Ergonomia Da Sala de Aula
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Ergonomia da sala de aula: constrangimentos posturais impostos pelo mobiliário escolar
Antônio Renato Pereira Moro Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
1. Introdução No ambiente escolar tem-se observado uma grande lacuna de aplicações e adequações ergonômicas. A atividade escolar por não tratar-se de uma situação de trabalho, muitas vezes fica a mercê da "causalidade", ou seja, ainda não existe um critério que lhes atenda nos requisitos de saúde e segurança para a concepção do mobiliário escolar. Portanto, informar-se e conhecer o assunto é uma necessidade urgente para que cresça a consciência social sobre este tema. O mobiliário escolar, juntamente com outros fatores físicos, é notadamente um elemento da sala de aula que influi circunstancialmente no desempenho, segurança, conforto e em diversos comportamentos dos alunos (Moro et al., 1997). O mobiliário, em função dos requisitos da tarefa, determina a configuração postural dos usuários e define os esforços, dispêndios e constrangimentos - elementos essenciais para a adoção de comportamentos diversos - estabelecidos numa jornada de trabalho em sala de aula, além de manter vínculo restrito com a absorção do conhecimento (Nunes et al., In Rangé, 1995). Trabalhos conduzidos por Nunes, Almeida, Hendrickson e Lent (1985), demostraram que o design do mobiliário escolar chamou a atenção como sendo uma variável que induziu e manteve vários repertórios de comportamento dos alunos. Da mesma forma, essas pesquisas mostraram uma estreita ligação entre carteiras escolares e problemas médicos, segurança e disciplina na aula. Comportamentos indesejados na sala de aula, ocorrência de barulho repetitivo, como também, comportamento acadêmico apropriado foram associados com essas relações, e, então relacionadas ao tema do design dessa mobília. Segundo Corlett, Wilson e Manenica (1986) e Mandal (1981), as más posturas da coluna vertebral ao sentar são causadoras de dores nas costas, principalmente, segundo Chaffin e Andersson (1991) nas regiões cervicais, glúteas e lombares. Diariamente, as crianças na idade escolar permanecem sentadas por muitas horas arqueadas sobre a suas mesas, com posturas extremamente danosas à sua saúde. As crianças ao entrarem sadias na escola, saem anos depois com a postura comprometida de alguma forma. A causa desses problemas, segundo Mandal (1986), são as cadeiras inclinadas para trás, com a superfície da mesa na horizontal, onde, na tentativa de se acomodar, as crianças inclinam-se sobre a superfície da mesa, comprimindo as suas vértebras lombares. A pressão mantida por diversas horas sobre os ossos em formação das crianças, irão ocasionar transformações posturais permanentes, que irão lhes incomodar para o resto de suas vidas. Considerando-se que a sala de aula é um ambiente de trabalho como outro qualquer, onde as pessoas realizam tarefas específicas, é conveniente a aplicação desses resultados de pesquisa na solução de problemas práticos dentro da escola. (Nunes, 1985). Infelizmente, conforme sustentado por Kao (1976), a utilização de conhecimentos de Ergonomia às questões educacionais ainda são raros. A partir de estudos de casos e, a luz de outros estudos no campo da ergonomia e da biomecânica, é que discorreremos a seguir, os aspectos que mais contribuem para explicar a origem dessa problemática, que envolve o aluno em sua interação com o mobiliário escolar e que influenciam substancialmente na sua saúde e segurança.
2. Metodologia O trabalho foi dividido em duas partes, uma refere-se a um estudo de campo, com aplicação de um questionário, e a outra, ao estudo experimental, do tipo sujeito único, no Laboratório de Biomecânica. O questionário foi elaborado com o objetivo de saber, por parte dos alunos, da sua relação com a carteira escolar utilizada pelo colégio. Para tanto, foram construídas 7 questões do tipo objetiva; 2 questões que continham imagens, onde teriam que marcar a que correspondesse a sua postura adotada e, a que achasse ser a correta para sentar; e, 1 questão contendo o diagrama do corpo humano (Figura 1), adaptado de Corlett e Manenica (1986), para que marcassem as regiões do corpo onde sentiam dores ou desconfortos durante o período escolar. Para o estudo experimental, foram escolhidos 4 alunos, com idade média de 11 anos, da rede pública de ensino, que não apresentavam relato de desordens posturais. Estes alunos eram convidados a executarem uma tarefa de escrever
sentados, respectivamente, em dois (2) conjuntos diferentes de mobiliário escolar, um era do tipo tradicional (utilizado pelas escolas) e o outro regulável (fornecido pela Empresa CEQUIPEL), conforme pode-se observar nas Figuras 2 e 3. Durante a realização da atividade os alunos eram fotografados por uma máquina digital, posicionada em relação ao plano sagital do objeto. Após, essas imagens eram transportadas a um computador, onde eram processadas, com auxílio de um software gráfico, para obtenção dos ângulos posturais de maior relevância para o estudo da postura sentada.
3. Resultados e discussão A partir dos resultados da aplicação do questionário objetivo, aos 93 alunos da escola pública estadual, foi verificado que 78 % das repostas referem-se a problemas com a cadeira escolar. Quanto a questão referente a postura em que mais permanecia na carteira escolar, de 10 fotos de diferentes posturas mostradas, encontramos na Figura 1-A a freqüência de 38 % do total assinaladas. Atenta-se para o fato de que a maioria dos estudantes, quando em atividades de leitura e escrita, apoiam a cabeça na mão, na tentativa de amenizar os efeitos da força peso, dos segmentos da cabeça e do tronco, que são projetados a frente, no mobiliário tradicional.
Figura 1: Principais resultados obtidos a partir do questionário aplicado a 93 crianças de uma escola pública em Santa Catarina. 'A' Representa a postura adotada com maior freqüência apontada por 38 % desses alunos. 'B' Diagrama do corpo humano contendo o resultado dos relatos de queixas oriundas da sala de aula.
Quanto a questão que em era solicitado ao aluno marcar no diagrama do corpo humano, a região correspondente ao aparecimento de dores ou desconfortos durante as atividades na carteira escolar, foi verificado que 54% dos relatos de queixas apontavam para a região da nuca e do pescoço. Este resultado vem aliar-se os demais estudos que alertam para a demasiada flexão do pescoço e da cabeça, como um dos principais inconvenientes do trabalho sentado com a superfície da mesa na horizontal, ressaltados entre outros por Mandal (1981 e 1986) e Colombini et al. (1986). De posse desses dados pode-se inferir que crianças são atualmente acomodadas em carteiras escolares que deixam de cumprir exigências médicas, biomecânicas, de segurança, de conforto e funcionalidade, como observou Nunes (1985) e Dela Coleta (1991). Consequentemente, parte do repertório comportamental exibido por esses usuários, na posição sentada, sugere mecanismos pessoais compensatórios de ajustamento ao ambiente, semelhantes ao observado na Figura 2-B. O "sentar-se incorretamente" ou sentado em um mobiliário inadequado, constitui-se em resposta compensatória associada à ausência de conforto e conseqüente tentativa de melhorar a distribuição de pressão pelas áreas corporais afetadas. Portanto, confirma-se com esses e outros resultados de pesquisa, que devemos voltar mais a atenção para a posição horizontal do tampo da carteira e aperfeiçoar ergonomicamente o seu design como um todo. Essa falta de inclinação da superfície do tampo da mesa está associada com a sobrecarga no sistema musculoesquelético, notadamente na região cervical, como pode ser obervado na Figura 2-A, onde encontramos 60 graus de flexão da cabeça e 30 graus do tronco a frente. Na Figura 2-B, o arranjo introduzido pelo aluno, reduziu substancialmente estes valores, na proporção da inclinação da mesa. Mesas de superfície plana, desprovidas de qualquer angulação, estão associadas a queixas de dores lombares e cefaléias ao final da jornada de trabalho, como foi verificado no questionário. Da mesma forma esta ausência de inclinação no tampo da carteira escolar constitui-se em fator de distorção no tamanho dos caracteres (Dul, 1981), o que pode contribuir para problemas de desempenho do aluno na atividade de leitura.
Figura 2. A foto 'A' mostra a postura do aluno assumida no mobiliário tradicional. Em 'B', observe o arranjo na carteira introduzido pelo aluno, na tentativa de melhorar o campo de visão e sua área de trabalho.
A inclinação da superfície da mesa proporcionou uma postura mais ereta do que em relação ao mobiliário tradicional (horizontal), isto deve-se ao fato da inclinação anterior do tampo da carteira, proporcionar uma melhor aproximação do material de trabalho aos olhos do aluno. Segundo a literatura, este fator é um dos principais responsável pelo arqueamento do indivíduo à frente, em busca de uma melhor visualização do objeto. Esta relação entre a distância do material de trabalho e o eixo de visão, tem uma significativa influência na manutenção de uma boa postura sentada, onde a partir desta conclusão, Mandal (1981), recomenda que além da inclinação do tampo da mesa, haja também, uma pequena inclinação conjunta da superfície do assento da cadeira para frente, sugerida por Freudenthal (1991) e Bendix (1984). É do entendimento da biomecânica que, conforme a própria ABNT (1997) recomenda, o ângulo do tampo da carteira pode ser aumentado até o valor máximo recomendado pela norma, ou seja, de 16 graus. Desta forma acreditamos que a flexão demasiada do pescoço, seja reduzida na mesma proporção que do valor da angulação do tampo da mesa, diminuído sensivelmente o desconforto na região cervical do sujeito. Outra questão central, bastante pertinente que queremos abordar, foi de verificar quais tipos de conjuntos cadeiramesa seriam os mais indicados para grupos antropométricos específicos de crianças. Nesta perspectiva, a mais tradicional no estudo das interações sujeito-mobiliário, tem como objeto medir as dimensões físicas do corpo humano e, posteriormente, utilizar essas medidas no projeto do sistema cadeira-mesa. O critério antropométrico preconiza que um padrão aceitável de mobília poderá ser identificado como aquele que acomoda o maior número possível de indivíduos de uma população. Paradoxalmente, conforme sustentado por Oxford (1989), o equipamento não pode ser dimensionado para o usuário médio, pois este não existe. Atualmente, já é crescente o número de escolas que buscam mobiliários alternativos para equacionar os problemas advindos da questão antropométricas. Conforme observou-se, essas novas mobílias possuem sistemas de regulagem tanto do carteira como da cadeira do mobiliário, onde o próprio aluno, com o tempo, irá encontrar o ajuste ideal para si. Observa-se na Figura 3, o modelo regulável de mobiliário escolar que foi utilizado no estudo. O fato positivo é que este mobiliário, através deste dispositivo inovador, proporcionou ao aluno a utilização do melhor ajuste para sua respectiva estatura. O ângulo de inclinação do pescoço em aproximadamente 29 graus, obedece o limite natural do eixo de visão, que vai até 30 graus abaixo da linha horizontal, segundo Bendix (1984). Da mesma forma, esta postura foi facilitada devido, também, aos 5 graus de inclinação da superfície da mesa.
Figura 3. Foto mostrando a postura corporal do aluno induzida por um conjunto escolar ergonométrico (Mobiliário escolar regulável de propriedade da Indústria CEQUIPEL - Biguaçu-SC).
Os mecanismos de regulagem da mesa e da cadeira são compostos de manípulos anatômicos com uma superfície revestida, para evitar possível acidentes ou lesões, e facilitar o manuseio pelos usuários. Da mesma forma para essas regulagens podem ser fixadas tarja com indicações de valores referenciais de estatura, para facilitar ou melhor orientar no ajuste adequado. No mobiliário tradicional, de altura fixa, algumas crianças são forçadas a se posicionarem nas bordas do assento, na tentativa de evitar que os pés fiquem sem o apoio do chão e, também, diminuir a pressão excessiva na parte posterior da coxa. Portanto, as alturas de mesas e cadeiras são geralmente impróprias para o uso, podendo originar problemas posturais de relativa gravidade. As Normas Brasileiras (NBR 140006/1997) prevêem esse problema, dividindo a carteira escolar em sete classes de medidas de tamanho para mesas e assentos em todas as instituições educacionais, onde deverão ser observados as variáveis antropométricas de cada aluno. Porém, na prática, essa norma nunca foi obedecida. Talvez por não dispormos dados antropométricos de nossos alunos ou porque as nossas salas de aulas são usadas para diferentes níveis escolares com diferentes faixas etárias, ou ainda, será que é pelo custo ? ou por não sabermos decidir ? São questões sem soluções. As normas existem, mas parecem um pouco a margem de nossa realidade educacional. Neste item também queremos alertar para o fato de que a antropometria usada para o indivíduo adulto difere com a usada para a criança. No Brasil faltam dados antropométricos da população (infantil e adulta) confiáveis. Perde-se com isto a oportunidade de se decidir a partir de parâmetros adequados. Portanto, um mobiliário escolar do tipo regulável, como foi mostrado, é a mais importante adequação ergonômica apresentada até o presente momento, para superar os velhos conceitos de sala de aula. Dados referentes a estudos biomecânicos sobre assentos parecem pouco utilizados tanto no mundo do trabalho quanto no ambiente escolar. Para Mandal (1981), as incompatibilidades mobiliário escolar-usuário sugerem que os projetistas aplicaram pouco do que já é conhecido a respeito da anatomia da criança na posição sentada. Acrescentou o autor que as autoridades educacionais parecem mais interessadas em carteiras escolares vendidas a baixo custo e fáceis de serem empilhadas do que mobílias adequadamente projetadas.
4. Conclusões Uma proposta ergonômica para o mobiliário escolar implica primeiramente em disseminar os resultados de estudos sobre o tema e adoção de medidas práticas de substituição do design da mobília atual para reduzir custos humanos nos alunos. Essa humanização do posto de trabalho do estudante exigiria, também, a revisão crítica de procedimentos associados as práticas antigas de concepção. As práticas atuais de manejo do comportamento, para manter o estudante na posição sentada, devem paulatinamente serem substituídas por conseqüências reforçadoras presentes no próprio conjunto cadeira-mesa, como foi abordado. Conforme os resultados de pesquisa relatados nesses estudos, gostaríamos de sugerir a Associação Brasileira dos Fabricantes de Móveis Escolares, dada a necessidade de uma maior aproximação entre a teoria e prática, para que elaborem critérios mínimos voltados a proteção e saúde dos seus usuários e, serem considerados nos projetos de concepção industrial. Da mesma forma, que sejam elaborados manuais práticos para servirem como fonte de ensino sobre o melhor entendimento da biomecânica da postura corporal e atividades na posição sentada. Pois, o que se percebe na prática é a grande desinformação, principalmente, por parte dos educadores, de como educar o aluno sobre a correta postura à assumir e, atuarem de forma crítica e consciente, para a escolha do mobiliário escolar. Não basta que cadeiras e mesas educacionais, para serem reconhecidas como tal, localizem-se dentro das salas de aula. Antes de mais nada, essas peças de mobiliário devem cumprir seu papel de agente físico facilitador no processo educacional, como bem salientou Sasaki (1988).
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