Geografia - Práticas de Campo, Laboratório e Sala de Aula

May 19, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Coleção Praticando

Geografia práticas de campo, laboratório e sala de aula

Coleção Praticando

Geografia práticas de campo, laboratório e sala de aula

Luis Antonio Bittar Venturi organizador

São Paulo, 2010

Geografia: práticas de campo, laboratório e sala de aula Copyright © 2010 Luis Antonio Bittar Venturi (Organizador) Editores Aloma Fernandes de Carvalho Francisco Azevedo de Arruda Sampaio Rita Marte Arruda Sampaio Preparação do texto Izabel Bueno Maria Rita Camarini Eduardo Justiniano Revisão técnica Eduardo Justiniano Revisão Izabel Bueno Maria Rita Camarini Pedro Carvalho Produção e edição de imagem Eduardo Justiniano Rafael Sato Administração e apoio Ana Maria P. C. Mello Ana Paula de Menezes Carolina Oliveira Silva José Henrique Mello Eldo Francisco da Silva (Pixinguinha) Produção Editorial Jogo de Amarelinha Projeto gráfico e diagramação Estúdio Bogari Capa Eduardo Félix Justiniano

Todos os direitos reservados. Editora Sarandi Av. Brigadeiro Faria Lima, 1912 – Conjunto 208 B – Pinheiros – São Paulo – SP Tel. (11) 3097­‑9040 http://www.editorasarandi.com.br e­‑mail: [email protected]

Caro(a) leitor(a), O objetivo desta obra foi reunir o maior núme‑ ro possível de informações técnicas e conceituais que podem subsidiar pesquisas científicas, assim como orientar o trabalho do professor. Dirigido aos alunos de graduação dos cursos de Geogra‑ fia, Geologia, Biologia e mesmo Ciências Sociais e História, o livro também conversa com o profes‑ sor do Ensino Médio, sobretudo na seção“Na sala de aula”, presente em todos os capítulos. O livro abrange, então, um público que muitas vezes é representado pelo mesmo sujeito, já que frequen‑ temente os alunos universitários são professores da rede escolar pública e privada. A grande variedade de assuntos tratados impossibilita­‑nos de atribuir uma única orientação teórica principal. Este é o preço que a Geografia paga por se ocupar de um vasto e rico temário. Geotecnologias, técnicas de hidrografia, de análise de solos, estágio em sala de aula, aplicação de questionários, pesquisas históricas, entre muitos outros assuntos aqui tratados, apresentam, cada qual, suas especificidades teórico­‑conceituais, ain‑ da que os grandes conceitos – como paisagem, região, espaço – sejam contemplados. Metodolo‑ gicamente, contudo, o livro propõe procedimen‑ tos comuns que serão encontrados em todos os capítulos. O primeiro refere­‑se à articulação entre os conteúdos. Constantemente o leitor irá se depa‑ rar com sugestões de atividades, muitas das quais trazem grande potencial integrador entre áreas, como, por exemplo, Cartografia Temática, Geo‑ morfologia, Fotografia, Biogeografia e Estatística. Outro procedimento metodológico proposto refere­‑se à aproximação dos conteúdos à realidade do aluno e da escola, de modo que as informações lhe façam mais sentido. Assim, se o capítulo pro‑ põe certa atividade, ela deve referir­‑se ao contexto

geográfico no qual a escola se insere. Por exemplo, ao se praticar a construção de mapas temáticos, deve­‑se usar dados referentes à região na qual a escola se insere (população rural e urbana etc.). Ao se praticar a identificação de áreas de risco, deve­‑se buscar indicadores na paisagem na qual a escola se insere. Finalmente, o livro busca superar a perspectiva tradicional do campo enquanto aula ao “ar livre”, em que os alunos seguem um professor e tentam, apressadamente e nem sempre em condições fa‑ voráveis, anotar e gravar tudo o que se ouve e se fala. Embora isto ainda possa e deva ser feito em alguns casos, o livro transfere para o aluno uma boa dose de protagonismo pela forma como os conteúdos e as atividades são estruturados. O aluno será mais ativo entrevistando, fotografando, cavando trincheiras, medindo vazão de rios ou as condições atmosféricas. Enfim, o aluno irá com‑ partilhar a experiência de campo que se tornará, assim, muito mais atraente, auxiliando o processo de ensino­‑aprendizagem. Ainda que algumas áreas não estejam nomi‑ nalmente referenciadas em capítulos específicos, seus conteúdos são contemplados em um ou mais capítulos. É o caso, por exemplo, da Geografia da População que, embora não seja objeto de um capítulo específico, está contemplada tanto nos capítulos dedicados à Cartografia Temática e Ge‑ ografia da Saúde e, em menor grau, naquele que aborda as Técnicas de Interlocução. Assim, conferiu­‑se ao ensino e à aprendizagem da Geografia um “sopro de vida” tornando es‑ ses processos mais vivos, articulados, interativos e atualizados. Luis Antonio Bittar Venturi

Sumário

Introdução,  9 Praticando a Geografia: o papel da praxis entre a res cogitans e a res extensa Adilson Avansi de Abreu

Capítulo 1,  13 A Técnica e a Observação na Pesquisa Luis Antonio Bittar Venturi

Capítulo 2,  31 Técnicas de Geomorfologia

Capítulo 7,  175 Técnicas de Cartografia Alfredo Pereira de Queiroz Filho Mário De Biasi

Capítulo 8,  205 Técnicas de Cartografia Temática Marcello Martinelli

Capítulo 9,  233 Técnicas de Sensoriamento Remoto

Jurandyr Luciano Sanches Ross

Ailton Luchiari

Marisa de Souto Matos Fierz

Fernando Shinji Kawakubo

Bianca Carvalho Vieira

Rúbia Gomes Morato

Capítulo 3,  57 Técnicas de Hidrografia Cleide Rodrigues

Capítulo 10,  257 Técnicas de Localização e Georreferenciamento Jorge G. da Graça Raffo

Samuel Fernando Adami

Capítulo 4,  85 Técnicas de Pedologia Déborah de Oliveira

Capítulo 11,  273 Sistema de Informação Geográfica Fernando Shinji Kawakubo Rúbia Gomes Morato Reinaldo Paul Pérez Machado

Capítulo 5,  109 Técnicas de Climatologia Tarik Rezende de Azevedo Emerson Galvani

Capítulo 6,  137 Técnicas de Biogeografia Sueli Angelo Furlan

Capítulo 12,  289 Técnicas de Geografia da Saúde Ligia Vizeu Barrozo

Capítulo 13,  311 Técnicas de Pesquisa Histórica Nely Robles Reis Bacellar Patrícia Albano Maia

Capítulo 14,  322 Uso e Registro de Fontes Bibliográficas Glória da Anunciação Alves

Capítulo 21,  449 Técnicas de Interlocução Luis Antonio Bittar Venturi

Vanderli Custódio

Capítulo 15,  335 A Escola como Laboratório Vivo

Capítulo 22,  471 Estatística Descritiva em Sala de Aula Emerson Galvani

Nídia Nacib Pontuschka

Capítulo 16,  357 Técnicas Inclusivas de Ensino de Geografia

Capítulo 23,  485 A Redação do Trabalho de Campo Maria Alice Venturi

Carla Cristina Reinaldo Giminez de Sena Regina Araújo de Almeida Waldirene Ribeiro do Carmo

Capítulo 24,  497 Profissão: Geógrafo Hélio Garcia Paes

Capítulo 17,  383 Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfis

Luis Antonio Bittar Venturi

Sergio Ricardo Fiori

Capítulo 25,  521 Contos de Campo Capítulo 18,  405 Técnicas de Ilustração Botânica Maria Lúcia cereda Gomide

Capítulo 19,  413 Técnicas de Fotografia Eduardo Félix Justiniano

Capítulo 20,  437 Técnicas de Vídeo Mauro Luiz Peron

José Bueno Conti

introdução

Eduardo Justiniano

ADILSON AVANSI DE ABREu

Praticando a Geografia: o papel da praxis entre a res cogitans e a res extensa O conhecimento geográfico tem motivado a publicação de um grande número de livros. A maioria ocupa­‑se com a divulgação de resultados de pesquisas. Um número menor volta­‑se para as discussões de natureza teórico­‑conceituais, fre‑ quentemente com viés analítico­‑histórico e pano de fundo político­‑ideológico. Poucos são os livros editados que se ocupam com a apresentação e a discussão de procedimentos de observação e aná‑ lise dos objetos materiais ou imateriais que inte‑ ressam ao campo da Geografia. Nesse panorama, a publicação de um livro com o título Geografia: práticas de campo, laboratório e sala de aula é digna de ser positivamente recebida, particularmente porque se volta para um público que, em geral, encontra poucas referências dessa natureza. Este livro cumprirá, portanto, um papel re‑ levante no processo de formação acadêmica e pedagógica nos diferentes níveis em que a Geo‑ grafia é ensinada. Será importante para os alu‑ nos de graduação e pós­‑graduação, bem como para o corpo docente envolvido nesse ambiente. Igualmente será útil para os geógrafos que, como profissionais, atuam em institutos de pesquisa ou em órgãos da administração pública ou da iniciativa privada, ocupados com temas que ob‑ jetivem resolver questões emergentes nos proces‑ sos de organização do espaço em suas diferentes formas e escalas de manifestação. A análise dos títulos e conteúdos deste livro evidencia a importância que se dá ao verbo prati‑ car e ao substantivo técnica empregados nos seus diferentes capítulos. Em alguns, a discussão se amplia, abordando também método (mais fre‑ quente) e teoria (menos frequente). A tônica da obra é, assim, indiscutivelmente prático­‑técnica, com o mérito de deixar que os procedimentos possam dar margem a uma praxis que articule o objeto conceitual ou teórico (res

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práticas de geografia

cogitans) com o objeto material ou empírico (res extensa) da Geografia, de acordo com as convic‑ ções pessoais de cada pesquisador. Nesse contexto emerge uma importante questão para reflexão. As técnicas ou procedi‑ mentos farão a mediação entre a teoria, o pes‑ quisador e o objeto da pesquisa, e essa mediação será pautada pela compreensão e linguagem que o indivíduo mobiliza, a partir do conteúdo teóri‑ co que lhe serve de referência para identificar e analisar o que ele julga ser o objeto da Geografia. A decomposição, análise e apreensão do objeto empírico da investigação serão referenciadas, portanto, pelos conceitos teóricos que o pes‑ quisador, progressivamente, construiu em sua visão da ciência, em seu processo de formação cultural, científica e política. Nesse sentido, a res extensa será abordada por meio de um recorte arbitrário, fruto da res cogitans do observador. A res cogitans fornecerá a cada pesquisador as possibilidades para sua aproximação da res extensa para observação e análise. O que emer‑ gir desse processo será um conjunto de resulta‑ dos que poderá expressar, com maior ou menor fidelidade, o objeto observado. O resultado da observação comporá, portanto, um quadro que reflete apenas parcialmente o objeto, na medida em que ele foi recortado pelo observador, com o descarte de alguns aspectos e a sobrevaloriza‑ ção de outros, pois esse processo decorre de um juízo do que é e do que não é importante, sendo esse julgamento feito a partir das convicções e imagens mentais prévias que pautam a praxis do pesquisador. Apresenta­‑se aqui um problema fundamental: se a observação e a experimentação só podem ser realizadas a partir da teoria, como conduzir a praxis de maneira a articular o objeto pensado (res cogitans) e o objeto empírico (res extensa), sem

perder a possibilidade de crítica a respeito da difi‑ culdade de aprender a totalidade dos fenômenos e manter a faculdade de deixa­‑se surpreender por um dado não previsto na teoria? Na praxis o pesquisador depara­‑se com o dilema de como aproximar­‑ se do empírico, pautado por processos cognitivos expressos em uma semântica que já recorta a realidade arbi‑ trariamente, de acordo com suas convicções e conveniências. Essa situação não é um apanágio da Geo‑ grafia. Ela opera em todos os ramos do conhe‑ cimento e é importante fonte de erros, uma vez que a valorização subjetiva do observador e o estado do conhecimento da própria ciência introduzem um viés que o distancia de muitas questões que ele desconsidera, ou o aproximam dos aspectos que ele sobrevaloriza. Observador sempre corre o risco de apenas reiterar sua vi‑ são prévia do problema se não estiver alerta e aberto para fatos que escapem de sua concep‑ ção e eventualmente colidam com a concepção teórica que o moveu. Por pertencer também ao objeto da Geo‑ grafia, na qual pretende articular o espaço e o tempo em suas análises, a condição do geógra‑ fo encontra paralelo com a do historiador. Isso permite uma aproximação com as análises de Paul Ricoeur, quando discute a operação his‑ toriográfica no plano epistemológico que passa por três momentos: do arquivo, da explicação/ compreensão e da representação histórica. (ricoeur, 2007). Essa aproximação é pertinente porque o geógrafo, embora pretenda ocupar­‑se primor‑ dialmente do espaço, aborda também o tempo, mas em uma espessura ou duração diferente da do historiador. Dependendo da natureza de seu objeto material, essa espessura temporal pode

ser longa, aproximando o geógrafo das últimas etapas da Geologia; outras vezes pode ser mais curta, mas ainda referente a milhares de anos, aproximando­‑o da Arqueologia e da pré­‑história; ou, ainda, poderá durar apenas séculos ou es‑ tar relacionada à duração de décadas ou mesmo anos, aproximando­‑o da Antropologia, da Socio‑ logia, da Política, da Economia e da História em suas análises contemporâneas. Dessa forma, o geógrafo estará, particu‑ larmente nesses últimos casos, envolvido dire‑ tamente com os processos que analisa. Nessa situação, sua condição se aproxima muito à do historiador. Sobre isso, Paul Ricoeur registra: “Por condição entendo duas coisas: de um lado, uma situação na qual cada um se encontra cada vez mais im‑ plicado, Pascal diria ’ fechado‘; de outro, uma condiciona‑ lidade, no sentido de condição de possibilidade de ordem ontológica, ou, como acabamos de dizer, existencial em relação mesmo às categorias da hermenêutica crítica. Faze‑ mos a história, e fazemos história, porque somos históricos. […] A coerência do empreendimento repousa, portanto, na necessidade da dupla passagem do saber histórico à her‑ menêutica crítica, e desta à hermenêutica ontológica. Essa necessidade não pode ser demonstrada a priori: só surge se for posta em prática, o que equivale a ser posta à prova. Até o fim, a articulação presumida permanecerá uma hipótese de trabalho.”1

O geógrafo encontra­‑se, portanto, diante de uma questão fundamental: se a observação e a experimentação só podem ser feitas a partir da teoria, como conduzir a praxis de maneira a articular o objeto conceitual (res cogitans) e o

1 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.

apresentação

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objeto real (res extensa), mantendo uma abertura para a emergência do não previsto? Como pode o pesquisador se certificar de que as representa‑ ções conceituais com as quais ele se aproxima do objeto da investigação são as mais adequadas? Será que ele não está descartando aspectos re‑ levantes? A história da Ciência, em geral, e da Geogra‑ fia, em particular, está repleta de exemplos de te‑ orias que demoraram muito a serem superadas, porque a pesquisa continuava a ser feita pelos cânones da teoria adotada, havendo pouca ou nenhuma predisposição dos pesquisadores em identificar fatos que contrariassem suas convic‑ ções. A lembrança da geomorfologia davisiana é paradigmática. Por ouro lado, não são fatos que revogam as teorias, mas sim outras teorias. Enquanto ape‑ nas acumulam­‑se fatos que não se conformam com determinada teoria, ela é mantida, ainda que em situação cada vez mais desconfortável. Apenas quando os fatos discordantes se trans‑ formam em conceitos, proposições e princípios gerais surge a possibilidade de emergir uma teo‑ ria alternativa, que progressivamente aperfeiçoa­ ‑se e supera a teoria até então dominante, que pode, por algum tempo, permanecer de forma residual. Nesse processo, parte da teoria que é refutada pode também ser incorporada na que emerge. A transformação processa­‑se, portanto, pela aceitação de uma nova ideologia que, sob certos aspectos, revoga a ideologia anterior 2. Quantas vezes, desde o início do século XX, isso aconte‑ ceu com a Geografia? Nesse processo, inúmeras transformações conceituais e teóricas foram re‑ gistradas, tendo sido a praxis, em boa parte, o motor das mudanças que acabaram conduzindo,

2 PIRES, Eginardo. A teoria da produção dos conheci‑ mentos. In: Epistemologia e Teoria da Ciência. Petró‑ polis: Editora Vozes, 1971.

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práticas de geografia

inclusive, à ressignificação do objeto material da disciplina. Por esse motivo Geografia: práticas de campo, laboratório e sala de aula deve ser saudado como referência oportuna e contribuição relevante na formação do pensamento geográfico.

SOBRE O AUTOR Adilson Avansi de Abreu é geógrafo livre­‑docente, com área de investigação relacionada à gênese e à dinâmica da paisagem, compreendida como resultante da interação das forças da natureza e da sociedade. A geomorfologia, como elemento estruturador temporal e espacial da pai‑ sagem, no contexto da Geografia Física, recebe particular atenção. A percepção da paisagem na perspectiva da herança cultural e patrimonial, no contexto das ciências humanas, é o outro eixo estruturador das pesquisas que orienta, podendo contribuir também para os objetivos do planejamento territorial. Foi diretor da Faculdade de Filo‑ sofia, Letras e Ciências Humanas e Pró­‑ Reitor de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo, além de presidente do Condephaat.

1 LuIS ANTONIO BITTAR VENTuRI

knock Aert/Vincent

a técnica e a observação na Pesquisa

Introdução, 14 As dimensões humanas da técnica, 15 O gabinete, o campo e o laboratório, 21

A observação como técnica primordial, 24 Na sala de aula, 27 Considerações finais, 29 Referências de apoio, 30

Sobre o autor, 30

introdução Neste capítulo, discutem‑se alguns aspectos gerais da técnica, úteis à leitura dos capítulos subsequentes, que trazem as especificidades de cada área. Entre os aspectos tratados estão: a técnica como prerrogativa humana, suas dimensões artística, produtiva e científica, com ênfase nesta última, quando ela é consi‑ derada como apoio operacional à pesquisa; o mito da técnica e os critérios de escolha e uso, entre outros. Em um segundo momento, diferencia‑se o gabinete, o campo e o laborató‑ rio enquanto três instâncias da pesquisa, caracterizando ‑se cada uma delas e enfatizando ‑se sua complementaridade. Em seguida, discute‑se a observação enquanto técnica primordial, a sistematização, a subjetividade e as derivações (inferências) decorrentes da experiência acumulada. Finalmente, propõem ‑se atividades de fixação conceitual e de prática de observação.

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aS dimenSÕeS HumanaS da tÉCniCa

Robin utrecht/ANP Press–Grupo keystone

As técnicas e os instrumentos desenvolvi‑ dos pelo ser humano representam a extensão e o aprimoramento de todos os seus sentidos e habilidades permitindo‑lhe enxergar o invisível, alcançar o que era antes inatingível, comunicar‑ ‑se a distâncias e velocidades não imaginadas. Permitem‑lhe ainda expressar sua sensibilidade através da arte, orientada por valores estéticos que mudam no decorrer do tempo. Possibilitam ao ser humano aumentar a produtividade de to‑ dos os bens econômicos, assim como intensificar a apropriação e a transformação dos recursos na‑ turais da Terra. Finalmente, ajudam‑no a prever o que seria imprevisível e medir com precisão o que os sentidos e a mente humana percebem apenas de forma fluida e subjetiva. Observe a seguinte definição de técnica:

Figura 1.1. Cirque du Soleil.

“[…] em termos precisos, é o conhecimento sobre como fazer ou fabricar algo […]. O conhecimento racional, pro‑ fi ssional, das regras de procedimento envolvidas em fazer ou fabricar algo. Inclui‑se sob este rótulo uma variedade de ciências e artes.” (GILES, 1993, p.150, grifo nosso).

Pelo exposto, podemos identificar, pelo me‑ nos, três principais dimensões da técnica: artís‑ tica, produtiva e científica, sobre as quais dis‑ correremos brevemente, com maior ênfase na dimensão científica. A relação entre técnica e arte já aparece na origem do termo, em diversas definições, a exemplo da técnica enquanto “conjunto de pro‑ cessos de uma arte”1. Considerando ‑se a arte como forma de expressão permeada por valores estéticos num universo simbólico, esta acepção torna a técnica uma prerrogativa exclusiva do ser humano, da criação humana. É, “no sentido mais geral, qualquer coisa criada propositalmente por seres humanos, em contraste com aquilo que resulta da obra da natureza”2. Contudo, a submissão dessa dimensão da técnica a uma análise lógico‑científica pode ser pouco profícua, já que a arte não tem vínculos necessários com materialidades e pode transcen‑ der facilmente o tempo e o espaço, tão funda‑ mentais para a análise geográfica. Na Figura 1.1, é possível contemplar a técnica vinculada à arte. Qual é a materialidade desta expressão artís‑ tica? Como se situa no tempo e no espaço? Qual o objetivo de se chegar a esse resultado? Tentan‑ do responder a essas questões talvez se destrua o propósito do “conjunto de processos de uma arte”. Sob outra perspectiva, analisando a técnica pela dimensão produtiva, mais uma vez estarí‑ amos reforçando‑a como prerrogativa humana.

1 2

Cunha (1981, p. 759). Ibidem.

capítulo 1 – a técnica e a observação

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Berndt Fischer/Premium–Keystone

Apenas o ser humano pode desenvolver téc‑ nicas. O que os animais são capazes de fazer (teias, formigueiros, ninhos, represamentos…) seria apenas o resultado mecânico de caracte‑ rísticas previstas em seus códigos genéticos em processo de adaptação ao meio. Sob a análise geográfica, as ”ações” dos animais estariam es‑ tanques no tempo e no espaço e, por isso, o que uma colônia de cupins era capaz de fazer muitos séculos atrás é praticamente a mesma coisa que faz hoje, salvo algumas adaptações ao ambiente, pois não haveria transmissão de conhecimento no tempo e no espaço, a não ser geneticamente3. Repare na Figura 1.2. Submeter esta imagem aos recursos analíticos da Geografia também se‑ ria pouco profícuo, pois o tempo (quando) e o espaço (onde) em que esta técnica foi empregada fazem pouco sentido. Poderia ser há um milê‑ nio ou ontem; no Brasil ou em diversos outros lugares. No entanto, concebendo­‑se a técnica como atributo humano relacionado à dimensão pro‑ dutiva, sentimo­‑nos mais à vontade, pois temos preservados todos os nossos referenciais concei‑ tuais e analíticos. Nessa perspectiva, a técnica concebe­‑se como meio de apropriação e transformação da natureza para alimentar o ciclo produtivo. Preservam­‑se aí todos os referenciais da análise geográfica, como o tempo, o espaço, a sociedade e a natureza. Há um contexto socioeconômico definido, um con‑ junto de técnicas viabilizadas por esse contexto, ideais norteadores (por exemplo, autossuficiência, soberania), além de uma base físico­‑territorial que favorece essa atividade produtiva. Há pres‑ supostos históricos para explicar esse contexto,

como também é possível considerar as perspec‑ tivas ou desdobramentos econômicos, sociais, ambientais etc. A relação tempo­‑espaço se for‑ talece, pois os objetos técnicos que acumulam­‑se no espaço ajudam a contar sua história4. Mas, quando a técnica, na dimensão produ‑ tiva, caracteriza­‑se pelo trabalho alienado, ela pode voltar, em escala de detalhe, a ser estan‑ cada no tempo e no espaço. Veja a Figura 1.3. Outras vezes, porém, o trabalho alienado é operacionalizado por um conjunto denso de ob‑ jetos técnicos que facilitam sua recontextualiza‑ ção no tempo e no espaço, como mostra a Figura 1.4, que ilustra o setor industrial britânico no século XX. Neste capítulo, contudo, daremos mais ên‑ fase à dimensão científica da técnica enquanto apoio operacional às pesquisas geográficas e ciências afins. Especialmente para as ciências que trabalham com os mais diferentes aspectos do mundo real,

3 Esta assertiva, porém, pode gerar discordância em meio aos cientistas que estudam o comportamento animal. A evolução das ciências pode identificar algumas ca‑ racterísticas nos animais relativas à transmissão de conhecimento e indícios de teleologia, que exijam revi‑ são conceitual ou a incorporação de novos critérios de definição de técnica.

4 Milton Santos torna a técnica uma categoria de análise quando afirma que “as técnicas, de um lado, dão­‑ nos a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro lado, a possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham. […] É por intermédio das técnicas que o homem, no trabalho, realiza essa união entre tempo e espaço”. (SANTOS, 1997. p. 44).

práticas de geografia

Figura 1.2. Macaco­‑prego usando “técnica” em que articula martelo (fragmento de rocha) e bigorna (rocha­‑base) para quebrar coquinhos.

Ricardo Luiz D. Funa/AGB Photo Library–Keystone

Figura 1.3. Cortador de cana em canavial. Repare na impossibilidade de se datar e situar esta imagem. Poderia ser do contexto nordestino do século XIX ou paulista do século XXI. Neste caso, a técnica não facilitaria a empirização do tempo e seria necessário, para isso, situá­ ‑lo em uma escala mais generalizante, em que apareceriam outros objetos, como estradas, usinas e treminhões.

Culver Pictures Inc./Super Stock–Keystock

como a Geografia, a Biologia, a Geologia, a Física e a Sociologia, entre muitas outras, as técnicas exercem um importante papel no processo de produção científica, auxiliando o pesquisador na obtenção e sistematização de informações que irão subsidiar os argumentos, fornecendo­‑lhes evidências empíricas, atribuindo­‑lhes consistên‑ cia e objetividade. Em outras palavras, a aplicação das técnicas possibilita a geração de dados da realidade que irão fornecer lastros empíricos aos caminhos percorridos pelo método. Se o méto‑ do, dispondo de fundamentação teórica, auxilia o pesquisador na organização do raciocínio, as técnicas, por sua vez, auxiliam­‑no na organização

Figura 1.4. Cena do filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin.

capítulo 1 – a técnica e a observação

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práticas de geografia

Acervo do Museu Geológico de São Paulo Valdemar Lefèbvre

das informações que lhe darão subsídio. Se, por um lado, a teoria e o método são processos desen‑ volvidos no plano do pensar, por outro, a técnica desenvolve­‑se no plano do fazer. Obviamente, não se trata (e a definição ex‑ posta anteriormente nos mostrou isso) de um fazer sem pensar, automático, mas sim, perme‑ ado pela razão. No domínio humano, o pensar e o fazer andam juntos, são complementares e estimulam­‑se mutuamente, o que é reforçado pela afirmação de Anaxágoras (século V a.C.) de que “o homem pensa porque tem mãos”. Teorias, métodos, técnicas e instrumentos constituem diferentes aspectos de um mesmo processo (científico), ainda que em alguns mo‑ mentos os separemos analiticamente para com‑ preender melhor cada uma de suas característi‑ cas e funções dentro do processo. A criação de dicotomias, por exemplo, entre teoria e técnica (em que a primeira seria reveladora e a segunda alienadora) é maniqueísta e cega para comple‑ mentaridades. Um falso problema como este po‑ deria, eventualmente, remir alguns paradigmas teóricos que ajudaram a legitimar as contradi‑ ções sociais (malthusianismos, determinismos eurocentristas) e, ao mesmo tempo, desvalorizar o apoio técnico­‑instrumental às pesquisas cien‑ tíficas (inclusive auxiliando na comprovação ou refutação de teorias), além dos institutos e órgãos técnicos (IBGE, por exemplo) que produzem e sistematizam dados sobre os quais refletimos; que fornecem “água para nosso monjolo analítico”. Sem dúvida, a reflexão reveste­‑se de um status mais alto na pesquisa, uma vez que é por meio dela que se promovem explicações. Mas, por ou‑ tro lado, não há como transformar a realidade apenas refletindo sobre ela. Finalmente, embora haja, de fato, uma hierarquia, pois em um pro‑ jeto de pesquisa a teoria e o método orientam a prática (o homem pensa e concebe antes de agir), esta ordem seria mais operacional, pois não haveria como estabelecer níveis de importância para instâncias que têm diferentes funções no mesmo processo.

Figura 1.5. Aplicação de técnica para fins de pesquisa científica. Na foto, membros da Comissão Geográfica e Geológica, em levantamento em Salto dos Patos, no rio Grande (SP/MG), em 1910.

Caso o fazer promovido pelas técnicas tenha um fim em si, ou seja, esteja desvinculado de um processo de pesquisa científica, caracteriza­ ‑se como um trabalho técnico. Por outro lado, se este fazer vincula­‑se a um processo de pesquisa conduzido por um método, evidencia­‑se um tra‑ balho científico. Vale ressaltar que, num trabalho científico, a obtenção de dados não é aleatória, mas sistemática, estando sempre vinculada a um objetivo, a uma hipótese dentro de uma proble‑ mática preestabelecida5. Essa é a condição básica para que os dados possam atribuir objetividade ao trabalho científico, já que eles não o fazem por si só. E a decisão sobre a qualidade e a quantidade dos dados, embora seja tomada pelo pesquisador, ou seja, pelo sujeito, será menos subjetiva se es‑ tiver atrelada a uma problemática. De qualquer

5 Embora a observação aleatória também possa contri‑ buir para o trabalho científico, como se verá adiante.

forma, o trabalho do pesquisador que faz uso das técnicas produzirá um conhecimento revestido de caráter empírico, baseado, em grande parte, na observação dos fatos, no uso dos sentidos, na prática e na vivência de situações reais. O pesquisador, enquanto cientista, diferen‑ temente do técnico, nunca poderá abrir mão do método como processo mental que organiza seu raciocínio, mas poderá fazê­‑lo, em certa medida, em relação à técnica. É possível que não domi‑ ne o uso de técnicas, terceirizando­‑as, o que o tornará mais dependente de recursos e serviços para resolver as questões relacionadas à busca e sistematização de dados. Entretanto, é impor‑ tante considerar que a falta de tal domínio pode incorrer na perda de espaço no mercado de tra‑ balho fora do meio acadêmico. Por outro lado, o domínio da técnica, não necessariamente instrumental, pode assegurar ao pesquisador maior confiabilidade e maior controle sobre os dados que irão subsidiar seus argumentos. Esse domínio aprimora­‑se quase que exclusivamente no plano da prática, ou seja, no próprio uso da técnica, sobretudo daquelas que empregam instrumentação específica. As técnicas, diferentemente do método, cujo desenvolvimento vincula­‑se às questões teóricas e à própria evolução do pensamento humano, evo‑ luem segundo necessidades (práticas, produtivas, artísticas e científicas) que vão surgindo ao longo da história da humanidade, num percurso contí‑ nuo, embora não necessariamente linear. Quanto mais complexidades do mundo real o ser humano consegue desvendar por meio dos avanços técni‑ cos e instrumentais, mais ele se depara com no‑ vas complexidades. Quando o telescópio Hubble foi construído, para resolver determinadas ques‑ tões acerca do cosmos, não era possível imaginar quantas novas complexidades ele traria aos olhos dos cientistas. Muitos mistérios foram revelados e muitos outros vieram à tona quando os sonares passaram a ser usados para estudos de batimetria oceânica, além de terem possibilitado a confir‑ mação de teorias que necessitavam de evidências

empíricas para serem aceitas pela comunidade científica, como a Teoria da Tectônica de Placas. Na lógica do mercado, no entanto, muitos instrumentos, especialmente os mais variados softwares, satélites e técnicas a eles associadas, desenvolvem­‑se com espantosa rapidez. A tec‑ nologia, em uma de suas acepções possíveis, caracteriza­‑ se pelo conhecimento técnico­ ‑científico aplicado a diversos fins6. Pode voltar­‑se para a lógica do mercado, aumentando a produti‑ vidade e o lucro, ao atender demandas reais ou ar‑ tificiais (telefones celulares com jogos, TV, MP3, filmadoras, GPS e computadores acoplados etc.). Por outro lado, a tecnologia pode gerar muitos benefícios para a humanidade em diversas áreas, como medicina, comunicação e circulação de in‑ formações, exploração de recursos naturais, ma‑ peamentos e monitoramentos ambientais online, entre muitos outros. Ainda que haja, atualmente, o discurso da massificação da tecnologia, para‑ doxalmente, o acesso a ela não é universal, já que o poder aquisitivo ainda é fortemente desigual. A incorporação de valores e necessidades pelo ser humano impulsiona o desenvolvimento das técnicas (e instrumentos) ininterruptamente e com tamanha rapidez que se criam mitos em torno delas como o mito da tecnologia, do prag‑ matismo. Em outras palavras e aprofundando­‑se na questão, cria­‑se um paradoxo em que a razão é obscurecida por ela mesma, pela mitificação da técnica. Por isso, torna­‑se necessário que o pesquisador seja muito criterioso na escolha das técnicas que utilizará e que seus critérios não se esvaeçam diante da sedução do novo. Impulsionado pelo mercado, o desenvolvi‑ mento das técnicas antecipa­‑se às necessidades, criando­‑as e recriando­‑as. Isso induz o usuário menos criterioso a mover­‑se em direção às “novi‑ dades” do mercado sem antes sentir necessidade delas, tornando­‑as uma necessidade em si. Novas

6 A Ciência estaria voltada para a compreensão e a tec‑ nologia para a aplicação. Ver o Glossário.

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técnicas e instrumentos são buscados sem que os já existentes tenham sido suficientemente conhe‑ cidos e utilizados. Desse fato, decorre o risco de uma inversão hierárquica no processo de produ‑ ção científica: a técnica, como meio de obtenção de dados, torna­‑se um fim em si mesma e, não raro, assume o papel do método. Em casos mais extremos, os instrumentos (softwares, imagens de satélite etc.) assumem esse papel. Por isso, há que se reafirmar que o saber técnico existe para exercer determinadas tarefas com maior eficiên‑ cia possível, mas não resulta em explicações. A explicação de um fato ou fenômeno é produto de um saber científico estruturado por argumentos7. Se o uso de instrumentos estiver desvinculado das teorias e métodos que regem o processo cien‑ tífico, estará atendendo a outros fins e os instru‑ mentos poderão tornar­‑se meras mercadorias.

Critérios de escolha da técnica No processo de pesquisa, a escolha das técni‑ cas está, primeiramente, relacionada à natureza do objeto de estudo e sua adequação a ele. Ao se estudar Climatologia, por exemplo, não há como escapar das técnicas e do uso de instru‑ mentos (por mais digitais que estejam) como as medições de temperatura por termômetros ou da pluviosidade por pluviômetros (ver Capí‑ tulo 5 – Técnicas de Climatologia). Do mesmo modo, ao se estudar um tema em que a relação sujeito­‑ objeto envolve intersubjetividade, há que se lançar mão das técnicas de aplicação de questionários ou entrevistas, entre outras (ver Capítulo 21 – Técnicas de Interlocução). Em seguida, a escolha da técnica deve levar em consideração a relação custo­‑benefício. Nada impede que a técnica mais adequada seja a mais

7 Uma discussão sobre as diferenças entre o saber técnico e o saber científico pode ser encontrada no segundo capítulo de Granger (1994).

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moderna, contanto que a relação custo­‑benefício seja favorável. Mas não haveria por que adquirir um caro GPS de última geração para a obtenção de alguns poucos dados de georreferenciamento que poderiam ser obtidos de forma mais simples, até com uma bússola e um mapa. Deve­‑se ainda considerar a viabilidade e a acessibilidade na escolha da técnica. Ainda que ela possa ser adequada ao objeto e apresentar uma boa relação custo­‑benefício, o acesso a ela pode ser um obstáculo, seja pelo seu valor, seja por sua disponibilidade. É o que ocorreu durante muito tempo com as imagens de satélite como instrumento básico das técnicas de interpreta‑ ção de imagens. Hoje, no Brasil, este instrumen‑ tal é bem mais acessível. Uma vez desvinculada a adequação da técni‑ ca do grau de modernidade que incorpora, pode­ ‑se fazer ainda algumas outras considerações. Os instrumentos mais simples e tradicionais tendem a ter uma vida útil muito maior. Uma bússo‑ la, um heliógrafo ou uma biruta funcionarão indefinidamente, enquanto a Terra girar, o Sol brilhar e o vento soprar. Funcionam sem fontes artificiais de energia e dificilmente algum com‑ ponente terá de ser substituído. Nesse sentido, os instrumentos eletrônicos, ainda que ofereçam precisão e rapidez na obtenção dos dados, ten‑ dem a ser mais frágeis e dependem de baterias, sinais de satélites, além de apresentarem, pela sua complexidade, maior chance de sofrer algum problema de funcionamento. Outro aspecto positivo dos instrumentos tra‑ dicionais ilustra­‑se pelo fato de que eles forçam o observador a prestar mais atenção na dinâmi‑ ca da natureza, favorecendo sua compreensão. Um exemplo extremo dessa consideração pode ser dado pela comparação de um relógio digital e um relógio de Sol. No primeiro caso, o leitor obtém automaticamente a hora em números sem nenhum esforço mental, e, se o dado estiver impreciso, ele dificilmente saberá. No caso do relógio de Sol, ele terá de “lembrar” que a Terra gira no sentido oeste­‑leste, que o Sol “nasce” a

leste, além de ter que considerar qual é a estação do ano e em qual hemisfério está. Observando­‑se comparativamente o funcionamento de outros instrumentos, por exemplo, uma bússola clássica e um GPS, uma balança digital e uma tradicional, com pesos e contrapesos, é fácil perceber que os instrumentos mais simples exigem mais habili‑ dades do observador e “mostram” como os fenô‑ menos funcionam, enquanto os mais sofisticados oferecem resultados imediatos, mas camuflam o funcionamento dos fenômenos. A valorização de técnicas e instrumentos mais simples ou tradicionais não ocorre aqui (e isso deve estar claro) em detrimento do moderno, do sofisticado; da mesma forma que o contrário não seria aceitável. Os instrumentos mais modernos tendem a apresentar maior alcance, rapidez e precisão (ainda que a questão da precisão não seja prerrogativa exclusiva dos instrumentos di‑ gitais), características que podem ser absoluta‑ mente necessárias ao estudo. Há, também, certos instrumentos sofisticados de pesquisa que são insubstituíveis pelo que proporcionam. É o caso, por exemplo, de imagens de radar ou satélite (ver Capítulo 9 – Técnicas de Sensoriamento Remo‑ to). Ainda que não promovam a integração in loco do observador com a natureza, proporcionam uma inigualável visão de conjunto, abstraindo e revelando aspectos ocultos, favorecendo enor‑ memente a compreensão de diversos fenômenos, como a evolução de áreas urbanas, desmatamen‑ tos, fenômenos climáticos, entre muitos outros. É interessante considerar ainda que muitas técnicas e instrumentos que nos são apresentados como novos são, na verdade, roupagens tecnológi‑ cas de ideias já existentes ou de lógicas há muito conhecidas. Os alunos normalmente se surpreen‑ dem quando descobrem que dentro de um plu‑ viômetro eletrônico (ver Capítulo 5 – Técnicas de Climatologia) há uma pequena báscula (um tipo de monjolo), engenho cuja invenção se perde nos séculos da História. A única diferença consiste em um ímã que, a cada vez que o mecanismo abaixa com o peso da água que recolhe, envia

sinais elétricos que equivalem a uma determinada quantidade de chuva. A criação de instrumentos e técnicas também se inspira na observação di‑ reta de fenômenos da natureza. A observação do sistema de locomoção dos morcegos inspirou a invenção do radar, assim como a observação das aves inspirou o desenvolvimento da aviação. Finalmente, o bom­‑senso na escolha da téc‑ nica e a criatividade para adaptações e usos são aspectos que devem ser considerados com a de‑ vida seriedade. Essas características favorecem melhor adaptação às condições materiais do ambiente de trabalho e ao contexto socioeco‑ nômico do lugar onde se vive, possibilitando ao cientista alcançar, mais rapidamente, as soluções técnicas requeridas. Por essa razão, também é importante conhecer o máximo de técnicas pos‑ sível, como forma de ampliar as possibilidades de uso e adaptações em diversas circunstâncias.

O GABINETE, O CAMPO E O LABORATÓRIO O uso da técnica dentro do processo de pes‑ quisa pode, em muitos casos, ser dividido em três momentos ou espaços de trabalho: o gabi‑ nete, o campo e o laboratório. O laboratório (do latim, laboratorium, lugar de trabalhar, de labore, trabalhar) está sendo aqui considerado exata‑ mente como um lugar de labor, de trabalho, seja equipado com instrumental específico, ou não. Assim, o gabinete incorpora­‑se nesta acepção. De modo geral, a divisão entre gabinete e labo‑ ratório ocorre claramente em especialidades que requerem instrumentos mais específicos, como a Pedologia e a Climatologia, entre outras. O gabinete é utilizado para o planejamento e a pre‑ paração do trabalho de campo e o laboratório, stricto senso, para o trabalho de sistematização das informações recolhidas em campo. Nas pes‑ quisas voltadas para temáticas sociais, não raro o laboratório e o gabinete fundem­‑se em um

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mesmo espaço físico de trabalho, já que essas temáticas requerem menor uso de instrumenta‑ ção específica. Embora se desenvolvam de forma mais independente dos aparatos técnicos, tais pesquisas lançam mão de boa parte das técnicas tratadas neste livro, como a aplicação de questio‑ nários e entrevistas (ver Capítulo 21 – Técnicas de Interlocução), de tratamento estatístico (ver Capítulo 22 – Estatística Descritiva em Sala de Aula), registros fotográficos e videográficos (ver Capítulo 19 – Técnicas de Fotografia e Capítulo 20 – Técnicas de Vídeo, respectivamente) e leitu‑ ra de imagens, entre outras. Em princípio, o trabalho de gabinete auxi‑ lia no preparo do trabalho de campo, isto é, no planejamento das ações baseado em um conhe‑ cimento prévio da área de estudo. Essas ações podem envolver providências mais científicas, como o levantamento cartográfico e bibliográ‑ fico da área de estudo, definição de pontos de observação segundo a temática e os objetivos da pesquisa, e também ações mais logísticas, estabelecimento de contatos com interlocutores, marcação de encontros para entrevistas, verifi‑ cação das condições de segurança dos pontos de parada, consulta às previsões meteorológi‑ cas, obtenção de autorizações para entradas em Unidades de Conservação, travessia de balsas, hospedagem, além de muitas outras, sempre atreladas aos objetivos do trabalho. O momento do trabalho de campo representa o contato direto com a realidade, seja como ex‑ tensão da sala de aula (aula de campo) seja para a realização de pesquisa científica. Esse contato pode ser de observação imediata ou intermedia‑ do pelo uso de técnicas e instrumentalização. Em aulas de campo, que podem ocorrer em qualquer ambiente (natural, urbano, rural e até no oceano, a depender da temática envolvida) os alunos praticam a observação orientada por conceitos apreendidos em aula (erosão, mono‑ cultura de exportação, densidade populacional etc.), além de usar algumas técnicas e manu‑ sear instrumentos. Mas, sobretudo, no campo,

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os alunos devem praticar a análise integrada, articulando e relacionando os fatos observados. Em pesquisas científicas, o campo é onde são gerados dados primários e confirmam­‑se ou ajustam­‑se os secundários, ou seja, dados que po‑ dem corroborar ou não hipóteses de trabalho e conceitos científicos. Nesse caso, a observação em campo é mais sistemática e menos aleatória, em‑ bora o contato com a realidade quase sempre gere novas ideias que serão incorporadas como novas variáveis à análise geográfica. Isso quer dizer que, embora o contato com a realidade seja direto e sis‑ tematizado, não se tem controle assegurado sobre os processos, como se pode ter em laboratório. No campo, o pesquisador está submetido às dinâmi‑ cas da realidade que elegeu estudar. Pode haver um deslizamento de encosta ou um protesto blo‑ queando a estrada, uma tempestade, um “apagão”, uma greve. Ou seja, a dinâmica do mundo real pode nos reservar muitas surpresas, de modo que é comum que o planejado no gabinete não ocorra em campo exatamente como se esperava8. Isso significa que o planejamento do trabalho de cam‑ po, como o da pesquisa, requer certa flexibilidade do pesquisador e a possibilidade de um plano B. A tecnologia incorporada cada vez mais aos instrumentos utilizados por determinadas técni‑ cas (como imagens de satélite de alta resolução, por exemplo) pode diminuir a necessidade de campo, já que fornece informações cada vez mais precisas da realidade. Sendo uma das funções do trabalho de campo conferir as informações obtidas por outros meios, o aumento da precisão das informações pode tender a confinar o pesqui‑ sador no laboratório. Mas ele deve ter consciência do risco que existe em transformar seu trabalho no chamado “trabalho de gabinete” e, sobretudo,

8 Lembro­‑me que, em 1988, programei um trabalho de campo para a pesquisa de mestrado, no Parque Na‑ cional das Emas (GO). Mas um incêndio de grandes proporções impossibilitou o trabalho de campo. Assim uma nova variável, relacionada à vulnerabilidade, foi incorporada à análise.

ter clareza de que o campo e as informações que ali podem ser obtidas são insubstituíveis. Em termos gerais, o trabalho de campo é uma técnica ampla que incorpora outras mais especí‑ ficas (atreladas aos diferentes objetos de estudo) e, de tão fundamental para a análise geográfica, é considerada por alguns como método, assim como o é para os antropólogos9. Esta é uma dis‑ cussão que, certamente, não se esgotará aqui. O valor do trabalho de campo para os geógra‑ fos atravessou séculos, fortalecendo­‑se com os naturalistas, resistindo às revoluções científicas que reformularam a Geografia e chegando ao século XXI com seu status inabalado, represen‑ tando talvez o maior consenso entre os geógrafos das mais diversas tendências e formações. O trabalho de campo é, segundo Wooldrid‑ ge, “fonte primária de inspiração e ideias e inspira uma grande parte tanto do problema quanto do método de nossa área de estudo”, (1948:2, apud stoddard & adams, 2004, p. 53). O campo é onde a complexidade da reali‑ dade é revelada e conduzida à compreensão do geógrafo, munido de seus principais conceitos, como paisagem, espaço e região, por exemplo, os quais se materializam na realidade; dão sentido a ela e dela obtêm sentido. É onde as fronteiras acadêmicas das disciplinas deixam de fazer sen‑ tido e são substituídas por inúmeras conexões entre os fatos observados, num processo de re‑ construção conceitual. No campo, a visão do geógrafo é simultane‑ amente multiescalar, capaz de observar desde o detalhe a seu lado até o conjunto da paisagem, multiplicando­‑se as possibilidades de conexões verticais (entre escalas de diferentes grandezas) e horizontais (entre os fatos simultaneamente observados). Portanto, o trabalho de campo é uma experiência insubstituível.

9 Um dos métodos científicos da Antropologia refere­‑se à pesquisa participante, em que o pesquisador passa longo tempo nas comunidades que estuda. Ver mais informações no Capítulo 21 – Técnicas de Interlocução.

Finalmente, o campo socializa os geógrafos e os alunos, enriquecendo a vivência acadêmi‑ ca e escolar, tornando o aprendizado escolar da Geografia muito mais atraente e a pesquisa ge‑ ográfica cientificamente mais legítima. Finalmente, o trabalho em laboratório en‑ volve o tratamento das informações obtidas no campo e planejadas no gabinete. As amostras de solo serão analisadas mais precisamente e classificadas, os questionários serão tabulados, as entrevistas serão transcritas, as fotografias se‑ rão melhoradas e os vídeos editados, os produtos cartográficos serão eventualmente corrigidos em função do que se observou no campo. Enfim, as informações devem ser sistematizadas de modo que possam ser incorporadas como base empí‑ rica da pesquisa. O laboratório ainda tem outra função acadêmico­‑ científica. É onde também podem ser feitas simulações de fenômenos, cujo controle é mais eficiente do que em campo10; simulações que podem, por analogia, promover maior com‑ preensão do real, a exemplo de testes de porosida‑ de e permeabilidade de solos, simulações de ba‑ lanço hídrico, simulações de entrevistas, teste de modelos (climatológicos, geomorfológicos etc.). Finalmente, o laboratório também exerce uma função mais didática, tanto em escolas como em universidades, pois é o espaço em que promovem­‑se estágios, cuja função é, entre ou‑ tras, a aquisição de determinadas habilidades e o aprendizado do uso de determinadas téc‑ nicas e instrumentos (confecção de mapas, por exemplo). Lembremos ainda que, nos estágios de ensino, a própria sala de aula é um laboratório11. Em suma, o laboratório promove um contato

10 Experimentos também são empreendidos em campo, em Geomorfologia, Climatologia, Biogeografia etc., mas exigem uma estratégia de controle mais complexa que envolve a proteção dos instrumentos, instalações, a coleta periódica das informações, etc. 11 Ver Capítulo 15 – A Escola como Laboratório Vivo.

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controlado entre o pesquisador e a realidade, muitas vezes intermediado por instrumentos.

A OBSERVAÇÃO COMO TÉCNICA PRIMORDIAL Talvez esta seja a técnica mais antiga e inata ao ser humano, já que ele passa a vida observan‑ do. Aqui, estamos considerando dois tipos de observação: aleatória e sistemática. A primeira é descomprometida de resultados; é mais contem‑ plativa e seu nível de detalhe, velocidade, hie‑ rarquia dos fatos dependerá apenas da atenção e do interesse subjetivo do observador. Embora ela não seja metódica, contribui para o conheci‑ mento científico, na medida em que pode gerar ideias, insights, de forma mais ou menos espon‑ tânea, não raro favorecida pelo próprio estado de relaxamento mental12. Mas como a pesquisa não pode depender do surgimento de insights, é necessário empreender uma observação mais controlada, mais heurética. A observação sistemática será dirigida ou focada em alguns alvos previamente determinados pelos objetivos da pesquisa, precisamente pelas hipóte‑ ses levantadas ou pelas variáveis analíticas sele‑ cionadas13. Quando se vai a campo observar fatos que se relacionam a um objetivo de pesquisa, o observador torna­‑se um sujeito e o fato observado transforma­‑se num objeto de estudo. A observação sistemática pode ser considerada como uma téc‑ nica orientada pelo método analítico descritivo e, enquanto técnica, não produzirá explicações, mas lhes fornecerá as bases necessárias. Só é possível explicar o que se conhece, portanto a observação descritiva deve ser valorizada como uma etapa primordial da pesquisa, ou o primeiro momento

12 É comum os alunos voltarem dos feriados e das férias com ideias novas de pesquisa. 13 Diferença que se define apenas pela forma de aborda‑ gem, ou seja, do método adotado.

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de qualquer conhecimento científico (ou o se‑ gundo, se considerarmos que antes de sairmos observando temos que ter uma problemática ou temas predefinidos). Mesmo uma simples aula de campo ou em estudo do meio (que aqui não estão sendo diferenciados), é útil que o professor defina alguns temas­‑alvo para que a atenção dos alunos não se disperse muito. Ao diminuir a aleatoriedade da observação, é necessário preservar a visão de conjunto, tão essencial à análise geográfica integrada. A sis‑ tematização não deve ser um fator restritivo, como uma viseira limitante do campo de visão. Apenas fará com que o observador, ou melhor, o sujeito preste mais atenção aos fatos relevados por aquela pesquisa, naquele momento, otimi‑ zando suas observações. Caso contrário, ele fica à deriva no oceano dos fatos14. A observação sistemática poderá ser operacio‑ nalizada por uma diversa gama de instrumentos. Os instrumentos óticos, como binóculos, lunetas, lupas, lentes e microscópios, atendem a diferen‑ tes objetos de estudo das diversas ciências, como a Geografia, Biologia, Geologia e Astronomia. Entre tais instrumentos ainda existem aqueles que possibilitam o registro da observação, como câmeras fotográficas (ver Capítulo 19 – Técnicas de Fotografia) e câmeras de vídeo (ver Capítulo 20 – Técnicas de Vídeo). Há ainda os instrumentos métricos, como o clinômetro, com o qual obtem­‑se a inclinação de vertentes (ver Capítulo 2 – Téc‑ nicas de Geomorfologia), o termômetro, o helió‑ grafo, para medir a radiação solar (ver Capítulo 5 – Técnicas de Climatologia) e muitos outros, que serão apresentados neste livro. Finalmente, existem os instrumentos de georreferenciamento que nos dão a posição geográfica e a orientação espacial dos fatos observados, como a bússola, o GPS (ver Capítulo 7 – Técnicas de Cartografia e Capítulo 10 – Técnicas de Localização e Georre‑ ferenciamento) e o próprio mapa.

14 Consulte também Venturi (2008).

É conveniente ressaltar que não existe o ob‑ servador ideal, capaz de realizar observações isentas de subjetividade. Não se observa para depois interpretar; a observação e a interpreta‑ ção fazem parte de um mesmo processo, sendo que a segunda poderá ser refinada a posteriori. A observação científica, portanto, nunca será total‑ mente objetiva, pois sempre sofre interferências do sujeito da observação. O que será observado, em que ordem, em qual nível de detalhamento, o que será omitido ou negligenciado, tudo isso será impregnado, num bom sentido, pelo sujei‑ to, sua história, seus valores, seu conhecimento prévio. Segundo Hanson (1992), observar é ter uma experiência que sofre interferências das experiências anteriores. A experiência acumu‑ lada apareceria na interpretação daquilo que se vê, alterando a experiência da observação. Para ilustrar essa ideia, imaginemos um geógrafo com seu filho de cinco anos passeando no centro de uma metrópole. Embora possam estar observan‑ do sensorialmente os mesmo objetos, estão ten‑ do experiências de observação muito distintas. As diferenças da experiência da observação não existem apenas entre os sujeitos, mas em um mesmo sujeito ao longo do tempo. A observação do garoto de cinco anos mudará ao longo de sua vida, à medida que suas experiências e seus co‑ nhecimentos possibilitem a realização de novas leituras. A observação ainda envolveria outros órgãos sensoriais além da visão. Num país estrangeiro, por exemplo, uma palavra só terá algum signifi‑ cado caso se tenha acumulado alguma experiên‑ cia linguística daquele povo, embora se possa ouvir os mesmos sons vocalizados. A linguagem usada para fazer a descrição do fato observado também será impregnada. As‑ sim, dez observadores fariam dez diferentes re‑ latos de observação de um mesmo fato, mesmo que tivessem os mesmos objetivos de pesquisa e a mesma formação acadêmica. São os sujeitos que observam e não os pares de olhos. Apesar dessas pluralidades, há algumas tendências co‑

muns. Não raro, os observadores iniciarão sua observação pelo que mais chama a sua atenção, por exemplo, um edifício mais alto, um pico pon‑ tiagudo. Essa parece ser uma tendência daqueles que se iniciam na observação científica. Mas o sujeito observador deve tomar alguns cuidados. O primeiro deles refere­‑se à importância daquele fato de destaque, lembrando que os fatos não têm importância científica a priori, mas são rele‑ vados pelos objetivos da pesquisa. Sendo assim, aquele edifício alto pode ter pouca importância explicativa, enquanto fatos mais sutis seriam mais relevantes. Em segundo lugar, deve­‑se considerar que, quase sempre, são os fatos mais comuns que ajudam a explicar a realidade e não as exceções. Certa vez, durante o percurso de um trabalho de campo, em 2007, paramos à beira da rodovia Carvalho Pinto (no estado de São Paulo) para realizarmos um exercício de observação. Havia diante de nós uma grande extensão territorial caracterizada por colinas suaves, recobertas de campos com algum cultivo e alguma pecuária em pequenas propriedades. Porém, ao fundo, víamos as escarpas continentais da Serra do Mar que “saltavam” no horizonte, fato que foi relatado com grande destaque pelos alunos. A visão dos alu‑ nos ultrapassou toda a paisagem predominante (entre o grupo e a serra) e foi atraída pelo relevo destacado ao fundo, ainda que este não fosse re‑ presentativo do conjunto e nem ajudava a explicar o contexto predominante. Em outra parada, já num ambiente serrano, um pico mereceu desta‑ que em meio a um modelado de topos convexi‑ zados. Mais uma vez, destacou­‑se uma exceção e tornaram­‑se secundárias as características pre‑ dominantes da paisagem, muito mais explicativas dos processos de esculturação do relevo. Enfim, existiria uma ordem para se obser‑ var os fatos da realidade? Sim, não e talvez. Sim, caso se tenha um objetivo específico, hipóteses ou variáveis já selecionadas, o que, como vimos, orientaria a observação para determinados fa‑ tos. Não, caso se esteja realizando exercícios de observação descritiva, inventariando fatos que

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não estão necessariamente relacionados a um objetivo de pesquisa. Observações dessa nature‑ za são exercícios úteis para praticar a linguagem adequada, o uso de conceitos, a homogeneização do nível de detalhe etc. Finalmente, talvez, pois há algumas sugestões em diferentes fontes, que se podem ser acatadas ou não. Na perspectiva da Geografia Regional “clássica”, sugere­‑se ini‑ ciar as observações a partir dos aspectos físico­ ‑territoriais, para então proceder à observação das formas de ocupação e uso. Esse procedi‑ mento pode ser adequado em muitos casos, já que os tipos de uso sempre sofrem influência das características do ambiente. Há alguns autores, por exemplo, que estabelecem ordem de fatos observáveis. Nagel & Spencer (2000, p. 14­‑18) propõem que, em áreas urbanas, por exemplo, a observação deveria ocorrer na seguinte ordem: ¾¾linhas de comunicação (ruas, estradas, aero‑ portos); ¾¾tipos de uso (residencial, industrial, comer‑ cial) com caracterizações internas (classe média, indústria de tecnologia, comércio de eletrônicos); ¾¾diferenciação entre áreas novas e antigas; ¾¾outros tipos de uso (terrenos baldios, espaços verdes etc.). Já as diferentes áreas de estudo da Geografia, como Biogeografia, Geomorfologia, Pedologia etc., por suas peculiaridades, trazem orientações sobre a ordem de observação dos fatos, como se verá nos capítulos subsequentes. Seja qual for o caminho da observação, uma ordem escalar deve ser considerada. É sempre conveniente iniciar a observação a partir de uma visão mais geral para, gradativamente, se chegar a detalhes, os quais farão mais sentido dentro de um contexto mais amplo. Se um fato é uma abstração momentânea de um todo, ele será mais bem compreendido tendo esse todo como referência, daí a necessidade de contextualizá­‑lo em conjunturas mais amplas. Também fazem parte da observação fatos que estão fora do alcance direto da visão, ou

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seja, que são inferíveis. Reflita sobre esta defini‑ ção de observação: “A conclusão ou juízo baseado em elementos objetivos da realidade. Estes podem fundamentar­‑ se na percepção dos sensíveis, de elementos da realidade que, embora não sejam observáveis em princípio ou de fato, no entanto, têm efeitos observáveis, como os prótons, por exemplo.” (GILES, 1993, p. 112­‑113)

Assim, na medida em que o geógrafo interiori‑ za alguns conceitos, como o de, paisagem enquan‑ to resultado da relação entre seus componentes, mais correlações e inferências poderá fazer, ou seja, mais fatos ”ocultos” poderá desvendar. Quanto mais conhecer as dinâmicas dos compo‑ nentes da paisagem e do espaço, mais desvendará essências dissimuladas pelas aparências. No entanto, é preciso deixar claro, no relato da observação15, o que de fato se viu e o que foi inferido. Quando, à noite, num retorno de campo, passamos pela transição entre uma ba‑ cia sedimentar e um cinturão orogênico, vários alunos relataram ter observado essa transição estrutural. Ora, apenas sabiam que essa tran‑ sição ocorria aproximadamente naquela área e poderiam até ter inferido esse fato pela sinuo‑ sidade que passou a caracterizar a estrada ou por alguma outra evidência ou efeito. Mas não observaram de fato e isso tinha de ficar claro, pois as inferências são derivações interpretativas da observação e, por isso, sujeita a erros. Para apoiar as observações diretas e as in‑ ferências, o sujeito pode fazer uso de um “ins‑ trumento” muito especial: a teoria científica, composta de conceitos e leis que estabelecem relações explicativas entre os fatos e nos ajudam a tornar a realidade mais inteligível. Mas esse assunto fica para outro momento.

15 Para reforçar a ideia da descrição como relato da obser‑ vação, leia o Capítulo 23 – A Redação do Trabalho de Campo.

NA SALA DE AULA Propõe­‑se agora a realização de duas atividades de fixação conceitual e treino de observação.

Atividade 1 Peça aos alunos, diante de uma mesma paisagem, que a descrevam em uma página. Padronize o tempo de observação (cerca de 20 minutos16) e a extensão da descrição (uma página). É interessante que a paisagem seja rica em elementos naturais e antrópicos, pois se for muito homogênea o exercício perderá sentido. Caso não haja possibilidade de realizar este exercício fora da sala ou da escola, exponha uma imagem diante dos alunos. Após o tempo previsto, peça para que cada um leia em voz alta a descrição que elaborou. Neste momento, os alunos terão consciência das influências subjetivas na observação do objeto. Discuta com os alunos os seguintes pon‑ tos: ¾¾Por que as observações são tão diferentes, já que a paisagem é a mesma e os alunos estão no mesmo nível escolar? ¾¾Quantos iniciaram a descrição pelos aspectos mais marcantes, e por que isso teria ocorrido? ¾¾Há aspectos da paisagem que, por serem mais sutis, foram negligenciados? ¾¾Que aspectos predominam na paisagem descrita? É mais urbana? Mais rural? Apresenta regularidade na ocupação ou é do tipo “desordenada”? ¾¾Há elementos novos e antigos coexistindo?

Atividade 2 Em sala de aula, exponha aos alunos uma imagem ou, em campo, pare diante de uma paisagem. A Figura 1.6 é um exemplo possível. a) Quais são os elementos de fato observáveis, relacionados às moradias, a aspectos naturais como vegetação, relevo etc.? b) Quais seriam os elementos inferíveis? Com auxílio das informações do Capítulo 2 deste livro (Técnicas de Geomorfologia), analise se haveria risco de deslizamento. Quais aspectos indicam isso? Veja que foi preciso acumular certo conhecimento para se poder inferir algo, para enriquecer a experiência da observação/interpretação.

16 O tempo da observação é muito variável e quase sempre demanda mais tempo do que imaginamos. Os 20 minutos foram propostos apenas para viabilizar o exercício em sala de aula.

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c) Que outros fatores poderiam ser inferidos (exclusão social, degradação ambiental etc.) e por quais indícios?

Eduardo Justiniano

Repita esta atividade, agora usando uma imagem bem diferente, como a Figura 1.7, por exemplo.

Eduardo Justiniano

Figura 1.6. Ocupação irregular em área de mananciais no município de São Paulo/SP, em 2006.

Figura 1.7. Agronegócio de soja. Distrito Federal, 2006.

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ConSideraçÕeS finaiS Neste capítulo, procurou‑se argumentar em favor da técnica enquanto uma instância do processo de pesquisa, ressaltando suas características, funções, alertando para o risco de sua mitificação e, ao mesmo tempo, para possíveis preconceitos remanescentes de épocas passadas. Se, por um lado, deve‑se ser criterioso com a escolha e o uso das técnicas, por outro, apenas a prática consoli‑ da seu domínio. Mesmo a observação, enquanto técnica investigativa primordial e base para a compreensão da realidade, deve ser praticada. O conhecimento enriquecerá a experiência da observação, permitindo inferências cada vez mais seguras e, assim, mais científicas. Com base nos aspectos aqui relevados, expõem‑se nos capítulos subsequen‑ tes uma ampla gama de técnicas utilizadas pela Geografia e ciências afins, das quais os alunos e professores poderão fazer uso, de acordo com suas necessi‑ dades e interesses.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário

Bibliografia

Heurético: (do grego heuretikós = inventivo) diz­‑se do método pedagógico pelo qual se leva o aluno a desco‑

CUNHA, A. G. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. GILES, T. R. Dicionário de Filosofia – termos e filósofos. São Paulo: EPU, 1993. GRANGER, G. G. A Ciência e as ciências. São Paulo: Editora da Unesp, 1994. HANSON, N. R. Observação e interpretação. In: MOR‑ GENBESSER, S. (Org.). Filosofia da Ciência. São Pau‑ lo: Cultrix, 1992. LACOSTE, Y. Pesquisa e trabalho de campo. In: Seleção de textos, n. 11 (Série Teoria e Método). São Paulo: AGB, 1985, pp. 1­‑23. LENON, B. & CLEVES, P. Fieldwork techniques and projects in Geography. Londres: Collins Educational, 1996. NAGLE, G. & SPENCER, K. Geographical enquiries – skills and techniques for Geography. Londres: Nel‑ son Thornes, 2000. SANTOS, M. A natureza do espaço – técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1997. VENTURI, L. A. B. Ensaios geográficos. São Paulo: Humanitas, 2008.

brir por si mesmo a verdade que se lhe quer inculcar17. Inferência: 1 – conclusão deduzida por raciocínio (CUNHA, 1981, p. 435); 2 – o processo lógico ou con‑ ceitual que consiste em derivar uma proposição de outra ou de outras proposições (GILES, 1993, p. 81); 3 – admissão da verdade de uma proposição, que não é conhecida diretamente, em virtude da ligação dela com outras proposições já admitidas como verdadeiras18. Interpretação: 1 – operação pela qual o espírito passa do signo para a coisa significada ou, preferivelmente, para a ideia significada19. Subentende­‑se, nesta acep‑ ção, que a interpretação necessita de conhecimento. 2 – Explicação do sentido de algo […] 20. Observação: percepção atenta. A observação é a pesquisa das características diferenciadoras de uma coisa e, nessa qualidade, o primeiro momento de qualquer conhecimento científico. […] Diferencia­‑se a observação natural, que consiste simplesmente em perceber as coisas (…) da observação científica, que consiste em ler­‑se instrumentos de mensura (termôme‑ tro, barômetro etc.) e que implica num certo interesse e em certos conhecimentos: a observação nunca é passiva e só notamos as coisas ou características em função de nossas disposições mentais e de nossos conhecimentos21. Tecnologia: conjunto de conhecimentos, especial‑ mente princípios científicos, que se aplicam a um de‑ terminado ramo de atividade22 .

17 Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fron‑ teira, p. 721. 18 Ibidem. 19 GOBLOT, Edmond. Le vocabulaire philosophique. Paris: Arnand Colin, 1927, p. 311. 20 JUPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 146. 21 JULIA, Didier. Dicionário da Filosofia. Trad.: José Américo da Motta Pessanha. Rio de Janeiro: Larousse do Brasil, 1969, p. 231. 22 Idem nota 19 e 20, p. 1 360.

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práticas de geografia

SOBRE O AUTOR Luis Antonio Bittar Venturi é mestre (1993) e doutor (2001) em Ciências (Geografia Física) pela Uni‑ versidade de São Paulo (USP), onde também graduou­ ‑se (1986) e licenciou­‑se. Atualmente, é professor dou‑ tor (RDIDP) da USP na graduação e na pós­‑graduação do Departamento de Geografia, orientando pesquisas de mestrado e doutorado. Atua nas áreas de Geografia dos Recursos Naturais, Teoria, Método e Técnicas de Campo e Laboratório da Pesquisa em Geografia, temas sobre os quais tem publicado artigos, livros e proferido palestras. É avaliador ad hoc pelo MEC e parecerista de instituições de fomento à pesquisa e de publicações especializadas.

técnicas de Geomorfologia

2 JuRANDyR LuCIANO SANCHES ROSS MARISA DE SOuTO MATOS FIERz

Eduardo Justiniano

BIANCA CARVALHO VIEIRA

Introdução, 32 Cartografia geomorfológica como suporte técnico da pesquisa, 33 Experimentos de campo, 40

Condutividade hidráulica, 45 Técnicas aplicadas às áreas costeiras, 47 Modelagem matemática na análise geomorfológica, 49

Na sala de aula, 52 Considerações finais, 54 Referências de apoio, 55 Sobre o autores, 56

introdução A maioria das pesquisas em Geomorfologia, como em qualquer outro ramo das ciências da Terra, passa por três níveis de análise, quais sejam: trabalho de gabinete ou escritório, trabalho de campo e trabalho de laboratório. Os trabalhos de gabinete constituem‑se, sobretudo, na elaboração do projeto, nas pesquisas bibliográficas, cartográficas e de dados preexistentes. Nesse rol, estão livros, artigos de revistas, jornais, teses, dissertações, arquivos de fotos aéreas, imagens de radar, imagens de satélites, arquivos de mapas topográficos e mapas temáticos de Geologia, Pedologia, Geomorfologia, Hidrografia, ve‑ getação, usos da terra, climáticos, dentre inúmeros outros. Esses documentos podem ser qualitativos e/ou quantitativos e servem de base analítica e teórico‑ ‑metodológica, bem como subsidia a parte operacional da pesquisa. A interpretação de fotografias aéreas e imagens de satélite e radar para pro‑ duzir os mapas temáticos preliminares, que serão confrontados com os dados de campo e laboratório, é outra fase importante do trabalho de gabinete. A pesquisa de campo, por sua vez, processa‑se de dois modos: um básico inicial, que se caracteriza pelo trabalho de observação e descrição mais precisa possível, incluindo coletas de amostras para análise laboratorial; e um segundo, marcado pelos ensaios e experimentos de campo. Dentre as pesquisas geomorfológicas, incluindo mapeamentos e trabalhos de campo em Geomorfologia, destacam‑se o trabalho desenvolvido pela divi‑ são de recursos naturais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1995). Trata‑se de um manual técnico oferecendo um roteiro sistemático para observações e descrições de fatos geomorfológicos, geológicos e pedológicos detalhados, que possibilitam apoio às pesquisas sobre o relevo e sua dinâmica pretérita e atual. Outra obra de referência: Geomorfologia: exercícios, técnicas e aplicações, organizada por Guerra & Cunha (1996) e produzida com a colaboração de vários profissionais, foi o primeiro livro de aplicação de técnicas em Geomorfologia no Brasil.

CartoGrafia GeomorfolÓGiCa Como SuPorte tÉCniCo da PeSQuiSa A cartografia do relevo ganhou importância na Europa, principalmente no Leste europeu, após a Segunda Guerra Mundial, por dois prin‑ cipais motivos. O primeiro foi o desenvolvimento das bases tecnológicas, aviões e fotografias aéreas e, a partir da década de 1970, a utilização dos sensores remotos com plataforma em aviões a jato e em satélites, produzindo imagens de radar e satélite, que passaram a ter ampla aplicação na pesquisa dos recursos naturais, tais como: relevo, solo, rochas, água, clima, vegetação. O segundo motivo deveu‑se, sobretudo, à necessidade de demonstrar a utilidade da Geomorfologia como instrumento para desenvolvimento econômico e social dos então países comunistas, com destaque para URSS, Polônia, Tchecoslováquia e Alema‑ nha Oriental, em função dos mapeamentos dos recursos naturais e do planejamento territorial. No Brasil e na Austrália, países de grande dimen‑ são territorial, a Geomorfologia também firmou‑ ‑se com os mapeamentos geomorfológicos volta‑ dos para projetos de levantamento dos recursos naturais através do Projeto Radambrasil (Brasil – 1970/1985) e da CSIRO (a partir de 1945). O mapa geomorfológico é um importante instrumento na pesquisa do relevo, correspon‑ dendo ao que Tricart (1965) apresentou como sendo o que constitui a base da pesquisa e não a concretização gráfica da pesquisa já feita. Ele é ao mesmo tempo o instrumento que direciona a pesquisa e, quando concluído, deve representar uma síntese como produto desta. Assim, a carta geomorfológica é indispensável na questão do inventário genético do relevo. Para tanto, ao se elaborar a carta geomorfológica é necessário: ¾ fornecer elementos de descrição do relevo; ¾ identificar a natureza geomorfológica de to‑ dos os elementos do terreno; ¾ datar as formas.

Para Tricart (1965) os elementos de descri‑ ção do relevo são informações que devem ser retiradas das cartas topográficas. Entretanto, estas não são suficientes, sendo necessário acres‑ centar informações de natureza específica que a simples carta topográfica não fornece, como, por exemplo, rupturas topográficas, rebordos de pequenos patamares. A identificação da “nature‑ za geomorfológica dos elementos do terreno” é feita através de simbologia gráfica e é de caráter genético, pois ao se registrar, por exemplo, um front de cuesta, ou uma crista sinclinal, está se fornecendo informações ligadas à gênese. A datação das formas, ainda que relativa, é primordial para que se possa identificar o que são formas herdadas das formas vivas que con‑ tinuam a se desenvolver na atualidade e, ao mes‑ mo tempo, ajudar na explicação da gênese. Tricart (1965), ao discutir a concepção e os princípios da carta geomorfológica detalhada, lembra que a descrição razoável dos fatos geo‑ morfológicos representa categorias de fenôme‑ nos muito diferenciados segundo a escala ado‑ tada. Afirma que as cartas de pequena escala, em função da natureza das coisas, são orientadas para representar, sobretudo, os fenômenos mor‑ foestruturais. Já nas cartas de escala maiores, as formas esculturais assumem maior significado. Afirma também que as cartas geomorfológicas detalhadas devem compor‑se de dados de quatro naturezas diferentes: ¾ dados morfométricos: obtidos a partir de carta topográfica; ¾ informações morfográficas: que devem ser re‑ gistradas através de simbologia que indique o fenômeno e sua origem, por exemplo, escarpa de falha ao invés de simplesmente escarpa; ¾ dados morfogenéticos: as formas registradas no mapa através de símbolos devem indicar sua

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

33

A cartografi a geomorfológica deve mape‑ ar concretamente o que se vê e não o que se deduz da análise geomorfológica.Portanto, em primeiro plano, os mapas devem representar os diferentes tamanhos de forma de relevo, dentro da escala compatível. Em primeiro plano deve‑se representar as formas de diferentes tamanhos e, em planos secundários, a da morfometria, mor‑ fogênese e morfocronologia, que têm vínculo

direto com a tipologia das formas. Para a carto‑ grafia geomorfológica são aplicados os mesmos princípios adotados para a cartografia de solos e de geologia, em que se representa o que estes temas têm de concreto, ou seja, os tipos de so‑ Matos Fierz & Ross

gênese, como terraço fluvial, planície fluviolacus‑ tre, entre outros; ¾ cronologia: a idade das formas também deve ser estabelecida, distinguindo‑se as formas fun‑ cionais das formas herdadas (paleoformas). As paleoformas indicam os processos pretéritos, en‑ quanto as formas atuais permitem definir o siste‑ ma morfogenético operante na região atualmente.

A

B

Figura 2.1. Fragmento do mapa das morfoestruturas do estado de São Paulo.

Morfoestruturas e Morfoesculturas no Estado de São Paulo 2

1

2.1 2.1.2

2.1.3

2.1.4 2.2.1

2.2.2

2.2.3 2.2.2.1

A

2.2.4 + + + +++ + + + + + + + + + + + + + + ++ + +

B

MORFOESTRUTURAS ++++ 1 - Morfoestrutura em estruturas dobradas - rochas cristalinas (não detalhadas neste

exemplo)

2 - Morfoestrutura em bacia sedimentar - rochas sedimentares 2.1- Morfoestrutura em planalto (esculpido em rochas sedimentares) 2.1.1 - Tipos de formas ou padrões de formas semelhantes - colinas de topos pequenos e convexos 2.1.2 - Tipos de formas ou padrões de formas semelhantes - colinas de topos amplos e convexos 2.1.3 - Tipos de formas ou padrões de formas semelhantes - colinas de topos amplos e planos 2.1.4 - Formas em escarpa com patamares estruturais 2.2 - Morfoestrutura em depressão periférica 2.1.1 - Tipos de formas semelhantes - colinas de topos amplos e convexos 2.1.2.- Tipos de formas semelhantes - colinas de topos amplos e planos Formas de vertentes 2.2.2.1 - Forma em colina de topo convexo Figura 2.2. Perfil das morfoestruturas e morfoesculturas no estado de São Paulo. Fonte: Ross (2004).

34

práticas de geografia

Sérgio Fiori

2.1.1

los e as formações rochosas para, a seguir, dar outras informações relativas à idade, à gênese e às demais características de um modo descritivo no corpo da legenda. A cartografação e a análise geomorfológica podem seguir os pressupostos da metodologia proposta por Ross (1990 e 1992), como indicam as Figuras 2.1. e 2.2. O primeiro táxon, que representa maior ex‑ tensão em área e que corresponde às unidades morfoestruturais, é identificado em imagens de radar e satélite e controlado em trabalho de campo e por cartas geológicas. Na representa‑ ção cartográfica, cada unidade morfoestrutural é identificada por cor. O segundo táxon, referente às unidades mor‑ foesculturais contidas em cada morfoestrutura é, do mesmo modo, identificado com o auxílio dos produtos dos sensores remotos e controlado com a investigação de campo. Essas unidades recebem identificação por diferentes tons da cor que representa a morfoestrutura. Por exemplo, se a cor verde indica uma determinada morfo‑ estrutura, os variados tons de verde indicarão as unidades morfoesculturais contidas e pertencen‑ tes a essa morfoestrutura. O terceiro táxon representa as unidades mor‑ fológicas ou padrões de formas semelhantes que estão contidos nas unidades morfoesculturais e correspondem às unidades em manchas de me‑ nor extensão territorial, definindo­‑se por conjun‑ tos de tipologias de formas (tipos de relevo) que guardam entre si elevado grau de semelhança, quanto ao tamanho de cada forma e aspecto fi‑ sionômico. Esses padrões caracterizam­‑se por diferentes intensidades de dissecação do relevo ou rugosidade topográfica, por influência dos canais de drenagem temporários e perenes. As unidades morfológicas ou padrões de for‑ mas semelhantes são de duas naturezas gené‑ ticas: as formas agradacionais (de acumulação) entre as quais estão as planícies; e as formas denudacionais, em que predomina a erosão. Podem­‑se seguir os procedimentos do mapea‑

mento geomorfológico adotado pelo Projeto Radambrasil, no qual as formas agradacionais recebem a primeira letra maiúscula A (de agra‑ dação) acompanhadas de outras duas letras mi‑ núsculas que determinam a gênese e o processo de geração da forma de agradação. Por exemplo: Apf – A de agradação ou acumulação; p de pla‑ nície e f de fluvial. Outras formas de agradação possíveis são as planícies marinhas (Apm)e as planícies lacustres (Apl), entre outras. As formas denudacionais (D) são acompanhadas de outras letras minúsculas que indicam a morfologia do topo da forma individualizada, que é reflexo do processo morfogenético que gerou tal forma. As formas podem apresentar características de to‑ pos aguçados (a), convexos (c), tabulares (t) ou absolutamente planos (p), conforme apresentado na Tabela 2.1., a seguir. Deste modo, os conjuntos de formas denuda‑ cionais são batizados pelos conjuntos Da, Dc, Dt e Dp ou outras combinações que apareçam ao se executar o mapeamento. Esses conjuntos são acrescidos de algarismos arábicos extraídos da matriz dos índices de dissecação. Por exemplo: o conjunto Dc23 significa forma denudacional de topo convexo com entalhamento do vale de índice 2 (20 a 40 metros) e dimensão interfluvial de tamanho médio (750 a 1.750 metros). Veja a Figura 2.3, na próxima página. O quarto táxon é representado pelas formas individualizadas que, neste caso, são indicadas no conjunto. Deste modo, a unidade morfoló‑ gica ou de padrão de formas semelhantes tipo Dc33 constituem­‑se por formas de topos arre‑ dondados ou convexos e vales entalhados que, individualmente, caracterizam­‑se por morros. Assim, a forma individualizada é um morro de topo convexo, com determinadas características de tamanho, inclinação de vertentes e gerada por erosão física e química fazendo parte de um conjunto maior: o padrão de forma semelhante. O quinto táxon refere­‑se às partes que com‑ põem as formas do relevo, ou seja, das verten‑ tes. Este táxon só pode ser totalmente repre‑

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

35

Tabela 2.1 – Padrões de formas de relevo Formas de denudação

Formas de acumulação

D – Denudação (erosão)

A – Acumulação (deposição)

Da – Formas com topos aguçados

Apf – Formas de planície fluvial

Dc – Formas com topos convexos

Apm – Formas de planície marinha

Dt – Formas com topos tabulares

Apl – Formas de planície lacustre

Dp – Formas de superfícies planas

Api – Formas de planície intertidal (mangue)

De – Formas de escarpas

Ad – Formas de campos de dunas

Dv – Formas de vertentes

Atf – Formas de terraços fluviais Atm – Formas de terraços marinhos

Fonte: Modificado do tema Geomorfologia do Projeto Radambrasil – MME – SNPM – 1982.

sentado cartograficamente quando se trabalha com fotografias aéreas em escalas de detalhe como 1: 25.000, 1: 10.000, 1: 5.000, ou imagens de satélite de alta resolução espacial. Nesses ca‑ sos, as vertentes são indicadas por seus diversos setores que indicam determinadas caracterís‑

ticas genéticas. Assim, os setores de vertentes podem ser identificados como: escarpado (Ve), convexo (Vc), retilíneo (Vr), côncavo (Vcc), em patamares planos (Vpp), em patamares incli‑ nados (Vpi), topos convexos (Tc), topos planos (Tp) entre outros que possam ser encontrados.

DIMENSÃO INTERFLUVIAL

Figura 2.3. Padrões de dissecação do relevo e exemplos de padrões de dissecação aplicável para escalas médias (1:100.000, 1:250.000). Fonte:Tema Geomorfologia do Projeto Radambrasil/MME/SNPM (1982), adaptado.

36

práticas de geografia

ENTALHAMENTO

de 3.750 m a mais 1

de 1.750 m a 3.750 m 2

de 750 m a 1.750 m 3

de 250 m a 750 m 4

de 250 m a menos 5

até 20 m 1

11

12

13

14

15

de 20 a 40 m 2

21

22

23

24

25

de 40 a 60 m 3

31

32

33

34

35

de 60 a 80 m 4

41

42

43

44

45

51

52

53

54

55

80 m ou mais 5

Dt 31

B

Dc 33

Dt 13 Dt 11

Dt 15 Da 54

Sérgio Fiori

A

O sexto táxon corresponde às pequenas for‑ mas de relevo que se desenvolvem, geralmente, por interferência humana, ao longo das verten‑ tes. São formas geradas pelos processos erosivos e acumulativos atuais. Nestes casos, destacam‑ ‑se as ravinas, voçorocas, terracetes de pisoteio de gado, deslizamentos, corridas de lama, peque‑ nos depósitos aluvionares de indução antrópica e bancos de assoreamento. Também se enqua‑ dram neste táxon os cortes, aterros, desmontes e outras formas produzidas pelo homem. Essas formas de relevo só podem ser representadas quando em escalas grandes, em que é possível cartografar detalhes dos fatos geomórficos indi‑ cados em fotos aéreas ou no campo.

morfometria Como tÉCniCa de análiSe GeomorfolÓGiCa Existem vários recursos técnicos para as me‑ didas das formas do relevo, que se aplicam em mapas e também no campo (ver Figura 2.4).

Fatia

710

Sérgio Fiori

700

Fatia

As declividades das vertentes tanto podem ser obtidas com medidas com clinômetro ou com bússola geológica no campo ou elaborando‑se os mapas clinográficos, já bastante divulgados em nosso meio, sobretudo, a partir da contribuição de De Biasi (1992). Os sistemas de informações geográficas (SIG) possibilitam a elaboração dos mapas iso‑ clinográficos pelo processamento digital dos da‑ dos numéricos topográficos. Os mapas clinográficos ou de declividade, bem como os perfis topográficos, a priori, eram elaborados manualmente, tendo como ponto de partida os mapas topográficos de diferentes es‑ calas. Atualmente, a maioria dos pesquisadores já utiliza as técnicas de geoprocessamento para a elaboração desses mapeamentos. No entanto, costuma‑se, em sala de aula, utilizar a técnica manual, porque é uma forma de se fi xar con‑ ceitos melhorando a aprendizagem com relação à interface realidade/representação das formas do relevo. Em função da escala e da equidistância das curvas de nível ou isoípsas, monta‑se o ábaco com os intervalos de declividades que se deseja repre‑ sentar (Figura 2.5). A partir da construção do ábaco, percorre‑se com ele por entre as curvas de nível do mhapa e elabora‑se a divisão dos espaços entre curvas pelos polígonos demarcáveis pelo percurso das classes de declividades estabelecidas no ábaco, conforme descreve De Biasi (1992). Em campo, é possível fazer medição da decli‑ vidade com o uso do clinômetro, equipamento que possui uma mira e no seu interior uma bolha

Sérgio Fiori

Figura 2.4. Modelo de fatiamento do relevo em carta topográfica. Fonte: De Biasi (1992), adaptado.

ACETATO 10%

10%

20%

20% 640

640

Fendas

650

650

Figura 2.5. ábacos na elaboração da carta clinográfica manual. Fonte: De Biasi (1992), adaptado.

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

37

Em seguida, todos os pontos serão unidos com uma linha, evitando‑se traços retos. Alguns cuidados devem ser tomados na representação do perfil. ¾ Iniciar e terminar com altitude exata. ¾ Distinguir entre subida e descida quando existir duas curvas de igual valor. ¾ Desenhar cuidadosamente o contorno dos picos, se achatados ou convexizados, ou ainda, em forma de crista.

Figura 2.6. Clinômetro.

Caso o transecto elaborado seja sinuoso ou siga em direções diferentes, utiliza‑se o cur‑ vímetro, que pode ser analógico ou digital. O curvímetro analógico possui uma roldana com a qual se percorre o transecto, ou o curso do rio, quando se quer elaborar o perfil longitudi‑ nal de um rio (vide Capítulo 3 – Técnicas de Hidrografia). Essa roldana está diretamente li‑ gada a um ponteiro que gira ao mesmo tempo, indicando a distância percorrida de acordo com a escala da carta, lembrando que o curvímetro analógico possui um visor com diversas escalas; já no digital, define‑se a escala anteriormente ao procedimento. Há outras técnicas de morfometria, como as utilizadas por meio da contagem de crênulas2 nas imagens de radar; a da matriz de dissecação do relevo desenvolvida pelo Projeto Radambrasil e modificada por Ross (1992), que opera com as dimensões dos interflúvios na horizontal e com os entalhamentos dos vales na vertical; as téc‑ nicas de medidas de frequência de rios (Fr) ou canais de drenagem, e as de densidade de drena‑ gem (Dd), explicadas no Capítulo 3 – Técnicas de Hidrografia. Repare na estreita relação entre Geomorfologia e Hidrografia: quanto maior a

2 1

38

Sobre a escala vertical, necessária à construção do per‑ fil, consultar o Capítulo 7 – Técnicas de Cartografia.

práticas de geografia

Crênulas resultam da combinação da densidade de ca‑ nais de drenagem e alturas dos morros ou colinas (ru‑ gosidade topográfica). Expressam‑se pela textura dos alvos na imagem.

Eduardo Justiniano

que auxilia na definição do ponto de equilíbrio. Quando se atinge o alvo desejado, ou seja, o topo ou a base da vertente, trava‑se o clinômetro fazendo‑se a leitura da declividade em graus ou em porcentagem (Figura 2.6). Os perfis topográficos1, que podem reunir ao mesmo tempo forma, litologia e, dependendo da escala, os tipos de solos, são elaborados em sala de aula com a utilização de cartas topográficas (ver Figura 2.7). Com as informações de altitude traça‑se um transecto sobre a carta topográfica, o qual pode ser retilíneo ou tortuoso. Para elaborar o perfil retilíneo, basta transferir com uma régua ou com uma tira de papel as informações desse tran‑ secto para um papel milimetrado, ajustando as distâncias de acordo com as escalas horizontal e vertical adequadas para o mapeamento. Desta forma destaca‑se a sequência apresen‑ tada pelo IBGE (2008). ¾ Em um papel milimetrado, traça‑se uma li‑ nha básica e transferem‑se, com precisão, os si‑ nais para essa linha. ¾ Levantam‑se perpendiculares no princípio e no fim dessa linha e determina‑se uma escala vertical. ¾ Seguindo‑se as linhas verticais do papel mi‑ limetrado, levantando ‑se perpendiculares dos sinais da linha‑base, marca‑se a posição de cada ponto correspondente na escala vertical.

Sérgio Fiori

N 50 100 150 250 300 350 200

50 100 150

200

A

B

Metros

50

400 350 300 250 200

Figura 2.7. Esquema para elaboração de perfil topográfico. Fonte: IBGE (2008).

150 100 50 0

A

B

densidade de drenagem, mais dissecado tende a ser o relevo. Outro indicador também pode ser utilizado aplicando ‑se a razão de textura (T) que se ex‑ pressa pela fórmula: 3

T=

NT (número de canais) P (perímetro da bacia ou da amostra)

Todas essas fórmulas podem ser aplicadas para diferentes escalas de trabalho e utilizando‑se diferentes sensores (imagens de radar, de satélite, fotos aéreas) ou até mesmo, de forma simplifica‑ da, utilizando‑se apenas boas cartas topográficas. Entretanto, quando se trata de áreas em que a intensidade de dissecação do relevo é elevada, as cartas topográficas tendem a apresentar a rede de drenagem simplificada, o que impede utilizá‑las

3

Para calcular o perímetro também se utiliza o curvíme‑ tro ou software de mapeamento.

com exclusividade. Nesses casos, é imprescindível a utilização das fotos aéreas. Outra situação que também dificulta a apli‑ cação dessas medições é quando a escala é pe‑ quena, como 1:100.000 ou 1:250.000 em relevo de elevada dissecação. Nessas escalas, tanto imagens de radar quanto imagens de satélites oferecem grande dificuldade de identificação da rede de drenagem devido à sua elevada densida‑ de. Isso praticamente torna impossível a aplica‑ ção, quer seja de medidas de densidade de dre‑ nagem (Dd), frequência de rios (Fr) ou razão de textura (T). Entretanto, nesses casos, pode‑se aplicar a mesma fórmula de razão de textura (T), substituindo‑se o número total de canais (NT) pelo número total de crênulas, ou seja: T=

NC (número total de crênulas) A (área)

Assim, a rugosidade topográfica fica repre‑ sentada por meio da razão de textura em vez do

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

39

número total de canais, utilizando­‑se o número total dos pequenos divisores ou espaços interdre‑ nos, que representam as formas do relevo. Para facilitar a operacionalização do trabalho, deve­‑se optar pela utilização de amostras circulares de área conhecida e proceder à contagem dentro de cada amostra para cada uma das tipologias de padrão de forma do relevo representadas por “manchas” pré­‑identificadas de “padrões de for‑ mas semelhantes”. Essas propostas de mensuração para estabe‑ lecimento dos índices de dissecação do relevo são mais apropriadas para escalas pequenas e médias (1:250.000, 1:100.000, 1:50.000). Para as escalas maiores que ressaltam maiores detalhes (1:25.000, 1:10.000, 1:5.000) deve­‑se trabalhar o relevo por meio do mapeamento de elementos das formas, ou seja, identificando a tipologia de segmentos de vertentes. Nesses casos, os índices de disse‑ cação serão dados pelas classes de declividade e não mais pelas técnicas anteriormente discutidas.

EXPERIMENTOS DE CAMPO Entre os experimentos mais utilizados em campo estão as parcelas para medir erosão dos materiais particulados dos solos pela ação me‑ cânica das águas das chuvas. Esses experimentos devem ser instalados em diferentes condições de relevo, solos e cobertura vegetal para que os dados possam ser compa‑ rados. Deve­‑se sempre tomar variáveis fixas e promover a variação das demais. Por exemplo, toma­‑se como variáveis fixas a morfologia da vertente, a declividade uniforme do setor da vertente escolhida e o tipo de solo, como, por exemplo, uma vertente côncava, com declividade de 20% e solo de textura média (argiloarenosa). Os experimentos são instalados nos terrenos que tenham essas características de relevo e solo e os sítios devem variar em função da cobertura vegetal e do uso da terra. Pode­‑se instalar uma

40

práticas de geografia

parcela sob a mata natural, outra sob um bosque de silvicultura, outra em terrenos com pastagem, outra com agricultura de ciclo curto (soja, mi‑ lho, trigo, algodão etc.), outra com agricultura de ciclo longo (citricultura, café, cacau, pimenta do reino, frutas arbóreas etc.). Essas variações podem ser trabalhadas em função das estações climáticas ao longo do ano ou dos tipos climá‑ ticos regionais. Enfim, há uma grande gama de possibilidades para se trabalhar com os experi‑ mentos de campo. Seguem algumas técnicas de medição de erosão.

Calhas de Gerlach Os experimentos com parcelas delimitadas e fechadas com calhas para coletas de sedimentos e água constituem­‑se por lâminas ou placas de metal galvanizado que fecham três lados de um retângulo com um quarto lado posicionando na parte mais baixa da área de amostragem, onde se instala a calha coletora também construída por lâmina de ferro. A calha também é conectada a tambores por saídas laterais de água, conforme a Figura 2.8. O trabalho do pesquisador e seus auxiliares é coletar, a cada chuva, o volume de água e sedimentos armazenados na calha e nos tambores, medindo­‑os, secando­‑os e pesando­‑os em balança de precisão. Importante lembrar que ao lado do expe‑ rimento é preciso instalar um pluviômetro ou pluviógrafo para se ter simultaneamente os da‑ dos sobre o volume das chuvas que ocorrem no episódio que transportou aquela quantidade de sedimentos contidos nas águas da calha e dos tambores. Esse procedimento deverá ser feito permanentemente ao longo de toda a fase de experimentação, que poderá ser de pelo menos um ano, para se ter uma melhor percepção da dinâmica processual em função dos períodos chuvosos e secos. Se, ao final de um experimento, constatar­‑se que a parcela instalada em uma cultura X acu‑

mulou mais sedimentos que aquela em cultura Y, pode‑se concluir que a cultura Y protege mais o solo e a X o deixa mais suscetível à erosão.

Pinos de erosão Os pinos de erosão devem ser instalados utilizando‑se os mesmos critérios adotados para as parcelas com as calhas de Gerlach, ou seja, escolhem‑se os sítios para experimentação e tomam‑se variáveis fi xas (relevo, solo) variando o uso da terra. Pode‑se, também, tanto para as calhas como para os pinos de erosão, utilizar como variável fi xa a cobertura vegetal/uso da terra e variar o relevo e o solo, dependendo do que se queira testar. Pode‑se ter como variáveis fi xas, por exemplo, o relevo e a cobertura vege‑ tal, variando o tipo de solo. Neste caso, o resul‑ tado indicará qual tipo de solo é mais suscetível à erosão. Variando‑se as formas de vertente, irá se concluir pelas formas mais instáveis, e assim por diante (ver Figura 2.9). A quantidade e a distribuição dos pinos de erosão nos sítios de experimentação pode ser variável, mas acredita‑se que é sempre bom dis‑

por de alguns pinos por área, mais que três ou quatro por unidade de área preestabelecida. Por exemplo: cinco pinos regularmente distribuídos instalados em dois metros quadrados. Os pinos devem ser graduados de um em um centímetro e introduzidos no solo por im‑ pacto até atingir certa medida, igual para to‑ dos. A partir disso, monitora‑se ao longo de um tempo preestabelecido (dias, meses, ou um ano), verificando ‑se o quanto a erosão retirou sedimentos, pela maior exposição dos pinos na superfície. Pode‑se também utilizar esta técnica para verificar se houve acúmulo de sedimentos (fundo de vale, por exemplo), quando os pinos são gradativamente encobertos. O rebaixamento ou a elevação do terreno são medidos sempre em centímetros (graduação dos pinos). É importante verificar o comportamento do rebaixamento erosivo nos espaços entre os pinos e mais afastados destes, porque há uma tendência da ação de turbilhonamento da água ao redor de cada pino e isso promove mais ero‑ são do que nas partes nas quais não há pinos. Esse procedimento pode ser executado com uma linha nivelada nos topos dos pinos e medindo‑se ao longo dela a altura da mesma em relação à

Chuva

"Splash" "Detachment" Escoamento superficial

m 2,0 m

De

Solo

cliv

20 10 cm cm

Sol

oc

om

veg

ida

de

(+)

Calha coletora (PVC) 5°

Tampa

eta

ção Galão (60 litros)

Sérgio Fiori

1,0

Chapas de ferro galvanizado

10,

0m

Figura 2.8. Parcela para monitoramento de escoamento superficial runoff. Fonte: Guerra (1998).

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

41

superfície do terreno em vários pontos. Após as medidas, extrai‑se o valor médio das alturas, do qual se subtrai o valor inicialmente deixado para cima da superfície do terreno quando os pinos foram fi xados.

Penetrômetros Os testes com penetração de hastes metáli‑ cas servem para medir o grau de resistência que os solos oferecem à penetração sob impacto ou sob pressão. Esses testes indicam o estado de compactação em que os solos se encontram e são usualmente utilizados em área de agricul‑ tura, por engenheiros agrônomos, para medir a compactação dos solos em áreas agrícolas. Os valores são dados por kgf/cm² e podem ser aplicados utilizando‑se aparelhos denominados penetrômetro portátil ou de bolso, penetrômetro de impacto e penetrômetro eletrônico. O penetrômetro portátil é normalmente uti‑ lizado para medir resistência dos horizontes dos solos em cortes (ver Capítulo 4 – Técnicas de Pedologia), perfis ou em trincheiras com pene‑ tração horizontal. O uso desse equipamento é bastante simples: o penetrômetro portátil tem uma haste metálica graduada de 0 a 4,5 kgf ofe‑ recendo leitura direta do resultado da resistência de penetração, ou seja, o valor indicado pelo anel medidor após a haste penetrar totalmente no perfil do horizonte do solo mostra a resistência do solo, que variará de 0 a 4,5 Kgf/cm² (ver Fi‑ gura 2.10, na página 43). Nos locais seleciona‑

dos para se executar as medições, deve‑se fazer várias medidas (em torno de cinco) para cada horizonte de solo. Esse procedimento é neces‑ sário para avaliar a tendência comportamental da resistência de cada horizonte de solo, de cada um dos lugares selecionados para as medições. Os testes com o penetrômetro de impacto são efetuados aplicando ‑se verticalmente a haste metálica que recebe impactos de 4 kg de um ci‑ lindro de aço, que se desloca por 40 cm apoiado em vareta metálica, conforme ilustra a Figura 2.11. Esse equipamento, desenvolvido por pes‑ quisadores do antigo IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), é conhecido pelo nome de seu cria‑ dor: penetrômetro de Stolf. A haste metálica tem comprimento de 70 cm e imprimem‑se quantos impactos forem necessários para fazer penetrar a haste até o limite do comprimento da mesma. A haste é graduada de 10 em 10 cm, e deve‑se contar quantos impactos são necessários para penetrar cada 10 cm. Deve‑se proceder vários ensaios (no mínimo três) em cada local escolhido para os testes. Os testes devem ser efetuados com o solo úmido, portanto, no período chuvoso de verão. O penetrômetro eletrônico (Figura 2.12), que pode ser manual ou acoplado a veículos simples, reúne as funções do penetrômetro de bolso e do penetrômetro de impacto e é de fácil operacio‑ nalização em campo. A leitura da compactação é realizada sistematicamente de acordo com a força aplicada, cuja medida independe de outro instrumento. Os dados obtidos são armazenados

Sérgio Fiori

Topo do solo

42

práticas de geografia

10 cm ou mais Figura 2.9. Pino de erosão visto em perfil. Fonte: Guerra (1996).

Sérgio Fiori

automaticamente em um computador acoplado ao equipamento. Os dados obtidos com os penetrômetros po‑ dem ser trabalhados com métodos estatísticos simples tabulados em softwares especializados, por exemplo, em planilhas (tabelas) para elabo‑ ração de gráficos, os quais permitirão a análise das evidências e das diferenças de resultados das

Divulgação/PenetroLOG–Falker

Rafael Sato

Figura 2.10. Penetrômetro portátil.

medições de um mesmo lugar (ponto) e as dife‑ renças entre outros pontos mensurados. Podem‑ ‑se ainda aplicar testes estatísticos para verificar o desvio ‑padrão entre os resultados das medi‑ ções aplicadas. Os resultados gerais devem ser correlacionados com os tipos de relevo, solos, e coberturas vegetais para avaliar as diferenças de resultados comportamentais. A maior ou menor resistência do solo pode representar maior susce‑ tibilidade à erosão, o que evidencia, desta vez, a estreita relação entre Pedologia e Geomorfologia.

a b

Detalhe de f

d

c

23,9 mm

1,5 mm

40 mm

13 mm

Rosca fina 1/4”

30°

Figura 2.12. Penetrômetro eletrônico.

70 mm

Ø 12,8 mm

Figura 2.11. Penetrômetro de impacto: a) luva móvel para of operador manter na vertical sem interferir na e força resultante durante a penetração da haste; b) e c) limitadores superir e inferior; d) peso que provoca o impacto; e) chapa para ser fixada na superfície do solo, dando o nível de referência da leitura de profundidade. Fonte: Manual técnico do equipamento.

a técnica do GPr (radar de superfície de solo) O sistema Grounded Penetrating Radar (GPR) consiste em adquirir informações da subsuperfície da Terra com um sensor de radar que tem a capacidade de rastrear o subsolo. O alcance, que pode chegar a 50 m de profundi‑ dade, depende do tipo de antena que se aco‑ pla ao equipamento para obtenção de maior ou

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

43

de porções rasas do subsolo é enviado através do solo por meio de uma antena transmissora Tx. O sinal emitido sofre reflexões e difrações em des‑ continuidades presentes no meio de propagação e é, então, captado ao retornar à superfície por uma antena receptora, Rx (gandolfo et al., 2001 apud matos fierz, 2008). De acordo com Xavier Neto (2006 apud matos fierz , 2008), a transmissão do sinal do GPR depende das propriedades elétricas do meio, sobretudo condutividade e permissivida‑ de elétrica, sob condições de alta frequência. Essas propriedades sofrem forte influência do conteúdo de água presente no solo. O pulso ele‑ tromagnético gerado em superfície é refletido e difratado, pelas estruturas geológicas e feições anômalas, que podem estar presentes no terre‑ no, quanto por elementos na superfície da terra (tanques, árvores, cercas, postes etc.). As ondas refletidas e difratadas são recebidas por uma an‑ tena receptora colocada na superfície do terreno. Uma série de medidas é realizada ao longo de uma linha e, quando estas são plotadas lado a lado em um gráfico tempo versus distância, for‑ nece uma imagem de alta resolução das estru‑ turas em subsuperfície (Figura 2.14). A imagem formada no radargrama representa os tempos de percurso da onda, desde a sua emissão no transmissor até sua chegada ao receptor (tempo duplo de trânsito) (xavier neto, 2006 apud matos fierz, 2008).

VLF

Sérgio Fiori

Raios Gama

UV Raios X Infravermelho

Frequência Hz 10

20

18

10

16

10

14

10

12

10

UHF VHF Rádio Radar Ondas curtas 1 GHz 10

10

10

8

10

6

300 km

EMI

30 km

300 m

30 m

3m

30 cm

3 cm

0,3 cm

300 µm

30 µm

300 am 0,3 µm Visível 3 µm

30 am

3 am

0,3 am

Comprimento de onda λ

0,03 am

GPR

3 km

menor profundidade, bem como de resolução na diferenciação das camadas de deposição de material sedimentar. Essa técnica pode auxiliar na obtenção das informações do subsolo, quando na Geomor‑ fologia leva­‑se em consideração que as formas estão diretamente ligadas ao tipo de material que as sustenta. Assim, o GPR é utilizado para determinar o comportamento e o tipo de mate‑ rial, bem como sua disposição na subsuperfície do relevo. O GPR é uma técnica geofísica que utiliza ondas eletromagnéticas na faixa de VHF/UHF irradiadas por uma antena emissora colocada na superfície do solo (xavier neto, 2006 apud matos fierz , 2008), conforme Figura 2.13. Essa é a técnica geofísica mais indicada para investigações rasas, pois tem gerado excelentes resultados de alta precisão em certos tipos de ambientes geológicos, com vasta aplicação em estudos de áreas costeiras (gandolfo et al., 2001 apud matos fierz , 2008). A alta reso‑ lução das imagens permite mais detalhes das heterogeneidades da geologia (pestana & botelho, 1997 apud matos fierz, 2008). De acordo com Pestana e Botelho (1997), a técnica do GPR é, em princípio, bastante similar às técnicas de sísmica de refração e de sonar (ver Figura 2.13). No caso do GPR, um pulso de energia eletromagnética de alta frequência (10­‑1000 MHz) para investigações detalhadas

Audio

10

4

AC

10

2

1

Figura 2.13. Espectro eletromagnético situando as faixas de frequências de trabalho de diversas tecnologias. O GPR trabalha com frequências entre 10 MHz e 1 GHz, correspondendo a comprimentos de onda de ordem de 30 m a 0.3 m, respectivamente. Fonte: Xavier Neto (2006).

44

práticas de geografia

Profundidade

Meio 1

Interface Meio 2

Distância

Tempo Duplo

A condutividade hidráulica (K) representa a habilidade com que um fluído é transportado em um meio poroso. Em ambientes tropicais úmi‑ dos, muitos processos geomorfológicos, tais como erosão e movimentos de massa, são responsáveis pela modelagem e evolução do relevo, possuindo uma estreita relação com a variabilidade espacial desse parâmetro. Assim, conhecer o comporta‑ mento da condutividade hidráulica dos solos, em uma paisagem suscetível a tais processos, torna­ ‑se uma importante ferramenta para o conheci‑ mento da dinâmica do relevo. Essa propriedade depende diretamente da permeabilidade dos solos, da viscosidade do flu‑ ído, da massa específica da água e da aceleração da gravidade. No entanto, para os estudos de percolação da água nos solos, pode­‑se considerar estes três últimos parâmetros como constantes, tornando a condutividade hidráulica do solo si‑ nônimo de permeabilidade e dependente dire‑ tamente das dimensões, da geometria e da orga‑ nização interna dos poros do solo (Figura 2.15, na página 46). Essa variação, de acordo com as propriedades do meio poroso, é válida tanto para um meio saturado quanto não saturado (acima do lençol freático). No entanto, este último, além de ser influenciado pelas características físicas dos solos, como textura e estrutura 4, também irá variar com o teor de umidade volumétrica do material (condutividade hidráulica não sa‑ turada/Kñsat). Além de ser muito utilizada na Geomorfo‑ logia, para melhor compreender a dinâmica da água e o seu papel na deflagração de processos geomorfológicos, a mensuração desse parâmetro

Distância

Sérgio Fiori

CONDUTIVIDADE HIDRÁULICA

Figura 2.14. Princípio de formação da imagem no GPR. Fonte: Xavier Neto (2006).

é fundamental durante a construção e a manu‑ tenção dos aterros sanitários, por exemplo. Nes‑ sas áreas são feitas medidas de condutividade hidráulica nas camadas “impermeabilizantes”, com o objetivo de verificar e garantir valores muito baixos (entre 10 ‑7 cm/s e 10 ‑9 cm/s), im‑ pedindo ou até mesmo evitando que o fluxo dos resíduos líquidos, provenientes da decomposição das camadas de lixo sobrejacentes, contamine os solos e o lençol freático.

Técnicas de mensuração 4 Veja o Capítulo 4 – Técnicas de Pedologia. Atente tam‑ bém para o Capítulo 3 – Técnicas de Hidrografia. As inter­‑relações entre os capítulos reforçam a ideia da paisagem geográfica como resultado da integração de seus componentes (solos, relevo, água, vegetação, cli‑ ma, substrato e ação antrópica).

A condutividade hidráulica saturada e não saturada dos solos pode ser estimada por meio de técnicas realizadas in situ e em laboratório. A efetividade da técnica depende das limitações da teoria proposta para descrever o movimento

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

45

Condutividade Hidráulica (cm/s) Água a 20ºC Classes Materiais

Figura 2.15. Classificação aproximada da condutividade hidráulica de acordo com as diferentes classes granulométricas. Fonte: Klute e Dirksen (1986) apud Stephens (1996), adaptado.

0

10

Alta

10

-1

10

46

práticas de geografia

10

-3

-4

10

Média

Baixa Areia Fina

Cascalho

Areia

ArgiloArenoso

10

-5

-6

10

10

Muito Baixa

Argilas Estruturais

-7

-8

10

10

-9

Praticamente Impermeável Argilas Homogêneas

Silte Mistura de Areia, Silte e Argila

da água dentro do solo, e todas as técnicas são comumente comparadas em termos de acurácia dos resultados, tempo e água gastos durante os ensaios e resolução espacial. Os ensaios de laboratório começam com a co‑ leta de uma amostra de solo no campo sob con‑ dições controladas, preferencialmente amostras indeformadas, as quais, de acordo com a textura do material, podem ser submetidas a dois tipos de testes: carga constante ou carga variável (Figura 2.16). A principal desvantagem dos ensaios de laboratório consiste em sua pequena representa‑ tividade espacial devido ao tamanho da amostra, que poderá não englobar algumas estruturas do solo, como macroporos, raízes, fendas e feições reliquiais, que estão diretamente relacionadas aos valores da condutividade hidráulica. Quanto às medidas de campo para estimar condutividade hidráulica saturada de campo

(Ksat), existem vários tipos, dentre eles os ensaios de poços, bastante utilizados pela Geologia de Engenharia. Tais ensaios podem ser realizados por meio da aplicação de cargas constantes e variáveis e também por meio do bombeamento (descarga) de água. No ensaio de infiltração (carga), inicial‑ mente, abre­‑se um poço até o horizonte de solo desejado, preenchendo­‑o com água e mantendo o nível de carga constante dentro do poço. A partir daí, faz­‑se uma leitura da vazão durante um deter‑ minado tempo, até que esta se torne constante, sendo esse valor utilizado no cálculo final da Ksat. A estimativa da condutividade hidráulica não saturada (Kñsat) também pode ser realizada tan‑ to no campo quanto em laboratório, sendo que seu valor estará associado ao conteúdo de água do meio e à carga de pressão estabelecida na amostra, mensurada por meio de tensiômetros. As técnicas utilizadas para mensurar a con‑

Fonte permanente de água

h0

Carga Hidráulica em h0 para h t em um tempo t

“Ladrão” h ht Área da seção transversal (a) L

L

Vazão (Q)

Área da seção transversal (A)

Vazão (Q)

Área da seção transversal (A)

Sérgio Fiori

Figura 2.16. Permeâmetros de carga constante (a) e de carga variável (b). Em ambos os testes, a amostra é inicialmente colocada em um cilindro de comprimento (L) e área transversal (A) e fechada entre duas placas porosas. No primeiro teste a amostra é submetida a uma carga constante (h) até que todos os poros desta amostra sejam preenchidos por água (saturação) e o fluxo de saída (Q) não varie mais com o tempo. Fonte: Freezy e Cherry (1979), adaptado.

-2

Sérgio Fiori

1

10

Permeâmetro de Guelph O permeâmetro de Guelph (PG) é um tipo de permeâmetro de carga constante que mede a condutividade hidráulica saturada de campo (Ksat) acima do lençol freático. Foi desenvolvi‑ do por Reynolds et al. (1983) na Universidade de Guelph (Canadá). Basicamente, ele é com‑ posto por uma garrafa de Mariotte que contro‑ la o nível constante de água dentro do furo, um tubo de acrílico no qual a água é introduzida e um tripé que pode ser adaptado para altas de‑ clividades (Figura 2.17). Na extremidade infe‑ rior do tubo de acrílico, a água é distribuída no solo através de uma ponta perfurada que é pre‑ enchida com areia fina para reduzir a turbulên‑ cia do fluxo de saída do permeâmetro durante a recarga de água. O sistema de funcionamento do PG con‑ siste na aplicação de uma carga constante de água (H) em um furo de raio determinado (a), medindo ‑se, em intervalos de tempo (t) cons‑ tantes, o caimento do nível de água (R), que passa em uma determinada área transversal (A) do tubo de acrílico graduado, ou seja, medindo‑ ‑se o fluxo Q. Depois de determinado período, que dependerá, dentre outros fatores, da umi‑ dade antecedente do solo e da sua textura, uma pequena área em torno do furo estará saturada (bulbo saturado) e o fluxo Q ficará constante. Este mesmo valor é inserido no cálculo da con‑ dutividade hidráulica dos solos. O permeâmetro de Guelph destaca‑se frente aos menores volu‑ mes de água utilizados em cada ensaio, a maior

portabilidade e uso em locais de difíceis acessos e aos valores obtidos em campo mais próximos das condições naturais do solo e do relevo.

tÉCniCaS aPliCadaS ÀS áreaS CoSteiraS As técnicas de análise geomorfológicas apli‑ cadas às regiões litorâneas são, em grande par‑ te, diferenciadas das técnicas aplicadas às áreas continentais, devido às diferenças morfodinâmi‑ cas, morfológicas e morfogenéticas. As áreas costeiras encontram‑se na interface de três ambientes: o continental, o marinho e o atmosférico, enquanto nas terras interiores a interação ocorre mais entre atmosfera‑litosfera. Entre as técnicas de análise da geomorfologia costeira, algumas mais utilizadas podem ser des‑ tacadas. Na pesquisa voltada para análise granu‑ lométrica de amostras de areias, por exemplo, a técnica utilizada é a descrita a seguir. Saída de ar

Marcador da carga h

Reservatório externo Tubo de acrílico

Reservatório interno (GRADUADO)

T

Sérgio Fiori

dutividade hidráulica não saturada (Kñsat) no campo podem ser realizadas por meio de cargas constantes ou variáveis. Nesses ensaios, um flu‑ xo de água constante (ou variável) é aplicado no solo até que o perfil se apresente em equilíbrio. Assim, a condutividade hidráulica não saturada é calculada pela relação entre a taxa de volume constante e o gradiente hidráulico mensurado na amostra (stephens, 1996).

Figura 2.17. Desenho esquemático do permeâmetro de Guelph e seus principais componentes.

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

47

¾¾Coleta em campo. Para coleta do material em campo, é necessário abrir trincheiras no sentido transversal à praia para identificar as camadas de sedimentação, como apresenta Muehe (1996). Pode­‑se aproveitar as trincheiras para estudar, desenhar, fotografar a disposição dos estratos com a possibilidade de identificação dos paleo‑ ambientes de rio, dunas e praias. Se o objetivo principal da pesquisa for apenas identificar a granulometria do material, então não será ne‑ cessário preservar as camadas. Caso contrário, é necessário utilizar um tubo de PVC ou de alu‑ mínio para testemunhar (coletar) a amostra. O tamanho do tubo vai depender da profundidade que se deseja atingir. ¾¾Em laboratório. As amostras coletadas em tes‑ temunhos precisam ser congeladas no tubo para que, no momento da abertura do mesmo, as ca‑ madas não se desfaçam. O tubo deve ser partido ao meio para facilitar a observação das camadas, porque as laterais junto a ele ficam alteradas e há migração de material. Após a abertura do teste‑ munho, inicia­‑se a observação visual dos padrões de textura, cor, estrutura, presença de materiais biodetríticos (os quais podem ser datados). Em seguida, faz­‑se análise granulométrica do mate‑ rial de cada camada (consultar Capítulo 4 – Téc‑ nicas de Pedologia). Durante a observação do testemunho é importante produzir um desenho com escala e descrever suas características e fotografá­‑lo. Outra técnica muito utilizada na análise geo‑ morfológica costeira é a do perfil praial, porções emersa e submersa. O uso do teodolito 5 para nivelamento topográfico é muito utilizado para determinação da variação do perfil praial. Para esta técnica, utiliza­‑se o nível topográfico ou te‑ odolito em conjunto com uma mira topográfica, espécie de régua graduada de até 4 metros de

5 Consultar também o Capítulo 10 – Técnicas de Locali‑ zação e Georreferenciamento.

48

práticas de geografia

altura que possibilita a visualização com o te‑ odolito. Segundo Muehe (1996), o nivelamento é feito medindo­‑se a diferença de altura entre o nível, ou teodolito cuja altura é previamente determinada, e a superfície do terreno ao longo do perfil. As distâncias entre os pontos de amostra‑ gem são predeterminadas e podem ser medidas em campo com uma trena ou, ainda segundo Muehe (1996), as medidas de distância podem ser feitas por leitura ótica por meio do método de estadimetria6. Outra técnica mais simples de determina‑ ção do perfil praial ou perfil subaéreo citado por Muehe (1996, p. 224) é a técnica das balizas de Emery, que consiste em duas balizas de 1,5 m de altura, pintadas em faixas de cores alterna‑ das, com largura de 2 cm. A medida se dá pela diferença entre dois pontos, ao longo do perfil, determinada pelo observador da baliza de ré, sen‑ do obtida pela projeção de uma linha imaginária que liga a linha do horizonte com o topo da baliza mais baixa. A diferença de altura é determinada por contagem das faixas de 2 cm pintadas nas balizas e permite uma aproximação de até 1 cm, precisão suficiente para esse tipo de ambiente. A distância horizontal, entre as balizas, é medida com uma trena, tal como mostra a Figura 2.18. Os dados obtidos com as medições em cam‑ po podem ser anotados em forma de tabela e transferidos para uma planilha eletrônica, o que

6 “O método é baseado na semelhança de triângulos, em que a relação entre a distância focal (altura do triângulo) e a distância entre duas marcações (retículos) na ocular do nível do teodolito (base do triângulo) serve para a determi‑ nação da distância entre o aparelho e a mira. Para isso, basta determinar a altura da base do novo triângulo na posição da mira através da diferença das leituras na mira, do retículo superior e inferior. Esta diferença, multiplicada por 100, que é a relação distância focal/base do triangulo na ocular, fornece a distância em metros. Equipamentos topográficos modernos permitem a determinação de dis‑ tâncias por emissão e recepção de ondas eletromagnéticas na faixa do infravermelho, mas são de custo relativamente elevado”, (MUEHE, 1996, p. 224).

a

Sérgio Fiori

Baliza

Horizonte

a = b = variação de nível

Corda b

Talude de

praia

questionamento do “modelo” de ciclo de erosão, desenvolvido por Willian Morris Davis, que pas‑ sou a ser testado por meio de diferentes técnicas e pelo desenvolvimento de outros modelos da evolução da paisagem, que tentam, dessa forma, conhecer e explicar as variáveis envolvidas neste sistema (christofoletti, 1985).

Figura 2.18. Balizas de Emery. Fonte: komar, Paul D. (1998).

modelos: conceitos e principais características possibilita a elaboração de gráficos. Os gráficos dotados com as cotas de altitude e distância mostram o perfil da praia. Observe que o mesmo pode ser feito para qualquer perfil, praial ou não. Para a determinação do perfil da região sub‑ mersa adjacente ou continuação do perfil de praia, é necessária a utilização de um equipa‑ mento chamado ecobatímetro acoplado a um barco, assim como explica Muehe (1996, p. 228). Para tanto, é preciso fazer uma calibragem do aparelho no ponto em que se encerrou a medi‑ ção do perfil praial com o método de estadimetria. As leituras angulares são feitas em intervalos de tempo constante, por exemplo, de 3 em 3 mi‑ nutos, sendo o instante da leitura transmitida via rádio para a embarcação, quando o operador do ecobatímetro efetua uma marcação no perfil com registro do horário da leitura.

modelaGem matemátiCa na análiSe GeomorfolÓGiCa Durante a chamada Revolução Quantitativa e Teorética ocorreram importantes transforma‑ ções na tentativa de incluir a Geografia no con‑ texto científico global por meio de maior rigor na aplicação da metodologia científica, do desenvol‑ vimento de teorias, do uso de técnicas estatísti‑ cas e matemáticas, da abordagem sistêmica e do uso de modelos. Um exemplo desta revolução é o

Modelo pode ser definido como sendo uma estruturação simplificada do funcionamento de um aspecto do mundo real, sendo uma aproxima‑ ção altamente subjetiva, uma vez que não inclui todas as observações ou medidas associadas, po‑ dendo obscurecer detalhes acidentais e destacar somente os aspectos fundamentais da realidade (haggett & chorley, 1967). A definição de modelo pode também contemplar a sua relação com a teoria, uma vez que é uma formalização e/ ou estruturação simplificada de uma teoria que pode, por sua vez, ser representada por um ou mais modelos, permitindo a manipulação de de‑ duções complexas (harvey, 1969). As características dos modelos possibilitam identificar e avaliar sua qualidade. Dentre elas podemos destacar, por exemplo, a seletividade, que consiste na seleção das informações em que os aspectos menos importantes são descartados e apenas aqueles mais significativos e fundamentais do mundo real são considerados; a estruturação, na qual os aspectos selecionados da realidade são tratados em termos de suas conexões; a reaplica‑ ção, que demonstra que o modelo não se apre‑ senta apenas como descritivo de um caso, mas possibilita que seja usado para outros casos da mesma categoria; e a simplicidade, que demonstra que o modelo deve ser simples de manipular e de compreender, mas sem detrimento da complexi‑ dade necessária para representar com precisão o sistema em estudo (haggett & chorley, 1967 e christofoletti, 1999).

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

49

Tipos de modelos Os diferentes tipos de modelos têm uma rela‑ ção direta com o grau de abstração da realidade, ocorrendo desde formas mais simples, em que a realidade é transformada apenas em nível de escala, até a elaboração de modelos conceituais pela aplicação de modelos matemáticos, sendo estes últimos mais abstratos e gerais (thomas & hugget, 1980). Segundo Chorley (1967), os mo‑ delos (sistemas) geomórficos podem ser classifi‑ cados em Naturais ou Análogos, Físicos e Gerais. a) Sistemas (modelos) naturais análogos: esses modelos consistem na tradução dos aspectos importantes de um determinado fenômeno em um sistema análogo natural, considerado mais simples e mais conhecido. Envolvem a procura de situações ou eventos análogos em diferentes locais e/ou tempo. b) Sistemas (modelos) físicos: são baseados na pers‑ pectiva de que a pesquisa pode ser mais bem rea‑ lizada pela dissecação da estrutura do problema geomórfico em suas partes supostamente com‑ ponentes, de modo que o funcionamento de cada parte e as interações entre elas possam ser exa‑ minadas convenientemente, levando­‑se a uma síntese completa dos componentes num todo funcional. Neste grupo destacam­‑se os modelos matemáticos (determinísticos e estocásticos). Os modelos determinísticos são baseados nas noções matemáticas clássicas de relações exatamente previsíveis, entre variáveis independentes e de‑ pendentes, e consistem num conjunto de afirma‑ ções matemáticas exatamente especificadas, a partir das quais as consequências únicas podem ser deduzidas pela argumentação matemática ló‑ gica. Nos modelos estocásticos, para cada entrada (input) existirão várias saídas (output) refletindo as incertezas do sistema. c) Sistemas (modelos) gerais: são modelos que ten‑ tam fornecer um quadro global da totalidade do sistema, estabelecendo o grau de conhecimento sobre as partes componentes, interações entre os elementos e o funcionamento interativo entre as entradas (inputs) e saídas (outputs) do sistema.

50

práticas de geografia

São subdivididos em modelos caixa­‑preta (exige­ ‑se pouca ou nenhuma informação detalhada relativa aos componentes do sistema, havendo somente o interesse na natureza das saídas (out‑ puts) resultantes das diferentes entradas (inputs); modelos parciais ou caixa­‑cinza (obtenção de re‑ sultados sem o completo conhecimento do traba‑ lho interno do sistema, mas a obtenção de infor‑ mações específicas sobre as inter­‑relações entre os subsistemas permite identificar e predizer o comportamento de todo o sistema, sob diferentes condições de entrada); e modelos caixa­‑branca (a estrutura do sistema é construída pelo conheci‑ mento das variáveis envolvidas e das suas rela‑ ções. Os modelos baseados em processos (process models), por exemplo, descrevem os mecanismos de operações particulares que ocorrem no mun‑ do e a partir do conhecimento dos processos pode­‑se direcionar a escolha das variáveis).

Exemplo do uso de modelo matemático determinístico em bases físicas em estudos de movimentos de massa Os modelos matemáticos em bases físicas são cada vez mais utilizados na Geomorfologia. A partir da década de 1970, especialmente na déca‑ da de 1990, com o desenvolvimento dos Sistemas de Informação Geográficas (ver Capítulo 11 – Sistema de Informação Geográfica) e o avanço do geoprocessamento, tais técnicas ganharam maior destaque e utilidade devido à maior facilidade de manipulação dos dados ambientais. Atualmente, existem muitos modelos aplicados em diferentes áreas da Geomorfologia, por meio dos quais é possível, por exemplo, simular a evolução do rele‑ vo ao longo de um tempo geológico e identificar áreas instáveis a processos erosivos e a movimen‑ tos de massa. Dentre as principais vantagens do uso desses modelos matemáticos em bases físicas, destaca­‑se seu baixo grau de subjetividade, pois os parâme‑ tros envolvidos e suas interações, para cada tipo de processo (como corridas de detritos) são avaliados

cicatrizes, gerado por meio de ortofotos em es‑ cala 1:25.000. Essa combinação, além de ava‑ liar a eficiência dos resultados finais do modelo, contribui para o entendimento da tipologia do mecanismo de ruptura da área, uma vez que este é considerado na estrutura teórica do modelo. Os resultados encontrados foram bastante satisfató‑ rios, comprovando a grande potencialidade do uso dessas ferramentas em estudos de previsão dos escorregamentos rasos na paisagem, uma vez que o modelo previu 43% da área como sendo instável (FS≤1) e cerca de 67% de cicatrizes dos escorregamentos concentraram­‑se nessas áreas. FS =

tanΦ tanΘ

c’-Ψ(Z,t)ρwtanΦ

+

ρsZsenΘcosΘ

356700

357600

MAPA DE SUSCETIBILIDADE (CENÁRIO A)

7364500

7365400

7366300

355800

Bianca Carvalho Vieira

Onde: FS = fator de segurança Φ = ângulo de atrito interno [°] Θ = ângulo da encosta [°] (valor retirado do mapa a partir do Modelo Digital de Elevação) c’ = coesão efetiva [Pa] Ψ = carga de pressão [Kpa] Z = profundidade do solo [m] t = tempo [s] pw = peso específico da água [kN/m³] ps = peso específico do solo [kN/m³]

LEGENDA Cicatrizes de 1985 Drenagem Limite da Bacia

Fator de Segurança (FS) 7363600

segundo equações matemáticas que descrevem o processo fisicamente. Dessa forma, elimina­‑se, por exemplo, o valor ou peso dado a cada variá‑ vel (como declividade) pelo pesquisador. Outra grande vantagem é a possibilidade de criação de diferentes cenários a partir da combinação de valores dos elementos considerados pelo modelo. Referente ao estudo de escorregamentos trans‑ lacionais rasos, por exemplo, inúmeros modelos matemáticos em bases físicas foram desenvolvi‑ dos com o objetivo de avaliar a suscetibilidade por meio da combinação de modelos de estabilidade e hidrológico. Nessa linha, destacam­‑se os se‑ guintes modelos: SINMAP (Stability INdex MA‑ Pping) (pack et al., 1998), SHALSTAB (Shallow Landslide Stability Analysis) (montgomery & dietrich, 1994 e montgomery et al., 1998); SHETRAN (ewen et al., 2000) e TRIGRS (Tran‑ sient Rainfall Infiltration and Grid­‑Based Regional Slope Stability) (baum et al., 2002). Como exemplo do uso de modelos matemá‑ ticos, o modelo TRIGRS foi aplicado em uma bacia hidrográfica da Serra do Mar paulista, re‑ gião frequentemente afetada por movimentos coletivos de massa, principalmente do tipo es‑ corregamentos rasos. A partir da equação que reflete matematicamente a junção de um modelo de estabilidade de vertentes e um modelo hi‑ drológico, o qual avalia a dinâmica da água em cada porção da bacia, foram definidas as áreas instáveis (Fator de Segurança ≤ 1) e as áreas es‑ táveis (Fator de segurança > 1). Neste exemplo, foi gerado um mapa de suscetibilidade a escor‑ regamentos rasos utilizando os seguintes valores hidrológicos e geotécnicos: coesão do solo (c) = 1000 Pa; peso específico do solo (ps) = 17,1 kN/ m³; espessura máxima do solo (Zmax) = 3 m; ân‑ gulo de atrito interno (Φ) = 34º; altura inicial do lençol freático (d) = 3 m; taxa de infiltração ini‑ cial (ILT) = 1.0×10−9 m/s; difusividade hidráulica (D0) = 5.5×10−4 m2/s e condutividade hidráulica saturada vertical (Ks) = 1.0×10−6 m/s. Posteriormente, o mapa de suscetibilidade (Figura 2.19) foi confrontado com um mapa de

0.4 - 0.8 0.8 - 1.0 1.0 - 1.2 1.2 - 1.5

320 160

1.5 - 6.0 Limite da Bacia

0

320 metros

Projeção UTM - Zona 23 Datum SAD-69 - Meridiano Central W45°

Figura 2.19. Mapa de suscetibilidade (Cenário A) gerado pelo modelo matemático TRIGRS.

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

51

na Sala de aula Na sala de aula, ou melhor, no entorno da es‑ cola, em estudo do meio ou trabalho de campo, há diversos exercícios geomorfológicos com base em técnicas e instrumentos simplificados que o professor pode empreender com os alunos. Eis alguns exemplos.

atividade 1: clinometria

Eduardo Justiniano

Um clinômetro7 pode ser construído com uma régua fi xada em um transferidor de plás‑ tico e um fio com um peso amarrado à ponta (Figura 2.20). Em ambiente externo, alinha‑se a régua a uma vertente visível, com os braços es‑ ticados e verifica‑se, pelo fio pendente, quantos graus de inclinação ela apresenta. Faz‑se essas medidas diversas vezes, anotando‑se os resulta‑ dos que serão discutidos em torno das seguintes questões: a) A declividade média da região é alta (acima de 30º), caracterizando uma modelagem de re‑ levo dissecado (serrano?)? As vertentes estão re‑ cobertas por vegetação ou há sinais de erosão ou escorregamentos?

atividade 2: erosão O professor pode escolher com os alunos duas áreas no entorno da escola (com mesma inclinação) para instalar uma calha de erosão (Gerlach) ou os pinos de erosão, como mostra‑ dos neste capítulo. O interessante desta ativida‑ de é o envolvimento total dos alunos, os quais podem ser escalados para, periodicamente, me‑ dir os pinos ou recolher e pesar os sedimentos da calha. Ao final de um período, o professor pode, a partir dos resultados, discutir questões como: a) Em qual ambiente houve menos e em qual houve mais erosão? b) Qual a importância das variáveis vegetação e clima no conjunto da paisagem? E do solo, espe‑ cificamente, como recurso natural?

atividade 3: infiltração

Figura 2.20. Foto de um clinômetro de transferidor.

7

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b) A declividade média é baixa, caracterizando relevo mais aplanado, provavelmente esculpido em bacia sedimentar? A superfície está coberta por vegetação ou há sinais de erosão, como ravi‑ nas, voçorocas e assoreamento? c) Nas declividades verificadas, que tipo de uso seria mais apropriado: cultivo de espécies perenes (café, laranja…), temporárias (cana‑de‑ ‑açúcar, milho…), criação de um parque, repre‑ samento de rios, assentamento urbano…?

Sobre a construção e uso de clinômetro, ver também o Capítulo 7 – Técnicas de Cartografia.

práticas de geografia

O professor pode escolher com os alunos duas áreas para fazer testes de infiltração. Retira‑se o fundo e a tampa de uma lata (tipo galão de tinta) e afunda‑se esta lata cerca de 5 cm no solo. Adiciona‑se água, de litro em li‑ tro, cronometrando quanto tempo leva para o solo infiltrar cada litro. Repete‑se isso até que o solo fique saturado, ou seja, quando a água parar de infiltrar. Isso pode ser feito em época

de chuva (a saturação será mais rápida) ou em época de seca. Discutem­‑se os resultados das duas áreas em torno das seguintes questões: a) Em que área a água infiltrou­‑se mais rapida‑ mente e por quê? A vegetação ajuda ou obstacu‑ liza a infiltração da água? b) Qual a importância da permeabilidade dos solos para o desenvolvimento das plantas? (Ob‑ serve que na área do campo de futebol em que ficam os goleiros a grama tem mais dificuldade de se desenvolver; depois, tire suas conclusões). Acrescente­‑se a isso a necessidade de se arar os solos antes dos plantios. c) Solos que infiltram mais água são mais frá‑ geis, ou isso depende também da declividade do terreno e da cobertura vegetal?

Atividade 4: topografia Em uma área de certa declividade próxima da escola, o professor pode, junto aos alunos, empreender medidas topográficas com a téc‑ nica das balizas de Emery. As balizas podem ser construídas com taquaras retas e pintadas de acordo com as medidas mostradas neste capítulo. Há outras formas simples de se fazer medidas topográficas no terreno. Pesquise na internet sobre a “mangueira de pedreiro”, por exemplo, que requer materiais simples (man‑ gueira transparente, água e metro) e é de fácil utilização. Os resultados podem ser discutidos em torno das questões apresentadas a seguir. Observação: este exercício pode ser feito con‑ juntamente com aqueles do Capítulo 7 – Técni‑ cas de Cartografia, nos quais medem­‑se alturas e distâncias em campo. a) Para que servem essas medidas? Que profis‑ sionais a utilizam e para que fins? b) E no seu cotidiano, elas exercem alguma in‑ fluência?

Avaliação de riscos O professor, junto com os alunos, pode fa‑ zer observações na paisagem na tentativa de se identificar riscos de deslizamento de encostas (se houver áreas com essas características por perto), erosão e enchentes. Alguns indicadores de risco que podem ser observados são: ¾¾adernamento (inclinação) de árvores e postes no sentido da baixa vertente; ¾¾ausência de vegetação, o que pode aumentar a erosão; ¾¾rachaduras no solo perpendiculares à inclina‑ ção da vertente; ¾¾encanamentos soltos que despejam água na ver‑ tente, ocasionando erosão, como ravinas e valetas; ¾¾lixo acumulado na vertente, que pode acumu‑ lar água e aumentar o peso do material; ¾¾cortes na vertente (para construção de casas, ruas) sem a devida proteção (contenções, muros de arrimo); ¾¾arruamentos e ladeiras sem pavimentação no sentido da vertente, aumentando a velocidade da água; ¾¾casas construídas em planícies fluviais (vár‑ zeas) de rios e rios assoreados com sedimentos ou lixo, o que diminui a capacidade de escoa‑ mento e aumenta a possibilidade de enchente. Enfim, após essas e outras observações, a de‑ pender do contexto da escola, pode­‑se discutir os resultados em torno das seguintes questões: a) As áreas observadas apresentam indicadores de risco para deslizamento, erosão ou enchente? b) Se sim, de quem é a responsabilidade? Que papel tem o morador, a escola, o poder público? c) O que pode ser feito para diminuir os riscos? Com essas sugestões, queremos mostrar ao professor que os estudos geomorfológicos têm muito a ver com nosso cotidiano e que várias técnicas podem ser empreendidas na escola, mesmo com poucos recursos.

capítulo 2 – técnicas de geomorfologia

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ConSideraçÕeS finaiS As proposições inseridas neste capítulo não têm a pretensão de esgotar o assunto, sobretudo porque são numerosas as técnicas utilizadas na pesquisa geo‑ morfológica, desde as mais simples até as mais complexas. Em Geomorfologia, s estudos promovem articulações com várias outras áreas do conhecimento, como Hidrografia, Climatologia, Biogeografia, Pedologia e até Cartografia, além da sua relação direta com a forma como as sociedades ocupam o território. A escolha de aplicação de um experimento ocorre em função dos objetivos da pesquisa e da escala de análise; a preocupação central é aplicar os experi‑ mentos mais adequados a cada tipo de pesquisa, para que se crie base empírica sistematizada para a sustentação dos argumentos e hipóteses de pesquisa. Os procedimentos podem ser aplicados de forma mais simples em sala de aula, na escola e em trabalhos de campo, de modo que a prática da técnica e o uso de instrumentos auxilie na fixação de conceitos. O ensino de Geomorfo‑ logia será mais interessante se relacionado ao cotidiano do aluno e da escola, envolvendo questões como conservação, riscos, usos adequados e planejamento territorial. E o trabalho de campo será muito mais envolvente se contemplar a realização de exercícios práticos.

referÊnCiaS de aPoio Glossário Crênulas: representam a textura do relevo em uma imagem aérea (imagem de satélite, imagem de radar), por meio das rugosidades topográficas que resultam da combinação da densidade de canais de drenagem e do grau de entalhamento dos vales. Relevo dissecado: relevo com fortes inclinações (al‑ tas declividades) e com vales fortemente entalhados (profundos). Runoff: escoamento superficial da água pluvial que não é absorvida e/ou infiltrada no solo. Tensiômetro: instrumento que mede a tensão da água do solo. Movimento de massa: movimento coletivo de ma‑ terial terroso/rochoso vertente abaixo, independente de processos, causas, velocidades, formas e outras características.

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práticas de geografia

SOBRE OS AUTORES Jurandyr Luciano Sanches Ross é bacharel em Geografia (1972), mestre e doutor em Geografia Física (1987) pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, do qual é chefe e professor titular. Re‑ cebeu o Prêmio Jabuti pela organização do livro Geografia do Brasil (Edusp, 1986) e é membro de diversos conselhos editoriais. Atua na área de Geomorfologia, com ênfase nos seguintes temas: Geomorfologia e planejamento, Cartografia Geomorfológica, Gestão Ambiental, Zoneamento Ecológico­‑ Econômico, Pla‑ nejamento Ambiental e Produção do Conhecimento Geocientífico. Marisa de Souto Matos Fierz possui bacharela‑ do e licenciatura em Geografia pela FFLCH/USP, mestra‑ do em Oceanografia Química e Geológica pelo Instituto Oceanográfico da USP e doutorado em Geografia Física pela FFLCH/USP (2008). Atualmente trabalha como técnica, pesquisadora e professora colaboradora da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Ciências da Terra, com ênfase em Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: Geomorfologia, Geomorfologia Costeira, Fragilidade Ambiental, Gestão Ambiental e Geoprocessamento. Bianca de Carvalho Vieira possui graduação (1998), mestrado (2001) e doutorado (2007) em Geo‑ grafia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e professora do curso de Geografia da UNESP/Ourinhos. Atualmente é professora doutora do Departamento de Geografia da USP, membro do Comitê Executivo da União da Geomorfologia Brasileira (desde 2004) e da IAG – In‑ ternational Association of Geomorphologists (2009­ ‑2013). Recebeu em 2009, durante o 7th International Conference on Geomorphology, o prêmio Jean Tricart “Jovem Geomorfólogo” da IAG e do Grupo Francês de Geomorfologia.

técnicas de Hidrografia

3 CLEIDE RODRIGuES

Eduardo Justiniano

SAMuEL FERNANDO ADAMI

Introdução, 58 Bacia hidrográfica: conceitos e processos envolvidos, 59

Análises hidrodinâmicas, 62 Na sala de aula, 76 Referências de apoio, 83

Sobre os autores, 84

introdução A bacia hidrográfica é uma das referências espaciais mais consideradas em estudos do meio físico. Atualmente, subsidia grande parte da legislação e do planejamento territorial e ambiental no Brasil e em muitos outros países. Seu papel no planejamento territorial é resultado de suas características. Trata‑se de um sistema que pode ser identificado e individualizado de maneira relativamente fácil, quando considerados os fluxos superficiais de água. A área interna aos seus divisores pode servir de base para estudos em Hidrologia (com foco no transporte de água e sedimentos, por exemplo), em Geomorfologia (relações entre materiais e formas, entre outros), ou mesmo em Biologia, para a caracterização da dinâmica da fauna bentônica. Entretanto, em grande parte dos estudos hidrográficos raramente existe uma definição conceitual precisa desse sistema que é, ao mesmo tempo, hidrológico e geomorfológico.

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BaCia HidroGráfiCa: ConCeito e ProCeSSoS enVolVidoS A escolha dos procedimentos mais adequa‑ dos e das técnicas de pesquisa depende de con‑ ceitos precisos. Por isso, especialmente para as disciplinas relacionadas às ciências da Terra, a defi nição precisa do conceito ‑categoria bacia hidrográfica é de fundamental importância, pois implica a definição dos limites espaciais internos e externos em que diversos e interligados proces‑ sos desse sistema operam. É possível definir a bacia hidrográfica como um sistema que compreende um volume de ma‑ teriais, predominantemente sólidos e líquidos, próximos à superfície terrestre, delimitado inter‑ na e externamente por todos os processos que, a partir do fornecimento de água pela atmosfera, interferem no fluxo de matéria e de energia de um rio ou de uma rede de canais fluviais. Inclui, portanto, todos os espaços de circulação, arma‑ zenamento, e de saídas de água e do material por ela transportado, que mantêm relações com esses canais. Ainda é comum, entretanto, encontrar defi‑ nições de bacias hidrográficas que não contem‑ plam todos esses aspectos. Por exemplo, o uso frequente da expressão bacia de drenagem (tra‑ dução direta de drainage basin) tem se sobrepos‑ to e se confundido ao termo bacia hidrográfica, mas não contempla todos os aspectos de uma bacia. Neste capítulo, reafirma‑se a adequação do uso do termo bacia hidrográfi ca, tendo em vista diminuir confusões entre esse sistema e o de rede de drenagem, que têm significados bas‑ tante diferentes. A simplificação mais comum da definição da bacia hidrográfica é aquela que a defi ne como área, drenada por uma rede de cursos fluviais interligados. Há também diver‑ sos esquemas ou representações gráficas que, pretendendo clareza e didatismo, acabam por consolidar a visão bidimensional, deixando de apresentar, por exemplo, os limites internos des‑

se sistema por onde circula e atua grande parte da água envolvida. A rede fluvial, também denominada de rede hidrográfica ou rede de drenagem, é composta por todos os rios de uma bacia hidrográfica, hierar‑ quicamente interligados. É um dos principais mecanismos de saída (output) da principal ma‑ téria em circulação no sistema bacia hidrográ‑ fica: a água. Tanto a rede hidrográfica quanto a bacia hidrográfica não possuem dimensões fi xas. Seu tamanho depende mais de subdivi‑ sões e denominações que lhes atribuímos volun‑ tariamente, apesar de existirem bacias e redes hidrográficas de tamanhos diferentes. Como se vê adiante, pode‑se subdividir uma bacia hidro‑ gráfica considerando‑se as ordens hierárquicas de seus canais, até o nível de uma bacia de pri‑ meira ordem. Os processos de circulação de matéria e de energia que operam em bacias hidrográficas não envolvem apenas canais fluviais e planícies de inundação, mas incluem as vertentes, nas quais os processos internos são de fundamental impor‑ tância. Um exemplo desse tipo de processo é o escoamento basal que ocorre na primeira zona importante de saturação subsuperficial que, por sua vez, está interligada à planície de inundação ou ao canal fluvial localizado na base dos siste‑ mas de vertentes. Tais considerações permitem afi rmar que, para se reconhecerem os limites espaciais de bacias hidrográficas, é preciso, em primeiro lu‑ gar, considerar a distribuição espacial do con‑ junto dos processos envolvidos em todos os seus subsistemas. Então, a própria bacia hidrográfica estará delimitada. Para áreas do meio tropical úmido, essas de‑ finições conceituais e espaciais são ainda mais necessárias, pois grande parte da água que preci‑ pita em bacias hidrográficas pode ficar reservada

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

59

ou circular em vários níveis e subsistemas: copas, folhas, caules, troncos e raízes da cobertura ve‑ getal e da serrapilheira; diversos horizontes pe‑ dológicos; rochas; superfície das vertentes e suas depressões; e, finalmente, canais fluviais e planí‑ cies de inundação. Assim é que aos estudos de bacias hidrográficas aplica­‑se a noção de sistema aberto, composto por outros subsistemas, sendo os principais os sistemas de vertentes, o dos canais fluviais e o das planícies de inundação. A Figura 3.1, organizada com base em re‑ presentações de outros autores, demonstra os diversos níveis por onde a água poderá entrar, a) Processos hidrológicos e vegetação

permanecer ou circular numa bacia hidrográfica, destacando cada um dos subsistemas anterior‑ mente mencionados e alguns de seus processos particulares. Bacia hidrográfica compreende todos os pro‑ cessos relativos ao funcionamento de uma rede fluvial incluindo as alterações diretas e indiretas desencadeadas pela água, inclusive os pedogené‑ ticos, já que a água, além de ser agente de trans‑ porte, é agente de mudanças físicas, químicas e bioquímicas nos ambientes por onde circula. Ao tratarmos das técnicas de análise de uma bacia hidrográfica, incluiremos as técnicas de b) Processos hidrogeomorfológicos: vertentes, solo e rocha

P Asp

Fg

Ft

Limite externo

Sérgio Fiori

E

Ac Ar As Asp E Fa

Rocha

Fa

Solo

Ac

Nível freático

Fb

Armazenamento da rocha

- Limite superior da zona de saturação ou nível d’água Fb - Escoamento basal - Armazenamento nas copas Fg - Fluxo de gotejamento - Armazenamento no nível da rocha Fi - Infiltração - Armazenamento no solo Fq - Fluxo fluvial - Armazenamento na serrapilheira Ft - Fluxo de tronco - Evaporação P - Precipitação - Fluxo de atravessamento

práticas de geografia

Ar

P

Figura 3.1. Bacia hidrográfica: limites e processos. Organização: Rodrigues, C. e Fiori, S.

60

Fi

As

Fb

Fq Canal

c) Processos geomorfológicos de canal e de planície de inundação

um grande rol de especialidades das Ciências da Terra, destacando­‑se aquelas voltadas às análi‑ ses hidrológicas e geomorfológicas. Isso significa afirmar que cada um dos processos da Figura 3.1, dentre outros ainda mais particulares, pode ser considerado em estudos de bacias hidrográ‑ ficas. Existem técnicas específicas para levan‑ tamento e tratamento de cada um deles, con‑ forme se apresenta ao longo deste livro. Neste capítulo, enfatizamos aquelas mais diretamente relacionadas às bacias hidrográficas. As técnicas de levantamento selecionadas pertencem a dois conjuntos de análises: o das análises morfométri‑ cas e o das análises hidrodinâmicas. No conjunto das análises morfométricas é importante o reconhecimento da espacialida‑ de do sistema quanto a: limites externos, área, hierarquia da rede de drenagem, densidade de drenagem, gradiente de canais, comprimento da bacia, curva hipsométrica, coeficiente orográfico etc. Esses tipos de dados, quantitativos e espa‑ ciais, podem gerar outros e permitir correlações com determinados dados produzidos pela análi‑ se hidrodinâmica. Por exemplo, é possível inter‑ pretar a circularidade da bacia hidrográfica com sua suscetibilidade aos processos de inundação. Portanto, dados morfométricos e morfológicos podem ser interpretados, revelando tendências espaciais de desenvolvimento de processos na bacia estudada. Esse é um raciocínio frequente‑ mente utilizado na Geomorfologia. O outro conjunto de análises comumente utilizadas em estudos de bacias hidrográficas diz respeito aos aspectos dinâmicos da água e dos materiais por ela transportados, envolvendo todas as fases de entrada, circulação e armaze‑ namento hídricos. Nesse conjunto estão incluí‑ das as técnicas para levantamento de dados de entrada de água no sistema, aquelas relacionadas à circulação de água nas vertentes e as relacio‑ nadas ao funcionamento dos cursos fluviais pro‑ priamente ditos. Técnicas para coleta de dados como entrada de água no sistema (pluviógrafos e pluviômetros), técnicas para o levantamento

de dados de vazão de cursos fluviais, carga em suspensão, níveis d’água, são exemplos clás‑ sicos. Os dados gerados por essas técnicas de levantamento também podem ser relacionados aos dados anteriores. Cada tipo de dado, cada escala de análise e cada objetivo de estudo po‑ derá requerer técnicas, recortes espaciais e séries temporais próprias. O fato de esses dois conjuntos de análises revelarem as formas mais consagradas de se estudar bacias hidrográficas não significa que são suficientes, mas vêm sendo desenvolvidos, em sua maior parte, de forma complementar ou associada. O primeiro conjunto é mais desen‑ volvido na área de Geomorfologia, que também estuda os aspectos dinâmicos dos subsistemas envolvidos numa bacia hidrográfica. O segun‑ do conjunto mostra­‑se mais desenvolvido na área de Hidrologia. Mais recentemente, variá‑ veis desses dois conjuntos de dados estão sendo consideradas em levantamentos e tratamentos que utilizam Sistemas de Informações Geográ‑ ficas (SIG). A maior parte dos estudos de bacias hidro‑ gráficas refere­‑se a aspectos hidrodinâmicos e morfométricos. Os primeiros têm sido desenvol‑ vidos principalmente em função da necessidade de se inventariar o potencial hidroenergético de bacias hidrográficas. Os morfométricos podem servir para as interpretações hidrodinâmicas e geomorfológicas, possibilitando interpretações sobre a gênese e a dinâmica atual (morfodinâmi‑ ca) do sistema bacia hidrográfica. Ainda que em menor número, existem também estudos que enfocam aspectos sedimentológicos, geoquími‑ cos e bioquímicos de bacias hidrográficas. Esses estudos servem aos dois objetivos mencionados, além do reconhecimento da qualidade de água numa bacia hidrográfica. Percebe­‑se que os raciocínios apoiados em dados experimentais de observações controladas por instrumentação adequada não são, contudo, os únicos raciocínios possíveis para propor ge‑ neralizações sobre uma bacia hidrográfica. Em

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

61

Geomorfologia, por exemplo, é possível inferir alguns comportamentos hidrodinâmicos por meio de levantamento de dados morfológicos desse sistema e seus subsistemas, pois algumas relações frequentes entre aspectos de forma e comportamento hidrológico já foram descober‑ tas e confirmadas para alguns contextos mor‑ foclimáticos e morfoestruturais. Assim é que se justifica a presença das técnicas referentes a levantamentos de dados morfológicos e morfo‑ métricos de uma bacia hidrográfica ou seus sub‑ sistemas. As técnicas aqui selecionadas visam subsidiar leituras e interpretações do conjunto de uma bacia hidrográfica. Por exemplo, os da‑ dos hidrodinâmicos gerados por essas técnicas podem ter sua série temporal de observações submetida a interpretações estatísticas, uma das técnicas de tratamento de dados das mais usuais em estudos hidroclimatológicos. Podem também ser relacionados (relações estatísticas ou espaciais) a outros dados, como uso e ma‑ nejo da terra, mudanças na cobertura vegetal e suas implicações com frequência de inundações. Como se vê, dados diversos podem ser associa‑ dos para generalizações no plano das bacias hi‑ drográficas.

ANÁLISES HIDRODINÂMICAS Os estudos hidrodinâmicos de bacias hidro‑ gráficas compreendem basicamente os dados gerados por observações de campo ou por experi‑ mentos laboratoriais que envolvem principalmen‑ te os processos relacionados aos diversos tipos de fluxos hídricos. Esse tipo de dado pode ser tratado estatisticamente ou auxiliar na propo‑ sição de modelos e simulações físicos (como os modelos em escala reduzida), matemáticos ou conceituais. Habitualmente, esses estudos são realizados com base no levantamento de algumas variáveis hidrodinâmicas ou hidrológicas funda‑ mentais, tanto relacionadas à entrada de água no

62

práticas de geografia

sistema como à circulação hídrica, destacando­‑se os dados de séries temporais de precipitação, esco‑ amento superficial e vazão fluvial (volume de água em movimento pelo tempo, comumente medido em m³∙s−1). São também importantes outras vari‑ áveis hidrológicas, como demonstra a Figura 3.1: interceptação, fluxo de tronco, gotejamento, moda‑ lidades de fluxos superficiais, dados piezométricos, estocagem na serrapilheira, dentre outras. Técnicas de medição são ilustradas na Figura 3.2. Exemplos de detalhamentos no subsistema canal também podem ser lembrados: levanta‑ mento de velocidades de fluxo, ao longo de uma seção transversal, levantamento de níveis d’água em vazões extremas, vazões de margens plenas. Esses estudos devem auxiliar a compreensão do conjunto do sistema bacia hidrográfica, sendo importantes especialmente para a compreensão dos subsistemas físicos relacionados. Experimen‑ tos de levantamento de escoamento superficial na vertente, por exemplo, podem ser apenas realiza‑ dos com o intuito de entender os processos erosi‑ vos pluviais desse sistema, sem a preocupação de compor um entendimento desse processo quan‑ to ao comprometimento da bacia hidrográfica. Contudo, o entendimento da bacia só é possível com base em estudos analíticos, que serão a base para generalizações sobre a bacia hidrográfica. Pelo fato de muitos modelos hidrológicos serem compostos por algumas dessas variáveis ou por grande conjunto delas, decidiu­‑se por abordar neste capítulo apenas algumas das variáveis e técnicas mais importantes, tendo em vista que também são consideradas em outros capítulos.

Fontes de informação para análises hidrodinâmicas Dados hidroclimatológicos e hidrossedimen‑ tológicos estão disponíveis na internet por diver‑ sos órgãos públicos – estaduais ou federais – que têm alguma ingerência ou interesse nos recursos hídricos do País, ou que têm responsabilidade

Sérgio Fiori

Bulbo Central

Figura 3.2. A água na bacia hidrográfica: exemplos de processos e técnicas de observação.

direta na geração de dados ou na manutenção de redes de postos. Por exemplo, dados de precipita‑ ção, de vazões, agregados ou não, para o estado de São Paulo, que interessam para cálculos de entrada de água na bacia hidrográfica, podem ser obtidos em sites do Sistema Integrado de Geren‑ ciamento de Recursos Hídricos (SIGRH), do De‑ partamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), da Agência Nacional de Água (ANA) ou da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Levantamento de velocidade e cálculo de vazões fluviais Atualmente, as medições em fluxos fluviais são consideradas as principais ferramentas para os estudos hidrológicos e de geomorfologia flu‑ vial, principalmente aquelas medidas que auxi‑ liam na determinação das vazões. As medições precisas e de séries contínuas de descarga fluvial (vazões) são dados indispensáveis para uma sé‑ rie de tomadas de decisões no plano de geren‑ ciamento de recursos hídricos. Por exemplo, no planejamento e na operação de hidrelétricas é preciso reconhecer os locais mais apropriados aos eixos de barramentos, o cronograma ade‑ quado para o enchimento dos reservatórios ou as

formas de operação desses reservatórios. Todas essas questões envolvem o reconhecimento de dados hidrológicos fundamentais, entre os quais uma série temporal longa de observações de da‑ dos de vazão. O regime fluvial, por exemplo, só pode ser conhecido por meio desses levantamentos, ten‑ do em vista tratar­‑se do comportamento habi‑ tual anual mais frequente de vazões e de níveis d’água de um rio em seção transversal determi‑ nada no decorrer de um ano hidrológico. Os dados de vazões fluviais são mais comu‑ mente obtidos a partir de medições de veloci‑ dade do fluxo e de profundidades de verticais predeterminadas. O produto de uma subárea da seção transversal do rio pela velocidade média da seção permite a obtenção do dado em m³∙s−1. Para que essa lógica (área x velocidade) tenha maior proximidade com a realidade de campo, são necessários certos procedimentos que de‑ penderão do equipamento disponível, do porte do rio, da acessibilidade e do objeto de estudo. Se dados de vazão estão disponíveis em séries temporais, por vezes longas (mais de 50 anos) em diversos postos fluviométricos do Brasil, a densidade espacial desses postos é insatisfató‑ ria para uma série de questões e estudos, como aqueles voltados ao planejamento municipal ou

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

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práticas de geografia

Eduardo Justiniano

de bacias de menor ordem hierárquica, que mui‑ tas vezes são desprovidas de quaisquer dados dessa natureza. Na Amazônia e em outras re‑ giões brasileiras essa situação é mais precária, pois bacias e sub­‑bacias hidrográficas com a di‑ mensão de um estado inteiro são providas com três ou quatro postos fluviométricos. Os postos sedimentológicos são ainda mais escassos. Assim, para algumas situações importantes, nas quais o próprio planejamento dos recur‑ sos hídricos do país se insere, será necessário ampliar a rede de observações sistemáticas, as únicas que geram longas séries de observações. Noutras ocasiões, como no caso da pesquisa científica, serão indispensáveis campanhas espe‑ ciais de campo, nas quais variáveis importantes, como velocidades e vazões de um rio deverão ser especialmente obtidas. Diversos equipamentos podem ser utilizados para a medição de velocidades e para o cálculo de vazões de fluxos fluviais. A grande maioria deles está apoiada na lógica anteriormente men‑ cionada, do produto entre a área da seção trans‑ versal pela velocidade média. Como exemplos de equipamentos para obten‑ ção de dados de velocidade, podem ser citados desde os mais simples, como os flutuadores, os molinetes (Figura 3.3), que podem ser mecânicos e ter diversos tamanhos, ou eletromagnéticos; velocímetros acústicos ou a laser. Para medições de descarga (vazões) existem outras técnicas, como a construção de vertedouros artificiais e a utilização da curva­‑chave. As curvas­‑chave são obtidas com base em medições múltiplas de vazões em seções transversais que apresentem formas ajustadas, com tendência à estabilidade, podendo existir uma correlação imediata entre o nível d’água e a vazão associada. A plotagem dessa série de dados pode gerar uma curva única ou uma série delas, que podem ser ajustadas. Com o estabelecimento de uma curva­‑chave, é possível considerar unicamente os dados de ní‑ vel da água e descobrir a vazão correspondente (com linígrafos, por exemplo).

Figura 3.3. Molinete utilizado para medição da velocidade da água.

Vertedouros são pequenas seções artificiais de canais, construídas principalmente para su‑ perar situações fisicamente adversas ao uso de equipamentos comuns, como os molinetes ou flutuadores, para a medição de velocidades e de outros parâmetros hidrológicos. Isso se verifica em rios de fluxos muito rápidos, ou de seções transversais muito pequenas. Os vertedouros constituem também um artifício para se estudar experimentalmente (em laboratório) as relações entre transporte ou movimentação de sedimen‑ tos e condições de fluxo. Para se estudar as rela‑ ções entre a velocidade crítica de erosão segundo a granulometria, têm sido utilizados experimen‑ tos com vertedouros. As técnicas que envolvem a medição direta da velocidade para cálculo da vazão obedecem à integração de dados ao longo de seção do rio dividida em i áreas (Figura 3.4, página 66). Q = ∑ Vi. Ai Onde: Q = vazão total Vi = velocidade média na área nº i Ai = área da seção transversal nº i

Seleção dos locais e equipamentos Antes de tudo, deve­‑ se compatibilizar as necessidades do estudo com as condições de trabalho em campo e a disponibilidade de equi‑ pamentos. Isso significa que haverá trabalho de campo preliminar, de reconhecimento, bem como levantamentos e tratamento em gabinete. O procedimento amostral (número de se‑ ções, número de medidas, locais, intervalos de tempo etc.) deve ser consequência de estudos preliminares, principalmente os realizados em gabinete, que devem ser exaustivos. Nessa fase estarão incluídos os levantamentos e tratamen‑ tos de dados morfométricos da bacia hidrográfi‑ ca, que em muito poderão auxiliar na definição de locais mais representativos e na definição do equipamento adequado. O objetivo do estudo, quando bem traçado, também impõe as escolhas do processo amos‑ tral e do equipamento. Por exemplo, quando há necessidade de se comparar parâmetros hidrodi‑ nâmicos de cursos de 1ª e 4ª ordens, as escolhas deverão levar em consideração reconhecimento prévio do gradiente hidráulico desses cursos (que pode ser obtido a partir do perfil longitudinal), o que, por sua vez pode colocar limites na escolha do equipamento para obter dados de velocidades e seção transversal. Para o levantamento de vazões de um deter‑ minado rio, há que se verificar, em primeiro lu‑ gar, sua magnitude e sua morfologia. Em rios de pequeno porte pode­‑se utilizar micromolinetes. Em rios de porte médio ou superiores (em torno, ou acima, de 6ª e 7ª ordem), podem ser utilizados molinetes maiores. Para a instalação do equipamento é recomen‑ dável percorrer previamente a região selecionada em campo e observar os documentos de gabine‑ te (cartas topográficas, por exemplo), verificando trechos do canal que apresentam evidências de estabilidade e de menor variação de direção, ou seja, trechos mais retilíneos, onde o gradiente de velocidades tende a ser menor. Como o cálcu‑

lo das vazões se baseia nas velocidades médias, qualquer subestimação ou superestimação desse dado poderá falsear o cálculo. Molinetes com hélice de diferentes tamanhos poderão ser utilizados de diversas formas, de‑ pendendo das condições físicas dos rios. É pos‑ sível realizar levantamentos a vau percorrendo­‑se o rio a pé, por ponte (requer cavaletes, polia e cabo de aço para controlar a submersão) ou por barco, onde o molinete é acoplado. Para levan‑ tamento a barco, um cabo de aço numerado é esticado de uma margem a outra e serve de guia para o barco que faz o levantamento de dados de velocidade de verticais determinadas.

Obtenção de dados de profundidades e velocidades com o uso de molinetes A técnica mais comum para o levantamento de variáveis e posterior cálculo de vazões é a somatória do produto de seções (ou subáreas de verticais) pela velocidade média da vertical correspondente (Figura 3.4). Para cálculos precisos de vazão em rios de médio porte (aproximadamente de 6ª a 10ª or‑ dens) é recomendável retirar verticais (dados de profundidade) de metro em metro. Avaliações menos precisas de rios desse porte suportam in‑ tervalos maiores, como de dois em dois metros. Quando a rugosidade do leito é significativa e a profundidade é inferior a 0,75 m, sugere­‑se a obtenção de dado de velocidade a 0,1 (1/10) da profundidade total, de cada vertical. Em verticais com profundidade superior a 0,75 m, recomenda­‑se a obtenção de dado de velocida‑ des a profundidades relativas de 0,2 m e 0,8 m, a partir das quais se obtém a velocidade média da vertical. As velocidades devem ser medidas a intervalos de tempo de 20 s a 30 s e, em rios de baixas velocidades, deve ser respeitado intervalo

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

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modelagens hidrológicas Os modelos hidrológicos representam pro‑ cessos naturais ou artificiais complexos e per‑ mitem simulações e previsões muitas vezes dife‑ rentes das condições sugeridas pela observação direta. Existe um grande número de tipos de modelos hidrológicos que em muito se diferen‑ ciam quanto aos objetivos e quanto ao tipo de variáveis envolvidas. Em Hidrologia existem

Vertical onde é medida a velocidade

modelos apropriados aos estudos de escoamen‑ to, modelos hidrodinâmicos em rios, modelos de precipitação‑vazão, outros para previsão de cheias, os que envolvem a avaliação dos efeitos de mudanças no uso do solo e modificações cli‑ máticas, modelos de qualidade de água, dentre outros (tucci, 1998). Recentemente, as variá‑ veis espaciais têm sido cada vez mais emprega‑ das nesses modelos e os SIG têm contribuído de forma radical na proposição e no desenvolvi‑ mento de modelos hidrológicos, principalmente os que se dedicam às simulações de mudanças em variáveis hidrológicas na bacia hidrográfica. Muitas dessas ferramentas – os modelos – de‑ pendem de informações que são resultado de análises por geoprocessamento. Kineros 2, por exemplo, é um modelo que descreve processos baseando ‑se em dados de interceptação, infiltração, erosão e escoamento superficial e foi desenvolvido para pequenas ba‑ cias agrícolas e urbanas. Por meio do Kineros 2 podem‑se observar os efeitos da expansão urba‑ na ou da construção de reservatórios em cheias e produção de sedimentos. O SWAT é outro modelo, desenvolvido para predizer, em bacias grandes e complexas, os efei‑ tos das práticas de manejo das terras sobre os recursos hídricos, a produção de sedimentos e o transporte de agroquímicos. Diferentemente do Kineros 2, o SWAT não lida com eventos in‑ dividuais, mas com o comportamento de longo prazo da bacia frente às ações antrópicas. Para a modelagem hidrológica e hidráulica de bacias, o modelo HEC‑HMS simula processos de precipitação‑vazão. Os resultados (hidrógra‑

Subárea Ai

h Figura 3.4. Seção transversal e cálculo de vazões. Fonte: kandolf et al. (2003), modificado.

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práticas de geografia

Velocidade medida a profundidade 0,6 h

Profundidade h

Sérgio Fiori

maior. Carter & Anderson (apud kandolf & piÉgay, 2003) estimaram que o erro embutido no cálculo de vazões para dados de velocidade retirados a apenas 0,6 m da profundidade em relação às vazões reais é de 4%. Para cálculos realizados com dados de velocidades colhidos a profundidades relativas de 0,2 m e 0,8 m, esse erro seria igual ou inferior a 2%. A Figura 3.4 ilustra a lógica da técnica do molinete identificando as verticais, as subseções ou subáreas correspondentes à profundidade de 0,6 h. A Figura 3.5 ilustra os campos que devem ser preenchidos num modelo de planilha para registro de campo utilizado pelos técnicos do DAEE/FCTH em levantamentos de rotina no estado de São Paulo. Caso o sujeito seja novato ou não tenha experiência em Geomorfologia flu‑ vial experimental ou em Hidrologia de campo, recomenda‑se que desenvolva seu planejamen‑ to de campo com um desses especialistas, para selecionar os locais, o tipo de equipamento, os intervalos espaciais e temporais de sua série de observações, entre outros procedimentos.

fas) podem ser usados para estudos de disponi‑ bilidade hídrica, previsão de cheias, impactos de planos de urbanização e operação de sistemas. Esses são alguns exemplos de modelos que podem ser empregados em estudos de erosão, no planejamento dos usos e ocupações das terras e na previsão hidrológica. Entretanto, a maioria deles foi desenvolvida para condições que não são, normalmente, aquelas encontradas no Brasil e mais estudos são necessários para dimensionar sua aplicabilidade aos casos aqui encontrados.

Por exemplo, a análise linear abrange carac‑ terísticas da rede fluvial que podem ser conta‑ das ou ter seu comprimento medido. Podem ser gerados dados sobre o número, o comprimento médio e o gradiente médio dos canais de de‑ terminada ordem em uma bacia. Uma série de

Análises morfométricas

Figura 3.5. Ficha de campo utilizada pelo DAEE/CTH.

Reprodução

O estudo do desenvolvimento de uma ba‑ cia hidrográfica pode auxiliar no entendimen‑ to do progresso da paisagem como um todo (doornkamp & king, 1971) e, como citado anteriormente, a análise morfométrica fornece um meio de atingir esse objetivo. As análises morfométricas são classificadas em quatro tipos, segundo Christofoletti (1980): ¾¾análise linear; ¾¾análise areal; ¾¾análise hipsométrica; ¾¾análise topológica.

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

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formulações matemáticas e de índices pode ser determinada com esses dados. Contudo, toda análise morfométrica depen‑ derá de um trabalho preliminar de reconheci‑ mento de dados básicos que envolve, principal‑ mente, análise de cartas topográficas, sejam elas digitais ou não e, por vezes, de fotografias aéreas. Esses dados são: reconhecimento dos li‑ mites externos (divisores superficiais ou delimi‑ tação de bacias hidrográficas), estimativas areo‑ lares e identificação de ordens hierárquicas de seus cursos fluviais. Uma vez realizada essa eta‑ pa, outros parâmetros morfométricos e índices podem ser estimados, conforme exemplifica­‑se adiante.

Fontes de informação para análises morfométricas As cartas topográficas ainda são a maior fonte de dados para levantamentos e análises morfométricas, pois nelas delimitam­‑se bacias hidrográficas, definem­‑se as redes de canais fluviais e coletam­‑se dados altimétricos, que são a base para cálculos posteriores. A obten‑ ção de cartas topográficas é realizada de duas formas: a compra de cartas editadas em papel e a aquisição de cartas em meio digital. No Brasil, as diversas sedes do Instituto Brasilei‑ ro de Geografia e Estatística (IBGE) oferecem cartas impressas para compra direta ou para reprodução, principalmente cartas produzi‑ das na escala 1:50.000. Algumas folhas desse mapeamento sistemático do Brasil estão dis‑ poníveis no servidor de geociências do IBGE () em formatos varia‑ dos. Em alguns estados podem ser encontra‑ dos dados cartográficos em escalas maiores, chegando a cobrir parte significativa de seus territórios com cartas 1:25.000 ou 1:10.000. No caso do estado de São Paulo, é possível ad‑ quirir essas cartas no Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC), ou, na Grande São Paulo,

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práticas de geografia

cartas detalhadas em até 1:2.000, na Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A. (EMPLASA), ambos órgãos ligados à Secre‑ taria Estadual de Economia e Planejamento. Vem sendo realizada digitalização desses da‑ dos e vários levantamentos antigos estão sendo atualizados com o uso de imagens de satélites, como é o caso das cartas em escala 1:25.000 no Estado de São Paulo (DAEE/IGC). Grande parte das informações de uma carta topográfica pode ser obtida e melhor detalhada empregando­‑se a interpretação de fotografias aé‑ reas, que também se prestam à geração de novos documentos planialtimétricos como em softwares de restituição aerofotogramétrica, como o DVP (Digital Video Plotter) dentre outros. Existem ainda, os Modelos Digitais de Elevação (MDE) derivados diretamente de dados de sensoriamen‑ to remoto como o SRTM (Shuttle Radar Topogra‑ phic Mission).

Geração de Modelos Digitais de Elevação (MDE) Muitos dados e elementos básicos para a análise morfométrica podem ser derivados dos MDE. Em um SIG, a partir das curvas de ní‑ vel e dos pontos cotados digitalizados, pode ser gerado um MDE por meio da interpolação dos valores de altitude. Procedimentos de interpola‑ ção de valores podem ser otimizados e englobar o uso de análises geoestatísticas como a kri‑ gagem (uma técnica que determina os valores interpolados com base em probabilidades deri‑ vadas de um modelo espacial estatístico), con‑ forme estabelecido, por exemplo, por Valeriano (2002). Para determinar a rede de canais, pode­ ‑se digitalizá­‑la da base cartográfica, extraí­‑la do MDE, ou empregar­‑se uma abordagem híbrida1.

1 Leia também o Capítulo 11 – Sistema de Informação Geográfica, além do Capítulo 9 – Técnicas de Senso‑

Outra fonte de dados são os MDE produzi‑ dos pela missão SRTM. Estes dados são gerados por interferometria de imagens de radar e dis‑ tribuídos pelo USGS (United States Geological Survey) na resolução espacial de 3”, aproxima‑ damente 90 metros, que é consideravelmente grosseira para algumas aplicações. Entretanto, após o tratamento geoestatístico desenvolvido por Valeriano (2004), pode­‑se interpolar a gra‑ de para 1” (cerca de 30 metros) e utilizar este MDE como fonte de dados morfométricos. Os dados SRTM podem ser obtidos a partir do site do projeto (). As referên‑ cias citadas podem ser encontradas no link da biblioteca digital, no site do INPE. O trabalho com as cartas topográficas, como compilação da rede de drenagem, curvas de ní‑ vel e pontos cotados, pode ser realizado manu‑ almente, produzindo um overlay, ou pode­‑se montar uma base de dados digitais por meio de softwares de mapeamento e SIG a partir da car‑ ta impressa. Nos SIG, a montagem da base de dados inicia­‑se com a entrada dos elementos de interesse (rede de canais fluviais, curvas de nível, pontos cotados, entre outros) em um Sistema de Informações Geográficas (SIG). Cada programa específico apresenta alternativas próprias para a geração de informações morfométricas e a es‑ colha de determinado SIG depende de outros fatores, tais como recursos financeiros disponí‑ veis, requisitos institucionais e características do projeto. Alguns programas têm rotinas específi‑ cas para análises morfométricas, por exemplo, o Whitebox Geospatial Analysis Tools (), um sistema com código aberto que possui fer‑ ramentas para essas análises e para modelagens hidrológicas.

riamento Remoto e do Capítulo 10 – Técnicas de Loca‑ lização e Georreferenciamento, deste livro.

Delimitação de bacias hidrográficas Para determinado local do canal fluvial (se‑ ção transversal) pode­‑se traçar uma bacia hi‑ drográfica que forneça a água e os sedimentos que são transportados através da seção. Pode­ ‑se determinar a área comprometida na produ‑ ção de água e de sedimentos de qualquer pon‑ to de um canal fluvial, como de uma estação fluviométrica, de uma barragem, de uma usina hidrelétrica ou ponto de captação de águas. Uma bacia hidrográfica pode ter seus limites bem definidos por meio de fotointerpretação e de cartas topográficas. A primeira apresenta a vantagem de tornar mais preciso o limite, tendo em vista o acesso direto a uma visão tridimen‑ sional das mais fiéis à realidade do terreno. É preciso lembrar que as informações de altime‑ tria presentes nas cartas são generalizações que podem trazer importantes distorções quanto à forma real do terreno. Assim, é recomendável sempre dar preferência à delimitação por meio de fotografias aéreas. Deve­‑se tomar cuidado para não perder a visão tridimensional duran‑ te o processo de delimitação com o uso de fo‑ tografias aéreas. Outro lembrete importante é que os limites superficiais podem não corres‑ ponder exatamente aos divisores internos. Em alguns estudos detalhados, esse pode ser um dado importante que explicaria alguns desvios encontrados em séries de dados hidrológicos, pois as perdas para as bacias vizinhas ou para aquíferos profundos podem ser significativas. Numa carta topográfica, após locar a seção transversal do rio na base, devem ser traçadas, a partir desse ponto na carta, linhas perpendicula‑ res às curvas de nível de maior valor nas verten‑ tes adjacentes, buscando identificar as áreas que drenam para a seção determinada e envolvem a rede de afluentes. Para uma delimitação precisa valem algumas recomendações. Em primeiro lugar, reforçar a rede de drenagem, caso ela não esteja muito discernível na carta, como no caso de cartas monocromáticas. Antes de inscrever

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

69

os limites, é preciso ler atentamente a carta, no intuito de procurar as curvas de maior valor das áreas drenadas pela rede já reforçada grafica‑ mente. Essa leitura deve percorrer a região das cabeceiras e ser seguida pela interpretação da geometria, registrando­‑se mentalmente as áreas convexas e côncavas na projeção horizontal da carta (em planta). Os limites devem ser traçados inicialmente nas curvas de maior valor que se fecham em pequenas áreas, procurando sem‑ pre a isodistância no interior dessas curvas para inscrever o limite. O limite deve ser preferen‑ cialmente posicionado em áreas de geometria convexa em planta, evitando as áreas côncavas, que definem áreas de concentração e não de dispersão (divisão/divisores) de fluxos hídricos superficiais.

Levantamentos de dados em cartas digitais com utilização de MDE Recentemente, alguns autores desenvolveram metodologias para a extração da rede de drena‑ gem e de divisores a partir de MDE, utilizando técnicas de geoprocessamento simples como filtros direcionais e álgebra de mapas. Valeriano & Moraes (2001), por exemplo, propõem a de‑ rivação à rede de divisores em folhas 1:50.000 com base nesses procedimentos. Em linhas gerais, após a geração do MDE foram aplicados quatro filtros direcionais para calcular o gradiente nas direções Norte, Les‑ te, Nordeste e Noroeste. Desse passo resultam quatro imagens com valores positivos e negati‑ vos de acordo com a ocorrência de máximos e mínimos nas direções selecionadas. Essas ima‑ gens são padronizadas para que seus valores se‑ jam +1, −1 ou zero e sobre elas são aplicados no‑ vamente os quatro filtros para realçar os locais onde ocorre a inversão de sinais. Somam­‑se as quatro imagens para gerar a imagem final com a rede de divisores (máximos locais) e canais (mínimos locais).

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práticas de geografia

Uma desvantagem dessa técnica é a geração de uma imagem raster da rede fluvial e de divi‑ sores, necessitando a digitalização dos divisores e canais. Além disso, a qualidade do produto final é altamente dependente daquela dos dados altimétricos originais e do MDE, pois pequenos artefatos são realçados no processamento. As vantagens residem na alta produtividade, veloci‑ dade na geração das informações e objetividade dos resultados. Outras abordagens empregam medidas de distâncias em função de outras propriedades do relevo, como o caminho de menor energia. A água tenderia a fluir seguindo a maior declividade do terreno aproveitando a maior energia potencial nesse trajeto. A água tenderia a fluir seguindo a maior declividade do terreno para gastar o míni‑ mo de energia (demers, 1999). Em um MDE, o pixel que representa um canal verteria para o pixel vizinho que apresenta a maior diferença altimétrica, portanto maior gradiente e assim sucessivamente (Figura 3.6). A derivação da rede fluvial a partir de MDE impõe uma questão: como identificar as cabe‑ ceiras ou onde começam os canais (montgomery & dietrich, 1988)? Duas abordagens são empregadas: limiar de área constante e área de suporte crítica dependente da declividade. O uso do limiar de área constante é mais comum devido à sua facilidade de implementação. Ao derivar a rede de drenagem, indica­‑se um va‑ lor mínimo de área para que seja estabelecido um canal de drenagem; assim o algoritmo deve acumular uma dada quantidade de pixels que drenam para ele antes de iniciar o traçado de um canal (garbrecht & martz, 2000). A premissa da técnica da área de suporte crí‑ tica dependente da declividade é que a cabeceira representa a transição entre processos de ver‑ tentes (escoamento difuso) e de canais fluviais (escoamento concentrado) e que esta relação é condicionada pelas propriedades morfológicas e dos materiais representada pela alteração no gradiente. Outros fatores podem influenciar a

Coluna

ha

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Figura 3.6. Caminho de menor energia. Fonte: DeMers (1999), modificado.

extração da rede de drenagem a partir de MDE, como a resolução espacial do modelo, o modo de geração deste, pré‑processamento dos dados (retirada de depressões e outros artefatos) e a utilização ou não de rios digitalizados.

Padrões de drenagem Os rios não apresentam as mesmas formas, havendo vários tipos de canais fluviais determi‑ nados pela relação entre vazão do rio e o volume e tipo de carga sedimentar transportado pelo canal. Essas variáveis estão relacionadas com as características da bacia, climáticas, geológicas, geomorfológicas, pedológicas e de usos das ter‑ ras. Ao longo de um mesmo canal podem ser encontrados vários tipos de padrões. Para rios que escoam sobre sedimentos aluvionares, por‑ tanto não apresentando condicionamento forte por parte da litologia da área, podem ser reco‑ nhecidos três tipos básicos de padrões (Figura 3.7, na página 72). O padrão retilíneo é o mais difícil de ser en‑ contrado e, mesmo assim, ocorre em pequenas extensões. Em rios que apresentam forte contro‑ le estrutural, a existência de trechos retilíneos está normalmente associada a falhamentos. A carga detrítica pode ser formada por ampla gama de sedimentos, mas predomina o trans‑ porte em suspensão. Ao observar um canal com padrão retilíneo, pode‑se inferir que seu curso esteja encaixado em uma falha ou fratura geo‑

lógica. Em alguns casos os trechos retilíneos são resultado da ação humana, como nas obras de retificação de canais fluviais. Canais meandrantes apresentam sinuosidade acima de 1,5, valor que os distingue do padrão retilíneo. Normalmente transportam cargas em suspensão e formam barras laterais nas margens dos meandros. No padrão anastomosado predomina gran‑ de fornecimento de sedimentos ao canal fluvial, muitas vezes acima de sua capacidade imediata de transportá‑los; esses sedimentos são caracte‑ risticamente de textura grosseira e são transpor‑ tados como cargas de fundo ou em suspensão. Como resultado, o fluxo de água divide‑se em vários fluxos menores. Nas bacias sob clima tropical úmido, com cobertura vegetal de florestas e relevo suave, é recorrente o padrão meandrante, enquanto nas áreas com modelado dissecado, clima semiári‑ do ou com uso das terras que fornecem menor proteção à superfície do terreno, pode ser encon‑ trado o padrão anastomosado.

o estabelecimento da hierarquia Existem diversos procedimentos para estabe‑ lecer a hierarquia da rede fluvial e a hierarquia de sub‑bacias. Dentre esses procedimentos tem sido mais difundido e utilizado o esquema de Strahler que, combinado ao de Horton, permite a identificação do canal principal. A defi nição

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

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Padrão Retilíneo

Barras alternadas

Fluxo

Padrão Meandrante Meandro abandonado Barras laterais

Padrão Anastomosado

Barras longitudinais

Figura 3.7. Padrões de canais fluviais em sedimentos aluvionares. Fonte: Selby (1985), modificado.

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4 A - Strahler

B - Horton

Ordem Primeira

Segunda

Figura 3.8. Hierarquia da rede segundo Strahler (A) e Horton (B).

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Sérgio Fiori

hierárquica superior. Normalmente, inicia‑se o processo de ordenamento dos canais de 1ª ordem até aquele de maior ordem, ou seja, de montante para jusante. Na proposta de Strahler, o processo

Sérgio Fiori

da hierarquia de canais e de bacias hidrográfi‑ cas, assim como outros levantamentos de dados morfométricos, dependerá da fonte utilizada para a identificação dos elementos de base, que apresentam escalas e qualidade diversas. A rede hidrográfica extraída de fotos aéreas permite uma atribuição mais fidedigna, não apenas em função da escala, mais detalhada, mas por pos‑ sibilitar uma visão tridimensional mais próxima à da realidade do terreno, resultando numa atri‑ buição de ordens hierárquicas de rios e de sub‑ ‑bacias hidrográficas de maior qualidade. Muitas cartas topográficas não trazem fotointerpreta‑ ções corretas do ponto de vista dos conceitos cursos fluviais perenes, cursos pluviais ou fluviais intermitentes, sendo mais um exemplo de como conceitos malconhecidos podem gerar produtos, tratamentos e análises malconduzidos. O primeiro modo de hierarquização ampla‑ mente aplicado foi proposto por Horton em 1945. Nesse esquema, os canais sem afluentes são con‑ siderados de 1ª ordem e, apenas na confluência de dois rios de igual ordem, acrescenta‑se mais um à ordenação, ou seja, dois canais de mesma ordem hierárquica formam um canal de ordem

Terceira

Quarta

de ordenamento encerra­‑se com a determinação da maior ordem numa bacia. Entretanto, no mo‑ delo hortoniano, deve­‑se proceder a uma segun‑ da etapa que leva à identificação do canal prin‑ cipal. Isso é feito percorrendo a rede fluvial de jusante para montante e transportando a maiores ordens aos afluentes que apresentem bacia com maior área de drenagem ou menor ângulo em relação ao canal de maior ordem, até atingir­‑se o último canal (Figura 3.8). O conceito de segmento fluvial pode ser ime‑ diatamente reconhecido: trata­‑se de trechos dos canais fluviais nos quais a ordem hierárquica não muda. Esse conceito é extremamente im‑ portante para uma série de índices morfomé‑ tricos obtidos da contagem desses segmentos, como da densidade de rios (número de rios por área) ou o índice de bifurcação (relação entre o número de canais de uma ordem pelo número de canais de ordem imediatamente superior). A subdivisão de bacias correspondentes a cada or‑ dem hierárquica obedece aos mesmos princípios relatados anteriormente.

Densidade de drenagem e coeficiente de manutenção A densidade de drenagem corresponde à ex‑ tensão total de cursos fluviais (Et) relacionada à área ocupada pela bacia hidrográfica corres‑ pondente (A):

Sérgio Fiori

Dd = Et∙A−1

Novamente, a qualidade desse dado depen‑ derá da qualidade dos dados da base cartográ‑ fica ou da fotointerpretação. Esse índice é um dos mais úteis para o planejamento regional, contribuindo também para interpretações so‑ bre as características litológicas e tectônicas em mapeamentos geológicos ou mesmo para a diferenciação de unidades de solos em levan‑ tamento pedológicos. Com o uso desse dado é possível separar áreas mais ou menos aptas à recepção de infraestrutura viária, por exemplo. Também pode ser um valioso auxílio para inter‑ pretações sobre morfogênese e morfodinâmi‑ ca baseadas em inferências sobre diferenças de permeabilidade, por exemplo, ou de diferenças sobre a profundidade dos materiais permeáveis (Figura 3.9). Para obter informações sobre a extensão total de canais é possível utilizar softwares de cartogra‑ fia digital. Em cartas topográficas convencionais é comum a utilização de curvímetros que podem ser mecânicos ou digitais (Figura 3.10, na pá‑ gina 74). Os passos são os mesmos: ajusta­‑se o curvímetro para a escala da carta, posiciona­‑se sua marcação zero e percorre­‑se a carta com ele sobre todos os segmentos fluviais pertencentes à bacia considerada. O dado da área da bacia, nessa ocasião, já deve ter sido recolhido. Habi‑ tualmente utiliza­‑se o km/km² como medida. O coeficiente de manutenção (Cm) é um índice extraído diretamente dos dados exten‑ são de rios e área de drenagem correspondente, os mesmos utilizados no cálculo da densidade

Figura 3.9. Exemplos de áreas com diferentes densidades de drenagem.

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

73

Rafael Sato

Figura 3.10. Exemplos de curvímetro digital e mecânico.

de drenagem, pois se trata de seu inverso. Com esse dado procura‑se representar qual seria a área necessária para a manutenção de um me‑ tro de curso fluvial perene. É um dado que per‑ mite raciocinar sobre o balanço hidrodinâmico de cada área estudada, revelando tendências de processos, como regiões que apresentam índices de escoamento superficial (fluvial e de verten‑ tes) relativamente mais importantes que os de infiltração, interpretação possível de se realizar também com o índice densidade de drenagem. A fórmula do coeficiente de manutenção é: Cm = (1∕ Dd−1)∙1000

Perfil longitudinal e curva hipsométrica Para a construção do perfi l longitudinal, a cada cruzamento entre o rio principal e as cur‑ vas de nível, desde a sua nascente até a foz, são registradas em uma planilha as distâncias percorridas (com o uso do curvímetro, por exemplo) e o valor de altitude dessas curvas. Em seguida, são plotadas as informações para um gráfico em papel milimetrado ou planilha eletrônica para compor a figura pretendida. A ideia é construir um gráfico que contenha no eixo das abscissas os valores de distâncias da

74

práticas de geografia

nascente e, naquele das ordenadas, as altitudes correspondentes a cada distância. Recomenda‑ ‑se, principalmente para efeito de comparação visual entre perfis construídos a partir de cartas 1:50.000 em regiões planálticas brasileiras, uma escala gráfica em que o eixo das abscissas cor‑ responda 1 km∙cm−1 e o eixo das ordenadas 200 m∙cm−1 ou 100 m∙cm−1. Na Figura 3.11 observa‑se o perfil longitudi‑ nal do córrego da Roseira (Jundiaí/SP), extraído de um MDE, com escala reduzida. É também possível registrar graficamente as ordens hie‑ rárquicas dos rios no perfi l para que relações possam ser identificadas. Dentre as leituras e interpretações mais comuns desse instrumento, podem ser relatadas as que identificam os knick points (formas salientes convexizadas) e as mais importantes rupturas de declividade ao longo do perfil. Ambas têm significados importantes para os ajustes dos sistemas de vales e verten‑ tes adjacentes de montante. Esses pontos são igualmente importantes de serem identificados quando se trabalha com previsão espacial de im‑ pactos, pois é outra forma de segmentar a bacia hidrográfica baseando‑se em processos fluviais distintos para cada um dos trechos. Os dados para a geração do gráfico foram extraídos de um MDE com resolução espacial de quatro metros. A partir do canal principal, identificado segundo Horton, foi executada uma amostragem regular de pontos a cada 200 me‑

1.000

2.000

3.000 Distância (m)

tros, ao longo do rio. Obteve­‑se a altitude cor‑ respondente a cada ponto após o cruzamento com o MDE. Esses dados foram transferidos para uma planilha eletrônica para a geração da Figura 3.11. Hack (1957) identificou, para canais desen‑ volvidos sobre a mesma litologia, uma relação sistemática entre o gradiente do rio e a mediana do diâmetro das partículas da carga de fundo. Entretanto, o gradiente tende a diminuir com o aumento da área de drenagem. Uma revisão sobre esse tipo de relação, entre outras, pode ser encontrada em Christofoletti (1977). A análise hipsométrica foi desenvolvida por Strahler (1952) e a principal ferramenta nesta abordagem é a geração da curva hipsométrica. Este gráfico representa a quantidade de massa que estaria disponível para a erosão em uma ba‑ cia e, em unidades proporcionais, permite com‑ parar formas de bacias de diferentes tamanhos e amplitudes topográficas. São calculadas: a área total da bacia (deno‑ minada A), a amplitude topográfica (H), a área (a) de determinada faixa altimétrica (h). O valor de H é a diferença entre a cota mais alta e a mais baixa na bacia. As faixas altimétricas po‑ dem ser determinadas a partir da segmentação do MDE em classes com amplitude constante (por exemplo, 20 metros); a área de cada faixa é determinada e acumulada das mais altas para as mais baixas e esse valor é dividido pela área total da bacia. A diferença entre o valor inferior

4.000

5.000

Figura 3.11. Perfil longitudinal do córrego da Roseira. Fonte: Adami (2005).

dos intervalos altimétricos e a menor altitude na bacia dividida por H, gera h. Os cálculos são feitos em porcentagem, mas registrados no gráfico como proporções (por exemplo, como 0,25). Na Figura 3.12 é apresen‑ tada a curva para a bacia do Córrego da Roseira.

Rafael Sato

0

1

Altitude (h/H)

Sérgio Fiori

Altitude (m)

830 820 810 800 790 780 770 760 750 740 730

0.5

0

0

0.5

1

Área (a/A) Figura 3.12. Curva hipsométrica da bacia do córrego da Roseira. Fonte: Adami (2005).

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

75

na Sala de aula A própria delimitação da bacia pode ser desen‑ volvida como uma atividade prática, por meio da construção de maquetes (Figura 3.13). Para esse exercício, utilizam‑se cartas topográficas e desse material são desenhadas as curvas de nível em papel transparente. Posteriormente esse traçado é trans‑ ferido para placas de isopor ou papelão, que são coladas umas sobre as outras do nível altimétrico mais baixo para o mais alto. Podem ser empregadas diferentes espessuras de placas, levando a diferentes representações do modelado2. O cálculo de parâmetros e índices morfométri‑ cos pode ser tratado numa interface com outras disciplinas como a Matemática. Dessa maneira, enquanto os conceitos são tratados em sua signifi‑ cação geográfica e com suas relações com a dinâ‑ mica espacial da sociedade, outra disciplina pode empregar a mesma unidade espacial para exempli‑

Maquete e foto: Carlos Eduardo da Silva Francisco

O conceito de bacia hidrográfica pode ser utilizado em sala de aula como base para a dis‑ cussão de conceitos e ideias relacionados aos vários campos da Geografia e de outras disci‑ plinas. Um aspecto importante desse papel é a arti‑ culação entre o regional e o local. A ideia de ciclo hidrológico, com as formas de armazenamento e transporte de água em nível global, pode ser dis‑ cutida a partir do estudo de caso da bacia onde está inserida a escola. Ressalta‑se, entretanto, que o balanço hídrico, que não apresenta ganhos ou perdas significativas na escala global, pode apresentar perdas ou ganhos de água em escalas maiores ou de maior detalhe. A simples integra‑ ção de dados de precipitação e vazão pode ser utilizada para caracterizar o balanço hídrico da bacia de maneira simplificada.

Figura 3.13. (A) Maquete do município de Jarinu/SP. (B) Bacias do município de Jarinu/SP.

2

76

práticas de geografia

Sobre confecção de maquetes, ver o Capítulo 7 – Técnicas de Cartografia e o Capítulo 16 – Técnicas Inclusivas de Ensino de Geografia.

ficar conceitos abstratos, como relações numéricas e correlações estatísticas. Sendo a bacia hidrográfica uma unidade espacial explícita, com uma história e dinâmicas próprias, torna­‑se interessante para trabalhar as relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente, procurando desvendar como as mudanças técnico­ ‑científicas têm resultado em diversas formas de ocupação do espaço da bacia e com diferentes re‑ sultados sobre os fluxos hídricos e biológicos nesse sistema.

pelo IBGE. Esses e outros dados podem ser ob‑ tidos a partir do servidor de dados cartográficos desse órgão:3. As duas áreas escolhidas apresentam geolo‑ gia e relevo diferentes entre si, conforme pode ser observado na Figura 3.14. Nos mapas está marcada a foz de dois rios; vamos calcular al‑ guns dados morfométricos para as duas bacias selecionadas e comparar os resultados. a) Inicialmente, delimite a área da bacia a par‑ tir dos pontos marcados no mapa, seguindo as curvas de nível e os pontos cotados.

Atividade 1: análises morfométricas

Arquivo do autor

São apresentados dois mapas extraídos das fo‑ lhas topográficas 1:50.000 Cabreúva (SF.23­‑Y­‑ C­ ‑II­‑4) e Laranjal Paulista (SF.23­‑Y­‑C­‑I­‑1) publicadas

b) Calcule a área da bacia. Isso pode ser feito com auxílio de um papel quadriculado, planí‑ metro ou em ambiente digital a partir dos dados originais. Cada quadrícula no papel representa

Figura 3.14. Localização das áreas para exercício. Fonte: GeoBank – CPRM, adaptado.

3 Seria interessante que, após uma primeira prática, o professor começasse a fazer estes exercícios com a car‑ ta topográfica da região onde a escola se encontra, de modo que este conhecimento aproxime­‑se da realidade dos alunos.

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

77

Arquivo do autor

Figura 3.15. Excerto da folha topográfica 1:50.000 SF­.23­‑Y­‑C­‑ II­‑ 4 (Cabreúva/SP). Fonte: IBGE, adaptado.

78

práticas de geografia

Arquivo do autor

Figura 3.16. Excerto da folha topográfica 1:50.000 SF­.23­‑Y­‑C­‑ I­‑1 (Laranjal Paulista/SP). Fonte: IBGE, adaptado.

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

79

c) Estabeleça o ordenamento dos canais flu‑ viais conforme a proposta de Strahler (1952) e de Horton (1945). d) Empregando­‑ se um curvímetro, barbante e régua ou em meio digital, determine o perí‑ metro do divisor e os comprimentos dos canais fluviais segundo a ordem de Strahler. Segue­‑se com o barbante a linha que se pretende me‑ dir (divisor ou rios) e registra­‑se o comprimen‑ to do barbante utilizado para “seguir” a linha. Mede­‑se esse comprimento com uma régua e converte­‑ se conforme a escala do mapa. Por exemplo, para um mapa na escala 1:10.000 um milímetro corresponde a dez metros no terre‑ no; se nossa linha utilizou 250 mm (ou 25 cm), isso representa 2.500 metros ou 2,5 quilôme‑ tros no terreno.

Q = L∙P∙V Onde: Q = vazão em m³∙s−1. L = largura do rio, em metros. P = profundidade média do rio, em metros. V = velocidade do fluxo em m∙s−1. a) Selecionar uma seção transversal de um rio com condições adequadas (margens baixas, não poluído e retilíneo). Determine sua largura com auxílio de uma trena (Figura 3. 17). Anote o va‑ lor medido.

Largura Total (L) Profundidade 5

Profundidade 4

práticas de geografia

Para esse exercício será necessário empregar­ ‑se a determinação da vazão com flutuadores e a equação:

Profundidade 3

80

Atividade 2: medição de vazão com flutuadores

Profundidade 2

f) Construa um gráfico entre as ordens dos canais (abscissas) e no eixo das ordenadas em escala logarítmica (a) número de canais e (b)

g) A partir das ordens, conforme Horton (1945), identifique o rio principal da bacia e construa seu perfil longitudinal. Podem ser empregados o curvímetro, ou barbante e régua. Essas etapas podem ser facilmente desenvolvidas em meio digital com auxílio de SIG.

Profundidade 1

e) Com esses dados de área da bacia e com‑ primento total de rios, vamos calcular a Den‑ sidade de Drenagem (Dd) e o Coeficiente de Manutenção (Cm) conforme as fórmulas ante‑ riormente mostradas. Utilizando os valores de área da bacia e do comprimento do perímetro do divisor, podemos calcular o Índice de Cir‑ cularidade (Ic). O Ic é dado pela razão entre a área da bacia e a área de um círculo com o mesmo comprimento de perímetro da bacia, ou seja, Ic = A∙Ac−1, detalhes sobre sua interpreta‑ ção e outros índices podem ser encontrados em Christofoletti (1980).

comprimento médio. Conforme a literatura, es‑ sas relações devem aproximar­‑se de uma reta.

Figura 3.17. Determinação da largura (L) e das profundidades de uma seção transversal.

Sérgio Fiori

um valor de área na escala do mapa; esse valor deverá ser calculado e esse papel quadriculado deverá ser sobreposto ao mapa da bacia. Conta­ ‑se a quantidade de quadrados que estão dentro da área da bacia e multiplica­‑se esse número pela área dos quadrados, encontrando­‑se a área da bacia.

Profundidade 1 + Profundidade 2 + Profundidade N... N

Sérgio Fiori

Ponto para soltar o flutuador

~5 metros

b) Determine a profundidade média do rio. Com uma trena ou uma régua presa a uma es‑ taca, faça as leituras em intervalos adequados da largura do rio. Para rios mais largos podem ser feitas determinações a cada metro, para rios mais estreitos com intervalos de 50 cm, por exemplo. Anote os valores medidos e calcule a profundidade média:

Início da Medição

c) Estabeleça a velocidade do fluxo. Como flu‑ tuadores, podem ser utilizadas pequenas peças de madeira ou laranjas (cunha & guerra, 1996). Estabeleça seção de medição (com cerca de 10 metros de comprimento) com início e fim marcados nas margens. Solte, cuidadosamente, o flutuador cerca de 5 metros antes da seção de medição e estabeleça com um cronômetro o tempo que o flutuador levou para percorrer toda a seção (ver na Figura 3.18). Para a medi‑ ção, o flutuador deve ser liberado no centro do canal, anote os valores e calcule a média de 10 medições, desconsiderando aquelas que o flutu‑ ador tocou as margens do canal. Determine a velocidade em m∙s−1; para isso divida a distância da seção de medição pelo tempo médio que o flutuador levou para percorrê­‑la. Exemplo: se o flutuador leva, em média, 15 segundos para percorrer uma seção com 10 metros de compri‑ mento, a velocidade será de 0,667 m∙s−1.

~10 metros

N = número de medições de profundidade.

Fim da Medição

Figura 3.18. Esquema para a determinação da velocidade do fluxo fluvial com flutuadores.

d) Com os valores estabelecidos, aplique a fór‑ mula e calcule o valor da vazão em m³.s ‑1. Se a seção de medição apresenta 2 metros de lar‑ gura e profundidade média de 1,2 metro, a va‑ zão (Q) medida seria, nesse exemplo hipotético, Q = 2 ∙ 1,2 ∙ 0,667, Q = 1,6 m³∙s−1.

capítulo 3 – técnicas de hidrografia

81

ConSideraçÕeS finaiS O estudo de bacias hidrográficas tem ganhado relevância frente aos aspectos institucionais ligados a esse conceito em questões de planejamento e gestão ambiental. Entretanto, as técnicas e ferramentas de coleta, tratamento e análise de dados pautam‑se em princípios clássicos como a identificação e delimitação do sistema sob foco, a coleta de dados morfométricos sobre o relevo da bacia e a dinâmica seus fluxos de matéria e energia. Em sala de aula, a noção de bacia hidrográfica pode servir como um ponto comum para a construção de um conhecimento interdisciplinar, pois podemos tratá‑las de vários pontos de vista. Alguns dos temas tratados nesse texto podem ser considerados adequados ao ensino de Matemática e Física, como forma de aproximar conceitos à realidade do aluno. Outras disciplinas, como Biologia e Quí‑ mica, podem buscar nos processos e nos usos das bacias hidrográficas um ponto de partida para suas temáticas. A construção de maquetes, por exemplo, pode ser tratada em conjunto entre a Geografia e a Educação Artística. Os docentes de Língua Portuguesa e História também podem se utilizar desse conceito – e da bacia onde se localiza a escola como exemplo concreto – na forma de nar‑ rativas e descrições, e como muitas bacias hidrográficas estão há muito tempo sob ocupação humana, como objeto de estudos históricos sobre sua ocupação. Entretanto, é na Geografia que essa ampla gama de temas pode encontrar uma forma de tratamento conjunto, permitindo ao aluno construir seu conhe‑ cimento sobre os lugares onde vive e articulando conceitos que lhe permitirão lidar com realidades que ele ainda não conhece. Independentemente da disciplina, a escolha e o tratamento de dados sobre a bacia hidrográfica, que faz parte da vida cotidiana dos alunos e do professor, deve ser buscada sempre. Os exemplos aqui trazidos deverão servir como um recurso inicial e de treinamento. Ainda assim, novas tecnologias na coleta de dados, tais como radares ou medidores de velocidade de fluxo a laser, ou novos modelos para análise da informação com possibilidades de predição de efeitos em relação às condições atuais e simulações frente a situações futuras são importantes ramos da pesquisa atualmente.

82

referÊnCiaS de aPoio Glossário Canais fluviais: são os locais por onde são transporta‑ das as águas e os sedimentos de uma bacia hidrográfica em turbulentos e canalizados. Curva-chave: relação entre a elevação da lâmina d’água de canal fluvial e sua vazão. É estabelecida a partir de medições de descarga fluvial e correspon‑ dentes leituras em uma régua graduada. Com essa ferramenta é possível determinar‑se a vazão de um rio a partir de leituras do nível da lâmina d’água. Débito fluvial: quantidade de água que passa por uma seção transversal de um rio. Normalmente re‑ latada em m³∙s−1, mas para canais menores pode ‑se empregar L∙s−1. Densidade de drenagem: índice morfométrico que relaciona o comprimento total de canais numa bacia com o valor de sua área. Escoamento basal: contribuição dos aquíferos ao escoamento do canal fluvial. Gradiente fluvial: inclinação do rio. Pode ser deter‑ minado em campo com medidas das elevações do trecho analisado ou a partir de cartas topográficas ou

MDE, determinando ‑se a elevação do ponto à montante e à jusante do trecho e a distância entre estes. Imagem raster: uma das formas de representação de dados espaciais em ambiente digital. Arquivos ou imagens raster são grades com linhas e colunas espaçadas. Os dados são armazenados para cada célula da grade, tais como tipos de usos das terras ou dados de elevação. Perfil longitudinal: representação gráfica da variação das altitudes em relação à distância da nascente de um rio. Planícies de inundação: superfície relativamente plana e baixa em relação ao nível médio de um rio. Durante a ocorrência de cheias, são tomadas pela vazão que excede as margens do rio. Regime fluvial: é a variação no volume de água transpor‑ tado pelo canal fluvial. Essa característica é dependente de fatores climáticos, de uso das terras e do relevo e geologia na bacia hidrográfica. Relevo dissecado: descreve formas do relevo que são resultantes dos processos erosivos; o grau de dissecação é proporcional à intensidade dos agentes de retirada e transporte de materiais.

Bibliografia CHRISTOFOLETTI, A. Considerações sobre o nível de base, rupturas de declive, capturas fluviais e morfogê‑ nese do perfil longitudinal. Geografia. Rio Claro, v. 2, n. 4, p. 81‑102, 1977. CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Ed‑ gard Blücher, 1980. DeMERS, M. N. Fundamentals of geographic information systems. 2. ed. New york: John wiley & Sons, 1999. CuNHA, S. B.; GuERRA. A. J. T. Geomorfologia: exercícios, técnicas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. 345 DOORNkAMP, J. C.; kING, C. A. M. Numerical analysis in geomorphology: an introduction. London: Edward Arnold, 1971. GARBRECHT, J.; MARTz, L. w. Digital elevation mo‑ del issues in water resources modeling. In: Hydro-

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capítulo 3 – técnicas de hidrografia

83

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84

práticas de geografia

SOBRE OS AUTORES Cleide Rodrigues possui graduação em Geogra‑ fia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma‑ nas da Universidade de São Paulo (1980) e mestrado/ doutorado em Geografia Física (1997) pela mesma instituição. Foi Fellow Professor na Universidade de Oxford, em 2009. Atualmente é professora da Uni‑ versidade de São Paulo. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Física, atuando principalmente nos seguintes temas: Geomorfologia Aplicada, Cartografia Geomorfológica, Geomorfolo‑ gia e Urbanização, Geomorfologia Fluvial e Gestão Ambiental. Samuel Fernando Adami é bacharel em Geo‑ grafia (2001) e mestre em Geografia Física (2005) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Desenvolve projeto de doutorado no Instituto de Geociências da UNICAMP. Atualmente é Pesquisador Científico II no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Solos e Recursos Am‑ bientais do Instituto Agronômico. Atua na área de Geotecnologias, com ênfase em Sistemas de Infor‑ mações Geográficas e sensoriamento remoto e em estudos voltados Diagnósticos de usos das terras e do meio físico.

técnicas de Pedologia

4

Eduardo Justiniano

DÉBORAH DE OLIVEIRA

Introdução, 86 Técnicas de campo em pedologia, 87 Descrição do solo no

campo, 87 Transcrição da descrição morfológica do solo no campo, 98

Na sala de aula, 100 Considerações finais, 106 Referências de apoio, 107 Sobre o autor, 108

introdução O solo é resultado da interação de vários processos pedogenéticos, como adições, perdas e transformações. Sua formação depende da combinação e intensidade de cinco fatores de formação: material de origem, clima, relevo, organismos e tempo. Os fatores de formação do solo atuam conjuntamente, mas a manifestação desses fatores dá origem a uma infinidade de tipos de solos no globo. Os solos não estão distribuídos no globo de forma aleatória. Eles expressam a combinação dos fatores de formação e grande parte deles localiza‑se de acordo com a zonalidade climática global. Deste modo, na zona intertropical aparecem solos mais desenvolvidos, pois há mais calor e umidade. Já em zonas de clima frio e em zonas áridas ou cobertas com gelo há solos pouco desenvolvidos ou até ausência de solos (ver Figura 4.1). A Pedologia surgiu como ciência dos solos há pouco mais de 100 anos, com o russo Dokuchaev que, entre 1877 e 1878, estudou os solos da Rússia para fins de fertilida‑ de. Ele foi o primeiro a perceber que o solo possuía camadas, que hoje chamamos de horizontes, e que regiões de climas semelhantes podem originar solos semelhantes. Atualmente, há técnicas bem definidas relacionadas a levantamentos de solos no campo. Essas técnicas são padronizadas pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e encontram‑se detalhadas em Santos et al. (2005); elas são muito utilizadas pelos pedólogos, que têm um papel importante para a ciência do solo. O pedólogo é responsável por realizar os levantamentos de solos, elaborar mapas e boletins descritivos. As etapas de seu trabalho seguem procedimentos de gabinete, campo e laboratório. No gabinete, o pedólogo seleciona mapas, cartas e fotografias aéreas da sua área de estudo, escolhe onde irá fazer levantamentos de campo e des‑ creve a área de estudo quanto às suas características climáticas, geomorfológicas, geológicas, dentre outras, que irão auxiliar no entendimento dos solos e da paisagem onde os solos estão inseridos. Isso porque o pedólogo, enquanto geógrafo, vê o solo como um dos componentes da paisagem, que só pode ser compreendido como tal. Esta fase corresponde à etapa pré‑campo.

Predomínio de intemperismo físico

Eduardo Justiniano

Trop. de

Muito baixo grau de intemperismo químico

Câncer

Baixo grau de intemperismo químico

Equador

Intensidade média de intemperismo químico Trop. de

nio

Capricór

Alto grau de intemperismo químico Zona Glacial

Figura 4.1. Distribuição do intemperismo no globo conforme zonalidade climática. Fonte: Büdel (1974).

86

tÉCniCaS de CamPo em PedoloGia As técnicas de campo seguem critérios bem defi nidos para a descrição do solo no campo. Cabe ressaltar que o trabalho de campo e a des‑ crição do perfil de solo são fundamentais para a Pedologia. Como o perfil de solo corresponde ao conjunto de horizontes ou camadas do solo, mais ou menos paralelas à superfície do terreno e como cada horizonte possui características pró‑ prias, eles devem ser descritos um a um. As descrições de campo são baseadas princi‑ palmente nos sentidos de visão e tato. Isso sig‑ nifica que se deve observar atentamente o perfil, retirar amostras do solo e manuseá‑las. Uma boa descrição de campo irá nortear as análises de laboratório a serem realizadas posteriormente. A escolha do local onde será descrita a mor‑ fologia do perfil do solo varia de acordo com a finalidade da descrição e sua utilização. Há vá‑ rias finalidades para esse tipo de estudo, como, por exemplo, mapeamento de solos, estudo de gênese do solo, funcionamento hídrico, erosão, manejo e fertilidade, dentre outras.

solos são descritos em barrancos de estradas, por abertura de trincheiras e/ou por meio de trada‑ gens. Em geral, aproveita‑se os barrancos de estradas, o que está se tornando cada vez mais difícil, com a impermeabilização destes para a contenção de deslizamentos. Nesse caso, opta‑se por tradagens ou abertura de trincheiras. Se a descrição for feita em um barranco de estrada, deve‑se preparar o perfil para o início do trabalho. Com a enxada, limpa‑se a parede do barranco a uma profundidade tal que se possa ver o solo “fresco” e a uma largura de aproximada‑ mente um metro. A partir daí e utilizando‑se uma faca, podemos começar a separar os diferentes horizontes, baseando‑se principalmente na cor. A descrição da morfologia do solo segue a seguinte sequência: transição entre horizontes, cor, textura, estrutura, porosidade, consistên‑ cia, além de outras características morfológicas nem sempre presentes em todos os solos, como: cerosidade, cimentação, nódulos e concreções minerais, presença de carbonatos, entre outros. Quando descreve‑se o solo através de trada‑ gem, deve‑se atentar para o fato de que só é pos‑

Rafael Sato

materiais de campo Os materiais utilizados em campo são ba‑ sicamente ferramentas como enxada, pá, faca, martelo, trena e trado, além de água para molhar as amostras de solo, caderneta de campo, cane‑ ta, lupa de bolso, sacos plásticos para coleta de amostras e uma tabela de cores específica para cor de solos (ver Figura 4.2).

deSCrição do Solo no CamPo Primeiramente, deve‑se selecionar onde será realizada a descrição do solo. Normalmente, os

Figura 4.2. Material usado para a descrição do solo no campo. Na parte superior: tabela de cores específica para cor de solos, pá reta, trado; parte inferior: borrifador de água, pá de jardineiro, martelo, sacos plásticos, faca, fita métrica, Carta de Munsell e Manual de descrição e coleta de solo no campo (SANTOS et al., 2005). tFonte: Lepsch (2002).

capítulo 4 – técnicas de pedologia

87

Sérgio Fiori

Figura 4.3. Perfil de solo em barranco de estrada.

sível descrever a cor, a textura e a consistência do solo molhado, pois as outras características morfológicas serão destruídas pelo trado (ver Figura 4.3).

de cada horizonte com metro ou trena. Muitas vezes não é possível ver a transição do último horizonte do perfil, pois ele poderá estar muito profundo.

Espessura e transição entre horizontes

Horizontes do solo

A transição entre horizontes é identificada pela diferença de um horizonte em relação ao outro, principalmente quanto a cor, textura e estrutura. Ela é marcada no perfil com uma faca ou martelo através da observação visual e do tato, retirando­‑se amostras dos diferentes horizontes e comparando­‑as, até que seja pos‑ sível a delimitação das transições. A transição é descrita quanto à forma e ao grau. As formas de transição são: plana, ondulada, irregular e des‑ contínua (ver Figura 4.4). O grau corresponde à faixa de separação entre os horizontes, no caso: abrupta (com até 2,5 cm), clara (entre 2,5 cm a 7,5 cm), gradual (entre 7,5 cm a 12,5 cm) e difu‑ sa (com mais de 12,5 cm). Mede­‑se a espessura

88

práticas de geografia

Um perfil de solo completo e bem desenvol‑ vido apresenta cinco horizontes: O, A, E, B e C, porém, nem todos os solos apresentam todos esses horizontes (ver Figura 4.5). Os horizontes apresentam uma grande varie‑ dade de tipos, que são diferenciados entre si de acordo com a classificação da Sociedade Brasi‑ leira de Ciência do Solo através de sufixos com letras minúsculas: a – propriedades ândicas (vulcanoclásticas) b – horizonte enterrado c – concreções ou nódulos endurecidos d – acentuada decomposição de matéria orgâ‑ nica e – escurecimento externo dos agregados por matéria orgânica

As cores do solo

Sérgio Fiori

A descrição morfológica da cor do solo é faci‑ litada pela sua visualização, pois é a característi‑ ca que mais chama a atenção de quem a descreve e por ela pode­‑se inferir quanto à composição do solo (ver Figura 4.6). No caso de um solo escuro,

A

A

A

A AB

AB

AB

B

B

B

C

C

C

AB B1 B2

BC C

Figura 4.4. Forma de transição entre horizontes. Da esquerda para direita: plana, ondulada, irregular, descontínua. Fonte: Santos et al. (2005).

BC C

Sértio Fiori

f – presença de plintita g – gleização h – acumulação iluvial de matéria orgânica i – desenvolvimento incipiente do horizonte B j – tiomorfismo (permanente ou temporariamen‑ te alagado – sulfídrico) k – presença de carbonatos m – extremamente cimentado n – acumulação de sódio o – matéria orgânica mal ou não decomposta p – horizonte lavrado ou revolvido q – acumulação de sílica r – rocha branda ou saprolito s – acumulação iluvial de Fe e Al com matéria orgânica t – acumulação iluvial de argila u – modificações antropogênicas  v – características vérticas w – intenso intemperismo do horizonte B x – cimentação aparente que se desfaz quando umedecido y – acumulação de sulfato de cálcio z – acumulação de sais mais solúveis que sulfato de cálcio

O

Horizonte orgânico de solos minerais

A

Horizonte mineral com acúmulo de húmus

E

Horizonte claro de máxima remoção de argila e/ou óxidos de ferro

B

Horizonte de máxima expressão de cor e agregação (Bw) ou de concentração de materiais removidos de A e E (Bt)

C

Material inconsolidado de rocha alterada presumivelmente semelhante ao que deu origem ao solum

R

Rocha não alterada

Figura 4.5. Horizontes principais do solo. Fonte: Lepsch (2002).

pode­‑se inferir que ele possui matéria orgânica; um solo vermelho indica a presença de óxidos de ferro, como a hematita, e um solo amarelo indica a presença de goethita. Já um solo acinzentado pode ter presença de ferro reduzido, típico de locais mal drenados, como beiras de rios. As cores são descritas de acordo com a padro‑ nização mundial, o que facilita muito os estudos de pesquisadores de várias nacionalidades. Ela segue o sistema Munsell de cores e utiliza uma tabela denominada Munsell Soil Color Charts. A Tabela de Munsell ou Carta de Munsell, como é conhecida no Brasil, apresenta várias páginas destacáveis, que possuem três componentes: ma‑ tiz, valor e croma (Figuras 4.7 e 4.8). O matiz corresponde à cor dominante, no caso, verme‑ lho, amarelo, azul, verde e púrpura, cujos núme‑ ros variam nos seguintes intervalos: 2.5, 5, 7.5 e 10. Os matizes mais usados estão entre o R (de Red = vermelho), significando 100% (dessa cor); Y (de Yellow = amarelo), significando 100% e YR (de Yellow­‑Red = vermelho­‑amarelado), signifi‑

capítulo 4 – técnicas de pedologia

89

Rafael Sato

Cada página corresponde a um MATIZ

YR

Sérgio Fiori

Figura 4.6. Caixa denominada pedocomparador utilizada para melhor comparar as diferentes cores dos solos.

Y VALOR 2/a 8/

R 5R

10R 2,5YR 5YR 7,5YR 10YR 2,5Y

Exemplo: Matiz

Croma

7,5YR 7/6

CROMA /0 a /8

7000A

Mais reduzido CROMA

AMPLITUDE (MATIZ)

4000A

Valor

Rafael Sato

Figura 4.7. Esquema de interpretação da Carta de Munsell. Fonte: Santos et al. (2005).

INTENSIDADE (VALOR)

Mais oxidado

5Y

Figura 4.8. A Carta de Munsell.

90

práticas de geografia

chas varia pouco em relação à cor matriz do solo, distinto (mosqueado facilmente visível) e proemi‑ nente (grande diferença entre o mosqueado e a cor matriz do solo). A denominação da cor, em inglês, na Carta de Munsell, tem sua tradução para o português publicada pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (ver Tabela 4.1).

A textura do solo A textura corresponde à distribuição das fra‑ ções granulométricas do solo. O solo apresenta três frações granulométricas quanto ao tamanho das partículas: areia (2,0 a 0,05 mm), silte (0,05 a 0,002 mm) e argila (menor do que 0,002 mm). É comum o solo apresentar frações granulomé‑ tricas maiores, como cascalho (20 a 2,0 mm) e calhaus (200 a 20 mm), porém estas frações são muito grandes para determinar a textura do solo no campo. No campo, é possível ver apenas as frações de areia e silte a olho nu ou com o auxílio de lupas. A fração argila só é possível de ser vista com microscópio eletrônico de varredura (Fi‑ gura 4.9).

United States Geological Survey

cando uma mistura de 50% de vermelho e 50% de amarelo. Nos solos brasileiros, as cores vermelhas, vermelho­‑amareladas e amarelas são as mais co‑ muns. O valor refere­‑se à tonalidade da cor, que varia de preto a branco, na escala vertical. O cro‑ ma diz respeito à pureza relativa ou à saturação da cor e varia de cores neutras e acinzentadas e aumenta na escala horizontal. A amostra de solo deve ter sua cor descrita preferencialmente no campo, sob a luz do Sol. As amostras devem ser descritas secas e úmidas. O torrão do solo deve ser quebrado para verificar se a cor da sua superfície corresponde à mesma cor do interior. Quando o solo apresenta mais de uma cor, é necessário descrever a cor da ma‑ triz e todas as cores de possíveis manchas. As manchas, ou mosqueados, devem ser descritas quanto: ¾¾à quantidade: pouco (área < 2% da superfície do horizonte), comum (de 2 a 20% da superfície do horizonte) e abundante (> 20% da superfície do horizonte); ¾¾ao tamanho: pequeno (eixo maior < 5 mm), médio (eixo maior de 5 a 15 mm) e grande (eixo maior > 15 mm); ¾¾ao contraste de cores das manchas em rela‑ ção à cor matriz: difuso (quando a cor das man‑

Figura 4.9. Partículas de argila caulinítica sob microscópio eletrônico.

capítulo 4 – técnicas de pedologia

91

Tabela 4.1 – Correspondência em português das cores de Munsell Munsell

Correspondente em Português

Munsell

Correspondente em Português

Black

Preto

Light reddish brown

Bruno­‑avermelhado­‑ claro

Bluish black

Preto­‑azulado

Light reddish gray

Cinzento­‑avermelhado­‑ claro

Bluish gray

Cinzento­‑azulado

Light yellowish brown

Bruno­‑amarelado­‑ claro

Brown

Bruno

Bluish gray

Cinzento­‑azulado

Brownish yellow

Amarelo­‑brumado

Olive

Oliva

Dark bluish gray

Cinzento­‑azulado­‑ escuro

Olive brown

Bruno­‑ oliváceo

Dark brown

Bruno­‑ escuro

Olive gray

Cinzento­‑ oliváceo

Dark gray

Cinzento­‑ escuro

Olive yellow

Amarelo­‑ oliváceo

Dark grayish brown

Bruno­‑acinzentado­‑ escuro

Pale brown

Bruno­‑ claro­‑acinzentado

Dark grayish green

Verde­‑acinzentado­‑ escuro

Pale green

Verde­‑ claro­‑acinzentado

Dark greenish gray

Cinzento­‑ esverdeada­‑ escuro

Pale olive

Oliva­‑ claro­‑acinzentado

Dark olive

Oliva­‑ escuro

Pale red

Vermelho­‑ claro­‑acinzentado

Dark olive brown

Bruno­‑ oliváceo­‑ escuro

Pale yellow

Amarelo­‑ claro­‑acinzentado

Dark olive gray

Cinzento­‑ oliváceo­‑ escuro

Pink

Rosado

Dark red

Vermelho­‑ escuro

Pinkish gray

Cinzento­‑rosado

Dark reddish brown

Bruno­‑avermelhado­‑ escuro

Pinkish white

Branco­‑rosado

Dark reddish gray

Cinzento­‑avermelhado­‑ escuro

Red

Vermelho

Dark yellowish brown

Bruno­‑amarelado­‑ escuro

Reddish black

Preto­‑avermelhado

Dusky red

Vermelho­‑ escuro­‑acinzentado

Reddish brown

Bruno­‑avermelhado

Gray

Cinzento

Reddish gray

Cinzento­‑avermelhado

Grayish brown

Bruno­‑acinzentado

Reddish yellow

Amarelo­‑avermelhado

Grayish green

Verde­‑acinzentado

Strong brown

Bruno­‑forte

Greenish black

Preto­‑ esverdeado

Very dark brown

Bruno muito escuro

Greenish gray

Cinzento­‑ esverdeado

Very dark gray

Cinzento muito escuro

Light bluish gray

Cinzento­‑azulado­‑ claro

Very dark grayish brown

Bruno­‑acinzentado muito escuro

Light brown

Bruno­‑ claro

Very dusky red

Vermelho muito escuro­‑acinzentado

Light brownish gray

Cinzento­‑brunado­‑ claro

Very pale brown

Bruno muito claro­‑acinzentado

Light gray

Cinzento­‑ claro

Weak red

Vermelho­‑acinzentado

Light greenish gray

Cinzento­‑ esverdeado­‑ claro

White

Branco

Light olive brown

Bruno­‑ oliváceo­‑ claro

Yellow

Amarelo

Light olive gray

Cinzento­‑ oliváceo­‑ claro

Yellowish brown

Bruno­‑amarelado

Light ted

Vermelho­‑ claro

Yellowish red

Vermelho­‑amarelado

Fonte: Santos et al. (2005).

92

práticas de geografia

Rafael Sato

É preciso molhar a amostra e homogeneizá­‑la para sentir sua textura ao tato. Em seguida deve­‑se tentar fazer um cilindro de aproximadamente 6 a 7 cm de comprimento e 1 cm de diâmetro (ver Figura 4.11). Se não for possível fazer um cilindro, a textura é arenosa. Se for possível fazer o cilindro e ele se desfizer, a textura é média (significa que não há fração predominante), mas ao continuar moldando um cilindro de 15 a 16 cm de comprimento, se ele rachar ao formar um círculo, a textura é argilosa e se ele não rachar, a textura é muito argilosa. A proporção das frações só será determinada com precisão através de análise de laboratório, mas as inferências de campo são importantes, pois, manipulando uma amostra de solo entre o polegar e o indicador, percebe­‑se que a areia é a mais grosseira dentre as três amostras e é áspera ao tato, pois arranha entre os dedos. Muitas vezes pode­‑se até escutar o atrito entre os grãos de areia em nossos dedos. O silte é sedoso entre os dedos e tem a textura de um talco, porém só é possível identificá­‑lo se houver uma quantidade elevada no solo. A argila é plástica, pegajosa e facilmente moldável. Uma amostra pode ser classificada em arenosa, siltosa, argilosa ou, como raramente um horizonte apresenta somente uma fração, na combinação dessas texturas. No caso de uma amostra que apresente mais areia do que argila, denomina­‑se de arenoar‑ gilosa. Quando apresenta mais silte do que argila será chamada de siltoargilosa e assim por diante.

Sérgio Fiori

Figura 4.10. Teste da textura no campo.

15 a 16 cm 6 a 7 cm B

C D

E

A Figura 4.11. Etapas para descrição da textura no campo: A) molhar a amostra; B) se não for possível fazer um cilindro de 6 a 7 cm, a textura é arenosa, mas se for possível fazer o cilindro e ele se desfizer, a textura é média; C) continuar moldando um cilindro de 15 a 16 cm de comprimento; D) se ele rachar ao formar um círculo, a textura é argilosa; Eh) se ele não rachar, a textura é muito argilosa. Fonte: Coche (1985), modificado.

capítulo 4 – técnicas de pedologia

93

A constituição mineralógica, principalmente da fração areia, que é a mais visível no campo, deve ser especificada, se possível. A textura do solo é importante para o reconhecimento do gradiente tex‑ tural na identificação de horizontes diagnósticos do perfil de solo, para me‑ lhor uso e manejo do solo, visando à utilização adequada de acordo com sua permeabilidade e resistência à erosão, por exemplo. Para uso agrícola (ou desenvolvimento de plantas) é interessante que o solo tenha textura mista, pois, se a areia permite maior entrada de água e ar, a argila, por outro lado, é mais ativa quimicamente e retém água e nutrientes. O solo arenoso retém menos água e é mais vulnerável à contaminação, já que é mais permeável. Já os solos argilosos possuem baixa permeabilidade, alta capacidade de retenção de água e são altamente suscetíveis à compactação, o que merece cuidados especiais no seu uso e manejo.

Estrutura

Subtipos

Esferoidal (arredondados)

Granular Grumosa

Horizontes Superficiais

Bloco (cúbica)

Angulares Subangulares

Horizontes AeB

Prismática Colunar

Horizonte B Horizontes salinos

(não tem subtipo)

Horizonte C

Prismática

Eixos

Representação

Característica

Rafael Sato

Laminar

(angulosos)

Figura 4.12. Classificação e representação esquemática das estruturas do solo. Fonte: Kiehl (1979), adaptado.

Tipos

Rafael Sato

A estrutura corresponde ao arranjo das partículas primárias do solo, areia, silte e argila, formando ou não agregados (ou torrões). Quando a estrutura forma agregados, estes comportam­‑se como peças de um quebra­‑cabeça tri‑ dimensional dentro do solo e são unidades secundárias, formadas por óxidos de ferro e alumínio, matéria orgânica, vários minerais, além da própria argila, que são separados entre si por superfícies de fraqueza (ver Figuras 4.12 e 4.13).

Figura 4.13. Os diversos graus de estruturação de um agregado. Fonte: Ruellan & Dosso (1993).

94

práticas de geografia

Tabela 4.2 – Solos: tipos e tamanhos dos agregados Laminar: a lâmina é aquela estrutura em que as partículas dos solos estão arranjadas em torno de um linha horizontal. As unidades estruturais têm aspecto de lâminas de espessura variável, porém a linha horizontal é sempre maior.

Prismática (forma de prisma): é um tipo em que predomina a linha vertical.

Sem o topo arredondado: prismática

Muito pequena

< 1 mm

Pequena

Blocos: com três dimensões da mesma ordem de magnitude, distribuídas em torno de um ponto.

Com o topo arredondado: colunar

Faces planas, a maioria dos vértices com ângulos vivos: blocos angulares

Mistura de faces arredondadas e planas, com muitos vértices arredondados: blocos subangulares

< 10 mm

< 10 mm

< 5 mm

1 a 1,9 mm

10 a 20 mm

10 a 20 mm

Média

2 a 5 mm

20 a 50 mm

Grande

5 a 10 mm

Muito grande

> 10 mm

Forma

Forma e aspecto arredondados, sem faces de contato

Unidades de estrutura não­‑porosas: granular

Unidades de estrutura porosas: grumosa

< 5 mm

< 1 mm

< 1 mm

5 a 10 mm

5 a 10 mm

1 a 2 mm

1 a 2 mm

20 a 50 mm

10 a 20 mm

10 a 20 mm

2 a 5 mm

2 a 5 mm

50 a 100 mm

50 a 100 mm

20 a 50 mm

20 a 50 mm

5 a 10 mm

­‑

> 100 mm

> 100 mm

> 50 mm

> 50 mm

> 10 mm

­‑

Fonte: Santos et al. (2005).

Quando um torrão de solo é submetido a uma pressão entre os dedos, ele quebra­‑se em torrões menores de acordo com seu plano de fraqueza. A facilidade ou dificuldade com que se quebra uma amostra é determinada pelo grau de desenvolvimento da estrutura. Sua forma de‑ termina seu tipo e tamanho. Quanto à forma, os agregados podem ser classificados em: ¾¾arredondados: estrutura granular (grãos sim‑ ples no caso de solos arenosos, ou microagrega‑ da, no caso de solos argilosos como o latossolo vermelho) e grumosa (grumos); ¾¾angulosos (blocos angulares, subangulares, prismáticos e colunares); e ¾¾laminares. Quanto ao tamanho, a estrutura varia nas classes: muito pequena, pequena, média, grande e muito grande, dependendo do tipo de agrega‑ do. Os agregados laminares, granulares e gru‑

mosos têm seu tamanho menor do que os agre‑ gados prismáticos, colunares e blocos angulares e subangulares (ver Tabela 4.2). Quanto ao grau de desenvolvimento, a es‑ trutura pode ser: ¾¾sem unidades estruturais ou maciça; ¾¾com unidades estruturais: ¾¾fraca: os agregados desfazem­‑se, predomi‑ nando o material solto; ¾¾moderada: os agregados desfazem­‑se com pouco material solto; e ¾¾forte: os agregados desfazem­‑se, sem material solto. Um agregado anguloso centimétrico pode ser composto de agregados arredondados menores. Para o desenvolvimento das plantas ou aprovei‑ tamento agrícola, é importante haver estrutura‑ ção, pois um solo com estrutura bem desenvol‑ vida permite a circulação de água, a aeração, a penetração das raízes e da fauna do solo.

capítulo 4 – técnicas de pedologia

95

Porosidade A porosidade do solo refere‑se ao espaço de solo ocupado por água, ar e seres vivos e está diretamente relacionada à estrutura. É um importante meio de circulação de material sólido, líquido e gasoso, de atividade de fauna e flora e varia conforme o tipo de solo. No campo, é possível ver a porosidade com auxílio de lupa ou a olho nu. Os poros do solo estão classificados em microporos (menores do que cerca de 0,05 mm de diâmetro) e macroporos (maiores do que cerca de 0,05 mm de diâmetro). A descrição da porosidade é feita através de tipo, forma, tamanho e quantidade. Quanto ao tipo, a porosidade pode ter sua origem relacionada à herança da alteração do material de origem do solo (porosidade de alteração), à textura do solo (porosidade textural), à estrutura dos agregados (porosidade estrutural) ou à ação da fauna e flora do solo (porosidade biológica). Quanto ao tamanho, a porosidade pode ser: ¾ sem poros visíveis; ¾ muito pequenos: < 1 mm de diâmetro; ¾ pequenos: 1 a 2 mm de diâmetro; ¾ médios: 2 a 5 mm de diâmetro; ¾ grandes: 5 a 10 mm de diâmetro; ¾ muitos grandes: > 10 mm de diâmetro. Quanto à quantidade, os poros podem ser: ¾ poucos: em horizontes com porosidade pouco visível; ¾ comuns: em horizontes de textura argilosa e estrutura em blocos;

Raízes

Sérgio Fiori

Agregados

Ar Figura 4.14. Porosidade do solo.

96

práticas de geografia

Poros Água

¾¾muitos: em horizontes de textura arenosa e estrutura granular ou hori‑ zontes argilosos com estrutura microagregada, como no caso do latossolo vermelho (antigo latossolo roxo). A macroporosidade é importante, pois ela é responsável pela infiltração de água e ar no solo (permeabilidade), já a microporosidade é responsável pela retenção e armazenamento de água para as plantas. Conclui­‑se, então, que porosidade e permeabilidade não significam a mesma coisa (ver Figura 4.14).

Consistência A consistência corresponde às várias forças de coesão e de adesão do solo em vários graus de umidade, como seco, úmido e molhado. A força de coesão refere­‑se à atração de partículas sólidas por partículas sólidas e a força de adesão refere­‑se à atração das moléculas de água pela superfície das partícu‑ las sólidas. Ela permite inferir informações sobre o uso e o manejo do solo. A consistência do solo seco é verificada comprimindo­‑se um torrão do solo entre o dedo polegar e o indicador (ver Figura 4.15), que vai indicar a dureza do material, variando de solta a extremamente dura, conforme os seguintes tipos de consistência do solo seco: ¾¾solta: material não coerente entre o polegar e o indicador; ¾¾macia: fracamente coerente e frágil; ¾¾ligeiramente dura: fracamente resistente à pressão, quebra facilmente; ¾¾dura: moderadamente resistente e dificilmente quebrável entre o polegar e o indicador; ¾¾muito dura: muito resistente e quebrável nas mãos com dificuldade; ¾¾extremamente dura: extremamente resistente e não pode ser quebrado com as mãos.

Sérgio Fiori

Um solo extremamente duro é um empecilho à penetração das raízes das plantas, ao preparo do solo para o cultivo, pois deve ser arado. Por outro lado, essa dureza pode oferecer melhor suporte para a construção civil.

~ 3 cm

Figura 4.15. Determinação da consistência do solo seco e úmido. Fonte: Santos et al. (2005).

Figura 4.16. Determinação da plasticidade. Fonte: Santos et al. (2005).

Figura 4.17. Determinação da pegajosidade. Fonte: Santos et al. (2005).

capítulo 4 – técnicas de pedologia

97

A consistência do solo úmido também pode ser verificada com um torrão de solo umedecido e serve para estimar a friabilidade do solo, va‑ riando de solta a extremamente firme. A amos‑ tra deve ser submetida a uma pressão entre o polegar e o indicador (ver Figura 4.15), de acordo com os tipos de consistência do solo úmido des‑ critos na sequência: ¾¾solta: material não coerente entre o polegar e o indicador; ¾¾muito friável: desfaz­‑se com pressão leve; ¾¾friável: desfaz­‑se sob pressão fraca e moderada; ¾¾firme: desfaz­‑se sob pressão moderada; ¾¾muito firme: desfaz­‑se sob forte pressão, difi‑ cilmente entre o polegar e o indicador; ¾¾extremamente firme: desfaz­‑se sob pressão muito forte e é fragmentado, pedaço por pedaço. O solo oferece menor resistência quando úmido, pois as forças de coesão e adesão são menores. A consistência do solo molhado é verificada com uma amostra de solo molhada e manipula‑ da, para se estimar a plasticidade e a pegajosida‑ de da amostra. A amostra deve ser molhada até atingir sua saturação. A plasticidade é determinada formando­‑se um cilindro de aproximadamente 3 a 4 mm de diâmetro e 6 cm de comprimento, variando de não plástica a ligeiramente plástica e representa a capacidade dos solos serem moldados, sem a variação de volume. Solos com grande porcentagem de argila apre‑ sentam maior plasticidade, maior resistência à erosão e à percolação de água, menor capacidade de conduzir a água pelos poros, retendo­‑a, além de apresentar maior coesão entre suas partículas, favorecendo a compactação (Figura 4.16). A plasticidade expressa o grau de resistência à deformação, como a seguir: ¾¾não plástica: se formar um fio, este é facil‑ mente deformável; ¾¾ligeiramente plástica: forma­‑se um fio facil‑ mente deformável;

98

práticas de geografia

¾¾plástica: forma­‑se um fio que necessita de pressão moderada para que seja deformado; ¾¾muito plástica: forma­‑se um fio que necessi‑ ta de muita pressão para deformá­‑lo. A determinação da pegajosidade é realizada com a amostra molhada, manipulada e pressio‑ nada entre o polegar e o indicador, para obser‑ vação de sua aderência entre os dedos. A pega‑ josidade varia de não pegajosa a muito pegajosa (ver Figura 4.17). Os graus da pegajosidade são observados de acordo com o que se segue: ¾¾não pegajosa: o material não adere ao pole‑ gar e nem ao indicador; ¾¾ligeiramente pegajosa: o material adere aos dois dedos, mas solta­‑se de um deles perfeita‑ mente. ¾¾pegajosa: o material adere aos dois dedos, alonga­‑se um pouco quando os dedos são afas‑ tados e rompe­‑se; ¾¾muito pegajosa: o material adere aos dois de‑ dos e alonga­‑se quando os dedos são afastados. Um solo muito pegajoso é difícil de ser tra‑ balhado, quer seja para a construção civil, ou para a agricultura. Nem sempre um solo argiloso é muito pegajoso e extremamente duro. Solos muito plásticos e pegajosos devem ser trabalha‑ dos para cultivo com pouca umidade.

TRANSCRIÇÃO DA DESCRIÇÃO MORFOLÓGICA DO SOLO NO CAMPO A descrição morfológica de campo é dividida em duas partes: a descrição geral e a descrição morfológica. Na descrição geral, descrevem­‑se as características gerais do solo e do local onde ele está situado, como sua localização e carac‑ terísticas quanto ao relevo, à vegetação, ao uso do solo, dentre outras. A descrição morfológica diz respeito à descrição de campo do perfil, se‑

guindo os padrões apresentados anteriormente, como o exemplo apresentado na Tabela 4.3. Muitas vezes, somente a descrição de campo não permite classificar o solo, o que pode ser feito posteriormente, se possível em laboratório. A descrição morfológica é transcrita horizonte por horizonte e algumas observações que não cabem na descrição podem ser anotadas.

O horizonte Ap do exemplo do latossolo vermelho apresentado significa que ele é um horizonte superficial mineral com matéria orgânica, lavrado ou revolvido. O horizon‑ te A3 é um horizonte mineral com matéria orgânica e os horizontes Bw significam ho‑ rizontes intensamente alterados, típicos de latossolos.

Tabela 4.3 – Descrição morfológica de campo de latossolo vermelho eutroférrico (PERFIL IAC 1360)

Classificação SBCS

Latossolo vermelho eutroférrico, A moderado, textura muito argilosa Rhodic Eutrudox (Estados Unidos, 1994) Rhodic Ferralsol (FAO, 1994)

Classificação anterior

Latossolo roxo eutrófico, A moderado, textura muito argilosa

Localização

Município de Ribeirão Preto Coordenadas UTM: 210­‑212 KmE e 7.648­‑7650 kmN

Altitude

690 metros

Situação e declive

Terço superior com declive inferior a 3%

Relevo

Suave ondulado

Material de origem

Material de cobertura proveniente de retrabalhamento de diabásio

Vegetação original

Mata tropical subcaducifólia

Cobertura atual

Capim­‑ colonião no perfil, cana­‑de­‑açúcar a 5 m de distância

Descrição morfológica

Ap

0­‑18 cm; bruno­‑avermelhado­‑ escuro (2,5 YR 3/3,5, úmida), vermelho­‑ escuro (10 YR 3/6 seca); muito argilosa; granular média e pequena moderada/forte; dura, friável, plástica e pegajosa; transcrição clara e plana

A3

18­‑34 cm; bruno­‑avermelhado­‑ escuro (2,5 YR 3/4 úmida), vermelho­‑ escuro (10 YR 3/6 seca); muito argilosa; subangular média moderada; dura, friável, plástica e pegajosa; transição gradual e plana

Bw1

34­‑56 cm; bruno­‑avermelhado­‑ escuro (2,5 YR 3/4, úmida), vermelho­‑ escuro (10 YR 3/6 seca); muito argilosa; subangular média fraca; ligeiramente dura, muito friável, plástica e pegajosa; transição difusa e plana

Bw21

56­‑90 cm; bruno­‑avermelhado­‑ escuro (2,5 YR, úmida), vermelho­‑ escuro (10 YR 3/6 seca); muito argilosa; maciça porosa; ligeiramente plástica e ligeiramente pegajosa; transição difusa e plana

Bw22

90­‑200 cm; bruno­‑avermelhado­‑ escuro (2,5 YR 3/4, úmida), vermelho­‑ escuro (10 YR 3/6 seca); muito argilosa; maciça porosa; muito friável; ligeiramente plástica e ligeiramente pegajosa; limite arbitrário para a camada inferior

Bw23

200­‑250* cm; bruno­‑avermelhado­‑ escuro (2,5 YR 3/4, úmida), vermelho­‑ escuro (10 YR 3/6 seca); muito argilosa; maciça porosa; muito friável; ligeiramente plástica e ligeiramente pegajosa; limite arbitrário para a camada inferior

Observações: raízes abundantes na primeira camada, comuns na segunda e terceira e poucas na quarta e quinta. Fonte: Modificado de Oliveira & Prado (1983).

capítulo 4 – técnicas de pedologia

99

NA SALA DE AULA Todos os aspectos mostrados neste capítulo podem ser trabalhados pelo professor na sala de aula e nos arredores da escola com os alunos. Apresenta­‑se aqui algumas sugestões de ativi‑ dades didáticas para que os alunos possam co‑ nhecer melhor os solos.

Tratamento de dados extraídos de análises de laboratório em Pedologia Não serão apresentadas aqui as técnicas de laboratório em Pedologia, pois isso exigiria um outro capítulo à parte, por ser um assunto com‑ plexo, mas serão mostradas algumas formas de tratamento e interpretação de dados brutos ob‑ tidos a partir de análises de laboratório, como dados de análise granulométrica e algumas aná‑ lises químicas do solo, por exemplo, do perfil de latossolo vermelho eutroférrico, apresentado no item anterior.

partículas menores que 2,0 mm. A fração areia tem diâmetro de 2,0 a 0,05 mm, o silte de 0,05 a 0,002 mm e a argila menor do que 0,002 mm. Para interpretar a granulometria do solo, utiliza­‑se o Diagrama Textural da Embrapa (ver Tabela 4.4), onde se lança os resultados de cada fração granulométrica para obter­‑se a textura de cada horizonte. No caso apresentado, o horizonte Ap do la‑ tossolo vermelho possui 61% de argila, 31% de silte e 8% de areia. Note que a soma desses valo‑ res deve ser 100% ou estar próximo desse valor. Nesse caso, lançando os valores no diagrama, obtém­‑se um ponto de intersecção no campo da textura muito argilosa (ver Figura 4.18). Desse modo, a textura do horizonte Ap é muito argi‑ losa. Deve­‑se proceder da mesma maneira com todos os horizontes do perfil e verificar que, nes‑ se caso, todo o perfil é muito argiloso. Desse modo, a análise granulométrica vem confirmar a descrição morfológica de campo desse solo, cuja textura foi descrita também como muito argilosa.

Atividade 2: interpretação de alguns atributos da análise química do solo

Atividade 1: interpretação da análise granulométrica A análise granulométrica é um tipo de análise física laboratorial responsável por determinar a porcentagem de areia, silte e argila do solo, das

Pode­‑se interpretar alguns dados de análi‑ ses químicas e conhecer melhor o mesmo solo analisado, conforme resultados apresentados na Tabela 4.5.

Tabela 4.4 – Resultados da análise granulométrica do latossolo vermelho eutroférrico Características físicas do perfil IAC 1.360 Espessura (cm) Atributos

0­‑18

18­‑34

34­‑56

56­‑90

90­‑200

200­‑250

Símbolo do horizonte

Ap

A3

Bw1

Bw21

Bw22

Bw23

Argila

61

65

65

61

62

65

Silte

31

26

25

29

29

29

Areia

8

9

10

10

9

6

Fonte: Modificado de Oliveira (1999).

100

práticas de geografia

0 100 ponto de intersecção

10 90 20 80

M EN TA GE RC

ARGILOSA

60

E

T SIL

PO

50

50

DE

DE

M

AR G

40 60

GE TA EN

ILA

30

RC

MUITO ARGILOSA

PO

70

40 70

30

20

SILTOSA

MÉDIA

80 90

Rafael Sato

10 ARENOSA

100

0 100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Figura 4.18. Diagrama de classes de textura do solo. Fonte: EMBRAPA (1979).

PORCENTAGEM DE AREIA

PH

Soma de bases

Observando­‑se cada atributo apresentado, percebe­‑se que o pH de todo o perfil é de aci‑ dez fraca, com teores entre 6,0 a 7,0. A alcalinidade ocorre quando a pluviosidade é baixa e acumulam­‑se sais de cálcio (Ca), magnésio (Mg), potássio (K) e sódio (Na). Solos alcalinos são ca‑ racterísticos de regiões áridas e semiáridas. A acidez do solo desenvolve­‑se devido à remoção de bases pelas plantas e pela água, permitindo que o hidrogênio (H+) tome os lugares das bases. A maioria das plantas cresce a um pH levemente ácido, ou seja, entre 5,5 e 6,5. Os solos ácidos po‑ dem conter poucos nutrientes e elementos tóxicos às plantas, como o alumínio (Al 3+), por exemplo. Como a maior parte dos solos brasileiros são áci‑ dos, há a correção do pH por adição de calcário (CaCO3), procedimento denominado calagem.

A soma de bases é a soma dos teores de cál‑ cio (Ca), magnésio (Mg), potássio (K) e sódio (Na), importantes nutrientes para as plantas. Quanto maior a soma de bases, maior a fertili‑ dade do solo. Sobre a soma de bases, ou S, percebe­‑se que é de teor alto no horizonte Ap, passando a médio nos horizontes seguintes e chega a baixo no ho‑ rizonte Bw23. Isto pode significar que, como o horizonte Ap foi lavrado para cultivo, teve acrés‑ cimo de bases para melhor produtividade. S: Soma de bases (cátions básicos trocáveis). Corresponde a: S= Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na+. Critérios de avaliação recomendados pelo Insti‑ tuto Agronômico de Campinas:

Interpretação do pH: Acidez elevada Acidez média Acidez fraca Neutro Alcalinidade fraca Alcalinidade

→ → → → → →

abaixo de 5,0 5,0­‑ 6,0 6,0­‑7,0 7,0 7,0­‑7,8 acima de 7,8

S –

Abaixo de 2,62 De 2,62 a 6,30 Acima de 6,30

BAIXO MÉDIO ALTO

É geralmente expressa em meq/100g de material adsorvente e em condições de pH 7,0.

capítulo 4 – técnicas de pedologia

101

Tabela 4.5 – Perfil 1360: Latossolo vermelho eutroférrico (dados analíticos) Espessura (cm) Atributos

0­‑18

18­‑34

34­‑56

56­‑90

90­‑200

200­‑250

Horizonte

Ap

A3

Bw1

Bw21

Bw22

Bw23

pH

6,2

6,3

6,3

6,4

6,4

6,1

S

6,7

5,2

5,3

4,2

3,5

1,9

CTC

10,7

6,6

7,5

5,6

5,7

3,8

V%

63,0

79,0

71,0

75,0

62,0

51,0

m%

0

0

0

0

0

0

Fe2O3

22,8

23,5

22,8

23,5

21,4

24,1

Ki

1,6

1,1

1,1

1,5

1,2

1,4

Fonte: Modificado de Oliveira (1999).

Capacidade de troca catiônica ou CTC Solos que possuem baixa capacidade de troca de cátions apresentam necessariamente baixos valores de cálcio, magnésio e potássio, elemen‑ tos tidos como importantes na alimentação das plantas. Tais solos necessitam de pequenas doses de insumos para atingir o nível de saturação por bases desejável para a agricultura. A capacidade de troca de cátions refere­‑se à quantidade de cátions (Al, H, Ca, Mg e K) que o solo é capaz de reter. Neste caso, todo o perfil apresenta teor médio de CTC, porém bem maior no horizonte Ap, provavelmente por acréscimo de fertilizantes para melhor produtividade agrícola.

Critérios de avaliação recomendados pelo Instituto Agronô‑ mico de Campinas: CTC – Abaixo de 4,62 BAIXO De 4,62 a 11,30 MÉDIO Acima de 11,30 ALTO

Saturação por bases A saturação por bases refere­‑se à fertilida‑ de do solo. É a proporção de CTC ocupada por bases. Quanto maior o valor de V%, mais fértil é o solo. Solos com baixa saturação por bases

102

práticas de geografia

são pobres quimicamente, requerendo adição de fertilizantes para uma boa produção. Neste caso, trata­‑se de um solo eutrófico, ou seja, de fertilidade alta. V(%): símbolo utilizado para representar a saturação por bases. Calculado pela fórmula V(%) = (100.S) / CTC, onde S: soma de bases (cátions básicos trocáveis) → S = Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na + e CTC: capacidade de troca catiônica → Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na + + Al3+ + H + Solo eutrófico: aquele que apresenta saturação por bases igual ou superior a 50% (solos férteis). Solo distrófico: aquele que apresenta saturação por bases inferior a 50% (solos pouco férteis).

Saturação por alumínio (Al) A saturação por alumínio é a relação entre o teor de Al trocável e a soma de bases mais Al trocável. Representa­‑se por m = Al(S + Al). Como consequência da alta saturação por alumínio, os valores da soma de bases são muito baixos, pois a grande maioria das cargas elétricas está ocupada pelo alumínio e não pelas bases. Quanto mais ácido é o solo, maior é o teor de alumínio passível de causar dano às plantas; e

quanto maior o valor, maior a toxidez. A maio‑ ria das plantas apresenta dificuldades de cresci‑ mento em solos ácidos, devido principalmente à presença de alumínio solúvel em níveis tóxicos. No exemplo apresentado, o solo não apresenta toxicidade por alumínio. Saturação por alumínio: Representa­‑se por m = Al(S + Al). É considerado álico um solo que apresenta valor m superior a 50%.

É representado pela relação sílica/alumina: relação molecular entre a sílica (SiO2) e a soma alumina (Al2O3) em argilas, argilominerais ou solos. Neste caso, o latossolo vermelho apresen‑ tado é de um solo muito intemperizado, o que corrobora com um solo muito desenvolvido, de‑ vido a seu estado avançado de intemperismo. Devido ao fato de o índice Ki da caulinita cor‑ responder a 2, esse valor foi estabelecido como limite entre solos: ¾¾ muito intemperizados (Ki ≤ 2) e – pouco in‑ temperizados (Ki > 2).

Teor em óxidos de ferro Devido ao fato de grande parte dos solos bra‑ sileiros apresentarem teores elevados de óxidos de ferro em relação aos teores de matéria orgânica, a adsorção dos nutrientes e da argila se faz pelo ferro. Os óxidos de ferro mais comuns nos solos são a hematita e a goethita. A primeira é responsável pelas colorações avermelhadas e a segunda pe‑ las amareladas. No exemplo apresentado, o solo apresenta alto teor de ferro, ou seja, é um solo férrico, devido à herança do material de origem, no caso o diabásio. O SiBCS (Sistema Brasileiro de Classificação de Solos) es‑ tabeleceu as seguintes classes de teor de Fe2O3 nos solos brasileiros: Baixo teor: Médio teor: Alto teor: Teor muito alto:

< 8% de 8% a < 18% de 18% a < 36% a partir de 36%

hipoférricos mesoférricos férricos perférricos

Índices Ki O índice Ki é um indicador do processo de dessilificação dos solos ou do grau de alteração e grau de intemperismo do solo. Ele mede o grau de decomposição da fração argila do solo. Na sequência de intemperismo, os valores de KI são mais altos para a montmorillonita (argila do tipo 2:1), mais baixos para a caulinita (argila do tipo 1:1), e bem mais baixos para gibbsita (óxi‑ dos de alumínio).

Atividade 3: abertura de trincheira no jardim da escola Se a escola dispuser de um espaço externo suficiente para abrir uma trincheira, toda a parte da descrição de solo no campo poderá ser feita a partir do que foi visto no item 2. Não há um tamanho ideal para se abrir uma trincheira. Isso vai depender do espaço disponí‑ vel no jardim da escola, mas de acordo com San‑ tos et al. (2005), a trincheira deve ter 2,0 m de profundidade, 1,5 m de comprimento por 1,2 m de largura, em razão das variações horizontais e verticais do solo. Ela pode ser aberta com uso de máquinas ou manualmente. Uma das faces da trincheira deve ser bem iluminada pelo sol e deve ser limpa e alisada, além de possuir degraus para facilitar o acesso ao seu interior. Como se trata de uma escola, para a segurança dos alu‑ nos, a trincheira deve ser cercada e ter seu acesso restrito às atividades didáticas.

Atividade 4: horta na escola Ter uma horta na escola não é difícil. Basta ter um local onde se possa fazer um canteiro ou até mesmo em vasos. As dimensões do canteiro devem ser do tamanho que a área permitir.

capítulo 4 – técnicas de pedologia

103

200 cm

100 cm 120 cm

10 cm

Corte AA

Corte AA

Eduardo Justiniano

O local deve ser plano ou suavemente incli‑ nado, afastado de áreas contaminadas, deve to‑ mar sol o dia todo, ser úmido, a terra deve ser adubada e a água usada para molhar as plantas deve ser limpa. Para preparar o canteiro, deve­‑se limpar e capinar a área, desmanchar os torrões do solo usando a enxada, para que o terreno fique bem fofo e cavar a uma profundidade de aproxima‑ damente 20 cm. A área deve ser cercada com tábuas, tijolos ou outro material que segure a terra para que não sofra erosão pela água das chuvas. Para o plantio podem­‑se usar mudas ao invés de sementes, para acelerar o crescimento das plan‑ tas. Mais ou menos uma semana antes de receber as mudas, o canteiro deve ser adubado, de prefe‑ rência com adubo orgânico, que pode ser esterco

animal. As mudas devem ser plantadas com um espaçamento de aproximadamente 30 cm umas das outras e enterradas de 2 a 3 cm de profundi‑ dade. Em seguida, as mudas devem ser regadas. O canteiro deve ser regado duas vezes ao dia, pela manhã e no final da tarde. O mato que cres‑ cer em volta do canteiro deve ser retirado para que não o invada e prejudique o crescimento das plan‑ tas. A terra deve ser mantida fofa a cada semana.

Atividade 5: experimentos com solos Mesmo sem muitos recursos e sem um labo‑ ratório adequado pode­‑se trabalhar alguns te‑ mas sobre solos com os alunos em sala de aula. Seguem algumas sugestões:

Porosidade do solo

Figura 4.20. Exemplo de preparo de horta.

104

Sérgio Fiori

Figura 4.19. Representação de abertura de trincheira para descrição do perfil de solo. Fonte: Santos et al. (2005).

200 cm

Planta baixa

práticas de geografia

Você vai precisar de um torrão de solo are‑ noso, um torrão de solo argiloso, um pedaço de rocha dura, como um granito, uma bandeja e um copo com água. Coloque os torrões e a rocha numa bandeja e vá molhando aos poucos. Observe e discuta com os alunos o que aconteceu. Observe a velocidade de penetração e retenção da água nos tipos de solo e na rocha. No solo arenoso, a água vai pe‑ netrar com maior rapidez e vai sair rapidamente,

Sérgio Fiori

tensa acontece no solo exposto, pois a água que sai do bico da garrafa é mais barrenta do que no solo com vegetação morta e do que no solo com grama, que está mais protegido, pois as raízes das plantas ajudam a proteger o solo contra a erosão.

Água

Solo 1

Solo 2

Rocha

Tamanho das partículas do solo Figura 4.21. Modelo de experimento da porosidade do solo.

devido à alta porosidade. Já no solo argiloso a água vai penetrar lentamente e será retida com maior facilidade, devido a menor porosidade. Já na rocha, a água penetra muito lentamente.

Erosão do solo Você vai precisar de três garrafas PET, uma tesoura, uma bandeja e uma vasilha com água. Com as garrafas PET cortadas ao meio na vertical, sem cortar o bico das garrafas, faça o seguinte: na primeira garrafa, coloque um grande torrão de solo nu que caiba no orifício da garrafa que foi recortada com a tesoura; na segunda gar‑ rafa, coloque um outro torrão de solo (do mesmo tamanho do anterior) com vegetação morta; e, na terceira garrafa, um torrão de solo com grama já plantada. Incline as garrafas levemente, com o bico para baixo, numa bandeja, e coloque água no solo aos poucos, observando como a água sai do bico. Você vai observar que a erosão mais in‑

Fazer abertura na garrafa

Solo

Água

Solo com grama

Textura 2

Sérgio Fiori

Textura 1

Figura 4.22. Modelo de experimento da erosão do solo.

Textura 3

Sérgio Fiori

Solo nu

Solo com vegetação morta

Você vai precisar de mais ou menos meio qui‑ lo de solo, três peneiras de cozinha com aber‑ turas de malhas diferentes, uma colher grande, uma bandeja, um rolo de macarrão e três pratos descartáveis. Coloque o solo na bandeja e, com as mãos, deixe os torrões de solo o menor que você conse‑ guir. Em seguida, desfaça os torrões de solo com o rolo de macarrão. Coloque cada peneira sobre um prato descartável e acrescente um pouco de solo em cada peneira. Peneire o solo, veja e sinta com as mãos o tamanho das partículas que você peneirou. Observe que você não vai conseguir separar a areia, o silte e a argila, mas conseguirá separar principalmente areias de tamanhos di‑ ferentes, dependendo do tamanho das malhas das peneiras. Isso significa que o solo possui areias de granulometrias diferentes e também de resistências diferentes. As areias apresentam vários tipos de minerais, como quartzo, feldspa‑ to, mica, dentre outros. Como o quartzo é mais resistente do que os outros minerais, apresenta areias de granulometrias maiores do que os mi‑ nerais menos resistentes.

Figura 4.23. Modelo de experimento da textura do solo.

capítulo 4 – técnicas de pedologia

105

ConSideraçÕeS finaiS O solo ainda não é visto como parte integrante do meio ambiente, pois não é muito conhecido. Portanto, é preciso conhecê‑lo para melhor compreender seu potencial e conservação. Nesse sentido, o estudo dos solos é de suma importân‑ cia, tendo em vista que há hoje vários problemas ambientais ligados aos solos, como deslizamentos, erosão, contaminação, compactação, empobrecimento. Além disso, é preciso considerar que o solo é a base para a produção de alimentos para a humanidade. Se recursos vegetais são renováveis ou reprodutíveis, eles dependem dos solos que, na maioria das vezes, são esgotáveis.

106

referÊnCiaS de aPoio Glossário Agregado: conjunto coerente de partículas primárias do solo com forma e tamanho definidos, que se com‑ porta mecanicamente como uma unidade estrutural. Análise granulométrica: determinação das quanti‑ dades das frações areia, silte e argila, em amostras de terra fina seca ao ar (TFSA – menor do que 2 mm), geralmente expressas como porcentagens por peso. É determinada pelo método da pipetagem, do densíme‑ tro e, atualmente, por granulômetro a laser. Capacidade de troca de cátions (CTC): soma total de cátions trocáveis que um solo, ou algum de seus constituintes, pode adsorver a um pH específico. É geralmente expressa em meq/100g de material ad‑ sorvente e em condições de pH 7,0. Características vérticas: características de alta ex‑ pansibilidade e contractilidade devido à variação do teor de umidade e à presença de argilas expansivas, originando rachaduras no solo. Cerosidade: revestimento de argila na superfície dos agregados. Cimentação: endurecimento por substâncias cimen‑ tantes, tais como húmus, carbonato de cálcio ou óxidos de silício, ferro e alumínio. Gleização: processo de formação do solo resultando em gleissolos, isto é, solos minerais, hidromórficos, com horizonte glei dentro de 60 cm da superfície. Latossolo: solo espesso com baixo gradiente textural entre os horizontes A e B, baixa CTC, baixos ou nulos

teores de minerais primários de fácil intemperização e baixo índice ki. Latossolo vermelho: latossolo desenvolvido a partir de rochas básicas (basalto, diabásio etc.). Tem entre 18 a 40% de Fe2O3 e, por isso, são muito atraídos por ímã. Meq/100g: miliequivalentes de minerais por 100 gra‑ mas. Considera‑se que um miliequivalente equivale a um miliosmol. Nódulos e concreções minerais: são corpos cimen‑ tados que podem ser removidos intactos da matriz do solo. Suas composições variam de materiais parecidos com os da matriz do solo até substâncias de compo‑ sição diferente. As concreções apresentam simetria interna disposta em torno de um ponto, de uma linha ou de um plano, enquanto os nódulos não apresentam organização interna. Plintita: formação constituída de mistura de argila, pobre em húmus e rica em ferro e alumínio, com quart‑ zo e outros minerais. No perfil de solo, aparece com mosqueados vermelhos e vermelho ‑escuros. Tiomorfismo: usado para designar material permanen‑ te ou periodicamente alagado, de natureza mineral ou orgânica, rico em sulfetos (material sulfídrico). Trado: instrumento destinado à coleta de amostras de solo através de abertura de orifício na superfície do solo. Apresenta vários tamanhos, e os tipos mais utilizados são o holandês, o de rosca e o de caneco.

Bibliografia COCHE, A. G. Suelo y. Piscicultura de agua dulce. Roma: FAO, 1985. CuRI, N.; LARACH, J. O. I.; kÄMPF, N.; MONIz, A. C.; FONTES, L. E. F. Vocabulário de ciência do solo. Cam‑ pinas: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1993. EMBRAPA. Manual de métodos de análise de solo. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Levantamento e Conservação de Solos, 1979. EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Brasília: Serviço de Produção de Informação (SPI), 2006.

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capítulo 4 – técnicas de pedologia

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108

práticas de geografia

Dicas na Internet O Solo – Projeto Solo na Escola/UFPR Disponível em: . Análise de solo Disponível em: .

SOBRE O AUTOR Déborah de Oliveira é bacharel e licenciada em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên‑ cias Humanas da Universidade de São Paulo, mestre e doutora em Geografia Física pela mesma instituição. Lecionou a disciplina Geografia durante vários anos em escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental e Médio e disciplinas relacionadas à Geografia Física no ensino superior. Atualmente é professora doutora do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. Tem experiência na área de Geografia Física, com ênfase em Pedologia e Geomorfologia.

técnicas de Climatologia

5 TARIk REzENDE DE AzEVEDO

Eduardo Justiniano

EMERSON GALVANI

Introdução, 110 Observação usando apenas os cinco órgãos dos sentidos, 112 Observação usando instrumentos simples, 116 Observação usando instrumentos analógicos

padronizados, 118 Observação usando instrumentos digitais, 124 Conforto térmico, 127 Imagens de satélite e informações da imprensa, 128 Na sala de aula, 131

Referências de apoio, 134 Sobre os autores, 135

introdução A despeito de a Climatologia assumir posição de destaque na explicação das feições e processos superficiais, na prática, normalmente, defrontamo‑nos com a ausência de mapas climatológicos adequados à escala em que se trabalha. Isso decorre do fato de que a construção do conhecimento e sua representação sintética num mapa processam‑se em velocidade e ritmo variado. Em estudos de caso, quase sempre, não há mapeamento climático nas mesmas escalas que existem para a drenagem, o relevo, as rochas, o solo, a vegetação e outros aspectos, o que torna necessário começar a pesquisa de um estágio elementar. Ao invés de compilar informação e apreender o conhecimento sistematizado por aqueles que nos antecederam, há que se elaborar uma hipótese para a distribuição espacial das unidades climáticas por dedução, a partir da aplica‑ ção de preceitos relativamente simples e da observação preliminar em campo. Em seguida há que se testar, também em campo, a consistência das unidades determinadas. Posto que o objeto da Climatologia é essencialmente abstrato e não pode de imediato ser integralmente apreendido pelo instrumental sensorial próprio do ser humano, é preciso recorrer a dois expedientes: a observação interme‑ diada por instrumental técnico e a percepção temporal evolutiva dos processos observados. Por outro lado, uma vez que não é possível estar em vários lugares ao mesmo tempo, a simultaneidade da observação e amostragem numa área deve ser obtida recorrendo ‑se à multiplicação de observadores e/ou a instru‑ mentos registradores. Sendo a observação instrumental muito custosa, a densidade da amostragem deve ser dosada de forma que, com o menor número de instrumentos e pontos de amostragem, obtenha‑se a melhor relação custo‑benefício. Desta feita, a eta‑ pa anterior à observação e amostragem sistemática em campo, a da elaboração de hipóteses a partir da observação preliminar, é a mais importante e determina o resto do trabalho de investigação, inclusive sua viabilidade e exequibilidade. Resumindo, isso significa que, em função das hipóteses, determina‑se o quê, onde e como observar e/ou medir e registrar. Ressalta‑se que a representatividade espacial e temporal das observações e medições varia em função da precisão adotada e dos atributos próprios dos elementos e processos observados. Por exemplo, a descrição do tipo de nuvens e sua distribuição é válida para uma área que pode chegar a dezenas de quilô‑ metros quadrados a partir do ponto de observação, enquanto a direção de um fluxo de ar próximo à superfície pode ser válida para alguns metros quadrados durante alguns segundos. Isso significa que, no caso de observação sistemática de mais de um elemento, o número e a distribuição de pontos de amostragem pode perfeitamente ser diferente para cada elemento. No caso desses mesmos exemplos, suponha‑se que se pretenda estudar a variação do escoamento de ar próximo à superfície numa bacia hidrográfica de primeira ordem em função dos tipos de tempo meteorológico predominantes. A observação, a cada meia hora,

da nebulosidade e de sua evolução num único ponto bem escolhido (tendo como critério o alcance visual de toda a área) normalmente é suficiente, enquanto o número de pontos de amostragem simultânea da direção do escoamento de ar próximo à superfície pode chegar às dezenas. Em suma, após uma primeira ideia da complexidade da dinâmica climática e sua decorrência nas formas de observação, passa‑se a estudar as técnicas de campo e laboratório.

OBSERVAÇÃO USANDO APENAS OS CINCO ÓRGÃOS DOS SENTIDOS Nosso próprio aparelho sensorial sempre é usado para obter informação do mundo externo, e os instrumentos técnicos nada mais são que a extensão de nossos sentidos. Um termômetro de mercúrio, por exemplo, é um arranjo engenho‑ so em que a variação do volume de um líquido num recipiente estanque é observada num del‑ gado tubo. Paralelamente a este há uma escala linear. Da comparação entre a posição em que se encontra o menisco do mercúrio no interior do tubo em relação à escala, obtém­‑se uma me‑ dida linear. A rigor, é através de uma construção lógica que se entende ser a medida obtida uma tradução visual do volume do mercúrio. Também por construção lógica, aplicando conhecimento anterior, entende­‑se que o volume do mercúrio depende fundamentalmente de sua temperatura, a qual, a rigor, não pode ser apreendida direta‑ mente pela visão, mas parcialmente inferida pelo tato. A despeito da dificuldade de obter tempe‑ ratura com precisão aceitável usando diretamen‑ te o tato, este instrumento permite a obtenção da temperatura sem o contato direto do corpo humano, que sabidamente é uma fonte de calor. A própria necessidade do recurso a instru‑ mentos artificiais depende fundamentalmente das hipóteses em investigação. Verifique­‑se que, naquele exemplo anterior em que se pretendia estudar a variação do padrão de escoamento pró‑ ximo à superfície, seria perfeitamente possível realizar a pesquisa sem quaisquer instrumentos, recorrendo apenas a um grupo grande de obser‑ vadores atentos com sua percepção e capacidade de descrição clara e objetiva apuradas através de treinamento. Qualquer pessoa é capaz de determinar a di‑ reção do escoamento do ar usando sensibilidade natural das faces e das palmas das mãos com a precisão de dez graus de azimute. Se o escoamen‑ to puder ser sentido na altura da cabeça, a pessoa

112

práticas de geografia

deve permanecer ereta, visando o horizonte e relaxada. Concentrando­‑se no rosto, deve prestar atenção no frescor causado pelo fluxo de ar nas fa‑ ces. Com atenção, deve ir girando o corpo de for‑ ma que perceba o fluxo vindo de sua frente. Como a direção tende a variar pela turbulência natural deste tipo de escoamento, deve­‑se procurar uma direção que seja percebida como a predominan‑ te1. Normalmente, um minuto de observação é suficiente. Se a turbulência e a variação da direção forem pequenas, em pouco mais de dez segundos atinge­‑se a melhor orientação possível em relação ao fluxo de ar. Nesse momento, fixa­‑se um ponto de referência dessa direção no horizonte. O mes‑ mo pode ser feito com a palma da mão aberta, voltada para frente, com o braço estendido e com os dedos entreabertos2. No caso de escoamento mais sutil, na linha da cintura, ou abaixo, deve­‑se ficar agachado e com o antebraço descoberto. Como nessa posição é mais difícil ficar relaxado, convém apoiar um dos joelhos sobre o solo. Tendo fixado o ponto de referência no hori‑ zonte, pode ser feita a representação da direção diretamente numa base cartográfica orientada em conformidade com o terreno, através de uma seta. A direção também pode ser determinada através dos pontos cardeais (norte – N, sul – S, leste – E e oeste – O ou W), colaterais (nordes‑ te – NE; sudeste – SE; sudoeste – SO ou SW; e noroeste – NO ou NW) e subcolaterais (lés­ ‑nordeste – ENE; lés­‑sudeste – ESE; su­‑sudeste –

1 Direção predominante, neste caso, significa aquela que persiste na maior parte do tempo. Não é o mesmo que direção média. 2 Com treinamento, é possível perceber a direção de um fluxo de ar com velocidade 20 cm por segundo ou maior. Como, para finalidades práticas, em geral, adota­‑se a velocidade de um metro por segundo como o limiar para chamar de vento o escoamento horizontal do ar, a sensibilidade natural da pele é suficiente.

Eduardo Justiniano

N NO

NNO

NNE

NE ENE

ONO

E

O OSO

SO

ESE SSO

SSE

SE

S Figura 5.1. Rosa dos ventos indicando os pontos cardeais, colaterais e subcolaterais.

SSE; nor­‑nordeste – NNE; nor­‑noroeste – NNO ou NNW; su­‑ sudoeste – SSO ou SSW; oés­ ‑sudoeste – OSO/WSW; oés­‑noroeste ONO/ WNW). A figura que representa os pontos carde‑ ais, colaterais e subcolaterais é denominada Rosa dos ventos (Figura 5.1). Se for um ponto em que a observação será repetida muitas vezes, convém determinar a priori uma sequência de pontos de referência com direções conhecidas e memorizá­ ‑la3. Por convenção, registra­‑se a direção de onde vem o fluxo de ar e não para onde vai. Por exem‑ plo, um vento com direção norte (N) significa que está vindo do norte e indo para a direção sul (S). É comum adotar algumas designações diferentes para os pontos cardeais, a saber: Norte (Seten‑ trional ou Boreal), Sul (Meridional ou Austral), Leste (Oriental) e Oeste (Ocidental). A velocidade do escoamento é mais difícil de ser estimada com boa precisão diretamen‑ te através do tato. A técnica usual consiste na observação do efeito do escoamento de ar

3 Ou, evidentemente, usar uma bússola (ver o Capítulo 7 – Técnicas de Cartografia). Lembrando que a bússola fornece a indicação do norte magnético e o vento deve ser obtido em relação ao norte geográfico.

nos objetos do entorno do observador. Nes‑ te caso, é possível padronizar o procedimento para um grupo de pessoas, mesmo com pouco treinamento. A Tabela 5.1 apresenta a escala de Beaufort, a mais usada e difundida usando essa técnica. O simples exame dessa tabela dis‑ pensa maiores explicações. A escala de Beaufort aplica­‑se bem para a caracterização do vento em escalas de maior generalidade. Para casos específicos, pode ser conveniente criar classes intermediárias de velocidade, sobretudo para velocidades menores. A distribuição e a tipologia das nuvens são in‑ dicadores essenciais dos processos atmosféricos predominantes. A observação e o registro da ne‑ bulosidade consideram três elementos essenciais. Em primeiro lugar, determina­‑se a altura em três tipos básicos: altas, médias e baixas. Em seguida, classificam­‑se as nuvens com base em sua forma e aspecto, para finalmente estimar quanto da abóbada celeste é coberta pelas mesmas. Nem todos os tipos de nuvens ocorrem em quaisquer alturas, nem produzem quaisquer proporções de cobertura do céu, nem coexistem em quaisquer associações. As Figuras 5.3 a 5.5 apresentam o sistema de classificação mais simples e adotado pela Organização Meteorológica Mundial4. A nebulosidade classificada como cumulonim‑ bus, nimbostratus e altocumulus recebe, por vezes, a denominação de nuvens de desenvolvimento vertical por transitarem, em sua formação e dinâmica, entre os três níveis de nuvens – baixas, médias e altas. Em geral, registra­‑se a nebulosidade de bai‑ xo para cima, ou seja, registra­‑se a tipologia e a distribuição da nebulosidade baixa, em seguida média e, finalmente, alta. A estimativa da cober‑ tura é feita tendo como referência a nebulosida‑ de visível, ou seja, não é inferida a cobertura que

4 A complexidade da classificação depende das finalida‑ des e da experiência do observador. O sistema taxo‑ nômico completo subdivide as famílias principais em subtipos e associações com mais de uma centena de classes de nebulosidade.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

113

está no próximo nível, mesmo que seja evidente que haja sobreposição. Desta feita, a soma das coberturas em cada nível será, no máximo, a co‑ bertura total. A técnica mais simples de avalia‑ ção da obstrução da abóbada pela nebulosidade é a classificação em oitavos do céu. Imagina­ ‑se a abóbada celeste dividida em oito gomos e avalia­‑se visualmente a proporção ocupada por nuvens. É como imaginar uma grande pizza de oito pedados no céu; junte as partes de nebulosi‑ dade e tente avaliar quantos pedaços equivale à cobertura de nuvens naquele momento. Se o céu está totalmente encoberto (nublado) registra­ ‑se 8/8 (oito oitavos); se parcialmente encoberto

(de 1/8 a 7/8); se estiver totalmente limpo (0/8). Registra­‑se o numerador da proporção e anota­ ‑se o horário da observação, já que a dinâmica dos processos atmosféricos resulta em diferentes tipologias e cobertura de nuvens ao longo do dia. Na primavera e no verão, nos trópicos, ge‑ ralmente a observação da nebulosidade tende a ser bastante complicada, dada a rapidez dos pro‑ cessos atmosféricos e a alteração do total e do tipo de nuvens. Cabe também destacar que até mesmo o observador mais experiente recorrerá, em algum momento, ao atlas de nuvens, dada a complexidade na observação da cobertura de nuvens e sua tipologia.

Tabela 5.1 – Escala de Beaufort para estimar a velocidade do vento Velocidade Força

Designação

Influência em Terra km/h*

0

Calmaria

0a1

A fumaça sobe verticalmente.

1

Bafagem

2a6

A direção da bafagem é indicada pela fumaça, mas a grimpa ainda não reage.

2

Aragem

7 a 12

Sente­‑se o vento no rosto, movem­‑se as folhas das árvores e a grimpa começa a funcionar.

3

Fraco

13 a 18

As folhas das árvores agitam­‑se e as bandeiras desfraldam­‑se.

4

Moderado

19 a 26

Poeira e pequenos papéis soltos são levantados. Movem­‑se os galhos das árvores.

5

Fresco

27 a 35

Movem­‑se as pequenas árvores. Nos lagos a água começa a ondular.

6

Muito fresco

36 a 44

Assobios na fiação aérea. Movem­‑se os maiores galhos das árvores. Guarda­ ‑chuva usado com dificuldade.

7

Forte

45 a 54

Movem­‑se as grandes árvores. É difícil andar contra o vento.

8

Muito forte

55 a 65

Quebram­‑se os galhos das árvores. É difícil andar contra o vento.

9

Duro

66 a 77

Danos nas partes salientes das árvores. Impossível andar contra o vento.

10

Muito duro

78 a 90

Arranca árvores e causa danos na estrutura dos prédios.

11

Tempestuoso

91 a 104

Muito raramente observado em terra.

12

Furacão

105 a …

Grandes estragos.

* A conversão de km/h (quilômetro por hora) para m/s (metros por segundos) é efetuada dividindo­‑se por 3,6 e o contrário, multiplicando­ ‑se por 3,6. Por exemplo, um vento com velocidade de 36 km/h equivale a 10 m/s, assim como um vento de 10 m/s equivale a 36 km/h. O fator de conversão 3,6 é resultado da divisão de 3.600 (número de segundos de uma hora) por 1.000 (um quilômetro tem 1.000 metros).

114

práticas de geografia

Rafael Sato

A notação antiga usava quartos da abóbada, o que, em levantamentos expeditos pode ser útil por tornar a observação mais rápida (apenas quatro partes de cobertura de céu: 1/4, 2/4, 3/4 e 4/4). Outro expediente muito usado é não distinguir a proporção em função dos três níveis. Para facilitar o trabalho de campo, é comum providenciar, a priori, o desenho de uma figura representando as possibilidades de cobertura de nu‑ vens (Figura 5.2). Nesse caso, deve­‑se preencher na figura a cobertura de nuvens equivalente naquele horário de observação (1/8, 2/8… 8/8).

Figura 5.2. Modelo para avaliação da cobertura pela nebulosidade a campo. Cobertura de céu limpo (0/8) – Cobertura de céu parcialmente nublado (4/8) – Cobertura de céu nublado (8/8). Organização: Galvani (2010).

Quadro-guia ilustrado para a cifragem das nuvens - C L

Sc - Stratocumulus St - Stratus

Cu - Cumulos Cb - Cumulonimbus

C L Sc - St - Cu - Cb

Presença de Cb com região superior nitidamente fibrosa ou estriada

9

Sc formado pela extensão do Cu

4

Ausência de Cu

Presença de Cb

Ausência de Sc formado pela extensão de Cu Cb não apresentando a parte superior nitidamente fibrosa ou estriada

3

2

Cu com dimensão vertical moderada ou grande

Cu ou Sc com bases em níveis diferentes

8 Ausência de Cu e Sc com bases em níveis diferentes

Ausência de Cu com dimensão vertical moderada ou grande

5

Sc que não são formados pela extensão do Cu

6

St ou Sc esfarrapados que não são de mau tempo, ou ambos

St esfarrapados ou Cu esfarrapados de mau tempo, ou ambos

7

Sérgio Fiori

1

Cu com pequena dimensão vertical ou Cu em farrapos, diferentes da do mau tempo, ou ambos

Figura 5.3. Avaliação da tipologia da nebulosidade – nuvens baixas.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

115

1

C M Ac - As - Ns

As semitransparente

Ausência de Ac

6 2

Ac formado pela extensão de Cu ou Cb

9

Céu caótico

Presença de Ac

Céu não caótico

8

As opaco, ou Ns

Ac em forma de torres ou Ac em tufos

Ausência de Ac em forma de torres ou em tufos

4 5

Ausência de As e Ns Ac variando continuamente na aparência

Ac invadindo o céu

7

Ausência de Ac formado pela extensão de Cu ou Cb

As ou Ns

Ac não invadindo o céu

7

Ac em dois ou mais níveis

3

Ac semitransparente predominando

Ac variando pouco

Ac opaco predominando

7 Ac num só nível

Figura 5.4. Avaliação da tipologia da nebulosidade – nuvens médias.

No site do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), órgão do gover‑ no federal ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, responsável pela observação de superfície no Brasil, podem ser obtidas infor‑ mações e imagens detalhadas de todas as famílias e tipos de nuvens (, em seguida Informações/Sobre Meteorologia/Nuvens).

OBSERVAÇÃO USANDO INSTRUMENTOS SIMPLES Para observar a direção do escoamento de ar com grande flexibilidade e agilidade, nada melhor que uma biruta de canudinho, que consiste num canudo de refresco com uma pá de papel em forma de trapézio, grampea‑ da numa extremidade, enquanto na outra há um prego de construção. No ponto de equilíbrio espeta­‑se um alfinete que tem sua ponta enrolada com o auxílio de um alicate de ponta fina. Nessa argola é amarrado um metro de

116

práticas de geografia

Sérgio Fiori

Ac - Altocumulus As - Altostratus Ns - Nimbostratus

Quadro-guia ilustrado para a cifragem das nuvens - C M

Sérgio Fiori

Quadro-guia ilustrado para a cifragem das nuvens - C 3

Ci: Cirrus Cc: Cirrocumulus Cs: Cirrostratus

H

Ci densos originários de Cb

C

Cc somente ou Cc predominando sobre (Ci + Cs)

Ci - Cc - Cs

H

9

Ausência de Cc ou Cc menor do que (Ci + Cs) Ausência de Cs

2

(Ci densos + Ci torres + Ci em tufos) predominando sobre os outros Ci

Ci não invadindo o céu

Cs presente

Cs não cobrindo o céu todo

7

Cs cobrindo todo o céu

Ausência de Ci denso originário de Cb Cs invadindo o céu

1 Ci em filamentos ou

ganchos predominando sobre os outros Ci

4

Ci invadindo o céu

5

Cs não excedendo 45 graus

6

Cs excedendo 45 graus

8

Cs não invadindo o céu

Figura 5.5. Avaliação da tipologia da nebulosidade – nuvens altas.

Rafael Sato

Rafael Sato

linha de pesca bem fina. A Figura 5.6 ilustra a construção dessa biruta. A despeito da simplicidade, este instrumento é muito sensível e extremamente útil, quando se investiga o escoamento de ar próximo à superfície, sobretudo quando a velocidade é pequena e/ou investiga‑se as linhas de fluxo no entor‑ no ou entre obstáculos.

grampo

grampo

Figura 5.6. Construção da biruta de canudinho.

Figura 5.7. Biruta de canudinho em uso.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

117

Noélia Ipê

Figura 5.8. Pluviômetro experimental indicando a numeração para controle dos dados e a régua em seu interior.

Outro atributo5 do clima, de fácil quantifi‑ cação, é a precipitação pluvial (chuva). A chuva pode ser avaliada com instrumentos específicos denominados de pluviômetros, quando medem somente o total de chuva, e pluviógrafos, quan‑ do registram início, total e término do evento chuvoso. Os pluviógrafos não se aplicam a tra‑ balhos de campo de curta duração (um dia, por exemplo), pois demandaria tempo em demasia para sua devida instalação. Os pluviômetros são bem mais simples e de fácil operação e podem ser confeccionados com um tubo de PVC. Na realidade, o total de chuva (H) é um volume (V) que foi coletado por uma área (A), então: H=V/A. Assim, conhecendo­‑se a área de cole‑ ta (cm2 ou m2) e o volume (mililitros ou litros)

5 Também definido como elemento clima.

118

práticas de geografia

armanezado, determina­‑se a altura da chuva em milímetros (mm) – importante recordar que 1 mm de chuva equivale a 1 litro de água por cada metro quadrado de terreno. Com um tubo de PVC com diâmetro constante na seção de coleta e armanezamento, pode­‑se, com auxílio de uma régua, obter a altura da chuva medindo diretamente a altura da lâmina­‑d’água no inte‑ rior do tubo de PVC (Figura 5.8). O pluviômetro deve estar adequadamente nivelado e em local aberto. Pequenas perdas por evaporação podem ocorrer devido à exposição da lâmina de água à radiação solar, contudo esse erro não seria maior do que a precisão mínima obtida no ato da medida com uma régua comum. As informações pluviométricas são extrema‑ mente importantes, pois, além de permitirem a previsão de enchentes e deslizamentos de en‑ costa, subsidiam o planejamento de diversas atividades, como a agricultura, o turismo, a ge‑ ração e o uso racional de energia (de hidrelétri‑ cas), circulação de automóveis em cidades (ro‑ dízios de veículos ocorrem em época de estio), entre outras.

OBSERVAÇÃO USANDO INSTRUMENTOS ANALÓGICOS PADRONIZADOS Psicrômetro Para determinar a umidade relativa do ar (Psicrometria), a técnica mais usual consiste em determinar a diferença de temperatura en‑ tre dois termômetros. O primeiro é chamado termômetro de bulbo seco e serve para deter‑ minar a temperatura do ar. O segundo é cha‑ mado termômetro de bulbo úmido e serve para determinar a depressão psicrométrica. Este tem o bulbo envolto com um tubo de tecido (mucelin) cuja extremidade permanece mergulhada num recipiente com água. A água que sobe pelas fi‑

bras do tecido, por capilaridade, vai evaporando. Ao evaporar, a água consome calor do resto do líquido e, por conseguinte, do bulbo do termô‑ metro, reduzindo a temperatura. Quanto menor a umidade relativa do ar, maior a taxa de evapo‑ ração e maior a diferença entre o termômetro de bulbo seco e aquele de bulbo úmido, portanto, quanto maior a depressão psicrométrica, menor a umidade relativa do ar e vice­‑versa. Quando a depressão psicrométrica tende a zero, a umidade relativa do ar tende a 100%. A depressão psicrométrica também depende da pressão atmosférica. Para uma estimativa da umidade relativa com pequena precisão, este fato pode ser negligenciado e considera­‑se ape‑ nas a parcela da pressão que é devida ao efeito da altitude do ponto de observação. Como a função que relaciona essas variáveis não é linear, con‑ vém o uso de ábacos ou tabelas. A Tabela 5.2, ao final do capítulo, apresenta uma tabela sintética para uso em levantamento expedito de campo em altitudes entre 600 e 800 m em condições de temperatura e umidade comuns na maior parte do território brasileiro. A Tabela 5.2 deverá ser utilizada da seguinte maneira: ¾¾após a leitura dos termômetros de bulbo seco e úmido, determina­‑se a depressão psicro‑ métrica (em alguns casos, quando o bulbo úmi‑ do não está devidamente umedecido, a depressão psicrométrica pode ser negativa e isso, fisica‑ mente, não existe na atmosfera, pois sempre o valor de temperatura obtida no bulbo úmido será menor ou, no máximo, igual à temperatura de bulbo seco); ¾¾por exemplo, para uma temperatura de bulbo seco (ts) de 25 °C e uma temperatura de bul‑ bo úmido (tu) de 25 °C, a depressão (ts­‑tu) será zero e, portanto, a umidade relativa do ar está em 100%. Perceba que essa coluna nem existe na Tabela 5.2 ao final do capítulo. Outro exem‑ plo: mantendo ts em 25 °C e tu reduzindo para 22 °C, a depressão psicrométrica será de 3 °C e a umidade relativa do ar será de 76%. Percebe­ ‑se, pela consulta à Tabela 5.2, que à medida que

se aumenta a depressão psicrométrica para uma mesma temperatura de bulbo seco, a umidade relativa do ar decresce. Sabe­‑se que a radiação visível e a termal in‑ terferem sobremaneira nas medições de tem‑ peratura e umidade do ar. Para evitar esse in‑ conveniente, procura­‑se evitar a radiação solar direta e ventilar os bulbos dos termômetros. A maneira mais simples de se obter isso é girando vigorosamente os termômetros fixados a uma base, com um cabo ou uma cordinha. Este é o chamado psicrômetro de funda (Figura 5.9). O instrumento mais preciso é o psicrômetro de aspiração, que consiste num par de tubos du‑ plos que abrigam os bulbos dos termômetros, por onde flui ar por ventilação forçada acionada por mecanismo de ventoinha movido a bateria (Figura 5.10).

Termômetro de máxima e mínima A temperatura do ar diária apresenta mo‑ mentos de máxima (por volta de 14 horas) e mínima (por volta de 5 horas, dependendo da estação do ano e da latitude). Para tanto, com um termômetro semelhante ao descri‑ to anteriormente, o observador teria que ficar constantemente (em intervalos de no mínimo uma hora) anotando os valores de temperatu‑ ra do ar. Ao final do dia, com a curva horária, determinar­‑se­‑ia então a temperatura máxima (Tmax) e mínima do ar (Tmin). Para evitar esse inconveniente, utilizam­‑se de termômetros de temperatura máxima e mínima (Figura 5.11). Esse conjunto dispõe de um filete que caminha no sentido do aumento/redução da temperatura do ar. No momento em que se atinge a Tmax ou a Tmin, o filete não retorna com a coluna de mercúrio e o observador pode ler a Tmax ou a Tmin no dia seguinte. Normalmente a Tmax é lida à noite e a Tmin nas primeiras horas da manhã.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

119

Fotos: Rafael Sato

120

Figura 5.9. Psicrômetro de funda (recomendado para trabalho de campo).

Figura 5.10. Psicrômetro de aspiração.

Figura 5.11. Termômetro de máxima e mínima.

Figura 5.12. Heliógrafo Campbell­‑Stokes.

práticas de geografia

A diferença entre a temperatura máxima e a mínima de um local no mesmo dia denomina­ ‑se amplitude térmica diária (também pode ser mensal ou anual). Esse dado é muito significati‑ vo, pois fornece­‑nos outras informações sobre a paisagem. Por exemplo, em desertos quentes e secos, a amplitude térmica é de cerca de 50 ºC (50 ºC de dia e 0 °C à noite, ou menos), o que in‑ fluencia na dinâmica da paisagem, a exemplo do intemperismo físico (calor­‑frio) que transforma as rochas em areia. Já, nas áreas florestadas, a amplitude térmica é reduzida em função da eva‑ potranspiração da própria floresta e da elevada umidade absoluta do ar, a qual tem a função de manter o equilíbrio térmico. Nesses ambientes, a associação entre água e temperatura acelera todos os processos bioquímicos e biofísicos, ra‑ zão pela qual se desenvolvem solos profundos e grande biodiversidade. Em áreas próximas à costa (Vitória/ES, por exemplo), a amplitude térmica tende a ser mais reduzida do que nas áreas mais adentradas no continente (Cuiabá/ MT), devido ao efeito de continentalidade (em Cuiabá) e maritimidade (em Vitória).

Heliógrafo

Reprodução

O mais simples dos instrumentos registrado‑ res é também um dos mais antigos e dos quais a solução construtiva não se alterou em mais de um século. O registrador de horas de brilho

solar consiste numa lente esférica ajustada de tal forma que na distância focal há um semianel metálico com um trilho no qual é inserida uma tira de papel­‑cartão.(Figura 5.12). Na presença de radiação solar direta, a luz concentrada tra‑ ça um rastro, queimando o cartão, chamado de fita heliográfica (Figura 5.13). A fita heliográfi‑ ca é queimada quando a radiação solar direta incidente é superior a 100 W/m 2, o que significa dizer que em alguns instantes do dia ocorrerá ra‑ diação, mas esta não será transferida para a fita heliográfica, subestimando o número de horas de brilho solar. O heliógrafo fornece o número de horas de brilho solar e não a intensidade de energia incidente (embora exista uma relação entre essas variáveis). Conforme a elevação do Sol vai avançando, sua imagem projetada no car‑ tão também avança. Como o Sol avança cerca de 15 graus por hora, é possível avaliar quanto e em que período do dia houve insolação direta. Em trabalhos de campo, o heliógrafo dificilmente poderá ser utilizado, pois sua instalação (nive‑ lamento e orientação do eixo que contém a fita heliográfica no sentido leste­‑oeste) demandaria tempo não disponível nesses trabalhos. A avaliação da radiação solar em um deter‑ minado lugar é um dado importante, pois pode subsidiar o planejamento de diversas atividades, entre elas o turismo e a agricultura, além da ge‑ ração de energia elétrica por células fotovoltaicas ou simples geração de calor (placas solares para aquecimento de água).

Figura 5.13. Fita heliográfica para um dia com pouca cobertura de nuvens. Fonte: Galvani (2005).

capítulo 5 – técnicas de climatologia

121

Rafael Sato

Registradores analógicos com pena e tambor Os registradores analógicos, via de regra, con‑ sistem num tambor envolto por um diagrama em papel que gira em torno de seu próprio eixo, im‑ pulsionado por um cronômetro mecânico a corda ou eletromecânico. Uma pena metálica conduz tinta através de um capilar que vai traçando uma curva no diagrama conforme o tambor gira (Fi‑ gura 5.14). A pena, por sua vez, normalmente é fixada na extremidade de uma haste que descreve um arco de circunferência a partir de um eixo. A haste funciona como um amplificador mecânico de um pequeno deslocamento imposto por algum elemento cujas dimensões variam em função do fenômeno ou processo para cuja medida o instru‑ mento foi desenvolvido. No caso dos termógrafos, é comum que haja um elemento metálico cujo coeficiente de dilatação seja elevado em relação aos metais do resto do instrumento. No caso do barógrafo, há uma cápsula de vácuo constitu‑ ída por dois discos estampados em aço muito delgado cujas bocas se ajustam perfeitamente. A variação da pressão atmosférica externa resul‑ ta em variação da altura da cápsula, chamada aneroide. Os higrógrafos 6 mais confiáveis são baseados num feixe de fios de cabelo padroniza‑ do. O teor de umidade dos fios de cabelo tende a variar em função da umidade relativa do ar e seu comprimento tende a variar de acordo com seu teor de umidade. O actinógrafo7 possui duas placas metálicas justapostas e voltadas para o zênite, no interior de uma cúpula de vidro. Uma é revestida de tinta branca e a outra, de negro de fumo. Quanto maior a intensidade da insolação, maior a diferença de aquecimento entre as duas

6 Os higrágrafos (do grego, hygrós = úmido + gráphein = escrever) são instrumentos que medem e registram a umidade relativa do ar. 7 Os actinógrafos (do grego, aktís = raio + gráphein = escrever) são instrumentos que medem e registram a radiação solar global.

122

práticas de geografia

Figura 5.14. Actinógrafo bimetálico de Robtzisch.

e, portanto, de dilatação. Esse esforço de dilata‑ ção diferencial entre as duas placas provoca um distanciamento que é transmitido à pena. Em trabalhos de campo, o actinógrafo apresenta os mesmos problemas que o heliógrafo. Em geral, os registradores analógicos são exigentes quanto à horizontalidade da base. Os mais exigentes possuem parafusos de ajuste fino e níveis de bolha. Uma alavanca afasta a pena do tambor para a troca do diagrama e, sempre que o registrador for transportado, mesmo que seja por alguns metros, a pena deve estar afastada do tambor. Se o transporte for mais longo, além de afastada, a pena deve ser fixada com um gram‑ po, que normalmente fica na haste do próprio afastador. No tambor, há uma fivela de encaixe para fixação do diagrama (Figura 5.15). Normal‑ mente, o tambor possui uma guia, na qual o lado correspondente do diagrama deve ficar encosta‑ do, garantindo a validade da calibração quando da troca dos diagramas. A escala dos diagramas para instrumentos de rotação semanal normal‑

Reprodução

Rafael Sato

Figura 5.16. Gráfico de um termógrafo indicando os horários de temperatura mínima do ar (15,0 °C, às 6 horas) e a temperatura máxima (37,5 °C, às 14 horas). Para esse dia, a amplitude térmica foi de 22,5 o°C. Localidade: Piracicaba/SP. Fonte: Sentelhas (2007).

Reprodução

Rafael Sato

Figura 5.15 Detalhe de tambor, fivela e pena num registrador. Neste exemplo, o instrumento registrador é um termógrafo.

Figura 5.17 / Figura 5.18. Detalhe de diagrama com o barógrafo e nanômetro com a tampa aberta.

mente inicia na segunda­‑feira às 7 horas, enquan‑ to a escala dos diagramas mensais e bimensais iniciam no dia primeiro do mês. No entanto, a não ser em estações meteorológicas, normalmen‑ te o momento de instalação não coincide com o início da escala temporal do diagrama. A co‑ locação, portanto, inicia com a identificação do instrumento e do local de instalação no verso do diagrama e com a anotação de data e hora com precisão de minutos na extremidade em que será iniciado o registro. Quando da retirada do dia‑ grama, deve ser imediatamente anotada a data e a hora na extremidade em que termina o registro. Isso permite o ajuste da escala temporal e que, posteriormente, seja conferida a velocidade de

rotação do tambor. Tanto nos modelos mecâni‑ cos quanto nos modelos eletromecânicos há uma chave para calibragem da velocidade do tambor. A escala gráfica dos diagramas normalmen‑ te possui linhas de grade com precisão um dí‑ gito menor que a precisão do instrumento8. Em geral, os instrumentos e diagramas são proje‑ tados para que, entre a menor quantidade de papel e a precisão desejada, haja a melhor rela‑ ção custo­‑benefício. Nesses casos, a menor di‑

8 Com acuidade visual normal e algum treinamento, uma pessoa consegue a leitura com precisão de quartos da menor divisão de grade no diagrama.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

123

visão de grade no diagrama mede 1 milímetro. A leitura se faz com o auxílio de uma lupa de bancada, chamada nanômetro, que possui um retículo em décimos de milímetro (Figuras 5.17 e 5.18).

OBSERVAÇÃO USANDO INSTRUMENTOS DIGITAIS

Os instrumentos digitais usados em Clima‑ tologia podem ser classificados em dois tipos: portáteis e fixos. Os instrumentos digitais fixos normalmente são instalados agrupados e co‑ nectados a um único sistema de alimentação e armazenamento de dados. O sistema é cha‑ mado de Estação Meteorológica Automática (EMA). Este capítulo não tratará das EMA, embora seja desejável sua instalação temporá‑ ria em trabalhos de campo com duração maior que alguns dias e em alguns casos possam ser usadas sobre plataformas móveis (embarcações e veículos). Os instrumentos digitais portáteis9, em ge‑ ral, possuem o transdutor num elemento sensor separado por um cabo de cerca de um metro do corpo do instrumento, o qual contém baterias, circuito eletrônico e visor. Isso permite que, com o braço estendido, o sensor seja posicio‑ nado o mais longe possível do corpo do obser‑ vador, enquanto, com o outro, o visor seja colo‑ cado numa posição adequada para sua leitura. No caso de grandezas em que a radiação solar seja relevante, deve­‑se atentar para a posição do sensor em relação ao Sol e ao observador (Figu‑ ras 5.21 a 5.24, na página 126). Existem vários modelos de instrumentos digitais para determinar a umidade relativa do ar. Dentre os portáteis, os mais difundidos, em função do preço acessível, são baseados numa membrana higroscópica cuja condutância elétrica varia em função de seu teor de água. Embora muito práticos e de fácil manejo, deve­ ‑se atentar para que as baterias sejam sempre novas (a umidade medida tende a ser menor que a real conforme as baterias vão perdendo

Nas últimas décadas, houve uma espécie de revolução técnica na observação instrumental dos atributos climáticos com a massificação e o barateamento de tecnologias digitais. Em geral, os instrumentos possuem sensores eletrônicos cujas propriedades elétricas variam em função de algum processo ou fenômeno físico.

9 Há no mercado instrumentos digitais portáteis que me‑ dem várias grandezas simultaneamente (temperatura, umidade relativa, velocidade do vento e luminosidade, por exemplo). Antes de adquirir algum instrumento, deve­‑se estudar cuidadosamente a sua precisão para cada elemento medido, pois é comum que seja satisfa‑ tória para alguns elementos e não para outros.

Fotografia com objetiva “olho de peixe” Interessa à Climatologia, especialmente em escalas maiores, o estudo das obstruções da abóbada celeste, seja pelos objetos implantados à superfície, pelo relevo, ou mesmo pela nebulo‑ sidade. Nesse caso, costuma­‑se registrar a abó‑ bada com uma objetiva “olho de peixe” (Figura 5.19), que consiste numa lente capaz de projetar em um círculo, no plano do filme, todo o cam‑ po visual de um hemisfério visual a partir do ponto de observação. Em geral, posiciona­‑se a máquina fotográfica na vertical com auxílio de um tripé, de forma que o centro da lente aponte para o zênite. Deve­‑se colocar no campo visual da lente uma vara em pé, com cor ou sinal que indique a direção norte em relação ao ponto em que foi tomada a foto. A avaliação da proporção de obstrução pode ser feita pela contagem num ábaco, como o da Figura 5.20, impresso numa base transparente, ou digitalmente usando qualquer software para tratamento de imagens orbitais.

124

práticas de geografia

Rafael Sato Rafael Sato

Figura 5.19. Objetiva “olho de peixe”.

Figura 5.20. Diagrama para estimativa do coeficiente de obstrução de céu. Fonte: Azevedo, 2005.

a carga) e para o acúmulo de pó no transdutor (que tende a majorar as medidas). Deve­‑se evi‑ tar expor o elemento sensor à insolação quan‑ do determinar a umidade, pois a radiação solar aquece o transdutor favorecendo a evaporação e resultando em menores valores de umidade relativa do ar. Principalmente em levantamen‑ tos expeditos, deve­‑se atentar para a evapo‑ transpiração do próprio corpo do observador, que tende a aumentar devido à atividade física intensa. O luxímetro portátil é usado para determinar a luminosidade do ambiente. A técnica é bastante simples, mas devem ser tomados alguns cuida‑ dos. Determina­‑se a luminosidade com o sensor

voltado para a atmosfera, atentando­‑se para o ângulo cônico a partir do instrumento, do qual provém a luz captada pelo sensor, em geral 60º ou 90º, dependendo do modelo. Em função do instrumento usado, o sensor não deve ser voltado diretamente para o Sol, pois são concebidos para uso em ambientes internos. Por isso, sempre deve ser consultada sua docu‑ mentação antes de usá­‑lo. O anemômetro analógico consiste em um me‑ didor da distância percorrida pelo vento em um determinado tempo. A velocidade do vento é calculada considerando a distância percorrida pelo vento em um intervalo de tempo registrado com um relógio (m/s ou m/min). Normalmen‑ te, essa observação é realizada a dois: um com o anemômetro e outro com um relógio para marcar um determinado intervalo de tempo (um minuto, dois minutos). Após determinado intervalo de tempo (um minuto, por exemplo) observa­‑se a distância percorrida no anemôme‑ tro. Se a distância for, por exemplo, de 120 m, então a velocidade do vento é de 120 m/min ou 2 m/s. Esses instrumentos, pelas informações que fornecem, são muito utilizados na arquitetura, planejamento de interiores e engenharia. Finalmente, a despeito da aparente prati‑ cidade, algumas regras básicas devem sempre ser levadas em conta com relação às baterias de instrumentos digitais portáteis. A maior parte das avarias nesses instrumentos resulta do arma‑ zenamento do instrumento com as baterias. E a maior parte dos erros e imprecisões nas medidas deriva da variação da carga das baterias. Ao pre‑ parar uma jornada de trabalho de campo, os ins‑ trumentos devem estar sem baterias, pois devem ter sido armazenados nessa condição. Deve­‑se identificar cada uma das baterias e aferir sua tensão com um voltímetro. Em seguida, deve ser registrado o instrumento que a recebeu. Sem‑ pre que se encerra uma jornada de trabalho de campo, o instrumento deve ser testado e limpo imediatamente. As baterias devem ser removidas

capítulo 5 – técnicas de climatologia

125

Rafael Sato

1

2 4

Figura 5.21 / Figura 5.22 / Figura 5.23 / Figura 5.24. Posição correta para uso de alguns instrumentos portáteis: (1) anemômetro digital, (2) termohigrômetro, (3) luxímetro e (4) anemômetro analógico.

3

126

práticas de geografia

e sua tensão medida e anotada10. Embora alguns instrumentos indiquem quando a tensão da ba‑ teria está baixa, não se deve fiar nesse expedien‑ te, pois, na prática, há uma grande chance de só se atentar para o fato depois de algum tempo ou sequer percebê­‑lo. Em campo, isso ocorre por várias razões: pode­‑se estar cansado, com sede, com fome, com calor, com frio, distraído com outros aspectos etc. Além disso, deve­‑se evitar abrir o corpo do instrumento em campo para não entrar sujeira, insetos, água ou as ácidas e salgadas gotas de suor do próprio observador. Se, no final do dia, perceber­‑se que a bateria está fraca e, então, lembrar­‑se que a última vez que se havia prestado atenção a esse “detalhe” havia sido pela manhã, restará tanta dúvida com relação à confiabilidade dos dados coletados que a jornada de trabalho poderá ter sido em vão. Por isso, deve­‑se usar sempre baterias novas. Por último, a mais importante de todas as regras para o uso de instrumentos em trabalho de campo: evitar utilizar um instrumento sem ter se familiarizado com seu mecanismo, pecu‑ liaridades, funcionamento, limites de uso. Testar e treinar antes é fundamental para evitar proble‑ mas e dúvidas no campo.

CONFORTO TÉRMICO O conforto térmico e higrométrico expres‑ sa o bem­‑ estar do ser humano em função das condições do meio. O indivíduo pode sentir conforto ou desconforto em função de tempe‑ raturas elevadas ou reduzidas e também por am‑ bientes muito úmidos ou secos. O homem é um ser homeotérmico, ou seja, a sua temperatura é mantida relativamente constante por processos

10 Esta rotina também evita que o instrumento seja guar‑ dado ligado. Por incrível que pareça, isso ocorre com muita frequência, sobretudo em trabalhos de campo longos e/ou que exigem esforço físico.

metabólicos. A temperatura do corpo humano situa­‑se em torno de 37 ºC, sendo o limite infe‑ rior 32 ºC e o superior 42 ºC para a sobrevivência (frota; shiffer, 2001). No limite inferior da zona de conforto (frio), o organismo reage cau‑ sando vasoconstrição, arrepio e tiritar (tremer); já no outro extremo da zona de conforto (calor) podem ocorrer vasodilatação e exsudação. Alguns resultados dos primeiros estudos de conforto (datados de 1916) indicaram que, para o trabalho físico, o aumento da temperatura de 20 ºC para 24 ºC diminuiu o rendimento em 15%; a 30 ºC de temperatura ambiente, com umidade relativa do ar (UR) em 80%, o rendimento caiu 28%; nas minas da Inglaterra, o trabalho do mi‑ neiro rendia 41% menos quando a temperatura efetiva (TE) era de 27 ºC em relação à TE de 19 ºC. Também foi detectado que há uma relação entre os índices de conforto térmico e os aci‑ dentes de trabalho (frota; shiffer, 2001). É evidente, então, que o nível de conforto térmico influencia o rendimento escolar dos alunos. Por isso, vamos propor adiante um exercício de ava‑ liação de conforto na sala de aula. Uma maneira simples de analisar o conforto térmico é por meio da avaliação da temperatu‑ ra e umidade relativa do ar (conforme descrito anteriormente, com uso do psicrômetro). Após avaliar a temperatura e a umidade relativa do ar, determina­‑se o índice de temperatura e umidade (THI) com uso da equação, a seguir, sendo Ts a temperatura do ar em ºC, e UR a umidade relativa do ar.: THI = Ts – (0,55 – 0,0055 ∙ UR) ∙ (Ts – 14,5) O resultado de THI é dado em ºC (funari, 2006). Com esse resultado, consulta­‑se a Tabela 5.3 na página 128, para avaliar a situação de conforto ou desconforto pelo frio/calor. Para exemplificar, temos duas situações: a) quente e úmida: Ts = 32 °C e UR = 95%. Para esta condição o THI é igual a 32 °C, ou seja, consultando a Tabela 5.3 temos uma situação de “desconforto pelo calor”;

capítulo 5 – técnicas de climatologia

127

Tabela 5.3 – Faixas de intervalo do índice de conforto (ICT) em função do THI

Classes

ICT (ºC)

Característica

1

< ou = 5,9

Resfriamento muito elevado

2

6,0 - 8,9

Resfriamento elevado

3

9,0 - 11,9

4

12,0 - 14,9

Desconforto pelo frio

Frio

5

15,0 - 17,9

Leve desconforto pelo frio

6

18,0 - 20,9

Limite inferior da zona de conforto

7

21,0 - 23,9

Centro da zona de conforto

8

24,0 - 26,9

Limite superior da zona de conforto

9

27,0 - 29,9

Leve desconforto pelo calor

10

30,0 - 32,9

Desconforto pelo calor

11

> ou = 33,0

Aquecimento elevado

Fonte: Funari, 2006. Organizado: Armani, 2006.

b) fria e seca: Ts = 11 °C e UR = 45%. Para esta outra condição o THI é igual a 14 °C, ou seja, “desconforto pelo frio”. Esse é um procedimento relativamente simples que fornece um bom indica‑ dor das condições de conforto e desconforto das pessoas, tanto por frio e calor quanto por umidade alta ou baixa. Sabe­‑se que esse índice depende de cada pessoa (algumas sentem mais frio, outras mais calor), pois são índices subjetivos. Essas faixas de conforto e desconforto também são diferentes para as várias la‑ titudes e condições climáticas brasileiras. Diante de uma queda de temperatura, certamente um piauiense começará a sentir desconforto térmico mais rapida‑ mente do que um morador da serra gaúcha. Os brasilienses, por sua vez, cer‑ tamente sentirão maior desconforto térmico pela alta umidade em Manaus do que os próprios manauaras. Mesmo assim, a Tabela 5.3 serve como parâmetro.

IMAGENS DE SATÉLITE E INFORMAÇÕES DA IMPRENSA Diariamente, os jornais escritos e televisionados apresentam em seus qua‑ dros a previsão do tempo para o(s) próximo(s) dia(s). Geralmente são previsões de tempo bastante generalizadas, em que o apresentador, em alguns segundos, mostra a previsão para o país inteiro. Claro que isso resulta em generalizações que nem sempre expressam as diferentes particularidades dos tipos de tempo previstas para todo o país. O fato é que a previsão do tempo é uma informação que passou a fazer parte do cotidiano de todos. É comum olharmos a previsão do tempo para sabermos que roupa vestir, se levamos guarda­‑chuva ou não, se viajamos no fim de semana etc. As imagens de satélite também ganharam espaço nessas mídias. A disponibilidade de imagens de satélite (tanto para fins meteorológicos quanto para outras atividades) aumenta a cada dia. Na

128

práticas de geografia

Na Figura 5.25, o termo GOES­‑12 IR sig‑ nifica: Geostationary Operational Environmental Satellite – Satélite Ambiental de Operação Ge‑ ostacionária; o número 12 indica que é a décima segunda versão do equipamento e IR indica que é o canal infravermelho (Infra­‑Red) do satélite. Para finalizar este capítulo, apresenta­‑se o quadro síntese (Tabela 5.4) com os principais instrumentos apresentados no texto. A sequên‑

Reprodução

internet, nos sites especializados de previsão do tempo, é comum encontrarmos imagens quase em tempo real. A Figura 5.25 apresenta uma ima‑ gem de satélite do dia 26 de fevereiro de 2010, às 5h45min. Observa­‑se, pelos tons brancos, grande quantidade de nebulosidade sobre as regiões Nor‑ te, Centro­‑Oeste e Sudeste do Brasil. É possível observar também grande nebulosidade sobre o estado de Minas Gerais e sobre o Oceano Atlân‑ tico. Esse alinhamento de nuvens é indicativo do deslocamento de um sistema frontal. Particular‑ mente, esse sistema frontal resultou na redução da temperatura do ar em cerca de 12 °C (a tem‑ peratura máxima do ar estava oscilando em 32 °C e, após a passagem dessa frente fria, reduziu para 20 °C) na região metropolitana de São Paulo. Perceba que, após a passagem da frente fria, pre‑ domina ausência de nebulosidade. Interessante atividade é acompanhar as imagens e associá­‑las com as condições de tempo observadas e regis‑ tradas na região. Essas imagens podem ser vistas nos seguintes sites: ¾¾Centro de Previsão de Tempo e Estudos Cli‑ máticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pes‑ quisas Espaciais (INPE), no endereço: (clique em satélites); ¾¾Instituto Nacional de Meteorologia (INME‑ TE), no endereço: (clique em imagens de satélite); ¾¾Laboratório MASTER (Meteorologia Apli‑ cada a Sistemas de Tempo Regionais), do Insti‑ tuto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG), no endereço: .

Figura 5.25. Imagem de satélite do dia 26 de fevereiro de 2010, às 8h45Z (Z significa tempo Zulu, ou tempo médio em Greenwich, ou seja três horas a mais que a hora local, portanto 5h45min no horário de Brasília). Fonte: Laboratório MASTER, disponível em (acesso: ago/2010).

cia obedeceu à ordem de apresentação dos dados e visa apresentar um check list do que levar em trabalhos de campo quando se pretende avaliar atributos do clima em uma escala de tempo me‑ teorológico. O que se espera, ao final deste item, é for‑ necer aos professores de Geografia, alunos de graduação em Geografia e demais profissionais de áreas afins os conceitos básicos sobre instru‑ mentação meteorológica, suas aplicações, limi‑ tações e problemas, visando facilitar a vida do usuário em tarefa tão difícil que é a realização de trabalhos de campo. É importante ressaltar o quanto o clima influencia nossa vida cotidiana nas dimensões sociais, econômicas, culturais e em todas as escalas, desde as mudanças climáticas globais até o simples sair de casa para uma jornada de trabalho ou em férias. O Brasil é um país privile‑ giado, pois os climas são favoráveis para muitas culturas (de alimentos, biocombustíveis), além de apresentar grande potencial para a geração de energias limpas tradicionais (hidrelétricas) e alternativas (solar e eólica). Ao refletir sobre Climatologia com os alunos, descobre­‑se cada vez mais ligações entre este assunto e a realida‑ de deles, tornando o aprendizado muito mais profícuo. E praticar Climatologia por meio de atividades é um exercício envolvente e prazeroso.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

129

Tabela 5.4 – Principais instrumentos e características gerais Nome do instrumento

Atributo medido

Mede

Recomendado em trabalho de campo

Aquisição viável Sim (**). É possível construir e o instrumento.

Pluviômetro

Precipitação pluvial (chuva).

Sim

Não

Sim. O problema é que em dias chuvosos normalmente os trabalhos de campo são adiados.

Psicrômetro

Temperatura de bulbo seco e úmido. Estimativa de umidade relativa do ar.

Sim

Não

Sim. Fácil manuseio em campo. Cuidado ao girar o psicrômetro, pois ele pode soltar­‑se.

Sim (**)

Termômetro de máxima e mínima

Temperatura máxima e mínima do ar.

Sim

Sim (não em papel)

Sim. Necessário mais de um dia em campo para obter as medidas necessárias.

Sim(**)

Heliógrafo

Número de horas de brilho solar.

Sim

Sim

Não. Difícil nivelamento e orientação.

Não

Actinógrafo

Radiação solar global.

Sim

Sim

Não. Difícil nivelamento e operação.

Não

Não

Barógrafo

Pressão atmosférica.

Sim

Sim

Não. Difícil nivelamento e operação. Recomenda­‑se uso de um altímetro digital ou analógico que apresenta esse recurso.

Fotografia com objetiva “olho de peixe”

Obstrução do céu.

Sim (*)

Sim (*)

Sim. Principalmente em estudos abaixo do dossel da vegetação.

Não

Anemômetro digital

Velocidade do vento.

Sim

Não

Sim. Cuidados com as baterias e orientação do sensor.

Sim (***)

Termômetro digital

Temperatura do ar.

Sim

Não

Sim. Cuidado com as baterias.

Sim (***)

Higrômetro digital

Umidade relativa do ar.

Sim

Não

Sim. Fácil manuseio em campo.

Sim (***)

Luxímetro

Luminosidade.

Sim

Não

Sim. Cuidados especiais no nivelamento.

Sim (***)

Não

Sim. Necessita de uma medida simultânea de tempo com um relógio, pois o mesmo fornece somente a distância percorrida pelo vento.

Sim (***)

Anemômetro analógico

Velocidade do vento.

Sim

(*) Necessita revelação da foto e determinação da área obstruída. (**) Viabilidade de aquisição a custo reduzido de cerca de R$ 50,00. (***) Viabilidade de aquisição a custo de cerca de R$ 300,00.

130

Registra

práticas de geografia

NA SALA DE AULA

Atividade 1 Após a parte teórica ser ministrada em sala, dirija­‑se ao pátio da escola com os alunos e faça a observação da cobertura de nuvens. Mesmo que as tipologias das nuvens sejam de difícil identificação, somente a observação da cober‑ tura de nuvens já despertará o interesse dos alunos para o tema da aula. Se possível, realize novamente essa observação algumas horas de‑ pois ou, como atividade extraclasse, solicite que avaliem a cobertura de nuvens em outros horá‑ rios, dias e meses do ano, envolvendo os alunos em observação contínua. Interessante salientar que na primavera e no verão a dinâmica da alte‑ ração da cobertura de nuvens é bastante rápida. Quase sempre, pela manhã, têm­‑se condições de céu limpo e, no meio da tarde para o final da tarde, céu com cobertura total ou parcial de nuvens.

Atividade 2 Instale um pluviômetro semelhante ao da Figura 5.8 em um local aberto no pátio da ins‑ tituição. Como descrito anteriormente, após a ocorrência de uma chuva, meça o total de chuva com uma régua. Para isso, basta introduzir a régua na vertical dentro do pluviômetro e ava‑ liar a altura da água. Em seguida elimine a água para outra leitura. Como a régua é graduada em centímetros, basta multiplicar por 10 e terá o total de chuva em milímetros (mm) ou litros por metro quadrado. Por exemplo, se a altura da água dentro do pluviômetro foi de 3,6 cm, isso equivale a 36 mm de chuva. Como atividade extraclasse é possível cada aluno medir a chuva em sua residência e depois comparar os dados. Isso ajuda a entender a va‑

riação espacial da chuva, ou seja, há dias em que chove no bairro A e não chove no bairro B. Recomendação: instale o pluviômetro em lo‑ cal aberto com pelo menos 10 m de área livre em todos os lados; a altura deve ser de 1,5 m acima do solo e as leituras efetuadas sempre no mesmo horário, em geral às 7 horas da manhã. Após, ou durante essas duas atividades, dis‑ cuta com os alunos os seguintes pontos: ¾¾Nos trópicos úmidos, a influência do calor na dinâmica atmosférica sobre os processos cli‑ máticos explicaria o fato de 70% das chuvas nos trópicos (centro­‑sul do Brasil, de um modo geral) ocorrerem entre outubro e março (para outras regiões do Brasil é necessário recontextualizar). ¾¾Desse fato, extraem­‑se informações impor‑ tantes que podem ser utilizadas no planejamento territorial. Sabe­‑se, por exemplo, que as chuvas torrenciais ocorrem no período mais quente, o que permite a prevenção de enchentes e desliza‑ mentos de encosta, além do planejamento agrí‑ cola, turístico, energético (hidrelétricas) etc. ¾¾Em que época do ano a qualidade do ar tende a ser melhor nas cidades? Por quê?

Atividade 3 Uma atividade interessante em sala de aula é avaliar a direção do fluxo de ar. Posicione um instrumento similar ao da Figura 5.6, página 117, na porta da sala de aula, próximo ao piso, e outro acima de sua cabeça. Observe que o ar quente tende a sair da sala pela parte superior da porta (a biruta vai indicar ar saindo da sala) e, na parte inferior, geralmente, ar mais frio entrando na sala (a biruta vai posicionar­‑se ao contrário daquela na parte superior). Isso é interessante

capítulo 5 – técnicas de climatologia

131

para avaliar a circulação de ar dentro da sala de aula. Para este exercício, o ideal é fechar todas as janelas e deixar somente uma porta aberta. Como atividade extraclasse, solicite que avaliem a circulação do ar em suas casas. Essa circulação do ar contribui para a melhor ventilação das edi‑ ficações, melhorando o conforto térmico nesses ambientes. Se o ambiente possuir ventilador, é possível simular a circulação do ar natural (sem ventilador) e forçada (com ventilador ligado).

Atividade 4 Avalie a temperatura do ar de bulbo seco e bulbo úmido conforme descrito anteriormente em diferentes locais da escola (dentro da sala, na quadra a céu aberto, no corredor). Com es‑ ses dados, determine a umidade relativa do ar utilizando­‑se a Tabela 5.2 ao final do capítulo. Após, calcule o índice de temperatura e umi‑ dade (THI). Nesse momento, se for necessário, o professor de matemática pode participar da atividade para ajudar nos cálculos. Com o valor de THI, discuta os resultados com os alunos e, com base na Tabela 5.3 (página 128), conclua se a sala de aula apresenta conforto térmico ou não. Essa atividade pode ser feita em diferentes dias com condições atmosféricas diferentes (por exemplo, um dia mais quente, outro mais frio, uma medida no período da manhã, outra à tar‑ de). A atividade também pode ser repetida em outros ambientes da escola, como o pátio e a sala dos professores.

Atividade 5 A realização de uma visita a uma estação meteorológica é bastante interessante para os alunos se familiarizarem com os instrumentos de medidas. Verifique em sua cidade se há uma estação meteorológica instalada, faça o conta‑ to e agende uma visita. Normalmente, nas es‑

132

práticas de geografia

tações meteorológicas há um observador que recebe os alunos. Prefira as estações meteoro‑ lógicas convencionais, pois as automáticas não são tão didáticas, tendo­‑se em vista os instru‑ mentos utilizados.

Atividade 6 É possível montar na escola uma miniestação meteorológica convencional. De todos os ins‑ trumentos apresentados, alguns são possíveis de serem obtidos ou confeccionados facilmente. É o caso do pluviômetro e do conjunto de termômetros de máxima e mínima temperatura do ar. Procure um local na escola para a instala‑ ção do pluviômetro. Esse local deve ser aberto e com espaço mínimo de 10 m de raio no en‑ torno para evitar a influência das construções das medidas de chuva (o total de chuva pode ser superestimado se o pluviômetro ficar pró‑ ximo a uma goteira, ou subestimado se ficar embaixo de uma árvore ou cobertura). Instale o equipamento a 1,5 m de altura e faça as leituras sempre no mesmo horário (7 horas da manhã, por exemplo). Escale os alunos para fazerem as leituras a cada dia da semana ou do mês. Ano‑ te os dados e discuta em sala os valores regis‑ trados. Um termômetro de máxima e mínima pode ser adquirido por cerca de R$ 30,00 no mercado (faça uma pesquisa em um site de bus‑ ca com a expressã “termômetro de máxima e mínima”). Esse conjunto deverá ser instalado dentro de um abrigo meteorológico em am‑ biente externo, como mostra a Figura 5.26. Em caso de dificuldade na confecção do miniabri‑ go, pode­‑se instalar o termômetro de máxima e mínima no interior da sala de aula. Faça as leituras e lembre­‑se que as leituras de máxima temperatura do ar lida pela manhã referem­‑se à temperatura máxima do dia ante‑ rior. Anote e discuta com os alunos os aspectos levantados a seguir.

A amplitude térmica do local onde está a escola é grande ou pequena? No caso de se ter uma amplitude elevada, quais seriam as razões? Está muito longe do mar? Não há vegetação? E se as medidas acusarem uma pequena amplitude térmica? Quais seriam as razões que explicariam isso, com base nos conhecimentos que já adquiriu? Qual a relação da vegetação com a umidade e a temperatura do ar? E o concreto e o asfalto, como podem influenciar o microclima no entorno?

Mini abrigo meteorológico

Termômetro de máxima e mínima

20

ºC

10 _

Sérgio Fiori

Base de sustentação com 1,5 m

20

0 10

40

60

30

10

20

50

40

+

0 10

Fios de sustentação

Pluviômetro

50

30

20 +_

30

Figura 5.26. Abrigo meteorológico e pluviômetro, que pode ser fabricado com ajuda de outros professores.

Biruta de canudinho

Superfície do solo - preferência um gramado

Atividade 7 Efetue uma consulta aos sites ou jornais impressos que trazem a previsão do tempo para a sua localidade. Um exemplo é o site do INMET (), no qual pode­‑se selecionar previsão do tempo e depois municí‑ pios para encontrar a previsão para todos os municípios brasileiros. Anote os valores de temperatura máxima e mínima previstos e a ocorrência ou não de chuvas. Faça uma tabela indicando o dia, a temperatura máxima e a tempe‑ ratura mínima previstas e a previsão de chuvas (sim ou não). Com os dados observados na miniestação construída na escola, inclua mais três colunas (temperatura máxima e mínima do ar e chuva). Compare os dados, veja os acertos e erros. Junte as imagens de satélite. Realizar exercícios práticos e relacionar os dados com o cotidiano dos alu‑ nos certamente tornará a Climatologia um tema mais prazeroso e envolvente.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

133

REFERÊNCIAS DE APOIO

134

Glossário

Bibliografia

Azimute: ângulo entre uma direção qualquer e a direção do norte geográfico no sentido horário, usual‑ mente determinado em graus. Por exemplo, a direção do vento sul será expressa como 180º de azimute; a direção leste, 90º e assim por diante. Continentalidade: influência do continente nos atributos ou elementos climáticos. Por exemplo, a amplitude térmica no Brasil central é superior àquela observada próxima ao litoral. A exemplo, a amplitude térmica média no mês de julho em Salvador (BA) é de 4,8 °C e em Cuiabá (MT) é de 15,2 °C (INMET, 1992). Vale lembrar que ambas as localidades estão em latitudes próximas. Depressão psicrométrica: é a diferença entre o termômetro de bulbo seco e aquele de bulbo úmido. Por exemplo, se o termômetro de bulbo seco registra 27,0 °C e o termômetro de bulbo úmido 23,0 °C, a depressão psicrométrica (27,0 – 23,0) será de 4,0 °C. Grimpa: dispositivo da parte superior de cataventos. Tem como finalidade indicar a velocidade do vento. A grimpa desloca­‑ se na vertical sob a atuação do vento. Quanto maior a velocidade do vento, maior o seu movimento. Umidade relativa do ar: relação entre o conteúdo de vapor d’água na atmosfera naquele instante (e para aquela temperatura) e sua relação com a condição de ar saturado. A unidade relativa do ar não nos dá, portanto, conteúdo absoluto de vapor d’água na at‑ mosfera. Para se ter essa informação deve­‑se calcular a umidade específica, o que não seria aconselhável por parte do autor, nesse contexto. Maritimidade: influência da presença dos oceanos e mares em climas próximos. A água possui elevado calor específico (demora para aquecer e para resfriar) mantendo o equilíbrio térmico no ambiente úmido. Zênite: imagine uma linha na vertical sobre sua cabe‑ ça, olhe para cima, e esse ponto é o zênite do local. Se você mudar de local, o zênite também muda com você. Também é o nome dado ao ponto mais elevado do firmamento, aquele que miramos ao olhar direta‑ mente para cima. O ponto oposto ao Zênite, do outro lado do globo, é denominado Nadir.

Ayoade, J. O. Introdução à Climatologia para os trópicos. 3. ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1991. Frota, A. A. B.; Shiffer, S. R. Manual de conforto térmico. 5. ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001. Funari, F. L. O índice de sensação térmica humana em função dos tipos de tempo na região metropolitana de São Paulo. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. Mendonça, F.; Danni­‑Oliveira, I. M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2007. Mota, F. S. Meteorologia agrícola. São Paulo: No‑ bel, 1983. Pereira, A. R.; Sentelhas, P. C.; Angelocci, L. R. Agrometeorologia: fundamentos e aplicações práticas. Guaíba: Agropecuária, 2002. Sant’Anna Neto, J. L.; Zavatini, J. A. (Org.). Variabilidade e mudanças climáticas. Maringá: Eduem, 2000. Tarifa, J. R.; Azevedo, T. R. Os climas da cidade de São Paulo: teoria e prática. 2001. In: Coleção Novos Caminhos. n. 4. Departamento de Geografia, FFLCH/ USP, São Paulo. Tubelis, A.; Nascimento, F. J. L. Meteorologia descritiva: fundamentos e aplicações. São Paulo: Nobel, 1980. Varejão­‑Silva, M. A. Meteorologia e climatologia. Brasília: Instituto Nacional de Meteorologia, 2001.

práticas de geografia

SOBRE OS AUTORES Tarik Rezende de Azevedo possui bacharelado (1995) e licenciatura (1996) em Geografia pela Facul‑ dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Uni‑ versidade de São Paulo. É doutor em Geografia Física (2001) pela mesma instituição. Atualmente é professor doutor do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Climatologia de áreas urbanas e conforto térmico. Emerson Galvani é mestre em Agrometeorologia pela Esalq/USP (1995) e doutor em Agronomia (Energia na Agricultura) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus Botucatu (2001). Atualmen‑ te, é professor doutor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Bolsista de pesquisa e produtividade do CNPq (PQ1D), também é o atual presidente da Associação Brasileira de Climatologia – ABCLIMA (gestão 2008­‑2010). Atua, desde 2007, como coordenador do Programa de Pós­‑ Graduação em Geografia Física da FFCLH/USP e, desde 2009, é vice­‑ presidente da Comissão de Pós­‑ Graduação da FFCLH/USP.

capítulo 5 – técnicas de climatologia

135

136 34 32 29 27 25 22 20 18 15 13 11 9

33 30 28 25 23 21 18 16 14 11 9 7

32 29 26 24 21 19 16 14 12 9 7 5

30 27 25 22 19 17 14 12 10 7 5 3

28 26 23 20 18 15 12 10 7 5 3

27 24 21 18 16 13 10 8 5 3

25 22 19 16 13 11 8 5 3

23 20 17 14 11 8 6 3

21 18 15 12 9 6 4

19 15 12 9 6 3

16 13 10 7 4

14 10 7 4

11 8 4 1

8 5 1

84 79 74 70 65 60 56 51 46 42 37 33 29 25 21 17 13 9 5 2

79 74 69 64 59 54 49 45 40 36 31 27 23 18 14 10 6 2

78 73 68 62 57 53 48 43 38 33 29 24 20 16 11 7 3

77 72 66 61 56 51 46 41 36 31 26 22 17 13 8 4

76 71 65 60 54 49 44 39 34 29 24 19 14 10 4

76 70 64 58 53 47 42 36 31 26 21 16 11 6

75 69 63 57 51 45 40 34 29 23 18 12 7 1

74

67

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Tabela 5.2 – Tabela psicrométrica para altitudes entre 600 a 800 m

(Observação: ts é a temperatura do ar lida no bulbo seco e ts­‑tu é a depressão psicrométrica obtida pela diferença entre ts – tu). Diferença de temperatura entre os termômetros de bulbo seco (ts) e bulbo úmido (th). Valores em °C.

técnicas de Biogeografia

6

Eduardo Justiniano

SuELI ANGELO FuRLAN

Introdução, xx O conceito de área de distribuição e as técnicas de mapeamento, xx Reconstrução dos padrões e seus processos formadores, xx O trabalho de campo em biogeografia, xx

Estudo da cobertura vegetal, xx Procedimentos para levantamentos florísticos e fitossociológicos, xx Observando o meio físico, xx Estudo dos fatores climáticos, xx

Estudos da fauna, xx Estudando as aves, xx Análise, interpretação e relatório, xx Na sala de aula, xx Considerações finais, xx Referências de apoio, xx Sobre o autor, xx

introdução A Biogeografia, campo da geografia que estuda a espacialidade da vida, busca compreender os diferentes padrões de distribuição dos animais e das plantas na Terra e analisa as alterações morfológicas dos seres vivos e os padrões que se refletem espacialmente nos agrupamentos biológicos em diferentes escalas e tempos. Em 1820, De Candolle (1778‑1841) foi pioneiro, ao distinguir e rela‑ cionar os padrões a causas históricas e ecológicas da atualidade na distribuição dos seres vivos, reconhecendo a importância dos condicionantes físicos atuais (clima, solos, redes hídricas, relevo) para a explicação dos padrões por processos ecológicos e das causas históricas (associadas à transformação no tempo) não observáveis no presente para a compreensão das transformações dos padrões e das mudanças climáticas. A separação da Biogeografia em ecológica e histórica vem sendo debatida a tempos; os biogeógrafos que trabalham na primeira perspectiva pesquisam essencialmente como as espécies reagem aos diferentes tipos de solo, climas e formas de relevo, enfocando as interações biológicas atuais. Tais estudos revelam o papel limitante desempenhado por esses fatores abióticos na distribuição sobre a natureza, sobre a estrutura das comunidades e sobre a capacidade fisiológica dos seres vivos para suportar certas condições ambientais. Este conhecimento tem sido útil para a agricultura, biologia da conservação, planejamento ambien‑ tal, entre outros. A Biogeografia histórica tem revolucionado paradigmas da ocorrência e dis‑ tribuição de padrões e tem sido fundamental no estudo da conservação, através da compreensão da formação das paisagens, do endemismo, da raridade, dos mecanismos competitivos, na formação e espacialidade dos grandes conjuntos de ecossistemas. São, portanto, dimensões que se complementam; para muitos autores trata‑se de uma divisão artificial que é adotada nos estudos, mas que estão profundamente integradas. Há muitas formas para se periodizar a história do pensamento em um campo científico. Para alguns autores, a Biogeografia pode ser dividida em três períodos marcados por rupturas conceituais: o clássico, o wallaceano e o moderno. O período clássico (1760 ‑1860) caracteriza‑se pelas profusão de ideias criacionistas, ou seja, o mundo foi criado por fatores sobrenaturais e deve ser conhecido e descrito. Neste longo período de inventários, produziu‑se descrições florísticas e faunísticas das grandes regiões mundiais, realizadas por viajantes naturalistas. No Brasil, as missões destes naturalistas deixaram um importante registro de nossa flora e fauna. A obra de Spix e Martius (1817‑1820), Langsdorff (1822‑1829) e o trabalho de pintores como Rugendas, Ender, Pohl, Florence e muitos outros são atemporais (Figura 6.1). O período wallaceano (1860 ‑1960) é assim denominado devido à influência das ideias evolucionistas de wallace‑Darwin. A Teoria da Evolução é a aquisi‑ ção que rompe o paradigma do criacionismo na explicação do endemismo e da Biogeografia regional. Essa teoria postula que, através da seleção natural

Flora brasiliensis

Figura 6.1. Prancha 33 – Prospectus e Jugo Serra d’ Estrella in Sinum Sebastianopolitanum, de Benjamin Mary (1836). Fonte: Flora Brasiliensis (1906) de Carl Friedrich Philipp Von Martius, Ignatz urban e August wihelm Eichler, volume I. Disponível em: (acesso: ago/2010).

e da competição, espécies dominantes de plantas e animais aparecem em pequenos centros de origem, expandem‑se e diversificam‑se sobre a Terra. Na explicação wallaceana, as grandes feições atuais da Terra – como os continen‑ tes e as bacias oceânicas – foram consideradas estáticas durante a evolução. A maioria dos padrões biogeográficos teria se formado por dispersão, ou seja, deslocamentos das formas de vida por pontes de conexão, que atuaram como verdadeiros “filtros” seletivos das populações em busca do sucesso na irradia‑ ção adaptativa a partir dos centros de origem. O período moderno inicia‑se em 1960, sendo em parte influenciado pela Teo‑ ria da Tectônica de Placas, pelo desenvolvimento de novas técnicas filogenéticas (incluindo a Genética) e pela evolução de novos procedimentos de pesquisa da Biogeografia ecológica. A concepção moderna de Biogeografia baseia‑se na premissa de que a evolução da vida ocorreu concomitantemente à evolução geográfica da Terra e as mudanças de tamanho e posição dos continentes e oceanos teriam resultado em importantes movimentos das biotas. A sistemática filogenética de Hennig (1965) criou uma nova maneira de traçar a história da relação entre diferentes grupos de animais, por meio da discussão sobre as se‑ melhanças gerais entre os taxa (espécie e grupo de espécies), e da hierarquização no tempo das modificações que ocorreram em sua forma.

o ConCeito de área de diStriBuição e aS tÉCniCaS de maPeamento

Tempo

Uma das etapas mais importantes do traba‑ lho do biogeógrafo envolve a análise das ocor‑ rências obtidas em campo para a elaboração de mapas de ocorrência e distribuição de espécies, comunidades e ecossistemas. A área de distribuição biogeográfica é uma projeção espacial da espécie definida pelo con‑ junto de interações ecológicas e históricas de cada espécie. É a área que mantém relações ontológicas com a espécie: nasce com o nas‑ cimento do ocupante, modifica‑se através do tempo e desaparece com o desaparecimento do ocupante. Nesse sentido, podemos considerar a evolução da espécie como uma projeção histó‑ rica de áreas, não apenas como uma sequência cronológica da projeção geográfica (Figura 6.2).

a9 a8 a7 a6 a5 a4

La

tit u Sergio Fiori

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Longitude Figura 6.2. Sequência das possíveis etapas da evolução da área de distribuição da espécie A. Assim como o ocupante (gráfico esquerdo) sofre uma evolução anagenética, cujas etapas podemos indicar como “eidoforantes”, a própria área sofre um processo de evolução, tanto qualitativo como quantitativo, cujas etapas podem indicar‑se como áreas semaforontes (direito). Em ambos os esquemas, o segmento que conecta as etapas inicial e final do processo representa o somatório de todos os resultados ocorridos no intervalo considerado. Fonte: zunino e zullini (2003).

140

práticas de geografia

descrição de áreas de distribuição Para descrever a área de distribuição de uma espécie e transcrevê‑la em um mapa é preciso, em primeiro lugar, definir suas fronteiras, o que pode ser feito com várias técnicas. A mais simples é a técnica de nuvens de pontos (Figuras 6.3 e 6.4) em que cada ponto representa uma localidade onde a espécie foi encontrada. Este levantamento é feito em campo, com coletas georreferenciadas e registro de características da área de ocorrência. Antigamente, o posicionamento dos pontos era feito com base no índice de localidades do IBGE, que fornecia as coordenadas geográficas da localidade. Atualmente, obtém‑se as coor‑ denadas geográficas dos pontos de ocorrência com o uso do GPS (ver Capítulo 10 – Técnicas de Localização e Georreferenciamento). Basea‑ do em um mapa de nuvens de pontos pode‑se definir um desenho aproximado das fronteiras da área de ocorrência da espécie em estudo, utilizando‑se de diferentes procedimentos. Há uma tendência atual em se fazer uso de técnicas apoiadas em recursos de informática. A técnica cartográfica consiste em colocar sobre as cartas topográficas em UTM (ver Capítulo 7 – Técnicas de Cartografia) uma retícula quadriculada, cujos lados medem geralmente 10 km. A ocorrência da espécie identificada em uma quadrícula é considerada positiva, independentemente das características ambientais ali presentes. O uso de símbolos diferenciados permite associar a presença da espécie a diversos tipos de dados, como abundância e cronologia, o que possibilita acrescentar outros tipos de legendas corográfi‑ cas e quantitativas. Isso mostra que a Carto‑ grafia Temática (ver Capítulo 8 – Técnicas de Cartografia Temática) oferece grande apoio à Biogeografia (Figura 6.5).

A. Caryocar glabrum album Sérgio Fiori

B. Caryocar glabrum glabrum C. Caryocar glabrum parviflorum Limite de país Rio

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Figura 6.3. Mapa de pontos da distribuição de subespécies de Caryocar glabrum. Fonte: Whitmore e Prance (1987), modificado.

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P. purpurascens P. jacquacu P. obscura P. albipennis P. perspicax 0

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P. superciliaris P. marail

Figura 6.4. Distribuição do guano Penelope na mata de Várzea. Fonte: Whitmore e Prance (1987), modificado.

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

141

N Número de espécies 1 2 3 4 5 6 7 8 9 16

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Figura 6.5. Coleta de Hirtella Chrysobalanaceae, indicando número de espécies por grau quadrado de latitude e longitude. Fonte: Whitmore e Prance (1987), modificado.

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As técnicas areográficas são semelhantes às tradicionais nuvens de pontos e possuem maior precisão no mapeamento dos pontos, com apoio do GPS. A ocorrência de um indivíduo é entendida como representativa de uma po‑ pulação e, portanto, de uma área. O procedimento aerográfico deriva da aplicação da teoria dos traçados, particularmente do conceito de árvore má‑ xima de conectividade. Os pontos são unidos por meio de traçado aberto (sem formar circuitos) de modo a minimizar o encontrado em cada ponto da nuvem (Figura 6.6). Os valores dos arcos, ou traçados que unem os pontos, são submetidos a testes estatísticos e o círculo representa a unidade elementar da área de distribuição, da mesma forma que a malha para a retícula, na técnica cartográfica. No entanto, na areografia, o tamanho ajusta­‑se às características de cada espécie1. A área abrange os pontos que representam locais onde a espécie foi re‑ gistrada. Assim, a unidade elementar é obtida a partir do traçado de um raio em cada ponto, que delimitará um círculo ao redor deste. O valor desse

1 Consultar também Zunino e Zullini, 2003.

142

práticas de geografia

Sérgio Fiori

raio é obtido a partir da média aritmética e do desvio­‑padrão calculados através dos valores dos segmentos que unem os pontos de localização (zunino e zullini, 2003). O conjunto desses círculos corresponderá à área core. Os círculos delimitados pelos valores do desvio­‑padrão se‑ rão menores e corresponderão a uma área mais detalhada; os delimitados pela média aritmética ( x ) serão maiores (no entorno dos menores) e corresponderão a uma área de influência da área “core”. As fórmulas para cálculo da média, da variância e do desvio­‑padrão podem ser consul‑ tadas no Capítulo 22 – Estatística Descritiva em Sala de Aula.

S _ X

Species Link, que desenha pontos de ocorrência em um mapa pela inclusão de suas coordenadas. O processo de modelagem consiste em converter dados primários de ocorrência de espécies (sim‑ ples nuvens de pontos utilizadas pelo método areográfico) em mapas de distribuição geográ‑ fica indicando a provável presença ou ausência da espécie, neste caso, através da aplicação de algoritmo genético (GARP – OM – Genetic Al‑ gorithm for Rule­‑Set Prediction). Estes softwares buscam modelar a partir de pontos e massa de dados biofísicos a estima‑ tiva do nicho ecológico potencial da espécie. Os modelos trabalham, na maioria dos casos, com a relação da localização da espécie e seu nicho ecológico fundamental. Tais algoritmos tentam encontrar relações não aleatórias entre os dados de ocorrência dos organismos com os dados ecológicos e ambientais relevantes para a espécie, tais como: temperatura, precipitação, topografia, tipo de solo, geologia, entre outros (Figura 6.7). Quando o pesquisador insere pontos de ocorrência no software, o sistema associa cada ponto ao ponto central da quadrícula deter‑ minada em que eles estão localizados. Dessa

Pontos de ocorrência

Figura 6.6. Área de distribuição segundo o método areográfico.

temperatura

Variáveis ambientais (coberturas geográficas)

precipitação relevo solo

Distribuição prevista

Sérgio Fiori

Métodos informacionais que utilizam softwa‑ res de modelagem de nicho ecológico e permitem trabalhar com grande massa de dados e estimar a ocorrência de forma indireta a partir da reu‑ nião de variáveis biogeofísicas vêm sendo desen‑ volvidos. Os métodos digitais permitem trans‑ formar o mapa de pontos em mapa de áreas, tais como o sistema Species Mapper, do programa

Figura 6.7. Esquema que mostra a relação entre as variáveis ambientais e os pontos de ocorrência da espécie. Fonte: (acesso:ago/2010).

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

143

ecológico podem ser obtidas no site do próprio Species Link: . É importante conhecer o modo como a espé‑ cie vive dentro de uma área, a qual pode parecer homogênea em razão da resolução da área de distribuição representada no esquema (Figura 6.7). Em diferentes escalas, no entanto, percebe­ ‑se que uma área nunca é estritamente homogê‑ nea, devido a variações dos aspectos abióticos e da demografia dos ocupantes (Figura 6.8).

Dinâmica da área de distribuição de uma espécie O tamanho de uma população resulta do equilíbrio entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade; entre emigração e imigração. Com frequência, fatores antropogênicos ou pequenas mudanças na temperatura são suficientes para provocar mudanças importantes na taxa de re‑ produção de plantas e animais de um ano a outro (e também movimentos migratórios), incorren‑ do em mudanças no número de efetivos de uma

Sérgio Fiori

forma, cada ocorrência irá assumir valores de camadas ambientais previamente selecionadas pelo usuário, aliada à localização da espécie. Nesse método os dados ambientais são arma‑ zenados em um banco de dados. Quando o pesquisador insere pontos de coleta (localiza‑ ção da espécie) no sistema, eles são convertidos e armazenados. O sistema formula uma regra de faixa de ocorrência para cada variável sele‑ cionada pelo usuário (climáticas, morfológicas, bióticas etc.) no sistema. Essa regra baseia­‑se nos valores entre o valor máximo e mínimo da variável ambiental no conjunto de pontos das quadrículas que representam os pontos de co‑ leta inseridos pelo usuário. O sistema descobre matematicamente a amplitude de cada variável do subconjunto de pontos inseridos no siste‑ ma. Após estabelecer a regra de faixa para cada variável, o sistema faz uma busca em todos os pontos de quadrículas que possuem valores que satisfazem aquela condição. Todos os pontos são selecionados e, após uma intersecção entre todas as variáveis, eles são plotados no mapa final, demarcando uma área. Mais informa‑ ções sobre a tecnologia de modelagem de nicho

13 Km

13 Km

380 Km

3.500 Km

144

práticas de geografia

Figura 6.8. Diferentes escalas detêm diferentes resoluções, de modo que uma área mapeada parece homogênea, mais ou menos ou fortemente descontínua. Fonte: Modificado de Zunino e Zullini (2003).

geração a outra. Em termos gerais, podemos dizer que a área de ocorrência é dinâmica e varia numa escala de tempo que pode ser de curta ou de longa duração. Portanto, os mapas em séries temporais podem ser muito úteis para entender dinâmica. Veja o exemplo da área de distribuição de uma espécie de lobo na Europa em 1900 e, na Itália, entre 1900 e 1985 (Figura 6.9).

Modificações da área de distribuição

N

(a)

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A área de distribuição de uma espécie pode ampliar­‑ se, reduzir­‑ se, desprender­‑se ou fragmentar­‑se antes de desaparecer, com a extinção de seu ocupante (Figura 6.10). A área muda com o tempo, no caso da mudança pelo processo de sucessão ecológica ou da expansão seguida de contração por mudanças climáticas. A contração pode levar à insularização da área, como a que ocorreu no Bra‑ sil durante o Quaternário, expressa pela Teoria dos Refúgios Pleistocênicos (Figura 6.11).

(b)

1900

1966

1973

1982

1985

Figura 6.9. Área de distribuição do lobo, na Europa, em 1900 (a); e na Itália, entre 1900 e 1985 (b). Fonte: Modificado de Zunino e Zullini (2003).

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

145

Sérgio Fiori

N

quat e E

nt rre

Co

Sérgio Fiori

Figura 6.10. A área de distribuição pode fragmentar­‑se de várias maneiras, sendo uma grandeza dinâmica. No plano horizontal representa­ ‑se o espaço, e o eixo vertical corresponde ao tempo. Fonte: modificado de Zunino e Zullini (2003).

orial

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Savanas e Cerrados

Co

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Br

as

Corrente das Guianas

Caatingas

Cerrados

Figura 6.11. Domínios naturais da América do Sul há 13.000­‑18.000 anos. O mapa sintetiza os conhecimentos acumulados por Ab’Saber sobre as diversas regiões brasileiras e suas prováveis configurações no passado. Fonte: Ab’Saber (1977), modificado.

Eixos de expansão da semiaridez Florestas tropicais, áreas refúgios de matas e “brejos” de encostas e serras úmidas te d o Pe ru

Glaciários de altitude do setor sul dos Andes ( e tundras)

Cor ren

Áreas semiáridas com caatingas e floras similares (com cactáceos)

Corrente fria Corrente quente Limite de país Rio 0

146

500

práticas de geografia

1000 Km

Corrente de Falkland

Áreas de estepes sub-desérticas (extensões do “monte”) Áreas estépicas e desérticas frias (extensões das estepes patagônicas) Grande deserto de Atacama Grandes núcleos de cerrados com enclaves de caatingas Núcleos de Araucárias (brasileira e andina) Desertos rochosos e desertos costeiros andinos Florestas boreais e temperadas frias de altitude

Entre os fatores que condicionam a exten‑ são e a forma da área de distribuição de uma espécie, o clima tem importância primordial, es‑ pecialmente pelos parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar. Tanto as variações diárias como as sazonais influenciam a distribuição es‑ pacial dos organismos. Por exemplo, a maioria das espécies tropicais não ocorre em isolinhas de temperaturas abaixo de médias anuais de 18 ºC. A cobertura pedológica é determinante para muitas espécies. As espécies acidófilas, por exemplo, não ocorrem em solos básicos deriva‑ dos de rochas carbonáticas.

RECONSTRUÇÃO DOS PADRÕES E SEUS PROCESSOS FORMADORES A grande crítica que se faz aos padrões de‑ rivados da explicação na abordagem evolutiva é que o modelo explicativo da dispersão com base num centro de origem foi tomado como verdade absoluta para a formação de todos os padrões observados atualmente. Eldredge e Cracaft (1980) afirmaram que a maioria dos trabalhos de análise de padrões enfatizaram somente a ex‑ plicação dos processos pelos quais se formaram os grandes padrões. O estudo dos padrões deve, no entanto, anteceder a explicação dos processos que os formaram. A conexão entre padrões, ou seja, as relações temporais entre eles é um dos aspectos mais importantes na compreensão da evolução e da espacialidade. A reconstrução dos padrões filogenéticos é indispensável ao estudo dos processos evolutivos2.

2 Para aprofundar esta questão, consulte Eldredge e Cra‑ craft, 1980.

As disjunções e descontinuidades As distribuições geográficas das disjunções entre áreas de espécies e grupos filogenetica‑ mente homogêneos têm uma importância ex‑ cepcional na Biogeografia histórica. Embora os termos disjunção e descontinuidade sejam fre‑ quentemente usados como sinônimos, diferem­ ‑se no sentido. Disjunção refere­‑se à separação entre áreas consideradas elementos singulares de um sistema e descontinuidade refere­‑se à relação entre frações realmente ocupadas e frações livres de uma área unitária (Figura 6.12).

Mapeamentos históricos: modelo conceitual Criticando o conceito de centro de origem, que se mostrou incoerente com o princípio de ancestralidade comum e de vicariância, levando a resultados ambíguos, os autores de Biogeo‑ grafia Histórica da Vicariância, ou Especiação

(a)

(b)

(c)

(d)

Sérgio Fiori

Área de distribuição e fatores limitantes

Figura 6.12. Área de distribuição contínua (a), descontínuas (b, c) e disjuntas (d). O método areográfico pode adotar critérios não subjetivos para discriminar descontinuidade de disjunção.

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

147

Alopátrica3, sugeriram um modelo conceitual alternativo que envolve padrões generalizados de distribuição biótica denominados traçados generalizados. Admitem que um dado traça‑ do generalizado estima a biota ancestral que, devido a modificações geográficas, tornou­‑se subdividida em biotas descendentes, as quais diferenciam­‑se e produzem padrões mais recen‑ tes de diversidade taxonômica e distribuição. Os autores rejeitam o conceito darwinista de centro de origem e dispersão das espécies como único modelo conceitual de explicação histó‑ rica. A técnica de mapeamento empregada na Biogeografia da Vicariância é resumida da se‑ guinte forma: a) Mapeia­‑se e une­‑se a distribuição (traçado) de uma espécie ou grupo monofilético (traçado individual). As distribuições disjuntas somadas representam a distribuição ancestral. b) A distribuição (traçado) de uma espécie ou grupo monofilético de organismos deve coin‑ cidir com os traçados de outras espécies ou grupos. Dessa maneira, testa­‑se se a Terra e a vida evoluíram juntas, procurando­‑se os vá‑ rios taxa, os mais diversos possíveis, fósseis ou recentes, que ocorram aproximadamente na mesma região, e procede­‑se aos vários traça‑ dos individuais. c) Os vários traçados individuais são sobrepos‑ tos, evidenciando­‑se as áreas de congruência (traçado generalizado). A coincidência de traça‑ dos de distribuição dos diferentes grupos pode acontecer em maior ou menor grau. A metodo‑ logia lançada por Croizat (1974) foi aperfeiçoa‑ da por Nelson e Rosen (1979) que incluíram a filogenia de Hennig (1965). d) Desta forma, o traçado generalizado deve ser confrontado com a filogenia dos grupos, obtendo­‑se o cladograma de áreas (Figura 6.13).

3 Croizat et al. (1974), Nelson e Platinick (1984) e Rosen e Beaver (1978).

148

práticas de geografia

Para construir um padrão biogeográfico é preciso conhecer a filogenia do grupo; a filo‑ genia construída pelo biólogo (sistemata). Ver Figura 6.14. Para construir o padrão evolutivo de área em Biogeografia, o cladograma de áreas é constru‑ ído pelo geógrafo, que deverá fazer a substitui‑ ção dos nomes das espécies pelas áreas que elas ocupam. Na representação, a área de distribui‑ ção tem o mesmo nome que a espécie (Figuras 6.15 e 6.16). As áreas não congruentes são deixadas de lado, utilizando­‑se somente as de congruência total para explicar a evolução da espécie na área (terra e vida). Os cladogramas de áreas com muitas dife‑ renças requerem a elaboração do cladograma de áreas reduzido, que consiste na eliminação das incongruências e resulta na seleção dos fe‑ nômenos que influenciam igualmente os dife‑ rentes grupos (Figuras 6.17 e 6.18). Se um dado tipo de distribuição geográfica (traçado individual) repete­‑se em vários grupos de organismos, a região delineada pelas distri‑ buições coincidentes (traçado generalizado) torna­‑se estatisticamente e geograficamente significante, e convida à explicação em um ní‑ vel geral. Os postulados básicos da vicariância são: ¾¾ Espécies relacionadas representam parte de uma barreira, ou seja, essa população an‑ tiga sofreu vicariância ou especiação alopá‑ trica. ¾¾Existe realmente um centro de origem, mas ele tende a ocupar o máximo de área per‑ mitida atingindo um cosmopolitismo primiti‑ vo, por meio da dispersão. Uma vez ocorrendo dispersão, o centro de origem fica indetermi‑ nável, a não ser em alguns poucos casos pe‑ culiares. A dispersão que resulta no cosmopo‑ litismo primitivo ocorre antes do surgimento da barreira efetiva. A especiação acontece simultânea ou posteriormente ao surgimento das barreiras.

A

B

M Rafael Sato

C

4

6

1

3

D

2

5

Q

E

N Congruência Figura 6.13. Filogenia dos grupos: grupos monofiléticos (traçados generalizados).

Peixe A

Musgo

B

C

X

Y

Z

va

uti

m

age

Rafael Sato

linh

l evo

Figura 6.14. Exemplo de cladograma.

1

2

3

1

2

3

Rafael Sato

ixe

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ad

e

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e

Figura 6.15. Exemplo de cladograma.

2° padrão

1° padrão Peixe B

Peixe A Rafael Sato

ão

de

a re

us

m

2

1

Musgo X A área do peixe A e do musgo X tem uma superposição parcial

Peixe C 3

Musgo Y

Musgo Z

A área de ocorrência do peixe B engloba totalmente a área do musgo Y

A área de ocorrência do peixe C é totalmente englobada pela área do musgo Z

Figura 6.16. Áreas de congruência dos dois padrões de distribuição.

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

149

C

D

M

E

N

O

P

Q

Rafael Sato

B

6

Rafael Sato

A

Figura 6.17. Cladograma de áreas para o exemplo de um gênero com maior número de espécies.

1

2 3

4

5

6

1

3 5 6

1

2

3

5

Figura 6.18. Cladograma de áreas reduzido (áreas congruentes).

O TRABALHO DE CAMPO EM BIOGEOGRAFIA O trabalho de campo é fundamental para a Biogeografia. Cada local possui características particulares e aponta problemas de ocorrência e de distribuição biogeográficas que podem ser interpretados mediante observação, registro, experimentação empírica etc. A observação de campo mostra também como as unidades de paisagem distribuem­‑se de forma desigual no espaço. As técnicas a serem utilizadas consis‑ tem nos procedimentos de campo (observação detalhada e sistemática, anotações, desenhos, coletas, fotografias, medições com equipamen‑ tos, filmagens etc.) e no trabalho de laboratório (análise do material coletado e/ou observado, análise das variáveis físicas, tratamentos para formação de acervos – herbários –, tratamentos estatísticos etc.).

150

A observação e a descrição em campo

ambiente4. A importância da observação não con‑ siste apenas em aproveitar informações visuais, que podem levar à inferência de propriedades me‑ nos aparentes do meio, mas é preciso considerar seu papel na educação do olhar a favor de maior conscientização sobre o ambiente que nos cerca. A observação não deve recair sobre o objeto individualizado, mas deve vê­‑lo como parte de um todo estruturado e articulado historicamen‑ te. Trata­‑se de considerar que o tempo da natu‑ reza aparece combinado com o tempo social, com escalas e ritmos distintos. A civilização moderna emprega métodos cien‑ tíficos no processo de interpretação do meio na‑ tural, com a utilização de medidas, análises, tra‑ tamento de dados etc. Mas é preciso não perder de vista a importância das informações e inter‑ pretações que provêm de populações cujo modo de vida está diretamente ligado ao aprendizado baseado na vivência e na observação cotidiana da natureza, que também produz conhecimentos

É importante apurar e treinar a observação em campo. O hábito da observação, de seu regis‑ tro e de sua interpretação, leva à compreensão do

4 Sobre observação, ver também o Capítulo 1 – A Técnica e a Observação na Pesquisa, deste livro.

práticas de geografia

sobre o funcionamento do ambiente. Exemplos dessas populações, cada vez mais reduzidas, são campesinos, agricultores tradicionais, pescadores artesanais, populações indígenas, quilombolas, varjeiros, pantaneiros e o que geralmente pode‑ mos chamar de homens do campo.

Exemplo de registros de observação Uma das técnicas úteis e importantes em Biogeografia é o uso do desenho em esboço ou croqui, para o que temos apoio do Capítulo 17 – Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfis e do Capítulo 18 – Técnicas de Ilustração Botânica, neste livro. Importantes biogeógrafos utilizaram técnicas de desenho para registro de suas obser‑ vações, que consistem no uso do desenho livre ou proporcional. O desenho pode ser aprimora‑ do com técnicas de acabamento como nanquim, têmperas ou aquarela. As observações de campo geralmente tornam­‑se mais significativas quan‑ do anotadas em mapas e croquis.

Planejando a atividade de campo em Biogeografia O trabalho de campo concentra­‑se na obser‑ vação, no registro e na coleta de informações desses componentes em combinação com os demais fatores do meio, considerando as esca‑ las de tempo e espaço. Geralmente são chama‑ dos de dados primários. Em um estudo de campo é melhor concen‑ trar a atenção sobre uma área determinada, que possa ser investigada intensa e sistematicamen‑ te. A demarcação de pequenas zonas no campo pode revelar ocorrência de plantas e animais mais inconspícuos ou de difícil observação, que facilmente passariam desapercebidos em uma observação superficial ou geral. Onde há uma transição clara – ou suposta – da flora e fauna, é útil um estudo detalhado ao

longo de uma linha ou trajeto (transecto) que cruze diferentes zonas. Deve­‑se ter muito cui‑ dado na escolha dessa linha: é melhor começar onde haja muitas mudanças evidentes à primei‑ ra vista. Para isso, pode­‑se utilizar as fotografias aéreas, que auxiliam na visualização vertical dos compartimentos de cobertura vegetal. Para que o transecto seja útil, os estudos de animais e plantas devem ser acompanhados por uma inves‑ tigação de outros fatores ambientais, como so‑ los, topografia, parâmetros climáticos, tratados em capítulos específicos deste livro. A posição do transecto (ou de qualquer outra observação detalhada) deve ser indicada com clareza e pre‑ cisão no mapa da área em estudo. O uso da carta topográfica com auxílio de uma bússola é o pro‑ cedimento usual. Hoje pode­‑se contar também com o GPS para definir, localizar, referenciar e definir o transecto. Sempre que possível, deve­‑se realizar um es‑ tudo preliminar para contextualizar e localizar a área de estudo sobre mapas topográficos e os limites das áreas adequadas à pesquisa. Para tra‑ balhos de pesquisa científica, esta localização deve ser precisa. Antes de ir a campo, é essencial saber: ¾¾De que modo será feita a coleta de dados? ¾¾O que se deve registrar? ¾¾Ao longo de que período é conveniente reali‑ zar o levantamento de dados em campo? Realizar uma pesquisa bibliográfica antes de ir a campo é muito importante, pois permite melhor conhecimento do local a ser estudado, facilitando o planejamento das atividades de campo. Além do levantamento bibliográfico sobre os aspectos gerais da área (histórico, uso da terra etc.), deve­‑se procurar mapas temáticos (de vegetação, solo, geológico, geomorfológico etc.) e fotografias aéreas ou imagens de satélite. Estas atividades caracterizam o que foi tratado como trabalho de gabinete, preliminar ao cam‑ po (ver Capítulo 9 – Técnicas de Sensoriamento Remoto).

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

151

A previsão do trabalho de campo Todo trabalho de campo é precedido por uma avaliação de planejamento. À medida que se decide o quê se vai pesquisar no campo e os procedimentos a serem empregados, devem ser providenciados os recursos necessários para a realização do trabalho. A data da realização ou a época em que será feita a observação deverá conter períodos signifi‑ cativos do ponto de vista biológico do que se irá observar, por exemplo: as estações do ano, ciclo diurnal, ciclo de marés etc. Ao ir para o campo, o pesquisador deve estar suficientemente treinado no manejo de todos os equipamentos cuja utilização esteja prevista em seu roteiro de observação e de coleta de dados, e deve ter clareza da ordem em que as atividades serão desenvolvidas. O roteiro de trabalho de campo é um instrumento muito útil na organi‑ zação das atividades. Ao chegar ao local de estudo, o observador deve estar munido de todo o material necessá‑ rio para o registro de suas observações e dos instrumentos necessários para realizá­‑las, como tabelas, manuais de campo, mapas, caderno de campo, GPS, bússola, tesoura de poda, arma‑ dilhas etc.

A observação no campo Não há técnica melhor para o estudo do ambiente (seres vivos e meio físico) do que a presença no local de estudo, para a observação cuidadosa dos animais e plantas e seu registro em um caderno de campo. A diferença essencial entre um observador de campo engajado e um observador amador é que o primeiro carrega consigo um caderno de notas e o utiliza. Há muitos curiosos que veem muito mais do que um observador engajado, mas suas observações são inúteis, pois eles não as registraram ou não prosseguiram na análise de

152

práticas de geografia

seu significado. Aquele que tenta reter apenas na memória suas observações traz poucas contri‑ buições para uma pesquisa e terá dificuldade em fazer um relatório de campo, como alertado no Capítulo 23 – A Redação no Trabalho de Cam‑ po, deste livro. A memória é sempre seletiva, e há uma tendência a esquecermos o comum e a lembrarmos o raro. Não há um único procedimento para os re‑ gistros de campo. O essencial é que a técnica usada seja consistente e coerente. No caso do principiante, é importante que anote tudo o que vê. Mesmo assim, perceberá que muitos detalhes importantes poderão ser perdidos. Com o tem‑ po, o observador experiente passará a ser mais criterioso, concentrando seus registros em as‑ pectos significativos para o problema sob inves‑ tigação. Como alguns aspectos importantes do estudo de campo só se tornam aparentes quando o estudo está bem adiantado, é melhor registrar sempre mais do que menos. Conhecendo um pouco a vegetação, a obser‑ vação de campo pode se tornar um importante recurso de avaliação. Por exemplo, algumas es‑ pécies são excelentes bioindicadoras do estado de conservação de uma vegetação. Tomando o exemplo da Mata Atlântica, sabemos que o me‑ canismo de sucessão ecológica pode ser identi‑ ficado em seus estágios pela ocorrência de algu‑ mas bioindicadoras. Em sala de aula os alunos podem realizar um pequeno levantamento des‑ sas espécies, aprender a identificá­‑las na paisa‑ gem e em suas observações de campo, identificar a sua presença e inferir preliminarmente sobre o seu estado de conservação. No estado de São Paulo, a Secretaria do Meio Ambiente e o IBAMA criaram uma legislação de proteção que se baseia, entre outros aspectos, na ocorrência de plantas que podem ser obser‑ vadas em campo. A legislação pode ser obtida no site da CETESB:. A Tabela 6.1 traz exemplos de plantas que os alunos podem encontrar em suas observações de campo e inferir sobre a conservação. Não é necessário ser um especialista para reconhecer algumas destas plantas. É claro que para um diagnóstico científico é preciso um levantamento cuidadoso das ocorrências e também das características estruturais, mas a rigor todo cidadão deveria saber utilizar­‑se das leis para reconhecimentos iniciais de campo. Veja alguns exemplos para praticar seu repertório. Procure tentar identifi‑ car algumas ocorrências de plantas em sua região e pesquise para saber algo mais sobre o estado de conservação dessa área. Tabela 6.1 – Estágios de regeneração

Figura 6.19. Embaúbas (Cecropia spp).

Eduardo Justiniano

Eduardo Justiniano

Estágio inicial de regeneração

Figura 6.20. Manacá­‑ da­‑Serra (Tibouchina mutabilis).

Figura 6.21. Palmito Juçara (Euterpe edulis).

Eduardo Justiniano

Eduardo Justiniano

Estágio médio de regeneração

Figura 6.22. Guapuruvu (Schiztolobium parahyba).

Figura 6.23. Jequitibás (Cariniana spp).

Eduardo Justiniano

Sueli Angelo Furlan

Estágio avançado de regeneração

Figura 6.24. Paineira (Chorisia speciosa).

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

153

Coleta e organização dos dados Ao planejar a atividade de campo, o observa‑ dor pode ter dúvidas sobre o que coletar e como fazê­‑lo. É importante definir antecipadamente o que será investigado e quais dados serão úteis para sua compreensão. Se possível, organizar um primeiro levantamento exploratório para familiarizar­‑se com a área de estudo. Pesquisar em fontes bibliográficas como os dados podem ser obtidos auxilia a definição de procedimentos e do tempo necessário para a coleta de dados. É importante conhecer como outros pesquisado‑ res coletam dados de mesma natureza. Existem manuais de coletas de dados que apresentam as técnicas mais usuais utilizadas por pesquisa‑ dores experientes. Planejar a coleta de dados é essencial, pois muitas informações somente se‑ rão obtidas com a utilização adequada de equi‑ pamentos. Nem sempre a coleta de dados exige efetivamente capturas de plantas e animais. No estudo das aves e mamíferos, por exemplo, a co‑ leta de dados pode ser a visualização do animal e sua descrição. Em relação à coleta de pistas indiretas, como fezes e pegadas, é preciso co‑ nhecer um pouco do comportamento do animal. Por exemplo, para observar aves e obter dados de visualização é muito importante percorrer a área de estudo ao amanhecer e ao entardecer, pois nesses períodos as condições de umidade e temperatura são mais propícias às atividades da avifauna.

ESTUDO DA COBERTURA VEGETAL O estudo da cobertura vegetal realiza­‑se em diferentes escalas: no âmbito de regiões fitogeo‑ gráficas, de biomas, domínios, estratos da cober‑ tura vegetal, micro­‑habitats etc. Em todas elas, o trabalho de campo é muito útil. Para a caracteri‑ zação da comunidade vegetal, devem ser obtidas

154

práticas de geografia

informações sobre: composição florística, carac‑ terísticas fisionômicas, estruturais, funcionais e sua ocorrência e distribuição espacial.

Composição florística O primeiro passo para o conhecimento de uma comunidade vegetal é o estudo de sua flora ou a composição em espécies, mediante a orga‑ nização de uma lista, a mais completa possível, das espécies ou gêneros que ocorrem na comu‑ nidade. Quando a comunidade é desconhecida, como é o caso de muitos ecossistemas tropicais com uma biodiversidade elevada e insuficiente‑ mente estudada, ou quando não se tem certeza da identificação no campo, deve­‑se proceder a uma coleta de várias amostras de indivíduos. É preciso conhecer o que será útil na identificação para determinar os critérios de coleta. Os botâ‑ nicos sistematas consideram como fontes impor‑ tantes de identificação: flores, frutos, sementes e ramos com folhas (quando a planta é de pequeno porte, deve­‑se coletar o indivíduo inteiro). Após a coleta, o material deve ser herbori‑ zado para evitar a deterioração e facilitar a pos‑ terior identificação. Normalmente, a identifica‑ ção é realizada com o auxílio de especialistas. É muito importante etiquetar adequadamente o material coletado, para que qualquer pessoa possa utilizar as informações. De nada adianta ao biogeógrafo saber que uma planta é de deter‑ minada espécie, se não souber sua procedência. A taxonomia vegetal atualmente exige um grande esforço dos botânicos, desde o proces‑ so de aquisição do espécime, dada as dificul‑ dades de inventariar grandes áreas e os custos de campanhas de levantamento, acessibilidade, entre outros até a morosa comparação com as amostras já catalogadas em um herbário. Outras metodologias vêm sendo desenvolvidas, como a identificação de vegetais por meio da análise

Observação e descrição da vegetação em uma área de estudo de atributos foliares. Este trabalho consiste em identificar vegetais por meio da análise do corte transversal de uma folha ampliado por um mi‑ croscópio e análise das assinaturas da cutícula, epiderme superior, parênquima paliçádico e pa‑ rênquima lacunoso. Nesse método, cada assina‑ tura é avaliada isoladamente por uma rede neu‑ ral pelo método leave­‑one­‑out para verificar a sua capacidade de discriminar amostras. Uma vez selecionados os vetores de características mais importantes, eles são combinados de duas manei‑ ras: a primeira utiliza a concatenação dos vetores selecionados; a segunda trabalha com a dimensio‑ nalidade de atributos de algumas das assinaturas antes de fazer a concatenação. Os vetores finais obtidos pelas duas abordagens são testados com rede neural via leave­‑one­‑out para medir a taxa de acertos alcançada pelo sinergismo das assinaturas das diferentes partes da folha. Outros métodos utilizam­‑se da informação genética. Mas mesmo esses métodos bastante sofisticados não prescin‑ dem dos procedimentos usuais de formar cole‑ ções e descrever a partir da observação. Para um estudo sistematizado da vegetação, sugerimos os seguintes passos: ¾¾observação e descrição da vegetação em uma área de estudo; ¾¾definição e aplicação de uma técnica para le‑ vantamentos florísticos e fitossociológicos; ¾¾estudo da estrutura e fisionomia da vegetação; ¾¾desenho do perfil da vegetação; ¾¾coleta de material e herborização; ¾¾identificação da espécime de planta. Para o estudo, os materiais necessários são: caderneta de campo e caneta, fita adesiva, bar‑ bante, jornais, papelão, prensa, tesoura de poda pequena e/ou um pequeno canivete, podão, sacos plásticos (transparentes e pretos), piceta (frasco) com água, algodão, papel milimetrado, chaves de identificação de plantas, quadrante centrado, fita métrica, lupa de mão, régua.

A descrição com base na observação empírica é um bom exercício para o olhar e deve ter seu foco no conjunto de características que com‑ põem a paisagem de um lugar. Na visualisação da paisagem, a vegetação e a topografia são ca‑ racterísticas marcantes. Observe mapas, mosaicos de fotografias aé‑ reas e fotografias comuns da área. Escolha uma área, faça uma descrição geral (fisionômica) e crie um esboço em forma de desenho na cader‑ neta de campo. Ao caminhar, repare as plantas que ali se encontram. Anote essas observações em sua caderneta de campo. É possível observar os seguintes aspectos: ¾¾porte da vegetação; ¾¾organização das copas das árvores quanto à difusão da luz; ¾¾estratificação interna (a floresta apresenta sub­‑bosque, são encontrados cipós, trepadeiras ou epífitas?); ¾¾características fenológicas das plantas (flora‑ ção, frutificação, folhagem); ¾¾grau de agregação da formação estudada (crescimento isolado, em tufos, agregados pe‑ quenos, agregados extensos).

Desenho do diagrama de perfil O perfil é uma projeção do que se vê num plano5. Para a criação de um diagrama de perfil, demarca­‑se um trecho com barbante, definindo o transecto, no qual se observou a vegetação, em papel milimetrado, seguindo a escala deter‑ minada.

5 Para apoiar a elaboração de perfil, veja também o Ca‑ pítulo 2 – Técnicas de Geomorfologia e o Capítulo 17 – Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfil, deste livro.

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

155

Diagramas de perfis podem ser utilizados no estudo da estratificação, para ilustrar as relações entre a topografia e a distribuição horizontal das espécies ou vegetação de baixo porte. Esse perfil pode ser elaborado com base em car‑ ta topográfica e em fotografia aérea, aliados à observação de campo. Para o observador, é interessante distinguir em seu perfil as classes de estratificação. Veja na Figura 6.25 um exemplo de perfil com topografia.

Classificação dos estratos vegetais

m

10

1750 1700

2

1

3

1500

Vertente mamelonizada

9 1

1600 1550

5 6 7

1

13

9 4

1650

12

11

Topo interfluvial

8

Anfiteatro erosivo

Vertente retilínea

Planície fluvial Anfiteatro erosivo

Planície fluvial

0

500

1000m

A / Norte-Nordeste

B / Sul-Sudoeste

Geótopos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

- Campo gramíneo-lenhoso subtropical - Floresta tropical com Araucaria e Podocarpus - Floresta subtropical com Araucaria e Pedocarpus sobre prado - Floresta subtropical com Araucaria e Pteridophita arborescente - Floresta secundária subtropical com Araucaria e Myrtaceae (Área A1 de estudo fitossociológico) - Floresta homogênea de Pinus elliottii - Campo gramíneo-lenhoso secundário - Gleschenial - Floresta latifoliada subtropical com Araucaria emergente - Floresta latifoliada subtropical de porte baixo com Vernonia diffusa - Campo subtropical com Escallonia sp. - Floresta latifoliada subtropical de porte baixo com Vernonia sp. e Chusquea sp. - Floresta latifoliada subtropical de porte alto com Chusquea sp., Araucaria e Croton

Figura 6.25. Perfil topográfico, morfológico e fitogeográfico do geossistema dos campos interfluviais e valores florestados. Fonte: Diniz e Furlan (1998).

156

práticas de geografia

Sérgio Fiori

Em Fitogeografia, além das pesquisas sobre a fisionomia da vegetação com utilização de técnicas de fotointerpretação, pode­‑se estudar a divisão estrutural das formações vegetais, com especial atenção para as fisionomias. Numa fisionomia florestal, por exemplo, as espécies organizam­‑se em andares chamados estratos. Do chão à copa das árvores há uma divisão estru‑ tural em níveis, relativos aos diferentes patamares de altura que alcançam as espécies vegetais. Essa organização estrutural é fundamental na classificação fisionômica das coberturas e apresenta­‑se basicamente dos modos descritos a seguir.

¾¾Estrato herbáceo: nível mais próximo ao chão, logo acima da serapilheira. É o domínio das plântulas (indivíduos jovens das espécies vege‑ tais) no reino tropical e onde ocorrem as gramí‑ neas e outras plantas não lenhosas. Na floresta, situa­‑se na altura da canela do observador. ¾¾Estrato arbustivo: nível que se situa cerca de 1 a 2 metros de altura, onde estão os arbustos e in‑ divíduos um pouco mais crescidos de árvores de pequeno porte, além das samambaias­‑açu (fetos arborescentes). ¾¾Estrato arbóreo: nível com diferenciações va‑ riadas, de diversos tipos de espécies arbóreas, que alcançam alturas bastante distintas. Pode formar, por vezes, o sub­‑bosque – um nível inter‑ mediário de árvores que sobressai ante o estrato arbustivo, mas que não alcança as copas das ár‑ vores mais altas. Ocorrem muitas árvores jovens que formarão o futuro dossel. ¾¾Dossel: é o telhado da floresta, formado pelas copas das árvores que atingem maiores alturas. Pode apresentar diversos níveis de entrelaçamen‑ to e espaçamento, possibilitando a entrada de luz em diferentes quantidades. É essencial para a proteção das espécies que dependem de sombra para crescer. ¾¾Emergentes: nível representado por algumas ár‑ vores que desenvolvem suas copas acima do dossel. Essa diferenciação na estrutura interna de uma floresta, aliada às condições do relevo, pro‑ picia uma infinidade de microambientes, com muitas possibilidades de microclimas determi‑ nados por diferentes gradientes de temperatura, umidade e intensidade de luz. A fenomenal biodiversidade apresentada pela floresta tropical atlântica é explicada, em gran‑ de parte, pela grande variação de micro­‑habitats decorrentes de diferentes composições de luz, vegetação e microclimas, o que é favorecido tam‑ bém pela variedade estrutural e de relevo. Em decorrência dessa grande variação de ambientes há uma infinidade de habitats para a fauna que, do mesmo modo, apresenta grande diversidade. Diferentes tipos de animais distribuem­‑se con‑

forme a sua adaptação, pelos estratos, ocorrendo desde os níveis mais próximos ao chão até as co‑ pas das árvores. Por esse motivo, muitos animais são especialistas e endêmicos, ou seja, sofreram coevolução com a floresta e vivem em condições próprias e muitas vezes únicas. Analisando­‑se novamente a legislação referenciada no item A observação no campo, deste capítulo, pode­‑se ve‑ rificar que a estrutura da floresta também indica o grau de regeneração. O perfil da vegetação representa uma espécie de fotografia desse arranjo estrutural vertical. Ele pode ser desenhado artisticamente ou de for‑ ma esquemática, com a utilização de símbolos.

Herborização Cabe ao geógrafo realizar a coleta correta‑ mente e ao botânico identificar as espécies. Uma boa coleta deve conter um número de exempla‑ res suficiente para análise, registro no herbário e envio a outros especialistas, se necessário. Recomenda­‑se retirar cinco exemplares de ramos da planta contendo folhas, flores e frutos, pois são essas as estruturas que permitem identificar uma planta. Para facilitar a identificação do material pelo especialista, deve­‑se prestar atenção e to‑ mar nota no caderno de campo dos seguintes aspectos: ¾¾Cheiro característico (amassar a folha e sentir se exala aroma). ¾¾Presença de sementes, frutos e flores (ou bo‑ tões florais). Produção de látex e suas caracterís‑ ticas (leitoso, hialino etc.). Disposição de folhas no ramo. ¾¾Cor das flores, tronco, folhas etc. ¾¾Presença de espinhos. ¾¾Observar o ambiente de crescimento da plan‑ ta (declividade, disponi­bilidade de luz etc.). ¾¾Proceder à coleta corretamente: em caso de plantas herbáceas, coletar até a raiz; em caso de árvores, coletar um ramo inteiro.

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

157

¾¾Na coleta de folhas, prestar atenção para não coletar somente o folíolo, mas a folha inteira. A observação é fundamental para a análise das condições do meio físico no momento da coleta. Por exemplo, se o vegetal não estava com folhas nem frutos, é importante marcá­‑lo para retornar posteriormente. Depois de coletadas e devidamente identifi‑ cadas individualmente, as amos­tras devem ser cuidadosamente colocadas entre folhas de jornal que, por sua vez, devem ser colocadas entre duas folhas de papelão e amarradas com barbante. Esta é a técnica de herborização, que conserva a planta até o momento de sua identificação. Caso não seja possível realizar a herborização no cam‑ po, recomenda­‑se que se coloque a amostra em sacos plásticos escuros, com alguns pedaços de algodão molhado (câmara úmida), até ser reali‑ zada a herborização e o envio das amostras para o responsável pela identificação. A herborização deve ser feita logo após o retorno do campo, de preferência no mesmo dia, para não perder as amostras por ressecamento. É muito importante que cada espécime coletado receba um número sequencial e seja descrito no caderno de campo. A etiqueta de identificação deve conter dados como: ¾¾nome do local da coleta; ¾¾data; ¾¾classificação/nome vulgar; ¾¾nome do coletor; ¾¾observações.

Identificação O observador deve conhecer: ¾¾as principais diferenças entre angiospermas e gimnospermas; ¾¾as principais diferenças entre monocotiledô‑ neas e dicotiledôneas; ¾¾a caracterização das diferenças entre ramo, raiz, folha, flor e frutos;

158

práticas de geografia

¾¾as diferenças entre folhas simples, compostas (pinadas) e recompostas (bipinadas); ¾¾as diferenças entre frutos secos, carnosos, deiscentes e indeiscentes. As diferenças entre plantas epífitas e parasitas (hemi e total). Para conhecer melhor uma formação vege‑ tal também são utilizados procedimentos de levantamento de campo para verificar algumas características da flora presente (ocorrência, frequência, variedade, fitossociologia etc.). Os resultados obtidos podem oferecer importantes informações sobre as condições em que se en‑ contra uma dada formação vegetal, seja ela um fragmento ou uma formação contínua. É possí‑ vel diagnosticar alterações decorrentes de ati‑ vidades humanas, invasão de espécies exóticas, efeito de borda etc.

PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTOS FLORÍSTICOS E FITOSSOCIOLÓGICOS Para a obtenção dos dados quantitativos é ne‑ cessário estudar as técnicas de amostragem. Re‑ gras rígidas ou generalizações que se adaptem a todas as circunstâncias devem ser evitadas, pela variabilidade das comunidades vegetais.

Técnica das parcelas fixas O primeiro trabalho com ensaios fitossocioló‑ gicos no Brasil foi realizado com o intuito de me‑ lhor conhecer a relação entre a febre amarela e o ambiente da floresta: os hospedeiros, os vetores e o vírus. Esse trabalho foi realizado por Davis (1945) na floresta atlântica do município de Tere‑ sópolis – RJ. Davis utilizou duas picadas na mata (uma com 1.021 e m outra com 750 m). Estudou uma faixa com largura de 3 m, onde mapeou e

c)

e)

b)

b)

a)

a)

b) c)

f)

d)

d)

f)

b)

d)

f)

d)

Sérgio Fiori

contou árvores e mediu o Diâmetro à Altura do Peito (DAP). Veloso (1945) estudou os parâme‑ tros de clima, solos e vegetação na mesma área, a) utilizando também picadas, numa distância de 1 km e numa faixa com largura de 5 m. Dividiu o caminho em setores de 100 x 5 m. Vários outros estudos que utilizaram os mais variados tipos de parcelas podem ser encontrados na literatura. a) Neles, a área varia conforme o objetivo de estu‑ c) do e o tipo de vegetação estudada. Quanto mais complexa a formação, maior a área, o número de amostras etc. e) A técnica das parcelas fi xase) é utilizada para medir a densidade e a frequência de espécies c) numa determinada formação vegetal. A utiliza‑ ção de formas geométricas, como o quadrado, para delimitar amostras no campo é um recurso e) que consegue destacar e visualizar uma parcela do conjunto da comunidade. O quadrado é ide‑ al para análises estatísticas e designa a menor área da comunidade que contém uma adequada representação. A forma geométrica escolhida pode variar, mas o quadrado é a figura geomé‑ trica usada com maior frequência. Quando a vegetação apresentar estratificação, usam‑se quadrados com diversas áreas, encaixadas umas nas outras. Os quadrados devem ser suficien‑ temente grandes para incluir árvores e conter outros menores, para os estratos arbustivos e herbáceos. A escolha dos pontos onde se vai traçar os quadrados no campo pode ser definida por meio de linhas (transectos), conforme o objetivo do estudo. A defi nição dessas linhas pode partir, por exemplo, da análise prévia de fotografi as aéreas ou de imagens de satélite. Vários estudos sugerem que uma área de 10.000 m 2 (1 hectare) seria suficiente para amostrar a diversidade de uma formação florestal. Essa delimitação, no entanto, deve ser controlada por uma curva de suficiência de amostragem, que consiste em ve‑ rificar quando é alcançada a representatividade das espécies numa certa formação vegetal (cottam e curtis, 1956).

f)

Figura 6.26. Tipos de podão (a, b, c); desplantador (d); prancha aberta (e) e fechada (f).

A delimitação da parcela é feita com barban‑ te e estacas ou as próprias árvores. O observador deverá classificar e anotar o número de vezes que uma mesma planta ocorreu no interior do quadrado. Para o estudo de elementos arbóreos, deverá determinar o diâmetro mínimo que será considerado (DAP). Para facilitar, utiliza‑se o Perímetro Mínimo à Altura do Peito (PAP). De acordo com a formação, pode ser de 10 cm, 20 cm etc. Essa avaliação é subjetiva, mas o obser‑ vador deve consultar trabalhos já realizados para verificar como foram definidos o PAP ou o DAP em formações semelhantes. Os dados deverão ser sistematizados em forma de tabela, como as Tabelas 6.2 e 6.3 exemplificadas a seguir. Na Tabela 6.3: ¾ npi: número de parcelas onde ocorreu a espécie i ¾ ni: número de indivíduos de cada espécie ¾ ABi: soma das Áreas Basais da espécie i ¾ FR (Frequência Relativa): (npi/npi−total)∙100

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

159

¾¾DR (Densidade Relativa): (ni / ni−total)∙100 ¾¾DoR (Dominância Relativa): ABi/(ABi−total)∙100 ¾¾IVI (Índice do Valor de Importância): FR + DR + DoR Para calcular a área basal a partir do períme‑ tro da árvore, considere que dado o perímetro (P), acha­‑se o raio (r): r = P / 2π. Com o raio, acha­‑se a área (A): A = πr2 / 2. A partir dos dados apresentados pode­‑se cal‑ cular a densidade e a frequência.

Densidade É o número total de indivíduos de cada es‑ pécie encontrados numa determinada área de amostra. Cálculo da densidade: toma­‑se uma amostra em forma de quadrado da vegetação em estudo. O tamanho do quadrado varia conforme o tipo de formação vegetal. Identificam­‑se as espécies diferentes entre si, numerando­‑as. Em seguida, promove­‑se a contagem dos indivíduos iguais.

Aplica­‑se a definição a seguir para estimar a den‑ sidade absoluta e relativa. ¾¾Densidade absoluta = número de espécimes iguais identificados dividido pela área do qua‑ drado. ¾¾Densidade relativa = número de espécimes iguais identificados dividido pelo número total de espécies.

Frequência A frequência indica a presença de espécies em todas ou em algumas amostras. O cálculo é feito considerando o número de quadrados em que se observou a ocorrência da espécie em rela‑ ção ao número de quadrados examinados. Frequência = número de quadrados em que a espécie ocorreu dividido pelo número de qua‑ drados examinados. Observação: a densidade e a frequência in‑ dicam o número e a distribuição, mas não mos‑ tram o tamanho, o volume ocupado ou a quan‑ tidade do terreno coberto ou sombreado.

Tabela 6.2 – Exemplo de tabela para anotação da distribuição da vegetação Parcela n.

Número de ocorrências

Área basal (m²)

Espécies

***

***

1.

***

***

2.

***

***

3.

***

***

4.

***

***

Tabela 6.3 – Exemplo de tabela para anotação dos dados quantitativos de distribuição da vegetação

160

Espécies

npi

ni

ABi (m²)

FR (%)

DR (%)

DoR (%)

IVI

1

***

***

***

***

***

***

***

2

***

***

***

***

***

***

***

3

***

***

***

***

***

***

***

Total

***

***

***

***

***

***

***

práticas de geografia

Técnica do quadrante centrado O primeiro estudo a aplicar a técnica dos qua‑ drantes no estudo de vegetação tropical foi reali‑ zado por Goodland (1964), na Guiana Francesa. Um dos estudos importantes quanto à revisão metodológica dessa técnica pode ser encontra‑ do na pesquisa realizada por Martins (1993). O autor discorre sobre o desenvolvimento histórico dessa técnica, muito usual e prática no estudo do componente arbóreo de florestas tropicais. O quadrante é uma espécie de cruzeta para selecionar amostras aleatoriamente. Define­‑se um caminhamento (transecto) que será estuda‑ do pela técnica de amostragem por quadrantes. O procedimento deverá ser o seguinte: ¾¾Em cada ponto de amostragem, a cada 10 metros, estabelecem­‑se de modo aleatório os quatro quadrantes através de uma cruz de ma‑ deira móvel encaixada em um suporte. ¾¾Mede­‑se a distância do ponto ao centro da ár‑ vore (portanto, soma­‑se o raio da mesma) mais pró‑ xima em cada quadrante. Mede­‑se com uma trena o perímetro do tronco e identifica­‑se a espécie. ¾¾O limite inferior de diâmetro deve ser esco‑ lhido com base no estrato mais baixo que se de‑ seja incluir na amostragem, estimando o diâme‑ tro médio das árvores desse estrato. ¾¾Deve­‑se considerar as árvores mortas e excluir os pontos de amostragem localizados em áreas que não representam a vegetação que se preten‑ de caracterizar, como os pontos de amostragem que caem em clareiras no interior da mata. ¾¾Os dados coletados pela técnica dos quadran‑ tes e das parcelas fixas serão utilizados para o cálculo de valores relativos de densidade, fre‑ quência, dominância e valor de importância. Uma tabela, como a Tabela 6.4, exemplifi‑ cada a seguir, ajuda na organização dos dados. Todo o material estudado, seja pela técnica de parcelas ou de quadrantes, deve ser identifi‑ cado. Para isso, é necessária a coleta para iden‑ tificação da composição florística.

Os mesmos campos da Tabela 6.3 podem ser preenchidos utilizando­‑se essa técnica. Após o cálculo do IVI para cada espécie, organiza­‑se uma tabela em ordem decrescente de importância (ver exemplo na Tabela 6.5). Outras formas de tratamento e apresentação dos resultados devem ser utilizadas, como: ¾¾Número de indivíduos (% do total amostrado) por famílias – histograma. ¾¾Distribuição do índice do valor de importân‑ cia por famílias – histograma. ¾¾Distribuição do número de espécies por fa‑ mília – histograma. ¾¾Distribuição de frequência das classes de diâ‑ metro – histograma e curva. ¾¾Teste de suficiência da amostragem – curva do número acumulativo de novas espécies (espé‑ cies inéditas) por número de pontos de amostra‑ gem – gráfico. ¾¾Ocorrência das espécies nos pontos amostra‑ dos – tabela. ¾¾Para a interpretação dos resultados indica­‑se consultar o trabalho de Martins (1993).

Diversidade Existem vários parâmetros envolvidos na análise da biodiversidade. Com base nas amos‑ tragens, pode­‑se calcular alguns parâmetros que nos permitem avaliar frequência, dominância, composição e índice de valor de importância.

OBSERVANDO O MEIO FÍSICO Para melhor compreender o que se vê no campo é necessário correlacionar os dados de distribuição e ocorrência dos seres vivos com o meio físico, ou fatores abióticos. Isso porque to‑ dos os seres vivos têm sua existência controlada pela variação de muitos fatores do meio físico

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

161

Tabela 6.4 – Exemplo de tabela para registro do estudo de vegetação utilizando­‑se a técnica dos quadrantes N° do ponto

Espécies

Distância + raio

Perímetro

1. ***

a) ***

***

***

b) ***

***

***

c) ***

***

***

d) ***

***

***

a) ***

***

***

b) ***

***

***

c) ***

***

***

d) ***

***

***

2. ***

Tabela 6.5 – Exemplo de tabela Posição

Espécies

Famílias

DR%

FR%

DoR

IVI%

1.

Ilex theezans

Arquifoliaceae

12,50

11,30

45,30

69,10

2.

Tabebuia cassinoides

Bignoniaceae

4,17

4,80

8,46

17,43

combinados, tais como a umidade, as tempera‑ turas, o tipo de solo, a orientação de vertente. Na escala do tempo ecológico, a interação desses fa‑ tores tem um papel importante na manutenção de um ou outro tipo de ecossistema. Os fatores do meio físico determinam, por exemplo, o tipo de vegetação que pode ocupar uma vertente ou uma zona litorânea e condicio‑ nam as características das comunidades vegetais. Por outro lado, as comunidades podem também criar novas condições ambientais pela sua própria existência. É o caso de uma floresta. Para sua existência, ela depende de condições de umidade e temperatura específicas na atmosfera. Por sua vez, em razão das suas próprias características biológicas, poderá criar abaixo do dossel (encon‑ tro das copas de árvores) outros ambientes. Trata­ ‑se de estudar nas diferentes escalas quais fatores do meio estão atuando e como interagem. Os fatores do meio físico podem ser tipifica‑ dos como: climáticos, edáficos e geomorfológi‑

162

práticas de geografia

cos. Os climáticos são os de maior amplitude, pois condicionam os fatores biológicos, edáficos e geomorfológicos em diversas escalas de tem‑ po e espaço. Pelo exposto, percebe­‑se como os campos de conhecimento da Climatologia, Geo‑ morfologia e Pedologia, tratadas em capítulos específicos, são importantes para a Biogeografia. É recomendável trabalhar com o intervalo mínimo de um ano de observação para que se possa ter um acompanhamento de pelo menos um ciclo estacional. As observações diárias são como um flash do ambiente e não devem ser des‑ cartadas.

ESTUDO DOS FATORES CLIMÁTICOS Os fatores climáticos, como temperatura, luminosidade, precipitação, umidade atmosfé‑

rica e ventos podem ser estudados em diferentes escalas, desde uso de satélites até estudos mi‑ crometereológicos. Os dados macrometeorológi‑ cos podem ser obtidos por meio de consultas às estações meteorológicas, aeroportos, cartas de tempo etc. No campo, na escala do observador, fica mais evidente o tempo do dia observado, considerando o sistema de nuvens, ventos, tem‑ peratura, umidade relativa do ar etc. Depen‑ dendo do objetivo do estudo, pode­‑se comparar um perfil climático com um perfil de cobertura vegetal, ou observar comportamentos da fauna e acompanhá­‑los com a variação do microclima. Para estudo desses parâmetros pode­‑se utilizar as técnicas sugeridas no Capítulo 5 – Técnicas de Climatologia.

A influência dos ventos O vento influencia a umidade do ar que, por sua vez, influencia a ocorrência de chuvas e a umidade relativa do ar e, portanto, interfere na transpiração da vegetação. O vento é um indi‑ cador climático do tipo de tempo, além de ser importante na dispersão de sementes e na chuva de pólen.

A luz no ambiente A luz é um dos fatores essenciais para os seres vivos. Basta lembrar que a fotossíntese, atividade pela qual as plantas obtêm energia para a so‑ brevivência, depende desse fator. A quantidade e a qualidade da luz e o número de horas de exposição variam no ambiente e atuam como fator limitante na ocorrência e distribuição das plantas. Normalmente empregam­‑se luxímetros para medir a intensidade luminosa. No campo, os lu‑ xímetros (ver Capítulo 5 – Técnicas de Climato‑ logia) são os mais indicados, pela facilidade de transporte e precisão.

A temperatura no ambiente A temperatura é considerada um dos fatores limitantes fundamentais para os seres vivos. A atividade metabólica dos animais não homeotér‑ micos (como anfíbios e répteis) é sensivelmente modificada conforme a variação da temperatura no ambiente. Mesmo nos organismos que con‑ trolam internamente sua temperatura, como é o caso dos mamíferos, o ritmo térmico tem um pa‑ pel importante no comportamento. Para as plan‑ tas, a temperatura do meio controla as taxas de evaporação e, indiretamente, a fotossíntese (por meio da abertura e fechamento dos estômatos). Um estudo do perfil de temperaturas pode ser interessante para compreender determinada área de distribuição de uma espécie.

A temperatura do solo A temperatura do solo é muito importante para as plantas e a fauna do solo. Em regiões li‑ torâneas, por exemplo, a temperatura na areia pode chegar a 80 °C enquanto a temperatura do ar pode estar entre 20 °C e 30 °C. O solo pode também se resfriar mais do que o ar durante a noite e produzir geadas. A temperatura à super‑ fície do solo poderá ser obtida por meio de um termômetro infravermelho, pois a incidência di‑ reta de raios solares nos bulbos de termômetros comuns interfere em sua determinação. Um per‑ fil de comportamento térmico em profundidade pode ser útil para compreender o arranjo espacial de coberturas vegetais e também a atividade bio‑ lógica da fauna de solo.

A umidade relativa do ar e evaporação A quantidade de vapor de água no ar é um fator controlador da transpiração das plantas e está ligada também às precipitações. Veja no Ca‑

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

163

pítulo 5 – Técnicas de Climatologia a explicação da UR e as técnicas e instrumentos para medi­‑la. Utilizando um evaporímetro de Piché, pode­ ‑se calcular a evaporação da água num intervalo qualquer de tempo.

Os solos como suporte da vida Os solos são de vital importância para os seres vivos. De sua natureza depende uma in‑ finidade de processos que determinam os tipos de cobertura vegetal existentes na Terra. Que processos são esses? Do solo advêm os nu‑ trientes e a água para as plantas, e suas raízes desenvolvem­‑se diferentemente conforme as ca‑ racterísticas físico­‑químicas do tipo de solo. Os organismos endógenos que vivem no solo são importantes para a reciclagem dos nutrientes, assim como para as propriedades químicas e físicas do solo. O solo constitui, portanto, um dos fatores limitantes ao desenvolvimento das comunidades biológicas. Solos derivados de ro‑ chas carbonáticas diferem de solos derivados de rochas graníticas, por serem mais ácidos. As plantas tropicais geralmente são calcífugas, ou seja, preferem solos ácidos. Mas o solo tem uma gênese ligada a processos climáticos, morfoge‑ néticos e biogênicos que ocorrem há muito tem‑ po. É importante para o observador de campo proceder à análise cuidadosa do solo, para me‑ lhor compreender a comunidade vegetal. Para isso, pode apoiar­‑se nas atividades propostas no Capítulo 4 – Técnicas de Pedologia.

ESTUDOS DA FAUNA Uma das subáreas de estudo da Biogeografia é a Zoogeografia, estudo científico da distribui‑ ção e ocorrência da vida animal, que trata das influências do meio, das mútuas relações entre as espécies animais e da sua distribuição pela

164

práticas de geografia

Terra, não só no momento atual como durante as Eras Geológicas (leitão, 1947). Sabe­‑se o quanto é difícil observar e se apro‑ ximar dos animais. Sabe­‑ se, também, que é muito prazeroso poder observá­‑los na nature‑ za. As pessoas não apreciam a fauna do mesmo modo, há preferências: alguns têm medo, outros repulsa por certos tipos de animais. Independen‑ temente dos sentimentos, os animais são parte fundamental de todos os ambientes. Muitos são injustiçados – como anfíbios, répteis e uma infi‑ nidade de insetos, porque a maioria das pessoas desconhece o benefício que trazem ao ambiente. Um exemplo de injustiça é o caso dos ani‑ mais necrófagos e uma grande infinidade de se‑ res decompositores. São verdadeiros lixeiros na natureza, que realizam uma incrível limpeza do ambiente. O urubu, o camarão e a garça, apesar de bem diferentes, cumprem papéis semelhan‑ tes na natureza, pois aproveitam restos animais e vegetais em sua alimentação, transformando­ ‑os e devolvendo­‑ os em forma de nutrientes para a cadeia alimentar. Assim como eles, os tatus e as hienas também são necrófagos ou detritívoros. São animais que se alimentam de organismos mortos, em estágio pouco avança‑ do de decomposição. Seria muito interessante estudar na sua localidade quem são os injusti‑ çados, tais como esses importantes animais da cadeia alimentar. É claro que existem animais que são peri‑ gosos para nossa saúde e para nosso modo de vida, mas a generalização nos levou a um gran‑ de extermínio de animais. Muitas de nossas im‑ pressões sobre a fauna são produto da falta de informação. Há uma infinidade de animais que nem per‑ cebemos em nosso dia a dia, pois nosso olhar dedica­‑se somente à percepção de alguns grupos considerados mais belos pelo senso comum, ou mais evidentes na paisagem. Do mesmo modo que ocorre com o estudo da vegetação, o geógra‑ fo não precisa ser um especialista em fauna, mas em muitas situações precisa saber perceber sua

presença, conhecer um grupo indicador de am‑ biente ao checar uma lista faunística em projetos de planejamento, usando seus conhecimentos de Biogeografia. Os animais variam de tamanho e estrutu‑ ra, por isso não se pode empregar uma técnica­ ‑padrão para observação, captura e conserva‑ ção. Os procedimentos variam muito segundo os diferentes grupos. Inicialmente, procura­‑se observar quais são os animais comuns ou mais facilmente visíveis. A utilização de fotografia é muito útil no estudo da fauna, uma vez que se deve coletar o mínimo possível, pois pelo des‑ conhecimento da fauna local, não se sabe que alteração será provocada no ambiente, qual significado de determinados espécimes etc. A coleta só deve ser realizada quando absoluta‑ mente necessária ao avanço do conhecimento científico. Deve­‑se evitar a coleta de espécies raras, utilizando a fotografia. Obviamente, al‑ gumas formas de coleta não irão provocar dis‑ túrbio no balanço da natureza. Alguns insetos, organismos pelágicos, algumas formas de plan‑ tas toleram uma coleta considerável. Os cadernos de anotação devem conter todas as informações dos animais observados, fotogra‑ fados ou coletados. Os animais coletados devem ser devidamente conservados e corretamente eti‑ quetados. A conservação dos exemplares deve ser feita segundo manuais, pois varia para os di‑ ferentes grupos. As capturas feitas corretamente podem ser enviadas aos museus.

Rastros e pegadas de animais Existem várias formas de se identificar a pre‑ sença de fauna no campo, com a utilização de instrumentos e técnicas, das mais simples até as mais sofisticadas. Entretanto, estudar a fau‑ na não é tarefa simples, ainda mais em regiões tropicais, nas quais as limitações são impostas pelas características discretas de muitas espé‑ cies e pela vastidão dos territórios. Mesmo com

equipamentos sofisticados, muitos animais são ariscos e sua observação, difícil. Procurar vestígios da presença dos animais é a mais importante tarefa do observador. Sinais típicos são encontrados e, se corretamente in‑ terpretados, podem oferecer uma identificação segura do animal que os produziu, além de infor‑ mações eficazes sobre sua ecologia. Os vestígios mais comuns deixados pelos animais que podem ser utilizados em sua identificação são: ¾¾fezes; ¾¾pegadas; ¾¾pelos; ¾¾tocas, abrigos e ninhos; ¾¾restos de alimentos; ¾¾restos de anteparos. As pegadas são os sinais encontrados com maior frequência e de interpretação mais con‑ fiável. Observar pegadas é uma forma eficaz de identificar a presença de animais na área de estudo. Com base em sua observação e na ela‑ boração de moldes, pode­‑se identificar princi‑ palmente a ocorrência de meso e macrofauna, principalmente répteis, aves e mamíferos. Os locais mais propícios à presença de pe‑ gadas são: beirada de corpos d’água, locais en‑ lameados ou arenosos, trilhas, e próximo a ár‑ vores frutíferas. É importante ter informações básicas sobre os hábitos dos animais a serem pesquisados, para um melhor direcionamento da observação dos locais favoráveis à presença de fauna. É essencial observar o tamanho das pega‑ das (medir com régua), fotografar, identificar o número de pegadas, a quantidade de dedos, a distância entre eles, o formato da pegada (ocor‑ rência de almofada) e o local onde a pegada foi encontrada. O caderno de campo é material indispensável, pois todas as observações feitas devem ser anotadas. A Figura 6.27 ilustra um exercício simples para treinar a técnica de se fazer um molde de uma pegada.

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

165

ESTUDANDO AS AVES guias para todo o país, para apenas um esta‑ do ou uma localidade restrita, como o Aves no campus (höffing, 2002), que retrata as espé‑ cies de aves da Cidade Universitária, em São Paulo. Dois guias de abrangência nacional são: Aves brasileiras (frisch, 1981) e Todas as aves do Brasil (souza, 2004).

Modos de observação de aves Observação de espera: o observador fica pa‑ rado em determinado local por algum tempo, de preferência próximo a lago, rio ou árvore com frutos, esperando que as aves da região apare‑ çam. É recomendável que as observações sejam feitas ao amanhecer e ao entardecer. Observação de percurso: o observador faz suas observações caminhando por uma estrada, trilha, picada, pelo campo etc. Equipamentos e dicas úteis para a observa‑ ção científica de aves: ¾¾câmera fotográfica; ¾¾GPS; ¾¾binóculos; ¾¾boné para evitar luz sobre os olhos e melhorar o contraste e a saturação de cores na visualiza‑ ção por meio do binóculos; ¾¾lanternas para observações noturnas, e ou‑ tras menores de reserva;

Sérgio Fiori

A vivência no trabalho de campo permite ob‑ servar e identificar diversas aves. Alguns com‑ portamentos das aves facilitam prever e deduzir outros. A observação de aves é uma prática que envolve milhões de pessoas em todo o mundo. Nenhum outro grupo de animais silvestres exerce maior atração sobre as pessoas, pela sua simples contemplação. Certamente, algumas qualidades notáveis das aves são responsáveis por isso, como sua capacidade de voo, invejada pelo homem por centenas de anos; seu colorido, muitas vezes im‑ possível de ser reproduzido numa pintura, pois algumas cores são decorrentes de iridescências da própria estrutura das penas; seu canto, melodioso e agradável ao ouvido humano. A isso, acresce­‑se a grande conspicuidade das aves, que podem ser vistas voando a grandes alturas ou sobrevoando ondas em alto­‑mar, nos desertos mais áridos e no inóspito inverno antártico. A observação e o reconhecimento das espé‑ cies de aves podem ser feitos em grande parte pela sua simples visualização e escuta. Prova disso é que muitos moradores das áreas rurais são grandes conhecedores das aves de sua re‑ gião. Mas o uso de equipamentos poderá ser muito útil. Tudo dependerá do maior ou menor interesse pela observação e aprofundamento em suas técnicas. São de grande utilidade os guias de campo, livros em geral com formato pequeno para se‑ rem levados em campo, com desenhos ou fotos de todas as aves de determinada região. Há

Encher uma caixa com areia

166

práticas de geografia

Fazer uma pegada

Colocar uma tira de papelão em volta da pegada

Despejar gesso no centro e deixá-lo secar

Limpar o molde endurecido com uma escova

Figura 6.27. Fazendo um molde de uma pegada.

¾¾fitas coloridas impermeáveis para marcar pontos na mata; ¾¾relógio com cronômetro para marcar tempo de observação de alguns hábitos; ¾¾lista das aves que ocorrem no local (alguns lugares, parques e reservas possuem lista de sua avifauna, o que ajuda a observação, porque per‑ mite identificar melhor e mais rapidamente as aves avistadas); ¾¾caderno de anotações para posterior estudo das espécies de difícil identificação; ¾¾pequeno gravador para registrar o canto das aves; ¾¾guia de campo para uma boa identificação, lembrando que deve ser escolhido o local que tem o maior número possível da avifauna do ecossistema escolhido; ¾¾roupas: devem ser discretas para não espantar as aves; tons de verde ou marrom são adequados para se camuflar com o ambiente; ¾¾modo de andar: deve ser cauteloso e silencio‑ so. Gestos rápidos assustam as aves, ao passo que andar em câmera lenta permite boa aproxi‑ mação. Andar direto em direção a uma ave pode assustá­‑la, mas andar em ziguezague, como se estivesse apenas passando perto delas não as as‑ susta tanto.

ANÁLISE, INTERPRETAÇÃO E RELATÓRIO O observador de campo deve estar suficien‑ temente interessado na vida ao seu redor para aprender, ao menos, sobre as espécies de ani‑ mais e plantas mais comuns na área de estudo. Seu valor como observador de campo aumenta‑ rá com sua habilidade de identificar animais e plantas no material coletado, fotografado ou ob‑ servado (anotações). Suas identificações devem ser validadas em manuais de descrição, chaves

de identificação das espécies ou com a ajuda de um especialista. A lista das espécies encontradas, tanto de plantas quanto de animais, e sua distribuição, os diagramas de perfis, frequência, densidade, fotografias etc. devem ser analisados cuidado‑ samente em tabelas e gráficos. A análise e a comparação dos resultados levarão ao melhor conhecimento do local estudado e a conclusões quanto a certos aspectos do ambiente. Os fato‑ res ambientais que influem sobre a natureza do habitat e a distribuição das plantas e dos ani‑ mais devem ser tabelados, colocados em gráfi‑ cos e analisados juntamente com os dados de fauna e flora. É imprescindível ao biogeógrafo mapear os organismos encontrados e compará­ ‑los com a descrição biogeográfica constante na literatura.

Relatório de campo O relatório deve ser escrito em linguagem clara, objetiva, precisa e simples e conter todas as etapas do desenvolvimento do trabalho, as re‑ flexões dos autores e a metodologia empregada. Existem vários modelos de relatório. A es‑ colha depende da forma como o observador expressa seus resultados. Em geral, inicia­‑se o relatório com a apresentação clara do problema a ser investigado, pois ajuda na concentração dos propósitos almejados. Em seguida, inicia­‑se a descrição de como e o quê foi pesquisado na área escolhida. Os resultados devem ser anota‑ dos e revistos no transcorrer do trabalho. Tabe‑ las, gráficos e ilustrações são muito úteis para a visualização e discussão e devem ser confeccio‑ nados antes da redação do texto. A discussão dos resultados, etapa final do re‑ latório, pode ser antecipada durante o desenvol‑ vimento do texto, contudo só pode ser redigida depois da sua apresentação e interpretação.

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

167

NA SALA DE AULA Atividade 1: mapeando os hábitos dos animais Com base em imagem ou mapa esquemá‑ tico de uma área qualquer (fotografia aérea, imagem de satélite, carta topográfica) que con‑ tenha fragmentos de formação vegetal em meio a outras variáveis (plantações; barreiras natu‑ rais, como corpos d’água; e antrópicas, como estradas), propor questões reflexivas quanto à viabilidade de mobilidade de uma espécie cujo habitat seja conhecido. Segue abaixo um roteiro de questões que podem ser aplicadas ao estudo desse tipo de mapeamento. ¾¾Observe a situação da cobertura vegetal da área. Levando em consideração as distâncias entre os fragmentos e seus diferentes tamanhos, identifique e relacione as regiões de maior ou menor distanciamento entre fragmentos. ¾¾Com base em dados comportamentais de uma espécie conhecida e das informações con‑ tidas no mapa, levante uma hipótese sobre as possíveis áreas de ocorrência deste animal. Delimite­‑as no mapa, tendo em mente o terri‑ tório da espécie e as condições do fragmento. Se necessário, elabore uma legenda. ¾¾Há condições para trânsito de indivíduos de um fragmento ao outro? Identifique na área apresentada as principais barreiras (naturais/an‑ trópicas). ¾¾Elabore uma proposta para solucionar o pro‑ blema de rodovias (caso existam) que cortam fragmentos, ameaçando a vida de diversos gru‑ pos de animais.

Atividade 2: exercitando quadrante, parcelas e herborização Identifique se, próximo à escola, existe al‑ gum fragmento florestal, um parque ou área com cobertura vegetal suficiente para a reali‑

168

práticas de geografia

zação de exercícios de Biogeografia. Caso haja, exercite com os alunos as técnicas de quadran‑ te, de parcelas e de herborização, seguindo as orientações fornecidas neste capítulo. Um qua‑ drante pode ser facilmente construído com um cabo (do tipo enxada) e uma cruzeta feita de ripas. Juntamente com os professores de Biologia, colete com os alunos amostras vegetais, caso seja permitido, utilizando as orientações e os cuidados expostos neste capítulo. Acondicione adequadamente as espécies coletadas, iniciando a criação de um herbário da flora local para ser arquivado na escola. Observação: note que o trabalho de campo de Biogeografia pode ser feito juntamente com os exercícios propostos nos Capítulos 2, 4 e 5 deste livro (Técnicas de Geomorfologia, de Pe‑ dologia e Climatologia – respectivamente). Essa integração de atividades é útil para a constru‑ ção do conceito de paisagem enquanto conjun‑ to articulado de componentes. As dinâmicas da natureza serão melhor assimiladas e os traba‑ lhos extra classe serão mais empolgantes, uma vez que envolvem o aluno enquanto agente.

Atividade 3: reconhecendo a flora e a vegetação Destacar na aula o tema da cobertura vege‑ tal urbana como modo de perceber a presença da natureza nas cidades. Mostrar alguns dados sobre mudanças de temperatura e poluição e o efeito benéfico da cobertura vegetal. Solicitar aos alunos uma pesquisa em livros didáticos, enciclopédias ou na internet para verificar como esse assunto é tratado. Disponibilizar o texto a seguir para leitura em duplas.

Conversar com os alunos sobre o texto, des‑ tacando que até mesmo em uma cidade como São Paulo ainda vivem muitos animais e plantas. Convidar os alunos para um levantamento biogeográfico da cobertura vegetal urbana ou de áreas rurais do entorno da escola. O estudo da cobertura vegetal e sua tipolo‑ gia poderá ter dois enfoques. Um voltado para o conhecimento da flora nativa e exótica e outro sobre as áreas livres e verdes do município.

Enfoque 1 – Flora Organizar a turma em grupos para produzir, em duas semanas, durante percursos de campo pelo bairro ou região do município, um levanta‑ mento de plantas relacionadas em lista. Definir um trajeto com os alunos, utilizando um mapa de ruas do município. Identificar as ti‑ pologias de cobertura (praças, terrenos baldios, verde viário etc.). Distribuir as equipes por tipos de áreas de cobertura e por formas de vida (vege‑ tação arbórea, arbustiva e herbácea). Explicar para as crianças como identificar essas formas de vida. Cada grupo deverá listar o máximo de plan‑ tas que conseguir, mesmo que não saiba os seus nomes científicos ou populares. Com apoio do professor de Ciências, definir como esse inventá‑ rio será feito. A listagem poderá ser por morfotipos e nomes comuns, conhecidos localmente. O im‑ portante será reconhecer a diversidade de tipos. Organizar uma lista com os nomes comuns e depois pesquisar com os alunos os nomes científicos das plantas, a origem geográfica e as curiosidades, por exemplo: para que serve, o que provoca no ambiente etc. Organizar os grupos para pesquisarem em enciclopédias, livros e internet, se possível. Com as tabelas prontas, os alunos poderão ter

uma contagem, por forma de vida, do número de espécies que ocorrem no entorno da escola. É aconselhável elaborar uma lista de referên‑ cias, antes de realizar a atividade. Produzir um mapa das dez principais espé‑ cies da flora local escolhidas pelos alunos, entre as plantas nativas e exóticas, para conhecer sua origem e distribuição. Construir tabelas para a pesquisa, separando as plantas exóticas das nativas. De acordo com a dificuldade apresentada pelos alunos, o professor poderá eleger um número menor de plantas. O importante é que os alunos percebam que mui‑ tas plantas na cidade são invasoras e exóticas. Na Tabela 6.6, um exemplo de tabela que po‑ derá ser utilizado e/ou modificado para a cidade de São Paulo. Tabela 6.6 – Exemplo de tabela Nativas do Brasil arbóreas

Exóticas arbóreas

Araucária

Tipuana

Ipê­‑amarelo

Mangueira

Pau­‑brasil

Flamboyant

Castanha­‑do­‑ Pará

Chapéu­‑de­‑Sol

Jequitibá

Figueira

Enfoque 2 – Vegetação Para organizar os dados de cobertura vegetal, criar uma tabela para os alunos identificarem os tipos que ocorrem na cidade, bairro ou entorno da escola. A sugestão apresentada na Tabela 6.7 poderá ser utilizada. Após esse levantamento os alunos poderão organizar um croqui desta ocorrência utilizando

capítulo 6 – técnicas de biogeografia

169

Tabela 6.7 – Exemplo de tabela Tipologia de áreas verdes

Ocorrência na cidade (quantidade, localizações etc.)

Públicas Praças

*******

Parques municipais

*******

Cemitério

*******

Viveiros

*******

Mirante

*******

Monumento natural

*******

Ruas arborizadas

*******

Privadas Clubes

*******

Jardins e quintais

*******

Sítios e fazendas

*******

Outros

*******

como mapa­‑base o guia de ruas (para o bairro e entorno da escola) ou mapa da cidade. Defi‑ nir com os alunos a forma como irão apresentar o resultado da pesquisa na “Semana do Meio Ambiente” ou em outra data importante do ca‑ lendário comemorativo da escola.

Avaliação geral Observar, ao longo das atividades, quais fo‑ ram as limitações dos alunos para ler, produzir textos, organizar dados e explanar um assunto de modo oral. Registrar as aquisições e dificul‑ dades a serem superadas pelos alunos, desde o início do trabalho, e procurar introduzir, durante o período de estudos, atividades que se ajustem melhor às capacidades dos alunos e às suas novas aquisições. Observar, nesse registro individual de cada aluno, como o professor considera ser possível a

170

práticas de geografia

eles se habilitarem para ultrapassar e superar as limitações encontradas nas atividades que foram realizadas. Como o professor poderia agir para favore‑ cer o desenvolvimento das capacidades dos alu‑ nos nas atividades? Elaborar um registro desse processo de observação das produções dos alu‑ nos. Avaliar as aquisições quanto à apropriação de repertório referente ao tema da cobertura ve‑ getal como forma de perceber a natureza trans‑ formada. As proposições de debate, nas quais o uso da oralidade é fundamental, constituem importantes momentos para se promover o de‑ senvolvimento dessa competência. Registrar as observações sobre esse repertório. As produções escritas deverão ser lidas e comentadas pelo professor, com indicações de como o aluno poderá melhorar a sua capacidade de expressão pela escrita, em Geografia.

ConSideraçÕeS finaiS Os padrões de distribuição de animais e plantas sobre a superfície terrestre dependem, como vimos, de diversos fatores, como o clima, os solos e o relevo. Portanto, a integração dos estudos de Biogeografia com os de Climatologia, Pedologia, Geomorfologia e, sobretudo, Biologia é necessária para enriquecer a compreensão de cada uma dessas áreas e da paisagem enquanto “conjunto indissociável e em perpétua evolução”1. Ressalta‑se ainda o apoio técnico das cartografias e do tratamento estatístico de dados às pesquisas em Biogeografia. Procurou‑se mostrar que a Biogeografia nos auxilia na integração dos diversos componentes da paisagem, na medida em que a distribuição dos seres vivos na Terra é reflexo da dinâmica da paisagem. Finalmente, a Biogeografia, por conceber a paisagem enquanto conjunto, representa importante subsídio ao Planejamento Ambiental, conservação de áreas, agricultura e mesmo turismo, lazer e educação ambiental.

1

Fragmento da definição de paisagem de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, em seu livro Geossistemas: a história de uma procura. São Paulo: Contexto, 2000. p. 39.

REFERÊNCIAS DE APOIO Bibliografia AB´SABER, A. N. Os domínios morfoclimáticos na América do Sul: uma aproximação. In: Geomorfologia, n. 52, pp. 1­‑22, Instituto Geográfico/USP, São Paulo, 1977. CROIZAT, L. et al. Centers of origin and related con‑ ceptssystematic zoology. Harward, v. 23, pp. 265­‑287, n. 2, 1974. DINIZ, A. & FURLAN, S. A. Relações entre classificações fitogeográficas, fitossociologia, cartografia, escalas e modificações socioculturais no parque estadual de Campos de Jordão. São Paulo: Revista do Departamento de Geografia, 1998. p. 123-161. ELDREDGE, N.; CRACRAFT, J. Philogenetic patterns and the evolutionary process: method and theory in comparative biology. Nova York: Columbia Uni‑ versity Press, 1980. Frisch, Johan Dalgas. Aves brasileiras. São Paulo : Dalgas-Ecoltec Ecologia Tecnica, 1981.353 p. FURLAN, S. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS, Jurandyr L. S. Geografia do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1996. Goodland, Robert. A phytosociological study of the northern Rupununi Savanna, British Guiana. Montréal: McGill University, 1964. 300 p. HENNIG, W. Philogenetic systematics. Annual Review of Entomology, v. 10, pp. 97­‑116, 1965. Höfling, Elizabeth. Aves no Campus Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira. 3. ed., 1ª reimpr. São Paulo : EDUSP/Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, 2002. 157 p. LEITÃO, C. M. Zoogeografia do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Cia. Ed. Nacional, 1947. MARTINS, F. R. Estrutura de uma floresta mesófila. Campinas: Unicamp, 1993. MONTEIRO, C. A. F. Geossistemas: a história de uma procura. São Paulo: Contexto, 2000. NELSON, G.; PLATINICK, N. Systematics and biogeography cladistic and vicariance. Nova York: Colum‑ bus University Press, 1984. NELSON, G.; ROSEN, D. E. Vicariance biogeography: a critique. Nova York: Columbia University Press, 1979. ROSEN, R.; BEAVER, D. de B. Studies in scientific colla‑ boration: Part I. The professional origins of scientific co­‑authorship. Scientometrics, v. 1, pp. 65­‑84, 1978.

172

práticas de geografia

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Agradecimentos A autora expressa seus agradecimentos a Eduardo Félix Justiniano, Gerson Freitas, João Nucci e Kelly Cristina Melo, cujas colaborações foram inestimáveis.

SOBRE O AUTOR Sueli Angelo Furlan é professora assistente dou‑ tora do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo desde 1986. Possui título de mestre e doutora em Geografia Física pela mesma instituição e é bacharel e licenciada em Biologia e em Geografia, tam‑ bém pela USP. Desenvolve pesquisas socioambientais. É orientadora do grupo de pesquisa “Territorialidades da conservação: ambiente, conservação e populações tradicionais”, vinculado ao Laboratório de Climatologia e Biogeografia/USP, e coordenadora do Núcleo de Estudos de Populações e Áreas Úmidas (NUPAUB/ USP). É credenciada no Programa de Pós­‑ Graduação em Ciências Ambientais da PROCAM/USP.

Técnicas de Cartografia

7 Alfredo Pereira de Queiroz Filho

EDuardo Justiniao

Mário De Biasi

Introdução, 175 Escala, 177 Orientação espacial, 184 Distâncias, 192

PRATGEO_2aprova.indb 175

Alturas e atitudes, 194 Ângulos, 196 Declividade, 197 Área, 198

Na sala de aula, 200 Considerações finais, 202 Referências de apoio, 203 Sobre os autores, 204

26/11/10 12:21

INTRODUÇÃO O objetivo deste capítulo é resgatar as noções básicas da cartografia por meio de atividades tradicionais de levantamento expedito1 e de manipulação gráfica das cartas topográficas. São técnicas antigas e consagradas, mas seu uso foi reduzido, entre outros fatores, pela baixa precisão que apresentam, sendo gradualmente substituídas pelas tecnologias digitais. A revalorização desses procedimentos gráficos ou analógicos, numa época caracterizada pelo paradigma tecnológico, justifica­‑se por duas razões: simplici‑ dade e potencial didático. Os procedimentos analógicos aqui abordados possuem baixíssimo ou nenhum custo; não dependem da utilização de equipamentos eletrônicos ou programas específicos e, em alguns casos, permitem a construção do próprio instrumento de medida. Além disso, as atividades propostas podem ser realizadas em campo, em laboratório ou em sala de aula, auxiliando na com‑ preensão e fixação de conceitos. Os principais temas abordados são: escala cartográfica; orientação espacial; estimativas de distância, de altura e altitude, de ângulo, de declividade; e cálculo de área. As questões relacionadas à escala foram as mais exploradas, tendo em vista sua importância e a recorrente dificuldade dos estudantes na compreensão desse conceito­‑chave da Cartografia.

1

PRATGEO_2aprova.indb 176

A compilação dos levantamentos expeditos aqui apresentados baseia­‑se, fundamentalmen‑ te, na obra Ensaios cartográficos, elaborada por João Soukup, em 1966. De origem austro­ ‑húngara, ele foi o primeiro professor de Cartografia do Departamento de Geografia da Uni‑ versidade de São Paulo, onde trabalhou de 1947 a 1961.

26/11/10 12:21

ESCALA Escala é um atributo fundamental das pes‑ quisas geográficas. Entretanto, a utilização des‑ se termo requer algum cuidado, pois existem para ele diferentes conotações. Entre muitas definições de diferentes autores, pode­‑se iden‑ tificar alguns pontos comuns, como se observa a seguir. Segundo Fabrikant (2001), escala está rela‑ cionada ao tamanho dos objetos estudados e ao nível de detalhe adotado na pesquisa. A natureza dos fenômenos define a escala das análises, que por sua vez determina o grau de generalização do estudo. Para Lacoste (1988) e Racine et al. (1983), o significado de escala é intrínseco ao de repre‑ sentação da realidade. Quando relacionado à Cartografia, a representação do espaço possui uma conotação de “forma geométrica”. Assu‑ me também o significado de nível de análise ou recorte espacial, quando a representação está vinculada à Geografia. De acordo com Montello (2001), existem três significados de escala: cartográfica, de análise e do fenômeno. A escala cartográfica representa numericamente a relação entre o tamanho do objeto no terreno e as suas dimensões no mapa. A escala de análise indica a unidade de tama‑ nho na qual um fenômeno é analisado (exem‑ plo: local, regional ou global) ou de agrupamento dos dados (exemplo: distrito, município, estado etc.). A escala dos fenômenos caracteriza as di‑ mensões da sua ocorrência sobre a superfície terrestre (exemplo: área afetada pelo fenômeno climático “El niño”). Para Castro (2003), escala é uma estratégia de aproximação do real. Está associada à di‑ mensão e à complexidade do fenômeno. Para a autora, a perspectiva conceitual de escala revela o problema da polimorfia do espaço. Nele, um conjunto de escalas expressa as distintas rela‑ ções entre os fenômenos, que possuem múltiplas dimensões e expressões espaciais.

Já para Corrêa (2007), escala é uma constru‑ ção social que possui três principais acepções: a cartográfica, que é a relação entre o objeto e a sua representação em cartas e mapas; a de di‑ mensão, como, por exemplo, da economia de um país; e a conceitual, relacionada à idéia de que objetos e ações são conceitualizados em uma dada escala na qual os processos e configurações se tornam específicos (exemplo: escala da rede urbana e escala do espaço intraurbano).

Escala cartográfica Escala cartográfica é a relação entre uma distância horizontal medida no terreno (D) e a distância da sua representação no mapa ou carta topográfica (d), como mostra a Figura 7.1. A ex‑ pressão “escala cartográfica” implica, sempre, na redução das dimensões dos objetos do terreno, ou seja, a distância gráfica (no mapa) será sem‑ pre menor do que a distância real (no terreno) (ibge, 1999). A escala é fundamental numa representação, pois mostra a proporcionalidade entre as refe‑ ridas medidas. Isso significa que se soubermos o tamanho de um objeto no terreno e a escala, é possível calcular as suas dimensões na carta. Da mesma forma, se conhecermos a escala e as distâncias da carta topográfica, é possível obter seu valor no terreno. Uma escala cartográfica pode ser denomina‑ da grande, média ou pequena. Quanto maior o denominador, menor será a escala (1/250.000 é menor do que 1/5.000). Quando nos referimos a uma escala grande, significa que a carta possui grande número de detalhes e que ela abrange pequena extensão no terreno. E, quando a escala cartográfica é pequena, o mapa apresenta pou‑ cos detalhes, mas abrange uma grande extensão no terreno (Figuras 7.2 e 7.3). Exemplo: uma car‑ ta 1/10.000 é considerada grande e abrange cer‑

capítulo 7 – técnicas de cartografia

PRATGEO_2aprova.indb 177

177

26/11/10 12:21

Sérgio Fiori

E=D/d

DD == 2000m 1000m m

d = 40 m

Carta

Figura 7.1. Representação da escala cartográfica 1/50.000 (E= 2.000 m/40 mm, E= 2.000.000/40, E= 50.000). Observa­‑se que é necessário uniformizar as unidades de medidas (2.000 m = 2.000.000 mm). Fonte: Brasil/Ministério do Exército (1980).

ca de 30 km2 no terreno. A escala de uma carta 1/1.000.000 é considerada pequena e representa uma área de 290.000 km2. A escala cartográfica é expressa de duas formas distintas: a escala numérica e a escala gráfica.

Escala numérica A escala numérica pode ser escrita de duas formas: 1) por uma fração: ou simplesmente: 1/50.000 (a leitura em am‑ bas é igual: “um para cinquenta mil”); 2) por equivalência: 1:50.000 (da mesma forma, lê­‑se ”um para cinquenta mil”). 1/50.000 = 1:50.000

178

No uso da escala numérica, é importante saber que: ¾¾a escala numérica indica o fator de redução do documento cartográfico. Na escala 1/50.000, uma distância no terreno foi diminuída 50 mil vezes para ser representada na carta. De manei‑ ra análoga, uma distância qualquer nessa carta deve ser ampliada 50 mil vezes para correspon‑ der à distância no terreno; ¾ ¾a cada ampliação ou redução, a escala numérica deve ser calculada novamente. Se uma carta 1/50.000 for ampliada duas vezes, então sua escala será 1/25.000. Se a carta 1/50.000 for reduzida duas vezes, sua escala será 1/100.000; ¾¾a escala numérica não deve conter nenhuma unidade de medida (cm, m ou km);

práticas de geografia

PRATGEO_2aprova.indb 178

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grande

escala da carta

nível de detalhe maior

Rafael Sato

pequena

área da carta

¾¾para interpretar a escala numérica, deve­‑se escolher uma unidade de medida e associá­‑la aos dois números que compõem a escala (numerador e denominador); ¾¾se usarmos o milímetro, por exemplo, então 1 mm no mapa = 50.000 mm no terreno (50 m). Da mesma forma para o centímetro, 1 cm na carta = 50.000 cm no terreno (500 m). Em ambos os casos a distância no terreno é propor‑ cional (1 mm = 50 m e 1 cm = 500 m). Essas duas unidades são as mais comuns, pois estão presentes nas réguas graduadas, muito usadas sobre cartas e mapas.

nível de detalhe menor grande

pequena

Figura 7.2. Relação entre escala cartográfica grande e pequena.

Escala gráfica (subdivisão numérica à esquerda do zero). Veja Figura 7.4, duas formas comuns de expressar a escala gráfica.

Reprodução

A escala gráfica é um segmento de reta ho‑ rizontal cujos números são baseados na esca‑ la numérica, podendo conter ou não um talão

Figura 7.3. Parciais de cartas topográficas em diferentes escalas. Fonte: IBGE.

capítulo 7 – técnicas de cartografia

PRATGEO_2aprova.indb 179

179

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2

4

talão

6 km

0

0,5

1

1,5

Rafael Sato

0

2

2 km

corpo

Figura 7.4. Representações cartográficas com diferentes escalas.

A escala gráfica possui uma grande vanta‑ gem sobre a escala numérica: ela se amplia e reduz junto com o mapa e, por isso, não per‑ de seu valor (Figura 7.5). Assim, um mapa com escala gráfica pode ser reduzido ou ampliado, via fotocópia ou zoom40°na W tela do computador e manter a proporcionalidade das medidas do terreno e do mapa. 10° N No uso da escala gráfica, é importante saber que: ¾¾na interpretação da escala gráfica basta co‑ locar uma régua graduada sobre a escala gráfica (o zero da régua deve coincidir com o zero da escala), fazer a leitura e a conversão. No caso da primeira escala gráfica (com talão), 6 cm = 6 km, portanto, 1 cm na carta = 1 km no terre‑

60° W

no (1/100.000). No segundo exemplo de escala gráfica, 5 cm = 2 km, que significa que 1 cm na carta = 400 m no terreno (1/40.000); ¾¾na construção da escala gráfica segue­‑se o ra‑ ciocínio inverso. Na escala 1/250.000, por exem‑ plo, sabe­‑se que 1 cm da carta = 250.000 cm no terreno, que corresponde a 2.500 m ou 2,5 km. Assim, basta representar um segmento de reta, por exemplo, com cinco marcações (quatro in‑ tervalos iguais). Se o espaçamento for de 1 cm (medida total do segmento = 4 cm), então, sobre a primeira marcação escreve­‑se o número 0, sobre a segunda 2,5, sobre a terceira 5, na quarta 7,5 e na última, 10 km (escrever sempre a unidade de medida na escala gráfica, caso contrário ela não tem validade). Se a equidistância entre as divisões

10° S 60° W

40° W

Rafael Sato

80° W

10° N

N

0

1.000 km

30° S

1: 50.000.000 80° W

60° W

40° W 10° S

10° N

10° S

N N

30° S

0 0

1.000 km

1.000 km 1: 100.000.000

Figura 7.5. Representações cartográficas com diferentes escalas.

30° S

1: 50.000.000 80° W

60° W

40° W

10° N

180

práticas de geografia

PRATGEO_2aprova.indb 180

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0° N

0° S

0° S

hectômetro hm 100 m

decâmetro dam 10 m

metro m 1m

decímeto dm 0,1 m

centímetro cm 0,01 m

milímetro mm 0,001m

Rafael Sato

quilômetro km 1000 m

Figura 7.6. Sistema Métrico Decimal.

da escala gráfica for de 2 cm, então o segmento de reta medirá 8 cm e os valores correspondentes serão: 0, 5, 10, 15 e 20 km. Em ambos os casos, como a proporção foi respeitada, o aluno chegará ao mesmo resultado caso queira transformar a escala gráfica em escala numérica (1/250.000).

Cálculos da escala Escala indica a proporção entre as medidas do mapa (d) e do terreno (D). Assim, é possí‑ vel calcular um dos seus componentes, caso se conheça o valor dos outros dois. Embora possa aparentar alguma complexidade, esse cálculo é muito simples. Para isso, deve­‑se: ¾¾conhecer o sistema métrico decimal (ver Fi‑ gura 7.6 e a Tabela 7.1); ¾¾usar a fórmula adequada; ¾¾converter os valores para a unidade de medi‑ da apropriada. A proporção entre os três componentes (D, d e E) pode ser calculada a partir das seguintes fórmulas: d=D∕E D=d×E E=D∕d Onde: d = distância no mapa; D = distância no terreno; E = denominador da escala Exemplo Escala: 1/50.000 Distância na carta (d) = 4,5 cm Denominador da escala (E) = 50.000 (onde 1 cm no mapa = 50.000 cm no terreno) D=d×E D = 4,5 cm × 50.000 cm D = 225.000 cm ou 2.250 metros

Tabela 7.1. Relação entre escala e distância no terreno Escala do mapa

1 cm no mapa representa

1/10.000

100 m no terreno

1/50.000

500 m no terreno

1/100.000

1.000 m (1 km) no terreno

1/500.000

5 km no terreno

1/1.000.000

10 km no terreno

Fonte: Queiroz Filho (2010).

Para resolver os exercícios de escala carto‑ gráfica, essas fórmulas são fundamentais. No entanto, acredita­‑ se que não seja necessário decorá­‑las, pois mesmo que dê mais trabalho e tome mais tempo de aula, é muito importante estimular a sua compreensão entre os estudan‑ tes. Nesses casos, é possível: ¾¾mencionar que se trata de uma relação entre três termos que envolve, sempre, uma divisão ou multiplicação. Explicar o significado do termo “proporção” e explorar seus exemplos cotidianos costuma ser muito útil; por exemplo, se a receita diz: 2 ovos para cada litro de leite e 800 gramas de farinha para fazer 1 kg de bolo, então deve­‑se usar apenas 1 ovo para cada 1/2 litro de leite e 400 gramas de farinha, para fazer 0,5 kg de bolo se a receita for reduzida pela metade; ¾¾destacar as relações e grandezas envolvidas. Se o denominador da escala (E) é um fator de redução entre as distâncias no terreno (D) e as no mapa (d), então as distâncias no mapa serão sem‑ pre menores do que as do terreno. Logo, E = D/d (se multiplicássemos D por d, então a distância no terreno ficaria maior do que ela realmente é, e não haveria proporção entre os termos). Ressal‑ tar que os outros termos seguem o mesmo racio‑

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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cínio. A distância no terreno (D), que é compa‑ rativamente maior no terreno do que no mapa, é igual à multiplicação das outras duas componen‑ tes (D = d × E). Se dividíssemos, o resultado seria muito menor do que a distância no mapa; ¾¾lembrar que, no caso da distância na carta, d = D ∕ E, se a maior distância (terreno) fosse mul‑ tiplicada pelo denominador da escala, então a dis‑ tância no mapa não seria proporcional à do terreno e a escala seria um fator de ampliação do terreno.

Escala vertical A escala vertical é a escala numérica usada para a representação vertical das altitudes (oliveira, 1983). Indispensável nos perfis topográfi‑ cos e nas maquetes1, ela indica a relação entre as medidas verticais na representação e no terreno. Para compreender escala vertical é imprescin‑ dível conhecer a forma de representação da ter‑ ceira dimensão nas cartas topográficas, que são bidimensionais. Esses documentos representam as altitudes por meio das curvas de nível e dos pontos cotados. Curvas de nível são linhas ima‑ ginárias do terreno que unem todos os pontos que têm a mesma altitude. Pontos cotados, como o próprio nome diz, são os pontos que indicam a altitude do terreno (altimetria). O intervalo altimétrico entre as curvas de nível de uma carta é fixo e denominado equidistância vertical. Exemplo: se o valor da equidistância é 20 m, então, numa vertente, a cada curva de nível, o terreno pode subir ou descer 20 m.

significa, na maiowria das vezes, o tamanho do papel disponível ou a altura da maquete. De forma geral, usa­‑se a escala vertical para aumentar a per‑ cepção das variações do relevo. Por essa razão, a escala vertical costuma ser maior que a horizontal. Por exemplo, se o relevo de uma carta 1/50.000 for aplanado, é possível utilizar uma escala vertical grande para melhor visualizar as diferenças topográficas (como 1/5.000). Caso o relevo da região seja muito dissecado e tenha grande amplitude, é possível usar uma escala ver‑ tical comparativamente menor (como 1/10.000) para as representações aparentarem maior suavi‑ dade e evitar o “efeito eletrocardiograma”. É importante destacar que as escalas hori‑ zontal e vertical não são sempre diferentes. Nas cartas topográficas, as escalas horizontal e verti‑ cal são idênticas. Mas, em outros tipos de repre‑ sentação, como os perfis e as maquetes, a escala vertical é sempre maior do que a horizontal, para dar o destaque desejado à variação topográfica2. A relação entre as escalas horizontal e vertical é denominada exagero vertical. No caso de um perfil topográfico, se a escala horizontal da carta (H) é 1/50.000 e a vertical (V) = 1/10.000, então o exagero vertical é igual a 5. No caso da Figura 7.7, as escalas horizontal e vertical são idênticas (1/20.000). Para ampliar a percepção do relevo, a escala vertical foi ampliada para 1/10.000 (Figura 7.7b), ou seja, adotou­‑se um exagero vertical igual a 2 para representar a mesma região.

Construção da escala vertical O princípio para a criação de uma escala ver‑ tical é idêntico ao da escala horizontal. Deve­‑se

Características e exemplos A escala vertical é definida de acordo com o seu uso e a possibilidade de representação, que

1 Sobre maquetes, ver o Capítulo 16 – Técnicas Inclusivas de Ensino de Geografia deste livro. Consultar também Simielli et al. (2007).

182

2 Um perfil topográfico é um corte vertical da superfície do terreno ao longo de determinada linha (oliveira, 1983). Essas representações bidimensionais costumam representar a variação das altitudes no eixo y do perfil. As maquetes são representações tridimensionais do ter‑ reno, que mostram a conformação do relevo em escala (eixos x, y, z).

práticas de geografia

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Rafael Sato

associar a altura da representação (eixo y do perfil topográfico3 ou o eixo z da maquete) às altitudes do terreno. Exemplo: se cada centímetro da re‑ presentação das altitudes equivale a 20 m no ter‑ reno, então, a escala vertical do perfil é 1/2.000. Para calcular a escala vertical de um perfil topográfico, deve­‑se seguir as seguintes etapas: 1) verificar a amplitude do relevo (a altitude maior menos a menor) e contar o número de curvas de nível que representa esse desnível; 2) calcular a escala vertical: definir a altura do perfil (tamanho do eixo y), relacionando­‑o com o desnível apurado.

Perfil topográfico (A) 800 600 400 200

0

200

400

600

800

1000

escala horizontal em metros (1:20.000) escala vertical em metros (1:20.000) Perfil topográfico (B) 400 350

Exemplo Desnível = 460 m (resultado do valor da curva de nível mais alta, 580 m, menos o valor da curva mais baixa, 120 m) Equidistância das curvas de nível = 20 m Altura aproximada do perfil (eixo y) = 10 cm (está relacio‑ nada ao tamanho do papel ou ao espaço disponível para representá­‑lo)

300 250 200 150 100 50 0

200

400

600

800

1000

escala horizontal em metros (1:20.000) escala vertical em metros (1:10.000) Figura 7.7a, sem exagero, e Figura 7.7b, com exagero vertical de um perfil topográfico (exagero = 2).

Perfil topográfico de um vale

600

Rafael Sato

Nesse caso, é possível fazer a seguinte as‑ sociação inicial: 10 cm = 460 m, ou seja, a cada centímetro percorrido na linha vertical do per‑ fil, o relevo variará 46 metros (escala vertical 1/4.600). Esse cálculo inicial costuma ser refinado, uma vez que os números são quebrados e não há correspondência entre os valores do perfil e as curvas de nível. Para tornar sua leitura mais sim‑ ples, recomenda­‑se a adoção da escala 1/4.000, na qual 1 cm = 40 m, que equivale a duas curvas de nível (Figura 7.8). E, como a escala vertical aumentou, serão necessários mais do que 10 cm, na altura no perfil, para representar o desnível de 460 m. Então, sugere­‑se usar o eixo y do perfil com 13 segmentos (13 cm), com o mais baixo associado a 120 m, o centímetro imediatamente

560 520 480 440 400 360 320 280 240 200 160 120 0

3 Consultar De Biasi (1973) para mais informações so‑ bre construção de perfil topográfico e outras medidas gráficas na carta topográfica.

200

400

600

800

1.000

1.200

Escala horizontal 1:20000, onde 1 cm representa 200 m Escala vertical 1:8000, onde 1 cm representa 80 m Figura 7.8. Exemplo da escala vertical do perfil topográfico.

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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Sérgio Fiori

N

LEGENDA ALTITUDES 350 metros 300 250 200

Figura 7.9. Escala vertical da maquete: associar a espessura de cada placa a uma altitude do terreno.

150 100 50 0

superior, 160 m, o próximo a 200 m e assim por diante, até o de 600 m, no topo da linha (que abrange a altura máxima de 580 m). Para calcular a escala vertical de uma maque‑ te, siga os seguintes passos: ¾¾calcular o desnível (amplitude do terreno) e contar o número de curvas de nível que o repre‑ senta, como no perfil topográfico; ¾¾associar uma curva de nível, ou um conjunto delas, à espessura do material que será utilizado na maquete (papelão, isopor, EVA4 etc.) e calcu‑ lar a escala vertical (Figura 7.9). Exemplo Desnível de 920 m Equidistância vertical de 20 m Material: EVA de 2 mm

Se associarmos cada curva de nível (20 m) a uma placa de EVA, cuja espessura é de 2 mm, então 2 mm = 20 m, logo 1 mm = 10 m, escala vertical = 1/10.000.

4 EVA é o acrônimo de Etil Vinil Acetato (placa de bor‑ racha).

184

No entanto, essa escala vertical implica na aquisição de muitas placas de EVA, aumentando assim o preço e a quantidade de trabalho na ma‑ quete. Nesse caso, é possível agrupar as curvas de nível. Se 1 placa de EVA de 2 mm equivaler a 2 curvas de nível ou 40 m, então a escala vertical será 1/20.000.

ORIENTAÇÃO ESPACIAL A orientação espacial consiste em ajustar a direção ou o sentido5 de algo em relação aos pontos cardeais (Figura 7.10) ou ao próprio ter‑ reno (oliveira, 1983). A origem do termo está relacionada ao oriente (ou leste), que é parte do céu na qual o Sol surge pela manhã.

5 Nesse caso, direção é a posição de um ponto em re‑ lação a outro, sem ser considerada a distância entre eles (exemplo: norte­‑sul). Sentido é o destino ao qual se refere (exemplo: Rodovia Dutra, sentido Rio de Janeiro).

práticas de geografia

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Sérgio Fiori

Os procedimentos descritos a seguir possuem precisão relativa e decrescente, mas são muito úteis e amplamente empregados em trabalhos de campo e em sala de aula.

Orientação com a bússola

Importante: os materiais ou objetos de ferro e fios de alta tensão podem alterar a posição da agulha magnética da bússola. Em alguns casos, a agulha pode ficar “preguiçosa” ou apresentar forte oscilação (soukup, 1966). Não usar den‑ tro de carros e evitar a proximidade de telefones celulares MP3 etc.

Eduardo Justiniano

Visada

do ra te itu u Le zim A

Para orientar um mapa, croqui ou carta to‑ pográfica no campo: ¾¾colocar o documento cartográfico na posição horizontal; ¾¾abrir a bússola e colocar sobre a representa‑ ção gráfica (Figura 7.12); ¾¾girar o documento até que a agulha da bússola coincida com o norte magnético impresso na carta; ¾¾no caso de deslocamentos médios ou longos (maiores de 300 m), calcular a declinação para ajustar os ângulos da bússola e da carta. Ver procedimento no item “Referências espaciais da carta topográfica”, adiante.

Figura 7.10. Ilustração do processo de orientação espacial de um mapa.

Figura 7.11. Forma de utilização da bússola para determinação do azimute da visada.

Rafael Sato

Para se orientar utilizando uma bússola no campo, observe os passos a seguir. ¾¾Abrir a bússola e posicioná­‑la , conforme mostra a Figura 7.11 (a qualidade do equipamento influi na precisão da leitura dos ângulos); ¾¾virar o corpo até visualizar a direção ou o objeto que se quer medir e fazer a leitura do azi‑ mute (ângulo horizontal, medido no sentido ho‑ rário, em relação ao norte magnético); ¾¾no caso de deslocamento (caminhada ou marcha) orientado pela bússola, deve­‑se mirar uma feição distante e elevada do terreno, de forma que ela possa servir constantemente de referência visual.

Figura 7.12. Orientação com bússola e carta topográfica.

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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Orientação pelo Sol A orientação espacial pelo Sol é antiquíssima e muito popular, mas sua precisão é baixa. As formas mais utilizadas, em ordem crescente de precisão, são: a da observação da posição do Sol, a do relógio de ponteiros e a da sombra da estaca. O primeiro procedimento é o de orientação pela observação visual da posição do Sol. Sua precisão é muito baixa por causa do movimento de translação da Terra e da inclinação do eixo de rotação. Isso significa que o local no qual o Sol nasce e se põe no horizonte varia ao longo do ano (Figura 7.13), pois o astro descreve um movimen‑ to pendular no horizonte. A seguir, descreve­‑se como realizar este procedimento de orientação. ¾¾Estender seu braço direito e apontar para a posi‑ ção em que o Sol nasce (leste, nascente ou oriente). ¾¾Estender o braço esquerdo para o lado oposto (oeste, poente ou ocidente). Pela observação do nascer ou pôr do Sol procedimento rudimentar

amplitude matutina

Leste (nascente)

Norte

Sul

Sérgio Fiori

Oeste (poente)

Sérgio Fiori

Figura 7.13. Orientação pelo nascere/ou pôr do Sol. Fonte: Soukup (1966).

Com o relógio de bolso (resultados melhores)

N

Ponteiro das horas

Ex. para lugares no hemisfério sul

Para lugares no hemisfério norte é o ponteiro das horas que deve visar o Sol Figura 7.14. Orientação pelo sol e relógio (Hemisfério Sul). Fonte: Soukup (1966).

186

¾¾O norte estará na frente do observador e o sul, à suas costas. O segundo procedimento de orientação pelo Sol é o do relógio de ponteiros. O relógio analó‑ gico deve ser usado quando o Sol estiver oblíquo ao observador (no início da manhã ou no final da tarde). Para isso, deve­‑se: ¾¾manter o relógio na posição horizontal (mos‑ trador para cima); ¾¾no Hemisfério Sul, posicionar­‑se de forma que o meio­‑dia (ou linha 12/6 h do mostrador do relógio) aponte para o Sol; ¾¾o norte é indicado pela bissetriz (reta que di‑ vide o ângulo ao meio) do menor ângulo entre a linha 12/6 h e o ponteiro das horas (Figura 7.14); ¾¾nas porções do território brasileiro situadas no Hemisfério Norte, é o ponteiro das horas que deve ser apontado para o Sol. A bissetriz entre o ponteiro das horas e a linha 12/6 h indica a direção Norte­‑Sul; ¾¾no caso de horário de verão, a forma mais simples é atrasar o relógio para o horário normal, ficando mais próximo da hora solar; ¾¾caso o relógio seja digital, é possível desenhar um relógio de ponteiros no chão, indicando a hora do momento. Importante: a precisão desse procedimento tornou­‑se ainda mais restrita dada a extensão territorial do país no sentido Leste­‑Oeste, e a redução do número de fusos horários (somente três fusos, a partir de 2008). Além disso, tra‑ mita no Senado Federal um projeto de lei para a unificação da hora brasileira. Se o horário de Brasília for expandido para todo o país, o pro‑ cedimento do relógio se restringirá muito, pois haverá grande discrepância entre a hora civil e a hora solar nas diferentes localidades. Por exemplo, amanhece no Acre, extremo Oeste do país, cerca de duas horas depois da Paraíba, extremo Leste.

práticas de geografia

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S

S

Norte dia n

a

Plano Horizontal

B

C

D

D’

C’

B’

A’

ha Me ri

A

A

Lin

Sérgio Fiori

Oeste

Sul

O terceiro procedimento de orientação pelo Sol é a técnica da sombra de uma estaca vertical. Dentre as aqui abordadas, é a que garante maior precisão, mas a que demanda maior tempo de execução. Para tanto, deve­‑se: ¾¾fixar uma estaca vertical no chão (gnômon), de aproximadamente 1 m, numa área plana, horizontal e acessível aos raios solares durante todo o dia. É fundamental que a estaca esteja perpendicular ao terreno (usar fio de prumo ou esquadro para se certificar); ¾¾marcar, no solo, a sombra da estaca em, pelo menos, um horário no período da manhã (exem‑ plo: 8 horas). Observe, na Figura 7.15a, que as sombras são mais longas ao nascer (A) e ao pôr do Sol (A'). As sombras vão se reduzindo até che‑ gar o meio­‑dia (A, B, C, D) e vão se alongando até o final da tarde (D', C', B', A'). Repare tam‑ bém que a sombra ocorre no lado oposto ao do Sol, isto é, que a sombra da manhã acontece pró‑ xima ao Oeste, invertendo­‑se na parte da tarde; ¾¾marcar um círculo no solo, cujo centro é a base da estaca e o raio é igual à extremidade da sombra (Figura 7.15b). Deve­‑se usar um barban‑ te centrado na estaca, de comprimento idêntico ao tamanho da sombra marcado no chão; ¾¾marcar, no solo, a sombra no período da tarde, no momento em que a sua extremidade tocar o cír‑ culo desenhado (aproximadamente às 16 horas, se a sombra matinal tiver sido observada às 8 horas); ¾¾traçar, no solo, a bissetriz do ângulo formado entre as duas sombras marcadas no chão (Figura 7.15b). Essa linha, que passa pela base da estaca, indica a direção Norte­‑Sul. A linha perpendicu‑

Leste A’

Figura 7.15. Figuras 7.15a (esquerda) e 7.15b (direita): orientação pela sombra de uma estaca vertical. Fonte: Boczko (1984).

lar a ela aponta a direção Leste­‑Oeste. O Norte geográfico estará sempre à esquerda de onde o Sol nasceu e, o Sul, à direita. Importante: de acordo com Boczko (1984), a precisão desse procedimento aumenta nos me‑ ses de dezembro e junho, ou seja, nos períodos próximos aos solstícios, e reduz nos meses de março e setembro (equinócios).

Orientação pelo nascer da Lua A Lua nasce no leste, assim como o Sol. Con‑ tudo, a hora do seu nascimento (aparecimento no horizonte) varia de acordo com a fase em que está. Em noites de lua cheia (plenilúnio), seu nascimento ocorre por volta das 18 horas 6 (horário de Brasília) e indica sempre a região les‑ te, como mostra a Figura 7.16 (soukup, 1966). A fase da Lua depende da posição do Sol e varia em ciclos de 29,5 dias. Para Sobreira (2005), independentemente da fase da Lua, ela sempre surge no lado Leste e se põe no lado Oeste, mas esses horários variam de acordo com suas fases. Em noites de lua cheia, con‑ forme mencionado, ela nasce por volta das 18 horas e se põe próximo às 6 horas (ocaso). No dia seguinte, o nascer e o ocaso ocorrerão cerca

6 Esse horário pode variar conforme a região do país. Ver referência no item sobre orientação pelo Sol e relógio de ponteiros.

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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187

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Plenilúnio (18 h)

Sul

Figura 7.16. Orientação pelo nascer da Lua. Fonte: Soukup (1966).

de 50 minutos mais tarde naquela mesma loca‑ lidade. Assim, a Lua pode ser vista também du‑ rante o dia, principalmente nas fases Crescente e Minguante.

Polo celeste sul

Polo cardeal sul

Pro lon gam em ento 4,5 do vez braç es o m a io r

Leste

Oeste

Pálida

Estrela de Magalhães

Sérgio Fiori

Norte

Braço maior Rubidea

Mimosa

procedimento rudimentar

Intrometida

Perpendicular em relação ao horizonte

Horizonte

Sérgio Fiori

Pela observação do nascer da Lua

Figura 7.17. orientação pelo Cruzeiro do Sul para determinação do polo cardeal sul.

Cruzeiro do Sul

45° ~ = 3h

Cruzeiro do Sul

PCS

No Hemisfério Sul é possível orientar­‑se pelo Cruzeiro do Sul (Crux Australis). Numa noite estrelada, deve­‑se: ¾¾identificar a cruz formada pelas quatro estre‑ las de maior brilho do Cruzeiro do Sul; ¾¾prolongar 4,5 vezes o braço maior da cruz (Figura 7.17); ¾¾traçar uma linha imaginária vertical entre o final desse prolongamento e o horizonte para identificar o ponto cardeal Sul. Embora a posi‑ ção do Cruzeiro do Sul no céu varie, por causa do movimento de rotação da Terra, o prolonga‑ mento da haste maior sempre gira em torno de um ponto no céu, o polo celeste sul (PCS). Ver Figura 7.18.

Referências espaciais da carta topográfica Existem, ao menos, três importantes referên‑ cias de orientação na carta topográfica: o norte geográfico ou verdadeiro (NG), o norte magné‑

188

S

Sérgio Fiori

X

Orientação pela constelação do Cruzeiro do Sul

Figura 7.18. orientação pelo Cruzeiro do Sul para determinação do polo cardeal sul e do polo celeste sul.

tico (NM) e o norte da quadrícula (NQ), como ilustra a Figura 7.19. Importante saber que: ¾¾o norte geográfico (NG) ou verdadeiro apon‑ ta para o Polo Norte, que é o ponto para onde convergem todos os meridianos (ponto na super‑ fície terrestre onde ocorre a intersecção com o eixo de rotação da Terra); ¾¾o norte magnético (NM) indica o sentido do polo magnético da Terra7. Ele se localiza em po‑ sição diferente do norte geográfico; ¾¾o norte da quadrícula (NQ) aponta a direção vertical da carta, paralela ao eixo N­‑S do Sistema de Projeção UTM.

7 Essa é a definição lato sensu. Ver observações nas pági‑ nas posteriores.

práticas de geografia

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Pólo Norte Geográfico Pólo Norte Magnético

NQ NG

NM

NQ - Norte da Quadrícula

Sérgio Fiori

NG - Norte Geográfico MN - Norte Magnético

Figura 7.19. Os nortes das cartas topográficas. Fonte: Santos (1990).

Quando se orienta um deslocamento de curta distância (até 300 metros) com bússo‑ la e carta topográfica, essa diferença entre os nortes expressos na carta não é significativa. Entretanto, quando se percorre grandes dis‑ tâncias, como longas caminhadas, navegação marítima ou aérea, essa diferença causa erros de orientação que podem ter consequências muito graves. A diferença de 20º, por exemplo, pode fazer com que se chegue num ponto dis‑ tante cerca de 3.500 m do desejado, num des‑ locamento de 10 km. Por isso, é fundamental conhecer essa dife‑ rença, ou melhor, a declinação dos referidos ân‑ gulos (em relação ao norte magnético e ao norte da quadrícula da carta topográfica). Calcular esse valor é fundamental quando se usa a carta topográfica e a bússola para orientar os deslocamentos longos. Por quê? Como as re‑ ferências espaciais são distintas, os dados extraí‑ dos da bússola precisam ser “compensados” para serem transportados para a carta topográfica e vice­‑versa. O cálculo da declinação magnética para a orientação dos deslocamentos é extremamente simples, como veremos a seguir, se comparado com a complexidade da questão do magnetismo do planeta. Somente para esclarecimento geral, é interessante mencionar que o Polo Norte Mag‑ nético se movimenta diariamente, em velocida‑ de e direções distintas (geological survey of canada, 2008). A Figura 7.20 mostra a va‑

riação da posição do Polo Norte Magnético ao longo do tempo. No entanto, para quém está posicionado longe do Polo Norte Magnético, essas mudanças não influenciam a medida dos ângulos pela bússola. É importante destacar que a bússola não é orientada exatamente na direção do Polo Nor‑ te Magnético. A agulha da bússola alinha­‑se de acordo com o campo geomagnético local, que varia de modo complexo conforme o tempo e o local da superfície terrestre, como ilustra a Fi‑ gura 7.21.

Declinação magnética O ângulo formado entre o norte geográfico (NG) e o norte magnético (NM) é denominado declinação magnética. Ele acontece porque essas duas referências não convergem para o mesmo ponto. A declinação magnética varia com o tempo e a região do país, conforme mencionado. Seu valor está escrito nas cartas topográficas, como mostra a Figura 7.22. Para obter a direção do norte magnético (NM), em relação ao norte geográfico (NG) deve­‑se: ¾¾somar o valor da declinação ao ângulo do NG, se a declinação magnética for para Leste (Figura 7.19); ¾¾subtrair o valor da declinação do NG se a de‑ clinação magnética for para Oeste (Figura 7.22).

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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189

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Eduardo Justiniano

2001 80°0'0"N

1994

1984

1640

1972

1680

75°0'0"N

1620 1962 1760 1680 1700

1740

1948 1780

1720

1800

1820

Figura 7.20. Localizações do Polo Norte Magnético nos últimos séculos. Fonte: (acesso: ago/2010), modificado.

1904 70°0'0"N

1840 1860

0

100

200

115°0'0"W

Para calcular a declinação magnética, realize as seguintes etapas: ¾¾verificar o valor da declinação magnética na carta topográfica e o ano no qual foi impressa (exemplo: 14º 32', 1971); ¾¾multiplicar a idade da carta pela declina‑ ção anual (ano atual  – ano da carta) × decli‑ nação anual. No exemplo, a declinação cresce 9' (minutos) por ano, foi impressa em 1971 e, se o ano atual for 2010, então (2010 – 1971) × 9'= 351'; ¾¾dividir o resultado por 60 para obter o valor em graus (351´' / 60 = 5,85º). Multiplicar o valor dos dígitos depois da vírgula por 60, para obter os minutos (0,85º × 60' = 51'). Logo, a declinação magnética deve ser “atualizada” em 5º 51', valor da sua variação após a sua impressão; ¾¾somar a variação da declinação, 5º 51', à declinação magnética do ano de impressão da

190

300

400 Km 110°0'0"W

105°0'0"W

100°0'0"W

95°0'0"W

carta para obter o valor correto a ser utiliza‑ do. Exemplo: 14º 32' + 5º 51' = 19º 83' = 20º 23' (quando a soma dos minutos exceder 60, aumentar um grau e usar a diferença como os minutos).

Declinação da quadrícula8 O ângulo formado entre o norte da quadrí‑ cula (NQ) e o norte geográfico (NG) é denomi‑ nado declinação da quadrícula. Esse valor está

8 Muitas referências desconsideram a declinação da qua‑ drícula e destacam somente o cálculo da declinação magnética. Acredita­‑se que esse fato se deve: 1) ao valor do ângulo da declinação magnética variar com o tempo e ser muito maior do que o da quadrícula; 2) ao ângulo do norte da quadrícula em relação ao norte geográfico ser fixo e relativamente pequeno (da ordem de minutos).

práticas de geografia

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NOAA

escrito na carta topográfica (Figura 7.22) e, no exemplo, representa 0° 57' 26" (os segundos po‑ dem ser desprezados no cálculo). Se o norte da quadrícula estiver entre os nortes geográfico e magnético (como na Figu‑ ra 7.22)9, é necessário diminuir a declinação da quadrícula da declinação magnética. Usando o exemplo do item anterior, “Declinação magné‑ tica”, então 20º 23' – 0º 57' = 19º 26'. Agora é possível transportar os dados da carta topográfica para a bússola para orientar com precisão seus deslocamentos. Esse resul‑ tado (19º 26') deve ser empregado da seguinte forma: ¾¾somar o resultado ao valor obtido na bús‑ sola, para desenhar corretamente o ângulo na carta topográfica. Exemplo: se o ângulo lido na

DECLINAÇÃO MAGNÉTICA 1971 E CONVERGÊNCIA MERIDIANA DO CENTRO DA FOLHA

Reprodução

Figura 7.21. Modelo de referência do campo geomagnético Fonte: International Geomagnetic Reference Field Model – Main Field Declination (2005). Disponível em: (acesso: ago/2010).

NM NQ NG

14°32’

0°57’26”

A DECLINAÇÃO MAGNÉTICA CRESCE 9’ ANUALMENTE Usar exclusivamente os dados numéricos JABOTICABAL (SP)

9 Caso o norte da quadrícula estiver à direita do norte geográfico, deve­‑se somar a declinação da quadrícula à declinação magnética.

Figura 7.22. Representação dos nortes e da declinação magnética. Carta topográfica de Jaboticaball (SP). 1/50.000. Fonte: IBGE (1974).

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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bússola for 118º, então 118º + 19º 26' = 137º 26'. Assim, esse ângulo (137º 26') deve ser transportado para a carta topográfica com o transferidor; ¾¾diminuir o resultado (19º 26') do ângulo medido na carta, para orientar a bússola. Se o transferidor indicar o ângulo de 138º na carta to‑ pográfica, então 138º − 19º 26' = 118º 34'. Dessa forma, esse ângulo deve ser transportado para a bússola para orientar o deslocamento.

DISTÂNCIAS Medir ou estimar medidas no terreno Existem várias formas para medir ou estimar as distâncias no campo. Serão abordados aqui os procedimentos com trena, passo, régua milime‑ trada e pulo do polegar, que possuem decrescen‑ tes graus de precisão.

Trena Medir distâncias horizontais com a trena, num terreno plano, é muito simples. Para ga‑ rantir boa precisão, é necessário: ¾¾usar uma trena de tamanho adequado às dis‑ tâncias que serão medidas (5, 10, 20 ou 30 m); ¾¾conservar uma linha reta entre os dois pon‑ tos medidos e, quando o tamanho da trena for menor do que a distância medida, manter o ali‑ nhamento da série de medições; ¾¾manter sempre a trena na linha horizontal, mesmo nos terrenos inclinados. Nesse caso, deve­‑se proceder como se fosse medir a parte ho‑ rizontal dos degraus de uma escada imaginária; ¾¾realizar as medidas em duplas (uma pessoa no início e outra no fim da trena); ¾¾utilizar algum artifício para materializar, no solo, o local de medida (tinta, giz, estaca etc.) e anotar as distâncias medidas.

192

Passo O passo normal de uma pessoa, num terre‑ no plano, é uma boa alternativa para estimar distâncias. Essa forma de medida é individual e varia de acordo com a altura ou o tamanho da perna de cada indivíduo. Para medir distâncias com passo, deve­‑se aferir o tamanho do passo. Existem duas técnicas para saber o valor do seu passo: ¾¾dividir a altura da pessoa por 4 e somar a constante 0,365 m. Exemplo: altura 1,80 m / 4 = 0,45 + 0,365 = 0,815 m (cada passo = 0,81 m); ¾¾percorrer a distância de 100 m e dividir pelo número de passos (mais preciso). Para aumentar a confiabilidade, deve­‑se percorrer três vezes a mesma distância e tirar a média. Exemplo: no caso de obter 123 passos, 125 passos e 123 pas‑ sos em 100 metros, então (123 + 125 + 123) / 3 = 123,666. Agora, deve­‑se dividir a distância percorrida pela média dos passos, para se chegar ao valor médio de cada passo. Então: 100 m / 123,666 passos = 0,808 m; ¾¾percorrer as distâncias desejadas, anotar o número de passos e multiplicar o resultado pelo valor do tamanho do passo (0,808 m); ¾¾repetir aferição do passo em terrenos íngre‑ mes, semelhantes ao que será percorrido, para refinar a estimativa da distância. Observe que existe uma tendência do tamanho do passo ser menor para descer uma vertente e ser maior para subi­‑la.

Régua milimetrada É possível estimar a distância de um objeto com uma régua milimetrada, se a altura do refe‑ rido objeto for conhecida. Deve­‑se proceder da seguinte maneira: ¾¾segurar a régua a 50 cm de distância dos olhos. Para assegurar essa distância, pode­‑se usar um barbante, que fica preso nos dentes e na mão do aluno; ¾¾visar o objeto de forma que o zero da régua coincida com um extremo da dimensão do ob‑

práticas de geografia

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Pulo do polegar Esse procedimento está relacionado à pro‑ porcionalidade do corpo humano. A proporção entre a distância interpupilar (65 mm) e o com‑ primento do braço estendido com o polegar ere‑ to (65 cm) é de 1/10. É importante destacar que essa relação está baseada em adultos de estatura mediana. Se for realizado por alunos do ensino fundamental, provavelmente ocorrerão diferen‑ ças expressivas. De acordo com Soukup (1966), para estimar a distância deve­‑se: ¾¾esticar o braço e deixar o polegar ereto, na altura dos olhos; ¾¾visar um objeto de dimensão conhecida, por um lado do polegar. Primeiro com o olho direito e depois com o esquerdo. Por causa do fenômeno da paralaxe11, o polegar muda de posição em relação ao objeto e forma uma distância AB (Figura 7.24); ¾¾contar o número de vezes que o objeto co‑ nhecido cabe dentro da distância AB; ¾¾calcular a distância entre o objeto e o ob‑ servador: multiplicar o tamanho do objeto co‑ nhecido pelo número de vezes que ele cabe na distância AB e multiplicar este valor pela proporcionalidade da distância interpupilar e o comprimento do braço (1/10). Então, caso o tamanho do objeto seja 5 m e caiba duas vezes

10 O milésimo é uma medida de ângulo que corresponde a 0,0064 (2π / 1000) de uma circunferência. 11 Paralaxe é a mudança aparente da posição de um objeto observado, por causa da mudança da posição do obser‑ vador.

0

cada mm = 2´´´(milésimos) régua

3mm ou 6´´´ Barbante 50 cm

Poste

8m

8 6´´´=

1 2

1,333 Km

Fórmula: objeto

milésimos = Km

Sérgio Fiori

Com a régua milimetrada

A régua graduada e o polegar como cursor

jeto. Marcar com o dedo o outro extremo desse objeto (Figura 7.23); ¾¾medir ou estimar a altura do objeto; ¾¾calcular a distância, aplicando a fórmula: altura do objeto / (número de milímetros × 2), sendo que cada milímetro da régua corresponde a 2 milésimos de radiano10. Conforme a Figura 7.23, 8m / (3mm × 2) = 1,33 km (a resposta será sempre em quilômetros).

Figura 7.23. Cálculo da distância com a régua milimetrada. Fonte: Soukup (1966).

na distância AB, o resultado será: distância = 5 m × 2 × 10 = 100 m.

Medir distâncias nas cartas topográficas Para medir distâncias lineares na carta topo‑ gráfica, basta possuir uma régua e conhecer a sua escala. Exemplo: se a distância na carta for igual a 8 cm e a sua escala for 1/50.000, então D = 8 x 50.000 = 400.000 cm ou 4.000 m ou 4 km (ver mais detalhes no item ”Cálculos da escala”). É importante lembrar que as distâncias ho‑ rizontais da carta não levam em conta a declivi‑ dade do terreno. Essa distância é a projeção de uma linha reta num plano de referência. Portan‑ to, não representa a distância que será percor‑ rida a pé pelo usuário, entre os dois pontos do relevo. Para conhecer a distância que será per‑ corrida sobre o terreno, deve­‑se fazer um perfil topográfico (sem exagero vertical) do trajeto e medir sua distância, considerando todas as suas variações (usar um barbante sobre a linha do perfil, como explicado a seguir). Se o objeto que se deseja medir for sinuo‑ so como, por exemplo, um rio, pode­‑se realizar qualquer um dos dois procedimentos abaixo: ¾¾criar pequenos segmentos de reta sobre o objeto. O vértice das linhas deve estar no cen‑ tro das curvas. Em seguida, medir todos com a régua, somar seus tamanhos e converter em me‑ tros, como no exemplo anterior;

capítulo 7 – técnicas de cartografia

PRATGEO_2aprova.indb 193

193

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¾¾sobrepor cuidadosamente um barbante de forma que acompanhe as curvas. Após marcar no barbante o início e o final do objeto, esticar o barbante, medir seu comprimento com a régua e transformá­‑lo em metros (usar fórmula da es‑ cala, D = d × E).

ALTURAS E ALTITUDES As alturas dos objetos no terreno e as altitu‑ des nas cartas topográficas podem ser medidas de diversas maneiras. Os procedimentos expe‑ ditos mais comuns são: visor triangular, régua milimetrada e leitura das curvas de nível/pontos cotados.

Régua milimetrada Da mesma forma que se medem distâncias horizontais, também é possível medir a altura de um objeto. Para isso, deve­‑se: ¾¾segurar a régua a 50 cm de distância dos olhos (usar o barbante, se necessário, para se certificar da distância correta); ¾¾medir ou estimar a distância horizontal entre o observador e o objeto; ¾¾mirar o objeto de forma que o zero da régua coincida com o topo do objeto. Marcar com o dedo a base do objeto (Figura 7.26); ¾¾calcular a altura (H), aplicando a fórmula: nú‑ mero de milímetros x 2 x a distância horizontal / 1000. Se a régua indicar 80 mm e a distância for

Pelo pulo do polegar Baseado no fenômeno da paralaxe visual

O visor triangular nada mais é do que um pedaço de papelão grosso, cortado na forma de triângulo retângulo isóceles. De acordo com Soukup (1966), o observador deve: ¾¾cortar um papelão grosso cujos lados a e b do triângulo meçam 20 cm (ângulos internos de 45°, 45° e 90°); ¾¾segurar um cateto horizontalmente, na altura dos olhos (Figura 7.25); ¾¾visar, ao longo da hipotenusa, a parte mais alta do objeto. O observador deve se movimentar até que consiga visualizar o topo do objeto; ¾¾medir a distância horizontal do observador até o objeto com trena; ¾¾calcular a altura do objeto (H) com base nos dados dos dois triângulos que se formam. A al‑ tura do objeto é igual à altura do triângulo de papelão (olhos do observador) mais a distância horizontal medida entre o observador e o obje‑ to. Exemplo: se altura da vista do observador = 1,60 m e a distância horizontal = 4 m, então H = 5,60 m.

194

Frente da casa 5m

Distância entre pupilas

2x5m

6,5 cm

II

5m

5m

100 m

B

A Triângulo

Visada do olho: Direito Distância entre pupilas 6,5 cm

Esquerdo

I 65 cm

Proporção 1:10 visão : Braço 6,5 cm : 65 cm Ex.:

Distância

Observador - Casa (2 x 5 m) x 10 + 0,6 m = 100,6 m

Sérgio Fiori

Visor triangular

B

A

A grandeza do pulo é 10 m

Estimar alturas no terreno

Figura 7.24. Avaliação de distância pelo pulo do polegar. Fonte: Soukup (1966).

práticas de geografia

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Com o visor triangular a e b = 20 cm

C

Com a régua milimetrada Cada milímetro = 2´´´(milésimos)

Modelo cortado de papelão

CC 1 =

b 45°

Sérgio Fiori

Medida A’C”= AC’ AC’=CC’,CC”=CC’+C’C”

A

A’

B’

C

1

resultado em metros

B

a Ex.: altura CC” da árvore = ?

n´´´ x AC 1000

}

C’ Altura da vista C”

Medição direta

Sérgio Fiori

Triângulo Isósceles

Régua

A

Distância pelo mapa ou medição indireta

C1

Figura 7.25. Representação do visor triangular. Fonte: Soukup (1966).

Figura 7.26. Régua milimetrada para estimar a altura. Fonte: Soukup (1966).

40 m, então: H = (80 × 2 × 40) / 1000 = 6,4 m (a resposta será sempre em metros).

¾¾contar o número de curvas de nível que exis‑ te entre o ponto e a curva mestra mais próxima (exemplo: 2 curvas de nível x 20 = 40 m); ¾¾avaliar se o terreno está subindo ou descendo em relação à curva mestra. Use as nascentes de rios como referência das partes mais altas (mon‑ tante) e a foz para as mais baixas (jusante); ¾¾fazer uma interpolação, caso o ponto se loca‑ lize entre duas curvas de nível: ¾¾calcular ou anotar o valor da curva de nível que está acima e a que está baixo do ponto; ¾¾medir a distância entre essas curvas (dc), em linha reta, passando sobre o ponto; ¾¾medir a distância entre a curva mais baixa e o ponto (dp); ¾¾fazer uma regra de três simples: a distância entre as curvas (dc) está para 20 m (equidistân‑ cia da carta), assim como a distância entre a cur‑ va mais baixa e o ponto (dp) está para x; ¾¾somar o resultado da interpolação à curva mais baixa para obter a altitude do ponto de‑ sejado.

Medir a altitude na carta Conforme mencionado, a carta topográfica representa as altitudes por meio das curvas de nível e dos pontos cotados. Curvas de nível são linhas imaginárias do terreno que unem todos os pontos que têm a mesma altitude. Pontos co‑ tados, como o próprio nome diz, são os pontos que possuem indicadores numéricos da altitude do terreno. Se a posição do ponto cuja altitude se dese‑ ja conhecer coincidir com uma curva de nível mestra ou ponto cotado, a resposta é simples e imediata. Caso contrário, deve­‑se: ¾¾anotar a equidistância vertical das curvas de nível da carta topográfica. Numa carta na escala 1/50.000, por exemplo, cada curva de nível de uma vertente indica que o terreno varia 20 m de altura, para cima ou para baixo; ¾¾descobrir o valor da curva mestra mais próxi‑ ma (exemplo: 600 m). As curvas de nível mestras são as únicas que possuem indicação de altitude e são representadas com maior espessura e, por essa razão, possuem maior realce do que as ou‑ tras curvas (Figura 7.27). Na carta 1/50.000, as curvas mestras ocorrem em intervalos de 100 m (exemplo: 100, 200, 300 m etc.);

No exemplo da Figura 7.27 (escala 1/50.000 e equidistância de 20 m), o ponto está localiza‑ do entre as curvas de 620 e 640 m. A nascen‑ te do rio ao norte do ponto e a forma das curvas de nível indicam que a vertente está inclinada no sentido NE­‑SO, sendo a sua base delineada pelo rio. Entre as curvas de 620 e 640 m existe

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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Reprodução

Com a régua

Ponto

Número de milímetros x 2 = milésimos

Observador

Figura 7.27. Fragmento da carta de Jaboticabal /SP. Escala: 1/50.000. Fonte: IBGE (1971).

Figura 7.28. Avaliação de ângulos com a régua milimetrada. Fonte: Soukup (1966).

uma distância de 5 mm e, entre a curva de 620 e o ponto, 2,5 mm. Então:

¾¾usar a régua para visar o objeto. O zero da régua deve marcar uma ponta e, o dedo, o outro extremo do objeto visualizado (Figura 7.28); ¾¾multiplicar o número de milímetros por 2, para obter o valor do ângulo (cada milímetro vale dois milésimos).

5 mm está para 20 m Assim como 2,5 mm está para x Logo, x = 10 m Então, altura do ponto = 620 + 10 = 630 m

Dedos e mão

ÂNGULOS Estimar os ângulos no terreno Bússola A bússola é o instrumento mais popular para medir ângulos horizontais. Ver no item “Orien‑ tação com a bússola” as recomendações para manusear a bússola.

É possível avaliar os ângulos no terreno usan‑ do os dedos ou a mão. Este procedimento pode ser muito didático, mas é importante esclarecer que apresenta resultados de baixa precisão, pois o tamanho dos polegares, do punho e da mão espalmada varia de acordo com os indivíduos. Como mencionado anteriormente, está baseado na proporcionalidade entre o comprimento do braço, mãos e dedos. Como ilustra a Figura 7.29, pode­‑se estender o braço e usar o dedo polegar (+ ou − 2º 30'), o punho fechado (+ ou − 10°) ou a mão aberta e espalmada (+ ou − 20°).

Régua milimetrada A régua milimetrada, descrita anteriormen‑ te para medir distâncias e alturas no terreno, também é útil para medir ângulos horizontais (soukup, 1966). Para isso, deve­‑se: ¾¾segurar a régua a 50 cm de distância dos olhos (um barbante, preso nos dentes e na mão do aluno ajuda a fixar essa distância);

196

Medir ângulos nas cartas topográficas Os ângulos podem ser medidos nas cartas topográficas com um transferidor. Com a carta na posição horizontal, sobrepor o transferidor

práticas de geografia

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de maneira que a linha 0/180º do transferidor esteja paralela às linhas verticais das coorde‑ nadas UTM. Deve­‑se ler o ângulo horizontal, no sentido horário, que o objeto faz em relação ao zero do transferidor, que aponta para o NQ (para poder transportar esse ângulo para a bús‑ sola, deve­‑se considerar a declinação magnética e da quadrícula, descrita no item ”Referências espaciais da carta topográfica”).

¾¾fazer um pequeno furo no transferidor cerca de 1 cm abaixo do centro da sua base (Figura 7.30); ¾¾prender um prumo nesse furo (barbante com um peso na outra extremidade); ¾¾segurar o equipamento na mão, com a base do transferidor para cima, na altura dos olhos; ¾¾mirar o alvo ou a vertente com a base do se‑ micírculo; ¾¾ler o ângulo indicado pelo fio de prumo. Também é possível usar um transferidor esco‑ lar de plástico, mas a leitura do ângulo deverá ser compensada, pois a graduação é diferente (90° no topo e não nas bases). Nesse caso, segure­‑o com a graduação 180° próximo aos olhos e dimi‑ nua 90° do valor indicado pelo prumo.

DECLIVIDADE Avaliar a declividade no terreno Clinômetro Clinômetro é um instrumento usado para medir a declividade de um terreno ou vertente. Existem clinômetros fabricados industrialmente, mas é possível fazer seu próprio instrumento de medida (Figura 7.30). Para elaborar o equipa‑ mento, deve­‑se: ¾¾recortar um papelão na forma de semicírculo. Criar dois quadrantes de 90° (ver Figura 7.30), ou seja, graduar o papelão de 0° a 90° a partir da parte superior do semicírculo (0° no topo e 90° nas bases);

Medir a declividade nas cartas topográficas A declividade indica a inclinação de um ter‑ reno ou vertente em relação ao plano horizontal. A declividade de 1% significa que a vertente sobe ou desce 1 unidade em uma distância hori‑ zontal de 100 unidades. Exemplo: 10% de decli‑ vidade significa que se sobe ou se desce 10 m no terreno em 100 m (Figura 7.31). Para calcular a

Com as medidas anatômicas da mão de braço estendido ±2½°

±10°

Figura 7.29. Avaliação de ângulos com a mão (braço estendido). Fonte: Soukup (1966).

±20° espaço de ±7½° - 8° medidos com o polegar Polegar = ±2½°

50

30

20 Graduação sexagésimal desenhada sobre papel colado branco

10 0 10 20

30

a mão de dedos escachados

Alvo na altura da vista do observador

Bastão

70



60

50

60

40

Prego 15 cm Modelo cortado de papelão 0

O punho

80

Com o clinômetro - leitura direta 0 80 7

Sérgio Fiori

Sérgio Fiori

±2½° ±2½°

4

Prumo

Papelão

A A´´

Leitura : A = A´= A´´ ou ângulo do declive do terreno

Balisa ou vara Figura 7.30. Construção e uso do clinômetro. Fonte: Soukup (1966).

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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197

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100 m

10 m

Rafael Sato

10% declividade: 10% distância horizontal: 100 m diferença de nível: 10 m

Figura 7.31. Representação do cálculo da declividade.

declividade em percentagem de uma carta topo‑ gráfica, deve­‑se usar a seguinte fórmula:

Para calcular a declividade em uma carta to‑ pográfica, deve­‑se: ¾¾calcular o desnível entre os pontos (equidis‑ tância das curvas × número de curvas de nível entre os pontos); ¾¾medir a distância na carta e transformar em metros (D = E × d); ¾¾aplicar a fórmula da declividade.

ÁREA Medir áreas no campo O modo mais simples e antigo de medir áre‑ as irregulares no terreno é por meio de figuras geométricas. Como a área das figuras regulares é definida por fórmulas matemáticas conhe‑ cidas, recomenda­‑se a associação de figuras geométricas que melhor expressem os limites irregulares do terreno a ser mensurado. Isso sig‑ nifica reduzir a superfície do terreno a figuras elementares, como quadrados, retângulos e/ou triângulos. Para medir uma área no terreno deve­‑se: ¾¾demarcar a área que será medida; ¾¾materializar no terreno as formas geométri‑ cas para reduzir a irregularidade do terreno (giz, tinta, estacas, linhas etc.);

198

¾¾medir as figuras geométricas demarcadas. As medidas devem ser realizadas com a trena na po‑ sição horizontal (ver item “Trena”); ¾¾calcular a área do terreno usando as seguin‑ tes fórmulas: área do quadrado = lado × lado; área do retângulo = base × altura; área do círculo = π × r²; área do trapézio = [(base maior + base me‑ nor) × altura] / 2; área do triângulo = (base × altura relativa à base) / 2. É importante lembrar que a área medida no terreno representa uma figura geométrica, regu‑ lar ou irregular, projetada sobre um plano. Por essa razão, as medidas são sempre tomadas na posição horizontal e independem da declividade do terreno12.

Medir áreas nas cartas topográficas Existem várias alternativas para medir áreas na carta topográfica. A mais simples, e que não exige equipamento específico, é o procedimento do papel milimetrado13. Para medir a área da carta deve­‑se: ¾ ¾fixar um papel milimetrado transparente (vegetal) sobre a carta topográfica. É possível usar o papel milimetrado comum sobre a car‑ ta, mas como ambos os papéis são opacos, o procedimento deve ser realizado sobre mesa de luz; ¾¾decalcar os limites da área da carta que se quer medir no papel milimetrado; ¾¾contar os quadrados no interior dos limi‑ tes da área. Para isso, siga a seguinte hierar‑

12 Ver também exercício de topografia básica no Capí‑ tulo 10  – Técnicas de Localização e Georreferencia‑ mento. 13 Ver também o exercício de delimitação de bacia em car‑ ta topográfica, no Capítulo 3 – Técnicas de Hidrografia.

práticas de geografia

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+ + + + + + + +

+ + + + + +

+ + + + +

Rafael Sato

Figura 7.32. Contagem de área na carta topográfica com papel milimetrado.

quia: contar o número de quadrados maiores (1 cm 2), posteriormente a quantidade de qua‑ drados intermediários, de 25 mm 2 e, por fim, todos os quadrados pequenos, de 1 mm 2. Cada quadrado contado deve ser marcado, com um X ou ponto, para que ele não seja contado em duplicidade (Figura 7.32); ¾¾converter a área da carta em área do terreno. Se a escala da carta for 1/50.000, então 1 cm2 = 0,25 km2 (1 cm = 500 m ou 0,5 km, logo 1 cm 2 = 0,5 m × 0,5 km = 0,25 km 2). Da mesma forma, 5 mm2 = 0,0625 km2 (5 mm = 250 m ou 0,25 km, logo 5 mm2 = 0,25 km × 0,25 km = 0,0625 km2); e 1 mm 2 = 0,0025 km 2 (1 mm = 50 m ou 0,05  km, logo 1 mm2 = 0,0025 km2).

É importante lembrar que 1 km 2 equivale a 1.000.000 m 2 (1.000 m × 1.000 m). Em outras palavras, para converter metros quadrados em quilômetros quadrados, a vírgula deve andar seis casas decimais (ver Tabela 7.2). Se considerarmos, por exemplo, que a área da carta topográfica no papel milimetrado possui 19 quadrados grandes (19 x 1 cm2), 19 quadrados intermediários (19 x 5 mm 2) e 442 quadrados menores (442 x 1 mm2), então a área medida será de 7,0425 km2, que equivale a 704,25 ha (1 km2 = 100 ha e 1 ha = 10.000 m 2) ou 7.042.500 m 2. Também é relevante destacar que a área medi‑ da é a projeção do terreno num plano horizontal, ou seja, não considera a declividade do terreno.

Tabela 7.2 – Conversão de áreas km² (acre)

hm² (hectare)

dam² (are)



dm²

cm²

mm²

1

100

10.000

1.000.000

100.000.000

10.000.000.000

1.000.000.000.000

0,01

1

100

10.000

1.000.000

100.000.000

10.000.000.000

0,0001

0,01

1

100

10.000

1.000.000

100.000.000

0,000001

0,0001

0,01

1

100

10.000

1.000.000

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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199

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NA SALA DE AULA As atividades abordadas neste capítulo podem ser utilizadas como com‑ plemento das atividades de sala de aula e trabalho de campo, desde o Ensino Fundamental (orientação pelo Sol, entre outras) até o Ensino Superior, mas principalmente no Ensino Médio. Independentemente das séries e conteúdos tratados, recomenda­‑se que os professores realizem integralmente os procedimentos cartográficos antes de transmitirem aos alunos, particularmente as técnicas de trabalho de campo. A progressão dos temas cartográficos pode ser a própria sequência sugeri‑ da nesse texto: escala; orientação espacial; estimativa de distâncias, de alturas e altitudes, de ângulos, de declividade; e cálculo de área. Para aprofundar os conhecimentos sobre técnicas cartográficas, além das atividades de levanta‑ mento expedito e de manipulação gráfica das cartas, mencionadas ao longo do texto, recomenda­‑se os seguintes exercícios de escala cartográfica: 1. Se um centímetro na carta equivale a 250 metros no terreno, qual será a escala da carta? 2. Qual é a distância no mapa, em linha reta, entre Porto Alegre e Uruguaia‑ na, sabendo­‑se que a escala é de 1/6.500.000 e a distância real é de 565,5 km? 3. Considerando­‑se uma carta na escala de 1/25.000, qual é a medida no mapa, em cm, de um segmento de reta cuja medida no terreno é de 7.836 metros? 4. A cidade A está distante 820 km da cidade B (em linha reta) e estão sepa‑ radas uma da outra por um segmento de reta de 20,0 cm no mapa. Qual é a escala do mapa em que essas cidades estão representadas? 5. Transformar a escala numérica do item 4 em escalas gráficas (km e m). 6. Desenhar, dentro de uma área de 18 × 6 cm do papel, uma figura que tenha 80 × 25 metros no terreno. Essa figura não deve só caber dentro do retângulo (18 × 6 cm), mas ser a que melhor se adapta. Assim como uma casa geminada, que a área construída ocupa toda a lateral do terreno, as laterais dos retângulos devem estar sobrepostas. Indique a escala numérica e desenhe a respectiva escala gráfica. 7. Considerando­‑se um “levantamento expedito a passo” (medido com pas‑ sos), qual é a escala que permite representar uma reta de 532 passos, tomando­ ‑se como base o passo de 0,75 m, em uma folha de 30 cm de comprimento? 8. Qual é a escala conveniente para representar o estado de Alagoas, numa folha de papel de 40 cm de comprimento, sabendo­‑se que do seu extremo leste ao extremo oeste, a distância em linha reta é de 700 km? 9. Quais são as escalas numéricas correspondentes às seguintes escalas gráficas?

200

0

100

200 m

3

0

3

6 km

0

5

10

15 km

Rafael Sato

Figura 7.33. Diferentes escalas gráficas.

100

práticas de geografia

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Reprodução

10. Calcular a distância em km, no mapa abaixo, que um carro percorreria para se deslocar da cidade de Guajará­‑Mirim (RO) até a localidade de Corte do Iata, seguindo pela rodovia da carta (linha tracejada).

Figura 7.34. Parcial da carta de Guajará­‑ Mirim/RO. Escala: 1/250.000. Fonte: IBGE (1983).

Respostas dos exercícios de escala 1. 1/25.000

7. 1/1.330

2. 8,7 cm

8. 1 / 1.750.000

3. 31,34 cm

9. 1/5.000

4. 1 / 4.100.000

1/150.000

5. Escalas gráficas

1/250.000

0

890

890

1780

2670 m

6. Escala numérica: 1/445 Escala gráfica: 4.100

0

4.100

10. 32,25 km (considerar a tolerância de até 10%, para mais ou menos, por causa da elasticidade do barbante) 1cm = 2,5 km (escala 1/250.000) então 12,9 cm × 2,5 = 32,25 km

8.200 12.300 km

Observação: as laterais da figura e do objeto repre‑ sentado devem se sobrepor.

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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201

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CONSIDERAÇÕES FINAIS As principais atividades de levantamento expedito e de manipulação gráfica das cartas topográficas utilizadas pelos geógrafos foram reunidas neste capítulo. A forma do texto, seus exemplos, ilustrações e exercícios visaram facilitar sua compreensão pelos alunos do Ensino Superior e expandir seu uso para os profes‑ sores e alunos do Ensino Fundamental e Médio, dentro das salas de aula ou nas atividades de campo. Os procedimentos aqui descritos são de utilização simples e propiciam a ob‑ tenção rápida de dados, embora de baixa precisão. Eles podem ser aplicados de forma isolada, integrada ou ainda serem complementados pelas técnicas mencio‑ nadas no Capítulo 9 – Técnicas de Sensoriamento Remoto, Capítulo 10 – Técnicas de Localização e Georreferenciamento e Capítulo 11 – Sistema de Informação Geográfica. Além disso, o aprendizado e o uso dessas técnicas podem tornar os estudos do meio e os trabalhos de campo mais interessantes e envolventes.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário Azimute: é o ângulo horizontal, no sentido horário, em relação ao norte magnético. Curva de nível: é a linha imaginária do terreno que une pontos de mesma altitude. Declinação magnética: é o ângulo compreendido entre os nortes magnético e geográfico. Equidistância vertical: é a diferença constante de altitude entre duas curvas de nível. Escala cartográfica: é a relação entre uma distância horizontal medida no terreno (D) e a distância da sua representação no mapa ou carta topográfica (d). Sua fórmula é E = D / d (onde: E = denominador da escala, D = distância no terreno, d = distância no mapa). Levantamento expedito: obtenção de medidas do terreno de forma rápida e, por conseguinte, de baixa precisão.

Bibliografia BOCZKO, R. Conceitos de astronomia. São Paulo: Edgard Blücher, 1984. BRASIL. MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Manual de cam‑ panha – Leitura de cartas e fotografias aéreas. Rio de Janeiro: Ed. Serviço Geográfico do Exército,1980. BRITISH GEOLOGICAL SURVEY, The US/UK World Magnetic Model for 2010­‑2015. 2010. Disponível em: (acesso em: mar/2010). CASTRO, I. E. O problema da escala. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. CORRÊA, R. L. Diferenciação sócio­‑ espacial, escalas e práticas espaciais. Cidades, v. 4, n. 6, pp. 61­‑72, 2007. DE BIASI, M. Medidas gráficas de uma carta topográ‑ fica. Cadernos de Ciências da Terra – Instituto de Geografia. São Paulo, n. 35, 1973. FABRIKANT, S. I. Evaluating the usability of the scale metaphor for querying semantic information spaces. In: Spatial information theory: foundations of geographic information science. CONFERENCE ON SPATIAL INFORMATION THEORY (COSIT ’01). Lecture Notes in Computer Science 2205. MONTELLO, D. R. (Ed.). Berlin: Springer Verlag, 2001. Disponível em:

(acesso: mar/2010). GEOLOGICAL SURVEY OF CANADA. Daily Move‑ ment of the North Magnetic Pole. 2008. Disponível em: (acesso: mar/2010). IBGE. Noções básicas de Cartografia. Rio de Janeiro: Departamento de Cartografia/IBGE, 1999. (Manuais técnicos em Geociências, n. 8). IBGE. Carta topográfica de Jabuticabal. Rio de Ja‑ neiro: IBGE, 1971. Escala 1/50.000. IBGE. Carta topográfica de Guajará­‑ Mirim. Rio de Janeiro: IBGE, 1983. Escala 1/250.000. LACOSTE, I. Os objetos geográficos. Seleção de textos AGB: Cartografia Temática. v. 18, pp. 1­‑16, 1988. LOBECK, A. K.; TELLINGTON, W. J. Military maps and air photographs: their use and interpretation. New York: McGraw­‑ Hill, 1944. MONTELLO, D. R. Scale in geography. In: SMELSER, N. J.; BALTES, P. B. International encyclopedia of the social and behavioral sciences. Oxford: Pergamon Press, 2001. OLIVEIRA, C. Dicionário cartográfico. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti‑ ca – IBGE, 1983. RACINE, J. B.; RAFFESTIN, C.; RUFFY, V. Escala e ação, contribuições para uma interpretação do mecanismo de escala na prática da Geografia. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, pp. 123­‑135, 1983. SANTOS, M. C. S. R. Manual de fundamentos car‑ tográficos e diretrizes gerais para a elaboração de mapas geológicos, geomorfológicos e geotéc‑ nicos. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1990. SIMIELLI, M. E. R.; GIRARDI, G.; MORONE, R. Maquete de relevo: um recurso didático tridimensional. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo: AGB, n. 87, pp. 131­‑151, 2007. SOBREIRA, P. H. A. Astronomia no ensino de Geogra‑ fia: análise crítica nos livros didáticos de Geografia. Tema. São Paulo, v. 41, pp. 116­‑127, 2002. SOUKUP, J. Ensaios cartográficos: sobre assuntos básicos ministrados no curso superior de Geogra‑ fia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966.

capítulo 7 – técnicas de cartografia

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Agradecimento Agradecemos as inestimáveis observações de Eduardo Félix Justiniano, que muito colaboraram para a melhoria do texto.

SOBRE OS AUTORES Alfredo Pereira de Queiroz Filho é gradua‑ do em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1989), mestre (1993) e doutor (2005) em Engenha‑ ria pela Escola Politécnica da USP, no Laboratório de Geoprocessamento. Fez pós­‑ doutorado no Institut des Hautes Etudes de L’Amérique Latine,  Université Paris III Sorbonne Nouvelle (2008­‑ 09). É professor de Cartografia e Geoprocessamento do Departamento de Geografia da FFLCH/USP em regime de dedicação integral (RDIDP). Mario De Biasi é bacharel e licenciado pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filo‑ sofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1963), e doutor em Geografia Humana (1972), sob a orientação do Professor André Libault, pela mesma instituição. Atualmente é professor doutor da FFLCH/USP. Atua nas áreas de cartografia sistemática e temática, materiais didáticos para ensino da Geogra‑ fia e utilização de índices morfométricos aplicados à pesquisa geográfica.

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práticas de geografia

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Técnicas de Cartografia Temática

8

Eduardo Justiniano

Marcello Martinelli

Introdução, 206 O fazer cartografia temática, 207 A prática da elaboração dos mapas temáticos, 208 A prática da leitura, análise

PRATGEO_2aprova.indb 205

e interpretação dos mapas temáticos, 223 A cartografia temática na sala de aula, 223 Na sala de aula, 228

Referências de apoio, 230 Sobre o autore, 232

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INTRODUÇÃO Desde as primeiras manifestações da sociedade humana, feitas por desenhos ou estruturas, tidas como mapas, e que se conservaram até hoje, até a cartografia digital do presente, a história da Cartografia Temática ocupa um lapso de tempo muito breve, confirmando­‑se, praticamente, em épocas relativamente recentes. Conhecer mais de perto e praticar a Cartografia Temática, domínio dos mapas temáticos, perpassa pelas bases da Cartografia e seus mapas gerais como um todo, uma vez que as representações temáticas são historicamente sucessivas às representações topográficas. Não há passagem brusca, muito menos uma cisão em dois ramos, como comumente se anuncia. As representações temáticas não substituem as topográficas, acrescentam­‑se a elas. O grande agente motivador desse novo campo da Cartografia foi o flores‑ cimento e a sistematização dos diferentes ramos de estudos operados com a divisão do trabalho científico, do fim do século XVIII e início do século XIX. Cada nova ciência, na busca de sua afirmação, passou a demandar um tipo de repre‑ sentação específica para atender seu domínio de pesquisa. Assim, o código analógico do mapa geral, topográfico, privilegiando o que se vê, é substituído por um código abstrato, exprimindo propriedades conhecidas dos fatos e fenômenos. Confirmou­‑se, assim, esse novo tipo de mapa como expressão do raciocínio que seu autor empreendeu diante da realidade que se lhe apresenta, apreciada a partir de um determinado ponto de vista: sua opção de apreensão do mundo (palsky, 1984/1990/1996). Este capítulo traz diversos mapas que devem ser copiados em papel vegetal para a resolução dos exercícios práticos tratados ao longo do texto.

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práticas de geografia

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O FAZER CARTOGRAFIA TEMÁTICA O ponto de partida é a delimitação da parte da realidade tida como problematizada pelo au‑ tor do mapa, transformando­‑a em objetivo. Terá, assim, diante de si uma realidade que poderá ser vista desta ou daquela maneira. Define­‑se, assim, o tema. No campo da Geografia, será tratada a re‑ alidade considerada como a geografia do lugar em que se vive, a partir da qual, passo a passo, será vislumbrada a compreensão para alcançar o conhecimento do mundo. Diante dessa postura e com base em todas as contribuições que vieram desde a sistemati‑ zação da cartografia temática, pode­‑se assumir uma proposta de orientação metodológica para a elaboração de seus mapas com o seguinte encaminhamento: os mapas temáticos podem ser construídos levando­‑se em conta vários mé‑ todos; cada um mais apropriado às formas de manifestação (em pontos, em linhas, em áreas) dos fenômenos considerados em cada tema, seja na abordagem qualitativa, ordenada ou quanti‑ tativa. Pode­‑se empreender também combina‑ damente uma apreciação sob o ponto de vista estático ou dinâmico. Deve­‑se salientar, ainda, que os fenômenos que compõem a realidade geográfica a ser re‑ presentada em mapa permitem ser considera‑ dos dentro de um raciocínio de análise ou de síntese. Nesse sentido ter­‑se­‑á, de um lado, uma cartografia analítica – abordagem dos te‑ mas em mapas analíticos, atentando para seus elementos constitutivos, lugares, caminhos ou áreas caracterizadas por seus atributos ou va‑ riáveis. E de outro, uma cartografia de sínte‑ se – abordagem de temas em mapas de sínte‑ se, empreendendo a fusão dos seus elementos constitutivos em “tipos”, perfazendo agrupa‑ mentos de lugares, caminhos ou áreas unitá‑ rias de análise caracterizadas por agrupamen‑ tos de atributos ou variáveis.

Dentre as várias posturas lucubradas durante o século XX, estabelecendo paradigmas, a carto‑ grafia pode ser encarada como uma linguagem. Toma o nome de linguagem da representação gráfi‑ ca. Sendo uma linguagem, dever­‑se estar atento à sua sintaxe. Sendo uma linguagem, terá também sua semiologia, portanto, uma semiologia gráfica. A tarefa essencial da representação gráfica é transcrever as três relações fundamentais – de diversidade (≠), de ordem (O) e de proporcio‑ nalidade (Q), que se podem estabelecer entre objetos, fatos e fenômenos que compõem a realidade considerada, por relações visuais, de mesma natureza. Assim, a diversidade será transcrita por uma diversidade visual, a ordem, por uma ordem vi‑ sual e a proporcionalidade, por uma proporcio‑ nalidade visual. A elaboração de mapas temáticos conforme esse entendimento exigirá ainda atentar para duas questões básicas: quais são as variáveis vi‑ suais e quais são suas respectivas propriedades perceptivas. Em primeiro lugar tem­‑se o plano sobre o qual será lançado o mapa. As duas dimensões do planopodem conter pontos, linhas e áreas que variam visualmente em tamanho, valor, cor, e forma. O tamanho varia de grande a pequeno, seja de círculos, quadrados etc. O valor varia do claro para o escuro, seja entre texturas ou entre as cores, tanto zentre as frias, como entre as quentes. O valor também pode se articular em duas ordens opostas. A cor varia, conforme os matizes que compõem o espectro das radia‑ ções visíveis, indo desde o violeta, passando por todas as intermediárias, azul, verde, amarelo, laranja, vermelho até chegar ao vermelhão. Na impossibilidade de se dispor de cores, é possí‑ vel aplicar texturas. A forma varia do quadrado para o círculo, para o polígono estrelado e assim por diante.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

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Essas variáveis visuais mais as duas dimen‑ sões do plano, portanto, num total de seis, têm propriedades perceptivas que toda transcrição gráfica deve levar em conta. São as principais: ¾¾Percepção seletiva (≠) – o olho consegue iso‑ lar os elementos (cor ou textura para diferenciar áreas e forma para distinguir pontos). ¾¾Percepção ordenada (O)  – as categorias ordenam­‑se espontaneamente (valor para ordem de importância ou ordem no tempo). ¾¾Percepção quantitativa (Q) – a relação de proporção visual é imediata (tamanho para da‑ dos absolutos e ordem visual entre as cores para dados relativos). Constituído, assim, o sistema de signos, com‑ pete ao construtor do mapa temático aplicá­‑lo convenientemente a cada questão a ser transcrita visualmente.

geográficas, escala, legenda e fonte. Em casos muito específicos menciona­‑se também a pro‑ jeção. Essa prática completa­‑se com os respec‑ tivos comentários, os quais congregam duas partes: ¾¾metodológico (comentar o raciocínio desen‑ volvido para elaborar tal representação); ¾¾interpretativo (apontar o que tal mapa revelou). Serão apresentados quatro blocos de circuns‑ tâncias: I – Apreciação estática de análise; II – Apreciação dinâmica de análise; III – Nível de raciocínio de síntese em apreciação estática; e IV – Nível de raciocínio de síntese em apreciação dinâmica.

I – Apreciação estática em nível de análise

A PRÁTICA DA ELABORAÇÃO DOS MAPAS TEMÁTICOS Serão consideradas nessa prática várias si‑ tuações em que se poderá estar diante da re‑ alidade geográfica que o estado de São Pau‑ lo expõe. Solicita­‑se elaborar representações pertinentes. Lembra­‑se que todo mapa deverá ter como elementos básicos: título (“o quê?”, “onde?” e “quando?”), orientação, coordenadas

São duas situações a serem consideradas. Em uma delas, a realidade geologia é vista como feita de unidades litoestruturais distin‑ tas (Tabela 8.1), interessando ressaltar a rela‑ ção de diversidade entre elas. Será mobilizado o “Método corocromático qualitativo”, que distingue áreas explorando variáveis visuais seletivas. A legenda será organizada na vertical com caixas empilhadas, porém não grudadas uma na outra.

Tabela 8.1 – Estado de São Paulo: geologia Unidades litoestruturais 1. Quartenário

6. Cretáceo inferior e jurássico

2. Terciário

7. Permiano

3. Cretáceo superior

8. Carbonífero superior

4. Cretáceo inferior

9. Devoniano inferior

5. Cretáceo inferior (diabásicos e basaltos)

10. Pré­‑ Cambriano

Fonte: IG/USP (1971).

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práticas de geografia

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Na segunda situação, a realidade geologia é vista como feita de unida‑ des litoestruturais que se ordenam no tempo, das mais antigas às mais re‑ centes, vislumbrando ressaltar a relação de ordem entre elas em seu respec‑ tivo padrão espacial. Será empregado o “Método corocromático ordenado” (Figura 8.1), que ordena áreas empregando variáveis visuais ordenadas. A legenda será organizada também na vertical com caixas empilhadas, porém não grudadas uma na outra.

45° W Gr

20° S

Eduardo Justiniano

50° W Gr

5

6 3

4 5

6 2 7

8

2 10

N

9

10

0

1 25° S

1

50 km

Figura 8.1. Mapa para os exercícios práticos dos métodos corocromáticos qualitativo e ordenado.

Em um outro caso, a realidade população é vista como feita de quanti‑ dades absolutas, tendo o escopo de ressaltar a relação de proporção entre elas em sua disposição no espaço. Será explorado aqui o “Método da figu‑ ras geométricas proporcionais”, que coloca círculos, por exemplo, centrados nas áreas das ocorrências, as unidades de observação com áreas propor‑ cionais aos valores da variável em foco. Necessita­‑se de um cálculo. Para traçá­‑lo é preciso conhecer o raio. Extrai­‑se a raiz quadrada do valor, (Q) lendo­‑se o resultado em milímetros. Poderão resultar valores enormes que não cabem no mapa ou muito pequenos, sem expressão. Dividem­‑se ou multiplicam­‑se todos os valores por uma constante K até achar tamanhos ideais, desde o menor ao maior (raio = Q/K ou raio = Q∙K ). A legenda

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Rafael Sato

deverá ser feita como um gráfico cartesiano, tendo nas abscissas valores redondos da variável e nas ordenadas as respectivas medidas gráficas dos parâmetros lineares que se possam medir diretamente sobre o mapa: os diâmetros. Completa­‑se o gráfico com a curva que une as extremidades dos diâmetros, a qual emoldura alguns tamanhos de círculos correspondendo a valores característicos de sua distribuição estatística (Figura 8.2).

0

250

500

750

1.000

5.000

10.000 mil habitantes

Figura 8.2. Exemplo de gráfico para legenda de mapas.

Segue a prática. Para tanto, utilizar as informações representadas no mapa da Figura 8.3 e copiar a Tabela 8.2, completando os dados que faltam. Nesta situação, a realidade população é vista como feita de quantidades relativas, interessando avaliar o padrão de distribuição das mesmas agrupadas em classes significativas. Convém o “Método coroplético”, o qual irá estabele‑ cer que a ordem crescente dos valores relativos agrupados em classes signifi‑ cativas seja transcrita por uma ordem visual também crescente. Necessita de um processamento dos dados para agrupá­‑los. O procedimento mais simples é o que emprega um método gráfico. Constrói­‑se um gráfico de dispersão para a série de dados relativos fornecida, considerando a frequência de ocor‑ rência desses dados apurada dentro de classes de intervalos experimentais pequenos. Cada valor da série é um ponto no gráfico. Os pontos poderão se empilhar ou não. Pronto o gráfico, isolam­‑se visualmente agrupamentos naturais que as colunas de pontos formaram, as quais delimitarão as classes, que não po‑ derão ser muito numerosas – no máximo oito. A legenda é feita em caixas empilhadas e disjuntas, uma para cada classe de valores. Convém que cada classe se abra com o primeiro valor e feche com o último valor do grupo. Em havendo uma classe com um único valor, este será indicado diretamen‑ te na legenda (ver Figura 8.4). Para a parte prática, utilizar a Figura 8.3 e a Tabela 8.3.

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Tabela 8.2 – Estado de São Paulo: população residente total, segundo as regiões administrativas (2009) Regiões Administrativas

População Total

1. RM São Paulo

Raio (mm) = Q/K

19.917.608

***

284.826

***

3. RA Santos

1.687.096

***

4. RA São José dos Campos

2.284.700

***

5. RA Sorocaba

2.848.651

***

6. RA Campinas

6.233.127

***

7. RA Ribeirão Preto

1.209.106

***

8. RA Bauru

1.083.668

***

9. RA São José do Rio Preto

1.437.210

***

10. RA Araçatuba

727.342

***

11. RA Presidente Prudente

838.044

***

12. RA Marília

969.950

***

13. RA Central

965.031

***

14. RA Barretos

422.128

***

15. RA Franca

725.315

***

2. RA Registro

Fonte: SEADE (2009). 45 W Gr

20° S

50° W Gr

15 9

14

7

10 13

8 11

4 12

6

5

N

2

25° S

50 km

3 Eduardo Justiniano

0

1

Figura 8.3. Mapa das regiões administrativas para ser utilizado nas análises propostas neste capítulo que envolvem as Tabelas 8.2, 8.3, 8.4, 8.6. 8.8. e 8.9.

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Rafael Sato

0

20

40

60

80

100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 hab./km²

Intervalos de 5 hab./km²

LEGENDA

DENSIDADE DEMOGRÁFICA (hab./km²)

1,45

5,82

11,31

36,16

47,99

67,26

80,37

101,47

149,22 328,59 353,53

Figura 8.4. Definição das classes pelo método gráfico.

Tabela 8.3 – Estado de São Paulo: densidade demográfica, segundo as regiões administrativas (2009) Regiões Administrativas 1. RM São Paulo 2. RA Registro

Densidade Demográfica (hab./Km2) 2.507,31 23,48

3. RA Santos

696,35

4. RA São José dos Campos

141,21

5. RA Sorocaba

69,68

6. RA Campinas

230,01

7. RA Ribeirão Preto

130,01

8. RA Bauru

66,90

9. RA São José do Rio Preto

56,51

10. RA Araçatuba

39,19

11. RA Presidente Prudente

35,25

12. RA Marília

52,37

13. RA Central

86,98

14. RA Barretos

50,59

15. RA Franca

70,25

Fonte: IBGE (2009).

212

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Em um terceiro caso, a realidade população é vista como feita de quanti‑ dades absolutas desdobradas em seus dois componentes, urbana e rural, in‑ teressando ressaltar a proporção entre os totais, bem como a proporção entre as parcelas dentro dos totais. Trata­‑se de estruturas. Poderá ser utilizado o “Método das figuras geométricas proporcionais divididas”. Calculam­‑se os raios como já demonstrado e dividem­‑se os círculos em dois setores proporcionais às porcentagens referentes à população urbana e rural. A legenda deverá con‑ siderar uma parte quantitativa e outra qualitativa. A primeira será apresentada com o gráfico já exposto e a segunda mediante duas caixas superpostas, não coladas, para uma variação visual seletiva (utilizar a Figura 8.3 e a Tabela 8.4). Tabela 8.4 – Estado de São Paulo: população residente total, urbana e rural, segundo regiões administrativas (2009) Regiões Administrativas 1. RM São Paulo

População Total

População Urbana

%

População Rural

%

19.917.608

18.838.856

94,58

1.078.752

5,42

284.826

202.986

71,27

81.840

28,73

3. RA Santos

1.687.096

1.681.628

99,68

5.468

0,32

4. RA São José dos Campos

2.284.700

2.142.083

93,76

142.617

6,24

5. RA Sorocaba

2.848.651

2.433.168

85,50

415.483

14,50

6. RA Campinas

6.233.127

5.904.571

94,73

328.556

5,27

7. RA Ribeirão Preto

1.209.106

1.177.300

97,38

31.716

2,62

8. RA Bauru

1.083.668

1.021.319

92,25

62.349

5,75

9. RA São José do Rio Preto

1.437.210

1.326.563

92,30

110.647

7,70

10. RA Araçatuba

727.342

668.815

91,95

58.527

8,05

11. RA Presidente Prudente

838.044

742.168

88,56

95.876

11,44

12. RA Marília

969.950

899.062

92,69

70.888

7,31

13. RA Central

965.031

912.673

94,58

52.358

5,42

14. RA Barretos

422.128

396.266

93,87

25.862

6,13

15. RA Franca

725.315

688.200

94,88

37.115

5,12

2. RA Registro

Fonte: IBGE (2009).

Passemos agora a uma nova situação, na qual o rebanho bovino é visto como feito de quantidades dispersas, em números absolutos, com o propósito de se visualizar onde há maior dispersão e onde há maior concentração desses animais. É o caso de se empregar o “Método dos pontos de contagem”. Ele

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

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26/11/10 12:22

considerará a variação do número de pontos de tamanho, forma e cor constantes distribuídos regularmente ou não pelas áreas de ocorrência. Cada ponto sintetiza determinado valor unitá‑ rio: um ponto representa tantas cabeças. Como se trata do rebanho bovino, as áreas de ocorrência seriam as pastagens de cada região administrativa, assinaladas no mapa em cinza (Figura 8.5). Estabelecido o valor unitário, este será o di‑ visor de todos os dados para se encontrar o nú‑ mero de pontos a serem distribuídos em cada unidade de observação. Ao efetuar essa opera‑ ção, poderá haver quocientes com quebrados após a vírgula da parte inteira. Tomando­‑se a parte após a vírgula precedida de zero e vírgula e multiplicando­‑a pelo valor do ponto, serão for‑ mados resíduos, agora em unidades da variável que está sendo representada. A melhor forma de compensar esses resíduos é agrupando os mais vizinhos até inteirar o valor de um ponto, que

será suplementar, o qual será lançado na zona li‑ mítrofe, junto à área que contribuiu com o maior resto. Esse procedimento é feito reiteradas ve‑ zes até sobrar um último resto, que será a perda geral, sempre menor que o valor de um ponto (utilizar a Figura 8.5 e a Tabela 8.5). A legenda é simples: 1 ponto = tantas cabeças. Abordando os elementos naturais das paisa‑ gens, tem­‑se a situação nas quais as realidades pluviosidade e temperatura são vistas como fei‑ tas de valores em continuidade espacial, procu‑ rando salientar essas particularidades, além de promover comparações entre as duas distribui‑ ções. Será praticado, nesse caso, o “Método isa‑ rítmico”. É o método ideal para a representação de fenômenos que possuem continuidade espa‑ cial como a pressão atmosférica, a temperatura, com dados obtidos em descontinuidade, em pos‑ tos com localização conhecida. Cada valor de pluviosidade e temperatura, to‑ mado em pontos referenciados à base cartográ‑

45° W Gr

20° S

50° W Gr

15 9

14

7

10

13

8 11

6 12

5

N

3

2

Pastagens

25° S

50 km

1

Rafael Sato

0

4

Figura 8.5. Mapa de distribuição de pastagens para gado, segundo regiões administrativas (2007).

214

práticas de geografia

PRATGEO_2aprova.indb 214

26/11/10 12:22

Tabela 8.5 – Estado de São Paulo: rebanho bovino, segundo regiões administrativas (2007) Pontos Inteiros

Parte após a vírgula

Restos em cabeças

Formação de pontos suplementares

21.014

***

***

***

***

114.699

***

***

***

***

988

***

***

***

***

591.220

***

***

***

***

5. RA Sorocaba

1.657.838

***

***

***

***

6. RA Campinas

879.405

***

***

***

***

7. RA Ribeirão Preto

198.599

***

***

***

***

8. RA Bauru

1.006.012

***

***

***

***

9. RA São José do Rio Preto

1.809.943

***

***

***

***

10. RA Araçatuba

1.413.198

***

***

***

***

11. RA Presidente Prudente

2.205.733

***

***

***

***

12. RA Marília

1.174.484

***

***

***

***

13. RA Central

266.023

***

***

***

***

14. RA Barretos

180.400

***

***

***

***

15. RA Franca

271.028

***

***

***

***

Regiões Administrativas

1. RM São Paulo 2. RA Registro 3. RA Santos 4. RA São José dos Campos

Rebanho Bovino (em cabeças)

Fonte: IBGE (2007).

fica, constitui uma terceira dimensão, cujo conjunto compõe uma superfície tridimensional contínua. Sua representação no plano do mapa é a projeção ortogonal das linhas, denominadas genericamente de isolinhas, interseções da superfície com planos paralelos e obrigatoriamente equidistantes ao primeiro. No caso da pluviosidade, as linhas tomam o nome de isoietas. No caso da temperatura, designam­‑se de isotermas. Adota­‑se os de valores 1.200, 1.300, 2.000 e 4.000 mm para as isoietas; e 18, 20 e 22 ºC para as isotermas. O traçado das isolinhas leva em conta uma interpolação linear que pode ser feita por um processo gráfico bastante simples, o de avaliação. Sendo o traçado das isotermas de 15, 20 e 25 entre os pontos dotados de seus valores (Figura 8.6). Para se obter imediatamente a visão de conjunto da distribuição dos dois fenômenos, preenchem­‑se os espaços entre as curvas por uma ordem de va‑

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

PRATGEO_2aprova.indb 215

215

26/11/10 12:22

Rafael Sato

14 13

22

15 20

19

21

26

25 23

18

20 21

15

11

12 Figura 8.6. Traçado das isotermas.

lores visuais, do mais claro ao mais escuro, de cores frias para a pluviosidade e de cores quentes para a temperatura. A legenda será composta de caixas empilhadas, porém agora juntas. Os valo‑ res legendados estão em correspondência com as junções das caixas, que reportam às isolinhas (utilizar as Figuras 8.7 e 8.8).

II – Apreciação dinâmica em nível de análise Seja a realidade população vista como feita de variações relativas no tempo, com a expec‑ tativa de demonstrar contrastes e oposições es‑ paciais. Será aplicado nessa representação o já conhecido “Método coroplético”, só que agora para dados relativos negativos e positivos. Serão taxas de variação positivas e negativas, exploran‑ do duas ordens visuais opostas. Expressam­‑se, assim, um aumento e uma diminuição. A situa‑ ção estacionária pode ser visualizada mediante um valor visual que se situa na parte central das oposições. A Taxa de Crescimento da População no pe‑ ríodo 2000/2010 é dada pela fórmula contabili‑ zada em porcentagem: TVR =

216

PT2010 - PR2000 PT2000

100

Os dados serão processados mediante um gráfico de dispersão, como já foi visto, que in‑ dicará os agrupamentos mais evidentes, tanto do lado dos valores negativos como dos positi‑ vos, numa reta numérica, definindo as classes para as quais serão atribuídas duas ordens vi‑ suais opostas. Uma entre as cores frias e outra entre as cores quentes, ambas do claro para o escuro. No caso de não se contar com a produção em cores, adota­‑se texturas em preto e branco – uma de pontos, outra de linhas, também do cla‑ ro para o escuro, em duas ordens opostas. Na legenda, as caixas das ordens visuais de‑ verão ficar disjuntas, correspondendo a classes numéricas, tendo por limites os valores exatos que as abrem e as fecham. Quando há um único valor, ele mesmo designa a classe. As classes de valores negativos organizam­‑se dos maiores aos menores. Aquelas dos positivos se arranjam dos menores aos maiores (Figura 8.9). A prática continua. Para tratamento gráfico dos dados da Tabela 8.6, utilizar as informações representadas no mapa da Figura 8.3. Em outra situação, a realidade é vista como feita de movimentos no espaço, interessando ressaltar a relação de proporção entre fluxos, bem como a articulação entre os mesmos. A manifestação é em linha com apreciação quan‑ titativa. Para representá­‑la será aplicado o “Método dos fluxos”, que mobilizará a variável visual tamanho. O mapa resulta numa articu‑ lação de flechas, porém sem pontas – faixas –, pois os fluxos contabilizam totais interados nos dois sentidos em cada trecho, seguindo ro‑ teiros estipulados. A intensidade do fenômeno será transcrita pela espessura das faixas, numa escala de proporcionalidade tal que 1 mm → N na unidade de tempo. Nas grandes concentrações serão colocados os fluxos menores completos, sobre os maiores interrompidos. Nos cruzamentos, o fluxo me‑ nor passa inteiro por cima do maior, interrom­ pendo­‑o.

práticas de geografia

PRATGEO_2aprova.indb 216

26/11/10 12:22

45° W Gr

20° S

Eduardo Justiniano

50° W Gr

22,8

21,7 22,4

23,1 22,9 22,1

21,6

22,3 21,7

21,3

21,8

20,1 21,6 21,2

21,9

19,1 21,1

17,1 18,9

17,9

19,8 18,5 19,8

19,9

18,6

N

22,5

21,5

21,6

17,5

19,8

21,8 25° S

22,2 0

50 km

Figura 8.7. Precipitação.

45° W Gr

20°0'0"S

Eduardo Justiniano

50° W Gr

1186

1537 1297

1179 1142

1338

1227

1178

1525

1357 1242

1312 1302

1322

1215

1547 1369

2253

1336 1192

1312

N

1605

1324

1196 4442

2013 1190 3061

2424

2014

2169 0

50 km

25°0'0"S

1561

Figura 8.8. Temperatura.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

PRATGEO_2aprova.indb 217

217

26/11/10 12:22

Rafael Sato

DEFINIÇAO DAS CLASSES PARA SÉRIE COM VALORES POSITIVOS E NEGATIVOS, PELO MÉTODO GRÁFICO % -22,74

-22,76

-18,73

-9,68

-6,43

-0,93 0,85

Figura 8.9. Exemplo de legenda para representação com ordem visual.

-25

-20

-15

-10

-5

Tabela 8.6 – Estado de São Paulo: taxa de crescimento da população (2000/2010) Regiões Administrativas 1. RM São Paulo

42,23

2. RA Registro

-8,57

3. RA Santos

-9,29

4. RA São José dos Campos

1,85

5. RA Sorocaba

2,42

6. RA Campinas

-14,85

7. RA Ribeirão Preto

-18,67

8. RA Bauru 9. RA São José do Rio Preto 10. RA Araçatuba

-1,76 -22,02 -4,85

11. RA Presidente Prudente

-16,66

12. RA Marília

-24,10

13. RA Central

-20,22

14. RA Barretos

-18,74

15. RA Franca Fonte: IBGE (2000; 2010).

218

Taxa de Crescimento (em %)

-4,96

5

0

10

15

20

4,13

7,20

17,60

18,04

%

A legenda pode comportar apenas a indica‑ ção da proporcionalidade. Entretanto, sua visu‑ alização será melhorada, colocando uma sequ‑ ência de espessuras correspondendo a valores redondos significativos da série, numa escala crescente, com a indicação da unidade de tempo levada em conta (Figura 8.10). Segue a prática. Utilizar os dados da Tabela 8.7, página XX e as informações representadas no mapa da Figura 8.11.

III – Nível de raciocínio de síntese em apreciação estática Num primeiro caso, a realidade é vista como feita de conjuntos espaciais que são agrupamen‑ tos de unidades espaciais de análise caracteriza‑ dos por agrupamentos de atributos ou variáveis, interessando­‑se ver o padrão espacial da respec‑ tiva classificação. Nas representações de síntese, não se terão mais os elementos em superposição ou em justaposição, mas sim a fusão deles em tipos. Isso significa que no mapa serão identifi‑ cados os citados agrupamentos. Como as unidades espaciais de análise foram individualizadas por estruturas ternárias, para se chegar a essa síntese, coloca­‑se em prática o uso de um algoritmo muito simples: o gráfi‑ co triangular. Este tem por base um triângulo equilátero com os lados divididos em módulos iguais, sendo que cada vértice marca o 100% de cada componente.

práticas de geografia

PRATGEO_2aprova.indb 218

26/11/10 12:22

Rafael Sato

REPRESENTAÇÃO: FLUXO DE VEÍCULOS POR DIA - AMOSTRA

FLUXOS INTERADOS

1.000

5.000

10.000

20.000

Figura 8.10. Exemplos de representação de fluxo de veículos.

30.000 veículos/dia

45° W Gr

20° S

Eduardo Justiniano

50° W Gr

14

17 18 16

23

13

15

20

12 22 27 21

24

4

19

5 1

7 6

2

25

N

9

8

11

3

10 0

50 km

25° S

26

Figura 8.11. Mapa com as localidades citadas na Tabela 8.7.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

PRATGEO_2aprova.indb 219

219

26/11/10 12:22

Tabela 8.7 – Estado de São Paulo: fluxo de veículos por dia na rede rodoviária (2006) Trechos

Veículos por dia

São Paulo (1) – Santos (2)

50.000

Santos (2) – Peruíbe (3)

13.000

São Paulo (1) – Vargem (4)

16.000

São Paulo (1) – São José dos Campos (5)

45.000

São José dos Campos (5) – Caraguatatuba (6)

8.000

Caraguatatuba (6) – Ubatuba (7)

5.000

São José dos Campos (5) – Santo Antônio do Pinhal (8)

1.000

São José dos Campos (5) – Queluz (9)

18.000

São Paulo (1) – Divisa São Paulo/Paraná (10)

15.000

São Paulo (1) – Campinas (11)

45.000

Campinas (11) – São João da Boa Vista (12)

9.000

Campinas (11) – Ribeirão Preto (13)

11.000

Ribeirão Preto (13) – Igarapava (14)

8.000

Ribeirão Preto (13) – Araraquara (15)

6.000

Campinas (11) – Araraquara (15)

22.000

Araraquara (15) – São José do Rio Preto (16)

12.000

São José do Rio Preto (16) – Rubineia (17)

6.000

São José do Rio Preto (16) – Ilha Solteira (18)

5.000

São José do Rio Preto (16) – Igarapava (14)

2.000

São José do Rio Preto (16) – Itororó do Paranapanema (27)

2.000

São Paulo (1) – Itatinga (19) Itatinga (19) – Presidente Epitácio (20)

25.000 8.000

Itatinga (19) – Botucatu (21)

18.000

Botucatu (21) – Bauru (22)

13.000

Bauru (22) – Castilho (23)

9.000

Bauru (22) – Ourinhos (24)

12.000

Bauru (22) – Araraquara (15)

6.000

Ourinhos (24) – São José do Rio Preto (16)

2.000

Campinas (11) – Capão Bonito (25)

7.000

Capão Bonito (25) – Ribeira (26)

2.000

Fonte: DER (2006). Dados aproximados e arredondados para fins práticos.

220

práticas de geografia

PRATGEO_2aprova.indb 220

26/11/10 12:22

BRASIL: ESTRUTURA DA UTILIZAÇÃO DAS TERRAS DOS ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS - 2006 0 10

90

70

ST AS RE III -

0

100 90

80

70

S

AM PA MT CE RO BA TO RN PB 30 MA MG GO PR SC 20 MS ES SP RJ SE AL 10 RS

RA

60

RR

40

U VO

50

PI

50

TA S

40

LA

LO

AC AP

60

EF

30

70

I-

MA

20

80

80

DF PE

90 100

60 50 40 II - PASTAGENS

30

20

10

0

BRASIL: AGRUPAMENTOS DE ESTRUTURAS DA UTILIZAÇÃO DAS TERRAS DOS ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS - 2006 100

0

90

AS ST RE LO EF AS AT -M

VI AM PA MT CE III RO BA TO RN PB MA MG GO PR SC RJ

V 80

70

ES SP SE AL RS

60

AS

III

50 II

UR

PI RR

VO

100 90

40

AP

60

10 0

AC

LA

MS

30

I

70

I-

20

30

20

80

50

40

10

70 IV

80

DF PE

60 50 40 II - PASTAGENS

90

100

100 30

20

10

Rafael Sato

TIPO II

Pouca Lavoura; pouca Pastagem; importante Floresta.

TIPO III

Estrutura equilibrada entre Lavoura, Pastagem e Floresta.

TIPO IV

Média a importante Lavoura; pouca a média Pastagem, pouca Floresta.

TIPO V

Pouca Lavoura; importante Pastagem; pouca Floresta.

TIPO VI

Muito pouca a pouca Lavoura; média a importante Pastagem; pouca a média Floresta.

20

80

30

70

LEGENDA TIPO I

10

90

0

Muito pouca Lavoura; pouca Pastagem; predomínio de Floresta.

0

40

60

50

50

60

40

70

30

80

20

90

10 0

100 90

100 80

70

60

50

40

30

20

10

0

Rafael Sato

100

As diferentes combinações de estrutura dos três componentes I, II e III da variável estudada são sintetizadas valendo­‑se da posição de pontos no interior do triângulo. Cada ponto no gráfico mostra uma estrutura representativa de cada re‑ gião administrativa. Pronto o gráfico, analisa­‑se visualmente o arranjo de pontos resultante. Verifica­‑se a for‑ mação de agrupamentos de pontos. Os agre‑ gados dotados de uma variação visual seletiva ou ordenada, com cores ou texturas, de acordo com o aspecto da realidade que se deseja real‑ çar e denominados por epítetos específicos e concisos, comporão a legenda, cujos signos, co‑ res ou texturas serão transpostas para o mapa (Figura 8.12). Segue a prática. Para tratamento gráfico dos dados, utilizar as informações apresentadas na Tabela 8.8 e representadas no mapa das Figuras 8.3 e no gráfico da Figura 8.13.

Figura 8.13. Gráfico triangular. Figura 8.12. Exemplo de análise visual para agrupamento e confecção de legenda.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

PRATGEO_2aprova.indb 221

221

26/11/10 12:22

IV – Nível de raciocínio de síntese em apreciação dinâmica Considera­‑se a realidade vista como feita de conjuntos espaciais que são agrupamentos de unidades espaciais de análise caracterizados por agrupamentos de ritmos de crescimento da população. Passa­‑ se a desenvolver o caso do cresci‑ mento da população de determinado territó‑ rio para uma série de intervalos de tempo de certo período. Parte­‑se da análise feita me‑ diante a construção dos gráficos evolutivos de cada unidade de observação para as datas do período considerado, em escala mono­‑log. As inclinações das linhas fornecem os rit‑ mos de crescimento em cada intervalo entre as datas. Numa segunda etapa classificam­‑se

os gráficos, aproximando aqueles que mais se assemelham, procurando formar grupos com características similares de ritmo de evolução. Cada grupo identificado constituirá um tipo que será anotado na legenda por um signo, cor ou textura, e respectivo epíteto expresso de forma concisa. Esses grupos serão transpostos para o mapa valendo­‑se de uma variação visual seletiva ou ordenada, em uma ordem ou em duas opostas, em consonância com a feição da realidade que se quer enfatizar (Figura 8.14). Segue a prática. Para tratamento gráfico dos dados, utilizar as informações representadas na Tabela 8.9 e nas Figuras 8.3 e 8.15.

Tabela 8.8 – Estado de São Paulo: vínculos empregatícios nos setores de atividades econômicas, segundo regiões administrativas (2008) Região Administrativa

Total de vínculos empregatícios

1. RM São Paulo

6.540.251

0,21

23,74

76,05

35.620

19,66

14,12

66,22

3. RA Santos

335.480

0,31

15,30

84,32

4. RA São José dos Campos

501.379

1,90

32,39

65,71

5. RA Sorocaba

605.689

9,20

35,90

54,90

6. RA Campinas

1.738.666

4,26

37,45

58,29

7. RA Ribeirão Preto

322.393

4,48

30,59

64,93

8. RA Bauru

274.508

9,97

34,76

55,27

9. RA São José do Rio Preto

316.106

11,02

28,54

60,44

10. RA Araçatuba

160.413

10,26

35,07

54,67

11. RA Presidente Prudente

164.415

9,35

28,55

62,10

12. RA Marília

208.497

17,20

27,09

55,71

13. RA Central

251.645

11,63

35,40

52,97

14. RA Barretos

105.436

25,83

25,80

48,37

15. RA Franca

152.661

40,47

40,47

50,70

2. RA Registro

222

Agropecuária %

Construção civil e indústria %

Comércios e serviços %

práticas de (2008). geografia Fonte: SEADE

PRATGEO_2aprova.indb 222

26/11/10 12:22

RJ BA PR AL

PI RN

SC RS

PE CE MA

PB AM

SP 10 9 8 7 6 5

TIPOS PB AL SP BA MA PI RN CE AC GO SC ES SE RS

MG

MT GO PA

ES

SE RR

Rafael Sato

AGRUPAMENTO DOS RITMOS MAIS SIMILARES

GRÁFICOS EVOLUTIVOS EM MONO-LOG

I - Crescimento maior em 70/80 e menor, constante em 80/2000 II - Crescimento meio forte, quase constante no período

MG PE PR RJ DF

III - Crescimento médio constante no período

PA AP

IV - Crescimento forte em 70/90 e um pouco menor em 90/2000

AM

MT TO MS RO

RO

V - Crescimento irregular no período

RR

AC AP

4

VI - Crescimento muitíssimo forte em 70/90 e bem mais tênue em 90/2000

DF

3 TO MONO-LOG

2

MS

1 1970 1980 1990 2000 1970 1980 1990 2000

1970 1980 1990 2000

Rafael Sato

Figura 8.14. Tipos de ritmos de crescimento da população brasileira (1970­‑2000).

6 5

6 5

4

4

3

3

2

2

1 9 8 7 6 5

1 9 8 7 6 5

4

4

3

3

2

2

1

1

Figura 8.15. Gráfico monolog.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

PRATGEO_2aprova.indb 223

223

26/11/10 12:22

Tabela 8.9 – Estado de São Paulo: população residente, segundo regiões administrativas (1980–2010) Regiões Administrativas

1980

1990

12.549.856

15.089.744

17.852.637

20.141.759

2. RA Registro

184.964

222.659

265.348

287.002

3. RA Santos

957.889

1.188.337

1.473.912

1.709.686

4. RA São José dos Campos

1.215.549

1.598.614

1.988.498

2.316.640

5. RA Sorocaba

1.503.482

1.954.866

2.463.754

2.890.965

6. RA Campinas

3.196.969

4.258.418

5.383.260

6.325.125

7. RA Ribeirão Preto

654.794

868.784

1.058.652

1.225.286

8. RA Bauru

660.026

805.645

955.486

1.096.961

9. RA São José do Rio Preto

947.416

1.108.433

1.297.799

1.451.761

10. RA Araçatuba

523.565

604.616

672.572

732.552

11. RA Presidente Prudente

661.116

725.665

787.561

842.982

12. RA Marília

679.342

776.717

886.735

978.804

13. RA Central

540.889

707.046

853.866

976.993

14. RA Barretos

267.626

347.876

394.835

425.054

15. RA Franca

409.755

525.688

639.463

734.707

1. RM São Paulo

2000

2010

Fonte: SEADE (2010).

A PRÁTICA DA LEITURA, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS MAPAS TEMÁTICOS Esta prática é comumente chamada de co‑ mentário. Desdobra­‑se em duas seções básicas: ¾¾comentário metodológico, dizendo o por‑ quê da adoção de determinado método frente à especificidade da realidade a ser representada e como o mesmo foi empregado; ¾ ¾comentário interpretativo, verificando o padrão de distribuição que o mapa exibe, para se poder declarar, enfim, o que o mapa re­velou.

224

A CARTOGRAFIA TEMÁTICA NA SALA DE AULA O ensino­‑aprendizagem da cartografia temáti‑ ca é geralmente feito em sala de aula. Esta maté‑ ria, de praxe, é apresentada com uma parte sobre questões metodológicas em forma expositiva e outra trabalhada com exercícios em forma prática. Sendo assim, nada impedirá que a parte “prática” seja desenvolvida em laboratório adequadamente organizado. Na atualidade, esse laboratório esta‑ ria equipado com instrumental peculiar ligado às áreas da computação e da informática, trazendo softwares específicos da cartografia temática.

práticas de geografia

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A

B

Rafael Sato

Embora a exposição deste capítulo seja apre‑ sentada de maneira a levar a entender de uma prática da cartografia temática na linha analó‑ gica, nada impedirá a exploração de softwares e SIG específicos para cartografia temática. Ape‑ sar disso, é importante lembrar que o entendi‑ mento básico para tais elaborações esteve e esta‑ rá sempre apoiado numa sucessão muito grande de trabalhos feitos antes da era da informação. Considera­‑se oportuno também esclarecer que a linha do encadeamento metodológico ado‑ tado no presente capítulo é uma entre as várias desenvolvidas no progresso dessa área de estudos, principalmente durante o século XX, como insu‑ mos para a afirmação da cartografia como ciência. Essa linha é a que vê o fazer cartografia como uma linguagem. Portanto, assumindo a postura do estruturalismo. Os estudantes terão que en‑ tender que fazer um mapa não é fazer uma figu‑ ra para ilustrar um texto. É fazer exatamente ao contrário. É elaborar uma figura que será uma imagem, portanto oferecendo a apreensão de seu conjunto num instante mínimo de percepção. Ainda, essa imagem será composta mediante uma linguagem gráfica, a linguagem da repre‑ sentação gráfica, que mobilizará signos gráficos; e o que mais importa é captar o significado das relações entre eles, que deverá ser único, sem ambiguidades. Assim, se um mapa quiser mostrar que a indústria “A” emprega 4.000 trabalhadores e a indústria “B”, 1.000, ele terá que exibir dois sig‑ nos, sendo o tamanho do primeiro equivalente a 4.000 e o segundo condizente a 1.000 unidades. São os dados. O mapa revelará a informação: a indústria A emprega quatro vezes mais trabalha‑ dores que a indústria B! (Figura 8.16). Essa proposta de se trabalhar a cartografia e em especial a cartografia temática foi lucubrada por Bertin, na década de 1960, junto ao Labora‑ toire de Graphique de l’ École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris (F). Fez essa exposi‑ ção em seu livro intitulado Sémiologie Graphique, publicado em 1967.

Figura 8.16. Signos representativos de quantidade.

As cores na cartografia temática A prática das cores na cartografia temática merece uma atenção especial, pois além de elas serem uma variável visual de indiscutível impac‑ to e valor estético, as relações entre elas mere‑ cem considerações a respeito. A cor é uma realidade sensorial sempre pre‑ sente. Tem grande poder na comunicação visual, além de atuar sobre a emotividade humana. In‑ tegra a cultura. No conjunto do espectro eletromagnético, as radiações visíveis, isto é, aquelas sensíveis ao olho humano, têm comprimentos de onda que vão des‑ de 380 até 770 nanômetros1. No intervalo dessas radiações, a luz se apresenta desdobrada numa sequência contínua de faixas coloridas, tal como o arco­‑íris (FILLACIER, 1986) (Figura 8.17). Na percepção das cores conta­‑se com três fa‑ tores fundamentais que intervêm conjuntamen‑ te. São chamados, também, de três dimensões das cores. O matiz é uma nuança cromática na sequên‑ cia espectral. Ele está associado, portanto a uma radiação espectral pura. É uma cor pura. A saturação é a variação que assume um mes‑ mo matiz, indo desde o neutro absoluto (cinza) até a cor pura espectral. O valor é a quantidade de energia refletida. Vai do claro ao escuro ou vice­‑versa, compondo uma ordem visual.

1 Um nanômetro corresponde a um bilionésimo do metro.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

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Rafael Sato

Vermelho

Infravermelho

500

Laranja

400

Amarelo

Verde

Azul

Violeta

Ultravioleta

Radiações Visíveis

600

700

800nm

Figura 8.17. Radiações visíveis.

Ao observar atentamente a sequência de cores espectrais das radiações vi‑ síveis, percebe­‑se que é organizada em duas ordens visuais opostas a partir do amarelo, que ocupa posição central. Uma, compondo uma ordem visual cres‑ cente, das mais claras às mais escuras entre as cores frias. A outra, constituindo uma ordem visual crescente, das claras até as escuras, entre as cores quentes. Na prática das cores é cômodo dispor de um círculo cromático ou círculo das cores. Considera­‑se uma série de pastilhas coloridas seguindo a sucessão espectral, de acordo com os comprimentos de onda. Também neste, ter­‑se­‑á duas ordens visuais crescentes opostas entre as cores, partindo de um amarelo claro; de um lado, as frias; de outro, as quentes (Figura 8.18). A combinação entre cores numa composição não é fortuita. Pode­‑se tentar, intencionalmente, dar ideia de tensão por antagonismos num mesmo campo ou, ao contrário, buscar a sensação de harmonia e quietude. CÍRCULO DAS CORES Amarelo Verde amarelado

Amarelo ouro Amarelo alaranjado

Verde claro

Laranja

Verde médio

Verde

Laranja avermelhado

Verde escuro

Vermelho

Vermelhão violáceo

Azul escuro Azul arroxeado

Roxo

Roxo avermelhado

Eduardo Justiniano

Vermelhão

Azul

Figura 8.18. Círculo das cores.

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PARDAL

TAINHA

PASTOR ALEMÃO

CANÁRIO

PEQUINÊS

GATO

LINGUADO

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

a TÊM ASAS b TÊM 4 PATAS c TÊM NADADEIRAS d MIAM e LATEM f VOAM

GRUPOS DE OBJETOS

a TÊM ASAS

PASTOR ALEMÃO

PEQUINÊS

GATO

TAINHA

LINGUADO

PARDAL

4. 7. 1. 6. 2. 3. 5.

I

f VOAM

II

c TÊM NADADEIRAS d MIAM

III

b TÊM 4 PATAS e LATEM A

B

C

Rafael Sato

A partir dessa matriz inicial pode­‑se desco‑ brir uma tipologia dos objetos. Trata­‑se de en‑ contrar grupos de animais sendo caracterizados por grupos de atributos. Após a manipulação

OBJETOS

CANÁRIO

Outra questão que sempre dificulta o en‑ tendimento por parte dos estudantes é aquela do mapa de síntese em comparação com o de análise. Há muita confusão e eles não conse‑ guem distinguir um do outro. Para esclarecer didaticamente o que vem a ser um raciocínio de síntese, deve­‑se tomar de empréstimo o trabalho experimental feito por Gimeno, em 1980, junto a crianças das primeiras séries do Ensino Fun‑ damental em Paris. Ele dirigiu e acompanhou os passos que os escolares fariam para representar as relações entre um conjunto de objetos (ani‑ mais) e aquele de seus atributos (características dos animais), descobrindo assim, o quadro de dupla entrada. Essas relações podem ser dispostas conforme um quadro de dupla entrada, tido como uma matriz gráfica ordenável, que permite reorga‑ nizar entre si tanto as colunas como as linhas similares, em reiteradas vezes, até se verificar a formação de agrupamentos (gimeno, 1980). Ela permite identificar 42 dados elementares, que são as correspondências entre objetos e atri‑ butos fornecidos. É a análise. Possibilita colocar dois tipos de questões: 1) O objeto “2” (gato) possui o atributo “D” (mia)? 2) O atributo “D” (mia) se atribui ao objeto “2” (gato)?

ATRIBUTOS

Mapas de síntese e de análise

da matriz, passa­‑se a contar com três grupos em vez dos 42 dados elementares. Isso permitirá compreender, de forma integrada, o conjunto. É a síntese. Revela­‑se também a informação que estava selada naqueles 42 dados. Possibilita, igualmente, colocar outras duas questões; porém, agora, em nível de conjunto: 1) Como se agrupam os objetos (os animais)? 2) Como se agrupam os atributos (as caracte‑ rísticas dos animais)? (Figura 8.19).

GRUPOS DE ATRIBUTOS

Uma combinação é contrastante quando as cores são totalmente diversas entre si, como as opostas sobre o círculo das cores. Uma combinação é harmônica quando as cores possuem uma parte básica comum a elas, como a escala monocromática ou as cores vizi‑ nhas sobre o círculo das cores.

Figura 8.19. Da análise à síntese.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

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NA SALA DE AULA A elaboração dos mapas, utilizando­‑ se a Figura 8.1 e a Tabela 8.1, enquadra­‑se na proposta de fazer com que os alunos percebam a diferença. Qual a vantagem de se utilizar o método corocromático qualitativo ao invés do método corocromático ordenado? O que o mapa gerado pelo segundo método revelou? Como explicaria a geologia do estado de São Paulo de uma maneira que os alunos não esqueçam jamais? Pode­‑se pedir ao estudante que, então, trace esquematicamente sobre o mapa gerado pelo método coro‑ cromático ordenado um roteiro de excursão para praticar o aprendizado da geologia paulista. Pelo fato de representar o padrão espacial da população em números ab‑ solutos, o mapa a ser gerado com os dados da Tabela 8.2 pode ser empregado para explorar a noção do mais e do menos “populoso”. O mapa gerado com os dados da Tabela 8.3 mostraria a população em números relativos, a densidade demográfica. Pode ser explorado para o en‑ tendimento do mais e do menos “povoado”. A representação com os dados da Tabela 8.4 e da Figura 8.3 mostram estruturas. É exemplo típico de mapa exaustivo, que superpõe vários níveis de análise. A elaboração do mapa a partir das informações presentes na Tabela 8.5 e na Figura 8.5, cujo tema aborda a distribuição espacial do rebanho bovino resolvida pelo método dos pontos de contagem, onde se estabeleceu distribuir os pontos das unidades de observação, tomando­‑se o cuidado de incluí­‑los dentro das respectivas áreas de pastagem, permite a exploração de dois níveis de percepção visual. Fazer com que os escolares notem que se pode apreciar tanto o efeito de densidade, dada pela concentração e dispersão de pontos, bem como a quantidade em cada área, que seria dada pela contagem dos pontos existentes em cada uma e multiplicando­‑a pelo valor do ponto unitário que está declarado na legenda. A representação da pluviosidade e da temperatura mobilizando o método isarítmico nos mapas das Figuras 8.7 e 8.8 possibilita um adendo à interpreta‑ ção ao considerar a dupla. Seria pertinente avaliá­‑los em termos comparativos, tais como: enquanto a precipitação segue um gradiente tal, a temperatura exibe outro, talvez até em oposição. Verificar. O mapa gerado com os dados da Tabela 8.6 mostra uma variação relativa no tempo. Constitui a oportunidade para a prática de se fazer com que os escolares vislumbrem oposições e como elas se organizam no espaço, no intervalo de tempo considerado. Por representar movimentos no espaço, empregando certo tempo, o mapa da Figura 8.11, com os dados da Tabela 8.7, tratando dos fluxos de veículos por dia na rede rodoviária, instiga a praticar a percepção do arranjo e a articulação dos tamanhos no espaço, o que poderá, em hipótese, inferir um significado junto aos relacionamentos entre os pontos de junção.

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A representação dos dados da Tabela 8.8 entra no domínio dos mapas de síntese numa apreciação estática. Deve­‑se fazer notar que não se veem mais as estruturas que estariam representadas num mapa em nível de análise, feito a partir da mesma tabela de dados. Passa­‑se agora a ver conjuntos espaciais que são tipos de estruturas. Apresenta­‑se como seria a representação das estruturas no mapa em nível de análise anteriormente citado. A partir dos dados da Tabela 8.8, é possível produzir um mapa analítico mostrando as estruturas (ver Figura 8.20). A síntese também pode ser elaborada dentro de uma apreciação dinâmica, como no mapa que pode ser gerado a partir da Tabela 8.9. Neste construto também não se veem mais etapas gráficas do nível analítico, passando­‑se a apreciar somente conjuntos espaciais que significam tipos de ritmo de cres‑ cimentos, de evoluções, no tempo. 45° W Gr

20° S

Eduardo Justiniano

50° W Gr

15 14

9

7

10 13

8 11

4 12

6

5

N

3

25° S

0

1

2

50 km

TOTAIS

SETORES DE ATIVIDADES Agropecuária Construção civil e indústria Comércio e serviços 0

Figura 8.20. Estado de São Paulo: mapa analítico dos vínculos empregatícios nos setores de atividades econômicas, segundo regiões administrativas (2008). Fonte: SEADE (2008).

200

400

600

800

1000 3500 6000 Vínculos empregatícios

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário Cartografia: definição clássica da Associação Car‑ tográfica Internacional (ACI), 1966 – “Conjunto de estudos e operações científicas, artísticas e técnicas que intervêm a partir dos resultados de observações diretas ou da exploração de uma documentação, tendo em vista a elaboração de mapas, plantas e outros modos de expressão, bem como a sua utilização” (ACI, 1966; CUENIN, 1972). Cartografia: definição da atualidade – “Cartografia é a organização, apresentação, análise e comunicação da espacialidade georreferenciada sobre amplo leque de temas de interesse e uso para a sociedade num for‑ mato interativo, dinâmico, multimídia, multissensorial e multidisciplinar” (TAYLOR, 2009). Cartografia Temática: “Cartografia é a ciência da representação e do estudo da distribuição espacial dos fenômenos naturais e sociais, suas relações e suas transformações ao longo do tempo, por meio de repre‑ sentações gráficas em mapas – modelos icônicos – que reproduzem este ou aquele aspecto da realidade de forma gráfica e generalizada” (SALICHTCHEV, 1973). Dado: registro de situações percebidas concretamente de forma sistemática. Pode ser de natureza qualitativa ou quantitativa, ambas ordenadas ou não. Aquele de natureza qualitativa informa sobre as características dos objetos. É chamado atributo. Aquele quantitativo refere­‑se à possibilidade de se efetuar contagens ou medidas acerca da manifestação dos fenômenos. É denominado variável. Informação: é o sentido que se atribui aos dados. Ela leva à compreensão. Esta, por sua vez, aumenta o conhecimento (WURMAN, 1991). Mapa analítico: é o mapa em que, mediante um raciocínio analítico, aborda­‑se um tema atentando para seus elementos constitutivos. Às vezes, representa­‑se apenas um, como a temperatura; às vezes, vários, como a estrutura da utilização das terras. Mapa de síntese: é o mapa que não tem os elementos em superposição ou em justaposição, e sim, a fusão deles em tipos. Isso significa que eles delimitam agru‑ pamentos de lugares, caminhos ou unidades espaciais elementares de análise caracterizados por agrupamen‑ tos de atributos ou variáveis.

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Mapa temático: “mapa que representa, sobre uma base de referência geralmente topográfica, fenômenos qualitativos, ordenados ou quantitativos, concretos ou abstratos, circunscritos e limitados pela escolha de um tema e de um objeto específico” (CUENIN, 1972). Mapa topográfico: “mapa sobre o qual figuram es‑ sencialmente os resultados das observações que dizem respeito à posição planimétrica e altimétrica, a forma, dimensões e identificação de fenômenos concretos, fixos e duráveis que se encontram sobre a superfície da Terra” (CUENIN,1972). Monossêmico: se diz da relação entre signos com um único sentido. Polissêmico: se diz de símbolo que apresenta vários sentidos. Propriedades perceptivas: atitude perceptiva que uma variável visual, em sua variabilidade, inscrita sobre um plano, permite se ter ao olhá­‑la. Realidade: será oportuno colocar esclarecimentos sobre o real e realidade. Real é tudo o que existe fora da mente. É aquilo que se toma como real. Realidade é propriedade do que é real. Cada pessoa vê o real como lhe convém e chama de realidade tudo o que corresponde às suas concepções subjetivas (DUARTE JÚNIOR, 2004). Representação gráfica: domínio gráfico que se inclui no universo da comunicação visual, que por sua vez faz parte da comunicação social. Compõe uma lin‑ guagem gráfica bidimensional, atemporal, destinada à vista. Tem supremacia sobre as demais, pois demanda apenas um instante para a sua apreensão. Expressa­‑se mediante a construção da “imagem” – forma, em seu conjunto, captada num lapso mínimo de percepção. Porém é distinta daquelas como a fotografia, a pintura, o desenho, a criação publicitária, o design gráfico e o grafismo, sejam figurativas ou abstratas, de caracterís‑ ticas polissêmicas (significados múltiplos). Integra, ao contrário, o sistema semiológico monossêmico (signi‑ ficado único). É o nível monossêmico do mundo das imagens (BERTIN, 1973). Signo: unidade linguística – associação de um signifi‑ cante e um significado – objeto perceptível que remete a outro objeto ou ideia. Os elementos componentes do

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signo são três. O objeto referente, sendo o objeto da realidade a que o signo faz referência. O significado do signo, que seria a imagem formada na mente do usuá‑ rio, um conceito acerca do objeto referente. Finalmente, tem­‑se o significante, que é a apresentação do signo por desenho, como aparece na legenda, referindo­‑se ao significado que lhe é dado pelo autor do mapa. Símbolo: objeto físico a que se dá significação moral. São símbolos: bandeira, hino nacional, brasão, pomba com o ramo de oliveira, mulher cega segurando uma balança (BORDENAVE, 1987). Variáveis visuais: variações sensíveis à percepção visual que uma mancha visível disposta num plano pode assumir.

Bibliografia BÉGUIN, M. e PUMAIN, D. La représentation des données géographiques: statistique et cartogra‑ phie. Paris: Armand Colin, 2007. BERTIN, J.; GIMENO, R. A lição de cartografia na escola elementar. Boletim Goiano de Geografia, v. 2, n. 1, pp. 35­‑56, 1982. BERTIN, J. La graphique et le traitement graphique de l’information. Paris: Flammarion, 1977. BERTIN, J. Sémiologie graphique: les diagram‑ mes, les réseaux, les cartes. 2. ed. Paris: Mouton, Gauthier­‑Villars, 1973. BLIN, E. ; BORD, J­‑ P. Initiation géo­‑ graphique ou comment visualiser son information. Paris: SEDES, 1993. BOCHICCHIO, V. R. (Coord.) Atlas atual geografia: manual de cartografia. São Paulo: Atual, 2009. BONIN, S. Novas perspectivas para o ensino da carto‑ grafia. Boletim Goiano de Geografia, v. 2, n. 1, pp. 73­‑ 87, 1982. BORDENAVE, J. E. D. O que é comunicação. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. CLAVAL, P.; WIEBER, J­‑ C. La cartographie thémati‑ que comme méthode de recherche. Paris: Les Belles Lettres, 1969.

CUENIN, R. Cartographie générale: notions générales et principes d’élaboration. Paris: Eyrolles, 1972. Tome 1. DE BIASI, M. Medidas gráficas de uma carta topográfica. Cadernos de Ciências da Terra, n. 35, pp. 1­‑11, 1973. DUARTE JÚNIOR, J. F. O que é realidade. São Paulo: Brasiliense, 2004. FILLACIER, J. La pratique de la couleur. Paris: Dunod, 1986. GIMENO, R. Apprendre à l’école par la graphique. Paris: Retz, 1980. LIBAULT, A. Geocartografia. São Paulo: Nacional/ USP, 1975. MACEACHREN, A. M.; TAYLOR, D. R. F. (Ed.) Visualiza‑ tion in modern cartography. Oxford: Elsevier, 1994. MACEACHREN, A. M. How maps work: represen‑ tation, visualization and design. New York: The Guiford Press, 1995. MARTINELLI, M. As representações gráficas da Geografia: os mapas temáticos. Tese de Livre Do‑ cência. São Paulo: Ed. do Autor, 1999. MARTINELLI, M. Cartografia temática: caderno de mapas. São Paulo: EDUSP, 2003. MARTINELLI, M. Gráficos e mapas: construa­‑ os você mesmo. São Paulo: Moderna, 1998. MARTINELLI, M. Mapas da Geografia e Cartografia Temática. São Paulo: Contexto, 2008. RIMBERT, S. Cartes et graphiques: initiation à la cartographie appliquée aux sciences humaines. Paris: Sedes, 1964. RIMBERT, S. Carto­‑ graphies. Paris: Hermes, 1990. RIMBERT, S. Leçons de cartographie thématique. Paris: SEDES, 1968. SALICHTCHEV, K. A. Some reflections on the subject and method of cartography after the Sixth Internatio‑ nal Cartographic Conference. The Canadian Carto‑ grapher, v. 10, n. 2, pp. 106­‑111, 1973. SALICHTCHEV, K. A. Cartografía. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1979. SANCHEZ, M. C. A problemática dos intervalos de classe na elaboração de cartogramas. Boletim de Geografia Teorética. n. 4, pp. 53­‑ 66, 1972. SANCHEZ, M. C. Interpolação para elaborar cartogra‑ mas isopléticos. Boletim de Geografia Teorética, v. 4, n. 7­‑ 8, pp. 51­‑ 62, 1974.

capítulo 8 – a prática da cartografia temática

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TAYLOR, D. R. F. Some new applications in the theory and practice of cybercartography: mapping with indi‑ genous people in Canada’s north. Conference Pro‑ ceedings: 24 th International Cartographic Confe‑ rence. Santiago de Chile: ICC, 2009. WURMAN, R. S. Ansiedade de informação: como transformar informação em compreensão. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1991.

232

SOBRE O AUTOR Marcello Martinelli é formado em Pintura pela Escola de Belas Artes/SP (1963). É bacharel e licencia‑ do em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1971). Obteve os títulos de mestre (1975) e doutor (1984) em Geografia e livre­‑docente pela Universidade de São Paulo (1999). Realizou dois pós­‑doutorados no exterior. É professor associado aposentado do Depar‑ tamento de Geografia da FFLCH/USP (2007). Atua na pós­‑ graduação do Programa de Geografia Humana. Orienta mestrado, doutorado e pós­‑ doutorado em Cartografia Temática, atlas para escolares, cartografia ambiental e turística. Autor de um atlas geográfico e dois livros de Cartografia temática. Dedica­‑se a pes‑ quisas de cunho metodológico.

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Técnicas de Sensoriamento Remoto

9 Ailton Luchiari Fernando Shinji Kawakubo

Eduardo Justiniano

Rúbia Gomes Morato

Introdução, 234 Generalidades da técnica do sensoriamento remoto, 235 Conceitos básicos, 235 Sensores, 239

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Evolução dos sistemas orbitais óticos, 244 Análise de dados obtidos a partir de sensores remotos, 248 Na sala de aula, 255

Referências de apoio, 256 Sobre os autores, 256

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INTRODUÇÃO O sensoriamento remoto é, atualmente, uma das técnicas mais importantes para o estudo, o mapeamento e o acompanhamento das transformações na pai‑ sagem. O grande potencial do sensoriamento remoto reside na possibilidade de adquirir informações da área de interesse a custo relativamente baixo, cobrindo grandes áreas, em locais muitas vezes de difícil acesso (como na Amazônia) e com intervalos de repetição – o que possibilita o monitoramento. Neste capítulo, apresentamos uma breve exposição a respeito dos princípios básicos que regem o sensoriamento remoto e o histórico dos principais satélites, bem como alguns exemplos de imagens. Ao final, propomos um exercício básico de processamento de imagens. Esse exercício foi preparado com software livre Integrated Land and Water Information System (ILWIS) desenvolvido pelo ITC da Holanda.

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GENERALIDADES DA TÉCNICA DO SENSORIAMENTO REMOTO A técnica do sensoriamento remoto vem se constituindo num instrumento imprescindível aos planejadores, ambientalistas e pesquisadores ligados às ciências da terra. Essa técnica possi‑ bilita a obtenção de informações a respeito de determinada área, bem como dos fenômenos que nela ocorrem. Os sensores são dispositivos idealizados para captar a energia eletromagnética proveniente de objetos e feições naturais da superfície da Terra, tais como casas, edifícios, rodovias, rios, rochas e matas, e para transformá­‑la em dados, ima‑ gens ou outros produtos imprescindíveis ao ser humano. Esses sensores são colocados a bordo de aviões e satélites, os quais passam a exercer a função de plataformas que, situadas a determi‑ nada distância da superfície terrestre, obtêm os dados. Essa fase do sensoriamento remoto pode ser definida como a etapa de aquisição dos dados. Após a etapa de aquisição, os dados são inter‑ pretados. A interpretação consiste na extração das informações a respeito dos objetos e feições naturais representados nos produtos. O resul‑ tado desta etapa ocorre sob a forma de mapas, gráficos, relatórios etc. O técnico executor desta fase submete­‑se a um treinamento específico, que envolve conhecimento do sensor e das carac‑ terísticas dos produtos, além de conhecimentos específicos inerentes à sua formação profissional. Imagens obtidas por meio de satélite permi‑ tem a representação de grandes áreas com di‑ mensões de dezenas de quilômetros quadrados devido à elevada altitude em que se encontra o satélite. De cada área pode­‑se obter imagens com defasagem de poucos dias, caracterizando a repetitividade do processo. As imagens orbitais podem ser obtidas em di‑ versas faixas do espectro eletromagnético, o que define seu caráter multiespectral. Essas faixas compreendem parte do ultravioleta, estendendo­ ‑se até o infravermelho termal, passando pelo

visível, infravermelho próximo e médio. Alguns sensores também permitem o imageamento na faixa das microondas como, por exemplo, os sis‑ temas de radar de abertura sintética – conheci‑ dos pela sigla SAR, de Synthetic Aperture Radar. As características das imagens orbitais per‑ mitem sua utilização em diversos ramos do conhecimento. Em Geologia, as imagens for‑ necem as indicações dos tipos de rochas pre‑ sentes no solo e no subsolo, permitindo inferir a existência de jazidas minerais. As informações extraídas das imagens também permitem iden‑ tificar vários tipos de cobertura vegetal, como florestas, cerrados, campos e áreas destinadas à agricultura. No campo da hidrografia, os corpos d’água como rios, reservatórios e baías, são pas‑ síveis de serem delineados, assim como a quali‑ dade de suas águas. Devido à repetitividade do satélite, é possí‑ vel o acompanhamento de fenômenos dinâmi‑ cos que ocorrem na superfície terrestre. Um dos usos mais comuns é a previsão meteorológica, evidenciada pelo avanço das frentes frias, que podem ser acompanhadas por uma série de ima‑ gens orbitais. Fenômenos catastróficos, como as enchentes e as queimadas em florestas, tam‑ bém podem ser avaliados por meio de imagens. Transformações desencadeadas pelo homem, tais como a expansão urbana, o desmatamento e o depauperamento de áreas agrícolas, o asso‑ reamento e a poluição de lagos, reservatórios e estuários podem ser detectados nas imagens, ampliando ainda mais a sua gama de aplicações.

CONCEITOS BÁSICOS O sensoriamento pode ser definido como a técnica que permite a obtenção de informações acerca de objetos, áreas ou fenômenos (alvos),

capítulo 9 – sensoriamento remoto na geografia

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presentes na superfície terrestre, sem que haja a necessidade do contato direto com eles. O termo restringe­‑se à utilização de energia ele‑ tromagnética no processo de obtenção de in‑ formações. Conceitos básicos relacionados à energia eletromagnética e sua interação com os objetos que se encontram na superfície terrestre consti‑ tuem informações importantes para se compre‑ ender os princípios da técnica de sensoriamento remoto. O Sol é a principal fonte de energia eletro‑ magnética que se conhece, pois irradia energia para a superfície da Terra. A energia solar não necessita de um meio para sua propagação. A propagação da energia eletromagnética obedece a conceitos físicos, segundo o modelo ondulatório, isto é, a propagação da energia ele‑ tromagnética ocorre sob a forma de onda, a uma velocidade constante de 300.000 km/s, calculada pela fórmula: c=hf onde: c = velocidade (em m/s) h = comprimento de onda em (m, mm, μm, nm) f = frequência (em ciclos por segundo ou Hertz) A cada combinação de comprimento de onda com frequência corresponde um tipo específico de energia eletromagnética. Dentro do espectro eletromagnético podem­‑se definir intervalos de comprimento de onda e intervalos de frequência, de forma a possibilitar a verificação de processos físicos característicos. Conforme o Dicionário Aurélio, o espectro eletromagnético é definido como “a distribuição das radiações eletromagnéticas em função do com‑ primento de onda, desde os raios gama, de menor comprimento, até as ondas longas de rádio”. Ob‑ servando a Figura 9.1, que representa o espectro eletromagnético, pode­‑se notar que a faixa visí‑ vel consiste em uma das formas desta energia.

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A percepção visual do olho humano é causada pela energia eletromagnética contida no inter‑ valo compreendido entre os comprimentos de onda 0,38 e 0,75 μm. A radiação visível ainda pode ser subdivida em cores, variando do azul ao vermelho; assim, a luz azul está compreendida entre os comprimentos de onda 0,4 e 0,5 μm, o verde entre 0,5 e 0,6 μm e o vermelho entre 0,6 e 0,7 μm, aproximadamente. A partir do visível, à medida que se aumen‑ tam os comprimentos de onda, tem­‑se a re‑ gião do infravermelho. Esta se subdivide em três sub­‑regiões. A primeira varia entre 0,75 e 1,3 μm e é denominada infravermelho pró‑ ximo; a segunda, denominada infravermelho médio, abrange os comprimentos de onda en‑ tre 1,3 e 3,0 μm; a última região consiste no infravermelho distante e compreende os com‑ primentos de onda de 7,0 a 15,0 μm. Este in‑ tervalo também é conhecido por infravermelho termal ou emissivo. Ao conjunto formado pelas radiações do in‑ fravermelho, do visível e pequena parte do ultra‑ violeta, convencionou­‑se chamar de espectro óp‑ tico. Esta definição torna­‑se importante porque a maioria dos sensores que possui componentes ópticos (espelhos, prismas e lentes) operam den‑ tro desa faixa espectral de energia. As micro­‑ ondas compreendem o intervalo espectral que vai do milímetro ao metro. Os ra‑ dares de abertura sintética (SAR) operam nessa faixa e seus produtos são bastante utilizados em sensoriamento remoto. Os radares são chama‑ dos de sensores ativos, pois emitem energia pró‑ pria em forma de pulsos, quando em operação. As ondas de televisão e rádio compreendem comprimentos de onda desde alguns centíme‑ tros até centenas de metros. É nesta faixa de energia que operam os instrumentos de comu‑ nicação a longa distância. Nos menores comprimentos de onda estão contidos os raios x, os raios gama e os raios cós‑ micos. De modo geral, esta faixa caracteriza­‑se por possuir alta frequência e alta energia.

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Rafael Sato

Campo elétrico

Comprimento

da onda

Sentido de propagação Campo magnético

f= Número de ciclos passando por um ponto fixo

(µm)

Vermelho

Verde

Azul

Ultravioleta

0,7

0,6

0,5

0,4

Infravermelho refletido

1

10

Comprimento de onda -6

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10

Ra

Ra

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10

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Figura 9.1. Representação do espectro eletromagnético.

Interações da energia eletromagnética com a atmosfera A radiação solar situa­‑se na faixa espectral que varia entre 0,2 e 10 μm. Noventa e nove por cento (99%) desta energia está na faixa entre 0,4 e 0,7 μm, que compreende a faixa do visível. A energia proveniente do Sol atravessa a atmosfe‑ ra, atingindo a superfície da Terra. Parte dessa energia retorna, sendo captada pelo sensor. Nes‑ sa trajetória, a energia eletromagnética interage tanto com gases da atmosfera quanto com os objetos e feições naturais localizados na super‑ fície do terreno (Figura 9.2). A energia, ao atravessar a atmosfera, pode ser absorvida ou espalhada pelos gases consti‑ tuintes da atmosfera. Um exemplo da absorção bastante conhecido consiste nos raios ultravio‑ leta barrados pela camada de ozônio. As molé‑ culas de ozônio retêm parte da energia ultravio‑ leta que atinge a camada superior da atmosfera

e deixam passar outra parte, funcionando como um filtro. O espalhamento caracteriza­‑se pela mudan‑ ça de direção sofrida pelos raios solares ao atin‑ girem moléculas dos gases e partículas atmosfé‑ ricas. Nessa mudança de direção, há a geração de um campo de luz difusa, propagando­‑se em todas as direções. A coloração azul do céu, por exemplo, resulta do espalhamento da luz azul.

Comportamento espectral Parte da energia eletromagnética provenien‑ te do Sol incide sobre objetos e feições naturais da superfície do terreno. A energia que incide sobre esses elementos da superfície sofre pro‑ cessos de absorção e reflexão, e também pode sofrer processos de transmissão. Considerando

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Sol

(atmosfera)

Sensor

Água Figura 9.2. Interação da radiação eletromagnética com a atmosfera.

Terra

Energia incidente

Energia absorvida

Energia refletida

Energia espalhada

a experiência visual do ser humano, pode­‑se dizer que a luz, quando incide sobre a folha de uma árvore, absorve os comprimentos de onda diferentes do verde e reflete parte da luz nes‑ te comprimento de onda. A energia absorvida pela folha desencadeia reações físico­‑químicas e, posteriormente, pode ser liberada em outro comprimento de onda, como o calor que pode ser detectado pelos sensores que operam no in‑ fravermelho termal. Algumas substâncias permitem que a ener‑ gia seja transmitida através de sua massa. Essas substâncias dão origem aos corpos com algu‑ ma transparência, ou seja, corpos translúcidos. Parte da energia que atinge a superfície do mar pode ser transmitida aos locais mais pro‑ fundos quando a água se encontra desprovida de sedimentos em suspensão, ou seja, a água é límpida. Essa profundidade está em torno de 30 metros, pois além dessa há a extinção da energia luminosa.

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Energia transmitida

Após a interação com objetos e feições natu‑ rais da superfície do terreno, a energia refletida ou emitida por eles pode ser registrada por um sistema sensor localizado remotamente. Assim, a partir da utilização de instrumentos especiais, é possível adquirir dados relativos à interação de energia e matéria em vários comprimentos de onda. Essa informação pode ser demonstrada por um gráfico em forma de curva. Os objetos específicos determinam curvas características denominadas “padrão de resposta espectral” ou “assinatura espectral”. Dependen‑ do da época do ano e da forma de coleta dos da‑ dos, as curvas podem apresentar variação. Essas variações limitam­‑se a uma amplitude em que se percebe a manutenção do padrão da curva; as‑ sim, os objetos definem um comportamento es‑ pectral próprio que depende da sua constituição. A Figura 9.3 exibe a curva de reflectância es‑ pectral para a vegetação, o solo exposto e a água. Pela análise de curva representativa da vegetação,

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tura arenosa possuem reflectância maior na faixa do visível, enquanto a presença de óxido de ferro diminui a reflectância nesta região espectral. A água manifesta alguma reflectância na faixa do visível, e absorve praticamente toda a energia a partir do infravermelho próximo. As‑ sim, os sensores que operam na faixa do ultra‑ violeta e do visível fornecem dados para estudos de poluição e qualidade da água de rios, reser‑ vatórios, lagos e lagoas.

SENSORES Os sensores são aparelhos idealizados para registrar a energia refletida ou emitida pe‑ los elementos da superfície do terreno e para transformá­‑la em produtos que possam ser in‑ terpretados. Esses produtos podem estar na forma de uma imagem, obtida pelos sensores imageadores, ou na forma de gráficos ou números, obtidos pelos sensores não imageadores. Os sensores podem ter ou não fonte de emissão de energia, o que ca‑ racteriza os sensores ativos e passivos, respecti‑ vamente. Além disso, os sensores são projetados

Rafael Sato

Refletância (%)

pode­‑se notar uma absorção no visível, no inter‑ valo de 0,45 a 0,65 μm, devido ao conteúdo de clorofila nas folhas da vegetação. Por outro lado, a reflectância aumenta sensivelmente no infraver‑ melho próximo (0,8 a 1,1 μm) resultante da inte‑ ração da radiação com a estrutura interna da fo‑ lha (espaços intercelulares presentes no mesófilo foliar). As depressões nos comprimentos de onda no infravermelho médio, 1,4 e 1,9 μm, referem­‑se ao conteúdo da água contida nas folhas. A variação do teor de umidade pode provocar o estresse na vegetação por deficiência hídrica. Isso causa alterações nas depressões da curva de comportamento espectral: portanto, a análise da curva possibilita identificar fenômenos. A curva espectral representativa do solo ex‑ posto não demonstra tanta variação quanto a da vegetação. Os fatores que afetam a reflectância do solo são o teor de umidade, a textura, o teor de matéria orgânica e a presença de óxido de fer‑ ro. De maneira geral, os solos possuem menor reflectância na faixa do visível, aumentado gra‑ dativamente até o infravermelho médio. As de‑ pressões nos comprimentos de onda 1,4 e 1,9 μm referem­‑se também ao teor de umidade contido no solo. Essas variações são acentuadas à medida que a umidade do solo aumenta. Solos com tex‑

60

40

20

0 0,4

Figura 9.3. Comportamento espectral de solo, vegetação e água.

0,6

0,8

1,0

1,2

1,4

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1,8

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2,6

Comprimento de onda (µm) Solo Vegetação Água

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para detectar ou operar em faixas distintas do espectro eletromagnético. Considerando­‑se as características dos senso‑ res, pode­‑se notar a existência de diversas formas para classificação de um sensor. Neste capítulo, optou­‑se pela classificação dos não imageadores e dos imageadores.

Resolução O termo resolução refere­‑se à capacidade do sensor de distinguir objetos muito próximos es‑ pacialmente e com respostas espectrais simila‑ res. Assim, a resolução compõe­‑se de dois con‑ ceitos: espacial e espectral. A resolução espacial consiste no poder que o sensor possui para distinguir objetos muito pró‑ ximos no espaço. Por exemplo, quando se diz que a resolução de um sistema é de 100 metros, implica dizer que não haverá distinção de ob‑ jetos que estejam separados por uma distância menor que essa. A resolução espectral refere­‑se à amplitude e à quantidade de faixas espectrais com as quais o sensor opera. Desta maneira, se um sensor opera num intervalo de 0,38 a 0,5 μm, pode­‑se dizer que sua resolução espectral é maior que a de um sensor operando na faixa de 0,2 a 0,6 μm. Com relação à resolução espectral, destaca­‑se o termo resolução radiométrica, que diz respeito à amplitude de níveis de intensidade de energia que um sensor detecta, ou seja, a sua sensibilida‑ de. Assim, considerando dois sensores operando na mesma faixa espectral, o primeiro projetado para realizar 50 registros de energia e o segundo, 25, pode­‑se considerar que a resolução radiomé‑ trica do primeiro é maior.

Sensores não imageadores Existem sensores que não produzem imagens do arranjo espacial da superfície da terra. São

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idealizados para a obtenção de informações sob a forma analógica, digital ou gráfica. Os sensores mais comuns são os radiômetros e os espectrorradiômetros. A diferença entre um tipo e outro é que o primeiro foi projetado para operar numa faixa, ou em faixas espectrais ex‑ tensas, integrando a energia refletida ou emitida por um objeto. O segundo opera em faixas es‑ pectrais estreitas, sendo maior o número destas. As faixas também são denominadas bandas. Basicamente, os radiômetros e os espectror‑ radiômetros possuem cinco componentes: o sistema coletor óptico, o conjunto de filtros e prismas, o detector, o componente eletrônico e a unidade de saída. O sistema coletor óptico tem a finalidade de concentrar a energia refletida ou emitida de uma determinada área ou de um objeto. Os filtros e prismas selecionam a largura e a quantidade de bandas espectrais em que esses sensores ope‑ ram. O detector ou sistema detector converte em um sinal eletrônico a energia coletada pelo sistema óptico, que passa pelos sistemas de fil‑ tros. Esse sinal é ampliado no sistema eletrônico e enviado à unidade de saída que, por sua vez, gera gráficos, gravações em fitas magnéticas ou registros analógicos em um visor. O sistema coletor óptico determina um ân‑ gulo de visada chamado “resolução angular”. Aliado à distância que o sensor está do objeto ou área, esse ângulo projeta um cone. A área da base desse cone consiste na resolução espacial do sistema. Toda a energia eletromagnética pro‑ veniente dessa área é transformada em um dado a ser interpretado. Torna­‑se importante salientar que o sensor não distingue energia provida das plantas e do solo exposto contida na base do cone, mas sim um sinal integrado dessa energia. A Figura 9.4 consiste na representação da operação de um radiômetro instalado a bordo de uma aeronave. Neste caso, são registradas as temperaturas dos objetos e feições naturais contidas na linha de voo projetada no terreno, representada pela linha pontilhada. Demonstra

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ainda como são obtidos os registros de temperatura dos objetos contidos no trajeto e apresentados na forma de um gráfico. Dessa forma, a temperatura da grama é representada por uma linha intermediária no gráfico, enquanto que as depressões na linha contínua correspondem às baixas temperaturas geradas pela água do rio e o telhado. O ressalto da linha representa uma temperatura maior, correspondente à estrada.

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Figura 9.4. Operação de um radiômetro instalado numa aeronave e a resposta dos diferentes objetos imageados num gráfico de temperatura radiante.

voo

Radiante

Temperatura

L

Rio Estrada

Telhado

Plantação

Os dados obtidos pelos sistemas não imageadores frequentemente são uti‑ lizados para a realização de estudos básicos. Esses dados permitem avaliar o comportamento espectral de alvos, como áreas construídas, áreas com culturas agrícolas, florestas, pastagens, água etc. Esses estudos subsidiam a interpreta‑ ção de dados obtidos pelos sensores imageadores, ou seja, as imagens.

Sensores Imageadores Os sensores imageadores foram projetados para fornecer como produto final uma imagem de parte da superfície da Terra, ou uma cena de um conjunto de

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objetos. A imagem pode ser registrada na forma de fotografia ou na forma de dados digitais. Existem sensores denominados sistemas de quadro (frame), que adquirem a imagem de uma cena de forma instantânea, como as fotografias aéreas, e os sistemas de imageamento Vidicon. Outros tipos de sensores, denominados sistemas de varredura, registram imagens pela formação sequencial dos elementos de resolução.

Sistema fotográfico As fotografias aéreas convencionais consis‑ tem num dos produtos mais difundidos dentre aqueles que são obtidos pela técnica do sensoria‑ mento remoto. Pelo fato de abrangerem a faixa do visível, apresentam uma estreita relação com a visão humana. Os componentes básicos de uma câmera fotográfica estão resumidos, basicamente, no sistema óptico e no corpo da câmera. A objeti‑ va serve para focalizar a área a ser imageada; o obturador e o diafragma regulam o fluxo de luz proveniente dessa área e sensibilizam o filme. O filtro, acoplado à objetiva, seleciona a largura da faixa do espectro visível. O corpo da câme‑ ra constitui­‑se num compartimento protegido da luz, em cujo interior são colocados os filmes. Existe, no mercado, uma considerável variedade de filmes, tanto do tipo preto e branco quanto do colorido. Além disso, existem alguns que são sensíveis também ao ultravioleta e ao infraver‑ melho próximo. Os filmes resumem­‑se nos detectores do sis‑ tema fotográfico, que contêm substâncias que, ao serem sensibilizadas pela luz, registram ima‑ gens. Após a sensibilização do filme, tem­‑se o processo de revelação, obtendo­‑se assim a ima‑ gem da cena fotografada. Atualmente, os filmes fotográficos estão sen‑ do substituídos por detectores digitais. Esses detectores podem captar a radiação na faixa do visível (azul, verde e vermelho), o que é comum

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nas operações de levantamentos, na faixa do in‑ fravermelho refletido e na do infravermelho ter‑ mal. Para compor uma imagem, esses detectores são dispostos na forma de uma matriz composta por linhas e por colunas, que substitui o filme fotográfico. Quanto maior o número de linhas e de colunas maior será a resolução espacial da imagem. Os sistemas fotográficos, geralmente adap‑ tados em aviões, dependendo da distância entre a câmera e a cena fotografada, permitem dis‑ tinguir objetos muito próximos, separados en‑ tre si por alguns metros, ou até por distâncias menores. Além da resolução espacial, quando registradas com sobreposição, possibilitam a vi‑ são estereoscópica, permitindo a produção de mapas e outros trabalhos, a partir do processo de restituição. A Figura 9.5 ilustra um exemplo de toma‑ da de fotografia aérea. As fotos são tiradas na vertical, com aproximadamente 60% de recobri‑ mento – com o objetivo de visualizar a foto em terceira dimensão. Perturbações durante o voo também podem ser verificadas pelo deslocamen‑ to da linha de voo.

Sensores de varredura (scanners) Os sistemas de varredura não coletam dados de forma instantânea e sim de modo sequen‑ cial, podendo compor linhas perpendiculares à direção do deslocamento da plataforma (across­ ‑track scanner) ou ao longo do deslocamento da plataforma (along­‑track scanner). As informações sobre as linhas podem ser registradas em filmes fotográficos ou sob forma digital. Cada linha imageada subdivide­‑se em pequenos intervalos com a mesma dimensão, denominadas elemen‑ tos de resolução ou pixels. Basicamente, os sistemas de varredura pos‑ suem um componente óptico, um conjunto de filtros e prismas, detectores, um sistema eletrônico e uma unidade de saída. O sistema

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Linha de vôo

Sobreposição 60%

Cobertura

Figura 9.5. Esquema de voo aerofotogramétrico.

Deriva

óptico como o do satélite LANDSAT possui um espelho giratório ou oscilante que executa seus movimentos na direção perpendicular ao imageamento (método de varredura conhecido como whisk­‑broom); assim, numa fração de se‑ gundo, o espelho recebe a energia proveniente de cada porção do terreno e compõe a imagem em linhas. O espelho reflete a energia para um conjunto de filtros e prismas, que a subdivide em diversas faixas espectrais. Para cada banda exis‑ te um detector específico que tem a função de gerar um sinal elétrico. Os sinais são ampliados num sistema eletrônico e posteriormente arma‑ zenados em sistemas digitais ou filmes fotográ‑ ficos. O caráter multiespectral das imagens é constituído pelo número de bandas com as quais o sensor está projetado para operar. Dessa for‑ ma, uma mesma cena pode ser representada por várias imagens, uma para cada banda.

Sensores Vidicon Os sensores Vidicon (sistema de quadro) são originados a partir dos sistemas de televisão. De

maneira semelhante à fotografia aérea, o ima‑ geamento de uma determinada área ocorre de forma instantânea. O sistema óptico coleta a energia da super‑ fície terrestre e projeta uma imagem no plano focal, em que existe um tubo fotossensível que praticamente produz e congela a imagem por alguns instantes. Posteriormente, a imagem é varrida por um feixe de elétrons de maneira semelhante à dos sistemas de varredura, e depois registrada na forma fotográfica ou digital. A imagem final também é formada por linhas contendo pixels. Os sistemas Vidicon operam na faixa do es‑ pectro que abrange parte do ultravioleta, do vi‑ sível e do infravermelho próximo.

Radar O radar caracteriza­‑se como um sensor que opera na faixa das micro­‑ondas e do rádio; não opera, portanto, no espectro óptico. O termo radar consiste na abreviatura de Radio Detection and Ranging. O radar é considerado um sensor

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ativo por possuir fonte de energia própria, emi‑ tindo a energia que interage com os objetos da superfície da terra e retorna ao sensor. Os radares de visada lateral são os mais co‑ nhecidos, pois imageiam áreas localizadas para‑ lelamente à trajetória do deslocamento da plata‑ forma, situadas numa posição oblíqua e não na posição vertical. A emissão de energia se dá na forma de pulsos transmitidos por uma antena. Os atuais sistemas de imageamento por radar utilizam a antena de abertura sintética conhe‑ cida pela sigla SAR, de Synthetic Aperture Radar. A radiação transmitida pela antena interage com os objetos da superfície terrestre e retorna para a antena (eco). O sinal de retorno é processado pelo sistema eletrônico gerando produtos na for‑ ma fotográfica ou digital. O radar possui capacidade de operar tanto durante o dia quanto à noite (por ser um sistema ativo) e em condições atmosféricas adversas: per‑ mitindo aquisição de dados na presença de chu‑ va, nuvens, névoa ou fumaça. Diferentemente dos sistemas ópticos que fornecem informações físico­‑ químicas dos materiais, o radar fornece informações físicas (rugosidade e geometria) e elétricas (condutividade – que se relaciona com a quantidade de água) sobre eles. Durante os anos 1970 e 1980, o projeto RADAMBRASIL foi responsável pelo levanta‑ mento dos recursos naturais de todo o territó‑ rio brasileiro, fazendo uso de imagens aéreas de radar na banda X (3 centímetros). Atualmen‑ te o Brasil conta com o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), um moderno sistema de vigilância da região. A aeronave R99­‑B do SIPAM é equipada com um moderno sistema de radar SAR multipolarimétrico que envia e recebe o sinal nas polarizações H (horizontal) e V (vertical). A aeronave adquire imagens em duas bandas: na banda X (polarização HH) e banda L (23 centímetros com polarizações HH, HV, VH e VV). O ALOS­‑Palsar e Radarsat­‑2 são os dois principais sistemas orbitais multipolarimétri‑

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cos em operação, coletando dados nas bandas L (23 centímetros) e C (5,6 centímetros), res‑ pectivamente.

EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS ORBITAIS ÓpTICOS No final dos anos 1950 e no início dos anos 1960, foram realizadas as primeiras experiências para a obtenção de imagens em nível orbital. Os programas espaciais Mercury, Gemini e Apollo forneceram as primeiras fotografias da Terra adquiridas em nível orbital. A missão Apollo 9 realizou o primeiro experimento para a aquisi‑ ção de fotografias multiespectrais da superfície terrestre, utilizando filmes infravermelho preto e branco e filmes infravermelhos coloridos. Um total de 140 imagens foi produzido em um pe‑ ríodo de quatro dias. Essas missões tripuladas forneceram as bases científicas para a constru‑ ção dos modernos sistemas sensores que orbitam ao redor da Terra. Em 1960, em meio ao período de experiên‑ cias, foi lançado o satélite Tiros 1, o primeiro sis‑ tema orbital não tripulado de sensoriamento re‑ moto que forneceu as primeiras imagens, tendo como base o sistema de televisão, e as primeiras imagens no infravermelho. Esse sistema, além de ser o pioneiro, fez nascer o termo sensoriamento remoto. Apesar de o sistema fornecer imagens com baixa resolução espacial destinadas aos estudos e às previsões meteorológicas, o fato causou intensas discussões na Organização das Nações Unidas (ONU) envolvendo o espaço aéreo. As duas grandes potências mundiais da época, os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, foram as promotoras dessas discussões. Com o sucesso das primeiras experiências, em 1967 inicia­‑ se o programa ERTS (Earth Resources Technology Satellites), resultando em uma série de seis satélites artificiais que trans‑

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portaram sensores projetados para aquisição de imagens destinadas aos estudos dos recursos da superfície terrestre. O primeiro satélite da série, o ERTS­‑1, foi lançado em 23 de julho de 1972 e operou até 6 de janeiro de 1978, fornecendo imagens com média resolução espacial, de uma maneira repetitiva (intervalo regular de 18 dias para a obtenção de imagem de um mesmo local), em base multiespectral (várias imagens de um mesmo local, sendo cada uma delas correspon‑ dente a uma faixa do espectro eletromagnéti‑ co), e de maneira sistemática. O satélite levou a bordo um sistema de televisão Vidicon, o RBV (Return Beam Vidicon), e um sistema imageador de varredura do tipo whisk­‑broom, o MSS (Mul‑ tispectral Scanner System), destinados a fornecer imagens da superfície terrestre. Pouco antes do lançamento do segundo sa‑ télite da série, em 22 de janeiro de 1975, o pro‑ grama sofreu a mudança de nome para Landsat, então o sistema Erts 1 passou a ser denominado de Landsat 1, assim como todos os demais saté‑ lites da série. Os satélites Landsat 1 e 2 foram sistemas idênticos, equipados com dois tipos de sensores: RBV e MSS. O RBV, composto de três câmeras de televisão, forneceu imagens em três bandas espectrais correspondentes ao verde (0,475 a 0,575 μm), ao vermelho (0,580 a 0,680 μm) e ao infravermelho próximo (0,690 a 0,830 μm), com resolução espacial de 80 m, sendo que a superfície imageada do terreno correspondia a uma área de 185 por 185 km. As faixas espec‑ trais desse sistema foram denominadas banda 1, banda 2 e banda 3, respectivamente. O RBV não continha um filme para registrar a cena, como os sensores fotográficos. A imagem era regis‑ trada em uma superfície fotossensível e, poste‑ riormente, varrida por um feixe de elétrons. Seu funcionamento era semelhante a uma câmera de televisão convencional. Devido ao fato de esse sistema captar a cena instantaneamente, as imagens produzidas possuíam grande fidelidade cartográfica (lillesand e kieffer, 1999).

O MSS, um sensor de varredura, gerou ima‑ gens em quatro bandas espectrais diferentes no visível, correspondentes à faixa do verde (0,5 a 0,6 μm) e do vermelho (0,6 a 0,7 μm), e no in‑ fravermelho próximo, na faixa de 0,7 a 0,8 μm e na faixa de 0,8 a 1,1 μm. Essas faixas espectrais foram designadas banda 4, banda 5, banda 6 e banda 7, respectivamente. As imagens produ‑ zidas possuíam 79 m de resolução espacial e abrangiam uma área de 185 por 185 km na su‑ perfície da terra. O sistema Landsat 3, lançado em 5 de mar‑ ço de 1978, levou a bordo os mesmos sistemas sensores, mas com pequenas modificações na produção de imagens. O sensor RBV passou a operar em uma única banda espectral de 0,505 até 0,750 μm, compreendendo a faixa do verde até a do infravermelho próximo. A modificação na resolução espectral possibilitou um aumen‑ to na resolução espacial das imagens, passan‑ do de 80 m para 30 m, devido à duplicação da distância focal do sistema de lentes do sensor. O sistema passou a operar com duas câmeras alinhadas lado a lado, produzindo imagens com 98 km de lado, sendo necessárias quatro ima‑ gens para recobrir a cena anterior que era de 185 por 185 km. Assim as quatro imagens fo‑ ram designadas de A, B, C e D. Cada imagem correspondente ao par obtido simultaneamente (A e B), possuíam um recobrimento lateral de 13 km, e entre essas imagens e as imagens do par subsequente (C e D) havia um recobrimen‑ to de 17 km. O sensor MSS passou por pequenas modi‑ ficações; a ele foi incorporada a banda termal, denominada de banda 8, que operava na faixa de 10,4 a 12,6 μm. Entretanto, devido a problemas operacionais, o sensor produziu poucas imagens nessa faixa espectral. As alterações significativas ocorreram nos Landsat 4 e 5, pois foi incorporado o sensor TM (Thematic Mapper), em detrimento do sensor RBV que foi desativado devido ao mau funcionamento nos três satélites anteriores. O Landsat 4 foi lan‑

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çado em 16 de julho de 1982, e logo houve falha na transmissão de dados, motivo pelo qual esse satélite logo deixou de funcionar. O Landsat 5 foi lançado em 1° de março de 1984 e gerou imagens por um longo período (mais de 25 anos). O Landsat 5 carregou a bordo os sensores MSS e o TM, o primeiro possuía as mesmas características de seus predecessores, enquanto que a grande novidade foi o sensor Thematic Mapper. Este sensor, mais aprimorado tecnolo‑ gicamente que os outros, opera gerando imagens em sete bandas espectrais diferentes: a banda 1 (0, 45 a 0,52 μm), a banda 2 (0,52 a 0,60 μm), a banda 3 (0,63 a 0,69 μm), a banda 4 (0,76 a 0,90 μm), a banda 5 (1,55 a 1,75 μm), a banda 6 (10,4 a 12,5 μm) e a banda 7 (2,08 a 2,35 μm), correspondentes às faixas do azul, verde, verme‑ lho, infravermelho próximo, infravermelho médio, infravermelho termal e infravermelho distante, respectivamente. O sensor produz imagens mul‑ tiespectrais com 30 m de resolução espacial, exceto a banda termal que é de 120 m, image‑ ando uma cena no terreno de 185 por 185 km, com a repetitividade de 16 dias. Em 21 de fevereiro de 1986 é lançado o saté‑ lite Spot (Système Pour L’Observation de la Terre), programa encabeçado pelo governo francês, ten‑ do como colaboradores países como a Suécia e a Bélgica. O programa iniciou uma nova era no sensoriamento remoto orbital, principalmente por levar a bordo um sistema imageador com‑ posto de uma matriz linear de detectores. O sis‑ tema também possibilitou a obtenção de dados em visada lateral, ou seja, imageando em ambos os lados paralelos à sua órbita – off­‑nadir (novo, 1988). Os satélites Spot 1, 2 e 3 foram equipa‑ dos com dois sensores imageadores idênticos, o HRV (Haute Résolution Visible). Cada um desses sensores operava de duas maneiras, produzindo imagens no intervalo espectral de 0,51 a 0,73 μm com 10 m de resolução no terreno, a denomina‑ da banda pancromática, e produzindo imagens multiespectrais, nos intervalos de comprimento de onda de 0,50 a 0,59 μm, a banda 1; de 0,61 a

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0,68 μm, a banda 2; e de 0,79 a 0,89 μm, a banda 3. As imagens das bandas multiespectrais possu‑ íam a resolução espacial de 20 m. Para a banda pancromática e para as bandas multiespectrais, a cena imageada consistia em uma área de 60 km por 60 km da superfície da Terra, com repe‑ titividade de 26 dias. Os dois sensores, quando imageando cenas de órbitas vizinhas, produzi‑ ram imagens com estereoscopia. Devido ao aumento da resolução espacial da banda pancromática, muitos cientistas vislum‑ braram sua aplicação para os estudos do meio urbano, principalmente. Em vista disso, muitas pesquisas foram desenvolvidas com o intuito de gerar produtos híbridos, combinando as imagens pancromáticas com as imagens multiespectrais do HRV SPOT e as imagens do TM LANDSAT (foresti & hamburger, 1997). Em 23 de março de 1998 foi lançado o Spot 4, desenhado para suprir a continuidade de da‑ dos do programa. Esse sistema apresentou al‑ gumas modificações técnicas em relação aos seus predecessores. O satélite foi equipado com dois sensores HRVIR (Haute Résolution Visible et Infrarouge) e um instrumento para monitorar a vegetação do planeta. As principais transfor‑ mações do HRVIR em relação ao HRV foram a incorporação da banda espectral do infraverme‑ lho médio, para operar na faixa de 1,58 a 1,75 μm, e a substituição da banda pancromática pela banda do vermelho, 0,61 a 0,68 μm, que produz imagens com 20 metros de resolução espacial. O sensor destinado ao monitoramento da ve‑ getação do planeta (sensor Vegetation) opera com quatro bandas nos mesmos intervalos espectrais do HRVIR, relacionadas às faixas do vermelho, infravermelho próximo e infravermelho médio. A quarta banda, destinada a produção de dados para aplicações oceanográficas, gera imagens na faixa espectral do azul, no intervalo de 0,43 a 0,47 μm. O instrumento foi projetado para produção de imagens em órbitas com 2.250 km de largura e a uma resolução de 1 km, fornecendo diaria‑ mente uma cobertura global.

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Um grande avanço no sensoriamento remoto orbital, principalmente para a aquisição de dados para aplicações urbanas que requerem uma boa resolução espacial, foi conseguido pelo programa indiano de sensoriamento remoto IRS (Indian Remote Sensing). O programa, iniciado em 1988, produziu os seus dois primeiros satélites: o IRS 1A, lançado em 1988, e o IRS 1B, lançado em 1991, os quais apresentaram baixa resolução es‑ pacial em comparação aos sistemas Landsat e Spot. A segunda geração dos satélites indianos culminou com o lançamento do IRS 1C e do IRS 1D nos anos de 1995 e 1997, respectivamente. A grande novidade do programa foi a geração de imagens da superfície da Terra com 5,8 metros de resolução espacial, no intervalo espectral de 0,5 a 0,75 μm, abrangendo cenas com 70 km por 70 km de área. O Landsat 6 já não obteve sucesso em seu lançamento em 5 de outubro de 1993. Para su‑ prir a continuidade da série, esse satélite iria carregar o sensor ETM (Enhanced Thematic Mapper), o qual incorporaria as mesmas bandas espectrais do TM e mais uma banda pancromá‑ tica abrangendo os comprimentos de onda de 0,50 a 0,90 μm, para produção de imagens com 15 m de resolução espacial. Esse sucesso só foi obtido em 5 abril de 1999, com o lançamento do satélite Landsat 7, o qual carregou o sistema ETM+ (Enhanced Thematic Mapper Plus), com as oito bandas espectrais de seu predecessor. Nesse sistema houve melhora na resolução es‑ pacial na banda do infravermelho termal de 120 m para 60 m. Ainda em 1999, o programa SPOT lança o quinto satélite da série, com alguns aperfeiçoa‑ mentos na resolução espacial do sensor HRVIR e com a incorporação do sensor HRS (Haute Résolution Stéréoscopique). De maneira similar aos seus predecessores, o HRVIR fornece ima‑ gens com 10 m de resolução espacial nas bandas multiespectrais correspondentes ao verde, ao vermelho e ao infravermelho próximo. A reso‑ lução espacial de 20 m das imagens do infraver‑

melho médio foi mantida, devido às limitações impostas pelas características geométricas do sensor. A banda pancromática (0,51 a 0,73 μm), utilizada nos três primeiros satélites da série, voltou a ser incorporada no sensor, entretanto a sua resolução espacial foi ampliada para 5 m. O instrumento HRS foi projetado para fornecer imagens estereoscópicas, utilizadas na prepara‑ ção de modelos digitais de elevação, com uma resolução espacial de 10 m. Entre esses sistemas de sensoriamento remo‑ to orbital, destaca­‑se o programa sino­‑brasileiro que colocou em órbita o satélite CBERS (China­ ‑Brazil Earth Resources Satellite). O satélite carre‑ ga um sistema sensor, o CCD, para a produção de imagens multiespectrais em faixas correspon‑ dendo ao azul (0,45 a 0,52 μm), ao verde (0,52 a 0,59 μm), ao vermelho (0,63 a 0,69 μm), ao infravermelho próximo (0,77 a 0,89 μm) e uma banda que opera no modo pancromático (0,5 a 0,73 μm), com 20 m de resolução no terreno, abrangendo uma área de 113 por 113 km da su‑ perfície da Terra. Ainda leva a bordo um sensor de varredu‑ ra (IRMSS – Imageador por Varredura de Mé‑ dia Resolução) para executar imageamento em quatro bandas espectrais: a pancromática (0,5 a 1,1 μm), as do infravermelho médio (1,55 a 1,75 μm e 2,08 a 2,35 μm), essas com 80 m de resolução espacial, e a banda termal (10,4 a 12,05 μm), com resolução espacial de 30 m. Todas as imagens são tomadas em intervalos de 26 dias e recobrem uma área de 120 por 120 km no terreno. O imageador de largo campo de visada (WFI) opera em duas bandas, uma na faixa do vermelho (0,63 a 0,69 μm) e outra na faixa do infravermelho próximo. As imagens geradas possuem resolução espacial de 260 metros e re‑ cobrem uma área com dimensões de 890 por 890 km a cada 3 a 5 dias (florenzano, 2002). O último lançamento do programa sino­ ‑brasileiro é o CBERS­‑2B (lançado em 19 de se‑ tembro de 2007). O satélite CBERS­‑2B é muito

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semelhante aos CBERS­‑1 e 2. Dentre as mu‑ danças, destaca­‑se a substituição da câmera de média resolução (IRMSS) pela câmera pancro‑ mática de alta resolução (HC) com 2.7 metros de resolução no terreno. O grande avanço do sensoriamento remo‑ to orbital ocorre entre o final do século XX e início do século XXI, com o aparecimento dos sistemas destinados a fornecer imagens com alta resolução espacial. Dentre as suas carac‑ terísticas, as imagens mostram um enorme po‑ tencial para estudos de natureza urbana, além, é claro, de fornecer dados para outras áreas do conhecimento. Sob o patrocínio militar da Rússia, o SPIN 2 (Space Information 2 Meter) foi lançado em 18 de fevereiro de 1998. O satélite foi projetado para produzir imagens fotográficas pancromáticas (0,51 a 0,76 mm), obtidas com uma câmera pa‑ norâmica que empregava uma objetiva com 1 m de distância focal, possibilitando a geração de dados com resolução espacial de 1 m, no centro da fotografia. A área da cena imageada compreende um retângulo com dimensões de 40 km por 160 km no terreno. Após a aquisição das fotografias, as imagens são digitalizadas, obtendo­‑se assim uma resolução espacial em torno de 1,56 m. Desenvolvido pela Space Imaging, o Ikonos teve o seu lançamento em 24 de setembro de 1999. O sistema produz imagens multiespectrais nas faixas do azul (0,45 a 0,52 mm), do verde (0,51 a 0,60 mm), do vermelho (0,63 a 0,70 mm) e infravermelho próximo (0,76 a 0,85 mm), com resolução espacial de 4 m. Na banda pancromá‑ tica (0,45 a 0,90 mm) são obtidas imagens com 1 m de resolução no terreno. A resolução radio‑ métrica dessas imagens é de 11 bits, o que gera 2.048 níveis de cinza. A cena de cada imagem compreende uma área de 11 por 11 km da su‑ perfície da terra, adquiridas de 11 em 11 dias na órbita do satélite. O IKONOS possui a caracte‑ rística que lhe permite realizar o imageamento fora de sua órbita, em uma visada lateral de 45

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graus, diminuindo o intervalo de repetitivida‑ de. As suas imagens podem ser combinadas em composições coloridas, de modo a aproveitar a resolução espectral e a resolução espacial de suas bandas. No final de 2000, a EarthWatch Inc. lançou o satélite QuickBird, capacitado para produção de imagens multiespectrais e pancromáticas, equivalentes às do satélite Ikonos. Os seus dados possuem uma resolução espacial de 0,68 m para a banda pancromática e 3,4 m para as bandas multiespectrais, sendo a resolução radiométrica de 11 bits (2.048 níveis de cinza). A cena ima‑ geada no terreno possui dimensões de 22 por 22 km, sendo revisitadas a cada cinco dias. O sistema também possui a capacidade de obten‑ ção de imagens fora de sua órbita original, em uma visada lateral em ângulo de 30 graus.

ANÁLISE DE DADOS OBTIDOS A PARTIR DE SENSORES REMOTOS Em geral, os dados obtidos por sensores re‑ motos são apresentados na forma de imagens. A interpretação desses produtos permite efe‑ tuar mapeamentos sob a forma de temas, tais como: ocupação urbana, vegetação, parâmetros meteorológicos, litologia e tipos de solo. Dessa maneira, a técnica de análise de imagens é hoje um recurso indispensável ao levantamento de componentes das paisagens. Assim, a análise de imagens pode ser realizada a partir de interpre‑ tação visual ou interativamente, com o auxílio de analisadores de imagens, consistindo estes em sistemas de computador.

Interpretação visual de imagens Na interpretação visual de imagens, como o próprio nome indica, o elemento humano

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desempenha um papel fundamental, pois ela baseia­‑se na experiência do intérprete. Essa ex‑ periência é adquirida por meio de treinamento e da execução de trabalhos ao longo do tempo, existindo, portanto, certo grau de subjetividade nessa atividade. A interpretação propriamente dita é realiza‑ da a partir de elementos constantes em todas as imagens, apesar de esses elementos frequente‑ mente apresentarem­‑se de forma diferenciada. Estes elementos, apresentados a seguir, devem ser analisados em conjunto, pois isoladamente podem não traduzir a realidade com precisão. Eles são essenciais na interpretação visual, pois por meio deles torna­‑se possível a identificação de objetos representados nas imagens. A partir do exame desses elementos, o téc‑ nico realiza o trabalho de interpretação de ima‑ gens. Essa tarefa consiste de três fases distintas: fotoleitura, fotoanálise e classificação. A fotoleitura consiste no reconhecimento e no estudo das características de objetos clara‑ mente visíveis, representados nas imagens. A experiência do intérprete é essencial para iden‑ tificação dos objetos com precisão. A segunda fase, a fotoanálise, refere­‑se às características fundamentais a serem analisa‑ das acerca do tema a ser mapeado. Dessa for‑ ma, geólogos preocupam­‑se com lineamentos e falhamentos, descartando a vegetação que, ao contrário, é importante para os especialistas a ela relacionados. De maneira semelhante, os peritos em conservação do solo têm por objetivo analisar tipos de erosão e seu grau de desenvol‑ vimento. A última fase, a classificação, implica a des‑ crição das imagens dentro de uma linha de racio‑ cínio lógico, procurando identificar e delimitar os objetos pelo exame cuidadoso dos elementos.

Tonalidade/cor A tonalidade está relacionada à intensidade da energia eletromagnética refletida ou emitida

por um objeto, registrada em uma emulsão fo‑ tográfica. A tonalidade consiste em gradações de cinza, também denominadas níveis de cinza, que variam do preto ao branco. Os objetos têm a propriedade de refletir energia em comprimentos de ondas específicos, que podem ser registrados em emulsões coloridas. Apesar de existirem di‑ vergências de opinião entre os diversos autores, estima­‑se que o olho humano tenha capacidade de distinguir em torno de 1.000 variações de cor, contra 8 a 12 tonalidades de cinza. Assim, as imagens coloridas fornecem uma percepção melhor do objeto em estudo.

Tamanho Um objeto pode ser distinguido pelo seu ta‑ manho em relação a outros que estejam repre‑ sentados na imagem. Além disso, o tamanho de um objeto representado numa imagem deve ser considerado em função da sua escala.

Forma Este elemento refere­‑ se às características morfológicas de um objeto, ou seja, sua confi‑ guração e características geométricas. Em ge‑ ral, as formas irregulares correspondem às fei‑ ções naturais, como rios, rochas, vegetação; as formas regulares referem­‑se às obras artificiais criadas pelo homem, como estradas, praças e edificações.

Sombra As sombras consistem em fenômenos co‑ muns em imagens fotográficas, resultantes da ausência de energia refletida ou emitida. Depen‑ dendo do tipo de interpretação que se realiza, a sombra pode ser um elemento favorável ou não. Uma de suas utilidades reside no reconheci‑ mento e na estimativa da altura de objetos, tais como edifícios, árvores e formas topográficas. Por outro lado, possui a desvantagem de mas‑

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carar detalhes importantes de pequenas dimen‑ sões, como campos de culturas agrícolas, cursos d’água e construções.

Textura Este elemento pode ser definido como a fre‑ quência da variação de tons numa imagem, o que depende principalmente da escala e da reso‑ lução do produto. Em fotografias aéreas de mé‑ dia escala, represas e açudes apresentam geral‑ mente uma textura lisa, enquanto que porções de vegetação natural apresentam textura rugosa.

Padrão Este elemento caracteriza­‑se pelo arranjo es‑ pacial entre os objetos representados na imagem. Assim, a repetição de certas formas é caracterís‑ tica de certas paisagens. Dessa forma, o padrão urbano, por exemplo, define­‑se pelo arruamento, formado por quadras com edificações; enquan‑ to, nas áreas agrícolas, podem ser identificadas glebas com culturas em diferentes estágios de crescimento e glebas de solo preparado.

Localização A situação de um objeto em relação a outros pode facilitar a sua identificação. Assim, em lo‑ cais onde existe convergência de vias de trans‑ porte, pode haver aglomerações urbanas, e, em localidades com relevo acidentado, esperam­‑se encontrar glebas com culturas perenes.

Processamento digital de imagens Segundo Crósta (1992), a função primordial do processamento digital de imagens é forne‑ cer instrumentos para facilitar a identificação e a extração de informação contida nas ima‑ gens. De forma geral, o processamento digital de imagens pode ser dividido em três etapas:

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pré­‑processamento, de realce e de classificação. O pré­‑processamento compreende a etapa em que se realizam as correções geométrica e radiométrica da imagem. A transformação de uma imagem de modo que ela assuma as pro‑ priedades de escala e de projeção de um mapa é chamada de correção geométrica (crósta, 1992). Já a correção radiométrica tem como fun‑ ção minimizar as diferenças entre os níveis de cinza registrados por uma matriz de detectores (novo, 1992). A função das técnicas de realce é melhorar a visualização da imagem, tornando as informa‑ ções brutas mais claramente visíveis ao intér‑ prete. O realce inclui uma série de técnicas que são aplicadas tanto no domínio espectral quanto no espacial. O aumento linear de contraste (stretch) é uma das formas mais simples e utilizadas de técnicas de realce espectral e normalmente antecede a elaboração de composições coloridas utilizando filtros RGB (red, green e blue). A finalidade do stretch é aumentar de maneira linear o contraste da imagem, redistribuindo os valores dos pi‑ xels da imagem original (restrita a um pequeno intervalo no histograma) ao longo de todo o intervalo de nível de cinza (0­‑255). O realce no domínio espacial é feito utilizan‑ do principalmente filtros espaciais. Dois tipos de filtro destacam­‑se: os passa­‑baixa e os passa­ ‑alta. As filtragens do tipo passa­‑baixa tendem a atenuar ruídos na imagem, reduzindo a variabi‑ lidade de níveis de cinza entre pixels vizinhos. Já as filtragens do tipo passa­‑alta tendem a realçar transições na imagem, como borda de classes e direcionamentos preferenciais de rochas. A classificação consiste no reconhecimento dos objetos de interesse para a pesquisa a partir da delimitação de áreas homogêneas adotando­ ‑se um conjunto de métodos de classificação de padrões. Os classificadores podem ser divididos em classificadores pixel a pixel e classificadores por regiões. Os classificadores pixel a pixel utilizam

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apenas a informação espectral de cada pixel para achar regiões homogêneas. Estes classificadores podem ser separados em métodos estatísticos (utilizam regras da teoria de probabilidade) e determinísticos (não utilizam probabilidade). Já os classificadores por regiões utilizam, além de informação espectral de cada pixel, a informação espacial que envolve a relação com seus vizinhos. Procuram simular o comportamento de um fo‑ tointérprete, reconhecendo áreas homogêneas de imagens, baseados nas propriedades espectrais e espaciais de imagens. A informação de borda é utilizada inicialmente para separar regiões e as propriedades espaciais e espectrais irão unir áreas com mesma textura (câmara et al., 1996).

Exemplos de imagens de satélite e fotografias aéreas

INPE / Arquivo dos autores

Os exemplos a seguir mostram composições coloridas geradas a partir de filtros digitais im‑ plementados nos sistemas de processamento de imagens. A Figura 9.6 mostra uma composição colori‑ da do satélite Landsat 7 ETM+ em que a vegeta‑ ção é representada pelas tonalidades de verde, a

área urbana e o solo exposto em lilás e a água em azul e preto, representando água com sedimento e água limpa. Ao lado estão as bandas 3, 4 e 5, que correspondem respectivamente às regiões do espectro eletromagnético do vermelho, infra‑ vermelho próximo e infravermelho médio. Con‑ forme se pode observar, a banda 3 caracteriza­‑se pela forte absorção da energia pela vegetação e a elevada reflexão das áreas urbanas e de solo exposto. A banda 4 apresenta comportamento inverso, ou seja, elevada reflexão da vegetação e média absorção das áreas urbanas e de solo ex‑ posto. Na banda 5, a vegetação possui novamen‑ te uma elevada absorção, todavia, com menor intensidade que na banda 3. A Figura 9.7 ilustra uma composição colo‑ rida do satélite Cbers­‑2, em que a banda 4 está associada ao filtro vermelho (R), a banda 3 ao filtro verde (G) e a banda 2 ao filtro azul (B). O resultado dessa composição mostra a vege‑ tação na cor vermelha em virtude de sua alta reflexão na região do infravermelho próximo. A área urbana aparece em branco e em tonalidades de azul­‑claro em virtude da maior reflexão nas três bandas. A água aparece em preto e verde azulado, representando água limpa e água com sedimentos, respectivamente.

Figura 9.6. Composição colorida 5(R), 4(G), 3(B) do satélite Landsat 7 ETM+ mostrando a região de Santos, no litoral sul do estado de São Paulo. Data da órbita: 07/ago/2001.

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A Figura 9.8 é uma composição colorida ge‑ rada a partir do Spot 5, em que a banda 1 (ca‑ nal verde) foi associada ao filtro verde, a banda 2 (canal vermelho) ao filtro azul e a banda 3 (canal infravermelho próximo) ao vermelho. A mata apareceu com a cor vermelho­‑sangue e as áreas agrícolas em vermelho­‑alaranjado. As áre‑ as de pastagem apareceram em marrom­‑claro e as nuvens, em branco. As áreas de sombra apareceram em preto e a água em ciano. A Figura 9.9 ilustra uma composição colori‑ da do satélite Quick Bird realçada por meio de fusão de imagens com 0,7 metros de resolução espacial. É possível observar, nitidamente bar‑ cos, arruamentos, corpos de água e diferentes tamanhos das edificações. A Figura 9.10 mostra a expansão urbana da área central do município de Embu, na Região Metropolitana de São Paulo, ao longo de 32 anos. Na fotografia de 1962 não existe adensa‑ mento urbano. Em 1973, aumenta o número de construções e novos loteamentos são abertos. Já em 1994, com a rodovia BR­‑116 duplicada, mais loteamentos são abertos e o adensamento populacional é muito maior.

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INPE / Arquivo dos autores

Figura 9.7. Imagem Cbers­‑2 CCD da região de Manaus/AM. Composição colorida 4(R), 3(G), 2(B) – órbita 173/103, 17/ago/2004. Organização: Luchiari, Kawakubo e Morato.

A Figura 9.11 é um anaglifo da região de Ja‑ guariúna/SP. Para a construção do anaglifo são utilizadas duas fotos aéreas tomadas de ângulos próximos da mesma área e sobrepostas com um pequeno deslocamento lateral. Observando­‑se as fotos através de filtros cromáticos, para que cada olho veja apenas a cor complementar em relação ao outro, tem­‑se a sensação de visuali‑ zação tridimensional. A Figura 9.12 mostra o avanço do desma‑ tamento em Rondônia visto pelo sensor SAR em banda L (23 cm, polarização HH). A ima‑ gem de 1995 foi adquirida pelo satélite Jers. A imagem de 2006 foi adquirida pelo sensor em operação PALSAR, a bordo do satélite Alos. Em ambas as imagens as áreas desmatadas aparecem em tons escuros por causa do baixo retorno do sinal. O avanço do desmatamento nessa região tem sido impulsionado principal‑ mente pela atividade pecuária. As imagens de radar apresentam grande potencial para o es‑ tudo do desmatamento na Amazônia por cau‑ sa da capacidade de o sistema adquirir infor‑ mações do terreno em condições atmosféricas adversas.

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INPE / Arquivo dos autores

Satélite Quickbird DigitalGlobe (imageamento: 2004)

Figura 9.8. Composição colorida do satélite Spot 5 da região do Pontal do Paranapanema (oeste do estado de São Paulo).

Figura 9.9. Composição colorida do satélite Quick Bird de Surabaya, Indonésia.

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Reprodução Arquivo dos autores

JAXA

Figura 9.10. Fotografias aéreas da área central do município de Embu/SP (1962­‑1973­‑1994). Fonte: Acervo do Arquivo de Fotos Aéreas – Departamento de Geografia/USP.

Figura 9.11. Anaglifo da região dos municípios de Campinas e Jaguariúna, no estado de São Paulo.

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Figura 9.12. Desmatamento em Rondônia entre 1995 e 2006.

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NA SALA DE AULA O professor deve motivar os alunos a pesquisarem em sites que forne‑ cem imagens da localidade onde vivem. Para a aquisição dessas imagens, destacam­‑se: ¾¾a Divisão de Geração de Imagens/INPE (); ¾¾o arquivo de aerofotos do IBGE (); e ¾¾Earth Resources Observation and Science Center/USGS: (). Dados de hidrografia, malha viária, divisão municipal e outros podem ser adquiridos gratuitamente em sites governamentais brasileiros como a Agên‑ cia Nacional de Águas (ANA), o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros. Com os arquivos adquiridos nos endereços indicados, pode­‑se realizar exercícios com as informações deste capítulo e também do Capítulo 11 – Sis‑ tema de Informações Geográficas. Outra possibilidade é utilizar os mesmos sites sugeridos para os exercícios práticos para mapeamento utilizando­‑se imagens de satélite no Capítulo 11. Dentre eles, destaca­‑se o , um site aberto e gratuito com sugestão de pro‑ gramas e exemplos de análises práticas.

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REFERÊNCIAS DE APOIO

SOBRE OS AUTORES

Bibliografia

Ailton Luchiari é bacharel em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1980), mestre em Sensoriamento Remoto pelo Institu‑ to Nacional de Pesquisas Espaciais (1985) e doutor em Geografia Física pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1993), onde atualmente é professor assistente doutor. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geografia Física, atuando principalmente nas seguin‑ tes áreas: geoprocessamento, sensoriamento remoto, erosão dos solos, bacia de drenagem, processos de‑ nudacionais e vertentes. Fernando Shinji Kawakubo é geógrafo formado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e mestre em Geografia Física pela mesma instituição. Atualmente desenvolve doutorado na área de sensoriamento remoto aplicado ao mapeamento do uso da terra e cobertura vegetal. Desde 2009 é professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL­‑ MG), onde leciona disciplinas como Sensoriamento Remoto, Cartografia e Sistema de In‑ formação Geográfica. Rúbia Gomes Morato é bacharel em Geografia (2000), mestre em Geografia Física (2004) e doutor em Geografia Humana (2008), todos pela pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universi‑ dade de São Paulo. É professora doutora (RDIDP) dos cursos de bacharelado e licenciatura em Geografia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL‑MG) desde 2009, onde leciona Cartografia, Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento. Desenvolve pesquisas sobre geoprocessamento em áreas urbanas.

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Técnicas de Localização e Georreferenciamento

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Eduardo Justiniano

Jorge G. da Graça Raffo

Introdução, 258 Posicionamento tradicional, 259 Posicionamento por satélite, 260

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Global positioning system (GPS), 261 Na sala de aula, 271

Referências de apoio, 272 Sobre o autor, 272

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INTRODUÇÃO Como é sabido, a Geografia visa estudar a relação do espaço geográfico com os fenômenos humanos e físicos que acontecem na Terra; consequentemente, é muito importante estabelecer a localização desses fenômenos. A tarefa de achar as coordenadas do local é denominada “posicionamento”. Quando essas coordenadas pertencem a um sistema que abrange a Terra toda, como, por exemplo, as coordenadas geográficas, fala­‑se também de Georreferenciamento. Para posicionar pontos na Terra, podem ser utilizadas diversas técnicas, como, por exemplo, indicar a proximidade a um aspecto geográfico conhecido por to‑ dos. Informar a alguém que você mora perto de uma certa praça é uma maneira de se posicionar, mas sem dúvida é uma forma muito vaga, pois apenas com essa informação dificilmente alguém encontrará seu domicílio. Desde a antiguidade percebeu­‑se a necessidade de criar alguma forma de identificar exatamente a posição dos objetos e estabeleceram­‑se técnicas que consistiam em atribuir a cada ponto da Terra algumas informações que o posi‑ cionavam univocamente, sem enganos. Essas informações que identificam exa‑ tamente o local são chamadas de coordenadas. Por exemplo, o endereço postal atribui a cada domicílio um par de infor‑ mações que são suas coordenadas: o nome da rua e o número dentro da rua. Outro exemplo de uso de coordenadas aparece quando se compra um ingresso numerado para o teatro, em que aparece indicado com uma letra a fila na plateia e com um número, a poltrona dentro da fila. Mas, sem dúvida, as coordenadas mais conhecidas na Geografia são as coordenadas geográficas. Elas foram criadas há pelo menos dois milênios, e o Atlas de Ptolomeu, de 150 d.C., já apresentava uma lista de localidades com suas coordenadas geográficas. As palavras latitude e longitude são originárias do Latim e referem­‑se a distâncias medidas no sen‑ tido Norte­‑Sul e Leste­‑ Oeste, respectivamente. Depois disso, foram aparecendo outros tipos de coordenadas para posicionar pontos na Terra, sendo um dos mais conhecidos o sistema de coordenadas UTM (projeção cartográfica Universal Transversa de Mercator). Para se atribuir coordenadas geográficas a uma localidade, era preciso previa‑ mente conhecer o valor delas, e para isso foram desenvolvidas diversas técnicas, como mostraremos a seguir. Este capítulo tem como objetivo introduzir o aluno em uma problemática central da Geografia: o posicionamento de objetos sobre a superfície da Terra. Procura­‑se mostrar como as técnicas são concebidas, seus problemas e as so‑ luções tecnológicas que têm sido adotadas. A intenção é também desmistificar a tecnologia como algo inalcançável ou incompreensível. As tecnologias atuais de posicionamento aumentam a rapidez e diminuem o esforço e os custos em relação às técnicas tradicionais, embora se deva ter um conhecimento básico de seu funcionamento, da mesma forma como nos alfabetizamos antes de digitar, ou aprendemos a tabuada antes de usar uma calculadora.

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POSICIONAMENTO TRADICIONAL Os ângulos são medidos em graus (°), minu‑ tos ('), e segundos ("). Uma circunferência tem: 360°, ou 21.600' ou 1.296.000". O tempo é medido em horas (h), minutos de tempo (min) e segundos de tempo (seg). O dia tem 24 h, ou 1.440 min, ou 86.400 seg. Deve­‑se observar que, numericamente, am‑ bas as grandezas não coincidem, e deve­‑se cuidar para não confundir minutos de tempo e minutos de ângulo, o mesmo em relação aos segundos. Horas e graus não se confundem porque têm nomes diferentes.

Cálculo de latitude geográfica Na atualidade, a medida angular destinada ao posicionamento dos astros efetua­‑ se com sextantes ou teodolitos, instrumentos mostra‑ dos nas Figuras 10.3 e 10.4. Muitos teodolitos permitem efetuar a leitura dos ângulos no nível do segundo, o que permite calcular a latitude geográfica com um erro similar. Considerando­ ‑se que a circunferência máxima da Terra mede Interfoto / Keystone

Os cartógrafos da Antiguidade logo obser‑ varam que se podia estabelecer uma correspon‑ dência entre os pontos da Terra e os pontos da esfera celeste (o Céu), que se situavam sobre eles. Estabelecida essa correspondência, era possível determinar as coordenadas dos pontos da Terra a partir da observação de objetos na esfera celeste. Na Figura 10.1 pode­‑se observar a correspondên‑ cia entre a superfície da Terra e a esfera celeste. Efetuando­‑se medições angulares da posição das estrelas ou do Sol sobre a esfera celeste em determinada hora, e realizando­‑se uma série de cálculos, é possível conhecer a latitude (φ) e a longitude (λ) do local onde se encontra o observador. As medições angulares e de tempo eram realizadas com instrumentos que foram se aperfeiçoando ao longo do tempo, a exemplo do quadrante (Figura 10.2) e, posteriormente, o astrolábio. A seguir, mostraremos alguns aspectos da medição de latitude e longitude. A intenção não é ensinar a usar os respectivos instrumentos (o que seria objeto de um curso), mas informar ao leitor como as medições são concebidas. Previamente deve ser feita uma observação sobre a medição de duas grandezas diferentes, ângulo e tempo.

astro

naçã

Terra

o

círculo horário de referência

decli

Sérgio Fiori

Polo Norte Celeste

o rári lo ho ângu

equador celeste

Figura 10.1. Terra e esfera celeste.

Figura 10.2. Esquema de quadrante desenvolvido por Petrus Apianus (1533).

capítulo 10 – técnicas de localização e georreferenciamento

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Eduardo Justiniano

Friedrich Sauer / Keystone

Figura 10.3 e Figura 10.4. Teodolito e Sextante. Fonte: Centro Cultural da Marinha em São Paulo.

aproximadamente 40 mil quilômetros e possui 360°, ou 21.600' ou 1.296.000", resulta então que um segundo de ângulo sobre a superfície da Terra corresponde aproximadamente a uma distância de 30 metros. Isso significa que um erro de 1 segundo na determinação da latitude equivale a um erro de 30 metros na posição do ponto, o que pode ser mais ou menos importante dependendo da precisão de que se necessita no serviço que está sendo desenvolvido.

Cálculo de longitude geográfica O cálculo da longitude geográfica exige, jun‑ tamente com a medição angular, a medição de tempo com um relógio. Até o século XVIII, a exatidão dos relógios existentes era baixa, o que só foi melhorado quando John Harrison, na se‑ gunda metade do século XVIII, construiu um relógio mecânico que mudava pouco suas ca‑ racterísticas físicas com as alterações de tempe‑ ratura (dilatação, contração) e obtinha­‑se uma medida mais precisa do tempo. Cabe observar que, em função do especificado anteriormente com relação à medida de tem­po e de ângulo, resulta que em 1 segundo de tempo os astros se movimentam 15 segundos de ângulo sobre a esfera celeste. Consequentemente, um erro de 1 segundo de tempo no relógio utilizado para determinar coordenadas geográficas gera um erro de 15 segundos de ângulo na posição

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do astro e, por conseguinte, um erro angular se‑ melhante na posição do ponto na Terra. Como 1 segundo de ângulo na Terra corresponde a apro‑ ximadamente 30 metros, então 15 segundos de ângulo corresponderão a 450 metros. Isto quer dizer que errar 1 segundo na medida do tempo equivale a errar 450 metros na posição do ponto, e errar 2 segundos de tempo provoca um erro de quase 1 km no posicionamento. Para atingir, na determinação da longitude, o mesmo nível de erro obtido na determinação da latitude medida com um teodolito de leitura de 1 segundo de ângulo (ou 30 metros), o erro cometido na medida do tempo deverá ser de 1 décimo de segundo. A partir do observado, fica claro que o “posi‑ cionamento” na Terra, isto é, a determinação das coordenadas geográficas de um local por técnicas tradicionais, exige conhecimento especializado e habilidade no uso de instrumentos específicos. Este fato, além de um alto custo operacional, faz com que, sempre que possível, as coordenadas geográficas de um ponto sejam obtidas dos ma‑ pas, mesmo que com menor exatidão.

POSICIONAMENTO POR SATÉLITE Em função das dificuldades do posicionamen‑ to tradicional e do avanço da tecnologia, no sé‑ culo XX foram desenvolvidas novas técnicas de posicionamento como, por exemplo, os sistemas Loran e Decca, que utilizavam ondas de rádio, além do sistema de posicionamento por satélite NNSS (Navy Navigation Satellite System), mais conhecido como Transit e que fundamentava seu funcionamento no efeito doppler1. Essas tecno‑

1 Efeito doppler – mudança da frequência das ondas ele‑ tromagnéticas (luz, ondas de rádio etc.) resultante da aproximação ou do afastamento da fonte emissora e do receptor.

práticas de geografia

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USGS

logias foram antecessoras dos Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS – Global Na‑ vigation Satellite System), dentre os quais o GPS (Global Positionaing System) foi o precursor. Na atualidade, há vários sistemas de posicionamento por satélite, alguns operacionais e outros em fase de teste ou desenvolvimento, sendo eles: o GPS (norte­‑americano), o Glonass (russo), o Galileu (europeu), o Compass (chinês), o QZSS (japonês) e o IRNSS (indiano). Como o GPS é o mais usa‑ do no Brasil, será focalizado este sistema.

GLOBAL POSITIONING SYSTEM (GPS) O Navstar­‑ GPS (Navigation Satellite with Time and Ranging), mais conhecido como GPS, é um sistema de posicionamento desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Uni‑ dos, com o objetivo de ser o principal sistema de apoio à navegação das Forças Armadas norte­ ‑americanas. A sociedade civil começou a usar esse sistema durante a década de 1980, especialmente para tarefas de posicionamento geodésico, navegação, aviação e, posteriormente, passou a apoiar pes‑ quisas nas universidades com usos e aplicações cada vez mais diversificados. Atualmente, o GPS está em uso em várias atividades cotidianas, es‑ tando presente em celulares e automóveis. O sistema GPS foi concebido de forma que um usuário possa se posicionar em qualquer local da Terra. Para isso, o sistema conta com 24 satélites distribuídos em seis planos orbitais, com quatro satélites em cada plano, e situados numa altitude aproximada de 20.200 km. Os planos orbitais são inclinados 55º em relação ao plano do equador terrestre. Dessa forma, procura­‑se garantir que no mínimo quatro saté‑ lites sejam visíveis em qualquer local da superfí‑ cie terrestre, a qualquer momento do dia ou da

Figura 10.5. Imagem representativa da Terra e do conjunto de satélites do sistema GPS.

noite. A Figura 10.5 mostra esquematicamente o conjunto de satélites. O funcionamento dos satélites e as infor‑ mações que emitem são monitorados por um “segmento de controle” constituído de um con‑ junto de estações situadas em vários lugares da superfície da Terra. Para facilitar a compreensão do funciona‑ mento do sistema GPS e dos outros sistemas de posicionamento por satélite, propõe­‑se agora um exercício de topografia básica.

Exercício de topografia básica: elaboração de planta topográfica Nas séries iniciais do Ensino Básico, os alu‑ nos já devem ter aprendido conceitos de locali‑ zação, direção, feito um croqui da escola, já que tal conteúdo é contemplado nos livros didáticos. Agora, propõe­‑se um exercício um pouco mais complexo, mas também bem ilustrativo dos fun‑ damentos da construção de plantas e mapas e que pode ser facilmente realizado na escola. De posse de uma trena, papel, lápis e com‑ passo, podemos elaborar uma planta topográfi‑ ca pela técnica denominada trilateração, pelos seguintes procedimentos:

capítulo 10 – técnicas de localização e georreferenciamento

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P3

J. G. G. Raffo

P1

P2

A

B

Figura 10.6. Croqui do levantamento por trilateração.

P1

J. G. G. Raffo

¾¾Inicia­‑se com a marcação de um segmento de reta chamado base A­‑B. Uma “base” consis‑ te no segmento definido por dois pontos pre‑ viamente escolhidos da área em que se fará o levantamento. ¾¾Mede­‑se a distância entre esses dois pontos A e B. ¾¾A partir daí, mede­‑se a distância entre qual‑ quer ponto (P) de interesse e os extremos da base. Por exemplo, a distância desde P1 até o ponto A e desde P1 até o ponto B. Faz­‑se o mes‑ mo com um segundo e um terceiro ponto. ¾¾Como exemplo, a seguir, são indicadas as me‑ didas efetuadas em três pontos (P1, P2, P3).

P3 P2

Medidas de Campo: Base A­‑B = 12 m Distância A­‑P1 = 7 m Distância B­‑P1 = 10,7 m

Ponto P2

Distância A­‑P2 = 10,5 m Distância B­‑P2 = 8,4 m

Ponto P3

Distância A­‑P3 = 5,5 m Distância B­‑P3 = 6,8 m

Após terminado o levantamento em campo, efetua­‑se o desenho da planta, escolhendo­‑se, por exemplo, 1/100 como escala 2 . Primeira‑ mente, é representada a medida da “base” nes‑ sa escala, sendo indicadas suas extremidades (pontos A e B). Posteriormente, são construídos arcos de circunferência centrados nos pontos A e B e com raio cujas medidas são as obtidas no cam‑ po e levadas à escala do desenho. Os referidos arcos de circunferência cortam­ ‑se em pontos, que são as imagens dos pontos

2 Escala 1/100 quer dizer que 1 unidade da planta corres‑ ponde a 100 unidades do terreno, por exemplo, 1 cm na planta corresponde a 100 cm, ou 1 m, no terreno.

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A

B

Figura 10.7. Arcos de circunferência. Organização: J. G. G. Raffo (2010).

y y2

P1

J. G. G. Raffo

Ponto P1

P3 P2

x A

x2

B

Figura 10.8. Esquema para se obter as coordenadas dos pontos. Organização: J. G. G. Raffo (2010).

levantados em campo. Dessa forma, consegue­ ‑se “posicionar” os diversos pontos e desenhar a planta (ver Figuras 10.6 e 10.7). Para se obter as coordenadas dos pontos, basta indicar a reta AB como eixo X e no ponto A traçar uma reta perpendicular que será o eixo Y. A partir desse ponto A, medir em milímetros as coordena‑

práticas de geografia

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Os receptores que operam com as ondas portadoras utilizam uma tecnologia um pouco diferente, denominada “diferença de fase da por‑ tadora”, atingindo precisões bem maiores que os anteriores, e são utilizados para trabalhos geodé‑ sicos e de engenharia. Para aprofundar­‑se sobre o tema, consulte Galera Mônico (2000).

Sinal do GPS

Trilateração espacial

Os satélites carregam transmissores de rádio que emitem duas ondas portadoras (chamadas L1 e L2), sobre as quais se efetua uma modula‑ ção incluindo­‑se informação em forma codifica‑ da (chamados código C/A e código P). Alguns receptores GPS são construídos para captar as ondas portadoras; outros, os códigos; e outros, ambos os sinais. Os receptores de uso mais generalizado e que fornecem as coordenadas em tempo real utilizando um único receptor (técnica conhecida como “posicionamento por ponto”), utilizam o código C/A. Estes equipamentos são conhecidos como “receptores de navegação” (Figura 10.9). Os “GPS de carro” e os incluídos nos telefones celulares são do mesmo tipo. Esses receptores, de fácil uso e baixo custo, atendem a maioria das necessidades dos traba‑ lhos da Geografia e por esse motivo são os obje‑ tos deste capítulo. A tecnologia usada por esses equipamentos para o posicionamento é denomi‑ nada “observação da pseudodistância”, que será tratada a seguir.

A tecnologia utilizada pelos “receptores de navegação” para efetuar o “posicionamento por ponto” é geometricamente similar à utilizada no exercício anterior de topografia, com a diferença de que agora se está trabalhando no espaço (três dimensões) e não no plano (duas dimensões) como no exercício anterior. Deve­‑se pensar, então, que três satélites dos 24 do conjunto, e o receptor do usuário formam uma pirâmide. Esta pirâmide tem sua base no “céu”, a qual está formada pelo três satélites e seu vértice situado no receptor, na Terra (Figura 10.10). No caso do exercício anterior efetuado no pla‑ no, a posição do ponto ficava estabelecida cortan‑ do duas circunferências centradas nos pontos A e B e com raios medidos em campo com a trena. Neste caso, a posição do ponto fica estabe‑ lecida cortando três esferas (Figura 10.11) cen‑ tradas em três satélites. Os raios dessas esferas

Sérgio Fiori

das X e Y de cada ponto e depois multiplicar pelo denominador da escala para obter as coordenadas em metros no terreno (ver figura 10.8). Sugere­‑se que o leitor refaça as Figuras 10.6, 10.7 e 10.8 nas proporções corretas e utilizando­ ‑se da escala 1:100 antes de avançar na leitura do texto.

Rafael Sato

+

Figura 10.9. Exemplo de um receptor GPS, do tipo “de navegação”.

Figura 10.10. Gráfico mostrando os satélites GPS e o receptor na Terra. Cada conjunto formado por três satélites e o receptor forma uma pirâmide (no desenho, que tem quatro satélites, podem ser formadas quatro pirâmides).

capítulo 10 – técnicas de localização e georreferenciamento

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Germano de Castro

Figura 10.11. Gráfico mostrando as esferas de “pseudodistância” utilizadas no posicionamento GPS.

são a distância entre os satélites e o receptor. Neste caso, as distâncias são determinadas por uma técnica denominada “pseudodistância”, ex‑ plicada a seguir. Na Figura 10.11 são mostrados três satélites do sistema GPS e um receptor GPS. O sinal emitido pelos satélites expande­‑se deles de for‑ ma esférica. Quando essas esferas encontram o receptor, produz­‑se o cálculo da distância ou “pseudodistância” entre o satélite e o receptor.

Medição de distâncias Na técnica topográfica era necessário medir as distâncias, o que era feito utilizando­‑se uma trena. Na trilateração espacial também devem ser conhecidas as distâncias entre os satélites e o receptor. Como não pode ser utilizada uma trena para isto, será utilizado o sinal de rádio emitido pelos satélites com esse objetivo. Efetuando­‑se uma analogia, pode­‑se imagi‑ nar que o satélite possui uma emissora de rádio em que o locutor informa, periodicamente, as horas ao ouvinte. No momento em que o ouvinte escuta a informação da hora no rádio, verifica seu relógio e constata que a hora é diferente. A diferença entre a hora escutada e a conferida no relógio deve­‑se ao tempo que o sinal demo‑ rou para chegar desde a emissora até o receptor ouvinte.

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Este efeito geralmente não é percebido na Terra porque as distâncias são relativamente pequenas, mas se a emissora estiver na Lua, o tempo demorado pelo sinal de rádio para chegar à Terra será de mais de 1 segundo e daria para sentir a diferença; e se estivesse em Marte, o tempo seria de, no mínimo, 4 minutos. Neste caso, quando o locutor informasse 12h30m, o relógio do ouvinte estaria marcando 12h34m. Estes 4 minutos representam o tempo que o si‑ nal levou para viajar desde Marte até a Terra. Na física elementar aprende­‑se que a distân‑ cia percorrida por um objeto em movimento pode ser calculada multiplicando a sua veloci‑ dade pelo tempo empregado (D = V × T). Por exemplo, se um carro viaja a uma velocidade de 80 km/h e anda 2 horas, a distância percorrida será de 160 km. D = (80 Km/h) × (2 h) = 160 km. O cálculo da distância entre o satélite e o re‑ ceptor efetua­‑se usando o mesmo princípio. No caso imaginado da rádio em Marte, haveria um locutor em Marte que fala a hora e um ouvinte na Terra que, no instante em que ouve a hora, olha seu relógio. Como já explicado, o sinal demora 4 minutos para percorrer essa distância. Se multipli‑ carmos a velocidade do sinal (300.000 km/s), pelo tempo, 4 minutos (ou 240 segundos), obtém­‑se 72.000.000 km, valor correspondente à distân‑ cia entre a Terra e Marte nesse instante (pois as distâncias variam segundo movimentos orbitais). No caso de funcionamento do GPS, o locutor é substituído pelo sinal enviado automaticamen‑ te pelo satélite, o qual contém uma codificação embutida. O aparelho de rádio do ouvinte é substituído por um dispositivo eletrônico (recep‑ tor GPS, como o da Figura 10.9), que recebe o sinal e consegue medir a defasagem eletrônica entre o código recebido e outro similar produzi‑ do pelo próprio aparelho. A defasagem do sinal é proporcional ao tem‑ po demorado para que o sinal saia do satélite e chegue ao receptor e, consequentemente, serve para medir indiretamente o tempo de viagem do sinal. Servindo para medir o tempo, é de fato um

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relógio. Qualquer instrumento que serve para medir o tempo transcorrido pode ser considera‑ do um relógio, por isso a humanidade conheceu tantos tipos de relógios como a clepsidra de água, o relógio de areia, os relógios mecânicos, os atuais de cristal de quartzo etc. Resumindo: é possível determinar o tempo que o sinal levou para vir do satélite ao receptor, observando­‑se a defasagem criada entre o momento que o sinal é produzido e o momento em que é recebido. Naturalmente, a observação da defasagem é feita pelo instrumento (receptor) e não pela pessoa que o está utilizando.

Observações sobre o posicionamento pela pseudodistância Para a determinação do posicionamento do receptor é preciso calcular a distância entre saté‑ lite e receptor. Nesse sentido, devem ser conside‑ rados o tempo de viagem do sinal, a posição do satélite no espaço e a velocidade de propagação do sinal. Esses elementos são afetados por di‑ versos efeitos que geram erros nos seus valores e, consequentemente, erro no posicionamen‑ to. Por esse motivo, esta distância calculada é denominada pseudodistância e não, distância verdadeira.

Medida do tempo A concepção de funcionamento do sistema operaria corretamente se os relógios de todos os satélites e dos receptores estivessem sincroniza‑ dos, isto é, marcassem a mesma hora no mesmo instante. Na prática, porém, isso não é possível. Para começar, a hora dos relógios dos satélites não coincide exatamente com a hora comum a todo o sistema, chamada “tempo GPS”. Embora a diferença seja muito pequena, ela existe. Esse efei‑ to é conhecido como erro no relógio do satélite. Por outro lado, os receptores possuem, junto ao dispositivo eletrônico, relógios para referen‑

ciar a defasagem. Esses relógios operam num sistema próprio de medida de tempo, chamado “tempo de receptor”, o qual não está sincroniza‑ do com o tempo GPS, resultando então em outra diferença com a hora de todo o sistema GPS. Em suma, há muitos “erros” na medição do tempo. Esse fato vai obrigar a que sejam observados um mínimo de quatro satélites e não três, como in‑ dica a teoria estritamente geométrica.

Efemérides dos satélites No exercício de topografia básica, para poder mapear os pontos levantados, o primeiro proce‑ dimento foi estabelecer os pontos A e B, centros das circunferências. De forma similar, quando se trabalha com o GPS, o software do aparelho receptor que está em posse do usuário deve co‑ nhecer a posição dos centros das esferas, isto é, as coordenadas dos satélites. As informações para a determinação das coordenadas dos saté‑ lites pelo software do receptor são enviadas pelo satélite através de uma tabela de dados chamada “efemérides transmitidas”. As informações das efemérides transmitidas pelos satélites são resultado de um cálculo rea‑ lizado sobre um modelo matemático das órbi‑ tas, em que é considerada a força gravitacional da Terra, do Sol, da Lua. No entanto, existem efeitos físicos que não podem ser incluídos no modelo teórico das órbitas por dependerem de efeitos que não podem ser previstos. Estes efei‑ tos só podem ser levados em consideração algum tempo depois, a partir do monitoramento da tra‑ jetória dos satélites pelas estações de controle e incluídas em tabelas chamadas “efemérides pre‑ cisas”. Como o tipo de posicionamento que está sendo considerado neste trabalho é em “tempo real” (que fornece as coordenadas no instante da observação) e não em “tempo diferido” ou “pós­‑processado” (que fornece as coordenadas posteriormente), através de um cálculo efetuado por um software especializado, não se pode consi‑

capítulo 10 – técnicas de localização e georreferenciamento

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derar os valores das efemérides precisas, só o das efemérides transmitidas – e, consequentemente, prejudicadas pelos erros nas informações das ór‑ bitas dos satélites que estas efemérides possuem.

Propagação do sinal na atmosfera

Sérgio Fiori

Com relação à propagação do sinal, deve­‑se observar que ele sofre alterações da velocidade ao atravessar a atmosfera. Esses efeitos são cha‑ mados: refração troposférica e refração ionos‑ férica. A refração troposférica é provocada nas capas baixas da atmosfera, desde a superfície do planeta até os primeiros 50 km e seu efeito é provocado pelos gases e a quantidade de umida‑ de existente nessa região. A refração ionosférica corresponde à alta atmosfera, acima dos 50 km, e deve­‑se à quantidade de partículas elétricas existentes na região. A quantidade dessas cargas elétricas varia em função da atividade solar, do efeito do campo magnético da Terra etc. Ambas as refrações provocam um aumento de tempo da viagem do sinal do satélite até o receptor e, consequentemente, um erro no cálculo do com‑ primento da distância satélite­‑receptor, gerando um erro de alongamento na distância.

Figura 10.12. Efeito do multicaminhamento no sinal do GPS. Observação: a figura corresponde ao efeito de multicaminhamento no receptor GPS usado em agricultura de precisão, uma nova técnica de manejo agrícola que surgiu em função das possibilidades de fácil posicionamento proporcionado pelo GPS.

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Multicaminhamento Junto com o sinal direto enviado pelo satéli‑ te, o receptor pode receber sinais refletidos por algumas superfícies, como cercas, construções, veículos próximos, superfícies de água etc. Esse efeito vai provocar variação nos tempos e, por conseguinte, nas distâncias, piorando a precisão do posicionamento. Esse efeito é mostrado na Figura 10.12.

Disponibilidade seletiva O posicionamento através da pseudodistân‑ cia utilizando­‑se o código C/A consegue atingir uma precisão entre 20 m e 40 m, mas existe a possibilidade de esssa precisão ser piorada pro‑ positalmente, através de alteração das efeméri‑ des transmitidas e de manipulação do tempo for‑ necido pelos relógios dos satélites. Essa técnica, conhecida como disponibilidade seletiva (seletive availability – SA), foi utilizada durante bastante tempo, entretanto, no ano 2000 o governo norte­ ‑americano a desativou; mas pode reativá­‑la, se houver interesse, o que mostra a vulnerabilidade do sistema, cuja precisão pode ser alterada por uma decisão política. Esta é uma das razões que tem incentivado a criação de novos sistemas por outros países, como os mencionados na seção “Posicionamento por satélite”.

Substituindo o compasso por equações No exercício topográfico utilizou­‑se lápis e compasso. No receptor GPS, o software substitui os elementos geométricos por elementos algébri‑ cos: números e equações. Os centros das esferas são representados pe‑ las coordenadas dos satélites fornecidas pelas efemérides transmitidas, e os raios das esferas pelas pseudodistâncias calculadas.

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As esferas são representadas no cálculo por equações com três variáveis (X, Y e Z) e o ponto onde se encontra o receptor, por suas coordena‑ das obtidas da resolução dessas equações. Essas coordenadas, que originalmente são do tipo x, y, z, poderão posteriormente ser transformadas em latitude, longitude e altitude. Uma vez que o ponto onde se encontra o receptor possui três coordenadas, isto é, três incógnitas, seriam suficientes três equações para resolver o problema. No entanto, foi visto anteriormente que o relógio do receptor mede seu próprio tempo, e para poder passar do tem‑ po de receptor ao tempo do sistema GPS, uma correção deverá ser introduzida. Essa correção é uma incógnita a mais, ficando então quatro incógnitas: as três coordenadas do espaço e a correção de tempo. Para resolver as quatro in‑ cógnitas serão necessárias pelo menos quatro equações. Como a esfera ou pseudodistância correspondente a cada satélite gera uma única equação, o receptor deverá captar pelo menos quatro satélites para poder determinar a latitu‑ de, a longitude e a altitude de um ponto. Cabe observar que, na atualidade, a maioria dos receptores GPS, inclusive os de baixo custo, como os de navegação, incluem vários “canais”. Um receptor com 12 canais, por exemplo, capta o sinal de até 12 satélites simultaneamente, per‑ mitindo gerar um sistema de 12 equações com quatro incógnitas. Como o número de equações é maior que o número de incógnitas, o software utiliza um recurso matemático chamado “ajus‑ tamento” para determinar as quatro incógnitas. Deve­‑ se esclarecer que, geralmente, quanto maior for o número dos satélites captados pelo receptor, maior será a precisão das coordenadas obtidas.

e exatidão. É importante que o operador de GPS compreenda esses conceitos. Precisão indica a proximidade existente en‑ tre os diversos resultados numéricos da obser‑ vação de um fenômeno; por exemplo, das coor‑ denadas de um local. No caso do GPS, se são efetuadas leituras de coordenadas num mesmo ponto, mas em momentos diferentes, a cada 1 minuto, por exemplo, poderá ser observado que os valores são diferentes devido a vários fatores. Se a diferença entre as coordenadas for peque‑ na, pode­‑se dizer que a precisão é grande; caso contrário, a precisão será pequena. Exatidão ou acurácia indica o grau de proxi‑ midade entre o valor obtido e o verdadeiro valor da grandeza. Se o valor obtido coincide com o verdadeiro valor, fala­‑se que a medida é exata. Acontece que, em geral, não se conhece o ver‑ dadeiro valor, por isso a exatidão é de difícil de‑ terminação. Os receptores GPS fornecem a precisão do posicionamento, mas não a exatidão, já que esta depende de outros fatores, como, por exemplo, que o sistema geodésico (datum) utilizado pelo GPS para fornecer as coordenadas seja o mesmo que o utilizado na cartografia, onde os pontos levantados serão plotados. Imagine o leitor o caso de um ponto que foi levantado com GPS de navegação configurado com o datum SAD69 e a precisão indicada pelo instrumento no momento do levantamento era de 10 m. Se o ponto levantado for incorporado posteriormente numa planta topográfica e esta tiver como datum o Córrego Alegre, o ponto mar‑ cado na planta poderá estar deslocado de sua po‑ sição correta em torno de 100 m, isto é, sua exa‑ tidão será muito baixa, embora a precisão do levantamento com GPS fosse boa.

Exatidão e precisão

Coordenadas fornecidas pelo GPS

Quando se trabalha com o GPS, é frequente deparar­‑se com termos como precisão, acurácia

O sistema GPS opera internamente para seus cálculos, com um sistema de coordenadas cartesia‑

capítulo 10 – técnicas de localização e georreferenciamento

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nas X, Y, Z, com origem no centro de massa da ter‑ ra, mas como para muitas atividades são utilizadas coordenadas geográficas, os receptores transfor‑ mam as coordenadas cartesianas em geográficas. O valor das coordenadas geográficas (lati‑ tude e longitude) depende do referencial cha‑ mado datum, o qual varia segundo o país. No caso do Brasil, os mais usados são: Córrego Alegre, SAD69 e Sirgas. Geralmente os recep‑ tores possuem os parâmetros de vários destes referenciais e, quando configurados adequada‑ mente, fornecem as coordenadas nos sistemas respectivos; caso contrário, deverá ser utilizado um software para efetuar a transformação. Por outro lado, deve­‑se observar que o GPS foi projetado para operar em todo o mundo e, como os referenciais mudam segundo o país, foi escolhido um datum de uso universal e específico para o GPS chamado WGS84 (World Geodetic System – ano 1984). Na atualidade, esse datum está sendo usado em muitas atividades que se realizam em nível planetário, por exemplo, al‑ guns softwares que operam em nível global através da internet. Por esse motivo, quando são usadas coordenadas de pontos de mapas e imagens for‑ necidas por software que opera na internet, deve­ ‑se analisar em quais referenciais elas se apoiam, sendo bem provável que seja no WGS84. Com relação às altitudes, deve­‑se observar que o GPS não fornece este valor com relação ao “nível do mar” (altitude ortométrica) e sim com relação ao elipsoide do sistema geodésico utilizado (altitude geométrica). Entre ambas as altitudes há uma diferença que pode chegar a até algumas dezenas de metros. Devido a esse moti‑ vo, combinado com os erros de posicionamento do receptor antes indicados, dificilmente poderá se obter “altitude 0 m” quando se experimenta utilizar o GPS na beira do mar. Em diversas atividades são usadas coordena‑ das UTM. Essas coordenadas, denominadas E e N, diferentemente das geográficas que geralmen‑ te estão expressas em graus, minutos e segundos, são indicadas em metros e quilômetros. Os re‑

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ceptores GPS de navegação geralmente também fornecem esse tipo de coordenadas, assim como indicam o fuso UTM em que se encontram. Re‑ gistrar o fuso é tão importante como registrar as coordenadas, já que os valores numéricos das coordenadas UTM repetem­‑se em cada fuso; e só indicando os valores de E e N não se identi‑ fica univocamente o ponto. Cabe observar que o território do Brasil está coberto por oito fusos UTM. Para aprofundar o conhecimento sobre a projeção cartográfica UTM, pode­‑se consultar uma vasta bibliografia existente, além de pági‑ nas na internet, a exemplo desta que se sugere: , onde também se encontram informações sobre datum.

Quando utilizar ou não o GPS de navegação? O GPS é um excelente instrumento, que permite determinar coordenadas com esforço e gasto de tempo mínimos, comparando­‑se às técnicas tradicionais. No entanto, o usuário deve utilizar o tipo de equipamento e a técnica de posicionamento adequada à resolução de seu problema específico. Para efetuar a escolha certa, deve­‑se consi‑ derar a tolerância de erro nas coordenadas que o trabalho em questão exige. Se esta tolerância for de 15 m ou mais, na posição do ponto, po‑ derá ser utilizado um receptor de navegação, do tipo tratado neste capítulo. Possivelmente, com as informações aqui apresentadas e o manual de uso do equipamento, o usuário poderá re‑ solver o problema. Cabe observar que a maioria dos estudos de Geografia, Biologia, Questões Ambientais e Sociologia são feitos em escalas pequenas (1/50.000 ou menor). Nessas escalas, o erro no posicionamento fornecido pelo GPS de navegação é totalmente tolerável. Se a tolerância de erro for menor que 15 m, será necessário utilizar outro tipo de equipamen‑

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Tarefas básicas a serem realizadas com um receptor GPS de navegação 1) Ligar o equipamento receptor Definindo­‑se onde será levantado o primei‑ ro ponto (de preferência um local aberto, sem grandes obstáculos próximos), pressiona­‑se o botão Power até que o receptor fique ligado. Em seguida, aparecerá no monitor do GPS a página de boas­‑vindas e, quando for apresentada no vi‑ sor a mensagem: Ready to Navigate (pronto para navegar, Figura 10.13), o equipamento estará pronto para fornecer as coordenadas. No início do levantamento, quando o equipa‑ mento é ligado para coletar o primeiro ponto, o receptor pode tardar alguns minutos procurando os satélites que são observáveis sobre o horizonte da região do levantamento; nos demais pontos a levantar, o tempo necessário será bem mais cur‑ to. Recomenda­‑se manter o equipamento ligado do início ao fim do trabalho.

2) Escolhendo uma página As informações para operar o e­‑Trex apare‑ cem em quatro páginas principais chamadas: ¾¾Satélite (Figura 10.14); ¾¾Mapa de percurso (Figura 10.15); ¾¾Indicador ou Seta (Figura 10.16); e ¾¾Menu (Figura 10.17). A mudança de página efetua­‑se apertando o botão Page.

Para cima

Página

Para baixo Liga-desliga Iluminação

Seleciona

Monitor Rafael Sato

to: um dos chamados receptores topográficos ou receptores geodésicos. A técnica a ser usada também deverá ser outra e os conhecimentos do operador deverão ser bem maiores que os aqui apresentados. Nesse caso, sugere­‑se consultar um profissional especializado como um geógrafo, um engenheiro agrimensor ou um engenheiro cartógrafo para ajudar na resolução do problema. Tome­‑se como exemplo a seguinte situação: deseja­‑se saber se pode ser usado um GPS de navegação para obter as coordenadas de pontos do terreno que deverão ser incorporadas numa carta topográfica em papel na escala 1/50.000. Para representar os pontos será utilizada uma lapiseira de grafite 0,5 mm. Resposta: na escala do mapa, o ponto gera‑ do pela lapiseira corresponderá no terreno a um círculo de 25 m de diâmetro, valor que indica a incerteza no posicionamento do ponto e, con‑ sequentemente, a tolerância do erro. Como o valor ultrapassa em 10 m, pode ser utilizado um GPS de navegação, cuja precisão média está em torno de 15 m. Atualmente, encontra­‑ se no mercado um grande número de modelos de receptores GPS de navegação. Todos eles funcionam a partir dos mesmos princípios básicos, embora tenham ca‑ racterísticas próprias. Sendo impossível mostrar o funcionamento básico de todos eles, foi ado‑ tado como modelo o receptor eTrex – Garmin. Se o usuário utilizar outro equipamento, deverá consultar seu manual específico. De qualquer forma, a explicação a seguir deve servir de base para o uso de outros instrumentos. O receptor eTrex, da Garmin, que aparece na Figura 10.13, possui antena incorporada, cap‑ tando até 12 canais (12 satélites); possui cinco botões de operação e um visor ou display. Do lado direito possui dois botões, sendo o inferior usado para ligar o equipamento (Power) e o su‑ perior chamado botão de página (Page). Do lado esquerdo, há três botões, os dois superiores cha‑ mados Up e Down, que permitem se deslocar no display, e o inferior chamado Enter.

Figura 10.13. Receptor GPS eTrex, da Garmin.

capítulo 10 – técnicas de localização e georreferenciamento

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Rafael Sato

Rafael Sato

Figura 10.14. Receptor GPS procurando os satélites existentes sobre o horizonte do local. A intensidade do sinal e a posição dos satélites também são indicados.

Rafael Sato Rafael Sato

Figura 10.15. Monitor indicando mapa de percurso feito pelo usuário desde o momento em que o GPS foi ligado até a situação atual.

Figura 10.16. Indicador de seta que ajuda o navegador a se direcionar.

Figura 10.17. Menu, mostrando os diversos recursos do aparelho.

3) Determinando as coordenadas de um local

Observações: a) as coordenadas podem ser anotadas num papel ou simplesmente indicado num croqui do local o número de ponto, já que as coordenadas, junto com o número de ponto ficam arquivadas na memória do equipamen‑ to; b) quando o equipamento está configurado para fornecer coordenadas UTM, não forne‑ ce coordenadas geográficas; o mesmo sucede quando está configurado para fornecer coor‑ denadas geográficas, não fornecendo coorde‑ nadas UTM. Ajuste­‑o para suas necessidades. O receptor de navegação GPS eTrex, da Gar‑ min, possui outros recursos além da determina‑ ção do posicionamento ou obtenção de coorde‑ nadas, tratadas neste texto, como por exemplo registro de rotas percorridas, mudanças de configuração do equipamento, orientação para destino especificado, cálculo da velocidade de

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movimento, entre outros. Caso haja interesse nesses assuntos complementares, pode­‑se con‑ sultar o manual do usuário no site da Garmin, indicado na bibliografia, ou contatar o autor deste capítulo.

4) Desligar o equipamento Novamente pressionar o botão Power, até que o equipamento desligue. Depois de obtidas as coordenadas dos pon‑ tos levantados, os mesmos poderão ser repre‑ sentados manualmente em mapas de papel, ou em forma digital utilizando­‑se alguns softwares existentes no mercado, como, o Google Earth ou o GPS TrackMaker.

Rafael Sato

¾¾Escolha a tela Menu com o botão Page. ¾¾Com os botões Up ou Down, escolha o cam‑ po Mark (Marca) dentro da página Menu. ¾¾Aperte Enter e vai aparecer a tela Mark Way‑ point (Marca Ponto do caminho, Figura 10.18) mostrando as coordenadas do ponto onde o usuário se encontra. ¾¾Aperte Enter e a localização é armazenada na memória.

Ponto levantado

Altitude Coordenadas

Figura 10.18. Receptor GPS mostrando as coordenadas e a altitude do local levantado.

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NA SALA DE AULA Caso a escola disponha de um receptor GPS de navegação, o professor poderá exercitar o uso, andando com os alunos no entorno da escola, mar‑ cando os pontos de paradas e registrando as coordenadas. Posteriormente, as informações registradas no GPS poderão ser transferidas sobre um mapa ou passadas para uma folha de papel, com prévia adoção de uma escala conveniente e desenhados os pontos levantados, tendo­‑se a rota percorrida. Caso não haja receptor GPS disponível, o professor poderá realizar o exer‑ cício de topografia básica proposto neste capítulo. Para isso precisará apenas de uma trena, lápis, papel e compasso. Este exercício tem dois objetivos: a) aprender uma metodologia de mapeamento bem simples que mostra facil‑ mente os fundamentos de como são feitos os mapas; b) mostrar, por analogia numa superfície plana (bidimensional), o princípio de funcionamento do GPS no espaço (tridimensional).

capítulo 10 – técnicas de localização e georreferenciamento

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REFERÊNCIAS DE APOIO

SOBRE O AUTOR

Glossário

Jorge Gustavo da Graça Raffo possui gradua‑ ção em Engenharia de Agrimensura pela Faculdade de Engenharia da Universidade Nacional do Uruguai, Montevidéu; especialização em Metodologia do En‑ sino Superior pelo CESUP, Campo Grande/MS; mes‑ trado em Ciências Geodésicas pela UFPR, Curitiba; doutorado em Geografia Humana pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor doutor do Departamen‑ to de Geografia da FFLCH/USP, atuando nas áreas de Cartografia e Geoprocessamento. Tem experiência em Sistemas de Informações Geográficas, Fotogrametria, Cartografia, Geodésia e Topografia.

Datum: referência (ponto fixo) na superfície ter‑ restre a partir do qual se determina o posicio‑ namento altimétrico de pontos e objetos; o da‑ tum também é referência para a confecção de mapas que trazem a informação de altitudes. GPS de navegação: aparelho receptor GPS portátil, que fornece menor precisão no posicionamento. Plotagem: impressão por meio de aparelho denomi‑ nado plotter, que possibilita reproduzir desenhos em dimensões maiores do que as impressoras comuns.

Bibliografia Galera Mônico, J. F. Posicionamento pelo Navstar­ ‑GPS. São Paulo: UNESP, 2000. Manual do Usuário­‑ Garmin e Trex. Disponível em: (acesso: ago/2010); < ht tp: / / w w w8.garmin.com / manuals / eTrexLe ‑ gendHCx_PTManualdoproprietario.pdf> (acesso: ago/2010); (acesso: ago/2010).

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Sistema de Informação Geográfica

11 Fernando Shinji Kawakubo Rúbia Gomes Morato

Eduardo Justiniano

Reinaldo Paul Pérez Machado

Introdução, 274 O que é SIG e para que serve?, 275 Arquitetura geral de um SIG, 275

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Convertendo os dados do mundo real para o SIG, 277 O SIG ILWIS, 280 Na sala de aula, 286

Referências de apoio, 287 Sobre os autores, 288

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INTRODUÇÃO Este capítulo aborda o uso de softwares livres em sala de aula, apresentando de maneira resumida o conceito de Sistema de Informação Geográfica (SIG), a sua arquitetura, a forma como os dados são introduzidos e armazenados e como esses dados podem ser analisados espacialmente no sistema. O SIG destacado neste capítulo é chamado ILWIS, um acrônimo de Intergrated Land and Water Information System. O ILWIS é um SIG gratuito desenvolvido pelo International Institute for Geo­‑Information Science and Earth Observation (ITC), da Holanda, que conta com uma ampla gama de recursos para a entrada de dados, edição, modelagem, processamento de imagens de sensoriamento remoto e análise espacial. O ILWIS pode ser facilmente baixado pela internet e instalado no com‑ putador pessoal.

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O QUE É SIG E PARA QUE SERVE? Os sistemas de informações geográficas, ou simplesmente SIG, constituem­‑se numa das prin‑ cipais técnicas utilizadas pelos geógrafos para apoiar decisões que envolvem a análise integrada do espaço geográfico. Existem atualmente diver‑ sas definições de SIG, variando de acordo com as suas aplicações e com os propósitos pretendidos. Maguire (1991) cita e analisa, por exemplo, 11 definições de SIG. De acordo com esse au‑ tor, as razões para tantas definições acerca da natureza e dos objetivos dos SIG devem­‑se à heterogeneidade do grupo de indivíduos e orga‑ nizações que os utilizam e à crescente variedade de suas aplicações. Uma definição bastante simples é a de Bur‑ rough (1986), que define o SIG como um po‑ deroso conjunto de técnicas para colecionar, armazenar, recuperar, transformar e apresentar dados espaciais do mundo real. O SIG possibilita também a integração numa única base de da‑ dos de informações geográficas provenientes de diferentes fontes de dados (imagens de satélite, dados cadastrais, mapas etc.). Da mesma forma que o microscópio é impor‑ tante para o biólogo, o SIG é um instrumento de fundamental importância para o geógrafo, possibilitando ampliar o horizonte da análise geográfica para além do olho humano. Graças ao desenvolvimento de técnicas computacionais, é possível nos dias de hoje trabalhar com um grande volume de dados (mapas, imagens, tabe‑ las etc.) de maneira plenamente integrada dentro de um SIG. Questão esta difícil de ser atingida em ambiente analógico. Mapas antes desenhados à mão passaram, nesta “nova era”, a ser construídos e analisados em meio digital. Essa nova forma de trabalhar deu novos rumos à Geografia e abriu inúmeras possibilidades de aplicações. Muito mais que um sistema que permite a produção de mapas, os SIG são sistemas que se preocupam com a

descrição, explicação e previsão dos padrões e processos nas escalas geográficas (longley et al., 2007). A análise espacial é considerada por muitos autores como o núcleo do SIG (longley et al., 2007). De acordo com o autor, o objetivo da aná‑ lise espacial é apoiar decisões e revelar padrões e anomalias espaciais que muitas vezes não são imediatamente óbvios. Após a aplicação de uma técnica de apoio à análise espacial adequada, estes padrões são realçados de maneira a evi‑ denciar a clara influência do espaço geográfico na sua distribuição. Talvez o primeiro trabalho de análise espa‑ cial seja o feito pelo Dr. John Snow, em 1854, que relacionou os casos de cólera em Londres com a distribuição espacial dos poços de água. Naquela época, não se sabia qual era o motivo dos óbitos pela doença. Através de um mapa que localizava as residências dos óbitos e os poços de água que atendiam a cidade, Snow verificou que a maioria dos óbitos ocorria nas proximidades do poço da Broad Street. Atualmente, o SIG apresenta uma ampla va‑ riedade de recursos para a análise espacial, seja para revelar padrões por meio de eventos pon‑ tuais, areais ou por superfícies contínuas.

ARQUITETURA GERAL DE UM SIG Numa visão abrangente, Câmara et al. (1996) consideram que um SIG tem os seguintes com‑ ponentes: interface com o usuário; entrada e integração de dados; funções de processamen‑ to; visualização e plotagem; armazenamento e recuperação de dados. O módulo de interface mais empregado atualmente é baseado em menus, apesar de

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existirem vários programas que ainda traba‑ lham com a interface por meio de linhas de comando. A interface baseada em menus é mais utilizada devido à sua maior facilidade de operação. A entrada de dados no SIG é feita de diversas formas e com diferentes formatos. Alguns exem‑ plos específicos utilizados na Cartografia são: digitalização de mapas analógicos utilizando o recurso de mesa digitalizadora; digitalização óti‑ ca com o uso de scanner; vetorização de mapas utilizando programas específicos; importação de arquivos de diferentes formatos. A digitalização de mapas analógicos utili‑ zando mesas digitalizadoras (mesas que pos‑ suem sensores eletrônicos instalados no seu interior) ainda é um procedimento utilizado como entrada de dados de mapas existentes. Primeiro, a carta topográfica ou mapa temáti‑ co é fixada na mesa digitalizadora. Em seguida, pontos de controles são selecionados para ca‑ librar a mesa digitalizadora, dimensionando o tamanho da área útil da mesa com o retângulo envolvente do mapa. É feita com o uso do mou‑ se da mesa. A digitalização é um procedimento geralmente custoso e demorado, pois requer a digitalização de linhas, ajuste dos nós, geração de topologia e rotulação (identificação) de cada dado geográfico (câmara et al., 1996). Os produtos cartográficos, como fotografias aéreas e cartas topográficas, também podem ser digitalizados por meio de um scanner – um equipamento ótico­‑eletrônico de varredura que captura textos, gráficos e imagens e transforma­ ‑os em sinais digitais, que são codificados pelo computador, formando imagens matriciais. Após a conversão para ambiente digital, as informações presentes numa carta topográfica escanerizada (estradas, drenagem, curvas de nível e ponto cotado, por exemplo) ou de uma fotografia aérea (diferentes tipos de uso e co‑ bertura vegetal, por exemplo) podem ser con‑ vertidas para o formato vetorial diretamente na tela do computador (procedimento denomina‑

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do de vetorização) com auxílio de programas desenvolvidos especificamente para executar esta tarefa (como o software R2V) ou usando módulos de vetorização implementados no SIG, como no caso do ILWIS. As entidades gráficas de um mapa e seus atributos numéricos ou textuais podem ser im‑ portadas para um SIG desde que estejam num formato compatível com a sua leitura. Para os arquivos de linhas, pontos e polígonos, os dois formatos mais comuns são o DXF (Drawing eX‑ change Format) e o Shapefile. O DXF é o for‑ mato de exportação dos arquivos do programa AutoCad da empresa Autodesk. Já o Shapefile é um formato desenvolvido pela ESRI () para trabalhar com SIG propriamente dito. O Shapefile é compos‑ to por três arquivos: um com a extensão .shp (shapefile shape format), que contém os dados das referências geográficas primárias; a extensão .dbf (shapefile attribute format), que armazena os atri‑ butos de cada entidade gráfica; e por um arquivo .shx (shapefile index format), responsável pela liga‑ ção da entidade gráfica com os atributos. No caso das imagens matriciais georreferen‑ ciadas, o principal formato é o GeoTIFF, um padrão de metadados de domínio público o qual permite embutir informações das coor‑ denadas geográficas em um arquivo TIFF. As informações adicionais incluem projeções car‑ tográficas, sistema de coordenadas, elipsoides e datums. O Geospatial Data Abstraction Library  – GDAL () é uma biblio‑ teca para tradução de formatos de dados geo‑ espaciais, que inclui tanto dados raster quanto vetoriais, distribuída pela Open Source Geospatial Foundation. Existem, atualmente, vários progra‑ mas que contam com o recurso GDAL, inclusive o ILWIS. Os avanços nas áreas de Sensoriamento Remoto (ver Capítulo 9 – Técnicas de Senso‑ riamento Remoto), com o lançamento de no‑ vos sistemas sensores e técnicas modernas de

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CONVERTENDO OS DADOS DO MUNDO REAL PARA O SIG Os conceitos de modelos baseados em campo e objeto Segundo Worboys (1995), num Sistema de Informação Geográfica o espaço é modelado segundo duas visões: os modelos baseados em campos e objetos. O modelo de campo (também conhecido como geocampo) é um modelo matemático que representa uma superfície contínua de fenôme‑ nos geográficos. Um exemplo de geocampo são os modelos digitais do terreno (MDT ou DTM, de Digital Terrain Model). Na maioria das vezes o seu conceito está relacionado à forma de repre‑ sentação denominada pela cartografia temática de método isarítmico (Figura 11.1).

Arquivo dos autores

processamento de imagens, têm ampliado as aplicações dos SIG para classificar imagens de alta resolução utilizando abordagem cognitiva (blaschke; kux, 2005). Muito mais que se constituírem em simples dados de entrada para o SIG, o sensoriamento remoto e os dados ad‑ quiridos pelo sistema de posicionamento global GPS (ver Capítulo 10 – Técnicas de Localização e Georreferenciamento) possuem um grande po‑ tencial no IGIS. O IGIS, do inglês, Integrated GIS, é o que Davis e Simonett (1991) denomi‑ nam de “união entre esses diferentes sistemas numa mesma base de dados”. As funções de processamento compreendem uma ampla gama de recursos que abrange desde operações bastante simples de consulta a banco de dados até operações complexas que fazem uso de modelos matemáticos avançados de si‑ mulação. As funções de processamento presen‑ tes no SIG variam de um programa para outro, dependendo de sua aptidão. Técnicas de proces‑ samento digital de imagens de sensoriamento remoto – como correção geométrica, realce e classificação, além de Modelagem Digital do Terreno (MDT), álgebra de mapas, análises de fluxos e eventos pontuais e de polígonos – são alguns exemplos de técnicas incluídas nesta mo‑ dalidade. A visualização e plotagem (acabamento dos mapas e impressão) são destinadas à visuali‑ zação dos resultados em tela e elaboração do layout, que nos mapas precisam conter a infor‑ mação de toponímia, escala, legenda, coorde‑ nadas e diversas outras informações que fazem parte da linguagem cartográfica. Todos os módulos citados relacionam­‑se de forma hierárquica e os dados são armazenados no banco de dados geográficos. De acordo com Câmara et al. (1996), tradicionalmente, o SIG armazenava os dados geográficos em arquivos internos. Esse tipo de solução vem sendo subs‑ tituído pelo uso cada vez maior de um Sistema Gerenciador de Banco de Dados conhecido como SGBD.

Figura 11.1. Mapas mostrando diferentes superfícies contínuas (geocampos) geradas a partir de pontos cotados que foram digitalizados da carta topográfica (1: 50.000) da região de Pariquera­‑Açu, litoral sul do estado de São Paulo. O tipo de MDT empregado é conhecido como análise de superfície de tendência que ajusta diferentes graus de polinômio aos dados analisados. Organização dos autores.

capítulo 11 – sistema de informação geográfica

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Figura 11.2. Indicadores de qualidade ambiental urbana. Subprefeitura de Santo Amaro, município de São Paulo/SP. Os mapas mostram diferentes informações relacionadas à infraestrutura urbana. Organização dos autores.

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As entidades gráficas adotadas nos modelos As duas abordagens fundamentais na repre‑ sentação do componente espacial são o modelo vetorial e o modelo raster (também conhecido como modelo matricial). Estas duas formas de representação serão rapidamente discutidas a se‑ guir, descrevendo apenas as suas características principais. De acordo com Burrough e McDonnell (1998), o modelo de dado vetorial representa o espaço como uma série de entidades discretas definidas por unidades de pontos, linhas e po‑ lígonos (áreas) geograficamente referenciadas por coordenadas cartesianas. A Figura 11.3 ilus‑ tra um exemplo com pontos, linhas e polígono no sistema de projeção Universal Transversa de Mercator (UTM). Um ponto constitui um par ordenado de coordenadas (x, y) no mapa. As linhas, arcos

Arquivo dos autores

O modelo de objeto (ou geo­‑ objeto) con‑ siste numa representação do espaço de infor‑ mação dentro de objetos ou entidades indivi‑ dualizadas. A característica que o distingue do geocampo é a forma de representação do es‑ paço como um elemento único. Esses elemen‑ tos possuem atributos não espaciais e estão associados a múltiplas localizações geográficas (câmara; monteiro, 2004). Em analogia à cartografia temática, trata­‑se da forma de re‑ presentação coroplética, como é possível ve‑ rificar na Figura 11.2. Nessa figura, as infor‑ mações presentes em cada setor censitário são discretas (geo­‑objeto) e o seu comportamento espacial não depende necessariamente da vizi‑ nhança. De acordo com Burrough e McDonnell (1998), a escolha do modelo conceitual é im‑ portante porque o modelo determina como os dados podem ser trabalhados com os diferentes algoritmos definíveis nos SIG.

práticas de geografia

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Sérgio Fiori

Y

+ +

+

+

+

+

+ +

+

+

Lagos Drenagem Vias Pontos cotados

+ + + + + ++ + + + + + + + + + + + + ++

+

+

UTM

X

Figura 11.3. Representação vetorial: pontos, linhas e polígono. Organização dos autores.

ou elementos lineares são conjuntos de pontos conectados por vetor. Um polígono é a região do plano limitada por uma ou mais linhas po‑ ligonais conectadas de tal forma que o último ponto de uma linha termina exatamente no seu primeiro ponto. Conforme pode ser observado na Figura 11.3, no início e término de cada linha, existe um nó (representado por um pequeno quadrado). Todas as drenagens estão conectadas por um nó formando o conjunto o sistema de drenagem. A correta conexão das linhas é importante no SIG para se poder trabalhar com projetos de direção e velocidade dos fluxos de drenagem. Num SIG, as entidades gráficas vetoriais e os atributos nele associados podem ser arma‑ zenados num sistema hierárquico denominado de topológico. A topologia descreve as relações matemático­‑espaciais existentes entre os obje‑ tos e tem sido bastante estudada para o desen‑ volvimento de operadores de análises espaciais (egenhofer; franzosa, 1991; clementini et al., 1993). Quando analisada sob a ótica to‑ pológica, a rede de drenagem estruturada é or‑ ganizada de tal forma que possibilita ao sistema responder algumas perguntas do tipo: ¾ ¾Quais as drenagens que fazem parte da mar‑ gem direita e da margem esquerda do rio principal? ¾¾Qual a drenagem e a ordem (organizada, por exemplo, segundo a metodologia de Strahler) que deságua no lago?

¾¾Quais são as linhas de drenagem de primeira ordem localizadas a montante do lago? ¾¾Dentro de uma faixa de 100 metros de dis‑ tância da via, quais são os pontos cotados que estão dentro desse intervalo? Os softwares Terra View e o Sistema de In‑ formações Georreferenciadas (SPRING), ambos desenvolvidos pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) são exemplos de programas que trabalham com topo‑ logia em suas operações de análise espacial. Em‑ bora o ILWIS não constitua um SIG que utilize fundamentalmente o modelo de dados vetorial, também oferece a possibilidade de extrair uma rede de drenagem de um Modelo Numérico de Terreno (MNT). O sistema permite criar arquivos gráficos (matriciais e vetoriais) ligados a tabe‑ las de atributos, que contêm (em cada curso de água), o número de ordem de Strahler, o número de ordem de Shreve, o comprimento total do cur‑ so de água calculado ao longo da linha de drena‑ gem e também calculado em linha reta, além de outras informações produzidas automaticamente. Embora o uso da topologia não seja exclusivo dos SIG que utilizam o modelo de dados gráficos raster ou matricial, tradicionalmente atribui­‑se essa característica aos sistemas vetoriais. Isso é de fato uma necessidade quando se pretende tra‑ balhar com redes (por exemplo, de transportes), executar funções de geocodificação (atribuição de coordenadas relacionadas ao seu endereço postal) e outras operações de análise espacial complexa que somente teriam sentido no espaço gráfico contínuo do modelo vetorial. Na representação raster ou matricial, o espa‑ ço é regularmente dividido, de forma discreta, dentro de células ou pixels (de picture element) geralmente quadradas. A localização dos objetos geográficos é estruturada pela posição da célula em relação ao número de linhas e colunas. Con‑ forme colocam Câmara e Monteiro (2004), nes‑ sa representação, o espaço é representado como uma matriz P (m, n) composto de m colunas e

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das feições representadas (marble, 1990). O efeito de degradação da conversão vetorial → raster é ilustrado na Figura 11.5. Comparando brevemente as estruturas veto‑ riais e raster, algumas diferenças que repercutem no domínio de aplicação são observadas. A Tabe‑ la 11.1 sintetiza algumas destas características.

O SIG ILWIS O SIG ILWIS é um software livre e de código aberto desenvolvido pelo ITC da Holanda, que contém uma ampla gama de recursos voltados para entrada de dados, tanto que muitos usuá‑ rios o empregam principalmente como interface de conversão de formato entre diversos pacotes SIG ou apenas para digitalização e vetorização em tela, edição e recuperação de arquivos gráfi‑ cos (tanto matriciais como vetoriais). O progra‑ ma é baixado gratuitamente na página eletrôni‑ ca . No site do ITC (), encontra­‑ se disponível o tutorial do ILWIS em diferentes línguas. Quando familia‑ rizado com o programa, o usuário também pode baixar o guia de aplicações do ILWIS (Aplication Guide), que trata de assuntos mais específicos que abordam diferentes temas. Outros SIG gratuitos como o SPRING (de‑ senvolvido pelo INPE) e GRASS (Geographic Resources Analysis Support System) também po‑

Vetorial P(1,1)

P(6,1)

P(1,6)

P(6,6)

10

100 linhas e 100 colunas 31 kb

Pixel

Digital Number (DN)

Figura 11.4. Imagem de satélite mostrando em detalhe os pixels da imagem e os seus valores correspondentes em números digitais (digital number). Fonte: Jensen (1996).

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25

40 linhas e 40 colunas 6 kb

Área 1000 x 1000 m² - Arquivos TIFF

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10 linhas e 10 colunas 1 kb 0

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Arquivo dos autores

Arquivo dos autores

n linhas em que cada célula possui um número de linha, um número de coluna e um valor cor‑ respondente ao atributo estudado e cada célula é individualmente acessada pelas suas coordena‑ das. As imagens de satélite (Figura 11.4), mapas escanerizados e modelos de superfície contínuas geradas por métodos de interpolação espacial (que adotam malha de grade regular retangu‑ lar) são alguns exemplos de dados com estrutura raster. Por ter essa estrutura espacial discreta, formada por células, os mapas e as imagens que seguem a representação matricial apresentam a característica de serem “opacos”, ou seja, não transparentes, se comparados aos produtos gráfi‑ cos provenientes da representação vetorial. Ain‑ da, é este o principal motivo pelo qual se utili‑ zam imagens de satélite e mapas escanerizados (produtos tipicamente matriciais), como fundo gráfico sobre o qual se sobrepõem mapas veto‑ riais em processo de criação ou atualização. Esse processo é conhecido como vetorização manual ou digitalização na tela (screen digitizing) e nos últimos anos, por motivos óbvios, veio substituir quase totalmente o uso da mesa digitalizadora. A conversão de um dado com estrutura ve‑ torial → raster (mais comum) ou raster → vetor é normalmente feita sem dificuldade, pois a maio‑ ria dos programas existentes conta com esse tipo de recurso, que é conhecido como vetorização automática. Porém, é importante tomar cuida‑ do com o uso indiscriminado deste recurso para não degradar a qualidade e o posicionamento

Figura 11.5. Conversão da estrutura vetorial para o raster com diferentes valores de tamanho do pixel (10, 25 e 100 metros). Note o efeito de degradação da feição gráfica. Organização dos autores.

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dem ser utilizados para desenvolver as aplicações descritas a seguir.

Mapeando a fragilidade ambiental O mapeamento da fragilidade ambiental é importante para o planejamento físico­‑territorial porque avalia as potencialidades do meio am‑ biente de forma integrada, compatibilizando as características naturais do terreno com as suas restrições. Assim, informações relacionadas, por exemplo, ao tipo de solo, condições do terreno e uso da terra e cobertura vegetal são analisadas de forma integrada, gerando um produto sínte‑ se que expressa a combinação desses temas à vulnerabilidade ou fragilidade do ambiente ao desencadeamento dos processos erosivos. Tradicionalmente, este tipo de análise in‑ tegrada tem sido feito há bastante tempo na geografia por meio de sobreposição de pranchas utilizando papel vegetal, ultrafan, acetato ou projetores de luz. Ross (1994) foi quem siste‑ matizou a análise da fragilidade ambiental no Brasil propondo uma metodologia (amplamente difundida) intitulada Análise Empírica da Fragili‑ dade dos Ambientes Naturais e Antropizados. Essa

metodologia combina informações do relevo, solo, e graus de proteção do solo para mapear cinco classes de fragilidade: Muito Fraca (1), Fraca (2), Média (3), Forte (4) e Muito Forte (5). Os procedimentos operacionais para a cons‑ trução do mapa de fragilidade ambiental exi‑ gem, num primeiro instante, a confecção dos mapas do relevo, solo, geologia, clima, uso da terra e cobertura vegetal. Posteriormente, essas informações são analisadas de forma integrada para gerar num primeiro momento o mapa de fragilidade potencial (produto que sintetiza a fra‑ gilidade do relevo juntamente com a do solo). O mapa de fragilidade potencial é combinado, num segundo momento, com as informações do uso da terra e cobertura vegetal gerando­‑se o mapa de fragilidade ambiental (vulnerabilidade do am‑ biente associada com os graus de proteções que os diferentes tipos de uso da terra e cobertura vegetal oferecem). As informações do relevo são extraídas das cartas de declividade, também chamadas de cli‑ nográficas. Os intervalos de declividade obede‑ cem aos estudos já consagrados de capacidade de uso/aptidão agrícola associados com os valo‑ res críticos da geotécnica. Eles indicam, respec‑ tivamente, o vigor dos processos erosivos, dos

Tabela 11.1 – Comparação entre modelos vetoriais e raster Aspecto

Representação vetorial

Representação raster

Relações espaciais entre objetos

Relacionamentos topológicos entre objetos disponíveis

Relacionamentos espaciais devem ser inferidos

Ligação com banco de dados

Facilita associar atributos e elementos gráficos

Associa atributos apenas a classes do mapa

Análise, simulação e modelagem

Representação indireta de fenômenos contínuos; álgebra de mapas é limitada

Representa melhor fenômenos com variação contínua no espaço; simulação e modelagem mais eficiente

Escalas de trabalho

Adequado tanto para escalas grandes quanto pequenas

Mais adequado para pequenas escalas (1: 25.000 e menores)

Algoritmos

Problemas com erros geométricos

Processamento mais rápido e eficiente

Armazenamento

Por coordenadas (mais eficiente)

Por matrizes

Fonte: Câmara e Monteiro (2004).

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riscos de escorregamento/deslizamento e inun‑ dações frequentes. Em relação à fragilidade do solo, considera­‑se a erodibilidade, que consiste na sua vulnerabilidade em relação à erosão. Informações da geologia são valiosas para a análise da fragilidade ambiental. As carac‑ terísticas de solo, relevo e vegetação variam de acordo com as distribuições litológicas e estru‑ turais do terreno. Os processos morfodinâmicos comportam­‑se de forma diferenciada em função do grau de coesão dos minerais e dos possíveis eventos tectônicos. Outro elemento que interfere no processo erosivo é o tipo de uso da terra e a cobertura vegetal. Além de proteger o solo contra a perda de material, o uso adequado e a cobertura vege‑ tal protegem­‑no direta e indiretamente contra os efeitos modificadores das formas do relevo, como por exemplo, da explosão das gotas de chuva sobre o solo e de sua compactação. Dados climáticos, principalmente de precipi‑ tação, são um dos elementos mais importantes neste tipo de análise porque a chuva exerce papel direto nos processos morfodinâmicos, ativando a erosão e os movimentos de massa. A pluviosida‑ de total, a intensidade e o regime pluviométrico são os principais fatores envolvidos nos proces‑ sos erosivos. A representação destes fatores está disposta na Figura 11.6, cujos mapas foram ela‑ borados por Campos (2001) e Kawakubo (2003) para o mapeamento da fragilidade ambiental numa bacia com pouco mais de 7.896 hectares, denominada de córrego do Onofre, localizada no município de Atibaia/SP.

Modelo Digital do Terreno (MDT) Diferentemente das curvas de nível que re‑ presentam as variações espaciais do relevo es‑ paçadas pela equidistância das linhas, o Modelo Digital do Terreno (MDT) representa de forma contínua as variações espaciais do terreno (um tipo de geocampo). Existem diversos métodos

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de derivação da superfície do MDT; por exem‑ plo, por meio de técnicas fotogramétricas (que fazem uso da geometria das fotografias aéreas); métodos matemáticos de interpolação espacial (como os modelos de superfície de tendência, krigagem, inverso do quadrado da distância etc.); e os mais modernos, por interferometria de ra‑ dar de abertura sintética – SAR (que utiliza um par de imagens SAR no modo complexo, ou seja, que possui informação de amplitude e fase da onda para gerar o MDT). O MDT do ILWIS é gerado a partir da in‑ terpolação espacial das curvas de contorno utilizando uma estrutura de grade regular re‑ tangular. A operação empregada baseia­‑se na distância de Borgefors (GORTE; KOOLHO‑ VEN, 1990) e pode ser dividida em duas eta‑ pas. A primeira é a conversão das linhas de contorno do formato vetorial para o raster. Após essa conversão, os pixels cobertos pela linha de contorno possuem valores de altitude e os demais pixels estão com valores indefinidos. A segunda é a interpolação linear feita entre os pixels com valores de altitude, para obter as ele‑ vações dos pixels com valores indefinidos entre as linhas de contorno rasterizadas (ou seja, que foram convertidas de vetor para raster). As principais aplicações do MDT na Geo‑ grafia consistem na geração de cartas de altitu‑ de, declividade, orientação das vertentes, forma (expressando a morfologia retilínea, côncava ou convexa das vertentes), sombra, visibilidade, análises de perfis, modelagem hidrológica e ge‑ ração de superfícies 3D. Para informações com‑ plementares sobre os métodos de interpolação espacial e suas aplicações, sugere­‑se a consulta do livro de Burrough (1986). O modelo 3D possibilita a visualização do relevo em diferentes perspectivas. Após a seleção adequada dos parâmetros de visualização utili‑ zando a malha de arame (aramado), é possível sobrepor a imagem de satélite sobre o aramado (drape). O resultado é uma imagem de satélite em 3D (ver Figura 11.7, na página XXX).

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Campos (2001) / Kawatubo (2003)

Figura 11.6. Mapas do córrego do Onofre (município de Atibaia/SP). Mapa 11.6a: geologia; mapa 11.6b: solos; mapa 11.6c: altimetria; mapa 11.6d: declividade; mapa 11.6e: uso e ocupação do solo.

Uma carta clinográfica registra a inclinação do terreno medida em graus ou porcentagem. Para a sua geração, dois procedimentos são executados. Primeiro calcula­‑se a inclinação do terreno com base na superfície do MDT. De‑ pois, aplica­‑se uma classificação unidimensional (fatiamento ou slicing, do inglês) para agrupar os intervalos de inclinação do terreno.

O cálculo da declividade do terreno é feito combinando filtros espaciais de gradiente (ho‑ rizontal DFDX e vertical DFDY) sobre a super‑ fície do MDT (Figura 11.8), seguida pela aplica‑ ção de uma fórmula. De acordo com Morato (2000), os filtros gra‑ dientes funcionam como janelas móveis, come‑ çando pelo pixel da primeira linha e primeira

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Arquivo dos autores

Arquivo dos autores

Figura 11.8. Filtros espaciais de gradiente horizontal (DFDX) e vertical (DFDY) empregados para o cálculo da declividade do terreno. Organização dos autores.

coluna. Os valores de cada filtro são multipli‑ cados pelos valores dos pixels correspondentes no MDT. Os resultados são somados e o valor resultante é multiplicado por 1/12 e armazenado no pixel central. A janela se move um pixel para a direita e o procedimento é repetido até o último pixel do MDT. A imagem com dados clinográficos contém valores contínuos de declividade expressos em porcentagem. Para agrupar os valores de decli‑ vidade em intervalos, aplica­‑se uma classificação com um algoritmo de fatiamento (slicing) – que nada mais é que uma classificação unidimen‑ sional em que valores mínimos e máximos são definidos para o corte. Existem diversas formas de se combinar e extrair informações de um mapa seja no formato vetorial ou no modelo raster. A álgebra de campo é uma variação da álgebra de mapas que trata especialmente de combinação de mapas em for‑ mato raster. A sua abordagem baseia­‑se, primei‑ ro, na conversação das variáveis consideradas na análise para um modelo de grade regular retan‑ gular que possui o mesmo número de linhas e colunas (padronização). Posteriormente, os ma‑ pas são combinados de acordo com os objetivos pretendidos na análise.

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Tomlin (1990) divide as operações de álgebra de campo em três classes: as operações pontuais, zonais e de vizinhança. A Figura 11.9 ilustra es‑ tas operações. As operações pontuais são as formas mais comuns de álgebra de campo. Os mapas empi‑ lhados em forma de layers são combinados de maneira vertical, considerando apenas a posição do pixel de cada mapa. As operações zonais são também conhecidas como por regiões. Este tipo de operação traba‑ lha basicamente com dois campos: um numérico e outro temático. O campo numérico pode ser uma imagem índice de vegetação (NDVI, por exemplo) derivada do Landsat 7 ETM+, cujos valores variam de –1 a +1 (valores teóricos que representam, respectivamente, a ausência total Arquivo dos autores

Figura 11.7. Imagem 3D de trecho de bacia hidrográfica com a composição colorida 5R4G3B do Landsat ETM+ sobreposta ao MDT (um tipo de aplicação do geocampo que integra MDT com imagem de satélite). Organização dos autores.

Figura 11.9. Os três principais tipos de operações sobre geocampo segundo Tomlin (1990). Organização dos autores. Fonte: Barbosa (1997), adaptado.

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e a densidade máxima de vegetação). O campo temático pode representar os limites municipais. Aplicando a operação de média zonal, é pos‑ sível extrair o valor médio de NDVI para cada município. É importante lembrar que o limite municipal pode ser tanto raster (campo) quanto vetorial (objeto). Por fim, as operações de vizinhança são aquelas cujo valor observado em uma determi‑ nada posição é influenciado pelas condições de sua vizinhança. A vizinhança é definida como uma área adjacente a uma determinada loca‑ lização geográfica cujas condições afetam o processo em estudo naquela posição (barbosa, 1997). As cartas clinográficas são geradas a partir de filtros espaciais que consideram os valores de vizinha do MDT. O mapeamento da fragilidade ambiental será feito utilizando um operador do tipo pontual que combina os mapas de declividade, solo e uso da terra/cobertura vegetal de maneira qualitativa. Com o uso de uma tabela bidimensional, os ma‑ pas são combinados de forma pareada (linha x coluna) formando uma matriz de comparação. O resultado da tabulação é definido pelo usuá‑ rio, resultando num terceiro mapa que guarda as características estabelecidas pela interseção tabulada. Para combinar um mapa de declividade com o de solo, é preciso que ambos os mapas este‑ jam em formato raster com o mesmo tamanho de pixel e de números de linhas e colunas que o mapa de declividade.

Analisando dados socioeconômicos O SIG é particularmente útil para analisar dados socioeconômicos, como dados populacio‑ nais, por exemplo. É possível fazer mapas com dados primários ou dados secundários. Os dados primários são aqueles levantados pela própria instituição ou pela pessoa que realiza uma pes‑ quisa. Os dados secundários são provenientes

de outras fontes, como o Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1. O censo é a coleta de dados sobre todos os domicílios e seus habitantes, em todo o país, portanto, não é feito por amostragem. No Bra‑ sil, os censos demográficos são realizados de 10 em 10 anos e o IBGE é, por lei, o órgão respon‑ sável pela sua realização. A exceção foi o censo de 1991, que deveria ter ocorrido em 1990. As informações que compõem os questionários dos censos variam a cada 10 anos. Isso ocorre por‑ que as informações que refletem a realidade de um decênio podem não refletir a realidade dos dez anos seguintes; certos dados podem perder importância e outros dados podem ser inseridos na pesquisa. O censo permite o conhecimento do país, dos estados e dos municípios. Com os dados do recenseamento o Governo poderá, por exemplo: identificar os locais onde é mais importante in‑ vestir em saúde, educação, habitação, transpor‑ tes etc.; identificar onde são necessários progra‑ mas de incentivo ao crescimento econômico, como instalação de polos industriais; ter parâ‑ metros para a distribuição do dinheiro público, dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (IBGE, 2010). Comerciantes, industriais e o setor produtivo de um modo geral utilizam os dados do censo para escolher onde instalar suas fábricas, super‑ mercados, shopping centers, escolas, cinemas etc.; para conhecer melhor os trabalhadores brasilei‑ ros – quem são, o que fazem, como moram. Essa informação é muito importante para os sindi‑ catos, associações profissionais e entidades de classe; para pedir a atenção dos governos para problemas específicos, como a expansão da rede de água e esgoto, a instalação de postos de saúde e assim por diante.

1 Ver Capítulo 14 – Uso e Registro de Fontes Bibliográ‑ ficas deste livro.

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NA SALA DE AULA Para aprender a utilizar o SIG, é fundamental ter acesso a um computa‑ dor e a programas de mapeamento que podem, facilmente, ser instalados usando internet. O ILWIS, por exemplo, pode ser baixado gratuitamente do site oficial da empresa e sua instalação é razoavelmente simples. Alguns sites disponibilizam exemplos de aplicação e exercícios que promovem o uso do ILWIS e, consequentemente, a aprendizagem do SIG – além de tabelas, vetores, arquivos de pontos e de áreas que podem ser utilizados em exercícios. Universidade Martin­‑Luther Este site disponibiliza informações em inglês. . ILWIS Aprenda sozinho o SIG por meio de exercícios práticos. O site apresenta arquivos de dados, em inglês. . Praticando Geografia Traz arquivos de dados e exercícios para o aprendizado do ILWIS. Em português. . Earthquake Vulnerability and Multi­‑Hazard Risk Assessment: Geo‑ spatial Tools for Rehabilitation and Reconstruction Efforts Apresenta um estudo de caso completo de utilização do ILWIS 3. Trata­ ‑se de uma boa introdução. A análise reúne dados do Norte do Paquistão e está em inglês. .

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário

Dicas na internet

Krigagem: é a forma aportuguesada de kriging. Kri‑ gagem é um grupo de métodos de interpolação que procura estimar os valores de determinados fenômenos e possui continuidade espacial com base em amostras de pontos conhecidos. A técnica de krigagem possui grande vantagem em relação a outros métodos de interpolação por permitir calcular o erro associado a cada estimativa. Coroplético: método de produção de mapas temáti‑ cos que utiliza dados quantitativos relativos, tais como taxas, densidades ou índices por meio de uma sequên‑ cia ordenada de cores ou tonalidades.

52north: . FreeGIS: . GeoLivre: . Geo.NET: . gvSIG: . MundoGEO: . Open Geospatial Consortium: . Open Source GIS: . Spring: .

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KAWAKUBO, F. S.; CAMPOS, K. C.; MORATO, R. G.; LUCHIARI, A. Cartografia da fragilidade ambiental com uso de técnicas de sensoriamento remoto e de análise espacial. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM GEOGRA‑ FIA, 1, 2003, São Paulo. Anais… São Paulo: USP, 2003. LONGLEY, P. A.; GOODCHILD, M. F.; MAGUIRE, D. J.; RHIND, D. W. Geographic information systems and science. Chichester: John Wiley & Sons, 2007. MAGUIRE, D. J. An overview and definition of GIS. In: MAGUIRE, D. J.; GOODCHILD, M. F.; RHIND, D. W. Geographical information systems: principles and applications. London: Longman, 1991. v.1. MAGUIRE, D. J; GOODCHILD, M. F.; LONGLEY, P. A. Geographic information systems and science. Chi‑ chester: John Wiley & Sons, 2005. MARBLE, D. F. Geographic information systems: a overview. In: PEUQUET, D.; MARBLE, D. F. Introduc‑ tory readings in geographic information systems. Londres: Taylor & Francis, 1990. MORATO, R. G. O geoprocessamento como sub‑ sídio ao estudo da fragilidade ambiental. Mono‑ grafia (Graduação). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Uni‑ versidade de São Paulo. São Paulo, 2000. PEUQUET, D. J. A conceptual framework and compa‑ rison of spatial data models. Cartographica, v. 21, n. 4, pp. 66­‑113, 1984. PROMINÉRIO. Mapa geológico da quadrícula de Atibaia. Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas – UNESP, 1985. Escala 1: 50.000. ROSS, J. L. S. Análise Empírica da Fragilidade dos Am‑ bientes Naturais e Antropizados. Revista do Depar‑ tamento de Geografia. São Paulo, DG­‑ FFLCH­‑USP, n. 8, pp. 63­‑74, 1994. SNOW, J. Sobre a maneira de transmissão do có‑ lera. São Paulo: Hucitec, 1999. TOMLIN, C. D. Geographic information systems and cartographic modelling. New Jersey: Prentice Hall, 1990. WESTEN, C.; FARIFTEH, J. ILWIS – Integrated Land and Water Information System. User’s Guide. Enschede, ITC – International Institute for Aerospace Survey & Earth Sciences, 1997. WORBOYS, M. F. GIS: a computing perspective. London: Taylor and Francis, 1995.

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SOBRE OS AUTORES Fernando Shinji Kawakubo é geógrafo formado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e mestre em Geografia Física pela mesma instituição. Atualmente desenvolve doutorado na área de sensoriamento remoto aplicado ao mapeamento do uso da terra e cobertura vegetal. Desde 2009 é professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL­‑ MG), onde leciona disciplinas nas áreas de Sensoriamento Remoto, Cartografia e Sistema de Informação Geográfica. Rúbia Gomes Morato possui bacharelado em Geografia (2000), mestrado em Geografia Física (2004) e doutorado em Geografia Humana (2008), todos pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É professora doutora (RDIDP) dos cursos de bacharelado e licenciatura em Geografia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL­ ‑MG) desde 2009, onde leciona disciplinas de Carto‑ grafia, Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento. Desenvolve pesquisas sobre geoprocessamento em áreas urbanas. Reinaldo Paul Pérez Machado possui graduação em Licenciatura Plena pela Universidad de La Habana (1981) e é doutor em Geografia Humana pela Facul‑ dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Uni‑ versidade de São Paulo (2001). Fez pós­‑doutorado na Universitat de Barcelona (2006­‑2007) e na Universidade de Columbia, em Nova Iorque (2009). É professor dou‑ tor na graduação e pós­‑graduação do Departamento de Geografia da FFLCH/USP desde 1994. Participa do Programa Erasmus Mundus, na Faculty of Geoinfor‑ mation Science and Earth Observation da Holanda (2010). Tem experiência na área de Cartografia, com ênfase em Geografia Urbana, Geoprocessamento, SIG aplicado a temas sociais, Análise Espacial e Sensoria‑ mento Remoto.

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Técnicas de Geografia da Saúde

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Eduardo Justiniano

Lígia Vizeu Barrozo

Introdução, 290 Teorias e métodos em geografia da saúde, 292

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Técnicas em geografia da saúde, 293 Na sala de aula, 304

Considerações finais, 308 Referências de apoio, 309 Sobre o autor, 310

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INTRODUÇÃO O presente capítulo tem como proposta introduzir o leitor na Geografia da Saúde, suas principais abordagens, cálculos e técnicas básicas utilizadas nesta área do conhecimento da Geografia. A chamada Geografia Médica, para uns, ou da Saúde1, para outros, ainda tem seus limites de campo de estudo e terminologias mal definidos (picheral, 1998: 229). A Geografia da Saúde emergiu da Geografia Médica, termo cujo primeiro emprego é atribuído ao médico naturalista alemão Finke, em 1772. Com origens nas observações das relações entre ambiente físico e saúde por Hipócrates em sua obra Dos Ares, das Águas e dos Lugares2 , ainda na Anti­ guidade, a Geografia Médica, enquanto área do conhecimento da Geografia, ganha seus fundamentos e impulso com as obras de Sorre (1943) e May (1950). O interesse sistemático em Geografia Médica ocorreu após a formação da Co­ missão de Geografia Médica pela União Geográfica Internacional no Congresso Internacional de Lisboa, em 1949. A mudança de termo Geografia Médica para Geografia da Saúde ocorreu bem mais tarde, em 1976, quando a Assembleia Geral da União Geográfica Internacional, reunida em Moscou, votou por acabar com a Comissão de Geografia Médica, estabelecendo um Grupo de Trabalho em Geografia da Saúde (barrett, 1986). No entanto, o novo termo não foi aceito por todos os pesquisadores da área, o que explica a coexistência de ambos. O debate epistemológico tem sido mais vigoroso nas publicações de origem anglo­ ‑saxônica, já que, segundo Salem (1995), a posição institucional da Geografia da Saúde francesa é mais fraca. Enquanto para alguns os termos podem ser intercambiáveis, para outros, Geografia Médica envolve a perspectiva ecológica e espacial da doença e dos serviços de saúde (meade et al., 1988), com base em um modelo biomédico e métodos quantitativos. A Geografia da Saúde consi­ deraria a relação dinâmica entre saúde e lugar e os impactos tanto dos serviços de saúde quanto da saúde dos grupos populacionais na vitalidade dos lugares (kearns, 1993: 145). O debate acadêmico acerca dos termos e as diferenças em suas abordagens apresentam interessantes argumentos pelos dois grupos, mas não é o escopo deste capítulo. A riqueza dessa área do conhecimento reside no ecletismo das abordagens e métodos ( mayer, 1982: 227) e na expansão sem precedentes da pesquisa sobre a saúde das populações, pessoas e lugares (rosenberg, 1998: 211). No entanto, para que a definição e os campos de abordagens da área não fiquem por demais vagos, pode­‑se recorrer à definição de Mayer (2001) para

1 A expressão “Geografia da Saúde” pode ser encontrada em inglês como health geography ou geography of health. 2 O texto original em português pode ser acessado em: (acesso: ago/2010).

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Geografia Médica (Medical Geography), na Enciclopédia Internacional de Ciên­ cias Sociais e do Comportamento: “[…] a Geografia Médica lida com a aplicação dos principais conceitos e teorias deri‑ vados da Geografia Humana e Física a questões de saúde e doença. Como tal, não é ape‑ nas um subcampo da geografia de rápido desenvolvimento, mas deveria ser considerado como um campo dentro da saúde pública”. (mayer, 2001: 9518)

Segundo Mayer (2001), as tradições da Geografia Médica incluem quatro linhas principais: a) a análise das relações entre cultura, comportamento, popu­ lação, ambiente e doença (usualmente denominada “ecologia das doenças”); b) a identificação de padrões sociais da doença e a explicação desses padrões com base nos processos social, ambiental e cultural que geram tais padrões; c) análise das considerações geográficas no planejamento e administração de sistemas de saúde; d) a consideração de saúde e doença nos contextos mais amplos da sociedade, economia política, estrutura social e padrões de poder. Gerard Salem define Geografia da Saúde (Géographie de la Santé) no Dic‑ tionnaire de la Géographie et de l’espace des sociétés: “[…] a Geografia da Saúde é o estudo descritivo e explicativo das disparidades espaciais de saúde. Ela identifica e hierarquiza para cada tipo de unidade espacial, os fatores de riscos para a saúde (ambientais, sociais, culturais etc.). Ela traz, então, um interesse particular à geografia das doenças e do sistema de cuidados (oferta, atividade, recursos) confrontado aos dados geográficos gerais. Os indicadores sanitários contribuem assim à geografia geral dos lugares. […] Entre as ciências sociais que abordam estes problemas, a abordagem geo‑ gráfica se distingue pelo interesse dado às dimensões espaciais e notadamente territoriais da saúde. Esta abordagem é dialética: ela visa, de um lado, a estabelecer o elo entre os modos de ocupação do espaço, enquadramento territorial e saúde; de outro, a avaliar a origem dos fatores de saúde na dinâmica espacial dos lugares considerados”. (lévy & lussault, 2003: 811)

No Brasil, a expansão recente da área tem consolidado o termo Geografia da Saúde, abrangendo tanto os estudos de ecologia das doenças quanto as outras abordagens. O termo tem sido incorporado, aos poucos, até mesmo pela literatura anglo­‑saxã.

capítulo 12 – técnicas em geografia da saúde

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TEORIAS E MÉTODOS EM GEOGRAFIA DA SAÚDE Entendendo­‑se teoria como uma forma de compreender o mundo, os trabalhos em Geogra‑ fia Médica ou da Saúde são criticados por apre‑ sentarem uma natureza aparentemente ateórica por se esquivarem da questão a qual todos os dados sobre fenômenos sociais são dependentes de conceitos, cometendo o erro do empiricismo (litva & eyles, 1995: 5). De acordo com Eyles (1993), “esta visão científica ‘normal’ da teoria evo‑ luiu da forte ligação que a Geografia Médica tem com as ‘ciências’ positivistas tais como epidemiolo‑ gia, economia e ciências do comportamento”, Litva & Eyles (1995: 5) apontam a geração de teoria como o desafio central para o desenvolvimento da Geografia da Saúde. Seria através do uso e da geração de teorias que a Geografia Médica dei‑ xaria de ser simplesmente um instrumento da biomedicina, como criticam alguns, para auxiliar na explicação e compreensão do mundo social. Essa crítica é importante para orientar o desen‑ volvimento desta área do conhecimento. No entanto, deve­‑se lembrar que a maior parte dos trabalhos em Geografia da Saúde responde a de‑ mandas sociais. Assim, embora a abordagem da ecologia das doenças por meio da representação cartográfica (o atlas de doenças) seja uma tradi‑ ção antiga da Geografia Médica e considerada ultrapassada, em alguns contextos, é somente por esse tipo de abordagem que se avança no conhecimento de endemias não completamente conhecidas como algumas micoses sistêmicas da América do Sul e doenças emergentes e reemer‑ gentes. O monitoramento por meio de visuali‑ zação cartográfica de pandemias, como a gripe suína (H1N1) de 2009, ilustra como a demanda direciona a pesquisa e tipo de abordagens nesta área do conhecimento. Litva & Eyles (1995) lem‑ bram que não existe uma teoria que melhor des‑ creva o mundo social. A adoção de uma teoria é muito mais uma questão de ser ela apropriada para a pergunta que se pretende responder.

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Os estudos aparentemente ateóricos em Geo‑ grafia da Saúde, na verdade seguem três grandes grupos de teorias (explícita ou implicitamente), segundo Litva & Eyles (1995: 7): o funcionalis‑ mo estrutural, o marxismo e o interacionismo simbólico. Qualquer que seja a teoria adotada em um estudo nesta área, o método de pesquisa deve ter início com o conhecimento da ecologia do patógeno (quando se estudam doenças infec‑ ciosas), vetores e hospedeiros, quando houver, condições ambientais favoráveis, fatores de risco, desenvolvimento do problema de saúde, profilaxia, tratamento, entre outros. Como o en‑ foque dos estudos das questões de saúde pelo geógrafo é a dimensão espacial, qualquer que seja a teoria adotada, a representação cartográ‑ fica é a técnica fundamental que permite visu‑ alizar a distribuição espacial do tema estudado e auxilia na elaboração de hipóteses sobre as relações dos problemas de saúde com aspectos ambientais e/ou socioeconômicos e demográfi‑ cos. Os mapas também constituem importantes instrumentos de apoio na identificação de áreas e grupos de risco ou que requerem maior aten‑ ção. Deve­‑se fazer um alerta quanto ao precon‑ ceito em relação às técnicas quantitativas. Em Geografia da Saúde, devido à proximidade com outras ciências como Epidemiologia e Biomedi‑ cina e às respostas que se pretende encontrar, o domínio das técnicas quantitativas (tais como estatística, estatística espacial e cartografia) é necessário em muitas abordagens, fornecendo base empírica para a análise crítica dos fenôme‑ nos. Moon & Kearns (2007) contribuem para o debate quando ponderam: “[…] As pesquisas em SIG pelas agências de saúde são muito aplicadas e podem ser importantes para as políticas de acesso aos cuidados à saúde, mas estão longe de ser um progresso para o conhecimento crítico.

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Inversamente, a pesquisa crítica pode mostrar que uma política de saúde é injusta e discriminatória, mas se não apontar alternativas, os benefícios são nulos para a humanidade”. (moon & kearns, 2007: 22)

A partir de 1980, a Geografia da Saúde co‑ meça a se diversificar. Esse pluralismo pode ser agrupado em cinco abordagens dominantes, em‑ bora não excludentes, de acordo com Curtis & Taket (1996, apud thouez, 2005): a) Análise espacial da mortalidade, morbidade e dos indicadores3 de saúde e a pesquisa das causas ambientais e sociais que podem ser associadas a esses eventos. Em geral, tais estudos são do tipo ecológico4, descritivos, cujo objetivo é gerar hipóteses etiológicas a partir dos padrões espa‑ ciais. Incluem tanto doenças infecciosas quanto crônico­‑degenerativas, que são estudadas com métodos quantitativos cada vez mais sofisticados. b) Análise espacial dos recursos sanitários, incluin‑ do a organização estrutural e geográfica dos recursos médico­‑hospitalares, as desigualdades entre a oferta e a demanda de serviços e de cui‑ dados e o papel dos fatores comportamentais que influenciam ou não os recursos aos cuidados. c) Abordagem da corrente humanista, incluindo os desenvolvimentos recentes em geografia hu‑ mana. Tal abordagem se apoia fortemente em outras disciplinas como Antropologia, Sociolo‑ gia e Psicologia. Em geral, a investigação é qua‑ litativa, por meio de entrevistas, cujo objetivo é elaborar uma construção social da saúde e da

3 Os indicadores são medidas­‑síntese que contêm infor‑ mação relevante sobre determinados atributos e dimen‑ sões do estado de saúde, bem como do desempenho do sistema de saúde (ripsa, 2008). 4 Na Epidemiologia, denominam­‑se estudos ecológicos aqueles que focalizam possíveis associações entre ex‑ posições e desfechos em populações onde a unidade de estudo é o agregado populacional (waldman, 2007).

doença. Inclui, ainda, estudos sobre a avaliação da satisfação dos pacientes. d) Abordagem da corrente estruturalista/materia‑ lista, que se apoia em diferentes tipos de teorias sociais. Destacam­‑se os trabalhos sobre o “bem­ ‑estar” e a qualidade de vida dos seres humanos. Essa abordagem vai além da análise descritiva para explorar o papel dos processos socioeconô‑ micos e políticos na produção das desigualdades de saúde e de distribuição de recursos. e) Abordagem da corrente cultural, que insiste na importância do espaço e dos lugares para os indivíduos e sua saúde. A noção de paisagem terapêutica engloba vários conceitos da geogra‑ fia cultural: senso de lugar, paisagem simbólica, territorialidade, marginalização.

TÉCNICAS EM GEOGRAFIA DA SAÚDE A Geografia da Saúde tem o potencial de articular Geografia Física e Humana. Devido à sua natureza interdisciplinar, este ramo da Geografia aplica conceitos e técnicas de diversas disciplinas, adicionando a perspectiva espacial e crítica do geógrafo. Assim, um geógrafo que se dedica a esta área precisa dominar técnicas e conceitos da Geografia, além de outros que podem ser oriundos da Epidemiologia, História, Sociologia, Economia, Antropologia, Planeja‑ mento Urbano, Administração Hospitalar, En‑ genharia Ambiental, Bioestatística, entre outras (meade & earickson, 2005: 6). Mas se todo esse conhecimento é necessário, por onde come‑ çar? Para o geógrafo na graduação recomenda­‑se uma sólida formação tanto em Geografia Hu‑ mana quanto em Geografia Física, com domínio dos conceitos e técnicas básicas da Geografia, muitas delas contempladas neste próprio livro.

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Especial atenção deve ser dada ao Capítulo 8 (Técnicas de Cartografia Temática), Capítulo 11 (Sistema de Informação Geográfica) e Capítulo 22 (Estatística Descritiva em Sala de Aula), ca‑ pítulos que dão importante apoio à Geografia da Saúde. Além disso, o domínio de línguas es‑ trangeiras como inglês, francês e espanhol são requerimentos importantes devido à restrita pu‑ blicação de livros e periódicos que se dedicam ao tema em língua portuguesa.

A pesquisa bibliográfica Os temas da Geografia da Saúde podem ser encontrados nos mais diversos periódicos e não apenas nos da área geográfica. Isso ocorre porque muitos pesquisadores, mesmo vinculados a de‑ partamentos de Geografia, publicam seus resul‑ tados em periódicos de epidemiologia, médicos ou interdisciplinares, para que suas contribuições possam ser lidas por pesquisadores e profissio‑ nais da área de saúde e atinjam um público mais amplo. A busca bibliográfica mais eficiente deve ser feita em bases eletrônicas por palavras­‑chave. Atualmente, nos computadores conectados das dependências das universidades brasileiras ou por conexão remota, pode­‑se acessar o site da CA‑ PES, que oferece acesso aos mais importantes periódicos científicos do mundo: . Também o site do Goo‑ gle Acadêmico: auxilia na busca de artigos antigos (às vezes digi‑ talizados e disponíveis gratuitamente na íntegra). Embora o domínio das técnicas seja importante, o maior patrimônio do pesquisador são as suas ideias e a atualização do seu conhecimento. Por isso, como em toda pesquisa científica, deve­‑se dedicar muito tempo à pesquisa bibliográfica, durante todas as etapas de execução do projeto5.

5 Sobre esse assunto, veja também o Capítulo 14 – Uso e Registro de Fontes Bibliográficas.

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Fontes de dados Na maior parte dos estudos de Geografia da Saúde são utilizados dados com base popu‑ lacional, gerenciados por sistemas de informa‑ ção das prefeituras e dos governos estaduais e federal. Esses dados secundários são, em geral, agregados por unidade da Federação, municí‑ pio ou microrregião, bairros ou distritos ad‑ ministrativos, sanitários e outros. Geralmente, esses dados são disponibilizados na internet. Por exemplo, o Departamento de Informáti‑ ca do Sistema Único de Saúde (SUS), do Mi‑ nistério da Saúde (DATASUS), disponibiliza informações que podem servir para subsidiar análises objetivas da situação sanitária. Na in‑ ternet, o endereço é: . A Secretaria Mu‑ nicipal de Saúde do Município de São Paulo (e de outros municípios) também disponibili‑ za aplicativo desenvolvido pelo DATASUS que amplia a divulgação e o acesso às informações como: mortalidade, nascidos vivos, população, AIDS, imunização etc., organizados por Dis‑ trito Administrativo. Na internet, buscar por: . Para estudos em escalas de de‑ talhe como um bairro, hospital, asilo etc., é necessário coletar os dados diretamente com as pessoas envolvidas, por meio de entrevistas e/ou questionários ou consultar prontuários de pacientes ou atestados de óbitos em cartórios. Tanto nesse caso como quando há necessidade de se obter o endereço para análises pontuais ou alteração de unidade de agregação, é neces‑ sário que o projeto de pesquisa seja submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa da unidade detentora dos dados. A formalização da solici‑ tação e a avaliação do Comitê são requisitos para assegurar o sigilo dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa. Além dos dados de saúde, trabalha­‑se com dados demográficos como a população total, por sexo e faixa etária e por unidade geográfica. Os

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índices socioeconômicos e demográficos permi‑ tem analisar as associações entre os problemas de saúde e o desenvolvimento humano. O texto elaborado pela Rede Interagencial de Informação para a Saúde – RIPSA (2008), que pode ser aces‑ sado na íntegra em , é uma ótima referência para as fontes de dados demográficos e de saúde e para os cálculos dos indicadores para cada problema de saúde. Na definição das fontes de dados, algumas características relativas à escala de análise e re‑ cortes territoriais devem ser consideradas. Devi‑ do à agregação dos dados em áreas, os recortes territoriais podem revelar ou obscurecer diferen‑ ças, e até sugerir interpretações de variações que na realidade são aleatórias (alvarez, 2006: 5). Esta característica torna­‑se especialmente im‑ portante quando se opta por trabalhar com escalas pequenas (maiores unidades de agre‑ gação). A pesquisa a partir de escalas maiores (menores unidades de agregação) permite redu‑ zir a heterogeneidade interna. Por outro lado, algumas variações ambientais só são observadas ao se adotar uma escala regional. Assim, serão os objetivos da pesquisa que definirão a escala. Se a disponibilidade de dados permitir, pode­‑se adotar mais de uma escala, para complementar a análise. A dimensão temporal também deve ser incorporada para se avaliar a evolução do indicador de saúde no tempo, por meio do res‑ gate da história do lugar que levou à situação do período estudado.

da Meteorologia e Climatologia. O mesmo pode acontecer, se houver necessidade de coleta de amostras de solo, que deverá ser orientada pe‑ las técnicas usuais da Pedologia também apre‑ sentadas neste livro (Capítulo 4 – Técnicas de Pedologia). Em relação aos aspectos epidemio‑ lógicos, pesquisas em Geografia Médica exigem trabalhos de campo para diversas finalidades e etapas do projeto: reconhecimento da área de estudo, geocodificação de endereços (a partir de mapas ou GPS), aplicação de questionários, coleta de dados ambientais, avaliação dos servi‑ ços de saúde, entre outras. Após a visualização dos mapas de saúde, o padrão de distribuição espacial resultante pode requerer trabalhos de campo para a melhor compreensão da situação e para fundamentar as hipóteses levantadas a partir dos mapas temáticos.

Trabalhos de campo

Medidas de frequência de doença

Os trabalhos de campo em Geografia da Saú‑ de variam de acordo com a hipótese e os obje‑ tivos que definem o delineamento da pesquisa. Em abordagens sobre a ecologia de uma deter‑ minada doença, por exemplo, aspectos meteo‑ rológicos ou climáticos podem ser importantes e vão requerer o domínio das técnicas de campo

De acordo com Costa & Kale (2004: 15), as medidas de frequência são definidas a partir dos conceitos de prevalência e incidência. Outras medidas como mortalidade, letalidade e sobre‑ vida podem ser entendidas como variações do conceito de incidência. A incidência pode ser de‑ finida como “a frequência de casos novos de uma determinada doença, ou problema de saúde, oriun‑

Visualização Como visto anteriormente, a Geografia da Saúde caracteriza­‑se por um pluralismo não ex‑ cludente de abordagens que partem, em geral, de análises quantitativas, com destaque para a cartografia dos eventos e recursos de saúde. O domínio de alguns conceitos epidemiológicos, como medidas de frequência de doença e indi‑ cadores de saúde, é fundamental para a iniciação nessa área do conhecimento, cujos cálculos pre‑ cedem a representação cartográfica. Na sequên‑ cia, são apresentados alguns cálculos básicos.

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dos de uma população sob risco de adoecimento, ao longo de um determinado período de tempo”, (costa & kale, 2004: 16). A forma mais sim‑ ples de sua estimativa é o número de casos in‑ cidentes. Por exemplo, a incidência de tubercu‑ lose (todas as formas – códigos A15 a A19 da CID­‑10 6) corresponde ao somatório do número absoluto de casos novos confirmados7 de tuber‑ culose, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. No entanto, ao geógrafo, em geral, interessa comparar as incidências no espaço e no tempo. Como o tamanho e a composição (sexo e es‑ trutura etária) das populações variam, as fre‑ quências relativas, como a taxa de incidência, são mais interessantes para comparação. Na maioria dos estudos conduzidos por geó‑ grafos, trabalha­‑se com agregados populacionais, cuja população total8 é derivada de estimativas de instituições governamentais9 e corresponde ao denominador para o cálculo de taxas de base populacional. As populações adotadas para o

6 Fonte: Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão. Uma classificação de doenças é um sistema que agrupa as doenças análogas, semelhantes ou afins, segundo uma hierarquização ou eixo classifi‑ catório (laurenti, 1991). A CID 10 corresponde à décima revisão, aprovada em 1989 e atualmente em vigor. 7 A definição de caso confirmado baseia­‑se em critérios adotados pelo Ministério da Saúde para orientar ações de vigilância epidemiológica para cada doença em todo o país (BRASIL, 2005). 8 Número total de pessoas residentes e sua estrutura relativa, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. 9 A principal fonte de dados é o IBGE: censos demográ‑ ficos previstos para serem realizados a cada 10 anos, contagens da população, projeções demográficas a par‑ tir de bases censitárias elaboradas anualmente para o Tribunal de Contas da União e adotadas oficialmente pelo país, projeções da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980­‑2050 – Revisão 2004, es‑ timativas anuais e mensais da população do Brasil e das Unidades da Federação (1980­‑2020) e estimativas a partir de pesquisas amostrais (PNAD) (OPAS, 2008). A Fundação SEADE também constitui importante fon‑ te para o estado de São Paulo.

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cálculo dos indicadores são ajustadas ao meio do ano (dia 1º de julho). Nos anos censitários, são utilizadas as datas de referência de cada censo. A taxa de incidência (TI) pode ser compreen‑ dida como “a expressão da frequência com que surgem novos casos de uma doença, ou problema de saúde, por unidade de tempo, e com relação ao ta‑ manho de uma determinada população”, (costa & kale, 2004: 19). A equação a seguir demonstra o cálculo da TI:

TI =

números de casos novos confirmados população total residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado

k

onde k = constante

Nessa equção, k é uma constante, potência de 10, que pode representar 1.000, 10 mil, 100 mil… habitantes, de acordo com a magnitude do evento estudado. Assim, a taxa de incidência de tuberculose, por exemplo, corresponde ao número de casos novos confirmados de tuberculose (todas as for‑ mas – códigos A15 a A19 da CID­‑10), por 100 mil habitantes, na população residente em deter‑ minado espaço geográfico, no ano considerado. Outro conceito epidemiológico importante corresponde à prevalência. De acordo com Costa & Kale (2004: 26), prevalência pode ser definida como “a frequência de casos existentes de uma de‑ terminada doença, em uma determinada população e em um dado momento”. Difere da incidência na medida em que considera tanto os casos antigos quanto os novos, mas não são considerados os doentes que vierem a falecer antes do período de observação. A taxa de prevalência (TP) pode ser calculada como:

TP =

números de casos em curso de tratamento pop. total residente em determinado espaço geográfico, na data de referência do ano considerado

k

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Nessa equação, k é uma constante, potência de 10, que pode representar 1.000, 10 mil, 100 mil… habitantes, de acordo com a magnitude do evento estudado. Como exemplo, pode­‑se tomar o cálculo da taxa de prevalência de hanseníase: número de casos de hanseníase (código A30 da CID­‑10) em curso de tratamento, por 10 mil habitantes, existentes na população residente em determi‑ nado espaço geográfico, na data de referência do ano considerado.

pois apresentam sistema de informações estru‑ turado, universal, de base populacional e codifi‑ cação padronizada (drumond jr., 2002: 9­‑10). O Coeficiente de Mortalidade Geral (CMG) ou taxa bruta de mortalidade é um indicador global, resultante da divisão do número de óbitos por todas as causas, em um determinado período de tempo, pela população ajustada para o meio do período, relativo à determinada área.

CMG =

Indicadores de saúde De acordo com a RIPSA (2008), um conjun‑ to de indicadores destina­‑se a produzir evidên‑ cia sobre a situação sanitária e suas tendências, como base empírica para identificar grupos humanos com maiores necessidades de saúde, estratificar o risco epidemiológico e identificar áreas críticas. Para o geógrafo, a saúde das po‑ pulações constitui um observatório do mundo e das sociedades, pois permite constatar as gran‑ des mudanças na sua organização (vaillant & salem, 2008). Os indicadores de saúde têm a capacidade de apontar as disparidades de ní‑ veis de desenvolvimento, as grandes estruturas sociais e territoriais das sociedades. A constru‑ ção de um indicador constitui um processo cuja complexidade pode variar desde a simples con‑ tagem direta de casos de determinada doença, até o cálculo de proporções10, coeficientes ou taxas11 ou índices mais sofisticados, como a es‑ perança de vida ao nascer. Como o óbito é evento único e de registro obrigatório, os dados sobre mortalidade estão entre os mais importantes na área da saúde,

total de óbitos por todas as causas pop. total residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado

k

Nessa equação, k é uma constante, potência de 10, que pode representar 1.000, 10 mil, 100 mil… habitantes, de acordo com a magnitude do evento estudado. Embora o CMG utilize dados mais fide‑ dignos do que os coeficientes específicos, este indicador não deve ser utilizado em compara‑ ções entre populações com composições etárias distintas. Nesse caso, para que as comparações sejam válidas, o coeficiente deve ser padroniza‑ do por método direto ou indireto, adotando­‑se como padrão a população do Brasil em 2000 ou em 2010, quando estiver disponível12. A mortalidade proporcional por idade (MPI) mede a participação dos óbitos em cada faixa etária, em relação ao total de óbitos (RIPSA, 2008).

MPI =

número de óbitos de residentes, por faixa etária número de óbitos de residentes, excluídos os de idade ignorada *

100

* A exclusão dos óbitos de idade ignorada resulta em que o indicador se refira ao total de óbitos com idade conhecida (RIPSA, 2008).

10 Relação ou quociente entre duas frequências da mesma unidade. 11 Relação quociente entre dois valores numéricos, que expressa a velocidade, ou a intensidade, com que um fenômeno qualquer varia, por unidade de uma segunda variável (vermelho et al., 2004: 33).

12 As técnicas de padronização podem ser encontrados em vermelho et al. (2004: pp. 36­‑38).

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Com a finalidade de comparar espacialmente a distribuição da mortalidade por Aids e tuber‑ culose em Portugal, Santana & Nogueira (2004) calcularam a razão de mortalidade padronizada (RMP), por meio do método indireto. Oliveira & Barrozo (2009) aplicaram o mesmo cálculo no estudo da distribuição da mortalidade por Aids no município de São Paulo, de 1996 a 2007. Este cálculo seguiu três etapas: 1) Inicialmente, para o município todo, estabeleceu­‑se a taxa de mortalidade para cada faixa etária13, consideradas como taxas de referên‑ cia (TR) ou taxas padronizadas, como na equação que se segue. Os dados do próprio município foram utilizados como referência para padroni‑ zar as conhecidas variações na composição das populações dos Distritos Administrativos (DA).

TR =

total de óbitos por Aids observados no município de São Paulo, durante o período considerado por faixa etária número de habitantes no município de São Paulo, em 2000, por faixa etária

2) Em seguida, foram calculados os números de óbitos esperados (OE) em cada DA e em cada faixa etária: de casos em cada DA, ) OE = (TR). ( númeropor faixa etária

3) As RMP foram calculadas para cada DA, pela relação entre óbitos esperados e óbitos ob‑ servados: RMP =

número de óbitos observados em cada DA total de óbitos esperados em cada DA

As três etapas foram realizadas separada‑ mente para o sexo feminino e masculino. Uma RMP igual a 1 significa que ocorreu o mesmo

13 Foram consideradas as faixas etárias da Organização Mundial da Saúde (OMS): 0­‑ 4; 5­‑14; 15­‑24; 25­‑34; 35­ ‑44; 45­‑54; 55­‑ 64; 65­‑74; >=75.

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número de óbitos do que o esperado para a composição demográfica em estudo. Valores abaixo e acima de 1 indicam menor e maior número de óbitos, respectivamente, apontando as situações de menor ou maior risco. Os resul‑ tados obtidos foram representados cartografica‑ mente, como será visto a seguir.

Representação cartográfica A visualização dos indicadores de saúde não requer necessariamente o domínio das técnicas de geoprocessamento. Embora a elaboração manual de mapas seja possível, programas de cartografia digital14 apresentam diversos recur‑ sos para visualização e também exploração de dados espaciais. O aprendizado de um programa de cartografia digital costuma ser mais rápido do que o de um Sistema de Informação Geográfica. No entanto, a correta representação cartográfica requer o domínio dos princípios da Cartografia Temática, qualquer que seja o recurso digital utilizado. Para a representação de variáveis quantita‑ tivas em áreas, como no caso de dados agrega‑ dos, a escolha da técnica cartográfica inicia­‑se a partir do tipo de dado que será representado. Os dados absolutos são mais bem representa‑ dos pela técnica dos pontos de contagem (Figura 12.1), nesse caso, quando os valores são peque‑ nos e com padrão de distribuição disperso; ou pela técnica das figuras geométricas proporcionais centralizadas na área de ocorrência, ver Figura 12.2 (poidevin, 1999: 70­‑75; martinelli, 2003: 55­‑ 60). Quando os valores a serem representados são taxas, proporções ou índices, como na maior par‑ te dos indicadores de saúde, a técnica mais indi‑

14 O Philcarto é um exemplo de programa de cartogra‑ fia para representações temáticas de domínio públi‑ co (). Diversos atlas têm sido realizados com este programa (salem et al., 1999; vaillant & salem, 2008; théry & mello, 2008).

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Figura 12.1. Incidência de Aids em crianças de 0 a 13 anos em São Paulo, em 2007. Nesta representação por pontos de contagem, a localização dos pontos é aleatória e, portanto, não corresponde ao endereço. Cada ponto corresponde a um caso novo diagnosticado residente em qualquer endereço dentro do Distrito Administrativo.

cada é a coroplética. Essa técnica estabelece que a ordem crescente dos valores relativos agrupados em classes significativas seja transcrita por uma ordem visual também crescente (martinelli, 2003: 61). A ordem de valores pode ser expres‑ sa pela variável visual15 valor (por meio de cores, desde matizes mais claras até escuras ou com texturas, das mais claras até as mais escuras). As Figuras 12.1 e 12.2 representam as inci‑ dências de Aids no ano de 2007. Esses dois tipos de mapas permitem comparar o número absolu‑ to de casos entre os distritos. Como já exposto anteriormente, tal comparação não tem muito significado isoladamente. Mapas das taxas de incidência, quando vistos conjuntamente com os mapas de incidência trazem informações rele‑

15 Definidas pelos estudos de Semiologia Gráfica de Ber‑ tin (1967).

vantes, pois ponderam os números de casos pela população (Figura 12.2). Por exemplo, o distrito de Brasilândia, na por‑ ção norte do município de São Paulo apresenta o maior número de casos (83 casos, Mapa 12.2a). No entanto, quando os 83 casos são divididos pela população de 271.503, chega­‑se a uma taxa de 29,47 por 100 mil habitantes, corresponden‑ do à primeira classe acima da média (amarela, no Mapa 12.2b). Por outro lado, distritos com população muito pequena, como Marsilac, no extremo sul do município, com apenas dois ca‑ sos em 2007 e o menor círculo no Mapa 12.2a, atinge a taxa de 20,64 por 100 mil habitantes, ocupando o tom de azul mais claro no Mapa 12.2b, na primeira classe abaixo da média. A análise dos dois mapas permite perceber a in‑ fluência do tamanho da população nas taxas. Em termos absolutos, Brasilândia correspondeu à situação mais grave, pois, embora não signi‑ fique a taxa mais elevada, apresentou 83 vidas humanas comprometidas com a saúde e risco relativo de 1,48, ou seja, 48% a mais de casos do que o esperado. Do ponto de vista da saúde pú‑ blica, os 62 casos do distrito República represen‑ taram uma taxa de incidência de 138,07 casos por 100 mil habitantes e risco relativo de 6,33, ou seja, ocorreram 6 vezes mais casos do que o esperado para sua população, situação bastante alarmante16.

16 A situação crítica do centro da cidade em relação à Aids é bastante conhecida e é explicada pela presença de mo‑ radores de rua, usuários de drogas injetáveis e comércio do sexo, entre outros motivos.

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Figura 12.2. A distribuição espacial da Aids no município de São Paulo por Distrito Administrativo de residência, em 2007. Mapa 12.2a: incidências (os círculos proporcionais permitem comparar as quantidades pela comparação do tamanho dos círculos); Mapa 12.2b: taxas de incidência (valores relativos representados pela técnica coroplética com escala de cores opostas a partir do valor médio de 24,22 casos novos por 100 mil habitantes).

A aplicação apropriada da técnica coroplética requer conhecimentos de estatística descritiva. A aplicação da técnica tem início pela definição do número de classes a serem representadas. A bibliografia da área recomenda o número máxi‑ mo de 7 a 8 classes, tendo em vista a dificuldade da distinção de tons muito próximos (poidevin, 1999). Como a definição do número de classes é decisiva para o resultado final do mapa, alguns pesquisadores sugeriram algumas equações para seu cálculo. Entre elas destaca­‑se o indicador de Hunstberger: k = 1 + 3,3.log10 n

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Nesse indicador, k = número de classes; n = número de observações (são as unidades de agregação: podem ser setores censitários, bair‑ ros, distritos, municípios, estados, países etc.). Quando o número de observações é elevado (acima de 140 observações) e o número de clas‑ ses ultrapassa o recomendado, sugere­‑se adotar o máximo de 7 a 8 classes. O número mínimo não deve ser inferior a 4. Quanto à divisão dos intervalos das classes, existem inúmeras técnicas de discretização (for‑ mas de definir os intervalos de classe). A elabo‑ ração de um histograma e o cálculo dos indi‑ cadores de posição (média, mediana e moda) e

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dos indicadores de dispersão (variância e desvio­ ‑padrão) são necessários para orientar a escolha da técnica mais adequada. Entre as técnicas mais encontradas nos programas de cartografia digital destacam­‑se: ¾¾Discretização em classes de amplitudes iguais: consiste em definir classes de mesma extensão. Calcula­‑se a diferença entre os valores máximo e mínimo e depois, divide­‑se a diferença pelo número de classes desejado. Em seguida, soma­ ‑se o resultado ao valor mínimo para a primeira classe e assim, sucessivamente, até se atingir o valor máximo. ¾¾Discretização padronizada: esta técnica utili‑ za a média e o desvio­‑padrão da série de valores, permitindo a comparação entre diferentes ma‑ pas. Deve­‑se partir da elaboração do histograma e dos cálculos da média, mediana, moda e co‑ eficiente de assimetria. Se este último for igual a zero, a discretização padronizada poderá ser aplicada diretamente sobre a série estatística. No entanto, se a assimetria for muito marcada, deve­‑se transformar a série de valores antes da discretização17. A média é utilizada como centro ou como limite de classe e o desvio­‑padrão para calcular a amplitude das classes acima e abaixo da média. ¾¾Discretização por quebras naturais: esta discre‑ tização é feita sobre o relevo do histograma. Ini‑ cialmente, elabora­‑se o histograma dos valores e, sobre ele, efetua­‑se uma separação visual da série, a partir das quebras de valores.

17 Para as séries dissimétricas à esquerda, as funções lo‑ garítmica ou raiz cúbica vão transformar a distribuição das frequências e fazer com que elas se aproximem da distribuição normal. Depois que os limites de classe são calculados, retorna­‑se aos valores originais por meio da função recíproca da transformação inicial (log10x → 10x, x1/3 → x3). Para as séries dissimétricas à direita, pode­ ‑se usar a função potência com expoente superior a 1 : x1,5 → x 1/1,5, x 2 → x1/2.

De acordo com Poidevin (1999: 116), algu‑ mas regras devem ser respeitadas durante a es‑ colha da técnica de discretização: ¾¾nenhuma classe deve ser vazia (observar se existe pelo menos uma observação em cada clas‑ se representada no mapa); ¾¾os limites de classes devem cobrir toda a série de dados; ¾¾os limites de classes não devem se sobrepor (um valor só deve pertencer a uma classe). Assim, de acordo com o exemplo anterior, da Razão de Mortalidade Padronizada (RMP) para os óbitos por Aids em São Paulo, de 1996 a 2007, para cada técnica de discretiza‑ ção, seria possível a elaboração de um mapa com resultado visual diferente. A Figura 12.3 mostra quatro técnicas, entre inúmeras outras possíveis. Inicialmente calculou­‑se o número de classes de acordo com a equação de Hunstberger, que resultou entre 7 e 7,54 classes. O Mapa 12.3a foi elaborado com a técnica da amplitude, calculada a partir da diferença entre os valores máximo e mínimo dividida pelo número de classes definido (max­‑min: 7 classes). Assim, todos os interva‑ los de classes apresentam a mesma distância. O mapa resultante destaca os distritos República e Sé, centrais, como os de maiores riscos. No entanto, as duas primeiras classes incluíram 87 dos 96 distritos (observe o histograma do Mapa 12.3a). A quinta classe ficou vazia, o que deve ser evitado. O Mapa 12.3b foi elaborado com classes de mesmo efetivo, dividindo­‑se o número de ob‑ servações pelo número de classes. Neste caso, os 96 distritos foram divididos por 7 classes, resultando em 5 classes de 14 distritos e duas classes, a menor e a maior, com 13 distritos em cada uma. Os valores de RMP ordenados de forma crescente foram distribuídos dessa forma entre as 7 classes. O mapa resultante detalha mais as diferenças entre as classes me‑ nores do que 1, em que o número de óbitos foi

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Figura 12.3. Representações cartográficas da Razão de Mortalidade Padronizada para óbitos por Aids, para o sexo masculino no município de São Paulo, para o período de 1996 a 2007, segundo diferentes técnicas de discretização. Mapa 12.3a: em classes de mesma amplitude. Mapa 12.3b: em classes de mesmo efetivo. Mapa 12.3c: segundo quartis, com isolamento dos valores extremos. Mapa 12.3d: por variável padronizada por desvio­‑padrão.

menor do que o esperado. Por outro lado, reúne distritos com riscos de 1,42 a 4,85 numa mesma classe. O Mapa 12.3c utilizou­‑se da técnica de discretização segundo quartis e percentis do número de observações. Para essa técnica, o programa es‑ tabelece o número fixo de 6 classes. As classes são assim calculadas: valor mínimo até o 5º percentil; 5º percentil ao primeiro quartil; primeiro quartil ao segundo quartil; segundo quartil ao terceiro quartil; terceiro quartil ao 95º percentil; 95º percentil ao valor máximo. No exemplo dado, após os 96 distritos serem ordenados de forma crescente por valores de RMP, a primeira classe corresponde ao distrito de valor mínimo até o 5º percentil ou 4º valor; a segunda classe vai do 5º valor ao primeiro quartil ou 24ª po‑

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sição; a terceira classe vai do primeiro quartil ou 25º valor ao segundo quartil ou 48º valor; a quarta classe inclui do 49º valor ao 72º; a quinta classe vai do 73º ao 92º e, a última reúne os 4 valores mais altos. Nesse mapa, as cores foram ordenadas da mais clara para a mais escura, dos valores mais baixos para os mais altos. A vanta‑ gem desta técnica é a preservação dos valores mínimo e máximo extremos. O mapa resultan‑ te preservou a diferença tanto entre as classes com risco abaixo de 1 quanto as classes acima de 1,5. Em geral, esta técnica de discretização é aplicável à maior parte de séries de valores com distribuição assimétrica. O Mapa 12.3d foi elaborado aplicando­ ‑se a discretização por desvio­‑padrão. Como a distribuição dos 96 valores dos DA do mu‑ nicípio era assimétrica (observe o histograma ao lado do mapa), calculou­‑se o logaritmo de cada valor, da média e do desvio­‑padrão e, a partir dos valores transformados, foi feita a discretização por desvio­‑padrão (os intervalos de classes nos valores originais foram obtidos a partir da função recíproca da função inicial, neste caso, do cologaritmo, ou seja, 10 x). No Philcarto, os valores dos intervalos de classes foram digitados por meio da opção de discre‑ tização personalizada. Como a digitação dos valores foi feita com apenas dois dígitos deci‑ mais, a última classe, embora igual ao Mapa 12.3c, incluiu apenas três distritos, por dife‑ rença de arredondamento. As cores azuis mos‑ tram os distritos com valores abaixo da média: um desvio­‑padrão para cada classe até o va‑ lor mínimo. Os tons de amarelo a vermelho mostram valores acima da média: um desvio­ ‑padrão para cada classe até o valor máximo. Foram necessárias seis classes para se atingir os valores extremos. Nesse mapa, a utilização de cores opostas foi especialmente interessan‑ te, já que valores abaixo de 1 indicam distritos onde ocorreram menos óbitos do que o espe‑ rado. Nos distritos centrais, pelo contrário, o risco foi muito elevado, de 2,62 a mais de 4

vezes o número de óbitos esperado. A vanta‑ gem desse mapa, embora mais trabalhoso de‑ vido à transformação dos valores, é que além de permitir a comparação com outros mapas também padronizados, como os de indicadores socioeconômicos, permite comparar a situação dos diferentes distritos. O Mapa 12.3d mostra que o RMP encontra­‑se abaixo da média para a maioria dos distritos. A primeira classe acima da média e dentro do primeiro desvio­‑padrão se distribui a noroeste, leste e centro­‑sudeste. O risco crítico para o período correspondeu aos distritos República, Sé e Bela Vista, circun‑ dados por outros cinco distritos centrais: Brás, Pari, Bom Retiro, Santa Cecília e Consolação. A partir desse exemplo pode­‑se concluir que elaborar mapas, mesmo que seja para simples visualização e exploração de dados, requer co‑ nhecimento teórico e técnico18. O Mapa 12.3a, por exemplo, tende a aliviar a gravidade da epidemia enquanto os mapas 12.3b e 12.3c a acentuam. O Mapa 12.3d permite uma leitura com base no padrão médio da mortalidade no município e evidencia os distritos de maior ris‑ co de mortalidade. Os mapas apropriados dão subsídios para a elaboração de hipóteses plau‑ síveis. O exemplo ilustrado permitiria a geração de diversas hipóteses de interesse da Geografia da Saúde relacionadas aos motivos da expansão do RMP para distritos da porção noroeste do município, sobre a assistência à saúde e popula‑ ções de risco no centro da cidade, pauperização da endemia etc. E o mais importante em rela‑ ção à representação: a Geografia começa após a conclusão do mapa.

18 Sugere­‑se aos pesquisadores e professores a leitura dos livros de Martinelli (1999, 2003), além do Capítulo 8 – Técnicas de Cartografia Temática e do Capítulo 22 – Estatística Descritiva em Sala de Aula deste livro, para apoio técnico aos estudos em Geografia da Saúde.

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NA SALA DE AULA Atividade 1

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mapear os indicadores por país, continente ou região da OMS. Na página inicial do Atlas Global da Saúde, pode­‑se acessar os mapas interativos (Figura 12.5).

Figura 12.5. Site do Atlas Global da Saúde, da OMS, mapas interativos.

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O botão Indicators abre os indicadores dis‑ poníveis. Um dos indicadores disponível é a in‑ cidência mundial de tuberculose (Figura 12.6).

Reprodução

O professor de Geografia pode estabelecer o contato dos alunos com esta área do conheci‑ mento por meio da representação cartográfica dos indicadores de saúde. As atividades podem ser feitas pela elaboração manual de mapas, uti‑ lizando cálculos simples como a taxa de morta‑ lidade de algum agravo (ou doença), dividindo­ ‑se o número de óbitos pela população total das áreas estudadas. O mesmo exercício pode ser elaborado utilizando­‑se recursos de informática. Nesse caso, é possível trabalhar com um progra‑ ma de cartografia temática, como o Philcarto, ou mapas interativos. O site da Organização Mundial da Saúde (Figura 12.4), em inglês, cujo endereço na in‑ ternet é , ofe‑ rece a possibilidade de criar mapas interativos de doenças em nível global. Os indicadores são constituídos por doenças de notificação com‑ pulsória (poliomielite, cólera, raiva, tubercu‑ lose, febre amarela, malária), não notificadas (tracoma), recursos humanos para a saúde e es‑ tatísticas da saúde mundial (como indicadores de status de saúde, de cobertura do serviço de saúde, de sistemas de saúde e de demografia e aspectos socioeconômicos). O atlas permite

Figura 12.6. Site do Atlas Global da Saúde, da OMS, mapas interativos – incidência mundial de tuberculose, 2007.

Figura 12.4. Site do Atlas Global da Saúde, da OMS, página

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O botão Zoom permite selecionar uma área do mapa para um exame mais aproximado dos resultados (Figura 12.7).

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Figura 12.7. Site do Atlas Global da Saúde, da OMS, mapas interativos – incidência mundial de tuberculose, 2007, Zoom.

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Figura 12.8. Site do Atlas Global da Saúde, da OMS, mapas interativos – incidência mundial de tuberculose, 2007, Zoom e informações dos dados originais para porção do mapa selecionada pelo usuário.

Figura 12.9. Site do Atlas Global da Saúde, da OMS, mapas interativos – renda bruta per capita, 2002.

Os valores originais do banco de dados po‑ dem ser observados por meio do botão Identify, selecionando­‑se a área de interesse (Figura 12.8).

Figura 12.10. Site do Worldmapper, página inicial.

Se a intenção do professor for explorar tam‑ bém os aspectos socioeconômicos relacionados à incidência da tuberculose, pode­‑se mapear a renda bruta per capita, por exemplo, como um dos indicadores sociodemográficos disponível nesse site (Figura 12.9). Outro recurso de visualização de grande impacto consiste na elaboração de mapas em anamorfose19 a partir de dados estatísticos. Na rede mundial, para exploração deste recurso há o site do Worldmapper: . Os indicado‑ res possíveis para mapeamento em anamorfose incluem saúde (“health”) e doença (“disease”), além dos socioeconômicos (Figura 12.10). A partir da lista de indicadores, é possível es‑ colher aqueles que interessam para visualização e exploração de dados. O número absoluto de casos de tuberculose por país, por exemplo, será representado como na Figura 12.1120.

19 A superfície de cada território cartografado varia pro‑ porcionalmente segundo a variável, como por exemplo: a população, o PIB, a exportação de produtos manu‑ faturados, a mortalidade, etc. A análise comparativa torna­‑se, assim, evidente. 20 Disponível em: (acesso: ago/2010).

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Reprodução Reprodução

Figura 12.11. Total de casos de tuberculose por país, 2003. Organização: Worldmapper, 2009.

Uma janela ampliada dos resultados (Figura 12.12) é obtida a partir de um clique no mapa da Figura 12.11. A literatura sobre tuberculose aponta diver‑ sos fatores associados à ocorrência da doença. Dentre eles, estão o nível de pobreza, habitação de muitas pessoas por residência e áreas urba‑ nas. Assim, pode­‑se explorar essas relações por meio da representação cartográfica dessas va‑ riáveis. A Figura 12.122 mostra o percentual de casas com mais de duas pessoas por cômodo que pode ser comparado com o percentual de pessoas que vivem em moradias precárias em áreas urbanas (Figura 12.14) e com os gastos do governo em saúde pública por pessoa (Figura 12.15).

Atividade 2

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Figura 12.12. Total de casos de tuberculose por país, 2003, janela ampliada. Organização: Worldmapper, 2009.

Figura 12.13. Percentual de casas com superpopulação por país, 2003. O tamanho do território mostra a proporção de todas as pessoas que vivem em casas com (mais de duas pessoas por cômodo). Organização: Worldmapper, 200921.

21 Disponível em: (acesso: ago/2010).

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O site do Mapa Global de Alertas de Doen‑ ças, em português , também pode ser trabalhado com os alunos para a visualização de surtos de doenças de notifi‑ cação. Do ponto de vista geográfico, algumas doenças podem ser especialmente interessantes por mostrarem que a ocupação do solo e a for‑ ma de utilização dos recursos (como o desflo‑ restamento de algumas áreas ou a construção de grandes barragens e hidrelétricas) alteram a paisagem trazendo impactos à saúde humana como a ocorrência de malária, febre amarela, dengue, entre outras doenças. Também as alte‑ rações climáticas, sejam elas de ordem natural ou decorrentes das atividades humanas, trazem mudanças que podem favorecer a emergência de novas doenças ou a reemergência de anti‑ gas endemias, assim como provocar o desapa‑ recimento de outras. Essa abordagem permite lembrar que o ser humano também tem sua di‑

22 Disponível em: (acesso: ago/2010).

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rentes paisagens (por exemplo, por que existe o cinturão da meningite na África?), com a história dos lugares e com o nível de desenvolvimento socioeconômico das populações. O tema saúde permite a articulação entre o rural e o urbano, entre os aspectos físicos e os sociais e a análise em diferentes escalas.

Reprodução

Figura 12.14. Percentual de população que vive em moradias precárias em área urbana por país, 2001. Organização: Worldmapper, 2009.

Figura 12.15. Gastos em serviços de saúde pública por pessoa, em 2004. Os gastos incluem investimento do governo, recursos financeiros de segurança social e de organizações não governamentais. Organização: Worldmapper, 2009.

mensão biológica, além da socioeconômica. As vulnerabilidades genéticas, de sexo e faixa etária ainda podem ser pouco controladas, apesar das promissoras conquistas da engenharia genética e biotecnologia. No entanto, a distribuição dos benefícios dos avanços científicos não é feita de forma igualitária entre as pessoas das diferentes classes sociais. Trabalhar com a cartografia das doenças permite explorar a distribuição mundial das doenças fazendo­‑se associações com as dife‑

Atividade 3 Os exercícios anteriores procuram relacio‑ nar questões de saúde numa escala global. Uma abordagem mais próxima da realidade do aluno permitirá a percepção integrada entre os fatores da paisagem e os socioeconômicos, como o lugar afeta a saúde das populações e como a saúde das populações pode afetar o lugar. Com apoio dos capítulos de Técnicas de In‑ terlocução e de Técnicas de Vídeo (Capítulos 21 e 20, respectivamente), pode­‑se propor aos alunos que entrevistem um agente de saúde do bairro, buscando informações sobre: ¾¾quais as doenças mais comuns que acome‑ tem a população; ¾¾qual a população mais vulnerável; ¾¾se há relação com a qualidade ambiental, com alimentação, com violência, com estresse; ¾¾quais medidas mitigadoras poderiam ser to‑ madas. A partir de uma base cartográfica adequada, pode­‑se envolver os alunos na representação ter‑ ritorial das informações obtidas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta breve iniciação ao tema da Geografia da Saúde e algumas de suas técnicas teve como principal objetivo lembrar os jovens geógrafos, professores e estudantes da importância da saúde como uma forma de observar a organi­ zação espacial das populações e as iniquidades decorrentes. Do ponto de vista da Epidemiologia, ressalta­‑se a possibilidade de contribuição dos geógrafos a importantes aspectos epidemiológicos ainda não totalmente esclarecidos. Nesta área do conhecimento, cabe ao geógrafo ter domínio dos conteúdos geográficos e de suas técnicas de investigação, além do conhecimento mínimo das questões de saúde que pretende investigar. É importante considerar que a maior ou menor ocorrência de doenças é o reflexo de um contexto social e ambiental, resultado da combinação de diversos aspectos. A qualidade da água, do ar, o estresse, a subnutrição, a violência, a ausência ou precariedade da assistência médica e o nível educacional (que auxilia na prevenção) são apenas alguns aspectos que podem ser relacionados com a maior ou menor ocorrência de doenças e que podem ser integrados na análise geográfica.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário Endemia: Presença contínua de uma enfermidade ou de um agente infeccioso em uma zona geográfica determinada. Hospedeiro: organismo simples ou complexo, incluin­ do o homem, que é capaz de ser infectado por um agente específico. Pandemia: epidemia de doença infecciosa que se espa­ lha entre a população localizada em uma grande região

geográfica, comoum continente ou mesmo o planeta. Patógeno: agente biológico capaz de causar doenças. Profilaxia: conjunto de medidas que tem por finalida­ de prevenir ou atenuar as doenças, suas complicações e consequências. Vetor: animal, geralmente artrópode, que transmite o agente infeccioso ao hospedeiro susceptível.

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SOBRE O AUTOR Lígia Vizeu Barrozo possui bacharelado em Geografia pela Universidade de São Paulo (1990), mestrado (1996) e doutorado (2001) em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Botucatu. É professora doutora na graduação e na pós graduação do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Atua em Geocartografia, Planejamen­ to Ambiental e Geografia Médica da Saúde, desen­ volvendo trabalhos transdisciplinares em parceria com biólogos, médicos, epidemiologistas, meteorologistas e geógrafos de outras especialidades. É pesquisadora da Rede USP de Doenças Negligenciadas, parecerista ad hoc da FAPESP e de periódicos especializados.

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Técnicas de Pesquisa Histórica

13 Nely Robles Reis Bacellar

Eduardo Justiniano

Patrícia Albano Maia

Introdução, 312 História: Conceito, 313 Métodos e procedimentos, 313 Fontes, 314

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A noção de tempo passado, base do conhecimento histórico, 315 Na sala de aula, 319

Referências de apoio, 321 Sobre os autores, 321

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INTRODUÇÃO Este capítulo tem por objetivo introduzir algumas noções básicas de História e seus procedimentos de pesquisa, de modo a auxiliar na construção de uma perspectiva histórica dos estudos geográficos e de outras ciências afins. A Geo­ grafia, ao estudar processos, necessita do auxílio da abordagem histórica, de acordo com um recorte temporal. Quase sempre os estudos trazem um “bre­ ve histórico” da problemática trabalhada, mas não com a mesma frequência, percebe­‑se o rigor de uma abordagem histórica. Nesse sentido, este capítulo pretende superar a perspectiva histórica como uma simples sequência de fatos em um certo período de tempo. Inicialmente, uma breve introdução conceitual acerca do que é História e seu objeto de estudo se faz necessária para a compreensão dos métodos e pro­ cedimentos utilizados por essa ciência. Em seguida, são abordadas as técnicas qualitativas e quantitativas da pesquisa em História, discorrendo­‑se sobre as fontes e suas potencialidades como base documental de pesquisa. Depois disso, apresenta­‑se uma discussão sobre o tempo e o espaço como importantes cate­ gorias de pesquisa, tanto para o historiador como para o geógrafo. Finalmente, após algumas reflexões finais, propõe­‑se algumas atividades que o professor poderá realizar em sala de aula.

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HISTÓRIA: CONCEITO

MÉTODOS E PROCEDIMENTOS

Conceituar uma ciência implica conhecer seu objeto de estudo, o que nem sempre está claro. Todos que passaram pela educação bási‑ ca possuem pelo menos uma noção do que seja História. Podem não se lembrar do que foi, por exemplo, a Guerra dos Mascates, mas sabem que esse evento ocorreu de fato no passado do Brasil e que, portanto, trata­‑se de algo real e não de uma ficção. Porém, essa intuição não é suficiente para se chegar a um conceito sobre a disciplina. Há um consenso entre os historiadores so‑ bre a História ser a disciplina que estuda as transformações humanas no tempo. A partir dessa breve definição, pode­‑se partir para a pes‑ quisa dos métodos e procedimentos utilizados pelos historiadores para construírem suas inter‑ pretações sobre o passado. Desde a década de 1920, com as mudan‑ ças propostas pelo grupo de jovens professores que formaram a Escola dos Annales, a disciplina História deixou de ser apenas o relato de fatos que ocorreram no passado para ser um discur‑ so interpretativo sobre o passado. Sendo assim, dependendo do documento que os historiado‑ res utilizam para fazer suas pesquisas sobre um determinado fato, ele terá uma interpretação diferente. Nesse sentido, um breve histórico, para ser assim denominado, deveria, em algum momento do estudo, ser interpretado na pers‑ pectiva do enfoque do estudo. Tomemos como exemplo a escravidão no Brasil. Se o historia‑ dor se valer de documentos produzidos pelos senhores de engenho, ele terá uma interpreta‑ ção sobre a escravidão no Brasil. Entretanto, se pesquisar documentos produzidos pelos escra‑ vos, ele terá uma visão completamente diferen‑ te. Não podemos dizer que uma interpretação está certa e a outra errada; apenas são diferen‑ tes, pois apoiaram­‑se em fontes que traziam informações e pontos de vista diferentes sobre um mesmo fato.

A partir da segunda metade do século XIX, houve um grande debate a respeito dos méto‑ dos utilizados pelas várias disciplinas. As dis‑ cussões sobre o método histórico cresceram também nessa época, principalmente porque naquele momento a História estava adquirin‑ do seu estatuto científico, constituindo­‑se uma área de saber independente das demais ciências humanas. As discussões sobre o método histó‑ rico sempre estiveram no conjunto das demais pesquisas sociais, por exemplo, na Sociologia, na Antropologia, na Economia, na Geografia etc., e considerava­‑se a existência de um método histó‑ rico que estava à disposição de todas as demais ciências. Ao mesmo tempo, no seio desses deba‑ tes, havia o reconhecimento da História como ciência autônoma, cujo método histórico lhe pertencia. Veremos que essas perspectivas não são excludentes: existe um método próprio de pesquisa em História e, ao mesmo tempo, uma perspectiva histórica de toda pesquisa social. Por outro lado, a História também pode trabalhar com um enfoque sociológico, econômico ou po‑ lítico. Mas o conhecimento da História e seus problemas não se confundem com seu método (aróstegui, 2006, p. 93). Ainda nessa mesma obra pode­‑se perceber que o método da pesquisa em História é, sem dúvida, uma parte do méto‑ do da pesquisa da sociedade, da pesquisa social ou, se preferirmos, da pesquisa histórico­‑social. Portanto, o método do historiador coincide, em boa medida, com o de outras disciplinas, como a Economia, a Sociologia, a Geografia ou a An‑ tropologia, por exemplo. O historiador estuda, como o fazem os estudiosos dessas outras disci‑ plinas, fenômenos sociais. Mas existe uma pe‑ culiaridade que dá ao método de pesquisa em História sua especificidade: o historiador estu‑ da os fatos sociais sempre em relação com seu comportamento temporal. Isso significa que na História é normal que não possa haver um pro‑ cedimento de observação direta da realidade. O

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historiador produz sua interpretação do passado sempre se baseando em fontes. Estas nada mais são do que qualquer tipo de produção humana passível de ser interpretada. Portanto, para o his‑ toriador, fonte é um documento, escrito ou não, que deve ser interpretado para que se chegue a uma explicação sobre o passado. Interpretar um documento é fazer perguntas a ele, pois ele não traz respostas por si só. Hoje em dia, a maior parte dos historiado‑ res vale­‑se da subjetividade dos agentes para produzirem seus discursos. Por esse caminho, estudos sobre a escravidão priorizam o escravo como sujeito ativo da história em detrimento do sistema escravista. Trabalhos contemporâneos estão mais preocupados em identificar a iden‑ tidade do escravo do que em buscar as relações sociais que ocorreram nesse período.

FONTES O Capítulo 14 deste livro (Uso e Registro de Fontes Bibliográficas) trata de fontes de dados, sobretudo aquelas que apoiam a pesquisa geo‑ gráfica. De qualquer forma, é interessante que o leitor recorra àquele capítulo, para complemen‑ tar este estudo sobre fontes. Desde as modificações introduzidas na dis‑ ciplina de História pela Escola dos Annales, toda produção humana pode ser fonte de pesquisa e informação para o historiador, como menciona‑ do, e não apenas documentos escritos produzi‑ dos pelas classes dominantes, os quais deverão ser interpretados. Como visto no Capítulo 1 (A Técnica e a Observação na Pesquisa), os dados fornecem base para as explicações, as quais são produtos de sua análise. Do mesmo modo, um documento só será revelador de algo após sua análise e interpretação. Fontes históricas podem ser consideradas todas as produções humanas que sirvam para reconstruir o passado. Sejam elas de caráter ma‑

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terial (literatura, mapas, monumentos, arquite‑ tura, traço urbano etc.) ou de caráter imaterial (tradições, costumes etc.). Para deixar mais claro o que é uma fonte e como o historiador trabalha com ela, será apre‑ sentado a seguir um exemplo de trabalho rea‑ lizado por um historiador. Para que qualquer pesquisa se constitua como tal, primeiramente é necessário que se delimite o tema da pesqui‑ sa e o seu recorte cronológico. Neste caso, fo‑ ram escolhidas as representações do continente americano na cartografia da época moderna. A partir da delimitação do tema, parte­‑se para o levantamento das fontes. Elegeram­‑se alguns mapas do período para compará­‑los entre si e depois foi elaborada uma hipótese sobre como os cartógrafos da época moderna imaginavam que deveria ser a América (Figuras 13.1 e 13.2). Depois que o historiador selecionou as fontes, ele irá fazer sua leitura interna e exter‑ na. Vejamos o que significam. A leitura externa consiste em levantar e verificar a veracidade das informações sobre os mapas. O que se quer ver é se a autoria é mesmo a que está relacionada na fonte, verificar se a data de produção real‑ mente é a que está declarada. Feito esse primei‑ ro levantamento sobre as fontes, o historiador partirá para o estudo da sua produção, ou seja, fará um levantamento sobre a vida dos autores dos mapas, pesquisará com quem se relaciona‑ vam, descobrirá se os mapas foram feitos por encomenda e, se sim, a mando de quem e com que intenção. Ele tentará obter o maior núme‑ ro possível de informações sobre a produção e o contexto de produção dos mapas. Terminada essa etapa, ele passará para a leitura interna da fonte. A leitura interna constitui­‑se no levantamen‑ to dos elementos que estão presentes no mapa, como quais representações estão colocadas no mapa, se o mapa é colorido, em que suporte foi feito. Poderá ser verificado qual desenho ou melhor forma é dada ao continente americano. Isso deverá ser feito para cada mapa. Depois,

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serão analisadas comparativamente as informa‑ ções de cada um dos mapas. O pesquisador tem como objetivo de sua pesquisa ver quais eram as representações do continente americano na cartografia da época moderna. Ele deverá criar uma possível resposta para esse seu problema, ou seja, buscar uma resposta que ele julgue ser a correta para a representação da América: isso recebe o nome de hipótese. Como hipótese, este pesquisador poderia ter: 1) que o contorno ou o desenho do continente americano era diferente do que nós conhecemos hoje; e 2) havia, na vi‑ são do europeu, uma representação exótica do continente que pode ser percebida pelas ima‑ gens presentes no mapa como, por exemplo, a presença de palmeiras, índios e animais (Figura 13.2). Comparando os mapas entre si, ele poderá verificar se sua hipótese se confirmou ou não. Repare que, para estudar esse tema, o pes‑ quisador não precisou levantar desde quando se passou a produzir mapas, nem ficar explicando as diferenças de representações cartográficas do século X para o século XV. Os objetos do seu es‑ tudo eram os mapas do século XV, portanto, ele deverá pegar informações apenas desse período. Quando se delimita um tema e se faz o re‑ corte cronológico da pesquisa, deve­‑se tomar cuidado para não ficar relatando informações que não digam respeito ao tema do trabalho. Veja mais um exemplo. Um professor de Geografia solicita aos seus alunos uma pesquisa sobre o uso dos recursos hídricos na cidade de São Paulo. Neste caso, os alunos irão conceber um recorte temporal a par‑ tir do enfoque do estudo. Por exemplo: se a preo‑ cupação central for a regulamentação do uso dos recursos hídricos, seria conveniente considerar a data das legislações pertinentes; se a preocupa‑ ção central for o racionamento de água, talvez o período estudado defina­‑se pelos eventos de racionamentos conhecidos. Feito esse recorte, o aluno não precisa apre‑ sentar em seu trabalho um capítulo histórico mostrando como era a utilização da água na

cidade de São Paulo desde a sua fundação até os dias de hoje. Ele deverá focar seu capítulo histórico a partir da data que selecionou no seu recorte. Todo trabalho de pesquisa, ou quase todos, exige de seu autor um capítulo ou uma parte histórica, mas essa parte deve estar intimamen‑ te ligada ao tema e recorte cronológico do tra‑ balho. Não é porque se trata de um histórico que o autor deve contar a história de Colombo e sua época.

A NOÇÃO DE TEMPO PASSADO, BASE DO CONHECIMENTO HISTÓRICO História é a ciência dos homens no tempo. En‑ tre as noções e conceitos históricos basilares, tanto para a pesquisa quanto para o ensino de História, a noção de tempo histórico e a de es‑ paço são fundamentais. Todo objeto do conhe‑ cimento histórico é delimitado em determinado tempo e determinado espaço. A concepção de espaço para os historiadores é uma construção social. Face à especificidade da História, o histo‑ riador não pode prescindir do esclarecimento do tempo histórico e de sua importância para o estudo das diferentes sociedades em diferentes tempos e espaços. A escrita da História situa­‑se em uma dimensão temporal e espacial. Para historiadores, tempo é tanto elemento da articulação da/na narrativa historiográfica como é vivência civilizacional e pessoal. Para cada civilização e cultura, há uma noção de tempo cíclico ou linear, presentificado ou proje‑ tado para o futuro, estático ou dinâmico, lento ou acelerado, forma de apreensão do real e do relacionamento do indivíduo com o conjunto de seus semelhantes, seu ponto de partida para a compreensão da relação homem­‑natureza e homem­‑sociedade na perspectiva ocidental.

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Figura 13.1. Mapa de Martin Waldseemüller em que aparece pela primeira vez o nome América.

Figura 13.2. Mapa Terra Brasilis. Detalhe do (Atlas Miller, 1519). Fonte: Wikipédia.

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Tempo é palavra de muitos significados e, em alguns deles, empregado como sinônimo de pas‑ sado, ciclos, duração, fases, momentos ou mes‑ mo história. Da noção de tempo civilizacional derivam filosofias, teorias, historiografias, com seus calendários, cronologias, periodizações, se‑ leções de fatos marcantes. Historiadores convivem com as tensões e as formas de análise e compreensão inerentes ao tempo em que vivem; sabem que estão imersos no tempo, no seu tempo e, simultaneamente, de‑ vem trabalhar com ele, para os atos da profissão.

Noção de tempo e espaço

Library of Congress/Geography and Map Division

Entre as especificidades do tempo histórico, há o tempo vivido, o tempo da experiência indi‑ vidual, que é o tempo biológico. Na nossa socie‑ dade, o tempo biológico é marcado pelo tempo de vida – evidenciado por idades bem distintas: infância, adolescência e velhice; entrada na es‑ cola, vida adulta, maioridade, direito de votar,

de dirigir automóveis, de alistamento militar etc. Já em culturas indígenas, as passagens de tempo biológico não são delimitadas por idades, mas por marcas ritualísticas importantes, reali‑ zadas por cerimônias que indicam as fases de crescimento e novas responsabilidades perante a comunidade. O tempo vivido é percebido e apreendido por todos os grupos e sociedades, estando associado aos dois polos da vida: o nascimento e a morte. Ao lado do tempo vivido, existe o tempo concebido, aquele que é organizado e sistematizado pelas diferentes sociedades e tem por finalidade ten‑ tar controlar o tempo vivido. O tempo concebido varia de acordo com a cultura e gera relações diferentes com o tempo vivido. Exemplificando: em sociedades capitalistas, “tempo é dinheiro”; não se pode perder “tempo” e as pessoas são controladas pelo relógio. Para muitos povos indígenas o tempo cíclico é o mais significativo e indica outras formas de ordenar o trabalho; mesmo o descanso, o lazer, são aspectos associados ao “tempo da chuva”,

Figura 13.3. Mapa da Nova França, por Samuel de Champlaim. Fonte: Wikipedia.

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“de plantar e colher” e dos respectivos rituais. A semana de sete dias não faz parte do tempo indígena das aldeias, bem como os meses e os anos. Tempo e espaço constituem as dimensões básicas dos historiadores, fundamentando qual‑ quer escrita da História. Um dos objetivos bási‑ cos da História é compreender o tempo vivido de outras épocas e converter o passado em “nossos tempos”. A História propõe­‑se a reconstruir os tempos distantes da experiência do presente; o historia‑ dor reconstrói a História dentro de seu próprio tempo. Os historiadores, além de se preocupa‑ rem em situar ações humanas no tempo, têm a tarefa de situá­‑las no espaço, e isso faz com que a História e a Geografia complementem­‑se. Não se pode conceber um “fazer humano” separado do lugar de onde esse fazer ocorre. O ambien‑ te natural ou urbano, as paisagens, o território, as trajetórias, os caminhos por terra e por mar são, necessariamente, parte do conhecimento histórico e geográfico. Por exemplo, mapas his‑ tóricos possibilitam a localização das socieda‑ des nos diferentes espaços, assim como os seus deslocamentos. Ao lado das representações cartográficas, em escalas locais, regionais ou mundiais, muitos his‑ toriadores têm­‑se dedicado a explicar diferentes apreensões do espaço pelas diversas sociedades e dos novos objetos da História em diferentes momentos históricos. As apreensões do espaço em suas relações mais complexas tornam­‑se fundamentais para o conhecimento histórico e não se limitam ape‑ nas a localizar os espaços pelas representações cartográficas. Segundo M. L. Janotti: “Na amostragem de novos objetos da História encontram­‑ se trabalhos sobre o clima, o inconsciente, o mito, o cotidiano, as mentalidades, a língua: Linguística e História, livros, jovens e crianças, saúde e doenças, opinião

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pública, cozinha, cinema, festa […]. As fontes consultadas e discutidas pelos autores mostram a dimensão interdiscipli‑ nar de suas perspectivas: mapas meteorológicos, processos químicos, documentos de ministérios da agricultura, cartas sobre catástrofes climáticas do passado, diários, biografias, fotografias, receituários, estudos de biologia, legendas, téc‑ nicas de filmagem, doutrinas religiosas, jornais, literatura médica, depoimentos orais, opinião pública, celebrações religiosas e uma infinidade de outras mais.“ (PINSKY, 2008, p. 15)

O avanço da tecnologia, principalmente da informática, agilizou as pesquisas. A internet aproximou os homens em tempo real, inven‑ tou uma linguagem própria e diminuiu distân‑ cias e diferenças. A computação gráfica gerou imagens virtuais, impulsionando amplamente as artes visuais. A internet, muito utilizada no campo do ensino, substituiu consultas às enciclopédias e aos livros. Não é possível ain‑ da avaliar essa soma incomensurável de novos conhecimentos e seu impacto no conjunto das relações científico­‑sociais. Todavia, o avanço tecnológico tem contribuído decisivamente para o acesso fácil e rápido às fontes, subverten‑ do os paradigmas tradicionais e dinamizando pesquisas. Começam a surgir novas pesquisas, principalmente na área de comunicações, sobre fontes históricas até então inexistentes: sites, condição de trabalho dos digitadores, jornais de circulação virtual, estratégias de marketing, confinamento no espaço doméstico, doenças provocadas pela longa permanência diante de computadores, banalização da violência e da transgressão. Esse avanço tecnológico prova também que o mundo do trabalho sofreu uma mudança acelerada nas últimas décadas (novas profissões, novas doenças derivadas do uso da tecnologia etc.). Como conclusão, pode­‑se afirmar que o tra‑ balho do historiador não é apenas narrativo, é interpretativo, pautado sobre fontes históricas.

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NA SALA DE AULA

Atividade 1: fontes a) Solicitação aos alunos de recolhimento de fotos históricas em livros, revis‑ tas e jornais e, em seguida, dispô­‑las em uma linha de tempo. b) Análise e interpretação de texto sugerido pelo professor (localização do texto no tempo e no espaço; identificação do autor; análise das principais ideias).

Atividade 2: duração a) Informações (recolhidas de um testemunho oral ou de outra maneira) “Nos anos trinta do século XX havia uma fábrica de tecidos no bairro da Lapa em São Paulo. Sofreu um incêndio e não foi reconstruída; em seu lugar os governos Estadual e Federal decidiram pelo restauro do prédio e montagem de um museu de ciência, que hoje é mantido pela Universidade de São Paulo e se chama Estação Ciência.” (Nery R. R. Bacellar)

b) Reflexão (discussão entre os alunos, dirigida pelo professor) Fase 1 – O acontecimento acidental possibilitou a criação de um museu de ciência naquele espaço. Fase 2 – Por que a fábrica não foi reconstruída ou então por que não foi construído algum outro prédio no seu lugar? (Resposta sob a forma de hipótese, ou usando outros testemunhos)1. ¾¾Não era mais economicamente rentável ter uma fábrica nesse lugar (histó‑ ria da fábrica, sua edificação, evolução do mercado, dos meios de transporte: acesso à longa duração). ¾¾A necessidade de implantação de um centro de ciências visando atrair crianças e jovens para maior divulgação e popularização do conhecimento científico. Fase 3 – Retorno ao acontecimento. Esse incêndio foi a causa da mudança estrutural? Qual é a função do acontecimento? Talvez a evolução estrutural

1 Com o mesmo material é possível desenvolver outras aprendizagens: poder, interesses políticos, necessidades de divulgação científica, clareza do que é ciência, para quê e para quem.

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levasse, cedo ou tarde, à supressão da fábrica. O valor do edifício levou o poder público a tombá­‑lo evitando o desaparecimento de um prédio com arquitetura de uma época. O acontecimento acidental desencadeia a mudança estrutural, mas não é a sua causa. O acontecimento determina a data da mudança. c) Reflexão – distinção dos ritmos da duração Primeiro nível – o acidente que, embora tenha marcado fortemente a me‑ mória das pessoas, não foi decisivo e não explica nada. Segundo nível – a conjuntura política, embora um pouco apagada da me‑ mória das pessoas, pesou sobre a evolução e contribui para sua explicação. Terceiro nível – a necessidade de divulgação e popularização do conhe‑ cimento científico foi determinante para explicar a ação dos governos, de implantação do museu.

Atividade 3: recorte temporal de objeto de estudo a) Selecione com os alunos uma lista com 10 problemas que poderiam ser estudados, como o racionamento de água em determinado município ou a gestão do lixo no município onde a escola se situa. b) Atribua cada tema a um grupo de alunos e peça que reflitam sobre o re‑ corte temporal de cada problemática. Por exemplo, ao se estudar a gestão do lixo no município, desde quando se começa a considerar? Oriente­‑os a pensar sobre quando foi criado o aterro; se houve a criação de alguma lei que regu‑ lamentasse a gestão; se não há nada e o lixo é jogado em um lixão desde que o município foi criado. Enfim, investigue, junto aos alunos, fatos relativos ao problema em estudo, que auxiliem na delimitação do período considerado. Não teria sentido, por exemplo, voltar dois séculos, quando aquele município não era mais que uma pequena vila. c) Peça que cada grupo exponha seu recorte temporal e justifique a escolha. d) Tendo feito os recortes do período a ser estudado, peça­‑lhes que reflitam sobre quais fatos seria importantes relatar nesse período. Por exemplo: o au‑ mento da população pode ser importante (pois pode ter aumentado a geração de lixo), mas a implantação de novas linhas de ônibus nesse período pode não ser relevante para a delimitação do tempo estudado.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário

Bibliografia

Escola dos Annales: movimento historiográfico fun‑ dado por March Bloch e Lucien Fevre, professores da Universidade de Estrasburgo, França. Propunham um novo modo de fazer História em que a princi‑ pal ideia era a aplicação da interdisciplinaridade na elaboração do discurso histórico. As ideias desse movimento foram difundidas por meio do periódico Revue des Annales. Documento histórico: todo tipo de produção hu­ mana, material ou imaterial. Historiografia: registro escrito da História; a memória fixada pela própria humanidade com a escritura de seu próprio passado.

Aróstegui, J. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: EDUSC, 2006. Bittencourt, C. M. F. Ensino de História. Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2009. Bittencourt, C. M. F. (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. Bloch, M. Apologia da História: ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. Guazelli, C. et al. Questões de teoria e metodologia da História. Porto Alegre: UFRGS, 2000. Glezer, R. Tempo e História. In: Revista Ciência e Cultura. v. 54, n. 2. São Paulo, 2002. Pinsky, C. B. et al. (Org.). Fontes Históricas. São Pau­ lo: Contexto, 2008.

SOBRE OS AUTORES Nely Robles Reis Bacellar é formada em História pela Universidade de São Paulo e mestre em História Social pela mesma instituição. Foi responsável pela coordenação do projeto de implantação da Estação Ciência/SP, pelo CNPq (1986 a 1990), e sua primeira diretora. Coordenou os cursos de História e Geografia da Universidade de Santo Amaro (UNISA), de 1997 a 2008.Trabalhou por quatro anos na TV Cultura, pela Secretaria de Educação de São Paulo. Lecionou de 1972 a 1988 na Faculdade de Moema e em escolas do Ensino Fundamental e Médio.

Patrícia Albano Maia é formada em História e Letras pela Universidade de São Paulo. Concluiu mestrado e cursa doutorado em História Social pela mesma instituição, pesquisando sobre o império co­ lonial português. Atua também como professora em instituições de Ensino Superior. Atualmente é professo­ ra dos cursos de História e Geografia da Universidade de Santo Amaro (UNISA), em São Paulo. É autora, juntamente com Lílian Lisboa Miranda, do livro São Paulo colonial: sua gente e seus costumes, publi­ cado pela Editora Atual.

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Uso e Registro de Fontes Bibliográficas

14 Glória da Anunciação Alves

Eduardo Justiniano

Vanderli Custódio

Introdução, 324 A pesquisa bibliográfica, 325 O registro da pesquisa bibliográfica, 327

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A bibliografia, 329 Na sala de aula, 332 Referências de apoio, 334 Sobre os autores, 334

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INTRODUÇÃO Quando um aluno necessita elaborar uma pesquisa individual e se indaga sobre qual seria a questão norteadora do trabalho, é comum obter como res­ posta: investigarei tudo. Contudo, proceder a um recorte da problemática é fundamental para a realização de um trabalho científico. O aluno deve ter bem claro qual é a questão, ou problema, a ser pesquisado. Por que insistir no assun­ to? Porque muito se confunde tema com problema. Uma coisa é dizer que se vai estudar a Geografia Urbana – um grande temário –; outra é questionar que transformações socioespaciais dada intervenção urbana acarreta em determinado local. Esta é uma grande questão. Em Geografia Física alguém talvez afirmasse que está fazendo um trabalho de Geomorfologia. Outra vez um grande temário, mas e a questão? Poderia ser uma análise da melhor forma de ocupação de dada vertente. Esses são exemplos hipotéticos, pois o que aqui se quer salientar é a necessidade de delimitação de um problema para melhor realização da pesquisa ou do trabalho acadêmico. A delimitação clara do que se pretende estudar é fundamental para a realiza­ ção da escolha adequada das fontes e do levantamento bibliográfico necessário ao desenvolvimento da pesquisa. Isso torna mais fácil responder às indagações comuns dos alunos: quais as fontes de investigação e quais bibliografias utilizar? Onde buscá­‑las? Em Geografia, os temas estudados geralmente situam­‑se no âmbito da re­ flexão teórica, com utilização de muitos instrumentos que auxiliam nas análises geográficas: livros, artigos, cartas topográficas, aerofotos, imagens de satélites, imagens de radar, análise de solos, entre outros. Este capítulo será restrito ao desenvolvimento da pesquisa bibliográfica com utilização de livros, revistas, rede mundial de computadores (internet), e a uma apresentação das normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) no que se refere à indicação da bibliografia utilizada num trabalho acadêmico­ ‑científico. Recomenda­‑se ter à mão a última versão da ABNT para consulta, que deve estar sempre disponível nas bibliotecas.

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A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Uma vez que o aluno tenha decidido o tema e determinado a questão central do trabalho, é momento de buscar o material bibliográfico para a realização da discussão teórica. Para aqueles que ainda não possuem referências bibliográficas sobre a questão levantada, um bom início é ir à biblioteca e executar um levantamento. Por exemplo: um aluno quer estudar a importância da constituição das fronteiras no Oriente Médio no entendimento do atual quadro de beligerân‑ cia. Para desenvolver essa problemática, ele pode inicialmente buscar: ¾¾autores que discutam conceitualmente a questão das fronteiras; e ¾¾um quadro histórico sobre a constituição dos estados­‑nações e das fronteiras no Oriente Médio.

estados­‑nações no Oriente Médio”. Ao realizar nova busca, agora pelo assunto “Oriente Médio”, encontrará vários livros e artigos. Como muitas vezes não há tempo para ler toda a bibliografia encontrada, é necessário proceder a uma seleção inicial do que aparentemente interessa à questão. Chamamos de inicial, pois ao longo da pesquisa novas bibliografias serão necessárias e algumas que inicialmente pareciam importantes podem se tornar dispensáveis. Como fazê­‑lo? Só há uma maneira: pegar os livros, ler os índices, folhear os capítulos que têm mais ligação com a questão, verificar nas bibliografias se há indicações dife‑ rentes das já existentes. Após esse levantamento inicial, é preciso fazer uma relação das priorida‑ des e ordem de livros e/ou capítulos a serem lidos.

Se a biblioteca possuir um sistema informa‑ tizado de levantamento e busca bibliográfica, o aluno poderá inserir palavras­‑chave como “fron‑ teiras” e “Oriente Médio” para iniciar a busca. Caso a biblioteca não disponha desse sistema, o pesquisador deve procurar nos catálogos biblio‑ gráficos, por tema ou por nome, consultando as fichas bibliográficas. No exemplo tratado, autores como Max. Sorre e André R. Martin poderiam estar entre os autores localizados. Além dos le‑ vantamentos em catálogos informatizados e/ou impressos, livros e artigos indicados também são importantes fontes de levantamento bibliográfi‑ co. Ao final de um texto sobre a questão das fron‑ teiras, como um artigo de Sorre ou de Martin, encontra­‑se a bibliografia utilizada pelos autores. Talvez nem todo o material por eles utilizado seja importante para o desenvolvimento do trabalho hipotético do qual estamos tratando, mas seria necessário verificar essa bibliografia para que o levantamento seja o mais completo possível. O aluno iniciou a discussão conceitual acer‑ ca de “fronteiras”, mas ainda precisa realizar o levantamento da “constituição de fronteiras e

As fontes Efetuado o levantamento bibliográfico, uma das prioridades na escolha do material a ser analisada é a classificação das fontes, se fonte primária ou fonte secundária. Como nos diria Armando Corrêa da Silva (1971), citando Marc Bloch, “[…] o geógrafo deve sempre preferir tra‑ balhar com as fontes primárias, utilizando­‑se das secundárias apenas quando não se apresente a pos‑ sibilidade de uso das primeiras”. O que seriam as fontes primárias? Ainda segundo Silva, seriam os dados, fatos, testemunhos originais relativos a dada situação. Em Geografia existe razoável diversidade de fontes primárias, como registros de trabalho de campo (aliás, a fonte primária por excelência do trabalho do geógrafo é a excursão a campo), entrevistas, levantamento cartográ‑ fico, livros e artigos, entre outros. Quando são referidas as fontes primárias que se encontram na forma de livros ou artigos, é mais profícuo ler, registrar e analisar livros ou artigos de autores considerados clássicos ou peritos no assunto. É mais interessante ler primeiro, por exemplo, as

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obras de Aziz Nacib Ab’Saber sobre “domínios morfoclimáticos”, para depois ler os seus discí‑ pulos ou aqueles que tratam do que ele escreveu. É muito comum a leitura de autores que tra‑ tam de outros autores e suas especialidades, ou seja, leituras de segunda mão ou fontes secun‑ dárias. Levar à risca o que se entende por fontes primárias significa aprender o idioma no qual os autores de referência se expressaram original‑ mente. Isso porque a tradução pode ser consi‑ derada uma fonte secundária, pois é uma versão do texto ou obra para o nosso idioma. Ler uma tradução implica, por mais respeitado que seja o tradutor e fiel à tradução efetuada, a leitura de al‑ guém sobre uma obra original. Por isso, sempre que possível, é importante procurar ler as obras de referência no idioma original. Isso não quer dizer que, ao encontrarmos apenas o livro traduzido ou uma bibliografia inicial que seja baseada em fontes secundárias, devamos desistir do projeto. Enquanto não se obtiver as fontes primárias, deve­‑se trabalhar com as secundárias. Ainda com relação às fontes, muito se ques‑ tiona acerca da qualidade daquelas cujo acesso é feito pela internet. Afinal, uma bibliografia assim obtida pode ser considerada fonte de informação para trabalho acadêmico? A resposta pode ser po‑ sitiva se os sites utilizados e disponibilizados forem reconhecidos como de excelência no meio acadê‑ mico. Por exemplo, no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição oficial do país, há uma série de dados disponíveis para consulta e impressão. Na rede, há bons pe‑ riódicos especializados em Geografia e em outras áreas, que podem ser consultados online, como o Terra Livre e o GEOUSP (ambos avaliados positi‑ vamente pelo Qualis­‑CAPES1 como periódicos

nacionais conceito “A”). Nos exemplos citados, a internet pode ser fonte de consulta, bem como a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Disserta‑ ções, cujo endereço é: e a Unibibliweb, um portal de serviços e conteúdo digital das universidades paulistas (USP, UNI‑ CAMP e UNESP), cujo endereço eletrônico é . Onde estão as fontes e como procurar os li‑ vros? As bibliotecas especializadas na área de Geografia já são consideradas um bom começo para a pesquisa; nelas, procure pelas disserta‑ ções, teses e periódicos mais recentes. Algumas referências são: ¾¾a Biblioteca Central da Faculdade de Filo‑ sofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Os títulos do acervo podem ser consultados via internet, pelo site da FFLCH, cujo endereço eletrônico é: , link “bibliotecas”; ¾¾a biblioteca da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)2, possuidora de importante acervo de periódicos nacionais e internacionais; ¾¾artigos da revista Terra Livre da AGB Na‑ cional estão disponíveis na rede, cujo endereço eletrônico de acesso é: , link “números antigos”; ¾¾artigos da revista GEOUSP da pós­‑graduação do Departamento de Geografia da FFLCH/ USP podem ser acessados em: ; ¾¾a Biblioteca Municipal Mário de Andrade (São Paulo, capital) possui importante arqui‑ vo documental sobre a cidade de São Paulo. O acesso eletrônico aos títulos existentes é: ; ¾¾o Arquivo do Estado de São Paulo possui um importante acervo documental e pode oferecer

1 Espécie de ranqueamento dos periódicos acadêmicos existentes no país, por área, organizado pela Coorde‑ nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão responsável por todos os programas de pós­‑graduação do Brasil.

2 Para maiores informações o telefone da AGB/USP é (11) 3091­‑3758 e o contato deve ser realizado entre 14h e 21h. Em 2004, a biblioteca começou a ser informa‑ tizada, mas é cauteloso consultar a entidade sobre o material disponibilizado na rede.

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informações no endereço eletrônico: ; ¾¾o IBGE possui um site em que disponibiliza várias informações bibliográficas e dados sobre o Brasil, cujo endereço eletrônico é: ; ¾¾o site da Scientific Electronic Library Onli‑ ne (SciELO) congrega artigos de diversas áreas do conhecimento que passaram por severo crivo acadêmico, portanto é excelente para pesquisas científicas. O endereço eletrônico é: ; ¾¾o site da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) traz informações sobre pesquisas desenvolvidas na área agrope‑ cuária, entre outras. O endereço eletrônico é: ; ¾¾o site da EMBRAPA também apresenta ima‑ gens por satélite de todo o território brasileiro, nos seguintes endereços eletrônicos: e ; ; ¾¾o site da Empresa Paulista de Planejamen‑ to Metropolitano S.A (EMPLASA), , pode ser muito útil para ob‑ tenção de dados e bases cartográficas (sumário de dados da Grande São Paulo); ¾¾o Google Earth pode ser um bom início para um primeiro reconhecimento da área estudada. O endereço eletrônico é: ; ¾¾os sites do MEC (www.mec.gov.br), do IBAMA (), do INPE (), Ministério das Minas e Energia () também podem ser consul‑ tados de acordo com o interesse de pesquisa. Estes são apenas alguns exemplos de fontes. Pela internet muitos outros podem ser obtidos a depender da pesquisa e temática desenvolvidas. O cuidado quando se trabalha com fontes da internet deve ser sempre redobrado e, preferen‑ cialmente, sempre utilize fontes de sites oficiais.

Realizada a pesquisa das fontes, é preciso ordenar as prioridades de acordo com a neces‑ sidade do desenvolvimento da pesquisa. Para tanto, o ideal é estabelecer um plano de leitura e, estabelecidas as prioridades, documentar a bibliografia utilizada. Como fazer a documen‑ tação da bibliografia?

O REGISTRO DA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Um fichamento é fundamental nessa etapa. Cada aluno deve ter seus próprios meios e modos de fichar os textos. Uns utilizam programas de computador, outros cadernos ou fichas de papel. Quaisquer que sejam os meios, alguns elemen‑ tos são fundamentais para a elaboração de um fichamento útil. Deve­‑se iniciá­‑lo com a indicação bibliográfica do livro ou artigo. Por exemplo, no estudo hipotético sobre “A importância da cons‑ tituição das fronteiras no Oriente Médio”, uma das referências encontradas para a discussão con‑ ceitual de “fronteiras” foi o artigo de Max. Sorre intitulado “A sociabilidade e o meio geográfico”. Antes de iniciar o fichamento do material, deve ser feita a indicação da obra, como segue: SORRE, Max. A sociabilidade e o meio geográfico. In: ME­ GALE, Januário F. (Org.) Max. Sorre: Geografia. São Paulo: Ática, 1984, pp. 156­‑185. (Coleção Grandes Cientistas So­ ciais, n. 46).

Atente para o fato de que numa obra com tí‑ tulo e subtítulo, ambos são separados por dois pontos (:) e, somente a primeira parte é destacada (sublinhada, negritada ou colocada em itálico). Para o fichamento propriamente dito, diga‑ mos, do texto de Max. Sorre acima mencionado, os conteúdos principais são copiados na íntegra, por exemplo: “A fronteira é, também, um fato cultural político e econômico”. (p. 173. Grifos do autor); ou anotados livremente, por exemplo: a

capítulo 14 – uso e registro de fontes bibliográficas

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fronteira precisa ser pensada cultural, econômi‑ ca e politicamente (p. 173), desde que não se desvirtue a ideia central do autor. Em ambos os casos, a indicação da página faz­‑se necessária. Ao utilizar o trecho copiado (citação) no tra‑ balho final, o aluno deve indicar a fonte ao leitor. Ele pode fazê­‑lo de duas formas: utilizando o sis‑ tema autor­‑data ou fazendo uma nota de rodapé. Apesar de a nota de rodapé ser mais didática para o leitor, os meios editoriais dão preferência pelo uso do sistema autor­‑data. O aluno deve optar como fazer as indicações das referências ao longo do texto; uma vez optadas, deve padronizá­‑las. Se iniciar com indicações de referências com o sistema autor­‑ data, deve fazê­‑lo até o final do trabalho. Nesse caso, as notas de rodapé só apa‑ recerão com intuito explicativo o que, aliás, faz enriquecer um texto acadêmico. Se optar pela nota de rodapé, o aluno não deve utilizar o sis‑ tema autor­‑data.

O sistema autor­‑data No sistema autor­‑data, após a citação ou a ideia de dado autor, deve­‑se colocar, entre pa‑ rênteses e em letras maiúsculas, o sobrenome do autor, o ano de publicação da obra e a pá‑ gina da citação ou da ideia. Tomemos como exemplo a frase: “A fronteira é, também, um fato cultural político e econômico” (SORRE, 1984, p. 173. Grifos do autor). Nesse caso, atente para o fato de a citação com menos de três linhas ser incorporada no texto corrido. Outro exemplo é a frase abaixo:

A fronteira é, também, um fato cultural político e econômico. Sua rigidez depende da vontade de isolamento dos estados limítrofes, de seu temor de contaminação espiritual, do cará­ ter mais ou menos fechado de sua economia (SORRE, 1984, p. 173. Grifos do autor).

Neste último caso, atente para o fato de que a citação com mais de três linhas é colo‑

328

cada em destaque, sem aspas e com letra um número menor do que a utilizada no restante do texto. Se por um lado o sistema autor­‑data é o mais recomendado e utilizado pelas editoras, por outro, muitas vezes percebe­‑se que a indicação passa despercebida aos leitores. A maior parte dos alunos de graduação, quando encontra a indicação, não costuma ir até a bibliografia do trabalho verificar a autoria da obra. Isso quando a bibliografia consta do material utilizado, pois em muitas ocasiões o professor responsável por uma disciplina disponibiliza o texto­‑base de aula na forma de reprodução fotocopiada, mas nem sempre com a bibliografia final do livro usado.

A nota de rodapé Após a frase citada insere­‑se uma nota de rodapé e indicam­‑se o nome e sobrenome do autor, o nome da obra e a página citada. Como toda produção deve conter bibliografia, os outros dados da referência serão encontrados ao final do trabalho, na bibliografia completa. No mesmo exemplo teríamos: A fronteira é, também, um fato cultural político e econômico. Sua rigidez depende da vontade de isolamento dos estados limítrofes, de seu temor de contaminação espiritual, do ca­ ráter mais ou menos fechado de sua economia1.

1 SORRE, Max. A sociabilidade e o meio geográfico, p. 173.

A nota de rodapé, ainda que dê mais trabalho aos alunos quando da elaboração de um trabalho, é mais didática. Como em geral ela se encontra no final da página, promove maior proximidade do leitor com a referência da obra citada. Muitos alunos questionados sobre se costumam observar as notas de rodapé, responderam que costumam lê­‑las, tanto as de informação de fontes quanto as de explicações.

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É importante observar que o sistema autor­ ‑data ou nota de rodapé são recursos utilizados para referir­‑se às fontes de apoio ao desenvol‑ vimento do trabalho e, assim, para indicar as citações ou ideias fichadas extraídas das fontes. Desta feita, o fichamento deve ser atentamente realizado para evitar imprecisões. Além disso, não basta um texto cheio de citações, pois é ne‑ cessário debater as ideias destacadas e eleitas como fundamentais.

A BIBLIOGRAFIA Ao terminar um trabalho, todos os alunos sa‑ bem que é necessário elaborar a indicação da bi‑ bliografia citada ou que serviu de referência para a monografia. A dificuldade está em fazê­‑la de acor‑ do com as normas da ABNT, sobretudo a norma NBR 6023, que especifica os elementos básicos que devem ser registrados, determina a sequência e a pontuação entre os elementos e orienta a forma de preparação e compilação das referências utili‑ zadas. Daí a necessidade de estar a par das mo‑ dificações das últimas versões da referida norma da ABNT. Aqui serão apresentados exemplos das referências mais utilizadas na pesquisa geográfica. Ao final, para complementar, apresentam­‑se alguns exemplos de indicação de documentos cartográficos.

Indicação de documentos textuais Um autor SOBRENOME, Prenome(s) do autor. Título da obra: subtí­ tulo. Edição. Local: Editora, ano da publicação. Paginação. Série. Notas. ISBN.

São Paulo: EDUSP, 2004. 440 p. Coleção Milton Santos. ISBN 85­‑314­‑ 0833­‑ 4.

É possível simplificar a(s) indicação(ções), utilizando somente os elementos principais. Im‑ portante é padronizar o conjunto das referên‑ cias num mesmo trabalho. As diretrizes, apesar de indicar o(s) prenome(s) do(s) autor(es), grafa somente a letra inicial de cada prenome. Po‑ rém, para melhor identificação do(s) autor(es) recomenda­‑se grafar por extenso pelo menos um dos prenomes do(s) autor(es). SOBRENOME, Prenome(s) do autor. Título da obra. Local: Editora, ano da publicação.

Exemplo: SANTOS, Milton. O espaço dividido. São Paulo: Nobel, 1984.

Mais de um autor: dois até três SOBRENOME, Prenome (s) do autor; SOBRENOME, Prenome(s) do autor. Título da obra: subtítulo. Local: Edi­ tora, ano da publicação.

Exemplo: SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria L. O Brasil: terri‑ tório e sociedade no início do século século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Mais de três autores SOBRENOME, Prenome(s) do autor. et al. Título da obra. Local: Editora, ano da publicação.

Exemplo: TÂNGARI, Vera R. et al. (Organizadores). Águas ur‑ banas: uma contribuição para a regeneração ambien‑

Exemplo:

tal como campo disciplinar integrado. Rio de Janeiro:

SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, PROARQ,

economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2. ed.

2007.

capítulo 14 – uso e registro de fontes bibliográficas

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Autor entidade (entidades coletivas, governamentais, públicas, particulares) ENTIDADE. Título da obra. Local: Editora (quando houver), ano da publicação.

Trabalhos acadêmicos (dissertações, teses) SOBRENOME, Prenome do autor. Título da obra. Data (ano de depósito). Folhas. Grau de dissertação, tese, monografia ou trabalho de conclusão de curso – Unidade onde foi de­ fendida, Local, data (ano da defesa).

Exemplos: AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANI‑

Exemplo:

TÁRIA. Política vigente para a regulamentação de

CUSTÓDIO, Vanderli. A persistência das inundações

medicamentos no Brasil. Brasília, DF, 2003.

na Grande São Paulo. 2002. 333 f. Tese (Doutorado em

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâme‑

Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e

tros Curriculares Nacionais: geografia (5ª a 8ª séries).

Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São

Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

Paulo, 2002.

Artigo em periódico

Documentos da rede mundial de computadores (internet)

SOBRENOME. Prenome(s) do(s) autor(es). Título do artigo. Título do periódico, Local, ano, volume, número, p. inicial­ ‑final, mês (se houver), ano da publicação.

SOBRENOME, Prenome(s) do(s) autor(es). Título da obra. Edição. Local: data da publicação. Disponível em: . Acesso em: mês abreviado. ano.

Exemplo: SEABRA, Manoel F. G. Os primeiros anos da Asso‑

Exemplo:

ciação dos Geógrafos Brasileiros (1934­‑1945). Revista

DOWBOR, Ladislau. Da propriedade intelectual à

Terra Livre, São Paulo, ano 20, v. 1, n. 22, pp. 13­‑ 68,

economia do conhecimento. São Paulo. Disponível em:

jan/jul., 2004.

. Acesso em: out. 2009.

Artigo/capítulo de livro organizado (parte de monografia) SOBRENOME, Prenome(s) do(s) autor(es). Título do capí‑ tulo. In: SOBRENOME, Prenome(s) do(s) autor(es) da obra principal. Título da obra. Local: Editora, ano da publicação. Capítulo, p. inicial­‑final.

Exemplo:

330

Trabalho apresentado em evento SOBRENOME, Prenome(s) do(s) autor(es). Título do trabalho. In: EVENTO, numeração do evento em arábico, ano, Local de realização do evento. Título do documento… (Anais, resu­ mos, atas etc.). Local: Editora, ano da publicação. Paginação.

Exemplo:

DAMIANI, Amélia L. Urbanização crítica e situa‑

SZMRECSANYI, Maria I.; BEMFICA, Juliana do C.

ção geográfica a partir da metrópole de São Paulo. In:

Planejamento e laissez­‑faire: a administração da cidade­

CARLOS, Ana Fani A.; OLIVEIRA, Ariovaldo. U. de.

de São Paulo na década de 80. In: SEMINÁRIO PLA‑

(Org.). Geografias de São Paulo: representação e crise

NO DIRETOR MUNICIPAL, 1, 1980, São Paulo.

da metrópole. São Paulo: Contexto, 2004. cap. 1, pp.

Anais… São Paulo: FAU – USP – Departamento de

19­‑58.

Projeto, 1989. pp. 37.

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Artigo e matéria de jornal SOBRENOME, Prenome(s) do(s) autor(es) (se houver). Título do artigo. Título da publicação, Local da publicação, dia mês abreviado. ano. Seção, Caderno, página.

Exemplos: PORTELLA, Andréa. Promessas e cheias repetem­‑se no Aricanduva. O Estado de São Paulo, São Paulo, 22 mar. 1999. Cidades, Caderno 7, p.10. PREFEITURA promoverá ‘geral’ no serviço de empresas contratadas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 4 jan. 2001. Cidades, Caderno 7, p.12.

Legislação

‑se citar, após a colocação do conferencista, o nome do interventor/conferencista, o evento e a data3. Exemplo: “O espaço de possibilidade é considerado como espaço universal do conhe‑ cimento em contraste com o local, que é visto como o espaço de oportunidade. Intervenção de Milton Santos no Encontro sobre Território, no Departamento de Geografia – USP, abril 1993”. Esse exemplo foi retirado da seguinte refe‑ rência bibliográfica: GUNN, Philip O. M. Es‑ paço, estado e agência. In: LAVINAS, Lena; CARLEIAL, Liana. M. F.; NABUCO, Maria R. (Org.). Integração, região e regionalismo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. No caso de entrevistas, deve­‑ se indicar o nome do entrevistado (se ele permitir), quando e onde foi realizada a entrevista.

ENTIDADE. Título da obra. Complementação. Local, Edi­ tora (se houver), ano.

Exemplo:

Indicação de documentos cartográficos

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Re‑ pública Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

A título de ilustração, serão dados alguns exemplos de indicação de documentos cartográ‑ ficos. São atlas, fotografia aérea, globo, imagem de satélite, mapa etc.

Sites Como já indicado, use preferencialmente si‑ tes oficiais e sempre registre a data de acesso; se possível, mantenha uma cópia em arquivo digital ou papel. Coloque a página do site e a data de acesso. Ex: se o aluno usar como referência em seu trabalho o texto intitulado “Uma potência chamada São Paulo” que está disponível no site da EMPLASA, deverá indicar da seguinte forma:

SOBRENOME, Prenome(s) do(s) autor(es). Título: subtítulo. Local: Editora, ano. Designação específica e escala.

Exemplos: ESTADO DE SÃO PAULO: político. São Paulo: Insti‑ tuto Astronômico e Geográphico, 1933. 1 mapa, color., 90 cm x 120 cm. Escala 1:1.000.000. LUETZELBURG, Von Philipp (Org.). Serra do Araripe: mappa phytogeographico parcial. Rio de Janeiro: Minis‑

Disponível em: . Acesso em: jan. 2010.

tério da Viação e Obras Públicas, 1922. 1 mapa, color., 60 cm x 30 cm. Escala 1:400.000.

Conferências, encontros, entrevistas Para citar/comentar ideias/falas proferidas por um conferencista ou por interventores, deve­

3 O mesmo vale para aulas proferidas, falas em seminá‑ rios, mesas redondas e comunicações em Encontros.

capítulo 14 – uso e registro de fontes bibliográficas

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NA SALA DE AULA Prezado(a) professor(a), sabe­‑se que exercícios, diferentemente de ativida‑ des, servem para a fixação de conteúdos por repetição. O presente capítulo possibilita isso e pode ser explorado de diversas maneiras no universo próximo ao aluno(a), basta, por exemplo, começar com a observação dos elementos da ficha catalográfica dos livros (didáticos) mais utilizados por ele(a). Do exposto, observa­‑se que o uso correto das diretrizes para apresentação de textos acadêmicos diz respeito aos aspectos formais dos trabalhos e são, como o conteúdo, submetidas a constante avaliação, portanto devem estar corretas, o que é sinônimo de atualizadas. Quanto maior a prática rigorosa na aplicação das diretrizes, menor a possibilidade de rejeição ou má avaliação do trabalho.

Atividade 1: a citação A citação a seguir tem como bibliografia: SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987 e foi retirada da página 40. “No caso brasileiro, defrontamo­‑ nos com o que se poderia denominar de consumidor mais que perfeito”.

Como você registraria a referência bibliográfica dessa citação na forma de1: a) nota de rodapé? b) sistema autor­‑data?

Atividade 2: a referência bibliográfica Caso encontrasse as seguintes informações na contracapa de um livro, indique como faria o registro da referência bibliográfica ao final do trabalho2. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Espaço­‑tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana/ Ana Fani Alessandri Carlos. São Paulo: Contexto, 2001 Bibliografia ISBN 85­‑7244­‑185­‑9 1. Cidades 2. Geografia Urbana 3. Planejamento Urbano I. Carlos, Ana Fani Alessandri  01­‑3405 CDD 910.91732 Índice para catálogo sistemático 1 Cidades: Geografia Urbana Pesquisa Geográfica 910.91732

1 Respostas: a) Milton Santos. O espaço do cidadão, p. 40. / b) (SANTOS, 1987, p. 40). 2 Resposta: CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço­‑tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001. ISBN 85­‑7244­‑185­‑9.

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Atividade 3: a referência bibliográfica Sugere­‑se agora um exercício abrangente que pode ser feito em grupo, por etapas e demandar certo tempo, mas, ao final, proporcionará um ama‑ durecimento dos alunos no que se refere a pesquisa bibliográfica e fontes de dados. Este exercício não leva necessariamente a conclusões, pois não se trata de uma pesquisa propriamente dita, mas contempla alguns procedimentos importantes que auxiliarão os alunos em suas pesquisas futuras. 1º passo: discuta com os alunos temas de interesse geral até que se defina um tema para cada grupo. 2º passo: discuta com cada grupo o tema escolhido até problematizá­‑lo; se o tema for “água” (recursos hídricos), por exemplo, instigue­‑os até que os alunos definam uma problemática sobre o tema, talvez relacionando­‑o com racionamento, enchentes, qualidade ou saúde. 3º passo: tendo um tema problematizado, pode­‑se iniciar uma pesquisa bibliográfica. Peça que cada grupo encontre cinco livros (o ideal é um para cada componente do grupo) ou artigos científicos sobre a problemática escolhida. 4º passo: cada componente do grupo deverá, então, fichar uma fonte bi‑ bliográfica (por isso deve­‑se preferir livros e artigos científicos a matérias de jornal e revistas). Cada componente lerá os fichamentos dos colegas. 5º passo: liste as referências bibliográficas corretamente, conforme se ensina neste capítulo.

capítulo 14 – uso e registro de fontes bibliográficas

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REFERÊNCIAS DE APOIO

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Glossário

Bibliografia

ABNT: Associação Brasileira de Normas Técnicas. É uma entidade privada, fundada em 1940, responsável por toda a normalização e certificação técnica do país. Por exemplo: tipos e tamanhos de parafusos utiliza­ dos no Brasil; normas para a elaboração de trabalhos científicos etc. Bibliografia: lista de documentos utilizados na ela­ boração de um trabalho. Dados: elementos constituintes de um conjunto. Diretrizes: o mesmo que linha reguladora, regra, norma, diretiva a ser seguida. Hipotético: suposto, eventual, por acaso. ISBN: trata­‑se de uma sigla que significa International Standard Book Number. O ISBN indica o Número­ ‑Padrão Internacional de Livro, e é um identificador de cada livro, composto por treze dígitos traduzidos em código de barras. Funciona como uma carteira de identidade internacional. No Brasil, o ISBN de cada obra, software ou evento é solicitado junto à Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Monografia: estudo minucioso sobre determinado assunto. Nessa categoria estão incluídos trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, entre outros. Referência bibliográfica: cada documento de uma bibliografia é considerado uma referência bibliográfica. SIC: trata­‑se de uma sigla, que significa “Segundo Informações Colhidas”. Em geral, utilizamos a sigla sic quando, apesar de parecer estranha ou estar sabida­ mente incorreta, a informação está registrada tal como consta em sua fonte original. Nesse caso, reproduz­‑se fielmente a citação e coloca­‑se a sigla sic ao lado da informação para indicar que não se trata de erro de digitação, de ortografia ou até mesmo uma ideia ou opinião singular, mas sim de uma citação tal como encontrada na fonte. Por exemplo: “A luz passa atravez (sic) das águas do lago”. Deve­‑se ser fiel aos originais consultados. Utiliza­‑se a sigla sic entre parênteses, como indicado no exemplo.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação: citações em documentos: apresentação. Rio de Janeiro, 2002. FUNARO, V. M. B. O. et. al (Coord.). Diretrizes para apresentação de dissertações e teses da USP: documento eletrônico e impresso: Parte I (ABNT), 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo/ Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, 2009. ISBN 978­‑85­‑7314­‑041­‑5. SILVA, A. C. Notas sobre o método científico e a obser­ vação em Geografia. In: Métodos em questão (2). São Paulo: IG/USP, 1971.

SOBRE OS AUTORES Glória da Anunciação Alves possui graduação em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1986) e, pela mesma instituição, graduação em licenciatura (1986), mestrado e doutorado em Geografia Humana (1992) e pós­‑doutorado pela Universitat de Barcelona (2005). Atualmente é professora titular do Depar­ tamento de Geografia da FFLCH/USP e membro do corpo editorial da GEOUSP. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes temas: centro, centralidade, apropriação, dominação e uso. Vanderli Custódio é graduada em Geografia pela FFLCH/USP, mestre e doutora em Geografia Humana pela mesma instituição. Autora de livro didático de Geografia para o Ensino Fundamental e professora doutora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), USP, na áea de Geografia.

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A Escola como Laboratório Vivo

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Eduardo Justiniano

Nídia Nacib Pontuschka

Introdução, 336 Laboratórios de ensino e pesquisa, 338 A formação inicial do professor de Geografia: os estágios, 339

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Retorno para o laboratório de ensino, 342 Projetos de estágio no ensino básico, 344 Referências de apoio, 356

Sobre o autor, 356

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INTRODUÇÃO A formação do professor está em permanente questão, porque não é fácil para nenhuma instituição, na complexidade do mundo contemporâneo, desen­ volver o melhor currículo para formar o professor­‑educador e, em nosso caso, o professor de Geografia. Nas universidades públicas, de modo geral, a formação teórico­‑metodológica dos conhecimentos geográficos encontra­‑se hoje bastante desenvolvida, com a disponibilidade de laboratórios para cada disciplina ou grupos de disciplinas. Assim, o estudante tem a oportunidade de dominar conhecimentos geográficos e metodologias de pesquisa, de modo a poder tornar um pesquisador em quais­ quer ramos da Geografia. Mas a necessidade de autocrítica é um fato quanto à formação do professor: sem o conhecimento da Geografia, não se pode chegar a ser um professor bem qualificado para lidar com o ensino e a aprendizagem e formar alunos desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. E também não basta ser um excelente pesquisador da Geografia. É preciso lembrar que temos de ensinar Geografia para outras modalidades de ensino, a exemplo da educação de jovens e adultos, para aqueles que não completaram a escolaridade, por diferentes razões, com predominância de mo­ tivos ligados à própria sobrevivência. Desse modo, queremos defender a neces­ sidade de incorporar outros componentes curriculares relacionados à discussão educacional e sociológica do ensino da Geografia. Pela análise dos currículos, percebe­‑se que as escolas superiores da rede pri­ vada de ensino no Brasil, particularmente em São Paulo, deixam muito a desejar porque, além de terem professores rotativos (horistas), não têm como meta a formação do professor pesquisador, objetivo imprescindível para a construção da profissionalidade do docente de Geografia e também das demais disciplinas escolares. Com raras exceções, as universidades particulares ou centros universitários contratam parte de seu corpo docente apenas com a graduação completa sem titulação de mestre ou doutor e sem experiência com a docência nos Ensinos Fundamental e Médio. As instituições­‑empresas mantêm fixa apenas pequena parcela do corpo docente, por não ter a preocupação de manter professores que almejam pesquisar Geografia ou outras áreas disciplinares ou queiram realizar atividades mais criativas e apaixonantes como o trabalho de campo, aulas mais ativas com o uso de recursos mais variados ou ainda por não aceitarem a presença de profissionais mais críticos. Essas são algumas das razões da alta rotatividade dos professores nas escolas superiores privadas, que dificilmente conseguem formar grupos de discussão no interior da escola. A ausência do estímulo à pesquisa em Geografia nessas instituições obriga os docentes que desejam pesquisar, em nosso caso, no campo da Geografia ou da Educação, a buscar as universidades públicas para cursos de pós­‑graduação lato ou stricto sensu e conhecer as pesquisas de ponta que contribuem para a ampliação de sua intelectualidade e aperfeiçoamento do trabalho pedagógico.

336

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Acreditamos que se o professor não sabe pesquisar não poderá instigar os alunos a fazê­‑lo no campo da construção da formação docente. Saber Geografia é fundamental, mas manter seus conceitos, suas categorias, utilizar linguagens adequadas para cada faixa etária é a necessidade e o compli­ cador para darmos conta dessa diversidade. Enfim, saber pensar e saber fazer. A universidade pública não está a salvo da crítica dos alunos, que questionam bastante o currículo do curso tanto ligado ao bacharelado como à licenciatura. Aliás, nós docentes da universidade não podemos nos queixar, pois este é um dos objetivos do curso: formar um profissional crítico. Por outro lado, os alunos ressaltam aspectos extremamente positivos no sentido de sua formação intelectual, ou seja, pela conquista de um acervo cultural que lhe permite analisar a complexidade do mundo contemporâneo; científica, ou seja, realizar pesqui­ sas geográficas originais; e profissional ao deter o conteúdo e o domínio das metodologias e técnicas através das disciplinas – instrumentos utilizados nos diferentes laboratórios: Geomorfologia, Pedologia, Climatologia, Cartografia, Sensoriamento Remoto, Geografia Urbana, Geografia Agrária, Ensino, além do laboratório vivo expresso pelo trabalho de campo em áreas urbanas ou rurais, pelo estudo do meio e pela presença do aluno universitário na escola de Ensino Básico, durante o período do estágio supervisionado. Para ser docente da universidade exige­‑se apenas a formação de pesquisador e não a de professor. Hoje, há um movimento de reflexão para sanar essa lacuna, mas ainda é incipiente. Somente alguns docentes nos diferentes departamentos demonstram a preocupação com a formação do professor­‑geógrafo. Conside­ ramos, no entanto, que o principal protagonista da Geografia é o professor dos Ensinos Fundamental e Médio porque leva a reflexão espacial para o país inteiro. Daí o significado desse profissional, por muitos ainda considerado secundário no interior da Geografia universitária.

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LABORATÓRIOS DE ENSINO E PESQUISA Muitas faculdades de Filosofia, Educação ou de Geociências do Brasil que abrigam cursos de Geografia, seja de bacharelado ou licenciatura, possuem laboratórios de ensino que recebem diferentes denominações, mas que, de modo geral, apresentam objetivos que se aproximam. Todos eles têm como meta a formação de pro‑ fessores, a reflexão sobre o ensino e a aprendi‑ zagem da Geografia, as metodologias e a pro‑ dução de conhecimento e de recursos didáticos a serem utilizados, até mesmo os virtuais. Mui‑ tas vezes, esses objetivos se entrelaçam e, além do trabalho disciplinar, adquirem a dimensão interdisciplinar como nos estudos do meio ali planejados e efetivados. Há necessidade de um conhecimento mais aprofundado do que acontece no interior dos laboratórios de ensino de Geografia das gran‑ des universidades do país, com destaque para as públicas. Este capítulo é fruto do conhecimen‑ to que temos do trabalho realizado em alguns laboratórios de ensino localizados em pontos específicos do país. Diferentemente da maioria dos capítulos constituintes deste livro, o laboratório de en‑ sino e pesquisa não possui instrumentos como os necessários para as disciplinas parcelares, a exemplo da Geomorfologia, Climatologia ou Pedologia. O leitor pode se perguntar, então: Para que serve a existência de um laboratório de ensino? Como ele funciona? Vamos tentar expressar os significados que as atividades dentro de um laboratório de ensi‑ no de Geografia ou de Ciências Humanas têm, sem a preocupação com a denominação especí‑ fica dada a cada um deles. Na Faculdade de Educação (FEUSP) há o Laboratório de Pesquisa e Ensino de Ciências Humanas (LAPECH), onde são realizadas reu‑ niões/debates sobre ensino e aprendizagem de

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Geografia; crítica aos recursos didáticos dispo‑ nibilizados pela indústria cultural; projetos de ensino com os estagiários; projetos interdisci‑ plinares com prefeituras, sejam da Grande São Paulo ou do interior do estado; projeto de cole‑ ta seletiva de lixocom catadores em colaboração entre a FEUSP e a Universidade de Victoria – (UVIC), no Canadá. O LAPECH abriga as au‑ las de Metodologia do Ensino de Geografia e História, onde há recursos didáticos para serem utilizados durante as aulas e os planejamentos e avaliações de aulas e projetos de ensino. Cursos de extensão também são oferecidos aos profes‑ sores da rede pública de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Os estagiários e os alunos da pós­‑graduação utilizam o laboratório para os grupos de discus‑ são e produção de recursos didáticos, planeja‑ mento de estudos do meio, vídeos, maquetes. Para a pós­‑graduação, constitui um espaço de discussão em seminários para debates sobre os relatórios de qualificação, as dissertações e te‑ ses em andamento. No Departamento de Geografia da Facul‑ dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP), o Laboratório de Material Didático (LEMADI) oferece cursos para pro‑ fessores da rede pública de ensino e adminis‑ tra as 100 horas de estágio dos licenciandos de Geografia no sentido de somá­‑las às 300 horas da FEUSP e, assim, completar as 400 horas de estágio supervisionado exigidas por lei. Na Universidade Federal de Goiás (UFG), também há um Laboratório de Ensino e Pes‑ quisa onde se encontram docentes e alunos da pós­‑graduação, graduação e professores da rede pública, discutindo sobre ensino e produzindo recursos didáticos. No final dos estágios há um encontro organizado pelos próprios alunos com o apoio dos coordenadores de ensino. O obje‑ tivo maior do encontro é a apresentação dos

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projetos desenvolvidos individualmente ou em pequenos grupos, quando os alunos, de forma prazerosa, expõem os resultados dos trabalhos realizados nas escolas públicas. Cada ano, os alunos escolhem um professor­‑geógrafo vin‑ culado ao ensino, proveniente de outro estado do Brasil para proferir palestra sobre o ensino e aprendizagem da Geografia. Na Universidade Estadual de Londrina (UEL) também há um Laboratório de Ensino de Geografia que apresenta características se‑ melhantes ao que se faz em Goiânia, com im‑ portante presença de professores da rede pública, local de interação de sujeitos. Os licenciandos mostram como viram e sentiram a escola e o tra‑ balho pedagógico em Geografia lá desenvolvido e, por outro lado, os professores participantes da rede pública de ensino colocam as dificuldades do trabalho e os aspectos que os estagiários não conseguiram enxergar, porque não vivem inten‑ samente o cotidiano da escola. É um debate extremamente rico, no qual se confrontam vários sujeitos: estagiários, professores da rede pública de ensino e os co‑ ordenadores de estágio da universidade. Os licenciandos começam a construção de sua profissionalidade1 em um laboratório vivo: por um lado, a escola pública com seus conflitos, cooperações e contrastes; por outro, os pro‑ fessores à espera da contribuição da academia para a ampliação dos saberes geográficos e pe‑ dagógicos no sentido de resolver ou minimizar as dificuldades do trabalho pedagógico e talvez transformar a escola pública em espaço real de reflexão e produção de conhecimentos.

1 Por profissionalidade consideram­‑se o saber e o saber fazer, aspectos técnicos, éticos, políticos do ofício de professor. Há uma pesquisa inédita sobre profissiona‑ lidade e estágio supervisionado (PIMENTEL, 2010).

O momento do estágio precisaria ser levado muito mais a sério, acima das leis que o regula‑ menta, porque é a porta de entrada para a cons‑ trução do ofício de ser professor. Pensemos, primeiramente, no objetivo da formação do professor de Geografia, seja ele um futuro docente do Ensino Superior ou do Ensino Básico. Além das competências es‑ pecíficas exigidas no âmbito da Geografia, o professor precisa saber ensinar e estabelecer permanente interlocução com os estudantes e com os companheiros de docência, e entender a cultura da instituição educacional em que se encontram. Um laboratório de ensino e pesquisa exi‑ ge um equipamento mínimo composto por diferentes tipos de mapas, um data show, um computador, pequena biblioteca específica de ensino de Geografia, com livros didáticos de Geografia e Educação, atlas de diferentes au‑ tores e datas mas, acima de tudo, o que real‑ mente esse laboratório precisa é ter seres pen‑ santes em continuada reflexão com seus pares, portanto, um trabalho coletivo, orientado por um ou mais docentes da instituição, em que diferentes saberes se entrecruzam. A presença de professores da rede pública é fundamental, pois eles trazem questões geográficas, educa‑ cionais ou do espaço escolar instigantes para ajudar nossos alunos na formação inicial e levar a melhor produção acadêmica para a reflexão da escola em que leciona.

A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE GEOGRAFIA: OS ESTÁGIOS O estágio curricular supervisionado é obriga‑ tório para todas as disciplinas dos cursos de for‑

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mação de professores. Em algumas faculdades existe uma disciplina de estágio que deve acom‑ panhar o trabalho dos estagiários; em outras, são os professores de Metodologia do Ensino ou da Prática de Ensino que são encarregados de acompanhá­‑los; há ainda outras em que existe a seção de estágio auxiliar que cuida da parte burocrática­‑administrativa das escolas convenia‑ das e dos estagiários. Os licenciados devem completar 400 horas obrigatórias de estágio supervisionado (como ci‑ tado anteriormente) que legalmente podem ser distribuídas em várias atividades: ¾¾regência de classe em escola do Ensino Básico, quando o graduando acompanha as aulas de um determinado professor e tem a oportunidade de dar algumas aulas; ¾¾projetos de extensão, com a realização de se‑ minários, minicursos e oficinas para professores ou alunos da comunidade escolar sobre temas específicos; ¾¾projetos de pesquisa sobre questões relaciona‑ das ao processo de ensino e aprendizagem ou a uma disciplina específica; ¾¾monitorias, que pressupõem acompanhamen‑ to ao trabalho dos educadores em grupos de edu‑ cação das várias modalidades de ensino; ¾¾seminários temáticos e outras possibilidades dentro da realidade universitária e escolar. Qualquer que seja a atividade, o estagiário tem momentos de discussão com o grupo e pre‑ cisa apresentar relatórios orais e escritos no final do curso. Esse é um resumo do Parecer das Diretrizes Curriculares da Formação de Professores (2001)2 sobre estágio supervisionado. No entanto, cada

2 Diretrizes Curriculares da Formação de Professores (2001) e Resolução CNE/CP Nº. 1, de 18 de fevereiro de 2002. Resolução CNE. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena.

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disciplina e professor adaptam­‑se de acordo com as condições objetivas e materiais em que se en‑ contram tanto o curso superior como as escolas de educação básica. No Brasil, as realidades dos estágios supervisionados apresentam diferenças profundas entre as escolas no interior de um mesmo estado e das várias regiões do país. Os estágios supervisionados de Geografia, assim como os de outras disciplinas, eram rea‑ lizados no último ano do curso de licenciatu‑ ra e poderiam inserir­‑se em algumas das mo‑ dalidades acima arroladas com destaque para a regência de aulas da disciplina escolar em foco. Hoje, as novas turmas realizam os estágios a partir do segundo semestre do curso (1º ano de ingresso), o que resulta em mais tempo nas escolas e, portanto, em maior conhecimento da realidade escolar e cotidiana, além de proporcio‑ nar maior aproximação entre a universidade e as escolas­‑campo. Os estágios de Geografia e de disciplinas afins dão oprtunidade ao estudante universitá‑ rio de pesquisar a escola como um espaço social, extremamente importante para toda a sociedade e, especificamente, para a educação básica. Rela‑ cionar a teoria e a prática; conhecer as confluên‑ cias e os distanciamentos da universidade com o Ensino Básico; discutir possíveis interações das várias dimensões do ensino; tudo isso contribui muito para a formação e amadurecimento do jovem professor. Na tentativa de aproveitar muito bem o es‑ tágio como a iniciação da profissionalidade do estudante de Geografia, desmontando a ideia de apenas cumprir a exigência legal, fazemos a seguinte proposta: priorizar o estágio como importante momento formativo e de investiga‑ ção da realidade escolar, no trabalho permanen‑ te de observar, registrar, interpretar e avaliar o trabalho pedagógico de acordo com parâmetros filosóficos e técnico­‑científicos oferecidos pela universidade, bem como o desenvolvimento da história da disciplina escolar Geografia e da his‑ tória da carreira de professor neste país.

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A observação minuciosa das condições da escola deve acompanhar todo o estágio. As práticas pedagógicas dos professores e as dos estagiários constituem momentos de reflexão, sobretudo, na regência pelos alunos. O cotidia‑ no das aulas, os acontecimentos inusitados, as formas como o professor lida com as situações e considera os saberes dos alunos, as contestações geográficas trazidas pelos alunos, construídas na interação com instituições sociais, com a mídia, portanto originárias em lugares imaginados ou não; enfim, a observação de todos esses aspec‑ tos permite ao estagiário colocar­‑se no lugar do professor e saber que, além dos conhecimentos geográficos, ele deve aprender a ser um docente. Na observação da sala de aula há apenas dois protagonistas fundamentais: aluno e professor, atentamente observados por um estagiário. O licenciando observa a aula e a escola realiza os registros escritos, que alguns chamam de “diário de bordo” de todas as aulas: a postura, a ética, a interlocução entre professor e aluno mediada pelo conhecimento geográfico. As relações que se estabelecem entre alunos e professor, entre alunos e alunos, as linguagens e os conteúdos selecionados, os recursos mais utilizados e a ma‑ neira como o professor administra tudo isso e como cada aluno individualmente e cada turma reagem diante dos conhecimentos geográficos trabalhados e das situações criadas pelo docen‑ te. As perguntas dos alunos e os exemplos de vida que trazem se mesclam e contribuem para a produção da aula. Simultaneamente, à observação das aulas processa­‑se o conhecimento empírico da escola. O que ocorre nesse espaço social entre alunos e funcionários; como os alunos se relacionam entre si, individualmente ou em grupos; quais atividades fazem nos intervalos; como ocupam os diferentes espaços da escola: biblioteca, labo‑ ratórios, quadras, lanchonete, corredores e até mesmo os sanitários. As conversas formais e in‑ formais com os diferentes sujeitos da escola são importantes e precisam também ser registradas.

Após cada “visita” de observação da escola, tudo deve ser registrado por escrito e as cenas vividas fora da sala de aula, se possível, devem ser fotografadas. Fatos que aparentemente não têm significado no momento podem vir a ter nas discussões e fazer emergir uma linha diretiva de pesquisa sobre a Geografia ou sobre o espaço escolar. Esse material constitui a matéria­‑prima para a elaboração dos relatórios escritos que conju‑ gam a descrição à interpretação com destaque para as forças internas da escola assim como as fragilidades. O papel da Geografia no contexto escolar pode ser revelado por meio do relatório. O contexto geográfico em que a escola se insere deve fazer parte da pesquisa porque apon‑ ta para as condições socioespaciais vividas pelos alunos e podem se transformar em conteúdos da Geografia ao penetrar no currículo ativo da escola; os adolescentes podem contestar ou inte‑ ragir com os textos dos livros e, assim, ampliar os conhecimentos geográficos, baseados nas visões teóricas dos autores e na vivência de estudantes. Se a observação das aulas é importante, a regência da aula pelo estagiário é fundamental para a sua própria autoavaliação. Nessa pers‑ pectiva, apresento um exemplo: uma aluna da pós­‑graduação, que realiza pesquisa de douto‑ rado sobre a profissionalidade do professor de Geografia, ouviu a seguinte observação do esta‑ giário: “eu preparei muito bem a aula de Geografia, estudei bastante, mas ao chegar à classe é que eu per‑ cebi que havia esquecido da existência dos alunos”. Esse depoimento mostra como é complexo conseguir um equilíbrio entre os conhecimentos geográficos, os métodos e técnicas de ensino da Geografia, considerar as inter­‑relações entre pro‑ fessor e aluno, mediadas pelo conhecimento, para produzir uma aula que o aumente e sirva para a vida do aluno. Uma boa aula exige muito de nós. O projeto de ensino – após o aluno estagi‑ ário ter um conhecimento maior da escola, do professor e dos alunos, fruto da pesquisa inicial, ele tem condições de fazer um projeto de ensino

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direcionado a determinado grupo, considerando a faixa etária dos alunos. Ainda tem como aliado o professor da classe para o planejamento da se‑ leção dos conteúdos, das linguagens, dos recur‑ sos didáticos, das atividades e textos sugeridos aos estudantes, do tipo de avaliação permitida pelo professor. Tudo isso vai ser feito diante de um fator limitante: o tempo, ou seja, o número de aulas disponibilizado pelo docente para esse trabalho. A avaliação do aluno estagiário ainda é feita apenas pelo supervisor de estágio, por meio dos relatórios, debates no decorrer da disciplina e pela autoavaliação do aluno. Há pesquisas que demonstram a necessidade de o professor da classe também ser considerado um formador, mas isso talvez aconteça em longo prazo. As demais modalidades indicadas pelo pa‑ recer são importantes e podem existir quando a própria universidade e instituições científico­ ‑culturais como as AGB (Associação dos Geó‑ grafos Brasileiros) regionais abrem espaço para o oferecimento de seminários, palestras, oficinas e outras atividades a serem elaboradas e concre‑ tizadas pelos alunos estagiários. Em um parecer das Diretrizes Curriculares da Formação do Professor, de 2001, aparece o seguinte: “A legitimação da universidade como um espaço de formação se concretiza, portanto, a partir destes encaminhamentos, tanto para o aluno estagiário como para aquele educador de educação, que recebe o aluno estagiário, pois ambos se formam na prática.”

RETORNO PARA O LABORATÓRIO DE ENSINO O conjunto das observações e registros dos alunos retorna para o laboratório de en‑ sino para ser exposto e debatido pelo coletivo dos licenciandos. A partir dessa volta, pode­‑se

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chegar à contextualização da escola. Quais as características socioeconômicas da escola? É minimamente organizada? O espaço físico fa‑ vorece o diálogo ou a dialogicidade tão enfati‑ zada por Paulo Freire? A distribuição espacial dos diferentes compartimentos pode facilitar a formação ou promover a segregação dos su‑ jeitos? Por quê? Os sujeitos têm um bom rela‑ cionamento entre si? Constata­‑se violência no interior da escola? Constatam­‑se preconceitos? Quais? Questões diferentes dessas podem sur‑ gir porque a cada ano mudam. Essa constitui a primeira aproximação do conhecimento de uma escola para que os alunos desenvolvam melhor a observação, percebam o que falta observar, as aberturas e condições materiais que terá para desenvolver o trabalho de estágio do ponto de vista do conteúdo, a escolha das linguagens mais adequadas aos conteúdos a serem desen‑ volvidos em seu projeto que pode ser individual ou em pequeno grupo. Quando há 2 ou 3 alu‑ nos em uma mesma escola e classe, os resulta‑ dos das análises são mais ricos. Nesse processo de discussão, os licenciandos descobrem como o poder e o conhecimento circulam pela escola eentre as escolas, mudam os professores e mu‑ dam os licenciandos. No momento da socialização, os alunos co‑ meçam a perceber que, embora a maioria das escolas, campo de estágio, sejam públicas, elas são diferentes porque os professores de Geogra‑ fia detêm formações diferentes e atuam de modo distinto; os alunos provêm de diversas categorias sociais; as coordenações têm formas distintas de gestão. O que predomina é a diversidade, e as peculiaridades merecem ser respeitadas e co‑ nhecidas para possíveis intervenções. A tríade estagiário, professor­‑coordenador de estágio e professor da classe em processo de discussão será a formadora e tentará vislumbrar caminhos para a elaboração das propostas de projetos para o ensino de Geografia. A seleção dos conteú‑ dos geográficos, das linguagens, da bibliografia e das atividades pedagógicas deverá ser condi‑

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zente com as condições objetivas, materiais e culturais da escola. Há orientadores de estágio que solicitam aos alunos assistir aulas de professores de di‑ ferentes áreas do conhecimento para, a seguir, se fixarem na aula de Geografia. Esse tipo de proposta é interessante porque comumente na universidade a formação do estudante acontece de forma estanque, em compartimentos dis‑ tintos. O estagiário tem oportunidade de ver a diversidade na maneira como os professores mi‑ nistram suas aulas, porque tiveram orientações teórico­‑metodológicas em diferentes faculdades e cursos. Há, contudo, uma barreira, pois, na atualidade, é raro que professores de diversas áreas abram as portas das salas de aula para os estagiários, futuros professores. O encontro de sujeitos que se forma em la‑ boratórios diferentes: na faculdade, os momen‑ tos de reflexão sobre as informações e dados trazidos pelos alunos estagiários e na sala de aula da escola básica, um “laboratório vivo” em que a prática do ensino e aprendizagem estão presentes e é sobre ela que a reflexão se faz na universidade. A sala de aula de Geografia na escola públi‑ ca é onde o licenciando inicia a sua profissio‑ nalidade, ao entrar em contato com a escola e, sobretudo, com as aulas de Geografia. É o local da relação profunda que existe entre a teoria e a prática. Como o licenciado pode realizar o desenvolvimento do estágio nesse laboratório e iniciar­‑se como professor? A universidade é o lócus de reflexão sobre o estágio supervisionado que conhece ou deveria conhecer as diferentes concepções de estágio e a decorrente crítica a elas. A seguir, citamos, re‑ correndo ao livro Estágio e Docência3, algumas das concepções:

3 PIMENTA, S.G.; LIMA, M. S. Estágio e Docência. São Paulo, 2004.

Prática como imitação de modelos Um modo de aprender o ofício de professor é de acordo com a perspectiva da imitação a partir da observação da docência de professores considerados bons na disciplina de referência, em determinado contexto histórico e social. Essa prática reprodutivista é também chama‑ da de artesanal por ser ainda muito utilizada e apresentar limites se adotada pelo licenciando sem um olhar crítico ou utilizada como modelo para situações educacionais em diferentes con‑ textos. Uma boa aula de Geografia em uma ci‑ dade grande do centro­‑sul do país certamente não poderá ser reproduzida como modelo nas escolas do Ensino Fundamental de Porto Ve‑ lho (RO) ou Urucará (AM), que apresentam diversidades culturais, contextos históricos e econômicos diferentes. Embora estejam no âm‑ bito do mundo capitalista, essas cidades apre‑ sentam peculiaridades na produção histórica dos respectivos espaços. A observação de uma aula somente pode ser interpretada quando inter­‑relacionada ao contexto escolar e do lugar em que se encontra, considerando sua História, Geografia, Sociologia, Ambiente, isso para citar apenas algumas áreas do conhecimento.

Prática como instrumentalização técnica É inerente à ação de ensinar o domínio de conhecimentos e habilidades técnicas; no en‑ tanto, esse conhecimento não dá conta dos complexos problemas enfrentados pelo educa‑ dor na sala de aula. São os objetivos da ciên‑ cia geográfica e da educação que informam as melhores técnicas e metodologias a serem utilizadas no processo educativo. A atividade de estágio não pode ser reduzida ao conheci‑ mento técnico. As chamadas oficinas pedagó‑ gicas, sem desmerecer o seu valor, muitas vezes podem ser transformadas em uso de técnicas,

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desvinculadas de temas geográficos, sem a ne‑ cessária compreensão do processo de formação do aluno que é o nosso principal foco.

A prática social A interação entre prática e teoria está sem‑ pre presente; não existe em educação essa di‑ cotomia e se as considerarmos desvinculadas não estaremos em condições de formar nossos alunos de forma reflexiva. No fazer do professor em sala de aula está embutida toda uma teo‑ ria que tem história. Por outro lado, quando o professor está trabalhando na universidade com um tema aparentemente teórico, sua prática revela­‑se na natureza de seu discurso, na inter‑ locução que mantém com os alunos, nos textos e livros sugeridos para a classe. Assim como a maneira que utiliza as técnicas para introdu‑ zir ou aprofundar determinados conteúdos, a exemplo do estudo da hidrografia, ou da mo‑ vimentação das massas de ar e das frentes, ou mesmo da questão da reforma agrária no Brasil, esse professor revela o que existe por trás de seu fazer. São ações docentes que podem transfor‑ mar a realidade da escola e que se constituem em práticas sociais, porque na apreensão desses complexos conhecimentos interagem institui‑ ções, pessoas e saberes. O estágio supervisiona‑ do favorece a aproximação com a realidade na qual o aluno futuramente irá atuar. O estágio supervisionado nas escolas de Ensi‑ no Básico vai oferecer outra dimensão e ampliar o conhecimento sobre o ensino dos licenciandos porque os integra a um universo diferente, ou seja, a formação de uma criança, adolescente ou adulto. Novas referências são construídas e servirão para enriquecer a reflexão no Labora‑ tório de Ciências Humanas, onde os professores que cuidam do estágio terão preciosos elementos para a teorização da prática observada nas es‑ colas. A experiência trazida pelos alunos vai ser pensada, refletida e novos conhecimentos serão

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mobilizados à luz da teoria construída pela ins‑ tituição acadêmica. Essa mobilidade dos esta‑ giários: da universidade para a escola de Ensino Básico e vice­‑versa, contribui para a sua forma‑ ção inicial. O diálogo que o professor mantém com o estudante universitário se constitui em possibilidade de ampliação ou mesmo de tornar explícito o conhecimento tácito detido pelo pro‑ fessor e transformado em conteúdos específicos na sala de aula. A riqueza de um trabalho voltado para o ensi‑ no e a aprendizagem da Geografia em um labo‑ ratório é difícil de ser alcançada, em decorrência do intenso movimento com produções que se modificam muito, dependendo das propostas dos alunos, professores, projetos nacionais ou internacionais. Assim, analisa­‑se aqui uma das ações para a formação do professor de Geogra‑ fia, tendo por base os relatórios das atividades didáticas e as autoavaliações realizadas no final. Tudo com o objetivo de colocar à crítica de meus colegas geógrafos que têm a preocupação em formar bons professores de Geografia e quiçá auxiliar a escola a ser um espaço de reflexão, não de forma idealizada, mas em um equilíbrio entre a utopia e a realidade da escola.

PROJETOS DE ESTÁGIOS NO ENSINO BÁSICO O estagiário, de acordo com a legislação vi‑ gente, precisa desenvolver um projeto de ensino a ser pensado em três direções: planejamento, docência e avaliação. Para mostrar essas três eta‑ pas do processo de estágio, escolhemos a turma já mencionada para pensarmos junto com o lei‑ tor sobre os projetos efetivados naquele momen‑ to, relatados e avaliados pelos licenciandos. Para tanto, apresenta­‑se a Tabela 15.1, com a relação de estágios supervisionados de Geografia, na FEUSP, no segundo semestre de 2007, turma matutina.

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O quadro apresenta os 21 licenciandos4 que realizaram estágios no 2º semestre de 2007, su‑ pervisionados pela professora da disciplina de Metodologia de Ensino de Geografia. Desse total, 11 estagiaram em escolas da capital; 9, em municípios da Grande São Paulo, e somen‑ te 1 deles em Indaiatuba, cidade sob a influên‑ cia das regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas. Esses dados revelam um dos problemas que atinge parte dos alunos do campus da USP – São Paulo, que residem em bairros distantes e fazem a graduação no campus do Butantã: tra‑ balham em lugares diferentes e devem escolher escolas para a realização dos estágios em locais que minimamente tenham maior facilidade de acesso. Mesmo morando em bairros da capital, o acesso ao Butantã, zona oeste da cidade, não é fácil diante dos problemas dos transportes ur‑ banos coletivos vividos pela população da me‑ trópole paulistana. Outro fato significativo: 28,60% dos alunos estagiaram em classes do Ensino Fundamen‑ tal e 71,43%, no Ensino Médio. As razões dessa distribuição necessitam ser melhor analisadas; entretanto, podemos afirmar que a diferença não resulta tão somente da preferência pelo En‑ sino Médio, pois a escolha da escola, campo de estágio, está submetida a diversas variáveis, tais como: proximidade da residência do aluno, ou seja, a facilidade de acesso; a escolha da mes‑ ma escola em que o aluno fez o ensino básico, em decorrência da presença de um docente de Geografia que marcou a vida do aluno por seu trabalho pedagógico sério e comprometido, levando­‑o até mesmo a decidir pela graduação em Geografia; o conhecimento de algum proje‑ to de ensino de valor reconhecido pela comuni‑ dade acadêmica.

4 No quadro, apresenta­‑se as iniciais dos nomes dos alu‑ nos que frequentaram a disciplina de Metodologia do Ensino de Geografia II, no 2º semestre de 2007, na Fa‑ culdade de Educação da USP, no período matutino.

É orientação geral em relação aos estágios que sejam realizados em escolas públicas, pois a universidade da qual falamos é pública e há que se pensar que a maior parte dos estudantes deste país frequenta a escola pública.Acredita­ ‑se também que o estagiário na escola vai iniciar seu trabalho de docência e, ao mesmo tempo, colaborar com saberes conquistados na acade‑ mia para o professor e a escola pública. É nesse espaço social que ele deve estar. No entanto, nos últimos anos, a forte presença do ensino privado na Grande São Paulo e em outras cidades e as precárias condições de trabalho oferecidas aos professores e alunos vem fazendo com que os estagiários, à revelia das intenções dos coorde‑ nadores de estágio, busquem as escolas privadas para a realização dos estágios supervisionados. No ano de 2007, seis estudantes, ou seja, 28,57% da turma, fizeram estágios em escolas particula‑ res, o que pode se configurar como apropriação privada de recursos públicos. Algumas escolas de ensino superior conse‑ guem que seus alunos, individualmente ou em grupo, realizem projetos de ensino junto com o professor da sala de aula ou mesmo em pro‑ jetos interdisciplinares. O estagiário, ao entrar em contato com a escola, pode identificar, desde o início, as demandas e necessidades colocadas pelo professor de Geografia ou pelo coordenador pedagógico. O coordenador de estágio na Universidade, diante das informações trazidas pelos estagiá‑ rios, sugere leituras ou recursos didáticos que os auxiliarão a propor um projeto de natureza geográfica ou interdisciplinar, materialmente possível, mas isso somente poderá ser efetivado após um diagnóstico junto à escola, ao professor e aos alunos do Ensino Básico. Os resultados esperados serão conseguidos com maior ou menor facilidade se o professor da classe tiver a oportunidade de participar efetiva‑ mente das atividades desde o planejamento do projeto até a sua avaliação. No entanto, a expe‑ riência com os estágios tem mostrado que nem

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Tabela 51.1 – FEUSP: Estágios Supervisionados de Geografia (2º sem/2007) Estagiário (a)

Identificação da escola

Ensino

BVP

EE.Profa. Yolanda Ascêncio – São Caetano do Sul

Médio

CG

EE Dr. Felício Laurito – Santo André

Médio

CM

Colégio Adventista – Cotia (privada)

Fundamental

DJT

Instituto ACAIA – ONG – Capital (privada)

Médio

EJSM

Escola Batista de Ensino Integral – Capital (privada)

Médio

ERS

EE Professor Romeu de Moraes – Capital

Médio

GAB

Anglo Campinas – Unidade de Indaiatuba (privada)

Fundamental

GNG

Escola de Aplicação FEUSP – Capital

Fundamental

JKB

Escola de Aplicação FEUSP – Capital

Fundamental

LA

EE Antonio Alves Cruz – Capital

Médio

LCB

EE Homero Fernando Milano – Itaquaquecetuba

Fundamental

LG

EE José Carlos Antunes – Santo André

Fundamental

LGRSM

EE Alípio de Oliveira e Silva – Taboão da Serra

Médio

MGH

EE Professora Yolanda Ascêncio – São Caetano do Sul

Médio

MLR

EE Herbert Baldus – São Bernardo

Fundamental

PC

EE Brasílio Machado – Capital

Médio

PFG

EE Antonio Alves Cruz – Capital

Médio

PYCC

EE Sólon Borges dos Reis – Capital

Médio

RRS

EE Leonor Mendes de Barros – Barueri

Médio

SARS

Colégio Objetivo – Capital (privada)

Fundamental

TCA

Escola Batista de Ensino Integral – Capital (privada)

Fundamental

sempre isso é possível, por inúmeros fatores, sendo talvez a carga horária do professor, com excesso de aulas, o fator preponderante, quando os professores lecionam em escolas diferentes e com classes de 40 ou mais alunos. O diagnóstico é parte importante do planejamento, pois permite a inter‑ pretação dos dados fundamentados nos objetivos da escola; na seleção de

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eixos temáticos ou temas geradores5 que melhor atendam às demandas do professor de Geografia no sentido de oferecer maior qualidade ao trabalho pedagógico. De preferência, esse projeto deve emanar do diálogo estabelecido entre o professor do Ensino Básico e o estagiário. Após a configuração do projeto é importante que este seja apresentado aos alunos da classe, apontando seus objetivos, as diferentes atividades, convi‑ dando e sensibilizando os alunos a participar dos trabalhos individuais ou em equipes. Para se chegar a esse momento, é necessário que seja precedido de um diagnóstico resultante de análise bastante cuidadosa a partir de observa‑ ções, entrevistas, leituras de documentos produzidos pela escola para enten‑ der a vida da escola, seus problemas e perspectivas (pimenta; lima, 2004). No estágio, faz­‑se necessário o desenvolvimento de uma atitude colabo‑ rativa entre o professor da classe, o docente responsável pela coordenação do estágio e o estagiário para que todos contribuam para o início da profissio‑ nalidade do aluno estagiário, futuro professor. As reflexões sobre estágios na universidade podem se aproximar do rela‑ tado anteriormente. Destacam­‑se, a seguir, alguns exemplos de estágios reais realizados por alunos da FEUSP, na capital e arredores (ver Tabela 15.2). Sobre as temáticas dos projetos de Ensino Médio, nota­‑se que há certa diversidade com predomínio de temas ligados ao meio ambiente, que se apre‑ sentam escritos e abordados de diferentes formas, mas que se relacionam, e a questão da indústria, outra temática bastante presente na construção do espaço geográfico na atualidade. Há temas passíveis de articulações, outros que buscam a crítica aos processos e à mídia e ainda há temas tratados de forma convencional e descontextualizados, tal como clima e vegetação, e ainda afirmando que “o objetivo é dar o que está na apostila”. Na FEUSP, os estagiários foram orientados para escolher os temas em comum acordo com o professor da classe. Alguns professores deixaram a escolha do conteúdo e da metodologia a critério do estagiário. Seria importante que o estagiário tivesse colocado de que modo cada tema aparecia no conjunto dos conteúdos elencados pelo professor para determi‑ nada série. No entanto, isso não foi possível perceber, talvez pela necessidade de maiores discussões com os estagiários e deles com os professores das classes. Outra questão a ser pensada é como esses temas se relacionam com as temáticas dos grandes vestibulares do país. Temas da atualidade presentes na mídia (nem sempre com argumentações científicas), como as alterações

5 Temas geradores são oriundos de pesquisas coletivas de determinado local ou institui‑ ções com os vários agentes sociais envolvidos e que podem gerar o currículo de uma es‑ cola ou de certas séries, a partir da análise coletiva dos dados obtidos. Por exemplo, uma escola localizada em um bairro residencial pode ter como tema gerador do currículo a moradia, o saneamento básico ou outro tema escolhido, após profunda discussão. Apre‑ senta sempre um tratamento interdisciplinar.

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Tabela 15. 2 – Projetos para o Ensino Médio: FEUSP/LAPECH (2º sem/2007) Aluno

Instituição

Tema

Objetivos gerais

BVP MGH

EE Prof.ª Yolanda Ascêncio

Geografia e arte: desenvolvimento da paisagem.

Compreender o processo de desenvolvimento da paisagem.

CG

EE Felício Laurito

Aquecimento global.

Compreender as implicações para a humanidade e elucidar os conceitos: efeito estufa, Protocolo de Quioto.

DJT

ACAIA

A Revolução Industrial como processo de construção do espaço da modernidade.

Compreender a relação entre a industrialização e o processo de urbanização.

EJSM

EBEI Escola Batista de Ensino Integral

Clima e vegetação do Brasil.

O objetivo é dar o conteúdo da apostila.

ERS

EE Romeu de Moraes

Alterações climáticas do global ao local.

Compreender as possíveis causas das alterações climáticas apontadas pelo IPCC* e as consequências para a humanidade.

GAB

Anglo de Campinas – unidade de Indaiatuba

Transnacionais: e eu com isso?

Conceitos de transnacionais e globalização.

LA PFG

EE Antonio Alves Cruz

Meio ambiente e Europa.

Compreensão do modo de vida urbano, o consumo e o desperdício, o saneamento básico.

LG

EE José Carlos Antunes

Transposição do Rio São Francisco.

Entender como as ações antrópicas interferem no meio ambiente, focando o Rio São Francisco.

MLR

EE Herbert Baldus

Indústria, migração e urbanização

Dominar os conceitos de industrialização, migração, desconcentração industrial e urbanização.

PC PHL

EE Brasílio Machado

Biocombustíveis e a política ambiental.

Aprofundar o olhar crítico e a capacidade de argumentação dos alunos sobre o discurso da mídia, apresentando as múltiplas facetas da temática.

PYCC

EE Sólon Borges dos Reis

Questão do manejo agrícola e as questões políticas da propriedade da terra e a produção alimentar no Brasil.

Refletir sobre a produção do espaço agrícola brasileiro e as questões ambientais, econômicas e políticas.

RRS

EE Leonor Mendes de Barros

O sertão de Guimarães Rosa.

Relacionar a Geografia e a Literatura.

* IPCC – Intergovernarnental Panel on Climate Change. Em português, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.

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climáticas e a transposição do Rio São Francis‑ co, estiveram entre as temáticas contidas nos relatórios. Em relação aos objetivos expressos nos rela‑ tórios6, observa­‑se principalmente a preocupa‑ ção com os conteúdos, e não são declarados os objetivos de formação. Não registram como as atividades da disciplina escolar Geografia e de seus conteúdos ajudam os alunos a se tornarem adultos críticos e enriquecidos intelectualmente para argumentar sobre os temas de forma co‑ erente e sólida. Neste último sentido, “compre‑ ender (aquecimento global) as implicações para a humanidade e elucidar os conceitos: efeito estufa e Protocolo de Quioto”. Outra citação relacionada aos efeitos das alterações climáticas, “compre‑ ender as possíveis causas das alterações climáticas apontadas pelo IPCC e as consequências para a humanidade”. A palavra humanidade é uma constante, mas como o aluno entende as conse‑ quências, do ponto de vista ambiental, para ele e o lugar em que vive? É estimulante para o estagiário trabalhar com várias linguagens. Um deles colocou a re‑ flexão sobre o livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, relacionando Geografia e Li‑ teratura. Essa relação tem sido explorada por muitos professores da escola pública. Mas os livros escolhidos precisam ser bem lidos e se possível estudados em interação com Língua Portuguesa, para ser possível fazer boas análi‑ ses literárias. É preciso lembrar que a ficção não tem compromisso com a verdade, mas o escritor usa elementos da realidade local, regional e até mesmo internacional para construir histórias e dos personagens. Nesse sentido, é bom citar a preocupação do IBGE na produção do Atlas das representações literárias de regiões brasileiras, produzido com o auxílio de geógrafos e escritores e que trata da

6 Para preservar a identidade dos alunos, optou­‑se por manter os trechos citados sem referência aos autores.

literatura regional a ser utilizada com os alunos da Geografia, para estudar conceitos geográfi‑ cos e a população de nosso país. Na apresenta‑ ção da obra destaco uma parte do texto: “neste Atlas as regiões brasileiras que constituíram elemento marcante da trama de obras clássicas da literatura nacional foram identificadas e representadas através de mapas, fotos e imagens de satélite”. A indústria continua a ser conteúdo frequen‑ te em todos os livros didáticos e também para os cursinhos, mostrando as mudanças que ocorre‑ ram no espaço brasileiro e suas relações com a urbanização ou com as transnacionais instaladas no Brasil, a partir da década de 1970. Na Tabela 15.3 sobre o Ensino Fundamental há uma ligeira predominância de projetos em escolas públicas, sendo que dois alunos fizeram os estágios na Escola de Aplicação da FEUSP, embora com professores diferentes. Em relação aos conteúdos, percebemos que não são todos os professores que solicitaram dos estagiários projetos baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo MEC. Embora a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo tenha baseado toda a avaliação oficial nesses documentos, a exemplo, do SARESP7. De acordo com a Tabela 15.3, notamos que houve um projeto sobre a indústria, temática im‑ portante em todos os currículos propostos pelos estados e pela Federação; a questão ambiental, tema de grande relevância na história deste país, assim como do planeta inteiro, aparece represen‑ tada pelos recursos hídricos, mas pouco aprofun‑ dada em relação às abordagens dadas às aulas e ao aquecimento global. Apesar do contato com os professores das classes, a maioria deles não apresenta o progra‑ ma estabelecido, no início do ano, para a Geo‑ grafia. Assim, os projetos dos estagiários ficam

7 SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Es‑ colar do Estado de São Paulo do Ensino Fundamental. Tem o objetivo de monitorar as políticas públicas pau‑ listas de educação.

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como algo paralelo, sem vínculo direto com o planejamento do professor da classe. Os estagiários oferecem abordagens dife‑ rentes daquelas realizadas na escola pública, tal como ocorre com um dos estudos feitos so‑ bre o Projeto Nordeste da Caatinga, baseado no poema Morte e Vida Severina, de João Ca‑ bral de Melo Neto. Trabalhou­‑se com parte do poema, sem que os alunos tivessem lido o todo. A escolha dessa leitura foi feita a partir do que o estagiário e o professor da classe apreciavam, mas há que ser considerado quem são os alunos e como aproximá­‑los da literatura, aquela que permite reflexões geográficas sobre a sociedade e a natureza, a partir do que os alunos gostam. Este poema é foco de estudo de muitos pen‑ sadores da literatura e de geógrafos brasileiros. No entanto, até que ponto é melhor fazer um resumo do poema e a leitura de partes, sem a sugestão da leitura completa? O melhor seria se esse tipo de trabalho fosse interdisciplinar com o trabalho de análise literária de um professor de Língua Portuguesa. De qualquer modo, os alunos ficaram saben‑ do da existência de João Cabral de Melo Neto e tiveram contato com as características físicas do Sertão e da vida de sofrimento, carência e violência ali vividas. Se um projeto paralelo como esse mexeu ou não com o pensamento geográfico dos alunos do Ensino Fundamental será sempre uma dúvida. No entanto, certamente significou um novo con‑ tato, uma nova presença no interior da escola, de que não conseguimos, de imediato, avaliar o significado. Lecionando Geografia, há professores de outras disciplinas, que não conhecem os mé‑ todos e técnicas imprescindíveis da Geografia Física e outros que vieram de escolas superiores e não tiveram aulas com geógrafos­‑cartógrafos para oferecerem essa disciplina como impor‑ tante linguagem na produção e no ensino de Geografia. Alguns professores, em decorrência desse desconhecimento, solicitam aos estagiá‑

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rios para incluírem a Cartografia nos projetos de ensino. Mas o grande problema da Cartografia apresentada pelo aluno estagiário para o Ensi‑ no Fundamental foi o isolamento em relação ao conhecimento geográfico, apresentando a técni‑ ca pela técnica, descontextualizada dos conhe‑ cimentos geográficos. Isso também ocorre com certos livros didáticos que, no primeiro capítulo do 6º ano, apresentam uma parte inteira sobre a Cartografia: orientação, localização, projeções e, em todos os demais livros da coleção do Ensino Fundamental, apenas expõem o material gráfico e cartográfico, sem explorá­‑los, como se o jovem estudante já dominasse completamente sua lei‑ tura e interpretação.

A autoavaliação dos alunos de Geografia e os estágios supervisionados Na finalização da disciplina de Metodolo‑ gia do Ensino de Geografia (2007) como um dos instrumentos de avaliação, os licenciandos responderam, por escrito e individualmente, a várias questões da autoavaliação tanto das aulas de metodologia do ensino (FEUSP) como dos estágios realizados nas escolas de Ensino Básico. Aqui, examinaremos somente as respostas do estágio, nosso foco de reflexão neste momento. O leitor pode verificar que os estagiários enfatizaram muito mais as relações interpes‑ soais existentes entre professor, aluno e estagi‑ ário do que os resultados dos conteúdos e das abordagens trabalhadas durante a execução dos projetos de Geografia. Foram destacados co‑ mentários e observações sobre a contribuição do estágio para a formação do estagiário como futuro professor; depoimentos de alunos estagiá‑ rios que pela primeira vez tiveram contato com a sala de aula como professores e daqueles que, mesmo não tendo completado a licenciatura, já lecionavam Geografia.

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Tabela 15.3 – Projetos para o Ensino Fundamental: FEUSP/LAPECH (2º sem/2007) Aluno

Instituição

Tema

Objetivos gerais

CM

Colégio Adventista – Cotia

Cartografia.

Leitura de mapas, uso de aparelhos: bússola, GPS.

GNG

Escola de Aplicação da FEUSP

Haiti e a crise política.

Compreensão de território e lugar.

JKB

Escola de Aplicação da FEUSP

Amazônia e as diferentes formas de relação com a natureza.

Entender as relações da sociedade com a natureza.

LCB

EE Homero Fernando Milano

Percepção do espaço vivido e a totalidade.

Reconhecer os elementos do meio urbano a partir do local.

LGRSM

EMF Vera Lúcia Fusco Borba

Problemas sócio­‑ambientais: recursos hídricos, aquecimento global.

Reconhecimento das causas e conseqüências dos problemas ambientais.

SARS

Colégio Objetivo ABC

A indústria no Brasil.

Fazer um jornal, com destaque de entrevista, artigos, desenhos…

TCA

Escola Batista de Educação Integral

O Nordeste da Caatinga.

Compreender o Sertão nordestino, a partir da literatura.

Interpretação dos relatos dos alunos que pela primeira vez estiveram na classe como professores Notamos a importância proporcionada pelo estágio supervisionado em relação a diferentes aspectos: quanto à escola pública, à ação do‑ cente, à interlocução e abordagens do conteúdo. Os licenciandos atuantes na escola públi‑ ca perceberam os desafios a serem enfrentados quando tiverem uma classe sob sua responsabi‑ lidade: a diversidade de alunos, de interesses, o relacionamento com a escola, família e amigos acabam por refletir na maneira como os alunos interagem com a disciplina. Eis alguns escritos que merecem ser destacados8:

“Certamente o estágio foi uma experiência bastante im‑ portante para mim, sobretudo no tocante ao planejamento e efetivação do projeto na escola, porque o tema escolhido é o mesmo da minha pesquisa de graduação e confesso que foi difícil conseguir transmiti­‑lo de forma didática, numa linguagem acessível aos alunos. Houve erros e acertos, há muito para refletir.” “Discutimos muito na elaboração do plano de trabalho (forma de transmissão dos conteúdos); isso me ajudou na constituição dos grupos de alunos e nos esclarecimentos de dúvidas.” “[…] o estágio foi o primeiro contato concreto com a sala de aula. Contribuições? Oportunidade de retor‑ nar à sala de aula, de construir outro olhar, não mais como aluna. Desconstruir uma postura passiva e ir me re­adequando à nova tarefa que passo a desempenhar em sala de aula.” “O estágio também me auxiliou na fala. Me senti mais

8 De forma a preservar a identidade dos alunos, optou­ ‑se por manter os trechos citados sem referência aos autores.

segura para falar. Que desafio? Não é fácil estar ‘no coman‑ do’ em cinquenta minutos, quando a coerência (no mínimo) tem que ser tecida.”

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Podemos destacar alguns aspectos signifi‑ cativos resultantes do conjunto dos escritos: de modo geral, se sentiram enriquecidos do ponto de vista intelectual e da docência por estarem em contato com o cotidiano escolar, os conflitos presenciados, as dúvidas e questões para que nem sempre conseguiam respostas. Consideram que estão melhor preparados para, futuramente, enfrentar uma sala de aula ao tornarem­‑se professores pela primeira vez e que deram um primeiro passo na construção de um estilo de ministrar aulas, ao constatar as múltiplas abordagens do professor nas aulas de Geografia. Reconheceram como a postura do professor interfere no comportamento do aluno: reagem de maneira diferente quando o mesmo con‑ teúdo é trabalhado de modo e com linguagens diferenciadas. O estágio contribuiu para o licenciando per‑ ceber a realidade da escola pública que, apesar de não ser um exemplo a ser generalizado, per‑ mite vislumbrar a possibilidade de organizar e encaminhar a instituição pública em direção ao objetivo precípuo da escola. Ou seja, trabalhar com o conhecimento científico entrelaçado com o conhecimento cotidiano que o aluno detém sobre o espaço, considerando as faixas etárias em que se encontram. Os estagiários também constataram as di‑ ficuldades para a realização de trabalhos inter‑ disciplinares em função das condições objeti‑ vas materiais e humanas da escola, sendo um dos obstáculos a pesada carga horária de cada docente e o grande número de alunos em uma mesma classe. Os problemas burocrático­‑administrativos fo‑ ram pouco mencionados pelos estagiários como impedimentos para trabalhos interdisciplinares ou iniciativas inovadoras no interior das escolas e da disciplina escolar Geografia. Por outro lado, para o estagiário, tudo isso se traduziu em acúmulo de experiências não só para dar início ao ofício de ser professor, mas

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também para o desenvolvimento do processo reflexivo e intelectual do próprio licenciando.

A contribuição oferecida do(a) professor(a) para o estagiário e futuro professor As colocações dos licenciandos podem ser concentradas fundamentalmente em exemplos positivos e exemplos negativos. Há respostas significativas que remetem para a maneira como a escola cuida de seus jo‑ vens professores ingressantes, assim como dos estagiários. Alguns alunos que já ministram aulas, sem a licenciatura completa, não tendo companheiros da própria disciplina escolar, aproximaram­‑se de bons professores de outras áreas, para auxiliá­‑los em questões de difícil solução. Eis um exemplo: “como admiro muito a professora de Português da escola, sempre que tenho dificuldades ou dúvidas de como agir, é com ela que converso. Trata­‑se de uma professora com 30 anos de experiência e esse tempo não mudou a forma de pensar e encarar a educação que ela possui, diferentemente de muitos outros professores mais velhos que, há muito tempo, desacreditaram da escola e da profissão”. Outro aluno afirma que “todos os professores do Centro de Estudar contribuíram muito para a minha formação, seja na preparação das aulas, na seleção dos conteúdos, como também na parte de princípios e valores. Posso mencionar, em especial, o professor de História que, além de me auxiliar mui‑ to com as novas propostas de aula, sempre coloca questões instigantes sobre minhas aulas e se tornou um grande amigo”. Há menções também sobre professores que foram exemplares como pessoas e como profissionais pela postura como professora de Geografia, pelo senso de justiça, preocupação e carinho com os alunos da classe. Diz a esta‑ giária: “ela não deixou passar batido nenhuma si‑ tuação de desrespeito ou preconceito. A professora

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J. foi uma pessoa importante na minha travessia. Nossas conversas não se limitavam à execução do projeto, mas se estendiam a questionamentos em relação à prática docente sobre conteúdos aborda‑ dos no cotidiano”. Outro aluno, referindo­‑ se ao professorda instituição onde realizou o projeto, disse: “ele foi um parâmetro, em quem pude e poderei sempre me espelhar, ao mesmo tempo em que sempre será meu ponto principal de crítica, quando eu estiver em um momento específico do meu futuro trabalho como professor. Lembrarei dele e de suas atitudes frente às várias situações com as quais irei me deparar”. As relações interpessoais foram bastante lembradas pelos estagiários em diferentes mo‑ mentos. Os licenciandos valorizaram a manei‑ ra como alguns professores se colocavam nas relações interpessoais: “foi admirável a maneira pela qual alguns professores tratavam os alunos, sempre discutindo de forma ética e respeitosa a conduta dos alunos e mostrando a importância da educação.Um deles afirmou que o problema era como lidar com alunos indisciplinados e fazer com que eles se interessassem pelas aulas; como manter a autoridade em sala de aula, sem ser repudiado pela turma”. Segundo uma das alunas: “o está‑ gio proporcionou crescimento intelectual, já que foi necessário reaprender parte da matéria a ser ensinada”. Na verdade, no Ensino Básico não se coloca apenas a ideia de reaprender o que já havia sido visto anteriormente, mas de produzir novos co‑ nhecimentos junto com os alunos, no sentido de enriquecer o senso comum sobre as questões es‑ paciais, associado ou entrelaçado com os conhe‑ cimentos adquiridos e construídos na academia. Os relatórios orais e escritos sobre os proje‑ tos de ensino feitos pelos estagiários revelaram a validade da reflexão sobre as próprias práticas pedagógicas. A discussão sobre a seleção dos conteúdos geográficos e das diferentes abor‑ dagens com o uso de determinadas linguagens foram discutidos e avaliados juntamente com os professores das escolas e conjuntamente nas

aulas de metodologia do ensino no Laboratório de Ciências Humanas. As observações da re‑ ação dos alunos diante de certos temas e suas abordagens foram destacadas pelos estagiários na interlocução com os professores. Ao ministrar uma aula, pela primeira vez, o estagiário dá o primeiro passo em direção à construção de sua profissionalidade. Embora existam graduandos que já lecionam, a partici‑ pação nos estágios faz com que analisem a sua ação pedagógica no sentido de pensar se as aulas ministradas contribuem ou não para o desenvol‑ vimento da espacialidade dos alunos em proces‑ so de formação. No entanto, certos estagiários percebem res‑ trições. Alguns licenciandos sentem dificuldade na interlocução com professores mais antigos que não aceitam “novidades que alguém mais novo gostaria de fazer. Dessa forma, entendendo que mi‑ nha prática como professora foi um estágio, pude aprender com os professores mais experientes – tanto aqueles que me ajudaram como os que criticaram – e com a coordenação. Mas com quem eu mais aprendi foi com os próprios alunos que aos poucos me mos‑ traram os caminhos que devo contornar”. “O estágio contribuiu para o aprimoramento de minhas aulas que já ministro, principalmente quan‑ to à aplicação do projeto que realizei, onde pude fazer essa ponte com a Literatura e a Geografia, através do poema Morte e Vida Severina, de João Cabral Melo Neto.” Enquanto a maioria dos alunos considerou aspectos positivos na efetivação dos projetos e na observação das aulas, houve alguns que apon‑ taram severas críticas ao professor como profis‑ sional da educação, dizendo que a contribuição foi pelo oposto ao trabalho pedagógico do pro‑ fessor: “não acredito na forma que ele encontrou de lidar com os problemas, fingindo que eles não existem; isso é complicado, porque se somou ao seu desgaste de dar muitas aulas por dia com a dificul‑ dade e o desinteresse dos alunos”. O estágio, de certo modo, também contri‑ buiu para revelar ao estagiário a representação

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relativa à escola boa ou perfeita. Um dos alunos mostrou­‑se desapontado com uma escola que muitos consideravam muito boa: “trabalhar com uma escola que, aparentemente, parecia ’perfeita‘, mas que se mostrou cheia de complicações. Tal fato me fez aprender que qualquer local de trabalho tem problemas e é necessário ter muita sabedoria para lidar com eles”. O estágio revela, aos poucos, as verdades e, assim, enriquece as representações dos estagiá‑ rios sobre as escolas, as aulas e os professores.

Um fato que marcou o licenciando como ser humano, ocorrido em um dos espaços relacionados com a Geografia A questão foi formulada de maneira abran‑ gente com o objetivo de saber dentre as ativi‑ dades realizadas em Metodologia do Ensino de Geografia/2007 qual foi marcante. Houve variadas respostas com predominância de situa‑ ções ocorridas durante o estágio. Ao elaborar as questões, coloquei para mim mesma, como uma espécie de hipótese, que os alunos coloca‑ riam respostas atinentes ao estágio e realmente foi o que aconteceu, pois, das 21 autoavalia‑ ções, sete apresentaram situações ocorridas no estágio. Inicialmente, pensei em não fazer cor‑ tes nas manifestações dos alunos, mas diante da importância de cada uma delas resolvi regis‑ trar pelo menos algumas na íntegra, pois os fa‑ tos merecem ser conhecidos e constituir objeto de reflexão. Os estagiários mostram­‑se recompensados pelo esforço despendido durante a permanên‑ cia na escola básica, quando os alunos da classe tecem comentários prazerosos ao trabalho pe‑ dagógico que desenvolveram com a classe: “Um fato que me marcou como estagiário foi quando um aluno me disse: ‘tem professor que dá aula aqui há 20 anos e não dá uma aula boa como a sua’”. Outra aluna: “como já citei, sou professora e cada vez gosto mais da educação. O mais interes‑ sante foi perceber a afetividade dos alunos e reco‑

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nhecimento das minhas aulas. Isso foi bem demons‑ trado ao longo do ano, pois os alunos foram, pouco a pouco, assimilando o conteúdo que eu passava de forma diferente do que já estavam acostumados a fazer. A aceitação deles veio quando fui convidada para viajar na formatura e quando ao responde‑ rem uma pesquisa do colégio dizendo o que mais gostava na escola era a professora de Química e de Geografia… Acredito que esse tipo de reconheci‑ mento compensa os esforços e problemas enfrenta‑ dos diariamente”. No estágio, há situações conflitantes ou até mesmo contraditórias que chocam os estagiários com a realidade ali vivenciada, mas essa forma, por vezes brutal, permite­‑lhes saber na prática o que vão vivenciar na escola como futuros profes‑ sores. Terão que lidar com o conhecimento geo‑ gráfico, mas também com situações inusitadas e inesperadas que acontecem em classe. A observação das condições de trabalho e das múltiplas relações interpessoais que a escola vive levam os estagiários a refletir e a começar a cons‑ truir os saberes docentes: “Creio que foi o estágio que mais me marcou. Pude presenciar que alunos e professores, naquele caso em especial, tinham interesses muito diversos. Os alunos querendo estar em qualquer lugar que não fosse a escola, os professores tentando transmi‑ tir conteúdos para os alunos, no qual poucos esta‑ vam interessados. O celular e o MP3 eram para eles (alunos) mais interessantes. Também presenciei cena na qual o aluno acusava a professora de discrimi‑ nação racial”. “Ao ter contato com a professora de estágio pude constatar que muitas vezes o prazer de lecionar é freado pela falta de investimento que há atualmente na categoria e na escola pública. Muitas das expec‑ tativas e dos planos da professora na carreira não se concretizaram. Assim, vejo que o desânimo que a abateu pode ocorrer até com o professor mais amante de seu trabalho”. “Me marcou como ser humano horas específi‑ cas do meu estágio, pois me mostrou que a minha formação profissional pode fazer diferença na vida

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de alguém. Os alunos ficaram deslumbrados com a palavra ‘USP’ e um deles perguntou: – o que um professor vindo da USP está fazendo aqui? Eu po‑ deria ter mostrado problemas sociais, era o que real‑ mente eu queria, mas tenho plena consciência que não consegui”. Neste caso, a aluna continua a fazer uma autoavaliação do seu próprio estágio e daqui‑ lo que não conseguiu realizar. Mas a questão principal é aprender com nossas impossibilida‑ des ou erros. Isso faz parte do saber docente e é também educativo, quando conseguimos refletir sobre eles, tentar não repeti­‑los e descobrir os porquês das situações conflitantes na tentativa de solucioná­‑los. Aqui surge a representação que os setores majoritários da sociedade e talvez até mesmo os professores tenham da Universidade de São Paulo como uma escola que não é para eles. Isso merece ser considerado como uma das tarefas do estágio, de nossos laboratórios e facul‑ dades: mostrar aos alunos da escola básica que as universidades públicas são do povo e, portanto, também os jovens das escolas públicas têm di‑ reito de frequentá­‑las. Nas discussões surgidas no laboratório e nas aulas de Metodologia, as falas de alguns licen‑ ciandos convergem sobre os desafios postos para a sociedade brasileira, sobretudo para filhos das famílias de baixa renda: “quando, no Laboratório, houve a discussão sobre as experiências de estágio, um colega expôs problemas realmente sérios que ocorreram na sala de aula, em relação aos alunos com grandes dificuldades de leitura frequentando série já adiantada, ou mesmo total ignorância de co‑ nhecimentos gerais básicos. Esses relatos deixaram­ ‑me um pouco chocada, porque vejo que realmente é necessário fazer uma reflexão do que está aconte‑ cendo no ensino, porque o que será destas pessoas no futuro? Será que com todos os sonhos que temos na faculdade, depois de algum tempo, desanimaremos e deixaremos tudo se acabar assim? Espero que não!”. Para quase encerrar este capítulo, insiro este último relato que apresenta uma ação docente que nos permite ainda acreditar no ser humano,

na inteligência e na ética de uma pessoa capaz de utilizar os seus saberes para valorizar o tra‑ balho do aluno, evitar qualquer tipo de humi‑ lhação e, sobretudo, respeitar a pobreza. “Anteriormente às minhas aulas de regência9, durante as aulas de observação, pedi aos alunos que fizessem um mapa mental de suas casas até a escola. A professora disse que o mapa deveria ser feito em tela. Muitos alunos demoraram a trazer o trabalho pronto; grande parte dos alunos fez o cro‑ qui a lápis na tela, poucos utilizaram tinta, mas o que me chamou a atenção foi o trabalho de um alu‑ no que foi feito em um pedaço de ‘pano de saco es‑ ticado em uma moldura velha de relógio de parede. O aluno chorou na hora da entrega por estar com vergonha por não ter R$ 2,00 para comprar uma tela. A professora pegou o trabalho dele e disse para toda a classe que o garoto merecia a maior nota porque, ao fazer o trabalho, lembrou­‑se da aula so‑ bre meio ambiente em que discutiram reciclagem e reutilização de materiais. O aluno sorriu e pediu para que seu trabalho fosse colocado na exposição ao lado dos trabalhos dos colegas. Esse aconteci‑ mento foi marcante, pois vi que a autoridade da palavra do professor, neste caso, impediu que esse aluno se sentisse humilhado”. Esta situação é comovente, inusitada e exem‑ plar tanto pela atitude da professora como pela reação do aluno. Trata­‑se de um exemplo que ajuda a repensar e melhorar a ação profissional dos educadores: a relação interpessoal colabora‑ tiva e dialógica que acontece quando o profes‑ sor usa seus conhecimentos – seja da disciplina específica (Geografia), seja de outros univer‑ sos – para lidar com as situações conflituosas, transformando­‑as em casos memoráveis ensino e de aprendizagem.

9 Regência aquele que rege, que ministra a aula. O pró‑ prio estagiário pode ser o regente quando ministra a aula.

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Sobre o autor Nídia Nacib Pontuschka possui licenciatura e bacharelado em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1962), mestrado em Geografia Humana pela mesma instituição (1978) e doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da USP (1994). Faz par­ te dos programas de pós­‑graduação da FEUSP e de

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Geografia Humana do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. Atua principalmente nas áreas temáticas de Geografia, Formação do Professor, Estudo do Meio, Geo­ grafia e Educação Ambiental. Integra a equipe de pesquisa Educação de Adultos Trabalhadores: metodologias de ensino­‑aprendizagem, itinerário formativo e capacitação de professores.

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Técnicas Inclusivas de Ensino de Geografia

16 Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena Regina Araujo de Almeida

Eduardo Justiniano

Waldirene Ribeiro do Carmo

Introdução, 258 A linguagem gráfica tátil, 361 Elaboração e reprodução de representações gráficas táteis, 363

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Maquetes, 374 Na sala de aula, 376 Considerações finais, 378 Referências de apoio, 380

Sobre os autores, 382

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INTRODUÇÃO Antes de definir inclusão e, particularmente, o termo Geografia Inclusiva, é preciso destacar os direitos básicos de todo cidadão: direito à vida, à integrida­ de física, à liberdade, à igualdade e à educação. São garantias definidas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) e reafirmadas com a Constituição Federal Brasileira de 1988, a qual propiciou a criação de normas e leis específicas sobre o tema. Isso significa lutar pela igualdade de direitos, pelo respeito à diferença, combater qualquer forma de discriminação e, ao mesmo tempo, almejar a valorização da diversidade. Uma sociedade inclusiva respeita as necessidades especiais de seus cidadãos, reconhece e valoriza as diferenças sociais, raciais ou étnicas, culturais, cognitivas ou físicas como, por exemplo, as deficiências sensoriais. Uma educação inclusiva pressupõe que todos os jovens tenham a mesma oportunidade de acesso, de permanência e de aproveitamento na escola, in­ dependentemente de qualquer característica peculiar que apresentem ou não. O objetivo da educação inclusiva é garantir que todos os alunos, com ou sem deficiência, participem ativamente de todas as atividades na escola e na comu­ nidade (gil, 2005, p. 26). Analisando­‑se as pessoas com necessidades especiais, o grupo que apresenta maiores dificuldades no estudo da Geografia é o de pessoas com deficiência visual, devido à importância da visualização do espaço geográfico e de suas re­ presentações. Nesse sentido, o desenvolvimento de imagens e representações gráficas adaptadas torna­‑se imprescindível para uma Geografia que busca ser inclusiva. Como imaginar uma Geografia sem imagens, sem representações ou mapas? É um direito das pessoas sem visão conhecer este mundo, utilizando todos os canais e linguagens da comunicação, perceber o espaço geográfico, ver os lugares com as mãos, ouvir paisagens. As imagens têm hoje um papel fundamental em todas as áreas do conhe­ cimento em geral e da Geografia em particular; elas estão presentes na vida cotidiana, na educação, no trabalho, no mundo das comunicações e do lazer, em toda parte. A mídia utiliza constantemente representações gráficas de diversas naturezas em jornais, revistas, internet e TV. São mapas e gráficos preferencial­ mente utilizados para ilustrar ou explicar os mais variados temas. Nesses casos, a pessoa com severa deficiência visual tem restringido seu entendimento das representações às descrições orais, nem sempre possíveis ou convenientes. Há ainda a crescente demanda por materiais adaptados que facilitam a orientação e a mobilidade cotidiana desse grupo de usuários. Parques, museus, exposições, estações de metrô ou terminais de ônibus vêm buscando alterna­ tivas para tornar a vida das pessoas com deficiência cada vez mais indepen­ dente. Se a sociedade exige inclusão, se o cidadão com deficiência tem direitos iguais, a escola deve oferecer as condições para efetivar a inclusão e o respeito à diferença.

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A educação de alunos com necessidades especiais que, tradicionalmente, baseava­‑se em um modelo de atendimento especializado e segregado, nas últi­ mas décadas evoluiu para a chamada educação inclusiva. Segundo a Declaração de Salamanca1, o princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das difi­ culdades e das diferenças que apresentem. A política de inclusão de alunos com necessidades especiais na rede regular de ensino não visa a garantir somente a permanência física desses alunos na escola, tem como propósito rever concep­ ções e paradigmas, respeitando e valorizando a diversidade, exigindo­‑se, assim, mudanças na escola, com a criação de espaços inclusivos. Segundo os princípios de inclusão, não é o aluno que se molda ou se adapta à escola, mas é a escola, consciente de sua função, que se coloca à disposição do aluno. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às dificuldades dos estu­ dantes, respeitando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade para todos mediante currículos apropriados, estra­ tégias de ensino, recursos didáticos e modificações estruturais na organização das escolas. Refletindo sobre Cartografia e Geografia em uma escola diferenciada, inclu­ siva e multicultural, é possível levantar as seguintes indagações: ¾¾ O que são minorias no ensino de Cartografia e de Geografia? Quem são essas minorias? O que diferencia os estudantes com Necessidades Educativas Especiais (NEE)? O professor tem conhecimento das NEE? ¾¾ Como ensinar Cartografia e Geografia para crianças, jovens e adultos com alguma deficiência ou excluídos da educação formal? Como enfrentar o precon­ ceito, as desigualdades, a intolerância na escola e, ao mesmo tempo, promover o respeito ao outro e à diversidade? ¾¾ Qual a especificidade da Cartografia e da Geografia para populações mino­ ritárias, tais como grupos indígenas e pessoas com restrição sensorial, cognitiva ou física? Qual é o potencial das imagens e dos mapas na educação diferenciada e inclusiva? Se a sociedade almeja uma educação inclusiva, os professores, a escola e a universidade têm obrigação de responder a essas questões. As condições para isso estão resumidas na Figura 16.1. Da mesma forma, a Geografia Inclusiva irá demandar professores preparados para ensinar estudantes com deficiência, além da disponibilidade de materiais adaptados. A Geografia escolar contribui para a formação de cidadãos críticos e conscien­ tes de seu papel na sociedade, pois proporciona a compreensão do mundo, do

1

Em junho de 1994, na cidade de Salamanca, Espanha, discutiu­‑se o problema da inclusão das pessoas com necessidades especiais no processo educativo e surgiu a Declaração Universal de Salamanca. O texto não tem efeito de lei, mas estabelece princípios sobre a educação inclusiva (bolonhini JR., 2004).

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território, da sociedade e de suas contradições. Para que esse processo ocorra, é necessária a observação e análise do espaço geográfico e de suas representa­ ções. A imagem ganha importância na prática geográfica fazendo com que seja desenvolvida pelos estudantes a habilidade de interpretação de fotos, imagens de satélite, mapas, gráficos, ilustrações, entre outras representações. E essas imagens são captadas essencialmente pela visão. Pessoas com deficiência visual precisam de representações táteis para conhe­ cer o espaço geográfico, para sua orientação e mobilidade. No seu deslocamento em uma edificação, independentemente de ajuda, um usuário com deficiência visual pode utilizar um mapa, uma bengala e uma bússola. Os mapas podem garantir seu direito de ir e vir, desde que estejam disponíveis e que o usuário possa entendê­‑los.

Em sala de aula, pressupõe dar as condições

•Formação de professores •materiais didáticos •adaptações do meio físico •recursos em geral

políticas públicas

NEE – Necessidades Educacionais Especiais Diversidade Inclusão - Exclusão

Respeito à diferença e direitos iguais

A questão do preconceito e do desconhecimento

Garantidos pela Constituição Federal de 1988 e reforçados por outras determinações e ações, por exemplo, a Declaração de Salamanca, 1994.

Figura 16.1. Condições para uma educação inclusiva. Fonte: Almeida, R. A. (2009).

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A LINGUAGEM GRÁFICA TÁTIL Quando se considera a inclusão de pessoas com necessidades especiais, seja na vida coti‑ diana, no trabalho ou na escola, a questão da linguagem escrita e falada deve ser considerada. Alguns grupos precisam de Libras (os surdos) ou de braille (os cegos). Outros grupos, por terem línguas nativas diversas, como os indígenas, por exemplo, cuja primeira língua não é o português, necessitam de adaptações, lembrando que não se trata de deficiência cognitiva ou sensorial, mas de diferentes visões de mundo 2. Essas especi‑ ficidades são gerais para as várias áreas e são relevantes não só para a ciência geográfica. Para uma Geografia inclusiva, as adaptações fundamentais dizem respeito à tradução da lin‑ guagem visual para o formato tátil ou multissen‑ sorial. Por essa razão, as técnicas apresentadas neste tópico concentraram­‑se nas soluções vol‑ tadas à construção de imagens em relevo utili‑ zando uma linguagem gráfica tátil. As imagens táteis (mapas, gráficos, ilustrações) assim como as maquetes podem incluir recursos de percep‑ ção auditiva. Os recursos sonoros, em geral, ne‑ cessitam de tecnologia, preferencialmente digi‑ tal, permitindo que os sons (músicas, conteúdos, vozes, sons da natureza) sejam armazenados no computador e estejam acessíveis para o usuário. Esses recursos exigem profissionais treinados, além de equipamentos e técnicas de outras áreas do conhecimento. Os mapas e gráficos armazenam informação espacial abstrata e estruturada e devem ser con‑ siderados como instrumentos indispensáveis ao aprendizado dos temas relacionados com o am‑ biente, o território e a Geografia como um todo. O mapa fornece uma perspectiva simultânea de

2 Em relação à inclusão de minorias étnicas, que não serão tratadas neste capítulo, consultar: ALMEIDA, R. A. Ensino de Cartografia para Populações Minori‑ tárias. In: Boletim Paulista de Geografia. São Paulo: AGB, v. 87, pp. 111­‑129, dezembro de 2007.

uma área e organiza o conhecimento espacial, expressando relações. As representações gráficas, que são apreen‑ didas essencialmente pela visão, também podem ser percebidas pelo tato, desde que construídas com esse objetivo. Essas repre‑ sentações são importantes para a Cartografia e para a Geografia, não só para pessoas com deficiência visual, pois, se a linguagem tátil for combinada à visual, utilizando, por exemplo, cores e letras impressas, elas podem ser utili‑ zadas por qualquer usuário. Dessa forma, uma Geografia inclusiva precisa, necessariamente, desenvolver e aplicar a linguagem gráfica e a cartográfica táteis. A representação gráfica é formada por um sistema de signos organizados para compreen‑ der e comunicar informações. Este processo de comunicação gráfica está diretamente condicio‑ nado à característica do fenômeno a ser repre‑ sentado e aos dados disponíveis. Um documento cartográfico é fruto da inten‑ ção e da interpretação de um dado espaço e das relações que nele ocorrem, por isso é necessário que a mensagem gráfica do mapa seja direta e simples. A linguagem gráfica como um sistema de signos é formada pelo significado (conceito/ ideia) e pelo significante (imagem gráfica), de acordo com Bertin (1967). Permite a transcrição de relações de semelhança/diferença, ordem ou proporcionalidade existentes entre objetos. As três relações (semelhança/diferença, ordem e proporcionalidade) consistem nos significados da representação gráfica que são expressas pelas variáveis visuais, que são os significantes. Na Cartografia Tátil, é possível apropriar­ ‑se das variáveis visuais adaptando toda a ima‑ gem para que seja percebida pelo tato. Nesse caso, os símbolos pontuais, lineares e zonais serão elaborados dentro da limitação da pes‑ soa com deficiência visual: para o cego total,

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a cor é a única variável que não é percebida, se não for substituída por diferentes texturas. Durante o processo de adaptação de um mapa para uso de uma pessoa com deficiência visual, é preciso considerar algumas limitações ligadas à resolução do tato e à sua capacidade de percepção das variáveis gráficas e dos símbolos cartográficos. Algumas normas devem ser consideradas, por exemplo, a altura ideal em milímetros, o espaçamento dos signos e a espes‑ sura das linhas. A inovação da Cartografia Tátil encontra­‑se nessa adaptação, que necessita de uma reflexão sobre a natureza (qualitativa ou quantitativa) da informação a ser representada e quais variáveis isoladas ou combinadas melhor executarão a tarefa de comunicar a informação (Figura 16.2). É importante medir a quantidade de informação a ser representada, sendo necessário um maior grau de generalização com omissões, exageros e distor‑ ções. Essas generalizações precisam estar de acordo com o objetivo da repre‑ sentação; por exemplo, em um mapa de climas do Brasil feito com texturas variadas não é adequado representar a divisão político­‑administrativa, pois

AS VARIÁVEIS GRÁFICAS NA FORMA VISUAL E TÁTIL

VISUAL: 2 DIMENSÕES PONTO

LINHA

TÁTIL: 3 DIMENSÕES PONTO

ÁREA 3

PLANO

ÁREA 3

2

2

1

TAMANHO

VOLUME 1

TAMANHO

VALOR

VALOR

GRANULAÇÃO TEXTURA

GRANULAÇÃO TEXTURA

FORMA

FORMA

ORIENTAÇÃO

B G

O

GREEN

BLUE GREEN

ORANGE

ELEVAÇÃO ORANGE

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ORIENTAÇÃO

BLUE

COR

LINHA

Figura 16.2. Variáveis gráficas na forma visual e tátil.

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essa informação sobreposta à informação sobre o clima poderá confundir o usuário na delimitação das áreas correspondentes a cada tipo climático. Em um mapa impresso, a mesma divisão pode ser representada com uma linha mais suave ou mesmo em segundo plano, ou seja, uma informação comple‑ mentar em um mapa impresso torna­‑se uma interferência no mapa tátil. Sobre as distorções, é preciso considerar tipo de material e técnica utili‑ zados na construção do mapa tátil, pois determinados materiais limitam a representação de curvas acentuadas ou pontos muito pequenos para a escala utilizada. Dessa forma, o desenho final do mapa apresentará maior ou menor grau de distorção dependendo da informação representada e do material utilizado. Outra característica quando se trata de uma representação tátil refere­‑se ao tamanho, que não deve ultrapassar 50 cm, porque o campo abrangido pelas mãos é muito mais restrito que o campo da visão.

ELABORAÇÃO E REPRODUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS TÁTEIS Existem diversas formas de produzir e reproduzir representações gráficas táteis. As principais técnicas são apresentadas a seguir, acompanhadas dos materiais mais utilizados, orientações gerais e o destaque das vantagens e desvantagens das técnicas de produção. Quando se discute a produção de representações gráficas táteis, todas as variáveis devem ser consideradas. São elas: custo, resistência, durabilidade, definição e contraste dos símbolos, além do perfil do usuário. Dessa forma, dependendo do uso que terão estas representações, sua produção e reprodu‑ ção deverá considerar a resistência dos materiais e a legibilidade dos símbolos representados.

Representações gráficas táteis em alumínio Mapas táteis podem ser desenhados em lâminas de alumínio para sua representação em relevo. Geralmente são utilizados como matrizes para a reprodução em plástico3. A seguir, são fornecidas informações para a cons‑ trução de representações gráficas táteis em alumínio.

3 As matrizes feitas com alumínio ou colagem podem ser reproduzidas em alguns tipos de plástico (braillon, brailex, PVC ou PET) utilizando uma máquina de vácuo e calor, cha‑ mada de Thermoform. Mais informações no final do item Representações gráficas táteis em colagem.

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Arquivo das autoras

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Figura 16.4. Cópia do mapa, no avesso, para a lâmina de alumínio, utilizando­‑se papel carbono.

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Figura 16.3. O mapa é desenhado no papel vegetal para poder ser transposto ao alumínio no avesso, pois todo o desenho deve ser trabalhado no verso da lâmina para obter o resultado esperado.

Figura 16.7. As linhas podem ser marcadas com carretilhas, pontas secas, canetas ou com a punção para escrita braille.

Figura 16.8. Para símbolos pontuais, golpear com um bastão de ponta emborrachada superfícies que tenham formas geométricas.

Figura 16.9. O preenchimento de áreas com texturas pode ser obtido marcando com um bastão o alumínio sobre uma superfície texturizada (lixa, madeira ou metal).

Figura 16.10. As representações táteis feitas em alumínio podem ser completadas com braille e, se forem utilizadas como matrizes para cópias em plástico, é importante fazer pequenos furos na lâmina que ajudam na definição da representação no plástico.

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Figura 16.6. Utilizar uma espátula ou palito de madeira para definir as linhas no alumínio do lado correto da representação.

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Figura 16.5. Trabalhando sempre no avesso, marcar com as carretilhas, pontas secas e outras ferramentas o desenho copiado no alumínio, usando como apoio uma borracha macia ou EVA.

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Materiais necessários ¾¾Lâmina de alumínio com espessura de 0,10 milímetros (vendida por metro em lojas de ferragens). ¾¾Folha de borracha ou EVA (borracha sintética geralmente comercializada em lâminas de diversas espessuras) de 60 cm × 60 cm, que será a superfície macia para facilitar a marcação de cada sinal na lâmina. ¾¾Fita adesiva (fita crepe, por exemplo) para proteger as bordas da lâmina do alumínio, que é extremamente cortante. ¾¾Papel carbono. ¾¾Ferramentas lineares (carretilhas de diversos tamanhos), pontuais (pinças, pontas secas, pontas de caneta, boladores), e zonais (placas com texturas, lixas, madeira). ¾¾Espátula ou palito de madeira e agulha para o acabamento.

Procedimentos As Figuras 16.3 a 16.10 e suas respectivas legendas apresentam os proce‑ dimentos para a elaboração de uma representação gráfica tátil. A experiência na construção e aplicação de representações gráficas táteis feitas em alumínio demonstrou que esse material é ideal para desenhos simples, representações lineares e com pouca variação de texturas. Sua elaboração é rápida, depende de um pouco de prática com o uso das ferramentas e apresenta­‑se como uma matriz resistente para cópias em plástico. Suas limitações estão na pouca elevação, na limitação de texturas e na fragilidade do alumínio, que se rompe com facilidade. O custo do alumínio nacional não é elevado, mas são poucas as lojas que comercializam essas lâminas na espessura ideal para este fim.

Representações gráficas táteis em colagem Técnica artesanal de construção de mapas táteis que possibilita o uso de uma grande variedade de materiais. O produto final pode ser utilizado como matriz para a reprodução em plástico ou diretamente com os usuários. A seguir, são apresentadas as informações necessárias para a construção de representações gráficas táteis com colagem.

Materiais necessários ¾¾Cartolina, papel­‑cartão ou papelão para servir de base para a representação. ¾¾Superfícies com texturas: tecidos, lixas, cortiça, papel cartonado etc. ¾¾Barbantes, linhas de bordado, cordões, palitos de maquete. ¾¾Botões, miçangas e pequenos objetos que possam representar símbolos pontuais. ¾¾Cola branca e pincel.

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Procedimentos Além da generalização necessária, devido ao fato de a percepção tátil ser diferente da visual, é preciso considerar os materiais utilizados em cada representação gráfica. O papel cartonado, por exemplo, amassa com muita facilidade, por isso o cuidado no corte e a seleção de poucas cur‑ vas é fundamental. Ao representar formas muito irregulares, com curvas acentuadas, o relevo do cartonado se perde e com isso a informação a ser representada também. No caso das informações lineares, o tipo de fio utilizado também interfe‑ re no resultado: barbantes muito espessos, por exemplo, provocam maior grau de generalização, principalmente por suavizarem curvas. Como citado anteriormente, as represen‑ tações gráficas táteis podem ser copiadas em plástico; para isso utiliza­‑se a máquina chamada Thermoform. Nesse equipamento, uma lâmina de plástico é sobreposta à matriz e ambas são fixadas de maneira que todo o ar entre elas seja retirado. Após a retirada do ar, a máquina aque‑ ce a matriz fazendo com que o plástico molde o relevo representado; depois de alguns segundos de exposição ao calor, a lâmina de plástico é re‑ tirada e uma nova cópia pode ser feita. Depen‑ dendo da resistência do material que originou a matriz, podem ser produzidas centenas de có‑ pias da mesma representação.

Rafael Sato

Rafael Sato

As Figuras 16.11 a 16.16 e suas respectivas legendas apresentam os procedimentos para a elaboração de uma representação gráfica tátil em colagem. Essa técnica apresenta a vantagem de po‑ der agregar as mais variadas texturas para a representação da informação, seja na implan‑ tação pontual, linear ou zonal. Por exemplo, pontos representados por miçangas e botões, linhas com barbantes, soutache e cordões; áreas feitas de retalhos de tecido, lixas, vel‑ cro, papel cartonado, areia ou qualquer outra textura encontrada. É importante considerar o objetivo final de cada representação, pois se ela se destinar à função de matriz para cópias, é necessária a escolha de materiais resistentes ao calor. Caso a representação seja elaborada para ser utilizada como produto final pelos estudantes, pode­‑se incorporar outros materiais tais como isopor, EVA, plásticos e tinta em relevo para tecido. A grande disponibilidade de texturas permite a representação de mais variáveis em cada mapa, porém a técnica da colagem obri‑ ga uma generalização maior da informação a ser representada, já que alguns materiais são difíceis para o corte em desenhos com muitas curvas ou detalhes.

Figura 16.11. O mapa é desenhado em papel vegetal e transposto com papel carbono para a base.

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Figura 16.12. Transposição do mapa no avesso para a lixa ou outro material com textura para representar áreas.

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Figura 16.14. Colagem do barbante para delimitar o mapa.

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Figura 16.13. Seleção e recorte de texturas para cada variável tátil.

Figura 16.15. Composição de texturas: no mapa acima as lixas foram sobrepostas para diferenciar a área urbana de São Paulo em épocas distintas.

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Figura 16.16. O título e a escala foram identificados com braille feito em alumínio.

Figura 16.17. Máquina Thermoform.

Figura 16.18. Cópia em plástico.

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Representações gráficas táteis em porcelana fria Materiais necessários ¾¾Porcelana fria de diversas cores. ¾¾Tinta em alto relevo para tecido. ¾¾Cola branca. ¾¾Base para a elaboração do modelo (varia de acordo com o tipo de representação, por exemplo, uma folha de papel­‑cartão, geralmente encontra‑ do em papelarias e livrarias, para representar um planisfério ou até mesmo um globo terrestre).

As Figuras 16.19 a 16.22 apresentam os pro‑ cedimentos para a elaboração de uma represen‑ tação gráfica tátil em porcelana fria. Importante ressaltar que uma das limitações desse material é que ele não pode ser utilizado na reprodução de cópias em plástico devido à não resistência da tinta ao calor; porém novos estudos deverão ser feitos para avaliar se a porcelana fria, depois de seca e sem pintura, resiste à temperatura da

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Figura 16.19. Desenhar o mapa na base e contornar os limites com tinta em alto relevo para tecido.

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Figu refor

Procedimentos

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Bittencourt (2007) adaptou materiais utili‑ zados em artesanato para a construção de re‑ presentações gráficas táteis propiciando a sua utilização como material didático no ensino de Geografia. O material utilizado na modelagem é de bai‑ xo custo e encontrado em papelarias e lojas de artesanato; sua vantagem é permitir uma grande variedade de representações, pois apresenta­‑se em várias cores e também pode ser pintado. Além disso, a porcelana fria adere com facili‑ dade a papelão, madeira, vidro e plástico, pos‑ sibilitando o reaproveitamento de materiais, o que diminui o custo. Porém, no caso do material descrito, é importante o acabamento com uma camada de cola branca que aumenta a resistên‑ cia e torna a representação mais agradável ao toque. Na sequência, são apresentados os ma‑ teriais e os procedimentos para a construção de representações gráficas táteis com porcelana fria (bittencourt, 2007).

Figura 16.20. Preencher as áreas demarcadas com camadas sucessivas de porcelana fria, modelando a massa até alcançar a elevação desejada.

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Figura 16.21. Utilizar diferentes cores de porcelana fria para reforçar os temas representados.

máquina Thermoform sem danificar a represen‑ tação e nem o plástico.

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Representações gráficas táteis em serigrafia Para a reprodução de representações gráfi‑ cas táteis em grande quantidade podem ser uti‑ lizados outros materiais e técnicas, entre elas destaca­‑se a serigrafia, técnica comumente apli‑ cada para a produção de peças de vestuário. Produzir mapas utilizando a serigrafia per‑ mite a reprodução em grande quantidade, o que diminui consideravelmente o valor unitário da representação. As limitações concentram­‑se na resolução da representação; implantações li‑ neares, por exemplo, não podem ter espessura fina, pois não permitem a passagem da tinta pela tela, as elevações são limitadas (máximo 2 mm) o que diminui o número de variáveis representáveis. A tinta para tecido que se expande por calor (chamada de puff) pode ser utilizada em pintu‑ ras artesanais, aumentando as possibilidades de variação das texturas e espessuras de símbolos lineares e pontuais, sendo também uma técnica artesanal que aumenta o tempo de produção da

Figura 16.22. Cobrir todo o modelo com cola branca para aumentar sua resistência.

representação e consequentemente seu custo. A seguir, apresentamos os materiais e os pro‑ cedimentos para impressão de representações gráficas táteis com serigrafia. Os materiais as‑ sinalados com asterisco (*) serão usados na ela‑ boração da tela. As telas podem ser adquiridas sob encomenda e mediante a apresentação do desenho em arquivo gráfico, em empresas espe‑ cializadas em silk screen (estamparia).

Materiais necessários ¾¾Papel vegetal, transparência ou fotolito*. ¾¾Mesa de luz*. ¾¾Emulsão especial para revelação*. ¾¾Quadro de madeira com tela de nylon*. ¾¾Tinta expansiva por calor (puff). ¾¾Rodo. ¾¾Papel­‑cartão, cartolina ou tecido.

Procedimentos As Figuras 16.23 a 16.30 e suas respectivas legendas apresentam os procedimentos para a elaboração de uma representação gráfica tátil em serigrafia.

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Figura 16.24. Fixar a base a ser impressa e a tela; distribuir a tinta na beirada da tela.

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Figura 16.23. Mapas impressos na tela de nylon. Para cada cor utilizada na impressão é necessário construir uma tela.

Figura 16.26. Passar novamente o rodo distribuindo a tinta sobre a tela.

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Figura 16.25. Espalhar a tinta pela área a ser impressa com o rodo, de maneira uniforme.

Figura 16.28. Repetir o procedimento de distribuição da tinta com o rodo.

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Figura 16.27. Caso o mapa tenha mais que uma cor, é necessário esperar a primeira secar para, posteriormente, fixar a tela da segunda cor.

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Figura 16.30. Após a expansão da tinta o mapa já pode ser utilizado.

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Figura 16.29. Com a tinta seca, inverter a base e passar com ferro quente para obter a expansão da tinta.

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Representações gráficas táteis em papel microcapsulado trabalhada no computador antes da reprodução. Além disso, é um material resistente e leve, o que facilita seu uso e transporte.

Materiais necessários ¾¾Papel microcapsulado (importado). ¾¾Impressora ou copiadora jato de tinta. ¾¾Aquecedor especial para o papel (Máquina Tactile Image Enhancer – Repro Tronics, Inc).

Procedimentos As Figuras 16.31 a 16.36 e suas respectivas legendas apresentam os procedimentos para a representação gráfica tátil em papel microcap‑ sulado.

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Com o desenvolvimento da tecnologia, outros materiais surgiram na tentativa de facilitar a re‑ presentação de mapas, gráficos e ilustrações em relevo. Entre eles destaca­‑se o papel microcapsu‑ lado (papel especial que contém duas camadas de fibras, é impermeável e resistente), produzido em vários países como Japão, Reino Unido, Aus‑ trália e Estados Unidos e a partir do qual é pos‑ sível confeccionar representações gráficas táteis, conforme descrito na sequência. Essa técnica é muito utilizada para a impressão de informações virtuais; o usuário busca as imagens na internet, imprime no papel microcapsulado e o aquece, não necessitando assim da impressora braille para a sua reprodução. A sua vantagem reside justa‑ mente na facilidade de edição dos desenhos que serão impressos, pois qualquer imagem pode ser

Figura 16.31. Base digital, que se encontra disponível no seguinte endereço eletrônico: (acesso: abr/2007).

Figura 16.32. Mapa elaborado no computador, utilizando programas de desenho e edição de imagens, a partir da base digital.

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Figura 16.35. Ilustração impressa no papel microcapsulado antes do aquecimento.

Figura 16.36. Resultado do aquecimento do papel: a impressão ganha relevo que permite a identificação da informação representada.

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Figura 16.34. O resultado é a elevação de cerca de três milímetros de toda a informação em preto.

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Figura 16.33. O papel impresso passa pelo aquecedor, que permite a reação do papel e a elevação das informações impressas.

Para construir um mapa tátil ¾¾Ter em mente as perguntas “o quê? como? para quem? com que resultados?”. Ou seja, o que se quer comunicar, a técnica selecionada e a quem se dirige o material que está sendo cons‑ truído, sempre lembrando dos resultados espe‑ rados. ¾¾Considerar o tema a ser cartografado para escolher adequadamente a escala, as texturas e suas combinações, os símbolos mais apropriados e o material com que se realizará o mapa. ¾¾Desenhar previamente um rascunho do que será a representação definitiva, estabelecendo a quantidade de informações, e verificar se será

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necessário separar por temas (coleção de ma‑ pas) ou definir zonas (às vezes é necessário criar ampliações para áreas muito pequenas), a loca‑ lização do mapa propriamente dito e toda a in‑ formação marginal necessária (títulos em braille e tinta, referências, escala e fonte). ¾¾A escolha da linguagem gráfica (design ou so‑ lução gráfica), na maioria dos casos, é a etapa mais importante de todo o processo de produção e uso das representações gráficas destinadas à percepção tátil. Daí a necessidade de sistema‑ tização das regras básicas para construção dos mapas adaptados à resolução do tato.

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¾¾O uso de convenções é fundamental para fa‑ cilitar a utilização da linguagem cartográfica e a leitura das representações gráficas. A legenda é um recurso muito importante para o usuário com deficiência visual, desde que ela facilite a decodificação do mapa. ¾¾A escolha do nível de redução e generalização é vital, da mesma forma que o tamanho é im‑ portante; ambos dependem da experiência an‑ terior do usuário. A percepção tátil não é global como a visão e possui uma menor resolução, o que significa que a pessoa com deficiência visual precisa juntar pequenas parcelas de informação para formar uma imagem completa. Independentemente da técnica de cons‑ trução, um mapa deve conter determinados elementos para uma eficiente interpretação e compreensão. Entre esses elementos destacam­ ‑se os periféricos:

Título do mapa em braile

Corte lateral que auxilia no posicionamento correto do mapa

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Representação do Norte

¾¾Norte – representado por uma linha entrecor‑ tada localizada na parte superior do mapa, por uma seta estilizada com a letra N acima, ou uma combinação das duas representações anteriores. ¾¾Título – deve ser curto, mas completo, e deve conter o lugar, o tema e a data do fenômeno re‑ presentado. ¾¾Legenda – deve conter todos os símbolos que aparecem no mapa, com o mesmo tamanho, for‑ ma e textura. ¾¾Fonte – refere­‑se à documentação utilizada no tratamento da informação representada. ¾¾Escala  – as escalas, gráfica e numérica, devem constar na parte inferior do mapa. As avaliações realizadas com diversos usuários demonstraram a eficácia da escala gráfica, que deve ser indicada por uma linha em relevo e pode ser utilizada como referência para fazer medidas no mapa. Os textos devem estar escri‑ tos em braille e tinta.

Figura 16.37 Elementos de um mapa.

Escala gráfica. Melhor forma de representação para auxiliar na compreensão da proporção entre a realidade e o mapa

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MAQUETES Além dos mapas táteis, as maquetes também podem ser utilizadas como meio de aproximar­‑se a realidade da representação dos conceitos a serem trabalhados. Elas podem ser construídas utilizando­‑se diversas técnicas, entre elas a sobreposição de curvas de nível para representações do relevo, além de materiais como massa de modelar, argila, gesso, entre outros que auxiliam tanto na representação de fenômenos geográficos como no trabalho com proporções para o ensino de escala. As maquetes são largamente utilizadas para ilustrar, em escala reduzi‑ da, empreendimentos imobiliários, monumentos e modelados de relevo. No ensino de Geografia existem várias experiências com construção e uso de maquetes, recurso que pode ser enriquecido com a inserção de sons4, propor‑ cionando ampliação das informações a serem trabalhadas. Para o usuário com deficiência visual, a utilização desse tipo de material torna­‑se imprescindível, pois é o concreto, o palpável seu ponto de apoio para as abstrações. Ele tem no tato seu sentido mais precioso, é através da exploração tátil que lhe chega a maior parte das informações, possibilitando o discernimento de objetos e a formação de ideias.

Materiais necessários ¾¾Carta topográfica da área a ser representada na maquete. ¾¾Papel paraná, papelão, isopor ou EVA. ¾¾Papel vegetal, papel de seda ou manteiga. ¾¾Papel­‑carbono. ¾¾Cola. ¾¾Tesoura e/ou cortador (estilete, lâminas etc.). ¾¾Gesso e/ou massa corrida. ¾¾Tinta para o acabamento.

Procedimentos 1) A partir da carta topográfica, copiar em papel transparente as curvas de nível que serão representadas. 2) Desenhar no papel vegetal ou similar cada curva de nível com uma cor. 3) Com o papel­‑carbono, transpor as curvas para o material que servirá para compor a maquete (papel paraná, papelão, isopor ou EVA).

4 O processo de inserção de sons baseia­‑se na aplicação de sensores à maquete, ligados a um computador no qual as informações sonoras são gravadas e é possível programar a sua reprodução. Essa técnica é detalhada no trabalho de SENA, 2008.

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4)5 É recomendável indicar em cada curva a imediatamente superior, pois isto auxiliará na montagem da maquete. 5)5 Recortar as curvas, sempre começando da curva de menor nível. 6)5 Colagem das curvas de nível recortadas em papel (Figura 16.38). 7)5 Sobreposição das curvas de nível (Figura 16.39). 8)5 Colagem das ilhas na representação de um arquipélago (Figura 16.40). 9)5 Base topográfica e sua representação em relevo (Figura 16.41). 10)5 Acabamento com massa corrida para preencher os intervalos entre as curvas de nível, assegurando melhor representação do relevo (Figura 16.42). 11)5 Na etapa final, a maquete pode ser lixada com lixa d’água e então receber uma camada de tinta (o ideal é usar tinta plástica) e outros complementos, como diferentes fios para representar rios, ruas e estradas; lixas para represen‑ tar ocupações urbanas etc. (Figura 16.43).

Figura 16.39

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Figura 16.38

Figura 16.41

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Figura 16.40

Figura 16.42

Figura 16.43

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NA SALA DE AULA Em primeiro lugar, é essencial que os professores recebam formação ade‑ quada (inicial e continuada) e que se discuta o conceito de Necessidades Educativas Especiais (NEE). É também importante aprender a construir os materiais didáticos adaptados, principalmente os de baixo custo, conforme apresentado neste capítulo. Além disso, os professores de Geografia podem trabalhar de forma interdisciplinar, orientando os professores das demais disciplinas (com destaque para Artes) e desenvolvendo projetos em conjunto. Nesse sentido, o planejamento de atividades extracurriculares, como traba‑ lhos de campo e estudos do meio com ênfase na utilização dos vários canais de percepção, podem enriquecer o processo de ensino de uma Geografia inclusiva. Qualquer que seja o caso ou a idade das pessoas (crianças, jovens ou adultos) é fundamental iniciar o uso dos mapas e imagens táteis com um programa de introdução à linguagem gráfica visual e tátil voltado para os diferentes usuários, visando atingir os seguintes objetivos: melhorar a percep‑ ção e compreensão do espaço geográfico; facilitar o entendimento de noções geográficas básicas; desenvolver atividades preparatórias para o uso de mapas, diagramas, maquetes e imagens em geral. Esse programa deve contemplar as seguintes etapas: ¾¾Noções geográficas básicas, tais como proporção, escala, localização, dire‑ ção e orientação, precisam ser compreendidas antes da introdução dos mapas. ¾¾A linguagem gráfica tátil deve ser introduzida por meio de exercícios com as variáveis gráficas em relevo, como preparação à leitura de mapas e imagens. ¾¾Modelos em três dimensões e maquetes de relevo ajudam as pessoas, prin‑ cipalmente jovens, a entender o espaço físico. São representações menos abs‑ tratas e devem preceder o uso dos mapas. ¾¾Atividades e jogos geográficos, como, a “batalha geográfica”, que apresenta uma rede de coordenadas, trabalhando primeiramente com letras e números e depois com os hemisférios, podem facilitar o processo de aprendizagem da Geografia e da Cartografia, na medida em que motivam e tornam o ensino mais interessante5. ¾¾Todos os materiais didáticos táteis, incluindo os mapas, devem ser classifi‑ cados considerando níveis de complexidade, em função de algumas variáveis importantes: idade e nível de desenvolvimento cognitivo do aluno, interesse e habilidades, adequação à faixa etária, dentre outros. Para um bom aproveitamento do material didático é necessário conhecer a ocorrência de vários níveis de deficiência visual. As pessoas com baixa visão

5 Outras sugestões de jogos e atividades podem ser consultadas em Vasconcellos (1993) e Carmo (2009).

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representam o grupo mais heterogêneo, composto por usuários que, apesar da deficiência visual, conseguem ler e diferenciar cores e formas, desde que incorporadas às adaptações necessárias. Já nas pessoas cegas, as diferenças estão no nível da percepção tátil, devido a experiência, existência ou não de um histórico de estimulação precoce e presença de outras limitações senso‑ riais. Deve­‑se também considerar as seguintes características na utilização dos materiais adaptados: ¾¾Percepção tátil: ter um bom treinamento tátil significa o reconhecimento de linhas, figuras, texturas, devendo também captar diferentes graus de sim‑ bolização de elementos. ¾¾Exploração: consiste no conhecimento sobre uma coisa, que uma pessoa alcança por meio de pressões e movimentos intencionais de seus dedos nos espaços que pretende descobrir. ¾¾Orientação: uma adequada orientação espacial torna­‑se relevante nos es‑ tudantes cegos para que eles possam aprender a trabalhar com os mapas. Também é necessário acostumá­‑los a buscar pontos de referência de acordo com o que estão explorando. Destacam­‑se também as experiências prévias, que facilitam a compreen‑ são dos conceitos representados nos mapas. Por exemplo, um rio conhecido não tem relação com a linha (símbolo) que aparece no mapa quando se repre‑ senta um rio; é preciso explicar a simbologia para o estudante. Aqueles que conhecem ou puderam utilizar uma variedade maior de símbolos e também experimentaram outros ambientes além da casa e da escola poderão apro‑ veitar mais os mapas. Entre os aspectos cognitivos relacionados com os componentes da inte‑ ligência, o desenvolvimento da linguagem, a elaboração e o uso de relações lógicas, o desenvolvimento simbólico e a elaboração da ideia do todo a partir das partes que o compõem serão necessários para que o estudante aprenda. Essa capacidade de aprendizado é necessária para usar os mapas, porque o estudante deve comparar a informação do mapa com outros conceitos já aprendidos em sua experiência, tendo a capacidade de integrar as novas informações com a sua vivência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Os desafios da Geografia Inclusiva A sociedade atual vive uma mudança significativa em relação ao tratamento dado às pessoas com deficiência. Não é mais tolerada a ideia de isolamento ou exclusão das pessoas baseando­‑se na existência de uma deficiência. Busca­ ‑se hoje o respeito a cada pessoa, independentemente de suas diferenças ou limitações. A escola e a universidade têm papel fundamental nessa mudança, pois devem ser espaços de aprendizagem e também de convivência e experiência social. A legislação brasileira reforça a inclusão do estudante com deficiência em todos os níveis de ensino. Os professores são essenciais nessa inclusão e precisam estar preparados para receber os estudantes com necessidades especiais e contribuir para que a presença deles na sala de aula não seja uma mera formalidade da lei. Os estudantes com deficiência visual, por exemplo, quando têm a oportunidade­ de participar ativamente de um processo de aprendizagem que estimula sua percepção tátil, respeita sua vivência e trabalha com as noções básicas do mapa (escala, ponto de vista, orientação, localização e simbologia) podem alcançar níveis satisfatórios de compreensão das representações gráficas. A Cartografia convencional, porém, não tem se ocupado o bastante com as soluções gráficas (design) e com o uso dos mapas no formato visual, menos ainda com o formato tátil ou sonoro. Poucas pesquisas são realizadas tendo em vista as necessidades educativas especiais e as limitações dos usuários com relação à percepção. A Cartografia Tátil pode, certamente, melhorar o entendimento dos mapas e da prática cartográfica, no que diz respeito à utilização dessa linguagem não só pela pessoa com deficiência, mas também pelo usuário com visão. É difícil definir um conjunto único de sugestões e regras para produção e uso dos recursos inclusivos, pois com relação aos usuários com necessidades especiais acentuam­‑se as preferências individuais, tipo de experiência, grau da deficiên­ cia e nível de habilidade do usuário com relação aos conceitos geográficos, à percepção dos lugares, à leitura do mapa e ao domínio da linguagem gráfica. Existem caminhos para superar problemas e minimizar dificuldades: ¾¾ conscientização dos produtores e usuários com relação à natureza da lingua­ gem gráfica visual, tátil e sonora, suas vantagens e suas limitações; ¾¾ treinamento dos usuários e produtores para construção, reprodução e uso de mapas, gráficos e ilustrações, nas formas visual, tátil e auditiva; ¾¾ desenvolvimento de pesquisas para superar as questões técnicas ou financei­ ras da produção de representações gráficas multissensoriais, incluindo as novas tecnologias digitais, assim como os equipamentos e os recursos convencionais. Sistemas de multimídia utilizam Cartografia, mapas e gráficos, junto com interfaces múltiplas entre a mídia e as noções de legendas e translações entre­ laçadas do princípio ao fim. As metáforas de viagens e explorações geográficas

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permeiam esses sistemas, uma vez que estamos entrando em um novo mundo de linguagens multissensoriais. Inicialmente, o mundo chegava até nós por meio de formas auditivas e escritas, principalmente visuais. Agora, ele é transmitido e comunicado por sistemas mais semelhantes com a comunicação humana, na qual todos os sentidos são acionados. Novas propostas, como a Cartografia Cibernética, têm sido desenvolvidas e aplicadas com grupos minoritários. Algumas dessas populações, tais como pessoas com deficiência visual e grupos indígenas, dependem de imagens e mapas não convencionais, voltados a realidades diversas, nas quais o ensino e a aprendizagem da Geografia têm objetivos diferentes. A resposta às necessidades das pessoas com deficiência visual em relação às imagens será trabalhar todos os seus sentidos. No caso dos mapas e ilustrações, principalmente a audição, o tato e uma eventual visão residual devem ser incluí­ dos, enquanto as percepções olfativa e gustativa são de aplicação mais difícil. Recursos digitais conseguem transformar a representação gráfica em materiais dinâmicos e multissensoriais. Estes recursos facilitam imensamente o uso de mapas e ilustrações pelos usuários com deficiência visual. Trabalhar com novos grupos de usuários, como são as pessoas com neces­ sidades especiais, pode aprofundar a discussão teórica da Cartografia e propor uma nova avaliação dos mapas como meios de comunicação. A Cartografia Tátil consiste em um caminho para as pessoas com deficiência visual grave “verem” o espaço geográfico e o mundo que os cerca. As representações cartográficas não convencionais, como mapas virtuais, sonoros e digitais, adaptados ao sen­ tido do tato e acessíveis aos usuários com necessidades especiais podem fazer a diferença na sala de aula. A busca de um ensino de qualidade para todos exige da escola novos posicio­ namentos que implicam esforço de atualização e reestruturação das condições atuais. No caso do ensino de Geografia, nota­‑se que os professores geralmente não têm conhecimento suficiente sobre as deficiências e não se sentem seguros ou preparados para trabalhar com estudantes cegos ou com baixa visão e que também não há acesso aos recursos didáticos adaptados nas escolas. Materiais em relevo, maquetes e mapas táteis dificilmente estão disponíveis; outros re­ cursos digitais e sonoros são igualmente inacessíveis. A formação do professor é importante, mas não é a solução para enfrentar os desafios da Cartografia adaptada e de uma Geografia Inclusiva que respeitem e valorizem as diferenças. Deve­‑se garantir a Educação, considerá­‑la prioridade e realmente investir em formação docente e discente, em uma escola pública de qualidade e com os recursos necessários.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário Alunos com deficiência: consideram­‑se alunos com deficiência aqueles que têm impedimentos de lon­ go prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresen­ tam alterações qualitativas das interações recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e ati­ vidades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem­ ‑se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psi­ comotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais específicos estão: dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de aten­ ção e hiperatividade, entre outros6. Deficiência visual: a pessoa com deficiência visual pode ser cega ou ter baixa visão. Do ponto de vista legal, a cegueira é caracterizada pela acuidade visual corrigida menor que 20/200 no melhor olho ou cam­ po visual menor que 20º. Essa definição é usada para concessões de benefícios ou isenções. Do ponto de vista educacional, são consideradas cegas as pessoas que apresentam desde ausência total de visão até a perda da percepção luminosa. Seu processo de apren­ dizagem ocorrerá por meio da integração dos sentidos remanescentes preservados (tato, olfato, audição, pa­ ladar), utilizando o sistema braille como principal meio de comunicação escrita. Uma pessoa com baixa visão é aquela que apresenta alterações na sua funcionali­ dade, mesmo após tratamento e/ou correção óptica, com acuidade visual menor que 20/70 até percepção de luz (a normal é equivalente a 20/20); campo visual inferior a 10% do seu ponto de fixação; alterações

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Fonte: MEC. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, SEE/ MEC, 2008.

na sensibilidade aos contrastes e cores; dificuldade de adaptação à iluminação, mas com capacidade potencial de utilização da visão para o planejamento e execução de tarefas. O processo educativo desses estudantes será desenvolvido, principalmente, por meios visuais, mesmo que seja necessária a utilização de recursos especializados (ópticos, não ópticos e eletrônicos) 7. Libras: é a sigla da Linguagem Brasileira de Sinais. É um instrumental linguístico com todos os componentes pertinentes às línguas orais, tais como gramática, se­ mântica, sintaxe. De modalidade gestual­‑espacial, teve origem no alfabeto manual francês que chegou ao Brasil em 1856. Por meio desta linguagem, as pessoas surdas têm acesso a qualquer informação e conhecimento8. Mapas táteis: mapas são representações gráficas do espaço geográfico e abstrações da realidade. São chamados mapas táteis quando estão em um for­ mato que possa ser decodificado pelo tato. Nesses casos, são construídos com signos elevados (em re­ levo) em uma superfície plana e são direcionados a pessoas com deficiência visual (cegas ou com bai­ xa visão). Assim como as maquetes, eles são per­ cebidos pelo tato e, eventualmente, por uma visão residual. Por essa razão, muitas vezes apresentam também o uso de cores e textos escritos, além dos textos em braille e dos símbolos elevados. Existem dois tipos principais de mapas táteis, em função da finalidade, da escala e das características existentes: mapas de orientação e mobilidade (escalas grandes com muito detalhe) e mapas geográficos represen­ tando áreas maiores em escalas bem menores que os anteriores9.

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Fonte: Laramara  – Associação Brasileira de Assistência ao deficiente visual: . LOPES, M. E. Metodologia de análise e implantação de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida e dificuldade de comunicação. Tese de doutorado, FAU/USP, 2005, p. 84. ALMEIDA, R. A. (Vasconcellos). In: SMELSER N. J. & BALTES P. B. International encyclopedia of the social and behavioral sciences, Elsevier/ Pergamon, 2001. pp. 15.435­‑15.437.

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Necessidades educativas especiais: o conceito de necessidades educativas especiais (NEE) começou a ser difundido em 1978 a partir da sua adoção no Relatório Warnock, apresentado ao Parlamento do Reino Unido. Os resultados demonstraram que 20% das crianças apresenta NEE em algum período da sua vida escolar. A partir desses dados, o relatório propõe o conceito de NEE. No entanto, esse conceito só foi adotado e rede­ finido em 1994, na Declaração de Salamanca (UNES­ CO, 1994), passando a abranger todas as crianças e jovens cujas necessidades envolvam deficiências ou dificuldades de aprendizagem. Inclui tanto crianças em desvantagem como as chamadas superdotadas, bem como crianças de rua, as que trabalham, as de popu­ lações remotas ou nômades, crianças pertencentes a minorias étnicas ou culturais e crianças desfavorecidas ou marginais, bem como as que apresentam problemas de conduta ou de ordem emocional10. Sistema Braille: processo de leitura e escrita em re­ levo, com base em 64 símbolos resultantes da combi­ nação de seis pontos, dispostos em duas colunas de três pontos. É também denominado Código Braille11.

Bibliografia ALMEIDA, R. A. A Cartografia tátil no ensino de Geo­ grafia: teoria e prática. In: ALMEIDA, R. D. Cartografia escolar. São Paulo: Contexto, 2007. ALMEIDA, R. A.; TSUJI. Interactive mapping for pe­ ople who are blind or visually impaired. In: TAYLOR, F. (Org.). Cybercartography: theory and practice. v. 1. Amsterdam: Elsevier, 2005. ARAUJO, U. A. M. Máscaras inteiriças Tukúna: possibilidades de estudo de artefatos de museu para o conhecimento do universo indígena. Tese (Mestrado). Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. São Paulo, 1985. BERTIN, J. Semiologie graphique: lês réseaux, lês cartes. Paris: Monto&Gauthier­‑Villars, 1967. BITTENCOURT, A. Proposta de representação tátil do relevo: construção e aplicação de materiais di-

dáticos inclusivos. Trabalho de Graduação Individual. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, De­ partamento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. BOLONHINI JR., R. Portadores de necessidades especiais: as principais prerrogativas e a legislação brasileira. São Paulo: Arx, 2004. CARMO, W. R. Cartografia tátil escolar: experiências com a construção de materiais didáticos e com a formação continuada de professores. Dis­ sertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. GIL, M. (Coord.). Educação inclusiva: o que o professor tem a ver com isso? São Paulo: Rede Saci/ Imprensa Oficial, 2005. SENA, C. C. R. G. de. Cartografia tátil no ensino de Geografia: uma proposta metodológica de desenvolvimento e associação de recursos didáticos adaptados a pessoas com deficiência visual. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. TAYLOR, D. R. F. A conceptual basis for cartography: new directions for the information era. In: Cartographica. Canadá: University of Toronto Press, v. 28, n. 4, 1991. VASCONCELLOS, R. A. A cartografia tátil e o deficiente visual: uma avaliação das etapas de produção e uso do mapa. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1993. VASCONCELLOS, R. A. Tactile maps in geography. In: HANSON, S.; WEINERT, F. E. (Org.). International Encyclopedia of Social & Behavioral Sciences. Amsterdam: Elsevier, 2004.

10 Fonte: (acesso: fev/2010). 11 Fonte: (acesso: fev/2010).

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SOBRE OS AUTORES Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena possui graduação em Geografia (1993), mestrado (2001) e doutorado em Geografia Física (2009), to­ dos pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu­ manas da Universidade de São Paulo. Atualmente é professora doutora assistente da UNESP, campus Ou­ rinhos; pesquisadora voluntária da Universidade de São Paulo e pesquisadora colaboradora da Universi­ dade Tecnológica Metropolitana de Santiago do Chi­ le. Tem experiência na área de Ensino de Geografia e na formação de professores, atuando principalmente nos seguintes temas: Cartografia Escolar, Cartogra­ fia Tátil, Ensino de Geografia, Educação Especial e Inclusão. Regina Araújo de Almeida concluiu História (1976), Geografia (1982), mestrado (1988) e doutorado (1993) em Geografia Física, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Pau­ lo. Atualmente é professora doutora da graduação do Departamento de Geografia e da Pós­‑Graduação em

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Geografia Física da FFLCH/USP com orientação de 8 teses de doutorado e 15 dissertações de mestrado. Sua produ­ ção inclui 37 trabalhos publicados, 11 capítulos de livros e artigos em periódicos, sendo 5 deles no exterior, 11 livros organizados, dentre eles um atlas ilustrado. Coordenou inúmeros projetos de pesquisa nacionais e internacionais e atua nas seguintes áreas: Cartografia Escolar, Cartografia Tátil, Ensino de Geografia, Geografia Indígena e Formação de Professores do Ensino Básico. Waldirene Ribeiro do Carmo possui graduação (1998) e licenciatura (1999) em Geografia pela Universidade­ de São Paulo. É mestre em Ciências (Geografia Física) pela mesma universidade (2010). Exerce suas funções profissionais no Laboratório de Ensino e Material Didático do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. É pesqui­ sadora colaboradora do Centro de Cartografía Táctil da Universidade Tecnológica Metropolitana de Santiago/ Chile. Tem experiência em formação de professores nas áreas de Cartografia Escolar, Cartografia Tátil, Educação Especial e Inclusão.

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Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfis

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Eduardo Justiniano

Sérgio Ricardo Fiori

Introdução, 384 As principais expressões plásticas da paisagem, 385

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Representações gráficas: trabalhos de campo e gabinete, 396 Na sala de aula, 400

Considerações finais, 402 Referências de apoio, 403 Sobre o autor, 404

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INTRODUÇÃO

Brasiliana Digital/USP

Eduardo Justiniano

Desde a pré­‑história o desenho constitui­‑se em uma das formas de expressão da humanidade (Figura 17.1). Para a Geografia, o século XIX marca um grande momento no uso do desenho para fins científicos, pois é nesse período que ocorrem grandes expedições realizadas por europeus ao continente americano. Pesquisadores com mãos de artista, os denominados viajantes naturalistas, rea‑ lizaram um imenso e minucioso inventário de espécies da fauna e da flora, das etnias e dos costumes dos povos dos trópicos. Entre os naturalistas, destacam­‑se os nomes do holandês George Markgraf; dos franceses Aimé Adriano Taunay, Jean­‑Baptiste Debret (Figura 17.2) e Hércules Florence e do alemão João Mauricio Rugendas. O desenho é um recurso gráfico que possibilita representações em um plano bidimensional, numa folha de papel ou na tela do computador, utilizando­‑se apenas algumas ferramentas como lápis, caneta, pincel, mouse. Cabanellas (1976) o divide em dois níveis: os croquis ou os esboços, que são definidos pelo traço rápido, normalmente feito à mão e sem ajuda de outros instrumentos (régua, compasso); e os desenhos representativos, que se caracterizam pelos perfis, blocos­‑diagramas e esquemas, sendo definidos por traços estruturados e sujeitos a normas e convenções, como os desenhos geométrico e projetivo. Este capítulo apresenta formas de elaboração pictórica da topografia (mor‑ fologia do terreno) ligada a diversas áreas, como a Geomorfologia, a Pedologia, a Hidrografia e a Biogeografia.

Figura 17.1. Pinturas rupestres. Parque Estadual da Serra da Capivara, Piauí.

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Figura 17.2. Vallée da Serra do Mar (Chayne de Montagnes Prés de La Mer), Jean­‑ Baptiste Debret (1834)

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AS PRINCIPAIS EXPRESSÕES PLÁSTICAS DA PAISAGEM Qualquer tipo de ilustração resulta de esco‑ lhas, recortes e enfoques de porções da realidade (plano concreto) que são previamente estabele‑ cidas pelo desenhista. Em seguida, inicia­‑se um processo de representação, procurando conceber as melhores relações de proporção, angulação e simplificação do elemento enquadrado. Segundo Pires (1996), as qualidades visuais do território são compostas por elementos na‑ turais e artificiais. E é por meio da visão que se percebem e se discriminam os quatro grandes componentes paisagísticos do território: o rele‑ vo, a água, a vegetação e as ações humanas. A seguir, uma breve descrição desses quatro com‑ ponentes: ¾¾A forma da terra é o aspecto exterior da su‑ perfície terrestre representado pelo relevo, pelas formas do terreno, por sua disposição e por sua natureza. ¾¾A água está associada às formas em superfí‑ cie (mares, rios, lagos, neve e gelo), sua disposi‑ ção, monotonia e movimento. ¾¾A vegetação apresenta as distintas formas de vida vegetal (árvores, arbustos e vegetação her‑ bácea) com suas características específicas, sua distribuição, densidade, tonalidade.

¾¾As estruturas e os elementos artificiais resul‑ tam dos diferentes tipos de usos do solo (urba‑ no e rural) ou concentrações diversas de caráter pontual, linear ou superficial. Cada um desses componentes tem proprie‑ dades visuais particulares que permitem ao su‑ jeito compreender, por exemplo, as diferentes formas e alturas, a profundidade, a composição de cores e texturas dispostas no território. Essas propriedades são as expressões plásticas básicas dos componentes da paisagem. A utilização de variadas técnicas, como gra‑ vuras, quadros, documentos históricos, fotogra‑ fias e filmagens criam as formas substitutas da paisagem. A Figura 17.3 apresenta dois exem‑ plos do trabalho de Pires (1996), que utilizou as imagens turísticas de cartões postais da região litorânea de Santa Catarina. Ao se dissecar os elementos visuais (tipos dis‑ tintos de formas das quais o desenhista dispõe para confeccionar uma ilustração) dos quatro grandes componentes paisagísticos no territó‑ rio, encontram­‑se seis itens básicos para o pla‑ nejamento e a execução de representações por meio do desenho: a linha (construção de formas

ITAPEMA

BARRA VELHA 1(f-l)

3(c-t)

3

4(f-l-ec) 1

2(f-c-l) 2

Sérgio Fiori

1(f-l) Componentes da paisagem: Relevo (1); Água (2); Vegetação (3); Ações Humanas (4) Propriedades visuais: forma (f); cor (c); linha (l); escala (ec); textura (t)

Figura 17.3. Formas substitutas da paisagem. Fonte: Pires (1996), adaptado.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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385

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Os pontos colocados cada vez mais próximos faz com que se torne impossível identificá-los individualmente, transformando-se em outro elemento visual: a linha comprimento da linha fundo

Linha: existe somente no plano pictórico figura figura

figura figura

figura

Figura 17.4. A linha.

bidimensionais), o volume (suposta tridimen‑ são – perspectiva, escala), a luz (sombreamento, volume), a cor (reforço visual), a textura (sepa‑ ração visual de camadas) e a escala. Levando­‑se em consideração Cabanellas (1976), Senai (1984) e experiências pessoais em desenho artístico, se‑ rão abordadas as características essenciais dos itens citados.

A linha A linha é o único dos elementos visuais abor‑ dados que não existe no plano concreto. As linhas

Paisagem (Plano concreto)

são percebidas visualmente graças ao aprendiza‑ do cognitivo, resultado da autoridade institucio‑ nalizada (no caso, a escola/ensino formal) apon‑ tada por Bourdieu (2000). Portanto, as linhas só existem verdadeiramente no plano pictórico. A linha tem origem em uma sequência de pontos (reta), apresenta apenas uma dimensão – o comprimento – e estabelece a diferenciação entre o fundo e a figura, relação essencial da lin‑ guagem visual (ver Figura 17.4, acima). Antes de iniciar qualquer desenho, o ilus‑ trador deve se preocupar com a proporção dos elementos dispostos na paisagem. Criar alguns apoios, traçados, com a utilização das figuras ge‑

O uso das linhas

Sérgio Fiori

figura

Sérgio Fiori

figura

Figura 17.5. Elementos geométricos de apoio.

386

práticas de geografia

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ométricas básicas (Figura 17.5): o quadrado, o retângulo e o círculo servirão de base para a construção das inúmeras figuras que compõem a paisagem. É aconselhável utilizar um lápis grafite macio (tipo 6B ou HB) em papel sulfite comum. O ideal é desenhar traçando várias linhas sobre um mesmo ponto, sem se preocupar se as linhas estão certas ou erradas. É importante que a pressão do lápis sobre a folha seja leve. Até esta fase, não se utiliza borracha (Figura 17.6). Em seguida, o ilustrador deve procurar entre as linhas desenhadas o deli‑ neado mais preciso para a elaboração do modelo. Agora, os movimentos das mãos são mais lentos e a pressão do lápis sobre o papel deve ser mais forte (Figura 17.7). Para a finalização, utiliza­‑se borracha macia ou limpa­‑tipos para apagar os traços em excesso. Aconselha­‑se também passar uma caneta hidrográfica sobre as linhas escolhidas antes de apagar o excesso de linhas.

O volume

Traçar várias linhas de apoio que auxiliam a encontrar a linha definitiva

Sérgio Fiori

Sérgio Fiori

Do desenho linear plano (Figura 17.5), que utilizou como apoio figuras geo‑ métricas básicas, inicia­‑se a construção dos sólidos geométricos e de revolução. Eles são compostos por três dimensões: comprimento, largura e altura. O cubo,

Figura 17.6. Procurando o melhor traçado para representar a paisagem.

Linha definitiva Figura 17.7. A finalização da ilustração.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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387

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388

linhas paralelas. Desse modo, durante o proces‑ so de elaboração do desenho é importante esco‑ lher o tipo de perspectiva que mais se adeque ao elemento que se quer representar.

Sérgio Fiori

o prisma, a esfera e o cilindro são bons exemplos desses tipos de sólidos. A Figura 17.8 mostra de‑ senhos em 2D (figuras) e em 3D (sólidos). Para atribuir a profundidade (e a ilusão da altura), deve­‑se somar aos sólidos geométricos a perspectiva. Essa técnica produz o efeito de representar o plano pictórico tal como é visto no plano concreto, de acordo com sua posição, forma e tamanho. É importante frisar que um único objeto é infinitamente mais fácil de ser representado se comparado a um recorte da paisa‑ gem. O desenhista mais atento irá defrontar­‑se com diferentes tipos de formas de relevo (vales, colinas, morros, falésias), de vegetação, de hidro‑ grafia e de ações humanas. Simplificar, suprimir, ressaltar e estilizar os elementos contidos na pai‑ sagem faz parte da realidade do mais meticuloso ilustrador, que recorrerá à técnica que melhor lhe possibilite transmitir a percepção de realis‑ mo à sua produção. A seguir, apresentam­‑se algumas técnicas de perspectiva que podem ser usadas para con‑ feccionar esboços e croquis, blocos­‑diagramas, perfis e esquemas. A perspectiva é dividida em dois tipos distintos: paralela e cônica. A pers‑ pectiva paralela acontece quando as arestas de um objeto formam um feixe de linhas pa‑ ralelas (Figura 17.9a). Esse tipo de perspectiva subdivide­‑se em isométrica (Figura 17.9b) e ca‑ valeira (Figura 17.9c). Na perspectiva cônica, as arestas de um ob‑ jeto convergem para um ponto predeterminado chamado Ponto de fuga (PF) – Figura 17.10. Qualquer forma em perspectiva é represen‑ tada em três posições: acima, no nível e abaixo da linha do horizonte (LH), que são os níveis de visão de um observador (ver Figura 17.11 e também Figura 17.12). Muitas vezes não é necessário utilizar a linha do horizonte e pontos de fuga para compor uma ilustração. A técnica da perspectiva paralela, além de ser mais simples, também proporciona bons efeitos visuais. Na Figura 17.13, tanto os la‑ dos verticais como os horizontais são feitos com

Figuras Geométricas

Sólidos Geométricos 5 2 2

4 4

4 3

1

3

1

Cubo

3

1

Prisma retangular

Pirâmide

Sólidos de Revolução

8

8

7

7 8

7 6

Cilindro 1 2 3 4

Aresta Base superior Base inferior Face

6

6

Cone

Esfera 5 6 7 8

Vértice Eixo de rotação Linha geratriz Figura geradora

Figura 17.8. Figuras e sólidos geométricos.

práticas de geografia

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Sérgio Fiori

Arestas formam feixe de linhas paralelas

Plano vertical

a

c

b

1 4

3

2

5

Plano horizontal

Sérgio Fiori

2

1

Aresta frontal perpendicular verticalmente ao plano

4

Face frontal paralela horizontalmente ao plano

3

Arestas não paralelas a nenhum dos planos (horizontal e vertical). Representam profundidade em duas direções.

5

Aresta não paralela a nenhum dos planos (horizontal e vertical). Única direção representando profundidade.

Figura 17.9. As perspectivas: paralela (17.9a), isométrica (17.9b) e cavaleira (17.9c).

Linhas convergentes produzem o efeito de perspectiva

PF

PF

PF

LH

As linhas (arestas) inicialmente paralelas convergem à medida que se aproximam do PF.

Face frontal LH: Linha do Horizonte. É a linha onde se encontram o céu e a terra. Está ao nível do olho, ou seja, é a altura na qual os olhos observam um dado elemento do plano concreto. PF: Ponto de fuga. É o ponto imaginário da linha do horizonte (LH). As linhas (arestas) inicialmente paralelas convergem à medida que se aproximam do PF.

Acima da LH

Figura 17.10. A perspectiva cônica.

Acima da LH

LH PF1

PF2

LH

PF Abaixo da LH

Sérgio Fiori

PF1

Acima da LH Abaixo da LH

PF2

LH

Figura 17.11. As três posições da perspectiva.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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Sérgio Fiori

PF LH

LH PF

PF

PF

LH

Sérgio Fiori

Figura 17.12. Ilustrações com um ou dois pontos de fuga. Fonte: SENAI (1984).

Lin

Par

ale

las

Lin

ha

sP

ar

ale

las

has

Figura 17.13. Caxambu: perspectiva paralela.

390

práticas de geografia

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Luz e sombra

Sérgio Fiori

Só se percebe plenamente as formas que compõem os elementos do plano concreto como sólidos e tridimensionais devido à relação complementar entre luz e sombra. O ilustrador deve direcionar a luz de maneira intencional, em função do que se deseja realçar no desenho, proporcionando uma boa leitura das formas no final. Para isso, ele conta com o uso de uma se‑ quência de tons claros e escuros (Figura 17.14), que pode ser diferenciada dependendo da for‑ ma trabalhada. Visualmente, o efeito conseguido com as áreas claras é o avanço e com as áreas escuras, a retração. O ilustrador faz uso efetivo do re‑

Tons que evoluem em dégradé

curso avanço­‑recuo de acordo com o que quer representar. Pode­‑se trabalhar com outras in‑ tensidades além dos extremos de claro e escuro, combinando tons intermediários para envolver o observador na atmosfera criada. Após a confecção do plano pictórico, em que foram desenhadas figuras e formas tri‑ dimensionais, deve­‑se escolher e enquadrar a direção da fonte de luz, buscando, então, um sombreado apropriado. Não desanime se a pri‑ meira ilustração não sair tão boa, os resultados tendem a melhorar com o tempo. A Figura 17.15 apresenta uma ilustração produzida pelo artista viajante Rugendas.

Passagens bruscas entre as superfícies Escala de tons

Superfície facetada

Super Stock/Keystock

Superfície contínua

Figura 17.15. O efeito luz e sombra na esfera e no sólido facetado.

Figura 17.16. Composição em luz e sombra. Fonte: John Franklin (1823).

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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391

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A cor O matiz (a cor em si) é percebido pela re‑ flexão em diferentes pontos no espectro eletro‑ magnético. As cores visíveis são classificadas em comprimentos de ondas: altos (vermelho ao la‑ ranja), médios (amarelo ao verde) e curtos (azul ao violeta). Dondis (1991) e Monmonier (1996) afirmam que tudo o que é visto reveste­‑se de, pelo menos, duas propriedades: uma qualida‑ de pigmentária, que tende mais ao branco ou ao preto (cor­‑matéria), e a qualidade física da luminosidade ou da obscuridade (cor­‑luz). Em outras palavras, a existência desses dois tipos de composição tonal apresenta características mui‑ to distintas. Historicamente utiliza­‑se a técnica de aplicar pigmento – limitado entre 8 e 14 graus tonais – em forma líquida a uma superfície como tela, papel ou parede. Enquanto que a cor­‑luz (física) é a própria luz, observada por meio dos raios luminosos, a qual possui uma vasta gama de intensidade tonal que é percebida pelo olho humano. Hoje, utiliza­‑se a cor­‑luz, por exemplo, na tecnologia digital a partir do corriqueiro uso dos computadores (cor visível) ou durante a con‑ cepção de imagens de satélite (cor não visível) – ver Figura 17.16, na página 393. Uma simples experiência para se notar as di‑ ferenças físicas entre a cor­‑luz e a cor­‑pigmento é quando se vê um desenho – com várias tonali‑ dades de uma mesma cor – no computador, e que logo em seguida é impresso. De repente, a grande variedade de tons que aparece no computador fica reduzida a poucas tonalidades no papel. Farina (1990) afirma que “vivemos numa iconosfera, na qual o indivíduo penetra desde que nasce”. Contudo, “é evidente que, na força comunicativa da imagem, o que predomina é o impacto exercido pela cor. Nem a captação instantânea da forma do objeto pode produzir o impacto emocional que nos é proporcionado pela cor”, que nos oferece amplas possibilidades e tem a capacidade de liberar as reservas da ima‑ ginação criativa de cada um de nós.

392

A cor age não só sobre quem vê a imagem, mas também sobre quem a constrói. Ao en‑ trar em contato com a comunicação visual, o sujeito processa a cor em três âmbitos: a cor é vista, impressionando a retina; é sentida, pro‑ vocando uma emoção; e é construtiva, pois possui um significado próprio, tem valor de símbolo e, portanto, capacidade de construir uma linguagem que comunique uma ideia (FARINA, 1990). A história mostra que as cores dispostas nos mapas reforçaram, ao longo do tempo, certa metáfora da paisagem. Por muitos séculos, os cartógrafos exploraram e encorajaram a asso‑ ciação do verde à vegetação, do azul à água, do vermelho às altas temperaturas e do amarelo ao ambiente desértico. Contudo, só se pode consi‑ derar esse tipo de associação segundo um con‑ texto apropriado e capaz de gerar associações que promovam uma eficiente decodificação (MONMONIER, 1996). Isso porque a comu‑ nicação baseia­‑se nos códigos de cada cultura. A título de exemplo, cita­‑se um caso ocorrido com a professora Regina Araújo de Almeida, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, que desenvolve um trabalho com povos indígenas do estado do Acre sob a coor‑ denação da Comissão Pró­‑Índio desse estado. Numa reunião entre professores indígenas, ao se discutir a legenda dos mapas para o Atlas Geográfico Indígena, foi decidido por conven‑ ção que a cor amarela seria adotada para re‑ presentar a hidrografia. Posteriormente, outros símbolos foram propostos e adotados (Comis‑ são Pró­‑Índio do Acre, 1996). Robinson et al. (1995) ratificam e comple‑ mentam o que foi dito acima, afirmando que a significação das cores pode variar culturalmente. Em nossa cultura (contexto ocidental) associa‑ mos comumente as cores aos mais diferentes fe‑ nômenos físicos, sensações e emoções. Portanto, as associações evocadas podem ser usadas quan‑

práticas de geografia

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COR-LUZ

COR-MATÉRIA CORES PRIMÁRIAS CORES SECUNDÁRIAS

Raios X

CORES TERCIÁRIAS

400

AMARELO -ALARANJADO

AMARELO -ESVERDEADO

Violeta

500

Verde

600

Amarelo Laranja

700

Vermelho

LARANJA

VERDE

Azul Luz visível

Comprimento de onda (mm)

Luz ultravioleta

AMARELO (luz, calor)

VERDE -AZULADO

LARANJA -AVERMELHADO

AZUL (passivo, suave)

Luz Infravermelha

VERMELHO (ativo, emocional)

AZUL -ARROXEADO

VERMELHO -ARROXEADO ROXO

Ondas de rádio

Com a mistura das matizes são gerados novos significados, mais brandos ou intensos

As cores primárias quando combinadas apresentam comportamentos diferentes: CORES ADITIVAS (RGB) irradiam feixe de luz (vermelho, azul e verde)

Vermelho Amarelo

Vermelho

Preto

Branco Branco Verde

Azul Ciano

Azul

CORES SUBTRATIVAS (CMYK) mistura de pigmento (magenta, ciano, amarelo e preto)

Amarelo

Ciano Verde

Sérgio Fiori

Magenta

Magenta

Figura 17.17. Cores.

do se retratam certas características. Vejamos algumas importantes conotações simbólicas associadas às cores e que servem de referência para representações: ¾¾azul: corpos­‑d’água, rios, alguma coisa mo‑ lhada ou fria; ¾¾verde: áreas de vegetação viçosa; ¾¾amarelo ou castanho amarelado: áreas secas ou apresentando vegetações esparsas; ¾¾marrom: solo nu; ¾¾vermelho e laranja: calor; ¾¾preto: matéria orgânica. Quanto à suposta tridimensionalidade do plano bidimensional, a cor também será de

grande valor. Farina (1990) cita que, além dos recursos como a espessura da linha, a posição da imagem em relação à superfície, a sobrepo‑ sição, a perspectiva, deve­‑se ter na cor mais um recurso para a obtenção do efeito de criação de um espaço. A Figura 17.18 demonstra que a cor possui uma ação móvel. As distâncias visuais tornam­‑se relativas. O próprio volume de qualquer elemento pode ser alterado pelo uso da cor. A superfície mais clara sempre pa‑ recerá maior, pois a luz que reflete lhe confere amplidão. Os motivos físicos e culturais fazem da cor um recurso complementar que, muitas vezes, torna­‑se imprescindível para o desenhista.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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393

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A textura

Sérgio Fiori

Esse elemento visual é muito útil na substituição ou complementação das qualidades de um outro sentido, o tato. Dondis (1991) afirma que é possível uma textura apresentar somente qualidades óticas e não táteis como, por exemplo, padrões de um determinado tecido ou dos traços superpostos de um esboço. No entanto, em uma textura real, as qualidades táteis e óticas coexistem, permitindo à mão e ao olho uma sensação individual.

Figura 17.17. O volume das cores.

Alvenaria

Pedra Morfologia do terreno

Madeira Praia Vegetação

Areia

Areia Sérgio Fiori

Pedra

Figura 17.18. A textura e suas qualidades visuais.

394

práticas de geografia

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O autor completa que a maior parte da expe‑ riência vivenciada com relação à textura é ótica e não tátil. Ilustrações e pinturas muitas vezes proporcionam aparências convincentes de uma ou mais texturas. Isso quer dizer que ao se elaborar um desenho é possível criar diversas texturas a partir da repre‑ sentação da paisagem que contém: vegetações (florestas, savanas, climas temperados e frios), tipos de morfologia de terreno (montanhas, vales, planícies, praias), presença do homem (cidades, aldeias, tribos, formas de plantação) – Figura 17.18. E as qualidades de separação visual entre camadas de informação da paisagem mostram­‑se por meio de características gráficas de suavidade, aspereza, volume, sinuosidade, precisão, entre ou‑ tras. Podem ser sugeridos ainda tipos de materiais constitutivos dos elementos visuais como pedra, madeira, areia, tecido ou água.

A escala

Sérgio Fiori

A escala é o último item essencial a ser abor‑ dado. Quando um desenho é iniciado, o ilustra‑ dor busca trabalhar a partir de dois itens funda‑ mentais: o tamanho da área da ilustração (por

1

3

exemplo, uma folha de papel) e as informações que deseja representar. No estabelecimento dessa relação, a escala auxiliará na composição dos tamanhos e das proporções entre dois ou mais elementos visuais presentes no desenho. Além disso, a escala pode ser muito útil na de‑ finição dos vários planos de uma paisagem. A Figura 17.19 exemplifica essa relação mais cla‑ ramente. Ao se determinar a escala da composição de um desenho, é importante utilizar representa‑ ções de fácil identificação para o decodificador, isto é, formas do plano concreto com dimensões às quais o usuário já esteja habituado. Qualquer pessoa sabe e pode comparar o tamanho de uma árvore, uma pessoa, uma casa ou um garfo. Ao se trabalhar com algum elemento conhecido em uma ilustração, fica mais fácil identificar, produ‑ zir e fazer comparações entre as dimensões de outros elementos. Por isso, deve­‑se sempre incluir em uma composição (ilustração), uma referência básica de tamanho. A figura humana, por exemplo, pode nos fornecer a determinação essencial da escala, pois é um ótimo elemento visual. É como utilizar uma caneta ao lado de um perfil de solo ao ser fotografado.

2

Ao tapar os coqueiros com os dedos, há uma dificuldade ainda maior de reconhecimento da paisagem litorânea. Além disso, os coqueiros fornecem a escala do ambiente.

Ao desenhar uma figura humana cria-se um outro plano. Gera-se também uma comparação de tamanho e afastamento entre o coqueiro e a mulher.

Nesta figura se estabelece uma comparação imediata do coqueiro maior com os coqueiros menores e o barco, os quais dão profundidade à cena. 4

Desenhando do lado esquerdo da figura humana menor uma figura maior, tem-se a impressão de que a primeira é uma criança, pois ambas estão no mesmo plano visual.

Figura 17.19a. Proporção e escala. Fonte: Kathryn Aléxis, modificado.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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395

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REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS: TRABALHO DE CAMPO E GABINETE

Esboços e croquis O esboço ou croqui refere­‑se à parte inicial de qualquer desenho, que é elaborado por meio de traços rápidos, simples, que não exigem pre‑ cisão e refinamento gráfico. É uma etapa funda‑ mental, pois tem o propósito de expressar preli‑ minarmente uma ideia plástica, criar um modelo simplificado, o que ajudará na composição final. Houaiss (2001) complementa que croqui é um processo de apreensão dos traços caracte‑

Figura 17.20. Esboço e croqui.

396

rísticos de um objeto/elemento da paisagem a golpes de grafite, pincel. Ao fazer um esboço, a maneira mais fácil para se desenhar uma paisagem é percebê­‑la e separá­‑la como figuras e sólidos geométricos – ver Figuras 17.20a e 17.20b. A partir dessa base geométrica inicia­‑se o processo de detalhamento da paisagem. Finalizado o trabalho com as li‑ nhas, começa o paciente processo para criar o volume das formas através da técnica da luz e sombra – ver Figuras 17.20c e 17.20d. As Figuras 17.5, 17.6 e 17.7 deste capítulo de‑ monstram o processo de confecção de um dese‑ nho a partir do plano concreto (realidade). Tam‑ bém é interessante ver o trabalho de Pires (1996).

Perfis O perfil é uma representação de um corte do terreno. Todo perfil tem duas escalas: aquela ao longo da linha horizontal (escala horizontal), e

a

b

c

d

Sérgio Fiori

A partir da explanação sobre os seis elemen‑ tos – linha, volume, luz, cor, textura e escala – essenciais para o desenvolvimento e a com‑ posição dos desenhos – mostra­‑se de maneira prática como construir esboços e croquis, per‑ fis, blocos­‑diagramas e esquemas. A apreensão dessas técnicas de desenho será de grande valor tanto em idas a campo quanto em trabalhos de gabinete em Geografia.

práticas de geografia

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Linha que indica a Curva de nível

Sérgio Fiori

Recorte do mapa topográfico da América do Sul

Linha de intersecção

a a

LEGENDA ALTITUDES

OCEANO ATLÂNTICO

OCEANO PACÍFICO

4000 metros 2000

Eixo X

1000 400 200

Perfil topográfico da América do Sul

0 0

305 Km

4000 b

Altitude em metros

Rebatimento

2000

c

1000 400 200 0

Distância em Km d 15°S 75°W

15°S d 40°W

Eixo Y

a O Plano Horizontal é o mapa sobre o qual se traça a linha do corte de intersecção para se construir o perfil. b O Plano Vertical é o próprio gráfico (perfil), que registra no eixo X as altitudes referentes às curvas de nível

interseccionadas. No eixo Y são colocadas as latitudes e longitudes da intersecção.

c A seguir, ligam-se os pontos da interseção entre a altitude e a distância (latitude e longitude). d Para finalizar, indicam-se as latitudes e as longitudes dos dois extremos do corte de intersecção.

Figura 17.22. Perfil topográfico.

a outra perpendicularmente à horizontal, isto é, a escala vertical. Existem diferentes tipos de perfis, como, por exemplo: topográficos, que representam o comportamento altimétrico da superfície (Figura 17.21); geológicos, que se preocupam com as estruturas geológicas do terreno; e de vegetação, que mostram a organização de um quintal florestal. No Capítulo 3 (Técnicas de Hidrografia) e no Capítulo 6 (Técnicas de Bio‑ geografia), é possível ver respectivamente perfis de vegetação e fluvial. Em Muller e Sartori (1999) explica­‑se como se elabora o desenho de outros tipos de perfis. Outros exemplos podem ser vistos na Coleção Atlas Visuais (1998), em Vasconcelos e Alves Filho (1999), Suertegaray (2003) e Guerreiro e Fiori (2005).

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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397

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Blocos­‑diagramas

3

Partindo do plano horizontal o desenhista estabelece o ângulo de inclinação do bloco diagrama. Todas as linhas relativas à inclinação devem estar parelelas

2

Em seguida, faça da mesma maneira com o plano horizontal, ou seja, as linhas devem estar paralelas

3

Agora trace linhas paralelas ao plano vertical

4

As linhas de “quebra” do bloco são livres, ficando a critério do desenhista

5

Escolher um sentido para a “luz”. Criar nuances com cores claras e escuras buscando um “volume” para a ilustração

6

Em relação ao perfil do solo ver o capítulo sobre técnicas em pedologia.

5

1

3

1

2 4

3

2

1

2

4 1

2 6

Figura 17.22. Bloco­‑ diagrama em perspectiva cavaleira.

2 1 2

3

2

Note que a vegetação em áreas mais baixas estão mais claras que em áreas mais altas dando um efeito de “alto e baixo” O sombreamento nas montanhas também auxilia no efeito

Plano vertical

2

Plano horizontal

Linha matriz

1

Partindo do plano horizontal o desenhista estabelece o ângulo para a base do bloco diagrama (duas faces).

2

A partir de uma linha “matriz” são confeccionadas as outras linhas que devem estar sempre paralelas entre si.

3

Escolher um sentido para a “luz”. Criar nuances com cores claras e escuras buscando um “volume” para a ilustração.

4

Em relação ao perfil do solo ver o capítulo sobre técnicas em pedologia.

2 4 2

Figura 17.23. Bloco­‑ diagrama em perspectiva isométrica.

398

Linha matriz

1

Plano horizontal

Sérgio Fiori

1

Sérgio Fiori

Plano vertical

O bloco­‑diagrama é uma representação de parte da crosta terrestre na qual se pode observar ao mesmo tempo a topografia e as camadas geológicas (Guerra e Guerra, 1997). O bloco­‑diagrama pode ser construído de três ma‑ neiras: perspectivas cavaleira, isométrica e cônica (ver Figuras 17.22, 17.23 e 17.24 – respectivamente).

1 2 2

práticas de geografia

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1

Partindo da LH (Linha do Horizonte) estabelece-se o PF (Ponto de Fuga).

2

Todas as linhas de apoio e, consequentemente, as definitivas devem sair sempre do mesmo lugar: o Ponto de Fuga.

3

Ficar atento(a) à redução dos elementos dispostos no desenho a medida que se aproxima do Ponto de Fuga e vice- versa.

4

O desenho não precisa terminar no PF. Pode-se fazer um corte, mas sempre tendo o PF como referência. As linhas criadas sempre deverão estar paralelas entre si.

5

Escolher um sentido para a “luz”. Criar nuances com cores claras e escuras buscando um “volume” para a ilustração.

1

LH

4 3

2

4

5

2

Figura 17.24. Bloco­‑ diagrama em perspectiva cônica.

2 4

4

Sérgio Fiori

PF

2

2

Esquema

Sérgio Fiori

O esquema é uma representação gráfica dos pontos principais de um determinado conteúdo, apresentando, por exemplo, um objeto, um elemen‑ to, um processo de maneira muito simplificada e funcional. Além disso, o esquema é uma estrutura que resulta de estudos que visam fornecer normas, relações (HOUAISS, 2001). A Figura 17.25 apresenta um exemplo em pers‑ pectiva cônica que aborda o tema: processo de erosão e sedimentação. PROCESSOS DE SEDIMENTAÇÃO PF LH

1

Partindo da LH (Linha do Horizonte) se estabelece o PF (Ponto de Fuga).

2

Todas as linhas de apoio e as definitivas devem sair sempre do mesmo lugar: o Ponto de Fuga.

3

A partir de uma linha “matriz” são confeccionadas as outras linhas que devem estar sempre paralelas entre si.

4

Escolher um sentido para a "luz". Criar nuances com cores claras e escuras buscando um "volume" para a ilustração.

1

4

Lacustre Eólica - formação de dunas pelo vento

3

Fluvial - formação de rios em meandros

3

Lagunar / Restingas Areia da praia

3 3

Deltaica Marinha - depósito de material orgânico

3 2

2

3

2

2

Figura 17.25. Esquema em perspectiva cônica.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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NA SALA DE AULA O capítulo deixa claro que, em geral, as ilus‑ trações são construídas por um processo de sín‑ tese da realidade concreta, visível. Isso significa que o desenho deve enfatizar certas caracte‑ rísticas do que se representa em detrimento de outras. Dondis (1991) complementa que a linha, a forma, o tom, a cor, a textura e a escala são componentes irredutíveis dos meios visuais, configurando­‑ se como itens básicos com os quais o observador conta para desenvolver o pensamento e a comunicação visual. Tais ele‑ mentos apresentam o potencial dramático de transmitir informações de forma fácil e direta e, portanto, as mensagens podem ser apreendidas com naturalidade por qualquer pessoa que tem o sentido da visão. Desse modo, o desenvolvimento de habilida‑ des para a construção de esboços e croquis, per‑ fis, blocos­‑diagramas e esquemas possibilitam tanto ao professor quanto ao aluno vivenciar e compreender mais ludicamente conceitos e con‑ teúdos. Até porque para se elaborar ou orien‑ tar a confecção de um desenho é fundamental compreender o que se representa. Ao longo do tempo, a composição de vários temas e desenhos poderá ser compartilhada, por exemplo, entre os alunos da mesma ou de outras classes pro‑ movendo a informação de uma maneira mais vivenciada e, portanto, natural. O texto (linguagem verbal) associado ao desenho (linguagem visual) serve tanto para reforçar a representação pictórica quanto para enriquecê­‑la com outras informações comple‑ mentares e fundamentais. Moreira Leite (1998) apresenta essa dualidade ao afirmar que as ima‑ gens visuais precisam das palavras para que sejam transmitidas e, comumente, a palavra já inclui em si um valor figurativo a ser conside‑ rado. Entretanto, muitas vezes, as palavras não conseguem evocar exatamente o que a imagem propõe.

400

A ideia, então, é utilizar da melhor manei‑ ra possível as duas linguagens, pois a ilustração (soma de desenho e texto) capacita a trabalhar a redundância, podendo tornar o produto final mais informativo e esteticamente mais rico e agradável. A Figura 17.26 apresenta alguns exemplos de como conceitos e conteúdos da Geografia podem ser transmitidos por meio das ilustra‑ ções. A partir daí, pode­‑se propor a elaboração de pequenos esboços simplificados de feições geográficas como: falésia, istmo, estreito, fiorde, montanha, vale etc., associando­‑os a pequenos textos que discorram sobre cada tema. Pode­‑se, também, incentivar uma pesquisa na qual se desenhem os tipos de árvores encontrados no bairro. Nesse contexto, recomenda­‑se descobrir se as espécies são nativas ou são exóticas (trazidas de fora) àquele ecossistema. Para exemplificar o uso de perfis pode­‑se tra‑ balhar com o Atlas Escolar. A Figura 17.27 pos‑ sibilita a construção do perfil topográfico e de vegetação em um só gráfico. Para isso, traça­‑se o mesmo corte de intersecção em dois mapas di‑ ferentes: Brasil Físico e Brasil Vegetação (devem ser na mesma escala e tamanho). Entretanto, pode­‑se ir muito além, discutin‑ do conteúdos referentes a clima, latitude e lon‑ gitude, diferentes tipos de uso da terra, caracte‑ rísticas geológicas, hidrografia, cidades, enfim, a todos os componentes da paisagem. Já os blocos­‑diagramas são capazes de propor‑ cionar representações que possuem um maior de‑ talhamento do interior da Terra, podendo abordar temas como a origem das montanhas, as grandes formações geológicas dos continentes, a localiza‑ ção das reservas de petróleo, os níveis do lençol freático e exemplificação de como é um vulcão ou uma caverna por dentro (Figura 17.28). Por fim, em relação às atividades relacionadas a esquemas, demonstra­‑se o tema do ciclo hi‑

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livros já citados anteriormente e na internet. Eles poderão tornar­‑se um grande recurso para ativi‑ dades dentro e fora da classe, além de facilitar o processo de assimilação dos conceitos e conteú‑ dos abordados ao longo das aulas de Geografia.

Sérgio Fiori

modificado de Raisz (1969)

drológico (Figura 17.29), que permite apresentar passo a passo todas as situações às quais a água está sujeita. Os exemplos apresentados e muitas outras ideias com desenhos podem ser encontrados em

Piroclastos Floresta

Pradaria

Árido

Arenoso

Cascalho

Fumaça vulcânica

Savana

Lava Chaminé central Cone Maciço de montanhas

Montanhas glaciais

Canyon

Câmara magmática Vulcão

Cratera

Palissadas

Várzea

Necks vulcânicos

Falésia

Magma

Arrozal

Terreno cultivado

Árvores frutíferas

Milho

Coqueiro

Pinheiro

Figura 17.28. Bloco­‑ diagrama: vulcão.

Recorte mapa físico - Brasil

Sérgio Fiori

Sérgio Fiori

Figura 17.26. Pictografia da natureza.

Ciclo Hidrológico

1

2 200 metros 100 0 ALTITUDES

Raios solares aquecimento

1

3

Recorte mapa vegetação - Brasil

8

7

8

4 1

2

Floresta Amazônica

Cerrado

Mata Atlântica

3

Mata Tropical

Caatinga

Vegetação Litorânea

4

Perfil topográfico e de vegetação

5

Altitude

6

7

8

200

9

100

10

Degelo Condensação e precipitação 5 Infiltração Lençol d'água; Nível da água subterrânea Evaporação de lagos, rios, etc. Evaporação do oceano Escoamento Evaporação do solo Transpiração da vegetação Interface água doce - água salgada

9

10

6 10

0 Distância

Figura 17.29. O esquema do ciclo hidrológico. Figura 17.27. Juntando os perfis.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A história registra a importância da ilustração nas mais variadas áreas da Geografia, pois a partir da utilização de representações gráficas auxiliadas por textos entendem­‑se os fenômenos naturais e antrópicos ocorridos na paisagem. Os conceitos e as técnicas apresentados são estabelecidos a partir dos quatro grandes componentes paisagísticos do território: a forma da terra, a água, a ve‑ getação e as estruturas e elementos artificiais, os quais apresentam propriedades visuais particulares, ou seja, expressões plásticas básicas da paisagem. Caberá ao professor desenvolver essas habilidades, tanto sozinho como em parceria com outros professores (Educação Artística, Ciências), enriquecendo suas aulas. Saber desenhar um fenômeno geográfico na lousa permite ampliar as possibilidades didático­‑pedagógicas, além de ser mais um recurso para des‑ pertar o interesse dos alunos. Aconselha­‑se, assim, a prática do desenho sem medo, ou seja, o processo de concepção das ilustrações vai melhorando com o tempo, somado à pesquisa a outras bibliografias para que se amplie e facilite o repertório de ideias.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário Antrópico: pertencente ou relativo ao homem ou ao período de existência do homem na Terra. Desenho: forma de expressão artística em superfície plana – folha de papel, tela do computador – que faz uso de pontos, linhas e formas, manifestando­‑se essencialmente como uma composição bidimensional, ou seja, no plano só é possível se representar duas dimensões: comprimento e largura. Contudo, atra‑ vés de outros recursos gráficos como, por exemplo, a perspectiva e a luz e sombra se consegue uma suposta terceira dimensão: a altura. Ilustração: desenho que expressa alguma informação. É normalmente acompanhado de outras mídias, sendo a mais comum o texto escrito. Pictórico: é qualquer elemento passível de ser re‑ presentado de forma plástica e artística por meio do desenho ou da pintura. Viajantes naturalistas: estudiosos europeus que, no início do século XIX, realizaram inúmeras incursões pelo continente americano registrando, por meio de textos e ilustrações, tanto a topografia quanto os de‑ talhes da vida vegetal, animal e humana própria de cada região.

Bibliografia ASSOCIAÇÃO DO MOVIMENTO DOS AGENTES AGROFLORESTAIS INDÍGENAS DO ACRE. Diário de trabalho: calendário. Acre: AMAAIC/AC, 2005. BOURDIEU, P. O poder simbólico. 3. ed. Rio de Janei‑ ro: Bertrand Brasil, 2000. CABANELLAS, I. Dibujo. 2. ed. Espanha: Editorial Ma‑ gisterio Español, 1976. COLEÇÃO ATLAS VISUAIS. A Terra. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. COMISSÃO PRÓ­‑ ÍNDIO DO ACRE. Atlas geográfico indígena do Acre. Acre: CPI/AC, 1996. DIENER, P.; COSTA, M. F. A América de Rugendas: obras e documentos. São Paulo: Estação Liberdade: Kosmos, 1999. DONDIS, A. D. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

FARINA, M. Psicodinâmica das cores em comuni‑ cação. 4. ed. São Paulo: Edgard Blücher e Modesto Farina, 1990. FIORI, S. R. Mapas para o turismo e a interativida‑ de – proposta teórica e prática. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, De‑ partamento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. FRANKS, G. Drawing landscapes: learn to draw step by step. 3. ed. Irvine, Califórnia: Walter Foster Publishing, 2003. GUERRERO, A. L. A.; FIORI, S. R. A cartografia como elemento no turismo de aventura. In: UVINHA, R. R. (Org.). Turismo de aventura: reflexões e tendên‑ cias. São Paulo: Aleph, 20053. (Série Turismo). GUERRA, A. T.; GUERRA A. J. T. Novo dicionário geológico­‑geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portu‑ guesa. São Paulo: Objetiva, 2001. MacEACHREN, A. M. Some truth with maps: a pri‑ mer on symbolization and design. Washington, D.C.: Association of American Geographers, 1994. MOREIRA LEITE, M. L. Texto visual e texto verbal. In: FELDMAN­‑ BIANCO, B. (Org.). Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas ciências so‑ ciais. Campinas: Papirus, 1998. MONMONIER, M. How to lie with maps. 2. ed. Chi‑ cago: The University of Chicago Press, 1996. MÜLLER FILHO, I. L.; SARTORI, M. G. B. Elementos para a interpretação geomorfológica das cartas topográficas: contribuição à análise ambiental. Santa Maria: UFSM, 1999. PIRES, P. S. Paisagem litorânea de Santa Catarina como recurso turístico. In: Yázigi, E.; Carlos, A. F. A; Cruz, R. C. A. (Orgs.). Turismo – espaço, paisagem e cultura. São Paulo: Hucitec, 1996. RAISZ, E. Cartografia Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Científica, 1969. ROBINSON, A. H. et al. Elements of Cartography. 6. ed. New York: John Wiley & Sons, 1995. SENAI – DIVISÃO DE MATERIAL DIDÁTICO. Desenho técnico e artístico. v. 1. São Paulo: SENAI/SP, 1984. SENAI – DIVISÃO DE MATERIAL DIDÁTICO. Sólidos geométricos. v. 3. São Paulo: SENAI/SP, 1984.

capítulo 17 – técnicas de desenho e elaboração de perfis

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SENAI – DIVISÃO DE MATERIAL DIDÁTICO. Perspecti‑ va isométrica. v. 4. São Paulo: SENAI/SP, 1984. SIMIELLI, M. E. Geoatlas. 12. ed. São Paulo: Ática, 1993. SUETERGARAY, D. M. A. Terra: feições ilustradas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. VASCONCELLOS, R.; ALVES FILHO, A. P. Novo atlas geográfico ilustrado e comentado. São Paulo: FTD, 1999.

Dicas na internet ASSOCIATION DE CAPOEIRA PALMARES DE PARIS. Maurício Rúgendas – Viagem Pitoresca no Brasil. Dis‑ ponível em: (acesso em: jul/2010).

SOBRE O AUTOR Sérgio Ricardo Fiori é bacharel (1999), mestre (2003) e doutor (2008) em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Atualmente (2010) é pós­‑ doutorando pelo Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Cartografia Temática, com ênfase em Lazer e Turismo, atuando principalmente nos seguintes temas: desen‑ volvimento de mapas convencionais e ilustrados dire‑ cionados ao público leigo na semântica cartográfica; a importância da Pictografia para a Geografia; orienta‑ ção e os símbolos de Informação Pública e Multimídia.

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Técnicas de Ilustração Botânica

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Eduardo Justiniano

Maria Lúcia Cereda Gomide

Introdução, 406 Na sala de aula, 410

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Referências de apoio, 412 Sobre o autor, 412

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INTRODUÇÃO Existem diversas técnicas de desenho úteis ao trabalho do geógrafo, como foi visto no Capítulo 17 deste livro (Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfis). Este capítulo trata especificamente da técnica da ilustração científica botânica e tem como objetivo apresentar algumas técnicas e seus resultados que ainda podem ser úteis, a despeito de todo o avanço tecnológico relacionado à produ‑ ção de imagens. A ilustração científica proporciona um encontro entre a arte e a ciência, constituindo­‑se num importante documento que registra espécies da flora e da fauna. Ainda hoje essa técnica sobrevive, pois “nem a fotografia é capaz de captar todos os detalhes que se queira” (NASCIMENTO, 2008). Se no século XIX o desenho foi usado como técnica para levantamento e registro de espécies da flora e fauna pelos naturalistas viajantes, na atualidade, a importância dessa técnica está relacionada ao despertar para as questões ambientais. Além de ajudar a conhecer a rica biodiversidade brasileira, o ato de desenhar aprofunda a relação do sujeito com o objeto desenhado; a fusão da arte e da ciência que caracteriza essa técnica pode estimular a sensibilidade do sujeito, não só em relação ao conhecimento objetivo do objeto, mas em relação ao seu significado na qualidade ambiental e na qualidade de vida.

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Figura 18.1. Ilustração Von Martius – Flora Brasiliensis. Fonte: (acesso: ago/2010).

Figura 18.2. Ilustração Von Martius – Flora Brasiliensis. Fonte: (acesso: ago/2010).

Von Martius

artistas holandeses, como Frans Post e Albert Eckhout, na expedição de Maurício de Nassau, que chegaram em Pernambuco do século XVII. Outros importantes naturalistas que aqui re‑ trataram a natureza foram: Martius, Spix, Lan‑ gsdorf, Rugendas, Debret, Taunay, Florence, os quais nos deixaram “um legado gráfico e pictórico de grande importância para o conhecimento da bio‑ diversidade e paisagem do passado” (carneiro, 2002). As figuras 18.1 e 18.2 são exemplos de ilustração botânica de Von Martius, da grande obra Flora Brasiliensis. A ilustração botânica é uma técnica de re‑ gistros de observação de interesse aos estudos biogeográficos. Como citado no Capítulo 6 (Téc‑

Von Martius

Ao tratar­‑se da ilustração científica botâni‑ ca no Brasil, destaca­‑se o importante trabalho da artista inglesa Margaret Mee (1909­‑1988), que ilustrou com muita delicadeza e beleza as espécies da flora brasileira, salientando a bio‑ diversidade da Mata Atlântica e da Amazônia. Por meio de suas pranchas em aquarela foram documentadas centenas de espécies de plantas, em especial as bromélias (carneiro, 2002). “Em 1956, a inglesa conheceu a Amazônia e ficou encantada com a beleza da floresta. Nas 15 via‑ gens que fez à região, Mee desenhou muitas espécies, algumas ainda desconhecidas” (ribeiro, 2004). No entanto, o registro da rica flora brasileira, através da arte da ilustração botânica, já havia se iniciado com a vinda dos viajantes naturalistas. Como observa Diana Carneiro (2002), a história da ilustração no Brasil começou com a vinda dos

capítulo 18 – técnicas de ilustração botânica

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Maria Lucia C. Gomide Maria Lucia C. Gomide

nicas de Biogeografia), na história da Biogeogra‑ fia, o período clássico (1760­‑1860), foi uma fase em que se registrou a flora e a fauna das gran‑ des regiões mundiais por meio das descrições feitas pelos naturalistas viajantes. Assim, esses documentos ilustrativos são marcas científicas do passado que se fazem presentes e úteis na atualidade dos trabalhos de campo de estudos biogeográficos e fitogeográficos. No campo, muitas vezes realizam­‑se esbo‑ ços1 que, posteriormente, são aperfeiçoados com outras técnicas como grafite, nanquim e aqua‑ rela (ver Capítulo 17 – Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfis). O trabalho de ilustração é realizado observando­‑se atentamente todas as partes da planta, que serão então retratadas da maneira mais próxima da realidade, com todos os deta‑ lhes que lhe são característicos, para que seja assim possível a sua identificação. Determinadas partes da planta podem ser destacadas como, por exemplo, “em uma flor onde os estames estejam enrolados é necessário desenhar um a um deixando bem claro seu início, meio e fim” (nascimento, 2008). Assim, vê­‑se que neste tipo de ilustra‑ ção não é permitido desenhar qualquer parte de planta que não seja real. “[…] A honestidade com a realidade estará dentro de cada profissional ao lembrar que o que produz no momento é um documento que vai dirigir ou desviar um pesquisador que, impossibilitado de ter a planta viva, às vezes mesmo por já estar extinta, terá somente este desenho para consultar.” (nascimento, 2008)

1 Como salientado por Fiori, no Capítulo 17 deste livro, o esboço é a parte inicial de qualquer desenho, ten‑ do como função “expressar preliminarmente uma ideia plástica, criar um modelo simplificado, o que ajudará na composição final”. Dessa forma, em trabalhos de campo podemos realizar esboços que serão trabalhados pos‑ teriormente. No caso da ilustração botânica, o esboço pode servir para registrar certos detalhes. No entanto, como esta técnica é de precisão, o desenho deverá ser feito com todo o rigor.

408

Figura 18.3. e Figura 18.4. Ilustração de orquídea Laelia sincorana. Na Figura 18.3, observa­‑se uma parte do desenho a lápis e a flor já colorida com aquarela. Na Figura 18.4, vê­‑se a ilustração já colorida completamente. O trabalho em aquarela começa com o desenho a lápis, primeiro faz­‑se o esboço, no qual registra­‑se todos os detalhes; depois de concluído, passa­‑se a colorir, neste caso, com o uso da aquarela.

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Maria Lucia C. Gomide

Maria Lucia C. Gomide

Maria Lucia C. Gomide

Maria Lucia C. Gomide

Figura 18.5. e Figura 18.6. Desenho a lápis e acabamento com grafite (Flor da Bauhinia sp.). Notar as áreas de luz e sombra. Como explicado no Capítulo 17, percebem­‑se as formas tridimensionais “devido à relação complementar entre luz e sombra”.

Figura 18.7. Exemplo de ilustração, observação da flor do jambo (Eugenia sp.), do botão e da flor aberta. Desenho feito a lápis e posteriormente colorido com aquarela.

Figura 18.8. Ilustração botânica em aquarela de quaresmeira (Tibouchina granulosa). Como já citado, o desenho é feito a lápis, depois colorido com aquarela. Nesta aquarela, observe as áreas de luz e sombra que são feitas pelas sucessivas e leves camadas de tinta, uma sobre a outra.

capítulo 18 – técnicas de ilustração botânica

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NA SALA DE AULA Como já citado no Capítulo 6 (Técnicas de Biogeografia), as atividades de Biogeografia po‑ dem ser feitas em conjunto com outros exercícios sugeridos nos capítulos de Climatologia, Geo‑ morfologia e Pedologia. Assim, este exercício de ilustração botânica pode complementar as ativi‑ dades propostas nos estudos biogeográficos. A proposta é fazer o levantamento e a descrição da vegetação em uma área de estudo, que pode ser no entorno próximo à escola, como uma praça, uma rua arborizada, ou mesmo em uma área arborizada no interior da própria escola. Regis‑ trar por meio da ilustração as espécies vegetais utilizadas na arborização das ruas próximas à escola, ou no bairro. Parte teórica: recomenda­‑se a leitura de tex‑ tos sobre os viajantes naturalistas e a observação de ilustrações dos viajantes e de Margaret Mee. Existem diversas publicações interessantes e, pesquisando na internet, podem ser encontrados vários sites sobre essa temática. Parte prática: coleta da planta, observação e desenho a lápis, e posterior acabamento.

Parte 1: levantamento da espécie Inicia­‑se com um levantamento das espécies existentes, através de um trajeto pela área esco‑ lhida. Depois da realização dessa tarefa de levan‑ tamento, pode­‑se ter como objeto de discussão as dificuldades e os problemas relacionados com a arborização ou a falta desta e sua importância no contexto urbano; e o que mais for observado pelos alunos durante o percurso de campo. Após o levantamento, deve­‑se identificar as espécies, com a ajuda de especialista em Biolo‑ gia, e verificar os períodos de frutificação, flora‑ ção e os diversos polinizadores de cada espécie. Nesse sentido, a observação será de longo prazo, assim os alunos terão a oportunidade de perce‑ ber e reconhecer os ciclos da natureza.

410

Pode­‑se então iniciar o trabalho com a coleta de um pequeno galho, que será ilustrado com um desenho a lápis na sala de aula. O acaba‑ mento do desenho pode ser feito em sala, com a ajuda do professor de Arte, utilizando­‑se outros materiais como grafite, nanquim, ou aquarela. Veja a seguir uma introdução à ilustração.

Parte 2: etapas da ilustração 1) Primeiramente, coleta­‑se um galho da planta escolhida, se possível com flores e/ou frutos e sementes. Após a coleta, o material deve ser man‑ tido em uma vasilha com água para sua conserva‑ ção durante a elaboração do desenho. Escolhe­‑se um ângulo para observar o material coletado e fixa­‑se o galho na vasilha com água (pode ser com qualquer prendedor, como o usado para prender roupas no varal). A partir daí não se deve mudar o material de posição, pois o desenho deve ser feito sempre pelo mesmo ângulo de observação. 2) Então inicia­‑se o esboço a lápis, observando­ ‑se atentamente: a forma, o tamanho e a dispo‑ sição de folhas, flores, frutos, sementes, espinhos e ramos (carneiro, 2002). Esse desenho não será um trabalho rápido, ao contrário. Trata­‑se de uma atividade que demanda tempo de observa‑ ção e concentração. As flores devem ser desenha‑ das em primeiro lugar, pois, em geral, têm menos tempo de duração; sua forma e cor modificam­‑se mais rapidamente do que as folhas. Em um ramo com folhas, comece pela nervura principal das fo‑ lhas, que irão orientar o desenho e mostrar o mo‑ vimento natural da planta. Costuma­‑se também realizar anotações sobre a planta a ser desenhada no próprio local onde se coletou. Vale lembrar que a ilustração botânica, por ser uma técnica que registra com rigor todas as características de uma planta, é feita de acordo com o ritmo bioló‑ gico destas, necessitando assim que se espere o período do florescimento e da frutificação para se concluir um trabalho (nascimento, 2008).

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3) Depois de pronto o desenho a lápis, este pode ter um acabamento (arte­‑final) a cores ou mesmo em preto e branco (grafite ou nanquim). Optando­‑se pelo uso de cores, utiliza­‑se em geral a aquarela, lembrando­‑se que a cor deve ser a mais próxima possível da realidade. A aquarela é feita com papel, tinta e pincéis especiais para essa técnica (carneiro, 2002), que exige um certo tempo de aprendizagem e despende mais recursos para a aquisição do material. O papel deve ser de boa gramatura, pois precisa suportar as sucessivas camadas de água e tinta. É neces‑ sário que o papel fique um pouco úmido antes do uso da tinta, assim, passa­‑se uma leve camada de água limpa com um pincel macio especial de aquarela. Depois, o colorido é feito com leves aguadas com pincéis que recobrirão cada parte da planta com a cor correspondente à realidade. Para se chegar ao tom certo de cada cor, devem ser feitos ensaios com mistura das cores2, à par‑ te, em outro papel. Somente colorir o desenho definitivo com a cor certa encontrada. Como já comentado anteriormente, as sucessivas cama‑ das de tinta formam as áreas de luz e sombra. O nanquim também necessita de papéis e ca‑ netas próprios. Nesse caso, as áreas do desenho são preenchidas com pontos ou traços. No caso do pontilhado, as áreas de luz e sombra formam­ ‑se indo do mais claro ao mais escuro, de acordo com a quantidade de pontos justapostos. A técni‑ ca do nanquim também pode ser feita com traços, ou linhas superpostas, que irão formar as áreas mais escuras, para se ter a percepção do volume. Já o grafite é uma técnica que apresenta maior facilidade, tanto pelo seu uso como pelo baixo custo do material, que pode ser o papel sulfite comum e lápis grafite macio (tipo 6B ou HB)3. Nesse caso, como já citado, é importante

2 Veja as explicações fornecidas pelo professor Fiori, no Capítulo 17 deste livro – Técnicas de Desenho e Elabo‑ ração de Perfis. 3 Ver Capítulo 17 deste livro – Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfis.

Figura 18.11. e Figura 18.12. Esboços feitos com grafite (Strelitzia e Cássia fistula).

a observação atenta para o desenho e o acaba‑ mento com grafite das áreas de luz e sombra. 4) Ao final, a atividade deve resultar em levan‑ tamento e caracterização das espécies coletadas e desenhadas. O professor pode promover uma exposição dos desenhos na escola e organizar um catálogo ilustrado das espécies do bairro. 5) O exercício pode ser acompanhado da discus‑ são dos seguintes aspectos: ¾¾Qual a função e os benefícios de um ambien‑ te arborizado? Pode­‑se pensar em estética, mi‑ croclima mais ameno etc. ¾¾Como se caracteriza a arborização do bairro? Há árvores ou não? Se sim, elas foram plantadas ou já estavam ali? Se não, o que poderia ser feito para melhorar esse quadro (poder público, cida‑ dão, empresas). ¾ ¾Das espécies coletadas e desenhadas, quais são nativas e quais foram trazidas de outros lugares?

capítulo 18 – técnicas de ilustração botânica

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REFERÊNCIAS DE APOIO

SOBRE O AUTOR

Glossário4

Maria Lucia Cereda Gomide é, atualmente, pós­‑doutoranda e bolsista do CNPq no programa de pós­‑graduação de Geografia Física da Universidade de São Paulo. Doutora em Geografia Física pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2009) e mestre em Geografia Humana pela mesma instituição (2004). Atua principalmente nas seguintes áreas: Biogeografia (ênfase nos cerra‑ dos), Planejamento Ambiental, Educação Indígena, Territórios Indígenas e Gestão Territorial. Atua também como consultora nos cursos de formação de agentes agroflorestais e professores indígenas. Possui formação em ilustração científica botânica, tendo participado de várias exposições.

Estame: órgão masculino da flor, formado pelo filete que sustenta a antera, na qual, por sua vez, formam­‑se os grãos de pólen. Nervura principal: diz­‑se das nervuras que mais se destacam em uma folha.

Bibliografia BELLUZZO, A. M. O Brasil dos viajantes – São Paulo. Rio de Janeiro: Metalivros/Odebrecht, 1994. CARNEIRO, D. Ilustração botânica – uma arte mi‑ lenar. Disponível em: . Acesso em: ago. 2010. NASCIMENTO, D. Ilustração botânica. Disponível em: . Acesso em: ago./2010. PIRANI, J. R.; CORTOPASSI­‑ LAURINO, M. Flores e abelhas em São Paulo. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 1993. REBOUÇAS, M. M. & CAMPOS­‑ FARINHA, A. E. de C. Ilustradores Científicos do Instituto Biológico: uma contribuição para a Ciência. In: Páginas do Instituto Biológico, v. 2, n. 1, 2006. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Dossiê Brasil dos Viajantes. Revista USP. São Paulo: Coordenadoria de Comunicação Social, Universidade de São Paulo. n. 30, jun/jul/ago 1996.

4

412

Fonte: Pirani & Cortopassi­‑ Laurino, 1993.

práticas de geografia

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Técnicas de fotografia

19

Eduardo Justiniano

Eduardo Félix Justiniano

Introdução, 414 Conceitos básicos, 415 Problemas comuns, 426

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Em sala de aula, 434 Exercícios práticos, 434 Referências de apoio, 436

Sobre o autor, 436

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Introdução A fotografia pode ser utilizada como procedimento de pesquisa, recurso didático ou ilustração de relatórios e publicações. Neste capítulo, procura­‑se apresentar alguns conceitos e procedimentos úteis para a captação e a utiliza‑ ção de imagens em pesquisas. Entre as técnicas de tratamento de imagens e dos problemas em fotografia, serão abordados os mais úteis ao estudante e ao pesquisador, tanto nos trabalhos em campo como na documentação e ilustração de relatórios. Buscou­‑se enfatizar a fotografia digital e utilizar a internet para informar as novidades mais recentes, embora ano a ano a tecnologia avance e novos equipamentos e recursos surjam no mercado, muitos deles com preços cada vez mais acessíveis às instituições de ensino e ao público em geral. No início do século XXI, discutia­‑se a falta da qualidade das câmeras digitais em comparação ao resultado obtido com o filme. Atualmente, esse problema foi superado, mas surgem outras questões tecnológicas, como a melhoria dos sensores e dos programas e a utilização de equipamentos de finalidades múl‑ tiplas (telefone, câmera fotográfica, filmadora, gravador de som, GPS (Global Positioning System), navegadores de internet e outros). Essas tecnologias facilitam a produção do fotógrafo (principalmente a do fotógrafo amador), mas não invalidam o conhecimento técnico básico da foto‑ grafia, sobretudo quando se trata de trabalhar a relação entre sensibilidade (da mídia), o tempo de exposição e a luminosidade. Com o passar do tempo, existirão muitos equipamentos que gravarão a lo‑ calização geográfica em imagens muito mais nítidas, de alta resolução e que quase não precisarão de tratamento para representar bem a realidade. Haverá também, esperamos, popularização dos softwares que preparam imagens a serem exibidas em três dimensões.

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CONCEITOS BÁSICOS Desde o surgimento da fotografia, a técni‑ ca de captação de imagens variou muito pouco; sempre se levou em consideração uma relação entre a sensibilidade da mídia (papel ou filme fotográfico ou sensor), o tempo de exposição e a luminosidade. Por outro lado, o processamento da imagem. Captada teve uma grande evolução ao longo do tempo, passando dos processos quí‑ micos aos eletrônicos. Para fotografar, não é necessário dominar to‑ das as técnicas; câmeras voltadas para pessoas que desejam somente registrar o momento exis‑ tem há mais de 120 anos, desde a primeira delas, produzida em 1888 pela Eastman, fabricante da Kodak. Atualmente, existem inúmeros modelos que captam imagens automaticamente. No entanto, para aprender a fotografar bem é necessário conhecer dois processos: a captação e a revelação. No primeiro, exercita­‑se a linguagem e a relação sensibilidade­‑tempo­‑luminosidade; no segundo, procura­‑se revelar o que foi captado pelo filme e verificam­‑se os erros e acertos. Para analisar os resultados, utilizando­‑se fil‑ mes e papel fotográfico, anota­‑se a sensibilidade das mídias, a abertura do diafragma, o tempo de exposição, a forma de preparo dos reveladores e fixadores químicos, os tempos de revelação, fi‑ xação e lavagem do filme e do papel fotográfico, entre outros dados. Com o advento da fotografia digital, a relação sensibilidade­‑tempo­‑luminosidade permaneceu. O processo de revelação foi substituído pelo pós­ ‑processamento de imagens; o aprendizado que antes se completava com o laboratório fotográ‑ fico, agora se complementa com os programas de edição de imagens. Para se obter certa tonalidade numa ima‑ gem, é necessário configurar o sensor para uma determinada sensibilidade e submetê­‑lo a cer‑ ta quantidade de luz. Esta quantidade de luz é controlada por três fatores: tempo de exposição, luminosidade do ambiente e abertura do diafragma.

O número­‑f (ou abertura relativa) é a nomen‑ clatura empregada quando nos referimos à aber‑ tura do diafragma; quanto maior o número­‑f, menor é a passagem de luz para o sensor, num determinado intervalo de tempo. Se o sensor recebe uma quantidade de luz semelhante à luz que chega à objetiva, proveniente do assunto fo‑ tografado, considera­‑se que o número­‑f é 1. Se fecharmos o diafragma de tal forma que meta‑ de da luz ultrapasse a objetiva para iluminar o sensor, o número­‑f correspondente é 1.4 (1,4); com o número­‑f 2, o sensor recebe 25% da luz. A Tabela 19.1 traz uma relação entre a abertura do diafragma e a quantidade de luz que passa pela objetiva em direção ao sensor. A maioria das objetivas vendidas no mercado não possibilita grandes aberturas de diafragma, o que limitaria as condições do registro de ima‑ gens em ambientes pouco iluminados. Portanto, antes da aquisição da câmera e objetiva é conve‑ niente verificar a abertura máxima. Um número­‑f elevado tem como vantagem uma maior profundidade de campo, favorecendo imagens mais nítidas, porém, correndo­‑se o risco de se obter imagens borradas se a câmera ou o assunto se movimentarem. Tabela 19.1 – Redução da luminosidade pelo diafragma Número-f 1

Passagem da luz (%) 100,000

1.4

50,000

2

25,000

2.8

12,500

4

6,250

5.6

3,125

8

1,563

11

0,781

16

0,391

22

0,195

32

0,098

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Nas câmeras de filme, o mecanismo que controla o tempo de exposição é o obturador; nas atuais câmeras digitais o tempo de captação de luz é controlado eletronicamente; porém, de forma geral, o termo obturador permanece sen‑ do utilizado. O tempo de exposição pode ser múltiplo ou, principalmente, divisor de segundo. Quando se escolhe na câmera a velocidade 15, registra­‑se a imagem em 15 avos de segundo; alguns modelos mostram 15s para indicar que a velocidade é múltiplo de segundo. Com um tempo maior de exposição, podem­ ‑se registrar assuntos pouco iluminados ou o movimento de objetos; para isso são necessários tripés para que toda a imagem não fique tremida (borrada). A sensibilidade dos filmes fotográficos foi estabelecida pela normatização ISO 5800, de 1987, proposta pela International Standards Or‑ ganizations. Segundo essa norma, a escala de sensibilidade é aritmética: um filme ISO 400 é quatro vezes mais sensível à luz que uma pelí‑ cula ISO 100. Na definição da sensibilidade dos sensores das câmeras digitais usa­‑se a mesma padronização ISO dos filmes. Trabalhar com ISO mais elevado proporciona melhores condições para fotografar em ambien‑ tes pouco iluminados, utilizar tempos menores

de exposição ou utilizar um diafragma mais fechado, ampliando a profundidade de campo. Porém o ruído nas imagens digitais e a granula‑ ção dos filmes podem fazer com que a imagem tenha baixa qualidade. A resolução do filme é maior nas películas me‑ nos sensíveis; pode­‑se, por exemplo, ampliar bas‑ tante um negativo de ISO 50 sem visualizar os pig‑ mentos/grãos que compõem a imagem, enquanto que, ao utilizar um filme de ISO 400, visualizamos os pigmentos em ampliações pequenas. A resolução das imagens digitais não se altera com as várias possibilidades de configuração de sensibilidade do sensor, mas a qualidade, sim; quanto maior o ISO configurado, a imagem apresentará menor qualidade e maior ruído. A luz ambiente possui uma temperatura de cor que pode ser medida em Kelvin (K). Normal‑ mente adquirimos filmes balanceados para luz do dia (6.400 K) ou para lâmpadas com filamen‑ to de tungstênio (4.800 K). Utilizando­‑se filme calibrado para a luz do dia, ao fotografar no interior de uma floresta ou num ambiente ilumi‑ nado por lâmpadas incandescentes, registram­ ‑se assuntos com iluminação inadequada para esse filme. Nesse caso, é necessária a utilização de filtros de correção coloridos. A Tabela 19.2 apresenta aplicações de alguns filtros.

Tabela 19.2 – Aplicação dos filtros para filmes balanceados para a luz do dia

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Filtro

Utilidade

UV

Filtro incolor, também utilizado para proteção de objetivas. Ele absorve parte da radiação ultravioleta que torna os assuntos distantes azulados, alterando suas cores e até fundindo elementos da paisagem.

Skylight 1A e 1B

Possui coloração levemente magenta e absorve o excesso de verde, comum em florestas. Pode ser utilizado para saturar um pouco o azul e o vermelho.

Polarizador

Reduz ou valoriza reflexos e cores.

FL-W

Corrige a luz de ambientes iluminados com lâmpada fluorescente do tipo branca fria ou do tipo quente.

FL-Day

Corrige a luz de ambientes iluminados com lâmpada fluorescente do tipo luz do dia.

80A, 80B e 80C

Possui coloração azulada e serve para corrigir a luz amarelada.

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As câmeras digitais possuem softwares que corrigem, na imagem, as cores de ambientes ilu‑ minados com diferentes tipos de fonte de luz, ou possuem ajustes manuais do ponto de branco ou da temperatura de cor. Com isso, os filtros de correção de cor deixam de ser necessários e o UV e o polarizador ainda têm utilidade. Convém ressaltar que nem todas as câmeras, digitais ou convencionais, possibilitam o uso de filtro; é re‑ comendável procurar essa informação no manual. São dois os padrões de cores das câmeras di‑ gitais: sRGB e Adobe RGB. O primeiro apresen‑ ta cores mais saturadas e contraste mais acen‑ tuado. Esse formato é indicado para quem não possui conhecimentos de softwares de tratamento de imagens e deseja resultados mais rápidos. O Adobe RGB requer pós­‑processamento para acertar os contrastes e a saturação e é mais ade‑ quado para impressões gráficas. A correção das cores é possível no pós­ ‑processamento, principalmente quando se uti‑ liza o formato de arquivo RAW, conhecido tam‑ bém como negativo digital. Nesse formato, as imagens captadas pelo sensor são armazenadas com um processamento digital mínimo, o que possibilita melhores condições de ajuste da tem‑ peratura de cor, contraste, saturação e outros elementos usando­‑se os programas fornecidos pelos fabricantes das câmeras ou por editores de imagens. Outro formato padrão de arquivos digitais gravados pelas câmeras é o JPEG, podendo ter compressões diversas. Esse arquivo não possui todas as informações captadas pelo sensor digi‑ tal, pois, para serem gravados nesse formato, as câmeras utilizam programas que interpretam a imagem, corrigindo a temperatura de luz am‑ biente e reduzindo o tamanho do arquivo (por compressão). Esses programas também acentu‑ am o foco e efetuam outros ajustes de modo a obter imagens mais adequadas para uso em im‑ pressoras a jato de tinta, ampliações fotográficas e visualizações em tela. Por outro lado, dificulta­ ‑se o pós­‑tratamento para impressões gráficas.

As cores dos arquivos digitais gravados são uma composição de vermelho, verde e azul (RGB). No formato JPEG podem­‑se obter 256 (28) variações por cor, o que possibilita cerca de 16,5 milhões de cores (28 × 28 × 28). Usualmente, fala­‑se que a profundidade de cores do JPEG é de 8 bits. No formato RAW, a profundidade de cores pode, atualmente, chegar a 14 bits, obtendo­‑se imagens com maiores possibilidades de cores. Aparentemente, tem­‑ se excesso de informa‑ ções, pois o olho humano não consegue perce‑ ber toda essa gama de cores. Mas os processos de tratamento de imagens, de reprodução e de impressão resultam em perda de informação. Um número maior de bits do arquivo original asseguraria melhor qualidade final do trabalho.

Objetiva A objetiva é um conjunto de diversas lentes que tem como finalidade projetar uma imagem sobre o sensor ou sobre a película fotográfica, sendo que, se esta imagem for nítida, afirma­‑se que essá focada; funciona como se fosse uma lente ótica. A distância entre o plano da lente ótica e o ponto de encontro dos raios que che‑ gam perpendicularmente ao plano da objetiva é chamada de distância focal (Figura 19.1). As objetivas normais apresentam distorções perspectivas próximas às do olho humano, mas com um ângulo de visão menor. Nas câmeras re‑ flex 35 mm, por exemplo, as objetivas de 50 mm são consideradas normais e possuem ângulo de visão em torno de 45 graus. Dizemos que uma lente é grande angular quando ela possui um ângulo de visão maior do que a objetiva normal, sendo que as teleobjetivas apresentam ângulo de visão menor. Existe uma relação inversa entre o ângulo de visão de uma objetiva e o tamanho da imagem de um objeto: quanto maiores os ângu‑ los de visão, menor a representação desse objeto sobre o sensor.

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Distância focal

Figura 19.1. Esquema simplificado de uma objetiva.

Uma objetiva de 50 mm é considerada nor‑ mal apenas para câmeras de filme 35 mm ou digital reflex. Para as câmeras compactas, esta distância focal seria de teleobjetiva. As objetivas grande­‑angulares apresentam grandes distorções perspectivas, entretanto, pos‑ sibilitam a fotografia de um assunto grande, ou de muitos objetos, numa distância relativamente curta. As teleobjetivas, por outro lado, fotogra‑ fam assuntos distantes (ou os seus detalhes) e possuem pequena distorção perspectiva (Tabela 19.3/Figura 19.2). Uma objetiva zoom possui distâncias focais e ângulos de visão variáveis, podendo ser grande­ ‑angular e teleobjetiva num mesmo conjunto de lentes. As câmeras digitais compactas trabalham com zoom ótico e digital. No primeiro, obtém­‑se

resultados melhores e a ampliação ou redução da imagem é obtida por meio da objetiva; o zoom digital é obtido pela ampliação da imagem por software. Nas câmeras digitais reflex, considera­‑se que o sensor é full frame quando ele tem tamanho semelhante ao do filme fotográfico. Alguns mo‑ delos de câmeras possuem sensores de tamanho reduzido; o resultado seria a emulação de uma maior distância focal pelas objetivas, pois so‑ mente parte do ângulo de visão é aproveitada (Figura 19.3). Os fabricantes das câmeras fornecem a in‑ formação de um fator de conversão, com o qual calculamos a “nova” distância focal. Por exemplo: a objetiva de 50 mm emularia o ângulo de visão de 80 mm com um fator de conversão de 1.6

Tabela 19.3 – Aplicação das objetivas

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Objetiva

Aplicação

Distorção

Macro

Fotografia de detalhes e de assuntos pequenos, como insetos, estrutura de plantas, grãos e outros.



Olho de peixe

Retrato de assuntos extremamente grandes e de ambientes.

Muito grande

Grande­‑angular

Retrato de assuntos grandes e de ambientes.

Grande

Normal



Semelhante à do olho humano

Tele

Aproximação de assuntos distantes.

Pequena

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24 mm

70 mm

100 mm

200 mm

400 mm

900 mm

1200 mm

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15 mm

Figura 19.2. Fotografias registradas com diversas objetivas de diferentes distâncias focais.

(50 × 1,6 = 80). Convém ressaltar que a distância focal é uma característica da objetiva, não da câmera; um sensor menor (e o fator de conversão) não altera a objetiva, apenas captura uma imagem com enquadramento reduzido em relação ao filme fotográfico ou ao sensor full frame.

Figura 19.3. Imagem registrada por um sensor full frame e os enquadramentos que seriam obtidos com os fatores de conversão 1,3, 1,5 e 1,6.

Full frame

1,3 1,5

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1,6

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Resolução A resolução é uma relação entre a quanti‑ dade de pontos ou pixels (picture elements) por uma determinada área. Como as câmeras digi‑ tais possuem sensores de dimensões diversas, a resolução do sensor de um equipamento digital não é um bom parâmetro de comparação entre uma câmera e outra. Uma medida mais con‑ fiável é a quantidade de pixels que a imagem captada possui na largura e na altura ou na multiplicação destes. O resultado dessa multi‑ plicação é expresso em megapixels. Cada mídia (plotter, impressora a jato de tin‑ ta, impressora de jornais e revistas e outdoor) requer uma resolução mínima, diferente para cada processo de impressão. A proximidade do observador também interfere: uma imagem de outdoor, vista a 10 metros de distância, care‑ ce de menos pontos por polegada do que uma impressão vista a 30 cm de distância. Para se determinar qual o tamanho máximo que uma imagem terá sem que se percebam os pontos

ou pixels (Figura 19.4), é necessário conhecer as resoluções padrões de cada mídia ou processo de impressão. Nas ampliações fotográficas e im‑ pressões em offset de boa qualidade, a resolução recomendada é de 300 dpi (pontos por polega‑ da); uma imagem com 2.000 pixels de largura ge‑ raria uma impressão de qualidade com cerca de 17 cm. Para se chegar a este número, divide­‑se a quantidade de pixels pela resolução apropriada da mídia e multiplica­‑se pelo valor da polegada em centímetros (1" = 2,54 cm).

Tratamento de imagem As técnicas de tratamento de imagens evo‑ luíram bastante nas últimas décadas. Surgiram programas para fusão de imagens que, além de ajustar o posicionamento de uma fotografia so‑ bre a outra, “acertam” a iluminação e o contraste possibilitando uma passagem imperceptível de

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Ampliação da imagem

Figura 19.4. Fotografia de um jacaré e ampliação de parte da imagem mostrando os pixels.

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Acervo do Laboratório de Aerofoto/ Departamento de Geografia/FFLCH/USP.

uma imagem para a outra. Essa técnica auxilia na montagem de aerofotos (Figura 19.5). Atual‑ mente, pode­‑se efetuar a montagem de vários arquivos gerando uma imagem que somente se‑ ria obtida com uma objetiva com maior ângulo de visão, emulando até o resultado da objetiva olho­‑de­‑peixe, utilizada para medições do blo‑ queio da luz, abordada no Capítulo 5 – Técnicas de Climatologia, deste livro. Nas apresentações de trabalho, é possível uti‑ lizar várias imagens fundidas que possibilitam a exibição do ambiente em 360 graus. Esse tipo de montagem pode ser feito utilizando­‑se câme‑ ras digitais compactas e tripé preferencialmente com cabeça apropriada para rotação em todas as direções: fotografa­‑se várias vezes o ambiente direcionando­‑se a câmera para várias direções. As imagens geradas são processadas digitalmen‑ te e fundidas numa única imagem que pode ser projetada em várias direções. Um problema comum no registro fotográfico está relacionado com o forte contraste de lumi‑ nosidade que pode ocorrer principalmente nas seguintes situações:

¾¾dias ensolarados nos quais há diferença de iluminação entre as áreas de insolação direta e as sombreadas; ¾¾ambientes internos com janelas nos quais a luminosidade interna é inferior em relação à lu‑ minosidade do ambiente externo; ¾¾sub­‑bosque em dias ensolarados; ¾¾entradas de edifícios, túneis, cavernas e grutas. Nesses casos, deve­‑se escolher o que é mais importante no ambiente a ser fotografado e con‑ figurar a câmera fotográfica para fazer leitura pontual ou da área central da imagem, seguindo as orientações do manual do fabricante. Assim sendo, deve­‑se escolher as áreas do assunto prin‑ cipal para a medição da luz e usar a indicação de velocidade e abertura do fotômetro, mesmo que para o quadro geral a leitura do fotômetro seja outra. Para quem possui conhecimentos de edição de imagens, pode­‑se fotografar o mesmo assun‑ to variando­‑se a velocidade (não a abertura) e utilizando­‑se tripé; deve­‑se obter pelo menos um quadro escuro, mas com boa estrutura de

Figura 19.5. Composição gerada a partir de 9 aerofotos.

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Figura 19.6. Composição de imagem a partir de 5 fotografias registradas com diferentes tempos de exposição.

imagem nas partes luminosas, um quadro intermediário e um quadro claro com boa estrutura nas partes sombreadas. Em um software de edição de imagens, essas fotografias podem estar dispostas em camadas, de forma que se possibilite apagar ou sobrepor as áreas muito claras ou muito escuras, aproveitando­‑se somente as partes bem estruturadas de cada imagem. Poste‑ riormente, funde­‑se as camadas. Até hoje, o melhor processo no tratamento de imagens para se obter resultados “naturais” é o manual. Existem alguns softwares que fazem o ajuste automatizado, porém não conseguem resultados naturais (Figura 19.6).

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Georreferenciamento de imagens ângulo de visão maior e recortá­‑la em softwares de edição de imagem, aproximando o recorte com a fotografia de referência. Esse procedimen‑ to pode ser utilizado como apoio para análises evolutivas. Atualmente, pode­‑se utilizar um receptor GPS que armazena posicionamentos em inter‑ valos de tempo regulares e, por meio de softwa‑ res, concatenar com as imagens, utilizando­‑se como referência a hora de registro do posicio‑ namento e da fotografia. O posicionamento das fotografias e o caminho percorrido podem ser exportados em arquivo .SHP, próprio do geoprocessamento (ArcGIS). Alguns modelos de câmeras fotográficas já possuem o receptor GPS incorporado. Com a evolução da sistematização dos dados da superfície terrestre, como código de endere‑ çamento, ruas, estradas, lugares etc. é possível, a partir de um posicionamento georreferencia‑ do, obter o endereço do local onde se captou a imagem e vice­‑versa, permitindo a visualiza‑ ção das imagens distribuídas espacialmente em ferramentas gratuitas como o Google Maps e o Google Earth.

Eduardo Justiniano

O georreferenciamento de imagens é um procedimento a ser definido no planejamento da pesquisa. A coordenada pode ser do objeto fotografado ou do ponto de onde se obtém a imagem (Figura 19.7). No relatório e para usos futuros, é conveniente a diferenciação do que está sendo georreferenciado. A anotação da coordenada do ponto de onde se fotografa, deve conter o azimute (expresso em graus) ou orientação da visada (N, S, L, O, SE, NO…). Essa informação possibilita que se possa, no futuro, chegar ao mesmo ponto e veri‑ ficar semelhanças e alterações, possibilitando a verificação e o acompanhamento dos fenômenos ao longo do tempo (Figuras 19.7 e 19.8). Sendo a comparação importante, as fotogra‑ fias registradas em diferentes épocas devem ter recorte semelhante. Como existem diferentes tipos de câmeras e objetivas, não basta registrar a partir do mesmo ponto com a mesma visada; as imagens podem apresentar diferenças, rela‑ cionadas ao ângulo de abertura da objetiva. O ideal é levar uma ampliação da imagem anterior e compará­‑la com o que está sendo mostrado no visor; pode­‑se também registrar imagens com

Figura 19.7. Vulcão Licancabur, Bolívia (coordenadas 22,8338º S; 67,8835º O), retratado a partir do ponto de coordenada – 22,7865º S; – 67,8183º O; visada SO. A distância entre o assunto e o ponto de onde se fotografa é de 8,7 km, aproximadamente.

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Norte

110°

Visada

Figura 19.8. Lagoa Suja (Miranda/MS). Fotografia feita a partir do ponto de coordenadas 20º24’54’’ S; 56º 20’53’’ O, azimute de 110º. A primeira imagem foi registrada em julho de 2001; a segunda em fevereiro de 2005. A vegetação na segunda imagem está mais desenvolvida; a diferença na distribuição das plantas aquáticas estaria relacionada ao vento e a uma recente cheia, na segunda imagem. Sobre a terceira imagem (obtida por satélite) é exemplificado o azimute.

Armazenamento de imagens digitais Os dados sobre a câmera, a objetiva, a sensi‑ bilidade configurada, a velocidade, o diafragma e a data e hora da fotografia são armazenados no próprio arquivo digital, sob a designação EXIF. Outros dados como descrição, assunto, local, tí‑

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tulo e georreferenciamento também podem ser ar‑ mazenados na imagem ou em arquivos XML que acompanham o negativo digital (RAW). Existem alguns programas gratuitos que gravam essas in‑ formações, e há programas comerciais que possi‑ bilitam a inserção de dados por grupo de imagens. Atualmente, existem programas que recupe‑ ram os dados das imagens, transformando­‑os em arquivos de texto ou planilha, o que possibilita‑ ria a montagem de um banco de dados de foto‑ grafias, favorecendo a organização e localização dos arquivos digitais (Figura 19.9/Tabela 19.4). Antes de qualquer trabalho de processamento de dados de imagens, é necessário planejar uma padronização dos nomes e dos dados a serem inseridos. Uma sugestão é utilizar nomes como: DVD­‑12­‑145_20091210.jpg, sendo que DVD­ ‑12 é a mídia de armazenamento; 145, o número sequencial dentro da mídia; 20091210, a data expressa em ano, mês e dia (aaaammdd). Essa organização antecipada justifica­‑se pela quan‑ tidade de imagens que seriam armazenadas ao longo dos anos. Convém ressaltar a conveniência de se armazenar o arquivo original, gerado pela câmera, pois este é o que teria mais informações. É prudente manter pelo menos duas cópias da mídia (CD, DVD ou Blu­‑ray), armazenadas em locais diferentes (casa e escritório, por exemplo). Há uma padronização de informações de ima‑ gens proposta pelo IPTC (International Press Telecommunications Council) que orienta o pre‑ enchimento de metadados, possibilitanto que as informações registradas sejam lidas por diversos programas.

Estereofotografia Um par de fotografias pode ser visualizado pelos mesmos equipamentos utilizados na obser‑ vação das formas de relevo por meio de aerofo‑ tos, ou estereografia,permitindo a visualização da paisagem em três dimensões e favorecendo a observação de formas menores nas vertentes,

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vales, voçorocas ou sulcos – que não seriam per‑ ceptíveis em imagem bidimensional. Por exem‑ plo, a vertente retratada na Figura 19.11, na pá‑ gina 429, é convexa, mas não é possível perceber essa característica na fotografia. A estereofotografia é obtida ao se retratar um objeto duas vezes, a partir de posicionamentos diferentes (ver Capítulo 9  – Técnicas de Sen‑ soriamento Remoto). Caso o deslocamento seja semelhante à distância entre os olhos, a perspec‑ tiva obtida com um estereoscópio de bolso será próxima à perspectiva humana; ampliando­‑se a distância entre os pontos da fotografia, obtém­‑se uma perspectiva mais acentuada.

Nas aerofotos, o registro da superfície ocor‑ re por meio de uma câmera acoplada em um avião que traça uma reta paralela à superfície, fazendo registros sucessivos, de forma que um mesmo ponto da superfície seja fotografado mais de uma vez. Essa técnica também pode ser utilizada para fotografar paisagens a partir da superfície. Pode­‑se escolher uma forma ou construção e fotografá­‑la duas vezes, num deslocamento que deve se dar em uma direção que coincida com o plano do sensor (no descolcamento não se pode afastar ou aproximar do assunto). As duas ima‑ gens devem ser retratadas com distância focal,

Eduardo Justiniano

Tabela 19.4 | Figura 19.9 – Dados da imagem digital

Arquivo

DVD058­‑ 045_20080928.crw

ISO

100

Velocidade

1/60

Abertura

f/18

Localização

Forte de São João de Bertioga

Cidade

Bertioga

Estado

São Paulo

Descrição

Fortificação e Foz do Rio Itapanhau

Palavras­‑ chave

museu; paisagem; praia; água; colonial

Coordenada

23; 855244° S; 46; 1346750176° O

Visada

Leste

Autor

Eduardo Justiniano

Data

28/09/2008

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abertura de diafragma e velocidade idênticas. Deve­‑se tomar cuidado para que folhas, galhos, prédios e outros elementos não se interponham entre a câmera e o assunto principal. A ampliação da imagem deve ser feita so‑ mente em laboratório fotográfico, pois os pontos maiores das impressoras a jato de tinta confun‑ diriam a visão estereoscópica, e o tamanho da ampliação deve ser compatível com o estereos‑ cópio disponível.

cadeiras, mesa, chão, monopés e, principalmen‑ te, tripés. Mesmo utilizando tripé, a fotografia com teleobjetivas ou lentes macros pode ficar tremida em função de: ¾¾força aplicada para pressionar o botão de dis‑ paro; ¾¾utilização de tripés não compatíveis com o peso da câmera e da objetiva; ¾¾mecanismo (obturador mecânico e rebati‑ mento do espelho) das câmeras reflex.

PROBLEMAS COMUNS

Minimiza­‑se esse problema utilizando­‑se tri‑ pé compatível com o peso da câmera e tempori‑ zador ou cabo disparador.

Fotografia tremida A fotografia pode registrar objetos móveis em intervalos de tempo muito curtos, congelando o movimento, ou pode registrar os objetos móveis em intervalo de tempo longo, mostrando o mo‑ vimento. Essa escolha deve ser do fotógrafo, de acordo com o assunto e com a mensagem a ser transmitida. O movimento também é registrado ao se fo‑ tografar com velocidades baixas, segurando­‑se a câmera na mão. Se o pulso do fotógrafo treme, a “visão” que o sensor tem é a de que todo o quadro se movimenta, obtendo­‑se, dessa forma, imagens pouco nítidas, borradas. Com a mesma “firmeza de mão” e tempo de exposição pode­‑se obter uma imagem nítida utilizando­‑se objetiva grande­‑angular ou uma imagem borrada com uma teleobjetiva; quanto maior a distância focal, menor deverá ser o tem‑ po de exposição. Por exemplo, segurando­‑se a câmera na mão, a velocidade de obturação (1/60) s é boa para uma objetiva normal ou grande­ ‑angular, mas gerará imagens tremidas para te‑ leobjetivas. Cada fotógrafo deve conhecer o seu limite mínimo de velocidade, conforme o seu equipamento e a objetiva com a qual trabalha. Para não se limitar a altas velocidades do ob‑ turador, é possível utilizar apoios como árvores,

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Sensor sujo Excetuando­‑se as exposições múltiplas, o fil‑ me ou a chapa fotográfica registra a luz numa única vez. Uma eventual sujeira sobre um fo‑ tograma não estará em outro. O sensor digital, por sua vez, capta inúmeras imagens. Câmeras que possibilitam a troca de objetiva permitem a entrada de poeira em seu interior que pode‑ riam se posicionar sobre o sensor. Essa poeira bloqueia a luz que incide sobre o sensor, geran‑ do uma sombra que será registrada em todas as fotografias enquanto o sensor permanecer sujo (Figura 19.10). Existem bombas de ar para a remoção da po‑ eira, mas em alguns casos as partículas fixam­‑se por estática e podem permanecer grudadas sob a ação do vento. Algumas câmeras possuem um sistema de limpeza que consiste numa película que vibra sobre o sensor e ao mesmo tempo eli‑ mina a estática na superfície. Alguns modelos oferecem softwares que mapeiam a sujeira do sen‑ sor para posterior limpeza por meio digital. Há no mercado produtos de limpeza de sensor, mas o manuseio destes carece de cuidados para não danificar o equipamento. Nos lugares com vento e poeira, o problema pode ser minimizado se deixarmos a câmera e

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as lentes protegidas do vento nos momentos em que não se fotografa. Outra dica é não trocar de objetiva em campo, realizando essa tarefa em locais protegidos. Ambientes com vento e poeira não prejudi‑ cam somente o sensor. Algumas objetivas não possuem vedação eficiente contra os grãos de areia e de poeira carregados pelo vento e essas partículas podem comprometer o funcionamen‑ to dos anéis e das engrenagens. Ocorrendo sujeiras sobre o sensor e não ten‑ do possibilidade de limpá­‑lo, deve­‑se restringir a forma de fotografar. Aconselha­‑se utilizar a maior abertura possível do diafragma para di‑ minuir a sombra da poeira do sensor (Figura 19.10). Convém ressaltar que, apesar da sujeira não aparecer na imagem final, a qualidade ficará comprometida.

Enquadramento

Eduardo Justiniano

Em função da ergometria das câmeras, foto‑ grafar no sentido horizontal é mais confortável, porém, em muitos casos, o melhor enquadra‑ mento é o vertical. Antes de apertar o botão de disparo da fotografia, é conveniente observar qual o melhor sentido. É aconselhável que o fo‑ tógrafo se abaixe, posicione­‑se em lugares mais altos, aproxime­‑se ou afaste­‑se do objeto a ser

fotografado. Assim, poderá encontrar melhor harmonia e representatividade do assunto na imagem. Além disso, o fotógrafo deve atentar à proporção entre os tamanhos dos elementos que compõem o quadro, além das linhas do re‑ levo, das construções e das árvores. É indicado compor a imagem de tal forma que o assunto principal fique bem representado e dentro de um contexto. Comumente, o que buscamos retratar na pai‑ sagem não “cabe” na fotografia porque a objetiva não possui ângulo de abertura suficiente para retratar todos os elementos. Atualmente, a fusão de imagens é bastante facilitada e o fotógrafo pode utilizar várias imagens para composição de uma só imagem. Um mesmo elemento da pai‑ sagem precisa ser fotografado pelo menos duas vezes para que haja sobreposição e para que os programas consigam interpretá­‑las. É con‑ veniente fotografar mais do que o necessário, pois a fusão gera uma distorção e podem faltar elementos nos cantos da imagem (Figura 19.11, página 429). Muitas vezes a imagem precisa fornecer re‑ ferências sobre o tamanho do assunto, baseadas em escalas. Canetas, réguas, pessoas, carros e outros objetos servem como elementos de refe‑ rência e devem estar bem próximos do assunto registrado, evitando­‑se um erro de interpretação em função da distorção perspectiva.

Figura 19.10. Composição de duas imagens de céu­‑azul. A fotografia da esquerda foi registrada com abertura de diafragma 22 e mostra a poeira que se depositou sobre o sensor; na imagem da direita, utilizou­ ‑se o diafragma 2.8 e a poeira tornou­‑se imperceptível.

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Utilização de flash

Fotografia em movimento

As câmeras fotográficas são capazes de sincronizar o tempo de exposição do sensor com o tempo de duração da luz emitida pelo flash. A velocidade máxima de sincronismo do obturador não é a mesma para todos os mo‑ delos de câmeras digitais compactas e reflex, podendo variar de 1/30 até 1/250 segundos. Fotografando­‑ se em velocidades superiores, obtém­‑ se imagens parcialmente iluminadas. Atualmente, as câmeras ajustam automatica‑ mente o tempo mínimo de exposição de tal forma que impossibilitam o intervalo de tempo incompatível com a capacidade de sincronismo com o flash. Na especificação técnica dos equipamentos fotográficos, existe uma informação sobre o número­‑guia, expresso em metros ou pés, para ISO 100 ou 400. Para saber qual a abertura ideal, divide­‑se o número­‑guia pela distância. Um flash de número­‑ guia 24, por exemplo, ilumina bem um objeto a três metros de dis‑ tância, utilizando­‑se diafragma 8. Caso o re‑ sultado da divisão seja menor que a abertura máxima da objetiva, pode­‑se diminuir a dis‑ tância ou configurar uma sensibilidade maior para o sensor. A intensidade da luz do flash que chega a um objeto pode ser inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Isso significa que assuntos próximos estarão mais iluminados do que os assuntos afastados. Desta forma, é aconselhável não fotografar conjuntamente as‑ suntos com distâncias muito variadas em relação à câmera (Figura 19.12).. O flash também é utilizado para melhorar as condições da luz em ambiente ensolarado para melhoria da qualidade da luz da imagem. Diminui­‑se o contraste elevado quando se foto‑ grafa com a luz solar. A Tabela 19.5, na página 430, traz uma síntese de situações nas quais o flash é recomendado.

Algumas situações de campo requerem fo‑ tografias em deslocamento, como no interior de veículos em movimento. Nesses casos, é impor‑ tante privilegiar os menores tempos de expo‑ sição, pois, além do tremor das mãos, existe a trepidação do veículo. Quanto menor for a velocidade do veículo e o tempo de exposição e quanto maior for a distância entre o veículo e o assunto, melhores serão as condições para congelar o movimento. Fotografar uma casa que “passa” ao lado de uma janela do ônibus requer um tempo de exposição muito menor do que o necessário para fotografar um relevo distante. Além de escolher alta velocidade e gran‑ de abertura, deve­‑se utilizar objetiva grande­ ‑angular. Aconselha­‑se deixar o assunto prin‑ cipal no centro da objetiva e acompanhar o seu movimento no enquadramento enquanto o ve‑ ículo se desloca. Não se deve apoiar a câmera sobre bancos e janelas, pois a trepidação será mais intensa; o ideal é que o fotógrafo perma‑ neça sentado e não esteja com as costas, braços e ombros apoiados em qualquer parte do veícu‑ lo, possibilitando que o corpo amorteça parte da vibração (Figura 19.13, na página 431).

Situações adversas e soluções práticas Nem sempre o fotógrafo consegue obter imagens nítidas de paisagens em virtude da presença de certas partículas presentes na at‑ mosfera, como água condensada próxima à superfície e poeira. A ausência dessas partícu‑ las na atmosfera torna a paisagem mais nítida. Entretanto, a luz pode se tornar muito “dura” para fotografar pessoas e edifícios. Ao contrá‑ rio do que muitas pessoas acreditam, a presen‑ ça de certas partículas na atmosfera pode favo‑ recer a fotografia de assuntos próximos. Afinal,

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Eduardo Justiniano

Figura 19.11. Composição de uma imagem a partir de 39 fotografias. A falta de fotografias nos cantos limita o recorte da imagem final.

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Eduardo Justiniano

Figura 19.12. Fotografias em contraluz. A primeira, foi feita sem flash. Na segunda, utilizou­‑se o flash. Nessas condições de sensibilidade, velocidade e abertura, a luz emitida pelo flash foi suficiente para iluminar bem a pessoa, mas não para iluminar a vertente distante.

Tabela 19.5 – Utilização de flash

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Situação

Recomendações

Ambiente pouco iluminado

Utilizar o flash somente para fotografar assuntos próximos. Procurar não registrar objetos e pessoas com distâncias muito variáveis na mesma fotografia.

Profundidade de campo reduzida

Para melhorar a iluminação do assunto e diminuir a abertura do diafragma.

Sombras excessivas em dias ensolarados

Mesmo sob forte luminosidade, o flash pode ser ligado para diminuir as sombras excessivas da luz do sol, em assuntos próximos. Tomar cuidado com o excesso de luz sobre o assunto, para não ter muitas áreas brancas na foto e sem estrutura de imagem.

Assuntos em contraluz

Para equilibrar a iluminação do assunto em relação à luminosidade atrás deste. As situações mais comuns são: fotografar contra uma janela e fotografar sobre um dossel.

Imagem tremida

Para aumentar a luminosidade e a velocidade de obturação.

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uma luz mais difusa contribui para atenuar o contraste na imagem (Figura 19.14). Quando se utiliza o registro fotográfico como instrumento de trabalho, o pesquisador deve pro‑ gramar o trabalho de campo em horários, dias e meses do ano mais adequados, principalmente se o objetivo é o registro de paisagens. Na Tabe‑ la 19.6, são apresentadas algumas situações que podem gerar problemas no registro fotográfico.

Armazenamento do equipamento Em trabalhos de campo, é possível encontrar ambientes com elevada umidade relativa do ar, temperaturas altas ou baixas, lugares empoeirados ou com spray marinho e outros fatores que podem danificar equipamentos e filmes fotográficos. Antes de sair para os trabalhos de campo, portanto, é fundamental verificar nas especi‑ ficações técnicas dos equipamentos a faixa de temperatura e de umidade relativa de operação das câmeras fotográficas e dos flashes. Deve­‑se privilegiar o acondicionamento dos equipamen‑ tos em bolsas e mochilas adequadas ou a escolha de equipamentos mais rústicos para garantir a eficiência do registro fotográfico em campo.

Se o trabalho durar vários dias em ambiente úmido, é conveniente improvisar uma estufa de madeira com uma lâmpada elétrica para a secagem do equipamento. Outra opção é levar recipientes plásticos vedados com tampa que possam acondicionar todo o equipamento, jun‑ to com secantes como sílica­‑gel desidratada. Na ausência desta, é possível utilizar jornal, lenços de papel e grãos de arroz que devem ser desidratados ao sol ou no forno antes de serem armazenados nos recipientes plásticos. Essas alternativas colaboram para a diminui‑ ção da umidade relativa do ar no interior dos recipientes utilizados para acondicionar o equi‑ pamento. Equipamentos eletrônicos podem não fun‑ cionar quando submetidos à temperatura ele‑ vada, pois o calor é um dos fatores que au‑ menta a resistência de componentes elétricos. Em temperaturas baixas, as baterias têm uma durabilidade menor, podendo perder sua carga rapidamente abaixo de 0 °C. Em ambos os ca‑ sos, a utilização de bolsas térmicas ou de bolsas próprias para transporte de material fotográfi‑ co resolveria o problema. Em ambientes muito frios, é recomendável levar um maior número de baterias e transportá­‑las junto ao corpo.

Figura 19.13. Foto registrada a partir de um veículo em movimento, utilizando velocidade de (1/5000)s, abertura f/2.8 e ISO 100.

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Tabela 19.6 – Situações adversas e soluções práticas

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Situação

Resultado

Recomendações

Brilho intenso em decorrência da condensação da água em baixa altitude

Fotografias opacas e com baixa saturação de cores.

Retratar assuntos distantes somente se estes forem necessários ao trabalho; valorizar os assuntos mais próximos; eliminar o máximo possível do céu no enquadramento.

Excesso de radiação ultravioleta

Tonalidade azulada nos assuntos mais distantes.

Utilizar filtro UV ou valorizar os assuntos mais próximos.

Época de queimada

Fotografia com os horizontes e assuntos distantes embaçados.

Retratar assuntos distantes somente se estes forem necessários ao trabalho; valorizar os assuntos mais próximos; eliminar o máximo possível do céu no enquadramento.

Assuntos em contraluz

A incidência de uma luz forte sobre a objetiva torna as cores opacas e a imagem pouco nítida.

Utilizar objetivas de boa qualidade; eliminar ao máximo as áreas luminosas do enquadramento.

Luz do sol sobre a objetiva

As cores ficam opacas e a imagem, pouco nítida.

Sombrear a objetiva com a mão ou com para­ ‑sóis, sem que estes apareçam no quadro da fotografia.

Insolação e sombra muito forte

Podem ocorrer áreas da imagem esbranquiçadas por causa luz forte ou áreas muito escuras de sombra; ambas com pouca estrutura de imagem.

Fotografar pessoas, plantas e animais próximos utilizando flash para equilibrar a luz. Escolher o começo da manhã ou o final da tarde para fotografar edifícios e assuntos mais distantes. Procurar saber quais são os melhores horários para fotografar uma determinada vertente ou vale, considerando­‑se o ângulo de incidência da luz solar.

Sob o dossel em dia ensolarado

Sob forte insolação, o contraste das matas acentua­‑se de tal forma que o dossel fica muito claro em relação ao chão; os locais do sub­ ‑bosque onde os raios solares incidem também se tornam muito claros em relação ao seu entorno. Nestas condições, a imagem pode não ter boa estrutura nem nas partes mais luminosas, nem nas mais escuras.

Escolher um dia nublado para fotografar; fotografar nas primeiras horas do dia (não se esquecendo do tripé); esperar para que alguma nuvem sombreie o assunto.

Reflexos acentuados

Superfícies vítreas, de algumas folhas, de corpos de água (lago, mar) e outras que apresentam reflexos podem não ter boa saturação de cores e não ter estrutura de imagem nas partes mais luminosas, em função da luz refletida.

Utilizar um filtro polarizador que acentue ou diminua os reflexos; este filtro possibilita também destacar assuntos que se encontram após o vidro e valorizar o azul do céu. Por outro lado, os cantos das fotografias podem se escurecer (aparecimento de vinhetas); possivelmente, a coloração do céu não ficaria homogênea.

Fotografia através de vidros

O vidro reflete objetos que se encontram atrás da câmera e do fotógrafo, resultando em imagens que se fundem com o que está sendo registrado através do vidro.

Aproximar a objetiva do vidro e usar as mãos ou panos escuros para eliminar o reflexo do vidro.

Imagem próxima sem foco

Imagens borradas porque a objetiva não projeta sobre o sensor imagens focadas de objetos muito próximos.

Afastar a câmera, trocar por uma objetiva macro (câmeras reflex), selecionar a opção macro (câmeras compactas) ou utilizar filtro close­‑up.

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Eduardo Justiniano

Figura 19.14. Duas fotografias de mangue. A primeira foi registrada sob insolação; a segunda, pouco tempo após, quando uma nuvem sombreou o lugar. A fotografia superior apresenta menos estrutura de imagem, porém sua reprodução é melhor em preto e branco. Na fotografia inferior, visualiza­‑se melhor a vegetação em segundo plano.

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Em sala de aula A fotografia é uma atividade de registro e documentação para situações de trabalho em campo e no laboratório. Em sala de aula, a imagem também é um recurso didático, pois ilustra movimentos, cons‑ truções, paisagens e fenômenos que são aborda‑ dos pelo professor, facilitando a observação de fatos e favorecendo a construção de conceitos pelos alunos. Muitos estudantes não tiveram a oportunidade de estar em vários lugares e tam‑ pouco de observar fenômenos como enchentes, erosões, atividades vulcânicas, construções, cul‑ turas agrícolas diversas, fisionomias de vegeta‑ ção e até mesmo uma diversidade de seres vivos. Nesse sentido, a fotografia é uma grande aliada da aprendizagem, pois proporciona a observação indireta. Além de fonte de informações, a fotografia também é um instrumento de estudo. Diversos exercícios podem ser realizados envolvendo essa técnica, tanto em sala de aula como no entorno da escola. É interessante que o trabalho de re‑ gistro fotográfico seja feito com os alunos reu‑ nidos em grupo para que as decisões a serem tomadas sejam realizadas de forma coletiva e o grupo possa se dividir no desenvolvimento de cada etapa do trabalho. Uma orientação básica a ser dada pelo professor é que, em todo regis‑ tro fotográfico, os alunos devem anotar infor‑ mações sobre: ¾¾descrição da cena; ¾¾o que desejavam mostrar; ¾¾o que apareceu em cada foto; ¾¾necessidade de mais imagens para represen‑ tar o tema; ¾ ¾descrições sobre a luminosidade: natural ou artificial; forte, contrastada etc.; ¾¾equipamento utilizado e sua configuração: automática ou manual, sensibilidade, velocida‑ de e diafragma; ¾¾data e localização: coordenada, endereço ou outra referência, orientação.

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Em sala de aula, é sempre importante que os alunos analisem as imagens fotografadas e discutam os resultados obtidos, tendo a oportu‑ nidade de refletir sobre o que poderia ser feito para melhorá­‑los. Assim, além de aprofundar seus conhecimentos sobre o tema em foco, eles poderão construir procedimentos e atitudes relacionados à técnica da fotografia enquanto instrumento de observação e registro. O objetivo dessa prática é incentivar os alu‑ nos a refletir sobre os elementos que interferem no registro fotográfico e que podem ser impor‑ tantes nos relatórios dos trabalhos.

Exercícios práticos Os exercícios propostos a seguir objetivam possibilitar o conhecimento de algumas caracte‑ rísticas do equipamento fotográfico digital, inde‑ pendentemente de marca e modelo. As câmeras embutidas em aparelhos celulares podem não ter os recursos necessários para a realização das atividades aqui propostas.

1. Testando o flash da câmera digital Nesta atividade, os alunos terão a oportuni‑ dade de conhecer as possibilidades do equipa‑ mento para registrar imagens com boa estrutu‑ ra, utilizando­‑se o flash. Serão necessárias cinco bolas de qualquer tamanho (pode­‑se numerar as bolas para distingui­‑las umas das outras) e quatro ambientes diferentes (sala com janela fechada; sala com janela aberta; áreas externas ensolaradas e sombreadas). No primeiro ambiente, posicionar as bolas com distância variável da câmera e fotografá­ ‑las com o flash ligado. Na sequência, os alunos devem verificar quais bolas tiveram boa imagem

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e quais ficaram muito claras ou muito escuras. Repetir a fotografia nos outros ambientes e veri‑ ficar o resultado, mantendo­‑se a mesma distân‑ cia entre as bolas e a câmera. Se a sensibilidade do sensor for sempre a mesma e as bolas enquadradas da mesma ma‑ neira, os alunos poderão verificar que a bola bem iluminada não será sempre a mesma.

2. Testando a qualidade de imagem Escolher uma cena que contenha céu azul, casa e árvore. A partir de um mesmo ponto, fo‑ tografar a mesma cena variando­‑se a sensibili‑ dade do sensor (ISO) e deixando­‑se os ajustes de velocidade e abertura no modo automático. Transferir as imagens para o computador e ampliá­‑las na tela para verificar nas partes mais claras e mais escuras se existem ruídos na ima‑ gem (pontos que surgem em áreas que deveriam ser homogêneas ou apresentem dégradé suave). Nesta atividade, espera­‑se que os alunos identifi‑ quem diferenças relacionadas à sensibilidade do sensor utilizada para cada fotografia.

3. Testando o fotômetro As câmeras possuem fotômetro incorporado que, além de medir a intensidade de luz, traz uma relação ideal entre velocidade do obturador e abertura da objetiva. Dependendo do equipa‑

mento, a medição pode ser feita por meio de uma média do quadro inteiro, da área central ou do ponto central. Para a realização dessa atividade, é neces‑ sário que os alunos consultem no manual da câmera a informação sobre como configurar o fotômetro para medir a luminosidade do pon‑ to ou da área central da imagem. Eles devem trabalhar no modo automático de velocidade e abertura. Deve­‑se trabalhar com uma cena que con‑ tenha os seguintes elementos: céu, areia clara, árvore e corpo de água (fonte, rio, mar, lagoa etc.). Fotografar várias vezes, variando­‑se o en‑ quadramento de tal forma que deixe cada ele‑ mento na área central. Após o registro, os alunos devem visualizar as imagens na tela do computador e verificar as diferenças entre elas. Nessa atividade, os alunos devem levar em consideração que a luminosidade do ambiente não variu, embora o fotômetro tenha indicado diferentes relações ideais entre abertura e ve‑ locidade para cada fotografia. Eles perceberão facilmente que, nas imagens nas quais a areia está no centro, a árvore fica muito escura; na‑ quelas em que a árvore está no centro, a areia fica muito clara. Várias câmeras possibilitam utilizar a medi‑ ção de uma área para todo o quadro, mesmo que o enquadramento tenha sido alterado. Por isso, é fundamental consultar o manual do equipamen‑ to sobre como utilizar esse recurso.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário Estereoscopia: é um processo fotográfico onde um mesmo assunto é fotografado a partir de dois pontos diferentes. Posteriormente, as imagens são observadas simultaneamente de forma que cada olho humano veja somente uma das imagens, resultando na percepção de tridimensionalidade das figuras planas. Estereofotografia: Fotografia estereoscópica. Profundidade de campo: é a diferença de distância (por percepção visual) entre os pontos mais próxi‑ mos e mais distantes do plano focal que aparentam estar nítidos na imagem; este fator está relacionado à abertura do diafragma, à distância entre a câmera e os objetos e a distância focal das objetivas, sendo que quanto menor for a abertura ou quanto maior for a distância entre a câmera e os objetos ou menor a distância focal, maior será a profundidade de campo. Ruído de imagem: pontos ou manchas perceptíveis em áreas de tonalidades homogêneas ou de dégradé suave. Ponto de branco: refere­‑se a um equilíbrio e correção

cromática dos equipamentos digitais. A luz proveniente do Sol, de lâmpadas incandescentes e fluorescentes e outros possuem diferentes temperaturas de cor e, consequentemente, colorações diversas; da mesma forma, a temperatura de cor em ambientes distintos como matas e interiores de edifícios pode variar. Por exemplo, ao fotografar um objeto branco iluminado por uma luz incandescente, a imagem do papel, será amarelada. Para se obter a cor branca correspondente a este objeto, é preciso configurar a temperatura da luz ambiente; as câmeras digitais permitem ajustar o equi‑ líbrio das cores de diversas formas: automaticamente (AWB – automatic white balance), indicação do tipo de luz ambiente (indicado por ícones nas câmeras), ajuste manual da temperatura de luz e indicar uma imagem de um papel branco ou cinza como referência. É necessário ler o manual da câmera para saber como configurar o ponto de branco.

Bibliografia

Dicas na internet

ANG, T. Fotografia digital: uma introdução. São Paulo: SENAC, 2007. BUSSELE, M.. Tudo sobre fotografia. São Paulo: Thomson Pioneira, 1988. JUSTINIANO, E. F. Registro fotográfico. In VENTURI, Luis A. B. (Org.). Praticando Geografia: técnicas de campo e laboratório. São Paulo: Oficina de Textos, 2005. HEDGECOE, J. Guia Completo de fotografia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. HOSOUME, Y. (Coord.); MENEZES, L.C. (Coord.). Lei‑ turas de Física. São Paulo: GREF/Instituto de Física/ USP, 1998.

Ótica para alunos do Ensino Médio . Acesso em: jul. 2010. Glossário de Fotografia < h t t p : / / n i ko n u s a . c o m / L e a r n ­‑ A n d ­‑ E x p l o r e / Photography­‑ Glossary/index.page>. Acesso em: jul. 2010. Apostilas de Adobe Photoshop . Acesso em: jul. 2010. Introdução ao sensor CCD . Acesso em: jul. 2010. Como funcionam as câmeras . Acesso em: jul. 2010.

Sobre o autor Eduardo Félix Justiniano é graduado em Geo‑ grafia pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Atualmente, é mestrando nessa mesma instituição na área de Geografia Física, com foco na Teoria Geral de Sistemas. Trabalha com fotografia há 23

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anos. Possui experiência com efeitos especiais, edição, tratamento e catalogação de imagens. Trabalha com fotografia de estúdio e também de áreas externas. Atua na área editorial, como editor de arte e de texto, além de gerenciar projetos de edição em mídia impressa e eletrônica.

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Técnicas de Vídeo

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Eduardo Justiniano

Mauro Luiz Perón

Introdução, 438 A definição do tema, 439 Pré-filmagem, 439 A construção da narrativa, 439

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A imagem, 440 O som, 444 Pós-produção, 445 Técnicas de edição de som, 445

Em sala de aula, 446 Considerações finais, 447 Referências de apoio, 448 Sobre o autor, 448

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INTRODUÇÃO Nos estudos sobre Cinema, existe um clássico e importante debate acerca das diferenciações entre fato e ficção. No que diz respeito ao gênero documentário, as reflexões ora defendem que o mesmo se diferencia da ficção por ater­‑se ao fato, ora sublinham que todo trabalho implica uma leitura, um recorte sobre determinado fato. Este último ponto de vista reconhece que a presença da lei‑ tura ficcionaliza o fato, sobretudo porque o concebe com base em determinadas escolhas, mais ou menos explícitas. A reflexão apresentada neste capítulo sobre o uso do vídeo na pesquisa aca‑ dêmica, notadamente na pesquisa geográfica, partilha deste posicionamento. Por isso, as análises são conduzidas na direção de alguns procedimentos técnicos passíveis de serem utilizados para a produção de materiais videográficos, parti‑ cularmente no que se refere ao registro de trabalhos de campo acadêmicos. É preciso considerar, portanto, que as escolhas de determinadas técnicas, e não de quaisquer técnicas, sempre irão refletir as preocupações do criador do vídeo, preocupações estas já presentes no planejamento das atividades para o campo. O uso do vídeo nos trabalhos de campo, ao menos nos cursos de Geografia, ainda não é uma prática muito comum e, quando presente, está restrita, via de regra, a um registro do que foi realizado em campo constituindo um material sem maior sistematização narrativa e, por esse motivo, geralmente não apresenta qualquer reflexão sobre os temas eleitos. Muito embora técnicas atuais possam certamente servir para o simples re‑ gistro de imagens e de sons, o objetivo deste capítulo é sublinhar a importância do domínio narrativo para a produção de vídeos que encerrem uma reflexão: vídeos que contribuam para um questionamento tanto do tema em pauta quanto para o estabelecimento de uma política de destaque para a produção de vídeos, tornando­‑os, ao lado de livros e teses, uma forma de conhecimento. Utilizou­‑se como referência central para o presente capítulo a obra O Manual da Camcorder – Curso Prático para a Criação e a Gravação de Vídeos, de Malcolm Squires (1997), mas direcionou­‑se a presente reflexão para a questão da narrativa em vídeos elaborados em trabalhos de campo acadêmicos.

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A DEFINIÇÃO DO TEMA O requisito fundamental é a clareza do tema a ser registrado em vídeo. Normalmente, o tema é previamente definido e deve ser am‑ plamente conhecido. É necessário também que se tenha clareza sobre qual público irá assistir ao vídeo finalizado. Essa definição poderá auxi‑ liar nos procedimentos antes, durante e após os registros das imagens e dos sons. Vale ressaltar que o público eleito não deve necessariamente estar restrito ao da academia, âmbito a partir do qual o trabalho de campo é planejado: a am‑ pliação do público eleito envolve uma tomada de posição política (já que há uma preocupação por divulgar ideias para além da universidade), bem como uma particular inflexão estética (na medida em que a ordem do discurso precisa ex‑ plorar o tema com preocupações narrativas).

sobre o que filmar, como, qual a extensão do ví‑ deo etc. Isso significa que o vídeo pronto deverá reconstruir o tema por meio de imagens e sons, e tal reconstrução implica o reconhecimento da importância de um empenho narrativo.

PRÉ­‑FILMAGEM Num contexto em que o vídeo não está ple‑ namente incorporado ao planejamento de traba‑ lhos de campo, a verificação de diferentes itens antes de ir a campo torna­‑se crucial para que a produção de um vídeo seja viável. A Tabela 20.1 sintetiza alguns aspectos importantes a serem considerados antes da realização das filmagens, na etapa de planejamento.

O tratamento do tema A definição do tema deve ser acompanha‑ da do tratamento que será direcionado a ele, ou seja, quais as ênfases que se pretende dar ao tema central e a outros que sejam correla‑ tos. Esse procedimento pode ser auxiliado pelo desenvolvimento dado ao tema em sala de aula. Assim, o uso de livros e as discussões conduzidas em salas de aula formam um importante conjun‑ to de referências para a elaboração de um trata‑ mento para o tema, que implicará nas escolhas

A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA O esboço detalhado das imagens a serem re‑ alizadas, também chamado de storyboard, é um requisito importante para a produção do vídeo. Esse esboço traduz­‑se no desenho das imagens a serem produzidas, preferencialmente num papel de dimensões suficientes para que sejam visuali‑ zados, quadro a quadro, diferentes detalhes das cenas. Esses desenhos devem ser acompanhados

Tabela 20.1 – Aspectos importantes a serem considerados na pré­‑filmagem

Autorizações

Dependendo dos locais a serem visitados, a simples autorização para a entrada de um grupo não garante, automaticamente, autorização para o registro de imagens e/ou sons. É preciso informar previamente aos responsáveis que se pretende realizar o registro de imagens e de sons no local.

Previsão do tempo

Especialmente em áreas abertas, um boletim meteorológico o mais preciso possível é bastante útil, já que pode evitar gastos desnecessários. Uma chuva forte, por exemplo, não obrigatoriamente impede o registro em vídeo, mas é preciso que o equipamento seja protegido adequadamente. continua

capítulo 20 – técnicas de vídeo

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continuação da Tabela 20.1

Visita às locações

Uma prévia visita aos locais é sempre importante, pois devem ser avaliadas, inicialmente, as condições de segurança para o equipamento e a estrutura de estacionamento. Os ruídos no local podem significar, no limite, a impossibilidade de realização de entrevistas, por exemplo, ou determinar a escolha do microfone mais adequado para cada situação específica. A verificação da inclinação da iluminação solar pode auxiliar na determinação prévia do local em que será posicionada a câmera, de modo que os objetos a serem filmados sejam captados com a melhor iluminação possível, considerando inclusive a escolha estética para isso. A presença de tomadas elétricas deve ser verificada: embora as baterias ofereçam mais liberdade para as filmagens, podem não ser suficientes (por maior que seja o planejamento das filmagens, a captação de sons e de imagens pode ser extremamente demorada).

Equipamento e mídias de gravação

Após a determinação do equipamento a ser utilizado, é fundamental que ele seja testado. Embora testes não garantam o perfeito funcionamento de equipamentos, esse cuidado oferece maior segurança. Como boa parte das filmadoras atuais utiliza DVDs, um estoque bem maior do que o tempo previsto para as filmagens deve ser levado ao local. É inadmissível que uma imagem ou um som não sejam captados por falta de material virgem. É importante ressaltar que câmeras que utilizam disco rígido constituem um recurso bastante prático, mas é preciso cuidado para o monitoramento do espaço livre para os registros, bem como a certificação de acesso a computadores para o descarregamento do material em DVDs e/ou pen drives.

A equipe

Uma equipe que seja exclusivamente montada para a produção do vídeo é imprescindível, o que implica a definição de diferentes funções para os indivíduos envolvidos e que os mesmos estejam familiarizados com as funções a eles conferidas. Esse cuidado ajuda a garantir maior qualidade técnica e maior agilidade no processo de filmagem.

Mapas e outras anotações

É essencial a obtenção ou a elaboração de um mapa que apresente o trajeto até o local, bem como outro mapa ou croqui do próprio local em detalhes. Trata­‑se de um cuidado importante para o planejamento da viagem e é possível que o registro do trajeto até o local possa compor um material importante para a narrativa. Quanto às filmagens no local, a presença de um mapa detalhado pode auxiliar na determinação da ordem de filmagem considerada mais adequada, otimizando a captação da luminosidade natural e contribuindo para a agilização do processo.

Fonte: Adaptado de Squires, 1997: 49; 51.

de notas, geralmente na base da moldura. Essas notas detalham aspectos por meio dos quais as imagens devem ser captadas e qual tipo de infor‑ mação é necessária na cena em questão. A construção da narrativa é a maneira como será mostrado um tema por meio da unidade entre imagens e sons, de modo que seja com‑ preendido pelo público eleito. Narrar é contar uma história1 e, no vídeo, isso é obtido pela utilização da relação entre imagens e sons. A seguir, são apresentadas algumas indicações de procedimentos para captação de imagens e sons.

1 Acerca da narrativa, ver também o Capítulo 23 – A re‑ dação do trabalho de campo.

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A IMAGEM Serão vistos exemplos do cinema para se tra‑ balhar a composição do quadro. Um procedi‑ mento útil é a regra de três (Figura 20.1). Trata­ ‑se da consideração de que o quadro é dividido em terços, tanto no sentido horizontal quanto no vertical (SQUIRES, 1997: 56­‑57). Em linhas gerais, o posicionamento de um objeto na in‑ terseção de terças partes lhe dá um destaque maior em relação a outros que não estejam po‑ sicionados dessa forma. Quanto à angulação da câmera, vale destacar duas delas: ¾¾Plongée: em relação ao objeto, a câmera é po‑ sicionada de cima para baixo. Normalmente, o

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Tabela 20.2 – Tipos de planos que podem ser utilizados num trabalho de campo

Plano geral

Presença de uma paisagem com horizontes, vários objetos, ou vários eventos que devem ser enquadrados ao mesmo tempo, e cujo nível de detalhe não é importante ao olho humano. Um grupo de pessoas, por exemplo, pode ser captado nesse nível de generalização. É comum o uso da panorâmica: a câmera fixa sobre um tripé ou no ombro é deslocada nas linhas horizontal ou vertical*.

Plano médio

Enquadramento do corpo inteiro de um indivíduo, por exemplo. O detalhamento é maior.

Plano americano

Um indivíduo é enquadrado da cintura para cima; suas expressões são mais evidenciadas.

Primeiro plano

É utilizado quando questões fundamentais são tratadas, exigindo um grau destacado de atenção. Por exemplo, o rosto de um indivíduo é apresentado em detalhe. O enquadramento de outros objetos atende igualmente a essa necessidade.

Primeiríssimo plano

Detalhes cruciais ou críticos da temática são postos em evidência. A emoção de um rosto ou a importância da informação para o público. Detalhes de outros objetos são igualmente frisados por meio desse procedimento.

Plano de detalhe

Detalhes ainda menores são evidenciados. Nesse caso, o enquadramento de um rosto, de mãos, de outros objetos, de movimentos pouco perceptíveis a olho nu, por exemplo, tornam o tema mais evidente, sublinhando a carga dramática de uma denúncia, ou esclarecendo didaticamente um evento.

* Ver também o Capítulo 19 – Técnicas de fotografia.

Fonte: Adaptado de Squires, 1997: p. 54.

Paramount Pictures/Latinstock

objeto é confinado, portanto, sua importância tende a ser diminuída. Por exemplo, quando um grupo de pessoas é assim enquadrado numa paisagem ampla, esta tende a confinar o grupo, e não a engrandecê­‑lo. Entretanto, o conjunto da narrativa poderá expressar destaques variados aos personagens e às suas ações.

Figura 20.1. Regra de três, aplicada em cena do filme Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, na qual Norman Bates (personagem vivido por Anthony Perkins) teme ser descoberto.

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ANP Kippa/Keystone

Figura 20.2. Angulação plongée, utilizada em cena de O Homem que Sabia Demais (1956), de Alfred Hitchcock. O casal Jo (Doris Day) e Ben (James Stewart), entra em contato com o filho sequestrado. Repare que a opressão sofrida pelo casal é reforçada pela angulação da câmera.

Figura 20.3. Outro exemplo de angulação plongée construída em cena de O Encouraçado Potemkin (1925), na qual um homeme carrega uma criança ferida em um conflito. A angulação sublinha o confinamento das personagens.

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Goskino/Latinstock

¾¾Contre­‑Plongée: em relação ao objeto, a câmera é posicionada de baixo para cima. Geralmente, o objeto recebe um destaque, sendo engrandecido em relação aos outros diferentemente enquadrados. A posição de superioridade é perceptível quando um indivíduo, um edifício, uma montanha, uma árvore são assim enquadrados. Novamente, o destaque narrativo direcionado aos personagens e às suas ações irá construir adesões variadas, ainda que com o mesmo recurso do contre­‑plongée.

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Superstock/Keystock

Figura 20.4. Angulação contre­‑plongée, utilizada em uma fotografia. A angulação da câmera ressalta a dimensão da locomotiva.

Zuma Press/Keystone

É fundamental atentar, sobre as duas definições apresentadas anteriormen‑ te, que a angulação da câmera não define por si só o recorte de superioridade ou de inferioridade dos personagens, pois tal construção está associada à totalidade da narrativa (a relação entre as personagens e seus contextos de ação, a montagem etc.). Outro recurso importante é a movimentação da câmera em cima de um carrinho sobre trilhos, em um automóvel ou mesmo no ombro, acom‑

Figura 20.5. O uso mais suave do contre­‑plongée, em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick. A câmera está abaixo do nível do chão para sublinhar o momento em que, nos primórdios da humanidade, o hominídeo descobre num osso uma poderosa ferramenta. Trata­‑se de uma notável imagem de seu poder sobre o mundo, numa cena que compõe uma das sequências iniciais mais memoráveis do filme.

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panhando a ação, conhecido como travelling (SQUIRES, 1997: 62­‑ 63). A câmera pode es‑ tar posicionada ao lado das movimentações, atrás ou na frente. A escolha estará subordina‑ da às ênfases consideradas importantes para a narrativa. A utilização do zoom (uma lente que permi‑ te o efeito de aproximação ou distanciamento) pode, igualmente, trazer a atenção do público para um depoimento ou para um detalhe de ação considerado importante (SQUIRES, 1997: 64­‑ 65). Sua utilização não implica o desloca‑ mento da câmera e exige que a mesma esteja fixa num tripé, evitando que a imagem sofra tremulações que dificultem a visualização do objeto enquadrado, a menos que essa seja a in‑ tenção narrativa. Normalmente, os trabalhos de campo são planejados e realizados também com a utiliza‑ ção de mapas. A realização de um vídeo pode incorporá­‑los tanto para situar o público em re‑ lação à trajetória até o local de interesse, como para contextualizar o local num plano mais am‑ plo. Um modo de se filmar mapas é posicioná­ ‑los numa superfície plana, prendendo­‑ os por meio de um vidro ou de outros pesos nas extre‑ midades de modo que não tendam a se enrolar. Quanto à iluminação, é preciso observar sua homogeneidade por toda a superfície (SQUI‑ RES, 1997: 66­‑ 67). Por fim, é absolutamente fundamental que se observe, no processo de montagem, a clareza da posição de um objeto em relação a outro no ambiente. Por exemplo, duas pessoas conver‑ sando, uma à esquerda e outra à direita, devem ser sempre assim enquadradas, pois do contrá‑ rio o público perceberá, com estranhamento, que ora a pessoa da direita estará à esquerda do quadro, ora a pessoa da esquerda estará à direita do quadro. Uma forma de evitar isso é manter a câmera sempre na frente ou sempre atrás das duas pessoas e, quando for feito o en‑ quadramento de uma das duas, ser mantida na mesma posição (SQUIRES, 1997: 68­‑ 69).

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O SOM É comum dar­‑se maior atenção à imagem do que ao som, tanto no planejamento quan‑ to na realização das filmagens. Essa postura fundamenta­‑se no entendimento, equivocado, de que provavelmente o som será adequadamente registrado pela câmera (SQUIRES, 1997: 34). Ocorre que os ruídos externos ou pertencentes à cena em foco podem significar um incômodo considerável para o público, desviando a atenção ou dificultando o entendimento, especialmente de depoimentos (Tabela 20.3). Outro aspecto importante para o tratamento adequado do som refere­‑se à acústica do ambien‑ te a ser filmado (SQUIRES, 1997: 34­‑35). Quan‑ do as filmagens ocorrem em ambientes fechados, é possível a utilização de tecidos macios fora do quadro, cobrindo pisos e paredes (se estiverem distantes do quadro, é possível suspender os te‑ cidos perto da cena em questão) de modo que as reverberações sejam diminuídas. A utilização de microfones adequados para diferentes situações é crucial. Embora a maioria das câmeras já possua microfones embutidos, nem sempre são adequados ou suficientes para determinadas situações (SQUIRES, 1997: 38­ ‑39) – (Tabela 20.4).

Tabela 20.3 – Cuidados fundamentais com ruídos, para garantir qualidade de som

Cuidados com ruídos externos ou pertencentes à cena

Máquinas e conversas externas devem ser evitadas, pois podem causar estranhamento ao público, quando não pertinentes. Ruídos presentes no quadro, mesmo quando pertinentes, como trabalhadores utilizando martelos ou serras elétricas ao fundo, podem significar a impossibilidade de compreensão do depoimento principal. É preciso deslocar o depoimento para outro local ou determinar a pausa das atividades que são fontes de ruídos indesejáveis.

Fonte: Adaptado de Squires, 1997: 40­‑ 41.

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PÓS­‑PRODUÇÃO Trata­‑se do processo de finalização do vídeo, após a captação de imagens e sons. É quando o vídeo ganha o sentido pretendido pelo roteiro previamente traçado. As imagens e os sons são editados, isto é, colocados numa determinada ordem para que atendam a um tratamento nar‑ rativo específico ao tema eleito (Tabela 20.5).

Tabela 20.4 – Funcionamento e adequação de diferentes tipos de microfone

Microfone multidirecional

O som é captado uniformemente de todas as direções. É o microfone utilizado pela maioria das câmeras de vídeo domésticas. Adequado para gravação de ruídos em grandes áreas, pode ser de mão ou de lapela. Neste último caso, é possível colocá­‑lo na roupa do entrevistado, o que significa uma maior proximidade entre microfone e fonte emissora. Entretanto, é preciso cuidado para que o microfone não entre em atrito com a roupa, provocando ruídos indesejáveis.

Microfone cardioide

O som é captado principalmente da frente; é adequado para depoimentos. Via de regra, é um microfone de mão.

Microfone direcional

O som é praticamente captado apenas da frente. Os sons atrás do microfone não são captados. É ideal para entrevistas ou depoimentos à distância. Evidentemente que, se existirem ruídos intensos no local, eles serão refletidos em várias superfícies e chegarão ao microfone. É utilizado na mão ou na ponta de uma vareta (o boom), que permite maior aproximação entre microfone e fonte emissora.

Fonte: Adaptado de Squires, 1997: 37­‑39.

Tabela 20.5 – Técnicas de edição de imagem

Edição na própria câmera

Trata­‑se de uma edição básica, não exigindo equipamentos adicionais. Entretanto, é necessário um planejamento mais rigoroso das cenas a serem filmadas e de sua duração. Num trabalho de campo, nem sempre é possível esse tipo de controle.

Edição por copiagem das cenas

São escolhidas cenas já gravadas e copiadas em outro local (um computador, por exemplo) na ordem preestabelecida.

Fonte: Adaptado de Squires, 1997: 80­‑ 83.

TÉCNICAS DE EDIÇÃO DE SOM É possível a inserção de novos sons sobre os sons originalmente gravados na fita, quer eli‑ minando os sons originais, quer misturando os adicionais aos originais. Podem ser inseri‑ dos outros ruídos, trilhas musicais ou locução (SQUIRES, 1997: 92­‑93). Esta última requer cuidados com o posicionamento do microfone em relação ao locutor: o texto deve ficar num tripé, em altura e distância confortáveis para leitura. O microfone não deve estar muito pró‑ ximo da boca, pois podem ocorrer deslocamen‑ tos de ar da boca para o microfone, ocasionan‑ do ruídos bruscos e distorções consideráveis. Definida a interpretação requerida, é preciso que o locutor tome o cuidado adicional de não deixar cair a altura de sua voz no final das fra‑ ses, dificultando a compreensão por parte do público. Outro cuidado adequado é a gravação por partes, de modo que eventuais erros sejam facilmente corrigidos no plano de edição. Diferentes sons (como depoimentos, trilha musical e locução, por exemplo) devem ser mis‑ turados de modo que não ocorra conflito entre eles, ou seja, de modo que um som não dificulte a audição ou a compreensão de outros, respei‑ tando as ênfases narrativas exigidas para cada momento.

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Na sala de aula A incorporação prática das questões discutidas anteriormente é fundamen‑ tal para o aumento do domínio tanto técnico quanto artístico do discurso. As técnicas de vídeo podem ser praticadas dentro e fora da sala de aula, ou ainda em “estudos do meio” e trabalhos em campo. É importante que, antes da filmagem, defina­‑se em conjunto uma temática de interesse comum e estabeleçam­‑se objetivos que orientarão a construção da narrativa. Pode­‑se colher depoimentos de alunos, pais e professores acerca de uma temática; por exemplo, um tema transversal. Pode­‑se entrevistar uma autoridade, exer‑ citando os enquadramentos e as angulações, as técnicas de som, além da inserção de outras imagens que dialoguem com as falas dos entrevistados; pode­‑se ainda estabelecer como objetivo o simples registro videográfico de um “estudo do meio”, uma visita ou um trabalho em campo, acompanhando todas as suas etapas e editando posteriormente o material. Esses produtos, após analisados e discutidos em sala de aula, poderão ser expostos em eventos como semanas de estudo ou em festivais de vídeos orga‑ nizados pela escola. Há também a possibilidade de, dependendo da qualidade do produto final, encaminhá­‑lo a uma emissora local de TV. Quanto ao acesso a equipamentos, é importante destacar que os preços têm apresentado rápida queda, o que tem viabilizado a sua aquisição por instituições de ensino. Os softwares de edição dessas câmeras permitem o exercício da construção da narrativa de maneira mais do que satisfatória. Ressalta­‑se ainda que as câmeras fotográficas digitais têm incorporado o recurso de filmagem, do mesmo modo que os aparelhos celulares. É pos‑ sível encontrar câmeras fotográficas digitais que também filmam, com custos acessíveis às instituições de ensino. Celulares com recurso de filmagem são encontrados a preços cada vez mais baixos. Mesmo considerando que esses equipamentos apresentem recursos limitados, se comparados com aqueles oferecidos por filmadoras, ainda assim são pequenos equipamentos que apre‑ sentam softwares de edição simples, que pode ser realizada no próprio aparelho ou no computador. Desse modo, o acesso a equipamentos, ainda que bem simples, já viabiliza esse fundamental exercício discursivo.

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Considerações finais A realização de um vídeo sempre representa uma escolha. A definição do tema e da maneira como ele será abordado exprime a escolha dos critérios que irão nortear o realizador do vídeo. Nem sempre, porém, tem­‑se esta noção de escolha e tampouco clareza de objetivos, e o resultado final das filmagens pode não ser satisfatório. É preciso que o empenho na realização de um vídeo seja plenamente assumido: que o realizador tenha algo a dizer, que o vídeo a ser realizado seja um modo de questionamento do tema em questão e não um mero registro do trabalho de campo. Está em pauta a possibilidade da construção de um discurso, de uma narrativa que encerra uma forma de conhecimento, de uma ordem do olhar que é, afinal, um tipo de questionamento. E toda per‑ gunta já é uma resposta – uma resposta a um problema que toca o humano, pergunta que busca uma solução, redirecionando uma prática e reconhecendo, simultaneamente, a natureza contraditória dos contextos dos quais participa. Portanto, a realização de um vídeo pode resultar em simples registro ou em agudo questionamento. Enquanto prática, pode­‑se afirmar que o vídeo é um grande aliado do tra‑ balho científico, uma vez que registra fatos, experiências, fixando­‑as ou, de certa forma, materializando­‑as, o que permite o compartilhamento, essencial ao desenvolvimento científico. A ordem do discurso, afinal, pode ainda questionar os limites entre Ciência e Arte, pois trata­‑se de vincular a trajetória do conheci‑ mento também à reinvenção de imagens e sons. A construção de um vídeo pode prestar­‑se, portanto, a um questionamento sobre a ordem do olhar.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Bibliografia ANDREW, J. D. As principais teorias do cinema – uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 2004. AUMONT, J.; et al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 2002. AUMONT, J. As teorias dos cineastas. Campinas: Papirus, 2004. JATALON, Equipe. Manual do vídeo. São Paulo: Sum‑ mus Editorial, 1991. DANEY, S.; BONITZER, P. “L’écran du fantasme”. Cahiers du cinéma, n. 209/211, 1969. LEWIS, R. Guia prático do vídeo. Barcarena – Portu‑ gal: Presença, 1993. NICHOLS, B. A voz do documentário. In: RAMOS, F. (Org.). Teoria contemporânea do cinema. São Pau‑ lo: SENAC (no prelo).

ODIN, R. A questão do público. Abordagem semio‑ pragmática. In: RAMOS, F. (Org.). Teoria contempo‑ rânea do cinema. São Paulo: SENAC (no prelo). SOBCHACK, V. Delimitando o espaço ético: dez pro‑ posições sobre morte, representação e documentário. In: RAMOS, F (Org.). Teoria contemporânea do ci‑ nema. São Paulo: SENAC (no prelo). SQUIRES, M. O manual da Camcorder. Curso prá‑ tico para a criação e a gravação de vídeos. São Paulo: Melhoramentos, 1997. STAM, R. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003. TOZER, N. Guia prático da câmara de vídeo. Lis‑ boa – Portugal: Estampa, 1996.

Sobre o autor Mauro Luiz Perón é Doutor em Multimeios pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas em 2006. É professor do Departamento de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Suas atividades de Ensino e Pesquisa estão centralizadas na investigação da Estética do Cinema, vinculando esses estudos ao campo mais amplo das Ciências Humanas.

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Técnicas de Interlocução

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Eduardo Justiniano

Luis Antonio Bittar Venturi

Introdução, 450 Questionários, 451 Entrevistas, 457 Depoimentos orais – conversas, 463

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Pesquisa participante, 464 Estudos de Percepção, 465 Na sala de aula, 467 Considerações finais, 469 Referências de apoio, 470

Sobre os autores, 470

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INTRODUÇÃO Quando o objeto de estudo envolve outras pessoas, há a necessidade de se estabelecer interlocução entre elas e o pesquisador. Para isso, os procedi‑ mentos técnicos mais conhecidos e utilizados são: questionários, entrevistas, depoimentos orais e pesquisa participante, os quais serão expostos nessa or‑ dem, iniciando­‑se com a técnica mais objetiva e quantitativa (questionário) para, gradativamente, chegar­‑se à mais aberta e qualitativa (pesquisa participante), terminando com alguns aspectos acerca dos estudos sobre a percepção. Todas essas técnicas geram dados primários e atualizados que atendem a diversos objetivos de pesquisa, embora possam ser usados dados de outras pesquisas já realizadas, neste caso, secundários. As informações aqui produzidas e organizadas basearam­‑se em experiência própria de pesquisa, ilustrada por recorrentes exemplos e por bibliografia espe‑ cífica referenciada no texto.

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QUESTIONÁRIOS A aplicação de um questionário é uma técni‑ ca cujo instrumento, o formulário de questões, deverá ser cuidadosamente elaborado pelo pes‑ quisador. Em estudos mercadológicos, eleitorais e outros, pode haver modelos preestabelecidos, mas, em pesquisa científica isso quase não ocor‑ re, pois cada questionário deve ser elaborado para atender a um objetivo específico também já preestabelecido. A aplicação de questionário é a técnica mais amplamente utilizada para in‑ vestigar o perfil de um determinado grupo (vi‑ sitantes de um parque, por exemplo), aspectos comportamentais de um segmento da popula‑ ção, hábitos (lazer entre idosos, por exemplo), percepção ambiental, conforto térmico, cons‑ ciência de classe, opiniões sobre um certo as‑ sunto (a criação de uma reserva ambiental ou a instalação de uma fábrica), suscetibilidade a determinadas doenças, enfim, quaisquer ca‑ racterísticas sociais que se queiram investigar e que sejam passíveis de serem identificadas por meio de algumas respostas. Questionários, por‑ tanto, podem subsidiar estudos de Geografia, Educação, Sociologia e outras áreas. Tendo definido o objetivo, ref lete­‑ se e delimita­‑se o público­‑alvo a ele correspondente e inicia­‑se a elaboração do formulário de ques‑ tões, sempre tendo em mente o que se pretende obter de informações. Cada questão deve ter um sentido convergente ao que se pretende e nunca deve estar descontextualizada ou injus‑ tificada. Alguém poderá perguntar: “por que in‑ cluiu esta pergunta no formulário?”, ao que deverá ter uma resposta consistente1. A aplicação de questionário é apenas aparentemente simples e frequentemente negligenciada quanto à sua concepção e estrutura. No entanto, essa técni‑

1 A primeira parte deste capítulo, sobre questionários e entrevistas, apoiou­‑se inicialmente na leitura de Maran‑ goni, 2007.  Esta  seção sobre questionário teve a leitura crítica de José Edson Bacellar.

ca deve ser utilizada com diligência em todas as suas fases: desde a concepção, estruturação, aplicação até a análise dos resultados.

Aspectos conceituais Os questionários são, a princípio, quanti‑ tativos, mas a análise de seus resultados atri‑ buirá qualificações e classificações aos dados, transformando­‑os em informações. Por isso, se os resultados não forem sistematizados e ana‑ lisados, o questionário se limitará a um amon‑ toado de formulários cheio de dados dos quais não se produzirão informações. A quantidade e a qualidade, portanto, relacionam­‑se estreita‑ mente. Um voto a mais pode transformar um candidato em eleito; três respostas a menos podem indicar que não se trata da vontade da maioria. Mesmo no domínio físico e ambiental essa relação existe: dois graus Celsius podem tornar o estado líquido em gasoso; alguns graus a mais de inclinação e alguns milímetros a mais de chuva podem determinar a proibição de ocu‑ pação de uma encosta, e assim por diante. Para que essa passagem da quantidade para a qualidade possa ser feita, é necessário atentar para a estrutura das perguntas do questioná‑ rio. Se perguntarmos a alguém “o que você acha desse bairro?”, teremos dificuldade em agrupar e classificar as respostas, pois elas serão mais qualitativas, mais fluidas e cheias de nuances. Mas se apresentarmos aspectos (limpeza, se‑ gurança, transporte, riscos de inundação etc.) para serem avaliados, por exemplo, de 1 a 10, poderemos quantificar as respostas para, então, qualificá­‑las. A aplicação de questionário é uma técnica que se orienta pelo método indutivo, no qual se passa de certezas conhecidas para probabili‑ dades gerais. O que se obtiver de resposta para uma certa amostragem populacional (certeza

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conhecida) será generalizado para o total da população (probabilidade geral). Isso significa que o questionário, enquanto técnica quanti‑ tativa, permite que se façam inferências acerca do universo estudado. Tais inferências sempre apresentarão certa margem de erro, o que faz parte desse procedimento. Mas para que a mar‑ gem de erro seja menor e o salto indutivo tenha maior legitimidade científica, alguns cuidados com a amostragem devem ser considerados se‑ riamente no que se refere à sua quantidade e qualidade.

Aspectos quantitativos da amostragem Uma amostragem quantitativamente ade‑ quada abrange um “certo número” de indi‑ víduos dentro de uma população total. Este número não é fixo, pois pode variar de acordo com as características da população total; por exemplo: se a população for mais homogênea, o número poderá ser menor, pois as respostas poderão se repetir. De qualquer modo, um nú‑ mero mínimo de indivíduos deverá ser abrangi‑ do pelo questionário, o qual deve ser discutido e decidido com seu professor/orientador. Seja qual for o número da amostragem, ele deverá ser justificado, pois alguém perguntará: “por que aplicou 60 questionários e não 80?”, ao que deveremos ter, novamente, uma resposta con‑ sistente, demonstrando os critérios considera‑ dos para se decidir tal número. Caso contrário, pode­‑se configurar aleatoriedade, diminuindo o rigor científico do uso da técnica. Em uma pesquisa de TGI2, apresentou­‑se, como parte de resultados da pesquisa, que 50% da população de uma determinada comunidade era analfa‑ beta. Quando a amostragem foi questionada,

2 Trabalho de Graduação Individual, exigido no curso de Geografia da Universidade de São Paulo.

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revelou­‑se uma falha quantitativa, pois se havia aplicado apenas 20 questionários para uma po‑ pulação de cerca de 15 mil habitantes. Existem tabelas que sugerem proporções ideais entre amostragem e população total, mas que rara‑ mente apresentam os critérios usados3. Holmes e Farbrother (2003, p. 65) ofere‑ cem dois parâmetros, propondo que a amos‑ tragem de 10% de uma população seria ideal para muitos casos e que uma pesquisa esco‑ lar deveria apresentar um número entre 50 e 100 questionários (ainda que sem deixar cla‑ ro o porquê desses números). Esses autores também afirmam que “the more people you can survey, the better”4 (2003, p. 65), o que pode e deve ser relativizado e questionado. Digamos que, num determinado trabalho de pesqui‑ sa, decida­‑se pela aplicação do questionário a 10% da população total, por exemplo, dos es‑ tudantes de uma escola que possui cerca de mil alunos. Nesse caso a amostragem seria vi‑ ável, pois equivaleria a 100 alunos. Porém, se a população­‑alvo total for muito grande (mo‑ radores do Distrito Federal, por exemplo), a amostragem de 10% já se inviabilizaria (cerca de 260.000 pessoas) e deveria ser diminuída. Essa diminuição, no entanto, pode ser com‑ pensada pelo aspecto qualitativo da amostra‑ gem. Assim, o simples aumento da quanti‑ dade de interlocutores pode ajudar, mas não garante maior segurança na generalização dos resultados, podendo até ser alvo de crítica. Se aparecer mais gente e resolveu­‑ se ampliar a amostragem, isso terá que ser explicado, pois os critérios foram alterados no meio do percur‑ so. Por vezes, uma amostragem mais modesta, mas mais variada pode gerar melhores resulta‑ dos do que uma amostragem maior, mas ho‑

3 Exemplos de tabelas podem ser encontrados no site Pra‑ ticando Geografia, cujo endereço na internet é: . 4 Tradução: “quanto mais pessoas você puder estimar, melhor”.

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mogênea, o que indica que temos que atentar também para aspectos qualitativos, como se verá adiante. Por outro lado, se a população­‑alvo permi‑ tir sua abrangência total, o método perderá o sentido, pois não haverá como prever, inferir ou generalizar, e o resultado passará a ser uma mera constatação, cientificamente mais inerte. Em uma pesquisa de mestrado em que se estu‑ dava comparativamente o perfil dos visitantes de dois parques, aplicou­‑se questionários a uma amostragem de visitantes de um parque e, no outro, todos os visitantes foram questionados, pois a população total era menor. Embora isto possa, a princípio, demonstrar empenho de pes‑ quisa e maior garantia de resultado, o procedi‑ mento foi criticado por duas razões: primeira‑ mente, porque os critérios deveriam ser iguais para as duas amostragens; em seguida, porque, ao abranger a totalidade dos casos num dos par‑ ques, transformou­‑se a natureza da informação, passando de amostragem para constatação cen‑ sitária, o que pode comprometer a análise com‑ parativa, já que em um caso se passa a ter cer‑ teza e em outro não. Nota­‑se que essa questão é mais complexa do que “quanto mais melhor”, embora, em muitos casos, de fato, mais exem‑ plares reforcem as conclusões.

Aspectos qualitativos da amostragem A qualidade da amostragem é frequen‑ temente alvo de questionamentos, pois, a de‑ pender dela, os resultados podem ser muito di‑ ferentes, mais ou menos confiáveis. As amostras “viciadas” são amostras pouco representativas do todo analítico. Se a pesquisa deve se referir a uma população inteira, a amostragem deve abranger interlocutores representantes de cada faixa etária, nível socioeconômico, nível educa‑ cional etc., nas mesmas proporções que a popu‑ lação total real apresenta. Neste caso, pode ser

necessária a consulta a censos e estudos demo‑ gráficos para identificar as proporcionalidades entre os segmentos, a qual deverá ser mantida, grosso modo, na aplicação dos questionários. Em suma, a amostragem deve ser estatisticamente desenhada segundo as características da popu‑ lação estudada. Entretanto, se o alvo for a População Eco‑ nomicamente Ativa (PEA) as variações serão consideradas apenas dentro desse universo, no qual crianças e idosos aposentados devem ser excluídos, por exemplo. A amostragem do TGI mencionado anteriormente também apre‑ sentava falha qualitativa, pois das 20 pessoas que receberam o questionário, 1 era criança em idade pré­‑escolar e, obviamente, ainda não sabia ler. Por vezes, erros na utilização da técnica, como quando e onde aplicá­‑la, comprometem a qualidade da amostragem. Por exemplo, a depender dos objetivos e da população­‑alvo, as coletas devem ser feitas em períodos dife‑ rentes. Há variações no perfil dos transeuntes em determinado lugar durante a semana, nas férias ou em feriados religiosos, por exemplo. No curso de Técnicas de Campo e Laboratório em Geografia5, os alunos incumbidos de apli‑ car questionários aos visitantes de um parque sempre se deparam com um problema técnico­ ‑operacional. Como os questionários só podem ser aplicados nos domingos pela manhã, os re‑ sultados não são representativos do todo analí‑ tico, pois nesse período do dia os interlocutores disponíveis constituem­‑se predominantemente de famílias. Durante a semana, no entanto, o parque recebe mais estudantes e, no domingo à tarde, um público jovem mais animado. En‑ fim, restringir a aplicação da técnica a um só

5 Disciplina optativa do curso de Geografia da Facul‑ dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, cujo trabalho de campo geralmente é realizado no Parque Estadual Carlos Botelho, no município de São Miguel Arcanjo/SP.

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período torna a amostragem inadequada, ou seja, pouco representativa do todo, mesmo que quantitativamente suficiente, o que demonstra que o aspecto qualitativo da amostragem e ope‑ racional da pesquisa devem ser pensados juntos. Além do período de aplicação, outro aspecto operacional que pode comprometer a amostra‑ gem é o local escolhido. Se permanecermos na porta de um sofisticado shopping center, mesmo em diferentes períodos, deveremos ter consciên‑ cia que a amostragem terá um perfil específico, retratando um segmento de maior poder aquisi‑ tivo, o que, em certos casos, pode ser adequado, mas em outros não. Por vezes, a amostragem é representativa tanto em quantidade como em qualidade, mas o questionário apresenta um problema estru‑ tural, com questões “impregnadas” que forçam uma determinada resposta, por exemplo: “o se‑ nhor acha que a segurança do bairro poderia me‑ lhorar?”. Ou então, “o senhor considera os serviços de saúde suficientes e de qualidade?”. Esse tipo de pergunta força a resposta e poderá ser con‑ testado. Tal problema, no entanto, é facilmente solucionado atribuindo­‑se categorias de respos‑ tas. Exemplos: excelente, muito bom, bom, regular, ruim, péssimo, o que, inclusive, tornará a análise comparativa das respostas mais rica do que se as respostas fossem simplesmente sim ou não. Como conclusão, percebe­‑ se que os as‑ pectos quantitativos e qualitativos da amos‑ tragem complementam­‑se e, de certa forma, compensam­‑se. E embora estejam aqui sepa‑ rados, como estratégia didática, esses aspectos devem ser pensados concomitantemente à es‑ trutura do questionário e aos procedimentos de aplicação. Acrescente­‑se que os critérios de escolha e delimitação de uma amostragem sempre devem ser explicitados no estudo, caso contrário, os resultados aparecerão como um “coelhinho que sai da cartola” e não poderão ser arguidos, perdendo cientificidade (já que uma das principais características da Ciência é a possibilidade de seu próprio questiona‑

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mento). Apresentar resultados sem explicitar como se chegou a eles (aspectos operacionais) é uma atitude arbitrária que será certamente questionada. Finalmente, nem tudo que envolve aspectos quantitativos de uma determinada população demanda a aplicação de questionários ou qual‑ quer tipo de interlocução. Conhecer o número de pessoas que entram ou passam por deter‑ minado lugar (metrô, por exemplo), pode ser resolvido pelo registro de catracas. Se se quer considerar a distribuição dos usuários ao longo do dia, pode­‑se obter o registro das catracas a cada hora. Informações como sexo, faixa etá‑ ria (grosso modo, crianças, adolescentes, adultos e idosos) podem ser obtidas sem a aplicação de questionários, apenas com a observação e a contagem. Claro que o número de variáveis, nesse caso, é reduzido em relação ao que se pode obter com a aplicação de questionários. Outras fontes como censos demográficos, re‑ gistros de cartório (nascimento, idade da mãe, casamento, óbito etc.), registros de atendimen‑ tos em postos de saúde, livros de assinaturas de acesso a museus e exposições, entre outras, po‑ dem fornecer dados sobre uma população sem envolver técnicas de interlocução.

Aspectos estruturais e operacionais A extensão de um questionário dependerá do seu objetivo e das questões que o respon‑ dem, da população­‑alvo etc. Ou seja: não há tamanho definido. Orienta­‑ se pela seguinte pergunta: é melhor obter dados mais detalha‑ dos ou mais numerosos? Se mais detalhados, o questionário será mais longo e, provavelmente, sua amostragem será menor, por questões ope‑ racionais. Se o número de respostas for mais importante, ele poderá ser mais curto e apli‑ cado a um maior número de pessoas. As ou‑ tras situações são intermediárias a essas duas, havendo também a possibilidade de um outro

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extremo em que tanto o detalhamento como a amostragem numerosa são importantes, como em algumas pesquisas médicas. Os tipos de questões também devem ser considerados, pois influenciam no tempo de resposta. Perguntas mais abertas (do tipo: “o que você faz nas horas de lazer?”) levam mais tempo para serem respondidas. Perguntas clas‑ sificatórias (em que a pessoa atribui nota de 1 a 5, por exemplo, a diferentes variáveis como segurança, limpeza etc.) são respondidas um pouco mais rapidamente (no geral); nesses ti‑ pos de questões incluem­‑se aquelas que já clas‑ sificam as respostas atribuindo­‑lhes categorias (por exemplo, acerca da variável renda: de 0 a 1 salário, de 1 a 3 salários…; ou quantas vezes visita museus: nunca, de duas a três vezes por ano, mensalmente…). Finalmente, as questões mais fechadas (que exigem resposta sim ou não) são de resposta imediata. Além de influenciar no tempo da aplicação, os tipos de questões farão muita diferença no momento da análise dos dados. Como é essencialmente quantitativo, a princípio, as perguntas tendem a ser mais ob‑ jetivas, pois, quanto mais abertas, maior a di‑ ficuldade em se agrupar, classificar e qualificar as respostas, já que podem apresentar nuances diversas, como já visto. Se houver necessidade clara de se usar questões abertas e qualitativas, talvez seja útil considerar a mudança de técnica (ver Entrevistas, adiante). Porém, se for preciso compor um questionário com tipos variados de perguntas, convém iniciá­‑lo com as mais obje‑ tivas, deixando para o final as mais complexas6. De qualquer modo, recomenda­‑se evitar ques‑ tões que envolvam estimativas, cálculos ou in‑ formações muito específicas sobre um assunto (transgênicos, por exemplo).

6 No site Praticando Geografia (), encontram­‑se diversos modelos de questionário. Entretanto, ao fazer uma pesquisa, é fun‑ damental conceber e elaborar questionários próprios, adequados ao tema e aos objetivos da investigação.

Em todos os casos, é conveniente que o questionário não seja muito longo, pois nem sempre se encontram pessoas dispostas a respondê­‑lo e, quanto mais longo, mais resis‑ tência pode ser encontrada. Pais com crianças em momentos de lazer ou pessoas em compras ou apressadas indo ao trabalho são exemplos de segmentos que podem resistir a doar seu tempo para responder a um questionário. Há casos, no entanto, em que as especificidades científi‑ cas do estudo exigem extremo detalhamento de dados obtidos por longos questionários, além de acompanhamento a longo prazo7. Os questionários podem ser remetidos para a população­‑alvo por e­‑mail ou por carta, mas, nesses casos, o risco de não obtê­‑los de volta é grande. Lenon & Cleves (1996, p. 9) estimam um retorno de cerca de 30% para os questioná‑ rios enviados pelo correio tradicional (no con‑ texto britânico), enquanto Holmes e Farbrother (2003) estimam um retorno de, no máximo 25%, ficando o percentual em muitos casos em torno de 10%. Mesmo assim, caso seja essa a opção, sugere­‑se incluir uma carta de apresen‑ tação do questionáiro (o site Praticando Geo‑ grafia disponibiliza exemplos) e um envelope já selado para a postagem de retorno. O layout do questionário deverá ser concebido de forma cla‑ ra e descomplicada, pois o questionado pode se indispor diante de formulários complexos, mal impressos ou dúbios. Finalmente, se o correio tradicional pode ser mais cômodo, ele apresenta algumas desvantagens como: maior custo, per‑ da de garantia da autoria das respostas e im‑ possibilidade de esclarecimentos de eventuais dúvidas do questionado. Um questionário pode

7 A exemplo do ELSA (Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto), desenvolvido pelo Hospital Universitário da USP em parceria com diversas outras instituições. Nesse caso, a necessidade de detalhamento e de man‑ ter a constância e a disponibilidade da amostragem são variáveis determinantes para garantir os resultados esperados.

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também ser aplicado por telefone e, nesse caso, pode­‑se imaginar quais seriam as vantagens e desvantagens. Entre todas as formas, a mais conveniente é aquela em que o pesquisador fala com seu interlocutor frente a frente. Há casos, no entanto, em que, pelas características do público­‑alvo, o contato pessoal pode não ser seguro nem receptivo, o que pode inviabilizar a aplicação da técnica. Já se conhece casos em que pesquisadores passaram a ser hostilizados na comunidade que tentavam estudar. Ao propor a alguém que responda um ques‑ tionário, é necessário explicar seu objetivo, de que estudo faz parte e quanto tempo tomará. A forma de abordagem influencia o sucesso ou o fracasso da técnica, pois pode demonstrar mais amadorismo ou profissionalismo, influenciando na seriedade das respostas. É com o tempo e com a prática que se adquire mais eficiência na forma de abordagem e sensibilidade para me‑ lhor adaptá­‑la às características do público­‑alvo. Há coisas que não se perguntam (por exemplo, sexo8) e outras que se evitam (idade, renda), mas que podem ser sondadas por categorias (de 15 a 30 anos, acima de 60 etc.). Sempre será útil testar o fomulário de ques‑ tões, fazendo uma espécie de test drive para ve‑ rificar como ele funciona, aplicando­‑o a cerca de 10 pessoas daquele público­‑alvo, com as variações necessárias (conscientes que serão “cobaias”). Eventualmente, surgirão problemas operacionais, são mais extensos do que se ima‑ gina, como: dificuldade de entendimento de alguma questão, ambiguidades, etc. Qualquer problema detectado pelo público­‑alvo teste po‑ derá ser corrigido antes da aplicação definiti‑ va da técnica. A aplicação de um questionário deve durar em torno de 15 minutos (lembre­‑se

8 Embora o IBGE tenha orientado os recenseadores a fazerem esta pergunta, no Censo 2010, padronizando um procedimento para eliminar eventuais dúvidas e respeitar em cada um a percepeção de si mesmo. O mesmo ocorre em relação à cor de pele.

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de que não é uma entrevista) e o pesquisador gastará em torno de meio dia aplicando todos os formulários, o que pode variar se ele precisar mudar de local e de horários. Recomenda­‑se ter em mãos formulários extras, além de espaço nas margens dos formulários para observações ou classificação prévia das respostas. A aplicação do questionário poderá ser feita pelo próprio estudante ou pesquisador. Caso se trate de um trabalho em grupo, pode­‑se dividir a aplica‑ ção em setores, horários etc. Caso se trate de uma pesquisa científica mais ampla (mestrado ou doutorado), a aplicação pode ser delegada a terceiros, por exemplo, estagiários, contanto que se tenha a fidedignidade e o rigor cientí‑ fico assegurados. Alerta­‑se para o fato de que a aplicação de um mesmo questionário ocorre uma só vez. Assim, se houver falha na sua ela‑ boração ou aplicação e um aspecto importante deixar de ser contemplado, a informação será perdida definitivamente, a não ser que a pesqui‑ sa tenha sido feita pelo correio, e, mesmo assim, será difícil recuperá­‑la. Enfim, reforçamos a ideia apresentada no Capítulo 1 deste livro (A Técnica e a Observa‑ ção na Pesquisa) de que a melhor forma de se dominar uma técnica é praticando­‑a. A siste‑ matização dos dados (tabulação, elaboração de gráficos, cartogramas) poderá ser feita em um dia, a depender das habilidades computacionais do pesquisador. Esta fase terá a contribuição da Cartografia Temática e da Estatística, ambas áreas contempladas neste livro (ver Capítulos 8 e 22, respectivamente). A análise dos dados, po‑ rém, embora já possa ir se delineando durante a aplicação e sistematização, exige mais tempo, pois a reflexão não pode ser estancada dentro de um período predeterminado.

Análise dos resultados Apresentar dados numerosos, representa‑ tivos, bem sistematizados, mas sem reflexão

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analítica sobre eles, é como preparar uma boa refeição e não comê­‑la, como vestir uma roupa e não ir para a festa, ou seja, é frustrante. Sem análise, os dados não se transformam em infor‑ mações, em conhecimento, permanecendo no nível técnico, ainda aquém do científico. Por mais que alguns softwares disponham de comandos como “análise de dados”, quem deve fazer a análise é o sujeito, não o computador. Este equipamento pode ajudá­‑lo a sistematizar, classificar, calcular mais rapidamente etc., mas analisar é um procedimento metodológico; uma estratégia de raciocínio que, até o momento, é prerrogativa dos seres humanos. Porém, o geó‑ grafo deve apoiar­‑se em técnicas estatísticas para assegurar a qualidade da análise. A forma de agrupamento das respostas 9, o estabeleci‑ mento de muitas ou poucas classes, o intervalo de tempo considerado, o uso de médias, me‑ dianas ou modas, todos esses aspectos podem produzir diferentes resultados. Desta forma, uma mesma pesquisa pode apresentar resulta‑ dos discrepantes e até conflitantes dependendo de como os resultados sejam sistematizados e analisados. Portanto, recomenda­‑se o estudo do Capítulo 22 (Estatística Descritiva em Sala de Aula), como apoio técnico preliminar à siste‑ matização dos resultados de um questionário. Metodologicamente, dentro do procedi‑ mento analítico há várias possibilidades com‑ plementares, por exemplo: classificações e es‑ tabelecimento de padrões; análise comparativa entre duas ou mais amostragens ou contextos; análise evolutiva dos dados em determinado pe‑ ríodo de tempo, que permite elaborar prognós‑ ticos; e a mais complexa, a análise integrada, em que vários aspectos serão integrados para se produzir uma explicação ou uma conclusão, por exemplo, quando se articulam dados de ren‑

9 Veja exemplos de como se alteram os resultados segun‑ do diferentes agrupamentos de dados no Capítulo 12 – Técnicas de Geografia da Saúde, no item “Representa‑ ção Cartográfica”.

da, escolaridade e acesso à assistência médica com a alta taxa de mortalidade infantil. Nes‑ se momento, o trabalho, ao fazer uso do mé‑ todo (análise integrada, nesse caso), começa a tornar­‑se científico e o questionário, de simples técnica de coleta de dados passa a fundamentar empiricamente um argumento. O espírito crítico deve permear todas as fa‑ ses da análise. A fidedignidade dos dados, por exemplo, é algo acerca de que nunca teremos total segurança, pois é comum, em questioná‑ rios, que as pessoas respondam o que lhes pa‑ rece melhor, ou mesmo o que gostariam que fosse, ou ainda o que acham que o pesquisa‑ dor gostaria que elas respondessem. E essas limitações devem sempre ser ressaltadas. Ain‑ da de acordo com o mesmo espírito crítico, as conclusões advindas da análise serão sempre relativas, nunca absolutas. Sempre haverá pos‑ sibilidade de outras intepretações, ou inclusão de novas variáveis que alterariam os resultados, por exemplo: melhorias no saneamento básico poderiam alterar a taxa de mortalidade infantil, apesar dos baixos índices de escolaridade e da falta de acesso à assistência médica. Quando se apresenta uma determinada situação revela‑ da pelo questionário, deve­‑se tentar buscar as razões que a explicam (conclusão advinda da reflexão). Contudo, o bom pesquisador deve ter consciência dos limites de sua análise e acolher novas contribuições.

ENTREVISTAS A realização de uma entrevista é uma téc‑ nica na qual a interlocução é mais profunda e equilibrada, pois não se limita ao esquema pergunta­‑resposta, podendo haver um diálo‑ go orientado por uma temática. Essa técnica mostra­‑se útil para a obtenção de informações mais qualitativas, que não seriam obtidas em outras fontes de base material. Uma entre‑

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vista pode ajudar o pesquisador a corroborar seus argumentos, ao mostrar que uma autori‑ dade em determinado assunto também pensa como ele; pode trazer evidências positivas ao que afirmara ou esteja buscando afirmar. Tam‑ bém é comum que uma entrevista revele fa‑ tos ou dados novos enriquecendo as reflexões acerca daquele assunto em pauta. Por exemplo, quando eu buscava, por meio de uma entrevis‑ ta, um reforço para um argumento explicativo que relacionava legislação ambiental rigorosa, queda no valor dos imóveis e ocupação irregu‑ lar do território, o agente imobiliário entrevis‑ tado mencionou um fato que não havia sido considerado no argumento inicial: a crimina‑ lidade como fator de desvalorização imobiliá‑ ria, o que gerou uma nova variável no estudo em questão10. Isso demonstra que a entrevista é um momento vivo, um encontro de subjeti‑ vidades, uma construção colaborativa. Uma entrevista pode, inclusive, gerar informações contrárias aos argumentos propostos, o que cientificamente teria o mesmo valor e poderia amadurecer a reflexão. A entrevista é recomendada para uma am‑ pla gama de assuntos que envolvem ações hu‑ manas. Gestores públicos, lideranças comu‑ nitárias, cientistas, empresários, professores renomados podem ser alvos” de entrevistas, a depender do assunto tratado. Mas a “qualidade da amostragem”, ou seja, do interlocutor entre‑ vistado, não se relaciona apenas com uma cer‑ ta importância ou status do entrevistado, já que (novamente) em ciência nada é importante a priori, a importância científica de algo advém da sua relação com uma problemática de pesquisa, com uma hipótese. Um cidadão comum, por exemplo, que sofreu uma desapropriação, pode

ser mais importante para uma entrevista do que um político influente que a comandou, depen‑ dendo do objetivo e do enfoque do estudo. Há que se considerar, também, que as aná‑ lises não podem ser tendenciosas, ou seja, uma temática deve ser tratada sob os diferentes ân‑ gulos que apresenta. Assim, ao se entrevistar um cortador de cana, mas também um em‑ presário do setor sucroalcooleiro e um político local, a análise será mais rica. Por outro lado, se já se tem conclusões prévias (e não se quer mudá­‑las) e se tender a apenas uma dimensão da questão estudada, a análise integrada (prin‑ cipal procedimento metodológico do geógrafo) resultará enfraquecida, pois não haverá muito o que se integrar. Os resultados terão a caracte‑ rística de doxa11 e perderão cientificidade. Nes‑ se caso, nem seria preciso entrevistar ou pesqui‑ sar, já que as conclusões estavam elaboradas a priori e buscou­‑se apenas algumas palavras ami‑ gáveis a elas. No caso referido anteriormente, logo após a entrevista com o agente imobiliário, busquei entrevistar alguns cidadãos que tinham sido roubados e que, por isso, colocaram suas propriedades à venda, o que contribuiu para a queda dos preços dos imóveis. O ponto de vista dos ladrões não foi incluído por razões óbvias12. Ao se estudar o uso público de uma unidade de conservação, um parque nacional, por exem‑ plo, certamente o diretor e um monitor poderão ser entrevistados para se obter de informações qualitativas. Complementarmente, a aplicação de questionários a usuários do parque poderá oferecer respaldo quantitativo às informações qualitativas obtidas nas entrevistas. Portanto, a combinação dessas técnicas enriquece a refle‑ xão e fortalece os argumentos.

10 VENTURI, L. A. B. Itapecerica da Serra – ocupa‑ ção e uso do território. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departa‑ mento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.

11 Ver seção Glossário ao final do capítulo. 12 O geógrafo geralmente não dispõe, como o antropólo‑ go, de domínio metodológico e técnico para se inserir com segurança em ambientes de risco. A esse respeito, ver Zaluar (2009).

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O preparo da entrevista Assim como a aplicação de questionário, a rea‑ lização de uma entrevista é uma técnica cujo ins‑ trumento não está disponível no mercado ou nos laboratórios, ele deve ser elaborado pelo próprio pesquisador. Além disso, esse instrumento, cha‑ mado de roteiro de entrevista, servirá apenas para uma pesquisa, sem possibilidade de reciclagem. A elaboração de um roteiro de entrevista inicia­‑se ao estabelecer um objetivo norteador. É preciso ter claro quais informações se preten‑ de obter do interlocutor, caso contrário a entre‑ vista se tornará um “chá das cinco” e, mesmo que o chá seja bom, pode­‑se perder a oportu‑ nidade de obter informações importantes e/ou encher­‑se de detalhes irrelevantes. A entrevista é objetiva e subjetiva ao mesmo tempo, por isso o roteiro deve apresentar certa flexibilidade; o entrevistado pode se estender um pouco mais em um aspecto e evitar outro. Assim, um roteiro deve se constituir de apenas algumas questões relativamente abertas, para que o entre‑ vistado possa expressar seu conhecimento e suas opiniões acerca daquele assunto. Perguntas que exigem resposta fechada, tipo sim ou não, devem ser evitadas, pois estancam o fluxo de informa‑ ções advindas da rica fonte que é o entrevistado. A qualidade dessas questões e, consequen‑ temente, da interlocução será maior se o entre‑ vistador buscar conhecimento prévio, tanto do assunto, atualizando­‑se, como da pessoa entre‑ vistada. Isso vai demostrar seriedade, preparo e haverá mais respeito por parte do entrevistado. Seria constrangedor, por exemplo, entrevistar um professor sem saber que publicou recente‑ mente um livro sobre o assunto tratado na en‑ trevista; ou perguntar ao diretor de um parque sobre as expectativas de elaboração de um pla‑ no diretor, sendo que ele já existe. Outro aspecto que contribui para elevar a qualidade do roteiro e, consequentemente, da entrevista, é o encadeamento entre as questões. Uma questão deve conduzir para a próxima, de

modo que se deve, na medida do possível, evi‑ tar mudanças repentinas de assunto. O nível de complexidade também deve ser gradativo. Ini‑ ciar a entrevista com uma questão muito com‑ plexa pode gerar um certo mal­‑estar e dificulda‑ de para voltar, depois, a questões mais simples. Esse encadeamento permite ao entrevistador manter certo controle e voltar de maneira bran‑ da ao tema principal, caso o entrevistado se alon‑ gue numa resposta e se distancie do tema. Isso pode acontecer, uma vez que ele é um sujeito, com interesses próprios, e não uma máquina de respostas. Um bom roteiro ajuda, então, a equi‑ librar e harmonizar a objetividade necessária e a subjetividade característica da entrevista13. Se o roteiro for elaborado quando já se sabe quem vai entrevistar, ele pode ser “adaptado” às características do entrevistado (caso as conheça). Se ainda não estiver definido quem será entrevis‑ tado, essas adaptações podem ser feitas durante a entrevista, já que o roteiro é flexível. De qual‑ quer modo, a escolha do entrevistado é impor‑ tante, pois revela a “qualidade da amostragem”. O interlocutor deve ser alguém conhecedor do assunto estudado, ou alguém que experimentou uma situação relevante para sua pesquisa (aque‑ le que foi desapropriado, por exemplo). Pode­‑se escolher alguém simplesmente por ter opinião oposta ao senso comum ou a um primeiro entre‑ vistado. De qualquer forma, justifique suas es‑ colhas e, quaisquer que sejam, o escolhido deve ter disponibilidade para conceder a entrevista. Como são predominantemente qualitativas, as entrevistas terão número reduzido, comparando­ ‑se com os questionários. Enquanto se recomen‑ dam 50 a 100 questionários (segundo os autores citados para uma pesquisa escolar), duas ou três

13 Existem diversos modelos de entrevistas, abertas ou fechadas. O site Praticando Geografia () traz alguns modelos que poderão servir de exemplo na elaboração de roteiros próprios.

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boas entrevistas já podem ser suficientes para abordar um tema sob diferentes pontos de vista. Ainda em relação ao preparo da entrevista, deve­‑se considerar alguns aspectos logísticos. É absolutamente necessário um contato prévio, se possível por escrito, para obter a concordância do entrevistado. Nesta ocasião, é conveniente munir­‑se de carta de apresentação da escola ou faculdade esclarecendo o tema, o objetivo da entrevista, o tempo que será demandado (acon‑ selhável entre 30 a 50 minutos) e solicitando per‑ missão para gravar ou filmar, caso seja necessá‑ rio. É indelicado ligar, de repente, um gravador ou uma câmera filmadora durante a entrevista, pois a permissão para entrevistar não se esten‑ de a gravar ou filmar, automaticamente14. Nes‑ se contato prévio pode­‑se também justificar por que o entrevistado foi escolhido para a pesquisa. Se obtiver resposta positiva, já se pode, então, sugerir data, local e, caso seja demandado, enviar o roteiro previamente, para que o entrevistado já comece a pensar nas respostas. Finalmente, a simulação da condução de uma entrevista pode ser útil para se detectar al‑ guns eventuais problemas, como ambiguidades, inadequação do tempo previsto com o roteiro de questões etc. Este exercício, que pode ser feito com algum colega ou com um professor, não deve ser interrompido, para que se pos‑ sa ter uma ideia exata do tempo de duração; anotam­‑se possíveis falhas, dúvidas ou observa‑ ções para, após a simulação, refletir sobre elas e, eventualmente, corrigi­‑las.

A condução da entrevista: instrumentos e procedimentos O principal instrumento da entrevista é o roteiro, como visto, elaborado especificamente

14 Algumas questões éticas como essa e outras são apon‑ tadas por Marangoni (2007, p. 173).

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para ela. Outros instrumentos podem dar apoio, se necessário e se permitido pelo entrevistado, como gravador, câmera fotográfica (Capítulo 19 – Técnicas de Fotografia) e filmadora (Ca‑ pítulo 20 –Técnicas de Vídeo). Minimamente, é desejável que se tenha caneta e caderno de no‑ tas. Uma habilidade interessante que tem sido esquecida diante dos aparatos tecnológicos é a taquigrafia: a arte de escrever simplificadamen‑ te, com auxílio de sinais, na mesma velocidade com que se fala. Esta técnica também é muito útil em trabalhos de campo que, muitas vezes, exigem anotações rápidas. Muitas entrevistas orientadas por bons ro‑ teiros e com interlocutores bem escolhidos podem falhar, devido à sua má condução, ou seja, um procedimento técnico inadequado e ineficaz. Durante a pós­‑graduação, no final dos anos 1980, uma colega relatou­‑nos um fato que lhe foi marcante. Como estudava transforma‑ ções urbanas, decidiu entrevistar o proprietário de uma antiga padaria de um bairro central da cidade de São Paulo. O objetivo era claro, o ro‑ teiro estava bom e o entrevistado era adequado para a pesquisa. No entanto, ao chegar lá sem avisar, em horário de movimento, não conse‑ guiu a atenção do entrevistado e a entrevista era constantemente interrompida. Negligenciou­‑se, neste caso, alguns aspectos logísticos da pre‑ paração da entrevista. Não raro, estudantes de graduação que enfrentam dificuldades em obter uma entrevista nos dizem: “deve ter coisa aí… eles estão escondendo alguma coisa…”, quando na verdade pode ser apenas uma falha no preparo ou no procedimento da entrevista. O entrevistador deve ter bom­‑senso e sen‑ sibilidade a vários aspectos da pessoa e do am‑ biente onde a entrevista ocorrerá. Formalidade ou informalidade excessiva pode atrapalhar. Por vezes, pode­‑se optar por mais descontra‑ ção, mas essa deve ser uma escollha consciente de procedimento técnico e não uma aleatorie‑ dade. É comum lermos nas entrelinhas de es‑ tudos frases como: “em conversas informais com

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um funcionário, notou­‑ se que…”. Isso pode ser questionado, pois dá um tom aleatório à ”con‑ versa”, assemelhando­‑se a um encontro casual que poderia ter ocorrido ou não. Obviamente, se em campo encontrarmos ao acaso alguém que seria importante entrevistar, não deixare‑ mos de fazê­‑lo porque não houve preparo pré‑ vio. Conhecendo as principais características dessa técnica, seremos capazes de preparar ra‑ pidamente um roteiro e realizar a entrevista no campo, sistematizando­‑a, posteriormente, em gabinete. Convém considerar o ambiente em que a entrevista ocorrerá, vestindo­‑se discretamente, adotando uma postura adequada e voltando­ ‑se de maneira atenciosa para seu interlocutor. É indelicado interromper o entrevistado, insis‑ tir em uma resposta que se esperaria dele, fo‑ lhear papéis enquanto ele fala, atender telefo‑ ne, enfim, tudo o que o bom­‑senso nos ensina a evitar. É desnecessário também usar a técnica de mimetização; o entrevistador não precisa se pa‑ recer com o entrevistado para lhe conquistar a confiança, o que será mais fácil de obter se se portar com discrição e naturalidade. Quan‑ do conduzia um trabalho de campo no interior paulista15, observei que um dos alunos entre‑ vistava um cidadão em “caipirês”, crendo assim aproximar­‑se do entrevistado, obter seu respei‑ to e criar cumplicidade com ele. O fato é que, embora bem pronunciado (o sinhor trabáia por aqui mêmo?), o ”caipirês” do aluno soava artifi‑ cial. Esse tipo de mimetização pode ofender o entrevistado e comprometer a entrevista. Também é prudente atentar para um pos‑ sível desconforto do entrevistado em relação ao tema tratado, o que se pode notar por respos‑ tas curtas ou desvios de assunto. Nesse caso,

15 Como parte do programa da disciplina Técnicas de Campo e Laboratório, oferecida em 2008, no curso de Geografia da USP.

é desaconselhável insistir em certas perguntas ou respostas, o que se configuraria como uma tentativa de manipulação de dados. Perguntas de caráter pessoal podem incomodar o entre‑ vistado e devem ser evitadas, a menos que ele próprio as autorize. Como visto, uma entrevista deve ter flexibi‑ lidade, sem perder o fio condutor do roteiro, o qual deve orientar, sem cegar. O entrevistador deverá estar abertamente atento para informa‑ ções que não estavam no script, mas que podem se revelar importantes. Convém lembrar que, se a fala do entrevistado for contrária à sua ideia, ela terá o mesmo valor científico, pois hipóteses e argumentos não existem apenas para serem confirmados, mas, sobretudo, para serem ve‑ rificados e contestados, ainda que isso possa, inicialmente, ferir nossa autoestima. Quando eu entrevistava um funcionário do IBAMA em Brasília16, obtive uma informação completa‑ mente contrária ao que esperava. Como a hi‑ pótese principal que norteava a pesquisa rela‑ cionava a degradação de um parque Nacional a uma possível escassez de recursos financeiros (hipótese, aliás, com certo teor de senso co‑ mum), a informação de que o Parque estudado dispunha do segundo maior orçamento entre todos soou­‑me como um sinal fechado. Após aquela sensação inicial de “meu mundo caiu”, uma conversa com meu orientador, o professor Felisberto Cavalheiro (in memoriam) mostrou­ ‑me o quanto aquela informação era cientifica‑ mente relevante, aconselhando­‑me a incorporá­ ‑la na argumentação. Retomando os aspectos operacionais, no decorrer de uma entrevista pode­‑se observar, ocasionalmente, algum desconforto em rela‑ ção ao tempo, quando o entrevistado começa a

16 No início dos anos 1990, como parte de pesquisa de mestrado. Naquela época não existiam dados disponí‑ veis na internet como atualmente, nem tecnologia de teleconferência, de modo que os deslocamentes eram mais necessários.

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consultar o relógio constantemente ou senta­‑se na beirada da cadeira. Isso pode ocorrer caso se ultrapasse o tempo combinado ou se o en‑ trevistado começar a perder o interesse pela conversa. Finalmente, um pouco de descontração pode ser desejável, sobretudo nos momentos fi‑ nais. É recomendável pensar em algo que, natu‑ ralmente, faça a entrevista terminar de maneira descontraída. A riqueza das subjetividades que envolvem a entrevista pode se perder quando ela é reali‑ zada por telefone. Uma conversa face a face, in loco, é um autêntico trabalho de campo. Se o pesquisador não for até lá, certamente perderá aspectos mais sutis que permeiam essa vivência. Por tudo isso, deve­‑se evitar delegar a entrevista a terceiros (o que é possível com os questioná‑ rios) para que o pesquisador não perca todas es‑ sas nuances (subjetivas) e tenha maior controle sobre os procedimentos.

Sistematização e interpretação da entrevista Inicialmente, recomenda­‑ se que se expo‑ nham algumas informações sobre o interlocu‑ tor para que o teor da entrevista seja mais bem compreendido. Deve­‑se, no entanto, preservar sua identidade, se assim for desejado. Em seguida, inicia­‑se a transcrição da en‑ trevista na íntegra, embora ela não seja incor‑ porada no estudo nesse formato, mas apenas em trechos (a versão na íntegra pode compor um anexo, se não for muito longa). As dúvidas começarão a aparecer já neste momento: as in‑ terrupções, os erros de português, os risos, os palavrões… tudo deve ser transcrito fielmente? A princípio sim, mas depois deve­‑se tentar re‑ solver cada caso de dúvida, usando muito bom­ ‑senso, com auxílio do professor ou orientador e, eventualmente, consultando­‑ se o próprio entrevistado. Existem algumas orientações bá‑

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sicas e inclusive normas de transcrição conversa‑ cional, Castilho (2001)17. Jamais se deve publicar ou divulgar uma en‑ trevista, ou trechos dela, sem pedir a permissão do entrevistado. Da mesma forma que a auto‑ rização para entrevistar não se estendia para gravar ou filmar, também não se estende à pu‑ blicação e divulgação, o que só deve ser feito me‑ diante autorização por escrito do entrevistado. Transcrita a entrevista, analisam­‑se os tre‑ chos e as passagens mais importantes, ou seja, aqueles que ajudam a corroborar ou contestar sua hipótese, que trazem informações novas, que esclarecem dúvidas, enfim, que melhor atendam aos objetivos preestabelecidos. Esses trechos podem ser transcritos na versão origi‑ nal, entre aspas, ou, se algumas daquelas dúvi‑ das que aparecem na transcrição não tenham sido resolvidas, pode­‑se referir a elas com suas próprias palavras, contanto que o sentido seja fielmente preservado. Após a citação de um trecho, apresenta­‑se uma reflexão, uma inter‑ pretação comentando, por exemplo, em que medida essa informação confirma ou refuta uma ideia; em que medida traz informação complementar importante. A interpretação já estará ocorrendo no momento da entrevista; lembramos que não há observador ideal e que observação e interpretação ocorrem concomi‑ tantemente (Capítulo 1 – A Técnica e a Obser‑ vação na Pesquisa). O que se faz é refletir um pouco mais sobre o material coletado e mate‑ rializar essa reflexão na forma de texto, para que possa ser compartilhada. As interpretações e conclusões advindas do material da entrevista são de inteira responsabi‑ lidade do pesquisador, podendo, inclusive, não ter a concordância do entrevistado. Ocorre por

17 O site Praticando Geografia () traz algumas orientações que podem ser úteis na elaboração de estratégias para a transcri‑ ção. Essas orientações podem ser consultadas gratui‑ tamente.

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vezes que o entrevistado, ao ler sua entrevista publicada, reclama não ter dito aquilo daquela maneira. Na interpretação do pesquisador, um determinado aspecto pode ser mais enfatizado, posicionamentos podem ser assumidos e dados considerados pouco relevantes podem ser omi‑ tidos. A omissão ou ênfase a certos fatos é feita segundo algum critério e poderá ser objeto de questionamento. Recomenda­‑se enviar a transcrição para ava‑ liação do entrevistado e, ao final, enviar­‑lhe uma carta de agradecimento, ressaltando sua contri‑ buição para o enriquecimento da pesquisa.

DEPOIMENTOS ORAIS – CONVERSAS O depoimento oral é uma fala autêntica, um relato de vida, sem roteiro nem script preesta‑ belecido, apenas abrigado em um tema amplo, repleto de informações e, sobretudo, de subje‑ tividades, como opiniões, características cultu‑ rais, crenças, emoções. O pesquisador iniciará com uma questão aberta que permite uma fala longa, por exem‑ plo: “como era a vida aqui na época que o senhor chegou?”. Poderá também interferir algumas ve‑ zes perguntando algo ou pedindo algum deta‑ lhe, mas trata­‑se essencialmente de uma técnica mais aberta ainda do que a entrevista, capaz de identificar importantes subjetividades e detec‑ tar sutilezas que escapariam a um roteiro ou a um formulário de questões. A “coleta” de um depoimento oral atende a diversas áreas da Geografia e ciências afins; é uma técnica muito útil para estudos que focam processos de transformação do espaço e da pai‑ sagem, que se refletem na vida das pessoas. Por isso, essas transformações podem ser resgatadas pela fala dos que as viveram: um antigo mora‑ dor, um migrante, um membro de comunidade indígena, um quilombola, enfim, uma pessoa

que tenha alguma “história para contar” relativa ao tema estudado, enriquecendo sua compreen‑ são e trazendo­‑lhe autenticidade. Por exemplo, num estudo sobre inclusão social, pode­‑se co‑ lher um depoimento oral de um menor que foi retirado da rua e trazido para uma escola ou outra instituição; um portador de necessidades especiais que se habilitou para uma profissão; uma mãe de família que passou a trabalhar em cooperativa organizada pela comunidade. Estu‑ dos demográficos podem demandar depoimen‑ to oral, por exemplo, de um migrante, relatando as mudanças ocorridas, as razões da migração, suas condições atuais etc. Em estudos relacionados ao meio ambiente, pode­‑se colher um depoimento oral tanto de um cidadão comum que passou a reciclar lixo como de um ambientalista notório, dependendo do foco do estudo. Recordo­‑me quando, no pri‑ meiro semestre de 1988, Chico Mendes fez um depoimento oral no Departamento de Geogra‑ fia, alguns meses antes de sua morte18. Ali ficou claro para todos a riqueza da experiência de um depoimento oral e o decorrente fortalecimento do vínculo do ouvinte com a realidade. No entanto, o geógrafo normalmente não tem as mesmas habilidades que o antropólogo ou o psicólogo para interpretar um depoimen‑ to oral e tenderá a focar as informações mais objetivas extraídas dele. Ao aventurar­‑se em in‑ terpretações acerca das características psicoló‑ gicas ou antropológicas do indivíduo, é preciso que o geógrafo busque apoio conceitual nessas respectivas áreas. Os depoimentos orais são apoiados por ins‑ trumentos como gravadores, câmeras fotográ‑ ficas e, sobretudo, filmadoras, já que nem só as palavras são importantes, mas os gestos, as expressões faciais e a ambientação.

18 Esse depoimento ocorreu por ocasião da criação do Comitê dos Povos da Floresta, que reunia seringueiros e indígenas, segundo o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, organizador do evento.

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PESQUISA PARTICIPANTE Para os antropólogos, a pesquisa participan‑ te é geralmente tratada enquanto método que pode ser apoiado por várias técnicas, inclusive entrevistas e depoimentos orais que podem ainda ser individuais ou em pequenos grupos. A Antropologia talvez seja a área do conheci‑ mento mais bem fundamentada para o uso de tal procedimento, o que não impede que seja usado por outras áreas. Quando usada a pesquisa participante pelo geógrafo, deve­‑se zelar pela cientificidade bus‑ cando apoio metodológico e conceitual. Não basta se inserir por algum tempo no seio de uma comunidade e engajar­‑ se em seus pro‑ blemas para empreender­ uma pesquisa parti‑ cipante. Qual o tempo ideal de permanência? Qual o nível de aproximação mais adequado? Que grau de cumplicidade e confiança se deve atingir? Inserir­‑se em seu “objeto de estudo” permite­‑lhe fundir­‑se a ele ou a relação sujeito­ ‑objeto deve ser preservada? Como filtrar o ex‑ cesso de subjetividade e a emoção da vivência em campo para poder extrair argumentos com um mínimo de objetividade, já que se trata de conhecimento científico e não de simples relato de experiências? Relatou­‑nos um aluno19 que trabalhava na Amazônia um caso que poderia ilustrar alguns possíveis descaminhos da pesquisa participan‑ te. Havia chegado ali uma cientista estrangeira para empreender uma pesquisa participante sobre a sexualidade feminina em comunida‑ des isoladas. Ela instalou­‑se no seio da comu‑ nidade e colhia depoimentos das mulheres, tentando compartilhar suas vivências. Contou­ ‑nos o aluno que as mulheres da comunidade divertiam­‑se à noite combinando o que respon‑

19 Aluno do curso de Bases Teóricas e Metodológicas da Pes‑ quisa em Geografia Física, por mim ministrado no Pro‑ grama de Pós­‑ Graduação em Geografia Física – USP, em 2008.

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deriam para a pesquisadora no dia seguinte. Criavam histórias fantasiosas para chamar a atenção dela, as quais, certamente foram pu‑ blicadas na Europa. Talvez o distanciamento cultural, linguístico, socioeconômico, além do despreparo metodológico da pesquisadora, te‑ nham contribuído para esse resultado, distante da realidade. Zaluar (1986) faz uma interessante análise crítica da relação entre “o nativo, observado” e o “observador absoluto”, senhor do logos. E alerta para que esta relação sempre seja colocada em questão, juntamente com o objetivo de estudo, pois a inserção de um sujeito estranho em uma comunidade pode mudar as relações de poder dentro dela, entre outros efeitos. A autora tam‑ bém alerta para o engajamento absoluto do pesquisador agente político nos problemas da comunidade, quando ocorre o risco de se “cris‑ talizar a identidade negativa (pela falta)” (p. 113) deixando a cultura nos bastidores da pesquisa, abandonando­‑se as marcas positivas dessas co‑ munidades. O pesquisador pode tornar­‑se, nes‑ ses casos, um mero “intermediário entre o grupo que estuda e o resto do mundo” (p. 114) e amorte‑ cer a tensão observador­‑observado, necessária à pesquisa participante; “esta dialética da aproxi‑ mação distanciamento […] some na luta por uma creche no bairro popular” (p. 112)20. Seria necessário, então, um certo distan‑ ciamento para se manter o rigor científico; é preciso “se aproximar para conhecer e se afastar

20 Essas questões, no entanto, extrapolam o domínio da pesquisa participante e remontam à gênese do conhe‑ cimento. Segundo Johannes Hessen, na perspectiva da teoria do conhecimento, sujeito e objeto perma‑ necem eternamente separados, embora tensionados por uma relação de reciprocidade (a existência de um depende da do outro), mas nunca de reversibilidade (não trocam de posições). O dualismo do sujeito e do objeto pertence à essência do conhecimento. (HES‑ SEN, 2003, p. 20).

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ESTUDOS DE PERCEPÇÃO para entender […] para garantir um mínimo de ob‑ jetividade do pesquisador e acesso à subjetividade dos pesquisados” (ZALUAR, 2009, p. 4, versão eletrônica). A total inserção na sociedade es‑ tudada, “em última análise, significaria negar o lugar do observador e, portanto, qualquer objeti‑ vidade” (p. 6). Todas essas questões devem ser refletidas ao se adotar a pesquisa participante como proce‑ dimento de pesquisa; e o geógrafo, normalmen‑ te, não tem as soluções para elas. Além disso, as respostas para essas questões não são fixas, podendo variar de acordo com as caracterísri‑ cas do grupo estudado. Por exemplo, uma co‑ munidade mais instruída poderá compreender melhor o significado da pesquisa e ficará menos desconfiada; um grupo mais apegado aos valo‑ res culturais poderá reagir de outra forma; se a comunidade estiver passando por necessidades básicas, sofrendo pressões, pode colaborar me‑ diante promessas de contrapartida (que não de‑ verão ser demagogicamente oferecidas, já que a pesquisa em si não garante nenhuma mudança); se for uma comunidade caracterizada por forte violência, talvez o pesquisador não tenha acesso direto a ela e tenha que buscar interlocutores intermediários. Tudo isso deve ser considera‑ do no “ajuste metodológico”. Observa­‑se, por exemplo, que, não raro, as populações migra‑ das, “desterritorializadas”, apresentam menor apego ao lugar (topofilia) que estão e mais ape‑ go ao lugar de origem, o que pode fazer dife‑ rença na preservação do ambiente, adentrando para o tema da etnoconservação. Essas variá‑ veis alteram­‑se com o tempo e com as transfor‑ mações no espaço. Todos esses aspectos aqui reunidos nos mos‑ tram a complexidade de estudos dessa natureza, orientados pelo método da pesquisa participan‑ te, o que exige do geógrafo um grande esforço para aprender a manejar essa ”ferramenta meto‑ dológica” com o rigor científico necessário.

Algumas técnicas permitem investigar a per‑ cepção espacial ou o nível de conhecimento que uma pessoa ou grupo detém de um lugar, seja aquele em que vive ou outro. Como a percep‑ ção ou o conhecimento registram­‑se na mente de cada um mais por imagens do que por pa‑ lavras, a técnica mais comum para detectá­‑los é por meio de de mapas mentais. Assim, o co‑ nhecimento que se tem de um lugar transfere­ ‑se da mente para o papel, revelando­‑se por um desenho. Analisar o desenho de um mapa pode ser relativamente simples para o geógrafo. A den‑ sidade de elementos incluídos, a noção de dis‑ tâncias, de proporções, cada aspecto pode ser analisado um a um. Porém, a percepção de um único indivíduo faz pouco sentido para os estudos geográficos que focam mais grupos, comunidades e segmentos sociais. Assim, se‑ ria necessário aplicar a mesma técnica a uma amostragem de uma população, a ser escolhi‑ da segundo critérios já discutidos. No entanto, a liberdade que se tem para desenhar mapas mentais (além das diferentes habilidades de desenho dos indivíduos) reverte­‑se em dificul‑ dade de agrupá­‑los e classificá­‑los, enfim, de sistematizá­‑los para que se tranformem em informações passíveis de sustentarem algum argumento científico. Mesmo assim, alguns elementos são comuns nos mapas mentais. Es‑ tudos mencionados por Lenon e Cleves (1996, p. 86) indicam que há cinco elementos recor‑ rentes aos mapas mentais, que poderiam servir de parâmetros de comparação, a saber: 1) vias e caminhos; 2)  limites de áreas; 3)  praças e largos onde pessoas tendem a se concentrar; 4)  marcos paisagísticos, como monumentos ou feições naturais marcantes; 5) áreas imedia‑ tamente vizinhas de onde se está. Os autores afirmam que quanto mais desses elementos es‑ tiverem presentes no lugar a ser mapeado, mais fácil será desenhá­‑los, ao passo que a ausên‑

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cia desses elementos começa a tornar os ma‑ pas mais incompreensíveis e mais dificilmente comparáveis. Os estudos mencionados também sugerem que, em relação à percepção de distâncias, exis‑ te uma tendência em superestimar a distância daquilo que não se gosta e de elementos pouco atrativos. Assim, um lixão, por exemplo, ten‑ deria a ser representado, normalmente, mais distante do que realmente está. Mas as causas dessa tendência fogem ao domínio teórico­ ‑conceitual do geógrafo. Já em relação à percepção de riscos relativos à violência ou a ocorrências como inundações, deslizamentos ou contaminações, esses estudos sugerem que existe uma tendência em subes‑ timar os riscos por parte daqueles que vivem próximos a eles. Mais uma vez, se isso ocorre por apego ao lugar (apesar dos riscos), por falta de opção ou por outra razão, isso será mera es‑ peculação do geógrafo que, se for o caso, deverá buscar ajuda em outras áreas, como a Psicologia Social, por exemplo. Convém considerar que a percepção espa‑ cial varia com o tempo, assim como o nível de conhecimento que se tem do lugar21. Portanto, é essencial conhecer algumas características da população investigada, por exemplo, há quanto tempo estão ali e, inclusive, se são migrantes ou não, pois, como já visto, esse fato poderia alterar a relação das pessoas com o lugar. As técnicas de sondagem de percepção e conhecimento podem ser associadas àquelas dos questionários, por exemplo, mostrando­ ‑se um mapa ilustrado e propondo atribuição de notas (1 a 10) ou categorias (muito bom, bom etc.) para cada variável (limpeza, seguran‑ ça, amabilidade do entorno, qualidade ambiental etc.). Esse procedimento, por ser mais dirigi‑

do, pode facilitar a posterior sistematização de seus resultados, os quais poderão subsidiar ações, seja do poder público ou da própria co‑ munidade organizada. Finalmente, ressalta­‑se que a percepção em relação a lugares e situações pode envolver to‑ dos os sentidos humanos e ser averiguada de forma mais aberta e livre. Numa trilha, por exemplo, os alunos podem registrar sons, chei‑ ros, temperaturas, texturas e aspectos visuais da paisagem que mais lhes chamem a atenção. Estes aspectos poderão levar a conclusões do estado geral do ambiente, como preservação, degradação, qualidade de vida etc. O fato de registrarem aspectos muito distintos advém da grande subjetividade que envolve a percepção, fortemente influenciada por suas experiências, saberes, interesses. Outro fator que pode in‑ fluenciar a percepção de um lugar ou fato é a in‑ formação que se veicula acerca dele. O fato, por exemplo, de se perceber um lugar como sendo melhor, mais bonito ou desenvolvido (ou o con‑ trário), pode advir da propaganda que se veicu‑ la, nem sempre correspondente à realidade. Isso pode ser ilustrado pela forma como os alunos manifestam opiniões acerca de determinadas cidades, regiões ou estados, mesmo sem terem estado lá, o que poderá ser praticado em uma das atividades aqui propostas. Mais uma vez, alerta­‑se que o geógrafo, ao decidir lançar mão desses procedimentos, terá que buscar conhecimento complementar em obras e autores, muitas vezes de outras áreas.

21 A percepção da metrópole daquele garoto de 5 anos mencionado no Capítulo 1 será alterada com o decorrer dos anos.

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NA SALA DE AULA

Atividade 1: questionários e entrevistas Pede­‑se que o professor escolha com a classe um tema de pesquisa, por exemplo, qualidade ambiental do bairro em que a escola se insere. A partir desse tema e com base nas orientações dadas neste capítulo, elabora­‑se um formulário de questões que serão aplicadas aos moradores do bairro. Sugere­ ‑se refletir com os alunos sobre as seguintes questões: ¾¾que tipo de informações podem indicar a qualidade ambiental do bairro? A elaboração do formulário terá como base as respostas a essa questão; ¾¾qual o público­‑alvo; qual a quantidade ideal da amostragem e sua quali‑ dade (abranger diferentes faixas etárias, níveis de renda e escolaridade são variações importantes?); ¾¾em quais horários e em que lugares será realizada a pesquisa? Decidindo isso, divide­‑se a classe em grupos de trabalho; ¾¾testam­‑se alguns formulários, fazendo­‑se eventuais ajustes; ¾¾com os formulários preenchidos, pode­‑se convidar o professor de matemá‑ tica para participar da sistematização, na elaboração de gráficos, histogramas etc. Pode­‑se representar os resultados em mapas, com o auxílio da Cartografia Temática (Capítulo 8); ¾¾os resultados devem ser discutidos com os alunos em sala de aula; ¾¾utilizando­‑se do mesmo tema, elabora­‑se um roteiro de entrevista, seguin‑ do todas as orientações dadas neste capítulo. Como é importante abranger visões diferentes sobre o mesmo assunto, escolhe­‑se, agora, alguém do poder público responsável pela qualidade ambiental, por exemplo, um secretário do meio ambiente ou equivalente, se houver; ¾¾comparam­‑se as visões do poder público com aquela da população, discu‑ tindo as diferenças com os alunos.

Atividade 2: depoimento oral Ainda sobre o mesmo tema (que foi apenas uma sugestão), escolhe­‑se alguém que possa dar um depoimento oral; alguém envolvido com a questão ou que teve uma experiência importante, como ter passado por uma enchente, enfrentado um deslizamento etc. Deve­‑se filmar e fotografar o depoimento oral (com o apoio dos Capítulos 19 e 20, Técnicas de Fotografia e Técnicas de Vídeo – respectivamente), se assim for permitido. Ao final, comparam­‑se os resultados das três técnicas em torno do mesmo tema, possibilitando a reflexão sobre as seguintes questões: ¾¾As diferentes técnicas complementam­‑se?

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¾¾Há, entre elas, alguma mais confiável ou menos confiável? ¾¾Qual delas é mais operacional, mais prática? ¾¾Com qual delas você se identifica mais? Qual foi mais adequada ao assunto escolhido?

Atividade 3: percepção Disponibiliza­‑se para os alunos cópias de um mapa do Brasil com as di‑ visões estaduais e suas respectivas capitais. Pede­‑se aos alunos que escrevam sobre cada estado a primeira palavra que lhes vier a mente que o caracterize. Comparam­‑se as respostas escolhendo­‑se alguns estados e solicitando­‑se aos alunos que mencionem as palavras que escolheram, justificando­‑as. Este simples exercício dará informações sobre o que cada um conhece do Brasil e como percebem os diferentes estados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Como reflexão final, gostaria de ressaltar três pontos: o primeiro refere­‑se ao fato de que as técnicas aqui discutidas são apenas aparentemente simples e, talvez até por isso, amplamente utilizadas. No entanto, enquanto procedimen‑ tos de pesquisa, essas técnicas devem ser bem compreendidas quanto à sua concepção, estrutura, operacionalidade e resultados e, assim, serem utilizadas com diligência e rigor. O segundo ponto refere­‑se ao preparo técnico do geógrafo que, embora es‑ tude um amplo e diversificado temário, pode não dominar todas as técnicas que o subsidiam, devendo, assim, recorrer à ajuda de outras áreas de conhecimento sempre que necessário. O terceiro ponto de reflexão relaciona­‑se às características do pesquisador que irá lançar mão das técnicas aqui discutidas. Como elas envolvem encontros entre sujeitos, demandam mais do que a prática para produzirem bons resulta‑ dos. Demandam também maturidade do pesquisador que, além de habilidades e competências, deverá ter sensibilidade, bom­‑senso e equilíbrio, características que se adquirem e se fortalecem com o passar dos anos.

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REFERÊNCIAS DE APOIO Glossário Dóxa: palavra grega que significa crença, opinião. Deste termo derivam outros de uso no léxico da Língua Portuguesa, como ortodoxo, aquele que se apega a uma crença ou doutrina; e paradoxo, como contras‑ senso, contradição. Interlocução: conversação entre duas ou mais pes‑ soas22 . Taquigrafia (ou estenografia): escrita abreviada e simplificada, na qual se empregam sinais que permi‑ tem escrever com a mesma rapidez com que se fala23.

Bibliografia CASTILHO, A.T. A língua falada no ensino de por‑ tuguês. São Paulo: Contexto, 2001. GERARDI, L. H. de O.; SILVA, B. C. N.Quantificação em Geografia. São Paulo: Difel, 1981. GILES, T. R. Dicionário de Filosofia – termos e filó‑ sofos. São Paulo: EPU, 1993. HESSEN, J. Teoria do conhecimento. São Paulo: Mar‑ tins Fontes, 2003. HOLMES, D.; FARBROTHER, D. A­‑Z Advancing Geo‑ graphy: fieldworks. UK: Geographical Association, 2003. HUFF, Darrell. Como mentir com estatística. Rio de Janeiro: Ediouro, 1992. LACEY, A. R. A dictionary of Philosophy. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1979. LACOSTE, Y. Pesquisa e trabalho de campo. In: Se‑ leção de textos, n. 11 (Série Teoria e Método). São Paulo: AGB, 1985.

LENON, B.; CLEVES, P. Fieldwork techniques and projects in Geography. Londres: Collins Educational, 1996. MARANGONI, A. M. C. Questionários e entrevistas – algumas considerações. In: VENTURI, L. A. B. Pratican‑ do geografia – técnicas de campo e laboratório. São Paulo: Oficina de Textos, 2007. NAGLE, G.; SPENCER, K. Geographical enquiries – skills and techniques for Geography. Londres: Nel‑ son Thornes, 2000. VENTURI, L. A. B. Itapecerica da Serra – ocupação e uso do território. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001. ZALUAR, A. Teoria e prática do trabalho de campo: al‑ guns problemas. In: CARDOSO, Ruth (Org.) Aventura antropológica – teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. ZALUAR, A. Pesquisando no perigo: etnografias vo‑ luntárias e não acidentais. Revista MANA, v. 15, n. 2, 2009. Rio de Janeiro (acesso via Scielo).

SOBRE O AUTOR Luis Antonio Bittar Venturi é mestre (1993) e doutor (2001) em Ciências (Geografia Física) pela Uni‑ versidade de São Paulo (USP), onde também graduou­ ‑se (1986) e licenciou­‑se. Atualmente, é professor dou‑ tor (RDIDP) da USP na graduação e na pós graduação do Departamento de Geografia, orientando pesquisas de mestrado e doutorado. Atua nas áreas de Geografia dos Recursos Naturais, Teoria, Método e Técnicas de Campo e Laboratório da Pesquisa em Geografia, temas sobre os quais tem publicado artigos, livros e proferido palestras. É avaliador ad hoc pelo MEC e parecerista de instituições de fomento à pesquisa e de publicações especializadas.

22 Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (p. 776). 23 Idem, pp. 580 e 1.355.

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Estatística Descritiva em Sala de Aula

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Eduardo Justiniano

Emerson Galvani

Introdução, 472 Medidas de tendência central, 473 Medidas de dispersão, 475 Distribuição de frequência, 477

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Correlação e regressão linear, 478 Dígitos significativos e arredondamento de dados, 481 Na sala de aula, 482

Referências de apoio, 484 Sobre o autor, 484

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INTRODUÇÃO A probabilidade de acertar as seis dezenas (sena) na Mega­‑Sena é de 1 chance em 50.063.860, segundo informações do site da Caixa Econômica Fe‑ deral. A estatística faz parte do nosso dia a dia, embora muitas vezes sequer percebemos. A graduação em Geografia exige, porém, pela própria natureza do curso, um número significativo de trabalhos de campo. Essas “saídas” realizadas pelas diferentes áreas/disciplinas, cada qual com seu instrumental apropriado, produzem em cada trabalho de campo um volume de informações específicas e, quando retornamos para a sala de aula, a grande questão que se apresenta é: “o que fazer com os dados quali­‑quantitativos coletados no trabalho de cam‑ po?”. Tradicionalmente, os alunos de graduação em Geografia não são muito afeitos à área de exatas, o que pode limitar a análise e a interpretação dos dados observados em campo. Eventualmente, os resultados finais da pesquisa podem ser prejudicados por falta de uma análise mais numérica (estatística) dos dados observados, prevalecendo uma análise visual dos dados. O que se pretende com este capítulo não é formar geógrafos especialistas em estatística, mas sim, fornecer os princípios básicos da estatística descritiva para promover melhor análise dos dados gerados nos trabalhos de campo e, por outro lado, desmistificar a análise numérica para o estudante de Geografia e de outras áreas das Ciências Humanas. Vale lembrar que as informações aqui apresentadas aplicam­‑se a qualquer tipo de pesquisa, seja ela produto de questionários ou medições específicas em cada área/disciplina do conhecimento. Ao longo deste capítulo, o que se pretende não é elucidar todos os conceitos da estatística, nem desencorajar o estudo mais aprofundado do tema. Nossa intenção é a de fornecer os conceitos mínimos para melhor formação dos profis‑ sionais em áreas nas quais a “estatística” sempre é vista com preconceito – talvez pelo desconhecimento de suas potencialidades ou pela forma como geralmente é apresentada nos cursos de graduação que envolvem as áreas de humanas.

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MEDIDAS DE TENDÊNCIA CENTRAL A análise de um conjunto de dados com uso de tendência central permite­‑nos avaliar para onde caminham os dados pesquisados. Uma espécie de “radiografia” inicial. Essa “radiogra‑ fia” pode ser determinada com a utilização dos indicadores descritos a seguir.

Média aritmética ( x ) A média aritmética é o procedimento mais simples e comum passível de ser aplicado a um conjunto de dados. Esta medida de tendência central expressa o somatório de todos os ele‑ mentos da série dividido pelo número total de elementos. Numericamente, a média aritmética é expressa por: n

∑xi 1

x= n

Nessa expressão, Xi é cada elemento da série e i varia de 1 a n; n é o número de elementos e o símbolo ∑ significa a somatória de todos os elementos da série. Resumindo, somam­‑se todos os elementos e divide­‑se pelo número total de elementos da série.

Moda ( MO ) A moda ou modo (MO) é o valor presen‑ te que ocorre com maior frequência na série. Existem séries em que nenhum dado se repete, nesses casos não existe a moda da série. Isso geralmente ocorre em séries reduzidas (menos de 50 elementos amostrados). De forma análo‑ ga, podem ocorrer séries com duas (bimodal) ou mais modas. Nesses casos prevalece o va‑ lor de maior frequência de ocorrência ou, em caso de empate, a série pode apresentar mais de uma moda.

Mediana ( ME ) A mediana é aplicável em séries extensas de dados (mais de mil informações) nas quais existem extremos que possam “contaminar” a média, ou seja, alguns dados que “fogem” da ten‑ dência central, podendo sub ou superestimar as análises. A mediana é determinada ordenando­ ‑se os dados de forma crescente ou decrescen‑ te e identificando­‑se a posição central da série. Em caso de séries com número ímpar de ele‑ mentos, a mediana estará na posição central da série. Para séries com número par de elemen‑ tos, a mediana será a média dos elementos que ocupam a posição central da série. O conceito de mediana gera algumas confusões: a mediana é simplesmente o valor que se situa na posição central do conjunto de dados ordenados. Assim, deve haver uma relação de ordem nos valores.

Valor Máximo ( Vmax ) e Mínimo ( Vmin ) O valor máximo da série é aquele de maior magnitude, ou seja, o maior valor encontrado na série. O valor mínimo, por sua vez, é o me‑ nor valor encontrado na série. Em princípio, parece ser uma informação sem importância, contudo permite­‑nos visualizar em qual inter‑ valo de medidas encontra­‑se distribuído o con‑ junto de dados. Serve para evidenciar o tama‑ nho dos dados que serão trabalhados. Em séries climatológicas de temperatura do ar, por exem‑ plo, o Vmax equivale à temperatura máxima do ar e o Vmin à temperatura mínima do ar.

Amplitude ( ∆ ) A amplitude em um conjunto de dados ex‑ pressa a diferença entre o Vmax e o Vmin. Essa me‑

capítulo 22 – estatística descritiva em sala de aula

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dida de tendência central expressa a variação máxima dos valores constituintes do conjunto de dados. Dois ou mais conjuntos de dados poderão ter a mesma média, porém diferentes Vmax  , Vmin e ∆ , evidenciando­‑se tratar de séries distintas. A seguir, será apresentado um exemplo de cálculo das medidas de tendência central (média, moda, mediana, valor máximo, valor mínimo e amplitude) para um conjunto simples de dados. Esses procedimentos podem ser efetuados facilmente por meio de programas como o Ex‑ cel, da Microsoft1, pelos seguintes passos: com o conjunto de dados dispostos em duas colu‑ nas, entrar na barra de ferramentas no atalho fx; em seguida em estatística e selecionar a aná‑ lise de tendência desejada; selecionar o inter‑ valo de dados. O resultado é mostrado. Caso a barra de ferramentas não disponibilize o atalho fx, clique em inserir e em seguida em fx, seguindo os mesmos procedimentos descritos anteriormente. Uma questão que geralmente surge entre os estudantes é sobre a diferença de interpretação entre a mediana e a média. Embora a média seja um valor mais fácil de ser entendido, ela tem restrições, pois pode nos induzir a um erro de tendência, se a amostra analisada apresentar valores de amplitude elevados. Por exemplo, na distribuição dos dados da Tabela 22.1, a média da variável A é 161 e a mediana é 163 (ver Ta‑ bela 22.2). Caso uma amostra tivesse apresen‑ tado valor de 300 e não 121, isso faria com que a média saltasse para 187, ou seja, seria superior a todos os valores individuais, mas a mediana continuaria a ser 163. Se se observar para todos

1 A citação da marca comercial não implica a recomenda‑ ção do referido programa por parte do autor. Existem outros programas estatísticos como Origin, MatLab, Es‑ tatística e SAS – entre outros. Esses programas também efetuam os procedimentos discutidos nessa passagem. Contudo, com a massificação de uso do Office, da Mi‑ crosoft, o Excel é facilmente encontrado em qualquer computador.

474

os 7 valores individuais da amostra, verifica­‑se que o número 163 é o melhor representante da distribuição desse conjunto de dados. Assim, no caso das variáveis quantitativas, quando o valor da mediana é muito diferente da média, é acon‑ selhável considerar sempre a mediana como o valor de referência mais importante.

Tabela 22.1 – Valores arbitrários para duas variáveis A e B. Dados brutos (à esquerda) e dados ordenados (à direita) em forma crescente Dados Brutos

Dados Ordenados

A

B

A

B

121

171

121

152

171

152

157

168

158

170

158

169

173

168

163

170

184

169

171

171

163

171

173

171

157

190

184

190

Tabela 22.2 – Resultados da análise de tendência central para o conjunto de dados da Tabela 22.1 Medida de tendência

Variável A

Variável B

161

170

­‑

171

Mediana ( ME )

163

170

Valor máximo ( Vmax )

184

190

Valor mínimo (Vmin)

121

152

63

38

Média ( x )

Moda ( MO )

Amplitude ( ∆)

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MEDIDAS DE DISPERSÃO

Tabela 22.3 – Valores de A e B e desvio em relação à média

As medidas de dispersão são úteis quando diferentes conjuntos de dados apresentam mes‑ ma média e mediana, porém variabilidades dis‑ tintas. Esse tipo de análise pode ser utilizado para comparar quantos conjuntos de dados fo‑ rem necessários, pois os cálculos são efetuados individualmente para cada conjunto.

Desvio em relação à média ( DM ) Essa medida de dispersão fornece­‑nos uma ideia da variabilidade dos dados em torno da mé‑ dia, sendo, portanto, a diferença entre o valor observado (Xi) e a média do conjunto ( x ), repre‑ sentado numericamente por: DM = x - x

A

B

DM “A”

DM “B”

4

9

­‑1

4

6

1

1

­‑ 4

4

5

­‑1

0

6

5

1

0

5

1

0

­‑ 4

5

9

0

4

x =5

x =5

∑ =0

∑ =0

5 4 3 2 1 0

DM “A” 1

2

3

4

5

6

DM “B”

-1

Determinados conjuntos de dados podem apresentar médias iguais, contudo com acentua‑ dos desvios em relação à média. Veja o exemplo na Tabela 22.3. Neste exemplo, representado pela Figura 22.1, observa­‑se que, embora os conjuntos de dados A e B apresentem mesma média e media‑ na, a variabilidade do conjunto A é menos acen‑ tuada que em B. Desta forma, a análise somente da média e mediana pode levar a conclusões não satisfatórias. Vale lembrar que o somatório ( ∑ ) dos desvios em relação à média deve ser igual a zero. O desvio em relação à média tem a desvan‑ tagem de não fornecer um único indicador da variabilidade dos dados, ficando restrito a uma análise visual dos dados; para tanto existem ou‑ tros índices, como o que será visto a seguir.

Variância da amostra ( S² ) Para se avaliar a variabilidade da amostra faz­ ‑se uso da noção de variância. Numericamente,

-2 -3 -4 -5

Figura 22.1. Desvio em relação à média para o conjunto de dados da Tabela 22.3.

a variança é determinada pela somatória do qua‑ drado do desvio em relação à média, dividida pela quantidade de elementos da série menos 1. S² =

∑(xi - x)² n-1

Um dos problemas que prejudicam a análise por meio da variância da amostra é justamente o fato de o resultado ser expresso na unidade de medida dos dados elevado ao quadrado. Por exemplo, se a unidade dos dados da Tabela 22.4 for metro, a variância será expressa em metros ao quadrado (m 2); se for quilograma, a variância será expressa em kg2, o que causa dificuldade na interpretação da variância da variável.

capítulo 22 – estatística descritiva em sala de aula

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Tabela 22.4 – Exemplo de cálculo de variância

x

x-x

(x - x)²

4

­‑1

1

6

1

1

4

­‑1

1

6

1

1

5

0

0

5

0

0

x= 5

persão, por exemplo, o peso (em kg) e a idade (em anos). Essa comparação não pode ser feita comparando­‑se simplesmente os respectivos desvios­‑padrão, porque eles estão expressos em unidades de medida diferentes, i.e., não se pode comparar a dispersão de massa (kg) com a de idade (anos)! No entanto, é possível fazer esta comparação em termos relativos, se calcularmos o coeficiente de variação de cada conjunto de dados, na expressão abaixo, onde CV é o coeficiente de variação expresso em porcentagem e S é o desvio­‑padrão já definido anteriormente.

∑ (x - x)² = 4 CV =

100.S x

Então, a variância será calculada assim: S² =

4 6-1

S ² = 0,8

Desvio­‑padrão ( S) Uma forma de eliminar o problema da in‑ terpretação da variância da amostra é extrair sua raiz quadrada. Tem­‑se assim o desvio­ ‑padrão. Essa é uma medida do grau de disper‑ são dos valores em relação ao valor médio (a média). É um erro dizer que o desvio­‑padrão é a média de todas as diferenças, mas podemos “senti­‑lo” como algo aproximado. Ele é deter‑ minado numericamente pela raiz quadrada da variância: S=

∑(xi-x)² n-1

Coeficiente de variação ( CV) Por vezes, precisa­‑se comparar duas variá‑ veis quantitativas quanto ao seu grau de dis‑

476

Veja na tabela a seguir um exemplo de desvio­ ‑padrão (S) e de coeficiente de variação (CV). Tabela 22.5 – Variáveis A, B e C para cálculo de desvio­‑padrão e coeficiente de variação A

B

C

4

9

9

6

1

1

4

5

1

6

5

2

5

1

8

5

9

9

Desvio­‑padrão de A = 0,9 Desvio­‑padrão de B = 3,6 Desvio­‑padrão de C = 4,0

CVA = 18,0%

CVB = 72,0%

CVC = 80,0%

O coeficiente de variação expressa, portan‑ to, a variabilidade de cada conjunto de dados normalizada em relação à média, em porcen‑ tagem. Assim, a variável A oscila, em média, 18,0%.

práticas de geografia

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DISTRIBUIÇÃO DE FREQUÊNCIA No caso de variáveis nominais como sexo ou etnia, só poderão ser calculadas as frequências. É totalmente impossível calcular a média ou a mediana do sexo porque a escala dessas variáveis não tem sequer uma relação de ordem. Repare que, por vezes, codificam­‑se as variáveis com números para introdução no computador, o que torna possível determinar, erradamente, médias para variáveis nominais, embora tais resultados evidentemente não tenham significado algum. No entanto, é também possível calcular as fre‑ quências para todas as outras variáveis ordinais ou quantitativas.

Frequência ( f) É o número de vezes que determinado evento ocorreu entre todos os elementos amostrados. Parece ser uma medida banal, contudo auxilia na determinação da frequência relativa, vista a seguir.

Frequência relativa ( fr) A frequência relativa é o número de vezes que determinado evento ocorreu (na) em rela‑ ção ao número total de elementos da série (n), expresso em percentagem. Numericamente é dada por:

É possível agrupar os dados em intervalos de classes para se ter a frequência relativa por in­ tervalo do conjunto de dados. O número de inter­ valos de classes (NIC) depende do total de obser‑ vações e pode ser dado por: ou

Espécie

( na), f

Fr

A

32

31%

B

17

16%

C

43

41%

D

13

12%

Total (n)

105

100%

Em que: NIC é o número de intervalo de classes, n é o número total de observações e log10 é o identificador de logaritmo normal. O NIC é uma escolha arbitrária que normalmen‑ te recai entre 5 e 20. Um número de classes muito pequeno ou excessivo pode ocultar certas propriedades da distribuição de frequência que seriam evidenciadas com a escolha do núme‑ ro adequado de classes. Por exemplo, um con‑ junto de dados com 250 observações poderia ser reagrupado em 7 classes. Para cada inter‑ valo de classe pode ser calculada a frequência, caracterizando­‑se assim a distribuição de fre‑ quência para a amostra.

Probabilidade (P) Expressa a relação entre o número de vezes que determinado evento ocorreu (na) e o número total de eventos observados (n), sendo, portanto, a própria frequência relativa.

na fr = n

NIC = 1 + 3,3[log10(n)]

Tabela 22.6 – Exemplo de cálculo de frequência e frequência relativa

NIC = 5[log10(n)]

P = fr =

na n

Tempo de Retorno (T) Período ou tempo de retorno é definido como o inverso da probabilidade. Em Climatologia é

capítulo 22 – estatística descritiva em sala de aula

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comum se determinar qual o período de retorno (T) para um evento extremo, tal como precipita‑ ção superior a 50 ou 100 mm. T=

1 P = fr/100

Para os dados apresentados na Tabela 22.6, o tempo de retorno da espécie A é 1/0,32 = 3,1. Ou seja, a cada 3 indivíduos, um é da es‑ pécie A.

CORRELAÇÃO E REGRESSÃO LINEAR Até os itens anteriores, a preocupação foi mostrar a tendência central das variáveis, na sequência à variabilidade individual de cada conjunto de dados, num segundo momento; e por fim descrever a frequência de ocorrência de determinada variável. Contudo, caso fosse ne‑ cessário mostrar uma relação (correlação) entre duas variáveis, como deveríamos proceder? É o que será abordado nos itens seguintes.

Diagrama de dispersão O primeiro passo é montar o diagrama de dis‑ persão. O diagrama de dispersão é um gráfico que permite visualizar a relação entre duas variá‑ veis A e B. Para elaborar o diagrama de dispersão, escolha as escalas de x e de y de forma que o gráfico “pareça quadrado”. A Figura 22.2 mostra três situações de dispersão de dados que eviden‑ ciam perfeita correlação (esquerda), boa correlação (centro) e ausência de correlação (direita). No caso da figura da direita, pode­‑se descartar a análise das variáveis com uso de regressão linear simples. A figura do centro dependerá do nível de signifi‑ cância do coeficiente de correlação entre as duas variáveis (R) que será abordado na sequência.

478

Percebe­‑se na Figura 22.2, à direita, que o aumento de uma unidade em A resulta igual acréscimo em B, e significa que os dados apre‑ sentam uma correlação positiva. Poderia ser da mesma magnitude, contudo com decréscimos constantes de B com aumento de A; neste caso a correlação seria negativa. Para eliminar a subjetividade visual entre as variáveis determina­‑se numericamente o coefi‑ ciente de correlação (R) entre as duas variáveis. O coeficiente de correlação fornece uma medida média da correlação entre duas variáveis.

Coeficiente de correlação (R) O coeficiente de correlação (R) é uma medi‑ da do grau de associação linear entre duas va‑ riáveis. O R varia de -1,0 a 1,0. Quando igual a zero significa correlação nula e quando 1,0 ou -1,0, correlação perfeita entre as variáveis. Para uma dada amostra com n pares de valores das variáveis X e Y, para medir o grau de correlação entre elas, determina­‑se o coeficiente de Pearson numericamente por:

∑x.y -

R= ∑x ² -

(∑x)² n

∑x∑y n ∑y ² -

(∑y)² n

Em princípio parece ser algo muito compli‑ cado, contudo uma calculadora com funções de estatística fornece os principais indicado‑ res. Também no Excel é possível determinar o R clicando em fx; em seguida em estatística; depois em CORREL selecionar a matriz X (in‑ tervalo onde estão os dados a serem relaciona‑ dos) e a matriz Y e clicar OK. O exemplo da Tabela 22.7 mostra a relação entre temperatu‑ ra do ar e altitude para um conjunto de dados hipotéticos, mas que expressam uma relação de causa/efeito.

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7

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7

8

Figura 22.2. Exemplos da correlação perfeita entre duas variáveis A e B (esquerda), boa correlação (centro) e ausência de correlação (direita).

Tabela 22.7 – Exemplo hipotético da variação da temperatura do ar (y) em função da altitude ( x) Altitude (metros) – x

Temperatura do ar (oC) – y

1800

14,7

1600

17,6

1400

18,1

1200

18,9

1000

19,6

800

20,8

600

22

400

22,9

200

24,5

0

25,3

Vamos exemplificar os cálculos de maneira mais didática. ¾¾∑x e ∑y é a soma de todos os valores de x e de y. ∑x = 9.000

∑y = 204,4

¾¾(∑x) e (∑y) é o somatório de todos os x e y elevados ao quadrado. ²

²

(∑x)² = 81.000.000

(∑y)² = 41.779,4

¾¾ ∑x e ∑y é cada x e y elevado ao quadrado e, em seguida, somam­‑se todos. ²

¾¾∑xy primeiro multiplicam­‑se todos os x vezes os respectivos y e somente em seguida efetua­‑se o somatório. ∑xy = 166.140

Na sequência, basta substituir os valores na equação de cálculo de R:

166.140 R= 11.400.000 -

9.000.204,4 10

81.000.000 10

4.276,2 -

41.779,4 10

Efetuando­‑se os cálculos obtém­‑se um coefi‑ ciente igual a ‑0,99. O sinal negativo de R indica que com o aumento da altitude a temperatura tende a diminuir, fato este de manifestação natu‑ ral na atmosfera terrestre, principalmente dentro da primeira camada atmosférica (troposfera)2. De fato, uma análise da Figura 22.3, na página seguinte, permite observar uma correlação nega‑ tiva elevada entre os dados apresentados.

Regressão linear Observando a Figura 22.3 é possível perceber a relação entre as duas variáveis. Se se imagina uma reta de tendência passando pelos pontos,

²

∑x² = 11.400.000

∑y² = 4.276,2

2 Em noites com ocorrência de inversão térmica podem ocorrer gradientes de temperatura que indicam aumen‑ to da temperatura com a altitude, contrário ao apresen‑ tado aqui.

capítulo 22 – estatística descritiva em sala de aula

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Rafael Sato

27

25

23

21

19

Figura 22.3. Variação da temperatura do ar em função (y) da altitude (m).

17

15 0

200

400

600

observa­‑se que esta reta passa por quase todos eles (Figura 22.4). Então, basta ajustar uma reta que teremos a relação entre essas duas variáveis. Lembrando que a equação da reta é descrita por:

800

1000

1200

1400

1800

2000

Para determinação numérica de a e b faz­‑se uso das expressões:

b=

y = a + b.x

∑x.y -

∑x∑y n

∑x ² -

Neste caso, y é a temperatura do ar e x, a altitude. O coeficiente linear a fornece a posi‑ ção em que a reta corta o eixo das ordenadas (y) e o coeficiente angular b é a tangente trigo‑ nométrica do ângulo formado entre a linha da abscissa (x) e a reta ajustada pela regressão li‑ near. A variável y é denominada de dependente e a variável x é denominada de explanatória ou independente.

1600

(∑x)² n

a = y - b.x

Em princípio, parece uma operação com‑ plicada. Contudo, fazendo uso do Excel e dos procedimentos a seguir obtém­‑se os valores de a e b. Exemplo: produza um gráfico de disper‑ são entre duas variáveis x e y. Em seguida, com o botão direito do mouse clique nos pontos no

Rafael Sato

27

25

23

21

Figura 22.4. Variação da temperatura do ar em função da variação da altitude (exemplo hipotético, mas próximo da realidade).

19

17

15 0

480

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

2000

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gráfico e escolha adicionar linha de tendência. Selecione o tipo de reta de ajuste linear e em seguida habilite com um clique a “opção” exi‑ bir equação e valor do R­‑ quadrado e clique OK. Lembrando que a equação obtida será do tipo y = a + b.x . Para o exemplo da Tabela 22.7 e Fi‑ gura 22.4, a equação da reta é: Tar = 25,3 - 0,0054.Altitude(m)

Assim, para valores de altitude em que não foi avaliada a temperatura do ar é possível es‑ timar seu valor, por exemplo, na altitude de 1.500 m o valor de Tar, fazendo uso da equação, será de 17,2 °C. O uso da regressão linear per‑ mite, portanto, uma redução da amostragem do trabalho de campo, permitindo maior rapidez e menor custo na obtenção dos dados. Cabe lembrar que a regressão linear só se aplica quando os elementos em análise apresen‑ tam entre si uma relação de dependência natural.

DÍGITOS SIGNIFICATIVOS E ARREDONDAMENTO DE DADOS A precisão de medidas de dados contínuos sempre pode ser aprimorada melhorando­‑se o instrumento de medida. Por isso, os estatísticos fazem distinção entre dígitos significativos, que representam uma informação precisa, e dígitos que servem apenas para localizar a vírgula. Nos resultados, devem ser apresentados apenas os dígitos significativos, para evitar a falsa impres‑ são de exatidão (vieira, 1999). O resultado de um cálculo estatístico não deve conter mais dígitos significativos que os dados de menor precisão. Por exemplo, um sensor de temperatura (ter‑ mômetro de mercúrio) tem uma precisão de 0,2 o C. Isso significa que as leituras com precisão serão obtidas em intervalo s de 0,2 em 0,2 °C

e, por extrapolação, poderia se chegar a leituras intermediárias de 0,1. Ao final, teremos uma ta‑ bela com intervalos de 0,2 ou 0,1 oC. Tabela 22.8 – Exemplo hipotético de valores de temperatura do ar Horário

Temperatura do ar (oC) 06h00min

18,2

08h00min

19,5

10h00min

20,6

12h00min

22,9

14h00min

24,5

Média

21,14 = 21,1

A precisão centesimal não tem significado numérico algum para essas medidas, pois a pre‑ cisão de medidas é de no máximo 0,1 oC. As‑ sim, deve­‑se reduzir a precisão para o número de casas decimais compatíveis com a precisão do sensor que gerou o valor, ou seja, 21,1 °C. O arredondamento dos dados deve seguir os seguintes critérios: ¾¾se você vai cortar dígitos e o resto é menor do que 5, apenas faça o corte; ¾¾se você vai cortar dígitos e o resto é maior do que 5, aumente o último número em uma uni‑ dade; ¾¾se você vai cortar dígitos e o resto é exata‑ mente igual a 5, a convenção é: ¾¾se o dígito anterior ao que vai ser cortado é par, apenas faça o corte; ¾¾se o dígito anterior ao que vai ser cortado é ímpar, aumente esse dígito em uma uni‑ dade. Essa prática faz com que, ao longo das ope‑ rações, os devidos aumentos e reduções aos ar‑ redondamentos sejam compensados.

capítulo 22 – estatística descritiva em sala de aula

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NA SALA DE AULA

Atividade 1: medidas de tendência central Essa atividade consiste em utilizar os dados relacionados à altura dos alunos e das alunas de um determinado grupo. Para tanto, é importante que a turma seja dividida em dois grupos: as alunas formarão o grupo “A” e os alunos o grupo “B”. Em seguida, deve­‑se efetuar a medida da altura de todos os integrantes e elaborar duas tabelas que contenham duas colunas cada: na 1ª coluna, coloca­‑se a sequência de número de 1 a n (onde: n é o número de alunos(as) da sala) e na 2ª coluna, a altura em centímetros de cada aluno(a). Efetuar os cálculos tal qual apresentados na Tabela 22.2 e discutir os valores com os alunos.

Atividade 2: medidas de dispersão Com os dados da atividade anterior é possível calcular também os índices apresentados no item “Medidas de Dispersão”. Nesse caso, são apenas duas variáveis a serem comparadas. A variável A é a altura das alunas; a variável B é a altura dos alunos. Efetuar os cálculos e comparar/discutir os resultados com os alunos. A discussão é importante para mostrar a utilidade desse tipo de análise. Do contrário, os números em si podem se tornar chatos e maçantes.

Atividade 3: distribuição de frequência Para aplicar os conceitos apresentados no item “Distribuição de Frequên‑ cia” é preciso sair da sala de aula (o que agradará muito aos alunos, mas exi‑ girá planejamento cuidadoso). A atividade poderá ser feita do lado interno da instituição que tenha visão para a rua. O procedimento é contar, por um determinado período de tempo, quantos veículos passam em determinado local. Os veículos podem ser agrupados por categorias, como a cor ou o fabri‑ cante. O importante é definir essas categorias de antemão e ir para o campo com a planilha pronta. Pode­‑se trabalhar cada grupo com uma categoria, por exemplo: marca, fabricante e cor. Elaborar uma tabela semelhante à Tabela 22.6. O intervalo de amostragem fica a critério do professor e depende da sua disponibilidade e dos alunos. Após um período de tempo contando os veícu‑ los, os modelos, os fabricantes ou as cores, retornar para a sala e efetuar os cálculos dos índices trabalhados no item distribuição de frequência. Discutir os resultados com os alunos.

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práticas de geografia

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Atividade 4: correlação e regressão linear Para aplicar os conceitos apresentados no item “Correlação e Regressão Linear”, pode­‑se obter, com auxílio do profissional de Climatologia, um con‑ junto de dados que expressem a relação entre a temperatura e a altitude. É possível também utilizar dados de outras áreas, por exemplo, relacionando dados referentes à taxa de analfabetismo e à taxa de mortalidade infantil para as regiões brasileiras, e inferir considerações importantes. Utilizar os dados da Tabela 22.9, abaixo, e aplicar os índices apresentados nesse tópico do capítulo. Considerar a taxa de mortalidade infantil variável Y e a taxa de analfabetismo variável X. Discutir os resultados com os alunos. Os dados de clima podem ser obtidos junto ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) no site , na aba “Clima”. Isso pode levar algum tempo, portanto, recomendamos que o professor prepare os dados antes de ir para a sala de aula. Outros dados importantes, como os apresentados na Tabela 22.9, podem ser obtidos no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no endereço , depois clicando em Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA). Tabela 22.9 – Taxa de mortalidade infantil e analfabetismo para as regiões brasileiras Região

Mortalidade infantil

Analfabetismo

N

35,6

12,7

NE

59,0

29,4

SE

25,2

8,6

S

22,5

8,3

CO

25,4

12,4

Fonte: IBGE, 2005.

capítulo 22 – estatística descritiva em sala de aula

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REFERÊNCIAS DE APOIO

SOBRE O AUTOR

Bibliografia

Emerson Galvani é mestre em Agrometeorologia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) (1995) e doutor em Agronomia (Energia na Agricultura) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Fi‑ lho, campus Botucatu (2001). Atualmente, é professor doutor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Bol‑ sista de pesquisa e produtividade do CNPq (PQ1D), também é o atual presidente da Associação Brasileira de Climatologia – ABCLIMA (gestão 2008 – 2010). Atua, desde 2007, como coordenador do Programa de Pós­‑ Graduação em Geografia Física da FFCLH/USP e, desde 2009, é Vice­‑Presidente da Comissão de Pós­ ‑Graduação da FFCLH/USP.

ASSIS, F. N. Aplicações de Estatística à Climatolo‑ gia: teoria e prática. Pelotas: Universitária/UFPEL, 1996. JOHNSTON, R. J. Multivariate statistical analysis in Geography. New York: Longman Scientific & Tech‑ nical, 1986. VIEIRA, S. Princípios de Estatística. São Paulo: Pio‑ neira, 1999.

Dicas na internet Instituto Nacional de Meteorologia www.inmet.gov.br IBGE www.ibge.gov.br www.sidra.ibge.gov.br

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práticas de geografia

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A Redação do Trabalho de Campo

23

Eduardo Justiniano

Maria Alice Venturi

Introdução, 486 O trabalho de campo: características do relatório, 487 Tipos de redação, 488 Detalhamento das informações, 488

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Estruturação do relatório de campo, 490 Coerência e padronização, 491 Revisão do texto, 492 Figuras, ilustrações, bibliografia e anexos, 492

Na sala de aula, 494 Considerações finais, 495 Referências de apoio, 496 Sobre o autor, 496

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INTRODUÇÃO Este capítulo busca identificar e sanar os principais problemas encontrados nos relatórios de trabalhos de campo elaborados por alunos de cursos de Geo‑ grafia. Seu conteúdo orientou­‑se por correções feitas a relatórios apresentados por alunos de cursos de graduação em Geografia ao longo de vários anos1. As correções foram agrupadas, classificadas e, para cada tipo de problema que apresentavam, procurou­‑se sugerir soluções que vão desde nuances do texto escrito até a estrutura geral do relatório. Na divisão dos assuntos aqui tratados, os tipos de redação definem a redação mais apropriada para cada etapa do registro escrito e, mais adiante, orienta­‑se sobre o detalhamento das informações e a estruturação do relatório. A coerência e a padronização dos trabalhos estão entre as principais preocupações, o que também é retomado na revisão do texto. Outros aspectos, como a inclusão de fi‑ guras e ilustrações, e também bibliografia e anexos, são discutidos neste capítulo. Além de procurar melhorar a qualidade dos trabalhos finais, este capítulo sugere etapas de trabalho em grupo, que visam certa “padronização” no resul‑ tado final, característica requerida pelo caráter científico do relatório de campo. Ao final, propõem­‑se atividades de treino de escrita e sugestões de trabalhos em sala de aula.

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Entre 1998 e 2005, a partir de relatórios de campo dos alunos dos cursos de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, UNIFIEO (Centro Universitário UNI‑ FIEO – Osasco) e UNISA (Universidade de Santo Amaro). A partir de 2006, apenas com os relatórios do curso de Geografia da FFLCH­‑USP.

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O TRABALHO DE CAMPO: CARACTERÍSTICAS DO RELATÓRIO Uma vez concluído o trabalho de campo, é comum surgir uma preocupação entre os alu‑ nos: a necessidade de elaborar o relatório de observação, normalmente objeto de avaliação com peso significativo na nota final. Se os alu‑ nos começarem a pensar no relatório apenas depois da realização do trabalho de campo, eles realmente terão motivos para se preocupar, pois certamente muitas informações terão sido perdidas. O objetivo deste capítulo é orientar o aluno de Geografia e áreas afins no relato de observa‑ ções feitas em campo, sugerindo procedimentos que possam facilitar a organização de tais ob‑ servações e melhorar a redação do texto. Para garantir que nenhuma informação se perca, é necessário que a elaboração de um re‑ latório de trabalho comece antes mesmo da ida ao campo. Inicialmente, é importante que se tenha muito claro o objetivo do trabalho e os fatos ou fenômenos a serem observados, ainda que o campo sempre reserve surpresas. O pla‑ nejamento do trabalho de campo e a reflexão sobre os aspectos relevantes a serem observados orientam a obtenção de informações e facilitam a posterior redação do relatório. Como geralmente esses relatórios são ela‑ borados em grupo, é importante dividir tare‑ fas, de modo a assegurar o registro e a organi‑ zação das informações, pois dificilmente uma informação perdida é passível de ser resgatada. O registro fotográfico das paradas, do percurso e das atividades; o registro fonográfico ou vide‑ ográfico de um depoimento, de uma cena ou de outros fatos; o manuseio de instrumentos específicos para a obtenção de dados altimé‑ tricos, clinométricos, coordenadas, temperatu‑ ras, horários – todas essas tarefas podem ser divididas entre os componentes do grupo. No entanto, todos devem registrar suas anotações

no caderno, pois o que um sujeito observa não é o mesmo que o outro observa. Cada obser‑ vador é um sujeito com experiências, valores, interesses e conhecimentos diferenciados, o que torna cada observação singular. Dessa forma, as diferentes anotações serão comple‑ mentares entre si. Se, em campo, o professor pedir que os alunos observem uma mesma paisagem, nenhum relato será igual ao outro. Um poderá valorizar mais a vegetação; outro, mais o relevo; outro, ainda, o gado, as casas, as nuvens, o movimento dos veículos etc. É provável que a maioria dos alunos relate boa parte dos elementos componentes da paisa‑ gem observada, mas em ordem, nível de de‑ talhamento e adjetivações distintas. Por isso, é possível afirmar que os relatórios elaborados em pequenos grupos são mais ricos do que os registros individuais. Contudo, o trabalho em grupo exige planejamento e certa padroniza‑ ção no momento da redação, como será visto adiante. Existem graus maiores ou menores de sub‑ jetividade nos textos, inclusive nos descritivo­ ‑narrativos, característicos de relatórios. Aceitando­‑se que não existe observador neu‑ tro, tampouco existirão textos neutros, que não demonstrem a intenção do autor. O geó‑ grafo não observa um mundo estático e deve sempre procurar entender um processo. Por exemplo, se observar e descrever amostras de solo ele estará, ao mesmo tempo, considerando determinado contexto paisagístico e refletin‑ do sobre sua conservação, aproveitamento ou fragilidade a processos erosivos. Na medida do possível, opta­‑se por um menor grau de sub‑ jetividade na descrição­‑narração, para que os fatos possam ser analisados com a maior obje‑ tividade possível por aqueles que se interessem pelo relatório.

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TIPOS DE REDAÇÃO A descrição é definida como o relato de as‑ pectos simultâneos e propriedades de um obje‑ to concreto (uma paisagem, uma situação, uma personagem, um estado de espírito, assim por diante) situado num momento definido do tem‑ po e, no caso da Geografia, com clara expres‑ são espacial. Caso haja progressão temporal e relação de anterioridade e posterioridade entre os enunciados ocorre a narração. Na dissertação, predominam os conceitos abstratos. Um objeto genérico (a política, a saúde do brasileiro, o ex‑ trativismo) é exposto, analisado e interpretado sem que ocorra necessariamente uma progres‑ são temporal linear entre os enunciados. É indis‑ cutível a existência de uma inter­‑relação entre os três modos de organização do discurso. O narrar, por exemplo, pode estar presente em vá‑ rios tipos de texto. A narração capta o mundo em sua mudan‑ ça, no dinamismo de suas transformações, com os enunciados expostos em progressão temporal; a descrição expõe propriedades e as‑ pectos de um ser particular, numa relação de simultaneidade, como vistos num determina‑ do momento. Dessa forma, caracterizamos o texto do relatório de trabalho de campo como predominantemente descritivo­‑narrativo, sem deixar de considerar o aspecto interpretativo, característico da dissertação, e que aparece ora implícito, ora explícito, nos textos descritivos e narrativos. Para identificar esse componente interpretativo, basta refletir, por exemplo, na subjetividade que envolve a descrição (men‑ cionada anteriormente). O relatório de campo caracteriza­‑se como a descrição­‑narração de processos erosivos, de levantamento de dados climáticos, do desenvolvimento da agricultura ou da expansão urbana em determinada região. As considerações finais possuem característi‑ cas dissertativas de redação.

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DETALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES É importante sempre ter em mente que a função do relatório é relatar todo o contexto da realização do trabalho de campo. Sua fun‑ ção é fazer com que o leitor saiba exatamente o propósito do trabalho, o percurso realizado, as atividades desenvolvidas e seu instrumental técnico, a duração das atividades, a descrição dos lugares que valorizará o tipo de informa‑ ção, conforme a temática trabalhada. O leitor também deverá conhecer as razões do suces‑ so ou não de determinadas atividades e o que aconteceu que não estava previsto. Se o leitor, depois de ler o texto, não tiver dúvidas em relação a esses aspectos, o relatório de cam‑ po terá cumprido sua função. Uma forma de certificar­‑se da qualidade do relatório é, antes de entregá­‑lo ao professor/orientador, pedir a pessoas não envolvidas no trabalho que o leiam e comentem. Não aceite que seu relatório, por ser em boa parte descritivo, seja taxado de empirista ou sim‑ plista; ele tem um caráter descritivo­‑narrativo e cumpre o papel de fornecer informações de forma sistematizada para basear interpretações. Essa é uma etapa importante do trabalho cientí‑ fico, sem a qual as outras ficam comprometidas (interpretações, correlações, avaliações, gene‑ ralizações, a depender de objetivos posteriores). Libault (1971) sabia disso quando propôs os ní‑ veis correlatório e normativo após o compilatório como procedimentos de pesquisa. É importante lembrar que o relatório de ob‑ servação é um documento técnico e, como tal, deve ser claro e objetivo: “… preocupe­‑se não em escrever bonito e sim escrever de um modo claro, re‑ sumido, natural…” (branco, 1993). O relatório não constitui uma pesquisa científica, mas pode fazer parte dela, fornecendo­‑lhe informações. Para que não se torne um documento muito árido, é necessário que se inicie com uma apre‑ sentação, contenha uma contextualização e ter‑

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mine com considerações finais, como será visto mais adiante. O detalhamento das informações contidas no relatório estará vinculado à escala do trabalho. É melhor pecar pelo excesso do que pela escas‑ sez, uma vez que dificilmente se retorna àquele campo para resgatar alguma informação, a não ser que a área seja um objeto de pesquisa. Outra justificativa refere­‑se ao fato de que, no início da pesquisa, alguns aspectos importantes do estudo de campo podem ainda não estar claros. As in‑ formações descritas devem relacionar­‑se direta ou indiretamente com o propósito do trabalho. Se a comida do refeitório era ruim, esse dado só deverá ser relatado caso tenha interferido no andamento das atividades ou se for considerado relevante para orientar os próximos trabalhos no que se refere à infraestrutura necessária para sua realização. O nível de detalhamento tende a aumentar à medida que o observador aproxima­‑se do ob‑ jeto ou fato a ser estudado. Por essa razão, não há um único nível de detalhamento para o re‑ latório inteiro. Por exemplo, ao contextualizar a área percorrida, não há necessidade de des‑ crever com detalhes todos os aspectos da área. Porém, ao se chegar a um ponto de observação, as descrições devem ser mais detalhadas, seja uma vertente cultivada, seja um acampamento dos trabalhadores sem­‑terra (MST), uma bar‑ ragem hidrelétrica, um órgão público ou uma instituição. Ao se estabelecer contato direto com o objeto a ser estudado, um perfil de solo, por exemplo, ou um sujeito a ser entrevistado, a descrição requer detalhamento ainda maior: as características morfológicas do solo, no caso do exemplo, devem ser pormenorizadas, todas as palavras do entrevistado devem ser registradas. Em suma, o aluno deve usar a linguagem escrita mantendo a relação que existe nas esca‑ las de mapas: quanto menor a escala, maior a área de abrangência, menor detalhamento ela fornece. Quanto maior a escala, menor é a área de abran‑ gência, o que permite um detalhamento maior

das informações. Há informações que requerem o acompanhamento de dados complementares. Por exemplo, “todo o trajeto foi percorrido em uma área planáltica…”, não quer dizer muita coi‑ sa, pois existem vários tipos de planaltos, cada um apresentando características de relevo dife‑ rentes que influem diretamente no tipo de uso e ocupação do solo, na distribuição das comuni‑ dades vegetais etc. O mesmo deve ser observado nas referências a planícies. É necessário dizer se é uma planície fluvial, lacustre, costeira etc., pois elas apresentam características diferentes que influem em outros aspectos da paisagem. Em relação à vegetação, embora o geógrafo não tenha a obrigatoriedade de conhecer a flora e a fauna pelas espécies, deve saber diferenciar alguns aspectos da cobertura vegetal: se a mata é original ou secundária, sua densidade e seus estratos mais aparentes, se se trata de reflores‑ tamento, cultivo ou silvicultura. Os rios também podem e devem ser de‑ talhados. A informação sobre o tipo de canal (meândrico, por exemplo) pode indicar aspectos do relevo e processos de sedimentação, assim como a presença de afloramentos rochosos ou sedimentos arenosos em seu leito ou nas mar‑ gens (o que também pode acusar ocupação com desmatamento); a velocidade do fluxo e o volume de água, além da topografia, podem indicar sa‑ zonalidade do regime fluvial etc. São informa‑ ções que darão subsídios a posteriores análises relacionadas a outros fins, como conservação, aproveitamento hidroviário ou hidrelétrico, fra‑ gilidade, conforme a intenção do trabalho. Es‑ crever simplesmente que a estrada margeava um rio ou o cruzava várias vezes não é uma descri‑ ção que irá favorecer análises e interpretações posteriores, na maioria dos casos. Uma área urbana apresenta muitos aspectos relevantes de descrição que serão selecionados e detalhados conforme o objetivo do trabalho: dimensão, verticalização, arborização, cores pre‑ dominantes, movimento das pessoas e veículos, função (industrial, comercial etc.), entre outros.

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Em um trabalho de Geografia Urbana, informa‑ ções como essas terão maior relevância. Uma descrição detalhada e escrita corre‑ tamente não é tarefa simples e exige treino. Durante algum tempo, a descrição foi negli‑ genciada e até discriminada. Essa talvez seja a razão da dificuldade que grande parte dos alu‑ nos encontra em descrever, por falta de treino ou preconceito. Devido ao caráter descritivo­‑narrativo do relatório, o aluno pode optar por uma lingua‑ gem objetiva e clara. Essa linguagem poderá variar um pouco, de acordo com a natureza do trabalho de campo. Caso as visitas sejam pon‑ tuais (a uma instituição, empresa ou algum fenômeno natural específico), as descrições de cada objeto terão certa independência, pois o que é descrito em uma visita não depende necessariamente do que foi descrito em outra. As correlações poderão ser realizadas poste‑ riormente. Caso o trabalho requeira observação contí‑ nua, as descrições deverão indicar essa conti‑ nuidade. É o caso de trabalhos de campo em Geomorfologia, Biogeografia, entre outros, que exigem do aluno essa observação durante o per‑ curso, porque as transições entre padrões de pai‑ sagem são, geralmente, gradativas. Nesse caso, o caráter narrativo da linguagem pode parecer mais acentuado.

ESTRUTURAÇÃO DO RELATÓRIO DE CAMPO Antes de ir a campo, o grupo poderá decidir como será estruturado o relatório, de acordo com as características do trabalho de campo. O relatório poderá conter: percurso de ida, estada e percurso de volta; primeiro dia, se‑ gundo dia, terceiro dia; primeira atividade (ou parada), segunda atividade etc.; visita x, visita y etc.; entre outras opções que poderão ser de‑

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cididas em conjunto. Decidida a estrutura, é preciso ainda resolver questões básicas de um documento científico, como capa, índice, su‑ mário etc., informações que podem ser obtidas na ABNT (Associação Brasileira de Normas e Técnicas) ou na biblioteca de sua instituição (as bibliotecas devem prestar esse tipo de apoio acadêmico). Para iniciar o relatório é necessário escrever uma apresentação, na qual o grupo informa ao leitor o significado daquele trabalho no contex‑ to da disciplina, do curso e da instituição em que foi realizado; sua importância na comple‑ mentação do aprendizado, ou como parte de uma pesquisa maior. Essa apresentação pode conter a descrição da estrutura do relatório, as razões dessa estruturação e do percurso adota‑ do. Tais informações podem constar na apre‑ sentação ou serem destacadas em outro item, caracterizando uma introdução. Após a apresentação e/ou introdução, é fun‑ damental uma contextualização da área, percur‑ so ou local visitado, com caracterização, locali‑ zação e acesso com base cartográfica adequada. O leitor não deve ser remetido diretamente à área de estudo sem conhecer o contexto maior em que ela se insere, o que desfavoreceria a compreensão do relatório. O desenvolvimento é a própria narração­ ‑descrição dos fatos e objetos observados. O grupo pode descrever as paradas, percursos ou visitas, registrando as atividades realizadas com detalhamento adequado. Torna­‑se necessário pensar a organização espacial, a pertinência de detalhes e atentar para a coesão e a coerência na elaboração dos parágrafos, o que exige que o grupo trabalhe de fato em conjunto. Deve­‑ se evitar terminar o relatório com conclusões, já que elas são decorrentes de um processo de pesquisa e a maior parte dos re‑ latórios de campo não se constitui em pesqui‑ sa acabada, embora possam fazer parte dela. A conclusão é a finalização de um argumento, de um raciocínio desenvolvido ao longo de uma

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pesquisa, o que não é conteúdo de relatório de trabalho de campo. Portanto, no lugar de conclusões, é aconselhável escrever considera‑ ções finais, nas quais se tem maior liberdade para relatar suas impressões sobre o trabalho de campo, seu valor, suas críticas e sugestões. É um momento que deve ser valorizado, pois compõe­‑se de reflexão fundamentada. Se o gru‑ po considerou o trabalho de campo proveito‑ so ou não, se ocorreu como o previsto ou não, deve­‑se fundamentar essas observações. Frases como “o trabalho foi muito importante e o pro‑ fessor se mostrou muito prestativo” serão in‑ terpretações vazias ou subjetivas, se não forem embasadas em fatos ilustrativos. Nessa parte do relatório, pelo seu caráter mais reflexivo, a modalidade dissertativa de redação sobrepõe­‑se às outras (descrição­‑narração), até então predo‑ minantes. O texto deve ser autêntico, ou seja, evitando­‑se citações de outros autores, pois é um momento do grupo, de reflexão conjunta. Aconselha­‑se também evitar o uso de alguns clichês amplamente utilizados, sendo o prefe‑ rido: “viu­‑se na prática o que se aprendeu na teoria”. A ideia é correta, mas, convenhamos, há como se melhorar isso.

COERÊNCIA E PADRONIZAÇÃO Entre os principais problemas apresentados pelos trabalhos elaborados em grupo está a fraca coerência e a falta de padronização. Essas carac‑ terísticas indicam se o trabalho foi, de fato, feito em grupo, ou se as partes de cada componente foram apenas juntadas. Não raro, aparecem re‑ latórios “frankensteins” e fica nítida a junção de partes, sem uma elaboração conjunta da redação final, seja pelas mudanças bruscas de linguagem ou por diferentes níveis de detalhamento. Se o grupo não planejar reuniões para a redação final, o que costuma acontecer é que um dos partici‑ pantes fica responsável pelo recebimento, orga‑

nização, encadernação das partes de cada um e pela entrega. Como resultado, teremos textos descosturados. Na elaboração de um texto, cada parágrafo é construído em torno de uma palavra ou expres‑ são que mantém sua unidade, com o objetivo de desenvolver a palavra ou a ideia principal, explicando­‑a, completando­‑a, discutindo­‑a. A coesão de cada frase dos parágrafos é con‑ seguida principalmente com o uso de pronomes (pessoais, relativos, possessivos, demonstrativos). Por exemplo: “A paisagem apresenta uma vegetação rasteira que mescla diversas tonalidades de verde”. O uso de elementos de coesão entre as frases do parágrafo (como a retomada do objeto que se trata pelo nome ou por pronomes) mostra que o redator não se desvia do assunto e está atento à unidade do parágrafo. Por exemplo: “A paisa‑ gem apresenta uma vegetação rasteira que mescla diversas tonalidades de verde. Essas tonalidades são muito bem definidas, partindo do verde­‑escuro até o verde mais claro, indicando, talvez, diferentes graus de umidade no solo”. Em suma, obtém­‑se a coesão do texto do relatório por meio da boa costura da redação, como um tecido (texto) que vai sendo fabricado. A coesão ocorre dentro da frase, entre as fra‑ ses do parágrafo e entre os parágrafos. A coerên‑ cia depende da organização do texto narrativo e descritivo que trata dos objetos e fatos, permi‑ tindo ao leitor compreender o fato observado, o fenômeno descrito. O grupo também deve observar a padro‑ nização das informações. Se uma atividade foi registrada por fotografia, é desejável que a outra também seja. Se o observador registrou temperatura, altitude e coordenadas em uma das paradas, espera­‑se que essas informações constem em todas as outras. A dimensão das diferentes partes do relatório deverá apresentar certo equilíbrio. Se a primeira parada de obser‑ vação, atividade ou visita foi relatada em duas páginas, as próximas devem apresentar mais ou menos o mesmo grau de detalhamento e dimen‑

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são, ­exceção feita a situações que apresentam algum importante diferencial. No que diz respeito à adequação gramatical, podem surgir algumas dúvidas no momento de escrever: há tempos verbais mais adequados? Até que ponto o uso de adjetivos pode ser apropriado? Não há orientação para o uso de determina‑ do tempo verbal para a descrição. Entretanto, é necessário estar atento à coerência temporal, pensando em manter o discurso predominante‑ mente no passado ou no presente. O tempo pas‑ sado requer o uso do passado mais­‑que­‑perfeito: “pôde­‑se identificar em campo as formas de re‑ levo a partir do conceito de morfoescultura que havia sido discutido em sala de aula”. Quanto ao uso dos adjetivos, ao mesmo tem‑ po em que servem para particularizar e melhor caracterizar situações e objetos, seu uso inade‑ quado ou excessivo pode conferir um caráter subjetivo ao relatório. Termos muito enfáticos e que denotam opiniões mais radicais devem ser usados com moderação. Em texto técnico, alguns adjetivos podem ser empregados espo‑ radicamente, como excelente ou notável. Outros, como maravilhoso, espantoso, sensacional, horrível, devem ser evitados. Menor subjetividade implica maior objetividade, característica desejável em documentos científico­‑acadêmicos.

REVISÃO DO TEXTO Pronto o relatório, é necessário que o grupo faça uma revisão final. A revisão é a fase da constatação de que as ideias estão expressas de maneira clara, organizada, coerente e, portanto, compreensível. Pode­‑se perceber, por exemplo, que um fato menos relevante foi mais desen‑ volvido que outro, de maior importância. Na revisão, verificam­‑se também a ordem e a or‑ ganização dos parágrafos, a fluência da leitura e o uso adequado dos conectivos que auxiliam a unidade textual. É importante lembrar que

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a unidade textual favorece a compreensão de todo o contexto descrito. A exatidão e pertinência das informações relatadas são fundamentais, pois garantem cre‑ dibilidade e cientificidade ao texto. Por isso, frisa­‑se a atenção ao uso de termos adequados e corretos: há, por exemplo, distinção entre fron‑ teira/divisa/limite: entre países, existem frontei‑ ras; entre estados, existem divisas; entre muni‑ cípios, existem limites. Ainda nessa perspectiva, aconselha­‑se evitar frases feitas e, como citado anteriormente, clichês, pois, além de denotarem opções linguísticas questionáveis, não traduzem a ideia exata do que se quer mostrar. Veja as se‑ guintes frases: “depois de todo o trabalho feito, voltamos à estaca zero”, ou então, “a situação da população ribeirinha estava em petição de misé‑ ria”. Outro aspecto importante na fase de revisão é a atenção ao sentido ambíguo das frases, como no exemplo: “Nós tiramos do mapa a rede de drena‑ gem. Nesse exemplo, real, o autor quis dizer que copiou a rede de drenagem existente no mapa, mas a frase foi usada num contexto que permitia entender que a rede de drenagem fora removida do mapa (branco, 1993). Também é na revisão que se pode observar o uso uniformizado de verbos impessoais ou na pri‑ meira pessoa do plural (notou­‑se, percebemos), que conferem cientificismo e linearidade ao tex‑ to. Finalmente, a revisão traz à vista muitos er‑ ros ortográficos, de acentuação e pontuação que normalmente nos escapam na primeira versão.

FIGURAS, ILUSTRAÇÕES, BIBLIOGRAFIA E ANEXOS O primeiro ponto a ser ressaltado em relação às ilustrações é seu caráter complementar. Fo‑ tos, mapas, croquis, desenhos são recursos que utilizam outras linguagens, são informações que complementam o texto, mas não o substi‑ tuem. Na arte, uma imagem pode falar por si só,

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mas em um trabalho científico isso não aconte‑ ce. A ilustração deve acompanhar um texto que a cite, que a explique ou a explicite. O que pode estar explícito para um observador, pode estar implícito para outro. Os mapas, ainda que possam ser incluídos no rol das figuras, tendem a ser autoexplicativos, pois seus recursos técnicos visuais são padro‑ nizados e a legenda os completa. Os cuidados técnicos com a apresentação dos mapas, como escala, coordenadas, fonte etc., embora não se‑ jam tratados aqui, devem ser assegurados. Todas as figuras devem ter uma qualidade que garanta sua inteligibilidade. Se a fotografia tiver qualida‑ de inadequada, talvez seja melhor não incluí­‑la e explicar o que prejudicou sua qualidade (ver Capítulo 19 – Técnicas de Fotografia); há como emprestar fotos de outros colegas ou outras fon‑ tes, desde que se mencionem os créditos. É bom pensar no equilíbrio entre figuras e textos (editoração) evitando­‑se muitas figuras juntas sem texto, ou imagens distantes dos tex‑ tos que as explicam. No final do relatório, é interessante que se‑ jam apresentadas as referências bibliográficas. Isso

se torna necessário caso alguns autores ou bases de dados tenham sido referenciados no decor‑ rer do relatório. A contextualização da área, o uso de determinada técnica ou alguma citação podem demandar bibliografia, assim como o uso de determinado conceito, a classificação de algum autor ou uma base de dados (IBGE, sites diversos, entre outros). Este livro, por exemplo, poderá fazer parte da bibliografia dos próximos trabalhos de campo do leitor. É comum o relatório apresentar uma lista de anexos, como uma entrevista, um formulá‑ rio de questões aplicadas, uma lei mencionada, mapas, entre muitos outros itens que, ao serem anexados ao relatório, adquirem status de do‑ cumentos. Os anexos devem ter relação com o trabalho e serem citados em algum momento do texto. São comuns certos exageros por par‑ te dos alunos, como anexar rótulos de produ‑ tos consumidos, pequenos objetos coletados etc. Tais excessos devem ser evitados, ainda que expressem a empolgação dos alunos com o campo que, entre outras coisas, proporciona­ ‑lhes uma vivência universitária diferenciada e enriquecedora.

capítulo 23 – a redação do trabalho de campo

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Na sala de aula

Atividades para treino de escrita de relatório 1) Atentando à coesão e à coerência textual, es‑ creva dois parágrafos descritivo­‑narrativos, a par‑ tir da observação da paisagem abaixo. Quando terminar, compare os elementos destacados na sua descrição com aqueles presentes no texto dos colegas. Há diferenças significativas? Justifique.

Figura 23.1. Paisagem da Serra da Cantareira, município de São Paulo/SP.

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2) A partir da discussão e da apresentação de fo‑ tos sobre uma voçoroca e um deslizamento de en‑ costas, escreva um parágrafo descritivo­‑narrativo sobre um dos fenômenos ou sobre a comparação entre os dois fenômenos apresentados. 3) Escreva um parágrafo predominantemente dissertativo que poderia finalizar um relatório de observação de campo. Como sugestão, pode­‑se imaginar um trabalho de campo e escrever algu‑ mas considerações finais, partindo dos aspectos narrativo­‑descritivos e chegando a uma reflexão autêntica. 4) Para exercitar o relato de observações de campo pode­‑se, por exemplo, apresentar ses‑ são de vídeo ou slides de alguma determinada unidade geográfica, discutindo e contextuali‑ zando assuntos como recursos naturais, ocu‑ pação do solo, desmatamento, dentre outros, da região apresentada. Após a apresentação, pode­‑ se pedir aos estudantes que escrevam uma redação predominantemente dissertativa, ou narrativa ou descritiva sobre um aspecto discutido em classe, e de sua escolha. É im‑ portante lembrar, aqui, que a redação é predo‑ minantemente de um tipo, mas que os outros tipos também a compõem.

Eduardo Justiniano

O que leva a um domínio satisfatório da escrita é o treino e o conhecimento da língua. Atividades de leitura devem ser incentivadas e orientadas sempre que houver oportunidade. Da mesma forma é importante que o professor leia os trabalhos sugeridos e realizados, observando as inadequações linguísticas e devolvendo­‑ os para que os estudantes reflitam sobre o traba‑ lho de escrita e sobre as correções feitas. Outro procedimento que auxilia o desenvolvimento da escrita é propor a troca de textos entre os estu‑ dantes para que emitam três pareceres negativos e três positivos sobre o texto dos colegas. Dessa forma, o treino da escrita e das moda‑ lidades de redação deve ser proposto e orientado durante todo o período acadêmico e vários exercí‑ cios podem ser apresentados com essa finalidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Apresentamos neste capítulo algumas orientações construídas a partir de problemas levantados por professores em sala de aula e que atendem satisfato‑ riamente às necessidades acadêmicas dos cursos de Geografia e áreas afins, no que se refere à elaboração de relatórios de trabalhos de campo. Preocupou­‑se em sanar problemas, desde os mais sutis até os mais estruturais, enfatizando­‑se aspectos da redação. Para a elaboração do relatório de trabalho de campo, da mesma forma que para a produção de textos em geral, é necessário atentar para as regras normativas da Língua Portuguesa que valorizam o texto e facilitam sua compreensão, como o uso correto da pontuação, da concordância, da ortografia, entre outros. Essas informações, além das relacionadas às técnicas de redação, podem ser obtidas em manuais, alguns dos quais são indicados na bibliografia. No entanto, embora ajudem, os manuais não fazem milagres. É necessário sa‑ lientar que o domínio da Língua Portuguesa advém, principalmente, da leitura e do treino da escrita. Quanto maior o contato com as modalidades de leitura e escrita em diversificadas situações de uso, melhor será o domínio linguístico. Os relatórios de trabalho de campo representam produções acadêmicas dos alunos, as quais merecem, depois de analisadas pelo professor, ser preservadas e valorizadas. Sugere­‑se a criação de um arquivo de relatórios de campo, o qual pode ser organizado em uma estante e classificados por destinos, disciplinas, temas ou semestres. O arquivo poderá ser consultado pelos alunos e poderá servir de base para o planejamento dos trabalhos de campo propostos.

capítulo 23 – a redação do trabalho de campo

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REFERÊNCIAS DE APOIO

Sobre o autor

Glossário

Maria Alice Venturi é graduada em Letras (por‑ tuguês e italiano), mestre em Língua Italiana e doutora em Linguística pela FFLCH­‑USP. É pesquisadora na área de Aquisição de Linguagem e professora de Língua Portuguesa em faculdades da rede particular de ensino superior. Autora do livro “Tópicos de aquisição em língua estrangeira”, publicado pela Editora Humanitas, e de vários artigos especializados. Presta assessoria para vestibulares, atuando também como corretora de português e redação.

Enunciado: expresso; declarado; proposição. Contexto: inter­‑relação de circunstâncias que acompa‑ nham um fato ou uma situação; conjunto de palavras, frases, ou o texto que precede ou se segue à determi‑ nada palavra, frase ou texto, e que contribuem para o seu significado. Coesão: união de palavras, frases e parágrafos por meio de conectivos linguísticos. Coerência: ligação, nexo ou harmonia entre dois ou mais fatos ou ideias.

Bibliografia BRANCO, P. de M. Guia de redação para a área de Geociências. Porto Alegre: Sagra­‑ DC Luzzato Edito‑ res, 1993. CUNHA, A. G. Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. CUNHA, C. F.; CINTRA, L. F. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. KOCH, I. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 2002. LIBAULT, A. Os quatro níveis da pes­quisa geográfica. In: Métodos em Questão, Instituto de GeografiaUSP, São Paulo, n. 1, 1971. PLATÃO, F.; FIORIN, J. L. Para entender o texto. São Paulo: Ática, 1991. SILVA, A. C. Notas sobre o método científico e a obser‑ vação em Geografia. In: Métodos em questão. São Paulo: IG/USP, 1971.

Sugestão de vídeo Amazônia – paraíso em perigo. Direção: Paulo Alceu. Brasil, 1988. Este filme, feito sob o impacto da morte do líder seringalista Chico Mendes, retrata os costumes e as lendas da população amazônica, sua diversidade étnica, suas atividades extrativistas etc.

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Profissão: Geógrafo

24 Hélio Garcia Paes

Eduardo Justiniano

Luis Antonio Bittar Venturi

Introdução, 498 Os geógrafos e os estudos ambientais, 501

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Relatórios passíveis de serem elaborados pelo geógrafo, 505 Na sala de aula, 518

Considerações finais, 519 Referências de apoio, 520 Sobre os autores, 520

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INTRODUÇÃO Pode­‑se afirmar que a profissão de geógrafo no Brasil existe desde o final do século XIX, sendo balizada por alguns marcos fundadores, dentre os quais destacam­‑se: a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838; a primeira regulamentação da profissão de geógrafo, com o Decreto Imperial n. 3.001, de 9 de outubro de 1880; o Decreto Federal n. 23.569, de 11 de de‑ zembro de 1933, que regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor, e que em seu artigo 35 menciona as competências do geógrafo; a Portaria n. 146, de 17 de agosto de 1973, do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), com a atualização, interpretação e abrangência das atribuições dos geógrafos no Serviço Público Federal; a Lei n. 6.664, de 26 de julho de 1979, que regulamenta a profissão de geógrafo; e a Resolução n. 392, de 17 de março de 1995, que regulamenta o registro de geógrafos nos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) 1. A primeira regulamentação da profissão de geógrafo, com o Decreto Imperial n. 3.001, de 9 de outubro de 1880, visava dar posse a empregos ou nomeação do Governo aos profissionais com essa formação, somente após a apresentação de seus títulos ou cartas de habilitação científica, para “nacionaes ou estrangeiros”. Assim como em outras profissões, as regulamentações, as atribuições e a consequente atuação profissional vão passando por transformações ao longo do tempo. Do século XIX até a primeira metade do século XX, os geógrafos tinham suas atribuições voltadas para delimitações físicas e reconhecimento do território, aproximando­‑se bastante da agrimensura. No Decreto Federal n. 23.569/1933, já citado, aparecem como competência desse profissional: ¾¾trabalhos topográficos, geodésicos e astronômicos; ¾¾estudo, traçado e locação de estradas, sob o ponto de vista topográfico; ¾¾vistorias e arbitramentos relativos à agrimensura. Com a Portaria DASP n. 146/1973, são incorporadas à profissão de geógrafo diversas outras atribuições, tais como estudos e projetos relativos a conhecimen‑ tos físico­‑ geográficos, biogeográficos, antropogeográficos e geoeconômicos; até culminar na Lei n. 6.664, de 26 de junho de 1979, que disciplina a profissão. Esta lei atribui ao geógrafo as seguintes atividades: “Art. 3º – É da competência do Geógrafo o exercício das seguintes atividades e funções a cargo da União, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios, das entidades autárquicas ou de economia mista e particulares:

1

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Extraído e adaptado do livro Geógrafos, Legislação, Formação e Mercado de Trabalho, orga‑ nizado por Nelson Garcia Pedroso, 1996, capítulo: Geógrafos Brasileiros: Sinopse Histórica, de Sérgio Costa Velho, pp. 67­‑71.

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I – reconhecimentos, levantamentos, estudos e pesquisas de caráter físico­‑ geográfico, biogeográfico, antropogeográfico e geoeconômico e as realizadas nos campos gerais e es‑ peciais da Geografia, que se fizerem necessárias: a) na delimitação e caracterização de regiões, sub­‑ regiões geográficas naturais e zonas geoeconômicas, para fins de planejamento e organização físico­‑ espacial; b) no equacionamento e solução, em escala nacional, regional ou local, de problemas ati‑ nentes aos recursos naturais do País; c) na interpretação das condições hidrológicas das bacias fluviais; d) no zoneamento geo­‑humano, com vistas aos planejamentos geral e regional; e) na pesquisa de mercado e intercâmbio comercial em escala regional e inter­‑regional; f) na caracterização ecológica e etológica da paisagem geográfica e problemas conexos; g) na política de povoamento, migração interna, imigração e colonização de regiões novas ou de revalorização de regiões de velho povoamento; h) no estudo físico­‑ cultural dos setores geoeconômicos destinados ao planejamento da pro‑ dução; i) na estruturação ou reestruturação dos sistemas de circulação; j) no estudo e planejamento das bases físicas e geoeconômicas dos núcleos urbanos e rurais; l) no aproveitamento, desenvolvimento e preservação dos recursos naturais; m) no levantamento e mapeamento destinados à solução dos problemas regionais; n) na divisão administrativa da União, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.”

Com todas essas atribuições, abre­‑se um campo bastante amplo de possibili‑ dades de atuação para os geógrafos, seja na esfera pública, privada, no terceiro setor ou em parcerias. Todas essas habilidades descritas são desenvolvidas pela maioria dos cursos de Geografia e estão, em boa parte, contempladas pelos capítulos deste livro. Contudo, embora a lei que disciplina a profissão ampare o geógrafo legalmen‑ te para trabalhar nas diversas áreas expostas anteriormente, dificilmente alguém seria capaz de atuar individualmente em todos os campos que sua formação permite. O mesmo é válido para biólogos; geólogos; engenheiros agrônomos, florestais, ambientais, civis; sociólogos; economistas; advogados; gestores am‑ bientais; arquitetos, entre outros. Daí decorre a ideia da interdisciplinaridade entre esses profissionais como forma mais adequada e eficaz para fazer frente aos problemas sociais e ambientais cada vez mais complexos. Hoje, além do maior campo profissional relacionado ao ensino e à pesquisa, a atuação do geógrafo ocorre em diversos setores. Em instituições públicas, ele pode atuar com mapeamento, planejamento, licenciamento e fiscalização ambiental, nas secretarias municipais e órgãos como CETESB2 e IBAMA 3. Pode participar ativamente da elaboração e readequação/rearranjo de Planos Direto‑ res Municipais, Planos de Manejo de Unidades de Conservação, levantamentos

2 3

CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

capítulo 24 – profissão: geógrafo

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socioeconômicos que podem subsidiar diversas ações do poder público ligadas à habitação, saúde etc. Na dimensão privada, atua com consultorias ambientais, em empresas de mapeamento, em setores ambientais de grandes corporações, além de atuar em instituições de capital misto, tal como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), entre outros. Há muitos que se tornam autônomos e prestam serviços de consultoria ambiental, implantação da ISO 14.000 etc. No terceiro setor, o geógrafo trabalha em Organizações não Governamentais (ONG) de diversas naturezas, mas especialmente nas ambientais. Existe também a possibilidade de atuação por meio de convênios, como aquele firmado em 2009 entre o Departamento de Geografia (USP) com a DERSA 4, para o planejamento das áreas de conservação ao longo do trecho sul do rodoanel metropolitano. Além disso, os estudos de impacto ambiental podem ser demandados tanto pela esfera pública como privada, embora sejam produzidos, em sua imensa maioria, por empresas/consultorias privadas especializadas. A crescente conscientização ambiental no Brasil tem levado a sociedade civil a se posicionar perante o Poder Público e a iniciativa privada, exigindo uma pos‑ tura ambientalmente responsável. Como resultado, o Brasil dispõe, hoje, de uma ampla e complexa legislação ambiental, exigindo estudo de fôlego daqueles que se interessam pelo assunto. Esse contexto tem sido favorável aos geógrafos que encontram hoje, na área ambiental, uma crescente demanda por seu trabalho. Numa pesquisa recente empreendida para a conclusão de uma dissertação de mestrado5, verificou­‑se que dentre 513 profissionais que participaram de 40 estudos de impacto ambiental no estado de São Paulo, no período de 2000 a 2009, havia 39 geógrafos, com participação inferior somente a 54 engenheiros civis, 62 geólogos e 99 biólogos. Por essas razões, este capítulo dará ênfase à atuação profissional do geógrafo na área ambiental, embora seu leque de atuação seja bem mais amplo.

4 Desenvolvimento Rodoviário S.A. Esse convênio teve a coordenação da Professora Doutora Sueli Angelo Furlan, autora do Capítulo 6 deste livro (Técnicas de Biogeografia). 5 Dissertação de mestrado defendida em junho de 2010: “Contribuições da Geografia ao Li‑ cenciamento e ao Estudo de Impacto Ambiental”, autor: Hélio Garcia Paes, sob orientação do Professor Doutor Luis Antonio Bittar Venturi. Departamento de Geografia, FFLCH/USP.

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OS GEÓGRAFOS E OS ESTUDOS AMBIENTAIS A elaboração de Estudos de Impacto Ambien‑ tal (EIA) tem sido e continuará sendo um campo fértil de atuação profissional para o geógrafo. Por isso, é necessário que ele conheça as particulari‑ dades dessa atividade e as competências e fragi‑ lidades concernentes à sua categoria profissional. Vejamos esse processo de forma mais ampla. O licenciamento ambiental é um dos prin‑ cipais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, juntamente com a avaliação de impacto ambiental, a fiscalização e o mo‑ nitoramento, a elaboração de zoneamento am‑ biental ou ecológico­‑econômico e a criação de espaços protegidos (unidades de conservação, por exemplo). A constituição de leis que regem o licenciamento ambiental deve ser entendi‑ da como um processo histórico empreendido por diversos setores da sociedade brasileira. O licenciamento ambiental exige estudos de im‑ pacto ambiental que cumprem, primeiramente, o papel de adaptar o empreendimento a ser li‑ cenciado à legislação brasileira e, em segundo lugar, o de minimizar o impacto causado pela sua implantação, seja através da escolha das melhores áreas para as edificações, preservan‑ do áreas impróprias ou de proteção ambiental, seja pelo oferecimento de medidas mitigadoras e/ou compensatórias apresentadas pela equipe que o produziu, algo que não ocorreria sem o trabalho de uma equipe multidisciplinar. Ou até, pelo próprio marketing utilizado por mui‑ tas empresas que procuram se beneficiar do enquadramento de seu empreendimento na legislação ambiental, como se não fosse uma obrigação fazê­‑lo e sim, uma benfeitoria pro‑ movida por ela. Um marco da prática desta ati‑ vidade é a Resolução CONAMA nº 1, de 1986, que “dispõe sobre procedimentos relativos ao Es‑ tudo de Impacto Ambiental”. Contudo, “desde o final da década de 1960 o estudo de impacto ambiental constitui um tema conhecido em todo o

mundo sob o nome de Environmental Impact As‑ sessment (EIA)”, (ab’saber, 1998, p. 13). Os tipos de estudos de impacto ambiental variam de acordo com o empreendimento a ser implantado, com o município ou estado que o receberá, bem como pelo órgão licenciador que o analisará. De qualquer forma, alguns dos mais comuns são o Estudo de Impacto Ambien‑ tal e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA­‑RIMA), o Relatório Ambiental Prelimi‑ nar (RAP), o Estudo Ambiental Simplificado (EAS), o Plano de Recuperação de Áreas De‑ gradadas (PRAD) e o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). A participação de geógrafos em estudos de impacto ambiental não é uma tarefa nova. No Brasil, tais estudos passaram a ser elaborados so‑ bretudo no último quarto do século XX, seja para propor a resolução de problemas verificados em escala local ou regional, seja para submetê­‑los ao licenciamento ambiental de empreendimentos causadores de modificações no meio ambiente. Pode­‑se afirmar que o reconhecimento, pelos geógrafos, dos desastres ambientais ocorreu du‑ rante a intensificação do processo de colonização europeia na África, quando foram adotadas práti‑ cas agrícolas de matrizes culturais produtivas dos países colonizadores. No Brasil, geógrafos como Léo Waibel, Emanuel de Martonne, Orlando Valverde, Aziz Ab’Saber e Manoel Correa de Andrade podem ser considerados os precursores dos estudos das transformações do espaço geográfico pelas dife‑ rentes modernizações pelas quais passou a agri‑ cultura (verdum, 2005, p. 92).

Qualidades profissionais A atuação dos geógrafos na área ambiental é amparada principalmente por seu preparo

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teórico­‑metodológico, técnico­‑ científico e por sua postura crítica e ética, atributos que são va‑ lorizados na maioria dos cursos de Geografia, além de sua capacidade coordenativa obtida com uma formação multidisciplinar própria do seu bacharelado. O entendimento das atribuições do geógrafo no campo técnico de atuação deve ser melhor absorvido pela própria classe e pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agrono‑ mia (CREA), de modo a garantir e expandir a participação da profissão nesse conselho e no mercado de trabalho, onde há muito espaço a ser conquistado por esse profissional. A formação do geógrafo, a partir de sua grade curricular, é, por excelência, multidisci‑ plinar, o que garante ao estudante deste curso o contato com diversas áreas do conhecimento geográfico e com diversas abordagens teórico­ ‑metodológicas. Esse fato possibilita a forma‑ ção de um cidadão e profissional bastante com‑ plexo, com a capacidade de inserir­‑se em uma gama infindável de discussões sobre o ambiente urbano, o rural, a transformação das paisagens em todas as escalas, enfim, sobre os processos sociais articulados aos naturais resultando nas diferentes configurações territoriais. O próprio Plano de Metas Acadêmicas do Departamen‑ to de Geografia da FFLCH/USP prevê: […] considerar as diferenças longe de se procurar for‑ jar unanimidades, sem interferir no afloramento da pluralidade dos modos de fazer, pensar e en‑ sinar a Geografia, isto é, as relações da socieda‑ de com a natureza”. Reforçando ainda que “[…] o conhecimento só pode ser produzido através do comportamento crítico e do exercício de liberdade e de existência do pleno direito à diferença. (dg, 2003, p. 2). A complexidade dos fatos do mundo real exi‑ ge a articulação das dimensões sociais e natu‑ rais, contempladas pelas disciplinas do eixo da Geografia Humana e da Geografia Física, apoia‑ das pela Cartografia e pelas Geotecnologias. Assim, “para desenvolver a Geografia aplicada, é

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necessária uma compreensão integrada da realidade socioeconômica sob a perspectiva da dinâmica dos processos de ocupação e das relações econômicas e sociais” (ross, 2006, p. 20). Já nos idos anos de 1950, Pierre Monbeig chamava a atenção para a qualidade profissio‑ nal dos geógrafos e a importância de tê­‑los em equipes multidisciplinares, graças à sua forma‑ ção teórica e técnica: Se, precisamente, o geógrafo estuda as relações complexas dos meios naturais e dos grupos humanos em sua localização e em função de sua área espacial, é ele, por excelência, o técnico da organização do espaço. Mas não basta orga‑ nizar o espaço, é preciso organizá­‑lo bem. (monbeig, 1954, p. 71).

Formação teórica e metodológica6 A formação do geógrafo é tradicionalmente diferenciada das demais ciências, por articular a sociedade e a natureza na análise do territó‑ rio. A integração de temas muito diversos in‑ correrá na formação de um arcabouço teórico­ ‑conceitual também amplo e complexo em que cada área dará sua contribuição teórica relativa ao tema que trata. Assim, a Geomorfologia tra‑ balhará com teorias e conceitos geomorfológi‑ cos, a Climatologia com as suas, a Geografia Urbana com as suas e assim sucessivamente. Porém, alguns conceitos, pela sua importância e abrangência, são considerados categorias da análise geográfica e, por isso, permeiam toda a formação do geógrafo: os conceitos de territó‑ rio, paisagem, região, espaço geográfico, lugar, entre outros. Essa formação diversificada, apoiada por uma vasta e variada grade curricular, inclusive com a importante participação de disciplinas

6 Esta e as seções subsequentes referentes à formação do geógrafo têm como referência o curso de Geografia da FFLCH/USP.

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da Geografia Humana, tais como: Geografia Agrária, Urbana, Regionalização do Espaço Brasileiro, Geografia Política etc. possibilita ao geógrafo adquirir habilidade especial para a aná‑ lise integrada, que acabará sendo sua mais forte estratégia metodológica. Pierre Monbeig ilustrou esse atributo meto‑ dológico do geógrafo contrapondo­‑o aos enge‑ nheiros:

Há potencial hidrelétrico na medida em que se trata de um rio de planalto; este potencial poderia gerar energia para as comunidades mais distantes, porém, as comunida‑ des mais próximas deverão ser deslocadas, o que acarretará um impacto cultural já que se trata de comunidades tra‑ dicionais; justamente por se tratar de um relevo dissecado é que se têm, ainda, importantes remanescentes de mata nativa, a qual será submersa, acarretando um irreversível impacto na biodiversidade. Questiona­‑se a quem se destina‑ rá a energia gerada e os impactos a populações ribeirinhas

Os engenheiros que escolhem a localização da bar‑

a jusante, já que a barragem, ao diminuir a vazão e os

ragem levam em conta a altura da queda, o seu débi‑

sedimentos, poderá afetar a pesca e rizicultura, base da

to, a facilidade da construção. Encaram o problema

economia daquelas comunidades […].7

como técnicos de barragem e o que lhes importa é poder construí­‑ la bem, depressa e pelo menor custo. […] Não se indaga quais serão as consequências da barragem so‑ bre o regime do rio a montante, sobre as bacias­‑ vertentes de seus múltiplos pequenos subafluentes, sobre as fontes a eles ligadas, sobre a vegetação que dele depende, as pastagens, as culturas e os homens. Tão pouco se pensou de onde virão os capitais que criarão as indústrias, que deslocamento de mão de obra acarretarão, que problemas de urbanismo ou abastecimento daí decorrerão muito em breve. Faltou a isso o Geógrafo, cuja profissão é precisa‑ mente estudar os múltiplos laços dos inúmeros fenômenos que se relacionam à organização do espaço. (monbeig, 1954, pp. 71–72).

Embora passados 56 anos da publicação desse texto, ele ainda possui grande atualidade, quando se pensa em licenciamento ambiental e nos profissionais que elaboram estudos de im‑ pacto ambiental, por vezes, muito díspares de suas áreas de formação. Contudo […] impõe prudente reserva. A Participação dos geó‑ grafos a esse tipo de inquérito não exclui a participação de

À medida que o geógrafo vai adquirindo co‑ nhecimento sobre as diversas áreas contempladas em seu currículo, a análise geográfica (integrada) vai se enriquecendo e incorporando a perspectiva espacial e temporal; mas é na atuação profissional que a análise geográfica amadurece. Esse conhecimento multidisciplinar associa‑ do à análise integrada delega, com propriedade, ao geógrafo, funções como a de coordenador de estudos de impacto ambiental, por ser essa uma tarefa que exige conhecimento bastante amplo e articulado; que envolve as dimensões física (abi‑ ótica), biótica e antrópica (social, num sentido mais amplo); que deve apreender os impactos de forma integrada e não fragmentada, como é comum em muitos estudos protocolados nas instâncias legais. Para o professor Jurandyr Ross, “como o am‑ biente não é visto apenas como o meio físico e bióti‑ co, mas inclui também o socioeconômico, isso coloca a ciência geográfica como um todo em situação de privilégio frente às demais, nas análises ambientais”, (ross, 1990, p. 19).

outros especialistas. O geógrafo não é onisciente e o que lhe cabe é apenas um lugar numa orquestra, mas não a ele toda a orquestra. (monbeig, 1954, p. 72).

Veja mais um exemplo de como seria uma análise integrada do potencial hidrelétrico de uma área, feita por um geógrafo.

7 Extraído e adaptado de Venturi, L. A. Debutantes du‑ bitantes – guia prático e emergencial para os que estão às voltas com projetos de pesquisas científicas. DG­‑FFLCH, 2009 (prelo).

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Preparo técnico

Formação crítica

Se, como visto, o embasamento teórico­ ‑metodológico do geógrafo é favorecido por uma formação ampla e diversificada, o mesmo ocor‑ re com seu preparo técnico. Disciplinas como Biogeografia, Cartografia, Climatologia, Geo‑ morfologia, Hidrografia, Sensoriamento Remoto, Pedologia, Planejamento, Técnicas de Campo e Laboratório, entre outras amplamente contem‑ pladas neste livro, capacitam o geógrafo para uma grande variedade de ações, a exemplo dos mapeamentos diversos, levantamento e classifica‑ ção de vegetação, solos, medição de precipitação, cálculos de declividade permitidos para determi‑ nados usos nos terrenos, medição de vazão em cursos d’água e decorrentes adequações de usos, aplicação de questionários, técnicas de interpre‑ tação de imagens de satélite, utilização de Siste‑ mas de Informações Geográficas, entre outras. De acordo com o plano de metas acadêmicas do Departamento de Geografia da USP:

A formação crítica, característica da maioria dos geógrafos, advém de vários fatores intrínsecos aos cursos, os quais podem ser enumerados da se‑ guinte forma: em primeiro lugar, considerando o Departamento de Geografia da USP, é preciso contextualizá­‑lo no âmbito da Faculdade de Fi‑ losofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a qual possui uma herança de pensamento crítico, e da qual saíram grandes pensadores brasileiros, que ainda hoje são referência em muitos cursos e disciplinas ali ministrados. A Geografia, portanto, enquanto ciência humana inserida na FFLCH, traz em seu bojo a capacidade crítica de pensar a sociedade e como ela age sobre a natureza. Em segundo lugar, considera­‑se que o pen‑ samento crítico é favorecido pela diversidade acadêmica e cultural dos mais de 50 professo‑ res do Departamento de Geografia, muitos dos quais coautores deste livro, de onde emanam opiniões e pensamentos diversificados, tanto em relação aos conteúdos específicos de cada área como quanto às concepções de Geografia, de universidade e da própria sociedade. Durante a graduação, o grande número de leituras exigidas coloca o aluno em contato com os mais diversos autores e ideias que lhes mostram diferentes visões, porém sempre na perspectiva da construção de um mundo social‑ mente mais justo e ambientalmente mais cor‑ reto. Caso o aluno seja seduzido pelo mercado, esquecendo­‑se desses ensinamentos, ele não terá tido uma boa formação. Portanto, pressupõe­‑se que o aluno entre no mercado de trabalho não só bem formado teórica e tecnicamente, mas com senso crítico, exercendo seu trabalho como pro‑ fissional e cidadão.

A formação acadêmica do Geógrafo deve prepará­‑lo teó‑ rica e praticamente para atender às necessidades do mercado de trabalho, exigente e competitivo, a fim de que não se ex‑ cluam estes profissionais dos projetos multidisciplinares, por falta de condições operacionais e preparo tecnológico. Neste sentido, também, deve caminhar a formação abrangente e atualizada do profissional geógrafo. (DG, 2003, p. 11).

Essa formação, com as disciplinas de am‑ paro técnico, é fundamental para a atuação do geógrafo nos EIA, servindo de subsídio à sua inserção nesse ramo de atividade, inclusive de maneira diferenciada em relação aos outros pro‑ fissionais, uma vez que: Em sua formação básica (graduação) o Geógrafo ad‑ quire conhecimento sobre os diversos componentes dos meios físico, biótico e antrópico, bem como dos processos de inte‑

Ética profissional

ração entre os mesmos na dimensão espaço­‑temporal, que constituem elementos técnico­‑ científicos fundamentais para a análise do meio ambiente. (pedroso, 1996).

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A ética profissional e a postura crítica complementam­‑se. São atributos muito relacio‑

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nados com a postura que o geógrafo desenvolve no meio em que se formou; mais como herança de uma cultura do que de conteúdos específicos, embora algumas disciplinas possam favorecer esses atributos. A ética profissional e a postura crítica asseguram a não venalidade dos objetivos e resultados dos estudos, assim como a perspec‑ tiva do bem comum. O princípio ético é aquele que concerne aos princípios morais. Num estudo de impacto ambiental há que se consi‑ derar esses princípios como balizadores, como algo que de uma forma concreta estabeleça os limites de interesse e de atuação daqueles que, pensando no desenvolvimento como meta final, projetam e constroem grandes empreendimentos. (verdum; medeiros, 2002, p. 142).

Segundo relato do Professor Wagner Costa Ribeiro, em 10 anos de atuação no CREA/SP, não se viu um só processo ético incidindo sobre um geógrafo, o que parece indicar que a forma‑ ção crítica tem tido bons resultados. Contudo, posturas crítica e ética terão maior valor se complementadas por uma boa formação técnico­‑científica e teórica, já que certas com‑ petências serão exigidas dos geógrafos. Como já foi dito no Capítulo 1 (A Técnica e a Observa‑ ção na Pesquisa), “não se transforma a realidade apenas se refletindo sobre ela”, mas subsidiando a reflexão com proposições. Nos meios profis‑ sionais, alguns geógrafos ainda enfrentam pre‑ conceitos devido a estereótipos criados, como sendo muito críticos e pouco técnicos. Essa si‑ tuação tende a mudar na medida em que o geó‑ grafo profissional mostra­‑se propositivo.

RELATÓRIOS PASSÍVEIS DE SEREM ELABORADOS PELO GEÓGRAFO

mais diversos estudos e planejamentos. São úteis para o Planejamento Territorial, Plano Diretor, Planos de Manejo, Estudos de Impacto Ambien‑ tal e diversas outras áreas em que o geógrafo pode e deve atuar, dada sua capacidade de arti‑ culação de informações de diferentes naturezas. Neste capítulo, será dada ênfase aos relatórios elaborados para fins de Estudos de Impacto Am‑ biental (EIA) que demandam cada vez mais a participação dos geógrafos. Esses estudos são formados por diversos ca‑ pítulos que abordam os meios físico, biótico e antrópico, devendo inclusive ser realizada uma intersecção entre eles, de forma que se leve à compreensão da totalidade do contexto e dos impactos que poderão decorrer de um novo em‑ preendimento. Dentre esses capítulos, muitos são passíveis de serem elaborados pelos geógra‑ fos, e a compartimentação do estudo (em rela‑ tórios individuais, tais como são apresentados nos diagnósticos internos dos EIA) servirá para demonstrar as potencialidades de atuação des‑ se profissional, a partir, portanto, da síntese de cada um e da posterior articulação entre eles. Os relatórios são divididos em duas etapas: a primeira representa o diagnóstico da situação atual da área de estudo e de seu entorno; e a segunda, o prognóstico, que considera os impac‑ tos que serão causados pela introdução do novo empreendimento e, quando forem negativos, traz proposições de medidas mitigadoras e com‑ pensatórias. De forma ilustrativa, apresentam­‑se alguns produtos da fase do diagnóstico, uma vez que ele é praticamente igual para todos os em‑ preendimentos, diferentemente do prognóstico de impactos, específico e diferente, geralmen‑ te, para cada atividade e para cada localidade. Pode­‑se afirmar que: Dois empreendimentos idênticos localizados em am‑ bientes diferentes resultarão em diferentes impactos am‑ bientais. Da mesma forma, num mesmo local, dois projetos

Os relatórios que serão apresentados são os mais comuns e podem ser elaborados para os

distintos poderão ocasionar impactos ambientais bem dife‑ rentes. (sánchez , 2008, p. 169).

capítulo 24 – profissão: geógrafo

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A implantação de uma nova indústria, por exemplo, em um parque in‑ dustrial, acarretaria impactos diferenciados, caso o mesmo empreendimento estivesse previsto para uma área rural; da mesma forma, um aterro sanitário ou uma linha de transmissão de energia trariam impactos distintos, quando implantados, hipoteticamente, em uma mesma paisagem ou região. Por outro lado, sabe­‑se que os impactos e os riscos ambientais não são percebidos da mesma forma por pessoas ou grupos sociais diferentes. (sánchez , 2008, p. 169).

Cabe ao profissional e à equipe multidisciplinar envolvida na elaboração do EIA discutir quais impactos devem merecer maior atenção para o empreen‑ dimento que estiver em pauta naquela região e naquele estudo.

Relatório de uso e ocupação do solo Neste relatório, busca­‑se demonstrar as características atuais da área de estudo e de seu entorno, no que se refere às categorias de paisagem ali existentes, evidenciando que tipo de ocupação tem sido verificada na‑ quela porção territorial do município em que se localizará o empreendi‑ mento a ser licenciado. Esse relatório apoia­‑se em dados extraídos e pro‑ duzidos a partir de interpretação de aerofotografias, imagens de satélite, mapas e cartas. Os procedimentos utilizados para a definição do uso e ocupação do solo consistem na demarcação de unidades espaciais existentes na gleba e em seu entorno, conformando­‑se em definições das categorias de análise. Essa de‑ marcação pode seguir o padrão adotado pelos órgãos institucionais oficiais (IBGE ou EMPLASA, por exemplo), ou pode­‑se adotar uma delimitação particular. As categorias de análise normalmente utilizadas (uso residencial, industrial etc.) serão melhor definidas posteriormente ao levantamento de campo e ao estudo das fontes (mapas, imagens etc.). Esses procedimentos visam, além de um relatório descritivo, à obten‑ ção final de uma padronização que permita, a partir de um mapa, por exemplo, em escala 1:10.000, a compreensão das unidades espaciais envol‑ vidas, ou seja, as próprias áreas de influência do empreendimento, que se dividem em: ¾¾Área de Influência Indireta (AII) – que pode ser delimitada pelo município, estado ou até mesmo uma região, de acordo com critérios específicos para cada empreendimento. ¾¾Área de Influência Direta (AID) – pode ser uma bacia ou sub­‑bacia hidro‑ gráfica; um município, distrito, ou bairro; uma região delimitada por suas características urbanas ou rurais, entre outros. ¾¾Área Diretamente Afetada (ADA) – refere­‑se ao próprio local/terreno, des‑ tinado ao novo empreendimento.

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Hélio Garcia Paes e Everaldo Macena de Lima Neto

N 7.403.100

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo

Legenda Área residencial Área comercial e de serviços Equipamento urbano Área mista residencial/comercial Área verde/praça Indústria

7.402.900

Área de estudo Souza

7.402.700 0 m 50 m 150 m

Av

.

Em ílio

Escala Gráfica

Fonte: Google Earth, 2008. Acesso em março/2008.

Av.

7.402.500

Inajar

de

Ca rlo

s

100 m

329.000

329.200

329.400

329.600

Trabalho de campo realizado em março/2008.

Figura 24.1. Exemplo de um mapa de uso e ocupação, com as AID (neste caso hipotético, entorno do empreendimento) e ADA.

Os dados obtidos em campo e os materiais cartográficos são analisados de forma integra‑ da, objetivando a confecção do mapa de uso e ocupação do solo, bem como a descrição das categorias de uso. Para a identificação das cate‑ gorias de análise, considera­‑se uma área ideal, na qual as características principais possam ser representadas territorialmente. Assim, algumas classes de interpretação irão compor o mapa de uso e ocupação do solo e o texto descritivo, tais como: áreas de mata nativa, campos antrópi‑ cos, reflorestamento, chácaras, área industrial, áreas urbanizadas, equipamentos urbanos, en‑ tre outras, dependendo da localização do em‑ preendimento. Conceitualmente, as definições de área urbana, rural, mata nativa – entre ou‑ tros – subsidiam a elaboração desse relatório. Tecnicamente, a Cartografia Temática, o SIG e o Sensoriamento Remoto, assuntos amplamente tratados neste livro, fornecem importante base para este relatório.

Relatório socioeconômico Trata de aspectos relacionados à população que será atingida pelo impacto do empreendi‑ mento pleiteado. Esse relatório inicia­‑se com o apoio técnico da interpretação de imagens, ma‑ pas e aerofotografias quando o geógrafo apreende a área em seu conjunto e define ações em campo. Apoia­‑se também em fontes de dados demográ‑ ficos, como censitários (IBGE), anuários estatís‑ ticos (EMPLASA), além de pesquisas de campo, enfocando informações como população total, faixa etária, nível escolar, saúde, poder aquisitivo etc. Muitas vezes a pesquisa de campo é funda‑ mental para se identificar com mais autenticidade a reação de uma população a um projeto. […] considerar o homem como um simples objeto que pode ser deslocado, mudado, transferido, com relativa facili‑ dade é pensar o homem fora da natureza […]. (medeiros, 2002, p. 126)

capítulo 24 – profissão: geógrafo

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total é que inclui todo o mosaico dos componentes introduzidos pelo homem – ao longo da história – na paisagem de uma área considerada participante de um determinado território. (ab’saber, 1998, p. 30). Esse tipo de relatório pode ser complemen‑ tado com tópicos da Cartografia Temática (ver Capítulo 8 deste livro) e com Técnicas de Inter‑ locução (ver Capítulo 21) e pode ser subsidiado também pelos conhecimentos das áreas de Geo‑ grafia da População, Geografia Agrária, Urbana, Econômica e Social, contemplados na formação do geógrafo. Nesse caso (Figura 24.2), trata­‑ se de um exemplo socioeconômico, em que o raio de influência se refere a uma população hipoteti‑ camente atingida pelo empreendimento, não levando em conta aspectos físicos ou bióticos. Em suma, o relatório socioeconômico forne‑ ce diretrizes para a implantação do empreendi‑ mento, identificando os possíveis impactos que incidirão sobre a população afetada. Os resulta‑ dos podem levar à readequação ou reorientação do empreendimento, buscando maximizar os impactos positivos e mitigar os negativos, poden‑ do levar à definição de medidas compensatórias.

Hélio Garcia Paes e Everaldo Macena de Lima Neto.

Assim, o diagnóstico socioeconômico deve ser amparado pelo trabalho de campo, com entrevistas, depoimentos de moradores do en‑ torno do novo empreendimento, cujo resultado pode ser determinante para a definição de me‑ didas compensatórias, um importante aspecto dos EIA. Como exemplo, imagine­‑se a implan‑ tação de um empreendimento que necessite re‑ locar famílias que extraem daquela região seu sustento (atividade pesqueira, extrativista ou agrícola, por exemplo); nesse caso, o impacto não será apenas econômico, mas cultural, pois implicará na alteração do modo de vida. Nesse sentido, o conceito de lugar pode fundamentar a elaboração deste relatório, na medida em que ajuda a diagnosticar as relações históricas, iden‑ titárias e relacionais daquela comunidade com seu lugar. A princípio, a definição de população coincide com aquela presente nas AII e AID, mas o geó‑ grafo usará de sua experiência para considerar outros possíveis critérios. Conceitualmente, esse procedimento pode embasar­‑se em definições geográficas de região, estabelecidas por meio de uma reunião de atributos do lugar, tais como grau de urbanização, remanescentes vegetais nativos, áreas de reflorestamento, porções predominan‑ temente residenciais ou campos agricultáveis, para os quais cada categoria pode redundar numa especificidade a ser estudada; assim, a avaliação do impacto será mais bem formulada. Outro conceito que pode orientar um relató‑ rio socioeconômico é o de espaço total, sugerido pelo Professor Ab’Saber como forma de se apre‑ ender os impactos causados por um empreendi‑ mento não só na gleba a ser impactada por ele, mas, sobretudo, no entorno dessa área: […] a análise do sítio ou local de implantação tem uma certa importância. Entretanto, é a área do entorno do projeto que mais importa em termos de curto, médio e longo prazo. […] O espaço total é o arranjo e o perfil adquiridos por uma determinada área em função da organização humana que lhe foi imposta ao longo dos tempos. […] Na realidade, o espaço

Figura 24.2. Exemplo de representação de raio de influência de um empreendimento hipoteticamente localizado no município de Sorocaba, estado de São Paulo.

práticas de geografia

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Relatório de sistema viário

Hélio Garcia Paes e Everaldo Macena de Lima Neto

Esse relatório, presente em muitos estudos de impacto ambiental, visa demonstrar, por meio de um diagnóstico local e regional, a infraestru‑ tura viária existente e sua capacidade ou não de receber um novo empreendimento, que muitas vezes pode ocasionar impactos significativos, prejudicando toda a movimentação de pessoas e mercadorias. Em temos gerais, pode­‑se en‑ tender que o sistema viário se estabelece como inter­‑relação de áreas e, portanto, é essencial para as atuais práticas sociais e econômicas. A circulação é um aspecto essencial do cotidiano da população e deve ser compreendida para a identificação de possíveis impactos que um novo empreendimento pode ocasionar. Alterações no tráfego, no fluxo de veículos, afunilamentos, obstaculização, todos esses aspectos devem ser considerados nesse relatório. Esse relatório baseia­‑se, em grande medida, no Plano Diretor do Município em questão, pois nesse documento encontram­‑se representadas todas as vias de um município, já hierarquizadas segundo sua importância e função.

O diagnóstico do sistema viário e a identi‑ ficação dos possíveis impactos podem levar a equipe técnica à definição e proposição de me‑ didas mitigadoras e/ou compensatórias, as quais podem ser acolhidas pelo empreendedor ou não. Duplicação de vias, implantação de rotatórias e de passarelas estão entre algumas possíveis me‑ didas compensatórias. Os conceitos de fluxos e redes podem ajudar na compreensão do sistema viário. A Cartografia Temática e o SIG, mais uma vez, fornecem apoio à elaboração desse relatório, além de serem muito úteis os conhecimentos de Geografia Urbana e Econômica, contemplados na formação do geógrafo.

Relatório de resíduos sólidos

N

A demanda por esse relatório é comum em casos de novos loteamentos residenciais ou co‑ merciais, distritos industriais e alguns outros empreendimentos que possam acarretar grandes

Rodovia SP-055 Dr. Manuel Hyppólito do Rego

7.373.000

SISTEMA VIÁRIO REGIONAL

Bertioga - São Paulo Legenda

Rodovia SP-098 Dom Paulo Rolim Loureiro

Área do Empreendimento

Rodovias Arruamento

a

Prai

do

ba aratu

Gu

7.368.000

ia ço Pra ouren L o Sã

7.363.000

2000 m 0 m

ico

Atlânt

Escala Gráfica

o

an Oce

Bertioga

2500 m

Fonte: AGEM, 2004. 386.000

391.000

396.000

401.000

406.000

Figura 24.3. Exemplo de mapeamento de sistema viário regional.

capítulo 24 – profissão: geógrafo

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gerações de resíduos sólidos. É nesse estudo que, muitas vezes, ficam estabelecidas parcerias com a iniciativa privada no que concerne à destina‑ ção de resíduos gerados, pois algumas vezes o poder público não encontra condições de, sozi‑ nho, arcar com uma nova carga de resíduos, os quais representam diminuição de vida útil dos aterros e novas despesas com o serviço de coleta. Por isso, nesse relatório, busca­‑se diagnosticar a capacidade do município em gerenciá­‑los os mesmos, identificar as cargas extras propondo formas de reduzi­‑las e reciclá­‑las. No diagnóstico demonstra­‑se também a de‑ manda gerada pelo novo empreendimento e a capacidade de destinação do município que rece‑ berá a nova carga de materiais oriunda da nova atividade, de forma quantitativa, para cálculos de impacto. A elaboração desse relatório apoia­‑se em fon‑ tes como CETESB e IBGE, além de pesquisa de campo, a qual permite identificar a forma de coleta, armazenamento e destino dos resíduos gerados no município. Os conceitos de recursos naturais, recicla‑ gem, reuso,renovabilidade, além do próprio con‑ ceito de impacto, podem subsidiar a elaboração desse relatório e também a elaboração do diag‑ nóstico, além dos conhecimentos de planejamen‑ to territorial que o geógrafo adquiriu durante sua formação.

Relatório climatológico Esse relatório, assim como o de qualidade do ar, recebe apoio direto e fundamental da Climatologia, contemplada neste livro no Capí‑ tulo 5. O estudo das condições climáticas é um importante subsídio de análise para os órgãos ambientais licenciadores, uma vez que as ca‑ racterísticas do clima influenciam diretamente na paisagem existente e no cotidiano dos habi‑ tantes, assim como a paisagem existente pode influenciar no microclima de um local. Sua ela‑ boração apoia­‑se em informações de institutos oficiais que disponibilizem dados das chamadas “Normais Climatológicas” (obtidas por meio de observações ao longo de 30 anos), além de cartas sinóticas. Os conceitos de ritmo e siste‑ mas podem ajudar na concepção do relatório climático, além dos conceitos específicos, como regime pluviométrico, temperatura, umidade relativa etc. As atividades humanas, tais como a urbani‑ zação, industrialização, desmatamento, agro‑ pecuária e a construção de represas podem in‑ fluenciar nos aspectos climáticos de uma região, acabando muitas vezes por constituir um clima particular de uma dada porção do território, de‑ nominado, assim, de “microclima”. A climatologia geográfica preocupa­‑se, fundamental‑ mente, com seu papel na elaboração das paisagens e do mosaico espacial, no qual é, também, muito relevante o

Tabela 24.1 – Valores de coeficiente per capita de produção de resíduos sólidos domiciliares, em função da população urbana População (mil hab.)

Produção de lixo (kg/hab. dia)

Até 100

0,4

100 a 200

0,5

200 a 500

0,6

Maior que 500

0,7

papel da história, da cultura e do modelo econômico. Con‑ centra suas atenções na superfície do planeta, onde se dá a conexão dos processos atmosféricos, geomorfológicos, hidro‑ lógicos e biológicos e onde o homem, vivendo em sociedade, produz e organiza o espaço, isto é, constrói seu ecúmeno. […] Não é difícil entender essa estreita associação, uma vez que, na análise da paisagem, o clima é o agente exógeno de maior interferência. (conti, 2001, p. 92).

Fonte: CETESB, 2008.

510

Nesse estudo, busca­‑se fornecer subsídios para as ações do órgão ambiental, que pode pas‑ sar a exigir medidas de caráter preventivo caso,

práticas de geografia

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por exemplo, um empreendimento acarrete em grande supressão de vegetação, podendo modifi‑ car índices de umidade e temperatura, alterando o conforto térmico local. A impermeabilização de grandes superfícies pode gerar pequenas ilhas de calor, o que exige a manutenção de áreas para replantio. O relatório climatológico também serve para orientar o empreendimento acerca da possibilidade de enchentes, desliza‑ mentos, como nas áreas costeiras do Sudeste, além da dispersão ou concentração de poluen‑ tes, inclusive a partir da introdução do novo em‑ preendimento em estudo.

Relatório de qualidade do ar Aqui cabe uma consideração inicial. Em‑ preendimentos que podem causar impacto substancial na qualidade do ar local e regional (de acordo com critérios adotados para cada empreendimento) devem ser precedidos de es‑ tudos de dispersão atmosférica, pois certas con‑ dições implicam em resultados diferentes. Por exemplo: em períodos chuvosos, as precipita‑ ções ajudam a diluir os poluentes. Em períodos de pouca precipitação podem ocorrer inversões térmicas que aprisionam os poluentes na baixa atmosfera. Tais estudos são elaborados por profissio‑ nais com capacitação técnica e legal para fazê­ ‑lo, como climatólogos, meteorólogos, físicos ou engenheiros químicos. No entanto, existem softwares que fazem projeções de impactos at‑ mosféricos e que poderiam até ser utilizados por outros profissionais. De qualquer forma, os geógrafos que conhecemos não têm elabo‑ rado esses estudos, somente aqueles de quali‑ dade do ar, menos densos tecnicamente para empreendimentos de menor impacto neste aspecto. A mensuração da qualidade do ar de um lugar ou de uma região é obtida pela quantifi‑ cação das substâncias poluentes existentes na

atmosfera, que são comparadas com os padrões de concentrações estabelecidos pela legislação ambiental. O estudo de qualidade do ar consiste em demonstrar os índices oficiais de poluição obtidos, provenientes “de estações de amostragem existentes”, por exemplo, as da CETESB, para a localidade que receberá o novo empreendimento e “a compilação de dados climatológicos provenien‑ tes de estações meteorológicas”, simulando ainda o impacto que ele pode acarretar ao lugar em questão. “Para certos tipos de empreendimentos também se faz a coleta de dados primários, com a instalação de amostradores”, (sánchez, 2008, p. 238)8. O Capítulo 5 deste livro (Técnicas de Climatologia) oferece subsídio a esse relatório, assim como os relacionados às geotecnologias. Em São Paulo, a CETESB disponibiliza muita informação oficial acerca da qualidade do ar no estado, permitindo o enriquecimento dos rela‑ tórios sobre o tema.

Relatório geomorfológico Este relatório consiste no estudo prévio das classes de declividade existentes no terreno a ser estudado (ADA), bem como no mapea‑ mento e confirmação em campo da topografia da área, suas declividades e seu enquadramen‑ to na lei, inclusive como áreas de preservação permanente. Apoia­‑se basicamente na interpretação de mapas geomorfológicos, imagens de satélite e radar, além de trabalho de campo e uso de fer‑ ramentas de geoprocessamento. Já no aspecto do enquadramento do em‑ preendimento na região de estudo, região aqui

8 Um equipamento bastante usado é o amostrador de grandes volumes (Hi-Vol), que pode ser operado em áreas de mineração por profissionais de nível médio, não exigindo portanto grandes habilidades técnicas e sim, um treinamento específico para o uso.

capítulo 24 – profissão: geógrafo

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511

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entendida pelos seus atributos geomorfológicos, a caracterização pode conter: ¾¾compartimentação topográfica geral das áreas de estudo (planalto, depressão, planície); ¾¾tipo de forma de relevo dominante (cristas, colinas, planície fluvial etc.); ¾¾presença eventual de grandes massas de re‑ levo ou pontos muito elevados nas imediações (cristas, serras, picos, morros isolados etc.); ¾¾posição da área em relação às principais fei‑ ções do relevo (topo, encosta, sopé etc.); ¾¾classificação das formas de relevo quanto à sua origem (formas cársticas, formas fluviais, formas de aplainamento, formas litorâneas etc.); ¾¾características dinâmicas do relevo (pre‑ sença ou propensão à erosão acelerada e as‑ soreamento, áreas sujeitas a inundações, áreas sujeitas à erosão eólica etc.) (rodrigues, 2002, p. 85).

O diagnóstico geomorfológico da área de estudo “permite deduzir a tipologia e intensidade dos processos erosivos e deposicionais, a distribui‑ ção, textura e composição dos solos, bem como a capacidade potencial de uso. Associados a outros elementos do meio, os dados de geomorfologia po‑ dem auxiliar na interpretação de fenômenos como inundações e variações climáticas locais” (santos, 2004, p. 78). É também nesse relatório que se podem verificar informações sobre “os fenômenos hidrológicos, declividade, velocidade de drenagem”, (santos, 2004, p. 78), as quais vão permitir uma melhor ocupação do terreno e muitas vezes menores custos de implantação e menor modifi‑ cação do ambiente. Pode­‑se afirmar que: A geomorfologia promove, por meio de estudos da dinâ‑ mica do relevo, a compreensão do funcionamento da pai‑ sagem ao incorporar os outros componentes da natureza,

N

MAPA GEOMORFOLÓGICO REGIONAL

Salto e Itu - São Paulo Legenda Unidade Morfoescultural e Altitude Predominate 800 - 900 metros acima de 900 metros

Dc12

Formas do Relevo

Salto

Dc15 Itu

Dc 15 - Vales de entalhamento pequeno e densidade de drenagem alta ou vales muito entalhados com densidades de drenagem menores. 2500 m

0m

3750 m

Escala Gráfica Fonte: Departamento de Geografia, FFLCH - USP. IPT.

Hélio Garcia Paes e Everaldo Macena de Lima Neto.

Dc 12 - Vales pouco entalhados e densidade de drenagem baixa.

Figura 24.4. Exemplo de mapa geomorfológico, segundo metodologia proposta por Jurandyr L. S. Ross (1990).

512

práticas de geografia

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estabelecendo relações entre relevo e solos, relevo e clima, relevo e hidrografia, cobertura vegetal e substrato geológico. (venturi, 2008b, p. 84).

Por isso mesmo, além do Capítulo 2 (Téc‑ nicas de Geomorfologia) e todos os conceitos associados a esse tema (como bacia, vertente, planície, planalto etc.), este relatório também é subsidiado pelas Técnicas de Hidrografia, de Pedologia e Cartografia Temática (Capítulos 3, 4 e 8, respectivamente).

Relatório pedológico Nos estudos de impacto ambiental, o relatório pedológico só poderia, em princípio, ser assina‑ do pelos engenheiros agrônomos, mas pode sê­ ‑lo também por geógrafos e geólogos, os quais também possuem capacidade técnica para ca‑ racterizar o tipo de solo para os estudos citados, sem prejuízos para sua qualidade. Para que isso se viabilize, utiliza­‑se o subterfúgio de nomea‑ ção do relatório como “esboço pedológico”. Nele, expõem­‑se as potencialidades e fragilidades do solo em que se vai empreender uma nova implan‑ tação, de forma descritiva e também por meio do mapeamento do local e de suas áreas de influência.

e laboratório, bem explicitadas no capítulo de Pedologia deste livro. No entanto, como o solo não deve ser considerado isoladamente, mas como um componente da paisagem, os capítu‑ los deste livro relacionados à Geomorfologia e à Climatologia também assumirão importância.

Relatório de hidrologia Este relatório é construído com base em ma‑ pas de hidrografia e com o auxílio de aerofotos e trabalho de campo para obter­‑se maior precisão. Muitos aspectos dos meios físico e biótico, constantes nos estudos de impacto ambiental, consideram a bacia hidrográfica como instru‑ mento de análise e de mensuração de alteração na paisagem, seja por definição da equipe envol‑ vida na elaboração dos relatórios, seja por exi‑ gências legais, as quais, por vezes, determinam que seja adotada a própria bacia hidrográfica para previsão dos impactos. A análise de bacias hidrográficas começou a apresentar caráter mais objetivo a partir de 1945, com a publicação do notável trabalho do engenheiro hidráulico Robert E. Hor‑ ton, que procurou estabelecer as leis do desenvolvimento dos rios e de suas bacias. A Horton cabe a primazia de efetuar a abordagem quantificativa das bacias de drenagem, e o seu

O clima, a topografia, os materiais de origem, a biota

estudo serviu de base para nova concepção metodológica

e o tempo são os fatores que determinam as características

e originou inúmeras pesquisas por parte de vários seguido‑

dos solos e das quais depende o seu equilíbrio dinâmico.

res. Não é justo que se esqueça, na utilização e expansão

Qualquer mudança em uma dessas variáveis certamente

dessa nova perspectiva, da influência exercida por Arthur

irá afetar o solo. As reações a uma determinada mudança

N. Strahler e dos seus colaboradores da Universidade de

ambiental irão variar de solo para solo, em função da sua

Colúmbia. (christofoletti, 1976, p. 85).

sensibilidade a cada tipo de tensão […]. Aos fatores que determinam as características do solo deve­‑se acrescentar a ação antrópica, uma vez que ela, mesmo que a nível local, assume maior poder de interferência que o conjunto dos fatores naturais. (bastos; freitas, 2002, p. 31).

Esse relatório subsidia­‑se por dados secundá‑ rios (mapas temáticos produzidos e disponibili‑ zados por órgãos oficiais), e técnicas de campo

Por constituir­‑se uma delimitação física rí‑ gida, a bacia hidrográfica é comumente tratada nos estudos de impacto ambiental como área de influência indireta e, dependendo de sua dimen‑ são, como área de influência direta. As bacias de drenagem funcionam cada uma com sua própria série de depósitos e de transferências das águas que

capítulo 24 – profissão: geógrafo

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entram. Os escoamentos, em muitos casos, podem reunir­‑se antes de alcançar o mar. O homem, com suas interferências,

teção dos solos, pela capacidade de fixação de carbono, entre tantos outros aspectos.

pode alterar a eficiência e a capacidade de muitas das arma‑ zenagens e transferências. (bastos; freitas, 2002, p. 24).

Removendo a cobertura florestal de uma determinada área, reduz­‑se instantaneamente a transferência de nutrien‑

Assim, preliminarmente, deduz­‑se que “toda ocorrência de eventos em uma bacia hidrográfica, de origem antrópica ou natural, interfere na dinâmica desse sistema, na quantidade de cursos de água e sua qualidade”. Pois, “uma bacia hidrográfica circuns‑ creve um território drenado por um rio principal, seus afluentes e subafluentes permanentes ou inter‑ mitentes” (santos, 2004, p. 85). Para empreendimentos que possam afetar a quantidade de água disponível, são necessários estudos hidrológicos, os quais geralmente se baseiam em redes de estações pluvio‑ métricas e fluviométricas existentes e operadas por órgãos governamentais. Séries históricas de dados de chuva e vazão são trabalhadas estatisticamente para fornecer informação sobre vazões máxima, média e mínima e altura de rios, e sobre intensidade pluviométrica […] para diferentes perío‑ dos de retorno. (sánchez , 2008, p. 237).

Esse relatório é subsidiado principalmente pelos temas abordados no Capítulo 3 (Técni‑ cas de Hidrografia), no Capítulo 2 (Técnicas de Geomorfologia) e no Capítulo 7 (Técnicas de Cartografia). Conceitualmente, a noção de sistema fun‑ damenta o estudo de bacias hidrográficas, além do conceito geral de bacia hidrográfica e vários outros específicos dessa área do conhecimento, como regime fluvial, muitos dos quais tratados no capítulo específico de hidrografia.

Relatório de vegetação Os relatórios de vegetação constantes nos EIA são indicadores de qualidade ambiental, muito estimados na visão dos órgãos licencia‑ dores, por vários motivos: pela valorização da paisagem local, pelo abrigo de fauna, pela pro‑

514

tes minerais do solo para a biomassa, tal como o volume acumulado de biomassa. A água passa a remover nutrientes do solo por lixiviação e escoamento, enquanto o aporte de águas pluviais sofre um aumento devido à falta de obstáculo que as copas das árvores proporcionavam, suavizando seu impacto com o solo. (BASTOS; FREITAS, 2002, p. 30).

Trata­‑se da caracterização dos estágios su‑ cessionais de vegetação existente no local que receberá o novo empreendimento, a citação de alguns exemplares arbóreos ali existentes e, por vezes, o próprio cadastramento arbóreo (este não passível de execução pelo geógrafo), a quantificação (em m²) e o mapeamento dos frag‑ mentos. Salienta­‑se que não é tarefa do geógrafo fazer minuciosos levantamentos de flora, pois isso não é contemplado em seu currículo de for‑ mação. O geógrafo deve identificar, no entanto, aspectos gerais da cobertura vegetal: se se trata de mata nativa, reflorestamento (exótica), sua importância para a região de estudo (conexão com outros fragmentos) e, mais especificamente, se aquela cobertura está em regeneração ou não, o que pode ser evidenciado por alguns indicado‑ res (bem explicados no Capítulo 6 – Técnicas de Biogeografia). Há fontes de dados regionais disponíveis em órgão oficiais como EMBRAPA, Secretarias de Meio Ambiente, IBGE. Nesse relatório, inserem­‑se também as Áreas de Preservação Permanente (APP), relacionadas aos cursos d’água e nascentes, as quais são di‑ mensionadas a partir, por exemplo, do Código Florestal Brasileiro, cujos limites de uso estão condicionados ao respeito de faixas marginais que devem ser preservadas. Sugerem­‑se os conceitos de Domínios Mor‑ foclimáticos, Biostasia, Fitostasia, Refúgios e Biodiversidade para fundamentar esse relatório.

práticas de geografia

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Tecnicamente, esse relatório é apoiado pelo Capítulo 6 deste livro (Técnicas de Biogeogra‑ fia), além dos outros de Geomorfologia, Pedolo‑ gia e Cartografia Temática. Cada vez mais pode­ ‑se perceber que as diferentes áreas da Geografia estão interligadas. Se são separadas, em sala de aula, por questões didáticas, no campo essas separações dissimulam­‑se e levam o profissio‑ nal geógrafo a reconstruir o conjunto da paisa‑ gem. Por isso, os diferentes capítulos deste livro complementam­‑se.

Cartografia/Geoprocessamento/SIG Embora não se trate de um relatório e sim, de partes integrantes dos mesmos, essas são áreas de atuação de muita evidência para os geógrafos

Irecê

190.000

192.000

194.000

que trabalham nos estudos de impacto ambiental. Trata­‑se de um setor no qual a busca de profis‑ sionais formados em Geografia ainda é grande, embora pessoas com outras formações também disputem este mercado, tal como desenhistas, projetistas, arquitetos, geólogos, engenheiros car‑ tógrafos e técnicos ligados à informática em geral. A utilização de aerofotos para pesquisas em Geografia iniciou­‑se na década de 1930, na Alemanha, com C. Troll; e a utilização de saté‑ lites, também para fins científicos, na década de 1970. Entretanto, “a partir do final da década de 1980 e, principalmente ao longo da década de 1990, inaugura­‑se uma nova fase no âmbito das tecnologias de informações. A informática, com o advento do tratamento de dados via computador, a produção de mapas digitais e o desenvolvimento de SIG (Sistema de Informação Geográfica) e GPS

196.000

N

MAPA DA COBERTURA VEGETAL Irecê - Bahia Legenda Cobertura Vegetal Vegetação Secundária Estágio Inicial Regeneração Natural Floresta de Caatinga

8.746.000

Vegetação Secundária Estágio Pioneiro Regeneração Natural Caatinga Raleada

8.744.000

Áreas Agricultáveis

Movimento de terra/solo exposto

Hélio Garcia Paes e Everaldo Macena de Lima Neto.

Uso e Ocupação do Solo

8.742.000

Chácara Área Urbanizada

8.740.000

Lapão

Área Industrial 500 m 0 m

1500 m

Escala Gráfica Fonte: Imagem de satélite Quickbird, Engesat, setembro/2008. Trabalho de campo efetuado em agosto/2008.

Figura 24.5. Mapa hipotético de cobertura vegetal.

capítulo 24 – profissão: geógrafo

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(Global Positioning System), ampliou e dinamizou ainda mais a manipulação de dados, tanto no que se refere aos temas da sociedade como da natureza. (ross, 2006, p. 200). Muitas vezes, a confecção dos mapas faz­‑se a partir de análise e fotointerpretação de aerofotos ou imagens de satélite, com o posterior reconhe‑ cimento de campo, para verificação e atualiza‑ ção das informações constatadas em gabinete. A elaboração e apresentação de mapas são constan‑ tes em muitos dos relatórios presentes nos EIA, às vezes como ilustração do texto descritivo e, na maioria dos casos, como instrumento de análise, representados, por exemplo,

mento, pode haver 10, 20, 30 diferentes técnicos, ou mais, atuando no EIA; são engenheiros civis, agrônomos, florestais, biólogos, geólogos e, em alguns, geógrafos, arquitetos, engenheiros quí‑ micos, ambientais, ecólogos, gestores ambien‑ tais, tecnólogos, desenhistas etc. O coordenador tem a função principal de dar coesão e consistência aos relatórios que, em conjunto, formarão o EIA, já que eles são elabo‑ rados por profissionais de formações diversas, com linguagem igualmente variada. As partes produzidas separadamente devem ser reagrupa‑ das e articuladas em um conjunto e esta função pode ser assumida pelo geógrafo.

por mapas geomorfológicos, de declividades, de vegetação, geológico, uso e ocupação do solo (terra), pedologia, clima‑

[…] a setorização da natureza foi feita pelo homem

tologia etc. Os mapas são essenciais para a representação

pela dificuldade de entendê­‑la integralmente. As relações

da maioria das informações produzidas ou compiladas

dos diversos componentes da natureza são na realidade

pelos estudos de base. (sánchez , 2008, p. 230).

de interdependência e uma não existe sem a outra. Não se pode pensar em geologia sem entender a geomorfologia e

Por isso, a cartografia, o geoprocessamento e o SIG (ver Capítulos 7, 9 e 11, respectivamen‑ te) representam conhecimentos fundamentais para a atuação profissional do geógrafo. Essas competências, associadas à análise integrada e a uma ampla gama de conhecimentos específicos, fazem do geógrafo um profissional essencial nos estudos ambientais.

Coordenação de Estudos de Impacto Ambiental Foram apresentadas, anteriormente, as quali‑ dades profissionais e alguns aspectos da forma‑ ção teórico­‑metodológica e técnica que fazem do geógrafo um profissional indicado para a co‑ ordenação de Estudos de Impacto Ambiental. Cabe agora especificar um pouco mais o que faz um coordenador. Um EIA é composto de diversos relatórios cuja elaboração é atribuída a diferentes profis‑ sionais, segundo sua formação específica. De‑ pendendo do porte do trabalho e do empreendi‑

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vice­‑ versa, mas também não se conhece a tipologia e gênese de um determinado solo sem que se conheça a forma do relevo a ele associado e à litologia a partir da qual evoluiu. Por outro lado, fica impossível se conhecer a dinâmica geo‑ mórfica e pedológica sem que se conheçam as características climáticas e assim sucessivamente. (ross, 1990, p. 8).

A reunião dos dados sobre o projeto a ser implantado, juntamente com os estudos que formarão o EIA e a padronização da linguagem constante neles, tornam­‑se tarefas a serem exe‑ cutadas pelo coordenador, que acaba por ser o profissional que terá noção total do projeto a ser licenciado e de seu EIA. Alguns conceitos geográficos carregam grande potencial integra‑ dor, como o de paisagem, por exemplo, a qual só pode ser compreendida como uma resultante da inter­‑relação entre seus componentes. Cabe também ao coordenador a elaboração de alguns capítulos ou textos de articulação en‑ tre os diferentes relatórios, bem como a inclusão de dados necessários à qualidade do estudo e que podem não ter sido abordados pelos demais técnicos envolvidos no trabalho. Isso exige da

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coordenação uma atenção redobrada para que não faltem informações importantes ao pleno atendimento da legislação ambiental vigente, bem como de alguns roteiros preestabelecidos para determinados projetos, disponibilizados, por exemplo, por Secretarias Estaduais de Meio Ambiente. Para que o geógrafo ou qualquer outro pro‑ fissional assuma a coordenação de um estudo de impacto ambiental ou outro trabalho, não basta que ele possua uma boa formação científica, téc‑ nica, crítica e teórica; há também a necessidade de experiência profissional na área, uma vez que coordenar envolve diversas atividades, além de grande responsabilidade. O geógrafo que está disposto a se lançar nos estudos ambientais deve ler atentamente vários EIA para se familiarizar com a estrutura, a lin‑ guagem, o rigor e a dimensão desses trabalhos. Atualmente, pode­‑se ter acesso a EIA na inter‑ net por meio do site da CETESB ou da Secretaria do Meio Ambiente/SP, por exemplo. Este último disponibiliza o EIA­‑RIMA do Rodoanel Trecho Sul, um estudo complexo e interessante de ser analisado pelo pesquisador em Geografia e tam‑ bém de outras áreas, no link .

Embora essa definição seja passível de críti‑ cas, acabou por se tornar “universal” e por mar‑ car presença em grande parte dos EIA, servindo de parâmetro para a definição e a mensuração dos impactos ambientais. Por outro lado, dentro dos EIA há diversas maneiras de decompor os impactos causados pelo empreendimento em estudo. As equipes que irão elaborá­‑lo definem previamente sua natureza (positiva, negativa), seu nível de inter‑ venção (direto, indireto), temporalidade, abran‑ gência (região, por exemplo), duração, reversi‑ bilidade, mitigabilidade, entre outros atributos passíveis de serem abordados. Como já mencio‑ nado, os impactos ambientais diferem bastante de acordo com o tipo de empreendimento, bem como por sua localização, tornando a tarefa da exposição de impactos e medidas mitigadoras e/ ou compensatórias bastante complexas. Estimar o impacto ambiental de uma atividade que se encontra na fase de projeto é, até certo ponto, um jogo de adivinhação, o qual requer do analista conhecimento científico, visão abrangente, bom senso e objetividade. Re‑ quer, sobretudo, a consciência de que os modelos usados, embora ferramentas poderosas na avaliação dos fenômenos, são sempre uma imitação pobre da realidade, e devem ser aplicados, e seus resultados interpretados à luz do estado da arte, e dentro das limitações impostas pelos próprios

Impacto ambiental

modelos e pelas condições de contorno do problema. (silva; guerra, 2002, p. 236)

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) define impacto ambiental, por meio da Resolução n° 001/86, como sendo: […] Qualquer alteração das propriedades físicas, quí‑ micas e biológicas do meio ambiente causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades hu‑ manas que, direta ou indiretamente, afetem: ¾¾ a saúde, a segurança e o bem­‑ estar da população ¾¾ as atividades sociais e econômicas ¾¾ a biota ¾¾ as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente ¾¾ a qualidade dos recursos ambientais.

Antever impactos ambientais é uma tarefa intelectual científica. Trata­‑se de uma inferên‑ cia indutiva na qual, a partir de um diagnóstico baseado em conhecimentos sólidos, tanto das características e das dinâmicas do lugar como do empreendimento que ali será implantado, elaboram­‑se previsões. Como qualquer infe‑ rência, não há certeza absoluta. Mas é sempre melhor prever com certa margem de erro do que nada prever. E quanto melhor a base, o diag‑ nóstico, mais certeiro será o salto indutivo, o prognóstico.

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NA SALA DE AULA Propõe­‑se um exercício em sala de aula que estimule os alunos à reflexão da atuação do geógrafo. Considere a instalação de uma grande fábrica ou de um aterro sanitário no bairro onde a escola se situa. Reflita com eles os possí‑ veis impactos positivos e negativos que este empreendimento poderia gerar9: ¾¾na população (circulação, tráfego, emprego); ¾¾na economia (valorização/desvalorização imobiliária, arrecadação muni‑ cipal etc.); ¾¾no meio ambiente (vegetação, solos, relevo, clima e qualidade do ar, lixo). Proponha também uma reflexão sobre quais impactos seriam: ¾¾imediatos; ¾¾de médio e longo prazos; ¾¾locais; ¾¾regionais; ¾¾reversíveis; ¾¾irreversíveis.

9 A complexidade do exercício será definida pelo professor de acordo com a série que estiver trabalhando. O mesmo exercício pode ser repetido várias vezes com diferentes graus de complexidade, considerando diferentes empreendimentos (hidrelétrica, parque nacional etc.).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma formação ampla e diversificada, um denso embasamento teórico, me‑ todológico e técnico e uma postura crítica e ética diante da realidade fazem do geógrafo um profissional de alta qualidade para muitos encargos. O planejamento territorial, a gestão pública, o manejo ambiental, são áreas que só têm a ganhar com a presença de mais geógrafos. Seu campo de atuação, porém, ainda pode ser mais explorado e ampliado. As grades curriculares podem ainda fornecer mais sub‑ sídio profissional, incluindo­‑se disciplinas relacionadas com Planos Diretores, Planos de Manejo, EIA e RIMA. Deve­‑se romper a resistência que os cursos de Geografia apresentam contra empresas juniores, pois deve­‑se confiar na formação crítica e técnica que lhes é proporcionada. O velho discurso de que reforçando o aspecto profissional a Geografia estaria se “vendendo ao mercado” é descontextualizado. A sociedade demanda cada vez mais o trabalho do geógrafo e se ele quer ajudar a construir um mundo melhor, precisa participar dele. Apenas os que não precisam trabalhar ou que se apoiam na estabilidade de uma função pública podem se dar ao luxo de atacar o mercado de trabalho. A postura crítica e ética são essenciais quando se orienta pela perspectiva da justi‑ ça social e qualidade ambiental. Porém, se esses atributos não forem acompanhados de saberes e proposições, a aceitação do geógrafo em espaços de trabalho diminui. Neste capítulo, enfatizou­‑se a atuação do geógrafo nos estudos de impacto am‑ biental, campo que tem demandado muito a presença desse profissional que pode ser encarregado de muitas partes desses estudos, além da coordenação geral. Mas é bom salientar que o potencial do geógrafo ultrapassa em muito o campo dos EIA. Os geógrafos de hoje “podem atuar na elaboração e readequação de planos diretores socialmente mais justos e ambientalmente mais corretos, fazendo do geoprocessamento um instrumento de ação (e não apenas uma mercadoria tecno‑ lógica); são capazes de criar ONG não venais; de fazer diagnósticos socioeconômicos comprometidos com a justiça social, apontando sempre para a inclusão e qualidade de vida dos cidadãos envolvidos, superando a mera descrição dos perfis popula‑ cionais; planejam resgatando o lugar enquanto espaço das relações sociais; criam regionalizações, zoneamentos, sistemas socioambientais que podem subsidiar o próprio desenvolvimento do país; confrontam­‑se com o sensacionalismo da mídia e produzem sérios estudos de clima urbano, regional e global; consideram a sociedade e suas circunstâncias, e as circunstâncias (naturais e culturais) com a sociedade; criam instrumentos cartográficos complexos com grande potencial de ação. E, sobretudo, fortalecem a cidadania dos jovens nas escolas ao facilitar­‑lhes a compreensão do mundo, de si mesmos e de seus papéis. Enfim, os geógrafos são capazes de alertar para os descaminhos da sociedade e apontar as melhores formas de ocupar e usar o território; de apropriar­‑se dos recursos naturais com respeito à vida; de mostrar onde e como as hidrelétricas, os parques, as atividades turísticas, as indústrias, as estradas podem ser implementadas de modo que signifiquem fatores de desenvolvimento social e econômico e não apenas acúmulo de capital com o decorrente acirramento das diferenças sociais e dos impactos ambientais” (venturi, 2008).

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SOBRE OS AUTORES Hélio Garcia Paes possui bacharelado em Comu‑ nicação Social pela Universidade Anhembi Morumbi; bacharelado, licenciatura e mestrado em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Trabalha na área ambiental desde 2003, com licenciamento e supervisão ambien‑ tal, com atuações na Secretaria de Meio Ambiente do estado de São Paulo. Atua também em consultorias ambientais privadas, como consultor autônomo, e na prestação de serviços de Supervisão Ambiental de obras rodoviárias para o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e ferroviárias para a CPTM (Com‑ panhia Paulista de Trens Metropolitanos). 520

Luis Antonio Bittar Venturi é mestre (1993) e doutor (2001) em Ciências (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo, onde também graduou­‑se (1986) e licenciou­‑se. Atualmente, é professor doutor (RDIDP) da USP na graduação e na pós­‑graduação do Departamento de Geografia, orientando pesquisas de mestrado e doutorado. Atua nas áreas de Geografia dos Recursos Naturais, Teoria, Método e Técnicas de Campo e Laboratório da Pesquisa em Geografia, temas sobre os quais tem publicado artigos, livros e proferido palestras. É avaliador ad hoc pelo MEC e parecerista de instituições de fomento à pesquisa e de publicações especializadas.

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Contos de Campo

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Eduardo Justinano

José Bueno Conti

Introdução, 522

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Vamos aos campos, 523

Sobre o autor, 530

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INTRODUÇÃO A aula de campo é um recurso do qual se lança mão quando as experiências de aprendizagem não podem ser realizadas dentro da sala de aula ou em labo‑ ratório. É um meio excelente de estimular a interação entre a escola e o meio e, quando bem realizada, produz sempre excelente resultado. Diferencia­‑se do trabalho de campo na medida em que este último está mais voltado à pesquisa, enquanto a aula de campo é uma estratégia didática mais voltada ao ensino. Em ambos os casos, como mostrados nos capítulos anteriores, exige­‑se uma preparação adequada, de modo que cada aluno saiba o que deve fazer, seja na observação e interpretação dos fatos da natureza, seja nos contatos com a co‑ munidade. Da mesma forma, o material a ser utilizado durante a aula de campo precisa ser previamente selecionado e em quantidade suficiente para atender à demanda dos alunos. O professor obviamente atuará como guia, orientando a observação, estimulando o interesse da turma, fornecendo informações comple‑ mentares e sugerindo a relação entre os fatos e os conceitos aprendidos em sala. Essa prática é, também, uma ocasião para uma aproximação saudável entre o mestre e seus alunos e estes entre si. Há sempre os momentos de amenidades. Este capítulo, porém, é o depoimento de um professor que, embora já apo‑ sentado das atividades de graduação, esteve, desde que iniciou sua vida pro‑ fissional, em 1959, no campo, com seus alunos, inúmeras vezes, em situações muito diversas e circunstâncias variadas. Aqui, pretendo relatar fatos inusitados, alguns divertidos, que tive o privilégio de vivenciar, alguns ainda de meu tempo de aluno (1955­‑1958).

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VAMOS AOS CAMPOS Corria o ano de 1957 e eu cursava o terceiro ano de bacharelado em Geografia na USP. A aula de campo era um exercício frequente que nós adorávamos porque podíamos conferir dire‑ tamente na natureza tudo que havíamos apren‑ dido na sala de aula e nos livros. E não se tra‑ tava apenas dos fatos da Geografia Física, mas também dos da Geografia Humana, tais como entender a diferença entre meio urbano e rural, os tipos de habitats, o uso da terra etc. Num dia de maio daquele ano, estávamos caminhando ao longo de uma estrada no mu‑ nicípio de Mairiporã (região metropolitana de São Paulo) que, como se sabe, é vizinho ao de Franco da Rocha, onde havia um Hospital de Alienados. O Professor Aziz Nacib Ab’Saber, que era o nosso mestre, privilegiava as obser‑ vações de geomorfologia sem deixar, é claro, de fazer as imprescindíveis relações com os de‑ mais fatos do espaço. Uma de nossas colegas chamou a atenção da população local porque usava calças compridas naquela época traje de uso quase exclusivo masculino. Subia e descia as encostas até que foi abordada por um cidadão, desconfiado com as atitudes incomuns da jovem. Perguntou­‑lhe de quem se tratava e recebeu a resposta de que era aluna da USP e participava de um trabalho de ensino ativo de Geografia. O cidadão não entendeu nada, ficou muito in‑ trigado, e insistiu querendo saber o que estava fazendo. Ela respondeu tranquilamente: “estou medindo a inclinação das vertentes para interpretar a forma do relevo”. A pessoa saiu em disparada para denunciar que havia uma fugitiva do hos‑ pital de loucos que era preciso ser capturada. Ao final, o Professor Aziz interveio e tudo acabou bem, embora a população local possa ter pensa‑ do que éramos todos um pouco loucos. Se, por um lado, muitas das técnicas de ob‑ servação daquela época ainda são válidas hoje, os costumes mudaram muito de lá pra cá e, provavelmente, uma aluna de saia em campo

chamaria mais a atenção hoje do que uma usan‑ do calças. Outro aspecto interessante é o pró‑ prio assunto que ela estava estudando, muito diferente do que se esperava de uma moçoila daquela época. Outro fato jocoso ocorreu em 1961, eu já for‑ mado geógrafo, exercendo atividade profissional no antigo Instituto Geográfico e Geológico, em missão de pesquisa de Geografia Humana na zona urbana de uma certa cidade da região me‑ tropolitana de São Paulo, onde devíamos aplicar um questionário para investigar a mobilidade da população. Tratava­‑se de um bairro perifé‑ rico, de casas muito modestas, de população simples. Numa das casas indaguei à moradora onde residia antes, ao que ela me respondeu, mal humorada: “morava em São Paulo, no bairro de Jabaquara, era tão bom, e agora estou aqui, neste fim de mundo, tudo por causa de meu ex­‑ marido, aquele desgraçado”. Este fato mostra a dinâmica do campo, em que muitas vezes acontecem coisas que não es‑ tavam no script, como foi também mostrado no Capítulo 21 (Técnicas de Interlocução). O que fazer com aquela resposta? Como classificá­‑la? Dos meus tempos de aluno, algumas aulas de campo ficaram na memória. A primeira foi em maio de 1956, em uma viagem a Volta Re‑ donda (RJ), dirigida pelos Professores Araújo Filho e Aziz Nacib Ab’Saber. Estávamos muito interessados em conhecer a Companhia Side‑ rúrgica Nacional, iniciativa estatal, inaugurada havia pouco mais de uma década e o principal centro de produção de aço do país, na época. Durante todo o percurso fomos brindados pelas aulas dadas pelos dois professores com erudi‑ tas explicações sobre a organização do espaço do Vale do Paraíba do Sul, especialmente do alto vale, a montante de Jacareí, resultante do ciclo cafeeiro que ali fora muito importante no século XIX. Curioso que, tendo sido o percurso, desde São Paulo, feito de trem, pela antiga Estrada de

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Ferro Central do Brasil, o Professor Aziz nos advertiu que, depois de Jacareí, entraríamos na bacia sedimentar de Taubaté, percorrendo o re‑ ferido rio, e seguiríamos na direção de jusante, conceito que aprendemos naquele momento. Em cada estação havia uma placa com a informação da altitude sobre o nível do mar e os professores nos orientaram para irmos anotando. Ainda hoje tenho guardados esses apontamentos: Jacareí (561 m), Caçapava (542 m), Pindamonhangaba (526 m), Guaratinguetá (519 m), Queluz (465 m) e Resende (388 m), ou seja, íamos perdendo al‑ titude. Em Volta Redonda, depois da instrutiva visita à Siderúrgica, o Professor Aziz nos levou pelos arredores e descobriu, para surpresa de to‑ dos, os novos limites de outra bacia sedimentar, a de Resende, que nem ele conhecia e não esta‑ vam ainda mapeados. Ou seja, aquela atividade de campo permitiu uma efetiva contribuição do nosso professor para o conhecimento da Geo‑ morfologia do Sudeste brasileiro. Percebemos, portanto, que o campo é fértil tanto para o en‑

Figura 25.1. Grupo que participou da excursão a Volta Redonda em maio de 1956, com o professor Aziz sentado à direita da foto.

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sino como para a pesquisa e que esssas duas ver‑ tentes do saber podem ocorrer simultaneamente. A segunda aula que guardo bem na memória foi em agosto de 1957, em Atibaia, minha cidade natal, sob a direção do Professor Pasquale Petro‑ ne. Embora eu tivesse ali nascido e crescido, não sabia interpretar aquela realidade com olhar de geógrafo. No alto da Pedra Grande (1.400 m) o Professor Petrone mostrou­‑nos (a mim, pela primeira vez) as estreitas relações entre os fatos físicos e humanos. Chamou a atenção para o traçado dos caminhos e estradas, todos na dire‑ ção da Capital, situada a 60 km ao sul, ou seja, enfatizou o efeito de polaridade exercido pela metrópole. Assinalou a importância de se enten‑ der os arranjos espaciais resultantes do processo interativo natureza versus sociedade, em todas as escalas de grandeza, desde a local, que está‑ vamos avistando, até a global, e que essa tarefa representava a identidade da Geografia. Para mim, essa aula foi tão importante que, naquele momento, tomei a decisão que já vinha amadu‑ recendo, de me dedicar à Geografia como opção de vida. Nunca me arrependi. Esse fato ilustra a grande importância das aulas de campo como momentos essenciais na formação do geógrafo, que podem levá­‑lo a se apaixonar por esta ciência. A terceira aula que guardo claramente na memória, também riquíssima em aprendizado, aconteceu em setembro daquele mesmo ano (1957) em Campos do Jordão, novamente sob a orientação do Professor Aziz Ab’Saber. No percurso, aprendemos o que era sítio urbano e que São José dos Campos situava­‑se sobre um tabuleiro sedimentar, a cavaleiro da planície do rio Paraíba. Na sequência, atravessaríamos a região de “mares de morros” (município de Monteiro Lo‑ bato) até atingirmos o planalto de Campos do Jordão, já nos 1.600 a 2.000 m de altitude. No alto do pico do Itapeva, o Professor Aziz deu­‑nos uma esplêndida aula, destacando, entre outros fatos, o traçado do Vale do Paraíba, que seria uma prová‑

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1 O Capítulo 17 (Técnicas de Desenho e Elaboração de Perfis) e o Capítulo 23 (A Redação do Trabalho de Cam‑ po) deste livro lhes ajudarão a resgatar estas práticas.

(uma conurbação, conceito que aprendemos na‑ quele momento) o Professor Aziz deu­‑nos uma aula que, para nós seria, digamos, antológica. Entendemos o que era o relevo de cuesta, rios consequentes e obsequentes, erosão remontan‑ te, mata galeria, habitat disperso e linear, e, no espaço urbano, o mosaico espacial das diferen‑ tes funções da cidade (comercial, residencial, de serviços etc.). Anotamos vários fatos curiosos da‑ quele local como, por exemplo, uma população bilíngue porque, inclusive as crianças, falavam castelhano e português; os carros todos tinham duas placas, uma de cada cidade (Rivera e San‑ tana do Livramento) a fim de circular por ambos os lados da fronteira. Ao chegar de volta a Santa Maria, relatamos tudo aos colegas e estes ficaram invejosos de nossa “aventura”. Esse mesmo grupo de alunos, ao encerrar­‑se a Assembleia da AGB, resolveu voltar para São Paulo de trem, que, nessa épo‑ ca circulava regularmente entre Porto Alegre e São Paulo. Professor Aziz veio conosco. Viaja‑ mos quatro dias e quatro noites pelas terras tão bonitas do Planalto Meridional, coberto de arau‑

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vel fossa tectônica, e das principais cristas, orien‑ tadas predominantemente na direção SO­‑NE; explicou o padrão predominantemente dentrítico da hidrografia e as diferentes associações vegetais (Mata Atlântica, floresta de araucárias e campos de altitude), além de apontar para a urbanização acelerada do Vale do Paraíba e sua forte vocação industrial e localização estratégica entre as duas maiores metrópoles do país. Ensinou­‑nos ainda a fazer, na caderneta de campo, anotações e esboço da paisagem, com todos os seus componentes1. Percebe­‑se, então, que, no campo, as divisões entre as diferentes áreas da Geografia se diluem, proporcionando uma visão integrada da reali‑ dade física e social. A quarta aula que gostaria de relembrar foi em 1958, durante a Assembleia Geral da Asso‑ ciação dos Geógrafos Brasileiros  – AGB (hoje chamada de Encontro Nacional de Geógrafos – ENG) de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Na‑ quela época, organizavam­‑se equipes sobre qua‑ tro temas de pesquisa a fim de estudar a região onde se realizaria a Assembleia. Um grupo de alunos insatisfeitos, com as tarefas para as quais haviam sido designados, resolveu “se rebelar” e, sob a orientação do professor Aziz, também um “dissidente” entre os professores, abandonou a Assembleia. Por três dias, o grupo se dirigiu, de trem, até Santana de Livramento, cidade gêmea de Rivera, na fronteira Brasil/Uruguai. A “insur‑ reição”, no bom sentido, rendeu ótimos resulta‑ dos, pois já no percurso fizemos interessantes observações. À medida que o trem avançava pela depressão gaúcha, íamos olhando, atentamen‑ te, as colinas levemente abauladas, as “lombas”, separadas entre si por depressões encharcadas e os “banhados”. Chegamos ao anoitecer e, no dia seguinte, no marco fronteiriço internacional, situado na área urbana das cidades mencionadas

Figura 25.2. Grupo de alunos reunidos durante aula de campo no alto da Pedra Grande, a 1.400 m, em Atibaia (SP).

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cárias e paisagens coloniais alemãs e italianas, tudo explicado, em detalhes, pelo professor. Co‑ meçamos pelo município de Júlio de Castilhos, seguindo a ferrovia por Cruz Alta, Passo Fundo, Erexim e penetrando em Santa Catarina pelo vale do rio do Peixe onde ocorreu, no começo do século XX (1912­‑1916), a Guerra do Contesta‑ do, motivada por conflitos de terras. No Paraná, percorremos todo o Segundo Planalto, por terras de Ponta Grossa e Castro. Ficamos encantados com tudo que vimos e com as explicações do professor. Entramos em São Paulo por Itararé, passamos por Itapetininga, Tatuí, Sorocaba e, finalmente, chegamos à estação Júlio Prestes, na capital paulista. Aqueles dias valeram por um semestre de aprendizado. Pode­‑se concluir que um certo espírito de aventura é sempre muito útil ao geógrafo. Este espírito é alimentado por sua curiosidade e apoiado por sua coragem. Afinal, o mundo é nos‑ so grande laboratório. Então… entremos nele! Conheci o Professor Milton Santos durante a 12ª Assembleia Geral da AGB, em Colatina (ES), em 1957. Mais tarde, tive oportunidade de realizar atividades de campo sob sua orientação durante a 17ª Assembleia Geral realizada em Pe‑ nedo (AL), em 1962. Foi em julho daquele ano que participei da equipe que ele chefiou, desig‑ nada para viajar até Aracaju (SE) com a tarefa de fazer registros e observações. O Professor Mil‑ ton, que nos deixou a imagem de um geógrafo de gabinete dedicado às reflexões teóricas e muito elaboradas intelectualmente, na realidade era bom também no campo, embora suas observa‑ ções fossem dirigidas, de preferência, aos fatos da Geografia Humana. Em Aracaju, reuniu­‑nos na praça principal explicando que o estudo de uma cidade deveria começar pela visita aos escri‑ tórios do IBGE, onde se encontravam as fontes dos dados estatísticos, passando, em seguida, à análise do meio urbano com suas diferentes fun‑ ções e espacialidades. Naquela aula, em plena praça, o Professor Milton nos ensinou, ainda, o papel determinante do fato urbano no contexto

Figura 25.3. Aula de campo no Vale do Paraíba, em 1957.

da organização regional e a posição de Aracaju na hierarquia das cidades nordestinas. Apren‑ demos muito. E, para oferecer um momento de amenidade, contou­‑nos um fato divertido. Certo dia estava no meio de uma palestra quando um dos assistentes o interpelou pedindo que, sob de‑ terminado assusto exposto, ele fosse mais claro. O Professor Milton, que era negro, respondeu: “ah, isso para mim é impossível!”. Notáveis, também, eram as aulas de campo dadas pelo Professor Araújo Filho. Sua especia‑ lidade eram os espaços do café e uma vez, em 1958, ele nos levou à região de Espírito Santo do Pinhal e Casa Branca, no estado de São Pau‑ lo, para mostrar as diferenças entre o Planalto Atlântico e a Depressão Periférica, não só quan‑ to às características naturais, mas, também, quanto à ocupação humana e econômica. Íamos na carroceria de um caminhão (o professor na cabine) e era de se admirar a alegria do Profes‑ sor Araújo cada vez que aparecia um cafezal. Parávamos imediatamente e ele nos dava uma longa aula sobre o produto básico da economia brasileira e a transformação que havia operado nas paisagens do sudeste, desde o estado do Rio de Janeiro até o norte do Paraná. Explicava­‑nos a tese do Professor Pierre Monbeig, o primeiro a estudar o assunto nos anos trinta e quarenta do século XX. Outra interessante aula ao campo foi em setembro de 1963, quando oSudeste brasileiro

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Figura 25.4. Alunos no pico de Itapeva, praticando a observação da paisagem e o uso da caderneta de campo.

estava sendo assolado pela mais severa estiagem do século XX. Naquele ano, o principal posto pluviométrico da capital, no Mirante de San‑ tana, integrante da rede do Instituto Nacional de Meteorologia, registrou apenas 815 mm de janeiro a dezembro, excepcionalidade climato‑ lógica que até hoje não voltou a acontecer. Sob a orientação da Professora Maria de Lourdes Radesca, assistente da antiga Cadeira de Geo‑ grafia Física, fomos visitar a represa Billings e constatamos que ela estava com apenas 4,2% de sua capacidade, ou seja, quase seca, e havia veículos estacionados no chão do reservatório, antes ocupado pela água. As turbinas da Usina Henry Borden, em Cubatão, paralisaram e o abastecimento de ener‑ gia elétrica da cidade de São Paulo entrou em colapso. Para nós foi importante porque apren‑ demos o que era a variabilidade climática (e sua relação com o uso e a ocupação do território), sobre a qual tanto se fala hoje, frequentemente de maneira pouco fundamentada cientificamen‑ te e apresentada como se fosse uma novidade. Esses relatos, selecionados por amostragem, revelam o quanto foi importante para minha for‑ mação a prática das aulas de campo e o quanto elas ainda o são para a formação dos atuais alu‑ nos, a despeito dos recursos tecnológicos hoje disponíveis. Nos meus anos de docência tive oportunidade de orientar inúmeras atividades

de ensino no campo. Pelo menos uma vez no semestre isso acontecia. Numa de minhas primeiras atividades fora da sala de aula, quando eu ainda era iniciante na carreira (1966), ocorreu um fato surpreendente durante uma caminhada que se realizava dentro do campus da USP. Estávamos diante de uma pequena voçoroca entalhada numa colina atrás de onde está hoje o edifício do Instituto Oceano‑ gráfico. O processo erosivo havia deslocado uma parcela de solo e material decomposto, expon‑ do uma cavidade com vertentes acentuadas nas quais era possível distinguir os sulcos abertos pela água. Era ótimo como aula de Geomorfo‑ logia, para se mostrar aos alunos os processos de erosão remontante e como se organizavam os canais durante o escoamento, formando uma verdadeira hierarquia, além de se poder visuali‑ zar os “divisores de água”, o “nível de base” local e as áreas de deposição de sedimentos. Foi então que um aluno, interessado no que estava apren‑ dendo, saiu­‑se com esta pergunta: “professor, foi o reitor que mandou abrir essa voçoroca para que os professores de Geografia possam vir dar aulas de campo aqui?”. Na fase de professor do Departamento de Geografia da USP (1964­‑2006) minha tarefa foi, prioritariamente, ministrar as disciplinas de Cli‑ matologia (fundamentos, sistemática, manuseio de instrumentos etc.), acentuando que os fatos climáticos devem concorrer para a compreensão do meio geográfico como um todo, pois não é bom que o comportamento atmosférico seja es‑ tudado como um fim em si mesmo, mas como meio de compreensão das paisagens nele inte‑ gradas. Em Climatologia, mesmo sem instrumentos, a saída ao campo era bastante proveitosa. Os alunos eram treinados, por exemplo, a identi‑ ficar nuvens pelo formato e níveis de altitude e a fazer uma classificação básica em estratos, cirros e cúmulos, além de avaliar a cobertura do céu e a identificar um nevoeiro orográfico e as diferenças entre vertente a barlavento e a

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Figura 25.5. Um pé no Brasil e outro no Paraguai. Professor Conti (atrás) e um colega na fronteira que atravessa área urbana.

mostrando a correlação dos atributos do clima com as características do estrato geográfico local, tais como relevo, vegetação, uso do solo, entre outras. Na área urbana de Santos, subí‑ amos as escadarias do Monte Serrat fazendo paradas e medidas (também para descansar um pouco) a fim de entender as características do tempo que fazia naquele momento, na escala local, inserindo­‑as na escala sinótica. Na últi‑ ma dessas aulas, em 2006, tive a colaboração do monitor Gustavo Armani, hoje doutor em Geografia Física, e Emerson Galvani, um dos Arquivo do autor

sotavento. Uma vez, levei­‑os até Paranapiacaba (SP), especialmente com essa finalidade, mas, ao chegarmos lá, a neblina era tão intensa que não se distinguia nada. O fator climático se impunha muito fortemente sobre os outros componentes da paisagem, e isso era algo relevante a ser ob‑ servado. A visibilidade não ia além de 3 ou 4 me‑ tros, e os alunos se queixaram de que não viam coisa alguma do relevo, nem a crista da Serra do Mar. Eu respondi, com a maior sem cerimônia: “vocês podem ver tudo com os olhos da fé”. Naquela época, o material que utilizávamos era bastante precário, não se comparando com o de hoje. Não havia termômetros digitais, nem data­‑loggers para armazenar e processar os dados. Reduzidas eram as áreas cobertas por levanta‑ mentos aerofotogramétricos. O importante era a observação direta e a caderneta de campo para as anotações. O que se pode afirmar de todos esses anos de experiência é que os atuais instrumentos são muito úteis às pesquisas, pois aumentam a velocidade, a precisão etc, como já foi tratado no Capítulo 1 (A Técnica e a Observação na Pesqui‑ sa). No entanto, o trabalho de campo mantém­‑se muito atual e essencial na formação do geógrafo, sendo um momento insubstituível na sua forma‑ ção. O ideal, então, é unir estas duas dimensões da pesquisa: o campo e a tecnologia. As aulas de campo com instrumentos, eram bem mais interessantes. Levávamos máquina fo‑ tográfica, termômetro, psicrômetro, barômetro, altímetro, bússola e carta sinótica e, nos últimos anos, GPS, imagens de satélites e de radar, obti‑ das diretamente da internet. Fazíamos as aulas de campo com a finalidade de exercitar o que se chama de climatologia de campo. As aulas de campo de meus últimos anos de atividade na graduação (2003­‑2006) foram dadas no percurso São Paulo­‑Santos, de tal for‑ ma que as medidas e observações feitas durante as paradas permitiam registrar as diferenças de temperatura, pressão, umidade relativa, direção do vento etc, nos vários níveis de altitude, en‑ tre o Planalto Paulistano e a Baixada Santista,

Figura 25.6. Veículo com duas placas na fronteira do Brasil com Uruguai, em 1958.

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novos professores de Climatologia. Nessa aula, no alto do Monte Serrat, ocorreu um “incidente” com uma professora de História, que merece ser contado. Foi assim: no encerramento de minha exposição disse aos alunos que a Geografia era a mais importante das ciências humanas e acres‑ centei, em tom de amenidade, que a História, ao contrário, não tinha o mesmo destaque. Cuidava só do passado, de abstrações e que seus textos, pelo menos parcialmente, eram fruto da imagi‑ nação de seus autores; um tipo de “fofoca com metodologia”, que não deveria ser levada muito a sério, e fui mais longe, num tom lúdico dizendo: “se vocês encontrarem um trabalho de História bem feito, na realidade não é História, é Geografia re‑ trospectiva”. O que eu não sabia é que havia uma professora de História nas imediações, acom‑ panhada de seus alunos. Contestou de forma veemente, replicando que não estava nem um pouco de acordo com o que eu acabara de afir‑ mar, deixando­‑me numa situação de “saia justa”. Defendi­‑me usando um palavrório rebuscado: “cara professora, trata­‑se de uma interpretação equi‑ vocada de sua parte, pois sempre ensinei que a Geo‑ grafia e História trabalham, respectivamente, com as categorias de espaço e tempo e, portanto, estão no mesmo campo epistemológico, sendo indissociáveis”. Informei, ainda, que no ano do meu ingresso no curso (1955), o diploma era único, uma herança do pensamento acadêmico francês, e considera‑ va isso certo, dadas as afinidades entre as duas ciências. Só não revelei, marotamente, que, no ano seguinte, uma lei federal separou as duas licenciaturas e eu passei sem demora para a Geo‑ grafia, é claro, a minha preferida. Na ocasião dessas aulas de campo, quando a tarefa estava terminada, eu lhes ensinava o Hino dos Geógrafos que eu lembrava, de memória, de minha época de aluno e, alguma parte já esque‑ cida, eu a refiz, de minha autoria. Encerro este relato reproduzindo os versos do referido hino (a música é da Canção do Soldado) que os alunos de Geografia adoram cantar e que se tornou um traço forte de nossa identidade.

Hino dos Geógrafos Nós somos do vale em V fiéis geógrafos, não sei por quê. Nas trilhas da verde mata Só dá bermuda, falta gravata. Montanha após montanha vamos subindo, vales seguindo. Mas quando surge um terraço, ninguém mais liga, é só cansaço. Na sala falamos prá valer, depois de léguas percorrer, da grande questão do espaço que, sem o geógrafo, é um fracasso. Refrão: relevo hostil/do meu Brasil. Tem dó de mim/cansado assim. Geografia é avançada. É muito estudo, é caminhada. O clima e o relevo, no caderninho, eu tudo escrevo Lugares após lugares vou pesquisando, terras e mares. Quem sabe da paisagem é o geógrafo, não diz bobagem. Refrão: relevo hostil/do meu Brasil. Tem dó de mim/cansado assim.

Duvido que o leitor avalie o sabor que têm para mim esses casos que acabei de narrar. Ain‑ da que os tivesse contado com mais talento, não conseguiria transmitir o sentimento da saudade que só o sente quem a tem. Durante a formação do geógrafo, o trabalho de campo é absolutamente indispensável para se entender e interpretar a paisagem. Como costu‑ mo dizer, aquele que não é geógrafo vê a paisa‑ gem com “olhar bovino”, isto é, não apreende o sentido daquela realidade complexa. A Geografia está entre os primeiros interesses do homem culto porque é a mais abrangente e singular das ciências, a única comprometida, ao mesmo tempo, com a sociedade e com a nature‑ za, capaz de decodificar cada uma das infinitas unidades paisagísticas que compõem a superfície terrestre. Daí decorre sua grande relevância no universo do conhecimento humano.

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SOBRE O AUTOR José Bueno Conti possui graduação em Geogra‑ fia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Huma‑ nas da Universidade de São Paulo (1958) e doutorado em Geografia Física pela mesma instituição (1973). Atualmente é professor titular do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geografia Física.

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