Fichamento CLIFFORD, James. a Experiencia Etnografica

June 4, 2019 | Author: mayara_maciel_2 | Category: Ethnography, Anthropology, Language Interpretation, Knowledge, Experiment
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CLIFFORD, James. A experiência etnográfica. etnográfica. APRESENTAÇAO POR JOSÉ REGINALDO SANTOS GONÇALVES As ultimas décadas do século XX tem sido marcadas por uma forte tendência auto-reflexiva nas ciências humanas, sobretudo na antropologia esse momento jaó foi caracterizado como “reflexivo”, “hermenêutico”, “interpretativo”, “desconstrutivo”, ou ainda como um campo d e manifestação de uma “sensibilidade romântica”. A obra de Clifford parece desempenhar um papel singular neste contexto histórico e epistemologico (p.07). “Enquanto historiador, ele analisa a emergência da moderna noção antropológica ou etnográfica de “cultura”, tal como este veio se configurar nos dois primeiros terços do século XX. [...] focaliza os modos de representação etnográfica no contexto colonial e pós-colonial e no contexto cultural do modernismo literário e artístico europeu. Nesse percurso, explora de modo original as fronteiras sempre móveis entre história, literatura e antropologia no século XX” (p.07-08). (p.07-08). Para Clifford, os intelectuais ocidentais do século XX estavam preocupados com contextos de significado e de identidade que eles chamavam de “cultura” e “linguagem”. No século XIX percebe-se percebe-se uma problemática com a “história” e o “progresso” num sentido evolucionista. *...+ “Esta é uma alegoria por meio da qual James Clifford define sua posição em relação aos etnógrafos modernos. Ele os transforma em nativos, assumindo uma posição distanciada em relação ao discurso etnográfico e ao contexto cultural modernista em que este se insere simultaneamente como condição e efeito” (p.08). “Primeiramente, “Primeiramente, chama a atenção para o fato de os antropólogos sociais modernos construírem a sua identidade profissional como “etnógrafos” *...+ assim, a moderna antropologia social e cultural, passa a ser pensada como o efeito contingente de determinado contexto histórico e intelectual  autoridade etnográfica” (p.08-09). (p.08-09). “No saber convencional, a etnografia desempenha um papel metodológico central *...+ Nos limites do discurso disciplinar, a etnografia é entendida por certos autores como “a observação e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade e visado a sua reconstituição, tão fiel quanto possível a vida de cada um deles (Lévi-Strauss, 1973, p.14). Alguns autores no entanto, pensam a etnografia como algo mais que uma “reconstituição tão fiel quanto possível” da vida dos grupos estudados e probl ematizam o entendimento mesmo do que seja a “prática etnográfica”. Este é o caso de Clifford Geertz, para quem “em antropologia ou, de qualquer forma, em antropologia social, o que os praticantes fazem é etnografia. E é justamente ao compreender o que é etnografia, ou mais exatamente o que é a prática etnografica, que se pode começar a entender o que representa a antropologia como forma de conhecimento”. Segundo esse autor, a etnografia é uma atividade eminentemente interpretativa, uma descrição densa, voltada volt ada para a busca de estruturas de significação” (p.09). James Clifford esquiva-se dos entendimentos disciplinares da etnografia, para propor entender a diversidade mesma dos processos de construção de textos etnográficos, visualizando-os como empreendimentos textuais situados em circunstancias históricas e culturais especificas. Para Clifford os textos etnográficos fazem parte de “um sistema complexo de relações; eles são pensados simultaneamente como condições e efeitos de uma rede de relações vividas por etnógrafos, nativos e outros personagens situados no co ntexto de situações coloniais” (p.10). “Entendida por James Clifford como uma “atividade hibrida”, a etnografia é vista simultaneamente como “escrita, colecionamento, collage modernista, poder imperial imperi al e critica

subversiva”. Nesse sentido, a etnografia não recebe uma definição ostensiva, que termina por naturalizá-la como método ou como uma espécie de literatura. Ela se configura na verdade como um campo articulado pelas tensões, ambigüidades e indeterminações próprias do sistema de relações do qual faz parte” (p.10). “A etnografia está também misturada a experiência das relações de poder entre etnógrafos e nativos em situações coloniais. [...] Não há, assim, fronteiras definidas entre etnografia, enquanto escrita, e a experiência. Cliffod foca nessa indeterminação entre linguagem e experiências etnográficas. [...] A experiência etnográfica é sempre textualizada, enquanto que o texto etnográfico está sempre contaminado pela experiência. Em outras palavras, os temas da etnografia estão simultaneamente no texto e fora do texto” (p.11). “Ao assumir uma atitude irônica frente as formas de representação etnográfica, o efeito de sua reflexão é desestabilizar a própria noção antropologica ou etnográfica de cultura, tal como essa configurou ao longo do século XX. Em especial aquelas concepções em que a “cultura” aparece como uma totalidade integrada no espaço e contínua no tempo, dotada de uma identidade e fronteiras muito bem definidas, fundada em raízes e portadoras de autenticidade. [...] Sua obra propõe uma estratégia de distanciamento irônico tanto em relação as concepções objetivas (universalistas, iluministas), quanto em relação as concepções subjetivistas (relativistas, românticas) da cultura” (p.12). SOBRE A AUTORIDADE ETNOGRÁFICA 1. Comparação Lafitau (1724) e Malinowiski  antropólogos de gabinete (escrita transcrito) x etnógrafos (trabalho de campo - presença).

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“A alegoria de Lafitau é menos familiar: seu ator transcreve, não cria. cria. Seu relato é apresentado não como um produto de observação de primeira Mao, mas como um produto da escrita em um gabinete repleto de objetos. Diferentemente da foto de Malinowski, a gravura não faz nenhuma referencia etnográfica, mas afirma uma presença  – a da cena diante das lentes; e sugere também outra presença  – a do etnógrafo elaborando ativamente esse fragmento da realidade trobriandesa [...] O modo predominante e moderno de autoridade no trabalho de campo é assim expresso: “Você está lá... porque eu estava lá” (p.18). 2. Objeto do estudo: traçar a formação e a desintegração da autoridade etnográfica na antropologia social do século XX. (Como transcrever o objeto de estudo sem a sua relação de poder sobre ele, sem afetar a realidade dos fatos).

“Os contornos de tal teoria são problemáticas *...+ o dilema atual está associado a desintegração e a redistribuição do poder colonial nas décadas posteriores a 1950, e as repercussões das teorias culturais radicais dos anos 60 e 70. Após a reversão do olhar europeu em decorrência do movimento movimento da negritude, após a crise de consciência da antropologia em relação a seu status liberal no contexto da ordem imperialista, e agora que o Ocidente não pode mais se apresentar como o único provedor do conhecimento antropológico sobre o outro, tornou-se necessário imaginar um mundo de etnografia generalizada” (p.18-19). “Com a expansão da comunicação e da influencia intercultural, as pessoas interpretam os outros, e a si mesmas, numa desnorteante diversidade de idiomas  – “heteroglossia” . Este mundo ambíguo, multivocal, torna cada vez mais difícil conceber a diversidade humana como culturas independentes, delimitadas e inscritas. inscritas . A diferença é um efeito de sincretismo nativo (p.19).

Os trabalhos de Said (Orientalismo) e Hountondji levantaram duvidas radicais sobre os procedimentos pelos quais grupos humanos estrangeiros podem ser representados, sem propor, de modo definido e sistemático, novos métodos ou epistemologias. Tais estudos sugerem que, se a escrita etnográfica não pode escapar inteiramente do uso reducionista de dicotomias e essenciais, ela pode ao menos lutar conscientemente para evitar representar “outros” abstratos e a-históricos. a -históricos. [...] Nenhum método cientifico soberano ou instancia ética pode garantir a verdade das imagens. Elas são elaboradas a partir de relações históricas especificas de dominação e dialogo (p.19). 3. O desenvolvimento da ciência etnográfica deve ser compreendido junto com um debate  político-epistemológico mais geral sobre a escrita escrita e a representação da alteridade. alteridade.

O autor utilizou como foco a antropologia profissional e a etnografia a partir de 1950. A crise da autoridade etnográfica ocorreu pelos anos de 1900 e 1960, durante o qual uma nova concepção de pesquisa de campo se estabeleceu como norma para a antropologia americana e européia  o trabalho de campo emergiu como uma fonte privilegiada e legitimada de dados sobre povos exóticos (p.20-21). “Na década de 1930 pode-se pode -se falar de um consenso internacional em desenvolvimento: as abstrações antropológicas, para serem válidas, deviam estar baseadas, sempre que possível, em descrições culturais intensivas feitas por acadêmicos qualificados. [...] Recentemente, Recentemente, tornou-se possível identificar e assumir uma certa distancia em relação a essas convenções. Se a etnografia produz interpretações culturais através de intensas experiências de pesquisa, como uma experiência incontrolável se transforma num relato escrito e legítimo? Como, exatamente, um encontro intercultural loquas e sobredeterminado, atravessado por relações de poder e propósitos pessoas, pode ser circunscrito a uma versão adequada de um “outro (p.21). mundo”mais ou menos diferenciado, composta por um ator individual? (p.21).

“Analisando esta complexa transformação, a etnografia está do começo ao fim, imersa na escrita. escrita. Esta escrita inclui, no mínimo, uma tradução da experiência para a forma textual. textual . O processo é complicado pela ação aç ão de múltiplas subjetividades e constrangimentos políticos que estão acima do controle do escritor. Em resposta a estas forças, a escrita etnográfica encena uma estratégica específica de autoridade. autoridade . Esta estratégia tem classicamente envolvido uma afirmação, não questionada, no sentido de aparecer como provedora da verdade no texto (p.21). 4. Legitimação do pesquisar de campo

Ao fim do século XIX, nada garantia o status do etnógrafo como o melhor interprete da vida nativa. Durante este período, uma forma particular de autoridade era criada, uma autoridade cientificamente validade, ao mesmo tempo que baseada numa singular experiência pessoal. Durante a década de 20, Malinowski desempenhou um papel central na legitimação do pesquisador de campo, e devemos lembrar l embrar nesse sentido seus ataques a competência de seus competidores no campo. [...] O que emergiu durante a primeira década do século XX com o sucesso do pesquisador de campo profissional foi uma nova fusão da teoria com pesquisa empírica, de análise cultural com descrição etnográfica (p.22-23). A compreensão da dificuldade de se captar o mundo de outros povos tendia a dominar os trabalhos de Codrington ao final do século XIX. Tais suposições seriam em breve desafiadas pelo confiante relativismo cultural do modelo malinowskiano. Os novos pesquisados de campo se distinguiam nitidamente dos anteriores  – missionário, administrador, comerciante e

viajante  – cujo conhecimento dos povos indígenas, argumentavam, não estava informado pelas melhores hipóteses cientificas ou por uma suficiente neutralidade (p. 24). Antes do surgimento da etnografia profissional escritores como Tylor haviam tentado controlar a qualidade dos relatos, fizeram por meio de pesquisadores sofisticados no campo, como os missionários. Quando integrou-se na academia, estimulou a coleta sistemática de dados etnográficos por profissionais qualificados, o veterano missionários foi substituído por Boas, um físico em processo de mudança para a etnografia profissional (p.24). [...] O novo estilo de pesquisa era claramente diferente daquele dos missionários e outros amadores na campo “geração intermediária”, e parte de uma tendência geral que vinha desde Tylor, de elaborar de modo mais articulado os componentes empíricos e teóricos da pesquisa antropológica (p.25). “No entanto, o estabelecimento da observação participante intensiva como uma norma profissional teve que esperar o malinowski, pois esta geração intermediária de etnógrafos não vivia tipicamente num só local pó um ano ou mais, dominando a língua nativa e sofrendo uma experiencia de aprendizado pessoal comparável a uma iniciação. Eles não falavam como se fizessem parte daquela cultura, mas mantinham a atitude documentaria, observadora, de um cientista natural (p.25). 5. União Etnógrafo e Antropólogo - validade cientifica da observação participante.

“Antes do final do século XIX, o etnógrafo e o antropólogo, a ntropólogo, aquele que descrevia e traduzia os costumes e aquele que era o construtor de teorias gerais sobre a humanidade, eram personagens distintos. distintos. Malinowski nos dá a imagem do novo antropólogo: olhando, ouvido e perguntando, registrando e interpretando a vida trobiandesa. O estatuto desta nova autoridade está no primeiro capítulo dos Argonautas e a aguda justificação metodológica para o novo modelo é encontrada no Andaman Islanders de Radcliffe-Brown, ambos os textos fornecem argumentos explícitos para a autoridade especial do antropólogo-etnógrafo (p.26). Malinowski estava preocupado em convencer os leitores que os fatos eram objetivamente adquiridos, não criações subjetivas, [...] há uma constante alternância entre a descrição impessoal do comportamento comportamento típico e declarações do gênero “eu testemunhei...” e “nosso grupo, navegando a partir do norte...”. Os argonautas são uma complexa narrativa, simultaneamente sobre a vida trobiandesa e sobre o trabalho de campo etnográfico. Ela é arquetípica do conjunto de etnografias que com sucesso estabeleceu a validade cientifica da observação participante (p.26,27). Na década de 20, o novo teórico-pesquisador de campo desenvolveu um novo e poderoso gênero cientifico e literario, a etnografia, uma descrição cultural sintética baseada na observação participante. O novo estilo dependia de inovações institucionais e metodológicas que contornavam os obstáculos a um rápido conhecimento sobre outras culturas (p.27). 6. Inovações institucionais a partir da década de 1920.

1º. A  persona do pesquisador de campo foi legitimada, tanto pública quanto profissionalmente; profissionalmente; Vantagem sobre os amadores, o etnógrafo profissional era treinado nas mais modernas técnicas analíticas e modos de explicação cientifica; uma variedade de padrões normativos surgiu: agora o pesquisador de campo deveria viver na aldeia nativa, usar a ligua nativa, investigar certos temas clássicos (p.28).

2º. Era tacitamente aceito que o etnógrafo de novo estilo, cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos, anos, e mais frequentemente era bem mais curta, podia eficientemente, “usar” a língua nativas mesmo sem dominá-las (p.28); 3º. A nova etnografia era marcada por uma acentuada ênfase no poder de observação. observação. A cultura era pensada como um conjunto de comportamentos, cerimônias e gestos característicos passiveis de registro e explicação por um observador treinado [...] A interpretação dependia da descrição (p.29). 4º. Algumas poderosas abstrações teóricas prometiam auxiliar os etnógrafos acadêmicos a “chegar ao cerne” de uma cultura mais rapidamente do que alguém, ir atrás de dados selecionados que permitiriam a construção de um arcabouço central, ou estrutura, do todo cultural (p.29). 5º. O novo etnógrafo pretendia focalizar tematicamente algumas instituições especificas. O objetivo não era contribuir para um complexo inventario ou descrição de costumes, mas sim chegar ao todo através de uma ou mais de suas partes (p.30). 6º. Os todos assim representados tendiam a ser sincrônicos, produtos de uma atividade de pesquisa de curta duração. O pesquisador de campo, operando de modo intensivo, poderia, de forma plausível, traçar o perfil do que se convencionou chamar de “presente etnográfico” (30). 7. Estas inovações serviram para validar uma etnografia eficiente, baseada na observação  participante cientifica. Seus efeitos combinados podem ser vistos claramente no que  pode ser considerado o tour de d e force da nova etnografia –  Os Nuer de Evans-Pritchard  em 1940.

“Ao fazer proposições limitadas e sem fazer segredos das dificuldades difi culdades de sua pesquisa, Evans conseguiu apresentar seu estudo como uma demonstração da eficácia da teoria. Ele focaliza a “estrutura” social e política dos nuer, analisada como um conjunto abstrato de relações entre segmentos territoriais, linhagens, conjuntos etários e outros grupos fluidos [...] ele distingue claramente, seu método daquilo que ele chama de documentação “fortuita”(malinowskiana). Os nuer não é um extenso compendio de observações e textos em língua nativa ao estilo de argonautas, Evans argumenta com rigor que os fatos só podem podem ser selecionados e articulados a luz da teoria (p.31). Em os Nuer, Evans defende abertamente o poder de abstração cientifica para direcionar a pesquisa e articular dados complexos, o livro é mais um argumento do que uma descrição, seu argumento teórico é cercado por evocações e interpretacoes habilmente narradas e observadas sobre a vida dos nuer (p.32). “A observação participante continua representando o principal traço distintivo da antropologia profissional. Sua complexa subjetividade é rotineiramente reproduzida na escrita e na leitura das etnografias” etnografias” (p.33). 8. Observação Participante –  vaivém entre o interior e o exterior dos acontecimentos. Experiência x Interpretação.

A OP é uma formula paradoxal e enganosa, mas pode ser considerada seriamente hermenêuticos, como uma dialética entre experiência e interpretação. [...] Experiência e Interpretação tem recebido, no entanto, ênfases diferentes quando apresentadas como

estratégias de autoridades. Em anos recentes, tem havido um notável deslocamento de ênfase do primeiro para o segundo termo (p.34). “A experiência do pesquisador pode servir como uma fonte unificadora da autoridade no campo”(p.34). *...+ A autoridade experiencial está baseada numa “sensibilidade” para o contexto estrangeiro, [...] muitas etnografias ainda são apresentadas no modo experiencial, defendendo, anteriormente a qualquer hipótese de pesquisa ou método específicos, o “eu estava lá” do etnógrafo como membro membro integrante e participante (p.35). Certamente é difícil dizer muita coisa a respeito da “experiência”. Assim como “intuição”, ela é algo que alguém tem ou não tem, e sua invocação frequentemente cheira a mistificação. Todavia, pode-se resistir a tentação de transformar toda experiência significativa em interpretação. Embora as duas estejam relacionadas não são idênticas. Faz sentido mante-las separadas, quanto mais não seja porque apelos a experiência muitas vezes funcionam como validações para a autoridade etnográfica (p.35). Seguindo os passos de Dilthey, a “experiência” etnográfica pode ser encarada como a construção de um mundo comum de significados, a partir de estilos intuitivos de sentimento, percepção e inferências (p.36). Precisamente porque é difícil pinçá-la, a experiencia tem servido como uma eficaz garantia de autoridade etnográfica. Há sem duvidas uma ambigüidade no termo, de um lado, evoca uma presença participativa, e de outro, sugere um conhecimento cumulativo que vai se aprofundando. Os sentidos se juntam para legitimar o sentimento ou a intuição real, ainda que inexpremivel, do etnógrafo a respeito do “seu povo”. É importante notar, porem, que esse mundo quando concebido como uma criação da experiência, é subjetivo, não dialógico ou intersubjetivo. O etnógrafo acumula conhecimento pessoal sobre o campo (p.38). 9.  Antropologia Interpretativa ao ver as culturas como conjunto de textos, frouxa e contraditoriamente unidos e ao ressaltar a inventiva poética em funcionamento em toda representação coletiva, contribuiu significativamente para um estranhamento da autoridade etnográfica - Textualização

A antropologia interpretativa desmitifica muito do que anteriormente passara sem questionamentos na construção de narrativas, tipos, observações e descrições etnográficas. Ela contribui para uma crescente visibilidade dos processos criativos pelos quais objetos culturais são inventados e tratados como significativos (p.39). O que está exposto no ato de se olhar a cultura como um conjunto de textos a serem interpretados? Clifford Geertz, numa serie de estimulantes e sutis discussões, adaptou a teoria de Ricouer ao trabalho de campo antropológico. A “textualização” é entendia como um prépré requisito para a interpretação, a constituição das “expressões fixadas” de Dilthey. Trata -se do processo através do qual o comportamento, a fala, as crenças, a tradição oral e o ritual não escritos vem a ser marcados como um corpus, um conjunto potencialmente significativo, separado de uma situação discursiva ou “performativa” imediata, onde este corpus significativo assume uma relação mais ou menos estável com um contexto, e já conhecemos o resultado final desse processo em muito do que é considerado como uma descrição etnográfica densa (p.39). Ricoeur propõe uma relação necessária entre o texto e o “mundo”, sendo que este ultimo não pode ser apreendido diretamente; ele é sempre inferido a partir de suas partes, e as partes devem ser separadas conceitual e perceptualmente do fluxo da experiência. Desse modo, a

textualização gera sentido através de um movimento circular que isola e depois contextualiza um fato ou evento em sua realidade englobante. Um modo familiar de autoridade é gerado a partir da afirmação de que se estão representando mundos diferentes e significativos. A etnografia é a interpretação das culturas (p.40). Segundo passo fundamental na análise de Ricoeur é seu estudo do processo pelo qual o “discurso” se torna texto. Este autor argumenta que o discurso não pode ser interpretado do modo aberto e potencialmente potencialme nte público como um texto é “lido”. Para entender o discurso, “você tem de ter estado lá”, na presença do sujeito. Para o discurso se tornar texto, ele deve ser transformado em algo “autônomo”, separado de uma locução especifica e de uma intenção autoral. A interpretação não é uma interlocução. Ela não depende de estar na presença de alguém que fala (p.40). Se muito da escrita etnográfica é feita no campo, a real elaboração de uma etnografia é feita em outro lugar. Os dados constituídos em condições discursivas, dialógicas, são apropriados apenas através de formas textualizadas. Os eventos e os encontros da pesquisa se tornam anotações de campo. As experiências tornam-se narrativas, ocorrências significativas ou exemplos (p. 41). Esta tradução da experiência da pesquisa num corpus textual separado de suas ocasiões discursivas de produção tem importantes conseqüências para a autoridade etnográfica. Uma explicação ou descrição de um costume por um informante não precisa ser construída de uma forma que incluí a a mensagem “fulano e fulano disseram isso”. Um ritual ou um evento textualizado não estão mais intimamente ligados a produção daquele evento por atores específicos. Em vez disso, estes textos se tornam evidencias de um contexto englobante, uma realidade cultural. Além disso, como os autores e atores específicos são separados de suas produções, um “autor” generalizado deve ser inventado, para dar conta do mundo ou do contexto dentro do qual os textos são ficcionalmente recolocados. Este “autor generalizado” aparece sob uma variedade de nomes: o ponto de vista nativo, os trobiandeses, os nuer, etc (p.41). Torna-se necessário conceber a etnografia não como a experiência e a interpretacao de uma “outra” realidade circunscrita, mas sim como uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais, sujeitos conscientes e politicamente significativos. Paradigmas de experiência e interpretação estão dando lugar a paradigmas discursivos de diálogos e polifonia (p.43). 10. Linguagem O trabalho de campo é significativamente composto de eventos de linguagem; mas a linguagem, nas palavras de Bakhtin, “repousa nas margens entre o eu e o outro . Metade de uma palavra, na linguagem, pertence a outra pessoa” *...+ A linguagem da etnografia é atravessada por outras subjetividades e nuances contextuais especificas, pois toda linguagem, na visão de Bakhtin, é uma “concreta concepção heteroglota do mundo” (p.44). Mas se a autoridade interpretativa está baseada na exclusão do dialogo, o reverso tambem é verdadeiro: uma autoridade puramente dialógica reprimiria o fato inescapável da textualização (p. 46). 11. Quem são os autores dos do s discursos? Autoridade Dialogica

Dizer que uma etnografia é composta de discursos e que seus diferentes componentes estão relacionados dialogicamente não significa dizer que sua forma textual deva ser a de um dialogo literal. Na verdade, como Crapanzano, um terceiro participante, real ou imaginado, funciona como mediador em qualquer encontro entre dois indivíduos. O dialogo ficcional é de fato uma condensação, uma representação simplificada de complexos processos multivocais. Uma maneira alternativa de representar essa complexidade discursiva é entender o curso geral da pesquisa como uma negociação em andamento (p. 47). Quem é na verdade o autor das anotações feitas no campo? (Os nativos ou antropólogos). Pode-se afirmar que o controle nativo sobre o conhecimento adquirido no campo pode ser considerável, e mesmo determinante. A escrita etnográfica atual está procurando novos meios de representar adequadamente a autoridade dos informantes (p.48). Critica a Malinowski  ele é um complexo caso de transição. Suas etnografias refletem uma coalescência ainda incompleta da moderna monografia. Se ele por um lado foi centralmente responsável pela fusão da teoria e descrição na autoridade do pesquisador de campo profissional, por outro lado ele incluiu material que não sustentava diretamente sua nítida perspectiva de interpretação (p.48-49). 12.  Autoridade Polifonica Uma maneira cada vez mais comum de realizar a produção colaborativa do conhecimento etnográfico é citar os informantes extensa e regularmente. Mas essa tática apenas começa a romper a autoridade monofônica. As citações são sempre colocadas pelo citador, e tendem a servir meramente como exemplos ou testemunhos confirmadores. Indo-se alem da citação, pode-se pode-se imaginar uma polifonia mais radical que “representaria os nativos e os etnógrafos com vozes diferentes”, diferentes”, mas isso também também deslocaria a autoridade etnográfica etnográfica (p.54). [...] Os discursos etnográficos não são em nenhuma circunstancia, fala de personagens inventados. As intenções dos informantes são sobredeterminadas, suas palavras, política e metaforicamente complexas. Se alocadas num espaço textual autônomo e transcritas de forma suficientemente extensas, as declarações nativas fazem sentido em termos diferentes daqueles em que o etnógrafo as tenha organizado. A etnografia é invadida pela heteroglossia (p. 55). É intrínseco a ruptura da autoridade monológica que as etnografias não mais se dirijam a um único tipo geral de leitor. A multiplicação das leituras possíveis reflete o fato de que a consciência etnográfica não pode mais ser considerada como monopólio de certas culturas e classes sociais no Ocidente (p. 57). A recente teoria literária sugere que a eficácia de um texto em fazer sentido de uma forma coerente depende menos das intenções pretendidas do autor do que da atividade criativa de um leitor (p.57). Os modos de autoridade resenhados aqui  – o experiencial, o interpretativo, o dialógico, o polifônico  – estão disponíveis a todos os escritores de textos etnográficos, ocidentais e nãoocidentais. [...] Os processos experiencial, interpretativo, dialógico e polifônico são encontrados, de forma discordante, em cada etnografia, mas a apresentação coerente pressupõe um modo controlador de autoridade. autoridade. Um argumento é que esta imposição de coerência a um processo textual sem controle é agora inevitavelmente uma questão de escolha estratégica.

SOBRE A ALEGORIA ETNOGRÁFICA

1. Escrita etnográfica – etnográfica – alegórica (representação, simbolismo) “A escrita etnográfica é alegórica tanto no nível de seu conteúdo (o que ela diz sobre as culturas e suas histórias) quanto no de sua forma (as implicações de seu modo de textualização)” textualização)” (p. 63). “Os textos etnográficos são inescapavelmente alegóricos, é uma aceitação séria desse fato modifica as formas com que eles podem ser escritos e lidos” (p.65). A alegoria normalmente denota uma prática na qual uma ficção narrativa continuamente se refere a outro padrão de idéias ou eventos. Ela é uma representação que interpreta a si mesma. Um reconhecimento da da alegoria enfatiza o fato de que retratos realistas, na medida em que são convincentes ou ricos, são metáforas extensas, padrões de associações que apontam para significados adicionais coerentes. A alegoria destaca a natureza poética, tradicional e cosmológica de tais processos de escrita (p.65-66). A alegoria concede especial atenção ao caráter narrativo das representações culturais, as historias embutidas no próprio processo de representação (p.66). Os relatos específicos contidos nas etnografias jamais podem ser limitados a um projeto de descrição cientifica, na medida em que a tarefa principal do trabalho é tornar o comportamento de um modo de vida vi da diferente humanamente compreensível. [...] As alegorias culturalistas e humanistas estão por trás das ficções controladas sobre diferença e similitude que chamamos de relatos etnográficos. etnográficos . O que se mantem nesses textos é uma dupla atenção a superfície descritiva e aos significados mais abstratos, comparativos e explanatórios (p.67). O que se vê num relato etnográfico coerente, a construção figurada do outro, está conectado em uma dupla estrutura continua, com a qual se entende. [...] A narrativa etnográfica de diferenças especificas pressupõe e sempre se refere a um plano abstrato de similaridade (p.67(p.67 68). A antropologia cultural do século XX tendeu a substituir alegorias históricas pelas alegorias humanistas. Ela evitou uma busca das origens em favor da procura por similaridades humanas e diferenças culturais. Mas o processo de representação em si mesmo não sofreu uma mudança essencial. A maioria das descrições dos outros continua a assumir e a se referir a níveis elementares ou transcendentes de verdade (p.68). 2. Uma etnografia cientifica normalmente estabelece um privilegiado registro alegórico que ela identifica como “teoria”, “interpretação” ou “explicação”. “explicação”. Mas uma vez que todos os níveis significativos num texto, incluindo-se teorias e interpretacoes, são reconhecidos como alegóricos, torna-se difícil privilegiar um deles, aquele que daria conta dos demais. Uma vez que essa ancora é retirada, a encenação e a valoração de registros alegóricos múltiplos, ou “vozes”, tornam-se tornam-se uma importante área de preocupação para escritores de etnografias. Recentemente, isso tem, por vezes, implicado atribuir ao discurso nativo um status semiindependente no conjunto do texto, interrompendo o privilegiamento da monotonia da representação “cientifica”. Muitas etnografias, distanciando-se distanciando -se de uma antropologia totalizadora, procuram evocar múltiplas (embora não ilimitadas) alegorias (70-71). Cita Nisa. Nisa, de Marjorie Shostak, exemplifica e se vê as voltas com o problema de apresentar e mediar múltiplas histórias. [...] Shostak encena exmplicitamente três registros alegóricos: 1) a

representação de um sujeito cultural coerente como fonte de conhecimento cientifico (Nisa é uma mulher !kung); 2) a construção de um sujeito marcado pelo gênero (Shostak pergunta: o que é ser mulher?); 3) a história de um modo de produção e relacionamento etnográficos etnográficos (um dialogo intimo) (p.71). Os três registros do livro são discrepantes em aspectos cruciais: 1º. A Autobiografia, cotejada com a vida de outras mulheres !kung, está inserida num processo de interpretação cultural; Este primeiro registro ele explica a personalidade de Nisa em termos de um modo !kung de ser e usa sua experiência para nuançar e corrigir generalizações sobre seu grupo. A pesquisa de Shostak baseou-se em entrevistas sistemáticas com uma quantidades de mulheres acumulando um corpo de dados amplo o suficiente para revelar atitudes, atividades e experiências típicas; mas a autora estava insatisfeita quanto a profundidade, o que levou a procurar uma informante capaz de fornecer uma narrativa pessoal detalhada – detalhada – Nisa. O discurso cientifico do livro, incansavelmente contextual, tipificador, é entrelaçado as outras duas vozes, introduzindo cada uma das 15 seções temáticas da vida com algumas poucas paginas de fundo [...] o discurso cientifico funciona no texto como uma espécie de freio para as outras vozes do luvro, cujos significados são excessivamente pessoais e intersubjetivos. Há uma discrepância real. Pois ao mesmo tempo que a historia de Nisa contribui para melhores generalizações sobre os !kung, sua especificidade mesma e as circunstancias particulares de sua elaboração criam significados que resistem as demandas de uma ciência tipificadora (p.71-74). 



2º. Essa Experiência modelada logo se torna uma história sobre a existência das “mulheres”; O 2º. E 3º registro do livro são nitidamente distintos do primeiro. Sua estrutura é dialógica, e por vezes cada uma delas parece existir principalmente em resposta a outra. A vida de Nisa tem sua própria autonomia textual, como uma narrativa distinta falada em tons característicos e criveis [...] Nisa conta sua vida, um processo textualmente dramatizado no livro de Shostak (74-75). Enquanto alter ego, provocadora e editora do discurso, Shostak faz uma série de intervenções significativas. [...] A voz impar de Nisa emerge. Mas Shostak removeu sistematicamente suas próprias intervenções, como também tirou vários marcadores narrativos (p.75). Shostak nitidamente pensou de forma cuidadosa sobre a estruturação de suas transcrições, mas não se pode ter tudo  – a performance com as suas divagações e também uma história facilmente compreensível (p.75). 





3º. Nisa narra um encontro intercultural no qual dois indivíduos colaboram para produzir um especifico campo de verdade (p.71). O 3º. Registro é o relato pessoal do trabalho de campo de Shostak. “Me ensina o que é ser uma mulher !kung” era a pergunta que fazia a seus informantes. *...+ Nisa fala, ao longo do texto, não como uma testemunha neutra, mas como uma pessoa que dá tipos específicos de conselhos a alguém de uma idade especifica com questões e desejos manifestos (p.76). Em seu relato, Shostak descreve uma busca de conhecimento pessoal, de algo que vai além do usual relato etnográfico. Ela espera que a intimidade com uma mulher !kung venha, de alguma forma, ampliar ou aprofundar seu sentido de ser uma mulher moderna ocidental. Sem tirar lições explicitas da experiência de Nisa, ela dramatiza através de sua própria investigação o modo como uma vida narrada faz sentido, em termos alegóricos, para um outro. A história de Nisa é revelada como uma produção 



conjunta, o resultado de um encontro que não poder ser reescrito como uma dicotomia sujeito-objeto. Algo mais do que explicar ou representar a vida e as palavras do outro está acontecendo  – algo mais incluso. O livro é parte de um novo interesse em revalorizar aspectos subjetivos da pesquisa (p.76). Nisa é assim manifestamente uma alegoria da compreensão cientifica, operando tanto no nível da descrição cultural quando de uma busca pelas origens humanas. [...] Nisa é uma alegoria feminista ocidental, parte da reinvenção da categoria geral mulher nos anos 70 e 80; e também uma alegoria da etnografia, do contato e da compreensão (71-72). Nisa é como muitas obras que retratam experiências humanas comuns, conflitos, alegrias, trabalho e assim por diante. Mas o texto que Shostak produziu é original no sentido de que recusa misturar seus três registros em uma contínua e completa “representação”. Eles permanecem separados, em tensão dramática. Essa polivocalidade é apropriada ao procedimento do livro [...] a diferença invade o texto; ela não mais pode ser representada; ela deve ser encenada (p.72). O trabalho de campo antropológico tem sido representado tanto como “laboratório” cientifico quanto como um “rito de passagem” pessoal. As duas dua s metáforas captam precisamente a impossível tentativa da disciplina em fundir práticas objetivas e subjetivas. [...] a nova tendência de nomear e citar os informantes de forma mais completa e introduzir elementos pessoais no texto está alterando a estratégia discursiva da etnografia e seu modo de autoridade. Muito de nosso conhecimento sobre outras culturas deve agora ser visto como contingente, o resultado problemático do dialogo intersubjetivo, da tradução e da projeção. Isto levanta problemas fundamentais para qualquer ciência que predominantemente se move do particular para o geral, que pode fazer uso de verdades pessoais apenas como exemplo de fenômenos típicos ou como exceções de padrões coletivos (78-79). Uma vez que se reconhece, no processo etnográfico, sua plena complexidade de relações dialógicas historicizadas, o que anteriormente pareciam ser relatos empíricos/interpretativos de fatos culturais generalizados agora aparecem como apenas um nível da alegoria. Tais relatos podem ser complexos e verdadeiros, e eles são, em principio, suscetíveis de refutação, assumindo-se o acesso ao mesmo conjunto de fatos culturais. Mas como versões escritas baseadas em trabalho de campo, esses relatos são, claramente, não mais a história, mas uma história entre outras histórias (p.79). 3. Os textos etnográficos não são apenas, ou não predominantemente, alegorias. Na verdade, eles lutam para limitar o jogo de seus “extra”“extra” - significados, subordinando-os a funções miméticas e referenciais. Essa luta ( que muitas vezes envolve disputas sobre o que será considerado como teoria cientifica e o que será considerado invenção literária ou projeção ideológica) mantém convenções disciplinares e genéricas (79-80). O tema do primitivo em extinção, do fim da sociedade tradicional ( o próprio ato de dar-lhe o nome de “tradicional” implica uma ruptura), é difuso na escrita etnográfica. Ele é uma “estrutura de sentimento”. Inegavelmente, modos de vidas podem, em um sentido significativo, “morrer”, as populações são regular e violentamente violent amente desagregadas, por vezes exterminadas. As tradições constantemente se perdem. Mas o persistente repetitivo “desaparecimento” de formas sociais no momento de sua representação etnográfica requer análise enquanto uma estrutura nativa (83-84).

O objeto em extinção da etnografia é, portanto, num grau significativo, uma construção retórica, legitimando uma prática representacional: a etnografia de resgate, em seu sentido mais amplo. O outro está perdido, num tempo e num espaço em desintegração, mas resgatado no texto. [...] Não desejo desejo negar casos específicos de costumes e línguas em desaparecimento, ou questionar o valor de se registrarem tais fenômenos. Questiono, no entanto, a suposição de que, com uma mudança rápida, algo essência (a “cultura”), uma identidade diferencial coerente, desapareça. E questiono também a modalidade de autoridade cientifica e moral associada a etnografia de resgate ou de redenção. Assume-se que a outra sociedade é fraca e “precisa” ser representada por um estranho (e o que impo rta em sua vida é seu passado, e não seu presente ou futuro). Aquele que registra e interpreta o fragil costume é o depositário de uma essência, testemunha inimputável de uma autenticidade (p.84). A alegoria do resgate está profundamente enraizada. Na verdade, ela está embutida na concepção e na prática da etnografia como um processo de escrita, especificamente de textualização. Toda descrição ou interpretação que se concebe como “trazendo uma cultura para o terreno da escrita”, movendo-se da experiência oral- discursiva (a do “nativo”, a do pesquisador do campo) para uma visão escrita daquela experiencia ( o texto etnográfico), está encenando a estrutura do “resgate”. Na medida em que o processo etnográfico é visto

como uma inscrição (mais do que, por exemplo, uma transcrição ou um dialogo), a representação continuara a encenar uma poderosa, e questionável, estrutura alegórica (p.85). Pressupostos difusos sobre a etnografia como escrita teriam também de ser alterados, pois as alegorias de salvamento estão implicadas na própria prática da textualização que é, em geral, assumida como o centro da descrição cultural. Independente do que mais faz uma etnografia ela traduz experiência em texto. Há vários modos de realizar essa tradução, modos m odos que trazem significativas conseqüências éticas e política (p.88). Em todas as formas de expor a textualizações, o que é irredutível, em todas elas, é o pressuposto de que a etnografia traduz a experiência e o discurso em escrita. Palavras e atos são transitórios ( e autênticos), a escrita permanece (como suplementaridade e artifício). O texto preserva o acontecimento ao mesmo tempo que estende seu significado. [...] O pesquisador de campo dirige, e controla em algum grau, a feitura de um texto a partir da vida. Suas descrições descrições e interpretações se tornam parte do “registro disponível do que o ser humano disse”(Geertz) (p.88). Cita parábola, onde vai a campo rever se a sociedade continua aquela pesquisada por outro etnohistoriador, e quando questiona sobre algo, o chefe pega o livro que esse cara escreveu para responder. De repente dados culturais cessam de se deslocar suavemente da perfomance oral para a escrita descritiva. Agora os dados se movem também de texto para texto, a inscrição se torna transcrição. Tanto o informante quanto o pesquisador são leitores e re-writers de uma invenção cultural. [...] O que se deve reconhecer reconhecer e entender são as novas condições de produção etnográfica. 1º Não é mais possível agir como se o pesquisador de fora fosse o único, ou o primeiro, transformador da cultura em escrita; 2º Os informantes crescentemente lêem e escrevem. Eles interpretam versões anteriores de sua cultura e também aquelas que estão sendo escritas por etnógrafos acadêmicos. Trabalhar com textos  – o processo de inscrever, reescrever e assim por diante  – não é mais domínio exclusivo de autoridades vindos de fora.

3º A divisão entre povos povos letrados e não-letrados foi erodida erodida (p.89-90). 4º o desafio mais subversivo a alegoria da textualização que é encontrado na obra de Derrida, “talvez o efeito mais duradouro de seu resgate da “gramatologia” tenha sido expandir o que era convencionalmente pensado como escrita. A escrita alfabética, argumenta ele, é uma definição restritiva que reúne a ampla gama de marcas, articulações espaciais, gestos e outras inscrições em funcionamento nas culturas humanas de uma maneira por demais próxima a representação da fala, da palavra no sentido oral e auditivo. [...] O que importa para a etnografia é a tese de que todo grupo humano escreve  – se ele articula, classifica, possui uma “literatura oral”, ou inscreve seu mundo em atos rituais. Eles repetidamente “textualizam” significados. Assim, na epistemologia de Derrida, a escrita da etnografia não pode ser vista como uma forma drasticamente nova de inscrição cultural, como uma imposição exterior sobre um “puro”universo não-escrito, não -escrito, oral/auditivo. O logos não é originário e o gramme, sua mera representação secundaria (p. 91). Seja lá o que tenha sido concluído ou não no debate sobre a escrita “pastoral etnografica”, não há duvida do que se tornou problemático: a nitida distinção das culturas do mundo entre letradas e pre-letradas; a nocao de que a textualizacao etnográfica é um processo que encena uma transição fundamental da experiência oral para a representação escrita; a suposicao de que algo essencial se perde quando uma cultura se torna “etnográfica”; a estranhamente ambivalente autoridade de uma prática que resgata como texto uma vida cultural que está se tornando passado (p.92). Minhas reflexões reflexões sobre a pastoral etnográfica sugerem que se deve resistir a esse “impulso”, não pelo abandono da alegoria  – um objetivo impossível de ser realizado -, mas por uma disposição nossa para histórias diferentes (p.93). Conclusões sobre alegorias: Não há maneira alguma de separar, definitivamente e com precisão cirúrgica, o factual do alegórico nos relatos culturais. Os dados da etnografia fazem sentido apenas dentro de arranjos e narrativas padronizados, e esses são convencionais, políticos e significativos num sentido mais do que referencial (p.94). Os significados de um relato etnográfico são incontroláveis. Um reconhecimento da alegoria irremediavelmente revela as dimensões políticas e éticas da escrita etnográfica. Um reconhecimento da alegoria complexifica a escrita e a leitura de etnografias de maneiras potencialmente frutíferas (p.95). Finalmente, o reconhecimento da alegoria requer que, como leitores e escritores de etnografias, lutemos para confrontar e assumir a responsabilidade sobre nossas sistemáticas construções sobre outros e sobre nós mesmos através dos outros. [...] Se estamos condenados a contar histórias que não podemos controlar, pelo menos não contemos histórias que acreditemos serem as verdadeiras (p.95-96). 

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SOBRE A AUTOMODELAGEM ETNOGRÁFICA: CONRAD E MALINOWSKI 1. Se proproe a historicizar a afirmação de que o “eu” é culturalmente constituído, examinando um momento por volta de 1900, quando esta idéia começou a assumir o sentido que tem hoje. “Em meados do século XIX, dizer que o individuo estava envolvido pela cultura significava algo bem diferente do que significa hoje. A “cultura” se referia a um único processo evolucionário.

[...] Na virado do século [...] uma nova concepção de cultural tornou-se possível. A palavra começou a ser usada no plural, sugerindo um mundo com modos de vida separados, distintos e igualmente significativos” (p.100-101). (p.100-101). No inicio do século XX há uma nova “subjetividade etnográfica. “A antropologia moderna pressupunha uma atitude irônica de observação participante. Ao profissionalizar o trabalho de campo, a antropologia transformou transformou uma uma situação amplamente difundida difundida num método cientifico. O conhecimento etnográfico não podia ser propriedade de qualquer discurso ou disciplina” disciplina” (p.101). “Greenblatt reconhece em que medida recentes questões quanto a liberdade, a identidade e a linguagem tem moldado a versão que ele constrói da cultura do século XVI. [...] Sua tardia, reflexiva versão de automodelagem renascentista repousa num ponto de vista etnográfico nitidamente articulado. O eu modelado, ficcional, é sempre situado com referencia a sua cultura e modos codificados de expressão, a sua linguagem. [...] A subjetividade que ele encontra não é uma epifania da identidade livremente escolhida, mas um artefato cultural, pois o eu em movimenta dentro de limites e possibilidades que resultam de um conjunto institucionalizado de práticas e códigos coletivos. Grenblatt recorre a antropologia simbólicointerpretativa, particularmente ao trabalho de Geertz, e ele sabe, além disso, que os símbolos e performances culturais ganham ganham forma em situações situações de poder e dominação. [...] Segue-se que o discurso etnográfico, incluindo a variante literária de Greenblatt, funciona dessa dupla forma. Embora ele retrate outros eus como culturalmente constituídos, ele também modela uma identidade autorizada a representar, a interpretar, e mesmo a acreditar  – mas sempre com alguma ironia – ironia – nas verdades de mundos discrepantes” (p.102-103). (p.102 -103). “A subjetividade etnográfica é composta pela observação participante num mundo de artefatos culturais ligado a uma nova concepção de linguagens, vistas como distintos sistemas de jogos. Juntamente com Nieztsche, Boas, Durkhein e Malinowski delimitam esse meu campo c ampo de exploração. os intelectuais ocidentais do século XX estavam preocupados com contextos de significado e de identidade que eles chamavam de “cultura” e “linguagem”. No século XIX percebe-se percebe-se uma problemática com a “história”e o “progresso” num sentido evolucionista. evolucionis ta. [...] Vemos que o privilegio dado as linguagens e culturais naturais estão se dissolvendo. Estes objetos e contextos epistemológicos aparecem agora como construções, ficções adquiridas, contendo e domesticando a heteroglossia” (p.103-104). (p.103 -104). “Minha preocupação não é com a possível dissolução de uma subjetividade ancorada na cultura e na linguagem. Ao invés disso, quero explorar duas poderosas articulações dessa subjetividade na obra de Malinowski e Conrad, duas pessoas “deslocadas”que compuser am suas próprias versões de “sobre a verdade e a mentira em um sentido culturalo” (p.104). “Minha comparação entre Mali e Conrad focaliza a difícil ascensão de ambos a expressão profissional inovadora. O Coração das Trevas (1899) é a mais profunda reflexão de Conrad sobre o difícil processo de se entregar a Inglaterra e ao inglês. [...] A experiência de Mali é demarcada por duas obras Um diário no sentido estrito do texto (1967) e Argonautas do Pacifico Ocidental (1922) [...] os dois textos são refrações parciais, experimentos científicos da escrita [...] O diário {onde expõe toda sua raiva, depressão, vulnerabilidade} é um inventivo texto polifônico. É um documento crucial para a história da antropologia, não porque revela a realidade da experiência etnográfica, mas porque nos força a enfrentar as complexidades de tais encontros e a tratar todos os relatos textuais baseados em trabalho de campo como construções parciais” (p.106-107). (p.106-107). 2.

Mali e Conrad eram poloneses,se conheciam, o primeiro era grande admirador do segundo, e ambos desenvolviam ambiciosas carreiras como escritores na Inglaterra. [...] Embora a relação entre ambos tenha sido breve, Mali frequentemente representava sua vida em termos conradianos, e em seu diário ele parecia as vezes estar reescrevendo temas de O Coração das Trevas (p.107). “Tanto O Coracao das Trevas quanto o Diario parecem retratar a crise de uma identidade – uma luta, nos confins de uma civilização ocidental, contra a ameacao de dissolução moral” (p.108). “Talvez a mais importante importante diferença textual seja que Conrad assume uma posição irônica com respeito a verdade representacional, uma atitude apenas implícita na escrita de Malinowsi. O autor de Argonautas se dedica a construir ficções culturais realistas, enquanto Conrad, embora comprometido de forma semelhante com isso, representa a atividade como prática contextualmente limitada a contar estórias” (p.109). “Ao se compararem as experiências de Mali e Conrad, fica fica-se -se espantado com sua sobredeterminação lingüística. Em cada caso, três línguas estão em ação, produzindo constantes traduções e interferências, por exemplo escreve o diário em polonês, cartas em Frances, e o texto em inglês, língua nativa” nativa” (p.109). “Podemos sugerir o esboço de uma estrutura para as três línguas ativas das experiências exóticas de Conrad e Mali. Entre o polonês, a língua materna, e o inglês, a língua da futura carreira e casamento, uma terceira intervem, associada com o erotismo e com a violência [...] Assim é possível distinguir em cada caso uma língua materna, uma língua do excesso e uma língua de restrição (do casamento e da autoria) [...] Portanto, tanto Conrad no Congo quanto Mali nas Ilhas Trobriand estavam imersos em situações subjetivas complexas e contraditórias, articuladas nos níveis de linguagem, linguagem, do desejo e da filiação cultural” (p.111-112). (p.111 -112). 3. Tanto em Argonaista quanto no Diário vemos a crise do “eu” em algum dos mais distantes pontos de navegação. Ambos os trabalhos retratam uma experiência de solidão, mas uma experiência de solidão que é preenchida com outros povos e com outros sotaques e que não permite um sentimento de centramento, de dialogo coerente, ou comunhão autentica” (p.112). A questão central do diário é que Mali é a “impossibilidade de ser sincero e portanto de ter um centro ético. Mali sente a exigência de coerência pessoal. [...] A solução de Mali consiste em construir duas ficções relacionadas – relacionadas  – a de um eu eu e a de uma cultura. [...] Ele se permitia permitia cair no extremismo “eslavo”, suas revelações sobre si mesmo e sobre seu tra balho eram exageradas e ambiguamente parodisticas” (p.113). “Assim como o protagonista de Conrad, o etnógrafo luta constantemente para manter uma essencial auto-suficiencia auto-suficiencia interior” (p.116). “A cultura, uma ficção coletiva, é a base para a identidade e a liberdade individuais. O eu, [autosuficiente] é um produto de trabalho, uma construção ideológica que é no entanto essencial, o fundamento da ética. Mas, uma vez que a cultura se torna visível como objeto e base, um sistema de significado entre outros, o eu etnográfico não pode mais se enraizar numa identidade não mediada” (p.118).

4. “Malinowski porem, resgatou um eu da desintegração e da depressão. Esse eu estava associado, tal como o de Conrad, ao processo da escrita. escrita. [...] A subjetividade subjetividade fragmentada manifesta em ambas as obras é aquela de um escritor, e o impulso de diferentes desejos e línguas é nítido numa serie de inscrições discrepantes” (p.118). 5. “Trata-se “Trata-se de diferentes experiências de escritas; etnografias são ao mesmo tempo semelhantes e distantes em relação aos romances. Mas, de um modo geral e importante, as duas experiências encenam o processo de automodelagem ficcional em sistemas relativos de cultura e linguagem que chamo de etnográficos” (p.122). “ Tem-se Tem-se a tentação de propor pro por que a compreensão etnográfica ‘e melhor entendia como uma criação da escrita etnográfica do que como uma consistente qualidade da experiência etnográfica. De qualquer modo, o que Mali realizava ao escrever era simultaneamente 1) a invenção ficcional dos trobriandeses a partir de uma massa de notas de campo, documentos, memórias, e assim por diante; e 2) a construção de um novo personagem publico, o antropologo como pesquisador de campo” (p.123). 6. “A antropologia, baseada no trabalho de campo, ao constituir co nstituir sua autoridade, constrói e reconstrói coerentes outros culturais e eus interpretativos. Se esta automodelagem etnográfica pressupõe mentiras de omissão e de retórica, ela tambem torna possível o relato de poderosas verdades” (p.126).

SOBRE O SURREALISMO ETNOGRAFICO “ Andre Breton sempre insistia em que o surrealismo não era um corpo de doutrinas ou uma

ideia definível, mas sim uma atividade. Este texto ‘e um exame da atividade etnografica situada, como deve sempre ser, em circunstancias históricas e culturais especificas. Focalizarei a etnografia e o surrealismo na Franca, entre entre as duas guerras mundiais” (p.132). “Essa orientação em relação a ordem cultural não pode ser claramente definida. É mais apropriadamente chamada de modernista do que de moderna, considerando como seu problema a fragmentação e a justaposição de valores culturais” (p.132-133). (p.132-133). “Estou usando o termo surrealismo num sentido senti do obviamente expandido, para circunscrever uma estética que valoriza e fragmentos, coleções curiosas, inesperadas justaposições  – que funciona para provocar a manifestação de realidades extraordinárias com base nos domínios do erótico, exótico, e do inconsciente (p.133). [...] o surrealismo etnográfico é uma construção utópica, uma declaração tanto sobre as possibilidades passadas quanto futuras da análise cultural” (p.134). O Surreal etnográfico

Walter Benjamim “descreve a transição de um modo tradicional de comunicação baseado numa narrativa oral contínua e na experiência compartilhada para um estilo cultural caracterizado por explosões de “informação” – a fotografia, a noticia de jornal, os choques de

percepção de uma cidade moderna. [...] Ver a cultura e suas normas  – beleza, verdade, realidade – realidade – como arranjos artificiais suscetíveis a uma análise distanciada e a uma comparação com outros arranjos possíveis é crucial para uma atitude etnográfica etnográfica”” (p.134-135). (p.134-135). “Para as vanguardas vanguardas parisiense, a Africa fornecia uma reserva de outras formas e outras crenças. Isto sugere um segundo elemento da atitude etnográfica surrealista, a crença de que o outro, seja ele acessível através dos sonhos, dos feitiches ou da mentalidade primitiva de Lévi-Bruhl, era um objeto crucial da pesquisa moderna [...] o surrealismo moderno e a etnografia partiam de uma realidade profundamente questionada” (p.136). “O termo etnografia, tal como o estou estudando aqui, é diferente evidentemente, da técni ca de pesquisa empírica de uma ciência humana que na França foi chamada de etnologia, na Inglaterra de antropologia social, e na América de antropologia cultural. Estou me referindo a uma predisposição cultual mais geral, que atravessa a antropologia moderna e que esta ciência partilha com a arte e a escrita do século XX. O rotulo etnográfico sugere uma característica atitude de observação participante entre os artefatos de uma realidade cultural tornada estranha. Os surrealistas estavam intensamente interessados em mundos exóticos, entre os quais incluíam uma certa Paris. Sua atitude, embora comparável aquela do pesquisador no campo, que tenta tornar compreensível o não-familiar, tendia a trabalhar no sentido inverso, fazendo o familiar se tornar estranho. O contraste é de fato gerado por um jogo contínuo entre o familiar e o estranho, do qual a etnografia e o surrealismo era dois elementos. Esse  jogo é constitutivo da moderna situação cultural que estou tomando como base de meu estudo” (p.136-137). (p.136-137). “É melhor melhor suspender a descrença ao considerar as práticas e os excessos dos etnógrafos surrealistas. E é importante entender sua forma de levar a cultura a serio, como uma realidade contestada – contestada – uma forma que incluía a ridicularizacao e o embaralhamento de suas ordens. [...] O surrealismo é o cúmplice secreto da etnografia – etnografia  – para o bem ou para o mal – mal  – na descrição, na análise e na extensão das bases da expressão e do sentido do século XX” (p.137). Mauss, Bataille, Métraux 

Mauss era um pesquisador. Ele treinou um seleto grupo. Suas aulas não eram uma demonstração teórica. Elas enfatizavam, na sua forma divagadora, o fato etnográfico concreto; Mauss tinha um olhar acurado para o detalhe significativo. Ainda que ele próprio nunca tenha feito trabalho de campo, Maus era eficiente em levar seus alunos a fazerem pesquisa de primeira mão (p.139-140). Mauss não escreveu livros, ele era bastante disperso em relação a compromissos e lealdades. Nos primeiros anos do Institut d’Ethnologie, os cursos de Mauss continuavam a s er o fórum crucial para uma emergente etnografia. Este ensino era um curioso instrumento acadêmico, não fundamentalmente distinto do surrealismo, e capaz de estimular os gostos tanto de Metraux e Bataille (p.145). Taxonomias Documents era uma requintada revista editada por George Bataille na década de 20-30.

“Sem dúvida, é preciso um esforço de imaginação para regatar o sentido, ou os sentidos, da palavra etnografia, tal como era usada nos surrealistas nos anos 20. Uma ciência social definida, com um método discernível, um conjunto de textos clássicos e cátedras universitárias, não estava ainda totalmente formada. Examinando os usos da palavra numa

publicação como Documents vemos como a evidencia etnográfica e uma atitude etnográfica podiam funcionar a serviço serviço de uma crítica cultural subversiva” (p.147). “A atitude etnográfica proporcionava um estilo de nivelamento cultural cientificamente validado, a redistribuição de categorias carregadas de valor, tais como musica, arte, beleza, sofisticação, limpeza, etc. O extremo relativismo, e mesmo o niilismo, latente na abordagem etnográfica não ficou inexplorado pelos colaboradores mais radicais de Documents. Sua visão de cultura não expressava concepções de estrutura orgânica, de integração funcional, totalidade ou continuidade histórica. Sua concepção de cultura pode ser chamada, sem anacronismo, de semiótica. A realidade cultural era composta de códigos artificiais, identidades ideológicas e objetos suscetíveis de recombinações e justaposições inventivas” (p.150). No Musée de l’Homme

“A história da etnografia francesa entre as duas grandes guerras mundiais pode ser narrada como a história de dois muses. O velho Trocadéro Trocadéro e o novo Musée de l’Homme exerceram importante influencia, tanto prática como ideológica, no curso da pesquisa e na compreensão de seus resultados. [...] Se o Trocadéro dos anos 20, com seus objetos de arte mal classificados e mal rotulados, correspondia a estética do surrealismo etnográfico, o Palais de Chaillot, completamente moderno, encarnava o emergente paradigma acadêmico do humanismo etnográfico. Os ganhos científicos representados pelo Musée eram consideráveis. Ele proporcionava tanto facilidades técnicas necessárias quanto o igualmente necessário delineamento de um campo de estudos  – o humano -, em todas as suas manifestações físicas, arqueológicas e etnográficas. O amadurecimento de um paradigma de pesquisa cria a possibilidade de uma acumulação de conhecimento e consequentemente o fato do progresso acadêmico. O que é menos reconhecido, ao menos nas ciências humanas, é que qualquer consolidação de um paradigma depende da exclusão ou da subordinação ao status da “arte” daqueles elementos da disciplina em transformação que questionam as credenciais da própria disciplina, aquelas práticas de pesquisa que, tal como Documents, operam nos limites da desordem” (p.155). “Se a Missao DakarDakar-Djibouti trouxe uma quantidade considerável de “arte” para expor no Trocadéro, seus objetos encontraram seu verdadeiro lar num museu bem diferente [...] O Musée de l’Homme, um nome que apenas recentemente se tornou multiplamente irônico, era, na metade da década de 30, um ideal admirável, de significação ao mesmo tempo cientifica e política. A nova instituição combinava sob um só teto os laboratórios técnicos do Musée d’Histoire Naturelle e o Institut d’Ethnologie. O museu compunha uma imagem liberal e sintética do “homem”, uma visão concebida por Rivet, que articulava num poderoso conjunto simbólico varias das tendências ideológicas que venho descrevendo” (p.158-159). (p.158-159). “O Musée forneceu um ambiente liberal e produtivo para o crescimento da ciência etnográfica francesa. Seus valores principais eram cosmopolitas, progressistas e democ rativos” (p.160). Atraves do museu surgiu um grupo composto por Bataille, Leiris, Roger Caillois e um grupo informal de intelectuais de vanguarda (algum ( algum deles alunos de Mauss) que se autodeminavam o Collége de Sociologie, *...+ “sua inclinação para a sociologia socio logia sinalizava a rejeição do que eles viam como uma excessiva identificação do surrealismo com a literatura e a arte, seu excessivo subjetivismo e preocupação com a escrita automática, com a experiência individual do sonho e com a psicologia profunda” (p.161-162). (p.161-162). [...] Os membros do Collége lutavam de forma exemplar contra a oposição entre conhecimento individual e social” (p.164).

“O Collége de Sociologie em sua concepção de uma ciência ativista e de vanguarda, em sua dedicação em transpassar o verniz do profano [...] era um tardio eco dos anos 20 marcados pelo surrealismo. Ele oferece um exemplo particularmente notável daquela dimensão do surrealismo que lutou contra a corrente da arte e da ciência modernas para desenvolver uma critica cultural simultaneamente simultaneamente etrnografica” (p.165). “Se o Collége era instável, e amadorístico, o Musée carregava todas as marcas de um saber oficialmente sancionado, cientifico e monumental” monumental ” (p.165). (p.165). Cultura/collage

Parei p. 166. PODER E DIÁLOGO NA ETNOGRAFIA: A INICIACAO INICIAC AO DE MARCEL GRIAULE

TRABALHO DE CAMPO, RECIPROCIDADE E ELABORAÇÃO DE TEXTOS ETNOGRÁFICOS: O CASO DE MAURICE LENHARDT Lenhardt teria concordado com o missionario evangélico Lorimer Fison, que comentou Codrigton: “Quando um europeu vive dois ou três anos entre os selvagens, ele está totalmente convencido de que sabe tudo sobre eles; quando fica dez anos, ou quase, entre eles, se for um homem observador, ele vai achar que sabe muito pouco e aí sim ele está começando a aprender” (Codrigton, 1972: VII). Diferentemente de vários outros missionários que chegaram a saber muita coisa sobre os “selvagens”, Lenhardt era capaz de expressar sua longa experiência de campo com rigor analítico e o modo sistemático de exposição associados a antropologia acadêmica (p. 227). Lenhardt foi um missionário evangélico, seu trabalho era teoricamente sofisticado. Ele introduziu pioneiramente modernas técnicas etnolinguisticas de tradução da Biblia e fez um estudo comparativo cuidadoso da psicologia e da sociologia da conversão religiosa. [...] Em suas aulas, o missionário de volta do campo praticava um método de escrupulosa análise semântica do ritual e da linguagem cotidiana, guiando cuidadosamente os alunos através dos complexos sentidos e interconexões situacionais de uma lingua que ele compreendia profundamente (p. 228). Mas se Lenhardt era apreciado (embora não compreendido) por seus contemporâneos, ele foi quase totalmente esquecido por seus sucessores. Suas idéias pouco mais usuais sobre fenomenologia religiosa efetivamente submergiram a onda estruturalista dos anos 50 e 60; seus relatos etnográficos singulares e, de varias maneiras, exemplares, permanecem em grande parte ignorados (p. 229). O livro mais conhecido é Do Kamo, que foi traduzido para o ingles só depois de 42 anos! Ele é um bom exemplo do ultimo estilo de Lenhardt de reflexão etnológica. [...] A experiência de

pesquisa de Lenhardt, a de um etnógrafo-missionário, foi sem duvida, não-ortodoxa, de um ponto de vista acadêmico. [...] O exemplo incomum, embora longe de ser o único, de um missionário seriamente comprometido com a etnografia pode lançar uma luz comparativa sobre as práticas convencionais do trabalho de campo (p. 229-230). Para avaliar a contribuição de Lenhardt será necessário tratar o trabalho de campo como um trabalho coletivo, colocando assim em questão certos pressupostos sobre a escrita etnográfica. Em particular, os conceitos de descrição, interpretação e autoria demonstram ser inadequados para os processos em jogo (p.230). Seu principal informante foi Mindia, que teve certa resistência inicial do informante “pelo fato dos brancos serem burros”, os atrasos frustrantes, as questões -chave, e finalmente com sorte, o estabelecimento de uma certa dose de confiança e interesse mutuo. Mindia colocou problemas particulares como uma fonte de informação etnográfica, uma vez que suas relações familiares eram fatos de importância política imediata. Há, sem duvida, uma dimensão política em todo conhecimento da vida local adquirido por um branco numa situação de dominação colonial. Desse modo, o registro de uma genealogia requeria que se divulgassem os nomes e relações previamente ocultas aqueles que poderiam fazer uso político deles. A relação de Leenhardt com Mindia era claramente política, assim como abertamente evangélica. Poucos pesquisadores em antropologia se lembrarão de terem sido acusados de se preocuparem demais com as “almas” de seus informantes. Leenhardt, porém, ao fazer de Mindia um informante etnográfico, tinha motivos ulteriores claros, indo além dos objetivos da ciência ou da política. Ele estava interessado no homem em si, em sua moral interior (p.232). A etnografia missionária é, sem dúvida, limitada pela natureza de seus informantes, tendendo o missionario a se basear apenas nos membros de seu trabalho. Em larga medida, isto era verdade no caso de Lenhardt, ainda que ele mantivesse relações próximas com os nãoconvertidos, e, em grau menor, com grupos católicos. Felizmente, muitos de seus melhores informantes estavam próximos dos antigos modos de vida ( p.235). As críticas mais pertinentes a etnografia missionária se centram em sua qualidade amadorística, irregular, e nas fortes ambivalências diante do “paganismo”, as quais tendem a colorir suas descrições. Tais críticas frequentemente se justificam. No entanto, existe um amplo espectro qualitativo dentro do qual as contribuições individuais devem devem ser julgadas julgadas (p.235-236). O teste crítico para o missionário-etnográfico é, afinal, sua habilidade pessoal em permitir a coexistencia das duas disciplinas, em cooperacao, onde possível, sem interferência, quando não. Leenhardt, era capaz de manter separados os projetos de evangelização e de pesquisa empírica. Ele podia faze-lo exatamente porque na análise final, numa análise além de sua compreensão, eles formavam um conjunto (p.236). Leenahrdt não tinha objeções a presenciar como observador os rituais tradicionais. Ele estava longe de ser um missionário que tentava proibir ou acabar pela força com as práticas dos nãoconvertidos. Ele no entanto exigia autoridade moral sobre os protestantes, aqueles que, em teoria pelo menos, tinham feito uma ruptura básica com a tradição (p.237). Muito da descrição etnográfica de Leenhardt nos anos 20 e 30 retratava o interrelacionamento dos costumes numa sociedade mais ou menos coesa, sempre apresentada no

“presente etnográfico”. Mas sua etnografia nunca estava limitada a uma perspectiva sincrônica. Leenhardt estava atento para a mudança cultural, que ele sempre retratava: com desgosto, se fosse o caso de um costume que estava sendo estraçalhado pelo colonialismo, e entusiasticamente, se ele via que o costume estava sendo recriado a partir da existência de novas condições (p. 238). O principal objeto do missionário-etnografico missionário-etnografico era a “cultura viva” (Leiris), mudando, traduzindo-se para si mesma e para os outros. Ele não se sentia tentado a confundir a autenticidade cultural com pureza cultural (p.239). Esta concepção dinâmica do processo cultural se refletia no modo como Leenhardt elaborava seus textos etnográficos. Tal como Boas e Malinowski, ele acreditava que um aspecto crucial do trabalho de campo era a coleta de um vasto corpus de transcrições vernáculas. [...] As relações de Leenhardt com seus melhores informantes ensinaram estes a transcrever e a interpretar sua própria tradição (p.239). Leenhardt considerava toda a sua obra cientifica como um elaborado exercício de tradução. Seus primeiros três volumes foram feitos para o Institut d’Etnhologie de Paris, juntos, pretendiam constituir “uma documentação inicial, bem classificada, para utilização no estudo da mentalidade arcaica” (p.341). Os textos de Leenhardt eram diferentes da maioria dos documentos vernáculos pelo fato de que o etnógrafo não estava presente e ativamente envolvido no momento primeiro da transcrição. Eles eram elaborados em particular por informantes usando uma língua nativa, na qual eles haviam recentemente aprendido a ler e escrever. Leenhardt encorajava uma grande variedade de pessoas a registrar em cadernos de exercícios escolares quaisquer lendas tradicionais, discursos rituais ou canções que eles conhecessem bem. E depois o missionário discutia seu conteúdo com os autores (p.242). Há desvantagens nesse procedimento de Lenhardt para a transcrição: primeiro, os textos obtidos eram separados do contexto imediato de sua apresentação; segundo, informantes traduzindo eloqüência oral numa numa escrita ainda insuficientemente manejada podiam estabelecer transcrições inexatas e apressadas para expressões que uma pessoa mais competente seria capaz de capturar. A escrita, finalmente, implicava num grau considerável de distancia autoconsciente em relação aos costumes descritos, e portanto podia impor um elemento de abstração e um excesso de intelectualização a evidencia etnográfica primeira (p.242-243). Ao lado destas desvantagens estão consideráveis benefícios no procedimento de Leenhardt, o ponto de partida não seriam as descrições interpretativas do antropólogo, mas sim aquelas do informante. Leenhardt estava, em todo caso, menos interessado interessado em tratar a cultura como um um objeto de descrição do que como se ela estivesse ativamente “pensando a si mesma”. Ele tentava se envolver nas observações e reflexões conscientes dos melanésios sobre sua vida em transformação (p.243). O contato de Leenhardt com Boesoou (melhor informante) incluía mais do que uma instrução mutua que durou um quarto de século: um exemplo extremo de intercambio etnógrafoinformante, certamente, mais valioso como tipo ideal. É condescendente e falso afirmar que apenas o etnógrafo ganha conhecimento sobre os costumes a partir das colaborações do trabalho de campo, ou que os textos e as interpretações assim constituídos são significativos apenas para o autor da eventual etnografia (p.244).

A definição do papel do tradutor pelo missionário também é relevante para as relações etnográficas, o tradutor registra um processo social e expressivo que ele iniciou e sobre o qual tem bem pouco controle. O tradutor tenta capturar um momento do pensamento intercultural. Ele age dentro do processo normal da língua de se reformar e renascer no encontro com outras línguas (p.246). Há, finalmente, uma dimensão política em conceber o texto etnográfico como um documento mais aberto, mais processual e plural. [...] Não se sabe por que esta forma de produção não é mais amplamente reconhecida como parte essencial do trabalho de campo. O caráter colaborativo da tarefa da transcrição, transcriçã o, uma tarefa que também requer tempo, apresenta certos obstáculos, mas eles não são insuperáveis. Será que os etnógrafos podem se dar ao luxo de deixar este tipo de trabalho, fundamental ao futuro desenvolvimento das literaturas indígenas, a cargo dos missionários? Será que eles não devem encontrar formas de assegurar que pelo menos alguns dos escritos produzidos no campo sejam acessíveis e úteis aqueles que são frequentemente, na verdade seus co-autores (p. 247-248). AS FRONTEIRAS DA ANTROPOLOGIA, ENTREVISTA COM JAMES CLIFFORD  – JOSÉ REGINALDO GONÇALVES.

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