Epistola Aos Hebreus- Severino Pedro Da Silva

March 25, 2017 | Author: Fabio Noronha | Category: N/A
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SERIE Comentário Bíblico

Epístola aos Hebreus é mais uma jóia literária para deleite espiritual do povo de Deus. Apesar de anônima, ela traz em seu conteúdo todos os demais pensamentos divinos inseridos nas Escrituras de ambos os Testamentos. De igual modo, as palavras de Paulo encontradas em Atos e nas 13 epístolas que trazem o seu nome, são encontradas também aqui — o que torna esta epístola de uma magnitude encantadora e esplendorosa. O pastor Severino Pedro da Silva comentou os 303 versículos da Epístola aos Hebreus, usando interpretações técnicas — lógicas e espirituais —, e nelas destacando Jesus como sendo a figura central em cada cena apresentada: seja ela histórica ou profética. Parabéns a ele e a nós por esta valiosa obra! São Paulo, 2002 José Wellington Bezerra da Costa Presidente da CGADB

Prefácio ............... ...... ............. ....... ................... ....... ....... 5 1. Mais Excelente do que os Anjos.................................... 9 2. Uma tão Grande Salvação............................................. 35 3. Não Endureçais os vossos Corações............................ 49 4. O Prometido Repouso .... ......... ............................. 65 5. O Sumo Sacerdote Eterno.......... ............................. 81 6. O Caminho da Perfeição ............... ........................... 93 7. Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo ...... 115 8. O Novo Concerto................. ................. ....... ....... . 139 9. O Tabernáculo...................... ............................. .

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10. Sacrifícios e Ofertas............ ......... ................... .

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11. Pela Fé.................................................................... 209 12. Perseverança em meio às Provações.................... . 243 13. A Graça Seja com todos vós.................. ........ ....... 267

Mais Excelente do que os Anjos

I- Introdução Antes de analisarmos a exegese da Epís­ tola aos Hebreus e sua aplicação prática à vida cristã, é necessário nos a termos ao contexto histórico e aos fatos que levaram o seu autor a escrevê-la. É preciso ainda que observemos suas referências ao Antigo Testamento, pois além da menção de várias passagens de Josué, Juizes, Salmos, entre outros livros, seu conteú­ do está intrinsecamente ligado ao Pentateuco — sobretudo aos livros de Gênesis, Êxodo e Levítico —, em que o autor se baseia para abor­ dar temas como o Tabernáculo, o sacerdócio levítico e o seu simbolismo à obra redentora de Cristo.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

II. Seu Autor Há várias opiniões sobre a autoria da Epístola aos Hebreus. Sua mudança de estilo, tanto no início como no final, é bas­ tante diferente das epístolas de Paulo. Vejamos os argumentos apresentados por alguns comentaristas a este respeito: Clemente de Alexandria afirmou que Paulo escreveu esta carta em hebraico e Lucas a traduziu para o grego. A igreja de Alexandria aceitou a autoria paulina e colocou esta entre as cartas de Paulo. Contudo, outros-expositores não concordam com este pensamento e sugerem uma lista enorme de nomes que pudessem tê-la escrito. Parece que o autor desta carta não era um apóstolo; ou se era, escreveu-a através de um amanuense (Hb 2.3). Nesse caso, Paulo seria então seu autor, porque seus pensamentos estão inseridos nela do começo ao fim: (Hb 1.2,3; 6.1; I Co 8.6; 2 Co 4.4; Cl 1.15-17); (Hb 2.14-17; 5.8; Rm 5.19; 8.3; G14.4; Fp 2.7,8); (Hb 9.28; I Co 5.7; Ef 5.2); (Hb 8.6; 9.15; 2 Co 3.6-11); (Hb 11.8-12,17-19; Rm 4.17-20; G1 3.6-9); (Hb 2.4; I Co 12.4-11,27-31); (Hb 2.6,9; SI 8; I Co 15.27); (Hb I2.I; I Co 9.24-27, etc.). As circunstâncias em Hebreus 13 são simplesmente as de Paulo, nas cartas reconhecidas como paulinas. Compare o seguinte: Hebreus 13.23 com a amizade de Paulo e Timóteo Hebreus 13.18 com Romanos 15.30; 2 Coríntios 1. 11; Atos 23.1; 24.16; 2 Coríntios I.I2; I Timóteo 3.9; 2Timóteo 1.3

II Mais Excelente do que os Anjos

Hebreus 13.19 com Filemom 22; Filipenses 1.24,25 Hebreus 13.20,25 com Romanos 15.33; I Timóteo 5.28; 2 Timóteo 3.18. Existem idéias similares em Hebreus com outras cartas paulinas. Por exemplo: Cristologia: Hebreus 1.3 com Colossenses 1.15 Hebreus 1.2,3,10,11,12 com Colossenses 1.16,17; I Coríntios 8.6 Hebreus 1.4-14; 2.14-17 com Filipenses 2.511; Efésios 1.20-23; Hebreus 2.9; 9.26; 10.12 com I Timó­ teo 2.6; Efésios 5.2; I Coríntios 15.3. Os dois concertos: Hebreus 10 com Colossenses 2.16,17 Hebreus 8.1-6; 4.1,2 com I Coríntios 10.11 Hebreus 7.18 com Romanos 8.3 Hebreus 8.8-12; 7.19; 8.13 com 2 Coríntios 3.9-11 Vários termos usados em Hebreus são similares aos ter­ mos de outras cartas paulinas. Exemplo: Hebreus 1.5 com Atos 13.33. Esta citação é mencionada por Paulo em Hebreus para referir-se a Cristo, mas não é usa­ da em nenhuma outra passagem do Novo Testamento. Hebreus 2.4 com I Coríntios 12.4,6,11 Hebreus 2.10 com Romanos 11.36; Colossenses 1.16; I Coríntios 8.6; Hebreus 2.16 com Gálatas 3.29; 4.16 Hebreus 4.12 com Efésios 6.17 Hebreus 6.3 com I Coríntios 16.7 Hebreus 10.19 com Romanos 5.2; Efésios 2.18; 3.12 A autoria paulina foi aceita por Clemente de Alexandria perto do final do século II d.C., e Hebreus foi encontrado

12 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

numa coleção de livros atribuídos a Paulo, no Egito. Eusébio acreditava que Hebreus fora escrita por Paulo em hebraico e traduzido para o grego por Lucas. Numa passagem de sua História Eclesiástica, falando das epístolas paulinas, ele disse: “Por outro lado, é evidente e claro que as catorze cartas [de Roma­ nos aos Hebreus] são de Paulo. Contudo, não é justo ignorar que alguns rechaçaram a Carta aos Hebreus, dizendo que a igreja de Roma não a admitiu por crer que não é de Paulo”.1 Alguns eruditos questionam a não-autoria paulina, porque são encontradas 168 palavras em Hebreus que nunca foram usadas por Paulo em qualquer outra passagem do Novo Testa­ mento, e mais 124 que não aparecem nos escritos de Paulo. Mas este argumento não invalida sua autoria se quiser­ mos atribuí-la a ele. Talvez sua solicitação pela presença de Marcos, dizendo que ele lhe seria “muito útil para o ministé­ rio” (2Tm 4.11) fosse, sem dúvida, para que este o ajudasse na redação final da Epístola aos Hebreus. Em seus dois últi­ mos anos de vida, Paulo se volta para os seus: os judeus (I Co 9.20-22). E agora seu grande desejo e missão seria convencêlos da superioridade de Cristo sobre a antiga aliança, e tam­ bém da importância do sacerdócio de Cristo, que seria um sacerdócio eterno, segundo a ordem de Melquisedeque, supe­ rior àquele outorgado a Arão e seus descendentes. Marcos te­ ria, então, as qualidades necessárias para ajudá-lo nesta grande tarefa. Ele pertencia à tribo de Levi, tribo esta ligada direta­ mente ao sacerdócio (cf. At 4.36; Cl 4.10). Algumas Bíblias, especialmente pertencentes a edições antigas, traziam em seus títulos: Epístola de S. Paulo aos Hebreus. A BIBLIA SAGRA­ DA, Edição Barsa de 1967, baseada na INTER-AMERICAN COPYRIGHT UNION de 1910, publicada pela Catholic

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Mais Excelente do que os Anjos

Press, traz como título: Epístola de S. Paulo aos Hebreus. Mas a maioria das outras versões não dizem assim. H. Wayne House oferece um gráfico pró-e-contra da autoria desta epís­ tola, além de Paulo, mencionando os seguintes personagens: Lucas Argumentos Favoráveis: Existem similaridades de estilo entre os escritos de Lucas e o texto de Hebreus. •



A similaridade de estilos pode ser justificada por uma “atmosfera comum”. Além disso, Hebreus é uma obra mais requintada que Lucas e Atos. Os pensamentos paulinos em Hebreus poderiam ser ex­ plicados facilmente, uma vez que Lucas foi companheiro e cooperador do apóstolo.

Argumentos Contrários: Lucas era apenas mais uma das pessoas próximas ao apóstolo; assim, embora isso o torne pro­ vável candidato à autoria de Hebreus, seria apenas mais um entre muitos. Estêvão O discurso de Estêvão registrado por Lucas assemelha-se muito ao livro de Hebreus: a revisão da história dos judeus, o chamado de Abraão, a perda da posse da terra, o Tabernáculo construído por ordem divina, a lei mediada por anjos, o cha­ mado para “sair”, a idéia da “Palavra viva”, alusão a Josué e o chamado celestial. As similaridades entre Hebreus e o discur­ so de Estêvão argumentam mais a favor de Estêvão como au­ tor do que do próprio Lucas, embora se presuma que foi Lucas quem escreveu o discurso.

14 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Apolo Argumentos Favoráveis: Apolo era judeu de Alexandria. O autor de Hebreus também era judeu, provavelmente com influência alexandrina. •



Embora as características e circunstâncias demonstrem que Apolo poderia ter escrito a epístola, como não há outros escritos de Apolo para que se faça uma compara­ ção, não há evidência de que ele de fato seja o autor. Ou­ tra pessoa que viveu no século I, anônimo para nós e com as mesmas qualificações, pode ter escrito Hebreus. Apolo era homem instruído. O autor de Hebreus era instruído, sendo este o escrito do Novo Testamento de melhor composição grega, sob o aspecto do estilo e da lógica. Nenhuma tradição antiga apóia Apolo como autor. Seria difícil entender a falha da Igreja em Alexandria em preservar tal tradição, se Apolo realmen­ te tivesse escrito. Apoio tinha um ensino preciso acerca de Jesus (At 18.25). O escritor de Hebreus faz uma apresentação exata e precisa a respeito de Jesus. Atos 18.24 em diante nada diz sobre Apolo sendo treinado no pensamento filônico, o qual a Epístola aos Hebreus parece refletir. Apolo é retratado como um dos homens que usavam mais poderosamente o Antigo Testamento (At 18.24). O autor de Hebreus usa de forma poderosa o Antigo Testamento na sua argumentação, demonstran­ do grande capacidade em usar o seu entendimento. Marcos faz 15 citações do Antigo Testamento, Mateus faz 19, Lucas faz 25, e João, no Apocalipse, faz 245, o que também os credencia para tê-la escrito.

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Mais Excelente do que os Anjos

Apolo era fervoroso de espírito, o que também se observa no autor da epístola, que escreve com paixão e “ousadia”. Isso não era condição para que ele escrevesse Hebreus, pois cada crente na Igreja Primitiva era exortado a ser “fervoroso no espírito” (Rm 12.11). Apoio tinha excelente reputação na Igreja Primitiva (cf. At 18; 1 Co 1.12). O contato entre Paulo e Apoio pode explicar as expressões e os pensamentos paulinos e também justificar a menção a Timóteo em Hebreus 13.23. Argumentos Contrários: Tiago, Cefas e João eram consi­ derados como as colunas na igreja de Jerusalém; eles, e não Apoio, seriam mais credenciados para escrever Hebreus.

Barnabé Argumentos Favoráveis: Como levita, natural de Chipre (At 4.36), Barnabé estaria qualificado para escrever sobre os regulamentos levíticos da Lei. As características alexandrinas do livro tornam improvável que tenha sido escrito por um judeu de Chipre. Talvez houvesse relação entre Barnabé como o “filho da consolação” (At 4.36) e a “palavra de consolação” (Hb 13.22 — exortação) mencionada pelo autor de Hebreus. A comprovação histórica é precária e de origem ocidental. Esperar-se-ia mais, já que Barnabé era uma figura bem conhe­ cida. A autoria de Barnabé é atestada por Tertuliano, que pa­ rece expressar o consenso (provavelmente romano), e por Gregório de Elvira e Filástrio (bispo de Bréscia no século IV). E improvável que um discípulo posterior em Jerusalém tivesse escrito Hebreus 2, 3 e 4. Barnabé era considerado na Igreja Primitiva como ministro da consolação, o que o capacitaria a escrever Hebreus.

16 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Argumentos Contrários: Barnabé não produziu nenhu­ ma obra (existe uma que leva o seu nome, mas é considerada apócrifa) com a qual Hebreus possa ser comparado, de modo que não há prova intrínseca. Priscila e Áquila Argumentos Favoráveis: (Com a predominância de Priscila) A qualidade deles como professores foi compro­ vada pelo mestre Apoio (At 18.26). Seu sucesso como pro­ fessores poderia qualificá-los como possíveis autores, mas não deixaram nenhuma obra escrita com a qual Hebreus pudesse ser comparado. Ambos eram intimamente associ­ ados a Timóteo (At 18.5; 19.22; I Co 16.10,19). São ape­ nas dois entre um grande grupo de pessoas relacionadas com Paulo e Timóteo. Se as saudações em Romanos 16.316 são dirigidas a moradores de Roma e se Hebreus foi escrito em Roma, é significativo o fato de que abrigavam uma igreja em sua casa, em Roma (Rm 16.5; cf. I Co 16.10,19). Terem sido membros da Igreja em Roma de ma­ neira alguma os torna prováveis autores. A saudação é am­ bígua; e se é uma saudação para pessoas em Roma, muitos outros também se qualificariam como prováveis autores. As transições entre “nós” e “eu” podem ser explicadas pela dupla autoria. O uso do plural não é prova sólida de dupla autoria, uma vez que Hebreus 13.19 está enfaticamente no singular, assim como 11.32 e 13.22,23. Há uma tendência anti-feminista na maior parte da Igreja pós-apostólica; um exemplo disso é o texto ocidental (especialmente o Códice D), que pode ser responsável pela supressão do nome da autora. A posição significativa das mulheres nos ministéri-

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os de Jesus, de Paulo e da igreja subapostólica revela a ati­ tude apropriada que a Igreja tinha para com as mulheres, apesar de alguns líderes provavelmente terem sido contrá­ rios. A menção de mulheres na lista dos heróis, em Hebreus 11, pode refletir a visão de uma mulher. Argumentos Contrários: A menção de mulheres na lista de heróis também poderia ser feita por um homem, conforme os livros de Lucas 8 e Romanos 16. O tema do peregrino em Hebreus 11.13-16 pode referir-se à expulsão deles de Roma, por ordem do imperador Cláudio. No entanto, não existe evi­ dência histórica que apóie essa alegação. O interesse no Tabernáculo pode provir do fato de terem sido fabricantes de tendas. O interesse no Tabernáculo é tipológico, e não da pers­ pectiva de um fabricante de tendas. Aquila e Priscila, com pre­ dominância de Priscila, foram seus autores, sem apresentar ne­ nhum argumento — pensa-se. O particípio em Hebreus 11.32, o qual nesse caso indica o sexo do autor, revela que este era do sexo masculino. O tom autoritário da epístola falaria contra Priscila como autora, em vista do ensino do Novo Testamento, especialmente o ensino de Paulo (I Co 14.34,35; I Tm 2.11).

Silvano Entre as mais modernas conjeturas acerca da autoria de Hebreus está Silvano. Silvano pode ser comparado com o mesmo Silas que foi companheiro de Paulo. Ele era conheci­ do da Igreja em Jerusalém, pois de lá foi enviado com Judas, outro ministro do Evangelho, para cooperar na Igreja em Antioquia (At 15.22,34,40). Era também conhecido da Igre­ ja em Roma, tendo estado lá com Pedro durante a escrita de I

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Pedro (I Pe 5.12). Os eruditos que defendem esta tese sus­ tentam que Silvano, tendo vivido em Jerusalém e sendo judeu, estaria informado acerca do culto no templo. Além destas, há outras conjeturas sobre o autor deste livro: Timóteo, Clemente de Roma, Filipe, o evangelista, entre outros.2

III. Quando Foi Escrita Levando em consideração Hebreus 10.1 em diante, pare­ ce que esta epístola foi escrita antes do ano 70 d.C. Neste capítulo, o escritor sagrado faz alusão à adoração no Templo, em Jerusalém, e aos sacrifícios diários que eram oferecidos pelos sacerdotes ordinários e também do sacrifício anual que era oferecido pelo sumo sacerdote pelo pecado, em favor de toda a nação (vv. 1,11). Isso nos leva a entender que o santu­ ário ainda se encontrava de pé. Talvez tenha sido escrita entre os anos 64 e 67 d.C., visto que o ano da morte de Paulo, segundo estima-se, é 68 d.C.

IV Onde Foi Escrita A passagem de Hebreus 13.4 parece dizer que o autor escreveu esta epístola de algum lugar na Itália. E, se foi Pau­ lo o seu autor, então teria escrito de algum cárcere romano. Antes de seu julgamento como digno de morte pelo tribunal romano, “... Paulo ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara...” (At 28.30). Mas parece que todo este período ele dedicou somente para a pregação do Evan­ gelho e para atendimento espiritual àqueles que o procura­ vam. Ali ele “recebia todos quantos vinham vê-lo”. Passados

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os dois anos, Paulo foi condenado à morte — sendo em se­ guida transferido de sua casa para o famoso cárcere Mamertino, construído no segundo século a.C., onde pas­ sou os últimos dias de sua vida. Cremos que ali, solitário, ele escreveu esta epístola, onde nela empregou todo o seu co­ nhecimento espiritual e poder de erudição.

V Propósito para que Foi Escrita O verdadeiro propósito desta epístola foi para mostrar aos crentes hebreus a superioridade de Cristo e de sua graça sobre o antigo concerto, como sendo um empreendimento “melhor”. E através desta conscientização, encorajá-los a não voltarem para o judaísmo, que havia terminado sua missão justificadora com a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Hb 10.9). Jesus é superior. Nos capítulos 1—4 de Hebreus, o escritor enfatiza que Cristo é superior na sua pessoa. Ele é melhor do que os profetas, os anjos, Moisés, Josué e o sábado. Ele é superior aos sacerdotes dos tempos do Antigo Testa­ mento. Cristo é superior como sacerdote. Os capítulos 5—10 relembram aos cristãos judeus que Cristo é superior como nosso Sacerdote. O seu caminho é melhor do que o sacerdó­ cio terrestre, o antigo concerto, os sacrifícios de animais ou as oferendas diárias. Cristo abriu um caminho melhor. Nos ca­ pítulos 11—13, Cristo abriu um caminho melhor para chegar­ mos a Deus; podemos ter fé para crer nEle e em todas as coisas; podemos ter esperança de que nos fará vitoriosos so­ bre todas as nossas provações, e podemos demonstrar amor uns aos outros segundo a medida de amor que Cristo nos deu. Cristo é melhor do que as tradições.

20 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Com o passar dos séculos, os judeus tinham criado inú­ meras tradições paralelas aos mandamentos de Deus e algu­ mas de suas ordens. Além do Pentateuco e dos outros livros que compõem o Canon hebraico, existiam as tradições orais e outras obras escritas, repletas de outros ensinamentos que iam sendo adquiridos no dia-a-dia da vida do povo escolhido. Com a presença de Jesus entre eles, algumas destas tradições foram questionadas e rejeitadas pelo novo ensinamento de Cristo. Contudo, observamos que a Igreja do primeiro século d.C. era, na sua maioria, composta de crentes judeus. Isto sem dú­ vida levou alguns deles, que abraçavam a fé em Jesus, a conser­ varem consigo algumas de suas tradições — levando-os a acei­ tarem a fé e ao mesmo tempo, continuarem guardando suas tradições (cf. At 15.1). O autor sagrado mostra-lhes que “... se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Co 5.17). Isto não somente incluía a velha natureza, que agora em Cristo fora substituída por uma nova natureza, mas também as velhas tra­ dições e ordenanças da Lei. Estas também tinham sido subs­ tituídas pela fé e a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que doravante era “o meio” e “a causa” da justificação de judeus e gentios (Jo 1.I7).

VI. Seu Conteúdo A Epístola aos Hebreus é composta por: • • • •

13 capítulos; 303 versículos; 6.454 palavras (Edição Revista e Atualizada); 17 perguntas (1.5 [duas vezes], 13,14; 2.4,6 [duas vezes];

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3.17 [duas vezes], 18; 7.11; 9.14,17; 10.29; 11.32; 12.7,9); • Citações do Antigo Testamento. Além de seu conteúdo principal, a Epístola aos Hebreus encontra-se pontilhada de citações em seus 13 capítulos. Todos, sem exceção, con­ têm passagens do Antigo Testamento (cerca de 85 ao todo). Algumas dessas passagens envolvem até livros inteiros, quando é desenvolvido um tema. Veja o quadro a seguir: 1. AT: 2 Samuel 7.14; Salmos 2.7; 45.6,7; 104.4; 110.1 = Hebreus 1.5-13 2. Gênesis 33.5; Isaías 8.18; Salmos 8.4-6; 22.22 = Hebreus 2.6-8,12,13 3. Êxodo 12.37-51; Salmos 95.7-11 = Hebreus 3.7-11,15 4. Gênesis 2.2; Josué 11.23; Salmos 95.11 = Hebreus 4.3,4,5,7 5. Salmos 2.7; 110.1,4 = Hebreus 5.5,6,10 6. Gênesis 22.16,17; Salmos 110.1,4 — Hebreus 6.14,20 7. Gênesis 14.18-20; Números 18.21-28; Salmos 110.4 = Hebreus 7.1,2,10,11,15,17 8. Êxodo 25.40; Jeremias 31.31-34 = Hebreus 8.5,8-12 9. Êxodo 24.8; 25— 40; 30.10; Levítico 16; Números 19 = Hebreus 9.1-7,13,14,18-21 10. Deuteronômio 31.6; 32.35,43; Salmos 40.6-8; Habacuque 3.3,4 = Hebreus 10.5-9,30,37,38, etc. 11. Gênesis I; 2 = Hebreus 11.3 Gênesis 4.3-5; 10; 11 = Hebreus 11.4 Gênesis 5.24 = Hebreus 11.5 Gênesis 6.13-22; 7.1-22 = Hebreus 11.7a Gênesis 8.1-22 = Hebreus 11.7b Gênesis 12.1-5 = Hebreus 11.8

22 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Gênesis 12.6-9 = Hebreus 11.9 Gênesis 21.1-3 = Hebreus 11.11 Gênesis 18.11 = Hebreus 11.12a Gênesis 22.17 = Hebreus 11.12b Gênesis 22.1-19 = Hebreus 11. 17 Gênesis 15.4 = Hebreus 11. 18 Gênesis 27.4-40 = Hebreus 11.20 Gênesis 48.1-20 = Hebreus 11.21 Gênesis 50.24,25; Êxodo 13.19; Josué 24.32 = Hebreus 11.22 Êxodo 2.2,3 = Hebreus 11.23a Êxodo 1.15,16,22 = Hebreus 11.23b Êxodo 2.II = Hebreus 11.24-26 Êxodo 12.37-41 = Hebreus 11.27 Êxodo 12.1-28 = Hebreus 11.28 Êxodo 14.16-31 = Hebreus 11.29 Josué 6.15,20 = Hebreus 11.30 Josué 6.22,23 = Hebreus 11.31 a Josué 2.1-21 = Hebreus 11.31b Juizes 6—8 = Hebreus 11.32a Juizes 5 = Hebreus 11.32b Juizes 13—17 = Hebreus 11.32c Juizes II; 12 = Hebreus 11.32d 1 Samuel I—31 = Hebreus 11.32e 2 Samuel 1—24 = Hebreus 11.32f Daniel 6 = Hebreus 11.33 Daniel 3 = Hebreus 11.34, etc. 12. Provérbios 3.11,12; Gênesis 25.29-34; 27.1-46; Êxodo 19.12,16; Ageu 2.6 = Hebreus 12.5,16-21,26 13. Gênesis 19.1 -17; Deuteronômio 31.6; Salmos 27.1; 56.4,11 ; Levítico 6.14-19; Números 5.9,10; 19.3 = Hebreus 13.2,5,10,11

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Mais Excelente do que os Anjos

Dos versículos 35 a 40 de Hebreus 11, são apresentadas referências e inferências gerais.

VII. O Primogênito de toda a Criação 1

Havendo Deus, antigamente, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falounos, nestes últimos dias, pelo Filho, O autor sagrado usa aqui uma linguagem geral para re­ presentar o Antigo Testamento, onde Deus falou e se apresen­ tou “aos pais, pelos profetas” de muitas maneiras. Depois ele faz alusão a Cristo como a figura central na inspiração e pre­ paração plenária do Novo Testamento e por extensão, na su­ cessão da Igreja até o arrebatamento. 2

a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo.

O pensamento humanista moderno e secular está ligado à teoria da evolução. Basicamente, tal teoria defende que todas as coisas que vemos no mundo que nos rodeia apareceram por acaso, e isso implica a exclusão de toda e qualquer participa­ ção divina. Em contraposição, as Escrituras declaram que a ordem, a diversidade, a complicada interdependência e beleza do mundo natural foram criadas por um Deus vivo e autoexistente, e que na criação houve a participação direta do Fi­ lho, conforme é descrito por Paulo, quando diz: “O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na

24 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, se­ jam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência” (Cl 1.15-18). 3

O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela. palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da Majestade, nas alturas; Um dos argumentos defendidos por Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, quando aborda as cinco vias que conduzem a Deus, é o da Ordem do Mundo. A prova da ordem do mundo (ou, segundo Tomás de Aquino, o argumento das causas finais) se apóia no princípio da finalidade e toma a seguinte forma: A organização complexa, objetivando um fim, exige uma inteligên­ cia ordenada. Esta prova parte do princípio da ordem universal, através da qual é demonstrado o supremo poder pessoal que exis­ te no Filho de Deus. Essa ordem é evidente: considerado no seu conjunto, o universo nos aparece como uma coisa admiravelmen­ te ordenada, em que todos os seres, todos os elementos, por mais diferentes que sejam, contribuem para o bem geral do universo. Jamais uma estrela, planeta ou cometa entraram na órbita dos outros. A natureza obedece rigidamente às leis estabelecidas por Deus. O universo não ultrapassa qualquer limite além daquilo que lhe foi prescrito. Todo este complexo de seres e coisas encontra-se orientado e sustentado “... pela palavra do seu poder”.

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VIII. A Excelência de Jesus acima dos Anjos 4

feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles.

Um dos pensamentos principais do escritor nesta epís­ tola é mostrar a superioridade do Filho de Deus sobre os seres e as coisas, e aqui neste versículo os anjos são tomados nesta contextualização. Cristo herdou mais excelente nome do que estes poderes angelicais, ainda que na esfera celeste seus nomes sejam honrados e admirados (Jz 13.18; Lc 1.19), mas o nome JESUS é nome por excelência! Paulo descreve como este nome é maravilhoso e que foi escolhido por Deus Pai nas esferas da existência, dizendo: “Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para gló­ ria de Deus Pai” (Fp 2.9-11). 5

Porque a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, hoje te gerei? F outra vez: Fu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho? Existem entre os comentaristas das Escrituras discordância no que diz respeito à palavra “hoje”, na passagem em foco. Alguns opinam que ela se refere ao “hoje do tempo”, quando Jesus foi gerado no ventre da virgem; enquanto outros sugerem que ela se aplica ao “hoje da eternidade”, quando Jesus fora gerado no eterno querer de Deus. Nesse caso, o “hoje” aqui se

26 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

referia à eternidade passada. Não tendo assim, portanto, ne­ nhum vínculo com o tempo presente do calendário sucessivo. Em cerca de 300 d.C., um sacerdote egípcio chamado Ário começou a ensinar que Jesus não era o eterno Filho de Deus, mas simplesmente um ser celestial, criado por Deus antes da criação do universo. Para refutar tal heresia foi criado o Credo de Nicéia, na Bitínia (atual Turquia), em 325 d.C. Ele incluía algumas declarações importantes a respeito de Jesus, para tor­ nar claro que Jesus era tanto homem como Deus, visto que fora “gerado” e não “criado”. Originalmente, o Credo de Nicéia dizia: “Creio em um Deus, o Pai Todo-poderoso, Criador dos céus e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E no Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerado, não feito, sendo de uma substância como o Pai, por quem todas as coisas foram feitas; que por nós, homens, e nossa salvação, veio dos céus e foi encarnado pelo Espírito Santo no ventre da Virgem Maria, e foi feito homem; foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos. Ele sofreu e morreu e foi sepultado; e no terceiro dia ressusci­ tou, segundo as Escrituras, e ascendeu aos céus, e está sentado á direita do Pai. E voltará de novo, com glória, para julgar tanto os vivos como os mortos, cujo reino não terá fim”. Através deste Credo o arianismo foi condenado, e o próprio Ário foi anatematizado. Depois, acrescentou-se o Espírito Santo como parte da Santíssima Trindade e a única Igreja, cristã apostólica, como regra de fé e modelo de doutrina. Esta outra parte que posteriormente fora adicionada, dizia: “E creio no Espírito Santo, o Senhor e Doador da vida, que procede do Pai e do Filho, que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; que falou pelos profetas. E creio na única Igreja, cristã apostólica.

27 Mais Excelente do que os Anjos

Reconheço um batismo pela remissão dos pecados, e aguardo a ressurreição dos mortos, e a vida do mundo, que vem. Amém”. 6

E, quando outra vez introduz no mundo o Primogênito, diz: E todos os anjos de Deus o adorem. De acordo com alguns eruditos das Escrituras, a frase “ou­ tra vez introduz no mundo o Primogênito” aponta claramente para a encarnação de Cristo, acontecimento este que, talvez os anjos, sem uma explicação por parte de Deus, jamais entenderi­ am. Eles foram adoradores de Cristo antes deste período, mas ignorando seu estado de humilhação, quando “... aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (Fp 2.7). Era necessário, portanto, que Deus, o Pai, ordenasse a estes elevados poderes que Jesus, mesmo tornandose “menor do que os anjos, por causa da paixão da morte”, o fez por uma necessidade premente da salvação da pessoa humana. Mas Ele continuava o mesmo Deus, em sua natureza e essência, quando era por eles adorado no trono da sua glória. Então, Ele foi por eles (os anjos) aceito sem restrição alguma (cf. I Pe 3.22). 7

E, quanto aos anjos, diz: O que de seus anjos faz ventos e de seus ministros, labaredas de fogo. Esta citação é tomada por alegoria de Salmos 104.4, que diz: “Faz dos ventos seus mensageiros, dos seus ministros, um fogo abrasador”. Esta figura de linguagem é aqui usada para mos­ trar que os anjos foram criados para serem servos, e não senho­ res, tal como as forças físicas da natureza eram dependentes e

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

finitas. Houve um tempo em que alguns destes seres caíram na tentação e pecaram, sendo assim levados pelo “vento” da rebe­ lião e consumidos pelo “fogo” do orgulho em seus corações. Mas Jesus em tudo foi submisso ao Pai, e jamais transgrediu um só mandamento ou uma só ordem que dEle tinha recebido. Este era o seu objetivo principal: fazer a vontade de Deus, como Ele mesmo dissera: “... eu desci do céu não para fazer a minha vonta­ de, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6.38). Com efeito, porém, Ele pode ter sido tentado a fazer algo que fosse contrário à vontade de Deus. Mas não cedeu a tal pensamento contrário à natureza do seu ser. Por esta razão o escritor sagrado conclui: Ele “... em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4.15b). 8

Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos; cetro de eqüidade é o cetro do teu reino. Os gnósticos procuravam degradar o Filho de Deus, di­ zendo que Ele não era Deus, mas apenas uma emanação em processo de evolução. Contudo, o próprio Deus Pai chama seu Filho de Deus. A pessoa que aqui está falando é a mesma que vinha falando nos versículos anteriores e, sem dúvida al­ guma, é a pessoa do Pai, que aqui está em foco! A superiorida­ de do Filho fica demonstrada nesta argumentação sobre os anjos, mostrando a infalibilidade de seu trono e de sua justiça. Cerca de 8 livros do Novo Testamento foram escritos com o propósito de direta ou indiretamente refutarem determinadas heresias gnósticas, que procuravam negar a divindade de Jesus Cristo como sendo Deus. Mas o autor de Hebreus nos apre­ senta Jesus como sendo Deus e igual ao Pai em essência, poder

29 Mais Excelente do que os Anjos

e glória e em uma comunhão coeterna, em tudo sendo exalta­ do pelo Pai. 9 Amaste

a justiça e aborreceste a iniqüidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria, mais do que a teus companheiros. Tanto as Escrituras do Antigo Testamento como as do Novo afirmam que Jesus seria um Rei Ungido. Na passagem em foco, parece que alguns anjos foram ungidos por Deus para exerce­ rem missões especiais. Pelo menos o querubim que estava no Jardim do Éden recebera uma espécie de unção para proteger, conforme é depreendido em Ezequiel 28.14, que diz: “Tu eras querubim ungido para proteger, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas” (ênfa­ se do autor). Alguns anjos que permaneceram fiéis ao lado de Deus também foram “eleitos”, o equivalente da palavra “ungi­ dos” (I Tm 5.21), mas nenhum destes seres recebeu uma unção tão especial como aquela que recebera Jesus. Sua unção foi com­ pleta em todas as dimensões da existência (cf. SI 45.7; Is 61.1; Lc 4.18; At 4.27). E, portanto, com este sentido que se destaca a unção de Cristo, quando o autor sagrado afirma: "... Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espirito Santo e com virtude; o qual andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do dia­ bo, porque Deus era com ele” (At 10.38, ênfase do autor).

IX. A Criação e o Julgamento do Homem 10

E: Tu, Senhor, no princípio, fundaste a terra, e os céus são obra de tuas mãos;

30 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

O conceito evolucionista tem oferecido várias explicações sobre o surgimento do universo, incluindo céus e terra, dizen­ do que o aparecimento de céus e terra, com seu sistema cós­ mico, deu-se através de um big bang. Segundo essa teoria, o universo surgiu de uma grande explosão cósmica, o big bang, entre 8 bilhões e 20 bilhões de anos atrás. Até então, as estru­ turas do universo concentravam-se em um único ponto, de temperatura e densidade energética altíssima. Esse ponto ex­ plode — é o instante inicial — e começa assim a sua expansão, que continua até hoje. Nosso ponto de vista se baseia na ade­ são firme das Escrituras. Elas afirmam que os céus e a terra — todo o universo — têm sua origem em Deus, que os criou (Hb 11.3). Qualquer outra explicação além desta não passa de vaga teoria nascida de imaginações vazias, criada simplesmente para confundir a mente e a imaginação das pessoas (cf. I Tm 6.20).

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eles perecerão, mas tu permanecerás; e todos eles, como roupa, envelhecerão, Uma vez que o céu superior, onde está instalado o trono de Deus, é eterno, não é, pois, sujeito a qualquer mudança. Cremos que a passagem e transformação aqui em foco se pro­ cessará nos céus atmosféricos e astronômicos. Pedro fala disso em estado de grande expectativa, dizendo: “Mas o Dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há se queimarão... aguardando e apressando-vos para a vinda do Dia de Deus, em que os céus, em fogo, se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão?” (2 Pe

Mais Excelente do que os Anjos

3.10,12) Tais acontecimentos terão início durante o período sombrio da Grande Tribulação, quando boa parte do universo visível será abalada por cataclismos iminentes (Ap 6.12-14; 17.20). Contudo, sua consolidação final somente se dará no Dia do Senhor, que por extensão, incluirá também o Juízo Final, quando céus e terra passarão com grande e estrepitoso estrondo, conforme já mencionado (cf. Ap 20.11). 12

e, como um manto, os enrolarás, e, como uma veste, se mudarão; mas tu és o mesmo, e os teus anos não acabarão. O escritor sagrado continua em sua narrativa descreven­ do a expurgação dos céus e da terra, porém mostrando que nenhuma mudança haverá em Cristo, que para sempre conti­ nuará “o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” em seu ser, em seu caráter e em seu poder. A idéia gnóstica procurava ensinar que existia uma hierarquia de mediadores entre Deus e o ho­ mem, e que para este chegar à presença de Deus, era necessário atingir todos estes degraus de mediações. Com tais heresias, eles excluíam a Cristo do plano eterno da redenção. Porém, as Escrituras afirmam que Cristo é eterno, e o único Mediador entre Deus e os homens. E sendo eterno como Ele o é, Ele é Deus, não estando sujeito nem ao tempo e nem ao espaço. A eternidade é definida quanto àquilo que é infinito em relação ao tempo. O tempo marca extensão. Deus é eterno! Uma vez que existe pela própria necessidade de sua existência. O tempo marca o início da existência criada; e como Deus nunca teve início de existência, o tempo não se aplica a Ele e nem a Jesus, que possui a mesma natureza do Pai.

32 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

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E a qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à minha destra, até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés? Aqui é tomada uma passagem do Antigo Testamento para representar o triunfo de Cristo sobre seus inimigos. Eles serão colocados “debaixo de seus pés” e serão esmagados como vasos de oleiro. Na antiguidade, quando um exército era derrotado, era costume os vencedores colocarem seus pés sobre os pescoços de seus inimigos vencidos, como sinal de extrema e degradante humilhação (SI 110.1). Cristo está assentado à mão direita do Pai, exercendo todo o poder e autoridade, até que seus inimigos, incluindo o último inimi­ go, que é a morte, sejam aniquilados. “Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império e toda a potestade e for­ ça. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte” (I Co 15.24-26). 14

Não são, porventura, todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação? Os anjos são nossos conservos e ministram a nosso favor quando são designados por Deus para certas funções, sejam elas terrenas ou celestiais. Contudo, jamais devemos pensar que os anjos são mediadores entre Deus e os homens no que diz respeito à salvação. Tal posição de mediador pertence so-

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Mais Excelente do que os Anjos

mente a nosso Senhor Jesus Cristo. “Porque há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, ho­ mem, o qual se deu a si mesmo em preço de redenção...” (I Tm 2.5,6). Pedro, quando argüido diante da Suprema Corte ju­ daica acerca da pessoa de Jesus e de suas obras miraculosas, disse: “... Em nenhum outro nome há salvação, porque tam­ bém debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4.12).

1

CESARÉIA, Eusébio de, História Eclesiástica, CPAD, Rio de Janeiro, 1999. 2

HOUSE, Wayne. H., O Novo Testamento em Quadros, Editora Vida, São Paulo, 1999.

Uma tão Grande Salvação

I. A nossa Salvação 1

Portanto, convém-nos atentar, com mais diligência, para as coisas que já temos ouvido, para que, em tempo algum, nos desviemos delas.

O escritor agora procura voltar a atenção para aquilo que acabou de ser dito no capítulo primei­ ro acerca da elevada dignidade de Cristo e sobre seu poder de salvar. Ele chama a atenção dos san­ tos para que atentem “com mais diligência” para o grande valor da salvação que tinham recebido por meio do Evangelho da graça de Deus. As coisas que eles tinham visto e ouvido eram suficientes para lhes garantir a certeza de que Jesus era o Cris-

36 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

to, o Filho de Deus, e que seu sacrifício expiatório tinha sela­ do um novo pacto, feito por meio do seu sangue. Desviar-se, portanto, destas coisas, era voltar as costas para o maior e melhor benefício de Deus a eles concedido, que doravante eram justificados em Cristo, sem o rigor da Lei (cf. Rm 10.4). “Desviar-se” é o inverso de “enviado”, e a vontade de Deus no procedimento cristão é que cada crente seja um enviado. As­ sim falou o Senhor Jesus depois de sua ressurreição, quando dava instruções aos seus discípulos: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós” (Jo 20.21). 2

Porque, se a palavra falada pelos anjos permaneceu firme, e toda transgressão e desobediência recebeu ajusta retribuição, A palavra proferida pelos anjos em ambos os Testamen­ tos, anunciando castigos ou determinando bênçãos, foi pro­ nunciada em várias ocasiões; mas a lei de Moisés, conforme depreendemos de textos e contextos sagrados, deve aqui es­ tar em foco. Estêvão lembrou aos judeus, dizendo: “Vós que recebestes a lei por ordenação dos anjos e não a guardastes” (At 7.53). E em Gálatas 3.19, Paulo diz que a Lei “... foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro”. Era crença comum entre os judeus dos últimos dias que a Lei fora mediada por meio dos anjos. Essa Lei era firme — era a Palavra de Deus —, e sua violação produziria sofrimentos apropriados, como punição. Ainda que Deus seja tardio em irar-se, contudo chega o momento em que Ele põe termo à sua misericórdia, para aplicar a sua correção reparadora. Em alguns casos isso envolve apenas um indivíduo em particu-

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Uma tào Grande Salvação

lar; mas em outros, envolve nações inteiras. Essas punições são justas, e não explosões arbitrárias de vingança, pois sua própria justiça vindicava a Lei. 3

como escaparemos nós; se não atentarmos para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos, depois, confirmada pelos que a ouviram; A palavra “salvação” encontra-se nas páginas do Novo Testamento com profundo significado e infinito alcance, e no texto em foco seu significado assume uma posição ainda mais elevada pelo expressivo termo “grande”. Isso se deu porque mui grande foi o nosso pecado (SI 19.13). A reden­ ção em Cristo, o perdão dos pecados, a transformação se­ gundo a sua imagem através da santificação, a glorificação e toda a plenitude de Deus, e a vida última alcançada em Cris­ to, são razões que tornam a redenção em “grande salvação”, porque esta foi efetuada por um grande Salvador, Jesus Cris­ to, o nosso Senhor. Por esta razão podemos dizer: “Bendito o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e remiu o seu povo! E nos levantou uma salvação poderosa...” (Lc 1.68,69). As­ sim, “... onde o pecado abundou, superabundou a graça; para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nos­ so Senhor” (Rm 5.20,21). 4

testificando tamhém Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas, e dons do Espirito Santo, distribuídos por sua vontade?

38 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Aqui neste versículo está em foco a operação miraculosa do Espírito Santo em ambos os Testamentos, mas a ênfase maior recai do Pentecostes ao período quando esta epístola estava sendo escrita, quando as manifestações dos dons espirituais eram evidentes em cada reunião. No entanto, as bênçãos mate­ riais em plenitudes também são aqui adicionadas nas vidas cristãs e por extensão, nas vidas de outros povos. Paulo lembrou aos povos da Licaônia, dizendo: “... [Deus] não se deixou a si mes­ mo sem testemunho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e de ale­ gria o vosso coração” (At 14.17). E em Efésios 3.20, Paulo acrescenta: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, se­ gundo o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por Jesus Cristo...” (ênfase do autor). E ainda em Filipenses 4.19, o apóstolo reforça o mesmo significado do pensamento, quando diz: “O meu Deus, segundo as suas riquezas, suprirá todas as vossas necessidades em glória, por Cristo Jesus”.

II. Cristo e sua Natureza Divina 5

Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos; Este mundo vindouro de que fala o texto será adminis­ trado pelo Filho de Deus. Ele é quem será exaltado ali, e não os anjos ou outro personagem da esfera terrena ou celestial. O mundo futuro era concebido pelos judeus para indicar o reino messiânico de Cristo; mas aqui indica algo que vai mais além: ele inclui também o estado eterno, quando tanto o Filho como o Pai serão “tudo em todos” (cf. I Co 15.28). Na esfera celestial,

39 Uma tão Grande Salvação

onde não existe disputa pelo poder, ganância por grandeza ou ostentação, tudo é tratado em sentido comum. Por esta razão, “há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chama­ dos em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos” (Ef 4.4-6). Por isso nos é dito que aqueles que praticam o mal, não “... [têm] herança no Rei­ no de Cristo e de Deus”. Assim, fica evidenciado que o Reino eterno, onde Jesus será o Soberano Dominador, pertence tanto a Deus Pai como a seu Filho Jesus Cristo (Ef 5.5). 6

mas, em certo lugar, testificou alguém, dizendo: Que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites? Certa vez, alguém testificou, usando o trecho de Salmos 8.4-6, que diz: “Que é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés”. Esta passagem fala de Cristo em primeiro plano e também fala do homem. Porém, podemos ver a questão da ênfase aqui — o que é dito do princí­ pio ao fim deve aplicar-se tanto a Cristo como aos homens, pois Ele se tornou verdadeiro homem, compartilhando perfeitamente da posição humana. Era impossível que Cristo morresse sendo apenas Deus — porque Deus não pode morrer (I Tm 6.16). Ele possui em sua natureza a imortalidade. Portanto, Cristo se humanizou para poder morrer e assim, por meio de sua morte, poder salvar os homens.

40 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

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Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste e o constituíste sobre as obras de tuas mãos. A linguagem aqui empregada dignifica tanto a pessoa de Cristo como sua obra redentora em favor dos homens. Cristo, por amor de nós, sendo Deus — se fez homem; sendo Senhor — se fez servo, sem queixar-se — se fez pobre, sendo divino — se fez humano, sendo Senhor dos anjos; por amor dos pecado­ res, se fez menor do que eles, quando “... aniquilou a si mes­ mo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mes­ mo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome” (Fp 2.7-9). Existem várias manei­ ras através das quais alguém pode conseguir alguma espécie de glória e honra. Uma delas pode ser técnica — preparada por alguém que dispõe dos meios e das circunstâncias. Pode ser também por usurpação — por alguém que, usando de meios ilícitos e esperteza, consegue atingir uma posição elevada aos olhos humanos. E pode ser, ainda, por merecimento — como aqui, no caso de Cristo. Ele foi coroado de glória e de honra pelo Pai, porque é digno de toda a honra e de toda a glória!

III. O Reino Eterno 5

Todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés. Ora, visto que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixou que lhe não esteja sujeito. Mas agora, ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas;

41 Uma tào Grande Salvação

O total domínio de Cristo começará seu processo de acele­ ração no princípio de formação do reino milenial, quando a dispensação da plenitude dos tempos terá início, e quando Deus “tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” (Ef 1.10). Já no Armagedom, a grande vitó­ ria de Cristo sobre o Anticristo e suas hostes aponta para esse tempo do fim, quando todos os inimigos do Filho de Deus entrarão num processo acelerado de enfraquecimento. Cristo reinará. Todos os seus inimigos, sejam eles humanos ou angelicais, serão destruídos. “Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força” (I Co 15.24). Quando isso acontecer, “... então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (v. 28). 9

vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora Jeito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos. Estes seres celestiais já contam na presente era com a feli­ cidade da vida última, isto é, são seres imortais. Esta capaci­ dade lhes dá condição de serem superiores aos homens, que são seres mortais. Porém, quanto à pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, são inferiores a Ele em cinco pontos. Ainda que por um pouco de tempo, “Jesus... fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte” (Hb 2.9). 1o — Os anjos são “criaturas” de Deus. Ainda que chama­ dos “filhos de Deus”, contudo, não têm em si a condição

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

original peculiar ao Senhor Jesus, que é chamado de “O unigênito Filho de Deus”. Por este motivo, Jesus foi “feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles” (Hb 1.4). 2° — Em razão da adoração, os anjos são inferiores a Cris­ to; eles são adoradores, enquanto Cristo é adorado! 3° — Os anjos são ministros da salvação; Jesus é o Autor da salvação. Isso certamente o coloca acima de qualquer posi­ ção angelical. 4° — Os anjos foram criados; Cristo é o Criador. 5o — Os anjos são súditos; Cristo é o Senhor. Ora, tanto no passado como no presente, e, mormente no futuro, os an­ jos foram, são e serão súditos do Reino de Deus, porém Cris­ to foi, é e sempre será o soberano Senhor (Hb 2.5-9).

IV O Cristo Glorificado 10

Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse, pelas aflições, o Príncipe da salvação deles. O Filho de Deus, quando se humanizou, despojou-se de toda a sua glória que tinha com o Pai. Por cuja razão Ele orou, dizendo: “... agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse”. Mais adiante, continuando sua Oração Sacerdotal, nosso Senhor diz ao Pai que repartiu com seus discípulos a glória que dEle havia recebido: “E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um” (Jo 17.5,22). Portanto, este privilégio de se apre-

43 Uma tào Grande Salvação

sentar ao Pai levando consigo “muitos filhos à glória” lhe pertence por direito e por resgate. Uma vez que a missão de Cristo foi completada, Ele foi glorificado. Contudo, esta missão foi consumada por meio de suas aflições. “Porventura, não convinha que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na sua glória?” — assim afirma o texto de Lucas e o contexto que temos aqui neste versículo (Lc 24.26). 11

Porque, assim o que santifica como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos, O direito de filiação divina dar-se-á para aqueles que aceitam a Jesus como Salvador. A esses, Jesus “... deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus” (Jo 1.12,13). A partir daí, dentro da comunidade cristã, o termo “irmão” é usado para indicar o amor mútuo, a compaixão e o respei­ to por aqueles que confiam em Cristo e pertencem à mesma família espiritual. Os anjos não são chamados de nossos irmãos, porque pertencem a uma outra ordem elevada, isto é, uma ordem espiritual. Mas na esfera do trabalho para Deus, eles são nossos conservos (Ap 22.9). Contudo, o mais importante neste contexto é que aquEle que nos santifica (Jesus) chama-nos de “meus irmãos” e de “meus amigos” (Mt 28.10; Jo 15.14). 12

dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar- te -ei louvores no meio da congregação.

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O louvor, em si mesmo, é um sacrifício que agrada a Deus (Hb 13.15). E Cristo em tudo procurou fazer a von­ tade do Pai, e sempre lhe oferecia este tipo de sacrifício dos lábios, dando-nos assim o exemplo de que até o louvor que a Deus oferecemos deve passar por Ele. É isso que depreendemos de Hebreus 13.15, que diz: “... ofereçamos sempre, por ele [Jesus], a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome”. Muitos têm pensado que Jesus era uma pessoa extremamente sisuda. Contudo, pelo contrário, Jesus era bem-humorado. Seu por­ te era impressionante e sua presença sempre inspirava confi­ ança e segurança naqueles que o seguiam. E tudo quanto Ele fazia, o fazia de coração e com toda a pureza e dignidade de sua alma e como forma de gratidão a Deus. 13

E outra vez: Porei nele a minha confiança. E outra vez: Eis-rne aqui a mim e aos filhos que Deus me deu. Historicamente falando, parece que o pano de fundo desta primeira citação é a passagem de Salmos 18.2, enquanto na segunda pode estar em foco Gênesis 33.5; Isaía.s 8.18 e João 17.12. A primeira delas deve ser a citação de Gênesis que está em foco, e saiu dos lábios de Jacó, quando disse a seu irmão Esaú: “[estes são] Os filhos que Deus graciosamente tem dado a teu servo”. E a segunda deve ser Isaías 8.18, que diz: “Eisme aqui, com os filhos que me deu o Senhor...” No dia do arrebatamento, todos os filhos de Deus comparecerão perante o Pai, conduzidos por Jesus, o seu primogênito — e ali Ele dirá aos anjos e também ao próprio Pai: “Eis-me aqui a mim e aos

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filhos que Deus me deu”. Todos estes filhos eram filhos de Deus, mas durante a dispensação da graça foram transferidos por direito e por resgate para nosso Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo afirmou que isso fora feito por um ato da própria vontade de Deus, dizendo: “Manifestei o teu nome aos ho­ mens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra” (Jo 17.6). 14

E, visto que os filhos participam da carne e do sangue, tamhém ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo, O Diabo é citado em 7 livros do Antigo Testamento e em 19 do Novo Testamento. Porém, a única ocorrência que temos do seu nome na Epístola aos Hebreus é aqui no versículo 14. A humanidade de Jesus, que o possibilitou de participar “... da carne e do sangue” (tornar-se humano), foi necessária para Ele e benéfica para a humanidade. Somente através deste caminho de humilhação Ele tornou-se capaz de ‘... aniquilar o que tinha o império da morte, isto é, o diabo”. Esse triunfo de Cristo sobre o Diabo e seu império de terror é enfatizado por Paulo, quando diz: “Havendo [Cristo] riscado a cédula que era contra nós nas suas orde­ nanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os prin­ cipados e potestades, os expôs publicamente e deles triun­ fou em si mesmo” (Cl 2.14,15). A cédula que era contra nós era o “império da morte”. Com efeito, porém, este império foi por Cristo aniquilado (Jo 5.24; Ap 2.11).

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

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e livrasse todos os que com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão. O pecado praticado pelo primeiro homem, Adão, fur­ tou da humanidade a verdadeira vida de liberdade, impondo sobre cada criatura humana o silêncio da morte — assim a morte passou a todos os homens...” (Rm 5.12). Este esta­ do de morte e servidão afetou toda a criação e esta passou a gemer. Por esta razão, há uma “... ardente expectação” de cada criatura, esperando a “manifestação dos filhos de Deus”. Este gemido da criação é um gemido doloroso. No entanto, com a morte de Cristo na cruz, se inicia uma nova era de libertação: primeiro para todo aquele que crê no seu nome e aceita seu plano redentor; segundo, numa era futura, que será o Milênio. Deus, por meio de Cristo, libertará sua cria­ ção da servidão que o pecado lhe impôs. E em lugar da ser­ vidão que coloca sua criação num estado triste e inativo, estabelecerá seu Reino eterno de poder e glória, que terá início no Milênio e continuará por toda a eternidade (cf. Rm 8.18-23; 2 Pe 3.13). 16

Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Ao ser questionado pela mulher samaritana diante do poço de Jacó a respeito do lugar ideal para adoração, Jesus lhe respon­ deu: “Mulher, crê-me que a hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos ju­ deus” (Jo 4.21,22). Alguns comentaristas opinam que o nome

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Uma tão Grande Salvação

de Adão aqui fosse mais apropriado, para completar a frase: “a descendência de Adão”, pois todos os homens, judeus e genti­ os, são seus descendentes. Entretanto, o nome Abraão talvez seja mais abrangente, indicando todos aqueles que são seus des­ cendentes espirituais, tornando-se assim no “Israel de Deus” (G1 6.16). E, em sentido direto, Cristo é sua “posteridade”. Portanto, o período de preparação para que o plano da reden­ ção se completasse foi confiado não aos anjos, mas à descen­ dência (os judeus) de Abraão, através da qual viria o “descen­ dente” — que é Cristo — para consumar a redenção. 17

Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Na Epístola aos Hebreus, Cristo é chamado por vários apelativos no que diz respeito à ordem sacerdotal. Isso demons­ tra sua superioridade em termos comparativos aos filhos de Arão, ou até mesmo a um outro sacerdote de uma ordem ou casta sacerdotal qualquer, terrena ou celestial. Cristo é, portanto: • • • • •



Um sumo sacerdote (4.15; 5.6,10; 6.20); Um fiel sumo sacerdote (2.17); Sumo sacerdote da nossa confissão (3.1); Grande sumo sacerdote (4.14; 10.21); Um outro sacerdote [quer dizer, especial: como nem mes­ mo Arão ou Melquisedeque o foram], mas o próprio Fi­ lho de Deus (7.11,28); Sacerdote eterno (7.17,22);

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

• • •

Sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado (7.26); Sumo sacerdote tal — além de qualquer possibilidade que a mente humana possa compreender (8.1); Sumo sacerdote dos bens futuros (9.11).

Com respeito, porém, à sua humanidade, Ele se tornou: “semelhante aos irmãos”. 18

Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados. Aprendemos de vários textos sagrados que a tentação em si não é ainda o pecado, mas ela pode conduzir a pessoa ao pecado. Socorrer aqueles que estão sendo tentados faz parte da missão misericordiosa do Filho de Deus. E esse pensamen­ to que encontra-se encravado no texto em foco, quando diz: “... naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode so­ correr aos que são tentados”. Algumas tentações nos sobre­ vêm como verdadeiras flechas inflamadas do maligno, “... mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima [além] do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar” (I Co 10.13). Em outras ocasiões, elas são neutralizadas antes mesmo de atingir os salvos. E por esta razão que Jesus nos ensinou a orar e mandou também que orasse-mos, dizendo: “... não nos induzas à tentação” e acres­ centa: “... vigiai e orai, para que não entreis em tentação” (Mt 6.13; 26.41). Este “escape”, providenciado por Deus em meio à tentação, é que nos faz triunfar por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.

Não Endureçais os vossos Corações

I. O Sumo Sacerdote da nossa Confissão 1

Pelo que, irmãos santos, participantes da vocação celestial, considerai a Jesus Cristo, apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão, A palavra “confissão”, usada no texto em foco, exprime duas idéias importantes para o cristianismo. Io — Ela traz o sentido da formalidade de um voto, de um acordo legal, indicando, no vo­ cabulário cristão, a solene lealdade que os homens devem a Cristo como seu Senhor e Salvador. Doravante, sempre envolverá mais do que mera aceitação de um credo, de uma confissão de de­ terminadas doutrinas ou decretos preestabelecidos. Em sentido elementar, mas espiritual, é a

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entrega da alma a Cristo, naquela atitude dominada pela fé: “A saber: Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10.9). 2o — Em sentido litúrgico, isso traz em si a idéia de um confessionário, onde o pecador arrependido busca perdão para seus pecados. No caso dos santos, esse confessionário são os pés de nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus foi constituído por Deus como “... apóstolo e sumo sacerdote da nossa confis­ são”. Diante dEle: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (I Jo 1.9). 2

sendo fiel ao que o constituiu, como também o foi Moisés em toda a sua casa. O próprio Deus falou isso a respeito de Moisés quando argumentava com Arão e Miriã, dizendo: “Não é assim com o meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa” (Nm 12.7). Alguns personagens são tomados como figuras nesta epístola para exemplificar aquilo que fizeram de bem ou mal. Veja a lista que se segue, onde são mencionados na primeira citação: Do lado espiritual: • • • • •

Deus (1.1), Os anjos (1.4), O Espírito Santo (2.4), Jesus (2.9), O Diabo (2.14).

51 Não Endureçais os vossos Corações

Do lado humano: •

Abraão (2.16), Moisés (3.2), Davi (4.7), Josué (4.8), Arão (5.4), Melquisedeque (5.6), Levi (7.5), Judá (7.14), Abel (11.4), Caim (11.4), Enoque (11.5), Noé (11.7), Isaque (11.9), Jacó (11.9), Sara (11.11), Esaú (11.20), José (11.21), Faraó (11.24), Raabe (11.31), Gideão (11.32), Baraque (11.32), Sansão (11.32), Jefté (11.32), Samuel (11.32), Timóteo (13.23).

Outros foram citados através de seus atos, mas são omiti­ dos seus nomes. 3

Porque ele é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés quanto maior honra do que a casa tem aquele que a edificou. O escritor sagrado retoma aqui nesta passagem o mes­ mo sentimento que já expressara antes no versículo 9 do capítulo anterior, quando afirma: “Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte...” Deus exaltou seu Filho acima de qualquer poder ou autori­ dade, porquanto sua glorificação foi suprema. “O qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu, havendo-se-lhe sujei­ tado os anjos, e as autoridades, e as potências” (I Pe 3.22). Qualquer tributo feito a uma casa é uma honra concedida a seu edificador. Aqui, a casa é claramente “a família de Deus” (Ef 3.14,15). Por inferência, Moisés fazia parte dessa famí­ lia. Mas o construtor (cf. Hb 1.2) é Deus, que opera por

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

meio do Filho. Cristo é o Senhor da Igreja, que é a sua casa, mas é também seu “fundador e edificador”. Esta casa é cha­ mada de “casa de Deus”, porque do ponto de vista divino, ela é a Igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade, de acordo com aquilo que declara Paulo e também outras de­ clarações similares do Novo Testamento (cf. I Tm 3.15). 4

Porque toda casa é edificada por alguém, mas o que edificou todas as coisas é Deus. Deus é declarado nas Escrituras como sendo o grande e admirável construtor do universo. Este conceito se aplica tan­ to ao universo físico como ao universo espiritual. Contudo, o argumento aqui em foco diz respeito à edificação de um edifí­ cio espiritual. Como casa de Deus, a Igreja também é a habita­ ção do Espírito Santo de Deus, coletivamente falando. Tal como nos tempos da Antiga Aliança, o templo era considerado o lugar onde Ele manifestava a sua presença. Portanto, é evidente que a Igreja é sua própria casa: “A qual casa somos nós” (Hb 3.6; I Pe 2.5). Assim, cada ser humano que tem um encontro com Jesus torna-se uma casa “varrida e adornada”, edificada “... para morada de Deus no Espírito” (Lc 11.24,25; Ef 2.22), cumprindo-se assim as palavras de Jesus, quando disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14.23). 5

E, na verdade, Moisés foi fiel em toda a sua casa, como servo, para testemunho das coisas que se haviam de anunciar;

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Não Endureçais os vossos Corações

De acordo com o conceito esboçado no presente versículo, Moisés foi tomado por Deus para representar como um servo pode ser fiel na casa de Deus. Já no versículo seguinte, esta responsabilidade é transferida para o Filho de Deus, que é o Senhor de todos. Isto significa que, “... requer-se nos despenseiros que cada um se ache fiel”, seja ele um servo ou um senhor. Moisés (representante da Lei) e Cristo (represen­ tante da graça) foram em tudo fiéis a Deus naquilo para que foram designados. Para ser um verdadeiro servo, é necessário ao homem ser também participante da natureza divina, para que haja nele “... o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, to­ mando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sen­ do obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.5-8). 6

mas Cristo, como Filho, sohre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão-somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim. A missão do Filho de Deus foi servir à vontade divina, cumprindo assim o plano de Redenção para a humanidade. Para edificar este grande edifício que é a sua Igreja, Ele preci­ sou passar pelo “vale da humilhação”, quando cruzou o cami­ nho da morte e foi atingido por seu aguilhão. Porém, usando uma espécie de material mui frágil (barro), nosso Senhor erigiu uma grande e admirável construção, denominada “casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da ver­ dade” (I Tm 3.15). Assim, cada crente deve ser transformado

54 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

numa coluna, servindo de sustentáculo na casa de Deus. Esta foi, portanto, a promessa de nosso Senhor àquele que por meio dEle se torna um vencedor. Então Ele diz: “A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nun­ ca sairá...” (Ap 3.12). Somente nosso Deus eterno, por meio de Cristo, possui tal capacidade para este processo de trans­ formação: fazer do fraco um forte! E, acima de tudo, fazer “firme a confiança e a glória da esperança até ao fim” de cada remido!

II. Exortação aos de Coração Endurecido 7

Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a sua voz, O Espírito Santo falou isso pela boca de Davi cerca de 1000 anos a.C., quando lembrava ao povo de Israel seu endu­ recimento contra Deus no deserto. Porém, ainda hoje, a exem­ plo do passado, Ele continua falando as mesmas palavras a cada um de nós, dizendo: “Se hoje ouvirdes a sua voz [a mi­ nha — quando o Espírito Santo fala], não endureçais o cora­ ção, como em Meribá e como no dia da tentação no deserto” (SI 95.7,8). Cada mensagem das sete cartas do Apocalipse contém uma advertência do Senhor Jesus, dizendo às igrejas ali mencionadas: “Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2.7,11,17,29; 3.6,13,22). Isto significa que, em qualquer tempo ou lugar, o Espírito Santo não cessa de falar e de advertir às igrejas. Devemos, portanto, ser sensíveis à sua voz, e Ele nos guiará com o seu sábio conselho pelo cami­ nho eterno (cf. SI 73.24; 139.23,24).

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Não Endureçais os vossos Corações

s

não endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto, A palavra “coração”, nas Escrituras, muitas vezes é usada para representar o homem interior, essencial, e com freqüência eqüivale ao vocábulo “alma” e em casos especiais, “espírito”. Quando não se refere ao órgão físico do corpo humano, pode indicar a porção “emocional” ou mesmo “intelectual” do in­ divíduo. “A imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice” e se ele se revolta contra Deus, abre caminho direto para seu endurecimento. Nesse caso, a operação divina, em forma de correção, pode não realizar nele o efeito deseja­ do; porque ao invés de se quebrantar, ele se endurece. Em Sal­ mos 95.10, que focaliza esta passagem, Deus fala àqueles que têm corações endurecidos: “Quarenta anos estive desgostoso com esta geração...” Mas aqui, logo no versículo 15 do capítu­ lo em foco, vem a recomendação para aqueles que estão sendo advertidos, que diz: “Não endureçais o vosso coração”. 9

onde vossos pais me tentaram, me provocaram e viram, por quarenta anos, as minhas ohras. Os termos “Massá” e “Meribá” surgiram diante da rocha em Horebe, quando Israel se encontrava acampado em Refidim, “... e não havia ali água para o povo beber. Então, contendeu o povo com Moisés e disse: Dá-nos água para beber”. Em res­ posta a esta necessidade, seguida por provocação do povo contra Moisés e contra Deus, o Senhor disse a Moisés: “Eis que eu estarei ali diante de ti sobre a rocha, em Horebe, e tu ferirás a

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rocha, e dela sairão águas, e o povo beberá. E Moisés assim o fez, diante dos olhos dos anciãos de Israel. E chamou o nome daquele lugar Massá e Miribá, por causa da contenda dos filhos de Israel, e porque tentaram ao Senhor, dizendo: Está o Se­ nhor no meio de nós, ou não?” (Êx 17.1,6,7, ênfase do autor) Os nomes próprios empregados naquela passagem — “Massá” e “Meribá” — levam alguns estudiosos a essa interpretação. “Massá” significa “tentação”, ao passo que “Meribá” signifi­ ca “provocação”.Tais atos abusivos à santidade divina levaram ao juramento pronunciado por Deus contra o povo: “... não entrarão no meu repouso” (SI 95.11). 10

Por isso, me indignei contra esta geração e disse: Estes sempre erram em seu coração e não conheceram os meus caminhos. Nesta argumentação, o escritor sagrado relembra aos cren­ tes hebreus o perigo em que caíram aqueles que provocaram a Deus, ao invés de tê-lo reverenciado. A desobediência de Isra­ el no deserto trouxe a Deus um enorme desgosto — retardan­ do assim a entrada do povo na Terra Prometida. Após este incidente, a marcha do povo parou e se inicia o período cha­ mado de “vagueações”. Desse ponto, voltaram de Cades para o deserto, vaguearam ali por 38 anos, fora do círculo da von­ tade divina. Ora, é vital distinguir entre as duas viagens: uma dentro da vontade divina e outra fora dela. Em face a tudo isso, vem aqui também a advertência divina: “... ninguém [ne­ nhum de nós] caia no mesmo exemplo de desobediência” (Hb 4.11), porque a Palavra de Deus nos adverte que: “... a espada tanto consome este como aquele” (cf. 2 Sm 11.25; Lc 13.5).

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Nào Endureçais os vossos Corações

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Assim, jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso. Ao bradar dos céus, impedindo que Abraão sacrifi­ casse seu filho Isaque, Deus fez-lhe um juramento de que o abençoaria, como também a sua semente. E o texto nos diz que Ele jurou por si mesmo “... Por mim mesmo, ju­ rei, diz o Senhor, porquanto fizeste esta ação e não me negaste o teu filho, o teu único” (Gn 22.16). Mas o jura­ mento divino, na passagem em foco, foi efetuado contra o povo, devido à sua rebeldia. Em sua ira, Deus jurou dizendo: “... não entrarão no meu repouso”. Em sentido espiritual, isso também aponta para os dias atuais, quan­ do o descuido tem trazido drásticas conseqüências às vi­ das de alguns cristãos. Ao invés de desfrutarem do “des­ canso” prometido por Jesus para suas almas, cumprem-se as palavras de Paulo, quando escreve aos romanos: “Tribulação e angústia sobre toda alma do homem que faz o mal, primeiramente do judeu e também do grego; glória, porém, e honra e paz a qualquer que faz o bem, primeira­ mente ao judeu e também ao grego” (Rm 2.9,10). 12

Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo. Por diversas vezes ao longo das Escrituras o coração é mencionado representando o centro da vida da pessoa huma­ na. Assim, ele tanto pode ser BOM como pode ser MAU, dependendo apenas do contexto do viver de cada um.

58 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Quando o coração é BOM (daquele que se aproxima de Deus), ele é: • • • • • • • • • • •

Entendido (I Rs 3.9) Sábio (I Rs 3.12) Perfeito (I Rs 8.61) Reto (I Rs 15.14) Preparado (SI 57.7) Firme (SI II 2.7) Alegre (Pv 15.13) Novo (Ez 18.31) Puro (SI 51.10) Limpo (Mt 5.8) BOM (Lc 6.45)

Quando o coração é MAU (daquele que se afasta de Deus), ele é: • • • • • • •

Perverso (SI 101.4) Soberbo (SI 101.5) Orgulhoso (Pv 21.4) Maligno (Pv 26.23) De pedra (Ez 11.19) Incircunciso (Ez 44.7) MAU (Hb 3.12)

III. Devemos Reter até o Fim o Princípio da nossa Confiança 13

Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado.

Nossas vidas espirituais devem ser renovadas diariamen­ te. Por esta razão são “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direi­ to à árvore da vida e possam entrar na cidade pelas portas” (Ap 22.14, ênfase do autor). O apóstolo João, aqui, mostra que somente entrarão na cidade celestial “aqueles que lavam”, e não os que “lavaram” e não lavam mais, as suas vestiduras no sangue do Cordeiro. Ainda que o “Hoje” aqui em foco seja tomado por extensão para indicar todo o período da dispensação da graça, contudo é necessário que a cada dia renovemos nossas vidas espirituais para com Deus e com os irmãos — ouvindo e pondo em prática as exortações que por eles são proferidas e lavando nossas vestes no sangue de Jesus. Algumas vezes (não são todas), essas exortações vêm do pró­ prio Deus. Portanto, devemos guardá-las em nossos corações e não desprezá-las sem nenhuma consideração. 14

Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim. Esta passagem fala de nossa filiação com Cristo, o que requer nossa fidelidade a Ele até o fim. Através deste processo de filiação fomos enxertados na verdadeira Oliveira. Paulo descreve como isso aconteceu: “E se alguns dos ramos foram quebrados [Israel], e tu, sendo zambujeiro [gentios], foste enxertado em lugar deles e feito participante da raiz e da seiva da oliveira, não te glories contra os ramos; e, se contra eles te gloriares, não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti” (Rm 11.17,18). A participação em tudo quanto Cristo é e tem é

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

condicionada, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até o fim. Isto requer um firme propósito de perse­ verança, conforme foi recomendado por Jesus quando dava instruções a seus discípulos no monte das Oliveiras, com res­ peito ao fim do mundo presente, dizendo. “... aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mt 24.13). 15

Enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação. Este “hoje”, aqui em foco, tanto marca o “hoje” da exten­ são do tempo, como marca o “hoje” do calendário sucessivo, composto de 24 horas. O importante é que ele atualiza a nossa obediência a Deus e à sua Palavra. Este é o conceito que é depreendido do que foi dito no versículo 8 deste capítulo e é repetido aqui. Encontramos em ambos uma recomendação do Espírito Santo para que nem Israel e nem os cristãos, em qual­ quer época, permitam que seus corações sejam endurecidos contra Deus e contra seus ensinos. A perdição de Faraó foi endurecer seu coração contra Deus, para não ouvir a sua voz. Dez vezes isso é atribuído ao próprio Faraó (Ex 7.13,14,22; 8.15,19,32; 9.7,34,35; 13.15) e dez vezes lemos que Deus o endureceu (Ex 4.22; 7.3; 9.12; 10.1,27; 11.10; 14.4,8,17). Mas somos aqui advertidos para não cairmos no mesmo abismo da desobediên­ cia, como Faraó e aqueles que não deram ouvidos à voz divina.

IV O Castigo pela Desobediência 16 Porque,

havendo - a alguns ouvido, o provocaram; mas não todos os que saíram do Egito por meio de Moisés.

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Não Endureçais os vossos Corações

Nem todos foram desobedientes às orientações divinas, lembra aqui o escritor sagrado. Sempre existiu e existirá as exce­ ções de Deus em todas as épocas da história humana. No episó­ dio em que Israel foi envolvido com o bezerro de ouro, a tribo de Levi marcou sua fidelidade ao lado de Deus, não se conta­ minando com a idolatria. Por isso, recebeu de Deus a missão especial de exercer o sacerdócio entre seus irmãos. Eles foram descritos assim: “Pôs-se em pé Moisés na porta do arraial e disse: Quem é do Senhor, venha a mim. Então, se ajuntaram a ele todos os filhos de Levi” (Ex 32.26). Assim cremos, e as informações apontam para isso, pois quando esta epístola esta­ va sendo escrita, muitos companheiros de Paulo o tinham aban­ donado. Entre outros, Himeneu, Fileto, Demas, etc. Algumas mulheres também haviam se desviado, "... indo após Satanás” (I Tm 5.15; 2Tm 2.17; 4.10). Mas Deus jamais será vencido pelas forças do mal, e aqui, no texto em foco, é apresentado também em contraposto àqueles um tipo de remanescente que foi preservado por Deus como exemplo de fidelidade. 17

Mas com quem se indignou por quarenta anos? Não foi, porventura, com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto? Paulo, ainda que de maneira sucinta, mostra-nos um qua­ dro bem vivido destes acontecimentos que levaram a perecer no deserto grande parte do povo eleito. Como solene aviso, ele começa dizendo: “Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem; e todos passaram pelo mar, e todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar, e todos comeram de um mesmo manjar espi-

62 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

ritual, e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, por­ que bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo. Mas Deus não se agradou da maior parte deles, pelo que foram prostrados no deserto. E essas coisas foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; conforme está escrito: O povo assentou-se a comer e a beber e levantou-se para folgar. E não nos prostituamos, como alguns deles fizeram e caíram num dia vinte e três mil. E não tentemos a Cristo, como alguns deles também tentaram e pe­ receram pelas serpentes. E não murmureis, como também al­ guns deles murmuraram e pereceram pelo destruidor” (I Co 10.1-10). Em seguida, o apóstolo conclui, dizendo: “Ora, tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (I Co 10.11). Vigiemos, pois, e sejamos sábios e santos; porque so­ mente assim Deus se agradará de nosso trabalho e de nosso viver. Do contrário, cairemos também no mesmo exemplo de desobediência daqueles que pereceram no deserto.

V A Incredulidade como Pecado Mortal 18

E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos que foram desobedientes? Os teólogos medievais procuraram classificar os pecados em formais (toda a transgressão deliberada), e em materiais (transgressão sem consentimento ou sem conhecimento). Os pecados capitais são divididos em sete principais fontes de atos pecaminosos, que são:

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Nào Endureçais os vossos Corações

• • • • • • •

Orgulho Avareza Luxúria Ira Gula Inveja Preguiça

Eles foram chamados de capitais, segundo este conceito, porque estes atos têm geralmente sua raiz no orgulho. O pecado venial é o que não é considerado mortal e é prati­ cado, segundo os teólogos da Idade Média, por desobediência em questões de menor gravidade ou pela falta de conhecimen­ to. Segundo se opina, o pecado venial, embora prepare o ca­ minho para o pecado mortal e seja o maior mal depois do pecado mortal, ainda não destrói completamente a amizade do homem com Deus. É uma enfermidade da alma, e não a morte. No conceito de Paulo, o pecado que abriu caminho para que todos pecassem foi o da “desobediência”, dizendo: "... pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores...” (Rm 5.19a, ênfase do autor). 19

E vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade. Os especialistas apresentam vários tipos de incredulida­ de, como por exemplo: •

A incredulidade simples. Simplesmente não crer em al­ guma coisa, de natureza religiosa ou secular;

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

A incredulidade por negligência. Pode haver uma negli­ gência proposital da verdade, como no caso dos pagãos que apostatam da fé, em sua rebeldia e insensibilidade; A incredulidade da ignorância. Consiste simplesmente em procurar ignorar alguma verdade revelada; A incredulidade da resistência. O sistema gnóstico exemplifica este tipo de incredulidade, que procura afron­ tar diretamente a verdade divina; A incredulidade duvidosa. Esta incredulidade vem ao co­ ração humano por meio da dúvida. A dúvida é o estado de espírito entre a negação e a afirmação. Assim, a pessoa não nega — mas também não afirma, por falta de exame dos prós e contras. Dessa forma, o que o homem realiza neste estado pode se tornar em pecado; porque a dúvida afasta a fé. “E tudo que não é de fé é pecado” (Rm 14.23); A incredulidade por falta de fé. Esta deve ser confrontada com a natureza da incredulidade que é apresentada neste versículo. Ela consiste na falta de fé para crer na realização das promessas de Deus na vida de seu povo. Ela torna-se a maior opositora da fé e expressa-se mediante a desobedi­ ência, o que ficou caracterizado no versículo anterior.

0 Prometido Repouso

I. Lembrai-vos da Mulher de Ló 1

Temamos, pois, que, porventura, deixada a promessa de entrar no seu repouso, pareça que algum de vós fica para trás. Ficar para trás, aqui, é o equivalente de “não olhar para trás”. O “olhar para trás” lembra a mulher de Ló, que desfrutava de todos os privilé­ gios e direitos possíveis da felicidade humana. • • •

Era esposa de um justo (2 Pe 2.7); Era mulher de um homem rico (Gn 13.5); Era casada com um sobrinho de Abraão, o amigo de Deus (Gn 14.12);

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

• • • • •

Seu pai talvez tenha sido um rei da Mesopotâmia ou da própria Sodoma (cf. Gn 13.12); Era esposa de um juiz (Gn 19.9); Deus preservou a virgindade de suas filhas (Gn 19.8); Os anjos de Deus jantaram à sua mesa (Gn 19.3); Os anjos tiraram-na para fora da cidade segurando na sua mão (Gn 19.19).

O nome da mulher de Ló não é mencionado nas Escrituras, mas encontra-se nos escritos judaicos como Adite ou Irite, onde é mencionado ainda que era nativa de Sodoma, motivo por que relutava em ir-se embora. Contudo, ela “olhou para trás” quando seu corpo já estava fora de perigo, conforme pensou, mas seu coração continuava preso em Sodoma. Por isso, mesmo tendo escapado à destruição de Sodoma, sendo conduzida pela miseri­ córdia de Deus, ela desobedeceu à ordem divina e teve um triste fim. “E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal” (Gn 19.26). Em Lucas 17.32, o Senhor Jesus Cris­ to lembra aos seus ouvintes este episódio, advertindo-os: “Lembraivos da mulher de Ló”. E aqui no texto em foco, o escritor sagrado da Epístola aos Hebreus começa a observar nestes cristãos alguns sintomas de desânimo e apego às coisas desta vida. Por esta razão alguns deixaram de prosseguir, pararam de ir “correndo com pa­ ciência” em direção ao alvo maior: o arrebatamento dos salvos, quando a redenção de nosso corpo será consumada (Rm 8.23). 2

Porque também a nós foram pregadas as boas-novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram.

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0 Prometido Repouso

Aqui, o escritor sagrado faz alusão à pregação das Boas Novas em ambos os Testamentos. A diferença, no entanto, é que, em nós, a fé cooperou, mas para eles a pregação não esta­ va “misturada” com a fé, e sim, com a justiça de Deus. Tudo na Lei dependia da justiça, ou seja, a ordem era: “Fazei e vivei!” Na graça, contudo, a mensagem de Cristo é: “Crede e vivei”. A justificação pela fé antecipava o período da Lei. Por esta razão a Escritura declara que Deus imputou a fé de Abraão como sendo justiça, que mais tarde a Lei vindicou; a dispensação patriarcal também o exigia (cf. Gn 18.19,25). Paulo afirma: “Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão” (G1 3.7-9). Na Nova Aliança, somos salvos pela fé. “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus” (cf. At 16.31; Rm 5.1; 9.30-32; Ef 2.8), guar­ dados pela fé (Rm 11.20; 2 Cl 1.24; I Pe 1.5; I Jo 5.4), enriquecidos pela fé (Gl 3.5,14), estabelecidos e curados pela fé (Is 7.9; At I4.9;Tg 5.15) e santificados pela fé (At 26.18).

II. O Repouso do Sábado 3

Porque nós; os que temos crido, entramos no repouso, tal como disse: Assim, jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso; embora as suas obras estivessem acabadas desde a fundação do mundo.

Em nossos dias há muitas pessoas preocupadas em guar­ dar dias, meses e anos (G1 4.10), e outras em guardar festas,

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

luas novas e sábados (Cl 2.16). Todas essas coisas são apenas sombras, das quais Cristo haveria de ser a realidade. Cristo substituiu o repouso do sábado, que na cultura judaica é con­ siderado um dia de descanso. Mas não deve ser concebido para nós, que não somos judeus, como repouso obrigatório. O 4o mandamento da Lei divina servia de sinal entre Deus e o seu povo (cf. Ex 20.9-11; 31.16,17). O mandamento que or­ denava a guarda do sábado era seguido de outras ordens rela­ cionadas com o trabalho e o repouso tanto dos homens como dos animais. 1o — Era obrigação legal trabalhar “seis dias em sete”. 2° — Ele era abrangente e incluía os homens e os animais. Isto indica que ele era ligado mais ao trabalho do que a atos religiosos, porque os animais não têm consciência de Deus. 4

Porque, em certo lugar, disse assim do dia sétimo: E repousou Deus de todas as suas obras no sétimo dia. O contexto desta passagem e de outras similares neste capítulo refere-se a Gênesis 2.1-3, que diz: “Assim, os céus e a terra, e todo o seu exército foram acabados. E, havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, des­ cansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele des­ cansou de toda a sua obra, que Deus criara e fizera”. “A criação, tanto de céus e terra e do mundo espiritual, é atual também no primeiro capítulo da Bíblia. Deus criou: ‘céus e terra’. O céu e a terra com todo o seu exército é mencionado

0 Prometido Repouso

em Gênesis 2.1 — Exército, aqui, é tsebaam, de tsaba, que signi­ fica ‘avançar como soldado’ (Gesenius, erudito hebreu do século XIX), ou ‘andar juntos para serviço’ (Furst); o termo é usado, portanto, acerca dos anjos (I Rs 22.19; 2 Cr 18.18; SI 148.2; Lc 2.13). Refere-se também aos corpos celestes e aos poderes do céu (Is 34.4; Dn 8.10; Mt 24.29). Na cria­ ção original mencionada nos capítulos I e 2 de Gênesis, está incluído o ‘céu e a terra’, o espiritual com seus anjos. São eles as personalidades criadas no mundo espiritual (Nm 9.6), os seres e as coisas e a raça humana no mundo material (Mc 10.6)”. Deus, portanto, deixando o exemplo às suas criatu­ ras, instituiu um dia para o descanso e “... ao sétimo dia, descansou, e restaurou-se” (Ex 31.17). 3

E outra vez neste lugar: Não entrarão no meu repouso.

O dr. Geo Goodman salienta que este repouso aqui men­ cionado trata-se do “repouso da fé”. Ele comenta este repou­ so da seguinte maneira: “A palavra ‘descanso’, neste trecho, é aplicada a três coisas: a) b)

Ao descanso do sábado, instituído na criação (vv. 3,4), quando Deus acabara toda a sua obra; Ao descanso da Terra Prometida (v. 5). Este mandamen­ to foi violado 70 vezes nos 490 anos de monarquia e Deus determinou os 70 anos de cativeiro sobre a nação hebréia, para ‘... que a terra se agradasse dos seus sábados; todos os dias da desolação repousou, até que os setenta anos se cumpriram’ (2 Cr 36.21);

70 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

c) Ao descanso que Davi previu: o descanso do Evangelho, que se encontra somente em Cristo (vv. 7-9). Três des­ cansos são aqui ensinados: Que o sábado é figura (Cl 2.16,17), um tipo de descanso do coração que se acha em Cristo (Mt 11.29); que o descanso na Terra Prometida era também típico, pois se Josué tivesse dado o descanso final que Deus propusera, Davi não teria falado de outro descanso, o descanso que tanto os vivos como os mortos encontram em Cristo — o primeiro, sendo o descanso da alma, o segundo, o descanso das obras (Ap 14.13)”. 6

Visto, pois, que resta que alguns entrem nele e que aqueles a quem primeiro foram pregadas as boas-novas não entraram por causa da desobediência, Ao mencionar “alguns” que estão habilitados para entrar no repouso prometido por Deus, o autor sagrado se refere àqueles que aceitaram as Boas Novas do Evangelho de Cristo, que “... primeiro foi anunciada pelo Senhor” e “... depois con­ firmada pelos que a ouviram” (Hb 2.3). Enquanto “... aqueles a quem primeiro foram pregadas as boas-novas” são os judeus descrentes que rejeitaram o Rei e o reino. Jesus “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (Jo 1.11). O apóstolo Paulo descreve esta cegueira de Israel em Romanos 11, mostrando-nos que Israel buscava uma salvação pela sua própria justiça; no entanto, a salvação outorgada por Jesus é pela graça. “Pois quê? [pergunta o apóstolo] O que Israel buscava não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram, e os outros foram endu­ recidos” (Rm 11.7). Contudo, quando a plenitude dos gentios for completada, os judeus voltarão a ser alcançados pela bon-

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0 Prometido Repouso

dade de Deus. “Porque Deus encerrou a todos debaixo da de­ sobediência, para com todos usar de misericórdia” (Rm 11.32). 7

determina, outra vez, um certo dia, Hoje, dizendo por Davi, muito tempo depois, como está dito: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração. Devemos observar que o argumento deixado no capítulo 3 é novamente retomado aqui. O uso da expressão “outra vez”, portanto, nos dá a entender que Deus toca mais de uma vez neste mesmo assunto. Jó diz: “Antes, Deus fala uma e duas vezes, porém ninguém atenta para isso” (Jó 33.14). Muitas vezes o homem se encontra tão distante de Deus e de seus propósitos, que se faz necessário que Deus insista em falar algumas vezes, até que o homem escute a sua voz (cf. Ap 3.20). O mesmo se aplica à pessoa que está pervertida em seus senti­ mentos: “Ao homem herege, depois de uma e outra admoestação, evita-o” (Tt 3.10). Deus não contenderá para sempre com o homem que não escuta a sua voz, e chegará o momento em que Ele porá termo à sua misericórdia e entrará em juízo com ele (cf. SI 7.12). Contudo, aquele que “hoje” ouvir a sua voz, alcançará misericórdia e será ajudado em tempo oportuno.

III. O Repouso que Temos nesta Terra E Temporário 8

Porque, se Josué lhes houvesse dado repouso, não falaria, depois disso, de outro dia.

Durante o cativeiro egípcio, os filhos de Israel eram obriga­ dos a trabalhar ininterruptamente. Ali não era observado o

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sábado (repouso), pois esse pertencia a Deus, e não a Faraó. Durante a caminhada no deserto, pouco a pouco o descanso do sábado foi sendo observado pelo povo eleito, e por expres­ sa ordem de Deus um homem foi morto porque apanhou le­ nha no sábado (Nm 15.32-36). No entanto, quando Josué — que é uma figura de Cristo — introduziu o povo na Terra Pro­ metida, a nação começou a desfrutar um tipo de descanso, ainda que terreno. Mas o escritor sagrado nos mostra aqui que este era apenas uma figura daquele descanso que Deus deseja dar ao seu povo, o qual é encontrado em Cristo por meio da vida eterna. Em Apocalipse 6.9-11, João nos confir­ ma isso dizendo: “... vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram. E clamavam com grande voz, dizen­ do: Até quando, ó verdadeiro e santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? E a cada um foram dadas uma comprida veste branca e foi-lhes dito que repousassem ainda por um pouco de tempo...” Evidente­ mente, qualquer repouso dedicado ao cristão, no sentido reli­ gioso, seja ele na vida ou na morte, somente será encontrado em Cristo. Ele é “o Senhor do sábado” — portanto, é “o Se­ nhor do repouso”. 9

Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus. Qualquer repouso ou bem-estar alcançado pelo homem é apenas temporário e não permanente. Mas em Cristo e atra­ vés dEle o homem pode alcançar o repouso eterno, quando se tornar um morador da cidade celestial, a Nova Jerusalém.

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0 Prometido Repouso

“Josué foi símbolo de Cristo em muitas ações de sua vida: Nos milagres que operou ou que foram efetuados por causa dele; nos combates em que lutou, nas vitórias que obteve; na salvação de Raabe e sua família; no recebimento dos gibeonitas que vieram a ele submissos e na condução dos filhos de Israel à terra de Canaã, a qual foi dividida por sortes. Porém, embo­ ra os tivesse feito entrar na terra de descanso, no descanso simbólico, onde tiveram repouso, por algum tempo livres de seus inimigos, contudo ele não lhes conferiu o verdadeiro des­ canso espiritual” (John Gill). 10 Porque

aquele que entrou no seu repouso, ele próprio repousou de suas obras; como Deus das suas. O tempo passado empregado aqui na expressão “repou­ sou” tem trazido grande dificuldade para os intérpretes, que pensam referir-se a Cristo o pronome “ele”. Outros intérpre­ tes, porém, vêem nestas palavras o repouso do crente, pois todo o contexto da passagem em foco não alude à pessoa de Jesus uma vez se quer em todo o texto de 3.7-19; 4.1-9. O pronome “ele”, aqui mencionado, parece na verdade fazer alu­ são ao cristão entrando no descanso divino, seja pela vida, seja pela morte, ou pelo arrebatamento da Igreja. No contexto de Apocalipse 14.13 fica talvez confirmado o significado deste pensamento, quando diz: “Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam”. 11

Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Ao abandonar o caminho que conduz à salvação, não aten­ tando para a promessa de um dia entrar no “repouso” eterno, o cristão incorre precisamente no mesmo exemplo de desobe­ diência — tanto em sua conduta como em seu destino — da nação de Israel, em sua caminhada pelo deserto. Jesus entrou nesse descanso; Ele se encontra ali à mão direita de Deus, no Santo dos Santos, esperando-nos (Hb 6.20). A advertência do escritor sagrado, aqui, é quanto à desobediência da geração do deserto. Eles pensavam que, tendo desobedecido com fre­ qüência, e tendo abandonado o caminho da fé, a despeito de tudo, finalmente Deus haveria de introduzi-los triunfalmente na Terra Prometida, sem qualquer esforço da parte deles. No entanto, esqueceram-se de que Deus é o Senhor, ao que Ele pergunta aos seus filhos: “O filho honrará o pai, e o servo, ao seu senhor; e, se eu sou Pai, onde está a minha honra? E, se eu sou Senhor, onde está o meu temor? — diz o Senhor dos Exér­ citos a vós...” (Ml 1.6). Portanto, o caminho que nos leva a Deus é o da obediência; fora dele, não há como se aproximar do Senhor.

IV O Corpo como Templo de Deus 12

Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até à divisão da alma, e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. Este versículo se divide em duas partes importantes: • O que representa a Palavra de Deus;

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Sua penetração na tríplice constituição do homem.

Io — Vários sentidos representam o valor desta espada de dois gumes: a Palavra de Deus. O primeiro é retrospectivo — aponta para trás (o Antigo Testamento). O segundo gume é prospectivo — aponta para frente (o Novo Testamento). • • • • • • •

Ela ataca e defende; Ela fere e cura; Ela justifica o homem e também o condena; Ela está na terra [a Palavra visível] e no céu [a Palavra invisível]; Ela indica o caminho da vida e o caminho da morte; Ela é doce e também amarga; Ela prepara o homem como cidadão na terra e como ci­ dadão do céu.

2° — O homem também é o templo de Deus, e da mesma maneira constitui-se de três partes. O corpo é como o átrio exterior, com sua vida visível a todos. Aqui o homem deve obedecer a cada mandamento de Deus; aqui o Filho de Deus serve como substituto e morre pela humanidade. Por dentro está a alma do homem, que constitui a sua vida interior e inclui sua emoção, vontade e mente. Tal é o Lugar Santo de uma pessoa regenerada, pois seu amor (fileo), vontade e pensa­ mento estão plenamente iluminados para que possa servir a Deus como o sacerdote do passado o fazia. No interior, além do véu, encontra-se o Santo dos Santos, no qual nenhuma luz humana jamais entrou e olho humano algum jamais penetrou. Ele é o “esconderijo do Altíssimo”, a habitação de Deus. O

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

homem não pode ter acesso a ele, a menos que Deus queira rasgar o véu, como fez por ocasião da morte de Cristo (Mt 27.51). Ele é o espírito do homem. Este espírito jaz além da consciência própria do homem e acima da sua sensibilidade. Aqui o homem une-se a Deus e tem comunhão com Ele, mas sempre por meio do corpo. Este argumento esboça o seguin­ te, na presente analogia do corpo como templo de Deus: Ne­ nhuma luz é fornecida para o Santo dos Santos porque Deus habita ali. E assim está escrito: “... O Senhor disse que habita­ ria nas trevas” (I Rs 8.12b). No Santo dos Santos, portanto, era desnecessária a luz, porque “Deus é luz” e, habitando na “luz inacessível”, “cobre-se de luz como uma cortina” (SI 104.2b; I Tm 6.16; I Jo 1.5). Já no Lugar Santo existia a luz fornecida pelo candeeiro de sete braços. O átrio exterior fica sob a ampla luz do dia. Todos estes servem como imagens e sombras para uma pessoa regenerada. Seu espírito é como o Santo dos Santos habitado por Deus, onde tudo é realizado pela fé, além da vista, sentidos ou entendimento. A alma sim­ bolizava o Lugar Santo, pois ela é amplamente iluminada com muitos pensamentos e preceitos racionais, conhecimento e entendimento concernente às coisas do mundo idealista e ter­ reno. O corpo é comparado ao átrio exterior, claramente visí­ vel a todos. 13

E não há criatura alguma encoberta diante dele: antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar. Nada pode escapar à Onipresença de Deus, porque “to­ das as coisas estão nuas e patentes” perante os seus olhos. O

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salmista escreveu: “O Senhor olha desde os céus e está ven­ do a todos os filhos dos homens; da sua morada contempla todos os moradores da terra” (SI 33.13,14). Ainda no Sal­ mo 139, o salmista descreve este infinito alcance da onipresença de Deus, dizendo: “Para onde me irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também; se tomar as asas da alva, se habitar nas extremida­ des do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá” (SI 139.7-10). Deus está em todas as coisas, dentro mas não enclausurado, fora mas não excluído, acima mas não levantado, embaixo mas não comprimido. Ele encontra-se inteiramente acima, presidindo, sustentando totalmente por dentro, preenchendo todo espaço.

V O Grande Sumo Sacerdote 11

Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. O termo “sacerdote” ou “sumo sacerdote” tinha se tor­ nado genérico e comum, tanto em seu aspecto religioso como cultural. Porém, o título aplicado a Cristo sugere uma forma nova e sem igual. O propósito desta epístola do começo ao fim é mostrar a superioridade de Cristo sobre tudo e sobre todos, como sendo um sumo sacerdote todo especial, que veio para satisfazer todas as necessidades tanto terrenas como es­ pirituais. Ele era perfeito e santificado tanto em seu caráter como em seu ser (Lc 1.35). Ele é um grande sumo sacerdote porque substituiu qualquer ordem ou casta sacerdotal da ter-

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ra, não havendo mais necessidade de sumos sacerdotes. Nele, o conceito sumo sacerdotal acha plena concretização, pois Ele não é apenas um entre muitos, como foram os sacerdotes levíticos, ou um dentre uma longa sucessão de sumos sacerdo­ tes. Ele é o fim e o cumprimento dessa sucessão. 15

Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. No versículo 18 do capítulo 2 desta epístola está escrito: “Porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados”. Aprendemos destes textos e de outros similares das Escrituras que a tentação em si mesma não é pecado. Ela pode induzir alguém ao pecado, se houver espaço e lugar para tal procedimento. Quando Jesus esteve aqui entre os homens, Ele “em tudo foi tentado”, isto é, Ele passou a ser alvo das “mesmas paixões que nós”. Contudo, Ele nunca cedeu a uma só dessas paixões, nem por pensamen­ to e nem por atos, por cuja razão o escritor sagrado conclui dizendo: "... [Ele] em tudo foi tentado, mas sem pecado”. A tentação sempre visa destruir a fé daquele que se encontra em paz com Deus. Ela vem à pessoa humana por várias vias de acesso que conduzem ao coração, sendo a “concupiscência” o veículo transmissor da sedução, que vem em primeiro lugar, e quando cedida pode conduzir à morte (cf. Tg 1.14,15). 16

Cheguemos, pois, com confiança ao trona da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a f i m de sermos ajudados em tempo oportuno.

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0 Prometido Repouso

Este é o lugar onde todo aquele que ali chega arrependi­ do, encontra o favor de Deus. Por esta razão somos exortados a nos aproximar deste trono com inteira confiança. O trono que está aqui em foco é o trono de Deus, o centro de sua glória, poder, majestade e julgamento. Mas agora, especial­ mente aqui, é mencionando como fonte de graça e de miseri­ córdia, por intermédio da obra de seu Filho bendito, que está agora assentado ao lado do Pai (Ap 3.21) assegurando-nos estas bênçãos. Essa expressão ultrapassa o infinito e somente se encontra aqui, em todo o Novo Testamento, embora a men­ ção de “trono” ou “tronos” seja freqüente em outras passa­ gens das Escrituras. Outras expressões similares são encontra­ das, tais como: “trono da sua glória” (Mt 19.28; 25.31) e “trono da majestade” (Hb 8.1). Sendo que este último se re­ fere ao mesmo trono da graça onde hoje Deus e seu Filho estão assentados. No livro de Apocalipse, o trono de Deus e do Cordeiro é mencionado mais de 40 vezes, em diferentes contextos; mas, normalmente, expressa a idéia de poder divi­ no. Por isso devemos nos aproximar dele com confiança, en­ quanto o mesmo se encontra mergulhado na graça divina, “... para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno”.

O Sumo Sacerdote Eterno

I. O Sacerdócio Corrompido 1

Porque todo sumo sacerdote, tomado dentre os homens, é consti­ tuído a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados, O título “sumo sacerdote” aparece cerca de 16 vezes nesta epístola e está presente nos seguintes textos (2.17; 3.1; 4.14,15; 5.1,5,10; 6.20; 7.26,27 [plural]; 8.1,3; 9.7,11; 13.II). Esta expressão, na maioria das vezes, é tomada para representar a su­ perioridade do ofício de Cristo em relação àqueles que a Lei designou para serem su-

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mos sacerdotes. Nos dias de Jesus, além do sumo sacerdote supremo, aparentemente havia um outro ao qual também era outorgado este título. O sumo sacerdote que condenou Jesus à morte chamava-se Caifás; mas seu sogro, Anás, teve cinco filhos, todos os quais foram sumos sacerdotes, sucessivamen­ te. Anás fora sumo sacerdote de 6 a 15 d.C., e Caifás, seu genro, ocupou esse ofício de 18 a 36 d.C. Segundo a prática judaica, o sumo sacerdote era nomeado em caráter vitalício, de forma que Anás, mesmo tendo sido destituído por Quirino cerca de 7 anos antes, ainda conservava este título, pois os judeus não consideravam sua destituição (Lc 3.2). A missão destes homens era trabalhar “... a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus”, sacerdócio este que teve em Jesus a sua mais completa perfeição. 2

e possa compadecer-se ternamente dos ignorantes e errados, pois também ele mesmo está rodeado de fraqueza. A missão primordial do sumo sacerdote e de seus auxiliares, denominados “principais sacerdotes”, ou “príncipes dos sacerdotes”, e “principais do povo” (Mt 27.1; Mc 15.1; At 4.8), era “compadecer-se ternamente dos ignorantes e erra­ dos” e em seguida oferecer a Deus “dons e sacrifícios pelos pecados” que estes tinham cometido. Infelizmente, nos dias de Jesus estes representantes do povo escolhido tinham se des­ viado de seu alvo principal. Por esta razão o escritor sagrado, aqui, passa a apresentar Jesus como sendo um sumo sacerdote misericordioso, terno e compadecido. Neste Sumo Sacerdote as pessoas encontram a solução para os seus problemas e an­ gústias, pois até mesmo diante das dores mortais que martiri-

83 0 Sumo Sacerdote Eterno

zavam o seu corpo, Ele demonstrou seu cuidado para com aqueles que o seguiam (Jo 19.26,27). 3

E, por esta causa, deve ele, tanto pelo povo como também por si mesmo, fazer oferta pelos pecados.

No versículo anterior nos foi dito que o sumo sacerdote humano estava “... rodeado de fraqueza”, por esta razão nos é dito aqui no texto em foco que “por esta causa, deve ele...” oferecer sacrifícios: primeiro em seu favor e depois, em favor do povo. O perdão divino baseava-se no sacrifício oferecido de acordo com as normas estabelecidas por Deus no Pentateuco. Para o povo, o sacerdote não inspirava confiança em si mesmo para perdão dos pecados, visto que ele mesmo era também pecador. Com efeito, porém, Cristo é superior, porque doravante os cristãos podem confiar tanto em seu sa­ crifício (sua morte na cruz) como na sua pessoa, que, oferendose uma única vez, permanece sacerdote para sempre. Essa per­ manência de Cristo em sua função sacerdotal traz para o seu povo uma garantia com relação ao futuro, porque suas neces­ sidades e anseios estão todos patentes diante de seus olhos, que são comparados à chama de fogo (Ap I.I4).

II. A Escolha de Arão 4

E ninguém toma para si esta bonra, senão o que é cbamado por Deus, como Arão.

Flávio Josefo nos informa que a honra sacerdotal era tão elevada, que até mesmo Moisés a desejou para si, dizendo: “...

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

eu confesso que, se essa escolha tivesse dependido de mim, eu teria podido desejar essa honra, que porque todos os homens são naturalmente levados a desejar incumbência tão honrosa, quer porque vós não ignorais quantas dificuldades e trabalhos sofri por vosso bem e da república; mas Deus mesmo, que destinava Arão, há muito tempo, para esse sagrado ministério, conhecendo-o como o mais justo dentre vós, o mais digno de ser honrado, deu-lhe seu voto e julgou em seu favor...”1 Este relato, portanto, confirma o que diz o versículo 4: “... nin­ guém toma para si esta honra, senão o que é chamado por Deus, como Arão”. Por esta razão, quando se faziam “... sa­ cerdotes dos mais baixos do povo”, especialmente durante os períodos da monarquia e do cativeiro, foram por Deus repro­ vados (I Rs 12.31; Ed 2.62). 5

Assim, também Cristo se não glorificou a si mesmo, para se fazer sumo sacerdote, mas glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, hoje te gerei. A escolha de Arão para se tornar o sumo sacerdote do povo hebreu não se deu por sua vontade própria, nem pela vontade de Moisés ou escolha do povo; ela foi determinada exclusivamente pela vontade de Deus. Salmos 105.26 diz que Arão foi escolhido sumo sacerdote por opção de Deus. Assim, Cristo, o Filho de Deus bendito, não se glorificou a si mesmo, escolhendo-se para tal função. Sua escolha partiu diretamente de Deus, que disse: “Eu, porém, ungi o meu Rei sobre o meu santo monte Sião” (SI 2.6). E outra vez: “Tu és um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque” (SI 110.4). A dignidade de Cristo junto a Deus e sua humil-

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0 Sumo Sacerdote Eterno

dade de coração o dignificou e o capacitou diante do Pai para esta tão elevada posição de honra e de glória. Por esta razão sempre ouvimos nas estrofes dos cânticos celestiais: “Digno é o Cordeiro” (Ap 5.9,12).

III. O Sumo Sacerdote Segundo a Ordem de Melquisedeque 6

Como também diz noutro lugar: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque. Jesus pertence à ordem de Melquisedeque, sendo Sacer­ dote à semelhança daquele monarca, embora, no sentido es­ trito do termo, não houvesse taksis, ou sucessão de sacerdotes dessa ordem de Melquisedeque. Este monarca surge como um rei que tinha funções e direitos sacerdotais (Gn 14.8-20). O próprio Abraão lhe prestou homenagem. Cristo assumiu esse sacerdócio real, mas revestido de ainda maior glória. Notemos que o profeta Zacarias, referindo-se ao Messias, atribui-lhe tanto o ofício de rei como o de sacerdote (cf. Zc 6.13). O autor sagrado volta a considerar o sacerdócio de Melquisedeque de forma mais completa em Hebreus 7.1, com o propósito definido de mostrar sua superioridade sobre o sacerdócio araônico. Seu argumento visava mostrar que, em Cristo, todos os tipos sacerdotais são cumpridos e ultrapassados, não haven­ do mais qualquer necessidade de um sumo sacerdote terreno. 7

O qual, nos dias da sua carne, oferecendo, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, foi ouvido quanto ao que temia.

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Orar “como” Jesus deve ser o verdadeiro exemplo a ser seguido pelos cristãos em qualquer tempo e lugar. Orar é um dever e uma necessidade, sendo Jesus o nosso modelo por ex­ celência! Ele nasceu orando (Hb 10.5,7), viveu orando (Hb 7.5), morreu orando (Lc 23.46) e continua orando (Rm 8.34; Hb 7.25). Ele nos ensinou, dizendo: “Orai...” (Lc 23.40). Muitas destas orações do Senhor eram acompanhadas de “grande clamor e lágrimas”, o que mostra quebrantamento e uma intensidade tanto física como espiritual. Sempre que ora­ va, Jesus sabia que o Pai lhe ouvia, conforme Ele mesmo afir­ ma: “Eu bem sei que sempre me ouves...” (Jo 11.42). Aqui Ele também “... foi ouvido quanto ao que temia”. Em tudo Cristo nos deu o exemplo, especialmente na oração. Ele estava sem­ pre orando. Orou por si mesmo, orou pelos seus discípulos e orou por nós, que ainda nem se quer existia-mos (Jo 17.1,9,20). 8

Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu. Pedro, falando sobre o sofrimento, disse: “... se fazendo o bem, sois afligidos e o sofreis, isso é agradável a Deus. Porque para isto sois chamados, pois também Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas” (I Pe 2.20,21). Algumas vezes passamos por provas tão duras em nossas vidas, que até chegamos a perguntar a Jesus: “Se­ nhor, tu não tens uma maneira mais suave para nos ensinar?” E vez por outra o Senhor nos responde com amor e ternura: “O que eu faço, não o sabes tu, agora, mas tu o saberás de­ pois” (Jo 13.7). Em nenhum momento em sua vida José ques­ tionou a Deus, mesmo sendo maltratado por seus irmãos, e

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0 Sumo Sacerdote Eterno

depois, ao ser vendido como escravo para o Egito, ou ainda quando foi posto na prisão injustamente. Apesar de todos estes infortúnios, José conservou firme sua fé em Deus e em suas promessas para sua vida. E, por fim, ao reencontrar seus irmãos, não mais como um escravo, mas como o governador do Egito, José disse: “Pelo que Deus me enviou diante da vos­ sa face, para conservar vossa sucessão na terra e para guardarvos em vida por um grande livramento. Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus...” (Gn 45.7,8). 9

E, sendo ele consumado, veio a ser a causa de eterna salvação para todos os que lhe obedecem, O autor sagrado apresenta Cristo como sendo a “causa” e o “efeito” da salvação da pessoa humana. Isto é, Ele é o motivo e o meio pelo qual o homem pode se chegar a Deus. O leitor deve observar bem que a “causa” aqui é Cristo. Ele veio a ser a causa de eterna salvação. Entendemos que, em si mesma, a salvação é eterna — mas no homem, ela é condicional. “Uma vez salvo, salvo para sempre” não encontra garantia nas Escri­ turas. Existem inúmeros textos na Bíblia que afirmam que um salvo pode perder-se (At 8.13,20-24; G11.6; 3.1,3; 5.4; I Tm 1.18-20; 3.6,7; 4.1; 5.11,12,15; 6.10,21; 2 Tm 2.12,17; 4.4,10; Tt 1.14; Hb 2.1; 3.12; 4.1,11; 6.4-6; 10.2527,32,35,38; 12.3,13,16,17,25; 2 Pe 2.1,15,20-22; I Jo 5.16; Jd 24; Ap 3.1,2, etc.). Estas passagens não só mostram a pos­ sibilidade de um verdadeiro deslize na fé, mas também nos exortam à perseverança na fé dos santos, pois somente assim fazendo alcançaremos nosso objetivo final: a salvação de nos­ sas almas (I Pe 1.9).

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

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chamado por Deus sumo sacerdote; segundo a ordem de Melquisedeque. O Salmo 110 apresenta o Messias como sumo sa­ cerdote eterno segundo a ordem de um rei de Salem, chamado Melquisedeque, dizendo: “Jurou o Senhor, e não se arrependerá: Tu és sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque” (SI 110.4). O ofício de sa­ cerdote, em relação a Cristo, envolve tanto Arão como Melquisedeque. Posto que nossas informações sobre Melquisedeque são bastante escassas, quase todos os ti­ pos e símbolos sobre o ofício de Cristo se acham base­ ados no sacerdócio araônico. Entretanto, no que diz res­ peito à semelhança de Melquisedeque (segundo se diz, Cristo pertencia a essa ordem), as aplicações simbólicas parecem ser estas: • • •

Cristo é o Rei-Sacerdote, tal como Melquisedeque (Gn 14.18; Zc 6.12,13); Cristo é o Rei Justo de Salém, ou Jerusalém (Is 11.5); Cristo é o Rei Eterno, não havendo registro de seu início no tempo (Jo 1.1; Hb 7.3).

Nunca tendo sido nomeado por homem algum para o seu ministério (SI 110.4; Rm 6.9; Hb 7.23-25) e como o mesmo também não terá fim, assim Ele não teve “... princípio de dias nem fim de vida”, conforme é dito acerca de Melquisedeque. Vê-se, pois, que a obra de Cristo seguiu o padrão do sacerdócio araônico, mas que a alusão a Melquise­ deque fala sobre sua autoridade real, sobre sua eternidade, sobre

0 Sumo Sacerdote Eterno

a natureza perene de sua obra, idéias estas que não estavam vinculadas ao sacerdócio araônico. Desse modo, certos aspec­ tos de superioridade são atribuídos ao sacerdócio de Cristo, que é segundo a ordem de Melquisedeque.

IV A Negligência quanto ao Crescimento Espiritual 11

Do qual muito temos que dizer; de difícil interpretação, porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Alguns escritores, em vez de usarem o termo “de difícil interpretação”, preferem “difíceis de explicação”. Com efei­ to, porém, esta dificuldade de compreensão destes cristãos era devido a sua “negligência”. Isso nos leva a entender que uma mente treinada e sequiosa pelas coisas de Deus torna-se mais receptiva ao Espírito Santo, quando nela vem traba­ lhar. “A incapacidade destes ouvintes não era natural, antes, fora criada pela indiferença e pela preguiça. Não foi imposta sobre eles, porquanto não tinham tido oportunidade de aprender antes, pois toda a oportunidade fora rejeitada, já que tinham dado o primeiro lugar aos seus próprios interes­ ses, preferindo as vantagens ou prazeres terrenos. Por conse­ guinte, a incapacidade deles era culposa. Repousava sobre a negligência espiritual”. 12

Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite e não de sólido mantimento.

90 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

A negligência na vida destes cristãos hebreus levou-os ao retardamento no crescimento espiritual, o que sem dúvida foi uma grande perda para eles e para o cristianismo. A finalidade dos dons ministeriais é preparar os santos “para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo”, que é a sua Igreja. Escrevendo aos efésios, Paulo acrescentou: “Até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, leva­ dos em roda por todo vento de doutrina, pelo engano dos homens que, com astúcia, enganam fraudulosamente” (Ef 4.13,14). O leite indica os rudimentos da fé cristã; o alimento sólido indica os ensinamentos mais profundos que produzem o amadurecimento espiritual do cristão. 13

Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino. No início da fé cristã, é obvio que a pessoa viva como criança recém-nascida, conforme declara Paulo ao falar sobre os dons espirituais e a caridade cristã: “Quando eu era meni­ no, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino” (I Co 13.11). Contudo, para aqueles que querem permanecer como crianças por toda a vida, vem a exor­ tação divina do apóstolo Pedro: “Antes, crescei na graça e co­ nhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 3.18). Adam Clarke oferece o seguinte quadro comparativo no tocante ao crescimento espiritual:

91 0 Sumo Sacerdote Eterno

1. Infantes — bebês Adultos — perfeitos 2. Tardios — não querem ouvir Sábios — prudentes 3. Inexperientes na doutrina — alimentando-se só de leite Dotados de sentidos exercitados — capazes de digerir ali­ mentos sólidos. 14

Mas o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal.

Nos versículos 11 -13 deste capítulo são citados os “ne­ gligentes” como mau exemplo para o caminho da perfeição. Contudo, aqui aparecem aqueles que já atingiram a “perfei­ ção”, cujos “sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal” já atingiram a maturidade cristã desejada. “O crescimento na experiência cristã indica o desenvolvimento da sensibilidade moral para o que é certo e para o que é errado, o que se assemelha ao olho experiente do artista ou ao ouvido atilado do músico. Basta que se introduza um indivíduo a fre­ qüentar os covis do vício, entre crentes maduros e genuínos, para que eles se sintam incomodados pela consciência ilumi­ nada”. O sucesso da Igreja Primitiva estava baseado na pre­ missa de que ela crescia e se multiplicava na graça e no temor do Senhor. Isto é, "... em [toda] alma havia temor”, o que facilitou em muito a obra do Espírito Santo em seus corações, como também a exortação dos apóstolos para conduzi-los ao caminho da perfeição (At 2.43).

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

O Caminho da Perfeição

I. Devemos Buscar a Perfeição em Cristo 1

Pelo que, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até a perfeição, não lançando de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus, De acordo com os eruditos da Bíblia, é usado aqui o termo grego arche, que usualmente significa “começo” de qualquer coisa, sendo empregado neste versículo com o sentido de “princípios ele­ mentares de um sistema religioso”. Em linguagem hodierna, isso significa o “abc” de qualquer cam­ po da vida e da atividade humana. Por exemplo, alguns credos religiosos defendem quatro princí­ pios elementares da fé cristã:

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Comentário Bíblico; Epístola aos Hebreus

• • • •

Jesus Jesus Jesus Jesus

salva; cura; batiza com o Espírito Santo; leva para o céu.

Com efeito, sabemos que essas verdades são puras e cristali­ nas; todavia, são verdades elementares da vida espiritual, pois o desejo divino é que prossigamos até a perfeição — o que parece estar faltando aqui no seio desta comunidade cristã-judaica. Eles, ao invés de se interessarem por outros temas, como a santificação, uma vida espiritual produtiva, o cultivo do verdadeiro amor, etc., estavam procurando lançar de novo “o fundamento do arrepen­ dimento de obras mortas”. O caminho da perfeição deve ser percorrido por aqueles que são sequiosos pelas verdades divinas. Os cristãos conformados acham quetudo já está muito bom; mas aqueles que têm sede de Deus edasverdades que a sabedo­ ria de Deus encerra querem ir sempre adiante, até chegar “a va­ rão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4.13).

II. Sobre algumas Doutrinas 2

e da doutrina dos batismos, e da imposição das mãos, e da ressurreição dos mortos, e do juízo eterno. Este versículo contém quatro doutrinas principais, a saber: • • • •

A doutrina dos batismos; Da imposição de mãos; Da ressurreição dos mortos; Do juízo eterno.

95 0 Caminho da Perfeição

1. A doutrina dos batismos. Fala-se de vários batismos nos dias apostólicos. Alguns destes batismos já eram mencio­ nados mesmo desde o Antigo Testamento. Fala-se que os israelitas foram “... batizados em Moisés, na nuvem e no mar” (I Co 10.2). Jesus falou de “um certo batismo” que Ele have­ ria de experimentar (Lc 12.50). Também foi prometido por Ele aos discípulos o “batismo com o Espírito Santo” (At 1.5). O apóstolo Paulo falou também dos “... que se batizam pelos mortos” (I Co 15.29) e Pedro, do batismo da terra pelas águas do dilúvio (I Pe 3.21). No início do cristianismo foi instituído o batismo de João e o batismo cristão. O que parece estar aqui em foco é a validade dos dois batismos mais conhe­ cidos no Novo Testamento: o batismo de João e o batismo cristão. O escritor sagrado aqui adverte os cristãos hebreus que o não entender a utilidade de um e a eficácia do outro era ainda estar longe da perfeição e maturidade espiritual. O ba­ tismo de João Batista serviu de preparação para a aceitação do batismo cristão. O primeiro era transitório — apenas para o arrependimento —, enquanto o segundo era permanente, pois ligava-se diretamente à salvação da pessoa humana. 2. A imposição de mãos. E mencionado nas Escrituras em vários atos da vida religiosa, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Ao se oferecer sacrifícios, a imposição de mãos simbolizava a transmissão dos pecados do povo ao ani­ mal que seria sacrificado (Ex 29.40; Lv 1.4). Era usado ainda para se transmitir a bênção paterna, ou sacerdotal (Gn 48.1316); para se conceder poder aos juizes para julgar o povo (Nm 27.18-23; Dt 34.9) ou para que alguém escolhido por Deus fosse “cheio do espírito de sabedoria” (Dt 34.9). No Novo Testamento, é freqüente seu uso em curas miraculosas (Mt

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

9.18; Mc 16.18, etc.), nos dons espirituais (At 8.17; 19.6), como também nos dons ministeriais (At 6.6; I Tm 4.14; 5.22; 2Tm 1.6) ou na consagração de obreiros (At 6.6; 13.3). Con­ tudo, cada ato de imposição de mãos se dava de maneiras diversificadas. Parece que não havia uniformidade ou uma doutrina específica, como talvez alguém quisesse implantar aqui, mas cada um procedia de acordo com a orientação do Espírito Santo. 3. Da ressurreição dos mortos. Depois da ressurreição do Senhor Jesus, este assunto tornou-se doutrina fundamen­ tal, enriquecida e aprofundada no cristianismo primitivo. Ig­ norar esta doutrina era continuar nos rudimentos cristãos dos primeiros dias de fé. Alguns haviam ensinado isso erronea­ mente nas igrejas de Corinto e Tessalônica, o que obrigou o apóstolo Paulo a fazer em ambas uma poderosa defesa da res­ surreição de nosso Senhor (I Co 15.12; I Ts 4.13). 4. Do juízo eterno. Esta expressão tem sofrido várias in­ terpretações, mas observando o que lemos no versículo ante­ rior, o sentido parece não ser o juízo final. Trata-se de juízos pronunciados por alguém ao ser maltratado ou escarnecido pelos inimigos por causa do Evangelho. Outrossim, parece que os mesmos juízos eram também proferidos contra alguns daqueles cristãos que haviam apostatado. O autor sagrado es­ clarece que os destinos espirituais de pessoas ou de nações competem a Deus, e não a eles (Jd 9). 3

E isso faremos, se Deus o permitir.

Não podemos usar todos os exemplos das Escrituras como jurisprudência para efetuarmos certos julgamentos. Há coisas

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0 Caminho da Perfeição

que foram escritas para nossa advertência, e não devem ser usadas como base de nossas decisões (I Co 10.11). No Anti­ go Testamento, foram pronunciados e executados muitos juízos e castigos contra aqueles que se opunham a Deus e ao seu povo. Moisés, por exemplo, ordenou que a terra se abrisse e tragasse Corá e o seu grupo (Nm 16.31,32). Elias fez descer fogo do céu que consumiu cem soldados com seus dois capi­ tães (2 Rs 1.10-12). Eliseu determinou que duas ursas saís­ sem do bosque e despedaçassem “quarenta e dois” moços que dele haviam zombado (2 Rs 2.23,24). Também tornou lepro­ so Geazi, seu servo (2 Rs 5.27). Jesus pronunciou um juízo de maldição contra uma figueira que não produzia frutos (Mt 21.18-21). Pedro pronunciou a morte de Ananias e de Safira, sua esposa (At 5.1-11), e juízo de maldição contra Simão, o mágico de Samaria (At 8.20-24). Paulo também ordenou que Elimas, o encantador da ilha de Pafos, ficasse cego (At 13.612). Além destes juízos, outras maravilhas foram operadas em ambos os Testamentos e podem ser feitas ainda, mas “... se Deus o permitir”.

III. O Perigo da Apostasia 4

Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial e se fizeram participantes do Espírito Santo, Os versículos 4-8 que temos aqui nesta seção mostramnos o perigo iminente da apostasia que rondava estes cristãosjudeus do primeiro século d.C., heresias estas que se instala­ ram por falta de vigilância no seio da Igreja. Antes de sua

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

morte, o apóstolo Paulo, quando dava instruções aos anciãos de Éfeso, falou de lobos cruéis, que não perdoarão o reba­ nho”, e ainda acrescentou, dizendo: "... dentre vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si” (At 20.29,30). Uma dessas “coisas per­ versas” que o apóstolo menciona aqui foi a apostasia, confor­ me ele descreve mais adiante numa de suas cartas a Timóteo: “Mas o Espírito expressamente diz que, nos últimos tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganado­ res e a doutrinas de demônios” (I Tm 4.1). Na passagem em foco, o Espírito Santo diz por meio de Paulo que “nos últi­ mos tempos, apostatarão alguns da fé...” Esta expressão, no grego do Novo Testamento, signifi­ ca “levar à revolta”, “desviar”. Quando usado o verbo aphistemi na voz transitiva, significa “afastar-se”, “retirarse”, “apostatar”, etc. Quando ligada diretamente ao mun­ do religioso, significa “descer um degrau”, ou seja: “descer moral e espiritualmente”. Este verbo significa rejeitar uma posição anterior, aderindo a uma posição diferente e con­ traditória à primeira; perder a primeira fé, repelindo-a em favor de outra crença. Paulo afirma que isso pode se dar por influência dos espíritos malignos, cuja atividade con­ siste em enganar os homens, desviando-lhes a atenção de Cristo (cf. Jr 2.19; 8.5; 2Ts 2.3). Muitas destas heresias disseminadas por seitas gnósticas atingiram não somente as igrejas dos gentios, mas contaminou também uma boa parte das igrejas judaicas, às quais esta epístola se dirigia. 5

e provaram a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro,

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O Caminho da Perfeição

Novamente aqui, como nos versículos anteriores, conti­ nua a advertência aos cristãos contra a apostasia, que poderia atingi-los por negligência ao estudo das Escrituras e desprezo das manifestações espirituais. No texto em foco, devemos ana­ lisar dois pontos de vista importantes: a Palavra e o poder de Deus. Quando Jesus argumentava com os saduceus com res­ peito a ressurreição dos mortos, Ele mostrou-lhes que a sua ignorância quanto ao mundo futuro consistia nestes dois pon­ tos: desconhecer a Palavra de Deus e a fonte do seu poder. Então o Mestre diz: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus” (Mt 22.29). Atualmente, muitos erros doutrinários com respeito aos dons espirituais partem de co­ rações e mentes desprovidos deste conhecimento. E o proble­ ma maior sobre isso é que, além da pessoa não ter conheci­ mento das “... virtudes do século futuro”, ainda procura pro­ positadamente ignorá-las (I Co 2.14). 6

e recaíram sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério. A apostasia leva a pessoa a retroceder na vida espiritual e impossibilita o sentimento de arrependimento. A missão som­ bria da apostasia é neutralizar a operação miraculosa do Espí­ rito Santo. A apostasia entenebrece a mente que foi iluminada pelo Espírito Santo quando produziu na pessoa o arrependi­ mento. O termo “recaíram”, usado aqui pelo autor sagrado, é o equivalente de Hebreus 3.12, onde “um coração mau e infi­ el” leva a criatura humana a “se apartar do Deus vivo”. Essa

100 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

apostasia é introduzida no ambiente cristão por ensinos “dou­ trinários”, visto que aqueles que por ela são enredados, “... crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério”. Há em nossos dias muitos ensinos que são verdadeiras heresias, cuja finalidade é afastar as pessoas do conhecimento que o Evan­ gelho traz aos corações dos homens. Até mesmo “... aqueles que se estavam afastando dos que andam em erro” (2 Pe 2.18) são engodados por estas heresias doentias. A “recaída” fala de alguém que estava se recuperando de uma doença, mas por falta de esforço negligenciou sua total recuperação. O nosso sucesso espiritual depende de uma vida de comunhão contí­ nua com Deus e com os poderes do mundo futuro. Ao afas­ tar-se dessa comunhão, o cristão começa paulatinamente a enfraquecer, pois sua alma doente não tem nenhum poder de reação; isso muitas vezes leva a pessoa a um estado pior do que o primeiro. Pedro advertiu sobre isso dizendo: “Porquan­ to se, depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, torna-se-lhes o último estado pior do que o primeiro” (2 Pe 2.20). Porque a terra que embebe a chuva que muitas vezes cai sobre ela e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada recebe a bênção de Deus; 7

Neste versículo e no seguinte encontramos uma metáfora sobre a vida agrícola. Esta “terra que embebe a chuva” que nela cai representa os corações dos homens: maus e santos. O Espírito Santo, quando foi derramado no Dia de Pentecostes, irrigou todo o solo sagrado que fora fertilizado com a morte

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0 Caminho da Perfeição

de Cristo, esperando que este produza “o precioso fruto da terra”, cuja interpretação encontramos em Tiago 5.7 como sendo a Igreja do Senhor, do Pentecostes ao arrebatamento. Quando Tiago fala do “lavrador”, ele está falando de Deus, conforme foi interpretado por Jesus quando comparou a si mesmo com a “figueira verdadeira”. E aqui, Tiago faz uma metáfora, ao falar do precioso fruto da terra e da paciência do lavrador: “Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e serôdia”. Este precioso fruta da terra que foi produzido após a chuva do Pentecostes é a Igreja do Senhor Jesus. Referindose a si mesmo e ao Pai, Ele disse: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador” (Jo I5.I). O Pai está esperando com paciência durante estes mais de 2.000 anos da dispensação da graça, “... não querendo que alguns se percam, senão que to­ dos venham a arrepender-se” (2 Pe 3.9). 8 mas a que produz espinhos e abrolhos é reprovada e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada.

No versículo anterior, a terra (os corações generosos) que foi banhada com o precioso sangue de Cristo e foi irrigada com o derramamento do Espírito Santo no Pentecostes, como nos demais derramamentos do Espírito, produziu o “precio­ so fruto”, cujo sabor contém a graça de Deus oferecida ao mundo (cf. Tt 2.11). Contudo, uma outra parte desta terra (os corações endurecidos) produziu apenas “espinhos e abro­ lhos”. Então o que aconteceu no Jardim do Éden quando nos­ sos primeiros pais pecaram voltou a se repetir aqui. Lá, a terra produziu “espinhos e cardos” (Gn 3.18) e aqui também: “es-

102 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

pinhos e abrolhos”. O resultado foi que ambas, tanto aquela (do Antigo Testamento) como esta (do Novo Testamento), foram “reprovadas, e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada”. E uma pena quando o solo dos corações que fo­ ram fertilizados pela morte de Cristo se torna endurecido e estéril por causa da incredulidade! Estêvão, quando discorria sobre as Escrituras do Antigo Testamento, procurando con­ vencer a seus ouvintes de que no geral e nos mínimos detalhes, apontavam para nosso Senhor Jesus Cristo, exclamou: “Ho­ mens de dura cerviz e incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim, vós sois como vossos pais” (At 7.51). Com efeito, porém, não é esta a vontade de Deus, que sua Palavra (a preciosa semente) encontre corações endurecidos. Ele "... quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade” (I Tm 2.4).

IV A Perseverança do Cristão 9

Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores e coisas que acompanham a salvação, ainda que assim falamos. Tomado de otimismo, o autor sagrado passa a ver agora estes cristãos de maneira diferente, observando que o Espírito Santo já começou a produzir os frutos que acompanham a salvação naquelas vidas. Estes frutos tornarão os santos "... como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4.18). E nesse processo todos serão pouco a pouco “... transformados de glória em glória, na mesma ima­ gem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Co 3.18), o que valeu

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O Caminho da Perfeição

sua exclamação: mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores”. Sempre que há comunhão com Deus o cristão evolui em sua vida espiritual, e sua trajetória desta vida para a outra é sempre marcada pela ajuda gloriosa do Senhor. Assim ele vai “... indo de força em força...” até chegar a Sião, a cidade celestial (SI 84.7). Nela, os peregrinos encontrarão descanso perma­ nente para suas almas e recompensas para seus labores, e to­ dos repousarão debaixo do manto da justiça divina. 10

Porque Deus não é injusto para se esquecer da vossa obra e do trabalho da caridade que, para com o seu nome, mostrastes, enquanto servistes aos santos e ainda servis. Ao escrever sua Primeira Epístola aos Coríntios, Paulo lembrou-lhes que a sua fé e o seu trabalho em favor da obra de Deus aqui neste mundo não eram vãos. Ele diz: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abun­ dantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor” (I Co 15.58). Muitas vezes nos esquecemos de que Deus é o supremo Juiz e que recompensará a cada um segundo as suas obras. Contudo, em sua justa retribuição ain­ da será acrescentado mais um detalhe: a sua bondade. Até mes­ mo aqueles que não merecem tanto, mas que ainda por “uma hora” realizaram algo em sua Seara, receberão de Deus a justa recompensa (Mt 20.12-15). Deus fará isto por meio de seu Filho Jesus, tanto diante do tribunal de Cristo como diante do Grande Trono Branco. Diante do tribunal será usada a se­ guinte frase: “Eis que cedo venho, e o meu galardão está co­ migo para dar a cada um segundo a sua obra” (Ap 22.12, ênfase

104 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

do autor). O mesmo critério será usado diante do juízo final, quando haverá um julgamento individual, conforme é depreendido do texto de Apocalipse, que diz: “... e foram jul­ gados cada um segundo as suas obras” (Ap 20.13, ênfase do autor). A avaliação ali será individual e Deus não se esquecerá de qualquer ato que foi praticado em favor de seus santos aqui na terra (Mt 10.42). 11

Mas desejamos que cada um de vós mostre o mesmo cuidado até ao fim, para completa certeza da esperança; Este versículo mostra novamente o cuidado demonstrado pelo autor sagrado quanto à perseverança dos crentes hebreus. Suas palavras, aqui, são dirigidas não mais em sentido coletivo, mas individual. “... cada um de vós ’, isto é, toda a igreja deve participar deste empreendimento espiritual, pois somente as­ sim seria possível que em cada coração houvesse “... o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2.5). Mas isso somente seria possível quando o Espírito Santo tocasse individualmente em cada coração, como acontecera no Dia de Pentecostes e em outras manifestações que se seguiram. Com a operação contínua do Espírito Santo na Igreja são produzidas novas criaturas para Cristo e os próprios cristãos são renovados pelo seu poder transformador, conforme descreve o salmista: “Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da terra” (SI 104.30). Em qualquer tempo ou lugar o sucesso da Igreja — como também de cada crente em particular — não vem por causa da tecnologia, mídia e poderio econômico. Tudo isso ajuda; contudo, sem a operação gloriosa do Espírito Santo, a Igreja não passará de uma organização. O desejo do Senhor

105 O Caminho da Perfeição

Jesus é que sua Igreja seja muito mais; ela deve ser um organis­ mo vivo, dinâmico e atuante (Ef 4.16). 12

para que vos não façais negligentes, mas sejais imitadores dos que, pela fé e paciência, herdam as promessas. O termo grego aqui usado traz o sentido de “indolente”, “preguiçoso”, “descuidado”, ao que Provérbios 18.9 diz: “... o negligente na sua obra é irmão do desperdiçador”. Ao re­ preender o servo que desperdiçou a grande oportunidade que tinha recebido de seu senhor, Jesus colocou os negligentes ao lado das pessoas de má índole, dizendo: “Mau e negligente servo; sabes que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei; devias, então, ter dado o meu dinheiro aos banquei­ ros, e, quando eu viesse, receberia o que é meu com os juros” (Mt 25.26,27). São vários os fatores que podem levar uma pessoa a prosperar na vida material: trabalhar com perseveran­ ça; economizar com paciência; aplicar nesta ou naquela área com todo o cuidado e inteligência — e contar acima de tudo, é claro, com a bênção de Deus. Assim também sucede no cam­ po espiritual. O céu é bom, mas requer esforço por parte da­ quele que se dispõe a lutar por ele. Este sim ouvirá do Senhor as solenes palavras: “... sofreste e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome e não te cansaste” (Ap 2.3).

V A Imutabilidade de Deus em sua Promessa a Abraão Porque, quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo,

106 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

O que o autor sagrado quer demonstrar com estas pala­ vras é a imutabilidade de Deus naquilo que Ele falou. Não foi necessário que Deus colocasse por escrito num documento sua promessa a Abraão para que esta viesse a se cumprir. Ele sabia que Deus não muda! A promessa divina feita a Abraão foi reiterada por diversas vezes. Ele seria pai de uma grande nação no sentido físico e esta receberia uma terra para sua habitação — a terra de Canaã. Esta promessa também envolvia várias nações no sentido espiritual, o que se concretizaria atra­ vés de um descendente de Abraão: Cristo. E estes herdeiros receberiam também por herança uma terra — o Céu (Gn 22.1618). O corpo do patriarca Abraão está sepultado na cova de Macpela, na atual cidade de Hebrom, mas o seu espírito, que vivia numa ardente comunhão com Deus, partiu para junto dEle na morada eterna, a verdadeira Canaã celeste. A Teologia da Prosperidade — também conhecida como Confissão Posi­ tiva — ensina que Deus, uma vez tendo prometido bênçãos e heranças aos que fizessem sua profissão de fé em Jesus Cristo, estaria obrigado a conceder cada bênção prometida aos que reivindicassem seu direito legal às bênçãos, sobretudo concernentes à saúde e prosperidade. Mas a Bíblia nos ensina que o que somos e tudo aquilo que recebemos da parte Deus é inteiramente por sua infinita misericórdia, e não por mereci­ mento algum de nossa parte. 14

dizendo: Certamente, abençoando, te abençoarei e, multiplicando, te multiplicarei. Alguns comentaristas têm encontrado dificuldade para entender o que Deus queria dizer a Abraão com estas pala-

107 O Caminho da Perfeição

vras. Porém, devemos observar que a promessa divina, aqui em foco, envolve a multiplicação de filhos. Esta multiplicação envolvia dois princípios: um físico e outro espiritual, já que o pacto abraâmico envolvia a promessa terrena da posse da terra de Canaã. Mas a extensão maior desta promessa envolvia a multiplicação de filhos espirituais. “Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão”. Em seguida, acrescenta Paulo: "... se sois de Cristo, então, sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (G1 3.7,29). Mas todas estas vantagens somente serão encontradas por meio de Cristo, que é a figura central de toda esta história que envolve Abraão, seus descendentes e também a todos nós. “Porque todas quantas promessas há de Deus são nele sim; e por ele o Amém, para glória de Deus por nós” (2 Co 1.20). Escrevendo aos efésios, Paulo diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espi­ rituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1.3). O que está aqui em foco, como sendo o meio e a causa de sermos abenço­ ados com “todas as bênçãos espirituais”, é Cristo: é nEle e por meio dEle que somos agraciados por Deus. 15 E assim, esperando com paciência, alcançou a promessa.

O exemplo deixado por Abraão em relação à promessa de Deus para sua vida serviu de exemplo também para sua descendência e, por extensão, também para nós. Abraão viu o cumprimento desta promessa em duas etapas: a primeira com seu cumprimento terreno, ao receber em seus braços a Isaque; a segunda, quando ele viu o dia de Jesus — “viu-o, e

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

alegrou-se”, porque sabia que em Jesus, Deus cumpriria sua promessa, quando lhe anunciou o Evangelho pela primeira vez, dizendo: “Todas as nações serão benditas em ti” (G1 3.8). Isaque, o cumprimento terreno da promessa, foi ances­ tral direto de Jesus Cristo, o Messias prometido por Deus a Abraão e ao povo eleito. Assim, através de um descendente de Isaque veio a confirmação da promessa. Mas tudo isso envolveu um longo processo de esperança e de paciência. Abraão tinha muitas razões para se desesperar durante este período de espera — ele era já um homem de idade avançada e Sara, sua esposa, era estéril e também adiantada em idade. Mas ele esperou com paciência, pois a fé cada dia renovava a esperança do cumprimento da promessa de Deus em seu coração, até que a alcançou. 16

Porque os homens certamente juram por alguém superior a eles, e o juramento para confirmação é, para eles, o fim de toda contenda. Na antiguidade não existia a forma moderna de docu­ mentação, conforme usada em nossos dias. Ela foi surgindo pouco a pouco na história da humanidade. Quando era feito um pacto, este era confirmado por meio de um juramento. Nas Escrituras, temos vários exemplos de pactos que foram selados desta forma. No pacto feito por Deus com Noé, o sinal evidente foi o arco celeste. “Este [disse Deus] é o sinal do conserto que ponho entre mim e vós e entre toda alma vivente, que está convosco, por gerações eternas. O meu arco tenho posto na nuvem; este será por sinal do concerto entre mim e a terra” (Gn 9.12,13). Com Abraão, Deus exigiu dele a

0 Caminho da Perfeição

circuncisão. “Este é o meu concerto, que guardareis entre mim e vós e a tua semente depois de ti: Que todo macho será circuncidado. E circundareis a carne do vosso prepúcio; e isto será por sinal do concerto entre mim e vós” (Gn 17.10,11). Quando Abraão fez um pacto com Abimeleque, rei dos filisteus, a prova evidente foram sete cordeiras doadas por Abraão. “E disse: Tomarás estas sete cordeiras de minha mão, para que sejam em testemunho que eu cavei este poço” (Gn 21.30). Os montões de pedras erigidos por Jacó e Labão tra­ ziam em si mesmos o testemunho do concerto que foi feito entre ambos (Gn 31.44-52). As 12 pedras tiradas do leito do Jordão serviriam de testemunho para as gerações futuras da operação miraculosa de Deus, quando secou suas águas (Js 4). No texto em foco, o sinal evidente que selou a promessa feita a Abraão foi a imutabilidade de Deus. Abraão sabia que Deus é imutável. Ele jamais mudaria de opinião, invalidando seu concerto, especialmente tendo jurado por si mesmo. l7

Pelo que, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento,

Aqui neste versículo aparece novamente um dos atribu­ tos naturais de Deus: a sua imutabilidade. Qualquer corrupção na natureza infinitamente santa de Deus é im­ possível. Creio mesmo ser até impossível pensar tal coisa, pois no momento em que tentamos fazê-lo, o objeto sobre o qual estamos pensando não é Deus, mas qualquer outra coi­ sa menor do que Ele. Talvez estejamos pensando numa cria­ tura grande a aterradora, mas sendo criatura não poderá ser

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

o Criador auto-existente. Imutabilidade é um dos atributos de sua natureza divina, conforme Ele mesmo afirmou aos filhos de Israel, quando disse: “Porque eu, o Senhor, não mudo...” (Ml 3.6). Ele nunca muda em sua natureza, em seus conselhos e em seus atributos. Abraão tinha esta certeza em seu coração, o que o levou a crer em Deus! Este exemplo de fé e esperança nas promessas de Deus deve estar presente em nosso viver; porque a seu tempo Deus cumprirá em nós e conosco tudo o que tem prometido na sua Palavra: seja na palavra escrita (as Escrituras), seja na palavra falada (as pro­ fecias). Temos somente de esperar nEle, pois Ele jamais mudará o seu plano a nosso respeito. 18

para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta; As “duas coisas imutáveis” de que fala o texto em foco, ao que parece, são “a promessa e o juramento” que Deus fize­ ra a Abraão e a seus descendentes. A imutabilidade de Deus podia encher o coração de Abraão da “esperança proposta”, pois Deus lhe tinha dito que ele e seus descendentes seriam abençoados como herdeiros da Terra Prometida. Escrevendo aos romanos, Paulo confirma o propósito de Abraão em reter firme esta esperança. “O qual, em esperança, creu contra a esperança que seria feito pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência. E não enfra­ queceu na fé, nem atentou para o seu próprio corpo já amor­ tecido (pois era já de quase cem anos), nem tampouco para o

111 0 Caminho da Perfeição

amortecimento do ventre de Sara. E não duvidou da promes­ sa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus; e estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer” (Rm 4.1821). Abraão nem mesmo tinha visto aquela criança que se­ gundo Deus seria o seu sucessor, cujo nome seria Isaque, mas ele começou glorificando a Deus em gratidão, pois “... não enfraqueceu na fé, nem atentou para o seu próprio corpo já amortecido (pois era já de quase cem anos), nem tampouco para o amortecimento do ventre de Sara” (v. 19).

VI. Nossa Firme Esperança 19

a qual temos como âncora da alma segura e firme e que penetra até ao interior do véu, Em I Timóteo 1. 19, a âncora é tomada para represen­ tar a conservação da fé em uma boa consciência, e aqueles que a rejeitaram “... fizeram naufrágio na fé”. O escritor sagrado, aqui, faz também uso desta figura para represen­ tar a segurança da alma que enfrenta o perigo e deve ser protegida. A esperança em Deus, através de Cristo, é que nos fornece a segurança. O navio ancorado no porto, em­ bora agitado pelo vento e pelas ondas, acha-se em seguran­ ça quando suas âncoras se encontram fixadas em terra. A diferença entre a âncora do navio para a âncora do cristão é que a âncora do navio aponta para baixo, e quanto mais os ventos sopram e as ondas movimentam o navio, tanto mais ela vai se enterrando no fundo e lhe oferecendo segu­ rança. A âncora do cristão aponta para cima, e quanto mais

112 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

as tempestades da vida lhe sobrevêm, tanto mais sua ânco­ ra (esperança) vai se fixando no trono de Deus, que lhe oferece uma proteção inabalável. São inúmeras as âncoras que dão segurança ao cristão, entre elas: • •

• •

Nossa fé (I Tm I.19); Nossa confiança no sangue do Cordeiro de Deus (I Jo 2.28); Nossa firmeza na sua graça (Hb 12.28); Nossa esperança nas promessas de Jesus Cristo (Hb 6.19, etc.). onde Jesus, nosso percursor, entrou por nós, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. 20

No texto em foco, o autor sagrado continua seu argu­ mento em favor da esperança. Quando o apóstolo Paulo era levado prisioneiro para Roma, se abateu sobre o navio em que ele viajava uma terrível tempestade. Os marinheiros, temendo que fossem “... ir dar em alguns rochedos, lançaram da popa quatro âncoras, desejando que viesse o dia” (At 27.29). Sócrates dizia: “o navio não deve confiar em uma só âncora, e nem a vida em uma só esperança”. Cada cristão neste mundo pode ser comparado a uma pequena embarcação que navega no mar encapelado da vida. Devemos, portanto, nos apegar às ânco­ ras que nos darão segurança no temor do naufrágio. Estas âncoras estão seguras além do véu que oculta a glória futura, por mãos eternas de um Precursor. Com as âncoras lançadas da popa e fixadas em lugares firmes, os marinheiros puderam

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0 Caminho da Perfeição

esperar com segurança que “viesse o dia” . Assim também devem fazer os santos que encontram-se navegando através do mar desta vida. Com suas âncoras “seguras e firmes”, estão esperando a aurora do dia eternal.

Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo I. A Ordem de Melquisedeque 1

Porque este Melquisedeque; que era rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, e que saiu ao encontro de Abraão quando ele regressava da matança dos reis, e o abençoou; Quem era Melquisedeque? As únicas referên­ cias bíblicas sobre este personagem semita encon­ tram-se nos trechos de Gênesis 14.18-20; Salmos 110.4 e Hebreus 6.20; 7.1,10,11,15,17,21. Podese ver, com base nisso, que o autor supre a discus­ são maior. E dito que ele era o “rei de Salém... e sacerdote do Deus Altíssimo”, o que, combinado às passagens de Josué 18.28 e Salmos 76.2, nos mostra ter sido ele rei em Jerusalém durante o do

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

mínio dos jebuseus. Entretanto, ele aparece na interpreta­ ção de Hebreus 7.2 como “rei de justiça”. Melquisedeque sau­ dou a Abraão, trazendo-lhe pão e vinho e o abençoando no nome do Deus Altíssimo, quando o patriarca retornou após ter vencido Quedorlaomer, rei do Elão, e seus aliados. Ao mesmo tempo, Melquisedeque recebeu de Abraão dízimos dos despojos. A significação profética de Melquisedeque é claríssima. Salmos 110 apresenta a divindade do Messias liga­ da à ordem deste personagem contemporâneo de Abraão. No entanto, a obscuridade de Melquisedeque tem levantado um série de conjeturas, algumas delas nada mais que fantasias. Alguns dizem ser o Espírito Santo que teria aparecido na terra sob essa forma, visto que, ele não consta em nenhuma genealogia como nos é dito a respeito de Deus e de Cristo (Lc 3.23,38). Outros dizem ter sido uma manifestação de Cristo antes da encarnação, no Antigo Testamento. Mas isso é absur­ do, pois teríamos de aceitar o seu governo em Jerusalém antes dos tempos testamentários. Para alguns estudiosos, no entan­ to, Melquisedeque teria sido encarnação de alguma outra ele­ vada personalidade celeste. Outros afirmam que ele seria Sem, filho de Noé, o que é opinião comum entre vários escritores judeus, especialmente no Targum. Outras opiniões afirmam que ele teria sido um monarca cananeu, da descendência de Cão. E outros, ainda, consideram-no um ser como Adão, di­ retamente criado por Deus, e que literalmente não teria ascen­ dência humana. Também há opiniões que o identificam com Jó ou com algum outro personagem do Antigo Testamento. Todas essas conjeturas não têm base em que se possa confiar; assim, necessariamente, a identificação de Melquisedeque deve ser procurada por outro prisma.

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Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

O historiador judeu Flávio Josefo, em sua obra Antigui­ dades Judaicas, fala bem pouco de Melquisedeque. A informa­ ção que temos dele é esta: “O rei de Sodoma veio até ele (Abraão) no lugar a que chamam de ‘campo real’, onde o rei de Salém, que agora é Jerusalém, o recebeu também com grandes demonstrações de estima e de amizade. Este prínci­ pe chamava-se Melquisedeque, isto é, rei justo; e ele era ver­ dadeiramente justo, pois sua virtude era tal que, por consen­ timento unânime ele tinha sido feito sacrificador do Deus Todo-poderoso. Ele não se contentou de receber tão bem a Abraão, mas recebeu outrossim todos os seus; deu-lhes no meio dos banquetes que realizou, os louvores devidos à sua coragem e virtude e prestou a Deus públicas ações de graças por uma tão gloriosa vitória. Abraão, por sua vez, ofereceu a Melquisedeque a décima parte dos despojos que tinha feito dos inimigos; e este os aceitou”.1 2

a quem também Abraão deu o dízimo de tudo, e primeiramente é, por interpretação, rei de justiça, e depois também rei de Salém, que é rei de paz; Quase todos os escritores da Bíblia têm identificado a cidade de Salém, aqui mencionada, como sendo um diminutivo poético da cidade de Jerusalém. Este lugar é mencionado paralelamente com Sião, a cidade de Deus (SI 76.2). Também é acrescentado que ali se encontrava o “Tabernáculo do Se­ nhor”. Josefo identificou Salém como sendo o local antigo de Jerusalém, uma espécie de comunidade que existia antes de Jerusalém. Os samaritanos vinculavam Salém com Salim, a leste de Nablus, mas essa identificação pode ter-se originado do

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

preconceito político e da rivalidade religiosa que havia entre judeus e samaritanos. Existe uma outra interpretação que lo­ caliza Salém com Salim, que era uma cidade de Siquém, onde, segundo se diz, existem supostas ruínas do “palácio de Melquisedeque”. Em tempos remotos, Jerusalém chamava-se apenas “Jebus”, nome este mencionado por cinco vezes (Js 18.28; Jz 19.10,11; I Cr 11.4,5). Alguns acreditam, ainda, que Melquisedeque tenha conquistado uma parte da cidade, adicionando nesta parte por ele dominada o nome de “Salém”, ou a cidade de paz. Depois houve a junção de Jebus com Salém, quando Melquisedeque conquistou a outra parte da cidade, em poder dos jebuseus. Então, passou-se a pronunciar “Jeru­ salém” ao invés de “Jebus-Salém”, sua forma primitiva. De­ pois, com a ausência de Melquisedeque, os jebuseus voltaram a chamá-la de Jebus, nome este que perdurou até os dias de Davi, quando ele e seus homens conquistaram a fortaleza de Sião e esta passou a se chamar “a cidade de Davi” (I Cr 11.4-8). 3

sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas, sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre.

O autor sagrado afirma que Melquisedeque era “sem pai, sem mãe, sem genealogia”. E acrescenta ainda: “feito seme­ lhante ao Filho de Deus”. As seguintes explicações sobre essa expressão são possíveis desde que usemos o raciocínio lógico e a razão natural. Io - Na qualidade de algum elevado ser espiritual (termo este usado apenas para argumentação), ele não tinha des­ cendência terrena;

119 Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

2° - Melquisedeque teria “perdido” (mediante a morte fí­ sica) seu pai e sua mãe, pelo que também estaria “sem eles”; 3o - Seu pai e sua mãe seriam figuras “desconhecidas”, pelo que também não se fez qualquer registro genealógico; 4o - Seu pai e sua mãe não tinham genealogia sacerdotal (o que parece lógico), razão pela qual não foram mencionados; 5o - Antes, Melquisedeque simplesmente não tem “genealogia registrada” nas Escrituras, etc. No que diz respeito à genealogia, várias opiniões são tam­ bém sugeridas, tais como: A genealogia de Melquisedeque era conhecida, mas não foi “registrada”. A genealogia era conhecida, mas “propositadamente não foi registrada”, para que Melquisedeque tivesse a possibili­ dade de ser um “tipo simbólico” de Cristo, em seu sumo sacerdócio. A genealogia não foi registrada porque era desconhecida. Não havia genealogia a registrar porque Melquisedeque, na realidade, não era uma personalidade humana, etc. Para nós, o fato de não ter pai nem mãe significa que não há registro de seus ancestrais, e que, profeticamente, Melquisedeque simboliza o divino Filho-Profeta, acerca de quem não se pode falar de qualquer linhagem terrena quando se observa sua eternidade. Melquisedeque não tinha nem pai nem mãe sacerdotais, por isso não tinha uma genealogia como os filhos de Arão. Em ou­ tras palavras, ele torna-se um verdadeiro tipo de Cristo, visto que “... nosso Senhor procedeu de Judá, e concernente a essa tribo nunca Moisés falou de sacerdócio” (Hb 7.14b). O original gre­ go indica “brotou” em lugar de “procedeu”, para indicar “... o homem cujo nome é Renovo” (Jr 23.5; 33.15; Zc 3.8; 6.12),

120 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

título este aplicado em sentido tópico a Josué, o sumo sacerdote do tempo do cativeiro e também a nosso Senhor Jesus Cristo.

II. Quão Grande Era Este 4

Considerai, pois, quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos. Este acontecimento aqui narrado encontra-se em Gênesis 14.18-20, onde está escrito: “E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão do Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra! E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E deu-lhe o dízimo de tudo”. O escritor sagrado da Epístola aos Hebreus exalta Melquisedeque acima de Abraão, quando diz: “... quão grande era este”. E como reconhecimento de sua autoridade, Abraão lhe deu o dízimo dos despojos, quer dizer, o melhor daquilo que Abraão tinha conquistado, que significa do “topo do mon­ te” — expressão essa usada pelos gregos com o sentido de “o melhor” ou “mais precioso”. Os despojos eram repartidos en­ tre os guerreiros vitoriosos, e em ocasiões especiais repartia-se também com aqueles cuja autoridade era considerada superior aos guerreiros vitoriosos. Em alguns casos, esses eram compos­ tos não só de bens materiais, mas também de pessoas humanas (Is 42.24). Mas no episódio que marca o encontro de Abraão e Melquisedeque, somente estão em foco os despojos de bens materiais, sem nenhuma menção a vidas humanas. 5

E os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a lei, de tomar o dízimo do povo,

121

Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

isto é, de seus irmãos, ainda que tenham saído dos lomhos de Abraão. O dízimo existe desde a criação do homem. É uma prática que tem a sua origem no reconhecimento de que tudo pertence a Deus. A história dos povos primitivos mostra que a prática de dar à divindade uma parte das rendas é comum a toda a humani­ dade. Podemos observar que o justo Abel reconheceu este dever e prontamente "... trouxe dos primogênitos das suas ovelhas e da sua gordura [uma oferta ao Senhor]” (Gn 4.4). A palavra “primogênito”, neste sentido, pode significar “primícias”, ou seja, o melhor de uma porção. Em linguagem hodierna, Abel trouxe seu dízimo ao Senhor. Noé, depois do dilúvio, parece ter seguido o mesmo exemplo. Daquilo que lhe sobrou com vida, ele trouxe uma porção para Deus. Como não existia uma outra autoridade na terra maior que ele, então sua dádiva deu-se da seguinte forma: “E edificou Noé um altar ao Senhor; e tomou de todo animal limpo e de toda ave limpa e ofereceu holocaustos sobre o altar” (Gn 8.20, ênfase do autor). Abraão exemplifica os crentes dizimistas de todos os tempos. A menção do “dízimo”, dentro do episódio que marcou seu encontro com o monarca Melquisedeque, mostra-nos que se tratava de uma instituição mais antiga que a da legislação mosaica no Antigo Testamento (Gn 14.20; Hb 7.2,4-6,9). Por aquela ocasião, todos os descendentes de Abraão (segundo a carne) pagaram dízimo a Melquisedeque, pois ele representava, por assim dizer, toda a nação (Hb 7.8,9). Pelo que também todos os descendentes de Abraão (segundo a fé) devem pagar seu dízimo a Cristo (que cumpre o tipo simbó­ lico de Melquisedeque), tal como o próprio Abraão pagou dízimos a Melquisedeque, o monarca de Salém.

122 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

6

Mas aquele cuja genealogia não é contada entre eles tomou dízimos de Abraão e abençoou o que tinha as promessas. Entre o povo judeu há certo silêncio com relação à supe­ rioridade de Melquisedeque sobre Abraão. Para eles, além de Deus, Abraão é considerado a maior autoridade no campo espiritual. Talvez por essa razão eles questionaram a Jesus quan­ do este se apresentou como sendo o Filho de Deus, dizendo: “És tu maior do que Abraão, o nosso pai, que morreu? E também os profetas morreram; quem te fazes tu ser?” (Jo 8.53) No entanto, aqui no texto em foco, o autor sagrado apresenta a majestosa autoridade de Melquisedeque sobre Abraão. Po­ rém com uma ressalva: há um outro superior a Melquisedeque: Cristo, que é Deus. Abraão, como representante de Deus en­ tre aquelas nações mergulhadas em todo o tipo de práticas pecaminosas, jamais pensou que pudesse encontrar um outro representante de Deus superior a ele. Por esta razão o escritor sagrado faz a seguinte declaração, quando lembra o encontro que se deu entre estes dois personagens — Abraão e Melqui­ sedeque: “Considerai, pois, quão grande era este...” (v. 4). 7

Ora, sem contradição alguma, o menor é abençoado pelo maior. Neste versículo, o autor novamente menciona a grandeza de Melquisedeque, o rei de Salém, destacando que ele recebeu o dízimo de Abraão e também teve a autoridade divina de abençoá-lo. A bênção aqui referida não é a simples expressão

123

Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

de um desejo relativo a outrem, o que pode ser feito de um inferior para um superior. Mas é a ação de uma pessoa “auto­ rizada” a declarar as “intenções” de Deus, conferindo boas dádivas de prosperidade a outrem. Tal ação somente tem vali­ dade quando é feita por alguém que é superior. Melquisedeque estava autorizado a abençoar o patriarca Abraão, porque era maior do que este, pois “sem contradição alguma, o menor [Abraão] é abençoado pelo maior [Melquisedeque]”. O con­ ceito de grandeza, aqui em foco, deve ser mais subentendido como grandeza espiritual, visto que o assunto predominante neste encontro foi mais o aspecto sacerdotal do que a própria realeza de Melquisedeque, sendo mencionados ali “pão e vi­ nho”, como também duas bem-aventuranças: uma para Abraão e outra para Deus (Gn 14.18-20). 8

E aqui certamente tomam dízimos homens que morrem; ali, porém, aquele de quem se testifica que vive. Algumas interpretações liberais têm procurado identificar Melquisedeque como sendo o próprio Jesus antes de sua encarnação. De acordo com estas interpretações, “... aquele de quem se testifica que vive” tornou-se expressão usada livremen­ te entre o cristianismo logo após a ressurreição de Jesus (cf. Lc 24.5). Mas esta frase também pode ser aplicada ao sacerdote Melquisedeque, visto que o silêncio do Antigo Testamento acerca de sua morte autentica também que ele permanece como aquele de quem “se testifica que vive” (Hb 7.3). O sacerdócio levítico (com seus sacerdotes) era algo temporal e transitório. Mas Melquisedeque e seu sacerdócio, como Cristo e seu sacerdócio,

124 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

são eternos e permanentes. Isso indica claramente que tanto o sacerdócio do qual pertenciam Melquisedeque e nosso Senhor Jesus Cristo é um sacerdócio eterno, que tem em si mesmo esta­ bilidade permanente, para que se nomeie seus sacerdotes por meio de juramento, e não meramente por uma indicação cir­ cunstancial, como muitas vezes foi feito no sacerdócio araônico. 9

E, para assim dizer, por meio de Abraão, até Levi, que recebe dízimos, pagou dízimos. O autor continua com seu argumento quanto à superiorida­ de e importância do sacerdócio e pessoa de Melquisedeque, di­ zendo que Levi, cuja linhagem fora escolhida para exercer o sacer­ dócio entre os filhos de Israel, “pagou dízimos” a Melquisedeque. Para aqueles que são contrários aos ensinamentos das Escrituras sobre o dízimo, deve-se observar que este é antes da Lei — sendo apenas, séculos depois, nela incorporado. Cada povo ou nação do mundo sempre teve seus tributos. O dízimo, portanto, foi estabelecido por ordem divina, como sendo uma espécie de tri­ buto que uma nação santa (como Israel), no Antigo Testamento, e um povo santo (como a Igreja), no Novo Testamento, deviam contribuir para Deus e para sua obra. E Ele ainda restituirá tudo, devidamente corrigido, e ainda acrescentará “cem vezes tanto” ao valor daquilo que a Ele dedicamos (Ml 3.10; 2 Co 9.7,8).

III. O Sacerdócio Levítico e o Sacerdócio de Melquisedeque 10 Porque

ainda ele estava nos lombos de seu pai, quando Melquisedeque lhe saiu ao encontro.

125 Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

Levi aqui é tomado como sendo o representante de sua descendência posterior. Mas numa alegoria prospectiva, ele pa­ gou seu dízimo a Melquideseque através de Abraão. Isto tam­ bém serve de exemplo para nós, na presente dispensação. Nos­ sos filhos (os da carne e os da fé) devem ser ensinados a contri­ buir com seus dízimos desde tenra idade. Fazê-lo depois pode ser tarde demais. Os termos “dar, pagar, devolver, trazer, ofe­ recer ou entregar” são usados por todos os cristãos em todo lugar em referência ao ato de dizimar. A primeira menção so­ bre o dízimo na Bíblia diz que deve ser “doado” (Gn 14.20), mas em Hebreus 7.9, a palavra “doar” foi substituída por “pa­ gou dízimos”. O importante no ato de dizimar não se prende tanto à palavra ou expressão idiomática usadas para descrevêlo, mas ao sentimento de gratidão que deve existir no coração daquele que se predispõe a pagar fielmente seu dízimo, de acor­ do com os ensinamentos das Escrituras (2 Co 9.7,8). 11

De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico (porque sob ele o povo recebeu a lei), que necessidade havia logo de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedeque, e não fosse chamado segundo a ordem de Arão? Em relação a Arão como figura de Cristo, alguns pontos prestam-se a aplicações espirituais e outros não. O sumo sa­ cerdote deveria ser diretamente da linhagem de Arão, o pri­ meiro sumo sacerdote levítico. Mediante tal conceito, tinha então direito por sucessão ao sacerdócio. Em outras palavras, não era tão necessária uma nomeação; e sim, a sucessão medi­ ante a morte do antecessor. Entretanto, o mesmo não se apli-

126 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

ca a Cristo. Ele foi nomeado, chamado diretamente por Deus de “Sumo Sacerdote”, segundo a ordem de Melquisedeque. No grego, isso significa “chamar”, “nomear”, “designar para o ofício”. Por esta razão o sacerdócio de Cristo transcende ao sacerdócio de qualquer outro personagem: humano ou mes­ mo celestial. Em Cristo tanto as necessidades que existiam no sacerdócio como a vontade de Deus quanto à perfeição foram satisfeitas — isso tanto no sentido de sucessão como no senti­ do de perfeição (vv. 26,28). 12

Porque; mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei. Devemos observar aqui que não se fala de mudança de sacerdote, para que haja mudança na Lei. O termo “mudan­ ça”, aqui, fala do “sacerdócio”, isto é, do ofício, e não da pes­ soa. No caso de Arão e seus descendentes, falava-se da pessoa, e não do ofício. O sacerdócio aarônico, embora tenha sido também chamado de “perpétuo” (Ex 40.15), teve seu termo com a morte de Jesus Cristo. Doravante é instituído um novo sacerdócio, que perdurará eternamente. Seu sumo sacerdote também não terá sucessor — porque Ele vive eternamente. Ele não pertence à tribo de Levi e por extensão à família de Arão; sua geneolagia é encontrada na tribo de Judá, cuja posse e realeza foram exercidas na cidade de Jerusalém (antiga Salém), onde Melquisedeque fora rei e sacerdote (Gn 14.18; Hb 7.1,2). Sua genealogia não foi encontrada, como também não pode­ mos encontrar a genealogia de Cristo, quando buscada do ponto de vista sacerdotal e em seu aspecto divino. Semelhan­ temente, ambos não tiveram antecessores e também não terão A

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Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

sucessores (sacerdotais), porque no sacerdócio de ambos não haverá nenhuma mudança. 13

Porque aquele de quem estas coisas se dizem pertence a outra tribo, da qual ninguém serviu ao altar, Durante o tempo chamado de “período interbíblico”, os macabeus arrogaram para si deveres sacerdotais, ignoran­ do totalmente a regra levítica. Assim fazendo, disseram-se sacerdotes segundo a ordem de Melquisedeque, embora nunca tivesse havido uma ordem constante de sacerdotes segundo o sacerdócio de Melquisedeque. O autor deste tratado não queria fazer de Jesus nenhuma exceção dessa natureza. An­ tes, do princípio ao fim, demonstrou que Cristo é sacerdote por ser o eterno Filho de Deus, e não devido às circunstân­ cias de sua humanidade. Por conseguinte, o seu sacerdócio transcende toda a questão da descendência terrena, como Melquisedeque fora reconhecido sacerdote do Deus Altíssimo, embora nunca tivesse pertencido à ordem levítica. Portanto, no sentido humano (genealógico), tanto Cristo como Melquisedeque pertenciam a uma ordem sacerdotal ainda desconhecida; porém, suas funções sacerdotais eram bem patentes aos olhos de Deus (Gn 14.18-20; SI II0.4).

IV O Sacerdócio de Cristo Segundo a Ordem de Melquisedeque 14

visto ser manifesto que nosso Senhor procedeu de Judá, e concernente a essa tribo nunca Moisés falou de sacerdócio.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

A palavra “procedeu” é usada para indicar o nascimento do sol, o aparecimento da luz, da estrela matutina (2 Pe I.19), o levantamento das nuvens (Lc 12.54), o brotar das plantas (Is 54.4; Ez 17.6). E o vocábulo utilizado em conexão com a profecia sobre o Renovo (Jr 23.5; Zc 3.8). A tudo isso o autor sagrado alude para apontar Jesus como Filho de Davi, da tri­ bo de Judá (Mt 1.1,2; Lc 1.27; Rm 1.3; Ap 5.5). Sua des­ cendência, naturalmente, falava de “realeza”, e não de “sacer­ dócio”. O autor sagrado tinha por intuito que Cristo era “um Rei-Sacerdote”, tal como Melquisedeque, que não pertenceu à tribo de Levi, e, por conseguinte, à família de Arão, que sempre exerceu o sacerdócio, mas não a realeza. Ser sacerdote e rei ao mesmo tempo, como Cristo e Melquisedeque eram, indicava superioridade tanto política como religiosa, qualida­ des estas que os dois possuíam por indicação divina. 15

E muito mais manifesto é ainda se, à semelhança de Melquisedeque, se levantar outro sacerdote, O juramento de Deus em relação ao sacerdócio de Cristo incluía a ordem sacerdotal de Melquisedeque. Isto queria di­ zer que o sacerdócio do Filho de Deus seria superior, real e eterno, o que é descrito pelo escritor sagrado desde o início deste capítulo. Cristo nasceu, viveu, morreu e ressuscitou den­ tre os mortos, mostrando-nos assim que está apto e capacita­ do para exercer sua função sacerdotal, eterna e permanente (SI 110.4). O fundamento do cristianismo foi a ressurreição de Jesus; se Ele não tivesse ressuscitado este não passaria de uma religião como as demais, cujos fundadores morreram e foram

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Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

vencidos pelo poder da morte, não podendo ressuscitar. Mas a ressurreição de nosso Senhor foi algo mais do que isto; sua volta à vida foi a grande declaração de seu supremo poder pessoal e de sua glorificação (Jo 7.39; Rm 1.4). 16

que não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível. A expressão usada aqui pelo autor sagrado, quando diz que o sacerdócio de Cristo “... não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incor­ ruptível”, deve incluir a idéia de “terreno”, “temporal”, “tran­ sitório”, em contraste com o que é “celestial” e “eterno”. Ja­ mais iremos pensar que Deus tenha instituído através dos fi­ lhos de Arão um sacerdócio carnal, no sentido pejorativo do termo. A regulamentação do sacerdócio araônico visava a um propósito e uma duração temporal. Já o sacerdócio de Cristo apontava diretamente para um ofício eterno e espiritual (Hb 7.28; 13.8). Pensando no tempo, talvez se chegasse até mes­ mo a julgar que o sacerdócio de Cristo era temporário e não eterno, visto que Ele viveu entre nós por apenas trinta e três anos. Embora durante os três dias e três noites que esteve no seio da terra seu Espírito ministrava aos espíritos em prisão, no reino dos mortos (I Pe 3.18-20). Em seguida, Cristo res­ suscitou dos mortos, e assim seu ministério divino sacerdotal jamais fora interrompido. 17

Porque dele assim se testifica: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque.

130 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

A ordem sacerdotal de Melquisedeque foi muito impor­ tante, para que Cristo dela participasse. Contudo, ao longo das Sagradas Escrituras e da História pouco se falou desta figura enigmática que aparece em citações tópicas em Gênesis, Salmos e Hebreus (Gn 14.18-20; Sl 110.4; Hb 5.6,10; 6.20; 7.1,10,11,15,17,21). Com exceção de Melquisedeque, os sa­ cerdotes terrenos enfrentavam a morte; assim terminava sua função sacerdotal. Eles, portanto, não tinham a capacidade de transmitir vida; eram, por assim dizer, apenas figuras e símbo­ los daquEle que pode transmitir vida, e “vida com abundân­ cia” (Jo 10.10). Deste, sim, pode-se testificar: “Tu és sacerdo­ te eternamente”. Em várias passagens das Escrituras nos é dito que Cristo seria um sacerdote eterno e não temporário. Isso indica claramente que a extensão maior de seu sacerdócio era divina, e não humana. Portanto, na sua morte não houve ne­ nhuma mudança de comportamento em seu sacerdócio, pois Ele permaneceu o mesmo, não sofrendo nenhuma mudança, a não ser a glorificação de seu corpo, de mortal para a imortali­ dade perene. 18

Porque o precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade Na Edição Claretiana: “Ave-Maria” (1987), lê-se este texto e o seguinte, assim: “Com isto, está abolida a antiga legislação, por causa de sua ineficácia e inutilidade. Pois a lei nada levou à perfeição. Apenas foi portadora de uma espe­ rança melhor que nos leva a Deus”. Tal declaração traz o sentido de “anular”, “suprimir”, “revogar”. A Lei, em seu escopo geral, mandava fazer; mas nem sempre ensinava como

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Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

fazer. Pode-se dizer que o que faltava à Lei era a administra­ ção do Espírito Santo; mas Cristo nos trouxe essa adminis­ tração. Isso faz a diferença vital entre o primeiro e o segun­ do pactos. Por conseguinte, "... o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” (Rm 10.4). A Lei, portanto, foi satisfeita em Cristo, e nEle encontramos aquilo que a Lei não pode conseguir: "... o aperfeiçoamento dos santos”, con­ forme o poder de Cristo o faz milagrosamente na vida da­ quele que nasce de novo e passa a observar cuidadosamente o ensino que vem da sua Palavra.

V Um Sacerdócio Perfeito 19

(pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou), e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus.

A vontade divina revelada na Lei era o aperfeiçoamento do povo escolhido, para que seguisse em qualquer tempo ou lugar o caminho da santidade que a própria Lei havia estabe­ lecido. Então, ela lançou princípios, ensinou rudimentos, deu impulsos iniciais, prefigurando a vontade de Deus em cada detalhe de seus mandamentos e normas. Mas nada disso levou à perfeição, já que por si mesma a Lei não provia esta perfei­ ção. ‘‘Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhan­ ça da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na cerne [de Cristo]” (Rm 8.3). Tal perfeição aspirada pelo ho­ mem e desejada por Deus só poderia ser encontrada em Cris-

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

to e por meio dEle, atingindo assim a unidade da fé, crescen­ do “em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.12-15). 20

E, visto como não é sem prestar juramento (porque certamente aqueles, sem juramento, foram feitos sacerdotes, A escolha de Arão foi de fato uma escolha divina. Deus escolheu Arão para ocupar o lugar de sumo sacerdote numa nova ordem criada por Ele, visto que já existia uma outra: a de Melquisedeque. Mas com o passar dos séculos, a sucessão de sacerdotes tornou-se mais uma necessidade do que uma esco­ lha. Por esta razão alguns foram escolhidos até mesmo fora da vontade divina, apenas porque, diante da necessidade, ou por morte, ou por doença, velhice, renuncia ou por insubordina­ ção daquele sacerdote que ocupava o cargo, outro era indicado para o seu lugar (cf. I Rs 2.26,27,35). Em nenhum desses casos era necessário um juramento, mas apenas uma indica­ ção. Já em relação a Cristo, seu ofício sacerdotal foi indicado por Deus por meio de um juramento, visto que se tratava de um sacerdote eterno, e não terreno. 21

mas este, com juramento, por aquele que lhe disse: Jurou o Senhor e não se arrependerá: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque.); Os sacerdotes ordinários da família de Arão eram cons­ tituídos segundo os dispositivos da Lei, mas Cristo per­ tence a uma outra ordem — a de Melquisedeque —, uma

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Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

ordem de sacerdotes eternos, cuja nomeação é feita por meio de um juramento. Ao que parece, este juramento di­ vino foi feito apenas em duas ocasiões: um para ordenar Melquisedeque e o outro para nomear a Cristo. No versículo 28 do capítulo em foco é confirmado “... a palavra do ju­ ramento, que veio depois da lei”, por meio do qual “... constitui ao Filho, perfeito para sempre” como Sumo Sa­ cerdote eterno. O juramento aqui em foco, de que Cristo seria um sacerdote eternamente, partiu dos lábios do pró­ prio Deus, o que indica o caráter irrevogável desta função do Filho de Deus no tocante ao sacerdócio. Esta glória sacerdotal concedida a Cristo pelo Pai foi também transferida por Jesus para seus servos (Ap 1.6). 22

de tanto melhor concerto Jesus foi feito fiador.

O conceito gnóstico acerca de Cristo era de que Ele era apenas uma criatura elevada entre outras criaturas; mas as Es­ crituras, em seu escopo geral, apresentam o Filho de Deus como sendo uma das pessoas da Santíssima Trindade, igual ao Pai e ao Espírito Santo em essência, poder e glória. Em seu ofício, Ele serve de garantia divina, por ser “fiador” de um melhor concerto. Ele é ao mesmo tempo a garantia de Deus perante os homens e a garantia dos homens perante Deus, e, por conseguinte, cumpre-se as palavras de Paulo, quando diz: “Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem” (I Tm 2.5). Procurar media­ dores ou medianeiras como intermediários no plano da re­ denção jamais levará o homem a lugar algum no tocante à redenção de sua alma, pois somente Cristo é nossa redenção;

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

fora de seu sacrifício qualquer outro sacrifício não tem valida­ de alguma (cf. I Co 1.30; Hb 8.6).

VI. Um Sacerdócio Eterno 23

E, na verdade, aqueles foram feitos sacerdotes em grande número, porque, pela morte, foram impedidos de permanecer,

Conforme já tivemos ocasião de expor anteriormente, os sacerdotes levíticos foram feitos sacerdotes em grande nú­ mero e divididos por turnos. Em I Crônicas 24, temos 24 turnos de sacerdotes que foram organizados por Davi; dezesseis deles foram tomados dos filhos de Eleazar e oito dos filhos de Itamar. Tal necessidade de tantos sacerdotes se dava em função da necessidade de substituição, pela morte ou por um outro motivo que impedia este ou aquele sacer­ dote de continuar exercendo sua função. Muitas vezes algu­ mas dessas sucessões eram mais políticas do que propria­ mente religiosas e, concomitantemente, com aprovação divi­ na. Contudo, por ser Cristo um sacerdote eterno, não há esta necessidade, pois sua ordem não requer substituto, visto ser Ele um sacerdote eterno. 24 mas este, porque permanece eternamente, tem um

sacerdócio perpétuo.

O sacerdócio de Cristo é eterno, porque é exercido por alguém cuja natureza divina tem como um de seus atributos a imortalidade. Assim, o tipo de imutabilidade representado pelo

135 Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

sacerdócio de Cristo, segundo o pensamento que é depreendido do contexto, deve incluir o conceito de intransmissibilidade. Nenhuma mudança será encontrada em Cristo e nem em seu sacerdócio. Durante a era milenial, “... os sacerdotes levitas, que são da semente de Zadoque” voltarão a oferecer alguns sacrifícios e exercerão algumas funções como anteriormente, na antiga aliança. Estas ofertas terão um caráter retrospectivo, olhando para trás, para a cruz, pois as ofertas antigas eram prospectivas, olhando para adiante, para a cruz. As primeiras apontavam para sua morte — as do Milênio também aponta­ rão para lá, mas apenas para rememorar a morte de Cristo, e não para tirar o pecado de alguém (Ez 43.19-27). 25

Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Existe um provérbio popular que diz: “Por qualquer cami­ nho se chega a Deus”. Mas isso não é verdade. Para se chegar à imediata presença de Deus só existe “um caminho”, que é nos­ so Senhor Jesus Cristo — fora dEle qualquer via de acesso ou caminho conduz à perdição (Mt 7.13). O próprio Jesus se apre­ sentou aos homens como sendo este caminho que pode condu­ zir a pessoa humana à presença de Deus, quando disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Ele sim, “pode... salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus...” Isso é possível por meio de Jesus Cristo, porque Ele nasceu com o título de Salvador. Assim fa­ lou o anjo do Senhor quando anunciava seu nascimento: “Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que

136 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

será para todo o povo, pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.10,11). 26

Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores efeito mais sublime do que os céus,

Os sacerdotes levíticos não podiam ser portadores de qual­ quer defeito físico. Deviam ser, portanto, um tipo de beleza. As qualidades requeridas por Deus foram declaradas em Levítico 21.16-21: “Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Fala a Arão, dizendo: Ninguém da tua semente, nas suas gerações, em quem houver alguma falta, se chegará a oferecer o pão do seu Deus. Pois nenhum homem em quem houver alguma deformidade se chegará: como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membros demasiadamente compridos, ou homem que tiver o pé quebrado, ou quebrada a mão, ou corcovado, ou anão, ou que tiver belida no olho, ou sarna, ou impigens, ou que tiver testículo quebrado. Nenhum homem da semente de Arão, o sacerdote, em quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do Senhor; falta nele há; não se chegará para oferecer o pão do seu Deus”. Contudo, dificilmen­ te estes sacerdotes traziam em seus corações a perfeição absolu­ ta, interior, que se podia encontrar em Cristo. Ele era e é: “san­ to, inocente, imaculado, separado dos pecadores” e acima de tudo, “sem pecado” (Hb 4.15). 27

que não necessitasse, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente, por seus

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Melquisedeque e o Sacerdócio de Cristo

próprios pecados e, depois; pelos do povo; porque isso fez ele, uma vez; oferecendo-se a si mesmo. É evidente que o sumo sacerdote na antiga dispensação não oferecia sacrifício todos os dias, pois o duplo sacrifício por si mesmo e pelo povo era oferecido somente uma vez por ano no Dia da Expiação. Mas os sacerdotes ordinários ofere­ ciam sacrifícios contínuos por si mesmos e por aqueles que pecavam; eles ofereciam diariamente dois carneiros pelo povo. Segundo Filo, nesse caso, os cordeiros eram oferecidos pelo povo, ao passo que a oferta de farinha de trigo era em favor do próprio sacerdote oficiante (Nm 28.1-8). Mas Cristo, nosso Sumo Sacerdote eterno, substituiu esta oferta contínua pelo seu próprio sacrifício, “... oferendo-se a si mesmo” uma única vez (Hb 9.28). Efésios 4.10 fala do sacrifício completo de Cristo, quando o apóstolo Paulo diz: “... subiu acima de to­ dos os céus, para cumprir todas as coisas”. Isto significa que sua imensidade e seu poder devem ser reconhecidos por todos tanto na esfera humana como na celestial. Esta é a confirma­ ção das palavras de Pedro: “... havendo-se-lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências” (I Pe 3.22). 28

Porque a lei constituí sumos sacerdotes a homens fracos, mas a palavra do juramento, que vejo depois da lei, constitui ao Filho, perfeito para sempre. O juramento que aqui está em foco foi feito pelo próprio Deus Pai. Ele jurou na presença de seu Filho, e talvez na pre­ sença dos elevados poderes angelicais, que Jesus seria um sa­ cerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque (SI 110.4).

Os sacerdotes ordinários impediam que Deus fizesse um jura­ mento para suas nomeações, visto serem homens fracos e mortais. Deus até pensou em fazer isso a princípio, mas de­ pois afastou de si tal pensamento ao ver o fracasso de Eli e seus filhos. Então Ele disse: “Na verdade, tinha dito eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de mim perpetu­ amente; porém, agora, diz o Senhor: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram honrarei, porém os que me des­ prezam serão envilecidos” (I Sm 2.30). Devido a estas fra­ quezas e inconstâncias dos sacerdotes levíticos foi necessário, portanto, que Deus constituísse a seu "... Filho, perfeito para sempre”.

1 JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus — Antiguidades Judai­ cas, Livro Primeiro, CPAD, Rio de Janeiro, 1990, pp. 56, 57.

O Novo Concerto

I. As Atribuições do Sacerdote no Antigo Concerto 1

Ora, a suma do que temos dito é que temos um sumo sacerdote tal, que está assentado nos céus à destra do trono da Majestade; Aqui o escritor sagrado exalta a Cristo acima de todos os seres. Ele está assentado à destra da mão de Deus, que significava para os povos anti­ gos à “destra do poder”, onde um príncipe herdei­ ro passava a exercer sua autoridade monárquica sob os auspícios do pai ou de uma autoridade tutelar (cf. 2 Rs II; 12). As Escrituras mencionam vários elementos doutrinários a respeito das mãos de Deus; como em I Reis 22.19, onde ambas as mãos

140 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

são mencionadas. Mas de maneira especifica, a sua mão direi­ ta é que mais está em foco. Para os gregos, estar assentado ao lado direito de alguém, significava estar ao lado do poder, pen­ samento este que passou também a figurar posteriormente no pensamento cristão (Mc 16.19; Hb 1.3, etc.). Nenhuma ou­ tra autoridade, terrena ou celeste, está presentemente assenta­ da ali! Mas o nosso Sumo Sacerdote ali está assentado ao lado do Pai, com toda a honra e glória a Ele dedicada! ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fundou, e não o homem. 2

Os sacerdotes terrenos haviam sido agraciados por Deus com uma grande honra, a de serem ministros do santuário ter­ restre — originalmente erigido no deserto e depois transferido para o templo construído por Salomão. Mas a honra de ser ministro do santuário celestial, no Reino eterno de Deus, so­ mente foi conferida a nosso Senhor Jesus Cristo. Moisés foi comissionado por Deus para construir o Tabernáculo no deser­ to, quando recebeu de Deus o modelo de cada peça e a orienta­ ção divina acerca de cada detalhe. Deus ainda lhe advertiu di­ zendo: “Atenta, pois, que o faças conforme o seü modelo, que te foi mostrado no monte” (Êx 25.40). Nele, Arão e seus filhos foram ministros. Porém, este não era o verdadeiro Tabernáculo que estava nos céus, cujo arquiteto foi Deus, e não o homem. Nele, somente Jesus teve o privilégio de entrar e nele ministrar! Porque todo sumo sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios; pelo que era necessário que este também tivesse alguma coisa que oferecer.

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0 Novo Concerto

O sumo sacerdote da linhagem de Arão tinha de ser um homem competente para manter seu povo no centro da vonta­ de de Deus. Por isso vemos que “a iniqüidade do santuário” era posta sobre ele (Nm I8.I). Era, portanto, necessário que o sumo sacerdote e os sacerdotes inferiores oferecessem “dons [ofertas] e sacrifícios” todos os dias — por si mesmos e pelos outros. Assim Cristo morreu por todos nós. Ele sempre está à mão direita do Pai intercedendo por nós; junto com o valor de um sacrifício infinito, temos uma poderosa mão que nos sus­ tenta. Em paga dos sacrifícios os sacerdotes levitas recebiam tributos. Cristo também recebe todos os dias os tributos de louvor, honra e adoração que a Ele são oferecidos. Quando lemos as palavras do Senhor na oração do Pai Nosso, observa­ mos que Ele nos ensinou que devemos a cada dia renovar nossa comunhão e nossa vida espiritual com Deus, quando o Mestre diz: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12). Isso indica que devemos es­ tar a cada dia aos seus santos pés confessando nossas dívidas e desfrutando do seu perdão; mas nada disso envolve animais e outras oferendas que eram mencionadas no antigo pacto.

II. O Ministério Sacerdotal de Cristo Ora, se ele estivesse na terra, nem tampouco sacerdote seria, havendo ainda sacerdotes que oferecem dons segundo a lei, 4

Durante sua vida terrena, nosso Senhor Jesus Cristo apre­ sentou-se ao povo sob muitos títulos, mas nunca como sa­ cerdote. A razão para tal omissão foi que, ainda que como um

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque, Ele veio para cumprir a Lei. E até a sua morte esta ainda estava em vigor, e os sacerdotes da linhagem de Arão continuavam ofe­ recendo sacrifícios no templo todos os dias. Estes sacrifícios por eles oferecidos representavam o próprio Cristo que ainda estava vivo — vivendo entre os homens. Contudo, o estabeleci­ mento pleno do sacerdócio eterno de Cristo em favor do ho­ mem deu-se depois de sua morte, sendo a sua vida o sacrifício feito em favor dos homens perante Deus (Rm 8.34). 5

os quais servem de exemplar e sombra das coisas celestiais; como Moisés divinamente foi avisado, estando já para acabar o tabernáculo; porque foi dito: Olha, faze tudo conforme o modelo que; no monte, se te mostrou.

O sacerdócio levítico tinha um tabernáculo construído no deserto, no qual se ofereciam os sacrifícios ordenados sob o antigo concerto. Nosso Sumo Sacerdote tinha um corpo imaculado: “o verdadeiro tabernáculo”, fundado não por Moisés, mas pelo próprio Senhor (v. 2). Ele cumpriu todas as figuras do Antigo Testamento. Era maior (em valor) e mais perfeito (para seu fim) do que o antigo. Não foi feito por mãos (como fora o primeiro) nem foi “desta criação”, pois foi especialmente preparado por Deus (9.11). Em Cristo e por meio dEle o sacrifício supremo da sua morte como oferenda a Deus, em favor dos homens, foi perfeito. Na antiga aliança, o animal tomado para sacrifício era rigorosamente examinado, para que se verificasse se o mesmo era ou não portador de algum defeito, mancha ou ruga. Mas era impossí-

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vel que aquela perícia detectasse uma pequena enfermidade interna naquele animal. Seria possível que, sem uma interven­ ção divina que capacitasse a comissão examinadora com um discernimento divino, aquela pequena doença interna passas­ se despercebida. Mas Cristo era e é perfeito em qualquer área da existência: exterior e interiormente. Ele é Deus! 6

Mas agora alcançou ele ministério tanto mais excelente quanto é mediador de um melhor concerto, que está confirmado em melhores promessas. O ministério exercido pelo sumo sacerdote levítico era sem dúvida um ministério excelente. Mas o ministério de Cristo é mais excelente, pois Ele é Mediador "... de um melhor concer­ to, que está confirmado em melhores promessas”. Aquele sumo sacerdote da linhagem de Arão não podia continuar seu minis­ tério sacerdotal depois de sua morte; mas aquEle Sumo Sacer­ dote que fora levantado por Deus por meio de um juramento continua exercendo seu sacerdócio eterno sob o novo concerto, cuja duração ultrapassará o hoje do tempo e entrará no amanhã da eternidade. Tudo em Cristo é atual e perfeito. NEle e por Ele o ser humano encontra a razão de seu viver. Por este motivo Ele nos garantiu uma vida cheia de sua plenitude, dizendo: “O la­ drão não vem senão a roubar, a matar e a destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância” (Jo 10.10).

III. Eis que Estabelecerei um Novo Concerto 7

Porque, se aquele primeiro fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para o segundo.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

De acordo com o Dr. C. I. Scofield, uma “dispensação” é um período de tempo em que o homem é experimentado em relação à sua obediência a alguma revelação especial da vonta­ de tanto permissiva como diretiva de Deus. Os teólogos dispensacionais ensinam que existem sete dispensações: Ia: A da inocência; 2a: A da consciência; 3a: A do governo humano; 4a: A da promessa (patriarcal); 5a: A da Lei; 6a: A da graça; 7a: A da plenitude dos tempos (Reino). As Escrituras também nos informam que Deus esta­ beleceu 8 pactos, ou alianças, com os homens. São elas: (I) Edênica; (2) Adâmica; (3) Noélica; (4) Abraâmica; (5) Lei; (6) Palestiniana; (7) com Davi e (8) a Nova Aliança, que foi selada com o sangue de Cristo. Esta última é um legado da graça divina e entrou em vigor com a morte de Cristo (cf. Mt 26.28; I Pe 1.4). Todas as alianças foram de alguma forma repreensíveis por causa da fraqueza humana. Mas o pacto feito por Deus e selado com a morte de seu Filho é eterno e irrepreensível em si mesmo e em sua for­ ma de aplicação! Porque; repreendendo-os, lhes diz: Pis que virão dias, diz o Senhor, em que com a casa de Israel e com a casa de Judá estabelecerei um novo concerto, 8

Para que tenhamos uma melhor compreensão deste novo concerto prometido por Deus a Israel, convém que atente­ mos para a frase: “repreendendo-os, lhes diz”, que relembra alguns dos vaticínios do profeta Jeremias. As profecias de Jeremias podem ser divididas em três grupos, sendo o tercei­ ro desses grupos também subdivido em três partes, a saber:

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0 Novo Concerto

Os capítulos 21—25, que falam contra os pastores do povo; os capítulos 26—29, que falam contra os falsos profetas; e os capítulos 30 e 31, que falam da restauração do povo por meio de um novo concerto. Aqui surge a promessa do novo concerto, dizendo: “Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei um concerto novo com a casa de Israel e com a casa de Judá” (Jr 31-31). E nos versículos 32-34 são estabelecidas as normais deste concerto. 9

não segundo o concerto que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; como não permaneceram naquele meu concerto, eu para eles não atentei, diz o Senhor. A continuação de Jeremias 31.32 dá a idéia de como seria este novo concerto do Senhor. “Não conforme o con­ certo que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles invalida­ ram o meu concerto, apesar de eu os haver desposado, diz o Senhor”. Deus tirou Israel do Egito, mostrando-lhes muitos milagres e prodígios; então firmou um pacto com eles. Mas tal concerto se alicerçava sobre a Lei, escrita em tábuas de pedra e contendo ameaças àqueles que não cumprissem este pacto. O novo concerto de Deus com Israel repousaria ago­ ra sobre condições espirituais que seriam mescladas com a misericórdia divina, tendo como mediador não mais Moisés, mas o próprio Filho de Deus. Neste novo concerto não há distinção entre “... grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3.11).

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

IV A Lei como Confirmação do Novo Concerto 10

Porque este é o concerto que, depois daqueles dias, farei com a casa de Israel, diz o Senhor: porei as minhas leis no seu entendimento e em seu coração as escreverei; e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo. A Lei foi primeiramente dada a Israel como sendo a “lei oral”. Depois, Moisés recebeu de Deus a “lei escrita”. A lei oral foi gravada na mente do povo eleito, mas ao que parece não desceu ao seu coração. “Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim e, com a boca e com os lábios, me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de ho­ mens, em que foi instruído” (Is 29.13; Mt 15.8). A Lei escri­ ta, quando lida, relembrava ao povo o seu dever para com o Senhor, Deus de Israel. Porém, o novo concerto por Deus prometido trazia uma nova metodologia indutiva para cada coração. “Mas este é o concerto que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o Senhor: porei a minha lei no seu interior e a escreverei no seu coração...” (Jr 31.33). 71

E não ensinará cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior. O escritor sagrado continua aqui descrevendo o princí­ pio de formação desta grande promessa do Senhor para com Israel, quando Deus se prontifica a ensinar Ele próprio ao seu povo, conforme descreve o profeta: “E não ensinará al-

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0 Novo Concerto

guém mais a seu próximo, nem alguém, a seu irmão, dizen­ do: Conhecei ao Senhor; porque todos me conhecerão, des­ de o menor deles até ao maior, diz o Senhor...” (Jr 31.34a). Este dever de cada judeu em particular e de cada cristão em geral, de conhecer ao Senhor, primeiramente foi ensinado por Jesus, tendo prosseguimento no ministério do Espírito Santo (Jo 14.26; 17.3). Os fiéis atualmente recebem em seus corações uma espécie de “unção especial”, como aquela que recebiam os sacerdotes, profetas e reis no Antigo Testamen­ to, para ministrarem perante o Senhor, chamada de “a un­ ção do Santo” (I Jo 2.20). Esta capacita cada crente a enten­ der “... qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Ela é descrita assim: “E a unção que vós recebestes dele fica em vós, e não tendes necessidades de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas as coisas, e é verda­ deira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim nele permanecereis” (I Jo 2.27, ênfase do autor). 12

Porque serei misericordioso para com suas iniqüidades e de seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais.

Uma das cláusulas do novo concerto falava do perdão divino que Deus daria ao seu povo. O trecho final da grande profecia de Jeremias 31.31-34 afirmava isso, conforme está escrito: "... porque perdoarei a sua maldade e nunca mais me lembrarei dos seus pecados” (Jr 31.34b). A promessa de Deus, aqui profetizada por Jeremias, tinha um alcance muito vasto. Ela começava com o povo de Israel e se estenderia também a cada salvo da dispensação da graça. Isto significa que ela era

148 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

oferecida às velhas e às novas criaturas de ambos os períodos que envolvem o antigo e o novo concerto. “O perdão dos pecados é a condição básica. Enquanto os pecados não fo­ rem perdoados, a lei não poderá ser impressa em nossas mentes e em nossos corações. Enquanto os pecados não fo­ rem perdoados, não poderemos receber o conhecimento de Deus. Enquanto os pecados não forem perdoados, não po­ derá haver qualquer ‘nova criação’. Assim, o perdão dos pe­ cados é uma das melhores promessas sobre a qual repousa a nova aliança”. Dizendo novo concerto, envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tomado velho e se envelhece perto está de acabar. 13

O novo e o velho aqui se referem primeiramente ao anti­ go concerto recebido por Moisés e entregue ao povo hebreu como forma de observação. Enquanto o novo se refere à Nova Aliança que Deus oferece à humanidade por meio de Jesus Cristo. Assim, “a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo I.17). Por esta razão o ensino de Cristo durante seu ministério terreno podia ser admirado como sendo, de fato, uma “nova doutrina” (Mc 1.27). Assim, a va­ lidade expiatória do antigo pacto feito com Israel terminava com a morte de Cristo, que através de seu sangue inaugurara uma Nova Aliança, que serviria tanto para Israel como para todo aquele que nEle cresse e o aceitasse como Salvador. Doravante Ele tornou-se: “... a propiciação pelos nossos peca­ dos e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (I Jo 2.2). Desta forma, o antigo concerto perdeu a

sua validade expiatória, e o novo concerto, feito por meio da morte de Cristo, assume uma nova posição que jamais será invalidada.

O Tabernáculo

I. O Tabernáculo e a Igreja 1

Ora, também o primeiro tinha ordenanças de culto divino e um santuário terrestre. Em termos gerais, o autor sagrado faz diver­ sas menções nesta epístola a dois santuários: um terreno (o Tabernáculo feito no deserto) e o outro celestial. Outrossim, nos apresenta também duas linhas de sumos sacerdotes: uma terrena — ainda que com escolha celestial (a de Arão) — e a outra eterna (a de Melquisedeque e a de Cristo). Josefo diz que: “Quanto á parte interna do Tabernáculo, sua extensão era dividida em três partes, de dez côvados cada uma e por dez côvados de fundo...

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Esta divisão do Tabernáculo em três partes era a figura do mundo. A do meio era como o Céu onde Deus habita e as outras que estavam abertas só para os sacrificadores, represen­ tavam o mar e a terra...”1 No Tabernáculo original e depois, no templo construído por Salomão, não era permitida a en­ trada de mulheres e gentios, havendo lugares separados onde adoravam. Os judeus do sexo masculino podiam entrar no Lugar Santo para adoração, mas no Santo dos Santos somen­ te o sumo sacerdote podia entrar, e apenas uma vez no ano.

II. Os Utensílios Sagrados 2

Porque um tabernáculo estava preparado, o primeiro, em que havia o candeeiro, e a mesa, e os pães da proposição; ao que se chama o Santuário. Para que o leitor tenha maior compreensão sobre o signi­ ficado de cada peça ou utensílio do Tabernáculo, é necessário dizer que cada parte deste tinha em Cristo e em sua Igreja uma significação especial. Neste versículo, são citadas três coisas importantes: o candeeiro, a mesa e os pães da proposição. Io - O candeeiro. Este é chamado também de “o candela­ bro” e de “castiçal”. No Lugar Santo do templo havia um único castiçal com sete braços, que eram ligados por uma só peça — o pedestal. Israel, mesmo dividido geograficamente em 12 tribos, era ao mesmo tempo unido por um só pedestal — a Lei do Senhor. Na Nova Aliança, Jesus revelou a João que os castiçais representavam as igrejas, que mesmo sendo divididas e organizadas em unidades locais, eram ao mesmo tempo uni­ das por um só pedestal — Cristo (Ap 1.12,20).

153

0 Tabernáculo

2° - A mesa. A mesa estendida representava toda a expan­ são do Reino de Deus, fornecendo o “pão da vida”, que é Cristo. Primeiro, alimentando sua Igreja, e depois o mundo faminto (Mt 8.11; Jo 6.48-51). 3° - Os pães da proposição. O termo “pão da proposi­ ção” tem sido também traduzido como “pão da face” ou “pão exibido” (Ex 25.30), e ainda, seguindo a preposição “pro”, pode também significar “aquilo que jaz adiante”. Alguns têm opinado que no templo de Salomão havia 10 mesas com 12 pães expostos, de acordo com as 12 tribos dos filhos de Israel. Contudo, no Tabernáculo original havia somente uma mesa. Este pão representava a Cristo: o pão da vida. O “moer do trigo” simboliza os sofrimentos de Cristo até a morte. Como “pão exibido” podemos depreender que se trata de sua humanização.

III. O Véu e o Legalismo Judaico 3 Mas, depois do segundo véu, estava o tabernáculo que se chama o Santo dos Santos,

Este véu vem citado em Êxodo 26.31-33. Ali, Deus or­ denou a Moisés dizendo: “Pendurarás o véu debaixo dos col­ chetes e meterás a arca do Testemunho ali dentro do véu; e este véu vos fará separação entre o santuário e o lugar santíssimo” (v. 33). As citações rabínicas dizem que o véu tinha a espessura da mão de um homem, com 74 fios retorci­ dos, cada um deles feito de 24 fios entretecidos. Tinha mais de 30 metros de comprimento e dezoito metros de largura. A finalidade espiritual que este véu traduzia foi abolida com a

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

morte de Cristo. Uma vez que Ele fora rasgado quando Jesus expirou na cruz, sem dúvida alguma foi costurado e tornou a ser usado por quase 40 anos até a destruição de Jerusalém, no ano 70 d.C. Alguns afirmam que o véu rasgado (costurado depois) passou a representar o legalismo judaico apresentado na Epístola aos Galatas, quando se queria misturar ali ao mes­ mo tempo a Lei e a graça.

IV Os Demais Utensílios 4

que tinha o incensário de ouro e a arca do concerto, coberta de ouro toda em redor, em que estava um vaso de ouro, que continha o maná, e a vara de Arão, que tinha florescido, e as tábuas do concerto;

Neste versículo, seis itens são apresentados, a saber: Io - O incensário. Existe aqui uma pequena divergência entre os comentaristas quanto ao que está aqui em foco, se o “incensário” ou o “altar de ouro”. Existiam dois altares: um de cobre (Êx 27.1,2) e o outro de ouro (Ex 30.1-3), sendo este último chamado de “o altar do incenso”. Deve, ser, por­ tanto, o “altar do incenso”, o que é mencionado aqui neste versículo, pois o mesmo era usado anualmente no Dia da Expiação pelo sumo sacerdote, que trazia consigo um incensário especial feito de ouro (Ex 30.10). 2° - A Arca. A Arca, feita de madeira de cetim, era revestida de ouro por dentro e por fora. Ela tipificava a Cristo e suas duas naturezas: a divina e a humana. Sua tampa era chamada de “propiciatório”, que era uma figura de Cristo crucificado, o ponto de encontro entre Deus e o homem (2 Co 5.18,19).

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0 Tabernáculo

Em suas extremidades havia figuras de querubins de ouro, que falavam da misericórdia de Deus para com Israel e, por exten­ são, para com o mundo inteiro. 3o - Um vaso de ouro. Quando foi feito o Tabernáculo com seus utensílios, este vaso de ouro não nos foi revelado. Mas aqui, o autor sagrado faz esta grande revelação desta urna de ouro que continha o maná. O maná provido por Deus no deserto — mas que não era do deserto — represen­ ta a Cristo — que estava no mundo — mas que não era do mundo. Este se encontrava num vaso de ouro, que repre­ senta o crente fiel que guarda em seu coração a Cristo e sua Palavra (SI 119.11). 4o - O maná. O episódio da provisão do maná começa assim: “E, alçando-se o orvalho caído, eis que sobre a face do deserto estava uma coisa miúda, redonda, miúda como a gea­ da sobre a terra. E, vendo-a os filhos de Israel, disseram uns aos outros: Que é isto? [ou, Man hu?]” (Ex 16.14,15) O maná, mesmo tendo caído no deserto, era “pão do céu”. Seu sabor não era terrestre; era uma figura de Cristo na sua humilhação aqui no mundo, o verdadeiro pão do céu (Jo 6.32). O trigo era da terra; seu sabor era do lugar onde se encontrava. Era uma figura de Cristo, que mesmo sendo Deus, nasceu na Pa­ lestina e ali foi exaltado por Deus. 5o - A vara de Arão. “A vara de Arão que floresceu tipifica a Cristo, em sua ressurreição, pelo supremo poder de Deus, elevando-o como sumo sacerdote... 12 varas foram postas ali, mas somente uma floresceu — a de Arão. Assim também todos os criadores de religiões do mundo morreram, e Cristo entre eles. Mas Cristo ressuscitou dentre os mortos, tendo sido exal­ tado como sumo sacerdote eterno”.2 A

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

6o As tábuas do concerto. Eram duas e continham os Dez Mandamentos. O Dr. Scroggie faz um resumo aqui, di­ zendo: “O pátio continha a tenda; a tenda continha o Santíssimo; o Santíssimo continha a Arca, a Arca continha a Lei, e a Lei era a vontade revelada de Deus, da qual Cristo era a personificação e a expressão”. 3

e sobre a arca os querubins da glória, que faziam sombra no propiciatório; das quais coisas não falaremos agora particularmente. A palavra “querubim” vem do verbo querub, que signifi­ ca “guardar”, “cobrir” e “celestial”. Estes seres aparecem pela primeira vez junto do portão oriental do Jardim do Éden, depois que o homem foi expulso. Aparecem novamente como protetores, embora em figuras de ouro, sobre a tampa da Arca da Aliança, onde Deus se comprazia em habitar. Entre os profetas, somente Ezequiel menciona a palavra. Aqui no texto em foco eles aparecem como “... os querubins da gló­ ria”, título este que não lhes é dado no Antigo Testamento, sendo empregado numa descrição do Santo dos Santos. So­ bre o propiciatório (a tampa da Arca), eram contemplados dois querubins de ouro que, por expressa ordem de Deus, foram postos ali. Era este o lugar (o propiciatório) o ponto de encontro entre Deus e o homem: “... ali virei a ti e falarei contigo de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins” (Êx 25.22). Os querubins ali postos eram uma figura de Cristo crucificado, o ponto de encontro entre Deus e o homem (Jo 12.32,33; 2 Co 5.19).

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0 Tabernáculo

V Os Sacrifícios 1. No Lugar Santo 6 Ora, estando estas coisas assim preparadas, a todo o tempo entravam os sacerdotes no primeiro tabernáculo, cumprindo os serviços; O povo eleito de Deus tinha como uma de suas institui­ ções a queima contínua de ofertas. Pela manhã, era feito o sacrifício de um cordeiro, com certa quantidade de cereais. A noite, o mesmo sacrifício se repetia. Nessas oportunidades tam­ bém havia uma oferta sob a forma de libação de pequena quan­ tidade de vinho (Êx 29.38-42; Nm 28.3-8). Em 2 Crônicas 13.11 se observa que alguns outros elementos sacrificiais fo­ ram acrescentados ao serviço do templo. Porém, todas estas ofertas com suas apresentações formais eram realizadas pelos sacerdotes ordinários, da linhagem de Arão. Estes tinham per­ missão para adentrar apenas no primeiro santuário, não po­ dendo, portanto, ministrar no Santo dos Santos, pois neste lugar somente era permitida a entrada do sumo sacerdote es­ colhido por Deus e reconhecido pelo povo (cf. Hb 5.4). 2. No Santo dos Santos 7 mas, no segundo, só o sumo sacerdote, uma vez no ano, não sem sangue, que oferecia por si mesmo e pelas culpas do povo; O Santo dos Santos vem citado em (9.3). Em hebraico, Kodessh há Kodashim; era a porção mais sagrada do Tabernáculo e do templo. No Tabernáculo original, construído no deserto, o Santo dos Santos ficava localizado no fim do ambiente fe-

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

chado, penetrando na área do Lugar Santo. Cmco colunas for­ mavam a entrada, e perante elas ficava o véu. O santuário mais interno, o Santo dos Santos, tinha cerca de 18 metros de lado, e era quadrado. Atualmente, o Santo dos Santos, preservado no Domo da Rocha, construído na esplanada do Templo, fica abaixo do piso do Santuário (mesquita) e é arredondado. No Santo dos Santos só era permitida a entrada do sumo sacer­ dote uma vez por ano, quando era oferecido o sacrifício anual (Ex 30.10). Atualmente, qualquer pessoa, especialmente tu­ ristas em visita à Terra Santa, tem acesso ao lugar onde, segun­ do os árabes e judeus, ficava o Santo dos Santos. ‘s dando nisto a entender o Espirito Santo que ainda o caminho do Santuário não estava descoberto, enquanto se conservava em pé o primeiro tabernáculo,

No início deste argumento sobre o Tabernáculo, lembramos aos leitores que este com seus utensílios apontava para Cristo e para toda a sua obra. E, aqui, o Espírito Santo nos dá a entender que o véu que fazia divisão do Lugar Santo com o Lugar Santíssimo impedia aos homens de chegarem até esta parte interior do San­ tuário terrestre. Em Êxodo 25.22 nos é dito que no interior do véu Deus vinha falar com Moisés, do meio dos dois querubins. Isto significa que com a morte de Cristo o véu foi rasgado, e doravante o homem, por meio dEle, pode chegar à imediata pre­ sença de Deus. Não no antigo santuário terrestre, mas no verda­ deiro santuário celestial, que é o céu. O “caminho do santuário”, que aqui está em foco, aponta para o santuário celeste e não me­ ramente para o terrestre. E com a morte de Cristo, este caminho foi inaugurado e consagrado pelo seu precioso sangue (10.19,20).

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0 Tabernáculo

VI. Cristo: O Único Caminho 9

que é uma alegoria para o tempo presente, em que se oferecem dons e sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que faz o serviço, Com a morte de Cristo, qualquer oferta ou sacrifício pelo pecado perdeu sua validade, visto que todos eles eram apenas figuras que apontavam para uma outra realidade: Cristo e sua morte expiatória. Doravante, somente o sangue de Cristo tornou-se o sacrifício eficaz e capaz de purificar a consciência daquele que de Deus se aproxima, como também para aperfei­ çoar a pessoa humana no caminho da santificação. Fora disso, tudo não passa de “uma alegoria” (parábola), pois a morte do Filho de Deus já marcou o fim do antigo pacto e deu iníçio a uma Nova Aliança — a da dispensação da graça, em que o homem é justificado mediante a fé e a graça de Deus (Ef 2.8,9). Todas as premissas para se obter a vida eterna exigidas na Nova Aliança substituíram todas aquelas que foram insti­ tuídas durante o período da Lei. As da Lei tiveram um perío­ do transitório, que terminaria com a morte de Cristo. A partir daí, tudo é por Cristo e por meio da sua graça. 10

consistindo somente em manjares, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção. Alguns eruditos traduzem esta frase como “até ao tem­ po da restauração”, ou “até ao tempo da emenda”. O senti­ do da palavra “correção” indicava para os gregos “endireitar

160 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

coisas”, mediante alguma modificação. Em Atos 3.19-21, o apóstolo Pedro, quando discursava na porta do templo cha­ mada Formosa, parece ligar os tempos da restauração de to­ das as coisas com o estabelecimento do reino milenial. En­ tão ele diz: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham, assim, os tem­ pos do refrigério pela presença do Senhor. E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado, o qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio”. Evidentemente, aqui no versículo em foco o autor sagrado apontava também para este tempo do fim, quando tudo passará por uma reforma considerável pela pre­ sença gloriosa de Cristo. Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernácvlo, não Jeito por mãos, isto é, não desta criação, 11

Já tivemos a oportunidade de falar anteriormente sobre a pessoa e o título de sumo sacerdote em ambos os Testamen­ tos. E, para que o leitor tenha maior compreensão a respeito deste assunto, analisemos quais pessoas foram agraciadas com tal posto e título. • • • • •

Arão (Ed 7.5); Abiatar (Mc 2.26); Jeoiada (2 Rs 12.9,10); Hilquias (2 Rs 22.8); Azarias (2 Cr 31.10);

161 0 Tabernáculo

• • • • • • •

Amarias (2 Cr 19. II); Eliasibe (Ne 3.1); Josué (Zc 3.1); Anás (Lc 3.2); Caifás (Mt 26.57); Ananias (At 23.2); Jesus (Hb 5.10).

Os rabinos conservam em seus escritos uma lista de su­ mos sacerdotes desde 350 a.C., cobrindo mais ou menos o período do cativeiro até o ano 70 d.C. No quadro abaixo estão relacionados seus nomes e respectivos períodos de sacerdócio. Nome Jadua

Período 350-320 a.C.

Onias I

320-290

Simão I

290-275

Eleazar

275-260

Manassés

260-245

Onias II

245-220

Simão II (o Justo)

220-198

Onias III

198-174

Jasom

I74-I7I

Menelau

I7I-I6I

Alcimo

I61-159

Nenhum sumo sacerdote em Jerusalém 159-152

162 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Jônatas Simão

152-142 (142-140) 140-135

João Hircano

135-104

Aristóbulo I

104-103

Alexandre Janeu

103-76

Hircano II

76-67

Aristóbulo II

67-63

Hircano II

63-40

Antígono

40-37

Hananel

37-36

Aristóbulo III

36

Hananel

36-30

Jesua, filho de Fabes

30-23

Simão, filho de Boeto

23-05

Matias, filho deTeófilo José, filho de Ellem Joazar, filho de Boeto Eleazar, filho de Boeto Jesua, filho de See Joazar, filho de Boeto Anás, filho de Sete Ismael, filho de Fiabi I

5 5-4 4 4-3 3 a.C.-6 d.C. 6 6-15 15-16

163

0 Tabernáculo

Eleazar, filho de Anás

16-17

Simão, filho de Kami

17-18

José Caifás

18-36

Jônatas, filho de Anás

36-37

Teófilo, filho de Anás

37-41

Simão Canteras, filho de Boeto

41-42

Matias, filho de Anás

42-43

Elioenai, filho de Canteras

43-44

José, filho de Kami

44-47

Ananias, filho de Nebedaios

47-58

Ismael, filho de Fiabi II

58-60

José Kabi

60-62

Ananus, filho de Ananus

62

Jesus, filho de Dameus

62-63

Jesua, filho de Gamaliel

63-65

Matias, filho de Teófilo

65-67

Finéias de Habta

67-70

Alguns deles nunca foram chamados pelo título de “sumo sacerdote”. Entre os que são mencionados nas Escrituras, en­ contramos: Eleazar (Nm 26.3); Eli e seus filhos (I Sm 1.3); Aías (I Sm 14.3); Aimeleque (I Sm 21.9), Sofonias (Jr 21.1, etc.). Usava-se também apelativos para se referir ao sumo sa­ cerdote, como: “primeiro sacerdote” (2 Rs 25.18); “o segun-

164 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

do sacerdote” (I Rs 25.18). Em I Crônicas 6, salvo algumas exceções, parece que se refere a uma “genealogia sacerdotal”. Neemias 12.1-26 parece trazer o mesmo sentido. O título de sumo sacerdote aparece também aplicado a Jesus, como sendo “o sumo sacerdote da nossa confissão” (Hb 3.1) e no texto em foco, como “... o sumo sacerdote dos bens futuros”. 12

nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção. A redenção efetuada por Cristo tem uma dimensão eter­ na e um infinito alcance; assim, tudo que se relaciona com a nossa redenção, que se iniciou no dia em que todos nós nos tornamos participantes da nova natureza de Cristo, tem tam­ bém duração eterna. Por esta razão, diz Paulo: “... nós mes­ mos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23). A redenção, assim, tem um aspecto escatológico, referindo-se àquela redenção plena que ocorre­ rá por ocasião do arrebatamento da Igreja, a saber, “ . . . a redenção do nosso corpo”. Portanto, no momento da salva­ ção, recebemos a “redenção de nossas almas” (G1 3.13); no arrebatamento, porém, receberemos a “redenção do nosso corpo” (Lc 21.28; Rm 8.23). 13

Porque, se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha esparzida sobre os imundos, os santificam, quanto à purificação da carne,

165

0 Tabernáculo

O sacrifício de uma novilha vermelha em favor de alguém que tinha sido contaminado por um morto ou alguma outra coisa imunda aos olhos de Deus encontra-se mencionado em Números 19.1-22. Sobre o assunto, comenta o Dr. Goodman: “A novilha foi sacrificada somente uma vez, e as suas cinzas foram guardadas para uso futuro. Assim, Cristo morreu uma vez, para nunca mais morrer. Seu sacrifício, ‘um sacrifício pe­ los pecados’ (Hb 10.10-14), santificou o seu povo uma vez para sempre, e os aperfeiçoou. Se eles se contaminam nova­ mente pelo contato com coisas mortas, não é necessário que Cristo morra outra vez, nem que sejam remidos novamente. Uma vez arrependidos, banhados, são de todo purificados (Jo 13.10) e necessitam apenas da lavagem dos pés. Assim as cin­ zas da novilha são um símbolo do único e perfeito sacrifício. O ‘espargir’ (v. 18) da água com cinzas simboliza a fé que aplica ao coração a memória da morte expiatória, e que reco­ nhece a sua continuada eficácia. Precisa-se da ‘água da purifi­ cação’ (v. 9), isto é, da Palavra de Deus aplicada ao coração, e da obediência que resulta em renunciar as coisas iníquas... As cinzas da novilha não eram para quem pecou atrevidamente, como fez Corá e os que com ele estavam, mas para aqueles que inconscientemente contraíram alguma contaminação (v. 11). A imundícia não é menos imunda quando é inevitável ou inconsciente. Cada um nas suas ocupações diárias tem conta­ tos que sujam. O meio de purificação para nós se encontra em Cristo, mas precisa ser apropriado e aplicado (vv. 11,12)”.

VII Cristo: O Único Mediador 14

quanto mais o sangue de Cristo que, pelo Espirito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus,

166

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

purificará a vossa servirdes ao Deus vivo?

consciência

das

obras

mortas,

para

A idéia de um purgatório onde, através do sofrimento, as almas serão submetidas a uma purificação, não encontra resso­ nância nas Escrituras Sagradas. O termo “purgatório” vem do latim purgare, que significa “purificar”. Para o catolicismo roma­ no, o purgatório é um lugar ou condição da alma onde aqueles que morrem na graça de Deus podem expiar seus pecados veni­ ais, que foram perdoados. As orações oferecidas em favor dos mortos e as missas rezadas em benefício deles são consideradas meios importantes nessa expiação. Gregório, o Grande (540-606 d.C.), destacou-se como sistematizador desta doutrina, pois a idéia já existia no pensamento dos gregos e de uma ala judaica do período pós-exílio, talvez baseados em passagens de livros consi­ derados apócrifos. Além de oração em favor dos mortos, estes pensadores ensinavam uma restauração universal (apocatástasis), abrindo caminho para a purificação de todos os indivíduos como parte necessária do processo restaurador. Aqui, porém, no texto em foco, “o sangue de Cristo” é que tem o poder de purificar os nossos pecados. Na Bíblia, a palavra “sangue” aparece 449 vezes, 97 das quais no Novo Testamento, e destas 22 vezes na Epístola aos Hebreus. Em todas elas, mesmo quando se refere ao sangue dos animais, são tomadas para dignificar e exaltar o sangue de Jesus como garantia da redenção da pessoa humana. 15

E,

por isso, é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna.

167

OTabernáculo

Quando Paulo escrevia sua Primeira Epístola a Timóteo, ele lembrou aos seus leitores que no plano da redenção, "... há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem” (I Tm 2.5). Para os gnósticos, os diversos “aeons” eram “pequenos deuses” em suas respectivas esferas de influência; eram mediadores do verdadeiro Deus e serviam para abrir o caminho até Ele. Entretanto, o Novo Testamento nos mostra em todos os seus livros que somente Cristo é o nosso Mediador para com o Pai. Sua mediação continua viva e per­ manente. Por meio dEle entramos na posse eterna de seu Reino celestial (Jo 14.6; Rm 5.2; 8.34). Quem procurar entrar no céu por outro meio, que não através de Jesus Cristo, estará procu­ rando em vão outra porta, ao que o Senhor nos adverte: Aquele que “... sobe por outra parte, é ladrão e salteador” (Jo 10.1). 16

Porque, onde há testamento, necessário é que intervenha a morte do testador. Os rabinos costumavam dizer que para que um testamento tivesse validade, era preciso que se observasse alguns critérios: 1. Um testador; 2. Herdeiros; 3. Bens herdados; 4. A morte do testador; 5. As circunstâncias da morte do testador; 6. As testemunhas de sua morte. O novo concerto efetuado por Cristo por meio de sua morte reúne em si todos estes requisitos. No versículo em

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

foco, o testamento, cuja autenticidade foi selada com a mor­ te do testador, é para garantia de uma herança eterna. Nele estão registradas todas as provas infalíveis de sua veracidade. Cristo é o nosso testador, e nós, “... sendo justificados pela sua graça, [somos] feitos herdeiros segundo a esperança da vida eterna” (Tt 3.7). Os bens herdados pertenciam a Cris­ to, mas nós nos tornamos “... herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8.17). Sua morte é atestada pelas Escri­ turas: “Cristo morreu por nosso pecados, segundo as Escri­ turas” (I Co 15.3). As circunstâncias da sua morte são para o povo de Israel e para toda a humanidade um fato notório. Ele morreu por todos. As testemunhas foram os seus discí­ pulos, como afirmou o próprio Jesus: “E destas coisas sois vós testemunhas” (Lc 24.48). 17

Porque um testamento tem força onde houve morte; ou terá ele algum valor enquanto o testador vive? É importante observarmos que o Antigo e o Novo Tes­ tamento somente foram concluídos quando já haviam morrido todos os seus escritores. Deuteronômio encerra a morte de Moisés, em 34.5; o mesmo aconteceu com Josué — sua morte é registrada em 24.29. Com os outros escritores não foi diferente; todos morreram antes que seus escritos fossem concluídos. No Novo Testamento, o último livro a ser escrito foi o Apocalipse, em cerca de 96 d.C. Mas sua conclusão final, quando este foi vertido para os papiros e aprovada sua canonização, somente se deu muitos anos de­ pois da morte do apóstolo João. O mesmo também se deu

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0 Tabernáculo

com os outros escritores dos evangelhos, de Atos e das epís­ tolas. Isso mostra a autenticidade das Escrituras que, num escopo geral, encerra a morte de seus testadores. Mas ambos os Testamentos somente foram selados com a morte de Cristo, o verdadeiro Testador.

VIII O Sangue do Cordeiro e os Sacrifícios Cruentos IS

Pelo que também o primeiro não foi consagrado sem sangue; No Antigo Testamento, a palavra “sangue” vem do termo hebraico dam, e aparece 362 vezes, das quais 103 se referem aos sacrifícios cruentos (sacrifícios com sangue). Em três pas­ sagens do Antigo Testamento o sangue é ligado diretamente ao princípio da vida (Gn 9.4; Dt 12.23). Em outras passagens das Escrituras, quando aparece a palavra “sangue”, o sentido geral está em ligação com a vida e a expiação. Em Levítico isso é deixado bem claro, como escreve o seu autor: “Porque a alma da carne está no sangue, pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o san­ gue que fará expiação pela alma” (Lv I7.11). No Novo Testa­ mento esta palavra aparece 97 vezes, porém sua ênfase princi­ pal recaía sobre a morte de Cristo. Quando seu sangue é men­ cionado, apresenta através dEle o valor imensurável da sua morte expiatória, que é comparada com toda a extensão do novo pac­ to chamado de “... o sangue do Novo Testamento, que é derra­ mado por muitos, para remissão dos pecados” (Mt 26.28). 19 porque; havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os mandamentos segundo a lei, tomou o sangue

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

dos bezerros e âos bodes, com água, lã purpúrea e bissopo, e aspergiu tanto o mesmo livro como todo o povo, O autor sagrado, nesta passagem, diz que além do sangue dos bezerros e dos bodes, Moisés usou mais quatro outros elementos nesta aspersão: água, lã purpúrea e hissopo. Alguns comentaristas têm encontrado dificuldades em determinar exatamente de que texto do Antigo Testamento é extraída esta narrativa. Visto que a passagem de Êxodo 24 fala da aspersão do altar e do povo, mas não da aspersão do livro, embora este seja também ali mencionado, conforme está escrito: “E Moisés tomou a metade do sangue e a pôs em bacias; e a outra metade do sangue aspergiu sobre o altar. E tomou o livro do concerto e o leu ao ouvidos do povo, e eles disseram: Tudo o que o Senhor tem falado faremos e obedeceremos. Então, tomou Moisés aquele sangue, e espargiu-o sobre o povo, e disse: Eis aqui o sangue do concerto que o Senhor tem feito convosco sobre todas estas palavras” (vv. 6-8, ênfase do autor). No entanto, não se faz menção da aspersão do livro ali — porém aqui isso é revelado, visto que as Escrituras são proféticas e perfeitamente coerentes entre si em cada detalhe (cf. Jo 21.25). 20

dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado.

Toda esta passagem, do texto ao contexto, procura mostrar o valor que o sangue representava para Deus com relação à re­ denção do seu povo. Em seguida, o autor sagrado passa a de­ monstrar o valor sublime que tem “... o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus...”

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OTabernáculo

Quando Moisés espargiu o sangue sobre o povo, disse estas pa­ lavras: “Eis aqui o sangue do concerto que o Senhor tem feito convosco sobre todas estas palavras” (Êx 24.8). Tais palavras de Moisés estão em sintonia com as palavras de Jesus na noite em que foi traído, quando disse: “Isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que por muitos é derramado” (Mc 14.24). Em outras palavras, Cristo estava dizendo que aquele sangue era a “entrega de sua vida”, derramando sua alma na morte, e atra­ vés dela, consumando o antigo pacto e doravante selando uma Nova Aliança, na qual a graça de Deus justificaria todo aquele que cresse na morte de seu Filho e nEle confiasse (Jo 3.16). E semelhantemente aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os vasos do ministério. 21

Na aspersão feita no Tabernáculo e em seus utensílios, também foi usado por expressa ordem de Deus o azeite santo, mas aqui este é omitido, visto que o autor sagrado tem como primazia o valor imensurável do sangue de Cristo. A profusa expiação no antigo pacto visava demonstrar que tudo quanto é tocado pelo homem precisa de purificação. Porém, isso tam­ bém indicava que aqueles vasos sagrados eram purificados para servirem exclusivamente no serviço do Tabernáculo do Senhor. Tal purificação hoje somente é possível pelo sangue de Jesus. Seu sangue tanto purifica como santifica, o que torna um vaso ainda mais precioso para uso santo do Senhor (cf. I Jo 1.7; 3.3). Usando de alegoria nesta linha de pensamento, disse Paulo: “De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor e preparado para toda boa obra” (2Tm 2.21).

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

22

E quase todas as coisas; segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão. O autor sagrado emprega aqui uma força de expressão, procurando com ela enfatizar mais uma vez o valor e o signi­ ficado que tinha o sangue em relação aos sacrifícios. Os sa­ crifícios, cuja relação estava diretamente ligada à expiação pelo pecado e à remissão do mesmo, quase sempre eram sacrifícios cruentos — quer dizer, sacrifícios com sangue. A exceção, que aparece em Levítico 5.11, era devido à pobreza do ofertante, mas mesmo assim era um “substituto” para os sacrifícios de sangue, conforme está escrito: “Porém, se a sua mão não al­ cançar duas rolas ou dois pombinhos, então, aquele que pe­ cou trará pela sua oferta a décima parte de um efa de flor de farinha, para expiação do pecado; não deitará sobre ela azeite, nem lhe porá em cima o incenso, porquanto é expiação do pecado”. Fora disso, qualquer sacrifício pelo perdão dos peca­ dos envolvia vida e sangue, pois sem a presença destes, especi­ almente do último (o sangue), "... não há remissão”.

IX. As Figuras das Coisas que Estão no Céu 23

De sorte que era bem necessário que as figuras das coisas que estão no céu assim se purificassem; mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios melhores do que estes. Os judeus tinham uma concepção de que as coisas terrenas tinham seu paralelo nos céus (Hb 8.5; 9.23, o texto em foco). Assim, o Tabernáculo, cujo modelo Deus mostrara a Moisés e

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0 Tabernáculo

fora construído no deserto, era uma cópia do Tabernáculo celestial (9.11), o mesmo acontecendo com a Arca e todos os outros utensílios ligados ao Tabernáculo. Em Apocalipse 1 1.19 são descritos no céu tanto a Arca do Concerto como o tem­ plo. “E abriu-se no céu o templo de Deus, e a arca do seu concerto foi vista no seu templo...” A dificuldade aqui é quan­ do se fala das coisas que devem ser purificadas no céu. Mas a morte de Cristo, além da redenção humana, tinha como obje­ tivo consolidar a paz que fora arruinada com a revolta de Sa­ tanás, como afirma Paulo: “... havendo por ele [Cristo] feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse con­ sigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus” (Cl 1.20). Contudo, no texto em foco, quem deve ser purificado são “as figuras” das coisas que estão no céu, e não as coisas que “estão” no céu. Isto é, são coisas que estão aqui na terra — embora sejam figuras, ou cópias, daquelas que se encontram no céu. 24

Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer, por nós, perante a face de Deus;

Após consumar sua obra redentora, Cristo subiu aos céus e assentou-se à mão direita de Deus. Ali, junto ao Pai, Ele continua seu ministério de intercessão em favor dos pecadores e em favor dos santos. Isto torna bastante gratificante para nós saber que nosso Salvador está a nos defender perante o Pai, conforme está escrito: “... e pelos transgressores intercedeu” (Is 53.12).

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

“E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito; e é ele que segundo Deus intercede pelos santos” (Rm 8.27). “Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu ou, antes, quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Rm 8.34). Estas passagens e outras similares confirmam as diversas orações que foram feitas por Cristo ao Pai, em favor de seus discípulos e também por nós e todos os santos de todos os tempos (cf. Lc 22.32; Jo 17.20). nem também para a si mesmo se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no Santuário com sangue alheio. 25

Na antiga aliança, qualquer sacrifício oferecido pelo peca­ do de alguém tinha validade somente para cada ato isolado. Por esta razão era necessário que a cada manhã e a cada tarde se oferecesse novamente o mesmo sacrifício. Mas aqui, o escritor sagrado passa a demonstrar o valor supremo do sacrifício de Cristo. Ele, pelo Espírito eterno, ofereceu a si mesmo imaculado a Deus. Não é necessário que Cristo morra cada dia, como acontecia com os animais que eram oferecidos pelos sacerdotes. Sua morte, de uma vez por todas, tornou-se eficaz para justifi­ car a pessoa humana, em qualquer tempo ou lugar. De modo que “... ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (I Jo 2.2).

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0 Tabernáculo

X. A Consumação dos Séculos 26

Doutra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo; mas, agora, na consumação dos séculos, uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo.

A vinda de nosso Senhor Jesus Cristo a este mundo mar­ cava duas coisas importantes: Quanto ao tempo, ela marcava o início de uma época e a consumação de uma outra. A era do Evangelho é vista como a última de uma série, que completa o curso e os siclos da história da humanidade, pelo que é deno­ minada “a consumação dos séculos”. Essa consumação visa tanto o tempo como o propósito. Por esta razão o Novo Tes­ tamento usa muitas vezes expressões que indicam, por exten­ são, a época do Evangelho e a consumação de todas as cosias: “o fim do mundo” (Mt 13.39); “a consumação deste mun­ do” (Mt 13.40); “a consumação dos séculos” (Mt 13.49); “os últimos tempos” (I Tm 4.1); “os últimos dias” (2 Tm 3.1); “o fim de todas as coisas” (I Pe 4.7, etc.). Todas estas frases e outras com sentido escatológico apontam claramente para o tempo do fim, quando todos os tempos e profecias da Bíblia terão o seu real cumprimento. 27

E, como aos homens vez, vindo, depois disso, o juízo,

está

ordenado

morrerem

uma

Esta frase se aplica aos homens que vivem sem Deus, pois é mencionado nas Escrituras que Deus abriu exceções quanto à morte dos santos. Enoque foi trasladado para não ver a morte

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

(Gn 5.24; 11.5), o mesmo também aconteceu com Elias (2 Rs 2. II). Algo semelhante acontecerá no dia do arrebatamento da Igreja, quando os mortos serão ressuscitados e os vivos transfor­ mados pelo poder de Deus, e ambos serão arrebatados por Cris­ to e levados aos céus (I Ts 4.15-17). Mas aos outros homens está “ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo”. O espiritismo, defendendo a idéia errônea da reencarnação, apre­ senta um ciclo infinito de nascimento, morte e renascimento, que tem como função levar o homem a atingir a condição de espírito puro e perfeito. Mas aqui fica demonstrado que ao ho­ mem está ordenado morrer uma vez e depois seguir para o jul­ gamento, que se dará diante do Grande Trono Branco. 28

assim também Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação.

Existem algumas opiniões que defendem a possibilidade de salvação para a pessoa humana, isto é, para alguém que morreu sem Cristo ou que se encontra mergulhado no pecado, para de­ pois do dia do arrebatamento. Mas aqui nos é dito que Cristo “... aparecerá [voltará] segunda vez, sem pecado”. Isto é, sem expiação, como o fez quando veio e se humanizou. As Escrituras afirmam que “o Filho do Homem tem na terra [não diz no céu ou no inferno] poder para perdoar pecados” (Mc 2.10, ênfase do autor). A humanidade de Cristo tinha como alvo primordial a salvação dos homens. Daí o motivo de alguém parafrasear e dizer em sentido poético: “Para que o humano se tornasse divi­ no, foi necessário que o divino se tornasse humano”. A primeira vinda de nosso Senhor, quando Ele se humanizou, teve como

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0 Tabernáculo

finalidade expiar o pecado do homem. Ele morreu para este fim. Contudo, quando voltar para buscar “os que o esperam para a salvação” e também quando de sua parousia, Ele não virá com missão de expiação, e sim, de julgamento. E melhor aguardar a Cristo, que em breve voltará, do que permanecer desapercebido!

1

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus — Antiguidades Judai­ cas, Livro Terceiro, CPAD, Rio de Janeiro, 1992, p. 95. 2

SCOFIELD, C. I., Scofield Reference Bible.

Sacrifícios e Ofertas

I. Cristo como Expiação do Pecado 7

Porque, tendo a lei a sombra dos bens futuros e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam. Alguém já fez uma definição curiosa no tocan­ te à função da Lei até que Cristo viesse, dizendo: • • • • •

O pecado deforma; A filosofia reforma; A religião conforma; A Lei informa; Cristo transforma.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Paulo, escrevendo aos gálatas, diz: “De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé, fôssemos justificados” (G1 3.24). A função do aio no mundo antigo era conduzir o aluno até a sala de aula e ali entregá-lo ao pedagogo. Em alguns casos, o aio também era um pedagogo, mas em outros, ele era o condutor que conduzia o aluno até a presença daquele. Assim, a Lei não são os bens futuros, pois estes eram administrados por Cristo. Mas ela nos serviu de sombra destes bens futuros, e através de seu conjunto de orde­ nanças, informações e profecias que revelavam a vontade divi­ na, nos conduziu até Cristo (o verdadeiro pedagogo). Assim, Cristo significa para nós o fim de um período e o começo de um outro. “Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” (Rm 10.4). 2

Doutra maneira, teriam deixado de se oferecer, porque, purificados uma vez os ministrantes, nunca mais teriam consciência de pecado. O escritor sagrado, aqui neste texto, mostra-nos que os sacrifícios que eram oferecidos a cada dia na antiga aliança, mesmo que cobrissem o pecado, não tinham a eficácia e o valor do sacrifício expiatório de Cristo. A repetição de sa­ crifícios mostra-nos que os adoradores não tinham a cons­ ciência de que os seus pecados tinham sido expiados defini­ tivamente. Porém, aqueles que crêem em Cristo e confes­ sam os seus pecados, levados por um arrependimento pro­ duzido em seus corações pelo Espírito Santo, alcançam de Deus o perdão — sentindo-o como alívio da alma na própria consciência. Assim, os seus corações não mais os condenam

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Sacrifícios e Ofertas

e eles passam a ter confiança em Deus, conforme é declara­ do pelo apóstolo João: “Amados, se o nosso coração nos não condena, temos confiança para com Deus; e qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, porque guarda­ mos os seus mandamentos e fazemos o que é agradável à sua vista” (I Jo 3.21,22). 3 Nesses sacrifícios, porém, cada ano, se faz comemoração dos pecados,

A Lei sempre lembrava o pecado, porém Cristo sempre lembra o perdão dos pecados. É a primeira lembrança que vem à mente daquele que com Cristo se encontra. “Eis o Cor­ deiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). A cada ano em Israel havia a comemoração dos pecados no Dia da Expiação, quando o sumo sacerdote fazia expiação por si mesmo e pelo pecado do povo. Assim, a Lei assumia um as­ pecto negativo, segundo o qual é vista como agente condenatório, que revela ao homem o seu pecado e o seu sub­ seqüente julgamento (Rm 7.7). Isto não acontece na condi­ ção revelada no Evangelho da graça de Deus. Ele não só per­ doa o pecado, mas ainda justifica o homem do seu pecado, dizendo: “E jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniqüidades” (Hb 10.17). Esta grande declaração de Deus proferida pelo profeta Jeremias nos traz o consolo e a confian­ ça nas promessas de Deus a respeito do nosso perdão. 4

porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire pecados.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Parece haver uma pequena contradição entre o texto em foco e o que está escrito em 9.13,14, nesta epístola. Mas em suma, não se trata de contradição, e sim, da continuação do argumento iniciado ali e confirmado aqui. Ali diz que “... se o sangue de touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santificam, quanto à purificação da car­ ne, quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras mortas...” O que o autor quer mostrar aqui é que os sacrifícios dos animais não eram instrumentos de uma expiação vicária, mas apenas a exibição da necessidade da mesma. Isto sugere ao povo eleito a firme esperança de uma redenção vindoura, segundo a promessa de Deus, que seria o próprio Cristo, que não apenas efetuou a redenção, mas Ele mesmo “... foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (I Co 1.30).

II. O Corpo de Cristo: O Perfeito Sacrifício 3

Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste;

Esta expressão aponta para o corpo humano de Jesus Cristo, que foi preparado por Deus no ventre da virgem (Lc 1.31,35). Ainda que o original hebraico queira dar aqui um outro sentido, dizendo que em lugar de “corpo me preparaste”, deve-se ler: “os meus ouvidos abriste”, isto é, para eu ouvir e obedecer aos teus mandamentos (SI 40.68). Contudo, o sentido coloquial no texto em foco é a hu­ manidade de Jesus Cristo. O próprio Cristo também se

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Sacrifícios e Ofertas

comparou a um templo quando os judeus lhe pediram um sinal quanto a sua autoridade. Então Ele disse: “Derribai este templo, e em três dias o levantarei. Disseram, pois, os judeus: Em quarenta e seis anos, foi edificado este templo, e tu o levantarás em três dias? Mas ele falava do templo do seu corpo” (Jo 2.19-21), pois como homem, Cristo era tríplice e compunha-se de corpo, alma e espírito. Ele mes­ mo fala dessa tríplice constituição, quando diz: “o meu corpo” (Mt 26.12); “a minha alma” (Mt 26.38); “o meu espírito” (Lc 23.46). Foi, portanto, este corpo que foi ofe­ recido a Deus como sacrifício propiciatório pelos santos e pela humanidade (I Jo 2.1,2). 6

holocaustos e oblações pelo pecado não te agradaram.

Holocaustos eram as ofertas queimadas, o que simboli­ zava a Cristo oferecendo-se sem mácula a Deus (Hb 9.14) em seu desejo de fazer a vontade do Pai, mesmo até a morte. Tem valor expiatório, porque o cristão nem sempre tem tido esse prazer de fazer a vontade de Deus; tem valor de substituição, porque Cristo morreu em lugar do pecador. Os animais acei­ táveis para sacrifícios são cinco, sobre os quais o Dr. C. I. Scofield faz o seguinte comentário: 1º— O novilho, ou boi, simboliza o Servo paciente (I Co 9.9,10; Hb 12.2,3), obediente até a morte (Is 52.13-15; Fp 2.5-8). A oferta neste caráter é como substituto, visto que o ofertante não tem sido obediente assim. 2o — A ovelha simboliza a Cristo submisso, mesmo nessa fase da morte sobre a cruz (Is 53.7; At 8.32-35).

184 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

3o — A cabra simboliza o pecador (Mt 25.33), e quando empregada em sacrifício, simboliza a Cristo “contado com os transgressores” (Is 53.12; Lc 23.33), e “feito pecado” e “mal­ dição” (2 Co 5.21; G1 3.13), como substituto do pecador. 4° e 5o — Rolas ou pombinhos são símbolos de tristeza e inocência (Is 38.14: 59.11; Mt 23.37; Hb 7.26). Associ­ ados com a pobreza em Levítico 5.7, falam de quem por amor de nós se fez pobre (Lc 9.58) e cujo caminho de po­ breza começou com sua sujeição em deixar “a forma de Deus” e terminou com o sacrifício pelo qual fomos enri­ quecidos (2 Co 8.9; Fp 2.6-8). 7

Então, disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade. Foi bastante pertinente a aplicação dessa parte do Salmo 40 a Jesus, o que sumaria perfeitamente sua vida e sua obra. Ninguém pode entendê-lo sem perceber que sua devoção à vontade de Deus era a sua própria alma. Até mesmo como um menino de doze anos de idade, ao ser questionado por seus pais, que por três dias o procuravam, Ele disse: “Não sabíeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” (Lc 2.49) Ele enfrentou as tentações que sofreu no deserto, uma após a outra, afirmando sua total aderência à vontade divina. “A mi­ nha comida [aquilo que satisfaz a minha fome] consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34). Cristo teve uma atitude extraordinária. O que quer que dissesse, onde quer que tenha ido, movimentava-se com calma, confiança e força. Tudo quanto havia nEle participava

185 Sacrifícios e Ofertas

de suas palavras e de seus feitos, e o segredo era sua completa devoção aos propósitos do Pai. Até mesmo no último confli­ to, no jardim do Getsêmani e na cruz, quando parece ter sido assolado por dúvidas, de uma coisa Ele nunca duvidou: que a vontade de Deus era boa e que a seguiria até o fim. 8

Como acima diz: Sacrifício, e oferta, e holocaustos, e oblações pelo pecado não quiseste, nem te agradaram (os quais se oferecem segundo a lei). As “oblações” eram tipos de ofertas, constantes de bolos de trigo sem fermento, sobre os quais eram colocados azeite e incenso (cf. Lv 2.4-16). Havia também outros tipos de “oblações” (ofertas incruentas), descritas em Levítico 2. Antes mesmo de Cristo vir ao mundo, o Antigo Testamento mostrava que a verdadeira vontade de Deus não era se deleitar em sacrifí­ cios de animais, e sim, em corações santificados, dominados exclusivamente pelo seu temor. Ao advertir os israelitas, Samuel disse: “Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios como em que se obedeça à palavra do Senhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros” (I Sm 15.22). E o salmista conclui, dizendo: “Porque te não comprazes em sacrifícios, se­ não eu os daria; tu não te deleitas em holocaustos. Os sacrifíci­ os para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (SI 51.16,17). 9

Então, disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade. Tira o primeiro, para estabelecer o segundo.

186 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

O Salmo 40, já comentado no versículo 7 deste capítulo, apresenta o Messias prometido como um servo fiel a Deus, dis­ posto a fazer em tudo a sua vontade. “Sacrifício e oferta não quiseste; os meus ouvidos abriste; holocausto e expiação pelo pecado não reclamaste. Então disse: Eis aqui venho; no rolo do livro está escrito de mim: Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração” (SI 40.68). O ato de furar a orelha de um escravo — o que era sinal visível de que aquele escravo se decidira por ficar voluntariamente sob o domínio de seu senhor, apesar de poder ser posto em liberda­ de — era uma decisão tomada mais por amor do que pelo dever (Êx 21.5,6). Tal quadro mostra em alegoria a total disponibili­ dade de Cristo, oferecendo-se para fazer a vontade do Pai. Ele foi “... obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.8). 10

Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez. A santificação faz parte integral da vontade divina na vida cristã. “Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação: que vos abstenhais da prostituição” (I Ts 4.3). A conclusão triunfante que a vontade divina apresenta quanto à santificação cristã foi cumprida na oferta do corpo de Cristo. É mediante o que Ele sofreu em seu corpo, e não devido a sacrifícios de animais, que somos santificados; porque somente o sangue daquEle “que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados” pode nos levar ao nível de santificação progressiva até a perfeição desta por Deus exigida, conforme lemos em Apocalipse 22.11, que diz: “Quem é injusto faça injustiça

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Sacrifícios e Ofertas

ainda; e quem está sujo suje-se ainda; e quem é justo faça jus­ tiça ainda; e quem é santo seja santificado ainda”. 11

E assim todo sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; Antes da inauguração do sacerdócio oficial, cujos princi­ pais representantes foram Arão e seus filhos, cada chefe da casa representava sua família na adoração a Deus. Somente um sacerdote é mencionado antes disso na Bíblia. Trata-se de Melquisedeque, que era rei de Salérm e sacerdote do Deus Altíssimo (Gn 14.18-20). Quando foi celebrada a Páscoa no Egito, cada chefe de família assumiu a responsabilidade da casa perante Deus. O filho primogênito de cada família israelita passara a pertencer a Deus por direito e por resgate (Ex 13.1,2). Contudo, no episódio que envolveu o povo elei­ to com o bezerro de ouro, o Senhor escolheu a tribo de Levi como substituto do filho mais velho de cada família israelita (Nm 3.5-13; 8.17,18). Porém, na Nova Aliança selada por Cristo, o direito sacerdotal passou como direito adquirido para todos os filhos de Deus (Ap 1.6).

III. O Senhorio de Cristo 12

mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus, Já tivemos a oportunidade de abordar o valor sublime do sacrifício de Cristo. Ele seria o cumprimento perfeito e ideal

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

daqueles que foram instituídos na antiga aliança. Todos eles, sem exceção, eram apenas “sombras” de um sacrifício perfei­ to, eterno e permanente, pois como tal, apontavam para Cris­ to e para sua morte na cruz. Qualquer outra direção que os homens sigam procurando a salvação de suas almas não tem validade alguma, pois somente Cristo é “o caminho” que con­ duz à vida eterna. É nEle, portanto, que encontramos “... o arrependimento e a remissão dos pecados” (cf. Lc 24.47). Ele “... está assentado para sempre à destra de Deus”. Pode-se compreender esta declaração como vinculado ao ato de sacri­ fício único de Cristo. Este sacrifício tem um valor eterno, pelo que também não precisa ser repetido. 13

daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés. Em I Coríntios 15.25,26, ao falar sobre o senhorio de Cristo, Paulo diz: “Porque convém que reine até que haja pos­ to a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte”. Nós sabemos que Deus quer e pode destruir todo o mal e removê-lo para sempre do universo, mas Ele determinou um tempo quando isso irá acontecer. Por esta razão Cristo está assentado à direi­ ta de Deus, esperando o tempo que Ele determinou para a destruição das hostes do mal. No Armagedom, de acordo com os ensinamentos das Escrituras, será destruído o poder gentílico mundial, representado (pelo menos em tese) pelos governantes humanos. Depois disso, a consolidação de todas as forças do mal, juntamente com seus agentes, serão aniquilados por Deus no ardente lago de fogo e enxofre (Ap 19.20; 20.9,10,15).

189 Sacrifícios e Ofertas

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Porque, com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados. A medida certa da estatura de Cristo somente será atingi­ da pelos cristãos mediante o caminho da perfeição e da santificação. Quando lá chegarmos, seremos semelhantes ao Senhor. Os santos já são parecidos com Cristo e devem se esforçar para atingir sua estatura que, sem dúvida, é o modelo para todos nós (Ef 4.12-15). Ninguém pode crescer, espiri­ tualmente falando, fora da graça de Deus; por esta razão Pedro nos exorta, dizendo: “... crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 3.18). Somente estando na graça de nosso Senhor Jesus os santos crescerão em todas as dimensões de suas vidas, como acontecia nos dias da Igreja Primitiva. Ali, “[crescia] o número dos discípulos” (At 6.1), “crescia a palavra de Deus” (At 6.7), “e todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar” (At 2.47). No entanto, para os crentes atuais, o padrão continua o mesmo e a exortação é esta: “... cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15). 15

E também o Espírito Santo no-lo testifica, porque, depois de haver dito: Inúmeras referências bíblicas marcam a presença do Espí­ rito Santo no período do Antigo Testamento, descrevendo-o como membro ativo da Divindade e participante de decisões somente a ela inerentes. Em várias manifestações e demonstra­ ções de poder, tanto no universo físico como no espiritual, sua presença é sentida e revelada. Ora repreendendo, ora testificando,

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

como nos é dito aqui no texto em foco. Ele é, portanto, o Espírito eterno (Hb 9.14). E onipresente (SI 139.7-10), oni­ potente (Lc 1.35) e onisciente (I Co 2.10). A Ele se atribuem obras divinas: Tomou parte na criação (Gn 1.2); produz novas criaturas para Jesus (Jo 3.5); ressuscitou a Jesus Cristo dentre os mortos (Rm 1.4; 8.11). Negar a existência e as operações miraculosas do Espírito Santo no homem e no universo, é ne­ gar por extensão a Deus e a nosso Senhor Jesus Cristo.

IV Jamais me Lembrarei de seus Pecados 16

Este é o concerto que farei com eles depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei as minhas leis em seu coração e as escreverei em seus entendimentos, acrescenta: Esta citação do escritor sagrado já foi comentada em Hebreus 8.10, quando o Senhor, falando a respeito de Israel e sua restauração, diz: “... porei as minhas leis no seu entendimen­ to e em seu coração as escreverei”. Estas palavras do Senhor, proferidas pelo profeta Jeremias, apontavam para um tempo posterior, pois perdão incondicional antes da morte de Cristo não era cogitado em hipótese alguma. Qualquer pecado tinha o seu preço — e para muitos deles o preço era a morte (cf. Ez 18.4; Rm 6.23). No tempo presente, alguns judeus já contam com este favor da parte de Deus, mas outros não. Isto é, que Cristo é realmente o Filho de Deus, o Messias prometido, conforme descreve Paulo: “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um resto, segundo a eleição da graça” (Rm 11.5). Mas aos ou­ tros, aguarda-se um futuro ainda por vir. Com as leis divinas em seus pensamentos e corações, Israel será agraciado por Deus

191 Sacrifícios e Ofertas

mediante o sacrifício de Cristo, especialmente quando este vol­ tar para aniquilar o Anticristo e pôr fim à Grande Tribulação. “E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades” (Rm 11.26). 17

E jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniqüidades. A grande vantagem do povo de Deus é servir ao Deus de Israel que, por misericórdia, se esquece de seus pecados. “Não repreenderá perpetuamente, nem para sempre conservará a sua ira. Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos re­ tribuiu segundo as nossas iniqüidades. Pois quanto o céu está elevado acima da terra, assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem. Quanto está longe o Oriente do Oci­ dente, assim afasta de nós as nossas transgressões... Pois ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó” (SI 103.9,10-14). Aqui está, portanto, o segredo da grande vitó­ ria dos santos em relação aos pecadores. Os pecados daqueles sempre estão em memória diante de Deus (SI 109.14), en­ quanto os dos santos são lançados para trás de suas costas e emergidos nas profundezas do grande mar de seu esqueci­ mento (cf. Is 38.17; Mq 7.19). 18

Ora, onde há remissão destes, não há mais oblação pelo pecado. A remissão dos pecados, tanto de Israel como dos genti­ os que aceitaram o plano divino oferecido por Cristo, faz par­ te da bondade de Deus, que operou desta forma movido por

192 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

um amor infinito (Jo 3.16). Muitas vezes no mundo antigo, para se libertar um escravo era preciso, primeiro, que se verifi­ casse as condições de saúde e a idade deste escravo. Ninguém queria se arriscar a promover a libertação de um escravo idoso e doente. Mas o sacrifício de Cristo cobriu todas estas neces­ sidades e ignorou todas as fraquezas humanas. Portanto, aquilo que Ele é — e aquilo que Ele fez, ultrapassa qualquer possibi­ lidade de entendimento da mente humana! No grego, remis­ são é aphesis, que quer dizer “livramento”, “soltura”, “perdão”, “cancelamento”. Essa palavra aponta para a eficácia da expiação de Cristo. Isso é glorioso!

V. Um Novo Caminho 19

Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no Santuário, pelo sangue de Jesus, Só se tem ousadia quando se tem confiança em alguém ou em alguma coisa. E nossa ousadia, conforme descreve o autor sagrado, advém do merecimento que nos é concedido “pelo sangue de Jesus”. Das sete bem-aventuranças contidas no Apocalipse (1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7,14), a úl­ tima é dedicada para garantir o direito “[àqueles] que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida e possam entrar na cidade pelas por­ tas”. Esta cidade santa é de fato um verdadeiro santuário, vis­ to que “o Senhor Deus Todo-poderoso e o Cordeiro” é o seu templo. Nela entrarão aqueles que foram lavados no sangue do Cordeiro divinal! Isto sim nos dá ousadia — e devemos colocá-la em prática! Pois através desta confiança que temos

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Sacrifícios e Ofertas

no sangue de Jesus passamos a ter ousadia, não apenas para entrar no santuário e nos dirigirmos a Ele, como também para pregar e, acima de tudo, buscar a santificação. 20

pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, A alusão ao “véu” em comparação ao corpo humano de Cristo é a do “segundo véu”, citado em 9.3. Este véu era a cortina que separava o Lugar Santo do Santíssimo. Era cha­ mado de “véu interior” e tornou-se símbolo do corpo de Cristo, que foi rasgado pelo malho da ira divina, mediante o qual foi nos foi concedido acesso a Deus. O véu natural, instalado no Santuário terrestre, foi rasgado por mãos invisíveis de Deus, quando da morte de Jesus na cruz, tendo cumprido sua mis­ são (Mt 27.51). As mãos divinas fizeram do véu duas partes, cortando-o de alto a baixo, indicando que a salvação partia diretamente de Deus em direção ao homem. A mãohumana o teria partido de baixo para cima; isso significava que o homem sairia de seu lugar ao encontro de Deus para que fosse consu­ mada a redenção, o que seria impossível. Agora, o homem podia chegar-se a Deus “pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou” pelo véu, isto é, por meio de Cristo. Doravante em Cristo tudo é novo, como por exemplo: • • • • •

Um novo nascimento (Jo 3.3,5); Um novo coração (Ez 18.31); Uma nova criatura (2 Co 5.17); Uma nova doutrina (Mc 1.27); Um novo mandamento (Jo 13.34);

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

• • • • • • •

Uma aliança (Hb 12.24); Uma nova alegria (Lc 2.10); Uma nova canção (SI 40.3); Um novo nome (Ap 2.17); Uma nova vida (Rm 6.4); Uma novidade de espírito (Rm 7.6); Um novo caminho (Hb 10.20).

Finalmente, em Cristo tudo se fez novo (2 Co 5.17), porque aquEle que estava assentado sobre o trono (Deus) faz para Cristo e também para nós a seguinte promessa: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21.5). 21

e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus,

Tem sido discutido pelos comentaristas o sentido exato a que se refere o termo “casa” neste versículo, se este grande sacerdote encontra-se ministrando na igreja, que de uma certa maneira é a casa de Deus (I Tm 3.15), ou se no próprio céu (Hb 8.1,2). Os sacerdotes eram os guardiães dos ritos sagra­ dos, os quais promoviam o conhecimento sobre a santidade de Deus e a necessidade dos homens aproximarem-se dEle, desde que limpos do pecado, mediante os holocaustos apro­ priados e a mudança de vida a eles correspondentes. Eles quei­ mavam o incenso sobre o atar de ouro, no Lugar Santo, o que era mesmo um símbolo das funções sacerdotais. Mas todas estas e outras funções eram exercidas num santuário terreno, que um dia foi destruído. Contudo, em relação aos crentes, eles têm um grande Sumo Sacerdote que permanece para sem­ pre, ministrando numa verdadeira casa — que é a sua igreja —,

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Sacrifícios e Ofertas

e num verdadeiro santuário — que é o céu casa esta e santu­ ário este que jamais serão destruídos. 22

cheguemo - nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência e o corpo lavado com água limpa, Os sacerdotes levíticos, quando das abluções batismais, tinham de ser totalmente imersos e purificados, a fim de poderem servir em seu ofício (Ex 29.21; Lv 8.30). Arão e seus filhos passaram rigorosamente por esta espécie de puri­ ficação. “Moisés fez chegar a Arão e a seus filhos, e os lavou com água” (Lv 8.6). Isso era símbolo da purificação moral, da purificação da alma e de todos os seus vícios, excessos e pecados. Os cristãos também reconhecem que além do ba­ tismo cristão, eles têm sido “... santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez” (Hb 10.10). Em suma, cada crente então procura andar em santidade de vida, “... renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas” (Tt 2.12) e dedicando-se inteiramente ao serviço do Mes­ tre. Cada cristão deve ser um vaso santificado para uso santo do Senhor, para que por meio da santificação possa ouvir de seus lábios as solenes palavras: “... este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel” (At 9.15).

VI. A Confiança do Cristão 23

retenhamos firmes a confissão da nossa esperança, porque fiel é o que prometeu.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

A nossa confiança em reter firme a nossa confissão de fé em Deus e no sacrifício expiatório de Cristo repousa no fato de que aquEle que nos prometeu a entrada em seu Reino eter­ no "... é fiel”. Portanto, esta “... esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos cora­ ções pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5.5). A ver­ dadeira esperança cristã é a vida eterna que alcançará todo aquele que nela perseverar. Porém, na presente era, já temos "... a promessa da vida presente e da que há de vir” (I Tm 4.8). Em outras palavras, “... quem ouve a minha palavra [disse Je­ sus] e crê naquele que me enviou tem a vida eterna...” (Jo 5.24). Esta é a promessa da “vida presente” (que pode ser material e espiritual), confirmada na extensão da vida humana até a sua chegada final, por meio da perseverança, conforme está escri­ to: “aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mt 24.13). 24

E consideremo - nos uns aos outros; para nos estimularmos à caridade e às boas obras, O fruto da consideração somente terá lugar em nossas vidas se existir humildade em nossos corações. A recomenda­ ção de Paulo aos romanos e aos filipenses deixa isso bem claro: “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros” (Rm 12.10). E de­ pois ele fala novamente aos filipenses: “Nada façais por con­ tenda ou por vangloria, mas por humildade; cada um conside­ re os outros superiores a si mesmo” (Fp 2.3). A perda de Hamã, filho de Hamedata, o agagita, foi pensar só em si mesmo, quando disse no seu coração: “De quem se agradará o rei para lhe fazer honra mais do que a mim?” (Et 6.6) Ele não sabia que o ho-

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Sacrifícios e Ofertas

mem cuja honra agradara ao rei era Mardoqueu, o que o levou à destruição, porque não teve a humildade de considerar os outros superiores a si mesmo. Ele esqueceu do sábio conselho que diz: “... diante da honra vai a humildade” (Pv 15.33). 2 5

não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns; antes, admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais quanto vedes que se vai aproximando aquele Dia.

Alguns destes cristãos hebreus tinham se voltado para o judaísmo, deixando assim a sua própria congregação. Outros haviam se desviado totalmente, voltando-se para o mundo. E não satisfeitos, começaram a ridiculizar o Filho de Deus, ex­ pondo sua obra redentora ao vitupério, conforme fica suben­ tendido nos versículos que se seguem. Parece-nos que tal fra­ casso em suas vidas foi desencadeado por um lento processo, começando pela “negligência” (5.11). O isolamento da igreja e da comunidade traz prejuízo tanto para o cristão como para a igreja, que fica privada da presença de um de seus filhos. Evidentemente, é importante que não deixemos a congrega­ ção a que pertencemos, seja ela grande ou pequena, rica ou pobre, próxima ou distante. Ali foi o lugar escolhido por Deus para que glorifiquemos o seu nome e exerçamos nossas peque­ nas ou grandes atividades (cf. Dt 12.5-7).

VII. O Perigo de nos Voltarmos contra Deus 26

Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados,

198 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Os versículos 26-29 deste capítulo são uma reminiscêncía daquilo que foi escrito no capítulo 6.4-8, quando o escri­ tor sagrado adverte os cristãos sobre o perigo de caírem num estado de apostasia e por meio desta, entristecerem o Espírito Santo. A menção feita aqui é a respeito daqueles que vivem pecando “voluntariamente”. O Dr. F. W. Grant observa que este ato de pecar “voluntariamente” representa mais que um fruto da ignorância, sendo uma aberta oposição a Deus e a tudo que é divino. Não se trata de uma fraqueza da alma, mas de uma atitude obstinada do espírito. Deve ser esta a razão por que “não resta mais sacrifício pelos pecados” para tais transgressores, visto que voluntariamente se entregaram à prá­ tica da iniqüidade (cf. SI 109.17). 27

mas uma certa expectação horrível de juízo e ardor de Jogo, que há de devorar os adversários.

Em algumas passagens das Escrituras, os inimigos de Deus são aqueles que procuram fazer mal ao seu povo. Mas aqui, a advertência vem contra aqueles que vivem pecando “voluntariamente” e expondo o Filho de Deus ao vitupério. De qualquer forma, rejeitar o sacrifício redentor de Cristo é persistir na senda do erro, e errar conscientemente pode agra­ var a pena de quem o faz, de acordo com o seguinte ensinamento de Jesus: “E o servo que soube a vontade do seu senhor e não se aprontou, nem fez conforme a sua von­ tade, será castigado com muitos açoites. Mas o que a não soube e fez coisas dignas de açoites com poucos açoites será castigado...” (Lc 12.47,48). O castigo da ignorância será menor do que o castigo da consciência — e o escritor, aqui,

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Sacrifícios e Ofertas

adverte que conhecer a Jesus e depois o negar será algo dig­ no de um maior “juízo e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” de Deus e de Cristo. 28

Quebrantando alguém a lei de Moisés; morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. O julgamento por Deus será inevitável. Contudo, ele será realizado de acordo com a justiça divina. O Pai, o Filho e o Espírito Santo testemunharão todos os atos dos homens e to­ dos serão julgados de acordo com as suas obras. Semelhante capacidade de julgamento a Trindade divina tem conferido a seus juizes e à sua Igreja aqui na terra. A lei de Moisés orientava que os juizes determinassem a morte daquele que prevaricasse contra um mandamento ou ordem divina, reputado como pas­ sivo de pena capital. A prova testemunhai, neste caso, seria so­ mente a partir de duas ou três testemunhas. “Por boca de duas ou três testemunhas, será morto o que houver de morrer; por boca de uma só testemunha, não morrerá” (Dt 17.6). Este pro­ cedimento foi transferido para o seio cristão com respeito à conduta moral dos anciãos. Ao dar instruções sobre o procedi­ mento na escolha dos obreiros, Paulo fez a seguinte recomenda­ ção: “Não aceites acusação contra presbítero, senão com duas ou três testemunhas” (I Tm 5.19). Devemos, portanto, evitar certos julgamentos precipitados baseados apenas em informa­ ções de alguém cuja vida é reprovada por Deus e pela sociedade. 29

De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça? A santificação é um processo iniciado na conversão, e a conversão se baseia na expiação. Seja como for, a santificação se deve inteiramente à obra do Espírito Santo. A santificação é parte integrante de um dos títulos do Espírito Santo. Isso faz parte de sua natureza divina como “o Espírito de santificação” (Rm 1.4). Portanto, “... pisar o Filho de Deus” e ter “... por profano o sangue do testamento”, é fazer “... agra­ vo ao Espírito da graça”, que além de sua missão plena de convencer o homem do pecado, mostrando-lhe a justiça de Cristo, santifica o homem de acordo com as exigências divi­ nas. Assim, tem sido defendido pelos intérpretes que “pisar o Filho de Deus e ter por profano o sangue [de Cristo]” pode ser comparado à blasfêmia contra o Espírito Santo, visto que com tais atos é feito “agravo ao Espírito da graça”. Este ato revela a perversidade de espírito do homem que, desafiando a verdade, prefere chamar de trevas a própria luz. Nesse contex­ to, a blasfêmia contra o Espírito Santo denota rejeição consci­ ente e deliberada do poder e da graça salvadora de Deus.

VIII. Somente a Deus Pertence a Vingança 30

Porque bem conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo.

Uma pessoa pode (mas não deve) se vingar de duas ma­ neiras: uma contra si mesma e a outra, contra outrem. No

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Sacrifícios e Ofertas

primeiro caso, vem a advertência divina em Romanos 12.19, que diz: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas daí lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recom­ pensarei, diz o Senhor”. Algumas pessoas praticam o suicídio como uma forma de vingança, seja contra outros ou contra si mesmas. O suicídio viola o direito natural, porque o homem não pertence a si mesmo. Matando-se, o homem peca contra Deus, que é o Senhor da vida. E peca ainda contra si mesmo, privando-se do primeiro dentre os bens deste mundo e do mundo vindouro, que é a vida. Deus disse: “Não matarás” (Êx 20.13), quer dizer: A ti mesmo e a outrem. 31

Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo.

Cair nas mãos do Deus vivo eqüivale dizer: “estar sob o julgamento divino”, quando este não vem mesclado com sua misericórdia. Este é um cálice que é dado aos homens sem “mistura” (ou seja, sem mistura de misericórdia). Então ele será sorvido “puro”, isto é, o juízo será sem misericórdia (SI 75.8; Tg 2.13; Ap 14.10). Alguém pode cair nas mãos de Deus de duas maneiras: uma estando sob as mãos de miseri­ córdia e a outra, sob as mãos do juízo divino. Sob a misericór­ dia de Deus, quando alguém cai, alcança perdão e misericór­ dia; porém, nas mãos do juízo divino, quem lá cair, encontrará castigo e condenação. Em 2 Samuel 24.14, Davi deseja cair nas mãos do Senhor, dizendo: “Estou em grande angústia; porém caiamos nas mãos do Senhor, porque muitas são as suas misericórdias...” E com tal objetivo, o homem que ali cai deve orar como o salmista: “Senhor, não me repreendas na tua ira, nem me castigues no teu furor” (SI 6.1).

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

IX. As Perseguições aos Cristãos 32

Lembrai-vos, porém, dos dias passados, em que depois de serdes iluminados; suportastes grande combate de aflições.

Alguns têm pensado que esta passagem sugere uma perse­ guição de certa gravidade no passado, quando Roma fora incendiada por Nero em julho de 64 d.C., após a qual Nero iniciou uma intensa perseguição contra os cristãos de Roma. Mas esta perseguição de Nero contra os cristãos, sob falsa acu­ sação de sua participação no incêndio da cidade, era a segunda desse gênero. Priscila e Áquila e outros cristãos-judeus de seus dias foram também expulsos dali. (pois Cláudio tinha manda­ do que todos os judeus saíssem de Roma.) O motivo alegado para tal expulsão foi, segundo os historiadores, uma rebelião causada por Cresto (At 18.1,2). Esta expulsão ocorreu em 49 d.C. e levou à confiscação de bens e maus-tratos de alguns cris­ tãos, embora não tenha havido derramamento de sangue, con­ forme ficou demonstrado no texto em foco (cf. Hb 12.4). 33

Em parte, fostes feitos espetáculo com vitupérios e tribulações e, em parte, fostes participantes com os que assim foram tratados. Era costume entre os romanos se espancar publicamente aqueles que aos seus olhos eram considerados culpados. Paulo e outros cristãos foram alvos deste tipo de vitupério. A sua fé fora insultada, suas doutrinas tinham sido rejeitadas como algo

203 Sacrifícios e Ofertas

que não tivesse qualquer valor. Contudo, eles foram exortados a permanecerem firmes na fé, com propósito de coração. Em meio a tais aflições, eles podiam ouvir o brado de esperança dado pelo apóstolo Paulo: “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8.18). E se de fato é Paulo o autor desta epístola, o brado aqui é seme­ lhante ao que encontramos em Romanos e em outras epísto­ las de sua autoria. 34

Porque também vos compadecestes dos que estavam nas prisões e com gozo permitistes a espoliação dos vossos bens, sabendo que, em vós mesmos, tendes nos céus uma possessão melhor e permanente.

Era comum na história dos povos antigos que proprieda­ des e possessões de pessoas consideradas hereges, bem como daqueles reputados por perigosos para a comunidade, fossem confiscadas, reduzindo-se tais pessoas à miséria. Antes do ano 70 d.C., quando os bens dos judeus foram confiscados pelo Império Romano, muitos cristãos foram orientados, cremos pelo próprio Espírito Santo, a dedicar seus bens à obra da evangelização. Pelo menos é isso que lemos em Atos 4.34, “Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido e o depositavam aos pés dos após­ tolos”. Uma parte deste dinheiro era repartido entre os neces­ sitados e uma outra parte, empregada na evangelização. Con­ tudo, mesmo havendo esta disposição entre os cristãos, alguns

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

bens foram confiscados, sob a alegação de que aquelas pessoas eram hereges e nocivas aos interesses de Roma. 35

Não rejeiteis, pois, a vossa confiança, que tem grande e avultado galardão. Desde a Igreja Primitiva e nos séculos que se seguiram, muitos cristãos perderam tudo o que possuíam por causa de sua fé. Porém, seus olhos estavam fixados numa recompensa maior e mais valiosa, porque não era terrena, e sim, eterna. O próprio Deus é a recompensa grandiosa de seu povo; foi assim que Ele se apresentou a Abraão, quando este temeu a perda de seus bens por causa de sua fé. “Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão” (Gn 15.1). Cristo e a sua glória, bem como as suas riquezas, é uma recompensa sem igual, que ultrapassa todos os limites passageiros dos bens desta vida, não podendo ser expressada pela linguagem humana. “... como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que o amam” (I Co 2.9).

X. A Paciência Necessária ao Cristão 36

Porque necessitais de paciência, para que, depois de haverdes feito a vontade de Deus, possas alcatiçar a promessa. Nos versículos que se seguem, o autor sagrado faz uma citação do profeta Habacuque, quando Deus exortou seu povo quanto à paciência, dizendo que seu juízo sobre os caldeus

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Sacrifícios e Ofertas

dar-se-ia no tempo determinado (Hc 2.3). Esta promessa di­ vina é de igual modo aplicada com respeito a estes cristãos hebreus, quando o apóstolo Paulo nos diz que num futuro mui breve Deus cumpriria sua promessa de vingança para com seus inimigos e de recompensa para seus santos (cf. 2Ts 1.610). A vinda de Jesus terminaria com todo e qualquer sofri­ mento humano. Restava, portanto, para eles e para nós, um pouco de paciência até que Jesus volte, conforme fica demons­ trado nos versículos seguintes. Todavia, a necessidade de paci­ ência não deve somente envolver a esperança da vinda de nos­ so Senhor, mas ela deve estar presente em outros sofrimentos que acompanham a vida humana (cf. Tg 5.11). Porque ainda um poucochinho de tempo, e o que há de vir virá e não tardará. 37

O grego, aqui, indica “um pouco, quão muito, muito pouco”, e algumas traduções dizem: “dentro de pouco tem­ po, e o que há de vir virá”. O contexto deste versículo, como também do seguinte, segue uma citação do profeta Habacuque, que diz: “Porque a visão é ainda para o tempo determinado, e até ao fim falará, e não mentirá; se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará. Eis que a sua alma se incha, não é reta nele; mas o justo, pela sua fé, viverá” (Hc 2.3,4). O sentido implícito na passagem de Hebreus é, em primeiro pla­ no, a vinda de Jesus, mas o sentido também adiciona a ajuda divina em nosso favor, “... a fim de sermos ajudados em tem­ po oportuno”, alcançando assim, da parte do Senhor nosso Deus, todas as promessas que dizem respeito ao nosso bemestar, tanto na vida presente como na vida futura.

206 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

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Mas o justo viverá da fé; e, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele. Apesar de o Antigo Testamento ser de uma gigantesca extensão, a palavra “fé” somente aparece por duas vezes. A primeira delas, em I Samuel 21.5, quando, questionado pelo sacerdote Aimeleque no tocante à pureza moral dos mancebos, Davi responde: “Sim em boa fé, as mulheres se nos ve­ daram desde ontem; e, anteontem...” Porém como substanti­ vo, ela somente é vista em Habacuque 2.4, quando o profeta diz: “... mas o justo, pela sua fé, viverá”; citação esta que é reiterada por três vezes no Novo Testamento (Rm 1.17; Gl 3.11; Hb 10.38). Neste ponto, a idéia é que aquele que é verdadeiramente justo confia inteiramente em Cristo, seja na abundância, seja na necessidade. Em todos os aspectos de sua vida Cristo ocupa o primeiro lugar (cf. Fp 4.11-13). A fé deve estar presente em nosso viver, devendo também nos acompanhar quando chegar a hora da partida desta vida para a outra. O sucesso daquelas testemunhas que são menciona­ das no capítulo 11 desta epístola, é que todas elas viveram e morreram na “fé” (11.13). 39

Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma. Um dos motivos da demora de Jesus em vir buscar o seu povo escolhido deve-se ao fato de que Deus, “... não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrependerse”, orienta-o que demore um “poucochinho de tempo” até

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que estas almas se arrependam (cf. 2 Pe 3.9). Este mesmo sentimento encontra-se no coração amoroso de nosso Senhor Jesus Cristo. Por esta razão Ele orou ao Pai, dizendo: “Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição...” (Jo 17.12). Muitos opinam que Judas Iscariotes foi predestinado por Deus para cumprir as Escrituras. Mas em tudo quanto este discípulo fez, de alguma forma jamais deixou-se levar pela influência de Jesus em sua vida. Ele preferiu a maldade, tornou-se maldoso e se perdeu por causa dessa maldade. Até mesmo depois de trair seu Mes­ tre poderia ainda ter sido salvo, se realmente tivesse se arre­ pendido e buscado o perdão de seus pecados. Mas as Escritu­ ras mostram seu caráter anterior. Ele era um “ladrão” (Jo 12.6); “um hipócrita” (Lc 22.48); “um diabo” (Jo 6.70); “um filho da perdição” (Jo 17.12); “um precipitado” (At 1.18). Ele não desejou a salvação, então ela se afastou dele (SI 109.17). Con­ tudo, afora a atitude de Judas, nosso Senhor disse: “nenhum deles se perdeu”, isto é, “nenhum outro” discípulo cujo cora­ ção era dominado pelo amor de Deus.

I. O Testemunho da Fé 1

Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não vêem. Este é o mais lido e conhecido dos 13 capítu­ los da Epístola aos Hebreus. Alguns escritores da Bíblia o tem denominado de “A Galeria dos He­ róis da Fé”, visto que ela (a fé) encontra-se pre­ sente do começo ao fim deste capítulo, marcando cada acontecimento. Tudo aqui se dá pela fé. A expressão “pela fé” aparece cerca de 20 vezes, para mostrar o que a fé representa para a vida religiosa. Descobrimos aqui também que existem duas ma­ neiras de Deus aplicar a fé com relação ao cristão.

210 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

João Calvino, em um trecho de suas Institutas, define qualquer natureza de fé como parte integrante da salvação. Seja ela co­ mum ou tida como fé especial, quando é demonstrada como sendo um dos dons de poder (cf. I Co 12.9). “Onde quer que exista fé viva, ela necessariamente deve ser acompanhada pela esperança da salvação eterna como doação divina mediante esta fé, pois se não tivermos esta esperança, por mais eloqüen­ temente que discorramos sobre a fé, fica evidente que não temos fé nenhuma...” Há pessoas que são escolhidas para hon­ rarem a fé, enquanto outras são determinadas por Deus para que a fé os honre. Em outras palavras: uns morrem na fé, e outros morrem pela fé. Não pode haver bom fundamento sem o alicerce da fé, visto ser ela aqui apresentada como sendo “o fundamento principal” da nossa salvação (Ef 2.8,9). 2

Porque, por ela, os antigos alcançaram testemunho.

As Escrituras estão permeadas de diversos acontecimentos que foram promovidos pela fé. Deus operou de várias maneiras, com o objetivo de honrar a fé dos seus servos que nEle deposi­ taram a sua confiança. Alguns destes milagres operados em res­ posta a necessidades prementes, se visualizados dentro da lógica humana, seriam tidos como impossíveis. Mas sabemos que para Deus nada é impossível, pois Ele opera quando quer e pode ultrapassar qualquer possibilidade daquilo que é impossível. “Porque para Deus nada é impossível” (Lc 1.37). Aqui, portan­ to, cabe a frase que se delineia para o campo da fé quando esta opera milagres: “o milagre não se explica, se aceita”. E o teste­ munho da fé somente pode ser alcançado por meio da fé, por­ que sem fé é impossível que tal testemunho seja consolidado.

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Pela Fé...

Pela fé, entendemos que os mundos, pela palavra de Deus, foram criados; de maneira que aquilo que se vê não feito do que é aparente. 3

A insistência do homem em não atribuir a criação ao supremo poder de Deus é pura ilusão. Deus criou os céus pelo supremo poder da palavra (I Cr 16.26; Jó 26.13; SI 8.3; 33.6; 96.5; 136.5; Pv 8.27). Criou também os céus e a terra (Êx 20.11; 31.17; Ne 9.6; SI 89.11,12; 102.25; 115.3,15,16; 121.2; 124.8; 134.3; 146.6; Pv 3.19; Is 37.16; 42.5; 44.24; 51.13,16; Jr 10.12; 32.17; 51.15; Zc I2.1; At 4.24; 14.15; Ef 3.9; 2 Pe 3.5; Ap 4.11; 10.6; 13.8). Deus os criou em seis dias (Ex 20.11; 31.17). São sustentados pelo poder de sua palavra (SI 33.9; 148.5; Hb 1.3; 2 Pe 3.5). Partes desses céus criados por Deus, isto é, o céu atmosféri­ co e o céu estelar, passarão com grande estrondo no Dia do Senhor. O apóstolo Pedro usou uma terminologia grega li­ terária: rhoizêdon. O substantivo rhoizos era usado no grego antigo a propósito do zunido da flecha ou para aludir ao rugido de um incêndio ou, provavelmente, ao enrolamento dos céus como pergaminho. 4

Pela fé, Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus testemunho dos seus dons, e, por ela, depois de morto, ainda fala.

Abel e Caim eram dois irmãos que nasceram dos mes­ mos pais e no mesmo lar. Um dia, os dois ofereceram a Deus sacrifícios como forma de agradecimento pela pros-

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

peridade alcançada por ambos. “... Abel foi pastor de ove­ lhas, e Caim foi lavrador da terra. E aconteceu, ao cabo de dias, que Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Se­ nhor. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ove­ lhas e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não aten­ tou...” (Gn 4.2-5). A aceitação de Abel e a rejeição de Caim por parte de Deus deu-se por dois motivos distintos: Abel era justo — pertencia a Deus (Mt 23.35), Caim era injusto — pertencia ao maligno (I Jo 3.12). Caim não alcançou ne­ nhum testemunho; Abel, pelo contrário, alcançou o teste­ munho da fé que o tornou imortal, e mesmo “depois de morto [seu testemunho], ainda fala”.

II. A Fé através dos Séculos 5 Pela fé, Enoque foi trasladado para não ver a morte e não foi achado, porque Deus o trasladara, visto como, antes da sua trasladarão, alcançou testemunho de que agradara a Deus.

A história de Enoque se encontra em Gênesis 5.18-24 e começa assim: “E viveu Jarede cento e sessenta e dois anos e gerou a Enoque. E viveu Jarede, depois que gerou a Enoque, oitocentos anos e gerou filhos e filhas... e viveu Enoque sessenta e cinco anos e gerou a Metusalém. E andou Enoque com Deus, depois que gerou a Metusalém, trezentos anos e gerou filhos e filhas. E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cincos anos. E andou Enoque com Deus; e não se viu mais, porquanto Deus para si o tomou”. No versículo 5 deste capítu­ lo da Epístola aos Hebreus é exaltada a fé deste grande homem

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de Deus, dizendo que ele “ f o i trasladado para não ver a mor­ te”, e em Judas 14 nos é dito que Enoque era também profeta de Deus. Enoque teve o mesmo privilégio que teve Elias, outro profeta de Deus que fora arrebatado vivo, sendo levado ao céu num carro de fogo por meio de um redemoinho (2 Rs 2.11). 6

Ora, sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam. O assunto principal abordado no presente capítulo — a fé — compreende ainda Hebreus 10.38 até 12.2, e marca cinco períodos de suma importância: 1ºA fé no período da criação (1-3). Esta fé assinala que o que hoje existe, já houve um tempo quando não existia. 2° A fé no período primordial (4-7). Notemos que co­ meça não com Adão, mas com Abel. No caso de Abel, era fé no sacrifício oferecido a Deus; no de Enoque, fé na comu­ nhão com Deus; no de Noé, fé que testifica. 3° A fé no período dos patriarcas (8-22). O escritor fala primeiro da fé e das coisas invisíveis (8-16), depois da fé e das coisas improváveis (17-22). Abraão creu que Deus era capaz de ressuscitar os mortos. A fé de Isaque aceitou a determina­ ção divina, que pôs de lado as consagradas leis de herança. Na esfera espiritual, nossos propósitos muitas vezes sofrem mo­ dificações por Deus, e somente pela fé é que podemos apro­ veitar as lições que disso advêm. 4° A fé durante o período israelita (23-40). Notemos particularmente no caso de Moisés como sua fé era sempre a “visão do invisível” — era o que ele percebia com Deus. E

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

vemos ainda que ele, por essa fé, recusou (24) as vantagens do mundo; escolheu (25) uma sorte aparentemente desprezível; deu valor (26) ao privilégio de sofrer com o povo de Deus; enxergou (27) aquilo que o olho natural não percebe; deixou a terra onde nascera e não temeu, mas ficou firme, como quem enxerga o invisível. 5o A fé cristã iniciada por Jesus (12.1,2). Esta fé assinala o período da dispensação da graça, quando o homem é salvo e justificado por ela. Em Jesus, a fé e a graça justificam e sal­ vam os homens. “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça...” — “Sendo, pois, justificados pela fé...” (Rm 3.24; 5.1). E o apóstolo Paulo acrescenta: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé...” (Ef 2.8). Pela fé, Noé, divinamente avisado das coisas que ainda não se viam, temeu, e, para salvação da sua família, preparou a arca, pela qual condenou o mundo, e foi feito herdeiro da justiça que é segundo a fé. A história que marcou a fé deste grande patriarca en­ contra-se narrada em Gênesis 5—10, além de outras pas­ sagens que falam dele, seja no texto ou no contexto (Is 54.9; Ez 14.14,20; Mt 24.37-39; Lc 17.26,27; I Pe 3.20; 2 Pe 2.5). Noé já era um homem reto quando Deus lhe deu a ordem de construir a arca. E com fidelidade ele cum­ priu essa ordem. Ele cresceu na retidão, tornando-se her­ deiro da própria justiça de Deus. Noé foi o décimo e últi­ mo dos patriarcas antediluvianos; era filho de Lameque, que tinha 182 anos de idade quando Noé nasceu (Gn 5.28,29). Ele creu naquilo que nunca tinha visto, porque

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fora Deus quem falara. A construção da arca para sua sal­ vação e de sua família, talvez por um período de 100 anos, era mesmo um ato de fé, porque nesse tempo ainda nem se quer chovia (cf. Gn 2.5,6; 8.22). 8 Pela fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia.

Os estudiosos destacam cerca de “sete maneiras” pelas quais a fé operava em Abraão: 1º — Abraão foi “chamado” por Deus para deixar a sua terra natal e tornar-se um peregrino, em busca de um país melhor. A fé exigiu “ação aventurosa” da sua parte (v. 8). 2o — A fé de Abraão o tornou um peregrino. Ele tinha uma herança, mas não entrou na posse da mesma. Sua peregrinação o levou a reconhecer que nesta terra não tinha habitação certa, e que a herança do crente não pode estar neste mundo — Deve­ mos, portanto, aguardar uma herança celestial (w. 9,10). 3o — A fé foi um poder miraculoso, nele operante, bem como naqueles que com ele andavam, como Sara e outros (w. 11,12). 4o — A fé abre a “dimensão eterna” à vida; leva o indiví­ duo a reconhecer que o ser humano realmente pertence a um mundo espiritual e superior (v. 16). 5° — A fé nos ensina que Deus é o nosso Deus; que não há limite para a glória, pois na filiação o infinito é trazido ao que é finito (v. 16). 6° — A fé nos ensina que há um sacrifício supremo a ser feito à vontade de Deus, a fim de que se cumpra em nós tudo quanto foi por Ele designado (v. 17).

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

7o — A fé nos ensina a esperar o impossível, porquanto dependemos do poder de Deus, que transmite vida e opera milagres (v. 19).

III. Abraão e sua Descendência 9

Pela fé, habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Esses três patriarcas: Abraão, Isaque e Jacó, são mencio­ nados freqüentemente, porque suas vidas representam três gerações de homens que viveram dentro dos limites da mesma fé. Suas vidas cobriram todo o período de peregrinação na Terra Prometida. Depois de Jacó, veio a descendência que foi levada ao cativeiro egípcio. Seus nomes são tomados para exemplificar a própria existência de Deus, quando deles testifica, dizendo: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó...” (Mt 22.32). Aqui no texto em foco, Deus se apresenta particularmente a cada patriarca. Ele bem poderia dizer: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”, resu­ mindo assim tempo e espaço. Contudo, Ele usou a extensão de seu nome para cada um deles, quando disse: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”. Isso fala da fé extensiva e progressiva que vai passando de pai para fi­ lho. Jacó pertencia a uma família que tinha vivido na fé. De Timóteo se diz que a fé que ele professava foi herdada de sua família cristã piedosa, como escreve Paulo: “trazendo à me­ mória a fé não fingida que em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide e em tua mãe Eunice, e estou certo de que

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também habita em ti” (2Tm 1.5). A fé de sua avó Lóide e de sua mãe Eunice, e o ensinamento das “sagradas letras” em sua meninice lhe fizeram idôneo, sábio e capaz para o desempe­ nho espiritual de sua vida e de seu ministério (2Tm 3.15). 10

Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus. O escritor sagrado faz aqui alusão à Jerusalém celestial, da qual o artífice e construtor é Deus. Ela encontra-se edificada sobre um alto e sublime monte (Ap 21.10). Ela desce do céu para receber os remidos, pois é impossível construir uma cida­ de santa aqui na terra (cf. Fp 4.20). O fato de ser chamada de “cidade mãe” corresponde à alegoria que Paulo faz em Gálatas 4.22-26, quando diz: “... está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava e outro da livre. Todavia, o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas o que era da livre, por promessa, o que se entende por alegoria; porque estes são os dois concertos: um, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre, a qual é mãe de todos nós”. Durante sua peregrinação, Abraão nunca optou por morar na cidade de Jerusalém. Cremos que se este fosse o seu desejo, ele teria toda a liberdade de fazê-lo. Esta cidade fazia parte de sua herança e Melquisedeque, que nesta época era rei e sacerdote ali, era amigo de Abraão e de sua parentela. Mas Abraão não se aproveitou de nenhuma destas circunstâncias, pois tinha em mente uma outra linda cidade —

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a cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial —, por esta razão se declarou peregrino aqui na terra durante a sua vida. 11

Pela fé, também a mesma Sara recebeu a virtude de conceber e deu à luz já fora da idade; porquanto teve por fiel aquele que lho tinha prometido. Aqui, o autor fala da esterilidade de Sara e no versículo seguinte, do amortecimento de Abraão; a fé curou os dois e Sara tornou-se fértil. Abraão era um homem idoso, que já passara da idade de gerar filhos, e sua esposa, Sara, era estéril; porém, Deus consertou tudo aquilo, porque para Ele nada é impossível (Gn 18.14; Lc 1.37). Quando abrimos o Novo Testamento, observamos que o Deus Todo-poderoso perma­ nece o mesmo. Isabel e Zacarias “... eram ambos justos peran­ te Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os mandamen­ tos e preceitos do Senhor. E não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e ambos eram avançados em idade” (Lc 1.6,7). Contudo, o Deus que operou milagrosamente no idoso casal do Antigo Testamento, concedendo-lhes Isaque, também ope­ rou eficazmente aqui no Novo Testamento, dando a Zacarias e a Isabel o profeta João Batista. O segredo de se honrar a Deus com a fé é começar a crer na possibilidade de suas pro­ messas. Jó cria em qualquer dessas possibilidades quando dis­ se: “Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensa­ mentos pode ser impedido” (Jó 42.1,2). 12

Pelo que também de um, e esse já amortecido, descenderam tantos, em multidão, como as estrelas do céu, e como a areia inumerável que está na praia do mar.

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A promessa de Deus a Abraão era de que ele se tornaria pai de uma multidão de filhos. Isto se cumpriu não apenas literalmente, como também no aspecto espiritual da promessa divina para com o patriarca. Ele foi pai de Ismael, que se tor­ nou o progenitor dos árabes meridionais. Depois da morte de Sara, Abraão casou com Quetura e dela gerou seis filhos: “Zinrã, e Jocsã, e Medã, e Midiã, e Isbaque, e Suá” (Gn 25.1,2). Abraão aconselhou a todos que se fossem se estabelecer na terra oriental; “eles assumiram um estilo de vida nômade e [segundo alguns historiadores], por fim, alcançaram toda a vasta península sírio-árabe”1. Ali, estes descendentes de Abraão, hoje subdivididos em vários povos árabes do Oriente Médio, formaram várias nações. Porém o pacto de Deus com Abraão falava de uma extensão maior de famílias que viriam através do filho da promessa — Isaque. E assim, todas as nações, todas as raças, foram incluídas como beneficiárias da fé de Abraão, sendo Cristo a figura central em todos estes acontecimentos. 13

Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas, mas, vendo-as de longe, e crendo nelas, e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Abraão e seus descendentes mais próximos, tais como Isaque, Jacó e os patriarcas filhos de Jacó, peregrinaram na terra de Canaã, e alguns deles foram ali sepultados na cova de Macpela, nos carvalhais de Manre, na cidade de Hebrom (Gn 49.29-32; 50.5-13). Contudo, durante suas vidas aqui na ter­ ra, eles não chegaram a alcançar a posse total daquela terra que fora dada por Deus a Abraão por meio de um juramento.

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Mas eles morreram na fé — quer dizer, na confiança de que Deus era fiel para cumprir seu juramento, confirmando aque­ la terra por herança perpetua à descendência de Abraão. Com efeito, porém, o anseio maior destes servos de Deus era uma pátria celestial, por esta razão "... confessaram que eram es­ trangeiros e peregrinos na terra”. Essa confissão feita pelos patriarcas durante os tempos de suas peregrinações era tanto oral como moral. Eles confessavam a Deus com suas palavras e com seus exemplos, o que também serve de modelo para a Igreja cristã do Pentecostes ao arrebatamento (Fp 2.15).

IV A Pátria Celestial 14

Porque os que isso dizem claramente mostram que buscam uma pátria.

O escritor sagrado continua até o versículo 16 com o mesmo argumento, mostrando que os patriarcas buscavam uma pátria melhor do que aquela onde tinham nascido e viviam: eles buscavam a pátria celestial. O objetivo dessa argumenta­ ção é mostrar àqueles cristãos e aos demais santos de todos os tempos que a verdadeira pátria dos salvos não é aquela onde eles nasceram ou viveram, mas a pátria celestial. Paulo aspirava por esta pátria divina, e dela falou: “Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Je­ sus Cristo” (Fp 3.20). A terra da promessa sempre foi almeja­ da pelo povo de Deus em ambos os Testamentos. Os judeus, quando se encontram fora de sua pátria, sempre aspiram para a ela voltarem. Outros cristãos de todo o mundo também amam esta pátria e sempre que têm a oportunidade, vão conhecê-la e

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nela adorar ao Senhor. Mas a aspiração das almas sequiosas pela presença de Deus não é esta pátria terrena, e sim, a celestial. 15

E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar. Abraão, Isaque e Jacó possuíam tudo o que as pessoas bemsucedidas têm aqui neste mundo. Eles possuíam riquezas, bens diversificados e glórias que os grandes de seus dias possuíam. Se Abraão quisesse voltar para Ur, cidade de seu nascimento, poderia bem fazê-lo. Isaque, quando seu pai morreu, ficou tam­ bém com suas riquezas. O mesmo aconteceu também com Jacó que, além de sua riqueza adquirida em Arã, herdou a parte que lhe cabia, quando Isaque morreu. Contudo, nenhum deles se valeu de suas riquezas e de seu poder para voltar à terra de seus ancestrais, mas permaneceram firmes na terra onde Deus havia manifestado seu propósito para com eles. Em figura de retóri­ ca, isso significa que jamais o cristão deve voltar para a terra de onde veio (o mundo), mas deve avançar até alcançar a verdadei­ ra terra que mana leite e mel (o céu), a capital da nova terra, em que habita a justiça (2 Pe 3.13). 16

Mas, agora, desejam uma melhor, isto é, a celestial. Pelo que também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade. Em algumas versões, como a Revista e Atualizada, por exemplo, ao invés de “... uma [pátria] melhor”, lê-se: “uma pátria superior”, indicando que aquela pátria que dera a Abraão e aos seus descendentes o direito de cidadania não era a verda-

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deira pátria permanente prometida por Deus. Restava, por­ tanto, uma outra pátria, a celestial. Naquela pátria superior, Deus já lhes preparou uma cidade, “... a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu” (Ap 21.2). Assim relatou o escritor desta epístola, em 12.23, quando descrevia a chegada destes peregrinos à pátria por eles almejada: “Mas chegastes ao monte de Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos”. Hoje, qualquer cidade do mundo, pequena ou grande, não oferece a segurança que seus cidadãos gostariam de nela encontrar. Mas na cidade de Deus cada ci­ dadão se sentirá seguro, porque “... não entrará nela coisa al­ guma que contamine e cometa abominação...” (Ap 21.27).

V Isaque como Símbolo do Sacrifício de Cristo Pela fé, ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado, sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito. 17

Quando Isaque tinha crescido e se tornara um rapaz for­ moso, aos olhos de seus pais e também aos olhos de todos, Abraão ouviu a voz de Deus. Esta era a oitava vez que Deus falara com ele, dando-lhe sua orientação divina. Mas esta men­ sagem não trazia o mesmo teor daquelas anteriores, conforme escreve o autor sagrado: “E aconteceu, depois destas coisas, que tentou Deus a Abraão e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi” (Gn 22.1,2). O Alcorão diz que no monte Moriá foi oferecido Ismael,

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o primeiro filho de Abraão com a escrava egípcia. Mas é impos­ sível que Moisés tenha se enganado quando escrevia o Pentateuco, trocando Isaque por Ismael. Isaque, o filho da promessa, foi o filho que Deus ordenara a Abraão para tal sacrifício. 18

Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar. Martinho Lutero traz uma meditação de grande inspira­ ção no tocante a este acontecimento, dizendo: “Abraão o amar­ rou e deitou sobre a lenha. O pai ergueu o cutelo. O corpo de Isaque exposto àquele imenso cutelo afiado, que caminhava em direção a sua garganta inocente. Se tivesse Deus dormitado por um instante, o jovem estaria morto. Eu não poderia ter contemplado. Não posso fazer meus pensamentos prossegui­ rem. O jovem era uma ovelha para o matadouro. Nunca, na história, houve tal obediência, salvo somente a de Cristo. Mas Deus estava observando, bem como todos os anjos. O Pai ergueu a faca; o corpo não estremeceu. O anjo clamou: Abraão, Abraão!’ Vemos como a majestade divina está às portas, na hora da morte. Dizemos: ‘Em meio à vida, morremos’. Deus responde: ‘Sim, e em meio à morte, vivemos”’. 19

E daí também, em figura, ele o recobrou.

Muitos comentaristas vêem aqui nesta alegoria a morte e ressurreição de Cristo. E Jesus parece querer ligar o ofereci­ mento de Isaque no monte Moriá com sua morte na cruz,

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

quando disse aos judeus: “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se. Disseram-lhe, pois, os judeus: Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão? Disse-lhes Je­ sus: Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.56-58). Podemos ver ali no Moriá, como também aqui no pensamento do autor, uma verdadeira alegoria (Gn 22.1-19). • • • • • •

Abraão — representa Deus Isaque nesse momento — o pecador O monte Moriá — oCalvário O cordeiro — Jesus A árvore — a cruz As pontas que seguravamo cordeiro ao arbusto — os cravos.

O fato de Jesus afirmar ser “antes de Abraão”, e não pos­ terior a ele, confirma aquilo que Jesus disse aos judeus, quan­ do estes questionaram sua idade, dizendo: “Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão?”, ao que Jesus lhes respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão exis­ tisse, eu sou” (Jo 8.57,58). Portanto, Cristo é antes de Abraão. O cordeiro substituiu Isaque, e o Cordeiro de Deus (Jesus) foi o substituto do pecador (I Jo 2.1,2). 20

Pela fé, Isaque abençoou Jacó e Esaú, no tocante às coisas futuras.

Em Gênesis 27; 28, encontramos Isaque abençoando a seus dois filhos, Jacó e Esaú. Jacó foi abençoado, ouvindo seu pai pronunciar as seguintes palavras: “Assim, pois, te dê Deus do

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orvalho dos céus, e das gorduras da terra, e abundância de trigo e de mosto. Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê se­ nhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem” (Gn 27.28,29). Na bênção conferida a Esaú, por outro lado, foi-lhe dito que ele deveria habitar longe “das gorduras da terra e sem orvalho dos céus”, conforme está escri­ to: “Então, respondeu Isaque, seu pai, e disse-lhe: Eis que a tua habitação será longe das gorduras da terra e no orvalho dos céus. E pela tua espada viverás e ao teu irmão servirás. Acontece­ rá, porém, que, quando te libertares, então, sacudirás o seu jugo do teu pescoço” (Gn 27.39,40). Estas profecias têm se cumpri­ do fielmente nas vidas destes dois povos, porque elas foram pro­ feridas pela fé, e Deus honrou a fé — porque a fé honra a Deus!

VI. As Gerações Posteriores 21

Pela fé, Jacó, próximo da morte, abençoou cada um dos filhos de José e adorou encostado à ponta do seu bordão.

Podemos destacar três fases da vida de Jacó: • • •

Ele nasceu lutando; Viveu enganando; Morreu abençoando.

I. Nasceu lutando. A primeira batalha de Jacó foi com seu irmão ainda no ventre materno. “E os filhos lutavam dentro dela; então, disse: Se assim é, por que sou eu assim? E foi-se a

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perguntar ao Senhor. E o Senhor lhe disse: Duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas: um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor” (Gn 25.22,23). Jacó também lutou “... com Deus e com os homens”, quando atravessava o ribeiro de Jaboque (Gn 32.28). Na primeira batalha, Jacó nasceu fisicamente — na se­ gunda, nasceu espiritualmente (Gn 32.30). Ele ainda partici­ pou de uma outra batalha com os amorreus por causa de "... um pedaço de terra”, cujos detalhes não nos são revelados. Contu­ do, esta batalha aconteceu — e nela Jacó foi vitorioso (Gn 48.22). 2. Viveu enganando. O lado negativo de Jacó foi o enga­ no. Talvez seu nome tenha exercido alguma influência sobre isso, pois sua vida mudou quando Deus mudou o seu nome de Jacó para Israel. Jacó quer dizer “suplantador”, ou “enga­ nador”, enquanto Israel significa “aquele que luta com Deus”. Jacó enganou seu pai (Gn 27.29), seu irmão (Gn 27.36), seu sogro algumas vezes (Gn 30). Foi também enganado diversas vezes (Gn 29; 30). Ali operava a lei do mais esperto: “engana­ do e sendo enganados” (2Tm 3.13). 3. Jacó morreu abençoando. Após seu encontro com Deus no vale de Jaboque, Jacó se transformou em um novo homem, e a partir daí ele é mencionado por diversas vezes abençoando. • • • •

Abençoou a Faraó (Gn 47.7,10); Abençoou os filhos de José (Gn 48.9,10); Abençoou seus 12 filhos (Gn 49.28); Finalmente, morreu adorando. 22

Pela fé, José, próximo da morte, fez menção da saída dos filhos de Israel e deu ordem acerca de seus ossos.

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Já bem perto de sua morte, José profetizou a libertação dos filhos de Israel do jugo egípcio, dizendo: “Certamente, vos visitará Deus, e fareis transportar os meus ossos daqui” (Gn 50.25). José recebeu de Deus um discernimento especi­ al no tocante à posse da Terra Prometida. Isso explica o seu desejo de que seus ossos fossem conduzidos quando Deus provesse a grande libertação de seu povo, e ali em Canaã fossem sepultados como símbolo da participação na liber­ dade conferida por Deus. Quando “... subiram os filhos de Israel da terra do Egito armados. E tomou Moisés os ossos de José consigo, porquanto havia este estreitamente ajuramentado aos filhos de Israel, dizendo: Certamente Deus vos visitará; fazei, pois, subir daqui os meus ossos convosco” (Ex 13.18,19). O desejo deste grande servo de Deus foi por ele e pelo povo eleito cumprido! “Também enterraram em Siquém os ossos de José, que os filhos de Israel trouxeram do Egito, naquela parte do campo que Jacó comprara aos filhos de Hamor...” (Js 24.32).

VII. Moisés e o Êxodo 23

Pela fé, Moisés, já nascido, foi escondido três meses por seus pais, porque viram que era um menino formoso; e não temeram o mandamento do rei. Esconder uma criança saudável e robusta com poder absoluto de chorar, espernear e gritar em alta voz foi real­ mente um ato de fé. Contudo, chegou um momento quan­ do seus pais “não podendo, porém, mais escondê-lo”, usa­ ram novamente o poder da fé. Moisés foi colocado numa

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“arca de junco” e esta lançada nas correntezas do rio Nilo. Mas a mão divina guiou aquela pequena “embarcação” até onde se encontrava a filha do monarca egípcio que, vendo Moisés chorando: "... moveu-se de compaixão dele”. A partir daí, a fé e a proteção divina estavam presentes na vida daquele que Deus havia escolhido para libertar o seu povo da escravidão. 24

Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, Ser chamado filho da filha do monarca egípcio era um dos maiores privilégios daquela época. Recusar tamanho privilégio era, portanto, um verdadeiro ato de fé. Moisés foi alvo da mise­ ricórdia de Deus e também da bondade da princesa egípcia Thermuthis (segundo Flávio Josefo, é o nome da princesa que adotou Moisés. Alguns historiadores afirmam ainda que seu nome seria Hatchepsute2 ), filha de Faraó, que passeava pela margem do rio Nilo, “... viu a arca no meio dos juncos, e enviou a sua criada, e a tomou. E, abrindo-a, viu o menino, e eis que o meni­ no chorava; e moveu-se de compaixão dele...” (Êx 2.5,6). Thermuthis, não tendo filhos, “... o adotou; e chamou o seu nome Moisés e disse: Porque das águas o tenho tirado” (Êx 2.10). 25

escolhendo, antes, ser maltratado com o povo de Deus do que, por um pouco de tempo, ter o gozo do pecado; Somente a eternidade poderá nos revelar o que a fé pode fazer para honrar a Deus, como a decisão de Moisés em escolher

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ser maltratado ao lado de um grupo de escravos, sofrendo debai­ xo do julgo egípcio. Tal decisão levou Moisés a ser odiado por Faraó e pelos seus súditos. Josefo nos informa que antes mesmo da morte do egípcio por Moisés, os súditos de Faraó aconselha­ ram ao rei que o mandasse matar. O monarca prestou ouvidos a tais palavras, porque a grande fama de Moisés já lhe causava inveja e ele começava a temer que o sobrepujasse também. Mas Moisés nada disso temeu; ele sabia que Deus tinha um plano para sua vida com relação a Israel. E pelos inúmeros incidentes que marcaram sua vida, ele era, portanto, a pessoa escolhida por Deus para a libertação de seu povo (cf. At 7.25). O Diabo usou de todos os meios sombrios de destruição e de todas as suas artimanhas para que Moisés não se tornasse o grande libertador do povo de Deus, buscando assim frustrar o plano divino para com este povo. Mas Deus operou milagrosamente em tudo, e mais uma vez, como sempre, o Diabo foi derrotado. 26

tendo, por maiores riquezas, o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa.

Quem conhece o Egito sabe que ali existem alguns dos maiores tesouros da humanidade encontrados pela arqueolo­ gia. O museu de Antiguidade do Cairo revela todos os deta­ lhes dessa suntuosidade. Basta contemplar os tesouros que foram encontrados no túmulo de Tutankamon, no Vale dos Reis, monarca egípcio assassinado aos 18 anos de idade. Este achado deu-se em 4 de novembro de 1922, por Howard Carter. O sarcófago onde se encontrava o corpo do rei é recoberto de ouro e pesa cerca de 1.800 libras (cerca de 816 quilos). Sua

230 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

máscara mortuária consta de 200 quilos de ouro incrustado com lápis-lazúli, turquesas e coralinas. Além de mais quatro sarcófagos — todos recobertos de ouro, inúmeros objetos, em sua maioria de ouro ou pedras preciosas, foram também ali encontrados. Além dos tesouros de Tutankamon, outros acha­ dos preciosíssimos relacionados à vida dos faraós têm sido encontrados pela arqueologia ou por pessoas comuns. Flávio Josefo também nos diz que quando Faraó colocou Moisés em seus braços, para agradar a sua filha, mandou que colocassem na cabeça de Moisés um diadema. Moisés, como uma criança que se diverte, tirou-o e o jogou no chão, pisando-lhe em cima. Muitos destes “tesouros do Egito” foram descobertos, inclu­ sive em escavações mais recentes. Contudo, Moisés teve por “... maiores riquezas o vitupério de Cristo... porque tinha em vista a recompensa” do porvir. 27

Pela fé, deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou firme, como vendo o invisível. Ver o invisível parece contraditório quando visualizado na esfera humana. Pois se é invisível, como pode alguém ver? Talvez por esta razão alguns tradutores traduziram esta parte final do versículo, “... como quem vê aquele que é invisível”. Nesse caso seria uma referência direta a Deus ou a Cristo. Mesmo havendo esta emenda de tradução, o sentido original deve ser aqui conservado. “Como vendo o invisível” está de acordo com o argumento e a tese principal daquilo que foi dito no início no tocante à definição da fé. Ela é “... o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não vêem”. Moisés não estava vendo o futuro com os

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Pela Fé...

olhos naturais — mas estava vendo e crendo nele, com os olhos da fé. Ele sabia que “as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que o amam” (I Co 2.9); por esta razão ficou firme na esperança de recebê-las. 25

Pela fé, celebrou a Páscoa e a aspersão do sangue, para que o destruidor dos primogênitos lhes não tocasse. Tudo relacionado com a Páscoa tinha um significado pro­ fundo e um infinito alcance. Ela apontava para Cristo, que é a “... nossa Páscoa” (I Co 5.7). Como também aquele sangue que oferecia proteção contra o malho destruidor da ira divina tinha também uma significação toda especial. O sangue do cordeiro ordinário, por si mesmo, sem a mistura da fé, não podia oferecer proteção alguma, mas aquele sangue apontava para o tempo em que Jesus morreria como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E assim como o sangue aspergido nos umbrais das portas do povo escolhido lhe garantiu proteção contra o anjo destruidor, também o sangue de Jesus nos oferece proteção contra o avanço das forças do mal, que possibilitam a destruição das almas. A promessa de Deus era esta: “... vendo eu sangue, passarei por cima de vós, e não haverá entre vós praga de mortandade” (Ex 12.13). 29

Pela fé, passaram o mar Vermelho, como por terra seca; o que intentando os egípcios, se afogaram. Os céticos têm oferecido inúmeras explicações técnicas para negar a possibilidade da operação divina na travessia do

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

mar Vermelho. Porém, todas elas, têm sido rejeitadas pelo povo de Deus em geral e também por aqueles que crêem na possibi­ lidade dos milagres de Deus. A Bíblia afirma que Deus orde­ nou a Moisés, dizendo: “levanta a tua vara, e estende a tua mão sobre o mar, e fende-o, para que os filhos de Israel pas­ sem pelo meio do mar em seco... Então, Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e o Senhor fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite; e o mar tornou-se em seco, e as águas foram partidas. E os filhos de Israel entraram pelo meio do mar em seco; e as águas lhes foram como muro à sua direita e à sua esquerda” (Êx 14.16,21,22). Qualquer outra explicação fora deste contexto não se harmoniza nem com a tese e nem com o argumento principal. Tudo foi possí­ vel pelo caminho da fé. Os egípcios intentaram fazer a mesma trajetória, seguindo pelo mesmo caminho pelas vias naturais — mas “... se afogaram”. Eles ignoraram que aquele caminho aberto pelo sopro das narinas de Deus era exclusivamente para o seu povo. E isto é confirmado pelo profeta Isaías, séculos depois, quando diz: “E ali haverá um alto caminho, um cami­ nho que se chamará O Caminho Santo; o imundo não passará por ele, mas será para o povo de Deus; os caminhantes, até mesmo os loucos, não errarão” (Is 35.8).

VIII. Diversos Livramentos e Vitórias mediante a Fé Pela fé, caíram os muros de Jericó, sendo rodeados durante sete dias. 30

A queda dos muros de Jericó foi um ato de fé. A fé coo­ perou e Deus operou com a fé de seu povo. Apenas uma parte

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do muro ficou de pé, mas isso só foi possível por causa da fé — a fé de Raabe. O restante todo foi “abaixo”. Isto significa que eles não caíram nem para a direita e nem para a esquerda, mas foram pressionados por uma força sobrenatural e caíram abai­ xo. Deus assim operou para facilitar o acesso a “... todos os homens de guerra”, para efetuarem a conquista da cidade ao mesmo tempo. Isto fica subentendido em (Js 6.20), que diz: “o povo subiu à cidade, cada qual em frente de si”. O que a fé produziu tem sido confirmado pelo testemunho da História. As investigações arqueológicas com suas pás, picaretas e tábu­ as cronológicas confirmam em cada detalhe a descrição bíbli­ ca da tomada da cidade de Jericó pelo povo eleito. Pela fé, Raabe, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os espias. 31

O capítulo 11 faz menção apenas de duas mulheres usan­ do seus nomes — uma delas é Raabe. Ela também é citada na genealogia de nosso Senhor (Mt 1.5) e Tiago apresenta-lhe como exemplo da fé e das boas obras cristãs, dizendo: “E de igual modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pe­ las obras, quando recolheu os emissários e os despediu por outro caminho?” (Tg 2.25) Lendo Josué 2.15, encontramos a casa de Raabe, a meretriz, edificada sobre o muro da cidade. Confrontando esta passagem com Josué 6.22, fica subenten­ dido que a única parte do muro que não caiu foi exatamente aquela onde se encontrava a casa de Raabe. Ali naquela casa foi colocado um “... cordão de escarlata”, símbolo do sangue de Cristo, o que fez com que Deus passasse por cima. “... vendo eu sangue, passarei por cima de vós” (Êx 12.13). Hoje,

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

o sangue de Jesus nos oferece uma segurança ainda maior. Aquele sangue livrava Israel da morte física; o de Jesus, da morte eterna. Isso é glorioso, não? 32

E que mais direi? Faltar-me-ia o tempo contando de Gideão, e de Baraque, e de Sansão, e de Jefté, e de Davi, e de Samuel, e dos profetas, Neste versículo há um resumo da vida de vários persona­ gens da Bíblia, cujas vidas e exemplos foram marcados por acon­ tecimentos onde a fé milagrosamente esteve presente. Aqui está a lista desses heróis da fé: Gideão (Jz 6—9), Baraque (Jz 5), Sansão (Jz 13—16), Jefté (Jz II; 12), Davi (I Sm 16 e ss), Samuel (I Sm I e ss); depois todos os profetas — estão aqui em foco os profetas do Antigo Testamento. Os maiores e os menores, isto é, desde Samuel até João Batista. Todos foram homens de elevado desenvolvimento espiritual e de caráter marcado pela pureza e pela santidade, sendo dignos exemplos de fé. O escritor citou aqui alguns nomes de maneira abreviada, alegando que lhe falta­ va tempo, talvez por causa de sua morte ou de uma outra ativi­ dade que requeria sua presença urgentemente. Contudo, a pe­ quena lista de nomes aqui deixada já é suficiente para que nós e nossos filhos edifiquemos nossa fé em tudo aquilo que Deus fez, faz e pode fazer, em qualquer dispensação (Hb 2.1). 33

os quais, pela fé, venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas, fecharam as hocas dos leões, Alguns personagens das Escrituras estiveram envolvidos com leões; entre eles destacamos:

235 Pela Fé...

Sansão. “Desceu, pois, Sansão com seu pai e com sua mãe a Timna; e, chegando às vinhas de Timna, eis que um filho de leão, bramando, lhe saiu ao encontro. Então, o Espí­ rito do Senhor se apossou dele tão possantemente, que o fen­ deu de alto a baixo, como quem fende um cabrito, sem ter nada na sua mão...” (Jz 14.5,6). Benaia. “Também Benaia, filho de Joiada, filho de um valente varão, grande em obras, de Cabzeel; ele feriu dois for­ tes leões de Moabe; e também desceu e feriu um leão dentro de uma cova, no tempo da neve” (I Cr 11.22). O profeta de Judá. O profeta que profetizou contra Jeroboão, ainda que de maneira inversa, pois o seu caso, exemplifica aqueles que não honraram a fé. “E sucedeu que, depois que comeu pão e depois que bebeu água, albardou ele o jumento para o profeta que fizera voltar. Foi-se, pois, e um leão o encontrou no caminho e o matou” (I Rs 13.23,24). Daniel. “Então, o rei ordenou que trouxessem a Daniel, e o lançaram na cova dos leões. E, falando o rei, disse a Daniel: O teu Deus, a quem tu continuamente serves, ele te livrará...” (Dn 6.16-22). Paulo. O apóstolo Paulo também falou do poder da fé que fechou a boca de um tal leão, que queria lhe devorar. “... o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me... e fiquei livre da boca do leão” (2Tm 4.17). Pedro. Na conclusão de sua primeira epístola, Pedro nos adverte: “... o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa traga; ao qual resisti firmes na fé...” (I Pe 5.8,9). As palavras de Pedro, aqui, são uma figura do inimigo de nossas almas, mencionado como leão “buscando a quem possa tragar”, o qual só pode ser ven-

236 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

cido pelo poder de Deus, mediante a fé. A promessa divina para os santos é que pisaremos pela fé o leão e a áspide; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente” (SI 91.13). Estas palavras são aplicadas diretamente a nosso Senhor Jesus Cris­ to, pois falavam de sua vitória sobre o Diabo; mas por exten­ são, elas podem também ser aplicadas a todos os santos, de todos os tempos. 34

apagaram aforça do fogo, escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças, na batalha se esforçaram, puseram em fugida dos exércitos dos estranhos. Quando Israel andava no deserto, uma parte do povo que se encontrava na última parte do arraial murmurou, e em res­ posta a sua murmuração contra Deus e contra Moisés, o Senhor mandou fogo que os consumiu. “Então, o povo clamou a Moisés, e Moisés orou ao Senhor, e o fogo se apagou” (Nm 11.1,2). Por outro lado, os três companheiros de Daniel — Sadraque, Mesaque e Abede-Nego — foram salvos por Deus da fornalha de fogo ardente do rei Nabucodonosor. O próprio rei testemunhou di­ zendo: “vejo quatro homens soltos, que andam passeando den­ tro do fogo, e nada há de lesão neles”. Tudo isso foi possível porque o quarto homem, chamado Filho de Deus pelo rei, esta­ va ali com seus servos (Dn 3.25). Ele é o autor e consumador da nossa fé, e nEle encontramos a confirmação de todas as promes­ sas de Deus, que “são nele sim, e por ele o Amém, para glória de Deus, por nós” (2 Co 1.20). A fé, no campo físico, pode apagar a furia do fogo, mas também, no campo espiritual, pode apagar todos os dardos inflamados do maligno que são enviados para destruir os filhos de Deus (cf. Is 43.2; Ef 6.16).

237 Pela Fé...

IX. Sofrimentos pela Fé 35

As mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos; uns foram torturados, não aceitando o seu livramento, para alcançarem uma melhor ressurreição; Podemos deduzir deste versículo duas linhas de pensa­ mento, para que possamos chegarmos a uma conclusão satisfatória. Io As mulheres que receberam pela ressurreição os seus mortos devem ser aquelas que no Antigo e no Novo Testamen­ tos foram envolvidas em tais acontecimentos. São elas: a viúva de Sarepta, de Sidom (I Rs 17.17-24); a sunamita (2 Rs 4.1737); a mãe, irmã ou a esposa do homem que tocou nos ossos de Eliseu (2 Rs 13.21); a viúva de Naim (Lc 7.I2-I5); a espo­ sa de Jairo, principal da sinagoga (Lc 8.51-56); Marta e Maria (Jo 11.1 -45), que receberam as boas novas da ressurreição de Jesus; Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, e as ou­ tras que com elas estavam (Lc 24.1-10); as irmãs de Jope (At 9.36-41); a mãe e irmãs de Eutico (At 20.9-12). 2° As mulheres cujos entes queridos ressuscitaram por ocasião da ressurreição de Jesus. Por eles serem “santos”, fo­ ram incluídos pela fé neste grupo de santos (Mt 27.52,53). Estes, em sua maioria, eram santos do Antigo Testamento, mas é obvio que alguns deles morrem durante a vida terrena do Senhor Jesus, e foram ali incluídos como primícias da res­ surreição da imortalidade (I Co 15.23). 36

E outros experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões.

238 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Estes sofrimentos que são mencionados aqui, e que fo­ ram suportados pelos santos de ambos os pactos, foram infli­ gidos pelo Diabo como armas mortais contra o povo de Deus. José foi lançado numa prisão embora fosse inocente (Gn 39.20); Micaías foi aprisionado por ordem de Acabe (I Rs 22.27,28); Jeremias foi lançado no calabouço (Jr 37.15,16). O próprio Jesus foi escarnecido (Mt 27.29; Lc 23.11). Al­ guns foram presos: Pedro e João (At 4.3; 5.18), Paulo e Silas (At 16.19,23,24); foram açoitados (At 5.40; 16.22,33; 2 Co 11.24.25). E nos anos que se seguiram, inúmeros cristãos so­ freram também essas coisas (cf. Ap 2.10, etc.). Atualmente, de acordo com notícias vindas de todas as partes do mundo, há cristãos que se encontram aprisionados em vários países, muitos deles até mesmo sendo mortos por causa de sua fé e do Evangelho da glória de Deus. 37

Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos a fio de espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados

Destacamos aqui alguns episódios em que os santos fo­ ram envolvidos. Entre os que foram apedrejados, destacamos Nabote (I Rs 21.8-14); Zacarias, filho do sacerdote Joiada (2 Cr 24.20,21); Estêvão (At 7.59) e Paulo (At 14.19; 2 Co 11.25). Tentaram também fazer isso com Jesus em várias oca­ siões, mas não conseguiram (Jo 10.31,32; 11.8). Outros pro­ fetas foram apedrejados em Jerusalém (Mt 21.35; 23.37) e outros, ainda, serrados. O Talmude babilônico diz que o pro­ feta Isaías morreu assim. Segundo a tradição, ele foi amarrado a uma árvore e subseqüentemente, esta foi serrada em duas

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Pela Fé...

partes. Esta mesma tradição afirma que os heróis Macabeus também morreram assim. Muitos outros, pela fé, foram mor­ tos ao fio da espada. Outros, pela fé, escaparam do fio da espada (v. 34). 85 sacerdotes do Senhor com suas famílias morreram assim, por ordem de Saul (I Sm 22.18,19). O pro­ feta Elias, quando encontrava-se escondido numa caverna no monte Horebe, lamuriou-se a Deus, dizendo que um grande número de seus profetas haviam sido mortos ao fio da espada (I Rs 19.10,14). A parte final deste versículo apresenta cir­ cunstâncias de natureza geral: “andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados”. So­ frimentos estes que estão presentes ao longo de toda a vida dos santos (cf. Pe 5.9). 38

(homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da terra. Somente o céu, a pátria celestial, é digno da presença des­ tes homens santos que foram mencionados aqui. Contudo, por um pouco de tempo, Deus permitiu que eles passagem por aqui, a fim de deixar-nos exemplo para que sigamos as suas pisadas. Alguns têm pensado que Paulo tenha sido de fato o autor desta epístola, e que este capítulo 11 foi esboça­ do por ele quando passava pela antiga Via Àpia, que dá acesso às catacumbas — cemitério subterrâneo que posteriormente serviu de refúgio aos cristãos. Quando seguia para sua prisão domiciliar, onde passou dois anos até ser condenado à morte, ao ser transferido para o cárcere Mamertino (At 28.30), Pau­ lo foi conduzido através da Porta San Sebastiano, comumente

240 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

conhecida como Porta Appia, do outro lado da qual inicia-se a chamada strada delle catacombe: a Appia antica. E, de fato, ao longo desta via que se encontram os cunículos escavados na pedra porosa e utilizados, originalmente, para abrigar os despojos dos mártires que ocupavam os cubículos e de famílias cristãs que eram sepultadas, por sua vez, em simples lóculos. Assim, profeticamente falando, as “covas e cavernas da terra” apontavam para este sentido. 39

E todos estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, O desejo de todos os santos do Antigo Testamento era ver Jesus Cristo fisicamente e ser testemunha de sua ressurreição. O próprio Mestre falou disso a seus compatriotas, dizendo: “Mas bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvi­ dos, porque ouvem. Porque em verdade vos digo que muitos pro­ fetas e justos desejaram ver o que vós vedes e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram” (Mt 13.16,17). A maior satis­ fação do sacerdote Simeão foi contemplar a Jesus fisicamente di­ ante de seus olhos. “Ele, então, o tomou em seus braços, e louvou a Deus, e disse: Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois já os meus olhos viram a tua salvação” (Lc 2.28-30). Abraão, só em ver o dia de Cristo, alegrou-se (Jo 8.56). O mesmo conceito pode ser aplicado aos santos que mor­ reram antes do arrebatamento da Igreja. Contudo, foi-lhes assegu­ rado que todos ressuscitarão naquele glorioso dia (I Ts 4.13-18). 40

provendo Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados.

241 Pela Fé...

A perfeição é tanto individual como coletiva. Mas ela so­ mente pode ser encontrada em Cristo e por meio de Cristo, poi Ele é o centro e o caminho para a perfeição almejada por cada cristão. Paulo falou dessa perfeição; ele desejava que to­ dos os santos fossem aperfeiçoados. “Até que todos chegue­ mos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4.13). A perfeição plena dessas testemunhas do Antigo Testa­ mento dar-se-á por ocasião da ressurreição e trasladação de todos os santos que morreram na fé e viveram por ela em ambas as dispensações, no dia do arrebatamento da Igreja. Ali, diante do poder de Deus, todos seremos transformados e receberemos o corpo da imortalidade. E isso que Paulo chama de “... adoção, a saber, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23).

1

MERRIL, Eugene H. História de Israel no Antigo Testamento, CPAD, Rio de Janeiro, 2001, p. 34. 2

Ib„ p.54.

Perseverança em meio às Provaçòes

I. O Cristão como Atleta 1

Portanto, nós também, pois, que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia e corramos com paciência a carreira que nos está proposta, Na Grécia antiga, era permitido aos escravos correrem ao lado das pessoas livres nas competi­ ções olímpicas. Foram criadas leis especiais que asseguravam ao escravo a liberdade, se este fosse vencedor do prêmio. A coroa da vitória era posta na sua cabeça e automaticamente aquele escravo recebia para sempre a sua liberdade. No entanto, durante as competições eram colocadas jóias pre-

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Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

ciosas no trajeto percorrido pelos atletas. O objetivo disso era despertar o interesse do escravo a fim de que seus passos fossem “embaraçados”, ao se deter para apanhar as jóias. Muitos eram levados pela tentação de pegá-las e assim, não cruzavam a linha de chegada em primeiro lugar, perdendo o prêmio e, conseqüentemente, a liberdade. Paulo lembrou es­ tes acontecimentos quando comparava os obreiros cristãos aos atletas, advertindo-nos: “... Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma incorruptível” (I Co 9.24,25). 2

olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus. O autor sagrado continua aqui a mesma argumentação iniciada no versículo primeiro, comparando-nos aos atletas das competições olímpicas. Sete pontos eram rigorosamente observados pelos competidores, mas o principal deles era cor­ rer “olhando para o alvo”. Estes pontos são: Io - Tinham de correr olhando para o alvo — até atin­ gi-lo; 2° - Correr com propósito — legitimamente; 3° - Não correr incerto — como se inconstante; 4o - Esquecer de tudo — lembrar somente da competição; 5o - Não se embaraçar com negócios desta vida — como as pérolas lançadas ao longo do caminho;

245 Perseverança em meio às Provações

6o - Submeter-se à disciplina que a competição exige — subjugar o seu corpo; 7° - Correr até o final — correr com paciência. Esta foi tam­ bém a recomendação do escritor da Epístola aos Hebreus, isto é, correr com paciência até o final e assentar-se ao lado de Cristo à destra do trono de Deus e ali ser coroado (Ap 2.10; 3.20). Considerai pois, aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos. 3

Quando o velho sacerdote Simeão tomou Jesus em seus braços, ele profetizou a seu respeito e disse a Maria: “Eis que este é posto para queda e elevação de muitos em Israel e para sinal que é contraditado” (Lc 2.34). Esta predição do homem de Deus cumpriu-se literalmente na pessoa de Cris­ to. Durante seu ministério terreno, Cristo foi alvo de zom­ baria das autoridades religiosas e civis de Israel. A conduta pecaminosa dessas autoridades fez com que não reconheces­ sem a atuação do Espírito Santo na vida e nas obras de Cris­ to. Eles atribuíram às forças do mal aquilo que estava sendo realizado pelo Espírito Santo. Os fariseus ignoraram a ori­ gem do poder de Jesus, isto é, atribuíram ao príncipe dos demônios as operações miraculosas que Jesus realizava pelo poder do Espírito de Deus. Nosso Senhor advertiu aos escribas e fariseus sobre o tenebroso perigo da rejeição de suas almas com vistas ao mundo vindouro. Jesus havia de­ monstrado que, tanto a razão quanto a instrução religiosa e espiritual a eles oferecidas, não deixavam dúvidas de que o Espírito Santo operava através dEle.

246 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

II. Exemplos quanto ao Sofrimento dos Santos 4

Ainda não resististes até ao sangue, combatendo contra o pecado. O escritor sagrado lembra aqui aos cristãos hebreus que reconhecia o sofrimento que os atingiu. Alguns deles havi­ am perdido seus bens, pois tiveram suas propriedades confiscadas; outros tinham sido aprisionados — e além de tudo, tinham sido também desprezados pela comunidade religiosa judaica, que não aceitava a fé de nosso Senhor Jesus Cristo. Contudo, Deus os guardou, não permitindo que fos­ sem martirizados pelo poder opositor daqueles dias. Isto é, eles sofreram muito, mas não chegaram a resistir “... até ao sangue”, como Jesus, Estêvão, Tiago, irmão de João, Antipas e outros cristãos da Igreja Primitiva. No decorrer dos sécu­ los, a História registra que outros filhos de Deus chegaram a resistir até ao sangue, combatendo contra o pecado, como descreve Eusébio em sua obra História Eclesiástica. Também nos é dito que alguns santos terão seu sangue derramado duran­ te a Grande Tribulação, por cuja razão eles pedem a Deus vingança contra seus inimigos (Ap 6.10). E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor e não desmaies quando, por ele, fores repreendido; 5

Na maioria das vezes, pensamos que o sofrimento é algo fora do controle divino, e algumas vezes chegamos até mesmo

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Perseverança em meio às Provações

a perguntar ao Senhor se não há uma maneira mais suave de nos ensinar. Entretanto, muitas vezes o açoite de Deus testifica de seu amor para conosco, pois aqueles que não toleram ser castigados por Deus, para sua própria salvação, podem num futuro bem próximo perder suas almas. O apóstolo Paulo re­ laciona em 2 Coríntios 11 uma série de sofrimentos atrozes aos quais foi submetido. “São ministros de Cristo? (Falo como fora de mim.) Eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um; três vezes foi açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens, muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias, muitas vezes,

248 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

em fome e sede, em jejum, muitas vezes, em frio e nudez” (2 Co 11.23-27). Contudo, em meio a estas e outras calamidades, ele ou­ viu a voz do Pai eterno, que lhe dizia: “A minha graça de basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza... Pelo que sinto prazer nas fraquezas [responde agora Paulo], nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando estou fraco, então, sou forte” (2 Co 12.9,10).

III. O Senhor Corrige o que Ama 6

porque o Senhor corrige o que ama e açoita a qualquer que recebe por filho. Nem sempre é assim, mas na maioria das vezes o sofri­ mento do santo serve como uma espécie de adubo em sua vida espiritual, e por meio destas provas alguns dos frutos do Espírito Santo começam então a brotar. Davi afirmou que o sofrimento divino lhe foi proveitoso para sua vida espiritual perante Deus: “Antes de ser afligido, andava errado; mas ago­ ra guardo a tua palavra” (SI 119.67). E depois acrescenta: “Foime bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatu­ tos” (SI 119.71). Em Hebreus 5.8, o autor fala de Jesus como sendo um filho que fora ensinado pelo Pai, dizendo: “Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que pade­ ceu”. Não sabemos o porquê deste mistério, mas alguns sofri­ mentos trazem bênçãos inauditas para os filhos de Deus (cf.

249 Perseverança em meio às Provações

Rm 8.28). O apóstolo Paulo, escrevendo aos filipenses, reco­ nhece que em meio ao abatimento de sua alma, vinha logo da parte de Deus o fortalecimento, e assim escreveu: “Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Fp 4.12,13). 7

Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque que filho há a quem o pai não corrija? Através da morte de Cristo, os cristãos receberam o direi­ to de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus” (Jo 1.12,13). Mais adiante, o mesmo João conclui: “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser...” (I Jo 3.2). Deus nos trata como filhos, ainda que em algumas ocasiões Ele passe a nos corrigir de maneira que aos nossos olhos pareça que “... coisa estranha” esteja acontecen­ do; mas é para o nosso bem e para nossa edificação espiritual (I Pe 4.12). Aqui, portanto, está o segredo desta exortação divina com respeito a seus filhos. Deus sabe o que é melhor para os seus filhos, e vez por outra nos envia sua disciplina, e assim “... somos transformados de glória em glória, na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Co 3.18). Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois, então, bastardos e não filhos. 8

250

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

No grego, a palavra “bastardo”, conforme se traduz no texto em foco, é nothos, e significa um “produto que foi adulterado”. Com relação à família, tal expressão era usada para denotar “um filho ilegítimo”, que nascera de uma re­ lação fora do lar. No mundo antigo, em sentido geral, o filho de uma meretriz era expulso de casa, sob a alegação de que o mesmo não podia fazer parte da herança paterna. Veja-se o que se diz de Jefté, o grande herói de Deus, quando foi rejeitado por seus irmãos: “Não herdarás em casa de nosso pai, porque és filho de outra mulher” (cf. Jz 11.2). Sendo expulso da casa paterna, este filho bastardo era aban­ donado, ficando assim à mercê da própria sorte. Nesse caso, como a correção disciplinar era feita pelo pai, o filho bas­ tardo ficava sem correção. Aqui está, portanto, a nossa gran­ de vantagem, como dizia Crisóstomo: “Visto que não ser disciplinado é prova de que esse alguém é filho bastardo, devemos nos regozijar debaixo da correção, como sinal de nossa genuína filiação”. 9

Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Este versículo aponta para dois ângulos da vida: o huma­ no e o divino. A vida física é proporcional e sustentada pelo poder e pelo cuidado subseqüente dos pais biológicos. A vida espiritual é conferida e sustentada pelo Pai celestial, que é Deus. Deus é o “Pai dos espíritos”, frase esta que inclui todos os espíritos: humanos e angelicais. Todos foram feitos por Ele e

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Perseverança em meio às Provações

através dEle receberam a vida. Nesta particularidade da vida, nosso Salvador Jesus Cristo também encontra-se nela incluí­ do como Criador. “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência” (Cl 1.16-18). 10

Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. A disciplina de Deus visa sempre o proveito espiritual de seus filhos, no entanto seu método de correção está base­ ado em sua misericórdia. Na promessa divina feita a Davi com respeito a Salomão, que edifícaria uma casa ao Senhor, está escrito: “Eu lhe serei por pai, ele me será por filho; e, se vier a transgredir, castigá-lo-ei com vara de homens e com açoites de filhos de homens. Mas a minha benignidade se não apartará dele...” (2 Sm 7.14,15). A correção em geral, aqui apresentada, visa o “proveito, para sermos participan­ tes da sua santidade”, porque Deus é santo e exige de seus filhos a santidade. É o que confirma Pedro: “Como filhos obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes havia em vossa ignorância; mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver” (I Pe 1.14,15).

252 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

11

E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas, depois, produz um fruto pacifico de justiça nos exercitados por ela. Na suma deste argumento sobre a correção de Deus para com seus filhos, há dois erros em que eles podiam incorrer com respeito à disciplina: o primeiro seria o desprezo da cor­ reção de Deus, julgando ser um castigo e rejeitando-a sem aceitação alguma (v. 5); o segundo seria desanimar sob a cor­ reção, achando que o Pai celestial estava contra ele com o ob­ jetivo de rejeitá-lo como filho (v. 6). O propósito divino, nes­ se caso, não é nos esmagar, e sim, nos ensinar, embora algumas de suas lições nos pareçam de difícil compreensão. Paulo disse que muitas vezes nosso coração pode ser ferido pela tristeza, mas que essa tristeza é produzida pelo próprio Deus. “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salva­ ção, da qual ninguém se arrepende...” (2 Co 7.10).

IV Exortação à Santidade 12

Portanto, tornai a levantar as mãos cansadas e os joelhos desconjuntados, Um corpo somente pode funcionar bem com o auxílio de todas as juntas. Mas para que isso aconteça com perfeição é necessário que todo o corpo se encontre em perfeita saúde (Ef 4.16), o que, segundo nos parece, não podia ser dito so­ bre este grupo de santos. Suas “mãos” encontravam-se im­ possibilitadas para o trabalho e seus “joelhos”, inertes para suas vidas de oração e dedicação a Deus. É lamentável quando

253 Perseverança em meio às Provações

um filho de Deus encontra-se com suas mãos quebradas (Lv 21.19), pesadas (Ex 17.12), mirradas (Lc 6.6), mortas (Jr 11.21), inativas — como no texto em foco. Porém é louvável quando ele se encontra com suas mãos limpas(SI 24.4), es­ forçadas (2 Sm 2.7), confortadas (I Sm 23.16), santas —le­ vantadas! (I Tm 2.8) Outrossim, o desejo de Deus é que seus filhos tenham: A

• • •

Joelhos fortalecidos (Is 35.3); Joelhos que oram (Lc 22.41); Joelhos que adoram (SI 95.6). 13

e fazei veredas direitas para os vossos pés, para que o que manqueja se não desvie inteiramente; antes, seja sarado. A palavra “manco” indica a porção da Igreja que hesitava entre o cristianismo e o judaísmo. A preparação de “veredas direitas”, diante de todos, visava não se desviarem do caminho e nem perderem o prêmio. Existem várias maneias de se con­ vencer alguém a seguir uma orientação: • • • • • •

Pela força moral (princípios e doutrinas) = regras funda­ mentais Pela força social (costumes, normais, leis) = o direito Pela força física (braços e armas) = a guerra Pela força pessoal (o exemplo) = influência psicológica Pela força verbal (falada ou escrita) = retórica Pela força divina (atuação do Espírito Santo) = conven­ cimento

254 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Um bom exemplo demonstrado pela ala da igreja hebréia que permanecia sadia na fé influenciaria a vida espiritual da­ queles que se encontravam manquejando, o que os levaria a serem “sarados”. Nosso bom exemplo dignifica o nome santo de Deus e nossas boas obras podem servir para despertar os homens a buscarem a Deus. Jesus nos ensinou que isto pode ser possível, quando disse: “Assim resplandeça a vossa luz di­ ante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16). 14

Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, A paz e a santificação caminham juntas, porque o fruto da paz contém a essência da natureza da santificação. Ambas procedem do Espírito Santo, que é o Espírito da paz e de santificação. Nas Escrituras Sagradas, tudo que se relaciona com Deus deve ser santo. A terra (Ex 3.5); o sábado (Gn 2.3; Êx 20.8; 31.14; Ne 13.22); o óleo da santa unção (Êx 37.29); as festas (Lv 23.2); o monte do Senhor (SI 15.1); a aliança (Dn 11.30); a comida (I Tm 4.5); a oferta (Mt 23.19); o sangue (Hb 10.29); os crentes (At 20.32; 26.18; I Co 1.2; 7.14; Hb 2.11); os vasos (2Tm 2.21); o altar (Êx 40.10); o caminho (Is 35.8); a cidade (Mt 4.5); os dízimos (Lv 27.32); o jejum (J11.14; 2.15); os sacrifícios (Rm I2.I); os primogênitos dos homens e dos seres (Ex 13.2; Dt 15.19); as convocações solenes (Lv 23.2, etc.). Assim, as Escrituras dizem que: A

• Deus, o Pai, é santo (Lv 19.2);

255 Perseverança em meio às Provações

• •

Jesus, o Filho, é santo (Lc 1.35); Espírito Santo é santo (Jo 14.26).

Deus também exige santidade na tríplice constituição do homem, como escreve o apóstolo Paulo aos tessalonicenses: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Ts 5.23). O apóstolo Pedro, mais adiante, relembra a seus leitores um antigo mandamento do Senhor relacionado com a santificação: “Sede santos, porque eu sou santo” (I Pe I.16). 13

tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem. Muitos ensinamentos das Escrituras foram apresentados por metáfora baseada na vida agrícola. Por exemplo, um pou­ co de parra brava pode envenenar toda a comida (2 Rs 4.3841), como também "... um pouco de fermento faz levedar toda a massa” (I Co 5.6). Lamentavelmente, tem havido es­ paço para algum tipo de erva daninha no seio da Igreja cristã. Quando o bom semeador semeou sua boa semente, “... dor­ mindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirou-se” (Mt 13.25). No contexto espiritual, o texto em foco parece apontar para algum indivíduo ou grupo de pessoas que estavam envenenando a igreja local com algum tipo de ensinamento danoso à pureza e à santidade dos cris­ tãos, o que, segundo o versículo 14, poderia ser entendido como discórdia ou dissensão.

256 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

V O Caráter Profano de Esaú 76

E ninguém seja fornicador ou profano, como Esaú, que, por um manjar, vendeu o seu direito de primogenitura. O incidente que envolve a venda da primogenitura de Esaú encontra-se narrado em Gênesis 25.29-34, que diz assim: "E Jacó cozera um guisado; e veio Esaú do campo, e estava ele cansado. E disse Esaú a Jacó: Deixa-me, peço-te, comer desse guisado vermelho, porque estou cansado. Por isso, se chamou o seu nome Edom. Então, disse Jacó: Vende-me, hoje, a tua primogenitura. E disse Esaú: Eis que estou a ponto de morrer, e para que me servirá logo a primogenitura? Então, disse Jacó: Jura-me hoje. E jurou-lhe e vendeu a sua primogenitura a Jacó. E Jacó deu pão a Esaú e o guisado das lentilhas; e este comeu, e bebeu, levantou-se, e foi-se. Assim, desprezou Esaú a sua primogenitura”. As bênçãos de Deus não podem ser mercadejadas. Elas são dons gratuitos de Deus como ato de sua bondade para com o ser humano. Simão, o mágico de Samaria, ofereceu uma grande quantia em dinheiro pelo dom do Espírito Santo, mas Pedro lhe repreendeu duramente, di­ zendo: “O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro” (At 8.20). Podemos, portanto, tirar destes episódios as seguintes con­ clusões: as bênçãos do Senhor não devem ser: • • • •

Compradas; Vendidas; Trocadas; Desprezadas.

257 Perseverança em meio às Provações

Quem tais atos praticar torna-se um profano. O ato pro­ fano praticado por Esaú foi o seu menosprezo à bênção espi­ ritual: vendendo-a simplesmente por um prato de lentilhas. Que pena! Mas serve de aviso solene para todos nós! Jamais negociemos as bênçãos de Deus por nada desta vida. 17

Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento, ainda que, com lágrimas, o buscou. Depois que Esaú se viu sem a bênção patriarcal, ele se sentiu um homem fora da proteção de Deus. Então “... com lágrimas, o buscou”. Porém “... não achou lugar de arrependi­ mento”. Esta frase parece apontar para três direções, a saber: Esaú não achou lugar de arrependimento: • • •

Em Deus; Em Isaque; Em Jacó.

Assim, a sua perda foi tríplice e sua rejeição também. Diz F. W. Grant: “Um só ato pode revelar o caráter de uma pes­ soa”, como sucedeu com Esaú! Por um prato de comida ele negociou a sua primogenitura, e esse ato o caracterizou como uma pessoa profana, isto é, que habitualmente deixa Deus fora dos seus planos. Ainda assim ele desejava a bênção, e a buscou ardentemente depois de a ter perdido, como Balaão, que que­ ria morrer a morte dos justos sem ter vivido a vida dos justos (Nm 23.10). Assim, Esaú ‘“não achou lugar para o arrepen­ dimento’ porque, embora quisesse a bênção perdida, não jul­ gou seus próprios caminhos diante de Deus”.1

258 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

VI. Estai Prontos ao Terceiro Dia 18

Porque não chegastes ao monte palpável, aceso em fogo, e à escuridão, e às trevas, e à tempestade, O escritor sagrado mostra como na dispensação da graça o povo hebreu que aceitara a fé em Jesus fora beneficiado. Por esta razão ele procura voltar-se para o grande acontecimento sem precedentes: o encontro de Deus com o povo no monte Sinai, para a promulgação da sua santa Lei. Na manhã do terceiro dia de preparação, cada israelita tinha os olhos fixos no monte Sinai. A promessa divina para o povo era: no terceiro dia, o Senhor descerá diante dos olhos de todo o povo sobre o monte Sinai” (Ex 19.11). A coluna se espalhara sobre o topo do monte e a nuvem foi-se tornando cada vez mais escura. E a escuridão era tamanha que o povo andava às apal­ padelas. Então, um terremoto sacudiu toda a montanha. To­ dos tremeram, inclusive Moisés! Deus havia chegado ali! E a montanha inteira parecia pulsar de vida! 19

e ao sonido da trombeta, e à voz das palavras, a qual, os que a ouviram pediram que se lhes não falasse mais; As manifestações divinas que antecipavam a chegada de Deus ali foram algo sem precedente. Em meio à escuridão palpável, a artilharia do céu foi descarregada! Um troar de trovões repercutia por todos os lados! Em meio ao impressi­ onante espetáculo, o sonido de trombeta se tornava cada vez mais intenso. Depois, diante do silêncio do povo, o som da

259 Perseverança em meio às Provações

trombeta deixou morrer seus últimos ecos. “Moisés falava, e Deus lhe respondia em voz alta”. Porém, “à voz das pala­ vras”, aqueles que as ouviram pediram que se lhes não falas­ se mais, não querendo ouvir as palavras da Lei. Então Deus ordenou a Moisés que subisse ao monte, para que recebesse as duas tábuas de pedra em que a Lei havia sido escrita pelo próprio dedo de Deus. Através de uma análise comparativa, o autor procura mostrar aos santos hebreus que seu encon­ tro com Jesus havia sido bastante suave e mesclado ao mes­ mo tempo com a brisa refrigeradora do Espírito Santo e da misericórdia divina. 20

porque não podiam suportar o que se lhes mandava: Se até um animal tocar o monte, será apedrejado. Em obediência à voz divina, ao terceiro dia, Moisés con­ duziu o povo ao pé do monte Sinai. Antes, ele havia instru­ ído alguns levitas que fizessem uma cerca ao redor da mon­ tanha, para que ninguém a traspassasse, conforme o Senhor lhe ordenara, dizendo. “... marcarás limites ao povo em re­ dor, dizendo: Guardai-vos, que não subais ao monte nem toqueis o seu termo; todo aquele que tocar o monte certa­ mente morrerá. Nenhuma mão tocará nele, porque certa­ mente será apedrejado ou asseteado; quer seja animal, quer seja homem, não viverá...” (Ex 19.12,13). Ninguém podia tocar no monte, exceto Moisés quando Deus o chamasse, porquanto era por demais elevado e santo para ser profana­ do por seres humanos pecaminosos, ou mesmo um animal irracional. As proibições distanciavam os homens cada vez mais da presença de Deus. Cristo veio para encurtar esta

260 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

distância que existia entre o homem e Deus. É o que Paulo descreve, dizendo: “Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegaste perto” (Ef 2.13, ênfase do autor). 21

E tão terrível era a visão, que Moisés disse: Estou todo assombrado e tremendo.

Flávio Josefo, falando sobre este acontecimento, diz que “na manhã do terceiro dia, viu-se, antes do nascer do sol, o que até então não se havia ainda visto no mundo. O céu estava tão claro e tão sereno, que não existia a menor nuvem; mas surgiu uma nuvem quase de repente, que cobriu todo o acam­ pamento dos israelitas; um vento impetuoso, acompanhado de grande chuva, levantou um furacão violento; os relâmpagos seguiam-se, um tão perto do outro, que deslumbravam os olhos,. não somente, mas lançavam o terror nos espíritos; o raio que caía com um ruído estranho indicava a presença de Deus... os hebreus julgaram que Deus, em sua cólera, havia feito Moisés morrer e que os tratava do mesmo modo. Quando assim, estavam aterrorizados, viram Moisés aparecer cheio de majestade e resplandecente de glória. Sua presença afastou a tristeza e fêlos conceber melhores esperanças”.2 22

Mas chegastes ao monte de Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos,

Para o povo hebreu, três montes faziam parte da história sagrada e tinham influência em suas vidas:

261

Perseverança em meio às Provações

• • •

O monte Sinai; O monte Moriá; O monte de Sião.

O monte Sinai marcava a presença de Deus na terra, visto ter sido ali que Ele entregara sua Lei a Moisés. O monte Moriá, lugar que Deus mostrou a Abraão onde Isaque deveria ser sacrificado (Gn 22.2). Posteriormente, nele Salomão edificou o templo como símbolo de adoração e de sua contínua presença. O monte de Sião é mencionado por 110 vezes nas Es­ crituras; 90 delas são em termos de grande amor e afeição do Senhor por ele, de modo que o lugar tem grande signifi­ cação e passou a ser identificado com a Jerusalém “lá de cima”, a cidade celestial (Gl 4.26). Este monte também é tomado como figura expressiva do recipiendário do orvalho que, espalhado ao seu redor, simboliza o amor fraternal que deve haver entre os remidos do Senhor (SI 133.3). É tido ainda como símbolo de firmeza e confiança daqueles que em Deus confiam (SI 125.1). No Novo Testamento, quem crê em Cristo chega ao pé deste monte, afirma o escritor sagrado, dizendo: “chegastes ao monte de Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial”.

VII. O Reino Eterno Preparado para os Justos Aperfeiçoados 23

à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados;

262 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

Atualmente, a Igreja é formada por várias famílias, pois cada família na terra torna-se uma extensão da Igreja. Somos, assim, diferentes dos anjos, que mesmo pertencendo à grande família de Deus, são organizados em várias companhias, pois cada anjo é uma criação original e separada. Porém, com a morte de Cristo, o propósito de Deus é “... reunir em um corpo os filhos de Deus...” numa só assembléia, denominada de “a universal assembléia [de anjos] e igreja [dos humanos] dos primogênitos, que estão inscritos nos céus”. Isso terá seu real cumprimento quando os “espíritos dos justos aperfeiçoa­ dos ”, juntamente com os anjos de Deus, formarem um só corpo e uma só família nos domínios eternos da existência. E ali Cristo será adorado com toda a honra e glória que lhe são devidas (cf. Ef 3.14,15; Ap 7.9-12). 24

e a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel. Aqui nesta passagem, o escritor sagrado fala da superi­ oridade do sangue de Cristo sobre o sangue de Abel, o pri­ meiro mártir da fé. Deus respondeu à “voz do sangue” que clamava por justiça desde a terra, pedindo por justiça (Gn 4.10). Mas no texto em foco, o sangue de Cristo fala melhor do que o sangue de Abel, pois este fala lá do céu e clama por salvação. A morte deste justo não deixa de ser importante, porque seu exemplo de fé tem trazido ao povo eleito e ao cristianismo edificação espiritual de suma importância. Con­ tudo, sua morte não tem o significado que tem a morte de Cristo, o Filho de Deus. O de Abel era, de fato, um sangue justo, mas não podia purificar ninguém. O de Cristo, pelo

263 Perseverança em meio às Provações

contrário, por si mesmo, sem nenhum acréscimo, “... nos purifica de todo pecado” (I Jo 1.7). 25

Vede que não rejeiteis ao que fala; porque, se não escaparam aqueles que rejeitaram o que na terra os advertia, muito menos nós, se nos desviarmos daquele que é dos céus,

A Epístola aos Hebreus começa com as seguintes pa­ lavras: “Havendo Deus, antigamente, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falounos, nestes últimos dias, pelo Filho” (1.1). As Escrituras (especialmente o Novo Testamento) inserem as palavras do Filho de Deus quando este esteve aqui na terra. Mas agora, há uma voz celestial, proferida por Cristo, por meio de seu sangue e de sua Nova Aliança; e essa voz não pode ser ig­ norada. A voz de Cristo, em nossas vidas, se verifica de muitas maneiras: no testemunho tranqüilo da oração, no sermão do pregador, na lição da escola dominical, na leitu­ ra da Palavra de Deus; mediante alguma tragédia, enfermi­ dade, abalo; mediante a razão, a vitória, a perda, a alegria, a felicidade, a dor e a morte — a última e contundente ma­ neira de Deus falar! 26

a voz do qual moveu, então, a terra, mas, agora, anunciou, dizendo: Ainda uma vez comoverei, não só a terra, senão também o céu. A afirmação de Deus de mover a terra e o céu foi predita quando Ele prometeu a Israel que em breve viria “o Desejado

264 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

de todas as nações”. “Porque assim diz o Senhor dos Exérci­ tos: Ainda uma vez, daqui a pouco, e farei tremer os céus, e a terra, e o mar, e a terra seca; e farei tremer todas as nações, e virá o Desejado de todas as nações...” (Ag 2.6,7). Este tremor produzido pelo supremo poder de Deus fala da mudança das coisas terrenas e passageiras para uma condição celestial e per­ manente. Cremos que uma série de acontecimentos trarão to­ das estas mudanças, que serão necessárias para que também haja mudança de comportamento nos seres humanos, visto que suas mentes encontram-se impregnadas de vícios e senti­ mentos perversos. A vinda de Jesus, a Grande Tribulação e o Milênio trarão todas estas mudanças estruturais na História e no comportamento humano. 27

E esta palavra: Ainda um vez, mostra a mudança das coisas móveis, como coisas feitas, para que as imóveis permaneçam. Os céus e a terra também fazem parte desta grande mu­ dança. No Dia do Senhor, “... os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há se queimarão” (2 Pe 3.10). Mas o alvo prin­ cipal que parece tomar aqui o pensamento do escritor sagrado é a mudança de todos os sistemas religiosos do mundo. Isto inclui todo tipo mosaico de prática religiosa, com sua legisla­ ção, suas cerimônias, seu legalismo — a antiga aliança e suas provisões, enfim. Serão todos removidos, para que a Nova Aliança, selada pelo sangue do Cordeiro de Deus, assuma em todas as esferas o controle total e universal. Tudo isso será possível pela operação do Deus Todo-poderoso. Ele efetuará

265 Perseverança em meio às Provações

uma total mudança, fazendo “novas todas as coisas” num es­ tado de santidade e perfeição (Ap 21.5). 25

Pelo que, tendo recebido um Reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e piedade;

Este reino que jamais pode ser abalado é o Reino de Deus, que foi implantado no coração daquele que recebe a Jesus como Salvador. Ele não pode ser abalado ou destruído, porque este “... Reino não terá fim” (Lc 1.33). Sua esfera é puramente espi­ ritual, dentro da qual a vontade divina é aceita, isto é, o mundo natural e tudo o que nele existe em estado de pureza, como também as vidas dos homens. No plano da redenção, o Reino de Deus produz salvação e vida eterna para todo aquele que crê. No plano espiritual, o Reino de Deus inclui seus elevados poderes angelicais e todas as coisas, visíveis e invisíveis, que se encontram dentro das esferas de seu domínio — todas as ordens angelicais, conforme já falamos anteriormente, e também to­ dos os santos, tanto do presente como do passado. Nele, cada criatura serve a Deus agradavelmente com reverência e piedade! 29

porque o nosso Deus é um fogo consumidor.

Deus, como fogo consumidor, pode se manifestar de duas maneiras: uma como destruidor de seus inimigos e ou­ tra como um Deus que purifica. O sentido mais apropriado do texto em foco, ao que parece, é este último, porque ao longo do texto a menção feita é aos santos e não aos ímpios.

266

Comentário Bíblico: Judas

A passagem de Malaquias 3.2,3 traz mais luz sobre isso, quando Deus é apresentado pelo profeta, que o compara ao fogo purificador. “... Porque ele será como o fogo do ourives e como o sabão dos lavandeiros. E assentar-se-á, afinando e purificando a prata; e purificará os filhos de Levi e os afinará como ouro e como prata...” Obviamente, não pode haver adoração genuína a Deus sem o respeito reverente. E Deus, quando se manifesta como fogo que tudo consome, impõe respeito e santo temor, que faz com que todos se prostrem em santa adoração (2 Cr 7.1-3).

1

McNAIR, S. E. A Bíblia Explicada, CPAD, Rio de Janeiro, 1997.

2

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus — Antiguidades Judai­ cas, Livro Terceiro, CPAD, Rio de Janeiro, 1992, p. 93.

A Graça Seja com todos Vós

I. Exortações Diversas 1 Permaneça

a caridade fraternal.

O autor sagrado começa esta epístola falando de Deus, que é amor, e parece querer concluí-la dentro do mesmo tema e argumento principal (I.I). O apóstolo Paulo dedicou dois capítulos inteiros da sua Primeira Carta aos Coríntios (12 e 14) para dar instruções sobre os dons espirituais. Mas em meio a estes, reservou o capítulo 13 para falar da excelência da caridade. Ele lembra a seus leitores que a caridade é o solo onde as demais virtudes espirituais irão fluir no coração e na vida santificada de cada cristão. Em seguida, Paulo se­ parou dentro deste mesmo assunto três virtudes

268 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

principais que devem estar presentes na vida espiritual, termi­ nando assim seu argumento sobre a caridade: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três; mas a maior destas é a caridade” (I Co 13.13). Observemos que no versículo em foco o apóstolo fala da fé — da esperança — e da caridade. Como já vimos anteriormente, ele fala também da esperança (7.19) e da fé (11.1). 2

Não vos esqueçais da hospitalidade, porque, por ela, alguns, não o sabendo, hospedaram anjos. Entre aqueles que tiveram a oportunidade de hospedar anjos em suas casas, destacamos: Abraão (Gn 18.1-15); Ló (Gn 19.1-3) e Maria, mãe de Jesus (Lc 1.26-28). Outros tive­ ram encontros marcantes com os anjos de Deus, mas não se diz que estes seres foram hospedados por eles. Somos infor­ mados através de antigos escritores que a hospitalidade era, peculiarmente, uma virtude oriental. No Livro dos Mortos, do Egito, um juízo elogiador era conferido a quem tivesse ali­ mentado aos famintos e vestido aos nus. O Antigo Testamento está repleto de ilustrações da prática da hospitalidade, que de fato era considerada um dever religioso. Os romanos reputa­ vam por impiedade qualquer violação dos ritos de hospitalida­ de. Contudo, havia entre os hebreus um discernimento quan­ do praticavam tal ato (2 Rs 4.8-10), pois sem ele, ao invés de anjos, podiam sem querer hospedar demônios (cf. 2 Jo 10,11). 3

Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo.

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A Graça Seja com todos Vós

Nos dias da Igreja Primitiva, quando esta ocupava-se tãosomente da divulgação da mensagem do Evangelho, muitos cristãos foram presos e maltratados. O próprio Saulo que, até ser transformado por Jesus, “... assolava a igreja, entrando pe­ las casas; e, arrastando homens e mulheres, os encerrava na prisão” (At 8.3). Somos informados de que o encarceramento era tão comum para os primeiros cristãos, que a intercessão em favor dos prisioneiros sempre fazia parte dos cultos da Igreja. O judaísmo também demonstrava cuidados especiais por aqueles que sofriam desse modo, e a intercessão por tais pessoas estava incluída no culto matutino diário das sinago­ gas. Portanto, era óbvio que como a Igreja forma um só cor­ po, o sofrimento de um cristão torna-se extensivo a todos. “De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele...” (cf. I Co 12.26). 4

Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém aos que se dão à prostituição e aos adúlteros Deus os julgará. A pureza do lar faz parte do plano de Deus desde do início da criação, ao que Jesus disse: “... desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea. Por isso, deixará o homem a seu pai e a sua mãe e unir-se-á a sua mulher” (Mc 10.6,7). A poligamia consiste na pluralidade de cônjuges. Existem pelo menos três formas de poligamia: casamento de diversos ho­ mens com diversas mulheres (casamento grupai); casamento de diversos homens com uma só mulher (poliandria) e casa­ mento de várias mulheres com um só homem (poligamia). A poligamia opõe-se à monogamia, que é o casamento de um só

270 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

homem com uma só mulher. Existe também o concubinato, praticado em algumas culturas e povos do mundo. Em geral, tais práticas são rejeitadas pelos conceitos religiosos que se fun­ damentam nos preceitos bíblicos. Billy Graham oferece “Dez Dicas” para um lar sólido, feliz e que honre ao Senhor: 1. Estabeleça a linha de comando de Deus. A Bíblia nos ensina que, para o cristão, Jesus Cristo é o cabeça do lar, com a esposa sob a autoridade de um marido submisso a Cristo e com os filhos sob a responsabilidade de ambos. 2.

Obedeçam ao mandamento de amarem-se mutuamente.

3.

Demonstrem aceitação e apreciação a cada membro da família. Os membros da família devem respeitar a autoridade de Deus sobre eles, como também a autoridade por Deus delegada aos pais. E importante que haja disciplina no lar. E indispensável que haja tempo para que toda a família possa conviver e desfrutar da presença um do outro. No entanto, quantidade de tempo não substitui qualidade de tempo.

4.

5. 6.

7. 8.

9.

Não cometa adultério. O adultério destrói o casamento, sendo pecado contra Deus e contra o cônjuge. Cada membro da família deverá trabalhar para o benefí­ cio mútuo da família como um todo. Os filhos devem ter tarefas a serem cumpridas, e a eles deve ser ensinado que o trabalho enobrece e traz realização. Orem e leiam a Bíblia juntos. Nada poderá unir mais a família do que esse hábito, além de ser a melhor defesa contra as investidas de Satanás.

271

A Graça Seja com todos Vós

10. Deve haver uma preocupação genuína em cada um dos membros da família quanto à salvação de todos. Isto deve estender-se além da família imediata, como avós, tios, tias, primos e agregados. Não há como ser um “sucesso” aos olhos de Deus, se nossas famílias forem desajustadas e sem unidade espiritual. 5

Sejam vossos costumes sem avareza, contentando-vos com o que tendes; porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei. Em Provérbios 30.7-9 há uma oração feita por um homem chamado Agur, para que Deus mantenha em sua vida o equilí­ brio social, de acordo com a necessidade da pessoa humana. “Duas coisas te pedi; não mas negues, antes que morra: afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a pobreza e nem a riqueza; mantém-me do pão da minha porção acostumada; para que, porventura, de farto te não negue e diga: Quem é o Senhor? Ou que, empobrecendo, não venha a furtar e lance mão do nome de Deus”. Muitas pessoas perdem a confi­ ança em Deus quanto à vida material, e não contentando-se com o que têm, começam a fazer negócios ilícitos, seduzidas pelo amor do dinheiro. Elas se esquecem de que “... o amor [o amor — não o dinheiro] do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (I Tm 6.10). O problema aqui não está no “ser rico” — mas no “querer ser rico”. 6

E assim, com confiança, ousemos dizer: O Senhor é o meu ajudador, e não temerei o que me possa fazer o homem.

272 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

A confiança do cristão deve se firmar em Deus, seja qual for a circunstância em ele se encontre. “Porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei”. A ajuda divina sempre este­ ve presente na vida do povo de Deus em ambos os Testamen­ tos. Na oração de Moisés, Deus é retratado como sendo o refúgio eterno de seu povo: “Senhor, tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração” (SI 90.1). Isto significa que Ele nos ajuda a vencer todas as provas e a superar todas as circunstâncias da vida: sejam elas terrenas ou espirituais. Deus é, portanto, “nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia” (SI 46.1, ênfase do autor). O poder humano pode confiscar bens e propriedades, como aconteceu com os cris­ tãos aqui mencionados. Contudo, nada pode fazer com as al­ mas dos salvos que sempre estão a contar com a providência divina. Por esta razão nosso Senhor Jesus Cristo advertiu e encorajou seus discípulos, dizendo: “E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma...” (Mt 10.28). 7

Lembrai-vos dos vossos pastores, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imitai, atentando para a sua maneira de viver. Parecem estar presentes, no versículo em foco, os pastores jubilados, enquanto o versículo 17 se refere aos pastores que se encontram em plena atividade. Não se deve ignorar ou despre­ zar os heróis do passado — especialmente aqueles que nos ofe­ receram bons exemplos realizando importantes obras, fundan­ do igrejas, instituições e outros seguimentos em prol da causa do Mestre amado. Alguns destes pastores já se foram, mas ou­ tros ainda estão vivos entre nós. Devemos inquirir onde se en-

273 A Graça Seja com todos Vós

contram estes obreiros e, se necessário for, socorrê-los em tem­ po oportuno. A lei da divisão dos bens procura fazer justiça aos que estão na guerra e aos que ficaram com as bagagens (cf. I Sm 30.22-25). Os obreiros jubilados são agora guardiães das grandes bagagens que a vida espiritual e ministerial lhes confe­ riram. E em alguns momentos podem também ajudar aqueles que se encontram no campo de batalha precisando de socorro, que somente virá através das orações destes heróis da fé.

II. A Natureza Eterna de Cristo 8

Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente.

Esta passagem mostra a imortalidade do Filho de Deus e, por extensão, aquilo que Ele é quanto ao tempo! Sua vida aqui na terra foi muito curta, tendo durado apenas 33 anos. Talvez tenha sido uma grande perda para a humanidade, que poderia ter desfrutado de sua presença por mais tempo entre os ho­ mens. Contudo, no plano espiritual, era esta a vontade de Deus. As três dimensões em que Cristo se apresenta aqui refletem aquilo que Ele foi, e é, e será para sempre. •





Ele é o mesmo ontem. Cristo é eterno e histórico. Ele nasceu de uma virgem e fez parte do tempo; mas como Deus, Ele é “Pai da Eternidade” (Is 9.6). Ele é o mesmo hoje. Cristo é eterno, histórico e atual porque a sua existência transcende o tempo. Ele existiu e está existindo e continuará a existir! Porque Ele vive e reina para sempre! Ele será o mesmo eternamente. Cristo é eterno porque possui em si a natureza da imortalidade. “O qual é a ima-

274 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

gem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam domi­ nações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi cri­ ado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.15-17). 9

Não vos deixeis levar em redor por doutrinas várias e estranhas, porque bom é que o coração se fortifique com graça e não com manjares, que de nada aproveitaram aos que a eles se entregaram. Nos dias da Igreja Primitiva, várias doutrinas pagãs, além dos ensinos gnósticos, assediavam impertinentemente os cris­ tãos. Essas heresias procuravam a todo custo desviar a mente dos santos do valor justificador da graça de Deus, oferecida por meio de Jesus Cristo. Além destes grupos heréticos, o judaísmo tradicional também procurava colocar dúvidas de que não po­ dia haver salvação sem a observação da lei de Moisés, especial­ mente no tocante à prática da circuncisão. Eles afirmavam: “Se vos não circuncidardes, conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos” (At 15.1). Havia também várias observações sobre bebidas, comidas, lavagens e ordenanças carnais que lhes havi­ am sido impostas como sendo parte do contexto da salvação. Com efeito, porém, o escritor sagrado salienta que nada destas coisas tem proveito para as virtudes da alma, e sim, a confiança no sangue e na graça de Jesus Cristo (cf. At 15.8-11). 10

Temos um altar de que não têm direito de comer os que servem ao tabernáculo.

275 A Graça Seja com todos Vós

O altar, aqui em foco, é tomado para representar a Cris­ to e toda a extensão da sua obra redentora. Aqueles que ape­ nas fazem parte do cristianismo, mas que espiritualmente ainda não nasceram de novo, “... não [podem] ver” e nem “... entrar no Reino de Deus” (Jo 3.3,5), e assim participar de Cristo, que é “o Pão da vida”. Os judeus dos dias de Jesus eram os guardiães das normas legalistas e cerimoniais do ju­ daísmo, mas não tinham sido nomeados por Deus como sen­ do “reis e sacerdotes” da Nova Aliança feita por Jesus Cristo. Por esta razão não tinham o direito de participar deste altar, como agora têm aqueles que foram santificados pelo sangue de Jesus, tornando-se assim herdeiros de um “sacerdócio real” (cf. Mt 8.11,12; I Pe 2.9; Ap 1.6,7).

III. O Sacrifício de Cristo fora do Arraial 11

Porque os corpos dos animais cujo sangue é, pelo pecado, trazido pelo sumo sacerdote para o Santuário, são queimados fora do arraial. Os corpos dos animais eram queimados fora do arraial, por estarem impregnados do pecado e impróprios para um arraial santo, especialmente quando o povo eleito observava rigorosamente as leis e preceitos do Senhor. Os animais em si mesmos eram inocentes, mas tinham assumido a culpa de alguém que havia pecado. Se aquele animal tomado para sa­ crifício pudesse expressar-se por palavras para se defender, ele poderia até mesmo perguntar a Deus: “Senhor, quem deve morrer: eu, que sou inocente, ou ele, que é pecador?”, visto que a culpa devia recair sobre o pecador e não sobre

276 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

aquele que era inocente. Mas a justiça de Deus vindicava um sacrifício inocente e imaculado, qualidades estas que não eram encontradas em nenhum pecador. Assim, o Senhor Jesus era inocente, mas, “... levando ele mesmo em seu corpo os nos­ sos pecados sobre o madeiro” (I Pe 2.24), foi também quei­ mado pela justiça divina fora do arraial, quer dizer, fora do arraial judaico que o tinha rejeitado, conforme veremos a seguir nos versículos 12 e 13. 12

E, por isso, também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta. Na frase “... fora da porta”, aqui em foco, deve ser suben­ tendido “fora das portas de Jerusalém”, que, alegoricamente falando, dava entrada para “o arraial judaico”, apesar de a Jerusalém antiga possuir 12 portas (Atualmente existem so­ mente “sete portas” de entrada). Estas portas foram construídas pelo sultão Suleiman, o Magnífico. Segundo a tradição, Jesus costumava atravessar o “Portão de Ouro” quando entrava em Jerusalém, mas quando saía usava o “Portão dos Leões”, que ficava na muralha oriental, em direção ao monte das Oliveiras. Há também opiniões de que Ele tenha saído fora do arraial (a cidade de Jerusalém, geograficamente falando) pela “Porta das Ovelhas”. Esta porta era normalmente usada pelos líderes do povo hebreu, e Jesus era um deles (cf. Ne 3.1; Jo 5.2; 10.1, etc.). Porém, quando saiu para ser crucificado, Jesus pode ter cruzado o “Portão de Damasco”, visto que este dava acesso ao Calvário e ao túmulo onde Jesus foi sepultado. Ambos es­ tão localizados em uma colina ao norte de Jerusalém, cerca de 213 metros da “Porta de Damasco”. Em alguns escritos esta

277 A Graça Seja com todos Vós

porta é também chamada de “Porta do Juízo”. Passando por ela Jesus foi conduzido para fora do arraial até ao Calvário. Ali, Jesus foi crucificado e morreu! Ele desejou salvar o seu povo dentro de suas portas, mas estes não quiseram ouvir a sua voz. O arraial era o judaísmo — uma religião de formas e cerimônias —, mas Jesus, além desse povo, precisava santificar um outro povo que concordou com Ele em sair “fora do ar­ raial”, embora com a missão de levar o “seu vitupério”, con­ forme nos é dito no versículo seguinte. 13

Saiamos, p o i s a ele fora do arraial, levando o seu vitupério. O arraial, aqui em foco, deve ser entendido em sentido simbólico, ainda que, religiosamente falando, isso indicava o arraial judaico que rejeitou a Cristo e ao seu ensino. Isto fica bem explícito nas palavras dos judeus, quando disse­ ram: “Este é o herdeiro; vinde, matemo-lo, e apoderemonos da sua herança. E, lançando mão dele, o arrastaram para fora da vinha, e o mataram” (Mt 21.38,39, ênfase do autor). Doravante a cruz de Cristo vem a ser, depois de sua morte, um novo altar escolhido por Deus, onde, sem terem o míni­ mo merecimento em si, os remidos se reúnem para oferecer sacrifícios espirituais (Rm 12.1; I Pe 2.5). Contudo, para que sejamos santificados e possamos desfrutar dos benefí­ cios do Senhor, não podemos nos limitar simplesmente a um cristianismo formal e sem objetividade. Qualquer reli­ gião que nega a eficácia do sacrifício de Cristo pelos peca­ dos da humanidade deve ser rejeitada, pois fora de Cristo, “... em nenhum outro há salvação, porque também debaixo

278 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4.12). 14

Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura. Tanto judeus como cristãos tinham uma idéia de que Je­ rusalém, por ser a “cidade do grande Rei”, era uma cidade eterna (Mt 5.35). Roma é também chamada por alguns de “cidade eterna”, dada a sua antiguidade e por abrigar o Vaticano, a sede da Igreja Católica. Outras cidades no mundo foram e são chamadas assim. Contudo, o escritor sagrado nos afirma que não existe aqui na terra “cidade permanente”, nem no sentido estrutural nem no sentido de moradia. Por cuja razão ele nos exorta a “buscarmos a futura”, a capital da nova terra — a Jerusalém celestial, isto é, "... a Jerusalém que é de cima... a qual é mãe de todos nós” (Gl 4.26). Comumente, ao longo dos anos as cidades sofrem transformações, sendo mo­ dificadas em sua urbanização, arquitetura, ou mesmo em toda a sua estrutura. E em algumas ocasiões, muitas destas cidades cheias de belezas e esplendores foram destruídas — como Jeru­ salém. Ainda que na poesia se diga: “Jerusalém está edificada como uma cidade bem sólida” (SI 122.3). Porém, esta cidade futura que buscamos permanece eternamente.

IV Louvor e Beneficência como Sacrifícios a Deus 15

Portanto, ofereçamos sempre, por ele, a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome.

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A Graça Seja com todos Vós

O louvor exprime alegria. “Está alguém contente? Can­ te louvores” (Tg 5.13). Nas páginas da Bíblia, o louvor ex­ prime a idéia de agradecimento. Por esta razão vários senti­ dos são traduzidos na palavra “louvor”. Louvar significamagnificar , aprovar , honrar , glorificar , oferecer ação de graças, elogiar, adorar, aclamar. Nos Sal­ mos, que era o Hinário de Israel, o louvor é prestado a Deus pelas seguintes razões: • • • • • • • • • • • • • • • •

Por seus conselhos eternos (SI 16.7); Por sua salvação (SI 18.46); Por sua resposta às orações (SI 28.6); Por seu livramento (SI 40.1-3); Por suas consolações (SI 42.5); Por sua proteção (SI 71.6); Por sua misericórdia (SI 89.1); Por suas maravilhosas obras (SI 89.5); Por sua majestade (SI 96.1,6); Por seus juízos (SI 101.I); Porque Ele perdoa o pecado (SI 103.1-3); Por sua bondade (SI 107.8); Por sua longanimidade e veracidade (SI 138.2); Por sua glória (SI 138.5); Por sua grandeza (SI 145.3); Por suas excelências (SI 148.13).

O louvor é expresso pelos anjos (SI 103.20); pelos san­ tos (SI 30.4); pelos gentios (SI 1 I7.1); pelos filhos de Deus (SI 8.2); pelos exaltados e pelos humildes (SI 148.1); pelos jovens e idosos (SI 148.1,11); por todos os seres humanos

280 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

(SI 107.8); por Cristo (Hb 2.12). Finalmente, “Tudo quan­ to tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao Senhor!” (SI 150.6) 16

E não vos esqueçais da beneficência e comunicação, porque com tais sacrifícios, Deus se agrada. O termo “beneficência”, em algumas versões da Bíblia, se lê “a prática do bem”, indicando todas as formas de boas obras — em público ou particularmente —, em vinculação com a igreja local ou individualmente. Em Atos 10.38, lemos que “Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo bem...” Ligada à prática do bem está a comunicação — ambas são descritas aqui como sacrifícios que agradam a Deus. Paulo nos reco­ menda, dizendo: “Comunicai com os santos nas suas neces­ sidades, seguir a hospitalidade” (Rm 12.13). Ajudar a al­ guém que se encontra em dificuldades faz parte do “fruto do Espírito”, que é caridade; ainda que esta ação possa ser praticada até mesmo por uma pessoa que não nasceu de novo. Contudo, qualquer ato de boa vontade praticado diante de uma necessidade é transformado em caridade, e caridade só é caridade quando “o amor fraternal” é aplicado (G1 5.22; 2 Pe 1.7; I Jo 3.17).

V. O Desvelo do Pastor para com seu Rebanho 17

Obedecei a vossos pastores e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil.

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A Graça Seja com todos Vós

Essa expressão “velar” quer dizer “estar sem sono” (Hb 13.7,17), indicando assim o grande cuidado que os pasto­ res deviam ter para com o rebanho. Requeria-se do minis­ tério pastoral cuidado e coragem (I Sm 25.7; Is 31.4; Am 3.12; Jo 10.12); responsabilidade (Mt 18.12; Lc 15.6); amor e paciência (Is 40.11; Ez 34.4); competência e dis­ posição para o ofício (Pv 27.23; Lc 15.4); alegria no tra­ balho e abnegação (I Pe 5.2 e ss); ordem (Jr 33.13; Jo 10.3); humildade e mansidão (Ez 34.4; Mt 11.29; I Pe 5.3), e senso de julgamento entre o bem e o mal (Ez 34.17; Mt 25.32, etc.). Na antiguidade, muitos pastores de ove­ lhas passavam noites inteiras sem dormir, cuidando do re­ banho. “O sono fugia de seus olhos” pelo grande cuidado que seu trabalho exigia (Gn 31.40), pois freqüentemente ouvia-se a cobrança do dono do rebanho dizendo: “... onde está o rebanho que se te deu, e as ovelhas da tua glória?” (Jr 13.20) Isso o obrigava a trabalhar dias e noites quase sem tempo para o descanso. Em muitas ocasiões depois que fazia deitar o rebanho, ele passava horas e horas cuidando daquelas ovelhas que se feriram ou que foram feridas du­ rante o dia (Ez 34.4), e ainda tinha de estar alerta à pre­ sença de lobos e afugentá-los. Alguns cordeirinhos eram ainda incapazes de suportar o rigor da viagem nas longas caminhadas à procura de pastagens (Gn 33.12), o que obri­ gava o pastor a conduzi-los em seus braços, como bem descreve o profeta Isaías: “... apascentará o seu rebanho; entre os seus braços, recolherá os cordeirinhos e os levará no seu regaço; as que amamentam, ele as guiará mansa­ mente” (Is 40.11).

282 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

VI. Orai por Nós 18

Orai por nós; porque confiamos que temos boa consciência, como aqueles que em tudo querem portarse honestamente. Tudo indica que este pedido de oração saiu dos lábios do apóstolo Paulo. Ele tinha este hábito de vez por outra pedir as orações. •







Em Romanos 15.30, ele pede as orações, dizendo: “E rogo-vos, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espírito, que combatais comigo nas vossas ora­ ções por mim a Deus”. Em Efésios 6.18,19, o apóstolo apresenta um novo pedi­ do de oração. “Orando em todo tempo com toda oração e súplica no Espírito... e por mim...” Em Colossenses 4.3, o mesmo se repete, quando o apósto­ lo conclama a todos para a prática da oração, buscando o beneficio coletivo. “Orando também juntamente por nós...” Em Filemom 22, ele conclui dizendo: “... espero que, pelas vossas orações, vos hei de ser concedido”. Assim ele sem­ pre foi vitorioso, porque orava, pedia oração e exortava os crentes a orarem (At 9.11; Ef 6.19; I Ts 5.17). A oração é a principal fonte de socorro do homem que em suas aflições clama a Deus. Por isso ele exorta aos crentes que orem, para que tenham supridas as suas necessidades. 19

E rogo-vos, com instância, que assim o façais para que eu mais depressa vos seja restituído.

283 A Graça Seja com todos Vós

O escritor desta epístola se encontrava preso (ou retido) em algum lugar — possivelmente em Roma. Mas ele cria no poder da oração. Pedro, quando “... era guardado na prisão... a igreja fazia contínua oração por ele a Deus”, e em resposta a estas orações ele foi novamente restituído ao convívio da igre­ ja em Jerusalém (At 12.5-17). Fato semelhante aconteceu com Paulo e Silas na cidade de Filipos. Ambos se encontravam aprisionados “... no cárcere interior”. Mas "... perto da meianoite, Paulo e Silas oravam e contavam hinos a Deus...”, e em respostas às suas orações, Deus mandou um terremoto “... e logo se abriram todas as portas, e foram soltas as prisões de todos” (At 16.24-26). Esta mesma certeza de que Deus pode, através da oração, abrir todas as portas de qualquer prisão (seja terrena ou espiritual), continua viva no coração do autor sagrado aqui. A oração é a chave da vitória. Consiste na manu­ tenção do contato com o Criador. Isto significa que Deus existe, que pode ouvir-nos, que criou todas as coisas, que pre­ serva e governa todas as suas criaturas e dirige as suas ações.

VII. Saudações Finais 20

Ora, o Deus de paz, que pelo sangue do concerto eterno tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande Pastor das ovelhas, No Antigo Testamento, o título de pastor era conferido tanto aos guardiães de ovelhas como aos dirigentes do povo de Israel. No Novo Testamento, porém, este título é transferi­ do para nosso Senhor Jesus Cristo, de uma maneira nova e sem igual.

284 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

• •





O bom Pastor: “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10.11); O grande Pastor: “Ora, o Deus de paz, que pelo sangue do concerto eterno tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande Pastor das ovelhas” (Hb 13.20); Pastor e Bispo: “Porque éreis como ovelhas desgarradas; mas, agora, tendes voltado ao Pastor e Bispo da vossa alma” (I Pe 2.25); O Sumo Pastor: “E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória” (I Pe 5.4).

Estes títulos conferidos ao Senhor Jesus o distinguiam totalmente daqueles que apenas arrogavam-nos para si, mas que na verdade não o eram. Jesus pronunciou este discurso sobre ovelhas e pastor logo após ter visto uma “pobre ove­ lha” (o cego que tinha sido curado por Jesus próximo ao tanque de Siloé) sendo expulsa do redil judaico por aque­ les que, aos olhos do povo, eram de fato os pastores (Jo 9.34). Cristo, então, mostra-nos aqui sua ternura e benevo­ lência. A missão de nosso Senhor, quando esteve aqui entre nós, foi servir à vontade divina e à necessidade humana; por isso se apresentou como sendo o bom Pastor, dizendo ainda: “Eu... conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido” (Jo 10.14). 21

vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que perante ele é agradável por Cristo Jesus, ao qual seja glória para todo o sempre. Amém!

285 A Graça Seja com todos Vós

No antigo pacto, a idéia de aperfeiçoamento já fazia parte do sacerdócio levítico, como vemos na expressa determinação de que os ministros da linhagem de Arão tinham de ser um tipo de beleza, não podendo haver neles qualquer “deformidade”. Em Levítico 21.16-24, encontramos a recomendação de Deus a Moisés a esse respeito. Eram 12 as deformidades que tornavam um homem incapaz para o sacerdócio, tais como: “... homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membros demasiadamen­ te compridos, ou homem que tiver o pé quebrado, ou quebrada a mão, ou corcovado, ou anão, ou que tiver belida no olho, ou sarna, ou impigens, ou que tiver testículo quebrado”. Estes 12 defeitos físicos impossibilitavam qualquer sacerdote de exercer uma função no santuário. Era, portanto, exigida perfeição abso­ luta da cabeça aos pés e de acordo com as informações rabínicas, além dos requisitos ali mencionados, ainda eram acrescentados outros, como por exemplo: dentes perfeitos, boa dicção, altura e peso dentro dos padrões exigidos, etc. Para servir no ministério da Igreja, segundo o padrão exigido no Novo Testamento, a re­ gra continua a mesma — só que no sentido espiritual. Paulo diz que “... o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra” (2 Tm 3.17). A capacidade que vem de Deus para o verdadeiro obreiro torna-o apto para o desempenho de sua função no tocante ao bem-estar do rebanho, pois uma boa parte do seu trabalho no ministério é “aperfeiçoar os santos”. 22

Rogo-vos, porém, irmãos, que suporteis a palavra desta exortação; porque abreviadamente vos escrevi. Tem sido argumentado que apesar de ser considerada uma epístola — pois no tempo em que foi escrita, qualquer tratado

286 Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus

contendo mais de 91 palavras era considerado uma epístola, e não uma carta —, Hebreus é um livro relativamente longo. Ele é o nono livro em extensão do Novo Testamento. Aqui no texto em foco, o escritor afirma tê-lo escrito “abreviadamente”, como uma espécie de “exortação” — provavelmente entre 64 e 67 d.C. —, talvez por sentir que se aproximava a destruição de Jerusalém ou por causa de sua morte. E se de fato foi Paulo o seu autor, ele morreu em 68 d.C. De fato, foi uma verdadeira exortação, uma obra tencionada a exortar os santos a uma ação cristã, segura e firme. Com efeito, porém, esta epístola tem sido lida no mundo inteiro e seus ensinamentos têm servido para edificação de vidas através dos séculos. 23

Sabei que já está solto o irmão Timóteo, com o qual ( se vier depressa) vos verei.

O conteúdo deste versículo faz referência de um relaciona­ mento próximo, entre Timóteo e o escritor desta epístola; por cuja razão parece que o apóstolo Paulo está aqui em foco! Tam­ bém fala de um encarceramento que Timóteo sofreu, que não se encontra mencionado nem no livro de Atos e nem nas epístolas. Contudo, ele agora estava solto e podia visitá-lo, mas isso re­ queria muita pressa por causa, talvez, de sua morte. Este trecho deve estar em harmonia com 2Timóteo 4.9,13,21, onde Paulo solicita a presença de Timóteo com urgência, dizendo: “Procu­ ra vir ter comigo depressa”, e acrescenta outras palavras a estas dizendo: “Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos”. Tal solicitação de Paulo para que Timóteo lhe trouxesse “sua capa” e que viesse ter com ele “antes do inverno” (se foi ele

287 A Graça Seja com todos Vós

quem de fato escreveu esta epístola) confirma a fiel tradição de que ele se encontrava aprisionado no Cárcere Mamertino, onde o frio é intenso na época do inverno. O autor deste livro já esteve algumas vezes visitando o cárcere Mamertino, que fica localizado na parte antiga de Roma, e numa delas verificou que a temperatura externa ali era de 4 graus negativos. 24

Saudai todos os vossos chefes e todos os santos. Os da Itália vos saúdam. Uma saudação que parte de um coração puro pode trazer alegria àquele que a recebe e, além da satisfação, traz ainda a bênção de Deus para ambos. Boaz, progenitor do rei Davi, ao chegar de Belém, onde se encontravam seus segadores, disse: “O Senhor seja convosco. E disseram-lhe eles: O Senhor te abençoe” (Rt 2.4). Um outro exemplo é a saudação de Maria, ao encontrar-se com sua prima Isabel. "... ao ouvir Isabel a saudação de Maria, a criancinha [João Batista] saltou no seu ventre; e Isabel foi cheia do Espírito Santo” (Lc 1.41). As saudações no contexto apostólico eram consideradas como bênçãos transmitidas para os filhos de Deus. Várias saudações são transmitidas aos cristãos de todos os tempos pelos escri­ tores do Novo Testamento, para expressar a satisfação das al­ mas e o amor divino nos corações. Vejamos alguns exemplos: •

“Saudai-vos uns aos outros com ósculo santo...” (2 Co

13.12); •

“A todos os que estais em Roma, amados de Deus, cha­ mados santos: Graça e paz de Deus, nosso Pai, e do Se­ nhor Jesus Cristo” (Rm 1.7);

Comentário Bíblico: Epístola aos Hebreus



• •

“A Timóteo, meu verdadeiro filho na fé: graça, misericór­ dia e paz da parte de Deus, nosso Pai, e da de Cristo Jesus, nosso Senhor” (I Tm 1.2); “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que andam dispersas, saúde” (Tg I.I); “A misericórdia, e paz, e caridade vos sejam multiplica­ das” (Jd 2). Saudemos, portanto, nossos irmãos! 25

A graça seja com todos vós. Amém!

A bênção sacerdotal ordenada por Deus a Moisés era dedicada apenas aos “filhos de Israel”, não sendo extensiva a todas as pessoas. “Assim abençoareis os filhos de Israel, di­ zendo-lhes: •O Senhor te abençoe e te guarde; • O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; •O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6.23-26). No Novo Testamento, a bênção apostólica é abrangente e oferecida a todos. “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo seja com vós todos. Amém!” (2 Co 13.13) E na conclusão da Bíblia, o Espí­ rito Santo orienta a João encerre o texto da mesma forma, ofe­ recendo a todos a graça de Deus encontrada em seu Filho Jesus Cristo. Então ele o fez, dizendo: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós. Amém!” (Ap 22.21) Amém.

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