Estratégias e Táticas de Napoleão Bonaparte

September 1, 2017 | Author: svictorazzo | Category: Carl Von Clausewitz, Napoleon, Military Strategy, Guerrilla Warfare, United States Army
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Um estudo que teve como proposito identificar as estratégias e táticas utilizadas pelo gênio militar Napoleão Bonaparte...

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Estratégias e táticas de Napoleão Bonaparte

ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE NAPOLEÃO BONAPARTE

Organizado por Sergio Murilo de Castro Victorazzo

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Estratégias e táticas de Napoleão Bonaparte

ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE NAPOLEÃO BONAPARTE Organizado por Sergio Murilo de Castro Victorazzo

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SUMÁRIO Prefácio – Política, estratégia e estratégias militares dominantes Introdução – Níveis de aplicação do Poder Militar

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PARTE I – ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE NAPOLEÃO BONAPARTE Capítulo 1 – Introdução 21 Capítulo 2 – As estratégias de Napoleão 23 Capítulo 3 – As táticas de Napoleão 46 Capítulo 4 – De Jomini e Clausewitz sobre Napoleão 47 Capítulo 5 – O Estado-Maior de Napoleão 49 Capítulo 6 – Erros, falhas e derrotas de Napoleão 52 Capítulo 7 – Rapidez de movimentos e concentração de tropas – A organização e o emprego dos Corpos de Exército 54 Capítulo 8 – A moral das tropas de Napoleão 60 Capítulo 9 – As maiores e mais sangrentas batalhas de Napoleão 61 PARTE II – CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE ESTRATÉGIA E A GUERRA DE MANOBRA 65 PARTE III – AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS E A GUERRA DE MANOBRA 81

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PREFÁCIO POLÍTICA, ESTRATÉGIA E ESTRATÉGIAS MILITARES DOMINANTES 1 POLÍTICA E ESTRATÉGIA Segundo Maurice Duverger, a política, para uns, é a ciência do Estado, enquanto, para outros, é a ciência do poder. Esta dicotomia, para nós, não existe de forma nítida. O poder é inerente ao Estado, tanto assim que o Estado inexiste sem o poder. Buscando conceitos entre os nossos pensadores da ciência política ou da ciência do Estado, encontramos que Themistocles Cavalcanti diz que a “Ciência Política trata dos fenômenos que se enquadram na organização, na estrutura, no funcionamento do Estado e no exercício do poder”. A estratégia é uma decorrência da política, razão por que, para conceituá-la, devemos, antes, conceituar a política. Esta é a arte ou ciência de governar. É a concepção de como governar o Estado. A estratégia é a arte de executar a política. Compreende a ação, ou as ações necessárias para alcan¬çar os objetivos da política. Resumindo, diríamos: política é a concepção de governo e estratégia é a ação decorrente desta concepção. Política é o que fazer; estratégia, como fazer. Neste quadro de conceitos, vamos incluir a geopolítica e a geoestratégia. A primeira é uma parte da ciência política inspirada nas realidades geográficas do Estado. A geoestratégia é a estratégia aplicada às áreas privilegiadas pela geopolítica (às áreas consideradas críticas). Sendo a estratégia a aplicação de uma política, haverá uma estratégia para cada política geral (nacional), económica, psicossocial e militar. Sendo a guerra, segundo conceito de inúmeros autores, a política impulsionada na busca de seus objetivos por meios violentos (Montesquieu, Rousseau, Clausewitz, ]omini, Mahan, Mackinder, Lenine), a estratégia militar é a arte de conduzir a guerra. Considerando a estratégia decorrência de uma concepção política, as¬sim a compreendendo, podemos afirmar que a política escolhe objetivos para atender aos interesses do Estado (ou da aliança de Estados), e a estratégia seleciona meios e estabelece prioridades para alcançar estes objetivos. Houve época em que se fazia confusão sobre a relação de interdependência entre política e estratégia. Desde o início do século XIX essa confusão não é mais aceitável. Senão, vejamos o pensamento dos principais mestres da estratégia. Não há dúvida de que foram Clausewitz no século XIX, Liddell Hart e Beauffre no século XX. O primeiro teve como campo de observação as inovações trazidas ao campo da estratégia pela Revolução Francesa e as guerras napoleônicas. Sua genialidade está em ter sabido sintetizar e traduzir em ideias gerais as constantes estratégias produzidas por essa época de ino¬vações no campo de guerra; inovações relacionadas muito mais ao âmbito das transformações políticas e à genialidade de Bonaparte do que à evolução da técnica de produção de engenhos bélicos. Liddell Hart, participante da I Grande Guerra e da II Guerra Mundial, retirou, das observações colhidas nos campos de batalha desses dois conflitos maiores, os ensinamentos que soube traduzir numa doutrina estratégica lógica e coerente. O general Beauffre colocou, no quadro da estratégia moderna, os efeitos de uma 1 CEPEN – Centro de Estudos de políticas e estratégias nacionais – General Carlos de Meira Mattos

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nova e terrível arma -a bomba atômica, a arma nuclear. Desejando apoiar o nosso conceito inicial de que a estratégia é uma decorrência da política, vamos alinhar alguns pensamentos destes três clássicos da estratégia. • Clausewitz -”A guerra é a continuação da política por outros meios.” • Liddell Hart -”A melhor estratégia é aquela que atende ao objetivo político por meio de hábeis demonstrações de força, pela mobilidade, eventualmente sem travar a batalha.” • General Beauffre -”A guerra total é concebida em nível de política governamental, que fixa os domínios das estratégias militar, política, econômica e diplomática.” Assim estabelecidos os campos doutrinários da política e da estraté¬gia moderna, baseados no pensamento dos três mestres que mais se distinguiram no estudo da estratégia nestes últimos ZOO anos, faremos algumas considerações que nos darão uma visão mais ampla do campo de estudo da estratégia militar contemporânea. Desde o início observamos que a palavra estratégia, de origem grega -estratego era o general grego comandante de exércitos -, do ponto de vista semântico vem evoluindo através dos tempos. Antes do século XVIII, esta palavra se referia, sempre, á arte dos generais, tinha um sentido puramente militar. A partir da Revolução Francesa de 1793 e das campanhas napoleónicas que se seguiram, as guerras que até então eram objeto de decisões fechadas de gabinetes e dependentes da capacidade dos tesouros reais em contratar exércitos mercenários, formados muitas vezes por profissionais estrangeiros, transformaram-se em guerras nacionais, com o povo em armas e a participação de toda a nação. Esta transformação política e social levou Clausewitz a escrever: “As coisas mudaram com a eclosão da Revolução Francesa...” Uma nova força que ninguém antes poderia imaginar fez sua aparição em 1793. A guerra repentinamente transformou-se numa preocupação do povo inteiro, e de um povo de 30 milhões de habitantes referindo-se â França. A participação do povo na guerra fez entrar a nação inteira em um jogo que, antes, era objeto de preocupação apenas do gabinete e de exércitos mercenários. Desde aí, deixou de haver limites para a guerra. Antecipava Clausewitz os conceitos de guerra total que, 100 anos mais tarde, foram teorizados pelo general alemão Ludendorf. A guerra nacional, envolvendo a nação inteira na sorte de conflitos bélicos, produziu uma generalização do conceito de estratégia que, de arte de conduzir as batalhas, passou a ser a arte ou ciência de conduzir a nação para a vitória. É o próprio C1ausewitz quem antecipa esta evolução do conceito de estratégia quando escreve: A guerra não mais pertence ao domínio das artes ou das ciências, mas se relaciona com a existência social. Ela é um conflito entre grandes interesses decididos pelo derramamento de sangue. Parece-se mais com a política. Destes pensamentos de Clausewitz, que viveu alguns anos na Rússia imperial, onde teve uma cátedra de professor em ciência política e estratégia, Lenine extraiu o seu conceito de guerra permanente. Parafraseando Clausewitz, Lenine escreveu sua célebre frase de que “a política é a continuação da guerra por outros meios”. Como o próprio Clau-

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sewitz previra, no futuro haveria, além da estratégia militar, estratégias correspondentes aos campos de generalização do conflito bélico-político, económico, social e outros. No pensamento militar moderno predominam três escolas principais sobre a estratégia: • estratégia de ação direta; • estratégia de ação indireta; • estratégia de dissuasão. Cada uma dessas escolas tem o seu pensador principal. Clausewitz é o preconizador da primeira, Liddell Hart, da segunda, e o general Beauffre, da terceira. Embora Clausewitz tenha falecido em 1831, Liddell Hart, em 1970 e o general Beauffre, em 1975, distanciados no tempo de um século e meio, as ideias de Clausewitz continuam atuais e, em grande parte, foram adotadas pelo grande pensador contemporâneo Raymond Aron. A este respeito vale aqui reproduzirmos o conceito do militar francês, coronel Guy Doly, profes¬sor da Escola de Guerra, no seu livro Strategie France “Fora do acontecimento extraordinário que constituiu o aparecimento da arma nuclear em 1945, nada, realmente, de novo aconteceu no campo da estratégia.” Segundo Karl von Clausewitz, no seu livro clássico Da guerra, “o objetivo político da guerra é destruir as forças militares do inimigo e conquistar • o seu território”. Como estratégia militar para alcançar este objetivo político • o escritor alemão prescreve -”travar a batalha, não há outro meio”. Como princípio estratégico do pensamento de Clausewitz encontrou: “Concentrar as forças e lançá-las contra a massa principal do inimigo, de sorte a chegar a decisão pela batalha, se possível em uma só ação e um só momento”. É a chamada estratégia de ação direta, contra as forças principais do inimigo (o seu centro de gravidade), realizando, se passivel, a surpresa estratégica. Estudando as campanhas de Napoleão, Clausewitz seleciona, como fatores de surpresa estratégica, a mobilidade, a velocidade, as ações diversionárias e a divulgação de informações falsas, visando a iludir o inimigo sobre o ponto de aplicação do golpe decisivo. Analisando a aplicação dos princípios estratégicos de Clausewitz na guerra contemporânea, o coronel Guy Doly, já citado, argumenta que no quadro do conflito militar moderno, entre as superpotências e as grandes potências, o chamado conflito Leste-Oeste, em que se confrontarão as forças da Otan e do Pacto de Varsóvia, o objetivo de destruição das forças inimi¬gas e ocupação de seu território, buscando o seu centro de gravidade, não parece mais real, porque isto imporá um preço excessivo que nenhum dos contendores tem condições de pagar. Vamos ver, quando analisarmos a estratégia de ação direta, esta impossibilidade com os meios bélicos atuais que possuem ambos os lados rivais, de se chegar a uma destruição maciça, como defende Clausewitz, sem incorrer no risco certo da destruição mútua. A resposta será tão violenta e mortífera como o ataque. Fora do quadro do conflito Leste-Oeste, nas guerras locais e regionais, na chamada guerra convencional, poderemos, até certo ponto, considerar válidos os princípios estratégicos clausewitzianos, desde que um dos lados seja capaz de concentrar superioridade de meios e aplicá-los de surpresa no centro de gravidade dos dispositivos de forças inimigas. Passaremos agora a analisar as ideias principais de outro clássico da estratégia, o inglês LiddeIl Hart, que, ao contrário de Clausewitz, é o defensor da chamada estratégia de ação indireta, uma variante da estratégia de ação direta. Liddel Hart foi o primeiro autor a integrar os conhecimentos das duas guerras (de 1914-1918 e de 1939-1945). Os dois fatores que mais influíram nas operações terrestres

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nesses dois conflitos e vieram a influir na estratégia contemporânea foram o emprego do avião e do carro de combate, emprego experimental na I Grande Guerra e maciço na II Guerra Mundial. Dessas inovações da tecnologia e da indústria bélica, o escritor inglês tirou duas conclusões estratégicas: da importância da aproximação indireta e da mobilidade na manobra estratégica. A I Guerra Mundial, de que LiddeIl Hart foi testemunha, fora um massacre de quase quatro anos numa guerra imobilizada de trincheiras. Morreram milhões de homens de ambos os lados. A chegada de meio milhão de norte-americanos, em 1917, comandados pelo general Pershing, conseguiu desequilibrar o impasse estratégico, dando superioridade de meios aos aliados e obrigando os alemães de Guilherme n, o Kaiser, a procurar um armistício. A I Guerra Mundial (1914-1918) marcou os primeiros ensaios de emprego da telegrafia, dos submarinos, do carro de combate e do avião. Estes dois últimos, ainda rudimentares, de reduzido peso e raio de ação, não foram instrumentos suficientes a alterar o impasse de equilíbrio estratégico que imobilizara as frentes. [Mas, o desenvolvimento da tecnologia na fabricação de aviões e carros de combate mudou O ambiente estratégico da ]] Guerra Mun¬dial, iniciada propriamente com a invasão da Polônia em 1939. A blitzkrieg alemã contra a França composta por enorme massa de carros blindados, apoiada por densas nuvens de aviões de combate, abriu o quadro estratégico característico desse conflito mundial. A II Guerra Mundial caracterizou-se como uma guerra de movimen¬to. A ideia de imobilizar as frentes de combate nas fronteiras, por meio das posições superfortificadas, as famosas linhas Siegfried (alemã) e Maginot (francesa), revelou-se vã ilusão estratégica e desperdício. Em toda parte, no Pacífico, no Atlântico, na África do Norte, no continente europeu, o que caracterizou a guerra foram os movimentos estratégicos de grande envergadura, como as operações anfíbias na invasão do norte da África, da Sicília, do sul da França e da Normandia, reunindo imensa massa de meios marítimos, aéreos e terrestres, e, também, as operações dos Exércitos no norte da África e na Europa. Nenhuma barreira física ou humana foi capaz de conter, por muito tempo, o poder de choque das massas de blindados, seguidas de forças motorizadas e apoiadas pela aviação de acompanhamento ao combate e de bombardeio. A observação aérea e a mobilidade facultavam a realização da surpresa estratégica sobre um flanco ou retaguarda. Este quadro de guerra de 1939-1945 enriqueceu os conhecimentos estratégicos de Liddell Hart, que se tornou o principal analista e escritor militar de sua época. Sobreviveu por 25 anos ao final da última Guerra Mundial e durante esse período acompanhou, atentamente, o vertiginoso desenvolvi¬mento da tecnologia militar e sua aplicação no campo da estratégia. Produziu vários livros sobre a estratégia militar, até a sua morte. Na síntese de suas apreciações no pós-guerra de 1939-1945, Liddell Hart oferece-nos suas conclusões que contrariam os princípios fundamentais da estratégia da ação direta de Clausewitz que, como vimos, preconizava “atacar com superioridade de forças e a violência máxima a massa principal das forças inimigas, procurando, para esta ação, a surpresa estratégica”. Liddell Hart, no seu livro sobre estratégia, editado em 1954, contraria o pensamento de Clausewitz e propõe como nova estratégia a ação indireta, que pode ser assim traduzida: A estratégia mais conveniente é a que permite conduzir a batalha da maneira mais vantajosa e muitas dessas condições vantajosas, se aplicadas, poderão conduzir ao de-

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sequilíbrio das forças do inimigo com um mínimo de combate; em síntese, a estratégia perfeita será obter a decisão pela derrota do inimigo e sua rendição sem combate. A estratégia de ação indireta, assim exposta, procura tirar o máximo proveito da mobilidade, da velocidade e da surpresa oferecidas pela tecnologia militar moderna para desequilibrar a estrutura do dispositivo inimigo. E, numa quase obsessão de virtuosidade estratégica, imagina, até, derrotar as forças militares inimigas pela simples manobra estratégica. É interessante observar-se neste ponto de nossas considerações que Lenine, um discípulo de Clausewitz em assuntos estratégicos, colocando o seu ingrediente político-revolucionário na estratégia, já havia escrito: A melhor estratégia consiste em retardar o inicio das operações militares até que a desagregação moral do inimigo nos permita, facilmente, desferir-lhe o golpe mortal. No conceito de Lenine encontra-se a semente da chamada “guerra revolucionária”, que será objeto de nossa atenção em seguida, e que visa a minar o moral do inimigo, “atuando essencialmente sob sua mente, através da propaganda, dos atos de terrorismo e de intimação”. É interessante se notar, também, que os conceitos estratégicos de ação indireta de Liddell Hart tiveram como precursores o chinês Sun Tzu (500 anos antes de Cristo) e seus discípulos contemporâneos Mao Tsé-tung e o general vietnamita Giap. Vale a pena, aqui, reconstituirmos a influência de Sun Tzu e de Mao Tsé-tung, o primeiro precursor e o segundo grande mestre da estratégia de ação indireta. O clássico de Sun Tzu, A arte da guerra, foi escrito nos últimos anos do século VI antes de Cristo. Consta que o autor o ofereceu ao rei Ho-Iu, da dinastia Wu. Sua difusão no Ocidente deve-se ao padre Amiot, um jesuíta missionário em Pequim. A tradução do padre Amiot foi divulgada em Paris em 1712. Assim, podemos dizer que a teoria estratégica de Sun Tzu é inteiramente diversa do pensamento estratégico de Clausewitz, que teve predominante influencia na Europa a partir dos anos do lançamento de sua obra clássica Vom Kriege, 1832, até hoje. Sun Tzu considerava a guerra “um assunto de vital importância para o Estado”, exigindo, por isto, acurado estudo e análise. Ele nos oferece a primeira tentativa conhecida de formular uma doutrina estratégica, baseada em planejamento e em princípios de conduta das operações. Acredita que um estrategista deve ser capaz de submeter as forças inimigas sem engajá-las na batalha, de ocupar as suas cidades sem necessidade de um cerco destruidor e de derrubar seu governo sem batalhas sangrentas. Sun Tzu estava convencido de que a estratégia envolve uma habilidade manobreira mais do que o choque de forças. A superioridade numérica, por si só, não representava vantagem. Considerava Sun Tzu que os fatores morais, intelectuais e circunstanciais são mais importantes no confronto de Exércitos do que os fatores da força física e aconselhava os reis e comandan¬tes a não se iludirem com a superioridade física de seu poder militar. O escritor militar chinês não concebia a guerra em termos de massacre e destruição; o verdadeiro objetivo estratégico, dizia, é conquistar o território e as forças inimigas intactas, ou tão intactas quanto possível. Acreditava Sun Tzu que o planejamento estratégico meticuloso, baseado na informação correta sobre o inimigo, era fator que contribuía para uma decisão militar rápida. Sempre levava em conta os efeitos da guerra sobre a economia, e, indubitavelmente, foi o primeiro a observar a inflação dos preços inevitável durante as guerras. Afirmava: “Nenhum país é beneficiado pela guerra prolongada”. Preocupava-se com os problemas

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logísticos de apoio ao Exército. Sobre as qualidades de um bom general, dizia: “Boa moral, emocionalmente sereno, controlado de atitudes, conhecedor da influencia dos fatores, do terreno e das condições climáticas sobre a manobra estratégica”. Antes da abertura das hostilidades, Sun Tzu aconselhava o lançamento de atividades clandestinas no interior do país inimigo, espalhando boatos falsos e informações contraditórias. Os princípios de guerra revolucionária nós os encontramos, inicialmente, na concepção de Sun Tzu. Como vimos, O estrategista chinês - o mais antigo mestre da estratégia de ação indireta -aconselhava a, antes do início das atividades bélicas, e, também, durante as mesmas, infiltrar-se no interior do país inimigo, espalhando boatos falsos e informações contraditórias, buscando enfraquecer o seu moral e a sua vontade de resistir. É a ação sobre a mente do inimigo. Mao Tsé-tung foi o principal discípulo de Sun Tzu. Nascido em 1893, Mao Tsé-tung foi absorvido pelas ideias políticas de Marx e Engels, ainda muito jovem, quando assistente da biblioteca da Universidade de Pequim. Em 1920, era já um comunista acabado. Desde este momento lançou-se à grande missão de sua vida -criar uma nova China baseada nas ideias políticas de Marx e Engels. Crescendo na hierarquia do comunismo chinês, Mao Tsé-tung tornou-se, ao mesmo tempo, um teórico da guerra revolucionária e um general combatente incansável na luta contra as forças do Exército Nacionalista de Chiang Kai-chek. Mao Tsé-tung, partindo dos conceitos básicos de Sun Tzu, desenvolveu uma estratégia, uma tática e uma logística para a guerra. Suas teorias impressionaram Lenine e foram incorporadas pelos soviéticos, que as utilizam como um dos mais eficazes instrumentos de agressão aos países que pretendem conquistar ou neutralizar no quadro do conflito mundial. Atualmente, vemos a guerra revolucionária em pleno desenvolvimento, particularmente no Afeganistão e na América Central. Em um dos seus livros, em 1937, disse Mao Tsé-tung: “A primeira lei da guerra é preservar nossas forças e destruir as forças do inimigo”. Do ponto de vista estratégico, Mao concebeu esta forma de guerra como passando por fases sucessivas, através das quais ela vai aumentando sua área de influência e o grau de submissão da nação atacada. A primeira fase é dedicada à organização, consolidação e preservação de uma base regional. A segunda fase visa à progressiva expansão dessa base. A terceira fase é a fase da decisão, quando a destruição e a conquista da nação são objetivadas. Quanto às táticas que Mao Tsé-tung aconselha, acompanhando essas três fases da manobra estratégica da guerra revolucionária, destacaremos: a primeira fase (de organização, consolidação, preservação de uma base regional) compreendendo: • escolher o local para a base em região isolada e de difícil acesso; • organizar um centro de treinamento de voluntários, agitadores e propagandistas; • espalhar propagandistas entre a população próxima à base, a fim de persuadir e convencer os habitantes, transformando-os em adeptos da causa revolucionária; • em consequência, criar em volta de cada base um cinturão protetor de simpatizantes em condições de assegurar o recrutamento de homens, a colheita de informações e o suprimento de alimentos. O processo a desenvolver nessa fase é essencialmente conspiratório, clandestino, metódico e progressivo. As operações militares só são admitidas eventual e esporadicamente.

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Na segunda fase (de expansão da base), a ação direta assume um papel cada vez mais relevante. As práticas mais usadas são: • atos de sabotagem e terrorismo; • sequestros de colaboracionistas e reacionários; • ataques de surpresa a postos isolados da política ou do Exército e apro¬priação de armas e recursos logísticos. o objetivo procurado nessa fase, além da expansão da área de influencia peia propaganda, o terror e a intimidação, é a apropriação de armas, explosivos, dinheiro, material de saúde e equipamentos de comunicação. As ações são praticadas por guerrilhas que vão se tornando cada vez mais ades¬tradas e mais bem-equipadas. Os habitantes das áreas envolvidas são submetidos a constante propa¬ganda para aderirem à causa revolucionária e darem à mesma as características do movimento de massa. A terceira fase (fase da decisão, ou destruição do inimigo), como se vê, dependerá do êxito alcançado nas fases anteriores. A teoria de Mao Tsé-tung, para esta fase, prevê que as guerrilhas já consolidadas se integrem num Exército revolucionário capaz de desafiar o inimigo (as forças do Estado) em combates do estilo guerra convencional. Esta fase deve ser prolongada por negociações, com postura de ameaça militar, durante as quais as forças revolucionárias aproveitam para melhorar suas posições (nas campos militar, político, social e económico). Durante as negociações, pouca ou nenhuma concessão deve ser esperada do comando das forças revolucionárias, cujo único objetivo é criar pelo cansaço, pelo jogo de impasses sucessivos, melhores condições para garantir sua unidade e garantir o processo vitorioso de sua causa. O sucesso da “guerra de guerrilhas”, como usualmente é chamada a guerra revolucionária, a partir da segunda fase, depende, essencialmente, da montagem de uma boa rede de informações que assegure sempre, às forças revolucionárias, conhecimento preciso sobre as atividades e possibilidades das forças governamentais e lhes permita tirar a máxima vantagem das ações de surpresa. No tocante à logística das guerrilhas, é o próprio Mao quem diz, em sua teoria, que a “guerrilha não tem retaguarda”. Seus suprimentos devem ser retirados da própria área envolvida. O inimigo deve ser a principal fonte de recursos em armas, equipamento e munição. Ele mesmo escreveu em certa ocasião: Eu tenho pedidos de suprimentos aos arsenais de Londres assim como aos de Hanyang e, o que é mais importante, esses pedidos nos são entregues pelas unidades de transportes do inimigo que assaltamos. O pior é que não se tratava de uma brincadeira de Mao, mas de uma crua verdade. Vários comboios de armas e de suprimentos destinados ao Exército nacionalista de Chiang Kai-chek caíram inteiros em mãos das forças de Mao, vítimas de ataques de surpresa, muitas vezes em conivência com elementos nacionalistas adesistas.

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INTRODUÇÃO NÍVEIS DE APLICAÇÃO DO PODER MILITAR

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NÍVEIS DE APLICAÇÃO DO PODER MILITAR Três são os níveis em que são planejadas,executadas e controladas as ações militares: o estratégico, o tático e o operacional. Os dois primeiros são explicitamente mencionados e descritos na doutrina militar das forças armadas brasileras; já o terceiro, o nível operacional, ainda que não mencionado na nossa doutrina, é reconhecido tacitamente. Vale dizer que em outros países, como ns Estados Unidos, ponhr exemplo, o campo operacional é amplamente reconhecido. ESTRATÉGIA1 Entendida na antiguidade como a “arte do general”, restrita ao campo de batalha, a palavra estratégia teve seu significado ampliado ao longo do tempo. Partindo da noção clássica militar, que perdurou por séculos, o campo semântico do vocábulo alargou-se quando, no século XVII, a guerra passou de limitada a nacional, mobilizando, nesse caso, toda a nação. De nacional passou, já no século XX, a total, quando deixou de ser realizada apenas pela expressão militar e começou a envolver a totalidade da nação. A seguir, assumiu dimensão global, com a II GUERRA MUNDIAL. Posteriormente, quando o homem atingiu o espaço sideral e começou a explorá-lo, tomou a dimensão planetária. Deve ser ressaltado que, após a II GUERRA MUNDIAL, o campo de ação da estratégia estendeu-se também aos períodos de paz, ou seja, que as nações passaram a adotar estratégias nas relações internacionais e no planejamento governamental, quando ultrapassou o campo da segurança e passou a ser empregado no desenvolvimento. Nos anos subseqüentes, o vocábulo adquiriu amplo e diversificado uso quando atingiu a totalidade dos segmentos da sociedade, mormente ligado à ciência da administração, e popularizou-se com significado muitas vezes diferente daquele original, de luta entre vontades opostas. O campo semântico da “estratégia” alargou-se de tal forma que a palavra passou a necessitar de adjetivação. Surgiram então a grande estratégia na NGLATERRA, a estratégia total na FRANÇA, e a estratégia nacional nos EUA e no BRASIL, como expressões que caracterizavam uma estratégia maior, que coordenava todo o esforço da nação e subordinava a “arte do general” para vencer a guerra. A estratégia foi igualmente acrescida do adjetivo “militar” quando referente às Forças Armadas e do “operacional” quando limitada ao teatro de operações. A estratégia saiu, ao longo da história, dos limites dos teatros de operações e invadiu todas as atividades de governo e de produção de um país, mesmo na paz. Foi-se modificando mediante etapas nítidas, cada qual com abrangência crescente, incorporando características de cada época. Assim, chega-se ao conceito de estratégia, como sendo, a arte de preparar e aplicar o poder para, superando óbices de toda ordem, alcançar os objetivos fixados pela política. No conceito de estratégia fica evidenciada a subordinação da estratégia à política, em que a política define “o que fazer”, e a estratégia define “o como fazer” e a necessidade de adjetivação da palavra estratégia, para compreensão real do seu significado e dos níveis a que se refere. 1BRASIL, Ministério da Defesa. Manual de ampanha C-124-1 Estratégia, 3ª Edição. Brasilia. 2001.

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O estudo da estratégia importa, no seu relacionamento, com outros conceitos além da política e do poder, tais como conflitos, tempo, espaço, cenários, centros de poder e planejamento. A compreensão do moderno conceito de estratégia refere-se ao preparo e à aplicação de meios, parcelados ou globalizados, para atendimento dos objetivos fixados pela política. Clausewitz em sua obra “On War” assim se manifesta:2 “Strategy is the employment of the battle to gain the end of the war; it must therefore give an aim to the whole military action, which must be in accordance with the object of the war; in other words, strategy forms the plan of the war, and to the said aim it links the series of acts which are to lead to the same, that is to say, it makes the plans for the separate campaigns, and regulates the combats to be fought in each. As these are all things which to a great extent can only be determined on conjectures, some of which turn out incorrect, while a number of other arrangements pertaining to details cannot be made at all beforehand, it follows, as a matter of course, that strategy must go with the army to the field in order to arrange particulars on the spot, and to make the modifications in the general plan which incessantly become necessary in war. Strategy can therefore never take its hand from the work for a moment.” NIVEL OPERACIONAL Do exposto, verifica-se que a estratégia é inerente aos objetivos formulados por uma politica nacional, enquanto que a estrategia, quando limitada a um teatro de operações, é rotulada como operacional, isto é, ela pertence a um nível operacional. NÍVEL TÁTICO Costuma-se muito, por força do hábito, confundir-se o nível tático com o operacional, uma vez que ambos convivem em um teatro de operações. O campo tático diz respeito ao “como” serão, efetivamente, realizadas as operações referentes às decisões ao nível operacional. Diz ele respeito ao emprego das armas e dos serviços, sendo totalmente dependente da experiência e características dos comandantes das unidades, tendo como “farol”, a metodologia embutida nos manuais doutrinários de organização em emprego das armas e serviços. Estas considerações foram feitas à título de um embasamento àquilo que se pretende abordar, o seja, as estratégiaa e as taticas usadas por Napoleão Bonaparte, o que, evidentemente requer outras considerações prelimnares que passarei, então, a apresetar.

2 CLAUSEWITZ, Carl von. On War. Londre. 1873

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PARTE I ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE NAPOLEÃO BONAPARTE

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ESTRATÉGIAS E TÁTICAS EMPREGADAS POR NAPOLEÃO BONAPARTE “Ler repetidamente as campanhas de Alexandre, Hannibal, César, Gustavo, Turenne e Frederic, o grande. Esta é a única maneira de se tornar um grande general...” - Napoleão Bonaparte SUMÁRIO Capítulo 1. Introdução Capítulo 2. A estratégia de Napoleão => As estratégias favoritas de Napoleão Bonaparte => Campanhas de Ulm-Austerlitz em 1805 => Campanha de Jena-Auerstadt em 1806 => Rapidez dos movimentos e concentração de tropas Capítulo 3. As táticas de Napoleão Capítulo 4. Jomini e Clausewitz sobre Napoleão Capítulo 5. O Estado-Maior de Napoleão Capítulo 6. Erros, falhas e derrotas de Napoleão Capítulo 7. Rapidez de movimentos e concentração de tropas.. Capítulo 8. Moral das tropas de Napoleão. Capítulo 9. As maiores e mais sangrentas batalhas de Napoleão Bonaparte. “A tática é a arte de usar tropas nas batalhas; estratégia é a arte de usar as batalhas para vencer a guerra “ - Carl von Clausewitz CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO A grandeza de Napoleão como soldado foi evidente e, praticamente, desde o início de sua notável carreira. Foram vitória seguidas, umas após as outras, por mais de uma década. No entanto, se nessas batalhas a genialidade de Napoleão era óbvia, seus métodos, no entanto, não o eram. Napoleão contrariava todos os princípios que orientavam a condução das operações, bem como o emprego das técnicas doutrinárias que balizavam a implementação daqueles princípios. “Como resultado, antes mesmo da realização de suas ambições, ele chegou ao seu destino final, e aos comentaristas militares foi atribuída a difícil tarefa de explicar seus modos de guerrear.” (-Albert Nofi) Embora Napoleão tenha desempenhado um papel importante na história e no desenvolvimento da arte militar, como soldado, ele não era nenhum grande inovador. “Ele não confiava em novas idéias. Sua genialidade era essencialmente prática, e seus conceitos militares evoluíram a partir de estudos aprofundados dos brilhantes comandantes que o antecederam, particularmente, Frederico o Grande. Ele fez o máximo uso das idéias de seus antecessores e admirou as suas vidas.” (Chandler - p “Dicionário das guerras napoleônicas”) De acordo com Loraine Petre, descendente de uma família aristocrática inglesa e historiador militar, a genialidade de Napoleão não era a de um criador. Mas, na verdade,

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ele fez algumas reformas práticas ou inovações na arte militar. Seu talento pautava-se, isso sim, na habilidade de saber se posicionar nas áreas estratégicas e administrativas da guerra. Napoleão tinha a capacidade de visualizar com grande clareza uma situação militar, e confrontá-la para determinar a linha de ação mais aceitável (custo-benefício) a ser empreendida. Ele podia conceber, com facilidade, a maioria das possíveis soluções a um problema, avaliá-las e, em seguida, executá-las, fazendo pleno uso das habilidades consideráveis do Exército francês, por ele reformado. Ele desenvolveu um estilo estratégico agressivo, baseado nas propostas de Bourcet. E ele usou a República como um modelo, em sua habilidade para explorar os recursos finais da França, com frequência estampando caras novas aos exércitos que estavam à beira de um desastre. Assim, a genialidade de Napoleão ficou marcada pelo modo como ele via as maneiras em que todas as inovações do final do século XVIII poderiam ser orquestradas em um sistema militar praticamente invencível. Napoleão é conhecido como um grande estrategista e um gênio militar do seu tempo. Ele conquistou, praticamente, toda a Europa e deu a todos a possibilidade de uma boa corrida pelo dinheiro. Suas campanhas constituíram o repositório básico da educação militar em todo o mundo ocidental e, para muitos, o pensamento militar atual, ainda é influenciado pelo grande francês. Em academias militares de todo o mundo, incluindo-se a famosa West Point (EUA), aos alunos foi ensinada a língua francesa para que fossem capazes de ler livros sobre a estratégia e as táticas usadas por Napoleão. A maioria dos generais europeus e da Guerra Civil copiou os métodos de Napoleão que resultaram em vários sucessos. Wellington disse: “Eu costumava dizer dele (Napoleão) que a sua presença em campo fazia a diferença de 40.000 homens” . Mesmo nos anos de derrota, Napoleão provou ser um comandante hábil, imaginativo e imprevisível. “Seus inimigos não podiam competir com suas habilidades pessoais, nem com as de seus exércitos. Suas vitórias deveram-se mais à superioridade numérica, do que ao talento de seus impressionantes generais.” (-Loraine Petre). O sucesso no campo e o saber apoiar uma facção política, bem no momento certo, o levaram ao generalato com apenas 24 anos de idade e ao comando do Exército da Itália, com 26. Poucos comandantes, antes dele ou desde então, lutaram guerras e batalhas sob as mais variadas condições de clima, terreno e condições meteorológicas, e contra uma maior variedade de inimigos do que o Imperador francês. Seu entendimento sobre a guerra em massa e seu sucesso em criar, organizar e equipar exércitos massivos revolucionou a conduta da guerra e marcou a origem da guerra moderna... O General Sir Archibald P. Wavell escreveu: “se você descobrir como... [Bonaparte] inspirou um exército de maltrapilhos, amotinados e famintos, e os fez lutar como eles o fizeram, e como ele dominou e controlou generais mais velhos e mais experientes do que ele, você, então, terá aprendido alguma coisa.” Desde 1796, quando Bonaparte assumiu seu primeiro comando militar independente, até 1809, Napoleão exibiu um surpreendente halo de invencibilidade em batalha e uma igualmente espantosa capacidade de usar esse sucesso do campo de batalha para obrigar os seus inimigos a conceder-lhe seus objetivos políticos. Um deslumbrado Clausewitz tinha boa razão por chamar Napoleão de “Deus da guerra”. John Elting, Coronel do Exército dos EUA, perguntou por que, nesta época de armas nucleares e mísseis guiados, deveria o aluno de assuntos militares estar preocupado com as campanhas de Napoleão? Uma resposta simples seria: para o fundo histórico ou profissional. Mas há mais razões mais imperiosas. ... Gigantescas operações de enormes forças, tais como as que foram realizadas na Segunda Guerra Mundial, já não são viá-

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veis. A dispersão das forças e de suas instalações logísticas passou a ser essencial para se evitar acidentes terríveis e a destruição em massa. ... O sucesso total em operações militares terrestres será um dependente dos sucessos táticos das unidades básicas, individualmente agregadas, ainda que operem, virtualmente, independentes. Tais unidades básicas devem ter tamanho moderado, serem altamente móveis, compactas e poderosamente armadas, e, ainda, auto-sustentáveis e bravamente conduzidas — precisamente os atributos que caracterizaram uma típica força napoleônica. Napoleão foi um dos principais defensores da guerra móvel, do tipo que é necessária em uma época de possível guerra nuclear. Não importa se as armas nucleares sejam ou não usadas, mas a mera ameaça representada pela sua existência dita uma consequente reorganização das forças e modificação de suas táticas. Não há nenhuma garantia de que os conselhos de Napoleão sejam adotados literalmente; “é o princípio de que, quando os raios estão disponíveis, eles devem ser usados no lugar do canhão de guerra.”... A conduta da guerra é uma arte baseada em conceitos fundamentais eternos que permaneceram válidos, independentemente dos meios prevalecentes e dos métodos de combate. Além disso, embora as armas e as táticas tenham mudado continuamente, em sintonia com o progresso tecnológico, o elemento controlador básico da guerra — o homem — permaneceu relativamente constante... O imperador sugeria que, primeiro, deve-se procurar memorizar todos os detalhes das campanhas de grandes capitães de guerras passadas (Alexandre, Aníbal, Cesar, Gustavo, Turenne e Frederico, o Grande). Não há duas batalhas ou campanhas exatamente semelhantes. Muitos fatores flutuantes exercem suas influências: tempo e terreno, condições táticas, armas, meios de transporte, treinamento, moral e liderança. A natureza específica de todos esses fatores é pertinente em um estudo militar, mas o assunto de suma importância é a habilidade com que o líder exercita os meios disponíveis e explora a vitória, ou, inversamente, como através de inépcia, do julgamento pobre ou de outras deficiências e de oportunidades perdidas chega-se à derrota. “Ninguém deve imaginar que os chefes são iguais nos exércitos. Os generais ofensivos são raros entre nós; eu conheço muito poucos, e, no entanto, é apenas a estes ... que um destacamento pode ser confiado “ — Frederico, o Grande. CAPÍTULO 2 AS ESTRATÉGIAS DE NAPOLEÃO “ Existem na Europa muitos bons generais, mas eles vêem muitas coisas ao mesmo tempo.” — Napoleão Nos séculos XVI e XVII e, também, grande parte do XVIII, a conduta da guerra era bastante formal e estilizada. A guerra limitada por objetivos também limitados era a regra. A guerra era “o esporte dos reis”, cuidadosamente calculado e projetado para garantir ganhos relativamente modestos, e a custos mínimos. Os exércitos haviam adquirido trens logísticos longos e desajeitados. A arte das fortificações crescera a níveis notáveis, resultando na proliferação de lugares fortificados para a defesa e para a proteção das linhas de abastecimento vulneráveis, e na necessidade de arrastar as armas para a realização de cercos pesados. Os exércitos, no entanto, eram pouco hábeis, necessitando de longos anos de treinamento e de uma meticulosa e cara manutenção em proveito do seu desen-

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volvimento. Jogadas estratégicas eram incomuns. Os cercos haviam se tornado a norma. “Washington, Marlborough, Príncipe Eugene, e Frederico, o Grande da Prússia, todos sabiam realizar uma batalha quando fosse necessário. Mas mesmo estes comandantes, excepcionalmente capazes, fizeram pouco, relativa e raramente.” (Loraine Petre). “Ao nível da estratégia, Napoleão não tinha nenhum competidor de relevo contemporâneo. Para fazer uso máximo de uma mobilidade superior e dar motivação aos seus exércitos, ele desenvolveu dois sistemas principais estratégicos. Quando enfrentava um inimigo em superioridade numérica, a ‘estratégia da posição central’era empregada para dividir o inimigo em partes separadas, a fim de que cada uma delas pudesse ser eliminada, cada uma por vez, fazendo uso de uma manobra hábil, para que os franceses ganhassem uma superioridade numérica local em ações sucessivas, e sempre manobrando a reserva nos momentos e lugares críticos. ... Inversamente, quando o inimigo era numericamente inferior aos franceses, Napoleão, frequentemente, empregava uma ‘manobra de envolvimento’ - fixando a atenção do inimigo com um destacamento, enquanto o grosso do exército atacava as linhas hostis de comunicações para romper as ligações do inimigo com suas bases. ... Em determinadas ocasiões, Napoleão fundia as características destas duas estratégias clássicas.” (Chandler - “Dicionário das guerras napoleônicas”). Antes de cada campanha Napoleão considerava todas as opções (linhas de ação) possíveis. O Imperador escreveu: “não há nenhum homem mais pusilânime do que eu, quando estou a planejar uma campanha. Eu, propositadamente, exagero todos os perigos e todas as calamidades que as circunstâncias possam tornar possíveis. Fico em um estado completamente doloroso de agitação. Isso, no entanto, não me impede de olhar, muito sereno, em frente da minha comitiva; eu fico como uma garota solteira trabalhando com uma criança”. Nos meses e semanas anteriores às operações ele já dava início à coleta de informações. Além de ler um grande número e variedade de livros sobre o inimigo e o Teatro de Guerra, ele estudava copiosos volumes de relatórios de Inteligência encaminhados pelos agentes que ele tinha espalhado por toda a Europa. Ele, em paralelo, prosseguia no estudo da história política do país considerado, a situação das suas contas, o estado das estradas e pontes, os relatórios sobre os políticos e generais e, até mesmo, estudava os padrões locais de estocagem de alimentos e sua distribuição. Napoleão usava 5 princípios simples para guiar o desenvolvimento de seus planos operacionais projetados, para acelerar a realização da vitória: 1º) O principal objetivo é a destruição dos exércitos do inimigo (ou seu exército principal) que, uma vez atingido, torna todos os demais problemas de fácil resolução. Se o inimigo não quiser arriscar uma batalha, ele pode ser forçado a realizá-la, ameaçando a sua cidade capital. 2º) Todas as forças devem se concentrar na tarefa de alcançar o objetivo. 3º) As operações devem ser projetadas para surpreender e confundir o inimigo. Sempre, deverá ser buscada a iniciativa, para impor a sua vontade sobre o inimigo. 4º) Todo esforço deve ser desenvolvido para render um inimigo indefeso através da separação de suas linhas de abastecimento, comunicações e retirada. O movimento favorito deverá compreender o envolvimento de um dos flancos do exército do inimigo e ameaçar sua retaguarda e suas linhas de comunicações, forçando-o ou a retrair, apressadamente, ou voltar e lutar em desvantagem. 5º) A segurança das forças francesas tem de ser cuidadosamente vigiada para

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evitar a surpresa. As táticas do exército de Napoleão resultaram de um casamento forçado do Exército Real com a improvisação da Guerra Revolucionária. Em suas batalhas, assim como em suas campanhas, Napoleão dependia da velocidade, da massa e da manobra agressiva: normalmente ele atacava uma ala de um exército hostil, de preferência aquela mais perto de suas comunicações. Apenas em Austerlitz ele realmente foi obrigado a ficar na defensiva a fim de atrair seus inimigos para uma armadilha. Seu exército deslocava-se com seus diferentes corpos dentro de uma distância de reforço mutuo. Na vanguarda seguia uma cortina de provida pela cavalaria ligeira, com a missão de cobrir o avanço do exército e localizar e estabelecer o contato com o inimigo. Dragões ou lanceiros poderiam endurecer tal cortina. Depois que o contato com o nimigo fosse estabelecido, a guarda avançada aproveitava a posição mais favorável disponível, esforçando-se para fixar o inimigo e para formar um pivô de manobra para o exército na parte traseira. Enquanto a guarda avançada se desgastava, as unidades frescas entravam em ação nos flancos. Atrás da infantaria leve, a artilharia leve movia-se agressivamente para a frente e, então, a verdadeira luta começava. Nos deslocamentos do exército, Napoleão costumava dar preferência à chamada formação “bataillon carré” (batalhões em quadrados). Havia várias combinações desta formação. A cavalaria ligeira seguia à frente, identificava e localizava o inimgo e, então, reportava de volta para o Quartel-General (QG), para Napoleão ou seu Chefe-de-Estado-Maior as posições das tropas inimigas. Tão logo o Imperador as plotasse no mapa, ele ordenava que um ou ambos seus comandantes de ala engajassem a força inimiga mais próxima. A reserva era constituída da cavalaria pesada e de Guarda Imperial. Todas as tropas marchavam dentro de uma sistância de apoio mútuo. As alas consistiam de um ou dois Corpos de Exército (CEx) cada. Estratégias favoritas de Napoleão. - Estratégia da Aproximação Indireta; e - Estratégia da Posição Central. Antes de se prosseguir e abordar as duas estratégias preferidas de Napoleão, vale a apresentação de considerações a respeito das escola sobre asestratégias ditas “estratégias militares dominantes” Dos pensamentos de Clausewitz, que viveu alguns anos na Rússia imperial, onde teve uma cátedra de professor em ciência política e estratégia, Lenine extraiu o seu conceito de guerra permanente. Parafraseando Clausewitz, Lenine escreveu sua célebre frase de que “a política é a continuação da guerra por outros meios”. Como o próprio Clausewitz previra, no futuro haveria, além da estratégia militar, estratégias correspondentes aos campos de generalização do conflito bélico-político, econômico, social e outros. No pensamento militar moderno predominam três escolas principais sobre a estratégia: => estratégia de ação direta; => estratégia de ação indireta; e

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=> estratégia de dissuasão. Cada uma dessas escolas tem o seu pensador principal. Clausewitz é o preconizador da primeira, Liddell Hart, da segunda, e o general Beauffre, da terceira. Tendo em vista o objetivo deste trabalho, abordaremos, tão somente as estratégias de ação direta e de ação indireta. ESTRATEGIA DE AÇÃO DIRETA O principal mérito de Carl von Clausewitz, nos 40 anos em que serviu em vários exércitos e em várias guerras, de 1792 a 1831, foi o de participar e de meditar sobre as duas guerras que marcaram o “timing point” da estratégia militar - as guerras da Revolução Francesa, que finalizaram com o surgimento do império napoleónico e as guerras do império. Iniciando sua carreira no Exército prussiano, no regimento do príncipe Ferdinando, aos 12 anos, no posto de suboficial (gefreiter corporal), não conheceu, até morrer como general em 1831, outra profissão senão a militar. Em 1801, admitido na Escola Geral de Guerra, foi aluno, comandado e devotado admirador de Gerhard ]ohann Scharnhorst, o famoso reformador, chefe do Estado-Maior e organizador do Exército prussiano. Em 1811 Clausewitz pós seus serviços à disposição do império russo em luta contra a desastrada invasão napoleónica. Antes, havia servido no Exército austríaco. Quando na Escola Geral de Guerra, sob a orientação do general Schnarnhorst, Clausewitz familiarizou-se com as principais obras sobre estratégia militar de sua época; estudava-se, então, em particular, as teorias e as campanhas militares de Frederico II da Prússia e as chamadas guerras da Revolução, as que precederam e que sucederam a queda da monarquia francesa até a campanha napoleónica na Itália. Durante sua estada na Rússia, servindo no Exército do czar Alexandre, participou da luta contra a invasão das tropas napoleónicas (1811-1812). Regressando da Rússia, Clausewitz voltou ao Exército prussiano, servindo sob as ordens do general Blücher, quando participou das campanhas de 1813, 1814 e 1815. Com o Exército de Blücher participou da Batalha de Waterloo, quando Napoleão foi derrotado pelos exércitos inglês e prussiano. Após Waterloo, começou, para Clausewitz, a época da meditação. Colocou sua espada na bainha. Em 1818 foi nomeado diretor da Escola Geral de Guerra. No ano seguinte foi promovido a general. Permaneceu na direção dessa escola até sua morte, em 1831. Durante esse período de estudo e meditação, escreveu sua obra principal, Vom Kriege (Da guerra), que haveria de imortalizá-lo como pensador militar. Vom Kriege, lançado em 1832, um ano após sua morte, por sua viúva, Marie von Clausewitz, é, hoje, um dos principais clássicos da estratégia militar. Contemporaneamente, o maior analista de Clausewitz foi o recém-falecido sociólogo francês Raymond Aron. Compara Aron a projeção de Vom Kriege com a Guerra do Peloponeso, escrita por Tucídides. Dois temas principais tornaram Vom Kriege famosa. O tema político-filosófico que oferece uma nova interpretação do fenômeno da guerra. Há autores que tentam encontrar, em Maquiavel, a origem do pensamento político de Clausewitz sobre a guerra. Lembram esses autores que Maquiavel, em O príncipe, 300 anos antes, havia escrito invocando as mesmas críticas à guerra de então, que compuseram o pensamento político-militar do autor de Da guerra; Maquiavel criticava os exércitos mercenários, a mediocridade dos conhecimentos dos generais sobre o emprego de suas forças na batalha e a falta de espírito combatente das tropas.

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Todas estas críticas, antecipadas pela genialidade do autor de O príncipe, tornaram-se evidentes quando da criação de exércitos nacionais, resultado do conceito de “povo em armas”, oriundo da Revolução Francesa, mostrando à sociedade a obsolescência dos exércitos mercenários, cujos alto custo e interesse pecuniário eram responsáveis pelo seu pequeno efetivo, seu mau emprego e o pouco entusiasmo dos combatentes. Maquiavel criticava os exércitos mercenários, porém não tinha a visão dos exércitos nacionais, do povo em armas, que foi a substância do pensamento de Clausewitz. Em suma, o que Clausewitz captou com precisão na sua obra foi que o conceito de povo em armas deu nova alma aos exércitos, tornou seu recrutamento fácil e, em consequência, seus efetivos maiores; os combatentes lutavam pela pátria e não mais pelo rei e por um salário de mercenário. Esta nova força, o exército nacional, foi o instrumento que Napoleão Bonaparte soube manejar de maneira invencível, por um quarto de século. Alterou o conceito poiítico, moral e operacional da guerra. Clausewitz recolheu estas lições e as traduziu na obra Vom Kriege. O pensamento político de Clausewitz sobre a guerra pode ser resumido na sua célebre frase -”A guerra é a continuação da política por outros meios”. Nesta frase o autor de Vom Kriege conceitua a permanência da política e a transitoriedade da guerra, um meio utilizado pela política, “um ato de violência para obrigar nosso oponente a submeter-se à nossa vontade”. Estudando Clausewitz, o líder revolucionário soviético Lenine resolveu se utilizar da frase do escritor prussiano e dar-lhe uma nova versão revolucionária, dizendo: “A política é a continuação da guerra por outros meios”. Nessa inversão, Lenine retira da doutrina marxista o conceito filosófico sociológico da revolução permanente, da luta permanente e, por aproximação, da guerra permanente. Mas, passemos aos ensinamentos de Clausewitz no campo da estratégia militar. Procurou-se extrair das campanhas napoleônicas os princípios e a conduta estratégica. Alguns trechos de Vom Kriege, uma obra profunda, rica em descobrimentos interpretativos, sintetizam os grandes traços da estratégia militar do seu autor. Diz Clausewitz: A destruição da força militar do inimigo é o principal princípio de guerra e o caminho direto para atingir o objetivo da guerra. Esta destruição da força militar do inimigo deve ser executada, essencialmente, por meio da batalha. Somente grandes batalhas podem traduzir grandes resultados. Os resultados serão mais efetivos quando a decisão puder ser obtida através de uma única e grande batalha. Somente uma grande batalha comandada diretamente pelo general em chefe inspirará maior confiança no chefe e nos seus subordinados. Extrai-se, desses conceitos, que o princípio fundamental da estratégia militar de Clausewitz é a destruição da força militar do inimigo. A conduta estratégica ideal é a busca do centro de gravidade de suas forças e, numa só e única batalha decisiva, destruí-Ias. Diz o autor que o princípio de destruição pode ser procurado por outros meios, havendo, em circunstancias favoráveis, interesse em destruir forças secundárias do inimigo quando causem efeitos desproporcionalmente grandes para o êxito das operações, particularmente quando se trata de se travar uma batalha pela conquista de objetivos geográficos em posições-chave.

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Destaca o autor prussiano a importância da manobra, da capacidade de concentração rápida, das fintas de diversão sobre o inimigo para obter a surpresa e aplicar, com a maioria das forças, o golpe decisivo sobre o centro da gravidade do dispositivo inimigo. Em sua obra, diz o escritor militar prussiano: A destruição das forças militares do inimigo é, na realidade, o objetivo de todos os combates; mas outros objetivos devem ser considerados, e estes objetivos podem, algumas vezes, ser predominantes; devemos, deveras, levar em conta uma distinção entre aqueles objetivos em que a destruição das forças militares do inimigo é principal daqueles em que esta é uma aspiração futura. A destruição da força Inimiga, a conquista de uma posição ou a conquista de alguns objetivos podem ser o motivo principal para a batalha e, em alguns casos, pode-se considerar, apenas, a conquista de um desses objetivos, ou de vários juntos, a principal razão para a batalha. Na conceituação acima, Ciausewitz procura não perder de vista que, mesmo havendo necessidade de travar batalhas para a conquista de objetivos secundários, a mente do comandante em chefe não deve se afastar da meta de atacar o objetivo principal, o centro de gravidade do dispositivo inimigo, visando à destruição de suas forças. Antes da sua obra clássica, Vom Kriege, Clausewitz, aos 24 anos de idade, escreveu um livro de reconhecido valor profissional, “A estratégia de 1804”, testemunha de seu espírito maduro e seus já sólidos conhecimentos da arte militar. É interessante observar-se que, nessa obra, antecipa a discussão que haveria de inspirar toda a sua produção intelectual posterior: a da relação entre a politica e a guerra. Sem dúvida, dois estamentos do pensamento de Clausewitz trouxeram sua presença viva, ao pensamento político e estratégico da atualidade: sua concepção de batalha decisiva pela ação direta buscando a destruição das forças militares do inimigo e o seu conceito de que “a guerra é a política conduzida por meios violentos”. Sua concepção de ação direta, hoje com novas roupagens, revive plena na estratégia de guerra nuclear. Seu conceito colocando a política e a guerra num mesmo contexto, com o domínio da primeira sobre a segunda, que apaixonou o pensamento de Lenine, que nele buscou uma justificativa para a sua idéia de revolução permanente, irradiou-se pelas academias e institutos de todo o mundo. Na atualidade, em face da extensão e das projeções dramáticas da guerra nuclear, tornou-se fato inquestionável que o domínio da guerra deverá caber ao poder político. É interessante observar-se que esta predominância do político sobre o militar, na concepção e em particular durante os conflitos armados, foi questão polémica por ocasião da I Grande Guerra, caracterizada principalmente nos desentendimentos entre o presidente Clemenceau e o general Joffre. Atribui-se a Clemenceau a expressão “A guerra tornou-se assunto muito grave para ser tratado somente pelos militares”. O general Joffre teria respondido: “A guerra é assunto muito grave para ser dirigida por civis”. Assistimos aos desdobramentos dessa polémica, no momento mesmo das decisões, durante os conflitos militares da Coreia, entre o presidente Truman e o general MacArthur e durante a Guerra do Vietnã entre o presidente Nixon e o general Westmoreland. Na era nuclear que estamos vivendo, com a dimensão total da guerra envolvendo a nação ou as alianças como um todo, sacrificando igualmente frentes e retaguarda, não há mais dúvida de que a direção da guerra, as decisões mais altas, deve caber ao poder político. No tocante à guerra nuclear, seu maior teórico, o general Beauffre, considera que ”a estratégia levou aos extremos a forma de ação direta de Clausewilz”.

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Reitera sua tese sobre a importância da destruição das forças inimigas, colocando-a como principal objetivo da estratégia ofensiva ou defensiva. A fixação do espírito de Clausewitz no objetivo principal de destruir a força principal do inimigo pela batalha deu-lhe o título de patrono da tese conhecida por estratégia de ação direta, contra a qual se contrapõem os teóricos da tese da estratégia de ação indireta. Cabe, aqui, repetirmos o general Beauffre, quando diz: A dissuasão nuclear, paralisando o conflito bélico, deixa uma margem muito estreita para a ação estratégica: aquela que é aproveitada pela estratégia soviética sobre a comunidade mundial. A ação política e econômica, a atualização de movimentos revolucionários e mesmo conflitos locais procuram escapar à paralisia imposta pela dissuasão nuclear. ESTRATÉGIA DE AÇÀO INDIRETA Para o general Beauffre (“lntrodllction a ia stratégie”), a estratégia de ação indireta representa, hoje, uma diversão bélica que substitui a guerra total, tornada impraticável desde o aparecimento da arma nuclear. Diz o mesmo autor que “a estratégia de ação indireta é o complemento e, de certa forma, o antídoto da estratégia nuclear”. O coronel Guy Doly (Strategic France Europe) procura fazer uma distinção entre a estratégia de ação indireta e a chamada estratégia de aproximação indireta, tantas vezes referida por Liddell Hart. A primeira, de ação indireta, seria a antiquíssima estratégia do escritor militar chinês Sun Tzu, de busca da vitória puramente pela surpresa, pelas manobras diversionárias, visando à desagregação psicológica, evitando o choque, ou a batalha com as forças principais do inimigo. A segunda, de aproximação indireta, utiliza-se preponderantemente da manobra, da surpresa, da diversão, mas não exclui a ideia subjacente da busca da decisão pela batalha. Esses pensamentos de clássicos da estratégia militar nos levam a considerar que, em termos de objetivo militar, a principal diferença entre os conceitos de estratégia de ação direta de Clausewitz e de ação ou de aproximação indireta consiste em que a primeira busca a destruição e a segunda, a submissão das forças inimigas. Na estratégia de destruição predomina a batalha; na de submissão predomina a manobra. Estendendo-nos um pouco mais sobre a concepção da estratégia de ação indireta, que teve como primeiro teórico o chinês Sun Tzu e como seguidores contemporâneos Mao Tsé-tung e Giap, veremos que esta também se difere da teoria de aproximação indireta de Liddell Hart, particularmente pelas razões descritas a seguir: => Sun Tzu confia mais na desagregação moral do inimigo do que na sua desarticulação tática e estratégica por força de ações de surpresa, manobras diversionárias, envolvimento de flancos e retaguarda. Em consequência, a estratégia do escritor militar chinês não leva em conta o fator tempo; sua manobra é prolongada, â espera dos efeitos de desagregação psicológica e moral do adversário. => Liddell Hart não abandona, completamente, a idéia de Clausewitz de concluir a ação estratégica através de uma batalha. O que pretende, no fundo de sua concepção, é travar a batalha contra um inimigo enfraquecido. Inicialmente, vamos apresentar as ideias do pai da estratégia da ação indireta, o escritor militar chinês Sun Tzu, que viveu no século V a.c. Depois, voltaremos aos conceitos de LiddeIl Hart, que absorveu a essência das ideias do estrategista chinês e adaptou-a ao pensamento militar moderno. Os fundamentos da estratégia de ação indireta são encontrados no tratado “A arte

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da guerra”, de Sun Tzu, cuja primeira tradução conhecida no Ocidente data de 1772, feita pelo padre jesuíta francês Amiot, missionário em Pequim. A tradução da obra para o francês pelo padre Amiot despertou grande interesse na Europa. Até o fim do século XVIlI apareceram quatro traduções para o idioma russo e uma para o alemão. Em 1910 surgiu a tradução para o inglês de Leonel Giles. Há informações de que Napoleão Bonaparte, na sua juventude de tenente ou capitão, tenha lido a obra de Sun Tzu. O livro de Sun Tzu é uma obra de meditação e de conceitos muito ao estilo chinês. Começa o autor fazendo considerações sobre a guerra como assunto de importância vital para o Estado. Como tal, a guerra deve ser objeto de profunda análise e planejamento pelos dirigentes do Estado. Inaugurou, assim, Sun Tzu, há cerca de 2500 anos, a grande polêmica dos nossos dias: a guerra ê da responsabilidade maior dos estadistas ou dos generais? Nos seus escritos o autor chinês preocupa-se menos com técnicas e táticas operacionais para se concentrar num sistema normativo, estabelecendo regras gerais capazes de conduzir as guerras à vitória final. Ele considera o bom estrategista aquele que é capaz de derrotar o exército inimigo sem atacá-lo, de ocupar cidades inimigas sem destruir os seus bens, de ocupar seu território sem necessidade de choques sangrentos. Sun Tzu defende a tese de que a batalha deve ser vencida muito mais pela manobra do que pejo choque armado. Como vemos, este conceito é antípoda do clássico princípio de Clausewitz, que tanta influência teve no pensamento estratégico militar do Ocidente nos últimos 200 anos. O autor chinês afirma que a superioridade em efetivos somente não garante a vitória militar. Ressalta como fatores importantes: inteligência dos chefes, moral da tropa e as circunstâncias. Procura realçar que o general não deve confiar demasiado na superioridade física do poder militar. Sun Tzu não concebe a guerra em termos de carnificina e destruição; prefere a vitória preservando tudo intacto, o mais intacto possível, as forças inimigas e os bens do seu território. Este, diz, o verdadeiro objetivo da estratégia. Sun Tzu é o pioneiro da crença na importância da informação estratégica e no planejamento nela concebido. Afirma que o planejamento baseado no conhecimento profundo do inimigo contribui, decisivamente, para acelerar a decisão militar. Leva em alta consideração os efeitos da guerra sobre a economia da nação inimiga e faz sábias considerações sobre os efeitos morais danosos a que é submetida a nação levada a um conflito bélico prolongado. Essa deterioração moral favorece aquele que tem condições de resistir por mais tempo. Referindo-se às qualidades de um bom general, o escritor chinês enumera: inteireza moral, controle emocional e competência profissional, além de capacidade de organização, agilidade manobreira, controle dos subordinados, conhecimento do terreno e aptidão para avaliar as circunstâncias provocadas pelos fenômenos naturais. Para Sun Tzu o Exército é o instrumento destinado a desferir o golpe sobre o inimigo previamente enfraquecido. Antes das hostilidades militares devem agir os agentes secretos destinados a aprofundar os divisionismos ou rivalidades que sempre semeiam as forças inimigas e a realizar vários tipos de atividades clandestinas. Entre as missões desses agentes infiltrados o general chinês arrola: boatos falsos, informações desorientadoras, campanha de desmoralização contra chefes e oficiais inimigos acusando-os de corrupção; enfim, todas as artimanhas destinadas a exacerbar a discórdia e a desconfiança nas fileiras inimigas e desmoralizar suas forças perante sua população. Obra-prima da literatura militar, a Arte da Guerra exerceu, no curso de 2S séculos,

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profunda e enorme influência no pensamento militar da China e do Japão. Contemporaneamente, através do seu maior discípulo e divulgador, Mao Tsé-tung, as ideias de Sun Tzu vêm tornaram-se cada vez mais conhecidas no Ocidente. Como vimos, os russos, pela via de suas províncias mongólicas e tártaras, vinham recebendo, há vários séculos, a influência do pensamento estratégico chinês; após a revolução bolchevista e a aproximação ideológica da extita União Soviética e da China, as idéias de Sun Tzu, misturadas com o tempero marxista-leninista de Mao Tsé-tung, passaram a ter grande influência no processo da revolução mundial comunista. Para fins de aplicação na subversão comunista, que deve preceder a conquista do poder, os soviéticos prepararam um manual de práticas revolucionárias que dominou a estratégia de subversão, na África ou na América Central, conhecida como “a linha de Yenan”. Após este resumido histórico sobre o estrategista maior da ação indireta, vamos reproduzir aqui algumas de suas concepções mais conhecidas, mas nem sempre corretamente citadas. Somente quando todos os recursos de pressão moral e psicológica estiverem esgotados, e o inimigo ainda possa apresentar resistência militar, deve ser usado o recurso de buscar a decisão pelas armas. Neste caso deve ser procurada a decisão => no mais curto prazo; => com o menor custo de vidas e de material; e => infligindo ao inimigo o menor número de perdas. Geralmente, na guerra, a melhor política é conquistar o país inimigo intacto; destruí-lo é pior. Capturar o Exército inimigo é melhor do que destruí-lo. Obter uma centena de vitórias através de uma centena de batalhas não representa a melhor estratégia; vencer o inimigo sem a necessidade de combater significa a melhor estratégia. A administração de grandes efetivos e materiais pode se tornar tão fácil como a administração de pequenos efetivos e materiais; é uma questão de organização. Geralmente, quem escolhe o campo da batalha leva vantagens; quem chega depois ao campo de batalha e entra em combate leva desvantagens. Por isto, os generais atilados conduzem o inimigo ao campo de batalha que escolheram e rejeitam os escolhidos pelo inimigo. Não será oferecendo algumas vantagens ao inimigo que o faremos atuar de acordo com a nossa vontade, mas, sim, fustigando-o incessantemente. Há estradas que não devem ser utilizadas, tropas que não devem ser atacadas, cidades que não devem ser assaltadas e regiões que não devem ser disputadas. Não há nada mais difícil do que a arte da manobra. O mais difícil na manobra é fazer da direção enganosa a mais direta e transformar esta desvantagem em vantagem. Assim, marche por uma direção indireta, iludindo-o com estratagemas em outras direções. É preciso saber fazer o jogo da aproximação direta e da indireta. Quando transpuser um rio deve imediatamente ocupar posições a distância do mesmo. O terreno deve ser classificado de acordo com a sua natureza e seu aproveitamento operacional como acessível, favorável a infiltrações, neutro, fechado, acidentado e distante. Quando a tropa debanda, insubordina-se, fracassa, entra em colap¬so, em desordem ou foge, a culpa é do general. Nenhum desses desastres pode ser atribuído a causas naturais. Quando as tropas são valorosas e os oficiais fracos, o resultado é a insubordinação: quando os oficiais são valentes e as tropas fracas, o resultado é o fracasso. Basil Henry Liddell Hart serviu no Exército britânico durante a I Grande Guerra e

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passou para a reserva em 1927. Notabilizou-se como escritor militar no período de 1919 a 1939, chamado período de entre-guerras, analisando a estratégia militar empregada pelos dois adversários em face do advento de novos instrumentos de guerra, como o carro de combate, o avião e o submarino. Foi correspondente militar dos jornais ingleses London Daily Telegraph e London Times, tendo acompanhado os conflitos militares locais na Abissínia e a Guerra da Espanha. Difundiu, nas Forças Armadas inglesas, seus estudos sobre a evolução da tática e da estratégia. Foi um entusiasta da mecanização e do poder aéreo. Entre as inúmeras obras que publicou destacam-se “A infantaria” (1933), “A defesa dinâmica” (1940), “A estratégia de aproximaçâo indireta” (1941), “A defesa do Ocidente” (1950) e “O exército soviético” (1955). De Liddell Hart disse o general Patton: “Seus livros alimentaram-me durante 20 anos”. Há sempre um sentido psicológico mais profundo nas razões que levam um autor a orientar-se para determinado tema. No caso de Clausewitz foi a observação das vitórias militares sucessivas de Napoleão durante um quarto de século. O caso de Liddell Hart foi o seu inconformismo diante da carnificina militarmente inútil de quatro anos em que se transformou a I Guerra Mundial, na frente ocidental. Analisando os recursos táticos, os instrumentos de guerra colocados pela tecnologia nas mãos dos chefes militares do conflito bélico de 1914 - 1918, Liddell Hart chegou à conclusão de que eles não souberam tirar todo o proveito das novas armas - o carro blindado, o avião, o submarino, que, embora em fase experimental, poderiam ter influído mais particularmente no campo de batalha terrestre, para a imposição de uma tática de movimento, de manobra, que rompesse o impasse estratégico. Insiste Liddell Hart, nas suas análises, particularmente na inépcia de uma guerra estática e de um espaço estabilizado durante quatro anos, resultando no massacre de milhões de homens sem nenhuma perspectiva estratégica de vitória a não ser pelo esgotamento. Liddell Hart, acompanhando a evolução da técnica que se operou no período de entre guerras, de 1919 a 1939, quando os novos engenhos -os carros blindados, o transporte motorizado, os aviões, os submarinos, as telecomunicações e os sistemas de direção de tiro terrestres, navais e aéreos alcançaram enorme progresso técnico, passou a admitir uma profunda alteração nas concepções estratégicas filiadas à escola clausewitziana. Os pianos de operações estratégicas concebidos por Liddeli Hart justificam sua concepção estratégica de aproximação indireta, que não deve ser confundida com a estratégia de ação indireta de Sun Tzu e seus seguidores, fundada, essencialmente, na técnica de agressão psicológica. Para o pensador e estrategista inglês, “o objetivo da estratégia é conduzir a batalha nas condições mais vantajosas e estas condições mais vantajosas serão as que diminuem a necessidade de combater”. “A estratégia perfeita será aquela que obtenha a decisão pelo desequilíbrio das forças inimigas, que alcance sua rendição sem combate.” Quando se reporta à estratégia perfeita, sabemos que Liddell Hart refere-se ao ideal; o real, que ele visualiza, é a decisão militar alcançada com um mínimo de combate e um máximo de manobra. Considera que os recursos técnicos modernos permitem imprimir às operações um sentido de movimento que fará destacar no chefe militar a sua capacidade manobreira. Os modelos de chefe militar da II Guerra Mundial, por sua capacidade manobreira, são Guderian e Patton. Após a II Guerra, Liddeli Hart reviu sua concepção e se firmou, com enorme convicção, na defesa dos princípios da estratégia de aproximação indireta. O

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aparecimento da arma nuclear dotada de um poder destrutivo inimaginável tornou inconcebível a estratégia de ação direta no quadro de uma guerra total. Será a hecatombe final. A estratégia de aproximação indireta, no quadro da atualidade bélica, permite a alimentação dos conflitos armados pelo enfraquecimento progressivo do inimigo, por meio de ações de surpresa, manobras diversionárias, bloqueios marítimos, movimentos envolventes pelos flancos e pela retaguarda, num contexto de permanente movimento. O objetivo principal, segundo Llddell Hart, é o desequilíbrio do sistema de forças, levando, em consequência, ao enfraquecimento do moral do inimigo. Por outro lado, esta concepção estratégica torna a guerra mais econômica em termos de recursos materiais e humanos. A diferença fundamental entre a estratégia de aproximação indireta de Liddell Hart e a de ação indireta de Sun Tzu é, como já referimos, que o autor inglês guarda na sua concepção a ideia da batalha, do golpe fundo sobre o inimigo já enfraquecido pela manobra. Passemos a palavra ao próprio escritor militar inglês para que ele interprete o seu pensamento: “A aproximação indireta deve permitir conquistar o objetivo logo em seguida ao desequilíbrio do sistema de forças do inimigo, seja por ter ficado ele enfraquecido por esse desequilíbrio, seja por se terem criado as condições para se lhe aplicar o golpe decisivo”. Considera Liddell Hart que o desequilíbrio do sistema de forças do inimigo produz tamanho impacto moral sobre seus comandos e suas forças que sua capacidade combativa se torna ineficaz. Ainda no quadro da ação indireta está a guerra revolucionaria, que mereces umcapitulo especial. Mas voltemos à estratégias e táticas de Napoleão Bonaparte: => A Estratégia da Aproximação Indireta era conhecida como a “estratégia da superioridade de Napoleão” e usada quando ele tinha muitas tropas e espaço de manobra. Era mais sofisticada e mais perigosa do que a Estratégia da Posição Central. Essencialmente, ela implicava na realização de um amplo movimento de rotação diante do inimigo. Um dos seus dois Corpos de Exército deveria ser destacado para fixar a atenção do inimigo à sua frente. Enquanto isso, Napoleão levaria a maior parte de seu exército em uma marcha rápida e ampla em torno de um dos flancos estratégicos do inimigo, protegida por uma linha grossa de cavalaria (screen = tela), servindo-se de alguma característica geográfica substancial existente no terreno (rio, lago, desfiladeiro), fornecedora de uma “cortina da manobra”. Quando ele avançasse em direção a retaguarda do inimigo, ele confiaria em um ou dois Corpos, com alguma cavalaria lançados à frente, para evitar que reforços inimigos chegassem e, então, cairia sobre o inimigo pela retaguarda, cortando suas linhas de comunicação e de retirada. Foi esta estratégia que lhe trouxe as vitórias esmagadoras de Ulm em 1805, de Jena em 1806 e de Friedland em 1807. Mas havia um grande risco nesta estratégia. Somente uma execução rápida, o uso agressivo das forças de fixação e a cavalaria poderiam fazê-la funcionar. Se o inimigo intuísse o que estava em andamento - como em 1807, quando os russos interceptaram uma ordem revelando as Intenções de Napoleão antes de Eylau - ele poderia escapar, ou até mesmo atacar as colunas de marcha relativamente vulneráveis e separadas. Ainda que já abordada a estratégia da aproximação indireta, valem, a título de refor-

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ço, mesmo que por vezes em repetição, as seguintes considerações: A Estratégia da Aproximação Indireta foi documentada e sistematizada por B. H. Liddell Hart após a Primeira Guerra Mundial, numa tentativa de encontrar uma solução para o problema das alta baixas havidas nas zonas de conflito tais como na Frente Ocidental em que ele serviu. Em resumo, a estratégia exige que os exércitos avancem ao longo da linha de menor resistência. É melhor descrita nas citações abaixo, extraídas da obra referente à sua teoria , e do entendimento de outros estudiosos da arte da guerra. Numa guerra, uma reta nem sempre é o melhor caminho entre dois pontos. Na estratégia conhecida como da Aproximação Indireta, o objetivo é surpreender o inimigo e diminuir, consideravelmente, os danos humanos e materiais em relação a um embate frontal. Um exemplo emblemático é a invasão da França pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Em vez de transpor a enorme fortificação da Linha Maginot, os alemães circundaram-na, entrando na França pela Floresta das Ardenas, na fronteira com o sul da Bélgica. Mas essa idéia 3 de evitar a queda-de-braço e “dar a volta” surgiu na Antiguidade, sendo utilizada em diversos momentos ao longo da história, inclusive por Napoleão Bonaparte. Existem dois princípios básicos que fundamentam a abordagem indireta:. 1º) Os ataques diretos sobre firmes posições defensivas quase nunca funcionam e nunca devem ser tentados.; e 2º) Para derrotar o inimigo, deve-se, primeiro, perturbar o seu equilíbrio. Isto não pode ser o efeito do ataque principal; ele deve ocorrer antes que o ataque principal seja niciado”. Enquanto, originalmente, essa teoria tenha sido desenvolvida para a infantaria, mais tarde, J. F. C. Fuller também a aplicou com os carros de combate. A partir daí, a abordagem indireta tornar-se-ia um fator importante no desenvolvimento da “blitzkrieg”. Muitas vezes incompreendida, a abordagem indireta não é um tratado contra a realização de batalhas diretas; ela era ainda baseada no ideal Clausewitziano do combate direto e da destruição de uma força inimiga pelas armas. Era, na realidade, uma tentativa de criar uma doutrina para a remobilização da guerra, após a custosa Guerra de Atrição decorrente do impasse estratégico da Primeira Guerra Mundial. Segundo o livro de Liddel Hart, “The Strategy of Indirect Approach”, “abordar o inimigo em seus pontos fortes esgota o atacante, ao mesmo tempo em que endurece a resistência do adversário por compressão”. E, no processo, provoca mortes em massa. A mais profunda verdade da guerra é que a opção pela batalha se dá nas mentes dos comandantes e não considera os corpos de seus homens.” Por sua vez, quando bem aplicada, a aproximação indireta primeiro fragiliza o inimigo, por meio de uma lacuna pontual de proteção, para dominá-lo em seguida. Ainda na Antiguidade Clássica, o engenhoso general cartaginês Aníbal Barca foi o precursor da aproximação indireta em dois episódios contra os romanos: a Batalha do Lago Trasimeno, em 217 a.C., e a de Canas, em 216 a.C. Na primeira, Aníbal optou por um caminho impensável para adentrar a Toscana: uma travessia pelos pântanos do rio Arno. Foram três dias e três noites consecutivos de marcha pela lama, em que o general teria perdido boa parte dos animais de carga – e também, embora a informação não seja 3 Pense na guerra como uma disputa de luta livre. “Você evita socar diretamente o queixo do adversário, sempre protegido, e acerta-o primeiro no joelho”, compara o historiador Voltaire Schilling, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Com o desequilíbrio obtido, fica mais fácil derrubar o inimigo.”

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segura, a visão de um olho. Mas, quando os romanos e aliados se deram conta da emboscada e retornaram, tiveram de enfrentar um invasor que já contava com as vantagens de quem “joga em casa”. Aníbal encurralou as tropas inimigas entre as colinas e o lago. Resultado: 15 mil romanos e aliados mortos contra 1,5 mil cartagineses, um décimo do prejuízo humano e militar do adversário. A batalha seguinte foi bem mais simples para os cartagineses. Em Canas, um modesto povoado localizado às margens do Rio Áufido (atualmente Ofanto, no sul da Itália), o general Aníbal organizou seu exército de modo a deixar as laterais mais fortes que o centro, especialmente a esquerda. Os romanos e aliados, por sua vez, estavam alinhados de forma homogênea. Assim, os cartagineses transgrediram a lógica militar predominante na época e avançaram pelos flancos, contornando o inimigo num círculo que se revelaria mortal. Dando-se um salto no tempo chegamos a outro exemplo memorável do movimento indireto. Data de 1805, com Napoleão Bonaparte como protagonista. O imperador francês, considerado um dos mais brilhantes estrategistas de todos os tempos, também incluiu”manobras de desvio” em suas diabólicas – e, por vezes, irreverentes – táticas de guerra. Um episódio curioso foi o que culminou na Batalha dos Três Imperadores (da França, Rússia e Áustria), em Austerlitz,(atual Slavkov, na República Tcheca). Tudo começou com uma dissimulação de fraqueza. Primeiro, Napoleão, voluntariamente, enfraqueceu o próprio flanco direito. Em seguida, fez uma solicitação ao Estado-Maior austro-russo para que lhe enviasse um representante com uma proposta de acordo, que Napoleão recusou numa bem-ensaiada performance teatral de desespero furioso. O emissário caiu direitinho no engodo e retornou para a Rússia ávido por tranquilizar os chefes, com a notícia do suposto desequilíbrio do líder adversário. Em sequência, veio a aproximação indireta: Napoleão ordenou uma ocupação-relâmpago da colina de Pratzen, para confundir o inimigo. Enquanto o adversário enviava grosso de sua tropa rumo ao flanco direito francês, Napoleão atacou o centro enfraquecido do adversário, dividindo o exército austro-russo em dois. Resultado final: os franceses perderam 1,3 mil soldados – contra 16 mil homens adversários. Mais um salto histórico e chegamos, enfim, à Linha Maginot, na Segunda Guerra Mundial. A fortificação deve seu nome a um combatente mutilado na Primeira Guerra Mundial, o engenheiro francês André Maginot, que projetou a longa linha de casamatas no final dos anos vinte. O objetivo era impedir um ataque-surpresa alemão contra a fronteira leste da França. O complexo foi construído entre 1930 e 1936 e incluía vias subterrâneas, postos de observação com abóbadas blindadas e paióis com munições, também abaixo da terra. Na época, a linha foi considerada o maior empreendimento tecnológico-militar da história. O efeito negativo desse poderoso escudo megalomaníaco foi criar uma falsa sensação de segurança, na análise de Voltaire Schilling. A questão é que a Floresta das Ardenas, onde havia uma lacuna na linha, podia ser considerada uma proteção natural. E, de fato, era. Mas era, também, mais fácil de transpor do que a linha fortificada que partia da Suíça até a fronteira com Luxemburgo. Os franceses não eram pretensiosos a ponto de acreditar que a fortificação deteria os alemães de vez. Mas eles estavam certos de que a barreira lhes garantiria o tempo necessário para reagir. Esse foi talvez o episódio mais vexatório da história militar francesa. Hoje, o termo “Linha Maginot” é usado na França como metáfora para algo em que

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se confia apesar de sua ineficiência. Mas, numa outra perspectiva, é preciso admitir que ela cumpriu seu papel: tanto protegeu a fronteira leste francesa, que forçou o agressor a contorná-la. Concluindo, a contrario sensu, há de se compreender, ainda, a opção pela aproximação direta (ou ataque direto). Em vez aproximação indireta, a Primeira Guerra Mundial foi marcada por embates sangrentos decorrentes da aplicação da estratégia da aproximação direta. Na Batalha de Somme, a mais terrível daquele conflito, tropas inglesas e francesas atacaram um ponto forte da linha defensiva alemã. Em apenas 24 horas, as baixas foram de quase 60 mil soldados aliados, incluindo cerca de 21 mil mortos. Em 20 dias, os atacantes não avançaram mais do que 8 quilômetros. Ao longo de oito meses de massacre mútuo, morreram mais de 1 milhão de homens: 420 mil alemães e 615 mil britânicos e franceses. Os americanos também têm tradição no ataque direto. Entre 1861 e 1865, na Guerra Civil americana, também conhecida como Guerra da Secessão, morreram 970 mil pessoas (620 mil soldados e 350 mil civis), o que correspondia na época a 3% da população. Nas últimas campanhas americanas, da Guerra do Golfo para cá, os Estados Unidos têm optado pelo bombardeio aéreo maciço contra seus alvos, na estratégia do “choque e pavor”. É que, nestes caos, os inimigos eram, sempre, tecnologicamente muito mais fracos. => A Estratégia da Posição Central , por seu turno, é conhecida como a “estratégia da inferioridade de Napoleão”, usada em situações quando seus exércitos eram mais fracos que os do inimigo, que deveriam ser dispersados em duas concentrações, amplamente separadas, tais como durante as fases da abertura da campanha de 1809 na Áustria, e em 1815 na Bélgica e, anda, com notável brilhantismo em 1814, que culminou com as vitórias tríplices de Champaubert, Montmirail e Vauchamps. Esta estratégia necessitava de uma ousada liderança, de um sincronismo cuidadoso e de um movimento agressivo e, por isso, seria necessário que o exército ficasse entre as concentrações do inimigo, impedindo-as de se unir. Em razão do exército deslocar-se, rapidamente, em posição central, Napoleão poderia concentrar o grosso de suas forças contra o contingente inimigo mais ameaçador e procurar uma batalha decisiva, enquanto um dos seus dois Corpos empenhava-se em fixar o outro contingente inimigo, o maior tempo possível. Mas as coisas poderiam dar erradas, obviamente. O inimigo poderia intuir as intenções de Napoleão e retirar-se, como ocorreu em abril de 1809 na guerra com a Áustria, ou realizar a perseguição após batalha ser mal resolvida (por exemplo, após a batalha de Ligny 1815), que permitiu que um contingente derrotado marchasse em apoio a seus companheiros, como ocorrido em 1815. De acordo com Loraine Petre, Napoleão quase sempre usava, alternadamente, as duas estratégias. Em 1805, por exemplo, ele usou a aproximação (abordagem) indireta para se colocar na posição central entre os exércitos austríacos e russos. Em 1806, fê-lo outra vez. Em 1813, ele se aproveitou de sua posição central na Alemanha para realizar uma série de abordagens indiretas, apesar de suas vitórias em Lutzen e Bautzen não terem sido tão decisivas como ele esperava. Para ser verdadeiramente decisiva, uma vitória teria que resultar não apenas na derrota do inimigo, mas também na sua perseguição, até que se atingisse a destruição total. Este objetivo era o desejável, mas raramente era alcançado, operacionalmente. Na Itália, em março e abril de 1797, ele conseguiu perseguir os austríacos durante quase todo o caminho de volta a Viena e, em 1806, nos 23 dias após sua vitória em Jena, o exército francês destruiu totalmente a resistência da Prússia. Passaram-se mais algumas semanas

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e os franceses foram bater às portas de Varsóvia! As oportunidades para uma perseguição tão estupenda ocorrem raramente. Para que o inimigo seja perseguido, com um mínimo de danos para o próprio exército, não se poderia perder nenhum tempo no desembocar da perseguição, sob o risco de o inimigo apresentar um avanço renovado. A estratégia aliada nas guerras longas empalidecia em face de Napoleão. A maior parte de seus adversários eram capazes, mas não espetaculares. Wellington da Grã-Bretanha e Charles, Arquiduque da Áustria, foram as exceções. A melhor estratégia que a maioria dos inimigos de Napoleão poderiam empregar seria a de concentrar exércitos em sua direção. Com efeito, em razão da quantidade sem fim de poder de combate (em homens), esta estratégia de avanço concêntrico - avançando exércitos de todas as direções - foi a que, em última análise, levou Napoleão à derrota em 1813 e 1814. Seus inimigos cresceram cautelosos. Quanto mais vezes Napoleão os derrotava, mais eles aprendiam como evitar estas derrotas. Os aliados tinham confiança no avanço concêntrico; Napoleão poderia vencer algumas batalhas, mas ele não poderia ser onipresente e, certamente, eles ganhariam a última batalha. “Napoleão tinha inventado uma estratégia, chamada da Posição Central. Ela foi idealizada para colocar o exército francês numa posição tal, que ele poderia derrotar os destacamentos do inimigo, um de cada vez. Napoleão poderia usar uma mera parte de sua força para fixar e ocupar a atenção de um inimigo e, em seguida, deslocar, rapidamente, as forças restantes, para obter uma superioridade numérica local contra o oponente. Esta brilhante estratégia trouxe fantásticas vitórias contra inimigos mais fortes”. (Chandler - “Waterloo...” p 76). De acordo com Chandler só uma mente de computador como a de Napoleão aliada a um exército marchando rápido seriam adequados para aceitar o desafio da estratégia convergente oferecida pelo inimgo. A seguir, é apresentada uma sequência de imagens que procura melhor esclareecer a Estratégia da Posição Central, ou da inferioridade de Napoleão.

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A campanha de Ulm - Austerlitz 1805 Em 1805, Grã-Bretanha, Áustria, Suécia e Rússia formaram a Terceira Coalizão para derrubar os franceses. Quando a Baviera ficou ao lado da França, os austríacos, fortes com 80.000 homens sob o comando do General Mack, prematuramente a invadiram, enquanto os russos sob o comando de Kutuzov ainda estavam marchando através da Polônia. A força da Baviera, com 21.500 homens, sob o comando do General Deroi, escapou por pouco. A decisão de Napoleão em lançar o seu exército sobre o inimigo, foi tomada de uma só vez. Para tanto, ele executou a manobra com exatidão e com uma rapidez incomparável e, em pouco tempo, Napoleão tinha 180.000 homens enfrentando os austríacos. Em 7 de outubro, o comandante austríaco, General Mack, deduziu que Napoleão planejava marchar ao redor do seu flanco direito, com também ameaçar as suas linhas de suprimento interpondo-se, ainda, Às tropas do exército russo sob o comado de Kutuzov. A cavalaria napoleônica sob o comando de Murat conduziu o reconhecimento, elaborou pesquisas detalhadas dos caminhos e protegeu o avanço do exército. A “cortina” da cavalaria também fez demonstrações através das montanhas da Floresta Negra. Entretanto as principais forças francesas invadiram a região alemã e, então, giraram em direção ao sudeste, um movimento que deveria isolar Mack e interromper as linhas de suprimentos austríacas. O comandante austríaco, então, mudou sua frente, colocando a sua ala esquerda apoiada na localidade de Ulm e sua direita no rio Reno, mas os franceses prosseguiram e atravessaram o rio Danúbio em Neuburg. No dia 20 de outubro o infeliz general austríaco Mack , cercado em Ulm pelos franceses, capitulou com 30.000 homens, tudo o que restava dos 80.000 a 90.000 soldados

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que estiveram sob suas ordens, quando ele tinha invadido a Baviera algumas semanas antes. Alguns dias mais tarde, as tropas austríacas na Itália sob o comando do arquiduque Charles, foram obrigadas a recuar, na esperança de prover cobertura a Viena, agora ameaçada pelo avanço de Napoleão. As negociações para um armistício falharam e Napoleão entrou em Viena e, no aniversário de sua coroação, infligiu uma derrota decisiva aos austríacos e russos, em Austerlitz. A Áustria, então, concordou com os termos do Tratado de Pressburg. Mediante uma marcha fervorosa, Napoleão realizou uma grande manobra de roda que capturou o exército inimigo. A campanha é geralmente considerada como uma obra-prima ao nível estratégico.

A campanha de Jena, 1806 O planejamento de Napoleão para esta campanha foi simples e bonito. Para entender uma campanha perfeita, basta olhar a de Napoleão, em 1806, contra a Prússia. O exército francês, “afiado como uma fina lâmina”, realizara uma campanha anterior, brilhantemente conduzida na Baviera e na Áustria, e que garantiu a total aniquilação do exército prussiano, em precisamente um mês - de 6 de outubro a 6 de novembro. Foi uma notável demonstração do que o sistema militar francês poderia realizar sob a orientação de Napoleão. A Prússia ficou quebrada e desmembrada pela guerra; seu exército foi destruído, e ela não tinha mais dinheiro, e perdeu metade das suas possessões.

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De particular interesse nesta campanha foi o emprego por Napoleão do “bataillon carré” (batalhão em formação de quadrado), avançando por trás de uma cortina impenetrável da cavalaria, para executar uma manobra quase que perfeita “sur les derriès” (sobre a retaguarda), a fim de trazer o inimigo à batalha sob circunstâncias particularmente favoráveis ao comandante francês.

“Bataillon carée” A cavalaria ligeira seguia à frente, buscando e localizando o inimigo para, em seguida, relatar a situação do inimigo, quando de volta ao QG (de Napoleão e de seu Chefe-de-Estado-Maior). Assim que o Imperador os plotava em um mapa, ele ordenava a um ou a ambos os seus comandantes de ala para envolver a força inimiga mais próxima. A reserva foi constituída da cavalaria pesada e da Guarda Imperial. Todas as tropas marcharam na distância de apoio mútuo. As alas consistiam de um ou dois Corpos de Exército cada. (Embora o exército francês variasse em tamanho, todos compartilhavam uma coisa: cada um deles era uma força equilibrada, contendo infantaria, cavalaria, artilharia, engenharia e Estado-Maior. Eram, na verdade, um exército em miniatura, auto-suficientes e capazes de enfrentar um inimigo muito mais forte, ainda que por um tempo limitado). O plano de Napoleão desta campanha foi lindo. O apoiar-se no rio Reno e no alto Danúbio e, simplesmente, avançar na direção norte - leste sobre Berlim, talvez, tivesse sido mais fácil para Napoleão, mas não constituiria nenhuma vantagem estratégica; para ele encontrar e derrotar os prussianos em uma linha leste-oeste, ele simplesmente teria que dirigi-los para trás sobre seus apoios e, em seguida, avançar sobre os russos, cuja chegada, vindos da Polônia já era esperada. Contornar as montanhas da Floresta da Turíngia através de um avanço de sua direita, seria um movimento menos seguro, mas oferecia grandes vantagens. Em primeiro lugar, com tal manobra, Napoleão ameaçaria as linhas de abastecimento prussianas, e cortaria suas linhas de retirada e de comunicações com Berlim. Em segundo lugar, Napoleão separaria os prussianos do avanço do forte exército russo. O perigo desta manobra era que os prussianos poderiam conseguir, por um rápido avanço através das montanhas de floresta da Turíngia, atacar a sua linha de comunicação, cortando suas ligações com a França! Nos últimos dias de setembro, o exército prussiano foi espalhado ao longo de uma frente de 190 milhas. Os saxões ainda não tinham concluído o seu recompletamento. Dentro de alguns dias os prussianos encurtariam a sua frente para 85 milhas em uma linha reta. Ao mesmo tempo, Napoleão já tinha reunido um enorme exército, em uma frente de 38 milhas. Guardas avançadas foram enviadas na direção da floresta da Turíngia. Os prussianos também haviam destacado um pequeno Corpo da força do Ruchel contra

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as linhas de abastecimento de Napoleão e, ao fazer isso, eles enfraqueceram o próprio exército principal. Intensos combates começaram quando os elementos da força principal de Napoleão encontraram as tropas prussianas perto de Jena. A batalha de Jena custou a Napoleão aproximadamente 5.000 homens, mas os prussianos sofreram cerca de 25.000 baixas. Em Auerstadt, o Marechal Davout também esmagou o inimigo. Napoleão, inicialmente, não acreditou que o Corpo único de Davout tivesse derrotado o corpo principal prussiano, sem ajuda, e respondeu ao primeiro relatório dizendo “Diga a seu marechal que ele está vendo cosas dobradas”. Quando o assunto foi esclarecido, no entanto, o imperador foi incansável em louvar seu oficial.

Rapidez de movimentos e Concentração de tropas. Quando em desvantagem , Napoleão conseguia, por meio de manobras rápidas, lançar o grosso de seu exército contra uma parte selecionada da formação inimiga, ficando mais forte no ponto decisivo da batalha. “Nos séculos XVII e XVIII os militares tinham evoluído o seu sistema de abastecimento, que era baseado no acúmulo de suprimentos em depósitos e fortificações, e que eram aumentados, seguidamente, pelas compras feitas aos contratantes civis que seguíam na esteira de cada exército. Esses sistemas de abastecimento eram rudimentares e, mesmo na melhor das hipóteses, não seria exequível que qualquer exército se sustentasse, em quaisquer distâncias, com os meios que carregava. Essa restrição levou

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a um sistema de operações militares que deviam ser cuidadosamente planejadas, com muito tempo de antecedência e apoiadas no acúmulo de material militar, durante meses, antes do real início da campanha. Uma vez começada a guerra, ela seria fortemente influenciada por considerações relativas ao abastecimento. Não havia nenhuma manobra relâmpago; as tropas marchavam por centenas de milhas, como foi visto na campanha de 1805. As guerras desse período eram como as corridas de tartarugas e, frequentemente, penetravam profundamente no território do país envolvido na ação. Estas guerras eram principalmente “guerras de manobra”, onde um exército tentava se estabelecer no território do inimigo em uma posição forte. ... Estas guerras, frequentemente, resultavam em uma contínua discussão, por causa das províncias fronteiriças que trocavam de mãos a cada poucos anos. Quando eclodiu a Revolução Francesa, o estabelecimento militar francês encontrava-se passando por uma grande revolução em si mesma. A administração logística e seu sistema de abastecimento deteriorava-se rapidamente, provando-se incapazes de prover o apoio logístico exigido pelos exércitos franceses, recentemente organizados. Como resultado, as tropas dos exércitos franceses estavam, frequentemente, à beira da inanição. ... Por necessidade, viram-se forçados a cuidar de si mesmas, já que seu governo tinha se mostrado incapaz de prover para eles. O que inicialmente começou com uma simples pilhagem da zona rural por soldados a morrer de fome, rapidamente evoluiu para uma requisição sistemática e ao acúmulo de suprimentos em uma determinada área. Daí, evoluiu para um sistema relativamente sofisticado, onde cada companhia, individualmente, destacava de 8 a 10 homens, sob a direção de um cabo ou um sargento para a obtenção dos suprimentos necessários, em uma base periódica. Estes esquadrões, operados independente do corpo principal por períodos de uma semana ou um dia, seguiam recolhendo mantimentos e material necessário para sustentar a sua companhia-mãe. Eles então retornavam e distribuíam este material entre seus companheiros. ... No caso dos franceses, que se deslocavam pelos territórios conquistados, raramente houve qualquer remuneração para tal feito. No entanto, só raramente eram realizadas sob o emprego da força. ... Através dos séculos anteriores, os exércitos tinham dependido dos suprimentos estocados, e obtidos nas províncias, despojando-as e deixando-as nuas, além de que perdiam muito do que obtinham. Em contraste, o sistema francês, altamente organizado, desperdiçava pouco. Os franceses, rapidamente, tornaram-se peritos em estimar a capacidade de uma área para apoiar um exército, e desenvolveram habilidades na localização de áreas de suprimentos, onde outros exércitos, rapidamente, morreriam de fome se forçados a viver daquela terra. Estas habilidades tinham permitido aos franceses executar as manobras maciças que deram as vitórias esmagadoras de 1800, 1805, 1806 e 1809. Também levou à mística de que o exército francês poderia ultrapassar todos os outros exércitos na Europa. A habilidade para manobrar, estrategicamente, tinha estado seriamente deficiente há anos, em face da necessidade de se prever um grande trem de suprimentos. ... Os franceses, não dependentes deste comboio militar, e tendo a capacidade de viver da terra que eles estavam atravessando, foram capazes de marchar mais rapidamente que as próprias pernas dos seus soldados, ao invés de andar ao ritmo dos bois puxando as carroças de carga” .(Nafziger - “Napoleon’s Invasion of Russia.” O sistema de vida, mesmo fora da terra natal, funcionava muito bem, mas tinha suas limitações. Só poderia funcionar eficientemente onde os recursos locais eram exten-

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sos. Em países populosos e prósperos, os grandes exércitos poderiam ser apoiados, mas em regiões pobres da Europa, um grande exército morreria de fome. Para o municiamento de suas tropas, os especialistas de Napoleão usavam técnicas bem organizadas, como por exemplo: um exército de 100.000 homens com 250 armas e 40.000 cavalos poderia ser sustentado em uma área de aproximadamente: => 65 milhas através da França, Alemanha, Holanda e norte da Itália; => 105 milhas através da Espanha e da Polônia. As tropas francesas foram incapazes de viver da terra em 1812, durante a campanha na Rússia. A Rússia foi descrita por muitos ocidentais como um “deserto” com estradas pobres, poucas cidades e longas distâncias. Houve também a tática russa de a retirada de seus exércitos serem seguidas pela estratégia da “terra queimada”. Napoleão foi forçado a reorganizar e expandir o sistema de abastecimento de seu comboio militar. Os suprimentos foram armazenados ao longo dos rios Vístula e Odra. As munições reunidas por Napoleão, para sua campanha de 1812, foram comparadas, favoravelmente, com os esforços das fortemente industrializadas nações durante a Primeira Guerra Mundial. Napoleão costumava dizer: “a estratégia é a arte de fazer uso do tempo e do espaço. Estou menos preocupado com o futuro, do que com o passado. O espaço, podemos recuperar, o tempo perdido nunca.” Marchar ou morrer era a fórmula napoleônica - e ele não apelava isto aos jovens soldados. Ninguém estava autorizado a ficar para trás e, em 1813, destacamentos especiais de sargentos sabiam o que fazer com os “aleijados”. Mais frequentemente Napoleão pressionavacom o ataque, mantendo um constante elemento de surpresa. Ele costumava dizer: “Eu terei destruído o inimigo meramente através de marchas.” Napoleão nunca acampava ou se entrincheirava; a máxima geral da guerra era onde está o inimigo? Vamos prosseguir e lutar contra ele! Ele selecionava uma ou outra parte da linha inimiga e forçava o inimigo a consumir seu tempo reagrupando-se, às vezes causando desordem temporária em suas próprias fileiras. Napoleão acreditava sempre no ataque, na velocidade, na manobra e na surpresa. Napoleão dizia: “quando um exército é inferior em número, inferior na cavalaria e na artilharia, é essencial evitar um confronto geral. A primeira deficiência deve logo ser vencida pela rapidez do movimento...” Em 1813, apesar do fato de os aliados saberem que estavam lutando contra Napoleão, cujos talentos para realizar manobras eles conheciam, eles decidiram voltar-se para um canto, entrincheirar-se e esperar por vários dias, enquanto Napoleão, quase que em seu laser, manobrava contra eles.” (Nafziger - p “Lutzen e Bautzen”) As tropas de Napoleões viajavam ligeiras, marchando de 15 a 50 km por dia sem qualquer bagagem pesada. Napoleão disse: “a força de um exército, como a energia em mecânica, é estimada multiplicando-se a massa pela rapidez; uma marcha rápida aumenta o moral de um exército e aumenta seus meios de vitória; vamos pressioná-los!” Tal viagem ligeira era possível na rica Europa Ocidental e na Europa Central, mas não na Rússia. As terras vastas e mal habitadas da Europa Oriental forçaram Napoleão a usar os trens de bagagem para alimentar as suas tropas. Napoleão escreveu a Murat “os melhores marchadores devem ser capazes de fazer de 25 a 30 milhas por dia.” Em 1812, a Divisão de Roguet tinha coberto 465 milhas com o trem logístico e mais de 700 a pé!”. Paul Britten Austin assim descreveu como as tropas francesas marcharam durante a invasão da Rússia: “cada Divisão estabelece o necessário para o mais à frente, em intervalos de 2 dias. Com uma distância de cem passos (70 m) entre batalhões, seus regimentos marchavam “em duas colunas, compartilhando as estradas livres. Paravam 5

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minutos em cada hora; meia hora, por cada três quartos de marcha; e descansavam um dia a cada cinco. Assim, eles avançaram em direção ao norte, a uma velocidade media de 25 milhas por dia. A cada segundo dia pegavam as rações, fornecidas ao longo da rota pela administração do Conde Daru.” (Austin - “1812: A marcha sobre Moscou”). Não só a nível estratégico os franceses eram rápidos, mas também nas batalhas. O Csar Alexandre da Rússia fez este comentário em 1805: “... a rapidez das manobras de Napoleão, nunca permitiam tempo para se socorrer qualquer um dos pontos que ele, sucessivamente, atacava: as suas tropas estavam em todos os lugares, e eram, sempre, duas vezes mais numerosos do que nós”. Um dos generais de Napoleão respondeu: “nós manobramos, de fato, e muito: uma mesma divisão lutou sucessivamente em diferentes direções - isto é o que nos multiplicava durante um dia inteiro.” O General austríaco Stutterheim elogiou os franceses também: “... os generais franceses manobravam suas tropas com essa habilidade que é o resultado do olho militar e da experiência...” Conta-se que Napoleão teria permitido a um subordinado elaborar um plano para a disposição de suas tropas. Não sabendo o que queria o imperador, o subordinado distribuiu as forças igualmente em simples pequenos grupos ao longo da fronteira. Ao ver isso Napoleão comentou: “muito bonito, mas o que você espera que eles façam? Recolher direitos aduaneiros? “) Napoleão, muito habilmente, concentrava as tropas antes da batalha. Ele escreveu: “Gustavo, Adolfo, Turenne e Frederico, bem como Alexandre, Hannibal e César, todos funcionaram sobre o mesmo princípio: manter as suas forças sempre unidas...” Este foi o método usado por Napoleão antes que vários Corpos começassem uma ação agressiva; eles deveriam se concentrar em um lugar longe do inimigo, para impedir que o exército adversário destruísse os exércitos quando estivessem se aproximando, gradativamente. A velocidade da manobra e da concentração de forças eram os componentes cruciais da vitória. Napoleão escreveu: “os fogos devem ser concentrados em um ponto e, tão logo a brecha seja feita, o equilíbrio das forças inimigas estará quebrado; o restante é nada”. Há um mal entendido nessa teoria de Napoleão. Lidell Hart explicou: “a teoria militar subsequente dá ênfase à primeira cláusula, ao invés de à última: a palavra “ponto” usada por Napoleão, ao invés de “equilíbrio” foi mera metáfora física, em relação à última expressão “o restante é nada”, que enfoca o resultado psicológico. Esta sua própria ênfase pode ser identificada nas opções estratégicas de suas campanhas. A palavra “ponto”, quase sempre, tem sido a fonte de muita confusão e controvérsia. Uma escola argumenta que Napoleão quis dizer que os arrebentamentos concentrados deveriam ser apontados contra o ponto mais forte do inimgo, para poder contribuir para um resultado decisivo. Se a principal resistência inimiga fosse quebrada, esta ruptura conduziria a uma menor oposição, no todo. Esse argumento ignora o fator custo e o fato de que o vitorioso pode estar demasiado exausto para explorar o seu sucesso, uma vez que mesmo um adversário mais fraco pode adquirir o poder de resistir a um outro, relativamente maior do que o original. A outra escola - melhor imbuída da idéia de economia de força, mas apenas no sentido limitado dos primeiros custos - tem sustentado que deveria destinar-se a ofensiva no ponto mais fraco do inimigo. Mas onde um ponto é obviamente fraco, geralmente é porque há uma possibilidade remota de existência de qualquer artéria vital ou centro nervoso inimigo, ou porque é deliberadamente deixado fraco para atrair o atacante para uma armadilha. Aqui, novamente, a iluminação vem da campanha real em que Bonaparte colocou sua máxima em execução. Claramente, surge a ideia de que o que ele realmente queria dizer

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não era “ponto”, mas sim “junção de forças” - pois que nesta fase de sua carreira, Napoleão também valorizava, e firmemente, o princípio da economia de forças, o que invalida a ideia de que ele fosse capaz de empenhar sua força sobre um ponto forte do inimigo. Uma articulação, no entanto, é vital e vulnerável.” (Hart - “Estratégia” 1991 pp 98-99) Napoleão empregava uma pouca força, mas adequada, contra os objetivos não-críticos. “Existem, na Europa, muitos bons generais,” declarou em 1797, “mas eles vêem muitas coisas ao mesmo tempo. Vejo apenas uma coisa, ou seja, o corpo principal do inimigo. Eu tento esmagá-lo, confiante de que os demais assuntos são secundários e irão ser resolvidos, cada um a seu tempo”. De acordo com David Chandler encontra-se aqui o tema central do conceito de Napoleão da guerra. A fim de se concentrar uma força de combate superior em um só lugar, a economia de força deve ser exercida em outros lugares. A economia de força requer a aceitação de riscos prudentes em áreas selecionadas para se atingir a superioridade no ponto decisivo CAPÍTULO 3 AS TÁTICAS DE NAPOLEÃO Wellington encontrava-se extremamente desejoso de ficar contra Napoleão. Poder-se-ia, no entanto, arriscar a dizer que ele respeitava muito seu oponente e teria sido por isso, que ele não se arriscou a, sozinho, enfrentar Napoleão em Waterloo. O brilho de Napoleão como estrategista levou os seus inimigos para o campo de batalha. “a batalha sempre foi o objetivo final de todo o planejamento estratégico de Napoleão. Sem dúvida, ele conduziu mais batalhas que a maioria dos generais anteriores à sua existência, ou a partir dela; e venceu a maioria delas”(Petre - “Napoleon at War”) Uma vez estabelecido o contato com o inimigo, a vanguarda conquistava a mais facorável posição disponível, de onde buscava fixar o inimigo e formar um pivô de manobra para o exército à sua retaguarda. Enquanto a vanguarda se desgastava, aquelas unidades frescas entravam em ação por seus flancos. A infantaria ligeira, por sua vez, dava início à sua participação atacando os pontos fracos e fixando o inimigo. Atrás da infantaria ligeira vinha a artilharia ligeira que avançava agressivamente e, então, o verdadeiro combate começava. Uma vez engajado com o exército inimigo, Napoleão só tinha propósito: a destruição do oponente. O Imperador sempre preferia lutar ofensivamente, e em todas as circunstâncias, mesmo quando estava na defensiva. Em Austerlitz, ele, na verdade, ficara na defensiva, atraiu seus inimigos para uma armadilha e, então, atacou. Os instrumentos das táticas de batalha de Napoleão advieram de um casamento da espingarda do Exército real com as improvisações revolucionárias. Em suas batalhas, Napoleão dependia da velocidade, da massa e da manobra agressiva. Normalmente, ele atacava uma das alas do exército hostil, de preferência uma da mais perto de seus meios de comunicações (tambores, clarins, bandeiras etc). O movimento de flanqueamento forçava o inimigo a se virar, e a fazer ajustes rápidos no meio do combate, através de um retraimento, ou reforçando o flanco ameaçado e, consequentemente, enfraquecendo o outro flanco, o centro ou as reservas. Napoleão sempre recomendava o emprego de uma manobra sobre o flanco do inimigo e assegurava que em tal situação, “a vitória estará em suas mãos”. Quando o flanco de Napoleão foi atacado em Leipzig, La Rothiere e em Waterloo, nestas três batalhas, ele foi derrotado. O Imperador tinha dois planos de batalha básicos:

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=> A Batalha de Manobra (66 % de suas batalhas); e => A Batalha de Atrição (33 %). A Batalha de Manobra requeria alguma superioridade numérica. A força principal de Napoleão mantinha a atenção do inimigo à sua frente, enquanto outra força caía em cima de um de flancos do oponente para, em seguida, atacar todo o restante da linha. A cavalaria, então, era enviada em perseguição. A vantagem desta tática era que infligia uma grande derrota ao inimigo a um custo mínimo. Mas as coisas poderiam dar erradas. Um movimento rápido das reservas, na retaguarda do inimigo, poderia engrossar o flanco ameaçado. E um inimigo desdobrado em um terreno com forte apoio natural (pontes, área arborizada, etc.) em seu flanco, praticamente ficaria imune a este método. Austerlitz, Jena e Eylau, três de suas vitórias, foram todas, essencialmente, batalhas de manobra. A Batalha de Atrição resumia-se a um ataque frontal, em que um poder de fogo era derramado sobre o inimigo em enormes quantidades, até que ele parecesse estar enfraquecendo, quando, então, grandes massas de homens eram lançadas para esmagar tudo o que estivesse em seu caminho através de suas linhas, fileiras e colunas. Este tipo de batalha era caro, mas houve épocas em que nenhuma outra linha de ação seria possível. Destas destaca-se a vitória obtida em Wagram, em 1809, e outras vitórias caras mas marginais e incríveis, como Borodino em 1812. Quanto às derrotas, houve algumas, destacando-se a de La Rothiere, em 1814 e Waterloo. Havia muitas cosias que poderiam dar errado em tais batalhas. O inimigo poderia revelar-se mais forte, mais numeroso, ou receber o apoio de outro exército; ele, ainda, poderia ter uma carta ou até duas na manga, como as reservas defensivas em encostas de Wellington, ouos cossacos de Kutuzov, em Borodino. “Se Jomini procurou um elemento comum entre Napoleão e seus generais antecessores, Clausewitz encontrou uma diferença entre eles. Jomini buscou os princípios orientadores de uma ação militar; Clausewitz, os princípios gerais em forma de preceitos ou regras, mas de pouco proveito em face da infinita variedade das situações de guerra”. CAPÍTULO 4 DE JOMINI E CLAUSEWITZ SOBRE NAPOLEÃO. “Para Jomini, Napoleão era parceiro de Cesar, Hanibal e Alexandre. Para Clausewitz, ele era o “Deus da guerra” Wilkinson and Spenser ”. Antoine-Henri, Barão Jomini (1779-1869) nascido na Suíça. Ele tornou-se general em francês e, posteriormente general a serviço da Rússia. Foi um dos mais célebres escritores militares.

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Carl Philipp Gottfried von Clausewitz (1780-1831), oficial prussiano, historiador militar e influente teórico .Notabilizou-se por seu tratado militar “Vom Kriege” (da guerra).

Embora os mais sérios pensadores militares de hoje estejam mais propensos a se referir a Clausewitz na era napoleônica, Antoine de Jomini era quem, possivelmente, se destacava entre eles: “É provavelmente justo dizer que, em geral, Clausewitz abordava os níveis estratégicos e políticos da guerra, mas Jomini a dirigia a nível operacional. Os dois nasceram com apenas um ano de diferença, e tiveram cargos semelhantes nas guerras napoleônicas, ainda que em exércitos diferentes. Jomini era, de longe, o mais célebre pensador em sua vida É importante lembrar o que Jomini é e o que ele não é! Quase todo o seu trabalho responde a uma pergunta: como é que se deve desdobrar as unidades, com êxito, na batalha principal? Para os oficiais que fazem esta pergunta, as ideias de Jomini, e os Princípios da Guerra, são extremamente úteis e importantes. Para tentar responder a outras perguntas que não de oficiais, Jomini já não é tão útil. Um livro de receitas é muito importante para os cozinheiros, mas não são muito úteis para mais alguém. No trabalho de Jomini não há quase nenhum tratamento de política, nem de estratégia e nenhuma mudança tecnológica, nem base em recursos estratégicos, nem psicologia, nenhuma guerra popular, nenhum adversário e certamente nenhuma adversidade inesperada. O oficial de operações deve se lembrar que enquanto os princípios de guerra são uma ferramenta essencial, são suscetíveis de serem, apenas, uma das muitas ferramentas que ele precisa para vitória.” “Para Jomini, Napoleão foi o parceiro de César, Aníbal e Alexandre. Para Clausewitz ele era ‘o próprio Deus da guerra”. Cada um preparou-se para escrever a história das campanhas de Napoleão Bonaparte e de seus antecessores. Mas suas abordagens relativas ao assunto foram diferentes. O objetivo de Jomini era descobrir - por comparação entre as campanhas de Napoleão e as de Frederico - os princípios de ação que eram comuns a ambos e, portanto, poderiam ser de validade universal. Ele analisou as suas operações e as classificou de acordo com sua forma geométrica. A base de operações, a direção de avanço de um exército e aquilo que a parcela avançada do exército poderia se entendida como uma linha. Jomini, por outro lado, examinou a relação entre estes três tipos de linhas. ... A análise de Jomini, e a sua classificação das operações, apesar da sua terminologia artificial, foi correta e útil. Foi a primeira exposição científica da estratégia como um sistema de princípios, e tem sido utilizado por todos os pensadores estratégicos subsequentes. Willisen na Alemanha e Hamley na Inglaterra são discípulos de Jomini...

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Se Jomini procurou pelo elemento comum entre Napoleão e seus antecessores, Clausewitz discutiu sobre a diferença entre eles. Jomini havia procurado a existência de princípios como preceitos para orientação da ação. Clausewitz pensava a respeito dos princípios gerais em forma de preceitos ou de regras, mas que seriam de pouco proveito na presença de uma infinita variedade de situações de guerra. A pergunta que Clausewitz fez a si mesmo dizia respeito ao como que as guerras de Napoleão poderiam ser tão fundamentalmente diferentes da maioria daqueles que o tinham antecedido. A resposta dele dizia que a energia com que uma guerra é realizada é um produto de dois fatores, a força do motivo que aciona os beligerantes e o grau com que tais motivos são apelados pela população dos Estados em causa. A revolução francesa tinha chamado uma nação às armas. A França, portanto, agiu com a máxima energia. Por outro lado, a causa pela qual os governos da coalizão estavam lutando não era vital para eles e não lhes interessava. O sucesso da França, portanto, foi predeterminado. Quando as forças francesas vieram ficar sob o controle de Napoleão, a derrubada das monarquias antigas era inevitável. Mas a pressão do Império francês sobre as populações então despertou um ressentimento amargo, que as Nações uma após o outra correram para as armas, e, assim, a derrubada de Napoleão foi tão predeterminada quanto tinham sido suas conquistas sem precedentes. Esta parte da teoria de Clausewitz, no entanto, não é derivada do generalato de Napoleão. A raiz de sua ideia vem de um ensaio em que Scharnhorst, em 1797, revisou a guerra revolucionária de 1792/1795, quando Napoleão ainda não tinha tido um comando de tropa. Scharnhorst atribuiu o sucesso dos franceses à energia da unidade da nação francesa; e o fracasso dos aliados à sua discórdia e seus esforços inadequados. “Os esforços subsequentes da Prússia em e após 1813 confirmaram Clausewitz em sua visão da importância da distinção entre a guerra nacional e a dinástica”. (Wilkinson, Spenser - “o exército francês antes de Napoleão; palestras entregues antes da Universidade de Oxford...”) “Foi o francês e, mais provavelmente, o próprio Napoleão quem trouxe à tona o primeiro e verdadeiramente moderno “staff” militar.” George Nafziger, USA CAPÍTULO 5 O ESTADO-MAIOR DE NAPOLEÃO “O profissionalismo do pessoal de Napoleão, pouco antes de Austerlitz, contrastava, fortemente, com a confusão que prevalecia entre os “staffs” russo e austríaco.” Robert Goetz Em 1780, Berthier foi para a América, e em seu retorno, tendo alcançado o posto de Coronel, ocupou várias funções de Estado-Maior. Berthier era dotado de uma apreensão incrível e uma rápida compreensão, que combinadas com seu completo domínio do detalhamento das coisas, o transformaram em um Chefe-de Estado-Maior perfeito para um comandante como Napoleão. Berthier participou em várias campanhas. A maneira de sua morte é incerta; segundo alguns relatos, ele foi assassinado, outros dizem que, enlouquecido pela visão das tropas russas marchando para invadir a França, ele atirou-se da sua janela e morreu. Berthier é um dos mais conhecidos oficiais de “staff” da história miitar.

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Napoleão introduziu signficativas mudanças no antigo sistema de Carnot, parcialmente porque aquele dava preferência a dedicar-se mais às atividades administrativas em Paris. A nova máquina implantada por Napoleão tendia a ser maior e mais desajeitada que a de Carnot. Napoleão entendia que um Ministro da Guerra deveria ater-se, apenas, às funções “civis” da guerra, tais como conscição, pagamento e relatórios e, por isso, ele próprio liderava seu “Grand-Quartier-General” que supervisionava, diretamente, o seu Exército. Abaixo dele estava seu Estado-Maior pessoal, ou “La Maison”, que incluía um QG operacional, um gabinete de viagens e um gabinete de topografia, além de seu “staff” de Inteligência e de planejamento. As duas principais agências subordinadas do Grand-Quartier-General eram o “General Commissariat” de compras do Exército, que Marechal Berthier supervisionava todos os tipos de suprimentos, e o “Quartier-General Geral” sob a chefia do Marechal Berthier; Berthier dirigia o “QG Geral”, que tinha vários departamentos e seções, cada uma dedicada a lidar com uma área bem definida de responsabilidade, tal como os movimentos de tropas, Inteligência, pessoal, registros e assuntos jurídicos, além de equipes especiais para cada arma ou serviço. Os oficiais subordinados a Bertheir, tinham que saber quais eram suas tarefas e deviam realizá-las bem. O Estado-Maior do Exército de Napoleão deveria prover todo o apoio administrativo, logístico e de comunicações que Napoleão achasse necessário para que seu Exército pudesse operar em longas distâncias e em territórios pouco conhecidos. O Exército de Napoleão foi capaz de operar em toda a Europa com grande facilidade e velocidade. Por exemplo, em 1796, o Exército de Napoleão passou por entre as “nuvens” da Suíça, através de um terreno julgado intransponível para um Exército, para atacar e destruir o inimigo na Itália. Em 1805, o Exército de Napoleão atravessou o norte da França em velocidades inimagináveis para o resto dos comandantes dos exércitos da Europa. Em 1814, Napoleão encontrou os exércitos inimigo ao longo da estrada para Paris, com nenhum deles estando dentro da distância de qualquer outro de apoio. Isto levou Napoleão às quatro vitórias impressionantes em Champaubert, Montmirail, Chatteu Thierry e Vauchamps. Porém, o Estado-Maior de um exército já existia antes das guerras napoleônicas. Oliver Cromwell, Rei Jan Sobieski, marechais do rei Louis XIV e alguns outros comandantes tinham seus próprios “staffs”que tinham sido bastante eficientes em suas épocas, mas eram organizações temporárias. Pierre-Joseph Bourcet queria, especificamente, oficiais treinados e um corpo de oficiais permanentes. Os oficiais deveriam ser treinados em topografia, geografia, ciência da arte da guerra, história, etc. Em suma, deveriam ser capazes de lidar com os registros e relatórios. Em 1783, o Exército francês foi o primeiro a formar um corpo de Estado Maior, embora ele logo tivesse sido abolido pela revolução. Em 1805, Mathieu Dumas propôs restabelecer um corpo de “staff” permanente. Napoleão rapidamente aceitou essa idéia. De acordo com o escritor George Nafziger (EUA),

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foi o Exército francês, e mais provavelmente o próprio Napoleão, quem trouxe à tona o primeiro Estado-Maior verdadeiramente moderno. O Estado-Maior compreendia cinco “divisões”: => 1ª – Controlava os deslocamentos de tropas, as ordens do dia, a designação de oficiais e a correspondência em geral; => 2ª – Tratava do abastecimento, do policiamento, e da administração do QG; => 3ª – Cuidava do recrutamento, dos prisioneiros de guerra, desertores e da justiça militar; => 4ª – Supervisionava a extensão da linha de comunicações; e => 5ª – Tomava conta dos reconhecimentos, correspondência entre comandnates, etc..

Napoleão e seu Estado-Maior em Borodino Em 1812, o Chefe-de-Estado-Maior tinha 9 assessores, uma equipe de oficiais composta por 5 generais, 11 assistentes e 50 oficiais de apoio. Havia também geógrafos, engenheiros e cartógrafos, 19 oficiais da administração militar, comissários de guerra, inspetores e oficiais de artilharia. O profissionalismo do “staff” de Napoleão, pouco antes da batalha de Austerlitz contrastou agudamente com a confusão que prevalecia entre as equipes russas e austríacas. Napoleão tinha produzido um plano de batalha com antecedência, e sua equipe tinha emitido as ordens escritas uma noite antes; nos QGs russo e austríaco, o planejamento não tinha sido concluído até a noite do dia 1º de dezembro, e “os comandantes das colunas apenas tomaram conhecimento dos detalhes depois da meia-noite.”Sob tais circunstâncias, a confusão era inevitável.” (Goetz - “1805: Austerlitz”) A organização do Estado-Maior de Napoleão era bastante eficiente, mas também

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tinha certas limitações. O Estado-Maior tinha Napoleão e Berthier como as principais cabeças. Estes, tendo trabalhado muito tempo juntos, tornaram-se incapazes de trabalhar eficientemente com mais ninguém. Bastava Napoleão proferir algumas poucas palavras para Berthier, que este compreendia os seus significados e os transformava em ordens claras e precisas. Ninguém mais conseguia fazer isso. Com efeito, a organização do Estado-Maior de Napoleão foi um genuíno Estado-Maior. Um outro problema foi que aquele “staff” tendeu a crescer, pois ele não atendia exclusivamente o seu exército, mas todos os outros exércitos da França, e o governo também. No entanto, o exemplo francês era muito superior a qualquer outro na Europa e começou a ser adotado, muito extensamente, por muitos outros países. Na Prússia determinados refinamentos foram introduzidos, no tocante às especializações, o que veio a gerar a evolução do moderno “staff” militar. CAPÍTULO 6 ERROS, FALHAS E DERROTAS DE NAPOLEÃO Napoleão possuía o hábito humano comum de “dourar” suas melhores façanhas e culpar os outros por seus reveses. Por exemplo, ele desenvolveu o relato da sua medíocre Campanha de Marengo como um romance épico de primeira classe. De acordo com o Coronel (EUA) John Elting, “os seguidores próximos de Napoleão, por causa do culto ao herói ou por considerações pessoais, também suprimiram e inventaram. Por outro lado, seus inimigos se esforçaram em retratá-lo como um monstro e a apresentar suas melhores vitórias como resultados de sortes acidentais.” Napoleão cometeu erros estratégicos, táticos e políticos. Por exemplo, o erro mais grave foi de aceitar ficar lutando em várias frentes ao mesmo tempo. Os franceses lutaram contra os espanhóis e os britânicos no Ocidente e contra os russos, prussianos e austríacos no Oriente. Abaixo são mostrados outros erros de Napoleão: => A severidade dos termos usados por Napoleão com a Prússia prejudicou a segurança da paz; => Sua política para com a Inglaterra contemplava nada menos do que sua ruína total; => Sua agressividade para com o Tirol, Portugal e Espanha, seus inimigos frescos. e => Sua invasão à Rússia, que resultou na perda de meio milhão de seus melhores soldados e mihares de canhões. Após o desastre da Campanha da Rússia, Napoleão nunca recuperou a sua grandeza. (Napoleão acreditava que, após algumas batalhas rápidas, ele poderia convencer o czar Alexandre a retornar ao Sistema Continental. Então ele também decidiu que se ocupasse Moscou, os russos iriam pedir a paz. No entanto, quando Napoleão invadiu Moscou, o czar não se rendeu. Mas ele não poderia se render, porque se o fizesse, ele seria assassinado pelos nobres. Karl von Clausewitz explicou que: “Napoleão foi incapaz de compreender o fato de que Alexandre não poderia negociar. O czar sabia muito bem que seria descartado e assassinado se ele assimo tentasse.” (Clausewitz - “A campanha de 1812 na Rússia.”) Algumas das derrotas de Napoleão: => 1809, Aspern e Essling - embora ele mais tarde fosse reclamar uma vitória, Na-

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poleão tinha sofridosua primeira grande derrota. Ele perdeu para os austríacos determinados sob o comando do Arquiduque Charles. => 1812, Beresina - O Exército de Napoleão teve 25.000 mortos e feridos, enquanto os russos perderam 20.000. Além disso, pelo menos 10.000 franceses foram massacrados pelos cossacos, enquanto outros 20.000 morreram no rio congelante ou foram esmagadas até à morte em pânico para tenar atravessar as pontes. Os remanescentes do Exército de Napoleão conseguiram fugir. (Alguns autores consideram Beresina como uma vitória tática e estratégica francesa ). => 1813, Leipzig - Napoleão resistiu a todos os assaltos aliados e então contra-atacou. Entretanto, outro exército (sob o comando de Bennigsen) atacou seu flanco. Isso o forçou a abandonar suas posições e retirar seu exército para mais perto de Leipzig. Então ele foi cercado e derrotado. Em termos de baixas e de resultados políticos e estratégicos, foi, provavelmente, a maior derrota de Napoleão. => 1814, La Rothiere - enquanto Napoleão trocava golpes com os exércitos de Blucher e Sacken exército no “front”, outro exército (sob o comando de Wrede) atacou seu flanco. Napoleão se retirou, esta foi sua primeira derrota em solo francês. => 1815, Waterloo - enquanto Napoleão atacava o exército alemão-britânico-holandês de Wellington, outro exército (sob o comando de Blucher) atacou seu flanco. Napoleão foi derrotado. Como comandante, Napoleão estava se tornando previsível, e seus inimigos estavam começando a avaliar as contramedidas e a usá-las contra ele. Cada vez mais, ele se recusava a encarar a realidade e a suprimir todos os topos de críticas. “No entanto, depois que tinha dito e feito tudo, ele permanecia como um gigante cercado por pigmeus; sua reputação sobreviveu à sua queda pois, sua grandeza básica era inviolável.” (Chandler - p “Waterloo - os cem dias) A derrota em Aspern-Essling é assim explicada por Loraine Petre. “Na derrota de Essling o Imperador teve toda a culpa. Ele, certamente, tinha sido negligente em seus preparativos para a travessia (do rio Danúbio), uma vez mais o resultado de seu orgulho ilimitado e de seu desprezo pelo seu inimigo. Ele foi amplamente avisado dos perigos de um aumento súbito do nível das águas do Danúbio,

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do destino da ponte austríaca em Mauthausen e dos perigos do emprego de uma ponte feita de barcos e barcaças, em face do rápido fluxo do rio. Ele ainda enfiou todo o seu exército sobre uma única ponte feita de barcos, sem nenhuma proteção, e sem cercas, ou protegida por barcos de cruzeiro que prendessem aquela massa flutuante acima da ponte. Sua informação sobre a posição de Charles parece ter sido má e o fez deduzir que não sofreria resistência séria, imediatamente após a transposição do rio. Assim, no amanhecer de Essling, sua cavalaria não conseguiudetectar o avanço do exército austríaco todo. Essling foi o primeiro grande sucesso de um exército austríaco contra Napoleão em pessoa. ... Não há provas claras de que Napoleão tivesse percebido sua própria imprudência na primeira travessia, mas há sobre o infinito cuidado com que ele realizou os preparativos para a segunda, assim como a perfeição com que foram executados”. (Petre - “Napoleão em guerra”) Depois de Essling, a posição de Napoleão era de uma extrema ansiedade. As notícias do revés ocorrido propagaram como fogo em toda a Europa, oferecendo todo o estímulo para seus inimigos. OBS: “no outono de 1813, os aliados adotaram uma estratégia de não deixar qualquer um de seus três exércitos sozinhos contra Napoleão. O exército aliado mestre deveria se colocar à frente para, em seguida, retirar-se, enquanto o seguinte avançava. Enquanto Napoleão estava “perseguindo o ar” (o exército da vanguarda que tinha se evadido), surgia a oportunidade de levar alguns dos marechais aliados para a batalha e derrotar um a um os exércitos de Napleão”. (-Peter Hofschroer) Tal estratégia funcionou às mil maravilhas. Em agosto, o Corpo do Marechal Oudinot foi destruído em Gross Beeren, o Marechal MacDonald foi derrotado em Katzbach e o General Vandamme em Kulm. Em setembro, o Marechal Ney foi vencido em Dennewitz. CAPÍTULO 7 RAPIDEZ DE MOVIMENTOS E CONCENTRAÇÃO DETROPAS. A ORGANIZAÇÃO E O EMPREGO DOS CORPOS DE EXÉRCITO “A força de um exército, assim como o poder em mecânica, é calculada multiplicando-se a massa pela velocidade ... Então pressionar ! “ — Napoleão A organização dos Corpos De Exército e o emprego doutrinário do bataillon carré teve significativa expressão na realização das campanhas das Guerras Napoleônicas e demonstrou maior fluidez que naquelas campanhas ao tempo de Frederico, o Grande. Estas mudanças possibilitaram a Napoleão garantir uma decisiva vantagem sobre seu oponente ate o final de 1807. Os conceitos baseados nessas duas mudanças são ainda aplicáveis até hoje. Jomini chamou o estilo de guerra conduzido durante o tempo de Frederico, o Grande de “... um sistema de posições ... “e o definiu como “... a velha maneira de conduzir uma guerra metódica, com os exércitos em barracas, com seus suprimentos a mão, engajados em observar um ao outro; ... “ Este estilo de guerra era caracterizado por campanhas de combates limitados em que era, geralmente, possível a um oponente refugar o combate,

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se ele assim decidisse. Uma das razões para isto era a organização dos exércitos como simples entidades, concentradas sobre ambos, deslocamento e combate. No tempo de Frederico, um exército não possuía uma sub-estrutura maior que o regimento e era, portanto, uma “besta” ponderando, que geralmente se movia ao longo de uma rota. A subdivisão do exército em regimentos separados poderia possibilitar ao adversário que subjugasse aquelas partes separadas. Esta concentração durante os movimentos, no entanto, fazia com que o exército se deslocasse lentamente e permitia que ao oponente que determinasse, com determinada facilidade, seu objetivo. Além disso, o suprimento deste tipo de exército requeria pesados depósitos, que tendiam a maner o exército em uma “trela curta” em relação à sua base de suprimentos. Monarcas não estavam dispostos a deixar que esses exércitos vivessem da terra, e mesmo que assim fosse, seria impraticável, uma vez que uma única rota poderia não ter produtos alimentares suficientes para suprir essa força. As guerra napoleônica era caracterizada por “ ... suas variação e flexibilidade sem limite”. A guerra napoleônica era rápida e sangrenta, e buscava um engajamento decisivo, O exército de Napoleão era dispersado para se deslocar ao longo de itinerários separados e se concentrava para lutar. O Exército francês de 1806 não estava atado as grandes e imobilizados depósitos de suprimentos, mas vivia fora da sua terra enquanto se movia. Isto permitiu que os novos exércitos se movessem, não só mais rápido e mais longe, mas também para mudar de direção rapidamente. “... A insistência de Napoleão em velocidade e mobilidade foi uma característica básica das campanhas do Imperador do começo ao fim, e foi a característica de sua guerra que mais confundiu e perturbou a maioria dos seus adversários, enraizados em uma tradição que ensinou mais tipo de lazer do que de guerra.” A habilidade em se dispersar e se concentrar rapidamente, e avançar or várias rotas “ possibilitou a Napoleão fazer aquilo que os exércitos de Frederico nunca conseguiram: forçar oengajamento.” Pensadores militares não estavam ociosos durante o período entre as campanhas de Frederico, o Grande e da Revolução Francesa e da ascensão de Napoleão. Os escritores que propuzeram novas teorias de guerra foram profusos durante este tempo. Alguns dos mais influentes estavam defendendo um novo tipo de guerra de mobilidade, enfatizando a organização divisional dos exércitos, e os exércitos de cidadãos que tinham um zelo nacionalista. Esses pensadores não só afetaram a composição e a doutrina dos exércitos do século XIX, como tinham sido os da Revolução Francesa, mas influenciou profundamente as idéias de Napoleão, que tratou de adaptar e ajustar tais idéias e, em seguida, colocá-las em prática. Jacques Antoine Hypolite, Conde de Guibert, foi um desses militares e influentes pensadores. Ele propôs o emprego de exércitos de cidadãos, por causa de seu orgulho e coragem, “...não haveria nada a se temer dos exércitos mercenários de outros países.” Ele advogava a exploração da mobilidade e declarava que posições deveriam tornar-se, necessariamente, menos importante. O mais importante para o assunto em questão, Guibert clamava para a organização de exércitos em divisões permanentes capazes de apoiar-se de modo a facilitar a mobilidade necessária. Bonaparte “leu e relu a famosa obra “...Essai général de Tactique ... que apreceu, primeiramente em 1772, quando o autor [Guibert] tinha somente 29 anos de idade”. Este conceito “... de subdividir o exército em divisões permanentes e independentes” não era novo “... e tinha sido primeiramente posto em prática pelo Marechal Broglie durante a Guerra dos Sete Anos, ... Em suas ‘Instruções de 1761’, e Broglie enunciou os princípios em que o sistema divisional e de corpos de Napoleão operava” O sistema foi descatado pelos franceses depois da morte de Broglie,

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mas permaneceu como “uma parte integral dos ensinamentos de Guibert”, e foi revivido em 1793. Outro desses pensadores de entre-guerras que influenciou o desenvolvimento do sistema de “Corpos de Exército” de Napoleão, foi Jean de Bourcet. Os “Principes de la guerre des montagnes” de Bourcet enfatiza a necessidade da dispersão, para forçar o inimigo a cobrir-se em face de diferentes pontos, e ele conclamava para se marchar em ordem de batalha. A dispersão das forças durante a marcha deveria ser segida por uma rápida concentração de forças sobre um ponto decisivo, antes que o inimigo pudesse fazer o mesmo. Isto permitiria ao atcante iniciar as ações com uma significativa vantagem durante a batalha que se seguiria. O extrato seguinte dos escritos de Bourcet pode muito bem descrever um campanha napoleônica: “... um general fará bem em dividir seu exército em um número de corpos comparativamente pequenos, ... o que ... é indispensável e seguro, desde que o general que adotar fazer tais arranjos possa reunir suas forças no momento em que se torne necessário. Ele deve, portanto, fazer suas disposições para que o inimigo não possa se interpor entre as frações em que seu exército foi dividido ...”. “Um general que tem a intenção de tomar a ofensiva, deve montar seu exército em três posições, distantes não mais do que uma marcha um do outro, para, desta forma, enquanto ele vai ameaçar todos os pontos acessíveis a partir de qualquer parte das 25 ou 30 milhas, portanto, mantidas , ele será capaz, de repente, de concentrar todo o seu exército seja no centro ou em uma ou outra asa. O inimigo vai então ser tentado a deixar tropas para defender cada uma das vias de acesso ameaçadas de abordagem, e a tentativa de ser forte em todos os pontos vai torná-lo fraco em cada parte separada. “ “No entanto, cuidadosamente, o inimigo pode ter preparado as suas comunicações entre várias partes de seu exército, ... e no caso de um ataque a qualquer momento, ele não será capaz de se concentrar as suas tropas lá a tempo, se apenas o general atacante ocultou seu plano e seus primeiros movimentos. O general atacante geralmente será capaz de roubar uma marcha, ... enquanto o defensor requer tempo para receber o aviso, a tempo para emitir ordens, e tempo para por em marcha suas tropas ao ponto atacado “. Em 800, Napoleão organizou de forma permanente seu exército em Corpos, os “corps d’armée”. Isto lhe permitiu utilizar múltiplas rotas de avanço e aumentou sua capacidade de viver fora de sua terra, o que o libertou dos constrangimentos logísticos dos quais muitos dos seus inimigos eram prisioneiros. Por sua vez, permitiu que ao Exército francês mover-se rapidamente e distante, e ainda impedir que o inimigo determinasse o seu verdadeiro objetivo. A organização dos Corpos deu segurança a Napoleão em evitar que suas colunas separadas fossem subjugadas. Os Corpos eram compostos de todas as armas do seviço; eram auto-sustentáveis, e podiam combater por si só, até que outro Corpo se juntasse à batalha. Os Corpos tinham seus próprios Estados-Maiores aos quais unidades podiam ser adidas. Poderiam ser adidas de 2 a 4 Divisões de Infanaria com suas artilharias orgânicas e suas próprias divisões de cavalaria e corpos de artilharia, mais as unidades de apoio.Com esta organização, esperava-se que um Corpo fosse capaz de manter seu terreno contra, ou lutar contra um exército inimigo no mínimo por um dia, quando o Corpo vizinho poderia vir em seu auxílio. “Bem manseado, poderia lutar ou, alternativamente, evitar a ação, e manobrar de acordo com as circunstâncias, sem qualquer dano que fosse imposto a ele, porque o adversário não poderia forçá-lo a aceitar um engajamento, mas se decidisse

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fazê-lo, ele poderia lutar sozinho por um longo tempo “ Finalmente, os comandantes de Corpos no Exército de Napoleão operavam segundo ordens tipo missão. Esperava-se que os comandantes operassem em um modo se semi-autonomia usando seus “... próprios melhores julçamentos e experiência de combate, tendo como comum, o propósito estratégico”. O comandante de Corpo seguia um procedimento padrão, quando manobrando sua unidade. Sua linha geral de avanço era ditada pelo Imperador, mas a ele era dada total flexibilidade na escolha de suas técnicas de marcha e formações de batalha. Uma vez engajado, ele seria o responsável por sua luta com o inimigo, enquanto os outros comandnates seguiam o procedimento padrão de marchar em direção ao som dos canhões, a menos que fossem insruídos de forma diversa. A “Grande Armée”, composta de vários “corps d’armée”, podia fazer uso de diferentes formações estratégicas para um avanço: por escalão, com uma ala recusada; em cunha; e e “en potencé”, em que um flanco era reforçado. O desenvolvimento doutrinário considerado mais surpreendente que os “corps d’armée” permitiam Napoleão fazer uso era o de avançar o exército em quadrados de batalhões (bataillon carré). A formação era simples e oferecia uma “... infinita flexibilidade ...” Nesta formação, os Corpos separados deveriam marchar ao longo de estradas paralelas dentro de um ou dois dias de marcha um do outro. Com uma guarda avançada, um flancoguarda esquerda e direita, um Corpo em reserva e uma ativa cavalria como força de cobertura e recohecimento, o exército provia a si próprio todos os meios de proteção e segurança e podia, facilmente se concentrar em qualquer direção, dependendo de qual Corpo que fez o contato inicial com o inimigo. A frente de um “bataillon carré” em avanço podia ser tanto quanto 120 milhas. Este sistema não só forneceu aos franceses um grau de flexibilidade nas operações nuna visto antes, como também foi a chave para enganar o inimigo quanto ao seu verdadeiro objetivo. O “bataillon carré”assustava o inimigo com a possibilidade de um ataque vindo de muitas direções e o forçava a tentar cobrir todas as vias de acesso. Isto também propiciava a Napoleão forçar seus oponentes ao combate, antes que ele estivesse pronto. Não seria necessário saber a exata localização do exército inimigo, por causa da dispersão operacional das forças, pois ist permitia a Napoleão localizar e, então fixar o inimigo, com uma porção do seu exército, enquando os demais Corpos convergiam sobre a sua vítima. Os comandantes oponentes achavam difícil, na melhor das hipóteses, e, geralmente impossível, manobrar para fora do caminho do rolo compressor avançando. Os efeitos dessas mudanças na organização e na doutrina foram profundos na feitura das campanhas das Guerras Napoçeônicas, tornando-as mais rápidas e mais flúidas que aquelas do tempo de Frederico, o Grande. Tais alterações possibilitaram que Napoleão operasse em um ambiente incerto, quando a exata localização do inimigo, permanecia vaga. “ ... pouco importando o ponto da bússola em que o inimigo fosse descoberto ... “ Sua formação lhe permitiu engajar o inimigo em qualquer direção com pelo menos um Corpo, enquanto os outros convergiram para a batalha. Isso lhe deu infinita flexibilidade para mudar de direção de uma só vez e concentrar-se em qualquer lugar dentro de 24 horas tornando a guerra muito mais fluida. Mudar a frente era apenas uma questão de emitir ordens ou de marchar ao som dos canhões. A capacidade de se mover ao longo de várias estradas, encontrar o inimigo, mudar frente e concentrar-se contra ele tornou difícil para o inimigo o evitamento do combate com Napoleão. Esta capacidade de força de combate sobre seus adversários, permitiu a Napoleão ganhar a batalha decisiva que buscava, e a levar uma campanha a uma rápida conclusão. Esta foi uma razão significativa para a rapidez da Guerra Napoleônica.

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Estas mudanças foram perfeitamente reveladas na Campanha de 1806, que resultou na batalha dupla de JenaAuestadt. Em 8 de outubro, Napoleão iniciou seu avanço através da florets de Thuringian, para forçar o Exército prussiano ao combate. Ele avançou em “bataillon carré” com cerca de 180.000 homens em 3 colunas de dois Corpos cada. Os Corpos de cavalaria e a Guarda Imperial seguiram o meio de coluna e a Divisão de bávaros seguiu a coluna da direita. Ele não tinha conhecimento da localização exata do exército prussiano, mas estava confiante de que sua formação lhe permitiria encontrá-lo e lutar contra o inimigo em termos favoráveis. Sua frente estendia-se a 200 quilômetros, quando começou seu avanço. Ele encolheu a frente para 45 km para a passagem através da Floresta da Turíngia, e então ele expandiu para 60 quilômetros, uma vez que a passagem estava completa. Isso manteve os prussianos fora de equilíbrio quando eles dispersaram o exército tentando proteger todas as possíveis vias de abordagem, e os confundiu quanto à localização do corpo principal francês e seu objetivo. Quando Napoleão descobriu o inimigo em seu flanco esquerdo, no dia 13, ele virou o “carré bataillon” à esquerda para trazer os prussianos para a batalha. Em um período “de ... 24 horas Napoleão estava em posição de concentrar 145.500 homens em um ponto decisivo; não é necessária uma melhor prova da excelência da coordenação flexível do sistema bataillon carré”. O exército prussiano, recuando, foi espalhado para fora e pego em um cerco. Napoleão foi capaz de concentrar o poder esmagador contra uma parte do exército prussiano e destruí-lo em Jena, enquanto um de seus corpos sofria ataques desesperados por uma força maior prussiana e, finalmente, conseguiu colocá-lo “para correr” em Auerstadt. Tendo forçado o inimigo a combater em seus termos, derrotou-o, Napoleão começou, então, uma perseguição implacável dos remanescentes do Exército prussiano, outrora orgulhoso. Dentro de 33 dias, ele havia ocupado Berlim e praticamente destruido o Exército prussiano. “Toda a guerra tinha durado apenas sete semanas.” Em 1805, Napoleão avançou contra os austríacos sobre o Danúbio, em Ulm, com sete “corps d’armée” em escalão, ao longo do Reno. Sua frente estendia-se por cerca de 200 quilômetros, mas quando os Corpos giraram para a direita e convergiram sobre o General Mack, sua frente reduziu-se paa 9 quilômetros. O impotente Mack foi pego em uma armadilha antes que ele tivesse qualquer idéia sobre o que estava ocorrendo com ele, e finalmente rendeu-se com 30.000 de seus homens, antes que qualquer batalha importante tivesse sido travada. O sistema de Corpos tinha conseguido um triunfo operacional e até 60.000 soldados inimigos foram feitos prisioneiros durante a campanha. Em 1805, a natureza da guerra tinha mudado drasticamente desde o tempo de Frederico, o Grande. A Guerra Napoleônica tornou-se mais rápida e mais fluida. Duas razões significativas para estas mudanças foram a organização dos “corps d’armée” e o uso do sistema de “bataillon carré”. Estas mudanças, que ocorreram há mais de 190 anos atrás, ainda tem profunda influência em nossas organizações e doutrina atuais.. No tocante à logística, há de se ter em conta que Napoleão aboliu os trens de logística que acompanhavam os exércitos em marcha e que por conterem vários vagões de suprimentos puxados por bois, contribuíam e muito para a diminuíção da velocidade dos°xército em marcha. Nos séculos XVII e XVIII, os militares haviam evoluído um sistema de abastecimento com base na acumulação de suprimentos em contenedores e fortificações que era aumentada por compras feitas a empreiteiros civis que seguram na esteira de cada exér-

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cito. Estes sistemas de abastecimento eram rudimentares na melhor das hipóteses, e não seria possível para qualquer exército sustentar-se a qualquer distância de suas reservas de suprimetos. Esta restrição levou a um sistema de operações militares que eram cuidadosamente planejadas, com muita antecedência, e apoiada pela acumulação de material militar por meses antes do início efetivo da campanha. Uma vez que uma guerra tivesse começado, ela era fortemente influenciada por considerações de abastecimento. Não havia manobras-relâmpago, e as tropas eram obrigadas a marchar centenas de milhas como foi visto na campanha 1805. As guerras deste período eram como um torneio medieval de tartarugas e raramente penetravam profundamente no país de qualquer nação envolvida. Estas guerras eram principalmente guerras de manobra, onde um exército tentava estabelecer-se no território do inimigo em uma posição forte. ... Estas guerras resultaram em uma disputa contínua sobre as províncias fronteiriças que trocavam de mãos a cada poucos anos. Quando a Revolução Francesa eclodiu, o estabelecimento militar francês viu-se submetido a uma grande revolução. A administração logística e seu sistema de abastecimento rapidamente deteriorou, provando-se incapaz de fornecer o apoio logístico necessário aos exércitos franceses recém-levantados. Como resultado, os exércitos franceses viviam, freqüentemente, à beira da inanição. ... Por necessidade, viram-se forçados a cuidar de si mesmos, ua vez que o seu governo tinha se mostrado incapaz de supri-los. O que começou inicialmente como a simples pilhagem do campo por soldados morrendo de fome, rapidamente evoluiu para uma requisição sistemática e o acúmulo de suprimentos em uma determinada área. Um sistema relativamente sofisticado evoluiu, onde as companhias, individualmente, deveriam destacar de 8 a 10 homens sob a direção de um cabo ou um sargento em uma base periódica. Esses esquadrões operavam independentementte do corpo principal por períodos de uma semana ou um dia, o necesáriopara a coleta de suprimentos e materiais necessários para sustentar a sua companhia-mãe. Eles, então, voltavam e distribuíam este material entre seus companheiros. ... No caso dos franceses movendo-se através de território conquistado, houve, raramente, alguma remuneração. No entanto, só raramente foram tomados os suprimentos com o uso da força. Durante os séculos anteriores, os exércitos dependiam de contenedores de suprimentos, e os exércitos de famintos, muitas vezes, moviam-se através das províncias, despindo e desperdiçando muito do que eles encontraram. Em contraste, o sistema francês altamente organizado sofreu menos. O francês tornou-se rapidamente especialista em estimar a capacidade de uma área para suprir um exército e em localizar suprimentos em áreas onde outros exércitos teriam ficado rapidamente famintos se forçados a viver da terra. Essas habilidades tinham permitido aos franceses executar as manobras maciças que lhes deram vitórias esmagadoras em 1800, 1805, 1806, e 1809. Ele também levou à mística que o exército francês poderia ultrapassar qualquer outro exército na Europa. “A habilidade para manobrar estrategicamente tinha sido seriamente prejudicada por anos pela necessidade de organizar longos trens de abastecimento. ... O modelo francês, sem este comboio militar, e tendo a capacidade de viver da terra que eles estavam atravessando, possibilitou que os exércitos marchasem tão rápido quanto as pernas de seus soldados, em vez de seguir no ritmo dos bois puxando as carroças. “(George Nafziger -”. invasão da Rússia por Napoleão “pp 8385, 1998) (No entanto, as tropas francesas foram incapazes de viver da terra em 1812 durante a campanha na Rússia. A Rússia foi descrita por muitos ocidentais como um “deserto”,

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com estradas precárias, poucas cidades e longas distâncias. Havia também o exército russo em retirada e a tática da terra arrasada. Napoleão foi forçado a reorganizar e expandir seu sistema de trem e de abastecimento militar. Supromentos foram armazenadas ao longo dos rios Vístula e Odra. As munições que Napoleão reuniu para sua campanha em 1812 é comparável ao resultado dos esforços das nações fortemente industralizdas, durante a Primeira Guerra Mundial.) Finalmente, a partir do momento em que os exércitosf ranceses passaram a “viver da terra”, desvencilhado-se do pesado e extremamente lento trem logístico puxado por bois, os exércitos puderam ganhar maior velocidade nas marchas, o que, em simbiose com a manobrabilidade possibilitada pelo emprego dos então criados corpos de exército, gerou uma enorme flexibilidade de emprego ao Exército francês. CAPÍTULO 8 A MORAL DAS TROPAS DE NAPOLEÃO. “Cada um de vocês carrega um bastão de marechal em sua mochila; Cabe a vocês retirá-lo de lá. “ — Napoleon Antes da batalha era importante para Napoleão ter definida a moral de suas tropas em um nível muito alto. Napoleão disse: “Não são os discursos no momento da batalha que tornam os soldados mais bravos O veterano mal os ouve, e o recruta os esquecem na primeira descarga Se os discursos e as arengas são úteis, seria durante a campanha que eles deveriam ser realizados ... eles servem, no entnato, para afastar impressões desfavoráveis, para corrigir relatos falsos, para manter vivo um espírito apropriado no acampamento, e para fornecer materias e diversão para o bivaque “. A promoção estava aberta a todos, e não ficava restrita à pequena nobreza e aos aristocratas. Até mesmo um recruta poderia se tornar um general. Estava se dizendo do Exército de Napoleão: “Cada um de vocês carrega um bastão de marechal em sua mochila, e cabe a vocês retirá-lo de lá “. Além da Legião de Honra e das promoções, havia presentes em dinheiro. Um oficial da cavalaria escreveu “... fomos informados por uma ordem do Imperador que, fora as contribuições de guerra exigidas da monarquia [prússiana] ele tinha exigido uma soma de 100 milhões de francos para serem distribuídos entre as tropas. Cada militar do exército fosse ele graduado ou recruta iria receber 15 francos se ele tivesse estado no seio da batalha de Jena, e se ele ivesse estado presente também em Eylau teria direito a 30 francos, e se sua campanha incluiu a batalha de Friedland ele poderia receber 45 milhões de francos. “ (Parquin - “Vitórias de Napoleão” p 91) Quando um pequeno grupo de “voltigeurs” resgatou o oficial Marbot dos espanhóis, Napoleão deu a cada soldado 100 francos! Após a grande vitória em Austerlitz, todos os soldados feridos tiveram uma remuneração extra de 3 meses. Para o comandante, os homens estavam prontos para fazer tudo. Em 1814, o oficial Skarzynski montado e ameaçado aor uma inundação de cossacos, arrancou uma lança “, especialmente pesado” de um deles e - selvagem com a fúria indignada do desespero – impulsionou-se estrada abaixo, batendo cada crânio cossaco que veio ao seu alcance . Mobilizar e cunha atrás dele, seu punhado polonês limpou o campo. No mesmo dia, muito impressionado, Napoleão fez

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Skarzynski um barão do Império. Napoleão sabia como “falar com a alma” de seus oficiais e homens. Em parte ele usava recompensas materiais e incentivos: títulos, medalhas, prêmios; em parte, ele recorria a medidas teatrais para dobrar os homens à sua vontade; mas acima de tudo havia o poder absoluto da sua personalidade ou carisma que emanava de seus olhos grandes, cinzentos que muitos de seus contemporâneos descreveram. Ele era um mestre em gerenciar homens. Ao menos uma palavra de louvor era dita quando da morte de um homem seu; e a menor reprovação poderia levar um granadeiro endurecido às lágrimas. Ministros e marechais admiravam a amplitude de seu intelecto; cidadãos comuns e a soldadesca tornaram-no uma lenda. Todos temiam seus acessos de fúria; todos admiravam suas habilidades nenhum assunto parecia além de seus poderes. Sua memória parecia ilimitada, assim como sua capacidade para o trabalho duro. Essa combinação de qualidades o distinguia dos outros homens, e era a responsável, em grande medida, para que os homens aceitassem a sua vontade, e até mesmo morressem na execução de suas ordens. “Por isso, é que, lembrou o endurecido pela guerra general Vandamme, “que eu, que não temo nem Deus, nem o diabo, tremo como uma criança com a sua aproximação “(Chandler -”. Waterloo - os cem dias “pp 39-40) CAPÍTULO 9 AS MAIORES E MAIS SANGRENTAS BATALHAS DE NAPOLEÃO “De todas as minhas 50 batalhas, a mais terrível foi aquela que lutei em Moscou (Borodino). Nela os franceses mostraram para si mesmos o valor de uma vitória, mas os russos ganharam o direito de não serem conquistados”. - Napoleão A era da Revolução Francesa foi o momento em que as guerras dinásticas tradicionais dos monarcas foram substituídas pelas guerras dos povos. Os exércitos tornaram-se maiores e eles também lutaram batalhas maiores. As guerras com o Exército de Napoleão Bonaparte trouxeram com elas uma destruição nunca antes conhecida no mundo. As batalhas napoleônicas foram as maiores e as mais sangrentas batalhas da história humana. A batalha de Leipzig é também chamada de “A Batalha das Nações” e foi, sem dúvida, a maior delas. Em termos de vítimas (mortos e feridos) apenas as batalhas da Guerra de Sete Anos e da Guerra Civil (nos EUA) podem competir com as batalhas napoleônicas.

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PARTE II CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE ESTRATÉGIA E A GUERRA DE MANOBRA

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CAPÍTULO 10 CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE ESTRATÉGIA E GUERRA DE MANOBRA 4 SUMÁRIO 1. ESTRATÉGIA 2. OBJETIVOS 3. ESTRATÉGIA MILITAR 4. GUERRA DE MANOBRA X GUERRA DE ATRITO 5. GUERRA DE ATRITO 6. GUERRA DE MANOBRA 7. NÍVEIS DE CONDUÇÃO DA GUERRA 8. A GUERRA DE MANOBRA SE APLICA A TODOS OS NÍVEIS?! 9. GUERRA DE MANOBRA NO NÍVEL TÁTICO 10.A GUERRA DE MANOBRA NO NÍVEL POLÍTICO-ESTRATÉGICO-MILITAR 11. DISSUASÃO 12. A GUERRA DE MANOBRA NO NÍVEL OPERACIONAL 13. PLANO DE CAMPANHA 14. CONCLUSÃO 1. ESTRATÉGIA Estratégia, definida de maneira ampla, é o processo de inter-relacionar meios com fins. Quando se aplica o processo a uma particular série de fins e meios, o produto – a estratégia – é uma maneira de usar os meios especificados para alcançar os fins. Qualquer discussão de fins e meios na guerra deve começar por dois pontos básicos. Primeiro, a guerra é uma expressão da política. Os fins ou objetivos de qualquer grupo em um conflito – mesmo que esses objetivos sejam sociais, econômicos, religiosos ou ideológicos em sua natureza – são, por definição, objetivos políticos. Segundo, os conflitos são travados por entidades políticas que têm características únicas e, freqüentemente, objetivos e recursos não similares. A fim de compreender qualquer conflito, deve-se apreciar as maneiras/formas nas quais os meios e fins dos participantes podem variar. 2. OBJETIVOS Os objetivos servem, para efeito de planejamento, como os elementos necessários a serem alcançados u conquistados para moldar o ambiente político a fim de derrotar ou dissuadir o adversário a se engajar em atividades que impactem sobre os nossos interesses. Podemos estabelecer objetivos em vários níveis. Quando se recorre ao uso da força, o nível político elege o objetivo político, geralmente retórico e abstrato e não operativo do ponto de vista militar. O objetivo político é o motivo original justificador do ato de força, sendo portanto o farol, o fim da ação e esforço militar a ser empreendido. Os objetivos militares são a tradução dos objetivos políticos ambíguos e retóricos em objetivos que permitam o desenho de operações militares eficazes. Logo, o objetivo militar orienta o co4 KILIAN, Rudbert Junior. (CMG FN) . Revista O Anfíbio, 2005.

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mandante do teatro na sua seleção dos objetivos operacionais ou de campanha, os quais tendem a ser muito mais substantivos. Cada objetivo operacional implicará em vários objetivos táticos atinentes aos comandantes de forças presentes no teatro de operações. Os planos são formulados em cada nível em resposta à percepção da ameaça aos objetivos; assim, as capacidades militares podem ser obtidas a partir de atividades interconectadas. A lógica funciona também de baixo para cima, só que agora provendo uma visão integrativa: os objetivos táticos irão concorrer para a consecução dos Planos/Ordens de Operação, os objetivos operacionais concorrem para a consecução do Plano de Campanha, os objetivos militares para o Plano de Guerra. Segundo esse fluxo de baixo para cima, os fins a serem atingidos em cada nível de planejamento provêem um claro significado das estratégias, campanhas e táticas formuladas. 3. ESTRATÉGIA MILITAR A estratégia militar representa a maneira de se usar o combate para se alcançar o objetivo político. Ela será mais efetiva quanto menos exigir em termos de tesouro, esforço e lágrimas dos seus cidadãos. A moeda de troca, quando as negociações falham, passa a ser a violência organizada, e o seu uso é função direta do objetivo político a se alcançar, o que deve ser realizado pelas forças na melhor condição custo-benefício para a nação. Existem somente dois fins fundamentais por trás do uso da força militar. O primeiro é sobrepujar fisicamente a capacidade militar do inimigo, deixando-o incapaz de resistir aos desejos do oponente. A outra é infligir tantos danos que os custos associados gerem uma boa vontade de negociar o fim das hostilidades nos termos desejados pelo oponente. A primeira dessas alternativas representa o que habitualmente se denomina “estratégia de aniquilamento”. Na estratégia de aniquilamento, o objetivo militar é ilimitado: busca-se eliminar a habilidade do inimigo em resistir, deixando-o sem condições de se opor à vontade do oponente. A segunda alternativa é denominada de estratégia da erosão. Nela, o objetivo militar é limitado: busca-se somente elevar o patamar de custos associados ao esforço de guerra, desequilibrando a relação custo-benefício e induzindo-o a achar mais atrativo pôr fim às hostilidades nos termos do oponente do que sustentar e continuar o conflito. Os meios na estratégia militar são representados pelo combate real ou virtual que se trava e pelas operações militares visualizadas. Embora seja difícil especificar adiantadamente o conteúdo de uma estratégia militar, é muito mais fácil descrever as questões a que uma estratégia militar deve responder. Primeiro, devemos entender quais são os objetivos políticos e estabelecer os objetivos militares que nos capacitam a cumprir os objetivos políticos. Segundo, devemos determinar qual a melhor maneira de se alcançar os objetivos militares. Por último, devemos traduzir a solução em um conceito estratégico específico. Irá a nossa estratégia resultar na necessidade de múltiplos teatros ou múltiplas campanhas? Quais são os objetivos e metas intermediárias dentro desses teatros e campanhas que irão alcançar nossos objetivos políticos? O conceito estratégico militar incorpora as respostas a todas essas questões e provê o rumo necessário aos comandantes militares responsáveis por implementar a estratégia.

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4. GUERRA DE MANOBRA X GUERRA DE ATRITO O correto entendimento da teoria da guerra determina o estilo de combate prevalente e que por sua vez define a doutrina que todos seguem. Felizmente para a presente discussão, só existem dois trilhos nos quais o trem da teoria pode correr. Embora a divisão não seja clara, o estilo de atrição avoca a superioridade material, a massa e a abordagem direta sobre o centro de gravidade do inimigo; na guerra de manobra se ataca a vontade do inimigo, suas vulnerabilidades críticas e sua coesão, em uma abordagem indireta do centro de gravidade. Vejamos mais amiúde os dois estilos. 5. GUERRA DE ATRITO A teoria da guerra de atrito está essencialmente preocupada com a destruição do inimigo, suas forças tangíveis. Ela busca destruir, de forma direta, o poder de onde emana a força, o centro de gravidade (CG). Por sua vez, é óbvio que o inimigo protegerá com todas a s suas forças o CG; o resultado do choque é puro atrito, causando desgaste desnecessário e exigindo superioridade numérica e de fogos. Os atricionistas perseguem a vitória pela tentativa de destruir as forças inimigas no campo, com foco na batalha – o evento tático onde as forças são engajadas e destruídas. A doutrina, a estrutura da força, a aquisição de meios, a educação do pessoal e o adestramento são condicionados à batalha decisiva, quando o inimigo é instado ao combate e derrotado. A batalha é o método preferido para se ganhar a guerra. O conceito chave na guerra de atrito é aquele determinado por superioridades numéricas e materiais reais ou percebidas no balanço de forças; estimativas de perdas em homens e material, simbolizadas algebricamente representam o parâmetro para a articulação de forças pelos adeptos desse estilo e a confirmação da taxa de perdas do inimigo como indicador de sucesso. As características da teoria da atrição incluem uma ênfase na superioridade numérica da força e foco na tecnologia e equipamento. A atenção primária por todos os comandos está centrada no nível de condução tático e na destruição das forças inimigas pelo impacto e o poder de fogo superior. Os atricionistas vêem a guerra como uma coisa científica, mensurável e definível. O foco é quantitativo, a abordagem é sistemática. Militares atricionistas concentram-se nas capacidades de suas forças por ocasião do planejamento militar, identificando e selecionando os alvos inimigos mas dando pouca atenção e consideração às capacidades e possibilidades do inimigo. Dessa maneira, eles tendem a ser deficientes no que se relaciona ao apoio de inteligência, as estimativas da performance do inimigo e as predições de suas intenções. Nas cabeças dos atricionistas o inimigo é inanimado e impossibilitado. Geralmente, os adeptos da atrição são reativos e não proativos; freqüentemente são previsíveis e dificilmente aceitam riscos. As organizações militares que apresentam características como ataques frontais em massa, grande dependência de fogos de artilharia e campanhas baseadas em bombardeamento estratégico estão associadas ao estilo de atrição. Há vários exemplos de atrição aplicados nos níveis tático e operacional. Por exemplo, o estilo de Napoleão; seu método de rapidamente emassar suas forças para buscar a completa destruição das forças inimigas tipifica um gênio da teoria de atrição. A invasão da Normandia, durante a Segunda Guerra Mundial, embora usando fintas e decepção quanto ao local de desembarque, foi uma maciça abordagem atricionista no nível operacional.

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Cada desembarque sangrento nas ilhas do Pacífico Sul representou uma brutal atrição contra um inimigo determinado. As forças americanas no Vietnã podem ser categorizadas como atricionistas, pois sempre buscaram o engajamento do inimigo no campo de batalha. Durante a operação “Tempestade no Deserto”, os americanos realizaram uma finta operacional por meio de uma demonstração anfíbia no litoral kuaitiano, fixando várias divisões iraquianas; em sincronia, lançaram um ataque terrestre incidindo nas posições à retaguarda e incapacitaram a estrutura de comando e controle iraquiana. Apesar disso, o efeito desejado maior era a destruição das forças militares iraquianas. Tipicamente, o modo de fazer a guerra dos americanos é atricional, dependendo do seu poder industrial para prover máquinas, pessoal, poder de fogo superior, massa e tecnologia. As vantagens decorrentes da aderência à guerra de atrito depende da superioridade em meios e de um inimigo cooperativo. Com superioridade de meios e capacidade logística para pleno abastecimento, uma nação está em boa posição para se envolver em um conflito contra um oponente empregando um estilo similar (simetria), mas menos bem equipado. Outra vantagem intrínseca a esse estilo de combate é a possibilidade de redução do número de baixas por meio do uso maciço do poder de fogo. Os adeptos da guerra de atrito tendem mais ao uso exagerado de munições e explosivos do que arriscar vidas. A teoria da atrição conforma-se dentro da esfera de um controle militar centralizado, detentor de massiva quantidade de poder de fogo e de um poder tecnológico avançado e custoso em função dos imperativos políticos, financeiros e morais, reduzindo assim a iniciativa e a criatividade e podendo afetar a liderança. A previsibilidade e a lógica científica da teoria da atrição torna-a mais atrativa e fácil para aqueles encarregados de a porem em prática, pois é um estilo que envolve menos riscos. Há alguns críticos que até apregoam que esse é o estilo preferido dos militares que têm aversão ao risco e da linha da mentalidade do erro zero, o que pode ser considerado uma hipérbole. No entanto, infere-se que as características inerentes à guerra de atrito restringem as demandas por iniciativa, pensamento independente e inovação.

Nas operações de não-guerra, quando os militares se vêem envolvidos contra oponentes não militares, emergem as falhas do estilo da guerra de atrito. Nessas situações não ortodoxas, o inesperado ou inopinado é a norma, exigindo, portanto, criatividade e inovação da liderança. Um oficial atricionista pode se tornar incapaz de responder a esses desafios. Na tentativa de satisfazer a miríade de detalhes das leis envolvidas nesses casos, é muito mais difícil criar “regras de engajamento” para atender a cada situação envolvida do que incumbir um oficial com latitude mental que possa discernir apropriadamente sobre a decisão a ser implementada e que tenha flexibilidade

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mental suficiente para se manter fiel ao efeito desejado maior. A devoção ao estilo e características da guerra de atrito produz oficiais com dificuldades em pensar de forma criativa, de se desfazer de paradigmas irrelevantes e de ter uma baixa percepção das necessidades futuras. 6. GUERRA DE MANOBRA A guerra de manobra é tão velha quanto o primeiro ataque bárbaro realizado a retaguarda do então Império romano. Sun Tzu captou a essência da guerra de manobra em sua obra “A arte da guerra”, mas quem melhor a explicou foi o falecido coronel da força aérea americana John Boyd em seu estudo sobre o sucesso da aviação de caça americana sobre o oponente no dogfight, na Guerra da Coréia. John Boyd foi o teorizador da guerra de manobra. Boyd era piloto e começou a estudar a sua teoria através da observação dos combates aéreos entre os MIG-15 e os caçadores F-86, durante a Guerra da Coréia. Ele identificou que durante os combates, o F-86 constantemente colocava fora de combate e de manobra o MIG-15, chegou, então, à conclusão de que a causa desta disparidade devia-se a uma série de fatores, destacando-se entre eles o melhor treinamento dos pilotos dos F-86, o fato de que o F-86 era uma aeronave mais poderosa e que o F-86 era mais fácil de ser controlado em vôo. Já os pilotos dos F-86 observaram que quanto mais rápidas fossem as transições realizadas com as aeronaves em combate, e combinadas com maiores habilidades suas, resultavam numa ação mais passiva dos MIG-15, até que caíssem. Boyd atribuiu esta reação passiva dos pilotos de MIG-15 à superior habilidade dos pilotos de F-86 em realizar um ciclo de observação, orientação, decisão e ação (OODA) numa velocidade mais rápida que as dos pilotos de MIG-15.

F-86 Saber

Mig-15

Incapaz de superar o tempo do F-86 em combate, o piloto de Mig-15 perdia o controle de seu ambiente e era espancado psicologicamente antes de ser abatido. O ciclo de decisão, e a velocidade através da qual ele era processado, foram a a chave para a compreensão da aplicação da teoria de Boyd. Este observou que era o ato de passar por este ciclo de decisão em um ritmo mais rápido do que o do seu inimigo, que causava uma série de eventos perturbadores no oponente. E é justamente esta ruptura de decisão do inimigo que Boyd acreditou ser a chave para a vitória e a essência do estilo que veio a ser considerado como guerra de manobra. “O conflito pode, então, ser visto como um ciclo competitivo em termos de tempo de Observação - Orientação - Decisão - Ação. Cada parte em um conflito inicia sua observação. Observa a si mesmo, ao contexto físico que o cerca e ao seu oponente. Baseado na percepção de sua observação, ele se orienta, o que quer dizer que ele captura a imagem

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mental do momento de sua situação. Fundamentado em sua orientação, ele decide. Em seguida, ele implementa a decisão, isto é, age, transformando a dinâmica mental em ação concreta. Sua ação, por sua vez, muda a situação corrente; logo, ele realiza uma nova observação, começando um novo ciclo dentro de uma ação tática, operação ou campanha. Aquele que for capaz de realizar mais rapidamente o(s) ciclo(s) decisório(s) interferirá no ciclo decisório do oponente, desorientando-o, tornando efêmera sua (re)ação e, portanto, quebrando a sua coesão mental e capacidade para decidir apropriadamente; a variedade de ações turbulentas e rápidas, apresentadas de forma distributiva no tempo e no espaço, induzirá o inimigo, inexoravelmente, a perder a vontade de lutar e resistirmaterialmente, pois já foi derrotado sistêmica e mentalmente.

Em contraste com a guerra de atrito, a guerra de manobra intenta destruir a coesão da força inimiga, afetando sua estabilidade mental, moral e física. Transformar idéias em ações rápidas (velocidade) e em um ritmo (aceleração) que gere paralisia nos níveis decisórios do inimigo. Ser fluido como a água, que em seu caminho evita superfícies e corre pelas brechas. Fazer soçobrar sua vontade de lutar sem desembainhar a espada é o ápice da competência assegurada por essa filosofia. Uma das características da guerra de manobra é a descentralização. Para uma força atuar de forma descentralizada, ela deve ser flexível, isto é, capaz de rapidamente se adaptar ao ambiente fluido do combate. A arquitetura de comando e controle deve ser ampla e dimensionada para reduzir os efeitos da fricção. Nos diversos escalões, todos os líderes devem conhecer os efeitos desejados dois níveis acima, os quais ficarão expressos na intenção do comandante. A rapidez e a velocidade das decisões e ações no tempo e espaço (Manobra), dentro de uma ambiência de grande iniciativa e confiança (Moral), serão os fatores que gerarão a sinergia que assegurará a agilidade dos ciclos decisórios, impondo um ritmo que irá degradar a capacidade sistêmica, moral e mental do inimigo para lidar com o aparente caos reinante. A guerra de manobra dá importância à qualidade, confiança e independência de pensamento e ação; por isso, a tarefa da missão é atribuída em termos do efeito desejado. Isto faz aumentar a legitimidade da autoridade e as demandas dos líderes subordinados, institucionalizando um processo pelo qual a norma é

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os subordinados assumirem ampla iniciativa e flexibilidade. Por conseguinte, é impositivo que a liderança permeie todos os níveis e uma forte desvinculação a padrões e fórmulas. A teoria da guerra de manobra é mais arte do que ciência; ela não oferece fórmulas para vitórias. Portanto, nem sempre é bem recebida em sociedades e organizações militares orientadas tecnologicamente. A guerra de manobra emprega a tecnologia, mas não a tem como fator preponderante. Se uma nação é rica, avançada tecnologicamente e materialmente superior aos seus inimigos potenciais, talvez possa assumir que a guerra de manobra não seja conveniente aos seus propósitos. Muitas nações ocidentais não vêem com bons olhos a busca por vulnerabilidades críticas do inimigo e a perseguição da vitória pelo menor custo, atribuindo tal conduta à covardia e à fraqueza. A guerra de manobra envolve riscos para os comandos mais elevados, pois as decisões críticas serão tomadas pelos comandantes presentes na cena de ação e devido à intangibilidade dos objetivos, oque, pragmaticamente, nem sempre é bem aceito. O sucesso da implementação da guerra de manobra é dependente do nível de confiança existente em toda a cadeia e estrutura de comando, da liderança e da habilidade e competência dos oficiais em vislumbrar soluções criativas para os problemas. Indubi-tavelmente, é necessário uma forte tradição militar, espírito de corpo arraigado e uma educação esmerada na arte militar para aqueles que optam pela guerra de manobra como estilo de combate. 7. NÍVEIS DE CONDUÇÃO DA GUERRA A teoria da guerra não admite que haja uma partição da guerra por níveis ou por vertentes como se houvesse guerra estratégica, guerra operacional, guerra tática, guerra naval, guerra terrestre ou guerra aérea. A guerra é uma totalidade. A natureza da guerra é imutável e está centrada no gênero humano, em que o racional e o irracional estão presentes e vêm à tona sob a forma de violência. A forma de se conduzir e de se fazer a guerra é que sofre alterações dependendo do estágio de evolução da sociedade e da tecnologia disponível. Em dado momento da história, em função da especificidade dos meios emprestados à guerra moderna, o espaço de combate tornou-se de tal maneira complexo, gerando a necessidade de instâncias decisórias e de planejamento específicas de modo a realizar uma melhor gestão do combate. Nada mais, nada menos do que um arranjo pragmático. Assim, é lícito admitir que existam diferentes níveis na “condução da guerra”. Os níveis de condução estratégico e tático estiveram presentes nas guerras durante o curso da história. Em tempos tribais e dinásticos, a raiz da guerra era representada pela sobrevivência, pela rivalidade e pela disputa por recursos. Chefes de clã, de tribos, reis, príncipes, nobres e bárbaros agiam como procuradores, legítimos ou ilegítimos, de seus grupos políticos e faziam a guerra, muitas vezes, até por interesses pessoais. Os exércitos eram constituídos por tropas mercenárias ou por homens que eram atraídos pelos lucros dos saques e da pilhagem. Não havia organização logística e o campo de batalha era reduzido; usavam-se espadas e lanças e predominava o combate corpo a corpo. A tática era simples e dominada por formações lineares. A essa época, o condutor político era o próprio condutor militar e a guerra não afetava a população civil. A forma de se fazer a guerra refletia a sociedade de então, rudimentar e limitada. Nesse tempo havia dois níveis de condução: o estratégico e o tático. A Revolução Francesa e o advento do Estado-Nação, juntamente com a revolução

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industrial, geraram uma revolução nos assuntos militares. A criação do Estado-nação fez com que as pessoas partilhassem os mesmos valores étnicos e culturais. As novas concepções de soberania nacional e o direito de autodeterminação, implícitos na Declaração dos Direitos do Homem e a subseqüente abolição dos privilégios feudais, bem como a substituição do homem pela máquina e a emergência do etnocentrismo foram o combustível para as mudanças na forma de conduzir e de se fazer a guerra. Um novo soldado, uma nova oficialidade e um novo exército surgiram e com eles uma nova forma de guerra. O soldado estava imbuído dos novos direitos e oportunidades, acreditava que defendia os interesses do Estado. A conscrição universal fora adotada. A oficialidade antes composta de nobres e mercenários, recebeu a classe média, o mérito passou a reger as carreiras. A “performance” era caracterizada pelo zelo, atividade, inteligência, virtudes militares e bravura. Os exércitos passaram a integrar mais de 500 mil homens, o conceito de armas combinadas, o corpo de exército e a divisão foram criados. As ordens eram dadas pelo efeito desejado. Passaram a existir comandos intermediários e reservas estratégicas, bem como foram incrementadas a mobilidade estratégica e a logística. A linearidade do combate tornou-se obsoleta. As divisões e corpos de exércitos, integradas por tropas de infantaria, cavalaria artilharia e outros serviços, marchavam separados e se concentravam sobre o inimigo. A guerra de limitada passou a ser ilimitada, quando toda a população foi envolvida. Os espaços de batalha foram largamente ampliados. As opções operacionais se multiplicaram. Nesse contexto, pode-se constatar a existência detrês níveis de condução da guerra: o estratégico, o operacional e o tático. Napoleão conduzia o nível estratégico-militar e, por vezes, acumulava a condução operacional no teatro principal; nos teatros, os marechais manobravam a campanha e, no nível tático, os generais decidiam e planejavam as batalhas. Desde então, admite-se três níveis de condução em quase todas as forças armadas do mundo. Vejamos, agora, as particularidades desses três níveis. O nível tático é o mundo do combate. Os meios da tática são os vários componentes do poder de combate à disposição. Suas formas são os conceitos pelos quais se aplica o poder de combate contra o oponente. Sua finalidade é a vitória: derrotar a força inimiga que se opõe. A esse respeito, pode-se afirmar que a tática é a disciplina de vencer batalhas e engajamentos. O nível de condução tático inclui atividades de planejamento e decisões que dizem respeito a manobra de forças em contato com o inimigo para obter uma vantagem, a aplicação e coordenação de fogos dos sistemas de armas, a sustentação de forças no combate, a exploração do sucesso para selar a vitória, a combinação de diferentes sistemas de armas, a coleta e a disseminação de informações de combate pertinentes e a aplicação técnica do poder de combate em uma ação tática, tudo para derrotar o inimigo. Embora os eventos no combate formem um contínuo, cada ação tática, maior ou menor, pode ser, genericamente, vista como um episódio em um espaço de combate e tempo limitados. O nível operacional consiste nas atividades decisórias, de planejamento e referentes à logística dentro de um ou mais teatros de operações. Cabe a este nível conceber e explorar uma variedade de ações táticas, de modo a alcançar o objetivo estratégico. Na sua essência, o nível operacional governa o desdobramento de forças, a aceitação ou negação do combate e a seqüência de ações táticas a serem realizadas. A campanha é a forma e a ferramenta básica na qual o comandante operacional traduz ações táticas em resultados estratégicos. A finalidade do nível operacional é alcançar o fim estratégico.

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Ambos, os níveis tático e operacional são preponderantemente de domínio militar. O nível estratégico-militar de condução da guerra envolve as atividades de planejamento e decisões que dizem respeito ao estabelecimento de objetivos militares estratégicos, a alocação de recursos, a imposição de condições sobre o uso da força e o desenvolvimento de planos de guerra. Nesse nível, buscam-se as respostas para as seguintes perguntas: “Quais são os objetivos da guerra? Quais as alternativas de ação? Quais as perspectivas de vitória? Quais necessidades devem ser atendidas?”. É óbvio que este nível é representado pelo mais alto escalão militar, o qual vai dialogar com o condutor político de modo que haja uma perfeita comunhão e convergência de esforços. 8. A GUERRA DE MANOBRA SE APLICA A TODOS OS NÍVEIS?! Sim, por ser uma filosofia ou estilo de combate que privilegia e assegura uma forma inteligente, econômica e eficiente de combater, seja em termos de recursos financeiros ou em número de vidas. Ademais não há qualquer restrição que impeça a aplicação dos princípios norteadores da guerra de manobra em qualquer nível de condução da guerra. Vontade, intelecto, iniciativa e oportunismo são virtudes que se aplicam em todas as instâncias. 9. GUERRA DE MANOBRA NO NÍVEL TÁTICO No nível tático, a implementação da guerra de manobra agrega grande valor ao dar impulsão, ritmo e agressividade às ações a serem executadas, mas sofre restrições por estar circunscrita a um tempo e espaço limitados. O seu maior atributo é a liderança e a ambiência de confiança que deve permear todos os níveis, impactando, sobremaneira, no plano moral. Seus vetores: a rapidez, a agilidade e a determinação. Sua síntese: trabalhar de forma ordenada no caos aparente, impondo a derrota ao inimigo. Ao atribuir a tarefa pelo efeito desejado, ou seja, dizer “o que fazer” sem detalhar o “como fazer”, cria-se uma atmosfera de responsabilidade compartilhada e coesão pois aumenta-se a proximidade e número de figuras de autoridade, bem como o respeito subjetivo do subordinado em relação à autoridade. É fato, também, que a compreensão dos efeitos desejados dois escalões acima fornece o amálgama que resultará em uma convergência de esforços inimaginável. A liberdade de ação privilegia o exercício da iniciativa e a criatividade nos subordinados, favorecendo a exploração das oportunidades criadas no campo de batalha, materializando-se na ênfase do princípio da surpresa. Muitos críticos podem alegar que a citada sinergia impede o exercício do comando e controle, podendo advir daí a total imprudência. Terão total razão em sua alegação, caso os quadros sejam integrados por tropa não profissional e sem qualidade. Caso contrário, ter-se-á uma força incontrolável de se lidar. Este é o grande dilema da escolha pelo estilo da guerra de manobra: os riscos envolvidos e a confiança exigida. A mania de comando na tentativa de impor-se, pelos chefes, gera um estado de inércia nos subordinados, contribuindo para uma mesmice repetitiva nos elos da cadeia de comando. A guerra de manobra na ação tática materializa-se pela vitória no combate, na batalha. Em uma visão simplista, tudo se reduz à aplicação técnica do poder de combate. O engajamento tático é apenas um episódio dentro de um espaço e tempo limitados. Sua repercussão, por conseguinte, não terá sentido se visto de forma isolada.

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De modo tabular e tangível, as formas de manobra, na guerra de manobra, são reduzidas, podendo variar do desbordamento simples ao envolvimento duplo; da defesa móvel à ação retardadora. As técnicas de movimento e as formações das diversas unidades, subunidades e frações constituídas também são quantificáveis. Mas, matematicamente, as possibilidades, em termos de movimento, serão produto das combinações das variáveis consideradas, o que eleva o patamar do leque de opções a uma ordem de grandeza considerável. Multiplique-se a isso os ciclos de tempo, de espaço e da velocidade no espaço e tempo (momento). Paralelamente, considerem-se as variáveis intangíveis como liderança, moral, raiva, ódio e paixão. Nenhuma modelagem matemática conseguiu expressar com exatidão o poder de combate. O presente raciocínio quer evidenciar a multitude de possibilidades existentes que, por certo, superam o estilo da guerra de atrito e que impactam, em amplitude e profundidade, nos domínios físico, moral e sistêmico do oponente. No entanto, é necessário compreender que um engajamento ou uma batalha é apenas um episódio espaço-temporal dentro de um universo maior da campanha; logo, pode-se inferir que embora no nível tático haja efeitos sinérgicos resultantes da guerra de manobra, eles são limitados. Nesse nível de condução, sobressai a liderança como requisito fundamental para a implementação da guerra de manobra e ficam validadas as mudanças na educação, instrução e adestramento. Finalmente, a história e a lógica indicam que o brilhantismo tático raramente supera a incompetência operacional e estratégica. Não se deve nunca ver a tática isoladamente, sob pena de se perder o contexto. 10. A GUERRA DE MANOBRA NO NÍVEL POLÍTICO-ESTRATÉGICO-MILITAR No nível político-estratégico de condução, exclusivo e de domínio dos políticos, a guerra de manobra configura-se quando o axioma básico de Sun Tzu é atendido, ou seja: derrota-se o inimigo com a espada embainhada. Em uma perspectiva ampla, isto significa dizer que não há a concretização da ação bélica, sendo seu uso (poder militar) limitado apenas para reforçar a credibilidade das intenções políticas que foram tomadas nos demais campos do poder, com preponderância da diplomacia. É óbvio que o assunto refere-se a crises político-estratégicas e situa-se no espectro da guerra aquém do conflito armado e onde prevalece o combate virtual das lideranças políticas dos atores envolvidos e há a manipulação de riscos com o intuito de atender a vontade nacional e maximizar poder em função dos interesses envolvidos. Se a manobra de crise, por parte dos condutores políticos (gabinete de crise), for correta, não haverá confronto militar. Salvo melhor juízo, toda vez que a condução política opta pelo uso da força, na defesa dos interesses da nação, tem-se um sinal indicador da opção pela guerra de atrito no nível de condução estratégico. A capacidade de engendrar e moldar eventos que favoreçam os interesses do Estado está diretamente relacionada ao entendimento do que seja guerra de manobra no nível político e neste domínio não há limites para a criatividade. Em tempos passados, uma ferramenta dessa arte foi a “política das canhoneiras”. Hoje, à luz dos construtos teóricos existentes, tal ferramenta é conhecida como dissuasão.

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11. DISSUASÃO Pode-se dizer que dissuasão é o efeito gerado quando existem duas vontades em choque acerca de interesses comuns em um jogo de soma variável (ambos podem ganhar ou o que vai ser ganho ou perdido vale a pena). Aqui, um partido busca obter uma vantagem sobre o seu oponente, mas antes de fazê-lo avalia a relação custo x benefício e, em função dessa relação, aciona ou não algum mecanismo de poder para fazer valer sua vontade. Quando o partido é demovido de realizar uma ação concreta por convicção de que o seu objetivo não corresponde às conseqüências a serem geradas, diz-se que houve efetiva dissuasão. De acordo com os raciocínios expostos, é lícito admitir que a possibilidade de dissuasão somente existe se houver uma relação de poder e força, envolvida em uma disputa por interesses ou objetivos, por parte de dois ou mais atores, na qual um ator ou aliança desiste de efetivar uma ação concreta contra o oponente, por considerar fora de propósito, haja vista a desproporção entre os custos envolvidos e o seu objetivo. Para um ator gerar a dissuasão, há necessidade imperativa de que ele possua capacidades intrínsecas de causar danos ao oponente e que essas capacidades possuam visibilidade e tenham, ao mesmo tempo, credibilidade, ou seja, signifiquem ameaças em potencial, bem como o(s) objetivo(s) ou interesse(s) em jogo tenham valoração distinta entre os contendores. A dissuasão não está restrita somente ao uso das ferramentas militares, mas sim de todas as formas de poder passíveis de serem expressas como ameaças tangíveis e intangíveis, capazes de gerar danos ou elevar o patamar de risco de um suposto agressor ou oponente. Uma retaliação ou uma represália são ações que se sucedem a uma agressão manifesta, sendo, portanto, sinais evidentes de fracasso da dissuasão. Assim, pode-se afirmar que todo fato ou ação geradora de uma percepção negativa na mente de um eventual oponente em sua escala de valores e que acarrete desproporção entre o seu intento e o esforço para alcançá-lo, fazendo-o desistir do seu intento, gera um efeito dissuasório. Como a percepção se dá no campo cognitivo, a dissuasão é composta de fatores tangíveis e não tangíveis, bem como ativos e passivos. Uma declaração de um Chefe de Estado pode ser mais dissuasória do que a realização de uma demonstração de forças militares ou uma sanção econômica. Acrescenta-se, ainda, que a dissuasão é gerada a partir do emprego de todas as ferramentas que compõem a pletora de poder de um ator, nação e Estado, sendo que a utilização dessas ferramentas pode ser implementada conforme vários arranjos que devem ter relação direta com os objetivos políticos. Em termos de geração de percepção de dano militar a outro ator, no campo convencional, não há nada mais convincente do que a existência de um núcleo de forças integradas de pronta-resposta, baseado nas premissas de versatilidade, flexibilidade e adaptabilidade, com alto grau de adestramento e configurado em tecnologias no estado-da-arte, para ser empregado em qualquer contingência que surja durante o manejo ou gerenciamento de crise. Em termos não convencionais, a capacidade nuclear ou de armas de destruição em massa continua a ter primazia sobre todas as demais.

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12. A GUERRA DE MANOBRA NO NÍVEL OPERACIONAL No nível operacional, domínio dos comandantes de teatros e, por conseguinte, da primazia militar, a execução da campanha representa o exercício da arte do comandante e delineia a frágil linha que separa o tolo do sábio, o sucesso do fracasso e a vitória da derrota – tudo depende dos arranjos organizacionais e da dinâmica (velocidade e ritmo) da série de engajamentos previstos (novas situações) no desenho da campanha para fazer soçobrar a coesão e a vontade de lutar do inimigo. Primeiramente, deve-se assinalar que a meta da guerra de manobra no nível operacional deve ser alcançar o objetivo da estratégia com um mínimo de combate, reduzindo a luta às menores proporções possíveis, diferentemente da guerra de atrito, quando prevalece a obtenção do fim estratégico pela atrição, tal qual a campanha americana no Vietnã. As dimensões tempo e espaço, neste nível, são mais amplas e distintas; logo, o comandante operacional deve alargar sua perspectiva além dos limites imediatos do combate. Antecipadamente, ele busca moldar os eventos para criar as mais favoráveis condições para as futuras ações de combate que ele decidir lutar. Similarmente, ele busca antecipar os resultados do combate e estar preparado para explorá-los. O comandante operacional assemelha-se a um jogador de xadrez e deve possuir a habilidade de rapidamente extrair a essência da situação, onde a mente comum não conseguiria, ou perceberia somente após longo estudo e reflexão. É como um jogador de xadrez: não se pode mover uma peça sem considerar as reações ou antecipações do inimigo, sejam elas prováveis ou improváveis. As circunstâncias variam enormemente na guerra e são tão variáveis que uma vasta gama de fatores tem de ser apreciada tão somente à luz das probabilidades. O homem responsável por examinar toda a situação deve agregar a essa tarefa a qualidade da intuição que percebe a verdade em todos os pontos. Caso contrário, um caos de opiniões e considerações podem surgir e, fatalmente, confundir o julgamento. O que essa tarefa requer no atinente aos mais altos atributos intelectuais é um senso de homogeneidade e um poder de julgamento, animados por uma grande e profunda visão e esta facilmente sabe discernir o mais importante dentre uma série de possibilidades e alternativas. A par disto, juntem-se as qualidades de caráter e temperamento. Em suma, é importante ter em mente que a conduta da guerra no nível operacional é muito mais uma arte do que uma ciência. Logo, não há receitas a ensinar a um futuro comandante operacional, deve-se apenas educar a sua reflexão ao longo da carreira. Pode-se dizer que um comandante bem sucedido tem: => “coup dóeil”, para avaliar a situação correta e instantaneamente; => coragem moral, para assumir a responsabilidade de suas decisões; => perseverança, para prosseguir em situações desfavoráveis; e => liderança, para conduzir e restaurar forças. O exercício da arte na condução do nível operacional se manifesta na correta identificação do(s) Centro(s) de Gravidade do inimigo, centro de seu poder e movimento; nas capacidades críticas que sustentam o CG; na criação e moldagem dos engajamento táticos, batalhas e operações, buscando a geração de oportunidades e transformando capacidades críticas em vulnerabilidades críticas a serem atacadas; cuja seqüência deve ser ordenada e sincronizada dentro dos fatores espaço, tempo e ritmo e convergentes em esforço; condicionadas aos recursos e limitações impostas pela política e com emprego

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da surpresa de forma a gerar paralisia e incapacidade do CG visualizado, possibilitando alcançar os objetivos operacionais estabelecidos. A concepção do Plano de Campanha sintetiza toda essa arte. 13. PLANO DE CAMPANHA O plano de campanha é a tradução em palavras das ações vislumbradas pelo comandante para realizar sua parte no esforço de guerra desde a preparação até a seqüência de operações inter-relacionadas para atingir o efeito desejado final que garanta alcançar o objetivo estratégico. O plano de campanha é um mecanismo para prover foco e direção aos subordinados que executam missões táticas. O plano de campanha deve evidenciar o objetivo estratégico. Ele deve descrever, tanto para os comandos subordinados e superiores, o efeito desejado final que irá garantir aquele objetivo estratégico, o conceito e o intento da campanha, uma seqüência de fases (tentativa) e os objetivos operacionais que levarão ao sucesso, bem como os conceitos gerais das funções de apoio chaves, especialmente um conceito logístico que sustente a força ao longo de toda a campanha. O conceito logístico é vital, já que a logística, talvez mais do que as outras preocupações operacionais, pode ditar o que é operacionalmente possível. O plano pode descrever as fases iniciais da campanha com alguma certeza. Mas o desenho das fases consecutivas tornar-se-á mais genérico, já que a incerteza e a situação torna-se crescentemente mais imprevisível. A campanha deve permanecer flexível o tempo todo. Entretanto, a fase final, a antecipada ação decisiva que irá atingir o sucesso final e sobre a qual toda a campanha se alicerça deve ser claramente visualizada e descrita. O plano de campanha estabelece eventos e tentativas e torna-se uma medida de progresso: final e imutável; mas isso não quer dizer que ele seja um cronograma de ações. Até o objetivo final ser alcançado, deve-se continuamente adaptar-se o plano de campanha aos objetivos que mudaram (tanto nossos como do inimigo), aos resultados, aos recursos e aos fatores limitativos. Tal qual outro plano qualquer, o plano de campanha é um plano de dados que se edifica de acordo com a necessidade e a oportunidade. 14. CONCLUSÃO Ainda convivemos com a concepção do Estado-Maior napoleônico e as suas seções seguindo a divisão do trabalho ditada pela escola de administração clássica, sem incorporar a variável mais importante do combate atual: o fator tempo. A exposição do assunto evidenciou que no nível político-estratégico existe uma pletora de recursos que caracterizam a implementação da guerra de manobra antes de se lançar mão da força militar. Toda vez que o condutor político faz uso da força implica, em nosso entendimento, que a política falhou e, portanto, a guerra de atrito vai ser implementada. Propositadamente, o nível militar-estratégico não foi abordado anteriormente, haja vista que, na instância considerada, o entendimento do que seja a guerra de manobra nesse nível, no meu ponto de vista, se reduz à adoção de uma postura bastante madura na relação com o nível político-estratégico e que posicione muito bem o condutor político quanto às suas opções e objetivos políticos. Caso o condutor político fixe um objetivo inexeqüível, impossível de ser alcançado com os meios colocados a disposição do instru-

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mento militar, o interlocutor militar deve alertá-lo para o fato e assessorá-lo para que mude o objetivo político. Em suma, conter essa possível tentativa do poder político, adequando o objetivo político à natureza e às limitações do instrumento militar facilitará a guerra de manobra; caso contrário, será pura atrição e derrota. Clausewitz afirma, enfaticamente, que devem haver ações concordantes dos setores político e militar, embora não os considere equivalentes. O comandante militar deve ser membro do Gabinete, de modo que o corpo político possa receber a adequada assessoria nos aspectos da atividade militar. O comandante militar, também, tem o direito de pleitear que os rumos da política sejam coerentes com os meios que lhe são colocados à disposição. Na guerra, os meios e as ações militares devem traduzir o propósito político, não devendo substituí-lo nem obliterá-lo, de modo a tornar a guerra racional e utilitária. Em suma, é importante ter em mente que a conduta da guerra no nível operacional é muito mais uma arte do que uma ciência. Assim, o relacionamento entre políticos e militares deve ser pautado na parceria durante as estimativas políticas, cabendo ao corpo político buscar um propósito político adequado, que represente as aspirações legítimas da sociedade. Caberá ao militar a fixação de um propósito militar que traduza o propósito político e a avaliação de sua exeqüibilidade, competindo-lhe, se for o caso, restringir o propósito político, quando os meios disponíveis para a condução da guerra não forem compatíveis. No nível tático, mostrou-se que a guerra de manobra é plenamente aplicável e fica circunscrita apenas por limitações de espaço e tempo. Nesse nível, o resultado da aplicação da guerra de manobra terá como significado uma sinergia no poder de combate pela impulsão e agressividade inerentes a esse estilo. O nível operacional é a instância em que a guerra de manobra se aplica em toda a sua essência, pois no exercício da arte o comandante terá que possuir intuição e julgamento superiores e arquitetar e sincronizar as operações necessárias para alcançar o objetivo militar com a maior eficiência possível. A preservação da liberdade de ação e a sinergia geradas, bem como a sincronização das operações no tempo e espaço, irão gerar vários dilemas e reduzir as opções da força inimiga, ocasionando a sua desestruturação sistêmica e degradando suas capacidades. O comandante operacional deve ser capaz de influenciar mais gente espalhada em espaços maiores, logo, ele deve ser carismático e possuir forte personalidade. Liderança no nível operacional requer clareza de visão, fortaleza de vontade e extrema coragem moral; mais do que isto, ela requer habilidade de comunicar esses traços clara e poderosamente por meio da cadeia de comando, já que cada nível exerce uma fricção na comunicação efetiva. Em função do contexto e conjuntura socioeconômica vivida e das projeções de futuro, é difícil se opor a adoção de um estilo de combate que independe de superioridade numérica e recursos infinitos para alcançar a vitória. A aplicação da guerra de manobra nos níveis elevados de condução da guerra significa menos perdas de vidas e dinheiro dos nacionais e contribuintes. Por outro lado, é importante dizer que a guerra de atrito não está banida; certamente, ela tem aplicação em certas instâncias e situações e conviverá ao lado da guerra de manobra; mas, em termos comparativos, ela integrará o todo do combate em menor proporção.

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PARTE III AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS E A GUERRA DE MANOBRA

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INTRODUÇÃO AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS Das grandes guerras ocorridas na história, as guerras napoleônicas estão, entre as mais importantes, pois influenciaram o destino de muitos países, inclusive o Brasil. A conturbada relação entre os revolucionários franceses e as monarquias européias fez com que os reinos da Áustria e da Prússia, em 1792, criassem uma aliança para reaver o trono da França, conhecida como primeira coalizão ou coligação. A resposta do Diretório, órgão máximo da república francesa veio, com a organização inúmeras tropas para o combate, dentre elas uma enviada para a Itália comandada pelo jovem Napoleão Bonaparte, que com grande agilidade em seus movimentos alcançou inúmeras vitórias em Lodi, Castiglioni, Árcole e Rívole em 1797. Com essas outras conquistas a primeira coalizão viu-se estraçalhada. Sobrava apenas a Inglaterra, que insistia sozinha em lutar contra a França. Com a intenção de arruinar o poder inglês no Oriente Médio, Napoleão planejou a conquista do Egito. Desembarcou no delta do Rio Nilo, derrotando os mamelucos que controlavam esta região na famosa batalha das Pirâmides, porém, logo após a invasão da cidade do Cairo, os franceses ficaram imobilizados, pois haviam perdido a sua esquadra na batalha naval de Abukir. Com a notícia da formação de uma nova coalizão, Bonaparte e seu exército viram-se forçados a retornar para a França. O retorno das forças francesas foi o trunfo que levou a mais uma vitória sobre a aliança das monarquias européias. Esta deu a Napoleão Bonaparte, recém nomeado cônsul pelo golpe 18 Brumário, uma grande fama entre as massas, levando em 1804 o Senado, em conjunto com um plebiscito, declará-lo imperador da França. Os ideais da revolução francesa se expandiam por todoa o continente europeu, o que causava um desequilíbrio nas demais nações européias. A paz perdurou na Europa por mais alguns anos, até que se formou uma outra coalizão. Realizando um contra-ataque, os franceses se dirigiram contra a Áustria. Após atravessar o rio Reno, o exército inimigo se rendeu, e com a sua entrada triunfante em Viena a França pôde comemorar uma de suas mais rápidas campanhas; os russos e austríacos foram derrotados logo depois, em Austerlitz. A Prússia promoveu pouco depois a quarta coalizão, que foi derrotada em Iena. Entrando em Berlim, Napoleão decretou o “Bloqueio Continental” para acabar com a economia inglesa. A Rússia, outrora aliada dos prussianos, passou para o lado francês. Porém, nem todos os Estados europeus aceitaram o bloqueio. Um deles foi Portugal, antigo aliado da Inglaterra, que teve que transferir a sua corte real para o Brasil, devido à invasão das tropas do General Junot. A Espanha aliou-se à França, fazendo a Inglaterra atacar as colônias espanholas na América e no Caribe, o que gerou uma crise interna. Vendo que sua aliada estava com grandes problemas, Napoleão derrubou o rei espanhol e colocou no lugar seu irmão José Bonaparte o que forçou o povo a voltar-se contra ao imperialismo francês gerando carnificina na Península Ibérica. Essa revolução inspirou as demais nações européias a rebelar-se contra o império napoleônico. O czar (imperador da Rússia) ficou encolerizado com Napoleão e para provocá-lo abriu seus portos aos ingleses, dando início a guerra. Bonaparte arregimentou mais de 500.000 homens, constituindo assim o famoso “Exército das 20 nações”. Os russos sempre evitaram grandes batalhas, por isso recuaram devastando plantações e cidades que

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poderiam dar abrigo às tropas inimigas. Vencedores em Moskova, os franceses se apoderaram de Moscou, que foi parcialmente incendiada pelos próprios russos. Esperando pelo seu grande aliado, o “general inverno”, o czar atrasou as propostas de paz. O inverno veio. Napoleão optou pela retirada tarde demais, então expostos ao frio e à fome e perseguidos pela cavalaria russa, os soldados franceses pereciam aos milhares. Após este desastre, os inimigos da França se uniram novamente em uma nova coalizão, e esta reuniu novo exército às pressas para tentar se defender. Os aliados foram vencidos em alguns conflitos, mas em Leipzig, na batalha das Nações, Napoleão sofreu uma irreparável derrota, que pôs em cheque o império francês. O fracasso em Leipzig foi tão evidente que os aliados entraram em Paris no ano de 1814. O Imperador ainda tentou abdicar em favor de seu filho, mas o senado já havia dado o trono a um irmão de Luís XVI, que recebeu o nome de Luís XVII. Após fugir do exílio na ilha de Elba, Bonaparte foi aclamado pelos exércitos que iam prendê-lo. Em Paris, depôs Luís XVII e restabeleceu a ordem no império; essa empreitada durou cerca de cem dias. Reunidos no Congresso de Viena, os adversários o declararam fora da lei e estabeleceram uma ultima coalizão contra a França. Forçado a abdicar do trono, em 15 de julho de 1815, Napoleão invade a Bélgica com 124 mil soldados, dando início a batalha que selou o destino europeu: Waterloo. O único trunfo do general Napoleão Bonaparte era de obter a vitória sobre os seus inimigos separadamente, antes que eles conseguissem se reunir. As tropas inimigas que ocupavam a área eram compostas por ingleses, prussianos, belgas, alemães e holandeses. O objetivo de Napoleão era render os inimigos para forçar algum armistício. A tarefa não era fácil. O exército anglo-alemão contava com 93 mil homens, sob o comando do Duque de Wellington. Os prussianos tinham 117 mil homens, liderados pelo general Blücher. Para vencer os franceses deveriam atacar, mas devido ao fracasso do general Grouchy, eles foram atacados pela retaguarda, forçando a rendição da França. Sob custódia inglesa, o famoso e brilhante general Napoleão Bonaparte foi enviado a ilha de Santa Helena onde morreu, em 1821, dando fim a era napoleônica. As guerras napoleônicas conseguiram difundir os ideais iluministas da revolução francesa, com o enfraquecimento das monarquias européias que após a Primeira Guerra Mundial seriam depostas dando lugar as repúblicas democráticas fundadas nesses ideais, que até então não tinham uma forte expressão no mundo, contribuindo assim, com muitas as revoltas coloniais. Além disso, a derrota francesa ter definido a Inglaterra como potência naval, econômica e militar da idade moderna

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AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS E A GUERRA DE MANOBRA PREÂMBULO Antes de se passar à discussão da aplicação da Guerra de Manobra às Guerras Napoleônicas (ou melhor, em 3 das mais de 50 campanhas realizadas por Napoleão Bonaparte), julgou-se pertinente e importante destacar algumas das assertivas embutidas no extenso texto anterior e comentá-las sob a ótica de Napoleão. Senão vejamos: 1. Os atricionistas perseguem a vitória pela tentativa de destruir as forças inimigas no campo, com foco na batalha – o evento tático onde as forças são engajadas e destruídas. => Ao tempo das Guerras Napoleônicas, o objetivo da guerra não era outro senão a destruição do oponente. Sem sombra de dúvida, Napoleão era um atricionista, pois esta era a verdadeira expressão dotrinária militar vigente à época e em todas as suas campanhas, está explicitamente perfeitamente caracterizada a vontade de destruir o inimigo. 2. As características da teoria da atrição incluem uma ênfase na superioridade numérica da força e foco na tecnologia e equipamento. => Tais características são adequadas às Guerras Napoleônicas, paticularmente a primeira; como resultante, Napoleão costumava preferenciar duas estratégias inerentes à superioridade numérica: a da “inferioridade de forças de Napoleão” (ou estratégia da Posição Central) e a da “superioridade de forças de Napoleão (ou estratégia da aproximação indireta). 3. Militares atricionistas concentram-se nas capacidades de suas forças por ocasião do planejamento militar, identificando e selecionando os alvos inimigos mas dando pouca atenção e consideração às capacidades e possibilidades do inimigo. Dessa maneira, eles tendem a ser deficientes no que se relaciona ao apoio de inteligência, as estimativas da performance do inimigo e as predições de suas intenções. Nas cabeças dos atricionistas o inimigo é inanimado e impossibilitado. => Napoleão foi primoroso no planejamento de suas campanhas. A farta literatura existente dá conta que Napoleão costumava passar horas, infatigavelmente debruçado sobre a uma fartura de informações a ele disponibilizadas, particularmente por espiões, relativas ao inimigo, condições meteorológicas e do terreno e situação política regional e dos futuros oponentes. Sendo ainda um homem afeto à leitura e particularmente dotado de uma inteligência ímpar, sobretudo no que dizia respeito à matemática e à geografia (desde os bancos escolares), Napoleão ainda buscava conhecer muito bem e principalmente, a personalidade dos comandantes inimigos. Vias de regra, seu planejamento era demorado e meticuloso, até que se sentisse perfeitamente satisfeito com os objetivos selecionados para cada campanha e a linha de ação a ser adotada. Contrariamente ao exposto na assertiva acima, Napoleão valorizava e muito a Inteligência, entendendo-a como fator preponderante e essencial à operação a realizar, haja visto a extensiva utilização de espiões. 4. Em contraste com a guerra de atrito, a guerra de manobra intenta destruir a coesão da força inimiga, afetando sua estabilidade mental, moral e física. Transformar idéias em ações rápidas (velocidade) e em um ritmo (aceleração) que gere paralisia nos níveis

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decisórios do inimigo. Uma das características da guerra de manobra é a descentralização. Para uma força atuar de forma descentralizada, ela deve ser flexível, isto é, ser capaz de rapidamente se adaptar ao ambiente fluido do combate. A rapidez e a velocidade das decisões e ações no tempo e espaço (Manobra), dentro de uma ambiência de grande iniciativa e confiança (Moral), serão os fatores que gerarão a sinergia que assegurará a agilidade dos ciclos decisórios, impondo um ritmo que irá degradar a capacidade sistêmica, moral e mental do inimigo para lidar com o aparente caos reinante. => Napoleão foi inovador de certas características que marcaram os seus exércitos. Ele fez com que seu exército aprendesse a “viver com a terra”, assim desobrigando-o de marchar no compasso de um pesado e lento trem logístico, normalmente dependente da tração de vagões de carga puxados por bois, o que agilizou a marcha da tropa combatente. Por outro lado, ele também criou os “Corpos de Exército” o que lhe possibilitou descentralizar o comando, marchar por vias paralelas mas concorrentes, servindo-se do apoio mútuo e, ao final, concentrar sua força para sobrepujar o inimigo como, onde e quando ele julgasse adequado. Mas a combinação destes aspectos garantiu-lhe velocidade e flexibilidade que, em síntese, são os componentes da manobra. No que diz respeito à Moral,Napoleão sempre entendeu a importância do seu soldado, sua peça fundamental para o combate. Suas alocuções anteriores aos combates dão prova do quanto ele valorizava o homem cujo valor e virtude ele normalmente enaltecia; também é prova de tal sentimento, suas “andanças” ao derredor dos bivaques que, vias de regra, terminavam com o grito comum das tropas de “Vive l’empereur”que, segundo alguns autores, era ouvido pelo oponente no campo de batalha, gerando-lhe o temor. 5. O sucesso da implementação da guerra de manobra é dependente do nível de confiança existente em toda a cadeia e estrutura de comando, da liderança e da habilidade e competência dos oficiais em vislumbrar soluções criativas para os problemas. Indubi-tavelmente, é necessário uma forte tradição militar, espírito de corpo arraigado e uma educação esmerada na arte militar para aqueles que optam pela guerra de manobra como estilo de combate. => Ainda que Napoleão mantivesse seus marechais “a rédea curta”, com raríssimas exceções, o Imperador confiava sem seus grandes comandantes, pois considerava-os hábeis e competentes a ponto de terem sido distinguidos com o famoso ”bastão de marechal” Essa simbiose entre comandante e comandados era a “piece de résistance” das forças de Napoleão e parâmetro mediático para a realização da manobra, sob a ótica em pauta. 6. No nível tático, ao atribuir a tarefa pelo efeito desejado, ou seja, dizer “o que fazer” sem detalhar o “como fazer”, cria-se uma atmosfera de responsabilidade compartilhada e coesão pois aumenta-se a proximidade e número de figuras de autoridade, bem como o respeito subjetivo do subordinado em relação à autoridade. É fato, também, que a compreensão dos efeitos desejados dois escalões acima fornece o amálgama que resultará em uma convergência de esforços inimaginável.Nesse nível de condução, sobressai a liderança como requisito fundamental para a implementação da guerra de manobra e ficam validadas as mudanças na educação, instrução e adestramento => Como consequência da anotação anterior, esse grau de confiança que Napoleão depositava em seus comandantes garantia que a atribuição de tarefas fosse feita pelo efeito desejado, na certeza de que aquilo que fosse implementado em razão do exame de

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situação individualizado de cada comandnate, certamente concorreria para o propósito de Napoleão (o efeito desejado maior de uma determinada campanha). 7. A capacidade de engendrar e moldar eventos que favoreçam os interesses do Estado está diretamente relacionada ao entendimento do que seja guerra de manobra no nível político e neste domínio não há limites para a criatividade. Em tempos passados, uma ferramenta dessa arte foi a “política das canhoneiras”. Hoje, à luz dos construtos teóricos existentes, tal ferramenta é conhecida como dissuasão. => Napoleão era mestre nisto. Sua longa experiência combativa de sucessos repetidos dotaram o exército napoleônico de uma “fama aguerida aterrorizadora”, que gerou o que hoje chamamos de dissuassão. 8. O exercício da arte na condução do nível operacional se manifesta na correta identificação do(s) Centro(s) de Gravidade do inimigo, centro de seu poder e movimento; nas capacidades críticas que sustentam o CG; na criação e moldagem dos engajamento táticos, batalhas e operações, buscando a geração de oportunidades e transformando capacidades críticas em vulnerabilidades críticas a serem atacadas; cuja seqüência deve ser ordenada e sincronizada dentro dos fatores espaço, tempo e ritmo e convergentes em esforço; condicionadas aos recursos e limitações impostas pela política e com emprego da surpresa de forma a gerar paralisia e incapacidade do CG visualizado, possibilitando alcançar os objetivos operacionais estabelecidos. => Ainda que o conceito de Centro de Gravidade (CG) definido por Clausewitz — “[...] um centro de poder e de movimento, de que tudo depende [...] e é contra esse centro de gravidade do inimigo que se deve desferir o golpe concentrado de todas as forças.” — seja posterior à era napoleônica, Napoleão, em sues planejamentos sempre buscava identificá-lo e aplcar sua força militar contra ele. As estratégia da aproximação indireita e da posição central foram instrumentos mediáticos para tal consecução. Vejamos, então, três campanhas selecionadas que exploram o assunto A CAMPANHA DE ULM-AUSTERLITZ, 1805 (A MANOBRA FRANCESA SUPERA A INTELIGÊNCIA AUSTRO/RUSSA) A guerra de manobra exige a mautenção do foco sobre o inimigo. O seu objetivo é evitar pontos fortes do inimigo e explorar a sua fraqueza. Uma manobra rápida foi a pedra angular para as táticas durante as guerras napoleônicas, um elemento-chave na derrota de seus inimigos. As funções básicas da guerra de manobra, comando e controle (em apoio à manobra), e inteligência desempenharam papéis fundamentais no seu sucesso durante a campanha de Ulm/Austerlitz, em 1805. A velocidade com que Napoleão manobrou seu exército, juntamente com um comando e controle “sob rédea curta”e a falta de Ineligência de seu inimigo (percepção situacional), produziram duas vitórias notáveis e impressionantes. Desde 1803, Napoleão estava se preparando perto de Boulogne sobre o Canal Inglês para o que parecia ser uma invasão da Grã-Bretanha. Embora ele tivesse abandonado o plano de invasão, ele continuou a ali treinar como se aquilo fosse uma certeza. Espiões franceses apreenderam de um plano realizado pela Terceira Coalition (Áustria, Grã-Bretanha e Rússia) a intenção dela unir forças, avançar a partir de Ulm para o Reno,

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e vincular a frente sul alemã à frente com o Norte de Itália. Napoleão continuou a desfilar seus soldados ao longo da costa do Canal e, então, para surpresa de todos, em 25 de agosto de 1805 ordenou a seu exército para marchar para a Europa Central. O despistamento de Napoleão manteve a atenção britânica voltada para suas próprias costas e confundiu os austríacos sobre as suas verdadeiras intenções.Napoleão, pessoalmente, permaneceu em Boulogne até 3 de setembro, quando ele voltou para Paris. Seu itinerário foi amplamente conhecido, mas a localização real de seu Exército permaneceu em segredo.

Campanha de Ulm-Austerlitz - O Plano da 3ª Coalizão (Estrategia)

A BATALHA DE ULM A Áustria e a Rússia haviam se juntado à Grã-Bretanha em uma aliança para destruir Naoleão. Em 8 de setemro de 1805, a Áustria liderada pelo general Karl Mack invadiu e eventualmente controlou a província francesa da Bavária.Mack deslocou-se até o Danúbio, para a cidade de Ulm, em antecipação dos elementos avançados do Exército de Naoleão, que movia-se em direção àquela cidade. Mack havia concluído que Napoleão não seria capaz de deslocar mais de 70.000 homens para fora de Paris, uma vez que ele também teria que guardar a costa atlântica, manter a ordem na capital francesa e proteger suas linhas de comunicação. Mack antecipou ainda que Napoleão poderia cerrar cerca de 20 mil homens a mais em uma campanha de atrição. Seu plano era juntar forças com os russos e atacar os franceses antes que Napoleão pudesse emassar suas forças. Isso impediria o exército francês de proceder mais profundamente na Europa. No entanto, havia dois problemas com este plano. Em primeiro lugar, Napoleão havia percebido a falha na estratégia aliada. Ele recebeu relatórios de Inteligência de Strasburg sobre a localização das forças austríacas e

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russas. Estas forças estavam largamente dispersas por todo o continente e, movendo-se rapidamente, ele poderia atacar os austríacos antes que os russos chegassem. Em segundo lugar, os russos estavam usando um calendário diferente (os russos estavam usando o calendário juliano), havendo, pois, uma diferença de 12 dias em relação ao resto da Europa. Napoleão, então, tomou a iniciativa e deslocou seu exército em uma velocidade relâmpago para o Danúbio, pegando Mack de surpresa. Napoleão manobrou suas forças para cercar os austríacos em Ulm. Mack havia falhado ao não ter podido explorar uma oportunidade para cortar as linhas de comunicação do oponente durante o movimento do Exército francês, devido aos esforços do marechal Ney que que aplicou um golpe decisivo contra Mack. No campo de batalha nas proximidades de Ulm, os 27.000 homens de Mack renderam-se em 19 de outubro de 1805.

A marcha para Ulm

Agora, nada se interpunha entre Napoleão e Viena. “Eu conquistei meu objetivo”, escreveu Napoleão. “Eu já consegui destruir o Exército austríaco simplesmente marchando”. A vitória de Napoleão em Ulm ofuscou um desastre próximo que poderia ter ocorrido. Ele havia manobrado suas forças acima do Danúbio mais do que previra. E quando ele percebeu que ele tinha quase contornado Mack, em Ulm, Napoleão acusou seus generais de estupidos em atravessar o Danúbio esquecendo os austríacos. Ele culpou essencial-

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mente todos, mas também a si próprio por ter ordenado o rápido deslocamento através do rio, essencialmente fora de sua própria manobra. Seu comando e controle sofreu quando as forças ficaram dispersas ao longo de grandes distâncias. A passividade por parte dos austríacos também permitiu que os franceses tivessem tido o sucesso.

EM DIREÇÃO À AUSTERLITZ Tão logo os russos souberam da derrota do general Mack, eles retraíram através do rio Inn. Napoleão e seu exército começaram a persegui-los em 26 de outubro de 1805, mas não conseguiu alcançá-los. Em 28 de noembro, Napoleão decidiu negocia com o Czar Alexandre I. O Conde Dolgorukov, ajudante-de-campo do Czar foi enviado como por-

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ta voz. Os russos ofereceram aos franceses a paz apenas se eles abandonassem a Itália. Napoleão rejeitou o pedido da Rússia, tornando a guerra inevitável. O campo de batalha que Napoleão selecionou ficava perto da aldeia de Austerlitz, (agora na República Checa), onde o campo era dominado por uma colina levemente inclinada, chamada “Pratzen Heights”. O exército de Napoleão controlava tais alturas, mas, agora, como parte de seu plano, ele deveria sacrificar esta posição dominante em um jogo para atrair os russos a atacar seu flanco direito. Com uma fina linha de soldados à sua direita, ele ordenou aos seus homens que abandonassem Pratzen Heights e observou como como as forças inimigas a ocuparam.

Napoleão tinha convocado duas divisões de soldados vindos de Viena, que cobriram setenta milhas de marcha em apenas dois dias. Ele tinha colocado esses reforços onde eram menos esperados, e mais rápido do que se pensava possível. Suas tropas, exaustas após a sua longa marcha a partir de Viena, lutava para se manter. Até agora, disse Napoleão: “seu inimigo estava se comportando como se eles estivessem realizando manobras sob suas ordens.” Napoleão queria que o inimigo atacasse seu flanco direito, aparentemente o ponto mais fraco da linha francesa. Ele agora tinha tropas suficientes para defendê-lo e mais do que suficiente para a realização do seu próprio plano, que apelava por um ataque às Pratzen Heights, que, agora, tinha poucos defensores. Napoleão observava de seu posto de comando acima do campo de batalha — esperando que sua armadilha se concretizasse. Escondidas pela névoa, no fundo do vale, abaixo de Pratzen Heights, estavam duas divisões francesas — 17.000 homens. Napoleão deu a ordem para avançar: “Um golpe duro”, disse ele, “a guerra começou !” A neblina era tão densa que os soldados franceses mal podiam ver dez passos à frente deles.

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O campo de batalha de Austerlitz

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Quando o sol começou a brljhar, o Exército de Napoleão surgiu fora da névoa. No topo de Pratzen, o Czar oservou os franceses se materializarem para fora do vale. Encontrando-se atacados, quando pensavam que eles é quem seriam os atacantes, Napoleão disse: “eles olharam-se como meio derrotados.” E assim foi. Austerlitz elevou a estrela de Napoleão a novas alturas. Ele ganhou sua maior vitória, a vitória da qual ele seria sempre o mais orgulhoso. Quando ele proclamou às suas tropas, “Soldados, estou muito satisfeito com vocês ... Vocês condecoraram suas águias com uma glória imortal ... Vocês serão saudados com alegria, e este combate vai ser o suficiente para vocês dizerem: Eu estive na batalha de Austerlitz, e para que as pessoas respondam, Lá vai um homem corajoso “.

ANÁLISE DA CAMPANHA A campanha de Ulm-Austerlitz foi o pináculo da grandeza de Napoleão. Com as forças de Napoleão parcendo estarem muito distantes, o general Mack capturou Ulm, crendo que as forças russas o reforçariam antes que o Exército francês atingisse a Áustria. Esta decisão revelou um lapso de Inteligência eficaz e de consciência situacional. A manobra inovadora de Napoleão enganou o inimigo, e permitiu-lhe atacar os austríacos em seu ponto mais fraco. A velocidade com que Napoleão deslocou seu exército nos campos de batalha de Ulm-Austerlitz permitiu-lhe manobrar sobre seus oponentes. O eneral Mack ficou surpreso com o quão rápido Napoleão movimentou a “Grande Armée” para a Áustria e o derrotou em Ulm. A Inteligência de Napoleão havia o informado que os russos não estavam tão próximos o bastante para evitar que ele derrotasse Mack. Ele cercou o comandante austríaco e suas tropas em Ulm e forçou sua capitulação. A manobra novamente ativou o sucesso em Austerlitz. O deslocamento tático de

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Napoleão das alturas de Pratzen enganou o inimigo, fazendo-o pensar que suas forças estavam se retirando. Na realidade, Napoleão estava manobrando suas forças para posições de ataque. Precisando de mais tropas, Napoleão chamou-as de Viena, e elas marcharam mais de setenta milhas em quarenta e oito horas e foram colocadas, rapdamente, em posições de batalha. Napoleão manteve centralizado o comando e o controle do seu exército e, como tal, ele queria estar ciente de cada um de seus movimentos. No entanto, havia também uma fraqueza inerente ao seu Quartel-General: ele manteve apenas uma pequena equipe de pessoal, a fim de dirigir as suas grandes forças. Assim, esta equipe não foi totalmente adequada para o nível operacional das ações de guerra e nunca se tornou o cérebro de cofiança do Exército Francês. Afinal, Napoleão era o seu próprio oficial de operações e era ele próprio quem tomava todas as decisões estratégicas, operacionais e táticas. Ele próprio tambem disseminava suas ordens ao exército, com alguns membros atendendo a suas necessidades pessoais. Ainda assim, graças à supervisão incansável de Napoleão, ele assegurou o momento adequado para o seu contra-ataque em Pratzen Heights, que alcançou uma superioridade de poder de combate, quee bateu os russos desorganizados que vieram de uma direção inesperada.

Mesmo que não tenha sido um fator preponderante em sua vitória em Ulm-Austerlitz, o apoio logístico de Napoleão não foi devidamente planejado. Antes da batalha de Ulm, ele descobriu que o seu sistema de abastecimento em Strasburg estava mal organizado. Em outros exércitos esta seria uma fonte de pânico; no entanto, Napoleão esperava que seu exército pudesse viver temporariamente fora da terra e economizar os recursos franceses. Esta falta de planejamento logístico, no entanto, viria a revelar-se crucial durante a campanha russa.

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A CAMPANHA RUSSA, 1812 (MANOBRA RUSSA SOBREPUJA A LOGÍSTICA E O C2 FRANCESES)

Rota da invasão russa por Napoleão e da sua retirada

As funções de combate atinentes à logística, ao comando e controle e à manobra destacaram-se durante a invasão e a retirada da Rússia por Napoleão. O planejamento logístico foi uma das principais razões pela qual Napoleão foi derrotado completamente na Rússia. O Exército francês não estava preparado para as condições gerais da paisagem russa durante tal período de tempo. O comando e controle francês também tornou-se um

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problema significativo, devido à extensão do espaço de batalha russo, ao tamanho do Exército francês, e à uma quebra de disciplina devido a uma falta de suprimentos. Além disso, os russos efetivamente utilizaram uma excelente manobra retrógrada operacional de modo a esticar as linhas de logística do Exército francês, além de destruir todas as fontes de alimentos disponíveis durante o seu retraimento, e de assediar o Exército francês durante a retirada deste último de Moscou. A INVASÃO DA RÚSSIA Em meados do ano de 1812, a força militar de Napoleão estava no auge. Ele também estava se tornando cada vez mais impaciente com o Czar Alexandre I, que se recusou a acatar o Tratado de Tilsit (assinado em 7 de julho 1807). As tensões entre a Rússia e a França aumentaram em abril 1812, quando o Czar foi ousado o suficiente para sugerir que ele poderia responder às preocupações econômicas de Napoleão em troca da evacuação francesa da Prússia. Esta oferta foi rejeitada e em 4 de junho de 1812, Napoleão entrou na Rússia liderando seu enorme exército. A coluna central consistia de três exércitos comandados por Napoleão, o Vice-rei Eugene De Beauharnais, e Jerome Bonaparte. No flanco esquerdo estava o Corpo do marechal Alexandre MacDonald e no flanco direito estavao marechal-de-campo Karl Phillip Schwarzenberg. No dia 23 de junho, as forças de Napoleão estavam na Rússia, com o exército principal de Napoleão entre Kovno e Pilvizki. O exército de Beauharnais encontrava-se no entorno de Kalvaria, enquanto o de Jerome Bonaparte, com seu VII Corpo, estava perto de Novrogod. O X Corpo de de MacDonald estava em Tilst e os austríacos de Swarzenberg próximos de Siedlice. Toda a força de invasão tinha um efetivo aproximado de 499.000 homens, com 1.146 canhões. Naquele momento, o efetivo russo era de 230.000 homens. O plano de Napoleão visualizava que sua principal força deveria destruir o exército do marechal-de-campo Mikhail Barclay de Tolly’ por meio de uma série de envolvimentos em Niemen. Já Jerome Bonaparte deveria atrair o general Peter Bagration em direção Varsóvia e fixá-lo em qualquer um dos rios, ou Narew ou Bug, até que Napoleão, depois de ter derrotado Barclay, pudesse mergulhar em sua traseira. O plano parecia bom no papel, mas falhou por causa de Tolly que conseguiu escapar de um confronto direto com o exército de Napoleão e começou uma retirada operacional em direção a Moscou. O plano também entrou em colapaso por causa dos problemas logísticos e de comando/controle dos franceses. Os esforços logísticos não conseguiram acompanhar o avanço francês profundamente na Rússia. As decisões também foram atrasadas porque Napoleão continuou a funcionar como sendo o seu próprio oficial de operações, em vez de usar sua equipe, que também não estavam treinados ou preparados para funcionar como tal na entidade operacional. O estilo pessoal de Napoleão de comando e controle estava tenso, para além do ponto de ruptura, devido ao tamanho de seu exército e do vasto espaço de batalha aberto da Rússia oriental. Seus principais marechais, habituados a ter Napoleão envolvido em suas operações, também não conseguiram explorar as várias oportunidades surgidas no campo de batalha. Os russos continuaram seu retraimento para dentro da cidade de Vilna. Novamente Napoleão tentou enolver Barclay, mas de Beauharnais estava atrasado em seu deslocamento no flanco francês direito. A marcha desde as margens do Niemen até Vilna também

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foi muito mais difícil do que o esperado. O tempo ou estava muito quente ou, então, muito chuvoso. A forte precipitação tornou as já pobres qualidades das estradas em lamacentas trilhas que impossibilitavam o trânsito das carruagens. Mas o mais importante foi que os cavalos começaram a morrer, às centenas, o que afetaria tanto as capacidades combativas quanto as logísticas. Várias pontes não suportaram o peso das tralhas e caíram. Cada soldado deveria carregar consigo sua própria ração para quatro dias, mas estas, por falta de disciplina, foram totalmente consumidas durante os primeiros dias de marcha. O país no entorno da rota do avanço francês não oferecia muitos meios de nutrição que suprissem os soldados em marcha. Os poços d’água tinham ficado poluídos pelos cavalos mortos neles lançados pelos russos. O gado teve dificuldade para acompanhar o exército em marcha, já que os animais se deslocavam em uma velocidade de 15 milhas em seis a sete horas. O imenso calor que se seguia às tempestades implacáveis secava as trilhas, mas logo tornavam as estradas de lamacentas em poeirentas, o que também afetava o exército. Vilna foi ocupada em 26 de junho de 1812, sem luta. Infelizmente, a cidade de Vilna ofereceu muito pouco para as necessidades do exército. Os russos, ao abandonarem a cidade, destruíram a maior parte de suas lojas e casas. O restante dos suprimentos foi esgotado no primeiro dia e, conseqüentemente, o forrageamento, os saques, e a indisciplina geral tornaram-se epidêmicas. Napoleão permaneceu em Vilna, durante três semanas, em parte para descansar, recuperar-se, e atender às questões políticas na França. Enquanto isso, sua força principal, temporariamente liderada por Murat, seguiu Barclay em direção a Vitebsk. Durante toda esta marcha, Napoleão parecia fazer suposições ambiciosas sobre a capacidade de seu exército para continuar sem alimentação adequada e abrigo. A taxa de marcha empreendida pelo Exército também impediu as tropas de realizar um forrageamento com os limitados suprimentos que ainda pudessem estar disponíveis. Napoleão continuou prometendo aos soldados que iriam obter um bom descanso em Vitebsk, onde entrariam em 29 julho de 1812 com 100.000 menos homens do que quando eles começaram a invasão (a maioria dos quais estavam doentes ou fatigados pela marcha) .É interessante notar que Napoleão tinha penetrado profundamente na Rússia sem lutar uma batalha principal, mas tinha perdido aproximadamente um terço de suas forças devido à exaustão e a doença. Os relatórios da Inteligência confirmaram que os exércitos de Barclay e de Bagration tinham se juntado na cidade de Smolensk. Esta era uma antiga cidade costruída sobre as altas falésias existentes em cada margem do rio Dnieper. Paredes de tijolos do século XVII com 25 pés de altura, e 10 pés de espessura na base, cercavam a cidade. Os russos usaram estas fortificações para sua proteção, enquanto disparavam os canhões sobre as tropas francesas que se aproximavam. Ao anoitecer, os franceses já tinham o controle sobre os subúrbios do sul de Smolensk, mas os russos ainda controlavam a cidade. As tropas russas em seguida, começaram a recuar em direção ao leste, abandonando a cidade. Sua retirada foi recebida com alegria por Napoleão, enquanto a notícia provocou polêmica em círculos políticos de Moscou. Quando as tropas francesas entraram na cidade, Smolensk estava em ruínas, com as ruas cheias de corpos mortos e queimados. Napoleão perdeu mais de 10.000 homens durante a batalha de Smolensk e agora seu exército estava reduzido a 145.000 homens, desde que ele deixou o rio Niemen. Suas maiores perdas continuaram a ser principalmente devidas aos problemas administrativos e logísticos. Grandes quantidades de suprimen-

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tos foram, então, abandonados pelos franceses por falta de transporte adequado e a falta de suprimentos médicos suficientes exacerbou o surto de disenteria e tifo. Napoleão, assim, perdeu metade de sua força invasora não para uma batalha, mas sim para a doença, e para a exposição ao duro rigor do tempo russo. A este ponto, Napoleão viu-se em face de uma crítica decisão: deveria ele consolidar a sua posição e renovar sua ofensiva em 1813, ou deveria continuar rumo a Moscou, agora distante cerca de 240 milhas a leste? Em 28 de agosto, Napoleão tomou a decisão de retomar seu avanço. Quando os russos se aproximaram de Borodino, eles pararam a sua retirada, enquanto os franceses continuavam a sua perseguição. A aldeia de Borodino ficava a 107 quilômetros a oeste de Moscou.O campo de batalha era uma fazenda, onde as culturas de milho tinham acabado de serem colhidas. Havia uma floresta muito densa por trás das forças russas, mas sua posição não era forte uma vez que o campo de batalha era plano e sem grandes obstáculos. A batalha começou no dia 7 de setembro de 1812 às 06:00 hs, que começou como uma simples luta e que terminou com a ordem de Kutuzov para recuar às 03:00 hs de 8 de setembro. Ambos os lados tiveram perdas brutais: Os russos perderam cerca de 44 mil homens e retiraram-se em direção a Moscou, enquanto os franceses perderam cerca de 35 mil soldados. Napoleão entrou Moscou em 14 de setembro de 1812, com apenas 95.000 homens. A cidade estava praticamente deserta no momento em que os franceses chegaram com apenas alguns comerciantes e empresários que haviam ficado para trás. Embora o exército tivesse recebido ordens estritas contra a pilhagem, os homens não puderam ser controlados e eles forçaram os palácios e as casas ricas. Algum tempo depois da chegada de Napoleão, em 14 de setembro, os incêndios foram iniciados em vários locais da cidade. No começo pensou-se terem sido eles acidentais, mas quando eles começaram a engolir grandes partes da cidade, ficou óbvio que eram os russos que os estavam montando. Tendo capturado a capital religiosa da Rússia, Napoleão estava convencido de que o Czar faria a paz. Ele permaneceu em Moscou durante semanas à espera de uma resposta de Alexandre I sobre suas propostas repetidas sobre a paz. O imperador francês também se hospedara em Moscou por uma outra razão: ele acreditava que qualquer movimento para fora da cidade seria interpretado como um sinal de fraqueza. Depois de várias tentativas infrutíferas para negociar uma paz, Napoleão percebeu que sua situação era insustentável em Moscou. Outro momento importante para uma decisão tinha surgido A RETIRADA DE MOSCOU A retirada do Exército francês de Moscou começou em 19 de outubro de 1812. Tem sido geralmente esquecido que a total falta de disciplina no exército francês, e não apenas as condições climáticas, foram as principais responsáveis pelas catástrofes terríveis que se seguiram. Napoleão tinha a intenção de mover-se para o sul através da região fértil em torno de Kaluga e colher os recursos daquele território ainda intocado. No entanto, em 24 de outubro, Kutusov atacou o Exército francês em Malojaroslavets. A luta foi acirrada e Napoleão decidiu voltar pela mesma rota usada na invasão. Kutusov não conseguiu explorar seu sucesso e permitiu que Napoleão voltasse à rota do norte através de Borodino para Smolensk, mas ele percebeu que isso seria melhor para poder perseguir o Exército francês, que já se desintegrava pela exaustão e pela falta de suprimentos, mesmo sem sofrer as baixas de um grande batalha. Kutusov já tinha ultrapassado os franceses, mas ele não fez nenhum esforço para fechar sobre eles.

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Ao contrário, ele se manteve no seu flanco, fustigando-o com os cossacos e caçando os retardatários. O Exército francês chegou a Smolensk em 13 de novembro, com apenas 41 mil homens, onde permeava um colapso total de qualquer disciplina restante. A retirada ordenada de Moscou tinha se tornado uma desordem, onde o assassinato, o saque, a embriaguez, e o suicídio tornaram-se comuns. Napoleão despachou ordens para os marechais Claude Perrin Victor e Nicolas-Charles Oudinot para se juntarem a ele em Borisov no rio Beresina. Napoleão, então, recebeu informações de que o almirante Paval Tschitshagov estava se aproximanado de Borisov pelo sul. Ele, então, selecionou Studienka como ponto de passagem e às 01:00 hs de 13 de novembro enviou ordens para Oudinot avançar a fim de construir pontes. Durante a execução dessas ordens, Oudinot encontrou a guarda avançada dos russos perto de Borisov e levou-os ao caos, mas não antes de os russos destruírem a ponte existente. A retomada repentina das operações ofensivas deu tempo para que Victor se deslocasse e para que Oudinot construísse as pontes em Studienka. Napoleão enviou seus pontoneiros sob o comando do general Jean-Baptiste Eblé, mas em sua chegada, eles descobriram que nenhuma preparação tinha sido feita e que mais tempo havia sido perdido. Às 04:00 hs de 13 de novembro, as pontes foram finalmente concluídas e a travessia começou, mas não sem a resistência oferecida pelos russos, que foram progressivamente se aproximando. A travessia continuou durante toda a noite, embora interrompida de tempo em tempo por falhas nas pontes. Durante todo o dia 27 os retardatários continuaram a atravessar a ponte cobertos por aqueles combatentes que permaneceram sob uma disciplina suficiente para serem empregados. Às 08:00 hs de 28 de novembro, no entanto, Tschitschagov e o marechal-de-campo Ludwig Wittgenstein avançaram em ambas as margens do rio para realizar um ataque, mas foram detidos pelo esplêndido auto-sacrifício das poucas tropas restantes sob o comando dos marechais Ney, Oudinot, e Victor. Por volta da 01:00 hs, o último corpo de tropas regulares passou por cima das pontes, permanecendo além do rio alguns milhares de retardatários. Em 5 de dezembro, tendo atingido Smorgoni, e vendo que nada mais poderia ser feito contra ele na frente, Napoleão entregou o comando do que restava para Murat e partiu para Paris para organizar um novo exército para o ano seguinte e cuidar de assuntos políticos na capital. Viajando a grande velocidade, ele alcançou as Tuileries no dia 18, depois de uma viagem de 312 horas. Após a partida do Imperador, o frio chegou com maior intensidade, com a temperatura caindo para 20 grau negativos. Em 8 de dezembro, Murat alcançou Vilna com a intenção de levar a cabo as instruções de Napoleão de dar à tropas pelo menos oito dias de descanso. Mas muitos soldados morreram esmagados durante a corrida tumultuada para reunir os suprimentos abundantes, enquanto outros morreram bêbados nas ruas expostos ao frio. O contingente da Prússia, sob o comando do marechal-de-campo John David Yorck, que fazia parte do comando de Macdonald, perto de Riga, em seguida, mudou para lado dos russos através de uma convenção negociada em Tauroggen (30 de dezembro). Isso privou os franceses do seu último apoio no seu flanco esquerdo. Konigsberg, assim, tornou-se insustentável, e Murat deslocou-se para Posen onde, no 10 de janeiro de 1813, ele entregou o comando a Eugene Beauharnais e retornou a Paris. ANÁLISE DA CAMPANHA A campanha operacional francesa e os redundantes movimentos táticos colapsa-

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ram sob o peso de suas próprias necessidades logísticas. Esse colapso foi exacerbado pela excelência da manobra operacional retrógrada dos russos. Napoleão calculara lutar uma batalha decisiva dentro de um mês após cruzar o rio Niemen. No entanto, os russos geralmente se recusaram a oferecer combate, retraíram e, finalmente, abandonaram Moscou. A chave para o sucesso russo estava em suas ações de “terra arrasada”. Eles destruíram todas as fontes de alimentos disponíveis e contaminaram os poços de água durante a sua retirada, enquanto atraíam Napoleão para mais fundo no território russo, e sem os suprimentos adequados. Com grandes necessidades logísticas, Napoleão foi forçado a abrandar o seu ritmo de marcha e atrasar qualquer avanço para permitir que seus meios logísticos recuperassem o atraso. As más condições das estradas e outras infra-estruturas de transporte enfraquecidas durante as fortes chuvas prejudicaram a circulação dos suprimentos franceses, enquanto a destruição dos recursos do território russo por seu exército impediu que o Exército francês vivesse “fora da terra”. A recusa do Csar em negociar a paz também agravou a situação logística francesa, mantendo os franceses na Rússia sem roupas de inverno. Além disso, as habilidades de comando e controle de Napoleão foram incapazes de deslocar o seu exército rápido o suficiente para cercar os russos. Estes conseguiram sempre iludir o Exército francês, por causa da capacidade de resposta relativamente mais lenta por parte dos marechais de Napoleão. Por outro lado, a capacidade francesa para entregar ordens de execução centralizadas não conseguiu se adequar às dimensões do espaço de batalha russo. Durante a retirada de Moscou, uma falta geral de disciplina fez com que o Exército francês negociasse suprimentos vitais, servindo-se do saque capturado durante a campanha russa. Isso aumentou o volume logístico, colocou uma pressão adicional sobre os cavalos, já sobrecarregados, e retardou o progresso do exército em retirada. Quando a primeira neve caiu em 4 de novembro de 1812, o pânico generalizado tomou conta das tropas e os soldados, famintos, abandonaram armas e vagões em busca de alimento e, consequentemente, foram mortos pelos cossacos. Napoleão tinha perdido o controle de seu exército e já não podia proporcionar-lhe proteção contra as forças russas. Em certo sentido, a Grande Armee desintegrou por uma combinação da indisciplina interna com o clima, a falta de suprimentos e as ações do Exército russo, cossacos e guerrilheiros. A CAMPANHA DE WATERLOO, 1815 PROTEÇÃODA FORÇA BRITÂNICA/PRUSSIANA CONTRA O C2 FRANCÊS A batalha de Waterloo foi o engajamento final das Guerras Napoleônicas. Durante esta batalha épica, os aliados utilizaram a proteção efetiva da força (apoiada pela manobra, e pelo comando e controle) contra um sistema de comando e controle francês enfraquecido Em 1814, uma coalizão de grandes potências (Áustria, Grã-Bretanha, Prússia e Rússia) derrotou Napoleão e forçou sua abdicação e consequente exílio para a ilha de Elba. Em 26 de fevereiro de 1815, enquanto o Congresso de Viena estava em sessão (para discutir a era pós-napoleônica da Europa), Napoleão escapou de seu exílio e retornou para a França. Muitos seus antigos veteranos reuniram-se ao seu lado, e em 20 de março de 1815, ele novamente subiu ao trono. O Congresso de Viena, alarmado com o retorno de Napoleão ao poder, reagiu rapidamente à crise. Em 25 de março, Áustria, Grã-

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-Bretanha, Prússia e Rússia concordaram em contribuir com 150.000 soldados cada um para construir uma força de invasão a ser organizada na Bélgica, perto da fronteira francesa. A maioria dos outros países presentes no Congresso também se comprometeram com o fornecimeto de tropas para a invasão da França, que deveria ser iniciada no dia 1º de julho de 1815. Napoleão, tendo se cientificado de tal plano de invasão, determinou-se em atacar os aliados em seu prórpio território, antes que seus exércitos se organizassem. Ele mobilizou um exército com 360.000 soldados parcialmente treinados em dois meses.

Plano de ataque aliado em Waterloo

Em 1º de junho de 1815, Napoleão, deslocando-se em segredo e com rapidez, alcançou e cruzou a fronteira franco-belga, com 124.000 de seus homens. Outros 56.000 homens foram deixados em posições de apoio. Sua súbita chegada apanhou o comando aliado despreparado. AS BATALHAS DE LIGNY E QUATRE BRAS O marechal Ney foi instruído para tomar o cruzamento de estradas existente em Quatre Bras em 15 de junho. Esse nó rodoviário era de grande importância estratégica para os franceses porque ele ancorava suas linhas inernas de comunicação. Naquela data, aquele sítio encontrava-se fracamente mantido por uma brigada de infantaria belga-holandesa. Infelizmente, Ney não era mais o comandante que ele costumava ser. Quando sua força de reconhecimento foi repelida, Ney cessou seu ataque. Napoleão, em seguida,

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salientou a Ney a importância de tomar as encruzilhadas e instou-o a continuar o seu ataque, com ordens para conquistar o cruzamento e girar para a direita de modo a cair sobre o flanco esquerdo dos prussianos em Ligny. Ney, então, continuou seu ataque a Quatre Bras em 16 de junho, mas fê-lo com muita cautela e, assim, permitiu que os britânicos reforçassem a posição. Simultaneamente, Napoleão concentrou suas forças para atacar os prussianos em Ligny. Os prussianos estavam formados em posições expostas. Os franceses abriram seu ataque com uma saraivada de tiros de canhão. Os prussianos, expostos aos fogos dos canhões, sofreram pesadas baixas, sem conseguirem retrair. Napoleão em seguida atacou os prussianos à esquerda e no centro, em razão do que os prussianos começaram a ceder. Mas Ney, que deveria cair no flanco direito prussiano e, assim, completar a derrota prussiana, encontrava-se totalmente empenhado em Quatre Bras. Devido a isso, a derrota da Prússia em Ligny ficou incompleta. Os prussianos conseguiram se reorganizar e realizar uma retirada ordenada em direção a Wavre, perseguido sem entusiasmo pelo Exército francês. Napoleão, então, ordenou que sua asa esquerda, sob o comando de Ney, atacasse uma brigada de cavalaria de Wellington em Quatre-Bras,ao norte de Charleroi. No início da tarde de 15 de junho, Napoleão ouviu o som da artilharia de Ney em Quatre-Bras. Ele, então, empregou sua força de 63.000 em ação contra o exército de 83.000 homens de Blücher. Após uma hora de batalhas inconclusivas, Napoleão despachou uma mensagem urgente ao marechal Ney ordenando-lhe para enviar ei I Corpo, uma força com 20.000 homens, para o campo de batalha em Ligny. Em vez de entregar a ordem através do QG do marechal Ney, o mensageiro de Napoleão levou-o diretamente ao general D’Erlon, o comandante do I Corpo. D’Erlon partiu imediatamente para Ligny, mas marchou na direção errada e acabou chegando atrás das linhas francesas. Quando Ney, mais tarde, soube da partida de D’Erlon, ele enviou uma mensagem ordeando que o I Corpo voltasse para Quatre-Bras. A mensagem só foi entregue a D’Erlon quando ele já tinha chegado ao campo de batalha de Ligny. Novamente D’Erlon obedeceu as instruções, assim não tomando parte em nenhuma das batalhas. Naquela noite, os prussianos se retiraram, deixando 12.000 soldados franceses mortos ou feridos. Enquanto isso, em Quatre-Bras, Ney esperou várias horas para iniciar seu ataque contra a força anglo-holandesa, e este atraso possbilitou que Wellington reforçasse Quatre-Bras, com várias divisões de cavalaria e infantaria. No início da manhã de 15 de junho um estafeta de Blücher alcançou Wellington em Quatre-Bras e o informou da derrota prussiana em Ligny. Wellington prontamente enviou uma mensagem para Blücher sugerindo que ele girasse para o noroeste e se juntasse ao exército anglo-holandês para uma posição unida contra Napoleão, perto da aldeia de Mont-Saint-Jean, ao sul de Waterloo. Várias horas depois, Wellington se retirou de Quatre Bras, deixando para trás uma brigada de cavalaria de induzir ao erro o marechal Ney. Naquela mesma manhã, Napoleão ordenou a Grouchy para reunir 30.000 soldados e perseguir o exército de Blücher em retirada A BATALHA DE WATERLOO Napoleão, em seguida, enviou mensagens para Ney ordenando-lhe para se engajar com Wellington imediatamente. Ney não estava ciente de retirada de Wellington, e também não recebeu as ordens de Napoleão, durante três horas. Napoleão chegou naquela

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tarde em Quatre Bras, assumiu o comando das forças de Ney, deixou uma pequena força guardando Quatre- Bras, e partiu com seu exército para perseguir Wellington.

Esquema das posições iniciais da Batalha de Waterloo

No entanto, fortes chuvas e estradas lamacentas prejuducaram a perseguição. No início daquela noite, Napoleão avistou o esquema do exército anglo-holandês sobre um planalto ao sul de Mont-Saint-Jean. Ambos os lados, em seguida, preparara-se para a batalha. Na manhã do dia 18 junho de 1815 os exércitos franceses e anglo-holandeses estavam em posição de batalha. As forças anglo-holandesas, voltadas para o sul eram compostas de 67.000 homens com 156 canhões, além de que Wellington tinha recebido garantias de que reforços fortes de Blücher deveriam chegar durante o dia. A estratégia de Wellington foi, portanto, a de resistir a Napoleão, até que as forças de Blücher pudessem chegar, dominar a direita do imperador, e tomar toda a linha francesa. O exército de Napoleão, voltado para o norte, possuía 74.000 homens com 246 canhões. Assim, inicialmente, ele tinha um poder de combate superior no campo de batalha. O plano de batalha do Imperador era capturar a aldeia de Mont-Saint-Jean e, assim, cortar a via de retirada anglo-holandesa para Bruxelas. A batalha começou às 11:30 hs, com um ataque de despistamento realizado por Napoleão à direita de Wellington (I Corpo de D’Erlon). Esta manobra, mal sucedida, foi seguida por um bombardeio francês por 80 canhões projetado para enfraquecer o centro aliado. Por volta de 13:00 hs Napoleão viu os elementos avançados do exército de Blücher se aproximando vindo do leste ..

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Estratégias e táticas de Napoleão Bonaparte Uma vez mais o Imperador enviou uma mensagem a Grouchy, informando-o da situação e ordenando-lhe que bloqueasse as forças prussianas. Ferozes batalhas de cavalaria e de infantaria foram sendo travadas ao longo do cume, ao sul de Mont-Saint-Jean. Em cada instância, os ataques franceses foram fortemente repelidos. Às 16:00 hs, tropas avançadas de Blücher, que estavam esperando por um momento oportuno, entraram na batalha e forçaram os franceses a recuar cerca de uma milha e meia. Um contra-ataque restaurou as linhas francesas e empurrou os prussianos de volta uma milha para o nordeste para uma melhor proteção contra o fogo de artilharia. Pouco depois das 18:00 hs, Ney realizou um profundo ataque de cavalaria sobre o centro anglo-holandês e ameaçou seriamente a linha inteira de Wellington. No entanto, Wellington reagiu e Ney foi levado de volta. Napoleão, em seguida, montou uma ofensiva desesperada, durante a qual ele empregou todos os cinco batalhões de sua Velha Guarda para um ataque ao centro aliado. A infantaria aliada infligu uma punição severa sobre os franceses, esmagando a ofensiva. Por volta das 20:00 hs os prussianos, que haviam assumido posições na extrema esquerda da linha de Wellington, dirigiram-se contra a ala direita francesa, colocando a maior parte das tropas de Napoleão em pânico. Somente ações realizadas por alguns batalhões da Velha Guarda permitiram que o Imperador escapasse. Quando o exército de Napoleão fugiu ao longo da estrada de Charleroi, Wellington e Blücher conferenciaram e concordaram que as brigadas prussianas deveriam perseguir os franceses batidos. Durante a noite de 18 de junho os prussianos expulsssaram de volta os francesa através do rio Sambre. Napoleão assinou a sua segunda abdicação em 22 de junho 1815 e as guerras napoleônicas terminaram. ANÁLISE DA CAMPANHA A falta de um C2 (comando e controle) eficaz foi a principal razão por trás da derrota de Napoleão. Os erros táticos cometidos pelos comandantes de Napoleão também reforçam a visão de que ele não era mais capaz de supervisionar adequadamente as suas forças. Ney não conseguiu atacar em Quatre Bras em 16 de junho de 1815, onde ele poderia ter vencido o flanco prussiano. Esta inação deixou o Exército prussiano intacto e permitiu que os britânicos recuassem de forma ordenada. O plano elaborado por Napoleão visualizava separar as forças e derrotá-las individualmente, como o fizera no passado. Mas isto tornou-se impossível depois de Ligny. A manobra realizada pelos franceses, em particular por d’Erlon e seu Corpo, em última análise, foi descoordenada e desperdiçou uma oportunidade que poderia ter garantido uma vitória francesa. Reações francesas mais rápidas poderiam ter sido capazes de compensar as condições do tempo em 17 de junho que impediram os franceses de realizar uma perseguição bem sucedida ao Exército britânico em retirada. Napoleão poderia ter derrotado os britânicos enquanto eles estavam em coluna de marcha e impedi-los de escolher o campo de batalha. Mas tudo isso é especulação um fato desconhecido. A força de proteção também desempenhou um papel importante para os britânicos em Waterloo. Os franceses contavam com sua artilharia para amolecer a posição britânica e para garantir uma resolução rápida para a batalha. No entanto, Wellington, sabiamente, escolheu posições (contra-encosta) que abrigaram as suas tropas do bombardeio maciço inimigo. Wellington reconheceu o campo de batalha de Waterloo e escolheu as posições para melhor conduzir a batalha. Em essência, ele escolheu o campo de batalha onde ele poderia melhor controlar as suas forças e oferecer a melhor proteção às tropas. Além disso, Waterloo foi uma vitória aliada emprndida pelos britãnicos e os prussianos. As consequências das falhas franceses em Ligny e Quatre Bras permitramu que as forças dos dois aliados se juntassem e impusessem a última derrota esmagadora sobre Napoleão. Assim, os três níveis de guerra combinaram-se durante esta última campanha das guerras napoleônicas para realmente acabar em uma batalha decisiva - embora não como o Imperador tivesse imaginado,

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CONCLUSÕES As funções de combate, quando empregadas como uma ferramenta analítica, revelam claramente as forças, as fraquezas, e os resultados de uma campanha militar. A campanha de Ulm-Austerlitz demonstrou o que pode acontecer quando uma força com maior mobilidade (devido à uma liderança superior e adestramento das tropas) engaja um inimigo com uma Inteligência ineficaz (devido à falta de consciência situacional, manobras de despistamento, tempo, etc). A campanha russa mostrou como uma força menor, operando em território familiar, e através do uso hábil de movimentos retrógrados, pode manobrar com sucesso sobre um adversário que lhe é superior e destruí-lo através da carência logística. Finalmente, Waterloo revelou a importância da proteção da força (neste caso, um terreno bem selecionado) e os efeitos do isolamento de um superior comandante operacional de suas tropas, devido a uma avaria no sistema de comando e controle (ordens conflitantes, perda da centralização, pequena equipe de Estado-Maior, e falta de iniciativa do comando subordinado). Ao longo da história das guerras, líderes militares bem-sucedidos têm procurado uma vantagem sobre seu oponente aplicando a força contra a fraqueza, agindo mais rapidamente do que o adversário possa responder, e minimizando baixas das tropas amigas. Este estudo que ora chega ao seu fim, reforça esses preceitos. No entanto, o seu objetivo foi o de revelar esses princípios ao exame de algumas das campanhas realizadas por Napoleão. Vale dizer que este processo pode ser utilizado para o estudo de outros conflitos. E sobre Napoleão? Seu legado permanece como o de um gênio militar na arte da guerra. Os sucessos e os fracassos de Napoleão continuam a fazer parte dos estudos daqueles que se interessam pelo tema guerra.

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FONTES BRASIL, Ministério da Defesa. Manual de ampanha C-124-1 Estratégia, 3ª Edição. Brasilia. 2001. BROWN, G. R. F. (Major USMC).. Napoleonic ars and USMC fighting functions, USMC Command and Staff College. Quantico, VA. 2001 CEPEN – Centro de Estudos de políticas e estratégias nacionais – General Carlos de Meira Mattos KILIAN, Rudbert Junior. (CMG FN) . Revista O Anfíbio, 2005. Napoleon, His Army and Enemies Napoleonic Battles Uniforms Maps Tactics.htm - Napoleonic Stratgy and tactics

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