Fundamentos de Imunologia e Microbiologia LIVRO PROPRIETARIO (1)

November 12, 2017 | Author: RichardKleiton | Category: Abiogenesis, Cell (Biology), Antibiotics, Plants, Bacteria
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fundamentos da microbiologia e imunologia....

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FUNDAMENTOS DE IMUNOLOGIA E MICROBIOLOGIA

autor

CAMILO DEL CISTIA

1ª edição SESES rio de janeiro  2015

Conselho editorial  sergio augusto cabral; roberto paes; gladis linhares. Autor do original  camilo del cistia Projeto editorial  roberto paes Coordenação de produção  gladis linhares Projeto gráfico  paulo vitor bastos Diagramação  bfs media Revisão de conteúdo  cássio f. coelho Imagem de capa  supachai salaeman | dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) C579f Del Cistia, Camilo Del

Fundamentos de Imunologia e Microbiologia / Camilo Del Cistia



Rio de Janeiro : SESES, 2015.



160 p. : il.



isbn: 978-85-5548-124-6



1. Microrganismo. 2. Quimioterapia. 3. Anticorpos I. SESES. II. Estácio. cdd 616

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063

Sumário Prefácio 7

1. Imunologia e Microbiologia – SDE0276

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Objetivos 8 1.1  História da evolução da Microbiologia 9 1.2  As primeiras observações 9 1.3  A importância da Microbiologia 14 1.4  Quem descobriu os microrganismos? 15 1.5  O que é biogênese e abiogênese ou geração espontânea? 15 1.6  Classificação dos microrganismos 17 1.7  Classificação dos 5 reinos 19 1.8  Principais características dos grupos de microrganismos 20 1.9  Quimioterapia antimicrobiana 23 1.10  Classificação dos antibióticos 24 1.11  Mecanismo de ação dos antimicrobianos de uso clínico 25 1.12  Visão geral dos antibióticos quanto ao mecanismo de ação 26 1.13  Biossegurança na prática fisioterápica 28 1.14  Evolução histórica da segurança do trabalho 29 1.15  Legislação brasileira – Lei 6.514/77 de Portaria nº 3.214/78 1.16  Conceitos básicos sobre assepsia, antissepsia e técnicas de esterilização. 1.17  Apresentação pessoal dos trabalhadores junto às normas institucionais 1.17.1  Luvas 1.17.2 Máscaras 1.17.3  Óculos de proteção 1.17.4  Batas ou jalecos 1.17.5 Gorros 1.18  Aprender sobre a higienização das mãos Referências bibliográficas

31 31 33 33 35 36 36 37 37 39

2. Características das Bactérias

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Objetivos 42 2.1  Características gerais das bactérias 43 2.2  Estruturas bacterianas 44 2.3  Estruturas externas a parede celular 46 2.4  Mecanismos de resistência bacteriana 50 2.5  Desenvolvimento de resistência 50 2.6  Mecanismos genéticos de resistência 53 2.7  Mecanismos de reprodução em bactérias 54 2.8  Mecanismos bacterianos de patogenicidade 56 2.9  Fatores de virulência 58 2.10  Características gerais dos fungos 62 2.11  Características dos fungos em relação às bactérias 63 2.12  Modo de vida dos fungos de acordo com o tipo de alimentação 64 2.13  Tipos de reprodução 65 2.14  Diversidade morfológica dos fungos 66 2.15  Caracteristicas gerais dos vírus 67 Referências bibliográficas 70

3. Elementos da Nutrição Microbiana, Ecologia e Crescimento.

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Objetivos 72 3.1  Elementos da nutrição microbiana, ecologia e crescimento 73 3.2  Fontes dos nutrientes essências 73 3.2.1 Macronutrientes 73 3.2.2 Micronutrientes 75 3.3  Estudo do crescimento microbiano 75 3.4  Estudo do crescimento microbiano 80 3.5  Curva de crescimento bacteriano 80 3.6  Introdução a imunologia 88 3.7  Os componentes do sistema imune 90 3.8  Reconhecimento dos antígenos 93

3.8.1  Anticorpos e Antígenos 3.8.2  Desenvolvimento inicial da RIH Referências bibliográficas

4. Estrutura do Anticorpo

93 93 94

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Objetivos 96 4.1  Estrutura do anticorpo 97 4.2  Funções dos anticorpos 99 4.3  Resposta ao antígeno: processamento e apresentação 100 4.4  Processamento e apresentação do antígeno 100 4.4.1  Restrição do MHC 102 4.5  Células apresentadoras de antígenos 103 4.5.1  Apresentação de superantígenos 103 4.5.2  Papel do Timo 104 4.5.3  Seleção negativa na periferia 105 4.6  Mecanismos efetores da resposta imune 105 4.6.1 Citocinas 105 4.7  Existem dois tipos de imunidade: 116 4.8  Imunidade mediada por células 116 4.8.1  Papel central das células Th nas respostas imunes 116 4.8.2  Interações célula-célula em respostas por anticorpos a antígenos exógenos dependentes de células T 117 4.8.3  Interações célula-célula em respostas humorais a antígenos exógenos independentes de células T 4.8.4  Interações célula-célula em imunidade mediada por células (geração de células Tc em resposta a antígenos endógenos no citosol) 4.8.5  Interações célula-célula na imunidade mediada por células (ativação de macrófagos em resposta a antígenos endógenos em vesículas) 4.8.6  Interações célula-célula em imunidade mediada por células (ativação de células Nk) 4.9  Imunidade dos microrganismos Referências bibliográficas

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5. O Sistema Imune nas Doenças

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Objetivos 128 5.1  Imunologia dos Transplantes 129 5.1.1  Complexo Principal de Histocompatibilidade (Mhc) 130 5.1.2  Seleção do Doador 131 5.1.3  Rejeição de Enxertos Alogênicos 133 5.1.4  Rejeição hiperaguda 134 5.1.5  Rejeição aguda 135 5.1.6  Rejeição crônica 137 5.1.7  Supressão da resposta imune e efeitos colaterais 138 5.1.8  Supressão quimioterápica 138 5.1.9  Anticorpos antilinfocitários 140 5.1.10  Inibidores dos receptores de IL-2 141 5.2  Transplantes clínicos 142 5.2.1  Transplante de coração. 142 5.2.2  Transplante de fígado 143 5.2.3  Transplante de pâncreas 144 5.2.4  Medula óssea 144 5.3  Imunologia dos tumores 146 5.3.1  Causas dos tumores 146 5.3.2  Mecanismos Imunológicos que atuam contra células tumorais 148 5.3.3  Mecanismos de escape das células tumorais 149 5.4  Doenças auto-imunes 149 5.5  Mecanismo de formação dos auto-ac 5.6  Patogênese das doenças auto-imunes Referências bibliográficas

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1 Imunologia e Microbiologia – SDE0276

OBJETIVOS •  Reconhecer a importância da descoberta do microscópio para a Ciência. •  Diferenciar a abiogênese da biogênese. •  Identificar a importância de Louis Pasteur para a abiogênese. •  Identificar o início da Microbiologia e a sua importância para a nossa vida. •  A descoberta da quimioterapia, a vacinação, a quimioterapia moderna, o avanço da resistência microbiana às drogas. •  Identificar a célula como unidade comum a todos os seres vivos, bem como sua estrutura. •  Reconhecer os reinos Monera, Protista, Plantae, Animalia e Fungi. •  Identificar as características dos reinos Monera, Protista, Plantae, Animalia e Fungi. •  Biossegurança na prática fisioterápica ea relação dos fatos históricos com o avanço das técnicas de anti-sepsia de mãos e da cirurgia asséptica, a lavagem das mãos.

8•

capítulo 1

1.1  História da evolução da Microbiologia Para compreender o atual estágio da Microbiologia, precisamos conhecer como ela chegou até onde estamos atualmente. Os primeiros cientistas que optaram por estudar Microbiologia foram motivados, no decorrer de suas descobertas, por competição, inspiração e sorte. Houve conceitos errôneos que levaram a verdade e verdades que não foram inicialmente reconhecidas.

1.2  As primeiras observações Robert Hooke: o Inglês Robert Hooke descreveu em 1665, a estrutura celular da cortiça e publicou Micrographia, sobre suas descobertas em ótica e iniciando suas análises dos efeitos do prisma, esferas e lâminas, com a utilização do microscópio. Com o microscópio também deu importante contribuição ao estudo da estrutura das células, devendo-se a ele a origem deste termo. Hooke foi capaz de visualizar as células individualmente. A descoberta de Hooke marcou o início da teoria celular - todos os seres vivos são compostos de células. Investigações posteriores sobre a estrutura e funcionamento das células teve esta teoria como base.

CONEXÃO Link: http://gk12glacier.bu.edu/wordpress/hendrick2012/my-blog/page/2/.

capítulo 1

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Anton van Leeuwenhoek: o holandês Leeuwenhoek foi, provavelmente, o primeiro a realmente observar os microrganismos vivos através de lentes de aumento. Entre 1673 e 1723, ele escreveu uma série de cartas (mais de 300) à Sociedade Real Inglesa descrevendo o que ele chamou de “animálculos” que ele via através de seu modesto microscópio de uma única lente. Os desenhos detalhados sobre os “animálculos” de águas de rios, saliva, fezes, líquido no qual grãos de pimenta forma submersos e no material removido de seus dentes, foram identificados com representações de bactérias e protozoários. Essas cartas alertaram o mundo para a existência de formas microscópicas de vida e originaram a microbiologia (Biologia das células, vol. 1 – Amabis e Martho). Edward Jenner contribuiu de forma revolucionária para a Medicina com o desenvolvimento inicial da vacinação. Conta-se que uma senhora que trabalhava em uma fazenda ordenhando vacas chamada, Sarah Nelmes gabava-se que não pegava varíola (doença muito disseminada na Europa na época) porque já tinha contraído antes a menos séria varíola bovina das vacas que ela ordenhava. Um surto de varíola em 1788 provou que ela estava certa. Todos os pacientes de Jenner que já tinham tido varíola bovina não contraíram varíola. No ano de 1796, Jenner provou sua teoria infectando um garoto primeiro com varíola bovina e depois com varíola. Ele descobriu que o garoto estava imune à doença. Jenner chamou seu tratamento de vacinação (palavra derivada da palavra latina para varíola bovina - vaccina) (Riedel, 2005).

10 •

capítulo 1

Os cientistas britânicos Edward Jenner e Alexander Fleming realizaram descobertas revolucionárias no campo da Medicina e Fisiologia, marcando o início de uma revolução na área médica e biológica.

Louis Pasteur (1822 – 1895) era um químico francês bastante respeitado na época por seus inúmeros trabalhos científico, dedicou seus consideráveis talentos ao estudo dos microrganismos. Interessou-se pela indústria de vinhos franceses e pela função dos microrganismos na produção de álcool. Este interesse incentivou-o a continuar o debate sobre a origem dos microrganismos, uma vez que ainda persistiam alguns defensores da geração espontânea ou abiogênese, a exemplo do naturalista francês Félix Archiméde Pouchet (1800 – 1872). Pasteur fez uma série de experimentos definitivos. Um dos principais processos foi o uso de frascos de colo longo e curvado, semelhante ao pescoço de cisnes, que foram preenchidos com caldo nutritivo e aquecidos. O ar podia passar livremente através dos frascos abertos, mas nenhum microrganismo surgiu na solução. A poeira e os microrganismos depositavam-se na área sinuosa em forma de V do tubo e, portanto, não atingiam o caldo. Seus resultados foram comunicados com entusiasmo na Universidade de Sorbonna, em Paris, em 7 de abril de 1864. Pasteur deu um grande impulso na tecnologia de alimentos. O processo de preservação dos alimentos pela pasteurização foi criado por esse ilustre cientista, e o nome do processo de pasteurização foi dado em sua homenagem. Você terá a oportunidade de saber como funciona a pasteurização na disciplina de Microbiologia dos alimentos (Biologia das células, vol. 1 – Amabis e Martho).

capítulo 1

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Robert Koch – foi um dos fundadores da microbiologia, o alemão foi o primeiro a descobrir o agente do carbúnculo e o baciloda tuberculose. O médico e cientista Robert Koch, um dos precursores da moderna bacteriologia, dedicouse a pesquisas acerca das relações entre agentes bacterianos e a transmissão de doenças, bem como ao estudo da higiene e de epidemias. Suas teses não aumentaram a expectativa de vida e melhoraram a saúde da população apenas na Alemanha, mas continuam, até hoje, sendo consideradas verdadeiros fundamentos da microbiologia moderna. Durante a Guerra Franco-Prussiana, de 1870 a 1871, Koch trabalhou como cirurgião. Após seu regresso ao país, assumiu a função de médico oficial da cidade na antiga província alemã de Posen (Poznan). Ali começou a estudar a biologia das bactérias. Naquela época, não havia ainda microscópios eletrônicos e, desta forma, as bactérias eram os menores agentes que podiam ser examinados através do microscópio. Koch descobriu o agente bacteriano causador do carbúnculo e descreveu, pela primeira vez, como a transmissão da doença se dá através dos esporos – este foi seu primeiro grande trabalho científico, publicado em 1876. Mais tarde, Koch foi chamado a Berlim para assumir a direção de um laboratório bacteriológico recém-criado, onde conseguiu detectar o agente causador da tuberculose. Com a Etiologia da Tuberculose, Koch conseguiu, pela primeira vez na história, identificar um micro-organismo patogênico. Por este trabalho sobre a bactéria da tuberculose, ele recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1905.

CONEXÃO Link: http://www.sbmicrobiologia.org.br/PDF/Koch.pdf.

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Joseph Lister considerado pai da cirurgia moderna, pois foi o primeiro a utilizar uma solução de fenol como um eficiente agente antisséptico – substâncias que destroem ou impedem o crescimento de microrganismos em tecido vivo- isso reduziu o número de mortes por infecções pós-operatórias. Lister comunicou os métodos para esterilização de bandagens, compressas cirúrgicas, instrumental cirúrgico e assepsia de feridas. Com isso ele introduziu a cirurgia asséptica. Antes da descoberta, pelo médico inglês Joseph Lister, em 1865, que o fenol podia ser usado para esterilizar os instrumentos cirúrgicos, campo operatório e mãos dos cirurgiões, os hospitais eram campos de massacres, onde, a maioria dos pacientes que não morriam do trauma cirúrgico, pereciam de infecções. Juntamente com a anestesia e os antibióticos, a antissepsia foi responsável pelo grande avanço da cirurgia como método científico de tratamento de inúmeras doenças, ao longo do século XX.

CONEXÃO Link: http://www.sciencemuseum.org.uk/broughttolife/people/josephlister.aspx.

Sir Alexander Fleming nasceu em 1881 na Escócia, formando-se em Bacteriologia. Fleming trabalhou no St. Mary's Hospital, em Londres, e serviu no Corpo Médico durante a Primeira Guerra Mundial. Ele se tornou interessado no problema de controlar infecções causadas por bactérias e continuou suas pesquisas depois da guerra. Fleming descobriu a penicilina, o primeiro antibiótico, o que marcou uma revolução na Medicina. Antibióticos são drogas que matam

capítulo 1

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bactérias. Eles, atualmente, são usados para o tratamento de doenças. Conta-se que, em uma manhã de 1928, Fleming estava preparando sua rotineira amostra de culturas de bactérias quando notou que algo estava matando as bactérias. Ao investigar, descobriu que era um bolor de pão chamado penicilina. Dois outros excelentes cientistas, Howard Walter Florey (1898-1968) e Ernst Boris Chain (1906-1979), ajudaram a aperfeiçoar a manufatura de penicilina, e eles dividiram em 1945 o Prêmio Nobel de Medicina em com Fleming.

CONEXÃO LinK: http://www.biography.com/people/alexander-fleming-9296894#synopsis.

Os argumentos sobre a geração espontânea continuaram até 1861, quando a questão foi resolvida pelo cientista francês Louis Pasteur.

1.3  A importância da Microbiologia A Microbiologia é uma ciência que foi impulsionada com a descoberta do microscópio por Leuwenhoek (1632 – 1723). A partir da descoberta do microscópio e a constatação da existência dos microrganismos, os cientistas começaram a indagar sua origem, surgindo então, as teorias da abiogênese ou geração espontânea e a biogênese. Após os experimentos de Lazzaro Spallanzani (1729 – 1799) que provaram que infusões quando aquecidas, esterilizadas e fechadas hermeticamente para evitar recontaminação impediam o aparecimento de microrganismos, a abiogênese foi descartada. Acredita-se que os microrganismos (organismos pequenos só visíveis com o auxílio de lentes) apareceram na terra há bilhões de anos a partir de um material complexo de águas oceânicas ou de nuvens que circulavam a terra. Os microrganismos são antigos, porém a microbiologia como ciência é jovem, uma vez que os microrganismos foram evidenciados há 300 anos e só foram estudados e compreendidos 200 anos depois.

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capítulo 1

1.4  Quem descobriu os microrganismos? Anton Van Leuwenhoek (1632 – 1723) era um homem comum que possuía um armazém, era zelador da prefeitura e servia como provador oficial de vinhos para a cidade de Delft na Holanda. Tinha como hobby polir lentes de vidro, as montava entre finas placas de bronze ou prata para inspecionar fibras e tecelagem de roupas, flores, folhas e pingos d’água. Na época, era comum o interesse pelo mundo natural, mas Leuwenhoek tinha o cuidado de descrever, detalhadamente, tudo o que fazia e o que observava com suas lentes. Usando seu precário microscópio, observava águas de rios, infusões de pimenta, saliva, fezes, etc.; até que verificou nesses materiais, a presença de um grande número de pequeníssimos objetos móveis e de formas diferentes, que não poderiam ser vistos sem a ajuda das lentes, e os chamou de “animáculos” por acreditar que seriam pequeninos animais vivos. Leuwenhoek fez observações magníficas sobre a estrutura microscópica das sementes e embriões de vegetais, animais invertebrados, espermatozoides, sangue, circulação sanguínea etc. Uma dimensão inteiramente nova enriqueceu a biologia (bio = vida, logia = estudo). Todos os tipos principais de microrganismos que hoje conhecemos – protozoários, algas, fungos e bactérias foram primeiramente descritos por Leuwenhoek (Trabulsi, 1991).

1.5  O que é biogênese e abiogênese ou geração espontânea? Após a revelação ao mundo da presença dos microrganismos, os cientistas começaram a indagar a origem desses seres e se dividiram em duas correntes de pensamento as quais veremos a seguir. Alguns cientistas acreditavam, inclusive Leuwenhoek, que as “sementes” destas criaturas microscópicas estão sempre presentes no

BIOGÊNESE

ar, de onde ganham acesso aos materiais e ali crescem desde que as condições sejam adequadas ao seu desenvolvimento. A essa forma de multiplicação dos microrganismos chamou-se biogênese.

capítulo 1

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Outros cientistas acreditavam que os microrganismos se formavam

ABIOGÊNESE

espontaneamente a partir da matéria orgânica em decomposição ou putrefação, essa forma de multiplicação chamou-se abiogênese.

CONEXÃO A abiogênese também ficou conhecida como geração espontânea. Video complementar https://www.youtube.com/watch?v=EjyH5MkGdPY

A crença na geração espontânea de seres vivos teve uma longa existência. A ideia da geração espontânea teve origem na Grécia Antiga, que acreditava que rãs e minhocas surgiam, espontaneamente, de um pequeno lago ou lama. Outros acreditavam que larvas de insetos e moscas eram produzidas a partir de carne em decomposição. Pouco a pouco, essas ideias foram perdendo força, por demonstrações científicas como a do médico italiano Francesco Redi (1626 – 1697), que demonstrou que as larvas encontradas na carne em putrefação eram larvas de ovos de insetos e não um produto da geração espontânea. Convencer os que apoiavam a abiogênese de que um ser não poderia surgir apenas da matéria orgânica, tornou-se bem mais difícil, principalmente, a partir do experimento de Heedham em 1749, que demonstrou que, de muitos tipos diferentes de infusões, invariavelmente, emergiam criaturas microscópicas (microrganismos), independentemente do tratamento que receberam, protegidas ou não, fervidas ou não. Hoje, sabe-se que os experimentos de Heedham foram falhos, pois este não tomava precauções higiênicas para proteger seus experimentos do ar circundante, permitindo dessa forma a contaminação de suas infusões. Cinquenta anos após os experimentos de Heedham, Spallanzani evidenciou em centenas de experiências, que o aquecimento das infusões até esterilização, pode impedir a contaminação por microrganismos. Posteriormente, Spallazani concluiu que poderá haver recontaminação das infusões por condução dos microrganismos pelo ar, desde que o frasco que a contenha não esteja hermeticamente fechado ou apresente rachadura, propiciando na infusão, o aparecimento de colônias de microrganismos (Biologia das células, vol. 1 – Amabis e Martho).

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capítulo 1

A tarefa dos microrganismos na natureza é algo sensacional, especialmente, quando se lembra de seu papel como regulador do equilíbrio entre seres vivos e mortos.

1.6  Classificação dos microrganismos Os seres vivos são constituídos de unidades microscópicas chamadas de células que formam, em conjunto, estruturas organizadas. As células são compostas de núcleo e citoplasma. Quando o núcleo celular é circundado por uma membrana nuclear ou carioteca, os organismos que as possuem são chamados de eucarióticos, os que não possuem células com carioteca são os procarióticos a exemplo das bactérias. Baseado na maneira pela qual os organismos obtêm alimentos, Robert H. Whittaker classificou os organismos vivos em 5 reinos: reino Monera, reino Protista, reino Plantae, reino Animalia e reino Fungi.

CONEXÃO Video complementar: https://www.youtube.com/watch?v=t63pCUzey3E

capítulo 1

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Os microrganismos pertencem a três dos cinco reinos: as bactérias são do reino Monera, os protozoários e algas microscópicas são Protistas e os fungos microscópicos como leveduras e bolores pertencem ao reino Fungi (Biologia das células, vol. 1 – Amabis e Martho) .

Célula A célula é uma estrutura típica microscópica comum a todos os seres vivos. Com os avanços da microscopia eletrônica na década de 1940, foi possível a visualização de muitas estruturas da célula que seria impossível no microscópio ótico. Todas as células se compõem de duas regiões internas principais conhecidas como núcleo e citoplasma. O núcleo, que é circundado pelo citoplasma, contém todas as informações genéticas do organismo, sendo responsável pela hereditariedade. O citoplasma é a sede primária dos processos de síntese e o centro das atividades funcionais em geral. Em algumas células, o núcleo é circundado por uma membrana denominada de membrana nuclear ou carioteca. Compreendem o grupo das eucarióticas, os protozoários, os fungos, a maior parte das algas. Estas células se assemelham as dos animais e plantas. Em contraste, as bactérias e o pequeno grupo de algas azul-verdes se caracterizam por células menores procarióticas por não apresentarem membrana nuclear.

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capítulo 1

Nas plantas e microrganismos, a parede celular é a única estrutura limitante. Seu único papel parece ser o de proteção contra injúrias mecânicas e impedem, principalmente, a ruptura osmótica quando a célula é colocada em ambiente com alto teor de água (Biologia das células, vol. 1 – Amabis e Martho).

1.7  Classificação dos 5 reinos A classificação dos organismos, mais recente, proposta por Robert H. Whittaker em 1969, foi baseada a partir da maneira pela qual o organismo obtém nutrientes de sua alimentação. Veja:

FOTOSSÍNTESE

Processo pelo qual a luz fornece energia para converter o dióxido de carbono em água e açúcares.

ABSORÇÃO

A captação de nutrientes químicos dissolvidos em água.

INGESTÃO

Entrada de partículas de alimentos não dissolvidas.

Nesse esquema de classificação, os procariotos que normalmente obtêm alimentos só por absorção constituem o reino Monera. O reino Protista inclui os microrganismos eucarióticos unicelulares, que representam os três tipos nutricionais: as algas são fotossintéticas, os protozoários podem ingerir seu alimento e os fungos limosos somente absorvem os nutrientes. Os organismos eucarióticos superiores são colocados no reino Plantae (plantas verdes fotossintéticas e algas superiores), Animalia (animais que ingerem alimentos) e Fungi, organismos que têm parede celular, mas não apresentam o pigmento clorofila encontrado em outras plantas para promover a fotossíntese, portanto eles absorvem os nutrientes. Como pode se observar, os microrganismos pertencem a três dos cinco reinos.

capítulo 1

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1.8  Principais características dos grupos de microrganismos São microrganismos eucarióticos unicelulares. Como os animais ingerem partículas alimentares, não apresentam parede celular rígida e não contêm clorofila. Movem-se

PROTOZOÁRIOS

através de cílios, flagelos ou pseudópode. Estes microrganismos são estudados na ciência da Parasitologia (estudo dos parasitas). São amplamente distribuídos na natureza, principalmente, em ambientes aquáticos. Muitos são nocivos ao homem como a ameba e a giárdia.

São semelhantes às plantas por possuírem clorofila que participa do processo de fotossíntese e apresentam uma parede celular rígida. São eucariotos e podem ser unicelulares ou multicelulares com vários metros de comprimento. Podem ser

ALGAS

nocivas por produzirem toxinas, obstruir caixas d’água ou crescerem em piscinas. Entretanto, algumas espécies são usadas nas indústrias de alimentos, farmacêuticas, cosméticos e para o uso em laboratório. As algas não são estudadas na Microbiologia de alimentos.

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capítulo 1

Podem ser unicelulares ou multicelulares. São eucariotos e

FUNGOS

possuem parede celular rígida. Os fungos não ingerem alimentos e obtêm os nutrientes do ambiente através de absorção.

capítulo 1

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BACTÉRIAS

São procariotos, carecem de membrana nuclear e outras estruturas celulares organizadas observadas em eucariotos.

Representam o limite entre as formas vivas e as sem vida. Não são células como as descritas anteriormente, contêm somente um tipo de ácido nucleico, RNA ou DNA que é circundado por um envelope

VÍRUS

proteico ou capa. Devido à ausência de componentes celulares necessários para o metabolismo ou reprodução independente, o vírus pode multiplicar-se somente dentro de células vivas, por isso não são considerados seres vivos por não possuírem vida própria.

22 •

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1.9  Quimioterapia antimicrobiana Quimioterapia corresponde ao advento do tratamento de doenças por meio de substâncias químicas. Algumas são sintetizadas em laboratório, e por isso chamadas quimioterápicas; outras são produzidas por seres vivos, e são chamadas de antibióticos. Os antibióticos são produzidos, na sua maioria, por microrganismos que fazem a síntese total ou parcial da molécula e, neste caso, são concluídos em laboratório (antibióticos semissintéticos). A quimioterapia antimicrobiana é um assunto de suma importância dentro da microbiologia clínica, uma vez que drogas dessas naturezas são importantes por lutar contra a infecção causada por microrganismos sem causar maléficos á célula hospedeira, propriedade esta denominada de toxicidade seletiva. A maioria dos antibióticos usados na clinica é produzida por bactérias do gênero Streptomyces e alguns por fungos dos gêneros Penicillium e Cephalosporium.

Histórico •  1900: Paul Ehrlich, bacteriologista alemão, desenvolveu a propriedade da toxidade seletiva de alguns medicamentos. •  1928: Fleming, ao acaso, foi o principal responsável pela descoberta dos antibióticos depois de ter observado que onde havia desenvolvimento do fungo Penicilum notatum, bactérias eram exterminadas. •  1935: Gerhard Domagk cria o primeiro quimioterápico – as sulfonamidas – um medicamento de natureza quimioterápica mas sintetizado em laboratório. •  1940 – Chain e Florey, devido ao estopim da Segunda Guerra Mundial, a penicilina foi sintetizada em larga escala e nos últimos anos, a indústria farmacêutica estabelece modificações químicas, adicionando um radical químico ao antimicrobiano para tentar aumentar o espectro de atividade da droga. Recetemente os pesquisadores Annette Draeger e Eduard Bibiychuk nanopartículas especiais feitas de lipídios, os lipossomas, que muito se assemelham a células hospedeiras. Ao serem introduzidas no corpo de uma pessoa com uma grave infecção bacteriana, essas membranas artificiais, também conhecidas como CALo2, devem atrair as toxinas produzidas por bactérias.

capítulo 1

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Conceitos Antibióticos: são antibacterianos que provem de organismos vivos. Podem ser naturais (quando a molécula da droga é totalmente de origem natural; Ex: penicilina, que é extraída de fungos) ou semissintéticos (quando uma molécula, de origem natural, é alterada em laboratório; Ex: oxacilina). Quimioterápicos: drogas sintetizadas completamente em laboratório, podendo ser classificadas apenas como sintéticas (Ex: sulfas). Para o nosso estudo, este tipo de antibacterianos será, por critérios meramente didáticos, inserido nos grupos dos antibióticos.

1.10  Classificação dos antibióticos 1. Quanto à origem: •  Naturais: de origem natural microbiana. Ex: Penicilina. •  Semissintético: a molécula natural é adicionada a um radial químico qualquer. Ex: Meticilina. •  Sintética: totalmente produzidas em laboratório. Ex: Quinolonas. 2. Quanto ao mecanismo de ação: •  Bactericidas: provocam a morte das bactérias. Ex: Aminoglicosideos •  Bacteriostáticas: inibem o metabolismo bacteriano, bloqueando o seu crescimento. Ex: sulfas. 3. Quanto ao espectro de ação antimicrobiano: •  Pequeno espectro: realizam ação sobre determinados grupos de bactéria. Ex: A penicilina atua apenas sobre bactérias gram-positivas. •  Amplo espectro: atividade sobre bactérias sem grupo específico: atuam contra bactérias gram-positivas e gram-negativas. Ex: tetraciclina e cloranfenicol.

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1.11  Mecanismo de ação dos antimicrobianos de uso clínico O primeiro ponto para se observar a utilização dos antimicrobianos é a toxidade seletiva: a droga deve atuar especificamente sobre uma estrutura da célula procariótica bacteriana, e não sendo tóxica a célula eucarionte. Os antibióticos e os quimioterápicos interferem com diferentes atividades da célula bacteriana, causando a sua morte ou somente inibindo o seu crescimento. 1. Ação Antimicrobiana Através Da Inibição Da Síntese Da Parede Celular: Ex: Bacitracina, Cefalosporina, Penicilinas e Vancomicina Alguns antibióticos impedem a síntese da parede celular, estrutura responsável pela proteção mecânica da bactéria. Já se sabe que o peptidioglicano que fornece estrutura à parede celular bacteriana é composta, basicamente, por N-acetilglicosamina e N-acetilmurâmico. A parede celular, então, é produzida em três fases: (1) produção dos principais compostos da parede celular ainda no citoplasma, (2) passagem dessas substâncias por meio da membrana citoplasmática e (3) formação da malha de peptidoglicano através da ligação estabelecida por enzimas (como a Transpeptidase), formando, em fim, a parede celular. Esses antibióticos inibem a atividade enzimática que forma o peptidioglicano. Sem a formação da parede celular, a bactéria fica completamente vulnerável a ação do meio, morrendo logo em seguida. 2. Ação Antimicrobiana Através Da Inibição Da Membrana Celular Ex: Anfotericina B, Polimixinas e Nistatina A maioria das reações químicas (até os mecanismos de obtenção de energia) é realizada pela membrana citoplasmática. A membrana é destruída por certos antibióticos, situação extremamente inadequada e incompatível com a vida bacteriana. 3. Ação Antimicrobiana Através Da Inibição Da Síntese De Proteínas Ex: Cloranfenicol, Tetraciclinas, Aminoaglicosídeos e Estreptomicina A síntese de proteínas (tanto o processo de transcrição como o de tradução) acontece na região do citoplasma. As tetraciclinas bloqueiam a síntese protéica

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porque, quando fixadas à subunidade 30S (menor), impedem a fixação dos RNA transportadores ao ribossomo. O cloranfenicol, lincomicina e clindamicina, aparentemente, possuem os mesmos mecanismos de ação, que seria impedir a união dos aminoácidos pela inibição da peptidiltransferase. A eritromicina bloqueia a síntese protéica porque, quando fixada à subunidade 50S, impede os movimentos de translocação. Embora a síntese proteica seja muito semelhante nas bactérias e nas células do hospedeiro, existem diferenças entre seus ribossomos. Estas diferenças explicam a ação seletiva dos antimicrobianos. 4. Ação Antimicrobiana Através Da Inibição Da Síntese Dos Ácidos Nucleícos Ex: Ácido nalidíxico, Novobiocina, Rifampicina e Fluorquinolonas. Outros antibióticos interferem em alguma fase da síntese do próprio MG da bactéria. Estudos recentes têm mostrado alguns antimicrobianos interferem com a síntese de DNA, inibindo a ação das enzimas girases. A função destas enzimas é promover o enrolamento das moléculas de DNA, para que ocupem um menor espaço dentro de célula. OBS: Um antibiograma é um ensaio laboratorial que mede a susceptibilidade/resistência de uma bactéria a um ou mais agentes antimicrobianos. Seu objetivo é tanto a análise do espectro de sensibilidade/resistência a drogas de uma bactéria quanto a determinação da concentração mínima inibitória. OBS²: Deve-se evitar o desenvolvimento da resistência combatendo o uso abusivo e indiscriminado dos antibióticos.

1.12  Visão geral dos antibióticos quanto ao mecanismo de ação De uma forma geral, podemos dividir os antibióticos nos seguintes grandes grupos, que serão mais bem detalhados nos materiais referentes à Farmacologia: Antibióticos com ação na parede bacteriana: -Beta-lactâmicos

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•  Penicilinas •  Cefalosporinas •  Carbapenêmicos e Monobactâmicos – Glicopeptídeos – Polimixina B Antibióticos com ação no citoplasma microbiano •  Macrolídeos e lincosamidas •  Cloranfenicol •  Tetraciclinas •  Aminoglicosídeos •  Sulfonamidas + Trimetoprim •  Fluorquinolonas •  Metronidazol

CONEXÃO Vídeo complemetar A aventura do Antibiótico. Link: https://www.youtube.com/watch?v=XtP7WF8XjXU.

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1.13  Biossegurança na prática fisioterápica Conceitos gerais. Biossegurança é o conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação dos riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços. Estes riscos podem comprometer a saúde do homem e animais, o meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos (Teixeira; Valle, 1996). Há ainda outros conceitos para a biossegurança, como o que está relacionado à prevenção de acidentes em ambientes ocupacionais, incluindo o conjunto de medidas técnicas, administrativas, educacionais, médicas e psicológicas (Costa, 1996). O tema abrange ainda a segurança no uso de técnicas de engenharia genética e as possibilidades de controles capazes de definir segurança e risco para o ambiente e para a saúde humana, associados à liberação no ambiente dos organismos geneticamente modificados (OGMs) (Albuquerque, 2001). A Biossegurança envolve a análise dos riscos a que os profissionais de saúde e de laboratórios estão constantemente expostos em suas atividades e ambientes de trabalho. A avaliação de tais riscos engloba vários aspectos, sejam relacionados aos procedimentos adotados, as chamadas Boas Práticas em Laboratório (BPLs), aos agentes biológicos manipulados, à infraestrutura dos laboratórios ou informacionais, como a qualificação das equipes (Brasil, 2006b). Em Roma, no primeiro século antes de Cristo, Marcus Varro defendia a associação dos pântanos com as doenças "por hospedar criaturas diminutas, invisíveis, que flutuando pelo ar podiam entrar no corpo humano pela boca e nariz, causando doenças" (MASTROENI, 2008).

Importância da Biossegurança. Do ponto de vista prático, foi a partir da Conferência de Asilomar que se originaram as normas de biossegurança do National Institute of Health (NIH), dos EUA. Seu mérito, portanto, foi o de alertar a comunidade científica, principalmente quanto às questões de biossegurança inerentes à tecnologia de DNA re-

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combinante. A partir de então, a maioria dos países centrais viu-se diante da necessidade de estabelecer legislações e regulamentações para as atividades que envolvessem a engenharia genética (Almeida; Valle, 1999). Na década de 1980 a Organização Mundial de Saúde (OMS) conceituou a biossegurança como prática de prevenção para o trabalho em laboratório com agentes patogênicos, e, além disto, classificou os riscos como biológicos, químicos, físicos, radioativos e ergonômicos. Na década seguinte, observou-se a inclusão de temas como ética em pesquisa, meio ambiente, animais e processos envolvendo tecnologia de DNA recombinante em programas de biossegurança (Costa, Costa, 2002). A biossegurança no Brasil só se estruturou, como área específica, nas décadas de 1970 e 1980, mas desde a instituição das escolas médicas e da ciência experimental, no século XIX, vêm sendo elaboradas noções sobre os benefícios e riscos inerentes à realização do trabalho científico, em especial nos ambientes laboratoriais em decorrência do grande número de relatos de graves infecções ocorridas, e também de uma maior preocupação em relação às consequências que a manipulação experimental de animais, plantas e micro-organismos poderiam trazer ao homem e ao meio ambiente (Almeida; Albuquerque, 2000, Shatzmayr, 2001).

1.14  Evolução histórica da segurança do trabalho Aspectos Legais Descrever os aspectos legais da Segurança no Ambiente Hospitalar é possível, desde que seu desenvolvimento seja mostrado a partir de fatos ocorridos nas várias atividades profissionais ocorridas em outras épocas. Para tanto, a tabela 1 apresenta uma resumida evolução histórica dos direitos e conhecimento adquiridos pelos trabalhadores no mundo. No Brasil, o fato marcante na legislação trabalhista se deu em 1943, através do Decreto 5452, de 1º de maio de 1943, e atualmente as formas de dirimir as questões legais referentes à segurança dos trabalhadores foram traduzidas nos conteúdos da Lei nº 6.514 de 22 de dezembro de1977.

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ÉPOCA

ORIGEM

CONTRIBUIÇÃO

Aristóteles (384 –322 aC)

Cuidou do atendimento e prevenção das enfermidades dos trabalhadores nos ambientes das minas. Constatou e apresentou enfermidades específicas do esqueleto que acometiam determinados trabalhadores no exercício de suas profissões. Publicou a História Natural, onde pela primeira vez foram tratados temas referentes à segurança do trabalho. Discorreu sobre o chumbo, mercúrio e poeiras. Menciona o uso de mascaras pelos trabalhadores dessas atividades. Revelou a origem das doenças profissionais que acometiam os trabalhadores nas minas de estanho.

Platão

Plínio (23 –79 dC)

SÉC. IV AC

Hipócrates (460 –375 aC) Galeno (129 –201 aC)

SÉC. XIII

Avicena (908 –1037)

SÉC. XV

Ulrich Ellembog

SÉC. XVI

Paracelso (1493 –1541) Europa

Preocupou-se com o saturnismo. Preocupou - se com o saturnismo e indicou - o como causa das cólicas provocadas pelo trabalho em pinturas que usavam tinta à base de chumbo. Editou uma série de publicações em que preconizava medidas de higiene do trabalho. Divulgou estudos relativos às infecções dos mineiros do Tirol. Foram criadas corporações de ofício que organizaram e protegeram os interesses dos artifícios que representavam.

1601

Inglaterra

1606

Rei Carlos II (1630 –1685)

1700

Bernardino Ramazzine (1633 –1714)

Em virtude do grande Incêndio de Londres foi proclamado de que as novas casas fossem construídas com paredes de pedras ou tijolos e a largura das ruas fosse aumentada de modo a dificultar a programação do fogo. Divulgou sua obra clássica "De Morbis Articum Diatriba" (As Doenças dos Trabalhadores).

1802

Inglaterra

Substituição das Leis dos Pobres pela Lei das Fábricas.

1844-1848

Inglaterra

Aprovação das primeiras Leis de Segurança no trabalho e Saúde Pública, regulamentando os problemas de saúde e de doenças profissionais.

1862

França

Regulamentação da higiene e segurança no trabalho.

1865

Alemanha

1883

Emílio Muller Inglaterra

1897 França

1903

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EUA

Criada a Lei dos Pobres.

Lei de indenização obrigatória aos trabalhadores, que responsabiliza o empregador pelo pagamento dos acidentes. Fundou em Paris a Associação de Indústrias contra os Acidentes de Trabalho. Após o incêndio de Cripplegate, foi fundado o Comitê Britânico de Prevenção e iniciou - se uma série de pesquisas relativas a materiais aplicados em construções. Após catástrofe do Bazar da Caridade, foram dadas maiores atenções aos problemas de incêndios. Promulgada a primeira lei sobre indenização aos trabalhadores, limitada ao empregador e trabalhadores federais.

ÉPOCA

ORIGEM

1919

Tratado de Versalhes

1921

EUA

1927

França

1943

Brasil

CONTRIBUIÇÃO Criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com sede em Genebra, que substitui a Associação Internacional de Proteção Legal ao Trabalhador. Estendidos os benefícios da Lei de 1903 a todos os trabalhadores através da Lei Federal. Foram iniciados estudos de laboratórios relacionados com a inflamabilidade dos materiais e estabeleceram - se os primeiros regulamentos específicos que adotaram medidas e precauções a serem tomadas nos locais de trabalho e nos locais de uso prático. O Decreto nº 5452, de 01/05/1943, regulamenta o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo à Segurança e Medicina no Trabalho.

Tabela 1.1 - História da Segurança no Trabalho

1.15  Legislação brasileira – Lei 6.514/77 de Portaria nº 3.214/78 No Brasil, o direito dos trabalhadores à segurança e medicina no trabalho é garantido pela Lei 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Essa lei altera o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho no que se refere à Segurança e Medicina do Trabalho. Sua regulamentação foi feita através da Portaria nº 3.214 de 08 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho. Essa portaria aprova as Normas Regulamentadoras (NR) do Capítulo V do Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho relativas à Segurança e Medicina do Trabalho e por um conjunto de textos suplementares (leis, portarias e decretos) decorrentes de alterações feitas nos textos originalmente publicados.

1.16  Conceitos básicos sobre assepsia, antissepsia e técnicas de esterilização. •  Assepsia: é o conjunto de medidas que utilizamos para impedir a penetração de microorganismos num ambiente que logicamente não os tem, logo um ambiente asséptico é aquele que está livre de infecção.

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•  Antissepsia: é o conjunto de medidas propostas para inibir o crescimento de microorganismos ou removê-los de um determinado ambiente, podendo ou não destruí-los e para tal fim utilizamos antissépticos ou desinfetantes. É a destruição de micro-organismos existentes nas camadas superficiais ou profundas da pele, mediante a aplicação de um agente germicida de baixa causticidade, hipoalergênico e passível de ser aplicado em tecido vivo. •  Degermação: Significa a diminuição do número de microorganismos patogênicos ou não, após a escovação da pele com água e sabão. É a remoção de detritos e impurezas depositados sobre a pele. Sabões e detergentes sintéticos, graças a sua propriedade de umidificação, penetração, emulsificação e dispersão, removem mecanicamente a maior parte da flora microbiana existente nas camadas superficiais da pele, também chamada flora transitória, mas não conseguem remover aquela que coloniza as camadas mais profundas ou flora residente. •  Desinfecção: é o processo pelo qual se destroem particularmente os germes patogênicos e/ou se inativa sua toxina ou se inibe o seu desenvolvimento. Os esporos não são necessariamente destruídos. •  Esterilização: é processo de destruição de todas as formas de vida microbiana (bactérias nas formas vegetativas e esporuladas, fungos e vírus) mediante a aplicação de agentes físicos e ou químicos, Toda esterilização deve ser precedida de lavagem e enxaguadura do artigo para remoção de detritos. •  Esterilizantes: são meios físicos (calor, filtração, radiações, etc) capazes de matar os esporos e a forma vegetativa, isto é, destruir todas as formas microscópicas de vida. •  Esterilização: o conceito de esterilização é absoluto. O material é esterilizado ou é contaminado, não existe meio termo. •  Germicidas: são meios químicos utilizados para destruir todas as formas microscópicas de vida e são designados pelos sufixos "cida" ou "lise", como por exemplo, bactericida, fungicida, virucida, bacteriólise etc. Na rotina, os termos antissépticos, desinfetantes e germicidas são empregados como sinônimos, fazendo que não haja diferenças absolutas entre desinfetantes e antissépticos. Entretanto, caracterizamos como antisséptico quando a empregamos em tecidos vivo e desinfetante quando a utilizamos em objetos inanimados (Moriya; Módena, 2008).

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1.17  Apresentação pessoal dos trabalhadores junto às normas institucionais Proteção da Equipe De Saúde Medidas de precauções universais ou medidas padrão representam um conjunto de medidas de controle de infecção para serem adotadas universalmente como forma eficaz de redução do risco ocupacional e de transmissão de microrganismos nos serviços de saúde. As Precauções Universais incluem: a) uso de barreiras ou equipamentos de proteção individual; b) prevenção da exposição a sangue e fluidos corpóreos; c) prevenção de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes; c) manejo adequado dos acidentes de trabalho que envolva a exposição a sangue e fluidos orgânicos; d) manejo adequado de procedimentos de descontaminação e do destino de dejetos e resíduos nos serviços de saúde. (Martins, 2001). Barreiras de proteção pessoal, também chamadas de EPI – Equipamento de Proteção Individual são métodos físicos que interrompem as rotas de contaminação, quebrando o ciclo que poderia ser estabelecido. As barreiras de proteção pessoal devem ser utilizadas rigorosamente dentro das clínicas, tanto por alunos operadores como por seus auxiliares, professores e funcionários. (Stefani et al., 2002). A imunização é indispensável para completar as barreiras de proteção pessoal. Todas as pessoas expostas à contaminação (profissionais, alunos e funcionários) devem ser vacinadas contra Hepatite B (Obrigatória!!!), tuberculose (BCG), tétano e difteria, sarampo e rubéola. O ideal é que alunos se imunizem no 4º semestre, antes do início das atividades clínicas.

1.17.1  Luvas Sempre que houver possibilidade de contato com sangue, saliva contaminada por sangue, contato com a mucosa ou com superfície contaminada, o profissional deve utilizar luvas.

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•  Antes do atendimento de cada paciente, o profissional deve lavar suas mãos e colocar novas luvas; após o tratamento de cada paciente, ou antes, de deixar a clínica, o profissional deve remover e descartar as luvas e lavar as mãos. •  Tanto as luvas para procedimento como as luvas cirúrgicas não devem ser lavadas antes do uso, nem lavadas, desinfetadas ou esterilizadas para reutilização. •  As luvas de látex para exame não foram formuladas para resistir à exposição prolongada às secreções, podendo ficar comprometidas durante procedimentos de longa duração.

Normas na utilização das luvas •  As luvas NÃO devem ser utilizadas fora das áreas de tratamento. •  As luvas devem ser trocadas entre os tratamentos de diferentes pacientes. •  A parte externa das luvas NÃO deve ser tocada na sua remoção. •  As luvas devem ser checadas quanto à presença de rasgos ou furos antes e depois de colocadas, devendo ser trocadas, caso isso ocorra. •  Se as luvas se esgarçarem ou rasgarem durante o tratamento de um paciente, devem ser removidas e eliminadas, lavando-se as mãos antes de reenluvá-las. •  Se ocorrerem acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes, as luvas devem ser removidas e eliminadas, as mãos devem ser lavadas e o acidente comunicado. •  Superfícies ou objetos fora do campo operatório NÃO podem ser tocados por luvas usadas no tratamento do paciente. Recomenda-se a utilização de SOBRE-LUVAS ou pinças esterilizadas. •  Em procedimentos cirúrgicos demorados ou com sangramento intenso, está indicado o uso de dois pares de luvas. •  Luvas usadas não devem ser lavadas ou reutilizadas.

Técnica para a colocação das luvas esterilizadas •  Colocar o pacote sobre uma mesa ou superfície lisa, abrindo-o sem contaminá-lo. Expor as luvas de modo que os punhos fiquem voltados para si. •  Retirar a luva esquerda (E) com a mão direita, pela dobra do punho. Levantá-la, mantendo-a longe do corpo, com os dedos da luva para baixo. Introduzir a mão esquerda, tocando apenas a dobra do punho.

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•  Introduzir os dedos da mão esquerda enluvada sob a dobra do punho da luva direita (D). Calçar a luva direita, desfazendo a seguir a dobra até cobrir o punho da manga do avental. •  Ajustar os dedos de ambas as mãos. •  Após o uso, retirar as luvas puxando a primeira pelo lado externo do punho, e a segunda pelo lado interno.

1.17.2  Máscaras Durante o tratamento de qualquer paciente, deve ser usada máscara na face para proteger as mucosas nasais e bucais da exposição ao sangue e saliva. A máscara deverá ser descartável e apresentar camada dupla ou tripla, para filtração eficiente.

Normas para a utilização •  As máscaras devem ser colocadas após o gorro e antes dos óculos de proteção. •  As máscaras devem adaptar-se confortavelmente à face, sem tocar lábios e narinas. •  Não devem ser ajustadas ou tocadas durante os procedimentos. •  Devem ser trocadas entre os pacientes e sempre que se tornarem úmidas, quando dos procedimentos geradores de aerossóis ou respingos, o que diminui sua eficiência. •  Não devem ser usadas fora da área de atendimento, nem ficar penduradas no pescoço. •  Devem ser descartadas após o uso. •  As máscaras devem ser removidas enquanto o profissional estiver com luvas. Nunca com as mãos nuas. •  Para sua remoção, as máscaras devem ser manuseadas o mínimo possível e somente pelos bordos ou cordéis, tendo em vista a pesada contaminação. •  O uso de protetores faciais de plástico NÃO exclui a necessidade da utilização das máscaras. •  Máscaras e óculos de proteção não são necessários no contato social, tomada da história clínica, medição da pressão arterial ou procedimentos semelhantes.

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1.17.3  Óculos de proteção Normas para a utilização •  Óculos de proteção com vedação lateral ou protetores faciais de plástico, devem ser usados durante o tratamento de qualquer paciente, para proteção ocular contra acidentes ocupacionais (partículas advindas de restaurações, placa dentária, polimento) e contaminação proveniente de aerossóis ou respingos de sangue e saliva. •  Os óculos de proteção também devem ser usados quando necessário no laboratório, na desinfecção de superfícies e manipulação de instrumentos na área de lavagem. •  Óculos e protetores faciais não devem ser utilizados fora da área de trabalho. •  Devem ser lavados e desinfetados quando apresentarem sujidade

1.17.4  Batas ou jalecos Sempre que houver possibilidade de sujar as roupas com sangue ou outros fluidos orgânicos, devem ser utilizadas vestes de proteção, como batas (reutilizáveis ou descartáveis), ou aventais para laboratório sobre elas.

Normas para a utilização •  A bata fechada, com colarinho alto e mangas longas é a que oferece a maior proteção. •  As batas devem ser trocadas pelo menos diariamente, ou sempre que contaminados por fluidos corpóreos. •  As batas utilizadas devem ser retiradas na própria clínica e, com cuidado, colocados em sacos de plástico, para o procedimento posterior (limpeza ou descarte). Com essa atitude, evita-se a veiculação de microrganismos da clínica para outros ambientes, inclusive o doméstico.

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1.17.5  Gorros Os cabelos devem ser protegidos da contaminação através de aerossóis e gotículas de sangue e saliva, principalmente quando de procedimentos cirúrgicos, com a utilização de gorros descartáveis, que devem ser trocados quando houver sujidade visível

1.18  Aprender sobre a higienização das mãos Lavagem e cuidado das mãos A lavagem de mãos é obrigatória para todos os componentes da equipe de saúde; O lavatório deve contar com: a) dispositivo que dispense o contato de mãos quando do fechamento da água; b) toalhas de papel descartáveis ou compressas estéreis; c) sabonete líquido antimicrobiano; Nenhuma outra medida de higiene pessoal tem impacto tão positivo na eliminação da infecção cruzada na clínica odontológica quanto à lavagem das mãos. A lavagem simples das mãos, ou lavagem básica das mãos, que consiste na fricção com água e sabão, é o processo que tem por finalidade remover a sujidade e a microbiota transitória (constituída por contaminantes recentes adquiridos do ambiente e que ficam na pele por períodos limitados). A lavagem das mãos deve ser realizada: •  no início do dia; •  antes e após o atendimento do paciente; •  antes de calçar as luvas e após removê-las; •  após tocar qualquer instrumento ou superfície contaminada; •  antes e após utilizar o banheiro; •  após tossir, espirrar ou assoar o nariz; •  ao término do dia de trabalho.

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Técnica para lavagem das mãos 1. remover anéis, alianças, pulseiras e relógio; 2. umedecer as mãos e pulsos em água corrente; 3. dispensar sabão líquido suficiente para cobrir mãos e pulsos; 4. ensaboar as mãos. Limpar sob as unhas; 5. esfregar o sabão em todas as áreas, com ênfase particular nas áreas ao redor das unhas e entre os dedos, por um mínimo de 15 segundos antes de enxaguar com água fria. 6. obedecer à seguinte seqüência: palmas das mãos; dorso das mãos; espaços entre os dedos; polegar;articulações; unhas e pontas dos dedos e punhos. 7. repetir o passo anterior; 8. secar completamente, utilizando toalhas de papel descartáveis.

Antissepsia das Mãos É o processo utilizado para destruir ou remover microrganismos das mãos, utilizando antissépticos. Realizada antes de procedimentos cirúrgicos e de procedimentos de risco. Soluções utilizadas: •  solução de digluconato de clorexidina a 2 ou 4% com detergente; •  solução de PVPI 10%, com 1% de iodo livre, com detergente; •  solução de álcool etílico 77% (v/v), contendo 2% de glicerina Stiers et al., 1995; Guandalini, 1999

LEITURA http://pt.wikipedia.org/wiki/Louis_Pasteur https://www.youtube.com/watch?v=EnlBK8WjMwk https://www.youtube.com/watch?v=u9rAOfI5Mf4

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMABIS, JOSÉ MARIANO E MARTHO, GILBERTO RODRIGUES. Biologia das células: origem da vida, citologia, histologia, embriologia, 1 ed, Editora Moderna, 1194, págs 9846-9947. ILDEU DE CASTRO MOREIRA. Robert Hooke 1635-1703, (Físico, professor do Instituto de Física da UFRJ e Jornalista da Folha de SP), 2003 RIEDEL S. Edward Jenner and the history of smallpox and vaccination. Proc (Bayl Univ Med Cent). 2005 Jan;18(1):21-5. TRABULSI, ALTERTHUM. Microbiologia. 5 ed. São Paulo: Atheneu, 2008. PELCZAR, CHAN, KRIEG. Microbiologia: conceitos e aplicacoes. 2 ed. São Paulo: Makron, 1997. MIMIS. Microbiologia Médica. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005. CIÊNCIAS ,SAÚDE -MANGUNHOS,03(03):485-504. COSTA,M.F. Biossegurança. Segurança química básica em biotecnologia e ambientes hospitalares. S. Paulo. Santos Ed.,1996.1 ed. FREITAS, C.M. & GOMEZ,C.M.. Análise de Riscos Tecnológicos na Perspectiva das Ciências Sociais . HISTÓRIA, 1997. GUANDALINI, S. L.; MELO, N. S. F. O.; SANTOS, E. C. P. Biossegurança em odontologia. Curitiba: Odontex, 1999, 161 p MARTINS, M. A. Manual de infecção hospitalar: epidemiologia, prevenção, controle. 2 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2001. 1116 p. MORIYA T, MÓDENA JLP. Assepsia e antissepsia: técnicas de esterilização. Medicina, Ribeirão Preto, v. 41, n. 3, p. 265-73, 2008. SPAULDING E H. Chemical disinfection of medical and surgical materials. In: BLOCK, S S. Disinfection,sterilization and preservation. Lea Fabiger. Philadelphia. 1968;517-531 STEFANI,C, M.; ARAÚJO, D, M.;ALBUQUERQUE,S, H, C,. Normas e rotinas para o atendimento clínico no Curso de Odontologia da UNIFOR – Fortaleza: 2002. 80p STIERS,C.J.N. et al. Rotinas em controle de infecção hospitalar. Curitiba, Netsul, 1995. TEIXEIRA, P. & VALLE,S. Biossegurança .Uma abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998. 1.

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2 Características das Bactérias

OBJETIVOS •  Conhecer as características gerais dos diferentes grupos de microrganismos; •  Conhecer a morfologia das bactérias, fungos e vírus; •  Reconhecer os mecanismos bacterianos de Patogenicidade; •  Identificar as Síndromes Infecciosas.

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2.1  Características gerais das bactérias •  São seres unicelulares, aparentemente simples, sem carioteca, ou seja, sem membrana nuclear. Há um único compartimento, o citoplasma. •  O material hereditário, uma longa molécula de DNA, está enovelado na região, aproximadamente central, sem qualquer separação do resto do conteúdo citoplasmático. Suas paredes celulares, quase sempre, contêm o polissacarídeo complexo peptideoglicano. •  Usualmente se dividem por fissão binária. Durante este processo, o DNA é duplicado e a célula se divide em duas. A seguir, você irá estudar mais detalhadamente as características de maior importância para o entendimento das aulas seguintes.

Tamanho Invisíveis a olho nu, só podendo ser visualizada com o auxílio do microscópio, as bactérias são normalmente medidas em micrômetros (μm), que são equivalentes a 1/1000mm (10-3mm). As células bacterianas variam de tamanho dependendo da espécie, mas a maioria tem aproximadamente de 0,5 a 1μm de diâmetro ou largura.

Morfologia Há uma grande variedade de tipos de bactérias e suas formas variam, dependendo do gênero da bactéria e das condições em que elas se encontram. Apresentam uma das três formas básicas: cocos, bacilos e espirilos. Cocos – são células geralmente arredondadas, mas podem ser ovoides ou achatadas em um dos lados quando estão aderidas a outras células. Os cocos quando se dividem para se reproduzir, podem permanecer unidos uns aos outros, o que os classificam em: Diplococos – são os que permanecem em pares após a divisão. Estreptococos - são aqueles que se dividem e permanecem ligados em forma de cadeia. Tétrades – são aqueles que se dividem em dois planos e permanecem em grupos de quatro.

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Estafilococos - são aqueles que se dividem em múltiplos planos e formam cachos (forma de arranjo). Sarcinas - são os que se dividem em três planos, permanecendo unidos em forma de cubo com oito bactérias. Bacilos – são células cilíndricas ou em forma de bastão. Existem diferenças consideráveis em comprimento e largura entre as várias espécies de bacilos. As porções terminais de alguns bacilos são quadradas, outras arredondadas e, ainda, outras são afiladas ou pontiagudas.

2.2  Estruturas bacterianas Com a ajuda do microscópio, podemos observar uma diversidade de estruturas, funcionando juntas numa célula bacteriana. Algumas dessas estruturas são encontradas externamente fixadas à parede celular, enquanto outras são

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internas. A parede celular e a membrana citoplasmática são comuns a todas as células bacterianas.

Parede celular A parede celular é uma estrutura rígida que mantém a forma característica de cada célula bacteriana. A estrutura é tão rígida que mesmo altas pressões ou condições físicas adversas raramente mudam a forma das células bacterianas. É essencial para o crescimento e divisão da célula. As paredes celulares das células bacterianas não são estruturas homogêneas, apresentam camadas de diferentes substâncias que variam de acordo com o tipo de bactéria. Elas diferem em espessura e em composição. Além de dar forma à bactéria, a parede celular serve como barreira para algumas substâncias, previne a evasão de certas enzimas, assim como a entrada de certas substâncias químicas e enzimas indesejáveis, que poderiam causar danos à célula. Nutrientes líquidos necessários à célula têm passagem permitida.

Membrana citoplasmática Localiza-se imediatamente abaixo da parede celular. A membrana citoplasmática é o local onde ocorre a atividade enzimática e do transporte de moléculas para dentro e para fora da célula. É muito mais seletiva à passagem de substâncias externas que a parede celular.

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2.3  Estruturas externas a parede celular Glicocálice Significa revestimento de açúcar – é um envoltório externo à membrana plasmática que ajuda a proteger a superfície celular contra lesões mecânicas e químicas. É composto de moléculas de açúcar associadas aos fosfolipídios e às proteínas dessa membrana. O glicocálice bacteriano é um polímero viscoso e gelatinoso que está situado externamente à parede celular. Na maioria dos casos, ele é produzido dentro da célula e excretado para a superfície celular. O glicocálice é descrito como uma cápsula. Em certas espécies, as cápsulas são importantes no potencial de produção de doenças da bactéria. As cápsulas, frequentemente, protegem as bactérias patogênicas da fagocitose pelas células do hospedeiro.

Flagelos e cílios Flagelo significa chicote – longo apêndice filamentoso que serve para locomoção. Se as projeções são poucas e longas em relação ao tamanho da célula, são denominados flagelos. Se as projeções são numerosas e curtas lembrando pelos, são denominados cílios. Existem quatro tipos de arranjos de flagelos, que são: •  Monotríquio (um único flagelo polar). •  Anfitríquio (um único flagelo em cada extremidade da célula). •  Lofotríquio (dois ou mais flagelos em cada extremidade da célula). •  Peritríquio (flagelos distribuídos por toda célula). As bactérias móveis contêm receptores em várias localizações, como dentro ou logo abaixo da parede celular. Estes receptores captam os estímulos químicos, como o oxigênio, a ribose e a galactose. Em resposta aos estímulos, a informação é passada para os flagelos. Se um sinal quimiotático (estímulo químico) é positivo, denominado atraente, as bactérias se movem em direção ao estímulo com muitas corridas e poucos desvios. Se um sinal é negativo, denominado repelente, a frequência de desvios aumenta à medida que a bactéria se move para longe do estímulo.

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Filamentos axiais São feixes de fibrilas que se originam nas extremidades das células e fazem uma espiral em torno destas. A rotação dos filamentos produz um movimento que propele as espiroquetas (bactérias que possuem estrutura e motilidade exclusiva) como a Treponema pallidum, o agente causador da sífilis, em um movimento espiral. Este movimento é semelhante ao modo como o saca-rolha se move, permitindo que as bactérias se movam efetivamente através dos tecidos corporais.

Fimbrias e pili São apêndices semelhantes a pelos mais curtos, mais retos e mais finos que os flagelos, são usados para fixação em vez de motilidade. Essas estruturas, que distribuídas de modo helicoidal em torno de um eixo central, são divididas em fimbrias e pili, possuindo funções diversas. As fimbrias permitem as células aderir às superfícies, incluindo as de outras células. As fimbrias de bactérias Neisseria gonorhoeae, o agente causador da gonorreia, auxiliam o micróbio a colonizar as membranas mucosas e uma vez que a colonização ocorre, as bactérias podem causar doenças. Os pili (singular pilus), normalmente, são mais longos que as fimbrias, havendo apenas um ou dois por célula. Os pili unem-se as células.

Área nuclear ou nucleoide Contém uma única molécula circular longa de DNA de dupla fita, o cromossomo bacteriano. É a formação genética da célula que transporta toda informação necessária para as estruturas e as funções celulares.bacterianas na preparação para transferência de DNA de uma célula para outra.

Ribossomos Servem como locais de síntese proteica. São compostos de duas subunidades, cada qual consistindo de proteínas e de um tipo de RNA denominado ribossômico (RNAr). Os ribossomos procarióticos diferem dos eucarióticos no número de proteínas e de moléculas de RNA. Devido a essa diferença, a célula microbiana pode ser morta pelo antibiótico, enquanto a célula do hospedeiro eucariótico permanece intacta.

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Esporos Os esporos se formam dentro da célula bacteriana, chamada de endósporos, são exclusivos de bactérias. São células desidratadas altamente duráveis, com paredes espessas e camadas adicionais. Os gêneros Bacillus e Clostridium podem apresentar esporos, estruturas que constituem formas de defesa e não devem ser confundidas com unidades reprodutivas. Na forma de esporos, essas bactérias têm a capacidade de resistir à ação de agentes químicos diversos, às temperaturas inadequadas, aos meios de radiação, ácidos e outras condições desfavoráveis.

Plasmídeos São moléculas de DNA de dupla fita pequenas e circulares. Não estão conectados ao cromossomo bacteriano principal e replicam-se, independentemente, do DNA cromossômico. Podem ser ganhos ou perdidos sem lesar a celular e transferidos de uma bactéria para outra. Podem transportar genes para atividades como a resistência aos antibióticos, tolerância aos metais tóxicos, produção de toxinas e síntese de enzimas. Quanto mais alto o peso molecular maior será sua importância. Cada plasmídeo tem uma função própria, os que não têm função são crípticos e apresentam baixo peso molecular.

Reprodução Quando os microrganismos estão em um meio apropriado (alimentos, meios de cultura, tecidos de animais ou plantas) e em condições ótimas para o crescimento, um grande aumento no número de células ocorre em um período de tempo relativamente curto. A reprodução das bactérias se dá, principalmente, de forma assexuada, em que novas células iguais a que deu origem são produzidas. As bactérias se reproduzem assexuadamente por fissão binária, na qual uma única célula parental simplesmente se divide em duas células filhas idênticas. Anteriormente à divisão celular, os conteúdos celulares se duplicam e o núcleo é replicado. O tempo de geração, ou seja, o intervalo de tempo requerido para que cada microrganismo se divida ou para que a população de uma cultura duplique em número é diferente para cada espécie e é fortemente influenciado pela composição nutricional do meio em que o microrganismo se encontra.

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Alguns procariotos se reproduzem assexuadamente por modelos de divisão celular diferentes da fissão binária, tais como: A célula-mãe expele, de forma lenta, uma célula-filha que

BROTAMENTO

brota de maneira a originar uma nova bactéria. As célulasfilhas podem se manter agregadas às células-mães, após sucessivos brotamentos forma-se uma colônia.

FRAGMENTAÇÃO FORMAÇÃO DE ESPOROS

Formação de filamentos, cada um deles inicia o crescimento de uma nova célula. Ex. Nocardia sp

Produção de cadeias de esporos externos.

Divisão das bactérias As bactérias são divididas em dois grandes grupos: as eubactérias e as arqueobactérias. As eubactérias apresentam composição da parede celular diferente das arqueobactérias, frequentemente aparecem aos pares, em cadeias, formando tétrades ou agrupadas. Algumas apresentam flagelos, favorecendo seu deslocamento rapidamente em líquidos. São de grande importância na natureza

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e na indústria, sendo essenciais na reciclagem de lixo orgânico e na produção de antibiótico como a streptomicina. As infecções causadas pelas eubactérias incluem as streptocócica de garganta, tétano, peste, cólera e tuberculose. As arqueobactérias assemelham-se as eubactérias quando observadas por meio de um microscópio, mas existem diferenças importantes quanto a sua composição química, à atividade e ao meio ambiente em que se desenvolvem tais como em elevada concentração de salina ou acidez elevada e altas temperaturas a exemplo de piscinas térmicas e lagoas salinas.

2.4  Mecanismos de resistência bacteriana Desde que Alexander Fleming descobriu o primeiro antibiótico, a penicilina, em 1928, o homem e a bactéria disputam uma corrida e a liderança da competição vem se alterando o tempo todo. A previsão, porém, é de que os antibióticos, as drogas milagrosas do século XX, terminem vencidos pela bactéria, um dos seres mais primitivos na face da Terra. Se isso de fato acontecer, a humanidade fará uma viagem no tempo em marcha ré: voltará a era em que as mulheres morriam de parto por causa de contaminação no sangue, quando uma simples infecção de ouvido infantil podia se transformar numa terrível meningite e pequenos cortes, as vezes, provocavam até complicações fatais. O uso indiscriminado (abusivo) dos antibióticos desde sua industrialização promoveu uma seleção natural das bactérias patogênicas (causadoras de doenças). Por isso as populações atuais desses micróbios são bastante resistentes aos medicamentos. Muitas vezes torna-se quase impossível combatê-las e para tanto é preciso usar antibióticos tão poderosos que causam problemas ao próprio paciente, como danos ao fígado ou tecido ósseo.

2.5  Desenvolvimento de resistência Antes do desenvolvimento dos antibióticos, as infecções bacterianas sistêmicas eram tão sérias e tão temidas, quanto a AIDS, o é, nos dias de hoje, pois eram uma das principais causas de morte.

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Por mais de 50 anos, os antibióticos são empregados (na indústria, agricultura, pecuária e mesmo nos ambientes domésticos), para tratar ou inibir de forma rápida e eficaz a maioria das infecções comuns. Considerados como drogas milagrosas, em 1954, foram fabricadas 1000 toneladas de antibióticos, contra uma produção atual estimada em mais de 25 mil. No entanto, não houve atenção para as conseqüências adversas de seu uso indiscriminado, como ocorre ainda hoje, certa indiferença sobre qualquer problema potencialmente sério, relacionado a esses fármacos, porque assim como os antimicrobianos podem ser prescritas em tratamentos subterapêuticos, ou em superdoses, as bactérias são estimuladas a adquirir nova força em um processo seletivo. "A resistência é o preço a pagar para se ter e usar um antibiótico, pois a natureza rejeita o vácuo e fará o possível para preenchê-lo.” Os custos dos tratamentos com antimicrobianos respondem por 20 a 60% dos gastos com aquisição de medicamentos da maioria dos hospitais. Quando a política administrativa pressiona para a aquisição de antimicrobianos mais baratos, os gastos gerados para tratar os micro-organismos resistentes podem inviabilizar qualquer dotação orçamentária, pelo prolongamento do tempo de internação para o tratamento destas cepas, que muitas vezes tornam-se endêmicas nos hospitais, além de gerar o desgaste profissional, pela impotência da equipe de saúde em obter sucesso no tratamento de pacientes que adquirem essas infecções. A resistência à antibióticos é um problema que está se agravando, pelo desenvolvimento de micro-organismos, extremamente difíceis de se tratar. Para o paciente, a resistência antimicrobiana resulta no aumento da morbidade, e da mortalidade. Para a instituição, no aumento dos custos da assistência à saúde. A prescrição de antibióticos para infecções de etiologia viral, que não necessitam tratamentos, potencializa certamente o desenvolvimento da resistência. São empregados também, rotineiramente, antibióticos de amplo espectro, em casos onde um outro fármaco mais simples seria suficiente, para erradicar a infecção. As bactérias possuem um número notável de mecanismos genéticos para desenvolvimento de resistência aos antimicrobianos: podem sofrer mutação cromossômica, manifestar um gene latente de resistência cromossomal, adquirir novo material de resistência genética através de troca direta de DNA por conjugação, através de bacteriófago (transdução), através de plasmídeo

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extracromossomal de DNA (também por conjugação), ou ainda por aquisição de DNA, via transformação. Não é incomum para uma única cepa de bactéria encontrada em um hospital, possuir vários desses mecanismos de resistência simultaneamente. Outros fatores que contribuem para o surgimento de resistência incluem a severidade crescente da doença, o aumento do comprometimento do sistema imunológico, as intervenções invasivas, a transferência de pacientes entre clínicas, a falha nos procedimentos de controle de infecção e as precauções de isolamento ineficazes. Verifica-se na prática clínica, que, quando os pacientes não respondem a um antimicrobiano particular, a resposta de muitos médicos, simplesmente é substituir a droga e analisar seu êxito, ou sua ineficácia. O emprego de alternativas terapêuticas sem embasamento nos testes bacteriológicos primários, ou sem uma pesquisa nos dados da literatura médica, promove ou potencializa a resistência aos antimicrobianos. O surgimento da resistência à antibióticos, é uma consequência direta de seu emprego, e a resistência é, então, estabelecida pela pressão seletiva mostrada por estes fármacos. Esse uso indiscriminado de antimicrobianos sobre certas cepas bacterianas traz como consequência inevitável, o desenvolvimento de sua resistência. Para aqueles antibióticos que são derivados de produtos naturais, a resistência está relacionada à aquisição de genes codificadores de enzimas que inativam o antibiótico, como as betalactamases, modificam seu alvo, como a produção de PBP's (Penicilin Binding Proteins) modificadas, ou promovem o efluxo ativo do antibiótico, como os macrolídios. Crê-se que esses genes de resistência desenvolveram-se há centenas de milhões de anos nas bactérias do solo, com a finalidade de proteger contra os antibióticos produzidos por outras bactérias do solo, ou contra seus próprios antibióticos. Segundo Stuart B. Levy, presidente da Aliança para Uso Prudente dos Antibióticos (APUA), a resistência pode ocorrer eventualmente para todos os antibióticos. No processo inicial de desenvolvimento de resistência bacteriana hospitalar, as bactérias ambientais recebem tratamento antimicrobiano em doses limitadas, suficientes para impedir, na maioria dos casos, que um paciente

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manifeste sinais de infecção. No entanto, com o passar do tempo, o grau de resistência e o número de bactérias resistentes aumentam, invertendo o quadro a favor das bactérias. Este processo genético e anormal de aquisição de resistência, não permite que a mesma desapareça, quando estabelecida.

2.6  Mecanismos genéticos de resistência Resistência Plasmidial Além do DNA cromossômico, as células bacterianas podem conter pequenas moléculas circulares de DNA denominadas plasmídios. Certos plasmídios possuem genes responsáveis pela síntese de enzimas que destrõem um antibiótico antes que ele destrua a bactéria. São os chamados plasmídios R (de resistência aos antibióticos). Eles também possuem genes que permitem sua passagem de uma bactéria para outra (fator F). Quando dois ou mais tipos de plasmídios R estão presentes em uma mesma bactéria, os genes de um deles podem passar para outro por recombinação gênica: conjugação, transformação e transdução. Esse mecanismo faz com que surjam plasmídios R portadores de diversos genes para resistência a diferentes antibióticos. Os plasmídios podem estar integrados no cromossomo, sendo capazes de transferir genes cromossômicos. Muitos são promíscuos, isto é, passam o gene de resistência para espécies não aparentadas geneticamente.

Resistência Cromossômica. Como a resistência cromossômica depende de mutação espontânea, evento raro, ela é dirigida quase sempre a uma só droga e os genes são transferidos com freqüência relativamente baixa. Por isso, seu impacto clínico é menor que o da resistência plasmidial. Não podemos nos esquecer ainda , que bactérias sensíveis podem receber, de graça, genes cromossômicos mutantes de bactérias já resistentes, através dos processos de transformação, conjugação e transdução.

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Transposons Descobriu-se em 1974 que grande parte dos genes de resistência considerados plasmidiais ou cromossômicos estão localizados sobre transposons e apresentam as propriedades destes: disseminação rápida dentro da célula ou entre célula. Os transposons são segmentos de DNA com grande mobilidade, eles codificam a enzima transposase - responsável por sua transferência para outros segmentos de DNA. Eles são promíscuos: criam as variações invadindo diversos sítios do DNA hospedeiro, mas às vezes exageram, produzindo mutações letais.

2.7  Mecanismos de reprodução em bactérias Conjugação É a transferência de material genético (DNA plasmidial e/ou do cromossomo) entre duas bactérias através de um tubo de conjugação. Na conjugação bacteriana duas bactérias unem-se temporariamente através de uma ponte citoplasmática. Em uma das células, denominada "doadora” ou macho”, ocorre a duplicação de parte do cromossomo. “Essa parte duplicada separa-se e, através da ponte citoplasmática, passa para outra célula, denominada “receptora” ou fêmea”, unindo-se ao cromossomo dessa célula receptora. Esta ficará, então, com constituição genética diferente daquela das duas células iniciais. Essa bactéria "recombinante" pode apresentar divisão binária, dando origem a outras células iguais a ela. Como regra geral, em qualquer mecanismo de recombinação gênica nas bactérias, somente uma fração do cromossomo da bactéria doadora é transferida para a bactéria receptora. A fração doada corresponde a uma porção duplicada do cromossomo.

Transdução É a transferência de material genético entre duas bactérias feitas por um vírus bacteriófago.

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Transformação É a incorporação de um material genético livre no meio por uma célula bacteriana.

Atuação dos Antibióticos Medicamentos que revolucionaram a história da medicina, protegendo o homem do ataque de bactérias antes mortais, os antibióticos são hoje um instrumento indispensável na guerra mundial contra as doenças infecciosas bacterianas. Mas infectologistas do mundo todo estão cada vez mais preocupados com o uso inadequado dessas substâncias, a partir da automedicação ou do desconhecimento sobre o mecanismo de ação dos antibióticos, cuja pior conseqüência é a criação das chamadas superbactérias, microorganismos para os quais dificilmente existe cura. Uma associação internacional que visa alertar os médicos e a população em geral para os problemas decorrentes do mau uso dos antibióticos, a Aliança para o Uso Prudente de Antibióticos, tem agora uma regional no Brasil. De tempos em tempos, dá-se o alerta: identificou-se no hospital y, na maternidade x ou em determinada comunidade uma cepa de bactérias que resiste a qualquer dos antibióticos conhecidos. Normalmente eliminadas por uma das oito classes de antibióticos conhecidas, bactérias até então comuns tornam-se imbatíveis, praticamente imortais. E doenças que eram debeladas com o tratamento adequado transformam-se em moléstias fatais. “Em situações de multirresistência microbiana, é o como se voltássemos à era pré-antibiótica, quando os médicos não podiam intervir na evolução natural de uma infecção”. A resistência bacteriana é responsável por um importante aumento na morbidade e na mortalidade das doenças infecciosas e mesmo de outros tipos de patologias que evoluem com um quadro infeccioso. A resistência bacteriana é responsável também por um grande aumento nos custos diretos e indiretos envolvidos no tratamento das infecções - que se tornam mais severas e prolongadas, aumentando assim o tempo de internação e o afastamento do paciente de suas atividades. Uma das bactérias que acabaram se tornando monstruosas por causa do uso repetidamente inadequado de antibiótico é justamente a da tuberculose, a Mycobacter tuberculosis, que se transmite de pessoa.

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Isso explica os recentes picos de incidência da moléstia em países onde ela parecia ter sido controlada, como o Brasil e até os Estados Unidos. Em geral, um paciente tuberculoso precisa tomar os antibióticos indicados por um período médio de seis meses, ininterruptamente. Como os remédios não são isentos de efeitos colaterais e os sintomas desaparecem muito antes do prazo de tratamento, boa parte dos pacientes deixa de tomar os antibióticos por sua conta e risco. O resultado? “O objetivo do tratamento antibiótico não é eliminar os sintomas, mas as bactérias. Se o tratamento é interrompido antes do prazo, as bactérias que ainda estão vivas, que são justamente as mais fortes, estão prontas para um novo ataque".

Bactericidas Atuam na membrana plasmática ou parede celular bacteriana, inibindo sua síntese e provocando sua destruição. Como exemplo, temos os antibióticos penicilina, cefalosporina e vancomicina que atuam sobre as enzimas responsáveis pela síntese da parede. A bactéria pode adquirir resistência produzindo enzimas (transferases e betalactamases), que alteram ou degradam drogas, por inibição da permeabilidade da membrana plasmática e pelo efluxo de drogas - bombeamento de drogas para fora da célula.

Bacteriostáticos Atuam sobre o material genético bacteriano (cromossomo e plasmídio) bloqueando a replicação do DNA e a transcrição. Atuam também sobre os ribossomos, RNA mensageiro e transportador bloqueando a síntese de proteínas. Dessa forma, as bactérias ficam estáticas e morrem.

2.8  Mecanismos bacterianos de patogenicidade A capacidade que tem um agente infeccioso tem de, uma vez instalado no organismo do homem e de outros animais, produzir sintomas em maior ou menor

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proporção, chama-se patogenicidade. Portanto, microrganismos patogênicos são aqueles capazes de causar enfermidades em condições apropriadas. O grau de patogenicidade dentro de um determinado gênero ou espécie È chamado de virulência. A virulência não está• atribuída a um único fator, e sim, pode depender•de vários fatores relacionados com o microrganismo, ao hospedeiro e á interação entre os dois. A virulência envolve duas características de um microrganismo patogênico: infecciosidade (capacidade de poder iniciar uma infecção) e a gravidade de condição da infecção. Podemos caracterizar as cepas em: com alto grau de virulência, com médio grau de virulência ou sem virulência (avirulentas), dentro de um gênero ou espécies de microrganismos que na maioria das vezes são considerados patogênicos.

Como se inicia a Patogenicidade? Para se estabelecer um processo infeccioso, o microrganismo dever•penetrar no hospedeiro e iniciar uma infecção. A capacidade do microrganismo de se aderir e sobreviver nas superfícies das mucosas do hospedeiro leva ao primeiro contato. A união dos microrganismos em superfícies epiteliais, muitas das vezes não invade os tecidos mais profundos. Nesses casos, uma ou mais toxinas produzidas pelo patógeno são responsáveis pela patologia. Os microrganismos aderem ás células das mucosas epiteliais e em seguida atravessam esta barreira, posteriormente se multiplicarão em tecidos subepiteliais, causando a destruirão dos tecidos. Há organismos altamente invasivos que podem aderir e atravessar a superfície epitelial, multiplicando-se e invadindo tecidos mais profundos, podendo eventualmente chegar se corrente sanguínea e causar infecção generalizada. Existem bactérias que se aderem, invadem, multiplicam-se, e se adaptam para continuarem no hospedeiro, mas normalmente dentro das células do sistema reticuloendotelial. Ex.: Micobactérias. Há algumas bactérias que são especificas, pois infectam um determinado tipo de tecido. O Streptococcus pneumoniae, por exemplo, pode habitar a garganta e a nasofaringe, mas quando causa doença, infecta preferencialmente o trato respiratório inferior. A afinidade tecidual pode estar relacionada com a presença de receptores específicos para aderência bacteriana ou se há a

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presença de nutrientes. Temos como exemplo da dependência nutricional, a Brucella abortus, que causa abortos contagiosos no gado. Esta bactéria necessita do •ácool-açucar eritritol, que está presente em elevadas concentrações nos tecidos uterinos e placentários bovinos, logo, esse microrganismo poderá habitar o trato genital bovino devido a essa preferência nutricional.

2.9  Fatores de virulência Adesão Capacidade das bactérias de se fixar nas células e tecidos do organismo. A adesão se dá pela presença de estruturas da superfície da célula bacteriana, definida como adesinas. As adesinas funcionam quando interagem com os receptores que existem no organismo. Estes receptores se localizam na superfície da célula ou são proteínas da matriz extracelular. As adesinas bacterianas incluem fimbrias, componentes da cápsula, ácidos lipoteicoicos das bactérias Gram-positivas, Gram-negativas, ou outro antígeno de superfície celular. As bactérias podem se aderir, por exemplo, a superfícies de vasos sanguíneos ou a diferentes dispositivos plásticos usados em medicina, onde formam os chamados biofilmes. Estes são microcolônias ou agregados bacterianos que são envolvidos por uma película de exopolissacarídeos produzida pela bactéria que se forma na superfície dos dispositivos plásticos, quando colocados no organismo. Funcionam como uma fonte permanente de bactérias que podem causar infecção em Órgãos distintos. Nos biofilmes, as bactérias estão bem resguardadas das defesas do organismo e da ação dos antimicrobianos. Estes podem se formar tanto em superfícies plásticas quanto em mucosas (fibrose cística), nos dentes (placa dentária) e nas tubulações em geral.

Invasão Alem de aderir, as bactérias também podem invadir diferentes células do nosso organismo para causar infecção. A penetração bacteriana nas células do organismo se dá pelo processo que chamamos de fagocitose (defesa inata mais eficiente). Há dois tipos de fagocitose: uma È exercida por células fagocitárias e a outra

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pelas células epiteliais ou células não fagocitárias. A fagocitose exercida pelas células fagocitárias é um processo que acontece naturalmente, com o objetivo de proteger o organismo da bactéria. A fagocitose causada por células epiteliais ou por células não fagocitárias é induzida pela bactéria, e tem como objetivo protegê-las das defesas do organismo. Quanto aos mediadores das duas fagocitoses, temos, na fagocitose natural, o auxilio de anticorpos e do complemento. Já na fagocitose induzida, temos a ação de diferentes proteínas, chamadas de invasinas. As invasinas podem se localizar na membrana externa da bactéria ou podem ser introduzidas no citosol. Podemos dizer que ambos os tipos de fagocitose envolvem o citoesqueleto de actina, tanto nas células fagocitárias como nas não fagocitárias, com projeções de extensões celulares chamadas pseudópodos, que envolvem a célula bacteriana em vacúolos. Cada bactéria invasora é dotada de diferentes mecanismos próprios de invasão e estes servirão ao propósito de cada uma delas. As respostas das células do nosso organismo podem ser várias, as que mais conhecemos incluem a produção de citocinas e prostaglandinas. As citocinas, também chamadas de interleucinas, são produzidas por macrófagos ativados e estimulam o amadurecimento do linfócito. Já as prostaglandinas podem causar morte celular por necrose (diminuição de nutrientes) ou por apoptose (morte celular programada). Com relação ás bactérias, o mais importante È a necessidade de regular a expressão dos seus genes de virulência para se adaptarem aos organismos onde vivem. Bactérias intra e extracelulares O crescimento e a multiplicarão de células bacterianas podem ocorrer dentro (intracelular) ou fora (extracelular) das células do nosso organismo. Algumas bactérias são classificadas como intracelulares obrigatórias, por precisarem de nutrientes produzidos pela célula hospedeira. Sua localização intracelular permite que sejam protegidas de anticorpos, da fagocitose e de alguns antimicrobianos.

Sideróforos Íons metálicos, como o ferro, estão entre as necessidades do metabolismo bacteriano. Os sideróforos são compostos de baixo peso molecular que têm grande afinidade por ferro e formam complexos importantes para as células. Dentro das células, o ferro È reduzido a uma forma solúvel (Fe II). O complexo sideróforo-ferro é necessário porque Fe é insolúvel no pH fisiológico e, portanto, não

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pode ser transportado entre células por meio de canais de Ìons. A produção de sideróforos é uma estratégia bastante interessante para as bactérias presentes em nosso corpo. Para que este processo não ocorra, o nosso organismo criou um mecanismo para retirar o ferro dos líquidos corpóreos. Assim, o ferro que existe no sangue está quase que todo ligado á hemoglobina nas células vermelhas (eritrócitos), á transferrina no plasma e á lactoferrina no leite e em outras secreções (lágrima, muco, etc.). Quando se inicia uma infecção, nosso organismo aumenta a produção de proteínas que sequestram a maior quantidade de ferro, tornando-o pouco disponível para a bactéria. Desta forma, bactérias que não competem eficazmente com o hospedeiro pelo ferro disponível são pouco patogênicas e as que secretam os sideróforos (com ferro ligado) possibilitam sua internalização pela célula bacteriana, após ligar-se a receptores específicos.

Toxinas O termo usado em Microbiologia para nomear qualquer substância de origem bacteriana capaz de causar danos no organismo animal. As toxinas bacterianas são classificadas, desde o século XIX, em: endotoxinas e exotoxinas.

Endotoxinas O LPS (lipopolissacarídeo) È a endotoxina presente principalmente na membrana externa de membros da família Enterobacteriaceae. Sua estrutura È composta por três partes: lipídeo A (glicopeptídeo composto de dissacarídeo que se liga aos ácidos graxos), cerne (pequeno número de açucares comuns, como o ácido deoxioctanoico (KDO) e a heptose) e antígeno O (composto formado por uma variedade de resíduos oligossacarídeos, que protegem a bactéria da ação de substâncias hidrofóbicas). O lipídio A é a parte toxigênica das bactérias Gram-negativas, como, por exemplo, Neisseria spp. O LPS induz a liberação de substâncias vasoativas, ativa o sistema complemento pela via alternativa, através da ação sobre o componente C3 (Sistema Complemento), e ativa a cascata de coagulação, provocando obstrução intravascular. Todos estes processos podem resultar em instabilidade cardiovascular e hemodinâmica, levando a uma septicemia. Manifestações semelhantes podem ser causadas por bactérias Gram-positivas, devido a componentes de sua parede bacteriana.

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Exotoxinas As exotoxinas podem ser divididas em três grupos ou tipos: I, II, III. Essa divisão é de acordo ás interações com as células do hospedeiro. •  Grupo I As toxinas pertencentes a este grupo correspondem aos superantígenos e ás toxinas da família ST (termoestáveis). Os superantígenos não sofrem a ação dos macrófagos, mas possuem a capacidade de se ligar ás moléculas de MHC da superfície dos macrófagos e aos receptores na superfície dos linfócitos. Isso permite que haja a produção de grandes quantidades de interleucinas, interferons e outras citocinas por outras células alem dos linfócitos. Um exemplo de bactéria que produz superantígeno é o Staphylococcus aureus. Assim como os superantígenos, as toxinas ST agem somente na superfície das células. As toxinas ST compreendem uma família de pequenos peptídeos não imunogênicos produzidos por algumas bactérias, como, por exemplo, a Escherichia coli. •  Grupo II As toxinas deste grupo têm como característica lesar a membrana citoplasmática, através da formação de poros, que leva a morte da célula. Como os glóbulos vermelhos (hemácias) são as células mais estudadas em relação a essas toxinas, estas receberam o nome de hemolisinas, mas isso não quer dizer que outras células não possam ser lesadas. A virulência dessas toxinas È demonstrada, principalmente, pela capacidade de matarem os fagócitos, rompendo à membrana dos fagossomas, e lisar as hemácias para captura do ferro da hemoglobina. Outros mecanismos também podem estar envolvidos, como a presença de toxinas que retiram o fosfato dos fosfolipídios (fosfolipases), desestruturando a membrana. •  Grupo III Este grupo possui o maior número de toxinas e fatores de virulência, por esse motivo acreditamos ser o grupo mais importante. As toxinas deste grupo

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possuem uma característica comum entre elas, que é a presença das subunidades A e B em sua molécula. A subunidade A corresponde se porção enzimática e ativa da toxina, penetrando na célula e exercendo os efeitos biológicos da toxina (na maioria das vezes, remove a ADP-ribose da NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo) e as transfere para diferentes proteínas das células, que perdem as suas funções normais). A subunidade B (binding) È responsável pela ligação da toxina ao seu receptor celular. Essas toxinas também recebem o nome de toxinas A-B.

Enzimas hidrolíticas Enzimas como hialuronidase, colagenase e proteases são hidrolíticas, sendo capazes de degradarem componentes da matriz extracelular, desorganizando toda a estrutura dos tecidos. Esta degradação forma vários nutrientes que são utilizados pelas bactérias. Dificilmente se consegue distinguir o papel desenvolvido pelos fatores bacterianos daquele desenvolvido pelo processo inflamatório, visto que os fagócitos também produzem enzimas hidrolíticas.

2.10  Características gerais dos fungos Os fungos são organismos eucarióticos, heterotróficos e, geralmente, multicelulares. São encontrados na superfície de alimentos, formando colônias algodonosas e coloridas.

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Os mais conhecidos são os bolores, os cogumelos, as orelhas-de-pau e as leveduras (fermentos). Os fungos, em sua maioria, são constituídos por filamentos microscópicos e ramificados, as hifas. O conjunto de hifas de um fungo constitui o micélio. Os fungos têm nutrição heterotrófica porque necessitam de matéria orgânica, provenientes dos alimentos, para obtenção de seus nutrientes. A maioria vive no solo, alimentando-se de cadáveres de animais, de plantas e de outros seres vivos. Esse modo de vida dos fungos causa o apodrecimento de diversos materiais e por isso são chamados de saprofágicos. Certas espécies de fungos são parasitas e outras vivem em associações harmoniosas com outros organismos, trocando benefícios.

2.11  Características dos fungos em relação às bactérias Os fungos são geralmente adaptados a ambientes que poderiam ser hostis às bactérias. São encontrados na superfície de alimentos formando colônias algodonosas e coloridas. Todavia, diferem das bactérias em determinadas necessidades ambientais e nas características estruturais e nutricionais apresentadas a seguir: •  Apresentam a parede celular com presença de substâncias quitinosas e células com organelas membranosas (mitocôndrias, complexo de golgi, vacúolo).

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•  Não possuem células móveis em todos os estágios do ciclo de vida. •  Reserva de energia na forma de glicogênio. •  Os fungos normalmente crescem melhores em ambientes em que o pH é muito ácido, o qual são desfavoráveis para o crescimento da maioria das bactérias comuns. •  Quase todos possuem forma aeróbica. Algumas leveduras são anaeróbicas facultativas. •  A maioria dos fungos é mais resistente à pressão osmótica que as bactérias; muitos, consequentemente, podem crescer em altas concentrações de açúcar ou sal. •  Podem crescer sobre substâncias com baixo grau de umidade, geralmente tão baixo que impede o crescimento de bactérias. •  Necessitam de menos nitrogênio para um crescimento equivalente ao das bactérias. •  São capazes de metabolizar a carboidratos complexos, tais como lignina (madeira), que as bactérias não podem utilizar como nutriente. As características citadas, anteriormente, nos mostram que os fungos se desenvolvem em substratos diversos como paredes de banheiro, couro de sapatos e jornais velhos.

2.12  Modo de vida dos fungos de acordo com o tipo de alimentação Os fungos apresentam grande variedade em relação aos modos de vida, mas sempre obtêm alimento por absorção de nutrientes do meio. Os fungos decompositores obtêm seus alimentos pela

DECOMPOSITORES

decomposição de matéria orgânica. Eles podem atuar como saprófagos, degradando a matéria orgânica presente no corpo de organismos mortos.

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São parasitas os fungos que se alimentam de substân-

PARASITAS

cias retiradas do corpo de organismos vivos, nos quais se instalam, prejudicando-os. Esses fungos provocam doenças em plantas e em animais, inclusive no ser humano.

Certas espécies de fungos estabelecem relações mutualísticas com outros organismos, nos quais ambos se beneficiam. Dentre os fungos mutualísticos, alguns vivem associados a raízes de plantas formando as mi-

MUTUALÍSTICOS

corrizas (raízes que contêm fungos). Nesses casos, elas absorvem água do solo, degradam a matéria orgânica e absorvem os nutrientes liberados, transferindo parte deles para a planta, que cresce mais sadia. Esta, por sua vez, cede ao fungo certos açúcares e aminoácidos de que ele necessita como alimento.

Entre os fungos mais especializados estão os predado-

PREDADORES

res, que desenvolvem vários mecanismos para capturar pequenos organismos, especialmente nematódeos, utilizando-os como alimento.

2.13  Tipos de reprodução Assexuada •  Ocorre pela fragmentação do micélio, brotamento, cissiparidade ou produção de esporos assexuais. •  Não ocorre fusão de núcleos, apenas mitoses sucessivas. •  Mitose - divisão celular na qual os cromossomos das células são duplicados e as células formadas apresentam a mesma constituição genética. •  Este tipo de reprodução corresponde à fase imperfeita, também chamada de anamórfica dos fungos.

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Sexuada •  Aumenta a variabilidade genética, pois os indivíduos formados podem apresentar constituição genética diferente. •  Corresponde à fase perfeita ou teleomórfica dos fungos. •  Envolve a ocorrência de três processos:

PLASMOGAMIA

Fusão de protoplasmas, resultante da anastomose de

CARIOGAMIA

Fusão de dois núcleos haploides (n) e compatíveis for-

MEIOSE

Núcleo diploide (2n) sofre divisão reducional após a ca-

duas células.

mando um núcleo diploide (2n).

riogamia para formar dois núcleos haploides (n).

2.14  Diversidade morfológica dos fungos Fungos unicelulares (leveduras) •  Células ovais ou esféricas – 1 a 10μm. •  Reprodução por brotamento ou cissiparidade. •  Crescimento geralmente rápido formando colônias cremosas ou membranosas e ausência de hifas aéreas. •  Em determinadas condições, células em reprodução permanecem ligadas à célula-mãe, formando pseudo-hifas.

Fungos filamentosos (bolores) •  Multicelulares formados por estruturas tubulares (hifas – 2 a 10μm) o conjunto dessas estruturas constitui o micélio. •  As hifas podem ser contínuas (cenocíticas ou asseptadas) ou apresentar divisões transversais (hifas septadas).

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Fungos dimórficos •  Apresentam em determinadas condições a fase leveduriforme (37° C, alta tensão de CO2) e em outras a fase filamentosa. •  A fase de levedura se reproduz por brotamento, enquanto que a fase filamentosa produz hifas aéreas e vegetativas. •  O dimorfismo nos fungos dependente da temperatura de crescimento. Crescido a 37° C, o fungo apresenta forma de levedura. Crescido a 25° C, ele apresenta a forma filamentosa. Observe em alimentos com colônias de fungos (pães, extrato de tomate, tomates, queijo e outros), as hifas que em conjunto formam o micélio, e as diversas colorações.

2.15  Caracteristicas gerais dos vírus Os vírus não são considerados organismos vivos porque são inertes fora das células hospedeiras. Diferem dos demais seres vivos pela ausência de organização celular, por não possuírem metabolismo próprio e por necessitarem de uma célula hospedeira. No entanto, quando penetram em uma célula hospedeira, o ácido nucleico viral torna-se ativo ocorrendo a multiplicação.

Características dos vírus •  Possuem um único tipo de ácido nucleico, DNA ou RNA. •  Possuem uma cobertura proteica, envolvendo o ácido nucleico. •  Multiplicam-se dentro de células vivas, usando a maquinaria de síntese das células. •  Induzem a síntese de estruturas especializadas, capazes de transferir o ácido nucleico viral para outras células. •  Parasitas obrigatórios apresentando incapacidade de crescer e se dividir autonomamente. •  Replicação somente a partir de seu próprio material genético.

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Estrutura viral Um vírion é uma partícula viral completa, composta por um meio ácido nucleico, envolto por uma cobertura proteica que protege do meio ambiente e serve como veículo na transmissão de um hospedeiro para o outro. Os vírus são classificados de acordo com as diferenças na estrutura desses envoltórios.

Capsídeo e envelope O ácido nucleico dos vírus é envolvido por uma cobertura proteica chamada de capsídeo. A estrutura deste é denominada pelo genoma viral e constitui a maior parte da massa viral. O capsídeo é formado por subunidades protéicas chamadas de capsômeros. Em alguns vírus, o capsídeo é coberto por um envelope que, consiste de uma combinação de lipídios, proteínas e carboidratos. Alguns vírus animais saem do hospedeiro por um processo de extrusão, no qual a partícula é envolvida por uma camada de membrana plasmática celular que vai constituir o envelope viral. Os vírus cujos capsídeos não estão cobertos por um envelope são conhecidos como vírus não-envelopados.

Classificação morfológica Podem ser classificados com base na arquitetura do capsídeo. •  Vírus helicoidais – O genoma viral está no interior de um capsídeo cilíndrico oco com estrutura helicoidal. •  Vírus poliédricos – O capsídeo da maioria deles tem a forma de um icosaedro. São exemplos o adenovírus e o poliovírus. •  Vírus envelopados – o capsídeo é coberto por um envelope. •  Vírus complexos – alguns vírus, especialmente os bacterianos, possuem estruturas complicadas e por isso são denominados complexos. Um bacteriófago ou gagos (vírus que atacam bactérias) é um exemplo de vírus complexo. Um fago é capaz de aderir à parede celular de uma bactéria hospedeira, perfurando-a e nela injetando seu DNA. O capsídeo proteico do fago, formado por uma “cabeça” e uma “cauda”, permanece fora da bactéria.

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Multiplicação de bacteriófagos O ciclo de vida viral mais conhecido é o dos bacteriófagos, que podem se multiplicar por dois mecanismos alternativos: o ciclo lítico (termina com a morte da célula hospedeira) ou ciclo lisogênico (a célula permanece viva).

LEITURA Principais Síndromes Infecciosas: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/microbiologia/ mod_1_2004.pdf

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMABIS, JOSÉ MARIANO E MARTHO, GILBERTO RODRIGUES. Biologia das células: origem da vida, citologia, histologia, embriologia, 1 ed, Editora Moderna, 1194, págs 9846-9947. CIÊNCIAS ,SAÚDE -MANGUNHOS,03(03):485-504. COSTA,M.F. Biossegurança. Segurança química básica em biotecnologia e ambientes hospitalares. S. Paulo. Santos Ed.,1996.1 ed. DAVIS, B. D. ; DULBECCO, R. Microbiologia de Davis - Infecções Bacterianas e Micóticas. V. III. 2. ed. São Paulo: Harbra do Brasil. p. 759, 1979. FREITAS, C.M. & GOMEZ,C.M.. Análise de Riscos Tecnológicos na Perspectiva das Ciências Sociais . HISTÓRIA, 1997. GUANDALINI, S. L.; MELO, N. S. F. O.; SANTOS, E. C. P. Biossegurança em odontologia. Curitiba: Odontex, 1999, 161 p ILDEU DE CASTRO MOREIRA. Robert Hooke 1635-1703, (Físico, professor do Instituto de Física da UFRJ e Jornalista da Folha de SP), 2003 MARTINS, M. A. Manual de infecção hospitalar: epidemiologia, prevenção, controle. 2 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2001. 1116 p. MIMIS. Microbiologia Médica. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005. MORIYA T, MÓDENA JLP. Assepsia e antissepsia: técnicas de esterilização. Medicina, Ribeirão Preto, v. 41, n. 3, p. 265-73, 2008. PELCZAR, CHAN, KRIEG. Microbiologia: conceitos e aplicacoes. 2 ed. São Paulo: Makron, 1997. RIEDEL S. Edward Jenner and the history of smallpox and vaccination. Proc (Bayl Univ Med Cent). 2005 Jan;18(1):21-5. SPAULDING E H. Chemical disinfection of medical and surgical materials. In: BLOCK, S S. Disinfection,sterilization and preservation. Lea Fabiger. Philadelphia. 1968;517-531 STEFANI,C, M.; ARAÚJO, D, M.;ALBUQUERQUE,S, H, C,. Normas e rotinas para o atendimento clínico no Curso de Odontologia da UNIFOR – Fortaleza :2002. 80p STIERS,C.J.N. et al. Rotinas em controle de infecção hospitalar. Curitiba, Netsul, 1995. TEIXEIRA, P. & VALLE,S. Biossegurança .Uma abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998. 1. TRABULSI, ALTERTHUM. Microbiologia. 5 ed. São Paulo: Atheneu, 2008.

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3 Elementos da Nutrição Microbiana, Ecologia e Crescimento.

OBJETIVOS •  Elementos da nutrição microbiana, ecologia e crescimento •  Estudo do crescimento microbiano •  Curva de crescimento bacteriano •  Métodos de controle de crescimento microbiano •  Introdução a imunologia •  Reconhecimento dos antígenos

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3.1  Elementos da nutrição microbiana, ecologia e crescimento O crescimento e divisão celulares necessitam de um ambiente propício com todos os constituintes químicos e físicos necessários para o seu metabolismo. Essas necessidades específicas são dependentes de informações genéticas para cada espécie bacteriana. Algumas espécies com vasta flexibilidade nutricional, como as Pseudomonas, são capazes de sintetizar muitos de seus metabólitos a partir de precursores simples, enquanto outras espécies são mais exigentes, como as Porphyromonas e Treponemas, que necessitam de nutrientes complexos para o crescimento e reprodução.

3.2  Fontes dos nutrientes essências A análise das estruturas bacterianas revela que sua arquitetura é formada por diferentes macromoléculas, em particular, proteínas e ácidos nucleicos. Os precursores das macromoléculas podem ser retirados do meio ambiente ou ser sintetizados pelas bactérias a partir de compostos mais simples. A alternativa escolhida vai depender da disponibilidade do composto no meio e da capacidade de síntese do microrganismo. As substâncias ou elementos retirados do ambiente e usados para construir novos componentes celulares ou para obter energia são chamados nutrientes. Os nutrientes podem ser divididos em duas classes, macronutrientes e micronutrientes.

3.2.1  Macronutrientes Está presente na maioria das substâncias que compõem as células. As bactérias podem utilizar o carbono inorgânico existen-

CARBONO

te no ambiente, na forma de carbonatos ou de CO2 como única fonte de carbono. São neste caso chamadas de autotróficas. Os microrganismos que obrigatoriamente requerem uma fonte orgânica de carbono são denominados heterotróficos e as principais fontes, são os carboidratos.

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É requerido na forma molecular como aceptor final na cadeia

OXIGÊNIO

de transporte de elétrons aeróbia. Também é elemento importante em várias moléculas orgânicas e inorgânicas. Como componente muito frequente da matéria orgânica e inor-

HIDROGÊNIO

gânica, também constitui um elemento comum de todo material celular. É componente de proteínas e ácidos nucleicos, além de vitaminas e outros compostos celulares. Está disponível na natureza

NITROGÊNIO

sob a forma de gás (N2) ou na forma combinada. Sua utilização como N2 é restrita a um grupo de bactérias cujo principal habitat é o solo. Na forma combinada, o nitrogênio é encontrado como matéria inorgânica (NH3, NO3 etc.) ou matéria orgânica: aminoácidos, purinas e pirimidinas. Faz parte de aminoácidos (cisteína e metionina), de vitaminas e grupos prostéticos de várias proteínas importantes em reações de óxido-redução. Da mesma forma que o nitrogênio, o enxofre pode ser encontrado no ambiente nas formas elementar, oxida-

ENXOFRE

da e reduzida; estas duas últimas aparecem como compostos orgânicos e inorgânicos. Todas as alternativas citadas podem ser utilizadas pelas bactérias, porém são os sulfatos (SO4 -2) inorgânicos ou os aminoácidos as formas preferencialmente assimiladas. Na forma oxidada, também pode ser aceptor final de elétrons das cadeias de transporte de elétrons anaeróbias. É encontrado na célula na forma combinada a moléculas importantes como os nucleotídeos (ATP, CTP, GTP, UTP, TTP) e como fosfato inorgânico; nesta última forma é incorporado através de poucas reações metabólicas, embora uma delas seja de funda-

FÓSFORO

mental importância: a síntese de ATP a partir de ADP e fosfato. As substâncias fosforiladas podem estar envolvidas com o armazenamento de energia ( como o ATP) ou atuar como reguladoras de processos metabólicos: muitas enzimas tornam-se ativas ao serem fosforiladas.

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3.2.2  Micronutrientes

Macronutrientes e Micronutrientes. Ambos os tipos são imprescindíveis, mas os primeiros são requeridos em grandes quantidades por serem os principais constituintes dos compostos orgânicos celulares e / ou serem utilizados como combustível.

Os elementos ferro, magnésio, manganês, cálcio, zinco, potássio, sódio, cobre, cloro, cobalto, molibdênio, selênio e outros são encontrados sempre na forma inorgânica, fazendo parte de minerais. São necessários ao desenvolvimento microbiano, mas em quantidades variáveis, dependendo do elemento e do microrganismo considerados. Os micronutrientes podem atuar de diferentes maneiras, incluindo as seguintes funções principais: •  Componentes de proteínas, como o ferro que participa da composição de várias proteínas enzimáticas ou não, de citocromos, etc.; •  cofatores de enzimas, como o magnésio, potássio, molibdênio, etc. •  Componentes de estruturas, como o cálcio, presente em um dos envoltórios dos esporos; •  Osmorreguladores.

3.3  Estudo do crescimento microbiano Para se cultivar microrganismos deve-se obedecer a requisitos básicos obrigatórios, quais sejam incubá-los em meios de cultura adequados e incubá-los em condições ambientais igualmente adequadas. Um inóculo é uma amostra de material contendo geralmente uma pequena quantidade de microrganismos; obedecidas as condições citadas, os microrganismos contidos no inóculo multiplicam-se, aumentando em número e massa e, com isto, atingindo o objetivo desejado.

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Meios de Cultura Meio de cultura é uma mistura de nutrientes necessários ao crescimento microbiano. Basicamente deve conter a fonte de energia e de todos os elementos imprescindíveis à vida das células. A formulação de um meio de cultura deve levar em conta o tipo nutritivo no qual o microrganismo pertence, considerando-se a fonte de energia (luz ou substância química), o substrato doador de elétrons (orgânico ou inorgânico) e a fonte de carbono (orgânica ou inorgânica). Estabelecidas as condições gerais, o meio de cultura deve ainda atender as necessidades específicas do grupo, da família, do gênero ou da espécie que se deseja cultivar. Assim, é imprescindível acrescentar ao meio vitaminas, cofatores, aminoácidos, etc., quando estes compostos não são sintetizados pelos microrganismos que se deseja cultivar.

Fatores de crescimento Entre as bactérias heterotróficas há uma imensa variedade de exigências nutritivas. Algumas são capazes de crescer em meio muito simples, constituído de uma solução de glicose, sal de amônio e alguns sais minerais. A partir desses compostos, sintetizam todos os componentes do protoplasma: proteínas, polissacarídeos, ácidos nucléicos, coenzimas, etc. Outras, todavia, são incapazes de sintetizar determinados compostos orgânicos essenciais para o seu metabolismo. Para que estes microrganismos possam crescer, tais compostos devem ser obtidos do meio natural ou artificial em que vivem. Essas substâncias são denominadas fatores de crescimento. Muitos desses fatores são componentes de coenzimas, que, para o homem, são vitaminas. Na realidade, certas vitaminas, como o ácido fólico, foram descobertas por serem necessárias ao crescimento de determinadas bactérias. As composições dos meios de cultura, portanto, podem ser muito variadas. Um meio pode ter uma composição simples, contendo um único carboidrato como fonte de energia e carbono e alguns sais minerais; em outro extremo estão os meios requeridos por microrganismos mais exigentes, apresentando composição complexa, contendo várias fontes de carbono e energia, vitaminas e aminoácidos, podendo ainda ser acrescidos de sangue ou soro de animais. Além da composição qualitativa, o meio de cultura deve obedecer aos limites de quantidade de cada componente suportáveis pelos microrganismos.

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Muitas vezes o meio de cultura deve conter substâncias para neutralizar a ação de produtos tóxicos lançados pelos próprios microrganismos, que sofrem os efeitos de seu acúmulo. Um exemplo rotineiro é adição de tampões para impedir a queda de pH provocada pelos ácidos orgânicos produzidos por fermentação bacteriana. Os meios podem ser líquidos, quando são uma solução aquosa de nutrientes, ou sólidos, quando a solução aquosa é gelificada por um polissacarídeo extraído de algas, o ágar. O meio sólido é obrigatoriamente usado quando se pretende separar células. Cada célula individualizada ou agrupamento isolado dá origem, por multiplicação, a um aglomerado que constitui uma colônia. Colônias de diferentes espécies geralmente apresentam características morfológicas diferentes. Os meios de cultura podem ser seletivos, quando contêm uma substância que inibe o crescimento de um determinado grupo de microrganismos, mas permite o desenvolvimento de outros.

Influência de fatores ambientais A tomada de nutriente e posterior metabolismo é influenciada por fatores físicos e químicos do meio ambiente. Os principais fatores são: temperatura, pH, presença de oxigênio, pressão osmótica e luz.

Temperatura Cada tipo de bactéria apresenta uma temperatura ótima de crescimento, em torno desta temperatura observa-se um intervalo dentro do qual o desenvolvimento também ocorre, sem, no entanto, atingir o seu máximo. Ultrapassado o limite superior, rapidamente ocorre desnaturação do material celular e, conseqüentemente, a morte da célula. As temperaturas inferiores à ótima levam a uma desaceleração das reações metabólicas, com diminuição da velocidade de multiplicação celular, que em caso extremo, fica impedida. As variações quanto ao requerimento térmico permite classificar as bactérias segundo a temperatura ótima para o seu crescimento, em: •  psicrófilas: entre 12 e 17° C •  mesófilas: entre 28 e 37° C •  termófilas: 57 e 87° C

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Embora grupos excêntricos, que necessitam de altas temperaturas para o seu crescimento, a maioria concentra-se no grupo de mesófilas, principalmente as de interesse médico, veterinário e agronômico.

pH Os valores de pH em torno da neutralidade são os mais adequados para absorção de alimentos para a grande maioria das bactérias. Existem, no entanto, grupos adaptados a viver em ambientes ácidos e alcalinos.

Oxigênio O oxigênio pode ser indispensável, letal ou inócuo para as bactérias, o que permite classificá-las em:

AERÓBIAS ESTRITAS

Exigem a presença de oxigênio, como as do gênero Aci-

MICROAERÓFILAS

Necessitam de baixos teores de oxigênio, como o

netobacter.

Campylobacter jejuni.

Apresentam mecanismos que as capacitam a utilizar o

FACULTATIVAS

oxigênio quando disponível, mas desenvolver-se também em sua ausência. Escherichia coli e várias bactérias entéricas tem esta característica.

ANAERÓBIAS ESTRITAS

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Não toleram o oxigênio. Ex.: Clostridium tetani, bactéria produtora de potente toxina que só se desenvolve em tecidos necrosados carentes de oxigênio.

Exoenzimas A seletividade da membrana citoplasmática impede que macromoléculas como proteínas, amido, celulose e lipídeos sejam transportadas para o interior da célula. Para essas moléculas serem utilizadas pelos microrganismos, é necessário cindidas, dando origem a compostos menores, aos quais as membranas são permeáveis. A quebra das moléculas é promovida por enzimas hidrolíticas, denominadas exoenzimas por atuarem fora da membrana citoplasmática. As exoenzimas apresentam especificidade pelo substrato, atuando sobre proteínas ou amidos, ou determinados lipídeos, e constituem um fator de virulência, uma vez que podem hidrolisar componentes estruturais de tecidos, conferindo ao microrganismo capacidade invasora e de permanência em outros organismos vivos. Além de estarem associadas à nutrição dos microrganismos, as exoenzimas podem contribuir para a sua sobrevivência, uma vez que catalisam a hidrólise de substâncias que lhes são tóxicas ou mesmo letais.

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3.4  Estudo do crescimento microbiano Reprodução bacteriana •  Crescimento: aumento do protoplasma celular pela síntese de ácidos nucléicos, proteínas, polissacarídeos e lipídeos; e, absorção de água e eletrólitos. Termina na divisão celular. •  Multiplicação: resposta necessária à pressão de crescimento.

Modo de reprodução •  Cissiparidade: formação de um septo equatorial na região do mesossomo e divisão da célula-mãe, em duas células filhas. "Cocos" em qualquer direção, "bacilos e espirilos", no sentido transversal.

3.5  Curva de crescimento bacteriano Embora as bactérias desenvolvam-se bem em meios de cultura sólidos , os estudos de crescimento são feitos essencialmente em meios líquidos e as considerações que seguem são válidas para essas condições. Quando uma determinada bactéria é semeada num meio líquido de composição apropriada e incubada em temperatura adequada, o seu crescimento segue uma curva definida e característica. Fase lag (A): esta fase de crescimento ocorre quando as células são transferidas de um meio para outro ou de um ambiente para outro. Esta é a fase de ajuste e representa o período necessário para adaptação das células ao novo ambiente. As células nesta fase aumentam no volume total em quase duas ou quatro vezes, mas não se dividem pois as Células estão sintetizando DNA, novas proteínas e enzimas, que são um pré-requisito para divisão. Fase exponencial ou log (B): nesta fase, as células estão se dividindo a uma taxa geométrica constante até atingir um máximo de crescimento. Os componentes celulares como RNA, proteínas, peso seco e polímeros da parede celular estão também aumentando a uma taxa constante. Como as células na fase exponencial estão se dividindo a uma taxa máxima, elas são muito menores em diâmetro que as células na fase Lag. A fase de crescimento exponencial

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normalmente chega ao final devido à depleção de nutrientes essenciais, diminuição de oxigênio em cultura aeróbia ou acúmulo de produtos tóxicos. Fase estacionária (C): durante esta fase, há rápido decréscimo na taxa de divisão celular. Eventualmente, o número total de células em divisão será igual ao número de células mortas, resultando na verdadeira população celular estacionária. A energia necessária para manter as células na fase estacionária é denominada energia de manutenção e é obtida a partir da degradação de produtos de armazenamento celular, ou seja, glicogênio, amido e lipídeos. Fase de morte ou declínio (D): quando as condições se tornam fortemente impróprias para o crescimento, as células se reproduzem mais lentamente e as células mortas aumentam em números elevados. Nesta fase o meio se encontra deficiente em nutrientes e ricos em toxinas produzidas pelos próprios microrganismos.

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Métodos de controle de crescimento microbiano O controle dos microrganismos é um assunto abrangente e de inúmeras aplicações práticas envolvendo toda a microbiologia e não só aquela aplicada à medicina. A Esterilização é o processo que promove completa eliminação ou destruição de todas as formas de micro-organismos presentes em um determinado local: vírus, bactérias, fungos, protozoários, esporos, para um aceitável nível de segurança. O processo de esterilização pode ser físico, químico, físico- químico.

Métodos Físicos de controle: O método mais empregado para matar microrganismos é o calor, por ser eficaz, barato e prático. Os microrganismos são considerados mortos quando perdem a capacidade de multiplicar.

Calor úmido: A esterilização empregando calor úmido requer temperaturas acima da de fervura da água (120º). Estas são conseguidas nas autoclaves, e este é o método preferencial de esterilização desde que o material ou substância a ser esterilizado não sofra mudanças pelo calor ou umidade. A esterilização é mais facilmente alcançada quando os organismos estão em contato direto como vapor, nestas condições o calor úmido matará todos os organismos. Calor seco: A forma mais simples de esterilização empregando o calor seco é a flambagem. A incineração também é uma forma de esterilizar, empregando o calor seco. Outra forma de esterilização empregando o calor seco é feita em fornos, e este binômio tempo e temperatura deve ser observado atentamente. A maior parte da vidraria empregada em laboratório é esterilizada deste modo. Pasteurização: consiste em aquecer o produto a uma dada temperatura, num dado tempo e a seguir, resfria-lo bruscamente. A pasteurização reduz o numero de microrganismos presentes, porém não assegura uma esterilização.

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Radiações: As radiações têm seus efeitos dependentes do comprimento de onda, da intensidade, da duração e da distância da fonte. Há pelo menos dois tipos de radiações empregadas no controle dos microrganismos: ionizantes e não ionizantes. Indicadores biológicos: São suspensões-padrão de esporos bacterianos submetidos a esterilização juntamente com os materiais a serem processados em autoclave, estufas e câmera de radiação. Terminado o ciclo, são colocados em meio de cultura adequada para o crescimento de esporos, se não houver crescimento, significa que o processo está validado. Micro-ondas: Os fornos de micro-ondas são cada vez mais utilizados em laboratórios e as radiações emitidas não afetam o microrganismo, mas geram calor. O calor gerado é responsável pela morte dos micro-organismos. Filtração: A passagem de soluções ou gases através de filtros, retêm os microrganismos, então pode ser empregada na remoção de bactérias e fungos, entretanto, não retém a maioria dos vírus. Pressão Osmótica: A alta concentração de sais ou açúcares cria um ambiente hipertônico que provoca a saída de água do interior da célula microbiana. Nessas condições os micro-organismos deixam de crescer e isto tem permitido a preservação de alimentos. Dessecação: Na falta total de água, os micro-organismos não são capazes de crescer, multiplicar, embora possam permanecer viáveis por vários anos. Quando a água é novamente reposta, os micro-organismos readquirem a capacidade de crescimento. Esta peculiaridade tem sido muito explorada pelos microbiologistas para preservar micro-organismos e o método mais empregado é a liofilização.

Métodos Químicos de controle Os agentes químicos são apresentados em grupos que tenham em comum, ou as funções químicas, ou elementos químicos, ou mecanismo de ação.

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Álcoois: A desnaturação de proteínas é explicação mais aceita para a ação antimicrobiana. Na ausência de água, as proteínas não são desnaturadas tão rapidamente quanto na sua presença. Alguns glicóis podem ser usados, dependendo das circunstâncias, como desinfetante. Aldeídos e derivados: Pode ser facilmente solúvel em água, é empregado sob a forma de solução aquosa em concentrações que variam de 3 a 8%. A Metenamina é um anti-séptico urinário que deve sua atividade à liberação de aldeído fórmico. Em algumas preparações, a Metenamina é misturada ao ácido mandélico, o que aumenta seu poder bactericida. Fenóis e derivados: O fenol é um desinfetante fraco, tendo interesse apenas histórico, pois foi o primeiro agente a ser utilizado como tal na prática médica e cirúrgica, os fenóis atuam sobre qualquer proteína, mesmo aquelas que não fazem parte da estrutura ou protoplasma do micro-organismo, significando que, em meio orgânico proteico, os fenóis perdem sua eficiência por redução da concentração atuante. Halogênios e derivados: Entre os alogênios, o iodo sob forma de tintura é um dos antissépticos mais utilizados nas práticas cirúrgicas. O mecanismo de ação é combinação irreversível com proteínas, provavelmente através da interação com os aminoácidos aromáticos, fenilalanina e tirosina. Ácidos inorgânicos e orgânicos: Um dos ácidos inorgânicos mais populares é o acido bórico; porém, em vista dos numerosos casos de intoxicação, seu emprego é desaconselhado. Desde há muito tempo tem sido usados alguns ácidos orgânicos, como o ácido acético e o ácido láctico, não como antisséptico, mas sim na preservação de alimentos hospitalares. Agentes de superfície: Embora os sabões se encaixem nessa categoria são compostos aniônicos que possuem limitada ação quando comparada com a de substâncias catiônicas. Dentre os detergentes catiônicos os derivados de amônia tem grande utilidade nas desinfecções e antissepsias. O modo preciso de ação dos catiônicos não esta totalmente esclarecida, sabendo-se, porém, que alteram a permeabilidade da membrana, inibe a respiração e a glicólise

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de formas vegetativas das bactérias, tendo também ação sobre fungos, vírus e esporos bacterianos. Metais pesados e derivados: O baixo índice terapêutico dos mercuriais e o perigo de intoxicação por absorção fizeram com que aos poucos deixassem de serem usados, curiosamente alguns derivados mercuriais tiveram grande aceitação, embora dotados de fraca atividade bactericida e bacteriostática in vivo, como o Merbromino. Agentes oxidantes: A propriedade comum destes agentes é a liberação de oxigênio nascente, que é extremamente reativo e oxida, entre outras substâncias o sistemas enzimáticos indispensáveis para a sobrevivência dos micro-organismos. Esterilizantes gasosos: Embora tenha atividade esterilizante lenta o óxido de etileno tem sido empregado com sucesso na esterilização de instrumentos cirúrgicos, fios de agulhas para suturas e plásticos.

Terminologias Esterilização: Processo de destruição de todas as formas de vida de um objeto ou material. É um processo absoluto, não havendo grau de esterilização. Desinfecção: Destruição de microrganismos capazes de transmitir infecção. São usadas substâncias químicas que são aplicadas em objetos ou materiais. Reduzem ou inibem o crescimento, mas não esterilizam necessariamente. Antissepsia: Desinfecção química da pele, mucosas e tecidos vivos, é um caso da desinfecção. Germicida: Agente químico genérico que mata germes. Bacteriostase: A condição na qual o crescimento bacteriano está inibido, mas a bactéria não está morta. Se o agente for retirado o crescimento pode recomeçar.

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Assepsia: Ausência de microrganismos em uma área. Técnicas assépticas previnem a entrada de microrganismos. Degermação: Remoção de microrganismos da pele por meio de remoção mecânica ou pelo uso de antissépticos.

A microbiota humana: generalidades Todo ser humano nasce sem microrganismos. A aquisição da microbiota bacteriana envolve uma transmissão horizontal, ou seja, pela colonização por microrganismos. A colonização de superfícies expostas como a pele, o trato respiratório superior, o sistema geniturinário inferior e o trato digestório, começam imediatamente após o nascimento. Padrões de alimentação, hospitalização e tratamento com antibióticos são fatores que afetam a composição da microbiota intestinal. As diversas partes do corpo humano apresentam condições ambientais diversas que oferecem certas vantagens e desvantagens para a vida microbiana. Diferentes espécies de microrganismos adaptam-se aos distintos ambientes do corpo. A microbiota normal humana desenvolve-se por sucessões, desde o nascimento até as diversas fases da vida adulta, resultando em comunidades bacterianas estáveis. Os fatores que controlam a composição da microbiota em uma dada região do corpo estão relacionados com a natureza do ambiente local, tais como temperatura, pH, água, oxigenação, nutrientes e fatores mais complexos como a ação de componentes do sistema imunológico. Estima-se que o corpo humano que contém cerca de 10 trilhões de células seja rotineiramente portador de aproximadamente 100 trilhões de bactérias. A composição da microbiota bacteriana humana é relativamente estável com gêneros específicos ocupando as diversas regiões do corpo durante períodos particulares na vida de um indivíduo. A microbiota humana desempenha funções importantes na saúde e na doença. Os microrganismos membros da microbiota humana podem existir como mutualistas, quando protegem o hospedeiro competindo por microambientes de forma mais eficiente que patógenos comuns (resistência à colonização),

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produzindo nutrientes importantes e contribuindo para o desenvolvimento do sistema imunológico; (2) comensais, quando mantêm associações aparentemente neutras sem benefícios ou malefícios detectáveis e (3) oportunistas, quando causam doenças em indivíduos imunocomprometidos devido à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, terapia imunossupressora de transplantados, radioterapia, quimioterapia anticâncer, queimaduras extensas ou perfurações das mucosas. A microbiota humana constitui um dos mecanismos de defesa contra a patogênese bacteriana, mas ainda que a maioria dos componentes da microbiota normal seja inofensiva a indivíduos sadios, esta pode constituir um reservatório de bactérias potencialmente patogênicas. Muitas bactérias da microbiota normal podem agir como oportunistas. Nestas condições a microbiota residente pode ser incapaz de suprimir patógenos transitórios, ou mesmo, alguns membros da microbiota podem invadir os tecidos do hospedeiro causando doenças muitas vezes graves. Em indivíduos sadios, algumas espécies de bactérias da microbiota oral causam cáries em 80% da população.

A microbiota normal exerce papel importante na proteção contra agentes infecciosos por mecanismos ecológicos e imunológicos, além de contribuir para a nutrição do hospedeiro. Distúrbios na microbiota acarretam prejuízos desses efeitos. A ingestão de probióticos pode prevenir os efeitos dos distúrbios da microbiota.

Vários mecanismos de ação, obtidos a partir de estudos experimentais, já foram propostos para os probióticos: a proteção ecológica seja pela prevenção da multiplicação dos patógenos ou pela inibição da ação patogênica e modulação do sistema imune, por ativação do sistema fagocitário, produção de imunoglobulinas e citocinas.

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3.6  Introdução a imunologia A Imunologia é uma ciência relativamente nova. Sua origem é geralmente atribuída a Edward Jenner, que descobriu em 1796 que a varíola bovina, ou Vaccinia, proteção induzida contra a varíola humana, uma doença muitas vezes fatal. Jenner chamou o seu procedimento de vacinação, e esta expressão é ainda usada para descrever a inoculação de indivíduos saudáveis com cepas atenuadas ou enfraquecidas de agentes causadores de doenças, para fornecer proteção contra a doença. Embora ousado, o experimento de Jenner foi bem-sucedido, porém demorou quase dois séculos para vacinação contra a varíola para se tornar universal, um avanço que permitiu para a Organização Mundial de Saúde anunciar em 1979 que a varíola havia sido erradicada, sendo sem dúvida, o maior triunfo da medicina moderna. Quando Jenner introduziu a vacinação não sabia nada dos agentes infecciosos que causam a doença: sendo demonstrado mais tarde, no século 19, por Robert Koch que as doenças infecciosas são causadas por micro-organismos, cada um responsável por uma doença ou patologia em particular. Agora reconhecemos quatro grandes categorias de micro-organismos causadores de doença, ou patógenos: são eles os vírus, bactérias, fungos patogênicos, e outro relativamente grande e complexo, sendo organismos eucarióticos designados coletivamente como parasitas. As descobertas de Koch e outros grandes microbiologistas do século 19 estimularam a extensão da estratégia da Jenner de vacinação para outras doenças. Na década de 1880, Louis Pasteur inventou a vacina contra a cólera em galinhas, e desenvolveu uma vacina contra a raiva que provou ser eficiênte em um menino mordido por um cão raivoso. Estes triunfos práticos levaram a uma busca pelo mecanismo de proteção e para o desenvolvimento da Imunologia como ciência. Em 1890, Emil von Behring e Shibasaburo Kitasato descobriram que o soro de indivíduos vacinados, continha substâncias denominadas anticorpos que se ligam especificamente ao agente patogênico pertinente.

Uma resposta imune específica, tal como a produção de anticorpos contra um agente patogênico específico, é conhecida como Resposta Imune

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Adaptativa, porque ocorre durante o tempo de vida de um indivíduo como uma adaptação a uma infecção com um patógeno. Em muitos casos, uma resposta imune adaptativa confere imunidade protetora ao longo da vida contra a reinfecção pelo mesmo agente patogênico. Este fato se distingue da Resposta Imune Inata, que, foi descoberta principalmente por meio da obra do grande imunologista russo Elie Metchnikoff. Metchnikoff descobriu que muitos micro-organismos podem ser “engolidos e digeridos” pelas células fagocíticas, que ele chamou de Macrófagos. Estas células estão disponíveis no organismo para combater uma vasta gama de agentes patogênicos, sem a necessidade de exposição prévia ao antígeno e são um componente essencial do sistema imune inato. Os anticorpos, por outro lado, são produzidos apenas após a infecção, e são específicos para o patógeno infectante. Os anticorpos presentes em uma dada pessoa portanto, refletem diretamente as infecções para que ele ou ela tenha sido expostos. Na verdade, se tornou claro que os anticorpos específicos podem ser induzidos contra uma vasta gama de substâncias. Tais substâncias são conhecidas como antígenos, porque eles podem estimular a geração de anticorpos. No entanto, nem todas as respostas Imune adaptativas implicam a produção de anticorpos, e o termo antígeno é agora utilizado com um sentido mais abrangente para descrever qualquer substância que pode ser reconhecida pelo Sistema Imune Adaptativo. Tanto a imunidade inata e respostas imunes adaptativas dependem das atividades de células brancas do sangue, ou leucócitos. A imunidade inata envolve em grande parte Granulócitos e Macrófagos. Granulócitos, também chamado de leucócitos polimorfo nucleares, é um conjunto diversificado de glóbulos brancos, cujos grânulos conferem sua característica padrão de coloração; sendo células fagocitárias chamadas de Neutrófilos. Presume-se que os macrófagos dos seres humanos e outros vertebrados podem ser descendentes evolutivos diretos de células fagocíticas presentes em animais mais simples, tais como estrelas do mar observadas por Metchnikoff. Respostas imunes adaptativas dependem de linfócitos, os quais proporcionam a Imunidade Vitalícia que pode seguir a exposição à doença ou a vacinação. O Sistema Imune Inato e Adaptativo juntos oferecem um sistema de defesa extremamente eficaz. Ele garante que, apesar de nós passarmos nossas vidas cercados por micro-organismos potencialmente patogênicos, ficamos doentes relativamente raras vezes. Muitas infecções são tratadas com sucesso pelo

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sistema imune inato e não causam doença; outro que não podem ser resolvidos pela imunidade inata, é então disparada a imunidade adaptativa, seguido por memória imunológica duradoura.

3.7  Os componentes do sistema imune As células do sistema Imune são originárias da medula óssea, onde também sofrem maturação, e então, migram para proteger os tecidos periféricos, que circulam no sangue e em um sistema especializado de vasos chamado sistema linfático. As respostas imunes são mediadas por uma variedade de células e por moléculas solúveis que estas células secretam. Embora os leucócitos sejam as células centrais para todas as respostas imunes elaboradas, outras células nos tecidos também participam das respostas através de sinais enviados aos linfócitos e das respostas às citocinas liberadas pelas células T e macrófagos. Neutrófilos: São células fagocíticas, cuja função é reconhecer, englobar e destruir agentes estranhos; utilizam sistemas primitivos e inespecíficos de reconhecimento. Os neutrófilos, derivados dos mesmos precursores que os mastócitos e basófilos, constituem a maioria dos leucócitos sanguíneos e, como os monócitos, também migram do sangue para os tecidos em resposta a certos estímulos. No entanto, são células de vida curta, pois morrem juntamente com o material estranho internalizado e digerido. Os neutrófilos perfazem mais de 90% dos granulócitos circulantes. Possuem núcleo multilobado característico (95% -> núcleo trilobado). Sofrem adesão às células endoteliais e diapedese mediante estimulação quimiotática. Os neutrófilos possuem dois tipos principais de grânulos: grânulos primários (azurófilos) e grânulos secundários (específicos). Linfócitos: Os linfócitos são totalmente responsáveis pelo reconhecimento imune específico dos patógenos e pelo desencadeamento das respostas imunes adaptativas. Todos os linfócitos derivam de células-tronco da medula óssea, mas os linfócitos T sofrem o processo de desenvolvimento no timo, e os linfócitos B, na medula óssea (adulto) e no fígado fetal. As células linfóides perfazem aproximadamente 20% das células leucocitárias circulantes no adulto. Muitos linfócitos maduros possuem uma vida média longa e podem persistir como células de memória por muitos anos.

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•  Células B: Cada célula B está geneticamente programada para codificar um receptor de superfície específico para um determinado antígeno. Uma vez tendo reconhecido seu antígeno específico, as células B se multiplicam e se diferenciam em plasmócitos, que produzem e secretam, na forma solúvel, uma enorme quantidade destas moléculas receptoras, que também são conhecidas como anticorpos, que por sua vez são glicoproteínas de alto peso molecular, distribuídas no sangue e fluidos corpóreos; como os anticorpos são virtualmente idênticos à molécula receptora original, são capazes de se ligar ao antígeno que inicialmente induziu a ativação das células B. Os linfócitos B não apresentam corpúsculos de Gall, são agranulares, seu citoplasma é predominantemente ocupado por ribossomos avulsos dispersos. Ocasionalmente pode-se encontrar um retículo endoplasmático rugoso em desenvolvimento nas células B ativadas. Compreendem 5-15% dos linfócitos circulante e apresentam imunoglobulinas de membrana. •  Células T: Os linfócitos T constituem vários tipos diferentes com uma variedade de funções. Um grupo interage com as células B auxiliando-as na divisão, diferenciação celular e na produção de anticorpos; outro tipo interage com os fagócitos mononucleares auxiliando-os na destruição de patógenos intracelulares. Estes dois grupos constituem as chamadas células T – auxiliares (TH). Um terceiro grupo de linfócitos T é responsável pela destruição das células do hospedeiro que se tornaram infectadas por vírus ou outros patógenos intracelulares – atividade conhecida como citotóxica; portanto, estas células são designadas de linfócitos T citotóxicos (TC). Em qualquer de suas funções, as células T reconhecem antígenos, porém, apenas em associação com marcadores conhecidos nas células hospedeiras. Os linfócitos T geram seus efeitos pela liberação de citocinas que emitem sinais para outras células, ou por interações diretas célula a célula. Essas células apresentam duas morfologias: são agranulares e apresentam corpúsculo de Gall (consiste de um agrupamento de lisossomos primários associados com gotículas de lipídios); ou apresentam morfologia de LGG com lisossomos primários dispersos no citoplasma, além de um aparelho de Golgi bem desenvolvido (granulares).

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Eosinófilos: Estas células constituem um grupo especializado de leucócitos, com capacidade de apreender e lesar parasitas extracelulares grandes como os esquistossomos. Os eosinófilos sanguíneos humanos geralmente possuem um núcleo bilobulado e muitos grânulos citoplasmáticos e perfazem 2 a 5% dos leucócitos sanguíneos em indivíduos saudáveis, não-alérgicos. Embora não seja sua função primária, os eosinófilos parecem ser capazes de fagocitar e destruir microorganismos ingeridos. Os eosinófilos exercem um papel especializado na imunidade a helmintos. Os eosinófilos são atraídos por produtos como fator quimiotático dos eosinófilos na anafilaxia, liberados por células T, mastócitos e basófilos. Os eosinófilos ligam-se aos esquistossômulos revestidos com IgG ou IgE e sofrem degranulação, liberando uma toxina conhecida como "proteína básica principal". Também liberam histaminas e aril-sulfatase, que inativam os produtos dos mastócitos, histamina e substância de reação lenta da anafilaxia. O efeito dos fatores eosinofílicos é o de diminuir a resposta inflamatória e reduzir a migração dos granulócitos para o local de invasão. Basófilos e mastócitos: Estas células possuem grânulos no seu citoplasma contendo uma série de mediadores que produzem inflamação nos tecidos circundantes e são liberados quando as células são ativadas. Os mastócitos situam-se próximos aos vasos sanguíneos em todos os tecidos, e alguns dos mediadores agem nas células das paredes dos vasos. Os basófilos são funcionalmente semelhantes aos mastócitos, mas são células circulantes. Os basófilos perfazem menos de 0,2% dos leucócitos, são encontrados em concentrações pequenas na circulação e apresentam grânulos de cor azul violeta intenso irregularmente distribuído, circundados pelas membranas. Existem dois tipos de mastócitos: de mucosas (dependentes das células T para sua proliferação) e os de tecido conjuntivo (independentes das células T). Os mediadores como a histamina, liberados pela degranulação, causam sintomas adversos da alergia, mas também podem exercer um papel positivo na imunidade contra os parasitas. Macrófagos: Derivam da medula óssea e são encontrados em muitos órgãos. Os macrófagos fagocíticos têm como função remover antígenos particulados. Os macrófagos ligam-se aos agentes agressores através de receptores especializados.

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3.8  Reconhecimento dos antígenos 3.8.1  Anticorpos e Antígenos A Resposta Imune mediada por anticorpos (Ac) é chamada Resposta Imune Humoral (RIH). Os anticorpos proteínas sintetizadas e secretadas pelos plasmócitos (linfócitos B diferenciados). Os Ac são produzidos de forma específica contra o antígeno (Ag) que estimulou sua produção e têm como função principal a neutralização e eliminação deste antígeno. Este processo de eliminação é feito de diversas formas, quais sejam: ativação do complemento, opsonização, neutralização de microorganismos e toxinas, etc. Os anticorpos são também chamados de imunoglobulinas (Ig), e divididos em classes e subclasses. Por exemplo, IgG é uma classe, IgM é outra, e assim por diante. Há regiões na molécula de Ig que são extremamente variáveis (regiões hipervariáveis e variáveis) e que dão a ela a característica específica contra o antígeno. Por exemplo, quando um antígeno X entra no organismo e é apresentado ao sistema imune, estimulando uma resposta imune humoral, as IgM produzidas contra o antígeno X terão a região variável da molécula específica para o X e irão combatê-lo. Se no organismo penetrar um antígeno Y, as IgM com região variável anti-X não irão atacar o antígeno Y e haverá a produção de IgM com região variável anti-Y. A resposta imune primária se desenvolve quando o indivíduo entra em contato com o antígeno pela primeira vez, havendo como resultado a produção de Ac (pelos linfócitos B efetores) e células B de memória. Quando o indivíduo entra em contato pela segundo vez, a produção de anticorpos será muito mais rápida e eficiente, pois os anticorpos serão produzidos pelas células B de memória, então ativadas (resposta imune secundária).

3.8.2  Desenvolvimento inicial da RIH Para se desenvolver uma RIH, é necessária a exposição do antígeno ao linfócito B. Isso é feito de forma direta, ou seja, o LB entra em contato direto com o antígeno sem a necessidade de célula apresentadora de antígeno, pois a célula B é capaz de reconhecer o antígeno diretamente pela ligação com seus receptores de superfície (BCR), como a IgM monomérica e a IgD.

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Nesse contato, há interação do antígeno com o receptor de superfície IgM. Essa interação antígeno-IgM vai estimular a ativação e proliferação dos linfócitos B (expansão clonal) e em seguida síntese de imunoglobulinas, todas com a mesma especificidade. Esse mecanismo básico de RIH é eficaz contra antígenos de natureza lipídica, polissacáride ou glicídica. Quando o antígeno é de natureza protéica, o mecanismo inicial para a ativação da RIH não é apenas a interação LB-αntígeno, mas também a extrema participação dos linfócitos T auxiliares (LTh). O antígeno protéico necessita da participação dos LTh. Se o paciente tiver deficiência de linfócitos T ou ausência de timo, terá deficiência na resposta imune humoral contra antígenos protéicos (resposta humoral T-dependente). Por isso esses antígenos são denominados antígenos timo-dependentes. Os antígenos não-protéicos, que podem ser eliminados pelas RIH sem o auxílio dos LTh são denominados antígenos timo -independentes (de natureza lipídica, polissacáride ou glicídica).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MEDICAL IMMUNOLOGY, 9 ed Daniel P. Stites, Abba I, Terr, Tristram G. Parslow. ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; POBER, Jordan S. Imunologia celular e molecular. Tradução Raymundo Martagão Gesteira. 6 ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2008.

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4 Estrutura do Anticorpo

OBJETIVOS •  Estrutura do anticorpo •  Funções dos anticorpos •  Resposta ao antígeno: processamento e apresentação •  Células apresentadoras de antígenos •  Mecanismos efetores da resposta imune •  Imunidade mediada por células •  Imunidade dos microrganismos

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4.1  Estrutura do anticorpo A estrutura básica da molécula de imunoglobulina consiste de quatro cadeias polipeptídicas, sendo duas cadeias leves e duas cadeias pesadas, unidas por pontes dissulfeto formando uma proteína globular em forma de Y. A haste do Y é denominada fragmento Fc e é responsável pela atividade biológica (função efetora) dos anticorpos. Diferenças estruturais no Fc definem os cinco isotipos principais ou classes de imunoglobulinas: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM. Tanto as cadeias pesadas quanto as cadeias leves tem uma região constante e uma região variável. A região variável é responsável pela interação com o antígeno – são os “braços” da molécula de anticorpo e são denominados fragmentos Fab (Fragment antigen binding). As moléculas de imunoglobulinas ou anticorpos apresentam diferenças na seqüência de aminoácidos nas porções Fab. A diversidade nesses sítios de ligação ao antígeno garante que haja um repertório quase ilimitado de especificidades de anticorpos. A classe de um anticorpo é definida pela estrutura de sua cadeia pesada, algumas das quais possuem vários subtipos, e esses determinam a atividade funcional de uma molécula de anticorpo. As cinco classes principais de imunoglobulinas são IgA, IgD, IgE, IgG e IgM: IgA - Representa 15-20% das imunoglobulinas do soro humano. No homem, mais de 80% da IgA ocorre sob a forma monomérica e está presente no sangue sob esta forma. A IgA é a imunoglobulina predominante em secreções: saliva, lágrima, leite, mucosas do trato gastrintestinal (TGI), respiratório e geniturinário. Nestas secreções ela se une a um componente secretor, e forma a IgA secretora. Esta é composta por duas unidades (dimérica) ligadas a uma cadeia J unida pelas porções Fc no componente secretor. A função desse componente é proteger a molécula das enzimas hidrolíticas (destrutivas). O principal papel da IgA é proteger o organismo de invasão viral ou bacteriana através das mucosas (neutralização). IgD - perfaz menos de 1% do total de imunoglobulinas plasmáticas e a função biológica precisa dessa classe de imunoglobulina é ainda incerta. A IgD é co-expressa com a IgM na superfície de quase todas as células B maduras e inativas (fase de reconhecimento), sendo que a IgD é expressa mais tardiamente, indicando uma célula B mais madura.

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IgE - é encontrada nas membranas superficiais dos mastócitos e eosinófilos em todos os indivíduos. Essa classe de imunoglobulina sensibiliza as células nas superfícies das mucosas conjuntiva, nasal e brônquica. A IgE pode ter ainda importante papel na imunidade contra helmintos, embora nos países desenvolvidos esteja mais comumente associada a reações alérgicas como asma e rinite. Metade dos pacientes com doenças alérgicas tem altos níveis de IgE. A interação entre o antígeno e a IgE ligada no mastócito resulta em liberação de histamina, importante mediador inflamatório, causando vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, contração de músculo liso e quimioatração de outras células inflamatórias. IgG - É uma imunoglobulina monomérica que perfaz 80% das imunoglobulinas do organismo. É a imunoglobulina mais abundante no soro e está distribuída uniformemente entre os espaços intra e extravasculares. É o anticorpo mais importante da resposta imune secundária. Em humanos, as moléculas de IgG de todas as subclasses atravessam a barreira placentária e conferem um alto grau de imunidade passiva ao feto e ao recém-nascido. É o anticorpo principal nas respostas imunes secundárias e a única classe antitoxinas. A região Fc ativa o complemento (quando unida ao antígeno) e auxilia a fagocitose por se ligar a macrófagos (opsonização). Com a ativação do complemento, há uma amplificação da resposta inflamatória (com geração de quimiotaxia de neutrófilos, aumento da permeabilidade vascular), opsonização e montagem do MAC (complexo de ataque à membrana). IgM - Perfaz aproximadamente 10% do conjunto de imunoglobulinas. Sua estrutura é pentamérica, As cinco cadeias são ligadas entre si por pontes dissulfeto e por uma cadeia polipeptídica inferior chamada de cadeia J. É a primeira imunoglobulina a ser expressa na membrana do linfócito B inativo. Na membrana das células B, a IgM está na forma monomérica. O primeiro anticorpo produzido numa resposta imune primária é sempre IgM pentamérica. A IgM é encontrada principalmente intravascular, sendo uma classe de anticorpos "precoces" (são produzidas nas fases iniciais agudas das doenças que desencadeiam resposta humoral).

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4.2  Funções dos anticorpos Anticorpo de Membrana como receptor de linfócito B – Linfócitos B maduros (mas inativos) expressam IgD e IgM na superfície. O encontro do antígeno com esses receptores constitui as fases de reconhecimento e ativação (expansão clonal e diferenciação) da resposta imune. Toxinas bacterianas, drogas, agentes virais e outros

NEUTRALIZAÇÃO DO ANTÍGENO

parasitas, iniciam a lesão celular pela ligação a receptores específicos da superfície celular. Os anticorpos podem impedir esta interação, neutralizando o processo tóxico ou infeccioso.

Ativação do complemento por IgG ou IgM – O sistema complemento consiste numa família de proteínas plasmáticas que podem ser ativadas por duas vias principais. A ativação pela via clássica é inicia pela ligação do componente C1q do complemento com um imunocomplexo (Ag+Ac). O ponto crucial da cascata de eventos que ocorre após a ativação do complemento é a clivagem de c3 em c3a e c3b. O c3a tem várias funções, como por exemplo, ativar a degranulação de mastócitos e realizar quimiotaxia. O c3b (além de opsonizar fagócitos) ligase a outros fragmentos e entra na via da c5 convertase que vai então, clivar o c5 em c5a e c5b, o qual vai juntar-se a outros componentes formando o MAC (complexo de ataque à membrana – c5b9), um poro que vai levar a lise da célula-αlvo (bactéria), através da interação com sua membrana. Esse processo ocorre em questão de segundos. Os anticorpos envolvem a bactéria ou vírus em questão,

OPSONIZAÇÃO

e se ligam a receptores na superfície dos macrófagos. Isso melhora a eficiência da fagocitose.

Citotoxidade mediada por células dependente de anticorpo – As células NK, em determinadas ocasiões, matam o microorganismo se ele estiver revestido por anticorpos. Também os eosinófilos têm receptores para a região Fc da IgE, que reveste helmintos (muito grandes para serem fagocitados). É um processo

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chamado de citotoxidade mediada por células dependente de anticorpo.

4.3  Resposta ao antígeno: processamento e apresentação Células B e células T reconhecem diferentes substâncias como antígenos e reconhecem de uma forma diferente. A célula B usa a imunoglobulina ligada à superfície da célula como um receptor e a especificidade deste receptor é a mesma da imunoglobulina que ela é capaz de secretar após a ativação. Células B reconhecem os seguintes antígenos na forma solúvel: 1) proteínas (ambos determinantes conformacionais e determinantes expostos pela denaturação ou proteólise); 2) ácidos nuclêicos; 3) polissacarídeos; 4) alguns lipídios; 5) pequenos agentes químicos (haptenos). Contrariamente, a esmagadora maioria dos antígenos de células T são proteínas, e estas precisam ser fragmentadas e reconhecidas em associação com produtos do MHC (Major Histocompatibility Complex) expressos na superfície de células nucleadas, não em forma solúvel. Células T estão agrupadas funcionalmente de acordo com a classe de moléculas de MHC que se associa com os fragmentos peptídicos da proteína: células T auxiliares reconhecem apenas aqueles peptídios associados com moléculas de MHC classe II, e células T citotóxicas reconhecem apenas aqueles peptídios associados com moléculas de MHC classe I.

4.4  Processamento e apresentação do antígeno Processamento e apresentação do antígeno são processos que ocorrem no interior da célula e que resultam na fragmentação de proteínas (proteólise), associação dos fragmentos com moléculas do MHC, e expressão das moléculas “peptidio-MHC” na superfície onde elas poderão ser reconhecidas pelo receptor de célula T na célula T. Entretanto, a etapa que leva à associação de frag-

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mentos de proteína com moléculas de MHC diferem no MHC classe I e classe II. Moléculas de MHC classe I apresentam produtos de degradação derivados de proteínas intracelulares (endógenas) no citosol. Moléculas de MHC classe II apresentam fragmentos derivados de proteínas extracelulares (exógenas) que estão localizadas em um compartimento intracelular. 9. Processamento e apresentação do antígeno em células expressando MHC classe I. Todas as células nucleadas expressam MHC classe I. Como mostrado na Figura 1, proteínas são fragmentadas no citosol por proteossomos (um complexo de proteínas com atividade proteolítica) ou por outras proteases. Os fragmentos são então transportados através da membrana do retículo endoplasmático por proteínas de transporte. (As proteínas de transporte e alguns componentes do proteossomo tem seus genes no complexo MHC). A síntese e organização das cadeias pesada e beta2 microglobulina ocorre no retículo endoplasmático. No interior do retículo endoplasmático, a cadeia pesada do MHC classe I, a beta2microglobulina e o peptídio formam um complexo estável que é transportado à superfície da célula. 10. Processamento e apresentação do antígeno em células expressando MHC classe II. Enquanto todas as células nucleadas expressam MHC classe I, apenas um limitado grupo de células expressam MHC classe II, que inclui as células apresentadoras de antígenos (APC). As principais APCs são macrófagos, células dendríticas (células de Langerhans), e células B, e a expressão de moléculas de MHC classe II é tanto constitutiva como induzível, especialmente pelo interferon-γama no caso dos macrófagos. Como mostrado na Figura 2, proteínas exógenas incorporadas por endocitose são fragmentadas por proteases em um endossomo. As cadeias alfa e beta do MHC classe II, junto com uma cadeia invariante, são sintetizadas, montadas no retículo endoplasmático e transportadas através do aparelho de Golgi e trans-γolgi para chegar no endossomo, onde a cadeia invariante é digerida, e os fragmentos de peptídios da proteína exógena são capazes de se associar com moléculas de MHC classe II, que finalmente são transportadas para a superfície da célula.

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11. Outras informações sobre o processamento e apresentação de antígenos a) Uma maneira de entender o desenvolvimento de duas vias diferentes é que cada uma delas finalmente estimula a população de células T que é mais eficiente na eliminação do antígeno. Virus se replicam no interior de células nucleadas no citosol e produzem antígenos endógenos que podem se associar com MHC classe I. Ao matar essas células infectadas, células T citolíticas ajudam a controlar a propagação do virus. Bacteria reside e se replica principalmente no ambiente extracelular. Ao ser incorporada e fragmentada no interior de células como antígenos exógenos que podem se associar com moléculas de MHC classe II, células auxiliares Th2 podem ser ativadas para ajudar células B a fazerem anticorpos contra bactéria, o que limita o crescimento desses organismos. Algumas bactérias crescem intracelularmente no interior de vesículas de células como macrófagos. Células T Th1 inflamatórias ajudam a ativar macrófagos para matar a bactéria intracelular. b) Fragmentos de proteínas próprias, assim como de não-próprias se associam com moléculas de ambas as classes de MHC e são expressas na superfície da célula. c) Quais fragmentos se ligam é uma função da natureza química da fenda para aquela molécula de MHC específica.

4.4.1  Restrição do MHC Para que a célula T reconheça e responda a uma proteína antigênica estranha, ela deve reconhecer o MHC na célula apresentadora como sendo MHC próprio. Isso é chamado restrição do MHC ao próprio. Células T auxiliares reconhecem antígeno no contexto de MHC classe II próprio. Células T citolíticas reconhecem antígeno no contexto de MHC classe I próprio. O processo pelo qual células T se tornam restritas ao reconhecimento de moléculas de MHC próprias ocorre no timo. Os sistemas experimentais que demonstram a restrição do MHC ao próprio para interações entre célula APC-T auxiliar e para interações MHC classe I-célula T citotóxica são mostrados nas Figuras 3 e 4, respectivamente.

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4.5  Células apresentadoras de antígenos Os três tipos principais de células apresentadoras de antígenos são células dendríticas, macrófagos e células B, embora outras células, que expressem moléculas de MHC classe II, (e.g., células epiteliais do timo) possam agir como células apresentadoras de antígenos em alguns casos. Células dendríticas, que são encontradas na pele e outros tecidos, ingerem antígenos por pinocitose e transportam antígenos para os linfonodos e baço. Nos linfonodos e baço elas são encontrados predominantementemente nas áreas de células T. Células dendríticas são as células apresentadoras de antígenos mais eficientes e podem apresentar antígenos a células não iniciadas (virgens). Além disso, elas podem apresentar antígenos internalizados em associação com moléculas de MHC classe I ou classe II (apresentação cruzada), embora a via predominante para antígenos internalizados é a via de classe II. O segundo tipo de célula apresentadora de antígeno é o macrófago. Essas células ingerem antígenos por fagocitose ou pinocitose. Macrófagos não são tão eficientes na apresentação de antígenos a células T não iniciadas mas eles são muito bons na ativação de células T de memória. O terceito tipo de célula apresentadora de antígeno é a célula B. Essas células se ligam ao antígeno via sua Ig de superfície e ingere antígenos por pinocitose. Assim como macrófagos essas célula não são tão eficientes como as células dendríticas na apresentação de antígeno a células T não iniciadas. Células B são muito eficientes na apresentação de antígeno a células T de memória, especialmente quando a concentração de antígeno é baixa devido às Ig de superfície nas células B se ligarem a antígenos com alta afinidade.

4.5.1  Apresentação de superantígenos Superantígenos são antígenos que ativam células T policlonalmente para produzir grandes quantidades de citocinas que podem ter efeitos patológicos. Esses antígenos devem ser apresentados às células T em associação com moléculas de MHC classe II mas o antígeno não precisa ser processado. A figura 5 compara como antígenos convencionais e superantígenos são apresentados a células T. No caso de um superantígeno a proteína intata se liga a moléculas do MHC classe II e a uma ou mais regiões Vβ do TCR. O antígeno não é ligado à fenda de ligação ao peptídio da molécula de MHC ou à região de ligação ao antígeno do TCR. Assim, qualquer célula T que usa uma Vβ particular no seu TCR será

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ativada por um superantígeno, resultando na ativação de um grande número de células T. Cada superantígeno se ligará a um conjunto diferentes de regiões Vβ.

4.5.2  Papel do Timo Tanto células Th como Tc tem restrição do MHC ao próprio. Além disso, células T normalmente não reconhecem antígenos próprios. Como são geradas células T com restrição do MHC ao próprio e por que não são produzidas células T autorreativas? Rearranjos aleatórios VDJ nas células T poderiam gerar algumas células T que poderiam reconhecer antígenos próprios. É papel do timo se certificar de que somente células T que chegam à periferia tenham restrição do MHC ao próprio e que sejam incapazes de reagir com antígeno próprio. Células T funcionais na periferia têm que reconhecer antígenos estranhos associados com MHC próprio, porque células APC ou células alvo apresentam antígenos estranhos associados com MHC próprio. Entretanto, um indivíduo não precisa de células T funcionais na periferia que reconheçam antígenos (próprios ou estranhos) associados com MHC não-próprio. Um indivíduo especialmente não deseja células T funcionais na periferia que possam reconhecer antígenos próprios associados com MHC próprio porque eles poderiam levar a danos em tecidos sadios, normais. Como resultado de eventos de recombinação aleatória VDJ que ocorrem em células T imaturas no interior do timo, TCRs de todas as especificidades são produzidos. Processos no timo determinam quais as especificidades de TCR que serão mantidas. Há duas etapas sequenciais mostradas na Figura 6. Primeira, células T com a habilidade de se ligar a moléculas de MHC próprias expressadas pelas células epitelias corticais do timo são mantidas. Isso é conhecido como seleção positiva. Aqueles que não se ligam, entram em apoptose. Assim, células T com a habilidade de se ligar a moléculas de MHC próprias associadas com moléculas próprias expressadas pelas células epiteliais do timo, células dendríticas e macrófagos são mortas. Isso é conhecido como seleção negativa. Aqueles que não se ligam são mantidos. Como resultado dessas duas etapas, células T tendo um TCR que reconhece MHC próprio e antígeno estranho sobrevivem. Cada célua T que sobrevive a seleção positiva e negativa no timo e é liberada na periferia mantém seu receptor de célula T (TCR) específico. Enquanto a seleção positiva e negativa está ocorrendo no timo as células T imaturas estão também expressando antígenos CD4 ou CD8 nas suas

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superfícies. Inicialmente a célula pré-T que entra no timo é CD4-CD8-. No timo ela se torna CD4+CD8+ e à medida que a seleção positiva e negativa se processa a célula se torna ou uma célula CD4+ ou CD8+. O compromisso de se tornar células CD4+ ou CD8+ depende de qual seja a classe de molécula de MHC que a célula encontra. Se uma célula CD4+CD8+ é apresentada com uma molécula de classe I ela irá regular negativamente CD4 e se tornará uma célula CD8+. Se a célula é apresentada com uma molécula de MHC de classe II ela irá regular negativamente CD8 e se tornará uma célula CD4+.

4.5.3  Seleção negativa na periferia A seleção positiva e negativa no timo não é um processo 100% eficiente. Além disso, nem todos os antígenos próprios são expressados no timo. Assim, algumas células T autorreativas podem chegar à periferia. Assim, existem mecanismos adicionais elaborados para eliminar células T autorreativas na periferia. Esses serão discutidos na aula de tolerância. Uma vez que células B não têm restrição ao MHC não há necessidade de seleção positiva de células B. Entretanto, seleção negativa (i.e., eliminação de clones autorreativos) de células B é necessária. Isso ocorre durante o desenvolvimento de célula B na medula óssea. Entretanto, seleção negativa de células B não é crítica como no caso das células T uma vez que, na maioria das vezes, células B requerem a ajuda de célula T para se tornarem ativadas. Assim, se uma célula B autorreativa chega à periferia ela não será ativada devido à falta da ajuda da célula T.

4.6  Mecanismos efetores da resposta imune 4.6.1  Citocinas Citocinas são moléculas proteicas, glicosiladas ou não, que enviam diversos sinais estimulatórios, modulatórios ou mesmo inibitórios para as diferentes células do sistema imunológico. Tem função autócrina agindo na própria célula produtora, parácrina atuando em células próximas e endócrina quando sua ação é à distância. Atuam em concentrações baixíssimas e sua síntese habitualmente ocorre após estimulação antigênica.

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Os IFN-α e IFN-β (tipo 1) são produzidos por monócitos, macrófagos, células linfoblásticas, fi-broblastos e células infectadas por vírus. Existem 23 membros funcionais identificados como IFN tipo 1, além de análogos sintéticos, principalmente de IFN-β, como o consensus interferon1. O IFN-β apesar de agir nos mesmo receptores que IFN-α, tem atividade biológica mais diferenciada. As principais atividades biológicas dos interferons tipo 1 são a limitação da propagação de infecções virais e das parasitoses. Células infectadas por vírus produzem IFN-α e IFN-β. Estes irão atuar em outras células infectadas pelo mesmo vírus, fazendo com que o núcleo desta segunda célula sintetize uma proteína antiviral. IFN-α e, em menor grau IFN-β, atuam assim na res-

INTERFERONS

posta anti-viral basicamente de duas formas: degradando o mRNA-viral e inibindo a síntese proteica, com consequente inibição da replicação viral2. O IFN-β é uma molécula extremamente lipofílica, o que possibilita maior utilização clínica, podendo ser utilizado em injeções intralesionais, como no sarcoma de Kaposi1,3. Os interferons tipo1 são usados em doenças, como AIDS, em combinação a outras drogas. Doenças neurológicas como a esclerose múltipla são tratadas com sucesso através de injeções intramusculares de IFN -β. Nas hepatites virais B e C também são utilizados IFN-α como adjuvante no tratamento. Alguns carcinomas de células renais apresentam redução da massa neoplásica no tratamento com IFN-β e muitas vezes em associação com IL-2 e anticorpos monoclonais.

O IFN-γ, anteriormente denominado interferon imune, é produzido principalmente por células T, B e NK. É sinérgico ao IFN-α e IFN-β na atividade antiviral e antiparasitária, mas sua principal atividade é imunomoduladora. Assim, entre as principais atividades do IFN-γ encontram-se a inibição da proliferação de células que sintetizam IL-4, IL-5, IL-6, IL-10, IL-13 e a diminuição da produção de algumas imunoglobulinas em situações especiais, como IgG, e IgE. O IFN-γ aumenta a expressão dos genes do MHC classe I e II. Em monócitos

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e macrófagos estimula a produção de receptores de alta afinidade para IgG (FcgRI), além de induzir a síntese de TNF-α por estas células. As células T auxiliares em repouso (Th0) podem se diferenciar em Th1 ou Th2 conforme as citocinas produzidas. Th1 são responsáveis pela síntese de IL-2, IFN-γ, IL-12, IL-16, IL-18, todas aumentando a resposta inflamatória, enquanto que Th2 tem como característica a produção de IL-2, IL-4, IL-5, IL-6, IL-10, e IL-13, as quais podem atuar na defesa contra parasitas e fa-zer parte dos processos alérgicos. IFN-γ é indutor da IL-2 agindo no perfil da resposta imunológica Th2 para Th12. Os análogos sintéticos de IFN-γ também têm uso clínico, apesar de acentuados efeitos colateral. O IFN-γ-1b em associação à prednisolona retarda a progressão da fibrose pulmonar idiopá-tica, mas não impede sua evolução. Neoplasias como o melanoma maligno apresentam menor recidiva quando no pré-operatório é utilizado IFN-γ, sendo que IFN-α-2b e IL-12 podem reduzir a dose de IFN-γ quando administrados em conjunto9. Existem ainda evidências que o IFN-γ esteja envolvido na patogênese da arteriosclerose. Monócitos e macrófagos são a principal fonte de IL-1, produzindo principalmente IL-1γ, enquanto os queratinócitos produzem IL-1γ. Outros tipos celulares podem produzir IL-

INTERLEUCINA-1

1, como células endoteliais, fibroblastos, miócitos, células de Langerhans e linfócitos B e T10. Macrófagos infectados por vírus produzem grandes quantidades de IL-1γ. A síntese de IL-1 pode ser induzida por TNF-α, IFN-α, β e g, LPS, vírus e antígenos.

As formas a e β da IL-1 têm atividades semelhantes, entretanto, uma terceira forma descrita, a IL-1γ, também chamada antagonista de receptor de IL-1, é um inibidor competitivo, bloqueando os efeitos da IL-111. Uso de IL-1γ pode prevenir efeitos maléficos da IL-1. As ações da IL-1 (a e β) podem ser diretas ou através de mediadores, como PGE2, CSF’s, IL-6 e IL-812. As atividades biológicas primordiais da IL-1 incluem a estimulação de células CD4+ a que secretem IL-2 e produzam receptores para a IL-2; proliferação e ativação de linfócitos B, neutrófilos, monócitos/macrófagos, aumentando as atividades quimiotáticas e fagocitárias. Estimula a adesão de leucócitos, aumenta a expressão das moléculas de adesão pelas células endoteliais, inibe a

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proliferação das células endoteliais, aumenta a atividade de coagulação, tendo participação na gênese da coagulação intravascular disseminada. A IL-1 também estimula hepatócitos a produzirem proteínas de fase aguda de inflamação. Ainda estimula a hematopoese, tanto por atuar na própria célula primordial quanto por aumentar a liberação de CSF’s, tendo ação sinérgica a estes. Pode ser utilizada com a finalidade de aumentar a hematopoese. A IL-1β atua no hipotálamo, exercendo a função de pirógeno endógeno; origina ainda uma alça de inibição da sua própria produção, pois estimula a liberação de CRH pela hipófise posterior. CRH atua na hipófise anterior fazendo com que haja liberação de ACTH, o qual estimula a região fasciculada do córtex da adrenal, aumentando a produção de corticosteróides, os que irão inibir a síntese primária de IL-1 e são responsáveis pela hiperglicemia em pacientes diabéticos com processo infeccioso. Também atua aumentando a atividade de osteoclastos e adipócitos, sendo grande responsável pelo emagrecimento e tendência a fraturas de pacientes com processos infecciosos crônicos. A IL-1γ pode ser utilizada em doenças inflamatória crônicas progressivas, retardando o curso natural da doença. Sintetizado principalmente por macrófagos, sendo que monócitos, neutrófilos, células T e NK, após estimulação por LPS, também o sintetizam. A produção é estimula-

FATOR DE NECROSE TUMORAL (TNF)

da por IFN, IL-1, IL-2, GM-CSF, substância P, bradicinina, imunocomplexos, inibidores da cicloxigenase e PAF. A produção é inibida por ciclosporina, dexametasona, PGE2, IL-6 e antagonistas do PAF. TNF-α e TNF-β ligam-se aos mesmos receptores no início, mas intracelularmente, após a endocitose deste complexo, exercem atividades distintas.

A principal atividade biológica do TNF é uma acentuada citólise e citoestase em diferentes linhagens neoplásicas, tendo ação antitumoral importantíssima. É o principal mediador na caquexia das neoplasias malignas. As demais ações do TNF são semelhantes às da IL-1. As alterações endoteliais, principalmente a perda da função de diminuição de coagulação, a atividade quimiotática e estímulo ao metabolismo oxidativo de fagócitos são ações do TNF

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compartilhadas com a IL-1. Tem também atividade de pirógeno endógeno, aumenta a reabsorção óssea, a atividade de adipócitos e a expressão de MHC-I e II. Diferentemente da IL-1, o TNF não tem ação em córtex da adrenal. Estimula a produção de IL-6 fazendo com que os hepatócitos produzam proteínas da fase aguda da inflamação. Altas concentrações de TNF no sangue de pacientes com septicemias correlacionam-se com a piora do prognóstico18. Em animais de laboratório, injeções de TNF, mesmo na ausência de bactérias, levam a quadro semelhante ao choque séptico, sugerindo uma importante ação deletéria quando sintetizado em quantidades excessivas. O TNF também pode ser útil no tratamento de neoplasias secundárias a AIDS, principalmente no sarcoma de Kaposi. Injeções intralesionais ou sistêmicas são aplicadas, havendo certa regressão da neoplasia. Receptores solúveis de TNF (sTNF-R1) podem ser utilizados como adjuvante na terapêutica convencional. É produzida principalmente por células T ativadas, principalmente CD4+, sendo sintetizada em menor quantidade por células B e monócitos. O principal estímulo para sua produção são as bactérias e seus

INTERLEUCINA-2

produtos; alguns parasitas também podem induzir sua síntese, além de outras citocinas como IFN-α e IL-1. São necessários sinais, principalmente presença de IFN-α e IL-1 para que haja máxima produção de IL-2. A síntese desta citocina pode ser inibida por ciclosporina A e dexametasona.

Suas atividades são mediadas por um receptor de membrana, expresso em células T ativadas, em menor número em T não ativadas e B ativadas; monócitos raramente expressam este receptor. Existem três tipos de receptores de afinidades alta, baixa e intermediária. A subunidade g deste receptor (necessária para os de alta afinidade e os de afinidade intermediária) faz parte dos receptores de IL-4, IL-7 e provavelmente também dos receptores de IL-13. A IL-2 é o principal fator estimulador de células T, sendo um fator de crescimento e ativação para todas as subpopulações de linfócitos T, induzindo ciclo

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celular para células T não ativadas e expansão clonal de células T ativadas. É um agente proliferativo antígeno inespecífico. Ativa ainda célula B, necessitando para tal de fatores adicionais, como IL-4. Estimula a proliferação e ativação de células NK, tendo assim atividade anti-humoral. Promove a síntese de IL-1, TNF-α, TNF-β, sendo esta ação mediada pela produção de IFN-γ. Terapia anti-humoral associada à administração de IL-2 tem apresentado remissões em até 30% dos pacientes com carcinoma renal metastático, aumentando também a sobrevida de pacientes com melanoma e leucemia mielóide aguda21. Imunodeficiências celulares e humorais têm apresentado bons resultados com a administração de IL-2. Interleucina-12, IL-18 e IL-20: O mRNA codificante da IL-18 e da IL-12 pode ser encontrado nas células de Kupffer e em macrófagos ativados, suas principais fontes. Também chamada de IGIF (fator indutor de in-

INTERLEUCINA-12, IL-18 E IL-20

terferon γ), a IL-18 não tem estrutura similar às outras proteínas. Os receptores da IL-18 foram primeiro identificados em células de linhagem 428 da doença de Hodgkin, podendo ser um dos fatores de crescimento e de marcadores prognósticos da doença. Estes receptores depois de clonados mostraram-se idênticos ao IL-1Rp (proteína receptora de IL-1).

A ação principal da IL-12 é estimular células NK, efeito bloqueado por anticorpos anti-TNF-α. Aumenta a síntese de IFN-γ em linfócitos periféricos. Está envolvida na seleção do isotipo de imunoglobulinas, inibindo a síntese de IgE. A IL-18 ativa células NK, leva a proliferação de linfócitos T, e estimula a produção de GM-CSF, além de inibir a produção de IL-10. Aumenta a produção de IL-12, apresentando sinergismo com esta citocina para a produção de IFN-γ. Há dois receptores descritos para IL-20: α e β, ambos presentes em quantidades consideravelmente altas nas células da epiderme, sendo que o receptor a está presente também em outros locais, como líquido sinivial e fígado. A IL-20 é uma citocina estimulatória. Sua atividade biológica primordial é promover a proliferação e a ativação de linfócitos nas respostas

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antígeno-específicas. Não atua na migração de neutrófilos. Ativa ainda a proliferação de queratinócitos, tendo importância na gênese da psoríase. A IL-3 é sintetizada principalmente por células T ativadas por antígenos e mitógenos, mas queratinócitos, células NK, células endoteliais também podem sinte-

INTERLEUCINA-3, IL-7, IL-9 E IL-11

tizar IL-3. Sua produção pode ser inibida por substâncias inativadoras de linfócitos. A IL-3 habitualmente associa-se à matriz extracelular, formando complexos com heparam/sulfato, mas ainda assim exerce ação parácrina. Os mecanismos pelos quais dissocia-se da matriz extra-celular, ainda não foram bem elucidados.

Macrófagos, mastócitos, eosinófilos, megacariócitos, basófilos e células progenitoras da medula óssea produzem e expressam receptores para esta citocina, os quais também podem ser encontrados em leucemia mielóide crônica, participando da patogênese desta. Uma subunidade do receptor conhecida como β (beta) C está envolvida na formação de receptores para IL-3, IL-5 e para GM-CSF. A IL-3 é uma citocina que liga o sistema imune ao sistema hematopoético, favorecendo a proliferação e o desenvolvimento de várias linhagens celulares como os granulócitos, macrófagos, eritrócitos e megacariócitos. Sua presença não é obrigada para que haja o desenvolvimento da hematopoese normal. Clinicamente pode ser útil no tratamento da aplasia de medula ou na prevenção da mielotoxicidade causada por outras drogas. A IL-7 é secretada por células estromais da medula óssea e também por células tímicas. Receptores de IL-7 são expressos em células pré-B e em suas progenitoras. Basicamente esta citocina estimula a proliferação das células precursoras de linfócitos B, sem afetar sua diferenciação, sendo também um dos marcadores mais precoces da rejeição de enxertos. Estimula ainda a maturação de megacariócitos. A IL-9 é produzida por células CD4+ estimuladas por mitógenos ou antígenos. Seu efeito principal sobre as células do sistema imune é a proliferação principalmente de células CD4+, mastócitos/macrófagos, sendo este efeito

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acentuado na medula óssea em presença de IL-3. Estimula blastos formadores de colônias de eosinófilos a responderem a IL-3. A IL-11 é produzida por fibroblastos do estroma da medula óssea e um grande número de células mesenquimais32. Biologicamente IL-11 promove a resposta imune primária e secundária, modulando reações antígeno específicas. Apresenta ação sinérgica com a IL-6, G-CSF, IL-3 em relação às colônias de megacariócitos, sendo um importante regulador da megacariopoese. Está ainda envolvida na patogênese da leucemia mielóide aguda M7. A IL-4 é uma citocina sintetizada por células Th2, entretanto existem dúvidas se esta seria

INTERLEUCINA-4, IL-5, IL-6, IL-10, IL-13 E IL-19

a principal citocina de células Th2, ou se seria IL-5 ou IL-6. As células Th1 também podem produzi-la, mas em quantidades menores quando comparadas à população Th2.

A atividade principal da IL-4 é determinar o perfil da resposta imune em Th2. A IL-4 induz a proliferação e diferenciação de células B, aumenta a expressão de MHC-II, possibilitando maior ativação de Th2. aumenta ainda a expressão de receptores de alta afinidade para IgE (FcεRI) em mastócitos e basófilos e de baixa afinidade para IgE (FcεRII) em células B não-ativadas34. Nas células B ativadas estimula a síntese principalmente de IgE e de IgG1, sendo seu efeito antagonizado por IFN-g35. A IL-5 é produzida principalmente por linfócitos T36. A IL-5 é um fator específico de crescimento e diferenciação dos eosinófilos. Produz o crescimento das células BFU-E, mas não causa diferenciação de células primordiais em CFU-E. Assim, estimula a proliferação de precursores e ativação de eosinófilos. Em células B atua como importante fator na mudança de classe para produção de IgA. A IL-6 pode ser produzida por vários tipos celulares, sendo as células B, T e monócitos as principais fontes. Os estímulos para a sua síntese são IL-1, LPS e TNF. Os antibióticos macrolídeos podem atuar estimulando sua síntese por monócitos. Os glicocorticoides inibem a síntese de IL-6, enquanto TGF-β apenas a diminui. A IL-6 é uma citocina pleiotrópica que influencia respostas imune antígeno específicas e rea-ções inflamatórias, sendo um dos maiores mediadores da fase

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aguda da inflamação. Estimula a produção de proteínas da fase aguda da inflamação nos hepatócitos e aumenta a concentração de zinco intracelular nestas células o que, teoricamente, previne a toxicidade causada pelo tetracloreto de metila. Tem ainda ação importante na atração de eosinófilos para o local de inflamação. Assim como a IL-1, a IL-6 também estimula a produção de ACTH pela hipófise, estabelecendo um “feedback negativo” entre o sistema imune e o eixo neuroendócrino. A IL-10 é produzida principalmente por células CD8+ ativadas. Células Th0, Th1, Th2 ativadas, linfócitos B, mastócitos e monócitos ativados por LPS também podem produzir IL-10, sendo fontes menos importantes. Pacientes com AIDS e linfoma de Burkitt secretam grandes quantidades de IL-10. A síntese é inibida por IL-4 e pela própria IL-10. O efeito principal da IL-10 é inibir a síntese de outras citocinas, como o IFN-g, IL-2, IL-12, TNF-β. Inibe ainda a proliferação de células Th1, mas não de Th2, diminuindo ainda a função citolítica e secretora de citocinas por Th1 e facilitando o desenvolvimento de respostas Th240. IL-10 atua como um co-estimulador para a proliferação de mastócitos e seus progenitores. É ainda co-estimulador no crescimento dos timócitos imaturos, agindo como fator de diferenciação para as células T citotóxicas, sendo esta ação de menos intensidade. A IL-13 é produzida por células Th0, Th1, Th2 e CD8+, mas não se expressa no coração, pulmão, cérebro, placenta, fígado ou músculo esquelético. A IL-13 inibe a atividade quimiotática e fagocitária de monócitos/macrófagos; reduz expressão de citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6, IL-8, IL-10, IL-12) e quimiocinas (MIP-1 e MCP); aumenta a produção de IL-1γ. Desta forma IL-13 atua diminuindo a resposta inflamatória. Por outro lado, a IL-13 induz a diferenciação de monócitos e de células B, aumentando os níveis de IgM, IgG, mas não de IgA e é sinérgica quanto à produção de IFN-γ por linfócitos grandes granulares, sendo estas ações inflamatórias bem menos intensas, que muitas vezes e útil para conter infecções virais. A estrutura química da IL-19 lembra a da IL-10, com 5943 pares bases. Apresenta cerca de 21% de homologia com a estrutura quaternária da IL-10 humana. Apenas um receptor foi descrito. A IL-19 é produzida pelo estímulo de lipopolissacarídeos bacterianos, sendo potencializada por IL-4, IL-13 e GM-CSF. Sua síntese é feita principalmente por monócitos ativados. Quanto à atividade biológica, a IL-19 faz parte do grupo de citocinas que inibe a resposta imunológica, tanto por ação direta nas células inflamatórias,

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quanto pela inibição de outras citocinas, tendo como efeito importante a diminuição da síntese de IL-2. Produzida principalmente por monócitos/macrófagos e em menor quantidade por fibroblastos, células endoteliais, queratinócitos, melanócitos, hepatócitos e

INTERLEUCINA-8

condrócitos. Seus estímulos normalmente são a IL-1, TNF-α e IFN-γ. Pode ser inibi-da por corticosteróides e ciclosporina A. É uma quimiocina: aumenta a quimiocinese e é fator qui-miotático.

A principal ação da IL-8 é o grande estímulo migratório para as células do sistema imune, principalmente neutrófilos, determinando ainda um aumento da expressão de moléculas de adesão por células endoteliais. Também ativa polimorfonucleares neutrofílicos, aumentando o metabolismo oxidativo. Antagoniza a produção de IgE estimulada pela IL-4, mas não afeta a produção das demais imunoglobulinas. Altas concentrações são observadas em psoríases, o que pode explicar a paraceratose e a hiper-ceratose observadas, uma vez que esta citocina estimula a divisão dos queratinócitos. Os micro-abscessos de Munro também podem ser atribuídos a esta citocina, pois são formados por neutro-filos. IL-14, também chamada HMW-BCGF (fator de crescimento de células B de alto peso molecular), é isolada de células T e de algumas linhagens de B após estimulação com fitohemaglutinina. É

INTERLEUCINA-14, IL-15, IL-16 E IL-17

mitógeno para células B48. Propriedades antigênicas e atividades funcionais desta citocina mostram pronunciada homologia ao fator Bb do complemento. Anticorpos contra IL-14 afetam também o fator Bb e inibem a atividade mitogênica das células B sensíveis a IL-14.

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A IL-15 é produzida principalmente por monócitos, mas astrócitos e micróglia fetal também podem produzi-la, em resposta a IL-1-β, IFN-γ, TNF-α, sugerindo que esta citocina tenha importância na resposta imune mediada por células T no SNC. Algumas atividades da IL-15 lembram atividades da IL-2, mas diferem quanto à expressão e secreção. Seus principais alvos são linfócitos T e B ativados, levando ambos à proliferação, em especial células CD8+. Induz a proliferação de mastócitos e parece ativar células NK. A IL-16 é secretada por células CD8+ e, em menor grau, por eosinófilos, em resposta à histamina liberada. É um potente fator quimiotático para linfócitos, sendo seu principal alvo células CD4+. Em também alguma ação quimiotática pa-ramonócitos e eosinófilos. A descoberta de que células CD4+ transfectadas com a proteína IL-16 (130 aminoácidos) mostram-se resistentes à infecção pelo HIV-1, a transformou em alvo de intensas pesquisas. A IL-16 também impede a replicação do SIV e do HIV, por mecanismos ainda obscuros. A IL-17 é produzida principalmente por células T CD4+, mas células epiteliais, fibroblastos e células endoteliais também a produzem51. A IL-17 aumenta a expressão de ICAM-1 em fibroblastos, epitélios, endotélios e estimula a secreção de IL-6, IL-8, GM-CSF, PGE2 por estas células. Mantém a proliferação de progenitores hematopoéticos e sua maturação preferencial em neutrófilos. Citocinas são um grupo heterogêneo de moléculas, tendo ações antagônicas, porém muito bem balanceadas. Existem citocinas que podem ser consideradas como “inflamatórias”, pois aumentam as diferentes etapas da resposta imunológica: IL-1 IL-2, IL-6, IL-9, IL-12, IL-14, IL-15, IL-16, IL-17, IL-18, IL-20 TNF e IFNa. Outras citocinas atuam preferencialmente na maturação de células, sendo exemplos principais a IL-3, IL-7, IL-9, IL-11, e os fatores estimuladores de crescimento de colônias. IL-4, IL-5, IL-6 atuam na defesa contra parasitas tendo também importância nos processos alérgicos. A IL-8 agrupa os fatores quimiotáticos. Outras citocinas atuam como imunomoduladoras, como IL-2, TNF-g, IL-10, IL-13, IL-19 sendo as IL-10, IL-13 e IL-19 imunossupressoras. Distúrbios no equilíbrio da produção e liberação das citocinas têm papel significativo no desencadeamento e agravamento de diversas patologias e a elucidação deste papel será importante para compreender a patogenia e para influir no seu controle.

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4.7  Existem dois tipos de imunidade: É a imunidade presente desde o nascimento, sem especificidade nem “memória imunológica”. É a defesa de primeira linha contra os organismos desconhecidos, invasores, sendo

IMUNIDADE INATA

que a exposição não muda sua intensidade. Os três componentes da imunidade inata são: físico – químico (pele, secreções, mucosas e cílios); humoral (complemento, opsoninas e enzimas presentes nas secreções, mucosas, sangue, etc.) e celular (célula NK, neutrófilo, eosinófilo e o mastócito). A imunidade inata protege contra fungos, vermes e bactérias.

Também conhecida como específica ou adaptativa, é ausente no nascimento, sendo adquirida por meio da exposição, que

IMUNIDADE ADQUIRIDA

aliás, aumenta sua intensidade. Tem memória é especificidade. Seus componentes são os produtos secretados e células (linfócitos). A imunidade adquirida protege contra vírus, bactérias (inclusive infecções intracelulares) e protozoários.

Qualquer disfunção no complexo sistema imunológico aumenta o risco de infecções, doenças auto-imunes e até mesmo câncer. A isso se dá o nome de imunodeficiência, sendo que tal quadro pode surgir causado por anormalidades genéticas ou congênitas (evento primário), ou surgir como conseqüência de um tratamento, ou outras condições (como uso de esteróides ou imunossupressão para transplantes de medula ou órgãos).

4.8  Imunidade mediada por células 4.8.1  Papel central das células Th nas respostas imunes Há três subpopulações de células Th: Células Th0, Th1 e Th2. Quando células não iniciadas Th0 encontram um antígeno em tecidos linfóides secundários, elas são capazes de se diferenciar em células inflamatórias Th1 ou em

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células auxiliares Th2, que podem ser distinguidas pelas citocinas que elas produzem. Se uma célula Th0 se torna uma Th1 ou uma Th2 depende das citocinas no meio, que são influenciadas pelo antígeno. Por exemplo, alguns antígenos estimulam a produção de IL-4 o que favorece a geração de células Th2 enquanto que outros antígenos estimulam a produção de IL-12, que favorece a geração de células Th1. Células Th1 e Th2 afetam células diferentes e influenciam o tipo da resposta imune. Citocinas produzidas pelas células Th1 ativam macrófagos e participam na geração de células Tc, resultando em uma resposta imune mediada por células. Contrariamente, citocinas produzidas pelas células Th2 ajudam a ativar células B, resultando na produção de anticorpos. Além disso, citocinas Th2 também ativam granulócitos. Igualmente importante, cada subpopulação pode exercer influências inibitórias uma em relação à outra. IFN-γ produzido pelas células Th1 inibem a proliferação de células Th2 e Il-10 produzida pelas células Th2 inibe a produção de IFN- pelas células Th1. Além disso, embora não mostrado, IL-4 inibe a produção de células Th1. Assim, a resposta imune é dirigida ao tipo de resposta que é requerida para lidar com o patógeno encontrado – respostas mediadas por células para patógenos intracelulares ou respostas humorais contra patógenos extracelulares.

4.8.2  Interações célula-célula em respostas por anticorpos a antígenos exógenos dependentes de células T a) Modêlo do carreador-hapteno Historicamente, uma das mais importantes descobertas em imunologia foi que células T e células B eram necessárias para a produção de anticorpos para uma proteína complexa. Uma grande contribuição para a nossa compreensão deste processo veio de estudos de formação de anticorpos anti-hapteno. Estudos com conjugados carreador-hapteno estabeleceram que: 1) Células Th2 reconheceram os determinantes em carreadores e células B reconheceram os determinantes em haptenos; 2) interações entre células B hapteno-específicas e células Th carreador-específicas apresentavam restrição ao MHC; e 3) Células B podem atuar tanto no reconhecimento como na apresentação do antígeno. Células B ocupam uma posição especial nas respostas imunes porque elas expressam imunoglobulina (Ig) e moléculas de MHC classe II na sua superfície. Elas são portanto capazes de produzir anticorpos que têm a mesma

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especificidade que é expressa pelos seus receptores de imunoglobulina; além disso elas podem funcionar como uma célula apresentadora de antígeno. Em termos do modêlo conjugado carreador-hapteno, acredita-se que o mecanismo seja o seguinte: o hapteno é reconhecido pelo receptor de Ig, o carreador-hapteno é trazido para o interior da célula B, processado, e os fragmentos peptídicos da proteína carreadora são apresentados à célula T auxiliar. A ativação da célula T leva à produção de citocinas que fazem com que as células B hapteno-específicas se tornem ativadas para produzir anticorpos solúveis anti-hapteno. A figura 4 sumariza as interações que ocorrem entre célula B e célula T. Observe que há sinais múltiplos emitidos às células B neste modêlo de interação de células Th2-célula B. Como no caso da ativação de células T onde o sinal derivado do reconhecimento pelo TCR de uma molécula peptídio-MHC que foi por si só insuficiente para a ativação da célula T, o mesmo acontece para a célula B. A ligação de um antígeno ao receptor de imunoglobulina libera um sinal para a célula B, mas este é insuficiente. Sinais secundários liberados pelas moléculas co-estimulatórias são necessários; o mais importante destes é CD40L na célula T que liga a CD40 na célula B para iniciar a liberação de um segundo sinal. b) Respostas humorais primárias Células B não são as melhores células apresentadoras de antígenos em uma resposta humoral primária; células dendríticas ou macrófagos são mais eficientes. Entretanto, com algumas poucas modificações o modelo carreador-hapteno de interações célula-célula descrito acima também se aplica para interações em uma resposta humoral primária. Em uma resposta primária a célula Th2 encontra primeiro o antígeno apresentado pelas células dendríticas ou macrófagos. A célula Th2 “iniciada” pode então interagir com células B que encontraram antígeno e estão apresentando peptídios em associação com moléculas de MHC classe II. As células B ainda requerem dois sinais para a ativação – um sinal é a ligação do antígeno à Ig de superfície e o segundo sinal vem do acoplamento CD40/ligante CD40 durante a interação célula-célula de Th2/B. Além disso, citocinas produzidas pelas células Th2 ajudam as células B a proliferarem e se diferenciarem em plasmócitos secretores de anticorpos.

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c) Respostas humorais secundárias Como consequência da resposta primária, muitas células de memória T e células B são produzidas. Células B de memória têm um receptor de Ig de alta afinidade (devido à maturação de afinidade), que os permite ligar e apresentar antígeno em concentrações muito menores do que é necessário para macrófagos ou células dendríticas. Além disso, células T de memória são mais facilmente ativadas do que células T não iniciadas. Assim, interações celulares B/Th são suficientes para gerar respostas humorais secundárias. Não é necessário (embora possa ocorrer) “iniciar” células Th de memória com antígenos apresentados pelas células dendríticas ou macrófagos. d) Mudança de classe Citocinas produzidas por células Th2 ativadas não apenas estimulam a proliferação e diferenciação de células B, elas ajudam a regular a classe do anticorpo produzido. Diferentes citocinas influenciam a mudança para classes diferentes de anticorpos com diferentes funções. Dessa forma a resposta humoral é desenhada para se ajustar ao tipo de patógeno encontrado (ex. Anticorpos IgE para infecções parasitárias por vermes).

4.8.3  Interações célula-célula em respostas humorais a antígenos exógenos independentes de células T Respostas humorais a antígenos independentes de células T (T-independentes) não requerem interações célula-célula. A natureza polimérica desses antígenos permite a ligação cruzada de receptores de antígenos em células B resultando na ativação. Não ocorre resposta secundária, maturação de afinidade ou mudança de classe. Respostas a antígenos T-independentes são devidas à ativação de uma subpopulação de células B chamada células CD5+ B (também chamadas células B1), que as distinguem das células B convencionais que são CD5- (também chamadas células B2).

Células CD5+ (B1) Células CD5+ são as primeiras células B a aparecerem na ontogenia. Elas expressam IgM de superfície mas muito pouco ou nenhum IgD e elas produzem primariamente anticorpos IgM de genes da linhagem germinativa minima-

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mente e somaticamente mutados. Anticorpos produzidos por essas células são de baixa afinidade e são frequentemente poli-reativos (ligam múltiplos antígenos). A maioria das IgM no soro é derivada de células B CD5+. Células B CD5+ não produzem células de memória. Uma característica importante dessas células é que elas se auto-renovam, contrariamente às células B convencionais que precisam ser substituidas na medula óssea. Células B CD5+ são encontradas em tecidos periféricos e são a célula B predominante na cavidade peritoneal. Células B1 são uma defesa importante contra muitos patógenos bacterianos que caracteristicamente têm polissacarídeos nas suas paredes celulares. A importância dessas células na imunidade é ilustrada pelo fato de que muitos indivíduos com defeitos em células T ainda são capazes de resistir a muitos patógenos bacterianos.

4.8.4  Interações célula-célula em imunidade mediada por células (geração de células Tc em resposta a antígenos endógenos no citosol) Linfócitos T citotóxicos não estão totalmente maduros quando eles deixam o timo. Eles têm um TCR funcional que reconhece antígeno, mas eles não lisam uma célula-alvo. Eles precisam diferenciar-se em células efetoras totalmente funcionais. Células citotóxicas diferenciam-se a partir de uma "pré-LTC" em resposta a dois sinais: Antígeno específico associado com MHC classe I, em uma célula estimuladora Citocinas produzidas por células Th1, especialmente IL-2, e IFN-gama. Isto é mostrado na. a) Aspectos da lise mediada por LTC 1. A morte por LTC é antígeno-específica. Para ser morta por uma LTC, a célula-alvo deve carregar o mesmo antígeno associado a MHC classe I que disparou a diferenciação do pré-LTC. 2. A morte por LTC requer contato celular. LTCs são estimuladas a matar quando elas reconhecem o antígeno alvo associado com uma molécula de MHC de superfície. Células adjascentes desprovidas do alvo apropriado antígeno-MHC não são afetadas. 3. LTCs não são comprometidas quando elas lisam as células-alvos. Cada LTC é capaz de matar sequencialmente inúmeras células-alvos.

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b) Mecanismos de morte mediada por LTC LTCs utilizam vários mecanismos para matar células-alvos, alguns dos quais requerem contato direto célula-célula e outros resultam da produção de certas citocinas. Em todos os casos a morte das células-alvos é resultado de apoptose. 1. Morte mediada por Fas- e TNF: Assim que são produzidas as LTCs expressam o ligante Fas na sua superfície, que se liga aos receptores Fas nas células-alvos. Além disso, TNF- secretado pelas LTCs podem se ligar aos receptores de TNF nas células-alvos. Os receptores de Fas e TNF são famílias de receptores estreitamente relacionadas, quando encontram seus ligantes, pois encurtam os receptores. Esses receptores também contém domínios de morte na porção citoplasmática do receptor, que após o encurtamento pode ativar caspases que induzem apoptose na célula-alvo. 2. Morte mediada por grânulos: LTCSs totalmente diferenciadas têm numerosos grânulos que contém perforina e granzimas. Por ocasião do contato com células-alvos, perforina é liberada e polimeriza a formação de canais na membrana da célula-alvo. Granzimas, que são proteases de serina, penetram na célula-alvo através dos canais e ativam caspases e nucleases na célula-alvo resultando em apoptose.

4.8.5  Interações célula-célula na imunidade mediada por células (ativação de macrófagos em resposta a antígenos endógenos em vesículas) Macrófagos têm um papel central no sistema imune e estão envolvidos em: •  Defesa inicial como parte do sistema imune inato •  Apresentação de antígeno a células Th •  Várias funções efetoras (ex., produção de citocina, atividade bactericida e tumoricida). De fato macrófagos têm um papel importante não somente na imunidade mas também na reorganização dos tecidos. Entretanto, devido à sua potente atividade, macrófago pode também danificar tecidos. A Tabela a serguir sumariza as várias funções dos macrófagos na imunidade e na inflamação.

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Inflamação – Febre

Dano em tecidos

Produção de:

Hidrolases

IL-6, TNF alfa, IL-1 – age como pirogênico

Produção de peróxido de hidrogênio C3a do complemento Produção de TNF alfa

Imunidade

Ação antimicrobiana

Seleção de linfócitos a serem ativa-

Produção oxigênio dependente de:

dos

peróxido de hidrogênio

IL-12 resulta na ativação de Th1

superóxido

IL-10 resulta na ativação de Th2

radical hidroxílico

Ativação de linfócitos:

ácido hipocloroso

Produção de IL-1 Processamento e apresentação de antígeno

Produção oxigênioindependente de: hidrolases ácidas proteínas catiônicas lisozima

Reorganização de tecidos

Atividade anti-tumoral

Secreção de uma variedade de fatores:

Fatores tóxicos

Enzimas degradativas (elastase,

Peróxido de hidrogênio

hialuronidase,colagenase)

C3a do complemento

Fatores de estimulação de

Proteases

fibroblastos

Arginase

Estimulação de angiogênese

Óxido nítrico TNF alfa

Muitas destas funções dos macrófagos podem ser realizadas apenas por macrófagos ativados. A ativação de macrófagos pode ser definida como alterações quantitativas na expressão de vários produtos gênicos que permitem o macrófago ativado executar algumas funções que não podem ser realizadas por macrófagos não ativados.

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A ativação de macrófagos é uma função importante das células Th1. Quando as células Th1 são ativadas por uma APC tal como um macrófago, elas liberam IFN-, que é um dos dois sinais necessários para ativar um macrófago. Lipopolissacarídios (LPS) de bactéria ou TNF-α produzido por macrófagos expostos a produtos bacterianos liberam o segundo sinal. Mecanismos efetores empregados pelos macrófagos incluem a produção de: •  TNF-, que pode induzir a apoptose •  Óxido nítrico e outros intermediários reativos de nitrogênio •  Intermediários reativos de oxigênio •  Proteínas catiônicas e enzimas hidrofóbicas; citotoxicidade celulas dependente de anticorpo (ADCC) Ativação de macrófago por células Th1 é muito importante na proteção contra muitos patógenos diferentes. Por exemplo, Pneumocystis carinii, um patógeno extracelular, é controlado em indivíduos normais por macrófagos ativados; é, entretanto, uma causa de morte comum em pacientes com AIDS porque eles são deficientes em células Th1. Similarmente, Mycobacterium tuberculosis, um patógeno intracelular que reside em vesículas, não é eficientemente morto por macrófagos a menos que eles sejam ativados; consequentemente esta infecção é um problema em pacientes com AIDS.

4.8.6  Interações célula-célula em imunidade mediada por células (ativação de células Nk) Citocinas produzidas por célulaxs Th1 ativadas, particularmente Il-2 e IFN-, também ativam células NK para se tornarem células assassinas ativadas por linfocina (células LAK). Células LAK são capazes de matar células infectadas por virus ou células tumorais de maneira não restrita ao MHC. De fato, a susceptibilidade de células-alvos à morte por células NK e LAK é inversamente proporcional à expressão de moléculas de MHC de classe I. Os mecanismos efetores usados pelas células NK e LAK para matar células alvos é similar ao usado pelas LTCs (ex., perforina e granzimas). Células NK e LAK são também capazes de matar células cobertas por anticorpos por ADCC.

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4.9  Imunidade dos microrganismos A interação do sistema imunológico com organismos infecciosos é um jogo dinâmico dos mecanismos do hospedeiro visando a eliminar as infecções e as estratégias microbianas projetadas para permitir a sobrevivência em face dos poderosos mecanismos de defesa. Diferentes tipos de agentes infecciosos estimulam tipos distintos de respostas imunológicas e desenvolveram mecanismos ímpares para escapar da imunidade. Em algumas infecções, a resposta imunológica é causa da lesão tecidual e da doença. A imunidade natural contra as bactérias extra-celulares é mediada pelos fagócitos e pelo sistema de complemento (as vias alternativa e de lectina). A principal resposta imunológica adquirida contra bactérias extra-celulares consiste em anticorpos específicos que opsonizam as bactérias para a fagocitose e ativam o sistema do complemento. As toxinas produzidas por tais bactérias também são neutralizadas por anticorpos específicos. Algumas toxinas bacterianas são indutoras potentes de produção de citocina, e as citocinas respondem pela maior parte da doença sistêmica associada a infecções graves, disseminadas por esses microrganismos. A imunidade natural contra bactérias intra-celulares é mediada principalmente pelos macrófagos. Entretanto, as bactérias intra-celulares são capazes de sobreviver e se replicar dentro das células do hospedeiro, incluindo os fagócitos, porque elas desenvolveram mecanismos para resistir á degradação dentro dos fagócitos. A imunidade adquirida contra as bactérias intra-celulares é principalmente mediada por células e consiste na ativação de macrófagos por células T CD4+ (como na DTH), bem como na destruição de células infectadas pelos CTLs CD8+. A resposta patológica característica á infecção por bactérias intra-celulares é a inflamação granulomatosa. As respostas protetoras aos fungos consistem principalmente em imunidade natural, mediada por neutrófilos e macrófagos, e imunidade adquirida, mediada por células e humoral. Os fungos são, em geral, imediatamente eliminados pelos fagócitos e por um sistema imunológico competente, razão pela qual as infecções fúngicas disseminadas são vistas principalmente em pessoas imuno-deficientes.

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A imunidade natural contra vírus é mediada por IFNs tipo I e células NK. Os anticorpos neutralizantes protegem contra a entrada dos vírus nas células no início do curso da infecção, e, mais tarde, se os vírus forem liberados das células infectadas mortas. O principal mecanismo de defesa contra a infecção estabelecida é a morte das células infectadas mediadas por CTL. Os CTLs podem contribuir para a lesão tecidual mesmo quando o vírus infeccioso não é perigoso por si só. Os vírus escapam das respostas imunológicas por meio da variação antigênica, da inibição da apresentação de antígeno e da produção de moléculas imuno-supressoras. Os parasitas, tais como protozoários e helmintos, dão origem ás infecções crônicas e persistentes porque a imunidade natural contra eles é fraca e os parasitas desenvolveram múltiplos mecanismos para escapar e resistir á imunidade específica. A diversidade estrutural e antigênica dos parasitas patogênicos é refletida nas diferentes respostas imunológicas adquiridas que eles desencadeiam. Os protozoários que vivem dentro das células do hospedeiro são destruídos pela imunidade mediada por células, enquanto os helmintos são eliminados do corpo por IgE e destruição mediada por eosinófilos e por outros leucócitos. Os parasitas escapam do sistema imunológico pela variação dos seus antígenos durante a residência nos vertebrados, pela aquisição de resistência aos mecanismos imunológicos efetores e mascaramento e expulsão de antígenos superfície.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MEDICAL IMMUNOLOGY, 9 ed Daniel P. Stites, Abba I, Terr, Tristram G. Parslow.

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5 O Sistema Imune nas Doenças

OBJETIVOS •  O sistema imune nas doenças •  Imunologia dos transplantes •  Imunologia dos tumores •  Doenças auto-imunes

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5.1  Imunologia dos Transplantes O transplante como forma de tratamento para inúmeras deficiências do organismo tem apresentado grandes avanços nos últimos anos. Embora muitas das questões básicas relativas aos mecanismos responsáveis pela rejeição ou aceitação dos transplantes ainda não estejam completamente elucidadas, o conhecimento de alguns destes processos tem auxiliado no desenvolvimento de novas formas de supressão do sistema imune, permitindo assim, uma sobrevida cada vez maior do enxerto. Para que seja efetuado um transplante, é necessário que exista um "doador", que irá ceder um órgão ou tecido a ser enxertado no "receptor". De acordo com o tipo de doador, os transplantes podem ser classificados como autotransplantes (transplantes autólogos), alotransplantes (transplantes alogênicos) ou xenotransplantes (transplantes xenogênicos). Os transplantes autólogos ocorrem quando o tecido enxertado provém do próprio receptor. Este é o caso dos transplantes de pele, utilizados no tratamento de queimaduras não muito extensas, ou mesmo das pontes de safena para tratamento de problemas cardiovasculares. Um dos principais problemas do transplante esta na possibilidade de rejeição do órgão ou tecido por parte do receptor, o que, evidentemente, não irá ocorrer no caso dos autoenxertos devido ao reconhecimento do tecido como componente próprio. Existem animais desenvolvidos e criados para fins de pesquisa científica que constituem as linhagens isogênicas de camundongos, ratos, hamsters e outras espécies. Estes animais, obtidos através de endocruzamentos, isto é, entre irmãos, ao longo de pelo menos 20 gerações passam a ter a mesma bagagem genética, diferindo apenas nas características ligadas ao sexo. Em outras palavras, é como se fossem todos irmãos gêmeos. O transplante realizado entre estes animais é referido como singênico ou isogênico e, da mesma maneira que nos transplantes autólogos, o receptor não reconhece o enxerto como estranho e, portanto, não desenvolve uma reação de rejeição. Um exemplo clínico seria o dos os transplantes entre irmãos gêmeos. Um terceiro tipo de transplante, que constitui o caso mais comum nos transplantes clínicos, é o alogênico, realizado entre indivíduos da mesma espécie, mas que tenham uma bagagem genética distinta. No transplante alogênico podemos distinguir 3 tipos de doador. O doador vivo aparentado é representado por familiares como os irmãos, pais e primos. De um modo geral, quanto

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mais próximo o grau de parentesco, maior a semelhança genética entre doador e receptor. O doador vivo não-aparentado pode ser qualquer pessoa que não esteja geneticamente relacionada com o receptor, como é o caso da esposa ou namorada, amigos ou mesmo doadores 'voluntários'. Com mais freqüência, os órgãos são provenientes de indivíduos que tenham ido a óbito em período recente, desde que clinicamente estejam aptos como doadores, sendo estes referidos como doadores cadáveres. Existem ainda os transplantes xenogênicos, nos quais doador e receptor são animais de espécies diferentes, como, p. ex. o transplante de coração de um primata não-humano para um membro da espécie humana. Em virtude das dificuldades de obtenção de órgãos da própria espécie humana, os transplantes xenogênicos representam um dos caminhos em que os pesquisadores concentram muitos esforços. Ainda quanto a classificação dos transplantes, eles podem ser ortotópicos ou heterotópicos, de acordo com a localização anatômica do enxerto.

5.1.1  Complexo Principal de Histocompatibilidade (Mhc) No homem, o MHC é chamado de sistema HLA e compreende uma série de genes intimamente relacionados que se localizam ao longo de um dos braços curtos do cromossomo 6. Os genes do MHC compreendem 3 loci (A, B e C), responsáveis pela codificação dos antígenos de classe I, de ampla distribuição tecidual, presente em todas células nucleadas do organismo. Como foram os primeiros antígenos descobertos quanto a participação no processo de rejeição, estes foram anteriormente chamados de antígenos de transplante. Os Ag Classe I são cadeias polipeptídicas glicosiladas (glicoproteínas), com peso molecular aproximado de 45.000 dáltons, constituindo 3 domínios globulares denominados alfa1, 2 e 3. Intimamente ligada à cadeia alfa, localiza-se uma cadeia peptídica não-glicosilada denominado beta 2-microglobulina, presa por forças não-covalentes. Este peptídio de aproximadamente 12.000 dáltons é codificado por um segmento no cromossomo 15, diferente daquele em que se encontra o MHC (cromossomo 6), mas é essencial para que haja expressão dos antígenos de classe I. A molécula de classe I tem ainda um segmento intramembrana e uma porção intracitoplasmática em sua terminação carboxila, pela qual fica ancorada na membrana. Os sítios antigênicos responsáveis pelas diferenças alogênicas parecem ocorrer nos domínios alfa1 e alfa 2, que são justamente

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aqueles mais externos à membrana citoplasmática. Os loci DQ, DP E DR, por sua vez, codificam os antígenos de classe II. De distribuição mais restrita, eles estão presentes na superfície de linfócitos B, macrófagos, células dendríticas e linfócitos T ativados. Os antígenos de classe II consistem de 2 cadeias polipeptídicas distintas denominadas alfa e beta, unidas entre si através de forças nãocovalentes. Cada cadeia apresenta 2 domínios globulares, glicosilados ou não. A cadeia alfa mais longa, tem peso aproximado de 35 kd. A cadeia beta, mais curta, tem peso aproximado de 28 kd, e é a que apresenta os sítios alogênicos. Cada indivíduo apresenta um par de alelos, de cada locus, responsáveis pela codificação de antígenos na superfície das células, de expressão codominante. Em outras palavras, uma determinada pessoa expressa em suas células, 2 antígenos HLA-A, 2 HLA-B, 2 HLA-C, 2 HLA-DQ, 2 HLA-DP e 2 HLA-DR. Assim, a possibilidade de que um transplante seja bem sucedido se deve, em grande parte, ao grau de compatibilidade entre doador e receptor.

5.1.2  Seleção do Doador Evidentemente, a probabilidade de maior grau de compatibilidade entre doador vivo parente e o receptor, aumenta a sobrevida do enxerto e do receptor. Os resultados obtidos com doadores vivos não parentes são comparáveis aos que envolvem doadores parentes haploidênticos, enquanto os transplantes com doador cadáver resultam em menor sobrevida tanto do enxerto quanto do receptor. Quando a situação possibilita a seleção de um doador adequado (no caso dos doadores vivos) alguns critérios devem ser adotados para aumentar a probabilidade de que o transplante seja bem sucedido. Em linhas gerais, o doador deve ser adulto, com idade superior a 21 anos, dando-se preferência aos indivíduos acima de 30 anos, com idade máxima de 70 anos. O doador deve ser normal, do ponto de vista clínico e emocional. O primeiro aspecto a ser considerado é a compatibilidade ABO entre doador e receptor, respeitando-se as mesmas regras utilizadas para as transfusões sanguíneas. Esta compatibilidade é importante porque os Ag do sistema ABO são expressos na superfície das células endoteliais, podendo servir de alvo para as isohemaglutininas naturais presentes no sangue do receptor. Tais anticorpos, sendo da classe IgM, são eficientes fixadores de complemento, e poderiam mediar a rejeição hiperaguda do enxerto. O sistema Rh não é levado em consideração, por

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ser um sistema antigênico próprio das hemácias, sem expressão nos demais tecidos. Anticorpos anti-Rh são da classe IgG e, portanto, também são bons fixadores de complemento. Entretanto, tais anticorpos só aparecem como resultado de exposição prévia do hospedeiro ao Ag, de modo que o receptor geralmente não possui Ac pré-formados contra as hemácias do doador (mesmo que estivessem presentes, não poderiam ser responsáveis por uma eventual rejeição do enxerto). Talvez a única preocupação quanto à incompatibilidade Rh esteja na possibilidade de que um receptor Rh-, ao receber o enxerto de um doador Rh +, sensibilize-se contra o Ag e, no caso de ser uma mulher em idade fértil, ter uma gestação com risco de desenvolvimento da eritroblastose fetal. Além disso, para os doadores vivos, o processo de seleção requer a tipagem HLA do receptor e dos possíveis doadores, para permitir a seleção do melhor doador entre os candidatos. No caso de doador cadáver, nem sempre é possível se realizar a tipagem do doador, para comparação com o receptor, e seleção daquele que apresentar maior grau de compatibilidade HLA com o receptor do enxerto e na maior parte dos centros de transplante essa avaliação não é realizada quando se trata desse tipo de doador. Na prática, considera-se de maior importância à compatibilidade entre os antígenos de classe II, seguido da compatibilidade entre os antígenos HLA-B e, por fim, os antígenos HLAA. Quanto aos antígenos do locus C, pouco se tem conhecimento de sua importância em relação à rejeição mas parecem ser pouco antigênicos. Outra prova necessária é a prova cruzada ou “cross-match”, empregada para avaliar se o receptor não é sensibilizado contra os Ag de histocompatibilidade do doador (ainda que seja seu primeiro transplante), o que deve resultar negativa. Esta avaliação é realizada através de um ensaio "in vitro" no qual uma amostra de soro do receptor é misturado com linfócitos do doador e incubados por um período. Após a incubação, durante a qual deve ocorrer a formação de complexos antígeno-anticorpo (se no soro houver a presença de anticorpos antiHLA), adiciona-se ao sistema, uma fonte de complemento, que deverá provocar a lise de linfócitos reconhecidos pelos anticorpos. Na reação positiva, uma vez que existem anticorpos específicos anti-doador em circulação, se for realizado um transplante, este poderá ser rapidamente rejeitado. A reação de "cross-match" positiva pode ser observada em pacientes que foram submetidos a transfusões múltiplas, mulheres multíparas ou indivíduos que já foram previamente transplantados. Na realidade, um cross-match positivo nem sempre

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é sinônimo de mau prognóstico para o enxerto/receptor. Assim, nos casos suprareferidos, se o cros-match for positivo para linfócitos totais do sangue periférico, o teste é repetido com suspensão ricas em células T ou em células B. Se o este for negativo para células B, o transplante pode ser realizado. Se for positivo para B, o teste é repetido para verificar se os antígenos reconhecidos são anti -MHC I ou anti-MHC II. A presença de anticorpos (ou linfócitos B) anti-MHC II, não contra-indica o transplante. Para os receptores politransfundidos, multíparas ou aqueles que já receberam um transplante, com cross-match positivo, às vezes é necessário que se avalie sua reatividade frente a um painel de linfócitos, que traduz o grau de reatividade do indivíduo contra a população de potenciais doadores. Outros exames a que o doador deve se submeter para o caso do transplante renal, são Ca, P, ácido úrico, enzimas hepáticas, coagulograma, glicemia, hemograma completo e sorologia para as doenças crônicas Chagas, hepatites B e C, toxoplasma, citomegalovírus, mononucleose e aids. Entre os critérios adotados para exclusão de doadores estão: a) idade abaixo dos 7 anos e acima dos 70, com avaliação rigorosa pela equipe, nos casos de indivíduos entre 7 e 15 anos ou entre 65 e 70; b) patologias prévias com comprometimento renal como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, anormalidades ou lesões anatômicas; c) infecções bacterianas em processos sépticos com comprometimento renal direto ou em uso de antibioticoterapia com drogas nefrotóxicas; d) infecção pelo HIV (doadores com sorologia positiva para HCV, HbsAg, T. cruzi ou CMV, poderão ser utilizados em situação específicas à critério da equipe médica), e) instabilidade hemodinâmica persistente ou transitória e f) neoplasias, que não sejam o câncer de pele localizado ou alguns tipos de tumor primário do SNC. Assim como na escolha do doador, alguns critérios devem também nortear a seleção do receptor, entre eles a idade inferior a 1 ano ou peso inferior a 7 quilos, ocorrência de vasculopatia periférica, doença pulmonar crônica, tuberculose em atividade ou com tratamento incompleto, sorologia positiva para HIV, entre outros.

5.1.3  Rejeição de Enxertos Alogênicos A reação de rejeição é caracteristicamente uma reação de hipersensibilidade do tipo IV, isto é, uma reação imunológica tardia que envolve principalmente a ação de linfócitos T e monócitos. Trata-se de uma reação específica, uma vez

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que determina uma memória imune celular, capaz de induzir rejeição mais rápida de um segundo enxerto proveniente do mesmo doador. De acordo com as características gerais da reação e tempo de sobrevida do enxerto, a rejeição pode ser classificada como hiperaguda, aguda e crônica.

5.1.4  Rejeição hiperaguda Em raras ocasiões um transplante sofre rejeição imediata, forma denominada rejeição hiperaguda, causada pela presença de anticorpos pré-formados no soro do receptor. A rejeição hiperaguda se caracteriza pela presença de um grande número de células polimorfonucleares (PMN) na vasculatura, associada com intensa formação de microtrombos e acúmulo de plaquetas. Isto ocorre quando anticorpos anti-HLA ou isohemaglutininas (ABO) circulantes ligam-se ao endotélio vascular e desencadeiam uma reação de hipersensibilidade citotóxica (tipo II). Inicialmente os anticorpos que reagem com os antígenos presentes no endotélio fixam componentes do sistema complemento, resultando em intensa infiltração de células PMN nos vasos do enxerto. Em seguida estes componentes provocam lesão da parede vascular, ativando a cascata de coagulação em vários pontos, refletindo em deposição de plaquetas e formação de microtrombos nos capilares do órgão. O comprometimento dos vasos é evidenciado pela hemorragia que se segue. Este processo impede a vascularização do órgão transplantado, levando à isquemia severa e posterior necrose do enxerto. Células PMN são praticamente ausentes no interstício. A rejeição hiperaguda ocorre minutos ou horas após o transplante, dependendo do tipo e concentração de anticorpos presentes em circulação. Entre os pacientes que podem apresentar anticorpos anti-HLA estão os politransfundidos, as multíparas e indivíduos previamente submetidos a transplante. Ë esta também a forma de rejeição que se observa nos transplantes xenogênicos, devido a presença de isohemaglutininas naturais, constituindo-se em uma das principais barreiras para a prática deste tipo de transplante na clínica. Diferentemente do que ocorre na rejeição aguda, o processo de rejeição hiperaguda não pode ser interrompido por medicamentos ou agentes biológicos assim, a conduta se restringe à prevenção da reação pela escolha cuidadosa do doador. Via de regra, a compatibilidade ABO e o cross-match (prova cruzada) negativo são os parâmetros utilizados para \evitar este tipo de rejeição.

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Classicamente o cross-match é realizado por reação de linfocitotoxicidade mas atualmente, alguns centros têm realizado a prova através de técnicas mais sensíveis como a citometria de fluxo e o ELISA.

5.1.5  Rejeição aguda A rejeição aguda é a forma mais comumente encontrada nos transplantes clínicos, podendo ocorrer semanas ou messe após o transplante. Caracteriza-se pela presença de macrófagos e linfócitos (especialmente T) no interstício do enxerto, enquanto as células PMN são raramente encontradas, a não ser que haja infecção concorrente. De acordo com a classificação de Banff, os achados mais característicos dessa forma de rejeição são a tubulite (infiltração do epitélio tubular por leucócitos) e a arterite intimal ( espessamento da camada íntima, com diferentes graus de inflamação subendotelial). Evidências indicam que leucócitos passageiros presentes na peça cirúrgica são capazes de promover o estímulo primário do sistema imune do receptor. Estes leucócitos passageiros correspondem à linfócitos T e B, alguns monócitos e macrófagos, além de células dendríticas, fortemente ligadas ao tecido transplantado. Todas estas células, principalmente as células dendríticas, apresentando antígenos de histocompatibilidade em sua superfície, funcionam como células apresentadoras de antígenos. É importante lembrar que para que uma resposta imune seja desencadeada de maneira eficiente, é necessária que haja internalização, processamento e reapresentação do antígeno, em associação com determinantes de histocompatibilidade. Esta função é fisiologicamente exercida pelos macrófagos, linfócitos B e células dendríticas (APCs). No caso da estimulação alogênica não parece ser importante que haja fagocitose, processamento e reapresentação. Os próprios leucócitos passageiros, funcionam tanto como Ag quanto como APCs, estimulando diretamente o sistema imune do receptor. Aparentemente, os antígenos de histocompatibilidade classe I e classe II do doador são vistos pelo sistema imune do receptor como o "própriomodificado". Estas células, apresentando antígenos de classe II estranhos, interagem com linfócitos T auxiliares e fornecem-lhes um segundo sinal, representado pelo antígeno B-7 e pela produção de IL-1. A IL-1, não esta envolvida apenas na estimulação de linfócitos Ta mas, provavelmente, é importante também para a ativação de linfócitos T citotóxicos e B virgens. À luz dos novos conceitos, o linfócito T auxiliar ativado na resposta alogênica pertence preferencialmente à

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subpopulação TH1, que desenvolve uma resposta imune essencialmente celular, do tipo DTH. Uma vez ativado pelo duplo sinal, o linfócito T auxiliar assume o controle central da resposta produzindo e secretando ativamente a IL-2, um cofator essencial para a ativação tanto de linfócitos Tc quanto de B. Como conseqüência da exposição ao aloantígeno mais as interleucinas, há uma expansão clonal e maturação das células aloreativas. Este fenômeno leva ao desenvolvimento de células T efetoras que migram do tecido linfóide para o sangue, atingindo todos os tecidos, inclusive o enxerto, onde irão mediar a destruição dos sítios que expressam o antígeno. Linfócitos B estimulados passam a produzir anticorpos específicos, liberados localmente ou no sangue, interagindo também com os antígenos apropriados. As células efetoras capazes de destruir o enxerto se desenvolvem a partir das subpopulações CD4+ e CD8+. Linfócitos CD4+ reconhecem antígenos de classe II expressos no enxerto, enquanto os CD8+, reconhecem apenas os antígenos de classe I do doador. É interessante notar que no caso do desafio alogênico, células CD4+ podem Ter atividade citotóxica, tornando possível a destruição de células com antígenos de classe II de superfície. Células do enxerto normalmente não expressam antígenos de classe II, mas se células TH1 forem ativadas pelos leucócitos passageiros do doador, poderá haver produção de INF gama. O INF gama, entre outros efeitos, promove o aumento da expressão de antígenos de histocompatibilidade e induz a expressão dos antígenos de classe II no endotélio humano. Assim, as células endoteliais com os antígenos de classe II neoexpressos, passariam a servir de alvo para as células T CD4+ citotóxicas. Por outro lado, para que uma resposta contra os antígenos de classe I seja gerada, é necessário que células Th sejam também estimuladas. Na ausência de diferenças entre os antígenos de classe II, esta ativação fica prejudicada. Entretanto, células Tc, anti-classe I, podem ser estimuladas caso haja citocinas pro-inflamatórias em quantidade suficiente para tanto. Assim no caso de uma infecção concorrente, a IL-2 e outras citocinas produzidas poderão estar atuando na ativação de células aloreativas. Este mecanismo explica o fato de que a rejeição aguda é muito mais freqüente quando há diferença entre os antígenos de classe II do que diferenças exclusivamente entre os antígenos de classe I. Outra conseqüência importante da ativação de linfócitos T e também de macrófagos, é a liberação de várias linfocinas, especialmente do interferon gama. O interferon gama, ou interferon imune, é capaz de induzir o aumento da expressão de antígenos de histocompatibilidade, tornando-os mais vulneráveis

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aos mecanismos efetores. Induz também a expressão de antígenos de classe II, sobre tecidos que em condições normais podem não expressá-los (células endoteliais e do parênquima), amplificando tanto a fase de ativação quanto a efetora da resposta. Além disso, o interferon é um sinal muito potente para estimular os monócitos a exercerem uma função efetora sobre o enxerto. A IL-2 e o interferon atuam ainda na ativação de células NK aumentando seu potencial lítico, enquanto a IL-2 promove a ativação de células LAK (lymphokine activated killer cells). Embora seu envolvimento nos processos iniciais de rejeição não esteja muito bem esclarecidos, é possível que as células NK e também as LAK participem no período mais tardio da reação. Quanto aos anticorpos produzidos, parecem ter uma importância secundária no processo de rejeição aguda, atuando talvez de uma maneira complementar à resposta celular. Seu envolvimento na destruição pode ser mediado através da ativação do sistema complemento pela via clássica, ou através do fenômeno de ADCC (citotoxicidade celular mediada por anticorpo). Pelo mecanismo de ADCC, o processo de destruição seria potencializado devido a possibilidade de interação dos anticorpos com uma série de elementos celulares não específicos, como é o caso de monócitos, células killer e células natural killer.

5.1.6  Rejeição crônica A rejeição crônica, que ocorre meses ou anos após o transplante, é caracterizada por uma diminuição progressiva do lúmen vascular arterial, devido ao crescimento das células endoteliais. O mecanismo pelo qual este fenômeno se processa não é completamente conhecido mas acreditase que seja decorrente de sinais de injúria imunológica, liberação de IL-1 pelos monócitos e liberação de fatores de crescimento pelas plaquetas. A injúria imunlógica pode ser decorrente tanto de uma reatividade humoral quanto celular a antígenos menores de histocompatibilidade, que provovam lesões leves no tecido endotelial, seguidas de reparo. O reparo tecidual resulta em fibrose intersticial, espessamento fibroso da íntima arterial e redução da luz e, nos tranpsltes renais, atrofia tubular e aumento da matriz mesangial. Em uma fase inicial, a proliferação das células endoteliais é reversível, porém quando começam a ocorrer mudanças fibróticas no interior do próprio vaso, o processo evolui para isquemia, fibrose extensiva e perda da função do órgão. Desde que não existe ainda uma terapia para esta forma de rejeição, a solução esta na escolha do doador.

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Infelizmente, este tipo de reação pode ocorrer mesmo quando a compatibilidade HLA é satisfatória, ocorrendo uma rejeição devido a antígenos menores de histocompatibilidade, como é o caso do sistema endotelial-monocitário.

5.1.7  Supressão da resposta imune e efeitos colaterais Os transplantes clínicos requerem alguma forma de supressão da resposta imune para permitir a sobrevida do enxerto. Os tratamentos imunossupressores são, em sua maioria, não-específicos determinando maior risco de infecções e tumores ao hospedeiro.

5.1.8  Supressão quimioterápica O método convencional de supressão do sistema imune no transplante clínico consiste na administração de drogas como a azatioprina (AZA), corticosteróides (principalmente a predinizona) e a ciclosporina A (CyA). A azatioprina é um potente inibidor de mitoses, administrado antes e logo depois do transplante, para diminuir a proliferação de linfócitos T em resposta aos aloantígenos. É um análogo e purina que se integra no DNA e promove a morte da célula quando esta entra em mitose, podendo também inibir a síntese de proteínas. Como uma resposta imune se inicia com proliferação celular e induz produção de imunoglobulinas, a AZA atua nas etapas inicias de resposta. Dois outros antimitóticos são comumente utilizados em associação com outros agentes imunossupressores, a ciclofosfamida e o metotrexato. Entretanto, o efeito desta droga sobre o metabolismo celular é inespecífico, atuando sobre a geração de outros tipos celulares, não necessariamente envolvidos com a resposta alogênica. Assim seu uso pode resultar em efeitos sobre a medula óssea que incluem leucopenia, trombocitopenia e anemia, além de uma imunossupressão generalizada que predispõe o paciente ao desenvolvimento de inúmeras doenças infecciosas. Os esteróides prednisone, prednisolone e metilprednisolone são administrados como profiláticos ou em episódios de rejeição devido à sua ação antiinflamatória. A natureza lipofílica destes hormônios permite que atravessem a membrana citoplasmática, ligando-se a receptores no citosol, que os transportam para o núcleo, onde se ligam a seqüências reguladoras específicas do DNA, interferindo em sua transcrição. Sua administração resulta na depressão da

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síntese de proteínas, DNA e RNA, morte de pequenos linfócitos no sangue e órgãos linfóides, imunidade celular debilitada, inibição de migração de T ao sítio de reação, inibição da síntese de linfocinas, redução de monócitos e bloqueio da interação celular entre as células imunocompetentes. Como efeitos colaterais importantes, têm sido descritos casos de diabetes por esteróides, interferência no crescimento de crianças, ulceração péptica, hipertensão, desenvolvimento de catarata, distúrbios psiquiátricos, osteoporose e necrose avascular da cabeça do fêmur. Na clínica, inibidores de mitose e esteróides são usualmente administrados em associação, promovendo uma sobrevida superior a 1 ano em 50-60% dos casos de transplante de rim de cadáver. A ciclosporina A é obtida de um fungo e observou-se que é capaz de promover forte imunossupressão no homem e uma variedade de outras espécies animais. No homem, inibe a resposta proliferativa de linfócitos a Con A, PHA e PWM 'in vitro', bem como inibe completamente a reação mista de linfócitos. Tem sido sugerido que a CyA atua predominantemente sobre linfócitos T, inibindo a produção de IL-2 ou inibindo a resposta a ela. Através deste mecanismo haveria uma supressão na geração de linfócitos Tc, responsáveis pela fase efetora da rejeição. Alguns experimentos tem demonstrado que a utilização desta droga pode levar a geração de células T supressoras específicas, o que resultaria em efeito menos severo sobre a reatividade geral do sistema imune. Alguns efeitos colaterais, entretanto, também têm sido descritos, como a ocorrência de nefro e hepatotoxicidade, hipertensão, tremores, fraqueza muscular, entre outros. O micofenolato mofetil, transforma-se no organismo em ácido micofenólico, uma droga antiproliferativa que atua na biossíntese das purinas. Essa droga é mais potente que a AZA e pode ser empregada também em substituição aos corticóides e à ciclosporina nos casos de resistência a essas drogas ou ocorrência de efeitos colaterais importantes. O tacrolimus e o sirolimus são drogas mais recentes sendo, como a ciclosporina A metabólitos obtidos de fungos. Embora sejam quimicamente não-relacionados sua ação é similar à da ciclosporina A. O Tacrolimus (FK506) é um macrolídeo isolado do fungo Streptomyces tsukubaiensis que tem com principal efeito a inibição da geração de linfócitos T citotóxicos. Além de ser empregado como tratametmno imunossupressor inicial, em associação com AZA ou micofenolato mofetil, pode também ser usado em substituição à ciclosporina A nos casos de efeitos colaterais ou persistência de episódios de rejeição. O emprego de tacrolimus possibilita a suspensão de corticoide, principalmente quando associado a micofenolato mofetil, Os

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efeitos colaterais mais importantes dessa droga são os neurológicos, nefrotoxicidade e aumento de incidência de diabete mellitus. O sirolimus (rapamicina) é outro macrolídeo imunossupressor usado em associação com ciclosporina e corticóides, que representa uma alternativa nova para o controle da rejeição.

5.1.9  Anticorpos antilinfocitários A supressão do sistema imune pode ser obtida através de destruição das células imunocompetentes, utilizando-se anticorpos dirigidos contra eles. Estes anticorpos podem ser policlonais ou monoclonais. Os anticorpos policlonais usualmente empregados são o ATG (anti-thymocyte globulin) e o ALS (anti-lymphocyte serum), produzidos em coelhos, cavalos ou cabras. Estes anticorpos heterólogos são potentes agentes imunossupressores que eliminam seletivamente os linfócitos T circulantes. Uma das desvantagens desta terapia é a variabilidade de potência e pureza dos reagentes empregados. ATG e ALS têm sido empregados profilaticamente e para tratamento durante os episódios de rejeição aguda, em conjunto com a terapia supressora convencional. As complicações devido ao uso de ATG ou ALS podem estar relacionadas com a reatividade do pacientes às imunoglobulinas, por se tratarem de proteína heteróloga, ou ao estado de imunossupressão geral do paciente. Tem sido descritos quadros de febre, reação anafilática, trombocitopenia, artralgia, e doença do soro. Casos mais sérios podem apresentar linfomas, especialmente nos casos de supressão mais drástica. Alternativamente, tem sido utilizados anticorpos monoclonais, em substituição aos policlonais. Teoricamente, a utilização dos monoclonais tende a ser mais específica do que um soro policlonal, mesmo que altamente purificado. Além disso, os monoclonais tem a vantagem de melhor controle de qualidade quanto a concentração e potência das amostras, aumentando assim a efetividade do tratamento. Embora inúmeros anticorpos contra diferentes subpopulações celulares tenham sido estudadas em modelos experimentais, na prática clínica tem sido utilizado o anticorpos OKT3 dirigido contra os linfócitos T CD3+ (panT). A avaliação das subpopulações celulares após 1 hora de administração do anticorpo elimina quase que totalmente os linfócitos T circulantes, confirmando a alta capacidade supressora do agente. Dois a cinco dias após esta dramática eliminação das células, células CD4+ e CD8+ começam a ser novamente

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detectados na circulação, porém na ausência de células CD3+. O uso de OKT3 tem forte impacto imunossupressor porém com baixa toxicidade, não induz tolerância e seus efeitos colaterais parem estar restritos à reatividade contra a porção isotípica da imunoglobulina ou a formação de anticorpos anti-idiotípicos, provocando quadros de febre, náusea e vômito, à semelhança do uso de policlonais, porém em menor intensidade e freqüência.

5.1.10  Inibidores dos receptores de IL-2 Dois anticorpos monoclonais desenvolvidos contra os receptores de IL-2 têm sido empregados com sucesso nos transplantes de órgãos. O basiliximab é um Ac monoclonal quimérico que bloqueia os receptores de IL-2 e diminui significativamente os episódios de rejeição no primeiro ano pós-transplante, quando associadoa AZA e ciclosporina, com efeitos colaterais inexistentes. O daclizumab é um Ac monoclonal humanizado, que bloqueia a cadaeia alfa do receptor de IL-2 (CD25), e é usado como profilático, em associação cam a ciclosporina, AZA e corticóides, diminuindo a incidência de episódios de rejeição aguda. Infecções pós-transplante O aumento na suscetibilidade a infecções continuam a ser a complicação mais frequente nos pacientes transplantados/imunossuprimidos e a principal causa de óbito dos pacientes em nosso meio. A incidência de infecções é maior nos receptores de órgãos de doador cadáver, submetidos a um regime imunossupressor mais intenso do que os receptores de órgão de doadores vivos, e nos primeiros meses pós-transplante, quando a dose das drogas supressoras é maior. Embora a literatura mundial se refira aos vírus como os principais agentes infeciosos envolvidos nos pacientes transplantados/imunossuprimidos, no Brasil as bacterias são as principais causas de infecção e óbito desse grupo de pacientes. Um estudo retrospectivo dos pacientes submetidos a transplante renal entre 1983 e 1990 no Hospital das Clínicas de São Paulo, revela que 48,6% dos óbitos foram decorrentes de infecções, dos quais 82,4% causadas por bactérias. Bactérias Gram negativas são as mais freqüentes e o pulmão o órgão mais afetado. A tuberculose pós-transplante também representa um problema importante no Brasil, com prevalência de 5,6%, contra 0,5% na população normal. Micobacterioses atípicas, causadas por agentes como M. avium intracelulare, M. cheloney, M. ulcerans, M. bovis e as infecções por M. leprae, também constituem problema importante entre os pacientes transplantados. Entre os

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causadores de infecções virais, os mais importantes são o citomegalovírus, vírus da hepatite B e C e varicella-zoster. Infecções por herpes simplex, EpsteinBarr, adenovírus e papilomavírus são agentes mais raramene encontrados nos pacientes transplantados. O CMV é o mais freqüente patógeno diagnosticado em pacientes imunossuprimidos submetidos a transplante de órgãos, podendo atingir até 50% dos casos, dependendo do esquema imunossupressor adotado. A infecção pode ser primária ou reativação de um estado de infecção latente do receptor. No caso da infecção primária, via de regra o órgão transplantado é a fonte de infecção, resultando em infecção mais grave e com evolução de maior risco. As infecções por HBV e HCV ocorrem geralmente durante as sessões de diálise a que os pacientes são submetidos no período pré- transplante e, no Brasil, a positividade nos pacientes transplantados atinge 20 e 35% respectivamente.

5.2  Transplantes clínicos Os transplantes renais são os mais conhecidos sob o ponto de vista clínico e biológico, respondendo pelo número mais elevado de transplantes clínicos realizados em todo o mundo. Na realidade, a maior parte dos conhecimentos adquiridos sobre a imunobiologia dos transplantes e muitos dos conhecimentos atuais sobre a imunologia em geral, devem-se aos estudos envolvendo esse tipo de cirurgia. Assim, podemos considerar que as informações apresentadas até o momento aplicam-se plenamente aos transplantes renais humanos. Além do rim, outros órgãos são correntemente transplantados como prática médica, enquanto outros ainda não atingiram um grau de desenvolvimento suficiente para garantir resultados clinicamente satisfatórios. Entre os órgãos mais comumente transplantados como forma de terapia contra doenças diversas, estão o coração, fígado, pâncreas e medula óssea, todos com resultados cada vez mais promissores.

5.2.1  Transplante de coração. O primeiro transplante cardíaco humano foi realizado em 1964, tendo-se um chipanzé como doador. O transplante foi rejeitado em pouco tempo, bem como as demasi tentativas da época. Apenas na década de 90 a técnica cirúrgica, a

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forma de preservação do órgão e os métodos imunossupressores disponíveis permitiram a realização de transplantres cardíacos mais seguros e com maior probabilidade de sucesso. Atualmente, o transplante cardíaco, realizado em pacientes com cardiopatias graves sem outra alternativa de tratamento, confere sobrevida de 1 ano à cerca de 80% dos transplantados. A compatibilidade HLA entre doador e receptor é desejável, porém devido à escassez de doadores desse órgão, limita tal exigência. Assim, a rejeição do enxerto é evitada com uma terapia imunossupressora mais intensa, visto que os doadores são cadáveres com morte cerebral e batimento cardíaco, apresentando boa função cardíaca, sem história ou fatores de risco associados a cardiopatia. Os principais obstáculos para o sucesso do transplante cardíaco são a falência primária do órgão e rejeição. Entre as causas de morte não ssociadas ao órgão transplantados estão a infecção e as neoplasias. Durante o primeiro ano pós-transplante, a falência primária, a rejeição aguda e as infecções são responsáveis por mais de 90% das mortes. Após esse período, quando diminui gradativamente o risco de rejeição aguda, aumenta significativamene o risco de rejeição crônica, com vasculopatia da coronária. Aparentemente a rejeição crônica decorre de uma resposta humoral do paciente, pois se observa forte associação de sua ocorrência com a produção de anticorpos anti-HLA no período pós-transplante. Infecções virais, bacterianas e fúngicas, bem como neoplasias diversas, são observadas nesses pacientes com maior freqüência do que entre aqueles que recebem outro tipo de transplante. Dada a maior intensidade da terapia imunossupressora empregada nesses pacientes, não chega a ser surpreendente que sejam mais suscetíveis a essas complicações.

5.2.2  Transplante de fígado Embora em algumas espécies de animais o enxerto hepático constitua sítio imunologicamente privilegiado e, portanto, facilmente aceito pelo receptor, no homem é comum a rejeição do transplante desse órgão. Em alguns pacientes existem evidências de que ocorra tolerância espontânea ou induzida ao tecido enxertado e hipotetiza-se que células linfóides do enxerto migrem para a periferia (do receptor), estabelçecendo um estado de quimerismo, com desenvolvimento de tolerância aos aloantígenos. Essa possibilidade talvez explique o fato de que em alguns casos o paciente mantém a ceitação do enxerto, mesmo

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após interrupção do tratamento imunossupressor. O fígado mostra resistente à rejeição hiperaguda, mesmo que haja incompatibilidade ABO e, contraditoriamente, em alguns casos observa-se reação do enxerto versus hospedeiro, mesmo que doador e receptor tenham o mesmo tipo sanguíneo. A taxa de sobrevida de um ano entre os pacientes que recebem o transplante hepático varia de 80 a 90%, de acordo com o tipo de terapia supressora instituída. Graças ao desenvolvimento da técnica cirúrgica aplicada a esse tipo de transplante, o órgão de um doador pode ser dividido em duas porções, favorecendo dois pacientes (geralmente com uma porção menor destinada a uma criança).

5.2.3  Transplante de pâncreas Ao contrário do transplante de fígado, que quase sempre salva a vida do paciente, o transplante de pâncreas apenas melhora a qualidade de vida do paciente com diabete mellitus, prevenindo ou minimizando as seqüelas secundárias ao diabete mellitus (nefropatia, neuropatia, retiinopatia), através da recosntituição de sua capacidade de produzir insulina. O transplante clínico envolve o órgão inteiro, mas avanços têm sido obtidos nas técnicas de transplantes de ilhotas de Langerhans isoladas. O caráter autoimune do diabete é evidenciado pelo infiltrado mononuclear que circunda as ilhotas e pela presença de autoanticorpos circulantes dirigidos contra Ags das células beta das ilhotas. De modo geral a sobrevida do transplante de pâncreas é inferior à observada nos outros tipos de transplante como rim, fígado e coração e os estudos têm indicado que a eliminação de células dendríticas (MHC classe II +) da suspensão de células beta, por exemplo, pode aumentar a sobrevida do órgão, provavelmente por reduzir a apresentação de antígenos alogênicos ao sistema imune do hospedeiro.

5.2.4  Medula óssea O transplante de medula é o tratamento de escolha para muitas doenças hematológicas como leucemias, linfomas e anemia aplástica, recuperação após radioterapia e quimioterapia, desordens genéticas como a imunodeficiência severa combinada e deficiências genéticas. Até pouco tempo, a maioria dos doadores de medula óssea era constituída de gêmeos idênticos ou parentes com fenótipo HLA idêntico. Entretanto, dada

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o grande polimorfismo do sistema HLA, estima-se em no máximo 30% a probabilidade de que um iindivíduo encontre um doador com 100% de compatibilidade. Assim, o uso de doadores aparentados com HLA parcialmente compatível (haploidêntico) ou doadores não-relacionados com HLA idêntico tem sido cada vez mais comum nos transplantes de medula óssea. Nos Estados Unidos, o Programa Nacional de Doadores de Medula mantém o registro de mais de 4 milhões de doadores voluntários de modo que mais de 70 % dos pacientes com leucemia crônica já podem encontrar um doador cadastrado. Na realidade, os dados da literatura mostram que o transplante de medula haploidêntica tem vantagens sobre a medula de doador HLA-idêntico e, principalmente, sobre a medula autóloga pois observa-se menor freqüência de recidivas da leucemia. O fenômeno provavelmente decorre do fato de que a difernça HLA desencadeia uma moderada reação do enxerto contra o hospedeiro (GVH), capaz de eliminar eventuais células malignas resistentes ao tratamento quimio/radioterápico utilizado para eliminação da medula óssea original, evitando sua expansão. No caso de células de medula idênctica ou autoenxerto, haveria maior probabilidade das células leucêmicas passarem despercebidas pelo novo sistema imune. Outro passo importante na prática dos transplantes de medula óssea foi a descoberta de que a transferência de sangue periférico do doador, acompanhada de condicionamento do receptor para estímulo à hematopoiese, pode substituir a transferência de células obtidas da medula de ossos com atividade hematopoética. Além de obvia vantagem prática de obtenção das células, a prática reduz o desconforto e o risco de complicações para o doador e torna desnecessárias as medidas para evitar a inoculação de fragmentos de tecido ósseo no receptor. O sucesso do transplante é indicado pela elevação no número de leucócitos no sangue periférico e aparecimento de neutrófilos maduros 2-4 semanas após o enxerto e essas avaliações são seguidas por pelo menos 100 dias. Em geral todo o tecido sanguíneo do receptor é substituído pelas células do doador, embora haja raros exemplos de quimerismo, mais freqüentemente nos casos em que o transplante é feito nos pacientes com imunodeficiência congênita. No caso do transplante de medula óssea é praticamente inexistente o risco de rejeição do enxerto, pois os pacientes lsão previamente submetidos a um tratamento para ablação de sua prória medula e, conseqüentemente, de seu sistema imune. Assim, o maior risco para os pacientes que recebem medula incompatível é a de ocorrência de uma reação do enxerto contra o hospedeiro (GVH). De fato, entre as complicações pós-transplantes a doença do GVH e as

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infecções respondem por 10-30% da morbidade e mortalidade nos primeiros 100 dias. A doença do enxerto versus hospedeiro manifesta-se devido a diferenças nos antígenos de histocompatibilidade entre doador e receptor e manifesta-se clinicamente pelo aparecimento de exantema, diarreia intensa e icterícia. Podese detectar a presença de células T CD8+ em amostras de biópsias de órgãos ricos em antígenos DR (classe II) de superfície como pele, intestino e fígado.

5.3  Imunologia dos tumores Em contraste com o crescimento policlonal regulado e não maligno, uma determinada célula pode sofrer um evento transformador e adquirir o potencial de produzir células filhas capazes de proliferar independente de sinais externos de crescimento. É esse crescimento monoclonal e desregulado que caracteriza as células malignas, que são capazes de invadirem tecidos normais e desorganiza-los. A imunologia tumoral é o estudo das propriedades antigênicas dessas células transformadas (pois um grande problema para o hospedeiro consiste na semelhança dessas células com as células sadias), da resposta imunológica do hospedeiro contra essas células, das consequências do crescimento das células malignas para o hospedeiro e dos meios pelos quais o sistema imune deve ser modulado para erradicar as células tumorais.

5.3.1  Causas dos tumores A transformação de células normais em células malignas pode ocorrer de modo espontâneo ou ser induzida por agentes carcinógenos (químicos, físicos ou virais). A natureza dessa transformação ajuda a determinar se o sistema imune do hospedeiro dera capaz ou não de conter o tumor. •  Mutações espontâneas; •  Mutações randômicas (casuais), •  Rearranjos gênicos •  Mutações induzidas; •  Por agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, aminas aromáticas, ...),

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•  Por agentes físicos (raios-x, radiações ionizantes, rios ultravioletas, ...), •  Por agentes virais (EBV, HTLV, HPV, ...), esses agentes são de grande interesse à imunologia devido a possibilidade induzirem a expressão de antígenos virais (como proteínas de membrana), pelas células transformadas, reconhecíveis pelo sistema imune do hospedeiro.

Características A imunologia tumoral se baseia no fato de que as células tumorais expressam antígenos que as distinguem das células normais. Esses antígenos podem ser divididos em 2 grupos: Só estão presentes ns células tumorais, mas não

ANTÍGENOS TUMORAIS EXCLUSIVOS

nas células normais do hospedeiro. Abordagens moleculares são mais gratificantes para identificar esses antígenos do que ouso de anticorpos monoclonais.

Podem ocorrer em algumas células normais, po-

ANTÍGENOS ASSOCIADOS A TUMORES

rém a expressão quantitativa ou associada a outros marcadores serve para identificar as células tumorais. Os anticorpos monoclonais são ideais para a identificação desses antígenos.

Existem 2 tipos de antígenos de transplante associados a tumor (TATA) que são reconhecidos pela imunidade mediada por células: 3. Antígenos T; esses antígenos são compartilhados por muitos tumores 4. Antígenos específicos de tumor (TSTA); esses antígenos específicos para cada tumor. 5. Antígenos oncofetais; são antígenos de diferenciação presentes durante o desenvolvimento fetal, mas que normalmente não são expressos na vida adulta. Esses antígenos (AFP e CEA), no entanto,são expressos por células tumorais.

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5.3.2  Mecanismos Imunológicos que atuam contra células tumorais Praticamente todos os componentes do sistema imunológico podem contribuir para a defesa contra as células tumorais •  Células T; são, sem dúvida, o principal mecanismo de defesa para o organismo contra essas células. Atuam tanto diretamente sobre elas (células CD8+) como ativando outros componentes do sistema imune ( as células CD4* que atuam através de linfocinas). Entretanto dependem de células apresentadoras de antígenos (APC), pois na maioria das vezes as células tumorais expressam apenas MHC classe I e não a classe II. •  Células B; secretam anticorpos (o principal é a IgG) e funcionam como APC.Os anticorpos podem agir tanto fixando complemento quanto promovendo a ADCC (citotoxidade mediada por anticorpo) •  Células NK**; representam a primeira linhagem de defesa do hospedeiro contra o crescimento das células transformadas. Também representam um auxílio quando recrutadas pelas células T. Sua ação é mediada pela liberação de fatores citotóxicos ou de granzinas e perforinas. •  Macrófagos; são importantes na iniciação da resposta imune por desempenharem o papel de APC. Além disso podem atuar diretamente como células efetoras mediando a lise do tumor. As principais citocinas envolvidas na ativação dos macrófagos (MAF) SÃO O INF-γ, a IL-4, o TNF e o GM-CSF (fator de estimulação de crescimento granulócitomacrófago). * IL-2, IFN-γ e TNF são as principais citocinas envolvidas. ** As células transformadas comumente apresentam uma quantidade diminuída de MHC-I e é esse o sinal para as NK.

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5.3.3  Mecanismos de escape das células tumorais •  Imunosseleção; mutações randômicas (ao acaso), devido a instabilidade genética, produzem células tumorais que ao são reconhecidas como estranhas pelo sistema imune do hospedeiro e essas células, conseqüentemente são selecionadas (pelo próprio sistema imune), •  Fatores solúveis; as células tumorais secretam substâncias que suprimem diretamente a reatividade imunológica. •  Células T supressoras, •  Tolerância; como as células tumorais, na maioria das vezes, não são apresentadoras de antígenos, elas não fornecem um sinal co-estimulador para as células T (interação B7- CD28 ou CD40-CD40L), o que leva a apoptose ou a um estado de anergia das células T. •  Perda de antígenos do MHC (modulação); mais de 50% dos tumores podem perder um tumorais alelos de classe I do MHC, o que leva a uma incapacidade de apresentação de antígenos peptídeos tumorais.

5.4  Doenças auto-imunes Para que elas ocorram são necessários modificações dos determinantes auto -antigenos, ou então, que o sistema imune se torne incapaz de reconhecer os constituintes próprios do organismo. As doenças auto-imunes são divididas em 3 grupos: 1. Doenças órgão-específicas: quando o envolvimento clínico e imunológico se limita a um determinado órgão, durante toda a evolução.EX: A tireoidite de Hashimoto. 2. Doenças intermediárias: possuem características clínicas e imunológicas diferentes, isto é, apresentam acometimento de um orgão, ao lado de manifestações em outros territórios.EX: Na síndrome de Sjogren. 3. Doenças sistêmicas: se manifestam de forma mais ampla, como se houvesse uma completa anarquia do sistema imune. Qualquer órgão pode estar envolvido e existe uma intensa variedade de Ac com diferentes especificidades contra elementos celulares. Como exemplo destaca-se o Lupus eritematoso sistêmico.

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5.5  Mecanismo de formação dos auto-ac Evasão da tolerância normal por antígenos próprios: Durante o desenvolvimento embrionário, devido a localiza-

ANTÍGENOS OCULTOS

ções específicas, certos antígenos não entram em contato com o sistema imune, se entrarem em contato provocarão a doença auto-imune.

ANTÍGENOS ALTERADOS

Certas substâncias alteram a superfície de algumas células causando o aparecimento de novos determinantes antigênicos com surgimento de auto-Acs.

As células, pelo convívio com certos antígenos, começam

ANTÍGENOS SEMELHANTES

a apresentar as características destes antígenos, causando reação auto-imunitária. Este é o chamado mimetismo antigênico.

Perda dos mecanismos de tolerância: Antígenos que interferem nas células formadoras de Ac. Ex.: substâncias químicas, drogas, agentes infecciosos. Deficiência genética dos mecanismos de controle de tolerância.

Estimulação de populações de células B pré-existentes e com capacidade de reação com Ag próprios. Adjuvantes e agentes infecciosos atuam modificando a molécula antigênica, sendo agentes etiológicos de várias doenças auto-imunes.

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5.6  Patogênese das doenças auto-imunes a)

reações autolíticas ou autotóxicas; anemia he-

molítica por drogas ou produtos microbianos aderidos

IMUNIDADE HUMORAL

aos eritrócitos. É a hipersensibilidade tipo II. b)

reação por imunocomplexos tóxicos: lupus erite-

matoso sistêmico, com complexos Ac; artrite reumatóide, com DNA, complexos de IgG; hipersensibilidade do tipo III.

a)

Interações de linfócitos ativos com Ag tissulares.

Hpersensibilidade tipo IV. Ex.: encefalomielina alérgi-

IMUNIDADE CELULAR

ca, linfócito T antimielina. b)

Liberação de linfotoxinas; reação de hipersensi-

bilidade tardia nas viroses e nas infecções bacterianas intracelulares. Ex.: tuberculose.

Exemplos de doenças auto-imunes Miastenia Grave: Miastenia é uma doença neuromuscular, caracterizada por fraqueza que aparece após o exercício físico ou no final do dia. Esse cansaço após atividade é chamado de fadiga. A doença acontece em virtude da produção de anticorpos (elementos de defesa no combate às infecções, mas que eventualmente podem ser produzidos contra estruturas do próprio corpo) contra uma estrutura do músculo chamada de receptor de acetilcolina. Não se sabe ainda, exatamente, porque esses anticorpos são produzidos. Esta doença acomete principalmente o gênero feminino (6 mulheres para 4 homens), preferencialmente entre as idades de 20 a 35 anos. Os sintomas são: fadiga que pode aparecer em qualquer músculo do corpo, desta forma pode acontecer fraqueza dos braços, pernas, dificuldade para mastigar, dificuldade para engolir (disfagia), falta de ar (dispnéia), voz anasalada (disfonia), queda das pálpebras (ptose palpebral) e visão dupla (diplopia). Alguns pacientes apresentam apenas alguns dos sintomas, enquanto outros

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apresentam todos. Se o paciente apresenta apenas sintomas relacionados aos olhos classificamos de forma ocular, caso contrário, chamamos de forma generalizada. Se ocorre dispnéia importante, com necessidade de internação em UTI e uso de respiração artificial, dizemos que o paciente está em crise miastênica. Os sintomas podem ser desencadeados ou piorados pelo esforço físico, exposição ao calor, alterações emocionais, período menstrual, estados gripais ou outras infecções, e uso de alguns medicamentos (calmantes, alguns antibióticos). Não é necessário qualquer tipo de dieta. Devemos lembrar que o uso de doses exageradas da Piridostigmina pode desencadear fraqueza semelhante à crise miastênica. *Diagnóstico clínico- história clínica do paciente, associando-a ao exame físico. *Exames Complementares- a eletroneuromiografia, dosagem de anticorpos anti-receptor de acetilcolina e teste com injeção de prostigmine (logo após a injeção há melhora da força). Tratamento: As formas oculares são geralmente tratadas com a Piridostigmina (melhora a força muscular do paciente) e com corticosteróides (Prednisona) e/ou imunossupressores (Azatioprina). Esses dois últimos promovem diminuição dos anticorpos anti-receptor de acetilcolina. Já as formas generalizadas podem ser tratadas como as oculares, porém, na maioria das vezes optamos por realizar uma cirurgia para retirada do timo (glândula que fica na parte superior do tórax e que controla a produção dos anticorpos). Miastenia em Gestantes: Durante a gravidez 30% das pacientes podem piorar da doença, 30% podem melhorar e 30% permanecem inalteradas. A gestação deve ser acompanhada durante toda sua duração e, o tipo de parto avaliado para cada paciente individualmente. A criança pode nascer com fraqueza transitória, a qual dura no máximo 2 semanas com recuperação completa. Esse quadro é chamado de Miastenia Neonatal Transitória. Tireoidite de Hashimoto: É a mais comum causa de tireoidite e a principal causa de hipotireoidismo. Ela afeta ao redor de 5% da população adulta,

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aumentando particularmente nas mulheres concomitante com a idade. A tireoidite de Hashimoto é causada por problemas no sistema imunitário do corpo. Normalmente o sistema imunitário defende nosso corpo contra germens e vírus estranhos. Nas doenças auto-imunes o sistema imunitário ataca os tecidos do próprio corpo por engano. A tireoidite de Hashimoto é causada pela produção de certos anticorpos contra a tireóide oriundos do sistema imune, os quais danificam a glândula e retiram-lhe a capacidade de produzir suficiente hormônio. A tireoidite de Hashimoto está ligada a outras condições auto-imunes, tais como a doença de Graves, acinzentamento prematuro dos cabelos, diabete melito e artrites. Sintomas: Hipertireoidismo, hipotireoidismo. Os sinais e sintomas do hipotireoidismo e hipotireoidismo são: diminuição da frequência dos batimentos cardíacos (menos que 70 batimentos por minuto), elevação da pressão sanguínea, cansado ou lentidão nos movimentos ou raciocínio, sentir-se friorento e sentir-se sonolento durante o dia, mesmo após dormir toda a noite, falta de memória, dificuldade de concentração, cãibras musculares, paralisias dos braços e/ou pernas, ganho de peso, rosto inchado, especialmente na parte inferior dos olhos, voz rouca, cabelo fino e fraco, pele amarelecida, grossa, áspera e seca, nas crianças: baixa estatura, prisão de ventre (constipação intestinal), fluxo menstrual intenso, eliminação de leite nas mamas, infertilidade, bócio (aumento anormal na região anterior do pescoço causado por um aumento de volume da glândula tireóide). Diagnóstico Clínico: aumento da tireoíde, bócio. Diagnóstico Laboratorial: TSH, aumento de T3 e T4. Tratamento do hipotireoidismo: o tratamento standard para hipotireoidismo é hormônio da tireóide em comprimidos. Os comprimidos proporcionam ao corpo a quantidade certa de hormônio da tireóide quando a glândula não é hábil para produzir o suficiente por si próprio. Mesmo quando os sintomas do hipotireoidismo são usualmente corrigidos dentro de poucos meses, a maioria dos pacientes necessita tomar comprimidos pelo resto de suas vidas. O hormônio tireoideo preferido para tratamento é a Levotiroxina (T4), encontrados no comércio com alguns nomes diferentes. Alguns pacientes, algumas vezes, tomam quantidades exageradas de comprimidos tentando acelerar a velocidade de tratamento ou perder peso.

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Todavia, isso pode levar ao hipertireoidismo, uma doença na qual há hormônio demais no sangue e complicações a longo prazo, tal como osteoporose. Você deve tomar os comprimidos como seu médico prescreveu. Lupus Eritematoso Sistêmico: Lupus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença crônica de causa desconhecida, onde acontecem alterações fundamentais no sistema imunológico da pessoa, atingindo predominantemente mulheres. O sistema imunológico é uma rede complexa de órgãos, tecidos, células e substâncias encontradas na circulação sanguínea, que agem em conjunto para nos proteger de agentes estranhos. Uma pessoa que tem LES, desenvolve anticorpos que reagem contra as suas células normais, podendo consequentemente afetar a pele, as articulações, rins e outros órgãos. Ou seja, a pessoa se torna "alérgica" a ela mesma, o que caracteriza o LES como uma doença auto-imune. Não é uma doença contagiosa, infecciosa ou maligna. A maioria dos casos de LES ocorre esporadicamente, indicando que fatores genéticos e ambientais tem um papel importante na doença. O Lupus varia enormemente de um paciente para outro, de casos simples que exigem intervenções médicas mínimas, à casos significativos com danos à órgãos vitais como pulmão, coração, rim e cérebro. A doença é caracterizada por períodos de atividade intercaladas por períodos de remissão que podem durar semanas, meses ou anos. Alguns pacientes nunca desenvolvem complicações severas. Histórico: Em 1851, o médico francês Pierre Lazenave observou pessoas que apresentavam "feridinhas" na pele, como pequenas mordidas de lobo. E em 1895, o médico canadense Sir William Osler caracterizou melhor o envolvimento das várias partes do corpo e adicionou a palavra "sistêmico" à descrição da doença. Lupus = lobo eritematoso = vermelhidão sistêmico = todo Definição: O "American College of Rheumatology", uma associação americana que reune profissionais reumatologistas, estabeleceu em 1971 e revisou em 1982, 11 critérios que definem o quadro de Lupus. Uma pessoa pode ter LES se 4 critérios estiverem presentes:

Critérios de pele: 1. mancha "asa borboleta" (vermelhidão característica no nariz e face) 2. lesões na pele (usualmente em áreas expostas ao sol)

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3. sensibilidade ao sol e luz (lesões após a exposição de raios ultravioletas A e B) 4. úlceras orais (recorrentes na boca e nariz)

Critérios sistêmicos: 5. artrite (inflamação de duas ou mais juntas periféricas, com dor, inchaço ou fluído) 6. serosite (inflamação do revestimento do pulmão - pleura, e coração - pericárdio) 7. alterações renais (presença de proteínas e sedimentos na urina) 8. alterações neurológicas (anormalidades sem explicações - psicose ou depressão)

Critérios laboratoriais: 9. anormalidades hematológicas (baixa contagem de células brancas leucopenia, ou plaquetas - trombocitopenia, ou anemia causada por anticorpos contra células vermelhas - anemia hemolítica) 10. anormalidades imunológicas - (células LE, ou anticorpos anti-DNA, ou anticorpos SM positivos, ou teste falso-positivo para sífilis) 11. fator antinúcleo positivo (FAN) O diagnóstico correto é feito a partir do histórico do paciente associado ao exame clínico e exames laboratoriais. Algumas perguntas feitas ao paciente podem ajudar bastante no diagnóstico. 1. você teve dor ou inflamação das juntas por mais de 3 meses? 2. você teve feridinhas em sua boca ou nariz por mais de 2 semanas? 3. os seus dedos mudam de cor, ficando pálidos ou roxos, quando o tempo está frio ou quando estão em contato com água fria? 4. alguma lesão de pele, vermelha, surgiu no seu rosto, sobre o nariz e bochechas, por mais de um mês? 5. durante algum exame de sangue alguém lhe disse que a contagem de células vermelhas, brancas ou plaquetas estava baixa?

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6. sua pele fica muito vermelha e irritada, principalmente no rosto, depois que você toma sol? É pior em comparação com outras pessoas? 7. você sentiu dificuldade ou dor para respirar durante alguns dias? 8. você tem perdido muito cabelo ultimamente? Mais do que o normal? 9. você já teve alguma convulsão? 10. alguma vez você fez exame de urina onde foi constatada muita proteína? Se 3 ou mais destas perguntas forem respondidas com um "sim" é recomendável um exame de sangue para testar a possibilidade de LES.

Exames Laboratoriais: Hemograma - é o exame onde são contadas as células vermelhas (hemácias ou eritrócitos) e brancas (leucócitos) do sangue, assim como as plaquetas, responsáveis pela sua coagulação. 40% dos pacientes de Lupus apresentam anemia (queda de células vermelhas), 15 a 20% apresentam leucopenia (queda de células brancas), e ainda 25 a 35% apresentam trombocitopenia (queda de plaquetas). Teste de Coombs - exame sanguíneo que comprova que a anemia é resultante da produção de anticorpos contra as hemácias - anemia hemolítica. Urina - os pacientes de Lupus podem apresentar aumento de células vermelhas (hematúria), aumento de estruturas cilíndricas (cilindrúria) e aumento de proteína (proteinúria) na urina. FAN (fator anti-núcleo) - procura-se um anticorpo dirigido contra uma substância do núcleo da célula. No núcleo localizam-se algumas proteínas e também o DNA. Qualquer anticorpo contra o DNA ou contra as proteínas do núcleo determina um FAN positivo, o que ocorre em 95 a 100% dos casos. Células LE - os neutrófilos são capazes de "engolir" núcleos de outras células atacadas pelo anticorpo anti-núcleo, formando as células LE positivas. Cerca de 80% dos pacientes de Lupus apresentam este teste positivo.

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Anticorpo anti-DNA - existem dois tipos de DNA, nativo (dupla hélice) e mono-hélice, sendo que 60 a 80% dos pacientes com LES produzem anticorpos contra ambos. A presença do anticorpo anti-DNA sugere a possibilidade de nefrite - inflamação dos rins. Anticorpo anti-SM - anticorpo dirigido contra uma proteína do núcleo no sangue, mas apenas 30% dos pacientes produzem esse anticorpo. Dosagem de complemento - quando o anticorpo se liga ao antígeno formase uma estrutura chamada imunocomplexo. Quando este se deposita, atrai uma substância chamada complemento, responsável pela inflamação. A dosagem de complemento total (CH50) e das frações C3 e C4 são medidas, avaliando-se envolvimento renal e atividade da doença.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MEDICAL IMMUNOLOGY, 9 ed Daniel P. Stites, Abba I, Terr, Tristram G. Parslow. ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; POBER, Jordan S. Imunologia celular e molecular. Tradução Raymundo Martagão Gesteira. 6 ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2008.

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