Download Grotowski - Em Busca de Um Teatro Pobre...
Jerzy Grotowski
EM BUSCA DEUM TEATRO POBRE J• ediçlo
Traduçlode Al.OOMAR CONRAOO
civilizaçlo. brasileira
c.:nP 01229455\
Titulo do original em in&lb: T OWAROS A POOR TH EATRf!
Copyright 1968 by Jeny O ro towski and Odin Teatrets Forlag
Projeto &rlfico de capa: Felipe Ta borda
ISB N 85 2CXH1003-7
Sumário
Direitos para a llna;ua portua;uesa adquiridos, com exclusividade para o Brasil, pela EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S. A., Rua Benjarnln Constant, 141, 20.141 RIO DE JANEIRO, RJ ., Tel .: 221 . 1132 que se reserva a propriedade desta tradoçlo. 1987
Impresso no Brasil Prlnted in Brazll
Preficio- Prter Brook . , . Em busca de um Teatro Po bre . O Novo Testamento do Teatro .. Teatro é Encontro .............. , Akropolis: Tratamento do Texto .. Dr. Faustus: Montagem Textual .. O Prlncipe Constante . . . ..•.• . Ele Nlo era Inteiramente Ele .. . Jnvestigaçlo Metódica . . . . .. . . O Treinamento do Ator (1959-1962) .. O Treinamento do Ator (1966) .. .. . A Ttcnica do Ator O Discurso de Skara ...... . .. . .. . O Encontro AmerK:a no •. Declaraçlo de Prindpios , . Dados complementares .
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S2 61· 89 92 101 107 14> 116 186 199 210 219
Prefácio PETER BROOK
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G.oTOWSKI (lRiCO.
Porqu~7
Porque ningubn mais no mundo, ao que eu saiba, ninau~m desde Stanislavsk.i, investigou a natureza da represcntaçlo teatral,
seu fenômeno, seu significado, a natureza e a ciencia de seus processos mental-flsico-cmocionais tio profunda e completamente quanto Grotowsld. Grotowski coruidera seu teatro um laboratório. E ~. t um centro de pesquisa. Talvez seja o único teatro de vanguarda cuja pobreza nlo sipifica inconveniente, onde a falta de dinheiro nlo é justificativa para meios inadequados que, automaticamente, preju-
dicam as experiencias. No teatro de Orotowski, como em todos os verdadeiros laboratbrios, as experiencias s!o cienlificamente vMi·
das porque slo observadas as condições essenciais. Em seu teatro existe concentração absoluta por um pequeno grupo, c tempo ilimitado. Se o leitor estiver realmente interessado na criaçlo de Grotowski, deve ir à Po\Onia. Ou entllo fazer o que fizemos. Trazer Grotowski.
Ele trabalhou durante duas semanas com o nosso grupo. Nlo vou descrever seu trabalho. Por qu!? Em primeiro lugar, porque trabalho dessa natureza só f: livre se baseado na confiança. e a cOnfiança, para existir, nlo pode ser tralda. Em segundo, o trabalho é essencialmente niO-verbal. Verbalizar seria complicar e até destruir exercidos tllo claros c simples quando assinalados pelo gesto e executados pelo csplrito c corpo como um todo. Qual o resultado desse trabalho? Ele proporcionou a cada ator uma série de surpresas. A surpresa de ddrontar desafios simples e inescapáveis. A surpresa de visualizar seus próprios subterrúaios, truques e clichb. A surpresa de perceber algo de seus próprios recursos, imensos e ineltplorados. A surpresa de ser forçado a indagar por que ele afinal de con-
Com uma cond;çao. Essa dedicaçlo ao teatro nllo o transforma num fim em si mesmo. Pelo contràrio. Para Grotowski a representaçlo é um veiculo. Como eltprcssar-me? O teatro nllo é uma fuga, um refúgio. Um sistema de vida é um caminho para a vida. Parecerà isso um slogan religioso? Deveria parecer. Eis tudo. Nem mais, nem menos. Resultados? Pouco provàveis. Melhoram os nossos atores? Melhoram como homens? N!lo naqude senudo, até onde percebo. (E, claro, nem todos ficaram extasiados com as eltper~ncias. Nilo tanto quanto se afirma. Alguns se chatearam.) Mas, como diz ATden: Porque a maçl contbn uma semente Crcsctri, viva e extensa alegria Gm noresceote àrvore de frutos Pela~enlidade e mais um dia. O trabalho de Grotowski e o nosso t!m paralelos e pontos de contato. Graças a isso, à simpatia e ao respeito, conseguimos no$ encontrar. Mas a vida de nosso teatro ê, em todos os sentidos, diferente da do seu. Ele dirige um laboratório. Ocasionalmente, precisa de uma platéia, mas reduzida. Sua tradiçlo é católica ou anticatólica; neste caso, os extremos se tocam. Ele está criando uma forma de culto. Nbs trabalhamos em outro pab, com outra língua, outra tradiçllo. Nosso objetivo nllo é uma nova Missa, mas um novo relacionamento isabelino unindo o privado e o pUblico, o Jiuimo e a mullidllo, o secreto e o aberto, o vulgar e o mágico. Para isso necessitamos de uma multidllo no palco e de ouua que nos observe - e dentro da multidlO no palco personagens que oferecem a sua verdade mais intima às que compõem a multidllo que nos observa, partilhando assim uma experi!ncia coletiva.
tas é ator.
A surpresa de ser rorçado a reconhecer que tais problemu existem e que - apenr da longa tradiçlo Inglesa de evitar a seriedade na arte teatral- chega o momento em que tfm de ser enfren· tados. E a de perceber que ele quer enfrentl·los. A surpresa de perceber que, em algum lugar do mundo, o teatro é uma ane de absoluta dedicaçllo, monástica e total. Que a frase, jll conhecida, de ATtaud. "cruel para mim mesmo", é, na realidade, um completo sistema de vida -em algum lugar, pira algumas pessoas. pelo menos.
Chegamos perto de desenvolver um padrllo &loba!- a idéia de grupo, de conjunto. Mas nosso conjunto t sempre muito apressado, sempre muito desordenado para o desenvolvimento do conjunto de indivtduos que o compõe. Sabemos, teoricamente, que todo ator deve diariamente pôr sua arte em questao- como os pianistas, os bailarinos. os pintorC"i -e que, se nllo o ftzer, quase certamente estagnará. 1.7r1arà clichCs e 11
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entrarâ em dccadblcia. Reconhecemos isto c, no entanto, razemos tio pouco a respeito que estamos sempre buscando sangue novo, vitalidade JOVem - exoeçlo feita aos ta~tos excepcionais, que, naturalmente, aproveitam sempre as melhores oportunidades, absorvem ao mbimo o tempo disponlvcl. O Stratrord Studio roi um reconhecimento desse problema,
mas vivia lutando com a questlo do repertório, do cansaço da companhia, da fadiga . O trabalho de Grotowslci veio-nos lembrar que o que ele con5eque, quase milaarosamente, com um punhado de atores t exigido, na mesma extcnslo, de cada ator em nossas duas arande:s companhias, em dois teatros distantes uns cem quilômetros um do outro.
Em Busca de um Teatro Pobre*
A intensidade, a honestidade e a precisAo do seu trabalho s6 pode deixar-nos uma coisa: um desafio. Mas nlo por uma quinzena, nem apenas uma vez na vida. Diariamente. {Este anit;o Oc arti&o de J>t(cr Brook rol publicado Inicialmente na revi'ita Flmlrblt, tqlo oftdal do Ro,1111 Sllllk~ 1'1tftltTfCiub nonümnoçorraponcknlc 110 in vcr·
no,t967. )
Ftco
um pouco impaciente quando me perguntam : "Qual a origem do seu teatro experimental?" . Tenho a impressto de que o "experimental" significa um trabalho tangencial (brincando com uma "nova" t~nica em cada ensaio) e tributério . Supõe-se que o resultado seja uma contribuiçlo para o e:spetéc:ulo moderno: a cenografia usando esculturas atuais ou kttias eletrOnicu, música contemporlnea, os atores projetando independentemente estereótipos de circo ou decabar~. Conheço bem a coisa: jâ fiz parte disso. Nosso Teatro-Laboratório caminha numa outra dlreçlo, Em primeiro lugar, tentamos evitar o ecletismo, resistir ao pensamento de que o teatro é uma combinaçlo de matttias. Estamos tentando definir o que significa o teatro distintamente, o que separa esta atividade das outras catqorias de espeticulo. Em segundo lugar, nossas pro• Este "'tiro dt! J~ Grotowski foi pt~blkrldo tm Odm (Wroclaw, 9/ t96J); Ku11p Drom11tlsU Tftlltnu Pro1r11111 {Eslocoltno. t96J); Sml11 (No~/ SQd SI I96J); Clhln-s RefU1Vd-8ornuJt (Puis, JJ/ 1966); Tui1111t Dr11m11 Rrvitw (Ncw Orlearu, T. l$,1967.).
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duçOes sao investiJ,açOes do relacionamento entre ator e platéia. Isto é, cofLSidrromos a tknico clnico r pessoal do ator como a t~n cia da arte teatral. Slo dinceis de Joçalizar as fontes exatas desse enfoque, mas posso falar da sua tradiçlo. Criei-me com '? m~~o de Stanislavski; seu estudo persistente, sua renovaçlo sLStemâuca dos métodos de obSCTVaçlo e seu relacionamento dialético com ~u prôp~io tr~ balho anterior fizeram dele meu ideal pessoal. Stanisl:lvskt mvestt· gou os problemas metodológicos fundamentais. Nossas S?I~Oes, oontudo, direrem profundamente das suas; por vezes, aUniJmOS conclusões opostas. E.studei todos os mttodos principais de treinamento do ator da Europa e de outras partes. Os mais importantes para os meus objetivos: exercidos de ritmo, de Oullin, investigações das ~ea~ extroversivas e introversivas, de Delsarte, trabalho de Stamslavski sobre as "açOes (\sicas", treinamento biomecânico de Meyerhold, a slntese de Vakhtanghov. Tambt:m especialmente estimulantes para mim roram as técnicas do teatro oriental, especialmente a Ópera de Pequim, O Kathakali in~iano e o Nô japonh. Poderia citar outros sistemas teatrais, mas o ml:todo que estamos desenvolvendo nAo é uma combinaçlo de técnicas extraldas dessas fontes (embora alauma.s vezes adaptemos alauns elementos para nosso uso). Nlo pretendemos ensinar ao ator uma strie de habilidades ou um repertório de truques. Nosso mttodo n!o é dedutivo, nlo se baseia em uma coleçlo de habilidades. Tudo estâ concentrado no amadurecimento do ator, que é C)(presso po,. uma tenslo levada ao extremo, por um completo despojamento, pelo desnudamento do que hâ de mais Intimo - tudo isto sem o menor traço ~ eaolsmo ou de auto-satisraçlo. O ator raz uma total doaçlo de st mesmo. Esta é uma t&:nk:a de "transe" e de integraçiO de todos ru poderes corporais e pslqulcos do ator, os quais emergem do mais Intimo do seu ser e do seu instinto, explodindo numa espk:ie de "transiluminaçlo''. Nlo educamru um ator, em nosso teatro, ensinando-lhe al&u· ma coisa: tentamru eliminar a resist@ncia de seu organismo a este processo ps\quloo. O resultado! a eliminaçlo do lapso de tempo entre impulso Interior e reaçlo exterior, de modo que o i~"? pulso se torna já uma reaçlo exterior. Impulso e açao slo concomatantes: o 14
corpo se desvanece, queima, e o espectador assiste a uma série de impulsos visiveis. Nosso caminho ê uma ~ia negativa, n!o uma~ leçl.o de técnicas, e sim errad k açlo de bloqueios. Anos de trabalho e de exerclcios especialmente compostos (que, por meio de treinamento flsioo, plbtico e vocal, tentam auiar o ator l correta conccntraçJo) alaumu vezes permitem a descoberta do inicio deste caminho. l:.nt&o torna-se posslvel cultivar cuidadosamente o que roi despertado. O próprio processo, embora de· pendente até um certo ponto da concentraçlo, da confiança, da entreaa e da quase total absorçlo na técnica teatral, nlo é voluntârio. O estado necessàrio da mente é uma disposiçao passiva a realizar um trabalho ativo, nlo um estado pelo qual "Qiltremosfa· r.eraquUo", mas "deslstimosden6ojar.f.fo". A maioria d~ atores do Teatro-Laboratório est.6. apenas começando a trabalhar para tornar possivel a manirestaçao vislvel de tal processo. Em seu trabalho cotidiano, eles nlo se concentram na técnica intelectual, mas na oomposiçAo do papel, na construçilo da forma, na expressAo dos simbolos- isto é, no artiricio. Nlo existe nenhuma contradiçlo entre a técnica interior e o artiflcio (articulaçlo de um papel por meio de slmbolos). Acreditamos que um processo pessoal que nlo seja apoiado e expresso pela articulaçAo rormal e pela estruturaçlo disciplinada do papel nlo ~ uma libe· raçlo, e redundar! no informe. Verificamos que acomposiçlo artificial nlo só nlo limita a espiritual, mude ra~o oonduza ela. (A tenslo troplstica entre o procaso interior e a forma fortale«: amboJ. A rorma! como uma se. dutora armadilha á qual o processo intelectual responde espontaneamente, contra a qual luta.) As formas do comportamento ' 1 natural" e comum obscurecem a verdade; compomos um papel como um sistema de slmbolos que demonstra o que está por tràs da más· cara da vislo comum: a dialética do comportamento humano. No momento de um choque ps\quioo, de terror, de perigo mortal, ou de imensa aJearia, o homem n!o se comporta naturolmtnte. O homem num elevado estado ei:piritual usa slmbolos articulados ritmi· camente, começa a dançar, a cantar. O gesto sfgn(ficativo, nlo o gesto comum, ! para nós a unidade elementar de expressAo.
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Em termos de tknica formal, nlo trabalhamos por meio da proliferaçlo dos slmbolos ou pela soma deles (como nas repetiçOes formais do teatro oriental). Pelo contrArio, subtralmos, procurando a quintess!nc:ia dos slmbolos pela eliminaçlo daqueles elementos do comportamento "natural" que obscurecem o impulso puro. Outra U:cnica que ilumina a estrutura recôndita dos slmbolos f: a contradiçllo (entre acsto c voz, voz e palavra, palavra e pensamento, vontade c açlo, etc.)- aqui, também,tomamos a \1/o n~aliva.
cJusur san o relacionamento ator-espctador, de comunhao pereci>" tiva, direta, viva. Trata-se, san dúvida, de uma verdade teórica an· liga, mas quando rigorosamente testada na prática destrói a maioria das nossas idf:ias vulgares sobre teatro. Desafia a noçlo de teatro como slntese de disciplinas criativas diversas - literatura, escultura, pintura, arquitetura, iluminaçlo, representação (sob o comando de um diretor). Este "teatro sintético" é o teatro contcmporlneo, que chamamos de ''Teatro Rico''- rico em defeitos.
~ dincil precisar quais os elementos de nossas produções que resultam de um programa formulado conscientemente, e quais derivam da estrutura da nossa imaginaçlo. Freqüentemente me perguntam se certos cfcitos"mcdievai~" indkam uma volta intencional !s raizes rituais. N!o qtlste uma resposta única. No momento presente da nOS$8 consciblcia artlstica, o problema das "raizes" mlticas, da situaçlo humana elementar, tem signifiCado definido. Nlo em virtude, porém, de uma ''filosofia da arte'' c sim da descoberta e uso pritlco das regras do teatro~ Isto f:, as montagens nlo se originam de postulados estéticos a priori; antes, como disse Sartrc: ''Cada tknica conduz à metansica''.
O Teatro Rico bueia-se em uma cleptomania artistica, toman· do de outras disciplinas, construindo espetáculos hibridos, conglomerados sem espinha dorsal ou integridade, embora apresentados como trabalho artlstico oralnico. Pela multiplicação dos elementos assimilados, o Teatro Rico tenta fugir do impasse em que o cokxam o cinema e a tdevislo. Como o cinema e a TV sao superiores nas funções meclnicas (montagem, mudanças instantAncas de lugar, etc.), o Teatro RM:o ripostou com um apelo- evidentemente compensatório- ao "teatro total". A integraçi'lo de mecanismos emprestados (projeçOes cinemacogrificas, por exemplo) signiftca equipamento t~nico aperfeiçoado, permitindo grande mobilidade c dinamismo. E se o palco ou a platéia, ou ambos, fossem móveis, seria posslvel a perspectiva constantemente mutável. Tudo isto é uma tolice.
Durante diversos anos, vacilei entre os impulsos nascidos da pritica c a aplicaçlo de principias a priori, sem ver a contradiçlo. Meu amigo e colega Ludvilc Flaszen foi o primeiro a apontar essa confusAo no meu trabalho: o material e a têcnica que vinham espontaneamente, no preparo de uma montagem, da ess!ncia mesma do trabalho , eram reveladoras c promissoras; mas o que me parecia oriundo de conceitos teóricos era de fato mais funçlo da minha .,Crsonalldade que do meu intelecio. Percebi que a montagem conduzia a uma conscientizaçlo, ao invb de ser produto de uma conscienlizaçlo. Desde 1960, eu dava !nfase A metodologia. Por melo de CJ~:pcrimentaçOes prlulcas, procurava responder às perguntas com que tinha começado: O que~ o teatro? O que tem ele de único? Que pode fuer que o filme e a tclevisAo nlo podem? Dois conceitos concretos cristalizaram-se: o teatro pobre e a rcprcscntaçlo como um ato de transaresslo. Pela eliminaçlo gradual de tudo que se ·mostrou supérnuo, pcrcc~mos que o teatro pode existir sem maquilaacm, sem figurino especial e sem cenografia, sem um espcço isolado para representaçlo (palco), sem efeitos sonoros e luminosos, etc. S6 nlo pode
Nlo ht dúvida de que quanto mais o teatro explora e usa as fontes mednicas, mais permanece tecnicamente inferior ao cinema e t tclcvislo. Conseqüentemente, proponho a pobreza no teatro. Renunciamos a uma ãrca determinada para o palco e para a platéia: para cada montaacm, um novo espaço~ desenhado para os atores e para os espectadores. Dessa forma, torna-se posslvel infinita variedade no relacionamento entre atores c público. Os atores podem representar entre os espcctadorec;, estabelecendo contato direto com a platéia e conferindo-lhe um papel passivo no drama (por exemplo, as nossas montagens de Cain, de Byron, e de Shokuntola, de Kalida.sa). Ou os atores podem construir estruturas entre os espectadores c dessa forma inclui-los na arquitetura da açlo, submetendo-os a um stntido de pressA.o, congcstlo c limitaçlo de espaço (como a montagem de t lkropofu, de Wyspianski). Ou os atores podem representar entre os espectadores, ignorando-os, olhando "através" deles. Os espectadores podem estar separados dos atores - por exemplo, por um tapume a.Jto que lhes cheque ao
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queixo (como na montagem de O Principe Constante, de CaJ. dt::rón); dessa perspectiva radicalmente inclinada, eles olham para os atores como se vissem animais numa arena, ou como estudantes d e Medicina observando uma operação (além disso, o olhar para baixo confere à ação um sentido de trans&ressão moral). Ou então 3 sala inteira é usada como um lugar concreto: a última ceia de fausto, no refeitório de um mosteiro, onde ele recebe os espectado-res que são convidados de uma festa barroca servida em enormes rnesas cujos pratos são episódios de sua vida. A eliminação da dicotomia palco-platéia não é o mais importante: apenas cria uma si· tuaçao de laboratório, numa ârea apropriada para a pesquisa. O objetivo essencial é encontrar o relacionamento adequado entre ator e espectador, para cada tipo de representaçAo, e incorporar a decisão em disposições fisicas.
conduziu à criaçao pelo ator dos objetos mais elementares e mais óbvios. Pelo emprego controlado do gesto, o ator transforma o chão em mar, uma mesa em confissionário, um pedaço de ferro em ser animado, etc. A eliminação de música (ao vivo-ou gravada) nao produzida pelos atores permite que a representação em si se trans-forme em música através da orquestraçao de vozes e do entrechoque de objetos. Sabemos que o texto em si n!l.o é teatro, que só se torna teatro quando usado pelo ator, isto é, graças às inflexões, à associaçlo de sons, à musicalidade da linguagem.
Abandonamos os efeitos de luz, o que revelou amplas possibilidades de uso, pelo ator, de focos estacionários, mediante o emprego deliberado de contrastes entre sombras e luz forte. ~particular mente significativo que, uma vez que o espectador esteja colocado numa zona iluminada, tornando--se assim sensivel, passe ele também a tomar parte na representação. Ficou também evidente que os atores, como as figuras das pinturas de El Greco, podem "iluminar" com sua técnica pessoal, transformando--se em fonte de ••JuzespiriiUal".
Por que nos preocupamos com arte? Para cruzar fronteiras, vencer limitações, preencher o nosso vazio - para nos realizar. Nl!.o se trata de uma condição, mas de um processo através do qual o que é obscuro em nós torna-se paulatinamente claro. Nesta luta com a nossa verdade interior, neste esforço em rasgar a mâscara da vida, o teatro, com sua extraordiâria perceptibilidade, sempre me pareceu um lugar de provocaçao. f! capaz de desafiar o próprio teatro e o público, violando estereótipos convencionais de visão, sentimento e julgamento- de forma mais dissonante, porque sensibilizada pela respiraçao do organismo humano, pelo corpo e pelos impulsos interiores. Este desafio do tabu, esta transgressão, provoca a surpresa que arranca a máscara, capacitando-nos a nos entregar, indefesos, a algo que é imposslvel de ser definido mas que contém Eros e Caritas.
Também desistimos de usar maquilagem, narizes e barrigas pestiças, enfim, tudo o que o ator geralmente coloca, antes does· petáculo, no camarim. Percebemos que era profundamente teatral para o ator transformar-se de tipo para tipo, de caráter para carâter, de silhueta para silhueta- à vista do público- de maneira pobre, usando somente seu corpo e seu talento. A composiçlo de urna expressão facial fiXa, através do uso dos próprios músculos do ator e dos seus impulsos interiores, atinge o efeito de uma transubs11tnciaça.o notavelmente teatral, enquanto a mAscara preparada peJo maquilador é apenas um truque. Do mesmo modo , um traje sem valor autônomo, criado somente em funçao de determinado personagem e papel, pode ser transformado diante do público, contrastante com as funções do ator, etc. A eliminação dos elementos plásticos que possuem vida própria (isto t, que represent~m algo independente da açAo do ator)
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A aceitaçao da pobreza no teatro, despojado este de tudo que nao lhe é essencial, revelou-nos nl!.o somente a espinha dorsal do teatro como instrumento, mas também as riquezas profundas que existem na verdadeira natureza da forma de arte.
Em meu trabalho como produtor, tenho sido tentado, por essa razAo, a usar as situações arcaicas consagradas pela tradiçl!.o, situações (no domlnio da religião e da tradiç!o) que constituem tabus. Sentia a necessidadedeconfrontar·me com esses valores. Eles me fascinavam, dando-me uma sensação de repouso interior, ao mesmo tempo em que eu cedia à tentaçAo de blasfemar: eu queria atacà-los, vence-los, ou apenas enfrentA-los com a minha própria experiência, que é determinada pela experiência coletiva de nosso tempo. Este elemento de nossas produções tem sido chamado diferentemente de "colislo com as raizes", de "dialética do escárnio e 19
apoteose", ou então de "religillo e'tpressa pela blasf!mia, amor manifestado pelo ódio".
nos desnudamos e atingimos uma camada extraordinariamente recôndita, expondo-a, a mlscara da vida se rompe e cai.
Logo que meu conhecimento prático se tornou consciente e a conduziu a um método, senti-me compelido a rever a história do teatro em relaçllo com outros ramos do conhecimento, especialmente a psicologia e a antropologia culturaL Impunha-se uma revisao racional do problema do mito.
Em segundo, mesmo com a perda de um "ctu comum" de crença e das fronteiras inexpugnãveis, a perceptibilidade do organismo humano permanece. Somente o mito- encarnado na reali· dade do ator, em seu organismo vivo -pode funcionar conto tabu. A violaçlo do organismo vivo, a exposiçlo levada a um excesso uluajante, faz-nos retomar a uma situaçlo mltica concreta, experilnda de uma verdade humana comum.
experi~ncia
Percebi entllo, claramente, que o mito era ao mesmo tempo uma situaçAo primitiva e um modelo complexo com existancia independente na psicologia dos grupos sociais, que inspira componamentos e tendancias do grupo. O teatro, quando ainda fazia parte da religilo, jãera teatro: liberava a energia espiritual da congregaçto ou tribo, incorporando o. mito e profanando-o, ou melhor, superando-o. O espectador tinha entlo uma nova oonscientizaçlo de sua verdade pessoal na verdade do mito e, através do terror e da sensaçao do sagrado, atin· gia a catarse. NAo foi por acaso que a Idade Média concebeu a idéia da ''paródia sacra''. Mas a situaçllo atual é muito diferente. Como os agrupamentos sociais cada vez são menos definidos pela religilo, as formas mlticas tradicionais estilo em fluxo, desaparecendo e sendo reincarnadas. Os espectadores estio cada vez mais individualizados em relaçao ao mito como verdade corporificada ou modelo grupal, e a crença é muito mais um problema de convicçlo intelectual. Isto si&nifica que se torna muito mais dincil trazer à tona o tipo de im· pacto necessâriQ para atingir as camadas pslquicas que estio por trls da máscara da vida., A identificação do grupo com o mito- a equaçlo da verdade pessoal, individual, com a verdade universal -é virtualmente impossivel em nossos dias. O que é po&slvel? Primeiro, a conjrontOÇ{/o, antes que a identilicaçlo, com o mito. Em outras palavras, enquanto retemos nossas expcrif:ncias particulares, podemos tentar encarnar o mito, vestindo-lhe a pele mal ajustada para perceber a relatividade de nossos problemas, sua conexllo com as ''raizes'' e a relatividade de.sas "raizes" à luz da experi!ncia de hoje. Se a situação é brutal, se 20
Mais uma vez, as fontes racionais de nossa terminologia não podem ser citadas precisamente. Freqüentemente, perguntam-me sobre Anaud quando falo em "crueldade", embora suas formulações fossem baseadas em premissas diferentes e tivessem objetivo diferente. Artaud era um sonhador exuaordinãrio, mas seus escritos têm pouco signilicado metodológico porque não slo frutos de longa pesquisa prâtica. Slo uma proftcia espantosa, nlo um programa. Quando falo de "raizes" e de' "alma mltica", perguntam-me sobre Nietz.sche; se falo de "imaginação de grupo", vem logo à tona Durkheim; se de "arquétipos", Jung. Mas as minhas formulaç6es nao são derivadas das cibtcias humanas, embora eu as use para anAlise. Quando falo da expressAo simbólica do ator, inquirem-me sobre o teatro oriental, particularmente o teatro clássico chinh (especialmente quando sabem que estudei ali). Mas os sim bolos hierogllficos do teatro oriental slo inflexiveis, ~ mo o alfabeto, enquanto os slmbolos que usamos slo formas es· queléticas da açlo humana, cristalizaçlo de um papel, articulaçlo da psioofisiolo&ia particular do ator. Nlo tenho a pretenslo de que tudo o que fazemos seja inteira· mente novo. Estamos sujeitos, consciente ou inconsciente, a sofrer influ!ncias das tradições, da cilncia e da ane, até das superstições e sugestOes peculiares à civilização que nos moldou, da mesma forma que respiramos o ar do continente em que nascemos. Tudo isto influencia nossa empresa, embora às vezes possamos negà-lo . Mesmo quando chegamos a certas fórmulas teóricas e comparamos nosas idéias com as de nossos predecessores, já mencionados, somos forçados a apelar para ctrtas correçOes retrospectivas que nos habilitem a ver mais claramente as possibilidades com que nos depara-
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Quando confrontamos a tradiçao geral da Grande Reforma do teatro, de Stani.slavski a Dullin e de Meyerhold a Artaud, verificamos que nao partimos da estaca zero e que nos movimentamos numa atmosfera especial e definida. Se nossa pesquisa revela e confirma o lampejo de intuiçlo de outrem, curvamo-nos com humildade. Verificamos que o teatro tem certas leis objetivas e que sua rcalizaçAo só é posslvel quando respeitadas essas leis, ou- como disse Thomas Mann - atravb de uma espécie de "obcdiencia superior", à qual conferimos "atençllo condigna". Ocupo uma posiçllo especial de liderança no Teatro-Laboratório polon&. Nlo sou simplesmente o diretor, ou o produtor, ou o "instrutor espiritual''. Em primeiro lugar, minha relaçllo com o trabalho nllo é cer· tamente unilateral ou didática. Se minhas sugestões se refletem nas oomposiç6cs espaciais do nosso arquiteto Gurawski, é de se compreender que minha visAo roi formada ao longo de anos de colaboraçllocom ele. Existe algo de incomparavelmente Intimo e produtivo no trabalho com um ator que confia em mim. Ele deve ser atencioso, se· guro e livre, pois nosso trabalho consiste em explorar ao màximo suas possibilidades. Seu desenvolvimento é atingido pela observaçllo, pela perplexidade e pelo desejo de ajudar; o meu desenvolvimento se reflete nele, ou, melhor, está nele- e nosso desen· volvimento comum transforma-se em revelação. Não se trata de instruir um aluno, mas de se abrir completamente para outra pessoa, na qual é posslvel o fenômeno de "nascimento duplo e par· ti lhado". O ator ren~- nlo somente como ator mas como homem- e, com ele, renasço cu. ~uma maneira estranha de se dizer, mas o que se verifica, realmente, é a total aceitação de um ser humano por outro.
O Novo Testamento do Teatro*
O nome ''Teat~LDborDt6rio ''fa.:. pensar em pesquisa ci~ntlficu ~6 esta uma associaç4o apropriada? · A palavra pesquisa nao deveria lembrar sempre pesquisa c~entl_fica. Nada pode estar mais longe do que fazemos do que a ctlncta sensu stricto,· c nlo só pc~a nossa car@ncia de qualificações, como tam~m porque n!o nos mteressamos por esse tipo de tra· balho .
.A palavra pesquisa significa que abordamos nossa profissilo mats ou menos como o cntalhador medieval, que procurava recriar no seu pedaço de madeira uma forma jà existente. Nl!.o trabalha• Euamlo Barba reusu mttevbtl em 1964, inhtuiiJido..• "O Nowo TeMimm· Foi publicadl emStuliwroA/It~R~!Udd Ttfi/I'Ohrduto(Marllllo Ednorr, Pid111, 1965), como tambtm nn Ttfltrtu Tron 01 Tduukk (Uoi.Hmo l / 1966)e711HtrttfU1t~ti(Niri(Y.511966). '
to~Teatto'' .
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mos como o artista e o cientista, mas entes como o sapateiro, que procura o lugar exato no sapato para bater o preso. O outro sentido da palavra pesqu1 ~a pode parecer um pouco irracional, uma vez que envolve a idéia de penetraçAo na natureza humana. Em nossa época, na qual todas as línguas se confundiram como na Torre de Babel, em que todos os generos estéticos se misturaram, a morte ameaça o teatro, à medida que o cinema e a televisao invadem o seu domínio. Isto faz com que examinemos a natureza do teatro, como é que ele se diferencia das outras formas de arte, e o que é que o torna insubstilUivel. Sua pesquiso o condutiu a alguma d~finiçiJo?
Que significa a palavra teatro? Esta é urna pergunta com que sempre nos defrontamos, e para a qual hâ muitas respostas posslveis . Para o academico, o teatro é o lugar onde um ator declama um texto, ilustrando-o com uma série de movimentos, a fim de tornà-lo mais facilmente cÔmpreendido. Interpretado desta forma, o teatro é um acessório util da literatura dramática. O teatro intelectual é apenas uma variame dessa concepçlo, Seus defensores consideram-no uma espécie de tribuna polemica. Também aqui, o texto é o elemento mais importante, e o teatro funciona unicamente para acentuar certos ar&umentos intelectuais, provocando com isso o seu confronto reciproco. Trata-se de uma ressurreiçlo da arte medieval do duelo oratório. Para o espectador comum, o teatro é acima de tudo um luaar de divertimento, Se ele espera encontrar uma Musa frlvola, o texto nlo lhe interessa nem um pouco. O que o atrai slo as chamadas gags, os efeitos cômicos, e talvez os trocadilhos que levam de volta ao texto. Sua atençlo se dirige principalmente para o ator como um centro de atraçlo. Uma jovem vestida o mais sumariamente posslvel é, por si s6, uma atraçlo para certos freqüentadores de teatro que atribuem um critério cullural à atuaçlo da moça, embo-ra esse julgamento seja, na verdade, uma compensaçlo para a frustraçlo pessoal.
lodramAtico. N~ te caso, suu exigencias podem variar profundamente. Por um lado, pode demonstrar que pertence a uma sociedade melhor, onde a "Arte" é uma garantia; e, por outro, deseja experimentar certat.s emoçOcs que lhe proporcionem um senso de auto-satisfaçAo. Mesmo que nlo sinta piedade pela pobre Antigona, nem averslo pelo cruel Crconte, e nlo partilhe do sacrincio c do destino da herolna, acredita-se, apesar disso, moralmente igual a ela. Para ele, trata-se de uma questAo de ser capaz de sentir-se "nobre" . As qualidades didáticas desse tipo de ernoçlo sAo dúbias. A platéia - toda constitulda de Creontes - pode ficar do lado de Antígona durante a representaçlo, mas isto nlo a impedirA de comportar-se como Creonte, uma vez fora do !'eatro. digno de nota o sucesso das peças que tratam de uma infinda infeliz. O fato de assistir aos sofrimentos de uma criança inocente no palco torna bem mais fácil para o espectador simpatizar com a infeliz vitima. Assim, ele se asseaura do alto nlvel dos seus padrOcs morais.
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A gente do teatro nlo tem, usualmeme, uma concepçlo inteiramente clara sobre o teatro. Para o ator comum, teatro é, acima de tudo, ele mesmo, e nAo o que ele e capaz de conseguir através dos seus meios técnicos. Tal atitudeoriaina a imprudencia e a autosatisfaçAo, que o tornam capaz de apresentar açOcs que nAo exigem nenhum conhecimento especial, que slo banais e comuns, como andar, levantar-se, sentar-se, acender um cigarro, colocar as mAos nos bolsos, c assim por diante. Na opiniAo do ator, nada disso se destina a revelar alguma coisa, mas basta em si, porque, como jà disse, ele, o Sr. X, é o teatro. E se o ator possui um certo encanto que prenda a platéia, isso fortalecerA mais ainda a sua convicçlo.
O espectador que alimenta veleidades culturais gosta, de vez em quando, de assistir a representações do repert6do mais sério, até de uma trqédia, contamo que possua aJgum elemento mo-
Para o cenógrafo, o teatro é acima de tudo uma arte plàstica, o que pode ter conscqOêlcias positivas. Os projetistas slo freqUentemente defensores do teatro literArio. Aleg.am que o ccnârio, assim como o ator, servem ao drama. Esta crença nlo revela qualquer desejo de servir Aliteratura, mas apenas um complexo com rclaçAo ao produtor. Preferem ficar do lado do dramaturgo, jt\ que ele estã. distante e, conseqüentemente, tem menos possibilidades de limitálos. Na prãtica, os projetistas mais originais sugerem um confronto entre o texto e a vislo pllstica capaz de superar e revelar a imaginaçlo do autor. Nlo é, prOvavelmente, por mera coinCidbx:ia que os ccnóarafos poloneses slo, freqoentementc, os pioneiros no teatro de nosso pais. Eles exploraram as numerosas possibilidades
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oferecidas pelo desenvolvimento revolucioil.ârio da artes plásticas no stculo XX, as quais, em menor escala, inspiraram autores c produtores. NAo implicarà isso num certo perigo? Os cr1ticos que acusam os cenógrafos de dominarem o palco apresentam mais de um argu. mento válido e objetivo; a questão é que partem de uma premissa errada.~ como se acusassem um carro de correr mais depJ"C$$1 que um caracol. Isto é o que os aborrece, e nlo que a vislo do cenóara· fo tenha dominado a do ator e a do diretor. A visao do cenógrafo é criativa, nlo estereotipada; e. mesmo se o for, perde seu carãter teutológico através de imenso processo de ampliaçlo. Apesar de tudo, o teatro é transformado- q~oeira o cenóarafo ou não- numa Kric de quadros vivos. Torna-se uma espécie de comera tscura, uma excitante lanterna mágica. Mas não deixa, cntao, de ser teatro? Finalmente que significa o teatro para o produtor? Os produtores vem para o teatro depois de falharen1 em outros campos. Aquele que uma vez sonhou em ser autor termina sendo diretor. O ator que é um fracasso ou a atriz que jã foi prima donna e começa a envelhecer voltam·se para a produção. . O critico de teatro que, há muito, tem um complexo de importlncia com rdaçlo a uma arte pela qual nada mais pôde fazer, exceto escrever, volta-se tambtm para a produçlo. O hiper-senslvel professor de literatura, que jâ estâ farto do trabalho acadtmico, considera-se tambtm capaz de se tornar um produtor. Jâsabe o que é o drama- e que mais l-:o teatro para ele senAo a realizaçl.o de um teatro?
Con1o slo auiados por uma tal variedade de motivaç6es psica· naliticas, as idéias dos produtos sobre o teatro slo as mais variadas poss\veis. Seu trabalho é uma compensaçlo para vários fenômenos. O homem que nlo desenvolveu suas tendf:ncias pollticas, por exemplo, muitas vezes se to.rna produtor e goza, assim, de.uma sensaçlo de poder, que tal pos1çlo lhe confere. Isto levou malS de uma vez a interpretações perversas; e os produtores que possuiam essa
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necessidade de poder montaram peça~ que polemtla\am com as autoridades: dai as numerosas montagens ··rebeldes '' . Claro que o produtor quer ser criativo. Por consesuinte mais ou menos conscientemente- defende um teatro autônomo, independente da literatura, que ele considera apenas um pretexto. Mas, por outro lado, u pessoas capazes de um tal trabalho criativo slo raras. Muitas estio olicialmente contentes com a definição literária e intelectual do teatro, ou sustentam a teoria de Wagner seaundo a qual o ti:atro deveria ser uma síntese de todas as artes. Uma fórmula mais 6till Permite que se respeite o texto, este elemento básico invK>Iivel, e al~m do mais não provoca nenhum conflito com o meio literário e psicológico. Deve-se afirmar, num parêntese, que cada autor- mesmo aqueles que s6 podemos qualificar como tais por pura gentileza- sente-es obrigado a defender a honra e os direitos de Nickiewicz, Shakespeare, etc., simplesmente porque se conSideram seus colegas. Assim, a teoria de Wagner sobre "o teatro como arte total" estabelece la paix des bra~·~ no campo literãrio. Esta teoria justifica a exploraçlo dos elementos plásticos da cenografia numa montagem, e atribui os resultados a ela. O mesmo pode ser dito em rdaçlo i música, seja um trabalho original ou uma montaaem. A isto se acrescenta a escolha acidental de um ou mais atores conhecidos, e com esses elementos, apenas casualmente coordenados surge uma montagem que satisfaz. as ambições do produtor. Ele se coloca no cume de todas as artes embora na realidade se beneficie de todas sem liaar ao trabalho criativo realizado para ele pelos outros- se~ que, na verdade, algu~m pode ser chamado de criativo em tais circunstâncias. Desta forma, o número de definíç6es de teatro é praticamente ilimitado. Para fugir desse circulo vicioso, torna-se necessário, sem dúvida, eliminar, e nl.o adicionar. Por isto, temos de perguntar o que é indispensàvel no teatro. Vejamos. Pode o teatro existir sem figurinos e cenários? Sim, pode. Pode o teatro existir sem música para acompanhar o enredo? Sim. 27
Pode o teatro existir sem efeitos de luz? Oaro. E sem texto? Sim; a história do teatro confirma isto. Na evoluçlo da arte teatral, o texto foi um dos úJtimos elementos a ser acrescentado. Se colocamos aJaumas pessoas num palco com um cenlrk> que elas próprias montaram, e as deixamos improvisar seus pa'*is como na Commedio d~II'Arte, a representaçAo poderll ser iaualmente boa, mesmo que as palavras não sejam articuladas, mas apenas murmuradas. Mas poderl exitir o teatro sem atores? Nlo conheço nenhum exemplo disto. Pode-se mencionar o teatro de fantoches. Mesmo aqui, no entanto, o ator pode ser encontrado por trls das cenas, embora de uma outra forma. Pode o teatro existir sem uma platéia? Pelo menos um espectador ê necessário para que se: faça uma representaçlo. Assim, facamos com o ator e o espectador. Podemos entlo definir o teatro como "o que ocorre entre o espectador e o ator". Todas as outras coisas sAo suplementares - talvez necessárias, mas ainda assim suplementares. NAo foi por mera coincidência que nosso TeatroLaboratório se desenvolveu a partir de um teatro rico em recursos -nos quais as artes plâ.sticas, a iluminação e a música eram cons-tantemente usadas - para o teatro ascCtico em que nos tornamos nos últimos anos: um teatro asc~ico no qual os atores e os espectadores Uo tudo o que existe. Todos os outros elementos visuais slo construidos atravb do corpo do ator, e os efeitos musicais e acústicos através da sua voz. Isto nAo significa que nAo empreguemos a literatura, mas sim que nlo a consideramos a parte criativa do teatro, mesmo que os arandes trabalhos literàrios possam, sem nenhuma dúvida, ter efeito estimulante na sua gênese. Já que o nosso teatro Consiste somente de atores e espectadores, fazemos exig!ncias especiais a ambas as partes. Embora n!o possamos educar os espectadores- pelo menos, nao sistematicamente-, podemos educar o ator,
que é - algo qual qualquer f'IC'I'õO01 exe(l'lplo a Madona. Falei com uma du partici· pantes, uma senhora da Finlândia, e ela me deu um exemplo para isto. Disse que, toda vez que se representa a Madoria, seja ou não numa peça religiosa, e quer se trate da Virgem Maria ou apenas da maternidade, esta maternidade abençoada t 5empre rcpresc:ntada por uma mie debruçada com amor sobre sua criança. "Mu", disse-me ela, ''eu sou mie e sei que a maternidade t ao mesmo tempo a Madona e uma vaca. Esta é a verdade". Isto nao é uma met6Cora, é a verdade. A mie dá seu leite A criança, e tem reações pslcol6&icas nlo muito diCerentes das de uma vaca. Ao mesmo tempo, podemos ver na maternidade coisas verdadeiramente sagradas. A verdade é complicada. Portanto, evitem as belas mentiras.
Sempre tentem mostrar o lodo desconhecido do.s coisas ao upectodor. Ele vai protestar, mas nunca esquecerá o que voch fizeram . Depois de alguns anos, ele diri: "Aquele ralou a verdade. Trata-se de um grande ator". Sempre procurem a verdade real, e n!lo o conceito popular da verdade. Usem suas pr6prias experiências reais, especificas, inti·
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mas. Isto sianirlca que muitas vezes se vai dar a impresslo de falta de tato. Tentam sempre como objetivo a autenticidade. No inicio deste stminârio, dei um exemplo de representaçao de uma morte. Vocês nunca podem representar a morte como um morto, pois nlo tfm conhecimento da morte. Só podem representar suas
[email protected] mais lntimu. Por exemplo, sua experi&lcia de amor, do seu medo quando em face da mone, e do sofrimento. Ou ainda suu reações psicológicas diante de algu~m que está morto, ou um tipo de comparaçlo entre vod e a pessoa morta. Trata-se de um processo analítico. Que faz o morto'? Estou manco, sem movimentos, mas estou vivo. Por quf? Porque existe O pensamento. Em suma, façam sempre o que está intimamente ligado com as suas próprias experlblcias. Eu disse aqui, diversas vezes, que o ator deve revelar-se, deve mostrar o que é mais pessoal, e sempre da maneira mais autbltica. Numa espécie de excesso para o espectador. Mu voch nAo devem esforçar-se para isto. Apenas ajam com o seu ser. Nos momentos mais importantes do papel, revelem suas experienclas mais pessoais e mais fortemente guardadas. Em outros momentos, usem os simbolos, ma.s justifiquem-nos. Isto basta. Nlo precisam vir com isto desde o inicio. Galsuem degrau por degrau, mas Rm falsidade, sem fazer imltaçOes, sempre com toda a personalidade, com todo o corpo. Como resultado, vods descobriria alsum dia que o corpo começou a reaair totalmente, o que si&nifK:a que estA qua.st aniquilado, que quue nlo existe mais. Nlo oferece mais resistenciu. Seus impulsos estio livres. Finalmente, algo que é muito importante, alao que é, na verdade, a ~ncia dp nosso trabalho: a moralidade. Comprocndam que nlo estou falando de moralidade no sentido usual c cotidiano da palavra. Por exemplo, se vocfs mataram alalKm trata-se de um problema ético de vocf:s. Nlo se trata de um problema meu ou do seu colaborador. Para mim, a moralidade si&nifica expressar, no seu trabalho, a sua verdade inteira. Sdiflcll, mas é poss\ve\. E isto é o que cria toda a grande obra de arte. Certamente, ~muito mais fácil falar da experi!ncia de matar alguém. Existe pathos nisto. Mas existem muitos outros probremas mais pessoais, que nlo possuem o mesmo pathos do crime, e ter coragem de falar deles e criar g.randeza em arte. 196
Tenho repetido aqui, diversas vezes, porque acredito ser essencial, que se deve ser estrito no próprio trabalho, c que se deve SC1 oraanizado c disciplinado, e o fato de que o trabalho canse é abso· lutamcnte necessário. Muit:u vezes, tem-se de estar totalmente exausto para quebrar a resistencia da mente c começar a representar com autenticidade. No entanto, nlo quero dizer que se tenha de ser ma'IOquista . Quando for necessãrio, quando o diretor lhes der uma tarefa, quando o ensaio estA em franco progresso - nestes momentos, deve-se livrar de qualquer radisa. As regras do trabalho slo duras. Nilo há luear para mimosas, intocáveis em sua fragilidade. Mas nllo procurem sempre associaçOes tristes de sofrimento, de crueldade. Procurem também algo luminoso. Muitas vezes, podemos nos abrir através de recordaçOes sensuais de dias lindos, de recordaçOes do paraíso ~rdido, pela recordação de momentos, pequenos em si mesmos, em que estivemos verdadeiramente abertos, em que tlnhamos confiança, em que fomos felizes. Isto é muitas vezes mais diflcil de penetrar do que em labirimos escuros, desde que se trata de um tesouro que nlo queremos doar. Mas freqUentemente nos traz a possibilidade de encontrar a confiança no próprio trabalho, um relaxamento que nAo é tâ:nico, mas se fundamenta no impulso correto. Quando falo, por exemplo, na necessidade de siJencto durante o trabalho, ralo de aJao difleil, do ponto de vista prAtico, mas que é de absoiUia necessidade. Sem um silencio exterior, vocb nl.o podem atinair aquele silencio interior, o sil&lcio da mente. Quando se deseja revelar seu tesouro, suas fontes, deve-se trabalhar em silencio. Evitem todos os elementos da vida privada, do contato privado: sussurros, conversas, etc, Voc!s podem aozar dura1 ..e o trabalho, mas dentro du fronteiras do trabalho, e nlo de um modo particular. De outra forma, nlo atinairlo bons resultados. Depois disto, quero dizer a vocb que nAo conseauirAo arandes alturas se se orientarem para o público. Nlo estou falando de um contato direto, mude um tipo de servidlo, do desejo de ser aclamado, de aanhar aplausos e palavras de louvor.~ impossível, trabalhando dessa forma, criar alao de grande. Os grandes trabalhos slo sempre fontes de conflito. Os verdadeiros artistas nlo tbn uma vida rácil, c nlo slo, de inkio, aclamados e carregados nos ombros. No inicio, c durante muito tempo, existe uma luta dura. O artista
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fala a verdade. A verdade~ quase sempre mUlto dth:rc:nte do conceito popular de verdade. O pUblico nlo gosta de enfrentar problemas. Ê muito mais fácil para o espectador encontrar na peça o que já sabe. Dal, nasce o connito. Mas depois, passo a passo, esse mesmo público começa a verificar que sao aqueles ml!1.mos artistas, aqueles mesmos artistas peculiares, que ele nao pode esqueLfutorc=s. Os alunos, muitos dos quais estrangeiros, s.llo acc=itos também para um aprendizado a curto prazo. sa.o ainda chamados especialistas em outras disciplinas, como psicologia, fonologia, antropologia cultural, etc. O Teatro-Laboratório conserva uma certa coc=rtncia na escolha do seu repertório. lu peças levadas em cena baseiam-se nos grandes clássicos poloneses e internacionais, cuja funçlo, aproxima-se do mito, na consciência colc::tiva. As produções que comprovam as etapas progressivas da pesquisa metodológica e artlstica de Grotowski slo as seguintes: Coim, de Byron, Shokuntolo, de Kalidasa, Fonfother's Eve, de Mickiewicz, Kord1on, de Slowacki. Akropolis, de Wyspianski, flumlet, de Shakespcare, Dr. Foustus, de Marlowe, e O Prlncipe Constante, de Calderón, em adaptaç.llo polonesa de Stowacki. No momento, acha-se em preparaçlo um espetáculo baseado em temas do Evangelho. O Teatro-Laboratório também promove representações no exterior, através de tournées. Jerzy Grotowski visita com freqOência os diversos centros teatrais existentes em i nUmeras países, ministrando cursos teóricos e práticos sobre seu método. Seu mais estreito colaborador nessa pesquisa ~ Ryszard Cieslak, que, na opinilo de determinado critico do jornal francês I'Expre:ss, ~ a imagem viva deste método no seu papel como o Príncipe Cantante.
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