Escatologia - Millard J. Erickson (1)

April 29, 2017 | Author: Sam Trader | Category: N/A
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Escatologia de Millard J. Erickson...

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escatologia a polêmica em torno do milênio

Digitalizado por: jolosa

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Erickson, M illard J. Escatologia : a polêmica em torno do milênio / Millard J. Erickson ; tradução G ordon Chown e M árcia Pekkala Barrios M edeiros. — São Paulo : Vida Nova, 2010. Título original: A basic guide to eschatology: m aking sense o f the millennium. Bibliografia. ISBN 978-85-275-0429-4 1. Escatologia - História das doutrinas 2. M ilênio (Escatologia) 3. Tribulação (Escatologia cristã) I. Título 09-12403

C D D -236 índices para catálogo sistemático: 1. Escatologia : Teologia cristã 236

VIDA NOVA

Millard J. Eric kson

a p o l ê m i c a em t o r n o do mi l ê ni o

2.a edição revisada e am pliada

Tradução Gordon Chown M árcia Pekkala Barrios M edeiros

Copyright © 1997, 1998 Millard J. Erickson Título original: A Basic Guide to Eschatology: Making Sense of the Millennium Traduzido da edição publicada pela Baker Book House Company, P.O Box 6287, Grand Rapids, MI 49516-6287, E.U.A. 1.a edição (Sob o título Opções Contemporâneas na Escatologia): 1982 Reimpressões: 1991, 1996 2.a edição revisada e ampliada: 2010 Reimpressão: 2012 Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados por S o c i e d a d e R e l ig io s a E d iç õ e s V id a N o v a , Caixa Postal 21266, São Paulo, SP, 04602-970 www.vidanova.com.br | [email protected] Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados, etc.), a não ser em citações breves com indicação de fonte. ISBN 978-85-275-0429-4 Impresso no Brasil/Printed in Brazil SUPERVISÃO EDITO RIAL

Marisa K. A. de Siqueira Lopes C O O R D E N A Ç Ã O EDITO RIAL

Jonas Madureira REVISÃO

Arkhé Editorial C O O R D EN A Ç Ã O DE PRO DU ÇÃO

Sérgio Siqueira Moura REVISÃO D F. PROVAS

Ubevaldo G. Sampaio DIAGRAM AÇÃO

Kelly Christine Maynarte CAPA

Souto Crescimento de Marca

Aos pais de minha esposa, Magnus e Ruth Nepstad

Sumário

Prefácio.................................................................................... 9 Introdução ............................................................................... 11 PARTE 1 | CONCEITOS ESCATOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS

1. Schweitzer e Dodd...................................................... 17 2. Bultmann e Moltmann............................................... 41 PARTE 2 | CONCEITOS MILENISTAS

3. Pós-milenismo............................................................ 65 4. Amilenismo................................................................ 89 5. Pré-milenismo............................................................ 111 PARTE 3 | CONCEITOS TRIBULACIONISTAS

6. Dispensacionalismo.................................................... 133 7. Pré-tribulacionismo.................................................... 155 8. Pós-tribulacionismo.................................................... 179 9. Posições intermediárias................................................201

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Escatologia

Conclusão..................................................................................227 Bibliografia................................................................................ 229 índice geral.................................................................................235 índice de textos bíblicos.......................................................... 241

Prefácio aproximação do final do século xx e o segundo milênio cristão têm provocado um crescente interesse em assuntos sobre escatologia. Sou grato à Baker Books e especialmente ao editor de livros acadêmicos, Jim Weaver, pelo preparo desta edição revisada. O capítulo sobre dispensacionalismo foi reescrito para refletir as mudanças desse movimento, conhecido como dispensacionalismo progressivo. O volume original foi produzido devido a um pedido dos estudantes do Bethel Theological Seminary por um curso que examinasse de forma ampla e objetiva as opções escatológicas existentes nos círculos em que um dia iriam ministrar. Ao prepararme para o curso, percebi que a necessidade desta pesquisa vai além das paredes da nossa sala de aula. Agradeço a todos que ajudaram na produção deste trabalho. Tenho uma dívida especial para com os estudantes que inicialmente pediram o curso. As perguntas e comentários feitos por eles ajudaram a aguçar o meu raciocínio. Minha assistente, sra. Ines E. Bowers, leu com rigor todo o manuscrito e contribuiu com inúmeras sugestões, principalmente com relação ao estilo. A digitação foi feita pela sra. Nikki Daniels e sra. Aletta Whittaker. Todas as imperfeições no manuscrito são, naturalmente, de minha exclusiva responsabilidade.

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Introdução

ames Orr, preletor do final do século X IX , observou que várias áreas da doutrina crista receberam especial atenção e se desen­ volveram de forma específica em diferentes períodos da história da igreja. Assim, no século n a igreja lidou especialmente com a apologética e as ideias fundamentais do cristianismo; nos séculos III e IV, com a doutrina de Deus; no início do século V , com o homem e o pecado; do século V ao vil, com a pessoa de Cristo; nos séculos XI ao xvi, com a expiação; e no século xvi, com a aplicação da redenção (justificação etc.). Antes já havia convicções doutrinárias, implícitas ou explícitas, sobre esses assuntos, mas foi com o surgimento de crises durante esses períodos específicos que as posições foram mais precisamente articuladas. Orr sugeriu que o interesse peculiar dos dias atuais é a escato­ logia, o único tópico da teologia ainda a ser desenvolvido;

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E provável que eu não esteja enganado ao pensar que, além da necessária revisão do sistema teológico como um todo, a qual não poderia ser corretamente empreendida até que o desenvolvimento histórico que esbocei tivesse completado seu curso, a mente moderna tem-se dedicado com especial diligência a questões

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Escatologia

escatológicas, talvez impulsionada pela impressão solene de que essa própria diligência indica que os tempos do fim do mundo chegaram, e que alguma grande crise na história dos assuntos humanos está se aproximando. Mesmo aqui, não antecipo que os grandes marcos da doutrina cristã passem por qualquer mudança séria.1 Para Orr, embora a doutrina da escatologia tivesse sido discutida no século xix, ela ainda precisaria receber uma atenção muito maior. As questões haviam se aprofundado durante as últimas gerações. O século xx presenciou um estudo intensivo de várias doutrinas específicas. A primeira metade do século focou-se exclusivamente na doutrina da revelação. A doutrina da igreja, especialmente em sua relação com o movimento ecumênico, foi amplamente discutida no segundo quarto do século e gradualmente diminuindo no terceiro quarto. Logo após a doutrina da Pessoa e da obra do Espírito Santo recebeu especial atenção, tendo nesse período o interesse chegado ao seu auge. Nos anos mais recentes, parece que a escatologia avan­ çou para o primeiro plano. Movimentos como a teologia da espe­ rança deram à escatologia um domínio praticamente exclusivo. Em outros tempos uma doutrina exigia um século ou mais para uma completa delineação, mas agora, com a aceleração da discussão, da pesquisa e da comunicação, os períodos podem ter sido abreviados para um quarto de século ou menos. A preocupação com a escatologia tem tomado formas diferentes em grupos diferentes. Nos círculos cristãos conservadores, relacionase com a ordem dos acontecimentos concernentes à Segunda Vinda de Cristo. Os conservadores chegaram a um consenso nos pontos 1 The Progress of Dogma. Londres, Hodder and Stoughton, 1901, p. 29-30.

Introdução

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principais da escatologia por volta do início do século xx. Todos os seres humanos (exceto os que ainda estiverem vivos na volta do Senhor) devem passar pela morte física e, nesse momento, passam para um estado intermediário apropriado à sua condição espiritual. Os que se entregaram à obra salvadora de Jesus Cristo irão para um lugar de bem-aventurança e galardão; mas os que não se entregaram irão para um lugar de castigo e tormento. Em algum tempo futuro, Cristo voltará de modo corpóreo. Então todos os mortos serão ressuscitados e entregues ao seu destino final — o céu ou o inferno. Lá permanecerão eternamente numa condição inalterável. No entanto, nesse esquema geral, tem havido considerável variação. Primeiro, em relação à questão de haver um milênio (um reino de Jesus Cristo na terra por mil anos), e segundo em relação à posição dos que dizem “sim”, quanto à volta de Cristo acontecer no começo ou no fim do milênio. Entre os que sustentam que essa volta antecederá o milênio, alguns acreditam que a igreja passará por um período de intensa angústia chamado de “grande tribulação”; outros acreditam que a igreja será retirada do mundo ou “arrebatada” antes da tribulação. Nos anos recentes tem havido muito debate em torno dessas questões. Quer concordemos ou não com a rele­ vância dessas questões devemos examiná-las, pois aqueles que as discutem as consideram importantes. O propósito fundamental deste livro é examinar de perto essas opções conservadoras. Para dar à discussão um contexto mais abran­ gente, os dois primeiros capítulos examinarão algumas outras alternativas comuns desenvolvidas durante os séculos xix e xx. Algu­ mas destas estão fora dos limites da ortodoxia evangélica. Isso nos ajudará a compreender a disposição ou o cenário que contribui para a construção da escatologia contemporânea. Depois serão consideradas as várias posições milenistas seguidas das várias visões tribulacionistas. Como parte dessa última seção, o sistema teológico

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Escatologia

e hermenêutico conhecido como dispensacionalismo, que figura com tamanho destaque no debate tribulacionista, será examinado minuciosamente. A forma com que iremos tratar cada posição, milenista e tribulacionista, será a mesma: um breve panorama da posição e de sua história, um exame mais completo dos conceitos principais e dos argumentos propostos para sustentá-los e finalmente uma ava­ liação dos aspectos positivos e negativos. Ao publicar este livro, a oração do autor é de que este estudo possa: estimular e encorajar o interesse do leitor por questões importantes da escatologia; aprofundar a confiança na vinda aben­ çoada do Senhor; despertar o interesse por “examinar as Escrituras” para verificar as coisas que são verdadeiras; aumentar o entendi­ mento e a apreciação das convicções daqueles que têm pontos de vista diferentes dos seus.

parte 1

Conceitos escatológicos contemporâneos

capítulo 1

Schweitzer e Dodd

Introdução

m diversos aspectos, o século xix foi um período de intensa E agitação teológica. A síntese ortodoxa, embora houvesse variação da luterana para a reformada e até para a católica romana, mantinha

um entendimento básico da natureza da teologia, conservando-se firme por um tempo considerável. Contudo, nesse período, novos conceitos da própria natureza da religião irrompiam sobre a igreja, e produziam mais transformações radicais na natureza fundamental da teologia do que talvez já ocorrera em todos os séculos anteriores, desde o tempo do Novo Testamento. Sempre existiram segmentos radicais no cristianismo, mas em termos gerais ficavam somente à margem. Agora, essas transformações passaram a influenciar as correntes predominantes da igreja. Em boa parte, essas alterações eram resultados de novos desen­ volvimentos no universo de conhecimento, os quais afetaram as doutrinas tradicionais do cristianismo. Na filosofia, as críticas de Immanuel Kant levantaram a questão sobre a possibilidade de se comprovar a existência de Deus ou até sobre o fato de possuirmos

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Conceitos escatológicos contemporâneos

qualquer conhecimento daquilo que vai além do nosso conhecimento empírico. Na ciência natural, A origem das espécies, de Charles Darwin, desafiou a doutrina crista da criação especial do homem. A aplicação da crítica histórica e literária à Bíblia parecia minar alguns pontos de vista tradicionais acerca da data e autoria dos livros bíblicos, bem como da historicidade de grandes segmentos das narrativas. Aqueles que aceitavam esses desenvolvimentos tinham de encontrar novas abordagens à teologia. A maioria concordava que a essência da religião em geral e do cristianismo especificamente não consiste de crenças. Um dos ramos tratava o cristianismo como juízo de valores e o tornava, em grande medida, uma questão de ética ou conduta. Outro ramo, seguindo a liderança de Friedrich Schleiermacher, concebia o cristianismo primariamente como uma questão de sentimento. Esses dois ramos concordavam que os dogmas e as crenças cristãos deveriam ser cuidadosamente exami­ nados, avaliados e justificados, e não simplesmente sustentados com credulidade. Isso dava um novo molde ou uma nova chave à teologia — inclusive à escatologia. Em meio a esse mar tempestuoso de novos desenvolvimentos, os cristãos do século X IX tinham certeza de uma coisa: como cristãos, deviam, de algum modo especial, estar relacionados e focados em Jesus, chamado o Cristo. No entanto, isso tornou ainda mais urgente a pergunta: Quem realmente é esse Jesus? A busca pelo Jesus histórico foi uma tentativa de voltar-se para Jesus a fim de compreender quem ele realmente era. Enquanto o estudioso que buscava a Jesus tateava em seu caminho de volta, envolvido por uma névoa de séculos de tradição eclesiástica e construção teológica, ele encontrava e des­ crevia a vida, a personalidade e os ensinos de Jesus. Aplicava-se às narrativas dos evangelhos os mesmos métodos de pesquisa histórica utilizados na investigação de quaisquer acontecimentos históricos ou materiais literários.

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Em termos teóricos, essa busca primava pela objetividade, deixando de lado pressupostos dogmáticos e tradições eclesiásticas a favor de um tipo mais científico de pesquisa. Métodos utilizados por historiadores não comprometidos eram adotados, na esperança de realizar esse ideal. O alvo não era defender quaisquer crenças específicas acerca de Jesus. O fato de não ser possível sustentar, pelas evidências, as ideias sobre Jesus, tornava cada vez mais difícil a aceitação dos conceitos tradicionais. Comentaristas posteriores têm questionado o fato de esses estudiosos terem sido tão objetivos e de seu método ter sido tão livre de influências controladoras quanto declaravam e desejavam. Aplicando suas pesquisas aos evangelhos, os que estavam nessa busca encontraram um retrato de certa forma diferente do conven­ cional. Embora os pormenores diferissem entre um estudioso e outro, o contorno geral era de um mestre basicamente humano que direcionava os homens mais ao Pai do que a si mesmo. Jesus chamava os homens a crer com ele, não nele. Um dos temas dominantes no ensino de Jesus, diziam eles, é a paternidade de Deus.1Deus criou todos os homens e continua a darlhes vida, cuidando deles com tanto zelo quanto um pastor vigia suas ovelhas. Conhece e protege cada um deles, do mesmo modo que nenhum pardal pode cair por terra sem o conhecimento e permissão do Pai (Mt 10.29-31). Jesus falou que o Pai sabe até o número de fios de cabelos que cobrem a cabeça de uma pessoa (Mt 10.30). O infinito valor de uma alma humana é um corolário dessa doutrina.2Por Deus ter a cada ser humano em tão alta estima, também deveríamos estimar nosso próximo. Isso contribuiu para a ênfase na 1Adolf von Harnack, What is Christianity?, p. 68ss. 2 Ibid., p. 73ss.

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Conceitos escatoiógicos contem porâneos

fraternidade dos homens. Jesus reduziu toda a lei a dois mandamentos: amar ao Senhor Deus com todo o coração e amar ao próximo como a si mesmo. Se a parábola do filho pródigo é o modelo do relacio­ namento que o homem deveria ter com Deus, a parábola do bom samaritano é o modelo do relacionamento que o homem deveria ter com outros homens. O ensino de Jesus a respeito do reino de Deus3 era considerado básico e central para toda a sua perspectiva e mensagem. Albrecht Ritschl, que talvez tenha tratado dessa doutrina de forma mais ampla, disse que o cristianismo não é um círculo, com um só centro, mas uma elipse, com dois focos — as doutrinas da redenção (a operação da graça divina) e do reino de Deus (a atividade ética do homem).4 Esse reino é uma comunidade ética composta de homens e distinguida pela ação recíproca, que é motivada pelo amor. O reino é estabelecido pelo homem, mas não destituídos de religiosos. Jesus fundou esse reino. Sua relevância encontra-se primariamente em sua vida, não em sua morte. Ele é o exemplo perfeito do tipo de humanidade que será unida no reino. É a revelação completa de Deus como amor. Embora as “vidas de Jesus” propusessem ideias variáveis a respeito do reino, elas tinham um denominador comum: Deus reina aqui e agora. De acordo com Jesus, o reino chegou a ele e por ele. Não é um reino com leis externas, com dimensões possíveis de serem discernidas na sociedade em marcas visíveis, pelo contrário, é um reino de Deus dentro do coração humano, um reino que tem se tornado uma realidade para um número crescente de pessoas. Sua propagação por toda a raça humana é tanto horizontal (de um indivíduo e grupo para outro) quanto vertical (de uma classe social para outra). 3 Ibid., p. 56ss. 4 Albrecht Ritschl, The Christian doctrine o f justification and reconciliation: the positive develop-ment of the doctrine, p. 30ss.

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O reino que Jesus trouxe é diferente, em sua natureza, de qualquer coisa que o tenha precedido. Nesse sentido, veio de uma vez por todas, e sua natureza não mudaria com o passar do tempo. Seu crescimento era gradual e não de tipo. A medida que o homem estendesse o reino para as diversas áreas da sociedade, progressi­ vamente, a sociedade se tornaria cristianizada. Essa crença e esperança foram vividamente ilustradas em 1908 quando uma nova revista religiosa foi chamada Cbristian Century [Século cristão\. Por detrás desse nome, havia a crença de que o século xx seria o século cristão. O reino de Deus estava aqui ou deveria estar em breve. Seria instaurado progressivamente através dos esforços dos cristãos, não mediante algum acontecimento cataclísmico como a segunda vinda de Cristo. A natureza do reino agora não é diferente do que será em qualquer tempo do futuro. Alguns dos que sustentavam esse conceito do reino enfatizavam o papel de Deus em sua realização; outros enfatizavam o papel de instituições e programas humanos. As passagens escatológicas ou apocalípticas nas Escrituras eram tratadas de duas maneiras básicas: a primeira era interpretar a passagem de modo não escatológico ou não futurista; a segunda era simplesmente descartá-las ou desconsiderá-las (bem como outros segmentos da Bíblia). Aqueles que seguiam essa última abordagem destacavam a analogia da noz e da casca. Embora seja de um período mais pos­ terior, a obra de Harry Emerson Fosdick (1878-1969) ilustra bem essa abordagem. Conforme Fosdick entendia, a forma tradicional da doutrina de que a justiça triunfará é a segunda vinda de Cristo.5

3 Harry Emerson Fosdick, The modem use o f the Bible, p. 105.

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Segundo essa forma da doutrina, Jesus voltará à terra de modo literal, nas nuvens do céu. Não é de surpreender que as pessoas do século i aceitassem e empregassem semelhante figura. Consideravam a terra como um paralelogramo achatado, sendo então apropriado pensar em alguém que subia às nuvens e descia delas. Nem é de surpreender que essa esperança assumisse uma forma messiânica, visto que esse foi um período de intensa agitação política. A medida que uma nação sucedia à outra, crescia o conceito de que Israel seria liberto por um rei terrestre que restabeleceria o reino de Davi. Durante o período intertestamentário e nos escritos apócrifos, o panorama do presente tornou-se cada vez mais pessimista. A libertação necessariamente viria através de um acontecimento repentino e surpreendente — o dia do Senhor — envolvendo uma invasão messiânica da terra, vinda do céu. Fosdick concluiu que hoje não podemos sustentar tal ponto de vista, por estar ligado a um conceito obsoleto da realidade. Mas, ao rejeitar essa ideia, estamos apenas tirando e descartando a casca. A noz (a vitória da justiça sobre a terra) permanece intacta, e Fosdick continuou a crer nela. Embora a casca da doutrina (a volta física de Jesus) fosse adequada para tempos passados, uma forma nova deveria ser encontrada para os nossos tempos. E Fosdick tinha uma outra sugestão. Não se baseava no fato de o homem simplesmente transformar o caráter humano e a sociedade por seu próprio esforço, mas na operação de Deus através dos cristãos para modificar a sociedade. Fosdick a expressou da seguinte forma: Tenhamos, nós mesmos, esse espírito, e que Deus possa operar sua vitória em nós e através de nós; persuadir outros a serem transformados pela renovação de suas mentes; que possamos nos esforçar por uma melhor organização da sociedade para que o propósito divino possa ser promovido e não impedido por nossa

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vida econômica e política; e então, aguardaremos pelo aconte­ cimento na forma e no tempo dele — essa tem sido nossa postura e pregação, as quais nos parecem cristãs.6 Escatologia consistente

Temos notado um crescente consenso entre liberais a respeito da escatologia do Novo Testamento. A despeito de muitas variações, eles concordam que o reino é ético em sua natureza. É aqui e agora, dentro da história. Não é algo que virá catastroficamente em algum tempo futuro. Mas, nessa aparente parede sólida, fendas começaram a surgir. Escritores sugeriram que algo estava errado com a visão liberal. Alguns propuseram um acordo, unindo um conceito verdadeira­ mente escatológico ou futurista com a ideia do reino como uma realidade ética presente. Outros, porém, tentaram um completo rompimento. Um deles foi Johannes Weiss, que em 1892 publicou Jesus Preaching on the Kingdom o f God [A pregação de Jesus sobre o reino de Deus]. Nessa obra, Weiss abordou o ensino de Jesus de uma perspectiva totalmente diferente. Em vez de pressupor que Jesus estava falando acerca de um reino ético, concluiu que a visão de Jesus era completamente escatológica ou até mesmo apocalíptica e futurista. Em vez de um reino ético de Deus no coração do homem, que se expandiria paulatinamente através do tempo, o reino se estabeleceria surpreendentemente no futuro. A partir daí o esquema de Weiss recebeu o nome de escatologia consistente (ou radical). Se Weiss abriu uma fenda na parede, Albert Schweitzer (1875­ 1965) fez uma rachadura completa. Em dois de seus livros, 6Ibid., p. 110.

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Schweitzer dirigiu-se explicitamente à questão da escatologia. O primeiro foi intitulado Das Abendmahl [A santa ceia], e a segunda metade da obra foi publicada em inglês com o título The Mystery of the Kingdom o f God [O mistério do reino de Deus], De certa forma, o autor definiu nessa obra sua posição de forma mais clara do que em seu livro posterior e mais conhecido, The Quest o f the Historical Jesus [A busca pelo Jesus histórico]. Schweitzer examinou extensivamente e praticamente demoliu as “vidas de Jesus” liberais e entao propôs uma interpretação alternativa. Weiss aplicara a ideia da escatologia consistente aos ensinos de Jesus; Schweitzer, no entanto, aplicou-a ao Novo Testamento como um todo. Schweitzer é um exemplo moderno de um gênio universal. Aos 30 anos já era organista, filósofo e estudioso do Novo Testa­ mento. Logo após se voltou para a medicina e se tornou missionário, exercendo a profissão de médico em Lamberene, na África. Embora Schweitzer tivesse sido treinado no liberalismo clássico dos seus dias, começou a perceber suas falhas. Não voltou, entretanto, a uma abordagem pré-crítica da Bíblia. Aceitou a validade do método liberal do estudo crítico, mas rejeitou algumas de suas conclusões. O problema brotava ou de pressuposições incorretas, ou da aplicação incompleta e inconsistente do método, ou ainda dos dois juntos. Se nos abrirmos para a possibilidade de que o Novo Testamento é genuinamente escatológico, podemos explicar os fenômenos de modo mais adequado. Mas, se aceitarmos as suposições liberais e seguirmos à risca seu método de estudo bíblico crítico, encon­ traremos certas incoerências. Schweitzer, conforme notamos, adotou o mesmo método usado pelos liberais que buscavam a Jesus e utilizou as mesmas fontes. Na maioria das vezes ele, assim como Weiss, William Wrede e outros, desconsiderava o quarto evangelho por considerá-lo muito diver­ gente dos sinóticos para ser historicamente fidedigno. Schweitzer

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também usou pouco o Evangelho de Lucas, pois sentia que nele a teologia de Paulo tinha sido “imposta” na narrativa. Lucas fazia parte do círculo de Paulo, conforme indicam as passagens em Atos com a utilização de “nós”. Visto que Lucas escreveu depois do período da influência direta de Paulo sobre ele, seu evangelho deveria provavelmente ser desconsiderado por qualquer pessoa que desejasse chegar à vida e aos ditos de Jesus. As fontes principais de Schweitzer, portanto, foram Marcos e os logia (ditos em Mateus), que consi­ derava como tendo sido derivados de uma fonte identificada como fonte Q (a primeira letra da palavra alemã “fonte”, Quellé). Até mesmo a construção dos fatos do evangelho feita por Mateus era considerada com considerável ceticismo. Os ditos de Jesus relatados em Mateus eram considerados bem fidedignos, mas pensava-se que a narrativa tivesse sido influenciada por acontecimentos e conceitos posteriores. Schweitzer, portanto, praticamente repercorreu o trilho dos que buscavam o Jesus histórico. Schweitzer aplicou o método deles às fontes que aceitavam como autênticas, e a sua avaliação dos resul­ tados deles foi bem negativa: “Seja qual for a solução final, o Jesus histórico, de quem a crítica do futuro — tomando como ponto de partida os problemas reconhecidos e admitidos — quer traçar o retrato, nunca poderá prestar à teologia moderna os serviços que reinvindicou da parte de seu Jesus meio-histórico e meio-moderno”.7 Frequentemente pensamos que o grande problema da cristologia seja o das duas naturezas de Cristo: Deus e homem combinados em uma pessoa. Para Schweitzer, o problema de combinar um Jesus parcialmente histórico e parcialmente contemporâneo numa só pessoa é muito mais difícil. Na realidade, ele achava que os dois não tinham sido combinados de modo bem-sucedido. 7 Albert Schweitzer, The quest o f the historical Jesus-, a criticai study of its progress from Reimarus to Wrede, p. 396.

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O problema é que o Jesus que emerge de tal esforço é fictício. A famosa declaração do padre George Tyrrell vem à mente: “O Cristo que Harnack vê, olhando para trás, em dezenove séculos de trevas católicas, não passa da reflexão de um rosto protestante liberal, vista no fundo de um poço profundo.”8 De modo semelhante, Schweitzer sugeriu que o Jesus de quem o pesquisador liberal falava e escrevia não tinha realidade alguma: “O Jesus de Nazaré que se apresentou como sendo o Messias, que pregava a ética do^ reino de Deus, que fundou o reino dos Céus sobre a terra e que morreu para dar à sua obra sua consagração final, nunca teve qualquer existência. E uma figura projetada pelo racionalismo, dotada de vida pelo liberalismo e vestida pela teologia moderna com vestes históricas.”9 Esse Jesus da história não é de forma alguma um produto da pesquisa histórica, mas do pensamento do século XIX e x x . Aparen­ temente, a tentativa de se chegar à vida de Jesus era uma tentativa de trazê-lo para o presente, mas ele não poderia ser capturado dessa maneira. Mas Jesus não fica; ele passa pelo nosso tempo e volta para o dele. O que surpreendeu e assombrou a teologia dos últimos quarenta anos foi que, a despeito de todas as interpretações forçadas e arbitrárias, não conseguiu mantê-lo em nosso tempo, mas teve de deixá-lo ir. Ele voltou ao seu próprio tempo, não devido à aplicação de qualquer ingenuidade histórica, mas pela mesma necessidade inevitável que faz com que o pêndulo, ao ser solto, volte à posição original.10 8 George Tyrrell, Christianity at the Cross-Roads, p. 44. lJ Albert Schweitzer, The quest o f the historicalJesus, p. 306. 10 Ibid., p. 397.

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Se Jesus tem de ter relevância em nosso tempo, não será pelo de fato de ele tornar-se como nós, mas por o enxergarmos como verdadeiramente foi. A imagem de Jesus como alguém que mera­ mente ensinou um reino ético foi destruída — não pela crítica externa, não por pessoas que adotam uma abordagem fundamen­ talmente diferente da pesquisa histórica, mas pelo fracasso do método de levar em conta problemas internos significantes. Fra­ cassou porque tinha de ignorar dados importantes. Assim, tanto a hermenêutica não escatológica como a interpretação ética de Jesus devem ser substituídas por uma hermenêutica completa­ mente escatológica. O conceito não escatológico de Jesus falhou em desvendar o “mistério” de Jesus. Talvez outra chave hermenêutica se encai­ xasse melhor, explicando mais dos fenômenos da vida de Jesus e com menos distorção. Somente quando a imagem escatológica de Jesus é projetada, sua vida e ensinos passam a ter sentido. Ao enfatizar as presentes dimensões do reino, os ensinos de Jesus também passam a incluir acontecimentos vindouros — a vinda de Jesus. A expressão “a segunda vinda de Jesus” ou sua “volta” empregase comumente hoje. Schweitzer não gostava dessas expressões. Não era o termo de Jesus. Do ponto de vista de onde Jesus estava, tratavase da vinda dele, e era uma vinda futura. Tendemos a contrastar a vinda futura de Jesus com sua morte: sua morte representava o grau mais elevado, sendo às vezes referido como estado de humilhação; sua vinda é a realização plena do estado de exaltação que começou na ressurreição e se intensificou em sua ascensão. Para Schweitzer, esses estados não são antíteses. Ele não diz: “Morreu, mas virá de novo,” mas “Morre e está vindo.” O primeiro é instrumental em relação ao último. Jesus disse: “Devo sofrer, e o Filho do Homem aparecerá nas nuvens do céu”. Schweitzer considerava que Jesus

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colocava sua morte numa conexão temporal-causal com a vinda escatológica do reino.11 Alguns sugeriram que a ideia escatológica fosse uma reflexão posterior de Jesus. Assim, Jesus inicialmente tentou estabelecer um reino terrestre e depois do fracasso dessa tentativa ofereceu, como substituto, um reino futuro e celestial. Schweitzer achava essa inter­ pretação insustentável. A noção escatológica não foi forçada sobre Jesus por circunstâncias externas; não era um plano alternativo que mudou quando sua estratégia original se revelou impraticável. Pelo contráíio, o conceito escatológico estava na base de sua pregação, já desde o início de seu primeiro ministério na Galileia.12Schweitzer ilustrou esse fato com a missão de Jesus aos doze. Segundo a inter­ pretação liberal e ética do reino de Deus, os discípulos foram envia­ dos para apresentar o reino às pessoas, e convidá-las a entrar nele. Mas, se isso fosse verdade, Jesus deveria ter incluído na sua comissão aos doze um resumo de seus ensinos sobre a moral a ser praticada no reino — um tipo de catecismo para os novos convertidos.13 Nada desse tipo foi incluído na comissão. Aparentemente não era para existir um discipulado ou um cuidado. Em vez disso deviam advertir as pessoas de que o reino de Deus estava próximo, con­ clamando-as a tomar urgentemente uma decisão. Os discípulos não deveriam demorar-se numa cidade onde as pessoas não aceitavam a mensagem, mas apressar-se, a fim de passar por todas as cidades de Israel antes da volta do Filho do Homem. Havia urgência porque o reino estava vindo, e o aspecto especialmente ressaltado era o arrependimento.14 11 Albert Schweitzer, The mystery ofthe kingdom ofG od: the secret of Jesus’ messiaship and passion, p. 80. 12 Ibid., p. 87. 13 Ibid., p. 88. 14 Ibid.

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Segundo Schweitzer, a preparação para a entrada no reino é a transformação moral. “Preparai-vos, arrependei-vos, limpai-vos, o julgamento está chegando” era a mensagem dos discípulos. Isso, porém, é bem diferente daquilo que Jesus teria dito se fosse correto o conceito ético do reino. Em vez de espalhar-se gradualmente, o reino está chegando repentinamente e com ele, o julgamento.15 O valor do reino é infinito. Tudo deve ser abandonado por amor a ele. Quem quiser receber o reino deve estar disposto a rom­ per com os demais laços, inclusive com os da família. Tendo começado, a pessoa não deve olhar para trás. O foco das parábolas de Jesus do tesouro no campo (Mt 13.44) e da pérola de grande valor (Mt 13.45-46) é que, em comparação com o reino, nada realmente tem valor. Esse reino vindouro do qual Jesus falava seria diferente de qualquer coisa que houvesse existido antes, e, como conseqüência, ele apresentaria condições específicas para os membros. Enquanto os liberais pensavam que a ética de Jesus era o meio de produzir o reino, Schweitzer, em oposição, acreditava que o reino era determinado e vindouro e que a ética era o meio de preparar-se para a entrada nele. Aqueles que, com a vinda do reino, cumprissem as condições morais, estariam dentro do reino; os que não as cumprissem, não fariam parte dele.16Isso pode ser verificado pelo exame dos ensinos específicos de Jesus, como as parábolas. A lição das parábolas como a das virgens sábias e néscias, e a dos servos fiéis e infiéis é: “Estai prontos!”. Jesus dissera: “Não estás longe do reino.” Os liberais interpre­ tavam assim o significado: “Qualitativamente, tens a natureza correta; quantitativamente, só precisas acrescentar um pouco a ela”. Schweitzer, no entanto, entendia a referência como sendo temporal 15 Ibid., p. 94-96. 16 Ibid., p. 97-99.

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e cronológica: o reino estava quase chegando. O tempo era curto. Jesus falou em realizar as obras daquele que o enviara enquanto ainda havia luz. Logo chegariam as trevas, quando os homens já não poderiam trabalhar. Esse reino, portanto, era futuro, novo quanto à sua qualidade, repentino quanto à sua vinda e de valor infinito. No modo de Schweitzer entender os ensinos de Jesus, havia uma outra característica: era sobrenatural. De acordo com o liberalismo, os homens seriam transformados no que haveriam de ser no reino e gradualmente estenderiam o reino para mais áreas da sociedade. De acordo com Schweitezer, não era isso que Jesus ensinava. O homem deve prepararse mediante o arrependimento para receber o caráter que seria trazido de modo sobrenatural. O caminho moderno, conforme Schweitzer o chamava, era incondicional — o reino cresceria aos poucos e se desenvolveria gradativamente. O caminho de Jesus, porém, era condicional — os homens não trabalham para poder entrar no reino; eles se preparam para ele e o recebem. Tudo depende daquilo que Deus faz. O reino é altamente moral, e quando vier através de uma catástrofe cósmica, todo o mal será completamente vencido. Os ensinos de Jesus baseiam-se na crença de uma descontinuidade entre as condições do presente e as do futuro. Logo Jesus, por exemplo, falou muito pouco acerca da moralidade sexual, pois quando o reino viesse isso não seria um problema. As pessoas então nem se casariam, nem seriam dadas em casamento, mas seriam como os anjos. Não lhes pretendia dar um modo de viver no reino. Deviam preparar-se para ele, e quando o reino viesse o novo caráter deles viria com ele.17 Essa é então a posição de Schweitzer acerca do ensino de Jesus. A vinda de Jesus seria um acontecimento surpreendente, envolvendo distúrbios cósmicos. A chegada do reino seria um clímax absoluto 17 Ibid., p. 99-102.

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— não uma passagem gradual — e transformaria radicalmente as circunstâncias e o caráter humano. Segundo Schweitzer, Jesus acreditava nisso e era isso que ensinava, — mas, é claro, Jesus estava errado! A essa altura poderia pensar-se que Schweitzer era praticamente fundamentalista. Sua descrição das crenças e dos ensinos de Jesus é muito semelhante à dos cristãos evangélicos, conservadores. A diferença está, no entanto, no posicionamento em relação aos pontos de vista de Jesus. Enquanto o fundamentalista aceita os ensinos de Jesus como normativos, Schweitzer os rejeita. A discordância entre Schweitzer e os liberais não era tanto com relação às conclusões destes — basicamente concordava com elas — mas sim com o método de imputar seus próprios pontos de vista ao ensino de Jesus. Uma passagem eloqüente, em que Schweitzer resumiu sua visão do Jesus trágico, tornou-se, tanto pela qualidade literária quanto pela pungência da descrição do Jesus escatológico, talvez, a passagem mais familiar de seus escritos: Há silêncio ao redor. Batista aparece e clama: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos Céus.” Tão logo ocorre a chegada de Jesus e sabendo ser ele o Filho do Homem que virá, põe a mão na roda do mundo para colocá-la em movimento na direção daquela última revolução que trará ao fim toda a história comum. A roda recusa-se a girar, e ele se lança sobre ela. Então ela gira e o mói. Em vez de trazer as condições escatológicas, ele as destrói. A roda conti­ nua em movimento, e o corpo moído daquele homem incomensuravelmente grande, forte o suficiente para pensar em si mesmo como o soberano espiritual da raça humana e para dobrar a história a seu propósito, ainda está preso a ela. Essa é sua vitória e seu reino.18 18 Albert Schweitzer, The quest ofthe historicalJesus, p. 368-369.

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De acordo com Schweitzer, não há qualquer maneira de construir ou reconstruir um Jesus que não acreditasse dessa maneira. Ele estava enganado, mas era nisso que ele cria, e só se pode com­ preendê-lo a partir desse pressuposto. Qualquer outra suposição levará a uma distorção grosseira do Jesus bíblico. Mas que relevância então Jesus tem para nós hoje? Já vimos que não é possível aceitar essas ideias, consideradas obsoletas em nosso mundo moderno. E não somente isso, mas também não foram (e não deveriam ser) sustentadas pela geração que se seguiu a Jesus, pois as expectativas dele não se realizaram. A relevância de Jesus não se encontra em nos relacionarmos de alguma forma com esse Jesus historicamente construído, mas em o conhecermos por uma expe­ riência sobrenatural de encontro direto. Schweitzer concluiu assim em The Quest o f the Historical Jesus [A busca pelo Jesus histórico]: Por essa razão, é bom que o verdadeiro Jesus histórico derrube o Jesus moderno, levante-se contra o espírito moderno e envie sobre a terra, não a paz, mas a espada. Ele não era um professor, não era um casuísta; era um soberano imperador. Por ser isso no mais íntimo de seu ser é que podia considerar-se o Filho do Homem. Essa era apenas a expressão temporalmente condicionada pelo fato de ele exercer um papel de autoridade. Os nomes pelos quais os homens expressavam o reconhecimento dele como tal — Messias, Filho do Homem, Filho de Deus — tornaram-se para nós parábolas históricas. Não conseguimos encontrar designação alguma que expresse aquilo que ele é para nós. Ele chega a nós como um desconhecido, sem nome, do mesmo modo como no passado ele se encontrou, à beira do lago, com aqueles homens que não o conheciam. Ele nos fala a mesma palavra “Segue-me!” e nos aplica às tarefas que ele tem de cumprir para o nosso tempo. Ordena. E para aqueles que o obedecem,

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sejam sábios ou simples, ele se revelará nos trabalhos árduos, nos conflitos, nos sofrimentos em que passarão na comunhão com ele e, como um mistério inefável, aprenderão em sua própria expe­ riência quem ele é.19 À medida que alguém serve e segue o Jesus que ainda vem a ele em sua experiência pessoal — como veio aos discípulos há muito tempo — , ele aprende quem esse ser inefavelmente misterioso é. Aqui, em certo sentido, há uma antecipação da neo-ortodoxia poste­ rior, em que não se reúne conhecimento como na pesquisa objetiva. A verdade é subjetiva e pessoal, e pode-se conhecê-la somente através de revelação, pela iniciativa do Senhor. Aqui, porém, temos um tom consideravelmente mais místico do que na maior parte da neo-orto­ doxia. Karl Barth enfatizou que se pode ter conhecimento nessa revelação, ao passo que Schweitzer acentuou a ideia do mistério inefável. A força da obra de Schweitzer parece encontrar-se na sua dimensão negativa ou crítica. Com exatidão e de forma completa, desnudou as falhas e fraquezas dos conceitos liberais não escatològicos ou desescatologizados de Jesus e do reino. Não o fez rejei­ tando a metodologia básica liberal e substituindo-a por outra. Encontrou-se com esses homens no próprio terreno deles. Aplicando os próprios princípios de interpretação deles, demonstrou que o retrato de Jesus que emergiu não se encaixava nos dados, e era incon­ sistente com a hipótese proposta. Schweitzer demonstrou que o pregador não escatológico de um reino puramente ético nunca teve existência real. Era produto de uma imaginação liberal criativa, um ser do século X IX , não do século I. Infelizmente, a obra crítica de Schweitzer não foi acompanhada por uma alternativa igualmente forte e construtiva. Logo a nota 19 Ibid., p . 401.

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conclusiva de Schweitzer é, no mínimo, muito vaga e subjetiva. Depois de um raciocínio estritamente argumentativo e analítico, volta-se para uma solução quase sobrenatural, sugerindo que Jesus vem a nós como veio aos discípulos há tanto tempo. A brevidade e a vagueza de sua declaração tornam difícil determinar exatamente o que ele afirmava ou qual era sua base para ela. Como resultado, essa parte do argumento de Schweitzer parece ser praticamente uma reflexão tardia. Assim dificilmente poderia servir como crença adequada para nós hoje. Escatologia realizada

A história da teologia cristã, como a de muitas outras coisas, frequen­ temente se movimenta como um pêndulo. Certo pensamento corre seu percurso, chega a um ponto de máxima aceitação e influência e então é substituído por um que se movimenta numa direção oposta, frequentemente em estreita semelhança a um conceito anterior já suplantado. No entanto, raras vezes ocorre um rompimento total de seu antecessor. Isso acontece porque dificilmente se pode evitar a influência do que se passou antes; elementos do antigo são incorpo­ rados no novo. Foi o que aconteceu com a escatologia realizada, um movi­ mento identificado especialmente com Charles H. Dodd (1884­ 1973), mas sustentado por outros também. Uma característica era compartilhada com a escatologia consistente: considerava-se que o tema escatológico permeava as Escrituras, especialmente os ensinos de Jesus. Entretanto, a escatologia consistente postulava que os acon­ tecimentos antecipados por Jesus nunca ocorreram, ao passo que Dodd afirmava que esses acontecimentos já haviam ocorrido. Além disso, via-os ocorrendo contemporaneamente quando foram escritos ou dentro do período bíblico. Seu conceito de escatologia é o que às vezes é referido como “preterista”.

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De modo geral, há quatro formas de interpretação da escato­ logia bíblica, que, apesar de serem aplicadas especificamente a por­ ções distintamente apocalípticas da Bíblia, como o livro do Apocalipse, se aplicam também a outros segmentos. A interpre­ tação idealista (ou simbólica) tira o elemento temporal da apo­ calíptica. Os símbolos ou acontecimentos descritos não ocorrerão em qualquer ponto específico da história, mas representam e apresentam “verdades eternas”, verdades acerca da natureza da realidade ou da existência humana que são continuamente presentes ou recorrem continuamente. Não se pergunta delas: “Quando?” mas, sim, “O quê?”. O futurista relaciona os elementos proféticos e apocalípticos nas Escrituras primariamente a um “tempo do fim”, quando todos os acontecimentos se sucederão. A maior parte dele ainda acontecerá no futuro para nós, como acontecia para os que viviam nos tempos bíblicos. O historicista considera que a apoca­ líptica pertence a acontecimentos que ainda eram futuros na ocasião em que foram descritos (o período bíblico), mas que já ocorreram e continuam a acontecer dentro da história da igreja. A abordagem preterista considera que o cumprimento da apocalíptica ocorreu aproximadamente no período contemporâneo ao registro bíblico dela. Sendo assim os “últimos tempos” já teriam chegado quando o escritor bíblico os descreveu. A escatologia realizada desafiava a ideia da futuridade em conexão com os ensinos de Jesus. Ele não falava de acontecimentos totalmente futuros que ainda se cumpririam; as “coisas que haviam de vir” já haviam chegado. A Escritura continha um contraste drástico entre “esta era” e as “eras vindouras”. Nos profetas do Antigo Testamento, esse contraste focava-se no dia do Senhor, que se caracterizava por três aspectos distintos:20 20 Charles H. Dodd, The apostolicpreachingand its development, p. 142-143.

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1. O dia do Senhor seria sobrenatural. O oculto domínio de Deus na história seria revelado. Embora os profetas vissem Deus operar, usando até a Assíria e a Babilônia, Deus seria revelado como o soberano da história em algum tempo futuro em que se tornaria evidente que esse domínio é divino e sobrenatural. 2. O dia do Senhor envolveria a derrota dos poderes do mal, bem como o julgamento sobre o pecado dos homens. Quando o dia do Senhor viesse, haveria justiça. 3. O dia do Senhor traria nova vida àqueles em quem sua vontade se cumpre, visto que esta para o homem é a perfeição da vick na imagem de Deus e em comunhão com ele. As Escrituras afirmam isso em diversas passagens. Por exemplo: “Seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é” (ljo 3.2). No Antigo Testamento ocorre a mesma ideia: “Porei dentro deles um novo espírito” (Ez 11.19). No Novo Testamento o simbolismo apoca­ líptico do Antigo Testamento torna a ocorrer frequentemente. De acordo com a escatologia realizada, há uma diferença crucial entre as referências do Antigo e as do Novo Testamento. Enquanto no primeiro, o dia do Senhor é futuro, no segundo esse dia já chegou. Dodd citou várias passagens do Novo Testa­ mento para sustentar essa colocação: “...então o reino de Deus chegou a vós” (Mt 12.28); “Mas isto é o que havia sido falado pelo profeta Joel” (At 2.16); “Mas todos nós... somos transformados de glória em glória na mesma imagem...” (2Co 3.18); “...se alguém está em Cristo, é nova criação...” (2Co 5.17); “Ele nos tirou do domínio das trevas e nos transportou para o reino do seu Filho amado” (Cl 1.13); “...ele nos salvou mediante o lavar da regeneração e da renovação realizados pelo Espírito Santo” (Tt 3-5); “experimentaram ... os poderes do mundo vindouro” (Hb 6.5); “Fostes regenerados não de semente perecível, mas imperecível...”

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(lPe 1.23); “as trevas vão passando e já brilha a verdadeira luz... é a última hora...” (ljo 2.8,18). De acordo com a interpretação de Dodd, a nova era está aqui; Deus estabeleceu o reino. O conceito mitológico do dia do Senhor foi transferido a um acontecimento histórico específico que já ocorreu ou, na realidade, a uma série de acontecimentos — o minis­ tério, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. A escatologia foi cumprida ou “realizada”. Aquilo que era futuro no tempo das profe­ cias do Antigo Testamento tornou-se presente. Em vez de procurar duas vindas de Cristo, deveríamos entender que há apenas uma; e em vez de procurar cumprimentos futuros das “predições” de Jesus, deveríamos interpretar essas “predições” à luz de suas declarações de que o reino de Deus está aqui — está próximo. Jesus não falava de como seria, mas de como era. Uma crise específica, constituída pelo ministério, morte e ressurreição de Jesus Cristo, é interpretada em relação ao conceito do Antigo Testamento. As características do dia do Senhor são intrepidamente circunscritas nessa crise histórica. Podemos notar como esse conjunto de acontecimentos se encaixa tão bem no conceito do dia do Senhor.21 1. Trata-se de um cumprimento. Marcos disse: “O tempo es cumprido.” Dodd comentou: “Esta é a declaração que Marcos colocou como inscrição sobre praticamente todo o registro do evangelho.” Paulo disse em Gálatas 4.4: “vindo, porém, a plenitude iplêrõma) dos tempos...” O que mais poderia ser cumprido? Nao havia mais nada para acontecer, ou certamente Paulo não teria usado esse termo específico. Essa é a chave aos apelos freqüentes (feitos especialmente por Mateus) à profecia. A questão é que o significado 21 Ibid., p. 147-149.

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da história já está resumido. O cumprimento da profecia significa que o dia do Senhor raiou. 2. O sobrenatural entrou na história. O braço do Senhor está revelado, como demonstram os milagres na vida de Jesus. Estes, como as profecias, têm sido usados por alguns para provar o sobrenatural. De certa forma isso é correto, mas Dodd afirmou que as histórias de milagre dos evangelhos correspondem estreitamente aos símbolos que os profetas utilizavam para retratar o caráter sobrenatural da era por vir. O poder estava ali — Jesus podia dizer ao homem: “Levanta-te, toma o teu leito e anda.” Como poderia un* milênio fazer mais do que isso? O reino já viera. 3. O poder de Deus está abertamente manifesto para derrotar os poderes do mal. Por exemplo, quando os setenta voltam e anunciam o que foi realizado, Jesus diz: “Eu vi Satanás cair do céu como um raio” (Lc 10.18). João registra o que Jesus disse na véspera da sua morte: “Chegou a hora do julgamento deste mundo, e o seu príncipe será expulso agora” (12.31). Paulo disse que, na cruz, Jesus triunfou sobre principados e poderes. Se o dia do Senhor inclui a destruição dos poderes do mal e se isso se realizou na cruz, então aquele dia já veio. 4. O evento Cristo também abrange o julgamento do mundo. Na morte de Cristo, Paulo disse que Deus manifestou sua justiça e condenou, na carne, o pecado. Na realidade, Paulo deveria ser visto como quem interpreta Jesus. De certa forma Dodd tinha mais confiança em Paulo do que os “buscadores” liberais ou Schweitzer. “E o julgamento é este: A luz veio ao mundo, e os homens amaram as trevas em lugar da luz, pois suas obras eram más” (Jo 3.19). Na introdução ao quarto evangelho, a luz veio ao mundo e está resplandescendo, e as trevas não prevaleceram contra ela. Isso é julgamento — não em algum sentido futurístico em que os livros são abertos — evidência atestada e veredito pronunciado por um juiz. Os homens

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pronunciaram julgamento conrra si mesmos por sua resposta à luz: “amaram as trevas em lugar da luz, pois suas obras eram más”. O julgamento é autoproferido pela resposta das pessoas à verdade. 5. A vida eterna, a vida no porvir, é realizada agora em noss experiência. “Mas, na verdade, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele o primeiro entre os que faleceram” (ICo 15.20), e nós somos ressuscitados com ele em novidade de vida. As vezes, a inter­ pretação fundamentalista da vida era, totalmente futurista: crê, e um dia terás a vida ererna; irás viver com ele para sempre no céu. Jesus disse: “...eu vim para que tenham vida, e a tenham com pleni­ tude” (Jo 10.10). Aquele que crê, tem a vida eterna. Não é algo para ser aguardado; é para ser experimentado. A escatologia, portanto, é uma questão do presente. Dodd examinou as parábolas detalhadamente, interpretando-as à luz do que já havia acontecido ou do que estava acontecendo. “O futuro é agora” era um lema excelente para o ministério de Jesus, segundo o entendimento de Dodd. Encontramos aqui alguns paralelos com o conceito liberal mais antigo que sustentava que essas coisas não são totalmente futuras. Nesse senrido, a escatologia realizada é de certa forma uma reação a Schweitzer. E é também um conceito muito mais sobrenatural do que o do liberalismo. Dodd considerava que Jesus falava, não daquilo que viria, mas daquilo que já viera. Alguns críticos sugeriram que Dodd tinha exagerado seu argumento, e aparentemente ele aceitou essa crítica. Em suas obras posteriores, começou a falar cada vez mais do reino que começara em vez de falar sobre aquele que chegara, e da iniciação em vez da realização.22Apesar disso, segundo o ponto de vista de Dodd, não há muita coisa a ser aguardada. 22 Charles H. Dodd, Gospel and the law. the relation o f faith and ethics in early Chrisuanity, p. 26-27.

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A força da escatologia realizada é a sua doutrina de que boa parte da escatologia da qual Jesus falava já foi cumprida ou estava sendo cumprida no tempo dele. Em Cristo, o futuro viera ou pelo menos começara. A tendência de alguns cristãos de compreender a escatologia bíblica em termos puramente futuristas deve, portanto, ser entendida como uma visão errônea e distorcida do ensino bíblico. Essas pessoas perdem muito da relevância do texto por olharem para a frente quando deveriam olhar para trás. Por outro lado, Dodd negligenciou alguns textos que não podem ser considerados já cumpridos. Por exemplo, o grande discqfso escatológico, em que Jesus falou de sua segunda vinda, e a reflexão de Paulo sobre ela em lTessalonicenses. Esses textos clara­ mente se referiram a acontecimentos que ainda eram (e ainda são) futuros. Embora o reino, em certo sentido, já tenha vindo, ou pelo menos começou a vir, em outro sentido claramente ainda não foi realizado. Uma teoria escatológica plenamente adequada deve levar em consideração esses trechos das Escrituras também. Dodd falhou em fazer isso.

Capítulo 2

Bultmann e Moltmann

Escatologia existencial

|o pensamento de Rudolf Bultmann (1884-1976), encontramos ? ^luma abordagem teológica genuína do século xx. Embora tenha combinado muitos elementos de várias abordagens anteriores, ele construiu seu pensamento sobretudo com base no existencialismo que, de muitas maneiras, tem sido a principal filosofia deste século. Bultmann escreveu, não como teólogo sistemático, mas como estudioso do Novo Testamento. Examinando a visão de mundo do N T , ele concluiu que grande parte dos registros é mitológica em sua natureza. Entendia que o mito era a descrição de realidades do outro mundo em metáforas retiradas deste mundo. Os escritores do Novo Testamento concebiam a totalidade da realidade como um universo de três andares. O andar superior é o céu, habitado por Deus e pelos anjos; o do meio é a terra, habitada por seres humanos; e o inferior é o inferno, a base de operações do diabo e de seus assistentes demoníacos. Mesmo na terra, nem tudo é resultado de forças

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puramente naturais. Poderes sobrenaturais intervém no fluxo “natural” dos acontecimentos. Milagres acontecem com considerável fre­ quência. Espíritos maus podem possuir o homem, causando doenças. Deus ou Satanás podem inspirar os pensamentos do homem e guiar suas ações. E o homem pode receber visões de origem divina.' A escatologia é uma parte em destaque desse quadro também. O fim dos tempos está próximo e será marcado por uma grande catástrofe cósmica. O fim será inaugurado pelos “ais” dos últimos tempos. O juiz, o Senhor Jesus, virá do céu, cavalgando nas nuvens, para completar a obra da redenção. Então os homens serão ressurretos e julgados.2 A escatologia está colocada dentro do quadro da mitologia em geral, e para entender a escatologia de Bultmann deve­ mos primeiramente examinar seu método geral de desmitologização. Há três maneiras de lidar com a mitologia do Novo Testamento. A primeira é simplesmente aceitá-la literalmente, e, em grande parte, é isso que o fundamentalismo faz. Mas, segundo Bultmann, isso é obviamente impossível para o homem moderno, tendo em vista o atual conceito científico da realidade. A revolução copernicana tor­ nou impossível a pessoas esclarecidas e reflexivas considerar o univer­ so como um “subir” e “descer” no espaço, ou como tendo qualquer relação com um referencial de espaço. Tais conceitos já não têm significado. De forma semelhante, a ciência médica revelou que as doenças não são causadas por possessão demoníaca, mas por bacté­ rias, por vírus ou por outros organismos.3 Outra razão pela qual não podemos adotar a escatologia mítica é que a parúsia de Cristo, predita no Novo Testamento, nunca ocorreu. A história não termi­ nou naquela geração e, como se sabe, continuará a correr seu curso. 1 Rudolf Bultmann, New Testament and Mythology, p. 1-2. 2 Ibid. 3 Ibid., p. 3-4.

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Bultmann concluiu que, se acreditamos no fim do mundo como um acontecimento circunscrito no tempo, esperamos então que o evento aconteça com uma catástrofe natural (e.g., um holocausto nuclear) e não com uma volta corpórea mítica de Jesus Cristo. Mas explicar essa parúsia em relação a alguma catástrofe natural é fazer uma crítica ao Novo Testamento, embora inconscientemente.4 A segunda maneira de tratar a mitologia do Novo Testamento é aquela do liberalismo: rejeitar os elementos míticos do Novo Testa­ mento. Os liberais esforçaram-se por conservar a mensagem do Novo Testamento, mas sem os elementos agora reconhecidos como insustentáveis. Bultmann chamava esse método de seleção ou subtra­ ção. Infelizmente, de acordo com ele, não era viável. Em muitos casos o mítico está tão estreitamente vinculado com o não mítico que são praticamente inseparáveis.5 Uma terceira maneira de tratar a mitologia do Novo Testa­ mento é a que Bultmann acreditava ser superior: em vez de aceitar a mitologia de modo literal ou de rejeitá-la, deveríamos interpretála (ou talvez mais corretamente, reinterpretá-la). Ele levava os mitos a sério, entendendo que eles realmente transmitiam uma mensagem, embora não literalmente. Esse processo é conhecido como desmitologização, um termo que deixa a desejar pois pressupõe a eliminação do mito. Mas, na verdade, o mito está sendo reinterpretado, tendo licença para permanecer, mas recebendo um caráter diferente. Bultmann procurava entender o mito através de seu significado existencial, em vez de literal.6 Bultmann reconhecia que houve esforços anteriores no sentido da desmitologização. Na realidade, declarou que tudo quanto dissera 5 Ibid., p. 5. 5 Ibid., p. 9-10, 6 Ibid., p. 10.

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de modo negativo poderia ter sido afirmado há quarenta anos, o que de fato aconteceu. Segundo ele, a necessidade de se rever tudo isso era um sinal da falência da teologia contemporânea. Em seu tempo testemunhou um movimento de afastamento da crítica e de retorno a uma aceitação ingênua da pregação da igreja primitva.7 Talvez isso tivesse acontecido porque algumas das tentativas anteriores de desmitologização usavam a crítica para praticamente eliminar esse querigma, recaindo, assim, no segundo dos dois métodos descritos acima.8 Adolf von Harnack, por exemplo, eliminava completamente a mitologia: “O reino de Deus vem ao chegar ao indivíduo, ao entrar em sua alma e tomar posse dela”.9 Harnack reduziu o querigma a alguns poucos princípios básicos da religião e da ética que são eternos e atemporais, independentemente da história humana dentro da qual são concretizados. Somos capazes de averiguar essas verdades em nossa própria experiência, não importa em que tempo vivamos. Visto que Harnack entendia o querigma como nada mais do que mitologia, poderia eliminá-lo com segurança. Para Bultmann, devemos perguntar o que as personagens do Novo Testamento, e especialmente os autores desses livros, tentavam expressar. Embora os que primeiramente anunciaram essas ideias míticas talvez as tivessem entendido de forma literal, elas certamente têm um significado mais relevante do que esse. O significado verda­ deiro do que esses autores tinham experimentado e expressavam de forma mítica era existencial. Se quisermos captar o significado genuíno das ideias, devemos procurar seu significado existencial.10 7 Ibid., p. 12. 8 Ibid., p. 13. 9 Adolf von Harnack, What is Christianity? p. 56. 10 Rudolf Bultmann, New Testament and Mythology.

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O método de Bultmann apoia-se numa distinção crucial que percorre o seu pensamento e é vista mais claramente em seu modo de entender a história. Ele distinguia dois significados ou tipos de história: Historie e Geschichte. Historie implica o que realmente ocorreu, a facticidade dos acontecimentos do espaço e do tempo. A pergunta simplesmente é: “Aconteceu?”. Isso poderia ser chamado de mera história, o que acontece no âmbito “histórico”. Geschichte, por outro lado, é o efeito ou impacto subjetivo que esses aconteci­ mentos têm sobre os participantes ou observadores. A pergunta seria: “O que significa?”. E a história significante ou as ocorrências históricas.11 Aplicando essa distinção aos evangelhos e empregando sua meto­ dologia da crítica da forma, Bultmann foi bastante cético quanto à Historie. Não podemos ter a certeza de termos qualquer dito de Jesus exatamente como declarou e, precisamente, na situação histórica original. Os evangelhos não foram escritos por observadores imparciais que simplesmente relatavam informações a pessoas, mas por cristãos comprometidos que tentavam levar outros a um comprometimento semelhante. Em outras palavras, eram mais como literatura de propa­ ganda, anúncios de vendas do que relatórios objetivos. Não podemos saber ao certo se Jesus realmente foi crucificado ou ressurreto. Além disso, a ressurreição não somente é incerta do ponto de vista da evidência, mas também improvável ou, mais corre­ tamente, incrível. Nosso conhecimento do processo de decom­ posição do cadáver torna impossível o fato de alguém morto já há três dias voltar à vida.12É pura impossibilidade física. O que temos nos relatos dos evangelhos, portanto, é a Geschichte. Seja qual for o fato acontecido, este teve um impacto " Ibid., p. 37. 12 Ibid., p. 8.

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tremendo sobre os discípulos, que tentaram expressar isso no que escreveram e fizeram. Assim, os evangelhos não são um registro dos ditos e atos de Jesus, mas uma série de expressões das experiências subjetivas dos discípulos. O mito expressa as convicções do homem acerca de algo além. A origem e o propósito deste mundo devem ser buscados não nele, mas além dele. Além disso, o homem não é seu próprio senhor. Depende deste mundo e de poderes além dele, dos quais pode ser liberto. Logo o mito é uma expressão de como o homem entende a si mesmo. Seu significado não se encontra em acontecimentos que ocorreram apenas uma vez ou que ainda ocorrerão em algum tempo no futuro. Há uma atemporalidade, que expressa a natureza da existência humana como tal.13 Bultmann trouxe para sua interepretação do Novo Tes­ tamento a filosofia existencialista de Martin Heidegger. Consi­ derava a análise de Heidegger da estrutura ontológica como sendo uma versão secularizada e filosófica do conceito neotestamentário da existência humana.14Para Heidegger, a angústia é a característica principal da existência do homem. O homem é continuamente confrontado com a decisão entre o passado e o futuro; seja para perder-se no mundo das coisas e assim perder sua individualidade em meio à massa (existência inautêntica), seja para alcançar existência autêntica, abrindo mão de toda a segurança e entregando-se sem reservas ao futuro. Bultmann aceitava a estrutura básica desse conceito, mas insistia na existência de uma diferença crucial entre o existencialismo e a mensagem do Novo Testamento. De acordo com o primeiro, o homem consegue a existência autêntica ao libertar-se do cativeiro ao transitório e tangível através de sua própria decisão; e conforme o segundo, o 13 Ibid., p. 10-11. 14 Ibid., p. 24-25.

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homem não pode libertar-se mediante seu próprio esforço — isso deve vir como uma dádiva.15 Observemos agora como Bultmann reinterpretava algumas doutrinas relevantes com base nessa abordagem. A cruz é tanto histórica quanto mitológica. A interpretação mitológica da cruz é o que Bultmann chamava de uma “mistura de analogias sacrificiais e jurídicas”; seu significado desmitologizado é outro. Como aconteci­ mento histórico {Historie), a cruz simplesmente representa o fato em si, a crucificação de Jesus de Nazaré; como acontecimento histó­ rico significante {Geschichte), no entanto, a cruz é o julgamento do mundo, o julgamento libertador do homem, “o julgamento de nós mesmos como criaturas caídas, escravas dos poderes do ‘mundo’”. Crer na cruz, portanto, é tomar a cruz sobre si mesmo, permitir ser crucificado com Cristo.16O texto principal para uma compreensão desmitologizada da crucificação é Gálatas 2.19: “Estou crucificado com Cristo”. O verdadeiro significado da cruz não é algo que aconteceu há vários séculos; é algo que se aplica a mim aqui e agora. A pergunta não é aquilo que podemos determinar acerca dos acontecimentos na vida de Jesus há muito tempo (i.e., se foi morto). A questão realmente relevante é saber se eu mortifiquei minha concupiscência, meu esforço próprio, meu apego ao aqúi e agora. Necessariamente Bultmann teve de tratar a ressurreição de uma forma um tanto quanto diferente, porque, conforme notamos acima, esse relato não pode ser tratado como Historie. A importância (Geschichte) da ressurreição vem da cruz. Se a cruz é a declaração do julgamento sobre o homem, a ressurreição é a certeza da vitória. A cruz e a ressurreição são acontecimentos escatológicos, não como ocorrências passadas, mas como acontecimentos incluídos no ,s Ibid., p. 27. 16 Ibid., p. 36.

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querigma. É somente na pregação que Cristo se encontra conosco como aquele que foi crucificado e ressurreto. Os acontecimentos descritos no querigma ocorrem de novo na experiência do ouvinte. Voltamos à vida, nos enchemos de esperança, confiamos no futuro.17 Bultmann adotou esse mesmo tipo de abordagem à escatologia. Examinou a pregação e o ensinamento de Jesus acerca das últimas coisas, e ele, em comum com os escatologistas consistentes e em contraste com os autores das “vidas de Jesus” liberais e com os escatologistas realizados, descobriu que Cristo definitivamente cria num futuro reino de Deus. Segundo Bultmann, pesquisas cuida­ dosas demonstraram “que Jesus indubitavelmente entendia o reino de Deus como futuro e esperava a sua chegada acompanhada de julgamento e consumação escatológica no tempo próximo — se não imediatamente, ou seja, dentro do período de vida da geração presente”.18Não se negava, assim, que Jesus via o eschaton vinculado com o presente. Na própria pessoa de Jesus, o juiz escatológico futuro, o Filho do homem, já estava presente. Jesus via um intervalo entre o presente e o futuro, relacionando-se com a expectativa de sua morte, ressurreição e, depois de algum tempo, sua parúsia. Jesus claramente ensinava uma escatologia mitológica — conceito este que não podemos aceitar porque não aconteceu como Jesus disse que aconteceria. Como a história, a escatologia é destemporalizada. Enquanto a narrativa nos evangelhos relata de forma ostensiva acontecimentos que se passaram em algum ponto do passado, as referências escatológicas parecen predizer acontecimentos que se darão no futuro. No entanto, como narrativa, as referências escatológicas devem ser vistas como uma expressão do entendimento do homem a respeito p. 38. 18 Rudolf Bultmann, Zur Eschatologischen Verkündingung Jesu, p. 271-

17 Ibid.,

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de sua existência, e de como ele a vivência no tempo. Diferentemente dos escatologistas realizados, para os quais o significado das refe­ rências escatológicas é o cumprimento no tempo em que foram pronunciadas, Bultmann encontrava o significado delas no cumpri­ mento que se dava na experiência presente do crente. Alguns veem esse esforço de redefinir a escatologia como um desvio do ensino bíblico, praticamente como uma rejeição da autori­ dade bíblica. Bultmann alegou que esse não é o caso. A desmitologização foi, na realidade, iniciada pelos escritores bíblicos.19Paulo, por exemplo, não considerava a salvação como primariamente futura, a ser realizada num outro mundo, mas como uma ocorrência presente: “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação; as coisas velhas já passaram, e surgiram coisas novas” (2Co 5.17); “A morte foi engolida pela vitória” (ICo 15.54); “Agora é o tempo aceitável [acerca do qual Isaías falou], agora é o dia da salvação” (2Co 6.2). O que Paulo iniciou foi levado ainda mais longe por João, para quem a vinda e a partida de Jesus eram acontecimentos escatológicos. João não relacionava o julgamento a um tempo futuro; mas o circunscrevia no tempo presente: “E o julgamento é este: A luz veio ao mundo, e os homens amaram as trevas em lugar da luz, pois suas obras eram más” (Jo 3.19). As forças malignas do mundo também são julgadas no tempo presente: “Chegou a hora do julgamento deste mundo, e o seu príncipe será expulso agora” (Jo 12.31). Bultmann comentou: “Para João, a ressurreição de Jesus, o Pentecoste e a parúsia de Jesus são um e o mesmo acontecimento, e aqueles que creem já têm a vida eterna”.20 Bultmann citou numerosas passagens em João para sustentar esse argumento: “Quem nele crê não é condenado; mas quem não crê, já está condenado...” (3.18); “Quem 19 Rudolf Bultmann, Jesus Christ and Mythology, p. 31. 20 Ibid., p. 33.

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crê no Filho tem a vida eterna; quem, porém, mantém-se em deso­ bediência ao Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (3.36); “Em verdade, em verdade vos digo que virá a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão” (3.25); “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, mesmo que morra, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá” (11.25,26).21 Os escritores da Bíblia estenderam essa desmitologização também a instâncias específicas. As expectativas escatológicas judaicas incluíam a vinda de um Anticristo pessoal nos tempos do fim, como descrito, por exemplo, em 2Tessalonicenses 2.7-12. Em contrapartida, João via o cumprimento dessa expectativa nos falsos mestres (ljo 4.3). A questão, no entanto, não é que esses mestres contemporâneos cumpriram a predição dentro do período de vida de João, concluindo, assim, o assunto de uma vez para sempre, mas que um espírito anticristão pode ser encontrado em todos os tempos, e os cristãos sempre devem estar prevenidos contra ele. Para Bultmann, a escatologia era quase uma parábola. Nin­ guém, supostamente, interpreta a parábola do filho pródigo como um acontecimento literal que se passou em algum ponto do tempo e do espaço. E uma estória acerca do homem, não acerca de um homem\ e eu sou homem. Além disso, não é um retrato de como somos num tempo específico, mas de como somos o tempo todo. Não se pergunta qual propriamente era o nome do filho pródigo, nem onde ficava o país distante, nem qual variedade de grão ele comia. Não se averigua a parábola ao estabelecer sua historicidade, mas ao examinar sua própria experiência subjetiva. Assim acontece com o conceito da escatologia de Bultmann. Não se pergunta: Ibid.,

p. 33-34.

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“Acontecerá dessa maneira?”, mas “Estou experimentando em minha própria existência as verdades aqui faladas?”. Temos no escrito de Bultmann uma reconstrução especifica­ mente radical da natureza da escatologia. Em especial, notamos o efeito sobre a doutrina de adotar a filosofia existencialista e moldar sobre ela a sua teologia. O existencialismo rejeita substâncias ou essências. No fundamento existencialista, a salvação não é algo que acontece de uma vez por todas, de modo estático. Pelo contrário, deve ser dinâmica, relacionai, recorrente. Talvez a grande força desse tipo de escatologia seja a relevância que dá aos ensinos escatológicos. Em vez de referir-se a algo que aconteceu uma vez há muito tempo, ou que ainda há de acontecer, os ensinos da escatologia são verdadeiros no presente e têm perti­ nência imediata. Não são para pessoas que viviam no passado ou que viverão algum tempo no futuro. São para mim, que vivo agora. Como conseqüência, podem ser pregados. Certamente Jesus e Paulo dirigiam suas mensagens aos leitores e ouvintes de seu tem­ po, tendo a intenção de que elas guiassem a vida de seu auditório daquele tempo. Bultmann também notou corretamente que a mensagem deve, em certo sentido, ter relação com as formas de pensamento de seus dias, expressando-se nelas; deve também utilizar conceitos e expres­ sões da experiência sensorial. Logo, para transmitir a grandeza, a beleza e a glória do céu, o autor da Escritura empregou, bem natu­ ralmente, o simbolismo das ruas pavimentadas com ouro. Talvez todos os intérpretes da Escritura, até mesmo os mais conservadores, tenham reconhecido que nem toda a Escritura deve ser interpretada do modo mais literal possível. No entanto, em alguns pontos, esse tratamento da escatologia é claramente defeituoso. O emprego que Bultmann faz da Escritura, por exemplo, é altamente seletivo. Com certeza, há, nos escritos de

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Paulo e de João, elementos que permitem considerar as doutrinas da escatologia como algo verdadeiro no presente momento. Por outro lado, Bultmann cuidadosamente evitou passagens que devem ser interpretadas de modo futurista. Embora implicitamente admitisse isso em sua referência à declaração de Paulo em 2Tessalonicenses acerca do Anticristo, Bultmann nunca reconheceu abertamente. Além disso, o conceito de Bultmann parece contrário à dinâ­ mica da psicologia humana. Assim, para Bultmann, a experiência existencial (Geschichte) parece estar separada das questões da real ocorrência dos fatos (Historie) ou da “verdade” das doutrinas. No entanto, devemos notar que, embora as questões da Historie talvez sejam difíceis ou até mesmo impossíveis de se responder, aparen­ temente não eram assim para a primeira geração dos crentes. Estes alegavam ter observado esses assuntos em primeira mão (ljo 1.1) ou, como no caso de Lucas (Lc 1.4), ter-se dedicado à pesquisa histórica minuciosa quanto à veracidade dos acontecimentos. Para eles a experiência transformadora não era independente da questão da veracidade dos acontecimentos. Na realidade, em certa ocasião Paulo parece negar, de modo bem explícito, que fosse possível ter a Geschichte sem a Historie: “E, se Cristo não ressuscitou, a vossa fé é inútil e ainda estais nos vossos pecados. Logo, os que morreram em Cristo também estão perdidos. Se a nossa esperança em Cristo é apenas para esta vida, somos os mais dignos de compaixão entre todos os homens” (ICo 15.17-19). Geschichte sem Historie? Dificilmente! Bultmann sem dúvida rotularia de racionalista a seguinte ideia, mas creio que a experiência a sustenta: quando ocorre uma crise real, a pessoa precisa saber se sua esperança se baseia na realidade ou na imaginação. Isso significa que, à medida que são declaradas as doutrinas do Novo Testamento, a experiência da vitória sobre a morte e o medo, por exemplo, não pode ser separada da questão de

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ter ou não a ressurreição realmente acontecido no passado ou se acontecerá no futuro. Teologia da esperança

Em meados da década de 60, surgiu uma nova teologia que enfa­ tizava fortemente a escatologia. Esta não era vista como uma das doutrinas mais importantes da fé cristã, nem sequer como a doutrina mais importante, mas como a totalidade da teologia, a moldura ou disposição dentro da qual toda a teologia deve ser conduzida. Por isso, logo foi rotulada de teologia da esperança, e tem sido espe­ cialmente identificada com Jü rgen M oltm ann, atualm ente catedrático de teologia na Universidade deTübingen. Nesse período, outros também contribuíram com essa nova ênfase escatológica. Entre eles estão Wolflhart Pannenberg, colega de Moltmann em Wuppertal; Walter Kreck, seu colega em Bonn; Wolf-Dieter Marsch, seu amigo íntimo e colega de estudos em Gõttingem; Gerhard Sauter; e Johannes Metz, o teólogo católico romano. Embora tenha havido estímulo mútuo entre Moltmann e cada um desses homens, e uma ligação ocasional como membros de um movimento, sua cooperação e concordância quanto aos pensam entos são relativamente fragmentárias.22 Para entendermos essa teologia, devemos analisá-la no contexto das experiências pessoais de M oltmann como também das influências culturais gerais mais amplas. Moltmann, nascido em 1926, faz parte da jovem geração de alemães que viveram durante a Segunda Guerra Mundial. Ele viu o colapso do estado alemão e de todas as suas instituições. Foi encarcerado num campo inglês de prisioneiros de guerra até que fosse repatriado em 1948. O período em que passou no campo teve uma influência específica sobre ele. 22 M. Douglas Meeks, Origins ofthe Theology ofHope, p. 1-2.

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Notou (como notaram vários outros prisioneiros que publicaram relatos de suas experiências)23 a diferença que a esperança faz até mesmo para a sobrevivência física: “Mas de um modo geral não nos sentíamos nem céticos, nem resignados. Naturalmente, pesavanos um sentimento sombrio de culpa e aflição. Mas voltamos para a Alemanha, decididos de que agora e para sempre as coisas deve­ riam ser diferentes, mais humanas e democráticas. Talvez, atrás dos arames farpados tivéssemos descoberto o poder de uma esperança que buscava algo novo, não meramente um retorno às condições antigas . Ao voltar para casa em 1948, Moltmann tinha a esperança de uma Alemanha mais humana e de uma igreja cristã libertadora. Na Universidade de Gõttingen, foi aluno de Gerhard von Rad, Ernst Kâsemann, Hans Joachim Iwand, Ernst Wolf e Otto Weber. Ficou realmente impressionado com a teologia de Karl Barth. Depois de estudar a Dogmática eclesiástica de Barth por algum tempo, chegou à conclusão de que nunca poderia haver outra nova teologia siste­ mática porque Barth já dissera tudo. Em 1957, o teólogo holandês Arnold A. van Ruler apresentou a escatologia a Moltmann. Mas foi através da leitura do filósofo marxista Ernst Bloch que ele despertou para o conceito de esperança e foi por ele desafiado. Em suas palavras: ”

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Minha primeira impressão foi: Por que a teologia cristã deixou que esse tema lhe escapasse — um tema que certamente lhe pertence? O que aconteceu com o espírito cristão primitivo da esperança? Então comecei a trabalhar a “teologia da esperança”, e, de uma só vez, todos os fios soltos da teologia bíblica, da teologia 2i E. g., Langdon B. Gilkey, Shantung Compound. Nova York, Harper and Row, 1966; e Viktor E. Frankl, Maris SearchforMeaning. Nova York, Washington Square, 1963. 24 Jiirgen Moltmann, “Politics and the Practice of Hope”, p. 288.

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do apostolado e do reino de Deus, e da filosofia emergiram num padrão para uma tapeçaria em que tudo se encaixava.25 Um bom ponto de partida para começar a examinar a teologia escatológica de Moltmann é notar sua natureza apologética. E uma tentativa de demonstrar a pertinência da fé crista ao relacioná-la de algum modo específico com os questionamentos que eram feitos pelo mundo secular. Ele descreveu a crise da teologia cristã num artigo de revista, chamado “Hope and History” [“Esperança e história”]. Notou que muitos acreditavam que a teologia crista se tornou irrelevante, introvertida e individualista, fora de contato com a realidade. Esse grande campo de dificuldades apresenta um novo desafio à teologia. O desafio só pode ser enfrentado se o sistema teológico for reorganizado e reorientado para a totalidade do esforço teológico. Duas experiências enfatizam essa nova situação. A primeira diz respeito a diálogos com ateus, humanistas mo­ dernos e marxistas, em que sempre se chega ao reconhecimento de um rompimento profundo na era moderna. Nos últimos dois sécu­ los, a fé cristã tem-se tornado cada vez mais uma fé em Deus sem esperança para o futuro do mundo. Ao mesmo tempo, por causa da necessidade da esperança, surgiu um tipo secular de esperança para o futuro do mundo — mas sem fé em Deus. Esse é o resultado do fracasso do cristianismo de atender a uma necessidade inevitável do homem. Desse modo, o cristianismo tem um Deus sem um futuro, e o ateísmo tem um futuro sem Deus. As esperanças messiâ­ nicas “emigraram da igreja” e se revestiram de progresso, de evolu­ ção e de revoluções. A igreja foi deixada com apenas uma meia verdade. A pergunta é: deve haver uma separação dos caminhos na história, em que a fé se alinha ao passado, e a falta de fé ao futuro? 25 Ibid., p. 289.

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Ele responde: “Creio que somente podemos superar o dilema presente se os cristãos começarem a lembrar-se do ‘Deus da Esperança,’ como é testificado na história promissora do Antigo e do Novo Testamentos, e assim começaremos a assumir a responsabilidade pelos problemas pessoais, sociais e políticos do presente”.26 A outra experiência é a emergência de “um mundo”. Enquanto no passado cada nação e grupo racial podia ter sua própria história em um isolamento relativo do restante do mundo, hoje chegamos a uma etapa na história do mundo em que somos capazes de ani­ quilar a totalidade da raça humana. Se a humanidade sobreviver, isso só será possível em uma nova comunidade. O futuro, portanto, não será uma mera continuação do passado, com sua multiplicidade de histórias. Temos muitos passados, mas teremos apenas um só futuro. Nas palavras de Benjamin Franklin: “Devemos segurar-nos juntos — senão seremos enforcados separadamente.” Chegamos, portanto, ao salto das quantidades da história para uma nova quali­ dade da história.27 Esse, portanto, é um lado do dilema e da crise do cristianismo: a crise da relevância. O outro lado é a crise da identidade do cristia­ nismo. Moltmann está preocupado em evitar que o cristianismo, na tentativa de relacionar-se com a busca do mundo pela esperança, comprometa e acomode sua verdadeira natureza. No interesse de estabelecer um ponto de contato com a existência histórica contem­ porânea, boa parte da teologia moderna tem tendido a afirmar demasiadamente a cultura, que acabou perdendo a essência da mensagem cristã. Moltmann, por outro lado, insiste que a teologia deve ressaltar os elementos negativos e contraditórios da existência histórica contemporânea. 26 Jiirgen Moltmann, “Hope and history”, p. 370. 27 Ibid., p. 371.

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A relevância da teologia depende de seu conceito da ressurreição do Cristo crucificado. O cristianismo só pode mostrar-se digno de crédito e relevante ao “descobrir sua verdade interna para então orientar sua vida, tanto na prática como na teoria, com base naquele que faz com que a igreja seja uma igreja cristã, a fé seja uma fé cristã e, portanto, a teologia seja uma teologia cristã.28 A partir de experiências como essas, Moltmann formulou a orientação básica de sua teologia. O que, de fato, ele diz é que, quando a teologia é mais leal à sua natureza essencial, o cristianismo de forma básica e radical se volta para o futuro e, assim, para a esperança; como conseqüência, dirige-se a responder às perguntas feitas pela humanidade. A teologia da esperança aplica o conceito escatológico à tota­ lidade da teologia. Tradicionalmente a escatologia tem sido um dos pontos de concentração da teologia sistemática. Geralmente, tem sido o último dos tópicos, haja vista que as últimas coisas foram sendo literalmente as últimas coisas tratadas. Frequentemente eram tratadas como um tipo de apêndice à teologia cristã — praticamente dispensáveis, por assim dizer. Visto que os professores de teologia muitas vezes se encontram atrasados em seu currículo de preleçoes, com frequência tem sido dado um tratamento um tanto limitado à escatologia. A impressão tem sido transmitida quase de forma subli­ minar: a escatologia não tem importância. Em contraste com isso, Moltmann considera a escatologia como um espírito, uma perspec­ tiva, uma moldura dentro da qual toda a teologia deve ser conduzida. Boa parte da teologia tem-se preocupado com o status do ser de Deus, discutindo-o em termos de sua imanência ou transcen­ dência. A transcendência representa Deus como um ser distante, como o “Deus além de nós”. Deus está tão alto e é tão intocável que 28 Jürgen Moltmann, The Crucified God, p. 279-280.

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não pode ser concebido. Deve-se pensar em Deus de modo cosmológico, em identificação com o vasto cosmos. A visão imanente de Deus o retrata perto de nós, identificado conosco, como “Deus dentro de nós”, estando ele relacionado à experiência psico­ lógica. Imagens de Deus emergem de cada flor, de cada brisa. Mas tanto o Deus além de nós quanto o Deus dentro de nós estão desacre­ ditados, segundo Moltmann, porque a realidade não é cosmos nem pura subjetividade, mas história.29No Israel antigo, a realidade era considerada como história, não como cosmos nem como experiência interior. Como conseqüência, concebe-se Deus também nesse modelo histórico. Ele é o Deus das promessas e a orientação histórica em direção ao cumprimento, o Deus do reino vindouro. Seu lugar se define, portanto, não em relação ao espaço, mas em relação ao tempo. Não está “além de nós” nem “em nós”, mas “na nossa frente” e “adiante de nós.” O futuro é o modo de ser de Deus. Esse também é o modelo de entendimento da Bíblia. A realidade ou o mundo é concebido como história, e Deus é conside­ rado como o futuro da história. No entanto, o futuro de Deus nunca é futuro puro, mas é precedido por uma história de promessas e antecipações. Uma promessa é o anúncio de uma realidade que ainda não chegou. A história das tradições de Israel revela um pro­ cesso de realização e reinterpretação que se alterna. As esperanças são cumpridas, mas não completamente. A nova realidade necessita de uma nova intepretação das esperanças. Em especial, Jesus anun­ ciou a chegada do futuro ao trazer liberdade escatológica ao presente. Temos no acontecimento da Páscoa um foco de esperança universal. Cristo é a antecipação do futuro de Deus, especialmente no símbolo da ressurreição. Aqui está a prolepse da realidade do eschatom a presença do futuro de uma pessoa específica, exclusi29 Jürgen Moltmann, “Theology as Eschatology”, p. 9.

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vãmente no Cristo crucificado.30 Ele ressuscitou dentre os mortos e agora vive no futuro de Deus. Além disso, o evangelho também é prolepse de palavras. O evangelho torna manifesto o significado universal inerente ao evento Cristo. O que aconteceu a ele é “por” rodos nós e está à frente de todos nós. Também é o precursor do seu aparecimento universal, pois fica entre sua ressurreição e seu aparecimento em glória.31 A ressurreição de Cristo é o começo e também a antecipação da libertação final do mundo. O mundo será transformado. O evan­ gelho não meramente anuncia o fato; realmente intermedia ou produz a esperança. Podemos falar dele como um sacramento da esperança. Visto que Cristo é o futuro trazido para o presente, de­ vemos perguntar, ainda, como ele é presente para nós hoje. Ele está presente de forma verbal e espiritual quando a congregação está comissionada pela Palavra e quando cumpre sua missão no mundo necessitado.32 A igreja é, pois, chamada a mediar a presença de Cristo, que por sua vez media o futuro de Deus. Mas como mediamos essa esperança? Isso não ocorre meramente pela espera passiva ou pelo ato de anunciar aquilo que há de vir. A comunidade tem sido concla­ mada a levar a efeito esse futuro: “Somos obreiros de construção e não apenas intérpretes do futuro, cujo poder, tanto na esperança como na realização, é Deus. Isso significa que a esperança cristã é uma esperança criadora e militante na história. O horizonte da expectativa escatológica produz aqui um horizonte de intenções éticas que dá significado a iniciativas históricas e concretas”.33 30 Ibid., p. 20. 31 Ibid., p. 21. 32 Ibid., p. 35-36. 33 Jürgen Moltmann, “Hope and history”, p. 384.

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O cristão é alguém que espera o futuro de Deus e a libertação final do mundo. Ele não pode, porém, aguardar esse futuro de forma passiva;34 deve buscá-lo, esforçar-se por ele, trazê-lo ao pre­ sente. Por se tratar da realidade da esperança e do futuro e sua natureza libertadora e unificante, o futuro de Deus não poderia ser um futuro restrito à igreja ou à alma. Pelo contrário, trata-se de um futuro que a tudo abrange, e que é capaz de mediar a fé às necessidades terrenas. Assim, o que se torna necessário agora é uma teologia política que procure transformar o mundo inteiro. 35A ética não é um apên­ dice à dogmática ou uma conseqüência da fé. A própria fé tem um contexto messiânico.36A esperança cristã deve ser criadora e mili­ tante. O reino não permanece simplesmente descansando na expectativa da passagem do tempo, enquanto esperamos por ele e deixamos o presente como está. Devemos trazer o reino à existência. O grande problema da teologia mais antiga ou cosmológica, que relacionava Deus com o cosmos “lá fora,” é o problema do mal: se Deus é bom e poderoso, como pode existir o mal no mundo? O alvo dessa teologia é a teodiceia, ou seja, a tentativa de justificar Deus. Isso ainda é um problema para a teologia hoje, mas a solução encontra-se numa direção bem diferente. Em vez de reflexão ou contemplação, que gira em torno de explicações, a teologia política visa à ação, ao que realmente transforma o que é problemático. Na teologia política, o futuro de Deus é mediado por meio dos poderes do homem de transformar o mundo. A antiga pergunta — ”Por que Deus não faz algo para solucionar o problema do mal no mundo se ele é tão bom e poderoso?” — é mudada para: “Se somos media­ 34 Ibid. 33 Ibid. 36 Ibid.

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dores do futuro de um Deus poderoso e amoroso, o que faremos quanto ao mal no mundo?”.37 Embora não devamos apenas esperar passivamente a chegada de um futuro predeterminado e final, ainda assim, o futuro não é simplesmente alguma coisa que antecipamos como resultado dos nossos esforços. “E irreal antecipar e trabalhar pelo futuro se esse futuro não vier ao nosso encontro”.38 Se o futuro for idêntico aos sucessos de nossa atividade, será um futuro patético, pois nossas ações são tão ambíguas quanto nós mesmos, na medida em que somos seres históricos. Movemo-nos em direção ao futuro, e ele se move em direção a nós. O futuro tem valor acima, além do atingido e do atingível, e isso se deriva da ressurreição do Cristo crucificado e se relaciona a ela. Um número de aspectos altamente recomendáveis aparecem nessa teologia que é, de certa forma, incomum. O primeiro é que toda teologia tem algum tema central e integrante, algum ponto fundamental em torno do qual giram todas as suas partes. Nesse sentido, Moltmann deve ser elogiado por desenvolver a sua teolo­ gia de modo explícito e consciente, e não acidental. Esforçou-se por desenvolvê-la completamente e não simplesmente como reflexão tardia. Outra maneira de declarar isso é dizer que Moltmann reco­ nheceu o caráter orgânico da teologia. Não é meramente uma cole­ tânea de doutrinas, um fardo frouxamente atado de tópicos. Há uma conexão, por exemplo, entre o conceito de Deus e o conceito do homem. Moltmann enlaçou toda a ideia do futuro em sua ética. Logo, a crença e a prática são apenas dois aspectos da mesma verdade, não 37 Jürgen Moltmann, “Theology as Eschatology”, p. 46-47. 38 Jürgen Moltmann, “Hope and history”, p. 385.

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dois âmbitos separados. O homem é motivado a realizar aquilo que, segundo acredita, acontecerá. Além disso, Moltmann discerniu a presença penetrante do escatológico na Bíblia, especialmente nos evangelhos e esforçou-se por tratá-la à altura. Como Albert Schweitzer, percebeu que o escato­ lógico interpenetra de tal maneira o restante dos temas do cristia­ nismo, de modo que não é possível destrinçá-lo, eliminá-lo ou desconsiderá-lo sem que o todo seja arruinado. No lado negativo, porém, há certos problemas. Em primeiro lugar, embora a escatologia esteja poderosamente presente dentro da Escritura, ela não é o único tema. Do mesmo modo, seria bem possível construir uma teologia orientada primariamente para os acontecimentos passados da história ou para a atividade passada de Deus. “Já, mas ainda não” é uma maneira de interpretar a mensagem. “Ainda, mas não mais” poderia ser igualmente legítimo. Em razão de sua escolha temática, Moltmann teve de ser seletivo em vez de compreensivo, mas fato é que uma teologia deve ser compreensiva. Em segundo lugar, há certa falta de clareza nessa teologia, preci­ samente nos pontos em que deve ser mais precisa. Não fica claro, de modo algum, qual deverá ser exatamente a atividade da igreja ou qual será esse efeito humanizante. Há considerável ambigüi­ dade quanto ao fato de a esperança proclamada e conclamada por Moltmann ser ou não deste mundo: se é uma nova sociedade a ser realizada aqui na terra, se é de outro mundo e qual a extensão disso; se é algo a ser experimentado depois desta vida em algum reino celeste. Como se apresenta, constitui um chamado bem sustentado e claramente enunciado à igreja para que exerça influência transfor­ madora em nosso mundo, na realização do futuro; mas qual será exatamente esse futuro ou o que a igreja deve fazer são questões que não foram esclarecidas.

parte 2

Conceitos milenistas

Capítulo 3

Pós-milenismo

mbora o esquema escatológico conhecido como pós-milenismo não seja amplamente sustentado na atualidade, sua influência foi bastante significativa na igreja durante longos períodos de sua história, e nos últimos cem anos tem sido, às vezes, a posição dominante.

E

Panorama do pós-milenismo

Uma breve pincelada em vários temas básicos serão suficientes para dar-nos um entendimento acerca dessa perspectiva das últimas coisas. Primeiro tema: o reino de Deus é, sobretudo, uma realidade presente; está aqui de modo terreno. O reino não é um império ou um domínio sobre o qual o Senhor reina; é, na verdade, o governo de Cristo no coração dos homens. O reino está presente onde quer que os homens creiam em Jesus Cristo, dediquem-se a ele, e o obedeçam. Não é, portanto, algo a ser introduzido de modo cataclísmico em algum tempo futuro.1 1James H. Snowden, The Corning ofthe Lord: Will it be premillennial?, p. 64-66.

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Segundo tema: a espera pós-milenista de uma conversão de todas as nações antes da volta de Cristo.2A pregação do evangelho será eficaz, mas não será uma realização humana, alcançada por grande habilidade ou metodologia rigorosamente afiada, mas uma realização divina, alcançada pela obra do Espírito de convencer e regenerar os homens. Não significa necessariamente que cem por cento da população se converterá; substancialmente, porém, todas as pessoas em todas as áreas e nações do mundo virão a crer. Haverá um reavivamento mundial, seja de forma rápida ou gradual. Essa cristianização do mundo é geralmente concebida numa estrutura evangélica. A conversão de cada cristão, que crê num evangelho de salvação pela graça, mediante a fé, trará essa transformação ao mundo. A decisão e a crença pessoais constituem o fundamento sobre o qual acontece o novo nascimento. Terceiro tema: a expectativa de um longo período de paz na terra, chamado de Milênio.3A medida que cada vez mais pessoas se submetem ao plano do Senhor e começam a praticar os ensinos e modo de vida que ele estabeleceu, a paz passa a ser o resultado natural. Esse é o caso, primeiramente, dos relacionamentos entre as nações. Aqui temos um conceito verdadeiramente revolucionário, porque, no registro da história, a paz mundial tem prevalecido, em média, apenas cerca de uma vez a cada quinze anos! Um momento de reflexão sobre os desenvolvimentos do século xx revelará que a paz genuína, prevalecendo no mundo inteiro, é realmente rara. Não somente cessarão os conflitos entre as nações, mas também o atrito entre as raças e as classes sociais. Presume-se que não haverá mais disputas trabalhistas, e cessará o conflito racial, trazendo harmonia 2 Loraine Boettner, The Millennium, p. 22. 3James H. Snowden, The Corning o f the Lord, p. 257-263; Loraine Boettner, The Millennium, p. 53.

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entre brancos, negros, índios, latinos e outros. Até mesmo o tumulto religioso e a competição interdenominacional se tornarão coisas do passado. Vemos aqui o cumprimento da profecia de que o lobo e o cordeiro se deitarão juntos (Is 11.6). Aquele que disse “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou” (Jo 14.27) cumprirá essa promessa em grande escala. Aquele que é chamado de o Príncipe da Paz (Is 9.6) provará que merece tal atributo. Deve-se notar que o pós-milenista não é literalista quanto à duração do Milênio: o Milênio é um longo período de tempo, não necessariamente mil anos do calendário.4 De qualquer forma, seria difícil calcular sua duração, porque o Milênio não define claramente um ponto de início. A paz esperada não acontecerá da noite para o dia; o reino chegará gradualmente. Quarto tema: o crescimento gradual do reino.5 Um milenismo anterior, como o pré-milenismo de nosso dia, sustentava que o reino milenar começaria de modo repentino e surpreendente, através da volta visível e física do Senhor. O conceito pós-milenista, por outro lado, é de que a contínua propagação do evangelho irá gradualmente estabelecer o reino. Deve-se notar também que a diferença entre a era milenar e as demais eras da vida da igreja não é qualitativa mas quantitativa. Alguns pós-milenistas dizem que o Milênio abrange todo o período da igreja. No entanto, os que não pensam assim entendem que a era presente simplesmente irá se misturar com a era milenar. O casamento, a família e o nascimento humanos ainda estarão pre­ sentes. Ainda haverá problemas econômicos, sociais e educacionais, mas suas características mais desagradáveis serão bastante modificadas e até mesmo eliminadas. 4 Loraine Boettner, The Millennium, p. 14. 4James H. Snowden, The Corning ofthe Lord, p. 72-85.

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Logo, a distinção entre o pré-milenismo e o pós-milenismo é maior do que a diferenciação entre “antes” e “depois”.6 Para o prémilenista, o Milênio é uma qualidade de existência muito diferente das demais eras, é até mesmo um tipo diferente de mundo. Para o pósmilenista, o Milênio difere da era presente apenas quanto ao grau. Quinto tema: a existência de um período de apostasia e explo­ são do mal que acontecerá em conexão com a vinda do Anticristo no fim do Milênio. Loraine Boettner sugeriu que Deus talvez permita essa manifestação limitada do mal para demonstrar nova­ mente e de modo mais claro que coisa terrível é o pecado e o quanto esse ato merece punição.7E compreensível que aqueles que passaram praticamente a vida inteira num ambiente de justiça dificilmente teriam a capacidade de crer que o pecado, o diabo e seus seguidores são tão maus quanto se diz que são ou que mereçam uma punição final tal como a entrega ao inferno. Sexto tema: o término do Milênio com o retorno corpóreo de Cristo.8O conceito pós-milenista da Segunda Vinda não é diferente dos outros conceitos milenistas, exceto por seu relacionamento cronológico com o Milênio. Sétimo tema: a volta do Senhor será imediatamente seguida pela ressurreição de todos — justos e injustos — e pelo julgamento de todos, além de ser atribuída a um dos dois estados finais e permanentes — este tema é um corolário de alguns outros já discutidos.9 Mais um elemento, defendido apenas por alguns pósmilenistas, é que a nação judaica se converterá. Essa não é a mesma ideia ensinada por alguns pré-milenistas de que a aliança de Deus é 6 Loraine Boettner, The Millennium, p. 19. 7 Ibid., p. 69. 8 Charles Hodge, Systematic Theobgy ///, p. 792-800. 9 Ibid., p. 837ss.

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basicamente com os judeus e que depois de um intervalo de tratar com a igreja Deus restaurará Israel à sua posição especial e favorecida. Pelo contrário, é uma crença de que certas profecias que ainda não loram cumpridas preveem que grandes números de judeus serão convertidos e entrarão na igreja do mesmo modo que quaisquer cristãos hoje. História do pós-milenismo

Durante os dois ou três primeiros séculos de existência, a igreja loi, em grande medida, milenista, considerando os mil anos do Apocalipse de modo escatológico e futurista. A igreja acreditava que Jesus reinaria na terra no futuro. Esse reino seria introduzido por um acontecimento específico, provavelmente a Segunda Vinda do Senhor. Algumas vezes, esse Milênio era retratado de modo bastante vivido, o que deu origem a algo chamado quiliasmo, um entendimento altamente imaginativo do período terreno de mil anos. Às vezes o quiliasmo era uma interpretação muito física e literal em sua compreensão da felicidade terrena dos cristãos.10 Esse conceito foi bastante popular durante o período da perse­ guição da igreja, quando parecia improvável que a igreja fosse bem-sucedida em seu esforço de ganhar o mundo para Cristo pela pregação do evangelho. Para que a igreja fosse vitoriosa, teria que ocorrer alguma reviravolta dramática, cataclísmica e sobre­ natural do curso dos acontecimentos. Um dos primeiros a questionar essa visão foi Ticônio (m. 390?), um africano donatista. Apresentou uma interpretação de Apocalipse 20 que, de várias formas (especialmente depois de modificada por 10 J. A. MacCulloch, Eschatology, p. 388.

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Agostinho), dominou a exegese da passagem durante aproxima­ damente os treze séculos seguintes.11 Ticônio rejeitou o ponto de vista estritamente escatológico de Apocalipse 20, que descreve um reino puramente futuro de Cristo. Todavia, fez isso sem deixar que a esperança escatológica fosse com­ pletamente perdida. Ele esperava que o fim viesse, e isso no ano 380. Por não sabermos a data exata de sua morte, não sabemos se Ticônio sobreviveu ao ano 380 ou o que aconteceu com a ideia defendida por ele quando Cristo não voltou durante aquele ano. O Milênio se refere à era presente. Se Cristo fosse vir em 380, então o Milênio viria antes. Trata-se de um período em que, com ajuda divina, os santos não somente vencem o pecado, como também triunfam. Segundo o entendimento de Ticônio, a primeira ressurreição de Apocalipse 20, que introduz o Milênio, é a da morte do pecado para uma vida da justiça. Os que participam da primeira ressurreição são os que nasceram de novo, e esse novo nascimento se realiza através do batismo. A primeira ressurreição, portanto, é uma ressurreição espiritual: é o novo nascimento. Segundo Ticônio, o reino milenar da igreja duraria até o fim dos tempos ou até 380. Cristo já estava reinando. O trono da glória de Cristo é a encarnação. E em seu corpo encarnado que Cristo se assenta à destra de Deus e reina. Seu domínio se evidencia na igreja e se dá no presente, não no futuro. O reino de Cristo não começará em sua vinda; já começou. As almas dos justos em Apocalipse 20 se referem àqueles que morrem com Cristo na presente aflição. Morreram antes da ressurreição física, pois somente suas almas são mencionadas. Se participassem do reino físico, certamente teriam corpos. O reino milenar se estende da paixão de Cristo até a sua parúsia, e os mortos bem como os vivos participam dele. Os bem-aventurados são aqueles 1 Hans Bietenhard, The Millenial Hope in the Early Church, p. 28-29.

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que mantêm o batismo, porque, assim como a primeira morte é devida ao pecado, a primeira ressurreição é devida à remissão do pecado. Ticônio não interpretava literalmente a palavra millennium, vendo o reino de Cristo apenas como um período prolongado de tempo. Alguns eram mais literalistas, acreditavam que se tratava realmente de mil anos e tinham muitas expectativas à medida que o ano 1000 se aproximava. Agostinho (354-430), o principal oponente dos donatistas, popularizou e promulgou a visão de Ticônio, mesmo sabendo que este era um donatista. Agostinho também havia anteriormente entendido o Milênio como um Sábado universal repleto de gozos espirituais, mas abandonou essa interpretação futurista, principal­ mente por causa dos exageros desenfreados e das ideias primitivas nas descrições do Milênio feitas pelos quiliastas. Agostinho, como Ticônio, considerava que a igreja já estava no Milênio. Os mil anos ou datam dos tempos de João até o fim, ou abrangem a totalidade da era presente. Agostinho citava passagens como Marcos 3.27: “Pois ninguém pode entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem que primeiro o amarre; então lhe saqueará a casa.” O valente, segundo Agostinho, é Satanás. Seus bens represen­ tam os cristãos, que anteriormente estavam sob seu domínio. Ele está preso, trancado no abismo, e tem sido mantido longe dos cristãos. Satanás, portanto, está amarrado durante o período inteiro entre a primeira vinda de Cristo e a segunda e é, portanto, incapaz de enganar as nações das quais se constitui a igreja. No fim desta era, será solto para testar a igreja e então será finalmente subjugado por completo.12 Não é difícil entender por que esse retrato do Milênio era atraente a Agostinho nos tempos em que vivia. Sem dúvida, 12 Ibid., p. 29.

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Agostinho foi afetado pelo “estabelecimento” da Igreja Católica. Uma série de acontecimentos que culminaram na conversão do imperador Constantino em 312 e na tolerância concedida por ele ao cristianismo aos poucos tornaram o cristianismo praticamente a religião oficial do império. Parecia que, sem qualquer interposição milagrosa de Deus, a Igreja chegara a uma posição de supremacia. À medida que o antigo Império Romano — que tinha sido o inimigo da Igreja — cambaleava para sua queda, a Igreja parecia estar às portas de sua herança. Ela assumia as funções políticas do império. Isso levou Agostinho a idealizar o lado político da Igreja Católica. Ele foi o primeiro teólogo a identificar a Igreja Católica, na sua forma visível e empírica, com o reino de Deus.13 Embora a forma exata desse ponto de vista fosse um pouco alterada (às vezes era difícil distingui-la daquilo que chamamos de amilenismo), ela prevaleceu por muito tempo. À medida que a Idade Média se desenvolvia, parecia que cada vez mais apenas alguns grupos periféricos e excêntricos viam o Milênio como acontecimento futuro. Aquilo que conhecemos hoje como pré-milenismo tornouse mais e mais sujeito à suspeita da heresia.14Muitas grandes deno­ minações finalmente incorporaram o pós-milenismo em seus credos. As Confissões de Augsburg e de Westminster são basicamente pósmilenistas. Os grupos luteranos, presbiterianos e reformados tende­ ram a seguir essa posição. Nos séculos XIX e x x , a famosa faculdade de teologia de Princeton, representada pelos Hodge e por Benjamin B. Warfield, apresentava incondicionalmente esse sistema.15 Em sua maioria, os pós-milenistas clássicos acreditavam que o reino de Cristo alcançaria o mundo através da pregação do evan­ 15 Adolf von Harnack, Millennium, p. 317. 14 J. A. MacCulloch, Eschatology, p. 388. 14 Loraine Boettner, The Millenium, p. 10-11.

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gelho, da conversão pessoal. No entanto, alguns pós-milenistas acreditavam num reino menos espiritual e, portanto, num evangelho menos espiritual. O reino é um reino literal. Essas pessoas praticavam aquilo que às vezes é chamado de evangelho social, segundo o qual o mundo será transformado de fora para dentro, em vez de dentro para fora. À medida que as estruturas da sociedade são alteradas e a distribuição econômica é reorganizada, o comportamento e o caráter das pessoas também mudam. Alguns, que eram de persuasão mais liberal, ressaltavam o lugar do esforço humano nesse processo mais do que o lugar do Espírito de Deus. Acreditavam que o reino seria introduzido em grande medida através de canais e movimentos de fora, daquilo que é definido a rigor como sendo a Igreja. Alguns cristãos na Alemanha até viam a política de guerra do Imperador Wilhelm como um dos meios da graça de Deus e, na década de 30, alguns apoiavam o nazismo como sendo obra de Deus.16Karl Barth argumentou que semelhante conceito falhava em distinguir o mal do bem, o demoníaco do divino. Na realidade, o fim teológico do século xix poderia ser datado em agosto de 1914, quando Barth viu numa lista de alemães intelectuais, que endossavam as políticas do Imperador, os nomes de vários de seus professores de teologia. No entanto, devemos notar que tais pessoas representavam o elemento periférico do pós-milenismo. A maioria dos pós-milenistas consi­ derava que o caráter do estabelecimento do reino terreno de Cristo era sobrenatural. O pós-milenismo tem sofrido um forte declínio em sua popu­ laridade entre o final dos anos cinqüenta e os anos sessenta. Em grande medida, isso tem resultado mais das considerações históricas do que das exegéticas. Certos desenvolvimentos pareciam fornecer 16 Karl Barth, How I Changed M y M ind, Richmond, John Knox, 1966, p. 21, 45.

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evidência empírica de que o Milênio não estava chegando. Como notaremos mais tarde, a conexão entre esses desenvolvimentos e o abandono do pós-milenismo era mais psicológica do que lógica. Mesmo assim, o efeito estava presente. Hoje os pós-milenistas são, senão uma espécie extinta, uma espécie que corre perigo. Como observou Boettner, no entanto, outros pontos de vista milenistas têm tido seus altos e baixos também.17 Essa é uma verdade especialmente para o pré-milenismo, que estava “em baixa” durante os longos séculos da Idade Média. E bem possível que o pós-mile­ nismo torne-se popular novamente. Doutrinas do Pós-milenismo

Tendo considerado de modo breve a história do pós-milenismo, examinemos agora as doutrinas básicas do sistema, junto com os argumentos propostos para apoiá-las. A divulgação do evangelho

A pregação bem-sucedida do evangelho é crucial para toda a abordagem. A mensagem será levada ao mundo inteiro e terá uma recepção favorável. Portanto, a igreja militante de hoje tem se tornado a igreja triunfante de amanhã. Charles Hodge (1797-1878) apresentou vários argumentos para sustentar essa afirmação.18 Em primeiro lugar, profecias no Antigo Testamento apontavam para essa expectativa. Uma das profecias está em Isaías 45.22-25:

17 W. J. Grier, Christian Hope and a Millenium, p. 13. 18 Charles Hodge, Systematic Theology m, p. 800-805.

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Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os confins da terra; porque eu sou Deus, e não há outro. Jurei por mim mesmo; a palavra de justiça já saiu da minha boca e não voltará atrás. Todo joelho se dobrará e toda língua haverá de jurar diante de mim. De mim se dirá: A justiça e a força estão somente no S e n h o r . Todos os que se rebelarem contra ele, virão a ele, envergonhados. Mas toda a descendência de Israel será justificada e exultará no S e n h o r. Embora essa citação faça parte de uma passagem a respeito de como Jeová trata Israel, sua nação escolhida, ela parece falar de uma aceitação universal de Deus e, portanto, de um reino universal estabelecido por ele. Oseias 2.23 também parece indicar uma extensão da aliança àqueles que até então não faziam parte dela. Os profetas certamente não eram pessimistas acerca do reino futuro do Senhor. Os Salmos, especificamente Salmos 47,72 e 110, também falam repetidas vezes da universalidade do reino do Messias. Jesus, porém, citou o Salmo 110.1 como prova de sua divindade (Lc 20.42,43), e Pedro disse que se cumpriu no Pentecoste (At 2.34,35). Logo, não será cumprido em alguma vinda futura cataclísmica, mas dentro da era presente. Em segundo lugar, Jesus disse repetidas vezes que o evangelho seria pregado no mundo inteiro, e isso acontecerá antes de sua Segunda Vinda. Por exemplo: “E este evangelho do reino será pre­ gado pelo mundo inteiro, para testemunho a todas as nações, e então virá o fim” (Mt 24.14). Os pré-milenistas consideram que essa pregação se estenderá a todas as nações, mas não de modo muito eficaz. Servirá como testemunho, mas não resultará em qualquer número significativo de conversões. O pós-milenista consi­ dera estranho que haja somente um tipo de pregação nominal, uma pregação sem sucesso. Qual é a razão de ser de tal pregação, a não

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ser que seja somente para condenar? Onde está o poder que pre­ sumivelmente acompanha a Igreja em sua pregação? O pós-milenista vê períodos de aumento do interesse religioso e espiritual como um apoio para esse argumento central. Um exemplo disso foi a década de 50 nos Estados Unidos. Até mesmo o aumento do interesse pelo demoníaco sobrenatural, embora seja contra o sucesso do evangelho, indica uma reviravolta futura não muito distante de nós. Em terceiro lugar, a grande comissão dada por Cristo a seus apóstolos depois da ressurreição era para que a mensagem do evan­ gelho fosse levada a toda nação e a toda criatura. Esse processo de levar a mensagem deve continuar até o fim dos tempos, e seu pro­ pósito é fazer discípulos de todas as nações, batizando-os e instruindo-os (Mt 28.19,20). Isso certamente não parece enquadrar-se com a caracterização pré-milenista de essa pregação ser uma mera testemunha ou testemunho. Além disso, essa comissão é distinguida pela autoridade possuída e conferida pelo Senhor que a declarou.19 Jesus disse que todo poder ou autoridade foram dados a ele. Ele nunca terá mais autoridade em qualquer tempo no futuro do que tem agora, pois já a tem completamente. Portanto, não precisamos buscar um tempo futuro em que Cristo será capaz de trazer completamente o reino profetizado. Ele é tão capaz de fazê-lo agora quanto o será no futuro. Pré-milenistas afirmam que Cristo, o Rei, está ausente e que fará grandes coisas quando retornar; pós-milenistas, entretanto, afirmam que, de acordo com essa passagem, Cristo estd presente e estará até o fim dos tempos. Por isso aquele poder de conquistar e reinar está à nossa disposição no presente. O pós-milenismo também observa que a prometida conversão nacional dos judeus não acontecerá até “até que chegue a plenitude 19 Loraine Boettner, The Millennium, p. 28.

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dos gentios” (Rm 11.25). Isso parece sugerir que a conversão das nações gentílicas será completa. Uma das evidências de que esse evangelho está acontecendo é o aprimoramento do mundo. Não só indivíduos têm sido redi­ midos, mas ao mesmo tempo e por conseqüência o mundo também tem sido redimido. Embora haja contratempos na tendência geral e o progresso seja às vezes muito lento e gradual para ser notado, a tendência é que o bem progrida e o mal descresça. Boettner vê grande progresso do período antes de Cristo em relação ao presente. Em última análise, esse processo será concluído; antes da volta de Cristo, veremos um mundo cristianizado. Antes da vinda de Cristo, a sociedade se caracterizava por condições morais e espirituais horríveis, como, por exemplo, escra­ vidão, poligamia, opressão de mulheres e crianças, falta de liberdade política. Hoje, no entanto, a escravidão e a poligamia praticamente desapareceram, as condições social e econômica atingiram um nível mais elevado em praticamente todas as nações, e um espírito de coope­ ração é encontrado entre os povos de uma forma nunca vista antes.20 Boettner citou especificamente o programa de assistência estrangeira e segurança mútua dos Estados Unidos. A imensa quantidade de bens distribuída por essa nação esclarecida e predominantemente protestante, sem esperar nada em retorno, é evidência de um mundo que está mudando, melhorando.21 Outro indício do progresso do evangelho é a disponibilidade e distribuição de grande quantidade das Escrituras na língua comum do povo. O crescimento de programas de rádio cristãos, os semi­ nários, os institutos bíblicos, as revistas cristãs e outros meios de disseminar o evangelho também têm encorajado a Boettner.22 20 Ibid., p. 38. 21 Ibid., p. 39. 22 Ibid., p. 39-41.

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Reconhecendo que o crescimento relativo do cristianismo tem sido lento, Boettner disse que a culpa disso está no fracasso dos cristãos em geral de não levarem a sério o mandamento de Cristo de evangelizar o mundo.23Não é argumento, de modo algum, contra a eficácia do evangelho. Alguns pós-milenistas, assim como alguns pré-milenistas, têm procurado fixar datas. Tão recentemente como 1919, James A. Snowden entendia que a Primeira Guerra Mundial terminaria para sempre com o militarismo e começaria um desenvolvimento rápido para o Milênio.24 Boettner considera perigosa qualquer fixação de datas. Sua confiança no progresso cristão não depende da identificação de quaisquer acontecimentos específicos como indicações do triunfo do evangelho, mas, sim, no ensino da Escritura a respeito de desenvolvimentos de longo alcance no mundo.23 A grande prosperidade material é demonstrada de muitas maneiras hoje. Entretanto, por mais impressionante que seja, é e sempre será meramente um produto secundário do progresso e da prosperidade morais e espirituais cada vez mais vindo sobre nós.26 A natureza do Reino

Outro aspecto relevante e distintivo do pós-milenismo é a visão de que o reino de Deus é uma realidade terrena presente, e não uma realidade celestial futura. E aqui e agora e cresce gradualmente. Não é algo que está ausente no momento e ainda será inaugurado por um único acontecimento relevante. Pelo contrário, está chegando aos poucos, quase de forma imperceptível. 25 Ibid., p . 45. 24 James H. Snowden, The coming o f the Lord, p. 268ss. 24 Loraine Boettner, The Millennium, p. 47. 26 Ibid., p . 52.

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Jesus discutiu o reino de forma mais ampla nas parábolas, e especificamente nas parábolas de Mateus 13. Das sete parábolas registradas nesse capítulo, quatro comparam o reino do céu a processos de crescimento.27 O fermento é uma ilustração especificamente apropriada da vinda progressiva do reino.28 O fermento vai fazendo seu trabalho, átomo por átomo, através da farinha até permear a massa inteira. Muitos pré-milenistas sustentam que esse fermento tipifica o mal, e não o bem e o poder do evangelho, como acontece em tantos outros trechos da Escritura. Para o pós-milenista, no entanto, essa interpretação é forçada e artificial. Assim como o fermento cumpre seu papel de forma gradual, sem deixar de permear seguramente a totalidade, assim também o evangelho tem sido levado ao mundo todo com eficácia. Finalmente, a o mundo inteiro sentirá o efeito do poder do evangelho. As parábolas do joio e da rede ensinam que o crescimento do reino de Deus será um crescimento misto.29 Quando os servos exa­ minam o cereal que cresce, percebem que ervas más (“o joio”) estão misturadas a ele. assim, propõem sua remoção, arracando-as pelas raízes. O dono do campo, porém, proibe-os de fazer isso porque o inimigo que semeou as ervas más o fez de modo tão hábil que dificil­ mente se pode distinguir o grão do joio. A proibição é para evitar que parte da semeadura boa fosse destruída juntamente com a má. Essa parábola parece indicar que as duas classes de pessoas são praticamente indistinguíveis. O mesmo é ensinado na parábola da rede. Peixes bons e maus são igualmente presos na rede. Depois da seleção dos peixes, os maus são jogados fora. Os pré-milenistas têm citado essas 27 James H. Snowden, The Corning ofthe Lord, p. 72. 28 Ibid., p. 73. 29 Ibid., p. 74-75.

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duas parábolas como evidência de que o mundo não ficará melhor através da pregação do evangelho, mas pior. Em contrapartida, os pós-milenistas insistem que o joio é uma parte pequena em comparação com o quadro total. No fim do mundo, podemos esperar ver um campo cheio de trigo relativamente com poucas ervas más. O reino não está agora, nunca foi e nunca estará livre de males que nos rodeiam, mas esses males são em escala bem menor. Além disso, mediante a “biologia da graça”, o joio pode transformar-se em trigo no campo. Essa é uma transmutação que a natureza não pode realizar, mas com Deus todas as coisas são possíveis. A parábola do joio adverte contra tentativas de purificar a Igreja ao depurar dela os membros indignos e os suspeitos de heresia. A confiança na graça de Deus traz o alívio da responsabilidade de se tomar tais assuntos nas próprias mãos. O crescimento do reino é tanto intensivo quanto extensivo, e cada aspecto dele é afirmado e ilustrado por parábolas diferentes. A parábola do semeador e a do grão de mostarda ilustram o cresci­ mento intensivo.30 A semente permanece em seu próprio campo e a árvore de mostarda está ligada às suas próprias raízes. O crescimento de cada uma consiste em desenvolver sua própria vida até a completa fruição. O reino de Deus cresce de modo semelhante. Cada um que entra no reino se desenvolve na graça, cresce até atingir a matu­ ridade, conforme indica Paulo em Efésios 4.13. Cada crente se torna, em certo sentido, mais plenamente membro do reino de Deus. E até mesmo concebível que o reino possa ser plantado num só lugar ou num grupo limitado de pessoas e, embora continue a crescer, permaneça ali mesmo por algum tempo. O crescimento extensivo do reino é visto na parábola do fer­ mento.31 Como em todas as parábolas do crescimento, o campo é o 30 Ibid., p. 76. 31 Ibid., p. 76-77.

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mundo. Assim como o fermento natural se desenvolve de um átomo ou segmento para o próximo, assim também o fermento do evan­ gelho vai trabalhando a sociedade, de indivíduo para indivíduo. Isso foi ilustrado no ministério de Jesus quando André trouxe seu irmão a Jesus e quando Filipe trouxe Natanael. O que começou então tem continuado no tempo presente. O que é verdade no que diz respeito à propagação do evangelho de indivíduo a indivíduo é verdade quanto à propagação através das instituições e atividades da sociedade — ambiente físico, casas, educação, política, assuntos nacionais e internacionais. Dessa maneira, a massa total da humanidade será impregnada e governada pelos princípios e pelo espírito cristãos. Por ser lento, esse crescimento talvez exija um longo período de tempo.32 Não é uma explosão repentina. Assim como o cresci­ mento de uma árvore não pode ser notado num dia, nem o movi­ mento do indicador das horas de um relógio observado num segundo, assim também o crescimento do reino pode ser praticamente imperceptível, principalmente nas etapas iniciais. Embora os pósmilenistas reconheçam que o reino tenha feito um progresso comparativamente pequeno no mundo, acreditam que esse progresso será acelerado. Assim como uma bola de neve que cresce lenta­ mente enquanto pequena, e aos poucos começa a adquirir maior velocidade conforme o aumento de sua superfície, assim também acontece com o reino. O crescimento, em linguagem matemática, é exponencial. À medida que cada pessoa que entra no reino consegue ganhar outra, haverá a ocorrência de um grande crescimento. Alguém poderia olhar o estado presente do reino e perguntar: “Se essa é pro­ porcionalmente a distância que avançou neste período de tempo, quanto tempo levará para ser completamente estabelecido?”. Isso é

32 Ibid.,

p. 78.

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um engano, no entanto, porque o reino ainda está numa fase com­ parativamente recente de seu desenvolvimento. O pós-milenista não está com pressa. Deus não apressa as coisas. Houve um tempo em que acreditávamos que a terra tinha somente uns poucos milhares de anos de idade, e que o homem era ainda mais recente. Agora, porém, aprendemos pela geologia e pela antropologia que esses números devem ser precisamente atualizados.33 Assim como Deus levou milhões e talvez bilhões de anos para preparar a terra para ser habitada pelos seres humanos, assim também levará muito tempo para completar seu plano de redenção. No entanto, esse crescimento gradual também é acompanhado por crises.34 Até mesmo na natureza, em que os processos de cres­ cimento normalmente são regulares, há crises e desenvolvimentos cataclísmicos. Uma planta pode desenvolver-se durante anos e então, de repente, irromper com flores. O amadurecimento do grão para a ceifa é um tipo de crise, assim como são as metamorfoses dos insetos. É, portanto, de acordo com as leis naturais do desenvolvimento, que os processos gradativos são marcados por acontecimentos surpreendentes ou cataclísmicos. Isso é evidente na história do rela­ cionamento de Deus com seu povo. O chamado de Abraão, o êxodo, o cativeiro, o retorno do exílio, a vinda de Cristo, a morte e a ressur­ reição de Cristo, o Pentecoste, e o primeiro e segundo concilio geral em Jerusalém (At 11 e 15) foram, obviamente, acontecimentos que marcaram épocas. Assim também foram a queda de Jerusalém, a conversão do império romano e a Reforma. Alguns pós-milenistas viam a Primeira Guerra Mundial do mesmo modo, considerando-a como o meio pelo qual o despotismo militar seria desarraigado.35 » Ibid., p. 79. M Ibid., p. 81-84. ^ Ibid., p. 268-270.

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A grande catástrofe final nessa série será a Segunda Vinda do Senhor. Mas não é, como no caso dos pré-milenistas, um passo tão culminante no processo — o alcance da introdução final e completa do reino — como é uma proclamação do reino. Cristo voltará após ter sido cumprida a grande comissão e todas a nações terem sido discipuladas e batizadas. A natureza do Milênio

Para o pós-milenista, os mil anos de Apocalipse 20 são de natureza simbólica. Embora seja algo duvidoso se Warfield era pós-milenista ou amilenista, sua interpretação dos mil anos tem sido citada com aprovação por Boettner, um declarado pós-milenista.36Para Boettner o significado de millenium é qualitativo e não quantitativo. Uma interpretação é de que a primeira ressurreição se refere à reanimação do espírito dos que foram martirizados na história primitiva da igreja.37 Outro conceito é que a primeira ressurreição se refere à ascensão ao céu desses mártires, que agora reinam com Cristo naquilo que às vezes é chamado de “estado intermediário”.38A questão é que a doutrina do Milênio é baseada, não em Apocalipse 20, mas em outros trechos da Escritura. A palavra milênio provavel­ mente deva ser sempre colocada entre aspas. Haverá um longo período de tempo, indefinido quanto à duração, quando o Senhor reinará sobre a terra. Esse reino será estabelecido progressivamente, e por causa desse início gradual, a exata duração do período será difícil de medir ou de calcular.

36 Loraine Boettner, The Millennium, p. 64. 37 James H. Snowden, The Corning o f the Lord., p. 178-179. 38 Ibid., p. 181-184.

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O pós-milenismo compartilha muitos aspectos com o prémilenismo ou com o amilenismo, ou com os dois. Talvez seu aspecto mais distintivo seja o otimismo. Os pré-milenistas acreditam que as condições espirituais piorarão e que a descrença aumentará, e os amilenistas tendem a pensar da mesma forma. Os pós-milenistas acreditam que, através da pregação do evangelho, o mundo será cristianizado e, com isso, virão a paz e outros fenômenos do reino de Deus. Avaliação do pós-milenismo

Tendo visto algo da história do pós-milenismo e de suas doutrinas principais, agora devemos avaliá-lo. Quais são as suas forças, e quais as suas fraquezas? Aspectos positivos

Começando com o lado positivo, notamos que o pós-milenismo corretamente deu atenção a um tema genuinamente bíblico — a dimensão presente do reino de Deus. Jesus disse que o reino estava próximo, que estava entre os homens, e falava sobre homens que entravam no reino. Em tudo isso, certamente parecia dizer que esse reino não era uma realidade puramente futura. O Rei está ausente em certo sentido, mas em outro sentido está certamente presente (Mt 28.19-20). Sabendo que nosso Senhor e Rei está presente e que seus recursos estão disponíveis a nós agora, nosso estilo de vida deveria ser caracterizado por confiança, otimismo e intrepidez. O pós-milenismo também tem encorajado, corretamente, um ativismo da parte dos crentes. Se o reino está presente, pode­ mos fazer algo para estendê-lo. Assim a doutrina do cristianismo pode sustentar sua ética. As parábolas de Jesus especificamente

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mostram que o reino cresce gradualmente, em vez de meramente surgir em sua forma completa num esckaton distante. Entender que o reino cresce pouco a pouco ajuda-nos a perceber nossa participação em trazer esse reino quando levamos o evangelho a outras pessoas e incentivamos uma forma de vida crista. Isso é ordenado na Escritura, e a descrição pós-milenista do reino apoia esse mandamento. O pós-milenismo também é bíblico ao promover um espírito de otimismo e ao combater certo pessimismo de alguns cristãos. Jesus realmente prometeu poder a todos os que levassem o evangelho (At 1.8). Falava do reino permeando o mundo inteiro. As descrições bíblicas da apostasia e da iniqüidade que caracterizariam os tempos do fim têm tornado alguns cristãos fatalistas. As condições piorarão, dizem eles, e nada podemos fazer para alterá-las. Esse tipo de pensa­ mento torna a Igreja menos eficaz do que seria de outra forma, e o mal, mais persuasivo. Por serem a confiança e a expectativa tão impor­ tantes para o sucesso, o pós-milenismo contribui para o cum­ primento daquilo que é predito. Além disso, o pós-milenismo reconhece que o reino de Deus tem um alcance maior do que a Igreja. Onde quer que se faça a vontade de Deus, ali está o reino de Deus, ainda que apenas de modo parcial ou fragmentário. Isso pode ocorrer quando a pessoa que cumpre o ato não tem consciência de realizar a vontade de Deus. Talvez não seja conscientemente dedicado a Deus. Isso significa que Deus pode realizar sua vontade, pelo menos em parte, através de pessoas, canais, nações e ideologias não cristãs. Se usou a Babilônia e a Assíria nos tempos bíblicos, pode fazer algo semelhante em nossos dias. Isso significa que o cristão pode e deve cooperar de modo construtivo com qualquer pessoa ou agente que está atuando em alguma parte ou aspecto do reino de Deus. Além disso, quer dizer que o reino é, em grande medida, um reino ético.

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Aspectos negativos

Por outro lado, o pós-milenismo tem certas falhas. Uma delas é o otimismo a respeito da conversão do mundo, que não parece muito realista à luz dos acontecimentos mundiais recentes. A porcentagem de cristãos no mundo não está aumentando. Na realidade, há uma porcentagem menor de pessoas que se denominam cristãs do que ocorria há dez, trinta ou cinqüenta anos. Até mesmo as oportunida­ des para a propagação do evangelho parecem desvanecer-se. Faz um quarto de século que o continente chinês está fechado aos missionários — embora os desenvolvimentos políticos recentes deem alguma esperança de mudança — e algumas partes da índia estão igualmente fechadas. As perspectivas de conversão mundial parecem escassas. O mesmo se pode dizer das estruturas das sociedades. A esperança de que a Primeira Guerra Mundial pusesse fim às guerras revelou-se falsa. A Liga das Nações fracassou, e as Nações Unidas têm tido sucesso apenas parcial. Embora o progresso tecnológico seja inegável, não tem havido progresso ético e social comparável. Deve-se admitir que, em algum momento futuro, essa crítica talvez tenha de ser modificada. Talvez, em algum tempo além do futuro previsível, as tendências atuais sejam invertidas. Para a espe­ rança pós-milenista concretizar-se, no entanto, seria necessária uma inversão bastante radical das tendências atuais. Talvez o mais prejudicial para o pós-milenismo seja a aparente negligência das passagens bíblicas (e.g., Mt 24.9-14) que retratam uma piora das condições espirituais e morais nos tempos do fim. Parece que o pós-milenismo tem baseado sua doutrina em passagens bíblicas muito cuidadosamente selecionadas. Mesmo nas passagens discutidas pelos pós-milenistas, alguma seletividade parece estar em operação. Por exemplo, na parábola do joio e do trigo, não há indicação alguma de que o joio venha a ser transmutado em trigo bom; no fim, tem de ser desarraigado e

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destruído. Por não se encaixar em sua posição, os pós-milenistas ignoram, em grande medida, essa dimensão do relato. Há, também, alguma artificialidade no tratamento que os pósmilenistas dão às duas ressurreições e ao Milênio em Apocalipse 20. Isso será demonstrado mais claramente quando avaliarmos o amilenismo; bastará por enquanto notar que os pós-milenistas deixam de lado o fato de que as descrições das duas ressurreições são muito semelhantes. Finalmente, os pós-milenistas têm tido certa dificuldade de manter um sobrenaturalismo genuíno. À medida que seu conceito do reino se tornou mais difuso, considerando esse reino um governo divino em toda parte, alguns falharam em discernir entre o bem e o mal. Por exemplo, alguns viam o reino sendo cumprido até mesmo através do nazismo. A antítese bíblica entre o reino bom e santo de Deus, que será completamente presente somente quando Cristo voltar pessoalmente, e o reino do mal, com o qual o reino de Deus sempre está em conflito nesta vida, foi diminuída.

Capítulo 4

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sistema escatológico conhecido como amilenismo, embora seja, sob alguns aspectos, o mais claro e simples dos vários sistemas, apresenta dificuldades peculiares. Em resumo, o ami­ lenismo assim se resume: não haverá um reino terreno de Cristo de mil anos de duração. Entretanto, há vários obstáculos para se com­ preender esse pensamento. Em primeiro lugar, o amilenismo muitas vezes é apresentado de modo fundamentalmente negativo, e, por conseqüência, seus aspectos positivos nem sempre são apresentados com clareza. Pelo fato de muitas das apresentações recentes do amilenismo terem sido essencialmente críticas ao pré-milenismo, suas dimensões positivas têm sido um pouco distorcidas. Além disso, surgem tantas explicações e argumentos a favor do amilenismo, que acabam tornando esse sistema, no mínimo, um pouco confuso. As vezes até nos perguntamos se temos discutido subtipos de um único conceito básico ou de conceitos diferentes. Finalmente, o amilenismo tem sido com frequência difícil de distinguir do pós-milenismo. Homens como Agostinho (354-430), João Calvino (1509-1564) e Benjamin B. Warfield (1851-1921)

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têm sido reivindicados pelos dois grupos. Se não forem conside­ radas as questões específicas que separam as duas posições, pode-se enunciar a posição defendida de forma pouco clara. Isso tem gerado muita confusão. A maioria dos amilenistas tende a estabelecer a distinção de seu pensamento com a posição do pré-milenismo em vez do pós-milenismo, e a maioria tem demonstrado considerável empatia para com o pós-milenismo. Na verdade, muitos amilenistas são antigos pós-milenistas. Isso tem confundido ainda mais as diferenças entre os dois pontos de vista. Panorama do amilenismo

Ao examinarmos os aspectos gerais do amilenismo, talvez o melhor procedimento seja observar o que há de comum nesse sistema com as doutrinas do pós-milenismo. A primeira coisa em comum é o entendimento de que a Segunda Vinda de Cristo inaugurará a era e o estado finais tanto para cristãos como para não cristãos. Isso significa que a Segunda Vinda será imediatamente seguida pela ressurreição geral, pelo julgamento de todos os homens e pela entrega de todos ao seu estado futuro e final. Não haverá perío­ do de transição, nenhum reinado terreno e pessoal de Cristo, nenhum milênio. Esses acontecimentos se seguirão em seqüência rápida, sem intervalos significativos. O segundo aspecto (compartilhado pelo menos com a maioria dos pós-milenistas) é que os mil anos em Apocalipse 20 são simbólicos e não literais. Outro modo de colocar isso é dizer que a referência aos mil anos é atemporal. O pós-milenista acredita num reinado terrestre de Cristo, todavia nele Cristo está ausente em vez de presente. Esse ponto de vista, no entanto, não se baseia em Apocalipse 20; na verdade, essa passagem é considerada irrele­ vante à questão.

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Outro fator é que as duas ressurreições em Apocalipse 20 não requerem, como argumenta o pré-milenista, um milênio entre elas. Os amilenistas concordam em que as duas ressurreições não são físicas. Entretanto, alguns amilenistas consideram a primeira ressurreição espiritual e a segunda física; outros consideram as duas ressurreições espirituais. Finalmente, as profecias do Antigo Testamento são menos literais do que a maioria dos pré-milenistas as considera. Essas pro­ fecias não serão cumpridas num período terreno de mil anos; em vez disso, estão propensas a cumprir-se na história da igreja ou, em alguns casos, na “nova terra”.1 Há também alguns pontos de congruência entre o amilenismo e o pré-milenismo. O primeiro é a perspectiva pessimista. O amilenista não antecipa um crescimento mundial da justiça que se esten­ derá a todas as áreas da sociedade.2 Os amilenistas variam quanto às estimativas de quão bem-sucedida será a pregação do evangelho. Alguns concordam com a possibilidade de conversão no mundo todo e, nesse caso, todos confessarão Cristo como Senhor, e pode­ remos dizer que o reino de Cristo está presente, que chegou o seu domínio. Muitos amilenistas, porém, duvidam que a evangelização tenha tanto êxito assim. E, nesse caso, os que creem e são salvos serão apenas um pequeno segmento ou remanescente da população do mundo. Embora os amilenistas não apreciem essa perspectiva, acreditam ser compatível com o ensino da Escritura e com o curso recente dos acontecimentos do mundo. Logo, o amilenista pode estar tão certo quanto o típico pré-milenista de que a fé de muitos se esfriará. ' W. J, Gríer, Christian Hope and the Millennium, p. 19. 2 Ibid.

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Além disso, o amilenista acredita na iminência da Segunda Vinda de Cristo. Embora esse termo tenha muitos matizes diferentes de significado, ele designa, de modo geral, que o Senhor poderia voltar praticamente a qualquer momento. Para o pós-milenista, o Senhor não voltará até que o evangelho tenha sido levado a todos os lugares da terra e o mundo tenha desfrutado de um período de paz. O amilenista e o pré-milenista, no entanto, não acreditam que esses fenômenos precederão a vinda do Senhor. Logo, sem acon­ tecimentos de maior importância, de longa duração ainda a serem cumpridos, o Senhor poderia vir a qualquer momento. Contudo, deve-se observar que embora essa doutrina seja compartilhada por ambos os grupos, ela não produz o mesmo modo ou tom para o típico amilenista que tem para o pré-milenista. Logo, o amilenista raras vezes lastima a decadência das condições do mundo ou condena a cultura atual. E notável que ele tem menor preocupação com os detalhes e com a seqüência das últimas coisas e menos curiosidade acerca dos “sinais dos tempos.” Na realidade, o assunto inteiro da escatologia parece receber menos atenção dos teólogos amilenistas do que dos teólogos pré-milenistas, especialmente dos que são dispensacionalistas. O amilenismo genuíno tem uma visão que lhe é totalmente peculiar. A história do amilenismo

Alguns encontraram elementos amilenistas bem cedo na história da igreja. Diedrich H. Krommínga, um pré-milenista, discerniu na Epístola de Barnabé “uma forma muito primitiva de escatologia amilenista”,3 e a Epístola de Barnabé é um dos escritos cristãos mais 3 The Millennium in the Church: studics in the history of Christian Chiliasm, p. 40.

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antigos além da Bíblia. Contudo, o argumento de Kromminga tem sido questionado por outros estudiosos da história da igreja. Apesar disso, sem dúvida, o amilenismo tem estado presente durante longos períodos da história da igreja numa forma nem sempre diferenciada do pós-milenismo. Ainda que não tenha havido qualquer amilenismo radical nos primeiros séculos da igreja, pelo menos elementos amilenistas certamente estavam presentes. Agostinho, porém, foi quem siste­ matizou e desenvolveu a abordagem. Por ele estar na vanguarda em várias áreas do pensamento, ênfases que parecem “confusas” em seus escritos, teólogos posteriores claramente distinguiram. Logo, tanto amilenistas quanto pós-milenistas podem, com alguma justificativa, reivindicá-lo para sua própria posição. O argumento mais significante (para os nossos propósitos) que Agostinho fez é que o milênio não é fundamentalmente temporal ou cronológico. Sua importância está antes no que simboliza. Essa tradição seguiuse tanto na Igreja católica quanto na protestante. É provável que aquilo que agora chamamos de amilenismo e de pós-milenismo estivessem juntos até o século X IX , quando o pós-milenismo foi desenvolvido pela primeira vez de modo abrangente. Com o declínio do pós-milenismo durante o século xx, um razoável número de ex-defensores do pós-milenismo acharam necessário ajustar sua escatologia. Visto que o pré-milenismo repre­ sentava uma ruptura muito radical, a maioria optou pelo amile­ nismo. O recente crescimento na popularidade do amilenismo pode, portanto, estar relacionado aos acontecimentos que preci­ pitaram a crise do pós-milenismo. Para alguns, era claramente uma mudança de doutrinas; para outros, era simplesmente a adoção de uma posição com base em um ponto de vista a respeito do qual não tinham se definido antes. De qualquer maneira, as alternativas se estreitaram um pouco, e, na prática, a escolha está

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entre o amilenismo e o pré-milenismo. Conservadores pertencentes aos grupos reformados e históricos — denominações como a Igreja Reformada da América e a Igreja Reformada Cristã, assim como muitos grupos presbiterianos — são, primordialmente, amilenistas. Doutrinas do amilenismo As

duas ressurreições

Um elemento significativo do amilenismo é sua forma de tratar as ressurreições referidas em Apocalipse 20.4-5: “Viveram [a primeira ressurreição] e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos [a segunda ressurreição] ( a r a ) ” . A primeira ressurreição, de acordo com os amilenistas, é espiritual; a segunda é físico-corpórea ou espi­ ritual. A maioria dos amilenistas considera que a segunda ressurreição é física, e escritores como Floyd E. Hamilton apresentaram os argu­ mentos que defendem esse pensamento. Uma apresentação mais recente dessa posição apareceu num artigo escrito por Ray Summers em 1960. Summers enfatizou a importância de basear a interpretação de Apocalipse 20 na interpretação do livro do Apocalipse como um todo.4 Em outras palavras, o capítulo 20 deve ser visto no contexto mais amplo do livro inteiro. Devemos começar nos perguntando: “o que significava a mensagem do livro àqueles a quem foi origi­ nalmente dirigido?”. Summers acredita que o livro tenha sido escrito na última década do primeiro século para cristãos na Ásia Menor, 4 Ray Summers, Revelation 20: an interpretation, p. 176. Para ver outras declarações de Summers, veja Worthy Is the Lamb: An Interpretation o f Revelation e The life Beyond.

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i]ue estavam sob severa perseguição nas mãos de um governo romano que esperava destruir o cristianismo. O propósito do livro era assegurar ao povo de Deus que Cristo triunfaria sobre toda a oposição.5 Satanás procurava enganar os cristãos para que adorassem o imperador em vez de Cristo. A prisão de Satanás referida em Apocalipse 20.1-3 é para incapacitá-lo na eficácia de continuar essa obra. Os mil anos simbolizam a plenitude desse acorrem tamento e restrição.6 Esse mesmo símbolo de mil anos é utilizado para transmitir a ideia do triunfo completo dos mártires que foram objetos da ira de Satanás.7Em Apocalipse 6.9-11, essas almas martirizadas sob o altar aparecem perguntando quanto tempo falta para Deus intervir e deter o sucesso do maligno. Em Apocalipse 20.4-5 eles estão sen­ tados em tronos com Cristo durante mil anos. A descrição deles torna quase inegável que eles sejam aqueles que deram a vida e não se deixaram sucumbir às exigências do imperador. Com base nisso, então, a primeira ressurreição simboliza a vitória dos mártires. De especial relevância é a declaração: “Bemaventurado e santo é o que participa da primeira ressurreição! A segunda morte não tem poder sobre eles...” (20.6). Isso sugere que a segunda morte, normalmente entendida pelos escatologistas de todas as correntes milenistas como uma morte espiritual, corresponde à primeira ressurreição. Isso significa que a primeira ressurreição, de modo semelhante, é espiritual. Há também uma referência a uma segunda ressurreição [“Os restantes dos mortos não reviveram até que...” 2 0 .5 ( a r a ) ] , embora não seja explicitamente denomi­ nada a segunda ressurreição. Embora não seja mencionada, está 1 Ray Summers, Revelation 20, p. 176. 6 Ibid., p. 179. 7 Ibid., p. 180.

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subentendida uma primeira morte, que seria física. A esta corres­ ponde a segunda ressurreição, que então também seria física. Summers acredita que essa ideia foi apresentada por meio de chiasmos, um dispositivo literário e poético grego segundo o qual os quatro ele­ mentos de uma proposição são apresentados de modo diagonal. Ele fez o diagrama da seguinte maneira:8 “Primeira ressurreição” um símbolo do triunfo dos mártires

“Segunda ressurreição (“reviveram”, 20.5) = a ressurreição geral e física ensinada no Novo Testamento

“Primeira morte” (não mencionada, mas subentendida) = morte física

“Segunda morte” = um símbolo do castigo eterno em separação das bênçãos de Deus

Essa interpretação tem sido apresentada de várias formas por outros autores. W. J. Grier também sustentou que os que participam da primeira ressurreição (20.6) são os mortos bem-aventurados. Notou que a expressão “ressuscitados com Cristo” emprega-se para descrever os cristãos em várias passagens do Novo Testamento (Rm 6.1-11; Ef 2.1-10; Cl 3.1-4).9 Portanto, há uma boa base para interpretar a “primeira ressurreição” em Apocalipse 20.6 como espiritual em vez de física. Os pré-milenistas geralmente têm focado sua crítica dessa interpretação amilenista das duas ressurreições no fato de que a 8 Ibid., p. 182. 9 W. J. Grier, Christian Hope and the Millennium, p. 19.

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mesma palavra grega se emprega para ambas ressurreições: “E vive­ ram (ezêsan), e reina-ram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram (ezêsan) até que se completassem os mil anos ( a r a ) ” . Não há, argumentam os pré-milenistas, qualquer base justificável para tornar essas duas ressurreições diferentes quanto ao tipo. Se uma delas é física, a outra também deve ser. Nada no contexto indica o contrário. Levando a sério essa crítica, James A. Hughes arriscou um tra­ tamento totalmente diferente da passagem. Hughes reconheceu a força do argumento de que ezêsan deve ser usado no mesmo sen­ tido nas duas ocorrências. Elogiou os pré-milenistas por sua exatidão exegética nessa questão e por sua consistência em interpretar as duas ressurreições como físicas.10 Reconhecendo a validez dessa lógica, recusou-se a intepretar o ezêsan do verso 4 como uma ressur­ reição espiritual e o mesmo verbo em verso 5 como uma ressurreição física. Escreveu que esse ponto de vista “é dificilmente sustentável”. Isso pareceria deixá-lo preso num dilema, mas ele encontrou ainda outra opção: aplicar os dois verbos a uma ressurreição espiritual. Seu argumento desenvolve-se em três passos: (1) o primeiro ezêsan é espiritual, não físico e corpóreo; (2) a primeira e a segunda ressur­ reição são paralelas; e (3) a segunda ressurreição também é espiritual. Hughes iniciou seu argumento por observar que as pessoas envolvidas na primeira ressurreição são retratadas como almas sem corpos, sentadas nos tronos de julgamento e reinando, haja vista que o julgamento fazia parte do ato de reinar. Ele tem consciência de que psychê pode (o que frequentemente acontece) designar a pessoa como um todo em vez de simplesmente uma parte. E foi o que Charles L. Feinberg citou em sua defesa do pré-milenismo e 10James A. Hughes, Revelation 20:4-6 and The Question ofthe Millennium, p. 300.

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do amilenismo. Hughes reconheceu esse fato, mas continuou a sustentar que psychê raramente designa a pessoa como um todo quando é seguida, como ocorre aqui, pelo genitivo do substantivo. Em nota detalhada de rodapé examinou vários usos semelhantes da expressão no Novo Testamento e concluiu que aqui, como em Apo­ calipse, “Essas expressões claramente se referem a almas separadas do corpo”.11 Embora não esteja completamente claro se Apoca­ lipse 20.4 contém três grupos ou um, Hughes acredita que contém basicamente um grupo, visto que a expressão “as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus” liga o que pre­ cede com o que se segue. Tendo em vista que o julgamento faz parte do reinado, os que se sentam em tronos de julgamento seriam as mesmas almas sem corpo que reinam com Cristo por mil anos. Essa visão apresenta dificuldades imediatas para o conceito de que João descreve no texto uma ressurreição corpórea ou física. Uma delas é que almas, diferentemente de corpos, não podem morrer e ser ressuscitadas. Outra dificuldade para a interpretação pré-milenista é o fato de que ezêsan está no tempo aoristo. Em seu uso mais comum, o aoristo desse verbo seria traduzido simplesmente por “viveram”. É verdade que um uso menos comum, o “aoristo ingressivo”, seria traduzido por “começaram a viver” ou “vieram à vida”. Mas se ezêsan é ingressivo, o verbo traduzido por “reinaram” também o é, porque também é aoristo e é paralelo a ezêsan. Logo, se “começaram a viver” também “começaram a reinar”. Além disso, visto que o ato de reinar é por mil anos, assim também é o viver.12 Na verdade, teríamos de dizer “ressuscitaram por mil anos e começaram a reinar por mil anos”, o que, no mínimo, requereria uma ressurreição muito 11 Ibid., p . 288. 12 Ibid., p . 290.

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lenta e um início muito lento do seu reinado. Logo, Hughes concluiu que a única interpretação plausível para ezêsan é “viveram”, sendo o aoristo constativo ou histórico. Para sustentar melhor esse argumento, Hughes sugeriu que em apenas dois lugares no Novo Testamento o indicativo aoristo de zaõ pode ser interpretado como aoristo ingressivo, e os dois referem-se à ressurreição de Cristo. Em Apocalipse 2.8, Cristo descreve-se como “aquele que foi morto {egeneto nekros) e reviveu (ezêsen)”. Romanos 14.9, portanto, pode ser interpretado por: “Porque foi com este propósito que Cristo morreu (apetbanen, de apothnêskõ) e tornou a viver (ezêsen).” Embora Hughes não chamasse atenção ao fato, o verbo apothnêskõ no tempo aoristo contém em si um elemento ingressivo pois significa “morrer”, não “estar morto”. Além disso, Hughes observou que não é a mesma coisa dizer que alguém “veio a ser morto e tornou à vida” do que dizer que alguém viu as almas daqueles que tinham sido degolados e que voltaram à vida. A tradução apropriada, portanto, é: “viveram”. No entanto, há um problema na perspectiva de Hughes.13As referências em Apocalipse 20.4 a “voltar à vida” ( r sv ) o u a “viveram” ( ara ) são especificamente chamadas no versículo 5 de “a primeira ressurreição.” É possível falar de almas sem corpos sendo ressus­ citadas? Hughes afirmou que o termo ressurreição não é restrito ao corpo nas Escrituras. Um exemplo acontece em Lucas 20, a discussão sobre a mulher que havia se casado sucessivamente com sete irmãos. Alguns saduceus perguntaram a Jesus: “...no dia da ressurreição, de qual deles será esposa?”. Tanto a pergunta quanto a resposta de Jesus indicam que a “ressurreição” aqui significa “a vida do porvir” ou “o mundo do porvir”. A prova de Jesus de que os mortos são ressuscitados é que Moisés se referia ao Senhor como o Deus de 13 Ibid., p. 292-293.

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Abraão, de Isaque e de Jacó, todos os quais já morreram. Por Deus não ser o Deus dos mortos, mas dos vivos, os patriarcas devem ter sido ressuscitados. No entanto, visto que seus corpos ainda não tinham sido ressuscitados, “a ressurreição” deve, nessa passagem, ser sinônimo de “a vida do porvir” ou do “céu”.14 Um segundo exemplo citado por Hughes é 1Coríntios 15.1.15 Normalmente a interpretação desse trecho é de que a ressurreição corpórea dos cristãos é garantida porque o corpo de Cristo foi ressur­ reto. Hughes raciocinou de modo diferente. Paulo parecia dizer que, se Cristo não foi ressuscitado dentre os mortos, então os que morreram em Cristo pereceram (i.e., não estão vivos) e que temos esperança somente nesta vida. Cristo, porém, foi ressuscitado dentre os mortos. Logo, os que nele morreram não pereceram (i.e., estão vivos; alcançaram aquele mundo; foram “ressuscitados dentre os mortos”). Aqui, segundo a argumentação de Hughes, é evidente que ressurreição não se refere à ressurreição física; fala do estar com vida, da sobrevivência da alma ou da ressurreição espiritual. Afirma que a morte não põe fim a tudo. Os que morreram foram ressuscitados entre os mortos. Hughes reconheceu que, nessa inter­ pretação de ICoríntios 15, estava separando-se de Charles Holdge e de Calvino, os representantes mais destacados da tradição refor­ mada da qual fazia parte. Mesmo assim, foi enfático ao sustentar sua interpretação. O exemplo final de Hughes é Hebreus 11.35,16 que traduziu: “Mulheres receberam seus mortos ressuscitados; e outros foram torturados, não aceitando a libertação; a fim de que obtivessem uma ressurreição melhor”. Aqui encontrou um contraste entre 14 Ibid., p . 293-294. 15 Ibid., p . 295-298. 16 Ibid., p. 298.

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ressuscitar e obter uma “ressurreição melhor”, que interpretou como uma ressurreição espiritual ou imortalidade. Quando Apocalipse 20 é examinado de perto contra esse antecedente, seguem-se conclusões específicas. O termo primeira ressurreição implica uma segunda ressurreição, e o termo segunda morte implica uma primeira morte; ainda assim, os termos segunda ressurreição e primeira morte estão ausentes, fato que Hughes considerou relevante. Há uma ênfase aqui sobre a diferença entre os dois grupos. O versículo 4b diz que “viveram e reinaram com Cristo durante mil anos (a r a ) ” , ao passo que o versículo 5a diz: “Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos ( a ra ) ”. Um grupo vivia durante os mil anos, e o outro grupo não vivia, embora os dois grupos estivessem fisicamente mortos. Há os mortos “vivos”, que têm parte na primeira ressurreição e sobre os quais a segunda morte não tem poder, e os mortos “mortos”, que não têm parte na primeira ressurreição e sobre os quais a segunda morte realmente tem poder. A segunda morte tem poder sobre “os restantes dos mortos” no que diz respeito às suas almas, assim como o primeiro grupo é composto por almas (v. 4). Logo, a primeira morte deve ser física, e a segunda ressurreição deve ser espiritual, pertencendo aos justos e injustos igualmente.17 Hughes tem consciência da objeção geral à sua postura. O versículo 5a diz que “os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos”. Isso não indicaria que depois dos mil anos “os restantes dos mortos” — aqueles que não foram res­ suscitados no começo dos mil anos — seriam ressuscitados fisica­ mente? Hughes disse que não. Primeiramente, observou que o verbo e a partícula negativa são ouk ezêsan (“não viveram”) em vez de ouk anezêsan (“não reviveram”). Em segundo lugar, o versículo 5a diz 7 Ibid., p. 299-300.

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que os restantes dos mortos não viveram “até” (achri) que se completassem os mil anos, que é o equivalente a dizer que os res­ tantes dos mortos não viveram durante os mil anos. Aqueles sobre os quais a segunda morte tem poder nunca são libertos do seu poder. “Os restantes dos mortos” não viverão até que os mil anos terminem, nem viverão depois disso. Aqui temos a contribuição exegética singular de Hughes: a palavra achri (“até”) não implica em si mesma que uma mudança ocorre depois do ponto ao qual se refere. Isso é evidente, por exemplo, em Romanos 5.13a: “Porque até (achri) ao regime da lei havia pecado no mundo (a r a ) ” . Certamente, o pecado estava no mundo até a vinda da lei mosaica e depois da sua vinda também; o pecado está obviamente bem presente no mundo.18 Resumindo o ponto de vista de Hughes: as duas ressurreições são semelhantes em natureza. A primeira ressurreição é espiritual, a ascensão da alma ao céu. A segunda ressurreição também é espiritual, mas é praticamente hipotética em sua natureza. A passagem como um todo descreve almas sem corpos no estado intermediário e não diz nada acerca da ressurreição física. A natureza do Milênio

Outra doutrina importante do amilenismo é sua interpretação dos mil anos em Apocalipse 20. O versículo 2 fala de Satanás sendo preso por mil anos, e o versículo 4 fala daqueles que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e reinaram com Cristo por mil anos. A interpretação dessas duas referências exige, em primeiro lugar, que percebamos a natureza do livro inteiro, e o lugar desse trecho dentro dele. 18 Ibid., p. 301-302.

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Em geral, o amilenista vê o Apocalipse como sendo composto por várias seções (normalmente sete), cada uma das quais recapitula os acontecimentos do mesmo período em vez de descrever os acontecimentos de períodos sucessivos. Cada uma trata da mesma era — o período entre a Primeira e a Segunda Vinda de Cristo — , retoma temas anteriores, elabora-os e desenvolve-os ainda mais. Apocalipse 20, portanto, não fala de acontecimentos futuros tão distantes, e o significado dos mil anos deve ser encontrado em algum fato passado e/ou presente.19 Além disso, e de modo ainda mais geral, a passagem deve ser entendida dentro do contexto amplo do livro como um todo. É importante lembrar que o Apocalipse é um livro muito simbólico e figurado. Nem mesmo os pré-milenistas forçam todas as expressões figuradas a significados literais. Se fosse assim, o resultado seria absurdo. Quando o capítulo 20 fala que Satanás será amarrado, por exemplo, certamente ninguém pensa que isso será feito com uma corrente de metal. Poucos interpretariam as taças, selos e trombetas como literais. Parece razoável, portanto, concluir que o número “mil” talvez também não seja literal. Além disso, o fato de não haver em nenhum outro lugar da Escritura uma referência explícita a tal período de reinado terreno lança dúvidas a respeito da importância que os pré-milenistas têm dado a essa doutrina. Se o número mil é simbólico, o que simboliza? Muitos teólogos têm seguido a sugestão de Warfield, que tem sido reivindicado tanto pelos amilenistas como pelos pós-milenistas, mas cuja declaração sobre esse assunto parece quase determinativa: “O número sagrado sete em combinação com o número igualmente sagrado três forma o número da santa perfeição, dez, e quando esse dez é levado à 19 Floyd E. Hamilton, The Basis o f MillenialFaith, p. 130-131.

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terceira potência para formar mil, o profeta já disse tudo quanto podia para transmitir à nossa mente a ideia da plenitude absoluta”.20 Poderíamos perguntar por que, na tentativa de discernir o significado do número dez, deveríamos investigar o significado de sete e de três em vez de, digamos, seis e quatro, mas muitos amilenistas con­ sideram correta a abordagem de Warfield. Essa plenitude ou perfeição, portanto, é aplicada às duas referências a “mil anos”. No versículo 2, é vista como a totalidade do triunfo de Cristo sobre Satanás e suas forças do mal.21 No versí­ culo 4, por outro lado, é vista como a plenitude da presente glória e felicidade dos redimidos no céu. A interpretação da profecia

Devemos notar também que, basicamente, o amilenista aborda a interpretação da profecia de modo diferente do pré-milenista. O amilenista tende a não esperar um cumprimento literal da profecia em algum tempo futuro. Ele considera que muitas das profecias foram cumpridas relativamente pouco tempo depois da própria profecia ou que muitas delas descrevem condições contínuas — como no caso dos mártires que reinam com Cristo durante mil anos. A passagem a respeito dos mártires que reinam é entendida “reiterativamente” — encontra seu cumprimento constantemente no estado intermediário dos cristãos. Desse modo, o amilenista foge do argumento pré-milenista de que há numerosas profecias ainda a serem cumpridas e que estas requerem um milênio. Essa é a origem do tom ou traço distintivo do pensamento e dos escritos dos ami­ lenistas, de um lado, e dos pré-milenistas, do outro. Os pré-milenistas 20 Benjamin B. Warfield, The millennium and. the Apocalypse, p. 654. 21 W. J. Grier, Christian Hope, p. 19.

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frequentemente estão “examinando as Escrituras” e estudando os acontecimentos atuais, procurando alinhar os dois para descobrir quão perto o fim pode estar. De modo geral, os amilenistas não lêm, nem de longe, um interesse profético tão intenso. Avaliação do amilenismo

No sistema amilenista, há muitos aspectos louváveis e irrefutáveis, bem como pontos fracos e até mesmo inconsistentes. Aspectos positivos

Em termos positivos, o amilenismo reconhece que a profecia e a escatologia bíblicas fazem grande uso de simbolismo e lidam com isso em concordância. Alguns milenistas têm tratado das figuras nas passagens escatológicas de modo muito literal, embora poucos expositores tenham posto em prática esse princípio de modo consistente. De forma bem óbvia, algumas passagens representam algo além do seu significado imediato e literal. De modo geral, o amilenista tem procurado levar a sério a natureza da literatura bíblica e tem perguntado o que estava sendo transmitido dentro daquele ambiente cultural, reconhecendo que o simbolismo pode estar presente e operante, mesmo ainda quando não é óbvio. No que tem de melhor, o amilenismo também tem procurado determinar o devido significado dos símbolos ao estudar a cultura em vez de atribuir um significado de modo arbitrário. Em segundo lugar, o amilenismo tem procurado fazer uma séria exegese da passagem bíblica relevante sobre o assunto: Apocalipse 20. Em parte, isso foi uma resposta à pergunta dos prémilenistas “O que significa a passagem se não ensina um milênio terreno?”. Do ponto de vista de quem acredita ser a Bíblia a

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autoridade suprema da fé e da prática cristãs, esse exame da Escritura é altamente louvável. A investigação conduzida por Hughes é uma tentativa minuciosa de se chegar ao significado original dessa passagem e de explicá-lo precisamente. O detalhamento e o espírito aberto a uma variedade de possibilidades estão na melhor tradição da erudição bíblica. Parece, também, que o amilenismo tem uma filosofia realista da história. Sua visão daquilo que virá e de qual direção a história está tomando encaixa-se bem com os recentens desenvolvimentos e com as tendências que podem ser discernidas na atualidade. O ponto de vista amilenista leva em conta ou uma deteriorização, ou uma melhoria das condições, não ensinando que o mundo inteiro será convertido antes da volta de Cristo, nem que as condições do mundo inevitavelmente piorarão. Aspectos negativos

Quando consideramos os argumentos e as doutrinas específicas do amilenismo, porém, encontramos algumas dificuldades. Grande número delas dizem respeito à exegese de Apocalipse 20. A interpretação convencional amilenista é de que há dois tipos diferentes de ressurreição, uma espiritual e uma física. No entanto, mediante um exame pormenorizado, questiona-se se isso não cria uma distinção onde não há. Até mesmo Hughes reconhece e admite essa dificuldade e oferece uma interpretação diferente para essa passagem. O mesmo verbo, ezêsan, é empregado para as duas ressurreições, e não há base contextual aparente para fazer distinção entre as duas. O versículo 5 apresenta um problema específico para essa interpretação. Depois de afirmar que os mártires vivem e reinam com Cristo por mil anos, a passagem diz: “Os restantes {boi loipoi)

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dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos ( ara ) ” . Embora a passagem certamente possa ser interpretada de outra forma, parece sugerir que aqueles que participam da primeira ressurreição não participam da segunda, pois o contraste é entre os que foram ressuscitados no começo do milênio e os que foram resusscitados no fim. O “reviver” é, novamente, descrito de modo semelhante. Provavelmente os que estão vivos no começo ainda estão vivos no fim. Se esse for o caso, e se devem ser tratadas como dois tipos diferentes de ressurreição, parece seguir-se a conclusão de que os que estão espiritualmente ressurretos ou renascidos não estão fisicamente ressurretos. Mas isso dificilmente se encaixaria na doutrina do amilenismo! Alguns argumentariam que isso é atribuir um significado que não está presente. Contudo, o propósito gra­ matical de hoi loipoi parece ser o de fazer distinção entre os dois grupos. Deve-se observar que a segunda ressurreição não é espe­ cificamente identificada ou nomeada, e certamente não há sugestão alguma de que os mártires participariam dela da mesma forma com que revivem e reinam como resultado da primeira ressur­ reição. Seguramente, o argumento do silêncio não é forte, sendo, entretanto, encontrado justamente onde deveríamos ver alguma evidência positiva. Conforme notamos, a posição argumentada por Hughes é bem diferente da visão de Summers. Levando-se em conta a força das objeções como as citadas acima, sua posição é, de muitas formas, um tratamento novo e original de dados conhecidos. Mesmo assim, quando os vários elos detalhados do argumento são examinados, dificuldades se tornam evidentes. Como verificamos, Hughes reconheceu que as duas ressur­ reições devem ser da mesma classe, tornando ambas as ressurreições espirituais. A evidência que apresentou para essa declaração crucial merece exame especial.

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Ele argumentou que, se o primeiro verbo, ezêsan (“viveram”), no versículo 4 é um aoristo ingressivo, então o segundo verbo, ebasileusan (“reinaram”), também deve ser. Logo, se traduzirmos o primeiro por “vieram a viver”, devemos traduzir o segundo por “começaram a reinar”. Visto que essa ação abrange mil anos, o resul­ tado é claramente absurdo. A alternativa que parece preferível é não traduzir nenhum dos verbos como aoristo ingressivo: “viveram e reinaram com Cristo durante mil anos”. A questão, porém, é saber por que motivo os dois verbos devem ser tratados da mesma maneira. A. T. Robertson, cuja Grammar o f the GreekNew Testament in the Light ofHistorical Research [Gramática do Novo Testamento grego à luz da pesquisa histórica] tem sido considerada, há muito tempo, uma obra de referência, escreveu: “Um bom exemplo é ezêsan kai ebasileusan meta tou christou chilia etê (Ap 20.4). Aqui, ezêsan é provavelmente ingressivo, embora zêsõman seja constativo em lTessalonicensses 5.10, mas ebasileusan é claramente constativo”.22 Hughes tinha consciência dessa referência e até mesmo a citou numa nota de rodapé. Mesmo assim, rejeitou-a com uma simples explicação: “Mas isso rompe a conexão entre ezêsan e ebasileusan, e remove ezêsan de qualquer conexão com a frase chilia etê." Mas por que ezêsan deve estar ligado à frase chilia etêZ Parece que Hughes pressupôs a posição que queria sustentar através do argumento — um caso clássico de dar como verdadeiro algo que precisa ser provado! Hughes deveria oferecer uma evidência mais substancial do que essa, especialmente diante de uma auto­ ridade da estatura de Robertson. Hughes afirmou que os conceitos de julgar e de reinar parecem estar unidos pela expressão “as almas dos degolados por causa do testemunho”. Ele ampliou isso para 22 A. T. Robertson, Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f Historical Research, p. 833.

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dizer que essas almas viveram e reinaram por mil anos, mas falhou em sustentar essa ideia. Foi a essa altura que introduziu a nota de rodapé citando Robertson. Hughes também argumentou com base no uso comparativo. 1)isse que somente em dois lugares no Novo Testamento o aoristo indicativo de zaõ pode ser apropriadamente interpretado como ingressivo. A parte das fraquezas inerentes aos argumentos baseados no uso comparativo, Hughes deixou de explicar que o aoristo indi­ cativo de zaõ aparece no Novo Testamento num total de apenas oito vezes. O fator de Hughes reconhecer o uso do ingressivo somente em apenas dois casos do Novo Testamento torna, portanto, os dados a seu favor dificilmente impressionáveis. Outro passo crucial em sua argumentação é que o termo ressurreição no Novo Testamento pode significar outra coisa além da ressurreição física. Mas nos exemplos que citou não estabeleceu inequivocamente que a respectiva “ressurreição” é espiritual em vez de física. Por exemplo, sua sustentação de que em Lucas 20.35 Jesus tornou as expressões “alcançar o mundo vindouro” e “a ressurreição dentre os mortos” equivalentes é muito questionável. Hughes sugere que nada no contexto indica que Jesus estava falando de uma ressurreição física. Na realidade, o assunto foi levantado pelos saduceus (que negavam uma ressurreição do corpo), e a resposta que Jesus lhes deu evidentemente visava a refutar essa heresia em particular. Provavelmente foi essa a compreensão que os ouvintes de Jesus tiveram de suas palavras. Outro problema de Hughes é a falta de quaisquer critérios claros em determinar quando uma referência à ressurreição é física e quando é espiritual. Na falta de tais critérios, é possível que todas as referências à ressurreição na Bíblia sejam espirituais. Se esse for o caso, Hughes talvez tenha destruído a doutrina da futura ressurreição física, o que, presumi­ velmente, não quis fazer.

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Outra dificuldade ainda é a sugestão de Hughes de que “os restantes dos mortos”, que não viveram até o fim dos mil anos, não vivem. Ele acredita que a declaração “os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos” é o equivalente a dizer: “a segunda morte teve poder sobre os restantes dos mortos durantes os mil anos”, ao que acrescentou: “e aqueles sobre os quais a segunda morte tem poder nunca são libertos do seu poder”. Essa última declaração naturalmente é verdadeira se a segunda morte se refere à morte espiritual. E necessário estabelecer, porém, que “não viveram” (v. 5) se refere à segunda morte, e não à primeira. E verdade que se diz que a segunda morte não tem poder sobre os que participam da primeira ressurreição, mas é possível que a primeira morte tampouco tenha semelhante poder. Se não tem, então podemos compreender que a declaração “Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos” tem um significado mais natural do que “os restantes dos mortos reviveram depois dos mil anos”.

Capítulo 5

Pré-milenismo

I o Pré-milenismo temos uma perspectiva bastante popular, I li especialmente nos círculos evangélicos ou conservadores. De certa forma, essa concepção é clara, definida, simples e direta. A silhueta de seus aspectos principais é facilmente visualizada. Entre­ tanto, por haver duas vertentes distintas de pré-milenismo, às vezes é difícil determinar quais são os aspectos gerais do pré-milenismo e quais são os aspectos específicos dos dois subtipos. Nos capítulos posteriores, essas duas vertentes serão expostas em detalhes. Nesse momento, porém, observaremos os aspectos gerais do prémilenismo e analisaremos brevemente os pontos de divergência entre as duas vertentes. Panorama do pré-milenismo

O primeiro aspecto importante do sistema pré-milenista é o estabelecimento de um reino terreno de Cristo na ocasião de sua Segunda Vinda. Em comum com o pós-milenismo, o pré-milenismo afirma que haverá um período em que a vontade de Deus será feita na terra, um período em que o reino de Cristo será uma realidade

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entre os homens.1 Esse reino implica a existência de perfeita paz, retidão e justiça entre os homens. Alguns pré-milenistas consideram que o período é literalmente de mil anos. Outros são menos literais, considerando-o apenas como um período extenso de tempo. O fator essencial, no entanto, é que esse reino será na terra, e Jesus Cristo estará fisicamente presente. De acordo com a concepção pós-milenista, o reino de Deus será na terra, mas Cristo não terá voltado fisicamente. Além disso, a realidade desse milênio terreno não se dará por meio de um processo de crescimento ou desenvolvimento gradativos. Ao contrário, será inaugurado pela Segunda Vinda, de modo surpreendente ou cataclísmico. Enquanto os pós-milenistas enten­ dem que o milênio esperado pode começar de forma tão gradual, sem que se perceba de fato seu início, os pré-milenistas entendem que não haverá dúvidas quanto ao início do milênio. A volta de Cristo será semelhante à sua partida — surpreendente e visível, facilmente observável por qualquer pessoa e, como conseqüência, inconfundível.2 O milênio não será meramente uma extensão e aperfeiçoa­ mento de tendências já presentes na terra. Ele não será levado a efeito nem pela engenhosidade humana nem pela melhoria social. Na realidade, será precedido por uma deterioração, e não uma melhoria das condições espirituais, como também sociais.3 Os prémilenistas aplicam a declaração de Cristo em Mateus 24.12 sobre o esfriamento da fé dos homens ao período de tempo imediatamente precedente à Segunda Vinda. As condições serão transformadas de modo sobrenatural, e Deus usará seu próprio poder, em vez de meios humanos, para realizar seus propósitos. 1 George E. Ladd, The Revelation o f Chrisú Glory, p. 14; John F. Walvoord, Dispensational Premillennialism, p. 11. 2 Ernest F. Kevan, Millennium, p. 352. ’ Ibid.

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Os pré-milenistas acreditam que uma “grande tribulação” imediatamente precederá o milênio e que isso, na realidade, inten­ sificará os efeitos do milênio. Será um período de intensa angústia, verdadeiramente diferente de qualquer coisa que tenha acontecido na terra. Poderá incluir fenômenos cósmicos, perseguição e grande sofrimento. Os pré-milenistas diferem se a Igreja de Jesus Cristo estará presente na terra durante a tribulação ou se Deus a removerá da terra imediatamente antes da grande tribulação. Essas duas posi­ ções, conhecidas respectivamente como pós-tribulacionismo e prétribulacionismo, receberão mais atenção adiante. A Segunda Vinda de Cristo trará Satanás e seus ajudadores sob controle, prendendo-os por mil anos. Sem isso, naturalmente, as condições previstas para o milênio seriam impossíveis. No entan­ to, perto do fim do milênio, Satanás será solto por um breve tempo e se empreenderá numa luta final desesperada. Depois, ele e seus demônios serão completamente derrotados e lançados no lago de fogo preparado para eles.4 As duas ressurreições em Apocalipse 20.4-6 devem ser distinguidas com base em seus participantes, não com base em sua natureza, como ocorre nas correntes amilenista e pós-milenista. Ambas as ressurreições, não apenas a segunda (conforme a maioria amilenista acredita) são físicas ou corpóreas. Entretanto, somente os crentes estão envolvidos na primeira ressurreição. Quanto ao restante da raça humana, os não cristãos, não são ressuscitados até o fim do milênio. Uma razão para dividir a ressurreição é que todos os crentes reinarão com Cristo durante o milênio, os que estiverem vivos quando Cristo voltar e os que morreram em fé. A ressurreição dos não cristãos serve apenas para levá-los ao julgamento. 4 Charles L. Feinberg, Premillennialism or amillennialismiPhe Premillennial and Amillenial Systems of Interpretation Analyzed and Compared, p. 134-155.

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Embora os dois grupos de pré-milenistas concordem quanto aos aspectos enumerados acima, discordam em certos pontos. O ponto mais importante é a relação da Igreja com a tribulação. O prétribulacionista acredita que a igreja será “arrebatada” ou removida da terra antes da grande tribulação.5 O pós-tribulacionista acredita que a igreja permanecerá na terra durante a tribulação, embora talvez seja protegida de alguns dos aspectos mais severos da tribulação.6 Um aspecto relacionado em particular é a natureza da Segunda Vinda. O pós-tribulacionismo a vê como uma vinda única ao final da tribulação. Para o pré-tribulacionismo, ela se dá em duas etapas ou fases — uma “vinda para” a Igreja no começo da tribulação, retirando-a do mundo, e uma “vinda com” os santos no final da tribulação. Outras diferenças são mais sutis. Uma é questão de atitude. O pré-tribulacionista geralmente se interessa mais pela Segunda Vinda e por sua cronologia do que o pós-tribulacionista. Nesse aspecto, o pós-tribulacionista é mais semelhante ao amilenista do que ao prémilenista pré-tribulacionista. Há, também, um pouco de diferença de gênio entre os dois. Os pré-tribulacionistas, que geralmente são dispensacionalistas, frequentemente têm um tom mais judaico em seu milênio, em sua escatologia e em toda a sua teologia do que os pós-tribulacionistas. História do pré-milenismo

A visão que hoje chamamos de “pré-milenismo” tem uma longa história, cujas raízes estão na igreja primitiva. E provável que tenha sido a crença dominante durante o período apostólico, quando os cristãos acreditavam fortemente no fim iminente do mundo e na 5John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 69-73. 6 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 89ss.

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parúsia de Jesus Cristo. Esperavam uma transformação cataclísmica, não uma chegada gradativa e progressiva do reino. Essa esperança era extremamente intensa em certas ocasiões.7 No período pósapostólico, a esperança escatológica ainda era forte, mas a volta do Senhor era considerada um pouco mais distante. Houve uma certa decepção quando a volta esperada logo no começo não se concretizou; mas isso não desanimou, de forma especial, a fé desses cristãos. Justino Mártir (100-165), o apologista, é um exemplo desse período.8 Considerava a crença na ressurreição indispensável à fé cristã. Os que não cressem dessa forma não tinham o direito de serem chamados cristãos. Ele observou duas subclasses de cristãos: os que esperam um reino terreno de Cristo, centralizado numa nova [erusalém, localizada no local topográfico da antiga Jerusalém; e os que não esperam milênio algum. Considerava que os primeiros eram ortodoxos e que os últimos tinham falhas em sua fé. Justino aplicava todas as profecias do Antigo Testamento acerca da glória futura do povo escolhido ao reino intermediário de Cristo, e não à consumação final. Além disso, interpretava essas profecias de modo literal. Essa visão, conhecida como quiliasmo, destaca-se nos escritos teológicos de Justino, mas não é mencionada em seus escritos apologéticos. A razão talvez tenha sido que a crença numa vida abençoada após a morte não complicaria o relacionamento entre o cristianismo e o estado, ao passo que a ideia de uma teocracia terrena, embora deva ser estabelecida sem o uso da força, seria uma ameça muito maior à autoridade civil. Pela mesma razão, o silêncio de outros apologistas — como Teófilo, Atenágoras e Taciano — quanto à questão do milênio, não deve ser considerado relevante. 7 A. J. Visser, A Bird’s-Eye Vietv ofAncient Christian Eschatology, p. 6-7. 8 Ibid., p. 8-9.

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Ireneu (130-200) definitivamente também era um prémilenista. Foi mais direto do que Justino em sua crítica e refutação àqueles que não aceitavam essa posição.9 Além disso, tinha um fundamento lógico mais definido para o milênio. O primeiro é que o aperfeiçoamento dos crentes ocorre em conexão com a visão de Deus. O reino milenar de Cristo, que ocorre entre a condição do homem aqui e agora e a felicidade eterna suprema, treina o homem para essa visão. O segundo é que a vitória de Cristo seria incompleta se fosse apenas no do mundo por vir. E necessário que este mundo também cumpra os desígnios de Deus. A vitória do Senhor deve ser celebrada no tempo antes de ele reinar na eternidade. Boa parte do milenismo desse período primitivo da igreja tinha um sabor bastante sensorial. As glórias do milênio seriam versões ampliadas das bênçãos da vida presente. Em grande medida, esses conceitos eram extraídos de ideias escatológicas judaicas. A terra seria renovada e Jerusalém, reedificada e glorificada. Os homens seriam perfeitamente justos e felizes. Não haveria tristeza nem trabalho árduo. A lua teria o brilho que o sol tem agora, e o sol teria sete vezes seu brilho atual. A terra produziria com abundância, e uma mesa teria sempre comida em fartura.10 Alguns acreditavam que o tempo duraria seis mil anos, em correspondência aos seis dias da criação. Esses homens (Ireneu, Hipólito, Lactâncio e outros), seguindo a Epístola de Barnabé, acreditavam que a primeira vinda de Cristo ocorrera dentro do sexto período de mil anos e que a Segunda Vinda ocorreria no término desse período. O sétimo período de mil anos, o milênio, corres­ ponderia então ao dia do descanso. Isso significava que a Segunda 9 Ibid., p . 9-11. 10 Ibid., p. 10-11; W. Adams Brown, Millennium, p. 372; J. A. MacCulloch, Eschatology, p. 387-388.

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Vinda não poderia ser mais distante do que mil anos. Isso levou a tentativas de calcular a data da Segunda Vinda. Alguns concluíram do Livro de Daniel que o ano 204 a. C. traria o fim do mundo. Lactâncio pensava que seria o ano 200. Outra ideia, baseada na esperada duração do Império Romano, era que o fim do mundo viria em 195. Hipólito baseou seus cálculos nas proporções da arca e determinou que aconteceria em cerca de 500. Os montanistas também eram milenistas, mas esperavam a Segunda Vinda, e com ela o milênio, a qualquer momento.11 A oposição a esse quiliasmo surgiu bem cedo, especialmente no Oriente. Os excessos do montanismo ajudaram a desacreditá-lo e a rotulá-lo como judaico na sua origem e em seu caráter, em vez de cristão. Essa rejeição se devia, pelo menos parcialmente, ao fato de as ideias dos quiliastas acerca do milênio serem tão realistas (materialista) e consistentes. Esse fato certamente ajudou a repelir os cristãos com inclinações mais intelectuais, como os da escola alexandrina — Clemente, Orígenes e Dionísio — que lideravam a oposição ao quiliasmo. Orígenes, que tinha uma tendência a espiri­ tualizar conceitos, se opôs vigorosamente aos quiliastas. Às vezes a controvérsia era severa; a igreja egípcia quase se dividiu por causa dessa questão. O que finalmente prevaleceu no Oriente foi um conceito espiritual moderado, não tão extremo como o de Orígenes, mas sem deixar lugar para o quiliasmo.12 No Ocidente, o quiliasmo permaneceu bastante forte por um período considerável. Embora nunca fosse universalmente aceito, foi uma força dominante até a época de Agostinho e ainda mais tarde. Nunca desapareceu completamente. Lactâncio (250-320), um crente sofisticado e culto, era um quiliasta, mas rejeitava alguns dos aspectos 11 [.A. MacCulloch, Eschatology, p. 388. 1- A. J. Visser, Ancient Christian Eschatology, p. 15-19.

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mais gritantes do quiliasmo, como a ideia de Nero voltando da morte para ser o Anticristo. A reinterpretação do Apocalipse por Agostinho, referida anteriormente, revelou-se o fator principal do declínio do quiliasmo no Ocidente. Antes de chegar à sua nova visão, o próprio Agostinho tinha sido milenista anteriormente. Embora Agostinho considerasse o milênio cumprido na era da igreja, tinha muita tole­ rância com visões diferentes que não fossem tão gritantes e carnais. O milênio não era um ponto central e indispensável da doutrina.13 Durante a Idade Média, algumas seitas místicas reviveram e conservaram vivo o pré-milenismo. Na maioria dos casos, porém, a visão agostiniana prevaleceu. Algumas vezes, o pré-milenismo era tolerado, em outras, era considerado herético. De qualquer maneira, era muito raro.14 Durante a Reforma, tanto os grupos luteranos como os refor­ mados, na maioria, seguiram Agostinho. O segmento radical da Reforma, os anabatistas, perpetuaram, no entanto, a expectativa do reino de Cristo na terra. Mas, por causa de algumas outras crenças um pouco extremistas, o pré-milenismo dos anabatistas tendia a ser desconsiderado pelas correntes principais do cristianismo.15 E dentro dos círculos conservadores, e especialmente nos segmentos não reformados, que o pré-milenismo tem experimen­ tado um grande crescimento durante aproximadamente os últimos cem anos. Os liberais eram quase universalmente pós-milenistas (embora o inverso não fosse verdade de modo algum), e muitos conservadores consideravam suspeita qualquer coisa associada ao liberalismo. Aproximadamente nesse período, surgiu a vertente dispensacionalista do pré-milenismo. Tendo sido propagada espe­ 13 Ibid., p. 19-21. 14 W. Adams Brown, Millennium, p. 372-373. 15 Clarence Beckwith, Millennium, p. 376.

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cialmente pela Bíblia de Estudo Scofieíd e pelos institutos bíblicos, a popularidade dessa vertente aumentou rapidamente. O prémilenismo, especialmente nessa forma, é muito popular hoje nos movimentos batistas conservadores e é quase universalmente aceito entre as igrejas independentes e fundamentalistas. Doutrinas do pré-milenismo As duas ressurreições

O pré-milenista é categórico em afirmar que as duas ressurreições mencionadas em Apocalipse 20.4-6 são de natureza física. Por essa visão ser uma peça fundamental da posição pré-milenista, merece exame cuidadoso. Como pano de fundo para o entendimento dessa passagem específica — e, na realidade, de todo o livro de Apocalipse — , é apropriado fazer aqui uma explicação a respeito da hermenêutica usada na interpretação do texto. O pré-milenista adota uma hermenêutica relativamente literalista na interpretação da Escritura, especialmente do Apocalipse. Isso significa que as palavras são sempre entendidas de forma literal, com exceção dos casos em que esse tipo de interpretação seria considerada absurda. Além disso, os pré-milenistas têm uma forte tendência a uma interpretação futurista do Apocalipse, ao invés de uma interpretação preterista, histórica ou idealista. A interpretação preterista considera que os acontecimentos do livro tenham ocorrido quando o livro foi escrito. A interpretação histórica considera que esses acontecimentos eram futuros quando o livro foi escrito, mas que ocorriam no decurso da história da igreja. A interpretação idealista ou simbólica elimina a historicidade desses acontecimentos, tornando-os puramente símbolos de verdades atemporais em seu caráter. A interpretação futurista considera que esses acontecimentos ocorrem sobretudo

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no tempo do fim. O pré-milenismo dispensacionalista segue quase que exclusivamente o método futurista de interpretação. O prémilenismo histórico, no entanto, representado por escritores como George E. Ladd e G. R. Beaslev-Murray, combina as visões futu­ rista e preterista, sustentando que o livro necessariamente tinha uma mensagem para a própria época de João e que representa a consu­ mação da história da redenção. Defensores das duas posições acre­ ditam que, pelo menos parcialmente, compreender a mensagem de Apocalipse é entender os acontecimentos ainda por vir. Em seu livro Crucial Questions About the Kingdom o f God [Questões cruciais acerca do reino de Deus], como também em vários artigos, Ladd talvez tenha feito a defesa mais exaustiva e enfática da visão de que há duas ressurreições físicas. Utilizou várias linhas de argumentação, mas, a princípio, recorreu às exegéticas. Ele considera que a interpretação de Apocalipse 20 pode ser reduzida a ou depende de uma única pergunta: “As duas ressurreições nos versículos 4 e 5 são físicas?”. A primeira ressurreição é literal, uma ressurreição do corpo, ou espiritual, uma ressurreição da alma? A resposta reside da devida interpretação do termo ezésan no versículo 4. A primeira ressurreição abrange dois grupos: os apóstolos e os santos aos quais foi prometido poder para julgar e reinar (Mt 19.28; ICo 6.3), e os mártires. Há várias razões pelas quais essa primeira ressurreição não pode ser outra coisa a não ser uma ressurreição literal, corpórea. 1. A interpretação que interpreta essas palavras como se fos uma referência à condição dos mártires depois da morte é bastante supérflua. Nenhum cristão precisava da garantia de que o martírio destrói o corpo e não a alma. Jesus deixara muito claro em Mateus 10.28 que somente Deus pode ferir a alma.lfl 16 George E. Ladd, Revelation 20, p. 169.

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2. É verdade que os termos morte e vida se empregam tanto para existência espiritual quanto para a existência física. Logo, é possível em princípio que a ressurreição seja espiritual, pois, quando os termos são empregados em relação a morte e vida espirituais, sempre há algum indício no contexto que indique isso. Nada no contexto sugere essa interpretação.17 Por serem ambas, a primeira e a segunda ressurreição, descritas com terminologia idêntica, ezêsan,m e por nenhum adjetivo ou advérbio, nem qualquer outra coisa indicar que as duas ressurreições são diferentes quanto ao tipo, a tentativa de interpretá-las de forma diferente é puramente arbitrária. Como Henry Alford colocou: Se, num a passagem em que se m encionam duas ressurreições, em que certas almas viveram na prim eira e os restantes dos mortos reviveram som ente no fim de um período específico depois da prim eira [...] se, em sem elhante passagem, a prim eira ressurreição pode ser entendida com o um levantar-se espiritual com Cristo, ao passo que a segunda significa um levantar-se literal da sepultura [...] então cessa toda a relevância de linguagem , e a Escritura é aniquilada como testem unha definitiva de coisa algum a.19

Beasley-Murray argumentava, não com menor vigor, que interpretar “viveram” (v. 4) como um tipo inteiramente diferente de ressurreição é atribuir confusão e “pensamento caótico” ao autor, que supostamente tinha em mente dois tipos diferentes de ressurreição, mas que não deu indicação alguma de uma mudança de referência.20 17 George E. Ladd, Crucial Questions About the Kingdom ofGod, p. 146. 18 Ibid., p. 143-4. 19 The New Testament for English Readers, 2 v., 1863-1866; ed. Reimpressa (2 v. em 1), Chicago, Moody, p. 1928-1929. 20 G. R. Beasley-Murray, The Revelation, p. 1306.

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A descrição das duas ressurreições, notou Ladd, é completa­ mente paralela. O verbo ezêsan significa, em outros trechos, “ressurreição física” (Ap 2.8; 13.14; Ez 37.10). Se significa ressur­ reição física no versículo 5, deve significar o mesmo no versículo 4b ou “perdemos o controle da exegese”.21 Visto que o contexto não oferece base alguma para distinção entre as duas, não devemos fazê-lo a menos que encontremos ensinos no restante da Escritura que exijam tal distinção. No entanto, não existem tais ensinos. A ausência de referências de um modo ou de outro é essencialmente um argumento negativo. Se não há evidência bíblica adicional sobre esse assunto, então devemos interpretar as duas ocorrências de ezêsan de modo semelhante.22 Além disso, devemos notar que aqueles que participam da segunda ressurreição aparentemente não estavam envolvidos na primeira. Estes são “os restantes” (hoi loipoi), aqueles que ficam ou que não participaram da primeira ressurreição. Embora haja certa ambigüidade a respeito da expressão, não parece excluir o último grupo do primeiro.23 Além dessa passagem, segundo Ladd, há outras passagens que parecem dar indícios de mais de uma ressurreição. Filipenses 3.11 fala da eksnastasin tê ek nekrõn, literalmente: “a ressurreição para fora, dentre os mortos”, um significado geralmente perdido nas interpretações, traduzido por algo como: “a ressurreição dentre os mortos”. Parece que Paulo, nesse texto, estava aspirando por uma ressurreição que, de fato, resultaria numa separação dentre outras pessoas mortas. Lucas 14.14 se refere a uma ressurreição dos justos, o que evidentemente subentende uma distinção da ressurreição em 21 George E. Ladd, Revelation 20, p. 169. 22 George E. Ladd, The Kingdom o f God, p. 169ss. 23 Ibid., p. 148-149.

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geral. Lucas 20.35 fala de uma ressurreição dentre os mortos, com significado semelhante a Filipenses 3.11, exceto pelo fato de que essa não é uma “ressurreição para fora”. Ladd disse que ICoríntios 15.23 e lTessalonicenses 4.16 também dão indícios de uma ressurreição parcial, e Daniel 12.2 e João 5.29 sugerem uma ressurreição em duas etapas.24 Ladd também argumentou em prol do milênio na área teoló­ gica. Embora alguns críticos do pré-milenismo tenham argu­ mentado que um milênio seja algo supérfluo, Ladd afirmou que ele desempenha um papel específico e integral no plano de Deus. E mais uma etapa no propósito redentor de Deus em Cristo. Durante sua vida na terra, Cristo experimentou o estado de humilhação em etapas progressivas. Depois de sua ressurreição e ascensão, reassumiu o poder e a glória que eram suas, reinando à direita do Pai. Contudo, seu reino de triunfo ainda não é aparente. Para ser plenamente exercido e demonstrado, deve tornar-se público em poder e glória. Ladd acredita ser necessário que essa manifestação da glória e da soberania de Cristo aconteça na terra. Esse é o propósito do milênio. Ladd discerniu três etapas no triunfo de Cristo sobre a morte, conforme a descrição em ICoríntios 15.23-26: a ressurreição, a Segunda Vinda (a parúsia) e o fim (o telos).25 O intervalo entre a ressurreição e a parúsia é a era da igreja; o intervalo entre a parúsia e o telos — sem o qual os dois poderiam ser encaixados num só acontecimento — é o milênio. A primeira dessas eras é a do reino oculto do Filho; a segunda é a era do seu reino manifesto.26 Para o pré-milenista dispensacionalista, há ainda outro argumento a favor do milênio: o grande número de profecias, especialmente no 24 Ibid., p. 183. Cf. Feinberg, Premilknnialism or Amillenialism?, p. 229-235. 25 George E. Ladd, Revelation 20, p. 171. 26 George E. Ladd, The Revelation ofChrisú Glory, p. 14.

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Antigo Testamento, ainda não cumpridas. O dispensacionalista acredita que nenhuma profecia do Antigo Testamento seja cumprida na era da igreja, e que algumas dessas profecias são de tal natureza que devem ocorrer na terra. Deve haver, portanto, algum período ou interlúdio na terra em que essas profecias possam ser cumpridas, a saber, um milênio terrestre. Nessas profecias, muitos detalhes do reino milenar de Cristo são extraídos.27 A natureza do milênio

Embora haja variações, há certos elementos comuns em todos os pontos de vista pré-milenistas do milênio. O primeiro obviamente diz respeito ao controle absoluto de Jesus Cristo durante esse período. As forças principais que se opunham a ele e ao seu domínio no intervalo entre ascensão e Segunda Vinda terão sido efetivamente eliminadas. Satanás terá sido preso, e o Anticristo (a Besta) e o Falso Profeta terão sido destruídos por Cristo na Segunda Vinda. Por conseqüência, todos os que estiverem vivos durante esse período se submeterão ao domínio do Messias. Todo joelho se dobrará, conforme a expressão de Paulo em Filipenses 2.10-1 l.2íf Será um período de domínio em justiça. O padrão de vida concebido no Sermão da Montanha se tornará uma realidade. A preocupação não será meramente com aquilo que uma pessoa faz — suas ações externas — mas com aquilo que é — seus pensamentos e intenções. Cristo reinará com justiça sobre seus súditos.29 Esse reino de Cristo terá dimensão política, promovendo a paz no mundo. Esse fato, por si mesmo, demarcará o milênio como 27 John F. Walvoord, Dispensational Premillennialism, p. 13. 28 Charles L. Feinberg, Premillennialism or Amillennialism?, p. 142-143; George E. Ladd, The Reve-lation ofChrists Glory, p. 168. 28 George E. Ladd, The Kingdom ofGod, p. 126.

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claramente distinto do restante da história. Durante o período registrado da história humana, a paz mundial tem prevalecido cerca de um ano em quinze. Algumas guerras têm sido grandes conflitos globais; outras têm tido um alcance muito mais limitado. Raras vezes, no entanto, tem havido paz universal genuína. No entanto, quando vier o Príncipe da Paz, a paz prevalecerá. Em linguagem profética, “converterão as suas espadas em lâminas de arado, e as suas lanças, em foices; uma nação não levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra” (Is 2.4; Mq 4.3). Não se i ratará de détente ou de mera ausência de hostilidades externas, mas de harmonia genuína.30 Haverá também harmonia na criação. A maldição pronunciada sobre o homem em conseqüência da queda também afetou o restante tia criação. A natureza é retratada como quem “geme e agoniza”, espe­ rando sua redenção e libertação (Rm 8.22,23). Isso se tornará realidade na volta de Cristo. No milênio cessarão as hostilidades entre as criaturas (Is 11.8,9; 65.25). O homem não precisará temer qualquer criatura. As forças destrutivas da natureza, como tempestades, terremotos e vulcões serão aquietadas. O quadro de Jesus acalmando o mar ao repreender a tempestade (Mt 8.26) é uma antecipação daquilo que ocorrerá mais plenamente na ocasião do milênio.31 Além disso, os santos reinarão com Cristo. Em Apocalipse 20, os que são ressuscitados na primeira ressurreição reinam com Cristo durante o milênio. A natureza exata do seu domínio não é declarada (i.e., os súditos, o grau de controle e os aspectos da vida e do compor­ tamento envolvidos). Parece, no entanto, que uma recompensa pela fidelidade dos santos será compartilhar ou participar daquilo que Jesus Cristo faz. 10 Charles L. Feinberg, Premillennialism or Amillennialism?, p. 145-146. 51 Ibid., p. 147; Loraine Boettner, The Millennium, p. 290-291.

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Conceitos milenístas

Israel no milênio

Finalmente, os pré-milenistas veem uma condição especial para Israel durante o milênio, embora discordem entre si quanto à natureza exata dessa condição. De um lado, os pré-milenistas dispensacionalistas sustentam que haverá praticamente uma restauração da economia do Antigo Testamento. Segundo essa visão, Deus apenas se voltou tempora­ riamente de seus tratos primordiais com a nação de Israel para tratar com a Igreja ou Israel espiritual. Deus se voltou contra ele porque Israel rejeitou a oferta do reino que Cristo lhe fez. Entretanto, quando Deus cumprir seu propósito em relação à Igreja, ele reassu­ mirá o relacionamento com Israel. No milênio, Israel será restaurado à terra da Palestina. Jesus literalmente se assentará sobre o trono de Davi e de Jerusalém, e reinará sobre o mundo. Serão restaurados o culto no templo e a ordem sacerdotal do Antigo Testamento, inclu­ sive o sistema sacrificial. No milênio, enquadra-se o cumprimento de praticamente todas as profecias do Antigo Testamento não cumpridas até o tempo de Cristo ou, pelo menos, até o Pentecoste.32 Por outro lado, um pré-milenista histórico como Ladd dá uma ênfase consideravelmente menor à nação de Israel do que os dispen­ sacionalistas. Acredita que a Igreja se tornou o Israel espiritual e que muitas das profecias e promessas que dizem respeito a Israel são agora cumpridas na Igreja. O sistema sacrificial do Antigo Testa­ mento passou para sempre, porque Cristo, a realidade, já veio. Ainda assim, acredita que o Israel literal ou nacional ainda será salvo, baseando esse conceito primariamente em Romanos 11.15-16. No futuro, Israel se voltará para Cristo e será salvo. Não que cada israelita 32 Charles L. Feinberg, Premillennialism or Amillennialism?, p. 146; John F. Walvoord, The Mille-nial Kingdom, p. 302.

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será convertido, mas a nação como um todo o será. Por intermédio de Israel, Deus abençoará o mundo inteiro e, como se presume, isso ocorrerá durante o milênio.33 Avaliação do pré-milenismo

l ,m nossa avaliação do pré-milenismo, não levaremos em conta as críticas que se aplicam apenas a uma ou outra vertente do pré-mile­ nismo e nos concentraremos nos aspectos comuns ao pré-milenismo em geral. Aspectos positivos

No lado positivo, os pré-milenistas têm revelado mais seriedade escatológica do que muitos representantes de sistemas competitivos. Sem dúvida, algumas vezes levam isso a pontos extremos, demons­ trando um interesse excessivo nas coisas futuras e fazendo especu­ lações indevidas acerca de detalhes que nunca poderemos resolver com os dados atualmente disponíveis. Mesmo assim, a Bíblia realmente coloca grande ênfase na era do porvir, e os pré-milenistas certamente não negligenciaram essa ênfase. Além disso, os pré-milenistas têm levado a sério a exegese. Talvez o exame mais minucioso dos textos bíblicos relevantes, e especialmente do Livro de Apocalipse, é feito por pré-milenistas. Ialvez isso se possa atribuir à sua abordagem mais literal de interpre­ tação dos escritos proféticos, o que tende a nos deixar mais otimistas quanto à possibilidade de determinar o significado desses escritos. Se acreditamos que as Escrituras são autoridade, devemos considerar 35 George E. Ladd, Israel and the Church, p. 206-213.

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essa exegese intensiva (seja qual for a razão dela) com um valor muito positivo. Finalmente, parece que a interpretação pré-milenista dos ver­ sículos cruciais em Apocalipse 20 é mais adequada e levanta menos dificuldades do que as interpretações alternativas. Aspectos negativos

Por outro lado, há problemas vinculados com o esquema prémilenista, e estes devem ser examinados também com cuidado. Uma das objeções é a raridade das referências bíblicas ao mi­ lênio. E explicitamente referido somente em Apocalipse 20. Certa­ mente, se essa doutrina fosse tão importante quanto alegam os pré-milenistas, deveria ser mencionada mais do que uma só vez em toda a Escritura. Os pré-milenistas respondem que numerosas outras passagens — muitas delas sendo profecias — se referem ao milênio. Mesmo assim, por si só, não são suficientemente claras ou livres de ambigüidade para nos levar a crer num milênio. Jesus tinha muito a dizer acerca das últimas coisas: muitas de suas parábolas se relacionavam a esse assunto; e um discurso inteiro, Mateus 24— 25, foi dedicado aos tempos do fim. Mas certamente nunca predisse um reino terreno de mil anos, nem sequer predisse quaisquer acontecimentos que requeiram semelhante período para serem cumpridos. De modo semelhante, quando Paulo tratou da Segunda Vinda, não mencionou qualquer reino terreno. Alguns, portanto, acham melhor entender a referência isolada ao milênio de alguma outra forma, que não seja um período terreno literal de mil anos. Outra objeção é o modo relativamente literal de os pré-mile­ nistas interpretarem as profecias do Antigo Testamento. Os dispensacionalistas, naturalmente, aplicam essa hermenêutica de modo mais rigoroso e radical que os pré-milenistas históricos. Por conseqüência, os dispensacionalistas insistem em que as profecias a respeito de Israel

Pré-milenismo

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devam ser cumpridas pelo Israel literal e nacional, ao passo que os pré-milenistas históricos entendem que pelo menos algumas dessas profecias são cumpridas pela Igreja ou Israel espiritual. Visto que as profecias já cumpridas aconteceram de modo bastante literal, o prémilenista tende a argumentar que as profecias ainda não cumpridas o serão da mesma maneira. Ele rejeita as tentativas de alegorizar a profecia. No entanto, algumas profecias cumpridas não aconteceram de modo tão literal, conforme indicou Louis Berkhof.34 A predição de que Elias precederia a vinda do Messias foi cumprida por João Batista, não pela personagem literal e real do Antigo Testamento. Pedro afirmou que a promessa feita a Davi de que o Cristo ressurreto se sentaria em seu trono foi cumprida quando Jesus foi ressurreto dentre os mortos e exaltado à destra de Deus (At 2.29-36). A Igreja em oração viu na prisão de Pedro e João um cumprimento do Salmo 2, que retrata os reis e soberanos em oposição ao Rei que Deus colocara no seu santo monte de Sião (At 4.21-28). No grande concilio de Jerusalém, Tiago declarou que Amós, ao falar da restauração do tabernáculo caído de Davi, se referia ao estabelecimento espiritual do reino e à inclusão dos gentios (At 15.13-18). Outras passagens que parecem tratar o cumprimento profético de modo semelhante são Mateus 2.16-18, Atos 2.14-21 e Gálatas 4.27. Algumas vezes, os pré-milenistas dizem que profecias como essas podem ter um cumprimento literal e espiritual. Dessa forma, por exemplo, Atos 15 está dizendo que Deus primeiramente reunirá os gentios e depois estabelecerá o reino davídico. Tais interpretações, porém, indicam uma fraqueza na abordagem pré-milenista às Escrituras proféticas. Outro problema é que um milênio terreno é teologicamente supérfluo, questão essa levantada especialmente pelos amilenistas. 34 Louis Berkhof. The Kingdom o f God: The Development of the Idea of the Kingdom, especially since the eighteenth century, p. 165.

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Por que deveria haver um reino terreno de Cristo? Por que não devemos avançar diretamente da Segunda Vinda de Cristo para o julgamento e depois para o estado final do destino dos justos e dos injustos? Até mesmo o argumento de Ladd de que deve haver um reino terreno para demonstrar a supremacia de Cristo não é con­ vincente, pois a supremacia de Cristo não poderia também ser demonstrada pelo estabelecimento de um reino espiritual eterno? Especialmente tendo em vista a carência de referências textuais, o milênio parece dispensável. Além disso, de alguma forma, o modo como o reino será esta­ belecido parece entrar em conflito com outros conceitos bíblicos. Segundo o ensino pré-milenista, o reino será inaugurado por uma demonstração dramática e poderosa do poder do Senhor, executando julgamento sobre o mundo e estabelecendo seu reino pela vara de ferro. Isso, no entanto, parece contradizer com a maneira como Deus age agora, através da operação silenciosa, interna e invisível do Espírito Santo, transformando o interior do coração dos homens. Na realidade, Jesus disse que seu reino não é deste mundo e que, se fosse, seus servos lutariam (Jo 18.36). Mesmo assim, o pré-milenismo vê Cristo reinando com uma vara de ferro. Não somente a cronologia, mas também o próprio meio de estabelecer o reino no conceito prémilenista parece diferente do conceito que Jesus dá em João 18. Finalmente, a tendência do pré-milenismo (especialmente do dispensacionalismo) de dar ao milênio um sabor judaico tem sido criticada há séculos, visto que dois críticos antigos foram Caio de Roma (c. 200) e Orígenes. O pré-milenista deve tomar cuidado para evitar que o Israel literal retenha um lugar de tanta relevância no plano e programa de Deus a ponto de praticamente substituir a Igreja como objeto primário da operação de Deus. Deve também acautelar-se de interpretar o Novo Testamento pelo Antigo, anu­ lando assim a revelação progressiva.

parte 3

Conceitos tribulacionistas

Capítulo 6

Dispensacionalismo

;■i ntes de examinarmos as várias visões tribulacionistas, precisamos mexaminar o sistema teológico e hermenêutico conhecido como dispensacionalismo. Embora alguns dispensacionalistas e prétribulacionistas possam ser um a extensão do outro, não há uma correlação exata entre ambos. No entanto, por compreender uma hermenêutica particular, o dispensacionalismo exerce uma forte influência sobre as conclusões milenistas e tribulacionistas. Além disso, devido à sua ascensão ter sido bastante paralela à do fundamentalismo, essa corrente tem exercido uma forte influência na teologia fundamentalista, mas não ao ponto de haver identificação entre os dois, como alguns comentaristas têm feito.1Por ser a única lonte mais sólida de ensino sobre profecia e escatologia, apresentou a vários cristãos um modo particular de interpretar a Bíblia. Panorama do dispensacionalismo

Antes de fazer um exame mais detalhado, devemos definir o dispensacionalismo e analisar os aspectos gerais desse sistema. Até 1Ernest Robert Sandeen. The Origins ofFundamentalism\ toward a historical interpretation. Philadelphia, Fortress, 1968.

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certo ponto, procuraremos também anular alguns falsos conceitos e até mesmo caricaturas do dispensacionalismo que algumas vezes são sustentadas. Primeiramente, há a crença de que há várias dispensações, palavra esta que Charles C. Ryrie definiu como “uma economia distin­ guível da realização do propósito de Deus”.2 É uma mordomia da luz de Deus, um passo na revelação da verdade de Deus. Quem poderia negar que, na ocasião do chamado de Abraão ou do chamado de Moisés (o incidente da sarça ardente), houve um derramamento genuinamente novo de revelação? E o mesmo caso da vinda de Cristo e do Pentecoste. Esses acontecimentos lançaram nova luz ao desenvolvimento do plano divino, e isso resultou em mudança de relacionamento entre Deus e seu povo. Importante, também, é o conceito dispensacionalista da salva­ ção.3 A salvação é mediante a fé. Sempre foi assim e sempre será, pois não há qualquer outro meio de salvação. Alguns críticos do dispensacionalismo têm suscitado uma crença em novos meios ou canais de salvação. Mais corretamente, no entanto, os dispensacionalistas dizem que, embora nova luz tenha sido lançada sobre o relacionamento entre Deus e o homem, nunca foi instituído qual­ quer novo meio de entrar nesse relacionamento. Embora alguns ultradispensacionalistas talvez tenham crido e ensinado de outra forma, os dispensacionalistas da corrente principal insistem nessa união da salvação — o novo nascimento é comum a todos os perío­ dos do tratamento de Deus com a humanidade e é a única maneira de entrar em comunhão com Deus. Além disso, a lei moral de Deus, diferentemente da lei ceri­ monial, aplica-se a todas as dispensações, embora naturalmente possa 2 Charles C. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 29. 3 Ibid., p. 123ss.

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ser aplicada de modos diferentes em tempos diferentes.4A proibição de matar, por exemplo, não é restrita a qualquer dispensação indi­ vidual; o assassinato de outros seres humanos sempre foi errado e sempre será. Algumas vezes, os dispensacionalistas insistem em que uma passagem deve ser aplicada somente à dispensação à qual foi dirigida. Logo, os ensinos acerca da vida sob a lei cerimonial ou a vida no milênio não devem ser aplicados agora. No entanto, a lei moral sempre está em vigor, embora talvez haja variação de seu conteúdo exato. Em resumo: os santos de várias eras têm mais pontos em comum do que diferentes. A história do dispensacionalismo

O movimento dispensacionalista é de origem razoavelmente recente. Nenhum sinal dessa teologia encontra-se na história primitiva da igreja. Todavia, por várias razões, esse fato por si mesmo não deve ter influência demasiada em relação à veracidade do dispensacionalismo. Em primeiro lugar, muitas doutrinas não foram articuladas pela igreja por muitos séculos. No caso da pessoa e obra de Cristo, na Trindade e em outras doutrinas, as crenças eram sustentadas implicitamente, e só se tornavam explícitas quando surgia uma forma de desvio do ensino ou quando irrompia uma controvérsia na igreja. A escatologia, em especial, não foi elaborada em detalhes até recentemente. Em segundo lugar, outros métodos de estudo da Bíblia e de interpretação, inclusive alguns empregados por oponentes do dispensacionalismo, também são de origem relativamente recente. Um exemplo é a crítica literária e histórica da Bíblia. Em terceiro lugar, se fazemos qualquer progresso no estudo da Bíblia, devemos esperar que algumas coisas, antes desconhecidas, 4 Ibid., p. 108.

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sejam descobertas. Isso pode envolver interpretações de passagens específicas, mas também é muito possível que leve a um sistema inteiramente novo de teologia. Negar esse fato elimina qualquer possi­ bilidade de progresso real no entendimento bíblico e teológico. Rejeitar o dispensacionalismo por sua novidade aparente é, portanto, um argumento fraco. Podemos, no entanto, examinar a história do movimento a fim de responder àqueles que discutem sua veracidade com base em sua antiguidade. Os defensores dessa corrente geralmente reconhecem que o dispensacionalismo não era um sistema completamente desenvol­ vido até o século XX, mas argumentam que havia precursores rele­ vantes desse sistema. Sem dúvida, é possível que o pré-milenismo dos primeiros séculos da igreja tenha incluído a crença no arreba­ tamento conforme o pré-tribulacionismo. Além disso, alguns desses primeiros pré-milenistas falavam de dispensações. Contudo, não queriam dizer por dispensação exatamente o que os dispensacionalistas atuais querem dizer com essa palavra. Até mesmo João Calvino se referiu a dispensações, apesar de não ser dispensacionalista. Alguns escritores certamente dividiram a história bíblica em períodos ou eras. Alguns desses esquemas eram bem simples e continham relativamente poucos períodos. William Cave (16331713), por exemplo, falou dos períodos patriarcal, mosaico e evangélico.'3 Pierre Poiret (1646-1719), no entanto, listou seis períodos ou “economias” — a criação, o pecado, a restauração antes da encarnação de Cristo, a restauração depois da encarnação, a cooperação com a operação de Deus e a providência universal.6 ’ William Cave. The Lives o f the Apostles, and the Two Evangelists Saint Mark and Saint Luke. 6 Pierre Poiret, The Divine Economy; or, An Universal System o f the Works and Purposes ofG od Towards Men, Demonstrated.

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Embora essas divisões servissem para distinguir períodos de tempo, nao distinguiam os modos da operação de Deus. Quem realmente desenvolveu a hermenêutica e a teologia dispensacionalistas foi John Nelson Darby (1800-1882).7 Darby nasceu de pais irlandeses em Londres, em novembro de 1800. Ele passou seus primeiros anos na Irlanda, onde obteve educação básica. Darby formou-se em direito e começou a advogar em 1822, mas logo após se converteu e deixou a profissão depois de apenas um ano de exercício. Seu interesse pela teologia e pela Igreja foi crescendo, e em 1825 foi ordenado diácono da Igreja da Inglaterra. Trabalhou muito como cura auxiliar de uma paróquia em Ennisbury, e seus esforços foram premiados com muitas conversões de católicos romanos. Enquanto estava em Dublin para ser ordenado ao ministério, soube que o bispo de lá emitira, e os clérigos endossaram, um decreto que denunciava os católicos romanos e que reivindicava favores especiais e proteção à Igreja da Inglaterra. O decreto também exigia um acordo de lealdade ao rei, baseado no argumento de que os católicos deviam sua primeira lealdade ao rei, não ao papa. Darby ficou muito perturbado e não desobedeceria a regra da diocese, mas a lealdade ao rei parecia-lhe pouco melhor do que a devoção ao papa. No meio dessa tentativa de estabelecer a Igreja da Inglaterra, envolveu-se com o movimento chamado “Movimento dos Irmãos”. Dois princípios básicos distinguiram esse movimento: em pri­ meiro lugar, todo Dia do Senhor era consagrado ao “partir do pão”; em segundo lugar, as pessoas serviam no ministério pelo chamado de Cristo, não pela ordenação dos homens. Darby foi exposto a este último conceito, quando se preparava para a ordenação na Igreja da Inglaterra, e tinha questões de consciência quanto à obediência 7 Para essa seção inteira sobre Darby, ver Clarence B. Bass, Backgrounds to Dispemationalisnr. its historical genesis and ecclesiastical implications, p. 49-51.

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ao decreto do bispo. Continuou a ministrar na Igreja da Inglaterra por algum tempo, mas acabou deixando essa denominação. Darby rapidamente se tornou ativo no Movimento dos Irmãos e logo tornou-se seu líder e organizador, formando grupos em vários lugares. O grupo de Plymouth foi o primeiro a ter o nome de irmãos, e se tornou conhecido como “os irmãos em Plymouth”, ou sim­ plesmente “Irmãos de Plymouth”. O termo foi aplicado também a outros grupos. Embora tenha sido um certo acidente da história, essas pessoas se tornaram conhecidas como Irmãos de Plymouth, um título com implicações um pouco denominacionais. Darby, um escritor prolífico, desenvolveu o pensamento dos Irmãos em um sistema. Outros seguiram a linha de interpretação dada por Darby, como, por exemplo, C. H. Mackintosh, cujos livros frequentemente tinham apenas as iniciais C. H. M. na folha de rosto; G. Campbell Morgan, embora mais tarde tenha abandonado a abordagem dispensacionalista; Harry Ironside; A. C. Gaebelein e C. I. Scofield. Todos esses homens popularizaram bastante a abor­ dagem dispensacionalista, visto que seus extensos escritos eram lidos em grande escala nos círculos fundamentalistas. Provavelmente, o meio usado para promover a maior popula­ rização do dispensacionalismo foi a Bíblia de Estudo Scofield. No começo do século X X , havia poucas bíblias disponíveis com “ajudas”. A típica pessoa leiga, que conhece algumas histórias bíblicas, mas tem dúvida acerca da ordem cronológica ou do ambiente geográfico, ou, ainda mais provavelmente, acerca do significado de muitas pas­ sagens doutrinárias, acha útil uma Bíblia que contenha junto com o texto esboços e notas explanatórias ao rodapé de cada página. De forma conveniente, Scofield (1843-1921) combinou texto e comentário num só volume. O outro meio eficaz de propagação desse sistema foram os institutos bíblicos. Em algum momento, muitas congregações

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fundamentalistas tinham sido parte de grandes denominações e obtinham seus ministros direta ou indiretamente dos seminários dessas denominações. No entanto, quando surgiram indicações de desvios doutrinários nesses seminários, as igrejas começaram a obter seus ministros, nao dos seminários, mas dos institutos bíblicos. Quase sem exceção, essas instituições e seus corpos docentes eram impreg­ nados de dispensacionalismo. Assim, essa visão espalhou-se ainda mais amplamente. Em alguns casos, os institutos bíblicos se tornaram faculdades bíblicas e depois faculdades cristãs de ciências humanas. Alguns também se tornaram seminários teológicos. O Dallas Theological Seminary [Seminário Teológico de Dallas] teve um padrão de desenvolvimento basicamente semelhante, embora fosse um pouco diferente. Logo, os estudantes para o ministério não tinham de escolher entre uma formação em seminário e uma formação plena­ mente teológica. Alguns estudantes obtinham sua educação prégraduada num instituto bíblico e depois iam para um seminário dispensacionalista como o de Dallas, o de Talbot ou o de Grace. Por volta da metade do século X X , modificações começaram a ocorrer na visão dispensacionalista clássica. Esse processo de mu­ dança culminou no que se tornou conhecido como “dispensacio­ nalismo progressivo”. Doutrinas do dispensacionalismo A interpretação da Escritura

A primeira doutrina do dispensacionalismo é que a Bíblia deve ser interpretada literalmente.8 Para avaliar isso a fundo, é necessário reconhecer que o dispensacionalismo surgiu quando a alta crítica 8 Charles C. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 86-89; John F. Walvoord, Dispensational Premillennialism, p. 11-12.

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estava em desenvolvimento. Em alguns casos, este último método de se chegar ao significado da Bíblia dependia de pressuposições racionalistas. Uma delas era: nenhum acontecimento contrário às leis da natureza pode ocorrer. Tal abordagem atribui à Bíblia um significado bastante contrastante com seu significado mais óbvio ou aparente. Para muitos, portanto, “não literal” veio a ser identi­ ficado com “liberal”. Nesse contexto, é compreensível que os dispensacionalistas procurassem fazer uma interpretação literal da Escritura tanto quanto fosse possível. Sem dúvida, não entendiam literalmente certas expressões obviamente figuradas, tais como as árvores batendo palmas (Is 55.12). Mesmo assim, o dever era preservar o entendi­ mento literal da Escritura sempre que isso não resultasse numa situação absurda. Um lema que a maioria dos dispensacionalistas adotaria e endossaria de bom grado é: quando o sentido óbvio faz bom sentido, não procure outro sentido. Esse é o típico caso de situações em que se interpretam referên­ cias bíblicas a Israel. O termo Israel sempre faz menção à própria nação de Israel, o Israel étnico, o Israel cuja descendência física remonta a Jacó (ou, como Deus veio a chamá-lo, Israel). Nunca se refere ao “Israel espiritual”.9 Toda Escritura profética deve ser tratada de modo semelhante. Toda profecia será cumprida literalmente e com detalhes. Se a Bíblia diz que Cristo, tendo descido, ficará em pé sobre o Monte das Oliveiras, e que o monte se rachará, então Cristo literalmente ficará em pé sobre o monte físico, e o monte se rachará. Simultânea a essa interpretação literal da profecia há uma inter­ pretação tipológica das passagens históricas ou narrativas, que às vezes se assemelha fortemente ao antigo método alegórico. Os tipos 9 John F. Walvoord, Israels Restoration, p. 409.

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acham-se em tanta profusão e recebem significados tão esotéricos que o dispensacionalista vai muito além do significado literal dos acontecimentos narrados. Um exemplo disso é a interpretação do Livro de Ester, em que Assuero representaria o poderio gentio supremo. Vasti representaria a igreja professa, que falha em revelar sua beleza, sendo então substituída pela noiva judaica, Ester. No planejamento de destruição de Israel, Hamã compreenderia os inimigos do Israel restaurado. Mordecai simboliza nosso Senhor, cabeça do seu povo exaltado no futuro milenar.10De modo seme­ lhante, Cantares de Salomão é frequentemente compreendido como uma representação entre Cristo e sua igreja. A descrição do tabernáculo é vista como mais que uma mera prescrição de tamanho, cor e formato dos vários elementos daquela estrutura. Compreendese que apresenta verdades espirituais. E cada detalhe na descrição do peitoral do sumo sacerdote em Êxodo 39 tem um significado simbólico para o completo plano da salvação. Não se sugere com isso que a tipologia pertença exclusivamente à hermenêutica dispensacionalista. Muitos outros exegetas bíblicos também encontraram tipos dentro da Bíblia.11 No entanto, isso geralmente é feito somente quando há no contexto a indicação de um tipo — especialmente quando um escritor do Novo Testamento identifica um tipo no Antigo Testamento (como o escritor de Hebreus faz com Melquisedeque). Com frequência, porém, o dispensacionalista vai muito mais além, designando como um tipo aquilo que não é assim definido no contexto.

10 Bible Outlines: comprehensive epitomes of the leading features of the Old and New Testaments. Londres, 1879, p. 113. 11 Cf. Patrick Fairbairn, The Tipology ofScripture, Viewedin Connection with the Whole Series ofthe Divine Dispensations.

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Israel e a igreja

Uma segunda doutrina principal do dispensacionalismo diz respeito a uma distinção nítida e específica entre Israel e a igreja. Essa distinção é considerada fundamental para qualquer compreensão correra da Escrirura. “Realmenre, a eclesiologia ou a doutrina da igreja”, disse Ryrie, “é a pedra de toque do dispensacionalismo”.12 Segundo esse conceito, Deus fez uma aliança especial com Israel (originalmente com Abraão) que é incondicional. Não importa qual seja sua resposta, essa nação permanece sendo o povo especial de Deus e no fim receberá a bênção. Várias linhas de evidência são apresentadas na argumentação dessa qualidade distintiva de Israel. A primeira é que a nação de Israel e os gentios são contrastados no Novo Testamento.13 Israel foi tratado como nação em contraste com os gentios depois de a igreja ter sido estabelecida no Pentecoste (At 3.12; 4.8,10; 5.21,31,35; 21.28). Em Romanos 10.1, Paulo ora por Israel. Esta é uma clara referência a Israel como um povo narural, distinto da igreja e fora dela. Além disso, o Israel natural e a igreja também são contrastados no Novo Testamento.14 Paulo escreveu: “Não vos torneis motivo de tropeço nem para judeus, nem para gregos, nem à igreja de Deus...” (ICo 10.32). Se a essa altura o povo judeu fosse meramente igual aos gentios ou à igreja, qual a razão de tal distinção? Em Romanos 9.3-4, Paulo atribuiu a aliança e as promessas aos seus “parenres segundo a carne”, referindo-se obviamente ao Israel natural. Conrudo, essas palavras foram escritas após o início da igreja. Judeus crentes e gentios crentes na igreja dessa época conti­ nuaram a ser distinguidos no Novo Testamento. O termo Israel 12 Charles C. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 132. ” Ibid., p. 137-138. 14 Ibid., p. 138.

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ainda significa os descendentes físicos de Abraão. Paulo disse em Romanos 9.6: “... Porque nem todos os que são de Israel são israelitas; nem por serem descendência de Abraão são todos seus filhos”. O termo Israel não se refere aqui à igreja.15 Ryrie tem consciência do argumento dos não dispensacionalistas baseado em Gálatas 6.15-16: “Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão são coisa alguma, mas, sim, o ser nova criação. Que a paz e misericórdia estejam sobre todos que andarem conforme essa norma, e também (kai) sobre o Israel de Deus. A identidade do “Israel de Deus” depende do significado da conjunção kai (“e”).16 Pode ser entendida no sentido ascensivo (“até”), no sentido enfático (“e especialmente”) ou simplesmente como conectivo (“e”), mas somente a primeira interpretação, a ascensiva (“até”) identifica a igreja e Israel. Para Ryrie a questão deve ser decidida não somente pela gramática, mas também pelo argumento do livro como um todo, e isso favorece o significado conectivo ou enfático de kai. Se os escritores do Novo Testamento quisessem igualar Israel e a igreja, poderiam facilmente ter feito isso em muitos outros lugares. Ryrie concluiu: “O uso das palavras Israel e igreja mostra claramente que, no Novo Testamento, a nação de Israel continua com suas próprias promessas, e a igreja nunca é igualada a um chamado “novo Israel”, mas é cuidadosa e continuamente distinguida como obra separada de Deus nesta era”.17 A implicação é que o termo Israel sempre deve ser entendido do modo mais literal possível — ou seja, como o Israel étnico, nacional e político — e nunca num sentido espiritualizado — isto é, a igreja. Assim todas as promessas a Abraão e sua descendência 11 Ibid. 16 Ibid., p. 139. 17 Ibid., p. 140.

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devem ser literalmente cumpridas no próprio povo de Israel, a nação. Algumas delas ainda não foram plenamente cumpridas, mas em algum tempo futuro se cumprirão. Portanto, Deus ainda deve ter um período de tratamento especial com sua nação da aliança, Israel. Segundo o dispensacionalismo, a igreja não é prevista no Antigo Testamento. Isso ocorre em parte por causa de sua distinção como uma entidade desta era presente, e em parte por causa de sua base ou modo de origem. Ryrie apresentou três provas do aspecto distintivo da igreja.18 1. A qualidade misteriosa da igreja. Paulo descreveu um mis­ tério “que estivera oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus santos” (Cl 1.26). O corpo de Cristo é mencionado três vezes no contexto (v. 18,22,24). Se a igreja foi um mistério desconhecido nos tempos do Antigo Testamento, não deve ter sido constituída naquele período. De fato, Paulo claramente disse que essa entidade é um “novo homem” (Ef 2.15) cuja existência foi possibilitada somente pela morte de Cristo. 2. As observações de Paulo acerca do início da igreja. Paulo ensinou enfaticamente que há um relacionamento necessário entre a igreja, a ressurreição e a ascensão de Cristo. A igreja é edificada sobre sua ressurreição, porque o Senhor foi feito cabeça da igreja depois que Deus o ressuscitou “dentre os mortos, [...] fazendo-o sentar à sua direita nos céus” (Ef 1.20; cf. v. 22,23). Além disso, o devido funcionamento do corpo depende da doação dons ao corpo, que por sua vez depende da ascensão de Cristo (Ef 4.7-12). 3. A obra batizadora do Espírito Santo. A igreja somente começou no Pentecoste. Na ascensão, o Senhor falou do batismo no Espírito Santo como um acontecimento ainda futuro e diferente de qualquer coisa que seus discípulos tivessem experimentado antes 18 Ibid., p. 135-137.

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(Atos 1.5). Atos 2 não especifica que o batismo no Espírito tenha ocorrido no dia de Pentecoste, mas Atos 11.15,16 o diz, quando declara o cumprimento da promessa do Senhor. Paulo explicou que esse batismo coloca as pessoas no corpo de Cristo (ICo 12.13). A primeira ocorrência desse batismo foi no dia de Pentecoste. Visto que a igreja é o corpo de Cristo (Cl 1.18), não poderia ter começado antes do Pentecoste, por isso deve ter começado naquele dia. Ryrie foi cuidadoso ao indicar que o aspecto distintivo da igreja nesta era não significa: (1) que não havia pessoas que se relacionassem com Deus de forma justa nos tempos do Antigo Testamento ou (2) que Cristo não fundou a Igreja. Tudo o que os dispensacionalistas afirmam é que o povo de Deus que foi batizado no corpo de Cristo e que assim forma a igreja é distinto dos santos de dias anteriores e dos santos de um tempo futuro.19 Isso significa que a igreja não é mencionada em lugar algum do Antigo Testamento, não é profetizada em lugar algum. É um “parêntese” que se encaixa, especificamente, entre a sexagésima nona semana e a septuagésima semana de Daniel. Nenhuma profecia foi cumprida desde o tempo de Cristo. O relógio profético não moveu os ponteiros desde o Pentecoste.20 Isso implica o adiamento do reino. Tanto João Batista quanto Jesus pregavam que o reino estava próximo. Esse reino terreno foi oferecido aos judeus, o povo escolhido segundo a aliança, e eles o rejeitaram. Os dispensacionalistas não identificam com exatidão onde e quando ocorreu a rejeição. Alguns identificam em Mateus 11.20-21, em Mateus 27.31-37 ou em Atos 28.21 19 Ibid., p. 137. 20 John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 23-27; Charles L. Feinberg, Premillennial-ism or Amillennialism? The premillennial and amillennial systems of interpreta-tion analyzed and compared, p. 116. 21 The ScofieldReference Bible. Nova York: Oxford Univesity, 1909, p. 1011 (n. 1).

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Depois de Israel ter rejeitado o reino, Deus o ofereceu à igreja. A igreja era, por assim dizer, o substituto de Israel que Deus pre­ parou, “enxertando-a”. Para Israel, no entanto, o reino foi simples­ mente adiado e será oferecido de novo ao povo de Deus, depois de ser completado o tempo dos gentios. Deus não se esqueceu do seu povo Israel nem o substituiu pela igreja.22 Os

dois reinos

O dispensacionalismo clássico distingue entre o reino de Deus e o reino dos céus. Segundo Scofield, o reino dos céus é judaico, messiânico e davídico.23 Fora prometido a Davi, foi adiado e acontecerá no milênio.24 Por outro lado, o reino de Deus é universal, incluindo “todas as inteligências morais que livremente se sujeitam à vontade de Deus, sejam anjos, igreja ou santos das dispensações passadas ou futuras”.23 O dispensacionalismo revisado, de Walvoord e de Ryrie, descartou essa distinção, fazendo outras distinções em relação ao reino. 0 propósito do milênio

Finalmente, no dispensacionalismo, o milênio é mais do que meramente um reino de Cristo de mil anos sobre a terra. Ocupa um lugar claro e específico no plano de Deus: a restauração da nação de Israel ao seu lugar favorecido no programa de Deus e o cumprimento das promessas de Deus a Israel. O milênio, portanto, 22 A. C. Gaebelein, Hath God Cast Away His People?, p. 158. 22 The Scofield Reference Bible, p. 996 (n. 1). 24 Ibid., p. 1226 (n. 3). 24 Ibid., p. 1003 (n. 1).

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tem um tom muito judaico, como o tempo em que Israel realmente recebe seu louvor merecido. Em algumas outras formas de prémilenismo, o propósito do milênio não fica muito claro, mas no dispensacionalismo isso se torna parte integrante da teologia e do entendimento bíblicos. Muitas profecias ainda não foram cum­ pridas, e o milênio provê um tempo para seu cumprimento. Dispensacionalismo progressivo

Desde aproximadamente a metade do século X X , o dispensacio­ nalismo tem passado por algumas modificações, levando ao surgimento de um grupo de teólogos e estudiosos bíblicos que se intitulam “dispensacionalistas progressivos”. Entre os mais proe­ minentes desse grupo estão Darrell Bock, do Dallas Seminary [Seminário de Dallas], Craig Blaising, do Southern Baptist Seminary [Seminário Batista do Sul] e Robert Saucy, do Talbot School of Theology [Escola de Teologia de Talbot]. Embora redefinam ou mesmo abandonem algumas das doutrinas do dispensacionalismo tradicional, afirmam preservar os aspectos inconfundíveis desse sistema de pensamento. O plano de Deus de salvação na história. Em geral, no dispen­ sacionalismo progressivo há um abrandamento das distinções rígidas comumente delineadas por dispensacionalistas tradicionais. A ideia das dispensações havia introduzido uma distinção entre lei, graça e reino. Por outro lado, os dispensacionalistas progressivos enfatizam a natureza unificada da atuação de Deus. Saucy faz isso ao tornar o reino o fator central em seu sistema. Deus está operando seu senhorio através de períodos de tempo diferentes da história, e em todos esses períodos seu alvo é derrotar o pecado e seus efeitos.26 O plano 26 Robert L. Saucy, The Case for Progressive Dispensationalism, p. 28.

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da redenção tem aspectos diferentes, e uma dispensação pode enfatizar alguns desses aspectos mais do que outros, mas isso deveria ser considerado com o desdobramento progressivo do plano ou revelação de Deus. Todas as dispensações estão relacionadas à dis­ pensação final, e o desenvolvimento gradual em direção a esse alvo é o que dá ao dispensacionalismo progressivo esse nome.27 Blaising também enfatiza a natureza unitária da salvação. O dis­ pensacionalismo tradicional havia delineado distinções bem definidas entre bênçãos terrenas e celestiais (espirituais) que a igreja recebe, a parte da nova terra. Em vez disso, as bênçãos da salvação são dadas a todos.28 E o reino de Deus não será apenas no céu, mas na terra também. Israel e a igreja. Enquanto o dispensacionalismo mais antigo distinguia claramente esses dois grupos, os dispensacionalistas pro­ gressivos consideram a igreja como algo que está em continuidade com a obra de Deus em Israel, como algo que inaugura as promessas dadas no Antigo Testamento, particularmente em Isaías, Jeremias e Ezequiel. A igreja não deve ser vista como um novo grupo de pessoas, mas sim como a humanidade redimida, incluindo judeus e gentios.29 Contudo, isso não quer dizer que adotem a visão não-dispensacionalista de que a igreja simplesmente toma o lugar de Israel como povo de Deus, e de que todas as promessas feitas a Israel são agora aplicadas à igreja. Os dispensacionalistas progressivos insistem que ainda há lugar para as promessas especiais de Deus feitas para o Israel literal. Segundo Blaising: “Um judeu que hoje se torna cristão não perde seu relacionamento com as promessas futuras de Israel. Os judeus cristãos se unirão ao remanescente fiel do Antigo Testa­ 27 Craig A. Blaising; Darrell L. Bock, Progressive Dispensationalism, p. 48-49. 28 Ibid., p. 47. 27 Ibid., p. 49-50.

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mento na herança de Israel”.30 Saucy afirma que “no entanto, a unidade do programa do reino histórico deve ser interpretada de modo a permitir a compreensão que decorra normalmente de todas as profecias bíblicas. Essas promessas retratam uma restauração da nação de Israel à terra prometida e uma posição central da nação no período final do reino mediador (Is 2.1-4; caps. 60— 62; Jr 33.1315; Zc 14.16-21). Ao contrário do não-dispensacionalismo, o termo Israel não é atribuído em última análise a todo o povo de Deus independentemente da nacionalidade”.31 Questões hermenêuticas. Os dispensacionalistas afirmam insistentemente que praticam uma abordagem literal à interpretação da Escritura, talvez de forma mais consistente do que quaisquer outros conservadores. Isso também permanece como um traço dis­ tintivo do dispensacionalismo progressivo em sua interpretação da profecia. Enquanto os não dispensacionalistas tendem a considerar o advento de realidades espirituais em Cristo e no Espírito Santo como algo que elimina a importância do que é material e físico, os dispensacionalistas progressivos consideram tal tendência como sendo de natureza platônica. Referências à terra, à cidade de Jeru­ salém e ao templo devem ser entendidas literalmente, e as profecias com relação a esses elementos se cumprirão no futuro.32 Ao manter a preocupação pela interpretação literal da profecia, Blaising e Bock afirmam que seu movimento foi impactado por desenvolvimentos no método histórico-gramatical de interpretação bíblica, a ponto de incluir estudos sintático, retórico e literário. Isso pode ser observado no tratamento dado à tipologia. No dis­ pensacionalismo clássico, algumas vezes se praticava um tipo de 30 Ibid., p. 50. 31 Robert L. Saucy, The case for Progressive Dispensationalism, p. 28-29. 33Ibid„ p. 30-31

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interpretação “espiritual”, em que objetos materiais ou pessoas às vezes eram vistos como representantes de realidades espirituais, sendo então o “óleo” visto como um tipo do Espírito Santo, e o “fermento” como um tipo do mal. Para os dispensacionalistas pro­ gressivos, a função representativa dos tipos é horizontal ao invés de vertical. Aqui, tipologia “refere-se a padrões de semelhança entre pessoas e acontecimentos na história primitiva com pessoas e aconte­ cimentos na história posterior”. Assim o reino de Davi e de Salomão é um tipo do reino escatológico, e o Dia do Senhor em julgamento no século VI a.C. é um tipo da vinda do Dia do Senhor.33 Síntese. Os dispensacionalistas progressivos amenizaram as distinções feitas pelo dispensacionalismo anterior entre Israel e a igreja, o reino de Deus e o reino dos céus e as características peculiares de cada dispensação. Mantiveram, entretanto, vários aspectos do dispensacionalismo: uma interpretação literal das profecias referentes à nação e à terra de Israel; um lugar único para Israel receber o cumprimento de profecias com respeito à bênção terrena; e, de forma distinta, um caráter judeu ao milênio. Avaliação do dispensacionalismo Aspectos positivos

Em primeiro lugar, o aspecto positivo do sistema dispensacionalista é ser de fato um sistema. A palavra sistema produz uma reação negativa em muitos círculos hoje, principalmente por causa da influência do existencialismo que é hostil à estrutura, à ordem na realidade e à intelectualização ou racionalização da verdade. Por conseqüência, os estudos bíblicos nos anos recentes têm sido um pouco fragmentários em sua natureza, enfatizando a teologia bíblica ’’ Craig A. Blaising; Darrell L. Bock, Progressive Dispensationalism, p. 52-53.

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e minimizando a teologia sistemática. No entanto, os dispensacio­ nalistas têm procurado sintetizar ou integrar o testemunho bíblico em um todo unificado. Procuraram evitar a confusão que uma pessoa leiga sente quando é informada que um trecho da Escritura significa uma coisa e que um outro trecho significa exatamente o oposto. Em segundo lugar, o dispensacionalismo tem procurado levar a sério a ideia da revelação progressiva e desenvolveu uma teologia baseada nela. As vezes, a estrutura dispensacionalista é retratada como uma escada, sendo cada degrau para cima uma das dispensações. Certamente Deus revelou mais verdades com o passar do tempo, e o dispensacionalismo reconhece esse fato de modo formal. Em terceiro lugar, o dispensacionalismo busca ser bíblico de forma genuína e completa. Em qualquer questão de doutrina, o dispensacionalismo pergunta: “O que diz a Bíblia?”. Quando discute as questões, os dispensacionalistas falam especificamente com base nas Escrituras e demonstram um conhecimento profundo do con­ teúdo da Bíblia. As escolas dispensacionalistas ressaltam a importân­ cia de saber o que a Bíblia diz e onde o diz. Se a Bíblia é a autoridade suprema em questões de fé e prática, então esse biblicismo completo deve ser considerado uma real virtude. Aspectos negativos

O dispensacionalismo também tem seus problemas. Em primeiro lugar, ele fracassa, mesmo tentando levar a sério a revelação pro­ gressiva. A “era de ouro” da história redentora de Deus foi o tempo de seu trato especial com Israel. Após a inserção de algumas dis­ pensações, o plano de Deus exige uma inversão de seus tratos com Israel. O que acontece agora é um tipo de desvio do plano, um arranjo interino. Por conseqüência, o Antigo Testamento, em certo sentido, não foi realmente ultrapassado.

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Conceitos tribulacionistas

Em segundo lugar, a distinção entre Israel e a igreja, tão básica e crucial para o dispensacionalismo, é difícil de ser mantida de modo consistente. Os dispensacionalistas selecionaram com cuidado passagens que favorecem (ou que pelo menos podem acomodar) sua interpretação. Outras passagens, no entanto, não são tão facil­ mente descartadas. Em Romanos 9 e Gálatas 3, por exemplo, é difícil escapar da conclusão de que Paulo considerava a igreja, com judeus e gentios, igualmente, como a legítima herdeira das promessas originalmente feitas à nação de Israel. Parece mesmo que haverá um período de favor especial para com os judeus, e que se voltarão a Deus em grande número. Parece provável, no entanto, que isso acontecerá por meio de sua conversão e integração à igreja e não por meio de Deus retomar o relacionamento que tinha com eles no Antigo Testamento como a nação da aliança ou escolhida. Em terceiro lugar, há frequentemente uma tendência de usur­ par certas posições, de negligenciar o pré-milenismo histórico. Assim, alguns dispensacionalistas tendem a igualar o pré-milenismo com sua visão. Num livro recente a respeito de perspectivas sobre o Apocalipse, a abordagem histórica não é incluída, e as representatividades da interpretação futurista são duas variantes do dispen­ sacionalismo.M Finalmente, o dispensacionalismo deve continuar aperfeiçoando o tratamento da tipologia de modo consistente com sua hermenêutica. Os dispensacionalistas progressivos compartilham muitas das críticas não dispensacionalistas do dispensacionalismo clássico. Alguns mais tradicionais respondem que os dispensacionalistas pro­ gressivos modificaram tanto a hermenêutica dispensacionalista que 34 Four Views ofthe Book o f Revelation, ed. C. Marvin P a p e , Grand Rapids, Zondervan, 1998. Cf. Merrill C.Tenncy. Interpreting Revelation. Grand Rapids, Eerdmans, 1957, p. 135-146.

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correm perigo de escorregarem no amilenismo.35 De fato, a distinção entre Israel e a igreja foi tão modificada que levanta questões sobre a legitimidade da designação dispensacionalismo para esse movi­ mento. Permanece para que se possa ver se a lógica do movimento continuará a levá-lo em direção ao pré-milenismo histórico. De forma inconsciente, o dispensacionalismo parece ter aceitado algu­ mas suposições do agora desacreditado movimento teológico bíblico, especialmente em sua visão do reino e em relação ao cumprimento espiritual da profecia como “platônica”.

35 Cf. Robert L. Thom as, “A critique of progressive dispensational hermeneutics”, em When the Trumpet Sounds, ed. Thomas Ice eTim othy Demy (Eugene, Ore.: Harvest House, 1995), p. 414-425.

Capítulo 7

Pré-tribulacionismo

C

hegamos agora à discussão do relacionamento entre o aconte­ cimento (ou série de acontecimentos) conhecido como a grande tribulação e a vinda de Cristo. Ele voltará para levar sua igreja do mundo antes da tribulação ou a igreja passará por todos os acon­ tecimentos? Ou será que a igreja experimentará parte da tribulação e então será liberta do mundo antes do período principal (e mais severo) desse momento? Teoricamente, as visões tribulacionistas poderiam ser ligadas a quaisquer posições milenistas. Na prática, porém, esses questinamentos têm sido levantados e discutidos, a princípio, por prémilenistas — talvez porque estes normalmente dão mais atenção aos detalhes da escatologia do que os defensores das outras duas visões milenistas. Para os propósitos dessa discussão, as visões tribulacionistas serão tratadas como subdivisões do pré-milenismo. A primeira visão tribulacionista que discutiremos é o pré-tribu­ lacionismo. E importante observar primeiramente o relacionamento entre essa posição escatológica e o sistema teológico geral conhecido como dispensacionalismo. Na prática, ambos estão quase que invariavelmente unidos entre si; logicamente, porém, são um pouco

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independentes. O arrebatamento pré-tribulacional pode ser baseado em fundamentos exegéticos independentes de pressuposições dispensacionalistas. Em contrapartida, alguns dispensacionalistas são pré-tribulacionistas, e os dispensacionalitas progressivos não consideram o arrebatamento pré-tribulacional indispensável ao dispensacionalismo. Panorama do pré-tribulacionismo

O ponto de partida para o exame do pré-tribulacionismo é sua visão da natureza da grande tribulação. Os pré-tribulacionistas insis­ tem em que essa realmente será a grande tribulação, uma tribulação inigualável em toda a história. Embora alguns escatologistas ressaltem que a igreja sempre experimentou perseguição e, portanto, tribulação, o pré-tribulacionista vê essa grande tribulação de forma tão intensa que não pode ser facilmente confundida com a tribulaçao de forma geral. Sem dúvida, muitas passagens bíblicas falam da tribulação e dos conflitos característicos da experiência dos santos em todas as eras dos tratamentos redentores de Deus para com seus filhos. No entanto, em contraposição a isso, há o ensino bíblico de que um período futuro de tribulação sem precedentes ofuscará todos os tempos anteriores de aflição. Isso envolve três classes de pessoas: (1) a nação de Israel, (2) o mundo gentio pagão e (3) os santos ou eleitos que viverão nesse tempo de tribulação.1 Essa grande tribulação tem um propósito definido e duplo: (1) concluir “os tempos dos gentios” (Lc 21.24) e (2) preparar para a restauração e reunião de Israel no reinado milenar de Cristo após o segundo advento. A tribulação, portanto, serve como um período de transição no plano de Deus. Com ênfase, os pré-tribulacionistas 1John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 43.

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insistem muito em defender que o propósito primário da tribulação não é expurgar a igreja ou disciplinar os crentes.2 Um segundo aspecto do pré-tribulacionismo de extrema importância é a ideia de que Jesus virá para sua igreja antes da grande tribulação para “arrebatá-la” do mundo. A palavra arrebatamento deriva de rapere, a tradução latina para “arrebatar” em 1Tessalonicenses 4.17. A palavra grega geralmente relacionada com o arrebatamento é parousia (que é transliterada por “parúsia”). Essa vinda de Cristo para a igreja significará o arrebatamento dos crentes da terra para se encon­ trar com ele no ar. Cristo não descerá completamente à terra como o fará na Segunda Vinda (a vinda com a igreja) quando descerá ao Monte das Oliveiras. Logo, sua vinda não será observada pelo mundo descrente, embora seus efeitos (i.e., a ausência de um número substan­ cial de pessoas) serão facilmente discerníveis.3 O efeito do arrebatamento é retirar a igreja da cena da história do mundo durante os sete anos de tribulação. Com sua distinção nítida entre Israel e a igreja, o dispensacionalismo considera que a tribulação fará a transição entre o trato (temporário) de Deus com a igreja e a continuação de seu trato primário com a nação de Israel. A “bendita esperança” do crente, portanto, é a libertação da grande tribulação. No arrebatamento, duas coisas acontecerão: (1) os santos que estiverem vivos serão “trasladados”, ou seja, serão transformados na natureza e condição que serão deles por toda a eternidade; e (2) os crentes que morreram em Cristo serão ressuscitados para acompanhar os crentes vivos levados ao céu (o “antigo” céu). É assim que os pré-tribulacionistas interpretam 1Tessalonicenses 4.4 2 Ibid. ’ Ibid., p. 101, 198. 4John F. Walvoord, The Return o f the Lord, p. 55-

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Nessa ocasião, todos os cristãos serão julgados (2Co 5.10). Aparecerão diante do tribunal de Cristo e serão julgados segundo as suas obras. Esse julgamento não será extensivo a todas as pessoas que já viveram e nem a todos que finalmente serão salvos. Diz respeito somente a “todos nós”, ou seja, os crentes em Cristo durante a presente era (i.e., a igreja). Esse julgamento não separará os salvos dos não salvos; será para dar galardões pelas boas obras às pessoas que estão sendo julgadas.5 No fim desse período de sete anos, durante o qual a igreja, tendo recebido seu galardão, estará com Cristo no céu e os não cristãos estarão passando por grandes tribulaçÕes na terra, Jesus voltará com a igreja em triunfo. Esse grande acontecimento será visível a todos. Será acompanhado por uma segunda ressurreição: uma ressurreição dos crentes que morreram durante a tribulação. Eles então passam a compartilhar do reinado milenar com Cristo e os demais crentes.6 A Segunda Vinda, portanto, tem duas etapas ou fases. Na primeira fase, Cristo vem para a igreja, para removê-la do mundo. Na segunda fase, Ele chega com a igreja, para estabelecer o reino terreno, estabelecer seu governo e iniciar o milênio. Segundo a visão pós-tribulacionista, conforme veremos mais tarde, esses são dois aspectos de um único acontecimento ou ocorrência. O pós-tribu­ lacionismo discerne apenas duas ressurreições, ao passo que o prétribulacionismo vê três (a ressurreição dos justos mortos no arrebatamento pouco antes da tribulação, a ressurreição imedia­ tamente após a tribulação dos santos que morreram durante a s Ibid., p. 116. 6 C harles L. Feinberg, Prem illennialism or A m illen n ia lism ? The prem m illennial and am illennial systems o f interpretation analyzed and compared, p. 146.

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tribulação e a ressurreição dos descrentes no fim do milênio). Como o pós-tribulacionismo não divide a vinda de Cristo em duas etapas, ele também não faz distinção entre as duas primeiras dessas ressurreições. Uma doutrina crucial do pré-tribulacionismo é a doutrina da iminência,7 segundo a qual a volta de Cristo (o arrebatamento ou a parúsia) pode ocorrer a qualquer tempo. Nenhum acontecimento adicional precisa ocorrer, nenhuma profecia adicional precisa ser cumprida antes do arrebatamento. Isso, naturalmente, está estrei­ tamente vinculado ao conceito do pré-tribulacionismo. Se a Segunda Vinda fosse um acontecimento unitário ou unificado, não poderia ocorrer a qualquer momento; a grande tribulação teria que ocorrer primeiro. Na realidade, porém, Cristo pode vir a qualquer tempo, até mesmo antes de completar-se esta frase. Os pré-tribulacionistas veem essa crença na iminência como um grande incentivo para a urgência no serviço cristão. Por não sabermos quando acabará nossa oportunidade para o serviço, preocupamo-nos mais em fazer bom uso do tempo presente. A história do pré-tribulacionismo

No capítulo sobre o pré-milenismo, observamos que o quiliasmo foi uma força dominante nos primeiros séculos da era cristã. Quando, porém, examinamos de perto esse quiliasmo, dificilmente concluímos que ele seja a forma pré-tribulacionista que estamos examinando neste capítulo. Em vez de antecipar uma libertação da tribulação vindoura, os cristãos primitivos evidentemente aguardavam passar por aquela grande aflição como experiência pessoal. John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 75-82.

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O Didaquê, escrito no primeiro quarto do século II, aparen­ temente tinha, em parte, o propósito de preparar os cristãos para a aflição vindoura. O último capítulo é como segue: 1. “Vigiai” por vossa vida: “as vossas lâmpadas” não estejam apagadas e nem desprevenidos “os vossos lombos”, mas estai “preparados”, porque não sabeis “a hora em que nosso Senhor há de vir”. 2. Mas reuní-vos frequentemente, buscando as coisas proveitosas às vossas almas, porque não vos aproveitará todo o tempo de vossa fé, a não ser que estejais perfeitos no último tempo. 3. Porque nos últimos dias se multiplicarão os falsos profetas e os corruptores, e as ovelhas se converterão em lobos, e o amor se tornará em ódio. 4. Porque, com o aumento da iniqüidade, odiarse-ão uns aos outros, e perseguir-se-ão e trair-se-ão, e então aparecerá o enganador do mundo como filho de Deus, e fará sinais e prodígios, e a terra será entregue em suas mãos e cometerá iniquidades como jamais foram praticadas desde os séculos. 5. Então virá a criação dos homens para o fogo da prova, e muitos se escan­ dalizarão e perecerão, mas os que permanecerem em sua fé, se salvarão pela mesma maldição. 6. E então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal da abertura no céu; depois o sinal da voz da trombeta, e, em terceiro lugar, a ressurreição dos mortos, 7. Mas não de todos, porém como foi dito: “O Senhor virá e todos os santos com Ele”. 8. Então o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu.8

8 The Apostolic Fathers /, 2 vols. (Cambridgc: Harvard University, 19591965), p. 333.

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O versículo 5 sugere que os crentes estarão presentes nessa tribulação e que, mediante sua perseverança, demonstrarão a rea­ lidade da sua fé. Diz também que todos os homens criados serão provados pelo fogo e que muitos se escandalizarão e perecerão. Somente o versículo 7 admite a possibilidade de um entendimento pré-tribulacionista — a referência a todos os santos vindo com o Senhor relembra, tenuamente, a “vinda com” a igreja, conforme os pré-tribulacionistas, em vez da “vinda para” a igreja. De modo semelhante, outros escritos antigos são pré-milenistas sem serem pré-tribulacionistas. Dois exemplos são o Pastor de Hermas e a Epístola de Barnabé. O primeiro desses contém uma passagem que às vezes é citada como exemplo da crença num arrebatamento pré-tribulacionista, mas o exame mais pormenorizado dela revela que não o é.9 Talvez o primeiro dos pais da igreja a tratar detalhadamente da tribulação foi Ireneu (130-200). Seus escritos revelam que era completamente pré-milenista, mas que não acreditava num arreba­ tamento antes da tribulação. Pelo contrário, via Cristo chegando ao fim da tribulação para destruir o Anticristo e livrar sua igreja. M as d ep o is deste A nticristo ter devastado tod as as coisas neste m u n d o , reinará p or três anos e seis m eses, e se assentará no tem plo em Jerusalém ; e depois o Senhor virá do céu nas nuvens, na glória d o Pai, e enviará este h om em [o A nticristo] e aqueles que o seguem para o lago de fogo; m as inaugurará para os ju stos [a igreja] os tem po s do rein o.10

,J George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 23. 10 Against Heresies 30.4, trad. Alexander Roberts e James Donaldson, em The Ante-Nicene Fathers, ed. Roberts e Donaldson, 10 v., Buffalo, Christian Literature, 1885-1896, (1), p. 560.

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Pois todas essas palavras, bem com o outras, foram faladas, sem d úvida algum a, com referencia à ressurreição dos ju stos, que ocorre depois d a vin d a do A nticristo, e à d estruição de todas as nações d om in ad as p o r ele; nos [tem pos de] tal [ressurreição] os ju stos reinarão na terra, to rn an d o-se sem pre m ais fortes ao verem

o

Senhor; e, através dEle, ficarão acostum ad os a participar d a glória de D eu s Pai, e desfrutarão no reino de convívio e com u n h ão com os santos anjos, e d a união com seres espirituais; e o m esm o [diz respeito aos] que o Sen h or achará vivos na carne, agu ardan d o sua vinda d o céu, que sofreram a tribulação, bem com o escaparam das m ãos d o M a lig n o ."

Os pré-tribulacionistas geralmente reconhecem que não há uma declaração completa do pré-tribulacionismo nos escritos dos pais antigos. Mas, como disse John Walvoord, tampouco há, nos escritos deles, uma exposição detalhada e estabelecida de qualquer outro aspecto do pré-milenismo.12Na realidade, conforme ele obser­ vou, a maioria das doutrinas mais importantes foram desenvolvidas ao longo de vários séculos. A doutrina da Trindade não recebeu uma declaração definitiva e consolidada até o século iv em diante, a partir do Concilio de Niceia em 325. A doutrina da depravação humana não foi uma doutrina estabelecida da igreja até o século V em diante. E a doutrina do sacerdócio do crente não foi estabelecida até a Reforma Protestante. Se essas doutrinas, básicas e centrais como são, não foram formuladas de modo definitivo da noite para1 o dia, causa algum estranhamento que os detalhes da escatologia, que são especialmente difíceis, fossem desdobrados lentamente? " Ibid. 35.1, p. 565. 12 John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 52-53.

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Mesmo assim, é verdade que esses escritos cristãos antigos contêm uma crença na iminência, que, segundo sustenta Walvoord, é o aspecto central do pré-tribulacionismo. A igreja primitiva não enfrentou todos os problemas levantados pela doutrina da iminência, tais como seu relacionamento com a tribulação. Se a expectativa era de uma vinda a qualquer momento, como ocorre entre os pré-tribu­ lacionistas modernos, é debatível. A igreja primitiva parece, pelo contrário, ter esperado que uma série inteira de acontecimentos logo ocorresse, inclusive a tribulação.13 Embora haja, nos escritos dos pais primitivos, sementes das quais a doutrina do arrebatamento pré-tribulacionista pudesse ser desenvolvida, é difícil encontrar neles uma declaração inequívoca do tipo de iminência usualmente tido como artigo de fé pelos prétribulacionistas. Além disso, há nesses escritos algumas expressões claramente pós-tribulacionistas, conforme até mesmo Walvoord reconheceu: A expectativa d a vin d a do S en h or era n u blad a, p orém , pela crença de q u e os acon tecim en tos d a tribu lação eram pen d en tes e q u e a v in d a de C risto para estabelecer seu reino era p ós-trib u lacion ista. E m b o ra nem tod o s os p ais revelem clareza na q u estão, alguns deles eram p ós-trib u lacion istas. O s p ré-tribu lacio n istas n o rm al­ m en te reconh ecem q u e n en h u m deles en sin ava a exata in ter­ p retação de D arb y .14

Conforme já vimos, durante a Idade Média, a interpretação escatológica gradualmente adotada era a suposta visão histórica, que 15 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 20. 14 John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 54.

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coloca os acontecimentos escatológicos dentro da história da igreja. Na Reforma, os protestantes tendiam a identificar o Anticristo com a Roma papal. A tribulação já estava acontecendo ou ocorreria durante o decurso normal da história. Nesse quadro certamente não havia expectativa de uma vinda iminente. Até mesmo os pro­ testantes que eram pré-milenistas tendiam a seguir o modo histórico de interpretação. No começo do século xix, o pré-tribulacionismo cristalino surgiu com a exposição do ponto de vista de John Nelson Darby (1800-1882), um membro do movimento dos Irmãos de Plymouth. Esse movimento começou em Dublin, em 1825, com um grupo de homens preocupados com a condição espiritual da igreja pro­ testante na Irlanda. Grupos semelhantes de oração e comunhão surgiram em outros lugares. Darby, que entrou na comunidade em 1827, bem como outros líderes do movimento, envolveram-se nas conferências proféticas que aconteceram em Powerscourt House. A visão lá exposta era muito semelhante à encontrada na igreja primitiva: um ponto de vista futurista quanto à vinda do Anticristo, que infligirá severa perseguição sobre a igreja durante a grande tribulação. De acordo com essa visão, Cristo voltará no fim da tribu­ lação para libertar a igreja.15 Darby apresentou uma modificação desse conceito: Cristo virá arrebatar sua igreja antes da tribulação e antes de ele vir em glória para estabelecer o reino milenar.16 O conceito de Darby resultou em uma divisão do movimento dos Irmãos. Samuel P. Tregelles, um membro dos Irmãos desde o início do movimento, afirmou que a ideia de uma vinda secreta de 15 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 36-41; Clarence B. Bass, Backgrounds to Dispen-sationalism-. its historical genesis and eclesiastical implications, p. 67-

68 .

16 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 37-

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Cristo para arrebatar a igreja se originou numa profecia na “Igreja de Edward Irving”, fundada por um pregador na conferência profética da qual se derivaram as reuniões em Powerscourt Elouse. Darby a aceitou como sendo a voz do Espírito e a aceitou como doutrina, mas Tregelles, Benjamin W. Newton e outros líderes que sustentavam uma perspectiva pós-tribulacionista rejeitaram-na. O resultado foi o início de contendas dentro do Movimento dos Irmãos.17 Darby visitou os Estados Unidos nada menos que seis vezes entre 1859 e 1874, e expôs sua visão da escatologia. Para muitos americanos, o darbyismo se constituía na recuperação da doutrina bíblica da gloriosa Segunda Vinda de Cristo.18 O interesse na pregação e no ensino profético era um fator principal na ascensão do movimento das conferências bíblicas, em que os ministros e leigos que aceitavam um grupo de crenças comumente acolhidas reuniam-se para comunhão. A mais famosa foi a Conferência de Niágara. Depois de sua descontinuidade, uma nova conferência foi estabelecida em Seacliff, Long Island, em 1901. Foi em Seacliff que C. I. Scofield (1843-1921) teve a ideia de uma Bíblia de referência. Embora muitos dos primeiros líderes dessas conferências fossem pós-tribulacionistas, a maioria era pré-tribulacionista, e foram eles que causaram o maior impacto sobre o movimento.19 A Bíblia de Estudo Scofield foi especialmente eficaz na propagação do prétribulacionismo. Amplamente distribuída nos círculos conservadores, era o único auxílio ao estudo bíblico que muitos leigos possuíam. O movimento dos institutos bíblicos também foi eficaz em promover o pré-tribulacionismo. À medida que mais e mais seminários das denominações principais se voltavam para uma teologia liberal, as 17 Ibid., p. 41. 18 Ibid., p. 43. 19 Ibid., p. 44.

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igrejas conservadoras se voltavam cada vez mais aos institutos bíblicos para receberem seus pastores, e esses institutos eram quase exclu­ sivamente pré-tribulacionistas. Por conseqüência, essa visão foi ado­ tada pela maioria das igrejas independentes conservadoras e batistas, bem como por muitas “igrejas livres”. Doutrinas do pré-tribulacionismo

Chegamos agora a um exame mais detalhado das principais doutrinas do pré-tribulacionismo e dos argumentos apresentados para apoiálas. Examinaremos as questões do pré-tribulacionismo propriamente dito, em vez de avaliarmos o sistema mais amplo de interpretação dispensacionalista dentro do qual frequentemente é encontrado. Há três considerações aqui: a igreja parece estar ausente durante a tribução; a igreja é removida antes da tribulação; e a vinda do Senhor é iminente. Examinaremos cada uma dessas considerações. A ausência da igreja durante a tribulação

A primeira consideração envolve um conceito específico da natureza da igreja. Aqui a estreita conexão entre o pré-tribulacionismo e o dispensacionalismo se torna aparente pela primeira vez. É verdade, diz o pré-tribulacionista, que haverá crentes, ou santos, ou eleitos presentes durante a tribulação. De fato, Mateus diz que, por amor aos eleitos, aqueles dias serão encurtados. O pós-tribulacionista comete um erro sério ao supor que esses santos são a igreja. Esse engano, por sua vez, baseia-se num erro ainda maior: equiparar ou identificar a igreja com todos os crentes durante todos os períodos dos tratos de Deus com a humanidade.20 20 John F. Walvoord, The Rdpture Question, p. 62-63.

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O pós-tribulacionismo sustenta que o arrebatamento da igreja no fim da tribulação é afirmado em Mateus 24.31: “E ele enviará seus anjos com um alto som de trombeta, os quais reunirão seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade do céu”. No entanto, essa passagem e outras semelhantes não empregam em lugar algum as expressões distintivas igreja ou corpo de Cristo, ou qualquer outro termo que de modo claro e particular se refira à igreja. Sempre emprega o termo mais geral, escolhidos.^ Se a igreja estivesse envolvida, tal fato não seria tornado explícito e claro? Walvoord sugeriu que o contexto de Mateus 24 limita a palavra escolhidos a escolha de um dos dois possíveis significados: os santos vivos na terra na ocasião do segundo advento (cf. Mt 24.22) ou Israel como nação eleita. De modo semelhante, as palavras igreja ou igrejas não aparecem no Apocalipse depois do capítulo 3 (a não ser em 22.16, em que o Cristo ascendido declara que está enviando uma mensagem às igrejas que estão na terra quando o Apocalipse está sendo descrito). Mas mesmo que o significado mais amplo de escolhidos seja aplicado em Mateus 24.31, ainda é bem possível harmonizar a passagem com o pré-tribulacionismo. Mateus fala dos eleitos sendo reunidos “dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus”; Marcos fala de serem reunidos “da extremidade da terra até à extre­ midade do céu” (Marcos 13.27). Não ha dúvida que, no segundo advento, a igreja, arrebatada antes da tribulação, será reunida no céu; os santos do Antigo Testamento serão ressurretos, e os eleitos na terra serão reunidos. Walvoord concluiu que, embora essa passa­ gem não comprove o pré-tribulacionismo, “não oferece qualquer evidência contra ele”.22 21 Ibid., p. 63. 22 Ibid.

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Mas e os eleitos que estiverem presentes durante essa grande tribulação? Se nao são a igreja, quem são? Certamente um rema­ nescente de crentes piedosos estará presente quando Cristo voltar para estabelecer seu reino. Apocalipse 7.4 fala de 144.000 de todas as tribos de Israel. Estes não são a igreja, pois os membros da igreja não são designados como “os filhos de Israel”. Há uma referência aos membros da igreja como filhos de Abraão, o “pai de todos nós” (Rm 4.16), mas é algo bem diferente da designação “filhos de Israel”. Esses 144.000 servos selados de Deus são judeus.25 Além disso, Apocalipse 7.9 fala de uma grande multidão que inclui grande número de gentios que se tornam crentes durante a tribulação, mediante o fiel testemunho dos judeus. Esses dois grupos retêm suas características nacionais como gentios salvos e judeus salvos. Nenhuma das promessas especiais e peculiares dadas à igreja na era presente é dada a esses santos da tribulação.24 A igreja é removida do mundo

Gordon Lewis levou o argumento um passo à frente e defendeu a ideia de que as passagens que acabamos de considerar, na realidade, apoiam um arrebatamento da igreja antes da tribulação; referem-se, indicou ele, somente aos judeus. Notemos o contexto de Mateus 24. Os discípulos tinham pedido ao Senhor um sinal da sua vinda e do fim da era. Essa pergunta, como aquela em Atos 1.6 (“Senhor, é este o tempo em que restaurarás o reino para Israel?”), foi feita dentro da perspectiva das preocupações judaicas, e a resposta de 23 E. Schuyler English, Re- Thinking the Rapture: an examination of what the Scriptures teach as to the time of the translation of the Church in relation to the tribulation, p. 100-101. 24 Ibid., p. 103; John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 68-69.

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Cristo se relacionava ao futuro dos judeus. Os judeus é que são retratados como pessoas presentes durante a tribulação. Tirar a passagem fora do seu contexto e aplicá-la a todos os crentes é violar a Escritura. Quando a passagem é vista sob essa luz, a interpretação se torna mais fácil. Depois dos sinais iniciais, os judeus verão no templo o sacrilégio desolador falado pelo profeta Daniel. O tempo da aflição de Jacó será abreviado por amor aos eleitos (os israelitas). Depois da tribulação, o Filho do Homem, de quem falou Daniel, virá nas nuvens do céu e reunirá os seus eleitos. A declaração de Jesus de que essa geração não desapareceria até que todos os sinais fossem cumpridos era uma promessa de que a raça judaica não desa­ pareceria até que ocorressem todos esses acontecimentos perten­ centes à sua restauração.25 Alguns responderiam, porém, que essa ênfase judaica é mera­ mente uma “roupagem” para Mateus, que escreveu para leitores judaicos. Mas Marcos e Lucas mantêm esses aspectos judaicos, e Lucas até acrescenta alguns: Jerusalém será cercada por exércitos (21.20) e será pisada pelos gentios até que se cumpram os tempos dos gentios (21.24). Logo, a ênfase judaica no discurso do Monte das Oliveiras não é incidental, mas intrínseca, pois os eleitos na tribulação são judeus eleitos.26 O argumento precedente é basicamente negativo, um argu­ mento pelo silêncio. Além disso, no entanto, o pré-tribulacionista encontra promessas específicas de que a igreja não estará no mundo durante a grande tribulação. Várias dessas promessas estão nas duas cartas de Paulo aos tessalonicenses. Paulo descreveu aos tessalonicenses a grande ira do porvir e prometeu que não passarão por essas aflições severas: “Porque Deus 25 Gordon Lewis, Biblical Evidence for Pretribulationism, p. 220. 26 Ibid.

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não nos destinou para a ira, mas para alcançarmos a salvação por nosso Senhor Jesus Crisro” (lTs 5.9); e Jesus “nos livrada ira vindoura” (lTs 1.9-10). Lucas 21.36 certamente parece referir-se também a um escape do dia vindouro da prova: “Vigiai, pois, orando em todo o tempo, para que possais escapar de todas essas coisas que haverão de acontecer e ficar em pé na presença do Filho do Homem”.27 De acordo com Paulo em 1Tessalonicenses, o padrão de acon­ tecimentos que acompanham a tribulação é o seguinte: os mortos crentes serão ressuscitados e os vivos serão arrebatados na vinda do Senhor (4.15-17); o arrebatamento virá repentinamente, como o nascimento de uma criança (5.3) ou como ladrão vindo de noite, removendo a igreja da esfera onde ocorre a tribulação. Muitos serão levados a sentir uma falsa segurança. Os crentes, porém, não estarão numa letargia sonolenta ou bêbada, mas alertas e sóbrios (5.8). Se estiverem alertas, a ira não virá sobre eles.28 Os pós-tribulacionistas sustentam que a promessa é para pro­ teção da ira de Deus, não para remoção do cenário. Os pré-tribu­ lacionistas rejeitam essa visão considerando-a inadequada. Lewis disse: “Se um pós-tribulacionista quiser importar para esse contexto uma teoria da preservação da ira divina, valendo-se de alguma outra forma durante a tribulação, ele precisará produzir alguma evidência do contexto para apoiar sua teoria”.29 Os pré-tribulacionistas argumentam que outras passagens das Escrituras afirmam que os crentes são preservados ou livrados da ira de Deus, não conservados nela.30 Apocalipse 3.10 diz: “eu também te guardarei da hora da provação que virá sobre o mundo inteiro, para pôr à prova os que 27 Ibid., p. 222-225. 28 Ibid., p. 216. 27 Ibid. 30 E. Schuyler English, Re-Thinking the Rapture, p. 89.

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habitam sobre a terra”. Romanos 5.9 diz: “Assim, agora justificados pelo seu sangue, muito mais ainda seremos por ele salvos da ira [de Deus]”. A ilustração em 2Pedro 2.6-9, que retoma o livramento de Ló de Sodoma, sugere o livramento para fora de ou para longe da ira de Deus. O mesmo acontece com Noé e sua família, libertos do dilúvio pela arca, bem como com Raabe em Jericó. Esses exem­ plos, embora não sejam provas conclusivas, confirmam a ideia de que é característico de Deus livrar os crentes da ira para julgar os descrentes. Essas passagens, então, sugerem que o livramento de Deus à seu povo, da tribulação, estará em harmonia com esse prin­ cípio geral.31 2Tessalonicenses também apresenta um comentário interessante sobre a tribulação e o arrebatamento. Alguns cristãos de Tessalônica receavam que o dia de Cristo já estava presente (2.2) (“presente” é uma interpretação mais exata do que “perto” e não entra em conflito com o ensino anterior de Paulo de que o dia realmente estava “perto”). Esses cristãos estavam preocupados com a volta de Cristo em chama de fogo, tomando vigança contra os ímpios (1.7-9). Paulo procurou aliviar suas mentes ao indicar que, antes de vir esse dia da vingança do Senhor, outros acontecimentos tinham de ocorrer: a “partida” (apostasia) e a revelação do homem do pecado (o Anticristo). Uma restrição agora impede o Anticristo de aparecer (2.7), mas, quando for removida, o iníquo será revelado (2.8). Lewis insistia em que a “partida” (2.3) e a remoção daquele que detém (2.7) são o mesmo acontecimento.32 Geralmente, o substantivo grego apostasia é interpretado por sua transliteração, “apostasia”, e, se for aqui interpretado dessa maneira, significa “um abandono moral, espiritual ou doutrinário da fé”. 31 John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 70-71. 32 Gordon Lewis, Biblical Evidence for Pretribulationism, p. 217.

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E. Schuyler English, no entanto, propôs o que Walvoord chama de uma interpretação “um tanto inusitada” de 2Tessalonicenses 2.3, e Lewis a adotou e defendeu;33 apostasia em 2.3 deveria ser traduzida por “partida” em vez de “apostasia” e se refere ao arrebatamento da igreja para fora do mundo antes da tribulação. Esses homens notaram que é verdade que os significados mais comuns e primários de apostasia são “deserção”, “revolta” ou “rebe­ lião” contra Deus. Há também, no entanto, conotações secundárias, como “desaparecimento” ou “partida”.34 Para averiguar o significado de uma palavra, é preciso determinar seu uso habitual no Novo Testamento. Numa única outra ocorrência (em Atos 21.21, em que o conceito é “abandonar a Moisés”), apostasia se refere com certeza à rebelião contra Deus. A palavra ocorre também seis vezes na Septuaginta. Embora sempre traga a conotação de separação de Deus, em cada caso ou é uma frase descritiva ou o contexto requer que esse seja o significado. Embora o substantivo seja raro no Novo Testamento, o verbo do qual é derivado (aphistêmi) se emprega quinze vezes. Em apenas três ocorrências se refere a um desvio da religião e em cada caso esse significado é indicado ou por uma frase descritiva (“da fé” — lTm 4.1; cf. Hb 3.12) ou pelo contexto (Lc 8.13). Nos demais casos, aphistêmi quer dizer “partir”, seja de uma pessoa (At 12.10; Lc 4.13), da iniqüidade” (2Tm 2.19), do templo (Lc 2.37) ou do corpo (2Co 12.8). English e Lewis concluíram que “partida” é uma tradução legítima de apostasia no Novo Testamento e que é a interpretação correta da y E. Schuyler English, Re-Thinking the Rapture, p. 68-70; John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 71-72; G ordon Lewis, Biblical Evidence for Pretribulationisrn, p. 217-219. M H. G. Liddel; Robert Scott. A Greek-English Lexicon. Nova York, Ox-ford, 1940.

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palavra em 2Tessalonicenses 2.3. Logo, Paulo estava afirmando e assegurando um arrebatamento antes da tribulação.35 A volta iminente de Cristo

A terceira doutrina principal é a da iminência. Uma vez que a igreja será arrebatada ou trasladada antes da tribulação, nem a tribulação nem quaisquer outros acontecimentos preditos na Escritura preci­ sam ser cumpridos antes da vinda de Cristo. Cristo pode vir buscar a igreja literalmente a qualquer momento. Essa crença normalmente é sustentada por várias linhas de argumento. A primeira é relativa às passagens que exortam os crentes a serem vigilantes porque não conhecem o tempo da vinda de Cristo. Essas passagens se encontram tanto nos evangelhos quanto nas epístolas. Em Mateus 24 e 25, mesmo depois de alistar muitos sinais prévios de sua volta, Cristo exortava os discípulos a sempre estarem prontos para a sua vinda. O dia e a hora de sua volta são conhecidos somente pelo Pai. Uma vez que a volta de Cristo será tão inesperada quanto foi o dilúvio nos tempos de Noé, os servos do Senhor devem ocupar-se, usando e investindo os talentos que o Senhor lhes deu. Jesus até mesmo declarou explicitamente que não apenas não sabiam os tempos e as épocas, como também ressaltou que isso não era algo para eles saberem, indicando que não deveriam inquirir quanto a isso.36 Esses ensinos sugerem que a vinda de Cristo poderia ocorrer a qualquer momento. Se acontecimentos como a tribulação devem acontecer primeiro, é difícil entender a razão de dizer “Não sabeis a hora”. 35 E. Schuyler English, Re-Thinking the Rapture, p. 67-69; Gordon Lewis, Biblical Evidence for Pretribulationism, p. 217-218. 36 Gordon Lewis, Biblical Evidence for Pretribulationism, p. 222.

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O ensinamento dos Evangelhos, especialmente do grande dis­ curso escatológico de Jesus, também é a mensagem das epístolas. Diante do fato de que o tempo da vinda do Senhor é desconhecido e de que sua vinda certamente está próxima, muitas passagens exor­ tam à vigilância. Devemos esperar com expectativa a redenção do corpo (Rm 8.19-25) e a revelação do Senhor Jesus (ICo 1.7). Aguardamos do céu nosso Salvador (Fp 4.5). Renunciamos ao mundanismo e vivemos em santificação, aguardando a bendita esperança da manifestação de Cristo (Tt 2.13). Devemos ser pacientes, pois a vinda do Senhor está próxima (Tg 5.8). Não devemos queixar-nos contra os irmãos, porque “o juiz está às portas” (Tg 5.9). Devemos guardar-nos no amor de Deus, esperando “a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna” (Jd 21).37 Todos esses textos indicam que a vinda do Senhor pode ser a qualquer momento. Um argumento final para a iminência é que só pode haver uma bendita esperança se é ao Senhor a quem bus­ camos. Se o próximo acontecimento no plano de Deus for a vinda do Maligno (Anticristo) e da tribulação, dificilmente teríamos um fundamento para a esperança. O medo e a apreensão seriam mais apropriados. A exortação de Paulo de que nos consolemos uns aos outros com a esperança da vinda de Cristo (lTs 4.18) cer­ tamente implica que a perspectiva para a igreja é diferente da per­ seguição, do sofrimento, do provável martírio e da destruição. A razão de ser da passagem em lTessalonicenses depende da vinda do Senhor ser iminente e pré-tribulacional.38

37 Ibid., p. 222-223. 38 John F. Walvoord, The Return ofthe Lord, p. 51.

Pré-tribulacionismo

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Avaliação do pré-tribulacionismo Aspectos positivos

Em seu conceito da iminência a qualquer momento, o pré-tribula­ cionismo dá um senso de expectativa à fé cristã. A igreja primitiva aguardava ansiosamente a vinda do Senhor como uma realidade pela qual podiam governar suas vidas. Tornou-se uma esperança purificadom. O pré-tribulacionismo conseguiu resgatar algo desse ethos do século i. Também deu à tarefa da igreja uma dimensão de urgência. Se o tempo que temos para fazer a obra de Cristo for limitado, e se o fim desse período de oportunidade pode vir a qualquer momento, é imperativo fazer a obra de Cristo tão rápido quanto possível. Uma abordagem agressiva à missão da igreja é a conseqüência lógica. Os pré-tribulacionistas têm mantido viva a discussão da esca­ tologia em tempos em que outros não têm se calado. Nos anos recentes, temos visto um grande reavivamento do interesse pela esca­ tologia. Podemos até chamar nosso tempo de “panescatológico”. Os pré-tribulacionistas têm antecipado esse reavivamento do inte­ resse dentro do campo teológico mais amplo. Finalmente, eles têm dado uma atenção especial às dimensões escatológicas da totalidade da Escritura. Embora talvez seja verdade que algumas vezes os pré-tribulacionistas encontram mais escatologia na Bíblia do que realmente há, eles chamaram a atenção para o significado escatológico de passagens que, talvez de outra forma, teriam passado desapercebidas. Em especial, algumas ênfases e aplicações secundárias têm sido deixadas de lado por aqueles que levaram em consideração somente o sentido primário ou mais óbvio. Aspectos negativos

A primeira falha no pré-tribulacionismo está na fraqueza da evi­ dência que defende o conceito da iminência a qualquer momento.

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Alguns trechos bíblicos usados pelos pré-tribulacionistas não pare­ cem apoiar essa ideia. O argumento fundamental a favor da iminência é o grande número de injunções feitas na Escritura no sentido de manter-se vigilante na espera da vinda de Cristo, e as advertências de que sua vinda ocorrerá num tempo improvável e sem antecedentes reco­ nhecíveis. O pré-tribulacionista argumenta que essas injunções só podem ser justificadas se for posto em consideração o fato de o arre­ batamento ocorrer a qualquer momento. Se existirem acontecimentos ainda não cumpridos, que devem se dar antes do arrebatamento, não há razão de ser dessa vigilância. Mas isso é coerente? Por que a conclamação para vigiar pela vinda de Cristo e a advertência de que o tempo de sua vinda é desconhecido requerem a conclusão que ele poderia vir a qualquer momento? Não se trata simplesmente de dizer que o número, a natureza e a duração dos acontecimentos intervenientes são desconhecidos? Em outras palavras, pode ser que necessariamente haja um intervalo de tempo, mas que não saibamos sua extensão. Além disso, parece que, quando os termos “vigiai” e “não sabeis o tempo” foram escritos, não poderia haver qualquer possibilidade de se tratar da iminência a qualquer momento. Entre outras coisas, Jesus indicou aos primeiros discípulos que sua vinda seria adiada por certo tempo. Esse parece ser o ensino de pelo menos três de suas parábolas: o nobre que foi para um país distante (Lc 19.11-27), as virgens prudentes e as néscias (Mt 25.5) e os talentos (Mt 25.19). A parábola dos servos pressupõe um período de atraso durante o qual pode ser estabelecida a qualidade genuína dos servos (Lc 12.41 48; Mt 24.45-51). Quando o mestre adiou a sua volta, o servo falso tornou-se indiferente, e o servo fiel continuou a esperar e vigiar com fidelidade. Walvoord, reconhecendo esse aspecto das parábolas, sugeriu que o longo período de atraso seria satisfeito por

Pré-tribulacionismo

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“uns poucos anos”.39 Mas semelhante atraso é tudo quanto o póstribulacionismo requer. Na ocasião em que Jesus disse essas palavras, havia também certos acontecimentos que, segundo parece, teriam de acontecer antes de sua Segunda Vinda: por exemplo, Pedro teria de envelhecer e tornar-se senil (Jo 21.12ss.); o evangelho teria de ser pregado a todas as nações (até mesmo antes de Cristo vir “para” a igreja); e, possivelmente, Jerusalém teria de cair antes da Segunda Vinda de Cristo. Os pré-tribulacionistas às vezes respondem que, quando as declarações foram feitas, não poderiam significar que a vinda era iminente, porque esses acontecimentos intervenientes ainda tinham de ocorrer. Agora, porém, depois de terem sido cumpridos, a vinda é iminente. O problema, no entanto, é mais profundo do que isso. Se, na ocasião em que as palavras foram ditas e ouvidas pela primeira vez, não exigiam o conceito da iminência, então as palavras não requerem iminência tampouco no tempo presente. O decurso de alguns anos não investe e não pode investir a linguagem com significado que não tinha previamente. O pré-tribulacionista pode argumentar que as palavras podem ser entendidas com significado, como, por exemplo, “O Senhor pode vir a qualquer tempo, a não ser que Pedro ainda não tenha envelhecido”. Porém, é justamente esse o ponto principal. Não há razão alguma pela qual exceções adicionais não sejam acrescentadas à lista, como, por exemplo, “O Senhor pode vir a qualquer tempo, a não ser que a grande tribu­ lação ainda não tenha ocorrido”. O outro grande problema para o pré-tribulacionismo diz res­ peito às passagens bíblicas em que veem descrições do arrebatamento (a vinda para a igreja). Uma delas é 1Tessalonicenses 4.16-17. Embora se suponha que o arrebatamento (em que o Senhor não vem ” John F. Walvoord, Premillennialism and the Tribulation, p. 2.

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totalmente até a terra) seja relativamente indiscernível, não visto pelos descrentes, sua descrição (“dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus”) faz com que soe como algo inconfundível. A sugestão dos pós-tribulacionistas de que essa seja uma referência, não a uma “vinda para” a igreja, mas a uma só Segunda Vinda de Cristo parece encaixar-se melhor na descrição. Outra dificuldade ocorre em conexão com a referência a apos­ tasia, em 2Tessalonicenses 2.3. Embora seja verdade que “partida” é uma tradução possível, será que é a melhor tradução? No contexto, nada parece sugerir uma partida (ou “arrebatamento”) dos crentes. Uma regra segura de interpretação é adotar o sentido mais comum ou provável de um termo a não ser que haja alguma boa razão no contexto para adotar outro. Visto que o contexto fala do homem do pecado e da iniqüidade e injustiça que acompanharão sua vinda, parece mais razoável traduzir apostasia no sentido usual de “apostasia ou desvio da te . •

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Capítulo 3

Pós-tribulacionismo

ánto o pós-tribulacionismo como o pré-tribulacionismo são em Ttécnicos, princípio uma subdivisão do pré-milenismo. Em termos todos os não pré-milenistas são pós-tribulacionistas. No

entanto, poucos não pré-milenistas se preocupam com a ideia de uma tribulação. Por esse motivo, com segurança, podemos limitar nosso tratamento do pós-tribulacionismo ao pós-tribulacionismo de variedade pré-milenista. Panorama do pós-tribulacionismo

Naturalmente, o primeiro aspecto principal do pós-tribulacionismo está no fato de a Igreja não ser retirada do mundo antes da tribulação, tendo de passar por ela, suportando-a pela graça e força de Deus. Somente depois desse grande e terrível período é que Cristo virá.1 Os pós-tribulacionistas não acreditam que o arrebatamento seguirá a tribulação, pois não empregam os termos arrebatamento e 1 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 88.

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transladação (nenhum dos quais é termo bíblico). Não que o póstribulacionista deseje suportar a tribulação — nada poderia estar mais longe de seus desejos — mas não encontra evidência na Bíblia para esse tipo de livramento da grande aflição que está por vir. É muito comum a argumentação pré-tribulacionista de que a igreja certamente não será exposta à ira de Deus. O pós-tribula­ cionista prontamente concorda com isso: de fato, insiste nesse aspecto. O pós-tribulacionista frequentemente distingue entre a grande tribulação e a ira de Deus. A tribulação, que é parcialmente infligida pelos não cristãos e o diabo, será experimentada por todos que estiverem vivos e sobre a terra na ocasião. A ira de Deus coinci­ dirá em parte com a tribulação, mas visa somente aos ímpios; os santos de Deus serão poupados dela. No fim da tribulação, Cristo virá pela segunda vez. Essa é a esperança do cristão. Implícito nessa crença há o conceito de que a volta do Senhor será um acontecimento unitário.2 Não terá duas etapas ou duas fases — uma vinda para e uma vinda com a igreja. Todas as passagens que se referem a uma vinda do Senhor se referem a esse acontecimento único. Essa vinda concluirá o período da gran­ de tribulação, estabelecerá o reino de Deus na terra e prescederá o período do milênio. Embora o termo arrebatamento raras vezes ou nunca seja usado pelos pós-tribulacionistas, o que o termo designa realmente acontecerá no fim da tribulação. Quando Cristo vier, os santos que já morreram serão ressuscitados. Eles, junto com os santos que estiverem vivos, serão levados a encontrar-se com o Senhor e depois voltarão à terra para reinar com ele. Portanto, para o pós-tribulacionista, há apenas duas ressur­ reições: a de todos os mortos justos no começo do milênio e a de todos os restantes (os ímpios) no fim do milênio. Por não haver 2 Ibid., p. 70.

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qualquer interlúdio entre a vinda para a igreja e a vinda com a igreja, nenhum santo morre durante o interlúdio e não há necessidade de outra ressurreição dos justos.3 O pós-tribulacionista é geralmente menos literal na abordagem das últimas coisas do que o pré-tribulacionista. Isso pode ser obser­ vado de várias maneiras. O pós-tribulacionista não tem certeza de que a tribulação durará precisamente sete anos. A referência em Daniel diz respeito a setenta períodos de “sete”, o que é entendido por muitos como semanas e semanas de anos, em vez de dias. Passa­ gens que descrevem a tribulação propriamente dita não especificam sua duração. O pós-tribulacionista também tem dúvidas quanto à duração do milênio. Sua certeza é a de que o Senhor pessoalmente regerá a terra por um período extenso de tempo. Além disso, o pós-tribulacionista não encontra nas Escrituras o quadro bem detalhado do milênio como encontra o pré-tribula­ cionista. Este último vê no milênio o cumprimento de muitas passa­ gens proféticas do Antigo Testamento; o pós-tribulacionista não vê o milênio como um grande repositório do cumprimento profético. O ethos do pós-tribulacionismo, portanto, é bem diferente do pré-tribulacionismo, sendo, de muitas maneiras, mais semelhante ao do amilenismo. Se um pré-tribulacionista entendesse que não há evidência bíblica suficiente a favor de um milênio, isso exigiria uma alteração muito importante de seu sistema escatológico como um todo. Contudo, exigiria um ajuste bem menos radical para a maioria dos pós-tribulacionistas. Em outras palavras, o milênio desempenha um papel bem menos crucial na teologia deles. No esquema pós-tribulacionista, há sinais ou indicações da proximidade da vinda do Senhor — em especial, a grande tribulação. Poderíamos esperar, portanto, que os pós-tribulacionistas fossem 3 Ibid., p. 82.

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fixadores de datas, mas são exatamente o oposto. Por não ser certa a duração da tribulação, nenhum cronograma ou tabela é possível. A ideia da iminência é afetada por esse conceito também. Mui­ tos pós-tribulacionistas empregam o adjetivo iminente para a Segunda Vinda, mas a grande maioria dos pós-tribulacionistas quer dizer por isso, não que a vinda de Cristo pode ocorrer a qualquer momento, mas que está pendente. A seqüência de acontecimentos que inclui a vinda do Senhor pode possivelmente estar próxima. E esse complexo de acontecimentos que está iminente, não um só acontecimento específico.4 O pós-tribulacionista tem uma esperança, mas não a do livra­ mento da tribulação vindoura. Alguns pré-tribulacionistas afirmam que a vinda do homem do pecado não é base para esperança. O pós-tribulacionista afirma, no entanto, que sua esperança é que, ocorra o que ocorrer, o Senhor virá e trará tudo a um fim. Sua espe­ rança está na Segunda Vinda do Senhor.5 De acordo com a crença pós-tribulacionista, a referência feita aos eleitos presentes em meio à tribulação diz respeito à igreja, não aos judeus eleitos. Esse fato ressalta outro aspecto da teologia da maioria dos pós-tribulacionistas: não há uma distinção aguda entre Israel e a igreja. Embora Israel provavelmente tenha um lugar especial nos últimos tempos, isso não acontecerá porque Deus volta a tratar Israel como nos tempos mais antigos, mas porque um grande número de judeus será incluído na igreja.6 A igreja tomou o lugar do Israel nacional como povo da aliança de Deus, de acordo com o pós-tribulacionismo.7 Paulo declarou em Gálatas 3 que aqueles que têm a fé de Abraão, em vez 4 Robert H. Gundry, The Church and the Tribulation, p. 29-43. 1 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 13. 6 George E. Ladd, Israel and the Church, p. 210-213. 7 Ibid., p. 207.

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do sangue de Abraão, são os filhos verdadeiros de Abraão. Em vez de ser totalmente imprevista nas profecias do Antigo Testamento, como alegam alguns pré-tribulacionistas, a igreja cumpre muitas daquelas profecias e promessas. Alguns pós-tribulacionistas enten­ dem que a igreja inclui todos os crentes em todos os tempos e lugares. Restringir “os eleitos” na tribulação a certos judeus literais ou nacio­ nais é, portanto, inconcebível. O pós-tribulacionismo combina elementos de dois outros pontos de vista em seu entendimento do reino de Deus. Como o pós-milenismo, vê o reino como presente na terra ou no coração do homem e no tempo. Como o pré-milenismo pré-tribulacionista, vê o reino como futuro e pertencente a outro mundo. O reino não está crescendo e se espalhando gradualmente; virá de forma dramá­ tica quando o Senhor voltar. Para o pós-tribulacionista, o reino é tanto presente quanto futuro.8 Basiléia significa basicamente “o reino de Deus”, não “um domínio” sobre o qual ele é soberano.9 Por conseqüência, já está presente; reina no coração de todos que nele creem e a ele obedecem. Jesus disse: “está próximo o reino dos céus” (Mt 4.17). Mesmo assim, será plenamente realizado primordialmente no futuro. Somente quando Cristo voltar é que cada joelho se dobrará diante dele e cada língua o confessará como Senhor. De acordo com o julgamento pós-tribulacionista, é importante não negligenciarmos nenhum aspecto do reino em favor de outro. História do pós-tribulacionismo

No capítulo anterior, notamos que, embora houvesse uma forte linha pré-milenista (ou quiliasta) na teologia cristã primitiva, não 8 George E. Ladd, Kingdom ofG od— Reign or Realm?, p. 236-238. 9 Ibid., p. 230-238.

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havia esperança de um arrebatamento antes da tribulaçao. Pelo contrário, a expectativa da vinda de Cristo incluía os aconteci­ mentos que precediam e acompanhavam sua vinda. Certamente, havia uma antecipação de que esse complexo de acontecimentos ocorresse logo, mas a expectativa se direcionava aos acontecimentos como um todo — a vinda do Anticristo, a grande tribulaçao e a volta de Cristo. Elaboremos um pouco mais esse ponto de vista da igreja primitiva, bem como a história posterior do pós-tribulacionismo. O autor da Epístola de Barnabé não poderia ter esperado que Cristo voltasse a qualquer momento, pois esperava antes um grande período final de aflição. Advertia os crentes a fugirem das obras do mal, a odiarem o presente século e a buscarem com seriedade aquilo que podia salvá-los. A igreja passaria pela tribulação, e Cristo viria destruir o Anticristo somente no término dela. Em especial, o autor da Epístola de Barnabé acreditava que o fim não viria até que o Império Romano tivesse sido dividido em dez reinos. Tal fato obvia­ mente não poderia ocorrer de forma repentina, já que naquele tempo o poderio de Roma estava no auge.10 Justino Mártir (100-165), um dos pais mais antigos claramente pré-milenista, antevia os crentes sofrendo grande perseguição e tormentos antes da vinda do Senhor. Sua referência ao Anticristo, embora breve, é um indicativo suficiente de que Justino acreditava que aqueles sobre os quais esse maligno exerceria sua crueldade incluiria a igreja. Justino acreditava que os sofrimentos que o Anti­ cristo infligiria sobre os crentes não seriam muito mais severos do que aqueles que os cristãos já estavam sofrendo por sua fé.11Assim, 10 Epístola de Barnabé, 4.3-4; 15.5. " Diálogo com Trifon, 110.

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em certo sentido, a grande tribulaçao seria apenas uma extensão e intensificação daquilo que já estava presente. O próprio Justino veio a ser um mártir por sua dedicação a Cristo. Tertuliano (160-230) era um pré-milenista declarado e clara­ mente antecipava o estabelecimento de um reino de Cristo sobre a terra. Numa passagem, dá a impressão de acreditar numa vinda de Cristo a qualquer momento: “Mas que espetáculo é esse advento de nosso Senhor que rapidamente se aproxima; agora é reconhecido por todos, agora é grandemente exaltado, agora é o Triunfante!”.12 No entanto, ele não pode ser considerado um pré-tribulacionista. Não acreditava que o fim pudesse vir a qualquer momento, pois tinha em mente que seria precedido e anunciado por sinais de adver­ tência. Ele exortava seus leitores a orarem por libertação das coisas vindouras. A esperança e as orações de Tertuliano não eram no sentido de o Senhor vir removê-lo da tribulação, mas de que pudesse permanecer em pé diante do Filho do Homem, mesmo depois de uma série de sinais cósmicos terem aparecido e “todas essas coisas terem acontecido”.13 Lactâncio (250-320) discutiu os tempos do fim detalhada­ mente. Numa passagem disse que os profetas tinham “previsto sinais mediante os quais a consumação dos séculos deve ser esperada da nossa parte, dia após dia, e ser temida”.14 Essa declaração talvez soe como uma crença na vinda a qualquer momento. No entanto, me­ diante um exame mais profundo, fica evidente que aquilo que cons­ 12 The Shows30, trad. S.Thelwall, em The Ante-Nicene Fathers, ed. Alexander Roberts; James Donaldson, 10 v., Buffalo, Christian Literature, 1885-1896, 3:91. 13 On the Ressurrection ofthe Flesh 22, trad. Holmes, em The Ante-Nicene Fathers, 3:560-561. 14 The Divine Institutes 7:25, trad. William Fletcher, em The Ante-Nicene Fathers, 7:220.

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tantemente se esperava não era a vinda de Cristo, mas a ocorrência de uma série de sinais que precedessem a sua vinda. Lactâncio seguia a interpretação histórica e via a história humana como um período de seis mil anos, seguido por outros mil anos, o milênio. Acreditava que, dos seis mil anos, todos já decorreram, exceto duzentos e cin­ qüenta anos. Durante os anos restantes, algumas mudanças de grande importância teriam de ocorrer. O Império Romano deveria cair e o governo voltar à Ásia, porque o Oriente teria de governar o mundo inteiro mais uma vez.'5 Lactâncio descreveu vividamente as condições horríveis que prevalecerão nos últimos tempos. A tribulação será tão severa que destruirá nove décimos da raça humana. A igreja, assim como o mundo, sofrerá esses males dos tempos do fim. O Anticristo virá e perseguirá os justos durante os últimos 3 anos e meio. Um sinal especial anunciará a vinda de Cristo: “Cairá repentinamente do céu uma espada, a fim de que os justos saibam que o líder da guerra santa está para descer”. Todas essas considerações indicam que Lactâncio era um pós-tribulacionista.16 Hipólito (m. 236?), bispo de Roma na primeira parte do século lll, escreveu um tratado sobre o Anticristo. Interpretou Apocalipse 12 como sendo um ensinamento de que o adversário perseguiria a Igreja. Definitivamente, identificou os “santos” em Apocalipse 12 como sendo a igreja. Jesus Cristo virá do céu somente depois da abominação da desolação ter sido estabelecida e depois de ocorrerem todos os acontecimentos acompanhantes.17 George E. Ladd resumiu o período patrístico com aparente exatidão: 15 Ibid., 7:25, 15, em 7:220, 212-213. 16 Ibid., 7:16-17, 19, em 7:213-216. 17 Treatise on Christ and Antichrist, 60-61.

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C a d a pai d a igreja que trata do assunto prevê que a igreja sofrerá às m ã o s d o A n tic risto . D e u s p u rific a ria a ig re ja atrav és d o sofrim en to, e C risto a salvaria m ediante su a volta no fim da tribulaçao q uan d o, então, destruiria o A nticristo, livraria su a Igreja, traria o m u n d o ao fim e inauguraria seu reino m ilenar. O p o n to de vista que prevalece é o pré-m ilenism o p ós-tribu lacion al.18

Como observado antes, a posição escatológica de Agostinho tornou-se cada vez mais dominante durante a Idade Média, e o pré-milenismo entrou em eclipse. Alguns segmentos da Reforma eram pré-milenistas na sua orientação, e todos eram da variedade pós-tribulacionista. Algumas dessas seitas passaram por verdadeira oposição e até perseguição — boa parte delas eram religiosas em tipo e natureza — de modo que não é de surpreender que essas seitas previssem que a igreja permaneceria na terra durante a grande tribulação. Somente quando o pietismo se desenvolveu na Igreja luterana é que o pré-milenismo entrou na denominação.19 Nos séculos xviii e xix, um grande número de estudiosos bíblicos impor­ tantes na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos era pré-milenista, entre eles Isaac Newton, Charles Wesley, Augustus Topladay, Richard C. Trench, Edward Bickersteth, Horatius Bonar, H. G. Guinness, C. J. Ellicott, Henry Alford, Joseph A. Seiss e H. J. Raven. Com exceção dos Irmãos de Plymouth, que eram dispensacionalistas, quase todos eram pós-tribulacionistas. Mesmo entre os Irmãos havia diversidade, visto que Tregelles e Benjamin W. Newton defendiam uma forma de pós-tribulacionismo.20 18 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 31. 19 Clarence Beckwith, Millennium, p. 376. 211 George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 41.

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Com a influência do dispensacionalismo que se espalhou em círculos conservadores e fundamentalistas, ocorreu uma polarização após a Primeira Guerra Mundial: a pessoa tinha de ser ou amilenista ou pré-tribulacionista. Ser um pré-milenista — um verdadeiro prémilenista — significava ser também pré-tribulacionista, na ideia de muitos dispensacionalistas. No entanto, imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, surgiu um movimento popularmente conhecido como o novo evangelicalismo, que desafiava muitos dos aspectos da aliança dispensacionalista-fundamentalista. Embora não fosse esse o enfoque da sua crítica, os novos evangélicos discordavam da doutrina de um arrebatamento pré-tribulacionista. Homens como Edward J. Carnell e Ladd desenvolveram e fizeram a exposição de um pré-milenismo pós-tribulacionista. Doutrinas do pós-tribulacionismo A presença da igreja na tribulação

O argumento principal de pós-tribulacionismo — dentro do contexto desse estudo — é que a igreja estará presente na tribulação. A igreja será poupada da ira de Deus, mas não da tribulação. A palavra grega thymos, que significa “um irrompimento violento de ira”, emprega-se em referência à ira de Deus em nove das dezoito vezes que aparece no Novo Testamento. Todas essas nove estão no Livro do Apocalipse, em que a ira divina é retratada ferindo somente os ímpios (em Ap 14.8 vem sobre a Babilônia; em 14.19 e 19.15, sobre os exércitos em Armagedom; em 15.1,7, e 16.1,19, sobre os habitantes da terra). A palavra grega orgê, que significa “um estado firme de ira”, emprega-se em referência à ira de Deus cerca de vinte e sete vezes no Novo Testamento. A orgê de Deus, segundo o argumento dos pós-tribulacionistas, cai somente sobre os ímpios, nunca sobre os justos. A evidência que apoia esse argumento é tanto positiva quanto

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negativa. Negativamente, somente os ímpios são descritos como vítimas dessa ira (Jo 3.36; Rm 1.18; 2Ts 1.8; Ap 6.16-17; 14.10; 16.19; 19.15). Positivamente, há declarações de que os crentes são: “por ele [Cristo] salvos da ira” (Rm 5.9), livres da ira vindoura (lTs 1.10), não destinados para a ira (lTs 5.9).21 Em contraste com isso, no entanto, há o conceito de tribulação, denotado pelo substantivo thlipsis e o verbo thlibõ. Das cinqüenta e cinco ocorrências dessas palavras no Novo Testamento, quarenta e sete têm conexão com a tribulação que será suportada pelos santos. Somente duas vezes a palavra se refere à ira de Deus contra os peca­ dores (Rm 2.9; 2Ts 1.6), e em nenhum desses dois casos se refere à ira de Deus contra os pecadores durante a septuagésima semana de Daniel. No contexto da septuasésima semana, tribulação se refere à perseguição dos santos (Mt 24.9, 21, 29; Mc 13. 19-24; Ap 7.14). A tribulação, portanto, não é a ira de Deus contra os pecadores, mas a ira de Satanás, do Anticristo e dos ímpios contra os santos.22 De acordo com várias passagens, a experiência normal, típica dos santos, é a tribulação. Jesus disse: “No mundo tereis tribulações; mas não vos desanimeis! Eu venci o mundo” (Jo 16.33). Paulo e Barnabé pregavam que devemos entrar no reino de Deus através de muitas tribulações (At 14.22). Paulo até mesmo disse: “mas também nos gloriamos nas tribulações” (Rm 5.3). João se identificou a seus leitores como “vosso irmão e companheiro na tribulação [...] em Jesus” (Ap 1.9). A igreja, destinada a tribulações em geral (lTs 3.3), tem enfrentado oposição e perseguição por muitos anticristos no decurso de toda esta era (ljo 2.18, 22; 4.3).23 21 Gundry, The Tribulation, p. 48-49; George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 122. 22 Gundry, The Tribulation, p. 4925 Ibid.

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Os pós-tribulacionistas não negam uma distinção entre a tribulação de forma geral e a grande tribulação. Notam, no entanto, que a palavra empregada para denotar a tribulação geral da igreja é a mesma usada em Mateus 24.21 para a grande tribulação. A diferença entre a última e a primeira é somente de intensidade, não de tipo. Isso produz, portanto, uma suposição de que a igreja, não tendo sido poupada da perseguição e da aflição durante qualquer outro período de tempo, não será poupada da tribulação dos últimos tempos.24 Essas distinções talvez pareçam insignificantes, mas se consti­ tuem em resposta a um dos argumentos dos pré-tribulacionistas, de que a igreja inevitavelmente deve ser arrebatada do mundo. John F. Walvoord expõe seu argumento da seguinte forma: “Por que um filho da graça de Deus — que é salvo pela graça, conservado pela graça, que tem todas as promessas maravilhosas de Deus — deve ser forçado a passar por um período que, segundo a Escritura, é expressamente designado como tempo de julgamento sobre um mundo que rejeita a Cristo?”.25 O pós-tribulacionista concorda com o pré-tribulacionista que os santos não podem passar e não passarão pela ira de Deus. No entanto, argumenta, citando os dados lingüís­ ticos mencionados, que a igreja não precisa ser arrebatada antes da grande tribulação. Mas a Escritura realmente fala de libertação, remoção ou escape dos santos — presumivelmente a igreja — da aflição que os aguarda. Não se inclui aqui a ideia de um arrebatamento? Um exemplo primordial é a exortação de Jesus: “Vigiai, pois, orando em todo o tempo, para que possais escapar de todas essas coisas que haverão de acontecer e ficar em pé na presença do Filho do Homem” (Lucas 21.36). No entanto, os pós-tribulacionistas, como Robert H. 24 Ibid., p. 50. 21 John F. Walvoord, The Thessalonian Epistles, p. 83.

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Gundry, têm um modo de tratar esse tipo de passagem de uma maneira consistente com seu quadro escatológico básico. Gundry notou que o contexto precedente a Lucas 21.36 indica que os ouvintes de Jesus viveriam no tempo do Anticristo e da tribulação. Frequentemente os pré-tribulacionistas interpretam esse fato no sentido de que os discípulos, sendo judeus, representam o Israel literal. Assim, os eleitos presentes durante a tribulação são judeus eleitos. Tornar isso uma evidência de que a Igreja será arreba­ tada da tribulação parece uma interpretação um pouco forçada. Além disso, a palavra traduzida por “escapar” é ekpheugõ, “escapar do meio de”. Entender essa palavra no seu sentido mais óbvio claramente contradiz a doutrina pré-tribulacionista de que a igreja nunca se verá na tribulação.26 Lima passagem que tem sido objeto de muito exame e contro­ vérsia é Apocalipse 3.10: “Porque deste atenção à minha exortação à perseverança, eu também te guardarei (têreõ) da (ek) hora da provação que virá sobre o mundo inteiro, para pôr à prova os que habitam sobre a terra”. A interpretação desse versículo depende do significado da preposição ek. Os pós-tribulacionistas argumentam basicamente que o sentido primário de ek, “sair de dentro”, refuta a interpretação pré-tribulacionista do versículo. Para a Igreja emergir de dentro da hora do teste, deve ter estado presente durante esse teste.27 E verdade que ek e apo (“fora de”) frequentemente denotam o mesmo relacionamento. Nesses casos, no entanto, não é porque ek perdeu a ideia de “dentro para fora”, mas porque apo acrescentou ao seu significado central um significado adicional.28

26 Gundry, The Trihulation, p. 53. 27 Ibid., p. 55. 28 Ibid., p. 56.

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João emprega ek aproximadamente 336 vezes, muito mais do que qualquer outro escritor do Novo Testamento. Em todos os casos, a ideia de emergir ou de origem é o significado mais apropriado ao contexto. O uso da palavra em João, portanto, parece ser bem estabelecido.29 Os pré-tribulacionistas às vezes alegam que, se for correto o ponto de vista pós-tribulacionista, então, no lugar de ek haveria dia (“através de”) ou en (“em”). Gundry respondeu que a questão é a ênfase. En teria colocado toda a ênfase na presença “dentro de”. Dia teria enfatizado a entrada, a presença “dentro de” e a saída. Mas ek coloca toda a ênfase sobre a saída, ressaltando, assim, o resul­ tado final e vitorioso do preservar e guardar. A mesma ênfase aparece em Apocalipse 7.14, em que os santos saem “fora da {ek) grande tribulação”. Segundo Gundry, a pergunta importante é por que João não empregou apo em Apocalipse 3.10, que pelo menos permitiria uma interpretação pré-tribulacionista, ou por que não usou uma preposição que exigiria essa interpretação — ektos, exõthen, aneu ou chõris.30 A última questão importante em Apocalipse 3.10 é o significado do verbo têreõ. Quando uma situação de perigo está à vista, têreõ significa “guardar”. O perigo está implícito na ideia de guardar. Se a igreja está no céu nessa ocasião, conforme ensina o pré-tribulacionismo, então qual poderia ser o perigo para que haja necessidade da mão protetora de Deus sobre ela? Em toda a Septuaginta e em todo o Novo Testamento, têreõ sempre denota proteção na esfera do perigo.31 Somente em um trecho do Novo Testamento têreõ ocorre com ek\ “Não rogo que os tires (airõ) do (ek) mundo, mas que os guardes 29 Ibid., p. 57. 30 Ibid., p. 57-58. 31 Ibid., p. 58.

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(,têreõ) do {ek) Maligno” (João 17.15). Airõ ek, que significa “levantar, erguer ou remover”, parece descrever perfeitamente o que o arrebatamento será — um levantar ou remoção. Entretanto, está precisamente em contraste e oposição à ideia que Jesus emprega têreõ ek na segunda cláusula. Parece estranho que em Apocalipse 3.10 têreõ ek possa ter o próprio significado que parece contradizer em João 17.15. Nem é possível eliminar o paralelo entre os dois versículos ao distinguir um âmbito moral em João 17.15 e um âmbito físico em Apocalipse 3.10, pois é a presença física dos discípulos que os coloca na esfera moral do maligno.32 0 encontro “nos ares”

Outra doutrina importante do pré-tribulacionismo é o conceito dos crentes que se encontram com o Senhor “nos ares”. Quando Cristo vem para os santos antes da tribulação, eles o encontrarão nos ares e ele os levará com ele para o céu por sete anos. Ali, aguardarão sua volta triunfante para estabelecer o seu reino na terra. Contudo, no sistema de referência pós-tribulacionista, os crentes serão arrebatados para um encontro com o Senhor no fim da tribulação e imediatamente o acompanharão na sua descida triunfante para a terra. Qual desses conceitos é apoiado pelo significado de apantêsis, a palavra traduzida por “encontro” em ITessalonicenses 4.17? Essa é uma pergunta crucial. O pós-tribulacionista argumenta que o signi­ ficado de apantêsis se adapta melhor ao conceito dele do que ao do pré-tribulacionista. Essa palavra aparece em apenas dois outros lugares no Novo Testamento (a ocorrência em Mateus 27.32 é textualmente duvidosa). Uma referência explicitamente escatológica ocorre na parábola das 32 Ibid., p. 58-59.

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virgens prudentes e néscias (Mt 25.6). Aqui o grito de aviso quando o noivo vem era: “Eis o noivo! Saí ao seu encontro {apantêsis)'.”. Como responderam as virgens prudentes? Saíram como grupo de boas-vindas e se encontraram com ele em algum outro lugar além de onde a festa do casamento haveria de ser celebrada. Depois volta­ ram e o acompanharam ou escoltaram para o lugar das bodas. Presume-se que não interromperam o avanço do noivo nem inverteram sua direção; nem elas nem ele partiram para algum outro lugar para um interlúdio, depois do qual voltaram juntos. A palavra ocorre, também, numa passagem de narrativa que não é escatológica, Atos 28.15-16. Aqui, Paulo e seus acompa­ nhantes estavam se aproximando de Roma. Um grupo dos irmãos em Roma, quando souberam de sua aproximação, foram até a Praça de Apio e as Três Tabernas para o “encontro” {apantêsis) deles. Esse encontro animou bastante a Paulo, e ele, junto com o grupo das boas-vindas, continuou até Roma. Aqui também, o termo é empre­ gado para um grupo de boas-vindas que sai para encontrar-se com um hóspede e depois volta com ele para seu destino. Se é esse o significado básico de apantêsis, como então podemos interpretar ITessalonicenses 4.17? Cristo voltará, e os mortos justos serão ressuscitados para encontrar-se com ele, seguidos pelos crentes que ainda estiverem vivos sobre a terra. Esses dois grupos se tornarão uma só grande comitiva de boas-vindas e, quando se encontrarem com o Senhor, ele não virará para ir embora com eles. Pelo contrário, eles farão a volta para acompanhá-lo à terra. A palavra apantêsis tem exatamente o mesmo significado aqui que tem nas outras duas referências no Novo Testamento, especialmente em Mateus 25.6. Nada no estudo comparativo da palavra sugere a remoção dos crentes para algum outro lugar, conforme a visão pré-tribulacionista parece requerer.33 " George E. Ladd, The Blessed Hope, p. 90-92.

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A remoção daquele que detém

Mais uma passagem significante é 2Tessalonicenses 2.6-7: “E agora sabeis o que o detém para que seja revelado no tempo certo. Pois o mistério da impiedade já está atuando, e falta apenas ser tirado do caminho aquele que agora o detém”. A interpretação geral prétribulacionista daquele que detém identifica-o com o Espírito Santo. Visto que o Espírito Santo agora habita na igreja, removê-lo do caminho necessariamente requer o arrebatamento ou a remoção da igreja para fora do mundo. Os pós-tribulacionistas interpretam essa passagem de duas maneiras básicas: (1) aquele que detém é o Espírito Santo, mas sua retirada não acarreta a remoção da igreja; ou (2) aquele que detém não é o Espírito Santo. As duas interpretações concordam, no entanto, que a remoção daquele que detém não é o arrebatamento da igreja. Ladd representa aqueles que não identificam o detentor com o Espírito Santo. Para ele a expressão “que seja afastado” (literal­ mente, “que saia do meio”) talvez não se refira de modo algum àquele que detém, mas ao Anticristo. O poder que detém seria, então, o poder do próprio Deus, e a passagem seria parafraseada da seguinte forma: “Pois o mistério da iniqüidade já opera; só que tem quem agora detém, a saber, Deus, até que ele, o Anticristo, saia do meio”. Ladd afirmou que essa interpretação melhor se encaixa na organização dos versículos 6 e 7. Esses dois versículos dizem preci­ samente a mesma coisa, e há um equilíbrio semelhante nas duas partes de cada versículo. 6 a E , agora, sabeis o que o detém [o p od er de D e u s]. 6b p ara q ue ele [Anticristo] seja revelado na sua ocasião própria. Pois o m istério d a in iq ü id ad e já opera:

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7a som ente q ue há um [D eus] que agora detém 7 b até que ele [Anticristo] seja rem ovido d o cam inho [ a s v ] ,

Ladd prontamente reconheceu que essa não é uma interpre­ tação autoritativa, mas afirmou que, pelo menos, é tão possível quanto aquela que torna o Espírito Santo aquele que detém, além de se “adaptar ao movimento da passagem de modo mais natural”. De qualquer maneira, disse que qualquer colocação para encontrar nessa passagem apoio para um arrebatamento pré-tribulacionista não passa de uma suposição.34 Gundry defendeu a outra interpretação pós-tribulacionista daquele que detém, a saber, o Espírito Santo. Sua primeira razão é que esse ponto de vista era sustentado por alguns na igreja primitiva. Em segundo lugar, parece que, para deter uma pessoa, é necessário outra pessoa. Em terceiro lugar, essa interpretação explica melhor a mudança do neutro (“o que detém”, to katechon) para o gênero masculino (“aquele que detém”, ho katecbôn)-. Paulo primeiramente se referiu ao que detém como neutro porque a palavra Pneuma (“Espírito”) é neutra e depois se referiu àquele que detém como masculino porque o Espírito tem personalidade.35 A interpretação pré-tribulacionista do que detém, dizem os pós-tribulacionistas, tem algumas sérias incongruências. Entre outras coisas, Jesus deu claramente a entender que o Espírito Santo estará presente durante a tribulação. Ele disse àqueles que seriam suas testemunhas durante aquele período: “porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo” (Mc 13.11). Durante a tribulação, parece que o Espírito Santo dará poder aos crentes para a evangelização e operará a regeneração numa escala ainda maior do que faz 14 Ibid., p . 95. 34 Gundry, The Tribulation, p. 125.

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agora. A despeito do aumento da atividade satânica, os resultados da operação do Espírito Santo serão mais evidentes então do que agora. Isso deve requerer um aumento da obra do Espírito, não uma diminuição dela. Além disso, não é correto pensar que o Espírito nunca opera à parte da igreja. É bem possível que o Espírito possa reter o maligno sem usar a igreja e que possa então retirar aquele poder detentor sem remover a igreja ou mesmo sem cessar sua obra em geral.36 Avaliação do pós-tribulacionismo Aspectos positivos

Uma das maiores forças do pós-tribulacionismo é sua versatilidade em tratar com a Escritura. Esse esquema de interpretação parece levar em conta o mais largo alcance da Escritura. Oferece interpretações apropriadas e plausíveis de todos os tipos de matéria bíblica relevante — os escritos apocalípticos, os livros proféticos, os ensinos escatológicos de Jesus e muito mais. Em outras palavras, não se baseia em alguns poucos textos-prova cuidadosamente selecionados. Não somente tira suas conclusões de uma ampla faixa da Escri­ tura, mas parece lidar de modo mais natural com essas Escrituras do que o pré-tribulacionismo. De modo geral, as interpretações pós-tribulacionistas das passagens-chave parecem se encaixar bem no sentido natural dessas passagens. Em outras palavras, o pós-tri­ bulacionismo não depende de escavar significados secretos. Por exemplo, quando a Escritura fala dos santos da tribulação, dos eleitos e assim por diante, o pós-tribulacionismo não lhes dá um significado radicalmente diferente do seu significado em outras partes da Bíblia. 36 Ibid., p. 126-128.

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Sao simplesmente o mesmo tipo de crentes referidos a partir dos tempos de Cristo. De modo semelhante, a remoção da igreja não é, de alguma maneira, “contrabandeada” para dentro de textos (como 2Ts 2.3) que, na superfície, se referem à apostasia. Embora o termo apostasia certamente possa significar uma partida num sentido diferente do sentido mais comum ou freqüente, o significado mais comum ou natural deve ser suposto a não ser que o contexto requeira um significado especializado. Na ausência de tais indicações contextuais, o sentido normal deve permanecer em vigor. Nesse aspecto, parece que o pós-tribulacionismo lida com a Escritura de modo mais regular e adequado do que o pré-tribulacionismo. Outra maneira de expressar isso é dizer que o pós-tribulacio­ nismo revela menos tendência que seu concorrente de ler ideias preconcebidas em um texto. Quase nunca encontra num texto certas ideias que só seriam identificadas mediante a leitura do texto com um sistema preconcebido. Por outro lado, suas interpretações de passagens, embora sejam naturais, não entram em conflito com conceitos pós-tribulacionistas. O pós-tribulacionismo também se opõe muito bem àquilo que tem sido coloquialmente referido como a mentalidade de “tirar o corpo fora”. Depois de 1918, o fundamentalsmo americano revelou fortes tendências tão presas ao outro mundo que levaram muitos seguidores a negligenciar responsabilidades reais enquanto meditavam na esperança de um lar celestial. Na escatologia, esse conceito encontra expressão no desejo de que a igreja seja “arreba­ tada” para fora do mundo para não precisar enfrentar a grande tribulação. O pós-tribulacionismo não oferece escape algum das adversidades. Pinta um quadro muito realístico das exigências, custos e dores da vida cristã, enquanto relembra aos crentes dos recursos de poder aos quais podem recorrer quando estiverem em meio à adversidade.

Pós-tribulacionísmo

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Finalmente, o pós-tribulacionismo oferece uma base para a antecipação cristã. Não busca calcular todos os pormenores das últimas coisas ou explicar cabalmente todos os símbolos envolvidos na escatologia bíblica, e em geral exerce real controle e cuidado em fixar datas. Ao agir assim, tem conseguido conservar algo do senso genuíno de mistério a respeito da revelação bíblica. Há uma con­ fiança nos fatos principais da escatologia e também uma crença de que, quando o Senhor vier, os fatos remanescentes serão revelados, e o recebimento dessa revelação se constituirá em parte da alegria na consumação do plano de Deus. Aspectos negativos

Há, no entanto, certos aspectos negativos no pós-tribulacionismo em sua formulação em geral. Um é a relativa falta de clareza de grande parte de suas afirmações. Ao passo que os pré-tribulacionistas falam do milênio como sendo precisamente mil anos e da tribulação como sendo exatamente sete anos, o pós-tribulacionista frequente­ mente não tem certeza quanto à duração de cada um. Simplesmente sabe que haverá tais períodos. Isso torna o milênio um pouco despojado de cor. A relativa falta de detalhamento concreto acerca do milênio resulta em pouco fundamento lógico para um milênio. De modo semelhante, a relativa ausência de significados inequívocos para os símbolos escatológicos na Escritura dá ao pós-tribula­ cionismo menos persuasividade retórica do que o pré-tribulacionismo normalmente possui. Em alguns aspectos e em algumas questões, o pós-tribulacionismo é praticamente impossível de se distinguir do amilenismo. Há, também, frequentemente falta de informações positivas da parte do pós-tribulacionismo. Em parte, isso se deve ao fato de ter sido muito enunciado em anos recentes em reação e contraste

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Conceitos tribulacionistas

ao pré-tribulacionismo, sendo, portanto, identificado como a visão de que a igreja não será arrebatada antes da grande tribulação. Parcial­ mente isso resulta do fato de que sua doutrina principal é desagra­ dável, a de que os crentes terão de passar por severa tribulação. Além disso, porém, muitos pós-tribulacionistas simplesmente não estão desejosos de enunciar sua posição. Nos ambientes em que o pré-tribulacionismo tem sido praticamente equivalente à orto­ doxia, alguns pastores pós-tribulacionistas recusam-se a ser dogmá­ ticos quanto à sua posição, dando, portanto, a impressão de não ter convicção ou mesmo compreensão do que acreditam. Pelo fato de o pós-tribulacionismo considerar matizes sutis de significado e definições precisas na escatologia como algo menos importante do que para o pré-tribulacionismo, não tem ressaltado o estudo intensivo da escatologia como tem feito o pré-tribulacio­ nismo. No desejo de evitar minúcias em excesso, às vezes tem exagerado a reação e, portanto, falhado em enfatizar suficientemente os grandes fatos centrais escatológicos, tais como a Segunda Vinda gloriosa e corpórea do Senhor. Num período de interesse ressurgente e geral na escatologia, esse fato deve certamente ser considerado um demérito.

Capítulo 9

Posições intermediárias

os dois capítulos anteriores, discutimos duas visões não apenas contraditórias, mas também opostas. Elas são diametralmente opostas em questões essenciais. Sendo cada uma dessas posições sustentada por considerações até certo ponto válidas e sendo os dois pontos de vista contrários, deveríamos esperar que algumas posições intermediárias também surgissem; conceitos que incorporariam aspectos relevantes tanto do pré-tribulacionismo como do pós-tribulacionismo. Tais conceitos realmente têm sido propostos, e três deles discutiremos neste capí­ tulo: o conceito mesotribulacionista, o conceito do arrebatamento parcial e o conceito pós-tribulacionista iminente. Uma breve exposi­ ção de cada um deles ajudará a orientar-nos para uma explicação mais completa desses três conceitos. O mesotribulacionismo ensina que a igreja estará presente na terra durante uma parte da tribulação e que, portanto, a experimen­ tará. A diferença é que a igreja será removida antes da pior parte da tribulação. O conceito de arrebatamento parcial vê um segmento

N

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da igreja arrebatado antes da tribulação e outro segmento que per­ manece na terra durante toda a tribulação. Assim, o arrebatamento é pré-tribulacional para alguns crentes e pós-tribulacional para outros. O último dos três conceitos, como o próprio nome apre­ senta, concebe a vinda de Cristo como um fato tanto iminente quanto pós-tribulacionista. Essas três visões, portanto, podem ser diferenciadas observando a divisão que fazem de três elementos: (1) a duração da tribulação, (2) o corpo dos crentes e (3) a ligação entre a vinda iminente e pós-tribulacionista de Cristo. 0 conceito mesotribulacionista

O mesotribulacionismo é o ponto de vista de que a igreja passará pela primeira metade daquilo que é identificado como a grande tribulação ou como os sete anos da septuagésima semana de anos de Daniel. Embora um pouco simplificada, a seguinte declaração representa a posição de modo bastante acurado. Dois intérpretes recentes de destaque dessa posição são James O. Buswell, Jr., (18951976) e Norman B. Elarrison (1874-1960). Um primeiro aspecto importante dessa teoria é que os “esco­ lhidos” mencionados por Jesus no grande discurso escatológico (e.g., Mt 24.22; Mc 13.20) não são judeus; são os santos no sentido usual da igreja. Buswell argumentou em prol dessa ideia, fundamen­ tando-se em duas bases:1 1. Os evangelhos segundo Mateus e Marcos foram escrit algum tempo depois de as epístolas de Paulo terem sido escritas e circuladas. O vocabulário de Paulo e o significado que dava às pala­ vras seriam, portanto, familiares aos crentes daqueles dias. E razoável 1 James O. Buswell Jr., A Systematic Theology o f the Christian Religion, 2:393-394.

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esperar que, se o Senhor tivesse desejado dizer por “escolhidos” algo diferente daquilo que Paulo queria dizer com a palavra em passagens como Romanos 8.33, então Mateus e Marcos teriam dado alguma indicação do fato, para evitar confusão. Não há, porém, qualquer indicação disso nos evangelhos. 2. Fica aparente que Cristo, ao responder a perguntas que lhe foram feitas pelos apóstolos nos evangelhos citados, estava falando não somente a eles, mas à igreja inteira no decurso da era presente. Tinha o hábito de acoplar referências aos apóstolos e à igreja inteira, como na grande comissão (Mt 28.18-20), na oração sacerdotal (Jo 17, especialmente o versículo 20) e em muitas outras passagens preciosas da nossa herança cristã. Em especial, quando Jesus anun­ ciou, em Mateus 24.15ss., a destruição vindoura de Jerusalém, falou primeiramente na segunda pessoa (“quando, pois, virdes...”) e depois, na terceira pessoa. Referiu-se aos judeus como “eles” e não como “vós”, considerando-os como um povo separado que sofreria naquela ocasião e no decurso da era. Além disso, a advertência de Jesus acerca da abominação da desolação (Mt 24.15) parecia a Buswell decididamente paralela à advertência de Paulo aos Tessalonicenses (2Ts 2.4). Mas os crentes tessalonicenses não eram primariamente judeus, mas gentios! 2 Buswell não se impressionou com o argumento de que Jesus forçosamente se referia a Israel por causa de a figueira ser um “tipo” de Israel na parábola (Mt 24.32-35). Não há, segundo ele, base suficiente para limitar a figueira a Israel. Na verdade, essa parábola é introduzida em Lucas com as palavras “Vede a figueira e todas as árvores...” (21.29), comprovando que, nessa ocasião, Jesus não tinha em mente essa aplicação estreita.3 É evidente que Buswell não 2 Ibid., p. 391, 394. ! Ibid., p. 394.

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compartilhava de um dos conceitos distintivos dos pré-tribulacionistas e especialmente dos dispensacionalistas de que “os escolhidos” do discurso no monte das Oliveiras são os judeus ao invés da igreja. Uma segunda doutrina principal dessa visão é uma distinção entre a tribulação e a ira. Nesse aspecto, o mesotribulacionismo assemelha-se ao pós-tribulacionismo, que vê a Igreja presente durante a tribulação e a ira de Deus, mas protegida da última. O mesotri­ bulacionismo relaciona as duas em ordem seqüencial. A igreja está presente durante a tribulação, mas é removida antes do derrama­ mento da ira de Deus. A tribulação será muito severa, mas muito breve. Jesus exortou seus discípulos a vigiar cuidadosamente até ver aparecer no lugar santo o “abominável da desolação”, acontecimento sobre o qual Daniel falara. Conforme o registro em Mateus e em Marcos, Jesus passou, então, a indicar tanto a severidade como a brevidade da tribulação: “porque haverá uma tribulação muito grande, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá. E se aqueles dias não fossem abreviados, ninguém seria salvo; mas por causa dos escolhidos eles serão abreviados.” (Mt 24.21-22; cf. Mc 13.19-20).4 Contudo, por mais terrível que essa tribulação venha a ser não deve ser identificada com o período da ira de Deus. Depois de descrever a tribulação, o Senhor enumerou os sinais que a segui­ rão. Grandes revoluções cósmicas ocorrerão: “Logo depois da tribulação daqueles dias” (Mt 24.29; cf. Mc 13.24-25; Lc 21.25-26). Buswell entendeu a referência a esses portentos vindo “em seguida à tribulação daqueles dias” no sentido de que as taças da ira de 4 Ibid., p. 388.

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Deus serão derramadas, não durante “a grande tribulação”, mas em um tempo subsequente a ela. A tribulação não é exclusiva aos últimos tempos. É a sorte normal da igreja em todas as eras. Embora essa tribulação seja tão severa que não possa ser igualada a nada, não será qualitativamente sem paralelo, conforme a caracterização feita por Buswell. Sendo a tribulação, de modo geral, a ira dos homens contra o povo de Deus, é o destino da igreja em todas as eras.1 Apesar disso, a ira de Deus não é para a igreja. Várias refe­ rências indicam que a salvação é livramento da ira de Deus. “seremos por ele salvos da ira” (Rm 5.9). A igreja deve aguardar “do céu seu [de Deus] Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura” (lTs 1.10; cf. Mt 3.7; Lc 3.7). “Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo” (lTs 5.9). Buswell resumiu, dizendo: “Embora essas referências à salvação da ira não declarem especificamente, por si sós, que o arrebatamento da igreja ocorrerá antes do derramemento das taças da ira, mesmo assim, estão em harmonia com esse ponto de vista”.6 Há, porém, mais provas específicas de que a Igreja será arre­ batada antes de as taças da ira serem derramadas. Certos detalhes chegam até o ponto central desse período de sete anos (a tribulação). A “abominação” chega “no meio dos sete”, ou seja, no meio do período de sete anos. Essa abominação é identificada com o “apare­ cimento”, a parúsia, do iníquo (2Ts 2.9), quando também ele será revelado (2Ts 2.3). Por sua vez, esse fato é idêntico à vinda do poder do chifre pequeno (Dn 7.24-25), que tem a permissão de continuar por 3 anos e meio (Dn 7.25b). Todos esses detalhes entendidos coletivamente ilustram quão bem o ponto de vista 5 Ibid., p. 389. 6 Ibid.

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mesotribulacionista se harmoniza com a totalidade das informações da Escritura e as explica.7 Em relação a localizar o arrebatamento dentro das ocorrências mencionadas no livro de Apocalipse, os mesotribulacionistas o colocam no tocar da sétima trombeta (Ap 11.15).8 O tempo da ira para a injustiça e o tempo de galardões para os mortos justos come­ çam simultaneamente. A sétima trombeta anuncia tanto a ira de Deus quanto os galardões para os mortos justos. As nações se enfureceram ; então veio a tua ira, o tem po de serem ju lgad o s os m ortos e de dares recom pen sa a teus servos, os profetas, aos santos e aos que tem em o teu nom e, aos p equen os e grandes, e de destruíres os que destroem a terra (Ap 11.1 8 ).

Harrison também incluía a vinda de Cristo e o arrebatamento nesse momento. Até o versículo 17, Cristo é normalmente referido no Apocalipse como aquele que é, que era e que há de vir. No versículo 17, porém, o tempo futuro é omitido pela primeira vez: “Graças te damos, Senhor Deus todo-poderoso, que és e que eras...” (v. 17). Harrison comenta: “Procura dizer-nos: Ele veio!”.9 Ele vê outras evidências, também, na nuvem no capítulo 11.12. A nuvem simbolizava a presença do Senhor muitas vezes na história de Israel: quando ele os levou para fora do Egito e pelo deserto, quando falou com Moisés, quando encheu o tabernáculo e, mais tarde, o templo com sua glória. Assim também era a evidência visível da 7 Ibid., p . 390-393, 457. 8 Ibid., p. 396- 398, 450ss. 9 Norman B. Harrison, The Encl: Re-Thinking the Revelation, p. 118.

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presença de Cristo quando subiu ao céu e assim será quando ele voltar (At 1.9; Lc 21.27). Nesse conceito, há um ponto muito forte de semelhança com o pré-tribulacionismo clássico: a separação da Segunda Vinda em duas etapas ou fases. “Cristo voltará”, Buswell escreveu, “não somente para seus santos, (Jo 14.3; lTs 4.16-18) mas também virá com seus santos (Jd 14-15; Ap 19.11-16)”.10 E verdade que Buswell e Harrison diferem um pouco entre si quanto à terminologia. Buswell falava da primeira metade do período de sete anos, quando a igreja estará presente, como sendo a tribulação, e da segunda metade, quando a igreja estará ausente, como sendo a ira de Deus.11 Harrison, por outro lado, indicou que João achou “doce” a primeira metade dos sete anos e “amarga” a segunda metade (Ap 10.9). A segunda metade, portanto, é a “grande tribulação”. “Isso deveria bastar”, escreveu Harrison, “para corrigir a confusão indesculpável entre o período de 7 anos e o período da tribulação, como se os dois fossem sinônimos e simultâneos”.12 Harrison identificava a tribulação com a ira de Deus: “Fixemos claramente em nossa mente a natureza da Tribulação: é ‘ira’ divina (11.18; 14.8,10,19; 15-1,7; 16.1,19) e ‘juízo’ divino (14.7; 15.4; 16.7; 17.1; 18.10; 19.2).”13 Seja qual for a terminologia empregada, a ideia é a mesma: a igreja está presente durante a primeira metade do período, passando por perseguição ou adversidades relativamente leves. A igreja então é arrebatada antes de a ira de Deus — muito severa — ser derramada. A vinda de Cristo com os santos ocorre no fim desse período. Essas 10 Charles Hodge, Systematic Tbeology, 2:483. "Ib id ., p. 389. 12 Norman B. Harrison, The End, p. 111. 13 Ibid., p. 120.

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ideias às vezes se combinam na expressão popular: “Pós-trib.; prégrande trib”. Devemos notar que os defensores dessa posição não empregam a expressão mesotribulacionismo para descrevê-la. Esta é apenas uma designação dada a essa posição por não seguidores. Parece que, segundo as próprias definições deles, Buswell se chamaria um póstribulacionista e Harrison um pré-tribulacionista. Concluímos com uma avaliação dessa abordagem, que tem procurado interpretar realisticamente o termo escolhidos no grande discurso escatológico de Cristo. Sua interpretação parece ser mais natural do que a do pré-tribulacionismo. O argumento de Buswell parece basicamente sólido. Por outro lado, o argumento de que a igreja é removida antes do derramamento da ira de Deus é bastante inferencial. Mesmo se estabelecermos que os crentes não podem nem devem passar pela ira de Deus, não se segue necessariamente que a igreja não possa estar fisicamente presente. Durante as pragas no Egito, os israelitas estavam no Egito, mas as pragas aconteceram de modo seletivo. Vieram sobre os egípcios, mas não sobre os israelitas. Assim também, muito possivelmente, pode ocorrer com a ira de Deus. A respon­ sabilidade de dar provas em relação ao fato de a igreja ser removida antes de Deus derramar sua ira ainda é algo que precisa ser explicado pelos mesotribulacionistas. A visão do arrebatamento parcial

Segundo a visão do arrebatamento parcial, nem todos os crentes são arrebatados numa só ocasião, seja antes da grande tribulação ou depois. Ao contrário, os crentes são arrebatados em grupos, e esse arreba­ tamento depende da condição do crente, se ele realmente está pronto para isso. Essa visão não é grandemente sustentada ou conhecida.

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Em tempos modernos, foi proposta pela primeira vez por Robert G. Govett (1813-1901) em 1852. No século XX, foi declarada e defendida com muita propriedade por George H. Lang. A revista The Dawn, publicada em Londres, também apoiava essa visão. Uma questão-chave teológica envolvida nesse conceito, reco­ nhecida tanto pelos seus seguidores quanto pelos seus oponentes, é que a trasladação ao céu se baseia no galardão. Ira E. David declarou da seguinte maneira o conceito do arrebatamento parcial: A base d a trasladação deve ser a graça o u a recom pensa. A queles qu e esperam que tod as as pessoas na igreja verdadeiram ente sejam trasladadas de u m a só vez, pensam que a trasladação é totalm ente pela graça. A salvação é pela graça. “ Pela graça sois salvos, por m eio d a fé, e isto não vem de vós, é d om de D e u s.” D ep o is de as pessoas serem salvas, no entanto, recebem galardão pela su a fide­ lidade e vigilância. R epetidas vezes, os crentes são advertidos contra a falta d essas d u a s a titu d e s. E m I C o r ín tio s 3 .1 4 ,1 5 , so m o s in form ad os de que há galardões para os crentes. “ Esse receberá galard ão” . O ra, não é a trasladação um galardão? C rem os que as freqüentes exortações nas Escrituras para vigiarm os, serm os fiéis, estarm os p ron to s para a vin d a de C risto, viverm os vidas cheias do E sp írito, sugerem , todas elas, que a trasladação é um galard ão .14

Os defensores dessa posição acham que esse pensamento esclarece certo número de passagens das Escrituras, especialmente as parábolas escatológicas. Estas distinguem entre aqueles que são levados e aqueles que são deixados, aqueles que recebem galardão e aqueles que não recebem galardão. Um exemplo instrutivo desse fato é a parábola das virgens prudentes e das néscias. 14 Ira E. David, Translation: W hen Does It Occur?, p. 358-359.

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A interpretação popular sugere que as cinco virgens prudentes eram crentes genuínas e as cinco virgens néscias, hipócritas. Aqueles que defendem a teoria do arrebatamento parcial, por contraste, sus­ tentam que todas as dez eram crentes genuínas. A distinção, por­ tanto, não é entre as crentes genuínas e falsas, mas entre as fiéis e as infiéis. Govett adiantou oito razões para essa interpretação: (1) Todas as dez mulheres são virgens, não meras pretendentes à virgindade. Elas não se chamam de virgens; o Senhor as chama. (2) Todas as dez tinham lâmpadas acesas, o que significa que a sua profissão de fé era apoiada por boas obras. (3) Saem com o desejo de se encontrar com Jesus, indicação de um coração verdadeiramente convertido. (4) Suas lâmpadas ficam acesas por algumas horas, o que indica que têm o azeite da graça. O texto não é explícito quanto às lâmpadas chegarem a apagar-se. (5) São consideradas dignas de chegarem à primeira ressurreição, de entre os mortos, o que é o caso somente dos filhos de Deus. (6) As virgens néscias adormecem juntamente com as prudentes e acordam com elas. (7) As virgens néscias estão prontas para entrar se o noivo chegar cedo ao invés de tarde, ou seja, antes de adormecerem. (8) Mesmo no fim continuam sendo virgens, a qualificação interna essencial para as bodas. Sua única deficiência está no âmbito da sua capacidade circunstancial e secundária — falta-lhes uma segunda medida de azeite. Os descrentes, por contraste, deixam de satisfazer as duas qualificações.15 Govett concluiu que a parábola ensina que pouco antes de o Salvador aparecer aqueles que negligenciaram a procura dos dons do Espírito Santo serão excluídos de uma ocasião específica de festividade e alegria — as bodas. Essa parábola, no entanto, não fala da Igreja 15 Robert G. Govett, The Sainú Rapture to the Presence o f the Lord Jesus, p. 126-128.

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de Cristo como um todo — somente dos “crentes que adormeceram ou adormecerão, antes de Jesus aparecer’,16 Os defensores do conceito do arrebatamento parcial também recorrem a Mateus 24.40: “Então, estando dois homens no campo, um será levado (paralambanõ), e o outro, deixado”. Pode ser enten­ dida de duas maneiras: (1) ou trata-se de ser levado para a ira; e, nesse caso, ser levado é uma desonra e ser deixado é honra; ou (2) trata-se de ser levado para a misericórdia e, nesse caso, os significados são invertidos. Não é, porém, um levar para a ira, porque a palavra empregada para “tomar” é bem diferente da que se usa para descrever a destruição operada pelo dilúvio “veio o dilúvio e levou (airõ) a todos” (v. 39). Paralambanõ, utilizada por Lucas e por Mateus nesse discurso, transmite a ideia de levar alguém ao seu lado como compa­ nheiro. Emprega-se, por exemplo, na escolha de companheiros feita pelo espírito imundo (Mt 12.45). Govett também notou que Jesus acrescentou uma advertência ou precaução contra fardos espirituais, que era apropriada se os ouvintes fossem crentes, mas não se fossem crentes e descrentes juntos. Govett resumiu o ensino de Jesus: ‘“Cuidai de vós mesmos’, no que diz respeito ao seu estado moral, é o clamor à Igreja; ‘acautelai-vos das coisas de fora, é o clamor aos eleitos terrenos”}7Govett concluiu, pois, que essa parábola se refere ao arrebatamento; ambos são crentes, o que foi levado é um crente vigilante e o que foi deixado, um crente que não vigiava. C o n clu o , p ortan to, que nad a senão o arrebatam ento satisfará as condições d a paráb ola e que os dois são crentes. Para os descrentes, não seria n em p erd a, nem vergo n h a ser d eixad o. O s d o is são

16 Ibid., p. 129. 17 Robert G. Govett, One Taken and One Left, p. 518.

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companheiros apropriados um do outro, mas não estão igualmente prontos para serem companheiros do Messias. Um amigo é separado do outro, e a perda não somente é mais assustadora do que a separação do estranho, e assemelha-se tanto à separação entre o ímpio e o justo, que é profundamente dolorosa para aquele que é deixado para trás.18 Uma outra passagem utilizada para sustentar esse conceito é Lucas 21.36: “Vigiai, pois, orando em todo o tempo, para que possais escapar de todas essas coisas que haverão de acontecer e ficar em pé na presença do Filho do Homem”. Lang notou cinco declarações distintas nesse texto: (1 )0 escape é possível de todas aquelas coisas das quais Cristo falara, ou seja, da totalidade dos tempos do fim. (2) O dia da provação será uni­ versal e inevitável para qualquer pessoa então existente na terra. Quem quer que deva escapar deve ser removido da terra. (3) Aqueles que devem escapar serão levados para onde estiver o Filho do Homem naquela ocasião, ou seja, no trono do Pai nos céus. Ficarão diante dele ali. (4) Há um perigo terrível de os discípulos se tornarem mundanos em seu coração e assim ficarem enredados naquele período final. (5) Logo, é necessário vigiar e orar sem cessar, para que prevaleçamos sobre os obstáculos e perigos, e assim esca­ pemos dessa era.19 Lang considerava essas declarações como evidências muito defi­ nidas e claras a favor do conceito do arrebatamento parcial. Declarou que esse texto deixa de lado a opinião que todos os cristãos escaparão, independentemente do seu estado moral. “Há uma porta de escape: mas, como acontece com todas as portas, somente aqueles que 18 Ibid. |,; George H. Lang, The Revelation o f Jesus Christ. select studies, p. 88-89.

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estiverem acordados a verão, e apenas aqueles que estiverem atentos chegarão a ela antes de a tempestade irromper”.20 Podemos notar, portanto, três aspectos salientes para a teoria do arrebatamento parcial: (1) A trasladação ao céu é um galardão pela fidelidade e vigilância. Não é inteiramente um estado de graça. (2) Nem todos os crentes serão arrebatados ao mesmo tempo. Os que são fiéis e vigilantes serão levados antes dos outros. (3) Haverá, também, uma ressurreição parcial dos crentes, numa base bem semelhante ao arrebatamento parcial. Agora, devemos avaliar essa teoria um tanto singular. No lado positivo, devemos reconhecer que esse é de certa forma um avanço na tentativa de tratar com justiça dois grupos de dados que parecem conflitantes. Leva em conta tanto a iminência da Segunda Vinda do Senhor quanto a presença da igreja (crentes) na tribulação. Além disso, oferece uma exegese criativa de algumas passagens relevantes, descobrindo significados possíveis que de outra forma talvez fossem deixados de lado. Uma crítica negativa feita especialmente por pré-tribulacionistas convencionais é que o conceito do arrebatamento parcial baseia-se num princípio de obras, que está em oposição aos ensinos bíblicos acerca da graça. Esses críticos veem a trasladação e a ressur­ reição da Igreja como parte da salvação que recebeu pela graça. John E Walvoord comentou: A ceitar um princípio pelas obras para esse aspecto im portan te da salvação é subverter a totalidade d o conceito da ju stificação pela fé m edian te a graça, da presença d o E sp írito Santo com o o selo de D eu s “p ara o dia da redenção” (Ef. 4 .3 0 ) e da inteireza do trem endo e m p re e n d im e n to de D e u s em p ro l d aq u eles q ue c o n fiam nele.

20 Ibid., p. 89.

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A questão do galardão é apropriadam ente dirim ida diante do tribunal de C risto — não antes disso — e não num a trasladação parcial que resulta na inflição da tribulação a outros crentes.21

Essa crítica, no entanto, é falha. O próprio Walvoord reconhe­ ceu que haverá galardões e presumivelmente (na ausência de qual­ quer negação desse detalhe específico) acredita que serão baseados em obras. Se esse for o caso, então, na verdade, a questão entre Walvoord e os defensores do arrebatamento parcial não é a da salva­ ção pela graça ou pelas obras. Pelo contrário, a questão é: (1) quando será dado o galardão; ou (2) se o arrebatamento faz parte do processo da salvação ou se é um dos galardões. Essas considerações são o enfoque apropriado do debate. Além disso, há um modo de declarar a visão do arrebatamento parcial que evita essa crítica. Pode ser sustentado que a inclusão no arrebatamento (nas etapas preliminares) é realmente um galardão pela fidelidade e vigilância, mas semelhante fidelidade e vigilância são alcançadas pela graça de Deus; não são realizações humanas, conforme as obras frequentemente são consideradas. Embora Govett não declarasse sua crença dessa forma, poderia tê-lo feito, visto que essencialmente a “salvação pelas obras” não é inerente à teoria do arrebatamento parcial. Uma dificuldade mais importante nessa visão é a exegese subjacente a ela. Coisas demais são atribuídas às passagens. Por exem­ plo, a sugestão de que aquele que é tomado e aquele que é deixado são ambos crentes, depende da suposição de que a injunção de Cristo pudesse ter significado somente para crentes. Essa é uma suposição consideravelmente infundada. Aqui, como no caso da parábola das virgens, a preparação que está sendo proposta com insistência pode 21 John F. Walvoord, The Rapture Question, p. 124-125.

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muito bem incluir a aceitação da salvação ou uma decisão por Cristo. Se o significado atribuído a essas parábolas pelos defensores do conceito do arrebatamento parcial fosse realmente pretendido, seria declarado de modo mais claro e específico. 0 conceito pós-tribulacionista iminente

O maior proponente do pós-tribulacionismo iminente, J. Barton Payne, argumenta em seu livro, The Imminent Appearing ofChrist [O aparecimento iminente de Cristo], que a vinda de Cristo é imi­ nente, mas que seguirá, não precederá, a grande tribulação. Payne escolheu o título do livro de modo intencional e cuidadoso. Os pré-tribulacionistas normalmente distinguem a vinda de Cristo (sua vinda para a igreja) do aparecimento de Cristo (sua vinda com a igreja). Sustentam que o primeiro evento é pré-tribulacional e imi­ nente e o segundo é pós-tribulacional e não iminente. Os pós-tribu­ lacionistas convencionais, por outro lado, sustentam uma volta unificada de Cristo (inclusive sua vinda e aparecimento) que será pós-tribulacional e, portanto, não iminente. Ao falar do apareci­ mento iminente, Payne claramente distingue seu ponto de vista tanto do pré quanto do pós-tribulacionismo. Embora não seja o primeiro tema na apresentação de Payne, o mais conveniente para começar é o da iminência. A palavra iminente transmite a ideia de algo pendente, pairando, pronto para alcançar alguém. Significa, nesse caso, que a vinda de Cristo poderá ser tão rápida que não dará qualquer aviso prévio nem oportunidade para preparativos. Payne foi cuidadoso ao indicar que isso não significa que a vinda de Cristo tem de ser em breve, apenas talvez seja logo. Essa, pois, é a questão: A vinda de Cristo pode ser em breve, ou alguns acontecimentos terão inevitavelmente que intervir?22 21 J. Barton Payne, The Imminent Appearing o f Jesus Christ, p. 85-86.

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Duas classes de palavras neotestamentárias caracterizam a atitude do crente para com a Segunda Vinda de Cristo: verbos de vigiar e verbos de esperar. Os dois verbos primários na primeira classe são grêgoreõ (“estar acordado”) e agrypneõ (“estar sem sono”). Os dois significam vigilância imediata. Embora sejam apropriados para expressar a esperança do aparecimento iminente de Cristo, não requerem que seu aparecimento seja iminente.23 Num contexto do advento, a injunção para vigiar talvez signifique vigiar a si mesmo, ou seja, seu próprio estado espiritual imediato. Pode, no entanto, significar aguardar um acontecimento, e nesse caso, a vigilância é revelada por um estado de prontidão. Se o acon­ tecimento para o qual a pessoa deve vigiar puder de alguma forma ser datado, como o dilúvio nos dias de Noé, a iminência não está envolvida. Se, porém, for desconhecido o tempo do acontecimento vindouro, então a ordem de vigiar por ele significa, realmente, que o acontecimento é iminente. Os verbos de esperar são, primariamente, dechomai (“receber, suportar”) e seus compostos, ekdechomai (“estar na expectativa, esperar”) e prosdechomai (“dar as boas-vindas, aguardar”); e menõ (que significa “permanecer”, mas que em seu uso transitivo significa “esperar”) e seu composto, perimenõ (“dar as boas-vindas, aguar­ dar”). A ideia de esperar, quando indefinida, sugere iminência, mas essas palavras às vezes são utilizadas também para acontecimentos distantes.24As Escrituras às vezes até mesmo admoesta a esperar pela vinda de Cristo ou exercer paciência com respeito a ela, mas sem usar qualquer um desses verbos; as declarações que acom­ panham, no entanto, sugerem que sua vinda está próxima. Tudo depende do contexto. 25 Ibid., p. 86-87. 24 Ibid., p. 87.

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No entanto, frequentemente há objeção quanto ao fato de que, quando as passagens que exortam os leitores a vigiarem e a esperarem foram escritas, não poderiam ter exigido dos primeiros leitores que acreditassem na iminência. Certos acontecimentos tinham de ser cumpridos antes da vinda de Cristo. Mas, se essas passagens não requeriam que seus primeiros leitores acreditassem na iminência da vinda de Cristo, não requerem que nós acreditemos tampouco nelas. Há um grande número de acontecimentos assim.25 O Espírito Santo, o Consolador, haveria de vir e tomar o lugar de Jesus entre os discípulos (Jo 16.7). O Pentecoste, sem dúvida, estava apenas cerca de dez dias à frente, mas a predição de Jesus de que o Espírito guiaria os discípulos para toda a verdade (v. 13) e traria à lembrança tudo quanto lhes dissera (14.26) sugere um período consideravalmente mais longo de tempo decorrido. Cristo comissionara os apóstolos a fazerem discípulos de todas as nações e prometera estar com eles sempre, “até à consumação do século” (Mt 28.20). Haveriam de ser testemunhas até os confins mais distantes da terra (At 1.8), o que pressupôs que o evangelho seria pregado “em todo o mundo” (Mt 26.13). Paulo, ao ser chamado para ser um apóstolo, ouviu sobre o decurso geral da sua vida (At 9.15), inclusive seu testemunho diante de reis (cf 22.15; 26.2) e sua chegada a Roma e a César (23.11; 27.24; cf. 28.30). Paulo profetizou inspirado em sua própria morte (2Tm 4.5 ss.), e o Senhor disse a Pedro que este passaria pela morte antes de ocorrer o segundo advento (Jo 21.18ss.). Finalmente, Cristo profetizou certos acontecimentos históricos específicos que precederiam os últimos dias (Lc 21.9): especificamente, 25 Ibid., p. 88-90.

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Jerusalém cairia (70 d.C.), e “os tempos dos gentios” seriam cum­ pridos (v. 24). Paulo também declarou em cerca de 50 d.C. que o dia do Senhor não poderia vir (2Ts 2.2) até que o Anticristo e uma apostasia em grande escala tivessem chegado (v. 3). A luz de todas essas considerações, Payne reconheceu que a igreja apostólica primitiva não poderia ter esperado que o Senhor viesse a qualquer momento.26 Mesmo assim, como resposta à pergunta dos discípulos: “Senhor, é este o tempo em que restaurarás o reino para Israel?”, Jesus não deu um simples “não” como resposta. Desviou a pergunta, dizendo: “Não vos compete saber...” (At 1.7). Mesmo naqueles dias, o fim poderia ter chegado no decurso da vida das pessoas às quais Jesus falou. Payne ressaltou que todas as profecias que adiaram a esperança dos primeiros cristãos por “alguns anos” foram adequa­ damente cumpridas dentro do período de cinqüenta anos. O evan­ gelho tinha sido levado a todo o mundo antigo, os cristãos tinham sido perseguidos, Pedro e Paulo tinham sido martirizados. Logo, nenhuma profecia não cumprida poderia continuar impedindo que a volta de Jesus Cristo ocorresse a qualquer tempo. Payne opôs-se ainda mais às críticas, da seguinte maneira: N ã o se p od e negar que um a posição de im inência q ualificada tenha sido, p ortan to, possível para a igreja. M as para que a igreja hoje deva ser caracterizada p or u m a expressão sem elhante de “dentro em breve, m as não h oje” teria q u e haver, segu n d o parece, um fu n d am en to na su p o sição d e q u e ago ra estam os o n d e a igreja prim itiva estava, ou seja, com os m esm os antecedentes, m ais do que m om en tân eos e ain d a não cu m p rid o s, à volta de C risto ... esse já não é o caso .27

26 Ibid., p . 90. 27 Ibid., p. 90 (n. 12).

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Embora João e Pedro soubessem que alguns acontecimentos devessem acontecer, isso não os impediu de ensinar e praticar uma esperança na iminência. Cristo também sabia que Jerusalém teria de cair antes da sua vinda, mas ainda ensinou aos seus discípulos que, depois da destruição dela, deveriam aguardar sua vinda como próxima (Lc 21.24-27). Resumindo o ponto de vista de Payne: na ocasião em que foram escritas, as injunções a respeito de vigiar e esperar não poderiam ter significado uma iminência estrita para os ouvintes imediatos, já que certos acontecimentos teriam de ocor­ rer antes de o Senhor poder vir. No entanto, como esses aconte­ cimentos se deram, nada impede aquelas injunções de ensinarem a iminência. Em vez de resolver de antemão o que os escritores da Bíblia poderiam ter dito, devemos fazer exegese daquilo que real­ mente disseram.28 Payne observou que certo número de referências a vigiar e a esperar não são relevantes para a discussão da iminência. Entre elas há lTessalonicenses 5.6, 2Tessalonicenses 3.5, Hebreus 9.28, 1Pedro 4.7 e Apocalipse 3.3. Ou essas passagens se referem ao crente que vigia e guarda a si mesmo, ou se referem à espera pelo Senhor com tal abrangência que se aplica à sua obra como um todo, em vez de especificamente à Segunda Vinda.29 Várias passagens, no entanto, apoiam mesmo a iminência. Entre elas está Mateus 24.42— 25.13 (cf. Mc 13.33-37 e Lc 21.34-36); Lucas 12.36-40; Romanos 8.19,23,25; ICoríntios 1.7; Filipenses 3.20; 4.5; lTessalonicenses 1.9-10; Tito 2.12-13; Tiago 5.7-8; Judas 21 e Apocalipse 16.15. Cada uma delas ressalta um ou mais dos seguintes fatores: a importância da vigilância; a incerteza do tempo da vinda; e, como corolário necessário desta última, a possibilidade 28 Ibid., p. 91. 2: Ibid., p. 93-95.

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de Cristo vir agora mesmo, embora certamente não seja o caso que ele deva vir agora.30 A outra parte do ponto de vista de Payne é que a esperança da igreja é por uma libertação do mundo subsequente à tribulação em vez de um arrebatamento antes da grande tribulação. Payne argu­ mentou que dez passagens determinam o tempo relativo da espe­ rança da igreja. Uma das passagens mais cruciais é Mateus 24.29-31 (bem como os paralelos, Marcos 13.24-27 e Lucas 21.25-27): 'Logo depois da tribulação daqueles dias [...] ele enviará seus anjos com um alto som de trombeta, os quais reunirão seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade do céu”. Certamente dá a im­ pressão de ser um arrebatamento da igreja após a tribulação. No entanto, alguns pré-tribulacionistas argumentam que haja, nesse caso, uma referência não à igreja, mas aos judeus eleitos que se converteram durante a tribulação.31 Para Payne tal ideia é inde­ fensável. O auditório aqui é composto pelos discípulos, aos quais Jesus, duas noites mais tarde, prometeu o Pentecoste (Jo 14.16) e disse: “Tomai, comei; isto é o meu corpo” (Mt 26.26). Se os discí­ pulos representaram a igreja na quinta-feira (Mt 26), também repre­ sentaram, na terça-feira (Mt 24). Jesus usualmente empregava o termo escolhido para qualquer pessoa que escolhera, mas esse discurso de Jesus foi específico para seus discípulos (Mt 24.3), depois de ter publicamente encerrado seu ministério direcionado a Israel (23.38). Mais cedo, naquele mesmo dia, tornara a palavra escolhidos equivalente àqueles que lhe eram fiéis (22.14), com qualquer nação, na realidade, a não ser Israel (21.43).32 30 Ibid., p. 95-103. 31 Ibid., p. 55. 32 Ibid.

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Outros pré-tribulacionistas escapam do aparente ensino póstribulacionista da passagem ao dizer que a seqüência dos aconte­ cimentos preditos não é estritamente cronológica. De acordo com esse argumento, a exortação à vigilância para a parúsia de Cristo, em Mateus 24.32-25.30, refere-se à vinda de Cristo para a igreja antes da tribulação. A seção anterior, porém, que descreve a reunião dos eleitos depois do aparecimento do Senhor (24.31), refere-se ao estabelecimento do seu reino após a tribulação. Para explicar essa cronologia fora de ordem, os pré-tribulacionistas sugerem que até o versículo 31, Cristo estava se acomodando com a orientação terrena (judaica) com a qual os discípulos estavam saturados.33 Para Payne essa interpretação era artificial e inadequada como a anterior. Sem qualquer transição aparente, Cristo (de acordo com essa visão) repentinamente deixou de falar aos discípulos como judeus e passou a falar-lhes como líderes da igreja. Depois, admoestou-os acerca de um acontecimento (sua vinda para a igreja) que não mencionara previamente e do qual não tinham conhecimento. Além disso, nos versículos 37 e 39, usou a mesma palavra, parousia, que acabara de usar, para se referir a essa esperança da igreja a respeito de sua vinda “posterior” para estabelecer o reino terreno (judaico), e a mesma palavra que fora usada na pergunta original (v. 3). Ou Jesus permitiu que os discípulos confundissem os dois acontecimentos separados (como sustentam alguns defensores do pré-tribulacionismo), ou o próprio Jesus não fez distinção entre esses dois acontecimentos. A primeira alternativa parece inconsistente com as demais ações e doutrinas de Jesus. Somente a última é uma possibilidade viável.34 O espaço não nos permitirá examinar o tratamento de Payne dado a outras passagens: Lucas 17.24; Romanos 8.18-21; ICoríntios 33 Ibid., p. 56. 34 Ibid., p. 56-57.

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15.51-52; 2Tessalonicenses 1.6-8; 2.1-2; Tito 2.12-13; Apocalipse 7.3-4; 14.3-4; 20.4-5. A abordagem de Payne sobre Mateus 24.29-31 talvez seja a passagem mais crucial e representativa em relação aos outros textos. Além disso, considerou várias “passagens contri­ buintes”,35 cujo impacto é menos aplicável, e notou certo número de “passagens irrelevantes”.36 O passo final no argumento de Payne era juntar essas duas con­ siderações em algum tipo de síntese harmoniosa. Em como ela se apresenta, há uma contradição aparente: o arrebatamento pode ocorrer realmente a qualquer momento, e o arrebatamento necessariamente seguirá a grande tribulação. De fato, Payne procurou sintetizar os pontos mais fortes dos três métodos da interpretação profética: o histórico, o futurista e o preterista. Algumas profecias são de acontecimentos que ocorreram dentro da história da igreja, entre sua predição e o tempo presente. Algumas dizem respeito a acontecimentos que não ocorrerão até o fim dos tempos. Outras são de acontecimentos que ocorreram contemporaneamente às próprias profecias.37 Payne dividia os ante­ cedentes preditos à vinda de Cristo em duas classes: antecedentes potencialmente presentes e antecedentes futuros. Na primeira classe, estão incluídas certas profecias de longo alcance. Uma é que o evangelho do reino será pregado por todo o mundo antes de vir o fim (Mt 24.14). Não é uma afirmação de que todos crerão nem de que todos serão evangelizados, mas apenas que um testemunho adequado será pregado a todas as nações do mundo. As missões mundiais têm trabalhado com esse objetivo, e é 33 Ibid., p. 65-71. 36 Ibid., p. 72-84. 37 Ibid., p. 105-106.

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bem possível que o tenham alcançado.38 Outras profecias dessa natureza são: o império dividido (Ap 17.12, 14, 16), a falsa segurança (Mt 24.38-39), a apostasia (2Ts 2.2-3), a iniqüidade (2Ts 2.6-8) e o judaísmo palestino (Zc 12.10). Provavelmente o mais relevante dos antecedentes potencial­ mente presentes de acordo com Payne, pelo menos para nossos propósitos, é a grande tribulação. Os pré-tribulacionistas têm ten­ dido a fazer da tribulação um acontecimento totalmente futuro. Payne argumentou que a septuagésima semana de Daniel (9.24-27) e o acontecimento conhecido como a “abominação da desolação” (Mt 24.4-22) têm um significado exclusivamente preterista. Sua aplicação não se estende além de 70 d.C. No entanto, outras pro­ fecias não podem ser tão facilmente deixadas de lado como aconteci­ mentos do passado. Especialmente onde há referências ao Anticristo (como em Dn 7.20-25; 11.40-45 e 2Ts 2.3-11), podemos supor que estamos tratando da grande tribulação.39 Payne observou que as Escrituras não especificam a duração da grande tribulação. Qualquer referência aparente à sua duração é bem simbólica em natureza e, portanto, possibilita várias inter­ pretações. A grande tribulação, portanto, talvez não dure muito tempo.40 Ao passo que os americanos tendem a ver a tribulação como necessariamente distante, os cristãos atrás da Cortina de Ferro talvez a vejam de modo bem diferente. A existência de poderosas organizações políticas que se opõem à religião e especialmente ao cristianismo e que são comandadas por um líder poderoso satisfaz as qualificações do Anticristo. Na ocasião em que Payne escreveu, a Rússia e Nikita Khrushchev cumpriam a descrição de modo perfeito. 38 Ibid., p. 107-108. 19 Ibid., p. 113-118. 40 Ibid., p. 118-119.

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Talvez, sem o perceber, estejamos dentro da grande tribulação ou, pelo menos, numa das suas etapas iniciais.41 Há também alguns antecedentes futuros da vinda de Cristo ou do arrebatamento. Esses, como a trombeta de Deus ou a ira de Deus, têm uma duração tão curta, que adiarão só um pouco o aparecimento de Cristo. Não negam nem diluem o conceito da iminência.42 A visão de Payne pode ser brevemente resumida: O conceito pré-tribulacionista que separa a Segunda Vinda em duas etapas dis­ tinguíveis entre si não pode ser defendido. Só há uma Segunda Vinda unitária e seguirá a tribulação. A vinda de Cristo também é iminente. Os supostos antecedentes desse acontecimento que pode­ riam ser considerados como um obstáculo à iminência ou ocorreram na época da profecia, ou estão ocorrendo potencialmente no tempo presente, ou durarão tão pouco tempo que, na realidade, não inter­ porão qualquer obstáculo sério a esse evento. Em uma avaliação, devemos notar a novidade e a inventividade desse ponto de vista. Payne fez uma tentativa genuinamente criativa de romper o impasse e ligar o abismo entre o pré-tribulacionismo e o pós-tribulacionismo. A qualidade de sua exegese também é muito boa; Payne está em seu auge quando desmascara as inferências injus­ tificadas e distinções arbitrárias dos pré-tribulacionistas. A fraqueza da posição de Payne é seu argumento a favor da iminência. Ele chega a citar os mandamentos de vigiar, esperar, tra­ balhar e estar pronto, bem como as declarações de que é desconhe­ cido o momento da vinda do Senhor. Contudo, reconheceu que, na ocasião em que essas passagens foram escritas, não poderiam ter significado iminência para os ouvintes e leitores imediatos, porque alguns acontecimentos (tais como a queda de Jerusalém) deviam 41 Ibid., p. 119-121. 42 Ibid., p. 133-145.

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ocorrer antes de o Senhor poder voltar. Mas, disse Payne, esses acontecimentos já ocorreram e nada impede aquelas passagens de ensinarem a iminência. Esse argumento, no entanto, parece falho. Se as palavras daquelas injunções não requeriam que o primeiro auditório sustentasse a doutrina da iminência, então essas palavras obviamente não contêm nenhum significado inerente que requeira a iminência. Se for esse o caso, então o tempo decorrido não pode dar às palavras um significado que de outra forma não possuem. Esse seria o caso somente se Jesus tivesse especificado que os discí­ pulos deveriam vigiar depois de terem ocorridos todos esses outros acontecimentos; por exemplo: “Vigiai, depois da queda de Jeru­ salém.” Não seria melhor reconhecer que Jesus não disse que pode­ ria vir a qualquer momento, mas somente que é incerto o tempo de sua vinda? Outra maneira de colocar essa crítica é a seguinte: uma coisa é dizer que não sabemos quando um acontecimento ocorrerá; outra coisa é dizer que não sabemos de nenhuma ocasião em que não ocorrerá. Se, numa escala do tempo, temos os pontos de 1 até 1.000, poderemos saber que Cristo não virá nos pontos 47 e 79, mas não saber em que ponto exato virá. As instruções acerca da vigilância não significam que Cristo pode vir a qualquer momento. Se na ocasião em que foram escritas, alguns antecedentes tinham de ocorrer antes de Cristo poder vir, é possível que alguns outros sinais específicos ainda tenham de ser cumpridos. Devemos vigiar para ajudar a garantir que esses sinais não passem despercebidos.

Conclusão

ao fim de nosso exame dessas várias visões. Observamos Chegamos as posições propostas e os argumentos desenvolvidos por seus

seguidores. Procurei lidar com as várias opções de modo tão equitativo e imparcial quanto possível, indicando tanto aspectos positivos como negativos de cada uma das visões. Mesmo assim, tenho con­ vicções específicas quanto a essas questões. De modo geral, o prémilenismo pós-tribulacionista parece-me a posição mais adequada. Os argumentos exegéticos a favor de uma vinda pré-milenista, especialmente aqueles que se baseiam em Apocalipse 20, me parecem persuasivos. Ao mesmo tempo, o testemunho bíblico parece clara­ mente favorecer a interpretação de que a igreja estará na terra durante a tribulação, mas que será sustentada pela graciosa proteção e pro­ vidência de Deus. E importante lembrarmos do verdadeiro significado e propó­ sito da doutrina da Segunda Vinda do Senhor. Diferenças de inter­ pretação e convicção às vezes têm se tornado a base da separação da comunhão. Disputas, às vezes severas, têm resultado dessas diferen­ ças. Um detalhe minucioso da doutrina pode ser considerado como requisito da ortodoxia e, portanto, da comunhão.

Escatologia

O apóstolo Paulo não tinha a intenção de que a doutrina da Segunda Vinda tivesse semelhante efeito. Em 1Tessalonicenses 4.13-18 mostrou que a vinda do Senhor é a base da esperança para os crentes, que devem consolar-se uns aos outros com essa esperança. O consolo, e não a contenda, é o propósito dessa mensagem. Reco­ nheçamos como cristãos verdadeiros aqueles com os quais podemos manter comunhão, todos aqueles que aceitam as verdades básicas a respeito da volta do Senhor, conforme são descritas na introdução. Por mais importante que seja entender os pontos de diferença, não devemos perder de vista a grande verdade básica sobre a qual todos concordamos: o Senhor está para voltar. Devemos colocar essa ver­ dade no centro. Faríamos bem se prestássemos atenção às palavras frequentemente repetidas do pseudônimo Rupertus Meldenius: Nos essenciais, unidade, nos assuntos de dúvida, liberdade, em todas as coisas, caridade.

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Indice geral A gostin h o, 7 0 , 7 1 , 7 2 , 8 9 , 93, 1 1 7 , 1 1 8 ,1 8 7

batism o no E sp írito San to , 144 Beasley-M urray, G .R ., 120, 121

A lford Henry, 181, 187

Berkhof, L ouis, 129

am ilenism o, 72, 84, 87, 89, 90,

Besta, 124

9 1 , 9 2 , 93, 92, 93, 9 4 , 95, 97,

Bickersteth, Edw ard, 187

9 8 , 9 9 , 100, 101, 103, 105,

Bloch, Ernest, 54

106, 107, 153, 181, 199

Boettner, L oraine, 6 8 , 7 4 , 7 7 ,

anabatistas, 118 A nticristo, 52, 6 8 , 118, 124, 162, 164, 171, 174, 184, 186, 187, 189 ,1 9 1 , 195, 2 1 8 , 2 2 3 apocalíptica, 2 1 , 2 3 , 35 aquele q u e detém , 171, 195, 196 arrebatam ento, 136, 156, 157, 158, 159, 161, 163, 167, 168,

78, 83 Bonar, H oratius, 187 busca do Jesu s histórico, 18, 2 4, 2 5 , 32 B ultm an n , R udolf, 4 1 , 4 2 , 4 3 , 4 4 , 4 5 , 4 6 , 4 7 , 4 8 , 4 9 , 5 0 , 51 Busw ell, Jam es O . Jr., 2 0 2 , 2 0 3 , 204, 205, 207, 208

170, 171, 172, 173, 176, 177, 178, 179, 180, 1 8 4 ,1 8 8 ,1 8 9 ,

C aio de R om a, 130

190, 193, 195, 196, 2 0 1 ,2 0 2 ,

C alvin o, Jo ã o , 89, 100, 136

2 0 5 , 2 0 6 , 20 8 , 2 0 9 ,2 1 0 ,2 1 1 ,

C arn ell, E dw ard Jr., 188

2 1 2 ,2 1 3 ,2 1 4 , 2 1 5 3 , 22 0 , 22 2

C ave, W illian, 136

ascensão, 2 7 , 83, 102, 123, 124, 144 A tenágoras, 115

Chiasmos, 96 Christian Century, 21

C lem en te de A lexandria, 117 C o n fissão de A ugsburg, 72

Barth, K arl, 3 3 , 54, 73

Confissão de fé de Westminster, 72

36

Escatologia

conversão dos ju d eu s, 7 6

escolhidos, 167, 2 0 2 , 2 0 3 , 2 0 4 ,

D arby, Jo h n N elson , 137, 138,

E sp írito San to , 12, 3 6 , 130, 144,

208, 220 163, 164, 165

149, 150, 195, 196, 197, 2 1 0 ,

D arw in, Charles, 18

213, 217

D av id , Ira E ., 2 0 9

esta era, 3 5 , 7 1 , 143, 144,

desm itologização, 4 2 , 4 3 , 44,

145, 189 estado in term ediário, 13, 83,

4 9 , 50

102, 104

d em ôn ios, 113 D ia d o Senhor, 2 2 , 3 5 , 3 6 , 37, d iab o — ver

Satanás, 4 1 , 6 8 ,

ética, 18, 2 0 , 23, 2 6 , 2 7 , 2 9 , 4 4 , 59, 6 0 , 84

3 8 , 137, 150

180

evangelho social, 73

D id aq u ê , 160

evangelização d o m u n d o , 9 1 , 196

D io n ísio , 117

existencialism o, 4 1 , 4 6 , 5 1, 150

dispensacionalism o, 9, 14, 130, 133, 134,

135, 136, 138, 139,

Falso profeta, 124

141, 142,

144, 146, 147, 148,

Feinberg, C harles L ., 9 7

149, 150,

151, 152, 153, 155,

Fosdick, H an y E m erson , 2 1 , 2 2

156, 157,

166, 188

fu n d am en talism o — Ver

dispensações, 134, 136, 146, 1 4 7 ,1 4 8 , 151

fun dam en talista, 4 2 , 133, 3 1 , 3 9 , 119, 133, 138, 139, 188

D o d d , C harles H ., 3 4 , 100 d uas ressurreições, 87, 91, 94, 9 6 , 9 7 , 102, 106, 107, 113, 119, 120, 121, 122, 158, 180

G aebelein , A. C ., 138 gentios, 7 7 , 129, 142, 146, 148, 152, 156, 168, 169, 2 0 3 , 2 1 8

Geschichte, 4 5 , 4 7 ,

52

Ellicott, C . J ., 187

G o u v ett, R ob ert G ., 2 0 9

English, E. Schuylcr, 172

Grier, W. J „ 96

E p ísto la de Barnabé, 9 2 , 116,

G u in n ess, El. G ., 187

1 6 1 ,1 8 4

Gundry, Robert H ., 191, 192, 196

era d a igreja, 118, 13, 124 escatologia consistente, 23, 24, 3 4 escatologia realizada, 3 4 , 3 5 , 36, 39, 40 E scola A lexandrina, 117

Elam ilton , Floyd E ., 94 Elarnack, A d o lf Von, 19, 2 6 , 4 4 Elarrison, N o rm an B., 2 0 2 , 2 0 6 , 207, 208

237

índice gerai

H egel, G eorg, 2 09

Israel, 2 2 , 2 8 , 58, 6 9, 7 5 , 126,

H eidegger, M artin , 4 6

127, 129,

129, 130, 140, 141,

h erm enêutica, 2 7 , 119, 128, 133,

142, 143,

144, 146, 147, 149,

149, 150,

151, 152, 153, 156,

137, 141, 149, 152, 153 H ip ó lito , 116, 117, 186

157, 167,

168, 169, 182, 191,

historicidade d a B íblia, 18, 50,

203, 206,

2 1 8 ,2 2 0

Iw and, H a n s Joach im , 54

119

Historie, 4 5 , 4 7 ,

52

H o d g e, A . A ., 72 H od ge, C harles, 6 8 , 7 4 , 100 H ugh es, Jam es A ., 9 7 ,9 8 , 99, 100, 101, 102, 106, 107, 108, 1 0 9 ,1 1 0

Jerusalém , 82, 115, 116, 126, 129, 149, 1 6 1 ,1 6 9 , 177, 2 0 3 , 2 1 8 , 2 1 9 , 2 2 4 , 225 ju lgam en to, 2 9 , 3 6 , 3 8 , 3 9 , 4 7 , 4 8 , 4 9 , 6 8 , 9 0 , 9 7 , 9 8 , 113, 130, 150, 158, 183, 190

Igreja, 7 6 , 80, 8 5 ,9 3 , 94, 113,

Ju stin o M ártir, 115, 184

114, 126, 126, 129, 130, 137, 187, 191, 2 0 4 , 2 05 im inência, 92, 159, 163, 173,

K an t, Im m an u el, 17 K ãsem an n , Ernst, 54

174, 175, 176, 177, 1 8 2 ,2 1 3 ,

Kreck, Walter, 53

2 1 5 , 2 1 6 , 2 1 7 , 2 1 9 , 2 2 4 , 2 25

K ro m m in ga, D iedrich H ., 9 2 , 93

Im pério R om an o , 7 2 , 82, 117, 1 8 4 ,1 8 6 interpretação futurista, 71, 1 1 9 ,1 5 2 interpretação histórica, 119, 186

L actâncio, 116, 117, 185, 186 L ad d , G eorge E., 120, 121, 122, 123, 126, 130, 186, 188, 195, 196

interpretação idealista, 35, 119

L an g, G eorge H ., 2 0 9 , 2 1 2

interpretação preterista, 119

L iga das nações, 86

ira, 9 5 , 170, 171, 180, 188, 189,

Lew is, G o rd o n , 168, 170, 171,

204, 205, 206, 207, 208,

172

211, 224

libertação, 2 2 , 59, 6 0 , 100, 125,

Ireneu, 16, 161

157, 159, 185, 190, 2 2 0

Irm ãos de Plym outh, 138, 164, 187

literalism o, 139, 140, 141 luteranos, 7 2 , 118

Ironside, Harry, 138 Irving, Edw ard, 165

M ackin tosh , C . H ., 138

238

M arsh , W o lf D ieter, 53 m ártires, 83, 95, 96, 104, 106, 107, 120 m esotribulacion ism o, 2 0 1 , 2 0 2 ,

Escatologia

N ew ton, Isaac, 187 nova Jeru salém , 115 novo evangelicalism o— Ver novos evan-gélicos, 188

2 0 4 , 2 08 M etz, Joh an n es, 53

O rígenes, 117, 130

m il anos, 13, 6 7 , 6 9 , 7 1 , 8 3 , 89,

O rr, Jam es, 11

9 0 , 9 1 , 9 4 , 9 5 , 9 7 , 9 8 , 101,

o tim ism o , 8 4 , 8 5 , 86

102, 103, 104, 106, 107, 108, 109, 110, 112, 113, 116, 117,

Pannenberg, W olfhart, 53

128, 146, 186, 199

p aráb ola d o jo io e do trigo, 86

m ilênio, 13, 38, 6 6 , 6 7 , 6 8 , 6 9 ,

parábolas das virgens, 2 9, 2 09, 214

7 0 , 7 1 , 7 2 , 74, 8 3 , 8 7 , 9 0 ,9 1 ,

parêntese, 145

9 3 , 102, 102, 104, 104, 112,

parú sia, 4 2 , 4 3 , 4 8 , 4 9 , 7 0, 115,

113, 114, 115, 116, 117, 118,

123, 157, 159, 2 0 5 , 221

123, 124, 125, 126, 127, 128,

Pastor de H erm as, 161

129, 130, 135, 146, 147, 150,

Payne, J . B arton, 2 1 5 , 2 1 9 , 2 1 9 ,

159, 180, 181, 186, 199 m itologia— Ver m ito, 4 1 , 4 2 , 4 3 , 4 4 , 4 6 , 4 7 , 48 M oltm an n , Jü rgen , 53, 54, 55, 56, 57, 58, 6 1 , 6 2 M o n tan ism o— Ver m ontan istas, 117

220, 221, 222, 223, 224, 225 paz, 3 2 , 6 6 , 6 7 , 8 4, 9 2, 112, 1 24, 125, 143 Pentecoste, 4 9 , 7 5 , 8 2 , 126, 134, 142, 144, 145, 2 1 7 , 2 2 0 Poiret, Pierre, 136 Pós-m ilenism o, 6 5 , 6 9 , 7 2 , 7 3,

M organ, G . C am p b ell, 138

7 4 , 76, 78, 84, 8 5, 8 6, 8 9, 90,

m ovim ento d a teologia bíblica,

9 3 , 1 1 1 ,1 8 3

5 4 ,1 5 1 m ovim entos dos in stitutos

Pós-tribulacion ism o, 113, 114, 158, 159, 167, 1 77, 179, 181,

bíblicos, 7 7 , 119, 138, 139,

182, 183, 184, 185, 187, 188,

165, 166

197, 198, 199, 2 0 0 , 2 0 1 , 2 0 4 , 215, 224

N ações U n idas, 8 6 nazism o, 7 3 , 87 neo-ortodoxia, 33 N ew ton, B en jam in , W., 165, 187

P ós-tribulacion ista im inente, 2 0 1 , 2 15 pregação d o evangelho, 6 6 , 6 9, 80, 8 4 , 91

índice geral

Pré-m ilenism o, 67, 6 8 , 74, 89, 9 0 , 91, 93, 94, 97, 111, 114, 118, 119, 120, 123, 127, 130,

239

reino davídico, 129 ressurreição, 2 7 , 3 7, 4 5 , 4 7 , 4 8 , 4 9 , 50, 53, 5 7 , 5 8 , 59, 6 1, 6 8 ,

136, 147, 152, 153, 155, 159,

7 0 , 7 1 , 7 6 , 8 2 , 8 3, 9 0 ,9 1 ,

162, 179, 183, 187, 2 2 7

9 4 -1 0 2 , 106, 107, 109, 110,

P ré-tribulacionism o, 113, 114, 136, 155, 156, 157, 158, 159,

113, 115, 120 -1 2 3 , 125, 144, 1 5 8 -1 6 0 , 162, 181, 2 1 0 , 2 1 3

162, 163, 164, 165, 166, 167,

ressurreição de Jesu s, 3 7, 49

175, 177, 179, 181, 193, 197,

Ritschl, A lbrecht, 2 0 , 2 3 3

198, 199, 2 0 0 , 2 0 1 , 2 0 7 , 2 0 8 ,

R ob ertson , A . T., 108, 109, 2 3 3

2 2 1 ,2 2 4

Ruler, A rn old A. Van, 54

prim eira m orte, 71, 96, 101, 110 p rim eira ressurreição, 9 5 , 9 6 , 97,

Ryrie, C harles C ., 134, 139, 1421 4 6 ,2 3 3

9 9 , 101, 102, 107, 110, 113, 120, 121, 122, 125, 2 1 0

salvação, 4 9 , 51, 6 6 , 134, 141,

p roblem a d o m al, 60

147, 148, 170, 2 0 5 , 2 0 9 ,

profecia, 3 7 , 3 8 , 6 7 , 69, 7 4 , 91,

2 1 3 -2 1 5

1 04, 105, 115, 123, 124, 126,

Sauter, G erh ard, 53

128, 129, 133, 140, 145, 147,

Satan ás, 38, 4 2 , 7 1 , 9 5, 10 2 -1 0 4 ,

149, 150, 153, 159, 165, 183, 218, 222, 223, 224

1 1 3 , 1 2 4 ,1 8 9 Schleierm acher, Friedrich, 18 Schweitzer, A lbert, 17-34, 3 8,

quiliasm o, 69, 115, 117, 118, 159 qu erigm a, 4 4 , 48 racionalism o, 2 6

3 9 , 6 2 , 2 33 Scofield, C . I., 138, 146, 165

Scofield Reference Bible,

119, 138,

145, 146, 165

R ad , G erh ard Von, 54

Scott, Walter, 172

R aven, J. H ., 187

segu n d a m orte, 9 5 , 9 6 , 101, 102,

R eform a, 82, 118, 162, 164, 187 reino de C risto , 70, 71, 72, 91, 111, 118, 124, 146, 185 reino de D eus, 20, 2 1 , 23, 24, 26,

110

segu n d a ressurreição, 9 4 -9 7 , 101, 1 0 2 , 1 0 7 ,1 2 1 , 1 2 2 ,1 5 8 segu n d a V in da de C risto, 12, 21,

2 8 , 3 6 , 3 7 , 44, 4 8 , 55, 65, 72,

9 0 , 92, 103, 113, 130, 165,

7 8 ,7 9 , 8 0 ,8 4 , 85, 87, 112,146,

1 7 7 , 1 7 8 ,2 1 6

120, 148, 1 5 0 ,1 8 0 ,1 8 3 , 189

Seiss, Jo sep h A ., 187

240

Escatologia

Serm ão d a M o n tan h a, 124

161-164, 166-174, 177, 179-

setenta sem anas, 182

193, 196-202, 2 0 4 , 20 5 , 207,

Snow den, Jam es H ., 6 5 -6 7 , 78,

20 8 , 213-215, 220 -2 2 4 , 2 2 7

7 9, 8 3, 2 3 3

Tyrrell, G eorge, 2 6

Su m m ers, Ray, 9 4 -9 6 , 107, 2 3 3 ultradispensacionalistas, 134 T acian o, 115

Telos,

123

T eófilo, 115 T em p o d a aflição de Jac ó , 169 teologia d a esperança, 12, 53,

vin d a

para a Igreja,

114, 161,

177, 178, 181, 2 1 5 , 221 vin d a

com a Igreja,

157, 161,

180, 181, 215

5 4, 57 teologia política, 6 0 teoria do arrebatam ento parcial, 2 0 1 , 2 0 8 -2 1 5 T ertuliano, 185 T icô n io , 6 9 , 70, 71 tipologia, 141, 149, 150, 152 Topladay, A u gustus, 187

W alvoord, Jo h n F., 112, 114, 124, 126,

139, 140, 145, 146,

156, 157,

159, 162, 163, 166,

167, 168,

171, 172, 174, 176,

177, 190,

2 1 3 ,2 1 4 , 2 3 3

W arfield, B en jam in B ., 7 2 , 83, 89, 103, 104, 2 3 4

transcendência, 57

Weber, O tto , 54

Tregelles, Sam uel P., 164,

W eiss, Joh an n es, 2 3 , 2 4 , 2 3 4

1 6 5 ,1 8 7

Wesley, Charles, 187

Trench, R ichard C ., 187

W olf, Ern st, 54

tribulação, 13, 113, 114, 155-159,

W rede, W illian, 2 4 , 2 5 , 2 3 3

índice de textos bíblicos Antigo Testamento

125 4 5 .2 2 -2 5 , 74 5 5 .1 2 , 140 6 5 .2 5 , 125 11 .8 ,9 ,

Êxodo 3 9,

141

47, 75 72, 75 110, 7 5 110.1, 7 5

N ovo

3 7 .1 0 , 122

T estam ento

117, 169, 181, 189, 202 , 204 7 .2 0 -2 5 , 223 7 .2 4 -2 5 , 205 7 . 25 , 205 9 .2 4 -2 7 , 223 1 1 .4 0 -4 5 , 223 12.2, 123

37, 166, 169, 202 , 211 2 .1 6 -1 8 , 129 3 .7 , 205 4 .1 7 , 183 8.2 6 , 125 10.28, 120 1 0 .2 9 -3 1 , 19 10.30 , 19 1 1 .2 0 -2 1 , 145 12. 2 8 ,36 12.45 , 211 13, 79

141

Isaías

125 67 11.6, 67

Z acarias

11.19, 36

D an iel,

129

C antares,

125

Ezequiel

S alm o s 2,

4 .3 ,

12.1 0 , 2 2 3

141

Ester,

M iq u eias

2 .4 ,

O seias

9 .6 ,

2 .2 3 , 7 5

M ateu s, 2 5 ,

Escatologia

242

1 3 .4 4 , 2 9

2 6 .2 6 , 2 2 0

2 0 .3 5 , 709, 7 2 3

1 3 .4 5 -4 6 ,

2 7 .3 1 -3 7 , 7 4 5

2 0 .4 2 -4 3 , 7 5

1 9 .28,

2 7 .3 2 ,

2 1 .9 , 2 7 7

29 120 2 1 .4 3 , 220 2 2 .1 4 , 220 2 3 .3 8 , 220 2 4 , 128 , 167, 220 2 4 — 2 5 , 128, 173 2 4 .3 , 220 2 4 .4 -2 2 , 2 2 3

189

2 4 .9 ,

2 4 .9 -1 4 , 8 6 2 4 .1 2 ,

193

2 8 .1 8 -2 0 , 2 0 3

2 1 .2 4 , 7 5 6

2 8 .1 9 -2 0 , 8 4

2 1 .2 4 -2 7 , 2 7 9

2 8 .2 0 , 2 7 7

2 1 .2 5 -2 6 , 2 0 4

169, 202 , 203 , 204 3 . 27 , 71 13.11, 196 M arcos, 25, 3 7 ,

1 3 .1 0 -2 0 ,

112

2 1 .2 5 -2 7 , 2 2 0 2 1 .2 7 , 2 0 7 2 1 .2 9 , 2 0 3 2 1 .3 4 -3 6 , 2 7 9 2 1 .3 6 , 770, 790, 797, 2 7 2

13.1 9 -2 0 , 2 0 4

2 4 .1 4 , 75, 2 2 2

203

1 3 .1 9 -2 4 , 7 8 9

Jo ã o , 3 8 , 4 9

13.20, 2 0 2

3 .1 8 , 4 9

2 4 .1 5 ss., 2 0 3

1 3 .2 4 -2 5 , 2 0 4

3 .1 9 , 3 8 , 4 9

2 4 .2 1 ,

2 4 .1 5 ,

190

1 3 .2 4 -2 7 , 2 2 0

3 .3 6 , 5 0,

2 4 .2 1 -2 2 , 2 0 4

13.27, 167

5 .2 5 , 5 0

2 4 .2 2 , 767, 2 0 2

1 3 .3 3 -3 7 , 2 7 9

5 .2 9 , 7 2 3

2 4 .2 9 ,

204

10.1 0 , 3 9

2 4 .2 9 -3 1 , 2 2 0 2 4 .3 1 ,

167, 221

2 4 .3 2 -3 5 , 2 0 3 2 4 .3 2 — 2 5 .3 0 , 2 4 .3 7 ,

221

189

221

Lucas, 25, 5 2 , 769, 203, 277

1 1 .2 5 ,2 6 , 5 0 1 2 .3 1 ,3 8 , 4 9

1 .4 ,5 2

14.3, 2 0 7

2 .3 7 , 7 7 2

14.1 6 , 2 2 0

3 .7 , 2 0 5

14.2 6 , 2 7 7

2 4 .3 8 -3 9 , 2 2 3

4 .1 3 , 7 7 2

14.2 7 , 6 7

2 4 .3 9 ,

8 .1 3 , 7 72

16.7, 2 7 7

10.18, 3 8

1 6.3 3 , 7 8 9

2 4 .4 2 — 2 5 .1 3 , 2 7 9

1 2 .3 1 ,3 8

1 7.1 5 , 7 9 3

2 4 .4 5 -5 1 , 7 7 6

1 2 .3 6 -4 0 , 2 7 9

1 7.2 0 , 2 0 3

2 5 .1 -1 3 ,

12.4 1 -4 8 , 7 7 6

18, 7 3 0

2 5 .5 , 7 7 6

14.1 4 , 7 2 2

1 8.3 6 , 7 3 0

2 5 .6 ,

1 7.2 4 , 2 2 7

2 1 .1 2 ss„ 7 7 7

2 5 .1 9 , 7 7 6

1 9 .1 1 -2 7 , 7 7 6

2 1 .1 8 ss„ 2 7 7

2 6 .1 3 , 2 7 7

20, 9 9

2 4 .4 0 ,

211 , 221 211 208-215

194

índice de textos bíblicos

A tos, 2 5 1.5, 1.6,

145 168

243

Romanos

1 5.5 1 -5 2 , 2 2 7

1.18,

15.5 4 , 4 9

189

2 .9 , 7 8 5

168

1.7, 2 7 8

4 .1 6 ,

1.8, 85, 2 7 7

5.3, 7 8 5

3 .1 8 , 3 6

1.9, 2 0 7

5.9, 777, 789, 2 5 5

5 .1 0 , 7 5 8

2 , 745

5 .1 3 , 7 5 2

5 .1 7 , 3 6 , 4 9

6 .1 -1 1 ,

6 .2 ,

2 .1 4 -2 1 , 2 .1 6 , 3 6 2 .2 9 -3 6 ,

129 129

96

8 .1 8 -2 1 , 2 2 7 8 .1 9 , 2 7 9

174

2 C o rín tio s

49

12.8,

772

G álatas

2 .3 4 -3 5 , 7 5

8 .1 9 -2 5 ,

3 .1 2 ,

8 .2 2 .2 3 , 7 25

2 .1 9 , 4 7

8 .2 3 , 2 7 9

3, 752, 7 8 2

42 4 .8 , 142 4 .1 0 , 142 4 .2 1 -2 8 , 129 5.21, 142 5 .3 1 , 142 5 .3 5 , 142 7

8 .2 5 , 2 7 9

4 .4 , 3 7

8 .3 3 , 2 9 3

4 .2 7 , 7 2 9

9, 7 5 2

6 .1 5 -1 6 , 7 4 3

9 .3 -4 , 7 4 2

9.6, 743

Efésios

9 .1 5 , 2 7 7

10.1, 7 4 2

1.20, 7 4 4

11,

1 1 .1 5 -1 6 , 7 2 6

1 .2 2 ,2 3 ,

11.25, 7 7

2 .1 -1 0 , 9 6

82

1 1 .1 5 .1 6 ,

145

1 2 .1 0 , 7 7 2

14.9, 9 9

2 .1 5 ,

189 15,82, 129 1 5 .1 3 -1 8 , 129

1.7, 2 7 9 , 7 7 4

2 1 .2 1 , 7 7 2

3 .1 4 ,1 5 ,

1 4 .2 2 ,

1

Coríntios 209

744

744

4 .7 -1 2 , 7 4 4 4 .1 3 , 8 9 4 .3 0 ,

273

2 1 .2 8 , 7 4 2

6 .3 , 7 2 9

Filipenses

2 2 .1 5 , 2 7 7

10.32, 7 4 2

2 .1 0 -1 1 , 7 2 4

2 3 .1 1 , 2 7 7

12.13, 7 4 5

3 .1 1 , 722, 7 2 3

2 6 .2 ,

15, 7 9 9

3 .2 0 , 2 7 9

15.1, 7 9 9

4 .5 , 7 74, 2 7 9

277

2 7 .2 4 ,

277

2 8, 7 4 5 2 8 .1 5 -1 6 , 2 8 .3 0 ,

194

277

15.1 7 -1 9 , 5 2 15.20,

39

C olossen ses

15.23, 723

1.13, 3 6

1 5.2 3 -2 6 , 723

1.18, 7 4 4

244

Escatologia

144 1.24, 144 1.26, 144 3 .1 -4 , 96

223 2 .4 , 203 2 .6 -7 , 195

1.22,

2 .3 -1 1 ,

1 Pedro 1 . 2 3 ,3 7 4 .7 ,

219

2.6 -8 , 2 2 3

40 , 170, 174 1.9-10, 170, 219 1.10, 189, 205 3.3 , 189 4 , 157 4 .1 3 -1 8 , 228 4 .1 5 -1 7 , 170, 177 4 .1 6 , 123 4 .1 6 -1 7 , 177 4 .1 6 -1 8 , 207 4 .1 7 , 157, 193, 194 4 .1 8 , 174 5.3, 170 5.6 , 219 5.8, 170 5 .9 , 170, 189, 205 5 .1 0 , 108, lT essalon icenses,

171 2 .7 -1 2 , 50 2 .8 , 171 2 .9 , 205 , 2 .7 ,

2 .2 3 , 2 2 3

2Pedro 2 .6 -9 ,

171

ljo ã o 1 . 1 ,5 2

2 .6 8 , 2 2 3

2.8, 3 7

3.5,

2 .1 8 , 3 7 ,

219

189

189 36 4 .3 , 50 , 189 2 .2 2 ,

1T im ó teo

172

4 .1 ,

3 .2 ,

2 T im ó teo

Ju d as

2 .1 9 ,

14-15,

172 4 .5 ss„ 217

21,

207 174, 219

2 .1 -2 , 2 2 2

T iag o

2 .2 ,

5.7-8,

35 , 69, 98 , 103, 118, 119, 120, 127, 152, 167, 188, 206 1.9, 189 2 .8 , 99 , 122 3, 167 3.3, 219 3 .1 0 , 170, 191, 192, 193 6 .9 -1 1 , 95 6 .1 6 -1 7 , 189

5.8,

7 .3 -4 , 2 2 2

2Tessalonicenses,

171 1.6, 189

52 ,

1.6-8, 2 2 2

171 189

1.7-9, 1.8,

218 2 .2 -3 , 223 2 .3 , 172, 173, 178 , 198, 205

T ito

219 , 222 2 .1 3 , 174 3 .5 , 36 2 .1 2 -1 3 ,

141 172 6 .5 , 36 9 .2 8 , 219 11.35, 100 H ebreus,

3 .1 2 ,

5.9,

219 174 174

A pocalipse,

168 7 . 9 , 168 7.4,

245

índice de textos bíblicos

189, 192 207 1 1 .1 2 , 206 1 1 .1 5 , 206 1 1 .1 7 , 206 1 1 .1 8 , 206, 207 12, 186 1 3 .1 4 , 122

7 .1 4 ,

10.9,

1 4 .3 -4 , 2 2 2

207 1 4.8, 188, 207 1 4 .1 0 , 189, 207 1 4 .1 9 , 207 1 4.7,

,2 0 7 ,207 15.7, 207 16.1, 207 16.7, 207 16.1 5 , 219 16.1 9 , 189, 207 17.1, 207 17.1 2 , 223 17.14, 223 1 7.1 6 , 223 1 8.1 0 , 207 19.2, 207 1 5 .1

1 5 .4

207 189 2 0 , 69, 70, 83, 87, 90, 91, 94, 101, 102, 103, 105, 106, 120, 125, 128, 227 2 0 .1 -3 ,9 5 2 0 .4 , 98, 99, 108 2 0 .4 -5 , 94, 95, 222 2 0 .4 -6 , 113, 119 2 0 .6 , 96 2 2 .1 6 , 167 1 9 .1 1 -1 6 , 19.1 5 ,

Sugestão de Leitura Introdução à Teologia Sistemática Millard J. Erickson | 5 4 4 p. 116x23 cm

Uma Introdução abrangente, substancial e essencial à teologia sistemática!

A teologia nunca deve ser difícil ou abstrata demais, pois “a doutrina crista é simplesmente a declaração das crenças mais fundamentais do cristianismo”. Esta é a filosofia por trás desta Introdução à Teologia Sistemática. Erickson abre esse livro com uma explicação do que é teologia. A seguir, avança através da revelação, da doutrina de Deus, da criação e da providência, passando também pela humanidade, pelo pecado, pela doutrina de Cristo, do Espírito Santo, da expiação e da salvação, chegando à eclesiologia e à escatologia. Introdução à Teologia Sistemática apresenta também um capítulo impressionante sobre a contextualização do evangelho.

Se você ainda não se decidiu a respeito das “últim as coisas”, este livro é para você. Se já se decidiu, m as tem procurado uma apresentação im parcial de outros conceitos sobre o Milênio e sobre a Tribulação, esta obra irá fornecer as inform ações necessárias de que você precisa. Publicada anteriorm ente sob o títu lo Opções contem porâneas na e sca to lo gia , este livro retorna às mãos do leitor em nova edição totalm en te revisada. A principal m udança está no capítulo dedicado ao dispensacionalism o, que foi inteiram ente reescrito. Nesta obra, Millard J. Erickson oferece um tra tam en to im parcial do am ilenism o, pós-m ilenism o e pré-m ilenism o, seguido por capítulos sobre dispensacionalism o, pré-tribulacionism o, pó s-tribulacionism o, e pontos de vista trib ula cion ista s interm ediários (m esotribulacionism o, o conceito do arrebatam ento parcial, e o pós-tribulacionism o im inente] Para ajudar a com unicar a situação ou o contexto geral que contribuem para a construção dessas posições evangélicas, o autor dedica os dois prim eiros capítulos para exam inar outras alternativas que têm sido populares nos séculos XIX e XX: a escatologia consisten te, a escatologia realizada, a escatologia existencial e a teologia da esperança. Cada capítulo com eça com um panoram a breve que é seguido por uma história de cada posição escatológica, um exam e m ais com pleto dos seus conceitos e argum entos principais, e, por fim, uma avaliação. 0 autor escreveu este livro com a intenção de estim ular e encorajar o leitor a se interessar pelas questões im portantes da escatologia. Questões que o levarão a aprofundar sua confiança na bendita vinda do Senhor e a exam inar as Escrituras, averiguando os fatos e am pliando a com preensão e a apreciação quanto às convicções daqueles que têm pontos de vista diferentes dos seus. Pastores, se m in aristas e dem ais cristãos que aceitaram o desafio de responder às questões cruciais de seu tem po têm agora em suas mãos uma ferram enta valiosíssim a para auxiliá-los no ensino da Palavra e na proclam ação do Reino de Deus.

ISBN9 ?8-85-2? 5-0429-4

9788527504294

www.vidúnovü.com.br

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