Estudos Curriculares

October 14, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

Download Estudos Curriculares...

Description

 

Coordenador do Conselho Editorial de Educação

Marcos Cezar de Freitas Conselho Editorial de Educação

 José Cerchi Fusari Marcos Antonio Lorieri Marli André Pedro Goergen Terezinha Azerêdo Rios Valdemar Sguissardi Vitor Henrique Paro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pinar, William Estudos curriculares : ensaios selecionados / William Pinar ; seleção, organização e revisão técnica Alice Casimiro Lopes, Elizabeth Macedo. — São Paulo : Cortez, 2016. Bibliografia ISBN 978-85-249-2357-9 1. Currículos 2. Pinar, William,Elizabeth. 1947- 3. Políticas curriculares I. Lopes, Alice Casimiro. II. Macedo, III. Título.

15-04427 Índices para catálogo sistemático: 1. Currículos : Educação 375.001

CDD-375.001

 

William Pinar

ESTUDOS CURRICULARES ensaios selecionados Seleção, organização e revisão técnica Alice Casimiro Lopes Elizabeth Macedo

Apoio

 

ESTUDOS CURRICULARES: ensaios selecionados Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo (Orgs.) Capa: de Sign Arte Visual Preparação de originais: Carmen Teresa da Costa Revisão: Maria de Lourdes de Almeida Composição: Linea Editora Ltda. Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa das organizadoras e do editor editor.. © 2016 by Organizadoras Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes 05014-001 – São Paulo – SP Tel.: (55 11) 3864-0111; 3611-9616 e-mail: [email protected] www.cortezeditora.com.br Impresso no Brasil — agosto de 2016

 

 

5

SUMÁRIO

Apresentação ......................................................................................

7

1. 

Currículo: uma introdução ............... ................................. ................................... .......................... ......... 19

2. 

Disciplinaridade e a internacionalização dos estudos de currículo ................. ................................... ................................... ................................... ................................... .................... ... 51

3. 

O caráter homossexual da política e da violência raciais ........ 71

4. 

O caráter homossexual do linchamento ................. .................................. .................... ... 99

5. 

O gênero gênero da reforma escolar nos Estados Unidos Unidos ................. .................... ... 125

6. 

Multiculturalismo, nacionalidade, cosmopolitismo ................. 159 7.  Reconstrução subjetiva e a reabilitação do hábito hábito .................... 177 8. 

Alegorias do presente: desenvolvimento de currículo em uma cultura de narcisismo narcisismo e presentismo presentismo ................. .................................. ................. 205

 

 

7

APRESENTAÇÃO

William Pinar: para além da reconcept re conceptualização ualização do campo do currículo

A reconceptuali reconceptualização zação dos estudos de currículo nos Estados Unidos Unidos (EUA) (EU A) foi, desde que começamos nossa trajetória como pesquisadoras do campo [no Brasil], uma refer referência ência (M󰁯󰁲󰁥󰁩󰁲󰁡, 1989, 1998; M󰁯󰁲󰁥󰁩󰁲󰁡; S󰁩󰁬󰁶󰁡, 1994). Referência difusa, é verdade, especialmente em virtude do caráter muito norte-americano do movimento e de certo lapso temporal entre o início dos movimentos nos Estados Unidos e o momento em que a racionalidade técnica começou a ser contestada no Brasil. Nos anos 1970, quando a agenda reconceptualista ganhou força, vivíamos no país o auge da ditadura militar cujo projeto educacional era marcado pelos desdobramentos da lógica tyleriana. Na década seguinte, com a redemocratização, destacaram-se as abordagens políticas do currículo, em sua maioria de matriz crítico-marxista, cr ítico-marxista, e parte importante do movimento da reconceptua reconceptualização lização — vinculada à fenomenologia — nunca chegou a ter destaque entre os curriculistas brasileiros. Essa reconceptualização que nos acompanhou como referência distante talvez não possa sequer ser descrita como um movimento. Além da rejeição a concepções instrumentais de currículo, como

 

8

WILLIAM PINAR 

desdobramento da hegemonia do pensamento tyleriano, parece que algo muito tênue unia os reconceptualistas. Segundo Pinar (1979, 1999), não se pode dizer que os reconceptualistas partilhassem qualquer metodologia ou ideologia, o que se tornou ainda mais plural com o passar dos anos. Ademais, como destaca ointelectual mesmo autor, reconceptualização foi, sobretudo, um fenômeno e nãoa uma relação interpessoal. Isso, talvez, também tenha contribuído para não viabilizar a criação de uma comunidade articulada em torno do movimento reconceptualista. Miller (2005) destaca que os “teóricos contemporâneos do currículo se deslocaram das orientações neomarxistas ou fenomenológicas que caracterizaram a pesquisa inicial dos reconceptualistas para uma coleção desordenada de perspectivas teóricas que apontam para concepções de currículo reconceptualizado expansivas e complexas” (p. 28). Com isso, a autora está defendendo também a influência da reconceptualização no campo como ele se configura desde então, posição partilhada por Pinar (1999). Reconceptualização vinha sempre associada, no Brasil, às conferências de Bergamo,1 um evento anual organizado, desde 1979, pelo  Journal of Curriculum Theorizing (JCT), periódico criado um ano antes como veículo em que o currículo podia ser pensado para além da prescrição. Bergamo Bergamo vinha, no entanto, na sequência de um conjunto de outros eventos em que o campo era reconcept reconceptualizado. ualizado. Em 1973, o primeiro encontro em Rochester, cujos anais constituemtheory o volume  Heightened consciousness, cultural revolution and curriculum , organizado por William Pinar em 1974, é um dos marcos da reconceptua reconceptua-lização. Talvez por isso Pinar (1979) localize temporalmente a reconceptualização no verão de 1978, dado o ápice do conjunto de textos e eventos vinculados às mesmas questões relativas ao antagonismo em relação à mentalidade técnica. 1. As conferências de Bergamo são encontros anuais sobre currículo que se iniciaram no início dos anos 1970, na Universidade de Rochester, mas que se fixaram, a partir de 1983, no Bergamo Center, da Universidade de Dayton, Ohio, Estados Unidos. Essas conferências são especialmente importantes porque constituem um fórum para temas emergentes (K󰁲󰁩󰁤󰁥󰁬, 2010).

 

CURRICULARES ULARES ESTUD OS CURRIC

9

As condições para a reconceptua reconceptualização lização são localizadas por Pinar (1999) em 1957 com o movimento das reformas curriculares iniciadas após o lançamento, pela URSS, do Sputnik, marcando a inicial primazia desse país na corrida espacial. A aguda crítica de Schwab (1969), considerando o campo de moribundo sua das adesão acrítica a modos de pesquisa incapazes melhorarpor a vida escolas, constitui outro marco no caminho da reconceptualização. Esses marcos faziam parte — e para muitos ainda fazem parte — das histórias que contávamos sobre o campo também no Brasil.  Jackson (1996) tenta ser mais preciso na definição do que chama de “as ideias centrais dos reconceptualistas, [considerando-as] [...] implícitas no trabalho de James MacDonald e especialmente Dwayne Heubner” (p. 316), ambos os autores amplamente citados pelos reconceptualistas. Essa posição é secundada por Miller (2005), (200 5), ao propor que a conferência chamada Curriculum Theory Frontiers, organizada em 1967, foi um marco na reconceptualização tanto por se tratar de “uma ruptura com a ênfase tecnocrática no desenho e desenvolvimento curricular que caracterizava o campo como também por anunciar o ensaio Curriculum theory, de MacDonald” (p. 28). Nesse ensaio, MacDonald (1971) distingue três orientações para a teoria curricular — conhecimento, realidade e valores —, as quais viriam a ser realaboradas, em 1975, com base na teoria dos interesses humanos de J. Habermas. Tais orientações são relidas por Domingues (1986) em um dos ensaios teóricos mais importantes do campo no Brasil após a redemocratização redemocratizaçã o (M󰁯󰁲󰁥󰁩󰁲󰁡, 1989). Elas são também, segundo Miller (2005), a base da distinção que Pinar estabelece, no livro Curriculum theorizing — no qual Curriculum and human interests  foi inicialmente publicado —, entre tradicionalistas, empiricistas-conceituais empiricistas-conceituais e reconceptualistas. A partir de então, o termo reconceptualistas, subtítulo desse livro, passou a significar “o trabalho desses indivíduos que, apesar de originários de tradições diferentes e frequentemente opostas, funcionou para reconceptualizar o campo dos estudos curriculares” (P󰁩󰁮󰁡󰁲, 1999, p. 487). Pela influência de Pinar na definição do movimento da reconceptualização, Jackson (1996) o considera o principal expoente do movimento nos Estados Unidos.

 

10

WILLIAM PINAR 

A visão reconceptualista do campo é, certamente, certamen te, o guia de uma das obras mais citadas2  de William Pinar, escrita em parceria com Taubman, Slattery e Reynolds e publicada em 1995. Understanding curriculum é um exaustivo estudo da teoria curricular norte-americana, histórico e analítico, indo desde a constituição dode campo até o momento em que foi publicado. Abarca, portanto, mais um século de história, abordando a obra de inúmeros autores. 3 O argumento estruturante do livro é de que o campo passou de uma abordagem centrada no desenvolvimento curricular para uma preocupação com o entendimento [teórico] do currículo. Ou seja, o campo teria se reconceptualizado a partir do questionamento das abordagens técnicas e  burocráticas  burocráti cas representadas em seu mais elevado grau pela racionalidade tyleriana. O campo reconceptualizado é apresentado a partir de seus textos agrupados por ênfases nas quais os dilemas da reconceptualização também podem ser percebidos. Os autores identificam o hibridismo como uma das principais marcas do campo pós-reconceptualização. O currículo é definido pelos autores como “uma área interdisciplinar híbrida de teoria, pesquisa e prática institucional” (P󰁩󰁮󰁡󰁲 et al., 1995, p. 865), evidenciando um sentido de hibridismo que vai além da simples mescla de tendências teóricas e perpassa tanto os textos curriculares quanto as práticas acadêmicas que sustentam tais textos. Neste livro, ficam claros também os deslocamentos a que Miller (2005) se refere numa teorização que se apresenta, entre outros, como textos de gênero, de raça, estéticos, pós-modernos. Ao mesmo tempo, a forte tensão entre marxismo e fenomenologia que marcou o início da reconceptualização é retomada na ênfase dada a ambos os textos em Understanding Understand ing curriculum. Miller (2005) define essa tensão como desenvolvida entre “o político” e “o pessoal” e Pinar (1999), por sua vez, 2. No Google Scholar, o livro conta com aproximadamente 2 mil citações, além da citação específica de capítulos. 3. Vale Vale indicar que Paulo Freire é o único autor brasileiro bras ileiro citado no livro (21 vezes) e analisado como forte influência nos autores que interpretam, segundo Pinar et al. (1995), o currículo como um texto político nos Estados Unidos.

 

CURRICULARES ULARES ESTUD OS CURRIC

11

a descreve por meio das lutas pelo poder no âmbito das conferências que se seguiram a de Rochester, em 1973. A reterritorial reterritorialização ização do movimento no Brasil produziu uma versão do campo reconceptualizado em que “o político” teve forte primazia, com a tradução e ampla divulgação divulgação dos livros de Michael Apple e Henry Giroux.4  “O pessoal”, o currículo como texto fenomenológico, ficou restrito a uma ou outra citação do nome de William Pinar e de seu conceito de currere, definido apenas como currículo como verbo. Mais de quarenta anos depois, essa coletânea pretende preencher parte desse vazio e, obviamente, o faz lidando com uma reconceptualização que não mais oscila apenas entre o político e o pessoal nem obrigatoriamente obrigato riamente dicotomiza essas instâncias, mas se abriu para novas e muitas referências com uma obra que reflete essa ampliação de forma contundente. iníciolevou dos anos a buscadepor ampliação de referências para No o campo a um2000, movimento internacionalização que, por diferentes vias, está se produzindo entre teóricos vinculados tanto ao político (A󰁰󰁰󰁬󰁥; B󰁵󰁲󰁡󰁳, 2006) quanto ao pessoal (P󰁩󰁮󰁡󰁲, 2014; M󰁩󰁬󰁬󰁥󰁲, 2006). A criação da International Association for the Advancement of Curriculum Studies (IAACS) e de seu periódico, Transnational Curriculum Inquiry, em 2001, foi seguida pelo projeto de pesquisa Curriculum Studies: Intelectual Histories and Present Circumstances, coordenado por William Pinar. Como ocorreu com a conferência de Bergamo em Rochester, bem como com o próprio JCT, tais espaços  buscam se configurar como oportunidades para os sujeitos “complicarem suas conversas” sobre currículo. Correspondem ao que denominamos em outros trabalhos (L󰁯󰁰󰁥󰁳; M󰁡󰁣󰁥󰁤󰁯, 2002, 2003), por referência a Bourdieu, como capital objetivado e institucionalizado do campo do currículo. Ou o que podemos atualizar teoricamente como 4. Também a Nova Sociologia da Educação, inglesa, de certa forma vinculada à tradição americana do currículo como texto político ganhou gan hou destaque a partir dos anos 1980/1990, especialmente pela divulgação da obra de Michael Young. Young. Essa divulgação se desenvolveu por meio de seus comentadores, uma vez que o primeiro livro de Young Young traduzido para o português seja do ano 2000 — O currículo currícul o do futuro (The Curriculum of the Future). Antes disso, apenas o artigo de Young Young (1989) havia sido divulgado mais amplamente.

 

12

WILLIAM PINAR 

um conjunto de práticas que instituem e são instituídas instituída s por discursos curriculares (L󰁯󰁰󰁥󰁳; M󰁡󰁣󰁥󰁤󰁯, M󰁡󰁣󰁥󰁤󰁯, 2013). Esse movimento de internacionalização mobiliza atores sociais em torno de certas referências teóricas, tanto em virtude de opções intelectuais quanto porque tais opções se vinculam uma vez articuladas, os atores sociais noa demandas campo do que, currículo. Dessa forma, subjetivam vão sendo constituídas mudanças no campo, são instituídas novas formas de significar o que vem a ser currículo. Uma amostra das potencialidades de multirreferências para a configuração de um campo mais plural está presente nos volumes organizados a partir do referido projeto (P󰁩󰁮󰁡󰁲, 2010, 2011a, 2011b), 5  dois dos quais brevemente referidos no segundo capítulo dessa coletânea. O presente volume foi organizado a partir de textos que selecionamos para um curso sobre Teoria do Currículo6 que William Pinar ofereceu no Brasil em 2012, parte dos quais já publicados em língua inglesa. Ele traz os deslocamentos que o autor foi operando em sua própria obra ao longo do tempo, mas simultaneamente explicita a manutenção de seu compromisso intelectual no sentido de pensar o campo a partir de “o pessoal”. Se a fenomenologia se insinua em alguns textos, ela é também tensionada pela contemporaneidade de questões de raça e gênero, sem abrir mão do foco na subjetividade. Na organização dos ensaios, procuramos explorar as tensões e deslocamentos, sendo fiéis ao compromisso de Pinar com “o pessoal”. Do início da reconce reconceptualização ptualização vem a definição de currículo como currere e a discussão metodológica de como utilizá-lo não apenas no fazer curricular, mas no próprio estudo do campo. Trata-se, segundo 5. Esse projeto de Pinar representa um movimento muito importante e não hierarquizante em prol da internacionalização e do aprofundamento da conversa complicada no campo do currículo, de uma maneira que não estabelece um centro único: dos Estados Unidos para os países com os quais estabelece relações. É viabilizada viabili zada a possibilidade de que o público educacional norte-americano venha a conhecer com maior rigor o campo do currículo dos demais países envolvidos. 6. O curso foi oferecido no Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEd) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro contando com financiamento da Capes no âmbito das Escolas de Altos Estudos.

 

CURRICULARES ULARES ESTUD OS CURRIC

13

recentes obras de referência no campo (K󰁲󰁩󰁤󰁥󰁬, 2010; F󰁬󰁩󰁮󰁤󰁥󰁲󰁳; T󰁨󰁯󰁲󰁮󰁴󰁯󰁮, 2009; M󰁡󰁲󰁳󰁨󰁡󰁬; S󰁥󰁡󰁲󰁳; A󰁬󰁬󰁥󰁮; R󰁯󰁢󰁥󰁲󰁴; S󰁣󰁨󰁵󰁢󰁥󰁲󰁴, 2006;  J󰁡󰁣󰁫󰁳󰁯󰁮, 1996), de um marco relevante na teorização curricular nortenorte-americana. O primeiro texto que selecionamos para esta coletânea aborda currículo como  ou ecomo umamesmo. “conversa complicada” de cadaoindivíduo com ocurrere mundo consigo Neste capítulo, Pinar defende que o currículo deve permitir aos sujeitos entender a natureza de experiência educacional, para o que o autor propõe um “método” constituído constituíd o de quatro momentos — regressivo, progressivo, analítico e sintético — articulados de forma conceitual e temporal. A articulação não linear de passado, presente e futuro, central em sua definição de currículo/currere, permeia toda a obra de Pinar. Nesta coletânea, o texto Disciplinaridade e a internacionalização dos estudos de currículo dá conta dessa preocupação, magnificamente explorada em um de seus principais livros — que recebeu o Book Award 2004 da American Educational Research Association —, What is Curriculum Theory? Nele, o autor se utiliza, na primeira década do século XXI, dos quatro momentos do “método” para entender o funcionamento do campo do currículo nos Estados Unidos. Partindo das histórias de preconceitoss de raça e gênero no Sul desse país, desde antes da Guerra preconceito Civil, o momento progressivo é constituído da imaginação de futuros possíveis. O momento analítico é aquele em que as inter-relações inter-relações complexas entre presente, passado e futuro são percebidas e os sujeitos respondem, no presente, presente, ao passado e ao futuro. Por fim, em um momento de síntese, Pinar busca entender o significado do presente. Do regressivo regres sivo ao sintético, o autor se abre ao desconhecido para entender qual o significado presente da teoria curricular norte-americana. Racialização, homofobia e genderização surgem, neste texto, como marcas profundas do campo do currículo nos Estados Unidos e apontam para um dos muitos deslocamentos que a reconceptualização sofreu ao longo dos anos. Na obra de Pinar Pina r, tal discussão assume assum e lugar de destaque na tentativa de entender o presente do campo como resposta a uma marcada por preconceitos e violência (física What inclusive) de sociedade raça, gênero e sexualidade. Além do mencionado

 

14

WILLIAM PINAR 

is curriculum theory?, o magistral The Gender of Racial Politics and Violence Violence in America: Lynching, Prison, Rape, and the Crisis of Masculinity analisa

a dinâmica psicossexual do racismo norte-americano. Questões de sexualidade e gênero surgem em diferentes livros — como  Autobiography, Politics, and Sexuality: Essays in Curriculum Theory ; Queer Theory in Education; e Race, religion and a curriculum of reparation — e

em inúmeros artigos. Para este volume, selecionamos três textos em que Pinar aborda as questões de raça, sexualidade e gênero em sua perspectiva bastante peculiar, secundado por um artigo em que a discussão multicultural, identitária, norte-americana nort e-americana é objeto de crítica aguda. Percebe-se, nesses textos, a forma integrada como o autor au tor aborda tais questões, buscando entender os processos que produzem a subordinação do outro. A integração faz sentido, especialmente, na medida em que o outro não é uma identidade — não é um conjunto de iguais —, mas um sujeito, ao mesmo tempo individual e social, e ainda assim singular. Ao falar de raça e gênero, Pinar não está se referindo à adesão a algo externo, mas à produção do sujeito em confronto com discursos constituídos. Por isso, as demandas identitárias presentes de forma plena e fixada em versões do multiculturalismo são tão fortemente questionadas. A forma original como Pinar fala de raça, sexualidade e gênero sem sucumbir a políticas de identidade não implica um discurso apolítico; ao contrário, reconhece a responsabilidade do indivíduo, indiv íduo, sempre privado, na ação pública. A aposta de Pinar é na subjetividade, como fica explícito no texto “Reconstrução subjetiva e a reabilitação do há bito”, em que o autor retoma que a importânc importância ia de um “trabalho subjetivo é simultaneamente pessoal e impessoal, autobiográfico e social, frequentemente político” (p. 185, neste volume). Juntamente com o texto que encerra esta coletânea, esperamos que a retomada da temática da subjetividade — e da autobiografia — torne ainda mais explícito o quanto a obra de William Pinar, apesar de se abrir a um sem-número de referências e temáticas, mantém-se fiel a seu projeto inicial. Ao tentar entender o currículo como alegoria, o autor busca “incorpora(r) de forma autoconsciente o passado no presente, entre-

 

CURRICULARES ULARES ESTUD OS CURRIC

15

laçados por meio da subjetividade da pessoa”(p. 209, neste volume). Nesse sentido, com a metáfora da alegoria, é perseguida a mesma complexidade temporal defendida no currere. Este volume é, sim, uma coletânea de textos escritos em momentos diferentes e com motivações diversas, embora sua integração possa, por vezes, levar o leitor a imaginar estar frente a uma obra integral. Tal sensação provém prov ém da coerência intelectua i ntelectuall da obra do seu autor. a utor. Tal Tal coerência marca a ação política e pública de uma pessoa que constitui sua subjetividade “pela capacidade de se exceder, às vezes de se superar” (p. 185, neste volume). Ficam aqui explícitas duas das principais pr incipais características de Pinar: sua insistência em que a ação política é teórica e seu compromisso com a diferença. Tanto Tanto a reconceptualização quanto a internacionalização são marcadas pelo encontro de sujeitos muito diversos, que se constituem e são identificados como uma espécie de movimento coletivo, mas guardam a possibilidade da diferença. A diferença surge no embate intelectual honesto, na tentativa de conversas que Pinar define como complicadas e que consideramos, a um só tempo, derridianamente, impossíveis e necessárias. Impossíveis, porque tais conversas pressupõem identidades identidades plenas que nunca instituem, a não ser como precários sedimentos que balizam nossa comunicação; a plenitude que se mostra como horizonte desejado, mas nunca alcançado. Tais Tais conversas pressupõem ainda um entendimento, um colocar-se no lugar do outro para entender suas razões e sua experiência, que nunca se estabelece de uma vez por todas, mas se recria a cada tentativa. Tais conversas, contudo, são necessárias, como resultado de nosso desejo de compartilhar, de estabelecer relações e compromissos, de suprir a falta que nos constitui. Esse compromisso aparece também quando as conversas dispensam a presença física dos interlocutores em textos como Understanding curriculum, no qual a tônica continua sendo a possibilidade de outros sentidos e não a mesma idade das classificações. Enfim, buscamos com esta organização dar conta das principais contribuições deseWilliam Pinar paracertamente o campo do currículo. EmPinar um texto no qual ele define de forma muito modesta,

 

16

WILLIAM PINAR 

(2009) analisa sua trajetória destacando sete principais contribuições: (1) o conceito de currere; (2) a teorização sobre a reconceptualização do campo; (3) a discussão sobre o currículo como texto de gênero e a introdução da teoria queer  na educação; (4) a preocupação com uma educação (5)intelectual; a reconceptualização do desenvolvimento curricular antirracista; com empresa (6) a introdução do conceito de lugar na teoria curricular; e (7) o movimento pela internacionalização dos estudos curriculares. Procuramos fazer justiça a essa definição e temos certeza de que ela despertará em cada um dos leitores o desejo de conhecer mais da obra de William Pinar. Também acreditamos que este livro pode viabilizar um movimento no sentido de oferecer a resposta pessoal de Pinar à pergunta que ele repetidamente nos apresenta: qual é o significado do presente? Não podemos encerrar esta apresentação sem agradecer ao colega e amigo Bill Pinar pela disponibilidade de nos oferecer estes textos para publicação em português e, sempre que necessário, negociar a liberação de direitos de reprodução. Ficam aqui também nossos agradecimentos à Palgrave MacMillan e à Capes.  Alice Casimiro Lopes Elizabeth Macedo

Referências

APPLE, Michael; BURAS, Kristen. The Subaltern Speak : curriculum, power, and educational struggles. New York: Routledge, 2006. DOMINGUES, José Luiz. Interesses humanos e paradigmas curriculares. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos , Brasília, v. 67, p. 351-366, 1986. FLINDERS, David J.; Thornton. S. J. The Curriculum Reader. New York: Routledge, 2009.

 

CURRICULARES ULARES ESTUD OS CURRIC

17

 JACKSON, Philip W.  Handbook of Research on Curriculum. New York: MacMillan, 1996. KRIDEL, C. Encyclopedia of Curriculum Studies. Los Angeles, CA: Sage, 2010. LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth Fernandes de. O pensamento curricula r no Brasil. In: ______ (Org.). Currículo: debates contemporâneos. São curricular Paulo: Cortez, 2002. p. 13-25. ______. The Curriculum Field in Brazil in the 1990’s. In: PINAR, William (Org.). International Handbook of Curriculum Research . 1. ed. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Inc. Publishers, 2003. p. 185-200. ______. The Curriculum Field in Brazil Since the 1990’s. In: PINAR, William William (Org.). International handbook of Curriculum Studies. 2. ed. New York: York: Routledge, Routle dge, 2013. v. 1, p. 86-100. M󰁡󰁣DONALD, James B. Curriculum Theory.  Journal of Educational Research, v. 64, n. 5, p. 196-200, 1971. ______. Curriculum and Human Interest. Curriculum Theorizing: The Reconceptualists. Bekerly: McCutchan Pub. Corp., 1975. MARSHAL, J. Dan; SEARS, James T.; ALLEN, Louise A.; ROBERTS, Patrick A.; SCHUBERT, William H. Turning Points in Curriculum: A Contemporary American Memoir. New York: Prentice Hall, 2006. MILLER, Janet L. Sounds of Silence Breaking: Women, Autobiography, Autobiography, Curriculum. Curriculum. New York: York: Peter Lang, 2005. ______. Curriculum Studies Stu dies and Transnational Transnational Flows and Mobilities: Mobilities : Feminist Autobiographical Perspectives. Transnational Curriculum Inquiry, v. 3, n. 2, p. 31-50, 2006. MOREIRA, Antonio Flavio B. Currículos e Programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1989. ______. A crise da teoria curricular crítica. In: VORRABER, Marisa (Org.). Currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. p. 11-36. ______; SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1994. PINAR, William. Heighten  Heightened ed Consciou Consciousness, sness, Cultural Revoluti Revolution, on, and Curric Curriculum ulum Theory : The 1974. Proceedings of the Rochester Conference. Bekerly: McCutchan Pub. Corp.,

 

18

WILLIAM PINAR 

PINAR, William. Curriculum Theorizing: The Reconceptualists. Bekerly: McCutchan Pub. Corp., 1975. ______. The Reconceptualization of Curriculum Studies. In: TAYLOR, Ph. (Ed.). New Directions in Curriculum Studies. London: The Falmer Press, 1979. ______.  Autobiography, Politics, and Sexuality: Essays in Curriculum Theory 1972-1992. New York: Peter Lang, 1994. ______. Queer theory in education. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 1998a. ______. Contemporary Curriculum Discourses: Twenty Years of JCT. New York: Peter Lang, 1999. Violence in America: Lynching, Prison ______. The Gender of Racial Politics and Violence Rape, and the Crisis of Masculinity. New York: Peter Lang, 2001.

______. What is Curriculum Theory? Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 2004. Race, Religion and a Curriculum of Reparation. New York: Palgrave ______. MacMillan, 2006.

______. The Primacy Pr imacy of the Particular. In: WAKS, WAKS, Leonard J.; SHORT SHORT,, Edmund C. (Ed.). Leaders in Curriculum Studies: Intellectual Self-Portraits. Rotterdam/ Tapei: Sense Publishers, 2009. ______. Curriculum Studies in South Africa : Intellectual Histories, Present Circumstances. New York: Palgrave MacMillan, 2010. ______. Curriculum Studies in Brazil: Intellectual Histories, Present Circumstances. New York: Palgrave MacMillan, 2011a. ______. Curriculum Studies in Mexico: Intellectual Histories, Present Circumstances. New York: York: Palgrave MacMillan, 2001b. ______. International Handbook of Curriculum Research Research. New York: Routledge, 2014. ______ et al. Understanding Curriculum. New York: Peter Lang, 1995. SCHWAB, Joseph. The Practical: a Language for Curriculum. School Review, SCHWAB, n. 78, p. 1-23, 1969. YOUNG, Michael. Currículo e democracia: lições de uma crítica à “nova sociologia da educação”. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 29-40,  jan./jun. 1989.

 

 

19

1

Currículo: Uma introduç introdução* ão*

Currículo é uma conversa complicada. Estruturado por diretrizes, focado em objetivos, excessivamente voltado para resultados, o currículo escolar luta para permanecer conversa. É uma conversa — esforços de entendimento por meio da comunicação — entre alunos e professores, indivíduos que efetivamente existem em determinados lugares e dias, ao mesmo tempo pública e privada. O fato de alunos e professores serem indivíduos complica consideravelmente a conversa, e frequentemente frequente mente de formas desejáveis, em razão de cada pessoa trazer para o que estiver sendo estudado seu conhecimento prévio, suas circunstâncias atuais, seu interesse e, sim, seu desinteresse. A fala e os textos dos alunos permitem que os professores avaliem em que pé estão as conversas em sala de aula, o que pode acontecer em seguida, o que precisa ser revisto ou às vezes evitado. Acrescente-se a isso o local ou região em que o currículo é vivido, o país (sua história e con juntura), a situação do planeta, expressada específica e globalmente no clima (com mudanças climáticas catastróficas nos ameaçando a * Originalmente publicado em The Character of Curriculum Studies e gentilmente cedido pela editora Palgrave MacMillan para esta publicação. Traduzido por Teresa Teresa Dias Carneiro e revisto por Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo.

 

20

WILLIAM PINAR 

todos), e começa-se a perceber como a conversa sobre o currículo currículo escolar é, pode ser e tem que se tornar complicada. co mplicada. Há também o fato da d a escola individual, apesar de essa instituição ter com frequência recebido ênfase excessiva nos esforços para melhorar o currículo. É a experiência vivida currere, o correr do curso —, em que o currículo é exdo currículo — perimentado e vivido. A forma verbal é preferível porque enfatiza o currículo vivido e não o planejado, apesar de as duas coisas virem quase sempre entrelaçadas. O verbo enfatiza ação, processo e experiência, em contraste com o substantivo que pode transmitir a ideia de completude. Apesar de todo curso ter um fim, as consequências do estudo são contínuas, por serem sociais e subjetivas, bem como intelectuais, e sempre específicas ao conteúdo do curso. O correr do curso — currere — ocorre por meio de conversas, não só no discurso de sala de aula, mas no diálogo

entre alunos e professores específicos, e consigo mesmos, sozinhos. Como o correr do curso ocorre social e subjetivamente por meio do estudo acadêmico, o conceito de currere se coloca em primeiro plano em relação ao significado de currículo como conversa complicada, estimulando a experiência educacional. De fato, currere ressalta a experiência cotidiana do indivíduo indivíd uo e sua capacidade de aprender a partir da experiência, reconstruir a experiência por meio do pensamento e do diálogo para possibilitar o entendimento. Esse entendimento, alcançado por meio do trabalho, da história e da experiência vivida, pode nos ajudar a reconstruir nossas próprias vidas subjetivas e sociais. Podemos ser modificados pelo que estudamos, mas o pronome é relevante (W󰁩󰁮󰁣󰁨, 2008, p. 295), pois o “eu” é um “nós” e o “nós” uma série de “eus”. Para Michael Uljens (2003, p. 46): O paradoxo pedagógico está relacionado com a subjetividade do indivíduo: para que o aprendizado seja possível, precisa não só haver um alguém  cuja reflexão seja estimulada, mas também um alguém que o indivíduo se torne — isto é, precisa haver a ideia de que a pessoa de alguma forma se transforme por meio da educação.

A experiência educacional possibilita a reconstrução subjetiva e social.

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF