Gastaldo - Goffman Desbravador do Cotidiano OCR.pdf

August 23, 2017 | Author: lu | Category: Biography, Sociology, Science, Intellectual, Time
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E rv in g G o ffm a n desbravador do cotidiano

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Edison Gastaldo organizador

Porto Alegre, 2004

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© dos autores Ia edição 2004

Direitos reservados desta edição: Tomo Editorial Ltda.

Capa:

Roberto Silva Tradução:

Edison Gastaldo e Roberto Cataldo Costa Revisão:

Moira Diagramaçâo:

Tomo Editorial Editor:

João Carnáro

ISBN: 85-86225-33-9

G 6 12

Erving Goffm an : desbravador do cotidiano / Edison Gastaldo organizador. - Porto Alegre : Tomo Editorial, 2004. 176 p. 1. Goffm an, Erving, 1922-1982 —Crítica e interpre­ tação. 2. Goffman, Erving, 19 2 2-19 8 2 —Vida e obra. I. Gastaldo, Edison. (Org.). C D D 923

Catalogação na publicação: Maria Lizete Gomes Mendes Bibliotecária: C R B 10/950

Tomo Editorial Ltda. Fone/fax: (51) 3227.1021 [email protected] www.tomoeditorial.com.br Rua Demétrio Ribeiro, 525 CEP 90010-310 Porto Alegre RS

S umário Apresentação..........................................................................................7 1

Goffman, o descobridor do infinitamente pequeno...................... 11 Pierre Bourdieu

2 Erving Goffman: o que é uma vida? O incômodo fazer de uma biografia intelectual........................... 13 Yves Winkin 3 Becker, Goffman e a Antropologia no Brasil................................ 37 Gilberto Velho 4 Instantâneos ‘sub specie aetemitatis’ Simmel, Goffman e a sociologia formal..........................................47 Greg Smith 5 Lendo Goffman em interação....................................................... 81 Rod Watson 6 As Políticas da Apresentação: Goffman e as Instituições Totais ........................................ ........101 Howard S. Becker 7 Erving Goffman, antropólogo da comunicação............................111 Edison Gastaldo 8 A representação do self na obra de Goffman: sociosemiótica da identidade........................ Fernando Andacht

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9 ‘Enquadrando’ Bibliografias Reflexividade, relevância e a ‘imaginação sociológica’ ............... 147 Andrew P. Carlin 10 Erving Goffman: obras originais e traduções.............................. 167 Andrew P. Carlin Os Autores.......................................................................................... 173

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pr e se n t aç ão

Erving Goffman sempre foi um homem polêmico. Sua morte pre­ matura, em 1982, aos sessenta anos, colheu-o no apogeu de sua carreira, recém-eleito presidente da American Sociological Association, autor celebrado de onzedívros, dentre os quais o m aior best seller da história da sociologia, The Presentation o f S elf in Everjday Life, traduzido em quinze idiomas, com vendagem de mais de dois milhões de exemplares. O discurso que escreveu para a cerimônia de posse não chegou a ser apresentado por ele. N esse discurso, intitulado The Interaction Order, a verve provocativa, irônica e m es­ mo engraçada de Goffman está m anifesta na alfinetada dirigida aos colegas sociólogos: “deveriamos ficar felizes se conseguíssemos trocar tudo o que produzim os até agora por umas poucas distinções conceituais realmente boas e uma cerveja gelada”. Ou zombando de si próprio, como na introdu­ ção de Trame Analysis-. “há m uita base para duvidar do tipo de análise que será apresentado. Eu mesmo duvidaria, se ela não fosse a m inha”. As “his­ tórias de Goffman” são quase tão famosas quanto seus livros. O protago­ nista dessas histórias é por vezes mal-humorado, por vezes francamente grosseiro, por vezes irônico ou sarcástico, mas sempre espirituoso e afiado: não é de espantar que Goffman tenha angariado por toda sua vida e até hoje críticos ferozes tanto quanto admiradores devotados. Este livro tem por propósito apresentar ao leitor brasileiro um painel de diferentes perspectivas sobre a vida e a obra de Goffman, tomada como um todo, para além dos seus três únicos livros publicados em língua portu­ guesa —The*Lk;esentatíonsefAef,m~Everyd a photographic analysis. New York, New York Academy o f Sciences, 1942. • BERGER, P. e LUCKMANN, T. A Construção Social da Realidade Petrópolis, Vozes, 1985. • CORSARO, William. “Review o f Forms o f Talk” in: American Journal o f Sociology (89: 1, p. 220) 1983. • DITTON, Jason. “Review o f Frame A nalysis” in: Sociology 10(2) 329-332, 1976. • HELM, David. “Talk’s Form: Comments on Goffman’s Forms o f Talk” in: Human Studies (5, p. 147) 1982. • GOFFMAN, Erving. Frame A nalysis —an essay on the organisçation o f experience. Boston, Northeastern University Press, 1974) • ____ • Gender Advertisements. New York, Harper and Row, 1979. • ____ . Forms o f Talk. Philadelphia, University o f Pennsylvania Press, 1981. • MANNING, Peter K. “Review o f Frame A nalysiF in: American Journal o f Sociology (82:2, p. 1361), 1977. • PHILIPS, John. “Goffman’s Linguistic Tum: a comment on Forms o f Talk” in; Theoty, Culture and Society (2: 1, p. 114), 1983. • SAMAIN, Etienne. “Os Riscos do Texto e da Imagem” in: Significação. R evista Brasileira de Semiótica , n. 14, São Paulo (USP), 2000. • SCHUTZ, A. Colleçted Papers. The Hague, Martinus Nijhoff, 1962. • SHARROCK, Wes, “Review o f Frame Analysis” in: Sociology 10(2) 332-334-, 1976. • SMITH, Greg. “Gender Advertisements Revisited: A Visual Sociology Classiç?” in: Electronic Journal o f Sociology, (2: 1), 1996. Disponível em: http:/ /gpul.srv.alberta.ca:8010/vol002.001 /Smith. Article.l996.htm l • WILLIAMS, Robin. “Understanding Goffman’s Methods” in: DREW, Paul and WOOTON, Anthony (eds.) Erving Goffman —Exploring the Interaction Order. Cambridge, Polity Press, 1988. • WINKIN, Yves. “Goffinan et les Femmes” in: A cles de la Recherche en Sciences Sociales (83, juin, p. 57-61), 1990. • WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo, N ora Cultural, 2000. • ZIMMERMAN, Don. “Goffman and the Study o f Social Interaction: Accomplishing ‘Footing”’. in: Lectures d ’E rving Goffman en Frame. Cerisy-la-Salle, France, June 17-24,1987.

A REPRESENTAÇÃO DO SELF NA OBRA DE GOFFMAN: SOCIOSEMIÓTICA DA IDENTIDADE

Fernando Ándacht Este texto propõe a existência de uma proximidade natural entre as reflexões sobre o self ou ‘si próprio’ na obra de Erving Goffman (1922-1982) / e a semiótica triádica de Charles S. Peirce (1839-1914). O resultado desse encontro não fortuito poder-se-ia conceber como a base de um a sociosemiótica, isto é, uma análise da significação social ou representação não tanto dos signos da pessoa cômo da pessoa enquanto signo. As categorias fenomenológicas nas quais se baseiam as diferentes classes de signos peirceanos, é que com muita freqüência são negligenciadas, servem aqui para compreender até que ponto a suposta carência de sistematicidade na teoria desenvolvida por Goffman não é tanta. Pelo contrário, a partir desta convergência teórica o caráter sistemático da obra goffmaniana aparece sob uma nova luz; dito as­ pecto associa-se com a produção autônoma de significação baseada nas apa­ rências da vida quotidiana. Através de um percurso de alguns textos fundamentais sobre a ordem da interação, o campo de pesquisa micro-sociológico que Goffman fundou, inspirado por Durkheim, Simmel e Mead, emerge uma análise da autonomia da ação sígnica ou semiose, que é o assunto central da teoria lógica da significa­ ção desenvolvida por Peirce. Tanto o lógico norte-americano quanto o soció­ logo canadense compartem a paixão por uma única questão na pesquisa que desenvolvem ao longo de suas vidas: em Peirce é o metabolismo dos signos, seu comportamento quãse biológico, natural, que, longe de limitar-se à lin-1

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O termo “self’ será utilizado na maioria dos casos neste texto, seguindo assim um costume acadêmico que é cada vez mais frequente em português, effi vez da tradução antiga (e não satisfatória) de “eu”.

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guagem, tenta explicar o funcionamento do universo inteiro; em Goffman, trata-se da im portância do mínimo, dos pequenos gestos, dos olhares, dos movimentos do corpo, que em um esforço coreográfico chegam a rivalizar com a fala como meio principal de expressão. Esses signos de proximidade deixam os signos verbais num segundo plano na hierarquia da interação que nos transforma em humanos.

Pequena odisséia no elevador Como é o Homo Goffmans na vida quotidiana? O ubíquo Homo Goff­ mans foi observado recentemente no angustiante processo de correr com total desespero para tentar colher o elevador que nesse momento justamente co­ m eçava a fechar sua fauce m ecânica, para engolir sua carga m ovível. O tempo lhe alcança apenas para entrar, mas esse último passageiro atinge seu alvo sem fôlego, com suas roupas fora do lugar e, o que é até pior para um adulto munido de gravata e seriedade, sem decoro, porque na sua carreira através do foyer ele esteve a ponto de cair no chão. Nesse incidente ele per­ deu até o último traço de despreocupação; ele perdeu assim a certeza de ser quem ele aparentava ser, isto é, um adulto normal e confiável. Nosso Homo Goffmans necessita agora com aflição procurar o olhar de alguém, para depois lhe dizer sem palavras, só com um gesto cuidadosamente casual transmitido com seu corpo o seguinte: ‘Que coisa! É sempre assim mes­ mo, a gente só corre o tempo todo, senão não dá!’ Ou senão esse gesto poderia até ser um pouco mais ríspido e significar: ‘Esses elevadores de agora se fecham com uma rapidez insuportável!’ Uma vez que ensaiou para dentro esse signo de reparação de sua auto-imagem, nosso herói tentará colocar com esperança seu pequeno e grande gesto corporal dentro do campo visual de algum parceiro da rota aérea dentro do prédio. Ele confia que vai achar um ocupante do elevador com aspecto de bom candidato para lhe auxiliar nessa emergência interativa. Sua experiência passada lhe assegura que logo chegará dirigido a ele, como mínimo, uma muito pequena oscilação de cabeça em direção vertical, ou ainda melhor, esse movimento pendular junto com um fechar dos olhos que pode ser interpretado como um sorriso de compaixão, uma modesta oferenda interacional para lhe compensar pelo pequeno deslize do decoro que ele se causou a si próprio quando rompeu a correr e quase caiu. Se nosso herói do elevador tiver sorte, ele até poderia obter ao retorno um rotundo e bem audível “Valeu a pena!’, ou um estimulante e aquecedor ‘ Justo a tempo!’ Então, essa frase banal e esquecível será música nos ouvidos do recém-chegado, nesse momento já com­ pletamente aclimatado e aceito na confraria dos viajantes do elevador das 17.47 com destino ao 9o andar.

A. representação do selj na obra de Goffman: sociosemiótica da identidade

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Mas sempre há a possibilidade de que esse retom o não venha. Essa cena imaginada vira realidade através de toda classe de fantasia, a matériaprima de inumeráveis piadas e comédias de Hollywood. Não obstante, na própria vida real existe a remota mas palpável e sinistra eventualidade de que depois de ter encaminhado esse gesto de S.O.S. para a turm a do elevador nada aconteça. E possível, embora improvável, que por trás dessa solicitação peremptória de ratificação de uma humanidade levemente alquebrada, só re­ torne o olhar vazio de outrem, sua cabeça imóvel, e o silêncio insuportavel­ mente barulhento de uma tripulação de elevador transformada num implacá­ vel júri da interação. Nesse caso, o duro veredicto parece ser culpável de falta de porte, de desalinho grave, de sérias faltas no cuidado elementar de si pró­ prio. Para esse desventurado, a viagem no elevador transforma-se então em uma viagem ao cadafalso. Cada instante que ele permanecer nesse acompa­ nhamento vai se deslizar com a densidade do azeite; seus movimentos serão tão penosos como os de quem deve marchar sob a água ou em um sonho. Sua imunidade social está abalada; a pessoa não é mais que um pária da interação, ao menos até que a máquina o jogue desolado no seu andar, pronto a se lamber as feridas interacionais, para assim poder depois reingressar à ordem que bem merece ser denominada goffmaniana. O domínio determinado pela co-presença entre estranhos ou entre conhecidos é em aparência corriqueiro. Esse é o âmbito das pequenas aparên­ cias, a ordem da interação, segundo ela foi batizada pelo seu explorador. O estudo de vinte anos dessa mínima região deu saliência acadêmica a um dos mais originais cientistas sociais do século XX. Vinte anos depois de sua mor­ te, este trabalho se propõe esclarecer alguns aspectos da obra de Erving Go­ ffman (1922-1982), e o fazer desde uma abordagem sociosemiótica. O pres­ suposto teórico é que as contribuições do autor de Frame Analysis (1974), Forms o f Talk (1981), e também dos best sellers acadêmicos A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1959 —daqui por diante citada como A Representação do Eu) e Manicômios, Prisões e Conventos (1961) podem ser considerados como fundacionais desse campo de pesquisa semiótica.

Uma criatura de Umwelt aberto Elevadores, filas de supermercado com carrinhos idênticos nos quais podemos de modo involuntário depositar ou até tirar alguma coisa que não deveriamos sequer tocar, estacionamentos com carros que são perigosamente semelhantes e alheios, nos quais pode ser introduzida a chave de um motoris­ ta distraído ou não suficientemente atento, essas são todas ocasiões que sub­ metem à prova a integridade da cuidadosa apresentação da pessoa. Talvez

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seja melhor falar aqui de “representação” em vez de “apresentação”. O pri­ meiro termo parece mais adequado não apenas em relação à metáfora teatral que Goffman utilizou nas primeiras publicações, especialmente em seu texto clássico de 1959, mas também cohi respeito à semiose ou processo de ação sígnica que rege toda interação social. Segundo assinala o semioticista norteamericano Peirce: “A própria enteléquia do ser baseia-se no ser representável” (MS 517).2 Para compreender o sentido real, prático e não místico dessa idéia de Peirce, é útil fazer “um pequeno passeio pelos mundos de animais e huma­ nos”. Esse é o título de um trabalho pioneiro do biólogo alemão Jakob von Uexküll, que nos anos trinta teorizou sobre a esfera de ação do self como um conceito necessário pata compreender o funcionamento da significação no mundo vivo. Nessa obra de 1934, Uexküll propôs um termo de difícil tradu­ ção nas línguas latinas, o Umwelt, que é o universo do self, e que o biólogo define assim: “tudo aquilo que o sujeito percebe e que transforma em seu mundo perceptual, e tudo o que ele faz vira seu mundo efetor. Ambos mun­ dos juntam-se numa unidade fechada, o Umwelt.” (1957:6-14). Uexküll relata com grande detalhe como é para o biólogo, e eu acres­ centaria também para o semioticista, o universo habitado no seu centro por um sujeito não humano. Ele dá como exemplo a vida de um ácaro, uma espé­ cie de carrapato. A criatura aguarda pacientemente, as vezes até anos, até que chegue um vento de ácido butírico, para então se jogar da árvore acima de um mamífero e o parasitar. Porém todo esse tempo transcorrido é como se fosse apenas um instante. Não há outra possibilidade para o carrapato que a (pro­ vável) recepção do cheiro de suor animal, a aterrissagem e, após ter achado o epitélio sem pilosidade, a sucção e o eventual abandono do hóspede, seguido pela suà morte, depois de haver parido as crias. Enquanto o carrapato, o gol­ finho oü qualquer outra criatura não-humana reúnem na sua presença ou corporalidade seus desígnios, o homem é a única criatura que pode diferir, tomar distância do tempo presente, desenhar, duvidar e construir sem cessar isso que ele quer ser ou que quer não ser. Da perspectiva humana, o Umwelt do pequeno carrapato parece se confundir com o ínfimo, com um perímetro re­ duzido até o pontual, tanto no espaço como no tempo. O Umwelt humano, por sua vez, não existe somente no tráfego genético dos cromossomos, que

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Peirce é citado da maneira convencional: a edição dos Colkcted Papers o f Charles S. Peirce (1931-35) editados por C. Hartshorne e P. Weiss. Cambridge: Harvard University Press dou o volume seguido do parágrafo correspondente (x.xxx). No caso dos manuscritos, esses são indicados com as letras MS. e 0 número que remete à edição de Robin (1967), quando há uma data do texto, élá figura na citação. Todas as traduções são minhas.

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apenas existem na longa duração da evolução darwinista, essa inevitabilidade químico-fisiológica da espécie. O Umwelt dos seres humanos é aberto, porque o homem é a única criatura circunspecta, segundo Gehlen (1976), um ser que pode olhar ao redor. Esse olhar que consegue se interessar por regiões e assuntos impensáveis no presente constitui uma fonte de grandezas e misérias. O ser humano é aquele que vive da representação e que pode representar outra coisa diferente do que ele é no presente. A partir dessa perspectiva, ser uma pessoa significa possuir um corpo, mas também dispor dele segundo um mecanismo comple­ xo de teleologia dupla. O processo de semiose humana é um mecanismo interpretativo que coincide com a vida de cada pessoa. Esse processo surge do cruzamento de dois mecanismos teleológicos, segundo assinala Liszka por uma parte está o propósito subjetivo de quem se vale de signos para conse­ guir seus desejos, e por outra, “a teleologia objetiva [ou sistêmica] dos proces­ sos sígnicos” (1989: 37), enquanto condicionamento e restrição sociocultural do desejo humano. Entre o impulso do' crescimento e da duração dos signos, e a força do querer de cada um de nós, aparece recortada a silhueta singular do Umwelt aberto do ser humano. A melhor maneira de conceber esse Umwelt é como um diálogo contí­ nuo e complexo; ali se desenvolve uma'história que dura tanto quanto a vida da comunidade, porque ante cada morte concreta e individual, os outros re­ param a trama com a única permanência possível entre os seres humanos, a que é fornecida pela semiose contínua. Sobre esse relato no seu aspecto mais humilde nos conta Goffman em sua obra. Sobre as pequenas quedas, os gol­ pes e as torpezas de um self localizado no interior de seu Umwelt, mas com a capacidade imaginativa e inferencial de mover-se entre os diversos Umwelten daqueles que estão, ou que estiveram ou que vão estar com ele, trata essa espé­ cie de romance teórico do microcosmo social que durante mais de um quarto de século relata o grande observador da minúcia interativa que é Goffman.

O discreto encanto da sociosemiótica goffmaniana Era uma vez um canadense que leu Durkheim, assimilou Sartre e ten­ tou ser Salinger. Não penso que seja surpreendente a dívida que esse jovem sociólogo que nasceu no pequeno vilarejo de Mannville, em Alberta, Canadá, e que se graduou na Universidade de Chicago, tem em relação à teoria dos ritos e da personalidade humana na sociedade de Emile Durkheim em As formas elementares da vida religiosa (1912). Não é tão comum ou sequer aceitável para a instituição sociológica norte-americana, com sua vocação positivista, uma companhia como a do existencialismo de Sartre, que é uma influência

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notória durante o período em que Goffman produz A 'Representação do Eu. Mas ainda mais surpreendente foi que suas descrições da vida cotidiana estives­ sem escritas no estilo que lhe trouxe tantos fas de fora da academia quanto detratores dentro dela: O próprio Eane acendeu um cigarro enquanto o trem terminava de se deter na estação. Depois, como tantas pessoas às quais, talverç, só deveria ser dada uma autorigação provisória para ir receber trens, ele tentou esvagiar seu rosto de toda expressão que podería simplesmente revelar como ele se sentia com respeito à pessoa que chegava ali. (Salinger, 1957:12) Um autor m lt para os universitários e para a classe média de fins dos anos cinqüenta nos Estados Unidos, Jerome David Salinger descrevia nesses termos irônicos e precisos a estratégia expressiva desenvolvida por um jovem que aguardava durante um bom tempo, e com evidente ansiedade, a chegada de sua namorada, ao ar livre e gelado de uma estação de trem, enquanto seus colegas universitários o faziam dentro da estação. Com a ressalva de uma distância de perspectiva não muito grande, importa assinalar uma interessan­ te afinidade entre aquela escritura de ficção de Salinger, e a classe de texto erudito que nessa mesma época Goffman (1959) escrevia no mesmo país:

Atrás de muitas máscaras e de muitos personagens, cada ator tende a usar uma única aparência [a single look], uma nua aparência não socializada, uma aparência de concentração, uma aparência de quem está privadamente engajado em uma tarefa pérfida, difícil. (1959: 235) Não seria muito difícil colocar esse parágrafo de Goffman sob o ante­ rior dentro do romance, a título de uma reflexão irônica sobre o comporta­ mento absurdo do personagem de Salinger, ou fazer ao invés, apagar o nome do personagem e falar de “Um jovem de classe média alta que aguarda...”, para assim fazer ingressar, sem dificuldade, o fragmento do romancista do célebre O Apanhador no Campo de Centeio na obra do sociólogo canadense. Não parece estranho então que A Representação do Eu virasse um livro de culto nas universidades dos Estados Unidos e, graças ao entusiasmo de Pierre Bourdieu, também na França. Poderia se resumir essa técnica estilística de Goffman como a capaci­ dade para fazer que um instante banal e insignificante na vida de uma pessoa se transforme em uma experiência memorável (para o leitor). E isso não aconte­ ce unicamente pelas implicações teóricas dos textos, pela substância da pes­ quisa etnográfica do mundo moderno e anglo-saxão que com brilho realiza Goffman, nem sequer pelo que aquela revela sobre esse minúsculo universo do Umwelt aberto humano. Esse âmbito permanece parcialmente anestesiado, pata não ficarmos sobrecarregados por tantas demandas do mundo ao redor.

A representação do self na obra de Goffman: sociosemiótka da identidade

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Com certeza há essa dimensão heurística na obra de Goffman, mas em princi­ pio essa característica seria extensível a muitos outros textos e pesquisas nas ciências sociais. Berger (1963:157) propõe o termo “êxtase” para descrever o abandono da perspectiva normal, quotidiana no âmbito científico social: dei­ xa-se o mundo do óbvio através

do ato de sair ou de se elevar (literalmente ekstasis) das rotinas sabidas na sociedade (...) o êxtase transforma nossa consciência da sociedade de tal modo que tudo o que é pressuposto normalmente [givenness] vira possibilidade. Além da visão extática do microssocial, o próprio texto de Goffman gera um êxtase em relação à escritura acadêmica ortodoxa ou convencional. Atkinson (1989:75) conclui a esse respeito que neste sociólogo teoria e texto são inseparáveis: “Os textos de Goffman representam sua sociologia através de suas modalidades de escritura. O mundo social tal como ele é representa­ do por Goffman é o mundo social tal como está inscrito nos textos.” Não é simplesmente que o estilo do sociólogo seja atraente e despoja­ do, mas de que a força de sua análise radica na sua retórica, segundo assinala Atkinson (1989):

Talvez mais do que em nenhum outro sociólogo moderno, a análise de Goffman era retórica, enquanto essa dependia tanto do poder persuasivo de seu estilo escrito, da elegânàa na sua utilização de figuras e de tropos, e do engenho com que ele utilizava esses recursos. (1989: 61) “Mais do que em nenhum outro sociólogo moderno” pode ser, mas não mais do que em um semiólogo moderno como Roland Barthes. Embora que só seja possível achar um par de breves referências de Goffman à obra de Barthes, gostaria de arriscar aqui a hipótese de que a abordagem feita por Goffman ao longo de sete livros e numerosos artigos tem vários pontos de contato com a operação semioclasta, de inspiração marxista-estruturalista que o teórico francês Barthes realizou quase na mesma data (Mythologies aparece originalmente em 1957, mas é uma coletânea de textos que foram publicados entre 1954 e 1956, e a primeira edição escocesa de A Representação do Eu data de 1956). Essa espécie de vocação européia do trabalho de Goffman poderia marcar sua proximidade com aquele intelectual francês na análise da signifi­ cação social. Obviamente não falo aqui de uma dívida concreta e biográfica, nem sequer de uma inspiração direta de Goffman; talvez o mais adequado seja falar de afinidades eletivas neste caso entre os dois. Mitologias de Barthes pode ser lido como uma coleção de m eia cen­ tena de vinhetas muito breves que descobrem o quotidiano francês, desde o bife com batatas fritas, até o striptease, e incluindo nessa coletânea a muito popular Tour de France e até o cartaz eleitoral. Não é trabalhoso ler A Repre­

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sentação do Eu, além de sua coerência e continuidade teóricas, como uma série de cenas deslum brantes, reais, literárias ou im aginárias, que tentam desvelar o backstage do sentido da classe m édia norte-am ericana. A pesar dessa convergência, a diferença entre os dois textos perm anece evidente: a presença do atributo “burguês” —como sinônimo de má-fé, de inautêntico e de não-estético — é tão notória no texto citado de Barthes, quanto ela é ausente na obra de Goffman. O que para um deles é uma tarefa de desmontagem ou semioclastia (análise crítica de signos) da m istificação burguesa, para o outro é simplesmente a descrição do cenário sociocultural. Dito uni­ verso social é utilizado para aplicar a inquietante ‘olho-de-peixe’ de Goff­ man, sem nenhuma ambição de achar armadilhas ideológicas por toda par­ te. Através do uso da metáfora da lente fotográfica grande-angular especial de 180 graus, a “olho-de-peixe”, que deform a o que flagra visualm ente, descreve-se aqui o modo no qual Goffman captura uma cena familiar de uma m aneira que não é familiar em absoluto. Tal efeito constitui o miolo da análise retórica usada pelos dois observadores do social, o francês e o cana­ dense. A evidente distorção resultante é o preço que deve se pagar para enxergar o mundo não problemático e natural de um lugar insólito e capaz de remover velhas certezas. Essa classe de análise não se limita à obra primeira de Barthes. Quando discute uma das oposições clássicas da lógica —denotação e conotação, em relação a seu funcionamento literário —Barthes observa que a presença da de­ notação asseguraria ao texto uma espécie de “inocência” ou “ilusão”, porque

a denotação não é o primeiro dos sentidos, mas ela finge sê-lo; sob essa ilusão, aquela não é mais do que a última das conotações (essa que parece ao mesmo tempo fundar e fechar a leituraj, o mito superior graças ao qual o texto finge voltar à natureza da linguagem, à linguagem enquanto naturega. (1970: 16) Se até este ponto um bom número de analistas de discurso, sobretudo aqueles de inspiração marxista e sartriana, acompanhariam com prazer o au­ tor de Mythologies, quando chegarem ao fim do parágrafo que agora será cita­ do, esse grupo provavelmente se reduziria muito: “nós devemos nos cuidar da denotação, dessa velha deidade vigilante, ardilosa, teatral, encarregada de representar a inocência coletiva da linguagem” (Barthes, 1970:16). Sem dúvi­ da, é neste grande final metafórico (denotação = deidade vigilante) onde ra­ dica boa parte da força discursiva dessa reflexão pouco ortodoxa mas instigante do pensador francês. A analogia do texto do semiólogo francês com a escritura do microsociólogo se torna evidente na seleção de metáforas e “incongruências” reco­ lhidas na obra de Goffman por Lofland (1980:25):

A representação do self na obra de Goffman: sodosemiótica da identidade

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Todos devemos levar dentro de nós alguma coisa da doce confra­ ria dos conspiradores. • Aqueles que rompem as regras da interação cometem seus crimes na prisão. • A natureza universal humana não é uma coisa muito humana. • O mundo, na verdade, é um casamento. Tanto ou ainda mais que o sistema taxonômico desenvolvido por Bar­ thes em S! Z (1970), isto é, os cinco códigos e as cuidadosas subdivisões em semas, etc, e com igual importância cognitiva que a aguda observação do quotidiano, a proposta de uma percepção sob a atrativa forma de uma visão literária parece ser o fundamental. Barthes e Goffman são os artífices de se­ dutoras epifanias, segundo era a prática comum entre criadores literários como Joyce e Pound em começos do século XX. Epifanffar a realidade significa descobrir o insólito e misterioso no mais corriqueiro do quotidiano. Esse é o trabalho da linguagem, de um jogo de linguagem que se conecta com uma forma de pensamento não ortodoxo dentro do campo literário e dentro do campo das ciências sociais.

Sobre o amor ao blooper: Morelli, Freud e Goffman Talvez seja possível compreender melhor a causa do sucesso m aci­ ço do blooper (a popular “videocassetada” no universo da m ídia brasileira contemporânea),3 se ele é concebido como a irrupção do acaso na cuidado­ sa teleologia humana, especificamente no decoro humano. A atual fascina­ ção com o blooper radica no fato de ele ser um documento audiovisual que registra tecnologicamente um acidente Ou erro na execução de um papel social que, de algum modo insólito, estourou na cara do sujeito na cena coletiva, ante outrem. No começo foi o gênero esportivo e espetacular dos atletas profissionais, depois, graças à câmara de vídeo doméstico, o prota­ gonista foi a pessoa comum junto à sua predisposição a filmar as celebra­ ções familiares. Em ambos os casos, se assiste divertido a um a invasão já quase ritual do elemento de insegurança, o mesmo que nosso discurso ver­ bal e gestual tenta, com grande esforço, conjurar: o m ovimento que termina com todo resto de decoro no chão, a torpeza que faz que esse bolo m agnífi­ co de aniversário receba o rosto do aniversariante, como nos velhos filmes mudos de Hollywood. A atração do blooper radica no fato de que, por um 3

O dicionário Merriam- Webster Online define o termo btoopen&únx. “an embarrassing public blunder”, que pode ser traduzido como “uma torpeza pública que causa vergonha”. O aspecto público virou espetacular graças à popularidade crescente da tecnologia visual caseira da videocâmara.

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instante, são expostos os sagrados mecanismos com os quais produzimos coletivamente as sensações de euforia tanto pública quanto privada. A cena registra o instante preciso no qual ainda não se conseguiu achar a cara ade­ quada com a qual se acomodar ao desastre das aparências, à ruína irreversí­ vel na condução das impressões. A nível popular, o blooper é um a evidência forte do caráter fabricado de tudo aquilo que norm alm ente rola com apti­ dão pela estrada do natural e do espontâneo. Vamos agora considerar uma versão científica do blooper. Muito antes da atual paixão m undial pelo blooper o u (vídeo) cassetada, Goffman lhe dedicou um extenso capítulo intitulado Radio Talk no seu últi­ mo livro publicado em vida ÇForms o f Talk, de 1981). O eloqüente subtítulo desse texto é um a boa descrição de um aspecto substancial da metodologia de Goffman ao longo de sua carreira: “Um estudo das maneiras de nossos erros” (A study o f the ways o f our errors). Nesse texto dedicado à análise de bloopers, G offm an não utiliza m aterial visual, como o citado acim a, mas baseia-se nas coletâneas de erros verbais comercializadas em discos. Tratase de coletas de desacertos ou erros verbais, de enganos acontecidos duran­ te a transmissão de programas de rádio da época. Proponho pesquisar bre­ vemente a história não tão conhecida da vertente científica dessa paixão pelo falido, por tudo isso que acontece além ou mesmo contra nossa vonta­ de. O assunto então é a significação do acidente e sua utilidade no estudo do humano em geral. Tudo começa com um método para detectar quadros falsificados que desenvolveu um homem misterioso de nome Morelli, ao qual o próprio Freud se reconhece como devedor em seu desenvolvimento do método analítico da mente humana. A técnica de Morelli não carecia de engenho. Ele aconselha­ va observar as zonas não comuns ou não típicas das imagens célebres, por exemplo, as orelhas dos modelos representados em uma pintura. Era ali, nes­ se subúrbio pictórico, onde o falsificador mais provavelmente se descuidaria, e iria cometer um erro, porque não era um aspecto célebre da pintura imitada por ele. Os detalhes que escapam normalmente à atenção do espectador mé­ dio, acreditava Morelli, seriam os mesmos que aqueles artífices do ilegal iriam descuidar na execução de sua cópia. Um especialista em iconografia comenta o seguinte sobre Morelli e seu singular método: “Nossos pequenos gestos não advertidos revelam nosso caráter de um modo muito mais autêntico que qualquer atitude formal” (Ginzburg, 1989:120, grifo meu). Morelli parece assim apontar a centralidade do m arginal blooper ou lapsus para diversos pesquisadores posteriores. De fato, esse contemporâneo de Freud mereceu um elogio cálido do fundador da psicanálise no texto O Moisés de Michelangelo (1914): “Na minha opinião, seu procedimento mostra

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grandes afinidades com a psicanálise. Também a psicanálise acostuma a de­ duzir a partir de rasgos pouco estimados ou não observados coisas secretas ou encobertas” (Freud, citado por Ginzburg, 1989:120). A metáfora utilizada por Freud é eloqüente: isso que foi revalorizado por Morelli e depois pela psicanálise é apenas um resíduo ou detrito para a ciência oficial. Não é à toa que esse aspecto residual ou insignificante vai cons­ tituir a base do método de pesquisa psicanalítico e do método microsociológico goffmaniano. As célebres páginas sobre o lapsus linguae e sobre sua significação com respeito ao reprimido na Psicopatologia da vida quotidiana —cujo título pode bem ser lido como um eco dissimulado dentro do título do texto clássico de Goffman —parecem fornecer uma antecipação ou adiantamento, desde o cam­ po da psique, do material que o jovem candidato doutorai vai coletar nas Ilhas Shedand, para sua tese. Suas observações dos pequenos gestos automáticos, das sutis mudanças que esses camponeses exibem quando eles são vistos por estrangeiros, e quando eles estão somente entre as pessoas da ilha, sem dúvida teriam sido jogadas na lixeira metodológica por muitos de seus colegas. Até Goffman, ninguém tinha pensado em coletar esses materiais que Freud e More­ lli aquilataram, pelo simples motivo de que eles não tinham uma teoria sufici­ entemente desenvolvida com a qual ordená-los e analisá-los. O capítulo XV de Comtmtnication conduct in an island commtinity, a tese doutorai de Goffman, intitulado “Safe supplied’, trata sobre os “recursos segu­ ros” que são utilizados para fazer avançar uma conversação e para assegurar uma identidade plausível. São essas banalidades ismall talk) com as quais as pessoas rompem o gelo em qualquer situação na qual existe certo risco para a imagem de si próprio que se deseja manter. Um dos pontos de partida da micro-sociologia goffmaniana enquanto método pode ser encontrado nessas notas da tese doutorai sobre a “comunhão fática”, o termo proposto por Malinowski —que é citado por Goffman - para fazer contato em qualquer situa­ ção comunicacional. Fática é a rede que há sob cada pessoa na sociedade, porque as pessoas devem caminhar dia a dia sobre a corda bamba do equilí­ brio interacional. O olhar de Goffman vai se deter com grande rigor descriti­ vo e analítico nos incidentes que acontecem quando uma pessoa perde o pé, e acaba por aterrissar no chão com sua dignidade e seu decoro abalados. É nesse momento que essa pessoa vai necessitar do apoio fático de seus colegas da interação. Mas que acontece quando essa rede de contenção falha ou quan­ do não funciona muito bem? Esses são os momentos privilegiados para a olho-de-peixe do sociólogo Goffman. Nesse instante preciso emergem os bloopers da ordem da interação. Esses acidentes revelam o esforço contínuo, mesmo heróico, por preservar uma fachada incólume inclusive ante o desas­ tre na condução das nossas aparências.

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A semiose do se lf goffmaniano Para completar esta visão parcial da obra de Goffman, é necessário entrar em um dos terrenos que ele melhor preparou para futuras pesquisas: o território do self. Assim, tento mostrar mais um acesso semiótico a Goffman, a saber, sua afinidade eletiva com a teoria dos signos de Peirce. Para isso é necessário voltar a falar dos signos de Goffman, mas agora devemos fazê-lo em relação ao próprio campo que ele descobriu e ordenou ao longo de sua obra, e não mais com respeito àqueles signos que a constituem no plano retórico e lingüístico. Ambas as classes de signos têm a peculiarida­ de de não ser evidentes, de não ser signos por default. Do mesmo modo em que é impossível falar de uma simples escritura acadêmica em Goffman, pela sedução incomum que produzem seus textos, sua reflexão sobre a identidade humana nos mostra um pensador original da modernidade tardia, O tema desta seção é o sistema de signos classificado e ilustrado de modo profuso por Goffman desde fins dos anos cinqüenta, até o começo da década de oitenta. Há ao menos um elemento compartilhado por todos eles: são sempre sign os do corpo. O corpo que é apresentado por Goffman é sem­ pre simultaneamente o corpo sagrado e o corpo do delito. Ambos elementos estão fortemente unidos na teoria goffmaniana. O corpo aparece na obra como um objeto precioso que merece intensos cuidados rituais, reparações, uma classe de atenção que não somente se baseia em considerações de tipo macro-social —stattis, classe social, divisão do trabalho, identidade político-partidária, etc. —mas na própria natureza das transações que nós devemos efetuar para poder comunicarmos ou apenas estarmos com outrem. Se nossos corpos não nos levam até a cena do diálogo, se não conse­ guirmos ocupar de certo modo um determinado espaço, não chega a se pro­ duzir uma conversação, essa classe de comunhão tão particular que é a comuj nicação humana. Embora que essa troca reduza-se a alguma coisa tão pouco importante quanto o encontro de tautologias ou obviedades sobre as condi­ ções meteorológicas, nesse momento que com uma seriedade quase como­ vente nós idizemos “Mas que barbaridade, que frio que está!” Como se essa condição climática não fosse evidente para todos, como se o outro não sou­ besse que eu sei muito bem que isso é assim. Não obstante, com essas pala­ vras de calculada redundância e cuidadosa obviedade as pessoas desenvol­ vem um aspecto essencial da vida compartilhada. Assim, isso que parece ser tão centrabna comunicação pública, a troca de signos informativos, poderia até ser um fenômeno secundário na sociedade. O intercâmbio de dados ou de informação específica apenas acontece uma vez que já foi estabelecido um

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pacto ou contrato de confiança mínimo entre as pessoas em co-presença. Para esse acordo, é vital o funcionamento de uma estética de mútuo agrado e de aceitação transitória, até algum aviso de alarma. Somente nesse momento, após a legalidade do âmbito corporal humano ter sido estabelecida, pode-se continuar com o prato seguinte no cardápio interacional. Esse corpo sagrado, sempre digno de homenagem - tal como o redescobriu Goffman no universo social anglo-saxão, a partir de sua leitura de Durkheim —é o mesmo que vira facilmente o corpo do delito. Imagine, leitor, se eu pisar o pé de alguém no ônibus. Enquanto meu corpo continua avançando pelo corredor do veículo, sem nenhuma necessidade absoluta de fazê-lo, eu vou girar o tronco, agora em notória divergência com o resto de meus mem­ bros, que continuam orientados para o frente, e depois girará minha cabeça, e uma de minhas mãos apontará com intenção reparadora em direção posterior, para o lugar onde aconteceu o ‘crime interacional’. Um gesto das sobrance­ lhas, junto com o gesto da palma que assinala sem ambigüidade possível para a vítima, completa o ritual de solicitação de perdão, a tarefa de desagravo (remedial mrk ). Mas que estão fazendo o tronco, a mão, as sobrancelhas coor­ denadas desse jeito tão pouco prático para continuar caminhando até o lugar onde eu vou ficar no ônibus, ao qual eu estava indo antes do acidente? Esses elementos físicos representam a cena persuasiva de um corpo e de um self emendados: eu venho de me livrar de uma fatia de corpo culpável, de uma faceta descartável de mim, a qual perpetrou um crime da interação, o ato de pisar o pé de outrem sem razão aparente. Meu erro foi não tomar em conta de modo adequado seu espaço, seu direito a não ser ferido ou incomodado, inva­ dido, etc. Essa representação ritual da reparação não termina no simples per­ dão gestual. As vezes, inclui uma entrega adicional do corpo, uma que é aérea e sonora: “Mas que torpeza! Como aconteceu isso aí?” Trata-se de uma laminação do self. é a partir de uma identidade não-culpável, não-torpe que é julgada a torpeza prévia do ‘outro’ sujeito, que foi o responsável por essa falta. Somente a capacidade humana de representar, de aludir a alguma coisa que não está mais presente através da presença física, material, consegue ex­ plicar essa fascinante e complexa cena descrita acima. Para encenar esse sen­ tido e todos os outros que necessitamos na vida quotidiana, é preciso contar com um repertório de signos cuja manipulação se faz segundo regras compar­ tilhadas e utilizadas por todos ao mesmo tempo, dentro de uma sociedade ou de um grupo. O conceito de ‘si próprio’ tão sinteticamente expressado em inglês através do termo self parecia ser, até a pesquisa de Goffman, um núcleo resis­ tente, uma sustância mineral quase indestrutível à análise. O self era aquilo

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que o sujeito designava como o centro de sua pessoa, de sua personalidade, disso que é mais pessoal ou autêntico de si próprio. Contra essa crença piedo­ sa de auto-satisfaçao é que se alça a análise goffmaniana. Como já foi menci­ onado, não é casual que o primeiro livro publicado pelo sociólogo tenha um título fortemente evocativo do conhecido trabalho freudiano A psicopatologia da vida quotidiana. Freud e Goffman abalam a última segurança, a fortaleza do autocontrole ocidental: o sujeito enquanto dono de um poder absoluto, a pes­ soa como propriedade de um dono. Essa tentativa de estender a relação soci­ al capitalista por antonomásia, a relação de possessão, ao âmbito mais íntimo e próximo da pessoa é abalada através da proposta teórica do inconsciente e através da descrição analítica das inúmeras estratégias que são usadas com habilidade para gerar “aparências naturais”. O ser humano que é apresentado por esses dois pensadores fica muito longe do ideal humanista, desse homem que se pensava além de todo controle, depois de ter se emancipado do man­ dato divino. Após a crise do Deus, parece nascer uma deidade pequena, dis­ creta mas implacável, á qual é obrigatório lhe brindar culto sem cessar. Essa deidade é justamente o self. De modo rigoroso, Goffman demonstra como a religião pode entrar em crise, mas não a religiosidade. No encontro mais trivial, há espaço para oferecer nossa devoção a quem o outro ante mim pretende ser ou pretende que eu acredite que ele ou ela é. A demanda ou expectativa é, naturalmente, recíproca. Se colocarmos essa teorização de inspiração durkheimiana sob a luz da semiótica de Peirce, tomam-se evidentes tanto a coincidência de Goff­ m an com alguns escritos de Sartre sobre a identidade enquanto alienação quanto sua distância com respeito ao existencialismo associado a esse filóso­ fo. Tal divergência é o que aproxima justamente a teoria goffmaniana do self ao modelo triádico do signo que está na base da teoria da ação sígnica ou semiose em Peirce, e que convalida a proposta sodosem iótica do presente trabalho. Muito foi escrito sobre a suposta visão cínica sobre o ser social que apareceria em A apresentação do Eu. Amiúde, a m etáfora teatral que Goff­ m an desenvolve para explicar as estratégias com as quais as pessoas procu­ ram legitim ar sua identidade em cada momento da interação foi interpreta­ da como uma visão negativa sobre um a criatura m anipuladora e de m á fé. Isso explica a afinidade que m uitos especialistas acham entre o primeiro Goffman e Sartre. Porém, pretendo demonstrar que se trata de uma falácia. A lém do fato de que existe um a semelhança superficial, a diferença entre ambas reflexões sobre o humano radica no modelo de identidade que está im plícito nestes pensadores: o de G offm an é triádico e o de Sartre é diádico ou binário.

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Para Sartre a consciência de que todo sentido para ser tal deve ser consentido, isto é, que ele nunca é totalmente próprio, luas apenas é possuído para o compartilhar com outrem na comunicação, gera inevitavelmente dor e frustração no sujeito. O self sartm no sofre a vivência de ficar confinado a uma instância que está fora, no futuro; ele deve então aceitar a limitação de ser para o outro, e unicamente com o outro. O autor de O ser e o nada concebe a abertura do self para o outro como um elemento trágico inevitável, e por isso Sartre a descreve como uma carência penosa experimentada como um roubo de autonomia. Para o self de Sartre, se descobrir implica descobrir uma aflitiva incompletude. Sartre (1956: 265) vê o outro como aquele me obriga a aceitar que “Eu já não sou mais o dono da situação”. O caminho que lhe conduz a essa conclusão é o típico produto de uma semiótica binária (e neste caso implícita), como pode se conferir neste texto de Sartre: 0 ‘significado’ de minhas expressões sempre escapa a mim. Eu nunca sei com certeza se eu exprimo isso que eu quiser exprimir... A causa da ignorância disso que eu de fato exprimo a Outrem, eu constituo minha linguagem enquanto um fenômeno incompleto que foge longe de mim mesmo. Na hora que eu consigo me exprimir, somente consigo adivinhar o significado do que exprimo, isto é, o significado disso que eu sou, porque segundo essa perspectiva, exprimir e ser são a mesma coisa. O outro fica sempre aí, presente e experimentado como aquele que dá à linguagem seu significado. (1956: 373-4) Se agora formos ao fundador do modelo semiótico triádico, achamos que com premissas muito semelhantes, Peirce chega a uma conclusão oposta. De modo semelhante a Sartre, Peirce assinala que tudo o que é, é representável: “Em síntese, cognoscibilidade (no seu sentido mais amplo) e ser \being\ não são simplesmente a mesma coisa do ponto de vista metafísico, mas são termos sinônimos” (CP 5.257). Ou de um modo ainda mais radical, que acre­ dito que Sartre não teria desaprovado, Peirce afirma polemicamente “que todo pensamento é um signo, considerado junto com o fato de que a vida é uma corrente de pensamento [a train o f thought\, é a prova de que o homem é um signo (...) Assim minha linguagem é a soma total de mim mesmo; porque o homem é o pensamento” (CP 5.314). A grande diferença entre o semioticista e o existencialista está no fato de que para o primeiro, o outro é vivenciado como aquele que faz possível o self através do processo de semiose triádica, enquanto para o filósofo francês se trata de seu reverso: “a morte de minhas possibilidades” (Sartre, 1956: 271). Embora as conclusões que tiram ambos sejam totalmente opostas —como Eros e Thanatos, as duas posições discursivas que ‘o outro’ ocupa em Peirce e em Sartre —a perspectiva deles é-a mesma. Na semiótica de Peirce o fato de tender ou propender para o outro significa se plenificar, é o ágape da semiose enquanto

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série de signos compartilhados ou a compartilhar no futuro, porque esses signos só me pertencem para os verter para a comunidade, para serem comunicados. Neste caso, novamente não se trata de uma influência ou dívida de Goffman, mas de uma forte afinidade epistemológica com a semiótica de Peirce. Para o semioticista o mais íntimo do indivíduo não é o âmbito priva­ do, mas sua condição de agente comunicativo. A complexa estrutura do self goffmaniano é também um ponto de encontro com a semiótica triádica. O ponto de começo do micro-sociólogo é assinalar um erro fundacional, uma falácia que percorre o pensamento ocidental todo, ao menos desde Platão. Trata-se de que, sob ou atrás da mesquinha aparência social, do papel oficial desempenhado pelo sujeito ao largo de seu dia e da sua vida inteira, se acharia o ser natural e puro:

Há uma tendência vulgar no pensamento soáal a acreditar que a parte sagrada do indivíduo, o que ele realmente é, está ali embaixo (da exibição dos papéis), quando ele se relaxa e libera ante aqueles que estão diante dele, quando ele pode ‘mostrar que classe de pessoa ele é ’ além de seus papéis. ” (Goffman, 1961: 152) Nessa ilusão ou auto-engano cai inclusive um brilhante analista da obra de Goffman, quando para descrever o self, ele recorre aparentemente a um modelo triádico que, na verdade, não é tal, como mostrarei depois. Mas antes disso é necessário considerar os três componentes do self que podem ser extrapolados dos escritos de Goffman. Há um self oficial ou localizado socialmente. Para sua atualização in­ fluem de modo decisivo as expectativas das demais pessoas em relação ao papel realizado em um momento e tempo dados, como o ilustra bem Goff­ man: “se supõe que um juiz seja seguro e sóbrio; que um piloto na sua cabina tenha sangue frio; que um contador seja preciso e cuidadoso na sua tarefa” (1961a:87). O sujeito chega assim a um self que “virtualmente está à espera do indivíduo que entra nessa posição” (ibid.). Nos achamos no domínio do dever ser, desse modo discursivo que é teorizado por Aristóteles na Retórica com o nome de verossimilhança (to eikós). Nas palavras de um dos mestres de Goffman, o também canadense Ray Birdwhistell, devir homem é devir previ­ sível, esse é o ideal social. O self oficial é o personagem, é um nicho dentro do discurso, que aguarda a chegada da pessoa, e que tem seus móveis prontos desde muito tempo antes que alguém concreto pense em ir ocupá-lo. Também há um self dramatúrgico, que corresponde ao ator social (performer), à entidade humana que deve encarnar do melhor modo possível esse per­ sonagem social pré-existente. Esse aspecto componente do self é uma fonte interminável de deslizes, de bloopers. Ele emerge do inevitável desajuste entre o agente dramatúrgico demasiado humano e o self legítimo e portanto plausível:

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[Há] uma discrepância fundamental entre nossos s eives e nossos s eives socializados. Como seres humanos somos aparentemente criaturas de impulso variável com atitudes e energias que mudam de um instante a outro. Como personagens encenados para uma audiência, não obstante, não podemos estar sujeitos a altos e baixos.” (Goffman, 1959: 56) Chegar a ser convincente depende de uma dupla semiose, a voluntá­ ria —o nível comunicacional e intencional —e a expressiva e involuntária —e que corresponde ao fenômeno que emerge inevitavelmente junto com o pri­ meiro componente. Enquanto o self oficial experimenta poucas e lentas vari­ ações durante a vida do indivíduo, na sua comunidade, porque a legitimidade gerada pelos papéis é de duração extensa, o self dramatúrgico experimenta tantas variações quanto possíveis estados de ânimo perpassem o corpo do sujeito. Se o modelo do self de Goffman tiver exclusivamente essas duas di­ mensões, nós estaríamos em um caso típico de dualismo cartesiano, desse dualismo que consiste numa divisão irreconciliável entre uma alma autêntica, pura, intangível e um corpo caído, inautêntico e sórdido. Um bom exemplo disso é a fábula vitoriana que escreveu Robert Louis Stevenson: uma face da medalha é o doutor Jekyll, a imagem máxima da politéia da época. Ele não é somente um cientista dedicado, mas durante seu lazer, enquanto toca piano, absorto, a distância contempla sua namorada. Assim ele sublima, literalmen­ te, toda a energia perturbadora do inconsciente. Unicamente após beber a fatídica poção de sua própria invenção, se assiste à presença do brutal e des­ controlado Mr. Hyde, esse escravo dos baixos instintos que, insaciável, fieqüenta prostitutas [e espanca criancinhas]. Em vez de menosprezar o aspecto externo como se fosse uma simples veste descartável do humano, e de sacralizar assim a energia que investimos naquela aparente superficialidade, Goff­ man inclui um terceiro elemento na semiose do self que salva seu modelo dessa prisão diádica:

Nosso sentido de ser uma pessoa pode provir de sermos atraídos para uma unidade soáal mais ampla; nosso sentido essencial de nós mesmos [sense of selfhood] pode surgir através das pequenas maneiras nas quais nós resistimos o puxar. Nosso status está respaldado pelos sólidos edifícios do mundo, enquanto nosso sentido de identidade pessoal amiúde reside nas rachaduras. (Goffman 1961, citado em Lofland 1980:45, grifo meu). O ser humano seria além disso, segundo Goffman (1961),

Uma entidade que adota uma atitude, uma coisa que adota uma posição que fica em alguma parte entre a identificação com uma organigação e a oposição a ela, e que está pronta ante a mínima pressão a recuperar seu equilíbrio

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mudando seu engajamento em qualquer uma das direções, (ibid, grifo meu). Lofland (1980:45), o especialista de quem extraí essas duas citações, denomina essa dimensão ou propriedade do selfcca alma” (soul). Por esse m o­ tivo não é aceitável esse conceito de Lofland, porque sob a aparência de postular um modelo triádico, na verdade, é o clássico modelo binário que é invocado. Falar da “alma” supõe atribuir àquele componente do self alguma classe de privilégio ontológico que esse aspecto do self não possui. Proponho então nomear essa dimensão da identidade analizada por Goffman com o termo self reativo, porque ele emerge como uma reação às duas forças opostas dos selves oficial e dramatúrgico. O self reativo não é mais que uma dimensão da identidade concebida como um contínuo processo de significação; os três aspectos ou dimensões do self são igualmente essenciais. Não há diferença nenhuma segundo o grau de ‘profundidade’ ou de maior e menor autenticida­ de de cada um dos três componentes. Para descrever de modo formal o acha­ do de Goffman se apresenta aqui uma homologação entre a teoria da identi­ dade do sociólogo e o modelo semiótico de Peirce. Desse modo, é possível compreender o acerto teórico de incluir no modelo micro-sociológico do self as três instâncias citadas, e também a lúcida rejeição do sociólogo do pressu­ posto de que haveria um elemento dos três assinalados que seria o mais ver­ dadeiro ou poderoso na identidade humana. Cada uma das três instâncias do self corresponde a uma das categorias fenomenológicas da semiose ou ação sígnica na teoria de Peirce. Assim, o self oficial pertence à categoria da Terceridade, dentro da qual o semioticista coloca o que é geral, como a lei ou o hábito, definido esse último enquanto tendência. O exemplo clássico de um signo de Terceridade é o símbolo, e entre os símbolos, a palavra. Não obstante, é importante lembrar que qualquer gesto ou movimen­ to do corpo que opere segundo uma convenção, isto é, que estipule um modo geral de interpretação do signo dentro de uma comunidade, pertence a dita categoria, e portanto tem caráter simbólico como qualquer signo verbal. Ao self dramatúrgico corresponde a categoria de Primeridade, que inclui o que é puramente qualitativo, indeterminado, do âmbito do possível e ainda não reali­ zado. Existe sempre a possibilidade de que quando alguém vai dar uma condo­ lência ou cumprimentar uma pessoa com o simples “Tudo bom?”, algo dê erra­ do; há então a eventualidade de que surja o temido blooper da interação, que hoje tem um bom potencial de virar uma ‘videocassetada’. Finalmente, esse elemento que Lofland por engano descreve como “a alma” do self corresponde à categoria fenomenológica da Segundidade na semiótica peirceana. O lógico Peirce descreve em termos quase sociológicos um elemento próprio da Segun­ didade: “um individuo é alguma coisa que reage. Isso significa que aquele reage

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contra algumas coisas, e é de tal natureza que podería reagir ou ter reagido contra minha vontadè’ (CP 3.613, grifo meu). O self reativo não é o estrato mais profundo nem o mais verdadeiro do sujeito moderno e urbano que Goffman estuda em toda sua obra, mas ele é a resultante do compromisso —“as rachaduras” (imagem que usa o sociólo­ go no texto citado acima) entre a dimensão protéica ou polimorfa —esse self que “representa ser outro, diante uma concorrência de pessoas que represen­ tam tomá-lo por esse outro”, segundo a acertada fórmula de Borges (1996:181) —e o âmbito constritivo da lei do Outro, que desempenha o self oficial na identidade humana. Pertence ao self reativo o opróbrio ou a exaltação que são o resultado de uma cena má ou bem produzida. Dessas pegadas ou vestígios interativos está feito o passado de cada um de nós, e em boa medida também nosso futuro. A partir do campo do micro-social, Goffman é um dos estudiosos que levou mais longe a proposta semiótica de Peirce. A análise da ordem da inte­ ração comprova que “o homem é um signo externo” (CP 5.314), segundo propôs com ousadia o lógico há mais de um século. Chega-se assim à concep­ ção do self enquanto signo, isto é, um processo lógico contínuo que gera sig­ nificação com base na tri-relação das modalidades ou categorias acima cita­ das. Para ser justo com a complexidade do modelo de Goffman e com a semi­ ótica de Peirce, o seguinte diagrama não deveria ser plano mas semelhante a uma fita de Moebius, sem dentro nem fora: Figura 1 - Correspondência entre o modelo microsociológico de Goffman e o modelo semiótico triádico de Peirce: uma abordagem sociosemiótica Primeridade S e l f D r a m a t ú r g ic o

Semiosis

>

Identidade

A

S e l f R e a tiv o

S e lf O fic ia l

Segundidade

Terceridade

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Parece necessário completar a proposta de analogia com o modelo sígnico de Peirce citando aqui uma das últimas definições de signo que ele elaborou na sua vasta obra lógica, e que provém de mm manuscrito de 1910: “Com o termo signo eu intento descrever qualquer coisa ... que seja capaz de [adotar] uma forma sensível, que seja aplicável a alguma coisa diferente dela mesma, que seja já conhecida, e que seja capaz de ser interpretada assim em outro signo” (MS. 654, p.7). Se utilizarmos a noção de representamen para essa “forma sensível”, a de objeto para isso que é “diferente e já conhecido”, e a de interpretante para esse “outro signo”, o qual está encarregado de continuar o processo de semiose, vamos a obter o seguinte modelo teórico da semiose: Figura 2 - Os três componentes do modelo semiótico de Peirce R e p re se n ta m e n

As setas no diagrama simbolizam a determinação lógica que se origina no objeto semiótico, o qual limita que coisa pode ser signo dele, e a determinação que exerce o representamen (também denominado “signo” por Peirce) sobre o signo mais complexo e desenvolvido que é o interpretante ou significado. Essa dupla determinação é a semiosis como processo lógico.

A homologia entre a teoria triádica do signo e o self tridimensional é completa: há um dispositivo expressivo que é a possibilidade ilimitada que vai acontecer no instante mesmo da interação: representamen/ self dramatúrgco. Há um elemento de resistência ou de oposição que é uma conseqüência da

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existência humana, de seus acidentes históricos, pessoais, inesperados e tan­ gíveis: objeto/ self reativo. Quem está envolvido nesse self é o indivíduo en­ quanto o duro desejo de perdurar, sua obstinação de manifestar alguma coisa não cambiada em meio da sucessão infinita de variações que oferece a vida de cada dia. Por fim, a realização futura, tendencial do signo e do self enquan­ to capacidade de gerar sentido ou significação convencional, compreensível: interpretante/ self oficial. A semiótica triádica não concebe a lei social e suas demandas como necessáriamente alienantes; essa tendência é o único modo em que se produz a síntese momentânea através da qual se realiza a identida­ de humana. A percepção ou observação que de modo constante nós fazemos de um sentido legítimo em outrem é a condição necessária da semiose geral, e do self em particular, sem que isso necessariamente degrade ou empobreça a identidade. Fica assim evidente a oposição entre a teoria sociosemiótica de Goff­ man e a doutrina filosófica de Sartre sobre o ser e sobre seu vínculo com o outro. A tríade do self e a do signo, melhor ainda, a do self enquanto signo, se opõe a qualquer ilusão de achar o autêntico e o definitivo, uma verdade fixa do self e do ser humano, seja no interior, seja no exterior do sujeito. Do ponto de vista do processo semiótico, a realização do signo ou do self é um aconte­ cimento in futuro (CP 1.218), sem que seja essencial a presença de uma inter­ pretação concreta no aqui e agora, porque é suficiente a probabilidade de que ela aconteça: 0 pensamento não é outra coisa que ttma teia de signos. Os objetos nos quais o pensamento se ocupa são signos. Tentar tirar os signos e chegar à profundidade do próprio significado é como tentar pelar uma cebola e atingir assim o fundo da própria cebola... A. vida que levamos é uma vida de signos. (MS 1334, I, pp. 43-44, 1905) Talvez essa não seja uma imagem elegante da subjetividade humana, mas ela é tão liberadora quanto a visão do self que nos deixou a herança teórica de Erving Goffman. Todos os aspectos do self são reais, e nenhum o é mais do que os outros. Isso que nós acreditamos ser, isso que queremos ser, e aquilo qúe o outro espera que nós sejamos, tudo em conjunto constitui o processo de semiose multiforme que reconhecemos como a identidade humana.

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9 ‘E n q u a d r a n d o ’ B ib l io g r a f ia s R

e f l e x iv id a d e , r e l e v â n c ia e a

‘ im a g in a ç ã o

so c io l ó g ic a ’

Andrew P. Carlin Introdução Neste capítulo, discutirei a organização física da bibliografia, sua com­ pilação e seu uso pelos leitores. Discutirei bibliografias e revisão de literatura, relevância e trajetórias de relevância, como as pessoas leem bibliografias, o que querem delas, e algumas de suas propriedades físicas. Estes são tópicos interconectados, que podem ser cristalizados observando-se o modo pelo qual as bibliografias são categorizadas. Assim, podemos falar sobre certas implica­ ções da categorização de itens de uma bibliografia usando algumas delas como dados. Além de apresentar uma bibliografia de Erving Goffman, que docu­ menta o interesse mundial em sua obra (ver apêndice), investigarei aquelas existentes com relação a suas obras para demonstrar de que modo as ativida­ des de compilação bibliográfica são passíveis de pesquisa sociológica. Além disso, explorando a relação entre o corpo de um texto e a bibliografia que o acompanha, pretendo sugerir a forma pela qual as bibliografias são ‘enqua­ dradas’ como ‘tipos’ particulares de bibliografias —ou enquadradas como bi­ bliografias de ‘tipos’ particulares de trabalho —e como tal enquadramento se dá.1 Isto enfatiza a natureza procedimental ou praxiológica do ‘enquadrar’. Desta maneira, procuro descognitivizar a abordagem analítica de F'rame Analysis (Goffman, 1974), que Smith (1993: 349) afirma ‘acrescentar um viés cognitivista à obra de Goffman’. 1

Esta mudança procedimental acerca dos conceitos de Goffman demonstra como os membros realizam o ‘alinhamento’ (footing) na interação (Zimmerman, 1989).

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Frame A.nalysis ‘ocupa uma posição singular no corptis dos escritos de Goffman’ (Smith, 1993: 348); ‘baseia-se em trabalhos anteriores, não poden­ do de fato ter sido escrito sem eles (Manning, 1980: 252), e seus textos subseqüentes podem ser pensados como derivações dele (p. ex. Goffman, 1977, 1979, 1981a). Ao sugerir de que modo a análise de enquadramento pode ser usada para estudar tanto textos quanto a ‘organização da experiência’ (Goff­ man, 1974: 11), e como os quadros são configurados, estou recolocando o trabalho mais extenso do autor no ‘cânone goffmaniano’ para os leitores de língua portuguesa. Não envolverei os leitores em análise da citação2 —aquilo a que Goffman (1983a) se referida como ‘Qui-quadradidade’3 —ao invés, vou apresentar uma análise textual de bibliografias que se relacione com a praxiologia das atividades de pesquisa, p. ex., encontrar literatura ‘relevante’. A ex­ plicação de usos implícitos das bibliografias (Carlin, 1999: 2) e a ênfase nas práticas dos membros são procedimentos explicitamente derivados da etnometodologia.4 Uma abordagem etnometodológica da bibliografia Neste capítulo, considero a compilação de bibliografias como ‘uma atividade acadêmica que requer investigação como um fenômeno em si mes­ m o’ (Watson, 1984: 361). Vou abordar o modo pelo qual a etnometodologia pode ser usada para estudar bibliografias, considerando-as como um tópico para investigação etnometodológica; isto é, tomando-as como tópicos em si mesmas, ao invés de apenas como listas de livros no final de um artigo. Zimmerman e Pollner (1971) articularam a distinção entre tópico e recurso, cuja implicação é a que se segue. Os pesquisadores (sociólogos, cientistas da in­ formação, ...) são membros da cultura, que compartilham o mesmo repertório 2

3 4

A literatura sobre análise da citação está continuamente em expansão. Sugiro que os leitores consultem estudos recentes sobre o assunto (p. ex. Case and Higgins, 2000), normalmente contendo revisões de literatura e bibliografias, que fornecem visões gerais e referências adicionais a este campo. A análise da citação em si é vulnerável à crítica sociológica, entretanto, e os assim chamados ‘estudos de mentor’ (p. ex. Cronin et aL, 1993) inferem influências antes de ‘fazer sentido’ delas. A base teórica dos estudos de mentor foi implicitamente criticada por Goffman (1981b: 61), que perdeu a paciência com o uso ritualizado de agradecimentos e atribuições (Hymes, 1984:626). Goffman alargou tais convenções acadêmicas; reconhecendo a participação de colegas, ele (1981a: 5) afirmou: ‘eu, portanto, não sou o único responsável por todos os equívocos deste artigo.’ Manning (1980) relaciona os tipos de dado (relevantes para Goffman) sobre os quais se baseiam os estudos de mentor. Para comentários sobre análise da citação específica sobre Goffman, ver Smith (1989,1993). N. do T.: no original: Chi-squaredom. Cf. a reespecificação da noção de ‘unidade veicular’ de Goffman (1972) nos termos da Análise de Categorização de Pertencimento (Lee and Watson, 1993).

‘E nquadrando’ Bibliografias —Ref/exividade, relevância e a ‘imaginação sociológica’

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de conhecimentos com outros membros. Mesmo assim, pesquisando, eles ten­ tam ‘pisar fora’ da cultura, ou seja, os pesquisadores continuam imersos no mundo do senso-comum —do qual não há saída —ao mesmo tempo em que tentam fazer seus estudos. Eles usam, como um recurso para esses estudos, atividades da linguagem natural —o repertório cultural compartilhado de co­ nhecimento do mundo. Isto significa que, seja do que for que suas pesquisas declaradamente tratem, elas incorporam atividades da linguagem natural. De qual­ quer modo que eles conduzam suas pesquisas —surveys, entrevistas, observa­ ção participante —seus métodos não levam em conta o conhecimento de senso comum. Tal conhecimento é usado como um recurso: por exemplo, o método de entrevista se apóia nas atividades de linguagem natural dos mem­ bros, pelas quais eles podem reconhecer uma pergunta como uma pergunta, e reconhecer umá resposta como uma “resposta para uma pergunta”. A etnometodologia, entretanto, toma estes recursos —atividades da linguagem natural, conhecimento de senso comum com partilhado de um mundo conhecido em comum —como tópicos, não recursos, e requer que os pesquisadores, em seus estudos empíricos, examinem os aspectos ‘vistos, mas não percebidos’ (Garfinkel, 1967: 36) ou tomados çomo dados da vida coti­ diana, tratando o fainiliar como ‘antropologicamente estranho’ (Garfinkel, 1967: 9). Neste capítulo, estendo estes princípios metodológicos para as bi­ bliografias, mas não limito o estudo das bibliografias à etnometodologia. Este capítulo usa predominantemenle bibliografias de textos sociológicos como dado, e assim naturalmente envolve a sociologia (e, ao fazê-lo, fornece referências bibliográficas sobre a obra de Goffman para os leitores brasileiros). Além disso, devido ao fato de as bibliografias não terem sido estudadas como da­ dos, reuni um corpus de literatura de diferentes disciplinas onde for relevante, incluindo elementos de bibliografia descritiva (p. ex. títulos, traduções e edi­ ções) juntamente com a análise textual das bibliografias em si.

Bibliografia e ‘imaginação sociológica’ Tomando de empréstimo a expressão de Harvey Sacks, a abordagem etnometodológica da bibliografia envolve um ‘olhar não-motivado’5. Ativi­ dades acadêmicas como a compilação de bibliografias e revisões de literatura são tão fundamentais e tomadas como dadas que ninguém as prõblematiza. Quando muito, ao ler um livro ou artigo, pode acontecer de se encontrarerri algumas notas de passagem sobre a bibliografia que acompanha o texto. Em 5

A onipresença das referências autorais à bibliografia e a indiferença analítica à constituição dos dados (Garfinkel and Sacks, 1970) facilitam esta abordagem.

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termos de materiais para análise, não coloco nenhum parâmetro para este estudo, pois o estabelecimento de parâmetros é uma forma de apriorismo que exclui a possibilidade de utilizar trabalhos recém-publicados porque obvia­ mente ficariam fora dos limites temporais do projeto; estabelecer parâmetros elimina desde o início materiais potencialmente relevantes. Citando Sacks sobre seu método de trabalho6:

Frequentemente as pessoas me perguntam porque escolho os dados particulares que escolho. Haverá algum problema que eu tenha em mente que me levou a eleger este corpus ou este segmento? E insisto que só aconteceu de eu tê-lo, ele se tornou fascinante e lhe dediquei algum tempo. Além disso, não se trata de que eu ataque quaisquer dados que tenha de acordo com problemas que eu venha a trazer. Quando começamos com um conjunto de dados, as questões ‘com o que vamos terminar’, ‘que tipo de conclusões ele dará’ não devem ser levadas em consideração. Sentamos com um conjtinto de dados, fatiemos um punhado de observações e vemos aonde eles irão. (Sacks, 1984: 27) Estabelecer parâmetros e ser discriminativo acerca do que incluir e do que excluir —discriminação do ponto de vista teórico ou metodológico — vai contra o que C. Wright Mills chamou de ‘a imaginação sociológica’. Mills recomendava a seus alunos criar ‘categorias mestras’ para seus projetos, que seriam revisadas e mudariam dramaticamente ao longo do tempo (Mills, 1970: 219). Para ilustrar, vamos considerar diversas pilhas de artigos fotocopiados, ou o que Mills chamou de ‘itens bibliográficos’ à nossa frente. Talvez costu­ mássemos orgaípzá-los em ordem alfabética, mas começamos a classificá-los distribuindo os ártigos em pilhas separadas, de acordo com temas ou catego­ rias: ‘teoria.’-, ‘conceitos’, ‘m etodologia’, ‘etnografia’, ‘entrevistas’, ‘observa­ ção participante’, etc. Estas pilhas contêm aqueles itens bibliográficos que são mais úteis ou mais relevantes para estas categorias. Entretanto, há ‘nuanças’ entre as categorias, onde itens bibliográficos relevantes para ‘entrevistas’ são também relevantes para ‘trabalho de campo’, ou vice-versa, etc.7 Gradual e necessariamente, as pilhas se misturam, as categorias se tom am cada vez .mais vagas e os itens bibliográficos requerem reorganização.

Como as pessoas lêem bibliografias? As bibliografias não são lidas ‘de cima para baixo, da direita para a esquerda’. Isto se relaciona com as observações de John Lee (1984) sobre o 6 7

Os dadps que Sacks utilizava eiam fragmentos de conversação —pedaços de fala gravados e transcritas. Ao invés de transcrições de fala, neste capítulo meus dados são bibliografias. Por exemplo, o trabalho de Carolyn Baker (1997) sobre entrevistas e categorização de pertencinaento poderia sèr situado em, pelo menos, ambas as categorias.

‘E nquadrando’ Bibliografias —Reflexividade, relevância e a ‘imaginação sociológica’

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modo pelo qual as pessoas lêem jornais. A atenção é levada para certos arti­ gos na página em detrimento de outros —uma manchete desperta a curiosida­ de do leitor; outra o leva a saltar a história com desinteresse. Os pesquisado­ res lêem, e fazem ‘leituras’ das bibliografias.8 De acordo com Sacks (ibid.), elas são lidas com um ‘olhar motivado’, o que explica como os acadêmicos interrogam bases de dados e materiais bibliográficos no correr de suas inves­ tigações. Por exemplo: 1. Ao percorrer um livro para encontrar a abordagem empregada pelo autor —de onde vem o autor? Esta apreensão à primeira vista pode ser inferida das fontes citadas na bibliografia.9 2. Para descobrir se o autor se refere a algo que você ainda não tem em sua bibliografia - tem alguma coisa nova? 3. O que ocorre de modo surpreendentemente freqüente, passar os olhos em uma bibliografia para verificar: ‘será que o autor me citou?’ Piá também a responsabilidade de um ‘olhar motivado’ a uma bibliogra­ fia. Considere o examinador externo de uma tese de doutorado, ou quando se faz uma resenha de um artigo ou livro para uma publicação profissional. O examinador/resenhista tem obrigação de identificar itens listados na biblio­ grafia mas não empregados no texto, ou qualquer lapso na bibliografia (de modo a apontá-lo pessoalmente para o candidato a doutor), recomendar ressubmissão de um artigo incorporando a literatura faltante ou inform ar poten­ ciais compradores de um livro que sua bibliografia está incompleta. As bibliografias podem ser sujeitadas à ‘análise bibliográfica’ (Hart, 1998: 35), uma prática que visa a compilação de revisões de literatura, verifi­ cando a bibliografia dos outros. A inspeção de bibliografias temáticas —‘tra­ balhando as bibliografias de trás para a frente’ (David and Zeitlyn, 1996: 6.5) —revela títulos que, em termos schutzianos, podem ser relevantes para o projeto em curso de um pesquisador. Isto habilita os pesquisadores a identifi­ car trabalhos que devem ser levados em conta em suas próprias revisões bi­ bliográficas. Assim, há uma sobreposição entre bibliografias e revisões biblio­ gráficas: quando organizamos uma revisão bibliográfica estamos ao mesmo tempo compilando uma bibliografia. Ambas são componentes previsíveis, 8

9

Embora esta discussão esteja focada no sentido dos títulos produzidos pelos leitores, não pretendo sugerir que os leitores prestam atenção aos títulos enquanto os escritores são neutros para com eles (p. ex. Arnon, 1997: 68-69). Para adaptar as explicações fenomenológicas de Howard Schwartz (1974) sobre as ‘primeiras impressões’ das pessoas como ações inteligíveis, nossas ‘primeiras impressões’ de um artigo podem ser ‘textualmente mediadas’ (Smith, 1984) pela sua bibliografia. Watson (1997:94) argumenta que o termo ‘mediação textual’ não dá conta da reflexividade dos textos e das ações práticas. Retornarei à noção etnometodológica de reflexividade, em termos de elaboração mútua de títulos e textos, mais adiante neste capítula

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comuns e reconhecíveis de pesquisas publicadas. Lynch e Bogen (1997: 488), apresentando o formato ideal-típico dos livros-texto de sociologia, observam que as revisões bibliográficas tendem a ser colocadas no começo dos livros. Podemos também observar que as bibliografias tendem a constituir ‘unidades de fechamento’ de artigos e livros. Entretanto, o posicionamento de bibliografias e revisões bibliográficas é construído. Que a ‘revisão de literatura’ preceda ‘o estudo’ por si só não signi­ fica que ela tenha sido finalizada antes de começar a coleta de dados ou a análise. Adições à bibliografia e à revisão bibliográfica de um pesquisador po­ dem ocorrer enquanto o projeto está em andamento ou em conclusão, sendo feitas à medida que diferentes trabalhos são localizados, tornam-se relevantes ou disponíveis. Neste sentido, podemos ver como as revisões bibliográficas e as bibliografias constituem ‘objetos agregados’ (Messinger, 1962: 104). As bibliografias são apresentadas ou ‘enquadradas’ como bibliografi­ as de um tópico específico ou de uma área temática particular. Encontramos bibliografias ‘topicamente específicas’ como bibliografias ‘específicas de um capítulo’ ou ‘ligadas’ de alguma maneira a uma seção.101 Ou seja, uma biblio­ grafia vem com instruções para sua leitura, ou ‘instruções de uso’. A ‘leitura instruída’ das bibliografias se situa em resumos, títulos e subtítulos, e tam­ bém ao longo dos textos, através de seu posicionamento ao fim de um artigo ou monografia sobre um tópico ou temática particulares. Como exemplo dis­ so, consideremos a coletânea de artigos editada por Drew e Wooton (1988), chamada Erving Goffman: Expkring the Interaction Order. Os leitores são instru­ ídos, desde o começo, de que o texto deste livro —e, por extensão, a bibliogra­ fia que contém —serão ‘sobre’ Goffman. Além disso, as bibliografias são (ou pelo menos podem ser) consultadas, como atividade preliminar, de modo a assegurar posições teóricas e metodológicas do autor.11 Um exame superficial da bibliografia, antes da leitura em si, pode fornecer ‘pistas’ sobre as posições tomadas pelo autor, que podem ser confirmadas ou não através da leitura do corpo do texto. Neste .sentido, estou introduzindo a rubrica analítica do M é­ todo Documentário de Interpretação (Garfinkel, 1967) na investigação das bibliografias. Os itens bibliográficos são ‘particulares indiciais’ de um ‘padrão subjacente’, isto é, a abordagem do autor. Neste sentido, as bibliografias são ‘reflexivamente,/ligadas’ aos textos que acompanham. 10

11

Os leitores podeni notar que estou intencionalmente estabelecendo um paralelo entre os conceitos da Análise de Categorização de Pertencimento, com sua noção de ‘conectividade categorial’, à análise textual das bibliografias. A análise de bibliografias também é feita por catalogadores no trabalho prático de ‘catalogação’, quando analisam um novo livro antes de incluí-lo no catálogo da biblioteca e o colocar na estante. Para uma discussão detalhada do trabalho do catalogador, ver Ikeya (1997).

Enquadrando’ Bibliografias —Reflexividade, relevância e a ‘imaginação sociológica’

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Isto demonstra que uma bibliografia informa e é informada pelo texto que a acompanha. Outro domínio de estudo é a relação entre a obra e a bibli­ ografia: a obra fornece um conjunto de relevâncias, portanto um conjunto de referências, ou seja, um corpus de literatura, mas o corpus de literatura também traz implicações para a obra. A natureza especificamente disciplinar da litera­ tura delimita a investigação, enquanto esta sugere (e elimina) outros corpos de literatura. O que estamos visando é de que modo o corpus de literatura se torna disponível através da escolha de programas teóricos e metodológicos, e como estes programas são condicionados pelo corpus de literatura. Um efemento-chave ao se tomarem as bibliografias como tópico de estudo é a questão da relevância. A relevância pode ser vista como um tema suscitado.12 A relevância não está necessariamente ‘pronta’, ela é produzida. Por exemplo: um músico expressa sua frustração por ter que tocar música ‘da moda’, música que o torna ‘vendável’ para se apresentar em bares e eventos, chama a atenção dos empresários e —potencialmente —assegura a ele um contrato de gravação. O objetivo final é atingível, mas sua frustração é causa­ da pelos meios para este fim: a música que ele quer tocar não é vendável, não ‘tem’ uma audiência. O músico foi alertado por uma gravadora, não de que a música que ele compõe e quer tocar não tem qualquer audiência, mas que a audiência que ela pode ter não é grande o suficiente para ser comercialmente viável. De modo a ganhar dinheiro, o músico tem que ‘se vender’ e tocar música que, de acordo com aqueles que podem providenciar um contrato de gravação, as pessoas pagarão para ouvi*. Pode-se trazer uma literatura socio­ lógica para o dilema enfrentado por este músico? Howard Becker (1963) tocou como pianista amador com músicos de jazz, e observou que esses músicos estavam descontentes com seu público e com a música que ele pagaria para ouvir. Por razões práticas e econômicas, os músicos de jazz foram forçados a uma concessão, a suprimir sua preferência pelo jazz improvisado para agradar aos ‘quadrados’. O estudo de Becker, ao tratar de músicos, é diretamente relevante às preocupações do músico. Entre­ tanto, outra fonte, de um ambiente diferente, também pode ter relevância ao dilema deste músico. Mason G riff (1960) estudou a ‘colocação’ de estudan­ tes de arte, isto é, o que os estudantes de artes faziam após a graduação. Uma trajetória era a do ‘artista comercial’, que requeria uma atitude em relação à pintura diferente daquela da abordagem ‘artística’. O interesse de G riff esta­ va em saber se e como ‘os artistas resolvem este conflito’ —entre o pintar 12

Isto é uma reespeciEcação das concepções de relevância na Ciência da Informação e Biblioteconomia, como foi esboçado por Lancaster e Gale (1977). Como exemplo, acerca da relevância de histórias como ‘narráveis’, ver Sacks (1992b: 15-16).

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como expressão da criatividade e a necessidade de ganhar dinheiro, a saber, pintar de acordo com o gosto dos ‘fregueses’. Em suma, a relevância é produzida e pode ser empregada no fenôme­ no em questão. Há pouca informação nos artigos de Becker e G riff para suge­ rir que eles tenham relevância para o fenômeno; certamente não os títulos ou subtítulos. Estes artigos não possuem relevância à primeira vista, portanto; a relevância para com os fenômenos pesquisáveis, bem como as bibliografias reunidas, deve ser discernida pelas próprias pessoas. As pessoas discernem a relevância estabelecendo conexões entre o fenômeno da investigação e con­ siderações de fenômenos cognatos. Assim, em termos da ‘imaginação sociológica’, podemos investigar o raciocínio prático envolvido no reconhecer relevância em materiais acadêmi­ cos (e não-acadêmicos)13 como tópicos de estudo. Â medida que lemos, dis­ cernimos relevância para os nossos próprios projetos em questão: ‘diferentes interesses, de acordo com Schutz, vão gerar relevâncias motivacionais dife­ rentes’ (Goffman, 1974: 8). Por exemplo, para preparar este capítulo, resgatei um artigo (Walker, 2000) porque o título continha um conceito que é associ­ ado —ou ‘pertencente’ (Sharrock, 1974) —a Goffman. Embora envolvido com uma pesquisa bibliográfica acerca de aplicações da obra de Goffman, reparei que a bibliografia continha um artigo sobre a condição dos sem-teto e identidade, que eu separei para um projeto paralelo sobre mendicância.14 Isto ilustra de que modo as bibliografias, por exemplo, sobre o uso da obra de Goffman e sobre mendicância, constituem ‘objetos reunidos’.

A organização das bibliografias Até aqui, discuti a compilação de bibliografias e a relevância dos ma­ teriais bibliográficos e tratei de algumas propriedades desses materiais. Como um exemplo de organização, tomemos a coletânea de Drew e Wooton (1988). Há uma surpresa na organização desta bibliografia; ela não se adapta ao for­ mato familiar, e pode ser considerada ‘estranha’. Quando leio um livro ou artigo, sigo o uso das citações pelo autor, indo até o final do livro e percorro a lista alfabética de autores até localizar a referência. Ao ler a coletânea de Drew e Wooton (1988), os leitores podem ir até onde, dentro da bibliografia, a letra ‘G’ é encontrada. Embora, alfabeticamente, este seja o local onde as obras de Goffman deveríam estar colocadas, seu trabalho está ausente. Nesta 13 14

Goffman é famoso pela amplitude e ecletismo das fontes não-sociológicas que traz para suas análises. Ver Carlin, Evergeti e Murtagh (1999) para um relatório preliminar deste projeto.

Enquadrando ’ Bibliografias —Reflexividade, relevância e a ‘imaginação sociológica ’

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coletânea, as obras de Goffman estão separadas da bibliografia ‘principal’; o fato de que eu freqüentemente tenha me flagrado procurando em uma lista de ‘Referências a outros trabalhos’ ao invés de uma bibliografia que contivesse Goffman chamou minha atenção para a organização das bibliografias como dados por si sós. Este tipo de brecha fica evidente na colocação de notas ao final dos capítulos.15 Do relato de diferentes formas de bibliografia, assim como formatos inesperados, podemos identificar formas distintas de organização bibliográfi­ ca. Entre elas, estão as categorizações dos tipos de literatura. Estas categorizações e algumas conseqüências delas decorrentes formam a base para o res­ tante desta discussão.

Categorizando bibliografias Drew e Wooton (1988: 280-293) apresentam duas bibliografias, sen­ do uma das obras de Goffman e outra das referências usadas no texto. Embo­ ra Lemert e Branaman (1997: 263-271) também apresentem uma bibliografia das obras de Goffman, eles compilaram uma bibliografia de escritos sobre Goffman.16 Apresento aqui aspectos de Goffman e de sua obra em termos do resgate de informações e da definição de informação (onde esta aparente­ mente se refere a fontes de informação ‘primária’ e ‘secundária’). O objetivo desta forma de apresentação é responder às perguntas: o que é considerado relevante? Além disso, o que conta como ‘literatura primária’ e o que conta como ‘literatura secundária’? Lemert e Branaman definem os tipos de litera­ tura através de um sistema de classificação. A ‘leitura instruída’ fica evidente nos títulos das bibliografias —literatura primária versus secundária.17 De acor­ do com Lemert e Branaman, a literatura primária consiste em obras de Goff­ man. Mas o que é literatura ‘secundária’? O que quer que seja considerado relevante pelo autor em questão? Obras que contenham citações?18 Traba­ lhos que contenham discussões e, se for assim, quantas?19 Há uma preferên­ 15 16

17 18 19

Embora discutindo a natureza de idas e vindas da alternância entre seções de livros, Sharrock and Ikeya (2000:278) só se referem às notas de rodapé, não estendendo seu movimento às bibliografias. Embora estabeleçam uma bibliografia ampla das obras de Goffman (Smith and Waksler, 1989) em uma edição especial de Human Studies, Lemert e Branaman ignoram uma bibliografia de ‘trabalhos sobre Goffman que têm que aparecer em qualquer bibliografia de Goffman’ (Waksler and Psathas, 1989: 177, ênfase do autor), conseqüentemente perdendo comentários relevantes. Podemos encontrar esta distinção em outros lugares, p. ex. Brindle and Arnot (1999) sobre a natureza de gênero da cidadania ou Conolly (1998) sobre Nietzsche. A bibliografia de Gassen acerca dos escritos sobre Simmel ‘omite a listagem de menções puramente inddentais’ (1959: 357). Podemos conceituar isso como um problema hegeliano: ‘quantos gravetos fazem um feixe?’.

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cia por avaliações ‘positivas’ antes de ‘negativas’ a serem incluídas em uma bibliografia de ‘literatura secundária’?20 Tais práticas perderiam trabalhos di­ retamente relevantes ao estudo de Goffman, apesar de suas naturezas implicativas ou críticas21 (p. ex. Coulter, 1973: 95; 1979: 26-34; Garfinkel, 1967: 167; Louch, 1966: 213ss). Lemert e Branaman listam somente um artigo de Rod Watson (1983), mesmo que ele tenha criticado constantemente o uso de mecanismos textuais, como a ‘perspectiva por incongruência’, por parte de Goffman (Watson, 198922, 1992a, 1992b). O que Lemert e Branaman (1997: xiii) sugerem como um fator de exclusividade de Goffman foi apontado como proveniente da obra de Robert E. Park e Everett C. Hughes, não está apenas em Goffman e constitui um dos pontos mais fracos de sua abordagem (Wat­ son, 1998). Compilar uma lista de referências de obras secundárias sobre Goffman é uma tarefa interminável. Entretanto, envolve o julgamento de senso-comum do bibliógrafo sobre a pertinência: itens bibliográficos que não estão listados estariam sujeitos a considerações ad hoc como ‘deixe passar’ (Gar­ finkel, 1967: 20ss.) ou não seriam localizados por sistemas de busca de litera­ tura? Dos artigos listados na bibliografia de Lemert e Branaman, se o título não contém o nome ‘Goffman’ ou uma noção reconhecidamente goffmaniana, ele não é categorizado como ‘literatura secundária’. Não há nenhum escri­ to em francês sobre Goffman, exceto por uma referência, embora o nome ‘Goffman’ esteja incluído no título do livro (Winkin, 1988).23 Adaptando Schegloff (1968), a negligência para com a sociologia francesa constitui uma ‘au­ sência notável’, uma noção de análise de conversação que é pertinente neste ponto. Ao realizar uma ‘virada bibliográfica’, podemos ver que há itens (ou, neste caso, grupos de itens) que era de se esperar fossem documentados em uma bibliografia, mas foram, por alguma razão, omitidos. Tais omissões são ‘ausências notáveis’ e constituem questões ‘explicáveis’. Estes silêncios bi­ bliográficos são encontrados não somente em bibliografias especiais, como a de Lemert e Branaman sobre Goffman, mas também dentro de artigos. Em um trabalho referido acima, por sua apresentação de uma rubrica goffmaniána no título, Walker (2000: 117) fala sobre nomes e identidades sem fazer referência a Mirrors andMasks, de Anselm Strauss. Gagné e Tewksbury (1998) 20 Aspectos dignos de nota da bibliografia de Fine and Smith (2000) são o balanço de literatura crítica que contém e o número de ensaios não incluídos por Lemert e Branaman. 21 Um aspecto recomendável da bibliografia de Goffman còrnpilada por Ditton é a inclusão de resenhas e artigos de resenha (1980: 15-21), que são fontes de explicação e crítica da obra de Goffman. 22 Versões revisadas e ampliadas deste artigo aparecem em Smith,(1999) e Gastaldo (neste volume). 23 Este bias anglo-americano pode ser estendido à exclusão de livros em italiano também, p. ex. Trifilettí (1991).

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falam de ‘passagem’ sem fazer referência ao estudo de ‘A gnes’ feito por Garfinkel (1967), nem a ‘Estigma’, de Goffman, que também constitui uma au­ sência bibliográfica no artigo de Volkner (2000). Considerando a atenção dada ao ‘estigma’ nestes artigos, é notável que Goffman esteja ausente. Métodos de compilação bibliográfica são inferencialmente disponí­ veis a partir dos materiais incluídos na bibliografia de Lemert e Branaman. Os conteúdos de coletâneas (p. ex. Ditton; Drew and W ooton; Riggins); e edi­ ções especiais de periódicos, p. ex. Human Studies (editada por Chaput Waksler); Quarterly Journal o f Ideology (Ingram, Larry, 1984), ‘Editor’s Introduction: on managing impressions of Erving Goffman’ Quarlerly Journal o f Ideology 8(3), outono, pp. 2-3); Theorj, Culture and Soáety] são itemizados. Outro método inferencialmente disponível de compilação de bibliografia de literatura se­ cundária são as práticas de resgate de informações: a correspondência de ter­ mos de busca com parâmetros de busca, p. ex. ‘nome do autor’. A bibliografia de Lemert e Branaman parece incluir itens bibliográficos via o nome de Goff­ man no título das publicações listadas, indicatído uma busca usando o termo ‘Goffman’. Outros itens naquela bibliografia são recuperáveis por meio de idéias reconhecidamente goffmanianas, usando ferramentas de busca. Everett Hughes esclarece a questão das idéias reconhecíveis sugerin­ do que associemos autores a um conceito que os represente. De fato, o con­ ceito ‘tornou-se um signo evocado quando se pede que um estudante escreva alguma coisa sugerida pelos nomes Simmel, Weber, Durkheim, Spencer ou Comte’ (Hughes, 1971: 560). Os conceitos são associados aos autores sob a forma de ‘signos de evocação’, e os títulos dos trabalhos listados por Lemert e Branaman contêm conceitos associados a Goffman. Nos termos de Hu­ ghes, os itens bibliográficos listados por Lemert e Branaman exibem ‘signos de evocação’ goffmanianos. A metáfora dramatúrgica, o posicionamento e pares conceituais como ‘análise de enquadre’, ‘instituição total’, ‘estigma/ self, ‘situação/quadro’ e ‘ordem da interação’ podem ser usados em buscas por palavra-chave para encontrar artigos sobre Goffman. E claro que este procedimento tem seus problemas, pois produz uma bibliografia que contém lacunas. O que acontece com os itens bibliográficos que são relevantes para o estudo da obra de Goffman, mas cujos títulos não contêm ao menos seu nome, nem conceitos aos quais ele é associado? Tomando de empréstimo uma frase para meus propósitos aqui, compilar bibliografias adequadas de literatura se­ cundária é ‘uma boa razão para se conhecer a literatura’ (Becker, 1986: 142). A distinção entre literatura primária e secundária feita por Lemert e Branaman é (certamente) menos problemática quando considera as obras de um autor individual. A literatura primária é a obra do próprio autor; literatura secundária é tudo o que se segue. Neste caso, ‘a última é na verdade uma

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combinação entre um autor e uma bibliografia temática, na qual o autor se torna um tema’ (Hutchins, Johnson and Williams, 1925: 199). Aqui, a litera­ tura primária é a obra escrita por Goffman, isto é, uma bibliografia de autor. Podemos compilar uma bibliografia de sua obra e, dado que Goffman morreu em 1982, esta é uma tarefa finita. Adições subseqüentes à sua bibliografia seriam de natureza limitada, embora ocorram, por exemplo, a transcrição e edição de suas aulas (Goffman, 1989).24 Entretanto, a definição póstuma da fala de Goffman como obra de Goffman não se estende à entrevista. Uma característica dos sistemas de classificação, como Douglas (1966) mostrou, é a anomalia. Mesmo um sistema de classificação que simplesmente distingue entre fontes primárias e secundárias também produz anomalias. Pode­ mos entender como um relato sobre a história de uma entrevista (Verhoeven, 1993a) pode ser classificado como ‘literatura secundária’, mas classificar a pró­ pria entrevista (Verhoeven, 1993b) da mesma maneira é mais problemático (Lemert e Branáman, 1997: 270). Embora entrevistas sejam colaborativas — elas são interações —o próprio Goffman era o ‘objeto’ da entrevista. Assim, enquanto estava respondendo perguntas, suas respostas provavelmente refleti­ am o que ele queria dizer, mais do que o moinho de revisões aos quais os artigos de periódicos estão sujeitos. Neste sentido, a transcrição de uma entrevista com Goffman satisfaria o critério de classificação - como literatura ‘primária’ antes de ‘secundária’ —devendo, talvez, ser classificada como tal? 25 Uma vez que Goffman pessoalmente não acrescentará novos itens à sua bibliografia, ela deve ser estendida por outros. Outra maneira, além da pu­ blicação de aulas, é a tradução de suas obras. A maior parte de seus onze livros foi traduzida em francês; nove em italiano, seis em japonês, três em português. Smith (1989: 446) fornece uma informação bibliométrica que sugere uso e co­ nhecimento mais difundidos de alguns trabalhos em particular: Manicômios, Pri­ sões e Conventos, A. Representação do Eu na Vida Cotidiana e Estigma são, em termos 24

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Trata-se da transcrição de uma aula editada por Lyn Lofland. Dada a ‘idiossincrasia cuidadosamente composta’ e a ‘elegância estilística mordaz’ (Bums, 1992: 5) dos escritos publicados de Goffman, seus pontos de vista sobre métodos de trabalho de campo podem parecer desapontadoramente tradicionais. Mesmo assim, as observações vernaculares nesta aula são bastante agradáveis quando citadas ao lado de fontes mais sóbrias e estruturadas - ou, para adaptar a expressão de Garfinkel (1990), ‘curiosamente sérias’ - dos métodos de trabalho de campo (in Thomsen et al., 1998). Lamentavelmente, as proposições orais de Goffman sobre o trabalho de campo, particularmente no que concerne a ‘penetrar’ a sociedade ou grupo social pesquisado (Goffman, 1989:129), são mal interpretadas por Thomsen et al., que confundem ser aceito como membro de uma comunidade por seus incumbentes com tornar-se um membro desta comunidade. Thomsen et al. confundem etnografia com etnometodologia, com o efeito potencialmente pernicioso de introduzir versões expurgadas, superficiais e intelectualmente equivocadas destas abordagens divergentes ao campo da Ciência da Informação. Fine and Smith (2000) classificam Verhoeven (1993b) na seção ‘Biografia e Carreira’.

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de acesso e utilização, as principais obras de Goffman. A seleção dos livros para tradução pode distorcer o ‘cânone’ segundo o qual se atribui a certos textos um ‘estatuto de corpus’ (Garfinkel, 1996: 5) à custa de outros itens da obra de Go­ ffman, isto é, o reconhecimento da significância de uma determinada obra den­ tro de um campo ou conjunto da obra. Smith (1996) atribui a Gender Advertisements (Goffman, 1979) o ‘estatuto de clássico’ do campo da Sociologia Visual,26 sugerindo que, devido à natureza dos dados, um título mais apropriado seria ‘Gender Displayf em vez de ‘ Gender Advertisementi, sugestão contestada por Gastaldo (2000) em uma aplicação de GA a imagens da brasilidade na publici­ dade. Ele considera que, ao analisar somente as imagens fotográficas dos anún­ cios, a abordagem de Goffman perde a natureza reflexiva entre texto e imagem que constitui o anúncio publicitário. Gastaldo questiona se a importância e o estatuto de ‘clássico’ deste livro ainda não foram reconhecidos devido a sua falta de visibilidade, e portanto falta de tradução —ou vice-versa. Em term os etnometodológicos, as traduções da obra de Goffman se manifestam como objetos ‘projetados para o receptor’ (Sacks and Schegloff, 1979: 16). Embora as versões originais anglo-canadenses dos livros de Goff­ man estejam disponíveis para citação e referência, os autores dirigem os leito­ res para fontes da obra de Goffman que tenham sido traduzidas para o idioma dos leitores. Para dar alguns exemplos, Cesanelli e Marcarino (1984) citam as edições originais das obras de Goffman e, onde disponível, traduções italia­ nas; na tradução italiana de The Interaction Order, Giglioli (Goffman, 1998: 105-108) fornece uma bibliografia da obra de Goffman que inclui versões italianas, assim como Trifiletti. Winkin (1981, 1988, 1996) apresenta tradu­ ções francesas a seus leitores de língua francesa. Enquanto Quéré (1989) usa traduções francesas, Watson (1989) identifica traduções francesas dos livros aos quais ele se refere para que os leitores de língua francesa possam acompa­ nhá-lo. Assim, a lista de traduções é focada ou ‘projetada’ para os leitores pretendidos do livro ou artigo no qual ocorre. A tradução da obra de Goffman apresenta dificuldades peculiares, como no caso da versão para o português de Asylums. Em sua forma traduzi­ da, este livro foi intitulado Manicômios, Prisões e Conventos, o que em inglês 26

O ‘enquadramento’ deste livro como ‘sociologia visual’ contrasta com a introdução de Gender Advertisements por Vivian Gomick, que ‘enquadra’ o livro como uma contribuição para a literatura feminista, p. ex. definindo ‘sobre o que GA trata realmente’ (Gornick, in Goffman, 1979 viii). E possível que a introdução de Gornick tenha influenciado a dassificação dos editores de GA como ‘Estudos Feministas/Sociologia’, o que tem implicações sobre a classificação e distribuição espadai da obra de Goffman. Notas dos editores ou classificações amplas são pistas contextuais para os catalogadores das bibliotecas classificarem os livros. O enquadramento geral de GA como ‘estudos feministas’ posicionou este livro em um campo diferente, e em outra seção da biblioteca, daquele dos outros trabalhos de Goffman em sodologia.

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seria algo como ‘Madhouses, Prisons and ConventS. Esta retitulação pode ser aceitável em termos de um a noção goffmaniana de ‘instituição total’, que ‘pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos em situação semelhante, isolados da sociedade como um todo por um tempo apreciável, vivem juntos um período fechado e for­ malmente administrado da vida (Goffman, 1961: 11). O título traduzido cap­ tura a natureza formal-sociológica somente até o primeiro capítulo, ‘Sobre as Características das Instituições Totais’, mas viola a integridade fenomenológica do estudo sobre cenários e processos psiquiátricos. O título da tradução em português de Presentation o f Self in Everyday U fe também é problemático, na medida em que foi traduzido como A. Repre­ sentação do Eu na Vida Cotidiana —o que em inglês seria ''The Representation o f M yself in Everyday Ltfe\ Esta m á tradução é significante em dois sentidos. Primeiro, o termo ‘representação’ alinha Goffman com argumentos sobre a natureza da realidade que ele rejeita (Goffman, 1974: 1-8). Segundo, a tradu­ ção perde a significância sociológica do termo self. ‘Self em sociologia é a forma reduzida do conceito ‘self social’, que tem uma longa e distinta história no interacionismo simbólico. Traduzir ‘self como ‘eu’ é uma transformação que efetivamente diminui o livro de Goffman como contribuição ao debate sobre o self na sociologia. Além disso, a transformação de self em ‘eu’ posici­ ona o livro em outro campo —a Psicologia Social.27 ‘S elf é parte do vocabu­ lário técnico’ da sociologia, e o termo tem conotações para o sociólogo que não são encontráveis nos dicionários. Macey, a propósito da fluidez da linguagem com relação a vocabulári­ os técnicos ou específicos de uma disciplina, afirma que, do ponto de vista do tradutor,

...ninguém aprenderá muito de um didonário sobre como traduyir uma discussão sobre ‘a lei da tendência decrescente da taxa de lucro ’. E duvidoso que um didonário explique que plus valeur é ‘mais-valia’ e não ‘m ais-valor’ ou ‘valor agregado que force de travail seja força de trabalho ’ e não ‘a força do trabalho não há alternativa para se ler Marx. (Macey, 2000: 5-6) Assim ocorre com a noção de ‘self e também com a leitura de Goffman. E claro que reconhecer ‘eu’ como uma má tradução de ‘self faz parte do pro­ 27

Os bibliotecários procuram classificar os livros de acordo com os leitores pretendidos, e o primeiro leitor pretendido tem precedência (Glaser and Strauss, 1968: vii). A classificação de livros câ5o-a-caso impossibilita uma categorização homogênea - como Goffman (1981b) observou que seus críticos buscavam - mas tal deslocamento de uma obra tem implicações na distribuição espacial dos livros nas bibliotecas (Carlin, 2000). De qualquer maneira, Sharrock (1976) coloca em questão a noção de que Goffman produziu um corpus de trabalho consistente e unitário, no sentido de que suas publicações subseqiientes não levavam em conta (e mesmo contradiziam) o aparato conceituai que ele havia desenvolvido anteriormente.

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cesso de apropriação das palavras comuns pelos sociólogos, que são então re­ definidas como parte do vocabulário de sociologia. Essas definições naturais ou de senso comum foram reescritas, ao menos em parte, por obra da sociolo­ gia. Como dizia Edward Rose28,

A s designações sociológicas originais da sociedade evidentemente não foram propostas p o r cientistas sociais profissionais. Na verdade, quase todo o vocabulário técnico da sociologia fo i tomado do repertório usual de palavras dos idiomas comuns, e dificilmente há um termo sociológico largamente reconhecido que não tenha desde muito referido um sentido nãoprofissional e, ainda assim, claramente sociológico. (Rose: 1960: 196) Rose demonstra que o vocabulário da! sociologia é derivado e para­ sita o vocabulário da vida cotidiana. Ainda assim a tradução em português m anifesta um a arm adilha paralela, mas distinta. A m á tradução de ‘self, como term o sociológico, por um termo da língua cotidiana elimina suas origens no pensamento do Pragmatismo de John Dewey e W illiam Jam es, a psicologia social de Charles Horton Cooley e a filosofia de George Herbert Méad. O estatuto preferencial atribuído ao uso do term o ‘eu’ priva o leitor da história sociológica, conotações e significados do conceito. Entretanto, isso também obstrui outros conceitos relacionados a ‘self-. ‘outro’, como na dialética ‘self /‘outro’; a distinção posterior entre ‘outros generalizados e significantes’; ‘grupos primários e secundários’; o ‘self dirigido a si; o ‘self dirigido ao outro; ‘self e agência. A transformação de ‘self em ‘eu’ também enfraquece protocolos metodológicos implicados em posições metodológi­ cas, incluindo a ‘definição da situação’ e ‘assumir o papel do outro’. Assim, não é somente uma transformação em termos de uma palavra ‘técnica’ para uma de ‘linguagem comum’: para os analistas, ‘self é um termo carregado de teoria, com um a história natural. Qualquer transformação produz uma leitura dissonante do termo e do significado que ele conota. A m á tradução separa a obra do corpus de literatura no qual ela efetivamente se situa, e dos tópicos que aborda.29 As práticas de tradução e editoração também afetam o acesso às obras de Goffman aos leitores de língua francesa. A coletânea de artigos mais lingüística de Goffman, Forms o f Talk foi traduzida como Façons de Farler. Entretan­ to, ‘Radio FalM, o artigo mais longo da versão original não foi incluído; a 28 29

Sobre Rose acerca das tendências irônicas de Goffman, ver Watson (1998: 206-207). Uma má tradução do título transforma a obra, enquadrando-a com um ‘mecanismo-mestre de transcodificação’ (Crews, 1986: 170). Tal transformação na tradução pode ser vista na versão alemã de Presentation o f S elf in Evetyday Life, que foi publicado como W irA lle Spiele Theater (“Nós todos atuamos no teatro). Agradeço a Tomke Lask (comunicação pessoal, 7.5.01) por me apontar isto.

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versão francesa incluiu a tradução de ‘Feliríty’s Conditiorf. Esta mudança foi causada pelo termo ‘radio blooperi30 ser avesso à tradução e possivelmente deriva de decisões editoriais de Pierre Bourdieu, que, naquele período, era editor-chefe da série na qual Façons de Parler foi publicado.3031

Conclusão Neste capítulo, apresentei uma abordagem para o estudo de textos aca­ dêmicos que trata as bibliografias como dados em si, utilizando este modo de investigação com relação às obras de Erving Goffman. Isto foi feito através da análise de bibliografias dedicadas à obra do autor, mostrando que esta família. de abordagens - etnometodologia, análise de categorização de pertencimento e análise da conversação - pode contribuir na investigação da compilação de bibliografias como ação prática. Estas abordagens cognatas revelam métodos que os pesquisadores empregam tacitamente na compilação de bibliografias. Apliquei a obra de Goffman ao estudo de bibliografias relacionadas a ele, em particular sua noção de ‘análise de enquadre’, sugerindo que as obras são ‘enquadradas’, e a forma como, no sentido etnometodológico, tal enqua­ dramento é realizado a partir do fornecimento de ‘leituras instruídas’. Portan­ to, não estou defendendo uma posição ‘incorporacionista’, misturando a obra de Goffman com a etnometodologia ou análise da conversação (Watson, 1992a), mas ‘reespecificando’ uma rubrica goffmaniana através da análise de materiais mundanos e correntes. (Zimmerman, 1989). A categorização da obra de Goffman não é um assunto simples, na medida em que ela foi enquadrada ou considerada relevante em diferentes cam­ pos. Como mencionado acima, Gender A.dvertisements foi classificado por seus editores como ‘estudos feministas/sociologia’; The Presentation o f Self in FLveryday U fe foi categorizado como ‘psicologia e psiquiatria/sociologia e antropolo­ gia’. Os editores ‘posicionaram’ sua obra também, ao republicar e ‘posicionar’ extratos articulando-os a seções específicas. Por exemplo, o trabalho de Goff­ man sobre ‘self e identidade (Goffman, 1955, 1961) já foi situado como uma junção entre sociologia e psicologia (Gordon and Gergen, 1968); a tese da so­ ciedade de massa (Stein, Vidich and White, 1960: 449-479); educação (Cosin el at. 1971: 74); linguagem e linguística (Laver and Hutcheson, 1972: 319-346) e psicologia social (Lindesmith and Strauss, 1969: 262-281; Manis and Meltzer, 1967: 220-231). Embora este artigo seja um tributo a Goffman, no sentido de que seu trabalho é de relevância para campos variados, há uma advertência a 30 31

[N. do T.] ‘Radio blooperi são os enganos cometidos no ar por locutores de rádio, conhecidos popularmente como ‘babada’. Agradeço a Yves Winkin (comunicação pessoal, 27.4.01) por me apontar isto.

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ser feita: sua obra é ‘freqüentemente usada de modo espúrio para corroborar abordagens bastante diferentes’ (Watson, 1992a: 19). Concluindo este capítulo, acrescentei uma bibliografia, de modo que, independentemente de suas ‘rele­ vâncias motivacionais’ (Goffman, ibid.) e compromissos disciplinares, os leito­ res possam localizar a obra de Goffman por si mesmos.

Agradecimentos Edison Gastaldo me encorajou a escrever este artigo e me deu uma avaliação editorial detalhada em versões preliminares. Pelo aconselhamento enquanto eu conduzia a pesquisa para este artigo, gostaria de agradecer a Ian Cornelius, Greg Smith, Rod Watson e Yves Winkin.

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