Formação do Homem
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Livro de Maria Montessori....
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ÁS
M A RIA MONTESSORI
FORMAÇÃO DO HOMEM (2.a Edição)
PORTUGÁLIA EDITORA (BRASIL)
PR EFÁ CIO Poucos são, ainda, os livros de Maria Montessori tra duzidos para a língua portuguesa, privando, assim, um grande número de pessoas de melhor conhecer a obra monumental dessa grande educadora italiana. É de se lamentar esse fato, pois, a simples interpre tação e comentários de autores ou estudiosos do Sistema Montessoriano de educação não nos dão, muitas vezes, uma idéia real de seu verdadeiro valor. A tradução fiel das palavras, do pensamento de Maria Montessori. expressos em seus livros publicados, traz até nós, em toda a sua autenticidade, a fabulosa experiência psicopedagógica vivenciada por ela, no decorrer do longo tempo que se dedicou, com entusiasmo e amor, aos problemas da educação. A seguir à edição brasileira de “A CRIAN ÇA”, somase hoje, este, que é de importância relevante para o educa dor em geral: “Formação do Homem”. Nele, a autora tem por escopo oferecer de maneira simples mas segura, devi damente fundamentada, uma visão do que seja o Homem, de como se processa o seu desenvolvimento desde a fase embrionária e como cuidou de sua formação còmo pessoa humana, contribuindo com subsídios valiosos para todos aqueles que se preocupam com a educação no seu sentido mais amplo, sejam os mestres ou os pais. Neste livro, há informações básicas que devem ser postas em prática, tendo em vista o educando desde a mais tenra idade. O que ele encerra são princípios válidos para a nossa época e que foram preconizados por Maria Mon tessori há mais de 60 anos. São princípios que não cadu caram porque, além de terem sido alicerçados cientifica mente em bases psicopedagógicas profundas, tiveram por uma verdadeira antevisão dos acontecimentos, por parte da. genial educadora, uma realidade presente para refe rendar o seu incontestável valor atual. Hoje, o Sistema Montessoriano, no Brasil, é uma pre sença alvissareira no campo da educação. O Sistema está sendo difundido em quase todo o território brasileiro, par ticularmente em São Paulo, onde o número de escolas mon tessori anas cresce, dia a dia, de maneira surpreendente. No entanto, para que esse Sistema educacional nãó seja deturpado no Brasil, mister se faz que haja uma gran de bibliografia traduzida, à disposição dos educadores, de
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maneira tal, que seja possível aos interessados no assunto terem conhecimento global da obra de Maria Montessori, e possam compenetrar-se da sua realidade integral, tendo assim, melhores condições de adoçáo do método, sem des figurá-lo. B9te livro deve ser lido por todos os que são educa dores ou tenham responsabilidade de educar, e cada idéia nele exposta deverá ser alvo de meditação profunda. É um livro que deve ser lido e relido muitas vezes. Ele nos sur preende sempre a cada leitura, pela sua atualidade-profun didade. Ê daqueles livros capitulados como “livro de cabe ceira do educador” , Para meditação antecipada do leitor, transcreveremos a seguir um pequeno trecho do livro, inserido no capítulo: “A Questão Social da Criança”. — A história das injustiças contra a criança não está ainda escrita oficialmente e, por isso, não é aprendida nas disciplinas históricas das escolas, em nenhum grau. Os próprios estudantes de história, que têm “títulos” e “espe cializações” nessa matéria, não estão mais interessados em falar. A história refere-se somente ao homem adulto, pois pomente ele vive diante da consciência. Dessa forma, os que se especializam na legislação aprendem infinidades de leis dos tempos passados e dos tempos presentes, não se importando de não encontrarem leis promulgadas para os direitos das crianças. Assim, a civilização passa por cima de uma questão que nunca foi um problema social No capítulo “O Estudo do Homem”, destacamos estes dois parágrafos iniciais que de pronto despertam o inte resse t,ara ° que há de vir a seguir: • u c'i(•ik'i11 romcrnKsc a estudar “o homem” con seguiria não só fornecer novas técnicas para a educação das crioncãs © dos jovens, mas chegaria a uma compreen são profunda de muitos fenômenos humanos e sociais, que estão envolvidos em espantosa obscuridade” . “A base da reforma educativa e social, necess.íria aos í i i •i iliu-:. bttHlmn as armas habituais da ciência, isto é, a obseriftÇie e a experimentação. E*l© estudo do homem espiritual, da psicologia, é um movimento intelectual que está se difundindo desde os pri meiros unos deste século. O que diz resepeito ao subconsciente fo8sa votar nas eleições. Mos o voto não é uma ironia? Escolher quem governa! Quim governa não pode libertar nenhuma das cadeias que ligam tudo, que impedem cada atividade, cada iniciativa e todo poder de proteção. O proprietário é misterioso. O tirano é onipotente como um deus. É o ambiente que devora e tritura o homem. Outro dia, um jovem padeiro que trabalhava numa gran de máquina de fazer pão, prendeu uma das mãos entre as engrenagens e estas agarraram depois todo o seu corpo e o mastigaram. Não é por ventura isto um símbolo das condi ções nas quais permanece esta humanidade inconsciente e ví tima de seu destino? O ambiente é comparável àquela má quina colossal, capaz de produzir fabulosa quantidade de ali mento e o operário abatido representa a humanidade deses perada e imprudente, que permanece presa e magoada por aquilo que deveria trazer-lhe abundância. Eis um aspecto do desequilíbrio entre o homem e o ambiente, do qual a hu manidade deve livrar-se, fortalecendo a si própria, desenvol vendo seus próprios valores, livrando-se de sua insensatez e tornando-se consciente de seu próprio poder. É necessário que o homem reúna todos os seus valores vitais, suas energias, crescendo e preparando-se para sua liber tação. Não é mais tempo de combater uns aos outros, de pro curar subjugar, deve-se ver o homem somente com o objeti vo de elevá-lo, de despi-lo das íeis inúteis que é&tão sendo criadas e que o empurram através do abismp da loucura. A força inimiga está na impotência do homem a respeito de seus próprios produtos, está na parada do desenvolvimen to da humanidade. Bastaria, para vencê-la, que o homem rea gisse e fizesse uma preparação diferente do ambiente que ele mesmo criou. O OBJETIVO DA NOVA EDUCAÇÃO Pode parecer que estamos nos afastando do primitivo argumento que era a educação, mas este divagar deve abrir novos caminhos que são necessários percorrer; Como se ajuda um doente no hospital, a fim de que pos sa recobrar a saúde r. continuar a viver, queremos ajudar a
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humanidade e salvar-se. Devemos ser os enfermeiros neste vasto hospital que é o mundo. É necessário levar-se em conta que o problema não se restringe à escola, como são concebidas hoje, e não diz res peito a métodos de educação, mais ou menos práticos, mais ou menos filosóficos. Ou a educação contribui para um movimento de liber tação universal, indicando o modo de defender e elevar a hu manidade, ou torna-se-á semelhante a um órgão que se atro fiou por não ter sido usado durante a evolução do organismo. Existe em nossos dias, como dissemos, um movimento científico todo novo, que se apresenta com resultados desli gados tendentes a uníficarem-se no futuro. Este movimento, entretanto, não se encontra propria mente no campo da educação, mas sim no da psicologia. Tam bém na psicologia não encontramos uma preocupação peda gógica (conhecer o homem para educá-lo), mas sim, a preo cupação que vem de encontro aos sofrimentos e às anormaliriH dos homens, principalmente dos adultos. A nova psicolo gia por isso nasceu no campo da medicina e não no da edurnçlo, Esta psicologia da humanidade doente foi levada tam bém às crianças agitadas e infelizes, com energias vitais re|H(íiiíiImh o recolhidas na anormalidade. Daste modo, este é o movimento científico que está naspara colocar uma barreira aos males espalhados, ajuffaíidm 0« ulmos confusas e desorientadas. É este movimento que precisa sor ligado à educação. Creiam-me os tentativas da assim dita educação moder na, f|u# procuram simplesmente livrar as crianças das supost i i ffpliSióe», não são o melhor caminho. Dei«ar o aluno fazer aquilo que quer, diverti-lo com leçgã m upaçftas. levá-lo quase a um estado de natureza selva gem nio é o suficiente. Não se trata de “liberar” algumas Ifls, í preeilg rtwvn&trüir e a reconstrução requer a elaboraeI h f|@ ume "elêndfl fio espírito humano” . É um trabalho pagffeliti, um Mahallio feito de pesquisas, para o qual devem fggtHhuii ffiilhaiãs tia |>r*fiuoos que se dedicam a esse intento. A.j.mU qn. trabalha paru essa reconstrução deve estar iSlEfêlidy p®f Uftí ideal grandioso, bem maior do que os ideais pdilffeMi fpiè têm promovido melhoramentos sociais, levando Bi#? a vida material de grupos humanos opri^-Lí—; injustiça # na miséria.
Esse ideal é universal, é a libertação de toda a huma nidade, sendo necessário muito trabalho paciente neste cami nho de libertação e de valorização do homem. Observamos no campo das outras ciências quantos tra balham fechados em seus laboratórios, observando as células em microscópios e descobrindo as maravilhas da vida; quan tos em gabinetes químicos experimentam realizações, desco brindo os segredos da matéria; quantos trabalham para isolar a energia cósmica* a fim de conquistá-la e utilizá-la! São estes inúmeros trabalhadores, pacientes e sinceros, que têm impul sionado a civilização. Alguma coisa semelhante, como já havíamos dito, é pre ciso, portanto, também fazer para o homem. Mas, o ideal, o fim a que se propõe deve ser comum a todos. Ele deve al cançar aquilo que os livros religiosos dizem a respeito do ho mem: “Specie tua et pulchritudine tua intende, prospere pro cede e regna”1, o que podemos parafrasear dizendo: “Com preenda a ti mesmo e a tua beleza refletir-se-á no ambiente rico e pleno de milagres e reina sobre ele”. Poderão me dizer: “Sim, isto é belo e fascinante, mas cs crianças crescem, os jovens tornam-se homens e não se po de esperar uma elaboração científica, porque nesse ínterim a humanidade será destruída”. Eu responderei: “Não é necessário que o trabalho de pes quisa seja concluído. Basta compreender a idéia e proceder sobre as suas indicações”. Entretanto, uma coisa atualmente já se tornou clara; a pedagogia! não deve ser guiada, como no passado, pelas idéias de alguns filósofos e filantropos que estavam impelidos por sua simpatia, por sua caridade. A pedagogia deve ressurgir ajudada pela psicologia aplicada à educção, à qual convém dar rapidamente um nome diferente: Psicopedagogia. Nesse campo, deverão surgir muitas descobertas. É in dubitável que, se o homem permanece ainda desconhecido e reprimindo, a sua liberação vital deve causar assombrosas re velações. É sobre estas revelações que a educação deverá continuar, assim como a medicina comum se baseia na “vis medicatri natural” sobre forças curativas que já se encontram na natureza e a higiene se baseia em conhecimentos de fi siologia, isto é, nas funções naturais do corpo. Ajudar a Vida, eis o princípio fundamental.
* — Toma consciência da tua beleza e da tua formosura e então prosperás e reinarás. (N.T.)
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Na hora em que puderem ser reveladas as vias naturais sobre as quais procede o crescimento psíquico do indivíduo, não estará a criança colocada em condições de revelar-se a si mesma? Eis então que o nosso primeiro mestre será a pró pria criança, ou melhor, o ímpeto vital com leis cósmicas que conduzem inconscientemente, não isto que chamamos a “vontade da criança” , mas o misterioso querer que dirige a sua formação. Posso afirmar que as revelações da criança «ão são difí ceis de se obter. A verdadeira dificuldade reside nos antigos preconceitos dos adultos com relação à criança, nas cegas in compreensões e nos mimos, que são formas de educação ar bitrárias, baseadas somente no raciocínio e ainda mais sobre o inconsciente egoísmo do homem, e no seu orgulho de do minador, chegando a esconder os valores da sábia natureza. A nossa contribuição, por enquanto pequena e ainda in completa, insignificante no campo científico da psicologia, iervirá, porém, para ilustrar este enorme obstáculo de pre conceitos que podem apagar e destruir as contribuições da nossa isolada experiência. Se tivéssemos êxito em somente provar a existência des ití preconceitos, já teríamos obtidos um benefício de impor tância geral.
/ REVELAÇÕ ES DE ORDEM N A T U R A L NAS CRIAN ÇAS E SEUS OBSTÁCULOS Revelações e obsfáculos . . . . b'()COfdamo-nos bem de como foi iniciado nosso estudo. Cerca de 40 anos atrás, um grupo de crianças revelou ym fenômeno inesperado e maravilhoso. l!«t© fenômeno foi chamado “a explosão da escrita”. AlgMiüâs nimiruí começaram espontaneamente a escrever e is§i» m propagou logo a um grande número delas. Foi uma ver dadeira explosão em conjunto de atividades e entusiasmo. Aqueles pequenino* carregavam como uma espécie de procisãêti triunfei Uto, o prazer de aprender as classificações complicad#§ das plantas e dos animais: classificações que são muitas incei 1as e embaraçosas para a memória, e que o órgão nfit hit glíolíu do programa escolar acreditando ser um esforço
i&Âtil () tiHmrfüin pelas “classificações” revelou-se através de af« ifiatÊi iai móvel feito com símbolos; era evidente o prazer dfe fifül uini ordem mental entre as imagens colocando cada lifiliU lii tdãdfi em seu lugar. Não era por certo uni exercício p | Sliínuriiaçif', ma» sim de construção, como o que fazia ygta erínüçá pequena com a areia molhada. As muitas idéias y § H ftofttii podei iam sor reunidos em fascinantes construções; 39
assim como com o material de matemática pode-se ordenar e construir o sistema decimal, reunindo as unidades em hierar quias sucessivas tão claras, que a aritmética se apresenta como uma conseqüência da ordem das unidades. Assim, desta ma neira acontece com os fatos históricos que são classificados ao lado de datas e posição geográfica, construindo na mente um sistema de fatos culturais no tempo e no espaço. A natpreza criativa também assim procede. Na constru ção da linguagem (língua materna) na criança, esta é, primitivamente, construída pelos sons das palavras e pela gramáti ca, isto é, pela ordem na qual a palavra deve estar para ex primir o pensamento. Esta é a primeira construção fundamen tal que se completa, pouco depois dos dois anos de idade, com uma quantidade relativamente escassa de palavras. Depois a linguagem se enriquece espontaneamente com novas palavras, que encontram uma ordem já estabelecidas para atender a tudo. O processo adotado, na nossa experiência, sobre cnança até os nove anos de idade pode estender-se a idades mais avançadas, podendo-se afirmar que: em todos os graus esco lares é necessário não impedir a atividade individual, que, des-, ta forma, obedece a um “procedimento natural de desenvol vimento psíquico”. É verdade que o professor, à medida que a cultura se eleva, tem um ofíciò sempre mais importante, que consiste em “estimular o interesse” comumente compreendido no ensino, porque as crianças, quando se interessam por um argumento, tendem a permanecer longo tempo, a estudá-lo ou a prová-lo até que atinjam uma espécie de “maturação” atra vés da própria experiência. Depois disso, tal aquisição está não só garantida, mas tende a estender-se sempre mais largamente. Agora, o pobre professor se encontra obrigado a andar além dos limites a que se havia proposto para os seus ensinamentos. A sua dificulda de então não está em ter êxito em “ensinar”, mas no saber responder à exigência inesperada da parte de seus alunos, e no dever de ensinar a cada um coisas a que não se havia pro posto. A instrução tende a estender-se por força própria. Mui tas vezes, após um longo repouso, uma suspensão de trabalho, ou imediatamente após o período de férias, os alunos não con servam a memória das coisas aprendidas, mas freqüentemente a cultura se enriquece como por força mágica. Após as férias, são revelados os poderes de absorver o ambiente mais facil mente do que antes. 40
O procedimento da atividade espontânea consiste algu mas vezes em um trabalho voluntariamente intensificado e complicado, que absorve todas as energias mentais por horas inteiras e até por vários dias consecutivos. Recordo de um me nino que queria desenhar um rio, o Reno, tendo em conta to dos os afluentes, e para isso deveria buscar os tratados de geo grafia em livros não escolares; para seu desenho ele utilizou uma daquelas cartas milimetradas que são usadas pelos enge nheiros em seus desenhos, usando compassos e vários instru mentos reunidos com grande paciência no seu intento, Certamente, ninguém teria mais presteza em tal trabalho. De outra vez vi um jovem que se propôs a executar uma multiplicação gigantesca de um número de trinta algarismos por outro de vinte e cinco. Os produtos se acumulavam tanto qu© o jovem surpreso teve que recorrer ao auxílio de dois com panheiros que se ocuparam em colar folhas para conter a opeí ação monstruosa no seu enorme desenvolvimento. Depois de iliiii dias consecutivos de trabalho a multiplicação ainda não I»avia sido terminada, só terminando no terceiro dia, e os jovatm ©m vez de aborrecidos, pareciam orgulhosos e sastifeitos du giande trabalho cumprido. Recordo-me ainda, de quatro ou cinco crianças que se P? opuseram a executar, em conjunto, a multiplicação algébrica de {odo o alfabeto por ele mesmo: de fazer o “quadrado do glfãbêtü", Também desta vez a operação requeria o trabalho o.uíni wd d© colar sucessivas tiras de papel as quais atingiram iiiti n uBMimento de cerca de 10 metros. ©a iã*mi coisa. A criança — diz-se — não I lÜ&fflffltOS « é, pois, incapaz de servir a si mesf sdnhsi sfe êj-i^au a fazer tudo por ela, sem pensar que jirvU por si «ó, Grande peso esta criança sob
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nossos cuidados e nossa responsabilidade. O adulto diante dela está seguro de que deve “criar” nela um homem, e que a in teligência, a atividade socialmente útil, o caráter deste homem que chegou em sua casa será portanto obra sua. Nasce então o orgulho juntamente com a ansiosa respon sabilidade. Essa criança deve um infinito respeito e gratidão aos seus criadores, aos seus salvadores, e se, ao invés disso, se demonstrar um rebelde, é julgada e deve ser corrigida, sub metida até à violência, se necessário. Essa criança para ser perfeita, deve ser absolutamente passiva, isto é, deve obedi ência rigorosa. Ela é um perfeito parasita de seus pais, a fim de que os pais assumam todo o peso econômico de sua vida, ela deve depender absolutamente deles. Ê o filho! Ainda que já tenha se tornado um homem, fazendo a barba todas as manhãs para ir à Universidade, continua contudo dependen do do seu pai e de seus professores como quando era criança. Fará o que o pai quiser e estudará como querem seus mestres. Permanecerá um extra-social mesmo quando formado, tendo talvez 26 anos. Não poderá escolher um estado matrimonial, sem o con sentimento do pai, até a maioridade que é estabelecida não por seus desejos e sentimentos, mas por uma lei social feita pelos adultos e igual para todos. Ele então deve obedecer até para morrer, quando a so ciedade lhe diz: “Parasita, prepara-te para matar ou ser mor to!” e se não fizer isto, isto é, o serviço militar, não encontra rá um lugar na sociedade; será um delinqüente. Tudo isso desliza no mundo como as águas calmas de um regato sobre os prados. Esta é a preparação do homem. E a m ulher.. . é ainda mais dependente e condenada na vida. As normas deste modo de viver são as bases da socieda de. Ninguém pode ser chamado bom se não segui-las. Dessa forma, desde o nascimento até que todas as regras ditadas pelos adultos sejam executadas, a criança e o homem dependente, isto é, os jovens, não são considerados como um homem pela sociedade. Ao jovem estudante então se diz: ““Pense em estudar, não te ocupes de política, nem de idéias diferentes daquelas que te foram impostas; tu não tens direi tos civis”. O mundo social abre-se somente depois desta espécie dn preparação ditadorial. 46
É necessário reconhecer que durante a história da civi lização houve uma evolução. Enquanto no direito romano o pai podia matar o filho pelo direito que a natureza lhe dava de havê-lo criado, e as crianças fracas e disformes podiam ser mortas, jogadas no fundo de um penhasco (o penhasco Tarpea), que tinha essa função depurativa da raça, o Cristianis mo coloca além do filho, a criança deformada sobre uma lei que faz com que respeite sua vida. Mas isso não é tudo. Não ■ e pode matar materialmente a criança. Pouco a pouco a ciência, sob forma de higiene, chega até à “proteger” a vida da criança das doenças e das crueldades evidentes, mas acautela-se em ditar as condições sociais ne cessárias para proteger a vida de todas as crianças. A personalidade infantil permanece sepultada sob os preconceitos da ordem e da justiça. O adulto que está sempre interessado em defender seus próprios direitos, tem entretanto esquecido a criança e nem ao menos se aper.eirfnj disto. Sobre este plano a vida tem continuado a deseuvolver-se e complicar-se até o nosso século. Derivam do conjunto de tais conceitos os preconceitos pa» limiares, que são impostos com louváveis objetivos de pMjteyão e de respeito pela infância. Por exemplo, a criança pequena não pode ser admitida em nenhuma forma de trabalho, mas deve ser abandonada g uma vida de inércia intelectual, podendo somente brincar de Um esrto modo estabelecido. Per iiso, se for descoberto, um dia, que a criança é iifti giãiiijfi trabalhador, que pode aplicar-se verdadeiramente g rum mncentração, que pode instruir-se, que tem uma disgÉ&jggj em rí própria, isto parecerá uma fábula que não ££3ii?ãtê rui praia mas sim aparecerá como um absurdo. A» alíMiçoe» não se fixam nesta realidade, por isso, não #f=§ytle ttn lu/er refletir que pode haver um erro por parte eis âduítu O fato é simplesmente impossível, inexistente ou, nio seria. iHm. a maior dificuldade de libertar a criança e ilumiust teus {.«HÍmrn não está em encontrar uma educação realimas sim em vencer os preconceitos que o adulto Ésgftfyhi fHUti ei«, Por isso, diziam que se devia reconhecer, fpU^«F s i oiiifKiluf s6 os preconceitos relativos à criança, jíf y temt pui outros preconceitos que o adulto construiu §us vida. pit# luta contra o* preconceitos é uma questão social = I 4 ffisuvH. u'*§ dava acompanhar a renovação de sua edu 47
cação. É necessário preparar um caminho positivo e deli mitado para este objetivo. Se temos em vista diretamente e somente os preconceitos relativos à criança, então uma reforma do adulto andará par e passo, porque derrubará um obstáculo que está nele. Esta reforma do adulto tem uma importância enorme para toda a sociedade: representa o despertar de uma parte da consciência humana que está descoberta pelos impedimentos estratificados, e sem isso todas as outras questões sociais tornam-se também obscuras, e seus problemas insolúveis A consciência fica ofuscada não em alguns adultos, mas em todos os adultos, porque todos têm crianças e estando ao lado delas com a cons ciência ofuscada, agem inconscientemente; não usam aqui a reflexão, a inteligência, que em outros campos os con duzem a um progresso. Existe verdadeiramente um ponto cego, como o do fundo da retina. A criança, esta desco nhecida, esté projeto de homem, incompreendida, julgada algumas vezes como um acidente matrimonial que abre um caminho de sacrifícios e de deveres, não desperta em si maravilhas e admiração. Deixe que descreva um complexo psicológico: suponha que ao natural, a criança possa aparecer como um milagre divino, como os homens vêem a figura de Jesus Menino, figura inspiradora de artistas e poetas, esperança de reden ção para a humanidade inteira, figura augusta a cujos pés os reis do Oriente e do Ocidente depositaram devotada mente suas dádivas. Esta criança, Jesus, é todavia, tam bém no culto, uma verdadeira criança, um recém-nascido inconsciente. Ora, para quase a totalidade dos pais, senti mentos grandiosos desabrocham com o nascimento de seus filhos, que vêm idealizados pela força do amor! Mas depois, esta criança cresce, começa a trazer aborrecimentos. Quase com remorso procuram então defender-se dela, ficando con tentes quando dorme e procuram fazê-la dormir o máximo possível. Se possível, colocam-na em mãos estranhas ou entregam-na a uma enfermeira para que ela a mantenha longe o maior tempo possível. E se a criança, este ser des conhecido e incompreensível, que age por impulsos inconicientes, não se submete, castigam-na, combatem-na, e ela, sendo frágil, sem nenhuma arma de defesa em sua inteli gência e força, deve a tudo suportar, Há então um con flito na alma do adulto que a ama, em princípio talvBi não sem pena, não sem remorso. Mas depois o mecani»* 48
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mo psíquico entre o consciente e o subconsciente encon tra no homem uma acomodação; advém, como diz Freud, uma fuga: o subconsciente prevalece, isto é, sugere: Isto que quero fazer é para defender a criança, é um dever que a completa; é um bem necessário, e peto contrário deve corajosamente agir, porque assim vou Ueducar, e tra balhar para construir sua bondade'*. E tendo este alívio, eis que os sentimentos naturais de admiração e de amor são sepultados. Isto se verifica em todos, porque o fenômeno está na humanidade. Desta forma realiza-se uma espécie de “orga nização inconsciente de defesa” entre todos os pais do mundo. Uns apóiam-se nos outros e a sociedade inteira forma um subconsciente coletivo, onde todos agem de acordo, afastando e deprimindo a criança, agindo para seu bem, cumprindo para com ela um dever mesmo que seja um sacrifício. E fica sacrificado de tal modo aquela espécie de remorso, que no conflito permanece sepultado definiti vamente entre a solidariedade, ou seja, o fato estabelecido toma a força de uma sugestão e dá aparência de um sofisma indiscutível, sobre o qual todos estão de acordo, e os futu ros pais são por sua vez sugestionados e preparados para ns deveres e sacrifícios que devem cumprir para o bem futuro da criança. Estas pessoas sugestionadas preparam a consriência para uma tal acomodação, que a criança é sepultada no subcons ciente. Como acontece a todos os sugestionados, também para estes tudo o que existe foi estabelecido através da sugestão, e este estado de coisa se perpetua de geração em geração. Por séculos e séculos a criança seputtada não po derá revelar mais nada de sua outra natureza. Façamos uma espécie de fórmula, de sisrla para indi car este fenômeno. O bem é em verdade um mal masca rado, um mal organizado que te mlevado uma resolução subconsciente a graves conflitos. Ninguém auer o mal. todos querem o bem, mas aquele bem é um mal. Todos o tem preso por força de uma sugestão que advém do ambiente rnornlmente uniforme. Existe, portanto, na sociedade uma Organização do Mal que toma a forma do Bem, e que é imposta pelo ambiente à Humanidade inteira por Sugestão. Ko fizermos uma s i g l a destas maiúsculas formaremos OMBIHS. 49
OM BIH S O OM BIH S social domina a criança. Todos sentem o OM BIHS ao invés de ver a sublime criança, o pequenino irmão do Menino Jesus. E os sentimentos ombihsanistas cobrem fatalmente toda a vida da criança, enquanto um ideal luminoso que dela emana permanece só como um símbolo sobre os altares das religiões. Quando os homens adultos chegarem por si mesmos à conclusão de que todos são filhos de Deus e que Cristo vive em cada um de nós, sendo seu modelo necessariamente imitado, ao ponto de uma identificação com ele dizendo: Não sou mais eu quem vive, é o Cristo que vive em mim farão excessões às crianças. Jesus Menino é separado do pobre recém-nascido que está sepultado pelo OMBIHS. Nele, todos veem somente o pecado original que é neces sário combater. Essa pequena história, baseada nos segredos psicológi cos da natureza humana, ilustra o fato primordial de uma crescente e total opressão à criança. Sobre ela, ainda que isolada na família, agrava-se o preconceito da sociedade inteira organizada pelos adultos. E durante a evolução e os movimentos sociais para o direito do homem a criança será esquecida. A história das injustiças contra ela não está ainda escrita oficialmente e por isso não é aprendida nas disci plinas históricas das escolas em nenhum grau. Os próprios estudantes de História, que têm títulos e especializações nesta matéria, não estão mais interessados em falar nisso. A história refere-se somente ao homem adulto, pois so mente ele vive diante da consciência. Desta forma os que se especializam na legislação aprendem infinidades de leis dos tempos passados e dos tempos presentes, não se impor tando de não encontrarem leis promulgadas para os direitos das crianças. Assim, a civilização passa por cima de uma questão que nunca foi um problema social. Todavia, a criança é levada em conta quando pode tornar-se útil aos interesses do adulto. Mas, até mesmo neste caso, continua a ser o homem cujo destino cai no ponto cego da consciência. Tomemos um exemplo mais evi dente: No tempo da revolução francesa proclamou-se pela primeira vez os direitos do homem e através disto todos os homens adquiriram o direito de serem instruídos, de saber ler e escrever, roubando assim um privilégio acessí 50
vel à mais alta sociedade e tornando-se um fato universal. Toria sido lógico que todos os adultos se fizessem preimites a este novo trabalho, pois aquele era um direito que não se baseava unicamente na rutura violenta de pri vilégios, mas exigia um esforço de aperfeiçoamento. Penfõu-10, ao contrário, unicamente na criança e sobre ela ex*luaivamente se concentrou o esforço para tal conquista. Eis aqui, pela primeira vez na história do mundo, a licitados para o serviço na escola, como em tempo de guerra Hiõbiliza-se a juventude masculina para o serviço militar. Todos conhecem a lamentável história! A criança foi •'lipnada em vida, pois durante toda a infância ficou apriFechada em celas nuas, sentada em bancos de inárlgira, sob o domínio do tirano que lhe impunha até como ele queria, aprender o que ele queria e fazer •jhfí nlp queria. A mão delicada da criança devia escrever, ; sua mente criadora devia fixar-se nas áridas formas do ifnt mi o que não revelavam nenhuma das vantagens que ^ deln. As vantagens as encontrara o adulto. Uuanhil histórias de martírio são registradas! As crian■ torturadas, seus dedinhos presos às canetas foram • rum vara e forçados a um exercício cruel. São muitos s =ním#nt08 daqueles prisioneiros que tiveram até a espifItifiid torcida pela condenação de permanecer sentado - >-H um banco de madeira dia após dia, ano após ano, ; *• 1« i1p 1í«adíssima idade de crescimento. Na aglomeraft* promiscuidade das doenças, sofrendo frio, assim viveu naquele campo de concentração. Isso durou até d?« du século passado. A vantagem era um direito do --Hi. oiti da criança, mas a ninguém pode ela ser grata, I HÍftfUim procurou ajudá-la em suas penas. Contudo r f niigMlem Ainda nos pais aqueles sentimentos naturais de ; meúttf r» amor materno e paterno pelo nascimento do ; É i os ífisf inlo» de proteção aos pequeninos, comum até - «ítji Animais. * o#tui ts explica isso, senão como um fenômeno mis= dn fõnii iiiicia, ou melhor, o que mais que isto pode r o iiMMIíf:; e os preconceitos dirigidos à criança? à fifíssu féfiulõ, procurou-se seriamente atenuar esses SHéfPUrlo transformar a educação, construindo p i * AÍs iBdlsâ, inAi* bonitas e modernas, mas isso en| i p td u h figura da criança incompreendida e vista
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III — AS NEBULOSAS O HOMEM E OS ANIMAIS A criança recém-nascida mostra-se diferente do ponto de vista da hereditariedade dos recém-nascidos dos outros mamíferos, somente quando a consideramos logicamente. De fato, os filhotes dos mamíferos herdam, da mesma forma que todos os outros animais, comportamento especial que é fixo como são fixos os caracteres morfológicos do corpo. O corpo está exatamente adaptado às funções que exercerá na vida: funções que são fixas na espécie. Os hábi tos, o modo de mover~se, de saltar, de correr, de trepar, estão estabelecidos ao nascer e portanto a adaptação ao ambiente considera a possibilidade de exercitar aquelas fun ções características que têm o objetivo não só de manter a espécie mas de contribuir conjuntamente para o funciona mento de toda a natureza (objetivo cósmico). As natas que saltam, correm, trepam, cavam a terra, são construídas de modo a corresponder às necessidades de cada um. Também a ferocidade, a avidez de cadáveres e imundícies contribuem para a ordem cósmica na superfície da terra. Enfim, o corpo, na sua rigidez e na sua flexibilidade, é construído de modo a realizar o “objetivo cósmico” de cada uma das espécies. São poucas as espécies dotadas da possibilidade de ounlquer particularidade e limitadas variações de adaptação inatas, sendo estas as que podem ser domesticadas pelo homem. A maior parte dos animais conserva, ao contrário, uma rigidez absoluta nos caracteres hereditários e não podem eer domesticados. Entretanto, o homem tem um poder de adaptação ilimi tado no sentido de poder viver em todas as regiões geográ ficas. como também o poder de assumir inumeráveis hábitos e forma de trabalho. Assim, o homem é a única esoécle capaz de uma indefinida evolução em suas atividades [(oesia ou uma prece, então todas as palavras desta poesia ou desta prece podem ser construídas. Ê fantástico pensar que todo» os dias as páginas dos inumeráveis jornais, são todas com todo» o» dias as páginas dos inumeráveis jornais, são todas combinações do alfabeto, que as conversas que se escutam no
ambiente onde se vive, tudo aquilo que é transmitido pelo rádio, são representados por tão poucos objetos: as letras do alfabeto! Pode-se oem compreender como o homem iletrado sen te-se elevado espiritualmente por este pensamento que pode ser para ele uma revelação e uma inspiração! Mas não são estas idéias que fascinam as crianças e sim as ações das energias vitais. Os exercícios com o alfabeto lhes dão emoções exaltantes, pornue no período do desenvolvimen to da linguagem existem nelas uma chama viva que arde em cada obra da criação. Na nossa primeira escola as crianças carregavam freqüentemente, como se fossem bandeiras, algüns cartões que repro duziam as letras do alfabeto, mostrando-os com seus gritos de alegria e ímpetos de entusiasmo. Nos meus livros eu falo das crianças que passeavam sozinhas, como monges em meditação, analisando as palavras: ‘Tara escrever Sofia preciso d e s - o - f - i - a.” Uma vez um pai perguntou a seu filho que freqüentava nossa escola: “Você vai bem?” O filho respondeu enfa ticamente: “Bem?. . . B - E M - ” , pois aquilo que ele havia compreendido era uma palavra e logo a analisava em seus som componentes. Os exercícios com o alfabeto móvel movimentam inteira mente a linguagem e provocam uma atividade propriamente -intelectual. É necessário notar, todavia, que em todos esses exercícios a mão não escreve. A criança pode construir palavras longas e difíceis sem nunca haver escrito, sem nünca haver segurado uma caneta. O exercício de compor a palavra é somente uma prepa ração para escrever, mas, nesse exercício são unidos poten cialmente as duas coisas: o escrever, porque dos exercícios resultam objetivamente a palavra escrita e o ler, porque quan do se olha aauelas palavras escritas se lê. Por isso, esses con tínuos exercícios de construção tanto da palavra falada quanto da escrita, preparam não só para escrever, mas para escrever corretamente. As crianças geralmente escrevem errado quando estnn na escola. Esta séria dificuldade da escola comum (tanto quo na América existem hoje clínicas para correção de ortogra fia) é resolvida inteiramente com as construções feitas com 0 alfabeto móvel. Este exercício prepara para ler sem livro a para escrever sem escrever. 82
«■ Ê como eu defino: “a linguagem escrita liberta dos meca nismos." O escrever realmente, isto é, com a mão que traça com a pena as letras do alfabeto, é somente um mecanismo da edu cação sendo, portanto, separado do trabalho intelectual, pois se pode escrever com uma máquina ou com letras impressas. A mão é uma espécie de máquina vivente, cujos movimentos devem ser preparados de modo que ela possa servir à inteli gência e essa preparação se faz por meio de exercícios separa dos que estabelecem a coordenação motora necessária. A inteligência é o órgão executivo: é uma outra distin ção que exige na prática diferentes processos de preparação. Quando se começa, como se faz nas escolas comuns a «prender a escrever escrevendo, encontrar-se-á dificuldades que, se não forem insuperáveis, serão certamente inibidoras do trabalho mental. Seria como se o homem, inteligente, cheio de idéias, desejoso de falar, não tivesse ainda à sua disposi ção os mecanismos para a articulação da linguagem falada. Um processo idêntico é adotado para a linguagem do surdo-mudo provocando os movimentos articulados com o esforços de falar. O mesmo acontece quando se insiste em preparar a mão para escrever, fazendo-a escrever. Se um operário, cuja mão já esteja endurecida, deve começar a usar uma caneta cuja ponta é muita delicada, ou um lápis, ele deve empreender exercícios que lhe são difíceis, penosos e desencorajantes. A pena partida, a mancha de tinta, a ponta do lábis quebrada constituirão um grande tormento e seus resultados muito imperfeitos colocarão em prova heróica a sua vontade. 1 Para as crianças a caneta, na escola elementar, parece um instrumento de tortura e o escrever, um. trabalho forçado imposto por coerção e contínuos castigos. Para isto também a mão deve ter preparação, isto é, deve aprender a escrita antes de escrever, por meio de uma série de exercícios interessantes que são uma espécie de ginástica semelhante àquela usada para dar agilidade aos músculos do corpo. A mão é um órgão externo cujos movimentos podem ser influenciados diretamente pela educação porque esses são visí veis e simples, ao contrário do que acontece com o mecanismo dn palavra que requer segredo e imperceptíveis movimentos de orgáos escondidos, tais como a língua e as cordas vocais.
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Também para a mão que escreve são necessárias certas coordenações, mas estas, entretanto, podem ser analisadas com a demora na utilização do instrumento usado para escrever, o fluente movimento necessário para traçar com a pena o minu cioso desenhar das letras do alfabeto sustentando, ao mesmo tempo, a mão leve e firme. Da mesma forma que trabalhamos com as crianças da nossa escola, para os adultos podemos inventar trabalhos ma nuais que preparem suas mãos para a escrita. Movendo os objetos nos exercícios sensoriais, as crianças preparam a mão e todas as ações necessárias para o ato de escrever (ver: Método de Preparazione Indiretta delia Scrittura). Basta somente dar uma indicação exata de como utilizar os instrumentos da escrita. A exatidão no manejo dá à criança um novo interesse. Na época da primeira infância elas são impelidas pela nature za a coordenar os movimentos da mão, como se pode observar no instinto de tomar em tudo, de segurar tudo e de jogar quase todos os objetos. A mão da criança “na idade dos jogos” é levada pela própria vida a preparar-se indiretamente para a escrita. Nesta época a criança tem também paixão pelo desenho. A imensa vantagem de ter uma mão nova e aninfada por energias naturais não se encontra mais no adulto e nem na criança de seis anos, pois estas já passaram e período sen sitivo ( a idade do jogo, a idade de tocar) e por isso já se esta beleceram ao acaso os movimentos de suas mãos. No operário, a condição é ainda pior porque, aprendendo a escrever, deve destruir qualquer coisa que o hábito do tra balho já fixou em sua mão. Justamente por esta dificuldade é importante preparar a mão do adulto analfabeto com qualquer exercício manual e especialmente com o desenho, desenho este não livre, mas conduzido com precisão por qualquer meio que guie a mão e permita obter resultados visíveis de desenhos decorativos e bem feitos. Teríamos assim uma espécie de ginástica preparatória dos mecanismos da mão que se pode comparar, em sua fi nalidade, à outra preparação intelectual da escrita feita com alfabetário móvel. A mente e a mão vão sendo preparadas separadamente para a conquista da linguagem escrita, execu tando ações diferentes. 84
!ralt( agora o aio finòl, isto é, traçar efetivamente com a mio o« símbolos alfabéticos que os olhos já conhecem. ( métodos comuns que são usados nas escolas consistem fazer a criança copiar a letra já traçada e exposta como mofjpln. Isto parece lógico, mas é somente ingênuo porque os movlmontos da mão não têm nenhuma correspondência direta com os olhos. Ver não ajuda a mão a escrever. É somente a vontade que age quando se executa uma escrita copiando-a de um modelo. Não acontece como no caso da linguagem falada, onde o ouvido e os movimentos da articulação da palavra têm aquela misteriosa e íntima correspondência, que é uma das características distintivas da espécie humana. Por isso, copiar é um esforço artificial que conduz a uma série de tentativas imperfeitas, fatigantes e desencorajantes. A mão pode ser preparada diretamente para traçar os sinais alfabéticcs e se algum sentido pode ajudá-la, este será o senso tátil, o senso rr iscular, mas não a vista. Para isto pre paramos para nossas crianças letras gravadas em lixas, coladas sobre papel liso, que reproduzem em dimensões e forma as letras do alfabeto móvel e ensinamos nossos alunos a tocá-las exatamente, movendo o dedo sobre cada uma, no sentido da escrita. Este procedimento é muito simples e no entanto conduz a resultados maravilhosos, porque a criança, dessa maneira, poder-se-ia dizer, estampa a forma das letras na mão. Quando começa a escrever espontaneamente, sua caligrafia é perfeita e todas as crianças escrevem do mesmo modo, porque todas tocaram as mesmas letras. No caso de operários analfabetos, pode-se adotar o mesmo procedimento. Qualquer operário é capaz de tocar as, letras de lixa, guiado pelá sensibilidade tátil do dedo, podendo seguir assim todas as particularidades dos simples desenhos relativos ao alfabeto. Eu sei que há cerca de dois séculos um artista que tra balhava no Vaticano preparou desta forma a escrita caligráfica, para uso de adultos. Naqueles tempos ainda se escreviam a mão livros e pergaminhos, finas obras de arte. A caligrafia, isto é, a bela escrita, era uma necessidade de especialistas, mas tornava-se dificílimo executar as mínimas particularidades de uma escrita perfeita. Aquele artista pensou em fazer tocar os modelos, em vez de copiá-los e obteve a preparação de calígrafos com uma rapi 85
dez e exatidão que haveria de requerer de outra forma, um longo tirocínio, nem sempre seguido de sucesso. Ê simples como o ovo de Colombo, é prático e lógico. Então, quando tudo estiver pronto, a mente pode efe tivamente escrever e se a mente já se exercitou na construção das palavras pode “explodir” de repente, escrevendo logo pala vras inteiras ou frases, como um prodígio, como um novo dono da natureza. Assim aconteceu durante a famosa “explo são da escrita” nas crianças de quatro anos. Elas escreviam re produzindo a letra tocada e por isso escreviam bem, com uma ortografia correta, já conquistada pela inteligência indepen dentemente. A rapidez com que as crianças aprendem a escrever é espantosa. Nas minhas experiências elas receberam pela pri meira vez o alfabeto no mês de outubro e na época do Natal (25 de dezembro) escreviam cartas a seus pais. Antes disso já escreviam na lousa saudações aos visitantes. É bom por isso refletir que a mão daquelas crianças foi preparada indiretamente para escrever pelo longo manuseio do' material sensorial e que a língua italiana é quase perfeitamente fonética podendo-se escrevê-la inteiramente por meio de so mente vinte e um símbolos alfabçticos. Também nas línguas não fonéticas acontece o mesmo fenômeno, mas demora um pouco mais de tempo. Em todos os países de língua não fonética como a inglesa, a holandesa, a alemã, as crianças foram alfabetizadas também. Quanto à leitura, ela está, de certo modo, envolvida nos exercícios com o alfabetário. Em uma língua perfeitamentè fonética poderia desenvolver-se ainda sem outra ajuda, que não fosse um forte desejo de conhecer os segredos da escrita. * As nossas crianças, quando aos domingos passeavam com os pais, paravam constantemente diante das lojas conseguindo ler os nomes que estavam escritos, mesmo os qué eram escritos com letras de forma e maiúsculas, embora õ alfabeto por elas conhecido fosse cursivo. Elas faziam um verdadeiro trabalho de interpretação, semelhante àquele que se faz para interpretar as inscrições dos povos desaparecidos. Tal esforço podia nascer somente de um grande interesse em compreender aquilo que estava escrito. Certa vez, na nossa primeira escola, freqüentada por cri anças filhas de analfabetos e que por isso não tinham livroí
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em casa, um dos meninos trouxe um pedaço de papel amassa do e sujo, dizendo: “Adivinhem o que ó isto” — “Um pedaço de papel sujo.” — “Não, aqui há uma história”. As outras crianças se reuniram em volta dele, maravilhadas, e todas se convenceram da prodigiosa verdade. Depois disto eles pegavam os livros e arrancavam as fo lhas para levá-las para casa. Essa experiência mostra-nos que a aprendizagem da leitu ra depende mais da atividade mental que do ensinamento. Com a idade de cinco anos as crianças lêem livros in teiros e a leitura lhes dá satisfação e divertimento, do mesmo modo como os contos de fadas e as histórias com as quais os adultos procuram entretê-las. As crianças se interessam pelos livros quando sabem ler. Isto é tão óbvio que parece supérfluo dizer. Nas escolas comuns, a leitura começa diretamente do® livros, as crianças devem aprender a ler, “lendo”. Os primeiros livros de leitura são compostos baseados em velhos preconceitos que levam em consideração imaginárias dificuldades sucessivas de superar, começando com palavras curtas, para chegar às longas, de sílabas simples, às compostas e assim por diante, isto é, colocam obstáculos que devem ser superados a cada passo. Mas essas dificuldades não existem. As crianças encon tram na própria linguagem materna palavras cürtas e longas e sílabas de toda a espécie. Basta então somente fazer uma aná lise dos sons e encontrar para cada um os sinais .alfabéticos cor respondentes. Isso é assim, por mais que possa parecer uma coisa difícil de compreender para aqueles que ainda não conhe çam essa verdade! A leitura não deve ser usada para superar dificuldades como as acima descritas. Ela é o ingresso da linguagem escrita no campo da cultu ra. Não é como a escrita um meio de auto-expressão. Seu ob jetivo é colher e reconstruir através dos sinais alfabéticos, as palavras e as idéias expressas por outras pessoas que falam no •ilêncio. A leitura também necessita de uma preparação. Ainda que não seja possível descrever com particularida de os meios que usamos para essa preparação, quero novamenfr repetir que a leitura não começa nos livros. Nós a iniciamos Com uma série de materiais que começam com pequenos car io©« onde está escrito o nome de um objeto conhecido. A crian ça procura entender o sentido da palavra lida, colocando o 87
cartãozinho ao lado do objeto que nele está indicado. Num período sucessivo são escritas nos cartãozinhos frases curtas que indicam uma ação para ser executada. Indicar nomes ensina a distinguir uma parte da oração; indicar ações faz distinguir uma outra parte, isto é, nos verbos. Assim, as primeiras leituras podem ser preparadas de tal medo que se possa introduzir o estudo gramatical da lingua gem. A criança de dois anos não possui somente palavras, mas também as sucessivas combinações necessárias para exprimir o pensamento na linguagem materna. Porque não bastam as palavras para dar o sentido. É também necessária a ordem em que as colocamos para tornar claro o significado do que queremos expressar. Da mesma forma como a análise das palavras, nos seus 9ons componentes, durante o período da construção alfabética ajuda as crianças na realização consciente de sua própria lin guagem, também a leitura, baseada nas partes do discurso, facilita o conhecimento da construção gramatical, das funções de cada parte da oração e da ordem que cada uma deve ocu par para tornar claro o período. A gramática assume desse modo uma forma “construtiva” ajudada por uma análise, não sendo como se costuma fazer nos métodos comuns, uma espécie de anatomia que separa o discurso nas suas partes, para analisá-las. As pequenas leituras gramaticais são curtas, fáceis e cla ras e ao mesmo tempo interessantes, sobretudo, porque são também acompanhadas de atividades motoras, não só da mão, mas de todo o corpo. Estas ativas leituras gramaticais condu zem a um desenvolvimento das ações e dos jogos, que ajudam a explorar a linguagem, isto é, aquela maneira de exprimir-se que foi adquirida inconscientemente. Por isso: a exploração da linguagem que já se encontra construída é feita por meio de atraentes exercícios práticos, ligados com a leitura. Para que a leitura das frases se torne atraente elas são preparadas com escritas não somente grandes mas em vária« e vivas cores. Isto torna não só mais fácil a leitura, mas per mite distinguir com facilidade as diferentes partes da oração, É neste ponto, nesta época da vida, que a criança pode ser ajudada a corrigir os defeitos gramaticais de sua lingua gem, do mesmo modo que a construção alfabética ajuda a ortografia. 88
No procedimento desta experiência se apresentam fatos que são de difícil compreensão para aqueles que ainda não estejam trabalhando em nosso método. Por exemplo: o fato de não existir uma progressão sucessiva entre os exercícios, por serem feitos em conjunto e podendo ser repetidos muitas vezes àqueles que já tinham sido feitos. Os que seriam considerados mais difíceis nas escolas comuns podem anteceder outros exer cícios considerados mais fáceis, alterando-se uns aos outros, na mesma manhã. Pode acontecer que uma criança de cinco anos, que já sabe ler livros inteiros, volte a tomar parte en tusiasticamente nas leituras gramaticais, participando de jogos que já conhece. A leitura apresenta-se então diretarnente no plano da cultura, porque não se limita somente a fazer ler, mas pene tra no progresso do conhecimento: o estudo da própria língua. Durante esse brilhante procedimento são encontradas e supe radas todas as dificuldades gramaticais. Também aquelas pe quenas variações que as palavras devem suportar para adapta rem-se às particularidades de um discurso expressivo: os pre fixos, os sufixos, as flexões, tornam-se uma exploração interes sante. As conjugações dos verbos têm suscitado uma espécie de análise filosófica que faz compreender como o verbo numa oração é a voz que fala das ações, não é a indicação de ações efetivas que se estão concluindo e ergue diante da consciência as diversas latitudes do tempo. Os verbos irregulares (tão di fíceis de aprender) já existem na linguagem e é necessário somente descobrir que são irregulares. Ê completamente diferente de quando se estuda a gramá tica de uma língua estrangeira, onde todas as coisas devem «er aprendidas. Mas não se estuda porventura assim nas escolas comuns, ã gramática, a língua materna? A própria língua é estudada como se fosse uma língua ©etrangeira. Prescinde-se do trabalho divino e misterioso da criação, *! maior milagre da natureza. Ê fácil compreender que as leituras gramaticais, com sua simplicidade e clareza possam ser usadas também pelos adul tos analfabetos. Do outra forma eles, para aprender a ler, deve: iam esfgrçar Ne para compreender a escrita de um livro que não nenhuma atração na uniformidade monótona da estaml»s Isso requer a dificuldade de conhecer ao n :mo tempo 89
dois alfabetos diferentes: aquele com o qual se escreve e aque le com o qual se lê. A exploração gramatical da linguagem ajuda não só a leitura mas também consegue estimulantes satisfações pois, vai de encontro à linguagem que já se possui, enquanto ler os livros faz concentrar sobre pensamentos que vêm de fora. Praticamente, pois, para ensinar uma massa de homens analfabetos não seria fácil encontrar muitos professores que conhecessem bem a gramática, mas um material preparado pode assumir esta imperfeição de professores improvisados e a fadiga de ensinar para o próprio professor é aliviada. Numa recente experiência feita na Inglaterra depois da segunda grande guerra, uma professora escocesa disse: “Eu me sentia embaraçada, com as muitas coisas a fazer, mas o material supria a minha insuficiência, a classe estava se tor nando uma verdadeira feitoria gramatical com operários, to dos ocupados e alegre.” A cultura em si mesma não deve ser confundida, como disse no princípio, com aprender a ler e a escrever. A criança de cinco anos não é culta porque possui a lin guagem escrita, mas porque é inteligente e pode ter apreendido muitas coisas. De fato, as nossas crianças, aos seis anos, possuem já muitos conhecimentos sobre biologia, geografia, matemática, que são devidos diretamente ao uso de um material visível e manejável. Este, portanto, é um argumento diferente daquele que desejo tratar aqui. Propus-me a tratar somente da atuali dade que é a eliminação do analfabetismo nas massas. A cultura pode ser transmitida através da palavra, do rádio, e por meio de discos e projeções de filmes cinemato gráficos. Mas sobretudo deve-se deixar operar através de ati vidades, com a ajuda de materiais que permitam à criança adquirir a cultura por si mesma, impulsionada pela natureza de sua mente que obedece às leis de seu desenvolvimento. Isto demonstra que a cultura é absorvida pela criança através de experiências individuais, com as repetições de exercícios in teressantes, para os quais sempre contribui a atividade das mãos, órgãos que cooperam para o desenvolvimento da inteli gência.
INTRODUÇÃO CONTRADIÇÕES
I — AS REVELAÇÕES DE ORDEM N ATU R AL NAS CRIANÇAS E SEUS OBSTÁCULOS
II
III
— PRECONCEITOS SOBRE A CRIANÇA NA CIÊNCIA E NA EDUCAÇÃO — AS “NEBULOSAS” AN ALFABETISM O M UN DIAL
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