Greimas (1973) - Semantica Estrutural.pdf

March 15, 2017 | Author: Letícia Mota | Category: N/A
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SEMÂNTICA ESTRUTURAL A. J. GREIMAS

CULTRIX

SEMÃNTICA ESTRUTURAL A. ]. Greímas l Ninguém inora que o problema da significação constitui hoje uma das preocupações nucleares das ciências humanas, de vez que um fato só pode ser considerado "humano"’ na medidade em que signifique algo. E para abor, dar o estudo da significação, nenhuma ciência ` está melhor qualificada do que a lingüística, ` em razão do rigor e formalização de seus me- todos. Todavia, a província da lingüística a quem incumbe tal estudo, a semântica, é paradoxalmente a menos desenvolvida das disciplinas lingüísticas, Esse atrazo histórico se ex, plica, sobretudo, pela complexidade do seu objeto de estudo, que só agora começa a ser dei limitado e abordado com espírito verdadeiramente científico. llustrativa desse espírito é esta obra que, em tradução dos Profs. Haquira Osakabe e Izidoro Blikstein, a Cultrix ora entrega ao público universitário brasileiro numa edição que mereceu o apoio da Editora da Universidade de São Paulo. SEMÄNTICA ESTRUTURAL é notável ' I ' tanto pela atualidade do seu. empenho — a I aplicação de métodos estruturais ao estudo da significação — quanto pela clareza de suas for- . mulações, que procuram conciliar o rigor terminológico exigido pelos lógicos e lógicos ma- ` temáticos com o amplo sistema de referências culturais do estudioso de ciências humanas. Nes= te livro, o Prof. A. ]. Greimas, docente da "Ecole pratique des hautes études", que se vem ' destacando por suas pesquisas na área da teoria semântica e da análise da narrativa, oferece ao leitorum panorama dos problemas e métodos da semântica estrutural, abordando questões essen; ciais como condições de uma semântica cientí' fica, estrutura elementar da significação, linguagem e discurso, organização do universo semântico, descrição da significação, modelos atuacionais e de transformação, e outros tópicos de ` igual importância. J

Iî. Ï LIVRARIA UNIVERSITÁRIA Iávmria, - Distbxdorœ Y ’“’xîxScí«ŠÏx‘Ï.š"‘ž¿’SEš«xS‘°’*‘Š’Š’°“ Ï mœrrøum Idíoä ‘ `À TRAVESSA PARÅ, 9Í Fcmœ: Lojs 255686 Esc. 26-3F { FJ,«!5'.,.?É'—"'±!'m ' _ Í V—. Q SEMÃNTICA ESTRUTUBAL Y Ï ÍV ê

> Ï FICHA CATALOGRÁFICA {(Prepamda pelo Centro de Cata1OgaçaOna£Onte, l Câmara Brasileira do Livro, SP) I { Greímas, Algirdas Julien. [ G838S Semântica estrutural; tradução de Haquíra Osa! kape e Izidoro Blíkstein. São Paulo, Cultrix, Ed. · · da Uníversîdade de São Paulo, 1973. l. p 330p. 11uSt. 1. Semâutîca 2. Semântíca (Filosoíîa) I. Título. 7 73-0503 CDD·149.94 1 ] •412 , Iudíces para catálogo sistemático: ' 1. Semàuuca : Füosotia 149.84 ¿ 2. Semrxtica : Lmguxsu 412

Ï ëx Obra publicada l com- a colaboração da · .` D Ïí ( t.; UNEVERSXDADE DE SAO PAULO E ` REITORZ Proñ Dr. Miguel Rea/e lo EOITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Comisso Editoríal: g Presidente — Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri ( (instituto de Biociências). Membros: Prof. Dr. ( A. Brito da Cunha (instituto de Biociências), ( Prof. Dr. Carlos da Silva Lacaz (instituto de Í Ciências Biomédicas), Prof. Dr. lrineu Strenger 1 (Faouldade de Direito) e Prof. Dr. Pérsio de Souza Santos (Escola Politécnîca). V

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{ A.-]. GBEIMAS Ï (diretor de estudos da "Eco1e pratique des hautes étudeS” de Paris) { SEMANTICA ESTRUTURAL I Pesquísa de Método i Tmdução de e Š HAQUIBA ÙSAKABE I (da Unîversidade Estadual de Campinas, SP) 6 , Izmono BLIKSTEIN (da Fundação Getúlio Vargas C Unîversîdade de São Paulo) S L A igg. L EDITGRA CULTRIX SÃO FAULO ‘ EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAUL0 .

' Título do original: :1 SÉMANTIQUE STRUCTURALE —— RECHERCHE DE MÉTHODE í © 1966 — Librairîe Larousse, Paris. ' î ! MCMLXX111 Direitos de tradução para a língua portuguesa adquiridos com exclusividade pela EDITORA CULTRIX LTDA. Rua Conselheiro Furtado, 648, fone 278-4811, S. Paulo, que se reserva a propriedade literária desta tradução. ; Impresso no Brasil — ` [ ' Pižnted irz Bmzil

ÍNDICE~ CONDIÇÕES DE UMA SEMÀNTICA CIENTÍFICA 1.° Situação da semântica . _ 11 a) A significação e as ciências humanas , _ 11 b) Uma parente pobre: a semântica ` — ` 12 2.° A significação da percepção 15 11) Primeira escolha epistemológica , , — 15 · 5) Uma descrição qualitativa 16 C) Primeiros conceitos operacionais _ 17 3.° Conjuntos significantes e línguas naturais 17 :1) Classificação dos significantes A — A 17 C) Correlação entre significantes e significados 18 C) Significações "naturais" e significações artificiais 19 { d) Estatuto privilegiado das línguas naturais 19 È 4.° Niveis hierárquicos da linguagem · 21 [ a) Fechamento do conjunto lingüístico ' 21 } [7) Níveis lógicos da significação 22 C) Semântica enquanto linguagem ' 23 [ d) Nivel epistemológico 24 Š e) Notação simbólica ` 26 I È « ESTRUTURA ELEMENTAR DA SIGNIFICAÇÃO I 1.° Continuidades e descontinuidades ' 27 2.° Primeira concepção da estrutura K 28 3.° Conjunção e disjunção 29 4.° Estruturas elementares 29 5.° EÍXOS semânticos ` ` d 30 6.° A relação 31 7.° Articulações Sêmicas ' ` ` 32 ’ 8.° Modos de articulação sêmica ¿ 9.** Forma e substância “ 36 I l,

10.° Semas e lexemas 38 Í 11.° Segunda definição da estrutura _ 39 ž 12.° Totalidade e partes 39 ÍJNGUAGEM E DISCURSO 1.° Significação e comunicação 42 2.° Sistemas sêmicos A 43 3.° Semas e lcxemas 48 4.° O plano do discurso 49 5.° Manifestação das relações 53 SIGNIFICAÇÃO MANIFESTADA 1.° O semema 57 J) Unidades de comunicação e unidade de significação 57 [7) O lexemas uma constelação estilística 58 C) Definição do semema 60 2.° A figura nuclear 62 a) Primeiro núcleo de "tête": extremidade 62 b) Segundo núcleo de "tête": esfericidade 65 C) Núcleo Sêmico comum 66 d ) Figuras simples e complexas 67 e) Em direção ao nível Semiológico do conteúdo 68 3.° OS classemas 68 z) Semas contextuais 68 b) Lexemas e Sememas 70 C) Definição dos classemas 71 d) Em direção ao nível semântico da linguagem 72 4.° Conceitos instrumentais 73 NÍVEL SEMIOLÓGICO ( 1.° Notas prévias e aproximações 75 a) Autonomia do semiológico 75 [7) Lexematismo antropocêntrico 77 ` . C) O lingüístico e o imaginário 79 2.° Estatuto do Semiológico 82 ø) O simbólico e O semiológico 82 b) O protosemantismo de P. Guiraud 83 C) O Semiológico e o bio-anagógico 86 3.° Possibilidades da descrição Semiológica 88

E :1) Consttução das linguagens em lingüística aplicada 88 [7) Niveis de generalidade 90 C) Procedimento descritivo 92 . ISOTOPIA DO DISCURSO 1,° Heterogeneidade do discurso · 93 11) Isotopia da mensagem 93 \ lø) Variações das isotopias 94 ` 1:) Dimensões dos contextos isotópicos 96 2.° Funcionamento metalingüístico do discurso 97 11) Expansão e definição 97 [7) Condensação e denominação 100 C) Denominação tranlativa 103 d) Dupla função dos classemas 106 e) Análise das denominações figurativas 107 †) Análise das denominações translativas 109 g) Anälise definicional 110 la) Construção dos Sememas _ 114 i) Isomorfismo =das figuras 116 3.° Condições para o estabelecimento de isotopia 117 ` 11) Dcfinição oblíqua 117 b) Propósitos sobre o mundo 121 C) O fechamento do texto 122 d) Do texto individual ao corpus coletivo 125 e) Isotopia e variação 126 4.° O discurso plurívoco · 128 11) Manifcstação de uma isotopia complexa 128 b) A ambivalência simbólica em literatura 130 C) Isotopias e sua leitura 131 L ORGANIZAÇÃO DO UNIVERSO SEMÀNTICO 1.° Universo da significação 136 1) Dupla direção epistemológica ~ 136 A b) Indução e dedução 136 C) A consideração empírica do universo imanente 138 d) Sisternas e morfemas 139 2.° O universo manifestado da significação 141 ~ 11) Conteúdo 141 L IJ) A combinatória 143 C) Escolha estratégica 145 d) Abemira do corpus dos sememas 145

e) Sememas abstratos e concretos V 146 Q ]) AS incompatibilidades . 148 [ 3.° O discurso 149 z) Lexicalização e gramaticalizaço 149 b) AS separações da expressão e as identidades do conteúdo 150 C) A comunicação 152 d) Organização das mensagens 154 DESCRIÇÃO DA SIGNIFICAÇÃO 1.° Manifestação e discurso 157 z) Dicotomia do universo manifestado 157 la) Isotopias fundamentais 159 C) A combinatória sintática ` 159 ž) A afabulação e o "radotage" 162 2.° A Manifestação discursiva ` 163 7 4) AS bases pragmáticas da organização 163 b) Modos de presença da manifestação discursiva 164 ' C) OS 1nicro—univerSos semânticos " ' 165 ` d) Tipologia dos microuniversos 167 .. . el Predicatos e amantes 168 f) Cateaorias atuacionais 170 g) Sintaxe lógica e sintaxe semântica 172 ÍJ) O caráter modal das categorias atuacionais 173 ‘ Ž) Uma epistemologia lingüística 174 3~.° Manifestação figurativa e manifestação não figurativa 176 . z) Um exemplo: a comunicação poética 176 b) O implícito e o explicito 179 C) O não figurativo 180 d) Em direção a uma metalinauaeem científica 182 e) A verificação dos modelos de descrição 183 PROCEDIMENTOS DE DESCRIÇÃO ‘1.° Constituicão do corpus 185 ' Az) Obietivos e procedimentos 185 b) O corpus 187 ' C) O texto 190 d) Eliminação ou extração 191 E) Os inventários 192 , A Í) Inventários individuais e coletivos ‘ 193 1 I _ g) Estratos e Durações 195 ·2.° A normalização 200 1 ' z) Homogeneidade da descrição · 200 { __________

b) Objetivação do texto 200 C) Sintaxc elementar da descrição 202 d) A Iexemática da descrição 205 3.° A construção 207 a) Construção do modelo: redução e estruturação 207 b) Reduções simples 208 C) Reduções complexas · 211 d) O semântico e o estilístico 217 C) A estruturação 218 ' Í) Homologação e geração 220 g) Conteúdos instituídos e sua organização 222 REFLEXÕES SOBRE OS MODELOS ATUACIONAIS l.° Dois níveis de descrição 225 2.° Os atuantes em nnguistíca 226 3.° US atuantes do couro popular russo 228 4.° Os atuantes do teatro 229 5.° A categoria atuacronal "Sujeíto" vs "ObjetJo” 230 6.° A categoria atuacional “dSI1DãdOI” vs "c1eStinatáriO" 231 7.° A categoria atuaciOna1"‘Ad]uvante" vs "()ponente" ' . 233 8.° O modero atuacxonal mítico 235 9.° A investidura temática ` 236 7 10.° O investimento econômico 238 11.° Atuantes e atores 240 12.° O Energetismo dos amantes d 242 13.° O modelo aruacional e a critica psicanalítica 244 14.° Os modelos atuacionais psicanalíticos — 247 PESQUISA DOS MODELOS DE TRANSFORMAÇÃO 1.° Rcdução e estruturação- 251 z) Organização das funções . 251 Z7) Inventário das funções 252 ê' C) Acasalamento das funções 253 d) Contrato ` 254 e) Prova V » 256 · †) Ausência do herói ' 258 g) Alicnação e reintegração 260 IJ) Provas e suas conseqüências 263 Í) Resultados da redução 264 L 2.° Interpretações e definições 264 « a) Elementos acrônicos e diacrônicos da narrativa 264 17) O estatuto diacrônico da prova s 266

C) A força dramática da narrativa 268 d) Duas interpretações da narrativa 269 e) A significação acrônica da narrativa 270 f) O modelo transformacional 273 g) A narrativa enquanto mediação 275 3.° O modelo transformacional e o Psicodrama 277 a) Do coletivo ao individual 277 [7) A estrutura compensadora inicial 278 C) O aparecimento da luta 279 d) O desenvolvimento da prova 280 X,3 E) Realização da prova 282 )‘) O problema do reconhecimento e da recompensa 284 g) Manífestação figurativa do modelo 286 /7) Alcance do modelo transformacional » 286 AMOSTRA DE DESCRIÇÃO 1.° Principios gerais 288 u) Exemplo escolhido: o universo de Bernanos 288 b) Constituição do texto por extração 289 C) Escolha da isotopia 291 2.° A existência enquanto meio 293 41) Formas da manifestação e tipos de análise 293 b) Vida e morte 295 C) O fogo 297 d) A água 299 E) O modelo constitucional 302 È 3.° Existência enquanto empenho 303 î a) As doenças 303 Q 17) O bestiário 304 E C) AS mentiras 305 d) AS mentiras transitivas 307 e) Reduções econômicas 308 ]‘) AS mentiras intransitivas 310 1 g) AS verdades 311 i. Š 7 4.° Comparação e escolha dos modelos 313 ; a) Ausência de homogeneidade 313 17) Comparação dos resultados 315 C) Os modelos e os conteúdos 317 ` . d) O caráter modal do modelo funcional 318 5.° Concepção dialética da existência 321 i a) AS modalidades 321 b) A denegação bernanosiana 323 C) A asserção bernanosiana 323 ’ d) O algoritmo dialético 325 þ e) História e permanência 327 Í ,m

CONDIÇÕES DE UMA SEMÅNTICA CIENTIFICA 1.° SITUAÇÃO DA SEMÀNTICA cz) A significação e czs ciências humcmcrs. 0 problema da significação está bem no centro das preocupações atuais. Para transformar o inventário dos comportamentos . • • • • • ~ ?' em antropologia e as séries de acontecimentos em história, nao = temos outro meio senão interrogar-nos acerca do sentido das ati ‘ vidades humanas e 0 da história. P“’°"‘“°$ que 0 m“ 9.n§§.—LŽ9Íî!iÉ iiç, ,esSn.c.î.alm.ente C0m . Sé pode ser chamado "hu.mano" na_rne_i__a em que significa alguma coisa. "`*‘`*~r b‘oãã s ` ' Dessarte, é na pesquisa a respeito da significação que as ciências humanas podem encontrar seu denominadorcornum. Com efeito, se as ciências da natureza se indagam para saber como são o homem e O mundo, as ciências do homem, de maneira mais ou menos explicita, se interrogam sobre o que significam um e outro. Nesse desejo comum de discernir o problema da significação, a lingp;Stica,_\teve a possibilidade de aparecer como a disciplina , mais bem situada: pois, mais aprimorada, mais formaliza-da, ela podia oferecer às demais seus métodos e experiências. Assim, na década de cinqüenta, recebeu ela o mvejável título de ciênciapiloto em meio às outras ciências do homem. ' A condição privilegiada que lhe foi atribuída só poderia criar uma situação paradoxal: houve uma dupla propagação a partir de um terreno em que praticamente nada acontecia. '¿ A primeira é o preço inevitável da glória: a sociologia, a " psicanálise a conheceram antes da lingüística. Com o nome de d 1,1

"banalizaçãO", caracterizase pela distorção das estruturas metodológicas de uma disciplina e pela neutralização das oposições o fundamentais entre seus conceitos. Uma terminologia lingüística ` empobrecida e distorcida eStendeuse por certas revistas de van~ guarda: o lingüista mal poderia reconhecer aí sua própria descendência. Paralelamente, a lingüística conhece uma propagação metodológica inegável. Não se tratava de empréstimos de métodos propriamente ditos, mas de atitudes epistemológicas, de certas = transposições de modelos e procedimentos de descoberta que fecundaram a reflexão de um Merleau—Ponty, de um Lévi-Strauss, de um Lacan, de um Barthes. A distância que separava esses modelos epistemológicos dos domínios em que podiam encontrar sua aplicação só pôde agir no sentido de sua particularização. Se , a importância dos trabalhos daí oriundos permite às pessoas mais avisadas falar atualmente da "escola francesa de antropologia", é de lamentar, por isso mesmo, a ausência de um catalisador metodológico. Esse papel de catalisador era, naturalmente, 0 da lingüística. É curioso verificar que, cercada assim de solicitações diversas, moStrouSe ela, de maneira geral, mais que reticente, até mesmo hostil a toda pesquisa semântica. E as razões são múltiplas. fb) Semêuücc. ctlþcxrenie pobre. È preciso reconhecer que a semântica foi sempre a parente pobre da lingüística. Mais nova das disciplinas lingüísticas — sua própria denominação só se forjou em fins do século XIX foi a precedida, no quadro do desenvolvimento da lingüística histórica, inicialmente pela fonética, mais aprimorada, e depois pela gramática. Embora denominada e instaurada, a semântica procurou d apenas tomar emprestados seus métodos quer da retórica clássica, quer da psicologia de introspecção. . A lingüística estrutural seguiu, no seu desenvolvimento, a { mesma ordem de prioridade. A Escola de Praga fundamentou È solidamente a fonologia; a Escola de Copenhagem, que a seguiu imediatamente, preocupouse com a elaboração da teoria lingüística 'l ` que procurava aplicar à renovação dos estudos gramaticais. 0 12 I

esquecimento da semântica é patente e voluntário: é normal, nos ¿ meios lingüísticos, perguntar-se ainda hoje se a semântica possui um objeto homogêneo, se esse objeto se presta a uma análise estrutural, em outras palavras, se se tem 0 direito de considerar a semântica como uma disciplina lingüísticap A dificuldade de determinar os métodos próprios à semântica e definir as unidades constitutivas de seu objeto é um fato. O inventário restrito de fonemas, seu caráter discreto, descoberto g implicitamente no momento da primeirarevolução científica da humanidade, que se configurou com a elaboração dos primeiros e alfabetos, favoreciam o progresso da fonética e, mais tarde, da fonologia. Nada aconteceu de semelhante com a semântica. A definição tradicional de seu objeto, considerado pudicamente como "subStância psíquica", impede sua nítida delimitação em relação à psicologia e, mais tarde, em relação à sociologia. Quanto às ' suas xmidades constitutivas, a ebulição terminológica — seme“ mas, semiemas, semantemas, etc. — revela somente embaraço e d . confusão. O lingüista mais bem intencionado só podia, nessas ocasiões, considerar a semântica como uma ciência que se procura , a si mesma. 0 golpe de misericórdia lhe foi dado finalmente pelo triunfo de uma certa concepção da lingüística que se apoiava sobre a , psicologia do comportamento. È conhecida a famosa definição d do signo lingüístico dada por Blgomfield (Lmguzgø): "uma 1* l forma fonética que tem sentido" (p. 138), "um sentido do qual nada se pode saber" (p. 162). Levando-se em consideração tais atitudes behavioristas, tornou—se comum considerar-se a semântica como não possuidora de sentido algum. Entretanto, como o observa corretamente jakobs falando dos que dizem "que as questões de sentido não Ãißffenhum sentido para eles”, quando ` , _¿ dizem "Sem sentido", das duas uma: ou sabem O que querem ‘ ` dizer, e por isso mesmo a questão de sentido ganha sentido, ou 5 não o sabem, e então sua fórmula já não tem absolutamente sen. tido algum" (Essais — pp. 38-9). Esses três motivos: o retardamento histórico dos estudos semânticos, as dificuldades próprias à definição de seu objeto e a onda do formalismo — foram determinantes e explicam as re1 ticências dos lingüistas em relação às pesquisas sobre a significação. » I3

i Tudo isso mostra bem a posição desconfortável daquele que, consciente da urgência dos problemas semânticos, deseja refletir acerca das condições pelas quais seria possível um estudo cien- = tífico da significação. Tem ele de enfrentar duas espécies de dificuldades: umas teóricas, outras práticas. As primeiras provêm das dimensões consideráveis de seu a empreendimento: se é verdade que a semântica deve encontrar « seu lugar na economia geral da lingüística e aí integrarse com seus postulados e o corpo de seus conceitos instrumentais, cum- jî pre-lhe ao mesmo tempo visar a um caráter de generalidades Suficientes para que seus métodos, que estão para ser elaborados, sejam compatíveis com qualquer outra pesquisa que vise à Significação. Em outros termos, se a semântica tem por objeto de . estudo as línguas naturais, a descrição destas faz parte dessa V ciência mais vasta da significação que é a Semiologia, no sentido Saussuriano do termo. _ As segundas são relativas ao destinatário eventual de suas reflexões. A necessidade de formalização, a insistência na unívocidade dos conceitos utilizados só podem ser expressas, nesse estágio das pesquisas, por uma neología das denominações e por redundância das definições que se pretendem umas mais rigorosas que as outras; esse tateamento pré·científico só pode parecer igualmente pedante e supérfluo ao destinatário cujo sistema de referências culturais é literário ou histórico. Mas parecerá, com justiça, insuficiente e excessivamente "qualitativo" aos lógicos e aos matemáticos, que constituem um grupo de sustentação e de pressão que a lingüística não pode deixar de considerar. Assim, mergulhado entre exigências práticas contraditórias, o autor só pode escolher, com o risco de descontentar a todos, o caminho mediador, m., - a fim de se fazer compreender por ambos os lados: se lhe parece evidente que sem o auxílio da lógica matemática, e da lógica sim- ., . plesmente, a semântica só pode permanecer na contemplação dos ` seus próprios conceitos gerais, do mesmo modo, ele tem consciência de que uma iniciação semântica que não vise às ciências humanas e, em plena reviravolta, as ultrapasse, permanecerá, por muito tempo, como prática de igrejinha. Z 14

2.° SIGNIFICAÇÃO E PERCEPÇÃO ` Cr) A primeira escolhe: epîstemolóqíccr. A primeira observação referente à significação só pode tocar ao seu caráter onipresente e multiforme ao mesmo tempo. Ficamos ingenuamente espantados quando nos pomos a refletir acerca da situação do homem que, -de manhã à noite e da idade pré—natal à morte, é atormentado por significações que o solicitam por toda V “ parte, por mensagens que o atingem a todo momento e sob todas as formas. Ingênuas desta vez no sentido não científico da palavra — parecem as pretensões de certos movimentos literários que desejam fundar uma estética de nãosignificaçãO: se, numa peça, a presença de duas cadeiras, situadas uma ao lado da outra, parece perigosa a Alain Bobbe—Grillet, já que mitificante por seu poder de evocação, esquecemos que a presença de uma só cadeira funciona como um paradigma lingüístico e no caso— de ausência, esta pode ser também bastante significante. Mas uma semântica que parte desta verificação da onipreSenca da significação só pode ser confundida com a teoria do _¿;, conhecimento e procurar ou suplantá—la ou Submeter—se a uma certa epistemologia. Esta situação desconfortável foi bem observada por Hjehnslev que, após tê-la assinalado como destino de qualquer ciência, e não somente da lingüística, aconselhava a aceitarmo-lo resignadamente, mas limitando seus eventuais prejuízos. OS pressupostos epistemológicos, devemos, ser,, cgnseqiientemente, tão poucïnneosos e tão gerais quantoïpossivel. ""È com conhecimento de causa que nos propomos a considerar a percepção como o lugar não lingüístico onde se situa a apreensão da significação. Assim procedendo, ganhamos a vantagem e 1 o inconveniente de não poder estabelecer, no seu estatuto * particular, uma classe autônoma de significações lingüísticas, suspendendo dessarte a distinção entre a semântica lingüística e a semiclogia saussuriana. Embora reconhecendõf nossas preferências sub‘ jetivas pela teoria da percepção tal como foi anteriormente desen(*) Optamos por traduzir Stztut por "estatutO", embora a palavra não tenha, V em nossa língua, a mesma amplagama deacepções que hoje possuí em francês, —' notadamente em textos de lmguístxca e Semrótica (Barthes, Mounm, Grcimas etc.). (N. dos T.) 15

volvida na França por Merleau-Ponty, observaremos, entretanto, que esta atitude epistemológica parece ser também aquela das ciências humanas do século XX em geral: assistimos assim, para citar apenas o que é particularmente evidentêÏ'i"substituiçãxouda psicologiaä da fpr1_n__a_e__do com_po,1ttarrre;1,tq,pela das "fa culdadeS" ïîda introspeçãïa Ve Ž;pliço;;_ÈŠ Mègç se almente sobretudo no_,_nível_r tpe¿cep _ e ção da obra, e não mais no da eXplor ênio ou ___ßaf jrna' gT1ïšÏçãoÏ”'ÍÏžf “c N1Ï`erÍàeÏdϱ=S,“’ainda`qïÏe`provisória, “p"ã“ëe vantajosa na época histórica atual: é difícil imaginar outros critérios de pertinência aceitáveis por todos. b) Umc: descrição qualitativa. No entanto, a afirmação de que as significações do mundo l humano se situam no nível da percepção consiste em definir a exploração no mundo do senso comum, ou, como se diz, no cê; mundo sensível. A semântica é reconhecida assim abertamente como uma tentativa da descrição do mundo das qualidades senã síveis. É.-,. Tal tomada de posiçao surpreendera apenas os que, aceitando a atual ascendência dos métodos qualitativos sobre os diferentes domínios da lingüística, não se deram conta da estreiteza dos resultados obtidos cujo erro se atribui não aos procedimentos quantitativos empregados, mas às falhas da conceituação qualificativa que tornam inoperantes os procedimentos. Por outro lado, uma análise qualitativa cada vez mais rigorosa só contribuirá para preencher 0 hiato existente atualmente entre as ciências da natureza, consideradas como quantitativas, e as ciências do homem, que apesar das aparências sempre enganosas, permanecem qualitativas. Isto porque um movimento paralelo e inverso parece—nos Confi, gurar-se entre as ciências -da natureza. Como observa Lévi—StrauSs no seu Penséø Sauuagø (p. 20): "A química moderna reduz a variedade dos sabores e perfumes a cinco elementos combinados I de maneira diferente: oxigênio, carbono, hidrogênio. enxofre e azoto. Traçando tabelas de presença e ausência, avaliando doses e limiares, ela chega a dar conta das diferenças e semelhanças entre as qualidades que teria outrora eliminado de seu domínio por serem secundárias? Uma descrição qualitativa promete pois estabelecer a ponte sobre a região brumosa do mundo do a e 16 { , h________,__,_.

sentido e dos “efeitos do sentid0", conciliando talvez um dia quantidade e qualidade, homem e natureza. Observcrçoz Notamos que, no exemplo citado por Lévi St1'auSs, aos elementos últimos do sistema Semiológico Correspondem os sintagmas dos processos químicos e não os sistemas químicos. C) Primeiros conceitos operacionais. ..«·~‘\ Para a constituição dos primeiros elementos de uma termino- å logia operacional, designaremos com o nome de Sígyqifccptø os 8l6H¥6ÈQ§aQ!1 9ëaãT!1PO§, sšíèrêlîàëšššlêa£¿L1šž«l2«O~$§ílï¿Š—Šï;€Ï,H¿,a,,.3l,Qä£È9ãO aoà_ru\;el“da,_,percepção, e que são reconhecidos, rfšse exato momento, como exteriores ao homem. Designaremos wm 0 Mme de wgødv 3 Sîsuifígszãg 9;.1-is signifiçßcöøõaque S° r¢¢°b¢±†==iS peleèigífiqantgxzèxièõèšía,graçe.,,à,.sua exisrêéiiw ii““ii ` iiii iiii de *‘ Só é possível reconhecer como significante alguma coisa e atribuir-lhe tal nome quando essa coisa significa realmente. A , existência do significante pressupõe pois a existência do significado. Por outro lado, 0 significo só é significado porque existe um significante que o significa. Em outras palavras, a existência do significado pressupõe a do significante. _ _ Essa pressuposição recíproca é o único conceito lógico não definido que nos permite definir reciprocamente, a exemplo de Hjelrnslev, o significante e 0 significado. · Podëmœ dêša Pï0VÏ$03m8ï?Ïã», QPOWG .,.l. $;££?,;?l?±.†lÉQra§—i,§?JíÍî' GWØ îJíãé,ÍŠöÏ`šîñïîë¿i>’¢ |\Ñ Ž¢Ç~·lî= Í A , llîî

tête de cortège (frente do cortejo). ' o à prendre la tête (encabeçar). ° Basta uma rápida olhada para percebemos que esse inven tário apresenta um certo número de traços conjuntivos e outros disjuntivos. Ã 1. Uma constatação geral, para começar: a palavra tête não significa, em nenhum dos contextosocorrências desse inventário, Í "uma parte do corpo". Ï 2. 0 primeiro traço comum do inventário e, como se a L presença em todas as ocorrências, do sema "eXtremidade". Podemos acrescentar que, além disso, o Sema "eXtremidade". aparece bem nitîdamente num certo número de locuções idiomáticas Q onde, combinando-se com "verticalidade", com "horizontalidade", Ï produz figuras quer antropomórficas, quer zoomórficas (ou ictiomrficas): ` _ a) de le tête zux píeds; (da cabeça aos pés) cf. de píed en Cap (do pé à cabeça) b) um tête—à—queue (volta completa) ní queue ní tête (nem pés nem cabeça). 3. O segundo sema da coleção é designado por nós, tanto como "Superioridade", quanto como "anterioridade”. O fato de I tête, enquanto uma das duas extremidades, se opor a píeds ou a queue, representando outra extremidade, nos permite dizer que se trata aqui de um mesmo Sema sob duas designações dife rentes: "a primeira eXtremidade" cuja significação é modificada pela articulação sêmica "verticalidade" vs "horizontalidade". ]á l tivemos oportunidade de 'demonstrar (Zes Topologíques, em Cahíers de lexícologíe, 1964) que os dois termos, considerados em conjunto, oÈ ` (j') Portuguêsz Oc) "cabeça da Igreja, O Papa" , _ Š 4 mrxçx do pnxxeùw B) "cabcça do desfiladeiro" "cabeça de ponte" , 7) "Cabeça da lista" _ "cabcça da Coluna": (parte das tropas que marcham na frente). (N. de T.) S 63

constituem apenas um caso particular da não-concomitância espal cial. enquanto o contrário é "inferioridade" ou "posterioridade". Substituindo os dois termos dominativos pelo único termo "supe ratividade", podemos dizer que o núcleo sêmico que postulamos ` para o inventário estudado possui um segundo sema, e que ele se apresenta, nesse estado da análise, como NS —\— S1 (extremidade) } sz (superatividade). 4. 0 terceiro elemento da coleção não se apresenta mais como um sema simples, mas como um eixo sêmico que engloba dois Semas: "ve1'ticalidade” (S3) e "horizontalidade" (si) cuja disjunção, no plano do discurso, constitui duas classes contextuais. Uma análise mais profunda nos mostraria que tais Semas contextuais são, na verdade, elementos constitutivos de outros núcleos sêmicos que fazem parte do mesmo sintagma ("verticalidade" em la tête d’un arbre a copa de uma árvore, "horizontalidade" em la tête d’un canal — ponta de um canal). 5. 0 mesmo podemos dizer do quarto elemento da coleção: a classe contextual (3) comporta o sema "continuidade" (sã), a classe y) o sema "descontinuidade" (sö), ao passo que a classe ou) permanece, por assim dizer, indiferente a essa disjunção. Aqui também, podemos observar que o eixo sêmico, articulado em "linha" VS "pontilhado" realiza seus Semas dentro de núcleos sêmicos contínuos a tête (tête de Zígne vs fourgon de tête — "iníciO da linha" vs "furgão dianteiro") enquanto só a classe :1) representa o termo neutro (nem "continuidade" nem "deScontinuidade") da articulação Sêmica. j Essa tentativa de depreender as constantes sêmicas do núcleo desemboca, à primeira vista, em resultados não inteiramente Satis fatórios. Assim, pudemos caracterizar esse núcleo pela invariância dos dois primeiros Semas, mas tivemos de constatar, ao mesmo À È tempo, que a análise dos Semas chamados contextuais obriga-nos N a invadir O domínio dos núcleos sêmicos contíguos que se apresentam numa relação de dependência estreita quanto ao núcleo estu- l , dado. Utilizando o signo / para marcar a disjunção sêmica, podemos j formular assim os resultados dessa primeira análise: N1($1+$2) + C?[N2 (SS/$4) + (Sõ/56)] * ( à 64 1 I li

N mãe mn dado sema funciona ao mesmo tempo como Sema nuclear % :::0 sema contextual. A ambigüidade relativa à definição dos Ï Emas contextuais deverá ser suprimida mais tarde. ; bl O segundo núcleo de "tête": esterîcidocde. ' Um outro inventário, paralelo ao precedente, pode ser tirado É ao mesmo corpus e apresentado-sob a forma de uma classificação ¿ proximativa, evidenciando apenas os caracteres sêmicos verdadei “ rmente aparentes. Assim teremos: , Oc) esferîcidadec Í la tête d’un Comètø (cabeça de um cometa) Zz têtø Cfépínglø, de Clou (cabeça de alfinete, de prego) (cf. boulø, "bola", Citron, "limão", Cíboulot, "cebola" — em francês popular, designam Cabeça). } B). esfericidade —l— solidezz ( o . g se docsscr la tête ( :2 ` Designaremos esse núcleo sêmico, caracterizado por relações hierárquicas entre os Semas que o constituem e que não ultrapaS d' *67 È

sam as dimensões de um lexema, como uma figura nuclear Simples. . Se, ao contrário, as relações hierárquicas entre os semas se estendem a dois ou vários lexemas de um sintagma, como é notadamente o caso para as seqüências do tipo tête d’un arbrø: NS I (8; -> $2) > $3 diremos que a figura nuclear é complexa. e) Em direção do nível Semíoiôgico do conteúdo. , Não é inútil observar que os semas que constituem as figuras , que acabamos de estudar remetem todos a uma concepção geral do espaço e fazem parte, por isso, de um sistema sêmico mais l •I• vasto. Em outras palavras, a hipótese segundo a qual uma analise de conteúdo em unidades constitutivas mínimas faz aparecer sistemas Sêmicos subjacentes, recobrindo um grande número de manifestações lexemáticas, se confirma aqui, uma vez mais. Diremos pois, introduzindo assim um novo conceito operatório, que ' os semas que, na manifestação, são formadores de figuras nucleares remetem a sistemas Sêmicos de uma natureza particular, cujo l conjunto constitui o nível sømiológíco do universo significante. 3.° OS CLASSEMÃS i l C:) OS Semcxs contextuais. d No início desse capítulo, definimos provisoriamente o semema como a combinação do núcleo sêmico e dos semas contextuais. d Tentando precisar melhor essa definição, procuramos em seguida compreender melhor o núcleo semântico, ao qual acabamos de denominar figura nuclear. Resta-nos ainda precisar o estatuto dos , elementos do contexto que entram na constituição do semema. ` Bastará um exemplo para mostrar a complexidade do pro, blema. Tomemos uma seqüência de discurso bem simples, como le chiem abole (o cão late). Segundo O procedimento jáoutilizado, a análisecontextual de . · "abOíe", pennitindo a depreensão do núcleo sêmico, que vamos 68 { s——«————.—————————

designar por Nsl (e que não procuraremos analisar, já que esse não é o objetivo perseguido, lembrando apenas quanto a seu conteúdo que se refere a uma "espécie de grito"), nos revela a x existência de duas classes contextuais "sujeitos", que podem se combinar com aboíø. De um lado, a classe dos animais: Zø Chzøn (cão) Q. la 7'ønard (raposa) la chacal (chacal) etc., e, de outro, a classe dos humanos: l’h0mmø (homem) » . Díogènø (Diógenes) Cct ambítíeux (este ambicioso) etc. f Diremos que essas duas classes são caracterizadas cada uma Ï pela presença de um Sema comum à classe inteira: no primeiro ` caso, trata-se do Sema "animal" (Csl) no segundo, do Sema "hu mano" (CS2). Dependendo da manifestação de um ou de outro , desses Semas, com o auxílio de um de seus conteXtOs—ocOr1'ências, no discurso, sua combinação com o núcleo NS1 constitui dois sememas diferentes: Sml : NS1 } Csl (grito animal) Smg : Nsl —{ Csg (grito humano). , Tomando, por sua vez, o lexema chíøn (e simplificando bas— i tante), podemos dizer que 0 encontramos igualmente no interior _ de dois tipos de contextos diferentes. Como a primeira classe de contextos-ocorrências permite construir, com 0 núcleo Nsg, o Semema Smgz la chzøn abate (o cao late) s grande (grunhe) , mard (morde) etc., depreende oisema cOmum.*‘anímal" (Csl). A segunda classe de contextos que manifestam "efeitos de sentido" Semêmicos: "espé cie de arpão", "instrumento de toneleiro", "vagoneta de mina" « obrigam a postular um Sema comum "objeto" (Csg). T 69

b) Lexemus e sememas. Os resultados desse tipo de análise podem ser formulados de j duas maneiras levemente diferentes. Podemos, tomando as fi- j guras de cada lexema e conSiderandoas como invariantes, jun- . tar-lhes todos os semas contextuais com os quais elas são capazes de se combinar. Teremos assim, para os lexemas aboíø e Chíen, duas formulações diferentes: » L1 ï N; ··j C (3;/82) j L2 I N2 j» C (S;/83). OS semas contextuais assim tratados se encontram reunidos pela relação de disjunção, em categorias sêmicas do tipo: ` animais vs humanos l animais vs objetos esgotando dessa forma, antes mesmo de sua manifestação no discurso, todos os empregos possíveis dos lexemas analisados. Vemos que essa primeira formulação permite afiançar nossas definições do lexema, que aparece assim como um modelo virtual que abrange o funcionamento inteiro de uma figura de significação recoberta por um dado formante, mas anterior a qualquer manifestação no discurso, que só pode produzir sememas particulares. l Não acreditamos trair o pensamento de B. Pottier dizendo que j é provavelmente essa concepção de lexema que ele colocou em evidência nas suas pesquisas, que são paralelas às nossas. È pos— j sível que um dicionário de lexemas formulados em termos de “ modelos virtuais traga uma contribuição não negligenciável à solução de problemas semânticos colocados pela tradução mecânica. Uma semântica Iexemática não fica, entretanto, para nós, muito A ligada ainda às articulações do plano da expressão para que possa resolver o problema capital da sinonímia, tornando definiti- Ï vamente possível uma verdadeira análise do conteúdo. j A Se, ao contrário, em vez de formular cada lexema separada- j mente, consideramos a seqüência do discurso em questão como encontro de dois sememas situamo-nos de tuna só vez sobre o “ plano da significação manifestada, onde a escolha dos semas a j realizar já está efetuada. Assim, aboíe, para se constituir semema, . elegeu no próprio momento da realização do discurso o sema sl “ ` » 70 l '-~-~—-—-——~····-·--·-·--

[Í contido no contexto chiem; e, inversamente, a presença do contexto ± boie significa a escolha obrigatória do sema s; para a aparição Š do semema "chienanimal". A seqüência em questão não mani festa, portanto, apenas os semas contextuais S1, excluindo os semas , sg e Sg, e sua única combinação semêmica possível é V [N; j CS1] j· [N; j· CS1], _ onde cada núcleo se combina teoricamente com o Sema contextual pertencente ao lexema vizinho. Dizemos "teoricamente", pois os dois Semas contextuais são na realidade idênticos, e essa busca do dado sema no seu vizinho, quando já o possuímos nele mesmo, r pode parecer facilmente desprovida de fundamento. Com efeito, substituindo um dos lexemas da seqüência para obter Le commissaíre aboie (0 comissário ladra) percebemos que, com o novo contexto de aboiø, que manifesta desta { vez O sema S2, o sema contextual do novo núcleo N3 (commissaíre) ' será necessariamente 0 sema S2: g Sql î j- CSg] ~j [N; j CS2]. Esses exercícios elementares nos permitem já formular, a título provisório, um certo número de constatações de ordem geral, que nos caberá provar em seguida. d à L C) Defínîço dos clcrssemcts. A partir de agora, podemos nos dar conta do papel que desempenha O contexto, considerado como unidade do discurso superior ao lexemaz constitui um nível original de uma nova articulação do plano do conteúdo. Com efeito, O contexto, no instante mesmo V em que se realiza no discurso, funciona como um sistema de compatibilidades e de incompatibilidades entre as figuras sêmicas que ele aceita ou não reunir, já que a compatibilidade reside no fato V de que dois núcleos sêmicos podem combinar-se com um mesmo sema contextual. _ . Considerando o mesmo fenômeno sob um ângulo um pouco diferente, constatamos, por outro lado, que a manifestação no discurso de mais de um núcleo sêmico, provoca automaticamente a ` manifestação iterativa de um ou vários semas contextuais. Conse- 1 71 A

qüentemente, a seqüência do discurso (le) Chien aboie, que descrevemos anteriormente como a combinação de dois sememas, pode ser muito bem formulada de maneira ligeiramente diferente: Y 1.* (N2 l N;) Csl. Essa nova apresentação nos permite ver melhor que se uma determinada seqüência contextual comporta duas figuras sêmi cas, não compreende senão um Sema contextual; em outras palavras, os Semas contextuais correspondem a unidades de comunica- —;, ço, sintagmas ou proposições, mais amplas que os lexemas, den— tro dos quais se manifestam, grosso modo, os núcleos sêmicos. Esse fato apenas bastaria para postular que os Semas contextuais devem ser estudados de maneira independente, separadamente das l figuras sêmicas. Entretanto, o termo Sema contextual, que vimos, pode revelar-Se ambíguo quanto ao uso. Assim, a análise à qual procedemos no início desse capitulo colocou em evidência Semas que, embora sendo "conteXtuais" em relação ao núcleo considerado, pertencem. entretanto, ao núcleo contíguo, e não ao contexto iterativo, tal como procuramos defini-lo. Por oposição aos Semas nucleares, propomos, conseqüentemente considerar como Clzssemas os Semas contextuais propriamente ditos. A Observccçoz Como o Sema, tomamos também a B. Pottier ; o termo Classema. [ d) Em direção do nível semântico de linguagem. {. l Nossa tentativa de depreender uma classe autônoma de Semas, que tenham as funções originais na organização do discurso, corres- , l ponde a uma dupla necessidade. De fato, teremos de mostrar que ° tal concepção dos classemas, caracterizados pela sua iteratividade, , pode ter um valor explicativo certo, nem que seja para permitir a `compreensão do conceito ainda muito vago e entretanto necessário de totalidade de significação, postulado a uma mensagem ou a uma lexia no sentido de Hjelmslev. A partir de agora, estamos em condições de afirmar que uma mensagem ou uma seqüência qual- , Š quer do discurso não podem ser consideradas como isotópicas, °l t 72 às Ž I I rw- ,.r, W,.._,__,_______________¿

se possuírem um ou vários classemas em comum. Mais do que isso: · ultrapassando o quadro estreito da mensagem, tentaremos demons— $ trar, graças a esse conceito de isotopia, como os textos inteiros se encontram situados em níveis semânticos homogêneos, como o significado global de tun conjunto significante, em vez de (como os Ï propõe Hjelmslev) ser postulado a priori, pode ser interpretado A como uma realidade estrutural da manifestação lingüística. ` Por outro lado, a autonomia dos classemas em relação aos semas nucleares que não é, nessa situação, mais que uma hipótese estimuladora da reflexão, recebe um começo de confirmação se olharmos rapidamente os poucos classemas já reconhecidos ao acaso, graças aos exemplos utilizados. Vemos que os classemas, objeto vs animal vs humano d parecem poder ser articulados em um sistema Sêmico, que seria 1 talvez mais explícito se o apresentássemos da seguinte maneira: ¿ù inanimado vs animado Ï I¥ _ s animal vs humano A generalização que queremos propor a partir de agora, seria a seguinte: se as figuras Sêmicas, simples ou complexas, dependem do nível Semiológico global, dos quais são simples articulações î particulares prontas a se investir no discurso, os classemas, de seu ll lado, se constituem sistemas de caráter diferente e pertencem ao nível semântico global, cuja manifestação garante a isotopia das ši mensagens e dos teXtoS.· g 4.° CONCEITOS INSTRUMENTAIS 1 , Parece-nos útil resumir aqui, antes de prosseguir, os resultados de um primeiro esforçode conceitualização que tinha como meta a colocação de unidades de construção indispensáveis a qualquer descrição da significação. O quadro abaixo, contém os termos defi nidos, com certo rigor, nas discussões anteriores e que consideramos Ä úteis serem retidos. { `73 Ï

` ÏMANÈÑCIÁ | MAN1FESrAçÃO ——> ’ ··> èu 1 . % £‘ W nívîoló íœ ' 2 œtcgcrws LSUÍAS sem g Sßtems semîológîcas termos mm œræ , — Sêmícos · œmas sêmíccs æmcmas mvcl À \* Câtëgoms bases semântico dßssëmátïcñå { Classemtícas ïï T l¿} \ « j « È à ’ 74

l O NÍVEL SEMIOLÓGICO f 1.° NOTÃS PRÈVIAS E APROXIMAÇÕES F cr) Autouomîc do Semiológîco. No transcorrer do capítulo anterior, tentamos depreender dois níveis autônomos da linguagem, 0 nível semiológico e o nível semântico, dois conjuntos arquitetônicos de conteúdo cujos elementos, encontráveis no discurso, constituíam unidades de manifestação de dimensões diferentes- e estabeleciam, de uma só vez, a manifes tação da própria significação. È tempo de considerar agora esses dois níveis lingüísticos separadamente, não para descrevê—loS, mas _, para precisar, na medida do possível, o seu modo de existência, e acima de tudo, para tentar traçar — o que parece talvez mais realista no estado atual das pesquisas semânticas — os seus contornos e significações. ‘ ãî Introduzindo, na divisão do universo significante, dois níveis de significação, queremos sobretudo sublinhar sua autOno mia mútua. Mas fica entendido que os dois níveis, considerados em conjunto, constituem o universo imanente da significação, anterior por direito à manifestação de seus elementos constitu tivos no discurso. Essa oposição do sistema ao processo, que parece clara para muitos lingüistas, está longe de ser reconhecida por todos. Além disso, como o domínio semiológico serve atualmente de lugar de encontro a várias disciplinas humanistas, pare' ce-nos útil insistir ao mesmo tempo sobre a anterioridade lógica e sobre a autonomia da estrutura semiológica, a fim de precisar as posições de mna semântica estrutural em relação sobretudo às pesquisas que se insiram numa psicologia fenomenológica ou genética e parecem muitas vezes paralelas às nossas. Pensamos _ _ , 75

nos diversos trabalhos sobre O simbolismo, sua natureza e suas origens, e mais particularmente nesse esforço de síntese que constituem [es Structures mthropologíques de lïmzgimzire, de ;î’ Gilbert Durand; este, estudando um grande número de problemas que nos são comuns, utiliza métodos e propõe soluções opostas às nossas. È assim que a classificação do simbolismo, que é grande preocupação do Autor, repousa sobre critérios de ordem — genética. Ela se apóia sobre a reflexão bechtereviana e sobre a distinção fundamental das três dominantes reflexos: postural, di- , gestiva, copulativa. Esse nível reflexológico, considerado como xl ontogeneticamente primeiro, originaria uma aparência de sistema- l tização dos gestos do corpo, que, segundo G. Durand, estão em "estreita concomitânCia" com as representações simbólicas. A par- l tir desse nível, que não é simbólico, mas que fundamenta tanto o próprio simbolismo como sua classificação, torna—se possível o desenvolvimento do imaginário em "esquemas" e "arquétipos". Apenas os gestos ——— porque podem e devem ser considerados como primeiros merecem o nome de esquemas, que vão engendrar por sua vez os arquétipos: assim, o gesto da verticalização, repousando sobre a dominância postura], engendra os arquétipos epžtetos "alto" vs "baiXo", da mesma forma que o gesto da deglutição, da descida, correspondente à dominante digestiva, produz, prolOngando—se, os arquétipos "continente" vs "conteúdo". Os mesmos esquemas dão origem, por outro lado, a arqué- l tipos substantivos, tais como a "luz" ou as "trevas", de um lado, l ou a "cor", o "recipiente", a "forma" e a "substância", de outro. Teríamos muito a dizer sobre essa obra que contém ao mesmo tempo as qualidades e os defeitos do ecletismo. Se falamos dela, l é por ser bastante representativa, por suas manipulações meto- l dológicas de um estado de espírito que não é compatível com a l atitude lingüística. l ' 1. Para nós, a descrição do simbolismo não pode ser em- `l preendida, postulando-se como critérios da descrição mesmo N que fossem algo distinto de puras hipóteses — as distinções operadas ao nível extralingüístico da realidade. O semiológico é, como a linguagem em geral, apreensível dentro da percepção e l deve apenas as articulações distintivas de sentidos negativos a realidade exterior, que aí se manifesta enquanto forma da ex- l pressão. l ¿ 76 i È '*"""""··········w

2. Nem a explicação genética de uma complexidade ores- ` cente do simbolismo, nem o raciocínio pseudocausal ( 2 a deglutição "se prolonga" e cria o "cOnteúdo") podem ser assimiladas ` à geração das figuras nucleares do discurso a partir dos sistemas sêmicos. Uma classificação que delimite, por exemplo, duas gran- , des configurações do simbolismo, disjuntando, por razões não lingüísticas, a oposição "subida" vs "descida" não pode preten ¿ der-se estruturalista, apesar do abuso desse termo. Somente O postulado da anterioridade das estruturas Sêmicas em suas múlti· Š plas manifestações Semêmicas no discurso torna possível a análise estrutural do conteúdo. Tal concepção, por mais simples que pareça, não é menos contrário a nossos hábitos de pensamento Í profundamente estabelecidos. { b) O Iexemcxtîsmo cmtropocêntrico. Assim, uma longa tradição lexicográfica nos impõe não so , mente uma apresentação lexemática dos dicionários, mas também uma hierarquização dos "sentidos" da palavra; 0 "sentido" relativo ao homem, ao meio humano, ao mundo do senso comum é sempre considerado como primeiro e, conseqüentemente, implícita- Š· mente original. Uma "parte do corpo" é efetivamente o sentido "natural" de certo modo, da palavra têtø, como prendrø (tomar, s colher, beber) significa inicialmente "apoderar-se de alguma coisa". Ï O núcleo sêmico de prendrø, tal como aparece com seu sema ` "eXpansão" em: Cet zrbrø prend bíen (Esta árvore está bem firme) Le bois prend (A madeira pega fogo) ou com o seu sema "contração" em: La rioíèrø z prís (O rio congelou) Le Zzit prønd (0 leite coalha) (°) é simplesmente a manifestação de uma das numerosas possibili Ï, ' dades estilísticas da palavra; o sentido "próprio" e, evidentemente, —-——— È (*) Observese em português o verbo eugrosmr nos dois casos: a) com O sema expansão: ‘ enxurrada engrossou" b) com O sema contração: "a calda engrossou". (N. de T.) " - 77 Ec

aquele segundo o qual tomamos alguma coisa "com a mão". Do mesmo modo, só se morde verdadeiramente "com os dentes", e G. Durand, falando do esquema "mordiCant" (corrosivo, mordaz) rompe com a tradição estabelecida; um esquema é, como se vê, l algo diferente do Søma. l Essa tendência em admitir implicitamente como fundamental l e prioritário o nível de significações recortadas segundo a escala humana caracteriza igualmente as pesquisas referentes a outros domínios "insólitoS" da linguagem: simbolismos mitológicos, poê- X ticos, oníricos. Assim, as primeiras descrições das diferentes formas do simbolismo, iniciadas no estilo de "Chaves dos sonhos" pela enumeração dos objetos simbólicos, e prosseguidas sob forma de classificações sumárias pela distinção das epifanias cosmológicas (Mircea Eliade), agrupamentos pouco coerentes de símbolos celes l tes, terrestres, etc., consideram sempre os símbolos — que podem l indiferentemente ser tanto lexemas, quanto objetos materiais — l como unidades descritivas compactas. A tentativa de descrição do i simbolismo da matéria feita por Gaston Bachelard, e que repousava, como o sabemos, na distinção quase universal, feita pela física qualitativa, dos quatro elementos: terra, ar, fogo, água, surgiu como uma inovação. Entretanto, o autor percebeu que os elementos olassificatórios dessa matéria não eram nem simples nem unívocos, e que, dentro da matéria terrestre, a moleza da terra própria ao plantio (glèbe) se opunha à "dureza da rocha"; quanto à matéria aquática, 0 simbolismo da água calma se situava aí em oposição î ao das águas revoltosas. ; Essa constatação conduz Bachelard aos umbrais da análise a Ï Sêmica tal como nós a concebemos, onde as oposições È Moleza vs dureza Estático vs dinâmico se acham pressupostas, anteriores aos lexemas-símbolos da terra “ e da água. Será necessário, entretanto, esperar a aparição da | Poéttquè de l’EspaCe para encontrar os primeiros elementos de F uma descrição sêmica consciente e uma concepção da comunicação poética que fizesse uso do nível semiológico da linguagem. .éd* Es.o’ 73

C) Um domínio reservado: o Sšmbolîsmo. ` é I ' A mesma inversão da problemática da linguagem se encontra agravada nas especulações referentes à natureza simbólica da poesia do sonho e do inconsciente; essa espécie de enoan- Š tamento diante da ambigiiidade dos símbolos, a liipóstase dessa ambigüidade considerada como conceito explicativo e a afirmação do caráter "inefá\'el" da linguagem poética, da riqueza inesgotável do simbolismo mítico levam as pessoas tão precavidas, como ]. Lacan ou G. Durand, a introduzir na descrição da significação julgamentos de valor e a estabelecer distinções entre a fala verdedeírz e a fala social, entre um semcmtísmo autêntico e uma semíología oulgm'. A semântica, que se pretende uma ciência humana, procura descrevervalores e não postula-los. A questão não poderia nem mesmo se colocar nesses termos, se em vez de indagarmos por que tal palavra tem vários sentidos, ou como uma palavra pode significar uma coisa e seu contrário . (tanto os gramáticos quanto os filósofos árabes se interrogaram prolongadamente sobreqa existência dos addd, palavras que sig- Q nificam ao mesmo tempo "uma coisa e seu contrário"), partíssemos d de uma descrição semiológica para estudar em seguida suas mani E {estações múltiplas. Veremos então que um símbolo eminentemente Q poético não é muito diferente, nem funciona de modo diferente, de um lexema qualquer de uma língua natural qualquer, como o é o caso de tête. Em outras palavras, reconheceríamos essa verdade do bom senso de que tudo.o que é do domínio da linguagem é lingüístico, isto é, possui uma estrutura lingüística idêntica ou VÏ comparável e se manifesta graças ao estabelecimento das conexões Å lingüísticas determináveis e, em larga medida, determinadas. Chegaríamos talvez a "desmistifiCar" à custa disso o mito analógico moderno segundo o qual há na linguagem zonas de mistério e zonas ' de clareza. È possível — trata-se de uma questão filosófica e não mais lingüística — que o fenômeno da linguagem enquanto tal A seja misterioso, no entanto, não há mistérios na linguagem. à O "pedaço de Cera?’ de Descartes não é menos misterioso que o· símbolo da lua. 0 que não impede que a química tenha chegado a dar conta de sua composição elementar. È a uma análise desse gênero que deve proceder a semântica estrutural. Os efeitos de ¿ N sentido persistem bem, é verdade, nos dois casos, mas o novo

plano analítico da realidade — quer se trate da química ou da semiologia —— não é menos legitimo. l d) O lingüístico e O îmcrgînrîo. l A última objeção, que é preciso eliminar, está na escolha estratégica do plano único da descrição do simbolismo e, mais geral- l mente, do que se convencionou chamar "imaginário". O plano lin- l güistico é o único plano de descrição possível? É o melhor do ponto î de vista operacional? Outros planos de descrição paralelos ao plano de linguagem não podem ser utilizados e chegar a resultados comparáveis? l Quanto ao simbolismo poético, as coisas parecem ser claras: a poesia é uma linguagem ou, para ser mais preciso, situase dentro da linguagem. Toda descrição não lingüística da poesia seria necessariamente uma tradução inútil, talvez impossível. 0 mesmo não ocorre com o simbolismo mitológico, onde os objetos e os comportamentos "naturais" parecem possuir as mesmas funções simbólicas que os lexemas ou as seqüências discursivas, e são substituiveis uns pelos outros. ISSO cria inevitavelmente uma certa confusão, sobretudo se não se coloca — como ocorre muito freqüentemente — a questão da homogeneidade do plano da descrição. Tomemos um exemplo banal, o do simbolismo fálico. Sabemos que, desde Freud, na psicanálise como na mitologia, quase tudo pode ser símbolo fálico: partes do corpo humano, o corpo na sua l totalidade, plantas, árvores, peixes, objetos manufaturados, etc. A a metáfora fálica surge assim como uma classe aberta, preenchida þ por uma espécie de "bric¿a-brac", cujo tørtío Comparatíonis constitui o único elemento permanente. Entretanto, pouco importa, em última análise, que as ocorrências que compõem esta classe l 'sejam objetos lingüísticos, visuais ou naturais; a relação, isto é, È o elemento comum a toda a classe e que a constitui justamente l enquanto classe, não é mais um objeto significante, mas uma l ' articulação Sêmica ou, mais ainda, uma figura nuclear que respeita a à o1'dem do significado. Do mundo das coisas, do qual nós tomamos emprestado nossos objetos de estudo, passamos assim automa A ticamente ao mundo da significação, e esta se presta então aos pro- ¿ { cedimentos da descrição elaborados pela lingüística. ` { 80 Í { "**"'~"~"·•-·-·\

I É Não queremos pretender com isso que 0 caráter simbólico dos objetos fálicos provenham sempre do discurso mantido acerca esses " objetos, e que lhes forneceria o contexto indispensável à manifes— tação da significação simbólica, embora esse seja provavelmente o caso mais freqüente. Existem comportamentos rituais simbólicos E que constituem outros tanto de contextos naturais. O exemplo escolhido mostra, entretanto, de maneira concreta, 0 que sustenta· mos desde o início, isto é, que a significação é indiferente ao significante utilizado: o fato de o significante ser constituído de objetos "naturais" ou de combinações de fonemas ou de grafemas em nada modifica os procedimentos da análise da significação. Uma análise do conteúdo que repouse sobre os objetos que constituem o mundo do senso comum, tomado como significante, é teoricamente legítima, e talvez mesmo possível. A grande superioridade do plano lingüístico provém do fato de que qualquer outra linguagem — e, conseqüentemente, o dos objetos simbólicos — pode ser traduzida numa língua natural qualquer, enquanto o inverso não é sempre verdadeiro: não vemos como inn poema de Mallarmé possa ser traduzido numa linguagem das coisas. (ISSO aparece muito claramente na elaboração dos métodos audiovisuais para o ensino das línguas, quando se trata de construir um significante visual equivalente do significante oral das línguas naturais: se a tela se presta relativamente bem para a representação dos atuantes, os problemas da expressão visual dos predicados e das ä relações são mal esboçados e não foram até agora resolvidos.) Por 5 outro lado, as línguas naturais possuem um significante relativamente simples, e em parte já analisado, que permite a elaboração de técnicas cada vez mais seguras e cada vez mais numerosas de verificação das separações de significação, mesmo que as estruturas de significação sejam postuladas inicialmente como resultados hipo téticos dos procedimentos lógicos. 0 valor dessas técnicas — ainda que em sua aplicação à análise do conteúdo estejamos nos primeiros passos — é comparável, para as ciências humanas, à formalização algébrica das ciências da natureza, e é aí que reside, parecenoS, a superioridade metodológica da lingüística estrutural em relação às intuições, muitas vezes geniais, mas que não possuem os procedimentos de verificação das demais pesquisas humanistas. g 81

2.° O E`STATÙTO_ DO SÉMIOLÓGICO . cz) O simbólico e o Semiolóqîco. Àté aqui, nós nos esforçamos por mostrar que o simbolismo, qualquer que seja a forma pela qual apareça, não se distinguia, por sua própria natureza, das outras manifestações da significação e que sua descrição dependia da, mesma metodologia. Teríamos errado se, ao contrário, o assimilássemos sem mais ao modo da existência das estruturas semiológicas, embora se aproxime dela em ¿ vários aspectos. Se, para funcionar como tal, o simbolismo deve “ apoiarSe no nível semiológico, ele é, no entanto, sempre uma referência a outra coisa, a um nível da linguagem distinto do nível Å semiológico. V Poderíamos dizer que o Semiológico constitui uma espécie de significante que articula o significado simbólico e o constitui num feixe de significações diferenciadas. Assim como o plano da expressão articulada é necessário para que o plano do conteúdo seja algo distinto de uma "grande nebulosa" Saussuriana, a articulação da forma do conteúdo apela para a vida, diferenciando a substância deste. Por outro lado, o domínio da estruturação semiológica é mais amplo que qualquer simbolismo particular; em outros termos, não existe adequação entre tal espaço semiológico e tal simbolismo: o semiológico é indiferente ao simbolismo que o toma em consideração; um só e mesmo nível semiológico pode servir e serve para articular diferentes simbolismos. Assim, retornando ao exemplo das imagens fálicas, vemos bem que O que permite reduzir inumeráveis variações estilísticas a uma só invariante simbólica, é O fato de que um nível de significação única, o da sexualidade, foi postulado no plano Semiológico, do qual uma figura nuclear relativamente simples serve de conector a todas as ocorrências contextuais. A ¿ escolha desse significado é legítima, como o são os dos outros sig— ' nificados. Como o demonstrou já Hjelmslev (Essaís línguístiquas), . ,a categoria do gênero gramatical repousa sobre a oposição sêmica expansão vs condensação. 0 par fêmea vs macho não é, conseqüentemente, senão uma l manifestação particular dessa oposição semiológica, obtida pela combinação do núcleo sêmico com o classema "animado". li À 82 X Í

F A descrição do nível semiolgico constitui, pois, uma tarefa , autônoma, que deve ser conduzida sem nos prender a esse ou àquele simbolismo particular. , : b) 0 'prOto-Semcmtismo" de P. Guirczud. e A comparação entre o simbólico e o semiológico nos permitiu * entrever os primeiros elementos de uma definição possível do nível Semiológico, que seria a forma do conteúdo que tornasse possível, graças à postulação de um nível anagógico qualquer, a aparição desse ou daquele simbolismo. Os conceitos do SemíO _ lógico e da forma do conteúdo não são entretanto coextensivos; Ï se tudo o que é Semiológico pertence necessariamente à forma do conteúdo, o inverso não é verdadeiro: os classemas e o nível semântico da linguagem por eles constituídos (e que é a fonte das isotopias anagógicas) participam igualmente da forma do conteúdo. 0 conceito hjelmsleviano da forma do conteúdo, embora re volucionário na medida em que significou a morte do formalismo, não é utilizável para fundamentar as distinções reais dos níveis da El linguagem, sobretudo quando se quer manter — como é o nosso caso —— a concepção saussuriana da linguagem, considerada como uma fonna, cuja manifestação sozinha tem por resultado provocar a aparição dos efeitos de sentido assimiláveis à substância do = conteúdo. A fronteira que é preciso traçar é, portanto, aquela que separaria o semiológico do semântico, e não` a forma da substância. Parece oportuno retornar, uma vez mais, a exemplos con cretos. As pesquisas empreendidas, desde algum tempo, por P. Guiraud, sobre o que ele chama campos mo7'f0—semântícos, são, sob esse ponto de vista, particularmente instrutivas. Num de seus estudos recentes (Bulletín de la Socíété de linguístíque, t. LVII, fasc. 7), P. Guiraud coloca à tona a existência de matrizes de variações fonológicas, que têm as dimensões de lexemas, aos quais , correspondem modelos, paralelos e não isomórficos, de articulações sêmicas. Apoiado no inventário de uns 400 sememas, o estudo engloba um Campo semântico recoberto pela raiz com base con— sonântica (tk) que caracteriza o sentido nuclear frapper (golpear). Besumamos inicialmente os resultados desse estudo, in teressante sob vários pontos de vista. .

As variedades de "Sentido" que esta raiz recobre podem ser agrupadas em duas categorias 'distintas: 1. as primeiras são ligadas às variações do formante. Assim, ( às variações vocálicas da matriz em [t-i—k] vs [tok] vs [t-a-k] correspondem as variantes Sêmicas de Coup (golpe): petít (pequeno) 'vs gros"(grande) vs plzt (plano). A matriz fonológica pode comportar outras variações, desta feita de caráter consonântico, às quais corresponderão novas articulações Sêmicas no plano do conteúdo. Assim, a inserção do infixo (r): [t-1'-i-l , "««««d« N definição dšupu que esta Cauæmc ` . - , ("proCeSSo" 1 Equivalencms "proStrar" "cauSado" + "animado") Q Sêmïœs + "cauSante" Denømincxço "hcu'usser' ("extenucrr") V PROCEDIMENTOS i APLICAÇÕES Pîï"îÍ" derrubar de fadiga (cf. esquema anterior) definiçao Defînição dos Seg— fazer Sucum. ddmb é d- A d— °uf;î“°î' bír wb F°S° que ÁŠ Ïu IÏ P°’ AÏPÏÍÁÏ . ,. . ("proceSSo" Eqwvßlencms "proStrax" ‘CauSado" "proStrar" "cauSadO" + ‘==mîmßd0”) Sêmxcas + xæusantexx V î. 112

Observcsçõoz Para poder citar diretamente o Dictíommire généml, apresentamos aqui a análise da forma infinitiva, e não da forma participial. A flexão particípio, apenas acrescenta, uma vez mais, 0 sema redundante "cauSado". Essa amostra de análise permitirá não somente encontrar na definição todos os classemas — o que confirma a isotopia redundante do discurso — mas também os elementos da figura nuclear. 0 fato de que ela se acha caracterizada pelo mesmo sema "proS , trar" de uma das Subclasses estudadas anteriormente, não é, talvez, devido ao acaso; a possibilidade da descoberta dos elementos nucleares nos parece satisfatória. Uma vez estabelecido o procedimento, podemos prosseguir esta mesma análise integrando nela novas ocorrências do inventário. A apresentação dos resultados pode também ser simplificada: DENOMINAÇÕES I 1>EFrz~zxçõEs balbrrzer rvexceder ! de fadiga Š exceder .................... fadiga (uma montaria), à surmencr ...—........ .... .. .... ...... de f&zcnd0_u caminhar mais depressa ou por mais tempo ......,. , ............ -—•..•.........—..»—..•·..—. 11* _____,_____,_,,,,, céd _ ,; ex N além do limite ` ..................... EqU.iV3lêDCÍ3S ir » _ )n ri d y se Ï :7 _I_ te dou Sêmîœs transgressao e uma norma causa o p Ocesso au a L Observcçoz O classema "causado", quando não está leXi Calizado na definição, aparecerá nas formas do particípio passado. Vemos que a análise dessa nova parcela não traz nada de novo com exceção do Sema aspectual "tranSgressão” (de uma 1••U•I•à norma), único índice da partrcxpaçao do nível semiologico na 2 elaboração da articulação do discurso. Tal como está, ocupa, gá IP na ¿Ï

entretanto, na economia geral do Semema, 0 lugar que co1'reS«~ þ ponde às figuras nucleares. h) Construção dos sememus. A análise desse inventário, embora pudesse parecer muito q longa quanto à finalidade que lhe havia sido atribuída inicialmente, nos pareceu útil na medida em que exemplificava, ao mesmo tempo, os procedimentos de denominação e precisava as condições de integração das definições no inventário inicialmente ` lexemático. Ela mostrou sobretudo como uma classe de ocorrências t relativamente extensa poderia ser reduzida a um só Semema, que podíamos chamar "Semøma C0nst7~uîdO" para distingui-lo dos se- i memas ocorrenciais. o l 0 progresso metodológico obtido assim na conceitualização semântica nos parece não negligenciável. 0 conceito de "Semema t construído" libera assim a descrição do conteúdo dos últimos vínculos que esse último poderia ter com a manifestação discursiva: o Semema assim concebido é uma unidade de conteúdo, inde- pendente de sua cobertura lexemática e de seu contorno contextual. l Por outro lado, o duplo estatuto das categorias classemáticas, e l ao mesmo tempo do nível semântico da linguagem, se coloca em l evidência quando se parte de tal concepção do Semema: elas fundam, de um lado, a isotopia sintagmática da manifestação da significação; constituem, por outro lado, o quadro paradigmático geral da classificação do universo significante. 0 esquema abaixo precisará melhor a articulação interna do Semema construído: MOJJO ma 1>xESENçA , N0 ÄDISCURSO I SEMFZLLA COr~1srEU1nO þš Denominação base classemática — figura nuclear A Definição elementos genéricos {elementos específicos Exemplo: inventário ,, ',, ., . ,, “Ï°mPFr” ` parassinonímico de processo + animado ~ ïcsvãzlarî · ` futigué + "cauSadO" “P*`9S““ _ N « transgredir (uma norma) ` Å I_ 114 [

A interpretação desse esquema- permite sublinlnar certo número de pontos: 1. As bases classemáticas das denominações, que se identificam com os elementos genéricos das definições constituem quadros gerais, nos quais podem ser lançadas numerosas unidades de comunicação, de dimensões sintáticas desiguais, e permitem considerar com menos inquietação a possibilidade de análise dos textos caracterizados por oscilações metalingüísticas do discurso; 2. Os Sememas construídos, em compensação, só se identificam parcialmente com os Sememas—ocorrências. Se o semema construído esgota em princípio todos os classemas, ele se satisfaz, ao contrário, com o número mínimo, mas suficiente, dos Semas, presentes ao mesmo tempo como elementos específicos das definições e como elementos constitutivos das figuras nucleares. Vemos assim surgir a direção assumida necessariamente pela _ análise semântica, que tende a valorizar a organização classemática do universo significante às custas de uma perda de subs ¿ tância semiológica; { 3. Precisa-se igualmente o papel dos elementos semiológicos: Ï estes têm por função reduzir a excessiva generalidade do quadro classemático, servindo de especificadores de classe, de subclasse e L finalmente de cada ocorrência semêmica. Se a especificação máxima, devido à consideração em que se leva a figura nuclear inteira, dá conta da unicidade de cada semema, novos elementos de ordem se manifestam já, sob a forma de Semas comuns a várias ¿ denominações ou a várias definições, para constituir, como vimos, agrupamentos de núcleos. Uma nova forma de análise, esta de x ordem estilística, pode por conseguinte, ser tentada: procuraria ela estabelecer isotopias semiológicas e constituir classes de figuras nucleares. Embora recusemos enveredar, no momento, nessa direção, temos, no entanto, que indagar se não existe um Žî denominador comum a toda classe de elementos específicos que permitem justificar a escolha dos núcleos à primeira vista heteróclitos, chamados a desempenhar o mesmo papel no semema · construído, È iî ~ — :2 ;E d 115 i Vl

Í) Isomorñsmo das figuras. Tal denominador comum existe efetivamente: é o sema de um tipo particular que deve ser considerado como um dos termos da categoria Sêmica: ' euforia vs disforia. i De fato, parece que os elementos semiológicos, tais como, o "romper" "esvaziar" "tranSgredir (tuna norma)" (cf. O advérbio francês trop, excessivamente) só vêm especificar a definição, ou enriquecer, pela transferência denominativa, a classe de equivalência do semema inventariado, porque são todos apreendidos como disfóricos. Diriamos que tudo se passa como se, ao nível da percepção onde situamos essas figuras, uma categoria subjetiva, propriocøptioa, viesse a seu encontro para binarizá-los numa espécie de a priori integrado na própria percepção. Quaisquer que sejam essas especulações epistemológicas, um exemplo tomado do francês corrente e muito próximo de certos núcleos sêmicos , estudados, a oposição gonflé (inchado) vs dégonflé (desinchado) l mostra bem O caráter dicotômico da categoria da qual apenas 0 sema "diSfórico" se manifesta no semema fatigué. Vemos que os dois sememas de nosso último exemplo, que possuem, graças ao dispositivo classemático diferente, um conteúdo distinto de “ fatigué, se articulam, entretanto, segundo a categoria "euforia" vs "disforia". A importância dessa categoria proprioceptiva na organização dos micro-universos significantes valorizados não necessita ser Salientada. ` Observczço: (J caráter incompleto da análise que comporta apenas procedimento de redução, não permite dizer se , a base classemática, determinada unicamente pelo sema "dis fórico" e que poderíamos traduzir como "resultado desagradável de uma atividade" sem levar em conta a implicação propriamente semiológica, é suficiente por si mesma para dar B conta do semema fatigué em seu conjunto. J 116 E

3.° CONDIÇÕES PARA 0 ESTÅBBIECIMEIITO DÅ ÍSOTOPIA C:) Defîniço oblíqua. Nossas preocupações caracterizaramse até agora pela pes quisa das equivalências entre as seqüências de dimensões desiguais do discurso: os procedimentos que acabamos de propor · devem permitir enfrentar as dificuldades bastante numerosas relativas à existência, no discurso, de todas as espécies de locuções e de circunlocuções "figuradas" e perifrásticas, conduzindo todas elas a um plano isotópico de significações. Entretanto, outros tipos de expansão e, por isso mesmo, de definição, ainda não estudadas, são possíveis: eles tornam mais difícil o estabeleci- . mento das equivalências, talvez até impossível. , 1. Tomemos como exemplo O período bem conhecido de Bossuetz Celuí quí 1'ègne duns les Cieux et de quí 7'elèoent tous les empíres, “ à guí Seul appartíent la gloíre, la mziesté et ; Fíndépendmce, 2 est aussí s ` Ie Seul quí se glorzïíe de faíre la loí aux roís { et (qui se glorífíe) de Zeur donner, qucmd íl Iuí 1 plzzît, de grandes e de terribles leçons. Aquele que reina nos céus e de quem provêm todos os impérios, “ a quem só pertencem a glória, a majestade e a independência, é também o único que se glorifica fazendo a lei aos reis e (que se glorifica) por dar-lhes, quando lhe A apraz, grandes e terríveis lições. E fácil dizer que esta definição — já que se trata de uma definição — pode ser condensada sob a forma da denominação Díeu (Deus). Mas tal condensação só é evidente para nós na medida ‘ em que pressupõe o conhecimento, anterior à descrição, de uma o 117 I

certa civilização cristã 'monárquica, em outras palavras, `de tun "univerSo semântico armazenadO”. Tais não são, entretanto, as _ condições normais da descrição do conteúdo, e os diversos procedimentos da análise são, por definição, destinados a prescindir do saber inato. ' A seqüência escolhida, considerada em si mesma, fornece as seguintes informações: ‘ .,.,..,i a) De um lado, propoe indrces genericos de equivalência l .. . , . . i que sao Celui (aquele) e Zø Seul (o unrco). Eles nos permitem l registrar os classemas "atuante" e "unicidade" que são, como podemos observar, de um caráter muito geral, para que se possa postular uma denominação a esta definição. ( b) De outro lado, ela é composta de tuna série de epítetos l em expansão, que se supõe especificarem os elementos genéricos ( pela atribuição de um certo número de qualificações. ( Diremos que tal definição é oblíqua, porque pressupõe a pos ( Sibilidade de estabelecer a equivalência com a denominação, sendo ( a base Classemática insuficiente, a partir dos elementos específicos apenas (ou quase apenas). 2. Um segundo exemplo, por se apresentar em condições onde qualquer cultura semântica anterior está ausente, precisará l melhor a natureza da dificuldade. Seja uma definição de pala-, vras cruzadas: _ , Un Coup de lmguø luí faít Clore un baoardagø parfoís fzmílíer. (Uma calúnia o faz encerrar uma fala às vezes familiar). A ( questão prévia que se coloca é a seguinte: podemos analisar tal ( definição e chegar a encontrar o termo denominador que a condensa? Se não, quais são as razões de sua ilegibilidade? Para responder a isso, tentemos uma análise formal dessa , definição. Esta se apresenta como uma proposição que comporta: a função F: fzit Clorø (fazer, encerrar) e X: luí (ele, forma oblíqua) A Y: un bzzozrdagø pzrfoís fzmílíer, tres atuantes {1 \ { -1(uma a a as vezes ami 1ar) · · Z: un Coup de languø (uma calúnia) 118

a) para colocar em evidência o tipo estrutural da definição, procedamos inicialmente a certas transformações. () elemento genérico, incumbido de estabelecer a equivalência com a denominação, está presente na definição sob a forma do anafórico lui e comporta apenas o classema "atuante". Dado que a função fait clorø comporta o Sema "factitivO", podemos transformar X, que é um falso destinatário em um destinador-sujeito. Obtemos, assim, o enunciado incompleto: X Clôt (encerra) Y. Mas a transformação da função F, de factitivo em não factitivo só é possível se, ao mesmo tempo, transformarmos o atuante Z, presente como sujeito, em circunstante-adjuvante. O enunciado completo tomará então a forma seguinte: X Clôt Y à l’1ide de Z (X conclui Y com a ajuda de Z). Observcçõsoz oçinteresse do exemplo é bem limitado para { que nos autorize a lançarnOs na formulação de regras de e transformação. Nós o deixamos, pois, de bom grado, em sua forma ingênua. 1 É . . .. . . t Vemos que a definiçao assim transformada apresenta muito mais claramente uma nova variante da definição oblíqua: a base classemática, insuficiente, e aí especificada, não mais por qualifi cação, mas pela predicação. b) independentemente de seu caráter oblíquo, a definição proposta, apresenta uma outra particularidade: nenhum de seus elementos é a priori unívoco. Sem falar de X, que está ainda para ser encontrado, tanto Y e Z como F são suscetíveis de pertencer a várias isotopias ao mesmo tempo. Assim, un Coup de langue e un bzozrdage pzrfois familier podem ser simples sintag_ mas em expansão, quer das denominações translativas, quer enfim, das definições de segundo grau. Clore, por sua vez, pode significar tanto "parar" (clorø lø bwardagø "parar" a conversa) como "fechar" (clore lø bøc : "fechar" o bico). AS dificuldades de leitura de tal seqüência são pois de duas š r · Éè 1 especxesz ' . 119 š

"l Ot. A definição, enquanto contexto, não é isotópica: não V podemos postular o resto do enunciado como invariante em relação a nenhum dos elementos constitutivos do enunciado tomado como variável. 0 registro dos classemas reconhecidos, geralmente, , graças a sua redundância, tornou-se pois impossível. j {3. Nenhum procedimento de pesquisa de equivalências po deria ser aplicado. Supondo que O termo Z seja assegurado em . sua univocidade, entraria na definição: X Clôt Y (zm bzoardage parfcrís familíer) a Paíde d’un Coup l de langue, d X encerra Y (uma conversa às vezes familiar) com a ajuda l de uma calúnia, l l que permaneceria ainda predicativa, isto é, oblíqua. Supondo , somente que a definição de Y nos desvenda o termo denominador È da "conversa às vezes familiar" (bzwzrdage ,pa77O11s fzmílíer) que é carta (lettrø), a definição oblíqua: X Clôt la lettre à l’1íde d’un coup de lcmguø (X encerra a carta com a ajuda de uma calúnia) nos liberaria provavelmente seu segredo. Observc ão: Podemos facilmente ob'etar ue esse ti o de 9Q definições é excessivamente particular, representativo de uma técnica pouco divulgada, a das palavras cruzadas, e não caracteriza o funcionamento normal do discurso. Se, no entanto, escolhemos esse exemplo, é porque o consideramos, ao contrário, normal; os micro-universos poéticos, mitológicos, oniricos, etc., manifestam muito freqüentemente de maneira oblíqua suas significações. Pareceu-nos mais i1n ‘ portante evidenciar as dificuldades do que escamoteá-las. A técnica das palavras cruzadas, consciente dessas dificuldades, ‘ vem, de fato, em auxílio do leitor, oferecendo—lhe um procedimento suplementar, que consiste na possibilidade da descoberta progressiva dos grafemas que recobrem a denominação procurada, e isso graças ao cruzamento de conjunto dos termos denominadores num » quadro Onisciente, construído a priori. Este quadro corresponde, 120 ¿ e— .———,

1 pelos serviços que presta no nível do significante, ao universo semântico armazenado, no nível do significado, pressuposto pela leitura da frase de Bossuet. È este quadro, entretanto, e sua constituição progressiva que resumem metaforicamente o essencial do procedimento descritivo. ' b) Propósîtos sobre 0 mundo; a A necessidade de uma seleção cultural para resolver as dificuldades relativas à pesquisa da isotopia do discurso, e que aparecem claramente quando se tenta encarar as definições oblíquas, recoloca em questão a própria possibilidade da análise semântica objetiva. Isso porque o fato de que tal seleção é, no estado atual de nossos conhecimentos, difícil de ser imaginada para as necessidades da análise mecânica; 0 que significa que a própria descrição depende ainda largamente da apreciação subjetiva do analista, Alguns especialistas, e os mais eminentes —— pensamos sobretudo ` em Bar—Hillel chegam ao ponto de afirmar que, por não poder- ,¿ mos registrar nas memórias eletrônicas a totalidade dos propósitos sobre o mundo, não chegaremos jamais a obter uma tradução mecânica de grande fidelidade. 0 mesmo problema se observa no domínio da construção das linguagens documentais: M. Coyaud por exemplo, em sua recente tese sobre as Línguzgøns Documøntzís, evidencia a contradição interna à qual não escapam as melhores linguagens atualmente construídas. Sua construção obedece efetivamente a dois princípios que parecem se excluir e que se manifestam pela dosagem desigual de dois procedimentos, um dos quais consiste em dotar a memória s de uma taxonomia inata, que representa a seleção cultural ou cien j tífica do universo escolhido, e o outro em imaginar os procedi- a mentos de autoenriquecimento da memória pela integração das a ' definições, e mais particularmente das definições oblíquas. Besulta disso, quase sempre, uma metalinguagem documental capengar A caracterizada pela redundância conceitual, O encavalamento das classes semânticas, enfim, pela ausência da coerência lógica. Esse estado de coisas parece dever-se ao modo de funcionamento do próprio discurso, que procede tanto por constatações , de equivalências, como por aproximações oblíquas. De fato. se Ï um semema qualquer se define como uma coleção sêmica susce121

jŠ l tível de adições Semiológicas que variam sua expressão, ele se caracteriza também pela totalidade de suas determinações possíveis, isto é, quer pelo conjunto de qualificações que podemos ê lhe atribuir, quer pelo conjunto de predicações que admite. Nesse segundo caso, 0 propósito sobre os objetos simbólicos do mundo são praticamente em número infinito. Uma definição de palavras cruzadas do tipo "podese aplicar a Nero" remete, se o quisermos, à qualificação tirano, como pode corresponder a numerosos epítetos: quantas coisas podem ser aplicadas a Nero! Mas o que se situa no limite do estabelecimento da equiva . lênoia oblíqua é o que poderíamos designar como definição-acon, tecimento. Se a lembrança nervaliana do lugar "onde o pâmpano à rosa se alia" (Où Ze pampre à la rose S’allie) pode ser salva pelo englobamento desta definição no nível simbólico que lhe é postulado e onde seu caráter de acontecimento é hipostasiado como q "unicidade" no tempo e no lugar de um acontecimento do qual j se ignora tudo, como adivinhar se “quem passeia hoje pelo Hyde Park, com um ovo de avestruz na mão" é efetivamente Bar-Hillel, e não uma outra pessoa dentre os 9 milhões de londrinos? C) A limitação do texto. s Vistas nessa perspectiva, não apenas a análise mecânica, mas qualquer descrição de conteúdo pareceriam impossíveis. As definições, felizmente, não se apresentam jamais (à exceção de alguns tipos formais particulares, como palavras cruzadas, enigmas, etc.) isoladas, mas integradas num texto, e os acontecimentos aí relatados são provavelmente às vezes imprevistos, mas jamais gratuitos. Um exemplo de Freud (Mots d’Esprit) nos dará de uma só vez a medida das dificuldades e as indicações quanto à direção A pela qual sua solução deveria ser procurada: "Um tratador de Cavalos oferece a seu cliente um cavalo de t’ sela: — Se 0 Sr. tomar esse Czoalo e partir às quatro horas da ·’ manhã, O Sr. estará às seis e meia em Presbourg. E 0 que é que eu vou fazer em Presbourg às seis e meia da manhãP" Nessa história, a segunda isotopia, quase literal, pressupõe evidentemente —— e isto é a própria condição do impacto espiri· tuoso — a existência de uma primeira isotopia não literal. Efeti 4, . vamente, todo ouvinte "médio e cultivado" (Rifaterre) -—— na I 122 r [1

medida em que aceite as regras formais do jogo — procurará apreender, e apreenderá espontaneamente, esta primeira isotopia. Esta comporta, entretanto, certos elementos de acontecimento que lhe são desconhecidos. Podemos ignorar, por exemplo, que Presbourg é o antigo nome de Bratislava, ou desconhecer tanto um quanto outro. Do mesmo modo, o lugar onde se acham o tratador e seu cliente, no momento da suposta troca de mensagens, lhe é absolutamente desconhecido, com mais razões, conseqüentemente, a distância que separa os dois lugares. Isso não impede que o ouvinte apreenda imediatamente que esta distância é longa e que o cavalo que a percorre em duas horas e meia deve ser veloz. Todo esse conhecimento "espontâneo", entretanto, que não % está de maneira alguma implicado nos fatos contidos na seqüência L em questão, não pode lhe vir — e insistimos nisso — do conhecimento dos acontecimentos, mas unicamente do contexto global, F mesmo se este não lhe é dado senão por uma breve apresentação: Un mczquígnon Offrø à son clíønt un Chaval de Scllc. . . 0 contexto , anuncia efetivamente pela soma de informações que contém e pela utilização de um grafema sintático (:) ( ou de um fonema supra- ~ -segmental, no caso da comunicação oral), e com uma probabili- _, dade elevada: a) uma mensagem ulterior b) cujo falante será O tratador, c) cujo sujeito-propósito será o cavalo de sela _ g d) e cujo predicado comportará a atribuição de qualquer , qualidade positiva ao sujeito do enunciado a ser emitido. Vemos que a informação esperada é, em boa parte, prede— , terminada pela îsotopia do contexto: consistirá na escolha de uma s das variáveis dentro da classe das qualidades positivas possíveis _ de um cavalo de sela. Entretanto, a mensagem realmente mani- ; festada, pela presença dos termos "partida" e "chegada" não atri bui ao cavalo, senão o predicado "deSlocamento". A verdadeira ; função dessa mensagem se mostra, por conseguinte, claramente: ÄÏ ' consiste unicamente em selecionar, em especificar, com O auxílio do predicado "deslocamento", o termo genérico, compatível com ; ele. dentro do paradigma das qualidades do cavalo, e toda a se- î± qüência de acontecimento é apenas a definição oblíqua de cavalo: ·‘ "o cavalo é (um cavalo) rápido". ’ 128 `

Compreendemos melhor agora o procedimento do pensamento 1 cognoscente, que, por ser dedutivo (já que o cavalo é rápido, a distância que terá de percorrer deve ser longa), nos dispensa do conhecimento real dos acontecimentos relatados. Não é demais, por conseguinte, sublinhar a importância metodológica desse fato para a descrição semântica, que se acha assim liberta de um de seus mais sérios "handicapS": ela começa pelo estabelecimento de uma isotopia assegurada, sobre a qual se situarão as mais estranhas e inesperadas figuras. As definições, mesmo que sejam de acontecimentos, podem. conseqüentemente, ser denomnwdas, com a condição, entretanto, de que se encontram situadas dentro de um texto isotrópico, suficientemente denso e longo, isto é, comportando a informação necessária ao enquadramento classemático das seqüências não isotópicas. O estudo de Tahsin Yücel sobre o Imczgínárío de Børmmos nos mostra, por outro lado, que o número de epítetos que determinam o lexema morte e que lhe são, pois, compatíveis, se reduz rapidamente à leitura dos textos e que o inventário em pouco tempo se acha definitivamente fechado. Podemos, portanto, começar uma nova operação: por pouco que os epítetos apareçam como redundantes em outros lugares do texto ou que tendam a se subs , tituírem ai um aos outros, eles permitem descobrir, graças a este contorno contextual estável, novas denominações de morte, tais como bouø (barro), ennuí (tédio, fastio) ou Solitudø (solidão). Pro , cedimentos de estabelecimento da isotopia cada vez mais seguros poderão, pois, ser elaborados progressivamente. As possibilidades que nos oferecem, para exploração do universo semântico, o caráter isotópico do texto e sua tendência a se fechar em si mesmo se acham confirmadas pelas observações de ]ean Dubois a respeito do desenvolvimento do discurso nos afásicos. Em sua comunicação no Colóquio Internacional de ‘ Lingüística Aplicada de Nancy (1964), ele insiste, ao falar da A , polissemía síntagmátícx, numa particularidade observada do texto contínuo: prolongando-se, o texto torna-se não somente cada vez - mais redundante e introduz, cada vez menos, informação, mas, por causa das redundâncias das estruturas preferenciais, ele desenvolve ao mesmo tempo um Subcódígo autônomo. Essa limitação do texto pelo esgotamento da informação lhe ' confere seu caráter ídíoletalz efetivamente, as denominações contí ‘ 124 l '"*Í>\1E

\ das no texto são determinadas pelas definições que estão presentes ai, e unicamente por elas, de tal modo que o texto constitui um micro-universo semântico fechado em si mesmo. Essa propriedade semântica do discurso torna legítimas as descrições parciais, estabelecendo uma espécie de equação entre os textos finitos e os universos significantes fechados. Ela não oferece, entretanto, solução definitiva para a descrição dos universos semânticos abertos, caracterizados pelo afluxo contínuo de informações. ¿ d) Do texto individual no corpus coletivo. O caráter idioletal dos textos individuais não nos permite esquecer O aspecto eminentemente social da comunicação humana. È preciso, pois, dilatar o problema colocando como princípio, que um certo número de textos individuais, com a condição de serem ( escolhidos, segundo critérios não lingüísticos que garantam sua homogeneidade, podem ser constituídos em corpos e que esse corpus poderá ser considerado como suficientemente isotópico. Para termos uma idéia do que pode ser tal isotopia coletiva, Š tomamos como exemplo um corpus em miniatura, constituído de respostas dos estudantes de filologia francesa na Faculdade de Poitiers (1963) dadas aos inícios das frases a serem completadas do teste projetivo de Stein. Sendo a seqüência indutora: Man døstín øst. . . ` Ï (Meu destino é. . .) as respostas, complementos definicionais do destino, se distribuem, segundo os classemas: . i_ bom (10) vs mau (11) determinado (9) vs nem determinado nem indeterminado (4) vs não determinado (9). _ ¿ I Observccçoz o resto das respostas (7) se apresentam, tanto como definições de acontecimentos do tipo: ensinar filologia, “ viver na França ,_ 1aS ( V

( « —«x·JJ—~±:Jxî:J: ::,=\·;\ estágio, as informações relativas às diferentes formas de rnani- , festaço de que dispomos, para propor UII13 primeira classificação 167

’ »> desses universos, fundada sobre os critérios de manifestação. Assim, vimos que as mensagens, situadas sobre uma isotopia qualquer, deviam ser classificadas em dois inventários separados — as mensagens funcionais e as mensagens qualificativas. Dire mos que O primeiro inventário constitui a manifestação discursiva do micro-universo que depende de um modelo funcional, e chamaremos análise funcional à análise que dá conta desse modo de organização. 0 mesmo ocorre com o segundo inventário de mensagens: enquanto manifestação discursiva de um micro—universo, pode ser interpretado com a ajuda de um modelo qualificativo, e os procedimentos de descrição utilizados para esse efeito tomarão o nome de análise qualificativa. Podemos precisar, em seguida, que a análise que visa a , explicitar os modelos funcionais, quando é feita a partir da manifestação prática, dará conta dos micro—universos tecnológicos; quando procurar descrever a manifestação mítica, fará aparecer os micro-universos ideológicos. Por outro lado, os modelos qualificativos, na medida em que sustentam a manifestação prática, dão conta dos micro—universos científicos; operando a partir da manifestação mítica, explicitam os micro—universos axiológicos. Assim, considerando os micro-universos semânticos, tanto como imanentes, quanto como manifestados, distinguindo dois tipos principais da manifestação e duas formas previsíveis de sua organização, podemos sugerir uma primeira tipologia dos micro—universos semânticos: ` Momros \ flmcßnîs qualificativos MANIFESTAÇA0 prática tecnológicos científicos l ; I mítica I ideológicos axiológicos ` 1 Q. , e) Predicados e atuantes. { Até o presente, consideramos as mensagens e os inventários èl de mensagens apenas de um ponto de vista simplificado e parcial, ll E 168

I só levando em consideração seus predicados. Dessa forma, um | inventário de mensagens funcionais apareceu-nos como um algoritmo de funções, isto é, como uma sucessão de funções possuidoras de um sentido; do mesmo modo, um inventário de mensa- · gens qualificativas pareceu ser constitutivo de uma classe de determinações, que, embora sucessivas na aparência, obedeciam a um princípio de ordem que podia transformá-las em taxonomias. Propusemos, a seguir, admitir a existência de modelos — dos quais apenas a simplicidade estrutural parece estar assegurada e que devem ser explicitados por análises ulteriores — caracterizados por dois tipos de agenciamento distintos: uns são de ordem algorítmica e implicam, por essa razão, uma consecução de funções; outros, de ordem classificatória, estão fundados sobre as relações de conjunção e de disjunção. Tal hipótese constitui o quadro, provisório talvez, que permite empreender a descrição s dos conteúdos no interior de um micrOuniverSo semântico dado. ‘ A simplificação do problema está, no entanto, na colocação entre parênteses dos atuantes de mensagens. De fato, uma sucessão de mensagens pode ser considerada como um algoritmo apenas se as funções que aí se manifestam são atribuídas a um só atuante. 0 mesmo ocorre com mensagens qualificativas, que só se constituem em classe enquanto comportam as determinações de um atuante único. È preciso, conseqüentemente, retomar O problema, levando em conta a complicação introduzida nas l mensagens e nos inventários de mensagens, pela pluralidade dos atuantes. A relação entre atuantes e predicados, observada por um T momento no estudo da construção da mensagem, nos pareceu ambígua. d d Se, de fato, ao nível das mensagens tomadas individualmente, as funções e as qualificações parecem ser atribuídas aos · atuantes o contrário se produz ao nível da manifestação discursiva: vemos que as funções, bem como as qualificações, são criadoras de atuantes, que os atuantes são convocados a uma vida metalingüística por serem representativos, diríamos mesmo compreensivos, das classes de predicados. Besulta disso que os ‘ modelos funcionais e qualificativos, tais como os postularmos, 169

são, por sua vez, dominados pelos modelos de organização de um nível hierárquico superior que são os modelos atuacionais. Precisaremos, portanto, da seguinte forma o duplo estatuto dos atuantes: enquanto conteúdos investidos, os amantes são, de fato, instituídos por predicados dentro de cada microuniverso dado; enquanto subclasses sintáticas, são entretanto, por direito, anteriores aos predicados, consistindo a atividade discursiva, como vimos, na atribuição das propriedades às entidades. É, pois, necessária a categorização dos atuantes, isto é, a divisão da classe "atuantes" em subclasses de atuantes, que dêem conta de sua plu ralidade; uma vez constituídos em categorias, eles poderão fornecer os quadros estruturais que pennitem organizar os conteúdos depreendidos graças à análise predicativa efetuada no l interior dos micro-universos manifestados. D Ccieqoricrs emocionais. Seria presunção, no estado atual das pesquisas, tentar dizer þ algo de preciso sobre as categorias que organizam, tanto no plano da mensagem discursiva quanto no interior dos microuni- a Ï versos, a representação do mundo das significações sob a forma È a de oposições e de conjunções de atuantes. Nos dois domínios l onde é levantado — basta pensar nas construções das sintaxes È . lingüísticas e lógicas —— o problema não recebeu solução satisfatória. Tratarseá, pois, para nós apenas de abrir Lun dossiê È È para lançar aí algumas sugestões e preformulações. As análises parciais que serão esboçadas nos últimos capítulos constituem apenas abordagens pragmáticas do mesmo problema. A pesquisa sintática francesa, na medida em que tem a coragem de atribuir um conteúdo semântico aos atuantes (Tes · , nière, Martínet), propõe apenas uma solução empírica sob forma Š de um inventário de três atuantes Y agente vs paciente vs beneficiário li sem cuidar de sua articulação categórica, sem se inquietar, por exemplo, com O fato de que o "beneficiário" não pressupõe um . "agente" mas um "benfeitor". e i 170 Í ai ii“`“

Assim, nossa primeira sugestão consistiria em articular os ; atuantes em duas categorias distintas: sujeito vs objeto destinador vs destinatário interpretando, quando se fizer necessário, pelo sincretismo categórico toda acumulação eventual de atuantes. Assim no enunciado Eva dá uma maçã a Ado o sujeito Eva é O ponto de partida de uma dupla relação — a primeira se estabelece entre Eva e maçã e a segunda entre Eva e Adão, sendo Eva ao mesmo tempo atuante—sujeito e atuante-destinador. Uma outra sugestão concerne à distinção que é preciso necessariamente estabelecer entre os atuantes sintáticos propriamente ditos e os atuantes semânticos. Nos enunciados: Eva dá uma maçã a Adão î Adão recebe de Eva uma maçã as substituições sintáticas dos atuantes não altera nada em sua ’ distribuição semântica, que não varia. Além disso poderíamos Ï dizer que esse jogo de substituições sintáticas serve de ponto de ¿ partida a um perspectivismo estilístico (isto é, à utilização dos ; paradigmas de organização de narrativas em função dos atuantes sintaticamente favorecidos pelo escritor) que constitui uma das dimensões estilísticas freqüentemente exploradas pelos movimentos literários das últimas décadas. Um fenômeno bem sensível, que merece ser sublinhado a partir deste momento, é a concomitância das substituições: um destinatário só pode ser transformado em destinador na medida em î que uma substituição paralela é efetuada ao nível das funções e g anula os efeitos da primeira. Isso quer dizer que a distinção · categórica que articuia os atuantes se manifesta em dois lugares diferentes da mensagem, e pode ser estabelecida tanto no nível dos atuantes, quanto no das funções. ÍŠ 171 lŠ ÏÏ

j q) Sintoxe lógico: e sintaxe semântica. — È essa última solução que parece ter sido escolhida pela sin— j taxe lógica, que situa no nível das funções o problema de sua orientação. Para dar conta das relações entre os atuantes, é confe rido às funções um certo conteúdo Sêmioo conceitualizado sob o nome de Oríentação; assim, nas proposições do tipo ( e x está sob y ia é a função (qualquer que seja sua notação simbólica) que está encarregada de determinar o estatuto dêitico dos dois atuantes. A sintaxe, uma vez orientada deste modo, permite fazer abstração da ( investidura semântica dos atuantes (isto é dos "nomes próprios"), ( mas multiplica as dificuldades no nível das funções e as transfere para o nível do cálculo das proposições. A via assim escolhida j por ela é Sintagmática e não taxonômica, e aparece como uma álgebra incumbida de controlar 0 mundo das significações, na medida em que este se manifesta sob a forma do fato e do evento. Uma semântica que buscasse imitar os modelos da sintaxe ` “ lógica chegaria rapidamente a um impasse. Não tendo funções i de controle, ela se perderia na descrição da infinidade das asj serções possíveis, sobre os acontecimentos do mundo. Vimos com BarHillel que nenhuma memória é capaz de armazenar todos os propósitos sobre o mundo; nenhuma ciência devidamente constituída se livra do inventário dos acontecimentos; aliás, condições objetivas nas quais se efetuam muito provavelmente a recepção e a conservação da significação aí se opõem. Ao invés , de dar a forma do desenvolvimento sintático aos conteúdos semânticos, precisamos, conseqüentemente, encontrar os meios de reduzir a sintaxe à semântica, e os acontecimentos às estruturas. Somos, assim, obrigados a assumir uma atitude de reserva em relação à sintaxe lógica, que nos ofereceria, entretanto, uma meÏ todologia já elaborada. Assim, enContrandonos em face de dois _ enunciados: x está sob y 8à Ç y está sobre x S 172 — [ Wwý .,....... I ‘

preocupamo-nos não somente com a necessidade de formular « as regras de transformação que permitem reduzir as duas proposições a uma só mensagem semântica, mas também com a necessidade de fixar, ao nível dos atuantes, o conteúdo sêmico = das funções. Efetivamente, podemos dizer que, de um modo geral, as mesmas categorias sêmicas se manifestam tanto nos atuantes quanto nos predicados. Assim, dois atuantes, tais como: greníerr vs Czoe (sótão) (porão) possuem as propriedades sêmicas "estar no alto" e "estar em baiXo" que dão conta, enquanto predicados lexicalizados, de suas relações topológicas recíprocas. Uma dupla formulação — topológica e dêitica —— de um mesmo conteúdo, é apenas a ilustração de um modo de ser geral da significação manifestada. Na medida em que a análise funcional ou qualificativa institui os atuantes, ela não faz senão transferir, de certa forma, os conteúdos semânticos da classe dos predicados à dos atuantes. Se existem, conseqüentemente, categorias atuacionais de caráter muito geral e se elas se manifestam, como vimos, tanto no nível das funções, quanto no dos atuantes, parecemos necessário dar-lhe uma formulação atuacional e não funcional: o conteúdo de um microuniverso semântico, previamente descrito, poderá assim se apresentar, sob esta forma, como um "espetáculo" e não mais como uma série de acontecimentos. ; h) O caráter moda] das categorias atuacionais. 0 fato mais chocante no funcionamento das categorias atuacionais nos pareceu ser seu caráter redundante: cada categoria se manifesta, efetivamente, ao menos duas vezes dentro de uma mensagem. Numa primeira vez, ela se apresenta, por um só de seus termos, em cada um dos atuantes; numa segunda vez, ela ~ se encontra, com seus dois termos de uma só vez, na função que interliga os dois atuantes. Assim, o enunciado è Pierre bat Paul (Pedro espanca Paulo) 173 lã lã lê

manifesta a categoria S, com os seus termos S e não J, da seguinte maneira: , o { A, (S) i—F(S+não S) +A;· (não S). ` Vemos que temos aqui tun caso de uma relação morfossintática que se estabelece entre a função e os. atuantes "sujeito" e p "objetO" e que é uma relação homocategórica (ou, se quisermos, , segundo nossa própria terminologia, ehiperonímica): ela aparece como a repetição da categoria manifestada tanto na sua totali e dade, como em um de seus termos. Ï Vista sob esse ângulo, a mensagem é, definitivamente, apenas l a a projeção da estrutura elementar da significação sobre os con teúdos já organizados em classes de atuantes e de predicados, « isto é, de uma estrutura que é hierarquicamente superior às classes de sememas. Se os atuantes, que definimos anteriormente como classe de sememas discretos, recebem assim determinações suplementares, sob a forma de `meta—Semas que os constituem em sujeitos, objetos, destinadores ou destinatários, as funções, por sua vez, que concebemos como conteúdos sêmicos integrados, se acham abarcadas por categorias que decidem sobre seu estatuto em relação aos atuantes e que constituem a mensagem enquanto acontecimento significante, isto é, enquanto espetáculo do acOn— tecimento. As categorias que chamamos "atuacionaiS", por pa i recer ser constitutivas dos papéis particulares atribuídos aos atuantes parecem ser, ao mesmo tempo categorias modais, de natureza a atribuir um estatuto próprio a cada mensagem-espetáculo. A tarefa da semântica nesse nível de reflexão metodológica se torna precisa: é necessário a ela estabelecer, com a utilização dessas a — categorias modais, uma tipologia dos modos de existência, sob a i forma de estruturas atuacionais simples, dos micro-tmiversos seI mânticos, dos quais os conteúdos, descritos graças aos procedi- _ ¿ mentos da análise funcional ou da análise qualificativa (ou das Å duas ao mesmo tempo), não constituem senão variáveis. E ! i l ' i) Umcz epistemologia lingüística. Situar nesse nível o principio da existência de modelos de i l organização da significação, nos leva mais longe do que pensavamos de inicio: consiste, efetivamente, em postular a existência à Ž 174

À de condições lingüísticas do conhecimento do mundo, e conSe ui qiientemente, em considerar a possibilidade de uma epistemologia " lingüística. — 2 já, anteriormente, com a introdução da categoria da "totali— ’ dade" que nos pareceu necessária para dar conta da constituição , das combinações sêmicas manifestadas em unidades de signifi d cação - em atuantes, objetos lingüísticos discretos, e em predicados, totalidades sêmicasdintegradas — confundimos conscientemente a lingüística e a epistemologia. Isso nos pareceu legítimo ‘ na medida em que toda teoria da linguagem pode ser considerada como uma construção metalingüística e onde todo conceito metalingüistico não analisado, pode, por esse fato, ser lançado no inventário epistemológico hierarquicamente superior. A análise da estrutura da mensagem nos obriga a colocar o problema de maneira um pouco diferente. Dizer que uma Categoria modal engloba o conteúdo da mensagem e o organiza, estabelecendo um tipo determinado de relação entre os objetos \ lingüísticos constituídos, quer dizer, que se reconhece que a estrutura da mensagem impõe uma certa visão do mundo. Assim, a categoria da "transitividade" nos força, por assim dizer, a « conceber um certo tipo de relação entre os atuantes, coloca diante de nós um atuante como investido de um poder de agir e um outro atuante investido de inércia. 0 mesmo ocorre com a rela— , . ção entre destinador e destinatário, que parece não somente fundar a troca, mas também instituir, face a face, objetos dos quais um será a causa e o outro o efeito, etc. Supondo agora que o número dessas categorias que organizam a significação seja reduzido e que uma tipologia dos espetáculos assim instituídos, seja possível, tal tipologia, fundada sobre uma descrição exaustiva das estruturas da mensagem, constituiria o quadro objetivo dentro do qual a representação dos conteúdos, que se identificam com microuniversoS semânticos, seria a única variável. As condi— ções lingüísticas do conhecimento do mundo se encontrariam desse modo formuladas. ` ° Diremos que tal maneira de ver tem poucas conseqüências práticas sobre a descrição das significações cosmológicas. O mesmo não ocorre, entretanto, quando se trata das manifestações _ míticas, extremamente variadas, cujas análises praticadas por dife~ rentes disciplinas humanistas, parecem pouco seguras, isto porque 175 èv lï

se seus resultados não são isomorfos, não são comparáveis. ß categorias modais só se referem aos predicados, e aí seu papel permanece limitado à formulação e ao controle dos julgamentos: a coisa será diferente se as concebermos como constitutivas dos modelos, ao mesmo tempo, predicativos atuacionais, segundo os quais se organizam, inevitavelmente, os micro-universos semânticos. 0 domínio das categorias m0dais é tão pouco explorado que não possuímos mais que amostras nem mesmo inventários — dos verbos ditos "modaîs", amostras que, como é natural, variam de uma gramática a outra. Também, tudo 0 que disséssemos a esse respeito, só poderia ser recebido, como é justo, com circunspecção. Nossa primeira impressão é de que das duas categorias atuacionais que extrapolamos, partindo da sintaxe francesa, e que se exprimem pelas oposições: sujeito vs objeto destinador vs destinatário , a primeira é de ordem teleológica, a segunda é de ordem etiO a lógica: a primeira seria uma modulação do poder; a segunda, do a saber. l Observcçoz Um par de circunstantes "adjuvante" vs "opOnente" aparecerá, mais tarde, vindo de uma análise concreta do conto popular. É-nos bastante tentador conside— a rálO como uma modulação do querer. . 3.° MANIFESTAÇÃO FIGUBATIVA E MANIFESTAÇÃO l NÃO FIGURATIVA ex) Um exemplo: C comunicação poética. d Š A ênfase que fomos levados a dar às mensagens funcioÏ ·nais, que nos permitiram explicitar as categorias atuacionais e de propô-las como modelos de organização de miCrouniversos, ' não deve, no entanto, fazer-nos perder de vista a existência das . , mensagens qualificativas. Podemos muito bem imaginar que os É inventários de tais mensagens, constituídos a partir de ilmã maŠ 176 K Í i"‘ ‘‘‘"‘*‘î

± nifestação discursiva, só servem para descrever os conteúdos sêmicos dos atuantes que eles constituem desse modo, e que a organização atuacional propriamente dita não poderá ser determinada senão tomando em consideração as mensagens funcionais imbricadas na mesma manifestação. Feita apenas de mensagens qualificativas, a manifestação discursiva parece impossível: um discurso desse tipo não faria senão girar sobre si mesmo, submetido a todo instante aos riscos de esgotamento, ameaçado de uma limitação. Vemos aqui, talvez, uma das razões que levaram inúmeras lingüistas a identificar, mais ou menos conscientemente, o discurso com o plano sintagmático da linguagem. A questão que se coloca é a de saber se existe uma manifestação puramente qualificativa, e quais São, nesse caso, as condições que tornam possível sua transmissão e que a constituem em comunicação. O caso Ijmite desse tipo de manifestação, se colocamos à ç parte os aspectos patológicos da atividade lingüística, parece ser representado pelo que chamamos "poesia moderna". Esta, efetivamente, não somente visa muitas vezes a "abolir a sintaXe", isto é, a diminuir o mais possível o número de mensagens funcionais, mas aparece também, em algumas de sua realizações, como um { bom exemplo de manifestação complexa com dominância da isotopia negativa. Devido à redução da isotopia prática ao mínimo indispensável somente, ela pode, à primeira vista, se definir como a manifestação mítica e qualificativa ao mesmo tempo. l Efetivamente a debilidade do suporte prático se acha aí comà pensada pelo desenvolvimento da manifestação mítica. Assim o Š recorte da manifestação em sememas se opera em proveito do ; plano mítico, e os sememas poéticos —— imagens, símbolos, sintag mas e definições metafóricas — aparecem, conseqüentemente, como figuras negativas cujas fronteiras não correspondem mais å àquelas dos sememas positivos do plano prático. Se à expressão de sememas negativos nós preferimos o termo figuras, isso não se deve somente ao fato de seus critérios demarcativos parecerem I mais flexíveis, mas também porque, contrariamente ao que se passa quando da manifestação complexa equilibrada, onde o semema é de certa maneira colocado inicialmente e serve aos usos práticos e míticos, na manifestação negativa, os núcleos dos _ sememas aparecem quase como acidentes, como esses "materiais —· de b1'icolagem” de que fala C. LéviStrauss, empregados unica 177 l±

mente porque se encontravam ai para servir a outra coisa. Esta "outra coisa" é, de fato, a própria comunicação poética, isto é, a iteração de um certo número de categorias sêmicas que, combinando-se com os classemas interoceptivo e proprioceptivo, constituem a isotopia poética. O papel das figuras, nesse tipo de manifestação mítica, é duplo; de um lado, elas contêm os Semas constitutivos da isotopia È poética; de outro lado, servem de relês sêmicos, isto é, de lugares l onde se efetuam as substituições de certos Semas por outros. l AS equivalências que assim se estabelecem, transformam em classes homologadas as categorias sêmicas elementares, encarregadas, desde o início da comunicação, da transmissão redundante das mensagens poéticas (v. infra, cap. seg.). As figuras, efetivamente, são hierarquias sêmicas: 0 Céu, por exemplo, traz em si, entre outros, os elementos sêmicos de "verticalidade", de "lumînosidade", de "fluidez", etc. As relações hipotáticas entre Semas que os constituem em sememas, se acham aparentemente transformadas em relações de equivalência: é um fenômeno observado e descrito, tanto por Lévi—Strauss como por G. Durand que o l designa, aliás, com o nome de isomorfismo. Tal transformação, entretanto, parece inconcebível dentro de um semema: ela não pode explicar-se senão se considerarmos a homologação das categorias sêmicas como o fato primeiro e a estrutura semêmica o desse tipo de manifestação como secundária, ou então, se reco- l nhecermos que a comunicação poética é essencialmente a trans- f missão dos conteúdos sêmicos, que se serve de sememas, como , por exemplo, num outro nível, O discurso quotidiano se serve da l estrutura gramatical para a manifestação do conteúdo. A descri- , ção da manifestação mítica, como vemos, está longe de ser a l l descrição do simbolismo "encarnado" nos Sememas. Ã “ Mas reconhecer assim a existência dos Semas, extraídos de seu contexto semêmico, que se pode organizar em classes de « Semas redundantes constitutivos da isotopia negativa, significa . considerar as categorias sêmicas em questão como outros tantos , critérios para uma classificação de figuras, inventariadas dentro de um metatexto dado. È afirmar que a comunicação poética é, { na realidade, apenas a manifestação discursiva de uma taxonomia. Ž Vemos que a descrição dos micro-universos, assim manifestaL dos, que colocam em evidência uma lógica poética, pode, tanto se " 178 $

A « bastar a si mesma como cair na construção de um modelo quali— l ŠÏ ñæativo, cujos atuanteSsememas serão constituídos, a partir de lîj certas figuras iterativas, de atribuições sucessivas das determinai ções sêmicas. A análise qualificativa acaba assim por tornar evi{ dente a descrição de uma certa hierarquia, cuja articulação (com “ a condição de que se coloque entre parênteses a categoria proprio · ceptiva "euforia" vs "disforia" que lhe confere seu caráter aXio Ï lógico, e conquanto se opere acomutação classemática, transfor Ç mando a dimensão noológica em cosmológica) não se distingue estruturalmente de modo algum das taxinomias científicas — bo tâncias ou zoológicas - analisadas por C. Lévi-Strauss no Pensée Ï Sauoagø, e que são imanentes do mesmo modo, no plano da Š manifestação prática. ` b) O implícito e o explícito. ‘ È evidente que o que permite a descrição, sob a forma de taxinomias, de tais manifestações figurativas, é a existência de categorias sêmicas gerais, que as sustentam e as enquadram, Å embora permanecendo implícitas na manifestação. A descrição “ consiste, pois, em primeiro lugar, na sua explicitação e chega a tornar evidente uma "lógica concreta" (LéviStrauss) que sustenta a manifestação figurativa. 0 termo lógica compreendido como "maneira de raciocinar, tal como se exerce de fato" (Lalande), A lhe convém melhor, aliás, pelo fato de que seu caráter mais geral, que O termo poético proposto por G. Bachelard, quando este empreende a descrição das categorias sêmicas espaciais utilizadas como elementos taxonômicos da manifestação poética. Í E na mesma perspectiva, reduzidas as preocupações propria- e mente lingüísticas, que podemos citar os trabalhos de Roland Q Barthes e de ]ean-Pierre Bichard. Fato característico. Charles ¿t Mauron critica ].—P. Richard, autor de Z’UníUørs Imzgínaíre de Mallarmé, pela confusão dos planos da poesia e da metafísica. I Sem o querer, ele concede a análise de Richard um atestado de eficácia: é normal, efetivamente, que a descrição da manifestação mítica permita extrair, nesse nível, os elementos de uma axiologia explícita. _ Produz-se, pois, pela descrição, uma tradução dos dados implicitos da manifestação figurativa em um modelo explícito for- Å 179 J i

mulado numa linguagem diferente. Essas traduções podem ser naturais, isto é, realizarse dentro de uma mesma comunidade lingüística, seja no quadro de uma sincronia: passando de um micro-universo manifestado (poético) a um outro (crítica literária); seja no de uma diacronia: já utilizamos, anteriormente, O exemplo, muito aproximativo da filosofia pré-socrática, que se incumbiu de traduzir as mitologias anteriores em "ideologias". Mas as traduções podem igualmente ser artificiais, isto é, descritivas, saídas de uma vontade metodológica de explicitação. 0 problema do modo de presença dos modelos de organização, é, pois, ao mesmo tempo, o da hierarquia dos níveis metalingüísticos. Esses níveis do ponto de vista da descrição, seriam os seguintes: 1. Nívøl implícito: toda manifestação, mítica ou prática, na medida em que se desenvolve como mn discurso, comporta, implicitamente, seus próprios modelos de organização; 2. nível parcialmente explicitado: tal é o caso das traduções naturais, dessas ideologias e metafísicas que, embora formuladas de maneira muitas vezes não figurativa ao nível da manifestação semântica, conservam no entanto implícitos os modelos aos quais se acha subordinada a manifestação discursiva; V 3. O nível explicitado, que é visado pela descrição semântica da manifestação. È evidente que a formulação dos modelos, quaisquer que sejam o nível de sua apreensão e o grau de sua abstração, constitui novas manifestações, tanto semêmicas, quanto discursivas, e as integra no mesmo universo semântico. C) O não figumtîvo. · , A atividade metalingüística, apreendida ao nível do funcio- ` namento do discurso, consiste, como vimos, no vaivém das definições e das denominações. 0 mesmo sucede com a atividade científica, que, considerada sob o ângulo lingüístico, comporta incessantes procedimentos de denominação. Construindo um modelo, a descrição semântica não procede de maneira diferente: ela utiliza O material lingüístico disponível ou cria novos lexemas N _ para denominar os focos de convergência definicionais descober180

( tos, e constrói assim, para si, os termos da metalinguagem des- ( ( critiva. A questão é saber como caracterizar esses termos denomínadores, distinguindo-os dos sememas ordinários. A dificuldade de definilos, assim como de precisar o estatuto da manifestação terminológica no seu conjunto, não é próprio da ( lingüística: a exemplo da arte que se diz abstrata — e que, guardadas todas as proporções, se acha a mesma distância da ma)} nifestação pictórica figurativa que a nossa terminologia descritiva { da manifestação antropomorfa — estamos tentados a definir os semeir mas descritivos pela sua fraca densidade e a consideráxlos como é abstratos. Entretanto, o conceito de abstração não recobre todos os sememas considerados; se as funções e as qualificações da rnetalinguagem descritiva são freqüentemente abstratas, os atuan( tes, pelo fato de serem constituídos com o auxilio das determinay ções predicativas múltiplas, são, ao contrário, concretos. Uma outra possibilidade consistiria em considerá—loS como concretos, não somente seguindo C. Lévi—StrauSS, que utiliza, como o vimos, o conceito de "lógiCa concreta", mas também - e talvez pelas mesmas razões -—— porque, muito freqüentemente, os semas ; a partir dos quais a denominação se constrói dependem do mundo l das qualidades sensíveis. Mas isso seria introduzir um novo critério (li — aquele que utilizamos para a delimitação do nível semiológico — ao lado da densidade sêmica, para definir a oposição do ž concreto e do abstrato. Uma nova confusão poderia ocorrer jq além disso: tomamos cuidado em distinguir a própria manifesta- ](Ž ção dos modelos que ela contém implicitamente: é a manifesta- ' ção que poderíamos, a rigor, considerar como concreta, e não a terminologia que registra os elementos metalingüisticos extraídos. È ainda a expressão de Sømema não figurativo que parece ser mais conveniente. Efetivamente, a passagem de um a outro nível da manifestação não se efetua unicamente pela rarefação Sêmica ao interior dos sememas, mas também pela dissolução das figuras nucleares. A denominação semântica, que ela opera a I partir dos sememas figurativos, ou de configurações contidas nas definições, consiste emreter, por sua extração, apenas semas per- Å tinentes, tendo em vista a construção de modelos. Assim, a descrição da manifestação poética abandonará por exemplo, as figuras de greníer (sótão) e de cave (porão), para reter, apenas, os l `~ semas "alto" e "baiXo", úteis para a construção dos sememas ‘ 181 F l;

i. axiológicos +— os quais não "denorninamOs” —† como por exemplo euforia de altitude e disforía das profundezas. Vemos aqui as razões da preferência das linguagens científicas pelas raízes greco-latinaS: seu emprego permite atribuir aos lexemas, construídos através delas, conteúdos sêmicos não motivados, estabelecidos quase que exclusivamente sobre as definições anteriores. Considerando apenas a composição dos Sememas, diremos, de maneira empírica, que a manifestação é não figurativa, se ela se caracteriza pela presença de um grande número de Sememas não figurativos. d) Em direção C: umc: metcxiinguugem científica. Entre a manifestação não figurativa e a metalinguagem científica na qual ela será finalmente traduzida, resta um certo número de etapas a transpor. 1. A supressão do discurso: sendo complexa toda manifestação, a descrição procura eliminar uma de suas dimensões, para só deixar subsistir a isotopia simples. A dificuldade desta tarefa j é bem demonstrada pelo simples fato de que toda exposição científi— ca, oral ou escrita, por mais depurada que seja, comporta sempre j uma certa quantidade tanto de ruído, necessário para fazer passar j a informação, quanto, ao contrário, de elementos elíticos, de subentendidos cuja amplitude não é jamais precisa nem uniforme. j Besulta daí que a certeza de uma isotopia simples só pode ser , obtida pela supressão do discurso: não basta que os Sememas j sejam despojados de seusjnúcleos figurativos, é preciso também que o discurso seja transformado em uma manifestação discursiva, Ï isto é, em um inventáriode mensagens. Vemos que uma escrita branca só pode ser realizada pela abolição do discurso, e também, “ que tal desejo, muito explícito em certas formas de poesia, em vez de chegar à isotopia simples, provoca, ao contrário, O aparecimento da manifestação complexa negativa, isto é, fortemente A camuflada. 2. O inventário das seqüências discursivas. A manifestação j discursiva, figurativa ou não, pode comportar, e comporta frej qüentemente, dentro de um só texto, vários modelos imanentes M , ao mesmo tempo. A descrição consiste, pois, muitas vezes no Ï Š 182

desdobramento do discurso linear, que se acha assim segmentado. ¿ em tantos inventários de mensagens quantos forem os modelos Z descritos. A manifestação discursiva de um micro-universo semân , 1 tico é transformada, assim, segundo a descrição, em uma hierarquia de modelos. 0 discurso, cujo caráter linear deixaria prever å à primeira vista a formulação algébrica, uma vez descrito, mais l invoca uma visualização geométrica pludimensional. 3. A formalização. A descrição deve visar, de outro lado, a ¿ formalização dos seus sememas. 0 conceito de formalização está mal definido e é compreendido de diferentes modos. Aplicado à descrição semântica, o esforço de formalização compreenderá ` essencialmente : È a) uma análise que procura reduzir os predicados, na mediê da do possível, ao estado de semas únicos, sendo entendido que sua manifestação em linguagem descritiva os transformará em , sememas abstratos, compreendendo, além do sema descrito, apenas a base classemática mínima, onde serão representadas as categorias . que pertencem ao inventário axiomático da descrição; i b) constituição dos atuantes em conceitos, entendendo por Ï "conceito" um Semema não figurativo concreto, definido por sei memas abstratos; d C) dado que a própria descrição escolhe o nível de genera- , lidade onde ela constrói seus semas e define seus conceitos, 0 valor da nova manifestação semântica assim formalizado, só podera ser determinado segundo dois critérios que restam intrínsecos ,4 ao sistema: a descrição deve ser coextensiva em relação à axiomaê tica que a tornou possível; o corpo das denominações descritivas deve ter uma coerência interna. e) A veriñcução dos modelos de descrição. A desigualdade do desenvolvimento das ciências da natureza { e das ciências do homem, visível em todas as etapas da constru ' ção da metalinguagem científica, se mostra, assim, com uma clareza Íf particular quando se trata de aferir as possibilidades de verificação da descrição. A eficácia das ciências cosmológicas consiste, _ como sabemos, na possibilidade, que aliás está longe de ser abSo ~ luta, de instituir a comunicação entre os modelos científicos e os i 183 kß T ‘

[' modelos tecnológicos, e de verificar assim o valor dos primeiros pela solidez dos últimos, graças à supressão da orientação, permitindo estabelecer a equivalência entre o que chamamos categorias teleológica e etiológica, de um lado, e as estruturas atuacionais de outro lado. O problema, que podemos apenas lembrar aqui, é o da possibilidade de retorno, a partir dos modelos axiológícos conhecidos e descritos, aos modelos ideológicos: 0 estabelecimento das regras de transformação que autorizam essa passagem acrescentaria ao da coerência um segundo critério da verdade dos modelos noOló gicos. Mas, ao mesmo tempo que a daverificação, também poderia ser considerada a possibilidade de uma terapia social e individual. Supondo que os principais modelos axiológicos de nosso universo sejam analisados e descritos, supondo também que conheçamos suficientemente bem os paradigmas de variações e as regras de transformação dos modelos ideológicos, poderíamos prever um dia a possibilidade de construção e colocação dos modelos funcionais, capazes de desviar os indivíduos e as coletividades f em direção de novas estruturações axiológicas. Uma ciência do l homem eficaz poderia assim se substituir aos tateamentos atuais das l terapêuticas psicológicas e sociológicas. p \ l l ` ,..I 184

l li l j PROCEDIMENTOS DE DESCRIÇÃO r l 1.° CONSTITUIÇÃO DO CORPUS à Š c:) Obieiîvos e procedimentos. 1.\ l Prosseguindo em nosso esforço de compreensão das estruturas e apreensão dos elementos da significação, e ainda em nossas ll reflexões sobre os modos de existência e de manifestação do s š universo semântico, poderíamos chegar a crer que a semântica li visacà descrição dos vastos conjuntos significantes recobertos pelas línguas naturais. E nisso estaríamos enganados. Inicialmente, porque a descrição das significações contidas nas línguas naturais l é o objetivo das ciências humanas e porque aí a lingüística não Š poderia Substituílas. E além disso, porque a lingüística, mesmo Ï se, em suas aplicações, leva em consideração tal descrição, não pode proceder de outra forma que não seja dividir o universo A para aí procurar princípios de organização. A ambição da semân , tica poderia, no máximo, consistir em estabelecer os fundamentos de uma metalinguagem descritiva, em inventariar, e em unificar, sobre bases comuns, os procedimentos da descrição da significação. Ela se pretende ao mesmo tempo, doadora e receptora. A Compartimentação atual das ciências humanas faz—nos freqiientemente esquecer que elas são todas ciências da significação; o distanciamento dos micro-universos dos quais elas deveriam · se ocupar nem sempre permite perceber que eles possuem, ou no plano de sua manifestação bruta ou no nível dos modelos que as disciplinas particulares elaboram para deles dar conta, um grande número de propriedades estruturais e funcionais comuns. — 0 semanticista, por sua vez, tendo renunciado à ficção, mantida n 185 ÉÉ È sE

OV' por muito tempo, de vocabulários fundados e delimitados graças a critérios não lingüísticos e, ao mesmo tempo, à possibilidade de descrevê—los como lexícologízs, se volta para os domínios de significação aparentemente mais heterogêneos: afirmando sua natureza lingüística comum, está em condições de examinar o estabelecimento de correlações, mais ou menos negligenciadas ou despercebidas, entre elementos, sistemas, e algoritmos reconhecidos em diferentes micro-universos semânticos, que autorizam a formulação de hipóteses e a constituição de modelos de descrição a partir das concomitâncias estruturais parciais. o Esse estado de fato confere à semântica seu caráter aberto, próprio para aproveitar-se das aquisições já registradas ou das descrições fáceis de realizar nos diferentes domínios, mas quase sempre inacessíveis, por falta de um mínimo de linguagem comum. È por isso que o cuidado que transparecerá nas páginas seguintes não será 0 de levar tão longe quanto possível, como o exigiria o estatuto de disciplina autosuficiente, 0 esforço de formalização da linguagem semântica descritiva, mas ao contrário, o de formular os procedimentos de descrição mais gerais, utilizáveis, pelo menos no estado inicial, no maior número possível de domínios. Tal concepção dos procedimentos de descoberta e de descrição e — as duas palavras são praticamente sinônimas , considerados como um szoOí7'—]°zí7'e, permite a colocação de algumas questões ingênuas do tipo: 0 que é preciso buscar? Por onde começar? Como proceder? Sabemos por experiência que estas são as questões mais difíceis de responder, e que, no entanto, é assim que i elas se colocam ao pesquisador. ê Isto porque há, muitas vezes, uma distância considerável entre os procedimentos práticos da linguagem interior na procura l do objetivo e do método de pesquisa e a apresentação definitiva dos resultados obtidos. Sem negligenciar essa última, que cons- titui por si mesma uma etapa importante que leva à formalização, · nossa desconfiança nunca será exagerada em relação às formulações muito apressadas ou muito gerais, as quais se impõem tanto · mais facilmente quanto mais funcionar miticamente o caráter de sua apresentação, como um procedimento de conotação aterrorii zante. Assim, dando um exemplo anódino, não nos esqueceremos tão cedo de nossa surpresa ao encontrar tão pouco de lingüística, . e uma lingüística tão fragmentária, nos fundamentos da lógica '† s 186

. *. ll , a lj, Ébólica, fundamentos que são, no entanto, altamente proclamai dos como lingüísticos. °` Uma última precisão, finalmente: os procedimentos de descoberta, no estágio atual das pesquisas, mantém ainda inteiraà mente seu caráter de hipóteses, aplicáveis a diferentes fases da li descrição. Falta-lhes a garantia do rendimento operatório, que El somente pode ser dada por descrições parciais numerosas. Íl 1:) O Corpus. îe. Podemos definir O Corpus como um con]unto de mensagens , cuja constituição visa à descrição de um modelo lingüístico. Esta r definição, entretanto, é simples apenas na aparência. De fato, vimos N que só podemos descrever um modelo. quando estiver implicitamente contido na manifestação discursiva de um mic1'o—univerSo semântico. Constituir um Corpus não significa, portanto, simples- l mente prepararSe para a descrição, pois dessa escolha prévia l depende, em definitivo, o valor da descrição, e, inversamente, l não se pode aferir o valor do corpus, senão quando terminada a descrição. A sobriedade e o rigor lógico da definição, em suma, ; apenas ocultam o caráter intuitivo das decisões que o descritor lã será levado a tomar em cada etapa da análise. Certo número de precauções e de conselhos práticos devem, pois, cercar essa escolha, a fim de reduzir, tanto quanto possível, a parte de g ; subjetividade que aí se manifesta. Diremos que um corpus, para ser bem constituído, deve satisfazer a três condições: ser repre- 1 Sentatíoo, exaustivo, e homogêneo. ` 1. A representatividade pode ser definida como a relação ï V hipotética que vai da parte que é o Corpus à totalidade do discurso, por ele subentendido, efetivamente realizado, ou simples- EÇ mente possível. A questão da representatividade se coloca tanto Ç para os Corpus individuais como para os Corpus coletivos. Assim, ¿ 0 conjunto dos escritos conhecidos de Baudelaire só constitui uma parte ínfima da totalidade das falas efetivamente pronunciadas . · ou "pensadas’Ï por Baudelaire., Supondo mesmo que possamos vx reunir todos os documentos conservados relativos à sensibilidade ‘ coletiva da sociedade francesa do século XV, teremos que nos indagar em que medida tal Corpus representa todas as expressões > dessa sensibilidade. 187

O corpus é, portanto, apenas parcial, e teríamos de renunciar Ä à descrição se procurássemos assimilar, sem mais, a idéia de sua Q representatividade àquela da totalidade da manifestação. O que per- j mite sustentar que o corpus, embora permanecendo parcial, pode ser representativo, são os traços fundamentais do funcionamento l do discurso, retidos sob os nomes de redundância e de limitação. j Vimos que toda manifestação é iterativa, que o discurso tende muito rapidamente a se fechar em si mesmo: em outras pa Ï lavras, a maneira de ser do discurso leva em si mesma as { condições de sua representatividade. Dificilmente poderemos en . contrar um melhor exemplo de representatividade que aquele « das condições do aparecimento do Míohølet de Boland Barthes, a anterior em alguns anos à edição completa do Iourmzl Intime. Sem recorrer às confidências de Michelet, sua temática pessoal j se mostrou tão evidente ao descritor e foi tão inesperada pelos eruditos que Lucien Febvre, depositário do Ioumal foi levado a garantir a representatividade do corpus parcial utilizado para a descrição. 2. A exzustíoídade do corpus deve, por sua vez, ser concebida como adequação do modelo a ser construído à totalidade de seus elementos implicitamente contidos no corpus. 0 princípio de exaustividade foi considerado, ao longo do século XIX —— e é ainda muitas vezes hoje —— como a condição Sínø qua non de toda a pesquisa humanista. A imagem de perfeito erudito é aliás associada a ele e conhecemos suficientemente bem os prejuízos que esse princípio trouxe, quando se trata de instituir esse monstro que é a "tese de uma vida", para que não « nos creiamos obrigados a admiti-lo sem críticas prévias. L. Hjelmslev o inscreveu, é verdade, entre os imperativos que condicionam a descrição, mas o fez num espírito totalmente diferente, a fim de sublinhar a necessidade de equilíbrio entre o caráter dedutivo e o caráter indutivo da análise lingüística. Não é de espantar que nos perguntemos hoje, de maneira . generalizada, se não existem meios mais econômicos que permitam obter as mesmas garantias de fidelidade da descrição ao corpus que aquelas que parece oferecer a exaustividade. O procedimento breve que poderíamos propor consistia em dividir a operação , de descrição em duas fases distintas: 188 W E " ' 'l

. li a) Na primeira fase, a descrição se faria utilízandose apenas li segmento do corpus, considerado representativo, e construindo, xs partir desse segmento, um modelo que só tenha um valor opera;` Erional; , b) A segunda fase seria a da verificação desse modelo proii vîsório. Dois procedimentos de verificação não contraditórios, cuja i š escolha depende, sobretudo, da natureza do corpus a descrever, podem então ser distinguidos: t ui) A verificação por saturação do modelo (Propp, Lévi, ·Strauss) que consiste em começar com a segunda parte do corpus e prosseguir sistematicamente a comparação entre o modelo e ~ as ocorrências sucessivas da manifestação; isso até o esgotamento definitivo das variações estruturais; [3) A verificação por sondagens Dubois) que consiste Ç em escolher, segundo os procedimentos estudados pelos estatísticos (R. Moreau) um certo número de porções representativas da é segunda parte do corpus e em observar o comportamento do modelo aplicado a essas porções de manifestação. O modelo i “î pode, assim, ser confirmado, infirmado ou completado. Nas duas últimas eventualidades, deve ser considerada a retomada total È Š da análise, e a operação, no seu conjunto, será conduzida até Í“ a confirmação do bem-fundado do modelo operacional. Ïi 3. A homogeneidade do corpus parece depender, à primeira vista — sobretudo quando se trata de corpus coletivos — de um Í conjunto de condições não lingüísticas, de um parâmetro de situa¿ cão relativo às variações apreensíveis, quer ao nível dos locutores, quer ao nível do volume da comunicação. ]. Dubois, que se preocupou com isso, acredita que a homogeneidade insuficiente do corpus pode ser corrigida por procedimentos de ponderação (v. Terminologie linguistique, por Dubois e P. Marcie, no Fran cais moderne, janeiro, 1965). Se podemos admitir com ele que a' o crescimento do volume das comunicações produz uma "bana i lização das estruturas", não vemos em que essa transformação quantitativa em efeitos qualitativos poderia atrapalhar a homol · geneidade do corpus "banal": a manifestação difusa do mítico t acarreta provavelmente a neutralização de um certo número de ¿ categorias Sêmicas do modelo — isso está ainda para ser demonsli trado sem transformar, entretanto, a própria estrutura, e 0 problema não parece se situar no nível da constituição do corpus, .1 me y " 1 l Šî ,° l

mas no da escolha dos procedimentos de extração das informações. Quanto às variações devidas ao locutor da comunicação, os problemas das distâncias diacrônicas (classes de idade) ou de tipos de manifestação (níveis culturais, etc.), que parece não serem lingüísticos quando se trata de corpus coletivos, se acham tais e quais no interior do corpus individual: a manifestação discursiva de um só locutor se desenrola necessariamente sobre o eixo diacrônico; ela pode tomar a forma figurativa (poesia) ou não figurativa (teorias estéticas). Na medida em que a descrição visa, qualquer que seja a forma da manifestação do microuniverSo, à construção de um modelo não figurativo e conceitual, o próprio modelo imanente deve ser considerado como indiferente aos modos ( da manifestação. 0 problema das variações diacrônicas, que, pela ` estabilidade relativa das estruturas sociais, poderia bem ser resolvido pelo procedimento da ponderação quando se trata dos corpus coletivos, é mais complexo, ao contrário, no nível dos corpus individuais: voltaremos a esse ponto mais tarde. C) O texto. 0 procedimento que, logicamente, segue a constituição do corpus consiste na transformação do corpus em texto. O corpus, — de fato, é uma seqüência delimitada do discurso, e, como tal, s só pode ser uma manifestação logomáquica, da qual é preciso reter apenas uma das isotopias escolhidas. Entendemos, pois, por texto (e também por metatexto) o conjunto dos elementos de significação que estão situados na isotopia escolhida e estão cercados dentro dos limites do corpus. Assim entendido, o procedimento da transformação do corpus em texto, se mostra sob` dois aspectos complementares: 1. Um aspecto positivo, que reside na escolha da isotopia. Essa escolha, embora logicamente posterior à constituição do l corpus, se situa, na verdade, no interior da práxis descritiva: se é verdade que a descrição exige a transformação do corpus em ( ' texto, não é menos verdade que a escolha do corpus se faz quase sempre em função do texto que se procura descrever. l 2. Um aspecto negativo, que consiste na eliminação dos ; elementos pertencentes a outras isotopias contidas no corpus. Essa 190 ` V í ' ' '''' ~'~~ ~~ ~ ~-

l :` . · l necessidade parece tão 'evidente que mereceria apenas uma simÈ î menção se a pedagogia do ensino literário não tivesse convertido « e li *.1 explicação de texto" em instituição nacional. O "teXto" a expli- * l tem só excepcionalmente corresponde a um corpus representativo, l “ xš os modelos que aí se manifestam implicitamente não são quase l xl mmca completos, e a explicação do texto se transforma inevitaV l velmente em um pretexto que dá lugar à explicitação dos elemenl tos de significação situados em todas as isotopias do texto ao j mesmo tempo. - e _, A preparação de um texto - não é preciso dizer que um Ï só corpus pode conter vários textos analisados sucessivamente — compreende não somente a eliminação de uma dimensão da manifestação em proveito de outra, mas também a de todas as outras isotopias da mesma dimensão consideradas como não pertinentes para a descrição visada. Assim, o mito de Édipo, na l análise feita por Lévi-Strauss, se acha situado, pelo fato de ser È iž concebido como a explicação das origens do homem, na isotopia de caráter etiológico; outro texto, postulado para o mesmo mito, teria aí, sem dúvida, encontrado os elementos de uma interpretação teleológica da organização social. d lê « d) Elîmînuço ou extração? l No momento da preparação do texto, pode ser útil perguntar se a eliminação dos elementos do corpus pertencentes às isotopias não interessantes não é excessivamente custosa, se a extração q e somente dos elementos que interessam a descrição não será mais econômica. Os dois conceitos de eliminação e de extração são, Q como vimos, de caráter. puramente operacional. Efetivamente, se s a parte restante do corpus é quantitativamente mais importante Ï que a parte a ser excluída, diremos que o procedimento a ser adotado é o da eliminação dos elementos não pertinentes do corpus, em vista do estabelecimento do texto. Em compensação, se a parte a ser excluída é mais importante que- a que deve ser conservada, o procedimento a ser empregado será o da extração, l a partir do corpus dado, dos elementos pertinentes da descrição. A questão de saber em que condições um ou outro dos lprocedimentos deve ser empregado é de ordem prática: parece que em presença de uma manifestação, mítica ou prática, difusa, a Í —, — 191 É l

l x .l j extração dos elementos pertinentes se mostra mais econômica e, A inversamente, que toda manifestação concentrada imporá natural— Š. mente o procedimento de eliminação das seqüências não pertinen— .t tes. Assim, o método adotado por Roland Barthes em sua análise l da "temátiea eXistencial" de Michelet parece ter sido 0 da extração, como aquele preconizado por Riffaterre em suas pesquisas sobre os "efeitos estilísticos" — ao qual podemos, entretanto, ê reprovar a indiferença quanto à escolha prévia da isotopia; ao ê contrário, o procedimento utilizado por LéviStrauSs em sua desCrição do mito de Édipo é certamente a eliminação dos elementos jj não pertinentes. M Isso não impede que a extração pareça, à primeira vista, mais sujeita à apreciação subjetivado descritor. Nesse caso, é normal exigir que esse caráter subjetivo seja corrigido pela intervenção mais fundada do conjunto dos procedimentos nas diferentes fases . da análise, e, mais particularmente, no nível da construção do j modelo, onde a pesquisa de equivalências e de oposições se presta à constatação de lacunas e de omissões. Essas omissões, inevitáveis gl apesar da redundância dos elementos a serem descritos, poderão l ser recuperadas por retroanálises, por retornos reiterados. lê e) OS inventários. . tj~ . 0 Corpus depurado tomará, portanto, a forma de um texto isotópico. Este, para não ser mais um discurso logomáquico, deverá apresentar-se como uma manifestação discursiva deslexicalizada e desgramaticalizada: uma etapa importante desse procedimento, o da normalização da .manifestação, deve pois ser prevista. Entretanto, deixando para mais tarde seu exame, é preciso que permaneçamos ainda por·algum tempo no nível da reflexão mais L V geral, a fim de esgotar nele, ao mesmo tempo e num só lugar, o þj “ conjunto dos problemas relativos à constituição do Corpus. M È fácil de imaginar que o texto isotópico, livrado de todos . os elementos parasitários da comunicação, se mostrará como um . inventário de mensagens, isto é, de proposições semânticas protocolares, cujo arranjo ulterior equivalerá à construção de modelos. L Entretanto, se os modelos descritivos se constroem a partir de 1 inventários de mensagens, não é menos legítimo conceber mn L texto, que, ao invés de ser composto de mensagens, será já mn ? 192 j î l Ä I s. .......

°YI .x l rî . inventário de modelos, implícitos ou explícitos. Assim, a descriš ção do corpus dos contos populares russos deverá operar, nesse Ï estágio da análise, tanto a partir de um texto constituído de um ; inventário de contos, isto é, de modelos ocorrenciais implícitos, 2 como a partir de um inventário de modelos explícitos, já des, critos numa análise anterior. Que a descrição proceda de uma análise separada de cada conto—ocorrência, ou que ela opere pela comparação dos modelos implícitos contidos nos exemplares li r ainda não descritos, isso já depende do procedimento de estrutu- r ração. Parece-nos importante dilatar aqui o conceito de texto, li afim de reivindicar a idéia um pouco simplista segundo a qual rê os corpus de descrição só são constituídos de "fatos" e os textos -. não são, em princípio, senão inventários de ocorrências. Ï Isto porque, se um inventário de modelos é uma etapa em direção à construção de um gênero de modelos, a descrição pode muito bem visar ao estabelecimento de um texto que seria um inventário de gêneros. Na medida em que se consiga. por eremplo, definir O conto popular como um gênero, o invenúiio de todos os gêneros comparáveis pode dar lugar à descricãro de um É metagênero comum, que seria a narrativa, considerada em sua Ç generalidade, ou um subconjunto qualquer de narrativas. 0 que queremos sublinhar aqui não é somente a possibilidade de situar a descrição em níveis de generalidades diferentes, e ao mesmo tempo, a eventualidade da constituição dos corpus que correspondem aos diferentes objetivos de descrição, mas também a neces Š sidade de conceber uma hierarquia de modelos que estão imbricados uns nos outros porque uns participam da elaboração dos outros. fl Invenidrios individuais e coletivos. Tal concepção hierárquica dos modelos deve permitir esclarecer O difícil problema das relações entre os inventários individuais e os inventários coletivos, e o da comparabilidade dos modelos 7 V resultantes dessas duas espécies de manifestação. À primeira vista, os procedimentos permitidos pela descrição dos contos populares russos parecem paralelos àqueles que o descritor teria que empreender na totalidade dos romances de Bernanos, por exemplo. î Com uma diferença, apenas: o corpus dos contos populares era . sustentado por um locutor coletivo, ao passo que os romances de 193 É

P. Bernanos têm um locutor individual. Mais ainda, o locutor individual, que é Bernanos, é apreensivel na totalidade de suas falas, representada pelo corpus de todos seus escritos, e podemos falar do "universo de Bernanos" que contém em si os micro-universos semânticos que são seus romances, quaæ nos mesmos termos que do universo do conto popular russo, de que os contos particulares “ não passam de emanações. Por outro lado, vemos que 0 universo de Bernanos serve ao mesmo tempo de mediador entre 0 Iourmzl d’un Curé de Cczmpagnø e 0 universo imaginário da sociedade francesa da primeira metade do século XX. A questão prática assim proposta é saber qual significação é preciso atribuir respectivamente aos três corpus possíveis: o corpns que tem as dimensões de um romance, 0 corpus da totalidade dos escritos de j Bernanos, e, finalmente, o Corpus de todos os romances de uma d sociedade e de um período histórico dados, e quais as correlações estruturais que podemos razoavelmente esperar encontrar , entre os modelos que podemos explicitar a partir de tais corpus. l Uma apresentação esquemática talvez permita enxergar mel lhor O problema. a gênero “estilo da gênero ‘rOmanCe do l mctagênero "X" personalidade" Século XX" Bernanosè ----- le jourmzl d’un Curé de Cumpxzgrzc l Mairauxè--~ —-- la Comžítírm humzžnc Gide indica a pressuposição ou a implicação. J 204 l

s Observczço II: A indicação das relações entreunidades um não sintáticas não entra no quadro desse estudo. Precisamos entretanto que: ° V a) Os semas são indicados por minúsculas, para distinguidos, ao mesmo tempo, das categorias sêmicas e dos sememas, marcados por maiúsculas; Í b) as relações não precisadas, mas hipotáticas o mais fre qüentemente, entre os semas são marcadas com o sinal +. insistimos em que o contexto precisa a cada vez a relação « · postulada. , Observcrço III: Dada a existência de numerosos sistemas de notação simbólica, fonte freqüente de Confusão, procuramos reduzir ao mínimo indispensável o número de sinais utilizados. È pelas mesmas razões que só apresentamos aqui rudimentos de uma sintaxe, que cada descritor — a menos que adote Ï seu próprio sistema de notação — poderá ampliar segundo Ï suas próprias necessidades. Assim, nem mesmo mencionamos os qualificadores ‘(t"um" vs "todo"; "pequena quantidade" vs "grande quantidade’Ï), que podem ser considerados como , operadores que modificam os atuantes, e dos quais a lógica não se pode privar. Seu papel, na descrição semântica, nos pareceu muito mais restrito. s Š d) A Iexemtícc dc: descrição. Todo esforço de explicação de um semema qualquer leva, como sabemos, à denominação e, conseqüentemente, à criação de um èi novo lexema. Incapaz de operar de outra forma, a normalização deve visar a cumprir essa denominação da maneira mais econômica possível. Assim, os lexemas da linguagem descritiva devem ser, na medida do possível, unívocos, isto é, recobrir, seguindo nisso o exemplo dos léxicos científicos, apenas um semema. È evidente ¿ d que a não ser que se utilizem formantes estranhos ou combinações šv grafemáticas novas — portanto, ilegíveis não conseguimos isso tão facilmente. È preciso, conseqüentemente, procurar atingir um Éptímum de denominação que se situa entre a ausência de moti- r_ ração e o risco de confusão, remetendo ao procedimento de l Ä,

estruturação 0 cuidado de analisar os lexemas descritivos e de consolidá—los com o auxílio de definições de caráter sêmico. Q4 Observctçãoz Os aficcionados da linguagem correta con· , tinuarão não aceitando esses neologismos, muitas vezes barrocos e absurdos: não têm consciência do fato de que os lexemas denominativos não fazem parte da linguagem natural, mas da linguagem descritiva segunda, e que eles não · são mais idiomáticos que os sinais algébricos, por exemplo. ir . ll Sabemos que as línguas naturais possuem, em geral, dois sistemas caracterizados de lexicalizaçoz o primeiro, consiste em l lançar os Sememas nas classes gramaticais (verbos, adjeti l vos, etc.); o segundo procede por derivação. Assim, todo semema funcional pode, em princípio, ser lexicalizado, quer como verbo resolver, caminhar, mudar, etc. — quer como Subs i tantivo deverbal —— solução, caminhada, mudança, etc. Da mesma forma, todo semema qualificativo pode se apresentar tanto como adjetivo -— largo, certo, intransitivo, etc. — quanto como subs tantivo derivado — largura, certeza, íntransítíoídade, etc. Essa redundância natural só pode ser motivo de hesitação na prática da descrição. Sem falar da dificuldade freqüente de estabelecer l a distinção entre os predicados e atuantes, é difícil à análise . reconhecer os diferentes atuantes. Assim, nos enunciados do a tipo: a a solução do problema : F/A2/, d a solução do professor : F/A1/, dois atuantes distintos têm uma formação gramatical idêntica. Diante de tais ambigüidades, parece mais econômico eliminar um dos procedimentos de denominação, excluindo a lexicalização por classes gramaticais, e adotar um procedimento único, que š— conserva a motivação lexical das classes de Sememas só por meio « de derivação sufixa]. A operação consiste: r · 1. Em atribuir a todos os Sememas a forma substantiva como não sobrarão outrasfclasses gramaticais às quais possa ser ` oposto, 0 substantivo, enquanto classe, se achará assim neutralizado; l Ï 2. em lexicalizaros Sememas pela adjunção apenas dos sufixos ¿ substantivais apropriados —- mento —- agem — ção, zero, etc. —- — 206. Í '''' Ñ"l

quando se tratar de funções -— dada éncía âncía, etc., para lexicalizar as qualificações. Nos casos em que faltem meios derivati- † { vos, os procedimentos perifrásticos do tipo O. fato de. . . poderão ser l a solução. A descrição sistemática dos classificadores (ou dos defi` nidores) utilizados pela lexicografia, e que são sinônimos ou equivalentes, no nível das definições, dos sufixos empregados no nível ; da denominação, poderia ser, nesse estágio, de uma grande utilidade. Aliás, é inútil, no momento, entrar nos pormenores desse * procedimento, cujo princípio deveria ser explicitado — ele é, efe. tivamente, embora de maneira empírica, comumente empregado há já algum tempo. Essa proposição, tendendo a organizar uma lexemática des- a critiva autônoma, só constitui, a bem dizer, um episódio da luta que os lingüistas empreendem, de maneira mais ou menos consciente para suprimir a heterogeneidade básica que existe, nas línguas naturais, entre as classes morfológicas e as classes sintáticas. Nossa maneira de Conduzi—la consiste, de um lado, na redução dos atuantes sintáticos aos atuantes semânticos e, de outro, na supressão das classes morfológicas no nível da linguagem descritiva. . Observaçroz A notação simbólica, que não chegamos nem mesmo a mencionar aqui, só poderá, por razões praticas evidentes, ser introduzida mais tarde, quando, após a redução, x o número dos lexemas descritivos terá diminuído o suficiente. ; . 3.° A CONSTRUÇÅO 1:) Construção do modelo: redução e estruturação. Š Sob o nome de normalização, acabamos efetivamente, de propor os primeiros elementos de uma sintaxe e de uma lexemática da linguagem semântica, isto é, os quadros metalingüísticos A nos quais poderemos lançar os conteúdos manifestos dos corpus a serem descritos. Esteprocedimento constitui uma garantia suplementar da homogeneidade do texto; auxilia também a apreender fà mais facilmente suas redundâncias e suas articulações estruturais. ¿ _ Isto porque a fase da descrição que é assim anunciada só —·- pode consistir na construção —do modelo que engloba o texto, em fl 207 a

outras palavras a transformação do inventário de mensagens em estrutura. De fato, todo inventário é’ umalista de ocorrências, _ cuja dimensão depende das particularidades do texto; o modelo l é simples e só pode comportar um número limitado de termos. A transformação do inventário em estrutura comportará, pois, þ ê em primeiro lugar, o procedimento da redução. Por outro lado, l , mesmo que seja concebido como uma sucessão ou como um i catálogo, o inventário é sempre uma justaposição; o modelo, em l cempensação, é tuna estrutura, isto é, a colocação em evidência l dos princípios de organização relacional da significação. A cons— Q trução implica, pois, em segundo lugar, o procedimento de estruturação. Observccçoz Se evitamos a utilização aproximativa, bana l lizada, do termo estruturação, é porque queremos reserválo para designar um procedimento determinado de descrição, ê que, operando com inventários reduzidos, visa à construção i do próprio modelo. Os dois procedimentos de redução e de estruturação serão agora considerados sucessivamente. ê As reduções podem ser simples ou complexas. , b) Reduções simples. ' A redução se mostra, na sua forma mais simples, como a « supressão da redundância. Efetivamente, vimos que 0 texto, instaurado na temporalidade do discurso, só pode ser apreendido como permanência, isto é, em suma, como significação global, na d medida em que os elementos fundamentais desta se manifestem iterativamente. A redundância, no entanto, não é apenas um È fenômeno quantitativo, pois a repetição implica, muito freqüen- l Ï. temente, variações notáveis da forma do conteúdo. ConseqüenteQ mente, a redução da redundância só se pode fazer às custas de f um certo empobrecimento da significação: uma vez escolhido o nível de generalidade, a descrição só pode se manifestar como l seleção dos elementos de conteúdo pertinentes e como rejeição , } (ou suspensão provisória) de outros elementos, considerados eSti— ‘ lísticos, e não pertinentes para a construção do modelo. Esses És} lN i E __, N ..,.,....,

X I elementos estilísticos, como veremos mais tarde, podem ser reto- ± mados em vista de uma nova análise, que tenha objetivo diferente. A redução consiste, pois, em reconhecer a equivalência entre l vários sememas ou várias mensagens e em registrar com a ajuda de uma denominação comum a toda classe de ocorrências julgadas equivalentes. Como é muito difícil, se não impossível, reconhecer 9 de uma só vez todas as equivalências, 0 procedimento consistirá quase sempre em praticar uma série de reduções, que constituem etapas de aproximação sucessivas. È ao descritor, conseqüentemente, que cabe decidir, diante de seu inventário, em qual etapa da redução será mais rendoso introduzir a normalização, e em que momento os sememas em construção poderão ser denominados de maneira definitiva. d Distinguiremos três tipos diferentes de reduções simples: 1. Reduço dos elementos idênticos: Muitas ocorrências cujos formantes e conteúdos são idênticos podem ser reduzidas e consideradas como uma só unidade de conteúdo. Assim, no caso do teste projetivo de Stein já utilizado, se o início da frase: A vida de uma pessoa. .. provoca 10 respostas idênticas: . . .é 0 que mais conta, diremos que bastará reter para as necessidades vi de análise (nesse caso, com vistas à normalização), uma só Q ocorrência é 0 que mais conta. Duas observações são necessárias a esse propósito: Å a) Apesar das práticas comuns da lingüística estatística, a identidade dos formantes não é, em si, um critério suficiente para efetuar a redução: ela indica, ao contrário, a equivalência dos conteúdos, que só pode ser assegurada, no caso da redução dos elementos idênticos, pela comparação dos contextos, constitutivos dos sememas. . b) A descrição semântica considera a repetição, e, por isso mesmo a freqüência relativados elementos iterativos do conteúdo, como um fenômeno normal, e não como algo investido de um estatuto particular. A freqüência, num texto dado, de elementos A com formantes idênticos é um índice útil, revelador de redundân cias camufladas prováveis, e seu papel no plano prático, não é negligenciável. 2. A redução das equivalências sintáticas. AS equivalências ; desse tipo, ilustradas pelo exemplo bem conhecido: îj 209 Š \:

5 ~ e eA destrói B - - — Destruiço de B por A ,.4 Açao destruidora de A sobre B não são, entretanto, nem inteiramente sintáticas, nem tão formais ( como pretendem alguns. São, antes de tudo, equivalências de conteúdo; elas comportam, além disso, variações lexicais de importância desigual. Assim na fonte de exemplos já citada, a qualificação da vida de uma pessoa pelas ocorrências: . . .é mais importante que tudo — . . . importa mais que todo O resto . ..é O que há de mais importante no mundo ‘ ( . apresenta variações lexicais na expressão da superlatividade que nos fazem considerar essas construções como equivalentes e não como idênticas. AS pretendidas identidades sintáticas não são, 0 ( mais das vezes, senão equivalências muito fáceis de reconhecer. 3. Hedução das equivalências semêmicasz Quando os lexemas 4 considerados como eventuais. núcleos sêmicos constitutivos dos sememas não são recobertos por formantes idênticos, sua redução —-.1-/.'.\ exige uma análise sêmrca previa. Tal analise das ocorrências, consideradas como transformáveis em Sememas, pode utilizar os pro- i cedimentos já descritos, indo da simples comparação de suas definições, até a colocação em evidência de suas figuras. Ela visa a ( explicitar um número suficiente de elementos genéricos comuns ( a todas as ocorrências, que permitem reduzi-los a um só semema. ( O mesmo teste de Stein oferece, para julgar sobre a vida de uma pessoa, ao lado da qualificação importante, outras séries de . ocorrências : _ . . .é O que háde mais precioso (6 ocorrências), · ( É . . .0aIe mais que tudo (10 ocorrências), j . . .Uale mais que todo o Ouro do mundo (4 ocorrências). l ( Essas 2() ocorrências se acham inicialmente reduzidas, graças a numerosas identidades de expressão, a um inventário constituído I de 3 exemplares. Cada uma das ocorrências pode, em seguida, ser dividida em dois segmentos. Os primeiros segmentos: e ‘““ ê N 210

à o que há de mais e ` 1 mais que tudo _ mais que todo Ouro do mundo, Z aparecem como variáveis estilísticas de um só elemento de significação (não se tem, a esse nível de análise, de perguntar se se trata de um sema ou de uma combinação sêmica), que podemos } traduzir "como superlativîdadeÏ’. Os dois segmentos: é . . .preoí0so Í conta e ’ vale, ( -1 [ • • U • • Jp sao, por sua vez, comparar/eis, pela proximidade de suas definiçoes .·l e comportam todos em comum um conteúdo Sêmico "eSt1ma" (sem que uma análise sêmica mais aprofundada seja necessária nesse : nível de redução). Ü Bastará, a seguir, transformar o conteúdo Sêmico extraído em qualificação (conferindoèlhe, na ocasião, a forma normalizada), e considerar o elemento Sêmico "Supe1'latividade" como um aspecto '* da qualificação: após esta redução, o Semema qualificativo pode ¿ ser registrado e transferido na linguagem semântica sob a forma: '“ V Q "estimabilidade" (a: "superlatividade"). g C) Reduções complexas. Os três tipos de reduções simples comportam traços estruturais comuns: a redução aí se opera pela comparação e pela colocação em evidência das identidades Sêmicas estas acompa— nhadas, se possível, da suspensão dos elementos não idênticos. Estruturalmente, o procedimento repousa sobre a utilização das relações de conjunção e sobre a neutralização das de disjunção. · Reservaremos o nome de reduções complexas aos procedimentos que colocam em jogo, principalmente, as relações hipo1 . · 1 . ... - 1 . 4 tatrcas ou hiperotaticas. A reduçao nao se detem, pois, no estabelecunento das classes de equivalências, mas busca reunir em « uma so classe todos os elementos do conteúdo cujas relações com 211 Š ê — j j1è:m\•\1 È

a isotopia do texto podem ser definidas em termos de relações estruturais elementares. ~••••••\ Como para as reduçoes simples, distinguiremos vários tipos de « reduções complexas; por ser a manifestação semântica sempre plurívoca, é difícil escolher exemplos simples. Assim ocorre com os que vamos propor aqui sucessivamente; cada um deles comporta . quase todas as propriedades estruturais que queremos distinguir e analisar separadamente. 0 esclarecimento contará mais que o valor do objeto esclarecido. . 1. Hedução do figurativo. Utilizando o começo de frase do ( teste de Stein: Quando Frank viu seu chefe chegar. . ., obtivemos de nossos alunos respostas de dois tipos. De um lado, respostas do tipo: ) . . .ele teve medo (3 ocorrências) ••\ ...ele sentzu medo (3 ocorrências) ) que, após as reduções simples, dão lugar à formulação da meu- l sagem: Q (medo) [A1 (Frank); A2 (chefe)]. Outras respostas, como: . . sobressaltou-se ` . . ficou lívido . . empalideceu se apresentam, em compensação, como manifestações figurativas ( do mesmo medo. Dada a isotopia noológica escolhida para a des- ( crição, e o fato de que os atores da mensagem manifestam os ( atuantes "inferior" e "Superior", pode-se admitir que a redução ( deve artir do com ortamento rático como o em ulídecímento p..P...-P,.·,,,-. i para reduz1—lo a sua Sigmficaçao mitica ‘medo e nao inversa- ( mente. Mas vemos, ao mesmo tempo, que os predicados práticos l desse tipo são hipotéticos e se apresentam como definições — V acontecimentos de "medo", que abrem um paradigma de variações estilísticas em número indefinido. Logo, a classe ocorrencial de equivalentes hipotáticos pode ser ampliada às respostas do gênero: ...Saíu correndo . . .escOndeuSe ’ D 1 Ã 212 Ï ` —~ Í\

li Í . . .C nos dois inventários, ao lado de verdadeiros atuantes, dos circunstantes e dar conta de seu estatuto sintático e semântico, ao mesmo tempo. . 8.° 0 modelo cuctcîonul mítico. Induzido a partir dos inventários, que continuam suspeitos, , apesar de tudo, construído levando-se em conta a estrutura Sin— tática das línguas naturais, esse modelo parece possuir, por sua simplicidade, um certo valor operacional para a análise de manifestações míticas somente. Sua simplicidade está no fato de que ele é um todo inteiramente fundado sobre o objeto do desejo ; do sujeito e situado, como objeto de comunicação, entre o desti235 ,

nador e o destinatário, sendo o desejo do sujeito, por seu lado, modulado em projeções do adjuvante e do oponente: L Destinador—-> I objeto j> Destinatário e Adjuvante—> jsujeito I S ~ puder ser transformada, existência, no conteúdo sêmico das funções acasaladas, de uma relação de disjunção, em , S vs não S ' que permite a apreensão do par funcional enquanto estrutura eleVj menta: da significação. ll . - . , . . - , Essa mter reta ao aradi matica condi ao da a reensao da Srgnificaçao da narrativa na sua totalidade, nos permitiu depois, encontrar, independentemente da ordem de sucessão sintagmática, desta vez, unidades de significação mais amplas, cujos termos são constituídos de categorias sêmžcas manifestadas nas funções toma~ das individualmente. A relação constitutiva dessas unidades é igualmente a da disjunção. Entretanto, para assinalar a distinção entre os dois níveis estruturais, notamos, de um lado, com o auxilio das maiúsculas, o fato de que os termos que os constituem são` já a categorias; e do outro, com o auxílio do sinal de negação Super posto. seus termos negativos. Esse procedimento, se o examinarmos um pouco mais de perto, não é senão uma redução das funções a categorias funcionais, seguida, num segundo procedimento, de sua homologação. Tal redução nos permitiu extrair, apesar do desenrolar da narrativa, e abstração feita de sua redundância, duas estruturas funcionais homologadas : "'· Éë A vs A eŠ I _ C vs l e de prever a possibilidade de interpretar a narrativa como uma estrutura acrônica simples. N r_ 265 i

ObS€!V5§O! A 2\I)áll58 (lã €Sl1`L1tLiI`Z1 (iá CO1I1U1)lC3Çã0 C vs C não é tão simples como pode deixar supor sua k 3pI`6S8I'1Í3ÇãO. Ela exige um longo d€S8I`1VOlVlII1€DÍO, lI1'1}_JOS sível nos limites desse capítulo. Voltaremos a isso em outra ocasião. Toda D3.1T8tlV3 SG `I'€(l\1ZlI`l8., pois, 3 GSÏ8 (')SÍ1'L\tL11'á SÍIÏ1pl8S, S8 Dãû SIllZ)SÍSÍlSSG um resíduo (ll8CIÏÔI')lCO, sob 8. fOI`IÏ13. de um Pãf funcional ., o enfrentamento vs êxito, Ï que DOÍGIHOS COIIIO F C (l8SlgI'1ãI`DOS COITIO “lL1Í3” 6 quê não SG (l€lX3. transformar em uma categoria sêmica elementar. b) O estatuto åíczcrôníco do prove:. 0 par funcional F possui um caráter duplamente insólito: não SOÍHHÈG pO(l8 Sôï lDt€I`p1'€t3dO COITÅO UH'13 categoria (`l OpO·· sição sêmica, mas aparece como a única seqüência funcional Solitária, assimétrica, isto é, não se apresenta em nenhum momento 1 da I'l3I`I`3tlV3 SOb SLI3 ÏOÏIH3 I)Cg3tlV3. ~ \-.. È EÍ1'1 COITIFDSBÇHO, F GIIÍÏEI, COIHO elemento CODSÍIÍUÍIVO, DHÍI]3 j seqüência diacrônica que designamos com 0 nome de "prova", ’ Š 6 quf B COIDPOSÏR (lê l l 1 A. -} F-ž- ~}— C. A p1'OV3 pOd€I`l3 SGI`, pois, pOI GSSH razão, COI'1Sld6I'3.(l21 COITIO E o núcleo irredutível que dá conta da definição da narrativa como 4 diacronia. UID CGIÍO DÚITIGÍO de observações, qllô PÏÉCÍSBIII 0 estatuto diacrônico podem agora ser formuladas: -.ž 1. A relaçao entre A e F pode ser considerada como uma relação de consecução, e não gomo uma relação de implicação IlBC6SSáI'l3. EÍGÍÏVHITISIIÍG, A 011 Å podem S6 3Cl'13I` sós H3 I')âI`1'8.iÍV8, Á SITI (1116 SLI3 pI`€S€DÇ3 3C3.I`I'E!Í6 D€C6SSâI`l31T16I)ÍG O aparecimento (16 F: A não pressupõe, pois, F. Por outro lado, F pode estar presente na narrativa, não precedido de A: F não pressupõe, pois, A. ISSO quer dizer que a seqüência "prOva", se ela caracteriza a ' DRITRÍÏVB €DqI.13.]'1ÍO CODSCUÇŠÇ, I`1ãO esta CODSGCUÇÃO, COIHO 266 li ,_.,,..-.-?.1

I desejava Propp, como obrigatória. Muito ao contrário, a prova constitui, nesse sentido, uma certa manifestação de liberdade. E ‘ se, no entanto, ela aparece como uma seqüência fixa, não o deve às relações internas de causalidade, mas à redundância que a fixa enquanto forma, conferindo—lhe, como conotação mítica Suple— mentar, o sentido da afirmação da liberdade do herói; 2. se a relação entre A e F é uma relação de consecução, não deve estar identificada como uma relação que se manifestaria graças ao significante "contigüidade". A consecução admite facilmente a separação e vemos notadamente que a prova principal separa seus dois pares funcionais A e F, estreitando, ao contrário, i desse modo, a narrativa; 3. o que, no entanto, confere, à consecução livre de A —l F 0 estatuto de estrutura diacrônica, é a conseqüência necessária que se depreende desta liberdade de encontro. A conseqüência, é, de fato, necessária; ela pressupõe a existência de A —} F: vemos isso claramente nas reduções litóticas de certas narrativas, onde o adjuvante pode ser atribuído ao herói sem que a narrativa mencione a prova que precede essa transferência. A prova é, pois, apenas uma convite ai consecução de A e F, sancionada pelo aparecimento da conseqüência não C. Se a prova possui assim um estatuto diacrônico particular, , ela também mantém um paralelismo incontestável com o modelo atuacional definido anteriormente. d De fato, não somente os seis atuantes se acham implicados na prova, mas também as categorias, que permitiram a articulação do modelo atuacional, encontram na prova seus equivalentes. Assim, à categoria da comunicação corresponde a estrutura do contrato. O par funcional F, por sua vez, manifesta, sob forma de luta, a oposição das forças do adjuvante (que o herói possui) e do oponente. Quanto à conseqüência, vemos que ela representa, sob formas variadas, a aquisição pelo sujeito do objeto de seu ; desejo. ' Observe-se que, das três provas que comporta a narrativa: , prova qualificante, prova principal, . ÏÉ, prova glorificante, î ‘ 267

só as duas últimas apresentam a correspondência termo a termo ( entre as funções que elas implicam e os atuantes da narrativa. Quanto à primeira prova, cuja conseqüência é a qualificação do herói para as provas decisivas, ela não apresenta, pelo seu F, senão uma luta simulada, isto é simbólica, onde O destinador desempenha l o papel de oponente. sl l C) A atividade drcrmicc dc ucrrctívc. , Se a prova constitui por si mesma a definição diacrônica da nàr- ` ( rativa, o desenrolar temporal desta é evidenciado por um certo j número de procedimentos, que constituem os elementos de um ( S¿IDOÍT·]lZÍT8 narrativo. Tal Szooíwfaírø, constitutivo da "elaboração da narrativa (conhecida sob os nomes de intriga, de ( suspense, de atividade e de tensão dramáticas), pode ser definido pela separação das funções, isto é, pelo distanciamento, no enca( deamento das funções constituídas pela narrativa, dos conteúdos Sêmicos pertencentes à mesma estrutura da significação. l Assim, ao sema não C3 (falta) corresponde, com intervalo de ( qirinze funções, o Sema não os (dissolução da falta). Não é neces; Sario fazer o comentarão da falta, que Souriau designa como uma ( ) situação intolerável, criadora de necessidades, promotora de ação. | Uma vez colocado esse sema negativo, a narrativa tenderá a en! contrar 0 sema positivo, a dissolução da falta. A atividade obtida l pela separação de não C; vs não Cg, pode ser chamada "Procura". l No próprio momento em que a atividade "PrOcura" se dis) tende, colocase um novo Sema C; (sinal): a atividade que tende ‘ em direção à realização do sema contrário não C; (reconhecimento) ) embora sua tensão pareça menor, por causa do caráter positivo (e ` ¿ não negativo, como no caso da "procura") do sema procurado, ) pode ser chamado "Demanda" isto é pedido do reconhecimento, ; que é devido ao herói; ( ‘ Quanto à terceira atividade, a de "Qualificação" que liga não Cg a não C2, se se mostra frágil, é apenas na medida em que a qualificação do herói só faz anunciar sua vitória sem realizá—la. Sua estrutura, entretanto, é a mesma que a da atividade "prooura” e ÍÏ ambos constituem a atividade redundante que conduz a intriga, Í 268 à ( -4

Consideremos como atividades principais aquelas das separações funcionais cujo Sema ad quem constitui também a conseqüênxd cia da prova, isso, porque, desta forma, as atividades se integram , na própria estrutura da prova e fazem parte, Subsidiariamente, da _ sua definição. Consideraremos, em compensação, como secundárias, e não pertinentes, as atividades constituídas pelas oposições Sêmicas separadas, mas cujo Sema ab quo não precede a conseqüência da prova. - “ tu d) Duas interpretações da ncmctîvc. a A prova que define diacronicamente a narrativa, e que cons3 titui seu nó, está longe de esgotála. De fato, exceto a luta (F), os outros constitutivos da prova estão, por assim dizer, apenas for« malmente presentes na prova: sua investidura semântica, sua Sig , i nificação —— que será também a significação da prova — eles não ~ as recebem senão do contexto, isto é das seqüências da narrativa « que precedem ou seguem a prova. A E. Souriau definiu com bastante simplicidade a economia “ geral de uma peça de teatro: a uma situação mais ou menos calma do início corresponde uma situação mais ou menos perma nente do fim da peça; entre as duas algo se passa. Conhecemos já esse "algo" que se passa no meio da narrativa; mas a própria Š narrativa vai extrair seu sentido apenas das duas permanências ’ do início e do fim. A AS duas seqüências — inicial e final — da narrativa são ConS tituídas de duas categorias sêmicas, sob sua forma positiva ou neli gativa: ' sequencia inicial , Sequencxa final È ' A {— C C —l A [ Considerando que as duas seqüências contêm O essencial da { investidura semântica da narrativa, é sua leitura que deve dar a chave da significação do conto popular. As coisas, entretanto, se À complicam pelo fato de que, segundo O tipo de relações consideradas entre os termos estruturais, é possível uma duplaleitura. È A primeira consistirá na apreensão acrônica dos termos sob forma N a zõs \

.l l de categorias e no estabelecimento da correlação entre as duas categorias: AC : CC ... isto é: a existência do contrato (da ordem estabelecida) corresponde à ausência do contrato (da ordem) assim como a alienação corresponde à plena fruição d·os valores. ‘ A segunda leitura, levando em conta a disposição temporal dos termos, nos levará a considerá-los como implicados uns pelos outros: s 0) = A> l .« o que pode ser comentado mais ou menos nesses termos: num mundo sem lei, os valores são invertidos; a restituição dos valores l torna possível O retorno ao reino da lei. l l Vemos que as duas formulações são bem diferentes, apesar j da identidade dos termos. “ S) A significação czcrôuiccx dcr nurrctivcz. d s A primeira formulação se apresenta como a correlação de } duas ordens de fatos pertencentes a dois domínios diferentes: 1. O domínio social: ordem da lei, da organização contra- l tual da sociedade; 2. O domínio individual ou íntøríndíoídual: existência e . posse graças à comunicação inter-humana, dos valores individuais. A apreensão paradigmática da narrativa estabelece, conSe— d qiientemente, a existência da correlação entre os dois domínios, entre o destino do indivíduo e o da sociedade. Vemos que, assim Ï « compreendida, a narrativa apenas manifesta as relações que exisl tem ao nível da axiologia coletiva, da qual ela não é senão uma È .forma de manifestação entre outras formas possíveis. 0 conto popular é nesse sentido, simplesmente uma encarnação particular de certas estruturas de significação, que podem ser anteriores a ele, e que muito provavelmente são redundantes no discurso Š , social. 270 _

Fl lê; A correlação permite, pois, apreender a narrativa como uma estrutura de significação simples. Quanto à própria "correlação", 1 considerada como relação, é essencialmente a afirmação da exis- ? tência da relação; expressa, já que se trata de verbalizá—la, pela conjunção como, ela estabelece a relação conjuntiva entre os termos da proporção. È necessário agora considerar um pouco mais atentamente os termos da correlação, para ver em que medida podemos, È È apesar da ausência do contexto axiológico, aprofundar a interprel tação da significação do conto popular. l Tomemos de início a segunda parte da proporção, que se refere ao domínio individual. Quando da redução, interpretamos . cada C como um processo de comunicação, caracterizado pela 1 transmissão de um objeto simbólico. A comunicação foi depois particularizada, segundo o objeto transmitido, sendo cada objeto vairiável indicado por um número diferente: 1, 2 e 3. È inútil insistir —— o fato é bem conhecido em antropologia —— nesse modelos mítico da apresentação dos valores que é o objeto em comunicação; é mais interessante tentar apreender a sua natureza. 1. No caso de C1, o objeto da comunicação é uma mensa gem, uma espécie de fala "congelada", coisificada e por isso Írans- ; missível. Por constituir a chave do conhecimento e do reconhecimento, o Objetomensagem poderia ser considerado como uma Ï formulação, no plano da manifestação mítica, da modalidade do "Saber". 2. No caso de C2, trata-se da transmissão do vigor, que priva o homem da energia necessária à ação, ou, ao contrário, lha atri bui. O objeto—vigor seria o equivalente mítico da modalidade do "poder". 3. No caso de Cg, a comunicação consiste na transferência do objeto do desejo, que corresponderia, conseqüentemente, à modalidade do "querer". · Apesar de não ousarmos nos pronunciar, por enquanto, sobre a natureza da correlação entre os valores que constituem a nar rativa e as categorias modais constitutivas do modelo atuacional, a existência desta correlação traz a confirmação do caráter de Ï grande generalidade que possuem tanto uns quanto outras. 271 \‘

Vemos, pois, que os termos alienação e reintegração desvalores, pelos quais designamos as seqüências da narrativa C C C e , CCC, parecem de certa forma justificados por essas novas precisões. ’ Em resumo, podemos dizer que a segunda parte da proporção estrutural coloca, de fato, a alternativa entre O homem alienado e 0 homem que frui a plenitude dos valores. Quanto à primeira parte da proporção, ela é ao mesmo tempo mais simples e mais complexa. 0 estatuto de A, que definimos como um contrato social, possui igualmente, à primeira vista, a forma ` da comunicação: o destinador impõe que o destinatário aja; o destinatário aceita a injunção. Trata-se, pois, de uma obrigação È livremente consentida. No caso de A, 0 destinador proíbe o desti; natário de agir, o que é, evidentemente, a transformação Ï de C1, da injunção. que é um convite ao fazer (e não ao não fazer). 0 contrato aí é de ordem negativa, privando o homem das possibilidades de ação. Por outro lado, à aceitação corresponde a violação, que, apesar , de ser uma forma de negação, não é, entretanto, negação, pois j comporta a vontade de agir, em oposição à proibição, que é a j interdição de agir. A violação é, pois, um termo ambíguo: « j a) em relação à aceitação, ela é a negação da aceitação: l não a vs não z l r [ .. ; . .— ,— . . ,.. . ) b) em relaçao à proibiçao, que é‘a negaçao da mjunçao (ordem de agir), ela é a negação da negação (negação da ordem de não j agir); logo: Í ã vs —— (Z1'). Em outras palavras a negação da negação é uma espécie de jp afirmaçao (Cf. o si afirmativo do francês); ` — (Š) : a. `. ISSO quer dizer que a violação é uma espécie de injunção. Embora paradoxal à primeira vista, a dedução é teoricamente « válida, contanto que se limite à conversão somente das funções, = Ï sem levar em conta os atuantes.' A tomada em consideração « 272

dos atuantes elucida o paradeiro: a violação ê bem uma injunção, que comporta a negação do destinado: e lhe substitui O destina- Š tario. De fato, a identificação do destinador e do destinatário ~ na função de injunção parece constituir a própria definição da ‘ vontade, do ato voluntário. Vemos, conseqüentemente, que, se V A _vS Í È é a oposição entre _o estabelecimento do contrato social e sua ruptura, a ruptura do contrato toma uma outra significação positiva: a afirmação da liberdade do indivíduo. Logo, a alternativa proposta pela narrativa é a escolha entre a liberdade do individuo (isto é a ausência do contrato) e a aceitação do contrato . social. E somente após esse complemento de análise que aparece s 3 a verdadeira significação do conto popular, que é, como O mito — Lévi—StrausS bem O pressentiu e afirmou — uma presentificação . C das contradições, das escolhas igualmente impossíveis e insa—. ui tisfatórias. , ~ No contexto do conto popular russo, essa contradição mítica ; pode ser formulada da seguinte maneira: a liberdade individual tem por corolário a alienação; a reintegração dos valores deve * ser paga por uma instauração da ordem, isto é, pela renúncia a esta liberdade. , È preciso ver agora como a narrativa tenta resolver esta contradição. £) O modelo transformacional. Vemos ue a análise da narrativa ode dar lu ar a duas de..-.P frmçoes diferentes. , . . . . . 1: A primeira delas era de ordem diacrônica. A narrativa se reduz, de fato, .à seqüência da prova que, manifestando no dis curso um modelo atuacional, antropomorfiza, de certa forma, as , significações e se apresenta, por essa razão, como uma sucessão de comportamentos humanos (ou para·humanOS). Esses comportamentos, como vimos, implicam ao mesmo tempo uma sucessão temporal ( que não é nem contigüidade nem, implicação lógica) e , uma liberdade de sucessão, isto é, os dois atributos pelos quais ;¿ ‘ em lê iw

tem-se 0 hábito de definir a história: irreversibilidade e escolha. Virnos também que essa escolha irreversível (F após A) compor- I tava uma Conse üência dando assim ao homem en a`ado no ’ processo histórico a consagração da responsabilidade. A seqüênClâ. dl3CI`ôDlC3. €lEIÏl€I]Í3I° da I`]HI°I3ÍlV8. COIHQOÏÍZ, pois, GITI SLI3. definição, .todoS os atributos da atividade histórica do homem, “ que é irreversível, livre e responsável. i Tal interpretação (33. pI'OV3. PÔÏIÏIÍÍG COI]Sld€I°á·l3 COITIO O I`I`10·· (1610 figurativo, isto é, COXÏIO \l1’I1 COHÍUHÏO OI`g3I]lZ3dO de compor- , tamentos míticos, que dá conta das transformações históricas, verdadeiramente diacrônicas, e a análise da narrativa, tentada nessa direção, admite, pois, conceber como possível a descrição dos modelos transformacionais. Visto sob esse ângulo, O papel da pI'OV2\ 56 pI‘6CÍS3 'L ela COII1p1'€6I'1(1C 111113 estrutura ÕG CODÍBÚO dada: ; ÍÏ C não :1 não C 8 3 Í1‘311Sf01`1'1'18, p0I‘ LH113. operação IDÍÈÍC3, cujos ÍCI`I1’10S V8IT10S definir numa estrutura de conteúdo diferente da rimeira: J z Cl Ï Š "'î'· , I130 0 113.0 C ~ À COI1'1p8I`8ÇãO, €lT1b01‘à Sllpëffllâl, d3S €St1‘t1tU.I“8.S '- 3.I1Í€S B Š depois da ÍI`311SÍ01'IT1âÇã0 ·· IDOSÍI'8. que CSÍ8. ]_J3I`€C€ consistir 118 È supressão dos sinais negativos da estrutura sobre a qual ela se ` exerce, em outras palavras, num procedimento metalingüistico a que é a denegação da negação, que tem como resultado 0 apareCÍYHDÍO (18. asserção. Assim sendo, podemos tentar considerar agora os elementos EtÍI1Cl3. Hã.0 3118lÍS8d0S do €Sqt16I118. dê. pI'0V3. Vimos qll 35 três [JÏOVHS COI1Íld3S 113 IIHÏÏZÍÍVH. CÚHIPOIÍHITI, cada UÏÍ13., UH13 COI1S8 , üência articular não C; não C2 e não Cg e ue essas conse17 qüências são não somente OS 1°€SU.lt8.dOS d3S pI`OV3S, HIHS 05 ÈGIIHOS positivos (16 C3.Í6g0I`Í3S Sê1'I1ÍC3S cujos ÍGIIIIOS I16gŽ1ÜVOS $8 acham presentes, SOb fOITÏI3. ld 3Ï1t6CCdI`]t€S, 113. estrutura ' 1.1 ~ 1' I1 ’V8l ela I'OV&. È 001156 ÍÍGDÍCIIIGDÍB U6 S6 S 08 S6I' Í3 SÏOI'1113. 9 274

lã . } a luta (F) 4- único par funcional não analisåvel em estrutura acrônica, e que precede imediatamente o aparecimento, sob forma ` positiva, do termo pertencente à estrutura que buscamos transforl mar — que deve dar conta da própria transformação. A luta aparece inicialmente como enfrentamento do adjuvante e do oponente, isto é, como manifestação, ao mesmo tempo funcional, dinâmica e antropomórfica, daquilo que poderíamos considerar como os dois termos — positivo e negativo — da estrutura de significação complexa. O enfrentamento é imediatamente seguido da função "êXit0", que significa a vitória do adjuvante sobre o oponente, isto é, da destruição do termo negativo em proveito apenas do termo positivo. A luta, assim ínterpretada, poderia, pois, ser a representação mítica da dissolução da estrutura complexa, isto é, dessa operação metalingüística onde a denegação do termo negativo não deixa subsistir senão o termo positivo da estrutura elementar. Teremos, aliás, ocasião de retomar esse problema das qualidades do julgamento no capítulo i seguinte, num nível diferente, não figurativo. De qualquer forma, « a luta aparece já como a expressão da atividade metalingüística, no sentido de que não e-possui conteúdo próprio, mas incide, ao contrário, sobre 0 conteúdo da conseqüência, que é, como vemos, d manifestada separadamente, independentemente da luta. . Mas a conseqüência não é a saída da luta apenas; ela é igualmente a do contrato parcial, estabelecido antes da luta e que é, também, constitutivo da prova a conseqüência é, pois, } a sanção desse contrato, a prova de sua realização, e implica o restabelecimento parcial do contrato global rompido. Não querendo prolongar-nos aqui sobre a interpretação lingüística do jul gamento assertívo, que deveremos retomar mais tarde, contentamo-nos aqui em afirmar que a prova, considerada como expressão figurativa do modelo transformacional introduz uma dimensão diacrônica que, opondo os conteúdos axiológicos investidos nas €St1`L1 turas que a precedem e que a seguem, dá conta também de sua transformação. o. q) A ncrrctîvc: enquanto mediação. Vemos que a narrativa (e mais particularmente o conto popular Ï~ russo), submetida à análise funcional que busca determinar a E i 275 lî ±

natureza das relações entre as funções dentro de uma manifestação discursiva, é suscetível, em suma, de uma dupla interpretação, que evidencia a existência de dois tipos de modelos imanentes: l a primeira dá conta de um modelo constitucional, que parece ser uma forma protocolar de organização dos conteúdos axiológicos contraditórios, apresentados como insatisfatóos e inevitáveis; a segunda ao contrário, explicita a existência de um modelo transformacional, oferecendo uma solução ideológica, uma possibilidade de transformação dos conteúdos investidos. Esta possibilidade de uma dupla interpretação não faz senão sublinhar o grande número de contradições que a narrativa pode conter. È ao mesmo tempo a afirmação de uma permanência e das possibilidades da mudança, afirmação da ordem necessária e da liberdade que transgride ou restabelece essa ordem. E, no o entanto, essas contradições não são visíveis a olho nu; muito ao l contrário, a narrativa dá a impressão de equilíbrio e de contra- l dições neutralizadas. É nessa perspectiva que ela se mostra l essencialmente em seu papel de mediação. De mediações múlti~ plas, devemos dizer: mediações entre estrutura e comportamnto, entre permanência e história, entre a sociedade e o indivíduo. Parece-nos possível, generalizando um pouco exageradamente agrupar esse tipo de narrativas em duas grandes classes: as narra- a tivas da ordem aceita; as narrativas da ordem presente recusada. No . primeiro caso, o ponto de partida está na constatação de ce—rta È ordem existente e na necessidade de justificar, explicar esta ordem. A ordem que existe, e que ultrapassa 0 homem, porque é uma ordem social ou natural (existência do dia ou da noite, do verão ou do inÀ verno, dos homens e das mulheres, dos jovens e dos velhos, dos agrii cultores e dos caçadores, etc.), se acha explicada ao nível do homem: a procura, a prova são comportamentos humanos que instauraram essa ou aquela ordem. A mediação da narrativa consiste em "huma nizar o mundo", em dar—lhe uma dimensão individual e de acontecimento. 0 mundo se acha justificado pelo homem, o homem integrado no mundo. · No segundo caso, a ordem existente é considerada imperfeita; o homem, alienado; a situação, intolerável. 0 esquema da narrativa se projeta então como um arquétipo de mediação, como uma promessa de salvação: é preciso que o homem, o indivíduo, ,, assuma a sorte do mundo, que ele o transforme através de uma ’ 276 Í `I ~Ï?š;î7Ïî

li 4 "l Ï l sucessão de lutas e de provas. 0 modelo que apresenta a narrativa dá conta, assim, de diversas formas de "SoteriSmo" que propõe l a solução de toda situação intolerável de falta. la Essa introdução da história, seja ela explicativa ou projetiva, cíclica ou aberta, dá um interesse suplementar à análise, permitindo colocar a questão do valor e do alcance dos modelos tais como se mostram após a descrição do conto popular russo. l a 3.° O MODELO 'I'B.ANSFOB1\!IACIONAL E O PSICODRAMA o) Do coletivo Cro individuo]. A definição da narrativa considerada como tuna manifestação ? discursiva, que desenvolve, graças à consecução de suas funções, P um modelo transformacional implícito, não se funda, infelizmente, o senão na análise de um único gênero de narrativas, 0 conto popular russo. Sua dimensão permanecerá, pois, tão reduzida que não se poderá mostrar que 0 modelo reconhecido na narrativa, conto é encontrado em outros domínios axiológicos e se aplica a narrativas de figuração diferente. Podemos mesmo dizer que quanto mais o novo domínio de aplicação do modelo se distancie de seu lugar de origem tanto mais geral parecerá, com direito, 5 o seu alcance. È O domínio que se ofereceu, um tanto ao acaso, à nova experiência parece corresponder a esta exigência. Trata—Se de um corpus constituído pelos resumos das narrativas feitas por uma criança "obSessiva", quando de um tratamento psicodramático, os Ï quais extraímos, com os comentários do autor, das Réflexíons sur . lø psychodmmø zmzlytiquc de M. Safouan (Bulletín de psychologíø, já 30 nov. 1963). Diante da dificuldade de procurar material psicana- ., j lítico bruto, não interpretado, para as necessidades da descrição l: È semântica, os resumos de M. Safouan apresentam a vantagem de d ser simples e de englobar o conjunto do tratamento por que passou ' a criança. 0 interesse desse corpus é evidente: contrariamente ao conto popular,_que é obra coletiva, as narrativas de que ele é composto provêm de um só locutor individual. Por outro lado. a _ distinção entre a manifestação figurativa da narrativa e a estrutura de sua significação aparece aqui de maneira indiscutível: embora { 277 A, `*

o corpus seja constituído de uma série de narrativas ·- histórias policiais, contos chineses, narrativas de espionagem - a manifestação discursiva, através de todas essas narrativas, é una e reflete ( uma estrutura de significação única, comparável, se não idêntica, à estrutura da narrativa do conto popular. O tratamento psicodramático se manifesta, nessa perspectiva, como uma técnica que busca promover a realização progressiva do modelo transformacional da narrativa até seu término, e o papel do terapeuta consiste em observar o encadeamento das narrativas parciais, a fim de que se dirijam a uma realização do modelo estrutural previsto: Para justificar o que acabamos de resumir em poucas palavras, exporemos, etapa por etapa, O tratamento descrito por M. Safouan. b) A estrutura compenscxdorcz inicial. A criança foi apresentada aos terapeutas pela mãe, cujo caráter dominador era visível, acompanhada do pai, apagado e j bonachão; uma configuração familiar banal, que fornece as primeiras informações contextuais. A criança, convidada a "inven tar” as narrativas para o jogo psicodramático, não deixou de "propor, semana após semana, histórias policiais que, apesar de sua diver “ sidade aparente, tinham em comum 0 seguinte: havia de um lado, um mestrecantor, de outro lado, uma nobre vítima que, corajosamente, permitia ser explorada, pois, se deixasse escapar seu segredo, ela provocaria a perda de uma personagem que devia proteger a todo custo — muito freqüentemente seu próprio pai". (loc. Cít., p. 365). ( Se adotamos, para a. análise das narrativas psicodramáticas, a mesma notação simbólica que aquela utilizada para a descrição do conto popular, podemos tentar formular a estrutura iterativa implicitamente manifestada no conjuntodas narrativas desta fase inicial por . ‘ c (decepção) N C2 (revelação do vilão) não C2 (submissão) não C2 (revelação do herói) l ¿isto é, por um sistema paradigmático simples, que exprime, sob ? ° forma de oposição categórica, apenas os valores individuais, e . 278 . { Í ~——«-««~·«-««««~«~««w

` ainda de maneira bastante reduzida: a privação da força vital que caracteriza a seqüência do início, é compensada pela consciên, Cia de seu próprio heroísmo. A estrutura desse inventário de narrativas permanece, entre- l 4 tanto, inteiramente acrônicac se, como "o mito", tal como é defiÅ nido por Lévi—StrauSS,. ela permite à criança "viver" uma situação N Š impossível, não chega a nenhum encadeamento diacrônico. Pode— mos admitir a existência litótica da situação inicial, não manifesŠ tada nas narrativas, e representar por A (ruptura do contrato entre pai e filho); a integração dos valores individuais numa i "ordem soCial" permanece impossível, pois sua formulação só pode ser ' _ _ JCA .——... '_:_·’ ———. ŠCx ·I F. l e significa a ausência, no limite, de um novo contrato previsível. { i O heroísmo que a criança não cessa de apregoar em suas narrativas, 4 por falta·de um destinador, não é reconhecido. i Notamos, ao mesmo tempo, como traço característico não somente desse primeiro inventário de narrativas, mas do Corpus no seu conjunto, a manifestação exclusiva de C2, isto é, da privaÏ ção e da atribuição da energia vital, preferido em relação a outros . e escolhido na axiologia de valores individuais: ele poderá cons- E l tituir um dos elementos da definição desse tipo de estrutura. l 1 Observczço: È interessante assinalar que a intervenção do { teraupeta, o qual detém a iteração dessa estrutura inicial, { consiste na explicação da estrutura semântica comum ao con- F junto das narrativas. 0 papel da tomadrde consciência pa— rece se limitar, nesse tratamento pelo menos a essa fase I inicial. ÉÏ , C) O aparecimento dcx Iutcz. l Após esta intervenção, aparece um novo tipo de narrativa. Ï l Todas estas, no entanto, comportam uma idéia comum: "para malandro, malandro e meio". "Havia um malandro que conseguia enganar o inspetor, este conseguia capturar, enfim, 0 mal. ¢` Š 279 { 1 lÏ

Šeitor; havia também 0 “gangSter" que, Contrstiazrrerrte leis do meio, queria aplicar um golpe em seus comparsas, mas caiu vitima de sua própria astúcia ou da deles etc. (LOC. cíž., pp. 365, 366).” Abandonando os elementos compensadores C2 e não Cg, que lhe conferiam o caráter acrônico, a narrativa tenta provocar um encadeamento diacrônico revelando um novo par funcional F: .. decepção combate C2 "—†î‘*‘ > F · Submissao VIÍOII8 . O exame desse novo inventário de narrativas e da nova seqüência estrutural permite as seguintes observações: 1. A seqüência estrutural, embora possuindo O caráter diacrônico, permanece, no entanto, ambígua, e funciona como uma estrutura acrônica compensadora. De fato, como os papéis do a herói e do vilão são intercambiáveis, o autor das narrativas, que l pode eScolhê—loS, se faz herói ou vilão, mas preferivelmente herói, j a seu belprazer. 2. O que faz com que os papéis sejam intercambiáveis e que a luta (F) não possa transformar-se em prova, é, evidenteinente, a ausência, na economia da narrativa, de todo contrato (A) •••«·.l e, por isso,. do clestmador que faria do ad]uvante o atuante-su]e1to, l ao muda-lo de missão. l l l Observuçzo: A intervenção do terapeuta não se situa fora, l mas dentro do jogo: é a vitima, desempenhada pelo tera— d peuta, que recusa continuar a ser vítima, e não O terapeuta. a 0 problemaycorno vemos, não se situa mais no nível da « consciência, mas no ·da distribuição e da assunção dos papéis. , d) O desenvolvimento da prova. A criança, tendo jurado vingança, volta na semana seguinte ' com um conto chinês muito complexo. Li-Shong e Li-Toclc, dois , bandidos inimigos, acampam com seus bandos um diante do ‘, outro. Shang, auxiliar de Li-Shong anuncia ao chefe a captura ’ .d0 único médico da China capaz de exterminar a peste. Tendo N . 280 _ . {.

N1 •> 1 ] dado ordem de deter 0 médico em Segredo, 0 chefe dos bandidos imagina um estratagema muito complicado para destruir seu inimigo. Sua filha deve ir colher flores na proximidade do Campo de Li-Toclc, e deixar-se raptar como refém. Uma vez prisioneira, ela pretenderá estar atacada pela peste. Li-Tock, acredîtandoSe ’ esperto, reclama como resgate quatro caixas de ouro por sua pril Sioneira. Li-Shong lhe propõe, em troca de sua filha, o médico detido e que é capaz de tratar da doença, reclamando por esse 1 serviço vinte caixas de ouro. Uma vez feita a troca, Li-Shong ! dita a seu auxiliar uma mensagem dirigida a seu inimigo, na li qual anuncia que O próprio médico está doente e que, conSeqüen ] temente LiTock deve esperar pela morte certa. Nesse preciso momento do jogo, o terapeuta intervém propondo um dilema para a criança: se a mensagem é enviada, O jî conhecimento do mal pode dar ao inimigo a chance de escapar da Ï morte; se se quer destruir o inimigo não é preciso enviar a mensagem. A criança, incapaz de sair dessa, interrompe 0 jogo. Š A narrativa, embora complexa, se deixa analisar como 0 desenvolvimento da prova- simulada. Tentamos inicialmente relv conhecer as funções constitutivas da prova: j _ não CR F A @0 C“_, F ( espex a ( dxssoluçao ¿ ý A fai ) W ata) î (co trato) da falta) 4"; falsa captura luta simulada: falso contrato: retorno da j V pedido de reS troca entre herói filha (e não 7 gate e de coxa- e vilão (e não do objeto Ñ tra-resgate destinado:') do desejo) j manifestação (não es) —— (F)` — (A) — (não Cg,) Š Embora a prova se desenrole inteiramente no plano da "decep j · çãO” isto é da simulação e do engano, e embora seja marcada, por esse fato, pela inversão dos signos e interversão da sucessão sintagmática das funções, ela contém no entanto, à exceção do ŠŠ “¿ “Sînal”, todos os elementos constitutivos: apresenta, consequenie mente, um progresso indiseuüvel no desenvolvimento da estrutura li subjacente ao conjunto do corpus. ï ` IÉ Aæ ‘(

A principal dificuldade que bloqueará o desenrolar dessa narrativa-ocorrência reside, no entanto, na distribuição dos atuantes: o contrato simulado, válido do ponto de vista funcional, não o é, “ se consideramos os atuantes que o realizam. O herói sincrético, de fato, só pode firmá-lo com o vilão, pois que ele próprio assume, sincreticamente, o papel do destinador e não pode ser, ao mesmo tempo, destinatário. O acúmulo de papéis do sujeito e do destinador é, além disso, visível quandoda dissolução da falta: o objeto do desejo retorna, pelas mesmas razões, a seu pai-destinador. Mas, sendo destinador, ele não pode mais atribuir-se o vigor qualificante; e ele o envia pois sob a forma do antivigor (: doença) ao vilão. · 0 ápice do estratagema se acha assim realizado: 0 antivigor que vai ao vilão não é senão um pretenso não vigor; o vilão, entretanto, . o aceita como verdadeiro e considera que sua natureza vai privá-lo de sua força; a manifestação litótica da prova qualificante se acha assim realizada. 0 mesmo ocorre com a punição do vilão (C2): o herói, que em sua qualidade cumulativa do destinador, é encarregado de puni-lo, lhe envia, desta vez, um verdadeiro antivigor, sob a forma l do médico tomado pela peste. Mas o vilão só pode ser punido l se o herói for já revelado. 0 herói-destinador cai assim na sua e própria armadilha: enquanto destinador, ele quer enviar um objetol -mensagem (não C1) que permite reconhecê-lo como herói. È aqui que se situa a intervenção do terapeuta. ' Observczçãoz Esta intervenção do terapeuta consiste em tornar explícita a impossibilidade do sincretismo: sujeito —{Å destinador, a impossibilidade para o herói de ser seu próprio destinador. A ausência de um destinador independente impede o reconhecimento do herói enquanto herói. As duas narrativas seguintes serão, pois, consagradas à pesquisa, ao mesmo tempo, do destinador e do reconhecimento. “ A e) Becxlizczço da provc:. A nova narrativa proposta pela criança consegue finalmente È realizar a prova sob forma positiva. `Ela se apresenta como uma l história de espionagem: "Um agente de um escritório de contra- _ espionagem saboreia seu uísque num bar do Cairo. Aposentouse . 282

`I \ (É (( do cargo e não quer saber mais de aventuras. Seu ex-chefe o desco Ä li bre e chega inesperadamente. 0 agente compreende que tuna “ Š nova missão o espera e deseja se furtar. Seu chefe o detém a )Ï tempo. A missão consiste em ir a uma outra cidade onde um agente considerado desconhecido, lhe dará uma mensagem de Š grande importância, e sua tarefa consistirá em fazer chegar a ( mensagem ao destino. Ao realizar a missão, o agente viverá muitas , aventuras cujos ponnenores são importantes. Especialmente rece— Ñ A berá um certo ferimento. 0 agente é abordado por um desconheciI do, disfarçado de vendedor de amendoim, que lhe passou um ( pacote. Mal ele acabou de fazê-lo e foi atingido por uma bala. 0 agente tem dúvida sobre a identidade do desconhecido. Procura È a mensagem e a encontra entre os amendoins." T Apesar das lacunas e das indicações sempre sumárias, a análise e da narrativa não apresenta dificuldades: (ï não C3 f A1 { E2 1 F1 1:1 Í não C3 . (falta) (ordem vs acei- (prova qua- (luta) (sinal) (dissolução 5 tação) líficante) da falta) I espera da o chefe encarre- aventuras tiroteio ferimento tranferêrr m°mg°m Í šàaî Tîî 2ù Observczgõo: Vamos notar que a narrativa abandona, por ( ser inútil, a repetição da seqüência inicial, não deixando, do Q gl contexto alienante, senão a situação de falta. O interesse da î_ i narração, e do locutor, está em outra parte. li Observando um pouco mais de perto, a narrativa aparece { como uma história do destinador encontrado, não reconhecido e ( finalmente perdido. De fato, o atuante—deStinador está presente l‘. na narrativa, sob a forma de dois atores: o chefe da cont1'a- ¿T N -espionagem, um destinador que vai procurar o destinatário, e o Í_ ' desconhecido, disfarçado_em vendedor de amendoins, que entrega ‘l1 1 "mensagem" ao herói, e nesse desconhecido reconheceremos ~ facilmente 0 próprio psicanalista, que é de nacionalidade egípcia. , 0 papel do destinador-psicanalista, interessante de ser observado, {Ï resume-se em três funções: i. !. (É È

Vl 1. È um destinador não reconhecido pelo destinatário; 2. seu papel consiste em entregar o objeto-mensagem, isto é, sinal de conhecimento e de reconhecimento (0 ferimento constitui, aliás, sua redundância parcial). 3. seu papel termina quando, desconhecido, ele é morto por Luna bala perdida. , Assim, pois, embora de posse da "menSagem", o herói não pode receber recompensa, pela ausência do destinador assassinado. s rÔbS91"VCIQO! A intervenção do terapeuta, morto no cumÍ primento do dever, para por aí. , f) O problema do reconhecimento e dar recompenso:. A última narrativa proposta pelo menino é apenas a reprodução, quase textual, de um dos últimos capítulos de Zadíg de Voltaire, intitulado "© Ermito". Estamos lembrados de que s Zadig, voltando definitivamente à Babilônia, encontra o ermitão que permite que ele o acompanhe. ]untos pedem hospedagem e e { passam quatro noites sucessivas em casa de anfitriões muito diferentes: um vaidoso e um avarento no início, um filósofo e uma mulher virtuosa em seguida. Em sinal de reconhecimento, o ermitão rouba do anfitrião vaidoso dois candelabros de ouro, que 5 oferece a seguir, em agradecimento, ao avarento. Em recompensa g l pela honesta hospitalidade do filósofo, o ermitão, ao partir, põe a ’ fogo em sua casa; para agradecer à viúva virtuosa, ele mata seu ` sobrinho. Vemos que, nesta primeira parte, a narrativa está consagrada ao problema da punição do vilão (cg) e da recompensa do herói ( não C3). Isso é inteiramente normal: sendo a prova realizada na narrativa : anterior, tem de ser proposta a questão da reintegração dos valores. A seqüência que acabamos de resumir parece, entretanto, incapaz de · distribuir corretamente as recom ensas e as uni ões Tudo se desen. . P , P .. ..,. rola, de fato, remetendo-nos quase que a Sequencia inicial, ao nivel “ , das aparências; parece que a hospitalidade dos dois primeiros anfil triões é negativa e deveria ser punida: ela o é num caso e não _ no outro; a hospitalidade do filósofo e da viúva pareceria positiva e ~ 284 Í "*“"’î"T l

N× ( deveria merecer recompensa: é o contrário, que se produz. Como no início da manifestação discursiva, o herói é um herói "deCepcionado". A narrativa, entretanto, não está ainda terminada. 0 ermitão, não o esqueçamos, é O enviado pela Providência: está preparado ( para entregar a mensagem ao herói (: Zadig ±: criança). Isso , porque nosso herói já está marcado (recebeu o ferimento), cum- ; Š priu sua tarefa, dissolvendo a falta (apanhou a mensagem que l estava encarregado de recuperar). Essa mensagem é O objeto do } desejo do sujeito; e não basta, como devemos lembrar, reconquis' tála; é preciso ainda que o destinador a remeta, de maneira re- “ ) dundante, ao mesmo tempo como recompensa e como garantia s do novo contrato concluído. E é o ermitão-destinador que realiza esta última funçãonremetendo a mensagem que, apesar da sua forma de ‘reconhec1mentO do bem e do mal" nao deixa de ser a uma recompensa, ` « A significação global dessa manifestação discursiva, recoberta por vários inventários de narrativas figurativas, se mostra agora É com clareza, e o modelo transformacional particular (que os especialistas, se é que reconhecem 0 seu valor, poderiam definir como caracterizando um subgênero particular de narrativas) pode ser “ definido como a transformação de não C1 em não Cl, com o auxílio da prova onde não C; será analisado como não C3. isso quer dizer { que a situação de falta inicial era caracterizada pelo privação do objeto-mensagem, isto é, do "saber" que dava à estrutura inicial è "obSeSSiva" da narrativa seu caráter oscilatório, fazendo do sujeito ao mesmo tempo um "tolo" e "um herói por si mesmo" e consJ tituindo-0 em um termo estrutural complexo (não 2 \- não C2). 0 modelo transformacional, por sua vez, só pode funcionar —— por sua própria definição ~ considerando o objeto da falta (no nosso { caso: não ::1) como objeto do desejo (não C3). Esse objeto do ), desejo particularizado (não C3 †—= não C1) será, pois, reconquistado ( durante a prova principal (é, como estamos lembrados, a mensagem ( a ser recuperada), e remetido, em seguida, pelo destinador como l uma recompensa. De fato, 'a mensagem-explicação do ermitão con( ' Siste em colocar o "_saber" como uma modalidade capaz de dissoJ ciar o termo complexo (não C2 —}— não cz) em uma categoria dis— 1, juntiva (não Ü2 vs não ::2) distinguindo máscara de rosto, aparência l ¿ de "realidade revelada". 0 objeto-mensagem que fecha a narra- ê tiva é, conseqüentemente, ao mesmo tempo a recompensa e O F Wšš

"saber" que permite reconhecer a recompensa separando—a da l punição. ¿ q) Mcmifestcrço íîgurcrtivcx do modelo. 0 quadro recapitulativo permitirá ver melhor como se rea— l liza, com o auxílio de narrativasoCorrências sucessivas, a ma- { nifestação figurativa de uma estrutura de conjunto único, manifestação que obedece por sua vez a um modelo transformacional imanente. « DENOMI AÇÃO _ 7 _ A V I DE A C E C A · NARRATXVAS ' ir C Ã' Å ‘ " 5'€ I -III! II É Pønz malum d -,7 À \ ržro, mulzm- Å { dro e meio M0 fg F l Cwø °Å'”ë$ (nãOC3)(A1) —(F,) —. — l E''°"'“'* II— —°Ã° `Ax Ez Fx lîl l O Emxizù ÏÏ nocg \ 'Ï (=x·AãoC,) A l h) Alccmce do modelo h·cmSíormA2] [ humildade 2 F (superestima) [A;•>A2] j orgulho 2 F (superestima) [A1>A;] ` ' [ humildade 2 F (subestima) [A1·>A1] Dado que humildade funciona, no universo de Bernanos, como antônimo ao mesmo tempo de orgulho e desprezo, estabelecendo ‘ assim a equivalência entre: 309 l E

superestima de outro ;' subestima de si podemos dizer que a mesma equivalência pode ser postulada, apesar de uma dupla lexioalização em desprezo e orgulho, pelos conteúdos x , subestima de outro : superestima de si. No entanto, como a classe T" exige uma formulação transitiva da função, é o termo desprezo, equivalente a orgulho, que escolheremos para denominar o resultado da redução desprezo vs orgulho. 2. Aooreza, egoísmo e luxúria encontram facilmente, no vocabulário de Bemanos, seus termos opostos: doação, solidariedade, troca, mas, no nível da manifestação figurativa, eles correspondem a um só Semema, réptil. Os princípios de economia e de simetria nos obrigam a escolher a solução mais simples, que consiste em reduzir as duas séries de lexemas a dois Sememas, sem prejuízo da retomada do estudo das categorias que os disjuntam no nível da descrição estilística. Insistiremos, portanto, apenas nos elementos sêmicos conhecidos do inventário: a a) As três mentiras têm em comum uma função que não denominamos, mas que corresponde à da "sucção”: os comporta- t mentos que abarcam, possuem O traço característico de atrair tudo, , de remeter tudo para si, privando 0 outro daquilo que lhe é próprio; e j b) Todos os três são transitivos, sendo que a atividade de j que são representantes em potencial, é dirigida para a periferia, Bastará, portanto, denominar as três ocorrências servindo-nos do nome de uma delas: avareza, por exemplo para designar o con teúdo Sêmico delimitado pelas duas categorias utilizadas, enten— dendo—Se que o ator réptil se acha ao mesmo tempo reduzido sob l esta denominação comum. o . _ Í) AS mentiras intransitivas. , Resta considerar as duas últimas mentiras, deixadas provisoria mente à margem da descrição: desespero vs sonho. † ` g 310 _ lã

, Na medida em que a análise da mentira está correta em seu Š conjunto, ela permite proceder, nesse estágio, a uma integração Y quase mecânica dos termos restantes, servindo-nos das categorias d descritivas disponíveis. Ï Assim, a oposição entre esses dois lexemas pode ser interpre“ tada como a das funções que eles denominam hipotaticamente, o isto é, por: · i F (devoração) [A1 (desespero)] vs F (sucção) [A1 (sonho)]. Da mesma forma, dado que a categoria da transitividade não j foi inteiramente explorada e que o termo "intransitividade" per- l‘ manece dis Onível demos utilizá-lo ara definir esse a ar de P_ , P0 _P P _ funções, considerando-as como caracterizadas pelos atuanteS-ob]etos zero: A2 (Ø). Isso nos permite completar O quadro: N, I SÍMBOLOS P N l T’ ` ódio indiferença ( T T" desprezo avareza T" desespero sonho A descrição das mentiras não utiliza, como vemos, senão duas Ïà categorias, cuja natureza, evidentemente, será necessário precisar. Observuçroz Vemos que essas duas categorias representam graus diferentes da progressão da análise: a categoria da transitividade é não figurativa; a que efetua a distinção entre dois tipos de funções permaneceu no estágio figurativo. g) AS verdades. - , . . .. ÃÏ Restanos encontrar os termos próprios para a constituiçao do inventário das verdades e articulálaS de tal modo que sua ï 311 ? È

estrutura se apresente como paralela e contraditória em relação à das mentiras, o que tornará possível a homologação das verdades e das mentiras consideradas como constitutivas de um só modelo. Para fazer isso, dispomos já das categorias descritivas que permitem a binarização das funções e uma tríplice articulação dos amantesobjetoS. Conseqüentemente, não nos resta senão situar os termos ` do inventário das verdades consideradas como atuantes-sujeitos, servindo-nos do quadro dado. 0 quadro de conjunto se apresenta da seguinte maneira: I | SÍMEOLOS P I N | os o T"’ esperança esperança VERDADES T" humildade pobreza T’ I amor amor -—l— i e T’ I ódio indiferença MENTIRAS T" Í desprezo avareza T"’ I desespero sonho Esse quadro exige certo número de observações: Inicialmente, o domínio das verdades aparece como muito fragilmente articulado ao nível da manifestação figurativa dos € A ` atuantes. Excetuados carne e sangue, expressões de Saúde, apenas @ È os atuantes não figurativos correspondem a uma população múlÍ tipla e variada de atores no domínio da mentira. De fato, é essa i . . . .· . \ fragilidade na articulaçao das verdades que nos obrigou a adotar i ••-\ o procedimento, um tanto sumário, da estruturaçao dos atuantes não figurativos. ....i A segunda observação concerne à mdigência lexemåtica dos o . próprios atuantes não figurativos. Esperança e Amor se acham r li efetivamente em duas colunas P e N. Essa assimetria entre verdades e mentiras poderia ter sido suprimida, operando-se a neutra- i lização da oposição "devoração" vs "suCção”. Poderiamos, sem grandes dificuldades, imaginar os resultados de tal redução: i 312

TIII Ti! Tl verdade esperança comunicação amor .{ —‘‘† °' † VS '*†** V5 '*'î* ’ mentira prudenczcz Solzdao wersao Preferimos, no entanto, por razões que veremos mais adiante, manter tal e qual a oposição funcional e interpretar provisoriamente esta identidade lexical dos atuantes que correspondem às funções disjuntas como uma iexicalização do termo complexo da È estrutura. 4.° COMPABAÇÕBS B ESCCLHA DE MODELOS, , :1) Ausêncîcx de homogeneidade. Duas análises —— a primeira qualificativa, a segunda de cará· ter funcional — conduzidas simultaneamente e fundamentadas na hipótese, implicitamente admitida, da existência de uma certa correlação entre morte mentira .._.. g ........ vida verdade È chegaram à construção de dois modelos, que, embora possuindo Å uma certa semelhança, apresentam, no entanto, divergências baS · tante consideráveis. Se algumas dessas divergências se devem à natureza da análise utilizada — por exemplo a categoria da transitividade, que serviu à classificação das mentiras e das verdades, é característica da análise funcional e parece ser de difícil aplicação na análise qualificativa — outras, mais evidentes, provém da diferença dos níveis nos quais uma e outra foram retidas. Assim, a análise qualificativa se situa, pelos seus Sememas, no nível da manifesta- _ lção figurativa inorgânica: tais Sememas são, por sua vez, anali Sados em semas de caráter Semiológico, ao passo que a análise funcional representa, por si mesma, dois níveis de descrição não homogêneos: os atuant-eSSujeitoS se situam no nível não fîgu· rativo; as funções, ao contrário, são apresentadas por duas figuras “ "Orgânicas" ; "devO1'aço" e "sucção", Vimos que a manutenção, " d o d` 313

no nível figurativo, dos atuantes-sujeitos tinha se tornado impossível dada a ausência de figuração das verdades: deixamos, no entanto, de mudar qualquer coisa nas denominações dessas funções, à espera de que uma justaposição comparativa possa nos esclarecer sobre o lugar e o valor que é necessário atribuir respectivamente a cada um dos modelos. De fato, o caráter, embora vago, mas claramente zoomórfico, das funções de "devoração" e de "sucção" está aí para lembrar-nos de Lun dos traços essenciais do modelo funcional; a possibilidade por ele oferecida de transferir para os atuantes o dinamismo contido nas funções, e de manifesta-lo aí sob a forma de “poder de ação". Vimos que esse fato nos parecia explicar não somente a estilística dos atores animados, mas também a "personificação" dos atuantes-conceitos, que no modelo funcional, aparecem muito naturalmente como "forças” que dão conta de mna só vez do caráter mitificante desse modelo. Vistos sob esse aspecto, os atuantes particulares das verdades e das mentiras, tais como amor ou humildade, ódio ou desprezo, são forças capazes de agir'. O l modelo que conseguimos estabelecer após a análise funcional é, ` portanto, uma articulação não figurativa dos atuantes. l »l O modelo de sua ação é duplo: é expresso com a ajuda das duas figuras Semêmicas de "devoração" e "Sucção". Parece oportuno agora, após essa colocação, tentar simplificar essas figuras, escolhendo, dentro dos dois Sememas, as categoria sêmica que seria suficiente para dar conta de sua oposição e que, se estivesse situada no nível da manifestação não mais orgânica, mas inorgâni- f ca, permitiria empreender a comparação dos modelos resultantes das duas análises sucessivas. Poderíamos utilizarpara esse fim a categoria sêmica expansão vs contração l cuja articulação permite dar conta do duplo aspecto da atividade potencial dos atuantes-sujeitos do modelo. Diremos que os dois , , semas propostos constituem, quando se combinam com "euforia", d , as duas funções de verdades, e quando se combinam com "diS— foria", produzem as duas funções de mentiras. A tradução das funções de um tipo de manifestação figurativa em outro, torna mais visível nossa ignorância em relação aos 314 , d I

lê s.š conteúdos realmente investidos nessas funções, cuja articulação Ï em duas classes, longe de constituir um investidura, aparece mais È conåoluma espéclie de predeterminação modal. Resultaldaí quel o mo e o uncrona , se possui uma con rguraçao atuacrona paiticu ap' rizada, permanece, no entanto, independente do conteúdo invesp tido, que só é organizado, em suma, graças à articulação de duas j categorias Imodais ou paramodais, isto e, metalingíhsticas. em relaÏ çã,o às proprias funções investidas. l b) Compcxrcrço d• resultados. d É tentador, nesse momento, comparar os resultados das duas anáhses, conduzidas independentemente, e que atingiram a desCrrçao de dois modelos. O primeiro destes da conta da articulação dos atuantes Vída vs Mortø, 0 segundo, dá dos atuantes VerH dada vs Møntzrz. Admitrmos, a titulo de hrpotese indutiva, uma l correlação entre esses dois pares de atuantes, sem saber, no em- I Í tanto, em que ela consiste: a comparação de seus modelos deveria _ permitir melhor apreender a natureza desta correlação. , a Sua justaposição permite constatar tanto as semelhanças quan- t —.`J•F to as diferenças. O fato mais evidente é, no entanto, uma seme Q lhança bastante grande em sua economia global: d 1. Todos os dois são binários; e Ï 2, Cada um deles comporta doze sememas, atuantes de um · p lado, qualificações de outro; } “ 3. Os doze sememas se repartem igualmente para constituir li l os dois atuantes; i; l 4, OS seis sememas de cada atuante se dividem, do mesmo modo, para constituir grupos de três sememas, de tal ~ modo quer definições positivas funções expansivas ` ISV a · definições negativas funções contrativas Esse conjunto de traços formais comparáveis, permite tentar “ o estabelcrmento de um paralelo, termo a termo, dos doze 1 semeies e cada modelo: l, N. ' 315 llÍ li i Il 1

expansões contrações 2 definições positivas :. definições negativas - ATUANTES `oUAuFiCAçõEs QUALIFICAÇÕÈS ATUANTES a : VERDADE 2 T"’ esper nça m dança forma esperança VIDA uz _ gasosi a e pobreza — ‘T’ amor calor pureza amor V · MENTIRA 2 TH indiferença 1 MORTE ’ dørprezo trevas avareza e N e. `i d im i dadë O estabelecimento desse paralelo, possível graças às semelhanças dos dois modelos que acabamos de enumerar, não apre, sentou dificuldades senão a partir do momento em que, uma vez acabada a distribuição por blocos em três Sememas — de um lado os atuantes, de outro as qualificações ——, foi necessário atribuir a cada um dos três atuantes, uma das três qualificações possíveis, escolhida no inventário paralelo. Seria muito cansativo reproduzir aqui as razões que permitiram esta atribuição. Basta dizer que nos servimos, essencialmente, do critério da compatibi; _ lidade da qualificação, transformada em função (pela adjunção do sema "dinamiSmO") com as três articulações possíveis da categoria da transitividade, característica dos atuantes: assim, por exemplo, "calor" atribuído a amor pode ser uma função reflexa (O amor aquece o Coração); "luz", por sua vez, tomado como fun l ção da humildade, pode ser uma função transitiva; "mudança", por i sua vez, considerada, em suas articulações sêmicas, como alteração x livre e gratuita, como elevação sobretudo, pode ser uma função _ intransitiva, ao passo .que qualquer outra distribuição provoca dificuldades, ou então incompatibilidades. Esse critério de compatibilidade foi consolidado, ao mesmo tempo, pelo critério de a homologação: tal qualificação, só poderia ser considerada com, pativel com tal amante, se a mesma qualificação, sob sua forma l negativa, fosse ao mesmo tempo compatível com 0 atuante que se acha em disjunção com 0 primeiro. Tal procedimento, muito l flexível, não pode, evidentemente, garantir a exatidão absoluta W , de cada termo da correlação. Não cremos, no entanto, que o princípio de estabelecimento de correlação possa, por isso, ser invalidado. = » · ' A segunda questão é relativa aos próprios fundamentos de tal comparação. Devemos confessar que estes, em primeiro lugar, } 316 ll|l|

l Ï são de caráter indutivo: é porque as duas análises foram conduzidas separadamente e porque atingiram, de maneira inesperada, modelos comparáveis, que acreditamos possível e válida a com- , r paração. È evidente que esse tipo de critério não é restrito. Outros argumentos, de caráter estrutural, podem ser in#.':·;±;dos. Assim, não podemos nos surpreender com a articulação irei? lita dos dois modelos: o primeiro, de caráter atuacional, ofereõe investiduras de conteúdo sob a forma de qualificações, em suma, de conteúdos predicativos; o segundo, de caráter funcional, possuí, -[ ao contrário, conteúdos investidos sob a forma de atuantes. Con` tanto que se disponha de um sistema de correlação e de pere} quação entre as propriedades estruturais dos dois modelos, parece d ser possível o estabelecimento das equivalências entre os dois Ju ê inventários de conteúdo. À primeira vista, a maneira mais econômica para estabelecer o tipo de equivalências, poderia consistir em prever as regras que permitem a conversão das qualificações em funções. ` l. C) OS modelos e os conteúdos. já O interesse dessa comparação nos parece considerável de um l d outro ponto de vista: o estabelecimento do paralelismo entre as investiduras de atuantes e as de funções (deixando de lado qual“; quer outra consideração), nos permite comparar os resultados das ; duas análises, uma conduzida no nível da manifestação figurativa, L outra no nível não figurativo. Vemos, então, que tais resultados se completam e se justificam uns em relação aos outros. Se, · Ï L enquanto atuantes, por exemplo, conceitos tais como esperança, - humildade, amor, parecem pertencer à ideologia cristã e se cons‘ tituir socialmente numa constelação imediatamente reconhecida, o Í mesmo não ocorre com indiferença, avareza e sonho, cujo agrupa- *l . mento, propriamente bernanosiano, registrado uma primeira vez quando da estruturação dos atuantes, recebe agora a confirmação E por parecer ser correlativo às definições negativas da morte. A A justaposição permite, por outro lado, apreciar melhor o papel das categorias sêmicas, que, pelo estabelecimento das equivalências, se acham subentendidas nos dois modelos. Uma deze- , na dessas categorias basta para descrever o universo mítico de Ï · Bernanos: os sememas que consideramos como investiduras tanto ê E 317 J

de qualificaçùõ q';.;:m de funções não são senão unidades manifestadas que da combinatória sêmica. È nessa rede taxinômica que repzusa de fato, o universo de Bernanos: a comparação compreender melhor a instituição dos atuantes,-que são sobretudo lexemas de caráter social, com o auxilio da manifestação discursiva de caráter individual: vemos como os atuantes-conceitos tais como esperança ou amor, sem falar de ódio ou sonho, englobam os conteúdos particularizantes, que lhes são atribuidos, a graças aos sememas transformados em funções, reflexos dessa þ taxonomia. Isso, aliás, não faz senão confirmar, no quadro de um exemplo preciso, a função de especificação, que é aquela, em qualquer universo semântico, das categorias sêmicas que pertencem ao nível semiológico da linguagem. Esta última constatação permite, por sua vez, entrever o papel reservado às categorias classemáticas, a esses universais de um , outro tipo, que dependem do nível semântico da linguagem. A l estrutura da mensagem semântica, articulada em atuantes e predi- l cados, as categorias que distinguem as funções das qualificações, l - as que articulam as diferentes espécies de atuantes, as modalidades l de que falaremos mais adiante, constituem o essencial dos mate- È riais que servem à elaboração dos modelos, independentemente j da investidura semântica (da qual boa parte, se não a totalidade, . poderá ser reconhecida no nível da análise gramatical, quando estiver realizada a descrição semântica da gramática); tais materiais oferecem, ao mesmo tempo, várias possibilidades de articulação dos modelos, que utilizam as mesmas investiduras semân l ticas. O estabelecimento de correlações entre modelos de tipo “ diferente e a possibilidade de reconversão de uns em outros de· pende, conseqüentemente, de um estudo de conjunto, a respeito das l equivalências entre agrupamentos classemáticos. Contanto que seja fundado na pesquisa das identidades sêmicas, manifestadas dentro dos agrupamentos classemáticos de estrutura diferente, tal estudo l das reconversões (e não das transformações) apresenta interesse certo. l d) O ccsrter modal do modelo funcional. l È hipótese segundo a qual os sememas descritos quando da , , análise qualificativa podem ser considerados como conteúdos sus318 2l tal .; lþ ’! . é l~

Cetiveis de ser integrados nos modelos de organização diferentes, “ È não será consistente senão.ConseguirmoS.;precisar o estatuto par· a ticular de cada um dos modelos e a natureza de sua Cor1'ela»;1ã: È A análise qualificativa conduz, como vimos, à construção de a doze Sememas, cada um dos quais, tomado separadamente, conS titui uma mensagem qualificativa do tipo: · i Q (calor)' [A1 (Vída)] a Q (mescla) [A; (Morte)]. A integração dos sememas qualificativos, considerados capazes de proporcionar conteúdos ao modelo funcional que chegamos a descrever e cujas funções não puderam ser analisadas, não se apre— senta apesar das aparências, como uma simples reconversão dos predicados qualificativos em predicados funcionais, pela adjunção do Sema "dinarnismo": passando de uma descrição a outra, não se s trata apenas de reconverter 0 predicado, mas também de substituir os atuantes Vída e Morte por novos atuantes, Verdade e Memira. È preciso, conseqüentemente, considerar a existência de uma even tual correlação, não entre os predicados, mas entre as mensagens diferentes. ,“ Da mensagem funcional que espera, assim, sua investidura semântica, conhecemos, é verdade, o atuante-sujeito, já Correlacio , nado com o Semema qualificativo sobre o qual julgamos que ele ¿ ‘Íatue". Quanto à sua função, sabemos que é caracterizada pela categoria da transitividade: O conteúdo da função, uma vez in— vestido, comportará, conseqüentemente, 0 sentido geral da facti vidade que lhe confere um certo dinamismo. Exemplos tomados da sintaxe podem ilustrar esse fenômeno. Assim, proposições tais como: A criança faz crescer a planta, O amor O 107710 puro, a A comportam na realidade duas mensagens: `w AB l /A criança faz (de tal modo, que)/ —{~ /a plantacresça/, , l /0 amor faz ( : age de tal modo quø)/ —}— /x se tome puro/. * l ali , 319 na lç 11 V

Esta distinção permite compreender a natureza da relação a ser procurada entre as mensagens qualificativas e funcionais: , _,·¢ 1. A mensagem B pode ser considerada como estruturalmente equivalente às mensagens qualificativas obtidas quando da primeira descrição, tais como: d Q (luz) [A1(Vžd¢)ls 2. A mensagem A corresponde, em compensação, às mensagens funcionais, formuladas quando da segunda descrição postulada, e que nos forneceram novos atuantes, determinados por funções cujo caráter transitivo ou factitivo não conhecemos — mensagens tais como: F (x; mz transitividade) [A; (Verdade)]. AS duas mensagens reunidas e "traduzidaS" querem dizer mais ou menos isto: "A Verdade faz com que a Vida seja a luz". Observcrçoz Escolhemos exemplos que manifestam as f .—« - — . l duas funçoes com a a]uda de dois verbos diferentes. Mas o , sincretismo das duas funções num só verbo é também muito l freqüente: assim, ao invés de "O amor o torna puro", podemos dizer "O amor o purifica", sendo o derivativo suficiente para i • • • ar • • l manifestar a primeira "funçao". Em outros casos, a raiz sozinha l .x . l _ comporta tanto a funçao quanto a modalidade. . l l .l Contrariamente aquilo em que acreditamos no início, não se tra- l ta aqui nem da conversão de um predicado em outro, nem de uma mensagem em outra mensagem, mas da superposição de duas mensagens. A primeira destas não é outra coisa senão a formulação do conteúdo descrito. O fato de esta formulação, em sua descrição do universo de Bernanos, ser o resultado da análise qualifica· tiva, —não é pertinente para a definição desse nível de descrição: se trabalhássemos com um outro corpus, ou mesmo, talvez, com l uma pré—análiSe funcional da manifestação orgânica (que remetemos à oposição "devoração" vs "Sucção"), teríamos conseguido obter a descrição do conteúdo formulado em sememas-funções, e l V não necessariamente em sememas-qualificações. l . .220 ' lll .

Esta descrição do conteúdo deve ser distinguida da organização desse conteúdo, que se situa num nível metalingüístico em a relação ao conteúdo descrito. Dois tipos distintos desses modelos l metalingüísticos se evidenciam com clareza: o primeiro modelo, Å que propusemos chamar de constitucional, abarca o conteúdo descrito sob forma de Sememas e o organiza numa estrutura de Q correlação acrônica; o segundo, tal como nos aparece agora, não é na realidade o modelo funcional, como o designamos até o Ï, presente, mas o modelo modal. Ele engloba conteúdos constituídos para reorganizados ou para dar conta de suas transformações V possíveis. Assim compreendido, o modelo cujas propriedades estruturais tentamos salientar com certa dificuldade não é senão o modelo transformacional, aqui presente sob sua forma não figurativa, e que já estudamos em sua manifestação figurativa, enquanto prova, no capitulo anterior. Observaçoz Deixamos de lado a categoria "eXpanSão" vs "Contração", cujo caráter modal se precisará logo abaixo. ' 5.° CONCEPÇÃO DIÃLÉTICA DA EXISTÈNCLA a) AS modalidades. ' Tal interpretação do modelo, considerado como modelo trans- — formacional, nos permite entrever a possibilidade de definir os atuantes Verdade e Mentíra como sujeitos de uma mensagem modal suscetível de variações. 0 aparecimento dos atores Verdades e Mentíras particulares estaria submetido às variações paradigmáticas da categoria de transitividade e daquela de "eXpansão" vs "contração". Uma nova determinação pode agora ser acrescentada: Bernanos não concebe a verdade ou a mentira como mensagens simples, mas como algoritmos de duas mensagens. De fato, na lexicalização bernanosiana, verdade : revolta —{— aceitação; mentira : recusa —|— resignação. È Basta colocar entre parênteses a oposição "euforia" vs "diSfO1ia" que parece justificar, por si só, o aparecimento de dois pares 321

l lexemáticos, para percebemos que tanto a verdade como a meu- l tira são concebidos por Bernanos sob a forma de uma oposição ( j binária: _ l e denegação vs asserção, a isto é, como dependendo de uma das categorias fundamentais compreendidas na subclasse das funções que designamos como modalidades. _ 0 fato de encontrar aqui uma categoria modal particular per « mite-nos perguntar se a categoria sêmica "eXpansão" vs "Con * tração" que tivemos dificuldades em denominar, não é a expressão, ao nível da manifestação figurativa, de "aSserção" vs "denegaçãO", cujas definições concordam inteiramente. Assim, nossa observação a propósito da expansão e da contração, que sugere sua interpretação modal, se aplica, de maneira mais geral, à categoria em jogo no momento: O conteúdo, qualquer que seja, deve existir de início, para po—der ser negado ou afirmado depois. Infelizmente, não conhecemos estudos propriamente lingüísti ecos sobre esta categoria da qualidade do julgamento, e parece—nos perigoso avançar muito nesse terreno, Poderíamos, no entanto, tentar interpretada no quadro das relações registradas ao nível da j j estrutura elementar da significação: a denegação seria de ordem l j disjuntiva; consistiria na constatação da existência do termo nega- l j tivo da estrutura; a asserção, èm compensação, seria de ordem j j conjuntiva e afirmaria a existência do paradigma. Falando apenas ( da denegação, ela parece dar conta, no plano metaSemântico, ( , da substituição paradigmática, que pode ser concebida de duas ! maneiras: a substituição sincrônica pode ser compreendida como a l j denegação do termo manifestado em favor do termo subentendido, ’ apreendido simultaneamente (ex: antífrase); a substituição diaj crônica seria, nesse caso, a consecução dos termos do paradigma, sendo o primeiro, manifestado ou simplesmente pressuposto, negado " em favor do segundo (ex: antífrase). ` \` V ’ ’ Observoçãoz Uma teoria completa da denegação deveria dar conta de todas as substituições possíveis entre os seus termos articulados da estrutura binária. Limitamo-nos a consi- ( derar aqui apenas um caso particular da denegação, que se ¿ exerce sobre o paradigma: S vs não S. “ 322 . È ê. Ïj

. li bl A denegação bemcmosîomx. l Podemos tentar introduzir agora, a fim de precisar seu fun4 cionamento, o procedimento distinguido sob o nome de substituição * diacrônica. Se sua definição está correta, é preciso, para que a “ denegação possa se operar, que se refira a um paradigma (ou a ( um conjunto estruturado de paradigmas) que provoquem a substituição dos termos positivos pelos termos negativos. Assim, ‘a interi pretação segundo a qual a verdade seria a denegação da mentira, ou a mentira a denegação da verdade, não parece satisfatória: a denegação é denegação de um certo conteúdo (aqui: o conteúdo { de Vída ou de Morte) e não o funcionamento do paradigma modal. Apesar das aparências contrárias oferecidas pela manifestação não l figurativa dos atuantes (a humildade seria a denegação do desprezo; a pobreza a da avareza, etc.); a denegação também não se exerce ¿î mais no nível dos atuantes, mas sim, no nível das funções. Ela deve ser compreendida como a substituição das definições positivas da morte pelas definições negativas da vida (por exemplo: mas- ,,«i i Cla> pureza) no caso da denegação da mentira, e, ao contrário, como a substituição das definições positivas da vida pelas defini- ( ções negativas da morte, (por exemploz luz—>t7·eoas), no caso da l denegação da verdade. Em outras palavras, a denegação nega 0 ( termo positivo e coloca o termo negativo, manifestando sucessivamente os dois termos do paradigma, ou, o que dá no mesmo, f pressupondo o conteúdo positivo como dado e não manifestando senão seu termo negativo. Vemos que a transformação diacrônica . operada pela denegação equivale à consecução do que se conven- e cionou chamar "teSe” e "antítese”: ( Verdude (enquanto revolta) Memžra (enquanto recusa) ’ , definições positivas da morte definições positivas da vida amlœseœ definições negativas da vida l definições negativas da morte C) A asserção bemomosîcmcr. , O papel da asserção aparece agora mais claramente. As constatações globais: a verdade é a afirmação da vida, a mentira é a afirmação da morte, embora verdadeiras, podem ser decompos- , tas em fases distintas. De fato, as definições negativas de vida e de morte não têm mais a necessidade de ser afirmadas: elas surgi- ‘ 323 j |·;,,‘ V în mm mm e mrmläëš

l `l ram quando da denegação. Segue-se que a asserção de verdade não afirma senão as definições positivas de vida, negando implicitamente as definiçõesnegativas de morte, e, inversamente, a asserte ção de mentira afirma as definições positivas de morte e nega as definições negativas de vida. Tal concepção da asserção perma , nece no entanto ainda incompleta: os dois procedimentos de denegação e de asserção seriam, nesse caso, idênticos, e as denominações distintas que lhes atribuímos permaneceriam puramente operacionais; a distinção entre denegação e asserção não repousaria senão sobre a escolha do conteúdo — positivo ou negativo — a ser denegado ou afirmado. p A asserção, é, de fato, outra coisa: se evidencia as definições positivas de verdade ou de mentira, ela só o faz tomando, l ao mesmo tempo, suas definições negativas e estabelecendo iuna l relação entre as definições negativas e positivas de vida, num caso, e de morte, no outro. A asserção, conseqüentemente, deve ser compreendida como O estabelecimento de tal relação, ou, prefe i rentemcnte, como uma exigência de relação: pressuposição é o l nome que damos geralmente a esta exigência. Sem o haver buscado, chegamos a aproximar, assim, a concepção lingüística ` de asserção da definição kantiana do julgamento sintético, ainda que sua Verknüpfung entre o sujeito e o predicado pareça mais a corresponder à relação entre dois conteúdos categorizados, dois i "conceitoS". i O retorno aos problemas concretos colocados pela análise processada, permitirá talvez, precisar melhor a natureza dessa i relação, que, no nosso caso, se estabelece entre as definições l negativas e positivas. Lembremo-nos, para nosso controle, do È conteúdo Semêmico das definições da vida: Definições Negativas Definições Positivas Forma Mudança Gasosidade Luz l Pureza Calor i _ · d Pxefletindo sobre a natureza da relação que poderia ser estabelecida entre as colunas, e que iria da esquerda para a direita, vemos no máximo aquela do tipo { se ................ então l Ï 324 lè ,i îý `

que poderia dar conta do fato: podemos dizer, que, se as condições postuladas pelo conteúdo das definições negativas são realizadas (e somente nesse caso), então, o conteúdo das definições positivas pode se manifestar. O mesmo ocorre se tomamos as definições não mais da vida, mas da morte: Definições Negatîvas Definições Positivas ' Imobilidade ' Informidade Trevas Liquidez Frio Mesola A realização do conteúdo das definições negativas é necessária para produzir e manifestar as definições positivas. Diremos, pois, que a manifestação das definições positivas pressupõe a manifestação das definições negativas. Quanto a saber se se trata de uma pressuposição simples (: seleção) ou de uma pressuposição recíproca ( : solidariedade), é uma outra questão, de que trataremos um pouco mais tarde. d) O algoritmo dialético. Assim, a denegação e a asserção aparecem Como dois procedimentos sucessivos, como a manifestação de dois tipos de relações — disjuntivas e conjuntivas — que se estabelecem entre Con . teúdos previamente dados. Como essas relações são metalingüístioas em relação aos termos lingüísticos entre os quais elas se estabelecem esta nova inte reta ão não contradiz em nada a formu) laçao anterior, segundo a qual a denegaçao e a asserçao eram consideradas funções modais das mensagens meta-semânticas. Só que, Como se trata da consecução de duas funções, devemos considerar a seqüência diacrônica, assim definida, não mais como uma mensagem, mas como um algoritmo dialético, constituído de duas mensagens. A Observcxçoz Nossa interpretação da categoria "eXpansão" vs "COntração", segundo a qual a expansão seria a manifestação figurativa da asserção, e a contração a da denegação, se , confirma aqui. 325

Para ser operacional, o algoritmo dialético necessita da pre Sença de quatro termos estruturais e a manifestação efetiva de dois termos do conteúdo a ser transformado. Assim, para interpretar a concepção bernanosiana da verdade e da mentira, teremos necesl sidade de: Verdade +conteúdo investido Mentíra —{— conteúdo investido Denegação (definições positivas da morte) (definições positivas da vida) (antítese) (definições negativas da vida ( definições negativas da morte Asserção (‘definiçõeS positivas da {definições positivas da morte ' (síntese) (definições negativas da morte) (definições negativas da vida). ` l l Colocando entre parênteses as definições cuja manifestação l não é necessária, mas que são subentendidas no discurso, aChamo d -nos na presença de duas relações, cuja manifestação constitui o algoritmo dialético, e de dois termos estruturais de conteúdo, que surgem, um após outro, depois do estabelecimento dessas i relações. Assim, apesar da Confusão terminológica freqüente, ve l mos que a antítese e a síntese são denominações de relações e fi ` não denominações dos termos estruturais, que pertencem ao conteúdo investido. No máximo poderíamos dizer que o conteúdo, submetido ao tratamento dialético, deve ser categorizado de um certo modo. È aqui que podemos retomar a questão relativa à natureza da pressuposição que define a asserção. Podemos dizer que, para i Bernanos, como, aliás, para Hegel, a asserção se define como a i , pressuposição recíproca: não somente a manifestação das defi ( nições positivas pressupõe a das definições negativas, mas é ao mesmo tempo pressuposta. Em outras palavras, não basta, para , ‘ que as definições positivas se manifestem, que as definições nega- ( È tivas estejam já manifestadas; é preciso, ainda, que a manifes } l tação dessas últimas exija, como uma necessidade lógica, o apa- i recimento das definições positivas. “ I No entanto, a dialética de Bernanos se distingue da de Hegel ( por uma carência do sentido da história: 0 atuantesujeito do ( algoritmo dialético não é, em Bernanos, único e simples, como o de Hegel, mas sim duplo: segundo a disposição do conteúdo, ( 0 mesmo algoritmo pode abarcar as articulaçõeS`compleXas da 326 ` Y

li , existência e transformadas em vida ou em morte, sendo o sujeito da operação e o próprio algoritmo denominados, no primeiro I caso, Vørdadø, no segundo Mentžra. Em Hegel o atuanteSujeito é um —— Deus — e o algoritmo dialético, com um sentido único, é denominado Hístóría. A existência humana, para Bernanos, não é somente uma dêixisc é também um espetáculo, onde dois atuantes — estamos tentados a dizer adjuvante e oponente.- empreendem uma luta com armas iguais, cada um munido de sua própria dialética, cujo resultado é incerto. Essa imagem de espetáculo é muito conveniente porque cada « um dos dois atuantes — o adjuvante e o oponente —— é representado na cena sob a forma de seis atores e porque as vitórias de Vørdade ou de Møntíra são apenas parciais: assim, por exemplo, a denegação da mudança provoca a recusa da esperança, fazendo surgir a imobilidade da morte, que se compraz no sonho; mas a asserção reúne, num movimento de resignação, a imobilidade à informidade (isto é, a insipidez, ao cinzento e à monotonia, que caracterizam o desespero). Tal é o movimento cênico provocado pela denegação de um só ator; como eles são doze em cena, podemos facilmente imaginar que o espetáculo da Existência, tal como o concebe Bernanos, não carece de variedade. Podemos, conseqüentemente, compreender que a margem de incerteza introduzida por Bernanos na concepção dialética da existência é considerável; ela é devida à variação estilística dos atores, aos quais se acham atribuídas as funções específicas que dependem _ da axiologia da vida e da mo1'te, mas também à presença de dois a atuantes — Vørdadø e Mentíra encarregados de manipular o algoritmo dialético. e) Hîstóricr e permanência. 0 algoritmo dialético aparece, assim, como uma das formulações possíveis do modelo transformacional que, aplicado a certas estruturas do conteúdo, pode dar conta de sua transformação. ' Entendido desse modo, ele constitui a intrusão da história na permanência A definição estrutural das transformações diacrônicas das estruturas de significação é incontestavelmente uma das tarefas da 327 ,< P r " mm, E

semântica —— não somente porque os homens e as sociedades são f — • • »-· j ao mesmo tempo permanentes e lnstóncos e porque toda descriçao i exaustiva não deve perder de vista esses dois aspectos, mas tam j bem porque as transformações estruturais imaginárias têm um l papel considerável em todas as espécies de ideologias ——- indivi duais ou coletivas ——— com a ajuda das quais os homens justificam omundo ou programam o futuro. Assim, no capitulo anterior, consagrado à pesquisa dos modelos de transformação, o problema da interferência e de uma dupla interpretação possível das estruturas acrônicas e diacrônicas já nos foi apresentado em termos análogos. _ A aplicação do algoritmo dialético a uma certa estrutura do conteúdo pressupõe, como dizíamos, a organização desse conteú—do em duas categorias binárias que possam ser colocadas em corre- j lação. Assim, no universo bernanosiano, retomando a notação « simbólica já utilizada: j _, l V : definições positivas da vida, não V : definições, negativas da morte, M : definições positivas da morte, È não M : definições negativas da vida, l visualizamos melhor a estrutura correlativa acrônica, que não é senão a reformulação da estrutura complexa da Exístêncíar VM .————————— •: ..——————-——— não V não M · A partir dessa estrutura acrônica, a operação dialética de transformação consistirá, no primeiro caso; 1. Em negar V e em colocar não V; d 2. Em colocar M suspendendo não M; Í 8. Em afirmar a existência da relação entre não Vl— M. ' s ·O algoritmo de transformação será nesse caso, chamado Men— tira, e a nova estrutura acrônica (não V + M) resultada da tran5~ Š formação, será denominada Mortø. ° ` No segundo caso, a operação dialética consistirá: _ è 328 _ , , {‘ .J ( Í rir"" r

Ïl. Em negar M e em colocar não M; N 2. Em colocar V negando não V; 3. Em afirmar a existência da relação entre não M{~V. O algoritmo de transformação terá o nome de Verdadø e seu resultado (não M —§— V) se apresentara como a estrutura acrônica de Vídz. __ ' W Podemos dizer, portanto, que escolhendo sucessivamente os termos positivos V e M, que serão ·negadOS em primeiro lugar, o algoritmo de transformação (AT) estará em condições de gerar, a partir de urna estrutura acrônica anteriormente definida, duas novas estruturas polarizadas: , V M não V não M "T±"" Ž "jm *') "") ·~ `VS ±·'· ' nao V nao M M V ia Sendo a estrutura acrônica original conhecida sob o nome de Exístêncíz, as duas novas estruturas acrônicaš obtidas após a transformação são as· de Mortø e Vída: ( · 1, M E "> AT < _ — («V. Assim aparece a significação ideológica ·da transformação ( , diacrônica: ela consiste em apreender do conteúdo da Exístêncía, ~ gi tal como se manifesta no emaranhamento dos elementos vitais e E mortais contraditórios, para transformado pelo rompimento da estrutura dada do conteúdo, quer numa Vída Icleal, quer numa \ . _ — . · ,.. ,., . “ Morte Total, destruindo, por esta d1s]unçao, a confusao anterior. A Vídz e a Mortø, assim obtidas, não chegam a ser, no entanto, termos simples, mas novas sínteses: a asserção estabelece uma pressuposição recíproca entre os novos termos constitutivos de I Vídz (não M {— V) e de Mortø (não V —{ M) de tal modo que esses conceitos polarizados são de novo manifestação de estruturas complexas. Não nos resta senão estabelecer os lexemas bernanosianos para ' fazer aparecer, sob uma forma definitiva, as principais articulações 329 Ï Jlù « [li

de seu universo. Alguns desses lexemas não foram nem mesmo utilizados no transcorrer da descrição: sua introdução apressada não teria permitido Sîtuá·1os no quadro estrutural que acabamos i apenas de estabelecer. Assãm, as definições da vida e da morte São lexicalízadas, em Bernanos, do seguinte modo: V : Alegria Não V : Tédío M : Desgosto Não M : DO7'. 0 esquema do conjunto, revelador de um antes e de um depois diacrônicos, se apresenta assim: UNWERSO DE BEENANOS I. Àxíologîa ÏI. Transformação III., Escolhas îdeoîógis Verdude Vida Ï Alegria Desgoslo (Revolta {— Aceítço) —+ (Dor + Alegríž) Š Ïédío — Dvr \\ Merztíru Morte (Recum + Resigmzço) > (Tédío 4- Desgosto) ` Ea Q. Šo · l i

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— Outms obras de interesse; Ïkîþ È ESTRUTURALISMO E POÉTICA — Tzvezm E Todorov ESTRUTURALISMO E LINGÜÍSTICA —— Oxwzld Ducrot LINGÜÍSTICA E COMUNICAÇÃO* —— Romun ]ukOl7:O71 CURSO DE LINGÜÍSTICA GERAL’ — Ferdímzrzd de Szzussure AS GRANDES CORRENTES DA LINGÜÍSTICA MODERNA* —— Mzurice Leroy ASPECTOS DA LINGÜÍSTICA MODERNA — Archžbald A. Hill (Org.) , ELEMENTOS DE SEMIOLOGIA* —- Roluml Bzrtbe: V SEMIOLOGIA E COMUNICAÇÃO — LINGÜÍSTICA* — Eric Buyssem SEMIÓTICA E FILOSOFIA — Cbzrlex . Smder: Peirœ AS IDÉIAS DE CHOMSKY* — ]OÍm Lyom AS IDÉIAS DE WITTGENSTEIN * — David Peurs Peç à EDITORA CULTBIX ê Rua Conselheiro Furtado, 648, São Paulo * Obras publicadas com a colaboração da Editora 1 da USP. ` È \ N Íi UeÈ

SEMÅNTICA ESTRUTUBAL A. ]. Grøimas ' O problema da significação, objeto de estudo da semântica, constitui uma das preocupações nucleares das ciências humanas. Neste livro, d um pesquisador que se vem destacando por ' suas contribuições na área da teoria semântica e -da análise da narrativa oferece ao leitor universitário um panorama dos problemas e métodos da semântica estrutural, focalizando questões essenciais como condições de uma semântica científica, estrutura elementar da significação, linguagem e discurso, orga` nização do universo semântico, descrição da significação, modelos atuacionais e de transformação, e outros tópicos de igual importância. ‘· EDITOBA CULTBIX EDITOBA DA UNIVERSIDADE DE SÃÒ PAULO Ès__r-r..~_ ,r.. -._- e

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