mentos em que pensamos: este movimento está correto, este movimento é adequado, ou: este tom está certo. Às vezes, essa sensação também surge durante uma palestra, mesmo que raramente: o palestrante acredite estar intimamente conecta do com seus ouvintes. O Ser, que se autodesvela, precisa, nes ses momentos, se impor contra o ente, contra as coisas como as encontramos normalmente no modo da sua cotidianidade. Trata-se de um momento “polêmico” do “autodesvelamento 10. M ar artin tin H Heidegger, eidegger, “Aus einem eine m G Gesprä espräch ch üübe berr die Spra Sprache” che”.. Unterwegs   zu  z u r Spr Sprac ache. he.   Martin Heidegger. Pfullingen: Günther Neske Verlag, 1987 (1959), p. 83-155. 120

 

GRACIOSIDADE E JOGO

 Introdu odução ção à me metafí tafí--  do Ser”, comoem Heidegger enfatiza emhaver sua  Intr   (1935), que também pode violência. Mas em sisca

que ponto po nto,, então, ent entra ra em jogo algo como gracio graciosid sidade ade?? Heidegger argumenta que, em algum ponto, o desvelam ento do Se Serr alcança alcança a rregião egião da cu cultura ltura que, desde desde sempre, é  pee rm ead  p ea d a de sem s emió iótic ticas, as, de ssign ignifi ificad cados os e persp pe rspec ectiv tivas as de se s en tido. Assim que o Ser, no sentido de “coisa em si”, adentra essa região da cultura, ele deixa de ser evidente por si só e passa a ser visto de uma perspectiva específica. Por isso o Ser sempre só pod podee se man manifestar ifestar como alusão, alusão, para então se retrair retrai r nova m ente, já que, ao en entrar trar na região da cult cultura, ura, ele já não é mais “Ser” em um sentido não perspectivado. Em outro contexto, Heidegger emprega exatamente para esse momento breve a metáfora nietzschiana do “piscar”. No piscar do Ser revela-se  par  p araa H eide ei degg gger er aq aqui uilo lo que qu e ele ch cham am a de “grac “gr acio iosi sida dade de”: ”: u m mostrar-se e retrair-se do próprio Ser.

Aqui vemos de forma evidente uma convergência com a dimensão da suspensão de Kleist. Esse manifestar-se e retrair-se, essa impossibilidade de se revelar por inteiro, também  prec  pr ecis isaa sser er co com m p re reen endd id idoo com co m o esta es tado do de suspe sus pens nsão ão.. III Qu ando,, então, contemp Quando contemplamo lamoss o fenômen fenô menoo da “dança” “dança” através através do caleidoscópio dessas múltiplas precondições conceituais, resulta uma estranha e compacta ambivalência. No início, falei de algumas ambivalências am bivalências e assimetrias. Agora, quero encer e ncerrar rar com uma ambivalência ainda mais poderosa e mais central. Por um u m lado, a dança, vista da perspectiva de todos tod os es esse sess ter mos, apresenta-se claramente como jogo. Não há nenhuma motivação externa, determ inad a por p or al algo go que vem de fora -— -— nem no dançarino profissional nem naquele que vai à dança 121

 

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 p  paa ra se diver div ertir tir,, m u it itoo m eno en o s naqu na quel elee que q ue co com m eç eçaa a da d a n ç ar de forma espontânea. Ausência de motivação, ausência de intenção — portanto,  jogo.. A coor  jogo co orde dena naçã çãoo de di dife fere rent ntes es co corp rpos os é, dian di ante te d a ausê au sênn  cia de motivação e intenção, determinada pelo ritmo ou por coreografias estabelecidas de antemão, às vezes também por regras que se desenvolvem durante a dança. Isso também se ria jogo. jogo. Por outro o utro lado, lado, porém, a dança se orienta orienta claramente pelo pelo  po  p o lo do ti tipp o ideal ide al da “cu “c u lt ltuu r a de pres pr esen ença ça””, e a “cu “cult ltuu ra de  pres  pr esen ença ça”” n ã o p e rm it itee o jogo, jog o, p o r q u e nesse nes se ti tipp o de c u lt ltuu ra não existe a oposição entre ação séria e jogo. O que lembra a cultura de presença na dança é principalmente principalm ente a importância imp ortância do espaço, seu distanciamento da dimensão do sentido — através do ritmo, por exemplo, e da concentração central no

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