Gauleses Irredutíveis causos e atitudes do rock gaúcho
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CAPA E PROJETO GRÁFICO Nik FOTOS DA CAPA Marina Camargo EDIÇÃO DE FOTOGRAFIAS Guilherme Imhoff Suporte técnico: Índice Fotojornalismo EQUIPE DE PRODUÇÃO Sarah Bernardes Goulart Daniele Alves Pedro Marques do Nascimento Marcelo Esperança Xavier Sergio Deboni Francisco Bretanha Juliano Meira Guilherme Behs Angelo Kirst Adami Talitha Freitas Tiago Lobennwein Lazeri CRÉDITO DAS FOTOS André Furtado Assis Hoffmann Carlos Gerbase Carlos Tatsch Clóvis Dariano Denise Gadelha Dulce Helfer Eurico Salis Everton Ballardin Fernanda Chemale Fernando Seixas
Giovanna Tonello Joselito Araújo Juliana Morais Manuel Acosta Junior Marcelo Nunes Paulo Ricardo Rafael Chaves Ruy de Campos Tamires Kopp Talitha Freitas Vinicius Silva E arquivos pessoais dos entrevistados CRÉDITO DA SEÇÃO: AINDA IRREDUTÍVEIS Concepção: Daniela Ribeiro Projeto Gráfico: Juliano Medina ATIVAÇÃO DIGITAL Agência Preza facebook.com/gaulesesirredutiveis twitter.com/gauleses CRÉDITO DA SEÇÃO: RETRATOS CLÁSSICOS DO ROCK GAÚCHO Fernanda Chemale facebook.com/Fernanda.Chemale
NOTA DOS AUTORES As falas deste livro, obtidas através de entrevistas exclusivas, foram editadas a fim de proporcionar maior clareza ao leitor
© 2012 de Alisson Avila, Cristiano Bastos e Eduardo Müller Editor: Rafael Martins Trombetta Produção eletrônica: Maurício Blum Livro Eletrônico: novembro 2012. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Avila, Alisson Gauleses Irredutíveis: causos e atitúdes do rock gaúcho / Alisson Avila, Cristiano Bastos, Eduardo Müller. - Porto Alegre : Editora Buqui Inclui imagens Tamanho: 22,70 MB; Formato: ePub Requisitos do Sistema: Adobe Digital Editions 1. Músicos de rock - Rio Grande do Sul - História 2. Rock - Rio Grande do Sul - História I. Bastos, Cristiano. II Müller, Eduardo. III. Título. 01-5084 CDD-781.66098165
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SUMÁRIO PREFÁCIO APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 1 Big-Bang! Modulando a Frequencia CAPÍTULO 2 Entrando Na Raia Toca Aquela Tipologias Descrições Deu Pra Ti Anos 80 CAPÍTULO 3 Minha Vida É Um Palco Iluminado Jailhouse Rock CAPÍTULO 4 Continuous Play A Grande Engrenagem CAPÍTULO 5 Morte Por Tesão Estupefações CAPÍTULO 6 Sentimento Rock Hippie, Punk, Rajneesh Brinquedinhos Barulhentos Simplesmente Fã Um Lugar do Caralho CAPÍTULO 7 O Dia Que Fui Contaminado Décadafonias Gauleses e Romanos INDEX! LISTA SENHOR F
CADERNO DE FOTOS Ainda Irredutíveis Retratos Clássicos do Rock Gaúcho
PREFÁCIO Não me mate, por favor, enquanto houver uma banda de rock tocando num bar de Porto Alegre para meia dúzia de bêbados solitários. E não me peça, em respeito à alma de Sid Vicious, que eu avalie racionalmente o que significam para a cultura do Rio Grande do Sul os gauleses irredutíveis retratados neste livro. Ninguém ouve rock com o cérebro. Para medir o que fizeram essas bandas – capturadas neste livro com precisão e honestidade incomuns – sugiro a mesma atitude de quem entra num bar quase vazio para assistir ao show mais importante da história do rock’n’roll, que está rolando neste momento, sob a responsabilidade de quatro guris que massacram seus instrumentos e os microfones com a raiva que só os absolutos desconhecidos conseguem transmitir. É preciso mais que abrir os ouvidos pra compreender esses instantes mágicos: é preciso abrir a garganta para um gole generoso de Jack Daniel’s e escancarar o coração para a dor e o prazer da única música que sobreviverá ao final dos tempos, porque ela acompanha seus fiéis até o túmulo. A leitura destes “causos e atitudes do rock gaúcho” merece uma talagada de bourbon, o que certamente ajudará a compreender as mágicas executadas nas páginas a seguir, que incluem a transformação de bumbos legueros em baterias pinguim, gaitas-ponto em guitarras elétricas e cavalos crioulos em bestas de quatro rodas. Isso sem falar da trans-substanciação da erva mate numa erva galhuda, de origem misteriosa e efeito um pouco diferente do chimarrão. Este livro também tem algumas verdades sobre a nostalgia. Como Raul Seixas, eu não nego que o sentimento dos anos 70 é bonito, mas toda poesia dos 80 e começo dos 90 onde é que fica? Fica registrada nos depoimentos antológicos que o Alisson, o Cristiano e o Eduardo conseguiram extrair dos músicos, que destilaram essa poesia do pó da estrada, com um alambique suspeito importado do Paraguai. Não espere documentação acima de qualquer suspeita, ordenação cronológica rigorosa e respeitabilidade acadêmica. Isso seria um sacrilégio contra o rock. O que esperar de um livro que tem, entre suas fontes principais, nomes como Gordo Miranda, Edu K. e Júpiter Maçã? Esses caras não inspiram respeito nem no bar da esquina. Os autores de “Gauleses irredutíveis” fizeram a coisa certa: ouviram todos os malucos que encontraram, pagaram algumas cervejas (o que sempre facilita o bom trabalho jornalístico) e fizeram de conta que estavam acreditando nas histórias que surgiam. É claro que uma mentira confirmada por três fontes de confiança – isto é, capazes de ficar de pé – é muito mais interessante que qualquer verdade. Mas não pensem que eu acuso o livro de fabricar mitos ou criar fantasias. Acredito que tudo o que está escrito é verdade. Acredito que Syd Barret não morreu, se mudou pra Porto Alegre e hoje atende pela alcunha de Plato Dvorak. Acredito que Wander Wildner – até 1983 fã de Ednardo e Alceu Valença - aprendeu a ser punk em duas semanas, imitando Johnny Rotten nos clips dos Sex
Pistols. Acredito que hoje o Gordo Miranda é júri de calouros num programa de TV chamado “Ídolos”. Acredito que o fantasma de Syd Vicious estava presente no primeiro show dos Replicantes, assim como a alma de John Lennon possuiu o corpo de Flávio Basso no primeiro show dos Cascavelettes e não largou o osso até hoje. O resto pode ser mentira, mas quem se importa? E agora falando sério: Porto Alegre é um lugar do caralho pra se fazer rock, porque – ao contrário de Londres, Nova Iorque e outros lugares chinelos, em que músicos podem ficar famosos e milionários da noite pro dia - aqui o sujeito vai ralar a vida inteira, vai entrar num monte de roubadas, ser enganado por empresários calhordas, brigar com programadores de rádio que só tocam jabá, vai vomitar no colo da fã mucra demais, vai tocar em amplificadores queimados, escapar de fininho de muitos atraques da polícia e, finalmente, vai descobrir que não ganhou nada além de divertimento e histórias para contar depois. Graças aos gauleses irredutíveis, aqui estão as histórias. Divirtam-se.
Carlos Gerbase Porto Alegre, 25 de outubro de 2006
APRESENTAÇÃO Estimado leitor, “Gauleses Irredutíveis” é consequência direta de alguns frenéticos, por vezes árduos, mas sobretudo divertidos meses de labuta jornalística... E, mais do que explicar “a grande verdade” sobre o rock gaúcho, entendemos seu conteúdo como um tributo àquilo que julgamos ser o mais importante neste estilo de fazer música e de viver: a diversão, a busca pelo inusitado, pelo lúdico e o juvenil, no melhor sentido que possa ser atribuído a estas palavras. Nos concentramos em reunir histórias e impressões sobre a música jovem do Rio Grande do Sul, ao invés de tentarmos explicar esta música. Acreditamos que o rock se traduz nas pequenas coisas, e não nos grandes conceitos. Antes de ter virado “arte”, peça de museu ou até mesmo enciclopédia, o rock para nós não é nada além de uma atitude transformadora. É esse status quo que estamos propondo. As 167 entrevistas que realizamos com músicos, produtores, jornalistas, agitadores e agregados em geral sempre tiveram este viés: mais do que explicar, estamos propondo uma grande fotografia, uma reunião de instantâneos que permitam ao leitor construir seu imaginário sobre o rock e assemelhados na música produzida no Rio Grande do Sul. Essas premissas nos levaram a montar o livro como uma compilação temática de cutups do universo rock. Assim, o que você vai encontrar são relatos e versões sobre a origem de cena, de bandas e músicas, shows, sexo e drogas, discos, mercado fonográfico, imprensa, a relação com a estética do rock... Se o Rock Gaúcho é efetivamente “diferente” ou “melhor”, também não estamos aqui para provar. Optamos em não nos colocarmos no papel de avaliadores de qualquer incidente que possa ser lido nesse volume. Estamos, sobretudo, fazendo uma referência a todo o imaginário que circunda esse universo, não emitindo julgamentos de cunho pessoal nem moral sobre os fatos narrados. Todos têm incontáveis histórias para contar. Resolvemos reunir algumas dessas situações e informações, às quais o Rock Gaúcho é bastante prolífico em oferecer, e transformá-las numa boa leitura. Os causos e atitudes que descrevemos aqui são consequência dessa faceta original da cultura rock que tanto interessa a nós e, obviamente a muitos apreciadores, espalhados por todos os cantos. Antes ainda da montoeira de estilos e conceitos, das tralhas enciclopédicas e das verdades absolutistas, o que reunimos é um apanhado de impressões, versões e visões diversas sobre os mesmos assuntos. Talvez porque, muito mais que explicar, queremos sugerir – e talvez aí esteja nossa única pretensão – que os “gauleses” não precisam de uma única verdade. Até porque tudo o que realmente interessa é a experiência pessoal com a música. E é a experiência dessas pessoas que fizeram o Rock Gaúcho que estamos levando até você.
Os Autores.
BIG-BANG! Glênio Reis: Meu programa na rádio já estava no ar desde os anos 50. E o Enquanto Roda o Disco, nome do meu programa na TV Piratini, foi uma consequência do rádio, onde me comunicava muito com o pessoal universitário. Adaptei minha linguagem pra televisão, fazendo um bloco musical dentro de um programa de variedades. Acho que os anos 60 já estavam começando... O cenário simulava uma lojinha de discos. Lá, pude entrevistar bandas como Os Gaudérios, um grupo com cantor, acordeão, violão e violino. Eles foram os criadores, os intérpretes da primeira gravação de “Homens de Preto”. E era um grupo que não se vestia de gaudério: usavam as roupas do povoeiro mesmo. Os Gaudérios já tinham uma coisa mais projetada. Todas as bandas tocavam ao vivo. Só eu dublava, quando me mascarava pra ficar parecido com os criadores das músicas de sucesso. Julio Furst: Me apresentei com a minha banda, Os Rockets, no programa do Glênio Reis. Eu tocava bateria. Ele foi o primeiro apresentador que reuniu bandas musicais jovens em Porto Alegre, em rádio e televisão, lá por 57. Era transmitido em preto-e-branco, uma coisa meio Ed Sullivan... Zé do Trompete : Eu comecei no rock. Sempre: rock, jazz... A primeira vez foi em 58, tocando piano. Depois foi percussão, violino... E daí peguei o trompete. E deu pra minha vida. Sempre fui apaixonado pelo trompete. Tocava tudo. Mas as primeiras músicas que aprendi eram rock. Depois é que veio o jazz, por influência dos meus professores, mestres. Eram todos coroas, jazzistas. Eu os acompanhei porque eram os únicos caras que poderiam me dar algumas dicas de instrumentos de sopro. Mutuca: Eu tinha nove anos quando vi as pessoas mais velhas dançarem “Rock Around the Clock” na minha casa. A parada do rádio ainda era de música popular, mas, junto a isso, estava acontecendo o primeiro disco de rock: o 78 rotações do Bill Halley. Eu ouvia em ondas curtas o “Hoje é Dia de Rock”, e ele era o sucesso. No final dos anos 50, o que fazia sucesso era o disco “Tutti Frutti” com o Elvis Presley. Era o que todo mundo tinha. Mas o rock’n’roll começou por aqui quando o pessoal aprendeu a tocar guitarra... Isso foi lá por 60, 61 com o Zé Roberto, guitarrista dos Cleans... Ele foi o primeiro guitarrista profissional da cidade. Foram os anos das bandas instrumentais de guitarra, estilo Ventures. Luís Wagner: A onda que pegava era a de bandas instrumentais. Porque, como a gente não
cantava em inglês, era aquela coisa: tirava mais ou menos as letras e mandava ver, porque não tínhamos muito domínio. Julio Furst: Os conjuntos melódicos eram moda no começo dos anos 60. E os Rockets tinham percussão, vibrafone, guitarra e piano. Tocamos na Sogipa, no tempo em que a sede social era na Alberto Bins... Também fazia parte desse momento gente como Renato e Seu Conjunto, Flamingo, Stardust, Flamboyant, Melódico Mocambo, Norberto Baudaulf... Todas eram bandas de reuniões dançantes. Mutuca: Já a Jovem Guarda mudou a febre do instrumental pelo cantado: cantar falando de rock. De 60 pra 64, depois do surgimento da Bossa Nova, aconteceu a passagem pra Beatlemania. Foi quando começaram a surgir mais adolescentes fazendo música. Julio Furst: Nosso conjunto tocava coisas como Bill Halley, Elvis e rocks românticos... Até que estouraram os Beatles – e tudo começou a mudar. A partir daí, as pessoas queriam ouvir coisas mais pesadas. Glênio Reis: Já o GR Show foi um programa transmitido pela TV Gaúcha. E eu tinha que fazer uma coisa diferente nele. Então, montei o primeiro conjunto daqui a tocar rock misturado com instrumentos de sopro. O nome da banda também era GR Show. Juntava guitarra, teclado, baixo e bateria com um trombone, um sax tenor e um trompete – pra dar o peso. A banda começou servindo de apoio ao programa, mas acabou virando atração. Na realidade, o conjunto só ficou realmente como eu desejava quando eu consegui trazer o Hermes Aquino e o Cláudio Vera Cruz. Botei os dois a cantar – porque na banda todo mundo cantava. E eles começaram a fazer os arranjos: o Hermes era base e o Cláudio fazia a guitarra solo. Claudio Levitan: A minha história com a música começou em 65. Nesse ano tive uma banda de rock que se chamava The Bachfools. Faziam parte o Beto e o Vítor Meines, o Juarez Verba e o Marco Aurélio. Tocávamos em bailes... Depois, participamos de um programa da época, na TV Piratini. Mutuca: Eram mais de duzentas bandas em bailes e reuniões dançantes, com cinco, seis grupos tocando. Bandas como Os Incendiários, Bulls, Os Monges, Thunderballs, Os Morcegos, Os Jetsons, Os Minis... A minha se chamava Alphagroup. Também tinha o Liverpool, Handsomes, Hooligans,
Boinas Azuis, The Old Stoned... Claudio Levitan: A gente tocava músicas próprias e covers dos Beatles. Eu me lembro de algumas canções: “Go”, dos Beatles, que o Ronnie Von cantava na época; “Bamba La Bamba”. Tudo de Beatles e Rolling Stones, que eram as bandas preferidas. Ainda não tinha pintado Jimi Hendrix, Janis Joplin e todos eles... Gilmar Eitelvein: O rock no Rio Grande do Sul se formou por via direta. Foi o rock inglês que pesou muito aqui. Uma série de bandas como Rolling Stones, Kinks, Beatles influenciaram mais o nosso rock do que outras manifestações. A Jovem Guarda foi quase uma resposta bem comportada ao rock internacional, que era visto como uma coisa marginal e rebelde... E os roqueiros gaúchos dos anos 60 nunca foram com a cara da Jovem Guarda. Sempre buscavam tocar de forma mais radical. Os conjuntos de Jovem Guarda acabaram virando bandas de baile. Mutuca: Como aqui não tinha uma indústria fonográfica que atendesse a novidade dessas bandas, só aquelas que fossem até São Paulo, já com um contrato com um produtor, conseguiam alguma coisa. Quem fez isso foram Os Cleans: eles tiraram primeiro lugar num concurso de Jovem Guarda. Depois foram Os Brasas e Os Jetsons. Luís Wagner: Nos Brasas aconteceu uma coisa interessante... Chegamos em 66 em São Paulo. E, passados três, quatro meses, a gente se tornou uma banda contratada por uma emissora de televisão! Logo depois nos tornamos um grupo de estúdio, de gravação com todo mundo. Mas, nessa época, éramos um tanto relapsos e relaxados pra com o nosso próprio trabalho. Tínhamos saído do Rio Grande do Sul, chegado em São Paulo e tudo era muito simples... Não tínhamos conhecimento de quase nada. A gente chegou meio puro demais, sem noção de nada... Sem uma malícia de como lidar com as coisas.
Glênio Reis, animador de auditório, radialista e apresentador de TV voltado à cultura musical em Porto Alegre, foi uma das personalidades mais importantes pro início do rock gaúcho no início da década de 60
Diego Medina: Os Brasas eram os músicos que acompanhavam o Ronnie Von, no disco que ele gravou “Sílvia 20 horas Domingo”. Músicos dos anos 60 e poucos, final dos 60. Tem o Luís Wagner, o Tom Gomes... Glênio Reis: O Luís Wagner, que era dos Brasas, tocou muito no meu programa. Começaram a aparecer muitas bandas nos anos 60 – e eles não tinham empresários. Quando vi que a movimentação da gurizada estava aumentando e eu assumia um compromisso tão grande, me tornei empresário da gurizada. Os clubes contratavam os conjuntos de rock por hora de apresentação: botavam uns sete ou oito conjuntos, a cada noite. Eu nunca vi tanta gente na minha vida. Foi isso que me despertou a curiosidade pelo rock. Luís Wagner: A gente se reunia todos os finais de tarde pra fazer som na casa do seu Luis Carlos Guimarães. Ele é pai do guitarrista dos Jetsons, o Luís Ernani. Era uma oficina, uma garagem mesmo... O seu Luís nos ajudou a comprar os primeiros instrumentos.
Chaminé: Em 67, guitarrista era marginal, coisa de vileiro cabeludo. Tínhamos uma banda chamada Bestial Project, que tocava umas versões de The Who – mas ninguém conhecia Who, porque eles tinham lançado só um disco... Nem nós conhecíamos direito! Copiamos o disco todo. Era um berreiro dos infernos. Tocávamos na periferia: Cachoeirinha, Gravataí... Eram cinco ou seis lugares diferentes numa noite só, num sábado. E nosso guitarrista era o Beto. Ele tocava à moda diabo... Os equipamentos eram todos primitivos, nacionais. Não tinha essas molezas de instrumento importado que tem hoje. Claudinho Pereira: Eu morava na Thomaz Flores na década de 60, quando rolavam umas festas de garagem. Os caras faziam as reuniões dançantes em casa, e cada vez mais elas iam se apurando, melhorando... Por causa disso, o que acontecia? Alguém tinha que cuidar do som – mas ninguém queria! Aí, com catorze anos, fui ser DJ. Nem sabiam o que era um DJ... Chamavam de discotecário. Gelson Schneider: Comecei em 67, quando só tinham bandas de baile. E fizemos uma coisa diferente pra época: a banda Prosexo. Já em 70, começamos a Byzzarro. Eu, o Carlinhos e o Mário Monteiro, influenciados pelo Jimi Hendrix. Claudinho Pereira: Operei som de muita banda na noite em Porto Alegre. Uma foi o Herman’s Hermits, no bar Locomotiva... Outra casa era o Encouraçado Butikin, na Independência. E também tinha, na mesma rua, o Whisky a Go-Go. Foi o primeiro lugar a começar às duas da madrugada e seguir aberto até às dez da manhã. Era uma casa pra esses caras que trabalham na noite. Mutuca: O primeiro show internacional que eu assisti em Porto Alegre foi os Herman’s Hermits, em 1967. Fernando Pezão: Eu comecei em 68. Já existia uma turma de rock’n’roll na rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre. Montei minha primeira banda, de covers dos Rolling Stones, com uns amigos de lá. Um lance de rock de garagem: ninguém conhecia música – muito menos rock’ n’roll. As informações que chegavam eram as que um amigo nosso havia trazido da Inglaterra. Histórias londrinas de 67, 68... Então, um lance pancada começava naquele momento. Eu tinha 15 anos quando fui ver Woodstock no cinema, no Baltimore.
Fughetti Luz: Nasci em São Francisco de Paula. Mas sou mesmo é do IAPI – me criei em Porto Alegre, desde os seis anos. Assim como toda a galera que armou o Liverpool: o Mimi, o Marcos Lessa, o Edinho Espíndola... Muitos passaram pela banda, mas o básico era esse time aí. Assim como eu, eles ainda estão tocando, fazendo música. Glênio Reis: A grande força do rock em Porto Alegre começou nos anos 60, mesmo. Na época que isso aconteceu, minha faixa de rock passava por Led Zeppelin, Steppenwolf, Crosby Stills Nash and Young, Beatles... Aquelas coisas água-com-açúcar que tocavam não batiam muito comigo. Enquanto as outras rádios entravam com tangos e boleros, eu botava rock pauleira mesmo. Umas faixas de seis, sete minutos... Umas coisas enormes, comparadas com as faixas de dois minutos e meio que todos estavam acostumados a tocar. Gelson Schneider: Tinha o programa do Julio Rosemberg no Canal 10. Ele foi o primeiro a dar uma chance pra minha banda, a Prosexo, se apresentar na TV. Mais tarde, conheci o Carlinhos Tatsch, com quem eu fui pro meio da rapaziada. Eu era um cara mais da vila. Fughetti Luz: O Liverpool foi parar no Rio de Janeiro – uma banda de rock de Porto Alegre, em 1969 – porque ganhamos o Festival Universitário na reitoria da UFRGS. Quem tirasse o primeiro lugar iria participar do Festival Internacional da Canção, que rolava no Rio. Tocamos “Por Favor Sucesso”, do Carlinhos Hartlieb: ele que tinha pedido pra gente defender a música. No mesmo festival, também tiramos o décimo primeiro lugar com “Olhai os Lírios do Campo”, uma música linda. Mas, como vencemos, no outro dia já estávamos pegando o avião... E, na semana seguinte, entramos no Maracanãzinho: nós, Jorge Ben, Gilberto Gil, participando do festival... Sucesso nacional, direto do bairro Sarandi pro Maracanãzinho! A gente tinha uma casa no Sarandi pra ensaiar e fazíamos muita festa lá: os instrumentos ficavam na sala, a gente dormia nos quartos e acordava tocando... Era tri louco! Muita buceta, muito legal... Glênio Reis: Conheci uns caras e gostei muito da qualidade deles. E eles vieram falar comigo pra trabalhar. Depois de analisá-los, ordenei: “olha, só tenho uma coisa pra vocês fazerem...” Dei o disco do Led I pra eles e marquei umas faixas. Falei: “vocês copiem integralmente o que está tocado aqui, e só voltem quando os arranjos estiverem prontos pra eu ouvir”. Passou algum tempo, eles foram no escritório dizer que estavam prontos – e fui ver o trabalho.
Dava pena ver os guris tocando: uma chiadera, um ronco... Mas eram muito bons: eles tinham duas baterias, excelentes. Batizei a banda de Mao Mao. Eles foram o primeiro e mais moderno grupo que apareceu por aqui. Claudio Levitan: Porto Alegre tinha uma forte escola de tropicalismo, ou de uma música moderna brasileira ligada à linguagem modernista. Vários grupos, inclusive Os Mutantes e Tom Zé, vieram a Porto Alegre bem no começo da carreira. Chaminé: No Festival Universitário de 69, na reitoria da UFRGS, aconteceu uma espécie de pulo do gato pra essa história de guitarristas tirados pra marginais. Eu tocava no Succo, com o Mutuca, o Cláudio Vera Cruz... E levamos a guitarra elétrica pro meio dos violões. Mas também levamos galinhas pro palco, demos um banho de talco na Orquestra Sinfônica da Ospa, que estava por lá na mesma noite... Foi um escarcéu dos diabos. Tinha gente de longo preto e smoking na plateia, e nós usando ceroula, de penico na cabeça... Claudio Levitan: Lembro que alguns grupos faziam umas coisas muito loucas. Por exemplo: lembro de um grupo que o Chaminé participou em que eles cantaram uma música e jogaram talco na plateia e na orquestra também... Então, os músicos da Ospa se levantaram e disseram que não iam mais tocar. Chaminé: Acabou dando a maior pauleira. No meio do bafafá, tudo acontecendo, um cara da banda pegou o contrabaixo e bateu com as chaves da afinação na cabeça do Geraldo Flach! E eu fui o pivô dessa briga, porque a esposa do Geraldo meio que não gostou do que eu estava fazendo... E ele parou no Pronto Socorro. Mas não fui eu quem bati nele! Enquanto isso, acabamos indo, toda a banda, pra polícia – e o delegado era o irmão do Geraldo! Mas ele foi um cara gente fina: nos liberou. Cascalho: Comecei o programa Biershow na rádio Continental, em 1970, num momento em que só tinham emissoras AM. Eu era um apresentador totalmente anarquista... Pelo meu feeling, selecionava as músicas e fazia daquele horário um espetáculo. Ainda não existia a irreverência dos comunicadores de hoje. Criei esse estilo observando algumas coisas americanas, da Argentina e do Rio de Janeiro. Glênio Reis: Quem descobriu o Cascalho fui eu. Ele me telefonava, na rádio Gaúcha, dizendo que estava ouvindo o meu programa. Até que um dia eu pedi pra ele dar uma chegadinha lá na rádio.
Como eu já era um homem de muito mais idade pra falar o linguajar da garotada, resolvi dizer pra ele o seguinte: “vem cá, porque tu não lança um programa igual ao meu?”. Dois dias se passaram e ele voltou, me perguntando: “ô Glênio, em que horas tu lançaria um programa desses?”. Eu disse: “ou à noite, ou às seis da tarde”. Pouco tempo depois surgiu ele, com o patrocínio de um refrigerante famoso. Cascalho: “Hello! Crazy people!” e “Hello! Tô chegando! Isso é uma loucura!” Eu fazia essas frases de efeito. Claudio Levitan: Depois do espetáculo Amelita, Cabeça, Corpo e Membros, mais no início dos anos 70, começamos a montar o Em Palpos de Aranha – que vai do final de 74 até 76. Os dois foram espetáculos que aca-baram virando bandas. Eram shows grandes, um pouco na linha do Hair. Grupos que surgiam com a ideia de shows multimídia. Chaminé: Depois daquela participação do Succo na UFRGS e de shows como o Amelita, Cabeça, Corpo e Membros é que os guitarristas deixaram mesmo de ser bandidos. Foi assim que as guitarras foram pros teatros... Zé do Trompete : Em 70, eu estava com vinte e dois anos. Toquei com diversas bandas, chinelas pra caralho! Toquei com bandas covers, de baile... O Caravelle, que foi uma banda premiada. Outra deu origem ao Sul Bossa Jazz. Muita pauleira no som! Kledir: A ideia dos Almôndegas surgiu no início dos anos 70. Havia em Porto Alegre uma cena com aquele clima pós-Woodstock... Algo importante, e que trouxe um momento de mudança de comportamento e postura no mundo. Estávamos muito fora do que acontecia no Brasil e no mundo em termos musicais. Não havia uma produção musical popular no Rio Grande do Sul. Tínhamos poucos artistas: eram pessoas com músicas selecionadas em festivais aqui e ali, na maioria dos casos. O forte da cena brasileira era a Tropicália e o pessoal dos festivais – que hoje são os grandes medalhões da nossa música. Alemão Ronaldo: Tinham várias bandas de baile nos anos 70. A minha era o Supersound. Tocávamos Led Zepellin, Jethro Tull... Kledir: Fomos até Santa Catarina em 71 pra participarmos do chamado Fucaca, um festival
universitário que acontecia por lá – e ganhamos, com a música “Vento Negro”, que entrou no primeiro disco dos Almôndegas. Em 72, voltamos ao festival e ficamos em segundo lugar. Nessa época, éramos uma turma. Estes festivais foram as sementes pro surgimento dos Almôndegas, que depois gravou quatro discos. Já faziam parte, além de mim e do Kleiton, o Kiko Castro Neves e o Peri Souza. Só faltava o Gilnei pra acontecer a primeira formação da banda. Na realidade, quando fizemos esta outra apresentação no Fucaca, havia 24 pessoas no palco... Aquela coisa de coletividade, paz e amor... Havia uma característica muito forte, nesse início de década de 70, que era a vida em comunidades: nas repúblicas, com seus grupos de amigos... uma coisa meio hippie. Um tempo de experimentação de tudo, tanto de sexo quanto de drogas, de música ou uma vida nova mesmo, diferente. Foi sintomático estarmos em cima de um palco com tanta gente em 72. Nossa vida era uma grande celebração, o tempo todo. Vivíamos numa grande turma em Porto Alegre, nos encontrávamos todas as noites... Os pais da Liane Klein, uma amiga nossa, eram muito receptivos e estávamos sempre na casa dela. Foi a partir disso tudo que vislumbramos a possibilidade de fazermos música de uma maneira séria. Até então, estávamos na universidade. Fughetti Luz: Aconteceram várias coisas entre o fim do Liverpool, em 73, e o início do Bixo da Seda, que era uma banda mais rock’n’roll. Fiquei um ano e dois meses fora, na Europa, depois do Liverpool. Quando voltei pra Porto Alegre, fiz a Laranja Mecânica, a Trilha do Sol... E depois uma banda chamada Bobo da Corte. Mas o Bixo da Seda já estava rolando – e com o mesmo time do Liverpool: o Mimi, o Edinho, também o Cláudio Vera Cruz e o Peko Santana. Só eu que não estava junto. Kledir: A 1ª Mostra de Música de Porto Alegre aconteceu em 72. Uma coisa basicamente organizada pelo Fogaça, que fazia parte da nossa turma. Ele era o cara que mais tinha o espírito pra organização daquela loucura toda... E a ideia dessa mostra ia bem ao encontro daquilo que queríamos: algo que não tivesse caráter de competição entre os grupos. As pessoas iam apenas pra se apresentar... Ser parecido com Woodstock era fundamental. Ao mesmo tempo que gritávamos contra o regime militar violento, a ideia de um festival sem competição era tudo que queríamos. Um tempo de pensar em solidariedade, criar um mundo novo, com paz e amor... Todas estas coisas fervilhavam na nossa cabeça. Muitas pessoas se juntaram à ideia: o Zé Flávio, com um grupo bem anterior ao Saracura, o Fernando Ribeiro... Foram três grandes grupos que se conheceram e se reuniram.
Juarez Fonseca: Quando comecei a escrever sobre música, em 73, não havia quase nada em Porto Alegre. As coisas começam a surgir no ano seguinte, com as Rodas de Som. Tinha os Almôndegas, Hermes Aquino... Tinham três ou quatro bandas de rock e o Hermes Aquino, que era pop. A primeira roda foi com o Bixo da Seda, uma rearticulação do Liverpool. E as coisas eram emboladas mesmo: todo mundo tocava junto. As Rodas de Som marcaram época. Todas as sextas-feiras, à meia noite, no Teatro de Arena. Superlotava. Era uma coisa da cidade se descobrindo. O Bixo da Seda fez uma apresentação que estourou mesmo. Até que, um ano depois, foi gravar um disco em São Paulo. A partir daí as coisas começaram a crescer. Julio Furst: Meu programa na rádio Continental ia ao ar todos os dias, às dez da noite. Eu me identificava como Julius Brown, um DJ especializado em música negra. Um roteiro de soul e funk que estava começando a entrar no início dos anos setenta... Um piloto da Varig me trazia os discos importados – aquelas bolachinhas de quarenta e cinco rotações. Nas festas do clube Floresta Aurora, eu era acompanhado por cinco garotas black power – as Juliettes. Mas, em 1975, houve a oportunidade de um patrocínio da Lee norte-americana, através da Renner, pra um programa jovem de rádio. A ideia deles era fazer algo específico pra Lee. E, em primeiro de abril de 75, entrou no ar o programa “Mr. Lee In Concert”. Eles sugeriram que eu criasse um personagem, e criei o Mr. Lee. Me vestia com calça de vaqueiro, bota e chapéu. O programa começou com música country... Era a intenção da empresa mostrar que estavam chegando no Brasil, porque aqui só havia contrabando e imitação da Lee. Nelson Coelho de Castro: Mas o Julio Furst foi um divisor de águas da música popular gaúcha, em termos de rádio. Ele teve coragem de rodar música gaúcha na década de 70, na rádio Continental. E dizia: “na Porto Alegre de Mário Quintana, são dezesseis horas”. Sem medo. Julio Furst: O meu programa virou pra música local porque fui convidado pra fazer parte do festival da PUC, o Musipuc, logo depois que o “Mr. Lee In Concert” começou. E aquilo foi a gota d’água pra mim. Vi coisas incríveis no palco. Me deu um brilho: “eu, com um espaço de uma hora no rádio, e esse trabalho magnífico aqui?!” Eram músicos como o Nelson Coelho de Castro, o Fernando Ribeiro e o Inconsciente Coletivo, uma banda de folk, formada pelo Alexandre Vieira, o João Antônio e a Ângela: uma espécie de Peter, Paul and Mary. Eu saí com aquele troço de mudar o estilo do programa na cabeça. E pensei que o segundo passo
seria convencer o patrocinador. Fizemos uma reunião, e eu disse: “o negócio é a música local, de Porto Alegre...” Eles responderam: “tudo bem, está contigo. Mas, se não der certo, acaba o patrocínio!” E deu certo. As pessoas começaram a ligar. Eu saía pra noite e conversava com os caras. Alguns me traziam sua produção artesanal, de estúdio, outros gravavam na Continental mesmo. Kledir: O Fogaça era comentarista da Rádio Continental – o grande barato da cidade, com locutores como o Cascalho... E foi a partir dele que gravamos a primeira fita dos Almôndegas. Isso foi um pouco antes, em 74... O Fogaça conseguiu liberar o estúdio da própria rádio. Fizemos tudo com apenas um microfone – não havia nenhum estúdio especializado pra este tipo de coisa. Em um take só gravamos, entre outras coisas, a primeira versão registrada de “Vento Negro” e “Rock no Quintal”. E a Continental, a rádio quente de Porto Alegre e que toda a garotada ouvia, começou a tocar as nossas músicas: “uma fita de gente da cidade!”. Quando isso aconteceu, as músicas viraram sucessos. Julio Furst: O estúdio tinha um gravador Ampex de dois canais e apenas um microfone. O que a gente fazia era colocar o vocal mais pra frente do microfone, as violas mais ao lado, e atrás a percussão, porque não havia mixagem. Tínhamos que gravar tudo numa tacada só. Era algo artesanal – mas as coisas se facilitavam porque a maioria das músicas eram acústicas. Claro que, quando a banda era de rock, a gente envenenava um pouquinho. Eliminávamos um dos canais da mesa pra colocar outro microfone, e assim íamos completando a gravação... Nelson Coelho de Castro: Ainda não existiam várias indústrias, com os meios de comunicação usando a arte pra vender coisas... O Júlio gostava de música regional e queria apostar nesse segmento jovem. A Continental gravava esses shows – de festivais, como o Musipuc – e punha no ar, independente da colocação da música, de ser gaúcha ou não. Julio Furst: Então eu passei a produzir alguns concertos patrocinados pela Lee no Rio Grande do Sul, que se chamavam “Vivendo a Vida de Lee”. Durante três anos, fizemos doze concertos. O primeiro foi no dia treze de agosto de 75, no teatro Presidente. Tinham três mil pessoas – sendo que a capacidade era pra mil e quinhentas... A Brigada Militar teve que fechar a Benjamin Constant pra desviar o trânsito. Foi uma loucura. Tocaram no “Vivendo a Vida de Lee” o Bobo da Corte, do Zé Vicente Brizola, o Byzzarro, do Gelson Schneider – uma das bandas mais pesadas da época, e que apareceu com a primeira guitarra de dois braços da cidade... Tinha também os Em Palpos de Aranha, o Cálculo 4 e o Inconsciente
Coletivo. O Hermes Aquino lançou “Nuvem Passageira” naquela noite. E ele tinha feito a música dois dias antes. Chaminé: Tinha o programa do Mr. Lee, onde muita gente apareceu. E uma música de sucesso da época foi “Nuvem Passageira” – foi quando a Continental estava mudando de AM pra FM. Era eu, o Hermes e o Laurinho. Dois violões e uma espécie de bateria. Chegamos a fazer turnê por causa disso. Viajamos pra um monte de lugares. Tempos de Kombi, porque não tinha van. Aliás, eu prefiro Kombi do que van. Van foi feita pra levar japonês em aeroporto! Fughetti Luz: O Bobo da Corte acabou abrindo um show do Bixo da Seda, na Assembleia Legislativa. E nós cagamos a pau pra cima do Bixo da Seda. A gente cagou tanto a pau que o Mimi Lessa chegou pra mim e disse: “Vamos pra estrada com a gente de novo, Luzinha!” Ele me chamava de Luzinha. E não adianta: a gente era foda mesmo. Aí, eu saí do Bobo da Corte. Mas não ia deixar os caras na mão... Ficou um time montado pra eles continuarem. O Chaminé, o Celso... Um monte de gente passou pelo Bobo da Corte. Gelson Schneider: Em 74, eu tocava bateria na Byzzarro. E abrimos o show do Bill Halley em Porto Alegre, junto com o Utopia e Inconsciente Coletivo. Mitch Marini: O baterista do Bill Halley tocou com a bateria do Schneider. E o cara estava muito louco durante o show deles. Ele começou a bater com a mão no prato, errava o prato com a baqueta, batia com a mão... Quando fazia o rolo na bateria, salpicava sangue nas peles... O Schneider dizia que nunca mais ia lavar a bateria! Cláudio Vera Cruz: Bill Halley em Porto Alegre era a vinda do ícone branco do rock! Gelson Schneider: Também foi nesse show que o Cláudio Vera Cruz tirou uma foto meio que à força com o Bill... Mitch Marini: O Cláudio queria tirar uma foto junto com ele. E armou um esquema com um fotógrafo: “tu fica com a máquina na mão, que eu vou me grudar nele quando ele sair do camarim!”
Na hora que o Bill Halley saiu, o Cláudio se avançou no pescoço dele. O cara pensou que estava sendo assaltado, e pulou pra trás! Cláudio Vera Cruz: O fotógrafo era uma pessoa que volta e meia encontrávamos nos shows... Programamos tudo: ele ficaria com a câmera engatilhada e eu, postado na porta, esperaria o Bill Halley sair do camarim. Tudo foi muito rápido. Quando o velho Bill saiu, lá estava eu – um garoto irresponsável que poderia ser espancado pelos seguranças. Afinal, vivíamos em uma ditadura. Mas nunca mais localizei essa foto. Kledir: Não existiam condições técnicas de nada. Não havia estúdios – muito menos a aparelhagem necessária pra fazer um show. Quando os Almôndegas começaram a tocar e apareceram oportunidades de apresentação, não havia microfone em Porto Alegre, caixa de som... Fomos tocar no Encouraçado Butikin e resolvemos procurar equipamento na lista telefônica. E a única empresa que encontramos foi a Cotempo – que era especializada em colocar som em igrejas... Chegamos lá e conhecemos o Egon Alsher, pai do Renato Alsher, que era um dos donos da empresa. Ele passou a ser uma figura fundamental na nossa história, porque achava maravilhosa a ideia de um grupo querer montar show na cidade: “eu coloco som em igreja, mas posso tentar adaptar algumas coisas...” Como ele era um cara muito motivado, começou a construir e criar equipamentos de som pra espetáculos. Acho que ele teve o primeiro equipamento de som para locação de Porto Alegre. Claudio Levitan: Em 76, participei de um movimento no Clube de Cultura, na rua Ramiro Barcelos, onde, aí sim, tinham bandas de rock – um movimento acontecendo. Era um clube de esquerda... Uma confusão. Era o momento forte da repressão. Fughetti Luz: Foi com o Bixo da Seda que pegamos o estradão todo de novo. Uma história que foi até 80. Viajei com o Liverpool, com o Bixo e depois com a Bandaliera. O Bixo fez uns shows do caralho: no Circo Voador, no teatro Teresa Rachel, no Rio, em um estádio de futebol lotado... Cláudio Levitan: Foi mais ou menos quando o Em Palpos acabou que eu apresentei o Chaminé, que tocava comigo, pro Nico Nicolaiewski. Ambos andavam procurando alguma coisa. Foi o que provocou o surgimento do Saracura, mais ou menos em 77.
Kledir: Os Almôndegas tiveram diversas fases em função da troca dos componentes. E também porque estávamos morando no Rio de Janeiro, entre 77 e 78. A característica da banda mudou de uma estrutura acústica e de vocal pra algo bem mais roqueiro, com baixo, guitarra e bateria. Sempre houve a busca por este equilíbrio. Curtíamos o pop e o rock internacional e, ao mesmo tempo, todos tinham uma formação gaúcha, de música do interior. Então havia a intenção de pegar as raízes e fazer da música do Rio Grande do Sul algo que pudesse soar como a música pop internacional. Um espírito que, de certa forma, também se passou pra dupla Kleiton & Kledir, que formamos no final de 1979. Cida Pimentel: Tinham vários núcleos de loucos pela cidade em meados dos anos 70. Os caras violentos do Petrópolis, os caras do IAPI... Dessa época até os anos oitenta, são quase dez anos de rock obscuros em Porto Alegre. Fiapo Barth: A vida noturna que a gente frequentava era mais relacionada à vida estudantil no Bom Fim. O Alaska, em 1977, 78, que era perto da faculdade... Depois, isso começou a morrer. Mudou um pouco o nosso interesse na noite – não era mais uma coisa tão política e cultural como antes. Estava terminando a ditadura, as coisas estavam acabando por si mesmas... E, principalmente o pessoal com que eu me envolvia, andava alterando um pouco mais o foco: uma coisa mais pra cima, mais divertida. Cida Pimentel: Até que um dia surgiu o Cau Hafner. A mãe dele tinha uma loja de calça Lee importada de Nova Iorque, e ele era amigo do Alemão Ronaldo. Quem fez essa ponte entre o rock dos anos 70 com o dos anos 80 foram esses dois. Perdi o melhor namorado que eu já tive, porque o Alemão Ronaldo ficava me cantando músicas.
Byzzarro: O baterista Gelson Schneider (com chifres) e o baixista M ario M onteiro. Rock progressivo na praia do Leste, Paraná, em 75.
MODULANDO A FREQUÊNCIA Ricardo Barão: O Cascalho me levou pra trabalhar na Cultura Pop. Ele era o diretor da rádio, e o Megatom era o diretor de programação.E comecei com um programa só de rock na Cultura Pop, que foi a primeira FM porrada: tocava Pink Floyd, Led Zeppelin... O problema é que a rádio tinha uma potência pequena: durou um ano. Foi vendida numa época de discoteca, Donna Summer... Estávamos tendo audiência, e o dono da empresa até ia comprar transmissores pra aumentar a potência. Só que veio o Jornal do Brasil – que era dono da rádio Cidade – e comprou a emissora. Pagou uma fortuna pro cara pela rádio – que se transformou e trouxe pra Porto Alegre esse sistema de locutor meio jogador de futebol, cheio de vinhetas. Claudinho Pereira: Na época, tinha o Pedrinho Sirotsky com o Transasom, um programa que fazia as festas jovens e depois começou a levar as bandas pros bailes. Assim começou a ter o que a gente chama de festa-show, e um envolvimento em torno das bandas também. Nilton Fernando: A rádio Bandeirantes FM começou em Porto Alegre no comecinho de 80, com três kilowatts, enquanto que as outras rádios tinham trinta, cinquenta kilowatts... E o que era uma rádio diferente na época? A que tocasse as faixas mais alternativas dos discos de vinil, com uma sonoridade diferente... O que, na verdade, não era uma coisa tão rock’n’roll ainda. Era mais uma coisa bicho-grilo mesmo, um resquício dos anos 70. Tocava-se Egberto Gismonti, som latino-americano, Mercedes Sosa, Violeta Parra... Ricardo Barão: A Bandeirantes FM tinha sido feita pelo Mauro e o Nilton, que veio de São Paulo com a missão de montar a rádio em Porto Alegre. Também tinha a Beth Portugal na locução... Ela vinha da Continental – a primeira e a melhor rádio alternativa: uma emissora jovem em ondas médias. O Cascalho era um dos comunicadores, junto com o Júlio Furst e o Beto Roncaferro. A Continental tinha um contexto tremendamente político. Era uma rádio de esquerda: ela foi invadida várias vezes pela Polícia do Exército – a gente estava em plena ditadura. Chegamos a sofrer ameaça de bomba, da extrema-direita: a gente tinha chamado a medalha que um militar ia receber de tampinha... Foi a primeira emissora a tocar talentos locais, quando lançou os Almôndegas, Gilberto Travi, o Hermes Aquino e o Bixo da Seda.
Carlos Eduardo Miranda: Eu ouvia sempre o programa do Barão na Bandeirantes FM, que tinha o estúdio ali na José Bonifácio. E eu pensava: “bah! Um dia eu vou bater aí e vou dar ‘oi’ pra esse cara!” Dito e feito: passei e deixei uma fita do Taranatiriça com ele. O Barão sempre foi o cara que apoiava as coisas. E me lembro do dia em que o Mauro Borba chegou pra trabalhar na Bandeirantes. Eu já era um pentelho dentro da rádio: ficava por ali, meio que coringando pra pegar uma boquinha pra fazer alguma coisa... Nilton Fernando: Essa rádio foi o tubo de ensaio pro que viria depois – a Ipanema FM. A Rede Bandeirantes de São Paulo tinha adquirido a Difusora, de Porto Alegre. E, por uma questão comercial da nova diretoria, vinda de São Paulo, eles acharam tudo bem em ter uma rádio alternativa por aqui – que seria mais tarde a “rádio dos loucos”... Enfim, conceitos de rádio. Assim, a Difusora FM foi transformada em Ipanema FM. Veio o presidente da Bandeirantes, o Johnny Saad, e disse que teríamos que trocar de rádio: sair da Bandeirantes. E toda aquela equipe de malucos foi pra uma rádio nova... Na realidade, uma das FMs mais antigas de Porto Alegre que tinha acabado de ser vendida. Nei Lisboa: A Ipanema começou como Bandeirantes FM em uma casa na José Bonifácio. Um estúdio bem pequeno, com três malucos de Cachoeira do Sul. O Isaías Porto e a Mary Mezzari estavam desde aquela época. Eles foram autorizados a começar uma rádio com perfil diferenciado e ninguém imaginou que pudesse tomar o corpo que tomou. Eles abriram a rádio pra gente daqui. Mary Mezzari: Nos tempos da casinha da Bandeirantes na José Bonifácio, as pessoas paravam suas bicicletas na janela e gritavam pro locutor: “toca aquela!” Era uma interação que não existia daquela maneira. Teve um sábado ou domingo em que estava acontecendo uma feirinha na rua, não lembro se já era o Brique. E tinha um cara tocando um instrumento boliviano bem na frente da rádio. Levamos o cara pro estúdio e o Mauro Borba colocou ele pra tocar no ar... Mauro Borba: A Bandeirantes e depois a Ipanema FM foram fundamentais pra lançar as bandas gaúchas. Já há algum tempo nenhuma rádio tocava música local, música urbana. O parâmetro que a gente tinha ainda era a Continental AM, uma emissora que marcou época: rodava Hermes Aquino, o pessoal da cena urbana... Havia os shows no teatro Presidente... Mas aí pintou o Nei Lisboa, com a gravação de “Pra Viajar no Cosmos não Precisa Gasolina” –
o primeiro som de músico gaúcho transmitido pela Bandeirantes. Depois apareceu o Bebeto Alves, o Saracura... É por isso que essa filosofia de tocar os músicos daqui já existia quando nos mudamos pra Ipanema, que surgiu em 83. Só que, a essa altura, o rock já tinha chegado pra valer... E o Replicantes foi a primeira banda a aparecer na rádio com uma gravação: “Nicotina”. A Ipanema rodava as músicas das bandas até que elas fizessem sucesso – e passassem a rodar também nas outras rádios... Acho que o primeiro caso desse tipo foram os Engenheiros, com “Segurança”. Ricardo Barão: Eu, o Mauro Borba, o Nilton Fernando e a Mary Mezzari – esse foi o quarteto que bolou a Ipanema FM. Junto com mais todo o pessoal, criamos uma situação em que dávamos a maior força pros músicos e pros barzinhos que botavam música ao vivo. Assim, os músicos começaram a ganhar público. A gente tocava a música deles e criavam-se locais, expectativas... Nasceu uma cultura com o músico local em Porto Alegre que antes não existia. Nós mostramos isso pros empresários. Isso quer dizer que o nosso trabalho – dos produtores, músicos e de todos os loucos que queriam curtir rock – era uma coisa legal. O pessoal queria, por exemplo, ouvir os Cascavelletes falando da mina menstruada. No momento em que fizemos isso e botamos na roda, todos puderam escutar as coisas que eram nossas, os nossos códigos: as gírias, a maneira de tocar rock no inverno, com as luvas de lã cortadas na ponta dos dedos pelas mães dos guris, pra eles poderem tocar guitarra direito... Esse era o lance do caralho. E depois que foi pintando gente interessada, como gravadoras e estúdios. Nilton Fernando: Ipanema FM era um nome amaldiçoado, porque foi São Paulo que escolheu... Não tinha nada a ver com a tal proposta alternativa. Era, simplesmente, um nome de butique carioca pra uma rádio feita por paulistas em Porto Alegre! Daí, queríamos criar um nome mais moderno. Até porque a gente tinha esse estigma de que o nome Bandeirantes era muito paulista – embora a Bandeirantes fosse a cara do Bom Fim, no seu auge. Pensei então em homenagear uma coisa que fosse a cara de Porto Alegre: o Mário Quintana, que ainda estava vivo na época. “Vamos homenagear o poeta”. Fui pra casa, fiz todo um plano do que seria. Então achei assim, que eu estava vendendo um peixe muito lindo... Mas aí os executivos de São Paulo acharam que a piração já era grande demais. Ricardo Barão: O nome da Ipanema surgiu do cara que era o contato comercial da rádio. Nos
reunimos, discutimos o nome, e ele veio com essa ideia. E ficou. O logotipo era um garoto com um windsurfe. Eu achei idiota na época, mas eu não estava ligando pro nome... Estava mais preocupado era em tocar rock! Na época, era uma coisa muito rebelde. A gente se reunia no Alaska, e a polícia nos botava na parede... Katia Suman: Entrei na rádio com um programa de música brasileira. E o Ricardo Barão era o cara que botava a pilha do rock’n’roll na Ipanema. Foi nessa pilha dele que eu descobri o rock... Mergulhei nessa e chegou uma hora que eu parecia ser a rainha dos metaleiros, num certo sentido. A rádio tocava muito. Trouxe vários grupos pra cá, e tal... Hoje eu ainda acho bacana – mas de longe. Mary Mezzari: As informações que a gente passava pros ouvintes chegavam na Ipanema por telex ou rádio-escuta – numa época em que ainda não tinha internet, TV a cabo no estúdio ou coisas assim... Eu estava no ar, numa daquelas tardes, e já tinha ouvido falar que o Freddie Mercury estava muito doente, que era aids e tal. Foi quando tocou o telefone do estúdio. E um ouvinte, falando super sério, me disse que tinha visto em uma TV mexicana que o Freddie Mercury tinha morrido! A-cre-di-tei no moço... E dei a notícia no ar, já providenciando um bloquinho com músicas do Queen. Logo em seguida, outras emissoras entraram na onda, e começaram a homenagear o “morto”... Mas, no dia seguinte, soubemos que nada daquilo era verdade. Ele não tinha morrido... Um baita mico: um King Kong! Ricardo Barão: Dificilmente as gravadoras lançavam algo mais importante no Brasil. Em compensação, se tu ia a Buenos Aires, tinha de tudo. Quando a Ipanema surgiu, os discos foram todos mandados pra Porto Alegre via Buenos Aires. Esse era o problema de tu fazer um programa alternativo, com outras opções: tinha que buscar material na Europa, na Argentina... Hoje, tu senta no computador, pega música de todas as partes do mundo, baixa em estéreo, passa pra CD e roda direto! Katia Suman: A rádio promoveu um show do Camisa de Vênus que lotou o Gigantinho, logo no início da carreira dos caras – e ninguém tinha ouvido falar deles direito, ainda. Realmente, se caminhava na contramão – mas essa contramão já virou meio que mainstream. Todo mundo faz o que a Ipanema fazia, até porque todo mundo agora é rádio rock. As transmissões ao vivo que a Ipanema fazia eram uma delícia. A gente transmitia por linha telefônica os shows mais absurdos. E nosso público era bem a fim daquilo. As pessoas adoravam. Era uma atitude absolutamente porra louca, de levar de alguma maneira uma informação que estava
acontecendo naquele momento mesmo. Transmitimos de Luís Melodia a Deep Purple, Raul Seixas... A rádio tinha uma contribuição: não só de divulgar e tornar popular o rock, como de criar uma geração de roqueiros. Nilton Fernando: O conceito de alternativo é uma coisa muito desgastada atualmente. Mas, quando a Ipanema começou, isso era algo interessante, novo... Pudemos fazer na Ipanema algo totalmente diferente do que o mercado vinha fazendo: “as dez mais”, listão... Mauro Borba: Muita gente achava que tínhamos nos inspirado na Fluminense FM, do Rio de Janeiro, pra fazermos a Ipanema – o que não é a realidade. Quando a Ipanema entrou no ar, nós nem sabíamos da existência da Fluminense. Um ano depois é que ficamos sabendo da tal rádio rock do Rio, que também marcava 94.9 no dial. Por ser a mesma frequência, muita gente achava que havia alguma ligação. Mas não havia nenhuma. Nilton Fernando: A linguagem da rádio também era inovadora: uma coisa mais leve, notícias faladas... Tanto é que os comunicadores da Ipanema e da Bandeirantes não eram os típicos locutores. Eram pessoas que falavam normalmente. Estavam mais pra colunistas e cronistas, na linguagem da rádio: o Mauro, o Jimi Joe, a Katia... O fato é que a Ipanema não era tão louquinha de pedra e inconsequente assim, como se poderia pensar. Muito pelo contrário: a rádio era bem consequente em termos de postura literária – além da política. Essas posturas musicais do Jimi Hendrix, The Doors, isso tudo a gente passava através da palavra. Não era simplesmente rodar. Mary Mezzari: Sempre rolaram algumas situações meio absurdas nas transmissões da Ipanema. Uma, mais recente, foi a seguinte: eu sou muito fã de programas tipo Arquivo X... E vivia falando isso no ar. Até que um uma senhora me ligou, dizendo assim: “eu não sou ouvinte da Ipanema, mas meu filho é... E eu gostaria muito que tu falasses com ele... É que ele abre a janela do quarto dele e começa a gritar: ‘me levem, me levem, por favor!’ Diz aí no ar, por favor, que não é bem assim ser levado pelos extraterrestres...” Aí eu disse: “não, minha senhora... É coisa de garoto... Claro que ele não quer ser levado!” E a senhora: “mas quando o meu filho briga comigo, ele vai pra janela e grita pros ETs levarem ele!” Então, falei no ar: “Fulano, não fica pedindo pros ETs te levarem... Nem sempre pode ser legal, eles podem fazer experiências...” Dediquei depois a música do Arquivo X pro guri. Essa coisa de CVV acontece, acontecia muito...
ENTRANDO NA RAIA Kledir: A gente já estava no Rio de Janeiro desde 77 com os Almôndegas. Depois que a banda acabou, eu viajei pela América Latina e acabei indo pra Nova Iorque um tempo. Então voltei pro Rio, de onde não saí mais. A música “Deu pra ti” foi criada em 81 e gravada em 82. Ela remete a uma situação de exílio: eu morando fora e vendo Porto Alegre de longe. Essa música consegue tocar os gaúchos, principalmente aqueles que vivem fora. As pessoas que querem matar a saudade de Porto Alegre cantam “Deu pra ti”, e se emocionam. Ela virou uma música emblemática por esse caráter de exílio, e porque canta as coisas legais que aconteciam em Porto Alegre na época. Nesse momento foi quando muitos compositores e músicos de Porto Alegre foram viver no Rio. O Brasil estava num processo de abertura e descobrindo que o Rio Grande do Sul também podia fazer música popular. Júlio Reny: Quando saí do hospital psiquiátrico, meados dos anos 70, falei pros velhos o seguinte: “bah, quero tocar. Montar uma banda de rock. Aí está a solução de todos os problemas”. Eles perguntaram: “tu tem os caras pra tocar?” E eu respondi: “isso aí a gente arranja”. Ganhei uma guitarra bem baratinha, tudo bem varzeano, e comecei. Julio Furst: O Discocuecas foi um grupo de humor, sátiras musicais, que fizemos em 77: eu, o João Antônio, o Beto Roncaferro e o Gilberto Travi – que depois, inclusive, montou a banda Cálculo 4. O nome era por causa do ódio às cadeiras de cálculo na faculdade... Da cintura pra cima, era tudo formal nos Discocuecas. Mas da cintura pra baixo, era só de cuecão. Nós também fizemos dance music, porque era a época da discoteca. Careca da Silva: Trabalhei com o João Antônio, dos Discocuecas, o Toninho Badaró... A gente montou a banda Kafka Bar, e ele era o guitarrista. Depois, eles montaram o Sgt. Peppers, e eu também toquei um tempinho bateria. Nos Irmãos Brothers, eu também tocava bateria. Depois disso vieram os Totais. Isso foi em 84. Paulo Audi: Eu fui produtor do Raiz de Pedra, comecei em 1979. Nós formamos o grupo na mesma época do Cheiro de Vida e o Nei Lisboa, que também estava iniciando. Foi o início de muita coisa, de muita efervescência, de shows no Araújo Vianna, todos lotados. Nós mesmos colávamos os
cartazes nas ruas. Fazíamos todo um trabalho de base. Carlos Eduardo Miranda: Teve um festival no Anchieta, ainda nos 70, que o Cau Hafner me convidou pra tocar junto com ele. O Cau: “porra! A gente precisa tocar nesse festival”. E eu, meio assim, pensava: “pô, mas esse cara é de outra turma...” Juntamos mais uns amigos e fomos fazer loucuradas no festival. Nem lembro qual música tocamos, esqueci completamente porque estava muito bêbado naquele dia. Eu devia ter uns quatorze anos, e fiquei bebendo um garrafão de vinho com uns moleques... Paulo Mello: O Taranatiriça começou em 79, mas eu não tocava com eles nessa época. Então, depois de ficarem um tempo sem tocar, decidiram ser power trio – aí eu entrei e começamos a cantar, em 83. Foi o Cau Hafner quem me chamou pra tocar baixo. E no final de 83, o Alemão Ronaldo entrou. Carlos Eduardo Miranda: E então o Cau começou a armar altos shows: no Americano, Sevigné. Projetava slides, soltava balão, fazia efeitos de fumaça. Já no primeiro show do Taranatiriça, que foi junto com Raiz de Pedra e Cheiro de Vida, o Marcelo Truda inventou de trazer um pó daqueles de preto velho, com dois pregos e um bombril numa tábua, pra fazer uns efeitos especiais. Fomos detonar aquela coisa na hora do show e só sei que queimou o amplificador, explodiu! Acabei tocando sem microfonação, sem nada no piano. Depois todo mundo veio me elogiar, dizendo que eu tinha tocado pra caralho... Mas ninguém ouviu porra nenhuma! Eu tocava com os pés, com a cabeça em cima do piano, e fazia uma cena do caralho. E o show era todo era assim, enfumaçado. Era pirotécnico. Pra época, era o máximo. Era coisa que o Cau gostava, ele adorava essa firula. Curtia pra caralho. Ele sempre tinha um recurso novo, óculos com luz, e coisas do tipo. Flávio Santos: A ideia do Taranatiriça era fazer coisas mais pra atingir os amigos, nossa turma. Logo que entrei na banda, montamos um show no colégio Americano. Fizemos uns cartazinhos que não eram nem A4 – eram umas coisas vagabundas, mimeografadas. Mas que adiantaram: lotou o colégio. E o som, era instrumental. Só pra ver como as pessoas queriam escutar coisas diferentes: porque rolava muita MPB, violãozinho, protesto e engajamento. Mas aquele engajamento já pobre, meio cansado. E nós não reclamávamos de nada, mas fazíamos barulho. Pra nós era perfeito.
Ivo Eduardo: No início do meu envolvimento com a música, fiquei amigo de um colega do meu irmão, o Augusto Maurer, e tocávamos lá em casa: guitarra e bateria. Quando fomos num show do Hálito de Funcho, conhecemos o Bolão, guitarrista, que em seguida trouxe um flautista. O Augusto passou a tocar baixo. Éramos então um quarteto de bossa e jazz. Já na Escola da Ospa, conheci três caras que tinham uma banda sem baterista: o Adolfo Almeida Jr, o Edson Michels e o Rogério. Os três também cantavam e compunham. Formamos o Bosque das Bruxas, com um repertório que incluía desde rock leve a pesado, baião, qualquer coisa. Eu inventava uma levada diferente pra cada música. E todas as letras falavam de criaturas ou acontecimentos em um bosque encantado. Kledir: Não havia a intenção explícita de formarmos a dupla Kleiton & Kledir. Mas o sucesso que “Maria Fumaça” acabou fazendo, depois de termos participado com ela de um festival no final de 1979 em São Paulo, nos levou a uma assinatura com a Ariola – que estava entrando com força no Brasil e contratando muitos artistas. Júlio Reny: Gravei “Cine Marabá”, e a música estourou de uma maneira insólita. Eu larguei a fita pro Mauro Borba tocar na rádio, mas não tocou. Depois ele me disse que havia perdido a fita. Mas eu tinha outra cópia, e entreguei pra ele de novo. A música estourou, mas ao mesmo tempo, a banda começou a se desmanchar. Eu pensei em gravar uma fita-cassete, e o meu projeto era fazer uma gravadora de fitas. Era 1980, e a minha mulher na época, a Elvira Machado, montou com uns amigos uma loja de artigos alternativos de música, a Armação – bem na frente do que depois veio a ser o Garagem Hermética. Consegui lançar a fita, mas vendi só meia-dúzia de cópias. No final de 83, eu acabei quebrado: tinha imposto de tudo, todo mundo me cobrando, e eu fiquei à deriva. Eu tinha mandado a fita pra umas rádios do Rio de Janeiro, e fiquei sabendo que a música estava tocando muito por lá, junto com uma banda chamada Paralamas do Sucesso!
"A ideia do Taranatiriça era fazer coisas mais para atingir os amigos." A banda na sua formação de 81: M arcelo Truda, Cau Hafner, Carlos Eduardo M iranda, Flávio Santos e Rodrigo Correa
Mauro Borba: Quando o Júlio Reny gravou “Cine Marabá”, a Bandeirantes FM tinha o estúdio na José Bonifácio e o Júlio morava na Santana, bem pertinho. Ele foi lá e me deixou a fita, achei bem interessante. Aí rodei a música e comentei no ar que tinha achado muito legal, que gostaria de ter um contato com o autor. E dez minutos depois o Júlio Reny chegou, porque ele morava ali na esquina. Ficamos amigos. Bebeco Garcia: Eu toquei com Bixo da Seda, Liverpool, mas vim um pouquinho depois deles. Quando cheguei na parada, eles já estavam, já eram os caras. Toquei com todos eles, mas num esquema tipo “o garotão que está chegando”. Aquele lance: “pô, legal, vamos convidá-lo pra tocar com a gente!”, coisas assim. Carlo Pianta: No início dos anos 80, Porto Alegre ficou sem nenhuma referência musical. Tipo música popular gaúcha: Jerônimo Jardim, os Almôndegas também tinham baixado a poeira... A sensação geral do país era de que nada dava em nada. Um ostracismo absurdo.
Então, teve um novo projeto, o Explode 80, em que tocou o Bixo da Seda, o Mutuca, bandas instrumentais que ainda estão em atividade... A banda Semente, o Cezinha Eutanásia, que depois virou Joe Eutanásia e fez parceria com a Neuzinha Brizola com a música “Mintchura”. Outra coisa que testemunhei foi o show Deu pra ti anos 70, do Nei Lisboa, no Teatro Renascença, em 81, 82... King Jim: Algumas bandas gaúchas fizeram sucesso no Rio de Janeiro nos anos 80. Os Garotos da Rua, o TNT, os Engenheiros, o De Falla e os Replicantes fizeram um show no Canecão. Mas os caras resolveram dar apenas meia hora pra cada uma das bandas. Quando o pessoal começava a se empolgar, os caras desligavam o equipamento no meio da música! Uma coisa horrível. Carlos Branco: Fiz um trabalho com o Jimi Joe em 81, 82, chamado Quem tem QI vai. Um espetáculo com a participação do Paulo Leminski e com a montagem do Luiz Carlos Retamoso. Teve uma vez que nós distribuímos lanternas pras pessoas na entrada – então o público fazia a iluminação. O show estreou no IAB, e foi pro teatro Presidente, onde o Nei Lisboa participava. Carlos Eduardo Miranda: Tocamos no Araújo Vianna em 1982, num concurso de halterofilismo: eu no sintetizador e o Marcelo Truda na guitarra. O King Jim estava junto nessa, também. O King sempre foi parceiro das aventuras. Teve um momento em que as pessoas começaram a ir embora do show. No meio da plateia só ficaram os loucos. Entre eles o Jimi Joe – que tinha um negócio chamado Quem tem QI vai. Ivo Eduardo: Logo que abri meu estúdio, as bandas cediam equipamentos em troca de períodos de ensaios, até que eu pudesse comprar o meu próprio equipamento. Alguns desses parceiros foram o Renato Mujeiko, o Saracura e o Garotos da Rua. Peguei o começo de Garotos da Rua, Os Eles, Engenheiros do Hawaii, Os Replicantes, TNT, Nenhum de Nós. Trabalhava direto com algumas bandas, fazendo shows ocasionais com outras. Alemão Ronaldo: Em 82 encontrei o João Guedes, meu parceiro dos tempos de baile. E de brincadeira a gente começou a Bandaliera. Naquele fatídico três a dois pra Itália, que eliminou o Brasil na Copa do Mundo de 82. O Marcinho Ramos entrou na banda um ano depois. Paulo Mello: A Bandaliera já existia, tocava num bar, e o Alemão Ronaldo era o baterista. Mas era a fim de cantar. E viu que estávamos sem cantor, e começou a botar umas músicas do Fughetti na roda. Nós tirávamos elas juntos e, dali um pouco, a gente já estava tocando “Rockinho”. O Alemão
contava umas histórias do Bixo da Seda, que ele conhecia, porque também era do IAPI. Fughetti Luz: O Alemão Ronaldo, o João Guedes e o Otavinho andavam sempre juntos. Eles nos acompanhavam desde guris, eram nossos fãs no IAPI: começaram a ouvir rock’n’roll pelo Bixo da Seda. E a Bandaliera ficou forte quando eu encontrei eles tocando num bar na Protásio Alves. Eles já tinham esse nome. O Marcinho Ramos estava junto. Ele tocava muito! E aí montei um time pra jogar. Caímos na estrada: abríamos os shows juntos e depois eu deixava eles na raia. Meu papel era mais compor e levar os guris pra tocar em lugares: cantar algumas músicas com eles. Compus um monte de músicas. “Campo minado” é uma delas. Depois de “Rockinho”, do Taranatiriça, ela virou o hino da outra geração. Juarez Fonseca: As coisas mudaram em 83, com o disco Rock Garagem. O rock, como movimento, como uma coisa coletiva. Foi a partida do estouro do rock nacional, de Blitz, que veio pra cá e aconteceu aqui também. Até a década de 80, a música brasileira era meio paradona. Então o rock entrou com uma linguagem brasileira, mesmo que influenciada pelo rock internacional. O Rio Grande do Sul teve sorte por ter acontecido o festival Rock Unificado. Solon Fishbone: Tenho dois irmãos mais velhos que sempre fizeram um som em casa, quando eu ainda morava em Caxias. Eu estava sempre ali, dando um bico nos ensaios dos caras, e aprendi a tocar bateria. Em 82, viemos morar em Porto Alegre, perto do Teatro Presidente. Conheci um pessoal, e formamos uma banda que se chamava Nó na Traqueia. Existe uma gravação em que eu toco no violão uma música chamada “Rollzinho”. Tipo, “Rockinho” do Taranatiriça. Até que um dia uns caras me ligaram, e me disseram: “estamos precisando de um baixista pra tocar numa banda e fazer um show lá no IPA”. Então eu fui. Não era um festival, apenas um show, e a banda ainda nem tinha nome. Foi quando eu conheci o KCláudio. Ele era o baterista. Eu entrei na banda, que passou a se chamar Prize. Bebeco Garcia: Os Garotos da Rua começaram como um trio, se apresentando, durante todo o inverno de 83, no Rocket 88, o bar que era do Mutuca. Era eu, o Mitch e o Edinho. Mitch Marini: Eu montei os Garotos da Rua. Começamos a tocar na minha casa: eu, o Bebeco e o Edinho Galhardi. Toquei um ano com eles e fui convidado pra entrar no El Dragón, uma banda de Buenos Aires. No fim, não consegui nada e a banda faliu. Fiquei meio de bobeira e então montei o Câmbio Negro.
Bebeco Garcia: Tinha um cara que ia todas as noites no Rocket 88 ver os Garotos. Ele gostava da gente. Só que durante esse período ele foi se transformando, enlouquecendo – chegava com presentes, sempre gastando muito. Foi quando começamos a perceber que ele estava esquisito. O cara dizia: “a partir de agora tu não precisa te preocupar com mais nada: eu vou cuidar da tua vida, vou te dar dinheiro...” Ninguém levava aquilo a sério. “Onde você quer morar, vou te arrumar um apartamento. Eu sou seu pai, e tudo que tu precisar eu vou te dar!” E assim foi... King Jim: No início do Garotos, os shows eram no bar do Mutuca, o Rocket 88. E tinha um cara do interior, plantador de arroz, que adotou a banda. O cara era endinheirado, mas mandava toda grana pro espaço, queria construir um prédio pra toda banda morar junto... A música “Levaram Ele”, que está na coletânea Rock Garagem, é sobre esse cara: ele foi preso, e nos ligou pedindo socorro, porque a Polícia o tinha pego com drogas... Bebeco Garcia: Ele tinha grana – a família tinha. Numa tarde nós estávamos ensaiando e ele passou no ensaio. E disse: “Vou comprar umas roupas pra vocês!”. E foi pro Iguatemi – e invadiu o shopping de carro. Invadiu com o carro adentro! Ele prometia: “eu sou Deus, eu vou te dar tudo, casa pra morar, cocaína pra cheirar... mulher pra comer. Quer dinheiro? Toma! Esse dinheiro é teu, meu filho!”. Me deu um cheque em branco uma vez. O cara era louco, maluco. E foi internado. “Levaram Ele” foi feita pra esse cara. Parece que hoje ele está plantando arroz por aí. Carlos Branco: Eu participei de algumas coisas interessantes, como o Atahualpa y us Pânques. Era o Miranda, eu, o Paulo Mello e o Jimi Joe. Fizemos um primeiro ensaio, e eu disse: “isso não é muito a minha praia!”. Eu estava querendo fazer algo diferente, mas a banda era mais rock. Júlio Reny: Montei uma banda chamada Os Topetes. Fomos tocar no Ocidente e tivemos o azar de que, no mesmo dia, era o aniversário da Biba, e estava vazio o bar. Precisávamos de um guitarrista e chamamos o Edu K. Depois, fizemos um show lá na garagem da minha casa na Santana. Lotou. Foi nos fundos, abrimos a casa e lotou de galera. O Edu estava tocando na Fluxo, e entrou na nossa banda. Carlos Eduardo Miranda: Na verdade, eu fui meio que expulso do Tara. O Cau estava indo pra um lado, querendo fazer rock’n’ roll, hard rock. O Truda, como um bom guitarrista disso, estava com
ele. E eu querendo inventar encrenca, querendo fazer um som mais louco. “Não vou ficar preso ao rock”. Aí a gente resolveu montar o Urubu Rei, que era eu, o Flávio Santos, o Rodrigo e o Castor na batera. Biba Meira: Eu namorava o Miranda e com ele comecei a ter contato com músicos. Na época se formou o Urubu Rei, que era o Miranda, o Flávio Santos, o Rodrigo, o Gastão, eu na bateria e as meninas: a Luciene, a Patsy e a Lila. A primeira gravação do Urubu foi “Nêga, vamos pra Boston”. Depois formamos o Fluxo, e do Fluxo veio o De Falla. Foi tudo numa mesma época. Patsy Cecato: Fazíamos interferências teatrais, e também cantávamos em um grupo chamado Balaio de Gatos. Numa dessas performances, dois caras começaram a jogar ovos na gente: vaiavam, tentavam destruir todas as nossas entradas. Não estávamos acostumados com atitudes como aquela e ficamos muito apavoradas. Mas o Miranda nos pediu desculpas, e fez os caras nos pedirem desculpas, disse que não ia acontecer de novo e convidou eu, a Lila Viera e a Luciene Adami pra participar da Urubu Rei como vocalistas. Carlos Eduardo Miranda: O Urubu Rei estreou num show na Assembleia, junto com o Balaio de Gatos. Éramos totalmente performáticos. O show era assim: as pessoas tinham que comprar ingresso num lugar, no outro era o guichê... A gente criou uma burocracia pro cara conseguir chegar no teatro. Nessa burocracia da entrada, a roleta era uma mulher que abria e fechava as pernas. E passava um vampiro de patins tomando sangue. Era assim, cheio de performances. E a sacanagem máxima: começávamos a tocar com as portas fechadas. Além disso, chamamos o Grupo plateia pra participar: eram uns amigos meus que ficavam sentados, tocando ovo e tomate na banda. Só que eu não contei desse pessoal pro Balaio de Gatos. O cara que estava fazendo a dança começou a tomar ovo e tomate, e ficou irado. Patsy Cecato: O Urubu Rei, numa primeira formação, fez um show na Assembleia Legislativa. Nos convidaram pra participar. O guris eram estudantes do Anchieta, filhinhos de papai, riquinhos... Foi aí que conheci, vamos dizer, a verdadeira faceta punk burguesa. Algo que existia e eu, até então, não conhecia. Flávio Santos: Eu também toquei na Athaualpa y us Pânques. Na verdade, a banda começou sem mim. Tinha o Paulo Mello no baixo, o Jimi Joe, o Miranda e o Castor. Entrei nessa banda e comecei a tocar guitarra, depois baixo. Era um lance malucão, muito improviso e gritaria, e o Miranda cantava.
Carlos Eduardo Miranda: Era 83 ou 84, quando o Jimi Joe me ligou: “ô Miranda, vamos fazer um show no Taj Mahal?”, eu falei: “show do quê, com que banda, cara?” E ele: “eu e tu”. Aí eu falei: “mas como uma banda só eu e tu?” “A gente tem três semanas pra fazer as músicas, ensaiar e tocar”, o Jimi falou. Fiquei de arrumar os músicos. Chamei o Paulo Mello e outro cara, o batera. Esqueci o nome dele. E era o Atahualpa y us Pânques. Humberto Petinelli: Conheci o Moreirinha na danceteria 433, na Silva Jardim, antiga Estação Zero: foi a primeira vez que vi um cara tocar blues na harmônica. Nesse mesmo período, acho que era por 84, teve o festival Metal Mania, com show do Robertinho de Recife no Araújo Vianna. O Robertinho apareceu enlouquecido, tocando Black Sabbath... E nunca ninguém tinha visto aquilo, era uma coisa impressionante. Foi quando começou a bombar mesmo o movimento do rock em Porto Alegre. Carlos Eduardo Miranda: Em 84, chegamos a montar banda que não existia só pra ter número. “Só vai funcionar se a gente se organizar como um grupo, uma coisa maior, com shows constantes e marcando presença na imprensa”. Já tinha os Replicantes, o Urubu Rei, o Atahualpa, o Fluxo... Mas precisava ter mais bandas. Aí pegamos o Edu K e fizemos a Fanzine, umas músicas que a gente nem chegou a fazer show direito. Também tinha o TNT, com o Flavio, tinha a Prize... A gente não fez nada visando o país: foi mais visando a cidade mesmo. Porque antes de oitenta e poucos era tipo: “ó, ali está passando um roqueiro”. Carlo Pianta: O que sempre teve foram aqueles momentos da voz e do violão... um esquema fixo. Então, rolou um movimento meio anti bicho-grilo. Chico Padilha: Comecei a tocar na banda A Chave do Sol, de São Paulo, em 84. Depois eu vim para cá: ia ser vocalista do Taranatiriça no lugar do Alemão, mas não rolou. Frank Jorge: Antes dos Cascavelletes eu toquei na Prisão de Ventre, entre 84 e 85. Tocava com o Marcelo Birck e o Tchê, um cara que eu conheci no Instituto de Educação. Antes ainda, teve o Contrasenso, um grupo meio instrumental.
Alexandre Ograndi: A gente tinha uma banda que se chamava Prisão de Ventre. Era brincadeira de adolescente. Só que um dia ela ficou uma banda mais séria. No que ficou ainda mais séria... Eu fiz um ou dois shows e saí. A formação era o Duarte, o Felipão, o Tchê – Luís Henrique –, o Birck, o Frank Jorge e eu. Zé Natálio: Era no Instituto de Educação. O Tchê, o Márcio Petracco e eu, numa turma. E na outra tinha o Nei Van Soria e o Frank Jorge. Surgiu um movimento pra fazer uma banda, coisa e tal. Eram cinco violões e uma bateria roubada da banda marcial do colégio. Fizemos uma banda, e logo depois surgiu o Prisão de Ventre. Frank Jorge: Eu estudava no Instituto de Educação e o Marcelo Birck no Piratini. O Tchê também estudava no Instituto, mas não era meu colega de aula. Nos conhecemos na recuperação de matemática ou de português, na oitava série. Eu estava tendo aula de violão e perguntei pra ele se não queria ter também. O Marcelo foi outro caso: a gente era vizinho mesmo e nos conhecemos na Thomaz Flores. Luís Henrique Tchê Gomes: O Márcio Petracco acabou centralizando o início do TNT, porque a família dele tinha uma chácara em Belém Novo. Pra fazer a bateria, pegávamos uma caixa de tarol roubada do colégio e montávamos um pedestal de taquara, que cravávamos no chão. E o Fúlvio Petracco, pai dele, dava uma coordenada. Fazia a galera se puxar. Márcio Petracco: Eu queria comprar uma guitarra. Não sei de onde que eu arranjei a grana: foi de alguma falcatrua, alguma aposta. Eu descolei uma nota de cem cruzeiros. Conheci o Charles Master no Colégio Israelita e ele meteu a pilha: “se tu comprar um baixo tu entra na nossa banda”, que já tinha o Flávio Basso. Comprei um baixo e fui tocar com os caras, no início do TNT. Flavio Basso: Houve um dia que foi decisivo pro surgimento do TNT. O Charles gostava muito de motocicletas, aquelas Mobiletes. E eu o persuadi a vender sua motocicleta pra comprar uma guitarra, porque nós poderíamos formar um bom grupo. Minha ideia original era de que fôssemos maiores que os Beatles... Tanto quanto o que me diz respeito, eu comecei com isso tudo. Era o líder, de certa forma. E voltando lá atrás, na estética do TNT, dos seus very, very early years, antes das cabeças raspadas, teve aquela coisa de franjinha. Quinze, dezesseis anos... muito jovens. Eu e o Charles Master éramos
parceiros, amigos de infância – e apesar de ser o mais baixinho, ele era o mais velho. Paulo Arcari: Eu comecei a tocar quando aquela cena punk explodiu em Porto Alegre — e foi uma coisa muito legal. Aquele negócio de rock, punk; quando começou a Oswaldo Aranha, o Ocidente, eu estava ali no meio, começando a tocar e a fazer parte de uma banda punk com um cara, o Bacana. A banda era Ânsia de Vômito. Ivo Eduardo: Quando comecei a dar aulas de bateria, o Carlos Eduardo Miranda, que já tinha o Taranatiriça, estava começando uma banda chamada Urubu Rei. Então dei aulas pra namorada dele – a Biba Meira... Já com o Gerbase foi o seguinte: éramos colegas no Anchieta, e quase caí pra trás quando ele me disse que tinha a intenção de formar uma banda punk! Também dei aulas de bateria pra ele. E surgiram então Os Replicantes. Carlos Gerbase: Logo no início dos Replicantes, vimos que era muito difícil eu tocar bateria e cantar ao mesmo tempo. Então, veio a ideia de chamar o Wander. “Por que o Wander?” – porque eu achava que era a pessoa que combinaria com a banda, na medida em que não era cantor nem instrumentista, mas um antigo colega do exército. Ele morava no Rio de Janeiro e telefonou dizendo que estava de saco cheio, não aguentava mais trabalhar como iluminador de shows. A gente convidou: “bah, vem pra Porto Alegre que estamos fazendo uma banda!”. Ele veio, e imediatamente se integrou. Por volta de janeiro, fevereiro de 84. Heron Heinz: Começamos a tocar na garagem da casa onde morávamos, e desses ensaios, gravamos uma fita, com o Gerbase cantando. Nem era Replicantes ainda – a banda se chamava Vórtex. Nessa fita estão praticamente todas as músicas que entraram no primeiro LP dos Replicantes. O Wander trabalhava com iluminação no Rio, e era amigo do Gerbase. Tinham feito quartel juntos, e o Wander já tinha trabalhado nos filmes do Gerbase. Eu nem me lembro o que ele queria. Sei que eu disse: “Wander, tu não quer cantar na nossa banda? Precisamos de alguém pra cantar!” No outro dia o Wander já estava em Porto Alegre. Ele disse que estava de saco cheio do Rio, do que ele estava fazendo lá e tal. Foi aí que começou os Replicantes mesmo. Porque até esse momento ainda se chamava Vórtex, e já tinha uma música chamada “O futuro é vórtex”. O irônico é que hoje o vocalista dos Replicantes é o Gerbase. O Gerbase era inimitável na bateria. Um estilo único. Paulo Mello: O Wander foi pro Rio com uma produtora gaúcha que se firmou por lá, pra trabalhar como iluminador. Ele iluminava shows importantes, e convivia com músicos bons, de todo
o Brasil. Então voltou pra Porto Alegre pensando em formar uma banda com o Gerbase e o Heron. Eu dizia: “vem cá, vocês vão tocar?! Mas vocês nunca tocaram porra nenhuma na vida!”. Eles decidiram fazer uma banda punk. Eu insisti com o Wander: “tu vai aprender um monte com o Gilberto Gil, o Djavan, o Alceu Valença, e tu volta pra cá, pra fazer uma banda com esses caras?!”. Carlos Eduardo Miranda: Nessas aí eu tinha ouvido falar que o Gerbase e o Wander tinham montado uma banda de punk. E eu: “o quê? O Gerbase?! O maior hippie! E também o Wander, um cabeludo?! Não é possível. Isso é lorota!”. Fui na Free Discos, lá na Borges, e encontrei o Gerbase, e disse pra ele: “cara, que negócio é esse?”. E ele: “é verdade, tô montando uma banda punk. É Os Replicantes”. Nessa mesma hora tinha um moleque na loja com um visual muito fora de tudo que rolava, devia ter uns 15 anos, e um visual gringo. Eu queria um disco do Madness, que ninguém conhecia na época – e esse moleque também queria o disco. Perguntei qual era a dele. E ele: “fui eu quem viu primeiro!” E depois: “eu me chamo Edu. Acabei de chegar de Foz do Iguaçu”. Perguntei se ele tinha banda: “toco violão e tem um amigo meu que canta”. E eu falei: “é mesmo? Pinta lá em casa”. Era o Edu K. Edu K: Entro na loja e vejo o One Step Beyond, um disco do Madness, um disco de ska – na época, eu enxergava um disco que gostava e ficava cego! Quando encostei no disco, vieram mais duas mãos. Olho pro lado, e está o Miranda e o Gerbase. Só que eu não conhecia eles, nem eles se conheciam. O disco ficou comigo. Disse: “eu olhei primeiro, o disco é meu e vão à puta que o pariu! Vamos fazer o seguinte: me dêem seus telefones que eu gravo pra vocês”. Passado o furor, começamos a ver que éramos um pouco diferentes. Porque, ou se era hippie, ou se era nativista – ou os dois juntos. Juventude era isso. Chegamos num ponto em que os três falaram que tinham banda. E cada um conheceu a banda do outro. Fui um dos poucos que conheci o Replicantes dos tempos da garagem do Gerbase. Ele ligava tudo num só amplificador! Nenhum deles sabia tocar porra nenhuma, mas era a melhor fase da banda. Logo depois também foi do caralho, mas naquela época, melhor era impossível. Júlio Reny: Um dia eu estava dormindo em casa, quando alguém bateu a campainha. Fui abrir, e me apareceu um punk, todo espetado, vestido numa jaqueta de couro. Perguntei quem era, e ele respondeu: “eu sou o Wanderlei, tu não te lembra?”. A primeira vez que ele trabalhou com música foi num desses meus primeiros shows dos tempos da faculdade. Mas eu não o via desde os tempo do
filme Deu pra Ti. Era o Wander Wildner. E aquele encontro me fez desistir da viagem que eu tinha programado pro Rio de Janeiro. Meio envergonhado, ele disse que tinha umas coisas pra me mostrar. Era a primeira demo dos Replicantes, com “Nicotina”. Fomos escutar e eu disse pra ele que tinha gostado – ele não acreditou. Estava envergonhado, achava que eu iria malhar aquele som. Então o Wander falou: “temos uma propos ta pra te fazer”. Quis saber qual era. E ele: “Os Replicantes poderiam tocar na tua garagem?” Ele também queria que eu botasse som pra eles no Ocidente. Aquilo acabou definitivamente com a ideia da viagem. Heron Heinz: Fazer som era uma distração, como jogar botão. O show de lançamento do primeiro compacto dos Replicantes foi na Reitoria da UFRGS, com abertura do TNT. Humberto Gessinger: O primeiro show dos Engenheiros do Hawaii foi em 85, junto com a banda de uns caras que também estudavam na faculdade de arquitetura. Na realidade, a banda foi montada pra fazer esse show. Estava rolando uma greve na UFRGS e as aulas iam entrar janeiro adentro – e não tinha nada pra fazer no calor de Porto Alegre. Começaram a ser organizados uns happenings: o pessoal que pintava uns quadros, os que escreviam poemas... E uns colegas em comum sabiam que o Maltz tocava bateria, que o Pitz tocava baixo e que eu tocava violão. Nos juntamos, ou melhor, o pessoal nos juntou... Toco violão desde os seis anos de idade. Mas eu nunca tinha tocado em público até esse show que fizemos. Nos juntaram em dezembro pra essa parada. E então eu compus umas músicas. A maior parte do show eram jingles: coisas escrachadas como “Abrace o Elefante”, da Mônica, biscoito Sem Parar... Carlo Pianta: O Marcelo Pitz entrou na faculdade de música no mesmo ano que eu. Ele era excolega do Humberto Gessinger e do Carlos Maltz, na arquitetura. Eles continuaram na arquitetura e o Pitz passou pra música. Tivemos umas aulas coletivas de filosofia da arte. Nós estávamos vestidos iguais e usávamos brinco também. Na época era raro: de bombacha e tênis, tudo parecido, que nem guri de colégio... Fomos conversar. E ele foi ser baixista do Engenheiros do Hawaii. Frank Solari: Começei a tocar em 85. Os primeiros anos foram de formação musical pra mim. Em 89 criei meu próprio grupo. A partir de 90 comecei a contar com o apoio da imprensa local. Eu não tinha objetivo de ganhar dinheiro com a música, e sim realizar algo em que acreditasse.
Tonho Meira: O De Falla começou em 85. Eu era empresário de uma banda chamada Fluxo. A Biba e o Edu saíram dessa banda e continuaram o X, que fazia parte da Justa Causa, e o Leandro. O Fluxo lançou um compacto independente. Conseguimos um patrocínio e fizemos esse compacto. Ao mesmo tempo, eu continuava com o De Falla. O nome veio mesmo sem nenhuma sonoridade, nenhuma brincadeira nem coisa nenhuma. É uma referência a um nome de um compositor clássico espanhol, Manuel De Falla. Flávio Santos: Toda a minha história no De Falla rolou, na real, por causa do meu encontro com o Miranda no Taranatiriça. Lá pelas tantas, nós já estávamos enchendo o saco da banda: o Truda e o Cau chamaram o Alemão Ronaldo e eu fui viajar. Fiquei seis meses na Europa e não aguentava mais, queria tocar. Quando voltei, montamos a Urubu Rei, que era uma banda instrumental. Depois chamamos umas gurias bonitinhas pra tocar, meio que pegando o lance da Blitz. E foram se agregando algumas pessoas. Uma delas era o Edu K, que foi chegando, namorou a Biba... Mais tarde ele chamou eu e o Castor pra tocar. Eles começaram a fazer aquelas primeiras músicas, que tinham mais influência de bandas inglesas. Pra chegar até o De Falla, que surgiu da Fluxo, leva todo esse tempo. Edu K: Eu sou gaúcho, mas morava em Foz do Iguaçu. Foi aí que comecei a tocar com meu amigo X, que conheci lá. Fizemos a banda Fluxo de Energia, que depois veio a ser a banda Fluxo, uma das primeiras de new wave em Porto Alegre. Gustavo X Aguirre : Eu comecei tocando, com uma guitarra bem velha, junto com o Edu K. Ele tinha nove anos e eu onze. A gente começou a fazer banda no quintal da minha casa. O baterista tocava num balde e nem sabíamos afinar os instrumentos. Tocávamos de qualquer jeito, era o máximo. Minha mãe sofria pra caralho, mas a gente se divertia. Flávio Santos: No início do De Falla a gente pegou umas músicas do Urubu Rei que não tinham sido gravadas, minhas e do Castor, e outras de uma banda que a gente teve juntos, a Miguel e Almas, e colocamos no repertório. Músicas que nunca entraram em disco nenhum. Também resgatamos umas coisas do De Falla da época em que o Carlo Pianta era o baixista. Sady Homrich: O Nenhum de Nós se juntou bem na época do Rock In Rio I, no começo de 85. Existia uma postura, podese dizer intelectual, de nossa parte ligada à cultura, o que envolvia música, cinema, vídeo, teatro... Isso instigava na gente a falar sobre assuntos ligados à vida. E começamos a
trabalhar essa temática na forma de música. Carlos Maltz: O Nenhum nasceu bem na época do lançamento do disco Rock Grande do Sul. Algumas bandas, como Replicantes, Garotos da Rua e De Falla, estavam conseguindo sucesso e projeção nacional. E muitas outras bandas estavam se criando no cenário. Por isso nos reunimos pra também tentar, porque parecia uma alternativa interessante. Eu já tinha tocado com os Engenheiros, e a coisa foi andando mais ou menos por este lado. No começo foi diletantismo mesmo – acho que é assim com qualquer banda. Eu era quem tinha um pouquinho mais de noção sobre o instrumento. Dante Longo: A gente era colega de colégio, em 1975. O Carlão e o Sady já estudavam no Colégio Nossa Senhora das Dores, desde 1970. O Teddy entrou em 74 e eu em 75. Eles tocavam em festivais, coisa de faculdade, faziam uma banda aqui, outra ali. Lá por 86, encontrei o Teddy numa lotação, falávamos de um disco do U2, quando ele me disse: “tchê, vai lá no ensaio. Nós estamos com uma banda e ela não tem nome ainda”. É o tipo de convite que a gente nunca vai. Mas um dia, saindo da PUC fui no ensaio deles no estúdio Bangaló, que era na rótula da Carlos Gomes. Então, não nos desgrudamos mais. Humberto Petinelli: O Ratão era porteiro do Ocidente e o Edu K também trabalhava lá, juntando as garrafas. O De Falla já existia. O Ratão queria ser cantor de rock e estava recém formando a Justa Causa, com o X e o Dolls, que era barman do Ocidente. Isso era 87, por aí. Um ano depois, teve a coletânea lançada pela SBK, a Rio Grande do Rock: com Prize, Júlio Reny, Justa Causa, Apartheid e Cascavelletes. Gustavo X Aguirre : O início da Justa Causa foi como uma banda de punk rock, meio hardcore. Em 86. A primeira formação durou um ano e meio, até que eu e o Dolls – que é o batera até hoje – entramos na banda. Então começamos a mudar algumas coisas, a levar influências de um punk rock mais trabalhado pra sonoridade da banda – se é que se pode dizer isso de punk rock. Frank Jorge: Os Cascavelletes surgiram em 86, com caras que eu conhecia de vista de um show do TNT no IPA, com o Flavio Basso e o Van Soria na época. O Barea era o único que eu conhecia da rua. Partiu muito do Barea. Os caras viram que eu estava de banda e precisavam de mais um pro grupo. Eu fiz meio que um teste, não tão exigente, e entrei.
Humberto Petinelli: Fui com o KCláudio na primeira gravação do Cascavelletes no antigo estúdio da Isaec, que nem era na Eduardo Chartier. O KCláudio tinha alugado a bateria pro Barea fazer a primeira demo do Cascavelletes, onde eles gravaram “Surfin’ Bird” numa versão em português – “Pombo Surfista”. Nessa sessão de gravação encontrei o Nei Van Soria. Também estava o Silvinho, que hoje é o operador de áudio do Roberto Carlos. Pela metade de 88, eu reencontrei o Nei no Ocidente – e ele me convidou pra participar do lançamento do primeiro disco dos Cascavelletes, no Teatro Presidente, naquele mesmo ano. Nei Van Soria: Os Cascavelletes são fruto da separação do TNT. O TNT estava com contrato assinado, disco novo, já estava tudo marcado pro primeiro disco. Não quisemos nem saber e saímos pra fazer os Cascavelletes. A gente ia nas loucuras que batiam na nossa cabeça, completamente inconsequentes. Alexandre Barea: Em 84, 85 o Flavio Basso tocava com o TNT. Ele, o Nei Van Soria, o Charles Master e o Felipe Jotz, na bateria. Eu era o roadie. E o Tchê, que depois viria a ser guitarrista, era o operador de som do TNT. Um dia estou dormindo em casa, de manhã, e entra o Flavio no meu quarto, com os olhos esbugalhados, todo virado, totalmente emboletado. A minha mãe chamou: “o Flavio quer falar contigo”. Ele estava careca – o que não era muito comum naquele tempo. Totalmente Febem. Então, ele disse: “bah, saí da banda, vamos fazer uma outra banda, o Nei largou também!” Eu já tocava numa de heavy metal, chamada Pesadelo. E ele vinha com aquela bomba, dizendo que já tinha produção, show, tudo. Aceitei, mas queria saber o que a gente ia tocar. Eu puxei o “Rocket to Russia”, que tinha aquela versão dos Ramones para “Surfin’ Bird”, dos Trashmen. Mostrei, e ele enlouqueceu. Sacudia a cabça. Deu uma cabeçada e quase desmaiou, como sempre. Foi a primeira música que a gente decidiu ser do repertório da banda. Depois, saiu uma versão, “Pombo Surfista”, que estava na primeira demo, e foi bastante pirateada. A partir dali, nós começamos com músicas próprias. E elas saíam tipo duas, três por ensaio. Se bolava muita coisa em casa. No quarto, se chapando totalmente, de tudo o que podia se encontrar. Tocando violão e fazendo letra a tarde toda, tomando vinho de garrafão. Depois do almoço, a gente se encontrava e não parava mais. Flavio Basso: Crianças misturam Melhoral com Coca-Cola... Eu apareci na casa do Brea bem cedinho, dizendo que tinha escapado do quartel. E eu já havia misturado Melhoral, aquele clima
Mutantes... Gritei: “estou fora!” Ele pegou o disco dos Ramones e disse: “então, vou tocar esse ‘Surfin’ bird’ pra você!” E eu era meio skinhead... mas tinha uma suíça... Eu era meio punkabilly, nesse período. E comecei a dançar a música, bati a cabeça na parede... E desmaiei. Acordei bem mais tarde. Foi quando nós falamos a sério sobre montar uma nova banda, já que eu havia saído do TNT. Fomos o embrião dos Cascavelletes. Frank Jorge: E a Graforreia surgiu naturalmente, em 87. Era uma banda que estava ressurgindo do Prisão de Ventre, só que com outro nome. Eu ainda não tocava com eles, quando o nome Graforreia foi inventado. Luciano Albo: Eu passei por umas outras bandas que não vingaram, mas que foram importantes. Uma delas tinha o nome de Porcos do Espaço, uma banda de heavy metal baseada nos personagens do Muppet Show. A segunda era uma coisa anos 80, chamava-se Sigma, e já tinha influência de Echo & The Bunnymen e New Order. Eu fiz um teste pra entrar no Cascavelletes, mas não foi uma coisa romântica. Fui escolhido pra entrar no lugar do Frank Jorge; entrar no lugar em termos, porque o Frank Jorge era membro da banda e eu entrei como contratado. Marcelo Birck: Minha mãe resolveu botar fora um monte de roupas demodé – e eu e o Frank Jorge resolvemos usálas. Tinham uns modelos absurdos: umas ceroulas listradas de amarelo, vermelho e verde... Frank Jorge: Vimos aquela pilha de roupas ridículas na casa do Birck. Daí, nos olhamos e dissemos: “vamos montar uma banda com isso!”. Então começamos a fazer uns passeios com as roupas, numas partes da 24 de Outubro... Alexandre Ograndi: Cheguei em Porto Alegre e fui tocar no Palcão, em Capão, porque meu irmão tinha me ligado precisando de um baterista. A formação era eu, o Birck, o Zé Natálio, o Moisés e mais outro cara que eu não lembro. Nesse meio tempo, a gente precisava definir o nome da banda, e se fez um sorteio. Cada um tinha que escolher uma palavra no dicionário. As duas palavras mais votadas foram graforreia e xilarmônica. Cada uma teve dois votos. No início, ia ficar só Graforreia. Graforreia e xilarmônica não querem dizer nada juntas. Graforreia é uma doença mental que tu fica escrevendo sem parar qualquer coisa, e xilarmônica é um instrumento musical, uma espécie de xilofone.
Humberto Gessinger: O nome Engenheiros do Hawaii era uma brincadeira local, sem muito sentido, com esses surfistas de Porto Alegre que acham que pegam onda. Algo bem parecido com a ideia de “Surfista Calhorda”, mas tendo a ver com o ambiente da arquitetura e com nossos colegas de curso. E não tinha nada que irritasse mais a galera da arquitetura do que esse lance de surfista, Havaí... Surf e engenharia eram dois ícones que nos irritavam. Fiz uma lista de nomes, e os que mais nos irritavam foram esses dois. E escolhemos Engenheiros do Hawaii por isso. Eu também adorava outro nome: Frumelo e os Sete Belos, daquelas balas. Mas Engenheiros do Hawaii nos tirava do sério. O nome da banda também surgiu pelo espírito da época, uma coisa new wave autoirônica. Pra uma banda de massa como virou o Engenheiros, é um nome muito fino. O ambiente da faculdade fazia sentido com o nome: “pô, lá vêm os Engenheiros do Hawaii!”. Tu pode ler no nome este espírito da época, de bandas de sucesso como Biquini Cavadão, que são o contrário de nomes mais heroicos, a exemplo de Legião Urbana e Capital Inicial... Em Brasília, as referências deles eram um pouco mais antigas – um rock heroico. Mas, de uns anos pra cá, eu comecei a gostar de novo do nome Engenheiros do Hawaii. A arquitetura está completamente morta e datada pra mim, então fica uma lembrança. A explicação que dou agora é essa... Plato Divorak: Em 88, eu estava voltando pra Porto Alegre e tentando me adaptar às coisas daqui. Indo do pop ao erudito, do rock ao jazz. Já era um autêntico portoalegrense curtindo rock’n’roll e o que pintasse. Os Jaquetas foi o meu primeiro grupo. Depois eu já tinha tocado numas quatro bandas. Uma delas era os Asteróides Anabolizantes. Eu sempre encontrava o Flávio Santos e o Miranda circulando por aí, os dois sempre com uma cervejinha, me oferecendo: “e aí?! Vem, chega mais!”, aquela coisa... Já havia na cena uma posição entre, digamos assim, os acadêmicos e os experimentalistas. Eu gostava das duas posições. Mas eu tinha uma raiz psicodélica que já estava em pleno vôo, e que se consolidou quando montamos a Père Lachaise, em 89. Jacques Maciel: Foi um fato bem curioso quando a Rosa Tattooada começou, em 88. Eu nunca tinha sido cantor, muito menos imaginado ser vocalista. A banda, na verdade, já tinha um cara, o Roberto Muñoz, um colega da galera no colégio Das Dores. Ele foi o primeiro vocalista: fez um ou dois shows. Um desses foi abrindo pros Cascavelletes em 88, no Recreio Cruzeiro, de Caxias do Sul.
Mas logo a seguir, o Roberto deixou a banda. Daí a gurizada chegou pra mim com aquele papo: “enquanto procuramos um vocalista, pra não parar de ensaiar, tu vai cantando nos ensaios”. Eu era só guitarrista antes. Acabei ficando na posição e curtindo a história. E numa bela tarde, fui na casa do Thedy, do Nenhum de Nós, fazer uma visita pro cara. Ele veio com uma folha de caderno e disse: “Jacques, tu quer uma letra que eu compus?” O nome da canção era “O inferno pode esperar”, na versão dele. Depois, mudamos pra “O inferno vai ter que esperar”. Ele disse que, no ensaio do Nenhum, mostrou pros caras da banda, mas ninguém gostou. A letra não repete, não tem refrão, e é só uma história... “Tu não quer pra ti?”, ele ofereceu. E eu: “me dá, né...” Thedy Corrêa: Eu estava dando apoio pra Rosa Tattooada, pra lançar a banda, e eles queriam uma música. Dei a letra de “O inferno vai ter que esperar”. Era uma história trágica, de um cara com a ideia de cometer um assassinato, mas que no fim não mata: o cara sorriu e disse adeus, mas concluiu que se matasse, morreria no inferno. O Nenhum de Nós não quis gravála, e deixamos a letra guardada. Rapidamente eles fizeram a música, e virou um clássico do rock gaúcho. E toca até hoje. Jacques Maciel: Levei pra casa. Sentei no meu quarto, peguei o violão e, na mesma tarde, musiquei aquela letra. A fita demo que a Rosa Tattooada gravou pouco depois, com seis músicas, já tinha “O inferno vai ter que esperar”. E chegou na Atlântida. Estourou na programação, em forma de cassete mesmo. E os caras diziam: “porra, quem são esses que não têm gravadora e já estão na programação?!”. Durante um ano e quatro meses, a música foi a mais tocada da rádio. Estava diariamente entre as mais pedidas! Foi uma doideira total. Nisso, já tinha pintado a gravadora Nova Trilha, e convidamos o Thedy pra produzir nosso primeiro disco. E foi um estouro – porque depois outra música também emplacou. Se chamava “Tardes de Outono”. Nenung: A Barata Oriental teve duas fases. Uma foi de 89 até 92, e depois até 95. Tínhamos uma coisa de inquietação constante e as letras procuravam questionar o mundo, saber o que era a liberdade e onde ela se encontrava. A partir do momento em que encontramos o dharma, fizemos os Darma Lóvers. Houve uma clareza muito maior a esse respeito: do que é a liberdade e de onde a gente a encontra. Mudou a abordagem, mas as questões continuam. O Darma Lóvers é uma continuidade da Barata... Gaby Benedyct: Baixei direto na Oswaldo Aranha no final dos 80. E comecei a namorar um carinha que fez uma banda comigo, chamada Benedyct Eskine. Na realidade, essa banda já existia:
antes de eu entrar, quem cantava era a Cacá, skatista. O nome da banda ainda era Os Benditos da Esquina... Mas mudamos porque a Cacá entrou numas, de bobeira, de viagem, e começou com esses papos de língua do “i”... E saiu um “Beneditini di Isquinini”... Aí adaptamos pra Benedyct Eskine. Quando nos perguntavam a origem do nome, a resposta sempre era: “é latim!” Zé do Trompete : Nos 80, toquei com várias bandas. Mais tarde, tive uma experiência muito legal com a Urro, uma banda que rolou num esquema de fundo de quintal. O César, o Felipe, e o Rafael Ferretti – um grande líder de banda. Também o Pablo, o Flávio Miguel, e o Daniel Leão, escritor... Uma turma muito legal. Rolaram outras bandas também, como a Space Rave, com a qual toquei durante um tempo e foi uma ótima experiência. Susi Doll: Eu namorava o Silvinho, da Quadrilha de Morte. Foi por incentivo dele que entrei no rock. Ele me passou algumas músicas, e eu dizia que eram de minha autoria. Convidei a Mariana e, juntas, formamos a banda Dama da Noite – por causa do chá. Começamos a ensaiar no estúdio Live, e nosso repertório eram apenas duas músicas. Depois, chamei a Carlinha e decidimos mudar o nome pra Ninfrodizíakas. Frank Jorge: Na época que a Graforreia não estava rolando muito, lá por 92, 93, eu entrei na Père Lachaise, que era a banda do Plato Divorak. O Alexandre Ograndi era o baterista. Minha participação não durou muito, mas ter entrado na banda foi a oportunidade pra conhecer o Plato, ficar amigo dele e começar a compor algumas músicas em parceria com ele. A primeira foi em inglês: tinha um monte de frases meio desconexas. Eu fiz a música, ele a letra. O Plato não toca instrumentos, então eu tocava as músicas e ele trazia as letras prontas. A ideia era fazer letras surreais. Lançamos fitas demo que se divulgaram bastante no cenário underground brasileiro... Mas a parceria e a frequência de shows foi parando em função de mil direcionamentos. Um deles foi ter começado a tocar com os com os Cowboys Espirituais, a partir de 98. Pedro Porto: A ideia de ter uma banda como a Ultramen era uma coisa totalmente descompromissada, pensando em se divertir, em imitar os ídolos da juventude e pelo lance da fama com a galera. Se divertir com a música mesmo, não se importando muito com o dinheiro. Júlio Porto: A Ultramen nasceu assim: o Pedro conheceu o Zé Darci na Faculdade de Biologia. Nessa época, eu e o Pedro começamos a ouvir metal, que no início dos anos 90 estava ficando muito forte. Mas estava ainda nos resquícios do rock dos anos 80. O primeiro ensaio da Ultramen, que o Pedro marcou, estavam o Zé Darci e o Z, que agora é do De Falla.
Mariana Kircher: Cresci amando música. Ainda me lembro do tocadiscos da minha casa e dos vários disquinhos dos meus pais: Beatles, Mutantes, Hendrix... Então, comecei a ter umas aulas de violão e conheci uns caras bem doidos que tinham uma banda chamada Molly Guppy. Muito barulho, guitarreiras e vocais loucos. Fizemos um som juntos e, logo depois, eu e o Edu montamos outra banda, um pouco mais pop, mas mesmo assim barulhenta: a Space Rave. Isso era 1993. Eduardo Normann: Em 93, conheci a Mariana Kircher num show da Benedyct Eskine com a Molly Guppy no Fim de Século – a banda que eu tinha montado junto com o Itapa, a Márcia e o Cristiano. Logo ela veio tocar conosco, e batizamos o novo trabalho de Hip Horse. No mesmo ano, eu e a Mariana acabamos formando outra banda chamada Space Rave. O primeiro show foi no Garagem Hermética junto com a Walverdes e os Crushers. Diego Medina: Eu não queria que a fita em que eu gravei “Epilético” fosse simplesmente: “Diego Medina interpreta...”. Aí tive uma ideia, peguei meu nome e dividi Diego nas sílabas: “Diego”. “Di”, em química, é uma nomenclatura que eles usam pra designar dois: “dimetil”, “dipropeno”. Então “di” virou “dois”. E “ego”, de Diego: “ego é igual a eu”, concluí. O resultado foi “Doiseu”. Fiz o mesmo com o Medina, dividi meu sobrenome em sílabas: “Medina”. O “Me” é um troço que tu usa... Então, mim, de Medina: “Me, mim”. O “di”, de novo: dois. E o “na”, a terceira sílaba de Medina... “Na”, o que que é? É o artigo “em” mais a preposição “a”. “Em” mais “a”: “ema”. Saiu o nome: Doiseu Mimdoisema. Acabou ficando. Eduardo Normann: Olegário Mariano foi uma banda que fiz com o Itapa, o Guilherme “Smog Fog” Figueiredo e o Cristiano Fleck. Nos revezávamos nos instrumentos, e o instrumento que eu mais tocava era baixo. Na verdade, um pedaço de pau com peças Sound e alguns parafusos, feitos pelo Itapa e a Márcia Vasconcelos, a partir da ideia de instrumentos artesanais baratos. A banda ensaiava no clássico estúdio de garagem do Vilson Picco. Júlio Cascaes: Eu e o Marcelo Gross entramos na banda do Júpiter e começamos a ensaiar o show do A Sétima Efervescência, que foi apresentado pelo Brasil afora. As pessoas iam nos shows e curtiam as músicas pra caralho. Nesse meio tempo, começamos a preparar algumas músicas pro disco que seria o próximo do Júpiter, já como Jupiter Apple, o Plastic Soda. Eu e o Gross voltamos pro Rio Grande do Sul, e ele resolveu ficar morando em São Paulo. Em
Porto Alegre formamos Os Hipnóticos, e deu uma puta dissidência – uma dissidência bacana, porque a coisa se ramificou: do trabalho do Júpiter se formou a Hipnóticos, e dos Hipnóticos, a Cachorro Grande. Ricardo Kudla: Pegamos bem o começo de uma cena que estava acontecendo nos anos 90. Tinha a Space Rave, o final da Molly Guppy, Walverdes, Dellips, que era a banda do Betão. O Plato também tinha a Père Lachaise, que já tinha acabado. Léo Felipe: Os 90 foram uma época em que as pessoas estavam sedentas pra ver shows! Não tinha lugares pra ver bandas em Porto Alegre. Qualquer bandinha conseguia botar uns cento e poucos pagantes, as pessoas estavam sedentas. Nando Endres: No fim dos anos 80, eu, o Fredi e o Pancho tínhamos uma banda instrumental chamada XYZ. A gente tocava todo o ano no Fica, que era o festival do Anchieta. Acabou uma coisa meio virtuosa, um funk progressivo. Com o passar do tempo, fizemos a outra banda, a Borboleta Negra. Fredi Endres: A Comunidade Nin-Jitsu é uma piada interna que se espalhou. Nossa primeira demo foi gravada na casa da minha vó. O Iuri Freiberg, da Tom Bloch, levou o seu porta-estúdio e gravamos. Não tinha como gravar as baterias, então programamos a bateria eletrônica do Iuri pra substituir. Botávamos as guitarras e íamos confeccionando as músicas. Sem querer, fizemos uma fórmula. Duda Calvin: A Tequila Baby se conheceu na Oswaldo. Um cara estava falando de Ramones, e eu me intrometi: “ah, legal, eu tenho um amigo que toca umas músicas deles”. O James também tinha uns amigos que ensaiavam no colégio, aí comecei a ir na casa dele... Montamos a banda com ele, o Didi e mais um pessoal. Eu fui o último a entrar na banda, em 94. Falei que tinha o nome de uma banda que eu tocava antes: era Tequila Baby. Os caras gostaram e acabou ficando o nome... Por incrível que pareça, o nome Tequila é mais um lance de quando se é garoto e vê filme de western na sessão da tarde, estilo: ‘whisky’, ‘spaguetti’, ‘tequila baby’. Naquela coisa de beberragem, de tomar um tragão. Tati: A Narciso surgiu no início dos anos 90. Éramos meninas cansadas de ficar nos bastidores do rock e de esperar a velha palheta ou baqueta cair nas nossas mãos, em frente ao placo.
Mini: A Walverdes começou em 93. Todo o início foi de repetições dos primeiros ensaios: um monte de amigos bebendo e tocando hardcore muito alto, mas não porque a gente ouvia hardcore, e sim porque a gente não sabia tocar. O que teve no início da banda foi álcool e vontade de tocar. Nos juntamos pra continuar bebendo e tocando bastante, e durante os quatro primeiros anos funcionou assim. Gaby Benedyct: Muita coisa aconteceu em Porto Alegre nos anos 90. Porque temos um celeiro musical com coisas boas na cidade, em qualquer gênero. E onde foi parar essa gente toda? Muito pessoal bom desistiu, depois de tanta batalha. Foi meio cão, porque quem baixava aqui pra peneirar as bandas só pegava as que estavam prontas pro mercado paulista. E grupos com essa característica não era o que tínhamos de mais inteligente, de mais substancioso por aqui. Carlinhos Carneiro: A Bidê ou Balde surgiu de uma porção de bebedeiras e reações orgânicas inesperadas. Rafael Rossatto: O Carlinhos me convidou pra fazer uma banda, e fiquei meio assim: “esse gordo é louco!” Eu já conhecia o Carlinhos: ele ia nos shows da Jkbak e ficava pulando e berrando. Eu adorava ele. Mas pensei: “o Carlinhos, cantando?!” Ele foge a todo o tipo de heroi: é gordo, não é um cara bonito, e ainda por cima é louco da cabeça. Mesmo assim, respondi: “beleza, vamos fazer uma banda, mas só de brincadeira...” Foram três ensaios, e nós: “pô, legal, está indo legal”. Aí saiu nosso baterista, que era o Vinícius Tavares, e no lugar dele entrou o Caveira. Aí outras coisas começaram a acontecer.
TOCA AQUELA! Júlio Reny: Já estava rolando o boom do rock no meio da década de 80. E fui assistir a um show no Parque Marinha do Brasil. Cheguei lá, e eram umas minas tocando, cantando uns refrões tri adoidados, sobre o universo delas. Fiquei meio impressionado. Pensei: “as mulheres estão cantando letras que falam sobre os homens?!” Então liguei pra minha mulher, que morava na Bahia, e escrevia umas poesias legais. Pedi que me fizesse umas letras. Eu queria mudar a estética da coisa — queria fazer algo com que as meninas se identificassem, eu queria pirar na dos homens! Dias depois me deu um tilt, minha intuição dizia: “vai na caixa de correio!” Era um domingo à tarde, abri a caixa, e lá estava o poema: “Amor e Morte”. Com a letra na mão, a música veio em dois minutos. O meu percussionista chegou, leu aquilo, e disse: “cara, olha o que tu fez! Essa música é muito boa, grava ela pra não perder!” Edu K: “Amor e Morte” tem uma guitarra de heavy metal numa música que não é nada heavy metal no sentido estrito da palavra. Ele estava meio maluco nessa época: quebrava tudo nos show, batia no público, girava seu baixo no ar e vinha na direção das nossas cabeças, os caras que estavam tocando na banda dele! – e todo mundo se atirava no chão. Um ato de loucura e raiva. E no fundo ele era aquilo de verdade. Eu já sou bem mais fake, da geração 80. Frank Jorge: Muito cedo já foi positivo o lance de eu gostar de compor, criar. Eu mal conhecia o Flavio Basso e a gente já combinou de se encontrar na casa dele pra compor. Dessa primeira sessão saiu “Menstruada”. Mas não foi trazendo uma ideia de casa, ela surgiu. O núcleo criativo da banda era meio centrado no Nei e no Flavio. Na verdade, a única composição que realmente está vinculada ao meu nome de uma maneira legal e conhecida é “Menstruada”. Porque eu estava fazendo vestibular, com a pasta do cursinho ali, e pensando em uma coisa assim: “ela disse onde está o meu amor, eu disse hoje sim, por favor.” Ele que deu a ideia de colocar “meu tesão” e “por que não”. O Flavio tinha essa coisa mais rock de deixar a música maliciosa e eu tinha uma noção mais romântica, mais Jovem Guarda. Alexandre Barea: O Frank e o Flavio vieram com a melodia de “Menstruada”. Alguém que falava que queria comer a mina menstruada naquele dia, mas a guria não queria dar. Daí pintou
aquela introdução bizarra. Eu fiquei repetindo milhões de vezes – e não tem cabimento, repetir aquilo um monte de vezes sem nexo algum. E foi um estouro: entrou na Ipanema e explodiu – e isso que não tínhamos feito nenhum show. A gente ria, e pirava naquela introdução... “vamos repetir uma vez – não, duas, três, mais!”, e ficava aquela merda! E nas apresentações, a introdução era ainda maior: “Menstruada, Menstruada, Menstruada!”, não tinha fim. Carlos Maltz: A ideia de “Camila, Camila” surgiu de um caso verídico. Um de nós tinha uma amiga e, durante um fim de semana, o namorado dela tinha sido estúpido com ela. O cara estava de mal com a vida e foi super grosseiro. Então ficamos nos indagando: “pô, porque uma mulher inteligente e bonita se submete a esse tipo de coisa?” Em cima dessa indignação, começamos a moldar a história de “Camila, Camila”. Quando fomos gravá-la, estávamos no estúdio – era um dia chuvoso – e tinham uns jornais espalhados pelo chão pra não molhar o carpete. A música estava indo muito bem, mas faltava um detalhe. O Thedy olhou pra um daqueles jornais e avistou o nome “Camila”, que na verdade era o nome de um filme argentino em cartaz na época. Aquele achado completou o que faltava. Mas não foi só o lance do refrão, e sim a forma como ele era cantado. Soou como uma sacudidela, do tipo: “reage, amiga!” Marcelo Birck: As músicas “Eu” e “Amigo Punk” já têm 15 anos. Quando tocavam no rádio, a gente era escorraçado. Tem registro em jornal dizendo: “que horroroso!” A mesma coisa diziam sobre o nome Graforreia Xilarmônica. Hoje, damos risadas. No Prêmio Açorianos de 2000, “Amigo Punk” ganhou como melhor música! E o argumento foi de que a música tinha tocado muito no ano anterior. Frank Jorge: Vivíamos esse negócio punk da Oswaldo Aranha, de voltar tarde pra casa, amanhecer bebendo... “Amigo Punk” tem um pouco desse lance autobiográfico – mas também tem muito a ver com uma caricatura das músicas nativistas. Trouxemos isso pra um contexto urbano: é o gaudério com uma levada rock esquisita. Surgiu tal ideia, talvez eu já tivesse trazido a primeira estrofe pronta: “amigo punk, escuta esse meu desabafo, a essa altura da manhã, já não importa o nosso bafo”. O Marcelo ouvia aquilo e achava legal: “quem sabe a gente faz outra parte assim”. Daí ele dava uma deslanchada na letra, isso era muito comum de acontecer na Graforreia. O fato de várias músicas terem sido feitas desse jeito, propiciou à Graforreia ter um repertório grande de canções do Frank Jorge e Marcelo Birck como parceria.
Carlo Pianta: Um deles, não sei se o Frank ou o Birck, fez uma milonga, que é aquela primeira parte da música “Amigo Punk”... Uma música de imagens, e daí um chegou pro outro e disse: “ó, faz o resto”. E aí foi o resto: “não importa se não tem lata de cola, o que eu quero agora é sestear no meu pelego...” Essa é uma música assim: um fez um pedaço e o outro fez outro. Já têm outras músicas que eu vi eles fazendo ao mesmo tempo. Se cagando de rir e fazendo a música, rindo de sair lágrimas. Tinham as ideias, iam tocando e cantando e o Alemão esperando, daqui a pouco estava pronto – era incrível mesmo. O “Amigo Punk” é um música standard, a música é boa porque é simples. Parece fácil de fazer, um lance bem direto. E acho que rolou uma identificação dos porto-alegrenses com a música. Carlos Eduardo Miranda: Quando a gente voltou com o Urubu Rei em 84, de sacanagem, falei: “velho, vamos fazer uma música de uma nota só. Onde a gente não toque porra nenhuma! Onde um monte de gente que não canta possa cantar”. A ideia era tirar o maior sarro das pessoas. Daí veio “Nêga vamos pra Boston”. Botamos umas gurias de mini-saia na frente, cantando tudo desafinado, porque ninguém ia notar que elas estavam cantando desafinado mesmo: só iam ficar cuidando as pernas delas! Jupiter Apple: Trabalhei como Flávio Basso até metade de 95. E houve um período depois disso, durante uns seis, sete meses, em que fui absolutamente obscuro. Algo que talvez só eu sabia. Fui cantor folk, com o nome de Woody Aple – de Woody Guthrie, e também do sobrenome de uma avó minha. Em função do Bob Dylan, eu acabei misturando estas coisas. Nunca vim à tona com isso: tenho alguns registros, mas é algo muito meu. Este foi um período em que aprendi a elaborar bem minhas letras. Colagens de concretismo com surrealismo, e até mesmo gírias existenciais. Como “Pictures and paintings”. Edu K: Tinha umas garotas que andavam com a nossa turma que chamávamos de As Amarelas. Elas depois vieram a se tornar As Raiovacs. Por causa das camisetas amarelinhas: eram todas meninas do IPA, do Anchieta, bem criadas, arrumadas, mas com um super complexo de hippie. Eram umas ripongas, mas lindas, maravilhosas. Susi Doll: A música “Screw You” começou a partir da história do De Falla e um grupo de amigas. Nós éramos um grupo de dez garotas, todas louras, e todas perdidas emboletadas. Tomávamos aqueles remédios pra emagrecer – algumas usam até hoje. Tínhamos catorze, quinze
anos, e íamos pra Oswaldo de segunda a segunda. E nenhum dos nossos pais sabia de alguma dessas coisas. Aí, eu não sei por quê, o Edu intitulou essa turma, e aquela música, talvez pelo fato da boneca Susie... Aliás, eu tinha horror dessa música, eu odiava! Edu K: Legal que a Susi, junto com a turma das amarelas, participou da viagem pra Guarda que destruiu o nosso cérebro. Foi do caralho. Viajamos pra caralho de carona com as Amarelas. Eu e o Careca fomos tentar viajar de carona sozinhos. E a gente se fudeu: tivemos que caminhar de Floripa até Bombinhas... Não conseguimos pegar nenhuma carona... A gente chorava na estrada, caminhando. Eu conheci a Susi quando eu ainda morava na baia da Oswaldo. Ela era maravilhosa, uma mulher nova, as outras estavam acabadas. Fiz uma música em homenagem a ela. Dá pra dizer que a música representa a geração dela. A gente virou só amigo. Júpiter Maçã: As circunstâncias que geram certas canções provocam lembranças eternas. Mas eu não sou uma pessoa muito saudosista. Sei que compus “Sociedades Humanóides Fantásticas” ouvindo o primeiro The Who. Mas não tem nada a ver uma coisa com a outra! Não sei de onde veio. Humberto Gessinger: Existem muitas mentiras sobre os Engenheiros da Hawaii. Uma delas é sobre “Infinita Highway”. Não é uma história real, apesar do comentário que rola por aí dizer que a situação é de verdade. Também acontece de me encontrarem na rua pra falar: “pô, fui teu colega na medicina, não lembra de mim?”. Mas eu nunca fiz medicina! Tu entra num clima de ficar de pé atrás com as pessoas. Um dia, no aeroporto, uma menina disse que tinha sido minha colega, mas eu a tratei muito friamente. E quando eu vi ela entrando no táxi, me deu um flashback: ela tinha sido minha colega, sim – mais do que isso, uma amiga! Se ouve tanta mentira que, quando uma coisa é de verdade, é difícil de acreditar. Leandro Branchtein: As duas músicas que Os Eles gravaram primeiro foram “R.U.” e “Silicone”. Pensei em silicone na ideia de prótese, como se usa hoje em dia. Mas a música foi vista como uma coisa de travesti. E, como as pessoas se excitavam mais com essa ideia, deixamos ficar assim mesmo. Acabou sendo censurada. No lançamento dessas primeiras músicas, fizemos um happening na faculdade de medicina, só pra consumo interno. Convidamos um grupo de gurias que eram nossas ditas fãs, pra fazer uma performance. Eram “As Taradas Reprimidas” – como se intitulavam. Ficou combinado que, lá pelas tantas, elas invadiriam o palco pra tentar nos agarrar, e o público não ia saber que isso tinha sido
armado. Também pedimos pra que alguns amigos nossos as impedissem de fazer isso – só que elas, na verdade, não ficariam sabendo dessa outra intervenção. Ficou super real: elas foram arrastadas pra fora, sem saber nada do que estava acontecendo. Ainda combinamos pra que um amigo nosso fosse fantasiado como turista árabe e, com uma espingarda de chumbinho, atirasse em mim e me “matasse” no meio do show. O pior é que o bar estava em reforma, e perto do palco, tinham uns pregos pra fora, numas tábuas. Quando o turista árabe me acertou com o chumbinho, eu caí, minha roupa rasgou e fiquei sangrando de verdade, porque tinha caído bem onde estavam os pregos. Tudo isso criou um clima de excitação e, de alguma maneira, esse clima foi se propagando... Ilton Carangacci: O Leo Henkin sempre foi um cara ligado às letras. Ele gostava muito de ler Carlos Drummond de Andrade, e trouxe pra banda um poema chamado “A Corrente”, que o irmão dele, o Hélio, musicou. Os Eles passaram a tocar aquela versão, e decidiram incluir a canção também no disco que iriam gravar. Fomos atrás da Editora Record, que detinha o direito sobre a obra do Drummond, pra pedir autorização, mas não conseguimos. O Drummond ainda era vivo. Consegui o telefone da casa dele, e falei com a sua esposa. Expliquei a situação. Na segunda ligação, consegui falar direto com o Drummond: “manda pra cá”, ele disse. Mandamos uma fita gravada no estúdio de ensaios do Ivo Eduardo, e junto a nossa pretensão: com a fita, enviamos uma carta, explicando que éramos um grupo de universitários querendo gravar uma obra dele. E o Drummond nos respondeu! Escrevendo que tinha gostado da versão, que ficava envaidecido pela homenagem e autorizava colocar no disco! Claro que não esperávamos por isso... Na carta manuscrita que ele mandou dizia também: “desejo sucesso à turma jovem que abre caminho através da música!” Leandro Branchtein: Quem acabou musicando o poema do Drummond foi o Hélio, irmão do Leo. O fato é que o Drummond escreveu a resposta de próprio punho e foi uma surpresa pra nós. Até pensamos que ele poderia autorizar, mas de uma maneira mais neutra. Ele gostou mesmo. Thedy Corrêa: A canção “Jornais” é muito emblemática e importante pra trajetória do Nenhum de Nós. O público enxerga muito isso. Quando fomos mostrar o som pros caras da gravadora foi muito engraçado. Estávamos super emocionados, aquela coisa juvenil, tipo: “olha que música fizemos!”
Terminaram de ouvir, e disseram pra mim: “escuta, Thedy... Tu nunca amou ninguém?!” Porra, o que uma coisa tem a ver com a outra? Júpiter Maçã: “Lugar do Caralho” é uma ideia absurdamente literal. E representa uma busca. Ela deve ter surgido numa questão de três noites. Eu queria escrever uma canção tipo Roberto Carlos, porque eu estava inspirado pelo Frank Jorge. E sabia que o Frank adorava Roberto – ele e o Marcelo Birck, que eram meus ídolos naquela época. Houve grandes concertos da Graforreia, da Aristhóteles e de projetos afins do Marcelo Birck... Eu fiquei impressionado, e disse: “eu também quero ter o meu som do Robertão!” Mas eu não estava pensando em lyrics ainda. A parte da letra surgiu porque eu estava andando na rua, quando recém tinha chegado em São Paulo, e não conhecia ninguém... Reinaldo Barriga: Eu tinha que pôr o De Falla nas rádios, mas o som deles era meio incompreendido pela massa. Então, surgiu a ideia da gravação de “Como Vovó já Dizia”, do Raul Seixas. Fiz a levada da música com uma espécie de looping da época, repetindo a linha da bateria eletrônica. Foi a primeira vez que fiz um sampler, das vozes femininas da música original cantando “quem não tem colírio usa óculos escuros”. Mas a gravadora não queria liberar o original do Raul. Aí, meio que os enganamos: botamos um outro coro em cima da parte sampleada, pra não ficar tão na cara. E com isso, a gravadora do Raul Seixas liberou a nossa versão – que levou o De Falla pras rádios. Humberto Petinelli: Em 91, logo que os Cascavelletes gravaram o segundo disco, antes de “Sob um Céu de Blues”, veio a era Collor. Foi uma época em que as pessoas não tinham dinheiro pra fazer festa, sair de casa, beber ou pagar ingresso. E começou a definhar o processo dos Cascavelletes. Veio uma época meio deprê. Eu estava morando na sala da casa do Gugu, junto com o Ratão, da Justa Causa. O Ratão dormia no sofá, e eu na poltrona. Como eu não tinha chave, e pra não fazer muito esparro, batia na janela do Ratão e ele abria pra mim – e eu pulava pra dentro com o dia amanhecendo. Isso já era em 90, e eu vivia desse jeito. Um dia, voltando de Santa Catarina, bati um papo com o Flavio Basso no ônibus. Ele tinha essa coisa de encarar o rock como uma verdade, e de viver essa coisa de verdade. E eu tinha um amor pelo blues, que curtia e me identificava. Naquele tempo eu já estava tocando mais pelo amor ao blues, essa coisa utópica que tinha se tornado realidade. Já não era tanto com interesses comerciais e
outros interesses, enfim. Bati um papo tri louco com o Flavio, contando coisas da minha vida, tudo que eu tinha passado pra conseguir estar ali naquele momento... Falei que estava sem grana, ia chegar em Porto Alegre e teria que bater na janela do Ratão, correndo o risco de ele não me abrir... Pedi pro motorista do ônibus pra parar em Torres e desci, pra não ter que chegar duro em Porto, sem grana de novo. Eu tinha um apê na praia. O Flavio seguiu de bus. Na semana seguinte, cheguei em Porto e tinha um ensaio. E nesse papo, já estava pintando o riff do que viria a ser “Sob um Céu de Blues”: meio Keith Richards, com intervalos de quarta... O Flavio apareceu com a letra pra mim: “essa eu fiz em tua homenagem porque tu é o cara que vive sob um céu de blues”, e não sei o quê, e pá. Tipo: “eu vou bater e quebrar a tua janela”, era o papo da janela do apê do Gugu. Flavio Basso: Nós vínhamos conversando, mas, na verdade, a gente não tinha a canção ainda. Acho que foi num ônibus, voltando de uma miniturnê – ou grande turnê –, não lembro. Sabe, quando cada um tem uma garrafa na mão, o sol começa a nascer, e algumas pessoas já estão acordadas dentro do ônibus... E olhando pela janela, o céu estava carregado, mas azul. E se fez essa analogia sobre o céu azul, mais ou menos assim. No ensaio seguinte dos Cascavelletes, eu fui com a letra, o Nei com os acordes e o Luciano Albo com uma evolução de modulações. O mais curioso foi que, alguns meses depois, o Bob Dylan lançou um disco chamado Under a Red Sky. Mas ele atribuía os mesmos valores pra aquele ‘red sky’ em relação ao nosso ‘blue sky’. Então ficou engraçado. Com relação à “Sob um Céu de Blues“, eu tenho essa lembrança — se é que foi isso. Tonho Crocco: A música “Peleia” surgiu porque, quando a Ultramen já estava fazendo shows em São Paulo e no Rio de Janeiro, os outros músicos nos perguntavam por que o gaúcho tinha um pouco de resistência. Por que os gaúchos eram tão gauleses? E a gente conseguiu fazer uma coisa, que talvez pudesse ter ficado meio forçada. Eu andava pensando em milongas, e o tempo da milonga poderia entrar junto com o ritmo da bateria de rap. Então começou a surgir: fazer esse paralelo de música gaúcha com o rap. A gente brincava com discos do Cézar Passarinho. A letra fala sobre as gírias gaúchas e tem a participação de vários MCs. Mano Changes: Somos muito amigos. Nos conhecemos do colégio e da praia. Todos nós temos o mesmo jeito alegre de ver a vida pra buscar a felicidade. Sempre procuramos isso. Essas coisas de bar. O Seven From Hell, na época áurea da Barros Cassal, onde a cerveja era um real, por exemplo. Toda segunda-feira, quando não tínhamos nada pra fazer, íamos pra lá. Era um lugar muito legal,
onde víamos um monte de personagens e um monte de coisas. Foi uma fonte de inspiração pra Comunidade Nin-Jitsu. Os Acústicos e a Ultramen, que eram bandas que já existiam, também participaram muito dessa chinelagem da Barros. É a letra de “Merda de Bar”: “estava em frente ao Seven From Hell vendo o Carlos Castañeda levar um tombo”. Sentado no bar, muitas vezes sem ninguém, e a cerveja muito barata: um real. Então, nos divertíamos muito e falávamos coisas engraçadas, mas na época nunca pensávamos em expressar isso em termos de música. Era uma coisa totalmente peculiar, e não sabíamos se as pessoas iam se identificar. Depois é que a piada interna foi se espalhando. Fredi Endres: O sachê de Corbari, que fala em “Merda de Bar”, é sobre uma amiga nossa. Achamos uma corvina morta na praia, e apelidamos ela de Corbari. Não que ela tivesse algo a ver com a guria, mas porque o nome era parecido. Mano Changes: Estávamos no carnaval, num camping que tinha várias cabanas e lugar pra um monte de barracas. Ia sair quatro pila por pessoa pra ficar na casa, e dois reais pra ficar na barraca. E o Ravengar, um amigo nosso, disse: “não, vou montar a minha barraca”. Mas, no meio de tudo, ele mudou de ideia: “ah, está todo mundo na casa, fazendo festa. Vou pra lá também”. Foi pra casa e deixou a barraca uns dois dias montada. No outro dia encontramos a corvina e dissemos: “bah, a barraca do Ravengar está armada. Vamos botar a corvina lá dentro!” Ela ficou apodrecendo na barraca dele o carnaval inteiro. Polaca: Os Replicantes foram gravar o clipe da “Festa Punk” num terraço e eu entrei numas. Achei que seria legal se eu viesse por fora do prédio me dependurando, me agarrando numas gradezinhas. Eu achei que ia ficar legal e fui mesmo. Me pendurei num prédio de seis andares, na Felipe Camarão, e pra mim foi tri normal. E todo mundo: “bah, que loucura!” Fiquei pendurada uns segundos e voltei, bem séria. Podia ter morrido. Chaminé: Um dia eu cheguei em casa e os Garotos da Rua estavam gravando um videoclipe. Mas o clipe dos Garotos era o seguinte: eles foram na rodoviária e levaram todas as putas de lá pra minha casa! King Jim: A primeira parte do clip, gravamos ao meiodia, no cemitério São Miguel e Almas. Todos fantasiados de drácula, quente pra burro. Depois, à noite, é que fomos gravar na Voluntários, com umas gatinhas bem novinhas.
Fizeram umas tomadas, umas cenas e, dali a pouco, fomos tomar umas cervejinhas na esquina. E os cafetões nos deram um chega-pra-lá... Nos levaram pra um cubículo e gritavam: “O que vocês estão pensando? Estão degradando nossa imagem! O que vocês estão querendo?” Explicamos que era só um vídeoclipe... Eles achavam que a gente estava querendo levar as minas deles de graça e só depois fomos descobrir que uma dessas minas que contracenaram, na verdade, era um travesti! Saímos nos cagando, mas continuamos a gravar... Justino Vasconcelos: Era a gravação do clipe da música “Tô de Saco Cheio”. A ideia foi fingir que éramos amigos de umas putas, aquela coisa: “e aí putinha...” Isso, depois que já tínhamos ido em cemitérios fingir que tocávamos em cima de uns túmulos. Tudo isso pro mesmo clipe! O passo seguinte do clipe foi sermos cafetões. Com umas atrizes fazendo uns “ais” e “uis”, umas cenas muito bagaceiras. As putas de verdade começaram a nos olhar com uma cara estranha... e os gigolôs mais ainda. O problema é que uma semana antes a Zero Hora estava fazendo uma daquelas campanhas falando do flagelo da prostituição, a história de quem veio do interior pra Porto Alegre. E quando a gente chegou pra filmar, no sábado, o cafetão achou que éramos da RBS. Estavam o Edinho e o Bebeco gravando a parte deles, e eu e o King Jim fomos num bar da Voluntários. E uns caras nos chamaram: “vem cá magrão, vem aqui fora, vem cá...” Pensamos que de repente era fã: “é bagaceiro, mas fã”. Mas eles não nos chamaram na frente de todo mundo. Quando a gente dobrou a esquina, eles nos pegaram no braço e disseram: “vem cá filho duma puta que tu vai ver o que vai te acontecer”. E eram os cafetões mesmo, pensando que a gente era da RBS. Fomos parar num sótão daqueles prédios da Voluntários. Estavam todos armados, uns cinco. Começaram a falar: “vocês são jornalistas, têm que matar tudo!” “Não somos, não...” E eles: “claro que sim, ô puto mentiroso!” E nós: “somos dos Garotos da Rua...” Mas um dos cafetões nos reconheceu. A coisa acalmou. Enfim: jornalista não tem cara, mas a gente não estava exatamente como é o comum dos jornalistas: estávamos usando umas botonas, vestindo colete... King Jim: O Justino fez uma cena de sexo, pro mesmo clipe, na minha cama. No apartamento em que eu e o Chaminé morávamos. Os caras molharam a cama, pra dar todo um clima, e os dois pelados lá, abraçados. O Justino e a produtora do clipe – uma gostosa. De repente, batem na porta e vão ver quem é. Era a noiva do Justino. Ela perguntou por ele, e disseram que ele estava no quarto... Quando abriu a porta, deu de cara com a cena.
Justino Vasconcelos : No mesmo clipe, também fomos pra casa do Chaminé e do King gravar. Eu e uma mina. E eu tinha uma namorada tri ciumenta. Havia uma cena em que ficávamos sem a parte de cima da roupa. Nos molharam com água, pra ficar com cara de suor... Minha namorada apareceu por lá, pediu por mim, e o sacana do King Jim disse: “ah, ele está no quarto!”. Ela abriu a porta do quarto e só dava pra ver a cama em que eu estava contracenando – não dava pra ver a produção do clipe. Ela teve um ataque! Como no outro dia a banda estava indo de muda pro Rio de Janeiro, acabou o namoro... Carlinhos Carneiro: Eu não escrevi “E Por Que Não?” A primeira letra se chamava “Minha Filhinha”, e foi essa que eu escrevi. “E por que não?” é a filha bastarda dessa música: uma remendada que eu dei em cima da hora de gravar – porque a minha mãe não podia nem ouvir eu cantando aquilo. A ideia surgiu quando estava ouvindo Richard Hell e lendo a letra ao mesmo tempo. Tem uma música “The Plan”, que fala sobre a ideia dele de ter uma filha. Convidar a garota certa pra que juntos eles tenham uma filha. Criar essa filha com o intuito de têla como a amante perfeita. O que no fundo era uma coisa bacana. A ficção, o teor que ele dá à coisa. Esse negócio de amar a filha e têla como uma amante perfeita, criar a amante perfeita, esse pensamento machista é bacana. Mano Changes: A história de fritar um sonhinho em “Detetive” é verídica. A gente estava na praia do Cardoso, no Farol de Santa Marta, e fomos tomar banho nas piscinas naturais da Cigana. Eu enchi o pé de ouriço, e falei pros caras: “vão indo na frente pra fazer o rango, que eu vou caminhando na boa”. Nisso, um velho meio babão começou a puxar papo comigo. E ele dizia: “do lado da minha casa tem um terreiro de umbanda. Eu era de Canoas, me aposentei e vim morar aqui no Farol”. Então o velho falou que nas férias sempre trabalhava na padaria do Farol, e a única coisa de que ele não gostava de fazer era fritar um sonhinho. Colocamos isso na letra de “Detetive”: “teu pai, na boa, acho que frita um sonhinho”.
TIPOLOGIAS E DESCRIÇÕES Fernando Pezão: Eu era fã do Chaminé. Ele já era uma lenda em 70. Fiapo Barth: Valter Scalp foi o maior criador de estilo em Porto Alegre. Ele fez o visual do Urubu Rei, o visual da new wave, e de toda a modernidade. E do punk, do punk de butique, que surgiu junto com a new wave. Era uma pessoa culturalmente muito atuante. Foi o rei da vida noturna na capital. Grandes festas, nos lugares mais insólitos – como no cinema Castelo, que foi memorável. Uma delas foi num lugar que se chamava Dragão Verde, e que depois virou Dr. Smith. Duca Leindecker: Os caras da Bandaliera me convidaram pra gravar o primeiro disco, que se chamava “Nosso lado animal” e tinha quatro faixas. Fiquei na banda e ainda gravei o disco “Ao vivo”. Fizemos centenas de shows e depois eu saí, em 92. Quando o Marcinho adoeceu, eles me chamaram de volta pra banda. Aconteceram shows memoráveis, como no Araújo Vianna, em que a gente começou a tocar em cima da concha do teatro. Branca: Eu tocava completamente doidaço. Doidão, alcoolizado. Solava a guitarra com os dentes. De repente, resolvi fazer uma banda na qual pudesse pôr essa agressividade nas letras. Foi quando apareceu um cara chamado Gustavo Brum, que me disse: “Branca, vamos fazer uma banda punk?” Nos reunimos e formamos o Pupilas Dilatadas. Cida Pimentel: Eu tinha onze anos quando assisti o show do Liverpool na praça Júlio de Castilhos. Lembro de estar saindo do colégio com meu pai, quando vi que estava rolando um muxixo na praça e pedi pra ele me deixar ver um pouco. Meu pai era grosso barbaridade! Rock, pra ele, não existia. Mas ele atravessou a rua comigo e viu que tinha um aleijado na banda. Isso foi a primeira coisa que chamou a atenção: um guri muito bonito estava cantando, e ele tinha um problema nas pernas: era o Fughetti. E se mexia pra caramba no palco. Frank Jorge: Olhando pro passado, tu encontra uma banda ou outra em Porto Alegre: Liverpool, Os Brasas, Bixo da Seda. Mas, cada uma, com sua trajetória específica.
Quando nossa turma começou a tocar, por exemplo, o Saracura ainda existia. Eles tinham uma linguagem rock. Acho que é uma das bandas mais esquecidas daquela época. Pra nós, foi o primeiro referencial de uma banda porto-alegrense que não tocava MPB. Duca Leindecker: Cau Hafner foi um dos caras mais importantes pro rock gaúcho, com certeza. E morreu fazendo o que gostava. Ele foi o primeiro de Porto Alegre a ter um equipamento de som decente. E ainda fez shows antológicos com o Taranatiriça. O Tara foi a grande banda da geração que veio depois do Fughetti. A formação Alemão Ronaldo, Marcelo Truda, Paulo Mello e Cau Hafner não tem palavras. Dante Longo: Lembro de ter visto um show dos Replicantes no B-52, no meio dos 80. Eles estavam no início. Eram a banda punk de Porto Alegre. E na época tinham pessoas que levavam esse negócio bem à sério. Nesse show do B-52, lembro que tinha um cara, o Cachaça, que ficava na frente do palco, levando o lado retardado do ideal punk às últimas consequências. Ele cuspia um lance verde no Wander, como se o Wander fosse o Johnny Rotten, que durante os shows dos Pistols cuspia e levava cusparadas também.
"Com toda a manha do timbre": M arcinho Ramos com a Lory F. Band no show Sinal de Alerta, em 1993 (Rock, luz, velocidade)
Heron Heinz: Na verdade o Replicantes nunca foi punk. Embora, o que é ser punk? O cara pode
ser um baita de um bundão reacionário, católico, cristão e andar com as calças rasgadas e com um moicano – mas isso, na verdade, pode não dizer coisa alguma. Humberto Gessinger: Uma viagem emblemática do início dos Engenheiros foi a que fizemos de ônibus, com os Garotos da Rua e os Replicantes, pro interior de São Paulo. Na frente, os Replicantes, punks, com aquela conversa niilista: “o negócio é não tocar porra nenhuma!” No fundo, os Garotos, uns caras mais positivistas. E no meio do ônibus, nós: sem entender nada e sem conhecer ninguém. Nesse esquema, fizemos juntos várias cidades do interior de São Paulo. Viajando e sentindo o clima de duas visões extremamente diferentes sobre o rock. Juarez Fonseca: Os Replicantes eram e continuam sendo uma banda rock. É uma banda tipo hobby. Mas eles não são punks, nunca foram. A música é punk, o som é derivado do punk, mas eles não são punks. Mesmo porque, é como o Angeli diz: com mais de 18 anos não se pode ser punk. Duca Leindecker: O Marcinho Ramos era um guitarrista genial. Que sabia tirar o som da guitarra. Tinha toda a manha do timbre. E era um cara divertido, engraçado, e fubango pra caralho – um cara totalmente, literalmente rock’n’roll. Eu admirava ele, mas não tinha noção de o quanto ele era foda. Eu me enquadrava num padrão hard rock, de guitarristas virtuosos, muita poluição sonora... E o Marcinho era muito mais do que isso. Não era um virtuose: ele tinha sentimento. Paulo Mello: O Marcinho viajou muitas vezes como operador do Taranatiriça, antes de tocar guitarra na Bandaliera. Ele foi o primeiro cara que eu vi destruir uma guitarra de tanto tocar! Foi quando percebi que, pra tocar guitarra bem, não era preciso ser nem americano nem uma espécie de Jimi Hendrix. João Vicenti: Eu não diria que há uma sonoridade pop-gaudéria nos discos do Nenhum de Nós, mas no show isso fica mais evidente. Muito por causa da gaita. Tu enxerga a gaita, e visualmente, já identifica o elemento regional. No início, quando a gente tocava em outros Estados, havia um certo estranhamento nesse sentido. Mas achamos que isso já está tão inserido na sonoridade da banda, que agora serve como uma identificação do som. Veco Marques: Muitas bandas, quando vão misturar o pop com alguma coisa folclórica, seja no Rio Grande do Sul ou em outro Estado, acabam pecando pelo exagero. Quando, por exemplo, fazem
uma milonga pop, colocam guitarras pesadas... Daí fica uma coisa falsa, caricata. A gente sabia que a fusão do pop com a música regional era possível. O som do Nenhum, desde o primeiro disco, tem acordeões e violões, então foi natural encaixar essa sonoridade com as guitarras. Carlos Maltz: Uma coisa é fazer a transição do regional pro pop, outra é colocar elementos da música tradicionalista no rock. Foi o que pensamos: “vamos ver que elementos podemos usar pra identificar de onde somos”. Sady Homrich: Isso não é uma bandeira. É a busca de uma sonoridade própria. Os elementos que fazem parte da nossa cultura musical estão todos dentro do nosso trabalho. Cida Pimentel: Santo Ângelo é uma cidade que promove muitos shows coletivos. Em 86, fizeram um festival de rock por lá – tudo por causa do Rock Grande do Sul e do Rock Unificado. Fui pra lá com a Bandalieira e os Replicantes. E foram cinco horas de viagem – as mais engraçadas do rock gaúcho. Os Replicantes eram punks e o Alemão Ronaldo os chamava de darks, porque se vestiam todos de preto. E o Duca Leindecker tinha quinze anos, usava aparelho nos dentes e tocava pra caralho. Heron Heinz: Nunca nos iludimos e nem vivemos o sonho do rock. Porque na verdade nenhum de nós vai deixar o seu emprego por causa da banda: ela já tem um espaço fixo na nossa vida. Ela existe pra nós mesmos. Gaby Benedyct: Um dos melhores produtores culturais em Porto Alegre, que merece todo o nosso reconhecimento, por tudo que levou nas costas, é o Egisto. Tudo bem, ele tem um geniozinho que de vez em quando irrita, mas ele fez. Isso ninguém pode negar. Porra! Ele botava equipamento a fudê na roda pra galera e sempre acabava com tudo detonado, no final das contas... O problema é que ele tinha uma língua muito foda e as pessoas ficavam de cara com ele. Mas ele tem bom coração! Marcelo Birck: A Graforreia era isso: Jovem Guarda fora de controle. Frank Jorge: O Marcelo era muito bom em juntar uma música na outra. Se tinha uma música que não estava acabada, ele vinha com uma outra, nada a ver, e juntava as duas ou três numa só. Como fez em “Patê”, que começa meio baião e depois tem uma terceira parte... O Birck era campeão nisso. Esse lance da Graforreia ter três ou quatro partes por música, diferentes andamentos e rupturas,
está muito vinculado a ele. Na banda todo mundo se divertia fazendo aquilo, e começou a se tornar uma coisa natural pra Graforreia: fazer disso o nosso som. Daqui a pouco, o que era a ideia principal do Marcelo se tornava natural pra todos. Marcelo Birck: Uma pessoa muito importante no meio de tudo isso e que deve ser citada é o Leandro Blessamann, compositor amador e criador da gravadora Benga Music. Ele chegou a fazer gravações da Graforreia Xilarmônica. Frank Jorge: Tocávamos Roberto Carlos nos shows com muita naturalidade. Depois de algum tempo, a banda formou um público em função da Vórtex. Não é exagero dizer que a Graforreia foi a primeira banda a falar de Jovem Guarda em Porto Alegre. Bandas como TNT e Cascavelletes mostravam uma influência mais de rock’n’roll mesmo: Stones, Beatles... Marcelo Birck: Na década de 80, a Jovem Guarda era pra ser esquecida mesmo. Utilizando essa referência, o que a Graforreia fez foi colocar uma postura agressiva que percebíamos na Jovem Guarda, adequando-a ao nosso estilo. Num show no Araújo Vianna, tocamos uma música do Roberto Carlos, o público não gostou e retribuiu tocando moedas na gente. Choveram moedas. Ivo Eduardo: Tinha uma banda esquisita, que tocava música brega, chamada Prisão de Ventre. Lá estavam o Luís Henrique Tchê Gomes, o Felipão, o Marcelo Birck e o Frank Jorge. Alexandre Barea: Os Cascavelletes tomavam muita boleta nos ensaios, já cedo da manhã. Tinham as receitas básicas: do caminho de casa pro ensaio, passávamos na farmácia e comprávamos umas bolas. E uma garrafa de vodka – isso às dez da manhã! Misteriosamente, o ensaio era sempre nesse horário. Na hora de tocar, já estávamos enlouquecendo: rockabilly, punk – o que a gente sabia. As letras falando cada vez mais de besteira, todo mundo caía na gargalhada, e ficava. O critério era esse: se a música fosse engraçada. Me disseram que o nosso som era igual ao que se faz hoje, no funk carioca, mas eu discordo. Porque, mesmo que fosse apenas puro deboche, a gente nunca falava diretamente. Era uma bobagem do tipo “Banana Split”. Flavio Basso: Quando começamos os Cascavelletes, eu e o Barea estávamos voltados pro punkabilly. Mas, como eu tinha uma escola de iêiêiê não apenas brasileira, mas de Beatles – na veia – e também Stones, surgiu toda uma gama melódica. Já o Nei Van Soria teria acrescentado uma parte
country. E o Frank Jorge, a coisa meio brega – mas não seria essa a palavra... – e o iêiêiê, também. Talvez os Cascavelletes estivessem uns dez anos à frente na combinação da poesia e sonoridade... Nei Van Soria: Os Cascavelletes tinham uma coisa forte de libido que talvez estivesse à frente do seu tempo... Quando o TNT começou, antes de sairmos da banda, a galera ainda era muito nova. Por isso não entrávamos muito nesses assuntos. Paola Oliveira: Os Cascavelletes sempre estavam rodeados de mulheres. Comprovei isso numa viagem que fiz com eles em 88. Era uma banda que, por onde passasse, a mulherada, as tietes iam atrás. Eles eram glitter. Uma banda erótica, e isso era o grande sucesso. Acho que foi isso que fez com que ela acabasse, porque foi uma banda muito oito ou oitenta. Astronauta Pinguim: Eu e o Plato fomos tocar em São Paulo. Agosto de 97. E eu nunca tinha ido tocar lá. Fomos de ônibus – dezoito horas de viagem. Entramos no ônibus e tinham dois religiosos perto da gente, que iam a viagem toda rezando. Preces, coisas assim, em voz baixa. E o Plato tem aquele costume dele, de andar com umas fotos de putaria pra cima e pra baixo. Aí o Plato entrou numas, não sei a troco de quê, de que ele estava sendo perseguido pelos religiosos. Uma hora eu fui chamar o Plato, e ele: “pshhh! Não me chama de Plato, me chama de Celso, porque eles não podem saber que eu estou aqui, eles estão me perseguindo!” Numa das paradas no meio do caminho, sentamos numa mesa de quatro lugares. E os religiosos sentaram nela também, porque não tinha outro lugar. A primeira coisa que o Plato fez quando eles sentaram foi pegar as fotos e colocálas em cima da mesa. E, com aquele jeitão peculiar, falou pra eles: “dêem uma olhada nessas fotinhos que eu tenho aqui... Safadeeeeza!” E os caras, apavorados: “não, não, muito obrigado!” Flávio Santos: O Plato já entra no rol dos bizarros. Mas é uma figura extremamente inteligente. Ele tem todo esse lado louco, que produz pra caralho, mas que sofre com isso. Coisa que o Edu K também tem: de ter muita produção, muita ideia, sem ter o respaldo merecido. Zé do Trompete: Foi o Plato quem inventou o nome Zé do Trompete. Colocou o nome num cartaz de show, sem eu saber. O Plato é muito louco! Eu tocava com a Urro, vi o cartaz colado numa parede e pensei: “não sei quem é esse tal de Zé do Trompete, mas ele toca trompete também... Vou lá ver”. Fiquei curioso.
Quando cheguei no show, o tal Zé do Trompete era eu mesmo! Tive que fazer um som! Também tive a oportunidade de tocar com a Lovecraft, uma banda maravilhosa que o Plato teve. João Gordo: Um exemplo bem clássico de gaúcho é o Edu K. O cara é um mutante. Toda a hora é uma coisa diferente: uma hora ele é Paulo Ricardo, outra hora ele é Chili Peppers, outra hora ele é metaleiro, outra hora ele é punk, outra hora ele é produtor de hip hop, tiazinha, mulher. Ele e o Miranda são os exemplos clássicos de gaúcho. Juarez Fonseca: O Edu lançou aquele negócio de cabelo moicano por aqui. Por causa do cabelo dele, levei o Edu pra Célia Ribeiro, pra fazer um ensaio fotográfico. Ele foi lá, e achou ótimo. Se dependurava nas grades de luz da Zero Hora, fazia poses, não sei como não botou tudo abaixo. Zé Natálio: O Edu usava unhas pintadas, batom, glitter. Eu olhei e disse: “uau, o que que é isso, cara?” O lance dele é pegar uma coisa raiz e transformála numa excentricidade. Tonho Meira: O Edu andava pelas ruas de saia. Parava o trânsito. Eu nunca caminhava junto com ele, porque eu ficava vendo a reação das pessoas e ficava me divertindo pacas. Parecia aquelas pegadinhas, era de filmar a reação. O cara de meia calça, saia, o cabelo empinado pra cima, reto. Aquele corte punk, careca dos dois lados e só um filete de cabelos pra cima. Thedy Corrêa: O De Falla teve uma importância muito grande em termos de atitude. Poucas vezes vi no Brasil uma banda com a atitude como a que o De Falla tinha. Pude ver isso num show antológico que eles fizeram no Aeroanta, em São Paulo. Era no tempo em que o Edu estava naquela de misturar música negra com Doors... Ele subia ao palco de terno e gravata... E, no decorrer do show, ia se despindo. Quando a apresentação terminava, ele estava somente de cinta-liga e sutiã preto! Preta Pereira: Eu e o Claudinho morávamos lá rua da República, no número 138. Da minha cozinha eu enxergava a porta da frente, que tinham dois vidros de abrir, pra ver quem entrava. Bateram na porta, e eu olhei. Meu pai estava comigo na cozinha. Eu disse: “pai, vai abrir a porta pra mim, é o Edu K”. E ele foi abrir. Quando abriu a porta e deu espaço pro Edu passar, meu pai ficou besta, olhando. O Edu com a perna cabeluda, com um coturno todo furado, uma saia da mãe dele, um top e uma camiseta por cima. E com aquele cabelo escova que ele usava.
Meu pai ficou besta, porque nunca tinha visto ninguém assim na vida. E gritou lá do fundo: “o que é isso!?” E eu: “pai, esse é o Edu”. E o meu pai: “não, pra mim isso é puto!” Depois, os dois terminaram amigos. Flávio Santos: A fase que eu considero banda mesmo no De Falla, em que as composições eram feitas entre todos, é a do primeiro e segundo disco. O Edu pirando sempre na dele, enlouquecido. A partir do terceiro, ele tomou conta da banda, e praticamente todas as músicas eram dele. Ele nos creditava as músicas, mas na verdade ele chegava já com a ideia toda pronta, e nós tocávamos da nossa maneira. É claro que o arranjo acabava ficando diferente do que ele pensava; se ele tocasse todos os instrumentos, o resultado final provavelmente seria outro. Edu K: É um processo que eu adotei no tempo da Biba, de ser o ditador filho da puta. Hoje em dia eu sou um velho gagá, mas antes eu era muito porra louca. Flávio Santos: O lance do Edu é que ele queria divertir e passar diversão. Mas claro que ele sempre teve aquela maneira, grosseira talvez, que às vezes assustava as pessoas. Hoje todo mundo dá risada, mas na época chocava um pouco: como no lance de ficar pelado no Hollywood Rock pra milhares de pessoas. Ninguém sabia que ele iria fazer aquilo, nem nós e nem ele mesmo. Não foi uma coisa planejada: ele decidiu na hora. Biba Meira: Várias pessoas ficavam chocadas com o Edu. Até nós, que éramos da banda, ficávamos chocados algumas vezes. Ele saía na rua com os vestidos da mãe dele, com uma bolsa de verniz que também era da mãe dele, de coturno... De vez em quando ele colocava um maiô... Uma vez, num festival em Serafina Corrêa, uma gauderiada se indignou com ele. Tivemos que sai correndo: queriam dar uma tunda nele, chamavam ele de veadão, e os neguinhos de facão, ameaçando o Edu. Carlos Eduardo Miranda: A viagem musical do Urubu Rei era uma viagem dadaísta. Era uma justificativa teórica de verdade, só que a gente não podia falar pras pessoas. Mas, entre nós, estávamos cientes disso – conceitualmente. E as pessoas começaram a gostar... A partir daí fizemos um monte de músicas e shows. As gurias nos vocais, todas fantasiadas, e nós tocando uma música horrivelmente tosca. Desafinação total, e o público achando aquilo do caralho. Com o tempo, a gente começou a levar aquilo a sério, também. Começamos a achar que éramos
uma banda de verdade! Edu K: O Miranda tinha um humor negro, nos escorraçava, porque éramos todos uns piás de merda. Mas a gente adorava aquilo: porque o Miranda virou uma espécie de ídolo nosso. Patsy Cecato: Nos anos 80, a tendência era de colocar elementos cênicos na música, a tendência artística mundial era o fragmento, era a pós-modernidade. E o que era a pós-modernidade? Nesse ponto eu acho que o Miranda estava bem no tempo dele, é uma coisa que não se pode negar. A pós-modernidade era a obra construída a partir de vários fragmentos e tendências. Não havia uma preocupação com a coisa inteira, nem com uma narrativa tradicional – de começo, meio e fim. A ordem cronológica era alterada: os espetáculos eram formados por quadros, a criação era coletiva e as histórias não eram mais contadas num único fio condutor. Flávio Santos: Na verdade, a biblioteca musical de Porto Alegre, até ele ir embora daqui, sempre foi o Miranda. Era o cara que comprava os discos, ia atrás das coisas novas, dos importados... Marcelo Birck: Uma das coisas com mais atitude que vi o Miranda fazer num show, foi comer bolacha e devolvê-las pro público cuspindo! Aquilo me chocou de verdade. E era, no mínimo, engraçado. Outra coisa importante foi ter usado, pela primeira vez em Porto Alegre, um teclado programado – num show do Taranatiriça. César: Uma das bandas mais inovadoras que apareceram na cidade foi a Mequetrefes Suplicantes, a banda do Jackson. Uns caras que mereciam ter se dado bem. O Jackson era o baixista, um cara muito louco, que usava roupas de palhaço. Numa apresentação deles, no Porto de Elis, eles fizeram o show usando uniformes do DMLU. Rolava um bolo assim: o Edu K imitava o Jackson, e o Marcelo, um cara que frequentava o Garagem, imitava o Edu K. Paulo Arcari: Pô, o Flavio, o Júpiter Maçã, o Jupiter Apple – ou seja lá quem for – é um cara que dispensa comentários. Grande compositor. Um nível lisérgico bem elevado, que muito contribui pra uma banda de rock. Bia Werther: O Júpiter Maçã foi esquecido dentro do Megazine uma noite. Ficou até às duas da tarde no bar, sozinho... Rolavam umas loucuras... No andar de cima era a nossa produtora e um
brechozinho. Então os vips iam pra cima fazer coisas erradas durante a noite, e alguns adormeciam. O baixista do Planet Hemp também ficou esquecido lá dentro uma vez. Márcio Petracco: Entrávamos na gravadora cabeludos, vestidos de preto, botas de cowboy. E os caras, acostumados com Balão Mágico e José Augusto, nos tiravam pra metaleiro, diziam que não íamos vender discos. Quando chegávamos nas bocas punks de São Paulo, nos olhavam e diziam: “esses caras a gente viu no Gugu. São umas bichinhas da gravadora!” Os alternativos nos tiravam pra putinhos e os putinhos nos tiravam pra alternativos. Egisto: Colarinhos Caóticos é uma banda renegada. Acredito piamente que daqui a vinte anos vai ser uma das mais procuradas e regravadas do rock gaúcho. Não tanto pelo valor musical, mas pela experiência. Procurar novas opções pra testar aquela vida que o sistema te deu – é o que dizem, em geral, todas as letras da banda. Ricardo Barão: Teve um tempo em que o Câmbio Negro tinha uma formação só pra fazer briga de rua. O Mitch era faixa-preta de caratê, e o outro guitarrista, lutador de aikidô. Arthur de Faria: Quando a Pop Rock ainda se chamava Felusp, promovemos um show no Opinião com participações bem esquisitas – comoventes. Entre elas, um cara de Pelotas, o Luciano Mello, que tinha um hit na rádio: “Célio Borges, o Gaudério Lunático” – uma milonga tecno. Eu, na época, estava com a banda Complexo de Épico. A gente fazia um show só de músicas do Roberto Carlos, que se chamava “Olha o que nós fizemos na canção que você fez” – subvertendo as canções do Rei. Outra banda era a do Diego Medina, a Doiseu Mimdoisema, que pela primeira vez estava subindo num palco. O Diego ficou muito emocionado por estar ali e nos beijou tanto, o pessoal da rádio – ele estava numa felicidade absurda! Devia ter uns dezoito anos, e sua euforia era incontida. De cara, não tinha bebido nada, não tinha feito nada. Não era nem deslumbre: era a mais profunda felicidade. A Doiseu tinha feito um show muito legal – e a gente fugia dele pelos corredores do Opinião, porque todo mundo que de alguma forma estava ligado a essa explosão de felicidade era atacado! Márcio Petracco: O TNT ia fazer um show com o Prisão de Ventre no colégio. E os caras, então, chegaram num ônibus de linha, fantasiados. Um visual assim: os instrumentos pendurados na correia, os cabos plugados nas guitarras... Eles andavam assim na rua!
Claudinho Pereira: O Renato Russo – ele era fã de gnomos e duendes – um dia foi me visitar em casa. Tinha um show do Legião no Gigantinho. Aí fomos pro sítio do Moreirinha, ele tinha um estúdio lá. Chegamos e o Renato começou a cantar uns blues maravilhosamente. Foi quando apareceu o Moreirinha – que não estava quando a gente chegou – detonando: “quem é esse cara mexendo na minha aparelhagem!? Tirem ele daqui!” E nós: “mas, esse cara é o...” E ele: “não quero saber quem é!” No outro dia, o Moreirinha chorava... Porque o ídolo dele era o Renato Russo, e tinha feito aquela grosseria toda com ele. Mini: Os shows da Ultramen no Porto de Elis, em 92, tinham muito rock, hardcore e punk rock. A Walverdes tinham vontade de causar nas pessoas o mesmo efeito que a Ultramen nos causava quando víamos aquelas apresentações. O show deles era impressionante, muito do caralho. E não foi somente nós, não: muita gente que assistiu àqueles shows também acabou montando uma banda. O troço era brutal! Produziu o espírito. Mas não tinha muito a ver com o som deles hoje – era um som mais de garagem. Humberto Gessinger: Quando o Augusto Licks chegou em Porto Alegre pra gente ensaiar, fui buscar ele no aeroporto. Uma coisa que nunca vou me esquecer. Ele estava com uma camisa Us Top xadrez, e falou assim: “cara, tudo bem, eu faço tudo, só não gasto grana com roupa. O dinheiro que eu gasto é com equipamento, não quero saber de imagem”. E eu pensei: “caralho, esse é o cara que eu quero pro Engenheiros!”. Seis meses depois de fazer aquela afirmação, o Licks tinha adotado um visual: oclinhos, camisa branca – ele tinha criado um personagem. E foi do caralho! Porque, tipo assim, ninguém que entrou na banda teve a mesma sacada que ele. E logo ele, que parecia não se importar com isso! Edu K: Tinha um cara na RCA que respondia pelo nome de Barriga. Ele era um cara muito foda – um produtor dos melhores. O Barriga era músico de estúdio, um cara pioneiro na exploração de efeitos: cry baby, fuzz, distorção... Heron Heinz: O Barriga nunca quis mudar o som dos Replicantes. Ele entendia a proposta: viu que o negócio era energia – e não técnica.
Luís Henrique Tchê Gomes : O Reinaldo Barriga é um nome básico pra cena que rolou em Porto Alegre nos 80. Ele nos dava as manhas, nos apresentava instrumentos e nos dava barbada sobre timbres... Edu K: O cara era cara pioneiro na exploração de efeitos... Ele topava todas! Régis Sam: A saída do Moreira dos Argonautas foi uma coisa meio escabrosa. A gente estava começando a gravar o segundo disco, e o Moreira veio com um papo de querer mudar o nome da banda. Toda ordem, perguntei o porquê, já que o primeiro disco tinha sido gravado com aquele nome. E ele respondeu que, se não mudássemos, ele sairia. Ninguém entendeu o motivo. Então nos reunimos, ele pegou um papel e escreveu o nome “Argonautas” ao inverso: “esse é o motivo pelo qual eu quero sair da banda”, ele disse. Mas ninguém entendeu. Ele explicou: “tem satanás no nome, e eu não posso tocar numa banda que, de alguma forma, vangloria o demônio. Eu tô fora”. Acabou que ninguém queria mudar por causa de uma coisa dessas. Astronauta Pinguim: Os Argonautas estavam conseguindo coisas que uma banda instrumental dificilmente consegue. Aí, tivemos uma reunião pra gravação de um disco: acertar detalhes, ver datas. O Moreira chegou e falou: “nem vamos começar a reunião. Olhem pra isso!” Ele me mostrou: estava escrito num papel, num panfleto tipo esses flyers: “Os Argonautas” – e um tracinho embaixo de cada letra. E disse: “olha isso. Tu não tá vendo que quer dizer satanás?” É que se tu ler Os Argonautas de trás pra frente e tirar cinco ou seis letras, se lê satanás. E eu: “tá, e aí?” E ele: “não vou tocar numa banda com esse nome. Vamos mudar!” Eu disse: “olha cara, eu não tô afim de mudar o nome...” E banda acabou. Mini: A gente tinha mania de andar com amigos e ficar bebendo somente entre nós. Então, ficamos com a fama de antipáticos. Por causa disso, até hoje a Walverdes é vista como uma banda séria. Porque o que acontece é que o cara não monta uma banda pra ser o nerd, ele monta uma banda pra ser o fortão. Não éramos antipáticos, e sim de canto. Não ficávamos batendo um papo social. Rafael Malenotti: O Tom Belmonte conta muitas histórias. Uma delas é que era sobrinho de um
lobisomem. É por isso que na música “Merda de Bar”, da Comunidade, tem uma parte que diz assim: “Borboleta eu também curto, o sobrinho tem boa voz, principalmente quando canta...”. Mano Changes: O Tom Belmonte tinha um tio que ele dizia ser um lobisomem. Parece que rolavam pratos de comida por baixo da porta... O tio dele era muito selvagem. Em noite de lua cheia ele dava umas uivadas: “aúúú...”. E apareciam bichos mortos na fazenda, marcas nas coisas... É por isso que ele é o sobrinho. Está na letra de “Merda de Bar”. Fredi Endres: Com vinte e poucos anos, o Tom dizia que já tinha morado em mais de dez cidades. Nós não entedíamos como. Ele contou que, em Itaqui, muitas pessoas tinham visto a cabeça de um monstro no rio da cidade: o Minhocão. Os mergulhadores foram verificar a existência do Minhocão e foram percorrendo um túnel, e esse túnel foi parar embaixo da igreja. A lenda dizia que o monstro comia os pecadores! No fim de 2000, fomos tocar nessa região de Itaqui e uns malucos que vieram pedir autógrafos confirmaram a lenda do Minhocão. Segundo eles, não era invenção. Inclusive, o cara que confirmou a existência do monstro é o mesmo que viu o motoboy assassino antes de ele ser pego! Humberto Gessinger: Se fosse pra entender alguma coisa da história dos Engenheiros, seria o lance individual, de não fazer parte de nenhuma panela. Mas não por arrogância: por necessidade artística mesmo. Acho que é assim que se infiltra o muro.
DEU PRA TI ANOS 80 Flavio Basso: Quando eu saí do TNT pra formar os Cascavelletes, o exercício de composição estava começando a se mover pra um outro lado. Novas pesquisas... Os Cascavelletes eram um pouco mais pesados. Eu gostava da parceria Master-Basso, Basso-Master... Mas acho que eu já tinha uma ligação mais pra estética do underground... E eu havia passado a viver intensamente a boemia. Foi um longo período em que os garotos no TNT iam dormir mais cedo... E eu ia dormir na casa de outra pessoa. Os garotos pegavam a grana deles, iam comprar roupas e discos... Eu também fazia isso, mas... Eu submergia. O la bohéme, aquela coisa cafés, barulhos, tilintares, copos, burburinhos, cigarros, fumaça, eu fui com tudo... E acabei me identificando com outros caras. O Barea era um deles – mas ele era heavy metal. Chegou numa hora em que houve uma intersecção: eu vivia a coisa mais poeticamente, e o Barea, mais decadentemente, mais metaleiramente. Agora: o Frank Jorge era a nossa liga artística. E o Nei, não tão boêmio, chegou e completou tudo. Então, a essa altura, com dezenove anos, eu estava mais identificado com essa nova turma de rapazes. E a gente tinha essa coisa de grupos de pessoas. Essa turma tinha mais a ver comigo do que a anterior, apesar de eu não deixar de gostar da musicalidade do TNT. Luís Henrique Tchê Gomes : A separação do TNT não foi muito amistosa. O Flavio Basso ficou com o lado mais psicodélico e sexy da coisa. Os Cascavelletes ficaram mais Stones e o TNT mais Beatles... Uma coisa mais de caipiragem americana, baladas roqueiras... King Jim: O fato dos Garotos da Rua morarem todos no mesmo apartamento, fora de Porto Alegre, foi um grande teste. Um sempre tinha um certo antagonismo com o outro: era mulher, empresário, sogra, papagaio, mais de vinte pessoas num apartamento. Ou a gente ganhava uma grana e cada um alugava um apartamento pra si, ou a banda acabava. E graças a Deus, eu ganhei uma grana, e foi cada um por si... Conseguimos passar essa fase, e apesar de todos os gastos com orgias, eu ainda conseguia ganhar uma certa grana. Um imóvel aqui, um instrumento ali... Uma vida vivida intensamente, com muita diversão... foi muito bom. Hoje, é difícil que uma banda consiga isso. Hoje, a banda faz sucesso aqui, mas não consegue fazer sucesso no centro do país, como
acontecia na década de 80. Os músicos preferem ficar aqui, porque o mercado daqui é melhor, e te permite curtir as coisas por aqui. Existe essa visão de fazer sucesso no Brasil inteiro, se vai pra RioSão Paulo, e daqui a pouco, a banda vai se desmanchando. Muitas tiveram esse fim, dezenas de artistas. Tu chega lá, e a gravadora te coloca num apartamento. Não se ganha dinheiro da gravadora: elas não te pagam um salário. Alexandre Barea: A fase em que os Cascavelletes teve música em novela, “Nega Bombom”, foi o início da decadência da banda. Tanto musical quanto psicológica. A gente não estava mais se divertindo, e não tinha aquela energia bruta do início – o que mais nos empurrava. Uma energia pura, que a gente não sabia nem como lidar. Depois nós tentamos ajeitar a nossa carreira, acertar as músicas, pensar em direcionar as canções ao gosto do público. Isto decretou a decadência total. Pra mim, os Cascavelletes de verdade eram os primeiros quatro anos – o resto foi um arremedo. Foi uma coisa que tentou se arrastar em busca de uma identidade que não podia mais ser resgatada. Frank Jorge: No decorrer da trajetória dos Cascavelletes, eu simplesmente fui ficando. A gente foi se enturmando, lógico, mas eu sempre tive uma noção de que estava na banda errada, tocando com caras estranhos ou com umas ideias muito diferente das minhas. Então eu sentia um certo desconforto, por ser um cara dos Cascavelletes e não ter espaço pra botar muito da minha percepção – muito das coisas que me influenciavam, da minha maneira de enxergar as coisas e o mundo. Susi Doll: Tinha um baita folclore em cima das Ninfrodizíakas – uma banda só de garotas... Nós achávamos tudo aquilo ótimo. Viagens pro interior, trago liberado... Uma maravilha. Mas eu sei que muita mulher junto não iria dar certo. A fama veio antes de a gente saber tocar. Aí, gerou um conflito. Mas foi bem legal. Gostei para caramba de fazer parte. Luís Henrique Tchê Gomes : Quando o TNT gravou o segundo disco, já sabíamos melhor por onde buscar as coisas. Eram muitos shows, grandes viagens, programas de TV: Chacrinha, Mara, Milk Shake, Juba & Lula, Globo de Ouro, Perdidos na Noite... Mas, no terceiro disco as coisas mudaram: o repertório, os espíritos, a gravadora apertando... Gente da banda que chegava dizendo: “vocês são burros, é assim que se faz” – e vinha com um popzão brabo. O Petracco foi o último a dizer que a banda tinha acabado. Márcio Petracco: Se casamento de dois já é foda, imagina de uma banda!
Flávio Santos: Eu pensava sobre o De Falla: “toco numa banda que não dá dinheiro. O que vai ser da minha vida? Gosto disso, mas e daí, o que vou fazer?” Pensava que teria de largar a música, partir pra outra. Em vários momentos, com certeza, pintou essa dúvida na minha cabeça. O Castor foi um que largou, abandonou, foi pra Maceió, e nunca mais quis saber. Ele foi até o disco Top Hits, com o Tonho cantando – sem o Edu. O Castor foi um cara muito importante. Carlos Maltz: Por volta de 93, 94, comecei a me ligar em outras coisas, como astrologia, e a questionar muito esse negócio de estar numa banda. Então as coisas caminharam numa direção que resultou num conflito entre os Engenheiros. Hoje reconheço que foi algo que eu mesmo provoquei pra que eu pudesse seguir a minha vida da maneira que eu precisava seguir. Olhando pra trás, vejo que acabei provocando a minha saída pra poder me desenvolver em outra direção. Coisa que eu não poderia ter feito se continuasse dentro dos Engenheiros. Humberto Gessinger: O momento em que realmente me caiu a ficha, a consciência de que estava vivendo de música, foi quando o Carlos Maltz saiu dos Engenheiros. Ele era bem mais inteligente e meio que tomava conta, na realidade. Hoje, é como se eu fosse um artista solo. Acho que ele ficava com a parte mais chata de ter uma banda, enquanto eu pensava que tudo poderia ser muito transitório. Mesmo assim, quando recebo aquela fichinha de hotel perguntando a ocupação, a caneta ainda pesa muito. Não me passa pela cabeça que ser músico seja uma profissão, nem ocupação. Eu me sentiria muito mais à vontade na condição de um ex-estudante de arquitetura respondendo aquilo ali... Marcelo Birck: A Graforreia não tem esse negócio de voltar, porque seria uma jogada de marketing se voltasse. Mas, o engraçado é que mal tinha acabado e já havia uma aura nostálgica de quando voltaria. Esse negócio de todo mundo tocar nossas músicas, e nós sermos os únicos a não capitalizar por isso, faz tu te sentir um otário. Edu K: A decadência faz parte da minha vida constantemente. Meu negócio é ir até o fundo do poço e voltar cuspindo merda. O De Falla virou uma marca, e depois uma entidade. Pra mim, o De Falla morreu nos shows que a gente fez na época do Hollywood Rock. Naquele show eu quis fazer o epitáfio da banda. Eu sabia que ia morrer ali. Então eu disse: “esse vai ser o show máximo em termos de repertório, em termos de visual, porque vai ser um dos últimos shows da banda”. A partir desse dia a banda morreu e renasceu das cinzas como uma entidade.
MINHA VIDA É UM PALCO ILUMINADO Marcelo Birck: Algumas vezes tu sabe que o show vai ser uma indiada. Mas, chegando lá, é mil vezes pior. Cida Pimentel: O primeiro show que eu vi foi uma ópera rock, em 1974, no São Pedro. O Morongo, dono da Mormaii, tocava teclado numa banda que se chamava Marihuana Man. Eu não podia sair de noite... Nem todas as gurias podiam sair. Mas fui até lá por causa de um carinha chamado Pepéko, que eu tinha conhecido. Nessa época, comecei a conhecer toda a turma do rock. E era mais divertido: ou tu ia no Juvenil, ou no bar Alaska. Como eu morava na frente da Ospa, que se chamava teatro Leopoldina e era do pai de uma amiga minha, meu pai me deixava ir ao teatro. A gente namorou todo o rock dos anos 70. Kledir: Os Almôndegas fizeram uma temporada de shows no teatro Vila Velha durante o verão de Salvador, em 1975. Era um grande acontecimento: os artistas baianos também estavam tocando... Só que nunca tínhamos estado na Bahia: ninguém conhecia os Almôndegas. Ainda nem tínhamos gravado disco. Nossa temporada era meio underground, porque começávamos a nos apresentar pela meia noite. Na nossa estreia somente um ingresso foi vendido. E quem comprou foi um gaúcho, de Santa Vitória do Palmar, que estava passando férias em Salvador: o Álvaro, um cara de quem ficamos amigos. Nem houve show, mas ele acabou ganhando o apelido de Cadeira Cativa, porque prometemos entradas grátis pra ele nas nossas apresentações pelo resto da vida. Até hoje o Álvaro vai nos espetáculos e, lá pelas tantas, grita: “ó, o Cadeira Cativa está aqui!”. Fernando Pezão: O Saracura fez shows em tudo que era buraco. Foi a primeira banda que fez grandes excursões. Não existia um circuito ainda. Leo Henkin: A última excursão do Saracura pelo interior do Estado foi em 1984: um show em Uruguaiana, organizado por umas freiras da cidade. Eu participava da banda como guitarrista convidado. A apresentação foi num ginásio, e eram as freiras mesmas que tinham produzido tudo. Divulgavam, colavam os cartazes e até mesmo organizavam o palco. Uma dessas freiras ficava pra lá e pra cá, botando faixas nas paredes, decorando... A freirinha subiu numa escada monstruosa e o Chaminé, mais pra lá do que pra cá, no trago, ficou embaixo da escada olhando as calcinhas dela e fazendo o sinal da cruz. E todos os caras da banda caindo na gargalhada.
Zé Flávio: Eu morava com o Kleiton e o Kledir no Rio de Janeiro: mais lá do que aqui. Mas eu sempre vinha pra Porto Alegre. E, em uma dessas vindas, por 81, 82, chegaram os caras do Saracura e me convidaram: “vamos tocar, tem show no Araújo Vianna”, e eu: “estou nessa!”. Eu estava por fora do que estava rolando em Porto Alegre. Era fim de tarde, e a gurizada andava muito louca: muita cachaça e comprimido. E eu estou tocando, anoiteceu, e de repente só vi uma garrafa estourar do meu lado. E dali um pouco, duas. Foi o pior show que eu fiz na minha vida... Sidito, el Magnífico: Eu estava assistindo esse show e via garrafões passando no palco. O Chaminé se escondeu atrás da aparelhagem, perguntando se a banda ia parar ou continuar. O que me chamou a atenção foi o Zé Flávio, que tocou com um lenço na cabeça. Levou mais de uma década pra sumir a onda hippie.
M oreirinha e Seus Suspiram Blues: o primeiro grupo de blues gaúcho em frente e verso num show lotado no Escaler
Nei Lisboa: Fiz um show numa boate em Bagé – mas boate no interior, às vezes, é um clube, um salão grande. Não era o caso dessa... Era uma boate meio afastada do centro. Uma boate black, uma portinha num porão, rolando soul direto. Boate cinco por sete, tomada de gente. E eu tocava um
violão que a caixa era um sarcófago, um troço enorme. Fui atravessando por aquela trupe dançando soul. Cheguei na frente, e me vi procurando em volta onde eu ia tocar. Não enxergava nada parecido com um palco. Até que consegui gritar pra um cara, o DJ – que na terceira tentativa me atendeu. “Eu vim pra tocar!”, e o cara: “não, não vai tocar não”. “Fui contratado! Vim tocar, sou o Nei Lisboa!” E ele: “tá”. Apontou pra um canto, onde tinha um pedestal. Perguntei pelo microfone e ele disse pra esperar. E fui tocar lá no fundo, com um microfone de aparelho três em um. Eu não vi que o fio estava arrebentado: peguei o microfone pensando que tinha o cabo um pouco mais longo e soltei os plugs lá de trás. O cara ficou puto da cara: “porra! Tá pensando o quê?”. Deu a volta na parede e veio me guindar! Eu só queria pagar a janta da gurizada: nessa hora, estava vindo o resto do pessoal e seguraram o cara. King Jim: A banda Swing, em que toquei com o Schneider e o Mitch, foi escolhida pra abrir o show do Van Halen em Porto Alegre. Os caras foram bem simpáticos: nos trouxeram umas garrafas de Jack Daniel’s, e na noite, nos mandaram uns champanhes. Foi dia 10 de fevereiro de 83. Metade das nossas músicas eram dos Beatles, o resto eram nossas. Depois do show, nos recolhemos à nossa insignificância: ficávamos olhando aquela batera Pinguim do Schneider na frente da batera do cara do Van Halen, que era uma nave... Sabíamos das proporções entre as duas bandas – mas foi muito bom. Fernando Pezão: O Saracura foi convidado a defender uma música na Califórnia da Canção, nos anos 80. E a Califórnia era completamente radical. O Saracura foi junto com o Mário Barbará defender uma música pra linha chamada Projeção Folclórica – onde, até então, nunca tinha havido uma banda tocando música regional com bateria. Quase apanhamos. Foi uma baixaria. Uma pressão brutal dos concorrentes nos camarins. Éramos o diabo no meio da história. “Isso não pode”, e coisa e tal. Tocamos e ganhamos. Carlos Eduardo Miranda: O Urubu Rei – na fase que o Júlio Reny estava na banda e ela estava boa de verdade – fez um show no Gigantinho. Cheio de arranjos, mais gótica, coisa e tal... O que não adiantou de nada: levamos uma puta vaia! Uma coisa com a qual eu já estava acostumado desde os tempos de Atahualpa y us Pânques. Depois disso, fizemos um show de enterro do Urubu Rei no Ocidente, com a Biba de volta na bateria. Posteriormente, eu ainda montei a Vingança de Montezuma, que era eu, o Edu K e o Claudinho – que era um puta psicopata do ritmo. Essa foi a penúltima banda que eu fiz em Porto Alegre. Mas depois dessa ainda fiz também o Três Almas Perdidas.
Ivo Eduardo: Tentei tocar nos Festivais do Colégio Anchieta. Mas as músicas de meus comparsas nunca passavam na seleção. Naquele contexto, surgiram bandas de rock como A Pôta, que tinha como integrante o Hique Gomes. Então comecei a conhecer músicos que tocavam rock. Um dos shows da Bosque das Bruxas, uma das bandas em que toquei, foi no salão paroquial da igreja Auxiliadora, junto com a Pôta. Carlos Eduardo Miranda: O Atahualpa estava viajando num Dodge que era do Flávio Santos. Tínhamos dois shows: um em Atlântida e outro em Torres. Paramos pra mijar e, daqui a pouco, só vejo vindo um vulto branco meio que flutuando. Eu falei: “caralho velho! Olha aquilo Ali!”, e todo mundo: “caralho!” Fomos pro carro e saímos fincado. Nunca ficamos sabendo que porra era aquela. Sidito, el Magnífico: Eu trabalhei de marinheiro na escuna de um primo meu em Santa Catarina, em Canasvieiras. Só tinha argentino! De dia eu era marinheiro e de noite tocava com o Flávio Medina em bar. Éramos só violão e bateria: um caça-níquel, caça-dólar. Mas os argentinos vinham e achavam tudo demais. Eles achavam tudo mais do que realmente era. E meu primo comprou, pra pendurar no barco, uma bandeja de samambaia – que estava com uns caramujos grandes. Eu peguei a planta e deixei cair no chão. Quando caiu, com os bichos junto, uma argentina já olhou achando que eu estava jogando búzios ou alguma coisa... Daí já juntou outro cara, e ela veio perguntando: “¿qué es esto?¿Son búzios?” Eu disse: “não, são caramujos. Eu leio caramujos”, em um belo portunhol. E aí começou a história. Tinha fila pra me consultar, e eu dava passe durante um pas seio de seis horas... É claro que tinha um monte de turistas vendo que era brincadeira – e a interpretação era a mais óbvia! Teve uma guria que foi incrível. Eu olhei pra ela e disse: “tu está querendo uma coisa muito importante na tua vida”. E ela: “si, si...”. É óbvio que alguém quer alguma coisa importante na vida! Daí continuava: “tu já teve uma decepção”, e por aí vai... E eles adoravam. Carlo Pianta: A inauguração da Terreira da Tribo foi um clássico. No dia, tocaram o Júlio Reny, a Km-0 e outras bandas: os caras pulavam, derrubavam as coisas, eram uns shows irados. Muito furiosos! Também tocaram a Prisão de Ventre, a Graforreia, os Replicantes e a Fluxo – uma banda com a qual eu toquei com a Biba, o Edu e o X. O Urubu Rei também ia tocar, e o Miranda já estava torto de tanto trago quando chegou a vez deles subirem ao palco. Ele foi subir uma escadinha que tinha pra chegar ao palco, deu uma paradinha e aquela porqueada! Subiu no palco com uma bonequinha e uma bandeira do Brasil...
Tocou uma ou duas músicas e pegou um extintor de incêndio... Bom... Eu, que estava indo embora, já previa o que ia rolar: o Miranda pegou aquele extintor e detonou em toda plateia. Cena dantesca. A galera toda espremida nos cantos. Foi um lance paradoxal: a inauguração do reduto do bicho-grilo pelas bandas mais anti bicho-grilo da época! Paulo Mello: Um cara de Santa Maria veio pra ver uma apresentação do Taranatiriça no Taj Mahal, e nos contratou pra fazer o show lá, num colégio de padres... Fui de ônibus de linha com o Marcelo Truda. Chegamos de manhã cedo, e o produtor veio nos buscar pra ficar na casa dele. O cara era fanático por rock. Nos levaram pra comer num lugar que tinha uns vinhos feitos lá mesmo, e começaram a largar muito vinho. E vinho... Chegou na hora de tocar e o Marcelo dava umas erradas que ele nunca dava. Então a caixa de som dele estourou, e ele teve que ligar a guitarra direto na mesa. Eu continuei tocando – até que estourou o meu. Liguei direto na mesa também. O Marcelo já estava tri goleado. Na hora de ir embora, o padre nos chamou, dizendo que alguém tinha esquecido um casaco, que era do Truda. Ele foi pegar o casaco, e o Alemão Ronaldo falou então pro padre, com aquele jeitão: “não, não leva a mal, padre... É que ele tomou... Ele tomou o sangue de Cristo. Três garrafas!”. Marcelo Truda: Foi o primeiro show do Taranatiriça no interior. Fizemos lançamento em Porto Alegre, com o Alemão Ronaldo, o Paulo Mello, e o Cau Hafner na bateria. Teve uns caras de Santa Maria que assistiram, e compraram a apresentação. A gente não sabia bem sobre a parte do equipamento e o que eles teriam pra nos oferecer, mas fomos pra lá mesmo assim. Mas o equipamento, quando fomos ver, era um troço ridículo. Equipamento pra tocar em lugares pequenos – só que os caras já tinham vendido quase três mil ingressos! Nos entreolhamos, e dissemos: “bah, estamos fudidos, o que vamos fazer agora?” Então o cara que nos contratou foi contemporizar, explicando que estava tudo certo. Pegou um garrafão de vinho Sangue de Boi e disse: “ó, fiquem tomando vinho aí e relaxem, que vai dar tudo certo!” Começamos a beber até a apresentação – tomando vinho. Fomos pro palco. E, no primeiro acorde, o amplificador foi pro pau. Botei a guitarra direto na mesa. Na segunda música, o baixo foi pro pau também. Direto na mesa. E, sem retorno, a gente não ouvia o que estava tocando lá na frente. Não acreditávamos. E só bebendo. Cada música, um gole de vinho. Detonamos o Sangue de Boi, e o pessoal adorou o show. Aí veio o padre no camarim, pra falar conosco. E a gente não conseguia nem falar, de tão bêbado. Ele veio me cumprimentar, e eu não balbuciava nada, enrolando a língua. O Ronaldo chegou e disse: “padre, não leva a mal, não leva a mal, ele bebeu o Sangue de...” – o Alemão não conseguia lembrar o nome do vinho: “... o Sangue de Cristo!”.
Alemão Ronaldo: Todos estavam bêbados no show do Tara em Santa Maria, num colégio de padres, em 83. Entrou um padre no camarim, e eu falei: “é sangue de Cristo padre!” Nós com um vinho. E o velho fez que não viu. Carlos Eduardo Miranda: Teve um show do Tara em que fomos pra Rio Grande. A gente chegou lá e nos meteram dentro de um caminhão baú pra nos levar até a praia do Cassino. Eu e o Truda já estávamos apavorados. Descemos na beira da praia e tinha uns caras fazendo macumba. Depois fomos pro clube. Saímos do camarim e entramos no palco pra tocar. Na primeira música tu não via ninguém, estava tudo escuro. Parecia que não havia ninguém na plateia. Acabou a música e se ouvia um monte de palmas. A galera toda estava no fundo do salão. Todo mundo encostado no bar e eu gritei: “bah! Cheguem mais”. Acabou o show e fomos circular com umas galeras. Um monte de gente foi pro hotel, que ficava longe. Era na estrada. Eu por mim ficava por ali mesmo, dormindo em qualquer canto. Uma mina deixou que eu ficasse na casa dela. Chegamos na casa e ela disse: “tu vai dormir aqui”. Uma sala beleza. Fui dormir e a mina começou a andar pela sala, fazendo uns cânticos muito bizarros. Uma língua estranha, e com os olhos virados. Aí eu fugi da casa e sai na madruga. Depois ouvi um som... Era uma boate que só tocava reggae. Naquela época era um troço incrível. Ninguém tocava reggae. O único rock que tocou foi Led Zepellin, mas numa versão reggae. Eu precisava achar um lugar pra dormir, e fui pra praia. Cheguei já amanhecendo e vi um cara mancando. E junto com ele estava a mina. Frizei correndo. Fui parar numa padaria, onde fiquei matando tempo. Não me lembro quem da equipe foi na padaria buscar uns negócios. Aí eu disse: “bah! Me leva embora”. Fomos pra Rio Grande e só tinha dois lugares no ônibus pra voltar a Porto Alegre. Eu falei pro Truda que ia embora nesse ônibus mesmo. Entramos no ônibus e todos os carinhas com o rádio ligado no futebol. Eu nem tinha dormido ainda. Peguei o rádio do Truda e meti numa rádio com um pastor rezando a todo volume. Com crença ninguém mexe. Paulo Mello: Acho que quase todos os caras que tocam em bandas, e são um pouco mais novos do que nós, certamente foram nas apresentações do Taranatiriça no Teatro Presidente. Os shows tinham pirotecnias, efeitos de explosões, e tudo. A bateria ficava sobre rodinhas – ia pra frente, ia pra trás... Tudo manual! As explosões eram feitas com pólvora, que comprávamos nessas lojas de umbanda. O Cau mandou fazer um mecanismo que era uma rosca que se juntava a um cano. Ele tirava o cano e ali tinha dois buraquinhos, com dois pólos, onde tinha um fio desencapado. Ele botava
pólvora dentro e fechava. E dava tiros em série – cinco, seis. Depois, alguém pegava aquele fio e, na hora das explosões, ligava numa tomada. O resultado é que caía a luz de todo o teatro, o som sumia, e depois voltava. Tudo em segundos. Poderíamos ter incendiado o Presidente. Carlos Eduardo Miranda: O primeiro show do Taranatiriça foi no IPA, com o Raiz de Pedra e o Cheiro de vida. Eu e o Truda fizemos umas bombas de fumaça com um pó de preto velho que compramos numa loja de batuque. Um esquema bem tosco. Quando fomos testar, o bagulho queimou todos amplificadores. O show rolou só com o monitor de palco. Eu toquei piano sem amplificação... Só fazendo teatro. Mas acabou o show e todo mundo veio dizer que toquei pra caralho. Paulo Mello: Os quatro shows do Atlântida Rock Sul Concert foram em 85, um ano antes do Rock Unificado. Esses dois eventos foram importantes pro Taranatiriça. Teve uma vez em que a Urubu Rei, a banda do Gordo Miranda, foi vaiada pra caralho. E o Taranatiriça sempre abria os festivais Rock Unificado – era a estratégia. Depois tocava o TNT e o Curto Circuito. Carlos Eduardo Miranda: Ganhei diploma de bagaceiro num show do Atahualpa y us Pânques em pleno Gigantinho, no Rock Unificado. Foi o seguinte: eu fiquei jogando garrafa na plateia e os caras do Unificado me mandaram uma carta agradecendo minha participação, dizendo: “esperamos que o fato lamentável de atirar latas e garrafas na plateia não se repita!” Muito foda. Nesse show eu toquei o tempo todo com o teclado no chão e a guitarra na mão. Tocava o teclado com o pé. Aconteceu também que uma amiga nossa, a Tânia, resolveu tocar com um botijão de gás e uma corrente. Ela passou o show inteiro dando paulada no botijão de gás com aquela corrente. E a galera começou a jogar coisas nela. A Tânia ficou irada: subiu no piano de calda que tinha no palco e encheu ele de correntadas. Detonou o piano. Os caras vieram cobrar depois, e nós: “vão à merda!” Justino Vasconcelos: Depois do Rock Unificado, que lotou o Gigantinho, teve um show chamado MPG no parque Marinha do Brasil. Em frente ao Beira-Rio, e era dia de Gre-Nal... No outro dia, a notícia do jornal era de que havia quarenta mil pessoas no estádio e quarenta e uma mil pessoas no show. Só não sei como eles contaram a diferença... Solon Fishbone: A Prize foi ficando mais conhecida e começamos a nos tornar confirmados, entrando de graça nos lugares. Quando teve o Rock Unificado I, que reuniu 15 mil pessoas no Gigantinho, a Prize tocou depois do Tara. Só que o nosso vocalista havia sido internado em uma clínica de drogados dois dias antes. Eu tive que assumir o vocal e peguei uma pedreira de cara.
Carlos Eduardo Miranda: Na passagem de som de um show na Sociedade Amigos da Vila Assunção, não tinha amplificação, aí eu pensei: “puta! Vai ser mais um daqueles shows que ninguém vai ouvir porra nenhuma do que eu tocar!”. Relaxei e fiquei tomando várias cevas com os caras da banda, naquela ocasião o Atahualpa y us Pânques, durante a passagem de som. Depois, fui voando pra casa tomar um banho. Eu queria ver o show do Egberto Gismonti, que estava tocando no Parque Marinha do Brasil, antes de ir pro show na SAVA. Passando pelo Veleiros, eu quase bati num poste, virei a direção e o carro rodopiou. Fui cair dentro do Veleiros. Voei com os instrumentos dentro e com um monte de tralha. Quando eu subi e vi o carro, gelei: “bah! Que merda que eu fiz!”. O carro rachou ao meio. Só me restou ir pra casa, jantar e tomar um banho. Nem assisti ao show do Egberto. Mas fui pro nosso show. Quando cheguei, estava tocando Pink Floyd. Tudo escuro e a plateia deitada no chão, viajando... Fiapo Barth: Foi no Ocidente o primeiro show dos Replicantes. Num determinado momento, o Wander Wildner desatarrachou uma lâmpada da iluminação de palco e fez uma performance que era enfiar a língua no soquete. E o bar estava com uma das mesas de luz em curto. Foi um pânico, com medo de que aquela lâmpada estivesse realmente ligada: e o Wander repetiu aquilo o tempo inteiro. Tudo era novidade. Qualquer coisa que aparecesse era muito. A partir daí, não sei quem não tocou ali. Pelo que me lembro, numa época, a cada três dias estreava uma coisa nova. A gente via shows que ninguém levava a sério. Havia uma cantora chamada Rosa, que ganhava a vida na Europa. Produzimos a Rosa, cenografamos ela, e fizemos show até de mágico. A ideia era fazer o palco girar enquanto ela cantasse. Júlio Reny: O primeiro show dos Replicantes, no Ocidente, foi uma doença. O primeiro grande show punk por aqui. Eles já tinham feito outra apresentação em Gramado, na época do lançamento do filme Verdes Anos. Eu fiz esses filmes todos com o Carlos Gerbase. Esse show foi uma loucura! Lembro que fiquei a madrugada inteira catando casca de ovo. Voaram ovos por todos os lados, era uma coisa punk, tinha que ser punk. Xingavam as bandas. Um horror! A partir dali, os Replicantes alugaram a minha aparelhagem. Botei eles pra tocar no bar B-52. Tinha dia que era new wave, outros dias era pra gay. As gatinhas, com gel, coloridas. Eu passava o som de um jeito, e ficava. Heron Heinz: Na verdade, o show do Ocidente foi o segundo dos Replicantes. O primeiro foi na casa do Daniel, um amigo nosso. O cara tinha uma banda, Os Cobaias, e tocava baixo com eles no fundo da casa dele. Já estava tocando “Nicotina” nas rádios nessa época. Não vou citar nomes, mas eu sei quem atirou aqueles ovos. Foi gente que nos achava uns escrotos porque falávamos mal do
Caetano e do Chico. Gente que não admitia isso. Um ovo acertou na guitarra, o outro acertou na bateria do Gerbase, nenhum chegou a nos acertar em cheio. Os caras levaram os ovos por querer. Porque não gostavam da banda. Gente de rádio, que tomou as dores de quem falávamos mal. Basta dizer que a música saiu com a frase cortada sem nos avisarem. Mas, foram tão cagões, que não disseram nada. A gente só soube disso quando o disco saiu: que a frase “Quero que o Caetano vá pra puta que pariu” tinha sido cortada. E foi a RCA que cortou, não foi censura federal. A música estava censurada. Assim como a grande maioria do primeiro disco. Carlos Gerbase: O Zico, amigo nosso que trabalhava na Susepe, nos contou que tinham feito uma enquete com os presos pra saber qual a banda de rock que eles gostariam de assistir. E quem ganhou foram os Replicantes – pelo menos, essa foi a história que nos contaram. Isso foi por 87, 88, quando eu ainda era o baterista e o Wander estava no vocal. Fomos pro presídio do Jacuí numa camionete da Susepe. Passamos por todos aqueles portões e fomos apresentados a um preso que seria uma espécie de anfitrião nosso – e o cara nos atendeu super bem. O show, feito pros presos de bom comportamento, foi muito bom. E o pessoal todo sentadinho, olhando como se fosse uma espécie de show de teatro. Nós estávamos lá dentro, numa boa. Terminou o show, guardamos as coisas e já estávamos saindo. Foi quando, na saída do presídio, resolvemos perguntar pro Zico o motivo do nosso cicerone, um cara tão legal, estar ali. O Zico nos contou que o sujeito cumpria pena por ter matado a sua mulher a machadadas. Depois dele ter cumprido boa parte da pena, o liberaram por bom comportamento. Mas, depois disso, ele casou de novo e, pela segunda vez, matou a outra esposa a machadadas! Com o sucesso dos shows no presídio de Jacuí, os Replicantes foram convidados pra tocar no Presídio Central, em Porto Alegre. Isso aconteceu no Dia das Mães de 89, alguma coisa assim. Em função da data, a programação era variada: um coral, uma pecinha de teatro, um show de rock. Os espetáculos aconteciam todos no auditório do primeiro pavilhão do presídio, lotadaço, com as famílias dos presos esperando pelas apresentações. Ficamos atrás do palco, junto com os presos de bom comportamento, esperando a nossa vez. A pecinha de teatro foi rápida. Quando ia começar o tal do coral dos presos, teve um zum zum zum – e vem o regente do coral falar: “estamos com um pequeno problema... Eu vou pedir que vocês evacuem o auditório... Gostaria que os presos da primeira fila, lá de baixo, saíssem rapidamente, um atrás do outro...” Os caras começaram a se mandar rapidinho, e ainda por cima estava cheio de crianças. “O que estava acontecendo”, perguntamos pra um preso? E ele nos contou: “não, não é nada de mais, teve uma revolta ali no pavilhão cinco ou seis, já morreram dois, mas parece que está tudo sob controle”. E nós: “como? Parece que está sob controle?” O pessoal estava se matando lá nos pavilhões de trás, nós no primeiro pavilhão, mas estava tudo bem... Dissemos que queríamos ir embora: “está todo mundo indo,
queremos ir também!” E o cara: “vocês têm que ficar aqui esperando”. Saiu todo mundo e nós ficamos esperando. Enquanto tinha um monte de gente lá, tudo bem. Mas, depois que ficamos sozinhos no palco com alguns presos de bom comportamento, os monitores desapareceram e vimos chegarem os caminhões: Corpo de Bombeiros, Polícia de Choque, Brigada Militar, todos entraram no presídio... Cacete! Aí chegou um cara: “fiquem tranquilos, parece que está tudo sob controle, daqui a pouco vocês saem”. Quando nos liberaram, saímos correndo e fomos ouvir o rádio: realmente, dois presos haviam morrido por causa da briga entre duas gangues durante as apresentações do Dia das Mães no presídio. Solon Fishbone: Por um triz a Prize quase ficou sem receber o cachê depois de ter tocado em Taquari. O cara que nos contratou não tinha grana pra nos pagar. Era o que ele dizia. Mas o Cau Hafner, determinado, foi arrancar a grana dele. Enquanto o Cau fazia o cara assinar promissórias, fomos pra uma funerária na frente do clube. No final das contas, saímos com o carro do contratante como pagamento. O Cau era ruim de negócio. Não dava mole pros picaretas. Carlos Eduardo Miranda: Num show do Atahualpa nos Eucaliptos aconteceram uns lances de cinema. Estávamos todos da banda viajando, todo mundo loucão. A gente estava tocando e a plateia toda: “óóóh!”, e nós tocando e olhando pro chão: “porra cara, nós estamos abafando!”. A plateia começou a olhar pra cima, e nós: “pô, estamos mesmo abafando!” Quando acabou o show vieram uns caras: “bah! Vocês viram?”, e nós: “vimos o que?” Tinha pintado uma parada voadora não identificada e não vimos nada – achamos que estávamos impressionando os caras. Cau Gomes: O Wander, sempre que a gente chegava numa cidade diferente, bonita, contava uma história do tipo: “bah, que lugar afudê, meu! Era do meu tio”. “Do teu tio?!”, perguntávamos. E ele continuava: “é, ele encheu o saco. Vendeu pro meu pai, meu pai deu pra um primo dele e agora eu nem sei quem é o dono”. Ele sempre repetia essa história. E passava nas ruas falando o nome, inventava umas histórias e era muito engraçado. Um dia nós estávamos na Belém-Brasília, no meio da selva Amazônica. “Pô Wander, tu vê, né... O teu pai nunca te deu uma cidade?” E ele: “o pai já me deu várias cidades”. “Mas nunca colocou teu nome né?”, insistíamos. E o Wander respondia: “é, mas deve ter alguma, ele deve ter comprado alguma por aí e esqueceu de me avisar”. Uns cem quilômetros depois, chegamos em Wanderlândia – havia uma placa gigantesca indicando a cidade. Decidimos que tínhamos que passar por lá! Era uns trezentos, quatrocentos quilômetros de estrada pela frente. Eis que chega: “seja bem vindo à Wanderlândia”. E ele tirou uma
foto. Foi o menor lugar, uma vilinha vermelha, bem de índio. Os caras eram super malandros. Nos enrolaram, venderam uns cocares caríssimos, arco-e-flecha e quase perdemos o vôo por causa disso. Biba Meira: O De Falla estava indo de ônibus pro interior de São Paulo. Na época, os ônibus tinham uma espécie de cagódromos, aquelas patentes onde a merda ia caindo e era o maior fedor. O Castor foi cagar de madrugada e deixou cair o relógio dele naquela caixa de merda. A gente ria muito: era noite e todo mundo nos olhava. Parece que ele resgatou o relógio. Tonho Meira: Em 86, o De Falla estava fazendo seu trabalho normalmente. Foi quando tocou o telefone do meu escritório. Era um baterista de uma banda chamada Nenhum de Nós. A cena era pequena e eu conhecia muitos grupos da época, mas nunca tinha ouvido falar desse. Um tempo depois, em fevereiro de 87, eu estava chegando com o De Falla em Tramandaí e tinha uma faixa que dizia: “De Falla na Sapi – abertura: Nenhum de Nós”. Aí os guris começaram a fazer brincadeiras na Kombi e gargalhadas e tal. Nós chegamos primeiro: quem toca por último, passa som primeiro. Fomos lá, fizemos a nossa parte, e já estávamos saindo do salão quando entraram os três caras do Nenhum de Nós. E a Biba, que era pequeninha, enxergou e disse: “é esse cara que vai tocar com a minha bateria?” E eu ia imaginar que o cara era porrada e gordo. Aí fiquei dando uma olhada na passagem de som pra ver se o Sady era cavalo demais. Mas não, achei a pegada dele até meio sutil. Voltamos pra casa da minha família, que era perto da Sapi, e fomos jantar. Então, apareceu uma pessoa da Sapi dizendo que o Nenhum de Nós não tinha aparecido. Que já tinha público e estava na hora. Tivemos que tocar primeiro. Nem a Biba e nem o Edu se importaram, e fomos embora. O De Falla deu o seu show e os caras do Nenhum de Nós apareceram. Como a bateria era da Biba, eu fiquei vendo a apresentação dos caras. Porque eu era o responsável por guardar os instrumentos, botar na Kombi... Fiquei ao lado da plateia observando o show, e me chamou a atenção: uma concepção de letra mais elaborada e algumas frases de guitarra do Carlão muito interessantes. Valia a pena arriscar. Tinha futuro. Eu cumprimentei o Thedy e dei meu cartão dizendo que tinha uma reunião com o pessoal da BMG no Rio de Janeiro e que, se eles quisessem, eu levaria uma fita deles sem o menor problema. Carlos Maltz: O Nenhum de Nós estava com show marcado na Sapi, em Imbé. Íamos abrir pro De Falla. Isso foi em 1987. Nós passamos o som, e fomos pra casa de um amigo, na praia de Atlântida, tomar banho e trocar de roupa. Nos atrasamos e chegamos lá num horário absurdo. Dante Longo: Fizemos um show na Sociedade Amigos da Praia do Imbé. Foi quando o Nenhum
de Nós conheceu o seu empresário, o Antônio Meira, que estava lá na ocasião. O Tonho viu o show, gostou, e deu o cartão dele pra contato: “pô, vamos fazer uma história”. Então ele levou uma demo de quatro músicas pra gravadora no Rio de Janeiro. Uma delas era “Camila, Camila”. O contrato foi com o selo Plug, que na época, lançou várias bandas gaúchas. Humberto Gessinger: O Engenheiros tocou em Moscou no tempo em que estava caindo o muro de Berlim. A gente ia abrir o show de uma banda local com um nome que, em português, seria algo como Café Preto. Uma banda de heavy metal, músicos bons pra caramba... Um negócio meio neoclássico, uns carinhas filhotes do Ritchie Blackmore. E os Engenheiros não chegavam a ser uma atração internacional. Mas o legal mesmo foram as coisas sensoriais. A gente, um trio, tocava muito mais alto que os caras da banda de heavy metal! Eles eram bem mais Bibi Ferreira, tudo ensaiadinho... Uma mulher entregou flores pro cantor da Café Preto na metade do primeiro show. No segundo show, veio a mesma mulher, na mesma música, e levou o mesmo buquê pro mesmo cara... Não tinha essa cultura autodestrutiva da música pop ocidental, do Jimi Hendrix tocar fogo na guitarra. Era mais uma coisa romântica, uma função social. “Deus me mandou tocar aqui...” Carlos Maltz: Foi inacreditável. Veio um cara lá da Rússia e organizou uma feira do Brasil em Moscou. Nossa gravadora apresentou os Engenheiros pra esse cara e, sei lá por quê, ele nos escolheu pra tocar. Acho que jogaram um dado pra cima e caiu nosso número. Eram sessões de cinco apresentações diárias num teatro. Tipo assim: sessão da uma, das duas, das quatro e meia... E na primeira sessão, era um monte de velhinhas assistindo. Umas trezentas e cinquenta velhinhas. Na segunda, um monte de milicos fardados. Mas na terceira, veio um monte de gatinhas de dezesseis aninhos, todas lindas e maravilhosas. Aí não entendemos mais porra nenhuma. Humberto Gessinger: A plateia de um dos shows era só de soldados: o teatro inteiro, um lugar pra umas duas ou três mil pessoas com as cabeças raspadas. Fizemos uma tradução de “Terra de Gigantes” pra distribuir pro público e foi muito engraçado. “De que adianta fazer isso, se aqui não tem juventude, não tem refrigerante?” Não adianta traduzir as palavras. Carlos Maltz: A parada era a seguinte: eles pegavam os convites e distribuíam nas cooperativas. Não tinha ingresso, mídia ou propaganda – não tinha porra nenhuma! Os caras nem sabiam o que estavam fazendo. Pegavam a cooperativa das senhoras idosas não sei da onde e simplesmente davam os ingressos. Tivemos que tocar de verdade e ganhar as velhinhas, os milicos
bebuns e os cubanos – porque num dos dias era um público só de cubanos. Mas foi uma experiência do caralho, um teste de fogo que nos trouxe uma convicção muito forte. Nei Lisboa: Houve uma temporada de dois anos em que eu fiz muitos shows, num esquema mambembe. Eu, violãozinho e voz, e o Antonio Carlos Falcão, que encarna a Maria Bethânia num show de transformismo. Saíamos eu, o Falcão e o nosso operador de luz, que às vezes nos acompanhava nessas viagens, num belinão setenta e poucos. O motora era o nosso produtor, o Antônio Corazza. Atrás do carro ia um reboque que levava o som, o equipamento, a luz e os cartazes. Fazíamos o show numa cidade e, se quisessem, no dia seguinte tocávamos na cidade ao lado. Seguidamente também pagávamos a janta dando uma canjinha de três, quatro músicas em algum restaurante. Mas essa canjinha, na verdade, era sempre uma baita encrenca. Uma dessas roubadas foi num CTG, em plena new wave. O Falcão era completamente escrachado e eu tocava com uma blusa bordô, oclinhos new wave e me maquiava de leve. Achava que isso era importante. Na época, em Porto Alegre, nós queríamos ser profissionais, tipo: “que história é essa de calça Lee? Vamos botar uma roupa, uma maquiagem!” Era uma coisa assim: enquanto eu tocava, todo mundo comia. A banda da casa eram uns gauderiozinhos novos, bem bonzinhos. Eles tinham acabado e eu fui tocar as minhas, pra pagar a janta da nossa equipe. Lá no fundo estava o tio dos nativistas – fazendo sinal de desaprovação, com o dedão pra baixo. Então resolvi tocar uma do repertório gauchesco – de vez em quando eu tocava a “Milonga do cu”: “uh, porteira redonda, rodeada de fios de cabelo, por onde passa o sinuelo das tropas que vêm do bucho. Pra limpá-lo bem não é preciso ter luxo, basta limpar com uma macega, no velho estilo gaúcho!” Aí chamei os guris da banda: “vocês me acompanham numa milonga?” Eles, bem faceiros, toparam. Toquei a “Milonga do cu” e, quando terminei, tive de ir embora. Não comi o carreteiro e tivemos que sair correndo – fechou o tempo. Vieram os velhos do CTG, e o negócio partiu ao meio. E nós fomos embora. Diz que o tio dos gauderiozinhos gritava lá de trás: “quem é o veado de calça justa?!” Leo Henkin: Os Eles estavam fazendo um show num ginásio de Sobradinho e voltaram ao palco pra dar um bis. Aí um magrão muito forte, completamente torto, invadiu o palco. E eu estava estreando uma guitarra. A galera reclamou e, de repente, o cara que botava luz veio de trás do palco e deu uma voadora no bebum. Ele caiu, e ficou possesso. Tentou pegar o pedestal do microfone pra fazer de taco e aí vieram os brigadianos: tinha uns cinco ou seis em cima dele. Derrubaram o cara no chão – e nós esperando. Daqui um pouco, tinha capacete de brigadiano voando pra tudo que é lado e o cara vindo pra cima de mim. O cara saiu e fomos pro camarim. Deu até tiro.
Leandro Branchtein: Sei que o cara tinha mais de dois metros de altura, estava bêbado, e resolveu subir no palco. Os seguranças tentaram impedir, só que ele era um monstro de forte e acabou passando por cima dos seguranças. Foi quando ele se enroscou todo no Leo – que tinha acabado de comprar uma guitarra e preferiu cair de costas, pra que ela não sofresse nada. Ele teve uma lesão, mas salvou a guitarra. Leo Henkin: Veio um repórter de uma rádio local perguntando: “o que vocês acham disso que aconteceu?” E o Dannie disse: “nunca mais a gente vem nessa cidade de merda, só aqui acontece isso!”. Diz que o cara tinha levado um tiro e estava no hospital. Entramos no ônibus pra ir embora e duas vans com caras da cidade ficaram nos seguindo, passavam pelo ônibus e nos ameaçavam com revólveres. E a gente se jogava no chão. Ilton Carangacci: Os Eles estavam tocando num ginásio lotado. No final do show, um cara gigantesco subiu no palco e começou a fazer performance. A galera uivava pra ele, que começou a sentir que estava tendo público e não quis sair dali de jeito nenhum. Tinham dois PMs de um lado do ginásio e dois do outro. Eu comecei a gesticular com os caras: “porra! Vocês não vão fazer nada?” Então, os PMs subiram no palco pra pegar o cara. Depois que fomos pro camarim, soubemos que o show estava sendo transmitido pras rádios da região. Um dos integrantes dos Eles, o Dannie, foi tremendamente infeliz. O locutor da rádio falou: ”que coisa chata isso que aconteceu, né?” E o Dannie: “pois é. Aquele cara tem mais é que tomar tiro mesmo!” Num momento de tensão, o cara disse a coisa errada. Até hoje o Dannie diz que não era aquilo o que queria dizer. Tonho Meira: O De Falla começou em 85, e eu saí em 89. O último show, no Teatro Presidente, tivemos que fazer duas vezes. Os caras que não conseguiram ingresso arrebentaram o portão lateral e entraram. Eu tive que chamar a Brigada Militar pra fechar a porta do hall de entrada, e só permitir que entrasse quem tivesse ingresso. O tumulto foi tamanho que algumas pessoas que tinham ingresso não conseguiram entrar. Dedé: O lançamento do segundo disco do De Falla foi no teatro Presidente. As pessoas chegaram lá, e era outra coisa. Queriam ver uma coisa e o De Falla estava tocando outra, tipo assim. O Presidente lotado, quinhentas, seiscentas pessoas, pra ver o show. E era aquela coisa: uma guitarra, um violão e uns berros. E o produtor, que era o Tonho, disse na hora: “não sou mais o produtor da banda”. A Biba também: “saí da banda...”.
Biba Meira: Foi naquele show do Presidente que abandonei o De Falla. O Tonho, que produzia o De Falla, também abandonou o barco na mesma noite. Não aguentou. Eu fiquei muito puta também, não estava mais aguentando um monte de coisas. Por exemplo: ter que modificar, em algumas músicas, algumas batidas que eu tinha inventado – e que gostava muito de tocar da maneira original. Flávio Santos: “It’s Fucking Boring” tocava muito na Ipanema. Então marcamos um show no Teatro Presidente, na época em que nós já estávamos tocando hard rock. E hiperlotou o teatro. Só que as pessoas foram querendo ver aquilo que ouviam na rádio, as primeiras fases. E a gente já estava tocando outra fase... uma coisa que o Edu puxava: ao mesmo tempo em que ele queria atingir um monte de gente e vender discos, ele mudava tudo: de um show pro outro já era outra coisa. As pessoas que foram no Presidente ficaram assustadas. Isso rolou muito durante toda a história do De Falla. Biba Meira: Eles queriam que eu tocasse numa outra batida. Eu achava a minha do caralho e fim de papo. Era pra tocar outra, mais hardcore, mais porrada. Edu K: A piada é que ela saiu da banda por causa disso e acabou indo tocar numa banda de hard rock, a Quinto dos Infernos. Tonho Meira: Eu saí do De Falla porque achei que já tinha esgotado o meu objetivo enquanto empresário deles. Eu não poderia ir além daquilo que eu estava conseguindo apresentar pra banda. E também, não posso negar, eu não estava obtendo com o De Falla um retorno financeiro que poderia obter com outros grupos mais competitivos. Cau Gomes: O Nenhum de Nós fez show onde ninguém nem imagina. Fomos numa cidade chamada Natividade. Chega uma hora que tu não sabe onde está? Só vai recebendo a agenda, o empresário vai fechando e o produtor vai checando... “Natividade, trezentos quilômetros do Rio... Pegamos ônibus, fazemos o show num dia e voltamos”. Mas tudo muito estranho, muito segredo: “os caras vêm ai nos pegar”. Eles pintaram lá, pagaram setenta, oitenta por cento antecipado, ônibusão e tudo. A gente meio assim. Nem motorista nem o produtor falavam nada: “estamos chegando? estamos chegando?” Olhamos o mapa e era fronteira com Minas, lá na puta que pariu – não tinham nos falado. Saímos de manhã do Rio e chegamos no final da tarde na cidade. Fomos direto pro nosso hotel. Até o Antônio Meira estava junto.
Chegamos no lugar do show, e o Wander, que era nosso iluminador, tentou ir ver o equipamento – mas os caras não deixaram. Tudo muito segredo. Vimos que o palco era um palanque. Bah, o lugar era uma feira – iam fazer um showmício pra político. Olhamos lá: “vote pra prefeito”. O Antônio Meira foi falar pros caras. Rolou uma pressão. E eles: – Vocês vão fazer, tem que ser, o cara vai ser o prefeito. – Não vamos fazer, porque não é a nossa ideologia. Não vamos fazer política – ainda mais pra um partido do governo na época. Nisso, veio o motorista dizer que tinham uns caras, armados, querendo falar com a gente. Chegamos lá pra ver e os tais caras eram bem diferentes daqueles que a gente tinha falado até então... – Ó, tudo bom? Vocês são da banda famosa, que veio tocar no comício do coronel? Mas nós somos da oposição. Se vocês tocarem, não saem da cidade. Eu, macho pra caramba, roadie metido: – Que que é, cara! Não vem gritando que já teve outro fazendo isso e o seguinte, aqui ó, o segurança sou eu! E ele chegou assim pra mim: – Olha aqui moreno, te acalma. Eu sou um cara muito poderoso aqui. Tu tá vendo esses rapazes aqui? É só eu estalar o dedo que eles te matam agora e ninguém fica sabendo. E outra: se vocês inventarem de sair da cidade, eu mando tirar a ponte. E mais: vou levar o empresário de vocês junto pra ter a garantia. E levou o Antônio Meira. E nós não sabíamos pra onde. Chamamos os caras da situação, que tinham nos contratado, pra nos defender. E eles: – Vocês vão fazer o show, já estão pagos. – E os caras lá com o nosso empresário? – Bom, isso é problema de vocês. – Então não vamos tocar. E o cara: – Bom, nós já anunciamos vocês, se vocês não tocarem não garantimos nada, porque aqui mandamos até na polícia. E meio que nos cercaram – cangaceiros, assim, capangas. Eu já morto de medo, porque tinha me identificado como segurança da banda, o primeiro a morrer. E a galera tremendo: “vamos fazer, não vamos fazer”. Acabou que conseguimos negociar com a oposição, que estava com o Antônio Meira. Os caras da oposição resolveram oferecer proteção – desde que o show não saísse: “vocês não podem fazer isso, se não nosso candidato perde, esse cara é ladrão”. Resolvemos mentir pra eles – pra depois irmos fazer o show e pedir proteção. Pensamos que os
caras tinham ido embora achando que a gente não ia fazer o show, e fomos pra feira. Descemos os equipamentos, fizemos o show já passando o som... E no meio disso aparecem uns caras da oposição embaixo do palco – com uns pedaços de pau, cutucando os pés dos músicos, e eu: “toca, toca”. Sei que na quinta música rolou o tiroteio. E só deu tempo de atirar os instrumentos pra dentro do ônibus. Correria, uns gritando, uns quase chorando. Saiu o motorista meio que batendo em tudo. Uns quatrocentos quilômetros depois de Natividade nós conseguimos levantar, pra ver se estava tudo certo... Se ficou equipamento, ninguém reclamou até hoje. Fomos embora e nunca mais. O resto do dinheiro eu não sei se veio ou não veio. Eu sei que nunca mais voltamos à Natividade. Tonho Meira: O Nenhum de Nós tinha um show pra fazer numa feira agropecuária em Natividade, no Espírito Santo, organizada pela prefeitura. Na verdade foi uma trapalhada minha marcar um show numa cidade tão distante e sem referência nenhuma. Uma situação operacional extremamente contrária a usual, sem segurança pro evento, onde tinham quinze, dez mil pessoas. Qualquer um poderia acessar a parte de trás do palco. Também foi uma situação difícil pelo tipo de público presente. Essa questão da incompatibilidade política gera da outra parte, ou seja, da oposição, uma atitude meio vigarista. Geralmente o produtor vai ao local do show e a banda fica no hotel, esperando que o pessoal faça a montagem. Eu não sei se estava encaminhando o cancelamento da apresentação por alguma questão financeira ou técnica. Os caras meio que me trancaram. Me seguraram dentro da feira. E chamaram o prefeito. Eu disse que daquele jeito não haveria show. Então, eles começaram a me fazer ameaças, dizendo que a gente não ia sair dali... Sady Homrich: Foi em 89, 90... Lembro que foi um aperto. Era numa cidade no interior do Rio de Janeiro. A produção era nula, uma feira, um fato notável. O palco era um coreto, não tinha nem lugar pra botar luz, tudo improvisado. Carlos Maltz: Estávamos exaustos, fazendo muitos shows dentro de um esquema de produção bem razoável pros padrões de hoje. Uma coisa bem mambembe. No meio da confusão, o Dante nos deixou no ônibus e foi tentar contornar os problemas. Ficamos meio assim: “vamos ficar prontos. Se a gente não tocar, vamos embora pra não correr riscos”. Fomos negociar com os contratantes, e dissemos a eles que, com aquelas condições, não ia dar pra cumprir as obrigações. Então, os caras foram pra frente do nosso ônibus e não nos deixavam manobrar. Ficamos completamente reféns. Nos comunicaram que ia haver público, e que não tínhamos outra opção senão tocar. Dante Longo: A gente estava em Natividade, no interior do Rio de Janeiro. Uma terra de
ninguém. Era um show pra um político, prefeito ou filho de prefeito, e não tínhamos o menor controle sobre a situação. Os caras queriam subir no palco. Eles achavam que, como estavam pagando, podiam tudo. Fui resolver um assunto operacional e pedi pra uma pessoa do staff que não deixasse ninguém subir no palco. Nisso chegou um cara com um chapéu de cowboy, e disse: “eu vim entregar esse chapéu pro vocalista e quero cantar com ele!” O cara do staff disse: “você não pode subir”. E o homem respondeu: “então vou te matar!”. Ele ficou rondando. Sua intenção era pacífica, mas o clima era ruim. O cara acabou dando o chapéu pro Teddy, que diplomaticamente, e pra felicidade do cara, botou na cabeça. Mas, eis que aparece uma vassoura por baixo de um espaço de tábuas do palco. Foi daí que surgiu toda a confusão. Saímos de lá apavorados. A situação era apavorante. Um dos roadies tentou tirar um maluco do palco. Só então vimos que ele era o prefeito, e que estava todo mamado. Ele gritou: “mas eu sou o prefeito!” E o roadie respondeu: “prefeito nada! Prefeito não fica bêbado desse jeito!” Tonho Meira: Ficavam mexendo nas tábuas. O objetivo era fazer o cara cair, desligar um pedal, ou mesmo derrubar o microfone. Foi uma situação desconfortável. Não faz o show, mas não sai da cidade... Foi bem essa a relação. Sady Homrich: Pra completar, o prefeito tomou um fogo e quis subir no palco... Thedy Corrêa: No meio da bagunça, um cara tentou subir no palco, mas o roadie o empurrou – era o prefeito da cidade. Depois, tudo que lembro era o Sady, dentro do ônibus, abanando da janelinha pra desfazer o mal-estar, e os caras: “olha lá aquele gordo! Tá gozando da nossa cara! Desce daí!” Tonho Meira: A gente estava no Rio de Janeiro numa atividade relacionada à divulgação ou gravação. Saímos de manhã, eram quatro horas de viagem e chegamos meio queimados. Os caras da organização queriam resolver a coisa no grito. Eu voltei pra dentro do ônibus, na frente do hotel onde a gente estava, com o espírito de sair fora. Não era nenhuma coisa horrível demais. Digamos que a gente estava descontente com o formato ideal exigido pra banda. Aí os caras não tiveram dúvida: estacionaram dois carros na frente do ônibus e um atrás. E ainda mandaram mais um grupo pra ponte de saída da cidade. Pra garantir que a gente não fugisse. Bom, ou tu põe o pé na jaca ou te preserva fisicamente. Então resolvemos fazer o show, mas visivelmente contrariados. No sentido de se preservar fisicamente mesmo.
Justino Vasconcelos: Em Santa Maria, o show dos Garotos acabou e já estávamos fora do palco quando chegou um cara entregando uma bala de 38 pra mim e pro King. “Toma!”, ele disse. Bom, não é um souvenir muito comum de se dar a alguém... Então o cara levantou a camisa e mostrou o berro. “Eu sempre trago bala pra show... Se eu gosto, eu dou a bala pros músicos. Se não, eu entrego a bala pela arma!” Márcio Petracco: “Vamos fazer um rango na casa de uns veados amigos meus”, nos convidou um amigo que andava com o TNT, num show pelo interior. Achamos que era apenas uma maneira de dizer. Chegamos lá e a casa era na realidade um barraco na periferia, uma comunidade gay – mas uns caras bagaceiros. Uma “senhora”, com as unhas pintadas, estava fazendo um risotão. E o Charles Master só comia Elma Chips, porque era meio medroso pra comer. Quando ele viu aquela bicha velha fazendo o risoto então, disse: “tô sem fome, acho que vou pro hotel”. E a bicha: “está cansado? Deita na minha cama ali!” – a emenda foi pior que o soneto. Alexandre Barea: Fomos de ônibus de linha no primeiro show que os Cascavelletes fizeram junto com a Expresso Oriente, em São Paulo. Tínhamos marcado apenas uma apresentação sem cachê, num dia de semana no Madame Satã, que era bem underground. Imagina se ninguém queria avacalhar em São Paulo: viajar bebendo e se chapando, emboletados e enlouquecendo a viagem inteira! O hotel era um espelunca desgraçada no Bexiga, bairro São Retiro. Tocamos pra cinco pessoas – e uma delas era o João Gordo, parado num canto. Foi um fracasso total. Muito tempo depois, o João veio nos dizer: “cara, vocês eram os Beatles punk!” Era a definição perfeita, porque a gente até usava terninho punk, e o Flávio falava muita porcaria no show, coisa que não se fazia muito. João Gordo: Foram uns putas shows, do caralho, que eu fiquei fã dos Cascavelletes. Foi no Madame Satã. Assisti o show, e eram uns três caras de terno e o Flávio Basso, de cabelo espetado, corrente no pescoço, e aquele rock’n’roll da porra! Fiquei tão fã que aprendi a cantar todas as músicas e o Ratos de Porão regravou o “Dotadão”. Hoje em dia, o Brasil inteiro conhece “Dotadão”. Alexandre Barea: Os Cascavelletes abriram pro Capital Inicial no Petropole Tênis Clube. Estava lotado, umas cinco mil pessoas. O público não estava muito a fim da nossa música, e o Flávio não se conformou. Naquele tempo, havia aquela gurizada que estudava em colégio particular, mas não tinha carro – não tinha toda aquela parafernália que ditava o fato de ser burguês. Chegou uma hora em que ele disse: “vamos agitar essa porra, porque a gente também gosta de buceta burguesa!”
Careca da Silva: Uma noite no bar Kafka, lotado, e a banda estava mandando ver. Estva do caralho! Na plateia tinha um maluco yuppie, nem existia onda yuppie ainda, mas o cara já era um. Ele estava emocionado, drincado, mas super numa boa. O cara gritou: “essa banda é do caralho!” E tirou dois maços de dinheiro do bolso, uma baba de grana! Era dólar e a nossa moeda da época. O cara começou a atirar dinheiro, uma chuva de grana no palco. Notas de 50 dólares! E a gente meio que disfarçando, mantendo as aparências. Estava o Zé Flávio e o Edinho Espídola tocando junto. A grana não chegava lá atrás na bateria. E o Edinho gritava: “chuta aí, segura aí!” Caiu uma nota de 50 dólares na partitura, e nós naquela, chovendo grana. Frank Jorge: A Graforreia estava voltando do festival de rock Loucos de Cara, em Santo Antônio da Patrulha, no mesmo ônibus com outras bandas, como a Hard Working Band, e o Carlo saiu pra descolar uma cachaça, sei lá... Ele demorou muito, e nós o deixamos lá. Carlo Pianta: Eu era conhecido na Graforreia por abrir os cotovelos depois dos shows, de bêbado. Eu sempre alugava alguém. Alguém que não sabia, era uma vítima pre-destinada. Eu era a mala sem alça a ser carregada no fim dos shows. Teve uma vez, em Santo Antônio da Patrulha, que terminou o show, mas continuou rolando a festa. Eu perdi a noção do tempo e do espaço. Peguei uma garrafa de cachaça e fiquei bebendo com um pessoal. Depois, eu já estava meio em alfa e fiquei ajoelhado na grama. Vi o pessoal da Graforreia passar, olhando – e eu abanava pra eles. A coisa aconteceu durante um certo tempo... Depois esse momento bebedeira passou. Fui pegar o ônibus e eles já tinham ido embora à horas. Me deixaram em Santo Antônio da Patrulha. Daí eu achei um magro que vinha para Porto Alegre e peguei uma carona de volta. Alexandre Barea: A ideia de sabotarmos o show da Graforreia foi a seguinte: eu e o Flavio Basso encarávamos os Cascavelletes como se fosse uma banda fechada, um negócio bem delinquente, um grupo que aprontava todas o dia inteiro – algo bem rebelde, adolescente. Quando começamos com o Frank Jorge, ele já tinha a Graforreia Xilarmônica, bem antes. Só que ele parou pra que tudo desse certo desde o começo entre a gente. Veio com aquele projeto e entrou de cabeça. O grupo já era um sucesso desde as primeiras apresentações. Um ano depois, quando a banda já estava totalmente estourada, ele resolveu fazer alguns shows com a Graforreia. A gente o proibiu de fazer isso, que resistiu por algum tempo. Mas depois, ele veio pra nós e disse: “olha aqui: vão se fuder, vão à merda, eu estou a fim e já tocava com os caras!” Não sabíamos o que fazer – e eles tinham uma apresentação marcada no Ocidente, domingo de tarde. Isso foi lá por 88, sempre tinha shows à tarde. Eu morava com o Flavio Basso na época, e decidimos: “vamos lá sabotar a apresentação!”
Frank Jorge: Tudo bem que eu era dos Cascavelletes, mas qual era o problema de tocar com o Marcelo e o Alexandre, meus amigos de infância da Thomaz Flores? Não tínhamos contrato de exclusividade. Daí aconteceu. O Flavio e o Barea respeitavam a fidelidade da banda. Nei Van Soria: Nós achávamos que ninguém da banda podia tocar com outras pessoas ou em outras bandas. Uma fidelidade musical. Eu e o Flavio cumpríamos isso à risca, o Barea também. O Frank não. Ele tinha a Graforreia e várias outras bandas. Isso era uma coisa que incomodava todos nós. Flavio Basso: Eu era realmente doentio com essa coisa de beatlemania... E isso demorou a passar: eu não sei por que isso acontecia. Não sei. Mas eu era jovem, e não conseguia controlar essa coisa de levar a sério a questão dos grupos, como uma espécie de lifestyle. Mais do que isso: um professional style... Eu tinha toda uma visão inglesa sessentista da coisa. Achava que as bandas deviam se misturar, deviam ter convidados, mas quando começassem a ficar mais velhas – que as barbas crescessem primeiro! E o Frank disse que tocaria com outro cara, o Marcelo Birck. Alexandre Barea: Uma hora antes do começo do show no Ocidente, eu e o Flavio compramos uma garrafa de Velho Barreiro e fizemos um caipirinha gigante – e matamos tudo no gut-gut. Meio a meio, na corrida! Só que o troço bateu de uma forma absurda. Saímos pro Ocidente da nossa casa, na José do Patrocínio – os dois correndo. Atravessamos a Redenção lotada de coroas e crianças já muito loucos: berrando e pulando os bancos. A gente chegou cambaleando, no meio da galera, empurrando todo mundo. Flavio Basso: O fato é que eu e o Barea morávamos num apartamento, nos famosos treme-tremes – aliás, bem frequentados – e tínhamos que atravessar a Cidade Baixa e a Redenção até chegar no Bom Fim. Saímos lúcidos e sóbrios pra assistir a um concerto de rock – mas um tanto quanto magoados. Só que, em cada botequim que aparecia na frente, cada um tomava uns dois martelinhos. Frank Jorge: O que aconteceu é que, quando teve o show da Graforreia no Ocidente, o Flavio e o Barea saíram com suas namoradas pra beber antes – e com a intenção de ficar berrando e detonando com o show. Aconteceu que eles chegaram bêbados, gritando algumas coisas. Só que estavam tão bêbados que não conseguiram tornar plena a sabotagem. Tem um vídeo onde aparecem as namoradas deles, a Raquel e a Márcia, pedindo: “pára, Flávio, Alexandre pára com isso!”
Alexandre Ograndi: Tinha muita gente: do lado de fora, pendurada nas árvores. A gente não sabia que os dois tinham ido no show pra nos sabotar. Quem disse isso foi o Flavio, muito tempo depois que os Cascavelletes acabaram. Os caras chegaram berrando, pulando no palco, e tentaram derrubar os pedestais do microfone. Isso tem filmado em vídeo. Só que eles se passaram na tentativa de sabotagem. Beberam demais e não conseguiam nem ficar de pé, o que dirá sabotar um show. No meio do vídeo, aparece a mina do Flavio carregando ele. E ela nos adorava. Teve que sair do show carregando o cara de tão bêbado que estava. Ele pagou muito mico. Nunca passou na nossa cabeça que eles tivessem ido pra sacanear o show. O próprio Flavio já nos pediu desculpas. Frank Jorge: Eu era amigo delas... Elas estavam se sentindo no maior mico fazendo aquilo, mal por eles até. Mas aí morreu nisso, não teve maiores desdobramentos na real. Alexandre Barea: Começou a apresentação da Graforreia. E a gente berrava e xingava – vaiava. O Frank não sabia se ria ou se chutava a nossa cara. O Flavio subiu no palco, se deitou em cima de uns pedais. Puxaram ele pra fora. Nisso, eu já estava empurrando todo mundo e todo mundo me empurrando. Fomos pra avacalhar o show e demos o maior mico, porque viramos dois joões bobos dentro do bar. E todo o público nos jogando de um lado pro outro. Não conseguíamos mais parar de pé. Eu desci, mas o Flavio ficou lá em cima. Me sentei na calçada, vomitei, e dava pra ouvir os gritos dele. Quando o Flavio fica louco, ele começa a gritar feito um alucinado. Dali a pouco, chegaram a mulher dele e a cunhada. Elas ouviram os gritos, e chamaram: “Flavio! Flavio!” E ele, berrando e correndo, desceu as escadas do Ocidente, atravessou a João Telles e entrou no meio da sala da Funerária João XXIII – e ficou se fingindo de morto. Tiveram que puxar o Flavio pelas pernas. Acabaram nos colocando num carro. Eu cheguei em casa ileso, não sei como. No fim, o show deles foi o maior sucesso, e o Frank continuou tocando com eles. Todo mundo que foi na apresentação passou o ano comentando aquela cena. Flavio Basso: Moral da história: depois que chegamos, o Barea, no segundo ou terceiro número, se retirou porque estava passando muito mal. Antes tivesse acontecido comigo! Caí sobre as coisas, as pessoas também caindo. Uma coisa, inclusive, um tanto quanto arriscada pra saúde. Mas tudo acabou bem... Então, não houve aquela intenção da sabotagem. Nei Van Soria: Os Cascavelletes estavam viajando de ônibus com a Bandaliera, que tinham uma produtora muito bicho-grilo, muito maluca. Então ela sai do fundo do ônibus, gritando pro motorista
parar. Todo mundo: “o que houve? Algum Problema?” O motorista encostou o ônibus, ela desceu e voltou com uma flor na mão: “olha só. Não é linda!”, super viajandona. Phillip Ness: Os Pupilas Dilatadas tocaram num monte de lugares. A gente usava microfonia. Se só tivesse metaleiro, o Gustavo Brum, nosso guitarrista, roubava um extintor de incêndio de um edifício. Se os metaleiros começassem a vaiar, ele esvaziava o extintor em cima de todo mundo. Tocava tomate nos caras. O Gustavo era o mais visionário de todos. Branca: Era um cabaré muito antigo. Um amigo meu, o negrão Manoel, nos disse: “bah, seguinte: tenho um pico, vou levar vocês lá pra tocar”. Os porteiros eram um anão e um gordo careca. Tinham uns bancos de madeira, umas putas peladas dançando. Tocamos três músicas e fechou a pauleira. Era uma época de muitos marinheiros em Porto Alegre. Phillip Ness: Os Pupilas foram parar num festival de teatro e música em Itajaí. Tinha gente de todos os lugares. Arrumaram um albergue em cima do morro pra banda ficar. O albergue já tinha sido um manicômio e um hospital. Uma casa tri velha. Chegamos e tinha um cara loucão, o Julião. A primeira coisa que ele fez foi nos mostrar um jornal com a notícia: “Vândalos assaltam cemitério”. Pensamos que era ele mesmo quem roubava os ossos. No final do show à noite, na cidade, todo mundo foi pro albergue, porque no outro dia ia ter show numa outra cidade. Começou a cair um temporal daqueles que parece filme de terror... Tinham umas vinte e três pessoas na casa. E os caras começaram a explorar o lugar. Acharam uma sala onde os loucos tomavam eletrochoque. Acharam uma outra onde só tinha vidros de remédio. Começaram a cheirar e tomar aquele negócio. E o Julião começou a loquear. Começou a comer a comida dos cachorros. Daqui a pouco, os caras subiram no sótão e viram um fantasma. Viram um vulto se mexendo. Eu subi, e era um vulto mesmo. Mas não fui ver mais de perto o que era. Só que um heroi quis ver, e acabou pisando nos canos de água, molhando os fusíveis. Ficamos no escuro. E o Julião enlouquecendo: uivava, gritava... O cara estava possuído. No outro dia, fomos ver o que era o fantasma. Era a imagem de uma santa. O Marcelo, baixista do Pupilas, ficou pirado. Disse que viu o demônio. Largou a banda e entrou numa igreja de crente. Agora ele saiu da igreja, mas pirou total. Bebeto Alves:: Eu e minha banda fomos contratados pra fazer o encerramento de um motocross em Gramado, em 88. Estávamos lançando o disco Danço Só. Quando entrei no palco, tinha um casal bem na frente, e o cara ficava gritando: “Bebeto, Bebeto! Toca ‘De um bando’, velho!” É uma música do meu primeiro disco. E eu: “legal!” Segui tocando – e o sujeito continuou pedindo: “toca ‘De um
bando’!” Então ele começou a ficar bravo. Estava bebendo, com uma latinha na mão. E a cada pouco ele voltava: “porra! Toca ‘De um bando’, meu!” E foi desse jeito até o fim. Terminei o show com um puta rock’ n’roll, me joguei no chão com a guitarra e quando eu vi, senti alguma coisa. O cara tinha subido no palco. Me pegou pelo pescoço e berrou: “toca ‘De um bando’, cara!” Os músicos não entenderam nada do que estava acontecendo, pensaram que eu estava tendo um troço e alguém estava tentando me ajudar. Ele não suportou a ideia de eu não ter tocado “De um bando”. Nenung: A Barata Oriental estava participando de um festival com os Cascavelletes no estádio do São José. Yang Zam: Rock no Viaduto! Nenung: Eu tinha a estranha mania de beber conhaque pra caramba nos shows, e ficava meio bobo. Nosso guitarrista era o Escobar, que tinha o sonho de quebrar uma guitarra no palco. E ele foi fazer isso lá. Mas pegou uma guitarra tão velha que, no primeiro puxão que deu, ela quebrou! Antes de se estilhaçar no chão. Ele ficou olhando sem reação pra ela, uma coisa meio evidente da palhaçada. Foi um gesto woodstockiano fora de contexto. Susi Doll: Faxinal do Soturno. As Ninfrodizíakas chegaram lá, e existe o hotel da cidade, o clube, a praça, a igreja e o restaurante – que é pizzaria e casa noturna juntas. Nós éramos escoltadas, e tudo era totalmente liberado pra nós. Fomos fazer um show pro público do restaurante. Tínhamos um miserê de repertório, e eles pediram que repetíssemos o show pra fazerem uma filmagem. Sei que nós enlouquecemos. A bateria era toda remendada, umas cordas segurando, o bumbo sem fundo, aquelas coisas. A gente mais fazia performance do que tocava. Tinha que puxar por alguma coisa: já que não tocávamos porra nenhuma, performance tinha que ter. Botávamos um tapete no palco, lenços na cabeça. Um lance bem teatral. Aí, as gurias inventaram de cheirar cola, e nos expulsaram do clube. Nos levaram pra um lugar com umas piscinas, e nós: “vamos tomar banho”. Chegamos lá tudo tatuadas. Queriam nos botar pra rua porque não podia entrar na água trajado daquela maneira. E nós: “pô, então a gente tira a roupa!” Carlos Maltz: Considero a abertura que o Engenheiros fez pro Nirvana uma coisa muito marcante na nossa história. Foi bate-lata do primeiro ao último acorde do show. Também foi um teste de fogo. Depois do show, dei uma entrevista pra MTV, onde falei: “esse negócio é morte!” Isso foi uns dois meses antes do cara se matar. O que o Nirvana estava vendendo era morte.
Humberto Gessinger: A apresentação dos Engenheiros antes do Nirvana, no Hollywood Rock, teve muito a ver com uma discussão sobre ditadura do aplauso. Em São Paulo foi um caos. Eu sabia que o público não era o nosso, mas nunca me passou pela cabeça mudar a noite da apresentação. Era um momento da história em que se devia dizer: “tô presente”. A banda estava legal, fizemos um show bacana, mas o público jogou lata na gente o tempo inteiro. Foi uma transição. Era meio como um jogo de xadrez. João Vicenti: Sou do interior, grosso barbaridade. Em 91, na gravação do clipe da música de “Tente Outra Vez”, no Largo Glênio Peres, eu tinha que subir ao palco na hora que entrava a parte do acordeom. O camarim ficava embaixo do palco. O Nenhum de Nós subiu pra tocar, enquanto eu fiquei ali, bem tranquilo, tomando uma cervejinha. Então, quando chegou perto da minha parte, me dirigi ao palco. Quando subi as escadas, veio o segurança, querendo saber: “onde é que tu vai?!” “Vou tocar”, respondi. E ele disse: “como vai tocar, se os caras já estão tocando há horas?!” Daí eu falei pro cara: “mas é que eu entro agora!” Derrubei o segurança e corri pro palco, apavorado, achando que ele vinha atrás de mim. Kako Kanidia: Na época em que a Maria do Relento estava começando o contrato com o selo Banguela, fizemos um show em Santa Catarina. Era o Mountain Rock Festival: várias bandas da Argentina, Uruguai, São Paulo, Rio... Muita barraca e só loucos. Tudo que é droga possível circulava dentro daquilo. E não havia policiamento. Então, todo mundo estava liberado pra fazer o que quisesse. Passava gente pelada. Orgias, sexo e rock’n’roll. O dia estava amanhe-cendo e aquela fumaça, beirando o astral, por todo o gramado. E muito som. Em cada barraca, um som e uma tribo. Como banda do evento, ganhamos passagens e o direito de botar a barraca lá. Luciano Loira: Não conseguiram hotel pra banda. “Querem ir? Vai ter cachê e tudo, só que tem que ir de barraca”. Quando chegamos, todos os lugares já estavam ocupados. O único espaço disponível era atrás do palco, em cima de uma pedra. Ou seja: a gente estava dormindo tudo torto. Mas, fomos dormir. Só que nisso começou a tocar uma banda de death metal da Argentina. Nino Lee: Eram umas seis da manhã. Não tinha público assistindo o show – mas a banda estava lá, tocando. Eles faziam uma versão death metal do Midnight Oil... Acabou a música e escutamos lá de longe: “vai dormir, filho da puta!”.
Gonow: O Barba Ruiva e os Corsários saiu naquele vinil Assim na Terra como no Céu, junto com Sangue Sujo e mais aquela cambada toda. Mandamos o disco pra um amigo de Livramento, que largou nas rádios – e elas começaram a rodar. Nossa música “Jungle Rock” ficou umas três semanas entre as mais pedidas. Daí, fomos pra lá. Terminou o show, e nosso camarim era o banheiro. Mas era na melhor boate de Livramento, patrocínio do Ballantine’s... E ficamos no Hotel Jandaia, o mesmo que a seleção ficou na Copa América. Fui entrar no banheiro e, quando tentei abrir a porta, estava trancada. Eu forcei, entrei, e estava o Moreira escorado atrás da porta, chorando e falando assim: “aquela guria entrou na minha vida... eu sou um bluesman, eu sou um bluesman...” O Moreira primeiro tocava bateria, depois que ele começou a tocar guitarra. Era o campeão de cair da bateria. Nós estávamos tocando e, de repente, no meio da música, sumiu o Moreira. O palco se abriu enquanto ele estava tocando, ele despencou no chão! Diego Medina: A Ipanema bolou um troço com a MTV de fazer um mega show no Opinião, com várias bandas gaúchas, e a Doiseu Mimdoisema estava no meio da história. Aí, na hora do show, tudo televisionado pela MTV, foi horrível: os instrumentos desafinados, tudo uma merda total. O Gustavo Steffens, que era nosso baixista, estava fazendo o primeiro show da vida dele, toda banda perdida. E, pra finalizar, eu estava tocando “Epilético”, de robe. Tirei o robe e fiquei só de cueca, estava de samba-canção. O que eu não me liguei é que a samba-canção tinha aquela abertura ali, na parte pubiana do ser. E eu cantei “Epilético” inteira, com o pau mole pra fora, cantando e me sacudindo feliz e todo mundo rindo. Mas eu: “ah, o pessoal está achando engraçado!” Quando eu olho, no meio da música, estou com o meu pau – e mole, ainda – pra fora. Aí peguei uma caixa de pizza, que estava dentro do camarim, e cantei o resto da música com a embalagem na frente. E saí correndo, queria me esconder. A Katia Suman veio: “não, não, não, tu não vai fugir” – com o microfone aberto, e tirou uma onda: “e aí Diego, como é que é esse troço de pirulito?” Mano Sonho: Os Acústicos & Valculados tocaram na festa de aniversário da Tanara e da Dani, no Barbatana Rock, na Dr. Timóteo. E a Comunidade fez uma participação – acho que era a primeira vez da banda com esse nome. Mas não foi uma participação muito comprida. No final, tocamos uma música onde a gente misturava “War Pigs”, do Black Sabbath, com uma letra que eu fiz em prol do Shoko Asahara, aquele cara gordão, de barba, que era tipo o líder de uma seita apocalíptica e detonou um metrô de Tóquio. Eu fiquei muito impressionado com aquilo: a gente tinha meio que um preconceito contra os amarelos – contra os chineses em especial –, mas que acabou se estendendo a toda a raça. E me lembro bem da
gente no palco, eu usando uma saia, tirando a saia... E visualizo uma amarela, não sei de que origem, pulando e curtindo muito aquele bolo! Frank Jorge: O Alexandre gostava de pegar o microfone e dar uma letra sobre alguma coisa durante os shows da Graforreia, tipo assim: “se vocês querem que a gente continue tocando, a gente toca, mas daí vocês façam uma fila e venham um por vez cantar aqui”. Isso aconteceu em Chapecó, Santa Catarina. Foi uma coisa legal. A música era “Empregada”. Acabou tendo um clima de celebração, de festa. A Graforreia sempre teve esse caráter de interação, de simplicidade, uma banda que fica aberta às pessoas. Normalmente os caras se isolam ou têm aquele papo meio besta, meio distanciado. Alguns artistas são naturalmente reclusos em função da sua loucura, do jeito de ser. Outros são assim por estilo, por se acharem mais importantes do que são. Mas, no nosso caso, todos tinham muito esse perfil. Carlo Pianta: Existe um núcleo de fãs da Graforreia, o pessoal da banda Repolho, o Eric Thomas, da banda Emilio e Moura, de Chapecó – pessoas que gostam bastante de rock gaúcho. E esses caras nos acharam. Um deles ligou pro Alemão pedindo um show, e ele disse: “só que tem uma coisa cara, a banda terminou”. E o cara: “aahhh!” E o Alemão falou também: “e tem outra coisa, a banda voltou”. E os caras: “êêêêê!” Daí a gente fez o show. Foi um show coletivo: tocou a Repolho, e tinha umas oitenta pessoas. Mas umas sessenta sabiam todas as nossas músicas. E dissemos: “enquanto tiver gente que saiba cantar a letra, a gente vai tocando pro pessoal poder cantar”. E todo mundo queria cantar. Formaram uma fila. Monga: No ano de 93 o Orelha voltou a tocar na Pietà e proporcionou os casos mais medonhos. O Soneca era o baterista. A demo daquele ano era a Metropolis Bases, gravada no estúdio Live da Vicente da Fontoura. Essa época foi marcada pelas apresentações no Fim de Século e Porto de Elis. Orelha: Éramos pesados, rápidos e toscos. Nos consideravam os estranhos no ninho. Monga: Nessa época a Pietà se apresentou em Assunção, no Paraguai, às custas de uns trocados que consegui emprestado de um amigo. Chegamos lá: o lugar era uma toca de cobra, mas o pessoal muito camarada. Nos levaram para tomar umas cañas e comer algumas especiarias locais. De abertura, o Orelha assoou o nariz com uma folha da alface da salada. Eu não sabia o que dizer pros sudacas e apenas ri. O show foi especial. Tem gravado na fita de vídeo “Pietà Live in Paraguay”. Fughetti Luz: Um grande show do Bixo da Seda foi a reabertura do auditório Araújo Vianna,
em Porto Alegre, lá por 96. Foi uma coisa muito louca. O Frank Solari se apresentou primeiro e depois entramos, tocando junto com a banda marcial do colégio Santa Catarina, de Cachoeirinha. O Mimi fez uns arranjos de sopros, inclusive pra música “Bixo da Seda”, e as duas bandas entraram juntas no som. E aquela gurizada tocando pra caralho! E tinha umas gurias da banda marcial dançando junto comigo no palco, lá na frente. Foi clássico, grandes arranjos! Cléo de Paris: Teve um show da Acretinice me Atray, no Estação Zero. Os caras nos explusaram do palco porque só queríamos fazer barulho. Queríamos que todos odiassem o show. Cada um tocava uma coisa, e eu só gritava. Gaby Benedyct: Toda a vida, em todos os meus shows como Benedyct, sempre choveu. Sempre mesmo! Desde o primeiro, num concurso de bandas no IPA, que tinha um dia classificatório e a final no dia seguinte. Minha roupa era um espartilho branco, que a mãe do meu namorado usava, número 42... Só que o meu número era 46. Então fiquei com uns peitos desse tamanho! Chegamos no palco e a guitarra não ligava... Fui falar qualquer coisa pro público: “e aí, galera!” E todo mundo: “puta! Vagabunda!” Eu pensei: “meu Deus, o que é que eu vou fazer aqui em cima?” Cheguei e disse o seguinte: “e aí, vocês querem leite?”, com aquela roupa apertada... Todo mundo me amou! E é claro que nós fomos pra final no outro dia. Mas quando ia ser a finaleira, caiu um toró que tirou as telhas do negócio e inundou o palco. Resultado: todo mundo ganhou o festival. No segundo show, os guris inventaram um cartaz que estava escrito o seguinte: “Benedyct Eskine no show ‘Prostituta Venerada como Santa’” Eu cheguei em Porto Alegre – morava em São Leopoldo –, vi aqueles cartazes... E saí andando por toda a Oswaldo Aranha, pela Vasco da Gama, subi toda a Independência até o Fim de Século, onde era o show. E arranquei todos os cartazes! O Márcio, meu primo, que era o baterista, e o João, o baixista que tinha feito os cartazes, ficaram putos comigo. Mas eu disse: “o que é isso? E a minha reputação?” Dizem que eu já fiz strip em show, mas eu não fiz! Mas eles ficaram tão brabos que fizeram outro cartaz e tive que colar tudo de novo, sozinha. Paulo Arcari: O TNT foi tocar em Erechim, e ficamos num hotel. O cara que cuidava desse hotel era famoso na cidade pelo seu temperamento: o Vaca Louca. Fizemos o show e, quando voltamos pro hotel, já eram cinco da manhã. Fomos direto pro café – que não tinha nada pra comer. A mulher que atendia botou meia dúzia de biscoitos na mesa e não voltou mais! Então o produtor da banda foi reclamar, e justamente pro Vaca Louca, que não aceitou e deu um socão na cara dele.
Voltei correndo e chamei a rapaziada: “seguinte: nosso produtor tomou um soco na cara agora, lá na recepção!” Ninguém acreditou. Eu pensei: “bah, então vou lá!” Desci, e tinha um camburão, com o Vaca Louca e o cara da nossa banda indo pra delegacia. O cara da recepção me olhou e ainda disse: “tu vai ver é quando o homem voltar e meter a mão na arma. Tu não conhece esse cara!” Luís Henrique Tchê Gomes: O TNT viajou um dia inteiro pra tocar em Itaqui. Quando chegamos, descobrimos que o equipamento eram aparelhos três em um. Pra todo mundo! Acabou não rolando som nenhum. Eduardo Normann: Convidamos o Zé do Trompete, em 97, pra tocar com a gente num show no Garagem Hermética – tínhamos uma banda chamada The Clones. Eu tocava guitarra e piano e a Mariana, baixo e piano. Na verdade, nós tínhamos um teclado, e não um piano... Mas, pra ficar bonito, a Mariana montou, junto com o artista plástico Nelson Magalhães, uma estrutura de papelão e madeira que transformou o teclado num piano de parede. Era um piano, pelo menos pra quem estava vendo de longe e no escuro. Nossa vocalista, no ápice do show, ainda fez um strip tease super cool, enquanto mandávamos um jazzinho do Tom Waits. No final do show, o Flavio Basso e sua então namorada, a Magra Mariana, chegaram até nós: “bah! Que do caralho! Como que vocês subiram as escadas do Garagem com aquele piano nas costas?” Régis Sam: Os Cowboys Espirituais estavam voltando de um show em Caxias, e o Júlio Reny disse: “pára, que eu quero mijar!” O motorista parou perto de um barranco. Ele desceu barranco abaixo, e a gente: “cadê o Júlio? Sumiu!” Isso no meio do mato, um frio horrível, no meio do nada e em plena madrugada. Nós gritávamos por ele, e nada. Depois, berramos: “Júliooooooo!”, e uma voz respondeu, de baixo: “tô aqui!” A gente se entreolhou, e disse: “quem é que vai descer?” Decidimos: “vai o roadie!” O cara desceu, e encontrou o Reny grudado numa árvore que dava pra um abismo de vinte metros – era a árvore e o penhasco. O roadie puxou o Júlio morro acima, e ele pedindo desculpas: “me perdoem, vocês me salvaram, vocês me salvaram!” Francis: A Jkbak promoveu uma festa junto com a finada revista ZE no teatro Nilton Filho, em 97. Festa Preza, era o nome. Entre outras coisas que aconteceram durante aquela fatídica noite, pessoas se degladiaram em frente ao teatro pra tentar entrar, enquanto outros lá dentro enlouqueciam com os “docinhos” da confeitaria Tosca’s. Até uma capa de Playboy esteve lá, e foi barrada. Carlinhos Carneiro: O primeiro show da Bidê ou Balde aconteceu no dia 10 de dezembro de
1998, no bar Virtual, que era rotineiramente um ponto de cocaína. Éramos cinco: Eu, o André, a Katia, o Rossatto e o Cavera. E eu estava muito bêbado, vestido de camisa com gravata e calça social. Só que eu estava tão bêbado que não consegui dar o nó na gravata. João Vicenti: O Nenhum de Nós estava se apresentando no sul de Minas Gerais. Passamos o som e a banda toda saiu pra jantar antes do show. Mas o Cau, nosso roadie, ficou lá, encarregado de cuidar os instrumentos. Quando voltamos pra buscá-lo, ele estava lavando um corte enorme que tinha feito na mão. Nós perguntamos, meio apreensivos: “o que aconteceu, Cau?” Ele nos contou que, depois que saímos, uma gurizada subiu no palco e começou a fuçar nos instrumentos. O Cau dizia pra eles: “tirem a mão daí!” Mas eles respondiam: “nós somos os filhos do prefeito!” Ele insistiu: “vocês não podem tocar nos instrumentos!” Os guris insistiam: “mas não, porque a guitarra...” Então, o Cau pegou uma garrafa de refri e quebrou na mesa – só pra dar um susto neles. Aconteceu que, na hora que deu a porrada na mesa com a garrafa, ele terminou cortando a mão. Então o Cau consertou: “estão vendo?! Se eu faço isso comigo, imagina o que eu posso fazer com vocês!” E os piás fugiram, rapidinho... Luís Motta: A partir de uma visita do Paulo Brody, ex-vocalista da 10KPNR, surgiu a ideia de criar um projeto onde as bandas se apresentassem sem critério de seleção algum. Seria na base da cooperativa: os custos do evento seriam rachados entre as bandas e, a então chamada 10.000PnR, seria a anfitriã de todas. Que esperteza!... Os shows começaram a acontecer no Teatro de Arena, com o nome de “Projeto 10000 e Uma Noites”. Bem, a coisa cresceu tanto que nós acabamos deixando de ser os anfitriões – mesmo porque tinha muita banda, muita mesmo. A coordenação passou a ser feita pela Suely e o projeto sobreviveu por quatro anos. Sempre viveu à margem de tudo: da mídia, do apoio oficial... E sucumbiu porque não havia mais como sustentá-lo. Foi uma pena, porque muitas bandas que estavam começando suas carreiras deveram isso ao 10000 e Uma Noites. Acho que foi uma das iniciativas mais verdadeiras e descompromissadas com qualquer grupo ou grupos que essa cidade já teve em termos de rock. Carlinhos Carneiro: A Bidê estava voltando de um show em Gramado numa van. Lá pelas tantas o Rossatto, duro de bêbado, resolveu que era a hora certa pra abaixar as calças. A Kátia e a Gisele, a ex-vocalista da banda, acharam o momento certo pra criticamente rir do tamanho e do estado físico do membro do rapaz. Tudo em clima de irmandade e descontração: sem toques, sequer metafísicos. E eu lá na frente, tentando acalmar o motorista: “é foda! Os cara são sempre assim!”, enquanto ele ria nervoso.
Luis Motta: A 10KPNR foi convidada pra abrir um show de uma importante banda gaúcha em Novo Hamburgo. Ficamos hiper faceiros. Alugamos uma van, que iria ser rachada com os integrantes da banda e uns poucos amigos que também queriam ver o show. Na hora de irmos só estávamos nós. Tomamos por que pagamos a van sozinhos... Tínhamos um esquema bem armado: camisetas, lista de músicas bem escolhidas, afinal era uma grande chance! Estávamos esperançosos. Porque, se os caras gostassem de nós, poderíamos ser convidados pra abrir outros shows deles... Enfim: entrar pra uma seleta panela de mega stars! Os caras chegaram, os pseudo-artistas, e se dirigiram pra um pseudo-camarim. Era onde o dono do bar dormia. Ele morava no bar também e de lá só saíram pra passar o som e pra ir ao show. Na hora do show, começamos tocando a primeira música e o entusiasmo do público era tal, que se podia ouvir um alfinete caindo no chão. Eu, que era o vocalista, fui presenteado com uma substância orgânica verde, um cuspe, que se alojou no botão de volume da minha guitarra. Aprendemos que quanto mais famoso for o artis-ta principal, o melhor é assistir o show da plateia mesmo... Rafael Rossatto: Na primeira vez que a Bidê ou Balde foi pra São Paulo, a grava-dora mandou uma van buscar a banda no aeroporto. Sete pessoas mais o motora: oito. Chegou uma towner – que não cabia todo mundo. O cara perguntou: “mas não é uma dupla, o Bidê e o Balde?” A própria gravadora não tinha noção de quantos éramos, e tivemos que esperar uma hora até vir outro transporte. Carlinhos Carneiro: Esse show foi um dos mais legais. Não tinha palco e o chão tinha três centímetros de água. A gente tocava no chão e levava choque dos microfones. Eu tive que subir em cima do bumbo pra conseguir cantar. Os caras acharam que eu era poser, por estar em cima do bumbo. A Katia tocava espremida e o Rossatto estava numa situação terrível: tocava a guitarra de lado. Beto Bruno: Era época de Natal, e os Malvados Azuis tinham um show marcado num barzinho de quinta categoria em Soledade. A banda chegou às seis da tarde no bar pra passar o som e, nesse meio tempo, queimamos muito fumo. Os Malvados Azuis estavam começando. O show era pra iniciar à meia noite, mas desde às oito eu já estava bêbado. Um pouco antes de começar o som – eu estava desanimado de tanto trago que tinha tomado –, umas pessoas me cederam algumas doses de cocaína também. E começamos a tocar pra um público muito popular. Não era público de rock.
Estava legal a primeira, a segunda, a terceira música. Na quarta, eu já não conseguia cantar mais nada. Estava completamente bêbado. Lá pela oitava música, a polícia invadiu o lugar, tamanha a obscenidade das letras que eu já estava inventando. E barrou o show. Mas ficaram uns maluquetes da cidade nos dando força pra continuar. Acabamos nos encrespando com umas gurias – de péssima reputação, inclusive. Quando fomos levá-las pro hotel, recebemos a informação: “devido ao show que fizeram, vocês não podem entrar aqui”. Respondemos: “então vão pra puta que pariu! Vamos pro próximo hotel nessa cidade de merda”. Então fomos pra um segundo hotel. Também não nos quiseram. Em um terceiro, também não. Já estávamos conhecidíssimos na cidade... Terminou que nenhum hotel nos queria. Nossas drogas acabaram, as bebidas também, o papo já estava chato... Tínhamos comido as gurias nesse intervalo na rua... Alguns não comeram. Foi quando, passando pela praça principal da cidade, vimos um presépio em tamanho natural – e resolvemos dormir por ali. Quando Soledade acordou, as pessoas que passavam na frente da praça se deparavam com toda banda dormindo junta, no presépio. Nunca tinham visto pessoas tão arrogantes dormindo ao lado do menino Jesus. Acabou que a polícia ficou sem vontade nenhuma de nos prender e nos manter naquele distrito. E nos levou pro trevo da cidade. Lucio Dorfman: O nome do Bar era Frida’s. E o dono, que se chamava Frida, tinha um ultraleve. Ele vendeu o tal do ultraleve e mais um monte de coisas pra abrir o bar. Porque disseram a ele que esse era o canal. O cara montou o bar, mas não sabia nem o que fazer. E nós caímos lá pra tocar no dia da inauguração. Chegamos, e o cara já com uma arma em cima da mesa. E ele: “se isso der errado eu me mato, porque eu não tenho mais nada. Tudo que tenho está dentro desse bar!” E nós: “bah! Que roubada! Chegamos aqui sem saber de nada e o cara pronto pra acabar com tudo”. Mas demos um pé quente: lotou o bar, o cara fez o pé-de-meia dele – e ele chorava, se abraçava na gente. Comprou um ultraleve novo, ficou com o bar e se deu tri bem. Francis: Em um ensaio da Jkbak, o Rossato chegou dizendo que tinha marcado um show num bar na praia de Atlântida Sul, o Eletrosfera. Ele falava que o bar era afudê e tal. Fomos então tocar no Eletrosfera. O bar era mais ou menos assim: duas geladeiras tipo frigidaire cheias de ceva mexicana, um globinho no teto feito com uma bola de isopor e um motor de batedeira, e um velho que era o dono. Ele disse pra gente anotar o que bebesse. Bebemos muito e tocamos pra ninguém, talvez uma ou duas pessoas. Passou um cara de carro, parou na frente e pediu Cascavelletes. Tomamos toda as cevas e fugimos depois do show. Alguns meses depois, encontrei o velho num elevador. Ele perguntou se me conhecia. Imediatamente respondi: “provavelmente da Amway”.
Lucio Dorfman: O produtor foi conferir o local de um show dos Engenheiros no interior e disse que não havia a menor condição de rolar. Aí, os caras que nos contrataram chegaram na frente do hotel com um carro de som e abriram o microfone: “Engenheiros! Vocês não vão sair daqui hoje! Vai ter show nem que vocês não queiram! Ô Humberto, desce pra conversar!” E os caras já embalados na cachaça. Estava anoitecendo e resolvemos botar tudo dentro do ônibus e sair por trás – mas eles descobriram e cercaram o hotel. O motora amarelou de primeira e disse: “tirem tudo de dentro, porque eu já estou indo embora. Eu não vou entrar nessa roubada. Com o meu ônibus vocês não saem”. E o hotel cercado de malucos, todo mundo encharcado e o carro de som nos xingando. Os caras já falando de arma... Tentamos chamar a polícia, mas o delegado era justamente o pai do cara que tinha nos contratado. E disse que a polícia não ia... Ligamos pra cidade vizinha, e o delegado disse: “ó, eu só posso escoltar vocês da saída da cidade em diante. E digo uma coisa: se eu fosse vocês, fazia o show, porque eu não garanto a estrada”. E agora? O dono do hotel queria nos expulsar, porque estava com medo que destruíssem o patrimônio dele... O mais engraçado é que a banda que foi tocar com a gente, a Black Master, estava num espírito assim: “claro, nós vamos tocar de qualquer jeito. Grande merda!” Aí, no fim da história, resolvemos fazer o mesmo. Kako Kanidia: Um cara quis patrocinar um show da Maria do Relento em Soledade, no verão. Mas a sonorização era muito podre. Só tinha um sujeito cuidando do som: usava uma camiseta curta e a barriga saía pra fora. Apelidamos ele de açougueiro. O show foi horrível. Já estávamos dentro do ônibus quando chegou o velho açougueiro e perguntou sobre um transformador: “cadê o meu transformador?! Alguém deve ter pego!” Um transformador de geladeira, velho, que nunca ninguém ia querer roubar. Mas ele não desistia: “ah, não vão devolver?” O velho foi pra dentro e voltou com um facão. Nosso ônibus arrancou e o velho saiu correndo atrás com o facão: “meu transformador! Meu transformador!” Marcito: O Peru é um saxofonista, que estava desde o começo da Ultramen. Fomos tocar em Gramado junto com a Comunidade Nin-Jitsu. Era uma dificuldade achar um banheiro na boate. O Peru saiu pra rua, viu um buggy, e disse: “bah! Vou mijar nesse buggy”. Mas o dono do carro, que também era o dono do bar e policial, viu... Só me lembro o cara dando um tapão na cara do Peru... Ele fez o Peru limpar o carro com o moletom. E depois viu o show e achou legal! Tonho Crocco: No terceiro ou quarto show da Ultramen, eu e o Zé Darci, nosso batera, tomamos umas cachaças. Desmaiei na bateria dele... Acabou o show na terceira música. Júlio Porto: Teve um show da Ultramen no Fim de Século – só que era uma noite do rock. O
Tonho e o Zé Darci tomaram umas cachaças, e não conseguiram fazer o show. O Zé começava a música, passava pra terceira parte e acabava antes de todo mundo, completamente alucinado. O Tonho tomou um litro de cachaça e caiu em cima do baixo novo do Pedro – que quebrou. Pedro Porto: O meu baixo quebrou... O Tonho caiu em cima. Eu desci do palco e um cara, que tocava guitarra numa banda, chegou pra mim, perguntou meu nome, e disse: “como sempre, impecável”. Tonho Crocco: Rolou um show tranquilo da Ultramen no Expresso 356. Acabou, e estava todo mundo feliz. Fomos pro camarim... E nisso chega um dos roadies: ele tinha dado uma garrafada na cabeça de um cara que tinha mexido com a mina dele, ou de um amigo dele. Tivemos que sair escoltados de São Leopoldo, com a banda sendo culpada pelo ocorrido. Pedro Porto: O cara era meio que campeão de jiu-jitsu. Quando tu via tinha 20 carinhas da turma querendo nos pegar. Malásia: Os caras queriam dar um pau na gente de qualquer maneira, porque pensavam que tínhamos mandado o roadie dar a garrafada no parceiro deles. Pedro Porto: O primeiro show da Ultramen foi num palco em Ipanema, na beira do Guaíba. Uma coisa até meio engraçada. Começamos a tocar e o público subia no palco pra se jogar... Os donos do som se apavoraram com aquilo – e desligaram tudo na segunda música. Começou uma briga... Um amigo nosso já queria bater nos caras do som. Tinha gente armada. Júlio Porto: Foi uma coisa emblemática. Os caras começaram a dar mosh, no show da Ultramen na beira do Guaíba, em 92. O promotor do show, que estava cheirado, chegou lá e desligou o som. O cara se espiou – ele não sabia o que era mosh. A primeira vez que eu vi um cara fazendo isso na minha frente entendi o que era a música, o que era o troço. Ver o que a nossa música estava fazendo com os outros. Deu um baita bolo. Tanto que a gente fez uma música em homenagem a isso, que é “Mosh It Up”. A partir disso tiveram shows antológicos no Porto de Elis. Pertenciam a esse time também a LORDS, Borboleta Negra, Van Gogh... Mini: Uma das maiores furadas em que os Walverdes se meteram foi num lugar dos mais insólitos: uma churrascaria de Santa Cruz. Pra se ter uma ideia, tinha um time de futebol de salão almoçando na nossa frente. Dava pra ver do palco os caras jantando. Uma churrascaria toda
iluminada... Uma coisa horrível! Os caras vinham na beira do palco e ficavam pedindo: “toca Paralamas! Legião!” Tocamos uma versão rápida de “The Great Pretender”, dos The Platters, umas três vezes. “Mr. Postman”, tocamos umas cinco. Não tinha muita gente – e ainda por cima ainda estava passando a luta do Mike Tyson naquela noite. Tivemos que parar o show por causa da luta... Que durou tri pouco. E o dono do bar, que recém tinha saído da cadeia por assalto a banco, engrossou com a gente pra tocarmos de novo, pra tocarmos Beatles. Isso, depois do nosso produtor ter dito que não éramos uma banda cover. Já tínhamos tocado uma hora e pouco, e então logo depois tivemos que voltar, e tocar mais uma hora e tanto. No final, o dono do bar queria que dormíssemos na casa dele. Mas fomos pra rodoviária esperar o ônibus – dormimos lá. Não queríamos, de jeito nenhum, ficar na casa do assaltante. Pepe Perurena: O momento mais estranho da Winston até hoje, foi num show em Santa Maria. A gente tocava pra um público meio apático, até que um cara totalmente bebum apareceu, com a cara ensanguentada, e caiu em cima de mim e do microfone. Fiquei sem reação alguma. Tinha um monte de gente rindo. No início, não entendi nada. Nosso roadie veio dar uma ajuda pro bêbado, mas ele não entendeu. Pensou que o roadie queria bater nele. Até hoje não sei ao certo o que aconteceu. Minha impressão é que alguém tinha agredido o cara nessas brigas de bêbado, a là Bon Scott, meio sem motivo aparente. Depois ele ainda veio pra cima do Dudu, nosso guitarrista. Mas o bizarro foi que isso tudo aconteceu no meio de uma música chamada “Uma Pessoa que eu Possa Machucar”. Me senti um dos Stones tocando “Simpathy for the Devil” enquanto os Hell’s Angels espancavam a plateia. Dudu Magalhães: O refrão era apenas o título da música, repetido umas quatro vezes. Lá pelas tantas, no meio da canção, um cara empurra outro contra a parede e começa a empilhar socos até o coitado cair estatelado no chão, na frente do palco improvisado onde nós tocávamos. O curioso é que ninguém fez nada e prosseguimos até o fim da música, perplexos. Quando acabou, o nosso roadie ergueu o cara do chão – e ele partiu para cima de mim. Ele achou que eu teria agredido ele! A turma do deixa disso segurou o cara e impediu que mais uma cena de pancadaria acontecesse. Peter Francis: Estava tocando bateria num show do caralho em Canoas, quando percebo que tinha um neguinho tocando junto, alucinadamente, na minha batera. O cara só avacalhava: me abraçava, gritava, fazia muita bagunça. Depois ele disse que queria tocar. Saí, o deixei tocando e assisti até o fim do show da plateia, junto com meus colegas de banda – outros caras tinham feito a
mesma coisa com eles! Rafael Malenotti: Sociedade Itálica, no Bom Fim. Foi aí o primeiro show dos Acústicos & Valvulados. Um nervosismo... Estávamos apavorados. Tinha uma piscina com quinhentas garrafas de cerveja pra cento e cinquenta pessoas... Uma coisa afudê, todo mundo bêbado. Repetimos umas oito vezes o refrão de “C’mon Everybody”, e a galera fissurada em rockabilly, cantava junto: “Uuuuuuh... C’mon Everybody!” Todas as 150 cabeças, até não aguentarem mais. King Jim: Os caras da Sangue Sujo ligaram me convidando pra fazer uma farra num show em Osório. Eu estava acidentado, mas fui. A perna toda fodida, engessada. “Vamos lá, cantar ‘Jesus Cristo vai voltar’!”, eles insistiram. Aí fui, com o Heron, baixista dos Replicantes, dirigindo o meu carro. E bah, que show chalaça! E uma chuva! Lá pelas tantas, peguei as muletas e fazia o solo das músicas com elas... O público invadiu o palco... muito afudê. Foi uma experiência punk, embora eu já tivesse tocado sax antes com os Replicantes também. Rafael Malenotti: Uma das aventuras mais insólitas que os Acústicos tiveram foi em Carlos Barbosa. O cachê era de duzentos reais, incluindo a gasolina. Chegamos às seis da tarde pra passar o som e os neguinhos não tinham nem transformadores. Um dos organizadores disse que ia buscar. A gente montou todo palco e nada de chegar os transformadores. Ficamos com fome, e fomos perguntar sobre a janta. Eles responderam que iria demorar, por causa de um casamento que estava acontecendo no clube: “vocês só vão jantar depois que eles se divorciarem”. Ficaram tirando onda da nossa cara. E nós ficamos ali, esperando e esperando... Quando chegou às onze da noite, resolvemos desmontar o palco. Os caras só se deram conta que estávamos desmontando tudo, quando só faltava o bumbo. “Aonde vocês vão?”, perguntaram. “Nós estamos indo embora dessa merda!”, foi a nossa resposta. Então os caras falaram assim: “oh, mas não pode! Agora vai começar a chegar gente pra ver o show!” E nós: “então manda todo mundo pro casamento currar a noiva!” Tati: A Narciso já passou por umas boas. Uma delas foi em Sapucaia, num show em que o palco nada mais era que o terreno de uma floricultura, cheio de brita. O equipamento falhou e a Rosane, nossa guitarrista, teve que tocar com o Kiko, vocalista da Tarcisio Meira’s Band. O Kiko ficou o show inteiro segurando o cabo da sua guitarra, ajoelhado ao lado da Rosane. Depois disso, fomos convidadas pela revista Rock Brigade pra representar o Rio Grande do Sul num festival em Massaranduba, próximo à Florianópolis. Saímos de Porto Alegre na sexta, às sete da noite, e chegamos lá às seis da manhã de sábado. Não aguentávamos mais ficar naquele ônibus, mas sobrevivemos.
Uma Kombi da prefeitura foi nos buscar na rodoviária pra nos levar até o local, que parecia Woodstock. Quando chegamos não havia muitas bandas, nem pessoas. Fomos dormir, e quando acordamos, o que era deserto virou um amontoado de barracas. No sábado à noite, fizemos um ótimo show, pra aproximadamente cinco mil pessoas. Teve muita festa com as bandas dos outros estados – e éramos a única só de gurias. No domingo pela manhã, todos já sabiam que a Narciso era a atração do local. Não só pelo som, mas pelo trabalho de divulgação da nossa guitarrista, a Alexandra. Foi um domingo de verdadeiro glamour. Nós éramos requisitadas pra tirar fotos em várias barracas, dávamos autógrafos... Uma tietagem sem tamanho. Tiramos muitas fotos nos stands, e os caras colocavam perto dos produtos com um cartaz dizendo: “A Narciso veio aqui!”. Algo fora do comum. Em troca de alguns autógrafos e fotos, ganhei uns quatro pares de baquetas. César: A Urro era legal. A única banda que tocava fora do circuito Independência-Oswaldo Aranha. Um dos caras, o Rafa, tinha um primo que era de Caxias, músico, e arranjava uns locais legais pra gente tocar. Numa dessas ele conseguiu um show num bar, na verdade uma fábrica, um lugar muito grande. Mas o dono do bar colocou um monte de biombos e fez o pico ficar tri pequenininho, do tamanho do Garagem Hermética. A Urro, nessa época, era eu, o Rafael, o Pablo, o Felipe, o Daniel e o Zé do Trompete – nosso Alceu Valença do jazz, que eu chamo pai. Fizemos o nosso show pra umas cinquenta pessoas – o que pra Urro já era legal. No outro dia, o cara pediu pra que tocássemos de novo. Pra essa segunda noite, íamos convidar uns músicos, e a coisa ia virar uma jam session. Abrimos o espaço pro pessoal da cidade tocar, então o bar lotou. O Flávio ficava de stand by, tocava um pouquinho e saía, tipo baile. Chamávamos outro cara, ele dava uma canja e saía. Uma hora, o Flávio sumiu da festa, e a gente tocando “Taj Mahal” numa versão de baile... Quando ele retornou, estava com uma cara muito de sem-vergonha, transformado. Então de repente vi o Flávio, em cima do palco, abrindo uma maletinha e tirando de dentro um trompete. O Flávio pegou, botou óleo e limpou o trompete... E as pessoas olhando pra ele. Então eu anunciei: “e no trompete... Flávio Miguel!” Ele subiu no palco, e: “nhhheeeeep-ehhhhh-nheeeeeeeepppp!” Foi uma coisa horrível, ele fazendo um solo que parecia um elefante tomando um supositório em formato de abacaxi no rabo. Sei que o solo dele acabou com o show. Resumindo: os músicos de Caxias foram embora, porque acharam aquilo uma afronta, e as pessoas se recusaram a pagar o couvert porque acharam o show uma merda. Isso foi foda. Marcelo Guimarães: A Fu Wang Foo é bem rock, mas tem umas batidas eletrônicas. Então nos convidaram pra tocar numa rave. Mas, naquele dia, resolvemos tocar sem as batidas. O Flu também
estava tocando. Quando entramos, e que começou o show, foi uma debandada geral. No meio, dissemos pra aquele pingo de gente que tinha sobrado: “a gente veio tocar aqui porque o rock não morreu!” Dias depois, saiu no jornal que a Fu Wang Foo era um ET no meio da galera – e ainda vieram com heresias desse tipo: “o rock não morreu”. Numa rave, que botou todo mundo pra correr. Eduardo Normann: Fazíamos questão de sermos diferentes na Molly Guppy: sempre rolava alguma performance absurda. Inventamos um tônico afrodisíaco, chamado Lollypop, e o distribuímos num show no Bartman, antigo Gotham City, na Ramiro Barcelos. Na verdade, o tônico era um vinho branco seco produzido em Garibaldi. Mas nosso amigo Cristiano fez um rótulo a fudê: um caipira loucão, com chapéu de palha e macacão – alucinado. As pessoas ganhavam um copo do tônico e entravam em transe. Acredito que alguma criança tenha sido gerada aquela noite.
JAILHOUSE ROCK Chaminé: Nos anos 70 tínhamos ojeriza à Kombi. Víamos uma Kombi e nos escondíamos – era um sinal de que a polícia estava pintando. Uma vez, eu e a Lory ficamos três dias presos no Palácio da Polícia. Era 85, finaleira da ditadura. Fui em cana por excesso de documentos. Estávamos num bar tomando uma cerveja e entraram os caras: “os documentos todo mundo!” Eu tinha uma carteira cheia de documentos. O rato abriu a carteira e disse: “pô, tá bem de documento!” E eu: “é, eu faço coleção”, falei meio irônico. Então ele: “entra naquele fusca ali”. Tinha uns nove dentro da viatura, e lá fomos nós pro Palácio da Polícia. A Lory foi levada porque tinha um colomy dentro da bolsa. Ficamos na cela do meio. Basicamente, tinha músico e travesti. Uma cela meio eclética. E os caras que estavam indo pro pau ficavam na outra cela. Fiquei três dias lá. Esqueceram da gente. Escutava a noite inteira os caras berrar num pau de arara. Tinham um lugar lá que se chamava a “sala do limo”. Uma sala inclinada e limosa. Os caras da lei pegavam uma raquete e dele raquetadas nos caras pelados! Mataram um monte de gente. Tudo rato da delegacia de tóxicos. Os caras eram barra. Gelson Schneider: O Mitch foi preso em Santa Catarina simplesmente porque estava com uma menina. Ele foi dar uns amassos no camarim, e daí sujou. Pra segurar o Mitch não era mole. Ele era metido a galo. Mitch Marini: Nós fomos expulsos de Timbó, no interior de Santa Catarina. Tinha uma salinha tipo camarim pro show. Quando terminou, fui lá transar com uma guriazinha. Os caras da cidade se invocaram – eles não gostam que o pessoal forasteiro transe com as gurias deles. Me chavearam lá dentro: eu batia na porta, mas ninguém escutava. Tive que chutar e quebrar. Quando saí, sem camisa, suadão e de mão com a guria, foi uma tragédia. Os caras do clube acharam que eu estava louco. Veio o delegado e já queria me prender. E eu dizia: “pô, mas é o seguinte rapaz: eu sou gaúcho, eu sou da fronteira, como é que tu vai me prender?” E ele respondeu: “eu tenho pavor de gaúcho!” Gelson Schneider: Foi em Lages, Santa Catarina. Fomos fumar um “cigarro pra asma” no hotel. O empresário era uma bicha de Porto Alegre – e não íamos dar comissão pra ele. A bicha ligou pra
delegacia. Apareceu um cara e disse: “tu é o baterista?” Eu disse que sim. E ele: “tá em cana”. Cheguei lá e estavam o Mitch e o Jaime vestidos de Beatles numa cela. Tivemos que dar um troco a eles pra nos liberarem. Fiapo Barth: A polícia vem, faz revista, leva um traficante, mas depois ele sempre aparece de novo. O papel da polícia em relação ao tráfico é nulo. Ela esteve aqui depois da reabertura do Ocidente. Mas com uma postura diferente, aceitável. Eu sou totalmente favorável ao trabalho da polícia. Eu gostaria inclusive de mais policiamento. Ricardo Kudla: O declínio do Garagem começou com as batidas da polícia. Léo Felipe: O primeiro atraque do Garagem foi numa festa hip hop que o Piá fez, numa quartafeira. Foi a primeira vez que a ordem dos músicos entrou no bar. Aquele gordinho clássico da OMB entrou no Garagem durante a passagem de som, às oito da noite. Ele entra, olha, tinha uma menina e dois caras, naquelas: “vê se te liga, conscientização...” O cara da ordem olhou e não entendeu nada. Eu falei: “cara, nem te preocupa, isso nem é música, nem é o show, é só uma dublagem!” Aconteceu que ele acreditou, e nem cobrou nada. Mas, na noite, a polícia bateu com mandado, atrás de outras coisas: foi o maior stress, cachorro pra todo lado. Só que não acharam nada lá. A única coisa com que eles poderiam implicar era com os menores que frequentavam o bar. Ricardo Kudla: A segunda vez que a polícia entrou no Garagem foi o seguinte: era show do Colarinhos Caóticos, o bar estava atrolhado, a Gaby Benedyct estava filmando. Tinham uns fanzines. Eles estavam com tudo: faziam os fanzinezinhos, divulgavam na noite. E chegaram os homens, os cachorros: “polícia, polícia, polícia!”. Os caras fecharam toda a Barros Cassal – um tumulto. Muita gente jogando coisas pela janela, uma loucurada, prenderam pessoas... Fechou o bar, acabou o show e recolheram a fita da Gaby. A gente não sabia quem estava lá. Podia ter um cara com um saco de drogas que não teríamos como saber. Ninguém nunca era revistado na entrada. Um cara poderia estar armado lá dentro, também. Branca: Fui preso e intimado pela Polícia Federal. E fugi. A P2, polícia secreta da Brigada, estava presente num show do Pupilas Dilatadas na zona norte. Desceram o cacete na rapaziada. O vocalista estava com a bandeira do Brasil. Mas não deu em nada, era besteira. Foi por causa da música “Patente Universal”.
Moa: Em Imbú, na Serra Negra, uma cidade na montanha, próxima a São Paulo, fizemos um show coletivo: Cólera, Replicantes e 365. Era uma cidade hippie. Pessoal do artesanato, montanhas, uma cidade acidentada, portanto. Ruas bem apertadas, ladeiras... E em alguns lugares o ônibus não conseguia fazer a curva. Então era complicado. Estava frio. O local era um ginásio pra cinco mil pessoas. Não estava lotado, mas tinha um público razoável. O ônibus estava praticamente cheio. E pela ordem da apresentação das bandas, tocou primeiro o 365, os Replicantes e depois o Cólera. Tinha um monte de coisas pra você ficar fazendo, pra esperar a hora de entrar em cena. Heron Heinz: A gente ficou sabendo o seguinte: que um dos caras do 365 estava namorando. E vieram dois ou três guris e assaltaram o cara. Roubaram o relógio dele. O cara juntou o pessoal da banda, que encontrou o guri, deu um laço nele, e pegou o relógio de volta. Isso gerou uma ira coletiva dos caras da cidade que conheciam o rapaz. Eles partiram pra briga, e não queriam saber quem tinha arrumado bolo. Pra eles, todo mundo era a mesma coisa. Os caras não deixavam a gente sair. Cercaram o ônibus. Começaram a bater na lataria. O motora ficou irado e tocou por cima deles. Quase atropelou alguns: irresponsável total. Quebraram a janela do ônibus. Só sei que paramos na frente da delegacia. Alguém teve a genial ideia de dizer assim: “vamos pra delegacia de polícia, porque lá nós vamos estar seguros”. Chegamos na delegacia e os caras diziam: “olha, não podemos fazer nada contra essa turma. Vamos enfiar vocês todos dentro da cadeia e chavear. Assim pelo menos os caras não entram.” Carlos Gerbase: Foi um dos piores momentos da minha vida. O clímax foi quando a gente estava no ônibus, na frente do ginásio e com o Cólera tocando: não podíamos ir embora porque nós tínhamos que esperá-los. As três bandas estavam no mesmo ônibus. O pessoal do 365 estava todo dentro do ônibus – menos o filho da puta que armou o negócio e foi embora de táxi. E vai explicar pra trezentas pessoas em volta do ônibus, que queriam a cabeça do cara, que estava toda a banda ali – menos o culpado! Eles foram cercando, cercando... E, quando lançaram o primeiro tijolo e o vidro da frente se estraçalhou, nós nos abaixamos. Olhei pra frente e o motorista tinha pegado uma arma. Ele mostrou a arma e os caras meio que se abriram. O motorista engatou a primeira e arrancou. Era cara se espalhando pra tudo quanto é lado e voando pedra, arrebentando vidro... Moa: O 365 tinha um baixista chamado Mingau, que estava no playground dando uns beijos numa menina. Só que ela tinha um namorado e o cara era enciumado. E não deu outra: partiram pra
porrada. E o pau comeu lá fora. Em seguida, eles entraram pra fazer o show. Não deu tempo do cara contar o que tinha acontecido. Os Replicantes e toda equipe foram ver o show do 365. E, quando terminou, o namorado daquela guria, que tinha levado umas bimbas do Mingau, voltou pra se vingar. Era muita gente. Nós já estávamos indo em direção ao ônibus quando ouvi um grito: “são eles!” O produtor, um senhor japonês, que tinha conhecimentos de artes marciais, nos protegeu e botou todo mundo pra dentro. A gente entrou e descobriu que o motivo da ira deles havia sido trocado: o problema era o Mingau. A essa altura já estava um clima terrível. O Cólera estava no palco e a gente não podia sair fora. E, ao mesmo tempo, nós não podíamos nos meter, até porque era muita gente e eles estavam muito irados. Irados mesmo. A pancadaria era iminente. Mas em seguida chegou o Cólera, protegido por esse japonês e mais um corpo de seguranças. E a ordem era: “parem de encrenca, entrem no ônibus e vão embora, porque não vai dar pra explicar. Eles querem um cadáver”. Que era o Mingau. Polaca: Eu me lembro muito do show dos Replicantes em São Paulo. Muito afudê. Porque lá tinha uma punkaiada legal, toda essa cultura do punk. E nesse show do Cólera – na cidade das artes em São Paulo, Imbú – pensei que fôssemos morrer. Eu acho que foi um dos dias em que mais me senti perto da morte. A gente saindo do lugar e um cara de uma banda, não lembro quem era, foi assaltado na praça. Estava com a namoradinha numa praça que não conhecia, escura, e foi assaltado. Roubaram o relógio dele e ele quis fazer um bolo. E fez! Simplesmente cercaram o nosso ônibus, a gente não tinha como sair. Eles atacaram o nosso ônibus e jogaram uma garrafa na janela da frente. Quebrou o vidro e a garrafa caiu pelo corredor. Passou muito perto de mim, fiquei apavorada. Foi ligeiro. A gente quis se refugiar e na delegacia disseram: “nanã, com esses malandros aí, não vamos nos meter”. Não sei como saímos daquela, terrível. Moa: Aí, de repente, um estampido. Meteram uma bala no párabrisa do ônibus, pouco acima da cabeça do motorista. Foi o bastante pra ele ligar o ônibus e sair fora. E os caras atrás. Houve uma perseguição. Eu convenci o motorista a nos levar pra delegacia mais próxima. Estacionamos o ônibus na frente, e então a realidade brasileira se revelou completa e total. Era um monte de bandas punk pedindo socorro numa delegacia militar paulista, que só tinha um policial – com uma arma estragada. O sistema de comunicação era uma coisa do século dezenove. E um monte de punks dentro do ônibus tomando todas. E o Mingau atirado lá no chão. Aí o policial pegou a arma, trancou a porta, conseguiu fazer uma transmissão pra Rota, pedindo reforço. Fechou tudo e botou a arma bem na janela: “que venham. Mas um vai morrer”. O resultado disso foi fantástico. Demorou trinta minutos, chegaram duas viaturas da Rota que nos escoltaram até São Paulo. Talvez tenha sido a primeira vez que os punks, por conta do Mingau, foram protegidos pela polícia militar – a que mais mata no Brasil.
CONTINUOUS PLAY O Cara das Fitas: Oi! Vocês querem dar uma olhada na minha lista de Fitas e CDs? Fughetti Luz: O Liverpool lançou o único disco de rock do Rio Grande do Sul nos anos 60. Gravamos o Por Favor Sucesso em 1969, no Rio de Janeiro, pela gravadora Equipe. Também lançamos dois compactos: um simples e um duplo. Sem contar o compacto da trilha sonora do filme “Marcelo Zona Sul”, que acabei vendo no cinema Cacique, no centro de Porto Alegre. Glênio Reis: Eu escrevi o texto da contracapa do disco do Liverpool, o Por Favor Sucesso. Luís Wagner: Éramos uns meninos, nos desenvolvendo... Assim estavam Os Brasas nos anos 60. Por isso, chegou um momento em que começamos a preparar um excepcional disco, que ia ser o ponto de partida da própria banda. Porque, apesar de já estarmos em São Paulo, o que fazíamos até então era acompanhar milhares de artistas. Entramos em estúdio e criamos um trabalho. Gravamos coisas, desenvolvemos músicas... Mas, quando finalizamos tudo, o produtor cometeu uma irresponsabilidade fatal: ele perdeu a fita master da banda com todas as gravações originais! Foi por isso que Os Brasas não lançaram seu LP próprio nos anos 60. Gilmar Eitelvein: Se for feito um levantamento dos primeiros registros do rock gaúcho – fora o que se chama de MPG –, o que existe é Liverpool e Bixo da Seda, nos anos 60 e 70. Depois, vai direto pros 80. Existem poucos registros fonográficos do início do rock por aqui. Kledir: Os Almôndegas gravaram o primeiro disco em 1975, pela gravadora Continental. Fomos contratados por causa da alta execução das nossas músicas em Porto Alegre. Chegamos em São Paulo e gravamos tudo em quatro dias, sem nunca termos visto um estúdio completo antes. Nós e o técnico de som – porque o produtor escalado pela gravadora nunca apareceu nas sessões de gravação! Fughetti Luz: O Marquinhos Pilar mais o Raulzinho, amigos nossos, foram os que inventaram a capa do LP do Bixo da Seda, com aquelas janelas dos apartamentos do IAPI. Era 1976, tempos da
gravadora Continental – que não nos deu muita luz, já que ninguém dava bola pro rock’n’roll. Nelson Coelho de Castro: Fiz o primeiro disco independente gaúcho, em 1981. Era isso, ou ir embora. E eu quis fazer aqui mesmo. Fico orgulhoso pelo que aconteceu – não por ter feito o primeiro, mas por ter demonstrado aos demais artistas que este caminho era possível. Um incentivo pra que eles fizessem os seus. E foi o que muitos passaram a fazer. Marcelo Birck: A primeira gravação da nossa turma de amigos foi em 1980. A formação era eu, o Frank Jorge e outro camarada nosso que não era músico, o Eliseu. A gente não sabia tocar nada. Recolhíamos qualquer coisa que fizesse som: gaita, sino... De vez em quando, o Jorge aparecia assim: “aprendi um dedilhado novo”. Então, fazíamos a música em cima disso. Ou melhor, uma tentativa de fazer música com o que a gente sabia. Nelson Coelho de Castro: Já o meu disco de 83 tem uma capa bem semiótica, porque os valores de signo que estão na capa – a fotografia de um cara magro e de cabelo comprido – não estão dentro: no disco tem vários sambas. Mas o cara que está na capa pode muito bem ser um roqueiro. Era difícil pras pessoas da geração acima da minha suportarem que se podia fazer samba: “como o magrão pode fazer samba, e ser jovem?” Um pouco antes disso, vêm uns caras jovens, cabeludos e fazendo samba, como o Caetano Veloso e os Novos Baianos. Uma juventude de altíssima qualidade musical, mas com estereótipo do roqueiro. Exemplos disso foram a Cor Do Som, o Cheiro de Vida, o Raiz de Pedra e um grupo de Santa Maria, o Hálito de Funcho. O estereótipo de roqueiro na realidade não era rock, era uma atitude rock. Claudinho Pereira: O Ricardo Barão era muito meu amigo. Assim como eu, ele também foi DJ em Porto Alegre no início de toda a jogada. O Barão foi o cara responsável pela produção de dois discos importantes pra cena das novas bandas de rock da cidade: o Rock Garagem e o Rock Garagem II, lançados em 84 e 85. Ricardo Barão: Eu estava produzindo o Rock Garagem II, com TNT, Engenheiros, Câmbio Negro... Foi quando apareceu a RCA em Porto Alegre, com a proposta do disco Rock Grande do Sul. E o nosso disco, que iria sair com dez bandas, saiu com apenas oito: a RCA levou os Engenheiros e o TNT. Não deu tempo de substituir ninguém, foi inesperado... Eles vieram e atropelaram nossos sonhos
de fazer uma gravadora – porque a ACIT, que lançou os dois Rock Garagem, ainda era uma gravadora nativista. Mas o nosso objetivo foi alcançado: as coisas aconteceram e fiquei feliz em ver as bandas estourando na mídia.
Tempos de Rock Grande do Sul: Tadeu Valério, Bruno, Ronaldo Bastos, Claudinho Pereira e Paulinho Jobim. "A verdadeira terra do rock é o Rio Grande do Sul"
Mitch Marini: Tocava na banda Câmbio Negro em 85, ano que o Rock Garagem II foi lançado. E produzi esse disco junto com o Ricardo Barão ele que me contratou. Mais de quinhentas bandas nos mandaram fitas... Mas nem chegávamos a escutar todas: em alguns casos, eu só olhava pra lata da banda, ou da fita, e nem chegava a escutar! Claudinho Pereira: O Ricardo Barão estava fazendo o Rock Garagem II bem no momento em que estava acontecendo o fenômeno do rock nos anos 80 no Brasil. O rock de Brasília, do Rio e de São Paulo... Estavam todos estourando. Liguei pro Tadeu Valério, capista da EMIOdeon que estava indo trabalhar na RCA. Também falei com o João Carlos, que era divulgador e estava mudando de emprego junto com o Valério. Eu disse pro Valério: “já estourou o rock do Rio, de Brasília e de São Paulo, mas a verdadeira
terra de rock é o Rio Grande do Sul”. E ele: “o que tem aí?” Respondi: “tem o Rock Unificado, que lota o Gigantinho, e é um painel de tudo que é banda de rock daqui”. Eles acabaram vindo e ficaram quinze dias hospedados lá em casa, na rua da República. Na tarde em que o Rock Unificado ia acontecer, chegamos no Gigantinho e estavam ensaiando os Engenheiros do Hawaii, na primeira formação: o Pitz, o Carlos e o Humberto na guitarra. O Tadeu gostou de cara dos Engenheiros, e disse: “vamos fazer um selo de rock na RCA!” Depois nós ficávamos fumando, cheirando, matutando as coisas: “tem que ter uma gravadora, uma gravadora do Brasil só de rock’n’roll, e o nome será Plug...” Reinaldo Barriga: É impossível falar do projeto do disco Rock Grande do Sul sem mencionar os nomes de duas pessoas: Claudinho Pereira e Tadeu Valério. Quando eles assistiram a um festival de rock patrocinado por um curso pré-universitário, resolveram contratar as bandas pra compor uma coletânea de rock pra RCA, hoje BMG. E o disco foi um grande sucesso. Edu K: A primeira coisa que vem à cabeça pra falar de Rock Grande do Sul e a projeção das bandas é o Rock Unificado. E hoje é impossível imaginar um festival de bandas novas lotando o Gigantinho. Reinaldo Barriga: A RCA estava desenvolvendo o projeto de um selo de rock. A Sony, concorrente, já tinha as suas bandas novas, como o RPM e a Metrô. Esses artistas estavam sendo conduzidos pelo Luís Carlos Maluly – que foi convidado pela RCA pra fazer alguma coisa parecida. E eu tinha acabado de sair da produção de um disco do Camisa de Vênus. Foi em função disso que o Maluly me convidou pra participar da nova empreitada. Mas, apareceu um problema: a Sony queria o Maluly com exclusividade. E eu, que era pra ser parceiro do projeto, acabei assumindo parte da coisa. É aí que surgiu o selo Plug. Claudinho Pereira: Chegamos à conclusão de que o Rock Grande do Sul não podia ser um disco pau-de-sebo, onde só seguiriam em frente na gravadora as bandas que se destacassem. Todas as bandas também produziriam discos individuais, conforme fossem estourando. Mas as que não fizessem tanto sucesso ficariam pra trás na ordem de lançamento. Márcio Petracco: O TNT foi convidado pra tocar no Rock Unificado. Sabíamos que tinha vindo um olheiro da RCA pra sacar a banda. E ele chamou cinco bandas pra fazer o disco Rock Grande do
Sul – que era um pau-de-sebo: se uma banda desse grana pra eles, era lucro. Reinaldo Barriga: A RCA viu que já existia um movimento em Porto Alegre – mas não era possível lançar de cara tudo que tinha por ali. Então, o Rock Grande do Sul seria como um disco pau-de-sebo: as bandas que se dessem bem, seguiriam em frente. Mas, acabou acontecendo o seguinte: todas as faixas fizeram sucesso – e o movimento dessas bandas gaúchas durou quase uma década. Claudinho Pereira: Os Garotos tinham uma música que estava despontando, “Tô de Saco Cheio”, que estourou no Rio de Janeiro... Aí fechamos assim: Engenheiros do Hawaii – os primeiros a assinarem, lá em casa –, TNT, De Falla, Replicantes e depois os Garotos. E saiu a coletânea Rock Grande do Sul. Foi o Tadeu Valério quem escolheu esse nome. King Jim: Os Garotos da Rua começaram com um compacto pela Acit, ainda antes do Rock Grande do Sul – assim como os Replicantes, que também já tinham lançado um disquinho. Carlos Gerbase: O x da questão pros Replicantes foi a nossa ideia de gravar um compacto, que saiu em 84. Fomos pro estúdio da Isaec, da rádio União na época. Decidimos gravar quatro músicas: “Surfista Calhorda”, “Rock Star”, “Nicotina” e “O Futuro é Vórtex”. Heron Heinz: A contratação dos Replicantes pela RCA chegou a causar estranheza: “por que eles contraram esses caras, que nem tocam direito?” Claudinho Pereira: E tinha uma banda que eu amava – e a Preta, minha esposa, também. Tu mostrava pros caras, e eles: “o que é isso!? Que horror!” Era o De Falla. Reinaldo Barriga: Os Replicantes era a banda mais organizada de todas as que participaram da coletânea Rock Grande do Sul. Foi a que mais me impressionou: a mais diferente, com um material grande, e que segurava um show inteiro, mesmo na pressão. Enquanto todas as bandas gravaram duas músicas, os Replicantes gravaram um disco direto. Eles foram os primeiros a entrar em estúdio. Já o De Falla tinha todo um discurso... O TNT era meio psycho, delinquente, como o Barão Vermelho. Os Garotos da Rua tinham um rock mais maduro – “Tô de Saco Cheio” emplacou nas rádios do Brasil todo. Ambas eram mais ligadas ao blues. E os Engenheiros do Hawaii eram tipo o The Police, e estouraram com “Sopa de Letrinhas” e
“Segurança”. Essas três últimas bandas eram um pouco mais pop. Humberto Gessinger: O Engenheiros do Hawaii entrou no Rock Grande do Sul meio na rabeira. Gravávamos nossa parte nos horários em que os Garotos da Rua não estavam no estúdio. O resultado é que a minha voz ficou como a de quem recém acordou o tempo inteiro, porque só sobravam as manhãs pra gente gravar. Reinaldo Barriga: Cada banda tinha seu turno no estúdio pra gravação do Rock Grande do Sul. E todas se sacaneavam e ficavam inventando coisas umas pras outras. Era uma briga, mas diplomática. Na realidade, era uma disputa por espaço na gravadora. Márcio Petracco: Era uma puta gozação com o Barriga durante a produção dos discos – inclusive o do TNT. A galera ia chupar uma música gringa e ele, ao invés de fazer um clone, transformava aquilo... Luís Henrique Tchê Gomes : Mas não era aquela chupação descarada! Era algo mais subjetivo... Ele pegava e direcionava as coisas. Justino Vasconcelos: Fomos até o Rio de Janeiro pra gravação do primeiro disco dos Garotos, pela RCA. E os caras querendo saber das nossas exigências... Falamos pro nosso produtor que queríamos uma mesa boogie: “sem ela, não gravamos!” E ele foi falar pro Guti, que era o produtor do disco. Chegou lá e disse: “a banda quer uns morey boogies!” Quando chegamos, o Guti já foi explicando: ”olha, já encomendamos os moreys, daqui a pouco eles chegam...” Luís Henrique Tchê Gomes: Foram os produtores do TNT que tiveram a ideia de colocar aquela pintura, com um vaso de flores, na capa do nosso primeiro disco. Era meio uma influência do New Order, que tinha lançado um disco com capa parecida. Eles disseram que ia ser muito louco, porque ninguém entenderia – e todo mundo ia ficar curioso pra saber que banda era aquela. Flávio Santos: Fomos gravar o primeiro disco do De Falla bem malvadinhos: “vamos fazer o que bem entendermos e é isso aí!” E pegamos um produtor muito bom, o Barriga, que produziu os primeiros discos de todas as bandas do Rock Grande do Sul. Ele ia atrás do que a banda queria.
Reinaldo Barriga: As bandas que ficavam no hotel Jandaia, no Rio de Janeiro, eram as mais chinelonas, as fuleiras... Eles chamavam o hotel de Gandaia! Era o preferido da baixaria. Os caras ficavam jogando coisas uns nos outros, extintores de incêndio... Já os mais chatos, se não me engano, ficavam no Lord, ao lado da sede da RCA. Como a gravadora não pagava as bebidas alcoólicas dos músicos enquanto eles estivessem hospedados, era comum as bandas terem em suas contas do bar uns trezentos mil ‘sucos de laranja’... A festa acabou quando a RCA disse que o ‘suco de laranja’ também estava sendo proibido no bar do hotel. Márcio Petracco: Quando o TNT foi assinar com a RCA, nem nos preocupamos em detalhes de contrato ou coisas assim... Com a idade que tínhamos, e com a promessa de fazer sucesso e ser famoso, a gente não estava nem aí! Humberto Gessinger: Não mantenho muitas relações com gente do meio, nem com o pessoal da época do Rock Grande do Sul. De repente, é até um erro não se aproximar. Talvez esteja no lance do comodismo. Eu não gosto muito de andar com gente do meio, me irrita muito. Se posso, fujo dessas pessoas, faço de conta que não as vejo, mesmo que goste delas. É tão intenso esse lance de trabalhar com música que, de repente, tu quer esquecer que é músico. Pra não entrar numas de músico profissional, de prestar atenção em rankings... Reinaldo Barriga: O desfecho do trabalho da Plug no Rio Grande do Sul, na época, se deu com o Nenhum de Nós, com a música “Camila, Camila”. Depois é que eles vieram com o hit “Astronauta de Mármore”. Sady Homrich: Demos sorte porque “Camila, Camila” estourou pelo país durante a gravação do nosso segundo disco. Ela já tinha tocado bem em algumas rádios alternativas, como a Fluminense, no verão carioca de 1988. Mas em seguida a música já era a oitava mais pedida no Brasil inteiro. E, em três semanas, estava em primeiro lugar. Thedy Corrêa: O pessoal da MTV nunca tinha nos convidado pra fazer um disco acústico, quando resolvemos fazer o nosso – isso, já nos anos 90. E eles reclamaram que a gente não podia fazer um disco assim. Eu disse: “ué, por quê?” E eles responderam que não podia usar o nome “acústico”. Aí eu falei pra eles: “então o disco é ‘acústico ao vivo no Theatro São Pedro’. Tá bom?”
Carlos Eduardo Miranda: O primeiro lançamento da Vórtex, um selo que fiz junto com os guris dos Replicantes, foi uma coletânea. Logo depois, em 88, lançamos o K7 Com Amor Muito Carinho, da Graforreia Xilarmônica. Outras coletâneas que a Vórtex lançou foram a Zona Mortal e A Invasão dos Nodros. Nessa época, o rock no Brasil já estava michando, também. Estavam ficando só os medalhões. Aquele boom astral de 84, 85, 86 estava melando – não estava se renovando. Frank Jorge: O pessoal dos Replicantes já estava no segundo disco quando resolveu inventar a Vórtex, que era uma espécie de gravadora independente. Na verdade, era uma casa na Protásio Alves, com um estúdio de ensaio, onde também vendiam fitas demo. E, através de uma mala direta, mandavam pra Santa Catarina, São Paulo e Curitiba. Foi disso que surgiu a relação que criamos com bandas como a Repolho, que é de Chapecó. Marcelo Birck: A Graforreia lançou uma fita cassete pela Vórtex, Com Amor Muito Carinho, gravada em quatro canais. Uma produção baratíssima... Na época, o máximo de tecnologia que se podia dispor eram fitas cassete. Gustavo X Aguirre: As primeiras coisas que a Justa Causa gravou foram umas músicas pro disco Rio Grande do Rock, uma coletânea onde também estavam a Prize, Cascavelletes, Apartheid... Foi logo depois desse disco que o Gugu entrou no lugar do Adriano, no baixo. Humberto Petinelli: Os Cascavelletes foram contratados pela SBK, uma gravadora holandesa que tinha sede no Rio de Janeiro. E o Tadeu Valério, que havia participado da organização do Rock Grande do Sul, era o cara por lá. Então, ele também lançou uma coletânea de rock gaúcho pela SBK, a Rio Grande do Rock: com Apartheid, Júlio Reny, Prize, Cascavelletes e Justa Causa. Essa é a mesma gravadora que, depois, produziu o nosso LP Rock’ A’Ula, em 89. Luciano Albo: Os Cascavelletes tinham sido contratados por uma gravadora pequena, chamada SBK Songs, pra gravar o disco que virou o “Rock’A’Ula”. Uma ponte feita pelo Dé, que era baixista do Barão Vermelho. Humberto Petinelli: Só que essa gravadora foi comprada pela EmiOdeon – que foi a responsável por lançar os Cascavelletes na novela com “Nêga Bombom”.
Luciano Albo: Olhando o casting da SBK, os caras da EMI viram nossa banda – e eles estavam procurando coisas pra trilha da novela. O cara escutou “Nêga Bombom” e ela fechou com um personagem da “Top Model”: um garoto que se masturbava. Então, virou o tema dele na novela. Gustavo X Aguirre: A Justa Causa resolveu gravar nosso primeiro disco – independente. E que teve um sucesso animal. Batalhamos patrocínio, arte da capa, tudo. Fizemos mil cópias e quatro músicas estouraram na rádio. Plato Divorak: A Krakatoa Records começou em 1991, com o K7 Absolute Harmony: era um resgate de bandas dos anos 80 de Porto Alegre: Das Kriime, Coccix, Adventure, Smog Fog, Vulgo Valentim, Père Lachaise... A ideia surgiu porque o pessoal era meio molengo... Ficavam dizendo: “minha banda é uma merda!” Não que isso fosse uma coisa blasé: eles ficavam fazendo outras coisas além de música. Lançamos umas oito coletâneas. A mais clássica pra mim é A Fita dos Mil Disfarces, com Os Billy, Carniça, bandas de fora de Porto Alegre e outras do Rio Grande do Sul... Porque, com o tempo, depois de uma outra fita, chamada Shalala Soundtrack, eu comecei a colocar bandas de fora daqui. A última coletânea saiu em CD, em 1999: Guru Psychosis. Jacques Maciel: O sucesso do disco do Rosa Tattooada, por ser independente e com gravadora pequena, chamou a atenção da Sony – que nos comprou da Nova Trilha por dezessete mil dólares. Os caras ficaram rindo até as orelhas. E a gente foi pro Rio regravar esse disco. A Sony queria que nós gravássemos as mesmas músicas, só que com uma qualidade melhor e com outra capa... Humberto Gessinger: Desde criança, eu amava aquela música: “Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”. Nos anos 80, todo mundo conhecia, mas ninguém falava em Jovem Guarda. Se tinha a ilusão de que o rock estava começando por aqui naquele momento. Gravar “Era um Garoto...” em O Papa é Pop foi uma provocação por parte dos Engenheiros. O disco falava sobre isso, essa coisa de sacralização. Do tipo: “não vem me encher o saco com esse papo intelectualoide de música pop!” Talvez seja nosso disco mais conceitual. Porque somos gaúchos – mas gaúcho estilo pé-sujo. Sem carimbo de qualidade: “ai, vamos cantar Lupicínio...” Ricardo Barão: Uma gravadora chamada Free Music, que tinha a rádio Alegria, de Novo Hamburgo, me convidou pra organizar um selo. Então chamei o Mutuca e toda aquela gurizada do
momento, início dos anos 90. Era muita gente conhecida, como os Animais, os Acústicos, a Borboleta Negra – que depois virou a Comunidade – e o Branco Oliveira. Ficamos dois meses em cima disso pra depois os caras chegarem pra mim, dizendo: “não temos dinheiro pra lançar o CD...” E eu indaguei: “mas já levamos dois meses pra fazer o álbum!” Eles quiseram me botar numas de fazer um projeto pra conseguir patrocínio pra pagar o andamento do disco! Eu até tentei, mas depois achei um desaforo. Então, eu literalmente mandei tudo à merda. Essa foi a última atividade que fiz com rock. Jacques Maciel: A Sony levou o Rosa Tattooada pro Rio de Janeiro, em 93, pra regravarmos nosso primeiro disco. E ficamos quarenta dias hospedados no Hotel Atlântico, em Copababana, por conta da gravadora! Eles bancavam tudo: diárias, almoço, janta... Mas é claro que também não bancavam os drinques, de nenhuma espécie. Nem uma cervejinha! Aí, falando com o mâitre, ele chegou e nos deu a seguinte ideia: “por que vocês não fazem igual aos outros artistas que vêm aqui, e pedem pra marcar as bebidas como se fossem porções de frango com legumes e suco de laranja, o que equivale a um baldinho com seis cervejas?” O resultado foi que, depois dos quarenta dias, tínhamos consumido centenas de porções de frango com legumes e suco de laranja! E os caras da gravadora ficavam dizendo: “porra, mas esses gaúchos comem pra caralho!” Diego Medina: “Epilético” era uma música tão mal gravada, tão mal feita... Eu na voz e minha irmã fazendo backing vocal. Era só uma batidinha de teclado, assim meio “pá, pá, pá...” Eu tinha passado uma semana gravando uma demo de músicas próprias, numa mesa de quatro canais, pra dar de presente pra um amigo no final de semana. A gente costumava fazer essas coisas. Mas eu não tinha noção se aquilo era bom ou ruim. Fui gravando, chamei o filho da empregada pra participar, gravava um cachorro latindo no pátio... E saiu a demo da Doiseu Mimdoisema com essa música. Acho que as rádios acharam tão ruim aquele troço, que de tão ruim ficou bom. Começou a entrar pra programação da Felusp, e entrou pra Ipanema. Nino Lee: Tivemos a ideia de gravar “Epilético” pra buscar algo que estivesse esquecido no baú do rock gaúcho. E que talvez ficasse esquecido pro resto da vida. Se não fosse “Epilético”, seria “Menstruada”, dos Cascavelletes. Eduardo Normann: Numa festa no ateliê da Cláudia Barbisan, eu tinha levado uns CD’s da Space Rave pra vender. O nome do disco era: Transgênico, Descartável, Feito pra Durar Menos de
um Mês... Muito mulambeiro! Encontrei o casal Carlos Gerbase e Luciana Tomasi e vendi um disco pra eles. Como na época estava rolando a finalização do filme Tolerância, pedi que ela escutasse e mostrasse pro Gerbase a primeira música, “Golden Net”. Quando eu estava quase indo embora da festa, resolvi passar no banheiro e dar uma mijada... E eis que vejo no chão, embaixo da pia, como uma cueca suja, o CD que eu havia vendido pra Luciana! Não acreditei. Peguei do chão e pensei: “vou vendê-lo novamente”. Aí, pensei melhor e entreguei aos cuidados do Gerbase. Uma semana depois a Luciana ligou, convidando a Space Rave pra botar aquela música na trilha do filme. Ela foi rebatizada de “Moviola”. Marcito: Antes dos dois discos da Ultramen, a banda já tinha feito duas demos. E participamos de várias coletâneas. A primeira demo foi aquela que tem um diabo sentado na capa. A segunda se chama Sem Piedade. Depois de sete anos de banda é que fomos registrar nossas músicas num disco: preparamos várias fitas K7 e divulgamos aqui, no Rio e em São Paulo. Uma delas, com quatro músicas, foi parar nas mãos do Dado Villa-Lobos. Optamos em lançar pela Rock It!, que é dele, por ser uma gravadora pequena. Diego Medina: A Video Hits estava acabando de gravar um CD demo, com o repertório pra gravadora ouvir. A gravadora gostou, e tal... Nesse repertório, colocamos “Sílvia 20 horas domingo”, também. E no meio da gravação, pensamos o seguinte: “já que estamos numa gravadora grande, e tem um monte de coisas que o pessoal consegue pra gente, quem sabe também não conseguimos o Ronnie Von?” Pedimos pra entrar em contato e conseguiram – e o cara topou. E foi lindo! Nesse mesmo dia também gravou o Gérson King Combo. Ele gravou no início da tarde e o Ronnie Von no final da tarde. Gonow: Eu e o Buda trabalhamos na gravação de um disco de Natal, o Rompendo em Luz, do Richard Edmunds, um cantor que define seu trabalho como “música de louvor”. Antes de vir gravar conosco, no Estúdio 155, ele já tinha ido num outro estúdio de gravação de Porto Alegre. Tinha uma música, chamada “Os Santos”, que quando chegava num certo ponto, o DAT desgravava tudo – sempre! Ele tentou umas quatro, cinco vezes, e a mesma coisa: a fita trancava. O mais incrível de tudo é que, quando ele veio gravar no 155, acontecia a mesma coisa – tudo de novo! Umas três, quatro vezes, e trancava. Já era final de sessão, e o Richard resolveu deixar aquela música pro outro dia. Ele falou que viria com umas meninas da igreja dele pro estúdio: “vou trazer água benta”, e
perguntou se não nos importaríamos se ele benzesse o estúdio. Eu disse: “não cara, não tem problema algum”. Depois ele veio com as gurias, água benta. Fechou a porta, rezaram um terço... Aí começamos a gravar – e não aconteceu mais nada. Veco Marques: O disco do Nenhum de Nós mais malhado pela crítica foi o que tem “Astronauta de Mármore”, a versão da música do David Bowie. E o engraçado é que, nos shows, essa é a música que mais desperta a reação do público. Quando o David Bowie esteve no Brasil, no começo da década de noventa, as pessoas cantavam a nossa versão! Sady Homrich: Esperamos por quatro meses até chegar a aprovação do Bowie pra “Astronauta de Mármore”, uma versão de “Starman”. Carlos Maltz: “Astronauta de Mármore” foi uma das músicas mais tocadas no Brasil em 89. O Nenhum de Nós estava em todos os playlists da época e o disco vendeu uma enormidade: em torno de duzentos e dez mil cópias. Hoje, isso seria o equivalente a uns dois milhões de discos. Juarez Fonseca: O crítico de música no Brasil ficou muito estiloso. Cada um quer dizer alguma coisa pra chamar a atenção, pra que falem deles. Ou então, só malham. São ondas: os críticos de jornais desaparecem tão rápido quanto as bandas que chegam. São raros os que tu guardas o nome. Heron Heinz: Crítico é o cara que foi incompetente pra fazer qualquer coisa, e aí virou critico. O crítico tinha que dizer assim: “está acontecendo tais shows em tais e tais lugares”. Na maioria das vezes o cara não tem nada pra dizer e só fala bobagem. Carlinhos Carneiro: Não posso detonar a crítica, até porque eu sou jornalista e consigo enxergar qual o papel dela. Crítica é preciso. O foda é o jornalismo de release. Carlos Gerbase: Acho uma das maiores bobagens que existe é dizer que o crítico é um artista frustrado. Uma crítica bem feita pode até ser melhor que o disco. O trabalho de um crítico sério é fundamental. Acontece que, na imprensa brasileira, tem muito pouco espaço pra isso. E não se pode confundir crítica com resenha idiota: três linhas sobre um show, dizendo que o som estava ruim... Isso não é crítica, e as pessoas confundem as coisas. Flávio Santos: O reconhecimento da imprensa era uma coisa que mantinha o De Falla. Porque a
gente não tinha grana... Então, tínhamos que ter alguma coisa pra fazer subir nosso ego! Gilmar Eitelvein: Eu sempre tive duas linhas na minha formação musical e jornalística: a MPB tradicional e o rock’n’roll com suas variáveis. A tradição brasileira atrai pela qualidade e o rock pela forma com que se comporta, como moda e estilo. Não havia essa coisa de divisão: um escreve sobre rock e outro sobre MPB. Cada um escrevia sobre o que achava bom. Escrevi muito sobre regionalismo também, o bom regionalismo, fazendo cobertura de festivais nativistas. Edu K: A manipulação da imprensa é uma coisa incrível. Várias vezes chegaram pra mim e perguntaram: “é sério isso?” E eu respondia: “É e não é”. Carlos Maltz: Tinha a época em que eu olhava os discos do ano da revista Bizz e pensava o seguinte: “esses caras devem odiar música!” Eles só votavam em baixarias, coisas absolutamente terríveis, agressivas, violentas... São caras que têm que ouvir quatrocentos e cinquenta discos por obrigação. E aí, do que eles vão gostar? Daquilo que for mais tétrico, mais barulhento, mais irritante e mais nojento. É um jogo de dados viciados. Não que os críticos não tivessem razão sobre algumas coisas que escreviam sobre os Engenheiros. Quem está fazendo arte, tem que fazer arte mesmo, e foda-se. E quem está aí pra julgar, que julgue. Juarez Fonseca: É muito difícil ver jornalistas que vão aos ensaios ou que sentam numa mesa e fazem uma entrevista. Eu ia porque estava junto, porque era um cara da turma, só que no jornal. Tinha um que era músico, outro técnico de som, eu era o jornalista. Mas nos considerávamos parte de uma coisa só.
A GRANDE ENGRENAGEM Vini: Um diretor artístico da EMI veio pra mim e disse: “Vini, ‘Nêga Bombom’ vai ser o hit do verão carioca”. Uma frase que ficou marcada... O relacionamento com as gravadoras é fogo de palha. Eles dão um mesinho pra tua música virar hit no verão. Se ela não vira, eles puxam o freio-de-mão e, no mês seguinte, tu já não é mais a possibilidade de virar o hit do verão carioca. E assim eles lidam com o artista. Fernando Nazer: O disco independente é a saída de qualquer músico. Porque assinar com uma gravadora, da maneira como elas querem, não vale a pena em hipótese alguma. Talvez pro Roberto Carlos. Mas, pras bandas, não é legal. Frank Franklin: Gravadoras inteligentes só apostam em artistas. E nem todas são capazes de fazer isso. Nós temos três ou quatros grandes gravadoras em Porto Alegre e poucas trabalham direito. Bebeto Alves:: Tu pode te segmentar no mercado. Tu pode sobreviver dentro de uma realidade de mercado fonográfico perfeitamente, se tu gravar um disco independente. O que mudou, na verdade, foi a postura do artista em relação ao sistema. Flávio Santos: É claro que tem que se pensar mal das gravadoras: gravadora é uma merda, qualquer gravadora é uma merda! Os donos delas, o que eles querem? Ganhar dinheiro. E a pessoa da banda, o que ela quer? Fazer música e ganhar dinheiro. Não é o que a gravadora quer! Fernando Noronha: As gravadoras só te dão quatro por cento do que tu vende. E o relatório que vão te passar vai ser unilateral. Tu nunca vai saber se o quanto que eles estão prensando é o mesmo que eles estão te mostrando. Mutuca: No começo era simples: todo mundo sabia que tinha que ser contratado por uma gravadora pra poder ser um artista popular e tocar no rádio. Agora não é preciso estar no rádio pra fazer música. Uma coisa é a indústria, outra é fazer música. Frank Jorge: O trabalho vai ser ouvido, ou não, independente de qualquer merda que alguém
possa escrever a teu respeito. A função da gravadora é uma promessa. Tu entrega tudo pros caras em troca dessa promessa. Fernando Nazer: O lado positivo de um selo é que as pessoas podem comprar discos de bandas que não estão em gravadoras. Em contrapartida, essas pessoas não têm como saber se o som que estão comprando é bom ou ruim. No caso dos lojistas que vendem essas bandas, por se tratar de uma compra no escuro, eles não colocam esses discos à venda em quantidade. Não comprando em quantidade, o produto encarece. E depois, tem muita coisa que pode ser baixada por MP3. Os independentes disponibilizam muita coisa nesse formato. Júlio Becker: Perguntei à pláteia numa apresentação da Fashion Guru no Araújo Vianna em 1999 se havia algum produtor de shows presente. Alguns levantaram o dedo. Mandei eles se fuderem pelo fato de nunca terem nos proposto uma parceria! Estava revoltado naquele dia. Instantes depois disso, peguei algumas cópias do nosso disco e comecei a jogar pro público, de raiva, aos gritos: “vocês não compraram o nosso CD, então vou distribuir de graça!” Rafael Malenotti: Sempre pensamos que, se tu gravar dez músicas meio a pau e corda, e o cara da gravadora chegar a ouvir, vai dar stop na segunda ou terceira faixa. Era tudo em fita cassete, e também era do caralho rodar nas rádios com fita cassete. É por isso que os Acústicos se puxaram mais e já chegaram dizendo: “está aqui a nossa demo!” Raul Albornoz: É evidente que os Paralamas vão vender pra caralho. Eles têm doze discos, e lotaram o Gigantinho dois dias, em 85... Vamos ver o sétimo e o oitavo disco da Bidê ou Balde, o quinto e o sexto do Acústicos, o sétimo e o oitavo dos Papas... Tu vê bandas independentes norteamericanas que estouraram quando já tinham cinco ou seis discos independentes, e aí, de repente, no sétimo, eles vão pra uma major e explodem. O Nirvana, por exemplo, teve um disco gravado com menos de mil dólares de orçamento. Flavio Basso: As coisas aconteceram da noite pro dia com os Cascavelletes. Mas a banda nunca fez nada de capitalista em cima da sua estética, unindo aquele tipo de rock com letras e poesias eminentemente sexuais... Acho que éramos uma espécie de neo-punks, e não sabíamos. Mas, se alguns ganharam mais dinheiro com isso, outros não... Não é esse o mérito. A questão é: foi preciso que dez anos se passassem até que alguns grupos investissem de uma forma capitalista
nessa estética – obviamente, sem nos dizer nem sequer “oi”. E não me refiro só a Porto Alegre, mas a pessoas do centro do país. Têm alguns caras que nos citam em entrevistas, mas ninguém sabe o que é Cascavelletes dentro desse contexto. Tonho Crocco: Sempre vai ser difícil tu fazer uma banda e viver dela, da tua música. Mas as coisas vão melhorando, principalmente a tecnologia pra se gravar. Carlos Maltz: O mercado era mais incipiente nos anos 80. Não havia esse falso profissionalismo – isto é: jabaculê. As coisas aconteciam mais em função da sua qualidade. Não que agora os artistas não tenham qualidade... Mas hoje, não basta somente isso: tem que ter qualidade e grana. Mini: Se chegar um cara de uma gravadora dizendo: “faz isso, faz aquilo”, a vontade de tocar já não será tão grande. Não vai sair tão bom. A gente já tem emprego, tem um chefe... E não precisamos de mais um chefe na música. Fredi Endres: Essa coisa das bandas se ajudarem depois que estão numa gravadora é um chavão que não é muito real... O que tu pode fazer? Pegar o single do cara e jogar goela abaixo do radialista, só porque tu indicou? Zé Natálio: Eu já recebi um extrato de gravadora declarando uma venda de vinte por cento da prensagem real. E isso é uma facada! Kledir: No final de 74, conhecemos um empresário baiano chamado Roberto Santana. Ele tinha sido empresário do Gil e do Caetano no início de suas carreiras. Ele também produziu discos, e se encantou com o Almôndegas numa visita a Porto Alegre. O Roberto passou a ser nosso empresário: assim como não havia equipamento, não havia empresários de grupos. Ele nos propiciou acessar todo um panorama dessa história de vida profissional ligada à música... A partir do nosso segundo disco, lançado no final de 1975, fizemos coisas que eram o máximo pra época – até porque o sucesso do primeiro disco foi restrito ao sul. Nossa música “Canção da meia-noite” entrou na trilha de uma novela da Globo em 76, e depois gravamos um clipe pro Fantástico. Na realidade, um musical, que era o nome dado aos clipes nos anos 70. Fughetti Luz: A gravadora vacilou com o Bixo da Seda, porque assinou o contrato com o Bixo
pra dois discos e não cumpriu. E, anos depois, teve a cara de pau de relançar em CD, com uma capa simples, e ainda por cima sem nos pagar nada de direitos autorais. Gaby Benedyct: Montar uma banda de rock é como uma empresa. Não basta ter capital pra abrir as portas – no caso, pra gravar um CD ou uma fita. Precisa de dinheiro pro cenário do show, pra equipe... Tu tem que ter um marqueteiro junto. Até porque nossa cultura já está voltada pra esperar por esse merchandising todo... Carlinhos Carneiro: Hoje, o mercado do rock no Rio Grande do Sul está organizado em função das rádios, que dão cada vez mais apoio à produção local. Enquanto as rádios do resto do Brasil estão desencavando “Stairway to Heaven” do fundo das trevas, as gaúchas estão apostando no que aparentemente há de legal no seu Estado. Carlos Maltz: Quando o Engenheiros surgiu, nem existiam gravadoras. Não existia a possibilidade de se fazer discos. Ninguém pensava nisso: era tocar por tocar mesmo, fazer barulho. Quando baixaram as gravadoras, não levamos a sério. Foi por isso que fizemos discos tão bons. Porque a gente pensava que estava fazendo arte. E quando se pensa que está fazendo arte, é isso mesmo que se está fazendo. Então esse papo cínico de que o rock’n’roll é comércio, pra mim na verdade é covardia. O negócio da música, do cinema, do mundo em geral, ficou um pé no saco porque botaram o carro na frente dos bois. Não se vive pra ganhar dinheiro, se ganha dinheiro é pra viver! Yang Zam: A gravadora faz muita pressão, joga contigo: “grava isso, que no próximo disco eu te dou mais dinheiro pra promoção, te dou mais dinheiro pra gravar um disco...” Quando o Nei Lisboa se recusou a gravar “Hey Jude”, por exemplo, ele sabia que a vida dele dentro da EMI ia ficar complicada. Nei Lisboa: Vou dizer como vejo esse episódio da gravação de “Hey Jude”, hoje. Muita gente falou sobre o assunto como sendo uma coisa heroica. Parecia um cavalo amarrado num obelisco, no sentido da resistência cultural gaúcha... E eu mesmo já vendi esse peixe na vida. Naquele momento foi importante dizer não, porque a gravadora tinha lá o seu lado filho da puta. Mas a única coisa heroica, na realidade, é que comercialmente aquela teria sido uma chance muito legal. Era uma música já escolhida pra ser tema da novela das sete – e era a única proposta que eu havia tido pra ter uma música de novela! Mas meu público básico era todo daqui: dez, vinte mil pessoas, universitários, classe média...
que não aceitariam de jeito nenhum me ouvir cantar uma bosta daquelas. Ia jogar minha carreira pelo ralo. Não foi um gesto de: “isso é ruim, eu não quero cantar”, mas sim um gesto de: “isso é ruim e vai fuder com a minha carreira”. Cantar em si não ia me doer tanto... Mas não tinha nada a ver com todo o resto que eu havia feito, e com todo resto que queria fazer. Como é que eu ia ter outro disco depois e encaixar aquilo no meio? Yang Zam: Essa história aconteceu depois que o Nei fez a gravação do Carecas da Jamaica. Ele era contratado da Emi-Odeon, que encomendou essa versão de “Hey Jude” e chamou o Nei pra cantar. Então, ele disse que não ia fazer a versão: porque não gostava, não tinha nada ver com o trabalho dele... Queriam transformar o Nei Lisboa num “Hey Jude” da vida. Aí não rola, não vai! Nei Lisboa: A princípio, até topei a merda. Me veio uma versão do Ronaldo Bastos, com um bilhetinho: “Nei Lisboa conheço seu trabalho, gosto muito, se quiser mexer na letra pode mexer”. E mexi um monte. Deixei um pedaço em inglês. Cheguei pra gravar e já tinha um arranjo pronto, feito pelo Robertinho de Recife. Ele estava na produção. Depois, tinham decidido que a versão da letra não ia ser a minha: ia ser uma feita pelo Rossini Pinto, lá do tempo da jovem guarda. O fato é que alguém lá dentro da EmiOdeon gostava de mim, e me deu a possibilidade de gravar “Hey Jude” como bote de salvação... E quase peguei, se não fosse a letra. Passei um dia inteiro negociando – e o Robertinho: “esse gaúcho que vá se fuder, chamem outro cara!” Quem acabou gravando foi o Kiko Zambianchi. Era pegar ou largar. Tomei um chá de banco, fiquei horas esperando enquanto decidiam, e larguei. Nei Van Soria: Os Cascavelletes tocaram num show no Petropole Tênis Clube, em Porto Alegre, e fomos pra lá no mesmo ônibus em que estava o Kiko Zambianchi – depois que ele tinha gravado “Hey Jude”. Lembro da cena: todo mundo indo pra festa e o Kiko, no fundo do ônibus, parecendo meio deprê pelo que estava rolando com ele. Paola Oliveira: É importante dizer não pras gravadoras. É o grande lance da música gaúcha: as bandas, os músicos sempre souberam dizer não pra esses caras que estão querendo comprá-los. Ninguém vai se vender pros caras. Não tem nada a ver com dinheiro. Que todo mundo seja feliz.
Tudo de bom, mas vamos lutar contra o mal, e o mal está ligado àqueles que querem ganhar dinheiro em cima da arte. Edu K: Tudo o que eu faço é uma grande trapaça. Eu é que sou o The Great Rock’ n’roll Swindle – e não os Sex Pistols! Este é um mundo consumista e eu não tenho escrúpulo contra isso. Sou completamente adepto dessa cultura. Ela matou muitas coisas que eu curti minha vida inteira, mas foda-se! Faço qualquer coisa por dinheiro. Humberto Gessinger: As pessoas falam muito no lance de vender a alma ao diabo. Mas tem que ter um puta dom pra vender a alma ao diabo. Eu não conseguiria... O que eu vou fazer? Virar uma boy band? Gravar os sucessos da Jovem Guarda? Também não consigo. Isso é um talento. E tem que respeitar essas pessoas que fazem músicas como se fossem jingles. O meu trabalho é completamente autoral. Eu vivo das ideias que tenho. Heron Heinz: Os Replicantes não fazem playback. E a gente se questionou um pouco quando tomou essa decisão: sabíamos que estávamos perdendo muito espaço. Mas é a nossa postura. Na verdade, subir no palco e tocar que é um troço legal. Se não me deixarem fazer isso, nem tem porque eu participar de alguma coisa. Não vou num lugar pra fingir, vão se fuder! King Jim: As turnês de playback dos Garotos da Rua pelo interior do Rio de Janeiro eram muito legais. Eram, e não eram... A gente tinha que fazer três, quatro desses shows por noite, em locais distantes, estrada de chão batido. Fizemos mais de cento e cinquenta playbacks... Andávamos de rádiotaxi com seguranças armados, porque as festas aconteciam em uns barracões de funk pra quinze mil pessoas. A gente chegava, eles nos botavam numa cozinha fétida, cheirando a mijo, com um engradado de cerveja quente... Íamos com os seguranças até um corredor e fazíamos o som do disco. O LP pulando... Era um rodízio de artistas em playback. Márcio Petracco: Os caras das gravadoras queriam que a gente fizesse playback quando estávamos no Rio ou em São Paulo. Achávamos uma merda... No programa da Mara, todo mundo entrava num trenzinho, com os instrumentos na mão! Sem contar que, quando a gente ia pra lá, tínhamos que ficar pedindo pelo amor de Deus pra que a gravadora nos desse uma diária de alimentação. Eles lá, tri bem, com a cara lambuzada de xis, e nós fazendo sopão com resto de feira...
Luís Henrique Tchê Gomes: O Chacrinha tinha um negócio de brasilidade e irreverência do caralho. O TNT gostaria de ter ido ao Chacrinha – não só pelas chacretes, mas pelo inusitado de ir no Chacrinha. Marcelo Birck: Em Porto Alegre rolavam uns programas de auditório: Sérgio Abraão, Daltro Cavalheiro... Os dois eram uma chinelagem engraçadíssima. Também tinha o Viva a Gorda: fomos tocar lá e botamos o horror. Acendemos uma fogueira e depois disseram que tínhamos queimado o cenário. E a gente nem tinha se dado conta disso! Ficavam todos os jurados nos olhando com umas caras... King Jim: O nosso baixista mandou o Chacrinha socar no cu aquela cenoura que ele usava durante as apresentações do programa. A gente já tinha feito mais de vinte programas de TV, e o Geraldo andava num mal humor... Com essa, o Chacrinha mandou parar a gravação – e nos expulsou de lá. O pior é que depois ele nos perdoou! Justino Vasconcelos: Não adianta vir com papo de amor à arte: todo mundo já fez playback. Ou não tocou! No interior do Rio de Janeiro tem muito isso. Lá só tinha playback. Chegamos, e ficamos de cara. Até porque, nesse formato, o cachê é mais baixo... era muito humilhante. Fomos os pioneiros no sul e no interior do Rio não tinha som ao vivo! Decidimos: “bom, vamos ser pioneiros aqui também e mostrar pra que existe um show!” O contratante disse que não era possível fazer um show de verdade. Mas, como a gente estava bem de dinheiro naquela época, resolvemos bancar um show ao vivo. E foi do caralho! Saímos tri contentes. Mas o cara que nos contratou, não... Ele disse: “olha, o som estava um pouco diferente do disco. Dava umas microfonias, e parava muito entre as músicas... E o pessoal ficava muito parado...” Sim, mas o que ele queria que acontecesse? É que até ele estava acostumado: nesses shows com playback, o cara do som usava dois vinis da banda pra colocar uma música em cima da outra. King Jim: O Jessé era o nosso roadie e segurança. Mas, na real, ele arranjava mais confusão do que qualquer outra coisa... No meio do programa Perdidos na Noite, que era ao vivo, fizemos um show e deixamos nosso tapete embaixo do equipamento. E já estávamos na rua quando nos lembramos disso – e lá foi o Jessé buscar.
O programa estava no ar, com os Originais do Samba tocando em cima do tapete, e ele não teve dúvida: no meio da apresentação dos caras, puxou o tapete e foi tudo abaixo! Caiu bateria, tudo... O Faustão, que apresentava o programa, disse: “que loucura, tudo ao vivo!” E a essa altura o Jessé já estava no meio das minas... Dali a pouco – e eu fiquei sabendo disso depois, no motel – ligou a noiva dele dizendo: “eu te vi! Tu estava com aquelas minas na TV! Quero desmanchar o noivado!” Flávio Santos: O De Falla foi tocar no Programa do Bolinha na época do primeiro disco, tempos de “Não Me Mande Flores”. Só que o Edu K estava vestido de maiô – que era muito parecido com o das boletes... Já o Castor tinha se acidentado de carro e estava todo engessado, dos pés à cabeça. Era um robocop. A Biba de vestidinho pequeninho e eu de bermuda, chinelão. Isso era a banda. Carlos Eduardo Miranda: O Castor virou um robocop mesmo. Ele estava parado numa rua perto da Vasco da Gama, a polícia chegou e ele entrou numas que era treta. Pegou o carro e saiu fincado. Virou a rua e atravessou a Vasco sem olhar, com farol vermelho. Ele destruiu altas carangas, se quebrou todo! Edu K: “Eu dirijo, eu sei dirigir” – foi isso que ele falou antes de bater. E depois apareceu o Castor, todo quebrado, com um colete e um capacete. Acabavam os shows e vinham perguntar se ele não ia tirar a fantasia. E a resposta: “isso não é fantasia. Eu tô todo quebrado, seus filhos da puta!” King Jim: O cara parecia uma múmia. Fizemos um show no Canecão, no Rio, com ele desse jeito. A galera achava que o Castor estava fantasiado, porque todo mundo tocava fantasiado na banda... Achavam que era patifaria. Edu K: Mas o maiô que eu fui nesse programa do Bolinha era tipo anos 50. Tinha uma estampa absurda, e que na TV ficava muito parecido com os maiôs das boletes. Eu também usava um topete de um palmo de altura, cor de rosa baby. E o programa era engraçado: o auditório inteiro era só de velhas. Chegamos lá, ficamos no camarim esperando... E logo antes de nós, entra a Patrícia Marques – e ela era um tesão. Era olhar pra ela que todo mundo se borrava nas calças! Ela era muito novinha, devia ter uns catorze anos, e ia na gravadora com o uniforme do colégio... A gente via aquilo e ia correndo pro quarto punhetiar!
Quando fomos aparecer na TV, com ela saindo do palco, tivemos que nos atirar no chão: “caminha por cima da gente! Somos teus fãs!” Flávio Santos: Aconteceu que na hora da apresentação o Edu pulou no cenário, foi lá, dançou com as boletes... Uma palhaçada geral, como sempre. Terminou a música e aí que fomos prestar atenção no público do Bolinha: só as velhinhas. Edu K: As velhas adoraram, chegaram a se levantar batendo palmas! E tinha uma escadaria atrás do Bolinha onde as boletes dançavam. Passei quase o tempo todo com as minas, dançando com elas. Flávio Santos: Parou a música, e nada de resposta das pessoas! Saímos, o Bolinha entrou no palco e ficou horas olhando pra baixo, seco. Ninguém falava nada. Reza a lenda que o Castor ouviu o Bolinha dizer depois: “tocou a banda De Falla... Mas essa não é uma banda pro meu povão ver!”. E a gravação nunca foi pro ar. Edu K: Nos reunimos pra ver o programa na semana seguinte. E, quando era pra ser o De Falla, cortaram! E me aparece o Bolinha falando: “e agora com vocês o verdadeiro sucesso da juventude, que não é como algumas coisas que às vezes aparecem aqui no programa, uma barbaridade” – e a gente não apareceu. Fomos cortados do programa. Flávio Santos: Depois disso também fizemos um programa de TV playback em Salvador. Um calor do caralho, e nós de bermuda. Mas não podia entrar de bermuda: “só de calça”. Pra remediar a história, os caras nos buscaram umas calças de palhaço – e tocamos com elas. Era o segundo disco, quando lançamos “Repelente”. Antes de começar, eles nos disseram: “tem uma bateria montada ali... mas não toquem nela: é pra uma banda que vai tocar depois”. Pra nós, só tinha aquela batera normal de playback: caixa e prato. Começamos a tocar e o Castor foi pra bateria acústica, o Edu pulou em cima dos jurados, indo de um lado pra outro em cima da mesa... E os baianos só olhando. No que terminou, ficou a mesma coisa do show do Bolinha: aquele silêncio. O apresentador se virou pro público e disse: “vamos continuar com o nosso axé!” Passamos o domingo seguinte inteiro vendo aquele programa de merda, esperando pra ver se aparecíamos – e não rolou também. Puta que pariu! Todos os playbacks que a gente fazia não rolavam na TV! Não éramos uma banda de playback...
Humberto Gessinger: A solução é tu falar cada vez menos na imprensa diária: ficar um bundamole. E isso é uma merda. Mas tem que ser assim, porque ninguém assina o que faz. O cara escreve, na verdade, pro chefe dele. Tu já sai com a matéria pronta. Agora eu entendo jogador de futebol: eu sempre caía na cabeça deles, porque os caras falam sempre a mesma coisa... Mas é o contrário: eles são é uns baita vivos, os mais vivos de todos. Ainda mais que futebol tem muito espaço na mídia. Rádio AM, em início de temporada, sem nenhum assunto, e os caras se repetindo... A música está ficando meio assim, também. Nelson Coelho de Castro: E aí tem a História Oficial... E onde está a História Oficial? Houve um momento em que o The Cure veio pra Porto Alegre e lotou o Gigantinho. Mas, uma semana antes, teve o Sambasul – que tinha lotado o mesmo ginásio durante três dias! E não escreveram nem uma vírgula sobre isso. A História Oficial não contou porque não existe História Oficial pra este tipo de evento. Carlos Maltz: A mídia nivela por baixo porque é uma espécie de senso comum do inconsciente coletivo. Então, estar cem por cento ao agrado da mídia é uma coisa muito perigosa: é uma indicação de que a vida dele não será muito longa. As pessoas que sobrevivem são as que têm individualidade – os artistas de verdade. Que, invariavelmente, são metralhados. Se não constantemente, em algum momento este artista vai levar bastante “chumbo” da mídia. É preciso estar em sintonia consigo mesmo. E, pra estar nessa sintonia, tem que estar contra a opinião coletiva média. O artista tem a obrigação de estar contra o inconsciente coletivo – que é a mídia. Pelo menos em alguns momentos. Isso é a garantia de sobrevivência da obra. Carlos Eduardo Miranda: Mentimos pra toda a imprensa em um show do Urubu Rei, dizendo que fazíamos música regionalista. A gente se ligou que os jornalistas não ouviam, não liam nada... Daí falamos: “ah! Vamos botar que é música regionalista!”, porque poucos sabiam das coisas mesmo. Aí pintou TV para nos entrevistar, lotou a Reitoria da UFGRS... Mutuca: No fim da década de 80, a cidade estava assim: a gente fazendo música e a mídia divulgando. Mas eu ligava a televisão e o rádio e comecei a perceber que os artistas, os grandes nomes da cidade, eram as pessoas da mídia, não os artistas. O artista não era o entrevistado, mas sim o cara que estava entrevistando.
Claudinho Pereira: As rádios tocavam noventa por cento de músicas estrangeiras e menos de cinco por cento de música nacionais até o estouro do rock no Brasil. Quando as bandas chegaram, mudou todo o cenário. Porque ali ele já não era mais contestador. O rock foi contestador até os anos 60. Buda: Os caras das rádios eram mais próximos das bandas nos anos 80 e no início dos 90. Uma vez a Barba Ruiva foi fazer uma entrevista em uma rádio e os caras abriram o jogo, tipo: “fulano nos deu a mesa, fulano nos deu o computador...” Um cara deu a real: “tu pode até deixar o material aí, mas não vai rodar porque não é a ideia da rádio... Todo ano eu passo minhas férias no Nordeste às custas das gravadoras”. Pelo menos ele foi honesto... Mano Changes: Existe uma competição saudável entre as rádios gaúchas. Não é aquela coisa tipo eixo Rio-São Paulo, onde as pintas querem se matar. É uma coisa muito mais na boa. Tanto é que estamos numa cidade muito menor do que o Rio de Janeiro, por exemplo, e tem muito mais rádios tocando. Duda Calvin: A Tequila Baby conseguiu espaço sem se preocupar muito com a mídia. Entre mortos e feridos, estamos saindo na imprensa. Não tem ninguém que morra de amores por nós, mas também não tem ninguém que não nos respeite. Frank Solari: O artista precisa do apoio dos veículos de comunicação numa primeira fase. Hoje, os espaços pra arte e a cultura são raros. O que é vendido não é mais música, e sim um outro tipo de diversão, sem pensamento, de fácil aceitação. Não se pode confundir coisas! Eduardo Santos: Quem sempre promoveu as bandas sem gravadoras, desde os anos 80, foi a Ipanema. Bandas locais, ou não, de uma música só, ou não. Esse trabalho ajuda o mercado do Rio Grande do Sul a não ser tão filho da puta. Mini: Divulgamos os Walverdes do nosso jeito: tudo baseado na música. Não vamos ficar mandando release de sei lá o quê. Quando sair nosso disco, ele por si vai gerar a falação. A melhor propaganda de uma banda não é a foto na revista, nem o texto que sai na internet. A melhor propaganda é o show e o CD. O resto é consequência.
Tu pode ganhar um certo público aparecendo no jornal, mas não vai ser um público que dure muito. Até porque, ultimamente, está na moda gostar de rock. Susi Doll: Um jornalista da Zero Hora nos encontrou e fez uma mega reportagem das Ninfrodizíakas. De capa. Nós íamos fazer um show no Opinião... E nenhuma de nós sabia tocar um ovo. Era tudo programado. Os músicos ficaram iradíssimos: “pô, nós há anos na estrada, e me botam essas minas que não sabem tocar porra nenhuma em capa de jornal!” Nei Van Soria: A imprensa pra mim nunca foi uma coisa importante. Não influencia em nada que eu faça. A única questão importante da imprensa é a venda de discos. E não existe crítica imparcial. É a opinião pessoal de um cara que ouviu o teu disco. Se ele não acordou bem naquele dia, tomou uma guampa da namorada, o que ele diz é quase aleatório. E se o cara está muito bem com a vida, já acha qualquer porcaria legal. Mano Changes: A história de uma banda é muito mais árdua do que botar uma música numa rádio. Mini: Agora as bandas tocam e acontecem na internet, não nas rádios. No rádio, já não tem mais tanto espaço. As fitas demos mais podres tocavam na Ipanema, hoje não existe mais isso. Humberto Gessinger: O Motörhead estava tocando em São Paulo e o Lemmy foi na rádio 89 dar uma entrevista. Chegou, e estava rodando um som nosso, “Somos quem podemos ser”. Ele ficou apaixonado pela música e pediu o disco! Os caras de São Paulo ficaram malucos! Yang Zam: Se me abrirem espaço na grande mídia, eu vou. Porque vou usar esse espaço pra falar de coisas legais. Não vou chegar lá e dizer: “olha, eu sou maravilhosa, eu sou linda...” Eu vou falar de amor e de liberdade. Então, nesse sentido, não somos tão irredutíveis assim. Nelson Coelho de Castro: Porto Alegre chegou num momento, já na década de 80, em que havia uma moda mundial de taxionomia, da classificação como uma ordem vinda da mídia. E que obrigava a classificar: você tinha que ser músico erudito, músico de carnaval, pagodeiro... Quando na verdade tudo é música!
Alexandre Barea: “Menstruada” tocava umas vinte vezes por dia na Ipanema. Então fomos na rádio fazer um especial, tocando todas as músicas da demo – eram umas vinte, eu acho. E era uma putaria atrás da outra: “Minissaia sem Calcinha”, “Eu Quero Estudar”, “Banana Split”, “Morte por Tesão”, “Dotadão Deve Morrer”... muita violência. E tinha censura na época – deu o maior rolo. Muita gente ligou pros órgãos da censura, que mandaram umas pessoas na Ipanema no outro dia – querendo fechar a emissora. Ela foi fechada e autuada, e tiveram que pagar uma multa do cacete só por causa desse nosso especial. Os ouvintes ficaram horrorizados com as letras. Mas pra nós foi um estouro. Jupiter Apple: A rádio Ipanema fez um especial dos Cascavelletes. Era uma demo nossa, que eles tinham gostado. Não só “Menstruada”, como “Banana Split”, “Minissaia sem Calcinha” e outras coisas do gênero foram ao ar. Isso aconteceu depois de uma temporada no Ocidente, que foi bombástica. Mas os adolescentes, além dos adultos maluquinhos, ficaram alucinados! E mandaram cartas dizendo que aquilo não era certo. Vini: As músicas tinham de ser submetidas à censura federal. Mas gravamos a fita dos Cascavelletes e levamos direto na Ipanema, bem empolgados. A Kátia adorou e tocou toda a fita. Foi o que fez o Dentel ligar, dizendo: “ou vocês param de tocar isso aí ou tiramos a rádio do ar”. Daí nos ligaram, contando que iam ter de parar de tocar nossas músicas porque a gente tinha que submetê-la à censura... Mostramos “Menstruada”, que era a nossa favorita, e não passou: foi censurada mesmo. É uma música que, na verdade, tocou muito pouco em rádio. Katia Suman: Houve alguma coisa, algum motivo de comoção... Teve gente que ligou. Não me lembro se foi algo do tipo a Liga das Senhoras Católicas... Na realidade não podiam fechar a rádio, mas rolou meio que um escândalo doméstico. Não teve maiores desdobramentos. Mas causou comoção – e isso até serviu como um marketing pra banda. Todo mundo queria ouvir o que tinha na tal da fita. Mauro Borba: Através de um comunicado oficial, chamaram a Bandeirantes pra discutir o problema: a rádio ter rodado uma música que trazia problemas aos bons costumes. Mas apresentamos uma defesa e, no fim, ficou por isso mesmo. Nei Van Soria: “Menstruada” foi um fato isolado e que teve uma repercussão fantástica. Ajudou
a formar a fama da banda de sacanagem, que fazia mil e uma coisas. Na real, as lendas se criam em torno de ações como essa. Nilton Fernando: Essa rebeldia da rádio até que era aceita. Mas é claro que, às vezes, a gente ficava um pouco assustado. No Programa de Índio – essa foi a mais forte – o Jimi Joe dizia: “esse é um programa livre, onde se pode falar tudo!” E aí um ouvinte mandou uma carta, dizendo que nunca tinha escutado ninguém falando palavrão na Ipanema. Que nunca tinham xingado a censura, o Dentel... O cara dizia no texto que queria ouvir dizer essas e essas palavras, que o Dentel era isso e aquilo... E o Jimi pegou e leu! “Estamos recebendo a carta do Fulano de Tal, dizendo tal e tal...” Leu a carta inteira, com todos os palavrões que estavam nela. Como eu era o coordenador da rádio, o diretor superintendente me chamou já no outro dia. E disse: “escuta, me ligou um cara, muito legal, muito educado, querendo saber o que aconteceu... Tinha um assessor dele escutando a rádio e um louco estava chamando o Dentel de tudo quanto é coisa no ar. E ele não sabe o porquê isso aconteceu...” Mandamos uma resposta pro cara da censura: “não, não, isso aí é tudo uma gurizada louca, bobagem... O locutor leu uma carta pra provar que não tinha mais censura, mas não foi ele que escreveu, não dê bola...” Esse povo ficava meio apavorado. Os anunciantes também: achavam que a rádio era muito “vermelha”. Mauro Borba: Esse espírito de romper barreiras foi muito usado pela Ipanema. É claro que, depois de um tempo, a gente passou a notar que isso também era um marketing... A questão da censura, inclusive. A rádio passou de uma coisa alternativa, pequena, a uma das rádios mais influentes da cidade. Ela lançava moda, era copiada. Nilton Fernando: Essa censura na rádio já tinha acontecido antes com o Nei Lisboa, com “Mônica Tricomônica”. Era aquela doença sexualmente transmissível que o Nei fez uma alusão na música. Nei Lisboa: Tinham mil letras com sentido binário. “Mônica Tricomônica” é sobre uma doença venérea leve... Em 84, mandei a música pra Brasília, pros caras analisarem. E, ao mesmo tempo em que eu levei um não de lá, a secretaria da saúde do Rio Grande do Sul me pediu pra usar a música em uma campanha de combate a doenças venéreas! Eu tive várias censuradas: “Chimarrão Crioulo” foi outra delas. Critério não existia.
Julio Furst: Queria fazer do “Vivendo a Vida de Lee”, em 1975, 76, um miniWoodstock... Mas tinha censura. Eles estavam na tomada de som, tinham de ser convidados pros ensaios... E, nos concertos, eles iam também. Fui chamado mais de quatro vezes na censura, me apavorando todo. Nelson Coelho de Castro: A censura fez com que a gente falasse pelas entrelinhas. Fiz uma música que se chamava “Os Marcianos Invadem a Terra em 2815”, que dizia: “tutelaram tudo”. Falava-se de pomba, passarinho, borboleta fora da gaiola... Ficamos bons em produzir metáforas. Fernando Pezão: O Saracura teve música censurada. Feita pelo Chaminé “Alfredo”, a história de um travesti. Essa música foi completamente vetada pela censura. E é um absurdo pensar que isso foi absurdo! Leandro Branchtein: Algumas músicas dos Eles foram censuradas – o que naquela época, início dos 80, era uma grande coisa. Tocávamos as músicas censuradas e isso dava mais ibope. Não tínhamos um ranço político, de patrulhamento ideológico... A música “R.U.” foi composta gozando isso... era totalmente irônica. Falava o contrário do que pareceu pra muita gente: “seu delegado, não tenho nada a ver com isso, pra ser sincero até gosto do fascismo”. O protagonista da música estava contando porque tinha sido preso, diante de um delegado: ele namorava uma guria que era da Libelu – Liberdade e Luta – nome de um movimento dos mais radicais. As pessoas interpretavam muito ao pé da letra. Marcelo Birck: As pessoas tomavam como uma ofensa pessoal as besteiras que a Aristóteles de Ananias Jr. e a Graforreia ficavam falando nas entrevistas de rádio... Como se fosse uma agressão. Agora se chega numa rádio, se fala besteira do início ao fim e as pessoas acham engraçado. A Graforreia demorou tanto pra ser aceita, que hoje toca mais do que nunca na rádio. Seja nas nossas versões ou especialmente em covers. Luís Motta: O Jazz do Zé Galinha é o nome de uma tosca fita demo que gravamos em 95. Um ensaio, na realidade. A banda era então chamada de 10.000 Pau na Racha, e não 10KPNR, como é hoje. Nos demos conta de que, com esse nome, não iríamos a lugar algum. E a gente ainda tocava mal... A fita correu as lojas e ficamos com a fama de pior banda da cidade. Mas depois apareceram outras piores. O fato é que em 95 era muito mais fácil ter acesso às rádios... Tanto que essa fita, gravada em
um estúdio tosco, teve sua música “Resposta ao Pensador” executada em horário nobre pela então DJ da noite na Ipanema, a Katia Suman. Imagino o desconforto que ela teve ao anunciar o nome “Dez Mil Pau na Racha”... Isso ficou nos anais do rock gaúcho... Tenta levar hoje uma fita tosca, com um nome tosco, em qualquer rádio rock do Estado pra ver onde ela vai parar...
MORTE POR TESÃO Plato Divorak: Como estudar o cérebro de uma garota? O que será que ela está pensando na hora H? Toquei três anos atrás em Santo Antônio da Patrulha. Uma arena, um troço muito bonito – e estava cheia. Dei um grito e todo mundo levantou seus skates. Foi fantástico! Me deram cachaça vermelha e azul – do Grêmio e do Inter – e tomei as duas. O pessoal estava irado, a fim de curtir um show pesado. Fizemos um show acústico e eles gostaram porque eu disse bastante palavrão. E uma garota loira, fofinha, fazia gestos pra mim. Eu convidei ela pra subir e dançar uma música dos Mutantes, acho que era “Sr. F”. Ela chegou pertinho e eu fiquei de pau duro no ato. No fim do show, puxei ela e iniciamos um affair em cima de um morrinho... A guri zada que passava se divertia: “lá está o safado do vocalista fazendo uma suruba!” Fodemos como loucos na praça em frente à casa que a garota morava. E após uma caminhada, sob as folhas secas daquele outono, gozei bem nas tetonas dela. Ela me levou pra sua casa, me colocou em um belo quarto, tomei um banho quente e desabei. Pela manhã, já me acordou toda molhada de água da piscina: “vem Plato, a água está boa! Venha mergulhar na nossa piscina!” Fui de cueca cinza mesmo. E não pude aguentar aquela sereia nadando ao meu redor... Fodemos ali mesmo, dentro da água. “Goza na minha boca, goza”, ela disse, e eu não pude suportar! Perguntei se ela se picava. E ela: “não, né seu besta!” Algo nos unia. Ficamos juntos por uns dois anos. Luciano Albo: Os Cascavelletes fizeram um show bem peculiar em Santo Ângelo, que também é uma cidade peculiar. Acredito que num cinema. Um show muito gozado: estava chovendo e, na ida pro hotel, rolou aquela coisa de groupies. Os roadies voltaram pro ônibus com uma loira enorme. Ela já estava trocando as pernas, meio grogue, tinha tomado umas boletas. E foi pro hotel junto com todo mundo. Lá pelas tantas, ela começou a fazer um striptease, berrando. Sempre tinha um quê de quebra-quebra nos hotéis, vandalismo, de já estar meio fora do ar. Então eu cansei e desisti. Pensei: “daqui não vai sair nada. Trocentos homens pra uma mulher”. No outro dia só ouvi os relatos, porque não tinha visto nada: a moça saiu do ar e a galera começou a se servir dela... Não chegaram a transar – só fizeram experimentos. Foi uma coisa meio doentia. Eu sei de baquetas que fizeram penetrações, e coisas do gênero. Dizem que ela acordou de manhã, passou a mão num sanduíche duro que tinha na cabeceira do lado
da cama, mandou o sanduba a seco e foi embora. Alexandre Ograndi: O meu tio, o Peréio, estava parando na casa da minha vó. Ela mora no mesmo prédio da minha mãe. E, já pelas seis horas da manhã, ele chegou em casa, todo ensanguentado... É que ele pega os táxis e começa a tirar uma onda dos taxistas: “bah! Tu é veado?”, coisas assim. Sei que ele pegou duas putas, trouxe pra casa da vó e ainda disse pro taxista – puto – que não ia pagar a corrida... E desceu. O cara deu uma bomba nele! Meu tio subiu pro apê mesmo assim, quebrado, e disse pra minha mãe que tinha deixado duas putinhas lá na vó”. Só que o taxista foi atrás dele pra cobrar a viagem... E as duas minas também estavam lá, com a minha vó – e assim como o cara, queriam receber a grana delas! “Ele nos trouxe aqui e a gente quer o nosso dinheiro!”, reclamavam. Minha vó dizia assim pra elas: “mas, meninas, por que vocês fazem isso? Ele ainda é um senhor bom. Imagina se vocês pegam um velho tarado!” Gustavo X Aguirre: A Justa Causa tinha dois fã clubes – um deles, só de minas. E rolavam várias histórias na praia. Em Atlântida, eu e os outros caras da banda entramos podres no ônibus, e o Dolls tinha sumido. Daqui a pouco, ele entra com uma fila de minas atrás dele. Umas quinze! E rolou uma festa... No fim, todo mundo acabou ficando com alguém: roadie, operador, motorista do ônibus... Carlos Eduardo Miranda: Uma coisa que mudou bastante em Porto Alegre é a putaria descarada. Nos anos 80 não se falava em aids. Então, era uma fudeção generalizada. Festival da Doença Venérea. Quando um pegava gonorreia, todo mundo pegava. Hoje em dia não tem mais essa moleza. Edu K: Porto Alegre era uma Babilônia, todo mundo comia todo mundo. E todas as minas eram vagabundas e todos os caras filhos da puta. São as mulheres mais lindas do mundo, e ao mesmo tempo, as mais vagabundas. Carlinhos Carneiro: Eu estava voltando pro hotel com o pessoal da Bidê, depois do festival de rock Goiânia Noise, e vi uma mina muito deprê, sentada num sofá no hall de entrada. Entrei no quarto e o Rossatto estava dormindo. Algo havia acontecido. Perguntei: “o que houve, Rossatto?” E ele: “a mina estava aqui, chupou o meu pau... Ela não quis me dar e então mandei ela embora do quarto”. Só aí me dei conta que a mina que estava com o Rossatto era aquela, com cara de deprê. O pior
é que um cara de outra banda comeu ela depois! Os caras do hotel quiseram cobrar do Rossatto a diária da mina. E ele, indignado, respondeu: “eu não comi, não vou pagar. Cobrem de quem comeu!” Plato Divorak: Estava na Redenção, me masturbando, e o gozo veio forte demais. Eu já estava levantando a calça, e de repente aparece um negrão, não sei de onde, chorando. Colocou a cabeça no meu ombro e começou a se lamuriar, dizendo: “seu gato, dei um tiro na minha muié...” O cara me viu, no escuro, conseguiu ter uma visão de mim! Saí correndo em disparada, suando frio. Não conseguia parar de pensar no bafo de cachaça do sujeito. Na correria, me acalmei porque passou um carango dos guardinhas. Depois, dei de cara com um travesti com os seios de fora. Achei uma loucura! Ela, por dois reais, topou que eu fizesse mais uma punhetinha. Ela mostrava aquela bunda maravilhosa e rebolava, apenas rebolava bastante: “goza gostosão!”, ela dizia. E eu consegui, olhando as estrelas e as estranhas esferas. Carlo Pianta: Acho que tem muito mais histórias de orgias sexuais na advocacia do que na música. Por exemplo: tem um amigo meu que é médico, e ele disse que teve que parar de comer as minas que queriam dar pra ele, no hospital. Todas as enfermeiras, todo mundo dá pros médicos! As que estão no curso de medicina dão pros residentes, as residentes dão pros médicos, e aí vai. Têm as que vão em jogo de futebol, têm as que vão em shows de rock, têm as que estudam medicina. Branca: A M16 foi tocar num pueblo chamado San Javier, na Argentina. O sujeito que nos contratou, tinha fechado tudo comigo pelo telefone. Cheguei pra tocar na casa dele, e ele disse: “ó, tem um pessoal aqui que quer conhecer vocês. Poderiam entrar no camarim?”
Rock sexual e juvenil. Os Cascavelletes nos bastidores de um show no teatro Renascença, em 87: Flávio Basso, Nei Van Soria, Alexandre Barea e Frank Jorge
Quando abri a porta, era uma mulherada! Uma mulherada sem calcinha, pra me dar. É que o brasileiro tem fama de foder legal. Eu estava tomando uma bebida cubana e uma mina sentou no meu colo – e daí já veio outra, e outra... Elas eram da sociedade do pueblo. Ricardo Barão: A rádio Ipanema entrava a mil em Caxias do Sul. Volta e meia, a gente pegava uma banda e fazia uma festashow na cidade. Então nós, os comunicadores, recebíamos muitas cartas de tietes. Uma menina de Caxias me mandava cartas, se confessando: “tenho dezesseis anos e estou apaixonada...” Numa dessas cartas, ela me mandou uma foto: a mina era um bombonzinho! Uma italianinha princesa! Até que pintou uma apresentação lá, com show da Bandaliera – e ela disse que queria me conhecer. Subimos pra Caxias, e avisei pra ela do hotel onde eu estaria. Antes do show, ela me encontrou e veio falar comigo, e marcamos de jantar. Então eu falei pra ela: “ah, se quiser, tu pode levar uma amiguinha também...” Passei o som com a banda e voltei pro hotel, pra depois ir no show, e deixei o porteiro avisado de que umas gurias iriam chegar. Quando elas pintaram, o cara telefonou pro meu quarto: “as gatas
estão aí!” Eu tinha tomado banho, e pensei: “pra que botar roupa? Vou é ficar pelado mesmo!” Elas bateram na porta e eu abri, peladão. Mas, quando eu vejo, a acompanhante da mina era a mãe dela! A coroa tinha ido junto! Me desculpei, sem jeito: “bah, a senhora me perdoe, mas achei que fosse o pessoal da banda. Nós estamos todos tomando banho...” A mulher saiu dando cascudo na guria! E terminou com o meu sonho. Não a vi no show. Devem ter trancado a mina em casa. Gustavo X Aguirre: Chegamos no hotel depois de um show da Justa Causa. E o Gugu, o batera, estava no quarto com uma garota. Foi quando deu o maior bolo na entrada do hotel. Chegamos pra ver o que era: a amiga dessa mina tinha chamado a polícia, porque ela estava demorando muito pra descer... Já estava há meia hora no quarto. Só deu tempo de eu subir correndo, bater na porta e avisar o Gugu que estava pintando sujeira. Rolou meio que uma correria pra dispensar a mina. Alexandre Barea: Os Cascavelletes tocaram em Cruz Alta e depois seguiram pra mais uma festa em outro clube. Isso, às cinco da manhã. Foi toda a banda e os roadies – que depois viriam a ser do pessoal do Rosa Tattooada: o meu irmão, o Jacques e o Marcinho. Chegamos lá tentando descolar uma mina no fim da noite. Só que as mulheres não estavam dando bola pra gente. Tinha um loirinha linda, maravilhosa, totalmente bêbada. Uma gostosinha toda enlouquecida, dançando sozinha no meio do salão. A gente se olhou e disse: “bah, é essa!” Fomos chegando um por um nela pra rasgar e a mina dispensava. O cara saía com cara de bunda e voltava pro hotel. Eu cheguei nela, dei a minha melhor rasgada, e me fudi. Depois, fiquei tomando uma cerveja e foi a vez do meu irmão. Rasgou, levou. Ficou todo mundo olhando: “puta, que merda!” Ele arrastou a mina e foi pro hotel. Quando eu estou voltando pro meu quarto, louco pra juntar minhas coisas, pegar o ônibus e ir embora, ouço uma gritaria no fim do corredor. Estava o Flávio Basso gritando e pulando: “Barea, Barea! Vem cá!” O Flávio tinha uns lances de hipocondríaco e, na berraria, ele deu com a cabeça no batente da porta, e achava que ia morrer. Cheguei no meio da confusão. Quando eu parei na frente do quarto, me empurraram pra dentro e trancaram a porta. Eu olho pro lado: está a loirinha pelada e apagada, melada... E o meu irmão lá fora, no meio da confusão. E eu trancado lá dentro, naquela situação: “sei lá, e agora?” Deitei, fiz um carinho nela e a mina acordou. E eu não resisti: baixei as calças e pá. Comi a mina ali rapidinho. Estava um frio de matar! Me levantei, botei as calças e saí. Os caras berravam: “tu foi o oitavo,
Barea! O negão Bozó, da Iluminação, entrou duas vezes na fila!” Solon Fishbone: Uma mina estava muito louca. Tinha tomado e bebido tudo e resolveu ir pro hotel com os caras dos Cascavelletes. Tinha um black, o Bozó, que montava a luz dos shows. A mina estava desmaiada, e ele já estava em cima dela... Essa foi punk. Nesse tipo de palhaçada os Cascavelletes eram imbatíveis. Já a Prize, em matéria de drugs era osso duro de roer. Edu K: Levamos uma mina pra casa do Ratão, o ex-vocalista da Justa Causa. Eram três magrões em cima dela tirando sua roupa. Ela fazia coisas do tipo: abaixar as calcinhas, mijar na frente do porteiro e rir de tudo. Quando fodiam ela, berrava feito uma cadela. A delegacia era do lado da casa, e os porcos todos os dias ouviam aquela mina berrando: ela gritava como se a estivessem matando – e os caras ficavam apavorados. Outras vez eles vieram bater na porta pra saber o que estava acontecendo. Nós estávamos pegando essa mina e ela negou. E nós: “ah é? Então tá”. Fizemos ela sair pela janela, numa casa de dois andares, com umas grades nas janelas. Deixamos ela pendurada nas grades – nós chicoteando e ela gritando. E os porcos ali do lado. Plato Divorak: Durante os shows da Père Lachaise em 90 e 91, em São Paulo, no espaço Retrô, eu tive uma namorada americana: ela gostou de mim e de todos os caras da banda. Mas, no final, quando estávamos indo embora pra Porto Alegre, eu dei um bilhetinho a ela. Foi a coisa mais canalha que eu já fiz na minha vida. Todos os integrantes da banda queriam ela, e eu só fiz assim, com a mão de lado, num movimento meio destinado, e entreguei o bilhetinho com o meu endereço, poesias e corações! Em dois meses ela já estava na minha casa. Fazia brownies e pizzas New York style. Ela tinha uma banda chamada Church of Betty, e aprendeu português na Bahia – num mês só, incrível! Ela pegava as minhas gírias no ato. Levei-a pra Floripa, com barraca, e começamos a ser mais ousados. Sentados à beira-mar, com o sol a pino, vimos uma garota passeando entre as ondas. Ela nos olhou, e aconteceu: no dia seguinte, meu primeiro menáge a trois, em nossa barraca Yanes azul e amarela. A simples visão daquele clitóris enorme e americano, vagina americana... e os seios enormes, como toda americana... As línguas delas entrelaçadas numa só me deixaram louco e estático, fiquei vidrado! Logo, a mão de Elizabeth Shaler veio conferir a dureza do meu pênis. Tirei toda a minha roupa naquele frio... Carícias, línguas na xoxota e na piroca. Dormimos juntinhos os três. A praia era Pântano do Sul.
Quando a Liz – eu chamava ela de Liz – foi embora de Porto pra Sampa, eu vi uma lágrima. Ela passou a mão sobre a lágrima no canto do seu olho. Estaria grávida? No próximo ano ela voltaria, mas não contaria nada... O que aconteceu mesmo foi que todos os anos, até hoje, ela me manda cartas pedindo pra eu ir pra Nova York, mas como eu nunca tenho dinheiro, não posso ir. Ela me mandou uma carta dizendo: “Liquors Oliveira House. Você pode trabalhar aqui Paulo, ser um bom trabalhador, não esse vagabundo que você é”. Como eu era Oliveira, Paulo Alexandre Paixão de Oliveira, eu poderia trabalhar na casa de licores Oliveira, que era a uma quadra da casa dela. Kako Kanidia: Uma garota estava em um show da Maria do Relento no Paraná, usando uma camiseta do AC/DC. Quando fomos pro hotel dormir, apareceu o cara da técnica dizendo: “lembra daquela gatinha que estava na frente do palco? Dá uma olhada... Ela está dentro do banheiro”. Nino Lee: A mina, que era puta, tinha ido acompanhada pro show e nosso técnico perguntou na maior cara dura pro sujeito que estava com ela: “quanto é que tu gastou com essa mulher aí?” Ele: “gastei quinze pila com a vagabunda”. Então o técnico deu vinte pro cara, e saiu com a mulher. Ela deu para todo mundo – e deixou filmar. De manhã, estávamos saindo fora, dentro do ônibus, e fomos mostrar o vídeo pro nosso empresário, que ficou dormindo: “olha o que rolou ontem de noite!” Estávamos mostrando tudo, quando de repente entrou a mulher: “eu queria me despedir de vocês. Espero que voltem...” E ela na TV, fazendo horrores. Se desse mais um passo, veria toda a cena. Solon Fishbone: A Galera ia no Ocidente pra ouvir som e tomar cerveja. Numa terça-feira, todo mundo já estava bêbado... E uma mulher começou a fazer strip-tease no mezanino. Foi tirando, tirando, tirando, tirou tudo. O Flavio Basso estava muito louco, bêbado e subiu querendo agarrar a mina. Eles desceram a escada rolando: a mina pelada e ele agarrado nela. Ela pegou a roupa, se vestiu e foi embora com ele. Humberto Gessinger: O auge da nossa energia não é essa coisa de groupies. Tem fã que não é fã da banda, é fã da personalidade. Tu pode ser Paulo Coelho, Engenheiros do Hawaii, jogador de futebol, qualquer coisa. Nunca teve muito essa energia sexual. As meninas são aquelas de oclinhos e roupa larga – mais ou menos o que a gente projeta no som.
Marcelo Truda: A gente tinha fã-clube, e a chinelagem rolava. Chegamos em Rio Grande depois dos Garotos da Rua terem tocado lá. Tinham falado de um mina, uma tal de Marcinha: diziam que ela ia com todo mundo. A gente foi dar uma entrevista na rádio – e logo depois ela ligou. Expliquei que íamos sair da emissora e pegar o ônibus pra jantar. Ela respondeu: “então eu vou aí!” A mina entrou no ônibus, fez um strip-tease, e o operador de som da época, o Alexandre, comeu ela no ato, e nós todos em volta: “vamos lá, vamos lá!” Jacques Maciel: A Rosa Tattooada estava fazendo um show no Cassino, e desde o início tinha uma loirinha maravilhosa me mostrando a chave de casa. Acabou o show e demorei pra ir no camarim, que era uma casa. Eu sempre fico ali no palco pra falar com a molecada. No que eu chego lá, já estava um festerê: um mulherio, muita gurizada que estava no show. E tinha um quarto fechado. Pedi pra entrar e me deparei com a cena: todo o pessoal da banda e da equipe. Todo mundo em volta da cama – vendo a loirinha que estava no show, balançando a chave, peladinha, em cima da cama... Fingindo que estava cantando a música “MercedesBenz” com um microfone na mão! Mas, como estava todo mundo bêbado, ninguém chegou perto. Até que alguém atacou primeiro e agarrou a mina. E depois veio outro... aí ela caiu de boca. Só que ninguém conseguiu comer, porque estava todo mundo bêbado e brochado... Carlinhos Carneiro: Uma garota ligou pro Rossatto em São Paulo, e ele já saiu contando vantagem dizendo que uma suposta groupie iria nos visitar. E, de fato, ela revelou uma queda pela prática do groupismo. Rafael Rossatto: A Bidê estava em São Paulo num hotel chique pra caralho, cinco estrelas, tomando todas com tudo pago. Então, me ligou uma guria: “gostaria de falar com o Rossato, da Bidê ou Balde”. Respondi: “É ele”. E ela: “tudo bom? Eu sou muito tua fã...” Ficou umas três horas no telefone com a galera. E nós: “vem aí amanhã. Vem tomar um banho de piscina com a galera!” E a guria apareceu. Tomou o banho de piscina, e foi pro quarto... No dia seguinte, ela voltou pro hotel, mas a Bidê não estava: então, ela se contentou em conhecer os roadies. Foi uma menina bem democrática nesse sentido: “não quero só as estrelas, quero a equipe toda”.
Plato Divorak: A história rolou em São Paulo, isso foi lá por 87, 88. Fizemos um filme pornô chamado “De Marte às peladas: na boca da trixa”. Pegamos um carro, aqueles carrões tipo anos 50, e fomos pro interior gravar. Um lugar tipicamente peonístico. Viajei sentado atrás do carro, ao lado de uma loira bonita e de uma morena feia – mas com uns peitões bonitos, singelos. Meu nome artístico era Erik Fantazy. A história do filme é completamente ridícula! Era um executivo, casado com duas mulheres que não sabiam uma da outra. Me achava um safado – mas na realidade elas seriam as safadas, porque ambas me traíam com outros homens... É o típico filme brasileiro! Um filme sem classe, canastrão... Eu chegava em casa, com uma maletinha na mão, e batia na porta. E uma das minhas mulheres atendia: – Quem é? – Sou eu amor, abre! – Tá aberta! Quando eu abro, ela vem até mim – a loira – e me beija: – Tu tá tão suado querido, cansado... E ela começa a tirar a minha roupa... Com o negão safado já ali, filmando. Começa a rolar uma transa entre eu e ela – terminou que aconteceram tomadas realmente carnais, da mais absoluta carnacidade: sessenta e nove, linguinha no cuzinho... Porque ela tinha o corpo escultural, parecia uma deusa. Era uma loira de cabelo liso e comprido, que era do meu tamanho. E eu – Plato, não o Erik Fantazy – queria me casar com ela! No fundo mesmo, fora do filme, eu estava querendo isso. O problema era que, apesar de linda, eu sentia que essa atriz era o tipo de loira burra: tu não podia conversar muito tempo com ela. Tínhamos todo o espaço pra improvisar, e não dava certo. Perguntava no filme se ela tinha gostado do último filme do Chico Buarque... E ela não correspondia. Já a outra, que devia ter seus trinta e cinco anos, tinha um cabelo preto, daqueles que parece que não são lavados, e tetas muito caídas. Então eu chupava aqueles seios com sofreguidão. Eu realmente não conseguia manter contato com a morena. Foi aí que os caras me advertiram: – Pô! E esse pau mole, que é isso?! – Não, não, eu tenho que me concentrar... Então tivemos quinze minutos pra pausa. E o diretor chegava pra mim: – Toma um banhozinho, cara, pensa nela... Se tu acha ela feia fecha os olhos, mete com todo o carinho do mundo, faz que tá acariciando, dá aquela reboladinha pro lado... Era assim que aconteciam as coisas nesse filme. Estive em São Paulo há uns três ou quatro anos e vi o filme novamente: fiquei horrorizado. Na
capa, aparecem nossas fotos posando como super herois... Sem roupa, e com um X no sexo. “De Marte às peladas: na boca da trixa”. Mas este nome não tem nada a ver com bicha! Era só pra dizer que tudo aquilo, a história do diretor, tinha partido da Boca do Lixo. Chaminé: Aquele apê dos caras do Rosa Tattooada em Sampa era brincadeira. Era um apê assim: a entrada era a cozinha, e a cozinha já dava pro banheiro. E as camas ficavam uma do lado da outra. Eles não faziam porra nenhuma: tocavam uma vez em cada três meses e eram as gurias quem faziam o rancho. Um dia, quando fui visitá-los, o Jacques me chamou pra mostrar uma coisa: subimos no fogão e demos uma espiada pela basculante. Olhamos pra dentro do banheiro e as gurias estavam cheirando cueca. Uma delas tinha a metade da cabeça raspada e a outra metade toda tatuada. Essa mina tinha uns fregueses, uns japoneses executivos. E um dos clientes pedia pra ela levar uma panela. A guria também dava no cara de chicote. Jacques Maciel: Moravam uma conhecida nossa e uma outra mina em um apê em São Paulo. Elas estavam se mudando, e a gente ia ficar morando lá. Por isso, teve um período de transição, de três ou quatro dias dividindo o apartamento com elas. E nós lá: os quatro e mais todo o equipamento. Parecia um presídio, todo mundo deitado no chão. Foram uns dias do caralho. Uma das minas era de um clube de dominação. Ela andava de corpete, essas roupas de putaça – uma mina tri escrota. Usava um casacão cor-de-rosa. Uma alemoa acabada de Santa Catarina, que tinha vários clientes. Cobrava cento e cinquenta dólares dos velhos pra dar porrada neles. Essa mina loira tinha uma barriga tão escrota que tivemos que dizer que ela era uma relaxada. A resposta da mina foi a seguinte: “é que eu tenho um piá morto na barriga!” Essa putaça chegava com uma sacola cheia de piças, cheia de caralhos de borracha de tudo quanto é tamanho e formato e aquelas bolas que as putas enfiam na bunda. A puta andava de metrô com aquela sacola cheia de piças. E as duas sempre conversavam sobre os clientes, na volta do serviço. A loira contava que um velho pedia pra levar uma frigideira, uma colher de pau e uma faca ao encontro. O auge do velho era quando a puta começava a bater com a colher na frigideira e dizia: “vem comer, guri!” – pra fingir que era a mãe dele! Mas ele só gozava mesmo quando ela pegava a faca e o ameaçava de morte... Tinha outro cliente que recebia a puta na sua casa já ajoelhado, e ela metia umas porradas na cara do velho.
Justino Vasconcelos: Os Garotos da Rua estavam no auge, Chacrinha e tudo o mais... E um amigo nosso, que era do grupo Raiz de Pedra, nos presenteou com um vinil de uma banda de baile gaúcha super conhecida nas antigas. A gente tirava muita onda, viajávamos e ficávamos cantando todas as músicas do disco dos caras. Numa dessas de Chacrinha, estávamos no Rio, no hotel Jandaia, que chamávamos Gandaia, e cruzamos com uns caras no hotel. Eles nos pararam: “bah, os Garotos!” E nós dissemos: “isso aí... e vocês, são de onde?” Eles falaram: “ah, somos do Rio Grande do Sul, tocamos numa banda chamada tal...” Ficamos perplexos. A banda que a gente ti rava muita onda estava ali, na nossa frente! Na mesma hora, começamos a cantar as músicas inteiras. E os caras, claro, não acreditaram nisso... “Os Garotos conhecem as nossas músicas!” E ficou aquele clima, como se fôssemos tri amigos. Então, um dos músicos chegou na gente e começou a falar de outro cara da banda: “porque esse cara é bom de foda, de pau. Mete em tudo quanto é buraco... Mas bah, é comedor mesmo. É mais pau dentro do que fora... Daqui a pouco ele chega aí... ó, aí vem ele!” E o tal comedor chegou hotel Jandaia adentro, de braço dado com um daqueles cantores de TV veados que imitavam a Gretchen! Parou na nossa frente, deu um sorrisinho de “oi” e disse, machão: “pois é, né, tamos aí... Mas me dêem licença, porque tá na hora de trabalhar!” E saiu andando, olhando pra trás e fazendo um sinal de chuchu beleza, de braço dado com o sujeito... Não acreditamos. Dissemos: “mas, meu amigo, homem é homem e mulher é mulher!” E ele: “bah, isso é frescura... O negócio é comer carne! Se não tem chuleta, tem maminha, se não te maminha, tem picanha!” Estava cada vez pior. Então perguntamos: “e vocês não têm medo de aids?” E a resposta deles: “ah, aids é invenção de padre!” Os gaudérios davam muita risada da nossa conversa. Porque não era homossexualismo, era grossura mesmo – de meter em qualquer buraco! Pra completar, o cara que entregou o comedor contou outra dele, como que pra se redimir: “esse aí há pouco comeu outro homem. Mas daí não era gay: era puro mesmo. Só tinha dado umas três vezes...” King Jim: Conversávamos com todos os artistas. E aí esse cantor veado andava por todo o hotel. Um dos caras da banda de gaudérios nos disse assim: “ah, a gente encara qualquer negócio. Não tem esse negócio de só mulher gostosa!”
ESTUPEFAÇÕES João Gordo: Não precisa nem ser drogado. Basta ser gaúcho. Chaminé: Nós inventamos Garopaba. Quando íamos pra lá, não tinha nem como chegar. Largávamos o carro no meio da estrada e entrávamos mato adentro – o Rosa também. Então tinha essa de fumar um, tomar uns ácidos e cantar, coisas assim... Não era um negócio porrada tipo MC5. Cida Pimentel: Eu tomei meu primeiro ácido aos quinze anos, no Joe’s, na Ramiro Barcelos. Tinha ido comprar jornal pro meu pai! Eu e uma amiga encontramos o Moreirinha, na frente do Joe’s. Ele disse pra mim: “abre a boca”. Então, ele botou dois papeizinhos, duas meiotas, dentro da nossa boca – e fomos pra casa. E a gente tinha ido comprar jornal... Aí bateu o ácido. Tinha um espelho enorme de cristal na minha casa, e comecei a ver umas luzes saírem do espelho. E falei pros meus pais! Eu era uma criança, brincava de Suzie, não era como hoje em dia... Meus pais eram os mais brabos, mas tudo o que eu fazia era de dia. Gaby Benedyct: Sempre gostei de tomar uns porres de sexta-feira... Sagrado assim, pra rir... Porque, de domingo a quinta, eu sou profissional: sóbria, cidadã, intocável! Mas, na sexta... Sempre tinha o porre. O lance é que, depois do riso, sempre tem aquela parte chocha, de ficar grudada na parede, vendo o show de cantinho... Solon Fishbone: O Luciano, que era vocalista da Prize, morava num apartamento térreo. E ele resolveu fazer uma festa de arromba, no patiozinho dos fundos, acho que mais ou menos em 87. Ele comprou umas quinhentas garrafas de cerveja, litros e litros de whisky. Acho que todos os moradores do prédio, que devia ter uns três andares, participaram da festa. Os caras beberam tanto e se drogaram tanto que, de repente, até esqueceram que essa festa aconteceu. Tudo começou às sete da noite e foi até o outro dia de manhã – isso, pro público normal da festa... Porque pra nós, que organizamos, durou até segunda-feira! Tínhamos um show da Prize no domingo e tomamos uns ácidos que vinham da USP. O troço era muito forte – tanto que, antes do show, eu não sabia se era canhoto ou destro. A festa acabou segunda-feira, ao meio dia, no bauru do Trianon, na
Protásio Alves... KCláudio: Sei que tinham chegado uns ácidos de São Paulo, quando a Prize ia fazer um show. E eram uns ácidos fortes pra caramba: a gente não estava acostumado. O ácido chegou na hora da passagem de som. Tomamos, fomos tocar... E de repente começou a bater. Na hora do show, estávamos numa loucura preta. Eu comecei a tocar e a batera parecia estar flutuando. Aí, eu notei que tocava – e não saía som! Olhei pro Solon, que se virou pra mim com uma cara de apavorado. Nós estávamos perdidos. Ele segurou as seis cordas juntas e, em vez de fazer as notas, só ficou segurando elas, apertadas no braço da guitarra, sem sair som nenhum. Eu disse pra ele: “o que foi meu, tá viajando?” E ele: “eu acho que sou canhoto!” Tocamos duas músicas e nos mandamos embora. Biba Meira: A gente tomava ácido antes de alguns shows. Mas teve um, que tomei no interior, que me deu uma batida muito violenta. Eu não me lembro o que aconteceu... Só sei que foi o último. Christian: Na real, a Groove James é adepta do zen budismo... Então a gente não precisa de intermediários: atingimos um estágio onde a respiração é a nossa própria droga. O oxigênio é a maior droga do Universo. Eu diria a essa juventude pra que apenas aprenda a respirar direito. Cida Pimentel: Um dia, veio a apresentação do Hair pra Porto Alegre – e virou uma drogaria a cidade. Ninguém sabia qual era o efeito, porque tomar... Mequalon era a droga da época. As pessoas ficavam como se não estivessem sentindo nada. Plato Divorak: Não usávamos drogas nos ensaios da Lovecraft: só maconha e haxixe. Rafael Malenotti: Os Acústicos estavam almoçando em Curitiba. Dali, íamos pra um outro show em São Paulo. Almoçamos, e ficamos sem saber o que fazer. Então, um amigo nosso, dentista, disse que tinha umas receitas azuis. Ele era muito emboletado – sempre tomava uma garrafa de conhaque Dreher com as boletas que tivesse. Acabamos tomando vários HPs, como se fossem confetes, com umas cervejinhas. Estávamos em um shopping, e a rodoviária ficava do outro lado.
A travessia do shopping foi um lance muito louco. Estávamos todos retardados, sob o efeito das boletas. Entrei numa loja que tinha uns anéis rockers e saí que parecia um cangaceiro: eu tinha anéis em todos os dez dedos. “Aaahhh! Bah, olha só! Têm caveiras, águias, todo os lances mais rockers!”, saí falando. Depois entramos no ônibus – que ficou minúsculo pro estado em que estávamos. A galera estava enlouquecida e o resto dos passageiros nos xingou muito até São Paulo. Marcelo Gross: Estava um calor do caralho no final de 96 na Guarda do Embaú, em Santa Catarina, quando fomos pra tocar com o Júpiter Maçã nuns botecos da praia. Estávamos naquela polvorosa: tomando ácido todo dia, coisa e tal... Enlouquecendo! Num dos dias, tomamos um doce e fomos pro mar: eu, a Magra Mariana, Fernandão, Júpiter, Júlio... Uma galera. Entramos doidos num barco dos nativos, deixamos as roupas na beira do mar... Quando vi, tinham uns pescadores na praia berrando pra gente: “filha da puta! Filha da puta! Nós vamos matar vocês!”. Resolvemos ficar por onde estávamos até baixar a pressão. Foi foda! Jupiter Apple : A gente achava que o barco era o Yellow Submarine, e todos queriam ser o comandante... Só que chegou uma hora em que todos caíram de cima do barco! Edu K: Estávamos na casa do Cabeça, na Oswaldo Aranha, ouvindo L.A. Blues, dos Stooges. E não era mais uma casa: era só uma fumaceira, sem ideia das horas... Todo mundo flutuando dentro do apartamento. Dali a pouco toca a campainha, e o Cabeça vai atender a porta de vestido... Era um porco e um civil. Quando ele abriu a porta, saiu uma nuvem de fumaça na cara deles. Mas, nesse dia, não deu nada: só pediram pra abaixar o som porque eram três da manhã. César: Teve um tempo em que eu estava saindo com uma patrícia. Era uma pinta que tinha um problema psicológico muito sério, porque tinha passado pela mão de cretinos de todos os tipos. Um dia, estou no meu apartamento – que andava cheio de hippies, por causa do meu colega de casa – quando chega essa patrícia. Ela entrou, viu uma porcaria em cima da televisão... E falou: “será que podemos usufruir dessa maravilha?” Acabei saindo com o carro dela, durante uns quinze minutos, pra comprar umas cervejas. Quando voltei, essa mina estava totalmente dura, falando com os hippies! E eu odeio hippies... Já cheguei não gostando muito, porque ela estava falando com aqueles hippies. Que já estavam entrando na mente dela, com aquele papo zen... E, quando eu olho pra cima da TV, tinha só um
plástico lambido! Tomei todas as cevas, os hippies foram pro retiro espiritual deles... E a mina entrou no meu quarto. Ficou sentada do meu lado, enquanto dava uma cochilada. Quando acordei, só escutei ela dizendo: “eles estavam certos...” Olhei pro lado e ela estava segurando uma tesoura, querendo cortar os pulsos! Eu levantei correndo: “porra, me dá essa tesoura aqui! Se tu quer te matar, não vai ser no meu quarto que tu vai fazer isso!” Peguei a mina, joguei no quarto dos hippies e disse: “ó, é pra vocês!” Flávio Santos: Essa coisa de drogas sempre foi muito mais uma imagem do que propriamente o consumo delas. Por exemplo: rolou um show muito escroto do De Falla no Leopoldina Juvenil, no Salão Imperatriz. Uma festa jovem – e, pra variar, todo o público queria ouvir as canções do primeiro e do segundo disco. Mas a gente nunca tocava: o tipo de show que vínhamos fazendo na época, final dos 80, era escroto, podre, rock’n’roll alto, Gibson Les Paul... Aquela coisa bem Slash. Ainda por cima, no final do show, o Castor arremessou a baqueta dele – que foi bater logo no lustre do tal Salão Imperatriz, ao som de uma cover do Mötley Crue... Terminou o show, fomos pro camarim e um fã veio nos visitar. E fumar um baseado. Tá certo que nenhum de nós era maconheiro do tipo que não podia viver sem, mas, naquele dia... E entraram os seguranças do Juvenil, dando atraque. Acharam a paranga do guri e, além de tudo, acusaram o Truda de ser o dono – o único dali que não fumava! Sendo que um dos avôs dele estava entre os fundadores do Juvenil! Nos expulsaram do clube: nos colocaram pra rua! E os caras ainda descontaram do nosso cachê o cristal do lustre em que o Castor tinha jogado a baqueta. Foi uma coisa fora de qualquer contexto. Carlos Eduardo Miranda: Era o show do Atahualpa y us Pânquis na Terreira da Tribo. O Flu estava no bar e deram umas porcarias pra ele tomar. Depois do show, ele saiu e achou que o muro era uma rua. E foi reto! Ficou parecendo o homemelefante. Márcio Petracco: Tinha um roadie do TNT que tomava nos canos pra trabalhar. E ficava bufando, em posição de partida, atrás das caixas de som. A gente ficava com medo que ele entrasse numas de que alguma coisa estivesse errada e saísse voando palco afora – arrastando todos os cabos dos instrumentos e desligando tudo. Nei Lisboa: Já fiz muita coisa. Hoje, o momento do processo criativo não envolve nem droga nem álcool. Pode despertar alguma coisa tomando uma cerveja, fumando um baseado, mas construir a partir disso é muito difícil. Na segunda dose de álcool não tem nada que eu crie e leve a sério. Sob
efeito fica difícil de trabalhar, a experiência vai se refletir no teu trabalho. Tu pode olhar depois e, dentro da tua visão de mundo, englobar aquela experiência. Eu experimentei quase todas as drogas da minha época. Ácido pouco, muito baseado... Tive duas fases na vida de consumo intenso de cocaína, mas foi a droga que me deixou a pior impressão. E que, graças a Deus – ou à má qualidade das cocaínas do Bom Fim – eu larguei... Foram muitas noites perdidas com personagens que tu não queria ver na frente – mas que estavam ali pelo envolvimento da cocaína, falando verdades supremas daquela hora... Flávio Santos: Participei de um show maluco na Terreira da Tribo. Um amigo me deu um Artane pra tomar – e eu não sabia que era um Artane. Tomei, e nada: “bah, não bateu...” Resolvi tomar outro. Aí, terminou o show, peguei o carro, passei pelo Ocidente... E essa foi a última imagem que tive. Acabei no HPS. Eu tinha seguido de carro e entrado dormindo, sem cinto de segurança, numa casa na Nilo Peçanha – onde hoje é a Trópico. Quando eu acordei, tentei me levantar. Só que eu tinha quebrado o fêmur ao meio, quebrado o pé... Dei de cara no muro. Duca Leindecker: Na real, a Cidadão Quem passou por esse estigma de banda de guriazinha. A banda foi tão atacada... Era como se fôssemos os caras mais junkies do mundo numa sociedade de caretas: uma situação inversa! Totalmente preconceituosa... Uma coisa do tipo: “obrigatório uma banda de rock morrer de overdose”. Arte não tem nada a ver com isso. A gente faz a loucura que a gente quiser fazer. A arte tem que ser de espontaneidade, não pode ser imposta. Eu tenho que usar o que eu quiser usar. Se eu quiser pular de páraquedas pra ficar loucão, eu vou pular de páraquedas. Agora, eu não posso te obrigar a saltar de páraquedas. Eu não posso achar que tu é cagão porque tu não salta de páraquedas... Mas a sociedade é assim. Marcelo Gross: O Júlio Cascaes tinha acabado de entrar na banda do Júpiter Maçã quando teve um show do Eric Burdon no Opinião. Fomos lá assistir, eu o Júpiter e o Júlio – e, depois, pro Dado Bier, porque o cara estaria por lá. O Eric Burdon estava sentado numa mesa e fomos conversar com ele. Resolvemos perguntar: “o que você acha dessa história de drogas?” E ele respondeu: “o que tu não pode fazer, é deixar que elas afetem o teu pau”. Jupiter Apple: Fomos assistir ao Eric Burdon no Opinião e chegamos um número atrasado. Da rua, ouvimos aquela voz, e comentamos: “é disco né? A voz tá perfeita...” Mas já era ele mesmo,
cantando “Don’t Let Me Be Misunderstood”. Eu, que estava meio bêbado, tinha que mixar a última música do A Sétima Eferfescência naquela noite. Mas fui ao Dado Bier porque me disseram que ele estaria lá... E conversamos com o Burdon. Um garçom apareceu quando estávamos por perto, nós pedimos os drinques, e todos foram marcados no cartão dele... Ele me pagou um chope enquanto tomava seu blend. Deu boas lições. Biba Meira: Eu também não era santa... Era da turma dos guris! E o Renatão – aquela coisa de amiguinho pra cá, amiguinho pra lá... – estava correndo no Parcão, às sete da manhã. Tri atleta! E eu passo bebunzassa, toda de preto, cabelo arrepiado... Era normal ficar até de manhã cedo na rua, bebendo, cheirando... King Jim: A Polícia Federal entrou no Quinta Estação, em Caxias do Sul, onde os Garotos estavam tocando. Estavam atrás de pó na cidade. Mas eles entraram no palco de metralhadora, invadiram o camarim, nos renderam... E eu faço tratamento com medicina chinesa. Carregava um monte de ervinhas e remedinhos estranhos... Quarenta e nove potinhos! E é claro que eles ficaram desconfiados. Respondi pra eles: “Não, isso aqui não pode ser o que vocês estão pensando! Eu sou um homem doente!” No fim, eles não analisaram nada: aquilo não era bem o que eles queriam. Leo Henkin: Os Eles eram discriminados lá por 84 porque eram muito caretas. Em drogas, eram zero. Chico Bretanha: O pai da Lica, a vocalista da Groove James, nos convidou pra fazer um show no bar 100 Comentários, na praia do Rosa. E fizemos um folclore preza: a combinação era de que o pai dela nos daria uma grana pra gasolina como cachê. No fim das contas, ele deu uma grana a menos, argumentando que tínhamos bebido muita cerveja Sol, aquela mexicana. E ele nos descontou um pouco. Tudo bem... No outro dia a gente estava na Guarda do Embaú, onde também íamos tocar. Estávamos na beira da praia, curtindo... E o Sassá, nosso percussionista, perguntou se o pai da Lica tinha dado mesmo a grana da gasol. Nós respondemos que sim, mas tinha dado um pouco a menos de cachê porque a galera tinha tomado muita Sol. E aí o negãozinho Sassá pegou, levantou e disse, meio brabo: “ah, tá! Agora ele é o dono do sol do Rosa, onde já se viu isso! Agora tem que pagar pra tomar sol!” Flávio Santos: Isso é uma coisa certa: a maconha te leva ao rock’n’roll. Porque te leva, na
verdade, a fazer coisas subversivas, loucas. Fernando Noronha: No segundo ano da banda, quando ainda nos chamávamos Black Soul, fomos pra Caxias fazer um show em um castelo... O Arcádia. Um castelo mesmo, enorme, nunca tinha visto um ao vivo. Chegamos lá, entrada hollywoodiana... A gente não estava acostumado. O palco tinha umas estátuas, os caras nos tratando como reis... Passamos o som. E ganhamos um cheque em branco do dono da festa: “podem ir pra cidade, no melhor restaurante, e comer o que quiserem”. Fomos – e comecei a beber, beber, beber... Bebi um pouco mais que a conta, achando que não dava nada. Só que chegou num ponto em que lembro apenas do que me contaram... Uma das coisas que me disseram foi que eu resolvi cantar em português, inventando a letra na hora. E a gente sempre canta em inglês... Tinha uma estátua do lado do palco, e eu deixava meu copo em cima dela. Pegava o copo e ainda batia um papo com a estátua: “Pô estátua, qual é o teu problema? Só fica parada aí...” E falava um monte de bobagem. Pelo que me disseram, houve momentos bons e momentos patéticos. Até que uma hora eu resolvi pular do palco e fazer um solo de joelhos na grama – só que o palco tinha mais de um metro. Mas estava meio que chovendo, e caí bem numa poça d’água. Onde fiquei solando... Todo mundo delirando. Mas, pra voltar pro palco, não teve jeito. Fiquei uns vinte minutos ajoelhado tocando, até que um roadie foi me resgatar. Sei que perdi o chapéu, queria ficar lá, não queria voltar... O motorista da viagem, que estava armando um show nosso em Santiago, chegou nos dizendo depois: “olha, não posso me comprometer... Depois, se acontece uma coisa dessas em Santiago, eu queimo o meu filme!” Aprendi que depois do show dá pra beber quanto quiser. Mas, antes, tem que manter a calma. Plato Divorak: Em 84, eu não curtia as bandas daqui, aquela coisa do dark, do punk. É que eu já tinha alguma experiência com psicodelia – principalmente, com música nesse estágio. Eu era um enfant terrible curtindo uma com um bando de hippies. E andava com três meninas lindas: Michele, Silmara e Simone. Basicamente, passei todos os finais de semana, durante quatro anos, indo ao encontro dessas pessoas em Novo Hamburgo, onde elas estavam. Num desses encontros, no descampado do morro Ferrabrás, em Sapiranga, nos deparamos com várias pessoas de Sampa, sentadas em círculo. E um barbudo, com o cabelo encaracolado, nos ofereceu uma cartela com uns oito ácidos lisérgicos. Foi uma piração total pra mim. Os meus reflexos eram fantasmas coloridos, como se eu estivesse em outro lugar. O queixo tremia como nunca. A coisa era forte mesmo.
Carlinhos Carneiro: Eu trabalhava na Polícia Rodoviária Federal, perto do Mercado Público, e o André, nosso baixista, trabalhava na Farrapos. E combinamos de nos encontrar no Mercado, às seis da tarde, porque tínhamos ensaio às nove da noite. Estávamos gravando a versão demo de “Melissa”. A gente começou a tomar umas cervejas... Só que a coisa se transformou numa borracheira fenomenal. Invadimos a casa do produtor, o Charles di Pinto, onde as gurias estavam colocando os vocais. Estávamos muito bêbados, e o André falando: “eu quero gravar! Eu quero gravar!” Tivemos que fingir que estávamos gravando, pra que ele se acalmasse. Dizíamos: “tá bom, deu, já está gravado!” Colocávamos a música e ele achava que estava gravando altos vocais... Carlo Pianta: Em boa parte da carreira do De Falla a gente não tocava bêbado, nem fumava. Depois teve uma época, que alguns arrastam pro resto da vida, de fazer shows meio detonados. E daí tem os dois lados da coisa: dependendo do tipo de show, tu acaba fazendo uma cagada feia. Ficar só detonado faz mal. Tu não aguenta a tensão e a ansiedade, muitas vezes. É uma batida: tu acaba achando que é tudo muito normal – mas não é tão normal. Não é legal. Tem a gurizada que se passa. Chaminé: No começo, nos anos 60, eu era maconheiro pra cacete. Tanto que enchi o saco de fumar maconha: comecei a ficar paranóico, não conseguia olhar pra mais ninguém. Aí, comecei a tomar bola. Aliás, aprendi com a minha mãe. Ela tomava uns remédios pra emagrecer – mas não essa porqueira que tem por aí agora. Às cinco horas da manhã, ela saía pra lecionar. Sete da noite, ela voltava pra casa... Botava um pano na cabeça e ia limpar parede! Eu pensava: “ah, peraí, alguma coisa tem nessa história...” Até que alguém me deu o toque: tinha um monte de caixas de anfetamina. E enchi a cara de bola. Minha primeira internação foi em 84. Quando eu saí da clínica, o médico que estava cuidando de mim disse: “tu tá saindo porque tu pediu alta. Eu não te daria alta agora. Quando tu sair vai começar a beber”. E eu me lembro que eu tinha a maior bronca de bebum. Larguei a anfetamina e comecei a beber. Entrei pra dentro da garrafa. Comecei a beber com 25 anos. Beber mesmo. O difícil foi largar a anfetamina. Cocaína quando tu quer parar, tu pára. Monga: O Araújo Vianna estava com um terço de sua capacidade, a noite estava fria... Mas o Orelha já estava etilicamente aquecido antes mesmos da Pietà começar a tocar. E durante nosso show, num ato de disfunção do órgão cerebral, ele se lançou em um mosh no concreto. Caiu no fosso,
destroncou os dois pés... E tivemos que levá-lo ao Pronto Socorro. Orelha: Quando saí do elevador do HPS, a minha cadeira de rodas trancou. E caí de cabeça pra baixo, gritando socorro! O meu irmão e o Monga tiveram que me levar de táxi pra casa, me carregar, porque não podia colocar os pés no chão. Monga: Quatro dias depois desse show no Araújo, participamos do Segunda Sen Ley Mike Tyson, só com bandas pesadas. E, nessa apresentação, o Orelha se anestesiou de novo – e destroncou os dois pés de novo. Toda a operação teve de ser repetida para o processo de remoção... Edu K: A casa do Ratão ficava ao lado da casa da polícia. E o banheiro deles dava pro nosso corredor. E a gente ali, queimando fumo, tomando ácido, cheirando pó, cheio de mina pelada na casa o tempo inteiro... Chegou num ponto em que eles já nos conheciam: “e aí, quando é que vai ter show?” Uma vez, bateram na porta e desci de cueca pra atender: era um porco, dos que ficavam no posto ao lado da casa do Ratão. Ele mostrou uma ponta enorme na mão e disse assim: “é teu isso aqui?” Ele nem esperou a minha resposta pra continuar: “mas não precisa te apavorar... Eu só estou perguntando pelo seguinte: façam o favor de não deixarem isso à vista. Porque, se vocês deixarem à vista, nós vamos ter que entrar e prender vocês. A gente sabe que vocês fumam”. Me deu a ponta, e foi embora. Jacques Maciel: O Rosa Tattooada ficou no mesmo hotel dos Guns’n’Roses, quando abrimos pra eles no Rio e em São Paulo. Na véspera do show, cruzamos com o batera deles, o Matt Sorum, no american bar do hotel. A princípio não podia entrar ninguém, mas a gente tinha os crachás... A gente não queria incomodar os caras, mas o batera nos chamou. Ele tirou uma calcinha azul do colete de couro e falou que era da garota da noite passada. E todo mundo fez: “ooooh!” E o Slash também estava no balcão – sem chapéu, tomando um whisky JB... Uma garrafa de três litros. Uma hora, ele olhou pra dentro do balcão, onde estava a garçonete, e apontou. Era a cartola dele que tinha caído atrás do balcão. A guria pegou a cartola e ele abaixou a cabeça pra ela colocar, porque já estava bêbado mesmo. Ele é um baita de um cachaceiro! Renato Rodrigues: A gente estava em um bar em Arroio do Sal em 83: eu, o Ivo Eduardo, o Alex e o Flávio. E o Alex sempre tomava um conhaque – tinha que segurar cinco horas de bar! Em um belo dia, faltando quinze minutos para acabar, o Ivo chega para mim: “estou passando mal”. “Faz
o seguinte, toca umas três musicas com o pessoal e vai pra casa”. Ele foi. Quando fui desmontar a bateria, vi um copão em cima do amplificador. Ele botava um copinho pro Alex e enchia o dele. Cau Gomes: Quando comecei a trabalhar como roadie, todo mundo era muito louco – e eu, muito careta. Louco até não de drogas, mas de cabeça mesmo: de cara. O cara é louco na sua infância, juventude, mas nunca imagina o que é a loucura do meio. Carlinhos Carneiro: Depois de uma festa na casa da Kátia, tecladista da Bidê, rolou um show da Jkbak no Garagem Hermética. O problema é que a festa da Kátia era um esquema queijos e vinhos: tipo paga pouco e bebe muito. E o Caveira, que foi baterista da Jkbak e da Bidê, se passou no vinho – uma coisa rara. Quando chegamos no Garagem, ele vomitou todo o lugar. Ele não tinha a mínima condição de tocar! Ficou dormindo, no fundo da sala onde a banda ficava tocando... E eu acabei subindo no palco. Fiquei num cantinho, com duas garrafas de vinho e um microfone. Às vezes eu largava uns grunhidos. Ou só ficava batendo com as garrafas uma contra a outra. Rafael Rossatto: Na hora em que chegamos lá, nosso baterista caiu, vomitou, não tocou. O vocalista foi tocar a bateria e nós ficamos só berrando... Quebraram os instrumentos e tudo! Carlinhos Carneiro: Lá pelas tantas, eu me levantei e comecei a bater no Rossatto e na guitarra dele. Essa foi a minha primeira participação verdadeira em um show de rock, a primeira vez que subi num palco pra isso. Cida Pimentel: Eu fugi de casa pra poder ver os Mutantes em Porto Alegre. Eu fingi que ia dormir, e saí. Estava na fila, caía uma garoinha... Todo mundo drogado, porque sempre se usava alguma porcaria: tomava remédio da mãe, cheirava desodorante Moderato... As pessoas nem sabiam o que estavam fazendo. E era moda ir nas obras do parque Moinhos de Vento, que estava sendo construído, pra se cheirar Semorin, um tira-manchas. Também tinha cocaína por outros lugares da cidade – mas eram os caras mais velhos que cheiravam. Biba Meira: Eu não seguia o ritmo alucinado dos guris do De Falla. Afinal de contas, eu sou mais pequeninha. Era mais da birita, mesmo.
Flávio Soares: A Leviaethan sempre tocava junto com a Valhala. E fomos tocar em um show heavy, em Tramandaí. Tiramos palitinho pra ver a ordem das bandas – e ficamos pro final. Rolando o maior trago... Quando a Valhala estava tocando, o Pedro, baixista deles, deu uma vomitada violenta no palco! E tivemos que tocar em cima da porquêra do cara... Luciano Albo: Uma pessoa que se envolvia com a equipe técnica dos Cascavelletes tinha ácidos pra vender quando fizemos um show em Santo Ângelo. E eu rachei uma figurinha com o desenho do Woodstock com o Flavio Basso. Umas dez pessoas tomaram, no total. Estava no palco ansioso pra saber se ia bater ou não... Vai saber qual é a batida daquilo! E gritava pro Márcio, que era o roadie: “eu quero meu dinheiro de volta! Essa porcaria não está batendo!” Mas, depois do show, o clima era todo muito estranho, muito insólito... Não era um pós-show normal. Ninguém estava percebendo, mas todo mundo estava sentado, se analisando... As mulheres entravam no camarim e ninguém dava muita bola... Alguém tinha roubado umas trinta latas de cerveja de um freezer, antes de sairmos dali. Tínhamos um outro show pra fazer na sequência, a uns quatrocentos quilômetros de Santo Ângelo. Foi quando a porcaria começou a bater, com toda aquela galinhagem. E aí rolou uma alucinação tremenda. Eu me lembro de ver um cobertor se transformando em um boi dentro do ônibus... E fiquei com medo de me tapar com o cobertor porque ele era um boi! Ficava olhando pra cara do Solon, que era nosso operador de áudio, e via a cara dele se transformar num pergaminho. Gustavo X Aguirre : No dia da inauguração da casa da Bidê ou Balde em São Paulo, o Pinguim – pra variar – tomou um trago. Ele tomava tudo. Umas trinta latas de cerveja. No final da festa, ele ainda estava levando escondido no moleton umas vinte latinhas. O moleton ia nos pés. Pegamos as cervejas dele, e o deixamos só com umas duas. No outro dia, a Justa Causa tinha um programa ao vivo, na rádio Brasil 2000. Uma puta audiência! E o Pinguim estava muito baleado. A gente ficava dando a entrevista e ele ali, com uma barba gigantesca e o cabelo todo sujo, atirado no chão do estúdio. Na hora de tocar, ele se levantava e mandava ver bem pra caralho! Mas, quando dava o intervalo, caía no chão morto. Flávio Santos: Mandaram umas passagens de bus pro De Falla tocar em Juiz de Fora, em Minas Gerais – mais um pessoal que esperava que tocássemos as músicas do primeiro e do segundo disco...
E já estávamos na época do disco Kicking Ass. Mas fomos: eu, o Edu K e o Castor. E o Kenny, nosso amigo, vendia ácido. Antes dele vender os ACs – malandro! –, ele tirava umas lasquinhas. E guardava num tubinho. Acabou que, antes desse show, dividimos as várias lasquinhas entre nós quatro – mas ninguém sabia direito a quantidade que tinha ali. Sei que a gente só se deu conta de onde estava quando bateu: num lugar horrível, com um equipamento muito chinelo, e enlouquecido de LSD. No público, umas vinte pessoas. Não sei se estavam igual a nós... Mas uma mina tirou a roupa, subiu no palco... E todos começaram a subir. O Castor se irritou com isso, e saiu fora! Quando olhamos pra trás, não tinha nada: “cadê o baterista?” Aí esse pessoal foi atrás dele pra que ele voltasse a tocar. César: Depois de um show da Urro em Caxias do Sul, em que ninguém quis nos pagar o couvert por causa do solo de sax absurdo do Flávio, nos reunimos na casa do primo do Rafael, o nosso baixista. Ele tinha um vidro de cachaça enorme misturada com umas frutinhas típicas da região. Tomamos toda a garrafa. Nós e uma guria que tinha ficado com um cara da banda. E acabamos parando por lá mesmo. Mas, como a casa não era grande, dormimos todos juntos em um mesmo quarto: sete neguinho e uma mina. Um acampamento... E é claro que a mina, no escuro, estava virada pra parede! Mas tanto homem junto ia dar merda... Começamos uma sessão de piadas, no trago, em que era uma pior que a outra. E lá pelas tantas a mina teve um acesso de riso. Começou a rir muito, demais, não parava! Dali a pouco, eu só ouvi um: “ai!” E depois só ouço o nosso camarada que estava com ela dizer um: “puuutz...” Ficou um silêncio só. Nos levantamos, um acendeu a luz... “O que que houve?” A mina ficou branca: tinha uma mancha na camiseta, em cima da barriga... Ela tinha feito há pouco uma cirurgia pra diminuir os peitos – e os pontos estouraram de tanto que ela riu! Jupiter Apple: Todo mundo sabe que os adolescentes são malucões. Eu fui assim – num estágio um pouco mais avançado, da idade ou de sacação... Diria que eu já tive uma simpatia por cogumelos mágicos... Eles foram meus companheiros por um período. Eu me envolvi com um procedimento psicodélico. E o que era a psicodelia, pra mim? A saturação da forma e da imagem, dentro da sua classificação pessoal. Ou seja: você está lidando com o seu ego. Então, são as transformações de uma informação, até então conectada apenas ao seu ego. O que importa é a visão, a saturação da forma, dos sons, dentro do seu limite de conhecimento –
assim eu vejo a psicodelia. Otto Guerra: Eu bebo e esqueço tudo.
SENTIMENTO ROCK Zé do Trompete: O rock e o jazz são coisas iguais: são sentimentos. Só que tem gente que separa, ou elitiza, porque o rock é sempre o cara solto, rebelde... Mas o jazz também é rebelde, é a origem do rock. Aí existe uma elitização das artes, e isso estraga muito. Chaminé: O rock tentou me matar, e não conseguiu. Mas o blues quase chegou lá. Carlos Maltz: Rock hoje em dia é peça de museu. É como o jazz, que não deixou de existir, sempre vai continuar existindo, mas não é mais a irradiação que foi um dia. Por exemplo: se hoje eu fosse um pintor cubista, seria considerado um revivalista. Nas bandas atuais, o pessoal está mais interessado é nas roupas que vão usar. Botam uns óclinhos anos 60, usam cabelinhos, fumam um baseadinho, compram guitarras Fender, Jaguar e acham que estão fazendo psicodelismo. É uma bobajada, falta de concernimento, de arte. Não quer dizer nada. É uma coisa à toa – a cultura do à toa. Porque, quando as pessoas estavam fazendo essas mesmas coisas nos anos 60, havia conteúdo, vida, aenima, alma. Justamente o que está faltando agora: alma. O resultado disso nós podemos ver: as pessoas estão morrendo de depressão. Estão morrendo de encher a cara de drogas. Porque elas estão de saco cheio da vida. E delas mesmas. Esse negócio de ficar gritando contra o mundo é muito fácil. Mas o mundo somos nós mesmos. Kledir: Chamavam o nosso grupo de amigos, antes dos Almôndegas, de batom: estávamos em todas as bocas! Era uma espécie de piada interna, no início dos anos 70. Reinaldo Barriga: Rock e pop era a designação genérica de um período, meados dos anos 80. Não se sabia como rotular as coisas. Agora, tudo é pop. O rock ficou mauricinho. Mas nem todo mundo ri da mesma piada por muito tempo: elas não são infalíveis. O problema é que o rock hoje, pela sua natureza, precisa de pressão pra se desenvolver. Mas o rock vai falar sobre o quê? Não faz mais sentido usar o rock pra reclamar. Você liga a TV e há uma overdose de tudo... William Caveman: Catorze de setembro de 1998. Meu camarada Júlio, de aniversário e integrante da Condenados, nos convidou pra tomar umas cervejas, comer uns quitutes e tostar uns
bacons no estúdio que ele tinha montado em casa, na vila Bom Jesus. A situação era a seguinte: um cabeçote Marshall valvulado, encimado por quatro grandes autofalantes, vomitando estridentemente Dead Boys, Stooges, Vibrators, New York Dolls, Heartbreakers e algo mais... A Bom Jesus pulava. Seus pais sabiam duas coisas: que era o aniversário do Júlio e que ele é o cara mais rocker da cidade. Com sua guitarra modelo SG vermelho sangue, fazia a música “I Wanna Be Your Dog” soar como uma turbina de avião. E era como se estivéssemos decolando, mesmo. De uma caixa amplificada com três grandes autofalantes, verticalmente uma abaixo da outra, o João Carteiro, da Sem Chance, tocava contrabaixo; na batera, o Krüger, da Unidos pelo Ódio, afundava as peles da bateria do cara da RBS, que assistia atônito à zoeira proto-punk; e eu berrava sons como “Sonic Reducer”, ‘There’s Gonna be a Showdown”, “Baby Baby Baby” e “No Fun”. Enquanto isso, o negão Mandela se estriquinava em cima de uma das caixas de som. E o Casca vomitava por tudo. Inclusive nos colchões de casal que estavam nas paredes – e eram inúteis à exaltação e propagação do som que fazíamos no morro da Bom Jesus. Duda Calvin: A Tequila Baby foi tocar em Goiânia. Chegamos em um xis e, conversando com o cara que nos atendia, ele perguntou o que fazíamos. Respondi que tocávamos punk rock. Aí, o cara perguntou: “punk rock? Isso é de comer?” Acho que foi a coisa mais séria que eu já ouvi. João Gordo: Eu conheço a molecada gaúcha, os punks de Alegrete... Maior barato os moleques. Acho que no Rio Grande do Sul inteiro tem punk. Nelson Coelho de Castro: Têm pessoas que estão distraídas com a estética da hora. E elas não são sacudidas pra ver alguma outra coisa interessante. É muito importante fazer um resgate – mas sem a ideia de quem está submerso fez isso porque escolheu. Ninguém se suicida, nesse caso, por escolha. Fughetti Luz: Foi um aprendizado de composição quando o Liverpool gravou o Por Favor Sucesso: a gente recém estava começando. Mas, com certeza, aquela não é a composição que eu tenho hoje, depois de batalhar pra trazer o rock pro nosso idioma. Escrever do jeito que eu escrevo agora é muito diferente: eu aprendi a compor em brasileiro. Não fiquei fazendo rock’n’roll de gringo. Ou cantando em inglês, como muitos caras fazem. Nós moramos no Brasil, temos que nos comunicar com o povo no nosso idioma – a juventude merece um
pouco de respeito. Até porque os gringos estão cagando pra nós. Quero ver se alguém vai cantar em brasileiro lá em Nova Iorque... Os caras vão te atirar um tomate, ninguém vai te dar bola! Quero mais é cantar no nosso idioma, então eu escrevo rock’n’roll em brasileiro – não em português. Nenung: Nos grandes centros, as pessoas refletem demais a respeito do que acontece no momento – enquanto que, no interior, ficar refletindo sobre cultura é uma coisa muito lenta. Estando no interior, tu tem que ser meio maluco pra conseguir ir além do que já está acontecendo. Pra se chegar ao ponto de outras pessoas te reconhecerem, tu tem que ter dado alguns passos fora do limite. Pra que quando tu chegar, mostrando a tua música, ela se encaixe com a necessidade de quem te assiste naquele momento. Então é meio que um jogo... Marcelo Birck: A grande tragédia da arte em geral é o fato dela ser feita em público. Na verdade, tem que ter muito culhão pra fazer isso. Solon Fishbone: Os negros não fazem blues em nenhum lugar do Brasil. Eles não tiveram acesso. No Brasil, blues é coisa de classe média-alta. É um fenômeno que realmente não aconteceu por aqui. Frank Jorge: Cada geração diz uma coisa a respeito de visual. Nos anos oitenta, onde no Brasil estava rolando uma new wave tardia, era inadmissível tu usar num show uma roupa qualquer. Hoje, fazer show com a roupa do dia é no mínimo uma coisa a menos pra ti pensar... Eu vi uma fita da Comunidade Nin-Jitsu no Radar, de 98, e eles estão com um visual que parece new wave! Heron Heinz: Os Replicantes botaram música na rádio antes das demais bandas da época porque não tínhamos muita preocupação com qualidade e estética... E os outros caras tinham. Aí é que está a nossa relação com o movimento punk. E fazemos isso até hoje. Leonardo Machado: Estão faltando no rock, hoje em dia, duas coisas básicas: drogas e sexo. Ultimamente, isso não está rolando nas bandas. Rafael Rossatto: Rock não foi feito pra ser bonitinho, puxar saco. Rock é pra se drogar, pra beber, pra fazer fiasco. Rock faz o que quiser! Alexandre Barea: Os Cascavelletes não tinham nenhuma preocupação em agradar alguém. Nem
de contestar. A ideia era se chapar o dia todo e depois roubar extintor de incêndio de prédio, pisar em cima de carros pela madrugada adentro, quebrar vitrines na Oswaldo Aranha, esvaziar o extintor de incêndio dentro da Lancheria do Parque... Não tinha nenhum compromisso político-social. O negócio era ficar avacalhando e destruindo – éramos uns marginais, uns vândalos. Já a nossa música traduzia a mesma ideia. E, pra gente, aquilo é que era cool: era a forma mais do caralho de viver. Era uma idiotice total. Nós consumíamos drogas na rua e não estávamos nem aí se alguém estava olhando ou não! Interpelávamos qualquer um, puxávamos as pessoas pelo braço, na rua, nas viagens... Enchíamos o saco de todo mundo. E também foi um sucesso total, desde o início. E a gente não parou mais de avacalhar. Jupiter Apple: Hoje, eu acho que essa coisa de ser rebelde... Rebelde por quê? Eu escrevi uma série de canções assim nos Cascavelletes, mas porque era exatamente o que eu queria ali... Uma explosão de momento. Como uma existência, um sentimento. Era isso! E os rapazes adoravam: tinham parcerias com o Nei Van Soria, tinham coisas com o Frank Jorge... Carlos Maltz: O artista é um profissional, também. Ele leva o que faz a um nível de excelência. Na verdade, o artista é mais do que isso: além de ser um profissional e ter que sustentar sua família, ele também tem um compromisso diante de Deus. É a essência da arte, da verdadeira arte. Esse papo de bubblegum, besteirol e bobajada é uma covardia diante da vida. Ninguém é obrigado a vender a alma ao diabo pra sustentar a família. Isso é uma ilusão, uma fuga. Mas, como às vezes as pessoas não têm nada pra dizer, elas vêm com essa conversa. É por isso que as coisas estão do jeito que estão no mundo. Humberto Gessinger: Esse negócio de rock’n’roll, música de massa, que mistura grana e jetset, é muito perigoso. O Engenheiros nunca assumiu essa postura. Sempre tivemos nossas opiniões – mas, já de saída, também deixamos claro que estávamos carregando junto as nossas incoerências e dúvidas. Isso é fundamental na coisa da música: sempre fomos autoirônicos. E, quando a banda começou a acontecer, isso subiu um pouco mais de tom. Acredito que continuamos assim. E nunca tivemos um discurso heróico – apesar de nos acusarem um pouco disso. Plato Divorak: Eu queria que a juventude gaúcha fosse mais doidona e freakout, porra louca
mesmo. Eles respeitam muito as tradições e são muito caretas, em sua maioria. Saber que o bizzarro e o psicodelismo são coisas psicológicas, e até imortais, é que é o canal. É tudo muito certinho. Sempre fui um cara meio doidão e taradão, o dia todo. Claro, sempre houve controle de minha parte... Consegui me controlar em algumas vezes. Mas alguns acham que sou apenas um personagem de fim de semana. Humberto Petinelli: Sou de Caxias do Sul. E imaginava que o primeiro passo pra chegar em Nova Iorque fosse chegar em Porto Alegre. Depois, São Paulo, Rio... Egisto: Em Porto Alegre todo mundo é o melhor do mundo. O resto é segundo ou terceiro. Não é questão de ser bom ou ruim. É estar na mídia ou alguém te dizer que tu é bacana. Isso é Porto Alegre. Isso é muito problemático. Trabalho desde 87 nisso, então são muitos anos como músico e produtor... E já vi qua trocentas bandas acabarem. Dessas, quinze eram a bola da vez – e ninguém se lembra delas. Eram as bandas que iam estourar... Cadê essas bandas? Ninguém quer se lembrar. Uma coisa é tu querer ser roqueiro, outra coisa é tu evoluir, ser um músico. Porque o músico toca o que ele quer. Júlio Reny: A RCA levou todas as bandas de Porto Alegre pra fora da garagem com o Rock Grande do Sul. Todos sumiram, era final de ano... E a gente anunciou pra galera que ia acontecer uma festa na minha casa. Mas o clima era de uma depressão terrível, derrota total. Tínhamos ficado de fora dessa história. A gente estava olhando pra um mato alto, no pátio ao lado da casa, quando um amigo meu notou alguma coisa diferente ali no meio. E me chamou pra ver o que era. Na hora em que cheguei perto, quase caí pra trás: era um feitiço! Uma serpente! Na hora, eu entendi tudo... Foi indescritível, uma cena de horror. E eu comecei a ter premonições nessa época. Um anjo me dizia: “o que é do diabo, é do diabo; o que é de Deus, é de Deus”. Então, fui numa mãe de santo. Ela conversou comigo, e largou os búzios. Disse do esquema violento que tinha acontecido pra mim e depois passou um galo na minha volta – um galo. E, quando ela fez isso, o galo morreu. A mãe de santo falou que tinham me aplicado dois feitiços: estavam me pegando pelos dois lados. A jogada era eu morrer... E só não me matei por causa da minha filha. Disse pra mim mesmo quando tive aquele sonho: “o que é deles, vai ser cobrado”. Eu estava superando a minha tragédia pessoal.
Aí, fizemos uma festinha. Nós estávamos duros, e comentamos: “não vai vir ninguém, só dá desgraça nesta casa...” Mas, eis que aparece um louco: era o Miranda, já virado num baita de um trago. E depois vejo os Replicantes chegando. Meu amigo me disse: “bah, eu fico aqui dentro, e tu fica aí fora recebendo a galera”. Quando eu vi, a casa lotou: o festerê foi até as seis da manhã. E eu lá na frente, todo mundo que passava me dava um trago, um cigarro, um charuto. E combinamos de fazer mais festas a partir daí. Humberto Gessinger: O pessoal que está de fora não sabe como é maluco o processo de criação. Como é frágil, abstrato. E falar sobre criação é uma coisa que me irrita muito. É um fluxo de energia meio sem bordas... É muito estranho. Plato Divorak: Sou o típico cara que adora errar calculado. Eu gosto de errar as notas às vezes, em shows. E os músicos ficam me olhando: “pô cara, tu errou aquela parte!” E eu respondo: “foi calculado... fiquem calmos, o pessoal gostou...” Como música é matemática também, tudo pode acontecer num showzinho... Já houve quem reclamasse, mas aí eu já estava com uma gelada na mão e nem sentia a tal pessoa. Gosto de tudo que é torto, desengonçado, feio. Consigo rir até de um ladrilho quebrado, esse tipo de coisa. Coisas quebradas, cães mordendo a própria perna... Eu fico horas e horas rindo. São coisas muito estranhas. Mitch Marini: Consegui entrar na minha primeira banda em Londres graças a um “puta que pariu”. Os caras lá são muito racistas. Eu me indignei e xinguei todo mundo: “ah seus filhos da puta, puta que pariu”. Casualmente, o baterista dessa banda era de Lisboa. Entendeu o filho da puta e achou muito simpático – então eu comecei a tocar com eles. Chegamos a ensaiar numa igreja em que os Kinks ensaiavam, porque o padre alugava peças pros músicos. Carlos Gerbase: Os Replicantes tinham a preocupação: “vamos falar mal do Caetano, do Gil, do Chico, vamos falar mal do capitalismo, do comunismo, capitalismo e socialismo também”. A anarquia, no sentido prático da coisa: de realmente dizer o que se queria naquele momento e com liberdade quase absoluta. Fughetti Luz: Eu estou chapado de música, porque a música vale tudo na minha vida. Ela está na frente de tudo. Viaja mais rápido. A gente está tocando aqui, mas ela pode ser ouvida em qualquer lugar. A música tem um poder de cura, o poder do amor, de levar as pessoas a viajarem pra um
mundo melhor. O homem está com a cabeça numa ruim... Então, eu espero que a música leve a cura e o amor pra todo esse universo. A música é a mãe das artes. Rafael Rossatto: Eu vivo plagiando e não acho isso ruim. Pelo menos eu plagio o que eu gosto. Carlinhos Carneiro: Na verdade, todas as músicas da Bidê ou Balde são cópias de outras coisas. Todo mundo deveria admitir isso – é comum, é o plagiofilismo. A gente faz sexo com plágio o tempo inteiro. Luís Wagner: A turma gaúcha não mistura as coisas. O pessoal que faz rock, faz só rock. Ele não funde, é difícil. Por exemplo: com a falange negra, que é rítmica pra caramba, ninguém funde. Não consigo entender isso. Humberto Gessinger: A música está se especializando muito: está ficando que nem medicina. O cara que entende de dedo da mão esquerda, não entende da mão direita... A grande sorte da minha geração foi ter sido a última a pegar o período pré TV a cabo. Agora as gavetas já estão assim, separadas. Isso tem o lado positivo, pelo discurso andar direto na direção do pessoal que te ouve. Mas tem um lado negativo: o teu suprimento de oxigênio é um pouco menor do que deveria ser. O inusitado acaba se perdendo um pouco. Claudinho Pereira: Dos anos 80 pra cá, o rock passou a ser cultura. Não contesta mais porra nenhuma! O hip-hop contesta muito mais que o rock. Katia Suman: O rock é uma coisa louca, porque meio que se banalizou. Se um dia empunhar uma guitarra foi uma contestação contra um modo de vida, hoje é uma coisa totalmente adaptada ao universo familiar. Não há nada de transgressor, e isso é um fato. Bebeto Alves:: Estou cagando e andando pro rock, porque eu o uso, mas ele não determina nada pra mim. O que determina é a música, o que tu quer dizer, a atitude. Hoje a MPG supera o rock em atitude, em rebeldia, em estar outsider e se mantendo. Humberto Gessinger: Nosso ofício é muito pequeno, insignificante. Não é operar cego, mandar foguetes pra lua... O problema é que, desde os anos sessenta, houve um inchamento da função do músico popular. Principalmente no Brasil, onde a música cumpre a função de biblioteca. Com a ditadura, ninguém falava, então os músicos ficavam lá... Esta deformação fez com que se tenha muito
artista melhor de entrevista do que de som. Tu tem que gritar, que se apaixonar... E os caras ficam sacralizando. É por isso que, às vezes, eu vejo uns caras falando e me dá um arrepio. A retórica é pra quem escreve livro, artista não tem que ser articulado... Gaby Benedyct: Muitas vezes essa história de trabalhar pelos outros, fazer projetos, acreditar em histórias de arte acaba sendo meio ingrata. Porque, bem ou mal, se tu fica muito tempo dentro desse negócio vai ter gente que irá te adorar, e outros que irão te odiar, sem nem mesmo te conhecer. Jupiter Apple: Eu troquei um olhar conspirador com o Sean Lennon, um olhar bonito. Porque eu tinha a nítida impressão de que ele queria reviver Beatles, não sei por quê. E isso é importante pra mim. Mas as minhas paixões hoje são outras, além do rock. Eu não me vejo mais como o roqueiro, e isso também não é um pular fora. Mas não sou fissurado por aquela Fender pendurada, a minha calça justa e a minha botinha... Isso não me interessa. O rock não chegou a ser tudo pra mim um dia: era alguma coisa que eu encontrava pra me preencher. Hoje existem novos interesses. Cida Pimentel: Eu nunca toquei nenhum instrumento. Um cara dizia que mulher tem duas funções no rock: uma é dar pros músicos, a outra é carregar equipamento. Rock é uma coisa pra tocar de pau duro. Mulher em banda ou é muito boa, e carrega o namorado mala que é musico, ou é uma merda, carregada pelo guitarrista que é ótimo. Yang Zam: O rock’n’roll combina com o tipo de postura juvenil. A garotada que está começando agora deve pensar algo semelhante a isso. “Vamos aproveitar tudo o que dá, porque agora a gente está no momento”. Então a vivência de uma banda de rock’n’roll na estrada é muito essa. Sexo, drogas e rock’n’roll – e muito álcool. Nenung: Na hora em que tu sobe no palco, tu passa a ser uma referência pras outras pessoas, queira ou não queira. E na hora em que tu se despreocupa com o resultado das tuas atitudes, pode gerar um problema. Pode estar dando uma abertura pra atitudes que, na verdade, não têm nenhum sentido positivo além da tua auto-satisfação. Sem nenhuma consciência ou preocupação com os outros. Zé do Trompete: O coração está sempre acima da razão. A razão coordena, mas se o cara só tem a razão, não tem o sentimento... Não adianta. Tu pode ser músico, conceituado. Mas tudo é coração.
Fughetti Luz: Eu montei banda pros outros do início dos anos 80 pra cá. Porque não queria e não quero mais essa coisa pra mim. Eu já estava liberto disso desde aquela época: banda é cabide, fica um pendurado no outro. Quando é Rolling Stones até dá certo, porque desde criança eles estão juntos. Mas se tu perde uma pessoa já não é mais banda: se dá outro nome. Carlos Gerbase: Os dois primeiros discos dos Replicantes tiveram uma série de cortes, com muito orgulho. E nós nos lixando pra qual era o juízo ideológico ou estético das pessoas. Se saíssemos naquele momento, no início da banda, dizendo: “ah, temos um problema com ‘Adúltera’, vamos tirar do disco”, ou então: “vamos pegar essa letra e fazer outra coisa”... Ou: “vamos dizer que o Caetano é um cara legal”, como? No palco eu quebrava o disco do Caetano, do Chico... Levava os discos e o público já esperava o momento de quebrar. Depois, chegamos à conclusão de que isso era perigoso, porque as lascas dos discos ficam afiadas. Então, tu quebrar o disco e jogar pro público era que nem dar uma arma pra eles. Isso era em 85 e 86 – quando tinha os punks que se diziam de verdade. Os primeiros discos que eu quebrei foram Simone, Chico Buarque... Quebrei um monte de porcarias que eu tinha em casa – o que significa que eu comprei esses discos antes... A gente muda. Frank Jorge: A capa do segundo disco do Premeditando o Breque, o Quase Lindo, era uma porta de carro. Eles vieram fazer um show no Salão de Atos da Reitoria da UFRGS. Quando estávamos indo pra lá assistir os caras, fantasiados, encontramos uma porta de carro no caminho, que incorporamos ao nosso visual! Nós sempre pirateávamos esses shows com um gravadorzinho. Humberto Gessinger: Não tem nenhuma frase de letras de músicas que eu me arrependa de ter dito. É o astral da música que faz com que eu fique muito tempo sem tocar uma ou outra. Flavio Basso: Eu era um garoto muito novo quando o TNT começou, sem certas noções – e acho que a melhor coisa era exatamente isso. Mas eu tinha certeza de uma coisa: não seria tão fácil – nosso objetivo principal era ser maior do que os Beatles. Eu tinha toda a coleção deles, pesquisava. Era a banda que eu mais gostava quando garoto: eles e os Stones. E eu queria que os outros rapazes, o Charles, e depois o Nei, tocassem comigo – mas, seria mais legal se eles tivessem aquela franjinha beatle. Isso pesava mais, quando se tinha quinze anos. Mas, de repente, teve aquele baterista fantástico, o Felipe Jotz, que era o melhor de nós todos – em dois anos, ele desenvolveu uma técnica
fantástica –, mas não tinha aquela franjinha! Na época, isso era importante. Depois, por 1995, vieram os Oasis e os irmãos Gallagher, uma tremenda aparição em termos de produto... Acho que o TNT foi bem mais radical: não vinha da Inglaterra; não tinha os seus vinte oito anos – nós éramos garotos. Acho que houve meio que uma antecipação estética com quinze anos. Humberto Gessinger: Tem muita gente falando que começou a tocar baixo por minha causa, e isso me deixa triste... Tenho medo que, daqui a pouco, tudo comece a ficar aceitável: tu já está há tempo na estrada e acaba virando uma banda cover de si mesmo. E o que eu acho legal é o enfrentamento. Frank Franklin: Banda cover é uma série de coisas. É uma escola de música, um refúgio para quem gosta de tocar e não quer compor... São caras que, no fundo, têm vergonha de compor ou precisam ganhar uma grana. Rafael Rossatto: Banda cover não é rock. É lixo. Daniel Fontoura: Uma rádio estava fazendo um programa especial sobre as bandas gaúchas. E resolvi ligar pra menina da rádio pra perguntar se ela não ia falar das bandas cover, da Dama da Noite... Ela respondeu: “as bandas que fazem cover são decadentes”. Mutuca: O cara não tem que dizer que toca cover... O que o cara está tocando é música! Qual é o problema? O único problema é saber se tu toca bem ou mal. Flávio Santos: Têm uns caras legais que usam as bandas cover pra aprender a tocar, pegar pique de palco, experiência pra botar suas músicas pra fora... Mas tem outras bandas que são cover de carteirinha – o que significa a mesma coisa que trabalhar em banco. Isso é uma merda, porque é uma punhetagem cultural: as pessoas vão se enganando... Tu sai de noite, vê uma banda cover e vai pra casa. Aconteceu alguma coisa contigo depois disso? Não, nada... Então devia ter ficado em casa escutando o disco! Carlos Eduardo Miranda: Cada um na sua. O problema não é a banda de cover, até porque a banda de cover é um bom laboratório pros caras aprenderem a tocar: aprender a tocar música pop, saber compor uma canção legal... Não vejo mal nisso. O mal está na burrice do neguinho em ficar fazendo só isso, e não fazer mais nada. Mas não dá pra julgar.
Chico Padilha: Tocar música dos outros foi resultado do pouco espaço que tínhamos nas rádios, em 92. Passado o boom das bandas gaúchas e nacionais, o espaço nas emissoras ficou reduzido. Já não era fácil antes, mas tu tinha um espaço... Depois, encurtou de vez – de uma forma que ficou meio assim: “quem entrou, entrou; quem não entrou, não toca mais”. Lucio Dorfman: A vantagem do cover é que ele possibilita não ter um emprego fixo, mas sim uma grana contínua que te permite realizar outros projetos. Tonho Crocco: Sempre vão ter bandas cover. Pessoas que cantam músicas dos outros nunca vão deixar de existir. Às vezes o mercado está em baixa, a atenção está muito voltada pra outro tipo de artista... No caso do Rio Grande do Sul, teve todo esse momento de música dos anos 60, 70 e 80. E é claro que isso não parou nos anos 90: sempre existiram bandas com trabalho próprio. Mas às vezes tu não vê, elas não acontecem... Sempre vão existir esses altos e baixos. Daniel Fontoura: As bandas cover foram importantes pra formar a infraestrutura dos bares do interior em geral – onde, antigamente, tu era chamado de estrela se pedisse uma iluminação decente. O pensamento dos caras era: “vai do jeito que for!” Isso permitiu que outros espetáculos fossem levados pra essas cidades. King Jim: Eu trato esse estilo de uma maneira totalmente livre. O cover pra mim é uma escola... É uma baita escola. É fundamental pra tua formação de músico saber tocar de tudo. O baile é uma tremenda escola pra versões, novas interpretações... Quem não experimentou um baile não sabe a manha. Zé do Trompete: Quando bate a hora de tocar... Acordo de madrugada, saio com o trompete debaixo do braço... É uma coisa mágica. Nem eu entendo. Já arrombei porta pra tocar: pintou uma galera de músicos e fomos pro estúdio de noite. Chegamos lá e ninguém tinha a chave. Pedalamos a porta do estúdio – só pra tocar. Ficamos uns três dias tocando, uma loucura. Já fiquei quinze dias tocando sem parar na minha casa, no Lami. Sozinho, só pirando, tocando. Enchia as prateleirinhas com negócios de comer – e só tocando. Sempre, vinte e quatro horas. Trompete e sax. Jazz, rock e fusion.
Eu nunca fui muito aceito nas escolas de música que existem por aí. As escolas certinhas. Não gosto de partitura. Sei tocar com partitura, ensino, mas não gosto. Gaby Benedyct: Eu poderia estar ganhando um salário muito melhor, mas não estou... Porque fiquei dez, quinze anos da minha vida investindo em cultura. Chegava pra minha mãe e prometia: “mãe, só mais cinco anos e depois eu faço um concurso público...” A verdade é que aconteceu muita coisa afudê, mas as pessoas tendem a olhar e dizer: “bah, tu é uma incompetente, porque tu não ganha um bom salário”. Às vezes, quando estou meio no desespero, eu penso assim: “bah, que merda!” Mas não vou negar minha raça: eu faria tudo de novo.
HIPPIE, PUNK, RAJNEESH Branca: Eu só tinha uma roupa: minha jaqueta de couro e minhas botas de bico fino, que usava inverno e verão. Era uma loucura. Tu bebia até cair... E aí é que vinha a chapação! Tu não bebia pra curtir o gosto do trago – tu bebia pra ficar chapadão, mesmo. Tu era maldito. O point era o Lola, na Oswaldo Aranha. Mas, como eu era punk, também saía pra dar porrada nos caras do Cacimba’s. Edu K: Eu andava de maiô na rua. E, às vezes, vinha a polícia, ou parava um caminhão, e descia um monte de caras sedentos dizendo: “vem cá, minha puta!” Até minha mãe queria me bater! Gaby Benedyct: Os metaleiros continuam no mesmo astral e modelito até hoje, desde os anos 80. Os psychos também... Tudo está aí até hoje. Quem era psicodélico ontem continua sendo psicodélico hoje, só que de outro jeito. Polaca: Vestia coisas rasgadas direto. Minha mãe tinha várias saias e outras peças de roupa comidas pelos ratos... Umas coisas lindas, afudê! Tu tinha que transformar muita roupa pra vestir depois. Não dava pra gastar com isso: eu tinha que me sustentar. E os punks da minha época, com quem eu andava, eram bem legais. Era uma turma grande, a gente fazia várias paradas bacanas. O mais afudê daquilo tudo era a atitude de política punk. Egisto: Eu usava vestido nos shows, mas era uma atitude feminista... Não tinham bandas com mulheres no final dos anos 80, com exceção da Biba no De Falla. E andar vestido assim chocava os caras. Cida Pimentel: Meu pai não queria me dar uma calça furada de jeito nenhum: “imagina, comprar lixo!” Então, pra resolver o caso, fui até a loja onde tinha essa calça e disse que queria trabalhar ali... Imagina, eu era uma burguesinha de merda! Tinha babá e motorista. Trabalhei um mês pra comprar a minha calça Levi’s. Edu K: Eu botava peruca, biquíni... E ainda era magro, porque não comia nada. Teve uma época em que eu estava morando na Protásio Alves, junto com o Ratão da Justa Causa
e o Kenny, um amigo nosso, e não tinha rango nenhum. Então nós pegávamos um chiclé, que era a única coisa disponível pra comer, e íamos caminhar na frente do Donirella, um restaurante da zona. A gente ficava sentindo o cheiro da comida e mascando chiclé – e isso era nosso almoço. Mutuca: Foi usando brim Coringa que eu me senti adulto. Botando calça de brim e alpargatas Sete Vidas! César: Eu odeio hippies. E agora só têm hippies de butique: chinelinho e chapeuzinho de couro... Isso é ridículo. E as minas usam sutiã, são perfumadas, se depilam... Não que eu goste de pernas cabeludas – pelo contrário, tenho horror – mas é uma falta de identidade! Coletividade é coisa de veado, tipo: “não vamos tomar banho, vamos criar uma comunidade de chatos nos pentelhos”. Em Porto Alegre esse negócio de movimento hippie é o mesmo que o movimento hip hop: não existe. Nei Van Soria: Nos anos oitenta estava pegando uma onda rock glitter: cabelos enfeitados, maquiagem, roupas... Cada um tinha seu estilo. Nos Cascavelletes, ríamos de nós mesmos, um lance meio Village People. O Flavio, numa época, se vestia num modelito de homem-bala: uma calça boca de sino com umas estrelas na ponta e uma camisa curta, preta. Então era só colocar um capacete nele e botá-lo dentro de um canhão, típico homem-bala. Eu usava umas roupas meio cowboy, e o Barea se vestia como um metaleiro. Polaca: Na viagem pra Imbu, quando os Replicantes foram pra São Paulo, li na manchete do avião que um punk tinha matado não sei quem. E eu só tinha roupa rasgadinha, cabelo curto pra cima... Me deu um medinho também. De repente tu não tem nada a ver com a história, tá ali de punk e acaba entrando num bolo de graça – e pior é que eu só tinha aquelas roupas. Minha bagagem era um pouco maior do que a maletinha da Barbie! Frank Jorge: O Carlo Pianta era uma diversão à parte: ele usava uns colãs nas fotos, nos shows... E ele é cabeludo, então ficava aquela barriga peluda pra fora...
BRINQUEDINHOS BARULHENTOS Luís Wagner: Fiquei impressionado, apaixonado, enlouquecido, quando vi uma guitarra pela primeira vez. Era um sonho... Aquilo liga na luz e faz um barulho que é uma beleza! Zé Flávio: Eu dormia com a foto de uma Fender do meu lado. Meu sonho era ter uma Fender. Estavam começando a tocar as bandas de rock de garagem: só ouvia Led Zeppelin, Hendrix, Santana... Mutuca: Ficou mais fácil de conseguir instrumentos a partir dos anos 70. Na realidade, se arranjava guitarra contrabandeada: todo mundo no Brasil tinha instrumento de contrabando. Santiago Neto: O primeiro instrumento importado que eu vi foi a Gibson do Chaminé. Leo Henkin: Fiquei impressionado quando vi uma Fender importada pela primeira vez – um modelo Telecaster. E um amplificador Ampeg, também! Sidito, el Magnífico: Um amigo comprou uma Fender quando começaram as primeiras ondas de importações. E ele raspou a marca, o nome, do braço da guitarra: tinha medo de levar um atraque de um fiscal e que o cara levasse o instrumento dele! Luís Wagner: Era aquela coisa da guitarra, mesmo: levanta o volume, aí você fica louco! E comecei a enlouquecer quando descobri... E não dava pra levantar o volume, porque os velhinhos iam brigar contigo. E a gente queria descobrir, fazer mil sons... O aparelho, a caixa de som, saía do lugar de tanto volume – não aguentava! Começava lá atrás e, daqui a pouquinho, já vinha e ficava encostado na perna! Marcelo Birck: Se um neguinho aparecesse com uma palheta Fender, era um talismã! Solon Fishbone: Naquela época, se tu visse um instrumento estrangeiro, uma guitarra Fender, tu ajoelhava na frente.
Ivo Eduardo: Fiz um curso profissionalizante de eletrônica no colégio, depois cursei Engenharia Eletrônica na UFRGS... Então comecei a construir pedais de efeito pra guitarra. A notícia se espalhou: também comecei a consertar equipamentos e, logo, passei a ter uma clientela bem variada. Quando conheci o grupo Cheiro de Vida, aproveitamos a curiosidade do André e do Carlos Martau pra inventar todo tipo de ligação de captadores, na busca de novas sonoridades. Edu K: Às vezes, eu olhava na TV o Jimi Hendrix tocando e não entendia direito o que estava acontecendo, porque não tinha experiência ainda. E daí eu ficava sozinho na garagem, chapado, tocando. Foi quando apareceu o fantasma do Jimi Hendrix, e disse pra mim: “é assim que se faz...” E aí comecei a entender. Frank Jorge: Comprei uma guitarra que meu professor tinha pra vender: uma Giannini Supersonic. E o Zé Natálio comprou o baixo, um Giannini 04 cor de vinho, que milhões de baixistas teriam semelhantes depois... Não tínhamos grandes pretensões: só lazer e diversão. Mariana Kircher: Fomos ao programa Estúdio B, da antiga rádio Felusp e que hoje é a Pop Rock, onde as bandas tocavam ao vivo por uma hora. E tínhamos que levar nossos instrumentos. Algumas horas antes, fomos ensaiar num estúdio que tinha dentro do Garagem Hermética. No meio do ensaio, fomos interrompidos por dois policiais e um barbeiro, que trabalhava no térreo do prédio do bar. Eles levaram meu contrabaixo, um semiacústico antigo Rickenbaker, que tinha comprado num brique... Disseram que era roubado. Tive que ir pra delegacia e veio o dono do brique onde eu tinha comprado. Ficamos horas explicando o que tinha acontecido... O instrumento era roubado mesmo, mas eu não tinha nada que ver com aquilo. Só que ele acabou ficando na delegacia. Saímos atrás de outro baixo pra poder tocar no programa. E já estávamos super atrasados, até que a Bia Werther conseguiu um outro substituto... Chegamos na Felusp no correrio e a apresentação foi terrível: uma merda. Brigamos no ar, não conseguimos equalizar o som... Mas acabei recuperando meu Rickenbaker, e o troquei por um teclado Arbon – que comecei a tocar com outra banda: a Cellophanes. Humberto Gessinger: Têm dois tipos de guitarrista: o que compra uma Fender, uma Les Paul, uma semiacústica e um violão; e o que compra sete Fenders. Eu sou mais destes, que se limitam a
procurar a pequena diferença na mesma coisa. Márcio Petracco: Meu pai não sabia que eu tinha um baixo, no tempo em que comecei no TNT. Se eu passasse com aquele troço na frente dele, ia cortar meus naipes. Então, eu jogava o baixo por cima do muro, pro pátio da vizinha, passava na frente dele e dizia: “aí pai, até mais!” E ia tocar com os caras, depois de catar o baixo na vizinha. Já a minha mãe, na visão dela, achava que aquilo que eu tocava era uma guitarra... Carlos Gerbase: O Heron tinha um violão, que ele não tocava nunca, e o Cláudio nunca tocou coisa nenhuma. Quando resolvemos fazer os Replicantes, decidimos experimentar. Sem nenhum planejamento de que aquilo um dia fosse virar alguma coisa séria. E fomos atrás dos instrumentos, já que tocar sem instrumentos é meio difícil. Eu comprei uma bateria. Na verdade, eu meio que comprei, porque primeiro pedi emprestado... Depois é que acabei comprando uma bateria Pinguim, do Plínio, irmão do Giba Assis Brasil – eu fazia cinema com ele na época. Depois, junto com o Cláudio e o Heron, fui na loja Mil Sons, se não me engano. E compramos a guitarra e o baixo mais baratos – da marca Rei. Os dois realmente não sabiam a diferença entre guitarra e baixo, não sabiam que baixo tinha quatro e guitarra seis cordas... Decidiram ali o que cada um tocaria. Também compramos o amplificador mais barato e fomos tocar. Na verdade, bater nos instrumentos. Fizemos “Nicotina”, que foi a primeira música. Depois, “Por Que Não”. Márcio Petracco: A gente estava tocando um rock, mas o Flávio Basso não sabia o que faltava no som – apesar dele já ter uma manha violenta. Aí, quando toquei o baixo direitinho, ele parou e disse: “bah, véio! Isso fica que nem nos discos! Então o baixo é isso, são aquelas notas gordas que o cara ouve!” Ele não sabia o que era o baixo. Flavio Basso: Sempre fui mais poético, cinematográfico... No início das bandas, do TNT, vivíamos um período de descobertas, éramos um teenage group... E fui o último a ficar mais ligado nos instrumentos. Mas eu sabia que havia alguma guitarra estranha nos discos – e era o baixo. Então, quando o Márcio Petracco apareceu no ensaio do TNT, e tocou um contrabaixo de rockabilly, eu disse: “uau! Soa como nos discos!” Humberto Petinelli: Eu não tinha um parâmetro. Nunca tinha visto alguém tocar um rock na guitarra... Não sabia como era a relação do manuseio do instrumento com o som que eu ouvia. De
repente, eu ouvia no disco um som, mas não tinha uma noção de como os dedos estavam se mexendo no instrumento pra sair aquilo. Rafael Malenotti: Uma das coisas mais afudê das primeiras viagens dos Acústicos & Valvulados era levar o contrabaixo acústico de casa pro palco. Ele simplesmente andou em todos os carros possíveis! O Roberto, que é o baixista, tinha um fusca branco que ele chamava de Egg. Não tinha o banco do lado, era tipo taxista... E o baixo ia ali, sempre do lado. Carlos Eduardo Miranda: Eu não sou instrumentista. Eu toco qualquer instrumento mal. Mesmo que eu não saiba como é que são as notas daquele instrumento ali, eu dou um jeito de fazer música. Eu sou um não-músico, não-instrumentista. Tive uma carteira de músico falsa. Pra todo mundo que pedia a OMB, eu dizia uns números falsos. E nunca deu merda. Ah, se fuder que eu vou ficar fazendo esses negócios! Marcelo Birck: Não interessava como a gente ia tocar. Se era numa guitarra ou num amplificador importado... Se o treco soasse, a gente tocava. Na época da explosão do rock brasileiro, começamos a perceber que essa ideia de “se não for num amplificador Marshall ou numa guitarra Gibson, eu não toco” era babaca. As pessoas estavam mal começando e essa ideia já existia... Luís Henrique Tchê Gomes: Na minha adolescência, me diziam que eu ia ser despejado de casa por tocar guitarra. Mas isso, no final das contas, me proporcionou a maior segurança, a que tenho hoje. Porque ainda há muita a coisa a ser feita, e são pessoas como qualquer uma de nós que estão tocando por aí, também. Então, vou deixar de fazer? Eu valorizo isso pra caralho. Márcio Petracco: O Ivan Muller ganhou o primeiro baixo dele de Natal – e, no dia seguinte, levou pra galera ver. Como não sabiam afinar o baixo, fizeram igual à guitarra. Mas arrebentou uma corda. E o cara foi embora chorando, do tipo: “meus pais me deram esse baixo ontem e ele já estragou...” O cara não sabia nem que tinha corda pra vender. Graças a esse episódio, eu, que sabia afinar baixo, afinei. E daí fomos tocar rock de três acordes. Justino Vasconcelos: Apareceu uma barbada, de uns músicos muito grossos de São Paulo. Os caras tinham aqueles Marshalls porrada mesmo, tipo geladeira! Passavam da nossa cabeça. Eles não tinham noção, queriam vender de barbada. A gente enlouqueceu: “ah, Marshall, já ouvi falar...”,
respondíamos, que era pra não ficar na cara que o negócio valia a pena pra nós. Mas o King Jim ficou de cara com isso, porque ele sempre achava que a gente tocava alto demais – e a gente tocava, mesmo. Ele disse: “então eu também vou comprar um amplificador desses, porque vocês fazem som alto e eu fico só no sax...” Acontece que o Marshall fez fama com a guitarra, guitarra elétrica, que ligada no plug dá toda aquela microfonia! E era impossível imaginar o King tocando sax com um Marshall gigante atrás do microfone dele... O sax não pode estar num ampli desses! Moral da história: como ia ser impossível um sax tocar num Marshall daquele tamanho – e o King Jim não tirou essa história da cabeça, até o fim –, acabou que ninguém comprou amplificador nenhum. Astronauta Pinguim: Conversei com um cara – um cidadão carequinha – numa loja de instrumentos em que eu trabalhava, em Novo Hamburgo, e vi que ele era das antigas. Conversa vai, conversa vem, e ele falou que tinha uma guitarra que tinha sido do Sérgio Dias... Uma guitarra fabricada pelo irmão do Sérgio, o Cláudio! E se tem algum gênio envolvido com os Mutantes, é ele! Pedi pra ver a guitarra. Quando ele chegou com aquilo na loja, eu coloquei os olhos e vi: “é a mesma guitarra da capa da Tropicália!” Uma Regvlvs, modelo Raphael. Fiz uma proposta pro cara: “pô, eu te dou o ampli que tu precisa, com as duas caixas, por essa guitarra”. E o cara: “não, a guitarra vale muito mais do que isso!” Um ano e meio depois, eu ainda pensava: “pô, eu tenho que ter esse instrumento!” E, no final de exatos um ano e oito meses, o dono da guitarra voltou na loja onde eu trabalhava... “Ó, cara: resolvi fazer negócio. Estou precisando muito do ampli, e é um troço muito caro...” O Cláudio fez umas trinta guitarras, todas pro Sérgio Dias – e ele detonou quase todas. Sobraram uma em Curitiba, outra em Ribeirão Preto e uma ficou com o próprio Sérgio... Além da minha. Ilton Carangacci: O estúdio da Polygram se revezava em três turnos. Os Eles gravavam das nove da noite às três da madrugada. No horário seguinte, era o Tom Jobim... Num desses turnos, estava dando uma banda pelo estúdio quando vi um piano gigante, e comecei a tocar. Mas eu não toco piano. Encontrei com o Tom Jobim por acaso no outro dia, quando fui falar com o Marcelo Castelo Branco no estúdio. Como era perto do meio-dia, fomos nós três almoçar. Já estávamos saindo dali na hora em que o Tom comentou: “Marcelo, quem é que está gravando antes de mim?” Aí o Marcelo sentiu: “por quê, Tom?” E ele: “porque um filho da puta tocou no meu piano. Eu fui tocar agora de manhã e ele não
estava legal!”
SIMPLESMENTE FÃ Claudio Vera Cruz: Fui até o camarim do Deep Purple quando terminou o show deles em Porto Alegre, em agosto de 91. Depois de rápidas considerações a respeito do show, procurei um papel qualquer pra que o tecladista dos caras, o John Lord, pudesse me deixar seu autógrafo. Procurei pelos bolsos e a única coisa que encontrei foi meu talão de cheques. Só havia uma última folha no talão... É é claro que resolvi usá-la. O Lord acabou assinando o cheque como se fosse eu, no lugar certo – mas não sem antes me perguntar se o cheque tinha fundos! Carlos Gerbase: Eu passei a me jogar no público quase que invariavelmente, durante os shows dos Replicantes. Mas uma coisa é tu te jogar em cima dos caras, eles te pegarem, tu descer e depois voltar... Outra foi o que aconteceu em Goiânia. A gente não sabia bem como era o público. Mas, já na hora de passar o som, notamos que todo mundo conhecia a banda. E era um espaço muito compacto, com umas quatrocentas pessoas dentro. Então, fui fazer o mosh de sempre: pular, botar os pés no chão e depois voltar pro palco. E era bem na hora do solo do “Surfista Calhorda”. Só que o público estava muito compacto, e todos muito loucos! Pulei e fiquei em cima deles... E os caras foram me levando: eu fui até o fundo do bar, uns vinte metros! Estava mais ou menos no meio do solo quando comecei a gritar pros caras: “volta, volta!” E não toquei no chão: quando cheguei na beira do palco – e eles não sabiam como me colocar lá em cima –, soltei os braços e caí do lado do microfone. Me levantei, e era o momento exato pra voltar a cantar a música... Uma sincronicidade digna de Pink Floyd: levantei e peguei o microfone exatamente no momento. Heron Heinz: O público jovem é o grande forte dos Replicantes. A gente fez um show em Dois Irmãos com um público de 15, 16 anos, uma galera que não tinha nem nascido quando gravamos nosso primeiro compacto. Frank Jorge: Um cara que vivia no supermercado do meu bairro chegou pra mim e disse: “escuta, tu não faria um show na formatura da minha turma?” Ele estava se formando em engenharia química na PUC e queria que a Graforreia tocasse. O cara foi se empolgando... Daí fomos conversando e combinamos. Foi no salão do Petrópole.
Ele era fã da banda – mas isso não queria dizer que os outros formandos também fossem... Daí o show foi clássico: a gente fez aquele repertório mesclando Graforreia, Ramones, Roberto Carlos, Beatles... Fizemos o primeiro bloco e não sei se chegamos a fazer o segundo. Só lembro que veio um sujeito da outra turma nos pedindo pra tocar Lulu Santos, Barão, se a gente não podia tocar que nem outra banda cover... O nosso fã já estava constrangidíssimo, de cara, quase chorando. Quer dizer, morrendo abraçado com a gente, na ideia do nosso show! Rafael Malenotti: Se chega uma fã chorando no camarim, dependendo de como ela demonstra isso, eu aproveito e já me abraço e choro junto... Eu me emociono porque já fui fã de muita gente. Então fico pensando em todas as vezes que eu saí e busquei falar com as pessoas que admirava. Humberto Gessinger: Existe um cara que é super parecido comigo: tem uma banda cover, com instrumento igual, usa as mesmas roupas que eu... E numa dessas, esse sujeito chegou antes de mim na Globo. Fomos participar de um programa do Chitãozinho e Xororó. O cara armou o maior escarcéu no meu lugar. Disse que tinha que mudar o camarim, fazer não sei o quê, mandou pedir fruta... Quando chegamos, todo mundo estava meio de cara com a gente. Daí que descobrimos esse moleque de São Paulo. Eu até achava legal, mas depois dessa... O pessoal já conhece: sabem que tem um Doisberto na parada. Carlos Maltz: Recebia muitas fitas de pessoas querendo ser músicos quando estava no Engenheiros. A cada fim-de-semana, eu voltava pra casa com um saco de supermercado cheio de fitas cassete. Mas eu não tinha condições de ouvir tudo aquilo: primeiro, porque era muita quantidade; depois, porque a maioria das coisas era de uma qualidade muito ruim mesmo. As pessoas me ligavam pra saber se eu tinha escutado aquelas gravações – muitas vezes era a mãe da pessoa que tinha me entregado a fita –, e eu respondia que não. Tentava explicar pra aquelas mães que, se o garoto quisesse ser músico, ele tinha que começar pensando que não era um deles! Aí elas me perguntavam: “mas e você, não é músico?” Eu respondia que não, de novo... Falava que, no fundo, não queria ser músico de verdade. Eu acabei sendo... Humberto Gessinger: O fã que nos acompanha de perto está ligado e é parceiro. Por causa disso, se ele vê os caras batendo nos Engenheiros, ele fica ainda mais fã.
Foi o que aconteceu levianamente tempos atrás em um programa de TV. Passou uma matéria sobre artistas que mantêm pactos com o diabo. Eram a Xuxa, nós e o Roberto Carlos! Acontece que o vinil do O Papa é Pop tem um lance gravado ao contrário que, se tu for ouvir, brinca com essa coisa de alguma poesia gravada ao contrário. Aparece assim: “o que tu está procurando aí?” O padre que estava lá no programa ouviu aquilo e começou: “está provado que é satânico...” Não pela mensagem, mas pelo fato de ter uma coisa gravada ao contrário! Era algo anedótico, mas é mais ou menos isso o que acontece no nível mais alto da crítica levada a sério. O cara que é teu fã vê aquela bobagem toda e pensa: “pelo amor de Deus, estão sacaneando os caras!” João Vicenti: O Nenhum de Nós já está na fase em que as fãs vêm e pedem: “tio, me dá um autógrafo!”
UM LUGAR DO CARALHO Júlio Leite: O Bar João existe desde 1946 na Oswaldo Aranha, mais ou menos. E eu o comprei do primeiro dono mesmo, o próprio seu João, em 1979. O ponto original, que tinha dois andares, ficava algumas casas ao lado de onde o bar está agora, um espaço que eu inaugurei em 1992. Mas desde aquela época as mesas de sinuca já estavam por aqui. O Bar João, pra mim, é uma espécie de clube, como aqueles que conheci no interior. É mais do que um bar. Aqui sempre houve uma troca de sentimentos... Não é aquele lance distante e frio de conhecer no máximo quem te atende. As pessoas vêm, continuam vindo, e no dia-a-dia acabam conhecendo várias e várias cabeças. Cida Pimentel: A Independência com a Ramiro Barcelos se chamava A quadra, porque era o lugar mais moderno da cidade. Era uma elite de grana: todos guris, de dezoito anos, que tinham ido pra Londres, tinham calça Lee, iam pra Índia... As butiques mais legais de roupas ficavam na quadra. Tinha uma loja de discos na Independência que se chamava Flying Saucer, que só vendia disco importado. Márcio Petracco: E a Lixos era uma loja que só vendia coisas do Vietnã. Jaqueta manchada de sangue... Um tio meu comprou uma jaqueta dessas na Lixos – e a família execrou ele. Carlos Eduardo Miranda: A baia do Júlio Reny, na Santana, era muito clássica. Ali, rolavam uns fantasmas. Eu me cagava de medo de ir lá. A casa era meio estranha... Júlio Reny: Era uma meia-dúzia de amigos da Cidade Baixa que iam na minha casa da Santana... A gente tocava até mesmo de noite. E nunca nos incomodamos por causa do barulho. Edu K: Na casa do Júlio Reny tinha uma sala onde ficava o pessoal – e a garagem. Todo mundo tocava: era uma chance de todo mundo tocar com todo mundo. Eu olhei a banda do Júlio Reny tocando... E disse: “cara, não quero nem saber. Eu vou tocar nessa banda”. Eu me convidei e me infiltrei na banda. Me chapava, e ia pra garagem tocar guitarra.
Fiapo Barth: Acho que, de todos daquela minha turma do início dos anos 80, eu era o que tinha maior envolvimento com a noite dançante. E a gente estava frequentando um bar ali na Oswaldo Aranha, defronte ao Instituto de Educação, chamado Rotação. Íamos sempre lá. Tinha umas lâmpadas fluorescentes... Um formato que tinha tudo pra ser uma casa de shows. Sempre ia um monte de gente. Era uma bar muito mais liberal do que os bares do Bom Fim de hoje, principalmente porque os donos do local eram um casal de mais idade – e estavam vindo de uma experiência de um bar gay na rua Santo Antônio. Não sei se era inicialmente um bar desse tipo, mas a verdade é que eles tinham um comportamento de liberalidade diferente dos demais bares da avenida. Toleravam todo o tipo de comportamento porque já estavam acostumados. E eu e mais dois amigos tivemos a ideia de abrir um bar onde houvesse eventos, onde as pessoas pudessem contar cronologias das suas memórias da noite... O bar tinha que ser no Bom Fim. No princípio, pensamos em comprar o ponto onde era o Rotação – mas eles não estavam dispostos a passá-lo adiante. Também vimos outro na Barros Cassal, muito interessante. Mas, da mesma maneira, o cara não quis alugar pra ser um bar. Já estávamos quase desistindo de procurar algum local no Bom Fim – e a essa altura já éramos seis sócios – quando vimos o imóvel onde hoje é o Ocidente. Mas ele estava em ruínas: não tinha telhado, metade do piso de madeira estava caindo... A casa estava pra ser desmanchada. Só tinha reboco por fora. Os tijolos e o reboco por dentro eram de barro: quando começava a chover pra dentro, o barro se dissolvia. É um prédio histórico, de cento e vinte anos. Entramos ali, e me vi tirando todas as paredes, fazendo a casa velha toda com janelas, imaginando que ia ficar muito interessante... E o preço era muito barato: a gente podia fazer o que quisesse. A casa estava caindo. Qualquer coisa era lucro pros donos. Ficamos três meses reformando – era dezembro de 80. E depois abrimos, inicialmente apenas como bar. E a ideia não era se dirigir à música. A concepção era ligar mais com o teatro.
"Uma espécie de clube". Antiga fachada do Bar João na Oswaldo Aranha, inaugurado em 46: cachaça, sinuca e boemia rocker
Humberto Petinelli: A melhor noite era no Ocidente, o bar estava no auge: só tinha gente interessante. Era muito legal, bem chique. O Edu K era sempre o cara mais chinfroso. Ele usava altas roupas, altos visuais. Vinha com a patente pendurada no pescoço. E rolava maquiagem direto... Era tendência, um lance normal. Não sei se a mulherada gostava porque eu nunca perguntei. Mas era a época que o rock californiano todo se maquiava, o rock inglês também. Fiapo Barth: Nossa primeira ligação com a música foi em função de uma apresentação do Nei Lisboa, que estourou com o show “Verde” no Israelita, ao lado do Ocidente. Ele precisava de mesas e cadeiras pro espetáculo, que não tinham no Israelita, e nós já tínhamos comprado as coisas do bar. Não nos conhecíamos, mas emprestamos o material através do Giba Assis Brasil – ele era o encarregado da gravação. Era o primeiro show do Nei. O panfleto da apresentação era uma folhinha de Colomy com um carimbo – eis o panfleto... Não era tão subversivo pra um show que se intitulava “Verde”! Depois, apareceram por lá o Hermes Aquino e o Cláudio Vera Cruz. Eles vieram e se apaixonaram pelo bar. Disseram que a nova banda deles tinha que estrear no Ocidente. Era a banda Eureka – os dois, mais o Zé Vicente Brizola e o Carlos Magno. Fizeram a préestreia e nos meses seguintes começou a temporada. Essas coisas do Ocidente foram um sucesso, porque não tinha daquilo em Porto Alegre: bar com música pop ao vivo. Na sequência do Eureka, vieram formações do Léo Ferlauto, Os Irmãos Brothers, o Mutuca, a Anie Perec... Os Brothers começaram aqui. Ivo Eduardo: Tive um estúdio de ensaios junto com meu irmão que esteve no centro das atividades do rock gaúcho na década de 80. Uma casa velha, verde, com anõezinhos de jardim em frente. Nunca gostei deles, mas deixei pra ser um ponto de referência. Parece que alguém gostava, porque chegaram a roubar os anões! O primeiro cliente do estúdio foi o Nei Lisboa. Não se podia comprar tanto equipamento importado nas lojas. Então, o máximo que se tinha eram mesas e caixas Staner, Giannini ou Voxman, e microfones LeSon. Gaby Benedyct: Sou uma viúva do Porto de Elis e da Segunda Sen Ley. Aquelas noites de segunda, aqueles camarins... Tinha mais gente no camarim do que no público, às vezes. Fora dali eles se odiavam: “ah, o fulano errou na guitarra, na bateria...” Mas, quando estavam se preparando pra tocar, sinceramente, era demais!
Mutuca: O Rocket 88 foi uma casa que eu montei em 83. Ali tocaram todas as bandas que surgiam na cidade no momento. E surgiram algumas, também. A mais famosa era os Garotos da Rua. Bebeco Garcia: As coisas rolavam mesmo era no Rocket 88, que foi o bar da década de 80. Talvez o único lugar onde as coisas começaram pra valer. Existiam muitas bandas na cidade, mas não tinham tantos lugares pra tocar. No nosso caso, o Rocket foi o que impulsionou. Getúlio Costa: Eu comecei vendendo discos no Brique da Redenção, em 86. Lá eu conheci a mãe do Francisco, um antigo vendedor de discos usados. E ela me ofereceu uma lojinha – que na realidade era uma casa –, no número doze da rua José do Patrocínio. Ali começou o negócio da Boca do Disco. Naquele tempo, os discos em geral, coisas como Zappa ou Almann Brothers, eram raridades. O Brasil não recebia coisas criativas, no sentido de raridades. Só comerciais. Heron Heinz: O Vórtex, a princípio, era pra ser o nosso estúdio. Mas, com o tempo, a gente alugou pra outras bandas também. E aí já tinha o bar, uma lojinha que vendia fita cassete e essas coisinhas pra consumo. Durou de 86 a 87. A gente inventou um negócio assim: os ensaios eram filmados por um de nós, que eram passados por monitores pra quem estivesse no bar. E virou um showensaio. Alguns foram antológicos... Lotou de não poder se mexer. A Graforreia extrapolou isso, e fez um show na frente da casa, na Protásio Alves. Ivo Eduardo: Trabalhei muito como baterista e operador de som. Também construí e consertei instrumentos e equipamentos pra quase todo mundo por aqui. Durante o período que tive o estúdio, muita gente ensaiou por lá. Muitas! Nei Lisboa, Saracura, Garotos da Rua, Os Eles, Engenheiros do Hawaii, Atahualpa y us Pânques, Os Replicantes, Banda de Banda, Vórtex, Raiz de Pedra, Cheiro de Vida, Fluxo, Urubu Rei, Fróide Explica, do grande agitador Jottagá, Tokeloko, Prize, que revelou o KCláudio, Vagabanda, Swing, Brick, Câmbio Negro, do Mitch Marini, Nascente, Tumulto, V-2, Leviaethan, Cóccix, Valhala, Armageddon, Dragões do Éden, do Ricardo Severo, Espírito da Coisa, com o Déio Escobar, Léo Ferlauto, Geraldo Freitas, Letiéris Leite, Zezé, Bebeto Alves – comigo na bateria –, Prisão de Ventre, De Falla, Dama da Noite, Atraque, Nexo Implícito, Kleiton & Kledir, Vitor Ramil, Ricardo Crespo, Anie Perec, Susana Maris, Luciana Costa, Status 4, Paulo Gaiger, Totonho Villeroy, Wilson
Sá Brito, Gélson Oliveira, Nélson Coelho de Castro, Colombo Cruz, Vende-se Sonhos, Mauro Kwitko, Canto Livre, Glória Oliveira, Frutos da Crise, TNT, Cascavelletes, Duca Leindecker, Kadafi, Chico Ferretti, Guerrilheiro AntiNuclear, Prole, Doi-Codi, Couro Cordas e Cantos, BandAbsurda, Renato Borghetti, A Cor do Som, Charly Garcia... Humberto Petinelli: A escola do Zezé era o Clube do Guitarrista Gaúcho, que ficava na Barros Cassal. O baterista do Raiz de Pedra dava aula de bateria, e o Zezé de guitarra. Muita gente se encontrava pra trocar um ideia. Conheci o Charles Master e o Justino ali. As bandas estavam começando... O TNT ia gravar a primeira demo e o Garotos da Rua estava preparando seus primeiros singles. E estava pra sair o Rock Garagem I, que foi produzido pelo Ricardo Barão. Rafael Malenotti: Quando resolvi fazer o Bafo de Bira, estava consciente de que a minha vida ia ser música pra sempre... O estúdio surgiu no verão de 1990, mas ainda não tinha esse nome. Ele foi batizado em 91. Pensávamos o seguinte: o lance mais foda pras bandas que estão começando é grana pra ensaiar. Então, juntamos as tralhas e passamos a não gastar mais grana nenhuma. Se quiséssemos, poderíamos ficar tocando horas... Nos primeiros ensaios no Bafo, dava pra fazer uma sopa no fim, porque os vizinhos incomodados tocavam cenoura, cebola, tomate – todos os hortifrutigranjeiros. Dava pra fazer uma feira! Não era um grande movimento de gente, mas era um lance meio cultural mesmo. Tem gente que diz que até hoje o estúdio não tem estrutura, mas a nossa filosofia é outra: basta ter com o que ensaiar que está bom. Chico Bretanha: A Groove James fez uns ensaios históricos no Bafo de Bira – duas músicas o ensaio inteiro. O único que ia nos curtir era o Carlinhos Carneiro, o Gordo. Um dia estávamos ensaiando no Blast e ele levou várias latinhas de ceva – era aniversário dele. Ele levou váaarias cevas... E todo mundo bêbado. A gente sempre ensaiava bêbado depois da faculdade, das onze da noite à uma da manhã. E tinha um cemitério – um cinzeiro pra colocar bitucas de crivo e beck que fazíamos com uma latinha vazia. As cevas, a essa altura, já tinham acabado. Mas o Gordo, bem belo, pensando que ainda tinha algum líquido dentro, pegou aquela lata e engoliu tudo. Lao: O Carlinhos disse: “foi a pior experiência da minha vida!” Rafael Malenotti: A prioridade número um pra fazer um estúdio em casa era arranjar o lugar. E o quarto que estava sendo construído pra nossa empregada ia bailar... já saí propondo o seguinte: a
gente coloca o armário e a cama da empregada de um lado do quarto e, do outro, as coisas do estúdio... Era um espaço grande pra ela: íamos dar um final de vida digno pra uma pessoa que batalhou tanto pra gente, em casa. Só que esse final digno cruzou com a minha necessidade indigna do rock... Eu pensei assim: “não vou falar nada...” No que o quarto da empregada ficou pronto, já levei o meu Martins Sons pra dentro dele e, enquanto a empregada trabalhava, eu ficava no quartinho dela tocando. A real é que, numa velocidade brutal, a gente acabou com a cama e com o armário dela em dois toques. O meu coroa acabou fazendo uma baia na Restinga pra ela. Frank Jorge: Pegamos uma época em que se tu dizia num estúdio: “faz assim”, o produtor já vinha com um: “desse jeito eu não faço”. Somente a partir do estúdio do Thomas Dreher que essa situação começou a mudar mesmo. Marcelo Birck: Os estúdios de Porto Alegre eram pavorosos até chegar o estúdio Dreher. Ricardo Kudla: O Elo Perdido era o lugar onde nós íamos quando começamos a sair na noite, por 91, 92... No tempo do Renatão e da Carla, antes do Toninho e da Cecília. Os alternativos iam no Elo, porque naquela época o Ocidente era mais de um público homossexual: tinha duas pistas, não dava certo. Plato Divorak: No começo dos anos 90, eu parti pra outra. Comecei a frequentar o Elo Perdido – aí sim, eu estava mais elegante. Esqueci aquelas roupas hippies, punks ou rasgadas. O que eu usava mesmo era roupa largada, de qualquer tipo, não tinha preocupação. A minha calça era meio caída – só depois da Père Lachaise eu comecei a usar aquele tipo de calça, mais pra cima, como todo mundo usa. Conheci o pessoal das artes plásticas – basicamente mulheres. Isso foi por 92. Exatamente por 91, 92 . Elas faziam pôsteres pros nossos shows, enormes, que ficavam atrás do palco. Quando a gente tocava no Instituto de Artes ou num outro ambiente, sempre tinha um artista plástico na história. Léo Felipe: Não tinha muito o que fazer, mesmo. Então eu levava uns discos pro Elo e fazíamos umas festinhas. Arredávamos a mesa e ficávamos dançando. Bia Werther: O Megazine começou por 95 e durou até 97. Tínhamos a banda Academias Chiquérrimas, e vivíamos no meio das outras bandas. Fazíamos vídeo, fanzine, aquelas coisas que
todo mundo fazia. E queríamos um lugar que tivesse isso tudo e mais as bandas tocando. Um circuito interno pra mostrarmos nosso trabalho. Que todo mundo se encontrasse, bebesse e mostrasse as coisas. Tínhamos o jornal Mega Folha, o Mega Fone, que era a nossa produção de comerciais de rádios pro bar – imagina a baixaria! E reunimos umas TVs velhas pra passar as coisas que a gente fazia lá dentro. Domingos, se socavam umas trezentas e tantas pessoas no bar. A Ultramen tocou lá: um monte de gente, num palco minúsculo. A Tequila Baby fez uma adaptação de uma música dizendo que “dois por dois mede o palco do Megazine”... Fiapo Barth: O Valter Scalp fez uma festa num motel de garotos de programa, na Farrapos. E os donos do lugar ficaram tão abismados com a quantidade de pessoas que podiam colocar lá dentro que aquilo virou o Taj Mahal – um lugar onde rolaram muitas festas shows nos anos 80. O lugar abriu por causa da festa do Valter. Antes, era um bordel. Carlos Eduardo Miranda: Toda terça-feira tinha um show coletivo no B-52, na Independência. Uma noite era Urubu Rei com Prisão de Ventre, outra era Replicantes com TNT, outra era Atahualpa com Fluxo... Sempre com um público legal – não com um bom público! Ricardo Kudla: Na mesma época do Elo Perdido, também rolavam umas festas na antiga locadora do Fabiano, amigo nosso. Nasceu de lá o descontentamento pelas coisas em que a gente estava trabalhando. Era 92, eu também tocava numa banda chamada Brigitte Bardot. Logo depois, eu me desliguei do trabalho, e convidei o Léo pra fazer sociedade no Garagem. Beleza! Montamos o bar, mas ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo... Léo Felipe: Geograficamente, quando abriu, o Garagem tinha um aproveitamento bem menor de espaço. Na primeira festa, devia ter umas cem pessoas. Pra nós era muita gente. Ricardo Kudla: E a Oswaldo Aranha era aquele lugar onde se misturavam marginais, gente da música, da cultura e a gurizada que, como nós, ficava por ali zanzando de um lado pro outro, tomando cachaça a noite toda. O pessoal ficava na boa, na rua. Quando as pessoas chegavam no bar pela primeira vez, a reação imediata era: “que coisa horrorosa! Não acredito que estou aqui dentro!” Daí, ficavam mais um pouco e diziam: “mas que coisa louca... Não acredito que estou aqui dentro!” E olhavam pro palco: “pô... mas eu posso tocar nessa merda também!” Logo os caras já formavam uma banda e estavam lá tocando mesmo, porque não havia restrição nenhuma.
Léo Felipe: Abrimos num sábado, em dezembro de 92 – sem show. Na outra semana, uma sexta, tocou a primeira banda: Graforreia Xilarmônica. Eu me lembro de ver o Carlo tocando guitarra no palco, com aquela janela aberta. Ricardo Kudla: Ainda era a primeira fase do Garagem quando a gente teve uma ideia: “cara, vamos criar um prêmio, vamos premiar essa chinelagem toda!” E aí criamos o Garagito, que era o Oscar da música, da sub cultura... As pessoas iam lá e voltavam. César: Conheci o Garagem num dia de março de 94 – e era literalmente uma garagem. Afudê era que, na entrada, as paredes eram todas decoradas com histórias em quadrinhos. E tinha um banheiro só, com uma banheira dentro. Nesse mesmo dia em que eu conheci o Garagem estava rolando um show da Sex Machine, uma banda que fazia covers do Red Hot Chilli Peppers. Eu ainda era um adolescente, e era o auge desse lance funk metal. Estava rolando o som e a galera começou a se empolgar, a subir no palco... E a banda começou a ficar nervosa: parou o show e pediu pro pessoal se acalmar. Mas era só dar o primeiro acorde de guitarra, que os caras subiam no palco novamente. Então comecei a me meter: “sai prá lá!” Tirava as pintas e ficava ali, curtindo o show bem perto do palco. Era eu e o Marco Murruga, um dos donos do Garagem, parados lá. Então o Ricardo veio no meu ouvido e gritou: “ô meu, não quer trabalhar aqui!?” Eu respondi: “é isso aí, vamos nessa!” Júpiter Maçã: Voltei pra cena em 94, 95... E quando eu digo da cena, é aquela coisa, um suposto happening: eu sempre digo que Porto Alegre tem uma tendência meio happening. Então eu vou encontrar a cena de novo... E qual é a cena? O Garagem Hermética. Me disseram: “vai lá, tem umas pessoas esquisitas, que parecem com você...” E eu: “aonde?” Me disseram: “por ali... você vai ter que subir e descer...” Cheguei e era aquilo mesmo, de fato. Estava tocando “Anyway, Anyhow, Anywhere”, do The Who, com umas garotas de cabelo curto, navalhado, dançando... Eu disse: “oh, my God! It can’t be happening now!” E me empolguei com a cena de novo. Eu, que estava transitando entre o canto folk rock, com letras de expansividades cósmicas, e uma estética eletrificada, um pouco mais radical, disse: “esse é o berço!” Mergulhei com tudo. Uma pessoas me cataram e formamos uma nova banda. E assim me eletrifiquei novamente: eu já havia largado a guitarra, eu estava tocando violão e gaitinhas, e a letra
era o que havia de mais ácido na minha música. Mas, como Woody Aple foi pro Garagem – luzes, a coisa toda, o envolvimento com a cena... a guitarra elétrica voltou. Foi mágico. Eu nunca fui tão jovem quanto naqueles anos. Eu não era tão jovem assim no Ocidente, com os Cascavelletes. Plato Divorak: Os festivais Montehey Pop Stock aconteceram no Garagem Hermética, em 97 e 98. O primeiro pra mim foi o melhor, com Júpiter, The Charts de São Paulo, uma banda argentina chamada El Secreto, Lovecraft, Walverdes... Gaby Benedyct: Muita coisa aconteceu no Garagem Hermética. Algumas meio pesadas, porque eu tinha uns amores impossíveis... Mas era bom. Saía do trabalho, chegava em casa, me arrumava, tomava uma garrafa de vinho e ia pra rua – já calibrada. Então, meia-noite no Garagem eu já estava pronta... mas isso só acontecia nas sextasfeiras! Léo Felipe: Tinha um freezer só. Era engraçado: quando vendia meio freezer já tinha que começar a gelar de novo, então a cerveja nunca estava gelada. Plato Divorak: Se podia paquerar uma garota entre as colunas do Garagem... Era um bar de romantismo. Como era fácil ficar ali, conversar com as meninas... Era só ficar parado e vinha aquele enxame de seres psicodélicos, garotas com cultura na cabeça também... As misses fatais, como a Joyce e a Fernanda... E também se podia entrar sem ser importunado. Independente da roupa, não haveria uma cavalaria em cima de ti... Era possível ficar até de manhã no bar sem ninguém encher teu saco... Um espaço realmente jóia, que agora está maior e mais abrangente também. Ricardo Kudla: O Garagem tinha um lado de fantástica fábrica de chocolates pros drogados: tinha de tudo. César: Aconteceu uma coisa muito xarope uma vez. Cheguei, abri o bar e entrou uma galera. Mais tarde, quando ainda estava longe do horário em que eu saía pra comer alguma coisa, cheguei pro Ricardo e disse: “bah cara, eu tô com muita fome! Dá pra comer um rango agora?” Acabei saindo naquela hora mesmo pra comer. Quando eu estava no bar comendo, só vi uma ambulância passando. Pensei: “deu merda em algum lugar”.
Na hora em que eu voltei, vi uma poça de sangue na frente do Garagem. Ricardo Kudla: Aquilo foi Nelson Rodrigues, porque o cara ficou com a cabeça rachada. Ele entrou no bar – que até nem estava muito cheio –, mas chegou de um jeito animal. Bateu no balcão, completamente bêbado, deu sua deixa e começou a patifar. Isso pela uma da manhã. Pelas quatro, ele continuava patifando. O cara se escorou na gradezinha da escada que dá pra porta do Garagem e caiu pra trás – caiu de cara. Tentou se segurar, mas nessas virou o corpo e caiu de cabeça. César: O pior é que eu tinha avisado aquele débil mental pra não se encostar ali. Foi uma coisa muito deprê. Ricardo Kudla: Aí chamamos a ambulância. Mas a ambulância não chegava nunca... Como é que nós íamos tirá-lo de lá? Tiramos par ou ímpar – e eu perdi: levei o cara pro Pronto Socorro. Gaby Benedyct: Parece que foi em uma noite de show no Garagem que um cara caiu da escada e se quebrou todo... Não era eu quem estava filmando coisas pra Benedyct Visuales aquela noite – mas era a minha câmera que estava ligada, filmando. E alguém deixou rolar a gravação... Acho até que isso aconteceu num show do Egisto, quando davam aquelas batidas gigantescas da polícia no bar. E a câmera ficou aberta, com os policiais entrando no camarim... Tu só vê os pés das pessoas! Léo Felipe: Depois a gente abriu um estúdio na sala dos fundos. E era uma coisa assim: chão fino, sem teto. Não era um estúdio – era uma caixa acústica. E eu estava lá, às dez da manhã, quando vem um cara de chinelo de dedo – e enfia o dedo na minha cara: “minha mãe está morrendo, ela está doente e não aguenta mais vocês fazendo barulho aqui até às cinco horas da manhã! Se a minha mãe morrer, eu venho aqui e...” O cara me ameaçou! Ricardo Kudla: Lá por 93, 94, começaram a surgir os subprodutos do Garagem. Quer dizer: o pessoal percebia que aquilo lá era realmente um antro chinelo, e que qualquer um poderia fazer parecido. Assim surgiu o Megazine, o Circus da Garibaldi, depois o Sabotage. Fernando Nazer: Hoje, o Garagem Hermética é um lugar mais aberto, um espaço pra todos. Antes, parecia um clube, porque era apenas pra algumas pessoas. Eventualmente, outras podiam
participar. A filosofia do bar é a mesma – e, pra continuar isso, foi importante que surgissem novas bandas. Os bares em geral sustentam apenas as bandas conhecidas, em detrimento dos conjuntos que estão começando. O Garagem não se restringe somente à música: são milhares de coisas acontecendo. Paola Oliveira: Ser excitante e dramático... Isso é a poção mágica do sucesso. Então, a gente fez uns shows históricos do Júpiter no Garagem. E num o Flávio sumiu. A gente não sabia onde ele estava. Ele só apareceu uma hora depois... Fernando Nazer: Seis bandas de Bagé vieram tocar no Garagem: viajaram mais de trezentos quilômetros pra tocar em Porto Alegre. Com elas, também vieram dois ônibus cheios de pessoas pra assistir aos shows. É a coisa do tipo: “por que não fazer isso lá?” As bandas têm a necessidade de mostrar seu trabalho na Capital, e com isso mostrar que têm um público fiel, capaz de se deslocar do interior pra prestigiá-los. E também há uma situação assim: o pessoal do interior quer ver os músicos de Porto Alegre, mas por outro lado, o de Porto Alegre não. Marcelo Gross: A Fun House é uma casa que tem uma energia boa, toda essa coisa maluca. Todo mundo faz a merda que quiser, coisa e tal. Buda: Nós nos reuníamos uma quarta de cada mês no Alternativo – e só dava tope-tudo naquele troço. Foi uma coisa que funcionava, era legal, o cara ia pra diversão. A Katia Suman cansou de ir lá. Daí que pintou a ideia de fazer o Elétrika Live, que acontecia nas segundas, no Opinião. Humberto Petinelli: O último show da Prize foi no Help, uma lanchonete no fundo da galeria Quinta Avenida, no Moinhos de Vento. A Help era do mesmo proprietário da Panda&Mônio, o Capeta. Fredi Endres: O primeiro show da Comunidade Nin-Jitsu foi num bar chamado Alcaholic, em Imbé. Tocamos por cerveja – e ficamos a noite inteira tomando ceva de graça. Já existiam algumas músicas da banda na época. Mano Sonho: Eu não me lembro se nesse show a gente já tinha botado o nome Comunidade. Na véspera, a gente ficou sabendo que o bar estava precisando de uma atração musical. E a dona era uma bruxa, ela se vestia de preto, era seguidora dessas coisas.
Nosso cachê era em cerveja... O problema é que os garçons começaram a encrespar porque tinha um limite pra esse cachê... Que a gente já tinha estourado. Mas não deu nada: tocamos e bebemos até o final do show. O Fredi cantou “Iron Man”, do Black Sabbath, só que ele não sabia a letra... ele ficou o tempo inteiro cantando “hari hou”. Mano Changes: “Detetive” nem estava pronta ainda. Mano Sonho: Não sei, acho que ainda não tínhamos “Merda de Bar”... Nando Endres: Tocamos “Bois don’t Cry”. Ficamos inventando o que tocar até que a cerveja acabasse. Getúlio Costa: O episódio dos Toy Dolls em 95, fazendo sessão de autógrafos na loja, foi muito criativo... Eu até tenho uma camiseta autografada que eles me deram. A Boca do Disco ficou virada num Woodstock: o pessoal na frente da loja fumando bomba atômica, tomando litrão de PepsiCola com aguardente pura... Botamos seguranças, mas uns disquinhos marcharam. E os caras da banda se emocionaram com os discos piratas, coisas do Led. Tinha gente com cabelo empinado igual a uma serra, quinhentos quilos de sabão na cabeça... José Ivo Salton: No início da Lancheria do Parque – por 82, 83 – as pessoas me diziam que eu não poderia trabalhar de noite na Oswaldo Aranha, porque era perigoso. Mas eu já tinha ido umas poucas vezes no Alaska, tinha uns amigos que estudavam na UFRGS... E nunca tinha visto nada de mais. Então, achava que não era bem assim. Toninho do Escaler: O primeiro show do Escaler aconteceu no mesmo ano em que o bar inaugurou. Abrimos em 24 de outubro de 82. Quando cheguei pra cuidar do ponto, uma antiga peixaria, o lugar era um troço abandonado e podre... Continuou podre – mas não ficou mais abandonado! E ninguém nunca reuniu tantas pessoas no Bom Fim quanto o Escaler, e nos domingos com show do Escaler Voador... Lancei o Serginho Moah, o Solon Fishbone, o Bebeto Alves... O Bebeto foi o maior show que o Escaler já teve. O nome Escaler não é à toa: eu era marinheiro, da marinha mercante. E foi o comandante que me sugeriu... Ele dizia: “mas nem em escaler tu deve descer, o mar é muito bom! Pra quem é livre de espírito, de lugares, de dia frio ou quente...”
Pra abrir o bar, fiz mais ou menos como o Tio Patinhas: guardei todo o dinheiro que recebia como marinheiro – e ainda tinha casa, comida e roupa lavada. Fiquei embarcado direto, de 75 a 82. Quando abri o Escaler, passava o verão no bar e continuava embarcado entre abril e outubro. Gaby Benedyct: A primeira vez que eu cheguei no Bom Fim foi antes de morar em Porto Alegre. Lá por 86, 87... Minha maior emoção foi matar o cursinho e ir pra Oswaldo Aranha de tarde – porque tinham me dito que os punks e os darks ficavam ali! Só que eu cheguei de tarde na Oswaldo, e não tinha ninguém: ai, que desilusão... Acabei indo pro cinema São João, olhar o filme do Pink Floyd... Depois, morando em Porto Alegre, é que entrei direto na Oswaldo Aranha: Lola, Ocidente... Toninho do Escaler: Quando decidi abrir o Escaler naquela ponta da Redenção, eu já enxergava tudo que poderia ser feito ali, e com aquele espaço em frente. O Brique da Redenção também estava se formando... Phillip Ness: Tinham umas gangues perto do Ocidente. Uma era de metaleiros, cheios de correntes. Se juntavam no bar do Pinga, entre a Ramiro e a Oswaldo. Um bar cheio de cachaça, tipo o João. Eles iam pra lá – era o quartel general deles. Um dia eles vieram pro nosso lado e deram nuns punks. Foi quando todo mundo se armou com tacos e pedaços de pedra e quebramos o Pinga todo. Prendemos os caras lá dentro. A gente quebrou tudo. Paulo Arcari: Eu e o Bacana estávamos sentados no João, tomando uma cachaça, quando chegou um cara bem mauricinho, que tinha deixado o seu Corcel II na esquina do Ocidente. Ele olhou e se fez, reclamando dos punks. No que ele subiu pro Ocidente, aqueles punks pegaram a caranga dele e viraram de cabeça pra baixo! E ainda conseguiram arrastar de volta, pro mesmo lugar em que ele estacionou – virado! Quando o cara chegou, o carro estava de cabeça para baixo... Ele não acreditava no que via! A Oswaldo Aranha era um movimento forte. João Gordo: Aquele quebra-quebra na Oswaldo Aranha, na noite em que fizemos o show do Araújo Vianna em 91, 92, foi do caralho! Tocamos duas vezes lá. Na segunda, em que tocamos com um baixista quebra galho, uma galera invadiu o Araújo! Teve briga com seguranças, guerra de pedras e o caralho... Jogaram muita coisa. No palco tinha de tudo: chinelo, tênis, seringa, cartucheira de bala
de revólver. Pô, gaúcho tudo doido, cara! Todos os carros que passavam pela Oswaldo Aranha eram chutados. Isso valeu pra gente ficar uns cinco anos sem voltar pra Porto Alegre. Humberto Petinelli: Um show importante do Cascavelletes foi o do Bom Fim Pequim – um dos lances mais relevantes em termos de atitude. Isso aconteceu em função de uma noite em que a polícia invadiu o Ocidente. Baixaram várias viaturas da Brigada Militar e da Polícia Civil, numa sexta-feira. E mandaram todo mundo deitar no chão: “bichas pra um lado, sapatões pro outro”, tipo assim, nesses termos. Fiapo Barth: O Bom Fim Pequim teve uma coisa ligada com o Ocidente. Um dos sócios do bar, o Carlos, foi preso na noite que gerou esta manifestação e o show no Araújo Vianna. Era assim: nos primeiros anos, a gente sofria muita batida da polícia, por mil razões. Chegou uma época em que eram tão folclóricas as batidas que ninguém fazia nada: apenas puxava a identidade. E a cada batida, mais gente vinha pro bar. Foi numa dessas noites que ele foi preso. Os policiais chegaram grosseiramente, mandando todo mundo pôr as mãos na cabeça. E foram até a cozinha também, que nós usávamos como chapelaria. Eles pegaram todos os casacos lá de dentro e, segundo eles, havia um tijolinho de maconha dentro de um. Chegaram na sala e perguntaram de quem era o casaco: ninguém se manifestou. Como todos calaram, eles decidiram que o casaco era do proprietário. E o levaram. Depois de uma semana, teve o show no Araújo Vianna onde devem ter tocado umas dez bandas – Replicantes, Nei Lisboa, Justa Causa, TNT, Cascavelletes. O auditório estava lotado. Foi o manifesto pra que acabassem com a arbitrariedade da polícia. Mas, devido à falta de policiamento, porque nos negaram a segurança, um rapaz levou um tiro. Então teve muita pressão por parte dos moradores do Bom Fim pra acabar com a esquina do bar. Humberto Petinelli: Os policiais tiraram todo mundo de dentro do Ocidente, colocaram num ônibus e levaram, ficharam... E não se sabe quem fez queixa, quem reclamou, quem mandou que a polícia fosse ali... Solon Fishbone: Eu e a Mari estávamos chegando na Oswaldo, na noite em que a polícia invadiu o Ocidente. Descemos na frente do Lola e vimos que os caras já estavam fazendo uma blitz. Baixaram todo mundo que estava dentro do bar. Fizeram uma fila de meia quadra na João Telles com todo mundo encostado na parede. Eles iam revistando... Quem não tinha documento ou era menor, eles levavam.
Lao: Qual é o outro lugar do mundo que tem uma rua que nem a Oswaldo Aranha? Edu K: Na Oswaldo as minas comiam os caras. Isso era o começo de um processo de revolução sexual que está começando a rolar agora. Existe um ciclo de poder masculino e um feminino: a gente está no feminino de novo. Flávio Santos: As pessoas não conseguem nem se dividir em turmas em Porto Alegre. Todo mundo acaba se encontrando nos mesmos lugares... Por exemplo: tu vai numa festa drum’n’bass, está lá o pessoal do drum’n’bass. Aí tu vai numa outra festa, no Ocidente, tocando música pop – e estão os caras do drum’n’bass e os do rock também. Acaba juntando as coisas. Essas coisas que rolam na Oswaldo Aranha serviram como um grande agitador. Fiapo Barth: O Bom Fim sempre foi assustador pras pessoas, mas não é um bairro perigoso. As pessoas se assustam mais é com os novos punks. Mas eles são inofensivos, não fazem nada... A postura deles é mais hippie do que punk. Mas, mesmo assim, eles assustam as pessoas. Humberto Petinelli: O Bom Fim era bem devagar se comparado com hoje em dia. Todo mundo se conhecia: era como uma cidade do interior. Edu K: A Oswaldo era do caralho porque ficava ao ar livre: uma vagabundagem, uma comunidade gigantesca. A gente praticamente vivia ali. Antes ninguém saía do Bom Fim sábado e domingo. Se ia na casa de um, fumava um, tomava uns picos, esticava uma carreira, mas voltava pra lá. Eu ficava sexta, sábado e domingo sem sair fisicamente da Oswaldo. Hoje em dia já não tem onde fazer isso lá: é todo mundo mais bundão, dentro de um certo molde. Era um lugar onde se juntavam patricinhas, intelectuais, góticas, punks, sujinhas, rock’n’roll. Não tinha essa de “tu não é da minha turma”. Era uma coisa como os portugueses, quando vinham pro Brasil comer as índias e nasciam os mamelucos. Júlio Leite: Mesmo pensando que a noite da Oswaldo Aranha, hoje, é diminuta em relação ao que era antigamente, sempre vai ter gente vindo aqui. Sempre teve essa história boêmia, de músicos, universitários, misturados com marginais... Pode até ser sem dinheiro, porque é meio comunitário. Acaba bebendo de graça, falando com gente. Não é algo solitário – é solidário.
Toninho do Escaler: As gerações passam e vão continuar aproveitando o Bom Fim. Este bairro não morre nunca. Porto Alegre precisa de um lugar de encontro: o bairro, ao mesmo tempo que tem uma história e tradição de reacionarismo, também tem toda uma história oposta de loucura.
O DIA QUE FUI CONTAMINADO Carlos Eduardo Miranda: Minha mãe, no final dos anos 50, era campeã de dança de rock. E o meu pai era piloto de carro de corrida. Então, a minha casa já era assim... Quando eu tinha seis anos, umas primas da minha mãe tinham 16. E a minha mãe ainda tinha 26 – e ouvia rock. Então foi meio que um elo. Ela ouvia Chucky Berry, Carl Perkins, essas coisas. E, na paralela, ela tocava piano, Chopin, Schumann, essas coisas mais românticas. E eu ficava ouvindo, tentando aprender a tocar o piano em casa... Zé do Trompete: Meu grande mestre foi o Macedinho, que me acompanhou 22 anos como professor. John Coltrane é outro grande iluminado que às vezes volta... Todos eles já desencarnaram. Eu tinha que fazer um recital de jazz no Theatro São Pedro, mas não estava preparado. Estava me achando muito aquém da coisa. Então, senti uma energia, certas instruções... Eu não tinha técnica pra fazer os temas que ia improvisar. Estava meio duro... E aí pintaram umas técnicas rápidas – senti que a transformação era muito forte. E eu não sacava direito... Depois, casualmente, abri um livro sobre o Miles Davis. E era na página que falava o dia 18 de Julho – a passagem que John Coltrane desencarnou. Fughetti Luz: O meu irmão levava discos do Elvis Presley pra dentro da baia, então essa coisa já estava no meu sangue. Meus irmãos dançavam rock’n’roll na sala e eu ficava ali, garotinho, vendo tudo, escutando doidão. Sempre amei aquilo – até o ponto em que o rock começou a me transformar. Mutuca: Esse ouvir Elvis e a sensação de cantar pro público aconteceu pela primeira vez comigo num aniversário de criança, num vizinho. Todo mundo estava na frente da casa. E cada um cantava de uma vez, espontaneamente. Os outros batiam palmas – era como no rádio. Isso era o nosso conceito de música. O Araújo Vianna era na Praça da Matriz, e eu via as apresentações dos artistas com os meus pais. Foi o que me fez subir no alambrado da casa do meu vizinho e cantar “Tutti Frutti” sem saber inglês – e enfrentando o público! Júlio Reny: O meu lance com a música começou de um jeito tri problemático: eu tinha mania de combates de rua. Teve uma vez que me deixarem estirado no chão. Era um apanhae-ganha diário. Acabaram me internando num hospital psiquiátrico – foram quase duas semanas de inferno. Quando eu saí dali, pensei: “tenho que me concentrar em alguma coisa”.
Uma das coisas em que me envolvi, além de brigas, foi a piração com o rock. Eu roubava discos de rock. Tinha um monte de Santana, Led e Black Sabbath – mais de duzentos vinis. Eu tinha de tudo, e me atualizava roubando. Eu dizia que ia fazer um trabalho na biblioteca, e passava revista nos magazines a manhã inteira. Eu era muito impulsivo, e ainda tinha aquela coisa da rua, de pegar, encarar os inimigos e sair dando porrada. Eu era pequeno, mas sabia o que fazia. Pegava de faca, paralelepípedos. Humilhei totalmente os inimigos. Ivo Eduardo: Com catorze ou quinze anos de idade, meu interesse por música foi aumentando a ponto de querer tocar algum instrumento. E, quando falei em bateria, minha mãe me levou até a King’s Discos. E me mostrou, numa daquela cabines de audição, um disco do Gene Krupa. Foi um marco na minha vida. Comecei a ouvir jazz alucinadamente. Passei por todas as fases e estilos: de Dixieland e New Orleans a Chicago, swing, big bands, grupos, solistas, be bop, free jazz, fusion... E, como os discos de rock estavam juntos por ali, também fui ver sobre o que se tratava. Além de ouvir, li muito sobre músicos de jazz. Aprendi que, depois dos bailes, eles iam a outros bares e participavam das jam sessions. Assim podiam tocar livremente, sem obrigações comerciais, e criavam novas formas de expressão. Então, fui tocar bateria. Morávamos em uma casa, no bairro Auxiliadora, que tinha um apartamento sobre a garagem. E era lá que eu tocava. Pobres dos vizinhos... Foram muito legais aturando um baterista iniciante. Humberto Petinelli: Quando eu era criança já tocava na banda do colégio. Tinha estudado trompete, tocava tambor, bumbo, tarol, caixa... E toquei pífaro no Campeonato Brasileiro de Bandas Marciais em São Paulo, em 1975. Flávio Santos: Meu irmão tinha um baixo, mas então ele engravatou... Foi estudar economia. E eu herdei o baixo e o amplificador. Foi quando começou a surgir: primeiro pintou o Taranatiriça, em 79. Eles já tinham um baixista – mas que não tinha baixo. Eu emprestei o meu e eles acabaram pedindo pra eu ir junto... Nessa fase eles ainda eram instrumentais. Humberto Gessinger: Desde o início, eu já sabia o que queria e o que podia fazer com música. Tem uma coisa que me dá vantagem: eu sempre gostei de limites em tudo na vida. Achava tri bom o lance de tocar em trio.
Phillip Ness: Em 82, a galera já estava de saco cheio daquelas bandas muito hippies... Pink Floyd, o rock progressivo... E as bandas nacionais já estavam enchendo o saco. Tudo começou quando eu estava em casa, vendo aqueles programas de clips na TV. Daqui a pouco, passou um clip do Van Halen. E eu: “que coisa horrível! O cara com aquela roupa colorida!”. Mas depois passou um clip dos Sex Pistols: “God Save the Queen”. Aí eu me apavorei. Já desci do apartamento com o cabelo raspado e de coturno! E já tinha uma turma empenhada lá no Cristo Redentor, a minha zona. Eram Os Miguel. Ninguém gostava deles: eram tri agressivos. Não se identificavam com movimento nenhum. Mas me disseram que Os Miguel estavam criando uma banda. Encarei os caras – e fizemos. Heron Heinz: Os Replicantes não queriam absolutamente nada quando começaram. Não queríamos dizer nada. Nós não tínhamos mensagem nenhuma pra dar. A banda surgiu quando estava começando o verão em Porto Alegre, em 83. O Gerbase e eu morávamos juntos numa casa que tinha uma garagem e tal... Bah! No verão em Porto Alegre não tinha nada pra fazer: “vamos fazer uma banda? Vamos chamar alguém?” Então chamamos o Cláudio, que é meu irmão. Ele tinha dezessete anos na época. Assim como eu e o Gerbase, o Cláudio não tinha tocado coisa nenhuma na vida dele. “Vamos tocar o quê?” E o Gerbase escolheu a bateria antes de mim. A minha intenção era tocar bateria. Então, o Cláudio e eu fomos numa loja pra comprar um baixo e uma guitarra. Escolhemos na hora, lá na loja. Carlos Gerbase: Em 1983, eu e alguns amigos estávamos ouvindo muito punk rock, baseados principalmente em discos que se conseguiam em São Paulo. Apesar de o punk rock ser de 76, 77, os ecos do movimento aqui em Porto Alegre eram inexistentes, praticamente desconhecidos. A Bandeirantes, a única rádio que tinha, jamais tocaria aquele tipo de som – porque rolava basicamente rock progressivo, rock astral, esse tipo de coisas. O Miranda é quem tinha os discos e conhecia tudo. Começamos a ler algumas coisas sobre música também, que achávamos em revistas, e acabamos tendo esta ideia de fazer música. Eu, o Heron e o Claúdio. Frank Jorge: O cara pra quem eu mostrei meus primeiros acordes foi o Marcelo Birck. E quando ele descobria uma coisa nova, um disco legal, sempre mostrava pra mim. Eu tinha uma parceria com o Marcelo. Antes de mais nada, de amizade, e da mesma maneira tinha um vínculo de divulgar as coisas da música com amigos da rua e do colégio. Eram turmas diferentes. Isso acabou se refletindo muito cedo nessa noção.
Luís Henrique Tchê Gomes: Me lembro de um recreio no Instituto de Educação em que vi o Márcio Petracco tocando um cavaquinho, com a galera em volta. Achei perfeito. As minas olhando pra ele e tal, e pensei: “é isso que eu quero fazer!” Cau Gomes: O meu primeiro show como roadie da Bandaliera também foi o último. Tinha aquela lenda do roadie: “ele carrega o instrumento, não precisa saber nada...” Então eu fui, no tipo: “bah, vou ser roadie da Bandaliera!” Imagina, todas as velhas. Eu fui – e foi um horror. Não sabia nada. Eu só sabia carregar, na real. Conhecia o instrumento, mas nunca tinha ligado. Não sabia o que era um output, input. Foi tudo atrapalhado. Foi horrível, eles riram muito. Gustavo X Aguirre: É aquela coisa de tu ouvir as primeiras bandas que te tocam muito. Pra mim, os Stones e os Beatles. A maneira de viver do rock’n’roll cativa o cara quando ele é adolescente. Aquela coisa meio marginal, meio bandida. Festa, gravar e viajar. Toda essa coisa fascina o cara. E, através daquele sonho, tu acaba te aprofundando na música. Susi Doll: Eu comecei a curtir o rock no Petropole Tênis Clube, tempos do Sunday da Cidade. Ai, como era bom... Ali, eu arrumei minha primeira transa! Eduardo Normann: A primeira vez que fui tocado pela mão do deus Jimi Hendrix, eu estava numa casa em Arroio do Sal. Ali têm uns sitiozinhos cheios de zebus, e coisas assim. Cagavam, e no outro dia de manhã... Eu e mais três amigos começamos a fazer o chá pelas cinco da tarde. Era julho, e nessa época só vai à praia quem conhece bem o gado e a planície. E um de meus amigos, o Fabrício, levou uma dúzia de pedais. A possibilidade de fazer barulho foi fascinante. Santiago Neto: O primeiro artista que eu vi na minha frente foi o Pedro Ortaça. Lá em São Borja, onde eu morava. Eu era gurizinho e vi o cara chegar em um Mustang vermelho, todo pilchado... Aquilo era o que eu queria ser: lá nas Missões esses caras eram ídolos. O ídolo começa no seu lugar. E aqui no Rio Grande do Sul está acontecendo isso: o público tem seus ídolos em casa.
Diego Medina: O Júlio Reny é meio que meu tio. Foi então que descobri, com dez anos de idade, o porquê de não poder começar tocando um baixo. Tinha que primeiro aprender a tocar violão, um teclado... Eu não me lembro se foi em 83, 84, que o Kiss veio fazer um show no Brasil, então tinha aquele burburinho. E eu estava alucinado, querendo tocar: “quero ser o Gene Simmons!” A minha mãe falou com o Júlio: “que tu acha?” E o Júlio falou: “não, é melhor o guri começar com um violão, uma guitarra”. Meu pai comprou uma guitarra pra mim. Comecei a ter aula de guitarra com o Júlio Reny, em casa. Ele vinha com umas revistinhas daquelas cifradas, entregava assim: “tá, te vira aí, te vira”. E era tudo Iron Maiden, tudo uns troço assim. Me lembro, a primeira música que eu aprendi foi o “Flight of Icarus”, do disco Piece of Mind, do Iron Maiden. Júlio Reny: Eu dei aula de guitarra pro Diego Medina. Ele era sobrinho da minha mulher. Uma vez ele pediu “We Are the Champions”, do Queen. Com solo e tudo. Me enrolei todo pra tirar. Rafael Malenotti: O lance que aconteceu comigo foi o seguinte: eu decidi ser músico, tá... O que eu vou fazer? Saí do colégio em 89 e, em 90, fiquei tocando muito, focalizando tudo naquele quarto onde depois virou o estúdio Bafo de Bira. Eu tinha uma banda com uma amigos do IPA que tocava só os rockabilly, Os Nelso. Mas um dia o Moreira chegou e falou assim: “bah veio, se tu gosta mesmo de TNT e Cascavelletes eu vou te emprestar um vinil”. Aí, ele me emprestou o Built For Speed, dos Stray Cats, uma coletânea que tem a música com o mesmo nome. Sei que no fim das contas eu ouvi o Built For Speed e falei assim: “ahhh! Parem as máquinas! Agora eu tô entendendo! Agora eu sei o que é a coisa mais afudê do mundo!”
DÉCADAFONIAS Gelson Schneider: Nos anos 60, anos 70, era aquela história com os coroas: “ou corta o cabelo, ou não come em casa!” Emprego, ninguém dava. Nem amarrando o cabelo! Gilmar Eitelvein: Não havia mercado musical em 60, 70. Os caras abriram o caminho carregando os instrumentos nas costas: não tinha nem roadie. O mercado começa a se consolidar nos anos 80 com o lançamento do Rock Garagem e do Rock Grande do Sul. Foi com o Nei Lisboa, o Júlio Reny e o programa do Ricardo Barão que se iniciou a retomada do rock no Estado, isso em 83. Atualmente há uma aposta no sentido de que aqui é possível ter um mercado permanente pra música. Houve também, a partir dos 90, a abertura de emissoras de rádio que tocam a música local, de bandas que não teriam chance de mostrar seu trabalho. Isso ainda é muito recente. Zé do Trompete: Os músicos da era do rock nos anos 60, foram maravilhosos. Uma galera. Todo mundo passeando com uma guitarra pendurada. Depois que veio a história de baixar o pau nos intelectuais – e aí é que foi foda. Júlio Reny: A gente fazia no máximo um show por ano. O rock estava em baixa. Mas teve um movimento de música que me deu vontade de tocar, que eram aqueles Vivendo a Vida de Mr. Lee. Eu ia nos shows do Bixo da Seda. Onde a banda ia, eu ia atrás. Tinha o Fernando Ribeiro, o HalaiHalai, que era meio tipo o America, o Inconsciente Coletivo. Eu estava mais a fim de curtir os caras daqui do que ouvir America. Depois teve aquele sucesso todo do Hermes Aquino com “Nuvem Passageira”, o Kleiton e o Kledir saíram dos Almôndegas... E ao mesmo tempo, toda aquela onda terminou: o Bixo da Seda foi uma espécie de ressaca total. Quando eu surgi no cenário em 79 com Uma Canção Nas Trevas, era uma das poucas bandas de rock que existia. Me lembro que tinha o Raiz de Pedra, que era mais jazz, mais progressivo, e várias bandas com uma sonoridade folkgauchesca. Mas, não: a gente era uma banda de countryrock. O futuro dos Cowboys Espirituais estava ali, em 1978. Fernando Pezão: Hoje esse negócio de tribos está completamente fragmentado: tudo é tudo,
nada é nada. Nos anos 60 e nos 70, tinha o movimento hippie, os cabeludos, marginais, loucos. O mundo foi se compreendendo ao longo da história, mas naquele momento era um conflito. Agora não tem mais revolução. Tudo é negócio. Hoje a revolução não está em nenhum lugar. De repente acontece, mas não estamos sacando que é a revolução. Mas naquele momento era bem nítido isso: a contracultura, Woodstock, o movimento hippie – e a sociedade do outro lado. Chaminé: Chegou nos anos 70 e a coisa ficou meio perdida. Tu tinha que saber tocar. Nos anos 80, me aparece o Edu K, que não queria nem saber: só fazer baderna. E fez. Se expressar de qualquer maneira. Terminou aprendendo a tocar. Nelson Coelho de Castro: Nós tínhamos um movimento cultural no Rio Grande do Sul que abarcava todas as praias musicais. E todas valiam. Teve um show importante desse momento em Porto Alegre, que foi o “Explode 80”. Significativo porque compreendia todos os músicos, instrumentistas... Do Luizinho Santos a Fernando Corona, de Borghettinho ao pessoal do rock. Enfim, todos juntos, sem preconceito e boçalidade. Humberto Gessinger: Existe muita coisa represada na cultura gaúcha. Nos anos 70 tivemos o que chamavam de MPG, uma música de muita qualidade mas que não teve vasão. E uma certa angústia começa a se criar quando isso acontece. Edu K: Todo mundo era muito nativista. Isso em 83. Estava vindo um pouco do Cio da Terra, misturando o rock dos anos 70 com nativismo, então tu via uns caras mistos de hippie com guasca. A primeira matéria nacional, que saiu da gente na revista Veja, tinha assim: “Gaúchos modernos que tomam chimarrão”. Com uma foto minha de moicano segurando uma cuia. Marcelo Birck: Porto Alegre tinha uma tradição hippie que a gente renegava desde o início. Éramos contra o que havia sido feito até então. Ninguém ouvia Roberto Carlos, as pessoas detestavam. Mas a gente curtia. Isso era no início dos anos 80. Frank Jorge: Éramos ávidos em conhecer coisas novas. A gente sacava uma banda de MPG, Grupo Semente, qualquer coisa, e íamos lá ver o que era. É uma coisa que hoje as pessoas já não fazem. Elas se revestem com um pouco de preconceito pra ir num show. Tonho Meira: Em 82, eu trabalhava com o Raiz de Pedra, um grupo de música instrumental progressiva. A gente se atentava muito ao estilo de vida. O estilo de vida torrava muita grana. A cena era forte, mas não era roqueira.
Nilton Fernando: Na verdade o rock brasileiro não tinha letra, era um horror. Em parte, até continua sendo. A língua portuguesa é um pouco complicada pra sonoridade rock’n’roll, pelo menos eu penso assim – e muitas pessoas também. Então o que acontecia eram cópias baratas. Cida Pimentel: Uma coisa que não têm hoje são empresas com vontade de fazer grandes eventos. Foi isso que detonou rock gaúcho. Tinha trabalho pra todo mundo. Botavam vinte mil pessoas. Isso ajudou as bandas a tocarem no interior. Nesse sentido, o Pedrinho Sirotsky foi uma pessoa importante pro rock gaúcho. Eu recém tinha me formado e fui procurar emprego com ele, que me perguntou: “o que tu acha legal fazer?” E eu: “vamos fazer um disco da Bandaliera!” Ficaram de cara quando ele deu dinheiro pra produzir uma banda de rock. Humberto Petinelli: O rock era quase um buraco negro no meio do nada nos anos 80. Gustavo X Aguirre: O rock gaúcho sempre teve muito estilo. As primeiras bandas aliavam muito o visual com o som. Arthur de Faria: Na verdade o rock dos anos 80, tanto o brasileiro quanto o gaúcho, clonou muitos modelos estrangeiros. Mas no final da década de 80 e começo da década de 90, principalmente, houveuma coisa muito interessante no som gaúcho: uma vontade de fazer coisas novas. Tinha a Graforreia, Aristhóteles de Ananias Jr., Assubék, Père Lachaise, Lorenzo y la Nota Falsa... O Plato tinha um monte de bandas, que de uma certa forma trabalhavam entre si. Aquela coisa natural de segunda geração, o mesmo que aconteceu no rock brasileiro: os anos 90 são infinitamente mais criativos, mais originais, mais bacanas.
Dos M alvados Azuis, Júpiter M açã e Hipnóticos surgiu a Cachorro Grande, uma representante da nova geração de bandas de Porto Alegre: Gabriel Azambuja, Jerônimo Bocudo, Beto Bruno e M arcelo Gross.
Thadeu Malta: Nos anos 80 houve um movimento orquestrado por uma grande gravadora no Rio Grande do Sul. E aqui quero deixar claro que não tenho nada contra isso! Se fazia necessário. O processo era inverso: as rádios faziam o sucesso. Já as bandas que estouraram no rock gaúcho nos últimos três ou quatro anos chegaram no rádio com muito respaldo popular. E por isso a cena é forte. Tem o referendo na base. É sedimentado. Outra prova disso é a peculiaridade de cada uma; não tem duas bandas fazendo a mesma coisa. O lastro está pronto. É só saber levar. Carlos Maltz: Nosso objetivo, quando começamos os Engenheiros do Hawaii, era tocar na rádio Ipanema. E as pretensões eram artísticas – o que é altamente saudável que o jovens tenham. Mas, de repente, todos começaram a ficar muito espertinhos. As bandas, antes de estar fazendo o show, já tinham logotipo, empresário e já visavam mercados. Todo mundo virou publicitário. O que pra mim é uma coisa muito chata. Humberto Gessinger: Ainda tem muita gente que se liga nos Engenheiros por causa das letras, e porque poucas bandas estão aprofundadas nisso. O nível está ficando cada vez mais baixo.
Mas eu não acho isso uma coisa ruim: não é feio não ler, eu não sou um fetichista do livro, da cultura. Ao mesmo tempo, os moleques destas bandas que não lêem estão vivendo, de qualquer forma. Claro que a maneira de verbalizar vai ser diferente e isso aparece nas bandas. Mas eu não entro nessas brigas, não sou um baluarte. Cada um escreve da sua maneira e o que quiser. Thedy Corrêa: Quando houve o primeiro estouro – em 85, 86 – o rock nunca ultrapassou os 15% do mercado de discos no Brasil. E isso é apenas a gorjeta do total. Gustavo X Aguirre: O mercado na década de 80 era um pouco menor, não era tão profissional. Ainda está bem longe do ideal se comparar com o movimento das gravadoras independentes na Europa. O sul se mantém, porque as rádios tocam e tem um mercado de rock muito grande no interior. Marcelo Birck: Não existiam muitas opções nos anos 80. O custo de um disco independente era astronômico. A distribuição também não era como hoje, que tu bota o disco na internet e está feito. Pensávamos em termos independentes, de gravar e distribuir pra quem quisesse sem dar satisfação pra ninguém. King Jim:: A cena era devastadora pro nosso som, lá por 83. Já tinha o Taranatiriça, mas era só uma meia dúzia de loucos. A coisa era underground mesmo... Flávio Soares: Nos anos 80 ninguém fazia heavy metal. Tocávamos nos shows cheios de apetrechos, andávamos de preto... Montamos a Leviaethan em 1983 e participamos do Rock Garagem, que saiu em 1984. Quem fazia som pesado em Porto Alegre era a Leviaethan, o Valhala, o Astaroth... Luís Henrique Tchê Gomes: Não só a gente, como um monte de coisas também estavam começando. Rádios, lojas de discos e shows. Nós estávamos iniciando junto com toda essa estrutura. Humberto Petinelli: No início dos 80 a gente não tinha um parâmetro. Eu nunca tinha visto alguém tocar um rock na guitarra, não sabia como era a relação do manuseio do instrumento com o som que eu ouvia. De repente eu ouvia no disco uma música, mas não tinha uma noção de como os dedos estavam se mexendo no instrumento pra sair aquilo. Flávio Santos: O que nós queríamos fazer era rock, porque não existia rock em Porto Alegre. O
que existia eram os caras da antiga, que eram meio considerados os bandidos, os cabeludos, os maconheiros... Que faziam uns shows numas bodegas e ia tri pouca gente, bicho-grilo e tal. Eles até nos davam um certo medo: “será que vamos acabar que nem esses caras, perdedores?” Justino Vasconcelos: Ao mesmo tempo em que a gente começava a se desentender nos Garotos, as coisas passaram a apertar pro lado do rock no Brasil. Aqui no Sul, aumentavam cada vez mais as festas com locutores de rádios, e depois as bandas cover tomaram conta. Juarez Fonseca: Tinham muitas bandas querendo gravar quando o rock gaúcho estourou. E as gravadoras andavam viradas: os lançamentos estavam vendendo um monte e dando muito dinheiro. Mas, a maior parte dessas bandas ficaram com um disco só. Todo o dia tinha uma coisa acontecendo: era Urubu Rei, era o Júlio Reny, Engenheiros, Replicantes. Produtoras e gravadoras lotavam o Gigantinho, lotavam com os caras daqui e os caras de fora. Mas se fosse só os daqui também lotaria, pois a rádio Ipanema estava tocando. Márcio Petracco: Se tu fosse no Ocidente sem grana nessa época, era só ficar na área que cada um que ia no bar voltava trazendo cerveja pra todo mundo. Katia Suman: O mercado se consolidou a partir dos anos 80. As bandas conseguem sobreviver de música hoje, e nos anos 80 ninguém conseguia. Frank Jorge: Antigamente a coisa era mais suada, mais batalhada, demorava mais pra se formatar. Tu fazia a composição, a sonoridade, gravava a música no estúdio, levava pra rádio... Era mais lento e trabalhado, cada etapa era curtida com mais intensidade. Hoje em dia é mais mecânico. Não é nem o caso de dizer o que é melhor ou pior: hoje é diferente. As pessoas têm um outro tipo de noção. Não fazem banda hoje porque gostam de tocar com os amigos, montam pra dar certo, pra conseguirem gravadora e aparecerem no jornal. Eu acho que a coisa antes era mais artística. Tonho Meira: Cada banda fazia a sua história. Os Replicantes mandavam ver no barulho, o TNT tinha aquela coisa de rock’n’roll balada, extremamente adolescente. Os Garotos da Rua já eram um rock’n’roll mais ou menos tradicional e o Engenheiros também. Carlos Maltz: O mais legal é que as bandas hoje parecem estar mais qualificadas. Naquela época, éramos um tanto quanto ingênuos, e o mercado ainda estava sendo moldado. Não sabíamos nem que roupa vestir, que discurso fazer. Estávamos de peito aberto pras coisas, e pudemos constatar
mais tarde que isso jogou um pouco contra nós. Hoje, as bandas novas já surgem todas com uma imagem pronta. É importante ter esse tipo de percepção. Se tu deixar que as pessoas interpretem cada cabeça, cada uma vai interpretar uma coisa diferente de ti. É difícil. Rafael Rossatto: Os anos 80 eram uma gurizada de quinze, dezesseis anos quando começaram. A maioria não tinha faculdade. Eram músicos mesmo, roqueiros. Ter uma banda, tocar rock, se drogar muito – muita droga – e não viver essa história de cabecismo. As bandas de agora são de pessoas mais velhas na maioria, gurizada de faculdade, mais ciente das coisas. Hoje em dia não rola aquelas putarias que rolavam em camarim antes, aquelas drogas. A maioria das bandas novas não são drogadas, são poucos que se drogam muito. Carlo Pianta: Hoje em dia, as bandas são muito mais de tocar de cara, numa boa. Mano Changes: Nos anos 80 a sonoridade das bandas era mais parecida, e elas não tinham um relacionamento tão bom quanto hoje. Agora as bandas se conhecem mais, se prestigiam mais e cada uma tem o seu jeito de fazer música. Está todo mundo no caminho certo, fazendo shows, e tem espaço pra todo mundo. Não significa que temos que se adequar ao mercado de ninguém. Na hora de compor, a primeira coisa que conta é personalidade. Isso é muito importante. Humberto Gessinger: No boom do rock, na década de 80, quando tudo ainda era uma geleia geral, as pessoas pareciam mais a fim de ouvir e conhecer bandas. Se tu chegava com a fita demo na rádio de uma cidade do interior à tarde, pra que a música tocasse na programação, logo à noite já se fazia um show. E enchia. Aconteceu assim em Rio Grande: lotou o ginásio local, e o show foi transmitido de uma maneira muito tosca pelo rádio. Olhei pro lado e o repórter estava com um microfone grudado no meu amplificador! A rádio transmitiu uma hora e vinte só de guitarra – num cubo Giannini! Raul Albornoz: Existe uma grande diferença entre o boom dos anos 80 e o de agora. Porque hoje, apesar da participação de companhias grandes, como a Sony, que contratou a Comunidade e o Nenhum de Nós, tem um selo que é o Rock It!, que contratou a Ultramem. Tem a Abril que contratou a Video Hits. Nos anos 80, só tinha a multinacional. No dia em que eles decidiram ir embora, isso morreu. Todo mundo se profissionalizou. Os artistas entenderam que precisavam fazer música pro
mercado. Tiago Ribeiro: Atualmente, ter uma banda de rock me parece significativamente mais livre de traumas do que em décadas passadas, quando existia o estigma de que roqueiro é vagabundo e coisas do tipo. Isso sem contar toda a evolução tecnológica. Em todos esses aspectos, considero que a vida do cara que monta uma banda de rock está melhor. Pelo menos em Porto Alegre têm alguns locais razoáveis pra se tocar e um público que comparece a shows de bandas novas. Frank Franklin: As bandas novas aprenderam olhando as bandas velhas. Copiam em termos de som, mas não copiam o comportamento de bandas como TNT, Rosa Tattooada e Cascavelletes. Mauro Borba: Hoje em dia as bandas novas nem são mais tratadas como bandas gaúchas. Antes tinham as de fora, que vinham com aquela coisa da gravadora, todo o marketing, enquanto aqui os próprios caras iam nas rádios entregar uma fita. Agora o procedimento é o mesmo de quando sai um CD do Ira ou do Barão – não tem diferença. Léo Felipe: Quando o rock dominou no Garagem Hermética foi um período negro, de consumo de cocaína desenfreado. Uma época meio pobre e que veio acompanhada de uma decadência. A primeira vez em que se cogitou fechar o bar. Rafael Rossatto: O Garagem é um lugar que marcou o rock dos anos 90. Eles é que fuderam com o rock dos 90 em Porto Alegre, porque deram espaço pra aquela cena que não interessa, de tocar mal tocado. Ricardo Kudla: Na real, o Garagem tocava o que a gente queria e todo mundo gostava de tudo. Léo Felipe: As pessoas eram mais abertas pra dançar, hoje tem que ser... Carlinhos Carneiro: A impressão que tenho é que além dos grandes eventos, os caras da década de 80 tocavam muito na chinelagem. Hoje é diferente, porque já existe a opção do livrar-se da chinelagem. Tem que ser organizadamente roqueiro. Thedy Corrêa: Houve uma evolução na mentalidade das bandas novas do rock gaúcho. Porque, quando entramos no mercado, encontramos uma barreira de entidades que criaram algumas dificuldades pra nós. O que até é compreensível, porque elas nunca tinham ouvido falar da banda.
Mas a pancadaria grosseira começou aqui. Inclusive, por acharem que éramos uma armação, que a gravadora teria feito pra ser um novo “sei lá o quê”. O ambiente não era de uma convivência muito legal. Existia muita gente fazendo pouca coisa – e achando que fazia muito. A mentalidade da maioria das bandas que está aí, é do caralho. Elas se respeitam muito. Todos se defendem. É um sindicato onde todos se apoiam. Carlos Maltz: Vejo uma banda como a união de pessoas que não têm nenhum outro interesse a não ser tocar. É algo que acontece numa determinada idade e que não se faz pensando em ganhar dinheiro ou esse tipo de coisa. Percebo que está voltando esse negócio de tocar por tocar. A música, de uns tempos pra cá, está menos interessante. E cada vez menos brilhante, genial e expressiva. Virou um negócio – um negócio altamente lucrativo e chato. Justino Vasconcelos: Hoje a cena está muito melhor estruturada. Antes os caras nem sabiam o que era. Teve um show dos Garotos da Rua no interior que, como o cara era conhecido nosso, nem nos preocupamos. Chegamos lá, e nada! Nenhum equipamento! O cara não tinha nenhuma noção. Veio com uma conversa do tipo: “bom, é como uma batedeira, um ferro elétrico. É uma guitarra elétrica, liga na tomada e deu...” Como se a guitarra fizesse o som sozinha, ligada em uma tomada! Hoje, se um contratante não te dá no mínimo isso é porque ele é um sacana. Na verdade ele conhece as condições necessárias pra se fazer um show. Hoje tem um mercado de rock. Antes, era mais uma parte da gurizada que ouvia, mais segmentado... Nós abrimos o mercado a facão. Fomos os primeiros a fazer shows no interior. Lugares onde nunca teve nada parecido... Flávio Santos: Eu acho do caralho o que está acontecendo com a cena nova. Mas ao mesmo tempo vejo que todos estão indo por aquele caminho, de querer ir atrás do grande money, atrás do sucesso, de estourar, ganhar dinheiro. Acho que falta um pouco de despreocupação. Katia Suman: É evidente que hoje é muito mais fácil viver de rock. Qualquer guri num quarto faz uma fita demo, sozinho. Antes, gravar e registrar um trabalho era uma atitude de heroísmo, tinha uma mobilização enorme. Tudo era grana. O cara que tinha uma fita K7 era um desbravador. E as rádios começaram a tocar, principalmente a Ipanema. Isso meio que motivava os grupos. Porque sempre que alguém começa a fazer um som, existe o
sonho de que a coisa dê certo, que vá se viver de música. Tem um glamour, um certo deslumbramento com toda aquela história de viagens, mulheres... Egisto: O momento atual é bom. Mas as bandas baixaram o nível bastante pra tocar nas rádios. As bandas de hoje são bem inferiores às dos 70, 80 e até dos anos 90... Nelson Coelho de Castro: Cada geração vai ter a sorte de produzir músicos e artistas que irão fazer a crônica ou a trilha sonora do seu tempo. Vai haver o cara que vai fundar a Feira do Livro, outro vai fazer a Ospa, outro um disco independente... Mary Mezzari: Está acontecendo uma pequena inversão. Antigamente os caras se reuniam, eram amigos, tocavam na garagem de alguém aos sábados, iam formando repertório. Tocavam aqui e ali, começavam a fazer o seu público, a lotarem os shows e irem pro interior do Estado... De repente, surgia a oportunidade de gravar um disco. Então iam pras rádios, faziam sucesso e acontecia a banda. O que acontece hoje? O cara pega uma grana, reúne uns amigos, formam a banda e o repertório rapidamente... Ficam horas num estúdio, gravam e chegam nas rádios com CD, camiseta, adesivo, bottom, release, tudo pronto. É marqueteiro! Nenung: A referência em geral das pessoas pelo interior afora é muito antiga ainda. As pessoas fazem show de rock’n’roll como se fazia dez anos atrás... Tentando repetir TNT. E funciona, no interior funciona. Mas tu vem pra Porto Alegre, e isso não se encaixa. Marcito: Essa movimentação de bandas que começou a acontecer no final dos 90 no Rio Grande do Sul foi meio que uma revolução da galera – mesmo. Não foi por causa da mídia. As bandas estavam lançando discos, trabalhando na cena, e a galera percebeu isso. E foi juntando um público grande. Quando se foi ver, o público tanto do interior como da capital, estava pedindo a música dos grupos locais nas rádios e pedindo pra que as bandas tocassem na sua cidade. Christian: A Groove James nem pensava em fazer som e já assistia o show dos caras que já estão há dez, doze anos na estrada, uns até mais. Tocamos com eles e foi do caralho, aquela reação tipo: “nós somos putas velhas e vocês não”. Tudo uma grande chalaça, celebração. Humberto Gessinger: Parece que todo mundo já nasceu com curso de propaganda e marketing hoje em dia. Moleques de uns doze anos vêm me entregar o CD demo das suas bandas, já com um nome estudado e tudo. Os caras já nascem prontos pra matar! Eles gravam seus discos no quarto, com
uma capa bonita e tal... Mas, a questão é o seguinte: isso é real ou não? E é preciso fazer a coisa real! Antes, tu chegava num lugar do interior e niguém queria saber se tu era o primeiro cara da cidade a ter o disco dos Sex Pistols. Tu ia lá e tinha que fazer o show, e pronto – e foda-se. Solon Fishbone: As novas bandas do Rio Grande do Sul abriram mão de muitas convicções que tínhamos nos anos oitenta. Muitas deixaram de ser irredutíveis pra facilitar as coisas. Existem bandas que mudam radicalmente do primeiro pro segundo disco, e de repente, a onda já não é mais aquela. Então eles têm que surfar numa nova onda. Isso é muito perigoso. Luís Henrique Tchê Gomes: Hoje o desafio da gurizada é bem maior. Pepe Perurena: Tive pouco contato com shows de rock nos 80. Apenas sabia que existiam bandas diferentes das que tocavam no rádio porque sempre morei perto da Oswaldo, e os cartazes me chamavam a atenção. Mini: Teve uma época durante a década de 90, que tinham shows toda hora e pra todo tipo de público. Na Barros Cassal estava sempre fumando de gente, sempre com show de alguma banda pra se ver. Peter Francis: Sempre ouvi histórias das loucuras e da força musical dos anos 80, mas foi nos 90 que eu mais pude observar isso. E foi a pior década, artística e comercialmente. Só agora as pessoas estão voltando a consumir, sem preconceito, o rock gaúcho. Beto Nickhorn: Em 93, o rock estava meio em baixa em Porto Alegre. Todas aquelas bandas do começo dos 90 estavam acabando. A Sangue Sujo tinha acabado, os Replicantes estavam na geladeira. A Lovecraft começou com essa onda psicodélica, mas o CD saiu só em 96. O Júpiter Maçã entrou na cena um pouco depois. Em Brasília, a Lovecraft tinha muitos fãs. Fernando Nazer: Muitos pensam que a sonoridade das bandas do interior é datada. Mas, na capital, isso também ocorre, porque a música chegou a tal ponto em Porto Alegre, que dificilmente se conseguirá fazer algo diferente. Qual o motivo que faz com que Cascavelletes e TNT toquem ainda hoje e influenciem uma geração que veio quinze, vinte anos depois? Isso fica no ar. Essa influência não partiu de bandas anteriores, como Bixo da Seda e Liverpool. A influência maior partiu do rock
dos anos 80. Mini: A cena era completamente diferente de hoje nos anos 90. Pegamos um período de mudança. A internet, por exemplo, mudou a história do underground. Tem banda que começa e já tem página na internet. Flávio Soares: O heavy metal por aqui teve altos e baixos. A Leviaethan teve o azar de gravar um disco no início dos anos 90, por exemplo – quando o vinil estava sumindo. Na Madhouse é parecido: tem épocas que vende menos. Mas quem gosta, gosta. A loja enche, mesmo com falta de grana. Márcio Petracco: É mais fácil pra gurizada fazer as coisas agora: comprar instrumentos, cobrar cachê, é liberado com os coroas... Antes tinha que ter mais culhão. Também era outra geração, com outras expectativas, educação, meios de convívio... Gaby Benedyct: Hoje tu senta no teu computador pessoal e espalha a tua música pela internet. E faz cartaz, flyer... Quando antes tinha que se fazer cartazes grudando letrinhas com cola, pedir patrocínio pro cara do xerox, essas coisas... Mandar só dois, três releases. Por causa disso, hoje temos em Porto Alegre publicações que nada mais são do que a evolução dos fanzines neste mercado. Carlos Maltz: Não estou muito por dentro das coisas mais novas. Me cansei um pouco disso. Hoje em dia só escuto música new age. Quando começou a entrar muito na onda do besteirol, perdi o interesse. Tudo virou música pra maconheiro. Como não sou, não consigo acompanhar o que os caras estão falando. Ficou um negócio meio retardado mental. Mas com certeza devem ter coisas muito boas no Rio Grande do Sul que eu não conheço, porque estou por fora.
GAULESES E ROMANOS Egisto: O Rock Gaúcho não existe... Porto Alegre é um atraso. O público do interior, sim: é um púbico sério, que gosta de rock mesmo e que não está tão bitolado pela mídia como em Porto Alegre, que se acha uma cidade moderna... Moderna um caralho! Porto Alegre é um atraso de vida, sempre foi. Rock Gaúcho é uma mentira. Porto Alegre tem muita gente de classe média. É um pessoal que acaba indo pra música porque todo mundo foi colega de colégio. E depois acabam virando rappers, punks, rockers, trashers... Ficam nesses guetos de som. Porto Alegre só aceita uma banda que não tenha estilo... Que o estilo dela seja não agredir ninguém. Qualquer banda que agrida alguém não dá certo aqui. Edu K: A arrogância dos gaúchos já nos delegou ao separatismo. Se reclama que os cariocas e os paulistas são preconceituosos, mas fomos nós que começamos isso, que amarramos os cavalos no obelisco. Sempre tivemos uma cultura própria muito forte. É como se a gente fosse os gauleses e o resto do mundo fosse os romanos. As bandas de rock gaúcho estão sempre dando a letra, estão sempre à frente e sempre com muito mais culhão. O gaúcho, por ser gaulês, tem uma espécie de medo de não funcionar fora do Rio Grande do Sul. Mini: O Brasil vai demorar pra ser do jeito que queremos que seja pra banda de rock. Ou a gente pára de ficar sofrendo e se lamentando quando não pode viajar, ou a gente curte e fica fazendo shows dos Walverdes quando pinta a possibilidade. Se eu não curtir e me divertir vou ficar deprimido, mal-humorado e incomodando os outros. Flávio Santos: O grande diferencial do De Falla, e que tem muito a ver com o Rock Gaúcho, é que a gente nunca quis seguir uma linha só pra emplacar em rádios ou seguir as regras das gravadora. Humberto Gessinger: Vi muita gente apadrinhada que não durou na cena musical brasileira. Aqui no sul, então, este tipo de coisa acontece direto: a cidade e a cena são pequenas. Por causa disso, acaba tendo espaço grande pras coisas que não são muito de verdade, tipo: “o Fulano jantou com o Ciclano...” As coisas em Porto Alegre ainda funcionam meio na camaradagem, na bruxaria. Fernanda Takai: O que mais me chama atenção no Rio Grande do Sul, além da empatia mútua,
é o cuidado com a produção: som, conceitos visuais, boas performances ao vivo. Humberto Gessinger: Não é a função dos músicos criar uma escola. Por isso nunca quisemos carregar a bandeira do gauchismo. É muito babaca essa noção de “a escola impressionista, o grupo tal...” Glauco Mattoso: Minha primeira atenção ao Rock Gaúcho foi voltada pra uma banda chamada Garotos da Rua numa coletânea, a Rock Grande do Sul, ainda no tempo do vinil. Depois, veio o impacto dos Engenheiros no LP Ouça o Que eu Digo. Frequentei o gibi Mega e a revista COBRA, o que me colocou em contato e intercâmbio com os punks locais. Como produtor associado ao selo independente Rotten Records, tive oportunidade de incluir bandas de punk rock e oi!punk rock tipo Chulé de Coturno e ContraAtaque nas coletâneas que editamos. Agora, cego e sonetista, estou convidando representantes veteranos e emergentes pra que musiquem meus poemas, como já fizeram Humberto Gessinger e Wander Wildner. Pra mim não resta dúvida que o pé dos garotos gaúchos é o que melhor calça a bota surrada do rock mais courocru, distante da tropicalidade que diluiu e fundiu estilos acima do Capricórnio. Katia Suman: Existe um certo mito de que o público gaúcho é o máximo. Eu não acho que seja. A banda de rock gaúcha que mais vende, deve vender umas vinte mil cópias, por aí. E vinte mil não é nada, não é o Gigantinho lotado. Uma banda tipo Raimundos, Charlie Brown Jr., vende mais aqui do que qualquer banda local. Então, não tem essa de o público daqui dar uma força especial pro nosso rock. Isso é um mito. Teve um momento nos anos 80, que tinha aquele Rock Unificado, só com bandas gaúchas e lotava o Gigantinho. Hoje, nenhuma banda daqui lota o Gigantinho. Naquele momento tinha esse fenômeno. Justino Vasconcelos: No tempo em que os Garotos da Rua moravam no Rio de Janeiro, pensávamos que todo mundo gostava da gente. Mas simpatia é bem diferente de honestidade... Acabamos cansando. Pelo menos no sul todo mundo sabe quem vai com a cara de quem. Alemão Ronaldo: O negócio está aqui. Tinha que surgir mais gravadoras pra coisa mudar. É uma palhaçada querer sair daqui. Marcito: Os paulistas têm aquela coisa assim: “o Rio Grande do Sul é meio bairrista, nada entra. Só as bandas gaúchas conseguem tocar”. Isso é uma grande mentira porque, na verdade, o mercado paulista que é fechado. Aqui temos alta vendagem de CDs de bandas nacionais e de shows.
Carlos Eduardo Miranda: Quantas bandas tentaram várias coisas por São Paulo, Rio de Janeiro e quebraram a cara... Tem banda que, na boa, o som é feito pra tocar no seu Estado. Não é só no Rio Grande do Sul: todos os lugares têm seus astros. Frank Solari: As coisas são cíclicas. Existe o momento pro rock, pro samba, pro blues, pro dance etc. Quando o nível das bandas e do público for baixo o músico medíocre será considerado normal ou até bom. Quem apresentar um trabalho diferente e original irá se destacar naturalmente. Raros são os lugares que consigo frequentar hoje em dia pra ouvir o que gosto. Carlo Pianta: O que eu posso dizer dos anos 80 é que, das bandas legais, nenhuma deu certo, só os Replicantes. No segundo momento era pros Cascavelletes fazerem muito sucesso, pois era uma banda do caralho. Parece que é uma praga... Eu observava que os caras de São Paulo se sentiam como um centro de captação de informações – e tinham o direito de jogar essas pirações pras pessoas. Nós não: tínhamos acesso às informações alienígenas daqui. Havia um grupo pequeno de pessoas em Porto Alegre, que tinha contato entre si. Mesmo as bandas sendo de estilos diferentes, Replicantes, De Falla, todo mundo tinha um intercâmbio que gerou sons diferentes. Vini: São Paulo é meio mítica. E um pouco longe. É muito fácil chegar e dizer que tocou em São Paulo pra mil pessoas, que foi um sucesso, quando na verdade não foi ninguém no show. Gustavo X Aguirre: Ir pra São Paulo foi necessário e bom pra Justa Causa. Depois do primeiro disco independente, gravamos Diversão no Fim do Mundo pela RGE. Só que a gravadora não quis fazer nada pra divulgar. Era um disco pra vender 30 mil e vendeu 10 mil. A gente tinha uma expectativa bem maior. Nei Van Soria: A gente fazia isso, ia pra São Paulo e voltava dizendo que tinha sido demais, enquanto tinham ido doze pessoas. Raul Albornoz: Hoje, não existe como transportar a nossa cena, por exemplo, pra São Paulo. Não tem lugar pra tocar em São Paulo. Lá acontece o contrário daqui. Ou a tua banda é enorme ou tua banda não existe. Eu não chamaria mais o que está acontecendo aqui de underground. Até existe a cena underground, mas é outra coisa. Hoje parece que o rock gaúcho foi para o mainstream – não o mainstream da grande mídia.
Sidito, el Magnífico: Nós chegamos à conclusão que o tempo gasto pra chegar no Rio e São Paulo é o mesmo que se a gente trabalhar pra Montevidéu, Buenos Aires – que são capitais grandes, e têm a ver com o tipo de som que fazemos. Flávio Santos: Tem essa história de o rock do Rio Grande do Sul ser muito forte. Não sei o que é. Naturalmente, tu começa a sentir que está faltando alguma coisa: “tá faltando guitarra, tem que botar guitarra”. É que nós temos isso. Nós somos o Estado mais de esquerda do Brasil. Essa é uma coisa que temos na veia. Ou de tentar ser diferente, também. E aí, nisso, vai botando guitarra... Humberto Gessinger: Temos um lance diferente na maneira de lidar com o humor, com a arte, com tudo... O que é um pouco difícil de entender em outros Estados: “esses gaúchos são tão arrogantes...”, é assim que eles entendem. E, pô, somos super humildes. A maioria do pessoal tem um pouco da cara do interior... Mas essa percepção nem tem a ver com uma questão estrutural ou conceitual: nos acham arrogantes por uma maneira de falar, por uma espécie de filigrana formal... Não tem nada a ver com cultura gaúcha, nada a ver. E se já é difícil eles aceitarem a gaúcha, então a porto-alegrense vai demorar mais um pouco... Bebeto Alves:: Essa mítica de que o público gaúcho é mais preparado, é mais politizado, pra mim é uma balela. O potencial de público que temos aqui é muito grande, mas ele está afeito as peripécias da mídia. Porém, temos um público alternativo, muito pequeno e seletivo, que consome nosso trabalho. A própria Porto Alegre de vinte anos atrás era diferente: a cidade tinha o Bom Fim, e acabou. Thadeu Malta: Os jornais do centro do país descobriram as bandas de rock e pop do Rio Grande do Sul. Nunca se fez tanta matéria com bandas do sul como hoje em dia. Mas o que eu não aguento são os títulos do tipo: “O boom do sul”, “O movimento que vem do sul” e coisas do gênero. Os caras não se dão ao trabalho de pesquisar um pouquinho. Tão achando que aqui se faz música em série também. A cena hoje é consistente, tem trabalho de base. Não é nenhum boom ou movimento da música, o que já implicaria em algo organizado. Boom é algo que já nasce morto, com data pra acabar. Aquele modismo básico, definitivamente, não é o que temos aqui hoje em dia. A atmosfera que respiramos é algo permanente, cada vez mais profissional, do dia a dia. Há uma cultura e, principalmente, um mercado pra toda essa produção. Portanto, rechaço qualquer colocação desse
tipo. Carlos Maltz: O Nenhum de Nós faz shows direto, em todos os lugares do Estado. O mercado daqui não é tão permeável quanto o do resto do Brasil, onde os modismos colam mais. É um fenômeno que só encontra equivalente na Bahia, com o axé. Acho que, nisso, há um paralelo. Thedy Corrêa: Não estamos mais isolados dos romanos. O que, pra mim, é bom. Temos aqui um problema de autoestima que não conseguimos entender. Aquela coisa de cadeia evolutiva: o fato de a música gaúcha não emplacar é uma coisa que acontece com toda música que tem mais qualidade. E achamos que isso só ocorre conosco. O movimento mangue beat, por exemplo, esteve pra estourar – e não estourou. Lá, porém, é forte. Num caso mais recente, a música do Nenhum de Nós “Amanhã ou Depois” ficou brigando entre as trinta mais tocadas do Brasil num sanduíche de popularzão. É Daniel, Vavá, essas coisas, e a gente no meio. É óbvio que, ao fazer música específica pra um segmento de público, não tem essa de: “ah, por que não estoura!?” Carlo Pianta: Algumas bandas parecem fadadas a se tornarem novas levas de Caetanos Velosos. Os caras como Herbert Vianna, Renato Russo, começam a falar, mandar mensagens pra gerações, ridículo. O pessoal do Kiss que é legal, eles não têm nada disso, é só gandaia mesmo. Reinaldo Barriga: Porto Alegre é uma cidade avançada em matéria de rock e pop. Existem músicos até sem habilidade, mas com intelecto muito bom – mais voluntariosos do que técnicos. Raul Albornoz: Nossa cena é construída de forma concreta, pois não é uma coisa pré-fabricada. Agora, é difícil prever se realmente vamos conseguir uma explosão no resto do Brasil. A distância geográfica é uma coisa muito difícil. Por exemplo: as bandas vão ter que morar em São Paulo. E lá não tem os shows pra sobreviver. Terão que ficar três anos lá pra alcançar o sucesso que eles têm aqui. Ou tu larga tudo e começa do zero ou tu continua aqui fazendo o teu som, fazendo show pra quatro mil pessoas, vendendo vinte mil cópias, tocando em todas as rádios. Rafael Rossatto: Um jornalista falou que a Bidê ou Balde é uma banda da Abril, vendida, por isso as críticas são boas. Eu respondi pro cara: “quando uma banda gaúcha sai daqui eu fico feliz. Porque não tem de ficar aturando as merdas que vêm lá de cima.” Bebeco Garcia: Quando você coloca coisas, tipo: “isso aqui é o Rock Gaúcho”, automaticamente você regionalizou. E ela é posta num plano: “mas por que não é brasileiro?” O Rio
Grande do Sul se coloca em situação de desvantagem – e no entanto não está. Bebeto Alves: O que acontece no Rio Grande do Sul é um problema interno, de identidade, de autoestima. Porque as pessoas não têm nenhuma autoestima e nenhuma identificação com as coisas que são feitas a partir de uma ideia regional. Isso é o que dificulta. Mini: Santa Catarina que é afudê. A gente é sempre bem recebido por lá. Tocamos num bar tri famoso do meio underground chamado Curupira, em Guaramirim. Ele fica num sitiozinho no alto do morro e rolam os shows num galpão de madeira. Vai muita gente e as pessoas são mais relax também. No Rio Grande do Sul rola uma cobrança. Na real, a galera daqui é muito exigente, chega a ser meio chato. Não rola diversão. No começo dos anos 90, no Garagem é que que era bom, porque não tinha essa história de sacar. Todo mundo se pogueava. Marcelo Birck: Chapecó é a cidade onde mais se ouve rock gaúcho. Muitas bandas são montadas tendo como referência as bandas de Porto Alegre. Carlos Eduardo Miranda: Isso é até uma coisa que as pessoas se equivocam, na verdade. O rock gaúcho é um rock feito no sul. Como é o nome disso: rock gaúcho. O rock feito em São Paulo, como é que chama: rock paulista. O rock feito no Brasil: rock brasileiro. É débil o cara achar que não existe rock gaúcho. Agora, o Movimento do Rock Gaúcho... aí já é uma questão... burro quem diz que não existe. Estrategicamente e mercadologicamente, eu vou dizer que mais de uma vez eu já lutei por isso e apliquei esse nome. Se não falar que é um movimento do rock gaúcho, é uma banda que vai sobressair e outros vão tomar no cu. Humberto Gessinger: Não vai ser com um manifesto das bandas que essa ressabiação com a música gaúcha vai se romper. É legal se reunir, ser amigo. Mas aos quarenta e quatro do segundo tempo, é tudo uma canção. Beto Bruno: Eu acho Porto Alegre mais distante do centro do país e mais perto do centro do mundo. Por exemplo, muita gente acha: “aí vocês ficam tocando roquezinhos em inglês. São uns baitas de uns preconceituosos”. Mas, ao mesmo tempo, eu acho que preconceituosos são eles, de não olharem pro resto do mundo. De pensarem que o rock’n’roll só existe em Porto Alegre. Flávio Santos: Nos anos 80, eu discotequei em festas pra ganhar uma grana. Tocávamos o que
estava rolando na época: BTO, Raul Seixas, Dire Straits, Rita Lee, Eric Clapton... Mas, o Miranda, por exemplo, tinha um arquivo com coisas que ninguém conhecia. Nosso público era bem perto do surfista, embora nenhum de nós surfasse. Mas estava bem perto: se a gente botava som, os surfistas iam nas festas. Era um contexto brutalmente diferente, se comparado ao de hoje: não tinha FM, não tinha MTV, não tinha porra nenhuma. Ainda estava na época de muito experimentalismo – álcool, drogas. Não existia nem mesmo democracia no Brasil. E nós, como éramos todos de classe médiaalta, nem sabíamos direito o que estava acontecendo no país. Frank Solari: Existe espaço pra todos. O que importa realmente é passar uma mensagem legal, fazer o que se gosta. Não interessa se tu toca rock com três acordes ou música erudita. No meu caso tenho muitas influências. Trago junto fãs do rock, blues, heavy metal, jazz etc. Edu K: Tu não pode esperar que os romanos sejam que nem os gauleses, ninguém é como a gente. Isso não é bairrismo, é a pura realidade. Quando a gente estava bem no início conseguimos destaque, respeito. A gente não fez sucesso nem vendeu muito disco. Mas é uma banda respeitada em São Paulo, no Rio – ou seja, em outros países. King Jim:: Hoje a banda faz sucesso aqui, mas não consegue fazer sucesso no centro do país, como acontecia na década de 80. E os músicos preferem ficar aqui: o mercado é melhor e tu curte isso. Ficar com a visão de fazer sucesso no Brasil inteiro, ir pro Rio, São Paulo... Daqui a pouco, isso desmancha a banda. Muitas tiveram esse fim, dezenas de artistas. Chegam lá, a gravadora os colocam num apartamento. E esperam, sem show, sem dinheiro da gravadora, salário... Humberto Gessinger: As pessoas acham os gaúchos arrogantes porque optamos por não levar a indústria cultural muito a sério. Até porque temos um histórico de entradas muito pequeno nesta indústria. A música “Longe demais das capitais” fala um pouco sobre esse afastamento da indústria cultural. Mas não é um estandarte: não se deve compor uma música pensando nisso, num relatório da cultura gaúcha. Flávio Santos: Porque que o Recife se deu bem? Porque com o mangue beat eles conseguiram se juntar, fazer um som que é uma coisa deles... E em Porto Alegre nunca teve uma turma que fizesse a mesma coisa. Todo mundo faz uma coisa diferente da outra. Pode chamar de rock, mas cada um faz de um jeito. O nosso som regional é uma coisa que pra Porto Alegre não rola, antes rolava um preconceito. Hoje é uma coisa mais aberta. Mas é um som que nunca me bateu – seria mentiroso se eu dissesse que gaudério é afudê.
Marcelo Birck: Não é nada difícil perceber que, na maioria das músicas que circulam nas rádios gaudérias, a temática fala de alegria, companheirismo, hospitalidade, celebram a felicidade do amor, exaltam as festanças... O gaúcho não faz apenas questão de proclamar sua autonomia: ele considera este direito inalienável – e pense o que bem entender quem enxergar nisso qualquer presunção ou jactância. Não há problema algum em um povo ter uma imagem positiva de si mesmo. A satisfação de proclamá-la abertamente, então, nem se fala. Mas, neste processo, há um fato curioso a ser percebido: as tradições e práticas gauchescas são coisas tão familiares quanto distantes pra boa parte dos habitantes do Rio Grande do Sul – aqueles que vivem dentro dos centros urbanos. Neste vácuo entre pólos antagônicos, algo como um vazio fértil, uma outra atitude musical acaba se impondo, naturalmente. E isso existe, por exemplo, desde o início do século passado: enquanto o país era tomado por discussões inflamadas entre dodecafônicos e nacionalistas, o compositor Armando Albuquerque criou uma obra indispensável, à margem de ambos os grupos. Seja como for, este vazio fértil já foi percebido. Na segunda metade dos anos 90, a imprensa nacional disse coisas do tipo: “na cartilha do rock gaúcho, o verbo ousar vem antes de usar”; “as bandas do sul estão pouco se lixando se o seu som está fora de tom ou se encaixa no estilo do momento na indústria fonográfica nacional”; “Porto Alegre é a capital nacional da esquisitice”... Foi nessa época que eu e outras pessoas entramos nessa comparação com os gauleses. Sejam gauleses ou gaudérios, não vem ao caso: o essencial está no irredutível. Pedro Porto: Não acho que seja fundamental uma banda falar coisas sérias. A música pode ser boa tanto se tu passar uma mensagem construtiva quanto se tu falar uma coisa que não tenha nenhum valor didático. Têm vários exemplos de bandas que fazem isso: cantam letras engraçadas, de bom humor e sem passar nenhuma mensagem. Mas estão levando uma coisa legal pra quem está ouvindo – pois a pessoa está se divertindo enquanto ouve. Frank Jorge: Teve um momento muito sério da imprensa do resto do país, principalmente de São Paulo, de antipatizar com o rock gaúcho catalogando de engraçadinho. Mas a Graforreia, por exemplo, se caracterizou por ter uma sonoridade esquisita – não por ser uma banda engraçada. A gente ficou conhecido em todo o Brasil como uma banda de bons músicos. A Comunidade Nin-Jitsu faz um trabalho que tem a ver com humor... mas tem mais a ver com uma sacanagem! O nome da banda também é esquisito. Então, eles acabam classificando como se fosse uma coisa só.
Humberto Gessinger: O Rio Grande do Sul é sério demais, até nas ironias. Eu senti isso quando os Engenheiros começaram a sair daqui: a dificuldade de traduzir um certo humor que é super peculiar do Estado. Têm umas manchas negras e autoirônicas no humor gaúcho muito difíceis de serem traduzidas pro resto do país. E pra uma banda ser engraçadinha, ela precisa ser completamente engraçadinha! Juarez Fonseca: Da metade dos anos 90 pra cá o rock brasileiro perdeu o espaço que tinha. Talvez por ter se tornado sério demais, não sei. Entra no campo da especulação. Ficou sério demais... Aí vêm as bandas divertidas e elas acabam sendo detonadas. Carlos Branco: Se tu for analisar pela imprensa de São Paulo, eles vão dizer que todo o rock gaúcho é engraçadinho. E a gente sabe que não é isso: têm bandas de vários tipos. Na verdade, a indústria rotula tudo porque é mais fácil de vender. Isso tem muito a ver com o que o Caetano Veloso diz na música dele, que o Rio Grande do Sul é a verdadeira Bahia. Tem tudo a ver com essa cena roqueira. De repente, parece que aqui não é Brasil! Arthur de Faria: Sempre generalizam: o De Falla tinha aquela coisa de antecipar a próxima moda; a Graforreia tinha aquela coisa de não dar bola pra moda. Eles criaram uma coisa deles. E a partir daí seguiu... É muito maluco pensar que tem uma tradição de, sei lá, treze anos, com diversas bandas surgidas desses conceitos. É um negócio que não tem em nenhum lugar do mundo, só no Rio Grande do Sul. Uma mistura de rock dos anos 60, cuja nossa matriz é a Jovem Guarda – e qualquer lugar do mundo vai ter a sua Jovem Guarda –, misturado com música aleatória, de ruído, diatonalismo, politonalismo, um monte de coisas... Posso estar enganado, mas isso não existe em outros lugares do mundo. E é música gaúcha, igual a uma dança de bugio... Como a gente está convivendo com isso, acabamos sem ter muito essa noção. Tonho Crocco: O importante é passar o que tu é. E a Ultramen é meio séria, mesmo. Ao mesmo tempo, tentamos nos distanciar do politicamente correto. Principalmente em querer passar uma apologia ou força política: não temos essa pretensão de sermos os donos da verdade. Diego Medina: Eu acho é que está acontecendo um surto no exterior, de música deprimida.
Música deprê. Nosso rock tem humor, isso não dá pra negar... Eu não posso chegar e dizer: “não, o trabalho da Video Hits é sério!” Márcio Petracco: Comecei com mais sorte do que juízo, porque não sabia tocar porra nenhuma. Era do it yourself, filosofia punk rock mesmo. Com isso, devo ter emputecido muitos músicos da geração anterior. Mas quem disse que as pessoas querem músicas sérias? Ser um bom palhaço é uma arte. Carlinhos Carneiro: Rótulo de rock engraçadinho é uma merda. Mas, parando pra pensar, essa é uma tradição do rock nacional: ser irônico. Não ser engraçadinho, ser palhaço... Ninguém na Bidê ou Balde é palhaço de ninguém, ninguém na Graforreia era palhaço, porra! Palhaçada eram os Mamonas Assassinas. E não lembro de nada gaúcho que se assemelhe àquela bosta! O lance é que a galera que faz rock de verdade, com vontade e referência, tem essa infeliz tendência por divertir-se enquanto faz isso... Então, o rock nacional sempre foi algo divertido, vinculado à época em que era feito. Flávio Santos: As bandas daqui não são engraçadinhas: são divertidas. E a diversão é bem mais ácida. É uma coisa que tem dois lados. Nino Lee: Sempre teve bom humor na história do rock. E aqui no Rio Grande do Sul, essa coisa estava presente desde os Almôndegas. O De Falla podia não ter bom humor nas letras, mas tinha no visual. A Tarcísio Meira’s Band era uma banda legal! E os gaúchos não achavam aquelas bandas engraçadas. Pedro Porto: Engraçadinho eram os Mamonas Assassinas! É ridículo dizer que rock gaúcho se caracteriza assim, porque bom humor na música é algo que tem valor. Quantas bandas dos anos 60 nos Estados Unidos eram bem-humoradas? Ser bem-humorado é positivo na música. Malásia: Ficar pregando pros outros: “façam isso, façam aquilo...” é uma coisa muito chata mesmo. Não temos que dizer pros outros o que fazer. O que tu tem é uma coisa positiva pra falar. Marcelo Birck: Sobrevivemos a muitas coisas. Inclusive ao tipo de estética em moda na época do Mamonas Assassinas. A Aristóteles de Ananias Jr. subia no palco e as pessoas berravam pedindo Mamonas... E nós éramos muito anteriores a eles! O problema é que, pela nossa imagem nas fotos, o
pessoal associava uma banda a outra. Heron Heinz: Os caras não entendem é nada. De repente, não vão nem ver os shows. Eu acho um saco essa história de rock engraçadinho com o Replicantes. No nosso próximo disco vamos mandar eles pra puta que pariu, como fazíamos com o Caetano Veloso. Carlos Eduardo Miranda: As pessoas em São Paulo olham pro rock gaúcho e acham que essas coisas são engraçadinhas. Eles não entendem que a gente é mesmo é louco... Mas também, ninguém tem culhão pra responder isso pros caras! “Velho, engraçadinho é o cu da velha! Eu sou é maluco!”. Acho que também tem um pouco disso: as pessoas não se assumem como são. E o humor gaúcho é um humor diferente... É cáustico pra caralho, é quase mal-humorado. Todo mundo nos considera uns puta de uns loucos. E a gente é que nem os gauleses... Os gaúchos são foda. Eron Felipe: Não param de pipocar bandas e trabalhos na cena local. A produção nunca cessou... E, neste momento, muitos fatores estão colaborando pra injetar um novo ânimo nas pessoas e motivá-las a criar, gravar e lançar novas bandas. Egisto: O gaúcho sobe muito nas tamancas e não agrada. Quando pedem pra que ele cite uma banda gaúcha, só cita as bandas dos amigos... Uma banda que é legal mesmo, não citam. Eles têm medo que aquele cara pegue o lugar deles. Várias bandas em Porto Alegre lançaram disco, fizeram sucesso e, depois, demoraram três anos pra lançar outro... Porque não sabiam o motivo pelo qual fizeram sucesso! Se tu sabe... lança logo o outro! Raul Albornoz: Ninguém está vendendo a sétima maravilha do mundo. Agora, que a gente tem uma coisa especial aqui, não dá pra negar. Não somos nós que dizemos. Algo de especial está acontecendo com a nossa música jovem aqui no sul. E que não acontece em nenhum outro lugar. Gonow: Esse negócio de ralar pra música é antigo... Uma coisa é certa: a noção que as pessoas têm de ti enquanto músico é a seguinte: se tu não ganha nada com som, tu é um vadio; se tu ganha muita grana, tu está trabalhando! Arthur de Faria: A música popular gaúcha, chamada MPG – e que felizmente largou este rótulo – estava muito bem no início dos anos 80. E a MPB, muito ruim. Aqui tinha um monte de gente
fazendo coisas legais: o Nei Lisboa, o Bebeto Alves, o Vitor Ramil, o Nelson Coelho de Castro... Só que, logo depois, a mídia acabou se virando pras bandas de rock, que era um negócio muito mais bem feito do que a MPB da época. E foi ridículo, porque vimos grandes caras do som brasileiro da década de 70 tentando seguir esse bonde do rock. No Rio Grande do Sul aconteceu a mesma coisa: o rock emplacou e meio que soterrou a MPG. Foi injusto. Renegou caras que são muito talentosos. Humberto Gessinger: Até hoje eu não sei falar entre as músicas no show – e isso me deixa completamente arrasado. Me sinto o maior amador. Eu vejo os caras que são super bandidos, metidos a underground fazendo isso, e me dá uma inveja. Eles param a música e falam: “o nosso CD está à venda ali embaixo, nossa camiseta também!” Sou um otário por não conseguir fazer isso em dezesseis anos na estrada! Estou me assumindo como um babaca: não acho que os caras estejam errados por venderem camisetas. Duda Calvin: Um cara me fez uma comparação mais ou menos assim: sabe quando tu está na escola e chega um garoto novo, de outra cidade? O pensamento é: “bah, lá vem o cara pegar as nossas minas!” É a mesma coisa. Se a tua banda chegar botando banca, não vai conseguir nada... Tem que começar do zero. Zé do Trompete: Nunca dei muita bola pra nome, pra essa porra de fama. Porque atrapalha muito o artista. E, de repente, tu tem que fazer uma história de ficar lá tocando, tipo marionete... Eu não sou chegado. Não critico, mas não gosto. Plato Divorak: Este papo entre mainstream e underground é um troço ingênuo e fake. Os artistas da música eletrônica, por exemplo, lançam seus CDs de qualquer jeito e obtém algum retorno... Sid Poffo: É muito melhor quando se vai passo a passo, porque tu fica sabendo como as coisas acontecem pra banda. Tu vai subindo todos os degraus, até engrenar. Desse jeito, pra cair da escada é mais difícil. Até porque nada vem de mão beijada. Tudo é muito suado. Peter Francis: O futuro vai ser da banda mais marqueteira. Até pouco tempo, as bandas cresciam e faziam seu primeiro trabalho de um jeito ruim. E, aos poucos, iam melhorando... Hoje tu tem que estar prontinho, perfeito musicalmente, e muito bem posicionado pro consumo. Bem que poderia voltar aquela época inocente de fazer música, pelo simples fato de ser sincero, de agradar a toda a massa funkeira...
Mauro Borba: As pessoas dizem: “está na hora do rock gaúcho”. Mas não é um movimento organizado. Não é um levante... Têm umas bandas que nem conhecem as outras. É o momento que favorece. As rádios estão tocando, tem um selo que lança, tem a banda que surgiu no momento certo e está acontecendo... Daqui a pouco podem não ter mais as rádios... Não é uma previsão pessimista da coisa, mas pode acontecer, assim como o contrário. Eu acho que é um conjunto de fatores que age favoravelmente. E esse papo de estouro do rock gaúcho eu ouço desde que comecei em rádio.
Thadeu Malta: Sem dúvida que existe hoje um trabalho focado nas rádios que tocam o rock e o pop mais rock. São estilos que têm um espaço e uma importância diferente do alternativo. Ou seja: tem a visibilidade de uma mercadoria exposta – e eu acredito que isso seja vital. O rock está com execução de rádio pop, e isto é fruto de um amadurecimento nas relações. Da parte das bandas, porque estão sendo felizes em captar necessidades numa atmosfera cansada de mesmices. E, das rádios, porque descobriram que é impossível agradar gregos e baianos, sem prejuízo, por mais audiência que queiram. Carlos Branco: O Rio Grande do Sul tem um mercado super forte. Todo mundo que chega se surpreende com isso. Tem um monte de gente que vive de música aqui... Não pode ter muito essa preocupação de: “será que agora vai dar?” O mercado pop não está muito legal mesmo... A música popular brasileira está voltando a ter um bom espaço na mídia. E o mercado alternativo também está crescendo muito – mas não vai alcançar nem vinte por cento do total. Jacques Maciel: Quem acha que vai durar para sempre está fudido.
INDEX! (original de 2001) Alemão Ronaldo: Músico. Vocalista. Ex-integrante da Supersound, Bixo da Seda, Taranatiriça e Sound Company. Vocalista fundador da Bandaliera. Alexandre Barea: Músico. Baterista. Ex-integrante das bandas Cascavelletes, Pesadelo, Solon Fishbone y los Cobras e J.J & CO. Baterista da Radiofonia. Alexandre Ograndi: Músico. Baterista. Ex-integrante da Prisão de Ventre, Aristóteles de Ananias Jr., Graforreia Xilarmônica e De Falla. Baterista de Marcelo Birck. Arthur de Faria: Jornalista. Comunicador da rádio Pop Rock. Músico. Produtor e compositor do Arthur de Faria & Seu Conjunto. Astronauta Pinguim: Músico. Tecladista. Ex-integrante dos Argonautas e Fashion Guru. Tecladista da Astronauta Pinguim e os Baleados, Os Arnaldos e Justa Causa. Bebeco Garcia: Músico. Guitarrista. Vocalista. Ex-integrante dos Garotos da Rua. Participou dos grupos de Carlinhos Hartlieb e Mutuca. Guitarrista e vocalista da Bebeco Garcia e Bando dos Ciganos. Bebeto Alves: Músico. Guitarrista. Vocalista. Ex-integrante das bandas Utopia, Bebeto Nunes Alves e Bebeto Alves Group. Artista solo e compositor. Beto Nickhorn: Músico. Guitarrista. Ex-integrante da Lovecraft, Dellips e da banda de apoio de Wander Wildner. Guitarrista dos Hipnóticos, She’s Ok e Eletrosônicos. Beto Bruno: Músico. Vocalista. Compositor. Ex-integrante dos Malvados Azuis. Vocalista da Cachorro Grande. Bia Werther: Cineasta, ex-proprietária do bar Megazine e ex-integrante da banda Academias Chiquérrimas. Biba Meira: Baterista. Ex-integrante do Urubu Rei, Fluxo, De Falla, Akt1, Edgard Scandurra,
Ceres e Quintos do Inferno. Baterista da Dolly. Branca: Músico. Guitarrista. Ex-integrante do Pupilas Dilatadas. Guitarrista e vocalista da M16. Buda: Músico. Baixista. Ex-integrante dos Monges, Sigma e Água de Pedra. Baixista da Barba Ruiva & os Corsários. Careca da Silva: Ator. Músico. Ex-integrante das bandas Os Totais, Fabulosos Irmãos Brothers (Os Irmãos Brothers) e Academia de Dança. Carlo Pianta: Músico. Ex-baixista da Fluxo, Expresso Oriente e De Falla. Ex-guitarrista da Graforreia Xilarmônica. Ex-integrante das bandas Grou, Ceres e B. Bossa. Membro do grupo Os Ascensoristas. Carlos Branco: Empresário cultural. Diretor da Branco Produções e do selo musical Barulinho. Carlinhos Carneiro: Músico. Ex-vocalista da banda Banda (ou banda Idem), Os Caspudos e Efebia Ateniense. Vocalista da Bidê ou Balde. Membro do movimento anti-revolucionário Vive Le Flesh Nouveau! “Modeloator”. Carlos Eduardo Miranda: “Não-Músico”. Jornalista. Agitador da cena. Ex-integrante das bandas Taranatiriça, Urubu Rei, A Vingança de Montezuma, Três Almas Perdidas e Atahualpa y us Pânques. Ex-executivo dos selos Banguela e Excelente. Produtor e executivo da gravadora Trama. Carlos Gerbase: Músico. Ex-baterista. Vocalista dos Replicantes. Cineasta. Jornalista. Carlos Stein: Músico. Guitarrista. Integrante, por alguns shows, do início dos Engenheiros do Hawaii. Guitarrista do Nenhum de Nós. Carlos Maltz: Músico. Ex-integrante dos Engenheiros do Hawaii. Astrólogo. Artista solo. Cascalho (Antônio Carlos Contursi): Radialista. Jornalista.
Cau Gomes: Diretor de palco. Ex-roadie das bandas Nenhum de Nós, Garotos da Rua, Nei Lisboa, Vitor Ramil, Gilberto Gil. Trabalhou como roadie para B.B. King e Iron Maiden nos shows em Porto Alegre. Cesar: Músico. Ex-percussionista das bandas Urro, Da Guedes, Reverendo Cesar, Havoc e Bebeco Garcia e O Bando de Ciganos. Vocalista da banda Os Filhos de Jorge. Chaminé: Músico. Compositor. Ex-baixista de Hermes Aquino e das bandas Succo, Bobo da Corte, Em Palpos de Aranha, Solon Fishbone y los Cobras, Saracura e J.J. & Co. Chico Bretanha: Músico. Guitarrista. Ex-integrante da O Espírito da Coisa. Guitarrista da Groove James. Chico Padilha: Músico. Baixista. Ex-integrante da Chave do Sol, Kook’s e Dama da Noite. Artista solo. Christian Ferreira Jung, o Tião: Músico. Ex-integrante da O Espírito da Coisa. Baterista da Groove James. Cida Pimentel: Produtora musical. Claudinho Pereira: Radialista. Produtor Cultural. Diretor de TV. “O primeiro DJ de Porto Alegre”. Cláudio Levitan: Músico. Compositor. Ex-integrante dos The Bachfools. Co-autor dos espetáculos Amelita, Cabeça, Corpo e Membros e Em Palpos de Aranha. Claudio Vera Cruz: Músico. Violonista e guitarrista. Ex-integrante das bandas Som 4, Liverpool, Bixo da Seda, Eureka e Os Totais. Cléo de Paris: Atriz. Ex-vocalista da banda Acretinice me Atray. Vocalista da Lanterna Mágica. Dante Longo: Road Manager do Nenhum de Nós. DJ.
Daniel Fontoura: Músico. Baterista da Dama da Noite. Diego Medina: Músico. Vocalista e guitarrista. Ex-integrante das bandas Los Bassetas, Doiseu Mimdoisema e Grupo Musical Jerusalém. Guitarrista e vocalista da Video Hits. Dedé: Músico. Baterista. Ex-integrante da banda Apartheid. Duca Leindecker: Músico. Guitarrista. Vocalista. Compositor. Ex-integrante das bandas Prize e Bandaliera. Artista solo. Guitarrista e vocalista da Cidadão Quem. Escritor. Duda Calvin: Músico. Vocalista da Tequila Baby. Dudu Magalhães: Músico. Guitarrista da winston. Edu K: Músico. Guitarrista e vocalista. Ex-integrante das bandas Fanzine, Fluxo, KM-0, De Falla, A Vingança de Montezuma, Coverboys e 2 Stupidogz. Artista solo. Produtor. “O maior golpista da Gália”. Eduardo Normann: Músico. Guitarrista da Space Rave e da Musical Spectro. Guitarrista e tecladista dos The Clones. Ex-baixista dos Cellophanes. Compositor de trilhas sonoras para cinema. Eduardo Santos: Radialista da rádio Ipanema FM. Apresentador da TV Bandeirantes RS. Egisto: Músico. Produtor. Compositor. Ex-integrante das bandas Ponto de Vista, Colarinhos Caóticos, Elektra, Groo Brothers, Acretinice me Atray, Benedyct Eskine, Saltin Mantra. Artista solo como Egisto Ophodge, Egisto 2 e Egisto Dal Santo. Eron Felipe: Radialista. Ex-comunicador da rede Atlântida de rádio. Diretor de programação da rádio Ipanema FM. Fernanda Takai: Vocalista do Pato Fu. Fernando Nazer: Empresário. Proprietário do selo Gens Cooperativa de Músicos e da loja Magazine Records. Novo proprietário do Garagem Hermética.
Fernando Noronha: Guitarrista da banda Fernando Noronha e Black Soul. Fernando Pezão: Músico. Baterista. Ex-integrante das bandas Mantra, Almôndegas e Saracura. Baterista dos Papas da Língua. Fiapo Barth: Empresário. Diretor de Arte. Proprietário do bar Ocidente. Flávio Basso (Jupiter Apple): Compositor. Multiinstrumentista. Ex-guitarrista e vocalista na primeira fase do TNT. Ex-guitarrista e vocalista dos Cascavelletes. Artista solo como Júpiter Maçã e Jupiter Apple. “Trabalhando com cinema”. Flávio Santos: Músico. Baixista. Ex-baixista do Taranatiriça, Urubu Rei, De Falla, Athaualpa y us Pânques, Júlio Reny e Expresso Oriente, Suelen, Miguel e Almas. Ex-guitarrista da banda Syd Barreto. Artista solo como Flu. Flávio Soares: Músico. Baixista. Ex-integrante do Leviaethan. Proprietário da loja de discos Madhouse. Francis Oliveira: Músico. Ex-baixista das bandas Jkbak e Os Dedicados Seguidores da Moda. Frank Jorge: Músico. Compositor. Produtor. Escritor. Ex-baixista e guitarrista da Prisão de Ventre e dos Cascavalletes. Ex-baixista da Graforreia Xilarmônica e da Expresso Oriente. Extecladista da Black Master. Ex-guitarrista da Lovecraft. Violão e voz na dupla Frank & Plato. Tecladista e baixista dos Cowboys Espirituais. Artista solo. Frank Solari: Músico. Guitarrista. Compositor. Produtor. Fredi Endres: Músico. Guitarrista. Ex-integrante da XYZ, Borboleta Negra e Funkstein. Guitarrista da Comunidade Nin-Jitsu. Frank Franklin: Jornalista. Fughetti Luz: Músico. Compositor. Cidadão emérito de Porto Alegre. Ex-vocalista das bandas
Liverpool, Laranja Mecânica, Trilha do Sol, Bobo da Corte, Bixo da Seda e Taquicardia. Incentivador e compositor da Bandaliera, Guerrillheiro Anti-Nuclear e Montanha Azul. Artista solo. Gaby Benedyct: “Cidadã artística”. Gelson Schneider: Músico. Baterista. Ex-integrante das bandas Prosexo, Byzzarro, Swing, Câmbio Negro e Acretinice me Atray. Baterista da Beatles Fun Club Band. Getúlio Costa: Proprietário da loja Boca do Disco. Gilmar Eitelvein: Jornalista. Escritor. Produtor. Glauco Mattoso: Poeta. Escritor. Proprietário do selo Rotten Records, de São Paulo. “Podosmófilo”. Glênio Reis: Animador de auditório. Radialista. “Apresentador de TV voltado para a cultura musical”. Gonow: Músico. Vocalista e guitarrista da Barba Ruiva & os Corsários. Gustavo X Aguirre: Músico. Guitarrista. Ex-integrante das bandas Fluxo e AL40. Guitarrista da Justa Causa e Devotos de Nossa Senhora Aparecida. Heron Heinz: “Não-músico”. Baixista dos Replicantes e She’s OK. Humberto Petinelli: Músico. Tecladista. Ex-integrante das bandas Prize, Transe, Cascavelletes e Mariana & Beto Blue. Humberto Gessinger: Músico. Compositor. Vocalista, guitarrista e baixista dos Engenheiros do Hawaii. Ilton Carangacci: Empresário. Ex-produtor do Os Eles. Produtor das bandas Papas da Língua, Video Hits, Off The Wall e Hard Working. Ivo Eduardo: Músico. Baterista. Técnico de som.
Jacques Maciel: Músico. Guitarrista e vocalista da Rosa Tattooada. Ex-integrante da Kyss My Ass. João Gordo: Vocalista dos Ratos de Porão. Apresentador de TV. João Vicenti: Músico. Acordeonista do Nenhum de Nós. José Ivo Salton: Proprietário da Lancheria do Parque. Juarez Fonseca: Jornalista. Julio Furst: Radialista. Músico. Publicitário. Ex-integrante das bandas Os Rockets e Discocuecas. Júlio Becker: Músico. Guitarrista. Vocalista. Ex-integrante da banda Fashion Guru. Guitarrista e vocalista da Clap. Júlio Cascaes: Músico. Ex-guitarrista das bandas Anos Blues e da Blues Brothers. Ex-baixista de Júpiter Maçã e Jupiter Apple. Baixista dos Hipnóticos. Júlio Leite: Proprietário do Bar João. Júlio Reny: Músico. Compositor. Guitarrista. Artistas solo. Ex-integrante das bandas Uma Canção nas Trevas, Os Topetes, KM-0, Júlio Reny e Expresso Oriente e Júlio Reny Guitar Band. Participações nos grupos Urubu Rei e Os Daltons. Vocalista e violonista dos Cowboys Espirituais. Júlio Porto: Músico. Guitarrista. Ex-integrante das bandas Ultramen e da Black Master. Justino Vasconcelos : Músico. Guitarrista. Ex-integrante das bandas Garotos da Rua e Stoned Immaculate. Kako Kanidia: Músico. Baixista da Maria do Relento.
KCláudio: Músico. Baterista. Ex-integrante das bandas Prize, Neon, Colarinhos Caóticos, Mutuca & Bric Brothers, Lory F. Band, The Hookers e Felipe Franco & Sindicato do Blues. Katia Suman: Radialista. Ex-comunicadora da rádio Ipanema FM. Comunicadora das rádios FM Cultura e 107 Pop Rock. King Jim: Músico. Saxofonista. Ex-integrante das bandas Garotos da Rua, Bandaliera, Coverboys, Cactus Jack e Lory F. Band. Ex-integrante de grupos como TNT, Replicantes e Cascavelletes. Kledir: Músico, compositor e vocalista da dupla Kleiton e Kledir. Ex-integrante dos Almôndegas. Lao: Vocalista da Groove James. Leandro Branchtein: Músico. Ex-vocalista do Os Eles. Léo Felipe: Ex-proprietário do Garagem Hermética. Ex-integrante das bandas Moses. Vocalista da Minimaus. Jornalista. Leo Henkin: Músico. Guitarrista. Ex-integrante das bandas Dzahgury, Saracura e Os Eles. Guitarrista dos Papas da língua. Leonardo Machado: Ator. Músico. Guitarrista. Ex-integrante da banda Acretinice me Atray. Guitarrista da Lanterna Mágica. Luciano Albo: Músico. Baixista. Ex-integrante dos Cascavelletes, Pura Sangre. Artista solo. Luciano Loira: Músico. Guitarrista. Ex-integrante da banda NSU. Guitarrista da banda Maria do Relento. Lucio Dorfman: Músico. Tecladista. Ex-integrante das bandas Cálculo Renal, Kook’s, Engenheiros do Hawaii, Harmadilha, Dedé Moreno, Silvana Cruz, General Lee, Iguana, Richard Powell, K30 e Juli Manzi, entre outros. Tecladista da Massa Crítica.
Luís Henrique Tchê Gomes: Músico. Guitarrista. Ex-integrante das bandas Prisão de Ventre, TNT, Nei Lisboa, Hillbilly Blues, Pura Sangre e Vitória Sou. Guitarrista da Sombrero Luminoso. Luis Motta: Ex-guitarrista da banda Raubvögel. Guitarrista da 10KPNR. Colaborador do projeto 10.000 e Uma Noites. Luis Wagner: Músico. Compositor. Ex-integrante das bandas Os Jetsons e Os Brasas, nos anos 60. Sua banda, a partir de São Paulo, acompanhou inúmeros artistas de projeção nacional em São Paulo nos anos 60. “Guitarreiro”. Malásia: Músico. Percussionista. Ex-integrante da banda Corporação Brand. Percurssionista da Ultramen. Mano Changes: Vocalista da Comunidade Nin-Jitsu. Mano Sonho: Músico. Ex-vocalista da Comunidade Nin-Jitsu. Vocalista da Gramophones. Marcelo Birck: Músico. Compositor. Guitarrista e vocalista da primeira fase da Graforreia Xilarmônica. Ex-integrante dos grupos Prisão de Ventre, Aristóteles de Ananias Jr. e Os Atonais. Artista solo. Produtor. Marcelo Gross: Músico. Ex-baterista de Júpiter Maçã, Jupiter Apple, Bluesmakers, Malvados Azuis e Hipnóticos. Guitarrista e compositor da Cachorro Grande. Marcelo Guimarães: Músico. Ex-integrante da banda Sacanagem Explícita. Vocalista da Fu Wang Foo. Marcelo Truda: Músico. Guitarrista. Ex-integrante do Taranatiriça, De Falla, Geraldo Flach, Cidadão Quem, Fughetti Luz, Os Clássicos e Quintos do Inferno. Guitarrista da Fu Wang Foo. Márcio Petracco: Músico. Guitarrista e baixista. Ex-integrante das bandas TNT (como Márcio Petralha), Bluesmakers e Hillbilly Blues. Guitarrista dos Cowboys Espirituais.
Marcito: Músico. Percussionista. Ex-integrante das bandas Space Rave, Cactus Jack e Kook’s. Percussionista da Ultramen. Mariana Kircher: Baixista e vocalista da banda Space Rave. Clarinetista da Musical Spectro. Baixista e pianista da The Clones. Guitarrista da Cellophanes. Compositora de trilhas para cinema. Mary Mezzari: Radialista e jornalista. Mauro Borba: Jornalista e radialista. Mini: Vocalista e guitarrista da banda Walverdes. Ex-guitarrista da Tom Bloch. Baterista da Wafers. Mitch Marini: Músico. Contrabaixista. Ex-integrante das bandas Grave Diggers, The Pusher, Prosexo, Byzzarro, Swing, Garotos da Rua, Mutuca & Os Animais, El Dragon, Câmbio Negro, Non Prophit. Músico da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Baixista da Beatles Fun Club Band. Moa: Ex-produtor das bandas Os Replicantes, Fluxo, Expresso Oriente e KM-0. Jornalista. Monga: Guitarrista. Ex-guitarrista das bandas Pietà, Panic e Dr. Gore. Guitarrista do projeto Clima. Mutuca: Músico. Radialista. Ex-integrante das bandas Alphagroup, Succo; Amelita, Cabeça, Corpo e Membros; A Barra do Porto, Mutuca e Banda, Óculos Escuros 2, Mutuca & Amigos, Os Irmãos Brothers (Os Fabulosos Irmãos Brothers), Bric Brothers, Mutuca e os Animais. Integrante da Mutuca Rock’n’Roll Band. Nando Endres: Músico. Baixista. Ex-integrante das bandas XYZ, Borboleta Negra, Funkstein, Castiço e Rastamanos. Baixista da Comunidade Nin-Jitsu. Nei Lisboa: Músico. Compositor. Artista solo. Nei Van Soria: Músico. Guitarrista. Ex-integrante das bandas TNT e Cascavelletes. Artista solo.
Nenung: Ex-vocalista da Barata Oriental. Compositor. Vocalista e violonista dos Os The Darma Lóvers. Nelson Coelho de Castro: Músico. Compositor. Artista solo. Nilton Fernando: Radialista. Jornalista. Ex-comunicador das rádios Bandeirantes e Ipanema FM. Comunicador da rádio 102 FM. Nino Lee: Músico. Vocalista. Ex-integrante da banda Qual?. Vocalista da Maria do Relento. O Cara das Fitas: Vendedor ambulante de fitas gravadas e Cd’s em Porto Alegre. Otto Guerra: Cineasta. Orelha: Ex-baixista da Pietà. Baixista da Manga Rosa. Paola Oliveira: Produtora musical. Paulo Arcari: Músico. Baterista. Ex-integrante das bandas Ânsia de Vômito, TNT e Frank Solari. Baterista dos Cowboys Espirituais. Patsy Cecato: Atriz. Diretora de teatro. Dramaturga. Ex-vocalista da primeira formação do Urubu Rei. Paulo Audi: Ex-produtor do Raiz de Pedra. Paulo Mello: Músico. Baixista. Ex-integrante das bandas Taranatiriça, Atahualpa y us Pânques, Prize e Bluesmakers. Baixista dos Cowboys Espirituais. Pedro Porto: Músico. Baixista. Ex-integrante da Aristóteles de Ananias Jr. Baixista da Ultramen. Pepe Perurena: Músico. Baixista da banda winston.
Peter Francis: Músico. Baterista das bandas winston e da Porc’s Cutlet. Phillip Ness: Músico. Ex-guitarrista da Pupilas Dilatadas. Ex-baixista da Krimi e da Universo Colorido. Baixista das bandas Os Quadros e Astronauta Pinguim e os Baleados. Plato Divorak: Compositor. Ex-vocalista das bandas Père Lachaise e Lovecraft. Integrante dos grupos Momento 68, Plato & Os Shazams e da dupla Plato & Frank. Ator e roteirista de filmes experimentais nos anos 80, como “Édrange”. Preta Pereira: Produtora cultural. Polaca: Iluminadora dos Replicantes. Rafael Malenotti: Músico. Vocalista. Guitarrista. Proprietário do estúdio Bafo de Bira. Exintegrante da banda Os Nelso. Guitarrista e vocalista dos Acústicos e Valvulados. Rafael Rossatto: Ex-guitarrista das bandas Motherfuckers, Jkbak, Tom Bloch e Bidê ou Balde. Raul Albornoz: Diretor artístico do selo Antídoto. Régis Sam: Músico. Baixista. Ex-integrante das bandas Lovecraft, Colarinhos Caóticos, Frank Jorge, Wander e Cowboys Espirituais. Baixista da Fu Wang Foo. Reinaldo Barriga: Músico. Produtor. Arranjador e compositor. Produtor de diversos discos do rock gaúcho nos anos 80, entre eles a coletânea Rock Grande do Sul. Renato Rodrigues: Músico. Baixista. Ex-integrante das bandas de Nei Lisboa, Bebeto Alves, Pepeu Gomes e Baby Consuelo, Dedé e os Ajudantes, Neto Fagundes, Renato Borguetti e Oswaldir e Carlos Magrão. Baixista da Sombrero Luminoso. Ricardo Barão: Radialista. Produtor cultural. Ex-comunicador das rádios Cultura Pop e Bandeirantes. Comunicador da rádio Ipanema FM. Produtor dos discos Rock Garagem e Rock Garagem ll.
Ricardo Kudla: Ex-proprietário do bar Garagem Hermética. Ex-guitarrista das bandas Brigitte Bardot, Crushers e Space Rave. Baixista da Minimaus. Publicitário. Ator. Sady Homrich: Músico. Baterista do Nenhum de Nós. Santiago Neto: Músico. Violonista. Compositor. Ex-violonista e arranjador da cantora Luciana Pestano. Violonista e vocalista da banda Sombrero Luminoso. Sid Poffo: Músico. Ex-tecladista da Rastamanos. Tecladista da Comunidade Nin-Jitsu. Sidito, el Magnífico: Músico. Baterista. Ex-integrante da Dzahguri, Gelson Oliveira, Cactus Jack, Os The Sempre e Os Totais. Baterista da Sombrero Luminoso. Solon Fishbone: Músico. Ex-baixista da banda Prize. Ex-guitarrista das bandas Nó na Traqueia, Undercover e Bluesmakers. Guitarrista e artista solo como Solon Fishbone y los Cobras. Susi Doll: Ex-baixista da banda Ninfrodizíakas. Tati: Ex-baterista da banda Narciso. Thadeu Malta: Radialista. Comunicador da rádio Atlântida FM. Thedy Corrêa: Músico. Compositor e vocalista da banda Nenhum de Nós. Tiago Ribeiro: Guitarrista e vocalista da banda winston. Tonho Crocco: Músico. Compositor. Vocalista. Ex-integrante da Black Master e D. Fhala no disco Top Hits. Vocalista da Ultramen. Tonho Meira: Produtor. Empresário da banda Nenhum de Nós e Nei Lisboa. Diretor da Lado Inverso Empreendimento Culturais. Toninho do Escaler: Ex-proprietário do bar Cais e promotor de shows no Circo Escaler
Voador. Proprietário do bar Escaler. Veco Marques: Músico. Ex-violonista de Renato Borguetti. Guitarrista da banda Nenhum de Nós. Vini: Ex-produtor das bandas TNT, Cascavelletes, Júlio Reny, Os Replicantes, Maria do Relento, Ninfrodizíakas e Plastic Dream. Produtor de Nei Van Soria e os Invertebrados. Willian Caveman: Fanzineiro. Vocalista da banda Os Dedicados Seguidores da Moda. “Um cara que anda pelas ruas”. Yang Zam: Cantora da banda Os The Darma Lóvers. Zé Flávio: Músico. Violonista e guitarrista. Ex-integrante das bandas Em Palpos de Aranha, Mantra Jazzrock Bauretes Circu’s, Os Totais, Almondêgas, Kleiton e Kledir, Elba Ramalho e Frenéticas. Acompanha a cantora Muni. Zé Natálio: Músico. Baixista. Ex-integrante das bandas Produto Urbano, Vôo do Tucano, Dedé e os Ajudantes, Bebeto Alves, Fughetti Luz e Taquicardia. Acompanhou Nei Lisboa, Totonho Villeroy e Itamar Assumpção. Baixista da banda Papas da Língua. Zé do Trompete: Músico. Trompetista. Ex-integrante das bandas Urro, Bilirrubina, Space Rave, Anárvores Planetarium, Plato Divorak, Juli Manzi, Los Bassetas, Lovecraft e Sul Bossa Jazz.
100 DISCOS DO ROCK GAÚCHO
A lista dos ‘100 Discos do Rock Gaúcho’ não pretende ser mais do que apenas uma memória do que foi lançado desde os anos 50 no Rio Grande do Sul. Por outro lado, tem citações “justiceiras”, opções pautadas pelo gosto pessoal e, claro, inclusões óbvias mas, por isso, imprescindíveis. A construção da lista no entanto, pautou-se pela busca de ajudar a construir a memória do rock gaúcho, rico, disforme e persistente. Esperamos que, a partir deste ponto de partida, outras listas surjam, com correções e inclusões. Fernando Rosa, jornalista e produtor
1.
Almôndegas - Almôndegas (LP, 1975)
2.
Os Argonautas - Os Argonautas (CD, 1999)
3. Aristhóteles de Ananias Jr. - Aristhóteles de Ananias Jr. (CD, 1995) 4.
Os Atonais - Em Amplitude Modulada (CD-demo, 2000)
5.
Bandaliera - Estação de Pedro (CD, s/d)
6.
Barata Oriental - Barata Oriental (LP/CD, 2000)
7.
Bebeto Alves - Notícia Urgente (LP, 1983)
8. Bidê ou Balde - Se Sexo é o Que Importa, Só o Rock Sobre Amor (CD, 2000) 9.
Bixo da Seda - Bixo da Seda (LP/CD, 1976/2004)
10. Os Brasas - Lutamos Para Viver/Piange Com Me (Compacto, 1967) 11. Os Brasas - Os Brasas (LP, 1968) 12. Cachorro Grande - Cachorro Grande (CD, 2000) 13. Carlinhos Hartlieb - Risco no Céu (LP, 1983/1988) 14. Os Cascavelletes - Os Cascavelletes (Mini LP, 1988) 15. Os Cascavelletes - Demo (Cassete, 1986)
16. Cheiro de Vida - Cheiro de Vida (CD, 1999) 17. Colarinhos Caóticos - Introdução (LP, 1988) 18. Cowboys Espirituais - Cowboys Espirituais (CD, 1998) 19. Os The Dárma Darma Lóvers - Os The Darma Lóvers (CD, 2000) 20. Danças de Guerra - Coletânea (Cassete, s/data, com Kadafi,ORTN, Justa Causa, Atraque) 21. DeFalla - DeFalla (Não Mande Flores) (CD, ...) 22. Doiseu Mimdoisema - Nunca Mais Vai Passar o Que Eu Quero Ver (Cassete, 1994) 23. Fernando Ribeiro - O Coro dos Perdidos (LP, 1978) 24. Frank Jorge - Carteira Nacional de Apaixonado (CD, 2000) 25. Fughetti Luz - Fughetti Luz (CD + Livro, 1997) 26. Garotos da Rua - Garotos da Rua (LP ...) 27. Graforreia Xilarmônica - Chapinhas de Ouro (CD, 1999) 28. Graforreia Xilarmônica - Coisa de Louco II (CD, 1995) 29. Graforreia Xilarmônica - Com Amor Muito Carinho (Cassete, 1988) 30. Hipnóticos - Garage Laboratorium (CD, 1999) 31. Irmãos Rocha! - Irmãos Rocha! (CD, ...) 32. IV Festival Internacional da Canção Popular - Vários, c/Hermes Aquino e Laís Marques (LP, 1969) 33. Julio Reny - Último Verão (com 'Cine Marabá') (CD, ...) 34. Os Cleans - Nova Geração/Depois De Uma Tormenta (Compacto, 1968) 35. A Grande Sacanagem - Coletânea (GX, Urubu Rei, Rebeldes ...) (Cassete, ...) 36. A Música de Porto Alegre - Vários (CD, 1995, cd., coletânea, c/clássicos dos 60/90) 37. Acústicos & Valvulados - God Bless Your Ass (CD, 1996)
38. Apocalypse - Apocalypse (LP, 1991) 39. Assim Na Terra Como no Céu - Vários (LP) 40. Arthur de Faria - Música Pra Gente Grande (CD, 1997) 41. Astronauta Pinguim - Petiscos: Sabor Churrasco 42. Julio Reny & Expresso Oriente - Julio Reny & Expresso Oriente (LP/CD, 1989) 43. Júpiter Maçã & Os Pereiras Azuis - Demos/95 & 96 (CDr) 44. Júpiter Maçã - A Sétima Efervescência (CD, 1998) 45. Justa Causa - Justa Causa (LP, ...) 46. Kadafi - Assim Rolam as Cabeças (Cassete, ...) 47. Kleiton & Kledir - Kleiton & Kledir (LP, 1980) 48. Laranja Freak - Brasas Lisérgicas (CD, ...) 49. Liverpool - Por Favor, Sucesso (LP, 1969) 50. Liverpool Sound - Hey Menina/Fale (Compacto, 1971) 51. Liverpool - Marcelo Zona Sul (Compacto, 1970) 52. Lory F. Band - Lory F. Band (CD, .) 53. Lovecraft - Através do Arquivo Púrpura (CD, 1999) 54. Lovecraft - Lovecraft (1997, CD) 55. Luiz Wagner - Luiz Wagner (LP, 1976) 56. Marcelo Birck - ST (CD, 2000) 57. Maritza Fabiani - Bang Bang/Society em Brasa (Compacto, 1966) 58. Mutuca e Os Animais - Hot Club (1999, cd) 59. Nei Lisboa - Carecas da Jamaica (LP/CD, 1987) 60. Nei Lisboa - Pra Viajar No Cosmos Não Precisa Gasolina (LP/CD, ...) 61. Nei Lisboa - Hein?! (LP/CD, 1988)
62. Nei Van Soria - Jardim Inglês (CD, 1998) 63. Nenhum de Nós - Nenhum de Nós (CD, 1992) 64. Obsolethos - Obsolethos (Cassete, ...) 65. P. Alegre Rock - Vários (Bandaliera, Pupilas Dilatadas ...) (LP, 1985) 66. Papas da Língua - Papas da Língua (CD, ...) 67. Paralelo 30 - (1978, lp, coletânea, com Carlinhos Hartlieb, Claudio Vera Cruz, Nelson Coelho de Castro ...) 68. Pére Lachaise - Bléin (Fita, s/d) 69. Plato Divorak - Platosaurus Erectus (CD, ...) 70. Portinho e Sua Orquestra - Festa de Brotos (LP, s/d) 71. Porto Alegre 83 - Vários (c/Raiz de Pedra, Cao Trein, Kim Ribeiro ...) (LP, 1983) 72. Pupilas Dilatadas - (Cassete/Vórtex. ...) 73. Raiz de Pedra - Ao Vivo (LP, 1987) 74. Os Rebeldes - Ao Vivo na Vórtex (Cassete, s/d) 75. Os Replicantes - O Futuro é Vortex (LP, ...) 76. Os Replicantes - Histórias de Sexo & Violência (LP, 1987) 77. Os Replicantes - Nicotina/Rockstar/O Futuro é órtex/Surfista Calhorda (Compacto, 1985) 78. Rio Grande do Rock - Coletânea (Júlio Reny, Cascavelettes, Prize ...) (LP,1988) 79. Rock Garagem I - Vários (c/Taranatiriça, Garotos da Rua, Urubú Rei ...) (LP/CD, 1984) 80. Rock Garagem II - Vários (c/Os Eles, Atahualpa Y Os Panques ...) (LP/CD, 1985) 81. Saracura - Saracura (LP, 1982) 82. Smog Fog - Smog Fog (Cassete, .)
83. Solon Fishbone Y Los Cobras - Blues From Southlands (Cassete, .) 84. Tambo do Bando - Ingênuos Malditos (LP, 1990) 85. Taranatiriça - Totalmente Rock (LP, 1985) 86. Tequila Baby - Fiesta, Sombrero Y Rock 'n' Roll (Cassete/CD, 1994) 87. TNT - TNT (LP, 1987) 88. Tom Bloch - Tom Bloch (CD, 1999) 89. Ultramen - Ultramen (CD, 1998) 90. Verdruss - No Escuro da Cidade (Cassete, s/d) 91. Vídeo Hits - Doces, Refrescos e Tratamentos Dentários (demo-cdr/2000) 92. Vitor Ramil - A Paixão de V Segundo Ele Próprio (LP/CD, 1984) 93. Vôo Livre - Vôo Livre (1981, lp) 94. Walverdes - Walverdes 90 (CD, 1998) 95. Wander Wildner - Baladas Sangrentas (CD, 1998) 96. Zona Mortal - Coletânea (Júlio Reny & Km 0, Cascavelletes, Topetes ...) (Cassete, s/d) 97. Pata de Elefante - Pata de Elefante 98. Superguidis - Superguidis 99. ... * 100 ... *
* Espaço reservado para os discos que ainda estão por vir.
Os Irmãos Brothers Chaminé, Léo Ferlauto, Careca da Silva e Mutuca: "chovia dóllar no palco"
Julio Furst e participantes do concerto Vivendo a Vida de Lee, em Caxias do Sul: "um divisor de águas" na cena local
1 - Agressão policial no Ocidente Fiapo Barth, um dos donos do bar vestindo a camiseta do movimento Bom Fim - Pequim 2 - O Liverpool em um show no Sindicato dos Metalúrgicos, no começo dos anos 70: Peko Santana, Mimi Lessa, Marcos Lessa, Fughetti Luz e Edinho Espíndola 3 - Rock no Viaduto III, na zona norte de Porto Alegre: Nenung e a Barata Oriental diante da massa
Sonho Freak: Byzzarro com a banda Khaos, em 74 em um festival em Palhoça, Santa Catarina: Monteiro (ao centro) e Gelson Schneider (no canto direito)
Embalo de todos os dias - e noites - na ponta do parque Farroupilha: o antigo Escaler
Sorriso nas orelhas: Humberto Gessinger, Carlos Maltz e Marcelo Pitz assinando o primeiro contrato dos Engenheiros do Hawaii pela RCA, na casa de Claudinho Pereira
1 - Os Eles e sua metalinguagem rock: o primeiro grupo a se promover usando um outdoor em Porto Alegre, nos anos 80 2 - A banda que perdeu seu disco... Os Brasas, de Luis Wagner, em um compacto com as músicas "Pancho Lopes", "Quando o Amor Bater na Porta", "Beija-me Agora" e "Um Dia Falaremos de Amor"
Confraternização: Os Eles assinando na antiga sede da PolyGram, em 87, no Rio de Janeiro. Dannie Dubin, Léo Henkin, Leandro Branchtein (atrás) Régis Dubin e Darwin Gerszon com amigos (ao fundo)
Sorriso nas orelhas: Humberto Gessinger, Carlos Maltz e Marcelo Pitz assinando o primeiro contrato dos Engenheiros do Hawaii pela RCA, na casa de Claudinho Pereira
O primeiro contrato dos Replicantes, assinado em 1985 em um hotel no centro de Porto Alegre: Carlos Gerbase, Guti diretor artístico da RCA - Wander Wildner, Heron Heinz e Cláudio Heinz Skinheads adolescentes: Flábio Basso, Felipe Jotz, Charles Master e Nei Van SOria em uma fase inicial - sem cabelos - do TNT
Clima roqueiro na sessão de fotos do TNT Paulo Arcari, Charles master, Luis Henrique Tchê Gomes e Márcio Petracco
(acima) Do hardcore ao glam com a justa Causa: Ratão, X, Gugu e Duda (no alto à direta) Cascavelettes sob um céu de blus em 1991 nei Van Soria, Luciano Albo, Alexandre Barea, Flavio Basso e Humberto Petinelli (à direita)Taranatiriça em 84, depois da fase power trio e instrmental, com um novo integrante: Alemão Ronaldo ao lado de marcelo Truda, Cau hafner e Paulo Mello
Lory F. Band: Marcelo Fornazier, Edinho Galhardi, King Jim e Lory Finocchiaro
Júlio Reny no Ocidente, com a banda Expresso Oriente
Não se prendendo ao rock: uma das formações do Urubu Rei com Júlio Reny, Castor, Biba Meira, Carlos Eduardo Miranda e Flávio Santos. "As garotas vocalistas ainda não tinham chegado"
Invasão britânica em Porto Alegre: Herman's Hermits no bar Locomotiva, em 1967
1 - Bebeto Alves: "o maior show que o Escaler já teve" 2 - Blues eletrificado: Fernando Noronha
Depois de muitas bandas, a reunião do Bando de Ciganos: Egisto Dal Santo, Bebeco Garcia e Fábio Muslinho
Júlio Reny Guitar Band: Júlio Reny, Carlos Pianta, Frank Jorge e Bolada; Destaque para o colã em PETIT-POIS de Pianta
Gravata sem nó e cabelos compridos: Carlinhos e André no primeiro show da Bidê ou Balde no Bar Virtual, em 99
Os colorados da Graforreia Xilarmônica, em plena descontração: Carlos Pianta, Frank Jorge, Alexandre Ograndi e o exroadie Z
Leo Henkin, Fernando Pezão, Luciano Kurban(produtor dos discos Xá-la-lá e Babybum), Serginho Moah e Zé Natalio são os Papas da Língua
Muita chalaça no estúdio Bafo de Bira: Peru, Júlio Porto, Tonho Crocco, Chico Ferretti, Malásia, Moica, Alexandre Brasil e Rafael Mallenotti
Ultramen: Marcito, Zé Darci, Tonho Crocco, Peru (de costas) e Júlio Porto
Acústicos & Valvulados e sua turma comemorando a chegada do primeiro disco da banda: Alexandre Brasil(estúdio Bafo de Bira), Alemão Roanldo(Bandaliera), Rafael Malenotti, Paper Lee(Black Soul), Roberto Abreu, Sérgio Tressemea(Os Nelso) e Fábio Musklinho(Bandaliera)
Depois de XYZ e Borboleta Negra, a primeira formação da Comunidade Nin-Jitsu: os irmãos Fredi e Nano Endres, Pancho de Cara, Mano Sonho e Mano Changes
Terceiro Show dos Acústicos & Valvulados na UFRGS, em setembro de 1991: Alexandre Moica, Rafael Malenotti, Paulo James e Roberto Abreu
Edu K, o mutante: "faço qualquer coisa por dinheiro"
Praia da Ferrugem(SC), em 96, no clima do Primeiro show de Jupiter maçã com Júlio Cascaes e Marcelo Gross
A banda Km-0: Paulo Renato, Júlio Reny, Edu K e Fred Lamacchia O nome era condizente com as condições do rock nacional no início dos 80
"A turma das amarelas": no início dos anos 90: Susi Dol, mariana Pieta, Karta Ruzick, Giovana Escobar e Neca Gadret eram as Ninfrodiziakas
Depois das 24 pessoas em cima do palco, um momento pós-Woodstock com os Almôndegas: João Baptista, Gilnei, Kledir e Kleiton
Muito rock'n'roll no ar com uma escalação clássica de locutores da rádio Ipanema FM, em 95: o então mascote Bruno Suman, Eduardo Santos, Katia Suman, Cláudio Cunha, Alexandre Brasil, Vitor Hugo, Nara Sarmento e Júlio Reny
1 - Uma das formações da banda Prize, presente na cena de 83 a 89: Luciano Bortoluzzi, paulo Mello, KCláudio e Solon Fishbone 2 - Banda Urro no Estação Zero: César, Luisinho Louie, Rafael Ferreti e Daniel Leão
1 - Júlio Reny, Marcos Petracco e Frank Jorge na gravação dos clipes dos Cowboys Espirituais, em 1998 2 - Ricardo Barão: mais que o produtor dos discos Rock Garagem I e II, um dos idealizadores da rádio Ipanema FM, ao lado de Mauro Borba, Mary Mezzari e o recém chegado Nilton Fernando
Júpiter Maçã: bucolismo entre gnomos, em 1998
Colarinhos Caóticos, com Aragão, Beltrão, Egisto e Álvaro: "uma banda renegada"
1 - Uma Canção nas Trevas: o street fighter man Júlio Reny, em 79 2 - Plato Divorak: "no rol dos bizarros"
1 - Som porrada: Duda Boeckel, Branca, Philip Ness e Gustavo Brum, os Pupilas Dilatadas, em 1984 2 - Paulera Experimental: Orelha, Monga e Soneca, da Pieta
Senhor do Bom Fim: Nei Lisboa na reforma do bar João, em 92
Durante a madrugada: César, Ricardo Kuda, Drégus e Léo Felipe, em meio a algumas cervejas no Garagem Hermética
Rock brasileiro em início de carreira, nos camarins do Atlântida Rock Sul Concert: João Barone, Leo Jaime, Paula Toller, Herbert Vianna, Paulo Ricardo e Leandro Branchtein, da banda Os Eles
Noite forte na rua Barros Cassal, em frente ao Garagem: Marcos Rocha, Vanessa Carla, Marcelo, Tisco, Eduardo Normann, Mariana Kircher, Paola Oliveira, Júpiter Maçã e Luciano Menezes
Auto-contraste para os integrantes do espetáculo Amelita, Cabeça, Corpo e Membros, no inicio dos anos 70. No fundo, Chaminé, Patota, Celso Loureiro Chaves e Wnaderley Falkemberg: na frente, Mutuca, Claudio Levitan e Lauro Nei
Barulho em janeiro de 96: Guilherme, mariana e Edu com a Space Rave, na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre
1 - Swing, a banda que abriu o show do Van Halen em Porto Alegre, em 1983: Mitch Marini, Gelson Scheneider, Beta, Djair e King Jim 2 - Pére Lachaise em 90, em sua segunda fase - "a mais visceral". segundo Plato Divorak: Flávio Passos, Sérgio Rodrigues, Plato Divorak e Luki Flores
1 - Para Os Replicantes, "fazer som era como jogar botão": Cláudio Henz, Carlos Gerbase, Luciana Tomazi, Wander Wildner e Heron Heinz, em uma segunda formação antes da saída de Wander 2 - Lica, Jaisson, Mano Lao, Chico Bretanha, Christian Jung, Chaves, Sassá, Fruet: A galera sangue bom da Groove James
Garotos da Rua em 1988: Geraldo Freitas, Justino Vasconcelos, Bebeco Garcia, Ricardo King Jim e Edinho Gahardi, uma formação que duraria até o ano seguinte.
1 - "Uma piada interna que se espalhou": Comunidade Nin-Jitsu alegrando multidões em um aniversário da rádio Farroupilha 2 - Bandaliera na hora do solo de guitarra: Alemão Roabnldo , Marcinho Ramos e Duda Leindecker
1 - Maria do Relento 2000: o vocalista Pepe Joe em um show em Marau 2 - Diego Medina de pizza na mão: a banda Dolseu Mimdoisema cantando "Epilético", no Opinião, em evento da MTV
Punk e punch em 97: James, Duda Calvin e Didi. A Tequila Baby em ação no bar Opinião, no troféu Folharada da Ipanema FM.
Fughetti Luz em ação: "componho rock em brasileiro, não em português"
1 - Nelson Coelho de Castro: "o primeiro músico a lançar um disco independente no Rio Grande do Sul" 2 - Hermes Aquino: o grande hit "Nuvem Passageira" foi composto dois dias antes de sua apresentação no concerto Vivendo a Vida de Lee
1 - Baladas em portunhol:Sidito El MagníficoRenato RodriguesSantiago Neto e Luís Henrique Tchê Gomes formam o Sombrero Luminoso 2 - Cidadão Quem antes do primeiro disco, em 1990: Cau Neto, Cau Hafner Duca e Luciano Leindecker
A música e o teatro do Saracura: Chaminé, Silvio Marques, Nico Nicolaiewski e Fernando Pezão
Os Cascavelletes: Nei Van Soria, Alexandre Barea, Frank Jorge e Flávio Basso: "Ter fidelidade às bandas era fundamental"
De Falla ao vivo no Canecão, no Rio de Janeiro: Castor, "engessado como um Robocop", e Edu K
INTRODUÇÃO Passaram-se onze anos desde que Gauleses Irredutíveis foi lançado. Mal consigo associar o dia de hoje com três anos atrás; que é completamente diferente de sete anos atrás. O tempo, ele é ligeiro. Essa sessão nasceu para contarmos um pouco do que aconteceu na década do século XXI. Através de imagens, dezenas de bandas do rock gaúcho que, na essência, só se agrupam sob esse termo por serem geograficamente afins. Através de imagens, e em definitivo, queremos mostrar que o rock gaúcho não é um som, não é uma imagem, não é um tipo de roupa. E mesmo assim, ele não tem nada a ver com o que se faz no resto do Brasil. Pros desanimados, esse álbum é pra dizer: Hey! Nós ainda acreditamos, ainda estamos em pé! Ainda irredutíveis. O que mudou? O protagonismo. A internet possibilita outro tipo de relacionamento entre as bandas e o mundo, esse álbum é produto disso. Não fui eu quem escolheu todas essas fotos, a maioria foi enviada pelas próprias bandas, pelos fotógrafos infalíveis, por aqueles que colecionaram os flyers. Não importou fama, dinheiro ou reputação. Mas não se enganem! Foram os gauleses e eu quem as trouxemos até vocês, logo, não há nada de imparcial nisso. Daniela Ribeiro Se vos causamos enfado por sermos sombras, azado plano sugiro: é pensar que estivestes a sonhar; foi tudo mera visão no correr desta sessão. Senhoras e cavalheiros, não vos mostreis zombeteiros; se me quiserdes perdoar, melhor coisa hei de vos dar. Puck eu sou, honesto e bravo; se eu puder fugir do agravo da língua má da serpente, vereis que Puck não mente. Liberto, assim, dos apodos, eu digo boa noite a todos.
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