Fundamentos Da Teologia Da Igreja
March 16, 2017 | Author: testenovo | Category: N/A
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Editora Mundo Cristão São Paulo
FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
Categoria: Teologia / Referência
Copyright © 2007, por Carlos Ribeiro Caldas Filho Editora responsável: Silvia [usrino Editor assistente: Aldo Menezes
Revisão de provas: Theófilo Vieira Supervisão deprodução: Lilian Melo Colaboração: Miriam de Assis Capa: Oouglas Lucas Crédito da imagem: ImageState/Alamy Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão AlmeidaRevista eAtualizada,2a ed. (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Caldas, Carlos Fundamentos da teologia da Igreja! Carlos Caldas Cristão, 2007. - (Coleção teologia brasileira).
São Paulo: Mundo
Bibliografia. ISBN 978-85-7325-482-2 I. Cristianismo
2. Igreja
3. Teologia I. Título.
lI. Série
COO-262
07-4468
índice para catálogo sistemático I. Igreja : Eclesiologia : Teologia cristã
262
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/2/1998. É expressamente proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia autorização, por escrito, da editora.
Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela:
Associação Religiosa Editora Mundo Cristão Rua Antonio Carlos Tacconi, 79, São Paulo, sr, Brasil - CEP 04810-020 Telefone: (I I) 2127-4147 - Home page: www.mundocristao.corn.br Editora associada a: • Associação de Editores Cristãos
• CâmaraBrasileira do Livro • Evangelical Christian Publishers Association AI' edição foi publicada em julho de 2007. Impresso no Brasil 1098765432
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À memória de meu pai, Carlos Ribeiro Caldas (19312007). Com minha mãe, ele me levou à igreja quando eu aindaerabebê e me ensinou a amar e a valorizar a comunhão com o povo de Deus.
Sumário
Agradecimentos Introdução
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2. As marcas da Igreja
15 23
3. A dinâmica da Igreja
45
4. O crescimento da Igreja
63
5. O governo da Igreja
73
6. A Igreja, o reino de Deus e o mundo
85
1. As bases da eclesiologia
Bibliografia de consulta sugerida
95 97
Bibliografia
99
Conclusão
Sobre o autor
105
Agradecimentos
EXPRESSO MINHA gratidão aos professores doutores Ricardo Quadros Gouvêa e Hermisten Maia Pereira da Costa, ambos colegas de docência na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em conversas informais, mas proveitosas e oportunas, esses amigos teólogos me deram indicações bibliográficas de alguns temas tratados neste livro e sugestões de como abordá-las.
Introdução
POUCAS FRASES EXPRESSAM TÃO bem o que é a Igreja como esta: "A Igreja é como a arca de Noé - se não fosse a tempestade lá fora, não seria possível suportar o cheiro dentro dela". 1 Ao contrário do que alguns pensam, a Igreja não é o agrupamento de pessoas perfeitas, mas a reunião de pecadores salvos pela graça de Deus. Não são salvos porque deixaram de pecar, nem deixaram de pecar porque foram salvos. Para muitos, contudo, o que sobressai é o fato de ainda serem pecadores. Nesse ajuntamento há mescla de joio e trigo, que, embora parecidos, são essencialmente diferentes. Como diziam antigos teólogos, a Igreja é um corpus permixtum: um corpo em que santos e pecadores se misturam. Isso explica o caráter paradoxal da Igreja ao longo dos séculos: ao mesmo tempo que é responsável por denunciar o mal e a injustiça e por prestar serviços humanitários, também é acusada de ser violenta e de cometer erros crassos. Diante disso, uma reflexão teológica crítica a respeito da Igreja se faz necessária. Outra razão relevante: ela é preciosa e importante para Deus: "Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela" (Ef 5:25). Ele a comprou com seu sangue (At 19:28; lPe 1:17-21). Há muitas metáforas ou expressões relativas à Igreja nas Escrituras: "sal da terra", "luz do mundo", "carta de Cristo", "ramos da videira verdadeira", "noiva de Cristo", "Israel de Deus", "remanescente", "raça
1
Texto medieval citado por Bruce
SHELLEY
em A igreja: povo de Deus, p. 31.
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FUNDAMENTOS
DA TEOLOGIA DA
IGREJA
eleita", "sacerdócio real", "nação santa", "povo de propriedade exclusiva de Deus", "corpo de Cristo", "casa de Deus", "coluna e baluarte da verdade", "igreja do Deus vivo", "servos de Cristo", "lavoura e edifício de Deus" etc. Essas imagens apontam para a importância da Igreja, não como instituição, mas como comunidade dos chamados por Deus para serem seguidores de Jesus Cristo no mundo. No período patrístico, pastores e pensadores cristãos criaram estas metáforas: "numerosa descendência de Abraão" e "única comunidade da fé" (Ireneu), "santuário do Espírito Santo" (Orígenes) e "barca da fé" (Gregório Nazianzeno). Os escolásticos cunharam a expressão "congregação (ou assembléia) dos fiéis". João Calvino, influenciado por Cipriano de Cartago, via a Igreja como "mãe" dos crentes. Não é de admirar que os antigos tenham elaborado a frase Unus christianus nullus christianus (um cristão não é cristão), que pode ser parafraseada: "Um cristão desvinculado de uma comunidade de fé não é cristão", ou seja, não existe cristianismo sem Igreja. Este livro apresenta os fundamentos da eclesiologia (a doutrina da Igreja). É uma reflexão crítica à luz das Escrituras. Os textos que pretendem pensar teologicamente a Igreja em perspectiva evangélica são escassos. Algumas vezes há divórcio entre Igreja e reflexão teológica, o que é contradição de termos, pois uma teologia saudável deve nascer na Igreja e ser formulada com base em suas necessidades. O modelo fundamental é o do apóstolo Paulo, que jamais produziu teologia desvinculada das situações e necessidades contextuais, concretas e específicas das igrejas às quais suas epístolas eram dirigidas. O mesmo ocorre com as demais epístolas e Apocalipse. É preciso superar a desconfiança em relação à reflexão teológica e aos teólogos da parte de alguns pastores e membros de igrejas, bem como o desprezo de alguns teólogos à Igreja. O teólogo deve se envolver e se comprometer com a Igreja, e esta, com a reflexão teológica. Que este livro contribua, ainda que modestamente, a esse debate. O método empregado é simples. Em primeiro lugar, parte-se do texto bíblico. Em segundo, vem a opinião dos pais da Igreja, dos reformadores e de teólogos contemporâneos. É uma tentativa de diálogo entre as Escrituras e a tradição teológica produzida em dois
INTRODUÇAO
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milênios do pensamento cristão. Ouvir a voz dos que pensaram a Igreja e outras questões da vida cristã com temor de Deus, seriedade e profundidade é um exercício de vivenciar a comunhão dos santos. A perspectiva teológica desta reflexão é cristã e evangélica. A intenção é apresentar os fundamentos da teologia da Igreja da forma mais "ecumênica" possível (não no sentido caricato e popular de "ecumênico": a defesa da união das igrejas em uma única superestrutura; nem no sentido de "teologicamente liberal"). Emprego esse termo no bom sentido: apresentar fundamentação bíblica que possa ser útil aos membros de diversas denominações. O que se pretende é que anglicanos, batistas, congregacionais, luteranos, metodistas, presbiterianos e outros possam encontrar orientação biblicamente embasadas sobre os fundamentos teológicos da Igreja. Este livro não tem a intenção de esgotar o tema. Não aborda assuntos como a estrutura organizacional da Igreja ou a relação Igreja-Estado, ou ainda o problema do relacionamento Igreja-Israel. Questões polêmicas como a defesa de determinado modelo de governo eclesiástico ou de determinada forma de batismo foram evitadas. Trata-se de uma obra seletiva, que apresenta o essencial, e com isso mantém coerência com os propósitos da Coleção Teologia Brasileira. É óbvio que essas questões são importantes, e por isso foram mencionadas por alto ao longo do livro, mas devido ao caráter polêmico não foram desenvolvidas e esmiuçadas. A perspectiva aqui é mais construtiva que beligerante, e tem por princípio o respeito à alteridade e à consciência de que, no decorrer da história, o Senhor da Igreja tem abençoado ministérios aspersionistas e imersionistas, pedobatistas e antipedobatistas, de igrejas administradas pelas mais variadas formas de governo. Poucos assuntos teológicos demandam estudo sério, e, quem sabe, até mesmo uma revisão, como o tema Igreja. A confusão é impressionante devido ao admirável crescimento das igrejas evangélicas. Falta também uma proposta clara sobre o que significa ser igreja à luz das Escrituras. Isto não atinge apenas comunidades que nasceram "ontem". Aquelas associadas às denominações "históricas" acabam sucumbindo a várias tentações e abrem mão da identidade confessional
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e litúrgica, aderindo a modismos e a tendências. Também é visível que muitas dessas comunidades são orientadas mais por princípios mercadológicos e empresariais que por princípios bíblicos. Diante desse cenário, propõe-se uma solução simples: retomar o que as Escrituras ensinam sobre a Igreja. Não se trata de reinventar a roda nem de querer ser inédito. A fim de atingir esse objetivo, o livro está organizado da seguinte maneira: • O capítulo 1 apresenta as bases da teologia da Igreja. A partir da metáfora da Igreja como Corpo de Cristo, desenvolve-se uma reflexão eclesiológica com base no ensino bíblico sobre a pessoa e a obra de Jesus e do Espírito Santo. • O capítulo 2 aborda as marcas teológicas da Igreja, conforme a definição do Concílio de Constantinopla e de acordo com a visão dos reformadores protestantes do século XVI. • O capítulo 3 trata da dinâmica da Igreja e propõe, à luz das Escrituras, como ela deve desempenhar sua missão. • O capítulo 4 discorre a respeito do crescimento da Igreja e expõe a história do Movimento de Crescimento de Igreja (MCI), além de uma crítica a esse sistema. A Teoria do Crescimento Integral da Igreja, formulada pelo teólogo Orlando Costas, é posta em evidência. • O capítulo 5 versa sobre o governo da Igreja. São apresetadas diferentes possibilidades de entendimento em relação a como deve ser esse governo, com destaque para pontos positivos e potenciais pontos problemáticos de cada modelo. • O capítulo 6, por último, apresenta considerações acerca de como deve ser o relacionamento da Igreja com o reino de Deus e o mundo. CARLOS CALDAS
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As bases da eclesiologia
ECLESIOLOGIA É A MODALIDADE da teologia que estuda os assuntos concernentes à Igreja. A Igreja não é um clube ou um ajuntamento social (se fosse, a sociologia e o estudo da administração de empresas seriam suficientes para interpretá-la). Ela é uma realidade espiritual. Por isso, é preciso um referencial transcendental para explicá-la. Esse referencial, em sentido bíblico, é a cristologia (doutrina sobre a pessoa e a ação de Deus Filho, Jesus Cristo) e a pneumatologia (doutrina acerca da pessoa e da ação de Deus Espírito Santo). Outro ponto importante é a metáfora da Igreja como Corpo de Cristo. A expressão não aparece nos evangelhos nem em Atos, mas em vários textos do apóstolo Paulo (Rm 12:5; Ef 1:22-23; 5:30; CI 1:18,24 etc.). Ser o "Corpo de Cristo" no mundo não é apenas um privilégio, mas uma grande responsabilidade. Mas, à luz das Escrituras, o que exatamente significa ser "Corpo de Cristo"! É o que veremos a seguir. UNIDADE ORGÂNICA NA QUAL TODOS TÊM UMA FUNÇÂO
O ensino apostólico sobre o aspecto orgânico da Igreja encontra-se em 1Coríntios 12:12ss. Com base no funcionamento dos membros e órgãos do corpo humano, Paulo ensina o ideal divino para a Igreja: todos os cristãos devem trabalhar; individualmente, cada um tem uma função ou responsabilidade a cumprir. De maneira inovadora, ele afirma que não somos membros de qualquer corpo, mas do Corpo de Cristo (v. 27; cf. tb. Ef 4:12,15-16; S:29b-30).
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Nesse Corpo, não há membro mais importante que outro; nenhum é dispensável, nem mesmo os considerados mais fracos ou até mesmo desprezíveis (v. 14-22). Em Romanos 12:5, Paulo segue a mesma linha de raciocínio: as capacidades são diferentes, mas todas são importantes, porque são originadas na mesma fonte: Cristo. A diversidade produz inestimável riqueza e, como diz certa expressão contemporânea, "agrega valor" ao Corpo. A Igreja precisa (re)descobrir isso com urgência. Onde não se enfatiza o ensino bíblico da Igreja como Corpo de Cristo, os cultos são transformados em shows, megaigrejas são valorizadas (nestas, é praticamente impossível o crescimento espiritual de todos os membros, bem como falta espaço para todos trabalherem) e apenas o carisma do líder é valorizado. Contra essas tendências que seguem uma lógica mais mundana e secularizada que bíblica e espiritual, é preciso ressaltar com veemência o ensino da Igreja como organismo vivo, cujo cabeça é o Senhor Jesus, e não como organização mercantilista. É fato que nem todos executam funções na Igreja. Todavia, é inegável que cada membro tem um papel a desempenhar, visando ao bem-estar e à saúde do Corpo de Cristo. Alguns, mesmo sinceros na fé, se dizem incapacitados de cumprir tarefas na Igreja. Quem pensa assim precisa descobrir sua verdadeira capacidade. Como? Pelo serviço - e não mediante testes psicotécnicos e preenchimento de formulários, como alguns especialistas em crescimento de igreja sugerem. Basta se envolver em um ministério ou uma atividade da igreja. Na ocupação que se sentir bem, será aquela, provavelmente, para que foi comissionado por Cristo. Quando todos trabalham, o Corpo desenvolve saúde, e aí então pode crescer de maneira integral. Conforme o pensamento de john Mackay: Quando todos os "santos" tomam a sério a sua chamada à santidade, expressando no pensamento e na vida tudo quanto é implicado no pertencer-se a jesus Cristo, verdadeiramente será edificada a Igreja, que é o Corpo de Cristo. Cada um dos membros estará de saúde perfeita e perfeitamente desempenhará a sua função especial. Então,
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sob a direção dos líderes por Cristo indicados, e pela congregação reconhecidos, para conduzirem a vida da Igreja, o Corpo, como um todo, funcionará harmoniosamente, em obediência a Cristo, e estará equipado para o serviço coletivo de Cristo. I
"A
PLENITUDE DAQUELE QUE A TUDO ENCHE EM TODAS AS COISAS"
A expressão Corpo de Cristo também aparece em Efésios 1, mas seu emprego difere completamente de Romanos e ICoríntios (e mesmo de Efésios 4-5). Em Romanos e ICoríntios a ênfase incide sobre o aspecto comunitário da Igreja, mas em Efésios 1 parece que recai na perspectiva cósmica do Corpo de Cristo: "E [Deus] pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu [isto é, Cristo] à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (v. 22-23). Essa afirmação é de difícil compreensão (não é de admirar as diversas tentativas de interpretá-la). O biblista Luís Alonso Schókel aponta algumas: a) A Igreja sujeito plenifica, completa Cristo, como o corpo completa a cabeça; Cristo plenifica tudo. b) A Igreja está cheia de Cristo, o qual [plenifica tudo]. c) A Igreja está cheia daquele que Deus plenificou com sua plenitude 001,14.16; Cl1,18-19).2
Não pretendemos oferecer uma explicação definitiva dessa passagem. Antes, indicamos pistas para a interpretação desse texto-chave para a compreensão do conceito bíblico de Corpo de Cristo. O que está claro no texto é o senhorio de Jesus Cristo sobre toda e qualquer realidade, visível ou invisível, material ou espiritual, celeste ou terrestre, angélica ou demoníaca, boa ou má. O Messias é apresentado como Senhor absoluto, acima de tudo e de todos, superior a toda e qualquer autoridade em cada área do universo. Ele é o cabeça tanto do cosmos como da Igreja. Nas palavras do teólogo john Stott:
I
2
A ordemde Deus e a desordem do homem, p. 119. A Bíblia do Peregrino (comentário a Efésios 1:22-23).
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... aquele pois a quem Deus deu à igreja para ser seu cabeça, já era cabeça do universo. Logo, tanto o universo quanto a igreja têm em Jesus Cristo o mesmo cabeça.' Ele também sugere que Efésios 1:23, ao associar o Corpo de Cristo com sua plenitude, faz "descrições sucessivas da igreja": Estando estes dois quadros em aposição, é natural esperar que os dois ilustrem pelo menos uma verdade semelhante, a saber: o governo de Cristo sobre a sua igreja. A igreja é o seu corpo (ele a dirige); a igreja é sua plenitude (ele a enche). Além disso, os dois quadros ensinam o duplo domínio de Cristo sobre o universo e sobre a igreja. Se por um lado Deus deu Cristo à igreja como cabeça-sobre-todas-as-coisas (v. 22), por outro a igreja é enchida por Cristo que também enche todas as coisas (v. 23).4
A Igreja, ao longo da história, tem sido perseguida e humilhada. Não obstante, sua honra é maior que se pode imaginar, maior que qualquer outra instituição na terra poderia dispor; afinal, a Igreja tem como cabeça aquele que é o cabeça do cosmos.
o ESPÍRITO E A IGREJA Com a cristologia, a pneumatologia é base para a produção da teologia eclesiológica. A Igreja é formada por seguidores de Jesus, que se submetem ao seu senhorio, e ninguém confessa a Jesus Cristo como Senhor da sua vida a não ser pela ação do Espírito Santo (lCo 12:3). Por isso, a Igreja é uma comunidade pneumatológica. Na teologia contemporânea, jürgen Moltmann se destaca por sua reflexão sobre a Igreja como comunidade pneumatológica: A Igreja como comunidade de pecadores justificados, a comunhão dos libertados por Cristo, que experimenta a salvação e vive em ação de graças, está a caminho de cumprir o significado da história de
J
A mensagem de Efésios, p. 37.
4 Idem,
p. 41.
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Cristo. Com seus olhos fixos em Cristo, [ela] vive no Espírito Santo e então é em si mesma o início e o desejo ardente do futuro da nova criação. [Ela] proclama a Cristo somente; mas o fato de a Igreja proclamá-lo já é sinal de esperança [...] Na ceia do Senhor a Igreja relembra a morte de Cristo e a faz presente, o que leva à vida, e esse fato é uma antecipação da paz por vir. A Igreja confessa]esus, o crucificado, como Senhor, mas o reino de Deus é antecipado nessa confissão [... ] A comunidade e a comunhão de Cristo [com a] Igreja acontecem "no Espírito Santo" [...] Como comunidade histórica de Cristo, por conseguinte, a igreja é a criação escatológica do Espírito.'
A ação do Espírito Santo como doador de dons espirituais (carismas) aos membros do Corpo de Cristo é especialmente apresentada em 1Coríntios 12. O dom espiritual é a capacitação para a realização de um ministério no Corpo. Essa ação tem objetivo duplo: 1. Promover a saúde do Corpo - a saúde não está diretamente relacionada ao saldo bancário, nem depende dele, ou à imponência arquitetônica do templo onde a Igreja se reúne; está associada, sim, ao pleno exercício dos ministérios pelos membros, e só acontece quando os dons do Espírito são vivenciados. 2. Glorificar a Cristo, Senhor da Igreja - Cristo é glorificado quando seus seguidores vivenciam a experiência de ser Igreja com base nos direcionamentos bíblicos. Uma das possibilidades está na prática dos dons do Espírito (cf.}o 16:13-14a). A igreja evangélica brasileira sofreu com muitas discussões e debates sobre o tema dos dons espirituais nos anos 1970 e parte da década de 1980. Era candente e intensa a discussão sobre que dons seriam os mais importantes, sobre a contemporaneidade ou a cessação de alguns dons e sobre temas relacionados. Evangélicos carismáticos ou pentecostais e evangélicos "tradicionais" acusavam-se mutuamente de incorreção teológica e de praticarem uma interpretação bíblica
s The Church in the Power of the Spirit, p.
33.
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equivocada. Atualmente não se vê a mesma polêmica. A ascensão do neopentecostalismo a partir da década de 1990 deslocou o foco da discussão para a busca de bênçãos materiais, por influência da teologia da prosperidade. Pentecostais e carismáticos clássicos perderam muito de sua visibilidade. A discussão teológica e o debate sobre métodos corretos de interpretação bíblica têm o seu lugar, caso objetivem orientar o povo de Deus na melhor maneira de seguir e servir a Jesus, e, evidentemente, desde que não promovam a glória de homens nem descambem para agressões desnecessárias. Muito mais importante é usar os dons do Espírito Santo para a edificação do Corpo de Cristo, o serviço aos necessitados, a promoção da justiça e a glória do Senhor da Igreja. Uma reflexão sobre a pneumatologia como base para a eclesiologia não pode deixar de mencionar a ação do Espírito como motivador, incentivador e energizador da ação missionária da Igreja. Ele é a fonte de poder para o testemunho dos seguidores de Jesus a respeito de seu Senhor (At 1:8). Além disso, o Espírito guia e orienta a Igreja no exercício da missão (cf. At 13:1-3). A direção e a capacitação do Espírito são muito mais importantes que recursos financeiros ou tecnológicos. Refletindo sobre essa questão, David Watson afirma:
o Espírito Santo nunca será preso ou encapsulado nas
minúsculas categorias de nossa mente pequenina. Ele é o Espírito do Deus eterno, cuja preocupação primária consiste em que o povo de Deus se envolva com a tarefa da missão; e lamentavelmente essa preocupação ou iniciativa nem sempre será encontrada entre a liderança da igreja. Em seu lugar pode haver reprovação ou até mesmo oposição ao zelo missionário do Espírito. Não é de admirar que muito da motivação e dos métodos da evangelização de hoje deixem a desejar. Mas precisamos uma vez mais da perspectiva da igreja primitiva, que estava tão inflamada pelo Espírito da missão, que se regozijavam sempre que Cristo era proclamado (Fp 1:18).6
6
I Believe in the Church, p. 174.
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RECAPITULANDO
1. O que é eclesiologia? 2. Quais são as bases da eclesiologia? 3. Do ponto de vista bíblico, o que significa a expressão "Corpo de Cristo" aplicada à igreja? 4. Qual é a importância da cristologia para a formulação da eclesiologia? 5. Qual é a importância da pneumatologia para a formulação da eclesiologia? 6. Comente sobre a ação do Espírito como motivador e capacitador para o exercício da missão da igreja.
Capítulo
2
ÀB marcas da Igreja
Nossos ANTEPASSADOS ESPIRITUAIS da era patrística! preocuparam-se em apresentar as marcas teológicas da verdadeira Igreja. A definição dessas marcas tomou forma no Credo niceno-constantinopoluano, redigido no Concílio de Constantinopla em 381. Desde esse tempo, esse é o entendimento aceito como patrimônio comum da cristandade. A caracterização clássica dessas marcas é formulada de maneira quádrupla: a Igreja é una, santa, católica e apostólica. Os reformadores protestantes acrescentaram duas marcas complementares a essa lista: a ministração da Palavra e dos sacramentos. O que se entende quando se diz que a Igreja possui tais características teológicas? Vejamos. UNA
Erroneamente se confunde "una" (adjetivo) com "uma" (numeral). Quando se diz "uma" pensa-se em quantificação: uma igreja. Em termos de administração e governo, ênfases litúrgicas e teológicas, entre outros, não há uma igreja, mas várias (há de fato um número imenso de denominações cristãs). Os antigos não pensavam necessariamente em "uma" igreja no sentido numeral, mas pensavam na Igreja "una" (de unidade). A unidade da Igreja vem do próprio Deus. De acordo com o teólogo Jon Sobrino: "A Igreja verdadeira é una
1
Esse período da história da Igreja se inicia, grosso modo, com Clemente de Roma (c. 100) e vai, na Igreja Ocidental (Latina), até o século VII, com Isidoro de Sevilha e, na Igreja Oriental (Grega), até João Damasceno, no século VIII.
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
porque uma é sua origem, porque há um só Deus, um só Senhor, um só batismo, um só Espírito, como diz são Paulo". 2 A unidade da Igreja é desvinculada por completo da desunião denominacional que se vê. Trata-se da unidade do Corpo de Cristo, formado pelos que são um em Cristo: os alcançados pela graça de Deus, os eleitos do Senhor (cf. 2T m 2:19). Não se trata de um gigantesco projeto ecumênico de criar uma única megaigreja mundial. O Espírito Santo é o responsável pela unidade. Nesse sentido, é legítimo afirmar que há uma única Igreja: a comunhão daqueles cujo número e cujos nomes apenas o Senhor conhece. Eis aí a verdadeira Igreja una do Senhor, que não deve ser confundida com a igreja visível (um conjunto complicado de regenerados e não-regenerados). Agostinho de Hipona foi direto ao ponto: nem todos os que estão na igreja visível estão verdadeiramente no reino de Deus. Essa unidade "externa" e "invisível" da Igreja deve, na medida do possível, ser buscada com intuito de se tornar visível. Essa afirmação não defende a união das igrejas em uma só, mas destaca o fato de que, não raro, grupos que compartilham a fé cristã ortodoxa (a despeito de diferenças litúrgicas ou administrativas) são marcados mais por competição que por cooperação. A competição facilmente se transforma em mau testemunho para a Igreja, sobretudo no protestantismo, fragmentário por natureza, e que se fragmenta mais a cada dia. O impressionante crescimento numérico da comunidade evangélica no Brasil tem como "efeito colateral" a pulverização de igrejas, proveniente, em muitos casos, não de crescimento saudável, mas de divisionismo, que tem motivação doentia com relativa freqüência. A unidade da Igreja deve ser mantida 00 17:21; Ef 4:1-6; Fp 2:1-4; 4:2-3). Quanto a isto, Agostinho disse: "... quem poderá verdadeiramente dizer que possui o amor de Cristo quando não abraça sua unidade!".' Mas essa unidade não pode ser mantida a qualquer custo. Nestes tempos em que se dá forte ênfase ao "politicamente correto", existe um discurso que põe em foco mais o que une do que o que
1 3
Ressurreição da verdadeira Igreja, p. 109. Citado por Franklin FERREIRA, Agostinho de A a Z, p. 122.
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DA IGREJA
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separa. Há sabedoria nesse discurso. Mas não se pode aceitar um discurso que defenda a unidade da Igreja de qualquer maneira. Para que a unidade seja mantida não se pode, por exemplo, sacrificar a fidelidade aos princípios centrais da fé cristã. SANTA
"Vós, porém, sois [... ] nação santa " (IPe 2:9). O Credo apostólico declara: "Creio [... ] na santa Igreja ". A santidade é outra marca teológica de difícil visibilidade, mas ao mesmo tempo muito esperada. Conforme o teólogo Jon Sobrino: "Se a Igreja é sinal de salvação, sacramento histórico do amor de Deus, seria uma contradição que não fosse santa"." A santidade da Igreja é difícil defesa, pois ela não é o ajuntamento de santos impecáveis, mas de pecadores salvos pela graça de Deus em Cristo - mas pecadores. Como dizia Lutero, o cristão é, ao mesmo tempo, justo e pecador. O escritor C. S. Lewis afirmou o seguinte a respeito da falta de santidade do povo de Deus na história: Se algum dia for escrito o livro que eu não hei de escrever, ele deverá ser a confissão da cristandade inteira acerca da contribuição específica da cristandade para a soma da crueldade e traição da humanidade [...] Nós gritamos o nome de Cristo, e agimos a serviço de Moleque.'
Infelizmente, com bastante facilidade, se vê em qualquer igreja a pecaminosidade dos membros. A Bíblia registra problemas terríveis já nas igrejas do Novo Testamento: divisionismos, disputas de poder, brigas entre membros, autoritarismo da parte de alguns líderes, conduta imoral, problemas doutrinários, entre outros (At 5: 1-11; 1Co 1:11-13; 3:1; 5:1; 15:12; Fp 4:2-3; 3Jo 9-11; Ap 2:4-5,14-16,20-23; 3:1-3,14-19). Assim, como falar em santidade da Igreja? A esse respeito, é oportuno citar João Calvino, que, com perspicácia, diferencia santidade de perfeição:
4
5
Ressurreição da verdadeira Igreja, p. 114. Os quatro amores, p. 43-44.
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA
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o Senhor trabalha dia a dia para eliminar as rugas e as manchas da igreja. Segue-seque a sua santidade ainda não é perfeita. Portanto, a igreja é santa no sentido de que diariamente cresce e se fortalece em santidade, mas ainda não é perfeita." Ao comentar Gálatas 1:10, Calvino declarou que "a Igreja terá sempre em seu seio pessoas hipócritas e perversas, as quais preferem suas próprias cobiças à Palavra de Deus". 7 Agostinho já alertara a respeito da diferença entre o reino de Deus e a Igreja, lembrando que nem todos os que estão na Igreja estão realmente no reino. A Igreja é santa aos olhos do Senhor. Cada membro é santo pelos méritos de Cristo. A condição de santos não se dá por méritos próprios, mas pela graça de Deus que lhes é conferida. Em razão disso, o Novo Testamento sempre se refere às igrejas como formadas por "santos" (Rm 1:7; 1Co 1:2; 2Co 1:1; Ef 1:1; Fp 1:1; Cl1:2). O grande desafio hoje para a vivência eclesial é que a santidade da Igreja seja vivida em termos práticos. Com pesar se vê igrejas marcadas por situações terríveis. Não é raro ver igrejas transformadas em clubes ou em passarelas de moda aos domingos. Outras são fechadas a quem não é da comunidade. Outras estão mais preocupadas com a própria glória que com a do Senhor. Outras se ocupam mais com a construção de templos maiores e suntuosos que com a ajuda aos membros carentes. Outras simplesmente não contribuem para a obra missionária transcultural. Enfim, a lista poderia ser bem maior. Os exemplos apresentados são suficientes para demonstrar os desafios para que a Igreja seja de fato e de verdade comunidade santa. CATÓLICA
Essa palavra de origem grega significa algo que abrange o todo, uma totalidade. Nos primeiros séculos de sua história, a Igreja se denominava "católica", indicando sua mundialidade em contraste com o aspecto limitado da igreja local. Esse é sentido básico que aparece no
6 1
As institutas, Il, 4, citado por Hermisten Exposição de Gálatas, p. 36-37.
COSTA
em Calvino de A a Z, p. 154.
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Credo apostólico: "... creio [... ] na santa Igreja católica... ".8 O termo também apontava para a preservação da pureza da ortodoxia doutrinária: os cristãos "católicos" criam na plena divindade e na plena humanidade de Jesus, em contraste com os cristãos "arianos", que só aceitavam a plena humanidade do Salvador. jon Sobrino explica:
o termo "católico" praticamente não aparece no NT. Logo passa a significar "universal" sem nenhum matiz polêmico. Mas no século III o termo adquire uma conotação distinta e polêmica: católico é o que aparece unido à Igreja universal e não se separou como herege."
Com o tempo, o termo católico, pouco a pouco, passou a ser considerado praticamente sinônimo da igreja de Roma. Criou-se uma contradição de termos: se a Igreja é "católica", é universal; logo, não pode ser "romana", pois esse vocábulo evidentemente indica particularidade geográfica; se é "romana", não pode ser "católica". É interessante lembrar que, no final do século XVI, William Perkins, anglicano puritano inglês e professor na Universidade de Cambridge, escreveu um livro com o curioso título O católico reformado. Ele mostrava os pontos em comum e as diferenças entre a compreensão romana e a reformada da fé cristã, com explicação para os pontos de vista reformados e um comentário sobre as objeções romanas quanto aos princípios reformados. Esse livro foi bastante usado na evangelização feita pelos reformados holandeses no Brasil no século XVII. 10 Em que sentido se pode falar da catolicidade da Igreja? Uma resposta óbvia a essa pergunta aponta para o aspecto missionário da Igreja. A fé cristã já nasce com visão missionária, voltada para todos os povos. Sem ação missionária não há Igreja. Cirilo de jerusalém!' (c. 315-386) definiu assim essa catolicidade:
Por receio de confusão com o catolicismo romano, algumas igrejas evangélicas no Brasil alteraram o artigo do Credo para "Creio na santa Igreja universal". 9 Ressurreição da verdadeira Igreja, p. 119. 10 Cf. Francisco L. SCHALKWIjK, Igreja e Estado no Brasil Holandês 1630-1654, p. 230-235. II Escreveu 24 palestras catequéticas, provavelmente por volta do ano 350, visando a preparar candidatos ao batismo. Foi veemente opositor do arianismo. 8
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
A Igreja é chamada "católica" porque se estende por todo o mundo, de um extremo da Terra ao outro. E porque ensina completamente, e sem quaisquer omissões, todas as doutrinas que devem ser conhecidas da humanidade concernentes aos assuntos visíveis e invisíveis, terrestres e celestes; e porque congrega todos os tipos de pessoas - soberanos ou súditos, eruditos ou ignorantes - sob a influência da verdadeira piedade; e porque universalmente trata de todo tipo de pecado e o cura, seja cometido pela alma seja pelo corpo [...] Ela (a igreja) é a noiva de nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus. 12 Essa formulação é importante por mostrar o pensamento teológico na igreja de Jerusalém no século IV d.e. Os primitivos cristãos formularam uma teologia da Igreja que continua relevante. [ürgen Moltmann, teólogo reformado alemão contemporâneo, com criatividade aponta para a relação entre a catolicidade da Igreja e o senhorio universal e absoluto de Jesus Cristo:
A catolicidade da Igreja não é inicialmente sua extensão espacial ou o fato de ela ser em princípio aberta ao mundo; é (a catolicidade) o senhorio ilimitado de Cristo, a quem "toda autoridade foi dada no céu e na terra"." Outra possibilidade do exercício da catolicidade certamente está no fato de que a Igreja deve ser uma comunidade aberta e inclusiva, pronta para receber e acolher, abraçar e amparar os que a procuram. A Igreja é e deve ser universal. Ela não pode excluir pessoas com base em preconceitos étnicos, socioeconômicos, intelectuais, culturais etc., qualquer que seja a natureza desses preconceitos. ApOSTÓLICA
Muitas igrejas no Brasil têm se autodenominado "apostólica", seguindo o rastro de seus líderes, que se auto-intitularn "apóstolos".
12 Catequese
XVIII. Citado por Alister MCGRATH em The Christian Theology Reader,
p.465-466. 13
The Church in the Power of the Spirit, p. 338.
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MARCAS DA IGREJA
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Isso é no mínimo curioso, pois denominar alguns líderes de "apóstolos" era apanágio somente do mormonismo. Nos períodos subseqüentes à era apostólica, ninguém jamais empregou o título de apóstolo. Na era patrística, entendia-se que apóstolos eram somente aqueles chamados por Jesus e que haviam sido testemunhas oculares de sua ressurreição. Além disso, a Igreja fora uma vez por todas "edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas" (Ef 2:20). Consoante com esse ensino, Apocalipse, que encerra o registro da revelação bíblica, discorre sobre os fundamentos dos doze apóstolos (Ap 21: 14). Assim, líderes que hoje se denominam "apóstolos" parecem agir mais por princípios mercadológicos e de marketing que por princípios bíblicos e teológicos." Há grupos cristãos que entendem a apostolicidade como continuidade do ministério episcopal ordenado investido e dotado de autoridade, em uma sucessão que retrocederia a Jesus Cristo. Assim, alguns ministros ou sacerdotes seriam portadores de autoridade apostólica, passada pela ordenação no decorrer da história da Igreja. Todavia, outros negam esse ponto de vista, pois compreendem que as Escrituras não advogam a chamada "sucessão apostólica". Em meio a essa profusão de pontos de vista, de que maneira nossos antepassados espirituais entendiam a apostolicidade da Igreja? A Igreja cristã é apostólica porque está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas. A Igreja é apostólica por seguir a doutrina dos apóstolos (At 2:42). Essa doutrina é a "fé que uma vez por todas foi entregue aos santos" (Id 3). Apenas nesse sentido seria legítimo falar em "sucessão apostólica". Não se trata da sucessão de um ofício episcopal que demanda fidelidade total, absoluta e inquestionável da parte dos fiéis, mas do depósito da fé, do evangelho apostólico: "E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas,
14 Max
Weber, sociólogo alemão, fala a respeito do "carisma de função". Esse "carisma" (não entendido em termos teológicos) é proveniente da função exercida. Daí não ser muito difícil compreender por que determinados líderes têm feito tanta questão de serem reconhecidos como "apóstolos". Seus seguidores dificilmente ousarão contestar a autoridade de quem exerce uma função considerada "apostólica".
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros" (2Tm 2:2). A Igreja é apostólica quando se submete à autoridade das Escrituras apostólicas. [ohn Stott, com a clareza e a objetividade que marcam seus escritos, comenta o seguinte sobre 2Timóteo 2:2: Esta é a verdadeira "sucessão apostólica". Tal sucessão dependeria de homens, de uma série de "homens fiéis", mas essa sucessão dos apóstolos refere-se mais à mensagem em si do que aos homens que a ensinem. Deve ser antes uma sucessão da tradição apostólica do que da autoridade, de seqüência ou de ministérios apostólicos. Deve ser uma transmissão da doutrina dos apóstolos, deles recebida sem distorções, pelas gerações posteriores, passada de mão em mão como a tocha olímpica. Esta tradição apostólica, "o bom depósito", é hoje encontrada no Novo Testamento. Falando de maneira ideal, os termos "Escritura" e "tradição" deveriam ser sinônimos, pois o que a Igreja transmite de geração em geração deveria ser a fé bíblica, nada mais e nada menos. E a fé bíblica é a fé apostólica."
É curioso observar que são palavras de um anglicano, membro de uma igreja que acredita na sucessão apostólica em termos ministeriais, não em termos do depósito da revelação bíblica. Além disso, a apostolicidade da Igreja, assim como sua catolicidade, tem a ver com seu aspecto missionário: Que a Igreja verdadeira seja "apostólica" significa duas coisas diversas embora relacionadas. A primeira é que deve remontar aos apóstolos, isto é, deve remontar à origem da fé no sentido cronológico. A segunda é que a mesma Igreja atual deve manter a estrutura apostólica, isto é, ser enviada, missionária.l'' A Igreja é verdadeiramente apostólica quando é missionária, quando assume seu papel de enviada ao mundo por seu Senhor para cumprir sua missão.
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Tu, porém ... A mensagem de 2 Timóteo, p. 43. SOBRlNO, Ressurreição da verdadeira Igreja, p. 124.
jon
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MARCAS DA IGREJA SEGUNDO A TEOLOGIA DA REFORMA
A identificação teológica quádrupla da Igreja foi aceita sem problemas pelos reformadores protestantes do século XVI. Entretanto, acrescentaram outras marcas. Lutero, por exemplo, falava de sete marcas: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
Pregação da verdadeira palavra de Deus. Correta administração do batismo. Forma correta da Ceia do Senhor. Poder das chaves.'? Correta chamada e ordenação dos ministros da igreja. Oração e cântico de hinos na língua vernácu1a. Sofrimento e perseguição. 18
Outros reformadores não elaboraram uma lista tão extensa. João Calvino acrescentou apenas a correta pregação da Palavra e a correta ministração dos sacramentos (batismo e ceia do Senhor): Pois onde quer que vemos a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde [vemos] serem os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, aí de modo nenhum se há de contestar está uma igreja de Deus."
No século XX, jürgen Moltmann capturou sinteticamente o espírito do pensamento de Calvino: "... uma igreja na qual o evangelho é puramente pregado e os sacramentos são corretamente usados é igreja una, santa, católica e apostólica" ,lO Apesar de ser minimalista, essa definição resume o conceito reformado de Igreja, no qual Palavra e sacramentos são indissociáveis."
Expressão retórica de se referir ao exercício da disciplina eclesiástica. M. LUTHER, Von den Konziliis und Kirchen (1559), WA 50, p. 628ss, citado por [ürger MOLTMANN em The Church in the Power of the Spirit, p. 340. 19 As institutas, IV, 1.9,11. O Livro IV é o maior de As institutas e trata exclusivamente da questão eclesio1ógica. 20 The Church in the Powerof the Spirit, p. 341. 21 Cf. john H. LEITH, A tradição refonnada, p. 330ss. A mesma idéia aparece na Confissãode Augsburgo (luterana) de 1530, formulada por Filipe Me1anchton (Art. 7). lí
18
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA
IGREJA
Os sacramentos - sinais visíveis de graças invisíveis "Sacramento" é tradução da palavra latina sacramentum, que foi usada na Vulgata para traduzir o termo grego mysterion ("mistério").22 Há duas definições clássicas de sacramento. Uma de Agostinho: "... une-se a palavra ao elemento, e acontece o Sacrarnento";" e outra a de Pedro Lombardo (1100-1160):24 "... sacramento é um sinal visível de uma graça invisível". 25 Na teologia medieval entendia-se sacramento como "Palavra visível de Deus", distinta, mas não separada, das Escrituras.ê? A associação dos sacramentos com a Palavra de Deus é traço de uma saudável teologia dos sacramentos. Conforme o teólogo presbiteriano Charles Hodge, do século XIX, os sacramentos apresentam quatro características teológicas básicas: 1. São ordenanças instituídas por Cristo. 2. São significativos (isto é, simbólicos) na própria natureza. 3. Foram designados para serem perpétuos. 4. Foram designados para significar e instruir, selar, confirmar e fortalecer, comunicar ou aplicar e santificar os que pela fé os recebem."
Na Vulgata, estas passagens traduzem mysterion por sacramentum: Efésios 1:9; 3:9; 5:32; Colossenses 1:27; ITimóteo 3:16; Apocalipse 1:20; 17:7. 23 Agostinho, citado por Franklin FERREIRA em Agostinho de A a Z, p. 193. A expressão em latim usada por Agostinho é accedit verbum ad elementum et fit sacramentum. Cf. P. C. MARCEL, "Sacramentos", em]. A. FERREIRA (org.), Antologia teológica, p. 343. 24 Foi um dos teólogos medievais mais importantes. Em 1155 publicou Sententiarum Libri Quatuor [Quatro livros de sentenças], que por alguns séculos foi livro-texto de ensino de teologia em universidades européias. Essa obra é a primeira a mencionar os sacramentos em número de sete. A citação de Lombardo foi extraída de HODGE, Teologia sistemática, p. 1381. 25 A expressão em latim usada por Pedro Lombardo é sacramentum est invisibilis gratiae visibilis forma. Cf. P. C. MARCEL, "Sacramentos", em]. A. FERREIRA (org.), Antologia teológica, p. 343. 26 Cf. "Sacramentum", em Richard MULLER, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms, p. 267. 27 Teologia sistemática, p. 1382. 22
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Ainda que, como será visto a seguir, com diferenças quanto à compreensão sobre aspectos importantes - como a questão do número dos sacramentos e quanto à maneira de celebrá-los -, não há dúvida de que desde muito cedo na história da Igreja os sacramentos têm sido compreendidos como extremamente importantes para a vida da Igreja e de cada fiel em particular, como meios de graça usados por Deus para renovar, nutrir e alimentar a fé dos fiéis, para renovar-lhes a segurança quanto à confiança que podem ter nas promessas divinas, além de fortalecer a unidade da Igreja. Vale a pena reproduzir o que Calvino afirmou a respeito das bênçãos advindas da correta participação nos sacramentos: Os sacramentos são instituídos por Deus para que sejam exercícios de nossa fé, tanto diante de Deus quanto dos homens. Diante de Deus eles certamente exercitam nossa fé quando a confirmam na verdade de Deus (...] os sacramentos exercitam a nossa fé diante dos homens quando a fé resulta em reconhecimento público e é incitada a render louvores ao Senhor. 28 Os sacramentos são fontes de bênçãos para os cristãos, manifestações do amor de Deus a seus filhos e suas filhas, que estão em relacionamento de aliança com ele. São quatro os elementos essenciais para definir um sacramento: 1. Um elemento "físico ou material", como a água do batismo, o pão e o vinho da eucaristia. 2. Uma "semelhança" com o que é simbolizado, para que que possa representá-lo. Assim, podemos afirmar que o vinho da eucaristia guarda "semelhança" com o sangue de Cristo, que lhe permite representar esse sangue no contexto do sacramento. 3. A autorização para simbolizar o que se deseja. Em outras palavras, deve existir um bom motivo para crer que o sinal em questão esteja autorizado a representar a realidade espiritual
28
Instrução na
fé,
p. 73.
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FUNDAMENTOS
DA
TEOLOGIA DA
IGREJA
para a qual ele aponta. Um exemplo dessa "autorização" - na verdade, o exemplo máximo - encontra-se no fato de o sacramento ter sido instituído pelas mãos de Jesus Cristo. 4. A eficácia do sacramento, ou seja, proporcionar aos participantes os benefícios do que representa.i? Quanto às bênçãos da participação nos sacramentos foi dito: Celebrar os sacramentos é ainda acolher a Escritura. Isso significa que a Bíblia esclarece a interpretação dos ritos e das práticas. Biblicamente falando, o sacramento é ato de Cristo, graça de Deus, comunhão com Deus Trindade e perdão do pecado. Ao mesmo tempo, como observa Agostinho, ele é memória de um acontecimento bíblico: recebe-se o efeito do acontecimento celebrado, faz-se memória de Cristo, de sua paixão e de sua ressurreição.ê"
Quantos são os sacramentos? A tradição medieval indicava sete (o "setenário sacramental"): batismo, confirmação (ou crisma), eucaristia, penitência, unção dos enfermos (popularmente conhecida como "extrema-unção"), ordenação e matrimônio." A teologia da Reforma contestou essa classificação sétupla (por falta de base bíblica) e também a crença de que cada sacramento tem eficácia ou poder em si mesmo (ex opere operato). Em 1521, Filipe Melanchton, companheiro de Lutero, enfatizou à luz do Novo T estamento que os sacramentos não garantem a justificação, visto que esta vem somente pela féY João Calvino (As instuutas, IV, 14, 14), de igual modo relaciona a Palavra de Deus ao sacramento (revelando a influência de Agostinho em seu pensamento teológico), o que, por conseguinte, relaciona a fé ao sacramento.
Alister MCGRATH, Teologia: sistemática, histórica e filosófica, 2005, p. 578. Henri BOURGEOlS, Os sinais da salvação, 2005, p. 54. 31 Seqüência apresentada pelo teólogo católico francês Henri BOURGEOIS, Os sinais da salvação, p. 257-283. 32 Cf. G. C. BERKOWER, The Sacraments, 1969, p. 64. Trata-se de uma excelente abordagem teológica dos sacramentos em perspectiva da teologia reformada. 29
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Outro ponto de discórdia na controvérsia entre romanos e reformados no século XVI quanto à teologia sacramental dizia respeito à suposta autoridade espiritual de quem ministrava o sacramento. Para usar a expressão técnica em latim, a teologia da Reforma rejeitou a perspectiva medieval quanto aos sacramentos serem eficazes ex opere operatuis, ou seja, eficazes em função de quem os ministra. Na obra O cativeiro babilônico da Igreja (1520), Lutero rejeitou com veemência que o ministro tivesse poder espiritual em si mesmo. Ele não aceita a tradicional posição romana quanto à suposta autoridade espiritual do ministro dizendo que se deve confiar no ensino da Palavra de Deus, e não no poder de quem ministra o sacramento. A polêmica quanto aos sacramentos foi intensa e candente no tempo da Reforma. O Concílio de Trento foi convocado por causa do abalo sofrido pela igreja de Roma. A sétima sessão do Concílio (1547) confirma o setenário sacramental medieval." A essa altura, a separação entre romanos e reformados já era irreversível. A Reforma, fiel ao princípio sola Scriptura, advogava apenas dois sacramentos: o batismo e a eucaristia. Quanto à compreensão protestante sobre apenas dois sacramentos, vale a pena citar Lutero em O cativeiro babilônico da Igreja: Contudo, tem-nos parecido correto restringir a denominação de sacramento àquelas promessas de Deus, as quais têm atreladas a si determinados sinais. As demais, que não estejam ligadas a sinais, são simples promessas. Disso, concluímos que, estritamente falando, existem somente dois sacramentos na igreja de Deus - o batismo e a comunhão. Pois somente nestes dois sacramentos encontramos sinais instituídos por Deus e a promessa do perdão dos pecados. J4
Após essa breve introdução, serão apresentadas algumas considerações a respeito de cada um dos sacramentos conforme o entendimento da teologia protestante, isto é, o batismo e a eucaristia.
33 14
Cf. Henri BOURGEOIS, Os sinais da salvação, p. 133. Citado por Alister MCGRATH em Teologia: sistemdtica, histórica e filosófica, p. 580.
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FUNDAMENTOS
DA TEOLOGIA DA IGREJA
o batismo De acordo com o Breve Catecismo de Westminster, "Batismo é um sacramento no qual o lavar com água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo significa e sela nossa união com Cristo, a participação das bênçãos do pacto da graça e a promessa de pertencermos ao Senhor" (pergunta 94). Desde os primórdios, a Igreja vê o batismo como um ritual de iniciação à fé cristã. Nos primeiros séculos, os novos convertidos eram preparados para o batismo por meio da catequese, isto é, recebiam instrução quanto à fé cristã e suas implicações para a vida. Após a catequese, eram batizados. A partir daí, eram considerados mernbros da comunidade de fé. Geralmente, a cerimônia de batismo acontecia uma vez por ano, na noite da Vigília Pascal, a noite do Sábado "de Aleluia", na Semana Santa. O Novo Testamento é a base da Igreja para o batismo: "... quem crer e for batizado será salvo" (Mc 16:16). O Cristo ressuscitado deixou ordem expressa para que discípulos de todas as nações fossem batizados "em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mt 28: 19-20). O evangelho de João relata que os discípulos de Jesus realizavam batismos mesmo antes da ressurreição 00 4: 1-2). Em Atos, são feitas seguidas referências aos que "aceitaram a palavra" e receberam o batismo (2:41; 9:17-18; 16:31-33). O batismo tem sido entendido como de inestimável valor espiritual e teológico para a vida dos discípulos de Jesus. É o rito que celebra a inserção da pessoa que recebe o sacramento na Igreja, sendo sinal e selo do pacto da graça. Na verdade, é mais que mero "rito de iniciação", como crêem estudiosos de antropologia cultural. É um mandamento do Senhor, uma ordenança divina. O batismo aponta para a purificação dos pecados pela fé na obra sacrificial e expiatória de Jesus (v. At 22: 16). Pelo batismo o cristão se reveste do próprio Cristo (GI3:26-27). É também um penhor, uma garantia do cumprimento das promessas divinas de salvação. Nas palavras de Bourgeois, I
Quando a Igreja batiza, é Jesus que batiza. É ele o ministro principal do sacramento. E o é na qualidade de Filho ressuscitado no Espírito.
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o batismo, portanto, dá à fé dos cristãos um caráter crístico, isto é, filial e espiritual. Os batizados têm uma filiação renovada em relação a Deus Pai; eles são gerados de novo, ou recriados, e ao mesmo tempo são ungidos pelo Espírito Santo. O batismo dá, portanto, forma trinitária à vida de fé. Esta estrutura da vida de fé é anterior ao sacramento, mas o sacramento a manifesta e a realiza." Quando se fala em batismo é quase inevitável que se fale mais dos aspectos controversos que o cercam que a respeito de seu significado teológico e espiritual. O protestantismo, embora concorde sobre a importância do batismo, sempre foi dividido quanto à forma do batismo e sobre quem pode ser batizado. No início da Reforma, alguns seguidores de Zuínglio discordaram do reformador por julgarem-no incoerente quanto ao batismo. Eles criam que a Bíblia não oferece base para o batismo infantil. Defendiam também o batismo por imersão. Os que se afastaram do reformador de Zurique foram posteriormente denominados "anabatistas", isto é, "rebatizadores". Por ironia, Zuínglio condenou alguns à morte por afogamento." Desde esse tempo, o protestantismo sofre por falta de consenso sobre essa questão. De um lado, os imersionistas defendem o batismo apenas por imersão (em geral, também são antipedobatistas: não admitem a possibilidade de batismo infantil). Do outro, os aspersionistas e pedobatistas defendem que o batismo pode ser ministrado por aspersão e que crianças podem ser batizadas. A polêmica é candente. No século XX, gigantes da teologia como Karl Barth, Oscar Cullmann e Joachim Jeremias defenderam diferentes posições a esse respeito." Cada grupo tem argumentos a favor de seu ponto de vista e, ao mesmo tempo, refutações a pontos de
Os sinais da salvação, p. 259-260. Para detalhes, consultar Timothv GEORGE, Teologia dos reformadores, p. 137-139. 37 Karl BARTH, em The Teaching of the Church Regarding Baptism, defende a posição antipedobatista. Oscar CULLMANN, em Baptism in the New Testament, argumenta extensivamente contra Barth. E [oachim JEREMIAS apresenta, em Infant Baptism in the First Four Centuries, um relato da história da prática do batismo infantil nos primeiros quatro séculos da Igreja. Para detalhes quanto a essas obras, consultar a lista de referências bibliográficas no final deste livro. 35
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vista oponentes. 38 Todavia, mais importante que essas querelas é o fato de que defensores dessas diferentes posições devem se respeitar mutuamente, visto que estão trabalhando para a exaltação do Senhor da Igreja, e não para a exaltação de sua denominação.
A ceia do Senhor Esse sacramento é conhecido por diferentes expressões: "ceia do Senhor", "mesa do Senhor", "mesa comum", "santa ceia", "comunhão", "santa comunhão", "eucaristia" (ou expressões derivadas, como "refeição eucarística", "santa eucaristia" ou "mesa eucarística"). Cada expressão tem sua razão de ser. O Novo Testamento também utiliza a expressão "partir o pão" (At 2:42, 46; 1Co 10:16), cuja origem está nos evangelhos sinóticos, que declaram que, na noite anterior à crucificação, Jesus se reuniu com os doze apóstolos num cenáculo em Jerusalém e "partiu o pão" (Mt 26:26; Mc 14:22; Lc 22:19; cf. tb. 1Co 11:24), e lhes ordenou: "... fazei isto em memória de mim" (cf. 1Co 11:24-25). Com o tempo, essa expressão caiu em desuso. Na Didaquê, um dos mais antigos documentos cristãos, se encontram as expressões "partir o pão" e "eucaristia" (palavra de origem grega; significa "ação de graças"). Em Lucas 22: 19 e 1Coríntios 11:24 é dito sobre Jesus: "... tendo dado graças" (no grego se lê eucharistesas). Essa é a origem bíblica do uso da palavra eucaristia. É extremamente significativo que Jesus não tenha deixado para seus seguidores um catálogo de preceitos morais ou um manual de doutrinas, mas uma "mesa", uma refeição comunitária. Essa afirmação não defende de modo algum que preceitos morais e doutrinas não sejam importantes. Nada mais distante da verdade. Mas pretende lembrar o que algumas vezes se esquece: a centralidade e a importância da refeição sacramental da nova aliança tanto para os fiéis, como indivíduos, como para a vida da Igreja, enquanto organismo.
detalhes, consultar, entre outras publicações: L. BERKHOF, Teologia sistemática; Teologia sistemática, p. 1410-1448; W. GRUDEM, Teologia sistemática, p. 814-833; P. LANDES, Estudos bíblicos sobre o batismo de crianças, referências diversas espalhadas pelo livro.
38 Para
C.
HODGE,
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A eucaristia foi instituída por Jesus em conexão com a Páscoa judaica, festa muito importante na vivência religiosa do judaísmo por celebrar a libertação do povo de Israel da escravidão no Egito (cf. Êx 12:14; 13:3,8-9, 16). Com referência à instituição eucarística, há ainda algo importante que não pode ser esquecido: conforme joachim Jeremias, biblista luterano alemão, a última refeição de Jesus com seus discípulos, na noite da quinta-feira santa, proclama o início do tempo da salvação." Havia no Israel dos dias de Jesus forte expectativa quanto à chegada do tempo messiânico, em que a salvação seria plena. Uma das imagens bíblicas para se referir a esse tempo é a da refeição messiânica (cf. Lc 13:29; 14: 15; 22:29-30). De alguma maneira, a eucaristia antecipa a refeição que acontecerá por ocasião da plenitude dos tempos, na vinda definitiva e plena do reino de Deus (cf. Mt 26:29; Mc 14:25; Lc 22:18; lCo 11:26). Para usar a expressão popularizada pelo teólogo alemão Wolfhart Pannenberg, a ceia é evento proléptico, isto é, que mostra hoje, ainda que de maneira limitada e imperfeita, o que acontecerá amanhã, de maneira plena e perfeita. Os elementos da refeição eucarística são o pão e o vinho. O pão é símbolo do corpo de Jesus, moído pelos sofrimentos e torturas que sofreu em sua paixão, e por fim engolido pela morte (cf. jo 6:51). O vinho é símbolo do sangue derramado por Jesus ao ser crucificado. Há uma extensa tradição no pensamento bíblico sobre o aspecto simbólico do sangue derramado. Na antiga aliança, o sangue era derramado no lugar do pecador (Lv 16; 17:11, etc). A Bíblia chega a afirmar que "sem derramamento de sangue não há remissão de pecados" (Hb 9:22). Para que o sangue do pecador não fosse derramado, o sangue de uma vítima expiatória era derramado em seu lugar. Na noite da celebração da eucaristia, Jesus assume o lugar da vítima sacrificial, Dessa maneira, ele vivencia de forma plena o que é chamado de "ofício sacerdotal'i" - ele é, a um só tempo, sacerdote e
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Isto é o meu corpo, p. 12-15.
40 A
teologia clássica fala a respeito do "tríplice ofício de Cristo": o real, o profético e o sacerdotal.
40
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vítima sacrificial (Hb 7:28; 9:11-14,28; 10:1-25). O Novo Testamento não hesita em aplicar a jesus Cristo a linguagem do cordeiro pascal ao 1:29,36; 1Co 5:7; 1Pe 1:18-19; Ap 5:6,9-12; 12:11). Quando Javé fez aliança com Israel nos dias de Moisés, sangue foi aspergido sobre o povo (Êx 24: 1-8). Mais tarde, o profeta Jeremias anuncia o tempo em que uma nova aliança seria estabelecida entre Deus e seu povo (31:31-34). Na celebração pascal na noite em que Jesus foi traído, ele utilizou essas mesmas palavras - nova aliança - para explicar aos apóstolos o sentido do que estava acontecendo (Mt 26:28; Mc 14:24; Lc 22:20; 1Co 11:25). A morte de Jesus lançou luz sobre Isaías 53, que profeticamente fala do Servo do Senhor que passaria por morte vicária e expiatória a favor dos escolhidos de Deus. A lembrança da morte substitutiva de Jesus não pode ser esquecida, sob pena de não se compreender corretamente o significado da ceia do Senhor. Nas palavras de [oachím Jeremias, ... Jesus não se limitou a recitar a oração sobre o pão e o cálice; ele acrescentou palavras que interpretavam o pão partido e o vinho tinto como morte expiatória pelos muitos. Se logo depois ofereceu pão e vinho aos discípulos, isto só podia significar que ele, mediante os atos de comer e de beber, tornava os discípulos beneficiários da força expiatória de sua morte. Participando do pão partido e do cálice abençoado, cada um deles era pessoalmente interpelado e se dava a cada um deles, pessoalmente, a certeza de pertencer à série daqueles pelos quais o "Servo de Deus" estava para morrer. Dar certeza pessoal: eis o que Jesus tinha em vista unindo as palavras de explicação ao ato de distribuição."
Essa exposição bíblica é suficiente para mostrar quão importante é para a Igreja a mesa do Senhor. É algo repleto de significado, que não pode ser desprezado nem relegado a mero apêndice da liturgia. Ao comentar 1Coríntios 11:24 ("e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória
41
Isto é o meu corpo, p. 50.
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41
de mim."), texto importante para essa discussão, por apresentar o ensino paulino a respeito da eucaristia, João Calvino declarou: A Ceia pois é um memorial providenciado com o fim de assim assistir-nos em nossas fraquezas; porque, se de outra forma estivéssemos suficientemente imbuídos da morte de Cristo, este auxílio seria de todo supérfluo. Isto se aplica a todos os sacramentos, porquanto eles nos ajudam em nossas fraquezas."
A Igreja é, portanto, comunidade que se reúne para renovar sua fé, fortalecer sua esperança e alimentar seu amor através da celebração da ceia do Senhor. A Bíblia não dá detalhes sobre qual deve ser a periodicidade dessa celebração. No Brasil, a média das igrejas do "protestantismo de missão'r" celebra uma vez por mês. Igrejas luteranas e anglicanas celebram, em geral, dominicalmente. Aliás, essa era a opinião do reformador João Calvino: ele tinha a ceia em tão alta conta que advogava a celebração semanal para a nutrição espiritual dos cristãos." Em contraste, algumas igrejas neopentecostais diminuem a quantidade de celebrações da santa ceia. Muito mais poderia ser considerado sobre a eucaristia. Esta breve discussão não aborda uma questão importante: a controvérsia sobre a presença de Cristo na ceia. O que será afirmado é que, à luz da Bíblia, não há como menosprezar a ceia do Senhor. Urge que a igreja evangélica (re)estude com profundidade esse tema, pois há quem reduza a ceia à categoria de simples elemento da liturgia, que acontece porque não deveria ser omitido. Há também quem receie enfatizar
de lCoríntios, p. 357. Para um estudo sobre a compreensão reformada da eucaristia consultar, entre outras: G. MACGREGOR, Corpus Christi: The Nature of the Church According to the Reformed Tradition, p. 176-196. 43 Essa é uma categoria de estudos de sociologia do protestantismo brasileiro que está praticamente consagrada pelo uso. Tal categoria diferencia o protestantismo "de missão" (que se implantou no Brasil no século XIX devido a trabalho missionário), representado por igrejas como Batista, Congregacional, Metodista e Presbiteriana, do protestantismo "de imigração" (que se implantou no Brasil no mesmo século XIX devido à imigração), representado, por exemplo, pela igreja Luterana. 44 Cf. T. GEORGE, Teologia dos reformadores, p. 238. 42 Exposição
42
FUNDAMENTOS
DA TEOLOGIA DA
IGREJA
em demasia o valor da celebração eucarística por temor de praticar uma teologia sacramentalista no sentido de conceber o sacramento como eficaz em si mesmo. A importância da ceia, bem como a compreensão desse sacramento na ótica da teologia reformada, é bem expressa nas palavras da Confissão de Fé de Westminster (cap. XXIX, parágrafo VII): Os que comungam dignamente, participando exteriormente dos elementos visíveis deste sacramento, também recebem intimamente, pela fé, a Cristo Crucificado e todos os benefícios da sua morte, e nele se alimentam, não carnal ou corporalmente, mas real, verdadeira e espiritualmente, não estando o corpo e o sangue de Cristo, corporal ou carnalmente nos elementos pão e vinho, nem com eles ou sob eles, mas espiritual e realmente presentes à fé dos crentes nessa ordenança, como estão os próprios elementos aos seus sentidos. Conclui-se daí que o que verdadeiramente importa é que a igreja se alimente espiritualmente através da participação na ceia, anunciando dessa maneira "a morte do Senhor, até que ele venha".
Disciplina eclesiástica - uma marca teológica da Igreja? Atribui-se a João Calvino a construção teológica que acrescenta a disciplina eclesiástica ao lado da pregação da Palavra e da celebração dos sacramentos como marcas distintivas da Igreja. Na verdade, essa elaboração é de Martim Bucer (1491-1551), reformador de Estrasburgo, que afirmou: "... não pode haver uma igreja sem a disciplina eclesiástica". 45 Calvino trabalhou de 1538 a 1551 em Estrasburgo. A convivência com Bucer decerto exerceu algum tipo de influência sobre Calvino. Ainda que ele não considerasse a disciplina eclesiástica uma marca teológica da Igreja, certamente a julgava importante e salutar para a comunidade cristã. Prova disto é que em As institutas (IV. 12.5), Calvino comenta o tríplice propósito da disciplina:
New light on Butzer's significance, p. 148, citado por doutrina de Calvino sobre disciplina edesidstica, p. 50.
4\ LITIELL,
CAMPOS JUNIOR,
A
As
MARCAS DA IGREJA
43
1. Evitar a degradação do Corpo de Cristo (a Igreja). 2. Evitar que o mau exemplo corrompa os piedosos. 3. Incentivar o arrependimento do pecador. Desde esse tempo, a aplicação da disciplina eclesiástica é vista por muitos protestantes como uma marca teológica da Igreja. Não há dúvida quanto à importância da disciplina eclesiástica na vida da comunidade de fé. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que a correta administração da disciplina nem sempre é tarefa fácil. No Brasil, a extrema multiplicação de igrejas evangélicas, por mais estranho e incrível que pareça, pode fazer mais mal que bem, em termos de disciplina eclesiástica. Por exemplo, não é incomum acontecer que, em determinada comunidade, um membro seja disciplinado e afastado da comunhão; caso resida em uma cidade de porte médio ou grande, essa pessoa não terá dificuldades em encontrar outra igreja não muito distante de onde mora. É provável que seja recebido na outra comunidade com relativa facilidade. Assim, os objetivos da disciplina eclesiástica acabam não sendo atingidos. CONCLUSÃO
As quatro marcas teológicas da Igreja (una, santa, católica e apostólica) não são mera teorização. Ao contrário, são tremendos desafios. Além disso, elas estão interligadas. A Igreja não pode ser santa sem ser católica, ou ser apostólica e não manter a unidade. A citação a seguir articula bem a relação entre essas características: A unidade é apostólica; assim é que se relaciona visivelmente com Cristo. É católica, não limitada a um lugar ou a uma raça, a uma classe ou a um segmento da história (a cristandade medieval, por exemplo), mas chamada à missão universal e de si apta para abarcar a totalidade do desenvolvimento humano no tempo e no espaço. A unidade, finalmente, é santa: realiza-se para lá de toda organização humana pela ação do Espírito Santo, que é princípio de comunhão. A santidade é católica: realiza-se numa variedade imensa de vocações; é apostólica: procede da vinda histórica de Deus em nossa carne; é una: pelo Espírito Santo.
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA
DA IGREJA
A catolicidade é una, a ponto de não se esgotar sua noção ao falar de expansão ou dilatação da unidade, porque o Espírito Santo realiza as vocações e os contributos pessoais numa comunhão. A catolicidade é apostólica, não aberta a qualquer sincretismo. É santa, sendo de Deus e para Deus. Finalmente, a apostolicidade é una, católica, chamada à missão universal até o fim dos tempos. É santa, por proceder da própria ação do Senhor e de seu Espírito, para além de toda segurança humana ou histórica de continuidade. Cremos na Igreja apostólica, como a cremos una, santa e católica, acima de toda evidência ou aparência."
Assim é e deve ser a Igreja do Senhor Jesus Cristo no mundo. RECAPITULANDO
1. Como a Igreja pode viver verdadeiramente a santidade? 2. Que diferença há entre "santidade" e "moralismo"? 3. Em meio a tantas denominações eclesiásticas, é possível falar em Igreja "una"? 4. Qual sua opinião sobre "sucessão apostólica"? 5. Explique a relação entre a catolicidade da Igreja e seu aspecto missionário. 6. Quais são as outras marcas da Igreja segundo a Reforma? 7. A disciplina eclesiástica pode ser considerada uma marca teológica da Igreja? Como?
46
Yves
CONGAR
e Pietro
ROSSANO,
A Igreja, p. 9-10.
Capítulo
3
A dinâmica da Igreja
QUAL É A DINÂMICA - OU A MISSÂO - da Igreja no mundo? Trata-se de uma pergunta da maior importância. No entanto, não é fácil responder como a Igreja deve atuar no cenário mundial. A resposta mais facilmente encontrada na prática eclesial do Brasil é esta: a evangelização é a única tarefa e razão de ser da Igreja, que existe apenas para "ganhar almas para Jesus". Qualquer outra atividade seria um lamentável desperdício de tempo, dinheiro e energia. Essa visão é compartilhada por igrejas do protestantismo "tradicional" (ou "histórico") e por representantes do pentecostalismo "clássico"; conquanto bastante popular, não faz justiça ao todo da revelação bíblica a respeito dos propósitos de Deus para o mundo. Já em grupos mais novos, representantes do "neopentecostalismo", a Igreja é vista como agência do sobrenatural, que, de maneira bastante utilitarista, pode ser manipulado para resolver problemas dos fiéis. Essa visão cresce no Brasil (e na América Latina) devido à grande e emergente visibilidade desses grupos na mídia. Uma terceira resposta é a de grupos ecumênicos, que defendem a ação da Igreja basicamente como agência prestadora de serviços e defensora dos direitos humanos de minorias. Sob o ponto de vista númérico, essa perspectiva é diminuta. Há ainda grupos que vêem a Igreja como depositária de antigas tradições litúrgicas que devem ser preservadas e continuadas. Essa interpretação talvez possa ser considerada um entendimento "cultural". Comunidades étnicas e igrejas que têm na celebração litúrgica o centro de sua vida tendem a se enquadrar nessa categoria.
46
FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
É possível ainda que haja comunidades que representem uma mescla de duas (talvez até mais) dessas possibilidades. Por exemplo, pode haver um grupo que tenha uma interpretação a um só tempo ecumênica e centrada na liturgia. Essas respostas conflitantes mostram como é difícil interpretar a dinâmica da Igreja. O objetivo deste capítulo não é discutir os erros e acertos de cada uma dessas possibilidades interpretativas. Antes, o que se pretende é apresentar, na medida do possível, uma visão holística, ou seja, integral, do agir da Igreja no mundo, com base no ensino das Escrituras. E isso será feito tendo como suporte sete palavras gregas encontradas no Novo Testamento. Trata-se de sete dimensões de uma única dinâmica, apresentadas de maneira aleatória, sem representar níveis de importância. "MARTlRIA" -
O TESTEMUNHO DA IGREJA
Sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra. Atos 1:8 Na concepção evangélica popular brasileira, "dar testemunho" é relatar uma história de conversão. Espera-se que sejam relatos bastante dramáticos, extraordinários e repletos de lances impressionantes. Em razão disso, criou-se o neologismo "tristemunho", expressão criativa e bem-hurnorada para se referir a essas histórias. Consciente ou inconscientemente, alguns chegam ao extremo de condicionar a experiência de conversão a algum "testemunho" fora do comum. Sem dúvida, isso causará desnecessários traumas em quem não tem uma história extraordinária para relatar. Grupos afinados com a ideologia neopentecostal têm "reinventado" o testemunho, transformando-o em um relato impressionante de como alguém, após freqüentar a igreja tal e seguir cuidadosamente todas as instruções que lá lhe foram transmitidas, passou da miséria para a riqueza.
A
DINAMICA DA
IGREJA
47
o visão bíblica quanto ao testemunho é bastante diferente. 1 Em Mateus 10:18, Jesus discorreu sobre o testemunho (martirion) de seus discípulos a respeito dele na presença de reis e autoridades. O apóstolo Paulo algumas vezes interpreta seu trabalho como um testemunho missionário (cf. lCo 15:15; 2Ts 1:10; 2Tm 2:2). Na literatura joanina (atribuída ao apóstolo João), a noção de testemunho é especialmente importante: só no quarto evangelho, o verbo martirein ("testemunhar") aparece trinta vezes (em Mateus e Lucas, apenas uma vez). A abundância de testemunhas no quarto evangelho (loão Batista, Jesus e suas obras, o evangelista, as Escrituras) serve para levar os ouvintes e leitores a crer em Jesus (cf. jo 1:7; 3:22-33; 19:35). Em Apocalipse está cristalizada a idéia do testemunho ligado ao martírio (6:9; 17:6). Assim, ser testemunha é ser rnártir.? Em certo sentido, dimensão do testemunho é praticamente sinônima de dimensão evangelizadora. A Igreja deve dar testemunho de quem Jesus Cristo é, de suas afirmações e de seu senhorio. Não obstante, especial atenção deve ser dada à possibilidade do testemunho como martírio. Nos primeiros séculos de sua trajetória, a Igreja sofreu severas perseguições, e ainda continua a sofrer.' Daí a famosa frase de Tertuliano, um dos pais da Igreja: "O sangue dos mártires é a semente da Igreja". É conveniente lembrar que: Pode haver [no mundo] mecanismos de dominação e mentira, implicando a negação de Deus. Em tais circunstâncias a afirmação de Deus, da verdade e da justiça, só é sustentada, sem traição e pecado, sob a forma da perseguição e do martírio. Sempre houve mártires na história [... ] A Igreja [... ] não só tem mártires, mas é uma Igreja de mártires. Ao verdadeiro conceito de Igreja pertence o martírio."
A idéia de testemunho deriva do mundo jurídico. Na literatura bíblica, o sentido religioso provém do jurídico. Na Septuaginta (LXX), a versão grega da Bíblia hebraica, encontra-se dez vezes martiria, e mais de cem vezes a forma rnartirion. 2 Cf. A. van SCHALK, "Testemunho". Em: Van den BORN (org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia, Petrópolis: Vozes, 1977, p. 1503-1504. 3 Para detalhes atualizados de perseguição a cristãos no período contemporãneo, consultar Their Blood Cries Out, de Paul MARSHALL. 4 Leonardo BOFF, E a Igreja se fez povo, p. 136. I
48
FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
"LITURGIA" -
A VIDA DE CULTO DA IGREJA
E perseveravam [...] nas orações. [...] Diariamente perseveravam unânimes no templo [...] louvando a Deus. Atos 2:42,46-47
o
culto - a liturgia - também é parte da dinâmica ou missão da igreja. Não se pretende nesta seção entrar em detalhes de uma discussão sobre como, bíblica e teologicamente falando, deve ser a liturgia. Antes, o que se pretende é comentar, ainda que em síntese, sobre o que significa a liturgia e seu lugar nessa dinâmica. A dimensão cultual da dinâmica da Igreja está profundamente enraizada no solo da revelação bíblica. Nas Escrituras muito se diz sobre a adoração prestada ao Deus criador todo-poderoso, desde Abel, nos primórdios (conforme Gn 4:4), até às belíssimas liturgias celestiais e cósmicas de Apocalipse (4:8-11; 5:8-14; 7:9-12; 11:15-18; 12:10-12; 19:1-8). A Igreja é herdeira da riquíssima tradição litúrgica do povo de Deus na Antiga Aliança. O Novo Testamento indica que as primeiras comunidades cristãs viviam intensa vida litúrgica. Biblistas chamam a atenção para várias passagens neotestamentárias vistas como fragmentos de hinos cantados pelos primeiros cristãos. 5 Os primeiros seguidores de Jesus tomaram a sinagoga judaica como modelo de prática litúrgica. De fato, eles eram vistos pela alta cúpula judaica como mais uma seita, não como um grupo distinto. Portanto, são chamados de "os do Caminho" (At 9:2; 24: 14,22). Nesse primeiro momento, eles se reúnem no templo em Jerusalém (Lc 24:53; At 3: 1) e em casas (At 2:46). A liturgia é simples, sem sofisticações: orações, cânticos, leitura e comentário da Tanach (a Bíblia hebraica), sempre com hermenêutica cristológica e cristocêntrica, e "o partir do pão" (At 2:46; 20:7), a refeição eucarística, relembrando o sacrifício de Jesus na cruz. Mais tarde surge o designativo "cristão" (At 11:26). À medida que a fé em Jesus é levada para praticamente "todo o canto que
5
Alguns textos assim entendidos são Filipenses 2:6-11 e 1Timóteo 3: 16.
A
DINAMICA DA IGREJA
49
havia", novas tradições litúrgicas vão sendo elaboradas. Como o cristianismo não tem o conceito de língua sagrada, muito cedo na história da Igreja há notícia de lecionários litúrgicos em siríaco e em latim. Assim, aonde a fé cristã tem chegado, graças ao trabalho missionário, a liturgia tem sido traduzida para a língua do povo. A Igreja tem desenvolvido ao longo dos séculos diferentes expressões litúrgicas, em uma impressionante variedade de formas. Alguns grupos cristãos (como os anglicanos) têm uma liturgia em forma de diálogo entre o dirigente e o povo, que poderá escandalizar quem está acostumado com um modelo de culto em que um dirigente orienta os momentos litúrgicos enquanto o povo mantém uma atitude mais estática e passiva. Já a prática litúrgica tradicional de grupos pentecostais pode passar por desorganizada para quem está acostumado, por exemplo, com um calendário litúrgico. Evidentemente a falta de organização da liturgia pentecostal é aparente, pois apenas segue regras diferentes do modelo litúrgico mais formal. Assim, diferentes igrejas têm tido diferentes tradições litúrgicas. A Igreja Ortodoxa Oriental chega a ponto de ter na liturgia (chamada de "Divina Liturgia") o centro de toda sua compreensão da fé e da vida cristã. O catolicismo romano desenvolveu uma liturgia centralizada no ritual da eucaristia e no ano litúrgico." Já o protestantismo "histórico" (como o luteranismo e o presbiterianismo) tem desenvolvido liturgias nas quais a exposição da Palavra ocupa lugar de destaque. O pentecostalismo "clássico" (a Igreja Evangélica Assembléia de Deus é típica representante desse modelo) tem uma liturgia que recebe destaques não encontrados em outras denominações, como, por exemplo, manifestações glossolálicas (a prática de falar "línguas desconhecidas"). Já o neopentecostalismo tem uma liturgia centrada no combate às forças espirituais do mal - daí o destaque ao exorcismo
6O
ano litúrgico, que algumas igrejas protestantes observam, é a lembrança e celebração dos grandes acontecimentos da fé cristã durante o ano, começando no tempo do Advento (quatro semanas antes do Natal), seguido pelo tempo do Natal propriamente, Epifania, Quaresma, Páscoa, Pentecostes, Ascensão do Senhor e o tempo chamado "comum" (que em igrejas protestantes é chamado "Domingos da Trindade").
50
FUNDAMENTOS
DA
TEOLOGIA DA
IGREJA
nos cultos. Esse combate (ou "batalha espiritual) é apresentado de forma utilitarista, pois visa sempre ao bem-estar dos adeptos e não raro fundamentam-se em uma perspectiva que visa, deliberadamente ou não, à glória e à exaltação do líder ou da denominação. O Brasil vivenciou um crescimento vertiginoso da população evangélica nas últimas décadas. A expansão na área musical tem sido assombrosa. Há um sem-número de cantores e bandas, e o culto assume aspecto de show. Alguns movimentos organizados no campo de louvor e adoração são estruturados e articulados o bastante para superlotar grandes estádios, atraindo pessoas de praticamente todos os estados do país. Entretanto, ao mesmo tempo observa-se que considerável parte dessa imensa oferta não é muito variada em estilo musical. Quantidade não é necessariamente qualidade. Há uma massificação cultural no estilo gospel. Pouco se tem produzido em outras vertentes musicais. Pouco também tem sido feito em termos de, a partir de inequívoca orientação do texto bíblico, promover uma valorização litúrgica de elementos típicos da cultura brasileira. Há uma tremenda importância teológica no culto. Quando reunida em culto, a igreja está escatologicamente antecipando o futuro, quando o povo de Deus de todos os tempos e lugares estará reunido na presença do Senhor em uma liturgia cósmica (Ap 5:7-14). Jean jacques von Allmen entende ser o culto cristão uma "recapitulação da história da salvação", tanto em termos de uma lembrança (anamnese) da obra de Cristo como também de prefiguração do "banquete messiânico no qual, com seus discípulos, o Cristo há de beber o vinho novo no Reino de Seu Pai (Mt 26.29)". 7 Além disso, a liturgia é - ou pelo menos, deveria ser - o reflexo da teologia professada pela igreja. Conforme Bruno Forte, "na liturgia, o discurso teológico torna-se hino; na teologia, o canto litúrgico torna-se discurso, raciocínio e diálogo". 8 A respeito do lugar do culto na vida da igreja, vale a pena citar o teólogo Júlio Zabatiero:
7 8
O culto cristão: teologia e prática, p. 34. A teologia como companheira, memória e profecia, p. 198.
A
DINÂMICA DA
IGREJA
51
A adoração alegre é [... ] fruto da ação do Espírito (GI5:22; Rm 14:17; 1Ts 1:6; v. [o 4:24), manifestada no reconhecimento público de que somos o que somos graças ao que Deus fez por nós, e de que somos os que somos para que toda a criação seja conforme a vontade de Deus [...]. Nada mais indigno do Senhor que reduzir a adoração a ritos e/ou a catarses. Não é à toa, então, que Paulo afirma que o verdadeiro culto que prestamos a Deus é o da vida transformada."
Não importa se a dimensão litúrgica da dinâmica da Igreja acontece de maneira elaborada, como em uma liturgia anglicana ou luterana, ou de maneira simplificada, com uma liturgia que se resume a cânticos, orações e pregação. O que verdadeiramente importa é que verdadeiros adoradores adorem o Pai em espírito e em verdade. UPOIMENIA" -
A AÇÃO PASTORAL DA IGREJA
... instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria... Colossenses 3: 16 Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo. Gálatas 6:2
Poimen é a palavra grega para pastor. Daí o termo técnico "poimenia" ser usado na linguagem teológica para se referir à ação pastoral. Quando se fala em ação "pastoral" na comunidade evangélica brasileira, pensa-se imediatamente na ação do "pastor" da Igreja. Não obstante esse entendimento popular, pretende-se aqui pensar poimenia em perspectiva comunitária, e não individualista. Outra ressalva que precisa ser feita: quando se fala em perspectiva comunitária, não se tem em mente aquela praticada pelo catolicismo romano que fala de uma "pastoral do povo de Deus", que atua tanto internamente, no seio da comunidade de fé, como também, com mais ênfase, externamente, na interface do relacionamento da comunidade eclesial com a sociedade. Esse entendimento de ação
9
Fundamentos da teologia prática, p. 46.
52
FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
pastoral, que surge a partir do Vaticano lI, no início dos anos 1960, é extremamente difundido na América Latina. Tem gerado pastorais especializadas. Algumas se tornaram famosas, como a Pastoral da Criança, Pastoral da Terra, Pastoral do Imigrante. Essa perspectiva tem também produzido teóricos, que refletem criticamente o agir da Igreja. Tais pensadores são conhecidos como pastoralistas.'? É necessário e relevante procurar entender como deve ser biblicamente a ação do pastor e a ação comunitária e coletiva da Igreja. Mas o que se pretende de fato aqui é pensar a dimensão da dinâmica da Igreja expressa internamente, intramuros. Para tanto, este texto é fundamental: "... instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria..." (CI 3: 16). A idéia básica é que a Igreja deve ser uma comunidade de acolhida e de cuidado, mútua e reciprocamente exercidos. Nela, a todos cabe o cuidado amoroso e terno para com todos. A Igreja deve ser comunidade em que os membros sabem que são aceitos, ajudados e instruídos sempre que necessário. À luz desse ensino paulino, não cabe apenas ao pastor da igreja agir pastoralmente. Antes, é uma tarefa entregue a todos os membros da comunidade. Esse princípio é muito fácil de ser enunciado, mas bastante complicado para ser praticado. Afinal, já são alguns séculos de uma cultura que privilegia a ação de um indivíduo - o pastor - para cuidar de todos. Essa visão já faz parte do consciente e do inconsciente coletivo dos membros das igrejas. Outro problema prático: quanto maior é a igreja, mais difícil será viver a dimensão poimênica de sua dinâmica. Em dias em que há verdadeira "numerolatria", isto é, adoração de números expressivos que supostamente apontam para êxito e sucesso," em que tudo é válido para conseguir os objetivos pretendidos e a busca por quantidade sacrifica qualquer preocupação por qualidade, é quase impossível que igrejas vivenciem sua ação
!O
II
Alguns têm adquirido renome, como o espanhol Casiano FLORISTÁN, autor de Conceptos Fundamentales de Pastoral e Teologia Prdctica: Teoria y Práxis de la Acción Pastoral. Para uma reflexão crítica sobre o tema da pastoral produzida em contexto brasileiro, consulte O novo rosto da missão, de Luiz LONGUINI NETO, p. 49-65. Cf. [uan STAM, Apocalipsis, Tomo I, p. 135-136.
A
DINAMICA DA IGREJA
53
poirnénica. Sem falar na questão por demais complicada que é o aspecto de espetáculo, de show, que alguns grupos eclesiásticos têm assumido. Nesses grupos a ação do pastor é deliberadamente conduzida para distanciar-se do pOVO. 12 Nada mais distante do modelo bíblico de ser Igreja. Com isso não se pretende também abolir a figura do pastor. Não é esse o caso. Mas é chamar a atenção para algo infelizmente esquecido com freqüência: na dinâmica da igreja, à luz do ensino neotestamentário, os cristãos devem se preocupar (no bom sentido!) uns com os outros. Compreender a dimensão poimênica da dinâmica da Igreja contribuirá para diminuir conflitos desnecessários e inúteis que perturbam a vida de tantas igrejas pelo Brasil afora. Igrejas não raro são ambientes em que fofocas grassam. São pragas que destroem a reputação de cristãos e de muitos ministérios de pastores. Quando a Igreja leva a poimenia a sério e se torna uma comunidade em que os membros se orientam, então, em santo paradoxo, eles se interessam desinteressadamente uns pelos outros. Com isso, a comunidade ganha saúde e cresce. UDIAKONIA" -
A ENCARNAÇÃO DO AMOR PELA IGREJA
Portanto, aquele que sabe que pode fazer o bem e não o faz nisso está pecando. Tiago 4:17
A palavra "diácono" é muito conhecida de quem freqüenta igrejas cristãs. Quase sempre é usada apenas para se referir a uma categoria de oficialato ordenado na comunidade. A palavra grega para "servo" e "servidor" é diaconos. A palavra evidentemente tem a ver com serviço prestado a quem precisa. Desde o início de sua trajetória, a igreja cristã tem sido caracterizada pela ação diaconal. Os antigos teólogos denominavam a ação de serviço prestado pela igreja de "ministério de misericórdia".
12 Para
detalhes consultar Decepcionados com a graça, de Paulo
ROMEIRO.
54
FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
Jesus é o modelo por excelência de serviço: "Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10:45). Os evangelhos o descrevem curando enfermos (Mt 4:23), alimentando famintos (Lc 9: 10-17) e libertando endemoninhados (Mc 1:39). Em Mateus 25:31-46, passagem constrangedora para alguns evangélicos, Jesus aponta para o serviço prestado aos que precisam de água, comida, roupas, carinho e atenção como critérios no grande julgamento. O apóstolo Pedro afirmou: "... Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele" (At 10:38). Logo, Jesus é o diácono por excelência, e modelo para a ação diaconal dos cristãos individualmente ou na coletividade. As epístolas apostólicas dão grande ênfase à prática do bem, que deve caracterizar a ação cristã (cf., p. ex.: Rm 2:5-11; 2Co 13:7; G16:9; 1Tm 6:17-19; Tg 4:17; 1Pe 2:15,20). A comunidade evangélica em geral tem tido dificuldade e um pouco de antipatia para com a dimensão de serviço na dinâmica da igreja. Por quê? Uma razão é por compreender equivocadamente sua teologia. A doutrina protestante clássica da justificação pela fé, a espinha dorsal no pensamento teológico de Martinho Lutero, tem sido praticada por alguns evangélicos no Brasil de modo não inteiramente fiel ao espírito do ensinamento bíblico. Paulo afirma com clareza: "Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas" (Ef 2:10). Com medo de confusão com o espiritismo kardecista (que prega o evolucionismo moral e espiritual "turbinado" pela prática de boas obras) ou com o catolicismo romano (que prega a justificação por obras), muitos evangélicos têm sido avessos a um envolvimento mais intenso com a manifestação de serviço aos mais carentes. Além disso, ainda há forte ranço platônico em muitas igrejas evangélicas brasileiras, o qual se manifesta na conhecida dicotomia entre "espiritual" e "material": o que vale é "cuidar da alma", pois os assuntos "espirituais" são superiores aos "materiais". Essa perspectiva tem mais a ver com uma antiga filosofia grega (platonismo) que com o ensino bíblico
A
DINÂMICA DA
IGREJA
55
propriamente. Um resultado prático dessa visão é encontrado em igrejas que limitam sua ação diaconal ao mínimo, como aviar receitas médicas ou fornecer cestas básicas para algumas famílias carentes do seu rol de membros. Outros até atuam diaconalmente com um pouco mais de ênfase, mas vinculam a ajuda prestada à freqüência às atividades da igreja." Mesmo assim, muitas comunidades evangélicas praticam um serviço diaconal desinteressado e útil. Algumas agências pareclesiásticas sérias, como Visão Mundial e Fundo Cristão para Crianças, têm colaborado para isso. Por iniciativa de algumas igrejas locais, muito serviço diaconal abençoador tem sido praticado. 14 Em um país como o Brasil, tão marcado por gritantes injustiças e severas distorções no campo social, não faltam oportunidades para manifestar de maneira concreta o amor de Cristo aos necessitados. É uma vergonha que um país com milhões de evangélicos tenha tantas comunidades cristãs omissas na dimensão diaconal de sua dinâmica. Existe também uma lacuna na produção acadêmica teológica de uma reflexão sobre o serviço diaconal. Será que os teólogos brasileiros consideram a ação diaconal um tema indigno de reflexão? Exceção notável tem sido a produção levada a cabo por alguns teólogos luteranos." Isso indica o seguinte: no que diz respeito à dimensão da diaconia na dinâmica da Igreja, ainda há muito a ser feito, tanto na reflexão teológica crítica, à luz das Escrituras, como na prática.
IJ
Análise crítica dessa situação é apresentada em Manipulação no processo de evangelização, dissertação de mestrado em Missiologia defendida por Stephenson Soares
de Araújo em 1996 no Centro Evangélico de Missões em Viçosa (MO). É impossível citar aqui todos os exemplos de comunidades locais que têm se dedicado de maneira concreta e objetiva à prática diaconal no Brasil. Cito, como exemplo, a Rebusca (Ação Social Evangélica Viçosense) em Viçosa, MO, e o Núcleo de Valorização Humana Nova Vida, em Limeira, SP. 15 Rodolfo OAEDE NETO; Rosane PLETSCH & Uwe WEGNER (orgs.), Práticas diaconais. Subsídios bíblicos. Oisela BEULKE, Diaconia: um chamado para servir; Diaconia em situação de fronteira. Rodolfo OAEDE NETO, A diaconia de Jesus. Contribuição para a fundamentação teológica para a diaconia na América Latina. Sérgio ANDRADE & Rudolf VON SINNER (orgs.), Diaconiano contexto nordestino. Kjell NOROSTOKKE (org.), A diaconia em perspectiva bíblica e histórica. 14
56
FUNDAMENTOS DA
"KorNONIA" -
TEOLOGIA DA
IGREJA
A VIVÊNCIA DA COMUNHÃO NA IGREJA
... e tinham tudo em comum. Atos 2:44
A palavra grega koinonia significa "comunhão". A idéia básica é compartilhar. Esse termo se tornou comum no Brasil desde 1980. A noção de comunhão é bastante usual no texto bíblico. Desde a conhecida exclamação do salmista ("Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!", Sl 133: 1), passando pela solene declaração de Jesus quanto à marca identificadora dos seus seguidores ("Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros", [o 13:35), até a empolgante descrição de como viviam os primeiros discípulos (At 2:42-47; 4:32-35), as Escrituras sempre enfatizam a necessidade de a igreja ser um espaço de vivência comunitária fraterna e amiga. Essa vivência foi entendida pelos primeiros cristãos como de importância tal que faz parte do Credo apostólico "Creio na comunhão dos santos". O sentido teológico do artigo do credo é muito mais denso e contundente que se pensa. A comunhão dos santos é uma comunhão de fé, que envolve no Corpo de Cristo os salvos de todos os lugares e de todas as épocas. 16 Conforme o senso comum evangélico brasileiro, koinonia acontece quando os jovens da igreja se encontram nas noites de sábado para assistir a um filme na casa de um dos integrantes da união de mocidade ou grupo de jovens da comunidade, comendo pipoca e bebendo refrigerantes, ou quando saem juntos após o culto de domingo à noite, para tomar sorvete ou comer pizza. Ou ainda quando senhoras da igreja realizam uma reunião de oração doméstica, em cujo término invariavelmente haverá comes e bebes. Sem dúvida, essas são possibilidades muito agradáveis de viver a comunhão dos santos, mas não esgotam o sentido bíblico dessa importante faceta da dinâmica da igreja. Embora elas reflitam o "alegrai-vos
16
Cf. Alister
MCGRATH,
"I Believe": Exploring the Apostle's Creed, p. 94.
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DINÀMICA DA IGREJA
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com os que se alegram" (Rm 12:15a), a comunhão deve e precisa refletir o "chorai com os que choram" (Rm 12:15b). Ademais, Atos aponta para uma comunhão evidenciada na mão estendida aos membros da comunidade de fé que passam por dificuldades (At 4:34-35). Há que se reconhecer que é muito difícil viver a comunhão cristã assim, levando às últimas conseqüências um compromisso com a irmandade. Mas, quando se vive a comunhão com essa intensidade, o testemunho da Igreja adquire credibilidade e força. A idéia básica de koinonia é compartilhar alegrias e tristezas. Associada a essa noção está a idéia de responsabilidade - membros do Corpo de Cristo que têm responsabilidade uns para com os outros viverão a comunhão dos santos. São muitos os desafios e obstáculos no caminho do exercício da comunhão solidária, amorosa e amiga. É comum igrejas serem marcadas por divisões tolas, quase sempre por motivos fúteis. Não é preciso muito esforço para perceber como uma igreja sofre prejuízos de todos os tipos quando a vida de comunhão de seus membros é prejudicada. É preciso que essa igreja compreenda que viver a comunhão também faz parte da razão de ser da Igreja no mundo. "DIDASKALIA" -
A DIMENSÃO EDUCATIV A DA IGREJA
E perseveram na doutrina dos apóstolos... Atos 2:42
A fé cristã é centrada no registro da revelação escrita de Deus: a Bíblia. Os cristãos são "o povo do livro". Daí a importância do ensino na vida cristã. Atos 2:42 diz que os cristãos".,. perseveravam na doutrina dos apóstolos". "Doutrina" é a tradução do grego "didaquê". Este termo é a origem da palavra "didática". Os antigos teólogos denominavam a ação ensinadora da igreja de "poder de ensinar". Tal ação ensinadora também tem a ver com o que tem sido chamado de "inteligência da fé". Orlando Costas falava a respeito da necessidade de a igreja experimentar crescimento na dimensão conceitual, que tem exatamente a ver com a "inteligência da fé":
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FUNDAMENTOS
DA TEOLOGIA DA
IGREJA
Por crescimento conceitual nos referimos à expansão na inteligência da fé: o grau de consciência que a comunidade eclesial tem com respeito à sua existência e razão de ser, sua compreensão do mundo que a rodeia. Essa dimensão dá à igreja firmeza intelectual para enfrentar a todo vento de doutrina, e capacidade crítica para evitar a fossilização e garantir a criatividade evangelizadora, orgânica e ética. A dimensão conceitual abarca a esfera lógica e psicossocial da vida. Acentua a necessidade que a igreja tem de pensar a fé crítica e reverentemente, ao calor da Palavra e da oração, e de avaliar honesta e conscientemente, à luz da fé e da realidade concreta, as imagens que tem forjado de si mesma, de sua missão e de seu mundo." Essa dimensão da dinâmica da Igreja é também herdeira da vida do povo de Deus na Antiga Aliança: Esdras, o sacerdote, trouxe a Lei perante a congregação, tanto de homens como de mulheres e de todos os que eram capazes de entender o que ouviam. [...] E leu no livro [...] desde a alva até ao meiodia, perante homens e mulheres e os que podiam entender; e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei. Neemias 8:2-3 Não está sendo dito que a fé cristã seja gnóstica, no sentido de pregar uma salvação pelo conhecimento. Nada disso. O sentido é o de que os cristãos são biblicamente instados a explicar a razão de sua fé e de sua esperança (lPe 3:15). Mas à semelhança do que já tem sido visto em outras seções deste capítulo, também há complicados problemas na vivência evangélica brasileira da dimensão educativa da Igreja. A palavra "doutrina" mudou totalmente de significado em alguns grupos evangélicos brasileiros. Nesses grupos, "doutrina" equivale aos usos, costumes e às normas - via de regra, proibitivos que a igreja adota. Daí ser comum um membro de uma dessas igrejas se referir a crentes de outra dizendo: "Ele/ela é de uma igreja que não tem doutrina, porque lá mulher pode cortar cabelo".
17 Dimensiones
dei Crecimiento Integral de la Iglesia, p. 13-14, grifas do autor.
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DINAMICA DA IGREJA
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Outros entendem "doutrina" como algo teórico, pesado, difícil, puramente conceitual, que pouco ou mesmo nada tem a ver com a vida diária, com questões como educação de filhos, relacionamento conjugal, administração doméstica, lazer ou quaisquer outras questões "pé no chão". Nessa possibilidade popular de entendimento do que seja "doutrina", essa palavra está relacionada a questões como "a doutrina da predestinação" ou "a doutrina da justificação pela fé". Como entender então o relato bíblico que fala dos primeiros seguidores de Jesus perseverando na "doutrina dos apóstolos"? Certamente eles estudavam o ensino transmitido pelos apóstolos, ensino esse baseado nas Escrituras (o "Antigo Testamento"). Eles faziam uma leitura bíblica com uma chave de interpretação cristológica e cristocêntrica." Era também um ensino voltado para a vida dos crentes. Vale lembrar que a Bíblia não foi escrita para ser um manual de doutrinas. Tome-se o Novo Testamento como exemplo. Os documentos do Novo Testamento foram escritos tendo por base situações missionárias, com novas igrejas sendo plantadas. Esses documentos foram séculos mais tarde usados como fonte para uma reflexão sistemática, que resultou na produção de teologia propriamente. A Igreja deve contemplar em sua dinâmica um programa educacional que visa ao esclarecimento e fortalecimento da fé dos crentes. Muitos cristãos são praticamente "analfabetos" em conhecimento bíblico. Não está sendo defendido aqui apenas um acúmulo de informações teóricas sobre aspectos pitorescos ou curiosidades bíblicas, mas um conhecimento bíblico que leva à encarnação dos princípios evangélicos de vida, pois, conforme nos lembra a conhecida expressão, "crer é também pensar". "KERIGMA" -
A PROCLAMAÇÃO DA IGREJA
Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Marcos 16:15
18
Para detalhes, consultar David S. DOCKERY, Hermenêutica contemporânea à luz da Igreja primitiva, p. 27·45.
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA
IGREJA
De todas as facetas da dinâmica da Igreja, a mais conhecida é a da pregação do evangelho. O cristianismo é uma fé que já nasce com vocação globalizante (cf. Mt 28:19; Mc 16:15; Lc 24:45; At 1:8). Em Atos relatam-se os primórdios da Igreja. Em pouco tempo, na expressão de uma canção evangélica brasileira, "... a Igreja se espalhou pra todo canto que havia... ". Desde esse tempo, é possível afirmar que a história do cristianismo é a história da expansão da fé cristã.'? Hoje o cristianismo já se faz presente em praticamente todo o planeta.ê? Não há a menor dúvida de que o anúncio proclamado pela Igreja primitiva era absolutamente cristocêntrico." Pregava-se a Cristo, e este crucificado (ICo 1:23). Pregava-se "a tempo e fora de tempo" que Jesus de Nazaré morreu na cruz por causa dos nossos pecados e ressuscitou ao terceiro dia (ICo 15:3-4). Pregava-se que Jesus é o Messias, o Cristo de Deus. Pregava-se que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. A proclamação do senhorio de Jesus não era isenta de riscos. Afinal, a palavra "senhor" (do grego kyrios) era um termo político no mundo dos tempos do Novo Testamento. O Kyrios era o César de Roma, o homem mais poderoso do mundo naqueles dias. Mas eis que "de repente, não mais que de repente", surge na pobre Judéia, periferia do mundo de então, um grupo que ousa afirmar que o Kyrios é Jesus de Nazaré! Não é difícil entender por que o nascente cristianismo sofreu severas perseguições. Essa pregação era feita de maneira ousada, criativa e apaixonada, com a capacitação sobrenatural proveniente da ação do Espírito do Senhor na vida daqueles pregadores. E pelos próximos dois mil anos, essa pregação tem continuado, com diferentes ênfases e estilos, mas nunca deixou de acontecer.
Para mais detalhes sobre a história do movimento missionário mundial cristão, consultar Andrew WALLS, The Missionary Movement in Christian History: Studies in Transmission of Faith; Dale T. IRVIN; Scott W. SUNQUIST, História do movimento cristão mundial, vol. I: Do cristianismo primitivo a 1453. 20 Cf. Philip )ENKINS, A próxima cristandade: a chegada do cristianismo global. Z1 Leon MORRIs, The Apostolic Preaching of the Cross; Michael GREEN, Evangelização na Igreja primitiva; C. H. DODD, The Apostolic Preaching and its Development. 19
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DINÂMICA DA IGREJA
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No Brasil, é possível ouvir pregações praticamente 24 horas por dia, pelas grandes mídias. Mas há que se comentar, ainda que rapidamente, sobre a qualidade de muita pregação que se tem divulgado. Por mais estranho e incrível que pareça, praticamente não se ouve mais quem pregue exortando os ouvintes ao arrependimento e à fé em Jesus, o que evidentemente está em flagrante contradição com o ensino do Novo Testamento (cf. Mt 3:2; 4:17; Mc 1:14-15; At 2:38; 3:19). O que se tem ouvido é uma pregação que transforma Jesus em uma espécie de "gênio da lâmpada" - poderoso, mas paradoxalmente obrigado a atender aos pedidos que lhe são feitos. Muito da pregação cristã atual resume-se a estranhas tentativas de manipulação do sagrado. O senhorio de Jesus e a radicalidade do discipulado são temas praticamente esquecidos. A proclamação é parte importantíssima na dinâmica da Igreja. Tão relevante que não poderá jamais abrir mão dessa responsabilidade ("... ai de mim se não pregar o evangelho", 1Co 9:16). RECAPITULANDO
1. Como explicar a "reinvenção" do entendimento de testemunho, etimológica e originalmente ligado ao tema do martírio, mas agora entendido muitas vezes como apenas uma declaração extraordinária de sucesso e vitória? 2. Qual é a importância escatológica do culto? 3. Como a igreja pode viver sua dimensão "poimênica"? 4. De que maneira a Igreja pode levar a sério sua missão diaconal sem ser paternalista ou meramente assistencialista? 5. De que modo é possível entender a comunhão como parte integrante da missão da Igreja no mundo? 6. Por que algumas vezes a dimensão educativa da missão da Igreja não é vista com bons olhos por alguns líderes eclesiásticos e por alguns fiéis? 7. Em sua opinião, qual é a importância do aspecto cristocêntrico da proclamação (kerigma) da Igreja?
Capítulo
4
o crescimento da Igreja
HÁ ALGUMAS DÉCADAS, o Brasil vem experimentado um impressionante crescimento das igrejas evangélicas. Novas denominações surgem a cada dia. Talvez nem o IBGE seja capaz de dizer com precisão quantas e quais são as igrejas evangélicas no país. Em busca de crescimento, igrejas e líderes estão sempre à procura de novos métodos e novas estratégias para a multiplicação de suas comunidades. Isso explica a proliferação de métodos como 0-12, Crescimento Natural da Igreja, Igreja com Propósitos, além de outros que não podem ser classificados como contemporâneos, mas que não caíram totalmente em desuso, como o Evangelismo Explosivo, as Quatro Leis Espirituais e até mesmo a antiga Operação André. Há também denominações que não utilizam nenhuns desses métodos, mas assumem pressupostos teóricos e práticas da Teologia da Prosperidade, que comprovadamente tem se mostrado eficaz quando se busca apenas crescimento numérico. É bem verdade que em muitos dos exemplos apresentados o conceito de evangelização foi radicalmente revisado e reelaborado. Algumas das possibilidades acima não apresentam a evangelização como reconhecimento da pecaminosidade humana e rendição sem reservas da vida ao senhorio de Jesus Cristo. É óbvio que tal reconstrução do conceito de evangelização será rejeitada por igrejas que se orientam pelas Escrituras Sagradas, e não por princípios de marketing e leis do mercado econômico. É em razão disso que se faz necessário elaborar uma reflexão crítica sobre o crescimento da Igreja. Este capítulo pretende apresentar
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
uma reflexão nesse sentido. Para tanto, apresentará um breve histórico do Movimento de Crescimento de Igreja (MCI), seguido de uma proposta para o crescimento integral da Igreja conforme entendido pelo teólogo Orlando Costas. Isto porque o MCI é o pioneiro na preocupação contemporânea por crescimento de igrejas apenas em termos numéricos. E porque a proposta formulada por Costas não se baseia apenas em uma perspectiva puramente quantitativa. Antes, com um embasamento teológico, apresenta uma compreensão de todas as direções e dimensões nas quais a Igreja deve crescer. Para compreender o MCI, suas propostas, seus pressupostos e seus objetivos, obrigatoriamente deve-se fazer referência ao missiólogo norte-americano Donald Anderson McGavran. 1 Motivado por um conceito unidimensional de missão, que vê a evangelização como a única possibilidade de exercício missionário, McGavran preocupou-se em descobrir que fatores sociais explicam a resistência ou a abertura de alguns grupos étnicos à pregação cristã. Ele concluiu que grupos ou populações inteiras têm probabilidade maior de se tornar cristã de uma só vez que um indivíduo isoladamente. Assim, procurou descobrir como impulsionar "movimentos populares" em direção à fé cristã. Sua pesquisa, portanto, se enquadra no campo dos estudos relacionados ao crescimento numérico da igreja. A partir daí, cunhou a expressão "princípio das unidades homogêneas", que se aplica diretamente a sua teoria missional. Após seu período de atividades missionárias na Índia, McGavran viajou para os Estados Unidos, onde fundou, em 1960, o Instituto de Crescimento de Igreja (no estado de Washington), e mais tarde, a Escola de Missão Mundial do Seminário Teológico Fuller, na Pasadena, Califórnia, onde lecionou muitos anos. McGavran escre-
I
Nascido na Índia, filho de missionários, e ele próprio também um missionário de carreira naquele país asiático, tendo ali trabalhado com a Indian Mission of the Disciples of Christ por 31 anos (1923-1954). Para uma biografia de McGavran, ainda que resumida, que serve também como introdução ao seu pensamento rnissiológico, consultar Ruth TucKER, Até aos confins da Terra: uma história biográfica das missões cristãs, p. 547-552.
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CRESCIMENTO DA IGREJA
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veu vários livros, nos quais expõe sua missiologia e explícita seus pressupostos metodológicos e teológicos.' Desde esse tempo, o "princípio das unidades homogêneas" logo se popularizou nos Estados Unidos e em vários países do assim chamado "Mundo dos Dois Terços". C. Peter Wagner, discípulo de McGavran, com carreira missionária na Bolívia e mais tarde também professor na Escola de Missão Mundial do Seminário T eológico Fuller, muito colaborou para a popularização dos princípios e métodos de crescimento de igreja elaborados por McGavran. 3 Além de Peter Wagner, outros professores daquela escola ajudaram nessa divulgação, como Alan Tippett, que fora missionário nas Ilhas Salomão, no Pacífico Su1.4 Mas quem efetivamente mais contribuiu para a divulgação dos postulados do MCl foram missionários americanos que voltavam para os Estados Unidos em seus períodos de licença e estudavam no Seminário Teológico Fuller. Suas teses geralmente versavam sobre crescimento da igreja nos países onde trabalhavam.' Orlando Costas observa que para a criação do princípio das unidades homogêneas McGavran recebeu influência de J. Waskom Pickett, bispo metodista que também fora missionário na Índia. johannes Verkuyl, mentor de Orlando Costas, sumaria a teoria do MCl da seguinte maneira:
1. No cumprimento da tarefa missionária, toda ênfase deve ser lançada sobre o crescimento numérico das igrejas. 2. Para o propósito da multiplicação das igrejas deve-se fazer uso dos movimentos de massas. 3. A aplicação dessa regra requer que estrategistas missionários preocupem-se em apontar os grupos que são no momento os mais fáceis de conquistar.
Para detalhes, consultar Além da encruzil1uu1a: uma apreciação da teologia da evangelização contextual de Orlando Costas, de C. R. CALDAS FILHO, p. 190-200. ] Cf. Estratégias para o crescimento da igreja, de C. P. WAGNER. 4 Cf. A Palavra de Deus e o crescimento da igreja, de A. TIPPETI. 5 Representativo dessa fase é o livro Fermento religioso nas massas do Brasil, de W. R. 2
READ.
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FUNDAMENTOS
DA TEOLOGIA
DA
IGREJA
4. Na tarefa missionária de Mateus 28, McGavran distingue duas tarefas separadas: o fazer discípulos e seu aperfeiçoamento em guardar os mandamentos de Cristo. 5. A pesquisa missionária deve se preocupar em responder duas questões: a) Que fatores e métodos governam um crescimento de igreja bern-sucedidoi; e b) Quais retardam tal crescimento? Para responder a essas questões, deve-se fazer uso da sociologia e da antropologia cultural. 6. Organizações missionárias devem estabelecer e constantemente rever suas prioridades, à luz dos princípios do crescimento da igreja." Costas levanta as seguintes críticas contra o MCI: uma hermenêutica pobre e superficial (que não leva em consideração as diferenças espaço-temporais que separam o texto bíblico da situação histórica do intérprete contemporâneo), um locus teológico questionável (centrado na Igreja, e não em Cristo), a dificuldade quanto ao que Costas chama de "imperativo didático da Grande Comissão" (concernente ao lugar dos aspectos éticos na conversão) , além de criticar o princípio das unidades homogêneas. Como não poderia deixar de ser, Costas critica também o princípio das unidades homogêneas. V ários outros teólogos, evangelicais e ecumênicos, criticaram pressupostos teológicos do MCI e do princípio das unidades homogêneas. Além das críticas, ele também não se eximiu de ressaltar alguns pontos que julgou positivos no MCL Dentre esses, ele destaca: uma crítica contra o pessimismo reinante em alguns círculos missionários quanto ao futuro da missão; a promoção de insights quanto à igreja, ao evangelismo e à conversão, e a promoção do estudo da missão." Além disso, Costas elabora sua teoria de crescimento de igreja, denominada de "integral". Ele aborda, por exemplo, a complexidade do crescimento da igreja e a possibilidade de deformação que pode acontecer nesse processo. Quanto à possibilidade de deformação bí-
6
7
The Mission of God and the Missions of the Churches, p. 30-31. The Church and its Mission, p. 127-130.
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CRESCIMENTO DA IGREJA
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blica e teológica em um processo de crescimento de igreja, ele toma como exemplo o caso do protestantismo chileno. A despeito de taxas muito altas de crescimento numérico (no período de 1930 a 1960, o protestantismo do Chile duplicou seu número de membros a cada dez anos), Costas defende que grande parte desse crescimento foi, na verdade, uma deformação, não um processo saudável à luz de categorias bíblicas e teológicas. O estudo do caso do protestantismo chileno levou-o a desenvolver algumas teses sobre o crescimento da igreja, nas quais expõe com contundência os prejuízos para a igreja e a sociedade que podem advir de um crescimento deformado: Primeiro de tudo, crescimentos numérico e orgânico em si mesmos não significam necessariamente que a igreja está de fato crescendo. Pode ser, nas palavras de ]uan Carlos Ortiz, que a igreja está simplesmente inchando. O exemplo chileno ilustra o problema da "obesidade eclesial", uma gordura excessiva que pode obstruir (ou pelo menos ofuscar) a presença do reino. Segundo, sem reflexão sobre a fé e sem uma efetiva encarnação nas esperanças e nos conflitos do mundo, crescimentos numérico e orgânico podem ser impedidos ou pelo menos limitados por situações subumanas em que a opção da fé é mais um mecanismo de fuga, o resultado de pressões sociais, que um chamado genuíno para participar na ordem de vida proclamada no evangelho. Em tais circunstâncias, o crescimento da igreja torna-se nada mais nada menos que uma mutilação da missão e um ópio alienante. Terceiro, crescimento da igreja é um sinal, não um instrumento, da missão. Um sinal é algo que aponta para além de si, neste, para a missão de Deus cumprida na proclamação e na presença do reino. Quarto, há uma diferença fundamental entre o crescimento da igreja e o de um negócio. O primeiro é resultado da obra eficaz da fé; o último, da eficiência da ciência aplicada, da tecnologia."
Conforme Costas, o crescimento da igreja, antes de tudo, precisa ser entendido bíblica e teologicamente - caso contrário, o que resulta não é crescimento saudável, mas uma "monstruosidade teológica".
8
Christ Outside the Gate, p. 52-53.
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
Para estabelecer a indispensável base bíblico-teológica do crescimento da igreja, ele recorre ao conteúdo do "universalismo" do Antigo T estamento" e ao conteúdo do reino de Deus, que sinaliza para uma nova comunidade marcada por amor, liberdade, justiça e paz. !O Além disso, Costas defende que o crescimento integral da igreja deve ter três qualidades (fidelidade, espiritualidade e encarnação) com quatro dimensões (crescimento numérico, orgânico, conceitual e diaconal). A teoria de Costas de três qualidades do crescimento integral da igreja é evidentemente baseada em uma teologia trinitária: a qualidade da fidelidade está ligada ao relacionamento com Deus Pai. A qualidade da espiritualidade relaciona-se com a ação do Espírito Santo, e a dimensão da encarnação está ligada à pessoa de Jesus Cristo como modelo maior de toda e qualquer ação eclesial. Orlando Costas explica a elaboração quanto às qualidades do crescimento integral de sua teoria missional da seguinte maneira: A espiritualidade tem a ver com a presença e operação dinâmica do Espírito Santo no crescimento da igreja: se o crescimento responde à inspiração e motivação do Espírito e reflete seus frutos. Por encarnação se entende o enraizar histórico de Jesus Cristo na dor e nas aflições da humanidade e seu impacto no processo de crescimento da igreja. Em outras palavras, até que ponto a igreja está experimentando um crescimento que reflete a compreensão, o compromisso e a presença de Cristo entre as multidões desamparadas e dispersas? Por último, a fidelidade tem a ver com a coerência entre a ação da igreja e os propósitos de Deus para seu povo. Posto de outra forma, em que medida responde o crescimento que está experimentando a igreja às ações de Deus na Bíblia e seus desígnios na história?"
Isso revela a influência que ele recebeu do missiólogo reformado holandês [ohannes Blaw, autor de A natureza missionária da Igreja, produzido a pedido do Departamento de Estudos Missionários do Conselho de Missões entre Índios (Cornin) e do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), hoje considerado um clássico em teologia de missão. 10 Christ Outside the Gate, p. 44-48. II Dimensiones dei Crecimiento Integral de la Iglesia, p. 13. 9
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CRESCIMENTO DA
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o mesmo fundamento trinitário é utilizado por Costas para justificar teologicamente o crescimento integral da igreja. Para ele, o crescimento integral é resposta obediente ao amor do Pai, verificação histórica da fé no Filho e celebração da esperança mediante o Espírito. Quanto às dimensões do crescimento, Costas afirma: As qualidades anteriores se correlacionam no modelo com quatro dimensões que se desprendem da realidade da igreja como comunidade de fé. Visto que a igreja é uma comunidade em caminho rumo ao reino de Deus, atenta à Palavra de Deus, que vive na comunhão de seus membros e está a serviço da humanidade, seu crescimento deve apontar em quatro direções: até a reprodução de seus membros, o desenvolvimento de sua vida orgânica, o aprofundamento na reflexão da fé e o serviço eficaz no mundo. É assim como falamos de quatro dimensões: numérica, orgânica, conceitual e diaconal.í?
A seguir, ele explicita seu entendimento das dimensões do crescimento da Igreja. Eis as quatro conceituações elaboradas por Costas, tanto de cada possibilidade de crescimento, bem como da respectiva dimensão de crescimento: Por crescimento numérico entendemos a reprodução que experimenta o povo de Deus ao proclamar o evangelho e chamar homens e mulheres ao arrependimento de seus pecados e à fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador de suas vidas; ao incorporar aos que respondem afirmativamente a uma comunidade local de crentes; e ao inseri-los na luta do reino de Deus contra as hostes do mal. Essa dimensão é parte fundamental do ser da igreja. Necessita novos tecidos para manter-se viva. Daí a necessidade de uma contínua reprodução celular. Ademais, como povo em marcha não poderá chegar a sua meta até que toda a humanidade tenha tido uma oportunidade razoável de escutar e responder ao evangelho. Designamos crescimento orgânico o desenvolvimento interno da comunidade de fé. Tem a ver com o sistema de relações entre os
12
Idem.
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FUNDAMENTOS
DA TEOLOGIA
DA IGREJA
membros: sua forma de governo, sua estrutura financeira, sua liderança, o tipo de atividades em que investe seu tempo e recursos, e sua celebração cultural. Como um organismo vital, a igreja não pode contentar-se com a mera reprodução de suas células. Tem que preocupar-se pelo bom funcionamento de todas as partes que conformam seus sistemas de vida. Estas têm que ser fortalecidas, cuidadas, estimuladas e bem coordenadas para que o corpo possa funcionar adequadamente, para que o labor reprodutivo não seja desperdiçado e possa chegar à sua meta final. A dimensão orgânica tem a ver com questões de cultura e contextualização, formação e mordomia, comunhão e celebração. Confronta-nos com a necessidade que tem a igreja de ser uma comunidade autóctone, nativa, que forma a seus membros, administra seu tempo, talentos e recursos, fomenta a comunhão dos fiéis entre si e com seu Deus, celebra sua fé na linguagem do povo do qual é parte, incorporando criticamente seus símbolos, criações e valores, e identificando-se com sua situação histórica e social. Por crescimento conceitual nos referimos à expansão na inteligência da fé: o grau de consciência que a comunidade ec1esial tem com respeito à sua existência e razão de ser, sua compreensão do mundo que a rodeia. Essa dimensão dá à igreja firmeza intelectual para enfrentar a todo vento de doutrina, e capacidade crítica para evitar a fossilização e garantir a criatividade evangelizadora, orgânica e ética. A dimensão conceitual abarca a esfera lógica e psicossocial da vida. Acentua a necessidade que a igreja tem de pensar a fé crítica e reverentemente, ao calor da Palavra e da oração, e de avaliar honesta e conscientemente, à luz da fé e da realidade concreta, as imagens que tem forjado de si mesma, de sua missão e de seu mundo. Por último, entendemos por crescimento diaconal a intensidade do serviço que a igreja rende ao mundo como mostra concreta do amor redentor de Deus. Essa dimensão abarca o impacto que tem o ministério reconciliador da igreja no mundo; o grau de participação na vida, conflitos, temores e esperanças da sociedade; à medida em que seu serviço ajuda a aliviar a dor humana e a transformar as condições sociais que têm condenado milhões de homens, mulheres e crianças à pobreza. Sem essa dimensão a igreja perde sua autenticidade e credibilidade, visto que somente na medida em que consiga dar visibilidade e concreção à sua vocação de amor e serviço pode esperar ser escutada e respeitada. Por sua vez, a dimensão diaconal
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CRESCIMENTO DA IGREJA
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está relacionada com o aspecto ético da igreja e sua missão. Tem a ver com seu papel como comunidade ao serviço dos outros e seu conseqüente envolvimento nos problemas e nas lutas coletivas e estruturais da sociedade.P
A teoria de crescimento integral da igreja elaborada por Costas tem muitos méritos. Destaca-se em primeiro lugar sua preocupação em dar embasamento teológico (que abrange uma teologia trinitária e uma teologia do reino de Deus, com amplo apelo tanto ao Antigo como ao Novo Testamento) à sua teoria. Esse aspecto não é considerado no MCI de McGavran. Além disso, Costas pensa uma teoria que revela uma eclesiologia verdadeiramente missional. Comunidades que queiram se apropriar dos princípios de crescimento integral da igreja em sua ação pastoral serão revitalizadas: seu relacionamento com a sociedade decerto experimentará um salto em qualidade, pois Costas propõe um crescimento que levará a igreja a se envolver em questões socioculturais, que não são nem de longe contempladas pelo MCL Costas defende que o crescimento da igreja tenha comprometimento com os oprimidos e marginalizados e se dedique à transformação da sociedade. Não é de admirar que a teoria de crescimento integral da Igreja elaborada por Costas tivesse tido tanta repercussão e influência. V árias dissertações de mestrado e teses de doutorado foram produzidas com base em uma reflexão sobre essa teoria. 14 O que surpreende é que Orlando Costas não dispôs de um aparelho institucional forte (como o Instituto de Crescimento de Igreja e a Escola de Missão Mundial do Seminário Fuller) para divulgar sua teoria missional. Seu pensamento quanto ao crescimento integral da igreja, com suas várias implicações pastorais, é rico em desafios e propício à reflexão por parte da igreja em missão, especialmente no contexto latinoamericano e brasileiro.
IJ
Dimensciones de! Crecimiento Integral de la Iglesia, p. 13-14. tantas, é possível citar C. R. CALDAS FILHO, Fé e café: um estudo do crescimento do presbiterianismo no leste de Minas Gerais de 1919 a 1989.
14 Dentre
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA
IGREJA
RECAPITULANDO
1. Por que no Brasil se tem dado tanta ênfase apenas ao crescimento numérico da igreja? 2. Quais são os riscos de focalizar apenas o crescimento numérico da igreja? 3. Há algum mandamento bíblico para que toda igreja cresça numericamente? 4. Quais são as vantagens para uma igreja que cresce nas quatro dimensões apresentadas na teoria de Orlando Costas? 5. Como encontrar equilíbrio na busca do crescimento da igreja? 6. Das dimensões apresentadas por Costas, qual precisa com maior urgência ser resgatada pela igreja evangélica brasileira? 7. Por que algumas igrejas não crescem numericamente?
Capítulo
5
o governo da Igreja
EIS OUTRA QUESTÃO IMPORTANTE que gera divergência entre diferentes igrejas: Como a Igreja do Senhor deve ser governada? Isso nos leva a outra pergunta relevante: Quem estabelece ou de onde procede a autoridade exercida na Igreja? Evidentemente, qualquer que seja a forma de governo, sabe-se que a autoridade maior na Igreja, acima dos líderes humanos, é o próprio Deus. Este capítulo apresentará uma síntese das possibilidades de entendimento sobre o governo da Igreja, conforme tem sido praticado por diferentes grupos cristãos. Cada possibilidade tem pontos sólidos e problemáticos. Nenhuma modalidade de governo é isenta de problemas. Mesmo porque, independentemente de qual seja a forma de governo em si, a igreja é liderada por homens falhos e sujeitos ao pecado. Essa afirmação não perde de vista que acima das falhas das lideranças humanas, quem governa de verdade e de forma definitiva a Igreja é o Senhor Jesus Cristo. Graças a Deus! A história da Igreja apresenta um relato desolador de como em dois mil anos de cristianismo, quantas vezes a ganância por posições de liderança na comunidade, a busca sem escrúpulos por poder, influência, dinheiro e prestígio, que podem advir da ocupação de posição de destaque na Igreja, têm provocado muito sofrimento para cristãos e também para não-cristãos, e conseqüentemente têm sido responsáveis por um péssimo testemunho à sociedade. As possibilidades de governo da Igreja analisadas são: congregacional, episcopal, presbiteriano e algumas modalidades mistas, ou seja, que combinam elementos de uma ou mais das apresentadas. Os
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA
DA IGREJA
modelos de igreja aqui alistados estão em ordem alfabética, não em ordem de importância ou de maior fidelidade às Escrituras. Cada igreja (como denominação) tem plena convicção de que o modelo que escolheu é melhor que todos os outros em termos funcionais e administrativos e mais fiel ao ensino bíblico. Líderes eclesiásticos são capazes de apontar prontamente as virtudes do modelo que suas comunidades adotam e, ao mesmo tempo, apontar as fraquezas de outros modelos. A comunidade cristã precisa ter esta consciência (mais importante que exaltar esse ou aquele modelo de governo): a Igreja é comunidade de serviço, de seguidores daquele que não veio para ser servido, mas para servir (Mc 10:45). Jesus disse aquele que deseja ser o primeiro deve ser o último e servo de todos (Me 9:35). O modelo para o governo da Igreja não deve ser o dos reis dos povos que dominam e exercem autoridade. Antes, o exemplo proposto por Jesus é aquele em que o maior deve ser como o menor, e o que dirige, como o que serve (Lc 22:25-26). CONGREGACIONAL
Essa forma de administração eclesiástica pode ser definida de maneira bastante simples: todos governam para todos. Pretende ser o modelo democrático por excelência. A autoridade maior reside na própria comunidade local. Cada igreja local é autônoma, ou seja, não está ligada a nenhum concílio eclesiástico. Esse modelo invoca como base teológica a doutrina do sacerdócio universal dos crentes. Logo, não há hierarquia de ordens ministeriais. Apenas o pastor recebe uma ordenação formal para o exercício de ministério. É a forma de governo tradicionalmente encontrada nas igrejas congregacionais (que retiram o nome de sua denominação da forma de governo eclesiástico que adotam), batistas e em algumas denominações pentecostais. No governo congregacional as decisões administrativas são tomadas em conjunto pela assembléia dos membros comungantes da igreja, isto é, os jovens e adultos batizados e responsáveis pelo sustento financeiro da comunidade e pelo exercício de seus diversos ministérios. Assim, questões como a escolha do pastor (e dos pasto-
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res auxiliares, dependendo do tamanho da congregação), do salário e dos benefícios que o pastor (e seus auxiliares) receberá, compra e venda de imóveis, construção do templo, sustento da obra missionária, e várias outras ligadas à administração da comunidade local, são tomadas em conjunto. Essa forma de governo tem como ponto forte a preocupação consciente e deliberada em valorizar a democracia no processo de gestão dos assuntos administrativos de uma comunidade local. Resta saber, na prática, até que ponto a teoria acontece, ou se, na prática, a teoria é outra. Quanto maior for a igreja mais difícil será o processo de consulta popular e tomada de decisões. Pode acontecer ainda de famílias ou membros individuais que tenham maior poder económico ter mais influência que pessoas pertencentes a uma posição econômica inferior. Mas não resta dúvida que, a despeito de problemas aos quais o modelo de governo congregacional está sujeito a enfrentar (e de fato enfrenta), a história tem demonstrado que, quando bem conduzido, igrejas que se regem por esses princípios administrativos podem ser muito úteis na realização da obra do reino de Deus. EPISCOPAL
Modelo por meio do qual um (o bispo) governa para todos. A palavra "bispo" é a tradução do grego episkopos (supervisor). A tarefa do bispo é de fato supervisionar o andamento das igrejas. A história da Igreja atesta fartamente a utilização desse modelo desde os primeiros tempos da caminhada do cristianismo. Líderes cristãos famosos, como Agostinho e Atanásio, foram bispos da igreja antiga (Agostinho em Hipona, norte da África, e Atanásio em Alexandria, Egito). Nessa modalidade existe hierarquia de ministérios, o que configura a existência de um clero. O governo episcopal é o utilizado pelas igrejas da Comunhão Anglicana, pelas igrejas ortodoxas orientais e, em sua forma mais elaborada, pela Igreja Católica Romana. Recentemente, várias denominações pentecostais e neopentecostais passaram a adotar o modelo episcopal. Dessas, a mais conhecida no país sem dúvida é a Igreja Universal do Reino de Deus.
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Sob o "governo episcopal" encontram-se diferentes modelos. Há o episcopado "monárquico" da Igreja de Roma e o "episcopado partilhado" das igrejas orientais e do anglicanismo. O modelo metodista pode ser considerado um episcopalismo moderado ou simplificado - na verdade, o modelo metodista pode ser considerado um episcopalismo administrativo, pois o metodismo não tem uma teoria da "sucessão apostólica", como os romanos, os orientais, os anglicanos e os luteranos escandinavos e bálticos. No metodismo, cada igreja tem seu pastor, e as igrejas de determinada região eclesiástica são supervisionadas por um bispo. Os bispos de toro o país formam o Colégio Episcopal. No metodismo dos Estados Unidos, o exercício do episcopado é vitalício. Já no modelo metodista brasileiro, o episcopado é por mandato. O modelo episcopal metodista é diferente do modelo anglicano, que é mais complexo e elaborado. Nas igrejas ortodoxas orientais, o episcopado é privativo dos monges, sendo opcional o casamento do clero (apenas uma vez),' No anglicanismo, cada igreja local (chamada "paróquia") tem um clérigo, que, dependendo da corrente do anglicanismo (protestante ou católica)' será chamado "pastor" ou "padre" (a designação comum a ambos é "presbítero", ordem ministerial acima do diaconato e abaixo do episcopado). Outras designações possíveis são: "pároco" ou "vigário". Os diáconos e os presbíteros têm como tratamento a designação "reverendo". O tratamento dado a um bispo é "reverendíssimo"; ele também pode ser chamado de "reverendíssimo pai em Deus". O episcopalismo anglicano conhece a figura do arcebispo (inexistente no episcopalismo metodista), embora a nomenclatura varie
O autor é grato a dom Robinson Cavalcanti, bispo da Diocese do Recife (filiada à Província Anglicana do Cone Sul da América), que ofereceu várias informações aqui apresentadas sobre o governo eclesiástico episcopal. 2 Essas duas correntes principais também possuem divisões próprias. Os "católicos" (com ênfase histórica na pré-Reforma e afinidade com ortodoxos e romanos) estão divididos em anglo-católicos, tradicionais, carismáticos e liberais; e os "protestantes" (com ênfase histórica na Reforma e afinidade com o protestantismo), em evangelicais, carismáticos, fundamentalistas e liberais. (Cf. Anglicanismo: uma introdução, de Jorge Aquino [Perfilgráfica e Editora, 2000, p. 228-229].) I
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de Província (igrejas constituídas em nível nacional ou regional) para Província; no Brasil, por exemplo, a designação é "bispo primaz" (ou apenas "primaz"; a cada dois ou três anos há o "Encontro dos Primazes" de todas as Províncias autônomas). O clérigo anglicano é chamado de "deão" se for o pároco de uma catedral (onde está a cátedra episcopal), recebendo a designação "reverendíssimo deão". Se for o clérigo de uma paróquia autônoma, será chamado "reitor". Há ainda a figura do "arcediago" (também existente no metodismo), cujo título é "Venerável", que na hierarquia anglicana é uma posição de responsabilidade e honra no staff de um bispo. Na Igreja Anglicana, o líder mais proeminente é o Arcebispo de Cantuária, o líder simbólico da denominação, que é visto como um primus inter pares (primeiro entre iguais). Essa expressão aponta para sua posição de importância, mas não propriamente de superioridade. Seu título de tratamento é "Sua Graça Reverendíssima". A forma mais elaborada de episcopalismo é a adotada pelo catolicismo romano. A figura do bispo é verdadeiramente a espinha dorsal da estrutura administrativa eclesiástica romana, tendo no bispo de Roma - o papa - a autoridade máxima. No modelo episcopal romano, a autoridade do papa não é apenas simbólica como no modelo anglicano. É de fato uma autoridade real e inquestionável. Seu título de tratamento é "Sua Santidade". O governo eclesiástico episcopal tem elementos interessantes. A igreja primitiva, como visto, era governada de conformidade com o modelo episcopal. O bispo como supervisor das igrejas de determinada região pode exercer um importante papel de "pastor de pastores", sendo um autêntico mentor espiritual dos pastores das igrejas. A igreja primitiva era sábia em compreender o episcopado não como uma manifestação de status ou mero título honorífico. Nos primeiros séculos da história da Igreja, o bispo era verdadeiramente um pastor, não uma figura política ou um mandatário plenipotenciário de sua diocese. Não obstante, corre-se o risco que nesse modelo de governo haja um autoritarismo verticalizado, com decisões tomadas "de cima para baixo" sem que se ouça o que o povo, a "base", deseja.
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PRESBITERIANO
O modelo presbiteriano (também denominado "representativo") é o sistema por meio do qual alguns (os presbíteros) governam para todos. Os presbíteros são eleitos pela comunidade eclesiástica local. Eles auxiliam o pastor na administração da igreja da mesma forma que os vereadores auxiliam o prefeito na administração da cidade. Logo, esse modelo é considerado uma manifestação de democracia representativa, um governo parlamentarista por excelência. Como o próprio nome sugere, é o modelo adotado pelas igrejas presbiterianas. A palavra presbítero é de origem grega, significando "ancião". O Novo Testamento faz repetidas referências a presbíteros, líderes nas comunidades locais. Em Atos é dito que Paulo orientou as igrejas que fundara na eleição de presbíteros (14:23; cf. tb. Tt 1:5). Antes o texto de Atos já fizera referência à atuação dos presbíteros (11:29-30). Também em Atos há menção a presbíteros, que eram líderes da igreja em Jerusalém ao lado dos próprios apóstolos (15:2,4,6,22-23; 16:4; 21:18) e aos presbíteros que eram líderes da igreja de Éfeso (20: 17) - esse último texto é particularmente interessante, pois Paulo ordena aos presbíteros que pastoreiem o povo da igreja, e que não sejam de modo algum dominadores da comunidade (v. 28-33). Ainda nessa passagem o texto intercambia os termos "presbíteros" (v. 17) e "bispos" (v. 28), ou seja: à luz desse texto, não há diferença entre presbítero e bispo. Na epístola de Tiago (5: 14) também se ensina claramente quanto à função pastoral dos presbíteros. Essa mesma ênfase aparece com total clareza em 1Pedro 5: 1-4. Escrevendo a Timóteo, Paulo dá instruções gerais sobre a atividade dos presbíteros (1Tm 5:17-22). É comum no texto do Novo Testamento que se refira sempre no plural aos presbíteros, o que indica uma colegialidade no exercício da função presbiteral (cf. 1Tm 4:14). Esse modelo tem três ofícios ordenados: o diácono, o presbítero e o pastor. Mas não há hierarquia de ministérios. O que há é uma hierarquia de concílios. Na Igreja Presbiteriana, cada comunidade local é administrada por um órgão chamado Conselho, constituído pelos presbíteros e pelo pastor (ou pastores, dependendo do tamanho da
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igreja). Há também a reunião da assembléia da igreja. Quando a assembléia é convocada, as decisões são tomadas congregacionalmente. No modelo presbiteriano em voga no Brasil (ainda que haja diferentes denominações presbiterianas no país, não há muita variação entre as mesmas no tocante à administração eclesiástica), compete à assembléia eleger diáconos, presbíteros e, eventualmente, o pastor, e para realizar atividades como comprar, vender, receber e fazer doações de imóveis ou ainda decidir questões administrativas quando convocada pelo Conselho para tanto. As demais questões são todas de competência do Conselho. Acima do Conselho está o Presbitério, formado pelas igrejas e pastores de determinada região. O Presbitério, no modelo brasileiro, tem funcionado como se fosse uma diocese sem bispo. Na prática brasileira, o Presbitério exerce uma função episcopal, evidentemente sem o ofício episcopal. O presbiterianismo brasileiro tem desenvolvido idiossincrasias que o tornam em alguns aspectos distinto do presbiterianismo vivido em outras paragens. O presbiterianismo é parlamentarista em sua essência. Mas o presbiterianismo brasileiro, por diversas razões históricas, se tornou fortemente presidencialista. Por isso, nos concílios presbiterianos do Brasil, a autoridade maior é exatamente o "presidente". Em alguns concílios, a presidência fica anos a fio nas mãos de uma mesma pessoa. A presidência de um concílio presbiteriano no Brasil está sujeita à reeleição. Desse modo, não é ilegal que um concílio tenha o mesmo presidente por muitos anos seguidos. Mas não é o ideal. O melhor é que haja rodízio na liderança. Nos concílios presbiterianos dos outros países, a autoridade maior é o "Moderador", o que elimina qualquer traço de presidencialismo. No modelo presbiteriano brasileiro existe uma "Constituição", enquanto no restante do presbiterianismo mundial existe o que é chamado "Livro de Ordem". Acima do Presbitério está o Sínodo, formado pelos Presbitérios de determinada região. O Sínodo supervisiona o andamento dos Presbitérios que jurisdiciona. E acima dos Sínodos está o que no presbiterianismo brasileiro é chamado de Supremo Concílio (no
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presbiterianismo do resto do mundo esse órgão é chamado de Assembléia Geral). No que tange ao modelo presbiteriano, deve-se distinguir igrejas presbiterianas de igrejas reformadas. Ambas são teologicamente alinhadas com a posição teológica herdeira da formulação teológica produzida por João Calvino, no tempo da Reforma protestante. Mas há algumas diferenças históricas: enquanto o presbiterianismo é de origem escocesa, as igrejas reformadas têm origem suíça e holandesa. O que na igreja presbiteriana é chamado de "Conselho" na igreja reformada é chamado de "Consistório". O que a Igreja Presbiteriana chama de "Presbitério" a Igreja Reformada chama de "Classe". O modelo presbiteriano adotado no Brasil apresenta algumas dificuldades práticas: o processo de tomada de decisões, principalmente em nível nacional, é um tanto lento, considerando que o órgão administrativo presbiteriano maior se reúne de modo ordinário somente uma vez a cada quatro anos (o presbiterianismo em outras latitudes tem reuniões em nível nacional com maior periodicidade). Questões mais polêmicas e complexas podem algumas vezes se arrastar por vários anos. Outra situação complicada nesse modelo está na concentração de poder por parte dos presbíteros. Em tese, a administração de uma igreja local deve ser exercida em conjunto por pastor (ou pastores) e presbíteros. Como esse modelo é essencialmente parlamentarista, podem acontecer situações em que o pastor é como o monarca britânico, isto é, uma figura com bastante visibilidade, mas com poder de decisão apenas simbólico (no modelo parlamentarista britânico, o poder está nas mãos do Parlamento, liderado pelo Primeiro Ministro - seria o Conselho de uma igreja presbiteriana, cuja figura de maior destaque é o Vice-Presidente). MODELOS MISTOS DE GOVERNO DE IGREJA
Algumas denominações adotam modelos mistos de governo, ou seja, uma mescla de dois ou mais modelos. É o caso, por exemplo, das Assembléias de Deus, que têm a mesma compreensão quanto ao ministério ordenado que a das igrejas presbiterianas, isto é, de três
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ministros ordenados sem que haja entre eles hierarquia - o diácono, o presbítero e o pastor. Ao mesmo tempo, cada comunidade local tem certa autonomia para tomada de decisões, por meio de sua assembléia, o que se configura em traço de congregacionalismo. As igrejas de determinada região formam o que no modelo assembleiano é chamado de "Campo", o qual é liderado pelo "Pastor-presidente". O "Campo" é praticamente um amálgama da diocese do modelo episcopal com o presbitério do modelo presbiteriano. Ainda que não haja a figura do bispo," o pastor-presidente exerce efetivamente uma função episcopal nas igrejas e sobre os pastores que constituem a área geográfica jurisdicionada pelo Campo que lidera. É curioso observar que o mandato do presidente de Campo é praticamente vitalício, como o de um bispo diocesano (no modelo presbiteriano, o presidente do presbitério é eleito por seus pares para um mandato de um ano, podendo ou não ser reeleito). A concentração de poder na mão de um único líder por período de tempo indefinido é algo potencialmente problemático em qualquer modelo. Há ainda poucos grupos que pretendem não ter nenhuma forma de organização ou de liderança estabelecida. Falando em termos sociológicos, é impossível que haja um grupo sem liderança. Como o ser humano é gregário por natureza, sempre procurará meios de estar com seus semelhantes. Mas a história mostra como o anarquismo (entendido não em concepção popular como sinõnimo de confusão e bagunça, mas em seu sentido literal de "não governo") não funciona. LIDERANÇA COMO SERVIÇO
Ao longo dos séculos, a Igreja tem conhecido e experimentado diferentes modelos de governo e administração. Conforme já afirmado,
] Com exceção da Convenção Nacional das Assembléia de Deus no Brasil- Ministério de Madureira (Conamad). O líder da denominação, Manoel Ferreira, foi nomeado "bispo" pela Convenção das Assembléias de Deus da Rússia em fevereiro de 1997. O reconhecimento oficial no Brasil dessa designação aconteceu em 2001, na 36 a Assembléia Geral Ordinária da Conamad, em Paulínia, SP (informações fornecidas pela Secretaria Nacional da Conamad, em Brasília; confira também o seguinte endereço eletrônico: http://assembleadidio.ch/info.html [acesso em 15/512007]).
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os partidários de cada modelo sempre saberão argumentar a favor da superioridade em termos práticos e do maior grau de fidelidade bíblica da forma que adotam e dos pontos problemáticos dos modelos que não adotam. Essa discussão não pode perder de vista que praticamente todas as formas de governo apresentam sinais de recepção da bênção divina em termos de crescimento numérico e edificação de vidas. Infelizmente também todas têm tido sérios problemas. Afinal, todos os modelos são passíveis de corrupção, uma vez que por detrás de cada modelo estão pessoas sujeitas ao pecado. Não custa lembrar o que já foi afirmado: a história da igreja é pródiga em exemplos tristes de erros cometidos por lideranças eclesiásticas. Nessa discussão toda, o mais importante não é nem tanto o modelo de governo de igreja que se adota, mas lembrar que, conforme o pensamento bíblico, a liderança se exerce como serviço. Na Bíblia, os patriarcas ("nossos pais"; cf. At 3: 13) são chamados de servos de Deus (Êx 32: 13; Dt 9:27). Abraão foi chamado servo de Deus (Gn 26:24). Isaque também o foi (Gn 24:14), assim como Jacó (Gn 32:9-10). Moisés é repetidamente chamado de servo do Senhor (Êx 4:10; 14:31; Nm 11:11; Dt 3:24; 2Rs 18:12; 2er 1:3; SI 105:26; Dn 9:11; Hb 3:5; Ap 15:3 etc). [osué, sucessor de Moisés, também o foi as 5: 14; 24:29). Os juízes, líderes carismáticos que governaram o povo após a morte de josué e antes do estabelecimento da monarquia, são igualmente chamados de servos de Deus (p. ex., Sansão [cf. jz 15: 18]). Davi, o rei de Israel, também é chamado de servo de Deus (2Sm 3: 18; 7:5,8). O mesmo acontece com os profetas, freqüentemente chamados pelo Senhor de "meus servos, os profetas" (2Rs 9:7; jr 7:25; Am 3:7 etc.), O exercício do ministério dos sacerdotes e levitas também é descrito em termos de serviço (cf. SI 134:1; SI 135:1; Jr 33:21). O povo de Israel é descrito como servo de Deus (SI 136:22; Is 41 :8-9; Jr 30:10; cf. Lc 1:54). Por último, como exemplo máximo, a Bíblia hebraica (o Antigo Testamento) aponta para o próprio Messias que haveria de vir, apresentando-o como "Servo Sofredor" (Is 42: 1; 49: 1,5-6; 50:10; 52:13; 53:11). A seqüência apresentada de citações, ainda que seja somente seletiva, é suficiente para demonstrar como na teologia bíblica é im-
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portante a idéia do serviço. O tema do serviço é como um fio a percorrer as páginas da Escritura. Conclui-se que o ideal bíblico para a vida na aliança com o Senhor é o de serviço. Como disse o próprio Senhor da igreja: u ... meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também" ao 5: 17). Esse serviço é livre, prestado de maneira voluntária, espontânea e alegre, ao próprio Deus e ao semelhante, membro ou não da comunidade cristã. A vida cristã é de serviço. A liderança cristã na igreja, por mais paradoxal que pareça, deve ser exercida como serviço que visa à edificação do semelhante e da própria igreja e à glória de Deus. Não importa se a igreja é governada em um modelo congregacional ou em um modelo episcopal (moderado ou mais sofisticado), presbiteriano ou qualquer outro - quem humanamente falando governa a igreja deve fazê-lo como expressão de serviço. Nunca jamais como expressão de dominação. Assim ensinou Jesus, o Servo Líder e Líder Servo, que liderou servindo e serviu liderando. RECAPITULANDO
1. Comente sobre as virtudes e fraquezas do modelo congregacional de governo de igreja. 2. Comente sobre as virtudes e fraquezas do modelo episcopal de governo de igreja. 3. Comente sobre as virtudes e fraquezas do modelo presbiteriano de governo de igreja. 4. Comente sobre as virtudes e fraquezas de um modelo de governo de igreja que combine elementos das formas congregacional, episcopal e presbiteriana de administração eclesiástica. 5. Será possível uma igreja não ter nenhuma forma de governo? Comente. 6. Quais são as principais tentações às quais a liderança de uma igreja está sujeita? 7. É possível liderar servindo? Comente.
Capítulo
A
6
Igreja, o reino de Deus e o mundo
As ECLESIOLOGIAS SISTEMÁTICAS de modo geral não tratam desta questão crucial: Como é (ou deve ser) o relacionamento da Igreja com o mundo e o reino de Deus? A resposta a essa importante indagação afetará o modo de agir da Igreja. Este capítulo apresentará, ainda que de forma resumida, uma visão bíblica acerca do reino de Deus e do mundo, a partir da qual brotará uma proposta sobre como a Igreja deve se relacionar com ambos os sistemas. REINO DE DEUS -
A CONCRETIZAÇÃO DOS PROPóSITOS DIVINOS PARA
O COSMOS E PARA A HISTÓRIA
O ensino bíblico quanto ao reino de Deus começa das primeiras afirmações da Bíblia a respeito de Javé, o Deus Criador e Libertador: "O SENHOR reinará por todo o sempre" (Êx 15:18). Mais tarde, os salmistas de Israel cantarão com alegria: "Reina o SENHOR" (SI 93:1j 97:1;99:1 j cf. tb. SI 22:28). Esse anúncio deve ser propagado a todas as nações (SI 96:10). O reino é universal (SI 103:19) e eterno (SI 145:13; Dn 4:3). É no Novo Testamento, porém, que se encontra com mais clareza e detalhes o rico ensinamento sobre o domínio do Senhor. Havia nos dias de Jesus forte expectativa messiânica quanto à vinda do reino de Deus. Segundo a crença popular, seria um reino político. Ao ser questionado a esse respeito, o Cristo ressurreto rejeitou essa perspectiva (Ar 1:6-7). Aliás, quando julgado por Pilatos, Jesus afirmara: "O meu reino não é deste mundo" 18:36).
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o reino de Deus foi o tema da primeira pregação de Jesus: ... Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependeivos e crede no evangelho. Marcos 1:15
o primeiro evangelho declara: "Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (Mt 4: 17). Os seguidores de Jesus são exortados a priorizar a busca do reino e a justiça de Deus (Mt 6:33; Lc 12:31). Jesus envia os doze apóstolos para anunicar: "... está próximo o reino dos céus" (Mt 10:7). O reino é dos humildes de espírito (Mt 5:3), dos pobres (Lc 6:20; Tg 2:5) e dos "pequeninos" (Mt 19:14; Lc 18:16). Os que não se converterem e não se tornarem como crianças de modo algum entrarão no reino (Mt 18:3). A chegada do reino de Deus provoca a expulsão de demônios (Lc 11:20). Jesus se refere à manifestação escatológica do reino como uma grande festa (Lc 13:29; cf. tb. 14:15). Mas Jesus também fala que o reino está no coração dos seus seguidores (Lc 17:20-21). Em oposição ao que em nossos dias se convencionou chamar "teologia da prosperidade", Jesus ensina de maneira radical: "Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Porque é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus" (Lc 18:24-25). O reino de Deus está aberto para os que não confiam em absolutamente nada, a não ser na graça do Senhor, como fez o ladrão na cruz ao pedir a Jesus: «... lembra-te de mim quando vieres no teu reino" (Lc 23:42). O petição do arrependido foi atendida: "Jesus lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso" (Lc 23:43). Os que se abrem para o reino "nascem de novo" ao 3:3). O reino é descrito como de "justiça e paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14: 17) e de "eqüidade" (Hb 1:8), mas também traz juízo e julgamento (Mt 25:31-46). O reino é "de Deus", mas também "do Filho" (Cll:13; 2Pe 1:11). Os cristãos verdadeiros são súditos desse reino e devem viver de modo digno do Deus que os chama (l Ts 2:12;
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cf. tb. Ap 1:6). Viver conforme os padrões e exigências do reino não raro leva a sofrimento (At 14:22; 2Ts 1:3-5). Essa síntese mostra que o reino de Deus é a concretização dos propósitos divinos para o cosmos e para a história. É por essa razão que os discípulos do Senhor foram instruídos a orar ao Pai: "... venha o teu reino" (Mt 6: 10; Lc 11:2). A respeito do reino, o teólogo porto-riquenho Orlando Costas (1942-1987), um dos mais importantes teólogos que o protestantismo evangelical latino-americano produziu, declarou:
o reino que o evangelho anuncia envolve não apenas o
domínio soberano de Cristo sobre todos os poderes e principados, mas uma comunidade de submissos, que reconhecem sua autoridade, obedecem a seus preceitos e engajam-se em seu serviço.'
Costas articulou densa teologia do reino, com forte viés eclesiológico. De acordo ele, a Igreja é serva do reino no cumprimento de sua missão. Em palestra ministrada no Brasil em 1984, Costas declarou: A chave hermenêutica para a correta interpretação da missão da Igreja é o tema do reino de Deus [... ] Para ser fiel ao Novo Testamento e conseqüentemente à missão de nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja deverá procurar interpretar sua tarefa no mundo à luz do reino de Deus [... ] De igual maneira, quer dizer que o reino é uma chave hermenêutica para a missão de Deus.'
Tendo em vista essas palavras, é preciso discordar de Alfred Loisy: "Jesus anunciou o reino (de Deus), mas o que veio foi a Igreja".'
"Mission Out of Affluence", Missiology, p. 418. La Misión y el Reino de Dios: Perspectiva Escatológica, Mimeografado, p. 1-2. ] Alfred Loisy (1857-1940) foi teólogo modernista católico. Na história da teologia cristã a expressão "modernismo" é usada para se referir ao equivalente católico do "liberalismo" protestante. Ambos os movimentos representavam uma revisão do cristianismo ortodoxo tradicional. A frase em questão aparece em seu livro L'Évangile et l'Eg/ise [O evangelho e a igreja], publicado em 1902. Disponível em: hup://fr.wikipedia.org/wiki/ Alfred_Loisy. Acesso em: 211312006. I
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DA
IGREJA
Apesar de refletir certo bom humor (ironia? cinismo?), essa frase causou polêmica, pois aponta para o divórcio ou a oposição entre reino e Igreja. O aspecto positivo da afirmação de Loisy está em indicar a distinção entre Igreja e reino, embora se equivoque ao sugerir que a Igreja é o oposto do reino. Da perspectiva bíblica e teológica, a Igreja não se opõe ao reino, mas é sua serva. Não obstante, a relação Igreja-reino é uma questão teológica complexa. William Abraham comenta essa complexidade: A presença e ação do Espírito Santo provêem a chave para a resolução do enigma da relação entre Igreja e reino de Deus. Onde o Espírito Santo reina, Deus governa, e aí está o reino de Deus. Onde o reino se instala, cria-se uma nova comunidade: a do Espírito Santo. A criação da Igreja é obra do Espírito Santo. Então, a vinda do reino gera a formação de um novo povo, e o Espírito Santo cria esse povo no reino de Deus. O governo de Deus subsiste na vida e na obra da Igreja, mas não se reduz a isso. A Igreja é um tesouro precioso que faz parte do governo de Deus na história." A exposição de Abraham aponta para um fato importante, mas algumas vezes ignorado na história do cristianismo: o reino de Deus é maior que a Igreja. Houve época a esta foi confundida com aquele. Essa foi a posição de Agostinho (algumas passagens sugerem que ele identificava o reino com a organização episcopal da Igreja). A postura católica romana no período medieval identificou o reino com a instituição hierárquica da Igreja. Essa visão foi rejeitada pelos reformadores.' A Igreja, a despeito da íntima ligação com o reino, não pode e não deve ser confundida com este. Quanto a isso, o teólogo Geerhardus vos afirmou: Devemos afirmar, portanto, que as forças do Reino que estão em operação e a vida do Reino que existe na esfera invisível encontram expressão no organismo do Reino da igreja visível [...]. Entretanto,
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I Believe in One Holy, Catholic, and Apostolic Church, p. 181. Cf. Louis BERKHOF, Teologia sistemática, p. 679.
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disto não decorre necessariamente que a igreja visível é a única expressão externa do Reino invisível. Sem dúvida, o reinado de Deus, como sua supremacia reconhecida e aplicada, tem a intenção de permear e controlar toda a vida humana em todas as suas formas de existência. Isto é claramente ensinado na parábola do fermento (Mt 13.33; Lc 13.20-21). Essas várias formas da vida humana têm sua própria esfera específica em que operam e se realizam. Existe uma esfera da ciência, uma esfera da arte, uma esfera da família e do Estado, uma esfera do comércio e da indústria. Quando uma destas esferas se coloca sob a influência controladora do princípio da supremacia e glória divinas, isto é revelado visivelmente, podemos dizer verdadeiramente que ali o Reino de Deus tornou-se manifesto. Em seu ensino, nosso Senhor raramente faz referência explícita a estas coisas. Ele se satisfez em delinear os grandes princípios religiosos e morais que devem governar a vida do homem em cada esfera; mostrar sua aplicação detalhada não era seu trabalho. Mas podemos afirmar duas coisas com segurança: por um lado, sua doutrina do Reino foi fundamentada em uma convicção tão profunda e ampla da supremacia absoluta de Deus em todas as coisas, que ele só podia ver cada aspecto normal e legítimo da vida humana como devendo formar parte do Reino de Deus. Por outro lado, não era sua intenção que este resultado fosse alcançado tornando a vida humana, em todas as suas esferas sujeita à igreja visível. 6
A articulação de Geerhardus vos do relacionamento da Igreja com o reino é notável, pois aponta com propriedade para a amplitude do reino e para o lugar da Igreja, submissa ao domínio absoluto de Deus. O reino de Deus é a concretização dos propósitos divinos para o cosmos e para a história. Segundo Louis Berkhof: ... o reino é um conceito mais amplo que a igreja, porque aspira a nada menos que o controle completo de todas as manifestações da vida. Representa o domínio de Deus em todas as esferas do esforço humano.'
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7
O reino de Deus e a Igreja, p. 118-119. Teologia sistemática, p. 680.
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA
o MUNDO -
IGREJA
SISTEMA ABRANGENTE DE REBELIÃO EM RELAÇÃO A DEUS
A noção bíblica de "mundo" (do grego kosmos) também precisa ser bem entendida, para que a Igreja seja eficiente no exercício de sua missão. De maneira simples, o mundo é o contrário do reino. Este é a plenitude e a concretização dos propósitos divinos para o cosmos e a história; o mundo, por sua vez, é a rebelião contra tais propósitos. A palavra "mundo" possui diferentes significados nas Escrituras: o mais básico é o literal, que se refere à Terra. Nesse sentido, "mundo" tem caráter positivo. A Bíblia o menciona como estável porque foi firmado pelo Senhor, para que não se abale (lCr 16:30; SI 93:1; 96: 10). O mundo pertence ao Criador (SI 50: 12; At 17:24; Hb 4:3). É notável que, como obra divina, o "mundo" receba nas Escrituras ênfase cristológica, pois foi criado pelo Verbo de Deus 00 I :3, 10; cf. tb. Cl1:16-17). Ele é o Senhor a quem tudo no mundo se submeterá (Ef 1:10; 1Co 15:24-28). A conotação de mundo como "criação" tem muita densidade teológica e inegável importância nas Escrituras. O ensino bíblico da criação está relacionado à doutrina da salvação (cf. 2Co 5: 17) e à esperança futura do povo de Deus - a Bíblia não fala do "fim do mundo", conceito comum na cultura popular, mas de "novo céu e nova terra" (Is 65:17; 2Pe 3:13). As Escrituras também se referem ao mundo como o conjunto dos habitantes do planeta. Nessa acepção, Jesus falou sobre o evangelho ser pregado em todo o mundo (Mt 24:14; Mc 16:15).8 "Mundo" na Bíblia também significa o espaço da vida, a ordem da existência humana." Nesse aspecto, tem a ver com a preocupação com muitas coisas até importantes e necessárias, mas que podem se tornar fonte de desnecessária ansiedade (cf. Lc 12:30) ou até mesmo objetos de idolatria. Conforme o ensino bíblico, a vida vale mais que o mundo (Lc 9:25; Jo 12:25). Nas palavras de René Padilla:
Veja também Isaías 13:11; Mateus 13:38; João 1:9-10; lCoríntios 3:22; 4:9; 8:4; Filipenses 2:15. 9 Essa idéia foi apresentada por René Padilla na palestra que proferiu no Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em Lausanne (Suíça), em 1974. Cf. A missão da Igreja no mundo de hoje, p. 133-134.
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Proclamar o Evangelho é proclamar a mensagemde um Reino que não é deste mundo 18:36), e cuja política, portanto, não se pode conformar à política do reino deste mundo. Este é um Reino cujo soberano "rejeitou os reinos do mundo e sua glória" (Mt 4:8; cf. Lc 4:5), a fim de estabelecer seu próprio reino com base no amor. É um reino que se faz presente entre os homens, aqui e agora (Mt 12:28), na pessoa daquele que não vem deste mundo (rou kosmou toutou), mas "de cima", de uma ordem situada além do cenário transitório da existência 8:23).10 humana
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o uso
mais conhecido de "mundo" nas Escrituras é em sentido negativo, de oposição consciente à vontade de Deus. É o mundo que não recebeu a Jesus, o Enviado de Deus 1:10-11). evangelho de João declara sem rodeios que o mundo não pode receber o Espírito da verdade (14:17). "Mundo", nessa perspectiva, diz respeito à rebelião ao reino de Deus, à recusa de se submeter à autoridade de Jesus. Por isso, o mundo odeia o Senhor e seus seguidores 15:18-20,24; 1]03:1,13). Em surpreendente declaração, o quarto evangelho afirma que Jesus não ora por este mundo rebelde (17:9), que assim é porque jaz no Maligno (1Jo 5: 19). Este mundo tem "sabedoria" própria, que paradoxalmente é ignorante, pois desconhece a Deus (1Co 1:18-20; 2:6-8). A ignorância dessa "sabedoria" é resultado da ação maligna (2Co 4:4; 1]04:3-4). Por motivos mais que óbvios, os servos do Senhor não podem amar o mundo (1]0 2: 15-17). À luz do ensino neotestamentário é possível concluir que o mundo, em sentido negativo, é um sistema abrangente que envolve a cultura, a economia, a política, a religião, enfim, a maneira como se vive. Essa acepção negativa é bem mais abrangente que o atribuído normalmente pelos evangélicos. No senso comum evangélico brasileiro, "mundanismo" é entendido com relativa freqüência como sinônimo de algumas práticas ou comportamentos de uma microética, ou seja, uma ética preocupada
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"A evangelização e o mundo", em A missãoda Igreja no mundo de hoje, p. 133-134.
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TEOLOGIA DA
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apenas com o indivíduo. Nesse sentido, "mundano" é, por exemplo, quem vai ao teatro ou ao cinema, ou quem eventualmente ingere bebida alcoólica. Essa perspectiva, ainda que bem-intencionada, é simplista e moralista. Uma pessoa pode freqüentar uma comunidade evangélica e ser completamente abstêmia e ao mesmo tempo ter um estilo de vida mundano, marcado pela falta de solidariedade e de amor ao próximo (1Jo 3: 14-18), pela idolatria ao dinheiro (CI 3:5; 1Tm 6:6-10), por qualquer forma de maldade (1Pe 2:1) e por tantas outras infelizes possibilidades. René Padilla, com acerto e propriedade, resume bem essa questão: Concluindo: o problema do homem no mundo não se resume nos pecados isolados que comete, ou em render-se à tentação de determinados vícios. O fato é que ele está preso a um sistema fechado de rebelião contra Deus; sistema esse que o condiciona a absolutizar o relativo e a relativizar o absoluto, sistema cujo mecanismo de autosuficiência priva-o da vida eterna e submete-o ao juízo de Deus. II
Mas há ainda outro sentido de "mundo" nas Escrituras - objeto do amor do Pai: "... Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" 003:16). Por isso, Jesus é chamado "Salvador do mundo" 00 4:42; 1]04:14; cf. tb. 1Tm 4:10), "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" 00 1:29) e "luz do mundo" 00 1:9; 8: 12; 9:5). Jesus é não apenas "a propiciação" pelos pecados do seu povo, mas "pelos do mundo inteiro" (1]0 2:2; cf. tb. 2Co 5:19). Deus enviou Jesus "para que o mundo fosse salvo por ele" 003: 17). Algumas dessas passagens podem ser erroneamente entendidas como promessa de salvação automática de todos. A Bíblia não nos autoriza a pensar assim. Citando mais uma vez René Padilla: A proclamação de Jesus como "Salvador do mundo" não é uma afirmação de que todos os homens são automaticamente salvos. Pelo
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"A evangelização e o mundo", em A missão da Igreja no mundo de hoje, p. 137.
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contrário, é um convite a todos os homens para que depositem sua confiança naquele que deu a sua vida em resgate do mundo, 12
o mundo é então o espaço onde a Igreja vive sua missão, e nesse exercício ela poderá sofrer oposição, rejeição e perseguição. Mas é ao mundo que o Corpo de Cristo foi enviado pelo Senhor, para dar testemunho a seu respeito. Jesus envia a Igreja ao mundo assim como Deus Pai o havia enviado (cf. [o 20:21). A Igreja, serva e sinal do reino de Deus, é enviada ao mundo para servir ao Senhor. N o exercício dessa missão poderá dar testemunho no sentido literal de martírio, pois o mundo é rebelde em relação ao Criador. Mesmo assim, o Corpo de Cristo deve prosseguir em sua missão. O teólogo Leonardo Boff expôs magistralmente como deve ser a relação da Igreja com o reino e o mundo: Cumpre articular numa ordem correta estes três termos. Primeiro vem o Reino como a primeira e última realidade englobando todas as demais. Depois vem o mundo como o espaço da hístorificação do Reino e de realização da própria Igreja. Por fim vem a Igreja como realização antecipatória e sacramental do Reino dentro do mundo e mediação para que o Reino se antecipe mais densamente no mundo. A aproximação demasiada da realidade da Igreja ou até a sua identificação como Reino faz emergir uma imagem eclesial abstrata, idealista, espiritualizante e indiferente à trama da história. Por outro lado uma identificação da Igreja com o mundo projeta uma imagem eclesial secularizada, mundana, disputando o poder entre outros poderes deste século. Por fim uma Igreja centrada sobre si mesma e não articulada com o Reino e com o mundo faz aparecer uma imagem eclesial autosuficiente, triunfalista, sociedade perfeita que duplica as funções que, normalmente, competem ao Estado ou à sociedade civil, não reconhecendo a autonomia relativa do secular e a validade do discurso da racionalidade.P
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Idem, p. 134. Igreja: carisma e poder, p. 116-117.
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FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA IGREJA
RECAPITULANDO
1. Quais são os perigos de identificar a Igreja com o reino de Deus? 2. Quais são os problemas da teologia que faz oposição entre a Igreja e o reino de Deus? 3. Como deve ser o relacionamento da Igreja com o mundo enquanto criação ("natureza")? 4. À luz do ensino bíblico, qual o verdadeiro significado de "mundano"? 5. Qual importância há em ser a Igreja serva do reino de Deus no mundo? 6. Como entender a declaração bíblica: Jesus Cristo é o "Salvador do mundo"? 7. Quais são as implicações práticas de considerar o reino de Deus chave para a missão da Igreja?
Conclusão
COMO AFIRMADO NA "INTRODUÇÃO", este livro não pretende ser a última palavra ou esgotar o assunto sobre o tema da eclesiologia. Apenas teve a intenção de apresentar algumas pistas fomentar a reflexão a respeito desse tema tão importante. Se alguma reflexão sobre a Igreja acontecer como resultado da leitura deste livro, seus objetivos terão sido atingidos por completo. Lamentavelmente, no que diz respeito à Igreja, reina grande confusão em nosso tempo. O Brasil assiste a proliferação de igrejas e comunidades que se multiplicam em espantosa velocidade. Há igrejas de todos os tipos e tendências: 1. Igrejas que valorizam a tradição litúrgica de séculos e as que valorizam a liturgia "contemporânea". 2. Igrejas caracterizadas por uma estranha obsessão por demônios e as que praticamente não levam a sério a pecaminosidade e a maldade que há no universo. 3. Igrejas que controlam a vida dos membros através de um conjunto de leis e regras extremamente minucioso e moralista para quase tudo na vida e as em que "é proibido proibir". 4. Igrejas que só valorizam a dimensão transcendental e sobrenatural da existência em detrimento da denúncia da injustiça e da opressão do homem pelo homem e as que só valorizam a denúncia da injustiça e da opressão do homem pelo homem em detrimento da ênfase na dimensão transcendental e sobrenatural da existência.
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5. Igrejas que só se preocupam com a correção doutrinária e a ortodoxia teológica e aquelas marcadas por um triste antiintelectualismo. 6. Igrejas que confundem valores de uma cultura com valores do evangelho e do reino de Deus e as que se isolam hermeticamente de qualquer contato com a cultura da sociedade. Outros exemplos poderiam ser citados. Diante desse quadro complexo, a pergunta é: Que significa ser Igreja? Cada modelo apresentado no capítulo 5 entende ser o único correto. Sob a perspectiva bíblica, o único modelo para a Igreja só pode ser Jesus Cristo, seu Senhor e Cabeça. Jesus é e deve ser modelo para a Igreja: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
Na dependência de Deus. Na busca por orientação e direção nas Escrituras. No enfrentamento de forças espirituais malignas. Na denúncia da mentira, da injustiça e da opressão. Na prática do bem. Na vida de oração. Na vivência de uma piedade sem pieguice. Na acolhida dos pecadores, na não-discriminação das crianças e dos mais humildes. 9. No anúncio do novo projeto de vida conforme o reino de Deus. la. Na relativização de valores mundanos que se pretendem absolutos, como o dinheiro e o acúmulo de bens materiais. 11. Na misericórdia para com os mais necessitados. 12. Na fidelidade e obediência ao Pai até às últimas conseqüências. 13. Na alegria na vida. E em tudo o mais. Dessa maneira, o senhorio de Jesus sobre a Igreja não será apenas teórico ou conceitual. Pelo contrário, a Igreja viverá seguindo as palavras do Senhor e aprendendo com a dinâmica de sua vida. A Igreja, dessa maneira, será instrumento para a glória do Senhor e canal de bênçãos para o mundo.
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Sobre o autor
CARLOS RIBEIRO CALDAS FILHO é bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul (Campinas, SP), licenciado em Letras: Português/Inglês pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caratinga (MG), mestre em Missiologia pelo Centro Evangélico de Missões (Viçosa, MG) e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (São Bernardo do Campo, SP).
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