Frigotto, Gaudencio. Educação e a Crise Do Capitalismo Real.

March 31, 2017 | Author: Remo Bastos | Category: N/A
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Frigotto, Gaudencio Título: Educacao e a crise do capitalismo Este livro, de alguma forma, é a continuação mais eloqüente de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje é consulta obrigatória para aqueles que desenvol­ve m pesquisas na área de Educação e Trabalho. Essa linha de continuidade entre duas obra s separadas por uma década constitui um dado alentador e trágico ao mesmo tempo. Ale ntador, porque Frigotto continua discu­tindo de forma clara e decidida os enfoques Economicistas que reduzem a educação a um mero falor de produção, a "capital humano". r II" Trágico, porque esta última perspectiva conti­nua expandindo-se com novas roupage ns, com inéditas e sedutoras máscaras, que convencem, inclusive, muitos intelectuais que a combatiam no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos não deve no s fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto limita-se a denunciar que "o vel ho" ainda não morreu e que "0 navoU é apenas uma armadilha que encobre um status quo imune ao pa ssar do tempo. Justamente um dos valores mais destacados deste trabalho reside e m que o autor pretende discutir a racionalidade (ou irracionalidade) que encerra m os enfoques do neo-capital humano no atual contexto de profundas mudanças vivida s pelas sociedades de classe neste fim de século.' A especificidade da crise estru tural que atravessa hoje o capitalismo real é o marco no qual cobram materialidade as perspectivas discutidas pelo autor. a novo livro de Gaudêncio Frigotto ajuda-n os a pensar que é possível renascer das cinzas, que é possível e necessário lutar por um m undo mais justo e igualitário. Simplesmente, porque a história ainda não terminou. EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL ~ PREFÁCIO Os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir as pessoas e não a produção. As pessoas não podem ser sacrificadas. Nem tipos especiais de pessoas os espertos·, os fortes, os ambiciosos, os belos, aquelas que podem um di a vir a fazer grandes coisas nem qualquer outra. Especialmente aquelas que são ape nas pessoas comuns ( ... ). É delas que trata o socialismo; são elas que o socialism o defende. O futuro do socialismo assenta-se no fato de que continua tão necessário quanto antes, embora os argumentos a seu favor não sejam os mesmos em muitos aspec tos. A sua defesa assenta-se no fato de que o"'-capitalismo ainda cria contradições e problemas que não consegue resolver. Enc Hobsbawm (I992b) A epígrafe de Hobsbawm é apropriada para começar estas breves palavras sobre o novo li vro de Gaudêncio Frigotto. Não apenas porque o historiador inglês constitui uma das re ferências permanentes (tácitas ou explícitas) desta obra, mas também porque o seu conteúdo resume três das principais razões que orientam a estimulante reflexão teórica aqui prop osta pelo autor do presente volume. Primeiramente, a necessidade de pensar as co ndições históricas que dão origem à profunda crise que atravessa hoje o capitalismo real, ultrapassando as VIsões apologéticas e apocalípticas. Em segundo lugar, a opção por realiz ar essa tarefa partindo de uma reflexão rigorosamente crítica desde a perspectiva do materialismo histórico; um ma­terialismo histórico renovado e capaz de reformular-se ele próprio à luz do colapso do socialismo soviético e da queda dos regimes comunistas da Europa Oriental. Por último, embora certamente nãó menos imptrtante, o livro de Fr igotto propõe um enorme desafio ético: pensar e compreender a crise do capitalismo d esde um renovado enfoque socialista como forma de contribuir para a construção de um a sociedade democrática e radicalmente igualitária, fundamentada nos direitos e que respeite as diferenças, a diversidade, uma sociedade -segundo Hobsbawm -de pessoas comuns, das maiorias, justamente aquelas condenadas pelo mercado à mais absoluta miséria. Este livro, de alguma forma, é a continuação mais eloqüente de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje continua sendo de consulta obrigatória para aqu eles que desenvolvem pesquisas na área de Educação e Trabalho. Essa linha de continuid ade entre duas ,obras separadas por uma década constitui, ao mesmo tempo, um dado alentador e trágico. Alentador, porque Frigotto continua discutindo de forma clara e decidida os enfoques economicistas que reduzem a educação a um mero fator de prod

ução, a "capital humano". Trágico, porque ainda hoje esta última perspectiva continua ex pandindo-se com novas roupagens, com inéditas e sedutoras máscaras que convencem, in clusive, muitos intelectuais que as combatiam no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos não deve nos fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto lim ita-se a denunciar que "o velho" ainda não morreu e que "o novo" é apenas uma armadi lha que encobre um status quo imune ao passar do tempo. Justamente um dos valore s mais destacados deste trabalho reside em que o autor pretende' discutir a raci onalidade (ou irracionalidade) que encerram os enfoques do neocapital humano no atual contexto de profundas mudanças vividas pelas sociedades de classe neste fim de século. A especificidade da crise estrutural que atravessa hoje o capitalismo r eal é o marco no qual cobram materialidade as perspectivas discutidas por Gaudêncio neste novo livro. De fato, o contexto mais amplo da reestruturação capitalista contemporânea no plano po lítico, econômico, jurídico e edu­cacional funciona como um enquadramento iniludível para 'avançar tanto na crítica teórica aos enfoques apologéticos da sociedade pós-industrial, q uanto para recusar as saídas indivi­dualistas e místic'à"" que acabam defendendo os inte lectuais apocalípticos. EducaÇão e a crise do capitalismo real é um livro para ser lido à luz da atual hegemonia dos regimes neoliberais e neoconservadores (tanto na Améric a Latina quanto num número nada desprezível dos países do Primeiro Mundo), e reconhece ndo as novas condições materiais e culturais criadas a partir da crise do regime de ,acumulação fordista, de seus Estados de Bem-Estar e da própria reorganização (ou desor­gani zação) da classe operária que é derivada de tal processo. E aqui cobra sentido a dupla tarefa crítica à qual se propõe Frigotto. pm primeiro lugar, discutir as novas concepções do "capital humano" que se respaldam na suposta legitimidade das teses do fim da história e das ideologias, segundo as quais (e afortunadamente) o mundo é e será para sempre capitalista. A recusa de tai s perspectiVas conduz o autor a discutir a validade das posições que as caracterizam no plano educacional. Frigotto analisa assim três categorias básicas no discurso ne oliberal dos homens de negócio, dos organismos internacionais, das buro­cracias gove rnamentais conservadoras e dos intelectuais recon­vertidos: "sociedade do conhecim ento", "educação para a com­petitividade" e "formação abstrata e polivalente". Em segundo lugar, realiza uma crítica não menos radical aos enfoques defendidos por três autores que, desde óticas não convergentes e diferenciados aInda da trivialidade que caracteriza os admiradores do capitalismo pós-industrial, "acabam silen­ciando o u eliminando os grupos ou classes sociais fundamentais e os movimentos com eles articulados como sujeitos da história, (o qual os conduz), ironicamente, a reforçar a tese do fim da história": Adam Schaff, Claus affe e Robert Kurz. No contexto de um capitalismo transformado, e não por isso mesmo excludente e disc riminador, Frigotto desenvolve uma minuciosa análise marxista da educação. Enfoque mar xista que, na medida em que é aplicado a ele próprio, reformula-se e enriquece-se. L ogo, de certa forma, este livro difere da citada obra A produtividade da escota improdutiva. a leitor encontrará aqui novos conceitos, novos percursos teóricos, nov as perguntas e também, certamente, novas respostas a velhas perguntas. Por último, este livro possui um inestimável valor político. Ele contribui com um conj unto de idéias relevantes no campo da ação política e, ao mesmo tempo, está inspirado na n eces­sidade de profundar, defender e ampliar as experiências de­mocráticas de resistência e oposição ao programa de ajuste neoliberal existentes em nossos países. No plano educ acional, as reflexões de Frigotto inserem-se e inspiram-se numa mul­tiplicidade de e xperiências alternativas de gestão que foram (e estão sendo) desenvolvidas no Brasil p or administrações po­pulares: Porto Alegre, Belo Horizonte, Angra dos Reis e muitas ou tras que constituem hoje um modelo de gestão eficiente e democrática de uma política e ducacional pública e de qualidade. Tais experiências inspiram o autor deste livro e são uma referência tácita ao longo de todos os capítulos que compõem o presente volume. a novo livro de Gaudêncio ajuda-nos a pensar que é possível "renascer das cinzas", que é possível e necessário lutar por um mundo mais justo e igualitário. Simplesmente, porq ue a história ainda não terminou. Pablo Gentili Rio de Janeiro, maio de 1995

INTRODUÇÃO É difícil, mesmo para aqueles que transformaram o marxismo (de Marx) de teoria da hi stória e profunda ontologia em doutrina ou crença, não reconhecer o colapso do sociali smo realmente existente e a necessidade de questionar pressupostos teóricos e estr atégias políticas que tomaram como referência o pensamento e a obra de Marx e Engels. Isto, todavia, não significa, como veicula a ideologia hoje hegemônica, que o projeto socialistil é uma quimera do passado, a teoria histórica de Marx e Engels está morta e, finalmente, a humanidade aprendeu a respeitar as leis da liberdade natural do mercado, da livre concorrência e que, po rtanto, o capitalismo é a forma de organização social definitiva e desejável da humanida de. Este livro; que trata das relações trabalho-educação dentro das profundas transformações des te final de século, por razões éticas, teóricas e políticas, é um esforço de remar contra a c rrente. Primeiramente, sustentamos que o capitalismo deste final de século enfrent a sua crise estrutural mais profunda e sua perversa recomposição vem se materializan do nas inúmeras formas de violência, exclusão e barbárie. É preciso, pois, mostrar, sem co ncessões, a crise e O colapso do capitalismo

-Em segundo lugar, entendemos que as concepções onto­lógicas e teóricas do processo históric o elaboradas por Marx e Engels e desenvolvidas por outros marxistas como Gramsci , continuam sendo a base que nos permite uma análise radical para desvendar a nature za e especificidade das relações capi­talistas hoje e, especificamente, da problemática do trabalho e da educação. Base, também, para, na expressão de Eric Hobsbawm, renascer d as cinzas e construir uma alternativa socialista efetivamente democrática de relações sociais. Temos clareza de qu'll no plano 'teórico este trabalho enfrenta a tensão mais crucia l. No presente, este embate dá-se tanto com a avassaladora ideologia neoliberal ou neoconserva­dora, que tem no mercado o deus regulador do conjunto das relações sociai s, quanto com determinadas posturas pós-moder­nistas que, ao negárem a razão histórico-dia lética, o devenir histórico e de elos de universalidade humana, acabam reificando o momentâneo, o transitório, o efêmero e a capilaridade do micro, do local e do circun stancial. A utopia, por este caminho, fica esmaecida e com ela, a ação política. Dá-se, também, de forma mais complexa, como veremos ao longo do texto, com posturas de pe nsadores de tradição marxista, mas cujas análises acabam trabalhando mais o plano lógico e racionalista que efetivamente o plano histórico da realidade. Três razões de ordem teórica e 'ético-política nos animam a prosseguir a análise da educação suas relações com a produção material (economia) e, mais ampla­mente, com a produção ideológi e simbólica (idéias, valores, concepções, conhecimentos etc.) no terreno do marxismo. Is to não nos exime da necessidade de dialogar e debater com contribuições que, não pertenc endo a esta tradição teórica ou até combatendo-a, são valiosas e indispensáveis para a com­pr ensão da problemática aqui analisada. A primeira, nos é sintetizada por Jame.son (1994) quando nos lembra que "o marxism o é a ciência do capitalismo" e, portanto, não podemos postular sua morte se o seu obj eto não desàpareceu. Ao contrário, diz o autor, o marxismo é a única teoria capaz de pensa r o capitalismo dentro de uma perspectiva histórica e dialética evitando reducionism os, não sendo, todavia, imune a estes reducionismos e à reificação conceituaI. A segunda razão é explicitada por Paola Manacorda (1984), ao afirmar que uma teoria não deve ser abandonada porque enfrenta problemas novos. Uma teoria é superada quand o não tem capacidade de nos ajudar a analisar estes problemas. Neste particular, u ma vez mais, Jameson qualifica a natureza -da,crise do marxismo. As crises do paradigma marxista sempre ocorreram exatamente nos momentos em que seu objeto de estudo fundamental-.-o capitalismo -parecia estar mudando de aparência, ou passand o por mutações imprevistas e impre­visíveis. Por fim, cabe insistir na tarefa da esquerda, particularmente dos socialistas, d e não aderir ao pragmatismo do capitalismo que globaliza sua forma de extração de mais -valia e redefine suas formas de exclusão. Pelo contrário, como assinala Anderson (1 995), os que lutam para superar as relações capitalistas de produção da existência, por se rem essencialmente excludentes, devem aprender da direita a não transgredir princípi

os ideoló­gicos e teóricos. O autor adverte-nos de que, na década de 40, Hayek era uma v oz isolada quando postulava a restrição à liberdade e à democracia como fundamentais par a o sucesso capitalista. Trinta anos depois suas teses são a base da onda neoliber al que avassala o mundo. Neste sentido, ao mesmo tempo que devemos c..socjAl_IlO-.dJ-ªlho -proprietárws pnvaoos dos l!l.eioL e instrume nt~_sló".Esta' tarefa; marcada pela utopia, ui, só poderá resultar do

homem enquanto ser social, isto é, como resultado do conjunto de relações sociais. 1.3. Robert Kurz e o colapso da modernização: a crise do trabalho abstrato A análise de Kurz, "que arrisca uma leitura inesperada dos fatos", marcadamente ir racionalista, pela amplitude e di· versidade dos problemas que aborda, transcende

o escopo deste trabalho. Buscamos, tanto neste item como no debate a seguir, apr eender a tese central de seu trabalho relacionada com a Grise da sociedade do tr abalh_'Lf-.do trabalho abstrato, a questão dasda.§§.ei-s~c.~is~~;;;;erspeçiiYa~_:gu:e-.a pré'seiltaj)arã-a superação da sociedade regida pela forma mercadürIíi"(fe relaç;õ"es a SÚCiáis:--.-------"'------.------. ~---------_. A tese básica do autor é a de queam()demiZcação constituída pela forma mercadoria de relações, .sociais entra numa crise qualitativamente diferente das crises cíclicas e está no horizonte do colapso. A peculiaridade ela tesed6-Kurz é que fi forma mercadoria de produção e de relação socialjllC:jgi. a sociectadecapiliillstã regida (mais ou menos) pela liberdade das 'regrasde merciíoüé o socialismo real -s.ocialismo de Gaserna, como o denomi~a ::"'::,'qileTüCincapaz de ro~per'com o trabalho abstrato, mas apenas o regulou pelo estatismo. Esta tese, por si e pelos argumentos que utiliza, traz à tona um longo debate que, como apontamos no Capítulo II, longe de ser novo, tem a idade do próprio capitalismo e das propostas socialistas.

No tocante à questão do trabalho, das classes sociais e \ da perspectiva da ruptura do capitalismo, a análise de Kurz Iaposta deterministicamente na agonia e no fim d o trabalhoI abstrato: da mercadoria força de tra15alhÓé,cómÓcÓnseqüência I lógica, i1írole-ae-­qualidade __ que tende a se tomar senso comumentre ~ôs homens de neg6ClO, e seus aSSeSS()reS, é que ocupam -lórigos debates em seminários, simpósios, nos mais diversos âmbitos, inclusive e, de mo do crescente, nas Universidades. 12 A tradução destes conceitos em termos concretos dá-se mediante métodosque~~~buscam_~otiJ :l1Lz~t~111r.~,~_e~llil~çº-,_el1~rgia,matérias,~ trabalho vivo, aumentar a produtivida de, a qualidade dos produtos e, conseqüentemente, o híveldecompetifiVidade 11. "A mutação qualitativa consiste no seguinte: todo o progresso produtivo realizado até o presente assentava-se na transformação da matéria mediante emprego de fontes de energia mais e mais potentes, agora a transformação da matéria pode ser feita de fonna mais rápida, barata e perfeita, graças à utilização de informação codificada, memorizada, através de linguagens e sinais que auto­ matizam saber e saber~fazer humano, com baixos custos de energia e de trabalho

vivo". (Castro, 1994: 40-1) 12. É importante enfatizar que, muitas vezes, estes conceitos, em realidades cultu rais. econômicas e educacionais tão díspares como no caso brasileiro, quer pela existênc ia de um empresariado que teima em não abrir mão de suas origens e métodos oligárquicos, quer por razões de natureza das próprias relações intercapitalistas. não refletem, de fat o, uma realidade concreta. Neste tipo de realidade o risco das visões apologéticas s e amplia enormemente. e de taxa de lucro. Dentre estes métodos, a literatura destaca:' just in time e Ka n Ban, que objetivam, mediante a integração e flexibilização, a redução do tempo e dos custo s de produção e circulação, programando a produção de acordo com a demanda; métodos ou sistem s vinculados ao processo de produção como CAD e CAN e a vinculação de amhos ensejando a integração do projeto com a manufatura; ou, como mostra Salerno (1994), outras estra tégias m"lnos enfatizadas mas importantes de estru­turação e organizaçãh das empresas ou ent re empresas que concorrem para os objetivos acima. Salerno destaca a focali­zação, que "consiste em concentrar esforços naquilo que é a vantagem competitiva da empresa"; a descentralização produ­tiva, que consiste em deixar de produzir certos componentes e comprá-los de terceiros; definição de projetos específicos, redução dos níveis hierárquicos . Na medida em que, como vimos nos Capítulos II e III, o fantástico progresso técnico vem demarcado pela lógica privada da exclusão, este conju nto de métodos e técnicas de organização e gestão do processo produtivo não só se inscreve ne ta lógica como é um mecanismo de ampliação da mesma. Os custos humanos são cada vez mais a mplos, evidenciados ) pelo os velhos, o nda classe. Os sinais do a procurar,

desemprego estrutural que aumenta, atingindo sobretudo os jovens e emprego precário e a produção, mesmo no Primeiro Mundo, de cidadãos de segu

caráte?-de exclusão da reestruturação capi­talista são tão fortes que nos induze para além da ênfase apologética da valorização do trabalhador e da sua formação

eral e polivalente, qual é seu efetivo sentido polí­tico-prático. Tomados os termos em q ue a questão é posta pelos organismos internacionais e pelos organismos de classe ou instituições que representam os homens de negócio lem­bram-nos da imagem formulada por Brecht ao dizer que, olhada de longe, a sociedade capitalista parece uma tábua hor izontal onde todos são situados em condições de igualdade, mas que, olhada de perto, m anifesta ser uma gangorra. O apelo à valorização, face à reestruturação econômica, do "fator trabalho", da educação gera ormação polivalente foi enfatizado por organismos como OIT, já em meados da

década de 70. Ana Maria Rezende Pinto (1992), num trabalho com título sugestivo, Pes soas inteligentes trabalhando com máquinas ou máquinas inteligentes substituindo o t rabalho humano, examina como vários países desenvolvidos buscaram ajustar os sistema s educativos e a utilização de outras estratégias empresariais, para fazer face às neces sidades de um sistema produtivo que incorpora crescentemente anova base tecnológic a. Deste exame amplo, incluiodo indicações do caso brasileiro, no qual constata uma ên fase na demanda de educação geral, conclui: "~s mudanças em curso nos sistemas de_ensi no examinados parecem sugerir que a produtividade da ~SÇQJa improdutiva ia não é de to do funcional à ordem capitalista". . (Rezende Pinto, 1992: 21) Na mesma direção, referindo-se às propostas dos empre­sários, L. W. Neves destaca: O empresariado parece estar se dando conta de que o baixo nível de escolaridade de amplas camadas da população começa a se constituir em obstáculo efetivo à reprodução ampliada do capital. em um horizonte que sinaliza para o emprego, em ritmo cada vez mais ace lerado, no Brasil, de novas tecnologias de base microeletrônica e da infonnática ass im como de métodos mais racionalizadores de organização da produção e do trabalho, na atual década. (Neves, 1 994: 10)

tf.;) a investida dos homens de negócio, em defesa da escola '-básica, dá-se Sobretudo a partir do final dos anos 80, é preciso ter presente, todavia, que isto nãQ_signif ica que antes _disto os mesmos não estivessem atentos em relação à educação que lhes convém. 13 A "novidade reside exatamente no fato êIe a crítica incidir no puro e simples adestramento e na

proposta da educação básica geral. 13. Especialmente a partir dos anos 30, podemos perceber que a questão da educação e, sobretudo. do treinamento e qualificação para moldar e "fabricar" os trabalhadores é a lgo que preocupa as lideranças políticas e empresariais. Em relação às démarches para a criaç do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, ver Frigotto (1977). Se nos anos 3 0, os empresários tiveram que ser induzidos por Getúlio Vargas para cuidarem da form ação profissional, hoje vemos que seus organismos de classe tomam a iniciativa para fazer valer seus interesses de classe face ao Estado. 150 A identificação dos atores organlcos desta investida em defesa da escola básica e de s uas propostas nos permite perceber que a mesma se mo.ve dentro de inúmeras contrad ições e é marcada pela histórica dificuldade e dilemas da burguesia face à educação dos traba hadores. O moviment()_~,a().ll1e.~mo tempo de crítica ao Estado, 11 ineficiência. da es,co.Ia pública; de cohrançád6Estaoolúl manutenção. daescola',defesa-daprivatiiãçã6 ou demecãliismos zantés.com algllmas pequenas variantes, aspreo.cllpáções-. básicas relativas ao ajustament o da educação aos interesses empresariais são expostas em do.cumentos ..daJ'lESP,.CNt_ IEL, ~ENALln~til!!Jº..Herbert Levy da Gazeta Mercantil, Instituto Libe.ral,JEDl (I nstituto de Estudos para üDesenvolvimento Industrial) ou em documentos de órgãos do go verno ou vin­culado.s a alguma Universidade. A FIESP, organismo que expressa as idéias mais conser­vadoras do empresariado, lamen

ta-se sobre os riscos de investir na no.va base tecnológica face ao fato da falta de mão-de-obra especializada e retoma a tese do capital humano: A carência de pesquisa básica e aplicad.a, a escassez de mão­ de-obra especializada e a rápida obsolescência das inovações tornam os investimentos em setores de alta tecnologia os mais arriscados em um p ~ís de industrialização recente como o Brasil. Uma ênfase maior em tecnologia de ponta d everá ocorrer quando o país estiver apto a investir maior parcela de recursos na formação de capital humano e P & D. (FIESP, 1990) A CNI dispõe de um Instituto -IEL -especificamente encarregado. de analisar as ten dências e as necessidades do setor industrial no plano da educação e formação técnico-pro­fis ional. Trata-se de um instituto criado. em 1969 com o objetivo. precípuo de funcio nar como uma espécie de embaixador para sensibílízar e envolver as Universidades pública s e privadas na defesa das necessidades da indústria nacional. Só no ano de 1992, o IEL elabo.rou o projeto Pedagogia da Qualidade, com o apoio do CNI, SENAI e SESI , coordeno.u o. Encontro Nacional Indústria-Universidade sobre a Pedagogia da Qual idade A investida para se implantarem os critérios empresariais (23 e 24 de março de 1992), realizou mais 16 encontros de eficiência, de "qualidade total", de competi tividade em áreas estaduais sobre educação para a qualidade e 15 cursos sobre incompatív eis com os mesmos, como educação e saúde, de­

qualidade (otal (relatório do IEL de 1992). O IEDI, que reflete mais claramente o ideário dos em­presái1Õsde mentalidade mais aberta e . que se articulam com pesquisadores ligados a ins'itutos de pesquisa ou a Un iversi­dades, também em 1992, produziu o documento Mudar para cOmpetir -a nova' ridadceJdu;çQÇ}lp, estratégias empresariais. Neste documento, após uma análise AO esgotamento do mOOero fordista de organização da produção e do trabalho e de caracter izar a especificidade da nova base técnica vinculada, sobretudo, à microeletrônica e à i nformática, apontam a questão educacional, particularmente uma sólida educação básica geral, como um elemento crucial à nova estratégia industrial. (lEDI, 1992)

Com uma mesma perspectiva, mas buscando influenciar diretamente as políticas educa cionais do governo, o Instituto Herbert Levy da Gazeta Mercantil e a Fundação Brades co encomendaram a João Batista Araujo de Oliveira e Cláudio de Moura Castro a coorde nação de um documento sobre Educação fundamental e competitividade empresarial _ uma pro posta para o Governo.'4 Nesta proposta situam a escola básica como um dever fundam ental do Estado e apresentam diferentes formas mediante as quais as empresas podem cola­borar com o poder público na educação básica e no tipo de educação demandada para as empresas. 14. João Batista Araujo de Oliveira esteve vinculado durante muitos anos à FINEP e, à ép oca da realização do documento, servia a OIT em Genebra. Cláudio de Moura Castro, foi pesquisador do IPEA, coordenador do Programa ECIEL (Programa de Estudos Conjunto s de Integração para a América Latina) nos anos 70 e, à época da elaboração do documento, era difetor dos Programas de Fonnação Técnica da OIT. Os colaboradores, todos eles ou estão ou tiveram passagem em órgãos governamentais -Antônio C. R. Xavier, Cláudio Gomes Colin A. Macedo, Emílio Marques, Guiomar Namo de MeIJo, Maria Tereza Infante e Sérgi o Costa Ribeiro. senvolve-se hoje dentro do setor "público". O que é, sem 1 dúvida, profundamente probl emático é a pressão da perspectiva ~ . neoçonservadora para que a escola pública e a Universidade em particular e a área da s aúde se estruturem e sejam avaliadas dentro dos parâmetros da "produtividade e eficiên cia empre­sarial". Mais preocup~~e ainda, quando os próprios dirigentes das Universi dades públicas aderem às idéias da "qualidade total", sem qualificar esta qualidade.'5 Ao depurarmos o discurso ideológico que envolve as teses ') da "valorização humana do trabalhador", a defesa ardorosa da i educação básica que possibilita a formação do cidadão e

de! , um trabalhador polivalente, participativo, flexível, e, portanto, Ij com el evada capacidade de abstração e decisão, percebemos \ . que isto decorre mais da própria vulnerabilidade 'Iue do nov ! padrão produtivo, altamente.,jutegrado. Ao contrário d o que, \; certas perspectivas apresentavam na década de 70, que prog-l \ nosticava m a "fábrica automática", auto-suficiente, as novas tecnologias, ao mesmo tempo que diminuem a necessidade \ quantitativa do trabalho vivo, aumentam a necessidade qualitativa \do mesmo. , Dois aspectos nos ajudam a entender por que o capital depende de trabalhadores com capacidade de abstração e de trabalho em equipe. Como nos mostra Salerno, o novo padrão tecnológico calcado em sistemas informáticos projeta o processo 15. No plano mais geral são exemplos indicativos desta estratégia os debates recente mente promovidos pelo CODEPLAN-DF, sobre "Gestão da qualidade: tecnologia e partic ipação" (CODEPLAN, 1992) e pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (lNAE) e FINEP ( 1993). No plano mais específico da educação, evidencia esta tendência a relação cada vez mai s estreita entre o IEL (Instituto Euvaldo Lodi) da CNI e o CRUB (Conselh9 de Rei tores das Universidades Brasileiras). Só em 1992, o IEL promoveu mais de uma dezen a de seminários com diversas Universidades. Há Universidades que já tem seu "Programa de qualidade total e competitividade". Para uma -crítica a este tipo de adesão acrític a ver Chaui (1993), Cano (1992) e Anderson (1995). de produção com modelos de representação do real e não com o real. Estes modelos, quando o peram, entre outros intervenientes, em face de uma matéria-prima que não é homogênea, po dem apresentar problemas que comprometem todo o processo. A intervenção direta de um trabalhador com capacidade de análise torna-se crucial para a gestão da varia­bilidad e e dos imprevistos produtivos. (Salemo, 1992: 7) Por serem sistemas alt~mente integrados, os imprevistos, os problemas, não atingem apenas um setor do processo produtivo, mas o conjunto, e o trabalhador parcelar do taylorismo constitui-se em entrave. Não basta, pois, queo trabalhador do "novo tipo" seja cagaz de identificar-e de-resolver os problemas e os imprevistos, Il )as de resolvê-los emeqllipe: Para enfrentar a "vulnerabilidade" tecnológica, o capital redes­cobriu a humanidade do trabalhador assalariado que foi ignorada pelo taylorismo. Forçado pela vulnerab ilidade e complexidade de sua base tecno-organízacionaI o capital passou a se interessar pela apropriação de qualidades sócio-psicológicas do trabalhador coletivo através dos cham ados sistemas sócio-técnicos de trabalho em equipes, dos círculos de qualidade etc. Tr ata-se de novas formas de gestão da força de trabalho que visam a garantir a integração do trabalhador aos objetivos da empresa. (R. P. Castro, 1994: 43) Os aspectos aqui assinalados revelam que estamos diante de um processo em que o capital não prescinde do saber do trabalhador e do saber em trabalho'6 e é forçado a d emandar trabalhadores com um nível de capacitação teórica mais elevado, o que implica mais tempo de escolaridade e de melhor qualidade. Revelam, de outr a parte, que o capital, mediante diferentes mecanismos, busca manter tanto a sub ordinação do trabalhador quanto a "qualidade" de sua formação. Mas é també.1llJleste process o que se evidenciam os próprios limiteu0unbigilidades 16. Para uma análise da natureza das questões que uma série de pesquisas buscam eviden ciar ao examinar como se explicitam contradições, porosidades e lacunas no processo produtivo que depende de um saber que se elabora no espaço do trabalho, ver Helois a H. Santos (1992) e N. L. Franzoi (1991). ,lt livro foi Impresso na US GRÁFICA E EDITORA lTOA [ Atualmente, é Vice-Presidente daAssociação Rua Visconde de Pamalba. 2.7S3 _ 8aIB~ I CEP 03045-002 -SãO) Paul... -Sf> _ FO)ne -292-5666 Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em com filmes fomecldo$ pelo edaor ! Educação (ANPEd) e membro do Conselho Editorial de cinco revistas. k· \ ,

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