Guilhardi, Sobre Comportamento e Cognição (Vol. 8)

August 7, 2017 | Author: maxwell | Category: Anxiety, Behavior, Psychology & Cognitive Science, Homo Sapiens, Psychological Concepts
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Skinner, B. F. (1971). Para Além Da Liberdade e Da Dignidade...

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ESETec Edito res A sso cia d o s

Sobre Comportamento e Cognição

Sobre Comportamento e Cognição Expondo a Vítriâbilidcidc

Volume 8 C

n i/j do por / íàlio José Quillumli Mitriii Hcutriz Barbos Pinho Mddi Pdtrícid Pidzzon Queiroz Miirui Cüro/inii Scoz

Hélio J. Gullhardi • Albina Rodrigues • Aline M. Carvalho • Almir Del Prette • Ana Lucia Cortegoso • Ana Tereza de A. R. Cerqueira • Antonio Souza e Silva • Armando R. das Neves Neto • Cacilda Amorim • Daniela Fazzio • Denis R. Zamignani • Diana T. Laloni • Eliane Falcone * Emmanuel Z. Tourinho • Eunice Lima • Evandro G. Matos • Florence Correa • Francisco Lotufo Neto • Fred S. Keller • Gerry Martin • Gimol B. Perosa • Giuliarta Cesar • Gregg Tkachuk • Ivete Dalben • Jalde Regra • José D. Ablb • Kester Carrara • Luzia Trinca • Marcelo F. Benvenuti • Marco A. D'Assunçâo • M aria Amalia P. A. Andery • Maria Zilah da S. Brandão • Mariângela G. Savoia • Marilza Mestre • Michela R. Ribeiro • Miriam Marinotti • Mônica Duchesne • Neuza Corassa • Nilza Micheletto • Odete Simâo • Olavo Galvâo • Patrícia Alvarenga • Paula R. BragaKenyon • Priscila Chacon • Rachel R. Kerbauy • Roberto A. Banaco • Rodrigo Dias • Roosevelt R. Starllng • Rosângela Darwich • Sérgio Cirlno • Simone N. Cavalcante • Sônia Vanise D. V. D'Assunção • Vera Otero • Wilton de Oliveira • Yara Ingberman • Zilda A. P. Del Prette

Meyer • Suzane Lõhr • Tereza Sério •

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Guilhardi, Hélio José, et al. Sobre Comportamento e Cogniçâo: Expondo a variabilidade. - Org. Hôlio José Guilhardi. 1a ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2001. v.8 478 p. 24cm l Psicologia do Comportamento e Cogniçâo 2. Behavlorismo .V Análise do Comportamento CDD 155.2 CDU 159.9.019.4

ISBN-

85 - 88303 - IO-8

ESETec Editores Associados Renzo Eduardo Leonardi Teresa Cristina C um e Grassi-Leonardi

Coordenação editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi Capa original: Solange Torres Tsuchiya Projeto gráfico original: Maria Claudia Brigagâo Equipe de preparação: Luciana Maluí, Maria Eloisa Bonavita Soares Piazzon, Noreen Campbell de Aguirre

Revisão de diagramação: lolanda Maria do Nascimento, Léia Teresa da Silva Revisão ortográfica e gramatical: Maria Rita J. Martini Del Guerra

S olicitação dc exem plares: eseUitluol.com .br Rua C atequese, 845

Bairro Jardim

Santo André

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folhas largas como vasilhame para coletar água. Além disso, algumas espécies exibem comportamentos cooperativos bastante elaborados. Quando dois ou três isoladamente encontram alimento em abundância, emitem sons característicos dirigidos ao grupo, compreendidos como convite à refeição. As observações indicam que muitas das práticas desses animais são ensinadas aos filhos de várias maneiras e é nesse sentido que se pode falar em cultura. Nada disso, porém, iguala-se à cultura humana que é extremamente complexa com seus mecanismos de regulação da prática social. A vida humana é eminentemente social, devido ao processo de interdependência. A nossa aparente fragilidade biológica exige um prolongado cuidado com os filhos que não têm similitude com a maioria das outras espécies. Provavelmente, isso levou à divisão de tarefas por sexo e à continuidade dessa divisão com base na idade. Posteriormente, fatores como competência acabaram por criar as especializações ampliando ainda mais a diversificação das atividades. Mesmo as tribos coletoras/caçadoras possuem uma variedade de tarefas distintas que requerem certas especialidades. Conforme Moscovici (1990), as pesquisas registram dois fenômenos culturais com características de universalidade: a norma da proibição pelo incesto e a divisão de atividades por sexo. O desenvolvimento da cultura levou a sociedade a ajustar, através de seus códigos, a vida coletiva e, mesmo, a individual. Os tabus impõem restrições a impulsos, os mitos estabelecem práticas discursivas e ritualísticas sobre fenômenos desconhecidos e os códigos do permitido e do proibido estabelecem regras que regulam as práticas sociais. O decálogo, pelo qual até hoje se guia a sociedade israelense, apresenta mais negações (proibições com punições implícitas) do que afirmações. A sociedade, portanto, é mais do que a reunião dos indivíduos que a compõem. Esse fenômeno de agregado produz uma entidade diferente, mas isso não significa, como pensava Durkheim, que o homem seja totalmente moldado por ela. Na interação indivíduo-sociedade há uma influência mútua que torna possível tanto a mudança social quanto a individual. As mudanças sociais ocorrem em grande parte devido à influência da minoria (Del Prette, 1995a; 1995b). Uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas, ainda que destituído de poder formal, pode produzir extraordinárias mudanças na sociedade. Essas mudanças têm como base dois fenômenos razoavelmente dependentes entre si: o esgotamento de paradigmas culturais ou científicos e o aparecimento de novos paradigmas. Historicamente, temos inúmeros exemplos: o aparecimento do cristianismo, a aceitação geral do sistema heliocêntrico, a predominância do paradigma cartesiano/newtoniano nas ciências etc.

3. Novos paradigmas entram em cena /Vosso conhecim ento n ã o 6 con stitu ído com o um jo g o do arm ar m inúsculos pa rafusos e cavilhas da experiência. J Bronow skí (1977)

As mudanças de paradigmas, aqui entendidos como modelos orientadores da produção do conhecimento, vêm ocorrendo em todos os setores da sociedade, embora nem sempre os atinjam igual e sim ultaneam ente. A aceitação de novos paradigmas não depende apenas do esgotamento dos que estão em vigor e orientam o pensamento;

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depende, também, do valor heurístico e da intensidade da resistência contrária às mudanças

associadas às novas maneiras de pensar. Seria ingenuidade supor que a aceitação dos novos paradigmas, principalmente os culturais, ocorreria sem embates. Einstein, embora tenha contribuído para a construção da teoria quântica, irritava-se com as posições pouco ortodoxas de seus colegas, chegando a afirmar que Deus não jogava dados. Embora reconhecendo aqui os benefícios do conflito, pode-se imaginar o quanto não teria sido alcançado, se Einstein tivesse tido maior disposição para o diálogo. As mudanças ocorrem em um processo dialético: idéias em confronto geram novas idéias. Copérnico opôs-se e demonstrou que a Terra não era o centro do Universo, como acreditavam os cientistas guiados pela teoria de Ptolomeu que, por outro lado, justificava dogmas religiosos. Mas foi Galileu Galilei que consolidou a revolução copernicana, impulsionando a ciência além dos limites impostos pela escolástica. Como se sabe, isso não foi nada fácil para o cientista italiano. Neste início do século XXI, grandes desafios se colocam para as sociedades humanas em todas as partes do planeta. O avanço do neoliberalismo, com a exploração incontroíada dos recursos da Terra, criou problemas de difícil solução e pode representar uma ameaça à vida em muitos lugares em prazo não muito longo. Dentre os maiores desafios estão a proteção ambiental, a distribuição de alimentos a todos os povos, o destino do lixo, em especial os não degradáveís, a dem ocratização do acesso ao conhecimento e a tecnologia e o controle de endemias e epidemias. Tais problemas não possuem soluções exclusivamente técnico-científicas ou econômicas e políticas: requerem novos padrões relacionais entre nações, entre grupos e entre as pessoas. Com base na premissa de que as mudanças paradigmáticas devem influenciar as relações entre as pessoas e que ela se sustenta na observação de um conjunto de acontecimentos na sociedade, pode-se argum entar a favor do reconhecim ento da importância da qualidade das relações entre as pessoas em geral, como substrato desses novos paradigmas (Dei Prette & Del Prette, 2001, no preío). Ao lado do paradigma neoliberaí que prioriza o ter em detrimento do ser e que leva as pessoas a buscar a felicidade por meio do consumo, um novo paradigma emerge, ainda que timidamente, privilegiando as relações e a qualidade de vida como fontes de realização pessoal. Essa qualidade depende, entre outros fatores, de um conjunto diversificado e elaborado de habilidades sociais pautado pela ética, polo respeito aos direitos e deveres de todos, pelo equilíbrio de poder nas relações e pela busca da saúde mental. Os mecanismos internos de autocontrole do que é legítimo e moral nas atividades nem sempre funcionaram da maneira como se desejaria, supondo-se a necessidade de mecanismos externos (regras sociais estabelecidas por meio de códigos, normas, tabus) para possibilitar um maior equilíbrio. Entretanto, a perspectiva neoliberaí criou, querendo ou não, uma filosofia de vida que se reduz á posse e desenvolve a segurança psicológica através do sucesso da riqueza. Isso, não obstante a sociedade parece voltar-se para uma reavaliação de suas práticas sociais, possibilitando um amadurecimento para a aceitação dos novos paradigmas relacionais. A observação vem registrando uma contra-reação popular à violência entre indivíduos e entre grupos. Nas grandes cidades de diversos países, Praga, Berlim, Granada,

Rio de Janeiro, grandes multidões buscaram as ruas pedindo um basta à violência e se

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confraternizaram de diversas maneiras. Mas não é apenas nos grandes eventos que se observa o desejo de mudança. Este, igualmente, parece estar presente no aumento da filiação religiosa pelos jovens, na multiplicação de organizações não governamentais de prestação de serviços de solidariedade, nos gestos isolados e quase despercebidos de ajuda mútua, na valorização, inclusive no mundo empresarial, de formas mais saudáveis de relacionamento entre as pessoas. É interessante notar que embora não haja uma mesma compreensão das necessidades e dos significados dos termos descritivos para os desempenhos sociais almejados, estes se disseminam e são utilizados na comunicação entre as pessoas. Uma leitura, mesmo que ligeira, dos classificados de emprego, dos principais jornais do pais mostra como essa preocupação está presente. Termos como "facilidade para o trabalho em equipe", "competência para lidar com conflitos" e "dinamismo e capacidade de comunicação" pretendem designar atributos desejáveis para diferentes cargos e funções. Por outro lado, pesquisadores de diversos palses elaboram e aplicam programas de desenvolvimento interpessoal para crianças de primeiro e segundo graus, destinados principalmente à diminuição dos conflitos de caráter hostil, da agressividade e do aumento de relacionamentos mutuamente recompensadores (Del Prette & Del Prette, 1999). Todos esses são sinais indicadores de que há uma preocupação generalizada com os conflitos humanos e um desejo manifesto de novos relacionamentos entre as pessoas, embora ainda não se possa avaliar o quanto a sociedade pretende investir para alcançar as mudanças desejadas.

4. O objeto da Psicologia e as relações interpessoais Toda» as coisa» fluem A única coisa que perm a ne ço è o ostado do m udança. H erácllto (1978)

A P sicologia, com o as dem ais discip lin a s c ie n tifica s do século XVIII, e principalmente do século XIX, moldou-se de forma notável à maneira cartesiana de ver o homem e o mundo. Mas a idéia de que a mente (ou alma, na visão de Descartes) poderia ser estudada pela introspecção e o corpo deveria ser objeto de investigação empírica, semelhante á orientação metodológica das ciências da natureza, não foi seguida à risca. A escola de Wundt dedicou-se, com persistência, á introspecção, analisando a consciência através de seus elementos básicos. O modelo funcionalista teve, em William James, seu maior expoente que, com formação eclética e crítico das tendências atomistas e mecanicistas do conhecimento psicológico de sua época, também se ocupou, em sua Psicologia, das relações entre as pessoas. Posteriormente, os behavioristas concentraramse no comportamento excluindo a mente ou a consciência de suas agendas de pesquisa. Nesse meio tempo, ganharam atenção considerável os achados da reflexologia russa bem com o as contribuições da anatom ia e da fisiologia. Concom itantem ente, a neuroanatomia supunha a possibilidade de reduzir o comportamento humano e as capacidades mentais a localizações específicas do cérebro. Isso bem cedo se mostrou uma suposição infundada, considerando os achados dos estudos posteriores sobre o cérebro (ver, por exemplo, Damásio, 1996; 2000).

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As descobertas da reflexologia, com as investigações experimentais de Pavlov, associadas á perspectiva skinneriana, trouxeram esperanças de que, finalmente, a Psicologia havia encontrado o bom caminho da ciôncia natural. Enfatizando a relação organismo-ambiente e considerando também o ambiente social, encaminharam questões pertinentes à qualidade e funcionalidade dos relacionamentos. Elas, porém, não eram as únicas e, em cena, novas teorias e movimentos fizeram-se presentes, como por exemplo, o movimento da gestalt, com a noção de que os indivíduos compreendem as coisas quando conseguem integrar suas totalidades e de que essas coisas possuem qualidades que não são encontradas em suas partes individuais. A sua importância na compreensão de questões ligadas á percepção também pode ser estendida à percepção social e à qualidade da "leitura do ambiente social" bem como de viéses nesse processo. Essas escolas psicológicas, todas críticas umas das outras, influenciaram a compreensão do homem e o uso do conhecimento psicológico em questões práticas como a educação, a psicoterapia, o trabalho e as demais relações sociais. Do final do século XIX até o momento atual, a Psicologia alcançou um grande reconhecimento na sociedade. Esse reconhecimento se deve tanto ao sucesso de sua aplicação aos diversos setores, como aos conhecimentos produzidos sobre o homem, não obstante as idéias controversas e multifacetadas na explicação do comportamento humano. O século XX assistiu à popularização de duas de suas maiores escolas: o behaviorismo e a psicanálise. As noções desses dois sistemas sobre o homem se espalharam por toda a Europa e Américas e termos como superego, transferência, reforço, condicionamento etc., fazem hoje parte do linguajar cotidiano. Ao longo de seu caminho, a Psicologia continuou a enfatizar diferentes objetos de estudo: mente, consciência (vista sob diferentes prismas), personalidade, comportamento, cogniçâo etc. Mudava-se a ênfase, mas o modelo definidor permanecia o mesmo. Freud por exemplo, estava convencido de que a psicanálise era uma ciência da mente, fundamentada em conceitos como espaço e tempo absolutos e na noção do determinismo da física clássica.Ora com maior, ora com menor status, as relações entre as pessoas também apareciam nos estudos das várias Psicologias. Pode-se, portanto, afirmar que, ao longo da história da Psicologia, a questão do relacionamento entre as pessoas sempre esteve presente como objeto de interesse e de investigação. O próprio conceito de comportamento, enquanto interação organismoambiente, incluLa interação entre os indivíduos. Muitos fenômenos psicológicos decorrentes dessa interação têm sido objetos de investigação nas diferentes áreas de conhecimento: na Psicologia Social (Vala e Monteiro, 1996), podem-se destacar os fenômenos da percepção e influência social, da autoridade-submissão, da agressão, da atração interpessoal, da atribuição social, dos processos grupais e de comunicação, das habilidades sociais; na Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento, a ênfase recaiu sobre as alterações, ao longo do ciclo vital, no funcionamento cognitivo, afetivo, lingüístico, social e motor, a ssociadas a outros fenôm enos com o o apego, a intelig ên cia, a m otivação, o condicionamento e a aprendizagem social, a memória etc. A interação organismo-ambiente e os fenômenos identificados nessa interação têm sido também objeto de avaliação e de intervenção em diferentes campos de atuação da Psicologia: na Clínica, quando considera os fatores sociais da saúde e da doença (física e psicológica); na Psicologia Educacional, quando busca promover transformações

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Zlltld A . P. Del Prette

no potencial e nas características dos indivíduos por meio dos sistemas formais e informais de ensino e aprendizagem; na Psicologia Organizacional, quando lida com os fatores humanos do trabalho e da produtividade; em outras áreas emergentes, como a Psicologia do Esporte, do Trânsito, Forense, Hospitalar, quando se considera a complexidade dos seres hum anos enquanto organism os biopsicossociais histórica e culturalm ente constituídos. Os conceitos de interação social e de relação social, embora freqüentemente utilizados como sinônimos na linguagem leiga, tôm sido diferenciados na literatura psicológica. Ao defender a necessidade de uma teoria das relações interpessoais, Hinde (1981) define interações sociais como as trocas comportamentais observáveis entre as pessoas, e relações sociais como um fenômeno mais amplo que inclui a análise do conteúdo, qualidade, freqüência e forma (por exemplo, reciprocidade, intimidade etc.) das interações entre indivíduos e o modo como estes aspectos afetam e são afetados por variáveis cognitivas e afetivas dos envolvidos e por outras variáveis contextuais. Para este autor, os fatores cognitivos, afetivos e comportamentais das relações interpessoais são bastante entrelaçados, destacando que a compreensão das propriedades das relações interpessoais implica integrar conceitos explicativos de diferentes abordagens como a estímulo-resposta (motivação, aprendizagem, recompensa, reforçamento) e a cognitiva (percepção, expectativa, direção do objetivo, emoções/sentimentos, valores e normas, além de outros como atitude, personalidade, identidade etc.). Integrando alguns desses conceitos, Hinde (1981) define o compromisso de uma relação em termos da extensão pela qual os parceiros aceitam sua continuidade ou dirigem o próprio comportamento no sentido de assegurar essa continuidade ou melhorar suas propriedades, diferenciando, portanto, os esforços para a simples continuidade daqueles dirigidos para a melhoria da qualidade e para a consistência das interações entre as pessoas. A propensão para o intercâmbio social faz parle tanto da natureza biológica como cultural do homem e, segundo prevê Kiesler (1982), as relações interpessoais deverão doravante ocupar um lugar de destaque nos estudos da Psicologia. Muitas áreas da Psicologia deverão voltar-se para o estudo das relações interpessoais sob diferentes perspectivas e referenciais teóricos. Dentre estas, o Treinamento das Habilidades Sociais parece possuir hoje, considerando-se o estado da arte desse campo (Trower, 1995), um potencial bastante promissor tanto para intervenção como para a pesquisa. A intervenção vem sendo cada vez mais dirigida para os objetivos preventivos e educacionais, o que pode resultar, também, considerado os dados obtidos com a população sem queixa clínica, em novas possibilidades de teorização.

O Treinamento de Habilidades Sociais é uma área ainda não totalmente difun no Brasil mas, a julgar por sua presença como tema recorrente nos últimos congressos, ela vem obtendo um reconhecimento progressivo em nosso meio. Na Europa, especialmente na Inglaterra onde se originou, e nos Estados Unidos e Canadá, ela se define como método de aplicação derivando um volume muito grande de pesquisa e teorias interpessoais recentes. No sentido da teorização, esse campo vem estabelecendo interfaces como outras teorias psicológicas como a ecológica de Bronfenbrenner (1996) e a das inteligências múltiplas de Gardner (Gardner, 1995; Del Prette & Del Prette, 1999), com várias áreas da Psicologia (Clínica, Social, do Desenvolvimento, do Trabalho, etc.) e com outras disciplinas como a Biologia Evolucionária, a Etologia, a Sociologia, a Antropologia, a Proxêmica.

S obir Comportamento c CoflniçJo

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No sentido empírico, muitas pesquisas vêm sendo conduzidas (Del Prette & Del Prette, 2000) na investigação de características de relacionamento e habilidades sociais de diferentes clientelas e de fatores associados à qualidade dessas relações. Em uma sondagem recentemente realizada junto a vários estratos da comunidade, verificou-se que as habilidades mais valorizadas foram as de ouvir, agradecer favores, saber falar e expressar sentimentos positivos. Essas habilidades, à exceção de agradecer favores, estão na base de relações não conflitantes e não agressivas que parecem corresponder a uma aspiração mais geral da sociedade sob os novos paradigmas. Certamente, mudanças microscópicas no plano das relações entre as pessoas podem gerar um formidável impacto na estrutura social mais ampla, alterando valores e normas na direção da mudança desejada pelo conjunto da sociedade brasileira.Os estudiosos da área do Treinamento de Habilidades Sociais no Brasil deverão, como está acontecendo em outros países, se envolver com essas questões e responder às demandas da sociedade. A presença desse tema e correlatos nos congressos de Psicologia e, adicionalmente, a formação de novos grupos de pesquisa na área constitui um importante passo nessa direção.

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Sobre C o m p o rltim c n lo c C oN nlvJo

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Capítulo 9 O modelo Cognítivo-Comportamental na Bulimia Nervosa Mônica Puc hcsne L /rtiv c n id a d c h t a d ik i l do R io dc A m ciro - ( //-AJ/

Aline dc Mesquita Carvalho h c o ta N a c io n a l dc Saudc Publica • H ( X . 'R U Z O m odelo c og nitivo -co m po rta m ental parte do pre ssup osto de que o m odo c om o as possoas In terpretam as sltuaçOos determ ina seus sentim entos e com portam entos. A o longo da vida, os In divíduos desenvolvem crenças acerca de sl m esm o, das outras pessoas e do m undo. Essas crenças podem ser dlsfuncionais, disto rcen do a realidade de algum a form a e , em conseqüência, ge rando tris te /a , ansiedade ou c om portam entos desadaptados. Este artigo irá enfocar alg um as crenças disfuncionais ob servadas na bulim ia nervosa e estratégias para m odificá-las. No tratam ento sâo ta m bém u till/a d a s técnicas com p ortam e nta is c om o treino em resoluçAo de pro blem a s, relaxa m en to, trein o em h a bilida de s socia is e té cn ica s de dlstraçflo. P a la vra s-ch a v e : bulim ia nervosa, transtornos alim entares, terapia c og nitivo-com portam ental C ogm tive-Behavlor Therapy assum es that pe o p le 's bellefs about sltuations determ ines th eir feelings and behavior. Since childhood poople bulld up bellefs about them selves, about othe r people and the w orld T hose bellefs m ay be disfunctlonal, slnce they dlsto rt reality, w hich causes to b u ilding anxiety, sadness and disfunctlonal b e ha vlor This artlcle ap proaches som e types o f core disfunctlonal bellefs for bulim ia nervosa and the strategie s for m odlfying them . C ognltlve-B ehavlor Therapy use behavioral technlques such as problem -solutlon training, relaxation, social hablllty training and dlstra ction technlques K # y w o rd s : bulim ia nervosa, eating disorders, c ognitive-behavior therapy.

A terapia Cognitivo-Comportamental parte do pressuposto de que o modo como as pessoas interpretam as situações determina seus sentimentos e comportamentos. Todas as pessoas podem interpretar erroneamente uma situação em determinado momento. Contudo, as pessoas com transtornos psicológicos apresentam uma vulnerabilidade para interpretar disfuncionalmente diversos tipos de situações e, em conseqüência disto, apresentam comportamentos desadaptados. Neste artigo são exemplificadas algumas das crenças disfuncionais encontradas na bulimia nervosa, assim como estratégias para modificação das mesmas. A bulimia nervosa caracteriza-se pela ocorrência de episódios de compulsão alimentar recorrentes, durante os quais é ingerida uma quantidade de alimento muito maior do que a maioria das pessoas ingeriria em período semelhante, dadas as mesmas circunstâncias. Estes episódios se caracterizam pela sensação de perda de controle sobre o comportamento alimentar (tem-se a sensação de que não é possível controlar a quantidade e o tipo de alimento ingerido). As pacientes com bulim ia1 apresentam medo intenso de engordar e após tais episódios empenham-se em comportamentos inadequados ’ A utllizaçfto do famlnlno no dacorrar do taxlo m axplic* pala granda prevalência d« bulimia antra aa paaaoai do taxo feminino

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Sobre Comportamento e Co#niv«U»

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Como observamos nos exemplos acima, a paciente com bulimia interpretou automaticamente as situações de acordo com suas crenças centrais e intermediárias. Uma vez que as bullmicas apresentam como crença central que a aparência é determinante para a aceitação social (muitas delas inclusive acreditam que é o único determinante), se nesta situação o amigo não lhe deu a atenção desejada, isto certamente teria ocorrido porque ele não a respeita em decorrência de sua aparência. Embora outras interpretações fossem possíveis (como, por exemplo, seu amigo poderia ter lhe dado pouca atenção por estar com pouco tempo disponível), elas costumam fazer avaliações tendenciosas, de acordo com suas crenças centrais. Também no segundo exem plo haveria outras interpretações possíveis: as pessoas poderiam apenas estar observando todos que estavam passando: ou mesmo a estar observando, porém com admiração por suas características positivas. Esta dificuldade em considerar outras possibilidades explicativas para suas experiências de vida dificulta a modificação do sistema de crenças, favorecendo a manutenção do comportamento disfuncional. Outro mecanismo que favorece a manutenção do sistema de crenças, mesmo que este seja disfuncional, é o fato do indivíduo focalizar seletivamente informações que confirmam a crença central, ignorando ou desqualificando informações que são contrárias a esta. Em geral, o indivíduo interpreta as situações através da “lente" desta crença, embora a interpretação possa, em base racional, não se substanciar. A psicoterapia Cognitivo-Comportamental objetiva modificar as crenças disfuncionais e, para tal, é importante ensinar ao paciente como examinar os próprios pensamentos de modo crítico e objetivo, atentando para todas as informações disponíveis (Beck,1997). Uma etapa importante para obter a modificação do sistema de crenças é a explicação do Modelo Cognitivo-Comportamental. O paciente deve ser educado sobre o que são crenças centrais em geral, sobre sua relação com as crenças intermediárias e pensam entos autom áticos e sobre com o as crenças influenciam sentim entos e comportamentos. É importante tambóm que ele entenda como algumas crenças se tornaram disfuncionais e como suas experiências contribuíram para isso (Beck,1997). Para a modificação de crenças, a primeira etapa consiste em ensinar o paciente a identificá-las. A segunda ó fornecer ao paciente ferram entas para avaliar seus pensamentos de forma consciente e estruturada, formulando respostas mais adaptativas ao seu pensamento. Para tal, ó importante que o paciente compreenda que crenças são idéias e não necessariamente a representação de uma verdade absoluta. Os pensamentos automáticos são mais facilmente percebidos pelo indivíduo e começamos tentando identificá-los. Como em geral são seguidos de modificação de afeto, a paciente deve tentar identificar o que estava pensando imediatamente antes dessa modificação. Por exemplo, a paciente sentiu-se triste após pensar que o amigo não lhe deu atenção por achá-la gorda. A partir da análise de diversos pensamentos automáticos, podemos observar temas comuns nestes e identificar crenças intermediárias e crenças centrais, tais como as já descritas no exemplo. A terapia cognitiva enfatiza a colaboração e participação ativa do paciente onde este e o terapeuta formam uma equipe que objetiva identificar e avaliar pensamentos disfuncionais. Tais pensamentos podem ser totalmente falsos ou conter uma parcela de verdade. Assim, juntos, terapeuta e paciente procuram avaliar os pensamentos deste último de forma estruturada, identificando a precisão e a utilidade das crenças deste

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Mômcu Puchesne 1 Aline de Mesquita Carvalho

através de uma cuidadosa revisão de dados e experiências de vida. Eles devem procurar quais são os argumentos e as evidências que confirmam que o pensamento é verdadeiro; que argumentos ou evidências o questionam; se haveria alguma outra explicação razoável para o ocorrido. Após esta análise podemos montar um quadro como o que está abaixo: Crença Central: “Apenas as pessoas magras têm sucesso na vida." Evidências que apoiam a crença

Evidências que contradizem a crença

As m o d e lo s astronômicos.

s a lá rio s

Minha amiga é mais gorda do que eu e está sempre namorando.

As lojas mais sofisticadas só têm roupas para magras.

Tenho três colegas gordas que são casadas.

Nas boates as mulheres mais bonitas são mais assediadas.

Tenho várias colegas magras que não namoram há muito tempo.

têm

A agência de modelos contratou p s ic ó lo g o s p a ra c u id a r d as modelos. Há modelos que usam drogas e morrem de anorexia. M inh a c o le g a m a is p o p u la r é gordinha. Há mulheres mais gordas que eu q ue têm bom d e s e m p e n h o acadêmico. Há modelos que são rejeitadas por determinados homens.

Após esta análise podemos chegar à formulação de crenças mais funcionais, tais como: “A magreza pode ajudarem algumas situações mas há várias outras qualificações que também podem, como habilidades sociais, estudo e inteligência"; ou; "Êpossível ter sucesso em diversas carreiras mesmo quando não se é magra". Como se pode observar pelo exemplo acima, pode não ser possível e nem necessariamente desejável reduzir totalmente a força de uma crença (o que diz respeito ao quanto o paciente acredita nela). Saber quando parar de trabalhar sobre uma crença é, portanto, uma questão de julgamento. Diminuir as expectativas que as bulfmicas têm com relação á magreza pode reduzir seu nlvel de ansiedade, fazendo-as comportarem-se de modo mais funcional. A paciente deve aprender o processo de identificação e modificação de seu pensamento, para que possa utilizá-lo sozinha em situações futuras. Há evidências de que a dieta muito restritiva facilita a ocorrência de episódios de com pulsão alimentar. Assim, o controle dos episódios de com pulsão associa-se á introdução de um padrão regular de alimentação. Para tal, faz-se necessário modificar os

Sobre CompoiLimrnlo e Cognivilu

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pensamentos disfuncionais sobre alimentação que estas pacientes apresentam. Um exemplo de crença disfuncional recorrente nesse transtorno seria: "Há alimentos que sâo saudáveis e alimentos que nâo sâo saudáveis e engordam muito. Estes nâo devem ser ingeridos nunca porque nâo vâo me fazer bem". Através do processo já descrito, pode-se chegar a respostas racionais do tipo: "Mesmo obesos, em programas de emagrecimento, devem com er os alimentos que eu nâo considero saudáveis, como pão"; “Durante os episódios de compulsão alimentar eu absorvia pão, caso contrário teria emagrecido. Eu nâo fiquei doente p or isso” ; "A grande maioria das pessoas come pão e não passa mal". A terapia Cognitivo-Comportamental também utiliza técnicas comportamentais. Por exemplo, para obter controle dos episódios de compulsão alimentar pode ser útil ensinar técnicas de relaxamento e técnicas de distração (Garner, D. M. & Bemis, 1985). Ao longo do tratamento é freqüentemente necessário fazer treino em habilidades sociais (utilizando ensaio de papéis). Uma das técnicas utilizadas para ajudar a identificar as habilidades a serem treinadas é o Treino em Resolução de Problemas que consiste em: 1 - Identificar situações facilitadoras de episódios de compulsão (ex: ficar entediada em casa ou brigar com a irmã); 2 - Listar comportamentos alternativos (ligar para uma amiga, ver TV, sair de casa, fazer relaxamento); 3- Considerar a provável eficácia e praticabilidade de cada alternativa; 4- Escolher uma alternativa; 5- Praticar a alternativa; 6- Avaliar os resultados obtidos. O objetivo desta técnica é tornar a paciente capaz de identificar e solucionar adequadamente problemas. Isto pode implicar na utilização de técnicas de relaxamento, estratégias para ocupar-se ou na identificação ou na modificação de suas crenças disfuncionais, dependendo da situação. As técnicas comportamentais, além de apresentarem valor intrínseco, são um importante instrumento para facilitar a modificação do sistema de crenças. A psicoterapia cognitivo-comportamental tem sido extensivamente estudada. Bacaltchuk (1999) fez uma revisão sistem ática de estudos que utilizaram terapia cognitivocomportamentál. Esta revisão indicou, por exemplo, melhora dos episódios de compulsão alimentar variando de 65% a 99%, dependendo do estudo analisado. Estes resultados evidenciam os bons resultados que podem ser obtidos com esta metodologia de tratamento.

Referências APA - American Psychiatry Association, (1994). Diagnostlc and Statistical Manual of Mental Disorder (4th edition). Washington, DC: APA. Bacaltchuk, J. (1999). Revisão sistemática da bulimia nervosa com antidepressivos. Tese de Doutorado, Escola Paulista de Medicina, Sflo Paulo.

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Mrtmc.1 l>uthe*ne i Aline de Mesquita Oirv.ilbo

Beck, J. S. (1997). Terapia cognitiva. Teoria e Prática. (S. Costa, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas (Trabalho original publicado em 1995). Falrburn, C. G. (1985). Cognitive-Behavioral Treatment for Bulimia. Em D. M. Garner & P. Garfinkel, Handbook of Psychotherapy for Anorexia Nervosa e Bulimia (pp 160-192). New York: Guilford Press. Garner, D. M. & Bemis, K. M. (1985). Cognitive Therapy for Anorexia Nervosa. Em D. M. Garner, & P. Garfinkel, Handbook of Psychotherapy for Anorexia Nervosa e Bulimia (pp 107-146). New York: Guilford Press. Weiss, L., Katzman, M., Wolchik, S. (1985). Treating Bulimia. A psychoeducational Approach. New York: Pergamon Press .

Sobic Coiupuflumcnlo e Cotfmvdo

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Capítulo 10 Integração de razão e emoção: acerca da importância do condicionamento respondente para a noção de operante Rosângela A raújo Parwich ( fnivcrsidtHk di Ant.i/onij Olavo de Faria (jalvào Universidade / cdcr.il do /\ir,f O presunta trabalho busca interpretar, de um a perspectiva analítico-com portam ental, a hipótese da integração de razâo e emoçAo, levantada por D am ásio (1996), por sua relevância para o funcionam ento ne urológico d e organism os hum anos, nm term os da intoraçAo do condicionam ento respondente com o com portam ento operante Na an álise do com portam ento, o estim u lo d iscrim inativo da c ontingência operante de três term os tem tam bém funçAo elicladora de respostas em o cio na is que precisam ser levadas em conta. P a la v ra s -c h a v e : interaçAo operante-respondente, base biológica da m ente, análise do com portam ento. This a rlicle addresses D am asio'» (1996) hlpothesls o f th e relevance of th e integration betw een reason and em otion for the neurological functionlng o f hum an beings, In terpreted in term s of the ínteracllon b etw een respondent and operant conditioning. From th e behavlor anaiysis standpoint, th e discrlm inative stim ulus in the three-term operant con ting en cy has also eliclting function o f em otional responses that m ust be taken into account. K« y w o rd s : respondent-operant interaction, biological basis o f th e m ind, behavior anaiysis.

Em oposição à neurologia tradicional, Damásio (1996) propõe que os organismos sejam compreendidos enquanto união indissociável de corpo e cérebro, mantendo o conceito de mente enquanto resultante de determinadas respostas internas. O organismo constituído pela parceria córebro-corpo interage com o ambiente como um conjunto, não sendo a interação só do corpo ou só do cérebro. Porém, organismos complexos como os nossos fazem mais do que interagir, fazem mais do que gerar respostas externas e spontâneas ou reativas que no seu co nju n to são co nh e cida s com o comportamento. Eles geram também respostas internas, algumas das quais constituem imagens (visuais, auditivas, somatossensoriais) que postulei como sendo a base para a mente (pp. 114-115). Verifica-se que Damásio (1996) com partilha dos objetivos adotados pelas neurociôncias, cujo desenvolvimento, segundo Kandel, Schwartz e Jessell (2000), visa desvandar "o mais profundo dos mistérios biológicos - a base biológica da mente e da consciência" (p. xxxvi) e, portanto, "compreender os processos mentais através dos quais percebemos, agimos, aprendemos e recordamos" (p. 3).

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Rofcinflrlii Araú|o P.irwiili t Olavo farui C/.ilvQo

Damásio (1996) afasta-se, aparentemente, portanto, do monismo físico adotado por Skinner (1945), na medida em que este descarta a noção de mente como causa de comportamentos, propondo que os organismos sejam compreendidos de forma integrada e em termos das relações entre seus comportamentos (abertos ou encobertos) e o ambiente externo. Skinner (1974/1995) justifica seu raciocínio através de alguns questionamentos acerca de como a mente poderia ser explicada com base na teoria da evolução: Quando e como evoluiu a m ente? Que tipo de mutação poderia ter dado origem ao primeiro estado ou processo m ental que, ao contribuir para a sobrevivência da pessoa em que ocorreu, tornou-se parte da dotação genética hum ana? ... Que tipo de gene físico poderia conduzir o potencial da mente, e como poderia esta satisfazer às contingências físicas de sobrevivência? (pp. 41-42).

Em sua forma de ver o problema da mente, Skinner diz que "o behaviorista tem uma resposta simples. O que evoluiu foi um organismo, parte de cujo comportamento foi conjecturalmente explicada pela invenção do conceito de mente" (1974/1995, p. 42). A parte “conjecturalmente explicada pela invenção do conceito de mente" corresponde ao conjunto das reações do organismo que são sentidas apenas por ele mesmo, e que se desenvolve em estreita relação com as demais reações publicamente observáveis. O behaviorista radical não nega a existência desses fenômenos. Afirma que esses fenômenos são resultados da história de interação do organismo com seu ambiente e não um conjunto de variáveis em um nível diferente, "mental", das quais o comportamento seria função.

Integração entre razão e emoção: uma perspectiva das neurociências Damásio (1996) verificou que pacientes que sofrem dano neurológico no lobo cerebral pré-frontal, apesar de permanecerem com a capacidade intelectual intacta, passam a ter dóficits comportamentais em situações que envolvem questões práticas ligadas á tomada de decisões nos domínios pessoal e social, o que aparentemente está relacionado ao prejuízo que apresentam em suas reações emocionais. É a partir de tais dados que indica a necessidade de se compreender razão e emoção de forma integrada. Emoções e sentimentos são os sensores para o encontro, ou falta dele, entre a natureza e as circunstâncias. E por natureza, refiro-me tanto à natureza que herdamos enquanto conjunto de adaptações geneticamente estabelecidas, como à natureza que adquirimos por Oia do desenvolvimento individual através de interações com o nosso ambiente social, quer de forma consciente e voluntária, quer de forma inconsciente e involuntária. Os sentimentos, juntamente com as emoções que os originam, não são um luxo. Servem de guias internos e ajudam-nos a transmitir aos outros sinais que também os podem guiar (Damásio, 1996, p. 15). As neurociências, buscando formular uma teoria da emoção capaz de "explicar a relação entre estados cognitivos e fisiológicos" (Iversen, Kupfermann, & Kandel, 2000, p. 983), relacionam o sentimento à sensação consciente de um estado corporal, a emoção. A especificação de tais termos justifica-se até mesmo porque circuitos neuronais diferentes estão relacionados a cada um deles. Sentimento consciente é mediado pelo córtex cerebral, em parte pelo córtex cingulado (cingulate) e pelos lobos frontais. Estados emocionais são mediados por uma família de

Sobre C om po rtam en to e C o fln ifd o

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respostas periféricas, autonômicas, endócrinas e respostas motoras. Essas respostas envolvem estruturas subcorticais: a amígdala, o hipotálamo e o tronco ce reb ra l.... Para compreender uma emoção como o medo, portanto, precisamos compreender a relação entre sentimento cognitivo representado no córtex e os sinais fisiológicos associados que são orquestrados em estruturas subcorticais (Iversen et. al, 2000, pp. 982-983).

Integração entre razão e emoção: uma perspectiva analítico-comportamental De um ponto de vista analítico-comportamental, considerar sentimento como sensação consciente e emoção como estado corporal implicaria considerar emoção como resposta eliciada na presença de um determinado estímulo, nos moldes das relações respondentes, e sentimento como descrição verbal - e, portanto, operante - da resposta. Especificamente quanto às observações realizadas por Damásio (1996), estas parecem indicar que, na ausência da emoção, o indivíduo toma-se insensível a contingências de reforço que envolvem relações intra e interpessoais, sendo que as descrições de contingências também se tornam desprovidas de sentido, posto que mesmo o governo do comportamento por regras e auto-regras se deteriora. Em suma, a ausência do respondente prejudicaria a emissão dos operantes a ele relacionados. De acordo com a tríplice contingência operante, um estímulo é considerado como tendo a funçáo de reforçador (SR) quando fortalece a ligação entre um estimulo discriminativo (SD) e uma resposta (R). Assim sendo, um SD sinaliza uma maior probabilidade de que a emissão de uma dada resposta, anteriormente reforçada em sua presença, seja novamente seguida pelo SR (Skinner, 1938). Tendo em vista que, nas relações respondentes incondicionadas e condicionadas, respostas sáo eliciadas por estímulos que as antecedem (Pavlov, 1904/1980), bem como o caráter respondente das respostas emocionais (Skinner, 1953/1994), pode-se considerar que o SR também exerça a função de estímulo eliciador de respostas emocionais. Skinner (1974/1995) ressalta a ocorrência de sensações como "estados físicos gerados pelos reforços" (p. 44) e, conseqüentemente, como efeitos colaterais de contingências operantes. Um passo adiante relaciona-se à possibilidade da resposta emocional, eliciada pelo SR, tornar-se condicionada à presença do SD de uma forma tal que o SD, tendo adquirido a função de eliciador condicionado de tal resposta emocional, passaria a sinalizar a probabilidade de reforçamento, independentemente do indivíduo lembrar-se ou não da contingência em que esteve envolvido anteriormente, em termos de saber descrevê-la. Para Skinner (1974/1995), os organismos são modificados pelas contingências de reforço, mas o termo "modificado" não quer dizer que, novamente diante do SD, um indivíduo, necessariamente, lembra-se da conseqüência que seguiu a emissão de uma dada resposta no passado. Skinner usa o "modificado" justamente para manter sua posição de que o organismo é um todo integrado e, portanto, evitando conceitos como o de memória. Garantir que o indivíduo não precisa ter consciência das fontes de controle do seu comportamento para que elas atuem, no entanto, não responde exatamente como elas atuam. O fisiólogo do futuro nos dirá tudo quanto pode ser conhecido acerca do que está ocorrendo no interior do organismo em ação. Sua descrição constituirá um progresso

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Kusânticlii Araújo Parwuh l Olavo haria C/alvilo

importante em relação a uma análise comportamental, porque esta é necessariamente "histórica” - quer dizer, está limitada às relações funcionais que revelam lacunas temporais. Faz-se hoje algo que virá a afetar amanhã o comportamento de um organismo. Não importa quão claramente se possa estabelecer esse fato, falta uma etapa, e devemos esperar que o fisiólogo a estabeleça. Ele é capaz de mostrar como um organismo se modifica quando ó exposto às contingôncias de reforço e porque então o organismo modificado se comporta diferente, em data possivelmente muito posterior (Skinner, 1974/1995, p. 183). Cabe ressaltar que, de acordo com o modelo de seleção pelas conseqüências, operantes são explicados pelos estímulos que seguem sua emissão e não pelos que os antecedem (para uma análise dos mecanismos neurais do reforço, veja Galvão, 1999) Skinner afirma que “há um equívoco em dizer que ... tendemos a nos em penhar em comportamento reforçado por alimento porque sentimos fome" (p. 46). Com a ressalva de que sensações não causam operantes, considerar sua importância enquanto respostas condicionadas à presença do SD (e, portanto, como um dos estímulos com função discriminativa) para a manutenção de determinados operantes pode ser útil para a compreensão dos dados de Damásio (1996), de um ponto de vista analítico-comportamental, bem como da "lacuna temporal” existente entre o reforçamento de um operante no presente e o aumento na probabilidade de sua emissão no futuro.

Referências Damásio, A. R. (1996). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. (Dora Vicente e Georgina Segurado, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. Galvão, O. F. (1999). O reforçamento na Biologia Evolucionária Atual. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1{ 1), 49-56. Iversen, S. Kupfermann, I. E e Kandel, E. R. (2000). Arousal, emotion, and behavioral homeostasis. Em E. R. Kandel, J. H. Schwartz, e T. M. Jessel (Eds.). Principies o f Neural Science. (4* Ed.), New York: MacGraw-Hill. Kandel, E. R., Schwartz, J. H. e Jessel, T. M. (2000). Principies o f Neural Science. (4a Ed.), New York: MacGraw-Hill. Pavlov, l. V. (1980). Os primeiros passos certos no caminho de uma nova investigação (RacheHVIoreno, Trad.). Em Pavlov/Skinner (pp. 3-14), Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural (Discurso do prêmio Nobel, 1904). Skinner, B. F. (1938). The behavior o f organisms. New York: Appleton. Skinner, B. F. (1945). The operational analysis o f psychological terms. Psychological Review, 52, (5), 270-277. Skinner, B. F. (1994). Ciência e comportamento humano (João Cláudio Todorov e Rodolfo Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes (Originalmente publicado em 1953). Skinner, B. F. (1995). Sobre o behaviorismo. (Maria da Penha Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix (Originalmente publicado em 1974).

Sobre C o m p o rliim c u lo v Cotfnive Im portace o f cognitive, om otlonal and behavioral fa ctors In th e ap pnarance and evolutlon (or courae) o f m any ga stroin testin al disorders, and th e need o f C BT at a m u ltidlscipiinsr team to Im prove the treatm ent and quality o f life o f th e patients. Finally, we m ust to e m p h a s i/e the relevance o f bio psico ssocial m odel know ledge fo r Health Psychology. K#y w o r d * : cognitive-behavior therapy, fu nctional diseasa, Irrltable bow el syndrom e, health psychology.

As condições gastrintestinais, de forma geral, estiveram sempre associadas à presença de transtornos mentais ou conflitos psicológicos em sua etiologia e curso (Pacheco E Silva, 1962; Mello Filho, 1992). A abordagem das doenças gastrintestinais por correntes psicológicas esteve presente desde cedo na prática médica, inicialmente de forma mais sistemática pela medicina psicossomática, seguida pela corrente psicofisiológica e atualmente pela Medicina Comportamental e Psicologia da Saúde. No Brasil, refletindo um pensamento corrente sobre a origem dos problemas do aparelho digestivo, Paiva (1966) escreve um capítulo intitulado: "Transtornos Emocionais dos Intestinos”, divulgando o pensamento psicossomático psicanalítico para compreensão do efeito mente - corpo, e de suas interações. A constipação crônica, por exemplo, era compreendida por especialistas em psicossomática psicanalítica como:

Sobre C o m p o rlu /n o n lo c C o n f l i t o

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“A constipação crônica, seria na maioria das vezes, uma doença psíquica resultante de um conflito em dar 0 receber afeto. As pessoas portadoras de constipação crônica não sabem dar; atuam atravôs de uma reação de protesto, porque nunca receberam o suficiente" (Paiva, 1966, p. 296).

A descrição acima faz parte do modelo psicológico psicanalltico que busca a compreensão da relação entre fatores orgânicos e psicológicos, através da incursão sobre fenômenos inconscientes em conflito e que provocariam tanto o aparecimento das doenças, quanto o seu desaparecimento. Atualmente, este modelo compreensivo não satisfaz questões metodológicas ao explicar a manifestação das doenças através dos fenômenos inconscientes ou mesmo testada sua validade a respeito do tratamento destas condições (Stoudemire, 2000). Doenças funcionais do aparelho digestivo referem«se a sintomas clínicos em que não são encontradas evidências de alterações morfológica, estrutural ou bioquímica e envolvem modificações, principalmente, na motilidade e sensibilidade do trato gastrintestinal (Moraes Filho e Barbutti, 1997). Sua ocorrência ó muito freqüente em pacientes que procuram ajuda de um módico gastroenterologista, podendo ser de até 50% dos casos (Moraes Filho e Barbutti, 1997). Na tabela 1, são descritos os principais distúrbios gastrointestinais funcionais seguindo o recente sistema de classificação e diagnóstico intitulado Critérios de Roma II (André, 2000).

D is tú r b io s A. Distúrbios esofáglcos

A1. Globo A2. SJndrome da Ruminação A4 Azia funcional

B.

B1. B2 B3.

Distúrbios gastroduodenais funcionais

Dispepsla funcional Aerofagla Vômito funcional

C. Distúrbios intestinais

C1. Síndrome do Intestino Irritável C3. ConstipaçAo fundonal C4. Diarréia funcional

D. Dor abdominal funcional

D1. Síndrome da dor abdominal

E. Distúrbios biliares

E1. Disfunçâo da vesícula billar

F. Distúrbios anorretais

F1.

G. Distúrbios pediátricos fundonals

G1a. Regurgitação na infância

Incontinêncla fecal funcional

Tabela 1* Principais distúrbios gastrointestinais funcionais, segundo o Critério de Roma II (ANDRÉ, 2000).

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A r n w m l o R ib eiro d ,u N e v e * N e t o

Uma das condições funcionais freqüentemente descrita na literatura é a Síndrome do Intestino Irritável (Sll), que atinge cerca de 9,4 a 22% da população (Moraes Filho e Barbuti, 1997). A Sll apresenta seu quadro clínico com aumento da atividade motora contrátil do tubo digestivo e alteração da sensibilidade das vísceras abdominais, o que pode provocar períodos de diarréia ou obstipação, sendo acompanhada ou não de dor e intenso desconforto (Forones e Miszputen, 2000). Fatores psicossociais (ansiedade e problemas conjugais) e ambientais (dieta) estão relacionados ao aparecimento da Sll ou de sua gravidade (Olden e Drossman, 2000). Neves Neto (2001) descreve a comorbidade de sintomas psicológicos em pacientes portadores de Sll e outras patologias do aparelho digestivo, como sendo ansiedade (68%), depressão (52%), estresse (70%) e piora do índice de qualidade de vida. Estudos, como os apresentados por Schwab, Brown e Holzer (1968), Olden e Drossman (2000) e Neves Neto (2001), auxiliaram o enquadramento das condições funcionais gastrintestinais pela Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), pois os sintomas psicológicos não são compreendidos apenas como reações ao desconforto dos sintomas digestivos ou advindos de processos inconscientes, e são procurados nos sintomas psicopatológicos, contingências ambientais e distorções cognitivas que alteram e mantêm a resposta mal-adaptativa frente às perturbações da motilidade e sensibilidade do trato gastrintestinal (Salkovskis, 1997). Na Tabela 2 são descritos graus de envolvimento de fatores psicossociais e ambientais no aparecimento e manutenção da Sll.

EatimulaçAo flstolóalca II

+ /-

EvttaçAode ■tlvtdadm t

V e rlftaçfto, roconforto

Má InterprotaçAo de *lntoma«

Perturbações do humor

'

+ /-

- o ii +7-

+ fator Importante. - fator que raramente ó importante. +/- fator pode ser Importante, mas tambóm estar ausente. Tabela 2- Descrição do grau de associação entre fatores psicossociais e ambientais e ocorrência de Sll (Adaptado De Salkovskis, 1997; Olden e Drossman, 2000).

Van Dulmen et al. (1996) concluem em um ensaio clínico apresentado na Psychosomatic Medicine que o tratamento em grupo de TCC é efetivo para aliviar os sintomas físicos e psicossociais da Sll, através do aumento de estratégias de coping e redução de respostas de fuga. As mudanças adquiridas através do tratamento foram mantidas ao longo do tempo. Outros estudiosos tambóm apontam o papel das intervenções da TCC na redução dos sintomas intestinais, sendo importante ressaltar o caráter crônico destas condições, o que possibilita ao paciente através do processo psicoterápico aprender a lidar melhor com sintomas físicos, psicológicos e estilo de vida (dieta) (Salkovskis, 1997; Rothstein, 2000).

Sobre C om po rtam en to c C ojiniv«io

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A aplicabilidade de procedimentos de TCC em Psicologia da Saúde atualmente está sendo estudada e novas informações mostram um aumento da qualidade de vida dos pacientes submetidos a TCC, redução de sintomas psicopatológicos, reeducação do estilo de vida e prevenção de comportamentos mal-adaptativos envolvidos com a doença, além da diminuição do desconforto ocasionado pelo processo de enfermidade - tratamento do paciente e de seus familiares (Ogden, 1996; Brannon e Feist, 2000).

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A rm a n d o R ibe iro d, desem penhos considerados típicos para o esquem a de Fl, raramente apareciam. Azrin manipulou então a variável custo-da-resposta e observou que o padrão típico de Fl com eçava a aparecer como função do aumento do custo da resposta. Azrin discute a possibilidade de outras variáveis também estarem interagindo para a não obtenção do padrão típico nos experimentos com sujeitos humanos. Seguindo a sugestão de Azrin, de procurar variáveis responsáveis pela não obtenção dos padrões típicos dos esquemas de reforçamento com sujeitos humanos, Weiner, na década de 60, conduziu uma série de experimentos. D eform a sistemática, Weiner observou que, além da variável custo da resposta, uma outra variável parecia ter um papel fundamental na determinação do padrão de desempenho de sujeitos humanos submetidos a esquemas de reforçamento: a história comportamental. Em 1969, W einer publicou os resultados de cinco experim entos nos quais além da variável custo-da*resposta, foi também investigada a variável história de re forçam ento4. No Experim ento 2, W einer m anipulou sistem aticam ente a história experim ental de sujeitos humanos e mediu os efeitos das m anipulações feitas sobre o responder em esquem a de Fl. Seus sujeitos foram hom ens adultos. A resposta requerida no experimento era a de pressionar um botão e os reforçadores eram pontos que podiam, ao final da sessão, ser trocados por dinheiro. Q uatro sujeitos foram subm etidos a um esquem a de reforçam ento em FR e outros quatro sujeitos a um esquem a de reforçam ento em D RL6. Numa fase seguinte, todos os sujeitos eram então subm etidos a um esquema de reforçam ento em Fl. Os valores de Fl para todos os sujeitos foram m anipulados na seguinte ordem : FI1 Os, FI30s, FI60s e FI300s. Observou-se que para todos os valores de Fl o grupo que havia recebido treino em FR produziu um padrão de taxa alta e constante; o grupo treinado em DRL produziu um padrão de taxa baixa, com longas e poucas pausas no intervalo. Na discussão, Weiner sugere que o treino em FR e DRL e, portanto, a história, era a variável responsável pelo padrão obtido. R esultados sem elhantes tam bém foram obtidos nos outros experimentos conduzidos por W einer e, a partir da sistematicidade desses resultados, fica evidente a força da variável história na determinação de comportamento correntes. Além da pesquisa com esquem as de reforçam ento, efeitos de história sobre o com portam ento atual de sujeitos hum anos tam bém tôm sido reportados em outras áreas de pesquisa em Análise Experim ental do Com portam ento. Recentem ente, um artigo de W ilâon e Hayes (1996) mostra efeitos de história num procedim ento típico de equivalência de estím ulos. Nesse estudo de W ilson e Hayes, os sujeitos (23 10 padrAo Scefcjpsacarmíen/a por um* pauta no reeponder logo apôs o ratorçanwnlo a uma retomada i»o responder, com aceleração positiva, alé o próximo reforçflmento O nome uatUofi foi (Indo a eaaa padrAo em funçAo aa sua semeluinça a uma concha do mar (ArgapKttn trmdkinâl) quando visualizado a partir da um regiatro cumulativo Apesar da axwtlr a palavra eecalope' como tradução para lingua portuguesa, optou aa pelo uao do larmo am inglês paio tato da |A aer um jargAo da Area usado amplamente na literatura especiali/ada em português como também em várias outras linguas O pfldrAo txmak-nnd-run sa caracteriza por uma grande pausa e um jorro da reepoetas no final do Intervalo * Além das variáveis custo da resposta e hiétórla comportamental, Weiner também discutiu a possibilidade da varlével 'Instrução' desempenhar um importante papel em seus experimentos Foge ao escopo do presente trabalho uma discussAo sobre esse lema. contudo o leitor Interessado podarAse beneficiar da leitura dos seguintes trabalhos Assis, 1905, Catanla. Shimoff e Mathews 1980. Lowe, 1070, dentre outros. * DRl é a abreviação da slgta inglesa para ‘reforçamento diferencial de baixas taxas de respostas (dMonaUal ntnlorcamant otlow rato). Num esquéma de DRL é reforçada a primeira resposta que ocorrer depois de passado o Intervalo determinado pelo esquema desde que nAo lenha havido nenhuma resposta durante o intervalo Se ocorrer alguma resposta durante o intervalo, o intervalo é reiniciado. Mais recentemente o osquema do DRL tem sido chamado de IRT>t que é a sigla inglesa para tn fr e tp o n u tirrm g n M r lhan I (em português: tempo entre respostas maior do que um tempo t). O termo IRT>1 é mais descritivo do que o termo DRL por enfatizar que. nesse esquema de reforçamento, n unidade comportamental reforçada é uma pausa acompanhada de uma resposta Contudo, optou-se pela utilIzaçAo do termo DRL, por ser esse um jnrgAo quo já é parte da cultura behaviorlsta

Sobre C o m p o il.tm c n lo e (.\>tfnii»lo

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adultos) foram treinados a fazer d iscrim inações condicionais num procedim ento de m a tc h in g -to -s a m p le * . Os sujeitos form aram , a p a rtir do treino, três classes de equivalência, cada uma delas com quatro estím ulos visuais, form ando 12 estím ulos. Esses estímulos foram reorganizados e um novo treino de discrim inação condicional foi feito de tal forma, que três novas classes de equivalência eram possíveis, A maioria dos sujeitos em itiu respostas que eram consistentes com as novas classes de equivalência, num teste de novas relações derivadas do treino. Numa fase seguinte, os s u je ito s foram e xp o sto s a um p ro ce d im e n to de e xtin çã o e as cla s s e s de equivalência mais rem otas tenderam a aparecer com alta freqüência. É interessante observar que as respostas durante a extinção, por definição, não eram reforçadas e sendo assim, qualquer resposta do repertório com portam ental dos sujeitos poderia então reaparecer,

A contribuição da farmacologia comportamental Quando o assunto é a investigação de efeitos de contingências passadas sobre o com portam ento presente, a área da farm acologia com portam ental tem sido profícua na apresentação de estudos bem sucedidos. Estudos em farm acologia com portam ental sugerem alternativas de investigação de efeitos de história. Efeitos interessantes foram relatados por Terrace (1963a). Os sujeitos de Terrace (pombos) mostravam desempenhos diferentes quando tratados com drogas, em função de uma experiência prévia. Nesse estudo, foram investigados efeitos das drogas clorpromazina' e imipramina” no desempenho de pombos que haviam sido treinados numa tarefa de discriminação. Foram usados dois procedimentos de discriminação: simples ou sem erro. O procedimento de discriminação simples é um procedimento de estabelecimento de controle de estímulos, no qual respostas são reforçadas diferencialmente. Num procedimento de discriminação sem erro, o estímulo S- é apresentado9 por um período extrem am ente curto, im pedindo-se a ocorrência de respostas na sua presença, concomitantemente, ao reforçamento das respostas que ocorram na presença do estímulo S+ Numa primeira fase, um grupo de pombos foi submetido ao procedim ento de discriminação sem erro e um outro grupo a um procedimento convencional de discriminação. Ao final dessa primeira fase, os pombos, nos dois grupos, apresentaram um desempenho estável com alto índice d iscrim ina tivo 10, independentem ente do procedim ento de discriminaçãausado. Quando as drogas eram administradas, na fase de teste, os sujeitos que haviam passado pela contingência de discriminação convencional aumentaram a taxa de respostas durante a apresentação de S-. Além disso, as drogas não tiveram efeito sobre a taxa de respostas em S- para aqueles sujeitos com experiência prévia no * O procedimento d« mutchmg to samp/e (o termo tem tido traduzido em português como '««colha d« acordo com o modelo" ou ainda "pareamenlo d« acordo com o modelo") é urn procedimento d« discriminação no qual um modelo é apr«Mnlado • logo depois o «ujsilo dava emitir uma resposta de eicolha de acordo com o modelo apr«t«ntado Diferentes dim*n«Oe> do modelo podem »er uiadas como critério para que • • considere uma resposta de eacolha como correia, como por exemplo, a poaiçAo, a forma, a cor etc. ’ Clorpromazina é uma droga u«ada como tranqüilizante em pacientes diagnosticados com esquizofrenia e outras psicoses. Também é usada como inlbidora de vAmitos e náuseas * Imlpramlna é uma droga usada como auxiliar no tratamento de depressão * S- é um estimulo discriminativo na presença do qual há uma baixa probabilidade de reforçamento, em oposição ao S *, que é um estimulo discriminativo na presança do qual há uma alta probabilidade de reforçamento 1110 Indico discriminativo (ID) é a média da taxa de respostas corretas, dividida pela soma das taxas médias das respostas corretas e das respostas incorretas, multiplicada por 100.

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Scrflio Cirino

procedim ento de discrim inação sem erro. Ou seja, as drogas produziram efeitos comportamentais diferentes, em função de uma exposição prévia a uma história particular. No final da década de 70, Urbain, Poling, Millan e Thompson (1978) usaram ratos como sujeitos e mostraram também a modificação de efeitos de drogas no comportamento, em função de uma história construída no laboratório. Inicialmente, os sujeitos foram expostos a sessões de FR40 ou de DRL11seg. Numa segunda fase, todos os sujeitos foram expostos a um esquema de Fl 15seg até o ponto em que o responder dos sujeitos foi considerado estável. Na fase de teste, ainda em esquema de Fl, foram administradas diferentes doses de d-Anfetamina11 antes das sessões experimentais. Observou-se, para todas as doses, um aumento na taxa de respostas dos animais com experiência prévia em DRL e uma diminuição na taxa de respostas para os sujeitos com experiência prévia em FR. As drogas produziram efeitos completamente opostos, justamente em função da história construída na Fase 1. Apesar de utilizarem procedimentos bastante distintos, o experimento de Terrace (1963a) e o de Urbain e col. (1978) sugerem algo instigante para os estudiosos do comportamento: a possibilidade da recuperação de efeitos de história sobre um responder estável e que, aparentemente, não mostra influências da exposição a contingências passadas. Num experimento clássico, Barrett (1977) investigou justamente essa possibilidade da recuperação de uma certa história sobre um responder atual que, metaforicamente, escondia efeitos de contingências passadas. Barrett usou quatro macacos (squirrel monkeys) como sujeitos. Dois deles eram ingênuos e os outros dois haviam sido expostos, previamente, a um procedimento de fuga-esquiva12 com choque como estímulo aversivo. Os quatro sujeitos foram expostos, na Fase 1, a um esquema de FI5min com alimento como estímulo reforçador e, concomitantemente, a um esquema de FR30, com choque elétrico como conseqüência. Depois de estabilizado o comportamento, observou-se que o desempenho era parecido para os quatro sujeitos. Numa segunda fase, foi administrada a droga d-Anfetamina e observou-se que o desempenho dos sujeitos variava em função da exposição prévia a contingências específicas. Quando o responder foi seguido pelo choque, a droga aumentou a taxa de respostas dos sujeitos que haviam passado pelo procedimento de esquiva, mas não teve efeito para os outros dois sujeitos. Numa última fase, os sujeitos que eram ingênuos no início do estudo passaram por um treino em esquiva. Um novo tratamento com a droga d-Anfetamina foi, então, administrado e os sujeitos passáram a responder com uma alta taxa de respostas. Um aspecto curioso nesses estudos com droga é que, freqüentemente, diferentes drogas evocam efeitos de experiências passadas, mesmo em desempenhos estáveis e sob forte controle das contingências correntes. Em ambos experimentos aqui citados (Terrace, 1963a e Urbain e col. 1978), antes da introdução da fase de teste, o responder corrente dos sujeitos experimentais estava sob controle das contingências em vigor, independentemente da história a que haviam sido submetidos. Em função de uma exposição prévia a um certo arranjo de contingências, as drogas "revelaram" ou "desmascararam" efeitos de experiências passadas que, se não fosse a introdução da droga, não teriam sido revelados. MA d Anfetamlna 6 uma droga de aç*o no sistema nervoso central e * freqüentemente usada como anlidepressivo e também no tratamento de controle de apetite em casos de obesidade ” Num procedimento de fuga-esqulva o sujeito experimental é colocado numa situaçflo de fuga ■inalizada na qual um estimulo averslvo. um choque por exemplo, é liberado na presença de um certo estimulo discriminativo e uma resposta, digamos a de presslo i barra, desliga o choque O sujeito fica nessa sltuaçAo até aprender a resposta de esquiva, ou se)a, uma resposta que evite a apresentação do choque.

Sobri- C o m p o tl.im n ilo i*

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O controle de estímulos sobre efeitos de história. A revelação de efeitos de história não se dá apenas com o uso de drogas. Outras variáveis também podem ser m anipuladas com o objetivo de revelar histórias prévias no com portamento atual, replicando os resultados encontrados pelos estudos com drogas na Farmacologia Com portam ental. Se considerarm os a possibilidade de controle de estím ulos sobre a história construída, ó possível que tais estím ulos sejam usados como reveladores de uma certa história no comportam ento atual. Por exemplo, Johnson, Bickel, Higgins e Morris (1991) usaram uma resposta adjuntiva13 para acessar efeitos de história. Os sujeitos do experimento - ratos - foram privados de comida e divididos em dois grupos. Na Fase 1, um dos grupos foi subm etido a FR40 e o outro grupo, a DRL11seg, produzindo, respectivam ente, um desem penho com alta e baixa taxa de respostas. Am bos os grupos tinham acesso livre a um recipiente, com água, durante as sessões dessa prim eira fase. C ontudo, apenas os sujeitos expostos ao esquem a de DRL bebiam água durante essas sessões. Numa segunda fase, os sujeitos dos dois grupos foram subm etidos a um esquem a de FI15seg e o acesso à água foi manipulado. Para os ratos com história de responder em FR foi obtido o padrão típico de desem penho em esquema de Fl (pausa logo após o reforço seguida de aceleração positiva até o próxim o reforço), independente da d isponibilidade da água. Por outro lado, os sujeitos do grupo com história em DRL mostraram uma sensível alteração no padrão de respostas em Fl, em função da disponibilidade da água: um padrão típico de Fl quando a água estava ausente e um padrão típico de DRL quando o acesso à água era livre! A alteração no padrão de Fl na presença da água ocorreu apenas para os sujeitos que haviam passado por DRL e que eram justam ente aqueles que, de fato, consum iam água nas sessões de construção de história. Os resultados de Johnson e col. (1991) são particularm ente interessantes pois: 1) mostram um efeito claro de uma história de reforçamento específica, construída no laboratório; 2) acessam os efeitos de história através da introdução de uma variável com portam ental, replicando e am pliando os resultados obtidos pela Farm acologia C om portam ental e 3) ratificam a possibilidade de controle discrim inativo de efeitos dessa história.

Efeitos de variáveis interferentes14 Alguns estudos sobre efeitos de história se caracterizam pela investigação de contingôncias passadas sobre um responder estável. Este responder estável pode ser abalado através da introdução de uma variável interferente. As drogas nos estudos de Barrett, 1977, são exem plos de variáveis interferentes.

" A res|>osta adjuntiva aa caracteriza pala emlssâo excessiva de uma resposta diferente daquela reforçada durante o osquema de reforçamento erti vigor Eln é considerada um efeito colateral dos esquemas de reforçamento baseados no tempo (por exemplo DRL ou Fl) 14Variável Interferente è uma variável capaz de Interromper o fluxo normal do comportamento Pode ser qualquer estimulo que se Intrometa na situação experimental como por exemplo um som, uma lufada de ar. um choque, uma mudança brusca na temperatura ambiente, uma mudança no nlvel de prlvaçio do sujeito, a liberação de reforços nâo contingentes com a resposta etc Em inglês tal variável 6 chamada de di»ruptlv0 e o verbo é lo dlsrupt. A tradução dos termos dltrupl. dltrupllva e ditrupUon respectivamente pelos termos Interferir, Interferente e interferência, no presente texto. 6 uma tradução provisória que merecerá o escrutínio da comunidade cientifica brasileira

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Sérgio C lrin o

De fa to , e fe ito s in te rfe re n te s so b re o c o m p o rta m e n to a tu a l têm sido amplamente demonstrados em trabalhos com a utilização de diversas variáveis. Lattal e Abreu-Rodrigues (1997) usaram um esquema de tempo fixo (FT)15 para interferir no padrão de respostas produzido em um esquem a de intervalo variável (V l)1fl. Numa série de experim entos, esses autores m ostraram efeitos de diversos valores de FT sobre um responder estável em VI. Dependendo da com binação do valor do VI com o valor do FT, o padrão de respostas em VI sofria tam anha m odificação, a ponto de gerar peculiares scallops invertidos: um aum ento substancial na taxa de respostas logo após a liberação da comida em FT, seguido de uma desaceleração até a próxima liberação de comida. Tal padrão de respostas é com pletam ente inesperado para um responder sob controle de um esquem a de reforçam ento em VI. A literatura de escolha tambóm tem usado algum as variáveis interferentes que podem vir a ser uma boa alternativa para o estudo de efeitos de história. Nevin, Tota, Torquato e Shull (1990) subm eteram pom bos a um esquem a de reforçam ento m últiplo VIVI (m ultV IV I17 ) e usaram um procedim ento de alim entação prévia10 como variável interferente. O procedim ento de alim entação prévia - com o o próprio nome indica - se caracteriza pela sim ples pré-alim entação do sujeito da pesquisa antes da sessão experim ental. A pesar de sua sim plicidade, curiosam ente, o procedim ento não está bem descrito na literatura operante. O term o alim entação prévia não figura entre os termos técnicos sugeridos por C atania (1991). O term o tam bóm não ó citado em obras clássicas da Análise do C om portam ento com o o m anual "Táticas da pesquisa cientifica", publicado por M urray Sidman em 1960. O term o tam bóm não aparece na recente obra Experimental Analysis o f Behavior (ainda não traduzida para o português), publicada por Iversen e Lattal em 1991. Na obra de referência Schedules o f R einforcem ent (ainda sem tradução para o português), publicada por Ferster e S kinner em 1957, o term o alim entação prévia aparece de form a pouco p recisa e num a única cita ção . Nessa cita çã o não ó especificado o tem po transcorrido entre a liberação da com ida e o inicio da sessão experim ental. De form a vaga, os a uto res apenas dizem que os seus sujeitos e x p e rim e n ta is - p om b o s - fo ra m a lim e n ta d o s "um p o u c o a n te s da se s s ã o experim entalf...)"19. Eventualmente, os sujeitos podem ter sido alimentados 5 minutos, 30 m inutos, 1 hora ou a qualquer tem po, "pouco" antes da sessão experim ental. Mesm o nos estudos mais recentes, os autores que têm trabalhado com o procedimento de alimentação prévia não especificam os parâmetros utilizados. Alguns

“ PT é ii abreviaçáodo termo inglês flxadtlma, que em português significa tampo fixo* Num asquama reforçamento PT os reforçadores sâo liberados de forma náo contingente com a resposta a cada intervalo da tempo pré estabelecido '* VI é a abreviaçáo do termo Inglês variabla intarvalqua em português significa 'Intervalo variável' Num esquema de VI uma resposta é reforçada geralmente de forma randômica em torno de um valor pré estabelecido " Num esquema de reforçamento múltiplo, dois ou mais componentes se Intercalam ao longo da sessáo. geralmente de forma randômlca Em 'Aí*unç'Assunv«lo

Diurese persistente e edema pós - realim entação Inanição e privação de carboidratos resultam em pronta diurese, associada ao aumento da excreção renal de sódio, potássio e fósforo Se a restrição calórica persiste, um balanço negativo entre o cálcio e magnésio pode ocorrer. Entre o sétimo e o décimo dias de inanição, há uma adaptação renal e a excreção de sódio diminui para níveis mínimos. Quando ocorre a realimentação, especialmente com carboidratos, pode haver uma retenção excessiva de sódio, ocasionando franco edema clínico. Em alguns casos, o edema pode ser dramático resultando em ganho de peso maior que dez quilos em uma semana. Entre os mecanismos envolvidos, estão a diminuição nos níveis de insulina associada ao aumento da glicogenólise e proteólise, ambos liberando água da hidratação dos espaços intracelulares. Existe ainda uma troca inicial de sódio e potássio por hidrogênio (do ácido beta-hidroxibutírico) no túbulo renal, antes do aumento adaptativo da produção renal de amônia. Aumentos agudos nos níveis de insulina, como na realimentação, podem levar a dois efeitos no balanço de fluidos e eletrólitos, que são a troca de água, potássioe fósforo do espaço intravascular para o intracelular e o aumento da reabsorção de água e eletrólitos.

Conservação de energia O declínio do padrão metabólico com jejum e com a semi-inanição é maior do que pode ser mensurado apenas com a perda da massa corporal. Além disso, o declínio do padrão metabólico ocorre agudamente, bem antes de perda significativa do peso corporal. Nisso estão envolvidos três dos m aiores sistem as neuroendócrinos, que são as catecolaminas, os hormônios tireoidianos e a insulina. O efeito da manipulação dietética do metabolismo da catecolamina ocorre da seguinte forma: a atividade do sistema nervoso simpático está suprimida no jejum e estimulada na realimentação. A concentração plasmática norepinefma, e o seu turn over nos órgãos está diminuída em resposta à privação calórica e à dieta com diminuição de carboidratos. A inanição e privação de carboidratos levam a uma diminuição da conversão de tiroxina (T4) em triiodotirosina (T3), um processo envolvendo remoção do átomo 5'iodine nos tecidos periféricos, especialmente no fígado. Como conseqüência, há menor concentração de T 3 que é o hormônio tireoidiano ativo, em horas após a privação calórica, e continua a declinar com a sua persistência. A alimentação com carboidratos tem efeito inverso, ou seja, aumento da conversão T4para T3. A importância destas mudanças, em relação ao metabolismo energético , pode ser vista considerando a regulação do transporte ativo de sódioe potássio através das membranas celulares, um processo que pode consumir cerca de 40% dos gastos de energia no repouso .Insulina, T3 e norepinefrina aumentam a atividade da bomba Na+-K+ATPase e a utilização de oxigênio em várias células. Assim, pacientes com balanço calórico negativo (mesmo os obesos em fase de dieta) mostram uma diminuição da atividade da bomba Na+-K+-ATPase, assim como no padrão m etabólico.

Sobre Comportamento c Cojim vJo

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Existem outros mecanismos envolvidos na conservação de energia, como a redução da síntese protéica e do tum over, mas as alterações conhecidas no metabolismo da insulina, tireóide e catecolaminas permitem uma compreensão de sinais e sintomas experimentados por pacientes em semi-inanição: redução do pulso, do padrão respiratório, da pressão sanguínea, no consumo de oxigênio, na produção de gás carbônico, do rendimento cardíaco, da motilidade intestinal, outras respostas do sistema nervoso autônomo, intolerância ao frio, pele seca, cabelo seco, hipercarotinemia, hipercolesterolemia, prolongamento dos reflexos do tornozelo e constipação.

Adaptações hipotalâm íco-pituitárias As respostas hipotalâmicas à privação de energia são também adaptativas, permitindo ao organismo sobreviver.O melhor exemplo é a alteração no controle da secreção das gonadotrofinas pituitárias, resultando na quebra do patrão cíclico normal, com anovulação, amenorréia, infertilidade e reduçào da libido. Estas adaptações reduzem o risco de gravidez, assim como a perda de ferro e proteína, como normalmente ocorre na menstruação.

Eixo hipotâlam ico - pituítário - gonadal Os distúrbios na função reprodutiva são característicos nos pacientes com AN. Na mulher ocorre a amenorréia e infertilidade. Já no homem observamos o hipogonadismo. Normalmente a paciente tem uma puberdade e menarca normais e a amenorréia é secundária. Entretanto, se a síndrome se iniciar antes da menarca, a amenorréia é considerada primária. Em poucos casos, geralmente os menos severos, a amenorréia absoluta pode não ocorrer, mas há irregularidades menstruais, incluindo oligomenorréia e atraso no ciclo. Níveis plasmáticos e urinários dos esteróides sexuais e seus metabólitos estão quase sempre suprimidos (ao contrário da insuficiência gonadal primária, que após a menopausa ou a castração, apresenta níveis elevados). Assim, a disfunção está ao nível ou acima da pituitária. Existem alguns métodos para diferenciar disfunção hipotalâmica e pituitária. À administração do hormônio liberador do hormônio luteinizante (LH-RH), segue-se a medida da sua resposta, que na AN é normal. Se continuada, sua administração pode estabelecer secreção normal dos hormônios LH e FSH e mesmo um fluxo menstruai ovulatório. Portanto, há uma sub-estimulaçâo crônica das células produtoras de gonadotrofinas, pela pituitária. O LH e outros hormônios pituitários são secretados de modo pulsátil. Crianças pré-puberais mostram pequenas oscilações com pouco significado. Cedo, na puberdade, há um aumento de secreção episódica de LH durante o sono, com baixo e mais constantes níveis durante a vigília. Com a progressão da puberdade, o padrão se torna mais próximo ao do adulto, no qual mais altos pulsos secretórios, de igual magnitude e frequência (a cada 60 ou 90 minutos) ocorrem durante todo o dia. Na AN, os pacientes mostram um padrão imaturo da liberação do LH (parecidos com a da fase pré-puberal). Com a realimentaçâo, os padrões secretórios voltam ao normal.

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V an isc P a lia V ecch ia D'A»*unç'Assunç.lo

Eixo hipotalâm ico - pituitário - tireoidiano Pacientes com AN têm sintomas e sinais sugestivos de hipotireoidismo. A inanição leva a um prejuízo na conversão de T4 para T3, assim, na AN há baixos níveis de T3. Com a realimentação, os níveis de T3 voltam ao normal. De fato, rápido ganho de peso está associado a um excesso no nível de T3, relacionado a sintomas de hipertireoidismo. Os níveis de T4 tendem a ser normais ou menores que o normal, em parte pela diminuição na ligação com proteínas, especialmente a tiroxina ligada a globulina e tiroxina ligada a pré-albumina. O nível de T4 livre tende a ser normal ou discretamente aumentado. Talvez pelo fato da tireotrofina também ser normal. Se livre, o T4 é responsável pelo feedback negativo no hipotálamo e pituitária, assim o nível da tireotrofina permanece normal, a despeito da baixa circulação de T3e manifestações clínicas de hipertireoidismo.

Eixo hipolaiâm ico - pitiutário - adrenal Na AN, os níveis plasmáticos de cortisol estão normais ou elevados. A produção de cortisol ó normal, mas o clearance dos esteróides adrenais está suprimido, compatível com a baixa de T3. De fato, as concentrações plasmáticas e cortisol são negativamente relacionados nos pacientes com AN. Com a realimentação e ganho de peso, os níveis de cortisol diminuem e o T3 volta ao normal.

Hormônio do crescimento Na AN, os pacientes têm aumento nos níveis de GH. Como nas outras situações de privação calórica ou de insulina, a produção hepática de somatomedina está reduzida. Estas alterações deixam de ocorrer dias após a ingesta calórica e protéica adequada. A ausência da acromegalia nestes pacientes se deve ao fato dos efeitos do GH nos ossos e cartilagens ser mediado por somatomedinas, enquanto que seus efeitos lipolíticos são independentes da atividade da somatomedina. Isso explica o fato dos pacientes com AN continuarem a crescer em estatura. No entanto, os pacientes pró-puberais podem apresentar retardo no crescimento.

Prolactina Nos pacientes com AN, seus valores estão normais, podendo ser até discretamente mais altos do que aqueles encontrados nos indivíduos normais. A prolactina responde a outros secretagagos.

Vasopressina e balanço da água A capacidade para excretar grandes quantidades de água e a capacidade para concentrar urina ao máximo, após uma desidratação, estão prejudicadas nos pacientes Sobre Com porlam cnlo e Cofjnlçâo

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com AN. Isto pode estar relacionado à diminuição da filtração glomerular, que ocorre em outros casos de má-nutrição. O problema da capacidade de concentração melhora após a administração de vasopressina. Portanto, talvez na AN haja algum defeito na secreção da vasopressina.

Regulação da temperatura A hipotermia é comum nos pacientes com AN, em parte devido aos baixos níveis dos hormônios termogênicos, que são o T3 e a norepínefrina, Alóm disso, a habilidade em responder às mudanças externas de temperatura também está prejudicada, sugerindo uma linha a mais de evidência da disfunção hipotalâmica. Após realimentaçáo, tais distúrbios tendem a melhorar, podendo não retornar completamente ao normal. Todas as anormalidades acima e as do sistema hipotalâmico-pituitário normalmente são reversíveis com a realimentação e o ganho de peso. Tais evidências, no entanto, ainda não excluem a possibilidade de um defeito intrínseco básico na função hipotalâmica ou na disfunção hipotalâmica devido a um stress psicológico.

Endorfinas Os opióides endógenos parecem ter um papel na regulação do comportamento alimentar. Um aumento das endorfinas aumenta o apetite em animais. Os níveis de endorfina nos fluídos cerebroespinais estão diminuídos em pacientes com baixo peso, com AN, e normalizam após a restauração do peso. Naíoxone, um opióide antagonista, reduz a ingesta de alimentos e peso em humanos. Na AN estes efeitos estão alterados, sendo que as endorfinas diminuem o apetite e o naíoxone pode auxiliar no ganho de peso. Pacientes com BN que vomitam mostram um aumento nos níveis plasmáticos de beta-endorfina, comparados com os que não vomitam e com indivíduos controle. Isto pode ser devido ao stress do vômito e pode contribuir com a euforia relatada por alguns pacientes imediatamente após o episódio de vômito. Exercícios vigorosos freqüentemente vistos em pacientes com AN, além de queimar calorias e facilitar a "fuga" do alimento, pode ajudar a combater a fome e o desejo de comer, pela elevação periférica nos níveis de endorfinas. Naíoxone pode bloquear a felicidade associada à perda de peso. As endorfinas têm outros efeitos, pois também atuam na dor, regulação da temperatura, gasto de energia, regulação da função hipotalâmico-pituitária, etc.

S e roto nin a É envolvida na regulação do sono, dor, humor e apetite (diminuído). Em pacientes com baixo peso, há dim inuição dos níveis do m etabólito da serotonina (ácido 5-hidroxiindolacético) no fluido cerebrospinal.

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V a n u c P a lia V ccch ia [V A u u n ç ilo c M a rco A u rc lio I>'A**unçAo

Uma lesão no metabolismo da serotonina pode levar a um aumento no consumo de alimentos, relevante nos pacientes com BN. Evidências indiretas têm mostrado resposta serotoninérgica abrupta nos pacientes com BN. A insuficiência de serotonina pode contribuir com o aumento do apetite associado com a bulimia. Além disso, o excesso na ingestão de alimentos, em resposta a uma sensação de desconforto ou aborrecimento, pode aumentar os níveis de serotonina no cérebro, o que representa uma forma de automedicação.

Norepinefrina Seus níveis são baixos em pacientes com AN. Em animais, ó um potente estimulador do apetite. Assim, uma diminuição de seus níveis na AN pode refletir diminuição do apetite.

Colecistocinina Normalmente, ela ó liberada no sangue em proporção à quantidade de alimento que atinge o duodeno e, acredita-se, diminua a ingesta de alimento. Na BN, a resposta da colecistocinina está diminuída após o teste da refeição. Portanto, talvez o paciente não tenha saciedade após a refeição por um dano na resposta da colecistocinina. Isto melhora com a terapia com os antidepressivos tricíclicos.

Fator de liberação da corticotrofina Paciente com AN e diminuição do peso, tem aumento de FLC, o qual se normaliza após ganho de peso.Em animais, a sua infusão leva a hipogonadismo hipotalâmico, diminuição do comportamento alimentar, da atividade sexual e aumento das atividades físicas. FLC diminui os níveis de LH e retarda o esvaziamento gástrico. Liberação de corticosterona e hipercortisolismo na AN é provavelmente devido ao seu aumento.

N europeptídeo Y Presente em altas concentrações em muitas partes do hipotálamo, pode ser o mais potente estimulante do comportamento alimentar. Pacientes com baixo peso e AN, têm aumento do seu nível no fluido cerebrospinal, o qual se normaliza após restauração do peso. Aqueles nos quais o neuropeptídeo Y não volta a níveis normais, também permanecem com amenorréia, a despeito da normalização do peso. Como os efeitos do neuropeptídeo Y dependem da atividade esteróide-gonadal, nos pacientes com AN com reduzidas concentrações de tais esteróides, o neuropeptídeo Y pode contribuir na inibição da liberação do Gn-Rh ou LH.

Sobre Comportamento e CoflnlçJo

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Etiologia Muitas teorias têm sido propostas para explicar as causas da AN, desde as estritamente psicológicas, até as predominantemente orgânicas. Sugere-se que pessoas predispostas a desenvolver AN podem ter um padrão imaturo ou pré-puberal de regulação hipotalâmico-neuroendócrina. Fatores precipitantes têm sido identificados em metade a dois terços dos pacientes anoróticos (50 a 70%). Variam desde eventos traumáticos específicos, até respostas a novas situações ou eventos da vida, para os quais o indivíduo sente-se despreparado, por exemplo, entrar para a faculdade, o casamento, a puberdade. Muitos relatos mostram a freqüência de um estado de “sobre-peso" antes do início da AN. O processo pode começar apenas como uma tentativa de controle de peso. Permanece obscuro o motivo pelo qual alguns, que começam uma dieta, fato tão comum entre os adolescentes, persistem a ponto de desenvolverem AN. Diferenças individuais, tanto quanto muitas influências operantes no desenvolvimento da doença, sugerem uma etiologia multifatorial. A doença é descrita como ocorrendo em indivíduos biologicamente vulneráveis, tendo algumas predisposições fisiológicas inexplicáveis, com possíveis determinantes genéticos. Este indivíduo, com risco para AN, é exposto a experiências iniciais e conflitos familiares que levam a conflitos intrapsíquicos e mudanças de personalidade, que são precursores da dieta. O ambiente social, manifestado por uma obsessão cultural pela magreza e excessiva ênfase em dietas e atrativos físicos, reforça padrões errados de alimentação.

Aspectos genéticos e constitucionais Em relação à AN, existem taxas de concordância de mais de 56% para gêmeos monozigóticos. Pacientes bulímicos têm maiores taxas de desordens afetiva, alimentares e alcoolismo.Genética, temperamento, intensidade do apetite, nível de atividade e talvez sutilezas como a sensibilidade na ruptura dos sistemas hormonais (como Gn. RH) são considerados importantes na base para o desenvolvimento futuro e variáveis da modulação psicológica.

Família Não existe um padrão específico, mas descrições comuns incluem excesso de envolvimento dos pais, superproteção e aceitação condicional. Famílias de bulímicos podem ser similares em alguns aspectos, como alta expectativa, mais conflitos evidentes e negatividade e menos estrutura e coesão.Além disso, existe um baixo grau de atenção e cuidado dos pais.

Cultura A busca implacável pela magreza e a noção exagerada da forma do corpo e peso caracterizam a essência psicológica das desordens alimentares. Encontram, portanto,

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V an ise P a lia V ccch ia DTSssunçtlo c M .irco Auró lio [)'A i*u n ç.lo

suas raízes na glorificação cultural da magreza, que tem prevalecido durante as últimas décadas. É biologicamente insustentável, para a grande maioria das mulheres, a forma do corpo enaltecida nas propagandas. Controle de peso se torna sinônimo de auto-controle. Quase metade das crianças entre 8 e 12 anos querem ser magras, e um terço delas já tentou perder peso. Entre as mulheres, mais da metade tem feito dieta por volta dos 14 anos. Setenta por cento das mulheres com idade entre 12 e 23 anos estão insatisfeitas com seus pesos. Entre as mulheres adultas que nunca tiveram excesso de peso, próximo a 70% já se submeteram à dieta.

Personalidade Precede o início da doença um padrão de personalidade manifestado por um comportamento modelo, obediência, submissão e perfeccionismo. As características da personalidade problemática pré-mórbida incluem introversão, depressão e traço obsessivo-compulsivo. Na AN, a desnutrição crônica reforça substancialmente as características acima.

Efeitos da desnutrição Ao lado dos fatores acima, as desordens alimentares quase sempre se iniciam no contexto dietético. Em indivíduos vulneráveis, as conseqüências da desnutrição podem perpetuar o comportamento biológico. A semi-inanição em indivíduos normais produz muitos sintomas das desordens alim e nta res com o: p reo cupação com o alim ento, dim in uiçã o da concentração, comportamento obsessivo, atividade física aumentada, instabilidade do humor, distúrbios do sono e grandes ingestas alimentares. O buljmico pode ser incapaz de parar de comer, em parte porque ele continua a fazer grandes ingestas para restringir a entrada de alimento, ou seja, continua a comer para compensar o lado emocional.

P atogênese O processo de fazer dieta começa mais comumente próximo ao período da puberdade, freqüentemente logo após o início do período menstruai. Esta é uma época de rápidas mudanças físicas e psicológicas. Comumente, um comentário relativamente inocente, de um amigo ou membro da família, sugerindo que a pessoa está engordando ou que uma parte do corpo está se tomando proeminente, é o dispositivo inicial para o processo da dieta.

Sobrr Comportamento c Cogniçdo

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Uma garota que desenvolve AN ó conhecedora das mudanças do seu corpo e se torna preocupada com o aumento da medida de sua cintura, quadril e coxas. No inicio, a dieta ó difícil pela intensidade da dor aguda (angústias) da fome. Com persistência, entretanto, a dieta se torna mais fácil, as dores de fome diminuem e se tornam cada vez menores as quantidades de alimento ingeridas e menos freqüentes. Amigos e família admiram sua proeza, e ela recebe cumprimentos por sua força de vontade e sua figura esbelta. Seus amigos invejam sua aparência e o pequeno tamanho das roupas da moda, que ela pode vestir. Exercícios vigorosos se tornam um ritual. Como seu peso demente, seu objetivo de peso se torna cada vez menor. Ela se torna cada vez mais compulsiva, reservada e com uma visão muito particular de seus hábitos dietéticos. Sinais físicos e mentais de inanição começam a se desenvolver. Estes sinais são, com freqüências, ignorados ou ativamente negados. Como a família e os amigos se tornam preocupados, ela começa a se afastar mais e mais do contato social, tornando-se quieta, isolada, imersa nela mesma, persistente na dieta e progressivamente ativa. Ela se torna irritável e com dificuldades no relacionamento com sua família. A performance escolar pode cair, a despeito das excessivas horas de estudo. Ela pode se tornar facilmente desatenta e preocupada e, eventualmente, deprimida, mas ela ainda é resistente à preocupação dos outros a seu respeito. A magreza é implacavelmente perseguida como um meio de atingir a beleza, felicidade e perfeição. Para a bulímica, a história é a mesma, mas após longo período de restrição, ela tem um deslize e come descontroladamente, entrando em outro ciclo de restrição, alternado com grande ingestão de alimentos e purgação. Entretanto, o medo intenso em ganhar peso direciona o comportamento de ambas as desordens, e problemas secundários podem, mais tarde, tornarem-se dominantes.

Epidemilogia A AN raramente ocorre antes dos 9 anos de idade, mas pode começar em qualquer idade mais avançada. É uma doença que predominantemente afeta adolescentes mulheres, principalmente‘entre 15 e 19 anos. A incidência é de 8 a 12 mulheres para cada homem. Entre as mulheres, mais da metade dos casos começa antes dos 20 anos e cerca de três quartos antes dos 25 anos. Menos de 10% tem início antes da menarca. Os casos de AN vêm aumentando, visto que na Europa, em 1950, a incidência era de 0,5/100.000 habitantes. Em 1980 passou para 5/100.000 habitantes. Para jovens mulheres, a incidência é de 14,6/100.000 habitantes e nos homens jovens, é de 1,8/100.000 habitantes. A prevalência da BN ó de 2,8%, entre as mulheres doentes, atingindo uma incidência de 9,9/100.000 habitantes na Holanda. A prevalência entre mulheres adolescentes e jovens é de 1 a 2%. Praticamente não existe entre os homens.

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V a n ltc P a lia V m h i a D A jsu n ç.lo f M a rco A u ré lio P V W m ç J o

Clínica Os sinais e sintomas, bem como os achados laboratoriais, são mais facilmente entendidos no contexto do estágio da doença e do padrão dietético que está sendo seguido. No início da doença e por um tempo considerável, podem não existir sinais observáveis, exceto a depleção de tecido gorduroso, nem anormalidades nos testes laboratoriais. Isto confirma que, mesmo em acentuada inanição, existem mecanismos homeostáticos, compensando as alterações ocorridas. A ausôncia de achados anormais tende a reforçar a convicção do paciente de que nada está errado. A intermitente natureza da restrição alimentar também "atrasa" o desenvolvimento de deficiências nutricionais e mudanças psicológicas observáveis. O adolescente, no qual se desenvolve a AN, primeiramente é levado ao módico da família ou pediatra, por uma perda de peso ou mudança do hábito alimentar. A perda de peso pode ser escondida dos pais por um longo tempo. Quando ela ó percebida, há a preocupação quanto à presença de uma doença física séria. O conhecimento público das desordens alimentares leva os pais a suspeitarem do diagnóstico. As manifestações clinicas podem ser consideradas conforme o tem po de aparecimento, como agudas, subagudas e crônicas. Nas manifestações agudas podemos observar perda de peso considerável, aumento da atividade física, comportamento rígido, não espontâneo, seriedade, inibição, brevidade nas respostas, negação de que algo esteja acontecendo, dor de estômago, sensação de plenitude abdominal e distensão principalmente após refeição, o apetite está presente, mas ó negado, palidez cutânea, mãos e pés vermelhos e frios, cianose na base das unhas e amenorréia. Como manifestações subagudas, já com 3 a 6 meses de perda de peso, notamos pele seca, amarelada e pálida, acrocianose, manchas alaranjadas nas palmas e plantas, grande queda de cabelo, aparecim ento no corpo e face de pêlos finos e m acios característicos do período embrionário (lanugo), amenorréia, dor abdominal e plenitude, constipação intestinal, bradicardia, hipotensão, hipotermia com intolerância ao frio, distúrbios de fome intermitente, mudanças na personalidade, irritabilidade, mau humor, perda da concentração, lapsos de memória, teimosia, cefaléia e desmaios. Este quadro pode durar de meses a anos, dependendo do padrão alimentar. Nas manifestações crônicas, ou seja, após 1 a 2 anos de inanição, encontramos grande perda de peso, gordura corporal e massa muscular, edema indolor das glândulas salivares, desidratação ( no bulímico, pelo vômito e abuso de laxantes ), alterações cardiovasculares, gastrointestinais e endócnnas, diminuição das atividades quando severa inanição, fraqueza e fadiga, depressão e apatia, personalidade fixa no período da adolescência, podendo haver até uma regressão, parada no desenvolvimento sexual ou regressão.

Aspectos psicológicos Um padrão típico antes do início da doença inclui um comportamento modelo, submissão e perfeccionismo. Inicialmente pode haver um bem estar e euforia, permitindo uma atividade física frenética. Aparecem distúrbios do sono, como insônia , despertares freqüentes e muito

Sobre Comportamento e C o#niçiio

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cedo. Comumente tem bom comportamento, é afável e tenta mostrar-se útil. Aos poucos os pais começam a notar irritabilidade e mau humor. Com a progressão da inanição, aparecem sinais de esquecimento, desatenção, depressão, apatia, retraimento, fraqueza, debilidade, exaustão, severa regressão e sintomas psicóticos. A fome tem um efeito poderosamente dramático no psicológico e na prática psicológica . Entre os bullmicos de peso normal, a grande ingesta alimentar ocorre freqüentemente, até muitas vezes na semana. Cada episódio tende a ser menor que 2 horas, mas pode durar mais, com ingesta fácil de alimentos muito calóricos, como sovertes, pães e doces. Vômitos e abuso de diurôticos e laxativos são parte da síndrome. Como padrão psicológico notamos sintomas depressivos, tentativas de suicídio, dificuldades no controle de impulsos em outras áreas de sua vida. Cometem pequenos furtos de alimentos e ó freqüente o alcoolismo.

Achados laboratoriais Não há um perfil diagnóstico característico. O quadro laboratorial do paciente com A N pode variar consideravelmente do normal até severa alteração. Além disso, mostra apenas uma visão parcial do quadro, ou seja. o que está ocorrendo no momento dos exames. Isso ó importante porque como a doença pode durar anos, maiores anormalidades podem ser encontradas apenas quando a doença está muito avançada. Os eletrólitos também se alteram com a desidratação, o que leva à hemaconcentração, portanto a anemia pode existir, mas estará mascarada. Deficiências dietéticas levam a anemias nutricionais em alguns casos. É comum o achado de eritrócitos com acantocitose ( alteração da forma das células). A velocidade de hemossedimentação é geralmente baixa. Os níveis das proteínas tendem a permanecer normais até um estado de inanição avançada. Os níveis de colesterol estão elevados em 30% dos pacientes. A densidade óssea está d im inuída. As alterações hormonais já foram discutidas anteriormente.

Diagnóstico AN é caracterizada pela persistência intencional em perder peso e mantê-lo em níveis anormalmente baixos. Um distúrbios endócrino secundário se desenvolve, manifestado por uma amenorréia na mulher, e diminuição do interesse sexual no homem. Uma atitude psicológica envolvendo um medo mórbido em não controlar o ato de comer e ser gordo, são uma parte da condição. O diagnóstico é geralmente óbvio, quando outras razões para perda de peso foram descartadas, através da anamnese e do exame físico. O próprio paciente pode não fornecer voluntariamente informações sobres seus medos, não se podendo determinar se a mudança dietética foi intencional ou não.

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Vcinise ÍXill.i Vccchtd PAssunçío t Marco Aurélio I)'Assunç3o

Critérios diagnósticos para Anorexia Nervosa Podemos estabelecer alguns critérios, que quando presentes, confirman a AN . 1 - Recusa em manter o peso logo acima do normal para a idade e altura, ou seja, manter o peso 15% abaixo do esperado. 2- Medo intenso em ganhar peso e se tornar gorda, mesmo com o peso abaixo do normal. 3- Distúrbio no modo de ver seu corpo, peso, tamanho e forma , isto ó, a pessoa refere sentir-se gorda mesmo quando edemaciada, acreditando que uma área do corpo seja “ tão gorda “ mesmo quando é óbvio o peso estar abaixo do normal. 4- Em mulheres, ausência de três ciclos menstruais consecutivos, quando se espera que eles ocorram, ou seja, na ausência dos períodos de gravidez, própuberal e menopausa.

Critérios diagnósticos para Bulimia Nervosa Enumeramos alguns critérios que confirmam a BN. 1- Episódios recorrentes de "comilança" (consumo rápido de grande quantidade de alimentos em curto espaço de tempo). 2- Sensação de falta de controle no ato de comer ( durante as comilanças). 3- A pessoa induz, ela mesma, ao vômito, faz uso de laxativos e diuréticos, dieta rigorosa ou jejum , ou vigorosos exercícios para prevenir o ganho de peso. 4- Um mínimo de 2 episódios de “comilanças" em 1 semana, ao menos ao por 3 meses. 5- Preocupação excessiva e persistente com a forma do corpo e peso.

Com plicações Normalmente são aquelas conseqüentes da inanição. Citamos a anemia severa, deficiências vifamlnicas, hipoproteinemia, complicações cardiovasculares, complicações renais, desmineralização dos ossos (osteoporose), urolitíase, alterações gastrointestinais, que incluem uma diminuição da motilidade e atonia intestinais (íleo paralítico) e atraso no esvaziamento gástrico para sólidos, disritmia e alteração da contralilídade antral. Distúrbios eletrolíticos, decorrentes dos vômitos e uso de laxantes e diuréticos, principalm ente a hipocalemia, que pode levar a arritmia cardíaca , fraqueza muscular e falência renal. A mortalidade na AN é de 21,5% , podendo ser por infecções (queda da imunidade), complicações cárdio-pulmonares, suicídio (na BN), aspiração pós-realimentação, distúrbios eletrolíticos na nutrição parenteral total, pancreatite e pneumediatino espontâneo ( ruptura do esôfago pelos constantes vô m ito s). Na BN é comum o distúrbio hidroeletrolítico com alcalose metabólica e hipocalemia, insuficiência renal, dilatação gástrica aguda e problemas dentários.

Sobre Comportamento e C ogniçào

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P ro g n ó s tic o 0 curso da doença e suas conseqüências são muito variáveis, podendo haver desde remissão espontânea, até persistência por muitos anos, chegando a causar a morte. A mortalidade é de 6% em média , variando de 0 a 21, 5%. Cerca de 75% dos pacientes melhoraram o peso corporal com tratamento, mas apenas um terço deles voltaram a se alimentar normalmente . A função menstruai foi restaurada em menor número que o ganho de peso conseguido pelas pacientes, somente metade a dois terços menstruou. Na BN ocorreu melhora em 14 % a 50% dos casos e dos vômito em 10% a 28% de “fo llo w - up". A maioria continuou a expressar uma atitude mórbida em relação ao peso e imagem corporal. A remissão da doença pode ocorrer até 12 anos após seu inicio , mas é rara depois. Consideramos como fatores prognósticos de resultados ruins a precocidade no aparecimento dos primeiros sinais da doença, o tratamento tardio, vômito, hospitalização e abuso de álcool.

Diagnóstico diferencial A AN deve ser diferenciada de outras patologias físicas e psiquiátricas associadas à perda de peso. Para isso é importante saber a história, ou seja, se a dieta foi induzida pelo próprio paciente. O início pode ser insidioso, com sintomas sugestivos de depressão ou associado à doença física. Portanto, as principais doenças a serem diferenciadas da AN são a depressão e doenças gastrointestinais envolvendo má absorção.

Doenças físicas Têm grande importância as doenças associadas á perda de peso, amenorréia e sintomas gastrointestinais: Podem ser doenças malignas, sindrome de má absorção, hipertireodimo e diabetes mellitus. A diferença é que na AN a saúde do paciente é perfeita desde o início, mostrando os mesmos sinais por longo tempo. A fom e está p resente nos e stá g io s in iciais da AN. N orm a lm en te , será vigorosamente negada. Quando o apetite é totalmente ausente, condições orgânicas e depressão devem ser consideradas. Tumores do hipotálamo podem apresentar alteração do apetite e perda de peso. Sinais de aumento de pressão intra-craniana não são vistos na AN, nem cefaléia persistente e alterações visuais.

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V«mi*c IXilld Vccchui D'Assu»vJo t M.irco Aurílio tVAssunçAo

Existem casos de AN causada por tumor do quarto ventrículo ou associada a lesão destrutiva do hipotálamo, mas a clínica sugere lesão orgânica. Doenças endócrinas, como por exemplo, da glândula pituitária. Hipertireoidismo apresenta-se com perda de peso e hiperatividade, mas o apetite está aumentado. Há ainda outros sinais. No hipotireoidismo secundário não há perda de peso. Alterações gastrointestinais, como dor abdominal, meteorismo, alterações da motilidade, constipação podem lembrar a doença inflamatória intestinal. Na AN não há sangue nas fezes. Síndrome de m á-absorção provoca grande perda de peso. Mesmo comendo, o paciente perde peso. Há esteatorróia, diarréia, hipoalbuminemia, diminuição do colesterol, retardo no crescimento.

Distúrbios psiquiátricos Na depressão, notamos perda do apetite e do peso. Mas há também tristeza, o paciente ó pessimista no falar, fala lentamente, ó hipoativo e há retardo psicomotor. Na AN o paciente nega que haja algo errado, é hiperativo. Na esquizofrenia, evitar o alimento e perder peso pode ser associado com agitação e apatia. Há distúrbio de pensamento, ou seja, ilusão de que o alimento foi envenenado. Exacerbações da doença são associadas à perda de peso. Nestes casos, a diferença está no distúrbio do pensamento, comportamento bizarro, alteração nas relações interpessoais e inabilidade em agir, na sociedade.

R eferências Haubrich, W. S.; Schaffner, F.; Berk, J. E. (1995). Gastroenterology - Bockus. vol. 4. Wingaarden, J. B.; Smith, L. H. (1984). Tratado de Medicina Intema. vol.2, 162* ed. Dani, R.; Paula Castro, L de (1988). Gastroenterologia Clinica, vol. 2, 2a ed. Shils, M. E.; Olson, J. A.; Shike, M. (1993). Modem Nutrition in Health and Disease. vol.2,8a ed.

Sobre Comportamento c Coflni(üo

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Capítulo 35 Aspectos particulares da dependência de álcool e drogas em mulheres Horcncc Kcrr-Cornw

uN tsr

M ilrid Odctc Sim Dcfhirtdmcnto dc Ncuro/otfi,i cpsiquuitru - L/NtSP Ivctc Diilbcn

f iU uUhuic dc Mcdicitui dc Hotui\itu - ( SNFSP L u /iá lrincd

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Uso nocivo dc drogas

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-

3.5

-

-

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-

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Dcpcndôncui dc tabaco

( I ) K cs ü lc r ct a l., I W 4 (2 ) W cisstnun c l a l., 1991 (3 ) A n d ra d e el u l., 1997 (4 ) A lm e id a et a l.. 1992

Tabela 1

- Diferenças de gônero quanto a prevalôncla na vida de dependentes de álcool e/ou drogas

O tratamento dos dependentes de drogas deve ser visto à luz da natureza crônica, recorrente desses transtornos e não em termos de cura x não cura. Na análise da literatura, não há como negar a complexidade dos mecanismos de dependência de drogas alóm da grande variação nas abordagens terapêuticas. Além disso, na comparação destes dados, ó importante frisar que a maioria dos trabalhos analisa pessoas que fazem uso nocivo, não sendo dependentes de drogas. Boa parte dos programas ambulatoriais para tratamento de dependentes atende os pacientes por um período de 3 a 6 meses, 1 a 2 vezes/semana, usando variadas abordagens terapêuticas: desde as estritam ente psiquiátricas, o aconselhamento psicológico junto com o serviço social, comunidade terapêutica, prevenção de recaídas e entrevista motivacional até o modelo dos 12 passos. Também é variada a forma de controle do uso de drogas. No Brasil, são raros os programas que fazem testes de rotina para monitorar se o paciente está abstinente ou não de drogas. O estudo TOPS (Hubbard e cols., 1989) para avaliação de programas ambulatoriais pesquisou 1600 pacientes admitidos em 10 programas diferentes e mostrou através de análise de regressão logística que pacientes que permaneceram mais de seis meses em tratamento tiveram melhor prognóstico. O problema é que apenas 17% dos pacientes continuaram o tratamento após seis meses e, em 4 semanas, 59,5% dos pacientes já o tinham abandonado. A maioria era de usuários problemáticos de drogas, não envolvidos com o sistema judicial. Interessante notar que os relatos não falam em taxas de remissão, mas correlacionam abstinência da droga, não uso, taxa de criminalidade ou arranjar um emprego com melhora. Alguns achados são constantes: os pacientes que vão para comunidade terapêutica (CT) evoluem melhor se permanecem mais tempo. Náo há um número de meses fixo nessas análises que variam muito de programa para programa. Um

Sobre Comport.imeulo c C'onnivem estabelecido As conclusões de Sherlock m ostraram -se m ais e fetivas em produzir de scrições corretas do dono da bengala. Os dados sugerem q uu S herlock respondeu sob con trolo d e um núm ero m aior de aspectos do a m biente, aum on tan do desta form a a probabilidade de reforçam ento. Sherlock tam bám em itiu respostas prA-correntes que lhe perm itiram m anip ular eventos am bientais, de m odo a aum nntar a efetlvlda dn evocativa de estím ulos e avaliar probabilidados condicionais. P a la vra a -ch a ve : com portam ento verbal, controle de estím ulos, anAllse literária In this paper, wn analyzed th e behavior o f draw lng c oncluslons o f the characters Sherlock H olm es and hls a ssíslant, W atson. The source of d ata w as an episode o f the novel The H ou nd o f Baskurvillê s, by A rlh u r C onan D oylo In the episode, Sherlock and W atson tried to descrlbe w ho w ould be th e ow n er of a w alklng stlck left at S heriock's hom n. Ali sections o f the episode w here these responses w ere Identlfled w ero selected for anaiysis. ns w ell as lh e sections describ ing its antecedents or consaquential events The verbal responses em itted by Sherlock H olm es and W atson w ere decom posed Into sm aller units, in order to identify the antocadont control undor each one o f these units. The analyses of these sections suggest that sim ilar concluslons were em itted under a w ell-established sim ple dlscnm inatlve control. The conclusions drawn by Sherlock concluslons were m ore effective in describing correctly th e stlck's owner. The data suggest that S herlock respondud under control o f a larger nu m ber o f s tlm u lu f properties, thus increa slng the p roba blllty o f reinforcem en t Skertock also haa em itte d precurrent responses ttia t a lio w e d^iim to m am puiate environm ental events In order to increase the evo catlve effective no ss o f stlm ull and to evaluate conditional probabllltles. Ke y w o rd s : verbal behavior, stim ulus control, literary anaiysis.

A figura do detetive genial pode ser encontrada em muitas histórias policiais. Conclusões inesperadas e deduções inusitadas sáo apresentadas quase instantaneamente por estas figuras folclóricas, resolvendo o mistério da trama e deixando boquiabertos os outros personagens da trama e, eventualmente, seus leitores. Sherlock Holmes, o famoso detetive criado por Arthur Conan Doyle ó, talvez, seu representante mais conhecido. No * A autor» é mestre *m Psicologia Experimentai Análise do Comportamento pela PUC SP, doutoranda em Psicologia Experimental do IP-USP e professora do Curso de Psicologia daa Universidades SAo Vrancisoo * da Facuidade de Pstootogi* Padre Anchieta fc«te trobalbo foi realizado como parte da dlaclpllna Controle de Estímulos, oferecida pelo Programa de Estudo* Pós Graduado* em Psicologia Experimental Análise do Comportamento, da PUC-SP, no ano de 2000, ministrada pela Profa Maria Amálie Meto* Uma versAo prekmmar doete trabalho foi apresentada no IX Encontro da AssociaçAo Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comporta mental, em setembro de 2000 A autora agradece a orientação e os comentário* da Profa Maria Amélia durante a elaboraçAo deste trabalho

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Cdcildd A m orim

romance Um estudo em vermelho, Watson - o igualmente famoso parceiro de Sherlock Holmes - falou sobre o efeito que estas conclusões instantâneas teriam sobre seus ouvintes: “Aos não iniciados, suas conclusões pareciam tão espantosas que, enquanto não conhecessem o método pelo qual ele havia chegado até elas, pensariam que se tratava de um bruxo." (Doyle, 1987/1998, p. 26) Tal espanto frente a conclusões aparentemente "mágicas" não ó, de forma alguma, prerrogativa exclusiva de personagens de romances policiais. Nâo ó incomum a um aluno ou orientando responder de modo similar à perspicácia de seu orientador; tão pouco ó raro a um supervisionando ver-se surpreendido diante da acuracidade das conclusões de seu supervisor, eventualmente antes mesmo deste ter acesso a todas as informações relevantes. Este trabalho teve por objetivo analisar as contingências que controlaram o comportamento de "tirar conclusões" apresentado por Sherlock Holmes e por seu assistente Watson, tomando como fonte de dados um episódio do romance O cão dos Baskervilles (Doyle, 1902/1996). Esta proposta de análise pareceu relevante pelo menos por duas razões. Em primeiro lugar, porque tomou como objeto um comportamento complexo, que poderia facilmente ser explicado em função de características especiais daqueles que o apresentam, obscurecendo uma explicação alternativa em termos de uma história - esta sim, especial - de interações com o ambiente. Em segundo lugar, porque a procura por novas estratégias para ensino de princípios e processos comportamentais tem preocupado parte da comunidade de analistas do comportamento desde algum tempo. Duas possíveis estratégias de ensino alternativas - análises de filmes e análises de obras literárias deram origem a duas mesas redondas apresentadas no IX Encontro da ABPMC, em uma das quais a prim eira versão deste trabalho foi apresentado, na tentativa de criar oportunidades tanto para o aprimoramento do repertório de analisar dados desta natureza, por parte de seus autores, quando para a divulgação e fomento do uso didático de novas estratégias de ensino. No episódio literário a ser analisado, Sherlock Holmes foi procurado por um desconhecido, enquanto estava ausente de casa. Este visitante não deixou um cartão que o identificasse, mas esqueceu sua bengala. Ao retornar à casa, Sherlock e Watson encontraram a bengala e passaram a tirar conclusões sobre quem seria seu dono. O comportamento de tirar conclusões foi definido, neste trabalho, como a emissão de comportamentos novos - respostas verbais nunca antes emitidas sob as circunstâncias presentes, descrevendo relações entre estímulos, eventos e/ ou comportamentos (em diversas com binações possíveis), emitidas sob controle antecedente de estímulos discriminativos simples, condicionais ou contextuais. Como método de trabalho, foram destacados todos os trechos do episódio nos quais estas respostas de tirar conclusões foram identificadas, bem com o os trechos que descreviam seus antecedentes e conseqüentes.

O comportamento de tirar conclusões de Watson O episódio em questão começa quando Watson descreveu, enquanto narrador, a bengala esquecida:

Sobrr C om portam ento c CoflniçAo

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“Era uma bela peça de m adeira maciça, de castâo bulboso, do tipo conhecido como “Penang Lawyer", Logo abaixo do castâo havia uma cinta larga de prata de uns três centímetros de comprimento. “A James Mortlmer, M .R .C.S., de seus amigos do C.C.H.", era a inscrição gravada na cinta, juntam ente com a data "1884". Era exatam ente o tipo de bengala que os módicos de família à antiga costumavam usar - sólida, digna, tranqullizadora." (Doyle, 1902/1999, p. 18)

A bengala pode ser entendida como um estimulo discriminativo composto por diversas propriedades ou como um conjunto de estímulos. No romance, Sherlock pediu a Watson que, baseando-se na bengala, estabelecesse relações entre estes e outros estímulos de modo a chegar a uma descrição de seu dono: "Mas me diga, Watson, quais são suas conclusões quanto à bengala do nosso visitante? Visto que por desgraça não chegamos a encontrá-lo, essa recordação acidental adquire importância. Faça uma reconstrução do homem observando sua bengala.” (Doyle, 1902/1999, p. 18) Assim, a presença da bengala e a solicitação de Sherlock exerceram a função de estímulos discriminativos para a emissão das respostas de tirar conclusões de Watson, sinalizando a probabilidade de receber aprovação, por parte de Sherlock. A aprovação de Sherlock tinha para Watson um forte valor reforçador, como indicado pelo trecho a seguir; "(...) eu já estava me sentindo orgulhoso de pensar que já tinha suficiente domínio de seu sistema para aplicá-lo de forma que merecesse sua aprovação." (Doyle, 1902/1999, p. 19) Watson concluiu que James Mortimer era o dono da bengala. Tratava-se, segundo ele, de um módico idoso, bem sucedido e estimado, um clínico do interior que fazia boa parte do suas visitas a pó. O Sr. Mortimer recebera a bengala como um presente de amigos membros de um clube de caça, a quem o doutor teria prestado serviços de cirurgião. Esta resposta verbal de Watson pode ser decomposta em unidades ou componentes menores, de modo a permitir a identificação do controle antecedente sobre cada um destes componentes: 1. O dono da bengala ó James Mortimer 2. Mortimer ó médico 3. Mortimer é idoso 4. Mortimer é estimado 5. Mortimer é bem sucedido 6 . Mortimer é um médico do interior 7. Mortimer anda muito a pé 8 . A bengala foi um presente dos amigos do clube de caça 'alguma coisa’ A análise dos componentes da resposta de Watson sugere que alguns destes foram emitidos sob controle discriminativo simples. Diferentes propriedades do estímulo bengala teriam exercido a função de estímulos discrim inativos isolados, evocando componentes específicos da resposta verbal de Watson que, por sua vez, aumentariam a probabilidade de reforçamento social a ser liberado por Sherlock. O componente da resposta verbal que descrevia James Mortimer como o dono da bengala foi emitido sob controle da inscrição na cinta da bengala A James Mortimer. O componente Mortimer é médico foi emitido sob controle da sigla M.R.C.S, inscrita na

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Cdciltl.i A m orlm

cinta. Esta é a sigla correspondente a M em berof The Royal College o fS u rg eo n s- Membro da Escola Real de Cirurgiões. Esta entidade inglesa, existente até os dias de hoje, congrega cirurgiões em Londres desde 1800. Podemos, portanto, supor que esta sigla evocava consistentemente a resposta módico ao final do século XIX (The Royal College of Surgeons of England, 2000). Já a inscrição dos amigos do C.C.H. foi, provavelmente, a variável controladora do componente A bengala foi um presente e Mortimer ô estimado. A ponteira gasta, evocando a resposta M ortim er anda muito a pé, é outro indicador de controle discriminativo simples. Até aqui, pudemos identificar as propriedades controladoras de alguns dos componentes da resposta verbal de Watson. O estímulo bengala, como um todo - sua forma específica, o tipo da madeira - exerceu igualmente função discriminativa sobre a resposta Penang Lawyer, da descrição inicial. Entretanto, outros componentes da resposta - como Mortimer é idoso ou Mortimer ô bem sucedido - foram emitidos na aparente ausência de uma variável antecedente controladora, verbal ou não verbal. Atualmente, apenas pessoas idosas ou portadoras de alguma deficiência de locomoção ou visual usam bengalas; entretanto, ao final do século XIX, seu uso não poderia ser correlacionado com segurança à idade de um homem. A resposta Mortimer é idoso foi, desta forma, emitida na ausência de um médico idoso ou de outro estimulo verbal controlador. Este componente da resposta de Watson - Mortimer ô id o s o - pode igualmente ser interpretado como uma resposta emitida sob controle discrim inativo sim ples e funcionalmente classificado como um tato, mas de um tipo especial, chamado por Skinner (1957/1978) de tato ampliado. “Um repertório verbal não 6 o equivalente de uma lista de passageiros num navio ou avião, no qual um nome corresponde a um a pessoa, sem omissão de qualquer uma ou sem que qualquer uma apareça duas vezes. O controle de estímulos não é tão preciso assim. Se uma resposta ó reforçada numa dada ocasião ou classe de ocasiões qualquer traço desta ocasião, ou comum a ela, parece ganhar alguma medida de controle. Um estimulo novo que possua um destes traços pode evocar a resposta." (Skinner, 1957/1978, p. 118)

Um dos tipos de tato ampliado - ou estendido - foi chamado de extensão metonímica. Skinner dá um exemplo que se assemelha á resposta médico idoso, emitida por Watson: "O/gamos que a criança este/a habituado a ver uma laranja na mesa do café pela manhã. Se, numa datía m anhã a laranja não estiver presente, a criança logo dirá laranja. Suponhamos que podemos demonstrar que não se trata de um m an do: por exemplo, suponhamos que podemos demonstrar que a laranja, quando oferecida, não ó comida nem tocada. Então, uma vez que não há laranja que atue como estimulo, porque a resposta ó emitida? ( ...) A resposta 6 evocada pela m esa do cafè da manhã com todas as suas características peculiares e por outros estímulos apropriados a esta hora do dia. As laranjas acom panharam muitas vezes estes estímulos e a resposta laranja foi reforçada na sua presença. Um a extensão metonímica semelhante poderia ocorrer em outra direção. Com o resultado da m esm a história, uma laranja, vista pela prim eira vez sob outras circunstâncias, poderia evocar a resposta c a f i da m a n h â .“ (Skinner, 1957/1978, p. 118, grifos do o riginal)

Para analisar este exemplo, iremos, como Skinner, desconsiderar que a resposta laranja possa ser um mando, e não um tato. Suponhamos que o tato laranja tenha sido reforçado muito freqüentemente ao café da manhã, no caso da criança do exemplo. Não apenas a resposta verbal laranja teria sido instalada, mas também as respostas colher,

Sobre Com porl.im cnto e Co^nlv^o

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café, bolo, bem como a resposta café da manhã, controlada por este conjunto de estímulos. Este conjunto de estímulos não compartilham propriedades físicas comuns que justificariam a emissão de laranja diante de um bolo em termos de generalização de estímulos. Entretanto, a contiguidade espacial/temporal destes estímulos no momento da liberação de reforçamento para a resposta laranja pode levar alguém a emitir, diante de um dos elementos deste conjunto (por exemplo, do bolo) e na ausôncia da laranja, a resposta comumente reforçada em sua presença. No episódio em análise, o tipo específico da bengala - Penang Lawyer- evocou a resposta “Era exatamente o tipo de bengala que os médicos de família à antiga costumavam u s ar-só lid a , digna, tranquilizadora" (Doyle, 1902/1999, p. 18), sugerindo uma relação de contigüidade já estabelecida entre um tipo da bengala e um tipo de médico. Podemos supor que um conjunto de características fossem comuns aos módicos de família à moda antiga, como uma certa faixa etária ou uso de um tipo padrão de bengalas. Qualquer uma destas propriedades - exercício da medicina voltado para o atendimento de famílias por diversas gerações, faixa etária mais avançada e indumentária específica - em sendo frequentemente encontradas em conjunto, poderiam controlar a emissão da resposta médico de família. Assim, de forma similar ao exemplo das laranjas ao café da manhã, apresentado por Skinner, a bengala tornou-se ocasião para Watson emitir não apenas a resposta verbal Penang Lawyer, mas também ocasião para a emissão de médico de família e de qualquer outra resposta controlada por qualquer dos elementos que compusessem ou que fossem contíguos ao estim ulo médico de família como, por exemplo, médico idoso. O controle antecedente sobre outros dois componentes da resposta de Watson Mortimer é médico do interior e A bengala foi presente dos amigos do clube de caça também não é evidente á primeira vista. No romance, depois de todas as afirmações de Watson sobre quem seria o senhor Mortimer, Sherlock perguntou a ele o porquô das conclusões médico do interiore presente dos amigos do grupo de caça. Ou seja, Sherlock perguntou sob controle de quais variáveis estes componentes da resposta teriam sido emitidos. Respondeu Watson: “Porque esta bengala, que devia ser muito bonita quando nova, ostà tâo castigada que tenho dificuldade em imaginar um clinico urbano andando com ela. (...) Depois tem essa história dos "amigos do C .C .H ." Para mim, deve ser algum grupo de c a ç a ', o grupo local de caça a quem ele talvez tenha oferecido atendimento cirúrgico e que em retribuição lhe ofereceu um a pequena lembrança." (Doyle, 1902/1999, p. 18-19)

Pode ser cogitado, a partir do relato de Watson, que tanto o estado gasto da bengala quanto sua história pessoal tenham colaborado com a descrição de Mortimer como médico do interior. Watson pode ter presenciado o uso de bengalas em boas condições por médicos da cidade, bem como o uso de bengalas gastas por módicos do interior. Assim, poderíamos explicar a emissão da resposta módico do /nter/origualmente como produto de controle discriminativo simples, caso o Dr. Mortimer estivesse presente. Como a resposta médico do interior foi emitida na ausôncia do módico, estamos diante de um caso similar ao encontrado com relação ao componente médico idoso. Ou seja, este componente da resposta pode também ser descrito como um tato metonímico. Podemos também cogitar que um processo de exclusão tenha participado da emissão da resposta médico do interior, já que Watson não fez referência direta a módicos do interior em sua

' No original. Sorrmthing Hunt

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Caclldti A m o rim

descrição. Se Mortimer é médico e usa uma bengala gasta e, se módicos da cidade usam bengalas em bom estado, então, por exclusão, Mortimer ó um módico do interior. Passemos agora à análise do componente clube de caça. Sob controle de quais variáveis teria ele concluído que a bengala fora presente de amigos que estavam de alguma forma relacionados à caça? Uma primeira alternativa seria explicar a emissão desta resposta como produto de controle discriminativo simples. Fosse Watson um analista do comportamento brasileiro, C.C.H. poderia evocar, por exemplo, Ciência e Comportamento Humano. Como não ó este o caso, podemos supor que a letra H tenha sido consistentemente pareada, na história de Watson, com hunt (caça), levando à emissão desta resposta diante de C.C.H. Esta explicação, entretanto, parece pouco provável. A letra H foi certamente pareada com inúmeras outras palavras que não apenas caça. Outra explicação possível seria tomar este componente da resposta - hunt (caça) - também como um tato ampliado e interpretá-lo de forma similar ao proposto para idoso. Dado que Watson havia concluído anteriormente que Mortimer era um módico do interior e que interior e caça são dois estímulos que comumente aparecem juntos - ó no interior e não nas cidades que caçadas usualmente ocorrem, a função evocativa de H teria sido estabelecida pela conclusão anterior médico do interior, levando à emissão de hunt (caça). Seria também plausível considerar a ocorrência de uma relação de controle mais complexa no caso da resposta caça. As extensões metonímicas são, por definição, baseadas em correlações temporais ou espaciais entre estímulos (Skinner, 1957/1978). Estas relações de contigüidade não fazem parte da contingência de reforçamento. Ou seja, o reforçamento é contingente à presença de um dado estímulo e acidental em relação à presença de outros. No caso dos estímulos interio re caça, podemos partir do princípio que esta seja uma relação não apenas de contigüidade, mas também uma relação de contingência Assim, o estímulo discriminativo /-/evocaria a resposta hunt apenas diante de um estímulo específico, médico do interior, com função condicional. Neste caso, fosse Mortimer um módico da cidade, H evocaria qualquer outra resposta que não caça. Esta seria uma descrição de uma relação condicional, e não mais de uma extensão metonímica, na qual a probabilidade de um estímulo evocar ou não uma dada resposta varia em função de outro estímulo - o estímulo condicional. Náo podemos saber, a partir dos dados disponíveis, sob controle de quais variáveis o componente d« resposta bem sucedido foi emitido. Uma primeira possibilidade é que os membros da Escola Real de Cirurgiões fossem em geral módicos bem sucedidos. Esta hipótese parece pouco provável, já que Mortimer, ao apresentar-se mais adiante na história, refere-se a si mesmo como um “modesto M.R.C.S." (Membro da Escola Real de Cirurgiões; Doyle, 1902/1999, p.22), sugerindo a ausência de qualquer status especial confiavelmente relacionado a este título. Outra possibilidade ó que a posse de uma bengala Penang Law yerfosse exclusiva àqueles de condição social superior. Uma busca de informações sobre este tipo de bengala informou tratar-se de uma bengala de aspecto atraente, produzida a partir do caule de um tipo de palmeira extremamente resistente originária da Malásia e exportada para a Inglaterra, mas não forneceu indícios sobre seu valor como símbolo de status social (Yule & Burnell, 1886). Podemos igualmente supor, como fizemos a respeito do componente médico idoso que, na história de vida de Watson, os módicos de família que usavam bengalas Penang Lawyer fossem de mais idade e também bem sucedidos.

Sobre Comportamento e Coflnifáo

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Ou seja, que esta resposta seria, igualmente, um tato metonlmico. A este respeito, entretanto, na ausôncia de maiores informações fornecidas, ou por Watson, ou por outros personagens da história, ou mesm o por inform ações obtidas de outras fontes, permanecemos no campo da pura especulação. Portanto, segundo a análise aqui apresentada, a maior parte das “conclusões" de Watson teriam sido em itidas sob controle discrim inativo simples por propriedades fisicamente presentes do estimulo bengala. Estas respostas podem ser funcionalmente classificadas como tatos, emitidos sob controle da propriedade do estímulo diante do qual a comunidade verbal confiável mente reforçaria a resposta, como no caso da sigla M.R.C.S. ou como tatos ampliados, do tipo extensão metonímica, emitidos sob controle de uma propriedade do estímulo freqüentemente contígua à propriedade sobre a qual o reforço é contingente. Apenas quanto ao componente caça levantamos a hipótese que Watson teria respondido sob um controle antecedente mais complexo, o controle condicional. Neste caso, as relações entre os estímulos não seriam relações de mera contigüidade, mas relações que constituiriam uma contingência de quatro termos.

O com portam ento de tirar conclusões de Sherlock As conclusões tiradas por Watson acerca do Sr. Mortimer foram ocasião para que Sherlock também descrevesse o dono da bengala. Segundo Sherlock, a bengala pertencia a James Mortimer, um médico do interior que andava muito a pé. A bengala fora um presente dos amigos do Hospital Charing Cross. Sherlock completou suas conclusões sobre Mortimer afirmando tratar-se de um homem jovem, amável, não ambicioso, distraído e dono de um cachorro de tamanho médio. Os seguintes componentes da resposta de Sherlock foram analisados em termos do tipo de controle antecedente: 1.

0 dono da bengala é James Mortimer

2.

Mortimer é médico

3.

Mortimer é estimado

4.

Mortimer é um médico do interior

5.

Mortimer anda muito a pé

6.

A^bengala foi um presente dos amigos do Hospital Charing Cross

7.

Mortimer é jovem

8.

Mortimer é despretensioso

9.

Mortimer é distraído

10 . Mortimer tem um cão de tamanho médio

Alguns elementos das conclusões de Sherlock são idênticos aos encontrados nas conclusões tiradas por Watson: o nome James Mortimer, a profissão médico, o fato da bengala ser um presente e a estima por parte dos colegas. A primeira suposição a ser feita é que Sherlock teria respondido sob controle antecedente das respostas verbais de Watson, e não da bengala. Neste caso, Sherlock teria emitido respostas ecóicas. Esta

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C acildii A m o rlm

análise não parece muito adequada, por duas razões: primeiro, porque Watson apresentou respostas discriminativas comuns à sua comunidade verbal. Segundo, porque Sherlock se mostrou sensível a estímulos que não controlaram discriminativamente nenhuma resposta de Watson. A conclusão segundo a qual Mortimer seria dono de um cachorro de tamanho específico parece surpreendente, quando se tem como fonte de dados exclusivam ente uma bengala. Sherlock, contudo, respondeu sob controle marcas de m ordidas com uma forma específica encontradas no cabo da bengala. Após examinar a bengala com sua lupa, ele concluiu que Mortimer era “detentor de um cachorro de estim ação que eu descreveria em poucas palavras como sendo maior que um terrier e menor que um mastim" (Doyle, 1902/1999, p. 21), com base no tamanho das marcas de dentes encontradas. Portanto, se propriedades estím ulo, bengala, somente acessíveis com o uso de instrumentos especiais - a lupa - exerceram controle discriminativo e se Sherlock fez uso desse instrumento para aumentar a efetividade de uma estimulação fraca, não tem os razão para supor que outros estímulos discriminativos melhor estabelecidos e mais proeminentes não exercessem tal controle. A análise da conclusão de Sherlock Mortimer é módico do interior deve levar em conta as mesmas observações feitas para Watson. Uma vez que a pessoa do médico não estava presente, uma propriedade do estímulo bengala usualmente contígua a certa classe de módicos pode ter controlado a emissão da resposta, caracterizando uma instância de tato metonímico. Os personagens Sherlock e Watson diferiram em relação a outros com ponentes de suas conclusões: sobre quais seriam as características pessoais de Mortimer e qual a origem da bengala. No romance, Sherlock explicou a Watson porque chegou à conclusão A bengala foi presente dos amigos do Charing Cross Hospital, Mortimer 6 pouco ambicioso e Mortim er é jovem. Como fizemos em relação a Watson, usaremos estas explicações como dado para tentar inferir relações de controle antecedente. Disse Sherlock: “Eu sugeriria, por exemplo, que um presente de reconhecimento a um médico tem muito mais probabilidade de vir do um hospital que de grupo de caça e que as iniciais C. C. antes de H de Hospital sugerem imediatamente “Charing Cross." (Doyle, 1902/1999, p. 21)

O relato anterior sugere que o componente A bengala foi presente dos amigos do Charing Cross Hospital foi emitida sob controle condicional. Diante do estímulo H, duas respostas verbais são igualmente possíveis: hunt(caça) e hospital. Sherlock aparentemente manipulou variáveis que alterariam a probabilidade da emissão de uma ou de outra resposta quando se refere a duas possíveis relações ou classes de estímulos: M.R.C,S.(Membro da Escola Real de Cirurgiões), médico e hospital ou M.R.C.S., m édicoe grupo de caça. Como produto desta manipulação, a relação M.R.C.S., médicoe hospital teria se mostrado uma relação entre estímulos melhor estabelecida que a relação M.R.C.S., m édicoe grupo de caça, no repertório comportamental de Sherlock. Assim, a presença de um dos membros do par ou da classe de estímulos - M.R.C.S. e/ou módico - teria exercido uma função condicional, alterando a probabilidade do estímulo discriminativo Hevocar hospital, e não hunt. A seguir, dados os estímulos M .R C .S.(M em bro da Escola Real de Cirurgiões), m édicoe hospital, os elementos C.C. da sigla C.C.H. controlaram a emissão de Charing C ro s s - um hospital existente em Londres, desde 1886 (Newbury, 1999). A interpretação segundo a qual a emissão do componente Charing Cross Hospital tornou-se possível em função de uma relação de controle antecedente mais complexa é

Sobrr Com portam ento c Cotfniçao

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fortalecida quando consideramos que esta certamente não ocorreria na presença de outro estímulo condicional - por exemplo, uma sigla inscrita na bengala que significasse caçador; e não Membro da Escola Real de Cirurgiões. Neste último caso, a resposta mais provável a ser emitida sob controle do H seria, de fato, hunt (caça), e não hospital. A inferência de características pessoais - juventude, falta de atenção e falta de ambição - parece extremamente injustificada a partir de uma fonte restrita de informações, a simples presença da bengala. Mais uma vez, o relato de Sherlock explicitou as variáveis que provavelmente controlaram a emissão destes componentes de suas conclusões: “Ele certamente não fazia parte do corpo módico do hospital, pois só um homem com uma bela prática clinica em Londres ocuparia este cargo - e nesse caso, ele nunca mudaria para o interior. Em sendo assim, que cargo teria este homem no hospital? S e pertencia ao hospital, mas não ao corpo médico, talvez estivesse fazendo um internato em cirurgia ou clinica geral e fosse um pouco mais que um estudante adiantado." (Doyle, 1902/1999, p. 21)

Sherlock referiu-se neste trecho a duas categorias de médicos - a duas possíveis classes de estímulos. Uma destas classes seria composta por médicos num estado mais avançado da carreira - portanto, médicos mais velhos. A outra classe seria composta por médicos iniciando sua carreira profissional - residentes ou estudantes avançados; portanto, médicos mais jovens. Os critérios para partição da classe de estímulos módico em duas categorias ou sub-classes - idade e status profissional - são certamente produtos da história anterior de Sherlock. Pertencer a uma destas duas sub-classes alteraria a probabilidade de uma outra resposta: mudar de cidade, de Londres para o interior. Uma mudança seria mais provável no caso de um médico recém-formado e mais jovem. Se as conclusões anteriores de Sherlock estivessem corretas - se Mortimer fosse atualmente um módico do interior que tivesse trabalhado no Charing Cross Hospital, de Londres, como sugerido pela inscriçã o -e n tã o , uma mudança de cidade teria de fato ocorrido. Já que ó esta mudança que altera a probabilidade de Mortimer ser descrito como um médico jovem, não como um módico mais velho, podemos portanto supor que esta resposta de mudar-se, enquanto estímulo, exerceu função condicional. A falta de atenção de Mortimer foi inferida a partir da bengala esquecida na casa de Sherlock: "(...) na minha experiência, só um homem distraído esquece a bengala e não deixa o cartão de visitas, depois de passar uma hora esperando por você na sala de visitas." (Doyle, 1902/1999, p. 22). A bengala esquecida, produto direto do comportamento de Mortimer, controlou a emissão da resposta M ortim er ó distraído. Neste caso, uma descrição que gualifica M ortim er não é mais que uma descrição de seu próprio comportamento. Quanto à última das características pessoais de Mortimer, afirmou Sherlock:"(...) só um homem pouco ambicioso abandona uma carreira em Londres pelo interior." (Doyle, 1902/1999, p. 22). Esta afirmação indica que Sherlock entendia haver chance maior de sucesso profissional para módicos que optassem por permanecer em Londres. Uma mudança, dado este pressuposto, seria provavelmente acompanhada de perda de reforçadores - dinheiro, sucesso profissional. Sob tais circunstâncias, uma mudança è uma ocasião diante da qual a resposta pouco ambicioso tem alta probabilidade de ser reforçada. Desta forma, podemos interpretar pouco ambicioso como uma descrição de um comportamento que provavelmente ocorreu: do comportamento de Mortimer mudar-se para o interior, mesmo às custas, segundo Sherlock, de perda de reforçadores. A diferença,

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em termos de controle antecedente, entre as respostas distraído e pouco ambicioso, é que a primeira é a descrição de um comportamento emitida diante do produto deste comportamento, enquanto a segunda ó a descrição de um comportamento inferido a partir de relações entre estímulos anteriormente estabelecidas durante o processo de tirar conclusões.

Sobre as concordâncias e discordâncias entre mestre e discípulo Sherlock Holmes e Watson chegaram às mesmas conclusões quanto ao nome do dono da bengala, quanto a tratar-se de um módico que fazia boa parte de suas visitas a pé e que morava em uma cidade do interior. Também chegaram a um acordo quanto ao fato de Mortimer ser uma pessoa estimada e da bengala ter sido um presente dos amigos de M ortim er. Por outro lado, os personagens discordaram quanto às supostas características pessoais do dono da bengala: seria ele velho ou moço? E quanto à origem da bengala? Teria sido ela presente dos amigos do Hospital Charing Cross ou dos amigos do clube de caça? Seria ele um homem bem sucedido ou um homem pouco ambicioso que deixou para trás as chances de sucesso? A análise do tipo de controle antecedente sobre os componentes das respostas de concluir mostra que a concordância entre os personagens foi mais provável quando os componentes eram mantidos por controle discriminativo simples bem estabelecido. Esta concordância pode ser facilmente entendida, já que respostas diferentes provavelmente levariam à perda imediata de reforçamento. A análise apresentada sugere que as discordância entre os personagens ocorreram em relação a respostas que diferiram em termos do tipo de controle antecedente. Conforme discutido, Watson teria concluído que Mortimer era idoso com base em uma contiguidade observada entre a idade de certos médicos e o uso de bengalas Penang Lawyer. Hipotetizamos também que uma relação de contigüidade entre módicos de mais idade, sucesso profissional e o uso destas bengalas poderiam ter levado à conclusão que Mortimer era bem sucedido profissionalmente. Quanto à procedência da bengala, sugerimos que a resposta clube de caça poderia estar baseada em uma relação de contigüidade entre interior, derivado de uma conclusão anterior e uma atividade usualmente realizada no campo - a caça. Neste caso, sugerimos também uma hipótese alternativa, que envolveria uma relação de controle condicional. Deve-se notar que, caso esta hipótese seja considerada válida, Watson teria apresentado cTque se chama controle de estímulos restrito. (Dube & Mcllvane, 1998) Se interiorexerceu a função de estímulo condicional, apenas um único componente do estímulo discriminativo (H, de C.C.H.) controlou a emissão da resposta caça. Sherlock, por sua vez, respondeu sob o controle de um número maior de aspectos do ambiente. Três aspectos devem ser destacados. Primeiro, Sherlock lançou mão de uma estratégia que aumenta a possibilidade de controle discriminativo. Ao usar a luneta, ele tornou acessível estímulos que, a olho nu, eventualmente não seriam fortes o suficiente para evocar a resposta. Segundo, duas de suas conclusões sobre características pessoais de Mortimer foram baseadas em descrições de comportamento: uma delas (Mortimer é distraído) foi emitida sob controle do produto do comportamento de Mortimer; a outra (Mortimer ó pouco ambicioso) foi emitida sob controle de uma conclusão anterior sobre um comportamento que Mortimer teria emitido (mudar-se para o interior). Terceiro, a origem

Sobrr Comportamento e Co^m^lo

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da bengala e outra das características pessoais de Mortimer (Mortimer é jovem) foram emitidas sob controle condicional, que é um tipo de controle antecedente baseado em relações de contingência mais complexas e não apenas em relações de contigüidade. Com o retorno de James Mortimer, as conclusões de Sherlock que descreviam Mortimer como um jovem médico que foi presenteado com a bengala pelos amigos do Charing Cross Hospital mostraram -se acertadas. Ou seja, responder sob controle antecedente mais complexo resultou numa maior probabilidade de produzir reforçamento. As respostas divergentes de Watson, conforme discutido anteriormente, teriam sido emitidas sob um controle discrim inativo mais fraco, descrito por Skinner com o tato metonlmico. Este tipo de controle, baseado na existência de relações entre estímulos, pode fracassar em produzir reforçamento, já que a relação sobre a qual esta extensão do controle se fundamenta pode ser puramente acidental: "A extensão metonímica, todavia, pode se constituir como o resultado de uma associação puram ente acidental entre estímulos e o tato metonlmico, por conseguinte, multo provavelmente confundirá o ouvinte e falhará em prepará-lo para uma açáo efetiva. "(Skinner, 1957/1976, p. 129)

A conclusão sobre o tipo do cachorro de Mortimer também mostrou-se acertada, o que corrobora o valor de uso de instrumentos que aumentem a probabilidade de emissão de uma resposta discriminativa. Portanto, o elemento distintivo entre a resposta de concluir de Sherlock e de Watson estaria na possibilidade do primeiro responder sob controle de um número maior de aspectos do ambiente, aumentando desta forma a probabilidade de reforçamento, bem como na emissão de respostas que permitiram manipular eventos ambientais, como aumentar a efetividade discriminativa de estímulos ou avaliar probabilidades condicionais. Esta maior sensibilidade a eventos ambientais e um repertório bem estabelecido de manipulação de estímulos e de avaliação de probabilidades condicionais, como apresentado por Sherlock, entretanto, não ó suficiente para garantir o reforçamento em todos os casos. Como estas respostas de tirar conclusões são respostas novas, elas poderão, ou não, atender os requisitos da contingência para a liberação de reforço. No romance, uma das conclusões de Sherlock mostrou-se incorreta, quando James Mortimer voltou â casa de Sherlock. De fato, Mortimer havia se mudado de Londres e deixado o Hospital Charing Cross para iniciar uma prática clínica no interior. Esta mudança foi descrita por Sherlock, como já discutido acima, como uma resposta de escolha que produziria uma menor magnitude de reforçadores econômicos e profissionais ou sociais, que levou-o a descrever Moritmer como pouco ambicioso. Entretanto, a variável controladora da mudança não foi a pouca ambição de M&rtimer, mas sim os reforçadores decorrentes da satisfação de sua jovem esposa em continuar vivendo no interior, próximo a sua família, após o casamento. Podemos especular sobre quais variáveis teriam interferido, evitando que Sherlock considerasse essa possibilidade. De acordo com relatos sobre o personagem apresentado por seus estudiosos, Sherlock era um misantropo, um homem que não demonstrava interesse por mulheres ou pela vida conjugal e, ao mesmo tempo, um homem muito vaidoso (Rey, 1999). É possível que o forte valor reforçador condicionado que o sucesso profissional tinha para Sherlock, ao lado do fraco valor reforçador de relacionamentos afetivos tenha sido um elemento que alterou a probabilidade do estímulo mudança controlar a resposta pouco ambicioso. É difícil descrever as condições que permitam instalar, com segurança, um repertório de tirar conclusões sofisticado e eficiente, como o encontrado não apenas em detetives famosos, mas também em cientistas (e professores, orientadores, supervisores...)

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C i id ld ii A m o r im

experientes. Estes repertórios são, indiscutivelmente, produtos de histórias especificas de reforçamento diferencial que colocaram respostas discriminativas sob controle de aspectos mais complexos do ambiente, como encontrado em relações de controle condicionais ou contextuais. Além disso, parece ser necessária uma história de reforçamento que instale um repertório de emissão de respostas pré-correntes, que construam estímulos discriminativos ou que alterem a efetividade discriminativa de outros eventos ambientais presentes, como o encontrado em situações bem sucedidas de resolução de problemas. Este trabalho pretendeu descrever os diversos componentes de um comportamento complexo como o de tirar conclusões, as relações de controle antecedente em vigor para cada um destes componentes e as eventuais respostas pré-correntes emitidas. Tentativas como esta podem ser úteis quando se pretende ensinar relações de controle de estímulos -q u a n d o se pretende algo além de entreter leitores de contos policiais e admiradores de detetives geniais.

R eferências

Doyle, A. C. (1999) O cào dos Baskervilles (H. Jahn, Trad.). Sâo Paulo: Editora Ática (Trabalho original publicado em 1902) Doyle, A. C. (1996) The hound o f Baskervilles. London: Penguin Books (Trabalho original publicado em 1902) Doyle, A. C. (1990) Um estudo em vermelho. (L. Cademartori, Trad.). Sâo Paulo: Editora FTD (Trabalho original publicado em 1887) Dube, W. V. & Mcllvane, W.J. (1998) Reinforcor frequency and stimulus control. Journal o f the Experimental Analysls of Behavior, 68, 303-316 Newbury, J.A. (1999) The Sherlock Holmes Atlas. Disponível na Internet. URL: http://www.sher1ockholmes.org/atlas/london/charing-cross-hospital.html Rey, M. (1999) Conan Doyle: Como se fabrica um detetive. Em: A.C. Doyle: O câo dos Baskervilles. (H. Jahn, Trad.). Sâo Paulo: Editora Ática Skinner, B. F. (1978) O comportamento verbal. (M. P. Villalobos, Trad.). Sâo Paulo: Editora Cultrix (Trabalho original publicado em 1957) The Royal College of Surgeons of England (2000) History. Disponível na Internet. URL: http:// www.rcseng.ac.uk/home/history.asp Yule, B. & Burnell, A.C. (1886) HobsonJobson: The Anglo-lndian Dictlonary. Disponível na Internet. URL: http://orlginal.bibliomania.com/Reference/HobsonJobson

Sobre Com portam ento c C oR m tfo

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Capítulo 38 O ciúme enquanto sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo* A lbina Rodrigues Torres A n a Teresa de Abreu Ramos-Cerqueira Rodrigo da Silva Pias Dcfurtam cnto dc Neurologia c Ps/i/u/afria d,i hacuhiadc dc M e d ic in a dc Botucatu - ( /N h S P

0 ciúme patológico (CP) è um problema Importanto em psiquiatria, que envolve risco» e multo sofrimento, podendo ocorrer em diversos transtornos mentais. Fenomenologlcamente, pode ae apresentar de formas distintas, como uma idéia obsessiva, prevalente ou delirante sobre infidelidade. Entretando, sua apresentação no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), como uma obaesslo em geral associada a rituais de verificaçAo, é relativamente pouco documentada. Para discutir esse aspecto especifico do CP, este trabalho é ilustrado com quatro casos clínicos selecionados, onde o CP tem tais características, abordando aspectos de diagnóstico e tratamento A compreensão de alguns casos de CP como uma manifestação do TOC, mesmo quando nâo claramente egodistônlca, amplia as possibilidades terapêuticas e pode molhorar o prognóstico. Palavras-chave: ciúme, ciúme patológico, transtorno obsessivo-compulsivo, ciúme obsessivo, Morbid |ealousy (MJ) Is an Imporlant problem In psychlatry, whlch Involves some rlsks and much distress, and may occur in many mental dlsorders. Phenomenologlcally, it can manifest In dlfferent ways, as an obsesslonal, overvaluod or delusional idea of Infidelity. However, its manifestatlon In obsessive-compulsive disorder (OCD), as an obsesslon, usually associated with checklng rituais, is not much documented. To address this speciflc issue, conslderlng that little lias been published about MJ In OCD, this article descrlbes and discusses four selected clinicai cases, omphasl/ing dlagnostic and therapeutlc aspects. The comprehenslon of som* cases of MJ as a manifestatlon of OCD, even when not clearly egodystonic, enhances therapeutlc possibilitles and may improve the prognosis. Key words: jealousy, morbid |ealousy, pathologic jealousy, obsesslve-compulslve disorder, obsessive Jealousy,

Ciúme Aquele no espelho a quem m e assemelho - um pouco mais novo, um pouco mais velho armado ató os dentes, que a escova palmilha, o tabaco amarela, que m e diz bom dia apesar do que m e revela e que sem cerimônia m e olha familiar sem ver como m e espanta com seu ser e com seu ar será, de repente, o rival indecente que interessa a ela? Rubens Rodrigues Torres Filho - Nonovolume (Editora Iluminuras, 1997) fexto pubtokto originalmente r« RtvkUt Br»nbtr* de Putqumirl* 21 (3). 105-173,1900 A ABPMC agradece no td do r» pernilMAo par* a publtcuçAo r>o preeenle volume Trabalho realizado no Departamento de Neurologia e Ptiquialria da Faculdade de Medicina de Botucatu- UNLSP

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A lb in a Rotin^uc* forrei, An«i leresa dc A b icu Ram os-Ceryucira c Rodrigo da Silva Dias

O ciúme é uma emoção humana extremamente comum, senão universal, podendo ser difícil a distinção entre ciúme “normal” e "patológico".1'234 Num estudo populacional de 1994s, todos os 351 entrevistados responderam positivamente a pelo menos uma pergunta indicativa de ciúme, mas em menos de 10 % este acarretava problemas no relacionamento. O ciúme seria um conjunto de pensamentos, emoções e ações desencadeado por alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos: 1 ) ser uma reação frente a uma ameaça percebida; 2) haver um rival real ou imaginário e; 3) a reação visar eliminar os riscos da perda do amor. * A maneira como o ciúme ó visto tem variações importantes nas diferentes culturas e épocas. Assim, no século XIV, relacionava-se à paixão, devoção e zelo, à necessidade de preservar algo importante, sem as conotações pejorativas de possessividade e desconfiança.3 Nas sociedades monogâmicas, o ciúme associava-se à honra e moral, sendo um instrumento de proteção da família, talvez até um imperativo biológico, uma adaptação evolutiva à questão da incerteza da paternidade. Dava-se grande ênfase à fidelidade fem inina, enquanto a infidelidade m asculina era bem aceita. Mesm o modernamente, pode-se atribuir um papel positivo ao fenômeno, considerando-o um sinal de amor e cuidado, havendo quem se queixe da ausência de demonstrações de ciúme e chegue a provocá-las propositadamente.4 No entanto, o potencial destrutivo, o "lado negro" desta emoção sempre foi reconhecido, datando de 1694 a peça Othello, de Shakespeare. O balanço entre suas vantagens e desvantagens tem ampla variação histórica. No século XIX, o ciúme muda de uma prerrogativa masculina para se tomar especialmente um problema das mulheres, não mais uma questão de honra ofendida, mas fraqueza e falta de controle. Neste século, associa-se á insegurança e imaturidade, expressão de desajustamento psicológico e social, algo cada vez mais problemático, indesejável e patológico.3 Para uma visão aprofundada sobre o tema e seus aspectos psicodinàmicos, recomendamos o excelente livro “Ciúme, o medo da perda", de Eduardo Ferreira-Santos.7 O conceito de ciúme mórbido ou patológico ("síndrome de Othello"H) compreende várias emoções e pensamentos irracionais e perturbadores, além de comportamentos inaceitáveis ou bizarros.® Envolveria muito medo de perder o parceiro(a) para um(a) rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no funcionamento pessoal e interpessoal.1011 De S ilva 4considera a crença na infidelidade um critério desnecessário, sendo crucial o medo da perda do outro, ou do espaço afetivo ocupado na vida deste. Para M ooney12, a base do CP estaria na sua irracionalidade, e não na excessividade. Problema importante, pode chegar ao psiquiatra como sintoma em diferentes formas de apresentação, relacionado tanto a transtornos da personalidade quanto a doenças mentais francas.8 O termo "ciúme patológico" (CP) engloba uma ampla gama de manifestações (de reativas a delirantes) e diagnósticos psiquiátricos 1 3 1 4 inclui os casos de ciúme sintomático, ou seja, quando é parte de outro transtorno mental (ex.: alcoolismo, demência, esquizofrenia).4,18 Nessas circunstâncias, o foco do tratamento seria o processo principal subjacente.17 Enquanto o ciúme normal seria transitório, específico e baseado em fatos reais, o CP seria uma preocupação infundada, irracional e descontextualizada.1019 K a s tm afirma que, psicodinâmicamente, enquanto no ciúme não-patológico deseja-se preservar o

V>l>rr C om portam ento e Cotfm(«U>

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relacionamento, no CP haveria o desejo inconsciente da ameaça de um rival. Na verdade, pouco se sabe sobre experiências e comportamentos associados ao ciúme na população geral. Haveria, entretanto, clara correlação entre baixa auto-estima e ciúm e.5 Williams e S ch ill21 relacionam a desconfiança e o medo do abandono ou do desamor nas relações amorosas adultas com a falta de apego afetivo seguro com os pais na infância. Para Dolan e Bishay 11, o CP ocupa posição ambígua e marginal na psiquiatria contemporânea, predominando o pessimismo quanto aos aspectos terapêuticos. É importante ressaltar, no entanto, que, quando presentes, tais preocupações costumam dominar a apresentação clinica.9 O problema dar-se-ia na relação entre o indivíduo e o companheiro suspeito, sendo o(a) rival uma figura obscura e afastada do campo de conflito, ou algum colega de trabalho, vizinho ou mesmo familiar. A figura do rival costuma ser avaliada de modo extremo, ou com enormes qualidades ou com total ausência de virtudes, gerando mais raiva e piora da auto-estima.22 Os desejos, sentimentos e atitudes envolvidos seriam complexos e contraditórios.4 Várias emoções são experimentadas, tais como: ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação, perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual e desejo de vingança. O indivíduo seria como um vulcão, cujas erupções estariam sempre iminentes22,23 Para E noch2, o delírio de ciúme é um modo de vivenciar o amor que o distorce, deprecia e adoece. O indivíduo seria normalmente sensível, vulnerável e desconfiado, com baixa auto-estima e pouco assertivo, enquanto algumas vezes, ao contrário, poderia se apresentar impulsivo, egoísta e agressivo. O potencial para atitudes violentas ó destacado por vários autores, sendo uma área importante em psiquiatria forense.810'131724 29As fichas policiais estariam subestimando sua ocorrência, pois as mulheres, principais vítimas, raramente dariam queixa das agressões e do “terror antecipatório" que sofrem, com exigências, ameaças e restrições.10 O CP pode até motivar homicídios, mas muitas dessas pessoas sequer chegam aos serviços módicos.2" Para Palermo et al., 27 a maioria dos homicídios seguidos de suicídio são crimes "de paixão", ou seja, relacionam-se a idéias paranóides de ciúme em relações amorosas simbióticas, em geral cometidos por homens, na vigência de alguma substância psicoativa (usualmente álcool) e quadros depressivos. Esta síndrome, pouco compreendida e potencialmente trágica, poderia coexistir com qualquer e‘ntidade diagnóstica17. Soyka et al.™ analisaram 8.134 pacientes internados e encontraram 93(1,1% ) com delírios de ciúme, mais freqüentes em: psicoses orgânicas (7%), distúrbios paranóides (6,7%), psicoses alcoólicas (5,6%) e esquizofrenias (2,5%). O problema foi raramente encontrado em distúrbios afetivos (0,1 %) e distúrbios neuróticos ou de personalidade (0,6%). Shaji e M athew 20, entretanto, destacam os prováveis vieses de prevalência, conforme o tipo de serviço estudado. Shepherd1, já em 1961, analisou 81 casos ambulatoriais de CP, encontrando uma enorme variedade de apresentações clínicas, muitas relacionadas a quadros depressivos, ansiosos e obsessivos, além dos "orgânicos" e "psicóticos". São bastante conhecidos os delírios de ciúme de alcoolistas 9-29, descritos primeiramente por Mareei em 1847. Kraft-Ebing, em 1891, encontrou idéias de ciúme em 80% dos dependentes de álcool avaliados, passando esse sintoma a ser considerado,

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A lb in a Rodrigues Torre», A n a Teresa dc A b reu Ram o*C erqu eira e Rodrigo da Silva P ia s

durante algum tempo, patognomônico do alcoolismo.928 Noyes"^08destacava a impotência sexual (do alcoolismo, da senilidade, do diabetes) como importante fator no desenvolvimento de idóias de infidelidade, relacionadas a sentimentos de inferioridade e rejeição. Nas mulheres, fases de menor interesse sexual ou atratividade física (gravidez, puerpério, menopausa) aumentariam igualmente a insegurança e a ocorrência desse problema. Shrestha et al. 29( entretanto, não encontraram no alcoolismo associação entre CP e prejuízo do desempenho sexual.2 Michael et al. 9 avaliaram 207 alcoolistas e encontram 71 (34%) com CP: em nove casos como idóia delirante e em apenas sete antecedendo a dependência do álcool. Houve tendência de evolução em estágios do sintoma, inicialmente ocorrendo apenas na vigência da intoxicação e posteriormente também nos períodos de sobriedade. A violência verbal e física contra as esposas foi bem maior nesse subgrupo, em relação àqueles que não apresentavam CP, Mullen e Martin 5 avaliaram 600 pessoas da população geral e encontraram relação entre ciúme exagerado e abuso de álcool. Para os autores, o álcool poderia ser uma estratégia para lidar com tais preocupações. Soyka 18 investigou a presença de delírios de ciúme em 630 esquizofrênicos internados, encontrando apenas oito casos positivos, sendo que cinco destes apresentavam diagnóstico adicional de abuso ou dependência de álcool. Concluiu ser este fenômeno relativamente raro na esquizofrenia (prevalência entre 1 e 2,5 %). Seria bem mais freqüente em transtornos dem enciais18 30 e em quadros depressivos.1-121931 Pode-se ainda ter o delírio de ciúme bem sistematizado em sua forma pura, sem alucinações ou deterioração da personalidade, numa apresentação monossintomática.2 Este quadro, atualmente denominado transtorno delirante de ciúme, seria bem mais raro. Shaji e M athew 26, estudando 93 pacientes com transtorno paranóide, observaram delírios de ciúme em 16%, e a maior parte deles estava na comunidade. Para Mullen e P a th é 25, quando primário, esse sintoma seria compreensível no contexto da história pessoal, situação vivencial e da personalidade do indivíduo. Em 1961, Shepherd1 afirmava que nesta área os limites entre normal e patológico, não-delirante e delirante, nem sempre seriam facilmente demarcáveis, havendo múltiplas variantes clínicas entre reações compreensíveis de ciúme e estados delirantes francos, incluindo casos de doenças orgânicas cerebrais (senilidade, abuso de álcool e outras substâncias), psicoses funcionais (esquizofrenia, paranóia, psicoses afetivas), distúrbios da personalidade e neuroses. Dentre as últimas, descreveu casos com idéias obsessivas admitidamente irracionais e de caráter compulsivo. Vários outros autores sugeriram a relação entre CP e transtorno obsessivocompulsivo (TOC), com abordagens terapêuticas com uns.1011,1419'31'32,33':,4,3f,':w'v Assim, pensamentos de ciúme podem ser vivenciados como excessivos, irracionais ou intrusivos e podem levar a comportamentos compulsivos, como os de verificação.35 Segundo Seeman 17, enquanto no ciúme delirante o paciente está convencido da traição, o ciúme obsessivo caracteriza-se por dúvidas e ruminações sobre provas inconclusivas, onde certeza e incerteza, raiva e remorso alternam-se a cada momento. No entanto, nem sempre seria simples essa distinção.2,28 É importante ressaltar que em estudos sobre TOC, o tema do CP é pouco abordado, possivelmente por não ser um sintoma muito típico, e em trabalhos que estudam o CP em geral, sua apresentação como uma manifestação sintomatológica do TOC também é pouco enfatizada, talvez por não estar entre as mais freqüentes. Sobre Comportamento c Connif.lo

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O bjetivo Pela relativa escassez de trabalhos sobre esse aspecto específico do CP, o presente estudo tem como objetivo discutir as características clínicas desses casos, ilustrando com alguns pacientes selecionados do Serviço de Psiquiatria da FMB-UNESP que tôm o ciúme como conteúdo relevante na sua apresentação clínica, porém como um sintoma de linha obsessivo-compulsiva.

Casos clinicos C asol BSL, 42 anos, dona de casa. Aos 25 anos, na gravidez de seu terceiro filho, assistiu a um filme no qual um homem foi morto a facadas. Ocorreu-lhe, então, um impulso horrível (sic), de esfaquear sua filha de 3 anos, a quem era especialmente ligada (desde seu nascimento, tinha medos exagerados de que algo ruim lhe acontecesse). Ficou apavorada, angustiada, com medo de ficar sozinha com ela e perder o controle. Começou a esconder de si mesma objetos cortantes, chegando a pensar em cortar as próprias mãos e mesmo se matar, para proteger a criança. Passou a tomar de 8 a 10 banhos por dia para "tentar lavar a cabeça desses pensamentos" e porque se sentia "suja". Aos poucos os sintomas diminuíram de intensidade. Dos 7 aos 11 anos tivera rituais de contagem ao arrumar a cozinha, trabalhar na roça ou buscar lenha, sem obsessões de que se lembrasse, apenas “uma alegria de dever cumprido" após contar até 100 (sic). Sexta filha de uma prole de 7, perdeu a màe aos 15 anos. O pai e um irmão eram alcoolistas, tendo fugido para casar-se aos 19 anos. Tem uma irmã com "depressão", várias internações e duas tentativas de suicídio. O relacionamento conjugal sempre foi muito bom. Teve um aborto espontâneo e também perdeu o segundo filho, que era prematuro, com 13 dias de vida. Depois, teve 2 filhas e, desta gravidez, um menino. Passou bem até os 34 anos, fazendo uso intermitente de diazepam e amitriptilina, quando voltou a ter fobia de impulsos agressivos, especialmente contra a filha mais velha, junto com dúvidas injustificadas e ruminações sobre a fidelidade do marido. Passou a fazer-lhe perguntas repetidas sobre ter saído, olhado ou cumprimentado outras mulheres, gostar ou não dela. Como não conseguisse se certificar das respostas, passou a anotá-las em um caderno ou pedir-lhe que jurasse, escrevesse a resposta e assinasse, para olhar quando estivesse em dúvida e não precisasse "atormentá-lo”. Conferia as anotações inúmeras vezes para tentar se certificar da resposta, com alívio passageiro. Considerava esses pensamentos doentios, pois nunca fora ciumenta e confiava totalmente no marido, tendo pena dele e remorso de tantas perguntas "bobas". Tinha também dúvidas "absurdas" sobre ela ter saldo com outros homens, sabendo não tê-lo feito. Sendo obesa e não tendo tolerado os efeitos colaterais da clomipramina, que tomou por poucos dias, foi medicada com fluoxetina, 20 mg/dia. Em algumas semanas todos os sintomas praticamente remitiram, chegando a queimar aquele caderno de anotações. Em 1995, ficou sem medicação e as "dúvidas de ciúme” voltaram. Novamente medicada e em grupo psicoterápico mensal, passou praticamente assintomática até 1998, quando mais uma vez deixou o tratamento. No início de 1999, voltaram as idéias injustificadas de ciúme, ruminações sobre a existência ou não de Deus, dúvidas de gostar ou não dos filhos e humor deprimido. Reintroduzida a fluoxetina, volta a melhorar bastante após 40 dias, estando ainda em seguimento.

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A lb in a Rodrigues Torri-s, A n a leresa ilc Ab reu R a m o s-C n iju ciia c Roílri^o tia Silva P ias

Caso 2 G.O.F., 24 anos, técnico de eletrônica. Aos 17 anos, rompeu com sua primeira namorada, que adorava, porque soube que ela saiu com outra pessoa, tendo sofrido muito nessa época. Há 3 anos, começou a namorar uma moça da sua Igreja, de 18 anos, que conhecia desde criança. Após um ano começou a ser atormentado por pensamentos de traição, que relacionava ao fato de estar gostando demais dela e terem planos de casamento. Apesar de confiar nela, os pensam entos ficavam "como um ponto de interrogação", incomodando: "será que ela está mesmo na escola, será que não está com alguém ?" Passou a ter impulsos incontroláveis (sic) de perguntar pessoalmente ou por telefone se estava mesmo onde dizia que estaria, ir atrás dela, mexer em sua bolsa e em suas gavetas para verificar, o que considerava um comportamento "medíocre e infantil". Dizia que não tinha sossego de cabeça e só pensamentos maliciosos, contra os quais procurava lutar, pois tinha consciência de que isso estava atrapalhando e até pondo em risco o relacionamento: "sei que a estou sufocando, fazendo-a sofrer e que isso não tem sentido, mas acabo fazendo". Nega outros sintomas OC anteriores. Sempre teve bom relacionamento com os pais e a única irmã, 16 anos mais nova. De família crente, nunca usou álcool ou drogas, nem teve relacionamento sexual. Medicado inicialmente com 20 mg de fluoxetina, sentiu-se muito ansioso, inquieto e insone, interrompendo o uso após 3 semanas. Com clomipramina 25 mg, experimentou melhora dos pensamentos de ciúme após 10 semanas, mas tinha muita sonolência, aumento de apetite e engordou 4 kg. Introduzida a paroxetina 20 mg/dia, obteve melhora gradual significativa, sem efeitos colaterais relevantes. Passou a sentir-se mais relaxado e despreocupado, trabalhando melhor, sem necessidade de fazer tantas perguntas ou checar onde ela estava o tempo todo. Os pensamentos tornaram-se cada vez mais raros e passageiros, o relacionamento melhorou muito e casaram-se 3 meses após o inicio dessa última medicação. Ainda em seguimento, diz estar "melhor impossível", super-feliz, pois tiveram uma boa adaptação sexual e "não há mais pensamentos ruins". Caso 3 RRS, 30 anos, vendedor, católico carismático, 2‘ grau. Queixava-se de que seu casamento estava indo muito mal, por causa de seus ciúmes. Estava casado há 2 anos, pela segunda vez, com uma mulher 6 anos mais velha, solteira, que conheceu na Igreja. Após um ano juntos, numá conversa casual, começou a questionar detalhes sobre seus relacionamentos afetivos anteriores (com quem já tinha saído ou tido relações sexuais, de que modo, aonde, quantas vezes). Passou a fazer essas perguntas repetidamente, ficando muito ansioso quando a resposta não era exatamente igual à anterior. Não se concentrava no trabalho, telefonava várias vezes para casa, sempre que lhe ocorria uma dúvida, para “conferir as respostas", tendo que devolver seu celular, pois não conseguia pagar as contas telefônicas, e chegou a demitirse do trabalho. Ansioso, foi medicado inicialmente com clomipramina (até 300 mg/dia), e depois com paroxetina (20 mg/dia) por apenas 2 meses. Teve apenas melhora parcial e insatisfatória dos sintomas, mantendo-se em psicoterapia. Com 200 mg/dia de fluvoxamina, após 3 meses, referia melhora de 70%, mas os sintomas ainda incomodavam: não conseguia evitar muitas perguntas e sua mulher, muito desgastada, não tolerava mais a situação. De fato, ela exigiu que ele saísse da casa e, logo após, ele retoma deprimido e arrependido de suas atitudes "sem cabimento", disposto a tentar reconquistá-la.

Sobre Comporldinenlo c Co^ n ivío

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Na adolescência, tinha pensamentos recorrentes de que algo ruim poderia acontecer à sua mãe, só aliviados quando batia 3 vezes na madeira (chegava a parar o carro na estrada para bater na madeira de placas de sinalização). Teria controlado sozinho, com o tempo, esses “impulsos". Tem uma irmã que faz o sinal da cruz a todo o momento e tem tiques estranhos de pernas e braços. O relacionamento com seu pai não é bom, acha que ele não “lhe dá valor". Seu primeiro casamento foi aos 19 anos, tiveram um filho e separaram-se após 7 anos, por iniciativa da ex-mulher, que alegou não gostar mais dele, pois ele só trabalhava e não dava atenção à família. Ficou surpreso e triste na época, pois não queria a separação. Chegou a achar que ela tinha um amante, mas ela sempre negou e continua sozinha até hoje. Após a separação, voltou a freqüentar a Igreja, onde conheceu a atual companheira, e foram morar juntos após poucos meses. C a to 4 OCN, 45 anos, empresário. Procurou o serviço quando estava prestes a se separar da esposa pela quarta vez, sempre pelo mesmo motivo: seu ciúme excessivo. Referia que tudo havia começado aos 6 anos de idade, quando viu seu tio paterno tendo relações sexuais com uma empregada. No primeiro instante, achou que fosse sua mãe e, sem nada contar, passou a vigiá-la até os 9 anos, quando esses pensamentos desapareceram. Aos 15 anos, quando começou a namorar sua esposa, as preocupações de ciúme voltaram, gerando muitas brigas. Casou-se aos 19 anos, quando ela engravidou. Inicialmente, achou que o filho podia não ser seu, essa dúvida só passando após a criança nascer, por ser muito parecida com ele. Ficou bem durante 9 anos, mas gradativamente as desconfianças retornaram, e com elas: perguntas insistentes, pedidos de promessas de fidelidade, ameaças físicas e até "grampos" telefônicos. Numa ocasião, levou-a à Igreja, obrigando-a a confessar-se, jurar que nunca o havia traído e prometer fidelidade. Várias vezes a seguiu e perguntou a supostos amantes se haviam se envolvido com ela. Mudaram de cidade algumas vezes, não conseguia gerenciar seus negócios, já que consumia muito tempo em checagens. Ele admitia ter encontros casuais, mas nunca “amantes". Já havia feito tratamentos com neurolépticos e benzodiazepínicos e se submetido a psicanálise (sic) durante 3 anos, sem melhora. É o n\ais velho de 4 filhos, tendo três irmãs e nenhum antecedente psiquiátrico na família. Não tem bom relacionamento com o pai, que nunca apóia suas idéias (sic), principalmente nos negócios, mas depende financeiramente dele até hoje, trabalham juntos e discutem muito. Na consulta inicial estava inquieto, irritado e achando, mesmo sem provas, que desta vez a esposa o havia traído. Não dormia, os pensamentos estavam muito intensos e havia viajado 500 km para tirar dúvidas sobre um possível amante dela. Tinha também imagens mentais intrusivas dela com outros homens. Medicado com clomipramina até 150 mg/dia, após 3 semanas, apresentava-se mais calmo, dormindo melhor e no terceiro mês, quase não tinha mais pensamentos de ciúme. Desculpou-se com ela e voltaram a morar juntos. Após 6 meses bem, iniciamos a redução da medicação, até 50 mg de manutenção. Entretanto, por estar engordando e com retardo de ejaculação, parou o uso por conta própria, mantendo-se assintomático por 3 meses. Gradualmente os sintomas retornaram, sendo então medicado com sertralina 50 mg/dia. Em 4 semanas os sintomas 4 0 4

A lb in a Rodrigues Torres, A n d Tcresd dc A b a-u R am o sC crq u cira c Rodrigo dd Silvd P ias

já não interferiam no seu comportamento, obtendo melhora progressiva, sem efeitos colaterais significativos.

Discussão Na prática clínica, o primeiro ponto importante quando diante de um indivíduo com preocupações de ciúme, seria avaliar a racionalidade ou não das mesmas, assim como o grau de limitação ou prejuízo que acarretam, ou seja, se ó ou não de uma preocupação patológica. Como visto, as preocupações com fidelidade não são raras nem bizarras e muitas vezes são bastante compreensíveis.23 A seguir, deve-se buscar um entendimento psicopatológico do sintoma, diferenciar entre idéia obsessiva, prevalente ou delirante. Nesse sentido, ó fundamental avaliar o grau de crítica do indivíduo em relação às preocupações, realizando um exame psíquico cuidadoso. Como se sabe, uma pessoa pode estar delirante mesmo que o cônjuge de fato o (a) esteja traindo, se a crença na infidelidade for baseada em fatos ou atitudes que em nada a justifiquem, e estruturada de modo fixo, inabalável e acrítico. Ressalte-se ainda o fato de que nem sempre os delirantes tomam atitudes em função da crença, o que seria mais comum em indivíduos com idéias prevalentes ou supervalorizadas, estes sim muito mais "movidos" a agir pela preocupação mórbida (vide caso 4). O terceiro aspecto seria a busca do diagnóstico responsável pelo sintoma, seja ele obsessão, idéia prevalente ou delírio. Nunca 6 demais ressaltar que, da mesma forma que a ocorrência de delírios não implica nenhum diagnóstico específico, obsessões e compulsões não são sintomas patognomônicos do TOC, ocorrendo em vários outros quadros psiquiátricos, como depressões, dem ôncias e esquizofrenias. Sintom as depressivos podem ainda ser comórbidos e secundários ao TOC, o que ocorre com muita freqüência, dificultando o diagnóstico diferencial. Em várias entidades nosológicas o CP ■ em diferentes apresentações- já foi descrito, tais como na dependência de álcool e de drogas, na esquizofrenia, nas doenças afetivas, nos transtornos delirantes, em quadros orgânicos, em transtornos da personalidade e no TOC. Além da análise dos sintomas, investigando a natureza da preocupação de ciúme e a força da crença, é fundamental avaliar-se tam bém 41H: o sofrimento gerado tanto para o indivíduo qua_nto para o cônjuge, o grau de incapacitação (no trabalho, na vida sexual, as chances de separação), o risco de atos violentos (maior quando há uso de substâncias psicoativas), as reações do parceiro(a) e a qualidade global do relacionamento. Deve-se ainda considerar os fatores de predisposição (sentimentos de inferioridade e insegurança, transtornos psicológicos atuais ou anteriores, experiências passadas de separação ou traição, relacionamento dos pais), fatores precipitantes (perda de emprego, mudança de comportamento ou de status do companheiro(a)) e fatores mantenedores (desacordos sobre exclusividade, diferenças de personalidade e comportamentos provocativos do cônjuge). Assim, tal fenômeno é complexo, sendo necessária avaliação cuidadosa e global em cada caso. Há vários anos, além de S hepherd1, outros a uto res1213 afirmaram que a neurose obsessivo-compulsiva (NOC) poderia se manifestar como CP. Também Cobb e M a rks32 compararam o CP com a NOC, considerando-os por vezes indistingüíveis: os pensamentos de ciúme seriam ruminações e as buscas por evidências da infidelidade, rituais compulsivos Sobro Comportamento c Co^ni^lo

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de verificação. Muitos pacientes teriam vergonha desses pensamentos e se esforçariam para afastá-los. É famosa a frase de Barthes em "Fragmentos de um discurso amoroso" •pud22. “como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade: eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum". Tarrier et al. 10 também consideram que os pensamentos de ciúme partilham de várias características com as obsessões: são freqüentemente intrusivos, indesejados, desagradáveis e por vezes considerados irracionais, em geral acompanhados de atos de verificação ou busca de reasseguramento. Os indivíduos que avaliam suas atitudes como inadequadas ou injustificadas teriam mais sentimentos de culpa e depressão, enquanto os demais apresentariam mais raiva e comportamentos violentos. Para M ooney12 o ciúme "não-psicótico" estaria mais associado à fadiga, depressão e ideação suicida do que o chamado "psicótico". Para Hoaken e R achm an,fHid 19, os pensamentos ou ruminações obsessivas de ciúme diferem das suspeitas de ciúme na medida em que são facilmente reconhecidos pelo paciente como egodistônicos, ou seja, irracionais e associados a resistência e culpa, enquanto as preocupações mórbidas são sintônicas (consistentes com o estilo de vida e centradas em problemas realísticos do indivíduo), raramente resistidas e só algumas vezes associadas a culpa. Nenhuma dessas diferenças, entretanto, seria absoluta. Assim, nos pacientes obsessivos, as preocupações de ciúme tipicamente envolvem maior preservação da crítica, mais vergonha, culpa e sintomas depressivos, m enor agressividade expressa, m uitas rum inações e rituais de verificação sobre acontecimentos passados. Nestes quatro casos não ocorreram atos violentos, mas apenas ameaças verbais em um deles (caso 4), exatamente aquele com maior prejuízo da capacidade crítica. De fato, há casos onde predominam comportamentos relacionados á depressão, tais como: retraimento, dependência e maior demanda por demonstrações afetivas: por vezes alternados com raiva, ameaças e agressões.4 Shepherd 1 afirma que, em muitos casos não-delirantes, as tentativas repetidas de obter uma confissão decorrem da necessidade de resolver uma dúvida atormentadora, enquanto demandas sexuais excessivas podem ser tentativas de garantir a satisfação do outro e prevenir a traição, assim como as agressões, seguidas de intenso remorso e mesmo ideação suicida. Para Parker e B a rre t19, o ciúme requer um contexto interpessoal, enquanto o clássico domínio das obsessões no TOC seria intrapessoal. Tal fenômeno envolveria sempre duas pessoas^e os pacientes melhorariam quando sem relacionamentos amorosos.a2'35:w No caso 3, por exemplo, imediatamente após a separação, ele “cai em si", reconhecendo que deveria ter evitado tantas perguntas, que agora admitia serem sem importância. No primeiro caso, a paciente tinha medo de perder o controle sobre os próprios impulsos sexuais e agressivos, e as obsessões sobre infidelidade se apresentavam como dúvidas patológicas francamente egodistônicas. Já acompanhamos, entretanto, um outro caso de ciúme obsessivo da namorada, que se iniciava como uma palavra intrusiva repetitiva ("chifre") e se seguia de dúvidas sobre traição, mas essas se mantiveram de forma estereotipada, mesmo anos após a separação. Assim, como aponta o poema na introdução deste trabalho, trata-se sempre, em última instância, de um problema do indivíduo consigo mesmo. Em 1997, Parker e B a rre t19 descrevem um caso de CP que consideraram uma forma frustrada, uma expressão ou uma variante do TOC, no qual um paciente de 54 anos com traços obsessivos prévios de personalidade e que havia sido abandonado pelos pais

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Albirm Rodrigues Torres, A n a Teres*i dc Ab reu Rum o s-C crqueiu e Rodrigo d>< Silva F)ms

na infância, após 20 anos de casado e numa fase de crise profissional, passa a pensar incessantemente num namoro anterior da esposa, questioná-la sobre detalhes passados e segui-la. Dizia-se torturado pelos pensamentos e incapaz de controlar-se, mesmo sabendo estar colocando em risco um relacionamento feliz, exatamente como o segundo caso aqui descrito. Tratado com clomipramina e abordagens cognitivo-comportamentais, melhorou globalmente após um mês, inclusive da tricotilomania associada, que não havia relatado inicialmente. A seguir, G angdev31 descreve o caso de uma mulher de 25 anos, com sintomas depressivos, preocupações com traição, imagens mentais intrusivas de seu marido na cama com outras mulheres e comportamentos repetitivos de verificação (questionamentos, telefonemas, visitas-surpresa), que lhe geravam muita culpa, pois sabia que ele lhe era fiel. No entanto, no ciúme obsessivo, assim como ocorre com sintomas mais clássicos do TOC, o grau de crítica pode variar consideravelmente de paciente para paciente e, ao longo do tempo, sendo útil a noção de “espectro" de sintomas, variando de obsessivos a delirantes.3* 39 Note-se que nos casos descritos, a critica está totalmente preservada nos casos 1 e 2 (egodistonicidade bem caracterizada: plena consciência da irracionalidade das preocupações, culpa e luta contra elas), enquanto no caso 3 parece oscilar um pouco mais (pede demissão do trabalho para poder verificar) e no caso 4 está mais comprometida, como uma idéia prevalente (ameaças, escutas, viagens, questionamento de "suspeitos", separações). Entretanto, com o uso de clomipramina e de sertralina, este último paciente tem melhora deste aspecto, chegando a desculpar-se com a esposa pelas suas desconfianças, que passa a considerar injustificadas. Possivelmente pelo comprometimento da crítica, ele havia sido medicado anteriormente com neurolépticos, sem melhora. Os dois primeiros casos, onde o juízo crítico parece mais preservado, são justamente os que têm mais queixas depressivas, onde a raiva é mais autodirigida. O mesmo ocorre com o paciente 3, após ter sido deixado pela companheira. Em 1976, Docherty e Ellis 13 dividiram o CP em três estranhos sub-grupos: excessivo, ego-distônico e obsessivo-delirante, destacando no último tipo aspectos psicodinâmicos comuns, com ciclos alternados de raiva e remorso. Desta forma, poderse-ia concluir, talvez surpreendentemente, que delírios de ciúme ocorreriam também em quadros " n e u ró tic o s " P a ra E n o ch 2, no entanto, no CP que denomina de “obsessivoneurótico”, a noção de realidade não se perderia, independentemente da intensidade do ciúme. SegunÔo Mullen ” , em matéria de ciúme, as linhas divisórias entre imaginação, crença e certeza da realidade vivenciada freqüentemente se tornam vagas e mal definidas, as dúvidas podendo se transformar em idéias delirantes. A verificação seria uma atitude quase universal nesses pacientes: verificar se a pessoa está aonde e com quem disse que estaria, verificar indireta e repetidamente. Note-se que diferentes rituais de verificação ocorrem em todos os casos aqui descritos. Comportamentos furtivos, tais como examinar bolsos, carteiras, recibos, contas, roupas íntimas e lençóis, ouvir telefonemas, abrir correspondência, seguir o cônjuge ou mesmo contratar detetives particulares, costumam não aliviar e ainda agravar sentimentos de remorso e inferioridade. Wright 36descreveu o caso de uma paciente não-delirante que chegava a marcar o pênis do marido com caneta para conferir a presença desse sinal no final do dia. Tivemos a oportunidade de acompanhar outro paciente com ciúme obsessivo que chegava a examinar as fezes da namorada, procurando possíveis restos de bilhetes Sobre Com porl.im cnlo c CoRnlçüo

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engolidos. A busca incessante de evidências que confirmem ou afastem a suspeita é acrescida da inquisição persistente sobre acontecimentos atuais ou passados, cuja eventual confissão, no entanto, não traz paz e, sim, mais questionamentos, pois nenhuma confissão é suficientemente detalhada e nenhuma prova de inocência é suficientemente convincente.2 Como visto, são habituais as visitas ou telefonemas de surpresa em casa ou no trabalho e perguntas repetitivas torturantes ao companheiro, cujo comportamento pode aumentar a preocupação, pois mesmo elogios e presentes podem ser recebidos com desconfiança. Muitas vezes, o cônjuge mente, omite informações ou faz brincadeiras na tentativa de minimizar o problema, geralmente agravando-o. Outras vezes, há um certo jogo -consciente ou não- de provocação de ciúme e sedução, que envolve as necessidades afetivas do outro e que é sempre veementemente negado.1/18 Assim, como em outros comportamentos compulsivos, o alivio da ansiedade tende a ser pouco eficaz ou apenas fugaz. Além disso, a necessidade de controle, mesmo quando impossível, é outro aspecto comum em obsessivos, o que aparece no CP como desejo de controle total sobre os sentim entos e com portam entos do cônjuge. 23 Preocupações excessivas sobre relacionamentos anteriores (como no caso 3) podem ocorrer como pensamentos repetitivos, imagens intrusivas e ruminações sem fim sobre fatos passados e seus detalhes.4 Tal "necessidade de saber" se daria pelo desejo irracional de controle, de a exclusividade se estender a épocas anteriores ao atual relacionamento. No caso 3, pode-se também pensar numa “necessidade de exatidão", pois se a resposta dada pela esposa diferisse minimamente das anteriores, ocorria aumento da ansiedade. Conforme destacou M ullen22, o amor pode ser questionado sempre, uma vez que o outro nos escapa mesmo quando ao nosso lado. Há sempre espaço para dúvida e, sempre que o amor é colocado em dúvida, o ciúme é possível. Enquanto no amor ideal o medo estaria banido, esse amor "distorcido" seria o medo personificado. Note-se que a dúvida patológica com verificações repetidas é a tônica de todos os casos aqui descritos, as ruminações sobre fatos passados predominando nos casos 1 e 3, enquanto as preocupações são mais atuais nos outros dois. Uma outra paciente com TOC do nosso ambulatório relatou entre outros sintomas, envergonhada, que sempre que via alguma mulher usando um telefone público, pensava: “e se ela estiver ligando para o meu marido?", poucas vezes conseguindo evitar discar para casa para se certificar de que a linha não estava ocupada. Sabe-se que o DiedadâJMfílâ é um tema central no TOC, podendo a perda do ser amado, em certas circunstâncias, mesmo que não pela morte em si, representar o temor maior, o sofrimento mais assustador. Nos casos 1 e 3, há outros sintomas obsessivocompulsivos, particularmente medo da perda de outras pessoas queridas (filha, mãe), enquanto nos casos 2 e 4, o ciúme é o único tema presente (no último caso, desde a infância, em relação à mãe). Sem que houvesse relato de serem ciumentos anteriormente, no caso 2 temos um episódio real de traição em relacionamento anterior e no caso 3 o paciente foi surpreendido pelo pedido de separação da primeira esposa (sentiu-se, talvez, de alguma forma “traído"). No primeiro caso, o relacionamento conjugal é muito valorizado, por ser satisfatório e pelas dificuldades precocemente enfrentadas (perda da mãe, alcoolismo do pai e irmão). Pode-se perceber ainda um grande apego à filha mais velha (obsessões predominantes sobre ela, até como fobias de impulso) após a perda dos dois primeiros filhos. Outro aspecto interessante são as dificuldades de relacionamento com o pai,

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A lb in a Rodrigues Torres, A n a Teresa de Ab reu Ram os-Cenjucira c Rodrigo da Silva P ia*

presentes também nos casos 3 e 4, envolvendo possíveis sentimentos de desvalorização pessoal e insegurança. No caso 4, temos episódios reais e freqüentes de traição por parte do paciente, enquanto no caso 1 , há dúvida patológica sobre tê-lo feito, mesmo sabendo que não. Segundo G angdev31, o termo CP tem significado inconsistente e nenhum valor prático, devendo ser abandonado em favor de expressões mais precisas como obsessão ou delírio de infidelidade. Esse autor estranha a relutância de muitos autores em fazer o diagnóstico de TOC em casos cuja apresentação é centrada em preocupações de ciúme, questionando se haveria alguma regra proibindo as idéias obsessivas de envolverem o tema “infidelidade". Ressalta que, se as obsessões são de ciúme, opta-se por termos como '‘variante" do TOC, ciúme obsessivo, ciúme obsessivo-suspeitoso, forma obsessivocompulsiva de CP ou ciúme com características obsessivas francas, evitando-se falar diretamente em TOC. De fato, Tynes et a l.40, por exemplo, descreveram o CP como uma "variante" do TOC - em contraposição ao TOC "típico" - ao lado de sintomas como colecionismo e lentidão obsessiva e de quadros como a cleptomania, a tricotilomania, o exibicionismo, a síndrome de Tourette, a hipocondria, o transtorno dismórfico corporal, a anorexia e a bulimia. Assim, colocaram no mesmo plano alguns sintomas OC e transtornos hoje considerados do "espectro" OC. Apesar de haver um núcleo de sintomas universalmente mais freqüente no TOC, as possibilidades de conteúdos obsessivos e rituais compulsivos são infindáveis. No entanto, talvez pelo tema ciúme ser de natureza "paranóide", a aproximação mais natural seja com idéias delirantes e quadros tradicionalmente considerados "psicóticos".

Tratam ento Em relação ao tratamento do CP, enquanto existem muitos trabalhos sobre delírios de ciúme, o manejo de casos de ciúme obsessivo é bem menos documentado.39 Destacando a complexidade da área e as especificidades de cada caso de CP, foi descrita uma abordagem eclética418, denominada "terapia de melhoria do relacionamento", envolvendo uma combinação de intervenções, tais como: controle da raiva e da violência, treino de comunicação e assertivídade, aconselhamento, dessensibilização a estímulos desencadeantes das preocupações, parada de pensamento, técnicas de relaxamento, de inversão de papéis, do exposição com prevenção de resposta, técnicas cognitivas e uso de psicofármacos. Para Cobb e Marks, 32 abordagens usadas no TOC podem ser eficazes no ciúme obsessivo: tais pacientes, "como os obsessivo-compulsivos", se beneficiariam de terapias que, modificando erros cognitivos, melhoram também os componentes emocionais e comportamentais do quadro. Como em deprimidos, haveria auto-imagem negativa e os erros de lógica envolveriam distorções sistemáticas na interpretação de informações e acontecimentos. Outros trabalhos destacaram a utilidade de técnicas psicoterápicas cognitivo-comportamentais no tratamento de casos de CP "não-psicótico", onde estão presentes distorções cognitivas, ao lado de alterações afetivas e comportamentais. Quanto ao tratamento farmacológico do CP em geral, costumava-se recomendar o uso de neurolépticos, particularmente o pimozide, em casos de delírio de ciúme em

Sobrr Comportamento c CogniçAo

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psicoses monossintomáticas.12'41 Entretanto, estudos mais recentes vêm apontando bons resultados com antidepressivos (AD). Akiskal et al. 42 descreveram cinco casos de distúrbios paranóides que responderam a diferentes agentes timoléticos, um dos quais de delírio de ciúme. Tratava-se de um senhor de 66 anos, que estava impotente desde sua aposentadoria, e cuja esposa passou a fazer um trabalho voluntário. Acreditava que ela tinha um amante, e que ambos queriam envenená-lo. Medicado com até 30 mg/dia de haloperidol, não obteve melhora, mas recuperou-se totalmente com 200 mg/dia de amitriptilina. A partir de 1990, começam a surgir na literatura relatos de casos de CP responsivos a AD serotoninérgicos, indicando maior aproximação desses sintomas ao TOC. A fluoxetina foi usada com sucesso assim como a clomipramina e a sertralina Alguns desses casos haviam sido tratados com outros AD (ex: imipramina) anteriormente, sem sucesso.33'3’' Nos q uatro casos descrito s, houve m elhora com uso e xclu sivo de AD serotoninérgicos, sendo um tricíclico (clomipramina, caso 4) e quatro diferentes inibidores seletivos de recaptação da serotonina (fluoxetina, paroxetina, fluvoxamina e sertralina), alguns com melhora total e outros parcial, como habitualmente ocorre no TOC. Por intolerância aos efeitos colaterais, a clomipramina não pode ser mantida em três casos, mesmo quando se mostrou parcialmente eficaz (casos 2 e 3) e no caso 4, o paciente suspendeu o medicamneto por conta própria, apesar da excelente evolução. Nos casos 1 e 2 , a clomipramina e a fluoxetina, respectivamente, foram usadas por tempo insuficiente para que se pudesse avaliar a resposta, assim como no caso 3, a paroxetina foi utilizada por apenas 8 semanas, quando a resposta terapêutica no TOC pode demorar até 12 semanas, é evidente que se pode pensar também num efeito antidepressivo inespecífico, porém sintomas depressivos só estavam presentes nos casos 1 e 2. Além disso, a amitriptilina já havia sido empregada sem sucesso no primeiro caso, e a latência para início de resposta foi mais longa do que o habitual para depressão. De toda forma, as similaridades fenomenológicas e não a resposta ao tratamento devem ser o ponto central de aproximação, uma vez que o sucesso de intervenções comportamentais ou farmacológicas não é específico do TO C .19

Considerações Finais Quando, no ambulatório de TOC e quadros correlatos da FMB-UNESP (atualmente com mais de £50 pacientes inscritos), chamou-nos a atenção a ocorrência de dúvidas sobre infidelidade e resolvemos avaliar melhor esta questão, surpreendeu-nos, de certa forma, sua alta freqüência, o que nos obrigou a selecionar apenas alguns casos para ilustrar este trabalho. Assim, talvez não seja tão incomum quanto se acredita esse conteúdo na sintomatologia obsessivo-compulsiva, mesmo que possa surgir e desaparecer ao longo da evolução do quadro, como costuma ocorrer com as demais manifestações. Pelo discutido, podemos concluir que, entre várias outras possibilidades, o CP em alguns casos pode ser entendido e tratado como uma manifestação do TOC, mesmo quando não fica clara a egodistonicidade da preocupação.33 38 Assim, abre-se uma nova alternativa de abordagem terapêutica do CP, que até bem recentemente se restringia a dois caminhos quase opostos, entre a indicação de tratamentos á base de internação e/ ou uso de neurolépticos, e abordagens psicoterápicas psicodinâmicas exclusivas. Tal fato permite um maior otimismo em relação ao seu prognóstico, pois sendo o CP em geral

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Álbum Rodrigues forre», Ana !erc*a de Abreu Ramo*-C'erqueiiü e Rodi^o da Silva Pias

uma condição que envolve muito sofrimento e que ó notoriamente difícil de tratar, a possibilidade de sucesso em certos casos com outras abordagens, como as específicas para TOC, é algo relevante.19 '*6

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Sobre Comportamento e Cotfnivílo

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Albina Rodrigues lonrs, Ana Tercsd de Abreu RamotOnjueira e Rodrigo da Silva Diat

Capítulo 39 O grupo de apoio a familiares e portadores de TOC e Síndrome de Qilles de La Tourette Denta Roberto Zam ignani Universidade Metodista de S,Jo Pauto - i /M ! SP e ASTOC M a ria Cccfcliâ Sampaio Labatte A S ÍO C Este trabalho apresenta os princípios, a conduçAo e o fu ncion am e nto de grupos ds ap oio a fa m iliares e portadores de T ranstorno O bsessivo-C om pulsivo e T ranstornos de T iques da AS T O C (um a associação brasileira de portadores desses transtornos). D estaca o c aráter de promoçAo de saúde, evita nd o tratar o portador c om o um a pessoa "especial” , propondo para os m om bros do gru po atividades dive rsifica da s, cu|a ênfase náo è restrita a tem as relacionados aos transtornos psiquiátricos. P a la v ra s -c h a v e : grupos de apoio, prom oção de saúde, tran sto rn o obsessivo -co m pu lsivo , tiques, síndrom e de Tourette.

This w ork presunts th o principies, the m an ag em en t and th e opera tion o f supportm g gro up s to fam ily and patients w lth O b »e»»lve-com pul8lve D is orde r a n d Tic d is o rd e r* o f A S T O C (a B ra /íli» n as n o c la lio n o f p a tie n ls w lth lho ne upset). II detachen th e characte r o f health'8 prom otion, avoiding to treat the patient as a speclal person’ , proposlng for th o m em bers of th e group dlverslfled activities, w hose em p ha sis is not restricted to Issues related to the psychiatric disordors. Ke y w o rd s : support groups, health'8 prom otion, ob sessive -co m pu lslve disorder, ties, Tourette syndrom e.

Desde 1948, a Organização Mundial de Saúde entende como saúde um "completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não meramente ausência de doença" (Pereira, 1995, p. 30). Esse pressuposto é compartilhado por outras definições de saúde atuais que têm em comum não só a ampliação do conceito de saúde para além da dlade saúde x doença, mas também a atenção à relação do indivíduo com seu meio-ambiente. Transformar estes conceitos em propostas concretas de atendimento à saúde exige a busca por modelos de atenção à população, cujo foco não se restrinja ao tratamento/ reabilitação. Nesse sentido, nos últimos anos, são inúmeras as propostas de atendimento que têm como foco a prevenção e a promoção de saúde - propostas estas voltadas principalmente à orientação/educação da população alvo, de modo a evitar a disseminação de determinada doença ou melhorar a qualidade de vida da população. Um modelo de atuação que não se restrinja à ausência de doença é também preocupação de quem trabalha com uma população já atingida por determinada enfermidade ou transtorno. Embora nesses casos seja impossível pensarem prevenção, no sentido de evitar a instalação do problema, há muito a ser considerado no sentido de promover uma melhor qualidade de vida àquele que sofre do problema, bem como de seus familiares.

Sobre Comportamento e Coflniçclo

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O TOC, os tiques e a Sindrome de Gilles de La Tourette Uma das categorias diagnósticas de maior prevalência na população (1 a 3%, segundo Del Porto, 1996) é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). O TOC ó um transtorno que se caracteriza fundamentalmente pela presença de obsessões e compulsões (APA, 1995). Obsessões são, de acordo com a caracterização dos manuais de psiquiatria, pensamentos, idéias ou imagens (visuais ou auditivas), recorrentes e persistentes, que são experimentados como intrusivos e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento. A pessoa tenta ignorar ou suprimir estas obsessões ou neutralizá-las com algum outro pensamento ou ação e, quando obtém sucesso, esse sucesso ó apenas transitório (APA, 1995). Compulsões são comportamentos (abertos ou encobertos) repetitivos, que a pessoa se sente compelida a executar em resposta a uma obsessão. A compulsão pode ou não ser realizada de forma preestabelecída (estereotipada), e em geral tem a função de prevenir a ocorrência de evento com conotação ameaçadora ou de fuga/esquiva de estim ulo ou obsessão incômodos. Após o ato compulsivo, o paciente experimenta, em geral, alivio temporário da ansiedade (APA, 1995). Os tiques, por sua vez, são "movimentos ou produções fônicas involuntários, repentinos, de curta duração, recorrentes ou repetitivos, não rítmicos e estereotipados" (Bados, 1995, p. 17). São experimentados como irresistíveis, mas algumas pessoas que sofrem com eles podem suprimi-los durante períodos variáveis de tempo. (Bados, 1995). Os transtornos de tiques, de acordo com o DSM-IV (APA, 1995), são classificados nas seguintes categorias diagnósticas: (1 ) ‘Transtorno de tiques motores ou vocais crônicos" - se caracteriza pela presença de um ou mais tiques motores ou vocais, mas não ambos, durante um período superior a um ano (além de outros critérios); (2 ) “Transtorno de tiques transitórios" - presença de um ou mais tiques motores e/ou vocais, durante um período de quatro semanas a um ano; (3) "Transtorno de Tourette" - presença de tiques múltiplos e um ou mais tiques vocais, não necessariamente ao mesmo tempo, durante um periodo superiora um ano. Devido a sua característica crônica, são inúmeros os prejuízos que podem ser decorrentes dos transtornos de tique ou do TOC, seja diretamente pelo sofrimento ocasionado pelos comportamentos problemáticos relacionados ao diagnóstico, seja por outros problemas "colaterais".

O que ó a ASTOC A ASTOC - Associação Brasileira de Portadores de Sindrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo-Compulsivo é uma organização voluntária nacional, sem fins lucrativos, que tem como objetivo a assistência, informação e apoio a portadores e familiares desses transtornos psiquiátricos, além do apoio à pesquisa e a eventos informativos relacionados. A primeira diretoria da ASTOC tomou posse em maio de 1996 e, desde então, sempre teve uma preocupação com a oferta de algum tipo de trabalho assistencial aos associados. Com esse objetivo, diversas parcerias foram realizadas com instituições públicas e com profissionais que se propuseram a oferecer um pouco de seu tempo, na tentativa de viabilizar o atendimento psicológico e psiquiátrico a pelo menos uma parcela

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P c n it Roberto Zam ignani

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M aria C r c ilia Sampaio l_abaltc

dos membros da ASTOC. Faltava ainda uma oportunidade para os sócios se conhecerem e compartilharem experiências a respeito de suas dificuldades, conquistas, dúvidas e aspirações. Foi então que nasceu a proposta de formação dos grupos de apoio da ASTOC e, em junho de 1997, foi realizada a primeira reunião de grupo de apoio a adolescentes. Hoje, já são oito grupos se reunindo na cidade de São Paulo, e o intuito da associação é estender esse trabalho para outras regiões do Brasil.

Quem são os indivíduos que procuram o grupo - problemas enfrentados pelos portadores O indivíduo que sofre com problemas relacionados ao diagnóstico de TOC e/ou Tourette passa por inúmeras dificuldades, além daquelas envolvidas diretamente no diagnóstico. Primeiramente, há pouca informação disponível na imprensa leiga sobre o problema, sobre alternativas de tratamento, sobre orientação para os familiares que convivem com o paciente. A falta de informação, associada ao preconceito que envolve os transtornos psiquiátricos em geral, leva à incompreensão da família, dos pares e às vezes dos próprios profissionais de saúde. Um outro problema que pode prejudicar a qualidade de vida do indivíduo com TOC ou Tourette, é que o quadro pode deteriorar as relações sociais no trabalho, no estudo, e em outras áreas. Além disso, a convivência com as compulsões, e rituais e tiques pode prejudicar enormemente o dia-a-dia dessas pessoas, levando-as a uma vida muito pobre de reforçadores e, muitas vezes, a uma condição de incontrolabilidade, com a possibilidade de levará depressão. Sem saber como ajudar, a família acaba agindo de forma inconsistente. No caso do Transtorno Obsessivo Compulsivo, oscila entre culpar o paciente e compartilhar os rituais com ele, entrando em sua rotina repetitiva. Outras vezes, ainda, antecipa, ignora ou pune a realização do ritual e, dessa forma, leva à manutenção do problema ao invés de sua solução (Guedes, 1997). Já nas famílias dos portadores de Tourette, ó comum a acusação de que a pessoa não se esforça, não luta contra os tiques, aumentando ainda mais a culpa e a ansiedade, condições que sabidamente aumentam a intensidade dos tiques. A constituição dos grupos de apoio foi levada a cabo tendo em vista todas estas questões, além da demanda por um contato mais próximo entre os associados e entre estes e a instituição.

Os grupos de apoio da ASTOC Os grupos de apoio da ASTOC são realizados mensalmente, com a coordenação de dois profissionais voluntários em cada um deles. Os grupos são gratuitos e abertos e a participação é facultativa. O encaminhamento para a participação nos grupos é realizado pela ASTOC; cada membro passa antes por uma entrevista, com o objetivo de verificar a condição do indivíduo ser inserido em algum grupo e qual grupo se adequa mais à sua necessidade.

Sobrr Comportamento

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CognifAo

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Há, atualmente, os seguintes tipos de grupos da ASTOC em atividade: (1) grupo de jovens - o grupo é formado por jovens com idade entre 14 e 24 anos e, concomitantemente, ocorre a reunião do (2) grupo de pais e familiares dos jovens; (3) grupo de adultos - pessoas acima de 25 anos; (4) grupo de familiares de portadores.

Modelos de condução de grupos de apoio Ao constituir o primeiro grupo de apoio, seria necessário encontrar um modelo de grupo de apoio que fosse compatível com a filosofia da ASTOC e com a problemática de seus pacientes. Um dos modelos mais utilizados para este fim é o chamado “Modelo dos 12 passos", utilizado por todos os chamados “anônimos". Esse tipo de grupo se caracteriza por uma filosofia de caráter religioso, metas rígidas a ser seguidas, controle por regras morais e ênfase na culpa como técnica de controle. Estas características do modelo dos doze passos implicariam em controle aversivo, o que, sabe-se, é um tipo de controle coercitivo (Sidman, 1995) e, enquanto tal, fonte de ansiedade e de mais sofrimento àquele que busca ajuda. Um modelo que foi considerado mais adequado às necessidades dos membros da ASTOC foi adaptado a partir dos modelos da Universidade de lowa ( Black e Blum, 1992) e da OCD Foundation1. A condução dos grupos da ASTOC tem então as seguintes características: Os temas não são definidos a priori; cada reunião é realizada a partir de assuntos e material trazido pelos próprios membros; cada reunião tem a duração de 90 minutos. Dois profissionais2 (psicólogos, psiquiatras, profissionais de saúde) facilitadores em cada grupo coordenam os encontros com a finalidade de organizar a discussão, assegurar e incentivar a participação de todos. Cabe aos coordenadores fornecer informação sobre os transtornos, medicação, ou sobre assuntos diversos e provocar a variabilidade nos temas e atividades, de forma a evitar que a reunião se torne monótona. Além disso, o coordenador distribui tarefas simples a cada um dos membros, garantindo o envolvimento e a responsabilidade de todos pela continuidade do grupo. As reuniões não tôm uma estrutura fixa; às vezes algum membro do grupo traz algum assunto que considera importante (o que faz parte das pequenas tarefas atribuídas aos membrosj, em outras são discutidos problemas pelos quais um ou outro membro do grupo possam estar passando, em outras ainda são provocadas discussões a partir de material escrito ou de alguma dinâmica de grupo. Muitas das atividades do grupo, como as descritas acima, podem ser realizadas no consultório. Mas ó comum e desejável que ocorram reuniões em outros espaços. Dentro de uma proposta que inclui a aprendizagem de formas de agir no mundo através da experiência compartilhada, são perfeitamente viáveis passeios, tais como visitas a museus, parques, etc.

' A OCD Foundation é uma associação americana de («miliares • portadores da Transtorno Obsessívo-Compulsivo Sua siflla vem do inglAa ObsesslveCompulaive Dtsorder, * Os profissional* oferecem o trabalho voluntário e cedem saus consultórios para a realização dos encontros

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P c n l* Roberto ZdmifliM ni c M .iria C c d l u Sampaio labattc

Nesses passeios, o objetivo ó ressaltar uma premissa fundamental do trabalho: de que nenhum dos seus integrantes define-se a partir de um diagnóstico e, sim, como uma pessoa inteira, que tem nesses padrões de comportamento uma das inúmeras possibilidades de sua existência. Um outro objetivo desses passeios é colocar naturalmente em prática alguns dos princípios comportamentais. Por exemplo, caminhar em um parque (que náo é completamente limpo), sentar no chão, jogar bola, pode ser uma boa oportunidade para a exposição a estímulos ansiógenos para alguém com obsessão por limpeza (enquanto proporciona uma boa diversão). Em um dos encontros já ocorridos, o grupo saiu para uma visita ao MASP e o museu estava fechado. Ter que decidir o que fazer, quando o planejado não é possível, já é uma situação difícil para qualquer pessoa e pode ser mais difícil para um portador de TOC. A situação foi utilizada como uma oportunidade natural para enfrentamento de problemas; alguns dos jovens do grupo tomaram a frente e buscaram alternativas. A escolhida pelo grupo foi ir a um café, alternativa que demonstrou-se bastante agradável naquela ocasião. Uma situação imprevista como essa não poderia ocorrer no consultório, e foi um exemplo bastante interessante de que as coisas podem “dar certo" mesmo não sendo exatamente como o planejado - contrariando uma preocupação excessiva com planejamento e ordem. Por outro lado, as habilidades exigidas nesse tipo de situação são necessárias para o enfrentamento e solução de problemas semelhantes em outros contextos.

O comportamento obsessivo-compulsivo e os transtornos de tiques Para o entendimento do Transtorno Obsessivo Compulsivo e dos transtornos de tiques, além dos vários fatores biológicos envolvidos, devem ser levados em conta aspectos ambientais relacionados a eles. Alguns autores (Yates, 1973; Salkovskis e Kirk, 1997; Yaryura-Tobias e Neziroglu, 1997) destacam o papel da esquiva na instalação e manutenção dos tiques e do comportamento obsessivo-compulsivo. Segundo esses autores, a realização do ritual ou dos tiques leva ao alívio de uma condição desagradável gerada pela obsessão ou por uma situação ambiental estressante e, devido ao reforçamento negativo, o ritual ou o tique continuam ocorrendo. Outros ainda apontam para outras variáveis sociais e ambientais que participariam da manutenção destes tipos de comportamento (Queiroz, Motta, Madi, Sossai e Boren, 1981; Bados, 1995; Banaco, 1997; Zamignani, 2000). De acordo com estes autores, a perda de fontes importantes de reforçamento, a presença de muitas interações aversivas, assim com o os cuidados excessivos dispensados pela fam ília, ou a isenção de responsabilidades em função do transtorno, poderiam colaborar na manutenção de ambos os quadros (Bados, 1995; Zamignani 2000). As propostas de entendimento apresentadas não são mutuamente exclusivas. Pelo contrário, compõem um quadro bastante completo das questões envolvidas nos tiques e no Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Compreendendo o problema desta forma, seriam necessários, para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos indivíduos com esses diagnósticos, o desenvolvimento de um repertório social amplo, assim como o preparo para o enfrentamento e solução de problemas, e o desenvolvimento de um repertório de comportamentos mais variado, de forma a possibilitar o contato com novas fontes de reforçamento. Nesse sentido, o trabalho dos grupos tem como objetivos: (1) dar suporte social aos seus membros, por meio do contato com indivíduos que convivem com problemas So b re C o m p o rta m e n to c C o g n ifA o

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semelhantes aos seus; (2) ampliação do repertório social e geral; (3) proporcionar um processo de descoberta, crescimento e aprendizagem sobre si mesmo e sobre o mundo; (4) aprender estratégias de enfrentamento dos tiques e dos comportamentos obsessivocompulsivos; (5) promoção de autocuidado, através da orientação para adesão ao tratamento medicamentoso e psicológico, além do incentivo à prática de esportes e atividades de lazer "saudáveis"; (6) fornecer informação atualizada e precisa sobre os problemas enfrentados pelos membros do grupo - informação médica (causas, tipos de tratamento válidos...), orientação familiar, etc. Entendemos que quanto maior for o conhecimento sobre aquilo que está trazendo sofrimento, maior a possibilidade de controle; (7) orientar o “portador", no sentido de que este possa assumir a responsabilidade do seu tratamento; (8) promoção do indivíduo como agente de saúde, de forma a aumentar o número de multiplicadores. Um dos principais pressupostos na condução dos grupos é o de não rotular o indivíduo portador de Síndrome de Tourette ou Transtorno Obsessivo Compulsivo como '‘anormal” ou "diferente". Diferente sim, porque cada indivíduo é único e tem a sua própria história de aprendizagem. Mas o fato de trazerem em comum (em algumas instâncias de suas vidas) um determinado padrão de comportamento não os torna um grupo homogêneo diferente do resto do mundo. Partindo desse pressuposto, seria incoerente que o grupo tivesse como único foco a discussão de aspectos relativos ao Transtorno Obsessivo Compulsivo ou aos tiques.

Grupos de apoio e terapia Apesar de grupo de apoio e terapia compartilharem os mesmos pressupostos para o entendimento das pessoas, o grupo de apoio não se caracteriza como uma terapia. A terapia se dá por meio de contatos mais prolongados e freqüentes, utiliza-se de técnicas e recursos direcionados para o tratamento de cada indivíduo. O grupo de apoio não tem como proposta o estudo de caso de cada pessoa e a aplicação de um tratamento. Ele existe para que as pessoas que têm problemas em comum possam compartilhar experiências, discutir alternativas de tratamento, observar como outras pessoas que passaram por problemas semelhantes os enfrentaram, ou para que alguém que hoje está em um momento mais difícil possa ver no outro a possibilidade de melhora. O grupo procura ser conduzido de forma que nada é colocado sob julgamento ou avaliação, para que cada um possa ser aceito assim como é. Além disso tudo, o grupo é um momento de encontro, uma situação social na qual as diversas habilidades que compõem um repertório social podem ser exercitadas. Aprender a conversar sobre assuntos diversos (não só sobre seu problema), a esperar a sua vez para apresentar as suas idéias, discutir pontos de vista nem sempre convergentes, respeitar as diferenças, suportar a frustração quando não há tempo de dizer tudo o que queria, aprender a escutar... Por último, a experiência partilhada no grupo permite aos integrantes acompanhar o processo de alguns dos seus membros que se dispõem a correr alguns riscos e enfrentar os seus medos e dificuldades e observar os resultados desses desafios, podendo, através da modelação, construir um repertório de enfrentamento.

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Pcnis Robcrlo Zdmigndni c M.irid Cecília Samp
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