auto superación desarrollo personal 4° camino...
A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
[email protected] www.marcador.pt facebook.com/marcadoreditora © 2016 Direitos da edição portuguesa reservados para Marcador Editora uma empresa Editorial Presença Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena © 2012 FourthWay Editions, Inc. Editado por Stephen A. Grant, um membro sénior da Fundação Gurdjieff, Nova Iorque. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer forma sem permissão por escrito do proprietário legal. Publicado por acordo com Shambhala Publications, Inc., Boston. Título original: In Search of Being – The Fourth Way to Consciousness Título: Em Busca do Ser – O Quarto Caminho Para a Consciência Autor: G. I. Gurdjieff Tradução: Gilberto Raimundo Revisão: Isabel Garcia Paginação: Gráfica 99, Lda. Capa: Ideias com Peso / Marcador Editora Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda. ISBN: 978-989-754-259-6 Depósito legal: 412 732/16 1.ª edição: agosto de 2016
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Índice
Prefácio ..............................................................................
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Introdução ..........................................................................
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I. CONHECE-TE A TI MESMO O que somos nós? ................................................................. O homem não consegue «fazer» ................................................ O «eu» não unificado ............................................................. Em direção ao autoconhecimento ..............................................
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II. A NOSSA MÁQUINA HUMANA Funções e centros .................................................................. Estados de consciência ............................................................ Essência e personalidade ......................................................... Corpos imateriais .................................................................. Alquimia interior ..................................................................
55 60 65 68 73
III. MUNDOS DENTRO DE MUNDOS Dentro da Via Láctea ............................................................. A lei das três forças ................................................................ O raio de criação ................................................................... A Lei das Oitavas .................................................................. Graus de materialidade ...........................................................
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IV. A POSSIBILIDADE DE EVOLUÇÃO Evolução consciente ............................................................... Conhecimento e ser ............................................................... Assim como em cima, em baixo ................................................ Níveis de desenvolvimento ...................................................... Caminhos espirituais ..............................................................
107 112 116 119 124
V. A FINALIDADE DA RELIGIÃO Um núcleo consciente ............................................................ Círculos interiores da humanidade ............................................ A religião implica «fazer» ......................................................... Cristianismo esotérico ............................................................
133 137 142 145
VI. PROCURANDO O CAMINHO Despertar ............................................................................ Desilusão ............................................................................ O primeiro patamar ............................................................... As «escolas» são um imperativo ................................................. Trabalho em grupos ...............................................................
153 157 162 167 173
VII. UM ESTUDO PRÁTICO Começar a auto-observação ..................................................... Pensamento formador ............................................................ Começar com pequenas coisas .................................................. Identificação ........................................................................ Mentir a si mesmo .................................................................
179 184 188 191 195
VIII. UM TRABALHO PARA A CONSCIÊNCIA Um diferente tipo de observação ............................................... Ver o todo ........................................................................... Separar-se a si mesmo de si mesmo ............................................ Trabalhar com três centros ....................................................... Autorrecordação ...................................................................
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IX. PARA A LIBERTAÇÃO Dois rios ............................................................................. Sofrimento voluntário ............................................................ A primeira libertação.............................................................. Libertar-se das influências ....................................................... Adquirir uma alma ................................................................
227 231 236 240 246
X. CONHECIMENTO DO SER Arte objetiva ........................................................................
O eneagrama........................................................................
253 256 260 265
Notas Biográficas ..................................................................
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Uma corrente de mitos e símbolos ............................................. Simbologia e autoconhecimento ...............................................
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Prefácio
H
á cem anos, George Ivanovitch Gurdjieff (1866-1949) apresentou, na Rússia, um ensinamento antigo de evolução consciente do homem, uma ciência esquecida para perceber a realidade em si próprio e no Universo. Apesar de ser basicamente desconhecido durante o seu período de vida, a seguir à sua morte as suas ideias espalharam-se por todo o mundo, inspirando novas gerações de pesquisadores a explorar o sentido esotérico das religiões tradicionais. Até agora, no entanto, o seu ensinamento inicial foi apenas reproduzido em fragmentos de conversas de 1915 a 1924, ordenadas cronologicamente; não foi feita nenhuma tentativa para apresentar este ensinamento, nas suas próprias palavras, como um todo compreensível. Gurdjieff considerava o conhecimento da realidade – aquilo a que chamava o verdadeiro «conhecimento do ser» – como uma corrente fluindo da Antiguidade remota, transmitida de geração em geração, de povo em povo, de raça em raça. Ele via este conhecimento como o meio indispensável para atingir a libertação interior. Para aqueles que procuram entender o sentido da vida humana no Universo, disse, o objetivo da procura é abrir caminho por essa corrente, para a encontrar. Então, resta apenas saber de modo a ser. Mas para saber, ensinou, é necessário descobrir como saber. Gurdjieff respeitava os caminhos tradicionais em direção à transformação espiritual, e apontava que as suas diferentes abordagens podiam ser incluídas em uma de três categorias: o «caminho do faquir», que se centra no domínio do corpo físico; «o caminho do monge», 11
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g. i. gurdjieff
baseado na fé e no sentimento religioso; e o «caminho do iogue», que se concentra no desenvolvimento da mente. Ele apresentou o seu ensinamento como um «Quarto Caminho», que requer trabalho em todos os três aspetos ao mesmo tempo. Em vez de obediência ou fé, este caminho apela ao conhecimento e à compreensão – ao despertar de outra inteligência. O seu desejo pessoal, disse uma vez, era viver e ensinar de modo a que houvesse uma nova conceção de Deus no mundo, uma mudança no próprio sentido da palavra. Nascido em 1866 no Cáucaso, junto à fronteira da Rússia com a Turquia, desde muito cedo Gurdjieff sentiu que tinha de compreender o mistério da existência humana, e mergulhou profundamente na religião e na ciência para encontrar alguma explicação. Constatou que ambas as abordagens eram persuasivas e consistentes em si mesmas, mas destinadas a alcançar conclusões contraditórias, dadas as suas diferentes premissas iniciais. Convenceu-se de que, separadamente, nem a religião nem a ciência poderiam explicar o sentido da vida humana. Ao mesmo tempo, Gurdjieff tinha a certeza de que existira, em tempos antigos, um conhecimento real e completo, e que este devia ter sido transmitido oralmente de geração em geração em várias civilizações. Ele partiu para encontrar aqueles que tinham esse conhecimento, viajando por um período de cerca de vinte anos. As suas viagens estenderam-se da Grécia e do Egito à Ásia Central, incluindo as montanhas do Hindu Kush e do Tibete. Com uma pequena equipa de companheiros, Gurdjieff encontrou e reuniu elementos de um conhecimento esquecido que reconciliou as grandes crenças tradicionais. Chamou-lhe «ciência antiga», mas não identificou a sua origem ou aqueles que a descobriram. Esta ciência via o mundo da matéria visível como o faz a física moderna, reconhecendo a equivalência da massa e energia, a ilusão subjetiva do tempo, a teoria geral da relatividade. Mas a sua inquirição não parou aí, aceitando como reais apenas os fenómenos que pudessem ser medidos e provados por experiências controladas. Esta ciência também explorava o mundo dos místicos fora da perceção sensorial, a visão de outra realidade, infinita para lá do espaço e do tempo. O objetivo era 12
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compreender o lugar do homem na ordem cósmica, o sentido da vida humana na Terra e, na verdade, saber e experimentar em si próprio ambas as realidades de mundos finitos e infinitos ao mesmo tempo. Esta ciência teve a sua origem em civilizações da Ásia Central e no Egito, e os seus princípios foram incorporados em todas as religiões tradicionais. Gurdjieff disse que poderia ser chamada «cristianismo esotérico», mas observou que estes princípios foram desenvolvidos milhares de anos antes de Jesus Cristo. Também poderia ser chamada «budismo esotérico», com a sua origem em milhares de anos antes de Gautama Buda. Em 1912, Gurdjieff começou a reunir seguidores em Moscovo e, em 1915, organizou um grupo de estudo em Sampetersburgo. Dois anos mais tarde, para escapar à violência da Revolução Russa, mudou-se para o Cáucaso e, em 1922, acabou por fixar-se em França, onde fundou um instituto para praticar o seu ensinamento no Château du Prieuré em Fontainebleau, perto de Paris. Tal como se descreve nas notas biográficas no final deste livro, o protagonista no aparecimento do Quarto Caminho foi P. D. Ouspensky, que se juntou ao grupo de Gurdjieff em 1915 e foi com ele para o Cáucaso. Ouspensky não era um seguidor comum. Dotado de uma mente de longo alcance e aguçado intelecto, viajou extensivamente como jornalista, investigando tradições teosóficas e outras tradições esotéricas. Pelas suas próprias experiências estava convencido da possibilidade de uma consciência superior. Após ter falhado em contactar uma «escola» esotérica na Índia, procurava o conhecimento oculto que Gurdjieff e os seus companheiros tinham descoberto. Enquanto escritor e conferencista, era o recruta ideal para receber o ensinamento e promover o Quarto Caminho. Quando conheceu Gurdjieff, Ouspensky interessou-se imediatamente por aprender o que Gurdjieff sabia sobre esoterismo e «escolas» que o ensinavam. Ele gostou da maneira clara e precisa de falar de Gurdjieff e, fiel à sua profissão jornalística, guardou notas que gravaram as palavras exatas de Gurdjieff, frequentemente páginas inteiras de citações e comentários. Depois de ajudar Gurdjieff a formar um 13
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grupo em Sampetersburgo, ao longo de um período de dezoito meses, Ouspensky pressionou-o a revelar, passo a passo, os elementos básicos da sua ciência antiga, a que o grupo chamava o «Sistema». Com a permissão de Gurdjieff, Ouspensky preservou o registo que fez destas conversas e organizou posteriormente o material num manuscrito autobiográfico intitulado Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido. Nele escreveu que, em 1921, contou a Gurdjieff «em detalhe um plano que elaborei para um livro, para expor as suas palestras de Sampetersburgo… Ele concordou com esse plano.» Por razões expostas nas notas biográficas, o livro que apresentava o ensinamento nunca foi escrito. Até 1924, Gurdjieff esteve ocupado com o seu instituto em França, e depois com a escrita da sua opus magnum, De Tudo e de Todas as Coisas. Ouspensky fundou o seu próprio grupo de trabalho em Londres, deu palestras sobre o Sistema e escreveu o livro Um Novo Modelo do Universo. A separação entre os dois homens impossibilitou a sua colaboração. De facto, Ouspensky só enviou a Gurdjieff o manuscrito de Fragmentos em 1947, o ano da sua própria morte. Gurdjieff confirmou a sua exatidão, e o manuscrito foi publicado postumamente em 1949 como relato autobiográfico de Ouspensky, apesar de mais de dois terços consistirem em citações literais de Gurdjieff. (A edição francesa tomou o título de Ouspensky, Fragments d’un enseignement inconnu, mas o título inglês foi alterado para In Search of the Miraculous para evitar a confusão com outro livro do autor, Fragments of a Faith Forgotten, publicado no ano anterior.) O presente livro destina-se a cumprir o propósito original das conversas de Sampetersburgo. Reafirma a citação da exposição de Gurdjieff, complementada pelas suas palestras posteriores, na sua maioria entre 1922 e 1924. Estas conversas subsequentes, que tiveram lugar no Prieuré, em Fontainebleau, e em Nova Iorque, foram registadas e organizadas por Jeanne de Salzmann, a mais próxima seguidora de Gurdjieff. Foram publicadas em 1973 sob o título Views from the Real World 1. 1
Em português: Gurdjieff Fala aos Seus Alunos. (NT)
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Em Busca do Milagroso: Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido e Gurdjieff Fala aos Seus Alunos permanecem os autênticos livros de referência do ensinamento inicial de Gurdjieff. O relato autobiográfico de Ouspensky recria vividamente a aventura do seu questionamento, assim como as suas visões intuitivas sobre aspetos decisivos, incluindo dimensões superiores e interpretando o Eneagrama. Ambos os livros de referência contêm matéria adicional sobre as ideias de Gurdjieff acerca de uma variedade de assuntos, incluindo educação e arte. Ao reconstruir o seu ensinamento inicial, este volume reapresenta menos de um terço de In Search 2 e ainda menos de Views 3, deixando as fontes originais como leituras obrigatórias para um quadro completo do ensinamento. Este livro foi organizado e editado por um pequeno grupo de seguidores de Gurdjieff e pela Sra. de Salzmann. Para além deste prefácio e das notas biográficas, o texto consiste quase inteiramente das palavras do próprio Gurdjieff, atualizadas a partir de uma nova tradução inglesa do texto original em russo de Em Busca do Milagroso: Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido e, com a autorização do Penguin Group (EUA), de Gurdjieff Fala aos Seus Alunos. A única exceção é o primeiro subcapítulo do capítulo II («Funções e Centros»), que derivou de A Psicologia da Possível Evolução Humana, de Ouspensky, baseada na sua representação de que Gurdjieff explicava funções e centros «da maneira como são apresentados nas lições de psicologia». As palavras pronunciadas por Gurdjieff, em diferentes momentos e ocasiões, foram modificadas, em grande medida quanto ao estilo e ao tom, quando necessário para uma apresentação consistente num único livro. Houve o cuidado de preservar o uso de Ouspensky de fontes itálicas para enfatizar, e de aspas para sinalizar palavras convencionais que tenham um significado especial. Os leitores que se aproximam das ideias de Gurdjieff pela primeira vez deveriam estar preparados para um desafio iconoclasta às fundações da nossa visão do mundo moderno – especificamente, a 2 3
Em Busca do Milagroso: Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido. (NT) Gurdjieff Fala aos Seus Alunos. (NT)
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g. i. gurdjieff
consciência e o livre-arbítrio humanos, o progresso e a civilização, e a relevância da vida humana no Universo. Situando o nosso sistema solar na vastidão da Via Láctea, o autor introduz a ideia de escala na definição de mundos finitos e infinitos. Relembra a antiga teoria dos cosmos4 e afirma que as leis fundamentais que regem os fenómenos são as mesmas em todos os níveis, que o homem é um microcosmo que representa todo o Universo. Assim, a realidade não é para ser percecionada olhando para fora – uma visão mística da terra ou dos céus –, mas virando-se para dentro e vendo através do tempo e do espaço dentro de si mesmo. A máxima antiga «Conhece-te a ti mesmo» é invocada no seu sentido original no Templo Egípcio – um apelo para se abrir à consciência, para ver a realidade. Na introdução, Gurdjieff dispensa o conhecimento moderno, supostamente «científico» baseado nas perceções sensoriais, e afirma que o conhecimento da realidade só pode ser aprendido por uma espécie de «autoestudo» empreendido em conjunto com outros. No capítulo que se segue, começa por apontar que realizar esta possibilidade depende do nosso próprio desejo e esforço; mais ninguém se preocupa, ou pode fazer, este trabalho por nós. Estabelece então, de seguida, os princípios do ensinamento – mas não como verdade revelada para ser acreditada ou obedecida. Pelo contrário, o primeiro princípio é o de que nada deve ser tomado pela fé. O Quarto Caminho é, acima de tudo, um caminho de conhecer – não de crença ou obediência. É um caminho de compreensão. Gurdjieff oferece este conselho-chave para abordar a sua escrita: «Não tome nada literalmente. Tente simplesmente apreender o princípio.» Este imperativo aplica-se, obviamente, quando ele fala de relações cósmicas (por exemplo, o «raio de criação» ou «comida para a Lua») ou conceitos metafísicos (aquisição de «corpos» transubstanciais). Mas é igualmente aplicável à sua estrutura multicerebral da psicologia humana que, alerta, é proposta «apenas como um plano para a observação de si próprio». Nada deve ser tomado literalmente. 4
Pluralidade de cosmos. (NT)
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As notas biográficas assumem que o Quarto Caminho é um ensinamento esotérico de o que Gurdjieff chamou Grande Conhecimento; a ciência esquecida da relação do homem com Deus e o Universo, que foi transmitida a iniciados ao longo de milhares de anos na Ásia Central, Egito e Grécia. Era a sua paixão de descobrir este conhecimento oculto que distinguia o amigo mais íntimo de Gurdjieff, um príncipe russo seguidor do budismo Vajrayana. E foram os princípios de transmissão que determinaram os papéis respetivos de Gurdjieff e dos seus seguidores mais próximos, Ouspensky e Jeanne de Salzmann. A característica definitiva do esoterismo é a de diferenciar o exterior, forma exotérica do ensinamento que é visível aos não-iniciados, do interior, conteúdo esotérico que só pode ser conhecido por adeptos que o praticam. O exterior pode ser transmitido por uma pessoa que entenda a sua doutrina, mas o interior só pode ser transmitido por um iniciado que pode, na prática, viver o ensinamento. Gurdjieff faz esta distinção sobre as religiões no capítulo V quando diferencia o ensino da doutrina, especificando o que deve ser feito, e o ensino do conhecimento prático, de como fazê-lo. Para ele, só uma pessoa que pode viver de acordo com os preceitos de Cristo tem o direito de se chamar a si mesma cristã. O ensinamento inicial de Gurdjieff ao grupo de Sampetersburgo e no Prieuré era, na forma exterior das ideias, apresentado a pessoas que não tinham experiência em trabalho prático para a consciência. Gurdjieff ensinou que a senda para a realidade objetiva era através da «autoconsciência», mas podia apenas indicar a direção requerida em termos concetuais, com ilustrações da experiência de todos os dias. Por exemplo, a relação-chave entre mente, sentimento e corpo era expressa metaforicamente em termos de o condutor, o cavalo e a carruagem. Tornando análogo a uma casa com quatro quartos, referia-se a «trabalho» simultâneo nos diferentes quartos. E a necessidade para um «superesforço» – isto é, um esforço para lá dos nossos meios comuns – era expresso como um extraordinário esforço comum, como puxando a si próprio para lá do ponto de exaustão. Para uma audiência não preparada, Gurdjieff não podia indicar o trabalho prático 17
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interior requerido, seja para se relacionar com os centros inferiores, seja para se abrir aos centros superiores. Em anos posteriores, com visitantes da América e da Inglaterra, apoiou-se em leituras do seu primeiro livro, Relatos de Belzebu a Seu Neto, como meio de partilhar o seu ensinamento em termos alegóricos. A natureza esotérica do ensinamento de Gurdjieff foi reconhecida desde o início por Ouspensky, que estava familiarizado com escritos teosóficos e tinha ele mesmo viajado até à Índia em busca de uma «escola» esotérica. Quando conheceu Gurdjieff, quis saber imediatamente o que Gurdjieff sabia sobre esoterismo e «escolas» esotéricas. Como descrito nas notas biográficas, reconheceu mais tarde que o seu papel era promover o sistema de ideias – a forma exterior do ensinamento – mais do que se comprometer na prática interior sob Gurdjieff. Dado que ambos viam o ensinamento em termos de esoterismo, a separação entre eles não era a linha divisória percecionada pelos seus respetivos seguidores. Esta interpretação, que aceita a distinção exotérica/esotérica relativa ao ensinamento e aos atores, contradiz a perspetiva estabelecida, baseada nos seus comportamentos exteriores. É, para mim, compelida por dois factos-chave citados nas notas biográficas. Primeiro, Gurdjieff condenou o ensino independentemente de Ouspensky como uma traição digna de Judas Iscariotes, quando, de facto, Gurdjieff respeitava profundamente Judas como o discípulo leal que sozinho entendeu a missão de Cristo. E, pela sua parte, Ouspensky repudiou desinteressadamente o Sistema que ensinou durante vinte e cinco anos, de modo a libertar os seus seguidores para migrarem para Gurdjieff. Estas ações separadas, bastante extraordinárias, são, na minha perspetiva, inexplicáveis a não ser que os dois tivessem estado o tempo todo a agir concertadamente para promover o Quarto Caminho. Para ser preciso, a sua secreta cumplicidade nunca foi admitida por nenhum deles, nem pela Sra. Salzmann, que dela deve ter tido conhecimento. Mas foi confirmada pela sua viagem especial a Londres, em 1947, para convidar Ouspensky a ir a Paris para se reencontrar com Gurdjieff. Estava presente quando, quarenta anos depois, ela recordou o seu encontro 18
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final com Ouspensky, nove meses antes da sua morte. Ela disse que falaram pela noite dentro, com Ouspensky em lágrimas por não poder ir a Paris. Foi então que ele lhe deu o seu manuscrito Fragmentos para devolver a Gurdjieff. O que mais me tocou foi a maneira como ela falou de Ouspensky como um velho amigo, com uma profunda afeição que nunca poderia ter sentido se ele tivesse traído o homem que ela reverenciava como seu mestre. Stephen A. Grant
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Introdução
S
ai numa clara noite estrelada num campo aberto e olha para o céu, para esses milhões de mundos por cima da tua cabeça. Lembra-te de que talvez em cada um deles enxameiem biliões de seres semelhantes ou talvez superiores a ti na sua organização. Olha para a Via Láctea. A Terra não pode sequer ser chamada de um grão de areia neste infinito. Dissolve-se e some-se. E com ela, tu – onde estás tu? O conhecimento da relação do homem com o Universo existiu desde tempos antigos. O Grande Conhecimento é sempre o mesmo, mas a forma em que é expresso muda, dependendo do lugar e da época. Como a linguagem que evoluiu através dos séculos, a forma mal é inteligível para as gerações seguintes. Para a maior parte é tomada literalmente e, desta forma, o conteúdo interno é perdido. O Grande Conhecimento é passado sucessivamente de era em era, de povo a povo, de raça a raça. Os grandes centros de iniciação na Índia, Assíria, Egito, Grécia, iluminam o mundo com uma luz brilhante. Os venerados nomes dos grandes iniciados, os portadores vivos da verdade, são reverentemente transmitidos de geração em geração. A verdade é fixada por meio de escritos simbólicos e lendas, e é transmitida às massas para ser preservada sob a forma de costumes e cerimónias, nas tradições orais, nos memoriais, na arte sagrada, através da qualidade invisível na dança, música, escultura e vários rituais. É abertamente comunicada após um julgamento definido àqueles que a procuram, e é preservada por transmissão oral na cadeia daqueles que 23
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sabem. Após ter decorrido um certo tempo, os centros de iniciação extinguem-se um após outro, e o conhecimento antigo afasta-se através de canais subterrâneos para as profundezas, ocultando-se dos olhos dos pesquisadores. Os portadores deste conhecimento também se ocultam, tornando-se desconhecidos para aqueles que os rodeiam. Mas não cessam de existir. De tempos a tempos, correntes separadas irrompem à superfície, mostrando que algures no interior profundo, até nos nossos dias, flui a antiga corrente poderosa de verdadeiro conhecimento do ser. Irromper através desta corrente e encontrá-la – esta é a tarefa e a finalidade da procura. Pelo que, tendo-a encontrado, uma pessoa pode entregar-se arrojadamente ao caminho pelo qual pretende ir. Então, resta apenas «conhecer», de modo a «ser» e «fazer». O princípio do autoconhecimento é claro: a fim de conhecer, é necessário descobrir como conhecer. Neste caminho, o pesquisador não estará inteiramente sozinho. Em momentos difíceis ele receberá apoio e orientação, pois todos os que seguem este caminho estão ligados por uma cadeia ininterrupta. A teoria do esoterismo é de que a humanidade consiste num grande círculo exterior, abraçando todos os seres humanos, e num pequeno círculo de pessoas instruídas e entendidas no centro. Estas produzem a linha exotérica e esotérica da civilização, que são paralelas e independentes. Invariavelmente, uma delas subjuga a outra e desenvolve-se, enquanto a outra se desvanece. Um período de civilização esotérica surge quando existem condições externas favoráveis, políticas entre outras. Então, o conhecimento, vestido sob a forma de um ensinamento correspondendo às condições do tempo e do lugar, torna-se amplamente divulgado. Todas as religiões apontam para a existência de um centro comum de conhecimento, e em todos os livros sagrados este conhecimento é expresso, mesmo que as pessoas não o desejem conhecer. De facto, este conhecimento é de longe mais acessível do que supomos habitualmente. Ninguém está a ocultar nada; não há qualquer segredo. Mas é necessário um grande labor e esforço para adquirir e transmitir 24
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conhecimento verdadeiro, da parte de ambas as pessoas, a que dá e a que recebe. E aqueles que têm este conhecimento fazem tudo o que está ao seu alcance para o partilhar com o maior número de pessoas, empenhando-se sempre em ajudá-las a dele se aproximarem num estado preparado para receber a verdade. Mas, em última instância, o conhecimento não pode ser imposto a ninguém, e uma vigilância imparcial da vida habitual de uma pessoa, do que lhe interessa e preenche o seu dia, irá imediatamente mostrar que toda a dificuldade é a de que as pessoas ou não querem esse conhecimento ou são incapazes de o receber. Quem quer que seja que procure conhecimento deve primeiro fazer um esforço para encontrar e aproximar-se da fonte por sua conta. Isto pode ser alcançado seguindo simplesmente os sinais que, apesar de disponíveis para todos nós, as pessoas recusam ver ou reconhecer. O conhecimento nunca virá a nós por si mesmo. Entendemos isso muito bem na medida em que diz respeito ao conhecimento comum, mas com o Grande Conhecimento, quando admitimos a possibilidade da sua existência, de alguma forma esperamos algo diferente. Todos sabemos muito bem que se, por exemplo, uma pessoa quiser dominar a língua chinesa, isso irá levar vários anos de trabalho árduo. Sabemos que são necessários cinco anos para compreender os princípios da medicina, e talvez até o dobro disso para a pintura ou a música. E, ainda assim, há teorias que afirmam que podemos adquirir conhecimento sem qualquer esforço, até durante o nosso sono. A própria existência de tais teorias demonstra, uma vez mais, porque é que o conhecimento nos é ainda inacessível. Ao mesmo tempo, contudo, temos de compreender que os nossos esforços independentes para atingir algo deste tipo não podem ser bem-sucedidos. Apenas podemos atingir o conhecimento com a ajuda daqueles que já o possuem. Temos de aprender com aqueles que sabem. O nosso conhecimento atual é baseado na perceção sensorial – como as crianças. Se desejamos adquirir conhecimento da realidade, temos de nos mudar a nós mesmos, abrindo-nos a um estado superior de consciência pelo desenvolvimento do nosso ser. A mudança de 25
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conhecimento decorre da mudança de ser. Temos primeiro de ter autoconhecimento, e com o auxílio do autoconhecimento aprenderemos como nos mudar a nós próprios – se desejarmos mudar-nos a nós próprios. Sistemas e escolas podem indicar métodos e caminhos, de modo a que, quando estivermos prontos, o novo conhecimento venha até nós do exterior. Mas, de qualquer modo, nenhum sistema ou escola pode fazer o nosso trabalho por nós – temos de o fazer nós mesmos. O crescimento interior, uma mudança de ser, depende inteiramente do trabalho que uma pessoa deve fazer ela mesma. Nos capítulos que se seguem, muitas coisas serão explicadas esquematicamente, incluindo as leis de unidade que estão refletidas em todos os fenómenos. Mas, quando usamos palavras que lidam com o conhecimento objetivo, com unidade na diversidade, tentativas à compreensão literal conduzem à ilusão. Então, não tomem nada literalmente. Tentem simplesmente agarrar o princípio, de modo a que compreender se torne cada vez mais profundo. Neste ensinamento, o primeiro princípio é o de que nada deve ser tomado na fé. Não devemos acreditar em nada que não possa ser verificado por si próprio.
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