Download Giddens O que é ciência social...
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@ 1996 Polity Press
Título origino I em inglês: In Defence of Sacio/agy.
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Essoys, tnterpretatio~s
2000 do tradução brasileiro:
Fundação
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Editom do UNESP (rEU)
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Praço da Sê, 108
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01001-900 - São Paulo - SP Tel., (0)0lver nos moldes das ciências naturais e de que a estrutura lógica da ciência social aborda problemas semelhantes aos encontradcs na ciência natural. Prefiro o termo "naturalismo" a "positivismo", embora lhes possa ser atribuído praticamente o mesmo significado. A segunda característica do modelo ortodoxo é a idéia de que quando explicamos a atividade humana, deveríamos fazê-lo no âmbito de algum tipo de concepção de causação social. Ou seja: embora como agentes humanos possa parecer que saibamos o
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Anthony Giddens Em defesa da sociologia
bastante sobre o que estamos fazendo e o porquê dt agirmos da forma como agimos, o cientista social tem a capacidade de demonstrar que, na realidade, somos movidos por causas de que não temos a menor consciência. O papel das ciênci.as sociai~seria o de revelar formas de causações sociais que os atOres;)';] proiago- ~. nistas ignoram. Um terceiro elemento (sobre o qual não me estenderei na presente discussão) associado ao modelo é ofuncionalismo. Embora de modo geral tenha sido sustentada a tese de que as ciências sociais deveriam assemelhar-se às ciências naturais, já constitup.m maioria os que aceitam a idéia de que as ciências sociais não podem ser muito parecidas com a física cl;\ssica, porquanto os cientistas sociais trabalham com sistemas, e sistemas parecem mais com conjuntos biológicos inteiros do que com fenômenos que interessam aos fisicos. As noções de sistemas supostamente derivadas da biologia e, muitas vezes, rr:odificadas com o advento da cibernética foram consideradas fundamentais por muitos sociólogos para fins de análise social. O consenso ortodoxo de hoje não pode mais ser chamado de consens~.Costumava ser uma postura assumida pela maioria na área de ciências sociais, porém, na atualidade, já se tornou minoria (certamente na área de te",ia social, talvez nem tamo na pesquisa social empirica). Aqueles que atualmentó defenderiam este ponto de vista representam apena, uma entre lima gama diversificada de perspectivas. Em seu lugar encontra-se uma multiplicidade de diferentes perspectivas teóricas - tais como a ernometodologia, diversas formas de interacionismo simhólico e de neoweberianismo, a fenomenologia, o estruturalismo, a hermenêutica e a critica social-, a lista parece quase interminável. Essa situação é inquietante. Não sabemos ITlaisexatamente onde nos posicionarmos em relação à t"manha variedade de perspectivas. Falo de "perspectivas" ou "tradições", em vez de "paradigmas", pois quando Kuhn apresentou a no.;ão de paradigma na filosofia da ciência, empregou o termo fazendo referência às
ciências naturais. A filosofia de Kuhn e a definição do termo "paradigma", na verdade, ampliaram-se a pOnto de sair de seu enfoque original. O autor identificou diferenças nos vários pontos de discordãncia entre os.Gientistassociaisem relaçãõ àqueles WIficados nas ciências naturais, em que existem perspectivas coordenativas que dominam o núcleo profissional dos campos cientificos. Há dois tipos de reação a esse quadro. A primeira é aceitá-lo cem simpatia. Se há uma pluralidade de perspectivas teóricas, que sejam bem-vindas. Uma multiplicidade de teorias seria uma situação mais desejável do que o dogmatismo originário do predominio de uma tradição teórica específica. Esse modo de reação pode ser identificado mesmo entre os mais ardorosos defensores do consenso ortodoxo. .:r '»:-
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Robert K. Merton foi uma das principais figuras que se propuseram a codificar o CO.1sensoortodoxo - que ele chamou (antes de Kuhn) de um paradigma para a sociologia. De fato, Merton foi o primeiro autor a utilizar o termo "paradigma" tal como empregado atualmente. As visões de Merton elaboradas em épocas posteriores são substancialmente diferentes. Embora não sem alguma relutância, ele passou a reconhecer grande variedade de perspectivas sociológicas concorrentes entre si, tratando-as como desejáveis, sob o aspecto positivo. Outros abraçaram a causa do ?luralismo com entusiasmo, buscando justificativas com base no trabalho de Feyerabend no campo da filosofia da ciência. Segundo Feyerabend, também >laciência deveria haver uma pluralidade em vez de um único ordenamento de perspectivas. A outra forma de reaçâo - a negativa - surge com maior freqüência por parte daqueles que atuam nas áreas mais empiricas das ciências sociais. Trata-se da reação de desdém, desinteresse, ou o "Eu disse que isso ia acontecer". A visão do "eu disse" observa a seguinte lógica: "Sou um pesquisador empírico. Vejo que os teóricos sociais não conseguem chegar a um acordo entre si. Não conseguem nem mesmo concordar sobre as definições mais elementares do campo das ciências sociais. Isso atesta a inaplicabi-
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lidade da teoria social para efeito da análise empirica. Posso cuidar dos meus trabalhos empiricos e deixar os teóricos brigando por suas perspectivas divergentes". Esta segunda reação, portanto, confirma, para os que desenvolvem trabalhos empiricos, que os debates teóricos lhes são, de fato, inaplicáveis. Entretanto, nenhuma das posições anteriormente descritas pode realmente ser justificada. A primeira apresenta falhas porque descarta a possibilidade da existêncie. de critêrios racionais de avaliação de teorias. De minha parte, não acredito que seja este o caso. Algumas teorias são melhores que as outras, e algumas perspectivas rendem mais frutos que outras. A segunda visão ê questionável, pois ê fácil demonstrar que os debates teóricos realmente fazem diferença na pesquisa empírica. O que C. Wright Mills chamou de "empirismo desprovido de reflexão" leva a trabalhos muito pouco desafiadores e não cumulativos. A r:nelhorforma de pesquisa empirica ê uma pesquisa empírica com fundamento teórico. Há uma relativa autonomia entre teoria e pesquisa. As duas não podem ser fundidas por completo. Contudo, todos os pesquisadores empiricos devem manterse sensiveis aos debates teóricos, da mesma forma 'lue os teóricos devem estar atentos às questões aventadas pela pesquisa empírica. Na teoria social da atualidade, não resta dúvida de que existem indicias de uma síntese renovada acerca do que compreendem as ciências sociais, quais são seus componentes
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teáricos, e
quais seriam as implicações para efeito de análise empírica. A polifonia de vozes com que deparamos hoje é, sob determinados aspectos, mais aparente do que real. Certamente conhecemos os méritos e as limitações dessas perspectivas antagônicas e temos noção das principais linhas de desenvolvimento c;ue nascemàos debates realizados. Não creio que se possa atribuir a isso a criação de uma nova ortodoxia. Caso tenha alguma empatia por qualquer das visões antagônicas que acabo de descrever, será mais pela primeira do que pela segunda. Acredito que haja algo que se possa contestar, 100
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Em defesa da sociologia
em essênéia, em relação ao que deve ser um ser humano. Existe
alguma coisa elementarmente
complexa no ato de explicar a em-
presa humana, q'Je tende a nos envolver em controvérsias a natureza de sua aç,io. Entretanto,
sobre
isso não nos leva - nem de-
veria - à ratificação incondicional do pluralismo teórico. O modo de documentar o movimento no sentido da síntese consiste em identificar o que há de errado com o consenso ortodoxo e, então, especificar os p:incipais elementos do acordo que daí advier. A ci~!lçiilsodal canônica, isto é, o consenso ortodoxo, em primeiro lugar envolVEUum 'modelo errôneo de conceituação da . ciência natural. Os cientistas sociais acreditaram estar tentando
reproduzir os tipos de descobertas que as ciências naturais afirmavam ter dcançado, contudo o modelo de ciência natural tal c()mo imaginado por esses cientistas sociais apresentava falhas sQb~Ronro de .vista filosófic>o O modelo de ciência natural emprcgad0 E-elo consenso ortodoxo era essencialmente empirista, t!Ondocomo a mais elevada aspiração da ciência a criação de sistemas de leis de natureza dedutiva. A meu ver, não se consegue encontrar um único filósofo da ciência renomado que ainda acredite na concepção de ciência natural a que muitos cientistas
sociais aspiraram. A ciência natu-
ral, tal como claramente demonstrado na filosofia da ciência póskuhniana, consiste ~m esforços hermenêuticas ou interpretativos. Sem dúvida, e}."istem leis nas áreas de ciências naturais, contudo
a.>.Ieistêm de ser interpretadas, e isso deve ocorrer no ãmbito de sistemas teóricos. A ciência natural, portanto, envolve sistemas interpretarivos de sigrâficado, e a natureza da ciência encoo-
tr~-se envolvida na criação de grades teóricas. Com efeito, o enquadramento do significado demonstra-se mais importante do que a descoberta de leis. Uma primazia indevida foi dada à descoº"na de leis como elementos constitutivos da "ciência" nos moà.f'lostradicionais da ciência natural, e os cientistas sociais, ingenuamente, aceitaram essa condição.'
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o último
reduto do consenso ortodoxo enconrca-se nos livros metodológicos das ciências 30ciais. Abra um desses livros e provavelmente ainda irá encontrar, logo nas primeiras páginas, a idéia de que a "explicação" é a dedução de um evento oriundo __ ~-de-l.iffldIdou dê \ím sistema deleTS;cujàs rejaç6es aprese~ta;"~--~ elevado grau de complexidade. Trata-se simplesmente de uma falsa visão da maioria das formas de explicação no campo das ciências naturais e, por mais de um motivo, de um rr_odeloinútil para ser adotado nas ciéncias sociais. A segunda limitação do consenso ortodoxo resiáia no fato de que a ciência social canónica implicava uma falsa interpretação da empresa humana. Para o consenso ortodoxo, conforme já mencionado, a empresa humana deve ser explicada em termos de causação social. Como atores sociais leigos, podemos pensar que sabemos o que estamos fazendo ao reali:zar nossas ações, por.éJ!l o cientista social pode nos demonstrar que, na realidade, somos conduzidos por influências das quais não temos consciência. O que a ciência social ortodoxa fez foi trdrar-nos como se nosso comportamento fosse resultado de causação estrutural ou limitação estrutural, como se derivasse diretamente de iorças sociais. O que temos de fazer na teoria social é recuperar a nação do agente humano conhecedor. Ou seja: as ciências sooais devem concentrar sua atenção em fenômenos que, em nossa vida cotidiana, reconhecemos como características básicas da ação humana, mas que, como cientistas sociais, também tendemos a negligenciar. Os cientistas sociais se esquecem de que a maior parte de nossas ações como seres humanos é inte;]cional, e de que estamos cientes das razões que nos levam a praticá-las. Todos os agentes humanos dispõem de bastante conhecimento acerca das condições de sua atividade, e tal conhecimemo não está condicionado ao que fazem, mas pode ser entendido como elemento constitutivo dessas ações. Nossa capacidade de conhecimento é sempre delimitada. Encontra-se delimitada institucionalrP..entc, e ainda existe a necessi. 102
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dade de estudar tais limites (restrições estruturais). Contudo, a recuperação da noção do ag-,-~tehumano conhecedor revela-se fundamental para a reformulação da resposta sobre o objeto das _~ciências sociais. Tal recuperação deve basear'sénâ iâéiaaecOr;Séiêr;'. cia prática. Por "consciência prática" entendo uma noção que vem s~ndo "descoberta" em diversas tradições de pensamento. Foi iaentificada por Wittgenstein na filosofia, surge como uma preocupação empírica na etnometodologia e se encontra documentada naobra de Goffman. O conceito refere-se a todas as coisas conhecidas por nós como atores sociais e que, de fato, devemos conhecer para fazer que a vida social aconteça, mas às quais nem sempre conseguimos dar urr a forma discursiva. Por exemplo, falar e entender um idioma como o inglês, com correção gramatical, envolve o conhecimento de um conjunto altamente complexo de regras sintáticas, táticas de uso da linguagem, dicas contextuais, e assim por diante. Precisamos saber tudo isso para poder falar inglês; porém, se alguém nos solicitasse uma análise discursiva dessas coisas que sabemos, encontraríamos grande dificuldade em fazê-lo. Poderíamos apenas falar de forma muito supertlcial sobre o que realmente sabemos - e devemos saber - como falantes de uma língua para que ela simplesmente possa existir. Ni\.ohá nenhuma contradição em afirmarmos que oJlngüista estuda "o que já sabemos". Eis a razão pela qual as indagações propostas pelos cientistas ortodoxos e as respectivas respostas foram, muitas vezes, concebidas erroneamente: partiu-se da premissa de que aconsciência discursiva - a exposição discursiva de motivos e análises _ teria esgotado a capacidade de conhecimento dos age.ntes humanos. Assim, o investigador passaria ao estudo de causas estruturais. No entanto, todos sabem muito mais sobre as razões pelas quais tomam este ou aquele curso de ação do que efetivamente as expressam de modo discursivo. A consciência prática demonstrase fundamental no que concerne às 'armas com que tornamos o mundo social previsível. A previsibilidade do mundo social não 103
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"acontece" simplesmente da mesma maneira que a previsibilidade do mundo natural. ~ger":.c!apelas práticas organizadas com o conhecimento dos agentes humanos. Uma terceira deficiência verificada na concepção tradicional da ciência social foi a idéia de que é possivel descobrir as leis da vida social, estabelecendo-se uma analogia mais ou menos direta com as leis existentes
A segunda noçâo de "lei" está bem mais próxima da visão de generãlizações estabelecida no consenso ortodoxo. Isso diz respeito às conseqüências não-intencionais da ação humana. É verdade que todos nós agimos demonstrando conhecimento durante todo o tempo - que todos, de algum modo, sabemos o que estamos fazendo e por quê. Entretamo, conformê destacado com muita propriedade por Max Weber, embora todos sejamos atores Í!'.tencionais, o raio de alcance de nossas ações escapa a todo momento às intenções e finalidades que as induziram. Os proponentes do consenso ortodoxo preocupavam-se com fatores sociais gerados por conseqüências intencionais _ que, obviamente, também criam condições para que os agentes pratiquem suas ações na sociedade. O tipo de generalização que interessava à ciência social raturalista depende da premissa de conse-
nas ciências naturais. No campo das ciên-
cias sociais, há dois tipos de generalização. Podem ser chamados de "leis", se assim se preferir. Porém, cada um desses tipos difere das leis da ciência natural. Tomemos o exemplo, apresentado pelo filósofo Peter Winch, de carros que param no sinal de trãnsito. Pod~r-se-ia supor que neste caso existe uma "lei";'Quando o sinal está vermelho, os carros param; quando fica verde, o tráfego segue o seu curso. Se você vem de uma cultura diferente e jamais viu automóveis antes, pode imaginar que exista algum tipo de raio entre os sinais Com o poder de parar os carros. Se isso fosse verdade, seria de fato uma iei ao estilo naturalista. Contudo, todos sabemos que o que faz os carros pararem no sinal é o conhecimento, por pane dos motoristas, das normas de conduta no trânsito e que tais normas e convenções
qüências não-:,ntencioIlais generalizadas.
de comportamento
gras,e convenções
fornecem as razões para o que fazem. Seria bastante desinteressante à maior parte dos atores leigos das sociedades modernas se os cientistas sociais estudassem
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comportamento como motoristas e viessem com a descoberta de que, na maioria das vezes, eles param no sinal de trânsito. Claro, os motoristas já sabem que param no sinal, bem como o motivo disso - porque é algo que fazem no uso das convenções por eles aplicadas. Generalizações desse tipo são absolutamente banais, exceto quando fazem pane de um processo de reconstituiçâo antropológica. Um dos papéis desempenhados por socióiogos e antropólogos é o de documentar as diferenças entre culturas, bem como entre convenções, e, portanto, avaliar até que pOnto a previsibilidade em diferentes ambientes culturais está condicionad,~a graus distintos de consciência das convenções.
lILeis", neste contexto,
podem ser compreendidas como uma forma que se aproxima de generalizações semelhantes a leis na ciência natural. Chamarei as leis dessa categoria de le~_do liRa 9-º!S. AS generalizaçi5es do / .\ ~l"'..,!,:"são as que dependem da observação consciente de re-
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por parte dos atores sociais.
CI2ro que as generaiizações do tipo dois de fato existem nas ciências sociais. A bem da verdade, sua revelação deve ser uma das principais ambições do trabalho sociocientifico. Tomemos Como exemplo a existência de um "ciclo de pobreza". As escolas de áreas menos favorecidas dispõem de instalações precárias, os alunos não são motivados quanto à importância dos valores acadêmicos, os professores enfrentam problemas disciplinares em sala de aula. Ao sairem da escola, essas pessoas possuem baixa qualificação, conseguem empregos com remuneração relativament'e baixa e moram em áreas de baixa renda. Mais tarde, seus filhos freqüentam escolas nas mesmas áreas, e assim o ciclo se repete. Todavia, as generalizações do tipo dois jamais podem formar um paralelo p~rfeito com as leis pertinentes às ciências naturais
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porque as relações causais que pressupõem dependem de conseqüências não-intencionais da ação proposital. Praticamente, todas as generalizações desse tipo são mutáveis no, termos das alterações na capacidade de conhecimento elos agentes hl' m;tnos. Há um~relaçãointrT~e;;tre generaÚzações ~j~ tip';~;.;;(;;~ gras e convenções de comportamento) e as do üpo dois (que dependem de conseqüências não-intencionais). Em um determinado contexto de ação, o que as pessoas fazem cor.1conhecimento à luz da convenção sofre transformações ao longo do tempo, exercendo influência, assim, sobre as generalizações do tipo dois. Aciê
[email protected]:ialnão pode ser puramente'~interpretativa". As suposições contrárias a essa afirmação constituíram o principal erro daqueles que acred:taram que as generalizações do tipo um esgotam as possíveis contribuições das ciências sociais à compreensão do comportamento humano. Por outro lado. a perspectiva naturalista incorreu em erro ao presumir que é possível explicar o comportamento humano de modo abrangente por meio da identificação de leis do tipo dois. Todas as ciênci.1s sociais dependem do entendimento, dentro de circunstâncias históricas especificas, da relação existente entre as atividades realizadas conscientemente, à luz da convenção. e a reprodução social gerada de forma não-intencional. Em conseqüência de suas limitações lógicas, o consenso ortodoxo sustentou uma visão ptimitiva da natureza da "iluminação" que as ciências sociais podem proporcionar aos leigos. O modelo em que se fundou a perspectiva tradicional derivava, mais uma vez, de uma comparação bastante direta com a ciência natural. As ciências naturais, presumia-se, produzem o Iluminismo ao nos mostrar que muitas de nossas crenças preestabelecida~ sobre o mundo eram falsas. O Iluminismo nas ciências sociais pode ser equiparado à crítica de crenças falsas. Essa visão é completamente (rrônea ao considerarmos as diferenças entre as generalizações d0s tipos um e dois. Nas situações em que o comportamento se manifesta normalmente em 106
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decorrência do uso consciente da convenção. existe um sentido lógico segundo o qual tal comportamento não pode estar baseado em crenças falsas. As pessoas precisam saber não só O que estão fazendo mas também a porquê de o estarern fazehdó:"pai-ã que normalidades dessa natureza ocorram. Assim, não é de surpreender que uma nova descrição pelo cientista social das ações praticadas por essas pessoas seja desinteressante. Tais informações só serão novidade para os que não pertencem ao meio cultural em que a ação observada acontece. sendo claramente distintas da crítica de uma falsa crença. Lógico, os trabalhos etnográficos da ciência social são importantes. Tod03 nós vivemos em culturas específicas distintas de outras culturas distribuídas em todo o mundo e de outras recupe. ráveis por meio da análise histórica. As ciências sociais, além disso, podem demonstrar - isto é, atribuir uma forma discursiva aaspectos de conhecimento mútuo que os atores sociais leigos empregam de forma não discursiva em sua conduta. O termo "conhecimento mútuo" abrange uma série de técnicas práticas de apreender significados 2. partir de atividades sociais. Talvezmais do que qualquer autor. Ervins Goffman deixou bem claro o quão complicados e sutis são os componentes constitutivos do conhecimento mútuo. mas também o quanto são administrados com base em rotinas. Aqui, o paralelo com a lingüística é bem próximo. A lingüística estuda o que o usuário da linguagem sabe - e deve saber _ pa,a ter condições de falar o idioma em questão, seja ele qual for. Ne entanto. a maior parte do que sabemos para falar uma língua não é conhecida de forma discursiva. A lingüística diz-nos o que já sabemos, mas de uma maneira discursiva bastante distinta dos modos normais em que se expressam tais conhecimentos. A essas formas potenciais de elucidação, devemos acrescentar as influências das conseqüências não-intencionais. ()s atores s,