Fichamento_Tudo começou com maquiavel
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Universidade Federal de Santa Catariana – UFSC Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Departamento de Direito Disciplina: Teoria Geral do Estado e da Constituição Professor: Orides Mezzaroba Acadêmica: Ana Beatriz dos Santos FICHAMENTO GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. Trad. Dario Canali. 15.ed. Porto Alegre: L&PM, 1998.
Parte I A Concepção do Estado em Marx e Engels
Antes Antes da aprese apresenta ntação ção das concepçõe concepçõess do Estado Estado em Marx Marx e Engels Engels,, é feita feita uma apresentaçã apresentaçãoo das concepções dos principais principais pensadores pensadores que os antecederam, antecederam, e com as quais ambos se depararam. Nicolau Maquiavel (1469-1527)
É o primeiro autor a tratar de política estudando suas próprias leis, sem levar em conta a moral ou qualquer tipo de idealização, podendo ser considerado o primeiro cientista político. Defendia o estudo do Estado como ele é, não como deveria ser. Nesse ponto, é preciso levar em consideração a natureza do homem. Como não acredita não existe uma perfeição de caráter nos homens, o governante deve ser duro e usar do que for preciso para conquistar e manter o poder. (p. 10-12) Jean Bodin (1530-1596)
É o primeiro a refletir acerca do Estado moderno, e de uma maneira não idealista, mas baseando num Estado real, o da França. Teoriza a autonomia e a soberania soberania do Estado moderno e coloca o problema do consenso, da hegemonia. Considera a soberania como a pedra fundamental de toda a estrutura do Estado, fonte do poder do monarca que não mais possui um poder de origem divina. O elemento essencial, que melhor define o Estado, não é nem o território e nem o povo: é o poder. “O Estado Estado (...) é poder absoluto, é a coesão de todos os elementos da sociedade.” (p.13) Thomas Hobbes (1588-1679)
Para Hobbes, antes de existir o Estado, o homem vivia num estado de natureza, onde gozava de total liberdade, sem nenhum tipo de poder que lhe impusesse limites. Essa falta de barreiras levaria a um estado de guerra constante de todos contra todos, já que Hobbes ressaltava a natureza individualista e egoísta do homem, descrevendo, na verdade,
os homens de sua época, a burguesia que se formava e demonstrava desde então sua luta cruel por lucros e mercados. Então, os homens estabelecem entre si um acordo que funda o Estado, a fim de garantir a conservação da própria vida e uma convivência pacífica. Nasce, então, um Estado absoluto, único capaz de conter as paixões da natureza humana. (p.13-14) John Locke (1632 -1704)
Teórico da revolução liberal inglesa, também refere-se à existência de um estado natural, mas atribui a criação do Estado a uma razão diferente da de Hobbes. Para Locke, os homens firmam um acordo criando tanto o Estado quanto a sociedade visando não à proteção de sua vida, e sim à conservação de suas propriedades. O Estado originado do contrato não é absoluto, pode ser desfeito como qualquer acordo, reflexo das relações e do pensamento individualistas da sociedade burguesa na concepção do Estado. O Estado é soberano e sua autoridade vem do contrato que o estabeleceu, contestando, também, a origem divina do poder estatal. Existe uma estrita relação entre liberdade e propriedade: “...a liberdade está em função da propriedade e esta é o alicerce da liberdade burguesa, que nessa época era progressista.” (p.17) Há também uma separação entre as esferas civil e política, obedecendo cada uma a leis diferentes. Essa separação constitui a base da liberdade política e da livre iniciativa econômica, estando o poder político separado da propriedade. (p.14-18) Emmanuel Kant (1724-1804)
Kant parte de um princípio democrático, o de que a soberania pertence ao povo, para em seguida restringi-la, fazendo uma distinção entre os proprietários, a quem cabem os poderes políticos, e os não proprietários, a quem esses direitos são negados. Essa distinção é o alicerce do liberalismo e deixa evidente a ligação entre propriedade e liberdade, essencial para o liberalismo: só é livre quem é proprietário. Considera as leis como sagradas e invioláveis, sendo o monarca sempre um justo intérprete da soberania popular e do direito natural, na forma da lei. Assim, a lei sobrepõese à soberania do povo, numa concepção tipicamente liberal do Estado de Direito, na qual a soberania popular é delimitada por aqueles direitos como o de propriedade, de livre expressão, de livre associação. Esses direitos, tidos como naturais, são expressão dos interesses da burguesia, e, na prática, gozados apenas por quem tiver recursos suficientes. (p.18-20) Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Pai da concepção democrático-burguesa. Dizia que os homens nascem livres e iguais e bons por natureza, mas são deturpados pela civilização. Para garantir sua liberdade e igualdade, unem-se através de um contrato que funda a sociedade, e não o Estado. Esta sociedade, o povo, é o único detentor da soberania, irrevogável e intransferível, sendo a assembléia o único órgão soberano. Nesse ponto, Rousseau não faz distinção entre as esferas civil e política e nega, inclusive, a separação dos poderes. Reconhece, porém, as dificuldades do exercício de uma democracia direta, nos tempos do Estado moderno, como ocorreu na antiga Atenas. Assim, o povo elege representantes, que não detêm a soberania, apenas a representam.
Rousseau discorda dos liberais quando fundamentam a liberdade na desigualdade entre proprietários e não-proprietários, pois considera a igualdade como pressuposto da liberdade. Ignora todo o processo econômico-social compreendido no surgimento da propriedade, atribuindo-o a um ato individual, quando algum indivíduo declarou-se proprietário de determinada terra, dando início ao processo de desigualdade entre os homens, causador de todos os males da sociedade. (p.20-24) Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830)
Suas teorias surgem após a Revolução Francesa, quando o liberalismo começa a ser um ideal para toda a Europa. Torna nítida a separação entre o Estado e a sociedade civil, comparando as democracias antigas com o liberalismo moderno. Na antigüidade, a liberdade era exercida na esfera pública, eram enormes os direitos dos cidadãos em Roma e na Grécia antigas. Na esfera privada, em contraposição, as atividades, como economia e religião, eram controladas, sendo essa esfera totalmente absorvida pela vida política. Já o homem moderno, reivindica e exerce sua liberdade na esfera privada, desfrutando de direitos como o de ir e vir, de livre expressão, de proteção contra arbitrariedades pela lei, etc. Na esfera política, por outro lado, sua liberdade tem limites, já que não pode tomar parte diretamente das decisões do governo como faziam os antigos. A igualdade referiria-se principalmente iniciativas econômicas, e estaria vinculada à propriedade, isto é, a liberdade pressupõe diferença, e não igualdade. (p.24-25) Charles Tocqueville (1805-1859)
Acredita na realização da democracia e da igualdade jurídica, mas levanta a possibilidade de a igualdade destruir a liberdade, transformando-se em tirania. Nessa época, duas concepções de Estado se afirmam na Europa: a concepção liberal, que relaciona a propriedade e a liberdade, baseando a liberdade sobre a desigualdade; a concepção democrática, que baseia a liberdade na igualdade. O que prevaleceu foi uma mistura de ambas, com ampliação da liberdade jurídica, sufrágio universal, porém, reafirmando o direito da propriedade e buscando proteger a iniciativa econômica e o desenvolvimento do capitalismo. (p.26) Benedetto Croce (1866-1952)
Atenta para a distinção entre liberalismo e democracia, numa época em que ambos se confundiam. Apesar de ambos se oporem ao absolutismo e ao clericalismo e defenderem direitos como liberdade, igualdade e soberania popular, possuem concepções diferentes acerca do indivíduo, da igualdade, da soberania, do povo. Enquanto para os democratas os indivíduos eram iguais sempre, para os liberais os indivíduos eram iguais como homens, mas não como cidadãos. Para os primeiros, o povo era uma soma de forças iguais, numa visão quantitativa, ao passo que para os liberais, era formado por indivíduos diferentes, e com capacidades diferentes, todos válidos dentro da associação, numa visão qualitativa. Ainda, a soberania não pertence a cada um individualmente, relaciona-se ao conjunto e deve ser exercida por uma classe dirigente, a “elite da cultura”, que nada mais é que a elite econômica. (p.26-28) Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
Estabelece também uma distinção entre Estado e sociedade civil, mas coloca o Estado como fundamento da sociedade civil e da família, é o Estado que funda o povo e
não o contrário, e a soberania é do Estado, portanto a sociedade civil é por ele absorvida. É o contrário da concepção democrática e também uma crítica à concepção individualista de liberdade. O Estado e a sociedade civil diferenciam-se apenas como conceitos, na sua visão organicista do Estado. O Estado, ao contrário do liberal, é também ético, educa, não se preocupa apenas em garantir liberdades individuais e vantagens econômicas. O monarca é a personificação do Estado e nele reside a soberania estatal, retomada do velho absolutismo amenizada pela visão de monarquia constitucional. (p.28-29) Essas concepções do Estado não constituem uma visão crítica, são justificações ideológicas do Estado existente. Para termos uma visão científica do Estado, temos que tomar consciência de sua composição, de sua natureza de classes. Isso nunca será feito pela burguesia, já que colocaria em evidência sua dominação sobre o resto da sociedade. Por esse motivo não se pode encontrar uma teoria burguesa do Estado moderno, esta começa a se apresentar apenas a partir das idéias de Karl Marx. Karl Marx ( 1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895)
Marx fundamenta uma teoria sobre o Estado moderno ao explicar o surgimento do Estado, seu caráter e suas leis, como produto das relações econômicas, compreendidas dentro da sociedade civil. A teoria marxista do Estado não chegou a ser elaborada, mas está implícita na análise das relações econômicas. O Estado é a expressão das relações de produção, parte essencial da estrutura econômica, justamente porque a garante. Engels parte do conhecimento do Estado capitalista para buscar na história a sua origem e formação. O Estado surge a partir de um determinado grau de desenvolvimento econômico, ligado à divisão da sociedade em classes. Os antagonismos gerados pela dominação de uma classe, aquela com maior poder econômico, sobre as demais, levam à luta de classes. O Estado surge então para regular esses conflitos, servindo como mediador; porém, não acaba com a dominação, ao contrário, até a legitima Ele origina-se na sociedade e apesar de sua aparente autonomia – leis internas, burocracia, grande estrutura – serve sempre ao poder da classe dominante. Essas definições não constituem, também, uma teoria do Estado burguês, por serem muito genéricas; apenas fornecem elementos que devem ser desenvolvidos numa teoria. Marx afirma que a igualdade de todos perante a lei presentes na democracia burguesia é apenas formal, sendo que na prática o acesso aos direitos comuns e à justiça é influenciado pelo poder econômico do indivíduo. Essa falsa igualdade separa o homem no trabalho do homem diante da lei; o cidadão é uma abstração jurídica. Uma revolução econômico-social deve ser feita para transformar a sociedade, buscando-se a liberdade efetiva e reunificando-se o homem e o cidadão.Esse processo revolucionário envolve a tomada do poder pela classe proletária, que socializa os meios de produção e dirige um processo que leva ao desaparecimento das diferenças de classes, e assim, da existência de qualquer classe, tornando desnecessário o Estado, que também se extingue, chegando-se ao comunismo. Numa primeira fase, mais tarde chamada “a ditadura do proletariado”, temos a afirmação da igualdade real, não mais a igualdade puramente jurídica, formal. Marx observa, porém, que o direito burguês, mantido nesse período de transição, não é justo, por
ser igual para todos; para ser justo, deve levar em consideração a desigualdade entre os homens. Essa injustiça, no entanto, não pode ser eliminada na primeira fase do processo. Numa fases mais elevada da sociedade comunista, desaparece a divisão do trabalho e o contraste entre trabalho físico e trabalho intelectual. O trabalho passa de servidão à libertação. A propriedade social dos meios de produção conduz a um desenvolvimento das forças produtivas e dos direitos em todos os campos, tornando possível, então, a superação do critério jurídico burguês, que estabelece uma lei igual para todos. O novo lema será: “cada um contribui de acordo com suas capacidades, cada um recebe de acordo com sua necessidades.” Com o comunismo, Marx objetivava a libertação do homem, o que só poderia ser atingido com a igualdade social. No comunismo a propriedade dos meios de produção é coletiva, permitindo a liberdade plena e o amplo desenvolvimento pessoal de cada um. Ele afirma que as armas usadas pela burguesia contra o feudalismo e as conquistas então alcançadas, como a liberdade política e a democracia, que se haviam tornado campo de luta dos operários, começam a ser usadas contra ela pela classe operária. Marx aponta, também, para um contínuo processo de burocratização, militarização e policiamento do Estado, cada vez mais um instrumento de opressão. Daí, a necessidade de opor à ditadura da burguesia a ditadura do proletariado, indispensável para que se possa chegar a uma sociedade sem classes. Na obra A guerra civil na França, Marx salienta o processo histórico de concentração do Estado, desde a monarquia absoluta até Napoleão III, fase de maior centralismo em todos os setores, correspondendo à concentração dos meios de produção. Para opor-se a esse Estado centralizado, é preciso um novo modelo de Estado organizado em comunas, cujo exemplo é a Comuna de Paris. A sociedade civil passa a desempenhar funções do Estado, retomando sua primazia. As funções do exército e da polícia são exercidas pelos cidadãos, o corpo burocrático estatal dá lugar a administradores eleitos e revogados pelos cidadãos, o mesmo acontecendo com os magistrados. A sociedade fundase no autogoverno dos produtores. Marx não viu na Comuna um primeiro exemplo de ditadura do proletariado, como fez Engels, apenas acreditava que poderia vir a sê-lo se não tivesse sido derrotada. (p.30-55)
Parte II A Concepção do Estado em Lênin e Gramsci
Lênin
A primeia teorização de Lênin acerca do Estado aparece na obra O Estado e a Revolução, numa tentativa de retomar a verdadeira concepção de Marx e Engels, deformada pela Segunda Internacional, principalmente por Karl Kautsky. Lênin retoma o caráter de classe do Estado e a idéia de ser o Estrado uma máquina de opressão da maioria por uma minoria, disfarçado atrás de uma democracia e uma liberdade ilusórias. É atribuído ao Estado o termo “ditadura de classe”, considerando como ditadura também o poder exercido através de leis, democráticas, inclusive. Para opor-se a essa ditadura da burguesia, é necessária uma ditadura do proletariado, que significaria uma democracia para a maioria, o poder da maioria sobre a minoria, invertendo-se a relação
existente na Estado capitalista. Nessa democracia, as liberdades políticas burguesas serão totalmente realizadas, deixando de ser apenas formais, e a esfera de liberdades será ampliada. Lênin aponta os elementos do Estado que permitem o exercício do poder. Ao lado do aparelho opressor, existe todo um aparelho administrativo que não deve ser destruído, que desempenha um papel de estatística e registro. Também os grandes bancos são necessários ao socialismo, devendo apenas ser democratizados e administrados de forma diferente. A democracia é definida como coerção sistemática e organizada, é coerção, não liberdade. Apesar disso, oferece uma igualdade de direitos para cidadãos, inclusive no acesso ao Estado. Percebe-se, então, no exercício da democracia, que há uma limitação imposta pela propriedade privada dos meios de produção, que leva à necessidade de uma revolução socialista. Um fator essencial da ditadura do proletariado é a participação efetiva da maioria dos trabalhadores na direção da sociedade e do Estado. Para que isso possa ser concretizado é necessário, além do fim dos impedimentos legais, uma revolução cultural, que permita o acesso das massas a novos níveis de cultura, inclusive ao aprendizado da administração do Estado. Esse é o caminho apontado contra o burocratismo do Estado soviético. (p.65-85)
Gramsci
Gramsci estabeleceu o contato do movimento operário italiano com os ensinamentos de Lênin. Considera a ditadura do proletariado como um fato não só político, mas também cultural e intelectual, estabelecendo uma ligação estreita entre política e filosofia. A revolução é tida como um processo que leva tempo e a conquista do Estado, mais que um momento de destruição, representa o nascimento de um novo tipo de Estado. Aponta as Comissões Internas (conselhos de fábrica), como meio de tomada de poder por parte dos proprietários. Essas devem ser desenvolvidas para futuramente transformarem-se em órgãos proletários que substituirão o capitalista na administração e direção. É preciso aprender a dirigir as fábricas para que o capitalismo seja abolido. Assim como Lênin, reconhece a necessidade do desenvolvimento da função dirigente dentro da classe operária, antes da tomada do poder. Sugere um sistema de alianças com outros setores sociais como decisivo para a conquista do poder e da hegemonia. Gramsci chama a ditadura do proletariado de “hegemonia”, para salientar sua função dirigente, em detrimento da dominação, da coerção. Salienta, também, a necessidade de exploração do território nacional, de penetração na realidade nacional, por parte dos proletários. A hegemonia engloba conhecimento, conquista de um novo nível cultural, quebra de ideologias, que sustentam todo o bloco histórico; é atingida antes da conquista do poder, é uma forma de condução a ele. Nesse sentido, é importante o papel dos intelectuais – significando o dirigente da sociedade, podendo ser representado por desde um soldado até um chefe de liga agrícola – que elaboram a hegemonia da classe dominante. O momento da revolução é um momento de crise de hegemonia, quando os que mantêm o poder não conseguem mais dirigir o país, mantê-lo coeso pela ideologia. É o momento de entrada de um novo bloco de poder, que tomará o lugar do velho bloco.
O partido tem papel fundamental como unificador do pensamento e da ação da classe operária, decisivo na formação da hegemonia da classe. Porém, Gramsci se refere sempre a hegemonia da classe operária, nunca hegemonia do partido. (p.85-107)
Florianópolis, 29 de setembro de 1999.
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