Firedman_ Metodologia Da Economia Positiva Friedman

March 5, 2017 | Author: Cesar Ailson Barros | Category: N/A
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EDJ(;OES MUL11PUC

Vol. 1, N! 3, Fevereiro,1981

John Neville Keynes, em seu adminivel The Scope and Method of Political Economy, distingue "uma ciencia positiva ... ( , ) corpo sistematizado de conhecimentos relatlvos ao que e, de uma ciencia normativa, ou reguladora, ... ( , ) corpo sistematizado de conhecimentos em que se analisam criterios acerca do que devia ser e de uma arte ... ( , ) sistema de regras para a consecuyll'o de urn determinado objetivo"; observa que "a confusll'o entre elas e comum e tern sido a fonte de numerosos erros serios" e lembra a importancia de "reconhecer uma ciencia positiva autonoma da economia politic a" . ( 1 ) presente artigo volta-se principalmente para certos problemas de carater metodol6gico, manifestos quando se constr6i a "cic~nciapositiva autonoma" reclamada por Keynes, e focaliza, em particular, a questll'o de como proceder a fim de decidir se uma hip6tese ou uma teoria deve ser aceita, ainda que provisoriamente, como parte do "corpo sistematizado de conhecimentos relativos ao que e". Todavia, a confusll'o deplorada por Keynes ainda se manifesta com frequencia e impede notar que a econornia pode ser - e em parte IS - uma ciencia positiva, de modo que

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• Acrescentei, no presente artigo, sem alusoes espec{ficas, a maior parte de meu breve "Comentario", que apareceu em Survey of Contemporary Economics, Vol. II ·(B.F. Haley, organizador) (Chicago, Richard D. Irwin, Inc., 1952), pp. 455-57 . . Agrade~o, pois muito me ajudaram, os comentarlos e cr{ticas feitos por Dorothy S. Brady, Arthur F. Burns e George J. Stigler. (1)

(tondles, Macmillan & Co., 1891), pp. 34-35 e 46. Original:

Tradu~o:

"The Methodology of Positive Economics" Reprinted from Essays in Positive Economics by Milton Friedman by permission of The University of Chicago Press. Copyright 1953 by the University of Chicago. Leonidas Hegenberg.

parece oportuno prefaciar 0 artigo, juntando-lhe algumas observa~{'les a prop6sito da rela~ao que vige entre econornia positiva e econornia normativa. I - A RELAes, poderiam, perfeitamente, si· tuar-se no material bruto empregado para formular a hip6tese - e reciprocamente. Em segundo lugar, 0 processo jamais tern inicio na estaca zero; a chamada "fase inicial" envolve'~sempre, compar~ao da observa~ao com as implica~l>esde urn previo conjunto de hipoteses. Contradi~l>esque ai se apresentam sli'ourn estimulo para a elabora~ao de novas hip6teses ou para a revisao das mais antigas. Segue-se que as duas fases, metodologicamente distintas, andam, em verdade, lado a lado. Mal-entendidos a prop6sito desse processo aparentemente simples devem-sea frase "classe de fenomenos que a hip6tese pretende explicar". A dificuldade, nas ciencias sociais, de obter evidencia n·ovapara essa classe de fenonenos e de avaliar sua adequ~ao (com respeito as implica~()esda hip6tese) toma tentadora a ideia de que outra evidencia, de acesso mais direto,se mostre igualmente relevante para a validade da hip6tese. Toma, em outras palavras, tentadora a ideia de que as hip6teses admitem nli'o apenas "implica~t'5es",mas, ainda, "pressupostos" e de que a adequa~li'odestes a "realidade" e urn teste de validade da hip6tese, que difere do teste pelas impIica~()esou a ele se adiciona. Essa conce~ao, amplamente advogada, e fundamentalmente erronea e causa de nurnerosos danos. Longe de fomecer meio mais flicitpara joeirar as hip6teses, separando as vaIidas das nli'o-vaIidas,a conce~ao apenas obscurece a questli'o,provoca 0 surgimento de mal-entendidos em tome do significado da evidencia empirica para a teoria economica, desvia boa parte do hip6teses, cada qual deles utilizado numa das fases em que se desdobra 0 passo generico de sele~o. A respeito desse enfoque metodo16gico geral, discutido na presente nota, ver Tryvge Haavelmo, "The Probability Approach in Econometrics", Econometrica, Vol. XII (1944), Suplemento; Jacob Marschak, "Economic Structure, Path, Policy, and Predication", American Economic Review, XXXVII (Maio, 1947), 81-84;e "Statistic8l1nference in Economics: An Introduction", em T.C. Koopmans (organizador), STATISTICAL INFERENCE IN DYNAMIC ECONOMIC MODELS.

esfor~o intelectual dos que desejam 0 desenvolvimento de uma Economia positiva e bloqueia urn consenso quanta as hipoteses preliminares que devam figurar nessa disciplina. Na medida em que se possa dizer existirem "pressupostos" de uma teoria e na medida em que seu "realismo" seja passivel de julgamento, independentemente da validade de previsoos,a rela~aoentre a importincia de urna teoria e 0 "realismo" de seus "pressupostos" e praticamente 0 oposto do que sugere a conce~lo sob critica. Hip6teses verdadeiramente importantes tern "pressupostos" que nlo passam de extravagantes e nlo-acuradas represent~oos descritivas da realidade. Via de regra, quanta mais significativauma teoria, tanto mais nao-realistas (neste sentido) os seus pressupostos. ( 1 ) A razao e simples. Vma hipotese e importante quando "explica" muito com base em pouco, ou seja, quando esta em condi~6es de delimitar, por abs~lo, partindo da massa de circunstancias complexas e pormenorizadas que cercam 0 fenomeno a explicar, uma classe de elementos comuns e fundamentais, formulando previS6esvli.lidascujo alicerce e, just~ente, apenas essa classe de ele· mentos cruciais. Consequentemente, para que seja importante, uma hip6tese deve ser descritivamente falsa em seus pressupostos. Ignora e deixa de explanar vlirias circunstancias presentes, cuja irrelevancia para 0 fenomenoem tela decorre do pr6prio exito da teoria. A ~un de apresentar esse ponto de maneira menos paradoxal, note·se que a pergunta relevante a fazer, ao cogitar dos "pressupostos" de uma teoria, nlo diz respeito ao seu "realismo" descritivo fja que os pressupostos jamais sao descritiva· mente "realistas"), mas ao fato de se mostrarem ou nlo aproxima~6es suficiente· mente boas, tendo em conta os objetivos colimados. E essa pergunta sOpoderli.ser respondida verificando se a teoria "funciona", ou seja, se conduz a previs6eSbastan· te acuradas. Os dois testes, supostamente independentes, reduzem·se, portanto, a urn teste unico. A teoria da competi~ilo monopolista e imperfeita e urn exemplo do descaso com que 880 tratadas essas proposi~oos, na teoria economica. 0 desenvolvimento desse tipo de anlilise foi explicitamente estimulado - e a aceita~ao e a aprova~ao que recebeu tambem 880 amplamente explicadas - pelo fato de acreditar·se que os pressupostos da "concorrencia perfeita" ou do "monop6lio perfeito", subjacentes, segundo se diz, a teoria economica neoclli.ssica,nos oferecern uma falsa imagem da realidade. Essa cren~a assentava·se, por sua vez, quase inteiramente, na inocuidade descritiva dos pressupostos, diretamente percebida, em vez de assentar-se em (1)

e

Nao vale, claro, a reciproca dessa proposi~o: garantem que a teoria seja significativa.

pressupostos nao-realistas (neste sentido) nao

qualquer reconhecida contradi~§'o em previs~s deduzidas da teoria econoIDlca neocllissica. Exemplo ainda mais claro do ponto em tela, embora muito menos importante, 6 fomecido pela prolixa discuss§'oem tomo da anaIisemarginal, publicada, ha alguns anos, na American Economic Review. Os artigos, de defensores ou de oponentes, olvidam 0 que me parece a clara quest§'oprincipal - a concordancia das implica~~s da analise marginal com a experiencia - e debatem pontos irrelevantes, procurando saber se os homens de neg6cios chegam as suas decis~s consultando programas, ou cuevas ou fun~~s multivariadas que exibam custo marginal e receita marginal. ( 1 ) Espero que esses dois exemplos (e outros que eles prontamente sugerem) se prestem para justificar a id6ia de fazer-se, aqui, uma discuss§'oampla dos principios metodol6gicos pertinentes - uma discuss§'oque, de outra forma, poderia parecer descabida.

(1)

Ver R. A. Lester, "Shortcomings of Marginal Analysis for Wage Employment Problems", American Economic Review, XXXVI (Mar~o, 1946),62-82; Fritz Machlup, "Marginal Analysis and Empirical Research", American Economic Review, XXXVI (Setembro, 1946), 519-54; R. A. Lester, "Marginalism, Minimum Wages, and Labor Markets", American Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 135-48; Fritz Machlup, "Rejoider to an Antimarginalist", American Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 148-54; G. J. Stigler, "Professor Lester and the Marginalist", American Economic Review, XXXVII (Mar~o, 1947), 154-57; H. M. Oliver, Jr., "Marginal Theory and Business Behavior", American Economic Review, XXXVII (Junho, 1947), 375-83; R. A. Gordon, "Short-Period Price Determination in Theory and Practice", American Economic Review, XXXVIII (Junho, 1948), 265-88. Cabe notar que Lester, alem de referir-5e a MOS assuntos que se relacionam a validade dos "pressupostos", na teoria marginal, tambem se,refere i evidencia que diz respeito a conformidade da experiencia com as implica~es da teoria. Cita, alias, como exemplos em qqe lalta essa conformidade, 0 modo pelo qual 0 emprego reagiu, na Alemanha, ao plano Papen e, nos Estados Unidos da America, as altera~es havidas na legisla~ao a respeito dos saIarios m{nimos. Contudo, 0 bteve comentarlo de Stigler eo unico, dentre os demais artigos, em que hli alusao a tal evidencia. Cumpre notar, ainda, que nao deve ser ignorada a completa e cuidadosa exposi~o de Machlup, relativa a estrutura 16gica e ao significado da teoria marginal, porque 0 artigo de Lester, ao debater 0 tema, estli sensivelmente prejudicado por v3ri.os mal-entendidos que quase chegam a ocultar a evidencia ali apresentada, relevante para 0 assunto examinado. Entretanto, Machlup, enfatizando a estrutura 16gica, chega perigosamente perto do ponto de apresentar a teoria como se fosse mera tautologia ...;.embora esteja claro, em MOS pontos, que ele tern COilSciencia do perigo e estli ansioso por evitli-Io. Os artigos de Oliver e de Gordon sao extremados, concentrando-5e exclusivamente na questao da conformidade do comportamento de homens de neg6cios com os "pressupostos" da teoria.

III - PODE UMA HIPOTESE SUBMETER-SE A TESTE PEW REALISMO DE SEUS PRESSUPOSTOS? Principiemos com urn exemplo fisico simples, 0 da lei da queda dos corpos. Aceita-se a hipotes de acordo com a qual a acelera~ao g, de urn corpo que cai no vacuo, e constante, na Terra, com valor aproximado de trinta e dois pes por segundo (ou seja, 9,8 metros po~ segundo), e independe da forma do corpo, da maneira pela qual tomba,. etc. Isso acarreta cf\le a distancia percorrida por urn corpo, em queda livre, em qualquer intervalo especificado de tempo, sera dada pela formula s = ( 1/2 ) gt2, on de sea distancia percorrida (em pes ou em metros) e t 0 tempo (em segundos). Aplicar a formula ao caso de uma esfera compacta, deixada cair do telhado de urn edificio, equivale a dizer que a esfera se comporta como se estivesse caindo no vacuo. Submeter a teste a hipotese por meio de pressupostos significaria, presumivelmente, medir a pressao real do ar para decidir se seu valor esta ou nfo pr6ximo de zero. Ao nivel do mar, a pressao do ar e de aproximadamente 15 libras por centimetro quadrado (ou seja, de 6,75 kgf por cm2). Estaria esse numero suficientemente proximo de zero para que a diferen~a fosse julgada destituida de importancia? Aparentemente sim, pois 0 tempo real que a esfera s6lida leva para atingir 0 solo esta bem proximo do tempo indicado pel a formula. Imagine-se, porem, que em vez da esfera compacta se lance, do alto do edificio, uma pena. A f6rmula conduz, entao, a resultados exageradamente inacurados. Assim, aquele numero (15, no caso de libras, ou 6,75, no caso dos kgf) e significativamente diferente de zero para apena, mas nao para a esfera compacta. Suponha-se que a formula se veja aplicada a uma esfera deixada cair de urn aviao, a trinta mil pes (ou seja, a quase dez mil metros) de altitude. A pressao do ar, nessa altura, e decididamente menor do que 6,75 kgf por centimetro quadrado. Sem embargo, 0 tempo real de queda, de dez para sete mil metros de altitude (quando a pressao do ar ainda e muito menor do que a pressao ao nivel do mar), difere consideravelmente do tempo dado pela f6rmula - muito mais apreciavelmente do que 0 tempo gasto pela esfera em sua queda do alto do edificio para 0 solo. De acordo com a f6rmula, a velocidade da esfera deveria ser gt e deveria, pois, crescer continuadamente. Na verdade, porem, uma esfera deixada caii de dez mil metros de altura atinge a sua velocidade maxima bem antes de chegar ao solo. 0 mesmo acontece com respeito a outras conseqtiencias da formula. A questao inicial - a de saber se quinze esta ou nao suficientemente pr6ximo de zero para que a diferen~a possa ver-se desprezada - e, portanto, uma questao meio tola. Quinze libras por centimetro quadrado equiparam-se a 2.160 libras por pe quadrado ou a 0.0075 toneladas por polegada quadrada. Nao dispomos de meios que autorizem considerar tais numeros "pequenos" ou "grandes", se nos falta urn

e

padnlo exterior de comparayao. E 0 unico padrao relevante de comparayao e a pressac do ar, relativamente qual a f6rmula "funciona" ou nao, em urn dado conjunto de circunstancias. Isso, porem, levanta a mesma questao, em urn segundo nivel. Que significaria "funciona ou nao"? Ainda que pudessemos eliminar os erros de mensurayao, 0 tempo de queda, efetivamente medido, dificilmente (ou nunca) se igualaria ao tempo fornecido pel a f6rmula. Quao grande deveria ser a diferenya entre esses dois valores para ver-se justificada a afir~ao de que "a teoria nao funciona"? Para responder a esta pergunta ha dois importantes padroes exteriores de comparayao. Urn deles seria a acuidade passivel de ser alcanyada por uma teoria altemativa, igualmente aceitavel, com a qual a teoria em pauta fosse confrontada. 0 outro padrao manifesta-se quando existe uma teoria que sabidamente conduz a previsoes mais satisfatorias, mas com maior custo. Os ganhos decorrentes da maior acuidade (e que dependem dos objetivos perseguidos) precisam, nesse caso, ver-se comparados com os mais elevados custos de sua obtenyao. o exemplo ilustra, a urn tempo, a impossibilidade de submeter a teste uma teoria pel os seus pressupostos e a ambiguidade do conceito de "pressupostos de uma teoria". A formula s = (1/2) 9t2 vale para corpos que caem no vacuo e se deriva da analise do comportamento de corpos que caem no vacuo. Cabe dizer, entao, que, em variada gama de circunstancias, os corpos que tombam na atmosfera real se comportam como se estivessem caindo no vacuo. Em linguagem muito usada na Economia, isso traduzir-se-ia, de imediato em: a formula pressupoe 0 vacuo. Mas e claro que assim nao acontece. 0 que ela verdadeiramente assevera e isto: em muitos casos, a existencia da pressao atmosferica, a forma do corpo, 0 nome da pessoa que 0 deixa cair, 0 tipo de mecanismo pelo qual se provoca a sua queda e variadas outras circunstancias presentes deixam de ter efeito apreciavel sobre a distancia que 0 corpo, em sua queda, percorre durante urn especificado intervalo de tempo. A hip6tese pode ser facilmente refraseada, de maneira a omitir qualquer alusao ao vacuo: em ampla gama de condiyoes, a distancia percorrida por urn corpo, em queda livre, num especificado intervalo de tempo, e dado pel a f6rmula s = (1/2) 9t2. Deixando de lade a historia dessa formula e a teoria fisica a qual se acha associada, tern sentido afirmar que ela pressupoe 0 vacuo? Ate onde me e dado saber, ha varios outros conjuntos de circunstancias que poderiam conduzir mesma f6rmula. Ela e acolhida porque funciona e nao porque vivamos em urn vacuo aproximado - seja qual for 0 significado disso. o problema importante, em conexao com a hip6tese, e 0 de especificar as circunstiincias em que a f6rmula funciona; mais precisamente, e 0 de indicar a magnitude geral dos erros que se apresentam em suas previsoes, sob variadas condiyoes. Em verdade - como esta implicito no refraseamento da hip6tese, linhas acima - nao se tern essa indicay30 da magnitude dos erros, de urn lado, e a propria hipo-

a

a

tese, de outro lado, como coisas diversas. A indica9ao e parte essencial da hip6tese, uma parte que tendeni a sofrer revisoes e a ampliar-se, na medida em que a experiencia vier a acumular-se. No caso especifico da queda dos corpos, ha uma teoria mais geral, embora ainda incompleta, esb09ada em fun9ao de tentativas de explicar os erros da teoria simples. Essa teoria geral permite avaliar a influencia de alguns fatores de pertuba9ao e dela se deduz, como caso particular, a teoria simplificada. Entretanto, nao convem usar sempre a teoria generalizada, pois a acuidade adicional que permite nao justifica, via de regra, 0 custo adicional de seu emprego. Permanece, pois, como questao importante, a de saber em que condi90es a teoria simples funciona "suficientemente bem". A pressao do ar e uma - e somente uma - das variaveis que definem tais condi90es; ao lado de outras, sao, tambem, relevantes a forma do corpo e a velocidade atingida. Vma das maneiras de interpretar essas variaveis diversas da pressao do ar - consiste em encara-Ias como fatores que determinam se e significativo ou nao urn particular afastamento com_respeito ao "pressuposto" do vacuo. Exemplificando, pode-se dizer que a diferen9a de formas dos corpos torn a as quinze libras por polegada quadrada significativamente distantes de zero, no caso da pena, mas nao significativamente distantes de zero, no caso da esfera compacta, deixada cair de moderada altura. Esse enunciado, porem, deve ser nitidamente distinguido de outro, muito diverso, segundo 0 qual a teoria nao vige, no caso da pena, porque seus pressupostos sao falsos. A rela9ao relevante e exatamente a oposta: os pressupostos sao falsos, no caso da pena, porque a teoria nao funciona. Este ponto deve ser enfatizado pois os "pressupostos" sao usados, de maneira perfeitamente correta, a fim de especificar as circunstancias em que a teoria nao vige, mas nao, como erroneamente se admite, com freqiiencia, a fim de determinar aquelas circunstancias - 0 que tern sido, importante fonte de cren9a em que uma teoria possa ver-se submetida a testes pelos seus pressupostos. Consideremos, agora, outro exemplo, concebido com 0 fito de apresentar-se como ancilogo de muitas hip6teses que surgem em ciencias sociais. Cogitemos da densidade das folhas em uma arvore. Sugiro, como hip6tese, que as folhas se posicionam como se cada qual delas procurasse, deliberadamente, maximizar a quantidade de luz solar que recebe, tendo em conta 0 posicionamento de folhas vizinhas; como se cada qual delas conhecesse as leis fisicas responsaveis pela quantidade de luz incidente em varios pontos e pudesse mover-se rapida ou instantaneamente de urn ponto dado para qualquer outro ponto nao ocupado. ( 1 ) Ora, algumas das (1) Embora esteexemplo tenha origem independente, e similar a urn exemplo usado por Armen A. Alchian, em "Uncertainty, Evolution, and Economic Theory", Journal of Political Economy, LVIII ( Junho, 1950), pp. 211-21. Boa por¢o da discussao subsequente, embora tambem tenha origem independente, acompanha as linhas da discussao de Alchian.

mais 6bvias implicayoos dessa hip6tese mostram-se perfeitamente compativeis com a experiencia. Exemplificativamente (considerando, e claro, 0 que ocorre nos Estados Unidos da America), a densidade das folhas e maior no lado suI do que no lado norte das arvores, embora isso nlio ocorra ou ocorra de modo menos patente, como a hip6tese implica, em en costas de m~mtes, voltadas para 0 norte, ou quando 0 lado suI das arvores, por alguma razlio, esteja na sombra. Deve a hip6tese tornar-se inaceitavel porque, ate onde sabemos, as folhas nlio "deliberam" nem exibem comportamento consciente, nlio freqiientaram escolas para aprender as relevantes leis cientificas ou as tecnicas matematicas necessarias para a determinaylio de posiyoes "6timas" e n[o s[o capazes de mover-se de urn ponto para outro? Nenhuma dessas form as de contraditar a hip6tese e vitalmente relevante; os fen6menos envolvidos n[o se acham na "classe de fen6menos que a hip6tese pretende explanar". A hipotese n[o afirma que as folhas fayam tudo aquilo que foi men cion ado acima; limita-se a asseverar que a densidade se apresenta como se as folhas fizessem 0 que foi dito. Em que pese a aparente falsidade dos seus "pressupostos", a hipotese e muito plausivel, dado 0 acordo entre suas implica~oes e 0 observado. Tendemos a "explicar" a sua validade com base em que a luz solar contribui para 0 desenvolvimento das folhas e que, por conseguinte, elas se acumulam ou se mantem, em maior numero, nos locais em que ha mais sol. Assim, 0 resultado decorrente de adaptay[o puramente passiva as circunstiincias exteriores coincide com 0 resultado que decorreria de acomoday[o deliberada a tais circunstiincias. A hip6tese altemativa e mais atraente do que a concebida, mas n[o porque seus "pressupostos" seja:t;l "realistas" e sim porque ela e parte de uma teoria de maior generalidade, aplicavel a uma variedade maior de fen6menos, de que 0 posicionamento de folhas, numa arvore, e apenas urn caso particular, teoria que admite maior numero de implicayoes passiveis de se verem refutadas e que n[o foi contraditada, em ampla gama de condi~oes. A evidencia direta para 0 crescimento das folhas esta, pois, refor~ada pela evidencia indireta que deflui de outros fen6menos a que essa teoria geral se aplica. A hipotese concebida so e presumivelmente valida (ou seja: conduz a previsoes "suficientemente" acuradas, relativas a densidade das folhas) para uma classe restrita de circunstiincias. Niio sei quais seriam estas circunstiincias e nem como defini-Ias. Parece 6bvio, entretanto, que os "pressupostos" da teoria, neste exemplo, nlio tern qualquer papel na sua determinay[o. 0 tipo da arvore, as caracteristicas do solo, etc., sao as variaveis que, provavelmente, definirlio 0 iimbito de validade da teoria - validade que nao dependera da capacidade matematica das folhas, nem da possibilidade de elas se moverem de urn para outro ponto.

Savage e eu discutimos, em outro local, (1 ) urn exemplo similar, porem relativo ao comportamento humano. Consideremos 0 problema de determinar (prever) os pontos feitos por urn eximio jogador de bilhar. Nlio parece descabido supor. que excelentes previsOes seriam obtidas a partir da hipotese de que 0 jogador executa as tacadas como se conhecesse as complicadas formulas matematicas pelas quais ficariam fixadas as trajetorias otimas, fosse capaz, de relance, de fazer estimativas acuradas sobre os angulos e demais elementos que descrevem as posi~lles relativas das bolas, estivesse apto, usando as formulas, a realizar caIculos em fra~lles de segundos; e como se pudesse fazer com que as bolas se movessem ao longo das trajetorias indicadas pelas formulas: A confian~a que depositamos em tal hipotese nao provem da cren~a em que jogadores de bilhar, ainda que eximios, possam atravessar ou atravessem, de fato, as fases do processo descrito; provem, ao contrario, da cren~a em que as pessoas, se nao atingissem, de alguma forma, os mesmos resultados praticos, deixariam de ser eximios jogadores de bilhar. Urn pequeno passo nos leva do afirmado nos exemplos ao que se afirma na hipotese da Economia segundo a qual, em ampla gama de circunstancias, as firmas (individualmente consideradas), atuam como se estivessem tratando, racionalmente, de maximizar seus esperados rendimentos (ou "lucros", segundo a terminologia usual, urn tanto desnorteadora) ( 2 ) e tivessem cabal conhecimento dos dados (1)

Milton Friedman e L. J. Savage, "The Utility Analysis of Choices Involving Risk", Journal of Political Economy, LVI (Agosto, 1948), p. 298. Reimpresso no livro READINGS IN PRICE THEORY, organizado pela American Economic Association (Chicago, Richard D. Irwin, Inc., 1952),pp.57-96. (2 ) Parece apropriado 0 usa do termo "lucros" para aludir Ii diferenlia entre resultados reOOse "esperados", entre recebimentos ex post e ex ante. Como sublinha Alehian (op. cit., p. 212), acompanhando Tintner, os "lucros" sao frutos de incerteza e nao podem, portanto, ver-se, de modo deliberado, antecipadamente maximizados. Face Ii incerteza, os indivlduos e as frrmas escolhem uma dentre varias antecipadas distribuiliOes de probabilidade, relativas aos recebimentos ou rendas. 0 conteudo especifico de uma teoria da escolha de uma de tais distribuil(c5es depende de criterios que permitam hierarquiza-las. Uma hip6tese e a de que devam ser hierarquizadas segundo a expectativa matematica da utilidade que a elas se associa (cf. Friedman e Savage, "The Expected-Utility Hypothesis and the Measurability of Utility",\op. cit.). Caso especial dessa hip6tese, ou alternativa para ela, hierarquiza as distribuil(c5es de probabilidades segundo a expectativa matematica das rendas em dinheiro associadas a elas. Esta ultima alternativa e, possivelmente, mais facil de apliCar (e moos freqiientemente aplicada) ao caso de f'rrmas do que ao caso de indivlduos. 0 termo "rendas esperadas" sera entendido de modo suficientemente amplo para poder abranger qualquer dessas opl(c5es. Os temas a que se faz referencia na presente nota nilo silo fundamentOOs, cogitando-se das questoes metodologicas em tela, de modo que se vem contornados, em geral, nas discussOes subsseqiientes.

indispensaveis para aIcanyar hito nessa empreitada; como se - dito de outro modo - conhecessem as relevantes funyoes de demanda e de custo, calculassem custos marginais e rendimentos marginais associados a todas as opyoes possiveis, relativas as ayoes a tomar, e considerassem cada qual dessas linhas de ac;ao, prolongando-as ate fazer com que os custos marginais se identificassem aos rendimentos marginais. Ora, e claro que os homens de negocios nao resolvem, na realidade, Iiteralmente falando 0 sistema de equayoes em que 0 economista-matematico condensa aquela hipotese - exatamente como as folhas e os jogadores de bilhar tamoom nao executam complicados caIculos matematicos, ou os corpos em queda nao decidem criar 0 vacuo. Se perguntarrnos ao jogador de bilhar como escolhe 0 ponto da bola em que da a tacada, ele podera responder que "simplesmente da uma calcula· da", embora nao deixe de apertar um pe de coelho, para ter sorte. 0 homem de negocios podera dizer, por sua vez, que fixa preyos em termos de custos medios, permitindo, e claro, alguns desvios, quando 0 mercado 0 exige. A resposta do jogador e tao "esclarecedora" quanta a do homem de negocios e nenhuma das afirrna· yoes se constitui em teste relevante para a hipotese correlata. A confianya que possamos ter na hipotese da maximizayao dos rendimentos justifica·se por evidencia de genero bem diverso. Essa evidencia e, pelo menos, em parte, semelhante it que se utiliza para apoiar a hipotese do jogador de bilhar: se 0 comportamento dos homens de negocios nao se assemelhasse, de algum modo, a urn comportamento compativel com a maximizayao dos rendimentos, parece improvavel que esses homens viessem a ficar por tempo longo no ramo dos negocios. Suponhamos haver um determinante imediato aparente para 0 comportamento negociador - 0 habito, 0 acaso ou qualquer outro fator. Sempre que esse determinante conduz a um comportamento compativel com a maximizayao bem informada e racional dos rendimentos, os negocios prosperam e propiciam recursos para haver expansao; caso contrario, os negocios tendem a produzir perda 'de recursos e so poderao manter-se com auxilio de reservas provenientes de fora. 0 processo de "selec;ao natural" ajuda-nos, pois, a validar a hipotese; em outras palavras, admitida a seleyao natural, a aceitayao da hipotese pode assentar-se, largamente, na ideia de que ela sumaria, apropriadamente, as condiyoes de sobrevivencia. Evidencia de maior importancia, em favor da hipotese da maximizayao dos rendimentos, provem da experiencia colhida em numerosas aplicayoes da hipotese a problemas especificos - e a reiterada verificayao de que suas implicay5es deixaram de se ver contraditadas. Dificlmente se documentara uma tal evidencia, que se acha espalhada em numerosos memorandos, artigos e monografias cuja preocupayao principal nao era a de submeter aquela hipotese a teste mas a de resolver especfficos problemas concretos. Ainda assim, a hipotese tern, a sustenta-Ia, um testemunho indireto e muito forte: 0 seu continuado emprego e a constante acolhida que mere-

ceu, por muitos anos - a que se associa a inexistencia de qualquer teoria rival caerente, nao auto-contraditoria, capaz de ver-se desenvolvida e tambem amplamente aceita. A evidencia em favor de uma hipotese resulta, sempre, de falhas nas tentativas feitas no sentido de contradita-Ia; essa evidencia acumula-se enquanto a hipotese e utilizada e, por sua propria natureza, nao pode ser facilmente documentada de maneira abrangente. rende, pois, a tornar-se parte da tradiyao e do fold ore de ilma ciencia, revelada atraves da tenacidade com que as hipoteses sao defendidas e nao atraves de listas explicitas de casos em que deixaram de ver-se contraditadas.

Ate aqui, nossas condusoes relativas ao significado dos "pressupostos" 'de uma teoria foram quase todos negativos: vimos que uma teoria n[o pode ser submetida a teste pelo "realismo" de seus "pressupostos" e que 0 proprio conceito de "pressuposto" de uma teoria esta cercado de ambigiiidades. Se isso resurnisse tudo, seria dificil explicar 0 amplo uso desse conceito e a tendencia que todos temos de falar dos pressupostos de uma teoria, e de compara-Ios com os pressupostos de teorias alternativas. Ha muita fumaya presente para que inexista 0 fogo. Na metodologia, tal como na ciencia positiva, os enunciados negativos s[o formulados, em geral, com maior confianya do que os enunciados afirmativos. Explica-se, pois, porque tenho menos confianya em minhas proximas observayoes, relativas ao significado e ao papel dos "pressupostos", do que nas observayoes precedentes. Ate on de me e dado ver, os "pressupostos de uma teoria" desempenham tres papeis positivos diversos, embora relacionados: a) sao, freqiientemente, modo economico de descrever ou de apresentar uma teoria; b) facilitam, algumas vezes, 0 teste indireto da hipotese e de suas impliayoes; e c) slfo, algumas vezes, como se notou acima, urn meio conveniente de especificar as condiyoes sob as quais se espera seja valida a teoria. Os dois primeiros itens requerem discuss[o mais pormenorizada.

o exemplo das folhas ilustra 0 primeiro papel dos pressupostos. Em vez de dizer que as folhas tendem a maximizar a luz solar recebida, poderiamos formular uma hipotese equivalente, destituida de pressupostos aparentes, sob a forma de lima lista de regras que perrnitissem predizer a densidade das folhas: se uma arvore esta em urn plano, sem que outras arvores ou· outros objetos impeyam a chegada dos raios solares, entao a densidade das folhas tendera a ter tais e quais peculiaridades; se uma arvore se acha na encosta de urn morro, cercada por diversas outras arvores

similares, entao ... ; e assim por diante. Esta e, claramente, uma forma bem menos econ6mica de apresentayao da hipotese do que 0 enunciado simples segundo 0 qual as folhas tendem a maximizar os raios solares que cad a qual delas recebe. Este Ultimo enunciado e, na verdade, simples sumario das regras que comp
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