Importante contribuição para a compreensão dos gêneros até os dias de hoje....
Gêneros poéticos na Grécia Antiga: confluências e fronteiras
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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Diretor Sérgio França Adorno de Abreu Vice-Diretor João Roberto Gomes de Faria
Editora Humanitas Presidente Sedi Hirano Vice-Presidente Valeria De Marco
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Foi feito o depósito legal Impresso no Brasil / Printed in Brazil Agosto 2014
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Gêneros poéticos na Grécia Antiga: confluências e fronteiras Organizadores Christian Werner Breno Battistin Sebastiani Antonio Orlando Dourado-Lopes
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APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS
O presente livro teve como ponto de partida o colóquio “Gêneros poéticos na Grécia antiga: fronteiras e confluências”, realizado em junho de 2013 em São Paulo, na Universidade de São Paulo, e organizado pelo grupo de pesquisa “Gêneros poéticos na Grécia antiga: tradição e contexto” (Universidade de São Paulo/CNPq). Sem o apoio de várias instituições e pessoas o colóquio e o livro não teriam sido possíveis. A publicação do livro foi financiada por um auxílio do CNPq, e o colóquio contou com financiamento da FAPESP, da CAPES e do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/ Universidade de São Paulo). Agradece-se a todos os participantes do colóquio pelo envio de seus textos e, quanto à organização do evento, especialmente a Breno Sebastiani, Erika Werner, Antonio Orlando Lopes, André Malta, Adriane Duarte, Lucia Sano, Leonardo Vieira, Camila Zanon, Caroline Evangelista Lopes e Fernando Rodrigues Jr.
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SUMÁRIO
9 Abreviações 11 Introdução Christian Werner Universidade de São Paulo
23 Genre and authority in Hesiod’s Works and Days Lilah Grace Canevaro University of Edinburgh
49 The animal fable and Greek iambus: ainoi and half-ainoi in Archilochus Laura Swift The Open University
79 A digressão como recurso narrativo em Homero e Heródoto Adriane da Silva Duarte Universidade de São Paulo
99 Epic heroes in tragedy: genre, ethics, and the fifth-century community William Allan University College, Oxford
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125 Lyric poetry and its Platonic pedigree Andrea Capra Università degli Studi di Milano
149 Aspectos cômicos do diálogo Górgias de Platão Daniel Rossi Nunes Lopes Universidade de São Paulo
185 O mimo grego literário no períiodo helenííistico Fernando Rodrigues Jr. Universidade de São Paulo
205 Políibio e a viagem de Odisseu pela Sicíilia: intertextualidade, memória e entendimento Breno Battistin Sebastiani Universidade de São Paulo
219 At non inglorius umbris mittitur: Epitáfios e epicédios dedicados a animais no contexto greco-romano Erika Werner Universidade Estadual de Campinas/ Humboldt-Universität zu Berlin
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ABREVIAÇÕES
Aant Acta Antiqua AevAnt
Aevum Antiquum
AJPh American Journal of Philology A&R Atene e Roma BICS Bulletin of the Institute of Classical Studies of the University of London CB
Classical Bulletin
CJ
The Classical Journal
ClAnt Classical Antiquity C et M
Classica et Mediaevalia
ColbyQ
Colby Quarterly
CPh Classical Philology CQ Classical Quarterly CR
Classical Review
CV
Classical Views
Eclás Estudios Clásicos EMC Echos du Monde Classique G&R Greece & Rome GRBS Greek, Roman and Byzantine Studies
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HSCP Harvard Studies in Classical Philology ICS Illinois Classical Studies JHS Journal of Hellenic Studies MD Materiali e Discussioni per l’Analisi dei Testi Classici LEC Les Études Classiques LfgrE Lexikon des Frühgriechischen Epos MH Museum Helveticum PACA
The Proceedings of the African Classical
Associations PCairo Zenon
Cairo Zenon Papyri
PCPhS Proceedings of the Cambridge Philological Society Philol.
Philologus
PP
La Parola del Passato
QUCC
Quaderni Urbinati di Cultura Classica
RE
Paulys Real-Enzyklopädie der
klassischen Altertumswissenschaft RFIC Rivista di Filologia e di Istruzione Classica RHR Revue de l’histoire des religions SH
Supplementum Hellenisticum (ed. H. Lloyd-Jones et P. J. Parsons)
SIFC Studi Italiani di Filologia Classica TAPA Transactions and Proceedings of the American Philological Association ZPE Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik
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Introdução
Christian Werner* Universidade de São Paulo
Após a aguda problematização, que às vezes beirou a negação, da utilidade e validade da noção de gênero literário nos séculos XIX e, principalmente, XX entre escritores e teóricos,1 nas últimas décadas a noção retomou a importância que teve, por exemplo, entre os formalistas russos, e a aproximação preconizada por Bakhtin nos anos 1950 entre gêneros do discurso e gêneros literários também se mostrou, por meio de diferentes abordagens * Agradeço a Lucia Sano pela leitura deste texto e suas sugestões. 1 Para um panorama dessa história, cf. Duff, D. (Org.) Modern genre theory. Essex: Pearson, 2000.
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teóricas, bastante produtiva. Simplificadamente, ultrapassou-se o viés essencialista e/ou puramente formal, essencialmente estático, comum em teorias clássicas, românticas e positivistas, por meio de formulações dinâmicas e abertas. Gêneros deixaram de ser vistos como ideias ou entidades puras. As reformulações que produziram o revigoramento dessa antiga concepção literária, como não poderia deixar de ser, também se fizeram notar em estudos sobre a literatura grega. 2 Percorreu-se, assim, um 2 Por falta de espaço, destaco publicações mais recentes que se ocuparam, sobretudo, do modo como categorizações da produção poética grega se fazem notar nas próprias obras e não na sua teorização posterior (acerca da importância dessa diferenciação no contexto greco-romano, cf. Farrell, J. Classical genre in theory and practice. In: Cohen, R. e White, H. (Org.) Theorizinggenres II. New Literary History, v. 34, n. 3, 2003, p. 383-408), mencionando apenas uma parcela exemplar dessa bibliografia, que será complementada nas contribuições deste livro: Rossi, L. E. I generi letterari e le loro leggi scritte e non scritte nelle letterature classiche. BICS, v. 18, 1971, p. 69-94 (os 40 anos de publicação deste artigo seminal foram comemorados na revista Seminari Romani, v. I, n. 2, 2012 com uma série de contribuições que discutem diferentes gêneros da literatura grega, especialmente da poesia arcaica); Calame, C. Réflexions sur les genres littéraires en Grèce archaïque. QUCC, v. 17, 1974, p. 113-128; Nagy, G. The best of the Achaeans: concepts of the hero in archaic Greek poetry. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1979; Gentili, B. Poetry and its public in ancient Greece: from Homer to the fifth century. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1988 (a edição italiana é de 1985); Rosen, R. M. Old comedy and the iambographic tradition. Atlanta: Scholars Press, 1988; Martin, R. P. The language of heroes: speech and performance in the Iliad. Ithaca: Cornell University Press, 1989; Winkler, J. J. e Zeitlin, F. I. (Org.) Nothing to do with Dionysos? Athenian drama in its social context. Princeton: Princeton University Press, 1990; Nagy, G. Pindar’s Homer: the lyric possession of an epic past. London: Johns Hopkins University Press, 1990; Käppel, L. Paian: Studienzur Geschichte einer Gattung. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 1992; Nightingale, A. W. Genres in dialogue: Plato and the construct of philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1995; Silk, M. S. (Org.) Tragedy and the tragic: Greek theatre and beyond. Oxford: Oxford University Press, 1996 (especialmente a contribuição de O. Taplin); Ford, A. Epic as genre. In: Morris, I. e Powell, B. (Org.)
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longo caminho desde o artigo de A. E. Harvey sobre a herança alexandrina do nosso modo de pensar – basicamente, classificar – a lírica grega arcaica.3 A new companion to Homer. Leiden: Brill, 1997; Loraux, N. La voix endeuillée: essai sur la tragédie grecque. Paris: Gallimard, 1999; Silk, M. S. Aristophanes and the definition of comedy. Oxford: Oxford University Press, 2000; Depew, M. e Obbink, D. (Org.) Matrices of genre: authors, canons, and society. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2000; Rutherford, I. Pindar’s paeans: a reading of the fragments with a survey of the genre. Oxford: Oxford University Press, 2001; Dobrov, G. W. Figures of play: Greek drama and metafictional poetics. Oxford: Oxford University Press, 2001; Graziosi, B. Inventing Homer: the early reception of epic. Cambridge: Cambridge University Press, 2002; Clay, J. S. Hesiod’s cosmos. Cambridge: Cambridge University Press, 2003; Graziosi, B. e Haubold, J. Homer: the resonance of epic. London: Duckworth, 2005; Platter, C. Aristophanes and the carnival of genres. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2007; Kurke, L. Archaic Greek poetry. In: Shapiro, H. A. (Org.) The Cambridge companion to archaic Greece. Cambridge: Cambridge University Press, 2007; Rotstein, A. The idea of iambos. Oxford: Oxford University Press, 2010; Swift, L. The hidden chorus: echoes of genre in tragic lyric. Oxford: Oxford University Press, 2010; Faulkner, A. (Org.) The Homeric Hymns: interpretative essays. Oxford; New York: Oxford University Press, 2011 (especialmente o capítulo de J. S. Clay); Kurke, L. Aesopic conversations: popular tradition, cultural and the invention of Greek prose. Princeton: Princeton University Press, 2011; Agocs, P. et al. (Org.) Reading the victory ode. Cambridge: Cambridge University Press, 2012; Bakola, E. et al. (Org.) Greek comedy and the discourse of genres. Cambridge: Cambridge University Press, 2013 (especialmente o capítulo de M. Silk); Kowalzig, B. e Wilson, P. Dithyramb in context. Oxford: Oxford University Press, 2013. Para a poesia helenística, a noção de gênero sempre foi fundamental, por exemplo, através da noção de Kreuzung der Gattungen, ela própria constantemente reavaliada, sobretudo nos últimos 20 anos, desde sua formulação por W. Kroll na década de 1920; cf., especialmente, Barchiesi, A. The crossing. In: Harrison, S. J. Texts, ideas, and the classics: scholarship, theory, and classical literature. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 142-166. Para o universo da poesia latina, cf., mais recentemente, Papanghelis, T. et al. (Org.) Generic interfaces in Latin literature. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 2013. 3 Harvey, A. E. The classification of Greek lyric poetry. CQ, v. 5, 1955, p. 157-175.
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Ao ser teorizado, gênero (poético) foi sempre uma categoria que pressupôs um universo de análise limitado, primeiro, a poesia, depois, a literatura. “Poesia” é uma concepção que remonta aos gregos,4 mas “literatura” é uma ideia cuja história é bem mais recente: “a história da ideia de ‘literatura’, de fato, revela um processo de especialização crescente de sentidos, por meio do qual a ‘literatura’ foi, originalmente, equiparada a todos os tipos de escrita e então, na era pós-Gutemberg de impressão, a obras impressas, e somente muito mais tarde foi restrita à noção de obras da imaginação”.5 Entre os gregos, porém, não há nenhum termo que abarque prosa e verso,6 e mesmo na Roma imperial não há um termo equivalente à “literatura”. Isso não significa que o terceiro sentido de literatura mencionado – modificado, é verdade – não tenha sido operante entre os gregos, em que pese um termo não ter sido cunhado para ele. Um termo que, nas práticas gregas, se aproximou bastante do sentido em questão foi mousikê,7 termo nuclear para aquilo que 4 Acerca da conceitualização de poesia entre os gregos, cf. Ford, A. The origins of criticism: literary culture and poetic theory in classical Greece. Princeton: Princeton University Press, 2002, p. 91-158. Para a delimitação entre “canto” e “poesia”, sincrônica e diacrônica, cf. Nagy, 1990 (n. 2), p. 17-51. 5 Prendergast, C. The world republic of letters. In: ______. (Org.) Debating world literature. London; New York: Verso, 2004, p. 4. Todas as traduções nesta “Introdução” são de minha autoria. 6 Para o termo mimêsis como candidato parcial, cf. Finkelberg, M. The birth of literary fiction in ancient Greece. Oxford: Oxford University Press, 1998; e Halliwell, S. The aesthetics of mimesis: ancient texts and modern problems. Princeton: Princeton University Press, 2002. 7 Cf. Ford (n. 4), p. 4 (“cultura literária” como “equivalente mais próximo” de mousikê); para uma discussão da noção, cf. Peponi, A.-E. Frontiers of pleasure: models of aesthetic response in archaic and classical Greek thought. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 2-14. Acerca do termo, cf., por exemplo, Aristófanes, Rãs 797-802 e, sobre essa passagem, Halliwell, S. Between ecstasy and truth: interpretations of Greek poetics from Homer to Longinus. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 109-111.
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J. Herington chamou de “cultura da canção” (“song culture”), a forma como a cultura músico-poética grega se desenvolveu antes da crescente penetração da escrita na produção e recepção das obras poéticas.8 Mousikê, que engloba “variados tipos e combinações de ação verbal, instrumental e cinética, não foi apenas a quintessência das instituições culturais na polis grega, mas também um componente decisivo na produção do imaginário coletivo, especialmente na Atenas clássica”.9 É a partir das práticas da mousikê e relacionando-se com elas – mas nunca somente em uma relação de oposição – que outras formas de saber se constituíram e se definiram ao longo dos séculos V e IV a.C., todas elas reivindicando para si o caráter de sophia.10 Assim, quando Platão “cria” a filosofia, ou seja, define-lhe um campo que se torna hegemônico, ele o faz, em diversos de seus diálogos, incorporando e criticando formas e conteúdos da poesia e da retórica.11 Essa estratégia de utilização 8 Herington, J. Poetry into drama: early tragedy and the Greek poetic tradition. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, 1985. Para uma discussão sobre o impacto da escrita na conceitualização e teorização da poesia nos séculos V e IV a.C., cf. Ford (n. 4) e Ford, A. From letters to literature: reading the ‘song culture’ of Classical Greece. In: Yunis, H. (Org.) Written texts and the rise of literate culture in ancient Greece. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. 9 Peponi, A.-E. Introduction. In: ______. (Org.) Performance and culture in Plato’s Laws. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 3. 10 Cf., por exemplo, Tell, H. Plato’s counterfeit sophists. Washington, D.C.: Center for Hellenic Studies, 2011, e Martin, R. P. The seven sages as performers of wisdom. In: Dougherty, C. e Kurke, L. (Org.) Cultural poetics in archaic Greece. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. 11 “Platão define explicitamente o modo de discurso usado pelo filósofo (‘dialético’) em oposição à linguagem sedutora da poesia e da retórica; mas seus diálogos nunca se restringem à dialética. De fato, as conversas dialéticas dos interlocutores (…) são apenas um aspecto do diálogo platônico, pois muitos dos textos de Platão também são constituídos pelos diálogos que eles conduzem com outros gêneros do discurso” (Nightingale, n. 2, p. 3).
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e exploração de gêneros poéticos para definir novos gêneros em prosa, demarcando diferentes tipos de sophia, é explorado em diversos capítulos deste livro, quais sejam: historiografia (A. Duarte, cap. 3; B. Sebastiani, cap. 8); e diálogo socrático (A. Capra, cap. 5; D. Lopes, cap. 6). Nesse período, a técnica poética (poiêtikê tekhnê) foi paulatinamente conceitualizada como um saber com objeto e especialistas próprios, de sorte que os produtos dessa técnica passaram a ser examinados a partir de categorias cada vez mais abstratas, ou seja, dissociados de suas condições usuais de (re) performance. Fez parte desse processo a gradual e cada vez mais diferenciada categorização dos produtos disponíveis para exame, que culminou no trabalho dos filólogos alexandrinos a partir do século III a.C. Todavia, esses mesmos eventos ou produtos culturais, antes da percepção e definição da poesia como uma técnica ao modo da medicina ou da retórica, já haviam sido entendidos pelos seus públicos como pertencentes a conjuntos maiores e a seus subconjuntos, ou seja, é possível demonstrar que, na cultura da canção grega, categorizações de ordens diversas sempre fizeram parte do horizonte de expectativa na recepção da poesia.12 Conjuntos e subconjuntos dessa natureza, porém, não podem ser compreendidos como categorias estanques, no que parte da crítica literária do século XX que se dedicou ao tema não cansou de insistir, tanto a partir da análise diacrônica, adotando uma noção de “evolução”,13 por exemplo, quanto, sincronicamente, 12 Cf., abaixo, L. G. Canevaro (cap. 1) e L. Swift (cap. 2). 13 Numa discussão homóloga, cf. o uso ético-político da noção de “evolução”, entendida como “progresso”, para se compreender a relação entre poesia épica e trágica desenvolvido em Allan, W. e Kelly, A. Listening to many voices: Greek tragedy as popular art. In: Marmodoro, A. e Hill, J. (Org.) The author’s voice in classical and late antiquity. Oxford: Oxford University Press,
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a partir da reconstrução de um sistema de gêneros literários e, eventualmente, extraliterários. Um gênero só coexiste com outros gêneros em um conjunto marcado por relações hierárquicas que implicam juízos culturalmente definidos. Gêneros, assim entendidos, são estabilizações de relações de comunicação e, portanto, podem ser examinados a partir de uma diferenciação defendida por M. Bakhtin e T. Todorov entre gêneros primários ou cotidianos e secundários ou literários.14 A prática de gêneros, tanto por parte de poetas quanto de seu público, portanto, é parte constituinte da comunicação estabelecida entre eles.15 Vejamos como isso funcionaria no caso da poesia épica. R. P. Martin (n. 2), em um trabalho seminal, defendeu que, na poesia homérica, a tipicidade de certos discursos dos heróis manifesta-se na utilização, pelas personagens dos poemas, de alguns gêneros discursivos cuja performance evidencia o valor do sujeito da performance. Os principais gêneros discursivos (rememoração, jactância-e-insulto – “flyting” –, comando), por sua vez, guardam certas relações com aquele que é o gênero maior, ou seja, o gênero épico-heroico. Ao se examinar como operam certo gênero discursivo e seus conteúdos típicos, circunscreve-se, por oposição ou paralelismo, o próprio gênero épico-heroico. 2013, p. 77-122; alguns pontos desse artigo são retomados por W. Allan em seu texto (cap. 4). 14 Embora sem fazer referência aos autores citados, essa distinção foi conceitualizada, mutatis mutandis, por E. Bakker como, respectivamente, aoidê e epos na poesia épica; cf. Bakker, E. The meaning of meat and the structure of the Odyssey. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. 15 Cf. Bakhtin, M. M. Speech genres and other late essays. Trad. V. W. McGee. Ed. C. Emerson e M. Holquist. Austin: University of Texas Press, 1986 e, do mesmo autor, ensaios presentes na coletânea Questões de literatura e de estética (a teoria do romance). Trad. A. F. Bernardini et al. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 2010, sobretudo, “Epos e romance (sobre a metodologia do estudo do romance)”; e Todorov, T. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
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Um sistema de gêneros, portanto, não é indissociável de certo contexto. No que diz respeito à poesia grega arcaica, Andrew Ford, entre outros,16 insistiu que toda composição poética poderia ser definida a partir de quatro categorias: contexto (noções sociais e religiosas); linguagem marcada (pela ocasião: canto e dança); tema/conteúdo; relação entre cantor e público. Esta última categoria diz respeito, sobretudo, à autoridade do(s) gênero(s) predominante(s) num determinado momento e o modo como essa autoridade é conceitualizada. No caso da poesia épica, por exemplo, isso ocorre por meio da vinculação entre a Musa e o poeta, vinculação que justamente serve para Hesíodo diferenciar seu poema, Trabalhos e dias, desse gênero maior, como mostra L. Canevaro (cap. 1). Quando Platão demarca os protocolos de um novo tipo de saber, a filosofia, ele o faz por meio de um intenso uso de diferentes tipos de discursos e tradições, inclusive poéticos, de sorte que “a reformulação da tradição poética é um fenômeno bastante comum nos diálogos platônicos. As versões ‘reformadas’ do canto épico são superiores à épica tradicional segundo os padrões do próprio Platão”.17 Essas estratégias, que reconceitualizam os próprios gêneros e seus protocolos, são o tema de duas contribuições neste livro, a de A. Capra (cap. 5) e D. Lopes (cap. 6): o primeiro investiga de que forma Platão, no Fedro, ao perseguir uma definição do discurso filosófico, se aproxima da demarcação de um grande gênero poético (ou arquitexto, na nomenclatura de G. Genette) que podemos chamar de lírico, dele se apropriando do que lhe interessa, mesmo que por contraste 16 Cf. Ford, 1997 (n. 2), Käppel (n. 2) e Carey, C. Genre, occasion and performance. In: Budelmann, F. (Org.) Cambridge companion to Greek lyric. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. 17 Capra, A. Plato’s Hesiod and the will of Zeus: Philosophical rhapsody in the Timaeus and the Critias. In: Boys-stones, G. R. eHaubold, J. H. (Org.) Plato and Hesiod. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 202.
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ou oposição; o segundo, a partir do rastreamento de ecos aristofânicos (Os cavaleiros, em particular) no Górgias, mostra de que forma uma conceitualização avant la lettre da retórica em Aristófanes é reaproveitada pelo filósofo. A interação entre gêneros é intrínseca à recepção dos textos poéticos, e essa interação, com frequência, tem um caráter agônico. Envolvidas nessa discussão não estão apenas questões formais, mas, sobretudo, culturais, pois um gênero procura manter um determinado status simbólico que pode ser disputado ou assimiliado por outros gêneros. W. Allan (cap. 4), por exemplo, mostra como a tragédia retrabalha elementos chave do heroísmo épico para se definir como gênero de arte popular que propunha oferecer algo para cada grupo presente na plateia, ou seja, sem propagar um ideário puramente democrático ou aristocrático, no que se diferenciaria de gêneros ideologicamente mais circunscritos. Desta forma, o objetivo principal das contribuições deste volume não é indagar por que um determinado texto pertence a um determinado gênero, mas investigar estratégias de conceitualização de gêneros que permeavam a comunicação pressuposta pelos textos poéticos produzidos na Grécia antiga e em sociedades nas quais, em determinadas épocas, a recepção da poesia grega foi culturalmente central, como mostra o texto de E. Werner (cap. 9) para a literatura latina. Assim, investiga-se de que forma determinado texto demarca-se em relação a outros textos em um ambiente cultural no qual espaços de atuação e de autoridade eram reivindicados pelos produtores desses textos. Trata-se de explorar a ideia de que gêneros não só se definiram mutuamente, mas incorporaram, representaram e transmutaram elementos genéricos ou transgenéricos.18 18 Por exemplo, a categoria do “cômico”; para os problemas no uso dessa categoria em uma discussão de gênero, em particular, a comédia, cf. a contribuição de Silk para Bakola et al. (n. 2).
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Uma característica transgenérica fundamental na poesia grega é a oposição entre louvor e censura, que não é apenas central na Poética aristotélica, mas foi operante na própria produção poética arcaica e clássica, como explicitado, por exemplo, na Nemeia 7 de Píndaro, e continuou presente no período helenístico, como F. Rodrigues Jr. (cap. 7) demonstra na sua discussão do mimo grego. Para A. Rotstein (n. 2), o epainos (“louvor”) pode ser entendido como um macrogênero, com o que ela desenvolve a discussão da polaridade entre louvor e censura tal como conduzida por análises sociais ou antropológicas dos gêneros poéticos gregos, entre outros, por G. Nagy e B. Gentili (n. 2). Todavia, isso não é suficiente, pois, na recepção da poesia jâmbica, particularmente na crítica moderna, as relações entre o “jambo” e a macrocategoria psogos (“censura”), como mostra a autora, não é clara. Outro elemento transgenérico bastante comum é a narrativa, que, ao longo dos séculos V e IV a.C., pelo menos em Atenas, passou a ser conceitualizada, sobretudo, a partir dos poemas homéricos que se tornaram canônicos, Ilíada e Odisseia.19 Isso é apenas parte de processos complexos que produziram formas distintas de representar o passado,20 a partir de um certo momento, por meio da prosa e em acentuada diferenciação em relação a formas poéticas tradicionais,21 como mostra B. Sebastiani para 19 Para uma reconstrução possível desse processo, cf. Nagy, G. Homer the preclassic. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, 2010. 20 Cf. Marincola, J. et al. (Org.) Greek notions of the past in the Archaic and Classical eras: history without historians. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2012, e Grethlein, J. The Greeks and their past: poetry, oratory and history in the fifth century BCE. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. 21 Cf. Kurke, 2011 (n. 2) e Baragwanath, E. e de Bakker, M. Myth, truth and narrative in Herodotus. Oxford: Oxford University Press, 2012, entre outros.
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a prosa historiográfica de Políbio em relação à autoridade tradicional da Odisseia (cap. 8). Essas transformações também dizem respeito à utilização, por parte de poetas e prosadores, de um lado, e à conceitualização, por parte de teóricos antigos, da noção de “ficção”, uma noção intrinsecamente elusiva.22 Examinar como determinado texto literário utiliza certos elementos narrativos não serve apenas para discutir de que forma seu gênero se constitui, mas, sobretudo, para relacionar esse texto a gêneros distintos e também para investigar como outros gêneros são implicitamente definidos nesse texto/gênero. É o que faz A. Duarte no seu texto sobre Heródoto (cap. 3). Outro exemplo de um uso da narrativa condicionado pelo gênero e condicionante dele verifica-se em Trabalhos e dias de Hesíodo: ao mesmo tempo que utiliza uma moldura narrativa mínima (o conflito entre o poeta e seu irmão em uma comunidade cujos reis se deixaram corromper), o poema também se dissocia da poesia hexamétrica narrativa por excelência, a épica heroica, que tem, no seu centro, a narração de conflitos violentos. Essa dissociação acompanhada de associação é acentuada por estratégias diversas, ao longo do poema, para definir o estatuto dos temas e da forma de um gênero cujo autor busca firmar sua autoridade, como mostra L. Canevaro (cap. 1). Para concluir com o gênero poético por excelência na Atenas do século V a.C., a tragédia, o espetáculo em destaque nas Grandes Dionísias, festival cívico fundamental na cidade, é possível observar que as histórias desenvolvidas nas tramas trágicas tinham vários elementos em comum com as performances homéricas, que fazem parte do núcleo de outro festival central em Atenas, as Grandes Panateneias. Um dos elementos distintivos 22 Cf. Porter, J. Making and unmaking: the Achaean wall and the limits of fictionality in Homeric criticism. TAPA, v. 141, 2011, p. 1-36.
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principais dos espetáculos trágicos (e cômicos), porém, foi a incorporação de outros gêneros, em particular o grande gênero da poesia mélica coral, o que tornou a experiência coletiva no teatro de Dioniso algo completamente distinto da performance de um poema épico. Ao passo que a Ilíada e a Odisseia já estão canonizadas no início do século V a.C., os espetáculos dramáticos, sobretudo tragédias e comédias, passaram por diversas mudanças genéricas ao longo do século. Assim, a noção que a maioria dos trabalhos citados nesta introdução tem demonstrado, e que é rediscutida pelas contribuições a este volume, é a de que, sincrônica e diacronicamente, cada performance ou leitura de um poema coloca o espectador em uma linha de força formada pela atuação de elementos que são mais ou menos associados a determinados gêneros e dependentes do contexto cultural.
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Lilah Grace Canevaro University of Edinburgh
In his Theogony, Hesiod established a close relationship with the Muses, beginning with an extended Hymn,1 and crediting them with his poetic prowess.2 Such an affiliation was appropriate for that particular poetic project as the focus of the Theogony was on the gods, and Hesiod needed the Muses to support his claim to privileged knowledge of the divine sphere.3 Beginning with the 1 Theog.1 μουσάων Ἑλικωνιάδων ἀρχώμεθ’ ἀείδειν. 2 Theog.22-3 αἵ νύ ποθ’ Ἡσίοδον καλὴν ἐδίδαξαν ἀοιδήν. 3 See J.S. Clay, Hesiod’s Cosmos (Cambridge, 2003), 50-3 (Theogony), 72-8 (Works and Days).
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Muses is a convention of epic: the Iliad begins μῆνιν ἄειδε θεά, the Odyssey ἄνδρα μοι ἔννεπε, Mοῦσα; the Catalogue of Women has at line 2 Μοῦσαι Ὀλυμπιάδες; according to the Certamen Homeri et Hesiodi, the Thebaid began Ἄργος ἄειδε, θεά, πολυδίψιον, and the Epigoni Νῦν αὖθ’ ὁπλοτέρων ἀνδρῶν ἀρχώμεθα, Μοῦσαι. In the Works and Days, however, Hesiod employs this epic convention only to break away from it. Μοῦ σαι Πι ερ ί η θ ε ν ἀοιδῇσι κλείουσαι δεῦτε, Δί᾽ ἐννέπετε σφέτερον πατέρ᾽ ὑμνείουσαι, ὅν τε διὰ βροτοὶ ἄνδρες ὁμῶς ἄφατοί τε φατοί τε ῥητοί τ᾽ ἄρρητοί τε Διὸς μεγά λοιο ἕκητι. ῥέα μὲν γὰρ βριάει, ῥέα δὲ βριάοντα χαλέπτει, ῥεῖα δ᾽ ἀρίζηλον μινύθει καὶ ἄδηλον ἀέξει, ῥεῖα δέ τ᾽ ἰθύνει σκολιὸν καὶ ἀγήνορα κάρφει Ζεὺς ὑψιβρεμέτης ὃς ὑπέρτατα δώματα ναίει. κλῦθι ἰδὼν ἀιών τε, δίκῃ δ᾽ ἴθυνε θέμιστας τύνη· ἐγὼ δέ κε Πέρσῃ ἐτήτυμα μυθησαίμην. Muses from Pieria who praise with song, come here, tell of Zeus your father as you hymn, through whom mortal men are unspoken and spoken alike, known and unknown, by the will of great Zeus. For he easily strengthens, and easily weakens the strong, easily he diminishes the conspicuous and raises up the inconspicuous, easily he straightens the crooked and withers the manly, Zeus the high-thunderer who dwells in the highest halls. Listen to me, seeing and hearing, and you: make laws straight with justice. But I will tell true things to Perses. Works and Days 1-10
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Hesiod begins with the Muses, conforming to their demand in the Theogony that he always sing of them first and last: Theog.34 σφᾶς δ’αὐτὰς πρῶτόν τε καὶ ὕστατον αἰὲν ἀείδειν. He asks the Muses to sing of Zeus, 2 Δί’ ἐννέπετε. If we were to be taken in by the parallel with Odyssey 1.1 ἄνδρα μοι ἔννεπε, we would assume that where in the Odyssey the focus is the man, in the Works and Days it will be Zeus.4 However, in the proem Zeus is only celebrated in regards to his relationship with mortals: omitted are the conventional hymnic features such as narratives of the god’s birth and his divine deeds. Hesiod got these details out of the way already in the Theogony. So he begins by extolling Zeus’ powers; then, in a reversal of audience expectation, he departs from the Muses’ song. Although the focus of the proem, Zeus will be replaced by the realities of Iron-Age living as the main theme of the poem proper and as such the Muses are being invited to sing a song parallel to Hesiod’s own.5 Hesiod himself will sing of ἐτήτυμα (line 10), addressed ostensibly in the first instance to Perses; his focus will be not on gods, but on men: 3 βροτοὶ ἄνδρες. Then at lines 11-26 Hesiod makes a new addition to his pantheon: the Good Eris which Hamilton defines as having ‘only internal effect’.6 Hesiod takes this inward-facing Strife to the extreme, entering into the spirit of competition specifically with himself. 4 D. Sider, ‘Didactic poetry: the Hellenistic invention of a pre-existing genre’, in R. Hunter, A. Rengakos and E. Sistakou (edd.), Hellenistic Studies at a Crossroads. Exploring Texts, Contexts and Metatexts (Berlin/New York, forthcoming), suggests that a better title for the Works and Days would have been the Zeusiad. 5 On the Muses’ song being tangential to Hesiod’s own, see e.g. A. Ford, ‘Epic as Genre’, in I. Morris and B. Powell (edd.), A New Companion to Homer (Leiden, 1997), 396-414, at 409, Clay (n.3), at 72-8, J.H. Haubold, ‘Shepherd, farmer, poet, sophist: Hesiod on his own reception’, in G. Boys-Stones and J.H. Haubold (edd.), Plato and Hesiod (Oxford, 2010), 11-30, at 21. 6 R. Hamilton, The Architecture of Hesiodic Poetry (Baltimore, 1989), 60.
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In amending the genealogy of Eris, he is competing with his own Theogony, in which there was only Ἔρις στυγερή (hateful Strife). He is also ‘correcting’ the depiction of a single Eris in heroic epic.7 All of this conjures up a picture of a poet who knows about cosmogony, who knows about epic – but who sets out to make a different point entirely. So having ostensibly dismissed cosmogonic and heroic epic all within the first 20 lines or so, where does Hesiod situate his Works and Days in terms of genre? In this paper I will consider the multiple generic strategies employed by Hesiod in the Works and Days. I will argue that the poem operates primarily in the didactic genre, but that Hesiod both manipulates this genre (or we might call it a sub-genre, or even a mode) and appropriates elements from other genres when it suits his purpose. I hope to show that the result is an authoritative didactic persona, and a multi-faceted poem with elements which can be applied to all sorts of situations. I My first contention is that the primary generic impetus of Hesiod’s Works and Days is that of didactic, or wisdom, literature. Although this is the prevailing view in current Hesiodic studies, it is not a given.8 Malcolm Heath, for example, in an influential 7 E.g. Il.4.440-5 Eris sister of Ares, 5.518, 5.740, 11.2-12, 11.73-4, 18.535, 20.48; see further K. Stoddard, The Narrative Voice in the Theogony of Hesiod (Leiden, 2004), 17, H. Koning, Hesiod: the Other Poet (Leiden, 2010), 276-7, and esp. W. Thalmann, ‘‘The most divinely approved and political discord’: thinking about conflict in the developing polis’, CA 23.2 (2004), 359-99, at 376, who points out that whilst this is a correction of the explicit uses of eris, it may also tap into the multiple potentialities implicit elsewhere. 8 It has been argued against by e.g. E.F. Beall, ‘The plow that broke the plain epic tradition: Hesiod Works and Days vv.414-503’, CA 23.1 (2004), 1-32, at 5.
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article of 1985 discussed the matter at length, only to come down firmly on the fence.9 Heath had two main qualms in marking out the Works and Days as didactic: first, that we cannot easily say it is formally didactic (that is, that its audience would have understood it as being intended to instruct) because of ‘want of evidence concerning the system of genres in its context of origin’; second, that we cannot say it is finally didactic, that it really teaches us something, because (to put it simply) we can’t come away from it knowing how to make a plough. The first qualm raises an important point about the very use of generic distinctions in relation to early Greek hexameter. At this time there was no paradigm of genres such as those developed by Cicero or Horace, by Quintilian or Diomedes. Nor was literature yet schematised into ‘high’ and ‘low’ genres. Hesiod does not use self-consciously terms like ‘cosmogony’ or ‘didactic’,10 and the term ‘wisdom literature’ was one originally borrowed from Biblical scholarship. It is sometimes argued, therefore, that in categorising early poetry we run the risk of anachronism, of imposing later thought on a tradition that was not formed under such constraints. Sider (n.4) argues that ‘didactic poetry as a genre was essentially invented in Hellenistic times, and then retrojected backward in time’. However, just because generic distinctions had not yet been articulated does not mean that such distinctions did not exist: it was simply a practical rather than a formal issue. As Rossi so neatly put it, in the Archaic period, generic laws were unwritten but respected; in the Classical period they were both written and respected; and in the Hellenistic period, they were
9 M. Heath, ‘Hesiod’s didactic poetry’, CQ 35.2 (1985), 245-63. 10 Sider (n.4) notes that the Greeks ‘never actually used the adjective διδακτικός to modify ποίημα or ποίησις’.
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written but not respected.11 Early poetry may not be governed by written laws, but this does not preclude the possibility of categorisation. Depew and Obbink suggest that in early Greece ‘genres are, as they are in everyday speech, familiar patterns that typically produce certain contexts and effects’.12 After all, a genre is essentially a recognisable pattern, a ‘type’ (or, as Fowler puts it, a ‘mode’13) that unfolds in a certain way through certain distinctive forms. It is on recognisable patterns that the very tradition of oral poetry is based, and through a handing down of these patterns that the poems are transmitted. Hesiod and his audience may not have proclaimed the Works and Days as a wisdom poem, but features such as an immanent narrator and an explicit addressee do mark out a pattern different from that of other ‘types’ of hexameter poetry. In response to the second qualm, that the Works and Days is not clearly didactic because it does not clearly teach us anything, I would say that Heath was looking for teaching in the wrong place. If we look for purely practical instruction, we are setting ourselves up for disappointment: as Stephanie Nelson in particular has shown, Hesiod’s Calendar is designed more to depict the seasonally-revolving life on a farm than to mould his audience into farmers.14 Heath is bothered by this descriptive element, arguing that it detracts from any didactic thrust and indeed shunts the poem towards another genre entirely. However, it seems to me 11 L.E. Rossi, ‘I generi letterari e le loro leggi scritte e non scritte nelle letterature classiche’, BICS 18.1 (1971), 69-94. 12 M. Depew and D. Obbink (edd.), Matrices of Genre: Authors, Canons, and Society (Cambridge Mass., 2000). 13 A. Fowler, ‘The formation of genres in the Renaissance and after’, in New Literary History 34 (2003), 185-200. 14 S. Nelson, ‘The drama of Hesiod’s farm’, CPh 91.1 (1996), 45-53, and God and the Land: the Metaphysics of Farming in Hesiod and Vergil (New York/ Oxford, 1998).
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that the description serves a particular didactic purpose. Hesiod is really teaching about how to manage the Iron-Age condition, characterised as it is by the need to work for one’s livelihood. In an Age in which there is no longer a close relationship between gods and men, this work must be done independently of divine or indeed other assistance: and throughout the Works and Days self-sufficiency is especially prized. Hesiod therefore describes the condition, in order that we might face it. The first clue that the Works and Days is primarily didactic is Hesiod himself: Hesiod the narrator, that is. The narrator of the Works and Days is not hidden behind a shield of tradition and divinity, like Homer; he is conspicuous, putting himself forward and adopting the persona of a teacher. Personal interjections punctuate his teachings: 174-5 ‘Would that I were no longer among the fifth race of men, but either had died earlier or been born later’; 270-1 ‘Now I would not be just among men, nor would I wish my son to be’. He is no stranger to the first person, nor, in fact, to singing his own praises: he will summarise a story ‘well and skilfully’ (εὖ καὶ ἐπισταμένως 107), and boasts that he was ‘victorious in song’ (ὕμνῳ νικήσαντα 657). It is this immanent, tangible, authoritative persona, so different from that of the elusive Homeric narrator, which establishes the generic force of the poem. In breaking away from the Muses, Hesiod makes the point that he is not a conduit for divine wisdom, like the epic narrator, but that he keeps the Muses in his back pocket and calls on them when needed for his new, independent, didactic project. There is a biographical chronology between the Theogony and the Works and Days,15 with Hesiod evolving from ignorant shepherd 15 Whether this corresponds to actual compositional chronology does not concern me here: I follow Clay (n.3) in valuing a synchronic view of the poems’ composition.
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through Muse-inspired poet to, finally, a self-sufficient didactic authority on, as we shall see, just about anything. The next clue comes in the form of Perses, Hesiod’s first explicit addressee. That there is a direct addressee at all marks the Works and Days as separate from narrative epic and from Hesiod’s own Theogony. Perses is first and foremost a didactic tool. We soon learn that he has taken more than his fair share of the brothers’ inheritance (37-8); he has ingratiated himself with corrupt kings by bribery (38-9); he is both a spectator of disputes (29) and an active litigant (34); and, worst of all in Hesiod’s estimation, he is an idler with no secure βίος, livelihood (31). He then evolves in the course of the poem as he listens to his brother’s advice. That Perses is accused of having many different faults serves to make him the perfect didactic addressee: Hesiod uses his brother’s injustice as an excuse to launch into a diatribe on Justice; he marks Perses as a fool so that there is a need for him to be taught; he takes his addressee’s idleness as a basis for teachings on the benefits of hard work. The use of an addressee as a target for wisdom is a fundamental characteristic of the didactic genre. We see such hierarchical models of instruction in examples of wisdom literature from all over the Ancient Near East.16 Hesiod’s address to rulers (202 νῦν δ’ αἶνον βασιλεῦσιν ἐρέω) is common to extant Near Eastern didactic poetry; such 16 Works such as W. Burkert, Die orientalisierende Epoche in der griechischen Religion und Literatur (Heidelberg, 1984), P. Walcot, Hesiod and the Near East (Cardiff, 1966), C. Penglase, Greek Myths and Mesopotamia: Parallels and Influence in the Homeric Hymns and Hesiod (London, 1994), M.L. West, The East Face of Helikon (Oxford, 1997) and J.H. Haubold, ‘Greek Epic: a Near Eastern genre?’ PCPhS 48 (2002), 1-19 have shown that, whatever we decide to do with the parallels, comparisons between Greek and Near Eastern poetry are at least feasible on historical grounds (the 14th and 9th centuries BC have been pinpointed as particular moments of cultural exchange).
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addresses are found in, for example, the Akkadian Advice to a Prince or the Egyptian Instruction for Merikare. The incorporation of direct addresses to very present characters shows Hesiod slotting his poem into the wisdom tradition. However, the choice of addressees simultaneously shows Hesiod playing with the tradition, adapting the genre to suit his own purposes. In the Near Eastern wisdom tradition, the standard model is that of a father addressing a son. This applies to most of the Egyptian examples,17 as well as the Sumerian Instruction of Suruppak and The Father and his Misguided Son, and the Akkadian Counsels of Wisdom. In the Works and Days, however, Hesiod uses his father as a negative example and sets himself up as superior to (or at least more successful than) his father: while Hesiod’s own short voyage results in success in a poetic competition, his father’s is linked with poverty, misery and desperation. This constitutes quite a shift from traditional didactic models. Furthermore, the choice of a brother as didactic addressee is (as far as I know) unparalleled in the extant Near Eastern material. By addressing his brother, Hesiod adapts traditional models to fit what he wants to teach.18 The Iron Age is a time of conflict, and so to teach us how to manage the Iron-Age condition he establishes a didactic framework itself rooted in a conflict – the quarrel with Perses. Further, the best way of managing the Iron-Age condition, according to Hesiod, is through self-sufficiency. To instil this ideal, Hesiod employs a didactic method based on intellectual self-sufficiency. He champions the πανάριστος who thinks of 17 Instruction of Amenemhet, Instruction of a Man to his Son, Instruction of Sehetipibre, Instruction of Amen-em-Opet, Instructions of ‘Onchsheshonqy, Instruction of Ptahhotep. 18 For a fuller discussion of this issue see L.G. Canevaro, ‘Hesiod and Perses: brothers (up) in arms’, in P. Bassino, L.G. Canevaro and B. Graziosi (edd.), Conflict and Consensus (Cambridge, forthcoming).
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everything himself, and over and over again tells his audience to ‘consider’, φράζεσθαι, his teachings. This is best channelled through a sibling: someone of supposedly equal standing,19 or at least where the hierarchy is less marked; someone who feels at liberty to question and to protest against injustice. However, to negotiate the apparent contradiction between self-sufficiency and didacticism, between thinking for oneself and being taught by someone else, Hesiod must also retain didactic authority and moral control. To this end, he casts himself as the elder, better brother. Just like Hesiod’s didactic project, poised precariously as it is between autonomy and dependence, the relationship between brothers strikes a delicate balance between equality and hierarchy. Hesiod never makes it explicit who is the elder and who the younger brother, maintaining this image of equality: however, he allies himself with the Good Eris whilst Perses embodies the Bad, and surely it is no coincidence that Good Eris is the elder sibling (17). It is on the basis of genre that the sibling relationship in the Works and Days is so striking. As I have argued, there is no comparable brother-to-brother example in extant wisdom literature. We can find pairs of brothers scattered all over epic (Hector and Paris, Agamemnon and Menelaus, the list goes on), and even instances of one advising the other, but the generic distinction is enough to render these examples redundant in comparative terms. Further, the way in which Hesiod uses the quarrel with his brother (νεῖκος) reiterates his divergence from heroic epic. Quarrels pervade much of the epic tradition, perhaps the most notable being that between Achilles and Agamemnon.20 19 R. Martin, ‘Hesiod and the Didactic Double’, Synthesis 11 (2004), 31-54. 20 For attempts to parallel the quarrel in the Works and Days with heroic epic see P. Rousseau, ‘Instruire Persès: Notes sur l’ouverture des Travaux
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However, the dispute between Hesiod and Perses is of a markedly different type: they are arguing not over spoils of war, but over the distribution of their inheritance. They are concerned with land and with bios: essentially Iron-Age concerns. II Throughout the Works and Days, Hesiod marks his poem out as separate from epic: from cosmogonic epic, from heroic epic. His stance as immanent narrator and his use of direct addressees, not to mention narrative forms such as proverb and maxim, priamel and fable: all of these elements mark the Works and Days as primarily didactic.21 That being said, the Works and Days does not operate solely within the wisdom genre, ignoring all else: it is in dialogue with epic. As Edwards has shown, Hesiod’s language is not that of a separate hexameter tradition, but that of (to a certain extent, at least) the Homeric.22 And as Scodel has argued, Hesiod even slots his Works and Days into the epic cycle.23 Hesiod uses the language of epic when it suits his purpose. For example in the d’Hésiode’, in F. Blaise, P. Judet de la Combe and P. Rousseau (edd.) Le Métier du mythe: lectures d’Hésiode (Villaneuve d’Ascq, 1996), 93-167, at 54, and Stoddard (n.7), 17. 21 Wisdom literature is often considered to be defined by its forms: by its use of proverbs and maxims, of precepts and admonitions. However, the mere presence of these forms does not suffice to mark out didactic poetry, but rather they must be predominant. Heroic epic, too, encompasses such forms (J.M. Foley, ‘Epic as Genre’, in R. Fowler (ed.), The Cambridge Companion to Homer (Cambridge, 2004), 171-87, at 181 describes epic as an ‘omnibus genre’, incorporating e.g. proverbs and catalogues), but in that context they are outweighed by stronger linear narrative elements. 22 G.P. Edwards, The Language of Hesiod in its Traditional Context (Oxford, 1971). 23 R. Scodel, ‘Hesiod and the Epic Cycle’, in F. Montanari, A. Rengakos and C. Tsagalis (edd.), Homeric Contexts: Neoanalysis and the Interpretation of Oral Poetry (Berlin, 2012).
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fable of the hawk and the nightingale (202-12), the hawk’s speech has much in common with a Homeric battle speech delivered by a warrior with an opponent at his mercy.24 Two examples are Il.16.830-54 Hector to Patroclus, and 22.331-6 Achilles to Hector: both include, like the fable, an insult to the victim’s intelligence (Op.210 ἄφρων, Il. 16.833, 22.333 νήπιε), a claim to superiority (16.834, 22.333), and a warning of a dreadful fate (16.836, 22.335-6). The hawk’s moral is also common to Homeric advice: at Il.7.109-14 Agamemnon warns Menelaus not to fight with a man (Hector) who is better than him. Hesiod draws most heavily on epic when he turns to the sensitive subject of seafaring. Many phrases Hesiod uses for the sea and the ship are epic: 620 ἠεροειδέα πόντον occurs 11 times in Homer; 622 (and 817) οἴνοπι πόντῳ occurs 18 times in Homer; 628 νηὸς...ποντοπόροιο 19 times in Homer; 631 (and 671) νῆα θοήν is found 59 times elsewhere in early hexameter; 636 νηὶ μελαίνῃ 59 times in Homer; and 648 πολυφλοίσβοιο θαλάσσης crops up 10 times in Homer. Various other formulations that appear in the Nautilia are likewise Homeric: 624 ἐπ᾽ ἠπείρου ἐρύσαι is found at Il.1.485, Od.16.325, 359 and Hom. Hymn 3.489; 631 νῆα θοὴν ἅλαδ᾽ ἑλκέμεν recurs at Od.2.389; and 667 Ποσειδάων ἐνοσίχθων occurs 24 times in Homer. There are even some formulae which seem epic but are not attested in Homer such as 660 νηῶν...πολυγόμφων: Hesiod may be constructing his own formulae along epic lines, or utilising non-Homeric traditional material. Hesiod’s use of epic language here is the result of his professed ignorance of a topic on which epic has a lot to say. With language so markedly different from that of the agricultural Calendar, Hesiod delineates the sea as a separate sphere: and a risky one at that. The language shows 24 See M. Puelma, ‘Sänger und König’, MH 29 (1972), 86-109, at 89 and 93.
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that, although at times Hesiod distances himself from heroic epic, this is a choice on his part about when and how to engage with the genre: he is certainly not ignorant of it, and can in fact make use of it when it serves his purposes. Furthermore, it is here that Hesiod pulls the Muses out of that back pocket of his. At 658-62 Hesiod reiterates the role of the Muses to reinvoke their inspiration, qualifying him to speak of something in which he has only limited experience: just as Homer, in fact, invokes the Muses when in doubt.25 At 650-3, Hesiod tells of his one-and-only sailing expedition: οὐ γάρ πώ ποτε νηί γ᾽ ἐπέπλων εὐρέα πόντον, εἰ μὴ ἐς Εὔβοιαν ἐξ Αὐλίδος, ᾗ ποτ᾽ Ἀχαιοί μείναντες χειμῶνα πολὺν σὺν λαὸν ἄγειραν Ἑλλάδος ἐξ ἱερῆς Τροίην ἐς καλλιγύναικα. For I have never yet crossed the wide sea in a ship, except to Euboea from Aulis, where once the Achaians, waiting out the winter, gathered a great host to sail from holy Greece to Troy of beautiful women.
The epic allusion here has been explored by works such as Rosen 1990 and Marsilio 2000.26 West comments: ‘it shows how strong was the interest in heroic poetry, that Hesiod cannot mention Aulis without thinking of the Atreidai and their expedition’.27
25 In the Iliad, invocations to the Muses are interspersed at points of high tension or before an enumeration or catalogue: Il.1.1, 1.8, 2.484-92, 2.761-2, 11.218-20, 14.508-10, 16.112-13. See esp. A. Ford, Homer: the Poetry of the Past (Ithaca, 1992). 26 R. Rosen, ‘Poetry and Sailing in Hesiod’s Works and Days’, CA 9 (1990), 99-113, M. Marsilio, Farming and Poetry in Hesiod’s Works and Days (Lanham MD, 2000). 27 M.L. West, Hesiod Works and Days (Oxford, 1978).
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However, there is more to the Homeric echo than mere thought progression. Hesiod’s use of traditional material here is pointed and sophisticated – he does not just reuse but reworks. At 650 he uses a Homeric phrase ἐπέπλων εὐρέα πόντον, sailing the wide sea (cf. Il.6.291), in a pointedly ironic sense: the voyage is, in fact, only a short one. At 653 he reverses the traditional epithets of Greece and Troy – Greece becomes ἱερῆς and Troy καλλιγύναικα – this both acts as a polemical correction of Homeric diction,28 just like Hesiod corrects his own Theogony at 11-12, and reflects Helen’s move from one to the other.29 Therefore, it is argued, Aulis rather ‘serves as the springboard for a daring poetological leap’.30 Hesiod compares his own poetry with that of Homer: he has made a ‘small voyage’, but is unpractised in heroic epic. As Rosen (n.26, at 112) admits, this interpretation ‘presupposes a degree of literary self-consciousness and gamesmanship that we normally reserve for Hellenistic poets’. However, it does not seem implausible, given Hesiod’s sophisticated use of wordplay and riddling language throughout the Works and Days, and his interest in poetic inspiration, authority and truth as well as poetic self-sufficiency. Though this has been the most discussed passage in terms of poetological allusions, epic references in the Nautilia are not confined to the autobiographical narratives. In his description of the first sailing season, Hesiod continues to allude to epic, now in a particularly Odyssean vein.
28 B. Graziosi, Inventing Homer (Cambridge, 2002), 170. Edwards (n.22), 80 sees Hesiod’s sense of humour here. 29 G. Arrighetti, Esiodo: Opere (Turin, 1998) ad loc. 30 C. Tsagalis, ‘Poetry and Poetics in the Hesiodic Corpus’, in F. Montanari, A. Rengakos and C. Tsagalis (edd.), Brill’s Companion to Hesiod (Leiden, 2009), 151.
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ἤ μ ατα π ε ν τ ήκ ον τα μ ε τὰ τρ ο π ὰ ς ἠ ε λί ο ι ο, ἐς τέλος ἐλθόντος θέρεος, καματώδεος ὥρης, ὡραῖος πέλεται θνητοῖς πλόος: οὔτέ κε νῆα καυάξαις οὔτ᾽ ἄνδρας ἀποφθείσειε θάλασσα, εἰ δὴ μὴ πρόφρων γε Ποσειδάων ἐνοσίχθων ἢ Ζεὺς ἀθανάτων βασιλεὺς ἐθέλησιν ὀλέσσαι: ἐν τοῖς γὰρ τέλος ἐστὶν ὁμῶς ἀγαθῶν τε κακῶν τε. τῆμος δ᾽ εὐκρινέες τ᾽ αὖραι καὶ πόντος ἀπήμων: ε ὔκηλο ς τότε ν ῆα θ οὴν ἀνέμοισι πιθ ήσας ἑλκέμεν ἐς πόντον φόρτόν τ᾽ ἐς πάντα τίθεσθαι. σπεύδειν δ᾽ ὅττι τάχιστα πάλιν οἶκόνδε νέεσθαι, μηδὲ μένειν οἶνόν τε νέον καὶ ὀπωρινὸν ὄμβρον καὶ χειμῶν᾽ ἐπιόντα Νότοιό τε δεινὰς ἀήτας, ὅς τ᾽ ὤρινε θάλασσαν ὁμαρτήσας Διὸς ὄμβρῳ πολλῷ ὀπωρινῷ, χαλεπὸν δέ τε πόντον ἔθηκεν. For fifty days after the solstice, when the summer comes to its end, the toilsome season: this is the right time for men to sail. You will not wreck your ship nor will the sea drown your men, unless Poseidon the earth-shaker or Zeus king of the immortals should wish to destroy them. For in these is the end of good and evil men alike. At this time the breezes are easy to judge and the sea painless; then having trusted your swift ship confidently to the winds, drag it to the sea and put in it all your cargo. But hurry to return home as quickly as possible, do not wait for the new wine and the autumnal rains and the approaching winter and the terrible blasts of the South wind, which stirs up the sea, accompanying Zeus’ heavy autumn rain, and makes the sea difficult. Works and Days 663-77
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At 665-6 the dangers to be avoided by sailing at the right time are specified as destroying one’s ship and one’s men: Odysseus’ own fate. 667 Ποσειδάων ἐνοσίχθων reinforces this Odyssean connection: a key character in the Odyssey, Poseidon appears only here in the Works and Days. The epithet used to describe Poseidon, ἐνοσίχθων, is the closest to a ‘sea’ epithet he has in Homer, and in fact is used at Od.5.282 when Poseidon decides to wreck Odysseus’ ship off the land of the Phaeacians. Further, 670 εὐκρινέες τ᾽ αὖραι καὶ πόντος ἀπήμων reshuffles the elements of the Odyssean formula for navigational winds: οὖρος ἀπήμων (Od.5.268, 7.266, 12.167). These allusions give Hesiod’s teachings extra admonitory force: if you listen to Hesiod, you will not suffer disaster on the sea as Odysseus did (Od.1.4 πολλὰ δ’ ὅ γ’ ἐν πόντῳ πάθεν ἄλγεα). I must add that the allusions are not necessarily to the Odyssey itself, but rather to the nostos tradition in general: this all depends on thorny issues such as the relative dating of Homer and Hesiod, the advent of writing and the degree of fixity of the epics at an early stage, issues which I don’t presume to resolve either in this paper or, probably, ever. Regardless, the implications in this passage are rather more complex than in the autobiographical sphragis, because of the essential relevance to Hesiod’s own enterprise of the nostos tradition. He is concerned throughout the Works and Days with the home, the farm, the self-sufficiency of the oikos. Whilst in the sphragis the hints were to martial epic (heroes off to war), something which Hesiod can happily disown, here he simultaneously discredits the venture of seafaring (epic), and supports the fundamental idea of nostos – the desire to return home (673 πάλιν οἶκόνδε νέεσθαι). At the end of the Works Hesiod describes φήμη, rumour: φήμη γάρ τε κακὴ πέλεται, κούφη μὲν ἀεῖραι ῥεῖα μάλ᾽, ἀργαλέη δὲ φέρειν, χαλεπὴ δ᾽ ἀποθέσθαι.
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φήμη δ᾽ οὔ τις πάμπαν ἀπόλλυται, ἥντινα πολλοί λαοὶ φημίξουσι: θεός νύ τίς ἐστι καὶ αὐτή. For rumour is evil, light and easy to pick up, but difficult to bear, and hard to get rid of. That rumour is never entirely destroyed, which many people rumour. She too is herself some goddess. Works and Days 761-4
As Bakker notes, φήμη is the anti-kleos: whilst kleos is to be heard about in positive terms, φήμη is to be talked about negatively.31 The link between the two is strengthened by 763 φήμη δ᾽ οὔ τις πάμπαν ἀπόλλυται: this recalls the Homeric formula κλέος οὔ ποτ’ ὀλεῖται (Il.2.325, 7.91, Od.24.196), or even κλέος ἄφθιτον. That Hesiod is more concerned with φήμη than with kleos marks his poem as firmly set in the Iron Age: he is composing in and about a post-heroic world. As Clay (n.3, at 148) notes, φήμη takes us back to and makes us reassess the earlier line 3 ὅν τε διὰ βροτοὶ ἄνδρες ὁμῶς ἄφατοί τε φατοί τε. There Zeus made men spoken of or not, here φήμη is generated not by the gods but by πολλοί λαοί: the invocational proem and the mythical narratives are far behind us, by this point in the poem we are firmly entrenched in the Iron Age with its focus on mankind. In the proem it was left unclear which was the positive, ἄφατοί or φατοί – now it is clear that to be φατοί is not something to wish for. The contrast with the heroic epic age could not be starker. In simultaneously distancing himself from and appropriating epic, Hesiod goes so far as to construct his own versions of epic formulae with very Works and Days concepts. Take, for example, 31 E.J. Bakker, ‘Polyphemus’, ColbyQ 38.2 (2002), 135-50, at 140-1. See 760 δειλήν – variant δεινήν, preferred by e.g. Clay (n.3, at 148 note 48) because φήμη ends up as a goddess to be feared.
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the idea of the ‘right time’. In the Works and Days there is a right time to reap, to sow, to sail, to marry, even to urinate. The concept is of such importance that ὥριον is found in the penultimate foot (a typical position for traditional epithets in epic) in formulae at 422 ὥριον ἔργον, 492 ὥριος ὄμβρος, 543 ὥριον ἔλθῃ and 697 ὥριος οὗτος. Another key idea is that of the πανάριστος (293). The man who is best of all is he who thinks for himself: the pinnacle of Hesiod’s ideals of intellectual self-sufficiency. In Homer we often find the formula ὄχ’ ἄριστος: for example at Il.2.761 of ‘the best’ of the men and horses who went with the sons of Atreus; at Il.23.357 of Diomedes ‘the best’ of all; at Od.13.297 of Odysseus ‘the best’ of mortals. Perhaps, then, the πανάριστος (293) is Hesiod’s version of the heroic ὄχ’ ἄριστος: he who thinks for himself is the Hesiodic hero. I hope to have shown that Hesiod draws on and reacts to elements of both the didactic and the epic genre, whether to align his poem with or set it up in antithesis to them. At this point I would like to refine my initial assertion that the primary generic impetus behind the Works and Days is that of didactic or wisdom poetry. It has often been argued that genre in the archaic world was something defined by metre, by which line of argument the hexameter in which both the Homeric and Hesiodic poems were composed would have lumped them together. Ford (n.5, at 406) argues that ‘the opposition of epic to didactic is wholly inapplicable to the Archaic period’, and Rosen in the same volume asserts that ‘while Hesiodic poetry was not occupied specifically with heroic themes, it was part of the same formal tradition of epic, sharing with Homer key metrical, dialectal, and dictional features.’32 In my own study I have not tried to separate epic and 32 R. Rosen, ‘Homer and Hesiod’, in I. Morris and B. Powell (edd.), A New Companion to Homer (Leiden, 1997), 463-88, at 463.
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didactic in conceptual terms, but have explored the sophisticated ways in which Hesiod responds to elements of each within one poem. Ford (n.5, at 400) proposes a schema, suggesting that ‘epic and all archaic Greek poems were defined in relation to four major categories: (1) the context of the song, (2) its ‘form’ or the ways it marked its language, (3) its ‘contents’ or themes, and (4) the relations between the poet and the audience.’ I have shown that the Works and Days uses both didactic and heroic forms (2) and themes (3) when they suit Hesiod’s purposes. However, it seems to me that the relationship Hesiod has with his audience (4) sets the Works and Days up as a wisdom poem.33 Hesiod’s own immanent, tangible persona and his explicit instruction of a clearly defined internal audience establish a didactic hierarchy to which an external audience then responds. The difference between Hesiod’s persona and that of the Homeric narrator, as well as the presence of an explicit internal addressee whose character progression suggests a process of teaching and learning as the poem unfolds, suffices to tease out didactic poetry from heroic epic. A balanced way of looking at the issue is that proposed by Beall (n.8, at 5): ‘it may be that the Works and Days is didactic in the same sense that the Iliad is a war story, or the Odyssey a tale of a man’s adventures on his way home.’ This is useful in that it shows how we can blur the genre boundaries, thereby reconciling the distinctly didactic Works and Days with the heroic tradition with which the poet is in dialogue. We might say that metre established one corpus of early hexameter, within which effectively ‘sub’ genres operate, didactic being one of them. Similarly, Ercolani argues that alongside heroic epic exists what he calls ‘un epos sapienziale diretto’: wisdom poetry which, because 33 I will return to the context of the song (1) at the end of this paper.
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of metre, is not entirely separate from heroic poetry but rather is a complementary sub-genre of epos.34 Rosen (n.32, at 464) too suggests that ‘Each [Hesiodic poem] seems to owe its character to distinct poetic sub-genres (‘theogonic’ or ‘didactic-wisdom’ traditions, respectively), appropriate to different occasions.’ Another way of integrating this didactic poem into the epic tradition is the idea of a ‘cosmic history’,35 a narrative continuum stretching from the cosmogonic Theogony through the age of Heroes in the Iliad and Odyssey to the Iron-Age Works and Days. As Haubold (n.16) writes, ‘Various sub-genres, such as theogonic, hymnic and heroic poetry combine to form a larger picture.’ And the part of the picture contributed by the Works and Days is that of the toilsome present in which we are in need of instruction. III My paper does not stop there, because Hesiod doesn’t. He interacts, albeit to a lesser extent, also with other genres, drawing on them when they suit his didactic purpose and using his mastery over them to assert his authority in just about any field. Again, this begins in the proem, where Hesiod establishes a relationship not only with epic, but with hymn. He uses hymnic features, showing expertise in a genre appropriate to a proem: for example δεῦτε (2) is a feature of cletic hymns, which ask the god to ‘come hither’.36 However, he plays with the genre: rather than 34 A. Ercolani, ‘Una rilettura di Esiodo, Opere e giorni. Contributo all’individuazione dell’epos sapienziale greco’, Seminari Romani (2012), 235-52, at 242-3. 35 E.g. Haubold (n.16), Clay (n.3). 36 Cf. C. Calame, ‘Le Proème des Travaux d’Hésiode: Prélude à une poésie d’action’, in F. Blaise, P. Judet de la Combe and P. Rousseau (edd.) Le Métier du mythe: lectures d’Hésiode (Villaneuve d’Ascq, 1996), 169-89, at 174, Rousseau (n.20), at 103-4.
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asking Zeus to rejoice, χαῖρε (the standard closing imperative),37 he asks him to listen, κλῦθι (9),38 just like the rest of his audience. Rather than announcing his intention to praise the god, Hesiod turns to Perses and true things, and just as he encourages Perses et al. to listen and to consider for themselves, so he wants Zeus to listen and judge, taking an analytical role rather than just rejoicing. He uses hymn to establish his didactic method from the outset, initiating it boldly on an Olympian level. At 10 enjambment results in a juxtaposition, τύνη· ἐγώ, Zeus and Hesiod, which is an adaptation of the conventional hymnic farewell formula; often in the Homeric Hymns the singer ends with αὐτὰρ ἐγὼ καὶ σεῖο καὶ ἀλλης μνήσομ’ ἀοιδῆς, promising to sing another song also.39 Although the juxtaposition is clearly emphatic, exactly what it emphasises is debated.40 It seems to me that the thrust of the emphasis is programmatic, setting out the complex division of labour we will find in the poem. Hesiod will tell of Iron-Age rather than Olympian matters, so he distances himself from Zeus; however, in order to establish his didactic credentials he claims to know Zeus’ mind. The juxtaposition, therefore, signifies simultaneously independence and collaboration.
37 For χαῖρε cf. Hom. Hymn 1.20, 3.546, 4.579, 5.292. κλῦθι does appear at Hom. Hymn 8.9, and in the Orphic Hymns. 38 κλῦθι is etymologically linked with κλέος, ‘acoustic renown’ (J. Svenbro, Phrasikleia (Ithaca, 1993)). The hendiadys κλῦθι ἰδὼν ἀΐων τε (noted at ΣOp.9d καὶ τοῦτο διττῶς νοεῖται) emphasises the importance of hearing. 39 Hom. Hymn 2.496, 3.547, 4.580, 6.21, 10.6, 19.49, 28.18, 30.19. For τύνη in this metrical position with the same syllabic emphasis, see Theog.36 τύνη, Μουσάων ἀρχώμεθα. 40 Cf. e.g. L.B. Quaglia Gli “Erga” di Esiodo (Turin, 1973), 27-31, A. Ercolani, Esiodo Opere e Giorni: Introduzione, Traduzione e Commento (Roma, 2010), ad loc.
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Hesiod also adopts the elevated language of omen reading.41 In the first place, the birds are seasonal agricultural markers, just like the stars and other natural phenomena. However, they are described through oracular language such as φράζεσθαι at 448, a verb which often appears in oracles such as that at Herodotus 8.20.2, and σῆμα at 450. In the Days, the reading of bird omens is mentioned even more explicitly, at 801 οἰωνοὺς κρίνας and 828 ὄρνιθας κρίνων. It might seem at first glance that watching out for the annual migrations of birds does not really qualify as ornithomancy, but in using the language of omen reading Hesiod actually does something quite unusual. We might contrast the reading of bird omens in Homer, where there are no seasons in the main narrative, the birds’ flights are erratic rather than migrational, bird calls are not used for interpretation, and a seer is needed. Hesiod takes on the mantle of seer himself, claiming authority even in this field. In fact, so convincing was Hesiod’s authoritative persona that, according to the scholia,42 an entire work entitled the Ornithomanteia at some point was attached to our Works and Days. Hesiod also plays with the language of cult. At 336-41 he prescribes religious norms, and uses the language most relevant to the purpose: he chooses language with not only a poetic but a cultic resonance. He sets himself up as a didactic authority on cult by using the ‘correct’ formulations. The second section of religious 41 Birds in the Works and Days: γεράνου φωνήν (448), σῆμα φέρει (450). 486 ἦμος κόκκυξ κοκκύζει (486), Πανδιονὶς ὦρτο χελιδών (568), κορώνη (679), κρώξει λακέρυζα κορώνη (747). On birds and bird omens in Hesiod see D. Collins, ‘Reading the birds: Oionomanteia in early epic’, ColbyQ 38.1 (2002), 17-41, D. Steiner, ‘Feathers flying: avian poetics in Hesiod, Pindar and Callimachus’, AJPh 128.2 (2007), 177-208. 42 ΣOp.(Pertusi)828a (with hints also at Hesiod fr.312 and 355 Merkelbach/ West).
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maxims, at 724-59, is characterised by even greater obscurity: this is another genre alignment, with Hesiod adopting the opaque language of ritual, and it serves the dual function of setting the poet up as a religious authority and achieving his particular didactic aims of requiring his audience to search for meaning. For example, at 744-5 Hesiod advises ‘Don’t put the ladle on top of the mixing bowl while people are drinking’. Although the punishment for this is clear, spelled out as it is in 745,43 the rationale is less so. Proclus,44 following similar Pythagorean precepts, reads the lines allegorically: not putting the ladle on the mixing bowl represents not putting the individual before the common good. Similarly a scholiast to line 774 explains it as don’t put the worse before the better.45 It has otherwise been interpreted as the host must not hint to guests that the feast is over,46 or linked with superstitions about laying things one across another.47 The obscurity of the maxim defies consensus. This is then followed by a particularly intriguing precept: μηδ᾽ ἐπ᾽ ἀκινήτοισι καθίζειν, οὐ γὰρ ἄμεινον, παῖδα δυωδεκαταῖον, ὅ τ᾽ ἀνέρ᾽ ἀνήνορα ποιεῖ, μηδὲ δυωδεκάμηνον: ἴσον καὶ τοῦτο τέτυκται. Do not sit a 12-day old child on unmoveable things, for it is not better: it makes a man unmanly. Nor a 12-month old child: this has the same result. Works and Days 750-2
43 745 ὀλοὴ γὰρ ἐπ᾽ αὐτῷ μοῖρα τέτυκται – cf. 765 κατὰ μοῖραν. 44 ΣOp.(Pertusi)744-5. 45 ΣOp.(Pertusi)744a. 46 A. Beltrami, Esiodo, le Opere e i Giorni (Messina, 1897), ad loc. 47 E.E. Sikes, ‘Folk-lore in the Works and Days’, CR 7.9 (1893), 389-94, at 391, T.A. Sinclair, Hesiod Works and Days (London, 1932), ad loc.
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It is usually assumed that the ‘unmoveables’ (ἀκινήτοισι) are altars or tombs,48 and that the prohibition concerns the taint of death warned against at 735. In the earlier case the rationale was that a funeral was inauspicious for conception; if we assume the same nexus of ideas here, the oxymoronic warning 751 ἀνέρ᾽ ἀνήνορα ποιεῖ would refer to sexual impotence or infertility. However, in light of Hesiod’s persistent focus on self-sufficiency and the oikos, there may be another explanation. I suggest that the ‘unmoveables’ might, rather, be boundary markers: not to be moved because they demarcate one man’s oikos from another, thus delimiting his sphere of self-sufficiency. An interest in boundaries is common to Near Eastern wisdom literature, for example the Egyptian Instruction of Amen-em-Opet Ch.6 reads ‘Do not carry off the landmark at the boundaries of the arable land, / Nor disturb the position of the measuring-cord’. Furthermore, superstition and ritual surrounding boundaries are international and inter-temporal phenomena: in the classical world we might think of the Hermae or the Roman Terminalia festival. Particularly interesting here is the English ritual of ‘Beating the Bounds’, attested from the 9th century AD on, in which members of a community would walk the boundaries of the parish, and small boys would be bumped against the boundary stones or sat on them with bare bottoms so that they would better remember where they were. Perhaps Hesiod knew of a similar ritual, and specifies ages at which boys should not be subjected to it. That he specifies vulnerable ages, 751 δυωδεκαταῖον and 752 δυωδεκάμηνον, suggests a ritual context, rather than a generally superstitious one, and that there are ages at which boys must not sit on unmoveables implies there are other ages at which they might – perhaps more appropriate to boundary stones than 48 ΣOp.(Pertusi)750-2 ἐπὶ τάφων, 750a ἐπὶ ἀκινήτῳ τάφῳ ἢ βωμῷ.
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tombs or altars. The vulnerable ages of the child, however, are left unexplained. As Graziosi and Haubold write, ‘the language of cult is at once precise and impenetrable’,49 and ‘the number twelve typically expresses a sense of completeness’50 – Hesiod uses formulaic obscurities to give the impression of ritual knowledge and precision, and indeed I included this analysis to show that he may well be tapping into a ritual context of which we now know very little. The result of all this mixing of genres is not, as one might expect, a mess. Rather Hesiod’s careful selection of generic forces creates a composite structure in which everything is directed towards one goal: that of teaching. Teaching about the Iron-Age condition, and how to manage it. Hesiod slots his poem into the long-standing and widespread genre of wisdom poetry, assuming all of the authority with which the tradition is imbued. However, he doesn’t take all of the generic conventions at face value. His brother-to-brother model of teaching is an innovation, chosen specifically to convey the nexus of equality and hierarchy essential to his didactic project. Nor does he restrict himself to one genre. He supplements a wisdom core by appropriating and responding to epic, to hymn, to cult and ritual, if and when it helps him to teach. By alluding to a genre Hesiod implies mastery over it, each reference adding another string to his didactic bow. Ford (n.5, at 403) writes: ‘The professional singers in Homer are masters of ‘singing and dancing’ (Od.1.152) for any occasion...Nevertheless, to infer from this picture that the epic performer in Homer’s time was a jack-of-all-songs may be erroneous. For it seems reasonable to suppose that poets would have had to specialise to produce epics of such length and complexity, and no melic poems were 49 B. Graziosi and J.H. Haubold, Homer Iliad VI (Cambridge, 2010), ad Il.6.134. 50 Graziosi/Haubold (n.49), ad Il.6.93-4.
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ascribed to Homer in Greek tradition.’ I hope to have shown that Hesiod is, in fact, our jack-of-all-songs. He gives the impression of ‘specialising’ in just about every field, thus cementing a reputation as an all-round didactic authority. Furthermore, by subsuming multiple traditions Hesiod suits his poetry for multiple uses, as a multiplicity of sources in turn generates a multiplicity of potential audiences. In Ford’s schema I gave earlier, one of the categories by which archaic poetry can be defined is that of the context of the song, and Rosen differentiates between poetic sub-genres ‘appropriate to different occasions’. Whereas Ercolani (n.34, at 247) argues that, because of its subject matter, the performance context of the Works and Days is necessarily restricted to the village (village festivals, perhaps), I would suggest that in such an open and applicable poem the didactic setting need not dictate performance context to this extent. I hope to have shown that Hesiod transcends the village through his integration of genres, through his assertion of didactic authority on multiple levels. Teach in the language of hymn and you guarantee a spot at a festival. Teach in the language of cult and your own teachings might crop up in a ritual context. Teach in riddles and you invite poetic competition. Teach like a symposiarch and excerpts might come to be read out at a symposion. Teach in the language of epic and you’re speaking in popular currency. As Nagy puts it, ‘the genre, the set of rules that generate a given speech act, can equate itself with the occasion, the context of this speech act. To this extent, the occasion is the genre.’51 By appropriating many genres Hesiod invites many diverse performance contexts, and with each performance of the poem or an excerpt, its genre is redefined. 51 G. Nagy ‘Genre and Occasion’, Mètis. Anthropologie des mondes grecs anciens, vol. 9-10 (1994), 11-25, at 13.
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The animal fable and Greek iambus: ainoi and half-ainoi in Archilochus
Laura Swift The Open University
Animal fable is often discussed as a genre in its own right, associated with moralising, criticism, and popular ideology.1 Yet 1 For theoretical discussions of ancient fable, cf. e.g. M. Nøjgaard, La fable antique, I: la fable grecque avant Phèdre (Copenhagen, 1964); F. R. Adrados, Historia de la fábula greco-latina, I: Introducción y de los orígines a la edad helenística (Madrid, 1979); S. Jedrkiewicz, Sapere e paradosso nell’antichità (Rome, 1989); N. Holzberg, Die antike Fabel: eine Einführung (Darmstadt, 1993), and for an overview of modern approaches to fable see G. J. van Dijk, Ainoi, Logoi, Mythoi. Fables in Archaic, Classical, and Hellenistic Greek literature, with a Study of the Theory and Terminology of the Genre (Leiden, 1997), 3-15.
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any instantiation of a fable in a literary text intersects with the conventions of the host-genre. While fable is found in various ancient genres, it has a particular association with Greek iambus, and Hellenistic and Roman imitators of archaic iambus turn regularly to fable when they want to evoke what is distinctive about the form.2 Discussions of animal fable in iambus tend to focus on the fully-fledged fable narratives, and so underestimate both the amount of animal fable in iambic poetry, and the sophistication with which poets rework the fable genre. Moreover, when we examine poetic adaptations of well-known fables, we find that the poets do not simply tell the story, but play upon the generic conventions of fable in order to draw attention to their own skill and to shed light on the situation which prompts the telling of an ainos. While fable is found in many archaic poets, it is Archilochus who makes the densest use of it, and the fame of his fables are likely to have been an important factor in the later identification of animal fable as a feature of iambus. 3 An examination of Archilochus’ use of animal fable reveals how rich his use of the device is. Archilochus rarely narrates a fable in straightforward manner, but rather plays with the conventions governing fable as a narratological device, building on his audience’s awareness of these conventions and their role in moralising poetry. While Archilochus is most famous for his telling of full-blown fables (in 2 For full-blown fable narratives cf. Archil. frr. 172-81, 185-7, possibly 237 W. Sem. frr. 9, 13 W, and the animal women in fr. 7 W also draw on the fable tradition. For later usages of fable cf. Callim. Iamb. 2, 4, Horace Satires 2, 6. This list is conservative and does not take into account the many allusions to animal narratives and half-ainoi which draw on animal fable as their basis. As I argue below, we should treat these too as poetic play on the fable genre. 3 For a detailed study of animal imagery in Archilochus’ poetry, see P. da Cunha Corrêa, Um bestiário arcaico: fábulas e imagens de animais na poesia de Arquíloco (São Paulo, 2010).
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particular that of the Fox and the Eagle), on analysis he makes at least as much use of a technique I will term ‘half-ainoi’, where a fable is alluded to in a compressed manner, which requires the listener to recognise the story and unpack its message. This article will examine two of the most challenging of these half-ainoi (frr. 23, 196a W), and show how animal imagery is used to complicate and enrich the apparent ‘message’ of the poems. The second part of the article will then examine the celebrated Fox and Eagle Epode (frr. 172-81 W), and show how even in a clear fable narrative, Archilochus muddies the waters by commenting on and undermining his own use of animals as a moralising device. Similarly, in the Fox and Ape Epode (frr. 185-7 W), although much less of it survives, we can see a similar self-consciousness in the way fable is used to convey ethical lessons. As we shall see, Archilochus’ use of fables assumes familiarity on the part of his audience not only with the stories, but with the conventions of fable as a didactic device. While a traditional fable (for example of the type preserved for us in the Aesopic collection) is complete in itself, containing all the information the listener needs to understand its point, Archilochus frequently alludes to fables which are not told in full, or where the conventional moral seems to be at odds with the immediate context. Thus Archilochus expects his audience to engage actively with his use of fable-derived animal imagery, and to reflect upon how the animals are used, and how valid the moral lessons of the traditional fable in fact are. The angry ant and the lady-warrior (fr. 23 W) The interpretation of fr. 23 W has long caused bafflement among scholars, for what survives on the papyrus which preserves it appears to be a series of logical leaps, whose interpretation is
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made harder by the lacunose state of the text. It has been disputed exactly how many poems are contained in this column (printed by West as frr. 23, 24, 25). The first section of papyrus contains a clear division at line 40, where the line of text is too short to be a trimeter and so must be a heading to introduce a new poem (fr. 25 W). It is less certain whether a break is marked in the preceding 39 lines, but the majority of scholars have followed the lead of the editio prima in taking these to be two separate poems (frr. 23 and 24).4 It therefore seems most likely that we have the final section of a poem, which begins for us with a direct speech addressed to a woman:5 ]. .[
]. . . .[ ] . [. . ] . [ ]. . .[ ] . [ . . ] . [ . . . ] . [ . . ] ν[ ]. . . . .[ . . ] . .[ . .]. . . . . . . ..γει̣[ ]. . . . .[ . .]. . . . . . . γ̣ὰ̣ρ̣ ἐρ̣γματ̣[ (5) ].[ ] . [. .] . . . . [ . . . ] . . . . . . . . . . .βε̣ω [ ].[]ρ̣.β̣α̣.........δ̣’ ἐ̣γ̣ὠ̣ν̣τ̣α̣μειβόμ[ην “γ̣ύνα[ι], φάτιν μὲν τὴν π̣ρ̣ὸς ἀνθρώπω̣[ν κακὴν μὴ τετραμήνηις μηδ̣έν· ἀμφὶ δ’ εὐφ̣[ρόνηι 4 Cf. E. Lobel, ‘2310. Archilochus, Iambic Trimeters’, The Oxyrhynchus Papyri 22 (1954), 3-11. For further arguments that frr. 23 and 24 W should be interpreted as separate poems, see W. Peek, ‘Die Archilochos-Gedichte von Oxyrhynchos’, Philologus 99 (1955), 193-219 at 197; H. J. Mette, ‘Zu Archilochos Pap. Ox. 2310 fr. 1 col. 1’, Hermes 88 (1960), 493-4; M. L. West, Studies in Greek Elegy and Iambus (Berlin, 1974), 122. 5 The text printed throughout is based on IEG2, and I note differences from it in the footnotes. On this fragment I print Slings’ supplement κακο̣[ῦν ἅτε for line 15 and supplements by Peek and Lobel on line 17. For defence of these conjectures, see S. R. Slings, ‘Archilochus and the Ant’, ZPE 45 (1982), 69-70; S. R. Slings, ‘Once More Archilochus and the Ant’, ZPE 53 (1983), 31-6; S. R. Slings, ‘For the Third Time: Archilochus and the Ant’, Eikasmos 3 (1992), 3-17 on line 15; Lobel (n.4) and Peek (1955) on line 17. All translations are mine.
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ἐμοὶ μελήσει· [θ]υμὸν ἵλ[α]ον τίθεο. [ (10) ἐς τοῦτο δή τοι τῆς ἀνολβίης δοκ[έω ἥ̣κειν; ἀνήρ τοι δειλὸς ἆρ̣’ ἐφαινόμην[, οὐ]δ’ οἷός εἰμ’ ἐγὼ [ο]ὗτος οὐδ’ οἵων ἄπο. [ ἐπ]ίστα̣μαί τοι τὸν φιλ[έο]ν̣[τα] μὲν φ[ι]λ̣εῖν̣[, τὸ]ν̣ δ̣’ ἐχθρὸν ἐχθ̣αί̣ρ̣ειν̣ τ̣ε̣ [κα]ὶ κακο̣[ῦν ἅτε (15) μύ]ρμηξ. λόγωι ν̣υν τ[ῶιδ’ ἀλη]θείη πάρ[α. πό]λιν δὲ ταύτη̣[ν ἥν σ]υ̣ [νῦν ἐ]πιστρέ[φεα]ι̣[ οὔ]τ̣οι ποτ’ ἄνδρες ἐξε̣[πόρθη]σαν, σὺ δ̣[ὲ ν]ῦ̣ν εἷλες αἰχμῆι κα̣[ὶ μέγ’ ἐ]ξήρ(ω) κ̣[λ]έος. κείνης ἄνασσε κα̣ὶ̣ τ̣[υραν]ν̣ίην ἔχε̣· (20) π̣[ο]λ̣[λοῖ]σ̣[ί θ]η[ν ζ]η̣λ̣ωτὸς ἀ[νθρ]ώ̣πων ἔσεα̣ι.” ⊗
... for deeds ... and I replied “Lady, do not be afraid of the evil rumours that people spread. I will have a care for (the night?) – make your heart glad (or let your heart be glad overnight – that will be my concern). Do I seem to you to have reached such a level of misfortune? So I seem to you to be a cowardly man, not the sort of person I am nor born from those ancestors I have. Indeed, I know how to love my friend and hate and attack my enemy, like an ant. There is truth, then, in this statement. But the city you now move about in is one which men have never sacked, but you have now captured it with the spear and you have won great glory. Rule it and hold sovereignity: in truth many people will envy you.”
The first part of the speech poses no particular interpretative problems: the man responds to anxieties the woman has previously expressed (8-10) and defends his own character as someone who knows how to help his friends and harm his enemies (11-16). This standard Greek moral, however, is explained by comparing
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himself to an ant (15-16): a statement which seems abrupt and which is unexplained in the text. The second part is still more confusing, for the man appears to compliment his addressee for having conquered a city (17-21). Scholars have therefore puzzled over how to understand what survives as a coherent whole, and have resorted at times to radical solutions. Thus, for example, several critics have attempted to remove the startling reference to the ant by understanding Murmex as a name or nickname.6 Similarly, to avoid finding a suitable context for a man to describe a woman as a city-sacker, scholars have suggested that the direct speech ends before this point.7 Yet as well as being an unnatural way to interpret the text, these interpretations create new problems. There are good reasons to take the metaphor of the ant seriously, for Archilochus’ practice elsewhere is to use realistic names (even if they have significant meanings), and so Murmex would raise the question of why he uses what appears to be a nickname with no explanation. Moreover, the comparison with an ant is in line with Archilochus’ interest in the animal fable tradition, and so our first thought ought to be to deal with the metaphor of the ant constructively and see what its poetic function may be here. Secondly, even with the use of the proper name, ending the speech at 14 would be a very harsh transition, for since the speaker continues to narrate in the first person, and to address a second party, it is hard to see how the audience could 6 Originally suggested by Peek (n. 4) 200, and cf. also G. Schiassi, ‘De novo Archilocho’, RFIC 85 (1957), 151-66 at 158; Mette (n.4) 494; W. Steffen, ‘Die neuen Iambengedichte des Archilochos. Zum Pap. Oxy. 2310, Fr. 1, Kol. 1.’, in Proceedings of the IXth International Congress of Papyrology 1961), 18-29 at 20. 7 Cf. Peek (n.4); F. Lasserre, ‘Un nouveau poème d’Archiloque’, MH 13 (1956), 226-35 at 230-2; H. Rankin, ‘Archilochus (Pap. Ox. 2310 Fr. 1, col. 1)’, Eranos 72 (1974), 1-15.
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be expected to understand that the speech is meant to end, or that the ‘you’ of the second part of the poem should refer to a different person from the ‘you’ of the previous lines. A transition of this kind would furthermore be out of keeping with what we know of Archilochus’ practice elsewhere in dealing with the beginning and ending of speeches (cf. on line 7, and also fr. 196a.9 W below).8 If a real ant is meant, we must then explain what message it conveys. The ant is presumably meant as the embodiment of the principle of ‘helping friends and harming enemies’ expressed in lines 14-15. Ants are notable for their social behaviour, while anyone who has accidentally sat on an ants’ nest is aware that they also have a painful bite.9 The ant is also proverbial for its wisdom, and so when the speaker compares himself to an ant, he offers reassurance that he will be able to apply the morality properly, and distinguish between friends and enemies.10 The Aesopic tradition preserves a fable of the ant and the dove (235 P), which brings out the idea that ants can be simultaneously helpful and dangerous:11 8 Cf. J. Strauss Clay, ‘Archilochus and Gyges: An Interpretation of Fr. 23 West’, QUCC 24 (1986), 7-17 at 10. Some parallels for an unmarked change of speaker can be found in archaic poetry: the closest example is Hipponax fr. 25 W, where a woman and a man abuse each other in turn, while an equally sudden shift is found in Sappho fr. 1.18, where the narrative changes in mid-sentence from reported to direct speech. However, both these examples offer the audience more contextual information with which to understand the change of speaker and so are of limited use as parallels here. 9 On the kindness of ants within their colony cf. Theoc. 9.31, Dio Chrysotom 40.32, and see W. Morel, ‘Die Ameise bei Archilochos’, ZPE 8 (1971), 143-4. 10 Cf. Hes. WD 778, where the ant is glossed as ἴδρις; Hor. Sat. 1.1.33-8; Virgil. Georg. 1.186. On the Hesiodic passage, L. G. Canevaro, ‘The Clash of the Sexes in Hesiod’s Works and Days’, G&R 60 (2013), 185-202 at 200-1 sees the ant as a gendered marker, representing male agricultural activity in comparison with the weaving spider in the previous line. If so, the imagery may also form part of the negotiation of the gendered power-dynamic I discuss below. 11 Cf. J. C. Kamerbeek, ‘Archilochea’, Mnemosyne 14 (1961), 1-15 at 12.
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μύρμηξ διψήσας κατελθὼν εἴς τινα πηγὴν βουλόμενος πιεῖν ἀπεπνίγετο. περιστερὰ δὲ ἐν τῶι παρεστηκότι δένδρωι κλάσασα φύλλον ἔβαλε, δι’ οὗ ἐπιβὰς ὁ μύρμηξ ἐσώθη. ἰξευτὴς δέ τις παραστὰς καὶ συνθεὶς τοὺς καλάμους τὴν περιστερὰν λαβεῖν ἤθελεν. ὁ δὲ μύρμηξ ἔδακεν εἰς τὸν πόδα τοῦ ἰξευτοῦ· ὁ δὲ σείσας τοὺς καλάμους ἐποίησε τὴν περιστερὰν φυγεῖν. ὁ μῦθος δηλοῖ, ὅτι καὶ ὑπ’ ἀσθενῶν ἐστί τις εὔκαιρος βοήθεια. An ant was thirsty and went to a stream wishing to get a drink, but it began to drown. A dove broke off a leaf from a nearby tree and threw it in, and the ant climbed onto it and was saved. A hunter was standing by and wanted to catch the dove by weaving together reeds. But the ant bit the hunter on the foot, and he shook the reeds and caused the dove to escape. The fable shows that timely help can come even from the weak.
Yet the image of the ant encourages us to make two observations. First, it is striking that Archilochus gives his audience no explanation or context for the image: even without a full fable narrative, we might expect something rather fuller, along the lines of “I know how to love my friends and hurt my enemies, just like an ant, who is kind to his kin but can bite hard if you anger him”. Even if these characteristics of the ant are true, and known to be true by a Greek audience, the image still does not map directly onto a famous fable or proverbial expression. Instead, the poet requires his audience to grapple with the image of the ant, and to reach an explanation themselves as to why it should be relevant to the situation here. This is in fact a distinctive feature of Archilochus’ half-ainoi, and is an inversion of the usual function of the ainos as a narrative device. The purpose of a fable is to offer us easily identifiable characteristics through animal
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figures, which can be mapped straightforwardly back onto the real human world (as in the clear morals given at the end of fables in the Aesopic collection). Here, by contrast, Archilochus plays with this function of the ainos: instead of being an easy moral lesson, it becomes something that requires active thought and ethical engagement. The second surprising feature of the ant is that it is an oddly humble analogue for this self-assertive male to choose. In the preceding lines, the speaker has presented himself in confident and active terms, stressing the fortitude of his character (οὐ]δ’ οἷός εἰμ’ ἐγώ, 13) and the nobility of his birth (οὐδ’ οἵων ἄπο, 13), and vigorously challenging any assumptions of cowardice (11-12). His behaviour towards the woman is protective, and he depicts himself as a dynamic man who can deal with any possible negative consequences to his actions (8-10). Conversely, we might note that the moral drawn from the Aesopic fable is rather patronising towards the ant: the point of the story is that even the weakest of creatures have some power (καὶ ὑπ’ ἀσθενῶν ἐστί τις εὔκαιρος βοήθεια). The scholiast to Aristophanes’ Birds 82 refers to a similar proverb, which uses the ant as an image of something which has a small ability to harm despite its obvious weakness (καὶ ἡ παροιμία “ἔνεστι κἀν μύρμηκι κἀν σέρφῳ χολή”, ‘And there is a proverb: “there’s bile even in an ant or a gnat”’). If, then, the ant conjures up the idea of a humble, small, and apparently insignificant speaker, why does this confident and aristocratic man choose it identify himself with it, rather than using a more masculine or aggressive image? I would suggest that the answer lies in the final lines of the poem, and that the image of the ant works in conjunction with the martial imagery there to characterise the speaker’s rhetorical strategy. Several scholars have taken these lines to be
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erotic in nature and suggest that they draw on the imagery of city-sacking to represent sexual conquest.12 This is the most attractive interpretation, partly because of the difficulty of finding a plausible scenario for a real female city-sacker, but also because the structure of the poem resembles that of the Cologne Epode, and hence of the seduction scene.13 The difficulty with this approach is that it is oddly feminine vocabulary for a male speaker to use: it is common to compare the sexual violation of a woman to the capture of a city, but surprising to find the city likened to a male body.14 We get rather further, however, if we treat the inversion of the sexual metaphor in 17-21 as a deliberate poetic strategy rather than an interpretative obstacle.15 Archilochus makes his male 12 Cf. F. R. Adrados, ‘Sobre algunos papiros de Arquiloco’, PP 11 (1956), 38-48 at 40-1; West (n. 4), 118-20. For interpretations which do posit a real female warrior, see 9-15; Kamerbeek (n. 11), 29; S. R. Slings, Some Recently Found Greek Poems, Text and Commentary by J. M. Bremer, A. Maria van Erp Taalman Kip, S. R. Slings (Leiden, 1987), 6; W. Luppe, ‘Ἀμφι εὐφρόνην und Weiteres zu dem Archilochos-Papyrusfragment P. Oxy. XXII 2310, fr. 1’, APF 41 (1995), 20-23 at 21. The most imaginative of the attempts which takes the imagery as non-metaphorical is Strauss Clay (n. 8), who takes the conversation to be between Gyges and the wife of Candaules. 13 For the structure of the seduction scene as a stock-scene, see N. Forsyth, ‘The Allurement Scene: A Typical pattern in Greek Oral Epic’, ClAnt. 12 (1979), 107-20; C. A. Sowa, Traditional Themes and the Homeric Hymns (Chicago, 1984), 68-72; R. Janko, ed., The Iliad: A Commentary. Vol IV: Books 13-16 (Cambridge, 1992), 170-1. 14 Cf. Strauss Clay (n. 8). E. Bowie, ‘Sex and Politics in Archilochus’ Poetry’, in D. Katsonopoulou, I. Petropoulos and S. Katsarou (edd.), Archilochus and his Age: Proceedings of the Second International Conference on the Archaeology of Paros and the Cyclades (Athens, 2008), 133-43 at 139 suggests (presumably for this reason) that these lines are spoken by the woman rather than the man, but the lack of any signposting for a change of speaker is a major obstacle to this interpretation. The locus classicus for the likening of female sexuality to a city is Il. 22.468-72, where Andromache’s torn headdress represents both her own imminent violation and the sack of Troy. 15 P. Crowther, ‘Literary Metaphor and Philosophical Insight : The Significance of Archilochus’, in G. R. Boys-Stones (ed.), Metaphor, Allegory, and the Classical Tradition: Ancient Thought and Modern Revisions (Oxford, 2003),
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speaker present himself as feminised, and the gendered nature of city-sacking is a device to highlight his playful overturning of the normal codes. The speaker sets up his female addressee in ultra-masculine mode: she is presented as both a soldier winning martial glory in hand-to-hand combat (19) and as a political leader (20), the two primary facets of male public identity. Indeed, the addressee outstrips contemporary males in both of these spheres: as a warrior she can conquer a whole city alone, and her kleos therefore echoes the greatest feats of epic heroes; in the political arena she has won absolute power (τ̣[υραν]ν̣ίην, 20), while the verb ἄνασσε (20) evokes the might and authority of Homeric kings. A further clue that the poem plays on gender norms is found in line 18-19, which contrasts the failure of men to sack the city (οὔ]τ̣οι ποτ’ ἄνδρες ἐξε̣[πόρθη]σαν) with the achievements of the addressee (σὺ δ̣[ὲ |ν]ῦ̣ν). The force of ἄνδρες is lost if we imagine the ‘you’ to be a male; rather the point of the contrast implicit in δ̣[ὲ |ν]ῦ̣ν is the idea that a woman is succeeding where men have failed.16 If the woman demonstrates masculine power, it follows that the male is feminised in relation to her.17 Once we break free of the idea that any ‘I’ in Archilochus must be taken autobiographically, it ceases to be problematic for the narrator to present himself in terms which call his masculine prowess into question, for this may be part of the poem’s frisson. Thus Archilochus derives tension from the contrast between the speaker’s self-presentation as helpless before the woman’s superior power, and the audience’s awareness of his intentions as a prospective seducer. Hence the 83-100 at 96; J. Heirman, Space in Archaic Greek Lyric: City, Countryside and Sea (Amsterdam, 2012), 69. 16 Cf. West (n. 4), 119. 17 A common trope: cf. Aesch. Ag. 1224, 1625; Soph. Ant. 484-5.
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power dynamic is more subtle than it seems, for the narrator’s flattery is an attempt to downplay the danger he in fact poses to the woman by reversing their roles and casting himself in the light of the ravished victim. Here too Archilochus alludes to a traditional motif, for many epic seduction scenes involve power play and deceit, where the females involved have more control over the situation than they care to admit.18 The image of the ant is best understood as being part of this strategy of self-deprecation, for it allows the speaker to make the transition between his two major points: first that he is loyal, and can be trusted to protect the woman’s interests and punish those who harm her; secondly, that he does not pose a threat to her and that she holds the balance of power. On analysis, the choice of animals which embody social weakness is a distinctive feature of Archilochus’ use of imagery derived from animal fable, for he regularly identifies himself with a creature which is insignificant, or which is vulnerable compared to the other beasts in the story.19 Yet the choice of the ant also draws our attention to the rhetorical function of the image, coming as it does within a direct speech meant to persuade its addressee. The purpose of the animal fable is to offer a straightforward message by likening human relationships or traits to animal characters, and the explicit morals we find at the end of fables transmitted through the Aesopic tradition encourage the audience to accept the story at face value and to understand it as a detached and neutral piece of wisdom. In Archilochus, however, the compressed nature of 18 Cf. Sowa (n. 13), 87. In both the Dios Apate and HHAph the female is in fact the seducer but plays the role of hesitant love-object and allows the male to believe he has the power. 19 The fox who cannot take revenge against the eagle (frr. 172-81); the fox faced with the monkey who is king of the beasts (frr. 185-7); the cicada (fr. 223); (probably) the hedgehog (fr. 201).
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the ant image instead presents it as something challenging, which requires active participation and must be connected to the context to be understood. Thus, rather than using the ainos to provide an easy moralising answer, Archilochus uses it to complicate and enrich, while also reminding the audience that fables, like any other rhetorical strategy, must be viewed in the context of the motivations of those who use them. The hasty bitch A similar technique is found in the First Cologne Epode (fr. 196a W), where the poet uses half-ainoi to characterise his narrator and hint at his underlying motivations:20 πάμπαν ἀποσχόμενος· ἶσον δὲ τολ̣μ̣[ εἰ̣ δ’ ὦν ἐπείγεαι καί σε θυμὸς ἰθύει, ἔστιν ἐν ἡμετέρου ἣ νῦν μέγ’ ἱμείρε̣[ι (5) καλὴ τέρεινα παρθένος· δοκέω δέ μι[ν εἶδος ἄμωμον ἔχειν· τὴν δὴ σὺ ποίη[σαι φίλην.” τοσαῦτ’ ἐφώνει· τὴν δ’ ἐγὠντανταμει[βόμην· “Ἀμφιμεδοῦς θύγατερ (10) ἐσθλῆς τε καὶ [ γυναικός, ἣν̣ νῦν γῆ κατ’ εὐρώεσσ’ ἔ[χει, τ]έρψιές εἰσι θεῆς πολλαὶ νέοισιν ἀνδ[ράσιν 20 The text is that of IEG 2 except that I print Merkelbach’s conjecture λευκ]όν for line 52 (originally proposed in R. Merkelbach and M. L. West, ‘Ein Archilochos-Papyrus’, ZPE 14 (1974), 97-113), which is based on the recurrence of the phrase at AP 5.55.7; for a defence of the conjecture see E. Degani, ‘Il nuovo Archiloco’, A&R 19 (1974), 113-28 at 121; Slings (n. 12), 49-50.
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π̣αρὲξ τὸ θεῖον χρῆμα· τῶν τ̣ι̣ς ἀρκέσε[ι. (15) τ]αῦτα δ’ ἐπ’ ἡσυχίης εὖτ’ ἂν μελανθη[ ἐ]γώ τε καὶ σὺ σὺν θεῶι βουλεύσομεν̣· π]είσομαι ὥς με κέλεαι· πολλόν μ’ ε[ (20) θρ]ιγκοῦ δ’ ἔνερθε καὶ πυλέων ὑποφ̣[ μ]ή τι μέγαιρε φίλη· σχήσω γὰρ ἐς π̣ο̣η[φόρους κ]ή̣πους. τὸ δὴ νῦν γνῶθι· Νεοβού̣λη[ν ἄ]λλος ἀνὴρ ἐχέτω· (25) αἰαῖ πέπειρα δι̣ς̣ ˻ τόση, ἄν]θος δ’ ἀπερρύηκε παρθενήιον κ]α̣ὶ χάρις ἣ πρὶν ἐπῆν· κόρον γὰρ οὐκ̣[ ..]ης δὲ μέτρ’ ἔφηνε μαινόλ̣ι̣ς̣ γ̣υνή· (30) ἐς] κόρακας ἄπεχε· μὴ τοῦτ’ ἐ̣φ̣ο̣ῖ̣τ̣’ α̣ν̣[ ὅ]π̣ως ἐγὼ γυναῖκα τ[ο]ι̣αύτην ἔχων γεί]τοσι χάρμ’ ἔσομαι· πολλὸν σὲ βούλο̣[μαι πάρος· (35) σὺ] μ̣ὲν γὰρ οὔτ’ ἄπιστος οὔτε διπλ̣ό̣η, ἡ δ]ὲ̣ μάλ’ ὀξυτέρη, πολλοὺς δὲ ποιεῖτα[ι φίλους. δέ]δ̣οιχ’ ὅπως μὴ τυφλὰ κἀλιτήμερα σπ]ο̣υδῆι ἐπειγόμενος (40) τὼς ὥσπερ ἡ κ[ύων τέκω.” τοσ]αῦτ’ ἐφώνεον· παρθένον δ’ ἐν ἄνθε[σιν τηλ]εθάεσσι λαβὼν ἔκλινα, μαλθακῆι δ̣[έ μιν χλαί]νηι καλύψας, αὐχέν’ ἀγκάληις ἔχω[ν, (45)
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. . .]μ̣ατι παυ̣[σ]α̣μ̣έ̣ν̣ην τὼς ὥστε νέβρ̣[ μαζ]ῶν τε χ̣ερσὶν ἠπίως ἐφηψάμη̣ν . . .]]ρ̣έφην̣ε̣ νέον ἥβης ἐπήλυ̣σις χρόα̣ (50) ἅπαν τ]ε̣ σῶμ̣α καλὸν ἀμφαφώμενος λευκ]ὸν ἀφῆκα μένος ξανθῆς ἐπιψαύ[ων τριχός. “abstaining completely, and bring yourself (?). But if you are in haste and your spirit urges you on, in our house there is a maiden, lovely and tender, who greatly desires ... I think she has a faultless figure. Make her your [girlfriend].” So she spoke, and I replied to her: “Daughter of Amphimedo, that good and ... lady whom the mouldering earth now h[olds], there are many pleasures of the goddess for young men besides the divine thing: let one of them suffice. But you and I will discuss these things at leisure when ... grows dark. I shall do as you ask me. Much ... beneath the coping stone and ... the gates .... Do not begrudge me, my dear: I shall steer my course for (?) the grassy gardens. But be sure of this: let some other man have Neoboule. Goodness, she’s overripe, twice your age; her maidenly flower has dropped off, and the charm she had before. She couldn’t get enough (?) ... that crazed woman has shown the measure of her ... To hell with her! Let (no one ask this)? ... that I should have a woman like that and be a laughing-stock to my [neigh]bours. I much prefer you: [you] are not unreliable or two-faced, but [she] is painful and makes many [men her friends]. I am afraid lest, pressing on in haste [I may beget] blind and premature offspring like the b[itch].” So I spoke. And I
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took the girl and laid her down in the blossoming flowers, and covered her with a soft [cloak], cradling her neck in my arm, as she ceased [trembling in fear?], just like a fawn. I gently took hold of her breasts in my hands, [just where?] the young flesh became visible, the bewitchment of her youth, and caressing [all] her lovely body I let go my [white] might, just touching blonde [hair].
The poem describes an encounter between a man and girl in a rural location, and the section we have is comprised of the final lines of the girl’s speech (1-8), in which she rejects the man’s attempts to seduce her and suggests he have sex with another girl instead, the man’s reply (10-41), in which he rebuts her offer of a substitute (who is now revealed to be Neoboule) and proposes some form of compromise, and finally a description of erotic activity between the couple (42-53).21 The climax of the man’s 21 The details are much disputed, and scholars have devoted an extraordinary amount of energy to debating exactly what form of sex act is involved (full sex, J. Henderson, ‘The Cologne Epode and the Conventions of Early Greek Erotic Poetry’, Arethusa 9 (1976), 159-79; A. Casanova, ‘Un’interpretazione del nuovo Archiloco’, Prometheus 2 (1976), 18-40; coitus interruptus: M. L. West, ‘Archilochus Ludens. Epilogue of the Other Editor’, ZPE 16 (1975), 217-19; M. Marcovich, ‘A New Poem of Archilochus. P. Colon. inv. 7511’, GRBS 16 (1975), 5-14, and for various other suggestions see J. van Sickle, ‘The New Erotic Fragment of Archilochus’, QUCC 20 (1975), 125-56; W. M. Calder, ‘Archilochus, the Cologne Erotic Fragment. A Note’, CJ 75 (1979), 42-3; J. Latacz, ‘« Freuden der Göttin gibt’s ja für junge Männer mehrere... » : zur Kölner Epode des Archilochos (Fr. 196a W.)’, MH 49 (1992), 3-12; C. C. Eckerman, ‘Teasing and Pleasing in Archilochus’ First Cologne epode’, ZPE 179 (2011), 11-19. Fortunately, this problem need not concern us here, though my own position is that the poet leaves the details deliberately unclear, in order to titillate the audience and promote erotically charged discussion: see L. A. Swift, ‘Poetics and precedents in Archilochus’ erotic imagery’, in C. Carey and L. A. Swift (edd.), Greek Iambus and Elegy: New Approaches (Oxford, forthcoming); L. A. Swift, ‘Negotiating Seduction: Archilochus’ Cologne Epode and the Transformation of epic’, Philol. (forthcoming).
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speech is his comparison of his potential children with Neoboule to the ‘blind and premature offspring’ begot by the bitch (39-41), and scholars have long explained this as based on the Greek proverb ‘hasty bitch, blind puppies’, an equivalent to the English ‘more haste, less speed’.22 As with the ant, the moral of the hasty bitch finds a fuller expression in a fable, in which it is explained that the bitch boasts about her maternal capacities but fails to understand what it means to be a successful mother (223 P): ὗς καὶ κύων περὶ εὐτοκίας ἤριζον. τῆς δὲ κυνὸς εἰπούσης, ὅτι μόνη τῶν τετραπόδων ταχέως ἀποκύει, ἡ ὗς ὑποτυχοῦσα ἔφη· “ἀλλ’ ὅταν τοῦτο λέγῃς, γίνωσκε, ὅτι τυφλὰ τίκτεις”. ὁ λόγος δηλοῖ, ὅτι οὐκ ἐν τῷ τάχει τὰ πράγματα, ἀλλ’ ἐν τῇ τελειότητι κρίνεται. A sow and a bitch were arguing about who gave birth most easily. When the bitch said she was the only four-footed animal to give birth quickly, the sow replied: “But when you say this, bear in mind that you give birth to blind babies.” The fable shows that things should not be judged by their speed, but by their result.
At first glance, then, the male speaker’s allusion to the proverb in the poem seems clear: he reminds us of the fable of the bitch to emphasise that one should not rush into ill-conceived action (σπ]ο̣υδῆι ἐπειγόμενος, 40). As in the rest of his speech, he responds directly to the girl’s arguments, for he rebuts her earlier suggestion that he may be in too much haste to control his lust (εἰ̣ δ’ ὦν ἐπείγεαι, 3). While he rejects the idea of hasty 22 Cf. Schol. Ar. Peace 1079 = Makar. V.32 (Paroem. Gr. II.181). For similar proverbs in Akkadian literature, see B. Alster, ‘An Akkadian and a Greek Proverb’, Die Welt des Orients 10 (1979), 1-5; J. Bremmer, ‘An Akkadian Hasty Bitch and the New Archilochus’, ZPE 39 (1980), 28.
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sex with Neoboule, he hints instead that some other solution may be found if impulsiveness is replaced with calm consideration (ἐπ’ ἡσυχίης ... βουλεύσομεν̣, 16-18). As with the ant in fr. 23, the fable is not told in full, but alluded to in a way that requires the listener to decode the reference, and once again the narrator applies it to himself to characterise his own situation, albeit here in a hypothetical context. Like the ant, the fable is not only highly compressed, but also startling; in this case because the male speaker applies a proverb about child-bearing to himself, and so represents himself as a pregnant female. Here too the animal fable is used as a way of characterising the relationship between the human agents: the implication is that a relationship with the promiscuous Neoboule would emasculate a man. Yet the animal imagery also serves a further rhetorical purpose, for although the moral of the fable purportedly applies to the speaker himself (ἐπειγόμενος, 40; [τέκω, 41), since he has just been talking about Neoboule’s behaviour, we are invited to transfer the image of the bitch onto Neoboule herself, who like the bitch has no self-restraint.23 Thus, what at first seems like a conventional proverb in fact forms another attack on Neoboule’s desirability and ties in with the poem’s invective function.24 If Neoboule is presented as a bitch, her children are blind puppies. The image of the blind and premature babies is a disturbing one, and suggests that Neoboule is an unnatural woman incapable of fulfilling her proper function of childbirth; moreover, a premature birth may raise questions about the child’s true paternity and so reminds us 23 Cf. A. P. Burnett, Three Archaic poets: Archilochus, Alcaeus, Sappho (London, 1983), 93. 24 For κύων as an abusive term for promiscuous and disagreeable women, cf. Il. 6.344, 356, where Helen implicitly uses it to criticise her sexual folly, and Sem. fr. 7.13 W; see also Corrêa (n. 3), 400-2 on the traditional associations of bitches with shamelessness, promiscuity, and bad temper.
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once more of Neoboule’s untrustworthiness (cf. 36-9).25 If the ‘like mother, like child’ motif is used to defame Neoboule, it is used in a positive light with reference to the other girl, where the praise of her virtuous mother Amphimedo (10-12) acts as implicit flattery of her own character. The image of Neoboule as the hasty bitch is echoed and inverted when the other girl is described as a fawn (ὥστε νέβρ̣[, 47), for the fawn represents tenderness and timidity, in contrast to the bitch’s characteristics of haste, boldness, and bad temper.26 In both fr. 23 and fr. 196a, then, Archilochus uses half-ainoi and veiled references to the fable tradition to give his use of animal imagery depth and subtlety. In both cases the animal image refers to a fable or proverb, yet turns out to mean something more complex than would at first appear. Both animals are used to characterise the speaker himself, yet they also escape from the boundaries of the fable, since to understand the reasons for the choice of animal, its associations must be applied outside the remit of the direct analogy made within the speech. Thus the apparent oddity of the man comparing himself to an ant turns out to be part of his persuasive strategy, as it plays a crucial role in his construction of the power dynamics between himself and the woman. Similarly the pregnant bitch is not simply a tried and tested moral for self-control, but also forms part of the abuse of Neoboule through which the speaker attempts to seduce the other girl. Whereas the fable tradition conventionally uses its animal protagonists to offer simple and reliable morals, here Archilochus 25 Cf. A. Aloni, Lirici greci. Poeti giambici (Milan, 1993), 119. 26 For fawns representing fearfulness cf. Il. 4.243, 21.29, 22.1, and Corrêa (n. 3), 405-7; for the erotic appeal of such timidity cf. Anacr. fr. 408 PMG. For the fawn as an image of an attractive young girl, cf. Bacch. 13.87; Eur. Bacch. 866-76.
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uses fable imagery to offer answers which themselves turn out to be slippery, forming part of the speaker’s attempts to manipulate rather than presenting a detached ethical truth. Thus Archilochus combines fable with another distinctive feature of iambus as a genre: its use of a strong personal narrator who presents himself as outside the ordinary social bounds. As far as we can tell from the surviving poems, Archilochus’ half-ainoi are always used by the narrator speaking in propria persona, and as we have seen, the choice of animal tends to be surprising, whether because of its insignificance (as with the ant in fr. 23 W) or its gender (as with the bitch in fr. 196a W). The use of half-ainoi, rather than full narrative fables, enables this gap between apparent meaning and context, since the poet can leave the details and relevance of the fable for his audience to reflect upon. A fable for men in the Fox and Eagle Epode While the complexity of the half-ainoi has been under-recognised, any discussion of Archilochus’ use of animal fable must also recognise the sophistication of the longer fable narratives. The best preserved of these is the famous Fox and Eagle Epode, the poem in which Archilochus explains his reasons for his grudge against Lycambes. The poem survives in a series of ten fragments (frr. 172-81 W), and its excellence is evident even from the small sections that remain.27 It seems that Archilochus’ version of the fable is close to the one known 27 Although we have no testimony explicitly linking the abuse of Lycambes with the fox and eagle fable, we know from Philostratus (4T16; G43) that Archilochus used a fable to attack Lycambes. Moreover, the surviving epodic fragments directed at Lycambes share a metre with those that tell the Fox and the Eagle fable, and so the combination of these factors makes the reconstruction of this Epode relatively secure.
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to us from the Aesopic collections (1 P), which tells of a fox and an eagle who became friends, until one day the eagle carried off the fox-cubs to feed his chicks when the fox was away. On her return, the fox was distressed by her inability to avenge her young, and cursed the eagle. Shortly afterwards, the eagle took a piece of burning sacrificial meat from an altar and brought it back to his nest: the meat contained a spark which set fire to the nest and destroyed the unfledged chicks, who could not escape. The fable finishes with the fox eating the eaglets as they fall from the nest, while the eagle looks on. There is much to be said about Archilochus’ choice of fable and its relationship to the Lycambes story, but what interests me for the purposes of this chapter is how Archilochus self-consciously refers to the fable tradition and his own manipulation of it.28 The idea that this will be more than a simple animal narrative is highlighted at the introduction to the fable, where Archilochus adapts a traditional formula to begin an ainos (fr. 174 W): αἶνός τις ἀνθρώπων ὅδε, ὡς ἆρ’ ἀλώπηξ καἰετὸς ξυνεωνίην ἔμειξαν, There is a fable told by men, of how a fox and an eagle came together in friendship.
It is standard for an ainos to begin with a formal incipit, and the phrasing suggests that the fable is well known and so adds to its credibility as a conveyer of moral advice.29 Yet the fable is 28 On the choice and handling of the fable, see C. Carey, ‘Archilochus and Lycambes’, CQ 36 (1986), 60-7; E. Irwin, ‘Biography, Fiction, and the Archilochean “ainos”‘, JHS 118 (1998), 177-83; R. Gagné, ‘A Wolf at the Table: Sympotic Perjury in Archilochus’, TAPA 139 (2009), 251-74. 29 See van Dijk (n. 1), 140.
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qualified as being an αἶνός ἀνθρώπων, a surprising formulation for a story which deals with animals. The phrase could mean either could mean either ‘a fable told by men’ (subjective genitive) or ‘a fable about men’ (objective genitive), and since the fable genre relies on the anthropomorphisation of animals so as to use them as moral illustrations, αἶνό ἀνθρώπων reminds us that it is really human behaviour that is under discussion.30 This theme comes to the fore once more in the fox’s speech, which seems to have formed the heart of the poem. The speech was clearly substantial, and as well as containing emotional intensity, as the bereaved fox-mother expresses her feelings, it foregrounds the themes of justice and divine punishment that connect the fox’s experience to Archilochus’ complaint against Lycambes.31 In what seems to be an Archilochean innovation, the fox prays to Zeus in his capacity of overseer of justice (fr. 177 W):32 30 Cf. P. da Cunha Corrêa, ‘A Human Fable and the Justice of Beasts in Archilochus’, in P. J. Finglass, C. Collard and N. J. Richardson (edd.), Hesperos. Studies in Ancient Greek Poetry presented to M.L.West on his Seventieth Birthday (Oxford, 2007), 101-117 at 103-4. E. Kallos, ‘Gloses pour Archiloque’, AAnt 1 (1951), 67-74 at 68 suggests that the distinction is between poetry with a human origin and that with a divinely-inspired one, but it seems more likely that the dichtotomy is between men and beasts rather than men and gods, given the content of the poem. 31 It is probable that fr. 176 W also comes from this speech, and consists of the fox addressing herself after the loss of her cubs: H. J. Mette, ‘Echte Selbstanrede bei Archilochos? Zu Pap. Ox. 2316’, MH 18 (1961), 35-6; West (n. 4), 133; Dijk (n. 1), 140. I find it likely that fr. 181 W also comes from the same speech (pace West’s numeration): cf. F. Bossi, Studi su Archiloco (Bari, 1990), 202-3; Corrêa (n. 3), 108. In this case the speech must have been substantial, and included the fox’s initial response to the loss of her cubs, her inability to achieve vengeance, and her prayer to Zeus (which would follow the logic of the Aesopic narrative). 32 For line 3 I print the transmitted text rather than Matthiae’s emendation καὶ θεμιστά, which is adopted by West in IEG2. κἀθέμιστα is convincingly defended by C. M. Sampson, ‘A Note on Archilochus Fr. 177 and the Anthropomorphic Facade in Early Fable’, CQ 62 (2012), 466-75, who argues
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ὦ Ζεῦ, πάτερ Ζεῦ, σὸν μὲν οὐρανοῦ κράτος, σὺ δ’ ἔργ’ ἐπ’ ἀνθρώπων ὁρᾶις λεωργὰ κἀθέμιστά, σοὶ δὲ θηρίων ὕβρις τε καὶ δίκη μέλει. O Zeus, father Zeus, yours is the power in heaven, you see the villainous and lawless deeds of men, and the wickedness and justice of beasts is your concern.
In poetic terms these are high-flown lines, which use traditional forms of prayer-address to create a solemn tone.33 The fox’s prayer for a universal form of justice emphasises the righteousness of her case and portrays her as pious, in contrast to the arrogant eagle. Because the eagle is the animal normally associated with Zeus, the fox’s prayer highlights how far the eagle’s behaviour has separated him from his patron god, and so reinforces the message that Zeus’ justice applies equally to all. The fox takes the traditional concept of the division of the world into three orders - gods, men, and beasts – and structures her prayer to highlight this tripartite division, with the repeated motif σὸν μέν (1) ... σὺ δ’ (2) ... σοὶ δέ (3), each of which introduces one of the levels and confirms Zeus’ authority over it.34 Yet although that the linguistic case for it is stronger than that for the emendation, since there is no other example of a positive adjectival form of θέμις in archaic Greek, whereas ἀθέμιστος is found commonly, and crasis is attested in Archilochus’ epodes (fr. 174.2 W). The transmitted text also gives us a stronger and more poetically effective statement, since rather than simply reiterating the standard idea that Zeus sees both good and bad deeds, the line engages positively with the innovation of line 4, presenting men as the new beasts, and beasts as the new men. 33 For the conventionality of the language see Kallos (n. 30), 68-9; W. D. Furley and J. M. Bremer, Greek Hymns: Selected Cult songs from the Archaic to the Hellenistic Period (Tübingen, 2001), I: 52-6. 34 Cf. N. Russello, ‘Gli dei di Archiloco’, Acme 45 (1992), 99-116 at 106.
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the levels are presented in what is traditionally the descending order, with men occupying a midway position between gods and animals, it is in fact the animal world which is capable of moral behaviour (ὕβρις τε καὶ δίκη, 4), while men behave worse than beasts (λεωργὰ κἀθέμιστα, 3). The attribution of justice to animals is almost unique in archaic Greek thought: and the idea that Zeus oversees the justice of beasts is a self-conscious inversion of the usual trope that humans are unique in their moral capacity.35 It is likely that Archilochus here alludes to Hesiod’s fable of the Hawk and the Nightingale, where the poet uses an animal fable to reinforce the idea that Zeus has allocated dikê only to mankind, and that animals are exempt from the moral codes governing human behaviour. Thus the hawk’s cruel assertion that might makes right (WD 202-11) is picked up by the narrator’s explanation in the passage following the fable that humans have been alloted dikê and so must behave better than the beasts (276-9). Hesiod’s use of the ainos is itself a twist on the conventions of the animal fable, since by stressing the ethical differences between humans and animals his coda questions the meaningfulness of the fable genre, whose purpose is to use animals to shed light on human behaviour. Archilochus’ use of the topos is similarly playful, for by putting it in the mouth of an animal, he draws his audience’s attention to the anthropomorphic conventions of fable and takes them to their logical conclusion: a fully anthropomorphised 35 M. L. West, The East Face of Helicon: West Asiatic Elements in Greek Poetry and Myth (Oxford, 1997), 505 finds only one parallel, Aesch. Ag. 55-9, which is probably influenced by the Archilochean passage. On the inversion here and its significance, see M. Gagarin, ‘Dikê in Archaic Greek Thought’, CP 69 (1974), 186-97 at 190; R. Renehan, ‘The Greek Anthropocentric View of Man’, HSCP 85 (1981), 239-59 at 254-6; Irwin (n. 28) 181; Corrêa (n. 3), Corrêa (n. 30), 112-13; Sampson (n. 32).
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animal would naturally consider that animal-kind was Zeus’ special interest and regard men as the bestial ‘other’.36 At the heart of the fable, then, we find a speech which tests the boundaries of ainos as a genre. By inverting the normal order of the universe, the fox playfully reminds us of the reality of the gap between humans and animals, and the artificality of a genre which presents them as moral equivalents. Despite the pathos of her speech, we should not overlook its self-conscious playfulness, as it challenges the relevance of using animal fable to convey poetic wisdom. Only small scraps survive from Archilochus’ other certain fable narrative, the Fox and Ape Epode (frr. 185-7 W), but here too there are tantalising hints that the fable was introduced in a way that draws attention to the ainos as a narratological device (fr. 185 W):37 ἐρέω τιν’ ὕμιν αἶνον, ὦ Κηρυκίδη, ἀχνυμένη σκυτάλη, ... πίθηκος ἤιει θηρίων ἀποκριθεὶς μοῦνος ἀν’ ἐσχατιήν, τῶι δ’ ἆρ’ ἀλώπηξ κερδαλῆ συνήντετο, πυκνὸν ἔχουσα νόον. 36 As Sampson (n. 32), 474-5 notes, Archilochus therefore anticipates the ideas of Xenophanes, esp. fr. 15 DK. We may find an allusion to Archilochus in fr. 12 DK, where the immoral behaviour of the gods is described as θεῶν ἀθεμίστια ἔργα, a phrase which recalls Archilochus’ ἔργ’ ... λεωργὰ κἀθέμιστα. 37 I print ἀχνυμένη σκυτάλη rather than the alternative reading ἀχνυμένηι σκυτάληι preferred by West in IEG2, which seems harder to construe. Whether ἀχνυμένη σκυτάλη should refer to Kerykides or the narrator himself is also much debated. My view is that the former is the most likely (cf. Bowie (n. 14), 135-6; K. Philippides, ‘The Fox and the Wolf: Archilochus’ 81 D/185 W and Pindar’s Olympian 6, 87-91: (with Reference to Pythian 2)’, QUCC 91 (2009), 11-21 at 15-16), though for the purposes of the argument here it is not crucial.
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I will tell you a fable, Kerykides, sad message stick ... A monkey was walking alone in the wilderness, separated from the other animals. A cunning fox met him, with guileful mind.38
The sad message stick is a formulation which has baffled scholars since antiquity.39 However we explain the image, the reference to the skytalê makes explicit the traditional idea that an ainos offers a message for its hearers. Yet this message stick is a grieving one (ἀχνυμένη), an epithet which reminds us that this is not a fable told in isolation but an invective poem, whose intention is to abuse and embarrass its addressee. If Apollonius is right that the skytalê was associated with hidden messages, the parallel becomes still more intriguing, since it would fit the idea that the function of fable as a genre is to convey a message in secret or distorted form: while superficially a story about animals, it in fact has a hidden meaning for the recipient to decode.40 38 Herennius (de diversis verborum significationibus pp. 142 sq. Palmieri) quotes lines 1-2 separately from 3-6, and though he tells us that the two passages belong in a sequence, it is not clear whether they follow directly upon one another. However, I find it likely that even if 3-6 are not directly consecutive, they represent the first point in the narrative where the animal characters are introduced, since Herennius’ purpose in quoting the lines is to prove that this is an ainos with animals, and it would be odd to skip to partway through the fable. For discussion see S. Luria, ‘Der Affe des Archilochos und die Brautwerbung des Hippokleides’, Philologus 85 (1930), 1-22 at 4; D. E. Gerber, Euterpe: An Anthology of Early Greek Lyric, Elegiac, and Iambic Poetry (Amsterdam, 1970), 38; van Dijk (n. 1), 145. 39 Aristophanes of Byzantium wrote an entire monograph on the subject (περὶ τῆς ἀχνυμένης σκυτάλης), though his views on the subject have not survived. It is also discussed by Apollonius Rhodius (preserved in Athenaeus 451d), who claims that it was a cryptographic device. This has been debated by scholars, but the details of these problems are beyond the scope of this article: for discussion see L. H. Jeffrey, The Local Scripts of Archaic Greece (Oxford, 1961) 57-8; S. R. West, ‘Archilochus’ Message-Stick’, CQ 37 (1988), 42-8; T. Kelly, ‘The Myth of the Skytale’, Cryptologia 22 (1998), 244-60. 40 Cf. M. S. Silk, Interaction in Poetic Imagery with Special Reference to Early Greek Poetry (Cambridge, 1974), 153; Corrêa (n. 3), 124.
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In the fable itself, the fox achieves its vengeance by tricking the ape into a baited trap which exposes him in a compromising position. The form of the ainos, the content of the story, and the image of the skytalê are thus all aligned, and we can understand the poem as the equivalent to the trap which exposes the ape’s true nature, just as in the Fox and Eagle Epode the poem is the route by which Archilochus will get his revenge on Lycambes and his daughters. The fox’s trick replicates in physical terms what the ainos achieves in poetic ones, for both appear to be something harmless that turn out to have a hidden trick: what seems a simple story about animals in fact has a sting in the tail for its addressee.41 Conclusion In conclusion, Archilochus’ use of animal fables and imagery not only showcases the poet’s sophistication, but also sheds light on the intersection between the genres of fable and iambus. While iambus is notoriously difficult to define, one distinctive feature is the presence of a strong persona, whose personal experiences are charted through the poetry.42 Our impressions are filtered through this narratorial voice, whose likes and hates colour his depiction of the world and the other participants in his poetry. The moralising voice of iambus makes it a natural fit with fable, which also uses everyday stories to convey broader truths about human relationships, and to offer lessons about how one should 41 Cf. D. Steiner, ‘Making Monkeys: Archilochus frr. 185-7 in Performance’, in V. Cazatto, A. M. P. H. Lardinois, R. Martin and A.-E. Peponi (edd.), The Look of Lyric: Greek Song and the Visual (Leiden, 2014). 42 See E. L. Bowie, ‘Early Greek Iambic Poetry: The Importance of Narrative’, in A. Cavarzere, A. Aloni and A. Barchiesi (edd.), Iambic Ideas: Essays on a Poetic Tradition from Archaic Greece to the Late Roman Empire (Lanham, Md, 2002), 1-27 on the centrality of past-tense narratives to iambus.
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behave. Yet the iambic narrator is not always a reliable guide to ethical conduct, and in the case of Archilochus we find the poetic ‘I’ indulging in some distinctly dubious actions. Throughout Archilochus’ poetry, we find a strong connection between the poetic persona and the use of animal fable. Both of the full fables are told from a strongly personal perspective; in the case of the Fox and Eagle Epode the fable explains the poet’s hatred for Lycambes, while in the Fox and Ape Epode it seems that he mocks Kerykides for some kind of pompous folly. As far as we can tell, all of the half-ainoi are spoken in propria persona: the male narrators in frr. 23 and 196a W are identified as being the poetic ‘I’, while the image of the cicada in fr. 223 W is identified in the testimonium which preserves it as referring to Archilochus. The only unclear case is the fox and the hedgehog (fr. 201 W), where we do not know who the speaker is, but most scholars have taken this too to be said by the poet himself.43 Yet the Archilochean narrator uses these fables to convey advice in a way which is distinctly partial. In frr. 23 and 196a, the use of the animal image is a blatant part of the narrator’s rhetorical strategy to seduce a woman, and the fable in question is chosen because
43 Scholars have generally felt that one animal is meant to represent the poet himself: most have taken him to be the hedgehog: cf. F. Lasserre, Les epodes d’Archiloque (Paris, 1950), 75; M. Treu, (ed.), Archilochos (Munich, 1959), 239; H. Fraenkel, Early Greek Poetry and Philosophy: A History of Greek Epic, Lyric, and Prose to the Middle of the Fifth Century, trans. M. Hadas and J. Willis (Oxford, 1975), 140; H. D. Rankin, Archilochus of Paros (Park Ridge, N.J., 1977), 91; L. Bodson, ‘Le renard et le hérisson (Archiloque, fr. 201 West)’, in J. Servais, T. Hackens and B. Servais-Soyez (edd.), Stemmata. Mélanges de philologie, d’histoire et d’archéologie grecques offerts à Jules Labarbe (Liège, 1987), 55-9 at 38; Gerber (n. 38) 217, though others have argued that he is the fox: cf. C. M. Bowra, ‘The Fox and the Hedgehog’, CQ 34 (1940), 26-9; P. da Cunha Corrêa, ‘The Fox and the Hedgehog’, Revista Phaos 1 (2001), 80-92. An exception is L. Bettarini, ‘Archiloco fr. 201 W.2: meglio volpe o riccio?’, Philologia Antiquia 2 (2009), 45-51, who sees both animals as equivalents.
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it suits his agenda, rather than because it reflects some broader moral truth. In the former case, presenting himself as an ant fits with the power-dynamics of the scene, while in the latter, the image of the hasty bitch assists his rejection of Neoboule and his attempts to rebut the girl’s suggestion that he is merely controlled by his lust. The poet’s ability to control fables to suit his own ends is also reflected in the self-conscious introductions we find in the Fox and Eagle and Fox and Ape Epodes, both of which draw our attention to the relationship between the ainos and the moral it conveys. In the Fox and Eagle Epode, the poet plays with the relationship between the world of the fable and that of the listener, by presenting an anthropomorphised world where only the beasts are capable of understanding dikê. In the Fox and Ape Epode, the content of the ainos unites with its purpose in the poem, turning fable and invective into equivalents. This article has only attempted to make small inroads into a rich topic: there remains much to be said on Archilochus’ use of animal imagery, and his allusions to proverbs, fables, and similes which use animals to describe the human world. Yet it is apparent that Archilochus’ confident play with such imagery presupposes a well-established fable tradition, and an audience who are in a position to appreciate allusions to it which are often dense or startling. His success in refreshing the fable form is a testimony to his creativity as a poet, and abidingly shaped the reception of Greek iambus in the later tradition.
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A digressão como recurso narrativo em Homero e Heródoto
Adriane da Silva Duarte Universidade de São Paulo Pode-se argumentar que a mais importante e influente semelhança entre Heródoto e Homero reside na qualidade mimética de suas narrativas.1
1
Boedeker, D. Epical heritage and mythical patterns in Herodotus. In: Bakker, E.; De Jong, I.; Van Wees, H. (Ed.) Brill’s Companion to Herodotus. Leiden: Brill, 2002, p. 106. As traduções constantes nesse texto, salvo indicação contrária, são de minha autoria.
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O título acima não é inteiramente satisfatório na medida em que é redutor, em vista da aproximação pretendida entre Homero e Heródoto, e pouco específico, já que a digressão, embora bastante presente nos dois autores, assume configurações e significados diversos de acordo com o contexto. Mantive-o, no entanto, porque ao menos tem a virtude de descrever parcialmente do que devo tratar, ainda que de maneira incipiente. Assim, coube à epígrafe de Boedeker a função de determinar o que realmente me interessa nessa aproximação, ao mesmo tempo em que aponta para a dívida que tenho para com seu texto, que me pareceu abordar essa questão tantas vezes visitada, mas com tanto partidarismo e imprecisão, com grande clareza e equilíbrio. Ao invocar a “qualidade mimética”, Boedeker esclarece que (itálicos meus):2 “Como a épica homérica, Histórias não registra simplesmente o resultado de ações passadas, mas apresenta uma recriação de cunho imaginativo e dramático do como e porque a ação aconteceu”. Essa recriação dramática, calcada na imaginação (ou, nas palavras de Aristóteles, “naquilo que poderia ter acontecido”),3 apoia-se basicamente no emprego do discurso direto que revela “o caráter, a motivação e o destino dos agentes históricos”.4 Os diálogos, como todo o resto, subordinam-se a uma voz narrativa, que assume para si a função de selecionar e 2 Boedeker (n. 1), p. 106. 3 Em Poética 1451b, Aristóteles estabelece a célebre comparação entre poetas e historiadores: ἀλλὰ τούτῳ διαφέρει, τῷ τὸν μὲν τὰ γενόμενα λέγειν, τὸν δὲ οἷα ἂν γένοιτο 4 Boedeker (n. 1), p. 106. I. De Jong, com uma visada mais técnica, trata da mesma questão sem considerar a influência de Homero: “Like any narrator, Herodotus has the possibility to present his story as a series of events and actions [...] or as a scene, which means that he shows down the pace of narrative so as to approach the length of time of the events and actions, giving us details about scenery or characters (their gestures, facial expressions, etc) and quoting their words”. Cf. De Jong, I. Narrative unity and units. In: Bakker, E; De Jong, I.; Van Wees, H. (n. 1), p. 258.
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editar o material de acordo com critérios previamente pactuados com seu auditório (categoria que inclui também os leitores da obra). Devo chamar atenção para um ingrediente herodotiano, e que me interessa bastante, que é o fato de o historiador compor em prosa. Como se sabe, os gêneros da prosa surgem tardiamente entre os gregos, por volta do século VI a.C., como consequência da lenta difusão dos hábitos letrados e do forte predomínio de uma cultura oral, cuja expressão maior se faz sentir nos gêneros da poesia. Assim, os poemas homéricos, primeiro registro da produção grega, foram transmitidos de uma geração a outra graças a uma poética adaptada à mnemônica, em que a adoção de um metro uniforme, expressões formulares e cenas típicas permitiu a preservação de um núcleo semântico ao mesmo tempo em que admitia variações que o adaptasse às situações de performance. Nesse contexto, a poesia tornou-se o principal veículo para a conservação e transmissão do conhecimento, entendido como visão de mundo, preceitos éticos e teológicos. Não à toa o próprio Heródoto considera que os gregos devem a Homero e Hesíodo a compreensão de seu panteão.5 Mais tarde, a possibilidade de registrar por escrito observações e pensamentos, confiados a um suporte externo (papiros, tabuletas, etc.), teve por efeito o alargamento dos horizontes do saber, uma vez que o esforço dispensado com a memória de um acervo já constituído pode 5 Cf. Histórias, II. 53: “Realmente, suponho que a época de Homero e Hesíodo não é mais de quatrocentos anos anteriores à nossa, e foram eles que em seus poemas deram aos helenos a genealogia dos deuses e lhes atribuíram seus diferentes epítetos e suas atribuições, honrarias e funções, e descreveram suas figuras”. A tradução é de Mário da Gama Kury In: Herôdotos. História. Brasília: Editora da UnB, 1985. Para o texto grego, consultar Hérodote. Histoires. Livre I. Texte établi et traduit par Ph.-E. Legrand. Paris: Les Belles Lettres, 1970.
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voltar-se para a investigação de novas hipóteses e a criação de novas teorias. Com isso, o emprego de formas poéticas para veicular o conhecimento produzido tornou-se menos necessário. Deu-se início, então, a uma especialização em que os gêneros da poesia eram percebidos cada vez mais como sede do relato ficcional e voltados para o entretenimento, enquanto que os da prosa foram associados a um conteúdo técnico (ou científico), voltados para o exame ou demonstração de uma tese – aí se encontram a filosofia, a historiografia, a medicina, a legislação, a oratória, entre outros. A polêmica de Platão contra os poetas, cuja presença é vetada na cidade ideal na República, faz parte de uma disputa de sophia em busca da consolidação da autoridade e que alcança seu ápice entre o final do século V e o início do IV a.C.6 Alguns estudiosos, como Havelock e Goldhill, tratam a ascensão da prosa como um marco da revolução intelectual, situando o novo meio no plano das elites intelectuais, mas Romm chama a atenção para a denominação da prosa como logos pezon, discurso pedestre, metáfora militar que aponta não só para falta de ornamentação (a cavalaria e outras divisões do exército eram mais paramentados), mas também para a humildade em termos sociais (os hoplitas, que iam a pé com armas e provisões, eram oriundos de estratos populares da população, contrastando com os aristocráticos cavaleiros). Recentemente, Kurke reforçou essa visão ao analisar a origem da prosa a partir da constituição popular da fábula esópica e da hierarquia entre os gêneros – mesmo entre os da prosa.7 6 A bibliografia sobre o tema é vasta, remeto, no entanto a dois autores que ajudam a situar a questão: E. Havelock (A revolução da escrita na Grécia e suas consequências culturais. São Paulo: Paz e Terra; Edunesp, 1986) e S. Goldhill (The invention of prose. Oxford: Clarendon Press, 2002). 7 Para Havelock e Goldhill, cf. n. 6; Romm, J. Herodotus. New Haven: Yale University Press, 1998. Kurke, L. Aesopic conversations. Popular tradition,
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Heródoto, portanto, está associado ao surgimento da prosa na Grécia, advento que só é concebível no âmbito do pleno estabelecimento de hábitos letrados. Isso não significa, no entanto, que sua obra esteja desprovida daqueles traços de oralidade que marcaram sucessivas gerações de gregos. Inclusive porque ao compor sua narrativa o historiador teve que buscar modelos na literatura anterior, de cunho majoritariamente oral. Assim, os estudiosos são unânimes em reconhecer Heródoto como um produto da cultura oral que ainda vigorava na Grécia, embora já estivesse em pleno processo a transição para o mundo da escrita – ele mesmo com um pé em cada, constituindo, na metáfora de John Herington, um centauro, cuja parte superior representa o lado urbano e racional do historiador e a parte inferior remete às montanhas longínquas, a um território livre, selvagem, imune às convenções sociais e permeado pelo mito (apud Romm, n. 7, p. 8).8 Praticamente não há controvérsia sobre a influência que os poemas homéricos exerceram sobre os primeiros historiadores. Heródoto e Tucídides, nos parágrafos de abertura de suas narrativas, elegem o poeta como referência, cuja versão do passado cabe ora ratificar, ora, principalmente, retificar.9 Está, sobretudo, na eleição da guerra como núcleo da narrativa e na intenção explícita de preservar a memória de acontecimentos
cultural dialogue and the invention of Greek prose. Princeton: Princeton University Press, 2011. 8 Cf. J. Room (1998, p. 121); A. Momigliano (2004, p. 65). 9 A bibliografia a respeito é grande e cito, apenas como referência inicial, os conhecidos textos de Moses Finley, Mito, memória e história (In: ______. Uso e abuso da história. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 3-27), e François Hartog, Primeiras figuras do historiador na Grécia: historicidade e história (In: ______. Os Antigos, o passado e o presente. Brasília: Editora UnB, 2003, p. 11-33).
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grandiosos o ponto central dessa proximidade. Esse vínculo será tão intrínseco entre os gregos que Aristóteles, na Poética, sentirá a necessidade de dissociar poetas e historiadores, distinção essa que desconsidera se a composição é em verso ou em prosa, para enfatizar seu caráter “imaginativo”, ou, ficcional.10 Embora consciente que os paralelismos de estilísticos entre Homero e Heródoto possam ser explicados por uma origem comum, fundada nas características de composição oral, que teria maior peso do que empréstimos diretos ou imitação consciente, penso que os ecos dos poemas homéricos em Histórias respondam ao fato de que “a épica arcaica era o único modelo para uma narrativa sustentável de eventos grandiosos”.11 Feita essa digressão, tão ao gosto de nosso autor, voltemos ao ponto de interesse. Heródoto escreve prosa, sendo até mesmo, ao menos da nossa perspectiva fracionada, um dos inventores da prosa grega. Embora a prosa de ficção (e aqui concedo que estou pensando com critérios modernos), com exceção das fábulas, só surja na Grécia na era cristã (Quéreas e Calírroe, primeiro exemplar conhecido de romance, é muito provavelmente de I d.C.), Heródoto pode, e até mesmo deve, ser visto como seu precursor. Embora ele mesmo deixe claro que não faz ficção, ou, nas palavras de Dewald, “omita intencionalmente heuresis, 10 Poética, IX, 1451 a 36 (Tradução de Eudoro de Sousa in Aristóteles. Poética. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1986): “Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem em verso ou em prosa (pois bem que poderiam ser postas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser história, se fossem em verso o que eram em prosa) – diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder”. 11 Cf. Boedeker (n. 1, p. 107), ver também C. Pelling (Homero y Heródoto. In: De Tobia, A. M. G. (Ed.) Lenguage, discurso y civilización. De Grecia a la modernidad. La Plata: Centro de Estudios de Lenguas Classicas, 2007, p. 316-317), que pensa em termos de “modelos de experiência” comuns.
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a invenção, de seu repertório narrativo”, as várias histórias (lógoi, novellae, excursos narrativos, cenas) inseridas nas Histórias permitem entrever o germinar da fabulação em prosa.12 Antes de passar ao exame de uma dessas narrativas, cabe determinar sua função. A crítica tem se apresado em descartar o papel de entretenimento dessas histórias, talvez por julgá-lo incompatível com o que se espera de um relato de historiador. Ao fazê-lo, assume de certa forma a censura constante da primeira recepção de Heródoto, por Tucídides e Plutarco, por exemplo, que o acusavam de fabulador e mentiroso. Tucídides, sobretudo, tenta fazer prevalecer seu modelo sobre o de seu antecessor, num gênero novo, ainda em constituição. Admitindo que fosse essa mesma a intenção de Heródoto, não me parece assim descabido que se previsse, num texto de longa extensão, momentos de distensão, que emulassem estratégias adotadas na poesia. No entanto, o prazer do auditório não seria o seu único fim. Dewald, em artigo mais recente (2012, p. 61 e 83), propõe que essas histórias respondem à necessidade de tornar acessível aos gregos padrões de comportamento e cultura exóticos a ele.13 12 Dewald, C. “I didn’t give my own genealogy”: Herodotus and the authorial persona. In: Bakker, E; De Jong, I.; Van Wees, H. (n. 1), p. 274. Não vou discutir aqui a propriedade das denominações para as histórias herodotianas, mas remeto à discussão de I. De Jong (n. 4), p. 255-257. Admito, no entanto, que, apesar de toda controvérsia e do inconveniente do anacronismo, a definição de novella é a que melhor parece descrevê-las: “a short and entertaining stories about real people, situated in a certain place and in a certain time (in contrast to the folktale), and including a great deal of direct speech” (De Jong, n. 4, p. 257). 13 Dewald, C. Myth and legend in Herodotus’ First Book. In: Baragwanath, E.; Bakker, M. (Ed.) Myth, truth and narrative in Herodotus. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 61; 83. Cf. também no mesmo volume o texto de C. Chiasson, Myth and truth in Herodotus’ Cyrus’ logos, p. 214, sobre a infância de Ciro: “More specifically, Herodotus employs myth as a means of familiarizing, explaining, and enhancing for a Greek audience the historical origins of the Persian empire and its founder”.
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Recorrendo a estruturas do mito e da poesia, o historiador 1) estabeleceria um pano de fundo familiar ao seu auditório; 2) exploraria a possibilidade de os agentes internos explicarem as motivações de seus atos, especialmente quando nem testemunhas nem documentos estão disponíveis. Esses pequenos relatos não deixam, então, de estar a serviço da investigação, contribuindo também para a persuasão do auditório. Gostaria de testar essas ideias, analisando um episódio que faz parte do logos de Ciro, no livro I das Histórias. Trata-se do reconhecimento do menino pelo avô, Astiages, que o havia mandado matar por entender que o neto representaria uma ameaça a seu reino. Escolho essa passagem não em vista dos motivos mitológicos que a enformam, evidentes nesse breve resumo e já bem estudados,14 mas pela técnica narrativa que apresenta, similar em alguns pontos a de Homero. Para chegar à digressão que quero examinar, é forçoso passar em revista todo logos, de modo a estabelecer-lhe o contexto. Peço, portanto, ao leitor que me acompanhe pacientemente nesse movimento. O objetivo das Histórias, conforme expõe Heródoto no início de seu livro, é preservar a memória dos “feitos magníficos e admiráveis de gregos e de bárbaros” (μήτε ἔργα μεγάλα τε καὶ θωμαστά, τὰ μὲν Ἕλλησι τὰ δὲ βαρβάροισι ἀποδεχθέντα), de modo a não ficarem desprovidos de glória (ἀκλεᾶ γένηται, I, proêmio). Os confrontos entre esses povos culminarão com as Guerras Médicas, no início do século V a.C., com a vitória dos helenos. Para narrá-las, Heródoto rastreará o histórico de hostilidades que os opõe. Na parte inicial do primeiro livro (I. 6-94), Heródoto concentra-se na figura de Creso, rei Lídio que 14 Gray, V. Short histories in Herodotus’ Histories. In: Bakker, E; De Jong, I.; Van Wees, H. (n. 1), p. 291-317; C. Dewald (n. 13), p. 82; C. Chiasson (n. 13), p. 213-232.
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teria sido o primeiro a subjugar gregos na tentativa de constituir um império. Seu reinado se encerra pelas mãos de Ciro, soberano persa, que o derrota e assimila a Lídia a seu reino. A introdução desse novo personagem e sua importância na consolidação do império persa faz com que Heródoto se concentre nele na segunda parte do livro (I. 95-216). Sobre suas fontes, ele faz o seguinte comentário (I. 95):15 Seguirei em minha exposição a opinião de algumas pessoas [alguns dos Persas] cujo desejo não é fazer um relato dignificante da história de Ciro, e sim dizer a verdade, embora haja três outras versões desses eventos além da que exporei. [ὡς ὦν Περσέων μετεξέτεροι λέγουσι, οἱ μὴ βουλόμενοι σεμνοῦν τὰ περὶ Κῦρον ἀλλὰ τὸν ἐόντα λέγειν λόγον, κατὰ ταῦτα γράψω, ἐπιστάμενος περὶ Κύρου καὶ τριφασίας ἄλλας λόγων ὁδοὺς φῆναι.]
Já no momento em que as Histórias foram escritas, circulavam diversas versões sobre a vida de Ciro, de modo que Heródoto teve que optar sobre qual seguir para compor seu relato. Ele afirma que sua fonte é persa e que é mais moderada em vista das realizações de Ciro (οἱ μὴ βουλόμενοι σεμνοῦν τὰ περὶ Κῦρον ἀλλὰ τὸν ἐόντα λέγειν λόγον, I. 95). Nela, o antagonismo entre Astiages, o monarca medo, e seu neto Ciro é central. Só para se ter uma ideia da diversidade com que esse material foi tratado, os gregos elaboraram ao menos outras duas versões da infância do monarca. Em uma delas, atribuída a Ctésias (século V a.C.) por Nicolau de Damasco, Ciro sequer era parente de Astiages, mas 15 Citado na tradução de Mário da Gama Kury (n. 5) com pequenas correções (p. ex., adequação dos nomes próprios à grafia tradicional).
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tinha origem humilde, filho de um ladrão e de uma camponesa. Começa a trabalhar no palácio de Astiages, onde conquista a confiança do monarca ao qual termina por suceder. Em outra, mais conhecida, a Ciropédia, de Xenofonte (séculos V-IV a.C.), Ciro e Astiages têm excelente relação, tendo o neto cumprido parte de sua educação na corte do avô, outra parte no seu país natal, sobre o qual reinava seu pai, Cambises.16 Como vimos, Heródoto vai editar seu material, adotando o critério de selecionar a versão comprometida com o que aconteceu de fato (τὸν ἐόντα λέγειν λόγον), sem pretender engrandecer a personagem (οἱ μὴ βουλόμενοι σεμνοῦν τὰ περὶ Κῦρον). Sua narrativa sobre a infância do rei obedecerá a esse preceito. Mas o que ele entende por “engrandecer” a personagem? A resposta pode estar na primeira aparição de Ciro nas Histórias em que atua como agente da queda de Creso. Atado ao alto de uma pira para que fosse consumido pelo fogo, o velho monarca lídio reconhece a sabedoria de Sólon, que insistira que a felicidade de um homem só pode ser afirmada depois de sua morte, quando ele não estaria mais sujeito ao revés da sorte. Ciro, então, se compadece e pensa que, “sendo também um homem, estava mandando queimar vivo outro homem, cuja felicidade passada não havia sido menor do que a sua, ele teve medo de pagar por isso um dia, e lhe veio à mente que nenhuma das coisas humanas é estável” (Histórias I, 86). Ordenou então que libertassem o prisioneiro. Nessa primeira aparição, Ciro demonstra consciência de sua humanidade e dos limites que ela lhe impõe. Condizente com 16 Sobre essas e outras fontes sobre a infância de Ciro, cf. Binder, G. Die Kyrossage und das persische Königsritual. In: ______. Die Aussetzung des Königskindes Kyros und Romulus. Meisenheim am Glan: Verlag Anton Hain, 1964, p. 17-28, especialmente p. 19-21, 25. Também C. Chiasson (n. 13), p. 220.
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isso, Heródoto construirá sua personagem dentro desses limites, evitando versões que façam dele um deus ou um herói, como é possível que ocorresse em suas fontes orientais. Vale lembrar que a divinização do rei, visto como reencarnação de uma divindade, é um traço comum a essas monarquias. Assim, ele fará o futuro monarca um mortal filho de mortais, Mandane e do persa Cambises, este sequer um rei, cuja morte decretada pelo avô foi evitada não por uma intervenção milagrosa, no sentido estrito, mas pela ação do acaso (thyche) e pela bondade de homens simples, o pastor Mitradates e sua esposa Cino/Spaco.17 É preciso notar que a narrativa briga com o invólucro mítico que a encerra, de inspiração grega – ou seja, há uma tensão entre a fonte persa e a forma grega. Para contar a história de Ciro, Heródoto parece ter elegido, dentre todos os modelos possíveis, o de Perseu. Filho de Zeus com a princesa Danae, o herói, cujo nascimento foi anunciado pelo oráculo como uma ameaça ao avô Acrísio, foi abandonado à morte e salvo posteriormente graças à intervenção de um pescador, que o criou. Como no caso de Édipo, com quem a história de Ciro também guarda fortes semelhanças, a sobrevivência da criança acarreta o cumprimento da profecia que se quis evitar. Essa escolha não deixa de ser natural, uma vez que o historiador está preocupado em mostrar Ciro como um herói de seu povo, cuja origem pode ser remontada a Perseu através de seu filho, Perses (cf. Histórias, VII, 220). Vários elementos desse roteiro original são alterados na versão herodoteana, causando certo ruído aos que estão 17 Cf. Histórias, I. 110: “Seu nome era Mitradates, e sua mulher era escrava como ele. O nome dela na língua helênica era Cino, e na dos Medos era Spaco (os medos chamavam o cão de spax)”. Cino, em grego, significa cadela, sendo o nome do pai composto a partir de Mitra, importante divindade indo-irânica.
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familiarizados com o(s) modelo(s). Em primeiro lugar, há os sonhos que alarmam Astiages e que o movem a, primeiro, casar a filha com alguém claramente inferior a ela e, segundo, ordenar a morte do filho que ela espera.18 Essa história é cheia de lacunas, pois para cada informação que Heródoto nos dá, há outra que ele cala – silêncio seletivo? Ele nos diz que Astiages tinha uma filha, Mandane, mas num primeiro momento não afirma que era filha única, o que deduzimos.19 Ele diz que o rei, impressionado com o sonho que tivera com a filha o leva aos intérpretes de sonhos, ficando aterrorizado com o que ouviu (I, 107: ἐφοβήθη παρ› αὐτῶν αὐτὰ ἕκαστα μαθών), mas nada sabemos do teor da profecia. Diz também que, por medo da visão (I, 107: δεδοικὼς τὴν ὄψιν), quando ela atinge a idade de casar, resolve entregá-la a Cambises, um súdito estrangeiro sem título nem mando, e mandá-la para longe.20 Um novo sonho faz com que o rei traga de volta a filha, então grávida, para que possa matar a criança que esperava assim que nascesse. Desta vez, Heródoto informa que os intérpretes de sonhos disseram ao rei que seu neto reinaria em seu lugar (I, 108: ἐκ γάρ οἱ τῆς ὄψιος τῶν μάγων οἱ ὀνειροπόλοι ἐσήμαινον ὅτι μέλλοι ὁ τῆς θυγατρὸς αὐτοῦ γόνος βασιλεύειν ἀντὶ ἐκείνου.).
18 No primeiro sonho, a princesa urina até inundar toda a Ásia; no segundo, uma videira brota de sua genital encobrindo o mesmo território. Para uma análise dos sonhos, cf. Pelling, C. The urine and the vine: Astyages’ dreams at Herodotus I. 107-8. CQ, v. 46, n. 1, 1996, p. 68-77. 19 Em I, 109, Harpago confirma que Astiages não tinha descendência masculina: ...καὶ ὅτι ᾿Αστυάγης μέν ἐστι γέρων καὶ ἄπαις ἔρσενος γόνου. 20 Heródoto diz que Cambises tem boa índole (I, 107, τρόπου δὲ ἡσύχιου) e que pertence a uma casa nobre (I, 107, οἰκίης μὲν ἐόντα ἀγαθῆς), mas não dá a entender que ocupasse o trono. No entanto, os medos consideravam os persas súditos e, por isso, o mando de Cambises, caso houvesse, seria apenas pro forma.
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Há aqui algo terrível, que não é enunciado, mas que o leitor grego estaria apto a adivinhar em vista do modelo narrativo. Se o rei não tem descendentes do sexo masculino, por que não passar o trono a seu neto? Por que entregar a filha a um homem de menor valor? O que teria causado tanto pavor na primeira interpretação do sonho? Astiages não temia ser sucedido por seu neto, mas ser morto por ele, como Acrísio. Ao contrário do primeiro, não aprisiona sua filha numa câmara de bronze, mas a condena a um casamento inferior, fadado a gerar herdeiros fracos (veja-se o exemplo de Electra, em Eurípides, dada com a mesma intenção a um camponês desvalido) e, quando uma nova visão reafirma a anterior, Astiages, ao constatar que sua estratégia falhara, adota a solução de Acrísio e manda matar a criança. E por que Heródoto cala e deixa que o leitor imagine por sua conta e risco? Por um lado, cria-se a expectativa de um enredo desse tipo (que não se cumpre, afinal, porque, ao contrário de Perseu, Ciro não mata Astiages, lembrando-nos o limite para a inventividade do historiador está no “contar o que foi”, τὸν ἐόντα λόγον); por outro, porque o não cumprimento da profecia lançaria uma sombra sobre a eficácia dos sinais divinos, indo em direção contrária aos esforços do historiador até então. Também deve-se ter em conta que, no seu esforço para dotar Ciro de humanidade, vários dos paralelos criados com os heróis do mito são quebrados. Até esse ponto a história é narrada em terceira pessoa, pelo narrador das Histórias, ou seja, Heródoto. O modo de imitação, o narrativo misto, em que o poeta alterna sua própria voz com a das personagens, aproxima Heródoto de Homero – Platão, adotando o mesmo modo, faz algo distinto, mais próximo do dramático, mas ainda preserva marcas claras do narrador (eu disse, ele disse, etc.). O relato sobre a infância de Ciro ilustra bem esse
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ponto. Começa com um narrador em terceira pessoa, distante, onipresente e onisciente,21 mantendo essas características até que se alcança o momento climático, o nascimento de Ciro e a consequente trama de Astiages para tirar-lhe a vida. Nesse ponto, o diálogo torna-se dominante e o discurso direto, uma importante forma de envolver o leitor, colocando-o no palco dos acontecimentos – a casa de Harpagos, a choupana de Mitradates, o palácio de Astiages. O leitor se torna testemunha de fatos não documentados e o historiador faz com que cada agente explicite sua motivação – assim sabemos que Astiages age movido pelo medo de ser destronado, Harpago por considerar sua conveniência, Mitradates e sua esposa por piedade para com a criança. A caracterização das personagens, que expressam suas ideias em confronto umas com as outras, fica mais rica. Sem dúvida já estava em Homero, mas Heródoto vai adiante, com mudanças de cenário e avanços cronológicos mais marcados. O mesmo recurso será explorado séculos mais tarde pelos autores dos romances. Tal como Homero, com seus Eumeu e Euricleia, Heródoto concede a personagens simples papel importante em seu enredo. Assim que Astiages encarrega Harpago, seu parente e ministro, de executar o jovem príncipe, ele repassa a ordem ao vaqueiro Mitradates. Dentro do modelo mítico sua função é clara, assim como pescador salvou Perseu, ele deveria poupar Ciro.22 Há algo 21 Cf. De Jong, I. Herodotus. In: De Jong, I.; Nünlist, R.; Bowie, A. (Ed.) Narrators, naratees and narratives in ancient Greek literature. Studies in ancient Greek narrative. v. I. Brill: Leiden, 2004, p. 101-114, especialmente p. 101: “The Herodotean narrator resembles the Homeric narrator, in that he is external, omnipresent and omniscient”. 22 Cabe aqui chamar atenção para os nomes sugestivos pais de criação do jovem rei. O vaqueiro chama-se Mitradates, nome que remete, como notam vários estudiosos, ao deus Mitra. O nome grego de sua esposa é
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mais, no entanto. Mitradates se torna o guardião da verdade, pois é o único que sabe a identidade da criança que cria como se fosse seu filho. Durante dez anos, eles vivem sossegados, até que a verdade vem à tona. Ao brincar com outros meninos, Ciro fora escolhido para desempenhar o papel de rei e os outros, relegados a posições hierarquicamente inferiores, deviam-lhe obediência. Um dos colegas cumpriu mal suas funções e foi severamente castigado pelo “reizinho”. Como a criança era filha de um alto dignatário persa, seu pai queixou-se a Astiages da insolência do filho do vaqueiro. Astiages manda chamar o garoto e o interroga diante de Mitradates. Com segurança e sem se intimidar, Ciro justifica suas ações, argumentando que de comum acordo as crianças o designaram seu rei e que apenas aquele menino não seguia suas ordens. Assim, ele recebera justa punição por sua conduta inadequada.
Cino (κύνα), equivalente, como nota Heródoto, em persa a Spaco (Σπακώ). Ambos significam cadela. Binder (n. 16) acredita que esses nomes remetam a histórias mais antigas do rei divino, que seria uma reencarnação de um deus ou seu filho e que, no momento mesmo do nascimento, seria posto à prova, abandonado na natureza, devendo sobreviver por conta própria, com o auxílio de algum animal, como na lenda de Rômulo e Remo. Nos mitos gregos, essa ideia pode ser encontrada na história de Íon, herói de tragédia homônima de Eurípides. O jovem, filho do deus Apolo com a princesa ateniense Creúsa, é criado na ignorância de sua verdadeira origem para tornar-se sucessor de sua mãe na casa real de Atenas. No caso de Ciro, pode-se pensar que ele fosse filho da princesa meda Mandane e do deus Mitra e que teria sido criado longe do palácio para encobrir a ilegalidade de seu nascimento – como Íon é criado no santuário de Delfos. A versão de que era filho biológico de Cambises e adotivo de Mitradates seria uma acomodação da primeira a parâmetros mais realistas.
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A atitude do menino levanta suspeitas em Astiages (I. 116): Enquanto o menino falava, o reconhecimento (ἀνάγνωσις) se insinuava a Astiages. Tanto os traços do rosto pareciam-lhe semelhantes aos seus próprios, quanto sua resposta era a mais adequada a um homem livre, também parecia coincidir a época da exposição com a idade do menino [i. e., do seu neto]. Tomado de espanto com essas coisas, ficou sem palavras por um momento. [ταῦτα λέγοντος τοῦ παιδὸς τὸν Ἀστυάγεα ἐσήιε ἀνάγνωσις αὐτοῦ, καὶ οἱ ὅ τε χαρακτὴρ τοῦ προσώπου προσφέρεσθαι ἐδόκεε ἐς ἑωυτὸν καὶ ἡ ὑπόκρισις ἐλευθερωτέρη εἶναι, ὅ τε χρόνος τῆς ἐκθέσιος τῇ ἡλικίῃ τοῦ παιδὸς ἐδόκεε συμβαίνειν. ἐκπλαγεὶς δὲ τούτοισι ἐπὶ χρόνον ἄφθογγος ἦν.]
Astiages resolve interrogar o vaqueiro que, sob ameaça de tortura – como o pastor do Édipo Rei –, revela ao rei a origem do menino. Chiasson (n. 13, p. 215) chama atenção para o fato de caber a ele revelar a verdade (I, 116: τὸν ἐόντα λόγον), cumprindo o programa que Heródoto estabelecera para a elaboração da história (I, 95). O reconhecimento entre avô e neto, entretanto, não ocupa a sequência da história. O desfecho da história é suspenso para que se desenvolva a narrativa da vingança de Astiages contra Harpagos – como paga à sua desobediência, o rei serve a ele uma refeição preparada com as carnes do filho (I, 117-119).23 23 Note-se o paralelismo finamente construído por Heródoto entre a ação do neto (Ciro pune o menino que se recusa a cumprir suas ordens) e a do avô (Astiages pune Harpagos por tê-lo desobedecido no passado). E também quando Astiages reconhece Ciro, que deveria estar morto, vivo, e Harpagos seu filho, que deveria estar vivo, morto (cf. I 19: πειθόμενος δὲ ὁ ᾿Αστυάγης καὶ ἀποκαλύπτων ὁρᾷ τοῦ παιδὸς τὰ λείμματα· [...] εἴρετο δὲ αὐτὸν ὁ
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Ao ser retomada a narrativa (I, 120), Astiages volta a consultar os intérpretes de sonhos que, à luz das últimas notícias, concluem que a criança não representa mais nenhum perigo para o avô, pois consideram que já se realizou a predição do sonho, quando ela se tornara rei nas brincadeiras infantis. Assim, Astiages envia o menino para Pérsia, para junto de seus pais, preservando-o justamente para que depois venha a ser por ele sucedido. Nunca se saberá ao certo o quanto Heródoto inovou em sua narrativa da infância de Ciro em relação as suas fontes. É certo que ele está contribuindo para desenvolver o gênero narrativo em prosa e em vista disso, tem um olho para Homero. Pode-se ver isso na interpolação da vingança de Astiages contra Harpagos entre o momento em que se dá o reconhecimento (I. 116) e seu desfecho (I. 120) – Ciro é poupado e volta para junto dos pais: Depois que o vaqueiro revelou a verdade, Astiages fez pouca conta dele, mas censurou severamente Harpago e ordenou aos lanceiros que o chamassem (I. 117). [...] Astiages aplicou essa punição a Harpago. Ao deliberar sobre Ciro, chamou os mesmos magos que interpretaram seu sonho anteriormente e, quando chegaram, Astiages perguntou-lhes como tinham interpretado a visão (I. 120). [Ἀστυάγης δὲ τοῦ μὲν βουκόλου τὴν ἀληθείην ἐκφήναντος λόγον ἤδη καὶ ἐλάσσω ἐποιέετο, Ἁρπάγῳ δὲ καὶ μεγάλως μεμφόμενος καλέειν αὐτὸν τοὺς δορυφόρους ἐκέλευε. [...] ᾿Αστυάγης εἰ γιγνώσκοι ὅτεο θηρίου κρέα βεβρώσκοι. ὁ δὲ καὶ γιγνώσκειν ἔφη καὶ ἀρεστὸν εἶναι πᾶν βασιλεὺς ἔρδῃ.).
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Ἁρπάγῳ μὲν Ἀστυάγης δίκην ταύτην ἐπέθηκε, Κύρου δὲ πέρι βουλεύων ἐκάλεε τοὺς αὐτοὺς τῶν Μάγων οἳ τὸ ἐνύπνιὸν οἱ ταύτῃ ἔκριναν. ἀπικομένους δὲ εἴρετο ὁ Ἁστυάγης τῇ ἔκρινάν οἱ τὴν ὄψιν. οἳ δὲ κατὰ ταὐτὰ εἶπαν λέγοντες ὡς βασιλεῦσαι χρῆν τὸν παῖδα, εἰ ἐπέζωσε καὶ μὴ ἀπέθανε πρότερον.]
A longa digressão, bem marcada pela menção a Harpago no seu começo e fim, constituindo um exemplo de composição em anel (Ringskomposition), põe em primeiro plano o caráter terrível de Astiages e, com isso, cria a expectativa de que a ira do rei se voltasse em seguida contra a criança, que quisera ver morta um dia. Ou seja, contribui para criação de uma tensão narrativa, que se desarma uma vez que Astiages segue a opinião dos sábios e considera Ciro inofensivo, desistindo de seus planos homicidas. Esse é um recurso que se encontra amiúde nos poemas homéricos. Só para citar um exemplo, remeto ao canto XIX (307-507) da Odisseia, em que uma outra cena de reconhecimento é narrada, a que ocorre entre Euricleia e Odisseu. A passagem é bastante conhecida, mas ainda assim vale relembrá-la aqui. Após relutar, Odisseu aceita a oferta de Penélope e deixa que seus pés sejam banhados por uma velha criada da casa. Euricleia se apresenta ao hóspede, que busca as sombras do aposento na tentativa de permanecer incógnito, e começa a banhá-lo, quando toca a cicatriz que ele traz na perna. O choque é tamanho que ela larga o pé sobre a bacia. O reconhecimento entre ama e senhor, e muito provavelmente entre marido e mulher, pois Penélope ainda não se retirara, é iminente, mas uma longa digressão sobre a origem da cicatriz e a infância do herói o posterga. Esse retardamento na narrativa alimenta tensão porque o reconhecimento antes do momento oportuno poderia pôr em risco os planos de vingança de Odisseu e sua própria integridade física, pois os pretendentes
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tinham espiãs entre as criadas de Penélope. Finda a digressão, o herói toma a iniciativa de coibir as manifestações de alegria da sua velha ama, garantindo que o segredo de sua identidade fique apenas entre eles. Heródoto recorre ao mesmo esquema narrativo, obtendo um efeito similar. A interrupção da narrativa cria um suspense sobre o desfecho do reconhecimento entre avô e neto, se ele resultaria na amizade ou na inimizade entre as personagens nele envolvidas – nos termos em que Aristóteles define anagnórisis na Poética.24 O fato da história interposta tratar de uma vingança cruel, prepara o leitor para o pior, expectativa que termina não se confirmando com a retomada do fio narrativo. Assim, se a relação entre avô e neto era de “inimizade”, já que aquele ordenara a morte deste, recém-nascido, ela passa à “amizade”, relativa talvez, com a decisão de devolver o menino aos seus pais, preservando sua vida. Esse desfecho reforça o modelo mítico, o de Perseu, como quero, já que a criança sobrevive. Não mata o avô, é certo, assim como não é filho de um deus, mas de um mortal estrangeiro e/ ou de um dublê de deus (Mitradates/Mitra), e não é salvo por um animal, mas por uma mulher que tem o nome de um (Spaco/ Cino/Cadela). Há um rebaixamento do mito que se presta ao relato “do que aconteceu”, o mesmo procedimento que Eurípides adotará em diversas de suas tragédias (cf. Electra, Helena, Íon, em especial). Essa análise, de um trecho tão curto, não traz em si novidade, mas permite reavaliar o papel de Heródoto enquanto narrador e logopoios (prosador). A imagem do centauro, empregada para 24 Cf. Poética 1452 a: “O reconhecimento, como indica o próprio significado da palavra, é a passagem do ignorar ao conhecer, que se faz para a amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas para a dita ou para a desdita”.
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caracterizar o seu pertencimento a dois momentos distintos do desenvolvimento da poética e das mentalidades na Grécia, não faz justiça ao lado inovador do historiador, afinal, por mais que seja metade humano, o composto híbrido não pertence à civilização, mas remete a eras priscas, ao mito, à natureza selvagem. Heródoto, contrastado com Tucídides, que escreve sobre acontecimentos que lhe são contemporâneos e cujo estilo está mais próximo dos oradores e sofistas, parece arcaico e seu projeto modesto, o herdeiro de Homero. Seu projeto, no entanto, não acaba na mera adaptação de Homero à prosa. Ele estava inventando um gênero. Como Kurke (n. 7) faz questão de enfatizar, ele é absurdamente moderno.
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Epic heroes in tragedy: genre, ethics, and the fifth-century community
William Allan* University College, Oxford
The aim of this discussion is to explore the interaction between two of the most prestigious and popular genres of ancient Greek literature, namely epic and tragedy. In particular, I want to consider how tragedy reworks key elements of epic heroism in order to define itself as a genre of fifth-century Athenian popular * I would like to thank Professor Christian Werner for the invitation to speak at the conference in São Paulo, and for his and his colleagues’ wonderful hospitality during my time there.
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art. I shall examine specific examples of tragic figures (Ajax and Achilles) who are constructed in the light of their Iliadic past, and I shall try to show how the tragedians draw on their audience’s familiarity with these Homeric characters in order to highlight not only tragedy’s distinctiveness as a genre, but also its – in fifth-century Athenian terms – ethical and political superiority to Homeric epic. Before we turn to look at the plays in more detail, let us first consider tragedy’s place in fifth-century Athens. Contemporary scholarship on this issue is characterized by divergent and polarized views. At one end of the spectrum are scholars who are reluctant to tie tragedy too closely to its social or historical context. They focus instead on tragedy’s aesthetic qualities as poetry and drama, on the pathetic suffering of its characters, and on the universal moral dilemmas that it poses. 1 At the spectrum’s other end are critics who see tragedy as intrinsically political, steeped in the many levels of discourse which helped to structure the Athenian community.2 Perhaps the most influential direction in which studies from this perspective have progressed 1 Works with a focus on aesthetics or on tragic suffering and its moral impact: cf. e.g. E.-R. Schwinge, ‘Griechische Tragödie: Das Problem ihrer Zeitlichkeit’, Antike und Abendland 38 (1992), 48-66; J. Griffin, ‘The Social Function of Attic Tragedy’, CQ 48 (1998), 39-61; P. J. Rhodes, ‘Nothing to do with Democracy: Athenian Drama and the Polis’, JHS 123 (2003), 104-19; A. F. Garvie (ed.), Aeschylus: Persae (Oxford, 2009), esp. xvi-xxii. 2 Tragedy as intrinsically political: e.g. C. Sourvinou-Inwood, ‘Assumptions and the Creation of Meaning: Reading Sophocles’ Antigone,’ JHS 109 (1989), 134–48; R. Seaford, Reciprocity and Ritual: Homer and Tragedy in the Developing City-State (Oxford, 1994); M. Griffith, ‘Brilliant Dynasts: Power and Politics in the Oresteia’, CA 14 (1995), 62-129; D. Carter, The Politics of Greek Tragedy (Bristol, 2007); P. Wilson, ‘Tragic Honours and Democracy: Neglected Evidence for the Politics of the Athenian Dionysia’, CQ 59 (2009), 8–29; D. Carter (ed.), Why Athens? A Reappraisal of Tragic Politics (Oxford, 2011).
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is avowedly subversive: in short, it argues that tragedy exposes the core values of fifth-century Athens to glaring scrutiny and finds them unsatisfactory.3 Indeed, the questioning of civic ideology has become a staple of tragic criticism in recent years, but while it has the advantage over the aesthetic approach of taking seriously tragedy’s sociopolitical impact, its own insistence upon questioning and subversion is no less anachronistic. For such a view imposes a modern western liberal view of art – namely, that the best art challenges and subverts the values of the society in which it was produced and received – upon a very different culture. However, unless we abandon these post-Romantic and especially late 20th-century views of art, we shall fail to understand the appeal of tragedy for its original audience. What I would like to suggest instead is that we focus on tragedy’s status as a form of popular art and mass entertainment.4 Though this is an obvious feature of the genre, its important consequences have not yet been fully realized. By thinking about tragedy as a form of popular art we can open up the issue of tragedy’s relationship to the world of its original Athenian audience in new ways. For if we accept that the audiences of 3
Tragedy as subversive of civic ideology: e.g. many of the essays in J. J. Winkler and F. I. Zeitlin (edd.), Nothing to do with Dionysos? Athenian Drama in its Social Context (Princeton, 1990). For criticism of this approach, see e.g. R. Friedrich, ‘Everything to do with Dionysos? Ritualism, the Dionysiac, and the Tragic’, in M. S. Silk (ed.), Tragedy and the Tragic: Greek Theatre and Beyond (Oxford, 1996), 257-83, and Seaford’s response in same volume (pp. 284-94); W. Allan, Euripides: Helen (Cambridge, 2008), 4-10. 4 For a more detailed analysis of tragedy as popular art, outlining the ramifications of such an approach for the interpretation of the plays, see W. Allan and A. Kelly, ‘Listening to Many Voices: Athenian Tragedy as Popular Art’, in A. Marmodoro and J. Hill (edd.), The Author’s Voice in Classical and Late Antiquity (Oxford, 2013), 77-122, upon which this discussion draws extensively.
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tragedy represented a broad spectrum of fifth-century Athenian society, and not a narrow elite,5 the likelihood of a poet seeking to win first prize by setting at risk the core values of his audience is (I would argue) vanishingly small. On the contrary, tragedy aims to make mythological sense of the audience’s world, and does so in a way that is both appealing and pleasurable. I do not mean to suggest that Aeschylus, Sophocles, or Euripides consciously set out to endorse fifth-century Athenian values when they began to write a play, but that tragedy’s very status as a form of popular art meant that their creations had to offer something for everyone in the audience,6 and that this is what they strove to do through their depiction of the heroic past, and specifically (as we shall see) in their treatment of heroic society as in many ways unlike the audience’s own. The two key factors here, and ones that will be crucial when we compare tragedy and epic, are what we might call heroic distance and heroic difference. The importance of distance between the play world and that of the audience is exemplified perfectly in the story told by Herodotus about the Athenians’ reaction to Phrynichus’ tragedy, The Capture of Miletus, which dramatized the city’s recapture by the Persians in 494: 5 A. Sommerstein, ‘The Theatre Audience, the Demos, and the Suppliants of Aeschylus’, in C. Pelling (ed.), Greek Tragedy and the Historian (Oxford, 1997), 63-79, argues for an increase in the entry fee in the mid-fifth century and an increasingly right-wing bias in both audiences and plays, but there is no support for this either in the texts of tragedy or in the surviving documentary evidence: cf. Rhodes (n. 1), 111; M. Revermann, ‘The Competence of Theatre Audiences in Fifth- and Fourth-century Athens’, JHS 126 (2006), 99-124. 6 For the influence of audience reaction on the judging process, see A. W. Pickard-Cambridge, The Dramatic Festivals of Athens, rev. J. Gould and D. Lewis (Oxford, 1988), 97-8; E. Csapo and W. Slater, The Context of Ancient Drama (Ann Arbor, 1995), 157-60; C. Marshall and S. van Willigenburg, ‘Judging Athenian Dramatic Competitions’, JHS 124 (2004), 90-107, at 91.
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ἐς δάκρυά τε ἔπεσε τὸ θέητρον καὶ ἐζημίωσάν μιν ὡς ἀναμνήσαντα οἰκήια κακὰ χιλίῃσι δραχμῇσι, καὶ ἐπέταξαν μηκέτι μηδένα χρᾶσθαι τούτῳ τῷ δράματι. The audience in the theatre burst into tears and they fined the author a thousand drachmas for reminding them of their own evils, and they forbade anybody ever to put the play on the stage again. (Herodotus, 6.21)
All successful Athenian tragedies, by contrast, set horrific events safely in the heroic past. And it is no coincidence that the single surviving ‘historical’ play, Aeschylus’ Persians, is thoroughly pro-Athenian. Besides heroic distance, I think we can also speak of heroic difference.7 For tragedy addresses current issues using an imaginary world of the past which is systematically and pervasively unlike that of the audience, and does so in a way that often confirms the validity of contemporary Athenian norms.8 However, it must be stressed, this tragic pattern of heroic difference does not constitute a simple dichotomy of then (all bad) versus now (all good), since nearly all heroic figures are admirable in some respect.9 In other words, the heroic and contemporary worlds exist as part of a continuum rather than a dichotomy, so that the heroes can be presented as more, or less, removed and different 7 This is very similar to the notion of ‘zooming in’ and ‘zooming out’ proposed by Sourvinou-Inwood (n. 2; similarly in id., Tragedy and Athenian Religion (Lanham, MD, 2003)), but I would differ crucially in maintaining that distance is always fundamentally operative; the poet may choose to highlight that fact at any given point or not, but the predicated gap between the two worlds remains in effect at all times. 8 See Allan (n. 3), 7-8 and A. Kelly, Sophocles: Oedipus at Colonus (London, 2009), 20-5 on the importance of distance and difference. 9 There are very few out-and-out villains in extant tragedy (e.g. Lycus in Heracles, Polymestor in Hecuba) and they are never central characters.
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from the watching community; nevertheless, as we shall see, the world of the audience often emerges, in many respects, as better than that of the heroes. The tragedians’ attempt to represent heroic characters in terms that cast light on fifth-century values is particularly clear when it comes to characters who have a previous life in poetry, in particular Homeric epic. While we should be clear that Homer actually represents the individualism and heroism of his characters in sophisticated and problematic terms,10 it is in the tragedians’ interests to represent themselves as recasting these figures for a modern age and highlighting the ways in which traditional heroism falls short. In the case of Sophocles’ Ajax, dense allusion to the Iliad invites us to contrast tragic and Homeric concepts of the great individual and his relationship to the wider community. The initial set-up of the Ajax is evocative of Achilles’ crisis in the Iliad over his honour, but Sophocles casts Ajax in a much more extreme light: like Achilles, Ajax withdraws from the army because he feels dishonoured. But whereas Achilles is culpable for the deaths of the Achaeans by his failure to intervene, Ajax goes further, since he actively sets out to kill his fellow soldiers. In short, Ajax is presented as a new Achilles, but as an even more extreme and dangerous version of the self-obsessed hero, so that Achilles’ Iliadic withdrawal from the community is transfigured into Ajax’s active malevolence. In the play’s prologue, featuring Athena, Odysseus, and Ajax, the audience are led to see the differences between the Iliadic and the Sophoclean heroes, and the significance of those differences. Ajax’s belief that Athena has helped him to regain his honour by 10 On Homer’s exploration of the complexities of heroism, see W. Allan and D. Cairns, ‘Conflict and Community in the Iliad’, in N. Fisher and H. van Wees (edd.), Competition in the Ancient World (Swansea, 2011), 113-46; W. Allan, Homer: The Iliad (London, 2012), 35-47.
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killing the Greek leaders (ὦ χαῖρ’ Ἀθάνα, χαῖρε Διογενὲς τέκνον, / ὡς εὖ παρέστης· καί σε παγχρύσοις ἐγὼ / στέψω λαφύροις τῆσδε τῆς ἄγρας χάριν, ‘Hail, Athena! Hail, child of Zeus! / How loyally you have stood by me! I will bedeck you / with offerings of pure gold to thank you for this catch’, Ajax 91-3) is ironic in itself – because he is completely wrong – but it also evokes the Iliadic Achilles, where Athena appears to him in the first book of the Iliad in order to prevent him from killing Agamemnon, and promises that the Achaeans will eventually honour him if he withdraws (Il. 1.193-222). In Sophocles’ play the Iliadic Achilles’ murderous potential is transferred to Ajax, and again it is only Athena’s intervention (making Ajax delusional) that prevents the Greek commanders from being killed. Ajax, however, believes he has tortured and murdered them, and he even gloats over his victims, and so the evocation of the Iliad brings out Ajax’s total alienation from his fellow Greeks in a particularly shocking way. The relationship between Ajax, the powerful individual, and the wider Greek community lies at the core of Sophocles’ play. Just as Achilles in the Iliad puts his claim to timē (honour) before the good of the Homeric laos (army and people),11 so Ajax not only attempts to kill his fellow Greeks but also abandons those people who depend on him the most: his men, represented by the Chorus of Salaminian sailors who make up the Chorus, and his wife and son. And while the Iliad stresses the need for the hero to respect his community, the importance of this theme is still stronger in a fifth-century Athenian context, where democracy relied on the successful interaction of powerful individuals (like Pericles) and the people as a whole. Thus the Chorus insist on the symbiosis of leader and led: 11 For the threat to social cohesion posed by Agamemnon and Achilles’ attempts to push their claims to honour too far, see Allan and Cairns (n. 10).
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καίτοι σμικροὶ μεγάλων χωρὶς σφαλερὸν πύργου ῥῦμα πέλονται· μετὰ γὰρ μεγάλων βαιὸς ἄριστ’ ἂν καὶ μέγας ὀρθοῖθ’ ὑπὸ μικροτέρων.
(160)
CHORUS: Small men without the help of great men are unsafe defenders of a bastion: for little men are most successful when allied with the great and the great when served by the little. (Ajax 158-61)
Ajax’s disastrous inability to be a community-oriented hero is most powerfully presented in his interactions with his wife, Tecmessa, in a scene that is the clearest example of Iliadic intertextuality in all surviving tragedy, as Sophocles evokes the meeting between Hector and Andromache in Iliad 6 to draw attention to Ajax’s lack of compassion and his rigid focus on his own honour. Tecmessa’s appeal reworks key aspects of the Iliadic scene: καί τις πικρὸν πρόσφθεγμα δεσποτῶν ἐρεῖ λόγοις ἰάπτων, “ἴδετε τὴν ὁμευνέτιν Αἴαντος, ὃς μέγιστον ἴσχυσε στρατοῦ, οἵας λατρείας ἀνθ’ ὅσου ζήλου τρέφει.” τοιαῦτ’ ἐρεῖ τις· κἀμὲ μὲν δαίμων ἐλᾷ, σοὶ δ’ αἰσχρὰ τἄπη ταῦτα καὶ τῷ σῷ γένει. ἀλλ’ αἴδεσαι μὲν πατέρα τὸν σὸν ἐν λυγρῷ γήρᾳ προλείπων, αἴδεσαι δὲ μητέρα πολλῶν ἐτῶν κληροῦχον, ἥ σε πολλάκις θεοῖς ἀρᾶται ζῶντα πρὸς δόμους μολεῖν· οἴκτιρε δ’, ὦναξ, παῖδα τὸν σόν, εἰ νέας τροφῆς στερηθεὶς σοῦ διοίσεται μόνος
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ὑπ’ ὀρφανιστῶν μὴ φίλων, ὅσον κακὸν κείνῳ τε κἀμοὶ τοῦθ’, ὅταν θάνῃς, νεμεῖς. ἐμοὶ γὰρ οὐκέτ’ ἔστιν εἰς ὅ τι βλέπω πλὴν σοῦ. σὺ γάρ μοι πατρίδ’ ᾔστωσας δορί, καὶ μητέρ’ ἄλλη μοῖρα τὸν φύσαντά τε καθεῖλεν Ἅιδου θανασίμους οἰκήτορας.
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TECMESSA: Then one of my masters will address me hurtfully with bitter words, ‘Behold the concubine of Ajax, who was the army’s mightiest man, and see what slavery she endures instead of being so envied.’ So someone will say, and fate will drive me off, and these words will shame you and your family. Come, show respect for your father, whom you abandon in old age, and for your mother, with her share of many years, who often prays to the gods that you may return home alive. And pity too, my lord, your son, if he is to be deprived of childhood sustenance and endure life alone without you under unfriendly guardians, and pity how much misery you will cause him and me, when you die. For I have no one to look to except you: it was you who wiped out my country with violence, and another fate has taken my mother and father down to dwell in death as inhabitants of Hades. (Ajax 500-17)
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Tecmessa’s speech evokes Hector – in her use of tis-speeches, imagining what people will say about Andromache’s or (as here) Tecmessa’s enslavement – and it also evokes Andromache, in the appeal (in lines 506ff.) to Ajax’s father, mother, and son, as well as to Ajax’s concern for Tecmessa herself, which recalls Andromache’s famous words, ‘But you, Hector, are to me father and honoured mother / and brother too, as well as my strong husband’ (Ἕκτορ ἀτὰρ σύ μοί ἐσσι πατὴρ καὶ πότνια μήτηρ / ἠδὲ κασίγνητος, σὺ δέ μοι θαλερὸς παρακοίτης·, Il. 6.429-30). Thus Tecmessa’s speech seeks to cast Ajax as a Hector figure – i.e. as a socially-focused hero. But note that it is Tecmessa (the Andromache figure) and not Ajax (the Hector figure) who is capable of thinking about other people here. In other words, although Hector in the Iliad pursues his honour even at the risk of his family’s survival, his humanity and sympathy with them is shown by the fact that he makes clear in his speech to Andromache that he understands the risks and that he dreads the thought of her being enslaved. Conversely, it is Tecmessa in the Ajax who has to bring this up: Ajax himself represents only the selfish side of the Homeric Hector. Another revealing aspect of this scene’s transformation of the Homeric concept of heroism is the focus on Ajax’s shield and Eurysaces’ name: ἀλλ’ αὐτό μοι σύ, παῖ, λαβὼν τοὐπώνυμον, Εὐρύσακες, ἴσχε διὰ πολυρράφου στρέφων πόρπακος ἑπτάβοιον ἄρρηκτον σάκος· τὰ δ’ ἄλλα τεύχη κοίν’ ἐμοὶ τεθάψεται.
(575)
AJAX: But you, my son, take this which gives you your name, Eurysaces, wielding it by its well-sewn handle, my unbreakable shield made of seven hides. The rest of my armour will be buried with me. (Ajax 574-7)
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In the Iliad, Astyanax gets his name because of Hector’s protection of his people: τόν ῥ’ Ἕκτωρ καλέεσκε Σκαμάνδριον, αὐτὰρ οἱ ἄλλοι Ἀστυάνακτ’· οἶος γὰρ ἐρύετο Ἴλιον Ἕκτωρ. Hector called him Scamandrios, but the others Astyanax [Lord of the City], for Hector alone protected Ilios. (Iliad 6.402-3)
Conversely, Eurysaces gets his name from his father’s own personal prowess; and this more selfish focus is also shown in Ajax’s explicit forbidding of anyone else to have or use his armour at 577 – it will all be buried, except for the shield which Eurysaces will get. How would a fifth-century Athenian view Ajax, a man who puts his personal claim to honour before the interests of his own family and his own men? A fifth-century Athenian may admire heroes like Ajax, not least for the ways in which they are unlike contemporary people (stronger, braver, more resolute, and so forth), but the surviving plays of all three major tragedians point again and again to the negative consequences of their character and actions. There is a difference, after all, between admiring Ajax’s blunt warrior ethic and actually wanting him along on an expedition. Ajax abandons his family and his men, despite their desperate pleading, so while he may be thought great in some respects, an Athenian would surely hope that his philoi (relatives or friends) and his strategoi (military leaders) would be more mindful of their duties and responsibilities.12 12 On Ajax’s relationships with his philoi, see M. W. Blundell, Helping Friends and Harming Enemies: A Study in Sophocles and Greek Ethics (Cambridge, 1989), 72-81.
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Unlike Iliad Book 9, where Ajax’s role in the embassy to Achilles underlines his persona as the man with the best interests of the army at heart, here in Sophocles’ play he is at odds not only with the Greek leadership but with the army as a whole, and he dies cursing them all: ἴτ’, ὦ ταχεῖαι ποίνιμοί τ’ Ἐρινύες, γεύεσθε, μὴ φείδεσθε πανδήμου στρατοῦ. AJAX: Come, you swift avenging Furies, devour them, spare not the whole body of the army. (Ajax 843-4)
The army is pandēmos (844), and so represents the people in conceptual terms, which stresses the harm done by Ajax to the ordinary citizens.13 In a society like Athens which valued dialogue and compromise (at least in theory) Ajax’s blanket and inflexible ethics of love and hate, friend and enemy, is wholly out of place. A mixed society like Athens, full of tensions between democrats, oligarchs, and potentially tyrannical aristocrats, needs a system of checks and balances in order to survive. Of course Ajax also tries to murder his comrades-in-arms because of a personal slight, an act hardly in keeping with the Athenians’ own ephebic oath or the hoplite ethos of sticking together come what may. So Ajax is from the very start a bad citizen who is a danger to the community, not just when he decides to kill himself. Ajax’s inability to change, to yield, to be flexible, is stressed throughout the play, most famously in his so-called Deception
13 Cf. R. C. Jebb (ed.), Sophocles: Ajax (Cambridge, 1896), xl ‘It can hardly be said that the army at large were involved in the guilt of the award [of Achilles’ arms]; they had nothing to do with it, and could not prevent or reverse it.’
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Speech (Trugrede), where he ironically claims to have learned how to adapt and sōphronein – ἡμεῖς δὲ πῶς οὐ γνωσόμεσθα σωφρονεῖν; (‘How shall we not learn to be reasonable?’, Ajax 677) – that is, how to be sensible and measured in his response to changing circumstances.14 Some scholars, especially the so-called hero-worshippers, see Ajax’s inability to yield or to be flexible (a quality shared with other Sophoclean figures like Antigone or Philoctetes) as an emphatically admirable and positive thing, which sets them apart from the common run of mankind.15 But the disasters that ensue (or, in the case of Philoctetes, almost ensue) from their stubbornness show that these qualitites are not simply awesome, they are also dangerous, and the flexibility of Odysseus emerges in the Ajax as the more appropriate quality. As Odysseus says in justification of his support for Ajax’s honourable burial, ‘It is not my way to approve of a rigid character’ (σκληρὰν ἐπαινεῖν οὐ φιλῶ ψυχὴν ἐγώ, Ajax 1361). Of course such flexibility could be portrayed negatively as showing a lack of moral principle, as with the portrayal of Odysseus in Sophocles’ Philoctetes, but here in the Ajax it is a positive quality, which throws into relief Ajax’s self-centredness and stubbornness and thus his threat to social cohesion. As I said earlier, Ajax is undoubtedly an admirable figure. He embodies a potent fantasy of masculinity: a strong, brave, honourable, and decisive warrior, who has an appeal for all Athenians, not just the aristocratic elite. And so although Ajax’s 14 For a helpful analysis of this famous speech, see J. Hesk, Sophocles: Ajax (London, 2003), 74-95. 15 For a review of hero-worshipping approaches to Ajax and other Sophoclean protagonists, especially the influential studies of Sophoclean tragedy by Knox and the commentary of A. F. Garvie (ed.), Sophocles: Ajax (Warminster, 1998), see P. J. Finglass, ‘Ajax’, in A. Markantonatos (ed.), Brill’s Companion to Sophocles (Leiden, 2012), 59-72, at 61-2.
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extreme self-centredness leads to his destruction, Sophocles deliberately plays up Ajax’s admirable qualities, such as his bravery and loyalty at Troy: χὤτ’ αὖθις αὐτὸς Ἕκτορος μόνος μόνου, λαχών τε κἀκέλευστος, ἦλθεν ἀντίος, οὐ δραπέτην τὸν κλῆρον ἐς μέσον καθείς, ὑγρᾶς ἀρούρας βῶλον, ἀλλ’ ὃς εὐλόφου κυνῆς ἔμελλε πρῶτος ἅλμα κουφιεῖν;
(1285)
TEUCER: Or what about when another time he confronted Hector all alone, by lot and without being ordered, and faced him man to man, having cast in a token that was no runaway, no lump of moist earth, but one that would leap out first from the crested helmet? (Ajax 1283-7)
This recalls the famous scene in Iliad 7, where Ajax is chosen by lot to fight in single combat against Hector, but it is no coincidence that Sophocles emphasizes these postive attributes in the second half of the play – that is, after Ajax is dead – because he is looking forward to Ajax’s future as one of the ten eponymous heroes of the Athenian polis. Ajax had a statue in the agora, and a hero-cult (complete with shrine and festival) on the island of Salamis, which since the sixth century had been part of the Athenians’ power base. Ajax’s final words include a farewell to Athens: ὦ φέγγος, ὦ γῆς ἱερὸν οἰκείας πέδον Σαλαμῖνος, ὦ πατρῷον ἑστίας βάθρον, κλειναί τ’ Ἀθῆναι, καὶ τὸ σύντροφον γένος,
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κρῆναί τε ποταμοί θ’ οἵδε, καὶ τὰ Τρωικὰ πεδία προσαυδῶ, χαίρετ’, ὦ τροφῆς ἐμοί· τοῦθ’ ὑμὶν Αἴας τοὔπος ὕστατον θροεῖ, τὰ δ’ ἄλλ’ ἐν Ἅιδου τοῖς κάτω μυθήσομαι.
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AJAX: O light, O sacred soil of my homeland Salamis, O seat of my ancestral hearth, and you, glorious Athens, and your race kindred to mine, and the springs and rivers of this land, and the plains of Troy do I address: farewell, you who have nurtured me! This is the last word Ajax will speak to you, the rest I shall utter to the shades in Hades below. (Ajax 859-65)16
Indeed, Ajax’s body is treated as if it were a sacred object even before his burial, as his corpse is able to shelter the suppliant Tecmessa and Eurysaces. Thus the closing tableau suggests Ajax’s incipient hero-cult, and reminds the Athenian audience of Ajax’s value to them as a protector – among other things, Ajax had helped the Athenians during the crucial battle of Salamis in 480, and the Athenians had dedicated a captured trireme to him in return: Πρῶτα μέν νυν τοῖσι θεοῖσι ἐξεῖλον ἀκροθίνια ἄλλα τε καὶ τριήρεας τρεῖς Φοινίσσας, τὴν μὲν ἐς Ἰσθμὸν ἀναθεῖναι, ἥ περ ἔτι καὶ ἐς ἐμὲ ἦν, τὴν δὲ ἐπὶ Σούνιον, τὴν δὲ τῷ Αἴαντι αὐτοῦ ἐς Σαλαμῖνα.
16 On Ajax’s final words and their hymn-like quality, cf. most recently S. Nooter, When Heroes Sing: Sophocles and the Shifting Soundscape of Tragedy (Cambridge, 2012), 50-1.
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The first thing they did on reaching Salamis was to set apart for the gods, among other ‘first fruits’, three Phoenician triremes, one to be dedicated at the Isthmus (where it still was in my own day), the second at Sunium, and the third as an offering to Ajax at Salamis itself. (Herodotus, 8.121)
Thus the play’s resolution shows that heroes like Ajax can be incorporated into fifth-century Athenian society, but only as dead heroes, that is, as recipients of hero-cult who are honoured in return for their protection of Athens. Ajax, one of the ten eponymous heroes of the Athenian polis, is thus an excellent example of an approach to the powerful figures of the heroic past which we find throughout the tragedies produced in fifth-century Athens. The tragedians do not deny the admirable qualities of their aristocratic heroes, but they also show the disastrous consequences of their excessive self-regard. As with Cleisthenes’ reforms which created ten tribes of Athens descended from heroic stock, so too the tragedians deploy the heroes democratically, adapting the heroic past to appeal to as many Athenians as possible. They do this by insisting on the heroes’ positive as well as negative qualities, and by showing how the excessive figures of heroic myth can act for the good of the community – albeit only in death. So, to conclude our discussion of the Ajax, we can say that it is a play whose interpretation relies on understanding fifth-century Athenian attitudes to the relationship between the powerful individual and the group, and that it is thus a deeply political play. Unfortunately, this is not seen in the otherwise admirable recent edition of the Ajax, whose barely page-long treatment of ‘politics’
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begins ‘Ajax mentions the polis twice.’17 Such reductionism of ‘politics’ to passages where ‘polis’ occurs is too restrictive – even if one can understand it as a conservative reaction to the tragedy-as-subversion-of-polis-ideology approach which has been influential in recent years. As I have tried to show, however, the Ajax (like all other tragedies) is a political drama, and one that transforms its epic raw material not to subvert Athenian ideology (contra the mantra of much recent scholarship), nor to freight it with myriad destabilizing ambiguities,18 but rather to reflect on how best to construct a harmonious society where people do not push their personal claims to timē too far, to the detriment of both themselves and their community. Turning now to the Iphigenia at Aulis, I shall argue that we see here the splitting of the Homeric Achilles between the characters of Achilles himself and Iphigenia, whose choice between a short and glorious or long and inglorious life reworks in fifth-century and community-oriented terms the central dilemma of the Iliadic hero. The Euripidean Achilles, conversely, reflects many of the negative traits of the Homeric hero when viewed through the eyes of a fifth-century Athenian audience.19 As is well known, the text of the Iphigenia at Aulis is highly disputed, and there are certainly a number of passages, not least the prologue and the ending of the play, which have been reworked or added by later revisers, beginning with 4th-century BC actors and producers, but fortunately the passages which I shall be focusing on here are either accepted by most editors as belonging to the original performance text, which was staged 17 P. J. Finglass (ed.), Sophocles: Ajax (Cambridge, 2011), 57. 18 Pace e.g. S. Goldhill, Sophocles and the Language of Tragedy (Oxford, 2012). 19 The IA is the only surviving tragedy in which Achilles appears on stage: see P. Michelakis, Achilles in Greek Tragedy (Cambridge, 2002), 84-143.
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soon after Euripides’ death in 407/6, probably in 405 BC, or they are at least the product of an early revision by fourth-century BC actors or producers, who were still living in a democratic Athens and so still reflecting a communal ideology.20 (The final messenger speech, lines 1578ff. until the end of the play, where Artemis saves Iphigenia and a doe is sacrificed in her place, is beyond the scope of this paper; it is full of metrical flaws and was clearly written by a much later figure, probably between the 4th and 7th centuries AD, according to Martin West’s study of the author’s metrical practice.21) When Achilles first enters the play (801ff.) he faces a complicated situation: after much changing of mind Agamemnon has finally determined that he has to go through with the sacrifice of his daughter Iphigenia, but he naturally wants to hide the truth from Clytemnestra until after the sacrifice has taken place (538-42). Despite his best efforts, however, Agamemnon cannot persuade Clytemnestra to return to Argos and she insists on staying at Aulis to attend her daughter’s supposed marriage to Achilles. It is at this point that Achilles enters the play, and his opening speech makes clear he is unimpressed by Agamemnon’s handling of the army and their joint expedition: ποῦ τῶν Ἀχαιῶν ἐνθάδ’ ὁ στρατηλάτης; τίς ἂν φράσειε προσπόλων τὸν Πηλέως ζητοῦντά νιν παῖδ’ ἐν πύλαις Ἀχιλλέα; οὐκ ἐξ ἴσου γὰρ μένομεν Εὐρίπου πέλας; οἱ μὲν γὰρ ἡμῶν, ὄντες ἄζυγες γάμων, οἴκους ἐρήμους ἐκλιπόντες ἐνθάδε
(805)
20 For the interpolations of later actors and producers, see D. L. Page, Actors’ Interpolations in Greek Tragedy (Oxford, 1934); D. Kovacs, ‘Towards a Reconstruction of Iphigenia Aulidensis’, JHS 123 (2003), 77-103. 21 M. L. West, ‘Tragica V’, BICS 28 (1981), 61-78, at 73-7.
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θάσσουσ’ ἐπ’ ἀκταῖς, οἱ δ’ ἔχοντες εὔνιδας καὶ παῖδας· οὕτω δεινὸς ἐμπέπτωκ’ ἔρως τῆσδε στρατείας Ἑλλάδ’ οὐκ ἄνευ θεῶν. ACHILLES: Where here is the Achaeans’ general? Which of his servants will tell him that Peleus’ son, Achilles, is looking for him at his gates? For are we not all equally waiting around by the Euripus? Some of us, being unmarried, have left our houses desolate and sit here on the shore, while others have left wives and children; so terrible is the passion for this expedition that fell upon Greece by the will of the gods. (Iphigenia at Aulis 801-9)
The scene is reminiscent of Achilles’ first appearance in the Iliad, where he speaks up and takes the initiative over things not going well for the Achaeans, who are being decimated by the plague caused by Agamemnon’s dishonouring of Apollo’s priest, Chryses. In his first words in the play Achilles seems to adopt a similar role, as a spokesman for the army as a whole, who is concerned for their general well-being: thus in line 804 he stresses the equality of the soldiers’ situation (οὐκ ἐξ ἴσου γὰρ μένομεν, ‘are we not equally waiting around?’), and in 805-8 he lists both married and unmarried men as being affected by Agamemnon’s delaying. But after this all-encompassing introduction Achilles says: τοὐμὸν μὲν οὖν δίκαιον ἐμὲ λέγειν χρέος, ἄλλος δ’ ὁ χρήιζων αὐτὸς ὑπὲρ αὑτοῦ φράσει.
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ACHILLES: It is right for me to speak about my own just claim,} another man if he wants can speak on his own behalf. (IA 810-11)
These words make clear that this is an even more self-absorbed Achilles than his Homeric predecessor. Though the Achilles of the Iliad withdraws to only caring about himself and his fellow Myrmidons, the Achilles of the IA seems to start from this position, so that Euripides is highlighting the selfish side of the Iliadic Achilles’ character. The idea that Euripides wants us to think of the Iliad is also expressed by Achilles’ insistence later in the scene that the Old Man who has come to reveal the truth to him and Clytemnestra cannot be his slave, ‘for my possessions and Agamemnon’s are separate’ (τίνος; ἐμὸς μὲν οὐχί· χωρὶς τἀμὰ κἀγαμέμνονος, ‘Whose slave? Certainly not mine: for my possessions and Agamemnon’s are separate’, IA 859), which is again a reference to the quarrel at the start of the Iliad over the possession of slaves (Chryseis and Briseis). But Euripides evokes the model in order to point out the differences: the Iliadic Achilles mounts a principled protest about the abuse of his honour (as symbolized by the removal of his war-prize Briseis), whereas the Euripidean one is pedantic about his household possessions. The pettiness of Achilles is also expressed by his initial reaction to the news of Iphigenia’s sacrifice: as in the Iliad, Achilles takes offence at the Achaean leadership over a perceived slight to his honour, but here his reaction is cast much less sympathetically, for in the Iliad we are encouraged to take issues of timē seriously, whereas in the IA there is a juxtaposition between Achilles’ pride – he sees the crisis as if it were all about himself and his good name – and the real threat facing Iphigenia:
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ἐγὼ κάκιστος ἦν ἄρ’ Ἀργείων ἀνήρ, ἐγὼ τὸ μηδέν, Μενέλεως δ’ ἐν ἀνδράσιν, (945) ὡς οὐχὶ Πηλέως ἀλλ’ ἀλάστορος γεγώς, εἴπερ φονεύει τοὐμὸν ὄνομα σῶι πόσει. ACHILLES: So it seems I was the worst of the Argives, a nobody, a Menelaus among men, no son of Peleus but the product of an avenging spirit, if my name is committing murder on your husband’s behalf. (IA 944-7)
When Achilles declares his readiness to protect Iphigenia even at the cost of fighting his fellow Greeks, we may sympathize with his efforts to defend the girl, but it is striking how Achilles’ position is set up in terms of the individual at odds with the wider community, and this position is challenged by Iphigenia herself as she justifies her self-sacrifice with an appeal to community-based values. Indeed, she begins her speech by suggesting that it is not right for Achilles to be on the wrong side of the army: τὸν μὲν οὖν ξένον δίκαιον αἰνέσαι προθυμίας· ἀλλὰ καὶ σὲ τοῦθ’ ὁρᾶν χρή, μὴ διαβληθῆι στρατῶι, καὶ πλέον πράξωμεν οὐδέν, ὅδε δὲ συμφορᾶς τύχηι. IPHIGENIA: It is right we thank the stranger for his efforts; but you must also take care that he is not criticized by the army, and we are no better off but he suffers misfortune. (IA 1371-3)
Iphigenia’s surprising change of mind is expressed in a speech full of Achillean language: she presents herself in lines 1374-80 as
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the best of the Achaeans and the individual on whom the fate of the army depends: οἷα δ’ εἰσῆλθέν μ’ ἄκουσον, μῆτερ, ἐννοουμένην· κατθανεῖν μέν μοι δέδοκται· τοῦτο δ’ αὐτὸ βούλομαι (1375) εὐκλεῶς πρᾶξαι, παρεῖσά γ’ ἐκποδὼν τὸ δυσγενές. δεῦρο δὴ σκέψαι μεθ’ ἡμῶν, μῆτερ, ὡς καλῶς λέγω· εἰς ἔμ’ Ἑλλὰς ἡ μεγίστη πᾶσα νῦν ἀποβλέπει, κἀν ἐμοὶ πορθμός τε ναῶν καὶ Φρυγῶν κατασκαφαὶ, τάς τε μελλούσας γυναῖκας μή τι δρῶσι βάρβαροι. (1380) IPHIGENIA: Listen, mother, to what has occurred to me as I pondered. I am resolved to die: and this I want to do with honour, dismissing all that is base. Think about this with me, mother, and see how well I speak: all of mighty Hellas now looks to me, and on me depends the voyage of the fleet and the destruction of Troy, so that the barbarians will not harm our women in the future. (IA 1374-80)
Then in 1383-4 she imagines the kleos to be gained by her death: ταῦτα πάντα κατθανοῦσα ῥύσομαι, καί μου κλέος, Ἑλλάδ’ ὡς ἠλευθέρωσα, μακάριον γενήσεται.
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IPHIGENIA: All this I shall save by my death, and the fame I win for setting Hellas free will be a blessed one. (IA 1383-4)
We are reminded of Achilles’ choice in book 9 of the Iliad between a short and glorious life or a long and inglorious one (Il. 9.41016). But Iphigenia’s focus is on the benefit of the community, not on kleos for its own sake: thus she dies to protect all Greek women (1379-80), and declares that she was born ‘for all the Greeks in common’ (1386): καὶ γὰρ οὐδέ τοί λίαν ἐμὲ φιλοψυχεῖν χρεών· (1385) πᾶσι γάρ μ’ Ἕλλησι κοινὸν ἔτεκες, οὐχὶ σοὶ μόνηι. ἀλλὰ μυρίοι μὲν ἄνδρες ἀσπίσιν πεφαργμένοι, μυρίοι δ’ ἐρέτμ’ ἔχοντες, πατρίδος ἠδικημένης, δρᾶν τι τολμήσουσιν ἐχθροὺς χὐπὲρ Ἑλλάδος θανεῖν, ἡ δ’ ἐμὴ ψυχὴ μί’ οὖσα πάντα κωλύσει τάδε; (1390) IPHIGENIA: Besides, it is not right for me to be too much in love with life for you bore me for all the Greeks in common, not for yourself alone. What! Will countless warriors with shields tightly packed and countless rowers, seeing that their country has been wronged, find the courage to fight the enemy and die for Hellas, and yet my one life will stand in the way of all this? (IA 1385-90)
The explicit presentation here in lines 1387-8 of the Achaean army as consisting of hoplites and rowers evokes a type of fighting
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which is not only very fifth-century but also relies on co-operative effort. Throughout her final appearance Iphigenia insists that her help is community focused: thus she will give herself to Greece (δίδωμι σῶμα τοὐμὸν Ἑλλάδι, ‘I give my body to Hellas’, IA 1397) and calls herself ‘the benefactor of Hellas’ (ὡς εὐτυχοῦσά γ’ Ἑλλάδος τ’ εὐεργέτις, ‘I am fortunate and the benefactor of Hellas’, IA 1446). And it is also striking how Iphigenia co-opts heroic language for her own ends: thus, as her ringing conclusion makes clear, she is interested in a memorial and in city-sacking, but her heroic self-assertion is geared towards the benefit of the Greeks as a whole: θύετ’, ἐκπορθεῖτε Τροίαν· ταῦτα γὰρ μνημεῖά μου διὰ μακροῦ καὶ παῖδες οὗτοι καὶ γάμοι καὶ δόξ’ ἐμή. βαρβάρων δ’ Ἕλληνας ἄρχειν εἰκός, ἀλλ’ οὐ βαρβάρους (1400) μῆτερ, Ἑλλήνων· τὸ μὲν γὰρ δοῦλον, οἱ δ’ ἐλεύθεροι. IPHIGENIA: Sacrifice me, and destroy Troy! That will be my memorial for all time, that will be children and marriage and my good name. It is right, mother, that Greeks rule over barbarians, not barbarians over Greeks: for one sort are slaves, but the others are free. (IA 1398-1401)22
22 On Iphigenia’s and the play’s Panhellenism, see G. Mellert-Hoffmann, Untersuchungen zur ‘Iphigenie in Aulis’ des Euripides (Heidelberg, 1969), 74-89; P. Michelakis, Euripides: Iphigenia at Aulis (London, 2006), 76-8.
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epic heroes in tragedy
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Following her desperate supplication of Agamemnon earlier in the play (1211ff.), Iphigenia’s change of heart is both unexpected and appropriate.23 Unexpected, because we see a shy young maiden transform herself into the saviour of Greece, and appropriate, because she returns the myth of the Trojan War, which was in danger of being derailed, to its familiar course.24 But whereas the familiar myth is restored elsewhere by the intervention of a deus ex machina – Heracles in Sophocles’ Philoctetes, for example, or Apollo in Euripides’ Orestes – here it is Iphigenia herself who makes the difference. Indeed, the contrast with the Philoctetes is particularly telling, since Iphigenia is flexible and community-oriented, whereas Philoctetes remains bitter and self-centred to the end. Iphigenia’s conduct saves the plot (the Trojan War will take place), whereas Philoctetes’ stubbornness requires divine intervention to make sure that Philoctetes reaches Troy and the war is won. Iphigenia’s patriotic self-sacrifice – a pattern found in other Euripidean plays such as the Children of Heracles, the Phoenician Women, and Erechtheus – is a peculiarly overt example of tragedy’s recasting of a famous epic episode (the dilemma facing the Achaeans at Aulis) in terms that appeal to a fifth-century Athenian audience. Like Sophocles’ Ajax, Euripides’ IA emphasizes the interdependence of the heroic individual and the wider community. Whereas the Ajax focuses on the dangers of excessive devotion to personal honour and stresses the value of Ajax after 23 For the importance of changes of mind to the development of the IA’s plot and its characters, see J. Griffin, ‘Characterization in Euripides: Hippolytos and Iphigenia in Aulis’, in C. Pelling (ed.), Characterization and Individuality in Greek Literature (Oxford, 1990), 128-49. 24 For the replacement of Iphigenia’s marriage and motherhood by her ‘parentage’ of the Trojan War, see G. B. Walsh, ‘Iphigenia in Aulis: Third Stasimon’, Classical Philology 69 (1974), 241-8.
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he is dead and gone, the IA presents the best form of heroism as that which is performed on behalf of the community as a whole and stresses the excellence of Iphigenia in freely choosing her own death.25 In Homer too, of course, the best hero and leader is the one who can balance his own claim to timē with the good of the people as a whole, but tragedy makes the communal value of heroism even more central to its portrayal of the heroic past. Iphigenia too displays a heroic concern with honour and reputation, but her final choice underlines the value of community-oriented decision-making – an idea geared to appeal to a wide swathe of the fifth-century Athenian audience – and her patriotism should not be ironized out of existence, as it sometimes is by post-modern critics, who are uncomfortable with such popular sentiment, and who do not see how it underpins tragedy’s popular appeal. In conclusion, we have seen, firstly, that tragedy as a genre is interested in reflecting on and showing the benefits of contemporary society; and secondly, that in these plays, the Ajax and the Iphigenia at Aulis, Sophocles and Euripides use figures with an epic past in order to evoke generic and normative differences between tragedy and epic, and do so in a way that shows the ethical and political superiority of tragedy’s handling of the heroic past, when viewed from a fifth-century Athenian perspective.
25 On the integrity of Iphigenia’s final decision, see M. McDonald, ‘Iphigenia’s Philia: Motivation in Euripides’ Iphigenia at Aulis’, QUCC 63 (1990), 69-84.
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Lyric poetry and its Platonic pedigree
Andrea Capra Università degli Studi di Milano
The opposition between lyric and epic poetry may look like a clear-cut, natural phenomenon. The distinction used to be seen as an opposition between distinct ‘eras’, the era of archaic epic and the more modern era of lyric poetry, the latter characterized by what Bruno Snell conceived of as the discovery of a new dimension in man’s Geist, namely the individual.1 This approach is still wide-spread, but these days scholars tend to dismiss such 1 As is suggested by the very title of his influential book: B. Snell, Die Entdeckung des Geistes. Entstehung des europäischen Denkens bei den Griechen, Hamburg 1946.
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teleological narratives. Rather, it is now common to stress that the very notion of ‘lyric poetry’ is by and large a modern invention, an artificial category designed to cover such diverse genres as iambus, elegy, and melos. What seems to be missing, moreover, is the idea that ‘lyric’ may point to special contents or even to a specific Weltanschauung. A new orthodoxy, then, is emerging.2 All in all, this is a welcome change, and yet I will argue that, on occasion, Plato may suggest a slightly different story, one that is not wholly incompatible with the ‘old’ orthodoxy. A crucial step in deconstructing the idealistic paradigm was taken by Gérard Genette in his seminal work Introduction à l’architexte.3 Genette emphasised a curious fact: Plato and Aristotle are often credited with a theory of literary genres that encompasses lyric as well as drama and epic. On closer inspection, however, they are both stubbornly silent on lyric poetry as such. Genette’s book starts from a couple of quotes from Bakhtin and Todorov, who both ascribe to Plato and Aristotle a tripartite idea of poetry as consisting in lyric, epic and drama. Genette then surveys the genesis and the persistence of this wrong stereotype in the European history of poetics, a phenomenon he calls ‘the retrospective illusion by which modern (preromantic, romantic, and postromantic) literary theorists blindly project their own contributions onto Aristotle, or Plato, and thus ‘bury’ their own difference, their own modernity’.4 On discussing poetry in the Republic, Plato’s top category, comprising every possible form of poetic production, is what he calls diegesis. Here is how Genette puts it: 2 Cf. A. Capra, ‘Lyric Poetry’, in G.R. Boys-Stones, B. Graziosi, P. Vasunia (eds.), Oxford Handbook of Hellenic Studies, Oxford 2009, 454-468. 3 G. Genette, Introduction à l’architexte, Paris 1979 (The Architext: An Introduction, translated by Jane E. Lewin, Oxford 1992). 4 Genette (n. 3) at 5.
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Clearly, Plato here is considering only the forms of poetry that is ‘narrative’ in the broad sense - poetry that the subsequent tradition, after Aristotle, will more readily call (inverting the terms) ‘mimetic’ or representational: poetry that ‘reports’ events, real of fictive. Plato deliberately leaves out all nonrepresentational poetry - and thus, above all, what we call lyric poetry.5
From this point of view, Aristotle closely follows in his master’s footsteps. Granted, Aristotle’s top category is not diegesis but mimesis: to him every conceivable form of poetry is primarily a form of imitation rather than a narrative. As far as lyric poetry is concerned, however, the outcome is more or less the same. Genette again: To Aristotle, as we know, ‘it would be right to call … [Empedocles] physicist rather than poet’, even though Empedocles uses the same meter as Homer. As for the poems that we would call lyric (for example, those of Sappho or Pindar), neither here nor elsewhere in the Poetics does Aristotle mention them; they are plainly outside his field, as they were outside Plato’s.6
To be sure, there is a certain tension, in both Plato and Aristotle, between a purely formal approach and one that is more compromised with content and themes. Thus, strictly speaking Plato’s Republic discusses modes of enunciation, in a way that can be represented as follows: 7
5 Genette (n. 3) at 9. 6 Genette (n. 3) at 10. 7 Cf. Genette (n. 3) at 23.
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Narrative
Mixed
Dramatic
As Genette repeatedly points out, this description is clearly more linguistic than poetic or literary. However, there are moments in the Republic when Plato seems to be discussing genres rather than modes, and in some sense he clearly thinks that tragedy is a way of thinking, a Weltanschauung (and a very bad one at that!). A similar tension can be seen at work in Aristotle, so that actual tragedy can be described as the intersection between high drama, which is fundamentally a mode as it was in Plato, and what Genette calls ‘the tragic’, that is a certain way of seeing and feeling the world. Genette also makes the important point that Aristotle somehow simplifies the picture. Plato’s purely narrative way of telling things, with his baffling reference to dithyramb as an example of the narrative mode (Resp. 394c), is an abstraction rather than a reality: hardly any form of poetry can work that way. As Genette puts it, ‘If the dithyramb is a phantom genre, pure narrative is a fictitious mode, or at least a purely ‘theoretical’ one, and Aristotle’s abandoning it is also a characteristic expression of empiricism’.8 This is why Aristotle moves on to a bipartite conception:9 x
Narrative
Dramatic
By narrative, Aristotle means what Plato called mixed, given that the pure narrative mode seems to be a theoretical construction, which Aristotle has no inclination for. As Genette wittingly remarks ‘the perspicacious reader will say there is a slot
8 Genette (n. 3) at 22. 9 Cf. Genette (n. 3) at 23.
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to be filled, and it’s easy to guess what happens next, especially when we already know the outcome’.10 And the outcome is of course the modern apparition, as a pseudo-Platonic and especially pseudo-Aristotelian category, of lyric poetry. Is this the whole story? Yes and no, I would say, at least as regards Plato. Genette perceptively notes that the exclusion of nonrepresentational poetry from the Republic may be ‘a restriction ad hoc, since it facilitates the banning of poets’.11 We may add Aristotle’s important testimony to the fact that ‘all the discourses of Socrates possess brilliance, cleverness, originality and keenness of inquiry’.12 The reference is to Plato’s dialogues and should be taken as a warning. One should never generalize what is found in a given Platonic dialogue, as the context usually plays a crucial role. In what follows, I will try to make the most of this cautious remark. Plato on (lyric) poetry: a variety of perspectives It is probably not mimesis per se that makes the case for lyric poetry in Aristotle a desperate one. As Genette’s survey of later poetic treatises shows, one way out is to argue that it is possible to imitate one’s own feelings, so that poetry, qua mimesis, can somehow comprise lyric as well. The problem is that Aristotle, who is by and large interested in tragedy rather than in other genres, mainly refers to mimesis as the imitation of an action, which seems to rule out lyric poetry altogether. Before we move to Plato, let us note that in Aristotle’s Poetics the most important part of tragedy, and by implication of poetry,
10 Ibid. 11 Genette (n. 3) at 9. 12 Pol. 2.1265a12-14.
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is mythos. However, Aristotelian mythos does not mean anything like ‘myth’. Rather, it is something like plot or intelligible structure, an almost ‘biological’ meaning which seems to be unparalleled elsewhere.13 This would seem to rule out any comparison with Plato, and yet it should be noted that the very beginning of the Poetics has a strange Platonic flavour. Aristotle wants to explore the force and the organization of mythoi, something that is crucial for the success of poetry (1447a πῶς δεῖ συνίστασθαι τοὺς μύθους εἰ μέλλει καλῶς ἕξειν ἡ ποίησις). This closely recalls the beginning of the Phaedo. Before drinking the hemlock, Socrates goes through a surprising conversion to poetry, something that possibly points to Plato’s own literary output - after all, as a pupil of Socrates, Plato had to justify his choice to be a writer, unlike his master. In this passage, Socrates states that mythos is crucial for the very definition of poetry (61b ἐννοήσας ὅτι τὸν ποιητὴν δέοι, εἴπερ μέλλοι ποιητὴς εἶναι, ποιεῖν μύθους and cf. 60c μῦθον ἂν συνθεῖναι). In both works mythos is equally crucial. I take this as evidence that Aristotle was fully aware of the poetological import of the Phaedo’s passage, which can be read as Plato’s miniature ‘poetics’. In the Phaedo, then, mythos is a condicio sine qua non for poetry. It is not easy to pin down what Socrates means by mythos in this context, but the example he uses - an Aesopic image to express the idea that pleasure and pain go hand in hand - points to vividness, i.e. the ability to create and use images. The other kind of poetry Socrates tries his hand at in prison is a ‘hymn’ to Apollo, something that, as such, is surely compatible with what we moderns call lyric poetry. Precisely when he sounds Aristotelian, 13 Cf. A. Capra, ‘Aristotle’s Poetics and the Anatomy of Myth’, in M. Heath and D. Munteanu (eds.), The Poetics in its Aristotelian Context, forthcoming 2014.
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then, Plato leaves a door open for a different understanding of poetry, one that is not restricted to either diegesis or mimesis but emphasises the use of images. It is important to note that poetic genres are very fluid in Plato’s dialogues, and reflect a number of points of view.14 Part of the problem, then, lies in the fact that we tend to construe as distinct categories a number of poetic phenomena and forms of discourse that Plato would have considered, if not coincident, by and large overlapping. Another shifting area is the function of poetic discourse. What is the job of poetry? And what is the role of poetic genres? A reading of the poetic discussion in the Protagoras may be revealing. The sophist begins by claiming that a very important part of paideia is to be ‘clever’ (deinos) as regards epe (338e-339a). Taken out of context, this would surely prompt a translation like ‘knowledge of epic poetry’, but Protagoras will in fact focus on a lyric poem by Simonides, which he soon calls ‘a song’ (asma, 339b). And what does this knowledge amount to? One must be able to tell the difference between good and bad in a poem, that is - and here is a crucial point - to determine if a poem features good arguments. This is plainly clear in what follows: to both Socrates and Protagoras the poet ‘argues’ (legei) for this and that ‘as if he were telling a logos’ (ὣς ἂν εἰ λέγοι λόγον, 344b). As a consequence, he can be proven incorrect in case he contradicts himself.15 Here we have another view of poetry, as something very close to rhetoric, which calls to mind those Platonic passages 14 Thus, for example, Plato’s usage of ὕμνος covers epic, tragedy, lyric hymns and so forth. Cf. R. Velardi, ‘Le origini dell’inno in prosa tra V e IV secolo a.C.: Menandro Retore e Platone’, in A.C. Cassio and G. Cerri (edd.), L’inno tra rituale e letteratura nel mondo antico (Rome 1991), 205–231; M. Regali, Il poeta e il demiurgo. Teoria e prassi della produzione letteraria nel Timeo e nel Crizia di Platone (Sankt Augustin 2012) 34–37. 15 Cf. 339b, 339d, 344b.
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that describe poetry as a beautified form of rhetoric.16 Even more surprisingly, poetry, insofar as it proves capable to argue, ends up resembling philosophy - in fact, Socrates and Protagoras count Simonides among the great Sages of old. As we have seen, then, Plato’s dialogues feature very different perspectives on poetry. Poetry is diegesis in the Republic, and as such it is by and large incompatible with nonrepresentational lyric. But poetry is also argument, and it is also mythos, that is a form of discourse equipped with vivid images: this is surely closer to our idea of lyric poetry. An important confirmation will come from the Phaedrus, where lyric poetry takes centre stage. The Phaedrus and poetic inspiration I will start from a pivotal passage of the Phaedrus, at the junction between the first part, devoted to eros, and the second one, revolving around rhetoric. I am of course referring to the exquisite myth of the cicadas. Socrates characterises the story as something that no ‘friend of the Muses’ should ignore. Let me report it almost in full: Σχολὴ μὲν δή, ὡς ἔοικε· καὶ ἅμα μοι δοκοῦσιν ὡς ἐν τῷ πνίγει ὑπὲρ κεφαλῆς ἡμῶν οἱ τέττιγες ᾄδοντες καὶ ἀλλήλοις διαλεγόμενοι καθορᾶν καὶ ἡμᾶς. εἰ οὖν ἴδοιεν καὶ νὼ καθάπερ τοὺς πολλοὺς ἐν μεσημβρίᾳ μὴ διαλεγομένους ἀλλὰ νυστάζοντας καὶ κηλουμένους ὑφ’ αὑτῶν δι’ ἀργίαν τῆς διανοίας, δικαίως ἂν καταγελῷεν, ἡγούμενοι ἀνδράποδ’ ἄττα σφίσιν ἐλθόντα εἰς τὸ καταγώγιον ὥσπερ προβάτια μεσημβριάζοντα περὶ τὴν κρήνην εὕδειν· ἐὰν δὲ ὁρῶσι διαλεγομένους καὶ
16 Notably Resp. 603a and Grg. 502c.
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παραπλέοντάς σφας ὥσπερ Σειρῆνας ἀκηλήτους, ὃ γέρας παρὰ θεῶν ἔχουσιν ἀνθρώποις διδόναι, τάχ’ ἂν δοῖεν ἀγασθέντες … λέγεται δ’ ὥς ποτ’ ἦσαν οὗτοι ἄνθρωποι τῶν πρὶν Μούσας γεγονέναι, γενομένων δὲ Μουσῶν καὶ φανείσης ᾠδῆς οὕτως ἄρα τινὲς τῶν τότε ἐξεπλάγησαν ὑφ’ ἡδονῆς, ὥστε ᾄδοντες ἠμέλησαν σίτων τε καὶ ποτῶν, καὶ ἔλαθον τελευτήσαντες αὑτούς· ἐξ ὧν τὸ τεττίγων γένος μετ’ ἐκεῖνο φύεται, γέρας τοῦτο παρὰ Μουσῶν λαβόν, μηδὲν τροφῆς δεῖσθαι γενόμενον, ἀλλ’ ἄσιτόν τε καὶ ἄποτον εὐθὺς ᾄδειν, ἕως ἂν τελευτήσῃ, καὶ μετὰ ταῦτα ἐλθὸν παρὰ Μούσας ἀπαγγέλλειν τίς τίνα αὐτῶν τιμᾷ τῶν ἐνθάδε. Τερψιχόρᾳ μὲν οὖν τοὺς ἐν τοῖς χοροῖς τετιμηκότας αὐτὴν ἀπαγγέλλοντες ποιοῦσι προσφιλεστέρους, τῇ δὲ Ἐρατοῖ τοὺς ἐν τοῖς ἐρωτικοῖς, καὶ ταῖς ἄλλαις οὕτως, κατὰ τὸ εἶδος ἑκάστης τιμῆς· τῇ δὲ πρεσβυτάτῃ Καλλιόπῃ καὶ τῇ μετ’ αὐτὴν Οὐρανίᾳ τοὺς ἐν φιλοσοφίᾳ διάγοντάς τε καὶ τιμῶντας τὴν ἐκείνων μουσικὴν ἀγγέλλουσιν, αἳ δὴ μάλιστα τῶν Μουσῶν περί τε οὐρανὸν καὶ λόγους οὖσαι θείους τε καὶ ἀνθρωπίνους ἱᾶσιν καλλίστην φωνήν. πολλῶν δὴ οὖν ἕνεκα λεκτέον τι καὶ οὐ καθευδητέον ἐν τῇ μεσημβρίᾳ. We have plenty of time, it seems; and I think, too, that as the cicadas sing above our heads [i.e. on the plane-tree] in their usual fashion in the heat, and dialogue (διαλεγόμενοι) with each other, they look down on us too. So if they see the two of us (νὼ) as well, just like most people at midday, not dialoguing but nodding off under their spell through lazy-mindedness, they would justly laugh at us, thinking that some slaves had come to their retreat and were having their midday sleep around the spring, like sheep; but if they see us dialoguing and sailing past them unbewitched
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by their Siren song, perhaps they may respect us and give us that gift which they have from the gods to give to men [...] The story is that these cicadas were once men, belonging to a time before the Muses were born, and that with the birth of the Muses and the appearance of song some of the men of the time they got carried away by pleasure, so much that in their singing they neglected to eat and drink, and failed to notice that they had died; from them the race of cicadas was afterwards born, with this gift from the Muses, that from their birth they have no need of sustenance, but immediately sing, without food or drink, until they die, and after that go and report to the Muses which among those here honors which of them. To Terpsichore they report those who have honored her in the choral dance, and make them dearer to her; to Erato, those who have honored her in the affairs of eros; and to the other Muses similarly, according to the form of honor belonging to each; but to Calliope, the eldest, and to Ourania who comes after her, they announce those who spend their time in philosophy and honor the music which belongs to them—who most of all the Muses have their sphere both the heavens and talk, both divine and human, and pour the most beautiful voice. So there are many reasons why we should say something, and not sleep in the midday heat. Plato Phaedrus 258e–259d trans. Rowe modified
There would be much to say about this myth, but for my
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present purposes one detail is of special importance. What the cicadas receive from the Muses and then pass on to humans is a ‘gift’ (Greek geras), the gift of the Muses. In the light of Greek tradition, this can only mean poetic inspiration: the gift of poetry is of course the crucial moment of poetic initiation,17 and it is from this perspective that I interpret the passage.18 The myth closely resembles a number of initiation patterns: I am thinking of the encounter between Hesiod and the Muses and of other similar stories: Epimenides who meets the gods in his 57-year long sleep, Archilochus who meets the Muses in the countryside of Paros and so on. However, Plato departs from the pattern at crucial points. Whereas in the other stories there is always one figure alone in the countryside, in the myth the encounter with the divine creatures - the cicadas, servants of the Muses - involves two friends, who will dialogue so as to imitate the dialogue of the cicadas and thus obtain the gift of the Muses. This is of course meant to highlight the specific quality of Plato’s dialogues, that is their dialogical nature. Thus, the two Muses Ourania and Calliope, the most philosophical, point to the dialogical quality of the Phaedrus and more generally to a crucial aspect of Plato’s output. However, Plato’s dialogues, including the Phaedrus, also abound in (poetic) myths, and it should be noted that Socrates mentions two other Muses, namely Erato and Terpsichore. Let me linger for a moment on this point.
17 For the equation gift of the Muses = poetic inspiration, cf. e.g. G. Tarditi, ‘Le Muse e le Chariti tra fede del poeta ed ethos poietikon’, in AevAnt 2 (1991), 19–45; A. Aloni, ‘Il dono e i doni degli dèi. Sull’identità poetica di Archiloco’, in A. Aloni and M. Ornaghi (eds.), Tra panellenismo e tradizioni locali. Nuovi contributi (Messina 2011), 141–153. 18 For the full details of the argument, I refer the reader to A. Capra, Plato’s Four Muses. The Phaedrus and the Poetics of Philosophy, Washington DC 2014, forthcoming, ch. 3.
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The choice of these two Muses is hardly coincidental. The Phaedrus is unique among Plato’s dialogues in that Socrates claims to be inspired, and he does so throughout the dialogue : a. Sappho, Anacreon, and prose writers (Socrates’ bosom is ‘full’ of them, 235c) b. Muses (Socrates summons the Μοῦσαι ... λίγειαι to contribute to his μῦθος, 237a) c. Landscape (it makes Socrates νυμφόληπτος, 238d) d. Nymphs (they ‘enthusiaze’ Socrates ὑπὸ τῶν Νυμφῶν ... ἐνθουσιάσω, 241d) e. Ibycus and Stesichorus (implicitly: Socrates follows their lead, 242d–243b) f. Muses (they arouse tender souls to a Bacchic frenzy, 245a) g. The cicadas (they can bestow upon humans the gift of the Muses, 258e–259d) h. Local gods and Muses’ prophets (i.e. the cicadas, inspiring Socrates, 262c–d) i. Pan and Nymphs (they are superior to Lysias, 263d. Cf. 278b) Socrates is inspired by a number of local numina, by the Muses and by some poets: he mentions Sappho, Anacreon, Ibycus and Stesichorus . Inspiration and the active presence of well-known lyric poets result in the surprising rehabilitation of poetry, one of the forms of divine madness Socrates extols in his great speech. According to Andrea Nightingale, the Phaedrus is quite exceptional among Plato’s dialogues in that ‘it abandons the notion that traditional
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genres of poetry and rhetoric are inherently “un-philosophical”’.19 In Bakhtin’s terms, as adopted by Nightingale, this amounts to quite a lot of ‘passive double-voiced discourse’, whereby the author ‘assumes a passive stance, thus allowing the alien genre to play an active and relatively autonomous role in the text’.20 Nightingale refers to such an attitude also as a sort of ‘alliance’ or ‘conspiracy’, and focuses on lyric poetry as a crucial - and positive - ingredient of Socrates’ palinode. In fact, Socrates is quite literally dealing with sources, given that he maintains that his whole speech is inspired both by the divine landscape and by the ‘streams’ (namata) provided by Sappho and Anacreon, filling his breast like ‘a vessel’ (235d).21 Towards a Platonic notion of lyric poetry Nightingale’s approach is very convincing. What I would like to argue, in addition, is that this rehabilitation of poetry takes the form of an implicit definition of lyric poetry as against other poetic forms. To begin with, it is interesting to note that the poets are mentioned two by two: Anacreon-Sappho and Ibycus-Stesichorus. If we go back to the four Muses of the cicada myth, it is easy to see that the two pairs neatly correspond to the first two Muses: Anacreon and Sappho are represented by Erato, whereas Ibycus and Stesichorus correspond to Terpsichore, whose alternative name, as famously attested by the François vase, was precisely Stesichore.22 19 A. Nightingale, Genres in Dialogue, Cambridge (1995), at 133. 20 Nightingale (n. 19), at 149. 21 For a very useful list of such sources, cf. D. Cairns, ‘The Imagery of Eros in Plato’s Phaedrus’, in E. Sanders, C. Thumiger, C. Carey, and N. Lowe (eds.), Eros in Ancient Greece (Oxford 2013), 233–250. 22 See R. Wachter, ‘The Inscriptions on the François Vase’, MH 48 (1991), 86–113, at 108.
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Let me start from the latter, namely the ‘choral’ pair. A moral concern seems to be integral to Plato’s choice of Stesichorus and Ibycus, who are mentioned to the effect that they somehow sensed the danger of offending the gods by placing human recognition before divine favour, which is Socrates’ explicit concern in the Phaedrus.23 Socrates’ first pang of guilt for his impious speech finds its way through the verse of Ibycus. The intervention of Socrates’ daimonion, and the failed attempt to cross the river and return to Athens, signal a remarkable turning-point (242b-d):24 from this moment onwards, values and perspectives would be reversed, with divine concerns replacing human preoccupations. Ibycus’ verse, as quoted and partly rephrased in the expression of Socrates’ fear that ‘for offences against the gods, I win renown from all my fellow men’, illustrates the point perfectly.25 The quotation from Stesichorus immediately follows: ΣΩ. Δεινόν, ὦ Φαῖδρε, δεινὸν λόγον αὐτός τε ἐκόμισας ἐμέ τε ἠνάγκασας εἰπεῖν. ΦΑΙ. Πῶς δή; ΣΩ. Εὐήθη καὶ ὑπό τι ἀσεβῆ· οὗ τίς ἂν εἴη δεινότερος; ΦΑΙ. Οὐδείς, εἴ γε σὺ ἀληθῆ λέγεις. ΣΩ. Τί οὖν; τὸν Ἔρωτα οὐκ Ἀφροδίτης καὶ θεόν τινα ἡγῇ; ΦΑΙ. Λέγεταί γε δή. ΣΩ. Οὔ τι ὑπό γε Λυσίου, οὐδὲ ὑπὸ τοῦ σοῦ λόγου, ὃς διὰ τοῦ ἐμοῦ στόματος καταφαρμακευθέντος ὑπὸ σοῦ ἐλέχθη. εἰ ‘ ἔστιν, ὥσπερ οὖν ἔστι, θεὸς ἤ τι θεῖον ὁ Ἔρως, οὐδὲν 23 Ibycus is probably alluded to very early in the dialogue, when Phaedrus mentions the myth of Boreas: one of his most famous poems contrasts the delightful charm of a garden with the erotic mania induced by Boreas (PMG 286). 24 For the symbolism associated with the crossing of the river, and for the relevant topography in the Phaedrus, see M. Treu, ‘Il passaggio del fiume. Echi simbolici e tecniche narrative nel Fedro’, SIFC 50 (2003), 83–194. 25 242d καί πως ἐδυσωπούμην κατ ᾽ Ἴβυκον, μή τι παρὰ θεοῖς ‘ἀμβλακὼν τιμὰν πρὸς ἀνθρώπων ἀμείψω’ (cf. PMG 310).
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ἂν κακὸν εἴη, τὼ δὲ λόγω τὼ νυνδὴ περὶ αὐτοῦ εἰπέτην ὡς τοιούτου ὄντος· ταύτῃ τε οὖν ἡμαρτανέτην περὶ τὸν Ἔρωτα, ἔτι τε ἡ εὐήθεια αὐτοῖν πάνυ ἀστεία, τὸ μηδὲν ὑγιὲς λέγοντε μηδὲ ἀληθὲς σεμνύνεσθαι ὡς τὶ ὄντε, εἰ ἄρα ἀνθρωπίσκους τινὰς ἐξαπατήσαντε εὐδοκιμήσετον ἐν αὐτοῖς. ἐμοὶ μὲν οὖν, ὦ φίλε, καθήρασθαι ἀνάγκη· ἔστιν δὲ τοῖς ἁμαρτάνουσι περὶ μυθολογίαν καθαρμὸς ἀρχαῖος, ὃν Ὅμηρος μὲν οὐκ ᾔσθετο, Στησίχορος δέ. τῶν γὰρ ὀμμάτων στερηθεὶς διὰ τὴν Ἑλένης κακηγορίαν οὐκ ἠγνόησεν ὥσπερ Ὅμηρος, ἀλλ’ ἅτε μουσικὸς ὢν ἔγνω τὴν αἰτίαν, καὶ ποιεῖ εὐθὺς—Οὐκ ἔστ’ ἔτυμος λόγος οὗτος / οὐδ’ ἔβας ἐν νηυσὶν εὐσέλμοις, / οὐδ’ ἵκεο Πέργαμα Τροίας· καὶ ποιήσας δὴ πᾶσαν τὴν καλουμένην Παλινῳδίαν παραχρῆμα ἀνέβλεψεν. S.: A dreadful speech it was, Phaedrus, dreadful, both the one you brought with you, and the one you compelled me to make P.: How so? S.: It was foolish and somewhat impious; what speech could be more dreadful than that? P.: None, if you’re right in what you say. S.: What? Don’t you think Love to be the son of Aphrodite, and a god? P.: So it is said. S.: Not I think by Lysias, at any rate, nor by your speech, which came from my mouth, bewitched as it was by you. But if Love is, as indeed he is, a god, or something divine, he could not be anything evil; whereas the two recent speeches spoke of him as if he were like that. So this was their offence in relation to Love, and besides their foolishness was really quite refined— parading themselves as if they were worth something, while actually saying nothing healthy or true, in case they would deceive some poor specimens of humanity
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and win praise from them. So I, my friend, must purify myself, and for those who offend in the telling of stories there is an ancient method of purification, which Homer did not understand, but Stesichorus did. For when he was deprived of his sight because of his slander against Helen, he did not fail to understand, like Homer; because he was a true follower of the Muses, he knew the cause, and immediately composed the verses: ‘This is not a genuine logos, / you made no journey in the well-decked ships / Nor voyaged to the citadel of Troy.’ And after composing the whole of the so-called Palinode he at once regained his sight. Plato Phaedrus 242d–243b trans. Rowe modified
Socrates is taking an anti-intellectualistic stance: his first, impious speech is emphatically labelled as deinos, which, given the rhetorical context, should mean something like ‘clever’ or ‘terrific’. But Socrates takes an unexpected turn: he contrasts Stesichorus with Homer. He claims that Stesichorus ‘knew the cause’, thus investing him with a proto-philosophical status. ‘Knowing the cause’ goes hand in hand with ‘being mousikos’, as against Homer’s unexpected non-musical blindness. By pairing Ibycus and Stesichorus (direct analogy) and by contrasting them with Homer (reverse analogy) Socrates is implicitly launching a taxonomy, and in this taxonomy what is favourably contrasted with Homeric epic is lyric poetry. Its function, as in Simonides’ song, seems to be that of arguing for something, even in a philosophical way. Let me now move on to the ‘erotic’ pair. The influence of Anacreon and Sappho on Socrates’ second speech is the subject
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of a number of studies and has been demonstrated beyond reasonable doubt.26 What remains to be said is that, once again, Plato’s choice implies an anti-Homeric stance, as will become clear once we examine an important echo from Sappho’s poetry. At 251a-e, the good lover is overwhelmed by beauty and stands in awe, shuddering, sweating, highly feverish, until he grows divine wings. It is generally agreed that this list of symptoms is inspired by Sappho 31.27 Other Sapphic features are the strong emphasis on sight - Sapphic love is foremost a desire of contemplating the beloved - and the power of memory, which, when the lover’s soul cannot contemplate the youth, brings about a mixture of pain and pleasure, inasmuch as memory retains the sight of beauty even when the beloved is absent.28 Vividness and images, then, are surely part of the picture, which brings us back to the Phaedo. A few lines further, we reach the klimax of the entire passage, which I quote in full: ... πᾶσα κεντουμένη κύκλῳ ἡ ψυχὴ οἰστρᾷ καὶ ὀδυνᾶται, μνήμην δ’ αὖ ἔχουσα τοῦ καλοῦ γέγηθεν. ἐκ δὲ ἀμφοτέρων μεμειγμένων ἀδημονεῖ τε τῇ ἀτοπίᾳ τοῦ πάθους καὶ ἀποροῦσα λυττᾷ, καὶ ἐμμανὴς οὖσα οὔτε νυκτὸς δύναται καθεύδειν οὔτε μεθ’ ἡμέραν οὗ ἂν ᾖ μένειν, θεῖ δὲ ποθοῦσα ὅπου ἂν οἴηται ὄψεσθαι τὸν ἔχοντα τὸ κάλλος· ἰδοῦσα δὲ καὶ ἐποχετευσαμένη ἵμερον ἔλυσε μὲν τὰ τότε συμπεφραγμένα, ἀναπνοὴν δὲ λαβοῦσα κέντρων τε καὶ ὠδίνων ἔληξεν, ἡδονὴν δ’ αὖ ταύτην γλυκυτάτην 26 Cf. E. Pender, ‘A Transfer of Energy: Lyric Eros in Phaedrus’ In P. Destrée and F.G. Hermann (eds.), Plato and the Poets (Boston and Leiden), 327–348 (with further bibliography). 27 Cf. e.g. Yunis on Phaedrus (p. 152). 28 Cf. e.g. the excellent discussion in the introduction of V. Di Benedetto, Saffo, Poesie (Milano 1998).
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ἐν τῷ παρόντι καρποῦται. ὅθεν δὴ ἑκοῦσα εἶναι οὐκ ἀπολείπεται, οὐδέ τινα τοῦ καλοῦ περὶ πλείονος ποιεῖται, ἀλλὰ μητέρων τε καὶ ἀδελφῶν καὶ ἑταίρων πάντων λέλησται, καὶ οὐσίας δι’ ἀμέλειαν ἀπολλυμένης παρ’ οὐδὲν τίθεται, νομίμων δὲ καὶ εὐσχημόνων, οἷς πρὸ τοῦ ἐκαλλωπίζετο, πάντων καταφρονήσασα δουλεύειν ἑτοίμη καὶ κοιμᾶσθαι ὅπου ἂν ἐᾷ τις ἐγγυτάτω τοῦ πόθου· πρὸς γὰρ τῷ σέβεσθαι τὸν τὸ κάλλος ἔχοντα ἰατρὸν ηὕρηκε μόνον τῶν μεγίστων πόνων. τοῦτο δὲ τὸ πάθος, ὦ παῖ καλέ, πρὸς ὃν δή μοι ὁ λόγος, ἄνθρωποι μὲν ἔρωτα ὀνομάζουσιν ... ... the entire soul, stung all over, goes mad with pain; but then, remembering the beautiful, it rejoices again. The mixture of both these states makes it despair at the strangeness of its condition, raging in its perplexity, and in its madness it can neither sleep at night nor keep still where it is by day, but runs wherever it thinks it will see the possessor of the beauty it longs for; and when it has seen the possessor and channelled desire in to itself it releases what was pent up before, and finding a breathing space it ceases from its stinging birth-pains, once more enjoying this for the moment as the sweetest pleasure. This it does not willingly give up, nor does it value anyone above the one with beauty, but quite forgets mother, brothers, friends, all together, not caring about the loss of its wealth through neglect, and with contempt for all the accepted standards of propriety and good taste in which it previously prided itself it is ready to act the part of a slave and sleep wherever it is allowed to do so, provided it is as close as possible to the object of its longing; for in
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addition to its reverence for the possessor of beauty, it has found him the sole healer of its greatest sufferings. This experience, my beautiful boy, men term love … Plato Phaedrus 251d–252b, trans. Rowe
This vivid description of the soul contemplating beauty could easily be mistaken for a sample of erotic mysticism from the Middle Ages. Remarkably, both the subject and the object of love are presented as abstract, hardly individual entities, whereas certain overtones cannot but evoke erotic intercourse. Moreover, the lover’s contempt for earthly things, which is of course a result of the lover’s recollection of the Forms, brings about a turning of values upside down, which takes the form of beneficial oblivion.29 The lover is someone who forgets everyday values - mother, brothers, friends, riches - only to devote himself to what Plato refers to as ‘the possessor of beauty’, that is the embodiment of the relevant Form. The beloved, in turn, will undergo a similar experience, as he realizes that ‘not even all his other friends and his relations together’ can match the lover. Consequently, he devotes himself to the lover and ‘is in love, but with what, he does not know’ (ἐρᾷ μὲν οὖν, ὅτου δὲ ἀπορεῖ).30 What is the source of this dramatic change? At a metapoetical level, an answer is readily available: Sappho and Helen. Socrates calls his speech a palinode because Helen had received such a compensatory praise by Stesichorus, who, like Homer, had attacked her as a symbol of lust and guilt (243a-b). So let us 29 This reversal is somehow reminiscent of the conversion of the soul as described in the myth of the cave. Cf. Á. Vallejo Campos, ‘El fantasma de Helena. El papel de la razón en la concepción platónica del amor’, Er 30 (2001), 83–109, at 93–94. 30 255b–c.
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read Sappho’s poem devoted to Helen (16 Voigt, additional supplements in italics):31 ο]ἰ μὲν ἰππήων στρότον οἰ δὲ πέσδων οἰ δὲ νάων φαῖσ’ ἐπ[ὶ] γᾶν μέλαι[ν]αν ἔ]μμεναι κάλλιστον, ἔγω δὲ κῆν’ ὄττω τω τις ἔραται• πά]γχυ δ’ εὔμαρες σύνετον πόησαι (5) π]άντι τ[ο]ῦτ’• ἀ γὰρ πόλυ περσκέθοισα κάλλος [ἀνθ]ρώπων Ἐλένα [τὸ]ν ἄνδρα τόν[περ ἄρ]ιστον καλλ[ίποι]σ’ ἔβα ’ς Τροΐαν πλέοι[σα κωὐδ[ὲ πα]ῖδος οὐδὲ φίλων το[κ]ήων (10) πά[μπαν] ἐμνάσθ, ἀλλὰ παράγαγ’ αὔταν οὐδὲ θέλοι]σαν ]αμπτον γὰρ [ ]...κούφωστ[ ]οη.[.]ν ..]με νῦν Ἀνακτορί[ας ὀ]νέμναισε (15) σ’ οὐ ] παρεοίσας, τᾶ]ς ε βολλοίμαν ἔρατόν τε βᾶμα κἀμάρυχμα λάμπρον ἴδην προσώπω ἢ τὰ Λύδων ἄρματα κἀν ὄπλοισι [πεσδομ]άχεντας. (20) Some say an army on horse, some say on foot, or borne by sea, is the most beautiful thing upon the black earth — but I say most beautiful is the thing one loves.
31 The supplement οὐδὲ θέλοι] at line 12 is virtually certain on palaeographical grounds. See S. Martinelli Tempesta, ‘Nota a Saffo, fr. 16: 12-13 V. (P.Oxy. 1231)’, Maia 69 (1999), 7–14.
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And nothing is more easily made plain to all, for even she who surpassed in beauty all that is human, Helen, abandoned the best of men when she departed for Troy by sail, and neither child nor beloved parent did she remember at all, but was led astray - far from willing for by lightly brings to my mind now Anaktoria, who is gone and her beloved step, the spark of her lambent eyes I would rather see than the chariots of Lydia, than any march of soldiers at arms.
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Scholars often depict Sappho as a proto-philosopher, ‘concerned’ - to quote Bruno Snell’s typically grand formulation – ‘to grasp a piece of genuine reality’. Personally, I would not subscribe to the ‘philosophical’ interpretation of Sappho’s poetry, but the important thing is that certain features of her poems lend themselves to be interpreted in that way. This is especially true for the Helen poem. Whatever its deepest meaning for Sappho’s original audience, this is the only time, in the extant fragments, that Sappho seems to be engaged in ‘demonstrating’ a general thesis to ‘everybody’ (π]άντι),32 which gives the ode a curiously proto-philosophical turn.33 As in Socrates’ speech, the poem entails
32 Cf. e.g. S. des Bouvries Thorsen, ‘The Interpretations of Sappho’s Fragment 16 L.P.’, SO 53 (1978), 5–23, here p. 13. 33 Cf. Capra (n. 18), ch. 3, with added bibliography.
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a full ‘Umwertung aller Werte’34 in what is ostensibly an inquiry into the ultimate object of human love (compare Sappho’s ὄττω τις ἔραται and Plato’s ἐρᾷ μὲν οὖν, ὅτου δὲ ἀπορεῖ). Sappho’s Helen, referred to as the ‘hyper-possessor of beauty’ (6–7), undergoes a complete reversal of values and forgets relatives and riches. At the same time, Helen’s story, moving from the general to the particular, brings back to Sappho the vision of Anactoria’s shining face (κἀμάρυχμα λάμπρον ἴδην προσώπω),35 which calls to mind the Phaedrus’ shining form of Beauty (κάλλος ἰδεῖν λαμπρόν) and its radiant incarnation as the lover’s vision of a divine face (ὅταν θεοειδὲς πρόσωπον ἴδῃ).36 Beside an interesting dialectics between memory and oblivion, we may finally note the opposition between the verb memnemai, ‘remember’, and anamimnesko, ‘(cause sb. to) recollect’, which is no doubt exceptional37 and, again, may sound ‘proto-philosophical’. Anactoria is absent, but her radiant memory is quite vivid, just like Socrates’ beauty on earth is ‘shining’ or ‘glittering’ (250d, 254b). In short, this poem could not fail to impress Plato. As we have seen, Socrates’ whole speech is conceptualised as a palinode to Helen: this makes Plato’s allusion to Sappho’s poem - which was no doubt very famous in classical Athens - a very powerful one.38 Sappho is a model for the reversal of values 34 So runs the title of G. Wills, ‘The Sapphic Umwertung aller Werte’, AJPh 88 (1967), 434–442. This article stresses the uncommonly assertive tone of Sappho’s poem. 35 Cf. J.A. Dane, ‘Sappho fr. 16. An Analysis’, Eos 79 (1981), 185–192. 36 250b and 251a. 37 Before Plato, there is just one more instance in another poem by Sappho (94.10 Voigt), and one in Sophocles (OT 1133). On the former, cf. A. Burnett, ‘Desire and Memory (Sappho Frag. 94), CPh 74 (1979), 16–27, at 18. 38 Echoes from Sappho’s poem are frequent in classical literature. Cf. C. Casali, ‘Le Baccanti e l’esempio di Elena’, Lexis 3 (1989), 37–41 (on Eur. Bacch. 881); M. Di Marco, ‘Una parodia di Saffo in Euripide (Cycl. 182–186)’, QUCC 34
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brought about by the shocking experience of falling in love, and, more specifically, for the oblivion this brings about: for the sake of beauty the lover forgets his usual pursuits and cannot but recall love. What interests me here, though, is the fact that Socrates espouses Sappho’ anti-Homeric version of Helen’s story. Conclusion Plato’s two lyric Muses can be seen as taking part of dialectics. ‘Erato’ triggers the process whereby the lover forgets earthly concerns and begins to ascend the scala amoris pointing to the form of Beauty. ‘Terpsichore’ stands for a form of discourse that is able to correct itself and to move from thesis to antithesis. This is why both Erato and Terpsichore can deservedly join Ourania and Calliope, the two dialogic and dialoguing Muses. By appropriating Ourania and Calliope for philosophy, Plato ousts unmusical epic from inspired logos. By turning Erato and Terpsichore into anti-Homeric Muses, Plato comes close to inventing lyric poetry. Poetry can be rehabilitated only insofar as it is contrasted to epic, an opposition that is best exemplified by Stesichorus’ and Sappho’s anti-Homeric accounts of Helen’s story. In this context, it may be interesting to note that the first reference we have to Homer’s epic quality involves precisely the story of Helen: Herodotus claims that Homer did know of other versions (1980), 39–45 (on Eur. Cycl. 182-186); R. Scodel, ‘Teichoscopia, Catalogue, and the Female Spectator in Euripides’, Colby Quaterly 33 (1997), 76–93 (on Euripides’ Hypsipyle as well as on Phoen. 88-177 and. IA 185-302); W.M. Calder, ‘An Echo of Sappho Fragment 16 L.P. at Aeschylus, Agamemnon 403–419?’, EClás 87 (1984), 215–218 (on Aesch. Ag. 403-419); M. Tulli, ‘Isocrate storico del pensiero: Antistene, Platone, gli eristi nell’Encomio di Elena’, in L. Rossetti and A. Stravru (eds.), Socratica 2005. Studi sulla letteratura socratica antica presentati alle Giornate di studio di Senigallia (Bari 2008), 91–105 (on Isoc. Helen 1).
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of the story, but decided to opt for the one that best suited epics (ἐποποιίην, 2.116). By contrast, good poetry, according to Plato’s Phaedrus, must be anti-epic. In other words, it must be vivid, full of passion, argumentative and even philosophical: whatever the elusive phenomenon of lyric poetry might have been for archaic audiences, this is hardly a bad description of lyric poetry, at least in the sense that it effectively matches the (possibly mythical) role that we moderns have ascribed to it.
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Daniel Rossi Nunes Lopes Universidade de São Paulo Em seu livro Sobre os Poetas, Aristóteles diz o seguinte: “portanto, não consideremos que sejam discursos e imitações em metro os chamados mimos de Sófron ou os diálogos socráticos escritos por Alexandre de Téos, o 1 A tradução de todas as passagens de textos gregos é de minha autoria. A tradução do Górgias é baseada na edição de J. Burnet (Platonis Opera. Oxford: Clarendon Press, 1968) (In: LOPES, D. R. N. Górgias de Platão. São Paulo: Perspectiva, 2011); a das Nuvens de Aristófanes, na edição de K. Dover (Aristophanes’ Clouds. Oxford: Clarendon Press, 1968); a da Poética de Aristóteles, na edição de R. Kassel (Aristotelis de arte poetica liber. Oxford: Clarendon Press, 1965); e a de Ateneu, na edição de G. Kaibel (Athenaei Naucratitae deipnosophistarum libri xv. Leipzig: Teubner, 1887).
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primeiro a compô-los”. Aristóteles, cujo conhecimento é o mais amplo e diversificado, afirma categoricamente que Alexandre escreveu diálogos antes de Platão. Platão, por sua vez, censura não apenas o sofista Trasímaco da Calcedônia, afirmando que ele se assemelha ao próprio nome, como também Hípias, Górgias, Parmênides e muitos outros em um único diálogo, o Protágoras […]. Dizem que inclusive Górgias, quando tomou conhecimento do diálogo homônimo, disse a seus amigos: “como Platão sabe compor bem iambos!” (Ateneu, Deipnosophistae, 11.112.36-113.3).
I Nas últimas décadas do século XX, uma nova abordagem sobre os diálogos platônicos passou a ganhar força como alternativa a uma perspectiva fundamentalmente analítica sobre sua filosofia. Essa nova abordagem trouxe para a discussão de problemas estritamente filosóficos questões concernentes à constituição do gênero ao qual Platão se dedicou durante toda a sua vida como escritor, o “diálogo”, classificado por Aristóteles na Poética como Sōkratikoi logoi.2 De maneira geral, os diferentes estudos que, de uma forma ou de outra, se inserem nessa linha interpretativa buscam, em última instância, compreender o conteúdo filosófico do diálogo segundo a forma em que são apresentados os argumentos no registro escrito. Em outras palavras, eles propõem uma reavaliação da função e da importância dos elementos 2 Aristóteles, Poética, 1447b9-13: “Pois não possuímos uma denominação comum para os mimos de Sófron e Xenarco e para os discursos socráticos, tampouco quando a imitação é feita mediante trímetros, versos elegíacos ou outros versos semelhantes”.
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literários para uma adequada compreensão das ideias filosóficas de Platão, tendo em vista as características peculiares do gênero dialógico. Nesse sentido, forma e conteúdo são tratados como dois aspectos indissociáveis, de modo que elementos poéticos e retóricos são vistos como parte constituinte do gênero ao qual Platão se dedicou, e não como um mero ornamento do qual se pode prescindir.3 Evidentemente, esse tipo de abordagem obtém maior ou menor sucesso de acordo com a obra em questão: diálogos como Íon, Protágoras, Eutidemo, Górgias, Banquete e Menêxeno oferecem um terreno mais fértil para investigações dessa natureza do que diálogos mais austeros do ponto de vista literário, como Sofista e Filebo, por exemplo. De qualquer forma, estudos que se propõem a explorar os recursos literários de maneira mais sistemática e a verificar quais as suas implicações para a interpretação geral do diálogo buscam, de certo modo, delinear o pano de fundo sobre o qual problemas de ordem estritamente filosófica emergem durante as discussões entre as personagens. Sendo assim, ambas as perspectivas, a literária e a analítica, complementam-se e ajudam a compreender de maneira mais complexa o texto em exame. Parece-me que o ponto de partida dos diversos estudos que tratam sob diferentes pontos de vista a constituição do gênero em Platão é que ele consiste em um gênero híbrido ou multigenérico.4 Em outras palavras, ao compor seus diálogos, 3 McCABE, M. M. Plato and his Predecessors. The Dramatisation of Reason. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 4-5; CASERTANO, G. (Ed.). Il Protagora di Platone: Struttura e Problematiche. Napoli: Bibliopolis, 2004, p. 5-6; NIGHTINGALE, A. W. Genres in Dialogue: Plato and the Construct of Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 1-13. 4 Nightingale (n. 2), p. 2-6.
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Platão incorpora em menor ou maior medida na própria constituição do gênero dialógico outros modos de discursos já existentes, cujos contextos de prática e/ou performance são claramente determinados. É inegável que a personagem Sócrates costuma insistir na interlocução mediada por perguntas e respostas breves, em que se examina determinadas proposições assentidas pelo interlocutor para verificar sua consistência lógica; todavia, as partes estritamente dialógicas constituem apenas um modo de discurso dentre outros que integram o gênero como um todo. Nesse sentido, sua natureza mimética aproximaria o diálogo platônico da tragédia e da comédia, ao passo que os longos discursos a que recorrem por vezes as personagens se assemelhariam aos discursos retóricos, bem como às exibições dos sofistas tais como referidas e retratadas amiúde por Platão, especialmente no Protágoras. Em relação ao teatro, a tragédia aparece como motivo no Fédon e no Górgias, ainda que Sócrates seja representado por Platão como uma personagem antitrágica no seu confronto com a morte.5 A comédia, por sua vez, oferece aos estudiosos uma dificuldade ulterior, pois pouco sabemos da chamada “Comédia Média”, cuja produção era contemporânea de Platão quando escreveu seus diálogos.6 Diante dessa limitação material, nosso escopo acaba reduzido às peças supérstites de Aristófanes e aos fragmentos conservados de outros autores da chamada “Comédia 5 Sobre Sócrates como uma figura antitrágica no Fédon, ver ERLER, M. La Felicità delle Api. Passione e Virtù nel Fedone e nella Repubblica. In: MIGLIORI, M.; VALDITARA, L. M. N.; FERMANI, A. (Eds.). Interiortità e anima: La Psychè in Platone. Milano: Vita e Pensiero, 2007; LOPES, D. R. N. Górgias de Platão. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 81-138. 6 Sobre a “Comédia Média”, ver Nightingale (n. 2), p. 173-174; SILK, M. S. Aristophanes and the Definition of Comedy. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 6-7.
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Antiga”, como Êupolis e Amípsias, por exemplo.7 De fato, qualquer leitor de Platão percebe que o humor, associado intimamente à ironia socrática, perpassa diversos diálogos, ainda que estes não sejam como um todo “cômicos”. Assim, o problema exegético que se impõe seria justamente discernir esse tom humorístico que colore diversas cenas, dos elementos estruturais e dos topoi da comédia antiga dos quais Platão se apropria na composição de certos diálogos. Essa breve apresentação é, indubitavelmente, bastante genérica e carece de uma argumentação mais bem fundamentada, pois cada diálogo em particular oferece as suas dificuldades de interpretação específicas. Meu intuito aqui, contudo, é tão somente delinear o horizonte teórico em que se insere minha proposta de leitura sobre aspectos cômicos do Górgias. II Falar de comédia num diálogo tão áspero e difícil para Sócrates como é o Górgias,8 especialmente quando pensamos na 7 Assim como Aristófanes nas Nuvens, ambos os comediógrafos também satirizaram a vida dos “intelectuais” em Atenas em algumas de suas peças. A casa de Cálias foi cenário da comédia Aduladores de Êupolis (421 a.C.), cujos fragmentos supérstites indicam a presença de Protágoras, Alcibíades, Querefonte e possivelmente Sócrates como personagens da peça. A comédia Cono de Amípsias, por sua vez, que superou as Nuvens de Aristófanes nas Dionísias de 423 a.C., trazia um coro de intelectuais (ἐν τῷ τῶν φροντιστῶν χορῷ, Ateneu, Deipnosophistae 5.59.12), cujos membros eram identificados pelos seus nomes. Todavia, embora Protágoras não figure, segundo Ateneu, como membro do coro, Sócrates era provavelmente uma das personagens da peça, se os versos reportados por Diógenes Laércio (2.27-28) e atribuídos por ele a Amípsias pertenciam de fato a esta peça (STOREY, I. C. (Ed.). Fragments of Old Comedy. Vol. I: Alcaeus to Diocles. London: Harvard University Press, 2011, p. 68-69). 8 FUSSI, A. Why is the Gorgias so bitter? Philosophy and Rhetoric, The Pennsylvania State University, v. 33, n. 1, 2000.
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figura de Cálicles e na falência do discurso socrático, é um tanto temerário. Andrea Nightingale, em seu livro Genres in Dialogue (1995), observa que “no caso do Górgias, a apropriação da comédia não inclui tanto humor. Mas quando Platão se apropria da comédia em outros diálogos – como no Protágoras e no Banquete – nós encontramos uma boa dose de humor misturado com a sátira” (p. 190). Embora concorde com a segunda proposição da autora, creio que no Górgias, especialmente no tratamento de Polo por Sócrates na segunda parte do diálogo (461b-481b), Platão recorre à sátira e a recursos cômicos como meios para criticar a formação retórica representada, sobretudo, pela personagem Górgias. A referência explícita à comédia no Górgias se dá quando Sócrates, diante da resistência de Cálicles em participar do diálogo, é constrangido a recorrer a um monólogo (506c-507c), uma situação excepcional no corpus Platonicum. O monólogo é, em seu próprio termo, a negação do diálogo, o princípio basilar da filosofia platônica. Essa circunstância paradoxal, consequência de uma discussão claudicante, é comparada por Sócrates à cena de uma comédia de Epicarmo, em que uma única personagem desempenhava, supostamente, o papel de dois interlocutores ao mesmo tempo9: [T1] CAL: Mas tu próprio não serias capaz de expor o argumento, ora falando, ora respondendo a ti mesmo? SOC: Para me valer do dito de Epicarmo, eu serei suficiente, mesmo sendo um só, para o que “dois homens diziam previamente”. […] (505d8-e2) 9 DODDS, E. R. Plato: Gorgias – A Revised Text. Oxford: Clarendon Press, 1990, p. 332.
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A situação cômica em que Sócrates se vê enredado, contudo, não é a única referência à comédia que encontramos no Górgias. No início da discussão com Polo, Sócrates hesita em criticar a pretensão de Górgias de definir a retórica como arte com a seguinte ponderação: [T2] SOC: Que não seja rude demais falar a verdade! Pois hesito em dizê-la por causa de Górgias, com medo de que julgue que eu comedie a sua própria atividade [μὴ οἴηταί με διακωμῳδεῖν τὸ ἑαυτοῦ ἐπιτήδευμα]. Se essa, porém, é a retórica praticada por Górgias, eu não sei – aliás, da discussão precedente nada se esclareceu sobre o que ele pensa – mas eu chamo retórica parte de certa coisa que em nada é bela. (462e6-463a4)
A ocorrência do verbo διακωμῳδεῖν neste trecho (“comediar”, “zombar”, satitizar”, 462e7) não parece fortuita; pelo contrário, Platão parece indicar obliquamente que esta parte do diálogo, que compreende a discussão entre Sócrates e Polo, relaciona-se, de um modo ou de outro, com a comédia. Tentarei, portanto, explorar esse índice textual e verificar em que medida o diálogo Górgias se comunica com a comédia. Minha sugestão é que essa relação se dá em três níveis: (i) primeiro, no registro dramático, na caracterização da personagem Polo e na forma como Sócrates faz realçar sua obtusidade no domínio dialógico; (ii) segundo, no âmbito teórico, na definição da retórica como kolakeia (“lisonja”, “adulação”, “bajulação”) e sua comparação com a culinária, tema comum à peça Os Cavaleiros de Aristófanes de 424 a.C.; e (iii) terceiro, na redefinição do que é verdadeiramente “ridículo”, segundo os princípios da filosofia moral platônica. Para o escopo
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desta apresentação, ater-me-ei apenas aos pontos (i) e (iii), na medida em que o segundo (ii) já foi parcialmente explorado por Andrea Nightingale no capítulo V de seu livro (Genres in Dialogue, 1995). Acredito que ambos os pontos (i) e (iii) estão intrinsecamente relacionados, na medida em que a satirização da figura de Polo contribui para redimensionar o domínio do “ridículo” segundo Platão. Nesse sentido, em resposta à caraterização cômica de Sócrates na Comédia Antiga, Platão escolhe como objeto de ridicularização no Górgias o antagonista do filósofo, que presume conhecer o que não conhece e ignora as condições para uma vida verdadeiramente feliz. Em linhas gerais, minha impressão geral é que a incursão de Platão no cômico cumpre uma dupla função positiva no Górgias: ela contribui tanto para delimitar a fronteira entre o âmbito retórico-sofístico, de um lado, e o âmbito filosófico, de outro, quanto para evidenciar as implicações morais e políticas decorrentes dessa cisão. Em relação ao procedimento metodológico, buscarei, primeiramente, ressaltar algumas características gerais do Górgias que, de uma forma ou de outra, remetem à comédia. Num segundo momento, buscarei comparar alguns trechos do Górgias com passagens das Nuvens de Aristófanes, em que a personagem Estrepsíades é submetida desastrosamente à inquirição de Sócrates. Minha sugestão é que as Nuvens podem ter servido a Platão de modelo para a construção de certas passagens do Górgias, especialmente relativas ao confronto de Sócrates com Polo. III Vejamos, pois, as características gerais do Górgias que remetem à comédia. Em sua rigorosa análise filosófico-literária sobre o Protágoras de Platão, Andrea Capra identifica três
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elementos estruturais da comédia presentes nesse diálogo: (i) a mudança de cena; (ii) o motivo da porta fechada que se abre para um outro mundo; e (iii) os agōnes.10 De fato, o Protágoras é o único diálogo platônico em que tal mudança de cena ocorre, a saber, da casa de Sócrates para a de Cálias onde se encontravam os sofistas. Como observa Capra,11 na comédia aristofânica, o protagonista se move de um contexto familiar, realístico, para confrontar outro mundo, situado num espaço diferente e separado por uma porta fechada. Esse elemento estrutural aparece nas Nuvens (da casa de Estepsíades para o “pensatório” de Sócrates), na Paz (da casa de Trigueu para a morada dos deuses) e nas Rãs (da casa de Héracles para o reino subterrâneo de Hades). No caso do Górgias, embora não haja semelhante deslocamento de cena, o diálogo se inicia bruscamente, contudo, com a entrada de Sócrates no lugar onde se encontravam Górgias e seus discípulos, lugar esse que não é determinado por Platão como o é no caso do Protágoras (i.e., a casa de Cálias). Todavia, o aspecto fundamental do ponto de vista dramático é preservado: Sócrates adentra um ambiente que lhe é estranho e tem de se adaptar a uma atmosfera hostil à sua atividade filosófica, representada, sobretudo, pela figura de Cálicles. Nesse sentido, a invectiva de Cálicles contra o filósofo e a filosofia em seu grandiloquente discurso (484c-486d) é expressão paradigmática do aspecto agonístico do diálogo. O Górgias, portanto, conserva os outros dois elementos estruturais da comédia ressaltados acima (i.e., o motivo da porta fechada que se abre para outro mundo e os agōnes), os quais são recriados por Platão na construção do drama filosófico. De maneira genérica, poderíamos dizer 10 CAPRA, A. Agōn Logōn: Il Protagora di Platone tra Eristica e Commedia. Milano: Edizioni Universitarie di Lettere Economia e Diritto, 2011, p. 59-77. 11 Capra (n. 10), p. 65.
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que tanto no Protágoras quanto no Górgias Platão representa a incursão de Sócrates no ambiente familiar de seu principal antagonista, o sofista; nessas circunstâncias, as condições ideais para um diálogo filosófico não se verificam, tendo Sócrates de condicionar seu comportamento a um confronto patentemente agonístico.12 No Górgias, esse aspecto é indicado estrategicamente por Platão mediante as primeiras palavras do diálogo na boca de Cálicles: “guerra e batalha” (Πολέμου καὶ μάχης, 447a1). Talvez de um modo menos direto do que no Protágoras, no Górgias Platão também esboça uma cena invertida quando comparada às Nuvens de Aristófanes: se nessa comédia aristofânica é Estrepsíades quem adentra o universo idiossincrático do “pensatório” de Sócrates e descobre ali uma gama de conhecimentos díspares,13 no Górgias é Sócrates quem adentra um espaço alheio e encontra ali Górgias e seus discípulos. Se na comédia é a figura de Sócrates que é desvelada aos espectadores depois da superação da porta fechada do “pensatório”, no diálogo 12 Por “condições ideais para um diálogo filosófico” considero aqui o que Sócrates diz no Górgias a certa altura do diálogo com a personagem homônima: “SOC: Creio que também tu, Górgias, és experiente em inúmeras discussões e já observaste nelas o seguinte: não é fácil que os homens consigam encerrar seus encontros depois de terem definido entre si o assunto a respeito do qual intentam dialogar, aprendendo e ensinando mutuamente; pelo contrário, se houver controvérsia em algum ponto e um deles disser que o outro não diz de forma correta ou clara, eles se enfurecem e presumem que um discute com outro por malevolência, almejando antes a vitória do que investigar o que se propuseram a discutir; alguns inclusive se separam depois de darem cabo aos mais vergonhosos atos, e, em meio a ultrajes, falam e escutam um do outro coisas tais que até os ali presentes se enervam consigo mesmos, porque acharam digno ouvir homens como esses”. (457c4-e1) 13 Sobre as diferentes áreas do conhecimento do “pensatório” referidas por Aristófanes nas Nuvens, ver KONSTAN, D. Socrates in Aristophanes’ Clouds. In: MORRISON, Donald R. (Ed.). The Cambridge Companion to Socrates. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.
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platônico são o rétor Górgias e seus discípulos a serem revelados ao leitor e testados pela inquirição socrática. Como prelúdio à discussão entre Sócrates e Górgias, Querefonte e Polo, seus respectivos discípulos, protagonizam uma breve amostra do que será o conflito interno que perpassa todo o diálogo: a oposição entre dois modos genéricos de discurso, brakhulogia e makrologia, e, consequentemente, entre duas moralidades distintas, como a discussão ulterior revelará. Vejamos este trecho inicial: [T3] QUE: […] Vou interrogá-lo: Górgias, dize-me se é verdade o que nos conta Cálicles, que prometes responder a qualquer pergunta que alguém te enderece! GOR: É verdade, Querefonte. Aliás, era precisamente isso o que há pouco prometia, e digo: há muitos anos ninguém ainda me propôs uma pergunta nova. QUE: Ora, então respondes com desembaraço, Górgias. GOR: Podes me testar, Querefonte. POLO: Por Zeus, contanto que queiras testar a mim, Querefonte! Pois Górgias parece-me estar deveras exausto, acabou de discorrer há pouco sobre vários assuntos. QUE: O quê, Polo? Achas que respondes melhor do que Górgias?
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POL: Por que a pergunta, se te for o suficiente? QUE: Nada; mas visto o teu querer, responde então! POL: Pergunta! QUE: Pergunto sim! Se Górgias tivesse o conhecimento da mesma arte que seu irmão Heródico, que denominação lhe seria mais justa? Não seria a mesma que conferimos àquele? POL: Certamente. QUE: Portanto, diríamos acertadamente se afirmássemos que ele é médico. POL: Sim. QUE: Mas se ele fosse experiente na mesma arte que Aristofonte, filho de Aglaofonte, ou que seu irmão, como nós o chamaríamos corretamente? POL: É evidente que de pintor. QUE: Agora, uma vez que ele tem conhecimento de certa arte, de que nome nós o chamaríamos corretamente? POL: Querefonte, as artes são abundantes entre os homens, descobertas da experiência experimentalmente. Pois a experiência faz com que a nossa vida seja guiada
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pela arte, enquanto a inexperiência, pelo acaso. Diferentes homens participam de cada uma delas de formas diferentes, e das melhores artes, os melhores homens. Dentre estes últimos, eis aqui Górgias, que participa da mais bela arte. SOC: Polo parece bem preparado para o discurso, Górgias. Porém, não cumpre o que apregoava a Querefonte. GOR: Precisamente o quê, Sócrates? SOC: A pergunta não me pareceu ter sido absolutamente respondida. GOR: Mas então pergunta tu, se quiseres! SOC: Não; se tu mesmo quiseres responder, será mais aprazível interrogar-te. Pois é evidente que Polo, pelo que acabou de dizer, tem praticado antes a chamada retórica do que o diálogo [δῆλος γάρ μοι Πῶλος καὶ ἐξ ὧν εἴρηκεν ὅτι τὴν καλουμένην ῥητορικὴν μᾶλλον μεμελέτηκεν ἢ διαλέγεσθαι]. (447d6-448d10)
Além da jactância, Polo conserva uma característica comum à figura do alazōn (“impostor”, “charlatão”, “presunçoso”) na Comédia Antiga; como observa Cornford, o alazōn “é essencialmente o intruso inoportuno que interrompe sacrifícios, preparos dos alimentos ou festas, e reivindica uma parte imerecida nos frutos da vitória”.14 A abrupta intervenção de 14 CORNFORD, F. M. The Origin of Attic Comedy. Oxford: Clarendon Press, 1961, p. 122.
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Polo, que se repetirá logo após a refutação de Górgias (461b-c), pode ser interpretada, portanto, como índice de que Platão esteja incorporando esse topos cômico na construção de sua personagem. A resposta grandiloquente de Polo à pergunta de Querefonte, por sua vez, consiste, provavelmente, numa paródia do estilo de Górgias, tendo em vista sua semelhança formal quando comparada a um de seus poucos textos conservados, o Elogio de Helena.15 Embora Olimpiodoro e o escoliasta do diálogo Górgias considerem que se trata de uma citação do suposto livro escrito por Polo referido por Sócrates em 462b11,16 o contexto dramático do diálogo sugere, em contrapartida, que Platão esteja parodiando caricaturalmente o estilo gorgiano. Pois o que vemos aqui é um ensaio do embate que virá a seguir entre os dois protagonistas, 15 O discurso de Polo como resposta à pergunta de Querefonte pode ser entendido aqui como uma paródia platônica do que se tornou, posteriormente, o célebre estilo gorgiano de escrita. A abundância de figuras de linguagem é flagrante: poliptoto (ἐμπειριῶν ἐμπειρῶς ... ἐμπειρία; ἄλλοι ἄλλων ἄλλως; τῶν ἀρίστων οἱ ἄριστοι), antítese (ἐμπειρία - ἀπειρία; κατὰ τέχνην - κατὰ τύχην; ἄλλοι ἄλλων - τῶν ἀρίστων οἱ ἄριστοι), paronomásia (τέχνην - τύχην), isócolon (ἀπειρία δὲ κατὰ ψύχην - τῶν δὲ ἀρίστων οἱ ἄριστοι). Se compararmos com o Elogio de Helena de Górgias, uma das poucas obras do autor que foram conservadas integralmente, observaremos a ocorrência das mesmas figuras de linguagem e um estilo de escrita semelhante: poliptoto (βάρβαρος βάρβαρον [7]; πρὸς ἄλλων ἀπ’ ἄλλου [9]; ὅσοι ὅσους περὶ ὅσων [11]); antítese (κόσμος πόλει μὲν εὐανδρία - τὰ δὲ ἐναντία τούτων ἀκοσμία [1]; πέφυκε γὰρ οὐ τὸ κρεῖσσον ὑπὸ τοῦ ἥσσονος κωλύεσθαι, ἀλλὰ τὸ ἧσσον ὑπὸ τοῦ κρείσσονος ἄρχεσθαι καὶ ἄγεσθαι [6]); paronomásia (ἁμαρτία καὶ ἀμαθία [1]; ὃ λαβοῦσα καὶ οὐ λαθοῦσα [4]; προβήσομαι καὶ προθήσομαι [5]; νομίζω καὶ ὀνομάζω [9]); isócolon (σώματι δὲ κάλλος, ψυχῇ δὲ σοφία, πράγματι δὲ ἀρετή, λόγῳ δὲ ἀλήθεια [1]; οἱ δὲ εὐγενείας παλαιᾶς εὐδοξίαν, οἱ δὲ ἀλκῆς ἰδίας εὐεξίαν [4]); e a conjugação de figuras: antítese e isócolon (καὶ τὸ μὲν κρεῖσσον ἡγεῖσθαι, τὸ δὲ ἧσσον ἕπεσθαι [6]; νόμῳ μὲν ἀτιμίας, λόγῳ δὲ αἰτίας [7]); paronomásia e isócolon (τῶν τε παρόντων ἔννοιαν, τῶν τε μελλόντων πρόνοιαν [11]) (Lopes (n. 4), p. 172-173). 16 Dodds (n. 9), p. 192.
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Sócrates e Górgias, encenado pelos seus respectivos discípulos: Querefonte, recorrendo ao modelo dialógico e utilizando um argumento indutivo, como faz habitualmente Sócrates em diversas circunstâncias dos chamados “primeiros diálogos” de Platão (por ex. Grg. 451a-c); e Polo, recorrendo ao discurso longo ornamentado de tom encomiasta, que seria próprio de seu mestre Górgias. No Prólogo, portanto, podemos identificar dois elementos comuns à comédia – a figura do alazōn e o recurso à paródia – os quais o leitor estaria, supostamente, apto a reconhecer. Pois bem, se esse viés cômico é pertinente para compreendermos a participação de Polo no diálogo, ele serve para ressaltar precisamente o que Sócrates constata dessa breve interlocução com Querefonte: Polo tem praticado a retórica e negligenciado o diálogo (διαλέγεσθαι, 448d10). Como observa Sócrates no trecho citado anteriormente [T3], diante de uma pergunta simples pela definição da arte de Górgias, Polo não responde devidamente a questão seguindo os exemplos elencados por Querefonte, fazendo antes um elogio a ela. Em outras palavras, a pergunta buscava saber qual é a arte de Górgias, e não que qualidade ela tem.17 Essa inabilidade de Polo no âmbito da brakhulogia, já patente no breve Prólogo do diálogo, será justamente o traço da personagem que Sócrates irá realçar, quando Polo se tornar seu interlocutor principal depois de Górgias sair de cena (461-b-c). E essa mudança de interlocutor implicará, por sua vez, uma mudança no comportamento de Sócrates na dinâmica do diálogo: se diante de Górgias ele mostrava certa deferência e se precavia para que sua motivação no processo de refutação não fosse mal compreendida por seu interlocutor (457c-458b), 17 Sobre o princípio da “prioridade da definição” como uma das condições para o correto proceder dialético, ver Platão, Mênon 71b; Fedro 237c-d.
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com Polo Sócrates é relativamente mais rude e sarcástico. Isso fica evidente logo no início da discussão, na maneira como Sócrates faz prevalecer a brakhulogia sobre a makrologia: Sócrates praticamente impõe o diálogo como condição de possibilidade para o debate, sem apresentar um argumento convincente que justificasse esse procedimento (461c5-462a2), como fica evidente nesta passagem: [T4] SOC: Belíssimo Polo, é com este propósito que conquistamos amigos e filhos, para que, quando nós, já velhos, tropeçarmos em algo, vós, os mais novos, estando a nosso flanco, reergais nossas vidas, quer em atos quer em palavras. E neste momento, se eu e Górgias tropeçamos na discussão, tu, estando a nosso flanco, reergue-nos – pois és um homem justo – e se algo do que fora consentido te parecer não ter sido consentido corretamente, eu desejo reparar o que quiseres, contanto que atentes a uma única coisa por mim. POL: A que te referes? SOC: Contanto que contenhas o discurso longo, Polo, o qual tentaste empregar anteriormente. POL: O quê? Não poderei falar o quanto quiser? SOC: Seria deveras um sofrimento terrível, excelentíssimo homem, se chegasses a Atenas, cidade helênica onde há a maior licença para falar, e somente tu tivesses o infortúnio
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de não fazê-lo aqui. Mas observa a situação inversa: se tu fizesses um longo discurso e não quisesses responder as perguntas, não seria um sofrimento terrível eu não poder ir embora para não te ouvir? Mas se estás inquieto com algo do que foi dito e desejas corrigi-lo, como há pouco dizia, repara o que for de teu parecer, um interrogando e o outro sendo interrogado cada um a sua vez, e, assim como eu e Górgias, refuta e sê refutado! Pois decerto afirmas que também tu conheces as mesmas coisas que Górgias, ou não? POL: Afirmo sim. SOC: Então, também tu não convidas em toda ocasião que te perguntem o que quiserem, como se soubesses responder? POL: Certamente. SOC: E agora, cumpre a parte que te aprouver: pergunta ou responde! (461c5-462b2)
IV Outra atitude pouco usual de Sócrates no início da discussão com Polo é oferecer a seu interlocutor a possibilidade de conduzir o diálogo, desde que sob a forma de perguntas e respostas breves. Essa mudança em sua estratégia argumentativa tem como intuito, segundo minha leitura, tornar patente a debilidade de Polo ao público da cena e, por conseguinte, ao leitor: o “desastre” de sua participação como inquiridor é um meio pelo qual Sócrates pode
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revelar a condição ridícula de seu interlocutor quando confrontado no domínio da brakhulogia, uma vez que sua formação se baseia exclusivamente na retórica, como diagnosticara Sócrates no Prólogo do diálogo (448d; cf. também 471d). A comicidade da cena nessa troca de funções se dá pela forma como Sócrates se dirige a Polo, fazendo ressaltar a todo instante sua obtusidade devido à inexperiência no diálogo (διαλέγεσθαι: 448d10; 471d5). O ponto culminante dessa ridicularização do interlocutor me parece ser uma cena excepcional dentre os chamados “primeiros diálogos” ou “diálogos socráticos” de Platão: o próprio Sócrates, na função de quem responde, passa a formular as perguntas e a mandar que Polo simplesmente as repita, como podemos ver nestes dois trechos: [T5] (a) SOC: Queres então, visto que honras a graça, da graça dar-me uma pequena amostra? POL: Sim. SOC: Pergunta-me agora que arte me parece ser a culinária! POL: Pergunto sim: que arte ela é? SOC: Nenhuma, Polo. POL: Mas o quê então? Fala! SOC: Falo sim: certa experiência.
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POL: Qual? Fala! SOC: Falo sim: de produção de certa graça e prazer, Polo. POL: Portanto, a culinária e a retórica são a mesma coisa? SOC: De forma nenhuma, mas partes da mesma atividade. (462d5-e4) (b) SOC: [...] Porém eu não lhe respondo se considero a retórica bela ou vergonhosa antes de lhe responder primeiro o que ela é. Pois não é justo, Polo; mas se queres mesmo saber, pergunta-me que parte da lisonja afirmo ser a retórica! POL: Pergunto sim, e responde: que parte ela é? SOC: Compreenderias porventura a minha resposta? A retórica é, conforme meu argumento, o simulacro de uma parte da política. POL: E então? Afirmas que ela é bela ou vergonhosa? SOC: Para mim, vergonhosa – pois chamo de vergonhosas as coisas más – visto que devo te responder como se já soubesses o que digo. (463c3-d5)
Em ambas as passagens, Sócrates busca ridicularizar o interlocutor salientando sua debilidade no âmbito da brakhulogia, em contraste flagrante com a onipotência relativa à arte dos discursos arrogada anteriormente pela personagem (448a-b,
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462a). Nesse processo, desvela-se então o engano proveniente da alazoneia de Polo: de onipotente no âmbito dos discursos, ele passa a ignorante e impostor. Mas atentemos por um instante para o comportamento de Sócrates no confronto com Polo. No trecho (a), ele induz deliberadamente Polo ao erro, fazendo com que o interlocutor conclua que retórica e culinária são a mesma coisa: o interlocutor faz uma inferência correta do ponto de vista formal, visto que ambas possuem a mesma definição (A=C, B=C, portanto A=B), mas a conclusão é obviamente falsa, como explicará Sócrates na sequência do argumento.18 No trecho (b), por sua vez, Sócrates atenta para a recorrência de Polo no mesmo equívoco lógico já cometido anteriormente no Prólogo (448e), ou seja, atribuir um juízo de valor a uma determinada coisa sem saber previamente o que ela é. Dada a insistência de Polo em saber o que Sócrates pensa sobre a retórica, se ela é bela ou vergonhosa, Sócrates antecipa então seu juízo, sem deixar de se referir ironicamente a mais uma precipitação de Polo na dinâmica dialógica (“visto que devo te responder como se já soubesses o que digo”, 463d4-5). Ao agir assim, contudo, também Sócrates acaba por infringir a mesma “regra” dialógica não observada pelo seu interlocutor, pois definir a retórica como “simulacro de uma parte da justiça” não é ainda suficiente para justificar que ela é vergonhosa. O juízo de
18 Sócrates havia dito anteriormente que a retórica (A) é “experiência de produção de deleite e prazer” (C) (462c2-7). Na sequência do argumento, ele afirma que a culinária (B), por sua vez, é “experiência de produção de deleite e prazer” (C), cuja conclusão seria que retórica e culinária são a mesma coisa (A=B). Todavia, como Sócrates esclarece posteriormente (463a-c), “experiência de produção de deleite e prazer” é a definição genérica de kolakeia (“lisonja”), da qual retórica e culinária são espécies diferentes (mais precisamente, elas são “partes” de uma mesma atividade que Sócrates denomina kolakeia).
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Sócrates se fundamenta numa determinada concepção de “arte” (tekhnē) cujos requisitos atividades como a retórica e a culinária, denominadas por ele como espécies de “lisonja” (kolakeia), não satisfazem – a saber, (i) visar o bem e não o prazer, e (ii) conhecer a natureza tanto de seu objeto quanto dos meios empregados. Todavia, esses argumentos que buscam fundamentar seu juízo só serão apresentados por Sócrates adiante no diálogo, em seu célebre discurso sobre as artes e suas respectivas formas de lisonja (465a). Nesse sentido, esse movimento desastrado do diálogo confere um tom cômico à cena, em que ambas as personagens contribuem igualmente para isso: Polo com sua obtusidade caricatural, e Sócrates manipulando os meios para realçá-la. Isso mostra, portanto, que a estratégia argumentativa de Sócrates no confronto com Polo não se restringe apenas à defesa de suas teses morais e à refutação das do adversário, mas compreende também a ridicularização do interlocutor, como indica, a meu ver, a ocorrência do verbo διακωμῳδεῖν (“comediar”, “zombar”, “satirizar”) no início da segunda parte do diálogo (462e7). V Todavia, a representação cômica da figura de Polo não consiste apenas em um meio escolhido por Platão para criticar a formação retórica representada, sobretudo, por Górgias. A inexperiência de Polo na dialética, satirizada por Sócrates nas passagens referidas anteriormente, tem implicações gravíssimas do ponto de vista moral e político, sendo a mais relevante delas o louvor à tirania de Arquelau da Macedônia (470d-471d). O aspecto sério envolvido na satirização de Polo fica evidente quando Sócrates passa a discutir as consequências de sua definição de retórica como kolakeia. Diante da crítica de Sócrates
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que destitui da retórica sua condição de tekhnē, Polo lhe pergunta então se os rétores possuem “grande poder na cidade”; Sócrates lhe responde da seguinte maneira: [T6] SOC: Pois bem, dentre os cidadãos os rétores me parecem possuir o mais ínfimo poder. POL: Mas o quê? Não assassinam, como os tiranos, quem eles quiserem [ὃν ἂν βούλωνται], e não roubam dinheiro e expulsam da cidade quem for de seu parecer [ὃν ἂν δοκῇ αὐτοῖς]? SOC: Pelo cão! Estou de fato em dúvida, Polo, se, a respeito de cada coisa que dizes, és tu a afirmá-las e a revelar o teu próprio pensamento, ou se estás me interrogando. POL: Mas eu estou te interrogando. SOC: Que assim seja, meu caro! Tu me perguntas, então, duas coisas ao mesmo tempo? POL: Como duas? SOC: Há pouco não dizias mais ou menos o seguinte: “mas os rétores não assassinam quem eles quiserem [οὓς ἂν βούλωνται], como os tiranos, e não roubam dinheiro e banem da cidade quem for de seu parecer [ὃν ἂν δοκῇ αὐτοῖς]”?
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POL: Sim. SOC: Pois bem, eu te digo que elas são duas perguntas, e responder-te-ei a ambas. Eu afirmo, Polo, que tanto os rétores quanto os tiranos possuem o mais ínfimo poder nas cidades, como antes referia; e que não fazem o que querem [ὧν βούλονται], por assim dizer, mas fazem o que lhes parece ser melhor [ὅτι ἂν αὐτοῖς δόξῃ βέλτιστον εἶναι]. POL: E então, não é grandioso esse poder? SOC: Não é, como afirma Polo. POL: Eu afirmo que não é? Eu afirmo que é sim. SOC: Não, pelo... tu não afirmas, porque dizias que ter um grandioso poder é um bem para quem o possui. POL: E confirmo. (466b8-e8)
A participação claudicante de Polo na brakhulogia se agrava na medida em que Sócrates conduz a discussão para tópicos familiares de seu pensamento moral. A posição de Sócrates sobre o poder dos rétores e dos tiranos se fundamenta numa determinada teoria sobre a motivação humana baseada na distinção entre “fazer o que quer” (ποιεῖν ὧν βούλονται, 466e1) e “fazer o que parece ser melhor” (ποιεῖν ὅτι ἂν αὐτοῖς δόξῃ βέλτιστον εἶναι, 466e1-2), absolutamente estranha ao pensamento de Polo. Tendo em vista a sua inexperiência nas discussões filosóficas, e, portanto, a sua ignorância em questões de psicologia moral discutidas no âmbito
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socrático, Polo não compreende as consequências dessa distinção proposta por Sócrates, confundindo naturalmente os conceitos. No entanto, a confusão de Polo não se deve simplesmente à sua ignorância, mas também à forma como Sócrates age ante o interlocutor na discussão. A posição defendida por Sócrates pressupõe uma série de demonstrações que exigem, por sua vez, segundo as próprias “regras” do “diálogo” estabelecidas por ele, o assentimento do interlocutor para serem legitimadas. Embora Sócrates desenvolva tais demonstrações na sequência da discussão (467c5-468e5), esclarecendo assim a distinção entre “fazer o que quer” e “fazer o que parece ser melhor”, no trecho citado ainda não há argumentos suficientes que provem que rétores e tiranos possuem um ínfimo poder nas cidades.19 Nesse 19 Eis a sinopse do argumento de Sócrates (467c5-468e5): (i) os homens não querem aquilo que fazem, mas aquilo em vista do que fazem; (ii) há coisas boas, coisas más e coisas intermediárias, que ora participam do bem, ora do mal, ora de nenhum deles; (iii) os homens fazem as coisas intermediárias em vista das boas, e não o contrário; (iv) os homens querem as coisas boas, e não as intermediárias, tampouco as más; (v) quando o rétor e o tirano matam, roubam ou expulsam homens das cidades, eles o fazem presumindo que isso lhes seja benéfico ou melhor; (vi) mas se isso lhe acontece de ser prejudicial ou pior, eles não fazem o que querem, mas somente o que lhes parece, pois ninguém quer coisas más; (vii) portanto, o rétor e o tirano não possuem grandioso poder nas cidades, uma vez que ter grandioso poder é um bem para quem o possui. A proposição (vi) do argumento, todavia, aponta prolepticamente para a discussão ulterior (469e-481b), quando Sócrates buscará mostrar a Polo que, ao contrário do que pensa a maioria dos homens, cometer injustiça é pior que sofrê-la, uma vez que a justiça é um mal da alma. Isso se faz necessário, pois Polo poderia replicar a Sócrates que, ao roubar, matar ou
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sentido, a incompreensão de Polo se deve também às dificuldades criadas propositadamente por Sócrates na discussão para revelar suas deficiências técnicas e morais. Nesse movimento, portanto, os elementos cômicos da cena se tornam flagrantes: Sócrates coloca palavras na boca de Polo, afirma que ele diz o que não disse, irrita a personagem e faz com que ela, enfim, depois de uma série de passos equivocados, restitua a ele a função de inquiridor: [T7] SOC: Eu afirmo que eles não fazem o que querem [ἃ βούλονται]; vai, refuta-me! POL: Há pouco não admitias que eles fazem aquilo que lhes parece ser melhor [ἃ δοκεῖ αὐτοῖς βέλτιστα εἶναι]? SOC: E continuo admitindo. POL: Não fazem, então, o que querem [ἃ βούλονται]? SOC: Isso eu não digo... POL: Fazendo o que lhes parece [ἃ δοκεῖ αὐτοῖς]? SOC: Isso eu digo. POL: Tuas palavras são perniciosas e sobrenaturais, Sócrates. expulsar homens das cidades, o tirano e o rétor prejudicam e fazem mal não a si mesmos, mas às vítimas de suas ações, e que, ao agirem assim, eles visam o seu próprio bem (Lopes (n. 5), p. 244-245).
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SOC: Não me difames, excelente Polo! – para falar-te à tua maneira consueta. Mas se tiveres pergunta a me fazer, mostra que estou mentindo, se não, responde tu! POL: Mas prefiro responder para compreender o que dizes. (467b2-c4)
VI Pois bem, como havia mencionado anteriormente, esses trechos do Górgias analisados acima me parecem remeter, de certo modo, às Nuvens de Aristófanes, como uma referência de fundo sobre a qual Platão constrói a interlocução entre Sócrates e Polo. Obviamente, a figura de Sócrates seria o elemento comum que ligaria os dois textos, mas creio que há alusões mais estreitas: o desastre de Polo no âmbito da brakhulogia encontraria certo paralelo com a dificuldade de Estrepsíades em compreender as asserções de Sócrates, quando submetido às lições do “pensatório”. Nas Nuvens, logo no início do episódio em que Sócrates é apresentado ao público dependurado num cesto, cena essa referida explicitamente por Platão na Apologia,20 Estrepsíades lhe pergunta qual o motivo de estar ali suspenso. Sócrates então lhe explica por que estar no ar ajuda a estudar os fenômenos celestes: [T8] SÓCRATES […] Se eu estivesse no chão e ali observasse o que está no alto, jamais poderia fazer qualquer descoberta. Pois a terra puxa 20 Platão, Apologia 19b-c.
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para ela com violência a umidade do pensamento. E essa mesma influência sofre também o agrião. ESTREPSÍADES O que dizes? O pensamento puxa a umidade para o agrião? (v. 231-236)
A confusão de Estrepsíades, que mistura os dois membros da comparação de Sócrates numa só frase, se deve a seu total desconhecimento da teoria física suportada pelo “pensatório”, cujas divindades, as Nuvens, representam justamente o elemento úmido que seria a nutriz do pensamento. A falta de familiaridade do velho bronco com as sutilezas abstratas do pensamento de Sócrates o leva a uma conclusão estapafúrdia, apegando-se ao que há de mais concreto nele: o agrião. Formalmente, a confusão seria a seguinte: enquanto Sócrates diz “A puxa B de C para A, assim como A puxa B de D para A”, Estrepsíades entende “C puxa B para D”. Como comenta Dover, “o total desconhecimento de um argumento científico por um homem ignorante é uma óbvia forma de humor”.21 Se considerarmos que isso constitui um topos na comédia antiga, então creio que Platão incorpora esse tipo de recurso no Górgias, como naquelas passagens analisadas anteriormente [T6] [T7], em que Polo não compreende a distinção sutil entre “fazer o que parece” e “fazer o que quer” (467c-d). Dessa forma, assim como Estrepsíades desconhece a teoria física vigente no “pensatório”, uma vez que este lhe é um ambiente estranho, também Polo desconhece os princípios da psicologia moral de Sócrates, uma vez que ele é alheio ao ambiente dialético em que esse tipo de discussão é perseguido.
21 DOVER, K. Aristophanes’ Clouds. Oxford: Clarendon Press, 1968, p. 128.
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Outro trecho das Nuvens que gostaria de analisar brevemente possui certas semelhanças com a passagem [T5a] analisada há pouco. Vejamos o trecho: [T9] SÓCRATES Adiante então! O que você quer aprender primeiro dos assuntos que jamais viu? Desembuche! Sobre os metros, sobre as palavras, ou sobre os ritmos? ESTREPSÍADES Sobre os metros, sem dúvida. Pois recentemente um vendedor de cevada me passou a perna em duas medidas. SÓCRATES Não foi essa a pergunta, mas que metro você considera o mais belo, o trímetro ou o tetrâmetro? ESTREPSÍADES Prefiro antes o quartilho... SÓCRATES Mas que cara sem noção... ESTREPSÍADES Cheque então pra ver se se o tetrâmetro não equivale ao quartilho!22
22 O jogo aqui está na equivalência matemática: 1 hēmiekteōn (“quatrilho”) = 4 khoinikes, 1 tetrâmetro = 4 metros. Estrepsíades, então, associa o tetrâmetro (que significa genericamente “quatro medidas”) ao quatrilho (que equivale a 4 khoinikes). O khoinix era a medida usada para a pesagem de grãos (Dover (n. 21), p. 179).
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SÓCRATES Vá pro inferno! Como é bronco e burro!!! (v. 636-646)
Em primeiro lugar, tanto no Górgias quanto nas Nuvens a inquirição socrática é formalmente semelhante, ou seja, trata-se de um curto diálogo em que Sócrates formula as perguntas para que o interlocutor as responda brevemente.23 Em segundo lugar, a confusão do argumento é a mesma: para usar um conceito da lógica aristotélica, trata-se de um caso de homonímia, ou seja, quando a mesma palavra é usada em sentidos diferentes; no contexto dialético, essa ambiguidade pode gerar um silogismo formalmente correto (desde que desconsiderada tal distinção semântica), mas cuja conclusão é falsa. Naquele trecho do Górgias [T5a], trata-se de um caso de homonímia em que o gênero é tomado pela definição: Sócrates se referia à culinária e à retórica como espécies diferentes de kolakeia, ao passo que Polo entendia kolakeia como a definição de ambas as atividades, o que o levou a concluir equivocadamente que retórica e culinária são idênticas. Nessa passagem das Nuvens [T9], por sua vez, Sócrates se refere a um determinado gênero de metron (o metro poético), ao passo que Estrepsíades tem em mente outro gênero de metron (a medida de grãos); embora ambos sejam ditos “metros”, a definição de metro
23 Diskin Clay sugere que o primeiro exemplo supérstite do que Aristóteles denomina Sōkratikoi logoi provém das Nuvens de Aristófanes, referindose aos versos 482-488: “The character of Aristophanes’ representation of Socratic questioning coheres with what we know of the character of his conversations rendered by the Socratics who wrote later. Socrates operates by question and answer rather than by long epideictic speeches; he prefers brakhulogia and is concerned with the quickness to learn and the memories of his would-be associates” (CLAY, D. The Origins of the Socratic Dialogue. In: WAERDT, P. A. V. (Ed.). The Socratic Movement. Ithaca: Cornell University Press, 1994, p. 38).
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poético é certamente diferente da definição da medida de grãos.24 Não conseguindo superar essa confusão semântica, a inquirição de Sócrates acaba por fracassar. Em terceiro lugar, há certas formulações verbais que são semelhantes àquelas empregadas por Platão nas partes estritamente dialógicas de sua obra, como ἄγε δή (v. 636) e πότερον ... ἢ (v. 638, 642) [T9]. São formulações comuns da língua grega, de fato, mas são usadas por ambos os autores em contextos similares: um diálogo de registro oral mediado por perguntas e respostas breves. Em relação à sentença introduzida por πότερον ... ἢ (v. 642), Aristóteles afirma, em seu tratado sobre o silogismo, os Tópicos, que esse tipo de indagação constitui paradigmaticamente a formulação de um problema a ser examinado pelos dois interlocutores no âmbito dialético.25 Se Aristóteles tinha como fonte para a redação dos Tópicos não apenas as disputas dialéticas no interior da Academia, mas também os diálogos platônicos, então encontraríamos nas Nuvens de Aristófanes um forte indício de imitação da elocução socrática, que mais tarde seria consagrada por Platão em seus diálogos e pelos demais escritores dos Sōkratikoi logoi. VII Não sei ao certo se são convincentes os paralelos que tentei traçar aqui entre as passagens do Górgias e das Nuvens. Talvez as semelhanças sejam muito tênues para considerarmos uma relação intertextual, e se trate antes de um topos cômico comum: como observa Dover no comentário às Nuvens citado previamente, “o total desconhecimento de um argumento 24 Aristóteles, Tópicos I 107a18-31. 25 Aristóteles, Tópicos I 101b28-36.
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científico por um homem ignorante é uma óbvia forma de humor”.26 Todavia, como a maior parte dos textos da chamada “Comédia Antiga” não foram preservados, torna-se praticamente impossível apreciarmos em que medida esse topos era recorrente nas peças dos demais comediógrafos. De qualquer modo, meu objetivo principal era chamar a atenção para os aspectos cômicos da segunda parte do Górgias que são geralmente negligenciados pela crítica, mesmo em análises como a de Nightingale, em que se examina a fundo a natureza intergenérica dos diálogos platônicos. Para concluir, gostaria de refletir um pouco sobre a função dos recursos cômicos utilizados por Platão para a compreensão geral do diálogo Górgias. Como referi no início desta apresentação, a satirização da figura de Polo não apenas constitui em um dos meios utilizados por Platão para criticar a retórica e a democracia ateniense, mas também contribui para redefinir a noção de ridículo (geloion) segundo os preceitos da filosofia moral platônica. Na Apologia, Platão atribui a causa primeira do processo de impiedade e corrupção da juventude que vitimou Sócrates à má fama adquirida por ele no decorrer de sua vida devotada à filosofia, má fama essa representada paradigmaticamente nas Nuvens de Aristófanes.27 Seriam precisamente a identificação de Sócrates com os “sofistas” e o seu suposto interesse pelas investigações sobre fenômenos naturais, como vemos na peça de Aristófanes, o que teria motivado Meleto, em última instância, a processar Sócrates em nome da cidade. Como sabemos pelos fragmentos supérstites da “Comédia Antiga”, Sócrates era uma figura recorrente nos palcos do teatro ateniense, aparecendo como personagem em peças de outros autores como Êupolis (frs. 386 e 395 KA), Amípsias (fr. 9 26 Dover (n. 21), p. 128. 27 Platão, Apologia 18b-c, 19b-c.
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KA), Cálias (fr. 15 KA) e Teleclides (frs. 39-40 KA).28 Todavia, a importância conferida por Platão especificamente às Nuvens de Aristófanes na “biografia” de Sócrates, como referida na Apologia, parece indicar que essa comédia teve um impacto especial na formação de Platão como filósofo e escritor. E nesse sentido, acredito que Platão, em diversos momentos de sua obra, busca dar uma resposta à representação cômica da figura de Sócrates nessa peça, redefinindo o que é e quem é digno de ser ridicularizado. O Górgias, a meu ver, seria um desses contextos. Vejamos como o tema do ridículo aparece expressamente nesse diálogo. Na invectiva de Cálicles contra a filosofia em seu célebre discurso no Górgias, a personagem diz o seguinte a certa altura: [T10] CAL: […] A filosofia, Sócrates, é decerto graciosa, contanto que se engaje nela comedidamente na idade certa; mas se perder com ela mais tempo que o devido, é a ruína dos homens. Pois se alguém, mesmo de ótima natureza, persistir na filosofia além da conta, tornar-se-á necessariamente inexperiente em tudo aquilo que deve ser experiente o homem que intenta ser belo, bom e bem reputado. Ademais, tornam-se inexperientes nas leis da cidade, nos discursos que se deve empregar nas relações públicas e privadas, nos prazeres e apetites humanos, e, em suma, tornam-se absolutamente inexperientes nos costumes dos homens. Quando então se deparam com alguma ação privada ou política, são cobertos pelo ridículo [καταγέλαστοι γίγνονται], como julgo que
28 BROCK, R. Plato and Comedy. In: CRAIK, E. M. (Ed.). Owls to Athens. Oxford: Clarendon Press, 1990, p. 40.
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sucede aos políticos: quando se envolvem com vosso passatempo e vossas discussões, são absolutamente risíveis [καταγέλαστοί εἰσιν]. (484c5-e3)
A visão do filósofo como uma figura potencialmente ridícula aos olhos do senso comum29 aparece claramente referida por Cálicles nessa passagem: o fato de o filósofo estar apartado da vida política na pólis democrática faz dele uma figura idiossincrática e, por conseguinte, um alvo em potencial para a representação cômica. O filósofo, portanto, é visto como um atopos, como alguém que não tem lugar na vida da pólis.30 A oposição entre a vida voltada para a política, representada pela figura de Cálicles, e a vida dedicada à filosofia, representada por Sócrates, é um dos temas centrais do Górgias, e a terceira parte do diálogo se volta, em última instância, para responder à pergunta socrática: qual dessas duas vidas, afinal, é digna de ser vivida em vista da felicidade (500b-d)? A resposta final de Sócrates não apenas afirma a superioridade da vida filosófica sobre a vida política, como também subordina a verdadeira política ao exercício da filosofia (521d-e). Essa inversão da posição de Cálicles operada por Sócrates no decorrer da terceira parte do Górgias se fundamenta numa determinada concepção de virtude e de política, numa certa psicologia moral, na distinção entre bem e prazer, na relação necessária entre virtude e felicidade, sobre as quais não posso me deter aqui. De qualquer modo, a refutação da posição de Cálicles por Sócrates implica necessariamente uma redefinição da noção de ridículo, de acordo com os preceitos da filosofia platônica apresentados no Górgias: não mais Sócrates, 29 Platão, Teeteto 175b-d. 30 Sobre este tema, ver LIMA, P. B. Platão: Uma Poética para a Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2004.
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mas seus antagonistas que presumem saber o que não sabem. A passagem seguinte sintetiza bem esse ponto: [T11] SOC: […] em suma, qualquer que seja a injustiça cometida contra mim ou contra minhas propriedades, é pior e mais vergonhoso para quem comete injustiça do que para mim que a sofro. Eis o que na discussão precedente ficou manifesto, e afirmo que isso está firme e atado – se não for uma expressão muito rude – por argumentos de ferro e diamante, ao menos como haveria de parecer na atual conjuntura. Assim, se tu não o desatares, ou qualquer outra pessoa ainda mais jovem e audaz do que tu, será impossível que alguém, afirmando coisas diferentes das que eu afirmo agora, fale corretamente. Pois o meu argumento é sempre o mesmo, que eu não sei como essas coisas são, mas que, das pessoas que tenho encontrado, como na ocasião presente, nenhuma é capaz de afirmar coisas diferentes sem ser extremamente ridícula [μὴ οὐ καταγέλαστος εἶναι]. (508e4-509a7)
Sócrates se refere aqui à sua tese paradoxal defendida na discussão com Polo e retomada no debate com Cálicles, segundo a qual é pior e mais vergonhoso cometer injustiça do que sofrê-la (474c-476a). Segundo Sócrates, ainda que ele não detenha precisamente o conhecimento sobre o assunto, ao menos as pessoas que afirmam opiniões contrárias às dele não conseguem sustentar suas posições quando submetidas a um exame crítico; quando confrontadas no domínio filosófico, suas opiniões se mostram contraditórias e sua pretensão de sabedoria se revela inócua, como sucedeu efetivamente a Górgias, Polo e Cálicles. E
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é essa condição o que é verdadeiramente ridículo, em resposta à invectiva de Cálicles [T10]. Sendo assim, creio que a incorporação de elementos cômicos no Górgias, como tentei argumentar anteriormente, está relacionada diretamente a essa redefinição da noção de ridículo operada no interior diálogo. Nesse sentido, em resposta à satirização da figura de Sócrates na “Comédia Antiga” e, em especial, nas Nuvens de Aristófanes, Platão estaria, segundo essa leitura, apresentando um breve excerto de uma “comédia filosófica”, por assim dizer, no interior do próprio diálogo, ao retratar a incursão desastrada de Polo no domínio filosófico. Nela, o objeto a ser satirizado não é mais a figura do “filósofo”, não é mais Sócrates, porém seu antagonista que, por negligenciar o diálogo e se dedicar à retórica (448d; 471d), não coloca à prova adequadamente suas opiniões e não tem ciência de sua própria ignorância. A consequência dessa condição, que consistiria no aspecto sério envolvido na ridicularização de Polo, é apontado claramente por Platão: a busca indiscriminada pelo poder para a satisfação de interesses pessoais mediante a retórica, sendo a tirania o modelo de vida mais próspero, como revela o elogio de Polo a Arquelau da Macedônia (470d-471d). A gênese do tirano no seio da democracia será um problema crucial na filosofia política de Platão, especialmente nos Livros VIII e IX da República; mas isso é tema para outra discussão.
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O mimo grego literário no período helenístico
Fernando Rodrigues Jr.* Universidade de São Paulo
Segundo Diógenes Laércio III 18, os mimos de Sófron teriam sido introduzidos em Atenas por Platão. Outras fontes antigas corroboram a tese de que a forma dos diálogos platônicos teria como modelo uma espécie de texto dramático de origem siciliana. Para o autor anônimo dos Prolegômenos à filosofia platônica 3. 11, a relação entre Platão e Sófron se dá no campo da zh/lwsij – uma vez que o filósofo tenta emular o mimógrafo, descrito como gelwtopoio/ j1–, consequentemente estabelecendo um * Agradeço ao auxílio concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para a realização desse trabalho.
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vínculo entre esses dois gêneros, pois, através do diálogo, é feita a imitação de personagens (o( ga\r dialo/gouj gra/fwn mi/mhsin prosw/pwn ei)sa/gei). Curiosamente, Diógenes Laércio afirma que Platão não somente teria trazido para Atenas os livros de Sófron, mas também os teria utilizado como fonte para a criação do h) = qoj das personagens em seus diálogos ( h)qopoih=sai).2 Aristóteles é o mais antigo autor conhecido a estabelecer um vínculo entre o mimo e o diálogo filosófico ao equiparar, como um tipo de te/xnh cuja imitação é realizada por meio de palavras, os mi=moi de Sófron e Xenarco e os diálogos socráticos (Poética 1447b = fr. 72 R). A mesma justaposição aparece em seu tratado Sobre os poetas citado por Ateneu 505c: apesar de estarem em prosa (ou)de\ e)mme/trouj), os mimos de Sófron e os diálogos socráticos, atribuídos originalmente a Alexâmeno de Teos, são uma espécie de mi/mhsij e, portanto, pertencem ao campo da poesia. Em acordância a isso, Filodemo de Gadara, no primeiro livro do tratado Sobre os poemas (fr. 199 Janko), nota que os textos de Sófron são ocasionalmente chamados de poh/ mata e os mimógrafos classificados como mi/mwn pohtai/. Não obstante a possível influência que os mimos de Sófron teriam exercido na literatura grega do século IV a.C., conhecemos de sua obra apenas alguns escassos fragmentos preservados, em grande parte, por gramáticos interessados em termos raros ou glossas dialetais. Segundo o Suda, Sófron, natural de Siracusa, teria redigido mimos masculinos e femininos em prosa, valendo-se do dialeto dórico (kai\ e/)graye mi/mouj a)ndrei/ouj, mi/ m ouj gunaikei/ o uj: ei) s i\ de\ kataloga/ d hn, diale/ k t% Dwri/di). A divisão das espécies de mimo por gênero é pouco clara 1
Sobre a influência de Sófron nos diálogos de Platão, cf. também Quintiliano I 10. 17, Ateneu 504b e Olimpiodoro In Alc. 3, 65. 2 Cf. também Corício de Gaza Orações 32. 14-15.
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e os fragmentos disponíveis não permitem compreender com precisão as duas categorias. Provavelmente, os mimos não seriam distinguidos por meio da presença exclusiva de personagens masculinas ou femininas no enredo, mas é possível que essa definição, já notada desde o Banquete dos sofistas de Ateneu (87a, 106d, 110b, 230b, 324e, 380e e 408f) e Sobre os pronomes de Apolônio Díscolo (57. 18, 66. 3, 100. 4, 110. 10), seja similar à oposição citada por Agatão entre gunaikei=a dra/mata e a)ndrei=a dra/mata nas Tesmoforiantes de Aristófanes (v. 149-156). De acordo com a teoria apresentada pela personagem dessa comédia, é preciso que o poeta adapte o estilo (tro/poj) ao objeto de imitação. Logo, pode-se pressupor que os textos dramáticos de Sófron estariam focados na representação do caráter das personagens de maior destaque na trama numa situação específica. Apesar da insistência de Aristóteles em conectar o mimo ao diálogo filosófico como uma forma de imitação, é precário nosso conhecimento sobre os textos de Sófron e a influência que teriam exercido no final do período clássico. O mimo sempre ocupa a posição final dentre os diferentes tipos de texto dramático nos catálogos de gênero feitos por gramáticos e filósofos na antiguidade. No terceiro livro da Arte Gramática de Diomedes (489. 89 Keil), o mimo sucede à descrição da tragédia, da comédia e do drama satírico, sendo definido como uma espécie de sermo realizado através da imitação das ações e palavras mais torpes e lascivas possíveis. Ainda é acrescentada pelo gramático uma definição anônima em grego segundo a qual o mimo seria a imitação da vida, abarcando as coisas convenientes e as inconvenientes (mi=mo/j e)sti mi/mhsij bi/ou, ta/ te sugkexwrhme/na kai\ a) sugxw/rhta). O autor do Tractatus Coislinianus também insere o mimo em posição final no grupo dos gêneros dramáticos, bem como Isidoro de Sevilha, em Etimologias XVIII, faz um
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breve comentário sobre ele após ter glossado vários vocábulos relacionados ao teatro (de theatro, de orchestra, de tragoedis, de comoedis, de thymelicis, de histrionibus, de mimis).3 Mesmo havendo uma aparente uniformidade na abordagem do mimo como parte integrante da literatura dramática, não é uma tarefa simples estabelecer as características relacionadas a esse gênero bem como os possíveis contextos de performance, sobretudo no século V a.C., quando os textos de Sófron foram redigidos. O baixo status dos atores e autores de mimos é aludido por Demóstenes na Segunda Olintíaca 18-19, ao argumentar que as companhias de Filipe da Macedônia não incluiriam homens sensatos e justos, mas somente ladrões, aduladores, despudorados, atores de mimos e poetas de cantos vis cujo objetivo principal seria suscitar o riso. Haveria, nesse período, uma diferença significativa entre os atores de comédia e tragédia – cuja performance dramática ocorria durante um festival religioso – e os atores de mimo, considerado, até o período helenístico, um espetáculo baixo, permeado de linguagem obscena, provavelmente dominado por enredos simples, centrados em incidentes cotidianos de personagens xei/ronej, de acordo com os diferentes objetos de imitação apresentados por Aristóteles em Poética 1448a. Não é possível reconstruir o enredo de nenhum dos mimos de Sófron, mas algumas cenas apresentadas em seus escassos fragmentos sugerem uma grande proximidade com a poesia jâmbica e a comédia.4 Imagens escatológicas exploradas 3
Para mais informações sobre mimo, cf. DEZZOTTI, M. C. C. O Mimo Grego: uma apresentação, Itinerários, n. 6, p. 37-46, 1993 e MASTROMARCO, G. Il Mimo Greco Letterario, Dioniso, n. 61, p. 169-192, 1991. 4 Para uma apresentação comentada dos fragmentos de Sófron, cf. HORDERN, J. H. Sophron’s Mimes, Oxford, 2004. Cf. também KASSEL, R.; AUSTIN, C. (Eds.) Poetae Comici Graeci, v. 1, Berlin; New York, 1983.
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hiperbolicamente e associadas a excrementos são descritas nos fragmentos 4d e 11 H bem como em Hipônax fr. 73 e 92 W e Aristófanes Paz 1-61. Os fragmentos 23 e 25 H representam duas mulheres conversando sobre dildos e os equiparando a animais marinhos em analogia ao formato, cor e textura, levando Demétrio a citar a cena como exemplo de alegoria despudorada em Sobre o estilo 151. O tema do dildo já fazia parte do repertório cômico, tendo sido explorado por Aristófanes em Tesmoforiantes 478-489, 493-496, 499-451 e Lisístrata 108-110, além de Epicarmo fr. 226 KA e Cratino fr. 354 KA. Sófron também teria abordado matéria menos obscena, como o fr. 10 H, sobre um grupo de espectadoras dos Jogos Ístmicos (com possível conteúdo ecfrástico), o fr. 71 H, em que uma personagem desconhecida reclama de sua pobreza, ou os fr. 3-4a e 5-9 H, nos quais uma purificação ritual é executada para a realização de um possível feitiço erótico, se for correta a atribuição de todos esses excertos a um único mimo. À exceção de Sófron e Xenarco (mencionado no Suda como seu filho e do qual não foi preservado nenhum fragmento), não temos informação de outro mimógrafo até o século III a.C. Com a descoberta de um rolo de papiro datado entre os séculos I e II d.C. contendo uma coleção de mimos atribuídos a Herodas e sua publicação por Frederic Kenyon em 1891, foi possível não somente conhecer melhor um autor do início do período helenístico, cuja obra supérstite se resumia a raríssimos fragmentos, mas também ter acesso a um gênero pouco compreendido pela ausência de um corpus significativo.5 Se há muito em comum entre os fragmentos 5 As principais edições comentadas dos mimos de Herodas são as seguintes: CUNNINGHAM, I. C. Herodas: Mimiambi, Oxford, 1971; DI GREGORIO, L. Eronda: Mimiambi (I-IV), Biblioteca di Aevum Antiquum 9, Milan, 1997; DI GREGORIO, L. Eronda: Mimiambi (V-XII), Biblioteca di Aevum Antiquum 16, Milan, 2004 e ZANKER, G. Herodas’ Mimiambs, Oxford, 2009. Para uma apresentação dos mimos de Herodas, cf. ARNOTT, W. G. Herodas
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de Sófron e a matéria abordada nos poemas de Herodas, o dialeto e o metro empregados sugerem uma tentativa deliberada, por parte do autor helenístico, de inserir seus mimos na tradição poética a partir de modelos literários pertencentes a outros gêneros. A opção pelo dialeto jônico e pelos trímetros jâmbicos fez com que seus textos fossem chamados de mimi/amboi por Estobeu IV 24d51, 34.27 e 50b55. O emprego desse metro possibilita a inserção de seus poemas na tradição da poesia jâmbica, enquanto a forma dramática estabelece um vínculo com o mimo. Os mimiambos de Herodas estariam, portanto, bem adequados à estética helenística à medida que exploram os limites das categorias genéricas e propõem formas poéticas híbridas. O mimo VIII, conservado em estado bastante fragmentado, apresenta uma espécie de programa poético no qual Herodas discorreria sobre seus modelos literários e as transformações às quais o mimo estaria submetido. Trata-se de um monólogo de 79 versos em que a persona loquens relata à serva um sonho ocorrido durante a noite e propõe uma interpretação. A personagem estaria arrastando um bode por um longo desfiladeiro quando foi surpreendida por pastores que desmembraram o animal e se alimentaram de sua carne. Após uma passagem pouco legível, é possível reconhecer a realização de um jogo de equilíbrio sobre uma espécie de odre repleto de ar, o que sugeriria a performance do a)skwliasmo/j típico de festividades agrárias associadas a Dioniso.6 Depois de uma longa lacuna entre os versos 48 e 57, é and the Kitchen Sink, G&R, v, 18, p. 121-132, 1971; MASTROMARCO, G. The Public of Herondas, London Studies in Classical Philology 11, Amsterdam, 1984; HUNTER, R. L. The Presentation of Herodas’ Mimianboi, Antichton 27, p. 31-44, 1993 e ESPOSITO, E. Herodas and the Mime. In: CLAUSS, J. J.; CUYPERS, M. Companion to Hellenistic Literature, Oxford, 2010. 6 Cf. LATTE, K. ) A skwliasmo/ j , Hermes 85, p. 385-391, 1957; PICKARD-CAMBRIDGE, A. Dithyramb, Tragedy and Comedy, Oxford, 1962 (p. 72-74) e PARKER, R. Polytheism and Society at Athens, Oxford, 2005 (p. 184). Uma explicação divergente é fornecida nos escólios de Aristófanes
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sugerida a vitória do poeta e a consequente ira de um ancião que ameaça golpeá-lo com o bastão, até a convocação de um jovem para atuar como árbitro da discórdia. Nos versos finais, em que é proposta uma interpretação para o sonho, são aludidos os nomes do metro (i)a/mbwn, v. 77) e de Hipônax (v. 78), cuja reputação no período helenístico fez dele um dos poetas mais citados e imitados por diferentes autores.7 Calímaco o tornou personagem central em seu jambo I ao trazê-lo de volta à vida e lhe atribuir um discurso moderado propondo o fim das contendas entre os filo/ l ogoi no Serapeio. Se o comportamento descrito nos fragmentos de Hipônax sugere uma postura divergente da apresentada no jambo I de Calímaco, sua adequação como personagem nesse cenário alexandrino se dá através do metro empregado. Consequentemente, os trímetros jâmbicos coliâmbicos, cujo eu(reth/j teria sido o próprio Hipônax de Efeso, proporcionam um modelo poético para a abordagem de Calímaco no campo da poesia jâmbica. Os trímetros jâmbicos utilizados em todos os oito mimos de Herodas também são coliâmbicos, o que explica a menção a seu criador em VIII 78, possivelmente identificado como o ancião furioso tentando agredir o poeta com um bastão. Se Calímaco e Herodas usaram a imagem do Hipponax redivivus ao empregarem o metro associado a ele, o caráter da personagem em seus poemas é bem divergente e propõe um diálogo diferenciado com a tradição jâmbica precedente. Deve-se notar que Herodas, no verso 60 (ou)/l$ kat’ i)qu\ t$= bathri/$ ko/yw), alude diretamente ao fr. 20 W de Hipônax (doke/wn e)kei=non t$= bakthri/$ ko/yai), porém, Pluto 1129. 7 Cf. CLAYMAN, D. L. Callimachus’ Iambi, Leiden, 1980 (p. 11-18 e 55-61); DEGANI, E. Studi su Ipponatte, Bari, 1984 (p. 171-186) e ACOSTA-HUGHES, B. Polyeideia: the Iambi of Callimachus and the Archaic Tradition, Berkeley; Los Angeles, 2002 (p. 21-59).
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não sabemos o motivo preciso que leva o ge/rwn irritado a querer agredir o poeta depois de sua vitória no jogo do a)skwliasmo/j. Além de Hipônax, o mimo VIII parece enfatizar, de certa maneira, a presença de Dioniso seja nominalmente, seja através da performance de práticas pertencentes a seu culto. Possivelmente entre os versos 20-26 seria narrado o momento em que o bode, descrito no verso 68 como dw=ron e)k D[iwn]u/sou, é desmembrado pelos pastores, já que a cena é evocada explicitamente nos versos 69-70: .....αἰ]πόλοιμινἐκ βίης [ἐδ]αιτρεῦντο τ]ὰ ἔνθεα τελεῦντες καὶ κρεῶ[ν] ἐδαίνυντο, (...) os cabreiros o destroçaram executando os rituais e se banquetearam com a carne.
Para Fountoulakis não se trata de um furto ou simples cena sacrificial, mas das práticas de sparagmo/j e w)mofagi/a consideradas pertencentes ao ritual dionisíaco.8 Clemente de Alexandria em Protréptico XII 119 nota que o desmembramento de um animal sacrificial e a ingestão de sua carne crua seriam parte integrante do culto a Dioniso, de modo a reproduzir o tratamento conferido ao deus pelas mênades. A mesma informação é fornecida no Léxico de Fócio (cf. o verbete nebri/zein). O sparagmo/j de touros, vacas e novilhas é descrito por Eurípides em Bacantes 734747 e nos versos 1122-1139 o corpo de Penteu vira alvo do grupo de bacantes em frenesi. O poeta propõe, nos versos 70-71, uma equiparação entre o bode esquartejado e seus me/lea, fazendo referência ambígua aos membros e aos versos:
8 FOUNTOULAKIS, A. Herondas 8.66-79: Generic Self-Consciousness and Artistic Claims in Herondas’ Mimiambs, Mnemosyne, v. 55, p. 301-319, 2002.
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τὰμέλεα πολλοὶκάρτα, τοὺςἐμοὺςμόχθους, τιλεῦσινἐνΜούσηισιν. ωδεγω[ ]το. e muitos meus cantos, fruto do meu trabalho, pilharão totalmente, entre as Musas (...)
A imagem do sparagmo/ j seria, portanto, simbólica e os ai) p o/ l oi que lhe pilhariam os versos seriam os críticos, localizados entre as Musas (e)n Mou/s$sin) ou no Museu de Alexandria, como erroneamente sugere Crusius, pressupondo uma alusão a poetas alexandrinos opositores relacionados a essa instituição, como Calímaco e Teócrito.9 A opção pela imagem do bode para simbolizar a poesia conecta Herodas a uma tradição dramática, sobretudo por ter sido descrito como presente de Dioniso. O sacrifício do animal e seu provável esfolamento possibilitariam a confecção dos odres utilizados na competição de a)skwliasmo/j, cujo vencedor seria o próprio poeta. Portanto, a pele de bode é fundamental para a realização de uma competição rural na presença do próprio Dioniso, se for correta a identificação do deus vestindo um manto cor de açafrão (sx[isto\n10krokwto/n, v. 28), cingido com uma estola de cervo (s[tikth=j11 de\ nebrou= xlanidi/%, v. 30), uma túnica sobre os ombros (ku/passin a)mfi\ toi=j w)/moij, v. 31), a cabeça coroada com hera (a)mfi\ krhti\ ki/ssin’ e)/stepto, v. 32) e, talvez, calçando um coturno (koqo/rnou, v. 33).
9 Cf. CRUSIUS, O. Herodae Mimiambi, Leipzig, 1905 (p. 75-76). Sobre uma visão contrária a essa oposição entre Herodas e as tendências poéticas helenísticas, cf. ESPOSITO, E. Allusività epica e ispirazione giambica in Herond. 1 e 8, Eikasmos 12, p. 141-159, 2001. 10 Segundo o suplemento de VOGLIANO, A. Ricerche sopra l’ottavo mimiambo di Heroda (Enypnion) con un excursus (iv. 93-5), Milan, 1906 (p. 28). 11 Segundo o suplemento de KNOX, A. D. The Dream of Herodas, CR, v. 39, p. 13-15, 1925.
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O sxisto/j possivelmente mencionado no verso 28 é glossado por Hesíquio (s 3034 Schmidt) como uma espécie de xi/twn feminino afivelado no peito. O termo krokwto/j também designa uma túnica feminina, caracterizada pela cor amarela, como atesta Aristófanes em Lisístrata 44 e 51, Tesmoforiantes 941 e Assembleia de mulheres 332 e 879. Pollux (H. 116 Bethe), porém, informa que essa mesma túnica faria parte da indumentária de Dioniso, como pode ser conferido em Aristófanes Rãs 46 e Cratino fr. 40 KA. O manto feito com pele de cervo também é trajado pelo deus em Eurípides Bacantes 111 (stiktw=n t’ e)nduta\ nebri/dwn) ao mesmo tempo em que é coroado com hera (stefanou=sqe kiss%= , v. 106). Em Antologia Palatina IX 524, Dioniso é chamado de nebrido/peploj e kissoste/fanon. Dioniso assiste à competição do a) s kwliasmo/ j e provavelmente decide o vencedor a quem cabe o a) / e qlon, gerando a ira do ancião presente. É possível que o prêmio tenha sido o bode, descrito no verso 68 como dw=ron e)k Diwnu/sou. Se pressupusermos as teorias correntes na filologia helenística relacionando o surgimento da poesia dramática ao contexto das festividades agrárias nas quais um bode seria oferecido aos poetas que obtivessem o primeiro lugar,12 será possível detectar uma tentativa programática, por parte de Herodas, de conectar seus trímetros jâmbicos coliâmbicos à tradição dramática da qual a figura de Dioniso intrinsecamente faz parte. A disputa entre o poeta e os pastores no jogo do a)skwliasmo/j representa o agon teatral existente em festivais áticos e o riso e o sofrimento provocados pelo desempenho dos competidores (ge/lwj te k’ani/h, v. 44) aludem às características relacionadas à performance cômica e trágica. Evidentemente, o riso e o sofrimento se referem, 12 Cf. Horácio Arte Poética 220 e Dioscórides AP 7. 410. Para uma etimologia alternativa à tragédia, cf. Etym. Magnum (s. v. trag%di/a).
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ao mesmo tempo, às vicissitudes dos participantes ao caírem dos odres e se machucarem na queda (v. 41-43), provocando gargalhadas aos demais: κοἰμὲνμετώποις ἐ[ς] κόνινκολυμβῶ[ντες ἔκοπτον ἀρνευτῆρ[ε]σ ἐκ βίηςοὖδας, οἰ δ› ὔπτι› ἐρριπτεῦντο· πάντα δ’ ἦν, Ἀνν[ᾶ, εἰςἒνγέλωςτεκἀνίη Alguns, se afundando com a testa no pó, golpeavam o chão com força, como mergulhadores, enquanto outros eram jogados para trás. Tudo, Ana, era riso e dor (...)
Deve-se ainda notar que toda a performance acontece diante de espectadores (v. 46-47) que se surpreendem e gritam por conta da vitória do poeta. A manifestação, contudo, é expressa por meio do verbo a)lala/zw(k’hla/lacan w(/nqrwpoi), estabelecendo uma conexão com o grito báquico, como aparece em Eurípides Bacantes 593 e 1133. O final do poema, em estado bastante lacunar, parece indicar que o kle/oj de Herodas deriva de seus jambos (v. 76-77). A conexão desse metro com a poesia dramática indica a adequação da escolha de Herodas. Horácio em Arte Poética 80-2 afirma que o iambus foi adaptado à tragédia e à comédia por ser mais apropriado ao diálogo, anular o ruído da assistência e ser criado para a ação.13 Todavia, a opção pelos trímetros jâmbicos coliâmbicos, descritos no verso 79 como mancos (ta\ ku/lla), apontam diretamente para Hipônax, mencionado nominalmente
13 Aristóteles também conecta os trímetros jâmbicos às partes faladas da poesia dramática em Poética 1449a, em oposição ao tetrâmetro trocaico, mais adequado à dança (cf. também Poética 1459b-1460a).
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no verso 78 e possivelmente presente enquanto personagem na figura do ge/rwn. A indignação e a ameaça desse ancião fazem com que o prêmio seja dividido entre ele e o poeta. O motivo da raiva não é explicitado no que foi preservado do texto, porém Rosen pressupõe que a dramatização da poesia jâmbica tenha sido a grande responsável pela ira de Hipônax.14 A contaminação de gêneros, típica do período helenístico, proporciona a Herodas a possibilidade de mesclar a poesia jâmbica a uma espécie dramática cuja expressão literária ainda seria pouco explorada, criando os mimi/amboi e, consequentemente, trazendo os mimos para o âmbito das discussões literárias helenísticas. Em termos imagéticos explorados no mimo VIII, a produção mimiâmbica de Herodas é fruto da junção de Dioniso com Hipônax e, portanto, conecta diferentes gêneros poéticos. O destaque conferido ao mimo na literatura do período helenístico não se limita aos versos de Herodas, mas também abrange o corpus bucólico. Nos Prolegômenos dos escólios de Teócrito são mencionados os três xarakth=rej que que abarcariam toda a produção idílica segundo o modo de imitação: os poemas narrativos (dihghmatiko/n), dramáticos (dramatiko/n) e mistos (mikto/n). Apesar da tripartição, uma grande parte do corpus bucólico pode ser classificada como dramática, mesmo quando há um monólogo proferido por uma única personagem (Id. I, II, III, IV, V, X, XII, XIV, XV e XX). Em alguns casos, a estrutura dramática é entrecortada por uma breve fala do narrador, seja no início ou no final do idílio (Id. VI, XI, XXI e XXVII). A presença do modo dramático no corpus teocritiano nos remete, em certa medida, ao mimo grego, apesar de não haver 14 Cf. ROSEN, R. Mixing of Genres and Literary Program in Herodas 8, HSCP, v. 94, p. 205-216, 1992.
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informação ou testemunho preservado sobre esses poemas terem sido assim classificados na antiguidade. Algumas importantes menções aos mimos de Sófron são feitas nos escólios de Teócrito, conectando os dois autores por meio do dialeto dórico utilizado e da matéria comum. O Idílio II (As feiticeiras) teria extraído a u(po/qesij e a personagem Testílis e)k tw=n Sw/fronoj mi/mwn (cf. escólios II b), bem como o argumento do Idílio XV teria como modelo o mimo As mulheres que assistem aos Jogos Ístmicos (pare/plase de\ to\ poihma/tion e)k tw=n para\ Sw/froni )/Isqmia qewme/nwn). Ateneu (86a e 288a) atesta a existência de um mimo de Sófron chamado O pescador contra o camponês ((Wlieu\j to\n a)groiw/tan). O título pressupõe uma espécie de agon entre as duas personagens no qual seus diferentes modos de vida seriam enaltecidos. Em 309c, Ateneu menciona, no mimo O camponês, o uso do adjetivo kwqwnoplu/ t ai (lavador de góbio, uma espécie de peixe pequeno e de pouco valor), talvez uma forma de insulto a um opositor relacionado ao ofício da pesca. Portanto, é possível que se trate de um fragmento pertencente ao mesmo mimo, de modo que a contenda entre pescador e camponês seria travada através de invectivas mútuas. São também mencionados fragmentos pertencentes a um mimo intitulado O pescador de atum (qunnoqh/raj, cf. Ateneu 306d e 309c), em que seriam abordadas as técnicas usadas pelo pescador para obter êxito em seu ofício, por meio de um discurso eventualmente voltado às suas próprias presas, a julgar pela menção a um tipo de veneno talvez utilizado para capturar os peixes no fr. 47 H e pela avidez de um destinatário plural – os atuns? – a se alimentarem, ou seja, devorarem as iscas (fr. 45 H). A presença constante de matéria rústica ou piscatória (no caso do Idílio XXI, considerado espúrio pela crítica moderna) em
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grande parte dos idílios de Teócrito compostos em xarakth\r dramatiko/n indica que os vínculos existentes com os mimos de Sófron extrapolariam os descriminados pelos escoliastas e abarcariam uma seleção de personagens comuns, humildes, xei/ronej, habitando cenários urbanos e rústicos e se apresentando aos leitores sem a mediação do narrador. Dessa forma, os mimos urbanos e os mimos rurais de Teócrito apontariam para Sófron como possível modelo genérico. Nos Prolegômenos aos escólios de Teócrito, é comentada a origem da designação ei) d u/ l lion a seu corpus poético, considerado um mikro\n poi/hma cuja etimologia derivaria de ei)=doj, em conexão evidente com a brevidade pretendida. Porém, o escoliasta se questiona por que esses textos são chamados de ei)du/llia e não de dia/logoi, já que em grande parte deles as personagens são representadas de maneira dramática. Dada a proximidade do dia/logoj, enquanto gênero, com o mimo – tal como atesta Aristóteles em Poética 1447b e fr. 72 R – é possível perceber que esses idílios possuiriam algum tipo de relação com os mimos, apesar de essa categoria genérica não ter sido empregada na antiguidade para designá-los. Os poemas de Herodas e Teócrito fornecem indício do destaque conferido ao mimo enquanto modelo genérico na literatura helenística do século III a. C., contudo isso não nos permite elucidar muitas dúvidas ainda existentes relacionadas a ele. Dadas as disparidades, quanto à forma e ao estilo, entre os mimos de Herodas (escritos em trímetros jâmbicos coliâmbicos e dialeto jônico) e os de Teócrito (escritos em hexâmetro e dialeto dórico), pouco podemos afirmar com alguma precisão sobre o uso que ambos fizeram da produção mímica precedente. Ainda assim, deve-se reconhecer a importância que suas obras tiveram para a inserção do mimo na tradição literária, conferindo-lhe um
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espaço entre as espécies de poesia dramática, como a tragédia, a comédia e o drama satírico.
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Herodas Mimo VIII15 ἄστηθι, δούληΨύλλα· μέχριτέοκείσηι ρέγχουσα; τὴνδὲχοῖρον αὐονὴδρύπτει· ἢ προσμένειςσὺμέχριςεὖἤλιοςθάλψηι τὸ]ν κῦσονἐσδύς; κῶς δ›, ἄτρυτε, κοὐκάμνεις τὰπλ]ευρὰκνώσσουσ’; αἰ δὲνύκτεςἐννέωροι. ἄστη]θι, φημί, καὶ ἄψον, εἰθέλεις, λύχνον, καὶ τ]ὴνἄναυλον χοῖρονἐςνομὴν πέμψ[ον. τ]όνθρυζε καὶ κνῶ, μέχριςεὖ παραστά[ς σοι τὸ] βρέγμα τῶισκίπωνι μαλθακὸν θῶμα[ι. δει]λὴΜεγαλλί, κα[ὶ] σὺΛάτμιονκνώσσεις; οὐ]τὰἔριάσετρύχ[ο]υσιν· ἀλλὰμὴνστέμμ[α ἐπ’ ἰρὰδιζόμες[θ]α· βαιὸςοὐκἦμιν ἐντῆιοἰκίηιἔτι μα[λ]λὸςεἰρίων. δειλή, ἄστηθι. σύτεμοι τ[οὖ]ναρ, εἰθέλεις, Ἀννᾶ, ἄκουσον· οὐγὰρνη[πία]σ φρένας βόσκεις. τράγοντιν› ἔλκειν [διὰ] φάραγγος ὠιήθη[ν μακρῆς, ὀ δ› εὐπώ[γω]ν τεκεὔκερως[ . ἐπεὶδὲδὴ [.]..[.......]. τῆς βήσσης η[..]σφα[..........] γὰρἔσσωμαι συ[...............].ες αἰπόλοι πλε[ τη[...............].ριωντεποιευ[ κἠγὼοὐκἐσύλευν [....].(.)[ καὶ ἄλληςδρυὸς [...].ε.[ οἰ δ› ἀμφικαρτα.[...]τεσ[ τὸν αἶγ› ἐποίευν [....]π[ καὶ [π]λησίονμε[....]..[ κ[.....].νμα.[....].ω[
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15 A tradução do mimo VIII se baseia na edição feita por CUNNINGHAM, I. C. Herodas: Mimiambi, Oxford, 1971.
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σχ[.....] κροκωτ[....]φι[ ω[.....] λεπτῆς ἄντυγος ....[ σ[.....]ς δὲνεβροῦ χλαν[ι]δίω[ι] κατέζω[στ]ο κ[......].ν κύπα[σσι]ν ἀμ[φ]ὶ τοῖ[ς] ὤμοις κο[......] ἀμφὶκρ[ητὶ κ]ίσσι[ν]› ἔστεπτο .....κο]θόρνου[....]η κα[τ]αζώστρηι ........]ωμεντο[....].α.[.....] φρίκη[. ........]ωρηνιχ[...].θι[ ] .......]ο λῶπο[ς ...]κον [πε]ποιῆσθαι ......Ὀδ]υσσέως ω[....] Αἰόλ[ου] δῶρον .........]φ.[.......]το.[...]α λακτίζειν ........]εγ[......].εν[..] λῶιστον ὤσπερ τελεῦμενἐγχοροῖςΔιωνύσου. κοἰμὲνμετώποις ἐ[ς] κόνινκολυμβῶ[ντες ἔκοπτον ἀρνευτῆρ[ε]σ ἐκ βίηςοὖδας, οἰ δ› ὔπτι› ἐρριπτεῦντο· πάντα δ’ ἦν, Ἀνν[ᾶ, εἰςἒνγέλωςτεκἀνίη [......]εντα. κἀγὼδόκεονδὶς μ..[..]. ἐκ τ[ό]σηςλείης ἐπ’ οὖνἀλέσθαι, κἠλάλαξαν ὤνθρωπ[οι ὤς μ› εἶδ[ον ..]ωςτὴνδο[ρὴ]ν πιεζεῦσαν καὶ φ[....................]τ[ οιδε[ γρυπ[ ρυπ[ τ[ τ[ [ [ [ [ τὰδεινὰ πνεῦσαι λὰξ πατε[
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ἔρρ› ἐκ προσώπου μήσε καίπ⌊ερὢν πρέσβυς οὔληι κατ’ ἰθ⌊ὺ⌋τῆι βατηρίηικό[ψω. κἠγὼμεταῦτις· ὦ παρεόν[τες θανεῦμ› ὐπὲργῆς, εἰ ὀ γέρων μ[ μαρτύρ[ο]μαι δὲτὸννεην[ίην ὀ δ’ εἶπεν [ἄ]μφωτὸνδορέα .[ καὶ τοῦτ› ἰ[δ]ὼνἔληξα. τὸἔνδυ[τον ...]ναδ[..] ὦδε. τὦναρ ὦδ› ἰ[ .......]ν αἶγα τῆς φ[άραγγος] ἐξεῖλκον .....κ]αλοῦδῶρονἐκ Δ[ιων]ύσου .....αἰ]πόλοιμινἐκ βίης [ἐδ]αιτρεῦντο τ]ὰ ἔνθεα τελεῦντες καὶ κρεῶ[ν] ἐδαίνυντο, τὰμέλεα πολλοὶκάρτα, τοὺςἐμοὺςμόχθους, τιλεῦσινἐνΜούσηισιν. ωδεγω[ ]το. τὸμὴνἄεθλονὠςδόκευνἔχ[ει]ν μοῦνος πολλῶντὸν ἄπνουνκώρυκον πατησάντων, κἠτῶιγέροντιξύν› ἔπρηξα ὀρινθέντι, ..] κλέος, ναὶ Μοῦσαν, h(/ μ’ ἔπεα κ[ .]εγ› ἐξἰάμβων, ἤ μεδευτέρηγν[ .]... μετ› Ἰππώνακτα τὸν παλαι[ τ]ὰ κύλλ› ἀείδεινΞουθίδηις †επιουσι†.
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Levanta-te, escrava Psila. Até quando ficarás deitada roncando? A seca está dilacerando a porca. Ou tu esperas até o sol entrar no teu orifício e te esquentar? Como, infatigável, não te doem os flancos enquanto dormes? As noites duram nove anos. 5 Levanta-te, eu digo, e acende, se quiseres, uma lâmpada e leva a barulhenta porca para o pasto. Resmunga e te arranha até que eu fique perto de ti e deixe tua cuca mole com o meu bastão.
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Desgraçada Mégali, tu também tens o sonho látmio? Não é a lã que te arruína. Vamos procurar uma coroa para o sacrifício. Não há nem mesmo um pequeno tufo de lã em nossa casa. Desgraçada, levanta-te. E tu, se quiseres, Ana, escuta o meu sonho, pois não nutres uma alma pueril. Pensei que estava arrastando um bode por um longo desfiladeiro e ele era bem barbado e bem cornudo. E quando (...) do vale, (...) sou derrotado (...) pastores (...) (...) e eu não retirei (...) e de outro carvalho (...) os que estavam ao redor (...) fizeram o bode (...) e próximo (...) (...) (vestiu) um manto cor de açafrão (...) (...) de uma leve curva (...) (...) ele estava cingido com uma estola de cervo (...) e uma túnica sobre os ombros (...) em volta da cabeça estava coroado com hera (...) de um coturno (...) com laço (...) temor (...) (...) a capa (...) ser feita (...) de Odisseu (...) presente de Éolo (...) chutar (...) o melhor como executamos nos coros de Dioniso.
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Alguns, se afundando com a testa no pó, golpeavam o chão com força, como mergulhadores, enquanto outros eram jogados para trás. Tudo, Ana, era riso e dor (...) E parecia que somente eu, de tal multidão, 45 saltei duas vezes e os homens gritaram assim que me viram (...) a pele comprimida Lacuna entre os versos 48-57 soprando terrivelmente com o pé (...) fica longe de mim, senão, apesar de ser velho, te golpearei de imediato com meu bastão inteiro. 60 E então eu disse: “vós que estais presentes, (..) que eu morra sobre a terra, se o velho (...) convoco como testemunha o jov[em.” Ele disse que ambos a pele (...) e ao ver isso acordei. Ana, me dá aí 65 o meu casaco. O sonho assim (...) (...) puxei o bode do desfiladeiro (...) presente do belo Dioniso (...) os cabreiros o destroçaram executando os rituais e se banquetearam com a carne, 70 e muitos os meus cantos, fruto do meu trabalho, pilharão totalmente, entre as Musas. (...) No entanto parecia que somente eu tinha o prêmio, dentre os muitos que fizeram o percurso com o saco sem ar, e se eu dividi com o velho raivoso 75 (...) a glória, pela Musa, a qual os versos me (...) (...) dos jambos, ou a segunda me (...) (...) depois do antigo Hipônax (...) para cantar os versos mancos aos futuros Xutidas.
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Políbio e a viagem de Odisseu pela Sicília: intertextualidade, memória e entendimento
Breno Battistin Sebastiani Universidade de São Paulo
I Em artigo recente, J. Marincola identifica um tipo de intertextualidade corrente na historiografia antiga, que designa como “intertextualidade da vida real”. Porque os leitores antigos modelavam o próprio comportamento em ancestrais reais ou imaginados, nem sempre o intertexto utilizado pelo historiador proviria de um texto, mas sim de eventos históricos – reais ou assim entendidos – reconhecidos e eticamente endossados por si e por seus leitores. A função dos “momentos intertextuais” seria
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análoga à de eventos como a oração fúnebre em Atenas, ou os funerais e o culto romano ao mos maiorum, isto é, “colapsar o tempo, fundindo passado e presente”. Ainda segundo Marincola, essa operação historiográfica não teria representado problema para antigos leitores e historiadores; ao contrário, teria servido para reforçar a credibilidade dos eventos narrados, por enquadrá-los em parâmetros discerníveis e familiares.1 O que significa, porém, “colapsar o tempo”? Como o estudo de “momentos intertextuais” pode contribuir para o entendimento de um texto historiográfico? Evitados o anacronismo e o raciocínio circular, a identificação desse tipo de intertextualidade parece promissora se contribui para o entendimento da produção e preservação de memória sobre o passado como uma das finalidades dos textos de historiadores antigos. História, ritos religiosos, artes plásticas, costumes ancestrais, etc. eram os meios de que se serviam aqueles mesmos leitores e historiadores para, entre outros objetivos, produzir, preservar e transmitir memória a seu próprio respeito. Essa cadeia de objetivos podia visar apenas fins práticos imediatos, que reforçassem a manutenção do statu quo. Essa finalidade, porém, não excluía outra, exclusivamente teórica: a produção de memória como via para o entendimento do passado ou do próprio presente. “Entender” pressuporia coordenar e assimilar, ou seja, apresentar e absorver um fenômeno histórico por meio de categorias conceituais do presente, suposto mais compreensível, de modo que ambos os fenômenos, o antigo e o atual, se esclarecessem por mútuas analogias. Elaboradas pelo historiador, essas analogias seriam percebidas e criticamente repensadas pelo leitor. Tucídides, por exemplo, buscou no mito os primeiros indícios de um fenômeno candente ao seu próprio contexto, isto é, o surgimento de um império ultramarino (1.2-19). 1
MARINCOLA, J. Intertextuality and exempla. Histos, 2011, p. 5.
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Uma vez repensada pelo leitor, por sua vez, a memória produzida por um historiador antigo impactava imediata e praticamente o seu presente, ainda que ele próprio houvesse apenas almejado entender o fenômeno que havia narrado. Esse metabolismo de funções nem sempre claramente distintas e o estudo de “momentos intertextuais” como suportes de memória são as principais balizas deste exame sobre um sentido possível da intertextualidade como método para interpretação de um texto historiográfico: a criação de memória como atividade indissociável da experiência de vida do historiador. Tomo por objeto a incorporação de passos da Odisseia por Políbio no livro 34 das Histórias. II “Será possível descobrir por onde Odisseu viajou quando for encontrado o cordão que atava o odre dos ventos”. Com esse gracioso piparote, Eratóstenes sintetizou sua apreciação sobre os poemas homéricos e estimulou a de Aristarco de Samotrácia; foram ambos eruditos alexandrinos para quem a Ilíada e a Odisseia eram fonte de prazer, não de instrução.2 Em resposta, também marcará a transição entre os séculos III e II a.C. a postura do pergameno Crates de Malos, que encontrou na Odisseia um relato alegórico de exploração do oceano Atlântico.3 Os fragmentos que atualmente constituem o livro 34 de Políbio, em verdade coleção de testimonia extraídos majoritariamente da Geografia de Estrabão, estão dispostos
2 PFEIFFER, R. History of classical scholarship. From the beginnings to the end of the hellenistic age. Oxford: Clarendon Press, 1968, p. 231. 3 Pfeiffer, n. 2, p. 238-240.
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em quatro seções temáticas,4 das quais a segunda, dedicada à corografia da Europa, apresenta a visão do historiador sobre as navegações de Odisseu.5 O texto de Estrabão revela um Políbio que, sem disfarçar sua admiração pelo poeta e especialmente pelo herói, que tem na conta de personagem histórica, se apropria de passos cuidadosamente selecionados para demonstrar que Odisseu passou por muitos pontos do sul da Itália e da Sicília.6 Além de Eratóstenes, Aristarco e Crates, eruditos do calibre de Calístenes, Zenão de Cício, Demétrio de Cépsis e Apolodoro já haviam estudado a geografia homérica e dado respostas diversas a duas questões: as viagens, os países e as personagens da Ilíada e da Odisseia seriam ficcionais ou históricos? Caso se concluísse pela segunda alternativa, seria possível identificar no mundo conhecido os locais descritos por Homero?7 Contra Eratóstenes, Políbio considera que a poesia homérica contém um fundo de verdade histórica, mesma premissa partilhada por Crates, embora não seja possível afirmar que o historiador tivera de fato contato com sua obra, devido ao estado fragmentário das Histórias e à ausência de menção nominal. Diferentemente deste, porém, Políbio não pressupõe uma verdade alegorizada, de significado 4 WALBANK, F. W. A historical commentary on Polybius III. Oxford: Oxford University Press, 1979, p. 565-568. As seções são: a) introdução (teoria das zonas terrestres e habitabilidade da região equatorial), b) corografia da Europa (visão geral, Ibéria, geografia homérica e Gália), c) Ásia e d) navegação pela costa africana. 5 Seguindo PÉDECH, P. La géographie de Polybe: structure et contenu du livre XXXIV des Histoires, LEC 24, 1956, p. 18, acatado por Walbank, n. 4, p. 567, os passos polibianos que tratam de Homero, 34.2-4 e 34.11.12-20, além de Estrabão, 1.2.18, serão analisados em sua unidade temática. 6 Sobre a leitura de Políbio por Estrabão cf. KIM, L. Homer between history and fiction in imperial Greek literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p. 47 ss. 7 Pédech, n. 5, p. 18; PÉDECH, P. La méthode historique de Polybe. Paris: Les Belles Lettres, 1964, p. 583.
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distinto do enunciado, mas apenas que fosse possível encontrar a verdade histórica despindo-lhe os trajes míticos; e não aceita os argumentos a favor do ἐξωκεανισμός, teoria segundo a qual a errância de Odisseu se passara no oceano Atlântico. A reconstrução dos argumentos polibianos se inicia com o assentimento de Estrabão (1.2.9=Plb. 34.2.1) a um juízo do historiador: “não é próprio de Homero relatar prodígios vãos, sem nada de verdadeiro. Seria possível mentir de modo mais persuasivo, como é natural, se se acrescentasse algo verdadeiro, precisamente o que afirma Políbio, quando trata da viagem de Odisseu”. Partindo dessa premissa, o historiador teria se baseado em três inferências para defender a veracidade da narrativa homérica. A primeira deriva da analogia entre o retrato de Éolo (Od. 10.1-27) e a atribuição de honras a homens sábios. Sempre segundo Estrabão (1.2.15=Plb. 34.2.4-11), também Políbio entende corretamente a viagem de Odisseu. Afirma que Éolo, que indicava rotas de navegação pelo estreito, difíceis de cruzar porque expostas ao fluxo e refluxo da maré, foi designado ‘guardião dos ventos’ e considerado rei; e que foram tomados por adivinhos e reis sacrificiais Dânao e Atreu, o primeiro por ter indicado os poços de Argos, e o segundo, que o movimento do sol é oposto ao do firmamento. O mesmo valeria em relação aos sacerdotes egípcios, aos magos e caldeus, que se distinguiram dos seus por algum tipo de sabedoria, pelo que gozaram de autoridade e fama entre nossos antepassados. Assim também se daria com os deuses, cada um honrado por haver descoberto algo útil. Após tais preliminares, Políbio se recusa a ver mito em Éolo, tampouco na viagem de Odisseu. Reconhece uns
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poucos acréscimos míticos (προσμεμυθεῦσθαι), como também à guerra de Troia, mas pensa que todo o restante tenha transcorrido nas proximidades da Sicília, segundo elaboraram (πεποιῆσθαι) o poeta e os escritores de corografias da Itália e da Sicília. E não aprova a afirmação de Eratóstenes, para quem ‘seria possível descobrir por onde Odisseu viajara quando fosse encontrado o cordão que amarrava o odre dos ventos’.
Para P. Pédech,8 esse argumento combinaria a doutrina de Evêmero, para quem os deuses seriam antigos reis deificados, e do aluno de Zenão, o estoico Perseu de Cício, para quem a deificação seria a recompensa de grandes inventores e artistas. Para F. W. Walbank (n. 4, p. 579), porém, isso seria atribuir demasiada coerência ao argumento de Políbio, tão somente desejoso de explicar quem fora Éolo. Qualquer que fosse o pressuposto religioso de Políbio, se é que tivesse algum, o que sobressai desse argumento é a premissa da possibilidade de distinção da verdade histórica, em meio ao acréscimo mítico, e a circunscrição geográfica do episódio considerado verdadeiro ao sul da Itália. No texto de Estrabão (1.2.15-7=Plb. 34.2.12-3.12 e Strab. 6.2.10=Plb. 34.11.12-20), a segunda inferência deriva de observações pessoais de Políbio. Primeiro, Políbio teria afirmado que a descrição feita por Circe do modo como Cila pescava (Od. 12.95-7) “delfins, cães marinhos e às vezes grandes cetáceos” retrataria a técnica dos pescadores de peixe-espada no estreito de Messina, especificamente no promontório dito Cileu. Caríbdis, por sua vez, seria apenas uma referência à dificuldade de se navegar por suas águas revoltas. Segundo, que a terra dos lotófagos seria a ilha de Meninge 8 PÉDECH, P. Les idées religieuses de Polybe. Étude sur la religion de l’élite gréco-romaine au IIe siècle av. J.-C., RHR 167, 1965, p. 53.
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(Djerba, Tunísia), identificação já operada por Eratóstenes,9 pois ali avistara pessoas que se alimentavam da planta. Por fim, que teria travado contato alguns habitantes das ilhas Lipari os quais, pela observação do local de surgimento de erupções, chamas e vapores de vulcões, conseguiam prever a direção dos ventos com três dias de antecedência. “Por isso, aquela que parecia a afirmação mais mítica do poeta não foi feita em vão, mas como se revestisse a verdade com enigmas (αἰνιξαμένου τὴν ἀλήθειαν), ao chamar Éolo de ‘guardião dos ventos’”. Também pautado pelo pressuposto da possibilidade de extração do disfarce mítico de uma original verdade homérica, esse argumento não amplia o horizonte geográfico descrito, que continua a circunscrever a viagem de Odisseu à área visitada pelo historiador. A última inferência é probabilística (Strab. 1.2.17=Plb. 34.4.5-8: πιθανώτερόν τε) e voltada genericamente contra os defensores do ἐξωκεανισμός. Se Homero afirmara que, após dobrar o cabo Malea (extremo sul do Peloponeso), Odisseu “foi carregado por ventos funestos durante nove dias” (Od. 9.82), o herói jamais poderia ter chegado ao oceano, segundo Políbio. Primeiro, porque tais ventos não são contínuos nem retilíneos, como os favoráveis. Segundo, porque, pelos cálculos geométricos imprecisos de Políbio, o cabo distaria 22.500 estádios (4.050 quilômetros; distância real aprox. 2.500 quilômetros) das Colunas de Héracles, e Odisseu teria de ter percorrido, sem parar e em linha reta, 2.500 estádios (aprox. 460 quilômetros) por dia, o que seria um evidente absurdo, dado que um navio antigo percorria no máximo 165 quilômetros em 24 horas.10 Ainda, a quem questionasse como Odisseu passara três vezes pela Sicília sem nunca haver cruzado o estreito, o que ele só 9 POLYBE. Histoires – Livre XII. Texte établi, traduit et commenté par P. Pédech. Paris: Les Belles Lettres, 1961, p. 60. 10 Para todos os cálculos cf. o comentário de Walbank, n. 4, p. 586-587.
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teria feito depois de instruído por Circe, Políbio teria respondido que “todos os navegantes depois dele haviam evitado aquela rota”. Estrabão aponta exagero e inconsistência nos cálculos de Políbio. Não por acaso não arrolado entre seus fragmentos, o parágrafo seguinte de Estrabão (1.2.18) acusa a ὑπερβολὴν ... τῆς ἀνομολογίας do historiador. Fiado nos topônimos do sul da Itália e da Sicília, o geógrafo aceita que a viagem de Odisseu teria transcorrido no Mediterrâneo, mas contesta a distorção e a omissão deliberada de versos em que é mencionado o oceano homérico, imediatamente identificado por Estrabão com sendo o Atlântico. Estrabão atribui a Políbio uma frágil teoria justificativa, cujo núcleo é uma singular definição de licença poética: se algo soar estranho, deve-se acusar alterações, ignorância, ou licença poética, constituída por história, elaboração retórica e mito. A finalidade da história é a verdade, como no catálogo das naus, em que o poeta descreve cada localidade, denominando uma cidade de ‘rochosa’ e outras de ‘limítrofe’, ‘cheia de pombos’ e ‘próxima ao mar’. A finalidade da elaboração retórica é a vivacidade, como nas cenas de batalha, e a do mito, o prazer e a surpresa. Não é nem plausível nem próprio de Homero o inventar tudo, pois todos consideram filosófica sua poesia, diferentemente do que afirma Eratóstenes, que exorta a não julgar a seriedade dos poemas, nem procurar neles história.11 11 Strab. 1.2.17=Plb. 34.4.1-4. A oração, de Políbio ou de Estrabão, “Εἰ δέ τινα μὴ συμφωνεῖ, μεταβολὰς αἰτιᾶσθαι δεῖν ἢ ἄγνοιαν ἢ καὶ ποιητικὴν ἐξουσίαν”, é de difícil interpretação: Casaubon (Strabonis) e Schweighaeuser entendem que μεταβολὰς resuma a oração subordinada (“deve-se procurar a causa das alterações”); Schuckburgh omite-a; Bouchot, Paton, Walbank e Santarelli
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Conjugada com os supostos fatos, essa teoria concluiria um frágil argumento circular. A aceitação sem reservas da presença de verdade histórica em Homero referendada por análoga aceitação generalizada (πάντας νομίζειν) seria ofensiva fugaz e equivocada à opinião de um erudito morto havia duas gerações. A alegação de razões factuais (μεταβολὰς, ἄγνοιαν), sem referente específico, e a justaposição de história e mito seriam tentativas de enquadrar os poemas, à força de distinções arbitrárias, na condição de fontes à disposição de um historiador. As divergências de opinião, forçosamente frequentes, só existiriam porque muitos não haveriam conseguido compreender o “real” télos da poesia. Nos termos em que está apresentada, essa teoria é evidentemente falaciosa: assume-se a presença de uma verdade identificável para que possa haver desacordo; este deriva das mesmas condições de existência dos poemas (tempo, autoria e “método” de composição); pressupõe-se então que, como Homero, não se limita a inventar, dado que “todos” o consideram verdadeiro (non sequitur), exceto Eratóstenes, logo, esse está errado, e os poemas são verdadeiros (petitio principii). Qualquer julgamento, entretanto, depende da aceitação de que a argumentação de Políbio tenha sido integral e fielmente reportada por Estrabão; e de que ela estaria de fato nas Histórias e no livro 34, todos pontos questionáveis (Kim, n. 6, p. 71 ss). & Mari (POLIBIO. Storie – Libri XXXIV-XL. Nota biografica di D. Musti, traduzione di A. L. Santarelli e M. Mari, note di J. Thornton. Milano: BUR, 2006) entendem-na como terceiro membro da oração alternativa (“mudanças ou ignorância ou licença”); Reiske, seguido por Schweighaeuser e aceito por Walbank, explica possíveis acepções de μεταβολὰς (“mudança de situações, locais e costumes dos homens depois de tanto tempo”) e de ἄγνοιαν (“ignorância do poeta, dos leitores, e dos que devem ser censurados por divulgar mentiras”). Sobre o paralelo – inexato – entre os elementos da licença poética polibiana e os da narrativa preceituados por rétores latinos e gregos, cf. Walbank, n. 4, p. 584-585 e Polibio, n. 11, p. 233.
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Mais problemáticos que a lógica desses passos são os eventuais motivos do historiador para discutir a geografia homérica. Três interpretações tentaram resgatar a primeira e identificar os segundos. A de R. Hirzel (1882) vinculou o historiador ao estoicismo; a de K. Ziegler (1952) concentrou-se em sua presumida educação elementar; e as de P. Pédech (1964) e de F. W. Walbank (1972) limitaram-se a atribuir-lhe um certo romantismo.12 O único elemento comum a todas é a aceitação de um viés utilitarista por parte de Políbio, pelo qual pressupõem-se que todos os seus paradigmas forneceriam uma lição ética ou política aplicável. Elaborar uma teoria sobre as viagens de Odisseu poderia ser resultado de um posicionamento de Políbio diante das διορθώσεις ao texto homérico produzidas por Zenódoto, Aristófanes de Bizâncio, Aristarco e o próprio Crates. Sobre o primeiro, R. Pfeiffer (n. 2, p. 110) conjectura que tenha selecionado um manuscrito e dele se servido como referência; o segundo teria procurado, ao contrário de seu mestre, alterar o texto o menos possível, limitando-se a marcar suas opiniões com sinalização marginal (Pfeiffer, n. 2, p. 174); Aristarco, por sua vez, redigiu volumosos comentários, mas não alterou o texto homérico com novas edições, acatando a “vulgata” de Aristófanes (Pfeiffer, n. 2, p. 215). Crates, seguindo orientação distinta, acatava, por exemplo, a legitimidade da descrição iliádica do escudo de Aquiles atetizada por Zenódoto, atribuindo-lhe ainda a interpretação alegórica de que Homero teria desejado tratar das dez partes do céu com as dez divisões do escudo.13 O fato de Políbio não ter sido um homeric scholar e a fragilidade da teoria remanescente 12 WALBANK, F. W. Polybius, Rome and the Hellenistic world. Essays and reflexions. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 44 = Idem. The geography of Polybius, C et M 9, 1948, p. 155-182. 13 Pfeiffer, n. 2, p. 240. Referências sobre demais emendas de Crates ao texto homérico em Walbank, n. 4, p. 584.
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não implicam, porém, que não possuísse ideias claras sobre qual seria o “seu” Homero. Sem qualquer viés utilitarista, o historiador parece ter apenas procurado aclarar e sistematizar os próprios conhecimentos sobre a personagem que admirava e que admitia ter existido. III Da argumentação supérstite de Políbio, é evidente o colapso entre passado e presente, sobretudo quando trata da pesca do peixe-espada, dos habitantes de Meninge e das ilhas Lipari, e dos dias de navegação de Odisseu. Todas as menções pressupõem a possibilidade de verificação de fenômenos idênticos ou análogos no presente, como se não houvessem sofrido modificações de forma ou significado ao longo do período desde Homero (qualquer que fosse a datação que Políbio lhe atribuísse) até a época do historiador. O passado é tratado como extensão retrocedente do presente e as observações são feitas almejando-se validade universal. Entretanto, de que passado Políbio falava? Qual o fundamento da suposição de que o passado mítico corresponderia a um passado verdadeiro e real, um passado que já fora presente? A produção da memória, como o recurso à intertextualidade, não evita, antes induz, equívocos alegadamente factuais e anacronismos, se o passado for tomado como objeto de conhecimento distante e morto para o historiador que dele se serve. Mas não é esse o caso de Políbio. Ao tratar o poema pressupondo-o verdadeiro, Políbio o interpreta de modo tão válido quanto arriscado, assim como se o pressupusesse fictício. Como método para entendimento histórico e filológico do texto que o emprega, o recurso à intertextualidade indica a extensão e a qualidade da memória que interessa ao historiador produzir e, talvez, ao leitor absorver: o risco, como os proventos desse
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método, deriva do necessário recorte a ser efetuado e do maior ou menor grau de porosidade entre realidade e ficção, pressuposto por quem o efetuou. Políbio desconsidera, por exemplo, questões religiosas e/ou sobre a construção de perfis heroicos no texto que emprega; sua leitura, porém, se arbitrária, não é caprichosa, dados os critérios de valoração éticos e/ou políticos que perpassam o texto das Histórias.14 Diferentemente do que faziam os filólogos de Alexandria ou Pérgamo, Políbio saiu em busca de provas empíricas e materiais que comprovassem uma hipótese, operando conscientemente uma “intertextualidade da vida real”. Mas quando o passado colapsa no presente, como distinguir a coincidência da prova, ou definir se e quantas coincidências seriam necessárias para constituir uma prova? Mais: quando a hipótese parece proposta a posteriori, de modo a atribuir sentido a dados encontrados, porém, até então desconexos, a fim de convertê-los em prova, qual o valor desse tipo de intertextualidade senão o de mera tautologia? O modo como Políbio trata o passado e sua veracidade factual perde importância para a finalidade que almeja. Pausânias (8.30.8) reporta uma famosa inscrição dos megalopolitanos recordando que Políbio “vagara por terra e mar”. Plutarco (CatoMai. 9.3=Plb. 35.6.4) preservou outra anedota: poucos dias depois da votação favorável ao retorno dos aqueus ainda reféns, Políbio desejara recorrer ao senado romano pedindo também a restauração das honrarias dos libertados. Com um sorriso maligno, Catão Censor teria respondido que ele agia como Odisseu, desejoso de retornar à caverna do ciclope para buscar o chapéu e o cinto lá esquecidos. O próprio Políbio equiparara Odisseu ao “homem pragmático” 14 ECKSTEIN, A. E. Moral vision in the Histories of Polybius. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, 1995, passim.
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políbio e a viagem de odisseu pela sicília
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que deveria fazer-se historiador (12.27.10). Se seu objetivo ao discutir a Odisseia e inserir-se no debate erudito da época era aduzir argumentos para assimilar a própria imagem à de Odisseu, tanto melhor se o passado mítico e a memória sobre ele produzida fossem aceitos como reais. O passado reconhecido e endossado, não necessariamente factual, é convertido em matéria-prima de um tipo de intertextualidade que visa produzir memória sobre o presente. A aceitação tácita de que o futuro seria semelhante ao passado tinha raízes profundas na mentalidade dos historiadores gregos e romanos; o estranho seria se Políbio houvesse pensado algo diferente do que se pode ler no livro 34 em relação à Odisseia. Descurando eventuais anacronismos, Políbio cria ter chegado à verdade por meio de inferências e semelhanças construídas. Tal procedimento já acumulava críticas ao menos desde Estrabão, pelas distorções por que operava a leitura do poema. Se a identificação de intertextualidade é “um convite à interpretação, e não o seu fim” (Marincola, n. 1, p. 3), haveria ainda algum sentido na leitura de Políbio além de uma tautologia filológica (“cita Homero porque conhece Homero”), caso esta seja reconhecida como irrelevante para o entendimento de um texto histórico? Uma resposta promissora deriva da constatação de que a memória produzida pela escrita da história é uma criação voluntária e deliberada, que tem nos vestígios do passado sua matéria-prima por excelência. Heródoto (2.113-20) e Tucídides (1.9) já haviam partido do testemunho de Homero como contraponto negativo às suas respectivas versões para os mitos de Helena e Agamêmnon, versões que produziram a partir de inferências críticas próprias. Aceitando a historicidade de Odisseu e sua viagem, e traçando paralelos – a despeito de sua validade, legitimidade, fidedignidade, etc. – entre dados do poema e
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sua própria biografia, Políbio elabora não menos criticamente a própria visão sobre o mito e a memória que almejou deixar de si mesmo. Nos três textos mencionados, a intertextualidade evidencia, a despeito de eventuais anacronismos e tautologias, a função do historiador como criador de memória sobre o passado e sobre o próprio presente, função análoga à operação crítica executada por cada leitor durante a leitura, enquanto forma o próprio juízo sobre a obra que lê. O passado em que se basearam estava vivo, incorporado às respectivas experiências, e operante enquanto revivido intelectualmente. Entendida como método de criação peculiar a cada historiador, porque fruto de escolha consciente, a ocorrência de intertextualidade em suas narrativas passa a ser, sobretudo, ponto de observação privilegiado para o entendimento da capacidade criativa de cada um. E satisfaz a duas necessidades que, embora distintas e em aparência irredutíveis, são naturalmente intercambiáveis: a de orientação radical ao longo da vida, por parte do historiador que elabora a ocorrência; e a de experiência vicária, por parte do leitor que a absorve criticamente. “(...) desde que haja história, há movimento, há um dentro que responde ao fora, há um embate que se exerce no tempo, objeto primeiro, sujeito depois, sujeito-objeto em discorde concórdia”.15
15 BOSI, A. A poesia é ainda necessária? In: ______. Entre a literatura e a história. São Paulo: Editora 34, 2013, p. 15.
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At non inglorius umbris mittitur Epitáfios e epicédios dedicados a animais no contexto greco-romano.
Erika Werner1
Neste artigo, eu analiso algumas composições helenísticas e romanas dedicadas a comemorar a morte de um animal, centrando-me em duas tradições, a) os poemas helenísticos 1 Eu gostaria de agradecer primeiramente aos demais organizadores e convidados e também ao público presente no I Colóquio do Grupo de Pesquisa ‘Gêneros Poéticos na Grécia Antiga’. Agradeço também a Erica M. Angliker e a Rafael Mantovani por toda a ajuda e pelos artigos enviados de além-mar. Por fim, agradeço à FAPESP, cujo apoio possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa e a finalização deste texto.
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que emulam a forma e a brevidade dos epitáfios grafados sobre lápides ou monumentos e b) os poemas fúnebres romanos, os quais diferem de seus antecessores helenísticos não apenas pelo comprimento e nos quais o lamento se mescla à consolação 2. O denominador comum dessas composições é sua temática, a morte de um ou mais animais, e, no caso do foco deste artigo, a natureza do morto, o qual é, em todos os casos, uma ave. A essas composições eu me refiro por meio dos termos ‘epitáfio’ e ‘epicédio’ e, embora ambas as denominações se refiram a composições que se caracterizam pelo lamento fúnebre e pela comemoração do morto, esses termos possuem origens e empregos distintos. Em algum momento do século V a.C., os cantos fúnebres passariam a ser referidos como ἐπικήδειος ᾠδή3, designação possivelmente equivalente a θρῆνος, termo empregado até então para se referir a um ou mais tipos de composições dedicadas ao lamento por alguém que morreu. A partir desse adjetivo, ἐπικήδειος, cuja possível origem seria a combinação ἐπί + κῆδος, κῆδος possuindo o sentido de “lamento, ritos fúnebres”, teria derivado o termo ἐπικήδειον, empregado para denominar composições poéticas de natureza fúnebre em geral e, em particular, poemas fúnebres romanos que, em grande medida, apresentam caráter consolatório4. 2 Acerca das obras de natureza consolatória, uide Rudolf KASSEL, Untersuchungen zur Griechischen und Römischen Konsolationsliteratur, ‘Zetemata’ XVIII, München: Beck, 1958, passim. 3 Eurip. Tr. 514; Plat. Leg. 800e. 4 Acerca do termo ἐπικήδειον e da tradição e sentidos a ele associados, uide José ESTEVE-FORRIOL, Die Trauer- und Trostgedichte in der römischen Literatur, Dissertation der Philosophischen Fakultät der LudwigMaximilians Universität zu München, 1962, passim; Stephen Thomas NEWMYER, The Silvae of Statius: Structure and Theme, Leiden: Brill, 1979, 19-24; Meike RÜHL, Literatur gewordener Augenblick: Die Silven des Statius im Kontext literarischer und sozialer Bedingungen von Dichtung, Berlin et New York: De Gruyter, 2006, 143 sqq.
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O termo ἐπιτάφιος também derivaria de um adjetivo similar, originário provavelmente da combinação ἐπί + τάφος, “túmulo”. Esse adjetivo, freqüentemente associado aos substantivos ἀγών, “jogo, disputa”, e λόγος, “discurso”, designaria os jogos e discursos fúnebres que integrariam o cerimonial público dos funerais, principalmente no século V a.C. Ainda que o adjetivo ἐπιτάφιος, assim como ἐπικήδειος, remeta à ocasião adequada ao lamento fúnebre, os ἐπιτάφιοι λόγοι, “orações fúnebres”, atenienses parecem ter se destacado mais por seu caráter político-militar e pelo enaltecimento da pólis5 do que propriamente pelo lamento pessoal de seus mortos. Quanto à forma poética identificada pelo termo ἐπιτάφιος, ela diferenciar-se-ia do ἐπιτάφιος λόγος não somente por ser composta em versos, mas também por sua natureza lapidar. De acordo com alguns textos supérstites, essa nomenclatura seria atribuída a alguns tipos de poemas fúnebres, principalmente a epigramas do tipo ἐπιτύμβια, epigramas destinados a ser empregados como inscrições tumulares ou que emulariam sua estrutura e tópoi, mas possivelmente também a poemas mais longos. Em textos tardios, como no caso do tratado retórico sobre discursos epidíticos atribuído a Pseudo-Dionísio de Halicarnasso ou do comentário de Sérvio Honorato acerca da obra de Vergílio, o termo ‘epitáfio’ seria diferenciado de ‘epicédio’ pelo fato do primeiro se referir a textos em prosa e o segundo a composições em verso6 ou por conta das diferentes ocasiões relativas à morte em que as composições deveriam ser apresentadas7, mas essa distinção não parece ser tão evidente nos testemunhos supérstites. 5 Acerca dos ἐπιτάφιοι λόγοι atenienses, uide N. LORAUX, Invenção de Atenas (Tradução de Lílian Valle), Rio de Janeiro: Editora 34, 1994, passim. 6 Pseudo-Dionys. Halicarn. Ars Rhet. § 278. 7 Serv. ad Ecl. 5.14.
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Apesar das diversas possibilidades de sentido associadas a esses termos, eles aparecem em alguns casos como sinônimos, referindo-se, sobretudo, ao caráter fúnebre da composição a que eles se encontram então associados. Ao longo deste texto, eu emprego o termo ‘epitáfio’ para me referir aos epigramas helenísticos que em alguma medida emulam inscrições fúnebres e o termo ‘epicédio’ para me referir a poemas latinos, mais longos e que apresentam ao menos em algumas passagens uma natureza consolatória. Assim como os poemas fúnebres que comemoram a morte de seres humanos, os poemas dedicados à morte de animais emulam tanto a forma de inscrições tumulares quanto a estrutura de poemas mais longos, mas continuam a ter em comum o lamento pela morte de um animal. Por meio de diversos testemunhos, sabemos que animais eram mantidos e/ou criados durante a Antigüidade greco-romana não apenas por razões utilitárias (como no caso de rebanhos, animais usados em caçadas e combates, animais para transporte de pessoas e cargas), mas também como fonte de companhia (como no caso de várias aves e ao menos algumas espécies caninas) e de entretenimento (como no caso dos animais exóticos utilizados em espetáculos e daqueles mantidos em espécies de zoológicos reais)8. A convivência próxima entre os gregos e algumas espécies de animais é referida já nos poemas homéricos9, em passagens 8 Possivelmente as primeiras coleções desse tipo teriam sido reunidas pelos Ptolomeus durante o período helenístico e aparentemente elas teriam sido bastante populares em Roma. Acerca das coleções de animais helenísticas, uide George JENNISON, Animals for Show and Pleasure in Ancient Rome, Manchester: Manchester University Press, 1937, 28-41. 9 Acerca dos animais representados nos poemas homéricos, uide Otto KÖRNER, Die homerische Tierwelt, München: J. F. Bergmann, 1930, passim; Annie SCHNAPP-GOURBEILLON, Lions, Héros, Masques: Les représentations de l’Animal chez Homère. Paris: François Maspero, 1981, passim; Steven H. LONSDALE, Creatures of Speech: Lion, Herding,
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como o canto XVII da Ilíada (Hom. Il. 17.426 sqq.), em que os cavalos de Aquiles choram, assim como seu dono, a morte de Pátroclo10, ou o canto XVII da Odisséia (Hom. Od. 17.291-327), no qual nos é apresentado Argo, cão de Odisseu11. Nesse trecho, delimitado pelos versos 291-327, é apresentada à audiência do poema uma espécie de cena de reconhecimento entre Argo e seu dono12. Primeiramente, vemos a identificação e a descrição do cão, desde seu passado glorioso até seu lamentável estado atual (291-300), depois a cena de reconhecimento propriamente dita
and Hunting Similes in the Iliad, Stuttgart: B. G. Teubner, 1990, 19-38; John HEATH, “Animals”, in Margalit FINKELBERG (ed.), The Homer Encyclopedia, vol. I (2011), 56-57. 10 Acerca da representação de cavalos nos poemas homéricos, uide Robin MITCHELL-BOYASK, “Horses”, in Margalit FINKELBERG (ed.), The Homer Encyclopedia, vol. II (2011), 370-371. Acerca dessa passagem em particular, uide Seth L. SCHEIN, “The Horses of Achilles in Book 17 of the Iliad”, in Michael REICHEL et Antonios RENGAKOS (edd.), Epea Pteroenta: Beiträge zur Homerforschung. Festschrift für Wolfgang Kullmann zum 75. Geburtstag, Stuttgart: Franz Steiner, 2002, 193-205. 11 A imagem do cão abarca aspectos negativos e positivos ao longo dos poemas homéricos, sendo associada a virtudes como a fidelidade ou a rapidez, mas também sendo associada à violação de cadáveres e sendo utilizada como insulto. Acerca dos significados positivos e negativos associados ao termo κύων na Ilíada e na Odisséia, uide William BECK, “κύων”, LfgrE II (1991), 1598-1602. Acerca da representação do cão nos poemas homéricos, uide Saara LILJA, Dogs in Ancient Greek Poetry, ‘Commentationes Humanarum Litterarum’ LVI, Helsinki: Societas Scientiarum Fennica, 1976, 13-36; Carla MAINOLDI, L’Image du Loup et du Chien dans la Grèce Ancienne d’Homère à Platon. Paris: Ophrys, 1984, 104-126; John HEATH, “Dogs”, in Margalit FINKELBERG (ed.), The Homer Encyclopedia, vol. I (2011), 215-216. 12 Para algumas interpretações acerca dessa passagem, uide Saara LILJA, Dogs in Ancient Greek Poetry, ‘Commentationes Humanarum Litterarum’ LVI, Helsinki: Societas Scientiarum Fennica, 1976, 29-34; William BECK, “Dogs, Dwellings and Masters: Ensemble and Symbol in the Odyssey”, Hermes CXIX (1991), 158-167; Adolf KÖHNKEN, “Perspektivisches Erzählen im homerischen Epos: Die Wiedererkennung Odysseus: Argos”, Hermes CXXXI (2003), 385-396.
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(301-304), diante da qual Odisseu tenta dissimular as lágrimas e, para manter seu disfarce, pergunta a Eumeu sobre a natureza do cão, indagando se ele teria sido um cão de caça ou apenas um cão que teria feito companhia a seu dono durante os banquetes (304310). Em resposta, Eumeu apresenta uma espécie de encômio de Argo e narra como o cão, apesar de sua antiga glória, é agora negligenciado pelos escravos (311-325). O trecho se encerra com o anúncio da morte de Argo, subitamente levado pelo destino depois de rever seu dono após vinte anos (326-327). A pergunta de Odisseu para Eumeu acerca da natureza do cão também apresenta uma espécie de julgamento de valores, de acordo com o qual, embora cães já fossem provavelmente utilizados desde então como companhia, acompanhando seus donos durante banquetes e outras atividades, eles seriam mais valorosos se fossem capazes de mostrar seus feitos durante caçadas e provavelmente outras tarefas cotidianas. O valor desses e outros animais como auxílio e companhia para os homens continua a ser destacado na poesia dos séculos posteriores, mas é somente a partir do final do século IV e início do século III a.C. que encontramos os primeiros poemas dedicados a comemorar a morte de um animal. Vários são os animais lembrados nesses poemas. Cavalos e cães continuam a ter papel de destaque, mas aves e outros pequenos animais de companhia13 se tornam destinatários cada vez mais freqüentes dessas composições, passando a receber, após sua morte, túmulos e epitáfios similares àqueles endereçados a seus donos14. Para 13 Acerca da utilização de animais como companhia no mundo greco-romano, uide Francis D. LAZENBY, “Greek and Roman Household Pets”, CJ XLIV (1949), 245-252 et 299-307. 14 A popularidade desses animais, sobretudo dos cães, passa a ser tão grande que alguns testemunhos afirmam que seria um sinal de grande pobreza não possuir um cão; uide Gerhard HERRLINGER, Totenklage um Tiere in der
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Herrlinger, com a diminuição da taxa de natalidade durante o período imperial romano, os cães de colo passariam a ocupar o lugar dos filhos, o que talvez tenha contribuído para sua popularidade e em parte justificaria as práticas funerárias caninas verificadas nesse período 15. As licenciosidades permitidas a esses e outros animais domésticos são motivo de zombaria para autores latinos como Propércio16 e Marcial17. Outros animais, cujas mortes são com freqüência comemoradas nesses epigramas fúnebres, são os grilos e cigarras, insetos populares no período helenístico como brinquedo entre as crianças, e várias espécies de aves, sobretudo canoras ou domésticas, mas outros animais menos usuais, como uma formiga18 ou um golfinho que morreu encalhado na praia19, também são temas desses epigramas. Os epigramas helenísticos dedicados a animais mortos são encontrados, sobretudo, no sétimo livro da Antologia Palatina, livro em que se encontram reunidos os epigramas de natureza fúnebre. Alguns outros epigramas sobre essa mesma temática são encontrados também no livro IX, dedicado aos epigramas epidíticos20. Foram conservadas ainda duas versões de um epitáfio destinado à tumba de Tauro, cão de caça que teria salvo Zenon de ser atacado por um javali (PCairo Zenon IV 59532 ~ SH 977). Ao salvar a vida de seu dono, ele teria perdido sua vida, mas não sem antes matar a fera. Esses dois epigramas foram encontrados em Antiken Dichtung. Mit einem Anhang Byzantinischer, Mittellateinischer und Neuhochdeutscher Tierepikedien, Stuttgart: W. Kohlhammer, 1930, 7, nota de rodapé 7. 15 HERRLINGER (n. 14), 7. 16 Propert. Eleg. 4.3, 55. 17 Mart. Epigr. 1.83; 7.87. 18 Anth. Graec. 7.209. 19 Anth. Graec. 7. 214; 215; 216. 20 Acerca dos animais representados na Antologia Palatina, uide Norman DOUGLAS, Birds and Beasts of the Greek Anthology, Florence, 1927, passim.
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um papiro pertencente à coleção de papiros atribuída a Zenon, datada provavelmente do século III a.C. A primeira versão do poema é composta por 6 dísticos elegíacos e a segunda, em metro iâmbico, é composta por 11 versos. Apesar da diferença métrica, as duas versões apresentam pouca variação entre si. Além dos epigramas reunidos na Antologia Palatina e do duplo epitáfio de Tauro, foram preservadas ainda algumas inscrições sepulcrais dos séculos posteriores, dedicadas sobretudo a cães e cavalos21. Embora os epitáfios para animais supérstites difiram no que diz respeito ao animal a ser recordado em seus versos e mesmo em relação a aspectos formais, já que vemos desde epigramas que emulam o formato de inscrições sepulcrais reais até epigramas que mais se aproximam do estilo fabular, a estrutura utilizada nessas composições é similar à estrutura empregada nos epitáfios dedicados a seres humanos22. Em comum, esses poemas, cujo comprimento costuma variar entre dois e quatro dísticos elegíacos, embora possam ser também mais longos ou mais breves, apresentam em geral a identificação do morto e de seu nome, se esse for o caso (nomes próprios só costumam ser atribuídos a cães e cavalos), o anúncio de que o animal morreu e, por vezes, a causa de sua morte. Outro elemento comum a essas composições é a dicotomia entre passado e presente, um passado em que o animal se destaca por um algum feito ou habilidade
21 Vide HERRLINGER (n. 14), 39-51. 22 Acerca da forma, da tradição e dos temas dos epitáfios helenísticos, uide Marco FANTUZZI et Richard HUNTER, Tradition and Innovation in Hellenistic Poetry, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, 291-338; Jon Steffen BRUSS, Hidden Presences: Monuments, Gravesides, and Corpses in Greek Funerary Epigram, ‘Hellenistica Groningana’ X, Leuven: Peeters, 2005, passim; Anja BETTENWORTH, “The Mutual Influence of Inscribed and Literary Epigram”, in Peter BING et Jon Steffen BRUSS (edd.), Brill’s Companion to Hellenistic Epigram, Leiden et Boston: Brill, 2007, 70-83.
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específica e um presente em que o mesmo animal já se encontra morto. Outra tópica que pode ser encontrada nesses epigramas é o lamento do dono ou o retrato da tristeza causada pela morte do animal, mas esse elemento nem sempre se encontra presente. Alguns desses epigramas também revelam um tom humorístico ou paródico. São diversas as espécies de aves às quais teriam sido dedicados epitáfios durante o período helenístico. Um exemplo é o epigrama atribuído a Árquias (Anth. Graec. 7.191) e dedicado à morte de uma κίσσα, possivelmente uma pega (Pica pica) ou um gaio (Garrulus glandarius), ambas aves da família dos corvídeos23. O epigrama é enunciado em primeira pessoa pela própria ave morta e é composto por três dísticos elegíacos. Seu texto pode ser dividido em duas partes: na primeira (1-4), o pássaro nos apresenta seu passado e suas habilidades enquanto vivo; na segunda (5-6), vemos sua condição atual como pássaro morto, o qual teria perdido suas habilidades canoras após a morte. Durante a Antigüidade greco-romana, os corvídeos estavam entre as aves consideradas ‘falantes’, as quais teriam a capacidade de imitar a voz humana, assim como o papagaio. É bastante possível que a ave a qual se refere este epigrama seja a pega, ave que Plínio, o Velho, considera ter uma capacidade de falar mais eloqüente que a do papagaio24. Um exemplo semelhante é visto em um epigrama atribuído a Tímnes (Anth. Graec. 7.199), no qual se lamenta a 23 Anth. Graec. 7.191: Ἁ πάρος ἀντίφθογγον ἀποκλάγξασα νομεῦσι πολλάκι καὶ δρυτόμοις κίσσα καὶ ἰχθυβόλοις, πολλάκι δὲ κρέξασα πολύθροον οἷά τις ἀχὼ κέρτομον ἀντῳδοῖς χείλεσιν ἁρμονίαν, νῦν εἰς γᾶν ἄγλωσσος ἀναύδητός τε πεσοῦσα 05 κεῖμαι, μιμητὰν ζᾶλον ἀνηναμένα. 24 Plin. Naturalis Historia, 10.118
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morte de um pardal ou ave canora similar e a ausência de seu canto, que teria sido tolhido para o Hades junto com sua vida25. Outro exemplo interessante é um epigrama atribuído a Símias de Rodes e dedicado à morte de uma πέρδιξ, “perdiz” (Anth. Graec. 7.203)26. Neste epitáfio, a perdiz, habitual presa dos cães e caçadores, é retratada como a própria caçadora. Apesar do tom cômico do retrato da ave, a estrutura do epigrama é tradicional, apresentando o passado da perdiz como caçadora (1-3) e seu presente como um animal morto (4), que não mais pode exercer essas habilidades. O advérbio oὐκέτι, presente na posição inicial do primeiro verso, também é um elemento tradicional, encontrado em muitos epitáfios. Perdizes aparecem como destinatário direto ou indireto de outros três epigramas encontrados no sétimo livro da Antologia Palatina27. Nesses outros epigramas, porém, ela ocupa seu papel tradicional, o de presa do αἴλουρος, termo que identifica seu predador e em geral parece se referir a gatos ou fuinhas e outros animais carnívoros similares. Talvez o mais interessante entre esses três epigramas sobre a morte de uma perdiz seja o epigrama 7.204, no qual a silvestre perdiz é morta, degolada por seu predador28. A persona 25 Anth. Graec. 7.199: Ὄρνεον ὦ Χάρισιν μεμελημένον, ὦ παρόμοιον ἀλκυόσιν τὸν σὸν φθόγγον ἰσωσάμενον, ἡρπάσθης, φίλε λαιέ· σὰ δ’ ἤθεα καὶ τὸ σὸν ἡδὺ πνεῦμα σιωπηραὶ νυκτὸς ἔχουσιν ὁδοί. 26 Anth. Graec. 7.203: Οὐκέτ’ ἀν’ ὑλῆεν δρίος εὔσκιον, ἀγρότα πέρδιξ, ἠχήεσσαν ἱεῖς γῆρυν ἀπὸ στομάτων, θηρεύων βαλιοὺς συνομήλικας ἐν νομῷ ὕλης· ᾤχεο γὰρ πυμάταν εἰς Ἀχέροντος ὁδόν. 27 Anth. Graec. 7.204; 205; 206. 28 Anth. Graec. 7.204: Οὐκέτι που, τλῆμον σκοπέλων μετανάστρια πέρδιξ, πλεκτὸς λεπταλέοις οἶκος ἔχει σε λύγοις,
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poética que narra o epigrama impede que o αἴλουρος termine de devorá-la e a enterra. Ao contrário da fórmula tradicional, ‘que a terra lhe seja leve’, ele pede que a terra permaneça pesada sobre o cadáver da perdiz para que, desse modo, o gato ou a fuinha não seja capaz de desenterrá-la e comer o resto de seu corpo. Epigramas destinados a comemorar a morte de um animal continuam a ser compostos durante o mundo romano. Foram conservadas inscrições tumulares para cães e cavalos mortos29 e epigramas fúnebres similares aos helenísticos são encontrados nas obras de poetas como Marcial30 e Ausônio31. Mesmo culex, o mosquito, também recebe um epitáfio após sua morte no final do poema homônimo (App. Verg., Culex, 413-414). Algumas das mais antigas composições latinas preservadas acerca dessa temática não possuem, porém, a forma de um epigrama nem são dedicadas a cães e cavalos, mas sim à morte de pequenas aves mantidas como animais de estimação e/ou entretenimento por seus donos32. O poema de Catulo acerca da morte do pássaro de Lésbia (Catull. Carm. 3) talvez seja a composição mais popular οὐδ’ ὑπὸ μαρμαρυγῇ θαλερώπιδος Ἠριγενείης ἄκρα παραιθύσσεις θαλπομένων πτερύγων. σὴν κεφαλὴν αἴλουρος ἀπέθρισε· τἆλλα δὲ πάντα 05 ἥρπασα, καὶ φθονερὴν οὐκ ἐκόρεσσε γένυν. νῦν δέ σε μὴ κούφη κρύπτοι κόνις, ἀλλὰ βαρεῖα, μὴ τὸ τεὸν κείνη λείψανον ἐξερύσῃ. 29 Vide HERRLINGER (n. 14), 44 sqq. 30 Mart. Epigr. 4.32; 9.69. 31 Aus. Opusc. 33. 32 Acerca da presença de animais no mundo romano e na poesia latina, uide JENNISON (n. 8), passim; J. M. C. TOYNBEE, Animals in Roman Life and Art, London: Thames and Hudson, 1973, passim; André SAUVAGE, Étude de Thèmes Animaliers dans la Poésie Latine: Le Cheval – Les Oiseaux, ‘Collection Latomus’ CXLIII, Bruxelles: Latomus, 1975, passim; Ingvild Sælid GILHUS, Animals, Gods and Humans: Changing Attitudes to Animals in Greek, Roman and Early Christian Ideas. London et New York: Routledge, 2006, 12-36.
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sobre o tema33. Esse poema, composto em hendecassílabos e compreendendo 18 versos, inicia-se conclamando Vênus, os Cupidos e os mais venustos homens a chorarem pela morte do pardal de Lésbia (1-5). A identificação daqueles que devem lamentar essa morte diz respeito à natureza dessa composição, a qual mescla em seus versos as temáticas fúnebres e amorosas. Nos primeiros cinco versos, é anunciada a ocasião do lamento e quem é o morto, neste caso uma pequena ave, possivelmente um pardal ou ave similar, que, caracterizada aqui como deliciae meae puellae, ‘delícia de minha menina’, é tema também do poema anterior34. A anáfora de passer nos versos 3 e 4 e a epífora de meae puellae nos mesmos versos parecem enfatizar o páthos da ocasião. São arroladas então as habilidades que a ave havia demonstrado para sua dona enquanto ainda vivia (6-10): era doce (mellitus: 6), a conhecia bem, como uma filha conhece a mãe (67), não saía de seu colo (8-9) e piava somente para ela (10). Nos versos seguintes, é anunciado seu trajeto até o reino dos mortos e uma espécie de imprecação contra o Orco (11-15), e seu destino é lamentado (16-18). Os dois últimos versos (17-18) revelam, por fim, a dor provocada em Lésbia por essa morte, morte que deve ser lamentada não apenas por ela, mas também por Vênus, pelos Cupidos e pelos homens venustos, assim como pelo próprio poeta. A expressão meae puellae, enfatizada no final dos versos 3 e 4, é repetida ainda mais uma vez no penúltimo verso (17), como que chamando a atenção do público acerca daquele que talvez 33 Sobre Catull. 3, uide Richard F. THOMAS, “Sparrows, Hares, and Doves: A Catullan Metaphor and its Tradition”, Helios XX (1993), 131-142; Jennifer INGLEHEART, “Catullus 2 and 3: A Programmatic Pair of Sapphic Epigrams?”, Mnemosyne LVI (2003), 558 sqq.; Arthur John POMEROY, “Heavy Petting in Catullus”, Arethusa XXXVI (2003), 49-60. 34 Catull. Carm. 2. Acerca da relação entre esses dois poemas sobre o passer de Lésbia, uide INGLEHEART (n. 33), 551-565.
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seja o principal foco do poema, o universo amoroso e não o de lamento35. A estrutura desta composição é similar àquela vista nos epigramas fúnebres helenísticos. Nos versos 1-5, são anunciadas a identidade do morto e sua morte, os versos 6-10 dizem respeito ao passado do morto, os versos 11-15 retomam o momento presente e apresentam o trajeto do pássaro morto até o Orco. Os três últimos versos (16-18) expressam o lamento geral por essa morte (16) e também revelam a dor sentida por sua dona (1718). O vocabulário e as imagens escolhidas remetem, porém, ao universo amoroso. O animal morto é apresentado como deliciae, mellitus, era mais amado que os próprios olhos de sua dona, ficava junto a seu colo e era considerado algo belo e por isso tolhido para o Hades precocemente. Vocabulário similar é encontrado também em outras composições de temática amorosa atribuídas a Catulo, sendo uma das características que distingue este poema dos epitáfios helenísticos36. Possivelmente aludindo a esse poema de Catulo, Lúcio Arrúncio Estela, poeta romano contemporâneo de Estácio e Marcial, também teria composto um poema, supostamente em metro elegíaco, lamentando a morte da pomba de sua amada, Violentila37. Estácio se refere brevemente a essa composição em 35 Para Esteve-Forriol, Catull. 3 não constitui um ‘epicédio’; uide ESTEVEFORRIOL (n. 4), 118. 36 Acerca dos possíveis modelos gregos deste poema, uide INGLEHEART (n. 33), 558 sqq. 37 Acerca de Lúcio Arrúncio Estela, uide P. von ROHDEN, “Arruntius [26]”, RE 2.1 (1895), 1265-1266; O. PEDERZANI, Il Talamo, l’Albero e lo Specchio. Saggio di Commento a Stat. Silv. I 2, II 3, III 4, Bari: Edipuglia, 1995, 32; R. R. NAUTA, Poetry for Patrons. Literary Comunication in the Age of Domitian, Leiden: Brill, 2001, 211-212; E. WERNER, Lá vem a noiva: O ‘epitalâmio’ e suas configurações do período helenístico à era flaviana, São Paulo: Humanitas, 2014. Violentila é mencionada apenas em um poema de Estácio (Stat. Silv.
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seu ‘Epitalâmio para Estela e Violentila’38 e Marcial menciona essa composição em dois de seus epigramas39, apontando Catull. 3 como modelo para o poema de Estela40. Infelizmente, essa e outras composições de Estela não foram conservadas. Outras duas composições romanas dedicadas à morte de aves criadas como animais de companhia são a elegia de Ovídio sobre a morte do papagaio de Corina (Ovid. Am. 2.6) e o poema de Estácio sobre a morte do papagaio de Atédio Mélior (Stat. Silv. 2.4). Ambas também parecem aludir, em maior ou menor medida, ao poema de Catulo acerca da morte do pássaro de Lésbia. Assim como no caso de Catull. 3, Corina corresponde da mesma forma à amante, fictícia ou não, da persona poética de Ovídio e é seu animal de estimação que se encontra morto, neste caso um psittacus, “papagaio”41. A composição, escrita em versos elegíacos e apresentando 62 versos, encontra-se reunida no segundo livro da obra conhecida como Amores e parece dialogar 1.2) e em quatro epigramas de Marcial (Mart. Epigr. 6.21; 7.14; 7.15; 7.50) e praticamente nada se sabe sobre ela. Acerca da caracterização de Estela como poeta elegíaco na obra de Estácio, uide E. WERNER, “‘E a Elegia se aproxima’: A presença de alguns motivos elegíacos no Epitalâmio a Estela e Violentila de Estácio”, Classica XXIV (2013), 129-137. 38 Stat. Silv. 1.2, 101-102: quanta est Paphii reuerentia, mater, / numinis: hic nostrae defleuit fata columbae. 39 Mart. Epigr. 1.7 et 7.14. 40 Acerca das possíveis relações entre Catull. 3 e esse poema de Estela, uide THOMAS (n. 33), 131-142. 41 Acerca dos paralelos entre os dois poemas, uide ESTEVE-FORRIOL (n. 4), 41-42. Acerca de Amores 2.6 em particular, uide ESTEVE-FORRIOL (n. 4), 39-42; Leslie CAHOON, “The Parrot and the Poet: The Function of Ovid’s Funeral Elegies”, CJ LXXX (1984), 27-35; Barbara Weiden BOYD, “The Death of Corinna’s Parrot Reconsidered: Poetry and Ovid’s ‘Amores’”, CJ LXXXII (1987), 199-207; K. Sara MYERS, “Ovid’s Tecta Ars: Amores 2.6: ‘Programmatics and the Parrot’”, EMC ~ CV XXXIV (1990), 367-374; Leslie CAHOON, “Psittacus Redux: Boyd’s Bird and Mine (or, some thoughts on aims and methods in literary studies)”, CJ LXXXVI (1991), 368-376.
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com outro poema fúnebre presente nessa mesma obra, o poema Amores 3.9, uma espécie de epicédio para a morte de Tibulo42. Em seu estudo acerca dos epicédios romanos, EsteveForriol apresenta um esquema da estrutura padrão de um ‘epicédio’, a qual poderia ser dividida em cinco partes principais: a) introdução, b) laudatio do morto, c) lamentatio ou comploratio, d) descriptio da doença e da morte, ou do funeral ou do túmulo, e) consolatio43. Um epicédio não apresentaria, porém, necessariamente essas cinco seções, já que uma ou mais partes poderiam ser deixadas de lado ou duas partes poderiam ser fundidas em uma única seção do poema. De acordo com sua análise de Amores 2.6, esse poema dividir-se-ia em cinco seções: introdução (1-12), laudatio/lamentatio (13-42), descriptio morbi et mortis (43-48), consolatio (49-58), e descriptio sepulcri (59-62)44. Na primeira parte do poema (1-12), correspondente à introdução, apenas as aves consideradas pias (piae uolucres: 3) são incitadas a comparecer ao funeral do papagaio. Psittacus, termo que designa o morto, já que ele não possui um nome próprio, ocupa a posição inicial do primeiro verso, assinalando o objeto em torno do qual é construído o poema. Ainda no primeiro verso, a expressão Eois imitatrix ales ab Indis, “alado imitador das Índias orientais”, revela duas características que definem o papagaio aqui celebrado: a habilidade de imitar e o exotismo da espécie, que seria trazida desde limites distantes do mundo para Roma45. Seu exotismo é ressaltado ao longo do poema por meio do emprego 42 Acerca da paridade temática e estrutura entre esses poemas, uide Elizabeth THOMAS, “A Comparative Analysis of Ovid, ‘Amores’, II, 6 and III, 9”, Latomus XXIV (1965), 599-609. 43 ESTEVE-FORRIOL (n. 4), 113. 44 ESTEVE-FORRIOL (n. 4), 39-42. 45 Em um de seus epigramas, Marcial ironiza o interesse do período pelos seres exóticos: Mart. Epigr. 7.87.
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do adjetivo rarus para se referir à ave (Ovid. Amores, II 6, 9 et 17). Occidit, na posição inicial do verso 2, revela que o pássaro já se encontra morto. Os alados convidados também são instruídos pelo poeta acerca do modo como eles devem se portar durante o funeral (3-6), emulando as manifestações humanas de luto. Eles devem bater no peito com suas penas ao invés de punhos, ferir suas faces com suas garras, não com as unhas, suas penas devem ser arrancadas no lugar dos cabelos e seus cantos devem ressoar no lugar da tuba. Filomela, o rouxinol, é incitada a interromper seu lamento por Ítis (7-10), mas o lugar de honra na procissão cabe à pomba-rola, turtur (11-12), ave conhecida na Antigüidade por sua fidelidade, e lhe cabe essa posição não apenas em razão de sua amizade com o papagaio, mas também pelo êthos semelhante de ambas as aves. A segunda seção, dedicada ao encômio da ave e ao lamento por sua morte, ocupa os versos 13-42. O papagaio teria se destacado não apenas por sua fidelidade e pela concórdia (1316), mas também pela beleza de suas cores, pela sua capacidade de imitar os sons e por ter sido uma fonte de prazer para sua dona, Corina (17-24). Nada disso, porém, impedira sua morte. Nos versos 25-42, o poeta volta seu lamento para a injustiça do mundo, um mundo no qual uma ave ‘amante da paz’ (25-26), hábil e tão frugal (29-32) morre cedo, enquanto aves belicosas ou ímpias, como as codornas (coturnices: 27-28), o abutre (uultur: 33), o milhafre (miluus: 34), o gaio (graculus: 34) e o corvo (cornix: 35), viveriam por mais tempo, ilustrando assim a ideia de que os melhores morrem antes. Os exemplos mitológicos fornecidos pelo poeta acerca dessa tópica são os de Tersites, que teria assistido ao funeral de Protesilau, e o de Heitor, que teria morrido antes de seus irmãos. Os versos 43-48 relatam a morte do papagaio, a qual teria ocorrido após sete dias de enfermidade. Corina teria dirigido
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preces aos deuses e permanecido junto a seu leito, como se velasse não um animal de estimação, mas sim um amante. Diferente do que vemos em Catull. 3, o vocabulário fúnebre se mostra mais presente aqui do que o vocabulário amoroso, embora ambas as temáticas sejam comuns à elegia latina. Antes de morrer, o papagaio teria ainda dirigido suas últimas palavras a sua dona: Corinna, uale (49), “adeus, Corina!”. Diversos testemunhos, entre eles o próprio epicédio de Estácio dedicado a um papagaio e um epigrama de Marcial46, indicam que teria sido um costume tipicamente romano ensinar os pássaros capazes de imitar a voz humana a saudar o imperador com expressões como ‘aue Caesar’. A adaptação desse costume ao contexto amoroso é um dos detalhes que revela o tom, ao menos em parte, paródico deste poema. A seção destinada à consolação dos vivos, neste caso Corina, é construída a partir da imagem de um elísio, uma espécie de paraíso pós-morte, destinado exclusivamente às aves pias, retomando assim a tópica mencionada no início do poema. A lista de aves pias arroladas aqui, os cisnes (olores: 53), a fênix (54), o pavão (ales Iunonia: 55) e a pomba (columba: 56), identifica ainda quais aves teriam sido convidadas para o funeral. A imagem de um paraíso aviário é empregada pelo poeta em uma tentativa de consolar Corina por sua perda. Paralelamente à existência de campos elísios destinados às aves, Ovídio também prevê a existência de campos elísios destinados aos poetas e é para esse local que Tibulo teria ido após sua morte em Amores 3.947. O poema se encerra com a descrição do pequeno túmulo do papagaio (59-60), túmulo que é descrito pelo próprio papagaio a seus companheiros nos campos elísios, e do breve epitáfio, 46 Mart. Epigr. 14.73. 47 Ovid. Am. 3.9, 49-58.
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composto por apenas um dístico elegíaco e adequado ao tamanho do túmulo e do morto, que teria sido inscrito sobre ele (61-62)48. Não se sabe se teria sido comum em Roma erigir túmulos para aves mortas, mas tal prática é ironizada por Marcial em um de seus epigramas49. O poema de Estácio acerca da morte do papagaio de Atédio Mélior (Stat. Silv. 2.4) é mais breve que a elegia de Ovídio para o mesmo animal50. Composto em hexâmetros datílicos, ele possui 37 versos e é descrito pelo próprio poeta, no prefácio epistolar do livro II das Silvae, como uma composição ligeira, similar a um epigrama, definição que se aplica também ao poema 2.3, sobre uma árvore vista em uma propriedade de Atédio Mélior, e ao poema 2.5, acerca de um leão domado51. Assim como em Amores 2.6, o poema de Estácio começa também com o substantivo psittacus na posição inicial do primeiro verso, mas aqui ele se encontra no vocativo e é reiterado no segundo verso. Três são os atributos associados a essa ave 48 Ovid. Am. 2.6, 61-62: colligor ex ipso dominae placuisse sepulcro; ora fuere mihi plus aue docta loqui. 49 Mart. Epigr. 7.87, 8. 50 Acerca de Silvae 2.4, uide Friedrich VOLLMER, P. Papinii Statii Silvarum Libri, Leipzig: B. G. Teubner, ad 2.4; Harm-Jan van DAM, P. Papinius Statius, Silvae Book II: A Commentary; ‘Mnemosyne Supplementum’ LXXXII, Leiden: E. J. Brill, 1984, ad 2.4; Fiona CAWSEY, “Statius, Silvae II, iv: More than an Ex-Parrot?”, PACA XVII (1983), 69-84; K. Sara MYERS, “Psittacus Redux: Imitation and Literary Polemic in Statius, Silvae 2.4”, in John F. MILLER, Cynthia DAMON et K. Sara MYERS (edd.), Vertis in Usum: Studies in Honor of Edward Courtney, Leipzig et München: K. G. Saur, 2002, 189-199; C. E. NEWLANDS, Statius: Silvae, Book II, Cambridge: Cambridge University Press, 2011, ad 2.4. Acerca dos possíveis paralelos entre Ovid. Amores 2.6 e Stat. Silvae 2.4, uide etiam Robert E. COLTON, “‚Parrot Poems‘ in Ovid and Statius”, CB XLIII (1967), 71 et 74-78. 51 Stat. Silv. 2 praefatio: in arborem certe tuam Melior, et psittacum scis a me leues libellos quasi epigrammatis loco scriptos.
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nesses dois versos iniciais: dux uolucrum, “chefe das aves”, domini facunda uoluptas, “eloquente prazer para seu dono”, e humanae sollers imitator linguae, “hábil imitador da fala humana”. De maneira similar ao que pode ser visto em outros gêneros poéticos como o encômio e o hino, são os atributos enunciados nesses versos inicias que delineiam a composição do restante do poema. Os versos 3-10 apresentam o caráter súbito da morte do papagaio, contrapondo passado e presente ao modo dos epigramas fúnebres helenísticos. Ainda ontem ele participava do banquete, devorando suas delícias e entretendo os demais convivas. Hoje essa ave canora, ou melhor, falante, ocupa os silêncios do Letes, assim como as aves às quais são endereçadas os epigramas, apresentados há pouco, de Árquias, Tímnes e Símias de Rodes. Nos versos 11-15, vemos a descrição de sua morada, uma gaiola, a qual é revestida por materiais como casco de tartaruga, prata e marfim. A nomeação desses materiais denota não apenas quão luxuosa teria sido a gaiola em que o papagaio teria vivido, mas também a própria riqueza de seu dono, Atédio Mélior52. Uma tópica identificada na poesia encomiástica de Estácio é o modo como a descrição das casas e demais recintos refletem de alguma forma seus próprios donos53. Desse modo, a personificação da gaiola do papagaio a lamentar sua morte possivelmente reflete aqui
52 Para Myers, a descrição da gaiola e a própria representação do papagaio neste poema de Estácio parecem expressar algum tipo de julgamento literário e talvez a crítica contra um ou mais poetas; uide MYERS (n. 50), 195 sqq. 53 Vide H. SZELEST, “Die Originalität der sog. Beschreibende Silvae des Statius”, Eos LVI (1966), 191-193; NEWMYER (n. 4), 40; H.-J. van DAM (n. 50), 190; C. E. NEWLANDS, “Horace and Statius at Tibur: An interpretation of Silvae 1.3”, ICS XIII (1988), 96 sqq.; K. S. MYERS, “‘Miranda fides’: Poet and Patrons in Paradoxographical Landscapes in Statius’ Silvae”, MD XLIV (2000), 104 sqq.
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o lamento de Mélior e dos outros habitantes ou freqüentadores da casa por conta da morte da pequena ave. Estácio, assim como Ovídio, conclama de igual modo outras aves para participarem do funeral do papagaio (16-23), mas não as aves pias. As convocadas aqui são outras aves que poderiam, assim como o papagaio, imitar a voz humana: o corvo (ales Phoebeius: 17), o estorninho (sturnus: 19), as pegas (picae: 19), a perdiz (perdix: 20) e o rouxinol (soror orba: 21), única ave em comum nos cortejos fúnebres de Ovídio e Estácio. Neste poema de Estácio, elas são chamadas, porém, não apenas para integrar o cortejo e entoar o lamento, mas também para conduzir o cadáver até a pira e aprender um novo canto (22-23). Esse canto (24-37) encerra o poema e se apresenta como um epicédio propriamente dito. Esses versos finais (24-37) possuem um tom fortemente encomiástico e enfatizam os atributos conferidos ao papagaio no início do poema. Ele é não apenas aeriae celeberrima gloria gentis, “a mais célebre glória da raça aérea” (24), mas também superior em beleza ao pavão (uolucris Iunonia: 26-27), ao faisão (Phasidis alis: 27) e às galinhas d’angola (28). Por sua habilidade como imitador da voz humana, ele seria capaz de saudar os reis e pronunciar o nome de César (29-30)54 e entreter outros convivas ao repetir as palavras que lhe são apresentadas (31-32). Ao lado de seu dono, ele era não apenas fonte de entretenimento, mas também de companhia. O retrato do papagaio parece corresponder antes ao retrato de um igual de Mélior, capaz de lhe fazer companhia, consolá-lo em momentos de luto e de entretê-lo e acompanhá-lo 54 Cf. Ovid. Am. 2.6, 49. Cawsey identifica algumas semelhanças entre a representação do papagaio nesta composição e algumas características atribuídas comumente a Domiciano, identificando neste poema um possível (e velado) deboche contra o imperador; uide CAWSEY (n. 50), 77 sqq.
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durante os banquetes, do que ao retrato de um animal, ainda que os excessos em relação ao tratamento dos animais de companhia atribuídos ao período imperial romano sejam considerados. Alçado ao mesmo patamar de seu dono, ele não sem glória é enviado para o Hades e recebe honras fúnebres dignas de heróis (33-37). Assim como os heróis que morrem jovem nas guerras, ele nunca enfrentará os males da velhice e seu corpo é envolto por plantas perfumadas antes de ser colocado na pira (33-37). Por fim, seu corpo, envolto pelas chamas, assemelha-se ao de uma fênix. Apesar de uma temática comum, as composições de Ovídio e Estácio apresentam algumas diferenças e essas dizem respeito, sobretudo, aos diferentes gêneros poéticos aos quais estes poemas se vinculam, mas também às diferenças identificadas entre os proprietários dos animais. As tópicas amorosas, presentes tanto no poema de Catulo quanto no poema de Ovídio55, embora neste último em menor grau, se encontram ausentes do poema de Estácio e essa ausência é substituída pelo companheirismo e paridade entre Mélior e seu papagaio. Ainda que não receba nenhum elogio direto, Atédio Mélior também se mostra muito mais presente no poema de Estácio do que as amantes nomeadas por Ovídio e Catulo. É notável o contraste entre a piedade e a frugalidade do papagaio de Corina e as hipérboles e o luxo atribuídos ao papagaio de Mélior, mas a glória e a riqueza atribuídas a este papagaio morto parecem ser intencionalmente excessivas para poderem refletir também a glória e a riqueza de Atédio Mélior. A transferência entre as principais características do animal e de seu dono é identificada nos três poemas. O passer de Lésbia apresenta os atributos de um amante dedicado, atributos que, idealmente, também poderiam ser associados a 55 E provavelmente também no poema de Estela.
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ela. A ênfase na piedade de seu papagaio parece corroborar uma suposta virtude de Corina. Mas é na caracterização do papagaio de Atédio Mélior que esse compartilhamento de atributos parece se mostrar mais evidente, como que colocando o animal e seu dono em um mesmo nível. Talvez de modo diverso de Lésbia e Corina, Atédio Mélior parece ter tido algum papel de maior ou menor relevo na vida pública romana. Estácio dedica a ele não apenas este e outros dois poemas do livro II, mas também o próprio livro II como um todo. Apesar das particularidades do gênero, o epicédio para o papagaio não difere dos outros poemas reunidos nas Silvae ao ser construído a partir de tópicas encomiásticas e ao apresentar o elogio, mais ou menos indireto, de Atédio Mélior a partir do elogio de uma de suas posses, neste caso um papagaio. Mesmo tendo em vista o reduzido número de poemas conservados, os epicédios romanos para animais destacamse de seus antecessores gregos epigramáticos não apenas por sua extensão e por se distanciarem, ao menos em parte, do(s) modelo(s) fornecido(s) por eles, mas, sobretudo, por adaptarem a temática do lamento por um animal morto a outros gêneros poéticos. Alguns comentadores vêem esses poemas fúnebres romanos e alguns exemplares de seus antecessores helenísticos como uma espécie de paródia de seus equivalentes dedicados a seres humanos. Ainda que algumas passagens dessas composições pareçam ironizar ou tornar engraçadas determinadas tópicas, os elementos tradicionalmente associados aos poemas fúnebres, como a dicotomia entre passado e presente, o lamento pelo morto e mesmo a consolação dirigida aos vivos, parecem ser associados a temas menos elevados ou a gêneros outros não apenas, ou talvez não principalmente, para causar o riso em seu público, mas
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também para apresentar novas possibilidades poéticas, enunciar ou não determinadas críticas, bem como se adaptar e incorporar as mudanças sociais e culturais de determinadas épocas, e esse diálogo com novas possibilidades poéticas parece se mostrar mais evidente no poema de Estácio para o papagaio de Atédio Mélior do que nos seus antecessores. A prática de dedicar túmulos e epitáfios para animais continua a existir nos séculos seguintes e o apreço por esses poemas dedicados a animais mortos se revela nas diversas obras influenciadas por essas composições encontradas em seus sucessores poéticos56.
56 Acerca da recepção da imagem do papagaio por seus sucessores, uide Eckard LEFÈVRE, “Die Metamorphose des catullischen Sperlings in einen Papagei bei Ovid (Amores 2,6) und dessen Apotheose bei Statius, Strozzi, Lotichius, Beza und Passerat”, in Werner SCHUBERT (ed.), Ovid: Werk und Wirkung. Festgabe für Michael von Albrecht zum 65. Geburtstag, Vol. I, ‚Studien zur Klassischen Philologie‘ C, Frankfurt am Main, Berlin, Bern, New York, Paris et Wien: Peter Lang, 1999, 111-135; Julia COURTNEY et Paula JAMES (edd.), The Role of the Parrot in Selected Texts from Ovid to Jean Rhys: Telling a Story from an Alternative Viewpoint, Lewiston, Queenston et Lampeter: The Edwin Mellen Press, 2006, passim.
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