Fonetica e Fonologia

May 8, 2017 | Author: aurino azeved | Category: N/A
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Licenciatura Plena em Letras Espanhol

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa Lucirene da Silva Carvalho

UESPI 2010

UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL UESPI – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LICENCIATURA PLENA EM LETRAS ESPANHOL

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa Lucirene da Silva Carvalho

UESPI 2010

C331f

Carvalho, Lucirene da Silva. Fonética e fonologia da língua portuguesa / Lucirene da Silva Carvalho. – Teresina: UAB/UESPI, 2010. 135 p. (Licenciatura em Letras Espanhol)

ISBN: 978-85-61946-09-8

1. Língua Portuguesa – Fonética e Fonologia. 2.Fonética. 3.- Fonologia. I. Título.

CDD: 414

Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Vice-presidente da República José Alencar Gomes da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação à Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação à Distância CAPES/MEC Celso José da Costa Governador do Piauí Wilson Nunes Martins Secretária Estadual de Educação e Cultura do Piauí Maria Pereira da Silva Xavier Reitor da UESPI – Universidade Estadual do Piauí Prof. Carlos Alberto Pereira da Silva Vice-reitor da UESPI Prof. Nouga Cardoso Batista Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG Prof. Manoel Jesus Memória Coordenadora da UAB-UESPI Prof. Bárbara Olímpia Ramos de Melo Coordenador Adjunto da UAB-UESPI Prof. Marivaldo de Oliveira Mendes Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP Prof. Isânio Vasconcelos de Mesquita Pró-reitora de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX Prof. Francisca Lúcia de Lima Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD Prof. Acelino Vieira de Oliveira Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN Prof. Raimundo da Paz Sobrinho Coordenador do curso de Licenciatura Plena em Letras Espanhol – EAD Prof. Omar Mário Albornoz

Edição UAB - FNDE - CAPES UESPI/NEAD

Prof. M.sC. Raimundo Isídio de Sousa Profª. M.sC. Leonildes Pessoa Facundes

Diretora do NEAD Profª. Dra. Bárbara Olímpia Ramos de Melo

Diagramação Prof. Esp Roberto Denes Quaresma Rêgo Luiz Paulo de Araújo Freitas

Coordenador Adjunto Prof. M.sC. Raimundo Isídio de Sousa

Capa Luiz Paulo de Araújo Freitas

Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Letras – Espanhol Profª. Ms.C. Margareth Torres de Alencar Costa Coordenador de Tutoria Prof. Esp. Omar Mário Albornoz Coordenação de Produção de Material Didático Prof. Esp. Marivaldo de Oliveira Mendes Autora do Fascículo Profª. Dra. Lucirene da Silva Carvalho Revisão Profª. M.sC. Teresinha de Jesus Ferreira

UAB/UESPI/NEAD Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá), NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150, Telefones: (86) 3213-5471, 3213-7398 (ramal 294). http://ead.uespi.br E-mails: [email protected] [email protected]

MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS DISTRIBUIÇÃO GRATUITAAOS CURSISTAS UAB/UESPI

LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS Figura 01 Relação entre linguagem: língua e fala.......................................................17 Figura 02 Tela de abertura do programa Wave Surfer 1.5.3......................................25 Figura 03 Pregas vocais.................................................................................................28 Figura 04 Movimento da glote........................................................................................28 Figura 05 Órgãos envolvidos no processo de realização dos sons..........................30 Figura 06 Cavidade oral e cavidade nasal..................................................................33 Figura 07 Articuladores ativos e passivos....................................................................34 Figura 08 Ponto bilabial.................................................................................................42 Figura 09 Ponto labiodental..........................................................................................42 Figura 10 Ponto dental/alveolar....................................................................................43 Figura 11 Ponto palato-alveolar.....................................................................................43 Figura 12 Ponto palatal..................................................................................................44 Figura 13 Ponto velar......................................................................................................44 Figura 14 Ponto glotal.....................................................................................................44 Figura 15 Ponto de articulação...........................................................................................54 Figura 16 Alfabeto fonético internacional.........................................................................59 Figura 17 Posicionamento dos lábios..........................................................................77 Figura 18 Representação esquemática da área vocálica..........................................79 Figura 19 Representação da sílaba na corrente estruturalista...............................130 Figura 20 Representação da sílaba: o aclive e o ápice...........................................130 Figura 21 Representação da sílaba: o ápice e o declive.........................................130 Figura 22 Representação da sílaba: o ápice............................................................130 QUADROS Quadro 01 Diferenças entre Fonética e Fonologia.....................................................20 Quadro 02 Resumo das funções dos sistemas do aparelho fonador........................31

Quadro 03 Classificação dos sons consonantais quanto ao ponto de articulação........................................................................................................................45 Quadro 04 Classificação dos sons consonantais quanto ao modo de articulação........................................................................................................................48 Quadro 05 Símbolos Consonantais da Língua Portuguesa......................................49 Quadro 06 Variações do “r” e dos “rr” ortográficos....................................................50 Quadro 07 Transcrição fonológica e transcrição fonética..............................................63 Quadro 08 Alfabeto fonético do português.................................................................66 Quadro 09 Classificação das vogais............................................................................78 Quadro 10 Classificação das vogais tônica orais.....................................................85 Quadro 11 Vogais pretônicas orais.............................................................................86 Quadro 12 Vogais postônicas orais mediais.............................................................86 Quadro 13 Vogais postônicas orais............................................................................87 Quadro 14 Vogais tônicas reduzidas...........................................................................88 Quadro 15 Vogais postônicas orais mediais.............................................................88 Quadro 16 Vogais nasais do Português.....................................................................90 Quadro 17 Arquifonemas do Português....................................................................107 Quadro 18 Estrutura silábica......................................................................................127 DIAGRAMAS Diagrama 01 Comparação entre sons e fonemas....................................................102 Diagrama 02 Representação da sílaba no modelo autossegmental.........................131 Diagrama 03 Representação da palavra susto......................................................131 Diagrama 04 Representação silábica no modelo autossegmental........................132 Diagrama 05 Representação silábica do tipo CV com ataque e núcleos preenchidos...................................................................................................................132 Diagrama 06 Representação silábica de núcleo preenchido................................133

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...............................................................................................................11 UNIDADE 1 1FONÉTICA, FONOLOGIA E APARELHO FONADOR...............................................15 1.1 FONÉTICA E FONOLOGIA: UMA VISÃO SAUSSURIANA.....................................15 1.2 DIFERENÇA ENTRE FONÉTICA E FONOLOGIA...................................................16 1.2.1 Diferenças: fonética x fonológica.......................................................................19 1.2.2 Importância da fonética e da fonologia.............................................................20 1.2.2.1 Domínio da fonética..............................................................................................22 1.2.2.2 Domínio da fonologia............................................................................................24 1.3 APARELHO FONADOR..............................................................................................25 1.3.1 Constituição do aparelho fonador......................................................................25 1.3.2 Funcionamento do aparelho fonador...............................................................29 1.4 SÍNTESE DA UNIDADE.............................................................................................32 UNIDADE 2 2 CONSOANTES DO PORTUGUÊS..................................................................................39 2.1 CONSOANTES DO PORTUGUÊS............................................................................39 2.1.1 Lugar de articulação.............................................................................................40 2.1.2 Modo de articulação..............................................................................................44 2.2 VARIAÇÃO DE ALGUNS SONS CONSONANTAIS...............................................48 2.2.1 Variações do “r” e dos “rr” ortográficos...........................................................48 2.2.2 Variações do “s” ortográfico................................................................................49 2.2.3 Variação do “l” ortográfico em final de sílaba.................................................50 2.3 SINTESE DA UNIDADE ..............................................................................................51 UNIDADE 3 3 TRANSCRIÇÃO FONÉTICA.............................................................................................55 3.1 ALFABETO FONÉTICO INTERNACIONAL...............................................................55 3.1 OS DIACRÍTICOS.........................................................................................................58 3.2 TRANSCRIÇÃO FONÉTICA: UTILIDADES..............................................................59 3.3 TRANSCRIÇÃO FONOLÓGICA.................................................................................59 3.4 TRANSCRIÇÃO FONÉTICA E FONOLÓGICA........................................................59 3.4.1 Transcrição fonética do português...................................................................63 3.5 SÍNTESE DA UNIDADE..............................................................................................66 UNIDADE 4 4 VOGAIS E SEMIVOGAIS DO PORTUGUÊS................................................................74 4.1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................71 4.2 CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS DO PORTUGUÊS..............................................71 4.3 SEMIVOGAIS...............................................................................................................71

4.3.1 Classificação...........................................................................................................77 4.3.1 Análise de alguns aspectos das semivogais......................................................78 4.3.1.1 Antes e depois de vogal tônica............................................................................80 4.3.1.2 Antes ou depois de vogal átona...........................................................................80 4.3.1.3 Antes e depois de vogal tônica............................................................................80 4.3.1.4 Antes e depois de vogal átona.............................................................................80 4.4 VOGAIS ORAIS DO PORTUGUÊS...........................................................................81 4.4.1 Vogais tônicas orais...............................................................................................81 4.4.2 Vogais pretônicas orais.........................................................................................82 4.4.3 Vogais postônicas orais médias.........................................................................83 4.4.4 Vogais postônicas orais finais............................................................................84 4.4.5 Vogais nasais..........................................................................................................86 4.5 DITONGOS....................................................................................................................88 4.6 SÍNTESE DA UNIDADE..............................................................................................90 UNIDADE 5 5 FONOLOGIA: FONEMA, ALOFONE, ARQUIFONEMA...........................................97 5.1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................97 5.2 FONEMA.......................................................................................................................97 5.2.1 Identificação dos fonemas..................................................................................99 5.3 ALOFONE....................................................................................................................100 5.4 NEUTRALIZAÇÃO E ARQUIFONEMA....................................................................102 5.5 SÍNTESE DA UNIDADE...........................................................................................105 UNIDADE 6 6 PROCESSOS DE MUDANÇAS FONOLÓGICAS..................................................111 6.1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................111 6.2 PROCESSOS FONOLÓGICOS...............................................................................111 6.2.1 Acréscimos de traços..........................................................................................112 6.2.2 Perda de traço........................................................................................................112 6.2.3 Mudanças de traços............................................................................................113 6.3 SÍNTESE DA UNIDADE............................................................................................116 UNIDADE 7 ESTRUTURA SILÁBICA DO PORTUGUÊS..............................................................121 7.1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................121 7.2 DEFINIÇÃO DE SÍLABA................................................................................................121 7.3 ESTRUTURA DA SÍLABA.........................................................................................122 7.4 CLASSIFICAÇÃO DAS SÍLABAS...........................................................................123 7.5 ORGANIZAÇÃO INTERNA DA SÍLABA..................................................................123 7.6 ESTRUTURA E REPRESENTAÇÃO DA SÍLABA.................................................124 7.7 SÍNTESE DA UNIDADE.............................................................................................128 REFERÊNCIAS...............................................................................................................136

1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 UESPI/NEAD Letras Espanhol 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 APRESENTAÇÃO Caros acadêmicos de Letras, apresentamos a você mais uma disciplina: Fonética e Fonologia da Língua portuguesa, que integra a grade curricular do seu curso. Este fascículo faz parte do material de apoio pedagógico desenvolvido pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI, do Curso de Licenciatura Plena em Língua Espanhola, na modalidade Educação a Distância. Ele foi organizado e sistematizado em unidades. Damos especial atenção à primeira, segunda e quarta unidades, porque é nela que você verá as diferenças entre Fonética e Fonologia, aparelho fonador, consoantes e vogais do português. Com relação à Fonética, o estudo será dedicado à fonética articulatória aplicada ao português, que compreende a composição e funcionamento do aparelho fonador, características da articulação dos segmentos consonantais e vocálicos, variações dialetais e transcrição fonética. No tocante à Fonologia, você estudará o fonema – os segmentos consonantais e vocálicos. Aprenderá também que os fonemas sofrem variações e podem formar classes, como os arquifonemas. Além disso, fará transcrição fonológica e conhecerá, ainda, os processos de mudanças fonológicas e estrutura silábica. Com o objetivo de colaborar com a sua metodologia de estudo, sugerem-se alguns passos: observe os objetivos de cada unidade e faça as atividades propostas no final de cada uma delas, isso ajudará você a compreender e a assimilar o assunto melhor. Para alcançar sucesso nos estudos, empenhe-se, tanto nos trabalhos de grupo, quanto nas reflexões individuais; compartilhe ideias; atente para as referências bibliográficas e, se necessitar, recorra a elas para aprofundar os conteúdos. Finalmente, leia, reflita, analise criticamente cada ideia aqui apresentada. Suas dúvidas poderão ser colocadas junto ao seu tutor. Desejamos a você bons estudos. Profª Drª. Lucirene da Silva Carvalho 11

UESPI/NEAD Letras Espanhol

UNIDADE 1 FONÉTICA E FONOLOGIA E APARELHO FONADOR • Diferenças e características entre fonética e fonologia; • Funcionamento do aparelho fonador; • Importância do aparelho fonador; • Importância da disciplina fonética e fonologia para o futuro professor de língua materna.

OBJETIVOS • Caracterizar fonética e fonologia; • Compreender as diferenças entre fonética e fonologia; • Entender o funcionamento do aparelho fonador; • Reconhecer a importância da fonética e da fonologia para o processo ensino-aprendizagem do futuro professor.

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1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901

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1 FONÉTICA, FONOLOGIA E APARELHO FONADOR 1.1 FONÉTICA E FONOLOGIA: UMA VISÃO SAUSSURIANA A preocupação com o estudo da linguagem é antiga, contudo os estudos linguísticos só obtiveram um valor científico entre o final do século XIX para o início do século XX, que se deu com os estudos linguísticos de Ferdinand de Saussure. Através das análises linguísticas de Saussure – o pai da linguística – é que se pôde entender melhor a diferença entre fonética e fonologia. Segundo Saussure a linguagem humana compreende dois aspectos essenciais: a língua e a fala. Para ele, a língua é um conjunto de código comum produzido socialmente. Por essa razão, o falante não pode nem criá-lo, nem modificá-lo, cabe-lhe apenas registrar passivamente. Enquanto a fala é um “ato individual de vontade e inteligência” (CLG, 1977, p.22), realizada concretamente através da língua. Noutras palavras, isso quer dizer que a língua funciona como um arquivo de informações adquiridos ao longo da nossa vida em sociedade, que ficam guardados no cérebro, enquanto fala é a realização puramente física e psico-acústica de dados fornecidos pelo cérebro, como demonstra a figura 01. Para o linguista suíço, a língua e a fala são interdependentes, elas não se separam, funcionam de forma

Figura 01: Relação entre linguagem: língua e fala

interligada, visto que “[...] a língua é ao mesmo tempo o instrumento e o produto da fala”, portanto ambas constituem a linguagem humana (MORI, 2003, p. 147). Como você vê, a partir da dicotomia 15

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

saussuriana, pode-se depreender que a fonética relaciona-se à fala ao passo que a fonologia diz respeito à língua. Neste sentido, pode-se dizer também que os sons da fala são estudados pela fonética e os da língua pela fonologia. Assim, pode-se dizer que o conhecimento de língua(gem) já nasce com o ser humano, não haveria como aprendê-lo só através da observação das coisas. Se a linguagem fosse aprendida como em um jogo de repetição, só seríamos capazes de falar o que ouvíssemos. Do contrário não seríamos capazes de falar o que ouvimos, contudo – de fato – quando falamos uma língua demonstramos saber muito mais do que aquilo que ouvimos. 1.2 DIFERENÇA ENTRE FONÉTICA E FONOLOGIA Os estudos de fonética são tão antigos quanto os da gramática. Desde a antiguidade, existe o interesse em descrever a função de letras e dos sons, explicando o funcionamento do aparelho fonador e os mecanismos de produção da fala (MASSINICAGLIARI, CAGLIARI, 2003). Em 1928, é que a diferença entre fonética e fonologia foi consolidada e que se deu a partir de análises de três lingüistas russos: Jakobson, Trubetzkoy e Karcevsky. Eles entenderam que havia necessidade de estabelecer diferenças entre as duas áreas. Desse modo, a fonética passou a se preocupar do estudo dos sons da fala, enquanto que a fonologia se voltou para a análise dos sons da língua. (CALLOU E LEITE, 2001). Assim, pode-se dizer que a fonética estuda as características dos sons da fala, enquanto a fonologia estuda os sistemas de sons da língua. Ou ainda: a fonologia concentra-se nos sons capazes de distinguir significados como observado, por 16

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exemplo, em [g]ato / [p]ato, o que diferencia uma palavra da outra é a troca que ocorre entre os fonemas /g/ e /p/. Noutra perspectiva, a Fonética é a ciência que descreve os sons, o modo como eles são articulados. Já a Fonologia, é uma ciência explicativa, interpretativa. Estuda o funcionamento do som em uma dada língua, ou melhor, como os sons são utilizados no sistema de pronúncia de uma língua. As unidades básicas da Fonética são os fones, que são entendidos como o menor segmento discreto perceptível de som em uma corrente da fala. Na transcrição, são representados entre colchetes [b], [p]. Ao passo que as unidades básicas da Fonologia são os fonemas, denominadas as unidades mínimas do sistema de sons de uma língua, representados entre barras inclinadas /b/, /p/. Apesar de a Fonética e a Fonologia serem ciências distintas, há uma relação de interdependência entre elas, visto que o estudo fonológico de uma dada língua precisa considerar os aspectos fonéticos. Do mesmo modo, ao descrever a fonética de uma língua, o estudioso não pode desconsiderar aspectos do sistema fonológico. No quadro 01, a seguir, será apresentado um resumo das diferenças entre fonética e fonologia. Ressalte-se a importância de se mencionar, aqui, os traços distintivos. Em Fonologia, traços distintivos ou funcionais referemse a unidades mínimas contrastivas, que são aqueles que servem para distinguir entre si os elementos lexicais. Nesta perspectiva, o fonema pode ser realizado por vários traços de sons. Na concepção de Callou e Leite (2001), a presença ou ausência de certos traços opõe o fonema a todos os demais da língua. Eles constituem as unidades mínimas e indivisíveis. 17

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Quadro 01 – Diferenças entre Fonética e Fonologia

FONÉTICA

FONOLOGIA

Tem como tarefa investigar os sons da

Distingue significações por meio de

fala, do ponto de vista fisiológico, físico e

diferenças de sons.

psico-acústico. Descreve os órgãos que intervêm na

Descreve as combinações possíveis

produção dos sons (produção).

dos sons.

Mostra o caminho e os órgãos pelos

Inventaria os sons que têm

quais o som passa até a sua

funcionalidade, isto é, o sistema

exteriorização (processo de realização).

fonológico.

Investiga a propagação do som no espaço

Explica e interpreta o funcionamento do

falante-ouvinte (propagação).

som em uma dada língua.

As unidades básicas são os fones (menor As unidades básicas são os fonemas segmento discreto perceptível de som na

(unidades mínimas do sistema de sons de

cadeia da fala), devem vir sempre

uma língua), devem vir sempre representados

representados entre colchetes [p], [b].

entre barras inclinadas /p/, /b/.

Esses traços articulatórios ou acústicos servem para caracterizar um fonema em face de outro que tem com ele traços comuns. (CALLOU; LEITE, 2001). Segundo essas mesmas autoras, “é a partir desses traços que se organizam os sistemas fonológicos das línguas” (p. 38). Neste caso, uma diferença mínima entre duas unidades da língua constitui um traço distintivo, que no entendimento de Callou e Leite (2001, p.38) se estabelece quando “mediante um ou outro traço distintivo uma unidade linguística opõe-se a outros elementos”. Por exemplo, a consoante [b] em português funciona como sonora – e não surda – em relação ao [p], e como não nasal em relação ao [m]. As características comuns aos três segmentos fônicos é o traço articulação labial, os três são articulados nos lábios, e o que os diferencia é que [b] e [p] são orais, em oposição 18

a [m], que é nasal.

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1.2.1 Diferenças: fonética x fonológica Diz-se que há diferença fonética quando duas unidades mínimas distintas, colocadas no mesmo ponto do contexto, não produzem mudança de significado, isto é, “a diferença por elas provocada se restringe às propriedades físicas de cada unidade”, como assevera Paulino (1987). Um exemplo claro disso é verificado, quando comparamos os enunciados /mi ‘niânu/ e /mE‘niânu/. As duas unidades em questão são /i/ e /E/. Podemos observar que a permuta de /i/ por /E/, nesse contexto, não produz nova significação, embora fisicamente sejam distintas. Pode-se dizer, portanto, que entre esses dois enunciados há diferença fonética. De outro modo, diz-se que há diferença fonológica entre dois enunciados, “quando duas unidades mínimas distintas, situadas no mesmo ponto do contexto, produzirem significações diferentes”. (PAULINO, 1987, p. 19). Para exemplificar essa diferença, tomemos o exemplo de /‘bala/ e /‘mala/. As duas unidades mínimas distintas são /b/ e /m/ que estão no mesmo contexto: início de palavra, sílaba tônica, seguido por – ala. Observemos que, partindo-se do contexto /‘_ala/ se colocarmos /b/, teremos uma forma linguística com uma significação determinada, ou seja, bala = “projétil”; por outro lado, se trocarmos por /m/ teremos outra significação, que é a palavra mala = “espécie de caixa para transporte”. Como resultado disso, entre os enunciados / ‘bala/ e / ‘mala/ há uma diferença fonológica. A propósito, a título de esclarecimento, o diacrítico (‘ ) serve para indicar a sílaba tônica, e deve ser usado sempre antes da sílaba tônica, e não em cima da sílaba, com é feita com a transcrição 19

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

ortográfica. Por exemplo, observe a diferença de uso nas palavras para /‘pa\a / e Pará /pa ‘\a/. Veja que o que as diferencia é o acento tônico, na primeira palavra o acento recai na primeira sílaba, já na última, ele recai na segunda. 1.2.2 Importância da fonética e da fonologia A pergunta que você fará, caro aluno, é: por que devo estudar fonética e fonologia? A resposta é simples, o professor de língua quer de língua materna ou segunda língua precisa conhecer a língua que ensina e quando se trata de segunda língua, a exigência é ainda maior, pois como ensinar a fonética e a fonologia de outra língua, se não sabe a da sua própria. Ao estudar fonética e fonologia, você compreenderá melhor o funcionamento sonoro das línguas. Mori (2003) aponta quatro aspectos importantes a respeito da aplicação da teoria fonológica. Ei-las: • As teorias fonológicas são aplicadas na criação de ortografias de línguas ágrafas, isto é, línguas sem escrita. • A fonologia auxilia no conhecimento do sistema fonológico da língua materna. Através dela, podemos estabelecer a relação entre os fonemas e os símbolos gráficos. É importante o professor conhecer bem o sistema fonológico para explicar os problemas de ortografia. Na língua portuguesa, por exemplo, não há correspondência entre o fonema /z/ e a representação gráfica. Ele pode ser representado por ‘z’ como zebra ‘s’ como em casa e por ‘x’ como em exercício. • Ela pode também ajudar na aprendizagem de uma língua estrangeira. Por essa razão, o professor precisa conhecer bem o 20

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sistema fonológico tanto da língua materna, quanto da língua estrangeira. Esse conhecimento irá auxiliá-lo a fazer o aluno superar a tendência de transpor o sistema fonológico da língua materna para a língua que está aprendendo. Por exemplo, um falante espanhol que conhece superficialmente o português, não distingue o /E/ de pé e o /e/ de você, uma vez que na língua dele o “e” é representado apenas pelo fonema /e/, ou seja, tem apenas este fonema. • A teoria fonológica é usada por especialistas em patologias da linguagem para entender as desordens fônicas, tais como gagueira, troca de sons, na fala de pessoas com distúrbios da linguagem. Massini-Cagliari e Cagliari destacam que a Fonética serve de suporte para os estudos de fonologia e de outras áreas da linguística. Neste sentido, enfatizam que: tem contribuído enormemente para o desenvolvimento de tecnologias que se utilizam dos elementos sonoros da fala, como a engenharia de telecomunicações, sobretudo a telefonia, as ciências da computação, com especial referência à produção de programas de produção e de reconhecimento da fala. (MASSINICAGLIARI E CAGLIARI, 2003, P. 107)

Como observamos a Fonética e a Fonologia têm contribuído muito não só para a ciência, mas também para a área tecnológica, surgindo no panorama científico-tecnológico outras contribuições, que não se restringem ao estudo dos sons e fonemas, servindo apenas como critério a sua classificação e caracterização. Hoje, por exemplo, através da fonética forense pode-se identificar o interlocutor, através da captura de áudio, sendo possível saber se aquela voz é de quem se diz ser ou não. Em síntese, podemos afirmar que tanto a Fonética quanto a Fonologia são duas áreas da linguística que têm o mesmo objeto de estudo, o som, porém com enfoques e abordagens diferentes. 21

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Em última análise, qualquer aluno de Letras, precisa conhecer as duas áreas, visto que vai lidar com a língua e o seu funcionamento. 1.2.2.1 Domínio da fonética Em outras palavras, a Fonética é o estudo sistemático dos sons da fala, ou seja, trabalha com os sons propriamente ditos, levando em consideração a maneira como são produzidos, percebidos e quais aspectos físicos estão envolvidos na sua produção. A Fonética classifica-se basicamente em três domínios: 1. Fonética articulatória - estuda os sons do ponto de vista fisiológico. Assim, ao descrevermos a realização de um som, por exemplo [p], podemos afirmar que durante a sua articulação não houve vibração das cordas vocais, por isso ele é não-vozeado, e o fluxo de ar seguiu o caminho do trato vocal, o que o caracteriza como som oral, havendo obstrução pelos dois lábios, por essa razão é classificado como oclusivo e bilabial. Esse é o papel da fonética articulatória: o de descrever e classificar os sons. Programas Computacionais adquiridos gratuitamente através dos sites w w w. p r a a t . o r g para o programa PRAAT; www.speech.kth.se/ wavesurfer, para Wavesurfer.

2. Fonética acústica - leva em conta as propriedades físicas do som, como os sons da fala chegam ao ouvido. Quando realizamos qualquer som, a sua propagação se dá através de ondas sonoras até chegar ao ouvido do interlocutor. A análise desse som e sua propagação é realizada com o auxílio de programas computacionais específicos, tais como PRAAT e WAVE SURFER. Estes programas permitem avaliar a altura e intensidade da voz humana. 3. Fonética auditiva - preocupa-se em estudar a percepção do aparelho auditivo, ou seja, como o ouvido capta o som, visto que, muitas vezes, nem sempre percebemos o mesmo som de forma semelhante. Somente uma análise mais apurada permitirá identificá-

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lo. Este tipo de estudo cabe à Fonética Auditiva, campo de pesquisa ainda muito pouco explorado. Estes três tipos de estudos são pouco implementados concomitantemente. Isso se deve à falta de especialização, de pessoas qualificadas para atuarem na área, observada, sobretudo, nos estudos acústicos e auditivos. Por essa razão, os estudos na área articulatória são os mais adotados no meio acadêmico, uma vez que é a área da fonética mais fácil de ser detectada e verificada, por dizer respeito à produção dos sons. No entanto, para empreender um estudo mais detalhado da produção de alguns sons, é necessário recorrer a estudos acústicos. No passado, tais estudos necessitavam de aparelhos sofisticados, e, muitas vezes, de difícil acesso. Atualmente, com um computador equipado com programas específicos que dispõem de softwares para realizar análises acústicas, como as realizadas pelo PRAAT, por exemplo, podem-se obter excelentes resultados. Uma demonstração desse tipo de programa pode ser observada na figura abaixo.

Figura 02: Tela de abertura do programa Wave Surfer 1.5.3. Fonte disponível em:

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Por se tratar de um curso de graduação e considerando, também, as dificuldades em encontrar especialistas na área, a disciplina Fonética e Fonologia, concentrar-se-á na parte articulatória dos sons, ou melhor, na fonética articulatória. Esta parte da fonética, como já mencionado, volta-se para a produção dos sons, levando em conta seu modo de articulação, seu ponto, o caráter vozeado ou não e ainda a configuração nasal ou oral. Para isso, iniciaremos com a apresentação da realização dos sons. Antes, porém, é necessário destacar o domínio de estudo da Fonologia. 1.2.2.2 Domínio da fonologia Há basicamente duas linhas de estudo da Fonologia, uma denominada segmental, que compreende o estudo das vogais e consoantes; e a supra-segmental, que se concentra em estudar o acento, o ritmo e a entoação. No nível segmental, estuda-se a forma como os sons se organizam para formar unidades linguísticas maiores (sílabas, morfemas – unidades mínimas das palavras, como radical, prefixo, sufixo, palavras e sentenças. Além disso, estuda as variações que os fonemas podem apresentar. Já o nível supra-segmental ou prosódico é aquele que não se realiza como segmento específico na cadeia de sons, ocorrendo vários segmentos ao longo da cadeia. Isso significa dizer que em qualquer enunciado, além dos fonemas segmentais, temos outras unidades. Ninguém fala sem imprimir uma modulação de maior ou menor força em certas unidades enunciadas. Há uma acentuação, entonação e juntura. Portanto, essas diferentes variações são ou podem ser os fonemas supra-segmentais. Destacam-se três fenômenos prosódicos: 24

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a) Quantidade ou duração – É o tempo de pronúncia de um segmento, que pode ser longo ou breve. Registram-se os segmentos longos através do sinal diacrítico [:] colocado logo após o som alongado. Assim, pode-se registrar a maior duração da vogal [o], por exemplo, na palavra gol, como pronunciada pelos locutores de futebol, da seguinte forma: [go:w]. b) Intensidade – resulta da maior ou menor força expiratória, ao longo da cadeia da fala, determinando segmentos tônicos e átonos. Costuma-se indicar a sílaba tônica por um apóstrofo anterior a ela: [‘sapU], [ka ‘f] c) Altura – resulta da frequência de vibrações das cordas vocais em uma dada unidade de tempo, determinando diferentes tons e entonações. 1.3 APARELHO FONADOR Falar é um ato tão natural para o ser humano como o uso de qualquer um dos cinco sentidos (tato, paladar, audição, visão, olfato). Essa capacidade o particulariza entre os animais. A fala é um sistema simbólico diferente de outros sistemas usados também na comunicação, como os gestos, a linguagem das abelhas. Essa diferença se dá em virtude de o sistema da fala poder ser segmentado em unidades menores. Por exemplo, a palavra “bola” contém quatro fonemas [b], [o],[ l],[ a]. A partir de agora, estudaremos a composição e o funcionamento do aparelho fonador, que produz essas unidades sonoras. 1.3.1 Constituição do aparelho fonador A primeira pergunta que pode vir a sua cabeça é: como se realiza o som? Para responder a essa pergunta, temos que entender o caminho que o fluxo de ar segue na respiração. É 25

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

importante lembrarmos que os sons não se realizam no momento de “inspiração”, mas na “expiração”. O oxigênio, que é vital ao ser humano, chega até os pulmões pela traqueia. Em seu caminho de volta, ainda ar, ele sofre a primeira deformação ao chegar à laringe. É na laringe que definimos dois tipos de sons. O ar expelido pelos pulmões chega à laringe e atravessa a glote, que fica na altura do chamado pomo-de-adão ou gogó. O ar, então, chega à abertura entre as duas pregas musculares das paredes superiores da laringe, conhecidas pelo nome de cordas vocais (ou pregas vocais). O fluxo de ar pode encontrá-las fechadas ou abertas, em virtude de estarem aproximadas ou afastadas. Caso estejam fechadas, o ar força sua passagem, fazendo-as vibrar e produzir os sons chamados de vozeados. No segundo caso, quando relaxadas, o ar escapa, com pouca vibração das cordas vocais, produzindo sons chamados de não-vozeados, como ilustra a figura 03.

Figura 03: Pregas vocais.

Figura 04: Movimento da glote. Fonte: http://www.studiomel.com/17f.html

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As pregas vocais estão situadas no interior da laringe e se constituem em um tecido esticado com duas pregas. O expulsar do ar por elas as faz vibrarem produzindo o som pelo qual nos comunicamos. As pregas são fibras elásticas que se distendem ou se relaxam pela ação dos músculos da laringe com isso modulando e modificando o som e permitindo todos os sons que produzimos enquanto falamos ou cantamos. Todo o ar inspirado e expirado passa pela laringe e as pregas vocais, estando relaxadas, não produzem qualquer som, pois o ar passa entre elas sem vibrar. Quando falamos ou cantamos, o cérebro envia mensagens através dos nervos até os músculos que controlam as cordas vocais que fazem a aproximação das cordas de modo que fique apenas um espaço estreito entre elas. Quando o diafragma e os músculos do tórax empurram o ar para fora dos pulmões, isso produz a vibração das cordas vocais e consequentemente o som, como demonstra a figura 03, na página anterior. De acordo com Cristófaro-Silva (2002), os órgãos usados na produção da fala não têm apenas função de produzir sons. Na verdade, a função primária deles é mastigar, sentir o paladar, engolir, respirar ou cheirar. A autora divide os órgãos do corpo humano que compõem o aparelho fonador em três grupos: sistema respiratório, fonatório e articulatório. O sistema respiratório, que se situa abaixo da glote, é constituído pelos pulmões, músculos pulmonares, traqueia. Os músculos pulmonares produzem a pressão para os pulmões liberarem a corrente de ar, que passa pelos brônquios e traqueia. Sem a corrente de ar os sons não poderiam existir. O sistema fonatório é composto pela laringe, que é uma câmara oca onde a voz é produzida. Nela estão as cordas vocais, que determinam a sonoridade dos sons (surdos ou sonoros). 27

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

O sistema articulatório é formado pela faringe, cavidade bucal, cavidade nasal (nariz), palato mole, úvula, (conhecida como campainha), dentes, língua, lábios e palato duro (céu da boca). A função da cavidade nasal e bucal e o da faringe é a de ampliar o som. Palato mole, língua, palato duro, dentes e lábios têm a função de articular o som. Observe a constituição do aparelho fonador na figura 05. Outros autores, contudo, ampliam a constituição do aparelho fonador. Dentre esses, destaca-se a opinião de Oliveira e Brenner (1988), ao informar que a constituição do aparelho fonador é feita de partes de órgãos do aparelho digestivo, do aparelho respiratório, do aparelho circulatório e do sistema nervoso.

Figura 05: Órgãos envolvidos no processo de realização dos sons.

De modo sucinto, podemos dizer que o aparelho fonador pode ser definido como um mecanismo de produção da fala, sendo a sua formação feita por diferentes partes, algumas das quais pertencem ao aparelho digestivo, outras ao aparelho respiratório. A boca e a faringe, órgãos do aparelho digestivo, desempenham papel essencial na formação das vogais e consoantes. As dimensões dessas cavidades podem ser modificadas pela ação dos músculos da língua, do palato mole e da faringe. 28

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O aparelho respiratório participa integralmente da produção do som da fala. Os pulmões produzem a corrente de ar comprimido utilizado para a geração do som. A laringe, que se destina originariamente à passagem de ar; e a glote cuja função original é, de fato, a prevenção da queda de corpos estranhos no interior do aparelho respiratório, também participa ativamente da produção da fala. Como vemos, não há uma predisposição fisiológica para a fala. O quadro 02 apresenta o resumo dos três sistemas que compõem o parelho fonador. Quadro 02 Resumo dos órgãos e funções do aparelho fonador ÓRGÃOS

FUNÇÕES

Pulmões, músculos pulmonares, traqueia.

Produção de pressão no ar que sai dos pulmões (sem a corrente do ar não existiriam os sons.

Laringe (cordas vocais, glote).

Determinação da sonoridade de sons (surdos ou sonoros).

Faringe, cavidade bucal,

Ampliação do som.

cavidade nasal. Palato mole, língua, palato duro, dentes e lábios.

Articulação dos sons.

1.3.2 Funcionamento do aparelho fonador Quando queremos falar alguma coisa a alguém, entra em funcionamento o sistema nervoso. Esse sistema emite estímulos para os músculos pulmonares, produzindo, assim, pressão para que os pulmões liberem o ar que passa pelos brônquios para penetrar na traquéia e chegar à laringe. Nela, o ar encontra a primeira barreira a sua passagem, chegando à glote. Ela fica na 29

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

altura do chamado pomo-de-adão ou gogó. A glote é uma abertura entre duas pregas musculares das paredes superiores da laringe, denominadas cordas vocais. O nome corda é impróprio. Trata-se, na realidade de lábios ou dobras, simetricamente situados à direita e à esquerda da linha mediana. Esses lábios são dois músculos gêmeos elásticos, formados pela capa muscular que reveste interiormente as cartilagens da laringe. Quando o ar sai dos pulmões, elas podem permitir a passagem livre, se estiverem abertas, e, desse modo, não vibrarão. Se, ao contrário, oferecem resistência, entrarão em vibração. No primeiro caso, o ar força a passagem fazendo as cordas vocais vibrarem e produzirem sons sonoros ou vozeados. No segundo caso, com as cordas vocais separadas, o ar passa sem provocar vibração, dando origem aos sons surdos ou desvozeados. Esse funcionamento pode ser observado na figura 05, ilustrada na página anterior.Para compreender melhor esse fenômeno, você pode colocar os dedos no pomo-de-adão ou gogó e dizer [b] e [p], sem emitir vogais, somente repetindo esses sons. Repita cada um várias vezes. Note que, ao dizer [b], as cordas vocais vibram, quer dizer, o som é sonoro, enquanto ao dizer [p], elas não vibram, o som produzido é surdo. Ao sair da laringe, o ar entra na faringe, onde se depara com uma encruzilhada, que lhe oferece duas vias de acesso: a entrada para a cavidade bucal e a cavidade nasal. Entre essas cavidades, fica o palato mole. Se a úvula estiver abaixada, o ar penetrará na cavidade nasal, então teremos o som nasal; se a úvula estiver levantada, impedirá a passagem pela cavidade nasal, obrigando o ar a passar pela boca, daí teremos o som oral. Você poderá perceber essa diferença ao dizer as palavras lá e lã (repita cada uma várias vezes). Ao pronunciar a primeira palavra, o ar sai pela boca; e ao pronunciar a segunda, o ar sai pelo nariz. Portanto, 30

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em lá temos um som oral, enquanto em lã temos som nasal. Na figura 06, a seguir, podemos verificar onde se realizam os sons orais e nasais.

Figura 06: Cavidade oral e cavidade nasal.

Observemos que o ar que está na boca tem a função de caixa de ressonância. Nela, através dos dentes, língua e lábios podem ser produzidos variados sons. Para essa produção, usase o palato mole e os alvéolos, que é a parte alta que fica atrás dos dentes superiores, através dos quais se chega ao palatoduro. A língua é o principal órgão da articulação do som. É ela que interfere na formação dos sons das vogais e das consoantes. No trato vocal, temos o conjunto de articuladores. Tais articuladores, como observados na figura 06, podem ser classificados como ativos e passivos. Articuladores ativos são denominados aqueles articuladores que na realização do som se movimentam. São eles: maxilar inferior, com os dentes, língua, lábios, palato mole e úvula. Ao contrário, são denominados articuladores passivos os que não se movimentam, tais como maxilar superior com os dentes, alvéolos e palato duro, conforme demonstra a figura 07. 31

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Figura 07: Articuladores ativos e passivos.

De acordo com Cristófaro-Silva (2002, p. 31), a relação entre articuladores ativos e passivos se dá a partir “da posição do articulador ativo em relação ao articulador passivo (podendo ou não haver contato entre eles)”, podemos determinar o lugar de articulação dos segmentos consonantais. Em síntese, o ser humano não possui um órgão específico para a fonação. Ele conta com vários órgãos: parte do aparelho digestivo, respiratório, circulatório e até do sistema nervoso central, a fim de elaborar o processo de fonação. Neste aspecto, podemos dizer, ainda que, de acordo com os estudos de Rosetti (1974, p. 43) “a voz humana é provocada pelos influxos do nervo recorrente transmitidos à laringe, sendo que a célula nervosa transforma a energia química produzida pela nutrição em energia elétrica”. 1.4 SÍNTESE DA UNIDADE O aparelho fonador é composto por três sistemas: respiratório, fonatório e articulatório. O sistema respiratório é constituído pelos pulmões, músculos pulmonares e traqueia. Os 32

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músculos pulmonares produzem a pressão para os pulmões liberarem a corrente de ar. Ela passa pelos brônquios e traqueia (sem a corrente do ar, os sons não existiriam). O sistema fonatório é composto pela laringe, que é uma câmara oca, onde a voz é produzida. Nela estão as cordas vocais que determinam a sonoridade dos sons. Se elas estiverem próximas, o ar força a passagem fazendo-as vibrar e produzir o som sonoro. Se elas estiverem separadas, o ar passa sem vibrações, dando origem aos sons surdos. O sistema articulatório é formado pela faringe, trato vocal (cavidade bucal), cavidade nasal, palato mole, dentes, língua, lábios e palato duro. Na faringe, o ar se depara com uma encruzilhada, que lhe oferece duas vias de acesso: a entrada para a cavidade bucal e a cavidade nasal. Entre essas cavidades, fica o palato mole. Se a úvula estiver abaixada, o ar penetrará no nariz e teremos o som nasal. Se ela estiver levantada, impedirá a passagem pela cavidade nasal, obrigando o ar a passar pela boca e teremos o som oral.

FÓRUM DE DISCUSSÃO 1) Mostrar que determinado som da LP não tem funcionalidade é uma tarefa da Fonética ou da Fonologia? Dê exemplos.

ATIVIDADE I 1) Reconheça as atividades de pesquisa a seguir discriminadas como sendo da competência da Fonética ou da Fonologia: 33

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

a) Parte da linguística que trata dos sons da fala, ou seja, em relação às funções que eles exercem numa dada língua

(

).

b) É adotada para distinguir significações por meio de diferenças de sons

(

).

c) Tem como tarefa a investigação dos sons da fala, de um ponto de vista puramente fisiológico, ou mais precisamente psicoacústico

(

).

d) Preocupa-se com a produção e processo de realização, com a propagação e a percepção do som da fala

(

).

e) Descreve os órgãos que intervêm na produção dos sons (

).

f) Descreve as combinações possíveis de sons

).

(

2) Preencha o quadro apontando as funções dos órgãos do aparelho fonador

ÓRGÃOS Sistema respiratório Laringe Cordas vocais Faringe Cavidade bucal Cavidade nasal Dentes, língua, lábios, alvéolos, palato duro.

FUNÇÕES

ATIVIDADE II 1) Relacione as colunas: (1) Fonética; (2) Fonologia a) ( ) Estuda o som da fala. b) ( ) Estuda o som da língua. c) ( ) Concentra-se no estudo de sons responsáveis pela distinção de significados. 34

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d) (

) Analisa como o som é produzido pelo aparelho fonador.

e) (

) O fone é representado entre colchetes [f].

f) (

) O fonema é representado entre barras /f/.

2) Faça a diferença entre fonética e fonologia. Apresente exemplos. ATIVIDADE III 1) Estabeleça a diferença entre fonética acústica e fonética articulatória. 2) Após pesquisa em textos que tratem sobre o aparelho fonador, utilize o código abaixo para determinar as respostas corretas: 2.1 (

) A laringe faz parte do aparelho respiratório.

2.2 (

) Nas cavidades supraglotais há somente órgãos do

aparelho digestivo. 2.3(

) As aritenoides são cartilagens pequenas que se

situam na laringe. 2.4 (

) As cordas vocais são músculos cobertos por uma

membrana e que se movem no sentido horizontal e vertical. 2.5 (

) As cavidades supraglotais, que são caixas de

ressonância, compreendem a faringe, as fossas nasais, a cavidade bucal e a projeção dos lábios para a frente; a) F, V, V, V, F b) V, F, F, F, V c) V, F, F, V, V d) V, F, V, V, V

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Anotações

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UNIDADE 2

CONSOANTES DO PORTUGUÊS • Classificação dos sons consonantais da língua portuguesa quanto ao ponto e ao modo de articulação; • Estabelecimento da diferença entre ponto e modo de articulação; • Identificação de fones consonantais.

OBJETIVOS • Classificar os sons consonantais da língua portuguesa quanto ao ponto e modo de articulação; • Conhecer a diferença entre ponto e modo de articulação; • Reconhecer os símbolos de fones consonantais.

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123456789012345678901234567890121 123456789012345678901234567890121 Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa 123456789012345678901234567890121 123456789012345678901234567890121 123456789012345678901234567890121 123456789012345678901234567890121 123456789012345678901234567890121

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2 CONSOANTES DO PORTUGUÊS O fluxo do ar é modificado de diferentes maneiras. E segundo Callou e Leite (2001, p. 23) “os diferentes modos por que o fluxo de ar é modificado permitem o estabelecimento de duas grandes classes de sons”. É ele, portanto, que permite o estabelecimento entre as duas grandes classes de sons: as vogais e as consoantes. Acrescenta-se a estas, outra classe de sons, as semivogais, também denominada como a dos glides. Neste aspecto, uma primeira pergunta se poderia fazer: o que diferencia as três classes? Nas vogais a produção de sons se dá sem bloqueio à passagem de ar na cavidade do trato vocal. Nas consoantes, a produção de sons se dá com bloqueio total ou parcial à passagem do ar no trato vocal. Nas semivogais ou glides sons fracos de [i] e [u] que formam sílabas com uma vogal ficam a meio caminho entre vogais e consoantes. Ainda, segundo Cristófaro-Silva (2002), as semivogais são analisadas somente no nível fonológico. 2.1 CONSOANTES DO PORTUGUÊS Do ponto de vista fonético, as consoantes são produzidas por um fechamento ou estreitamento do aparelho fonador, de modo que a passagem do ar seja total ou parcialmente bloqueada. Ao caracterizar um som consonantal, é relevante considerar se há ou não vibração das cordas vocais (sons sonoros ou surdos), se o som é nasal ou oral e em qual lugar e modo se deu a articulação (CALLOU; LEITE, 2001). Nesta aula, examinaremos o lugar e o ponto de articulação. Iniciaremos pelo ponto de articulação. 39

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

2.1.1 Lugar de articulação Lugar de articulação é o local em que os dois articuladores entram em contato. Um articulador é qualquer parte do aparelho fonador que participa da produção do som. Ele pode ser ativo (dotado de movimento) ou passivo (sem movimento) (CALLOU; LEITE, 2001). Quanto ao ponto de articulação, o português apresenta os seguintes sons:

Figura 08: Ponto bilabial

Bilabial - a passagem do ar é obstruído pelos dois lábios. O som é produzido pela junção dos lábios. Os sons bilabiais são [p, b, m]. Podemos afirmar também que são sons produzidos com um estreitamento ou fechamento produzido pelo contato dos lábios. Exemplos: [p]ata, [b]ola, [m]oca.

Figura 09: Ponto labiodental

Labiodental - há sons que são produzidos pela obstrução 40

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parcial do ar. Desta forma, o som é produzido pela aproximação do lábio inferior e a arcada dentária superior. São labiodentais: [f,v]. Exemplos: [f]aca, [v]aca .

Figura 10: Ponto dental/alveolar.

Dental /alveolar - som produzido com a ponta da língua entre os dentes superiores e inferiores, ou com a língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores, ou com os alvéolos. São eles: [t, d, s, z, l, n, r, {, }]. Exemplos: [t]atu, [d]ado, [n]ada, ma[l]a, ä]ne (dialeto caipira) “carne”, [s]apo, ca[r]o (caro, de caro amigo), ca[ä [z]ebra. Chamamos a atenção para o som do “r”. Você deve ter notado que ele tem vários tipos de sons, ou seja, várias realizações. Ele pode ser alveolar, velar ou glotal. Sobre ele e outras variações de sons, trataremos nas próximas aulas.

Figura 11: Ponto palato-alveolar.

Palato-alveolar - som produzido na região imediatamente anterior à região onde se articulam os sons palatais. Trata-se de um som palatal ao qual se acrescenta a característica alveolar. São tS dZ palato-alveolares: [tS, dZ, S, Z]. Exemplos: [tS tS]ia (tia), [dZ dZ]ia (dia), 41

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Z]a (já). [S S]a (chá), [Z

Figura 12: Ponto palatal.

Palatal - som produzido com o contato da parte central da língua com o palato duro. Ou ainda pode-se dizer que são sons produzidos com a lâmina da língua tocando o palato duro, como os observado em ´]a [´, ø]. Exemplos: ba[ø]o ou ba[y)]o (banho)* (depende do dialeto); ma[´ lJ ou ma[lJ lJ]a (malha)* (depende do dialeto).

Figura 13: Ponto velar.

Velar - som produzido com o dorso da língua, ou seja, a parte de cima da língua (centro da língua), contra o palato mole. São velares: [k], [g],[x]. Exemplos: [k]asa, [g]ato, [X]ato* “rato” (realização (velar) pertinente ao dialeto carioca); [h]ato* (realização (aspirada ou glotal – comum no nordeste brasileiro).

Figura 14: Ponto Glotal. 42

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Glotal - Podemos também registrar a realização glotal – que é o som produzido com a articulação das cordas vocais, ou melhor, o som é glotal, quando as duas cordas vocais articulam-se entre si. São sons glotais: [h,î]. Exemplos: [h]ato “rato”, ba[h]Iga “barriga” e ca[î]ga* “carga”, articulação que também depende do dialeto. No dialeto piauiense, por exemplo, a glotal é a realização predominante, conforme pesquisas de Carvalho (2009). Os sons linguísticos ainda podem ser classificados quanto ao modo de articulação. Utilizaremos apenas os sons realizados na Língua Portuguesa. Na unidade III, daremos mais explicações sobre esses sons linguísticos e os símbolos que usamos para representá-los na língua portuguesa. Resumindo melhor o exposto, apresentaremos, a seguir, um quadro com a classificação dos pontos de articulação. Quadro 03 – Classificação dos sons consonantais quanto ao ponto de articulação PONTO DE ARTICULAÇÃO

PONTO DE ARTICULAÇÃO

EXEMPLOS DE FONES CONSANATAIS

Som produzido com um estreitamento ou fechamento produzido pelo contato dos lábios.

[p]ato, [b]ola, [m]ala

Labiodentais

Som produzido com o contato do lábio inferior com os dentes superiores.

[f]aca, [v]aça

Dentais ou alveolares

Som produzido com a ponta da língua entre os dentes superiores e inferiores, ou com a língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores, ou com os alvéolos.

[t]atu, [d]ado, [n]ada, ma[l]a, ca[R]o, ca[Ó]ne (dialeto caipira), [s]opa, [z]ebra.

Bilabiais

Alveolopalatais

Palatais

Som produzido na região imediatamente anterior à região onde se articulam os sons palatais. Tratase de um som palatal ao qual se acrescenta característica alveolar.

[tS]ia, [dZ]ia, [S]a (chá), [Z]a (já).

Som produzido com o contato da parta ba[ø]o ou ba[y) ]o (banho)*, central da língua com o palato duro. ma[´]a ou ma[lJ]a (malha),

(*Depende do dialeto)

Velares

Som produzido com o dorso (teto ou [k]asa, [g]ato, [X]ato centro da boca) da língua contra o (rato)*, ca[Ä]ga* (carga). (*Depende do dialeto) palato mole.

Glotais

Som produzido coma articulação das cordas vocais.

[h]ato* (rato), ba[h]iga* (barriga), ca[ú]ga* (carga) (*Depende do dialeto) 43

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

2.1.2 Modo de articulação a) Oclusiva ou Plosiva - são as que resultam de uma oclusão momentânea da passagem de ar, seguida de uma abertura brusca (explosão). Nesse caso, o fluxo de ar encontra uma interrupção total, seja pelo fechamento dos lábios, seja pela pressão da língua sob a arcada dentária ou sob o palato duro. São elas: [p,b, t, d, k, g]. Esta oclusão é realizada em português, nos seguintes pontos: Oclusão bilabial – um lábio contra o outro –[p], [b] Oclusão ápico-dental – a ponta da língua contra os dentes ou gengivas – [t] e [d]. Oclusão dorso-palatal – o dorso da língua contra o palato duro – [k] e [g] sempre diante vogal anterior, como no exemplo das palavras quilo e guia. b) Fricativas – são as caracterizadas por um estreitamento da passagem do ar, que produz um ruído de fricção ao passar entre dois articuladores. São fricativas: [f, v, s, z, S, Z, x). As fricativas do português são as seguintes: • Fricativas labiodentais [f] e [v]; • Fricativas alveolares [s] e [z]; • Fricativas álveo-palatais [S] e [Z]; • Fricativa velar [x] de carro, realizada no dialeto carioca. Note que, comumente, o [s] e o [z] recebem a denominação de sibilantes, enquanto o [S] e o [Z] de chiantes. c) Africada – é a combinação entre oclusivo e fricativo. É o que acontece na realização de: [tS, dZ], observada na fala de piauienses da Capital e do norte do estado, ao pronunciarem [tS]ia e [dZ]ia, “tia” e “dia”, por exemplo. d) Nasal – aquele som que, na sua realização, parte do ar sai pelo trato vocal (boca) e parte pelas fossas nasais (nariz). São exemplos desses sons: [m, n, ø]. Em português, temos a possibilidade de produzir nasais: 44

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• Bilabiais - [m] (mala); • Ápico–dental - [n] (nada); • Palatal - [ø] (banho); • Velar [N] (manga) e) Lateral – som produzido quando a língua ao tocar os alvéolos, obstrui a passagem do ar nas vias superiores, mas permite que o ar passe através das paredes laterais da boca. São laterais [l, ´]. Em português, podem-se produzir laterais: Ápico-dental [l] (leite) Palatal [´] (palha) f) Vibrante – Caracteriza-se pelo movimento vibratório e rápido da língua, provocando, desse modo, breves interrupções na corrente de ar. A vibrante é representada pelo‘r’. Em português, existem as vibrantes: • Anterior ou apical [r] de “caro” – pronunciado de maneira que a ponta da língua ao tocar os alvéolos empurra para fora a corrente de ar. • Pode também haver uma batida única, cuja denominação é a de flap [R] (vibrante simples). • Ou uma multiplicidade de batidas denominadas de trill de vibrante múltipla [}]. g) Tepe – Ao contrário da vibrante, o tepe se caracteriza por apenas uma batida da ponta da língua contra os alvéolos. É o caso do [R]. Este som é aquele sempre usado nos encontros consonantais em palavras como prato e fraco. h) Retroflexa – Caracteriza-se pelo levantamento e encurvamento da ponta da língua em direção ao palato duro, representado foneticamente pelo símbolo [}]. Este é o “erre” encontrado comumente no falar de algumas comunidades de são Paulo, do Paraná e também Minas Gerais. Para facilitar a compreensão do que fora até agora estudado, vamos resumir, através de um quadro, o modo de articulação das consoantes. 45

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Quadro 04 – Classificação dos sons consonantais quanto ao modo de articulação

A partir do que estudamos nesta aula, podemos sintetizar um quadro com a classificação das consoantes do português do Brasil com seus respectivos símbolos. 46

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Quadro 05 – Símbolos Consonantais da Língua Portuguesa

Fonte: Adaptação de Cristófaro-Silva (2002) 47

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Os símbolos que representam os fones não correspondem, muitas vezes, às letras que representam. Por exemplo, [´] representa o som das letras “lh”, assim como o símbolo [ø] representa o som das letras “nh”. Esses símbolos são estabelecidos por convenções. 2.2 VARIAÇÃO DE ALGUNS SONS CONSONANTAIS Os sons consonantais, em português, podem variar de acordo com o dialeto, que envolvem as variações regionais ou idioleto (variações individuais). Essas variações são comumente mais percebidas com os fonemas “r” e “s”. Em seguida, veremos nos itens da sequência, algumas dessas variações, a partir de estudos de Cristófaro Silva (2002). 2.2.1 Variações do “r” e dos “rr” ortográficos Você notou que o “r” e os “rr” ortográficos têm vários símbolos fonéticos para representá-los. Isso se dá devido à variação dialetal de pronúncia das duas formas ortográficas. Vamos analisar as variações? Quadro 06 Variações do “r” e dos “rr” ortográficos SÍMBOLO FONÉTICO

[RR]

[x, h]

AMBIENTE

EXEMPLOS

Seguido de consoante na mesma sílaba ou em posição intervocálica (maioria dos dialetos)

c[R]avo, ca[R]a

Final de sílaba ou palavra (alguns dialetos).

ca[R]ta, ma[R]

Início de palavras, em posição [X]apaz ou [h]apaz intervocálica (“rr”), seguido de ca[X]o ou ca[h]o (“carro”) consoante surda em sílaba Is[X]ael, Is[h]ael diferente ou final de palavra.

ma[X], ma[h]

[F F, ú ]

Final de sílaba antes de consoante sonora.

go[F]dura ou go[ú] dura

[r)r)]

Início de palavra, em posição intervocálica (“rr”) ou seguido de consoante em sílaba diferente.

[r)] apaz, Ca[r)]o, Is[r]ael

[ÓÓ] (caipira)

Final de sílaba ou palavra.

ma[Ó], go[Ó]do

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações de Cristófaro-Silva (2002). 48

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2.2.2 Variações do “s” ortográfico Segundo ainda Cristófaro-Silva (2002), os segmentos [s,S,z] pode ser representada ortograficamente pelo “s”. Isso ocorre principalmente em final de palavra, com as denominadas fricativas sibilantes. Por exemplo, ao observar as palavras paz, gás e rapaz, observamos que a pronúncia delas pode variar, dependendo do dialeto. Ao pronunciar paz [pAs], um carioca pode dizer [AS] ou ainda ser realizada a variante [pAz] entre falantes da região de Teófilo Otoni, como destaca a mesma autora. Em grande parte da região Nordeste, esse mesmo segmento é realizado como [pAys], para a mesma palavra. Neste caso, observamos o aparecimento do glide. O glide corresponde a um ditongo, sobre o qual trataremos na seção dedicada às vogais. O “s” ortográfico, em limite de sílaba, pode manifestar-se de duas maneiras na língua portuguesa: fricativa alveolar, como na pronúncia de pasta [pAstA], observada na fala de pessoas do sul e sudeste do País, ou como fricativa palatal, observada na realização de [pAStA] em grande parte do Nordeste e na fala do carioca, por exemplo. Cristófaro-Silva (2002) ressalta também que o “s” ortográfico pode comportar-se de duas maneiras, ao se observar os seguintes grupos de palavras: a) Casca – aspas – pasta b) Rasga – asma – Gasbrás Ela afirma que a primeira alternativa é a ocorrência de uma das fricativas desvozeadas [s,S], isso sempre ocorre quando a consoante seguinte for desvozeada, como nas palavras do grupo a, alternando com a ocorrência de uma das fricativas vozeadas 49

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

[z,Z] quando a consoante seguinte for vozeada, conforme se observa nas palavras do grupo b. Na opinião da autora (2002, p. 53), “esta alternativa é selecionada, por exemplo, pelo dialeto de Belo Horizonte”. Já entre falantes do dialeto do Rio de Janeiro verificamos a “ocorrência da fricativa alveopalatal desvozeada [S] quando a consoante seguinte for vozeada”, como apresentam os exemplos do grupo b. (CRISTÓFARO-SILVA, 2002, p.53). 2.2.3 Variação do “l” ortográfico em final de sílaba O “l” ortográfico em final de sílaba pode ter o som de [Â] ou [w] tem o som de consoante lateral alveolar ou dental com articulação secundária de velarização, que é o levantamento da parte posterior da língua em direção ao véu palatino. Essa pronúncia é usada no Sul do Brasil e em Portugal. Podemos observá-la, também, em pessoas mais velhas provenientes ou que moram na zona rural. Na maioria dos dialetos brasileiros, ocorre a vocalização, ou seja, o “l” ortográfico é pronunciado como vogal [u], realização observada, por exemplo, nas palavras bolsa [‘bowsA] e calça [‘kawsA]. Essa pronúncia é representada pelo símbolo fonético [w]. Desse modo, o “l” ortográfico da palavra “calça” pode ser representadas tanto por [‘bowsA] quanto por [‘boÂsA], dependendo, é claro, do dialeto. Até aqui descrevemos como se realizam as consoantes. Na próxima aula trataremos do sistema vocálico da língua portuguesa, bem como do sistema semivocálico. Na seção seguinte, passaremos a tratar do alfabeto fonético internacional e de transcrição fonética.

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2.3 SÍNTESE DA UNIDADE Os sons produzidos pelo aparelho fonador classificam-se em três subsistemas: vogais, consoantes e semivogais (ou glides). Esses três subsistemas formam o sistema de sons da língua portuguesa. As consoantes são classificadas quanto ao modo e ponto de articulação. Ponto de articulação é o local onde é realizado o bloqueio à passagem da corrente do ar. Os sons consonantais, a partir do ponto de articulação, são classificados em labial ou bilabial (estreitamento ou fechamento produzido pelo contato dos lábios –[p], [b], [m]); labiodental (contato do lábio inferior com os dentes superiores – [f], []); dental ou alveolar (a ponta da língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores, ou a língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores ou contra os alvéolos – [t], [d], [n], [ä], [r], [s], [z]); alveopalatais (região imediatamente anterior á região onde se articulam os sons palatais. Trata-se de um som palatal ao qual é acrescido a característica alveolar – [tS], [dZ], [S], [Z]; palatal (contato da parte central da língua com o palato duro – [ø], [y)], [´], [lJ]); velar (dorso da língua em contato com o palato mole – [k], [g], [X], [Ä]); glotal (articulação das cordas vocais –[h], [ú]). FÓRUM DE DISCUSSÃO 1) Que papel tem a úvula na produção dos sons linguísticos? Explique. ATIVIDADE I 1) Qual o papel das cordas vocais na produção dos fonemas vocálicos e consonantais? 2) Como atuam os alvéolos na produção de fonemas em português? ATIVIDADE II 1) Classifique os fones consonantais do português quanto ao lugar de articulação. 51

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

FONES CONSONANTAIS

LUGAR DE ARTICULAÇÃO

[f ] , [v] [k], [g] [S], [Z] [tS], [dZ] [ø], [´]

2) Os fonemas /f/, /m/ e /k/ são produzidos mediante o mesmo modo de articulação? ATIVIDADE III 1) Apresente duas palavras para os sons ‘r’ e ‘s’, nas quais pode haver variação de pronúncia. Procure identificar a região onde esses sons são realizados. 2) Localize na, figura abaixo, os pontos de articulação, nomeando-os.

Figura 15: Ponto de articulação Fonte: Massini-Cagliari e Cagliari (2003, p.124).

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1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 UESPI/NEAD Letras Espanhol 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901 1234567890123456789012345678901

UNIDADE 3 VOGAIS E SEMIVOGAIS DO PORTUGUÊS • Alfabeto Fonético Internacional; • Transcrição fonética e transcrição fonológica; • Símbolos fonéticos de acordo com o IPA; • Transcrição fonética e variação linguística.

OBJETIVOS • Caracterizar Fonética e Fonologia; • Compreender as diferenças entre Fonética e Fonologia; • Entender o funcionamento do aparelho fonador; • Reconhecer a importância da Fonética e da Fonologia para o processo ensino-aprendizagem do futuro professor.

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

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3 TRANSCRIÇÃO FONÉTICA Para falarmos de transcrição fonética, é necessário antes tratarmos de representação fonética dos sons, que somente poderão ser realizados com o apoio do Alfabeto Fonético Internacional. Vamos ver o porquê. 3.1 ALFABETO FONÉTICO INTERNACIONAL Uma das dificuldades mais flagrantes da língua escrita está na representação gráfica dos fonemas, fato que ocorre, praticamente, com todos os “sistemas ortográficos de línguas cuja ortografia é fono-representativa”, como esclarece Cavaliere (2005, p. 44). Por exemplo, o fonema /s/ em português pode ser representado pelas letras s (seda), c (cedo), x (máximo), ç (ração), além dos dígrafos SC (nascer), xç (exceção), sx (exsudar). Já a letra x pode representar tanto a consoante /s/, como na palavra máximo, ou o grupo consonantal /ks/, presente na palavra axioma. Em alguns idiomas, como o francês, o sistema ortográfico tem forte influência etimológica, isto é, baseia-se na origem da palavra para justificar a sua escrita. Considerando que os estudos fonéticos e fonológicos exigem uma representação gráfica biunívoca do fonema, ou seja, procura-se representar cada fonema a apenas um grafema e para que esse grafema corresponda apenas a um fonema, surgiu a necessidade de se criar um alfabeto fonético. Desse modo, o alfabeto fonético é o resumo de uma série de símbolos convencionais de que se utilizam os foneticistas e fonólogos para representar graficamente os sons da língua. Com vistas a unificar as transcrições dos sons, considerando que suas realizações podem variar de uma língua 55

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

para outra, foi criado o Alfabeto Fonético Internacional (AFI) em português, tendo em inglês a sigla IPA, que quer dizer, Internacional Phonetic Alphabet. Uma pergunta que pode surgir é: por que usar um alfabeto diferente do alfabeto que se usa para escrever? A resposta é simples. Como a fonética lida com a substância da expressão, devemos tentar registrá-la o mais fielmente possível. Portanto, esse sistema permite ao se fazer uso da transcrição fonética que qualquer falante conhecedor de seus símbolos realize sons de quaisquer línguas. Este alfabeto apresenta tanto as consoantes quanto as vogais utilizadas nas diferentes línguas do mundo. Na figura a seguir, encontramos a tabela fonética Internacional (IPA) com a revisão de 1993 e atualizado em 1996. A tabela está organizada conforme os traços envolvidos na produção dos sons, isto é, para as consoantes, leva-se em conta o modo de articulação, o lugar de articulação e a vibração ou não das cordas vocais (surdas ou sonoras). Já para as vogais, levavamos em conta o grau de abertura, o grau de arredondamento dos lábios e a posição relativa da língua na boca. Na tabela abaixo, encontramos os símbolos correspondentes aos sons que são produzidos pela conjunção dos traços. Figura 16 Alfabeto fonético internacional

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Fonte: http://www.unilang.org/card.php?lang=ia&res=45

Como em nenhuma língua do mundo, a ortografia corresponde perfeitamente à fonologia nem à fonética, podemos recorrer, convencionalmente, a esse alfabeto demonstrado acima com vistas a proceder a uma transcrição fonética ou fonológica. Caro aluno, você poderia perguntar qual a diferença entre a transcrição fonológica e a fonética. Diremos que a escrita fonológica procura reproduzir apenas a língua em sua parte de unidades mínimas distintivas, já a fonética é muito mais complexa. Ela procura reproduzir tudo o que um falante nativo diz e da maneira como diz, isto é, 57

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

alofonicamente, com todos os dados de fala regional, dialetal e até idioletal. É a escrita adotada comumente em pesquisa de campo. 3.1 OS DIACRÍTICOS Geralmente, para fazermos transcrição fonológica ou fonética, necessitamos de alguns sinais específicos para representá-la, os quais são denominados diacríticos. Segue abaixo uma lista desses diacríticos, para facilitar a compreensão dessas transcrições realizadas neste fascículo: • [ ] = transcrição fonética entre colchetes, cada unidade representa um som. •/

/ = transcrição fonológica ou fonêmica: entre barras

inclinadas, cada unidade representa um fonema da Língua Portuguesa; • ‘ = indicação de sílaba tônica: a tônica é a que segue ao sinal. Ex.: para /‘paRa/ é diferente de Pará /pa ‘Ra/. Note que o que as diferencia é a posição do acento tônico. Na primeira palavra o acento recai na primeira sílaba, já na segunda, na última sílaba. • ~ = indica que uma palavra pode ter mais de uma possibilidade de realização, significa alterna com. Ex.: [mu ‘´Eh] ~ [mu ‘lE], ou seja, são formas variantes. • ’! transforma-se ou resulta em. Ex.: [ay] ’! [a] • . = indicação do limite de sílaba. Ex.: [ma.ka.ku] • * = realização que depende do dialeto. Ex.: ba[ø]o ou ba[y)]o* (banho) (depende do dialeto). 3.2 TRANSCRIÇÃO FONÉTICA: UTILIDADES A transcrição fonética é de grande utilidade, visto ser expressiva não somente nos estudos linguísticos, mas também na 58

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didática das línguas modernas. Na linguística, a transcrição possibilita uma referência acurada ao som em estudo, de tal sorte que não seja confundido com sons semelhantes ou de proximidade articulatória. Na didática, a transcrição informa, por exemplo, ao aluno de qualquer língua estrangeira a pronúncia exata de uma palavra, bem como as variações que essa palavra pode sofrer em determinada área geolinguística, visto que sua acuidade inclui a fidedigna expressão dos alofones e marcas prosódica. 3.3 TRANSCRIÇÃO FONOLÓGICA A transcrição fonológica é diferente da fonética. Na transcrição fonológica, “apenas os fonemas são presentes. Os alofones são apresentados por seus respectivos fonemas [...]” (CRISTÓFARO-SILVA, 2002, p.132). Os fonemas são transcritos entre barras, enquanto que os fones e alofones entre colchetes. Caro aluno, você perguntaria: por que ocorrem essas diferenças? Como já mencionado na unidade I, a Fonética representa as particularidades da fala de cada indivíduo, ao passo que a

É o estudo das variações na utilização da língua por indivíduos ou grupos sociais de o r i g e n s geográficas diferentes, conforme registra Dubois et al. (2007).

Fonologia relaciona-se à língua, que é o sistema linguístico compartilhado por todos os falantes. 3.4 TRANSCRIÇÃO FONÉTICA E FONOLÓGICA A transcrição fonética exige uma acuidade muito grande, pois é preciso registrar toda e qualquer nuança de pronúncia. O pesquisador deve possuir todos os conhecimentos fonéticos, pois terá que transcrever tudo e tal como o informante fala. A linguagem humana é articulada, por isso podemos dividir qualquer enunciado em seus fonemas componentes. Mas, na 59

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

realidade, todo enunciado é um contínuo, é uma sequência em que os segmentos se inter-relacionam e sofrem influências mútuas. Estas influências aparecem na fonética. Qualquer vogal, por exemplo, sofre alteração fonética de acordo coma tonicidade ou atonicidade, com sua posição relativa às consoantes. Assim, o fonema /a/ sofre alteração fonética em casa [kazŒ]. O primeiro a está em posição tônica e o segundo, em posição átona, que faz com este seja reduzido. Vamos, à guisa de ilustração, reproduzir algumas palavras e frases em ambas as escritas. Lembre-se: nas transcrições fonológicas adotam-se as barras inclinadas, enquanto na fonética os colchetes. Há de ressaltarmos que, dependendo da região de origem do falante, a realização do “r” pode variar e, consequentemente, a transcrição fonética, por isso a realização do r nas palavras carta e sair, por exemplo, é apenas uma possibilidade, dentre tantas outras que o fonema r comporta no português falado do Brasil. No caso, das duas palavras, o segmento r aparece representado foneticamente por [h], apontando para uma realização fricativa aspirada, que é a realizada por pessoas que moram em estados do sudeste e do nordeste, predominando no nordeste, principalmente, em Recife e Salvador, conforme constataram as pesquisas de Callou, Moraes e Leite (1996). Observemos, a seguir, a transcrição fonética de algumas palavras isoladas, verificando a forma ortográfica de cada uma das palavras, seguida de algumas descrições.

a) carreta - [ka ‘hetŒ] = o símbolo [h] representa o som ortográfico “rr”. É o som produzido com a articulação das cordas vocais. É também, denominado fricativa glotal surda. 60

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Quadro 07 Transcrição fonológica e transcrição fonética Transcrição fonológica

Transcrição fonética

(1) Anda ! / ‘a)ndA/

[‘a)ndŒ]

(2) Livro ! / ‘livRo/

[‘livRu]

(3) Vou escrever uma carta

- /‘vow eskRe ‘ver ‘uma ‘karta/..... [‘vo iskRe ‘ve ‘u)A ‘kahtŒ]

(4) Posso sair hoje

- ./pso sa ‘ir ‘oZe/ sA ‘ih ‘oZi]

[psu

b) cisterna - [sis ‘tEúnŒ] = que pode variar a pronúncia para [siS ‘túnŒ], na primeira o ‘s’ tem uma realização alveolar, no segundo palatal. É considerado alveolar porque a ponta da língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores, ou a língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores toca contra os alvéolos, produzindo o som alveolar. E será palatal, quando ocorre o contato da parte central da língua com o palato duro. A primeira realização descrita é comumente adotada no sul e sudeste; e a segunda, no nordeste brasileiro. c) escola - [is ‘klŒ] ~ [es ‘klŒ] ~ [Es ‘klŒ] = no caso destas palavras, pode ocorrer as três realizações, pois trata-se de um alofone – que é uma realização diferente de um fonema no mesmo ambiente fonológico. Esta realização vai variar, levandose em conta a região geográfica de origem do falante. Geralmente, quem mora no sul e sudeste tende a fechar as vogais, já quem mora no nordeste tende a abri-las. Neste aspecto, quem nasceu no nordeste e, principalmente, se ele for do Ceará as vogais serão realizadas com um grau de abertura maior, diferentemente, ocorrerá com que nasceu em outras regiões do sul e sudeste. d) desisti - [dZ ‘ziStSI] = na realização dessa palavra aparecem dois símbolos, que representam os sons africados, o 61

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[dZ] e o [tS], diz-se que o som é africado quando ocorre bloqueio total à corrente do ar em sua parte inicial e uma obstrução que produz fricção na parte final de sua articulação, que é exatamente o que ocorre com sons [dZ] e [tS], quando estiverem sempre seguidos e pronunciados como [i]. Mas caso alguém não realize esses segmentos acompanhados de [i], a pronúncia para esta mesma palavra sofre alteração, que passará a ter a transcrição: [de ‘ziStSI] ~ [dE ‘iStSI], pelo menos para o primeiro segmento africado [dZ], dando lugar a [d] ou [dE], produzindo ora som fechado, ora aberto. Observando-se, portanto, mais um exemplo de alofonia.

e) baralho - [ba ‘Ra´U] = o símbolo [´] representa o som ortográfico “lh”. É um som palatal, como já dito anteriormente, é aquele em que a parte central da língua entra em contato com o palato duro. Além desse som, há aquele representado pelo símbolo [R], que ortograficamente, representa “rr”. Trata-se de um som vibrante simples, ou melhor, som resultante de uma batida rápida da ponta da língua na parte alveolar. Ele é geralmente usado em posição intervocálica, ou seja, entre vogais, ou seguida de consoante. Servem como exemplo as palavras: caro, prato garfo etc.

f) chave - [‘Savi] = o símbolo [S] representa ortograficamente as palavras com “ch” e “x” na língua portuguesa. É um som palatal, e como já dito, é um som em que a parte central da língua entra em contato com o palato duro. Em síntese, para analisarmos a língua do ponto de vista da oralidade, da fala, registrando todos os detalhes da fala, tal como o sujeito a realizou, é necessário que façamos sua transcrição fonética. Para isso, uma possibilidade é lançarmos mão dos símbolos fonéticos 62

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que constituem o IPA. Essa transcrição, algumas vezes, pode variar, dependendo do sistema fonético que está sendo utilizado. Temos dois tipos de transcrição fonética: um mais amplo e outro mais restrito. De acordo com Cristófaro-Silva (2002, p.36), elas podem ser restritas quando “explicita os detalhes observados articulatoriamente” e amplo é “aquela transcrição que explicita apenas aspectos que não sejam condicionados por contexto ou características específicas da língua ou dialeto”. Um exemplo seria a palavra “quilo”, que na transcrita ampla é [‘kilU], enquanto na restrita seria [‘kJilWU]. Nesta última transcrição aparecem os detalhes da palatalização de [k] seguidos de [i] e também a labialização de [l] seguido de [U]. Como podemos ver, na transcrição ampla não levamos em conta aqueles aspectos considerados secundários na produção dos sons, a exemplo da palatalização, labialização, velarização etc. Em geral, é este tipo de transcrição que mais utilizamos no dia-a-dia da sala de aula ou em pesquisa de caráter dialetal.

3.4.1 Transcrição fonética do português

Para sintetizar o que falamos até aqui, apresentaremos o alfabeto fonético da língua portuguesa, observando, no quadro abaixo, os seguintes aspectos para compreendê-lo: na primeira coluna aparecem as letras do nosso alfabeto; na segunda, apresentamos a classificação dos símbolos; na terceira, apresentamos o símbolo fonético das letras. Na quarta, apresentamos um exemplo ortográfico. As letras em negrito, no exemplo ortográfico, correspondem ao símbolo fonético. E na quinta coluna expomos a transcrição fonética do exemplo.

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Quadro 08 Alfabeto fonético do Português

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

3.5 SÍNTESE DA UNIDADE Nesta aula, analisamos a transcrição fonética do alfabeto da língua portuguesa brasileira. Transcrição fonética é a escrita realizada com auxílio de símbolos entre colchetes de um alfabeto estabelecido por uma convenção. É uma tentativa de se registrar de forma clara o que se passa na fala de qualquer língua. A convenção bastante difundida é o alfabeto proposto pela sociedade internacional de fonética, denominado alfabeto fonético internacional. Para verificar o que estudamos nesta unidade, passemos agora às atividades com vistas a checar o que aprendemos. Comecemos pelo fórum de discussão. FÓRUM DE DISCUSSÃO 1) Sabemos que os falantes nativos de uma língua distinguem-se em face do que popularmente se denomina sotaque. Um levantamento dos variados sotaques dos brasileiros é de caráter fonético ou fonológico? Explique. ATIVIDADE I 1) De acordo com a sua pronúncia, transcreva foneticamente as palavras que se seguem: a) Exílio: b) Mangueira: c) Casamento: d) Ajudante: e) Chave: 66

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f) Costa: g) Congelados: h) Tia: i) Diário: 2) Indique a forma ortográfica de cada uma das palavras que se seguem: a) [‘sEk«] b) [‘hEt«] c) [‘psI] d) [‘mi)tU] e) [‘bRuS«] f) [is ‘kl«] g) [‘aZ«] h) [‘sop«] i) [‘tSi«] j) [dZiabU] l) [‘SeRU] ATIVIDADE II 1) Apresente para cada um dos sons, abaixo, uma palavra ortográfica. a) [tS] = b) [m] = c) [k] = d) [Z] = e) [R] = f) [S] =

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

2) Dê exemplos em forma ortográfica e fonética de cada um dos sons consonantais do português listados a seguir: Som a) [p] b) [dZ] c) [t] d) [z] e) [ø] f) [l] g) [h] h) [s] i) [d] j) [Z] k) [S]

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Ortografia

Fonética

12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 UESPI/NEAD Letras Espanhol 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456

UNIDADE 4 VOGAIS E SEMIVOGAIS DO PORTUGUÊS • Funcionamento do sistema vocálico da língua portuguesa;

OBJETIVOS • Compreender o funcionamento do sistema vocálico da língua portuguesa no Brasil; • Classificar os sons vocálicos da língua portuguesa; • Identificar palavras que apresentam semivogais; Identificar palavras que apresentam ditongos; • Reconhecer as vogais orais do português brasileiro; • Apontar as vogais nasais do português brasileiro.

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12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789

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4 VOGAIS E SEMIVOGAIS DO PORTUGUÊS 4.1 INTRODUÇÃO De imediato você poderia perguntar: em que se difere afinal um som consonantal de um vocálico? Na aula anterior, vimos que as consoantes são sons produzidos por um fechamento ou estreitamento do aparelho fonador, ou melhor, se dá com bloqueio total ou parcial à passagem do ar no trato vocal. Já a produção dos sons vocálicos ocorre sem bloqueio à passagem de ar na cavidade do trato vocal. Diferentemente das consoantes, as vogais constituem núcleo de sílaba e sobre elas pode recair o acento (CALLOU; LEITE, 2001). O português tem uma das fonologias mais ricas das línguas românicas. As vogais do português classificam-se em: orais e nasais. As vogais são orais quando o palato mole está levantado, impedindo a passagem do ar pela cavidade nasal, obrigando-o passar pela boca. Os sons são nasais, quando se dá o abaixamento do palato mole e a corrente do ar entre na cavidade nasal, que é expulso pelo nariz. A nasalidade, em português, é marcada com um til acima da vogal, como se verifica, por exemplo, em [a)] (CRISTÓFARO-SILVA, 2002). 4.2 CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS DO PORTUGUÊS Para a descrição dos sons vocálicos, levamos em conta três fatores: altura do corpo da língua, posição da língua e arredondamento dos lábios. A altura do corpo da língua diz respeito à altura que a língua ocupa no trato vocal durante a produção de um som. 71

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Quando, por exemplo, dizemos pi, pé, pa, notamos que a língua vai abaixando no trato vocal. Desse modo, “o espaço vertical oral para o escape de ar em [a] é maior do que em [i]”, como informam Santos e Souza (2003, p.23). Os graus de altura da língua são quatro: a) Alto: são os sons em que a língua está mais alta e, portanto, o trato vocal está mais fechado para o escape do ar. Por essa razão, esses sons também são denominados de fechados. São exemplos de sons vocálicos altos os primeiros sons vocálicos em Ivo e chuva. b) Médio-alto: Conhecidos, também, como meio-fechado. Ao pronunciarmos o “e” e o “o” note que ocorre uma leve abertura, a língua abaixa um pouco em relação aos sons de “i” e “u”. Logo, o “e” e o “o”, quanto á altura, são vogais média-altas, representadas através dos símbolos fonéticos [e] e [o]. Servem como exemplos de vogais média-altas as primeiras vogais das palavras pêssego e poço. c) Médio-baixo: essa abertura aumenta mais quando articulamos o é e o ó. Por isso essas vogais, quanto à altura, são média-baixas. É conhecido também como um som meio-aberto. Os primeiros sons vocálicos de peça e posso são exemplos de sons vocálicos médio-baixos, representadas pelos símbolos fonéticos [E] e []. d) Baixo: é o maior grau de abertura vertical, em que a língua se encontra mais baixa. É também conhecido como aberto. Há, portanto, o maior grau de abertura à passagem da corrente do ar. É exemplo de som vocálico baixo o primeiro som vocálico de casa. Esse som é representado pelo símbolo fonético [a]. Somente a altura não é suficiente para a classificação dos sons vocálicos, visto que não distingue os sons [i] e [u], já que ambos são altos. “Quando esses sons são pronunciados, percebe72

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se que há duas diferenças entre eles: a posição da língua e o arredondamento dos lábios” (SANTOS E SOUZA, 2003, P.23). A posição da língua compreende o eixo horizontal da área vocálica, visto que está relacionada à movimentação da língua para frente (anterior) ou para trás (posterior), o que altera a cavidade oral. Neste aspecto, quanto à posição, a língua apresenta três critérios: a) Anterior: a língua se projeta em direção aos lábios. Ao pronunciarmos o “e”, o “é” e o “i”, a língua eleva-se na região localizada à frente da cavidade bucal. Portanto, essas vogais são anteriores, representadas pelos símbolos fonéticos [e], [E] e [i]. São exemplos de sons anteriores os sons vocálicos de ser e café. b) Posterior: a língua está mais retraída, em direção à faringe. Quando articulamos o “o”, o “ó” e o “u”, a elevação se dá na parte final do trato vocal. Por essa razão, o “o”, “ó” e o “u” são vogais posteriores, representadas pelos símbolos fonéticos [o], [] e [u]. São exemplos de sons posteriores os primeiros sons vocálicos de poço, posso e tu. c) Central: a língua está em posição neutra, nem projetada para a frente, nem retraída. Ao pronunciarmos o “a”, a língua elevase entre a parte anterior e a posterior. Nesse caso, a língua está em posição de descanso. Portanto, o “a” é uma vogal central, representada pelo símbolo fonético [a]. Por exemplo, a primeira vogal da palavra cama identifica a vogal central. Por fim, o último aspecto a ser considerado na produção dos sons vocálicos é o arredondamento dos lábios. Como já mencionado, [i] e [u] não diferem apenas em relação à posição do corpo da língua, elas servem também se diferenciarem quanto ao arredondamento: enquanto o [u] é produzido com os lábios arredondados, a produção do [i], por exemplo, configura-se com 73

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

os lábios estendidos, ou não arredondados. Portanto, são essas as duas formas de protusão labial: a) Arredondados: é quando os lábios ficam arredondados. Ao pronunciarmos o “o”, o “ó” e o “u” percebemos o arredondamento dos lábios. Portanto, o “o”, o “ó” e o “u” são vogais arredondadas, representadas pelos símbolos fonéticos [o], [] e [u]. Servem como exemplo desse tipo de vogal as palavras ovo, posso e uva. b) Não-arredondados: é quando os lábios ficam estendidos. Ao pronunciarmos o “a”, o “e”, o “é” e o “i”. Por isso essas vogais são não-arredondadas, representadas pelos símbolos fonéticos [a], [e], [E] e [i], respectivamente. Vejamos a representação das vogais arredondadas e não-arredondadas nas figuras a seguir.

Figura 17 - Posicionamento dos lábios

No quadro 09, a seguir, apresentaremos uma síntese da classificação das vogais faladas no português do Brasil, como descrita na seção anterior. 74

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Quadro 09 classificação das vogais ANTERIOR ALTA MÉDIA-ALTA MÉDIA-BAIXA

CENTRAL

[i], [i)] [e], [e)] [E]

POSTERIOR

[u], [u)] [o], [o)] [] [a], [a)]

BAIXA NÃO-ARREDONDADAS

ARREDONDADAS

Sintetizando, para se descrevermos os sons vocálicos, levamos em consideração a posição da língua, em termos de altura e de anterioridade/posterioridade, e o arredondamento dos lábios. Em relação à altura da língua, as vogais são classificadas em alta, que significa menor abertura à passagem do ar, pois a língua está no alto da boca – [i] e [u]; média–alta, leve abertura, a língua abaixa um pouco – [e] e [o]; média–baixa, é quando a abertura aumenta mais, representada pelos fonemas [E] e []; baixa, a língua está totalmente baixa, há maior grau de abertura à passagem do corrente do ar – representado pelo segmento [a]. Na produção dos sons vocálicos, anterioridade e posterioridade referem-se à posição da língua na horizontal. A língua é dividida em três partes simétricas: anterior – elevação da língua na região localizada à frente da cavidade bucal –[e], [E] e [i], posterior – elevação da língua na região localizada na parte final da cavidade bucal – [o], [] e [u] e central – elevação da língua na região entre a parte anterior e a posterior – [a]. Quanto ao arredondamento dos lábios, temos as vogais não-arredondadas – posição em que os lábios ficam estendidos – [], [e], [E] e [i] e arredondadas – os lábios ficam arredondados, ocorre, como já dito, uma protusão labial, conforme ilustra a figura a figura 14, na página anterior. 75

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Na figura 18, as vogais aparecem representadas em um triângulo. Você pode perceber a posição das vogais para entender melhor o que acabamos de analisar, por exemplo, [a] vogal mais baixa, [i] e [u] vogais mais altas, [a] vogal central, [o] e [u] vogais posteriores.

Figura 18 – Representação esquemática da área vocálica.

Na próxima seção, trataremos das semivogais. A semivogal se apresenta com uma vogal em uma única sílaba e, juntas, formam o ditongo. 4.3 SEMIVOGAIS As semivogais são fonemas assilábicos que se aproximam de um som de vogal, mas soam fracamente, assemelham-se porque se juntam a uma vogal para formar uma sílaba. Por exemplo, na palavra mau, a letra “u” é uma semivogal e “a” é uma vogal. De acordo com Crystal (2000, p. 234), a semivogal é termo usado na classificação dos sons consonantais, baseado em seu modo de articulação. Assim, segundo ele: 76

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refere-se aos sons que funcionam com uma consoante, mas não tem características FONÉTICAS normalmente associados às consoantes (como fricção e fechamento); ao contrário, apresentam a QUALIDADE fonética de uma vogal, ainda que, por ocorrerem nas MARGENS de uma SÍLABA, a sua DURAÇÃO SEJA MUITO MENOR DO QUE A DAS VOGAIS TÍPICAS (grifos do autor).

Pela definição acima, percebemos que as semivogais, também denominadas glides, não têm características tão precisas quanto as consoantes ou as vogais. Elas podem apresentar características fonéticas de vogais e de consoantes. Contudo, no português elas são classificadas

como sons vocálicos.

(CRISTÓFARO-SILVA, 2002). Podemos acrescentar que a semivogal se apresenta com uma vogal em uma única sílaba e, juntos, formam o ditongo. Portanto, os sons vocálicos, diferentemente dos consonantais, são produzidos sem bloqueio à passagem do ar e são classificados conforme o movimento da língua e o dos lábios. As semivogais, também denominadas de glides, podem apresentar características de vogais e consoantes. No português, elas são classificadas como sons vocálicos. Elas são transcritas foneticamente por [I,U]. 4.3.1 Classificação As semivogais para alguns especialistas são classificadas ora como consoantes ora como vogais, e alguns lhes dão classificação à parte, como informa Paulino (1987). A classificação dos fonemas decorre de traços fonéticos acústicos e/ou articulatórios; por essa razão, consideramos inadequada a inclusão delas entre as consoantes, uma vez que as 77

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

características fonéticas das semivogais se assemelham às das vogais [i] e [u]. Desse modo, incluí-las entre as vogais pode levar o iniciante a conclusões falsas no estudo da sílaba, ou mesmo a não distinguir o [y] do [i], o [w] do [u]. Neste sentido, é mais coerente classificá-las à parte, visto que quando a análise se restringir ao aspecto fonético, “considerá-las-emos entre as vogais; quando se referir ao aspecto fonológico, considera-las-emos consoantes”, como assegura Paulino (1987, p. 83). Tomando a análise nesta perspectiva, um único critério é necessário para distinguir as duas semivogais, a posição da língua. Nesta ótica, como o [y] equivale, foneticamente, a [i], e [w], o primeiro à ANTERIOR e o segundo, POSTERIOR. Logo: /y/ = semivogal, anterior; /w/ = semivogal, posterior. 4.3.2 Análise de alguns aspectos das semivogais Uma das maiores dificuldades encontradas pelo iniciante no estudo dos fonemas, principalmente, os semivogais, decorre em virtude da forte influência da modalidade escrita, norma culta. Isso ocorre porque no uso escrito, esses fonemas não possuem um grafema definido que os represente. Além disso, em alguns enunciados orais, as semivogais “não gozam de qualquer representação gráfica”, no entendimento de Paulino (1987, p. 84). Vejamos alguns exemplos extraídos também de Paulino (1987, p.84), abaixo relacionados: 1) [abe)s ‘oy] = abençoe 2) [Zh ‘naw] = jornal 3) [‘ka)ta)w] = cantam também 78

[pay] = pai [‘payŒ] = palha

[paw] = pau [Eyu] = velho

[be ‘beRa)w] = beberam [ta) ‘be)y] =

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Podemos depreender que em (1), entre as letras vogais, o [y] tem dois símbolos: E e I, o [w], também dois: O e U. Isso quer dizer que, dentre as cinco letras-vogais, apenas A não representa semivogal. Nos exemplos de (2), o [w] poderá ser representado por L ou R, enquanto o [y], pelo conjunto das letras LH. A transcrição fonética aproximada das palavras palha e velho, por exemplo, pode ser verificada, com alta frequência, entre indivíduos de baixa escolaridade em certas regiões geográficas do Brasil. Já em (3), o [w], em sílaba átona e em final de palavra, é representado, na escrita, pela letra M, quando antes dela vier o segmento fônico [a)]; o [y], em sílaba tônica ou átona e em final de palavra, é representado pela letra M ou N. Pelo apresentado acima, confirmamos a natureza híbrida da semivogal, até na relação oral-escrita, representada por letravogal ou letra-consoante. Além desses exemplos arrolados anteriormente, outros podem ser apontados, tais como: (4) [meys] ~ [meyS]= mês

[pays] ~ [payS]= paz

Exemplos como os de (4), em que o [s] ou [S] final é antecedido por uma vogal tônica, na modalidade oral, é freqüente, aqui no Brasil, a presença do [y] entre a vogal tônica e o [S] final. Contudo, essa semivogal não tem qualquer representação na escrita. (PAULINO, 1987). Observemos que as semivogais podem ocorrer em quatro posições em relação à vogal: Antes ou depois de vogal tônica; Antes ou depois de vogal átona; Antes e depois de vogal tônica; Antes e depois de átona. 79

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4.3.1.1 Antes e depois de vogal tônica /’kwahtu/ = quarto /sEh ‘ta)w/ = sertão /E ‘bRayku/ = hebraico 4.3.1.2 Antes ou depois de vogal átona /saw ‘dah/ = saudar ou saldar /pay ‘zaZe)y/ = paisagem /ya ‘ya/ = Iaiá 4.3.1.3 Antes e depois de vogal tônica /igwaw/ = igual

/i ‘gways/ = iguais

Além disso, merece destaque um fenômeno que envolve as combinações [y + vogal + vogal] ou [y + vogal + w]. Elas são eventuais na Língua portuguesa. Isto significa que estão dependentes da situação de comunicação, e para analisá-las devemos levar em conta, também, aspectos da influência regional ou cultura, como informa Paulino (1987). 4.3.1.4 Antes e depois de vogal átona /‘agwa)w/ = águam (verbo)

/‘agwe)y/ = ágüem (verbo)

Merece destaque ainda a situação em que a semivogal se encontra entre duas vogais, como ilustram os exemplos a seguir: 80

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/may ‘h/ = maior /gy ‘abŒ/ = goiaba /piaw ‘i/ = Piauí Observemos que, pronunciando-se lentamente cada um desses exemplos, “perceberemos que a semivogal se apoia nas duas vogais, havendo, portanto, um prolongamento, como se ela funcionasse” como uma “ponte de transição entre duas sílabas”, na interpretação de Paulino (1987, p. 87). O mesmo não se verifica na divisão sílaba gráfica, quando se percebe que a semivogal fica na sílaba anterior: mai-or, goi-a-ba, etc. 4.4 VOGAIS ORAIS DO PORGUTUÊS Na língua portuguesa, as vogais orais classificam-se em tônicas, pretônicas ou postônicas. Por exemplo, na palavra café [ka ‘fE], a sílaba tônica é a última. As vogais tônicas têm o acento primário. As vogais pretônicas são aquelas que vêm antes da sílaba tônica. Por exemplo, na palavra abacaxi [abaka ‘Si], a vogal tônica é ‘i’, logo em todas as outras, o [a] é pretônico. As vogais postônicas são as que se apresentam depois da tônica. Elas podem ser postônicas medial ou final. A postônica medial aparece em palavras proparoxítonas entre a tônica e a pretônica final. A postônica final aparece no final da palavra. Por exemplo, na palavra “matemática”, a vogal tônica é o segundo [a]. Portanto, o [i] é postônico medial, e o último [a] é postônico final. 4.4.1 Vogais tônicas orais Como vimos anteriormente, as vogais tônicas carregam o acento primário das palavras. De maneira geral, elas se 81

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apresentam de forma homogênea em todas as variedades da língua portuguesa. Nos exemplos ortográficos a seguir, elas aparecem destacadas em negrito: pé [‘pE], pó [p], você [vo ‘se], alô [a ‘lo], urubu [uRu ‘u] (CRISTÓFARO-SILVA, 2002). O quadro 10, abaixo, apresenta as vogais tônicas orais da língua portuguesa. Quadro 10 Classificação das vogais tônicas orais ANTERIOR ALTA MÉDIA-ALTA MÉDIA-BAIXA

CENTRAL

[i] [e] [E]

POSTERIOR

[u] [o] [] [a]

BAIXA

NÃO-ARREDONDADAS

ARREDONDADAS

Ressaltemos que, como em toda língua, verificamos a variação dialetal, e com relação às vogais tônicas orais, essa variação ocorre em um grupo restrito. Por exemplo, em palavras como “ele” [eli], “fecha” que pode tanto se realizar como [‘feSa] ou como [‘fESa]. O mesmo ocorre com a palavra “extra” realizada ora [‘eStRa] ou [‘EStRa]. Como percebemos, há sempre duas pronúncias possíveis para as vogais tônicas orais [e, o] ou [E, ]. (CRISTÓFARO-SILVA 2002). 4.4.2 Vogais pretônicas orais As vogais pretônicas são aquelas que vêm sempre antes da sílaba tônica. A gosso modo, as vogais [i,e, a,o,u] pretônicas são pronunciadas de maneira idêntica nas variedades da língua portuguesa, como assegura Cristófaro-Silva (2002). Nos exemplos u ‘bu], podemos verificá-las na “Pelé” [pE ‘lE], você [vo ‘se], urubu [uRu primeira sílaba de cada uma das palavras. 82

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Contudo, em alguns dialetos, as vogais pretônicas [e] e [o] podem variar. Por exemplo, nas palavras “menino” e “moleque”, elas podem ser realizadas com [e,o], [i,u] ou [E,], respectivamente.Aseguir, apresentaremos o quadro das vogais pretônicas orais do português do Brasil. Quadro 11 Vogais pretônicas orais ANTERIOR ALTA

[i] [I]

MÉDIA-ALTA

[e]

MÉDIA-BAIXA

([E])*

CENTRAL

POSTERIOR [u] [U] [o]

([«])*

BAIXA

([])*

[A] NÃO-ARREDONDADAS

ARREDONDADAS

Desse quadro, algumas ocorrem apenas em algumas variações dialetais. É o caso das vogais médias-baixa [E] e [], e da vogal central [«], realização observada na palavra como cama, por exemplo. 4.4.3 Vogais postônicas orais médias As vogais postônicas mediais aparecem sempre em palavras proparoxítonas entre a tônica e a postônica final. Na concepção de Cristófaro-Silva (2002), ocorre uma grande variação de pronúncia das vogais nessa posição. O uso formal dessas vogais corresponde ao da grande maioria dos nossos dialetos. Por exemplo, no Nordeste, há com frequência o uso das vogais [E,]. O quadro 12, a seguir, apresenta as vogais postônicas orais do Português. Quadro 12 Vogais postônicas orais mediais ANTERIOR ALTA

CENTRAL

[i] [I]

[u] [U]

MÉDIA-ALTA

[e]

[o]

MÉDIA-BAIXA

[E]

[«]

BAIXA

POSTERIOR

[]

[A] NÃO-ARREDONDADAS

ARREDONDADAS 83

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A grande maioria dos dialetos do Português brasileiro adota as vogais postônicas mediais [i,A,u] na sua forma reduzida: [I,«,U],, respectivamente. Algumas vogais reduzem-se a zero, como observamos nas palavras “chácara” e “fósforo”, que na língua falada, A síncope é um fenômeno muito frequente de desaparecimento de um ou mais fonemas no interior de uma palavra. As vogais e sílabas átonas estão particularmente sujeitas a isso, como informa Dubois et al (2007).

muitas vezes, é pronunciada “chacra” e “fosfro”, sem a postônica medial, resultando, então, no processo de síncope. 4.4.4 Vogais postônicas orais finais As vogais postônicas finais são aquelas que se apresentam depois da tônica. A postônica final aparece no final da palavra. Ela corresponde ao gênero de substantivos e adjetivos (i, e, a, o) e à vogal temática de verbos (a, e, i). Em posição postônica, a pronúncia das vogais [i,e,a,o], ocorre em poucos dialetos. Nesses poucos dialetos, elas são pronunciadas do mesmo modo que as vogais tônicas. Os falantes não têm consciência do uso das vogais. Para a maioria, as vogais postônicas são diferentes das pretônicas e das tônicas. As vogais [i, e] apresentam a pronúncia [I], a vogal [a] é pronunciada [«], e as vogais [o, u] realizam-se como [U], como nos informa Cristófaro-Silva (2002). Isso pode ser observado na pronúncia das seguintes palavras: “biquíni” [bi ‘kinI], “fome” [fo)mI], “rosa” [‘hz«] e “mato” [‘matU]. O quadro 13, abaixo, apresenta as vogais postônicas orais do Português.

Quadro 13 – Vogais postônicas orais ANTERIOR ALTA MÉDIA-ALTA MÉDIA-BAIXA BAIXA

CENTRAL

*([i]) [I]

[u] [U]

([e])*

([o])* [«] ([A])

NÃO-ARREDONDADAS 84

POSTERIOR

ARREDONDADAS

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Destacamos que as vogais que aparecem entre parênteses e com asteriscos apresentam variação dialetal, pois elas aparecem somente em alguns dialetos falados no português brasileiro. Segundo Hora (2009), o sistema vocálico apresentado por Câmara Jr.(1977) é o mais reduzido. Das sete vogais em posição tônica, resta apenas três: /i,a,u/, que poderão ser apresentadas, no quadro 14, assim: Quadro 14 Vogais tônicas reduzidas Altas

/i/

/u/ /a/

Baixas

De acordo com informações colhidas em Hora (2009, p.22), “considerando os estudos realizados no sul do Brasil, este quadro não se revela categórico”, visto que é possível encontrar variáveis médias de segundo grau e altas convivendo. Tal variação é resultado, sobretudo, da colonização, conforme Hora (2009). Um exemplo disso são as variações de pronúncias arroladas pelo mesmo linguista, como mostra o quadro 15, abaixo: Quadro 15 Vogais postônicas orais mediais Variação (1)

Variação (2)

Leit[e]

Leit[I]

Dent[e]

Dent[I]

Gat[o]

Gat[U]

Post[o]

Post[U]

A compreensão da variabilidade apresentada pelas vogais é apenas uma etapa mais essencial para se realizar futuros estudos, na língua portuguesa, com vistas a uma sistematização do português falado no Brasil, sendo também uma forma de avaliar os processos adotados na língua em geral. 85

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4.4.5 Vogais nasais Há muitas discussões em torno das vogais nasais. Duas são as teorias mais importantes. Uma delas afirma que as vogais nasais são fonemas de direito e de fato, independentes das vogais orais. Outra argumenta em sentido contrário: são apenas alofones das vogais orais, alofones por posição. Esta última nos parece a melhor e mais acertada. Esta também é defendida por Câmara Jr. (1977), considerado o mais eminente linguista brasileiro. Segundo este linguista há uma distinção entre nasalidade fonética e nasalidade fonológica. A nasalidade fonética é a que não estabelece distinção de significado, como a que ocorre nas palavras “camelo” e “banana”, que se realizam alternativamente como [ka)melU], [ba)na)n«] ou como [kamelU], [bana)n«], respectivamente. Enquanto na nasalidade fonológica ocorre alteração de significado, a exemplo de “canto” realizada [ka) t U] e “cato” pronunciada [katU]. Notemos que a não nasalização da vogal [a], no segundo exemplo, gerou outro item lexical com significado totalmente diferente do anterior. De fato, se observarmos a ocorrência de vogais nasais, ou melhor, nasaladas, verificaremos que sua posição é bem determinada e até predizível. Sempre que uma vogal oral vem seguida de uma consoante nasal, esta exerce sua influência sobre a vogal, nasalando-a: cata – canta; casa – cansa; teso – tenso; lido – lindo; sito- sinto, etc. Nos casos em que houver um par mínimo em que a oposição está entre vogal oral e nasal, teremos um novo fonema. É o caso observado para a nasalidade fonológica. Do ponto de vista articulatório, uma vogal nasal é verificada quando ocorre o abaixamento do palato mole, que deixa a corrente 86

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do ar entrar na cavidade nasal. A nasalidade é marcada com um til acima da vogal [a)]. As vogais nasais ocorrem em final de palavra tônica, como em “lã” [‘la)]; em sílaba postônica final, como em “irmã” [ih ‘ma) ]; no interior da palavra como tônica, a exemplo de “canto” [‘ka)tU] ou pretônica, como em “cantora” [ka)toRA] (CRISTÓFAROSILVA, 2002). A nasalidade pode ocorrer como variação dialetal. Geralmente isso ocorre quando a vogal é seguida por uma consoante nasal [m, n, ø], como em “banana”, que pode ser pronunciada com o primeiro “a” nasal ou não, como [ba)na)n«] ou [bana)n«]. O quadro 16 exibirá as vogais nasais do português brasileiro. Quadro 16 Vogais nasais ANTERIOR

CENTRAL

POSTERIOR

ALTA

[i)]

[u)]

MÉDIA

[e)]

[o)]

BAIXA

[a)] NÃO-ARREDONDADAS

ARREDONDADAS

Como não há distinção entre as vogais nasais médiasbaixas [E,] e as médias-altas [e, i], adotou-se apenas os símbolos [), i)] (CRISTÓFARO-SILVA, 2002). Em geral, os estudos variacionistas realizados e os que ainda serão implementados, certamente terão aplicabilidade no futuro próximo, no ensino do português, especialmente no nível fundamental, pois muitas vezes os alunos fazem certos questionamentos sobre determinado aspecto da língua e nós, professores, silenciamos pela falta do conhecimento teórico, e ficamos sem responder a essas perguntas. 87

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

4.5 DITONGOS O ditongo se caracteriza pelo encontro de uma vogal silábica, quer tônica, quer átona e uma vogal assilábica. Em outras palavras, o ditongo é um termo comumente utilizado para designar um encontro vocálico em uma mesma sílaba. De acordo com a Gramática Tradicional, os ditongos são classificados em crescentes e decrescentes. São crescentes quando há uma semivogal, seguida de uma vogal, e decrescentes quando a vogal Termo do inglês usado em fonética para indicar um som de transposição quando os órgãos da fala se movimentam em direção a uma articulação ou se afastam dela. Como não são nem consoantes nem vogais, os glides costumam ser denominados semiconsoantes ou semivogais (têm uma qualidade vocálica e uma distribuição consonantal) (CRYSTAL, p.126).

1988,

é precedida da semivogal. Na linguística, os ditongos são também caracterizados como uma sequência se fonemas vocálicos. No entanto, tais fonemas assumem qualidade diferente na realização, sendo uma das vogais da sequência realizada como semivogal, denominada e conhecida de glide. As semivogais são vogais assilábicas, isto é, não ocupam a margem do núcleo silábico, pois não apresentam proeminência acentual para ser o centro da sílaba, como ocorre com as vogais. De acordo com Hora (2009, 24) “o português apresenta dois segmentos que se caracterizam como semivogal: o [j], que muitas vezes é representada pelo [y], e o [w]”, como ilustram os exemplos (1) (1) le[j]te bo[j] pa[w]ta me[w] Em torno do glide, há uma discussão acirrada: eles devem ser considerados segmentos vocálicos ou consonantais? Para responder a essa questão mais uma vez recorre-se a Câmara Jr.

88

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(1983), que adota o argumento do comportamento do “r” na palavra, e segundo o qual o glide como segmento vocálico, em fronteira de sílaba, o “r” é sempre realizado como brando depois de vogal, a exemplo de “mora” e forte depois de consoante, como observamos, por exemplo, na palavra “honra”. Quando o r aparece depois de um ditongo, este é realizado como brando, como observamos na palavra “europeu”, o que justifica o status vocálico de glide (HORA, 2009). Desse modo, os ditongos definem-se pela presença de uma vogal mais um glide numa sequência. Vale frisar que esses dois segmentos fazem parte da mesma sílaba, diferindo do que se costuma de hiato, que são duas vogais em sequência, porém mantêm a sua qualidade, ou melhor, nenhuma das duas é semivogal, estando em sílabas distintas. Observemos as palavras “pais” [‘pajs] e país [pa ‘js], em que na primeira, temos um ditongo, já na segunda um hiato (HORA, 2009). Há outra discussão sobre os ditongos na língua portuguesa, a que classifica como verdadeiros ditongos somente os decrescentes. Eles são formados por vogal + semivogal; diferindose dos ditongos crescentes (semivogal + vogal), não existindo na origem das palavras e, por essa razão, podem variar livremente com o hiato. Temos como exemplo a palavra “suar”, que pode ser realizada ora como [‘swah] e ora [su ‘ah]. No português, há somente um tipo de ditongo crescente que não alterna com hiato, são os formados pela seqüência de consoantes oclusivas /k/ ou /g/ mais a semivogal /w/, seguida de /a/ ou /o/. Um exemplo é a palavra “qual” [‘kwaw], conforme Hora (2009). Os ditongos nasais são sempre decrescentes, como você pode observar nos exemplos a seguir: “mãe” [ma)j], “bem” [be)j]. Observe que o som de [e] e [m] nas duas palavras realizam-se como [I]. 89

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Outro fato interessante a ser destacado aqui é o do glide originado da vocalização do “l”, para o qual chama atenção Cristófaro-Silva (2002). No caso da vocalização, o “l” é representado foneticamente por [w]. Dessa forma, na palavra bolsa, a transcrição fonética desta palavra é [‘bowsA], em que se observa a vocalização desse som, ou seja, o “l” passa a realizar-se como [w], portanto, como vogal. Para finalizar, vamos falar do tritongo. O tritongo caracteriza-se como o encontro de dois ditongos com a mesma vogal silábica, sendo as outras duas, a anterior e a posterior assilábicas. Para Cristófaro-Silva (2002), eles são denominados de consoantes complexas. Por exemplo, segundo essa linguista, na palavra “quais”, há “uma sequência de oclusiva velar-glide (consoante complexa) seguida de um ditongo decrescente: [kWAIs]”. 4.6 SÍNTESE DA AULA Nos sons vocálicos, ocorre o estreitamento da cavidade bucal devido à aproximação da língua e do palato sem qualquer bloqueio à passagem do ar. As vogais constituem núcleo de sílaba e sobre elas pode recair acento. Elas podem ser orais (o ar sai pela boca) ou nasais (o ar sai pelo nariz). Para descrevermos os sons vocálicos, levamos em consideração a posição da língua, em termos de altura e de anterioridade/posterioridade, e de arredondamento dos lábios. Em relação à altura da língua, as vogais são classificadas em: alta (menor abertura à passagem do ar, pois a língua está no alto da boca – [i] e [u]; média-alta (leve abertura, a língua abaixa um pouco –[e] e [o]); média-baixa (abertura aumenta mais –[E] e 90

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[]); baixa (a língua está totalmente baixa, há o maior de e abertura à passagem da corrente de ar – [a]). Na produção dos sons das vogais, anterioridade e posterioridade referem-se à posição da língua na horizontal. A língua é dividida em três partes simétricas: anterior (elevação da língua na região localizada à frente da cavidade bucal – [e], [E] e [i]), posterior (elevação da língua na região localizada na parte final da cavidade bucal – [o], [] e [u]) e central (elevação da língua na região entre a parte anterior e a posterior – [a]). Quanto ao arredondamento dos lábios, temos as vogais não-arredondadas (os lábios ficam estendidos –[a], [e], [E] e [i]) e arredondadas (os lábios ficam arredondados –[o], [], e [u]). As semivogais, também denominadas de glides, podem apresentar características fonéticas de vogais e consoantes. No português, elas são classificadas como sons vocálicos. A semivogal se apresenta com uma vogal em uma única sílaba e, juntas, formam o ditongo. FÓRUM DE DISCUSSÃO 1) O que você entende por Sistema fonológico? Explique. ATIVIDADE I 1) Nas palavras a seguir, grife as vogais tônicas e indique o símbolo fonético delas. a) [

] balé

b) [

] japonês

c) [

] poço

d) [

] índio

e) [

] pássaro 91

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

2) Indique o símbolo fonético das vogais postônicas finais das seguintes palavras: a) [

] vida

b) [

] camelo

c) [

] doce

d) [

] gola

e) [

] cofre ATIVIDADE II

1) Quanto à classificação dos sons vocálicos, marque a alternativa incorreta. a) O “i” em sac[i] é uma vogal alta anterior não-arredondada. b) O “a” em amanh[ã] é vogal baixa central nasal. c) O “o” em h[o]je é vogal média-baixa posterior não-arredondada. d) O “e” em portugu[ê]s é vogal média-alta anterior não arredondada. 2) Classifique as vogais seguindo os dois primeiros exemplos. Note que a ordem notacional é quanto à altura, anterioridade-posterioridade, arredondamento e nasalidade. SÍMBOLO FONÉTICO [i]

Vogal alta anterior não arredondada

[i)]

Vogal alta anterior não-arredondada nasal

[e] [E] [] [a] [a)] [o] [u] [u)] 92

CLASSIFICAÇÃO DA VOGAL

UESPI/NEAD Letras Espanhol

3) Marque a alternativa em que todas as palavras apresentem semivogal. a) pais, país, países. b) mau, baú, Itaú. c) mãe, pão, balões. d) lua, mágoa, saí. ATIVIDADE III 1) Marque os itens que apresentam ditongo e indique os símbolos fonéticos do glide e da vogal (ditongo crescente) ou da vogal e do glide (ditongo decrescente). a) [

] sua

b) [

] põe

c) [

] também

d) [

] saúde

e) [

] muito

f) [

] série

g) [

] céu

h) [

] vácuo

2) Apresente uma palavra ortográfica com os seguintes símbolos vocálicos: a) [«] = b) [i] = c) [e] = d) [a] = e) [E] = f) [U] = g) [u] = h) [i] = 93

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Anotações

94

123456789012345678901234567 123456789012345678901234567 123456789012345678901234567 UESPI/NEAD Letras Espanhol 123456789012345678901234567 123456789012345678901234567 123456789012345678901234567 123456789012345678901234567 123456789012345678901234567

UNIDADE 5 FONOLOGIA: FONEMA, ALOFONE, ARQUIFONEMA • Funcionamento do sistema fonológico da língua portuguesa; • Identificação dos fonemas e alofones; • Reconhecimento dos arquifonemas; • Conhecimento sobre neutralização.

OBJETIVOS • Compreender o processo de identificação de fonemas e alofones; • Identificar os alofones da Língua Portuguesa; • Entender o processo de neutralização na Língua Portuguesa; • Reconhecer um arquifonema.

95

12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789 12345678901234567890123456789

96

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5 FONOLOGIA: FONEMA, ALOFONE, ARQUIFONEMA 5.1 INTRODUÇÃO A Fonologia explica que os usuários da língua conseguem reconhecer, dentro de uma infinidade de sons diferentes, aqueles que funcionam na língua como unidades do sistema, permitindo a comunicação. Na visão de Cristófaro-Silva (2002), uma das finalidades da fonologia é determinar quais são os sons de uma língua que diferenciam as palavras. É exatamente sobre isso que trataremos nesta aula, dando, desse modo, início ao estudo de fonologia: fonema, alofone e arquifonema. 5.2 FONEMA No campo do estudo linguístico, podemos estudar uma macro ou uma micro estrutura. Por exemplo, a Linguística textual analisa a construção do texto; a Sintaxe, a construção da sentença, já a Fonologia estuda unidades mínimas do sistema de sons de uma língua, ou seja, unidades menores que não podem ser analisadas em outras unidades menores e indivisíveis, denominadas fonemas. Essas unidades menores servem para distinguir significados entre palavras. Portanto, podemos acrescentar que fonema é a menor distintiva, não contendo em si mesmo nenhum significado. Um exemplo de fonema é o r. Esse fonema pode-se realizar ora como /R/ que é fraco, diferenciando-se do /r/ forte, pois servem para distinguir significados como, por exemplo, nas palavras caro [kaRU] e carro [karU], que pode ser realizado de várias formas, no português brasileiro: 97

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Vibrante múltipla alveolar [r] Vibrante múltipla uvular [{] /r/

Fricativa velar [x] Fricativa gotal (aspirada) [h] Retroflexa (dialeto caipira) [}]

Como observamos, há uma possibilidade de realização infinita dos fonemas pelos indivíduos – variante livre ou individual. Há uma possibilidade de variação no discurso condicionado pela: • Região de origem – dialeto caipira, observado, por exemplo, na realização da palavra porta [‘p}tA]. • Camada social – tendência ao rotacismo como observamos em framengo ao invés de flamengo. • Idade – dimensões dos órgãos do aparelho fonador. • Sexo – as mulheres têm voz mais aguda, os homens mais graves. No entanto, os falantes reconhecem nas diferentes realizações de um mesmo fonema, uma relação de identidade com este fonema. Logo, diferentes realizações fônicas de um mesmo fonema são consideradas sempre como correspondentes ao mesmo modelo mental, resultando, consequentemente, em diferentes significantes de fala de um mesmo signo em sucessivas atualizações. Desse modo, os fonemas permanecem estáveis e são reconhecidos como idênticos a si mesmo pelos falantes – 98

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ouvintes da comunidade. O diagrama 01, a seguir, resume a comparação entre sons e fonemas. Diagrama 01: Comparação entre sons e fonemas

5.2.1 Identificação dos fonemas Para identificar os fonemas de uma língua, é necessário realizar vários testes, tais como: critérios de oposição, distribuição complementar, semelhanças fonéticas e variação livre, de acordo com Mori (2003). Pelo critério de oposição, podemos identificar fonemas em ambiente idêntico ou em ambientes análogos. O primeiro consiste em encontrar um par mínimo, isto é, duas palavras que se diferenciem em apenas um segmento. Por exemplo, nas palavras “bala” e “mala” se diferenciam apenas no uso do [b] e do [m], ou seja, a troca de um som pelo outro faz com que haja a diferença de significados entre as duas palavras. A troca de um som por outro permite interpretar que os fones [b] e [m] são fonemas da língua portuguesa. Por essa razão, dizemos que o par mínimo “bala/mala” caracteriza os fonemas /b, m/ por contraste em ambiente idêntico. 99

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Caso não encontremos pares mínimos, devemos buscar pares que contrastem em ambientes similares, “desde que os sons diferentes não sejam condicionados pelos seus vizinhos”, segundo informações de Biazotto e Schier (2007, p.56). Tais pares se caracterizam por oposição em ambientes análogos. Eles apresentam diferenças em mais de um segmento. Por exemplo, as palavras “sumir” e “zunir” apresentam mais de uma diferença: [s] e [z] e [m] e [n]. Através desse par em oposição, que se deu em ambiente análogo, podemos dizer que a troca de [s] por [z] no início da palavra faz com que ocorram diferenças de sentido entre as duas palavras. (BIAZOTTO E SCHIER, 2007). Portanto os fones [s] e [z] são fonemas por contraste em ambiente análogo. É importante destacar que, para identificarmos os fonemas de uma língua, basta encontrar pares mínimos ou análogos. No entendimento de Cristófaro-Silva (2002, p.126), “um par de palavras é suficiente para caracterizar dois fonemas”. 5.3 ALOFONE Quando não encontramos pares mínimos ou análogos para sons foneticamente semelhantes, esses sons não são fonemas. Caso não conseguirmos caracterizar dois sons como fonemas distintivos, devemos procurar evidência para caracterizá-los como variante ou alofone. O alofone são os vários sons de um mesmo fonema, ou melhor, realizações diferentes para um mesmo fonema no mesmo ambiente fonológico. Neste caso, se duas ou mais unidades mínimas puderem figurar no mesmo ponto do contexto do plano de expressão, sem que haja diferença no significado, então as duas unidades, naquele contexto, são alofones (variantes) entre si. 100

UESPI/NEAD Letras Espanhol

Os alofones são condicionados por determinados contextos fonológicos, como posição do fonema na palavra, qualidade dos fonemas vizinhos. Segundo Callou e Leite (2001), as variações dos fonemas podem ser decorrentes das diferenças regionais, estilísticas livres ou facultativas. De modo geral, os estudos linguísticos apontam dois tipos de alofone (ou variantes): combinatório ou contextual e livre ou facultativo. O alofone combinatório ou contextual é o que decorre do contexto fônico, da posição em que se encontra numa determinada cadeia sonora e condicionado pela vizinhança de outros sons. Por exemplo, a co-ocorrência de [t] e [tS] “está condicionada à presença da vogal /i/ no centro silábico. Aparece [tS] somente quando está seguido de /i/, ou seja, ele está condicionado pelo fonema vizinho, em outros contextos usa-se [ ]. Neste caso, podemos afirmar que [t] e [tS] são alofones, ou seja, são dois fones de um único fonema. Este tipo de alofone é denominado por alguns linguistas de distribuição complementar. São os que ocorrem em ambientes exclusivos. Em outras palavras, quer dizer que, “onde uma das variantes ou alofone ocorre, a outra variante não ocorrerá”, como declara Mori (2003, p. 129). O livre ou facultativo “ocorre quando o contexto não previr, com certeza, qual a variante”, conforme declara Paulino (1987, p. 26). As variações facultativas, ou livres, “podem existir em todas as posições onde o fonema é atestado, ou podem aparecer em posições particulares apenas, sendo neste caso conjuntamente facultativas e combinatórias”, como assevera Martinet (1976, p. 359). Podemos apresentar como exemplo o caso do “r” velar, pronunciado na região superior da garganta, que pode manifestarse pelo alofone [{] vibrante, sobretudo, nas áreas da região Sul do 101

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

País – ou pelo alofone laríngeo aspirado [h], típico do falar carioca e do falar piauiense, também, como constatou a pesquisa de Carvalho (2009), em sua tese de doutorado sobre as realizações do “r”. Isso quer dizer que,- independentemente da vizinhança fonológica – antes de qualquer vogal , por exemplo – ou da posição na palavra – seja em início ou em fim de sílaba, sílaba inicial, medial ou final – sempre ocorrerá [{], podendo ocorrer também [h]: catar [kA ‘ta{, [kA ‘tah]; rato [‘{atU], [‘atU] etc. Esse tipo de alofone é também denominado de variantes livres. As variações livres são condicionadas por fatores extralinguísticos, dentre eles mencionemse: o grau de escolaridade, sexo, idade, classe social e região de origem do falante (MORI, 2003). Na visão de Câmara Jr. (1983), os alofones são livres “quando dependem dos hábitos articulatórios um tanto diversos dos falantes da língua” e posicionais “quando dependem da posição do fonema na unciação, onde a contiguidade de certos outros fonemas ou a sua posição na sílaba altere a articulação”. 5.4 NEUTRALIZAÇÃO E ARQUIFONEMA Ao tomarmos a palavra gás, por exemplo, podemos verificar que a sua pronúncia varia bastante nas diferentes áreas geolinguísticas brasileiras. Ela varia devido à consoante final [‘gays], [‘gaS], [‘gaz], [‘gaZ]. Verificamos, portanto, que as consoantes /s/, /S/, /z/ e /Z/, em posição de coda final, ou melhor, em travamento silábico perdem a distinção entre si; não importando se usamos a sonora ou a surda, a palatal ou a alveolar. “O único traço pertinente dessas consoantes que se mantém é o da modalidade fricativa: a este fato denomina-se neutralização de traços distintivos” 102

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(CAVALIERE, 2005, p. 50). Então, podemos dizer que ocorre neutralização quando, em um determinado ambiente fonológico, dois ou mais fonemas perdem a distinção entre si. Para Callou e Leite (2001), a neutralização é a eliminação das oposições entre dois ou mais fonemas. É o que observamos também com a palavra “boneca”, pronunciada ora [b ‘nEkA] ou [bu ‘nEkA], podendo ainda realizar-se como [bo) ‘nEkA]. Apesar dessas variadas realizações, a troca do [o] pelo [u] ou mesmo a nasalização [õ], o significado da palavra não mudou. Por isso, dizemos que houve neutralização, isto é, o [o] e o [u] se neutralizaram, perdendo a sua função distintiva. Outro exemplo que vale mencionar é o uso das vogais [e, o] fechadas no Sul do país, e das vogais [E, ] abertas no Nordeste. Como se vê, a diferença no som, não altera o sentido das palavras. Podemos acrescentar ainda que, aos fonemas que perdem a capacidade de distinguir palavras, damos o nome de arquifonema. O arquifonema é uma classe de fonemas que geralmente é representado por uma letra maiúscula entre barras, conforme nos ensina Cristal (2000). No quadro 17, a seguir, destacaremos alguns arquifonemas do português. Observe que todos os arquifonemas apresentados são todos consoantes posvocálicas. A partir do que foi analisado nesta aula, podemos concluir que os fonemas são os sons da língua capazes de distinguir significados entre as palavras, sons capazes de variar e até formar classes.

103

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Quadro 17 Arquifonemas do português ARQUIFONEMAS /S/

/S/

/S/

/R/

/R/

/L/

/N/

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CONTEXTO

Neutralização de [z] ou [Z] no final de sílabas seguido por consoante sonora. Neutralização de /s/ ou /S/ em final de sílabas seguido por consoante surda ou final de palavra. Neutralização de /z/ quando, inicialmente em sílaba final, passa a ocupar a posição inicial de sílaba. Neutralização de [Ä] ou [h] que ocorrem em final de sílabas antes de consoantes sonoras

EXEMPLOS e/S/barrode/S/vio

pa/S/tamê/S/Lu/S/co S/ta

lu/S/ES

ba/{/bagO/{/do

Neutralização de [x] ou [h] que ocorrem em final de sílaba antes de consoantes surdas

to/{/tofa/{/as

Neutralização de [Â] ou [w] em final de sílabas ou palavras

sa/;/tasa/;/

Neutralização de vogais nasais sa/N/toe/N/tradapi/N/turao/N/da que ocorrem seguidas de consoantes nasais

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5.5 SÍNTESE DA UNIDADE Fonemas são unidades mínimas do sistema de sons de uma língua que têm a função de determinar a diferença de significado de uma palavra em relação a outra. Para determinar quais são os sons de uma língua que diferenciam as palavras, devem-se realizar vários testes, tais como: critérios de oposição e distribuição complementar, variante livre. A oposição consiste em encontrar um par mínimo, ou seja, duas palavras que se diferenciem em apenas um segmento, com vistas a estabelecer a identificação dos fonemas da língua em estudo. Quando não encontramos pares mínimos, devemos buscar pares que contrastem em ambientes similares, desde que os sons diferentes não sejam condicionados pelos seus sons vizinhos. O alofone são os vários sons de um mesmo fonema. Eles são condicionados por determinados contextos fonológicos, tais como: posição do fonema na palavra, qualidade dos fonemas vizinhos, diferenças regionais, estilísticas livres e facultativas, que são identificados através da distribuição complementar. Outro tipo de alofonia são as variantes livres – pronúncias diferentes de um fonema sem mudança de significados. Elas são condicionadas por fatores extralinguísticos: grau de escolaridade, sexo, idade, classe social e região de origem do falante. Em determinados usos da língua, ocorre neutralização, que é a perda do traço que serve para distinguir dois fonemas. Os fonemas que perdem a capacidade de distinção são denominados de arquifonema.

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

FÓRUM DE DISCUSSÃO 1) Que procedimentos um fonólogo adota para identificar os fonemas de uma língua? Cite exemplos. ATIVIDADE I 1) Os sons de [l] e [w], respectivamente, de “calo” e “caldo” são fonemas ou alofones? 2) Identifique os fonemas e alofones nos corpus abaixo. Critérios de análise: • Selecione os pares mínimos, nos dados a seguir: • Verifique a diferença dos sons entre si e os demais, se possível. • A ocorrência de um único par mínimo prova a existência daqueles dois fonemas entre si. (a) /si)tU/ (b) /mi)tU/ (c) /’hsA/ (d) /’hzA/ (e) /pe) ‘deh/ (f) /ve) ‘seh/ (g) /ve) ‘deh/ ATIVIDADE II 1) Diferencie, de modo geral, FONEMA de ALOFONE. Dê exemplos da língua portuguesa.

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2) Os alofones influenciam a modalidade escrita. Exemplifique. ATIVIDADE III 1) Identifique os fonemas e alofones nos corpus a seguir: (a) /mu ‘ElA/ (b) /so) ‘nEkA/ (c) /mo ‘ElA/ (d) /bo ‘nEkA/ (e) pay/ (f) /bu ‘nEkA/ (g) /pA ‘katU/ (h) /say/ (i) /nA ‘seh/ (j) /pA ‘latU/ (k) /fA ‘zeh/ 2) De que modo o alofone caracteriza uma região do Brasil? 3) Por que o fonema não tem significado? 4) Pesquise se, tecnicamente, existe diferença entre SOM, FONEMA, LETRA e GRAFEMA.

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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

Anotações

123456789 123456789 123456789 108 123456789 123456789

12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 UESPI/NEAD Letras Espanhol 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456 12345678901234567890123456

UNIDADE 6 PROCESSOS DE MUDANÇA FONOLÓGICA • Processos de mudança fonológica da língua; • Classificação dos processos fonológicos.

OBJETIVOS • Identificar os processos de mudança fonológica da língua; • Reconhecer os processos fonológicos da língua portuguesa; • Analisar por quais mudanças os sons da língua portuguesa passaram.

123456 123456 123456 123456 109 123456 123456

1234567890123456789012345678901212 1234567890123456789012345678901212 1234567890123456789012345678901212 Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa 1234567890123456789012345678901212 1234567890123456789012345678901212 1234567890123456789012345678901212 1234567890123456789012345678901212

12345 12345 12345 12345 12345 110 12345 12345

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6 PROCESSOS DE MUDANÇAS FONOLÓGICAS 6.1 INTRODUÇÃO A língua não é imutável e homogênea. Ela está em constantes modificações. A nossa língua originou-se do latim vulgar que, por sua vez, veio de outra língua. Quando ocorrem modificações linguísticas, são determinadas por fatores fonéticos, morfológicos e sintáticos. Nesta aula, estudaremos alguns processos fonológicos que contribuem para a mudança das línguas. Examinaremos, entre outros processos, a assimilação (nasalização, harmonização vocálica, redução vocálica) e dissimilação. 6.2 PROCESSOS FONOLÓGICOS Ao analisarmos as mudanças de sons da língua, precisamos considerar tanto os aspectos fônicos que ocorrem nas palavras isoladamente, quanto às modificações sofridas por elas influenciadas por outras palavras da sentença, segundo informações colhidas em Callou e Leite (2001). As modificações ocorridas podem ser sistemáticas e atuar sobre o nível fonológico da língua, outras podem ser assistemáticas e afetar apenas o nível fonético. Podemos agrupar os processos fonológicos em três grupos: •

Acréscimos de traços;



Perda de traços;



Mudanças de traços.

111

Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa

6.2.1 Acréscimos de traços A partir de agora analisaremos cada um deles. Os processos por acréscimos de traços podem ser: Prótese - surgimento de um fonema no início da palavra, como em mostrar > amostrar, levantar > alevantar etc. No português corrente, estas formas protéticas denotam linguagem popular, no entanto, algumas sejam consideradas bem tradicionais como, por exemplo, alevantar, que “tem registro de datação no século XIII”, como nos informa Cavaliere (2005, p. 58). Epêntese - surgimento de um fonema no interior da palavra, caso típico de destruição de grupos consonantais no português do Brasil. É comum ouvir as pessoas de pouca escolarização dizer: “adevogado” ao invés de “advogado”; “peneu” no lugar de “pneu”. Ou até nós mesmos, sem nos dar contar, dizermos: “decepição” ao invés de “decepção”; “ritimo” por “ritmo”. Paragoge - consiste na inclusão de um fonema no fim da palavra. No latim tinha-se “entonce”, resultando “então”; “mal” que se originou de mali. Processo comum no português hodierno no caso de estrangeirismos terminados em consoante, como club > clube; stand > estande. 6.2.2 Perda de traço Os processos que se dão por perda de traços podem ser: Aférese - trata-se da supressão de um ou mais fonemas iniciais, como em “ta” por “estar”. Ressaltemos que, por exemplo, a palavra cajá vem do tupi acajá, por sinal ainda presente sem a aférese em muitas cidades nordestinas, como destaca Cavaliere (2005). 112

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Sincope - ocorre supressão do fonema no interior da palavra, caso de “xicra”, por xícara, “fosfro”, ao invés de “fósforo”, e também “abobra”, por “abóbora”. A síncope geralmente busca encurtar um polissílabo, sobretudo quando for uma proparoxítona. “Por tal motivo, não raro se manifesta em diminutivos longos: “principinho” por “principezinho”, “facinho” por “facilzinho”, como nos relata, também, Cavaliere (2005, p. 58). Apócope - resulta da queda de um fonema final, como em: “vizim” por “vizinho”, “comê”, por “comer”, “mandá”, por “mandar”. Crase - processo muito comum na língua atual, em que uma de duas vogais idênticas é suprimida, como em “alcol” por “álcool”. 6.2.3 Mudanças de traços No processo de mudança de traços, conforme Callou e Leite (2001), a assimilação é responsável por um grande número de alterações fônicas. Na visão de Crystal (2000, p. 33) o processo de assimilação é tratado como um “termo geral da fonética que se refere à influência exercida por segmento de som sobre a articulação de outro, de forma que os sons se tornem parecidos, ou mesmo idênticos”. Na concepção de Bagno (2000, p. 77), a assimilação é “a força que tenta fazer com que dois sons diferentes, mas com algum parentesco, se tornem iguais, semelhantes”. Podemos afirmar que a assimilação faz com que um som assuma os traços distintivos de um som vizinho. Dessa forma, uma consoante assimila os traços distintivos de uma; uma vogal assimila os traços distintivos de uma consoante; ou uma vogal pode afetar outra vogal. Por vezes, o processo assimilatório nasaliza uma vogal, como em “indentidade” ao invés de “identidade”; ocorre ainda a 113

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situação oposta, em que uma vogal sofre desnasalização, é o caso de “home” por “homem”. Esse processo divide as opiniões. Alguns julgam que a tônica oral atue no sentido de desnasalizar a átona final; outros preferem ver nesses casos uma causa morfológica, que busca a “tematização” de palavras “atemáticas”. Há casos de nasalização assimilatória mais complexos, como o da forma popular “vinhemos”, por “viemos”, em que a consoante palatal resultaria de uma prévia nasalização da vogal tônica em face do / m/ da última sílaba: “viemos” > vi)emos >vinhemos. É o mesmo fenômeno ocorrido na passagem de outras palavras do latim vulgar para o português: vinu > vi)u > vinho. O processo assimilatório está presente no processo de nasalização, da harmonia vocálica. (CALLOU; LEITE, 2001). A nasalização por assimilação ocorre quando a vogal que é seguida de uma consoante nasal, ou seja, a vogal assimila a nasalidade dessa consoante. A nasalização é obrigatória quando a vogal é tônica e opcional quando é pretônica, conforme destaca CristófaroSilva (2002). Os exemplos são as palavras “cama” [ka)m«], “sono” [o)nU], “banana” [ba)nan«] ou [ba ‘nan]. Observe que nas sílabas tônicas seguidas de consoante nasal, todas as vogais são nasais e, na pretônica, a nasalidade é opcional. A harmonia vocálica ocorre quando uma vogal assimila os traços distintivos de outra vogal. A vogal de uma sílaba torna-se mais semelhante à vogal de uma outra. Bagno (2000, p. 98) explica que “a presença de um I ou U na sílaba tônica faz com que as vogais átonas pretônicas escritas E ou O se reduzam e sejam pronunciadas i e u”. Segundo o autor, isso ocorre, em virtude de o [i] e o [o] serem vogais mais altas e fechadas do português. Quando são usadas na sílaba tônica, elas “puxam para cima” as vogais pretônicas [e] e [o], formando um grupo harmônico, com um único 114

UESPI/NEAD Letras Espanhol

som. Podemos verificar esse processo nas seguintes palavras: av[e]nida > av[i]nida; f[e]liz > f[iliz]; c[o]ruja > c[u]ruja; f[o]rtuna > f[u]rtuna; f[o]rmiga > [fu]rmiga etc. Portanto, nesse processo, perdese a distinção da vogal pretônica. Outro caso de redução de perda de distinção da vogal pretônica analisada por Bagno (2000) é [o] átono pretônico pronunciado como [u] antecedido de [m] ou [b]. Podemos observar esse processo em b[o]lacha > b[u]lacha; m[o]eda >m[u]eda. Essa variação se dá em razão de as consoantes [b] e [m] bilabiais serem produzidas com um movimento de fechamento e abertura dos lábios. Bagno (2000, p. 101) esclarece que “para não terem de passar de um fechamento muito grande para um arredondamento muito grande, os lábios ‘espremem’ um pouco o ‘o’ e abrem-se menos, já que produzem um ‘u’, que é [...] uma vogal também redonda mas mais fechadas que o ‘o’” (grifo nosso). O autor também aponta a redução de dois ditongos [oU9] e [eI9]. Os dois sons desses ditongos transformam-se em um só, ou seja, ocorre a monotongação. Os ditongos formados por [oU] são pronunciados apenas [o]. Podemos verificar isso na pronúncia das palavras p[oU9]co> p[o]co, [oU9]tro > [o]tro, r[oU9]pa > r[o]pa, [oU9]ro > [o]ro. Diferentemente da monotongação de [oU9], que ocorre em todos os contextos, a de [eI9], segundo as análises de Bagno (2000), acontece apenas antecedida de [Z,S, r]. Isso se dá porque essas consoantes têm o mesmo ponto de articulação da semivogal. Podemos perceber essa redução melhor nos exemplos a seguir: b[eI9]jo > b[e]jo, qu[eI9]jo > qu[e]jo, ch[eI9]ro > ch[e]ro, prim[eI9]ro > prim[e]ro, p[eI9]xe > p[e]xe. Você notou que houve a redução dos sons em um só? Análise estas outras palavras: s[eI9]va, p[eI9]to, b[eI]co. Observou que não ocorre monotongação com elas? Claro que não, pois 115

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ninguém fala s[e]va, p[e]to, b[e]co. Note que as consoantes que aparecem após o ditongo é que explicariam o não emprego da monotongação. Além do processo de assimilação, há também a dissimilação como um tipo de processo de mudança de traços. No entendimento de Crystal (2000, p.85), a dissimilação é “termo geral da fonética que indica a influência exercida por um segmento de som sobre a articulação de outro, de maneira que os sons se tornem menos parecidos, ou diferentes”. Dito de outro modo, a dissimilação é o processo em que um segmento fonético perde um ou mais traços que tinha em comum com o vizinho. 6.3 SÍNTESE DA UNIDADE A língua não é imutável e homogênea. Ela está em constantes modificações. Os processos fonológicos de mudanças de sons da língua são divididos em três grupos: acréscimos de traços, perda de traços e mudanças de traços. Os processos por acréscimo de traços são: prótese (no inicio da palavra); epêntese (no interior da palavra); paragoge (no final da palavra). Os processos de perda de traços são aférese (no inicio da palavra); síncope (no interior da palavra); apócope (no final da palavra). No processo de mudança de traços, a assimilação se refere à influência exercida por segmento de som sobre a articulação de outro, de forma que os sons se tornem mais parecidos, ou mesmo idênticos. O processo assimilatório está presente no processo de nasalização (a vogal assimila a nasalidade de uma consoante nasal [m, n, ø]; da harmonização vocálica (uma vogal de uma sílaba torna-se mais semelhante à vogal de uma outra); e também em casos de monotongação (redução de ditongos [oU9] – em todos os contextos – e [eI9] – antecedida de [Z, S, r]). No processo de mudanças de traços, além da assimilação, há a dissimilação, considerado processo em que um segmento 116

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fonético perde um ou mais traços que tinha em comum com o vizinho. FÓRUM DE DISCUSSÃO 1) Discuta com seus colegas se os processos fonológicos estão única e exclusivamente relacionados ao português popular do Brasil ou se alguém com escolaridade alta é capaz de produzir alguns destes processos fonológicos, em situação espontânea de fala. Levante os argumentos favoráveis ou não. a) amostrar b) alevantar c) vinhemos d) indentidade ATIVIDADE I 1) Reconheça os processos fonológicos que se manifestam nos seguintes exemplos do português popular no Brasil. a) Amostra < mostrar b) Vinhemos < viemos c) Peneumonia < pneumonia d) Lava jato < lava a jato e) Indentidade < identidade f) ) dizê < dizer 2) Analise as mudanças que ocorreram nas palavras a seguir e identifique o(s) processo(s) fonológico(s) que justifique (m) essa(s) mudança(s). a) preguiça > priguiça b) fósforo > fosfro c) touro > toro d) panela > pãnela e) reparar > arreparar 117

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f) jantar > jantá g) advogado > adevogado h) beijo > bejo ATIVIDADE II 1) Assinale a alternativa que apresenta um exemplo de assimilação no processo de harmonia vocálica, de nasalização e monotongação, respectivamente. a) rodear > arrodear, panela > panela; deixe > dexe. b) pepino > pipino; banana > bãnana; chero > chero c) administração > adiministração; janela > janela: loiro > loro. d) costume > costume; banheira > banhera, levantar > alevantar. 2) Aponte e explique quais os processos por perda de traços, dando exemplos do português atual. ATIVIDADE III 1) Na lista das palavras a seguir aparecem somente exemplos de processos por acréscimo de traços. Identifique quais são os tipos de processos por acréscimos. a) alimpar b) amostrar c) peneu d) adevogado 2) O que é nasalização? Nasalização é um tipo de assimilação ou não? Explique e dê exemplos do português contemporâneo.

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UNIDADE 7 ESTRUTURA SILÁBICA DO PORTUGUÊS • Apresentação da estrutura silábica da língua portuguesa; • Representação e classificação da estrutura silábica do português.

OBJETIVOS • Conhecer a sílaba em português; • Definir e reconhecer uma sílaba do português; • Representar a estrutura silábica do português; • Classificar sílaba.

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7 ESTRUTURA SILÁBICA DO PORTUGUÊS 7.1 INTRODUÇÃO Os fonemas – unidades mínimas indivisíveis da língua – organizam-se em unidades maiores: sílabas, morfemas e palavras. A combinação dos fonemas não se dá de maneira aleatória. Os fonemas combinam-se a partir de princípios da gramática interna e da estrutura fonológica da língua. Segundo Mori (2003), o primeiro nível de organização dos fonemas refere-se à formação de sílabas. Cada língua tem padrões silábicos próprios, como enuncia Callou e Leite (2001). Nesta aula, apresentaremos o estudo sobre sílaba, sua estrutura, classificação e representação da estrutura silábica. 7.2 DEFINIÇÃO DE SÍLABA A sílaba é a unidade mais espontânea da série fônica. “Sílaba é o conjunto de fonemas emitidos a cada corrente de ar expirada”, de acordo com Simões (2006, p.27). É uma entidade sonora e sua depreensão só é possível na língua oral captável materialmente pelos ouvidos. Conforme Paulino (1987, p.118) em termos articulatórios, “ainda não foi possível definir, com absoluta precisão, o término de uma sílaba e início de outra durante o desempenho lingüístico oral do falante”. O autor explica que tal dificuldade reside no fato de que cada som lingüístico emitido encerra três fases: intensão – corresponde à preparação dos órgãos articulatórios; e a distensão – é o relaxamento dos órgãos articuladores, simultaneamente com a emissão propriamente dita do som. Para Callou e Leite (2001), também não é fácil definir sílaba. Segundo as autoras, a sílaba é um aumento da pressão do 121

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ar expulso dos pulmões. Esse aumento causa a saída descontínua do ar, em forma de jatos sucessivos. Cristófaro-Silva (2002, p.28) ressalta que “cada contração e cada jato de ar expelido dos pulmões constitui a base de uma sílaba”. Já na visão de Bisol (2005, p. 245), sílaba é a “menor categoria prosódica”, sendo, portanto uma unidade fonológica, isto quer dizer, uma unidade prosódica. Do ponto de vista da percepção, a sílaba é considerada uma cadeia de aclives (subidas), ápices (o mais alto grau) e declives (descidas) de sonoridade. Aclives e declives funcionam como delimitadores de fronteiras de sílabas, isto é, onde começam e onde terminam, posição ocupada, especificamente, pelas consoantes. O ápice é o núcleo da sílaba. No português, essa posição é ocupada pelas vogais. Cristófaro-Silva (2002) chama os aclives e declives de periféricos, e segundo ela, são opcionais. O núcleo é a parte obrigatória dentro de uma sílaba. 7.3 ESTRUTURA DA SÍLABA Quadro 18 Estrutura silábica ESTRUTURA SILÁBICA

As sílabas são constituídas de EXEMPLOS

vogais (V), consoantes (C) e

V. CVC

a. mor

glides (V´). no português, as

CV.CV

ma.la

vogais são obrigatoriamente,

CVC.CVC

pas.tel

CCV.CV

cra.vo

CVCC.CVC.CV.CV

pers.pec.ti.va

CCVCC.CVC.CV

trasn.por.te

VV’.CV

ou.ro

CCVV.CV

frau.de

as consoantes e os glides são opcionais. A sílaba pode conter vários tipos de estruturas: V, CV, CVC, CCV, CVCC, CCVCC.

O

glide

pode

aparecer em qualquer uma dessas estruturas silábicas, como mostra o quadro 18.

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7.4 CLASSIFICAÇÃO DAS SÍLABAS Quanto à estrutura, as sílabas podem ser: simples ou complexas, abertas (livres) ou fechadas (travadas) (MORI, 2003). Vejamos a definição de cada uma delas. • Simples – é constituído apenas pelo núcleo. No português, é representada por uma vogal. Podemos observar sílaba simples nas primeiras sílabas de “amigo”, “época”, “ilha”, “ovo”, “uva”. • Complexo – é constituída por um núcleo antecedido e/ou seguida de consoantes(s). Notamos a presença de sílabas complexas em todas as sílabas das palavras “português”, “tratar”, “somente”. • Aberta – é a sílaba que termina com vogal. Ela se encontra em todas as sílabas de “sílaba”, “fogo”, “lixo”. • Fechadas – é a sílaba que termina com consoante. Ela está presente nas primeiras sílabas das palavras “carta”, “garfo”, “pasta”. A sílaba quanto à acentuação classifica-se em: • Átona – é a não marcada pelo acento tônico. Pode ser pretônica, que vem antes da tônica ou postônica, que vem depois das tônicas. No português, temos elementos átonos, como “me”, “se”, “o”, “a”, “lhe”. • Tônica – é a sílaba marcada pelo acento tônico. Ela está presente nas sílabas destacadas nas seguintes palavras: café, menino, urubu, português. Na palavra “menina”, o “me” é pretônico e o “na” é postônico. 7.5 ORGANIZAÇÃO INTERNA DA SÍLABA Do ponto de vista fonético, cada sílaba tem um pico de sonoridade, ou seja, um segmento que é mais sonoro do que outro. 123

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Então, a sonoridade é uma propriedade relativa. Em termos auditivos, o pico de sonoridade é mais proeminente do que os segmentos vizinhos, formando o elemento silábico. No caso do Português, por exemplo, as vogais são mais sonoras do que as consoantes e somente elas podem constituir o pico silábico. Há línguas, como o inglês, por exemplo, em que os segmentos com sonoridade espontânea, podem ser o pico silábico. É o caso do / r/ e do /l/. 7.6 ESTRUTURA E REPRESENTAÇÃO DA SÍLABA No exemplo (1), constatamos a existência de duas sílabas com apenas uma emissão de ar, pronunciando-o lentamente, observa-se que o abdômen se contrai duas vezes, correspondendo a dois impulsos articulatórios. Temos, então, /pA. ‘s/, para a palavra “país”. Já no exemplo, na palavra Uruguai (2), temos três impulsos, correspondendo a três sílabas. Representada, assim: /u.Ru.gway/. Neste exemplo, as sílabas se organizam de modo diferenciado: • /u/ - 1 segmento fônico = vogal; • /Ru/ - 2 segmentos fônicos =consoante + vogal; • /gway/ - 4 segmentos fônicos = consoante + semivogal + vogal + semivogal. Daí duas estruturas: incompleta – as duas iniciais; e completa – a terceira sílaba. Observe que na figura 18, a sílaba está completa, já nas figuras 19,20 e 21 exemplifica-se a sílaba incompleta: A vogal, na língua portuguesa, é o ponto de maior sonoridade de uma sílaba, por essa razão ela, a vogal, tecnicamente se denomina ponto vocálico, centro silábico ou núcleo silábico. Então, na estrutura, localiza-se no ápice (= ponto mais 124

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Figura 19: Representação da sílaba na corrente estruturalista

Figura 20: Representação da sílaba: o aclive e o ápice

Figura 21: Representação da sílaba: o ápice e o declive

ápice

Figura 22: Representação da sílaba: o ápice

alto). Os outros segmentos fônicos que, ocasionalmente, se encontram ao lado da vogal em uma determinada sílaba, estarão abrindo (aclive) ou fechando (declive) essa sílaba. A figura 19 representa a sílaba de estrutura completa, porque encerra os três momentos: aclive, ápice e declive. As figuras 20, 21 e 22 representam sílabas de estrutura incompleta, ou seja, aquela que não possui três momentos. Além de podermos representar a sílaba no modelo supracitado, ou seja, no estruturalista, há outros modelos para representar as sílabas. O modelo que apresentaremos, aqui, é conhecido como fonologia autossegmental. Nesse modelo, a estrutura silábica é formada pelo núcleo, pelo ataque e pela coda. A vogal representa o núcleo (NUC). As consoantes que 125

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acompanham o núcleo são conhecidas como ataque (ou onset) e coda. Ataque (ou onset) é a consoante que vem antes do núcelo. Coda é a consoante que vem após o núcleo. Na representação da estrutura silábica, usamos a letra grega [s] para indicar o constituinte silábico, que se ramifica em ataque (A) e rima (R). A rima ramifica-se em núcleo (NUC) (obrigatório) e coda (CO) (opcional) (MORI, 2003). Vejamos a representação silábica no modelo autossegmental no diagrama 02. Diagrama 02: Representação da sílaba no modelo autossegmental ó A

R

Assim, a primeira camada é a (s) da (s) sílaba (s), que se ramifica (m) em ataque (A) e rima (R). A terceira camada se ramifica em núcleo (NUC) e coda (CO). Entre essa camada e a dos fonemas, há a intermediária, chamada esqueleto CV (consoante/vogal). Podemos visualizar essas camadas na representação das sílabas da palavra “susto”, como representado no diagrama 03. Diagrama 03: Representação da palavra susto

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Há outras propostas esboçadas sobre a representação fonológica da sílaba; uma delas e semelhante ao que apresentamos acima é a adotada por Selkirk (1982, apud Hora 2009) “segundo a qual, a sílaba pode ter os seguintes constituintes: há uma divisão principal da sílaba em ataque e rima, e a rima, por sua vez se divide em núcleo e coda”, conforme ilustra o diagrama 04, a seguir: Diagrama 04: Representação da silábica no modelo autossegmental

Há de ressaltarmos que nem todas as sílabas do português preenchem todas as posições, como foi também verificado para o modelo estruturalista. Há estruturas silábicas do tipo CV, como em “cá”, em que apenas o ataque e o núcleo são preenchidos, a exemplo do que representa o diagrama 05: Diagrama 05: Representação silábica do tipo CV com ataque e núcleos preenchidos

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Há algumas em que apenas o núcleo é preenchido, a exemplo de “a” no diagrama 06. Diagrama 06: Representação silábica de núcleo preenchido

Como vemos, ao examinarmos a organização dos fonemas em unidades menores, percebemos mais uma vez que essa organização não é aleatória. 7.7 SÍNTESE DA UNIDADE O primeiro nível de organização dos fonemas refere-se à formação de sílabas. Do ponto de vista articulatório, a sílaba é cada corrente de ar expirada que vem dos pulmões. Do ponto de vista da percepção, a sílaba é considerada uma cadeia de aclives (subidas), ápices (o mais alto grau), declives (descidas) de sonoridade. A posição de aclives e declives é ocupada preferencialmente pelas consoantes, e de ápice, obrigatoriamente, pelas vogais. As sílabas são constituídas de vogais (V), consoantes (C) e glides (V’). No português, a presença das vogais é obrigatória na sílaba, as consoantes e os glides são opcionais. A sílaba pode conter vários tipos de estruturas: V, CV, CVC, CCV, CVCC, CCVCC, e o glide pode aparecer em qualquer uma. Quanto à 128

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estrutura, as sílabas podem ser: simples, ou complexas; abertas ou fechadas. Quanto à acentuação, as sílabas podem ser átonas ou tônicas. Na representação da estrutura silábica, a primeira camada é a da sílaba (ó), que se ramifica em ataque (A) e rima (R). A terceira camada se ramifica em núcleo (NUC) e coda (Co). Entre essa camada e a dos fonemas, há a intermediária, chamada esqueleto CV (consoante/ vogal). FÓRUM DE DISCUSSÃO 1) Por que tem sido difícil, num enunciado, delimitar a sílaba? Discuta com seus colegas. ATIVIDADE I 1) Qualquer segmento fônico vocálico pode ser centro silábico? Justifique. 2) Por que, na Língua Portuguesa, um enunciado terá tantas sílabas quantas forem os fonemas-vogais? ATIVIDADE II 1) Classifique cada sílaba das palavras abaixo, considerando a seguinte sequência: quanto à estrutura silábica quanto ao padrão silábico; quanto à tonicidade. a) amor b) vida c) Uruguai d) pasteizinhos 129

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2) Que significa “sílaba de estrutura incompleta”? Dê três exemplos. ATIVIDADE III 1) Qualquer sílaba de estrutura completa tem o mesmo padrão silábico? Esclareça com exemplos. 2) A partir do modelo autossegmental apresentado nesta aula, faça a representação da estrutura silábica das palavras: amor e vida.

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REFERÊNCIAS BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 8.ed. São Paulo: Contexto, 2000. BIAZOTTO, Sibele Letícia R. O; SCHIER, Silvéria Aparecida Basniak. Linguística II - 3º período. Fundação Universidade de Tocantins, Palmas, 2007. Disponível em www.google.com.br. Acesso em 12.09.2009. BISOL, Leda (org.) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 3 ed. EDIPUCRS, 2005. CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 1977. _______. Dicionário de filologia e gramática. 4.ed. Rio de Janeiro: J. Ozon Editor, 1983. CALLOU, Dinah & LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e a fonologia. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994 e 2001. CALLOU, Dinah; MORAES, João e LEITE, Yonne. Variação de diferenciação Dialetal: a pronúncia do /R/ no português do Brasil. In: In. KOCH, Ingedore G. Villaça (Org.). Gramática do português falado. V.6, Campinas, SP: Editora da Unicamp/FAPESP, 1996, p.465-490. CARVALHO, L.S. Os róticos em posição de coda: uma análise variacionista e acústica do falar piauiense. 2009.267f. Tese (Doutorado em Linguística) Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. CAVALIERE, Ricardo. Pontos essenciais em fonética e fonologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2002. _______. Exercícios de fonética e fonologia. São Paulo: Contexto, 2003. CRYSTAL, D. Dicionário de linguística e fonética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. 131

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DUBOIS et al. Dicionário de linguística. 15.ed. São Paulo: Cultrix, 2007. HORA, Dermeval da. Fonética e fonologia. João Pessoa: UFPB Virtual, 2009. Disponível em HTTP://portal.virtual.ufpb.br/wordpress/wp.content/ uploads/2009/07/Fonetica_e_fonologia.pdf . Acesso em 20.11.2009. MARTINET, André. Conceitos fundamentais da linguística. Trad. Wanda Ramos. Lisboa: Presença, 1976. MASSINI-CAGLIARI, G; CAGLIARI, L. C. Fonética. In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2003, v.1. MORI, A.C. Fonologia. In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2003, v.1. OLIVEIRA; Sidneya Gaspar; BRENNER, Teresinha de Moraes. Introdução à fonética e à fonologia da língua portuguesa: fundamentação teórica e exercícios para o 3º grau. Florianópolis: Ed. do Autor, 1988. PAULINO, Albanio. Língua portuguesa: fonologia. Recife: FASA, 1987. PROGRAMA de análise acústica. Disponível em: . Acesso em 10.02.2010. PROGRAMA de análise acústica. Disponível em: . Acesso em 10.02.2020. ROSETTI, A. Introdução à fonética. Tradução Alzira Rocha. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1974. SANTOS, Raquel Santana e SOUZA, Paulo Chagas de. Fonética. In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2003, v.1. SOUZA, P. C. de; SANTOS, R.S. Fonética. Fonologia. In: J.L. Fiorin (org.) Introdução à linguística, v. 1. São Paulo: Contexto, 2003. 132

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Fichamento do Livro

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LUCIRENE DA SILVA CARVALHO Possui graduação em Licenciatura Plena em Letras, com habilitação em inglês pela Universidade Federal do Piauí – UFPI (1988), com Mestrado em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC /Minas (2000) e Doutorado em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB (2009). Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Atua na área de Lingüística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, desenvolvendo suas atividades acadêmicas principalmente em Sociolinguística, Variação e Mudança Lingüística, Fonética e Fonologia.

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AVALIAÇÃO DO LIVRO Prezado(a) cursista: Visando avaliar a qualidade do fascículo, solicitamos que responda às questões a seguir. A sua participação é importante nesse processo. Após proceder à avaliação, destaque esta folha e entregue-a ao seu tutor. Não é necessário identificar-se. Unidade: _______________________ Município:__________________ Disciplina:___________________________ Data:____/____/______ 1. A qualidade gráfica deste material está: ( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL

(

) RUIM

2. O conteúdo estabelece relação entre teoria e prática? ( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM 3. As atividades do fascículo estão compreensíveis e relacionadas aos conteúdos estudados? ( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM 4. Atribua uma nota de 0 a 10 para este fascículo: (

)

5. Apresente sugestões para os próximos fascículos. ____________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________

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