Exegese de João

May 3, 2019 | Author: Aroldo Mira | Category: John The Apostle, Logos (Christianity), Jesus, Gospel Of John, Gnosticism
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ANÁLISE EXEGÉTICA DO PRÓLOGO DO EVANGELHO DE JOÃO Walyson Santos1 Luiz Felipe Xavier 2 Tarcisio Caixeta de Araujo3 RESUMO

O Prólogo do Evangelho de João (1:1-18) é, ao mesmo tempo, uma introdução ao livro e uma síntese do seu conteúdo. O artigo objetiva analisar, exegeticamente, essa perícope. Para tal, além do método exegético, os pesquisadores lançaram mão da pesquisa bibliográfica ou revisão de literatura. O primeiro tópico abordará os elementos introdutórios. O segundo tópico abordará o contexto histórico. O terceiro tópico abordará a delimitação e estrutura do Prólogo. Por fim, o quarto e último tópico abordará a análise exegética do Prólogo. Palavras-chave: Quarto Evangelho, Prólogo, Palavra de Deus. ABSTRACT The Prologue of John's Gospel (1:1-18) is at the same time, an introduction to the Book and a summary of its contents. This article aims to analyze exegetically this passage. Beyond the exegetical method, the researchers made use of bibliography research or literature review. The first topic will cover the introductory elements. The second topic will address the historical context. The third topic will cover the definition and structure of the Prologue. Finally, the fourth and last address the exegetical analysis of the Prologue.

Keywords: Keywords: Fourth Gospel, Prologue, the Word of God.

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Walyson Santos é recém formado em Teologia pela Faculdade Batista de Minas Gerais. Fez parte da primeira turma da Faculdade formada com reconhecimento do MEC. 2 Mestre em Teologia Dogmática, mestrando em Filosofia da Religião, especialista em Estudo da Bíblia, especialista em Teologia Sistemática e graduado em Teologia. É professor da Faculdade Batista de Minas Gerais, no curso de Teologia, e do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, nos cursos de Teologia e Direito. 3 Mestre em Teologia pela University of Wales, South Wales Baptist College. Licenciado em Português e I nglês pela UNI-BH. Professor da Faculdade Batista de Minas Gerais, no curso de T eologia.

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INTRODUÇÃO Por tudo o que já foi escrito sobre o Evangelho de João, que também é conhecido como o "Quarto Evangelho", percebe-se que este evangelho difere dos Sinóticos, não só por sua conotação teológica, o estilo da escrita, a ênfase do ministério de Jesus no sul da Judéia e em Samaria; e uma grande quantidade de material que os Sinóticos não mencionam e outras diferenças que o leitor atento irá identificar. Talvez o Evangelho de João, dentre os quatro Evangelhos, seja o mais usado pelos cristãos de todos os tempos, e com propósitos variados 4. O Quarto Evangelho é tido como o evangelho da Vida (Cf. Jo. 6.35; 8.12; 11.25), da grande revelação do amor de Deus. Este evangelho contém várias oposições, ou dualismos, mais fortes que nos Sinóticos: vida e morte, de cima e de baixo, luz e trevas, verdade e mentira, visão e cegueira e outras mais5. A preocupação de João é menos cronológica do que teológica dos eventos ligados a Jesus. Esta análise exegética não tem a intenção de contrapor ideias, mas seguir o consenso geral da ortodoxia. Entende-se por ortodoxia, a crença correta, em contraste com as heresias. São declarações que sintetizam com exatidão o conteúdo do cristianismo às verdades reveladas e, portanto, são por sua própria natureza, normativas para a igreja. Sobre as questões relativas ao Quarto Evangelho, não se discutirá cada ponto, mas sintetizará os tópicos. Tratar-se-á, neste artigo, da autoria, data e propósito do quarto Evangelho, seu contexto histórico e da delimitação e estrutura da perícope a ser analisada, ou seja, João 1:1-18.

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CARSON, 2007, p. 23. CARSON, 2007, p. 24.

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1. ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS DO QUARTO EVANGELHO A tradição diz que o Quarto Evangelho foi escrito pelo Apóstolo João, o filho de Zebedeu. Mesmo não levando o nome de seu autor; conforme os Sinóticos, o Quarto Evangelho é formalmente anônimo. Até onde se sabe o título Segundo João  foi anexado, tão logo os quatro evangelhos canônicos começaram a circular juntos, como uma só obra, e isto sem dúvida foi para distingui-lo dos demais6. Para que se configure a autoria do Quarto Evangelho ao Apóstolo João, é necessário que tenhamos bem claro as evidências externas e internas. As evidências externas são muito importantes, para afirmar que o Apóstolo João é o autor do Quarto Evangelho. Conquanto existam diversos documentos antigos, dentro do cristianismo que aludem ao Quarto Evangelho ou citam-no, o primeiro escritor a fazer claras citações do Quarto Evangelho e atribuir esta obra a João é Teófilo de Antioquia (cerca de 181 d.C.). Mas, já antes dessa data, vários escritores, inclusive Taciano (um aluno de Justino Mártir), Cláudio Apolinário (bispo de Hierápolis) e Atenágoro, fazem claras citações do Quarto Evangelho, tratando-o como fonte com autoridade. Irineu, Clemente de Alexandria e Tertuliano fornecem também sólidas evidências no século II em favor da convicção de que o Apóstolo João escreveu esse evangelho, pois não há motivo para negar a veracidade das afirmações de que ele se relacionou com os Apóstolos João, André e Filipe na Ásia.7 Para que se configure e reafirme a autoria do Quarto Evangelho ao Apóstolo João, temos também as evidências internas, pois são aquilo que o evangelho diz respeito a si mesmo8. E a leitura do quarto evangelho nos leva a identificar conforme suas evidências internas algumas características do autor, como seguem: era um  judeu da Palestina, foi testemunha ocular dos fatos narrados, era um apóstolo, ou seja, um dos doze. Conforme a tradição, o discípulo amado não é outro senão João, e ele deliberadamente evita citar seu próprio nome. Isso se torna mais provável quando nos lembramos que o discípulo amado está constantemente na companhia de Pedro, enquanto tanto os sinóticos (Cf. Mc 5.37; 9.2; 14.33; par.) como Atos (Cf. 3.1  – 4.23; 8.15-25), sem mencionar Paulo (Cf. Gl 2.9), unem Pedro e João pela 6

CARSON, 2007, p. 69. Cf. CARSON, MOO E MORRIS, 1997, pp. 155-157. 8 Cf. CARSON 2007, p. 71. 7

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amizade e experiências compartilhadas 9. Conforme citado, fica claro para a tradição que o Quarto Evangelho foi escrito pelo Apóstolo João, filho de Zebedeu. Veremos agora qual a data e o propósito deste evangelho. Várias têm sido as sugestões acerca da data do quarto evangelho, surgidas nos últimos anos e as opiniões variam entre 70 d.C. a 102 d.C. Um dos fortes argumentos que o quarto evangelho foi escrito em 85 d.C. é, a não citação da destruição do templo em 70 d.C.10. Esta data de 85 d.C. é a mais plausível; porque os pensamentos nele contidos parecem que se desenvolveram tanto dos evangelhos sinóticos quanto das cartas de Paulo 11. Outro ponto importante que a tradição afirma é que o Quarto Evangelho foi escrito em Éfeso, por ter sido esta cidade escolhida como o centro do ministério do Apóstolo João e, esta indicação tem o apoio dos pais da igreja12. Outra questão crucial que não pode deixar de ser citada, é o propósito do Quarto Evangelho, pois este se anuncia com clareza: "Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais miraculosos, que não estão registrados neste livro. Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome" (Jo 20.30-31). Este evangelho é evangelístico e tem o intuito de levar seus leitores a crer que Jesus é o "Messias" o "Filho de Deus"13. Os sinais que João descreve que Jesus realizou autenticaram seu caráter e sua missão, e foram testemunhados pelas multidões, pelos discípulos, pelas escrituras e pelo Pai. Jesus veio trazer vida e vida em abundância. Portanto, o enredo do Evangelho de João é conciso ao propósito de Deus no evento redentor de todo testemunho cristão, que é a morte, ressurreição e exaltação de Jesus Cristo, e a urgência de fé verdadeira no curso daquele evento 14. Segue-se no próximo tópico o contexto histórico em que o Quarto Evangelho foi escrito.

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CARSON, 2007, p. 73. Cf. CARSON 2007, p. 86. 11 WILLIAMS, Derek. Dicionário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 191. 12 CARSON 2007, p. 87. 13 Cf. CARSON 2007, p. 91. 14 Cf. CARSON, 2007, pp. 91-95. 10

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2. CONTEXTO HISTÓRICO DO QUARTO EVANGELHO A comunidade judaica do século I estava inserida no seio do império romano. Suas experiências políticas, culturais e religiosas devem ser levadas em consideração ao tentarmos estabelecer um cenário histórico para interpretação do Quarto Evangelho. Principalmente, porque há uma comunidade concreta e historicamente localizada que teria dado origem a esse evangelho e às epístolas  joaninas15. A comunidade joanina teria surgido a partir de um grupo de discípulos de Jesus, provenientes da Judeia e da Galileia. Essa gente se aglutinou em torno de uma figura carismática que mais tarde seria conhecida como o "discípulo amado" e que reconhecia Jesus de Nazaré como o Messias davídico 16. Esta compreensão de Jesus como o Messias preexistente descido do céu e, portador da palavra de Deus causa um choque teológico com os fariseus e, na medida em que estes passam a ocupar a liderança nas sinagogas, resulta da expulsão dos cristãos da comunidade joanina17. Percebe-se que a comunidade joanina do primeiro século recebia várias influências culturais e religiosas, das quais podemos citar: o gnosticismo, o hermetismo e as religiões helenísticas. No entanto, a pesquisa para encontrar o Sitz  im Leben  ("modo de vida") religioso, que possa explicar a linguagem e a teologia do Quarto Evangelho, continua. Não se pode negar que algo da terminologia característica de João é bem semelhante à linguagem peculiar da Hermética  – uma coleção de escritos religiosos produzidos no Egito, provavelmente, nos segundo e terceiro séculos. Esses escritos têm muito a dizer sobre luz e a vida, sobre a palavra e sobre a salvação por meio do conhecimento, bem como sobre regeneração ou novo nascimento18. Embora possam ser, de fato, observadas semelhanças entre a terminologia de João e a da literatura Hermética concernente ao conhecimento de Deus, o conteúdo de ambos é completamente diferente, e consiste essencialmente em um relacionamento pessoal e não apenas na contemplação do objeto 19.

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Cf. VASCONCELOS, P. L.  Impressões sobre os caminhos na leitura mais recentes do Evangelho (e cartas) de João. In Revista e Cultura Teológica, n. 15, 1996, pp. 77-84. 16 CULLMANN, 1976, p. 124. 17 BROWN, 2003, p. 68. 18 LADD, 2003, pp. 327-328. 19 Cf. LADD, 2003 pp. 382-385.

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Seguem algumas considerações relativas às crenças gnósticas. Termo derivado do grego gnosis  (conhecimento). A crença fundamental era que o mundo criado é mau e está totalmente separado do mundo do espírito e em oposição a ele. Nesse mundo espiritual, o Deus supremo habita em esplendor inacessível, sem se relacionar com o mundo material. A iluminação ou conhecimento, no sistema gnóstico é obra de um redentor divino, que desce disfarçado do reino espiritual 20. O pensamento gnóstico é bem estranho ao cristianismo tradicional, pois sua estrutura mitológica da redenção deprecia os eventos históricos de Jesus e nega a importância da pessoa de Jesus e de sua obra para libertar os homens do pecado em vez de meramente guiá-los à auto-realização21. Pode-se perceber que a diferença conceitual do Evangelho de João é bastante grande. Apesar da forte ênfase em Jesus como aquele que revela o seu Pai, a salvação não vem (como no gnosticismo) meramente por intermédio da revelação. A obra de João é um Evangelho: todo o andamento da trama é em direção da cruz e da ressurreição. A cruz não é um simples momento revelador, é a morte do pastor por suas ovelhas (Cf. Jo 10), o sacrifício de uma pessoa por sua nação (Cf. Jo 11), e a vida que é dada em favor do mundo (Cf. Jo 6), a vitória do Cordeiro de Deus (Cf. Jo 1)22. Foi neste contexto que teria se dado a redação do Quarto Evangelho, cujo objetivo seria explicar aos cristãos joaninos e não-joaninos questões relativas a Jesus. Por isto João escolheu formular seu Evangelho, como um todo, na linguagem que provavelmente tenha sido utilizada por nosso Senhor somente em diálogos íntimos com seus discípulos, ou em argumentações teológicas com os escribas mais doutos, com a finalidade de mostrar o pleno significado do Verbo Eterno que se fez carne (Cf. Jo 1.14) no evento histórico de Jesus Cristo23. E o Verbo é o que se manifesta, tornando o Jesus histórico participante da nossa existência. Mas, de forma suprema, o Prólogo 24  resume a forma como a Palavra, que estava junto com Deus no Princípio, entrou na esfera do tempo, da história, da tangibilidade  – em outras palavras, como o Filho de Deus foi enviado ao mundo para tornar-se o Jesus da história, de forma que a glória e graça de Deus 20

WILLIAMS, 2000, p. 146. Cf. WILLIAMS, 2000, p. 146. 22 CARSON, MOO E MORRIS, 1997, pp. 199,200. 23 LADD, 2003, p. 332. 21

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Prólogo: parte introdutória de uma obra, em que consta advertência e esclarecimento em geral breve e acontecimentos anteriores contidos na obra propriamente dita. (KOOGAN & HOUAISS, 1999, p. 1308).

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pudessem ser manifestadas de modo singular e perfeito. O restante do livro não é nada mais que uma ampliação desse tema. (...) A firmeza das conexões entre o Prólogo  e o Evangelho torna improvável a teoria de que o Prólogo  foi composto por outra pessoa, se não o evangelista 25. O próximo passo é mostrar a delimitação da perícope, pois conforme proposta pretende-se trabalhar apenas o prólogo do Quarto Evangelho, e é o que veremos no próximo tópico.

25

CARSON, 2007, p. 111.

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3.

DELIMITAÇÃO E ESTRUTURA GERAL DO PRÓLOGO

Por ser uma unidade genuína, o prólogo do Evangelho de João 1.1-18 é uma perícope26 completa respeitando os vários critérios que a delimitam. O mais importante é que a perícope delimitada forme um todo coeso e orgânico, de forma que seu início e fim sejam perfeitamente identificáveis. Esta coerência interna evidencia-se, sobretudo, quando em relação ao conteúdo se pode destacar um assunto central ou pensamento normativo que perpassa a perícope e que, simultaneamente, se diferencia do assunto anterior e posterior27. Os elementos internos, ligados e concatenados formam uma unidade textual, literária e coerente. Por ser o prólogo do evangelho, tem seu sentido completo. Também possui a estrutura bem delimitada, pois João 1.1-18 está separado do novo assunto que se inicia no v. 19. Com esta mudança de linguagem, o evangelista sai da forma de doxologia e vai para narrativa a partir do v. 19 do primeiro capítulo do Quarto Evangelho, o que caracteriza e enfatiza o limite da perícope. Outra característica que delimita o prólogo como uma perícope completa, se refere ao personagem. Em João 1.1 o personagem do Evangelista é o "Verbo", que aparecerá também no final da perícope, v.18, como revelação de Deus. O personagem do v.19 é João Batista, que não é o que foi revelado por Deus, indicando claramente a mudança de perícope. Assim o prólogo do Quarto Evangelho se mostra de forma coesa, com as ideias ligadas verso após verso, dando continuidade e desenvolvendo um mesmo assunto: a revelação de Deus através do Verbo encarnado 28. A estrutura do Evangelho de João se difere do início dos outros evangelhos. Nota-se que o Quarto Evangelho fundamenta o cumprimento da esperança messiânica, tendo por base a encarnação do Verbo de Deus, pois "no Prólogo  é revelado a, oportunidade que todos têm de receber o verbo e de se tornarem filhos  de Deus; a partir de um ato de fé"29.

26 

Perícope: é um texto que constitui uma unidade autônoma quando seu conteúdo possui uma mensagem  própria e característica, distinta da mensagem dos textos an teriores ou subseqüentes. (WEGNER, 1998, p. 86). 27

WEGNER, 1998, p. 85. WEGNER, 1998, pp. 87-88. 29 CARSON, 2007, p. 113. 28

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Segue-se a estrutura quiástica 30  do Prólogo  e sua exegese tomando como base as principais palavras do texto. João 1.1-18 apresenta o prólogo em forma de hino cristológico, mas dentre várias propostas apresentadas, pelos exegetas; uma das mais críveis tem-se que o prólogo do quarto evangelho é um grande quiasmo . Estes quiasmos , ocorrem quando elementos de uma frase ou partes de uma perícope se correspondem de maneira cruzada"31. Se João pretendia ou não que seus leitores encontrassem um quiasmo  em seu Prólogo , ele claramente esperava que eles detectassem certa progressão em sua linha de pensamento. Se começarmos com os dois extremos do Prólogo  dirigindo-nos para o meio, então, em certos aspectos, 1.1,2 é paralelo de 1.18, 1.3 é paralelo de 1.17, 1.4,5 é paralelo de 1.16, 1.6-8 é paralelo de 1.15, 1.9,10 é paralelo de 1.14, 1.11 é paralelo 1.12,1332. A) O Logos voltado para Deus (1,2) B) Mediação cósmica do Logos (3) C) Benefícios proporcionados pelo Logos (4,5) D) Testemunho de João Batista (6-8) E) Presença do Logos no mundo (9,10) F) Incredulidade do mundo e de Israel (11) F¹) Acolhimento pela fé e consequente filiação (12,13) E¹) Habitação do Logos encarnado (14) D¹) Testemunho de João Batista (15) C¹) Plenitude da Graça (16) B¹) Mediação Soteriológica (17) A¹) O Filho revelado que está no seio do Pai (18) Mesmo trabalhando com a estrutura quiástica  do Prólogo , e mostrando sua importância, o trabalho exegético será feito de forma sequencial, conforme o texto bíblico.

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 Estrutura Quiástica: processo estilístico que consiste em formar uma antítese, dispondo em ordem inversa e cruzada os elementos que a constituem. (KOOGAN & HOUAISS, 1999, p. 1331). 31 32

WEGNER, 1998, p. 92. Cf. CARSON, 2007. p. 113.

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4. ANÁLISE EXEGÉTICA DO PRÓLOGO De acordo com o texto, no v. 1, " Ἐλ ἀ ξχ ῇ ἦλ ὁ  ιόγνο , (No princípio era o Verbo) αὶ ὁ ιόγνο ἦλ πξὸο η ὸλ εόλ, (e o Verbo estava com Deus) αὶ εὸο ἦλ ὁ ιόγνο (e o Verbo era Deus)". O contexto em Gênesis e aqui, mostra que o princípio é absoluto: o princípio de todas as coisas, o princípio do universo. A palavra grega por trás de princípio (arché), com frequência transmite o significado de origem, bem como pode haver ecos daquilo aqui, porque se mostra logo que a Palavra que já estava no princípio é o agente de Deus na criação, o que nós podemos chamar originador de todas as coisas 33. Por isto as palavras soam como um eco de Gênesis 1.1, pois para explicar o Logos , o evangelista retrocedeu todo o caminho até "o  princípio" . O versículo 2, em certo sentido, é uma repetição das duas primeiras orações do versículo 1 e ressalta que "essa Palavra, que é Deus, é exatamente aquela que eu disse que também era no princípio, e que ela estava com (pros) Deus"34. Biblicamente, a obra da criação é atribuída à Trindade. Ao Pai, como em Gn. 1.1; Is. 44.24; 45.12 e Sl. 33.6. Ao Filho, como em Jo. 1.3,10 e Cl. 1.16. Ao Espírito Santo, como em Gn. 1.2 e Jó 26.13. As palavras de Hb. 11.3, "o visível veio a existir das  coisas que não aparecem" , consideradas juntas com Gn. 1.1, "No princípio criou  Deus os céus e a terra." , indicam que os mundos não foram formados de qualquer material pré-existente, mas antes, foram formados do nada, pela Palavra Divina, no sentido que antes do fiat  (do Latim: que se faça ) criativo Divino não havia qualquer outra espécie de existência35. Nos versículos 3 e 4 do Prólogo do Evangelho de João, o relacionamento entre Deus e a Palavra no Prólogo é semelhante ao relacionamento entre o Pai e o Filho no restante do evangelho. A Palavra que é o Filho compartilha da vida de Deus, mas tem existência própria36. Em João, essa Palavra denota a essencial Palavra de Deus, Jesus Cristo, a sabedoria e o poder pessoal em união com Deus, seu ministro na criação e governante do universo, a causa de toda vida do mundo,

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CARSON, 2007, p. 114. CARSON, 2007, p. 118. 35 XAVIER, Luiz Felipe.  Apostila de Exegese do Novo Testamento . Material didático, não publicado, utilizado no curso de Teologia do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Versão 2010. 36 Cf. CARSON, 2007, p. 119. 34

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tanto física quanto ética, a segunda pessoa da Trindade que se fez carne para proporcionar ao homem a sua salvação 37. O versículo 5 é uma obra prima de ambiguidade planejada. Luz e trevas não são simplesmente opostos. Trevas nada mais são que ausência de luz. Na primeira criação, "trevas cobriam a face do abismo" (Gn 1.2) até que Deus disse: "Haja luz" (Gn 1.3). Em nenhuma outra ocasião, a não ser a da criação, poderia ser mais apropriadamente dito: A luz brilha nas trevas . Precisamente porque João está falando de criação, e não está descrevendo um universo dualístico no qual luz e trevas, bem e mal, são opostos emparelhados, ele pode descrever a vitória da luz: e  as trevas não a derrotaram  (como o verbo katelaben pode ser traduzido)38. Mas Luz (phos ), metaforicamente, refere-se à verdade e ao conhecimento de Deus, junto com a pureza espiritual associada a eles; assim também como trevas ( skotia ), metaforicamente, refere-se à ignorância quanto às coisas divinas, quanto as suas abominações e a resultante miséria no inferno 39. Nos versículos 6-8 do Prólogo , como nos Evangelhos Sinóticos, relata o início do ministério público de Jesus com o testemunho de João Batista. Assim, "a Palavra, em quem é inerente à vida que é a luz dos homens, foi primeiro manifestada na arena pública da história quando um homem enviado por Deus deu testemunho dela. O nome daquele homem era João "40. O evangelista declara ser João Batista uma testemunha importante, "enviado de Deus", mas não deveria ocupar o lugar da luz. Isto fica claro nas palavras do evangelista ao dizer que João Batista não era a luz. O propósito do testemunho de João Batista era que "todos os homens pudessem crer ". Este testemunho foi frutífero em seu resultado, pois é isto que podemos ver (Cf. 1.3537)41. No versículo 9, João declara que:  Hλ η ὸ θῶο  η ὸ ἀ ιλόλ, (a luz que veio ao mundo, a verdadeira luz) ὃ θωη ίε π άληα ἄλξωπνλ (ilumina a todo homem). Percebese que a característica intrínseca ao Verbo que estava no mundo Kosmos  (os habitantes da terra, os homens, a raça humana); é alêthinos, (verdadeira), que em João carrega algo do significado grego de 'real', mas é o real porque é a plena 37

XAVIER, 2010. CARSON, 2007, p. 119. 39 XAVIER, 2010. 40 CARSON, 2007, p. 120. 41 Cf. CARSON, 2007. p. 121. 38

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revelação da verdade de Deus42. Assim, Cristo é a única verdadeira luz que Deus deu ao mundo, e, portanto, a luz para todo homem 43. O significado do verbo phôtizei  (ilumina, dar luz, brilhar), metaforicamente, significa iluminar espiritualmente, imbuir com conhecimento salvífico, ou lançar luz sobre, fazer visível 44. Assim, esta luz brilha sobre todo homem e divide a espécie: aqueles que odeiam a luz reagem como o mundo faz (Cf. 1.10): eles fogem para que suas obras não sejam expostas por essa luz (Cf. 3.19-21). Mas alguns recebem essa revelação (Cf. 1.12,13), e assim fazendo testemunham que suas obras são feitas por meio de Deus (Cf. 3.21)45. No versículo 10, a Palavra, portanto, estava no mundo , como resultado de sua vinda especial, e este mundo que foi feito por intermédio dele , não o conheceu. Pode-se pensar que nada do que existe teria sido feito, senão pela Palavra, e isso inclui o kosmos , que tem o mesmo sentido citado no versículo 946. É importante entender o significado do verbo ginosko (conheceu) que é: aprender, vir a conhecer. Adquirir um conhecimento, perceber, sentir. Essa palavra é utilizada no idioma hebraico para se referir ao intercurso sexual entre um homem e uma mulher, o que indica um relacionamento íntimo. Esse é o sentido mais apropriado para a palavra nesse texto47. No versículo 11, acontece a rejeição dos homens ao verbo, εἰο η ὰ ἴ δα ἦ ιελ, αὶ νἱ ἴ δν αὐη ὸλ νὐ παξέ ιαβνλ (veio

para o que era seu, e os seus não o receberam).

Destaca-se a palavra ἴ δνο (seu, que pertence à pessoa, pessoal). Descreve a terra e o povo de Israel como lar e família de Deus. E a palavra παξαιακβάλω (receber, levar ao lado de), verbo comum para dar as boas-vindas48. Mas os versículos 12 e 13 suavizam imediatamente a rejeição total da Palavra. Portanto, ὅζνο  (todos quantos), outra forma de descrever essas pessoas é dizer que eles creram em seu nome . O nome é mais que um rótulo, é o caráter da pessoa, ou até a própria pessoa49. Os homens não são pela natureza filhos de Deus; somente por meio de receberam a Cristo obtêm o direito de se tornarem filhos de Deus. A outra metáfora para descrever "filhos de Deus", é que são filhos nascidos 42

LADD, 2003, p. 167. CARSON, 2007, p. 124. 44 XAVIER, 2010. 45 CARSON, 2007, p. 124. 46 Cf. CARSON, 2007, p. 124. 47 XAVIER, 2010. 48 RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 161. 49 CARSON, 2007, p. 126. 43

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não de descendência natural, pois nenhum homem é responsável por semelhante nascimento, mas nasceram de Deus. Este novo nascimento significa que herança e raça são irrelevantes para o nascimento espiritual. Este novo nascimento, nada mais é que um ato de Deus50. No versículo 14, o encarnar da Palavra não é ambíguo, pois o dualismo tão popular no mundo helenístico poderia trazer alguma dificuldade de entendimento para os leitores do Quarto Evangelho. Mas João foi incisivo, "a Palavra tornou-se  carne ", a tradução literal do verbo grego skênoô  significa que a Palavra armou seu tabernáculo, ou morou em sua tenda entre nós. Deus se manifestou claramente e definitivamente entre os homens, porque a Palavra se tornou homem. E "vimos a  sua glória", a palavra doxa  (glória, magnificência, excelência), geralmente traduz o hebraico kabhôd , é uma palavra usada para denotar a manifestação visível da autorevelação de Deus em sua teofania. E as palavras, "cheio de graça e de verdade", podem ser entendidas como: a glória de Deus manifestada na Palavra encarnada era cheia de graça (boa vontade, amor bondoso, favor, misericórdia de Deus) e de verdade51. Estes termos se baseiam nos conceitos do AT da graça e da verdade com base na lealdade e fidelidade de Deus52. O versículo 15 pode ser considerado como um planejado comentário parentético 53 , pois se baseia a glória da Palavra encarnada em um indivíduo concreto, atestado por outro indivíduo. Assim o evangelista prepara o caminho para o relato detalhado de João Batista, que vem logo depois do Prólogo . Antes de João Batista apontar para um indivíduo específico (Cf.1.33), ele anunciou o advento esperado: aquele que vem depois de mim é superior a mim, porque já existia antes  de mim . Isto inclui não só prioridade temporal, que destaca a preexistência, conforme início do Prólogo , mas também a primazia absoluta do Verbo54. Nos versículos 16 e 17, João, ao escolher o termo pleroma  (plenitude: abundância, aquilo que enche), diz que é dessa plenitude  que nós temos recebido  χ ά ξλ ἀλη ὶ  χ ά ξηνο 

(graça sobre graça) 55. A importância da graça volta-se

principalmente para a preposição ἀλη ὶ (ao invés de, ou a ideia de substituição) a 50

Cf. CARSON, 2007, p. 126. Cf. CARSON, 2007, PP. 127-128. 52 RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 162. 51 53 54 55

Parentético: relativo a parêntese; posto entre parênteses.

Cf. CARSON, 2007, p. 131. CARSON, 2007, p. 132.

(KOOGAN & HOUAISS, 1999, p. 1210).

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antiga aliança é substituída pela nova aliança, a vida total é pela graça à medida em que percebe que, uma graça é trocada somente por outra56. Diante disso, parece que a graça e a verdade que vieram  por meio de Jesus são o que substitui a Lei, que foi dada por intermédio de Moisés. Ambas igualmente surgiram da plenitude da Palavra, seja em sua unicidade preexistente com o Pai, seja em seu status  como a Palavra que se tornou carne. Portanto, tudo o que foi começado ou prescrito pela Lei estaria, agora, sendo consumado e realizado em Jesus. É dessa plenitude que se recebe uma graça substituindo a outra 57. No versículo 18, João escreve: "ninguém jamais viu a Deus" , esta pressuposição consistente do AT é que Deus não pode ser visto, ou mais precisamente, se um ser humano pecador o visse, este morreria (Cf. Ex 33.20; Dt 4.12; Sl 97,2). Mas, João acrescenta o monogenês  (Unigênito, muito amado, único do seu gênero) Deus o tornou conhecido. Isto significa que o Filho amado, a Palavra encarnada, o próprio Deus, enquanto estando ao lado do Pai  conforme o (v.1), quebrou a barreira que tornava impossível para seres humanos ver a Deus e o  tornou conhecido 58. O Verbo que está no "seio do Pai"  é o que tornou  Deus ἐμγήζαην (conhecido). Exegese deriva desse termo grego: assim podemos dizer que

Jesus é a exegese de Deus. Neste sentido, quer dizer que Jesus é a narração de Deus. Da mesma forma que Jesus dá vida e é a vida, Ele ressuscita os mortos e é a ressurreição, dá pão e é o pão, fala a verdade e é a verdade, assim quando Ele fala a palavra. Ele é a Palavra59.

56

RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 162. Cf. CARSON, 2007, p. 134. 58 CARSON, 2007, p. 135. 59 CARSON, 2007, pp. 135-136. 57

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CONCLUSÃO A ênfase do Prólogo é sobre a Palavra, como revelação definitiva do próprio Deus, ou seja, a auto-expressão de Deus60. Jesus é a Palavra de Deus que se fez carne e habitou entre os homens, a fim de declarar-lhes sua boa vontade que é a verdade, que uma vez acolhida pela fé, essa verdade possibilita ao homem tornar-se filho de Deus61. No Prólogo  do Evangelho de João, a Palavra não precisa de mais explicação, porque a mensagem do Evangelho faz com que toda sabedoria e pensamento se reencontre em Jesus Cristo. Portanto, neste capítulo a intenção foi mostrar a importância da exegese para a compreensão do texto bíblico, neste caso o Prólogo  do Evangelho de João. Contudo, a exegese não deve ser um fim em si mesma, e o objetivo último de quem estuda a Bíblia é aplicar o entendimento exegético do texto à igreja e ao mundo contemporâneo62.

60

CARSON, 2007, p. 136. XAVIER, 2010. 62 STUART, FEE, 2008, p. 25. 61

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÍBLIA de Estudo Esperança. Tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e  Atualizada. 2ª edição. Sociedade Bíblica do Brasil. São Paulo. Edições Vida Nova, 2000. BRATCHER, R. G. Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri, São Paulo: 2004. BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo Amado . São Paulo: Paulus, 2003. CARSON, D.A. O comentário de João . Tradução: Daniel de Oliveira & Vivian Nunes do Amaral. São Paulo: Shedd Publicações, 2007. CARSON, D.A.; MOO, J.D.; MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento . Tradução: Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1997. CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento . Tradução: Daniel de Oliveira, Daniel Costa. São Paulo: Hagnos, 2008. KOOGAN, A.; HOUAISS, A. Enciclopédia e dicionário ilustrado . 4º edição. Rio de Janeiro: Delta; Serfer, 1999. LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento . Tradução: Degmar Ribas Júnior. São Paulo: Hagnos, 2003. RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego . Tradução: Gordon Chown e Júlio Paulo T. Zabatiero. São Paulo: Vida Nova, 1995. STUART, Douglas & FEE, Gordon. D. Manual de exegese Bíblica: Antigo e Novo  Testamento . Tradução: Estevan Kirschner e Daniel de Oliviera. São Paulo: Vida Nova, 2008. VASCONCELOS, P. L. Impressões sobre os caminhos na leitura mais recentes do  Evangelho (e cartas) de João. In Revista e Cultura Teológica, n. 15, 1996, pp. 77-84. WEGNER, U. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia . São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 1998. WILLIAMS, Derek. Dicionário Bíblico Vida Nova . São Paulo: Vida Nova, 2000. XAVIER, Luiz Felipe. Apostila de Exegese do Novo Testamento . Material didático, não publicado, utilizado no curso de Teologia do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Versão 2010.

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